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Assim, o conselheiro pastoral deveria fazer uso do que existe de positivo nas
descobertas freudianas, para melhor atender ao aconselhando, pertença este a algum
seguimento religioso ou não. Oscar Pfister
137
recebeu do próprio Freud uma
correspondência datada em 9 de fevereiro de 1909, na qual o pai da psicanálise
expressava sua percepção sobre religião e psicanálise da seguinte forma: “A psicanálise
em si não é religiosa nem anti-religiosa, mas um instrumento apartidário do qual tanto o
religioso como o laico poderão servir-se, desde que aconteça tão somente a serviço da
libertação dos sofredores”.
138
A psicanálise não tem, claro está, interesse em ser reconhecida como parte de
uma estrutura religiosa, mas se propõe analisar os fenômenos que a manifestação
religiosa provoca na saúde psíquica do indivíduo religioso, ou seja, se em ritos e cultos
manifesta-se algum sintoma que prejudique aquele que crê. De forma bem clara, Freud
deixa transparecer que a religião é uma organização com poderes metafísicos
suficientemente fortes para conduzir uma massa incauta a práticas irracionais, pondo em
risco não só a saúde psíquica do indivíduo, mas também sua integridade física.
O termo psicanálise, segundo Tillich,
139
“tem sido usurpado pela escola de Freud
como se ninguém mais pudesse usá-lo”. O conceito não deixou de acompanhar as
“descobertas básicas de Freud, principalmente no que concerne ao inconsciente”,
140
e a
teologia encarregou-se semanticamente disso, “relacionada de maneira muito especial
com a psicanálise, principalmente na função de aconselhamento”.
141
Tal relação
teologia-psicanálise, segundo o próprio Tillich, “mostra-se intimamente ligada ao
movimento existencialista do século XX”,
142
pois para ele “as duas disciplinas não
andam em caminhos separados, mas se interpenetram”.
143
A lucidez desse pensamento se justifica, pois ambas, psicanálise e teologia, têm
como objeto de pesquisa algo que as transcende: no caso da teologia, trata-se do
pensamento humano, que se situa para além do físico e, numa tentativa de
sistematização equilibrada, recorre às fontes históricas catalogadas; e no caso da
psicanálise, as manifestações do inconsciente, que se apresentam nos atos falhos, nos
137
Oscar Pfister. Doutor em filosofia e doutor honoris causa em teologia. Nasceu em Zurique em 23 de
Fevereiro de 1873.
138
FREUD, Ernst L. & Meng, Heinrich (Org). Cartas entre Freud & Pfister (1909-1939) – um diálogo
entre a psicanálise e a fé cristã. Viçosa –MG, Ultimato, 1998, p. 25.
139
TILLICH, Paul. Teologia da Cultura. Fonte Editorial, São Paulo, 2009, p. 161.
140
TILLICH, Paul. 2009, p. 161.
141
TILLICH, Paul. 2009, p. 162.
142
TILLICH, Paul. 2009, p. 162.
143
TILLICH, Paul. 2009, p. 163.