54
qualquer determinação de conteúdo), o movimento que produz a diferença e que,
assim, possibilita toda significação, Derrida chama de différance:
Ela não depende de nenhuma plenitude sensível, audível ou visível, fônica ou
gráfica. É, ao contrário, a condição destas. Embora não exista, embora não seja
nunca um ente-presente fora de toda plenitude, sua possibilidade é anterior, de
direito, a tudo que se denomina signo (significado/significante,
conteúdo/expressão, etc.), conceito ou operação, motriz ou sensível. Esta
diferência
82
, portanto, não é mais sensível que inteligível, e ela permite a
articulação dos signos entre si no interior de uma mesma ordem abstrata – de um
texto fônico ou gráfico por exemplo – ou entre duas ordens de expressão. Ela
permite a articulação da fala e da escritura – no sentido corrente – assim como ela
funda a oposição metafísica entre o sensível e o inteligível, em seguida entre
significante e significado, expressão e conteúdo etc. Se a língua já não fosse,
neste sentido, uma escritura, nenhuma ‘notação’ derivada seria possível; e o
problema clássico das relações entre fala e escritura não poderiam surgir.
83
A palavra différance foi cunhada por Derrida e se refere ao movimento do
rastro. Esta palavra modificada da língua francesa pela grafia do “a” ao invés do
“e” traz em si dois sentidos diferentes e, seguiremos aqui a explicação de Bradley:
por um lado, ela se refere a um movimento de diferenciação e, por outro, a um
movimento de deferimento, adiamento. Isto é, por um lado, como já vimos, a
différance diz respeito a uma espacialidade em que a “identidade” de cada termo
depende de outros termos ao seu redor num sistema. E, por outro, ela diz respeito
a uma temporalidade, ao modo como cada termo é deferido, adiado no tempo,
pois sua “identidade” depende de termos que existem tanto antes como depois
dele no sistema lingüístico.
Dessa forma, a estrutura do rastro é uma estrutura desestruturante, que
desordena toda estrutura e que, como nos explica Haddock-Lobo, é uma
“estrutura” que impede que se rastreie a origem ou que a pense em termos de
natureza, ou em termos ontológicos, teológicos, epistemológicos ou mesmo
lógicos. Assim a “lógica” do rastro desconstrói a lógica da lógica, ou do logos,
forçando-nos a pensar de uma maneira outra:
o rastro é verdadeiramente a origem do sentido em geral. O que vem a afirmar
mais uma vez, que não há origem absoluta do sentido em geral. O rastro é a
diferência que abre o aparecer e a significação. (...) origem de toda repetição,
82
Os tradutores de gramatologia optaram por traduzir o termo différance por diferência, mas por
não acreditarmos que esta tradução faça jus a todos os sentidos da palavra cunhada por Derrida,
optamos por manter o termo derridiano não traduzido.
83
DERRIDA, J. Gramatologia, p.77.