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ESCOLA SUPERIOR DE TEOLOGIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUÃO EM TEOLOGIA
FRANCISCO DE ASSIS SOUZA DOS SANTOS
É POSSSÍVEL ALIAR A PSICANÁLISE
AO ACONSELHAMENTO RELIGIOSO?
São Leopoldo - RS
2010
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2
FRANCISCO DE ASSIS SOUZA DOS SANTOS
É POSSÍVEL ALIAR A PSICANÁLISE
AO ACONSELHAMENTO RELIGIOSO?
Dissertação de Mestrado para obtenção
do grau de Mestre em Teologia pela
Escola Superior de Teologia no Programa
de Pós-Graduação. Área de
Concentração: Teologia Prática.
Orientadora: Dra. Valburga Schmiedt Streck
São Leopoldo - RS
2010
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Ficha Catalográfica
4
FRANCISCO DE ASSIS SOUZA DOS SANTOS
É POSSÍVEL ALIAR A PSICANÁLISE
AO ACONSELHAMENTO RELIGIOSO?
Dissertação de Mestrado para obtenção
do grau de Mestre em Teologia pela
Escola Superior de Teologia no Programa
de Pós-Graduação. Área de
Concentração: Teologia Prática.
Data: 16 de Março de 2010
Rodolfo Gaede Neto – Doutor em Teologia – EST
__________________________________________________
Valburga Schmiedt Streck – Doutora em Teologia – EST
__________________________________________________
Marcos Antonio Farias de Azevedo – Doutor em Teologia – PUC
__________________________________________________
5
Agradecimentos
À minha família pela paciência em procurar entender minhas ausências, mesmo estando
presente; Letícia, Derick e Lissa, vocês sempre serão um estímulo para minha
caminhada;
À minha orientadora, Dra. Valburga Schmiedt Streck, pela condução de todo o processo
que me permitiu terminar este trabalho;
À Faculdade Unida de Vitória - ES, pela oportunidade de estudo e auxílio financeiro
durante o tempo de estudos;
Ao diretor da Faculdade Unida de Vitória, Wanderley Rosa, pelo estímulo,
companheirismo e toda ajuda possível;
Ao Dr. Marcos Antonio Farias de Azevedo, pela generosidade que torna o cristianismo
exequível e real;
Aos distintos membros da banca examinadora, pela atenção e disponibilidade em prestar
esse serviço;
À secretária acadêmica da Pós-Graduação, Lorrany Favaro, pela dedicação e gentileza
em servir com carinho e rapidez;
À ICNV Igreja Cristã Novidade de Vida, de Vitória ES, pelo apoio e por acreditar
que eu daria conta de tudo. Irmãos fiéis, vocês estarão para sempre comigo;
Ao companheiro, amigo e irmão Herbert Farias, a quem não tenho como agradecer em
palavras por tudo que fez por mim e por me socorrer nos momentos mais difíceis. Você
realmente vale muito para mim;
A você, Flávio Augusto, por seu apoio seguro nos momentos em que a vida se
apresentava sem perspectivas e os horizontes se mostravam sombrios demais. Você fez
e faz diferença;
E a todos que torceram por mim. Inclusive vo. Meu muito obrigado de coração!
6
Dedicatória
Gostaria de prestar uma homenagem nada póstuma ao professor da disciplina que
intitulei "tranquila e sem medo", AndPinheiro Taets. Ele foi embora no dia 19 de
junho de 2008, pois não havia mais nada que a medicina pudesse fazer.
Aprendi com meu professor precoce, de apenas 18anos, que "tranquilidade sem medo” é
saber viver o tempo que se tem, e que para demonstrar o sentimento mais nobre que os
humanos buscam, ao longo de sua existência histórica, muitas vezes o silêncio e o olhar
tranquilo e sem medo são dinamizadores de uma mudança radical para o resto da vida
de cada um.
Também aprendi que ir embora talvez seja estar perto para sempre, num lugar seguro,
onde ninguém possa ameaçar, ou condição alguma consiga abalar. Jamais me
esquecerei de que ele, tocando seu violão, ele fazia o som celestial tornar-se tão
concreto que o dono do Céu precisou de seu talento mais pximo Dele e eternamente
dentro de nós.
Assim, presto esta simples homenagem ao meu professor, mestre e doutor, que continua
a me ensinar, mesmo tendo partido aparentemente tão cedo, mas na verdade, no tempo
certo, e que acena todos os dias um "aguardo você". Estou convicto de que ele tem
música nova para tocar e me ensinar.
Para André Pinheiro Taets (in memorian).
7
Resumo
A psicanálise conseguiu chamar a atenção não só das ciências ligadas ao
comportamento humano (antropologia, filosofia, psicologia, sociologia e pedagogia,
dentre outras), mas também da teologia, em especial aquela que se relaciona
diretamente com a psicologia e o aconselhamento pastoral. Teologia, religião e
conselheiro ainda manm algumas restrições quando se trata de aconselhamento
pastoral e método psicanalítico de terapia a ser utilizado como instrumento válido em
sessões de gabinete pastoral. A religião e seus efeitos no comportamento do ser humano
são alguns dos aspectos mais importantes estudados no método psicanalítico freudiano.
Assim como a teologia se situa diante das outras ciências, buscando o diálogo
interdisciplinar, é saudável que mantenha uma via de comunicação com a psicanálise.
Dessa forma, buscamos estudar o que existe na psicanálise de positivo e livre de atrito
com a teologia, especialmente com o aconselhamento pastoral, que pode ser entendido
como a dinâmica prática mais próxima do modelo apresentado por Freud como terapia.
O que pretendemos neste trabalho é o temer os possíveis antagonismos entre as
teorias apresentadas pelo pai da Psicanálise e o aconselhamento pastoral, mas, sem
preconceito, sabermos tirar proveito daquilo que pode ser útil para o conselheiro cristão
no exercício de sua função. Os limites entre aconselhamento pastoral e psicanálise não
devem descredenciar a importância desta para o conhecimento da psique e da alma
humana.
Palavras-Chave Aconselhamento Pastoral, Conselheiro, Diaconia,
Psicanálise.
8
Abstract
Psychoanalysis was able to call the attention not only of the sciences related to human
behavior (anthropology, philosophy, psychology, sociology and education, among
others), but also of theology, specifically one that is directly related to psychology and
pastoral counseling. Theology, religion and counselor still maintain some restrictions
when it comes to pastoral counseling and psychoanalytic method of therapy to be used
as a valid tool in the pastor's study sessions. Religion and its effects on human behavior
are some of the most important study in Freudian psychoanalytic method. Just as
theology stands before the other sciences, seeking interdisciplinary, it is healthy to
maintain a means of communication that can dialogue with psychoanalysis. Thus, we
seek to study what is positive in psychoanalysis and which is not at odds with the
theology, especially in pastoral counseling, which can be understood as a dynamic
practice closer to the model presented by Freud as therapy. In this study we intent to
show that possible antagonism between the theories presented by the father of
psychoanalysis and pastoral counseling, can be seen but without prejudice. We draw out
what can be useful for the Christian counselor in the exercise of its function. The
boundaries between pastoral counseling and psychoanalysis should not discredit the
importance of this to the knowledge of the psyche and the human soul.
Key Words - Pastoral Counseling, Advisor, Diakonia, Psychoanalysis.
9
Sumário
Introdução 12
PRIMEIRO CAPÍTULO
1 O novo vazio humano com o advento da modernidade e
o
conselheiro
14
1.1 O vazio existencial moderno 14
1.2 O pensamento na pré-modernidade 16
1.
2
.
1
O
pré
-
modernismo no mundo
16
1.3
Estruturas que não fazem mais sentido
1
9
1.4
O
conselheiro
20
1.4.1 Ser conselheiro cristão na pós-modernidade 23
1.5 O homem religioso na pós-modernidade 24
1.6 A desconstrução que amplia o vazio 25
1.7 Habilitado para aconselhar 28
1.8 A pós-modernidade e sua relação com o eu e o outro 30
1.8.1
O
eu pós
-
moderno
31
1.8.2 O outro que o sou eu 32
1.9 Ao conselheiro cristão 34
SEGUNDO CAPÍTULO
2
O
uvir sem escutar
36
2.1 A dinâmica de quem tem ouvidos para ouvir 36
2.2 Ouvindo o falante e a fala de que o ouviu 38
2.3 O que diziam aqueles homens. A fala do presente 41
2.4 A diaconia do ouvir e falar uma expressão da
misericórdia divina
41
10
2.5 A diaconia auditiva e a história 42
2.6 Uma diaconia auditiva considera a história 43
2.7 Uma diaconia auditiva envolve a comunidade 45
2.8 A diaconia auditiva de Jesus supera o óbvio 47
2.9 A diaconia auditiva de Jesus influencia quem o ouve 48
2.10 A diaconia auditiva de Jesus percebida em outros
meios cient
íficos
49
2.11
A
a
udição que provoca eco
51
2.12
Uma
a
udição que provoque
e
tenha significado
52
2.13
A
a
udição que desafia o contemporâneo de Jesus
53
2.14
A
a
udição que confronta a modernidade
54
2.15
Prosseguin
do para o alvo de
conselheiro
56
TERCEIRO CAPÍTULO
3 Contribuições da psicanálise na prática do
aconselhamento pastoral
59
3.1 O aparelho psíquico freudiano 59
3.2 O inconsciente 61
3.
3
O
p
-
consciente
63
3.4
O
c
onsciente
64
3.5
A
s
egunda tópica
64
3.6 Freud e a escuta psicanalítica. Saber escutar e escutar
sabendo
66
3.
6
.
1
Saber escutar
70
3.6.2 Escutar sabendo 72
3.7 A psicanálise e a psicologia a favor do
aconselhamento
pastoral. Sem medo de psicanalisar past
oralmente
74
3.8 Síntese das características gerais da evolução dos
todos de aconselhamento psicológicos apresentados
por Ruth Scheeffer
76
3.9 O aconselhamento psicológico 77
11
3.10
O método da catarse no aconselhamento pastoral
79
3.11 O todo eclético de aconselhar. Exemplo nos
evangelhos
80
3.12 A prática do aconselhamento pastoral utilizando a
psicanálise. Mais um recurso a favor do aconselhando
81
3.13 Freud e sua percepção do transcendente 84
3.1
4
Situando a fé na
psicanálise e a psicanálise na fé
87
3.1
5
O pastor psicanalista e o aconselhamento pastoral
90
Conclusão
94
Referências
b
ibliográficas
96
12
Introdução
A psicanálise continua a despertar acaloradas discussões nos meios acadêmicos
protestantes, já que Freud é conhecido como um ateu que, ao descartar a crença no Deus
dos cristãos, não merece crédito por parte dos mais radicais. Alguns desconhecem que o
pai da Psicanálise, na primeira infância, teve contato com o texto bíblico, o qual o foi
insignificante para ele. Ao observarmos que, em grande parte de seus escritos, Freud
alude à religião e às diferentes manifestações das crenças humanas como a algo a ser
estudado e compreendido, no que se refere à saúde psíquica, descobriremos quão
impactante foi para ele perceber como a religião era um dos aspectos da vida que mais
influenciam no comportamento. E assim continua sendo para nós.
Nosso estudo tem como objetivo verificar o uso da psicanálise como mais um
método a favor do conselheiro cristão, sem que este perca de vista o compromisso com
a fé; e em que as diferentes demandas daqueles que procuram um conselheiro trazem
queses de crença, tratando-se muitas vezes da principal causa de desconforto e de
sofrimento. Esse mal-estar psíquico, percebido na fala e no comportamento do
aconselhando, possibilita ao conselheiro não ignorante do método psicanalítico de
manifestação do inconsciente ouvir com clareza e interpretar coerentemente o
significado das palavras no gabinete pastoral.
Estruturamos nossa pesquisa em três capítulos que apresentarão objetivamente as
razões pelas quais a psicanálise não deve ser temida ou entendida como hostil ao
aconselhamento pastoral. Ao contrário, ela também pode estar a serviço do conselheiro
que, maduramente, saiba distinguir as questões de atrito com a teologia e a fé cristã, sem
descartar o método psicanalítico de terapia. Nosso estudo dos possíveis benefícios da
psicanálise para o conselheiro cristão levou em consideração a experiência de teólogos e
pastores que também atuam como psicanalistas. O que para muitos pode ser conflituoso
tornou-se uma boa ferramenta para alguns pastores e conselheiros que acrescentam a
psicanálise entre os métodos de audição terapêutica.
No primeiro capítulo, os efeitos diretos da modernidade são observados a partir da
pré-modernidade, quando se chega à modernidade contemporânea, marcada pelo vazio
existencial humano, o qual tem levado tantos a buscar no aconselhamento pastoral a
resposta capaz de, pelo menos, fazê-los entender o desconforto da modernidade até
13
mesmo nas questões religiosas. Nesse capítulo também analisaremos os efeitos do vazio
produzido na era contemporânea, decorrentes das transformações pelas quais passa a
humanidade, que os edifícios sociais se veem esfacelados, ocasionando danos ao
comportamento do indivíduo e à sua psique.
O segundo capítulo tratará da relação do eu (sujeito) com o outro e dos efeitos
dessa relação no comportamento social, nitidamente observáveis dentro das instituições
religiosas, o que situa o aconselhamento pastoral como fator de equilíbrio para o
membro que sofre os efeitos da modernidade contemporânea. Mostramos, assim, um
desafio que o conselheiro deve encarar com prudência, para não acabar reforçando
efeitos prejudiciais à saúde psíquica e espiritual de quem ainda não superou
sofrimentos. Buscamos também, nesse capítulo, estabelecer um paralelo entre a
diaconia do Senhor e a audição terapêutica. Entendemos que na diaconia auditiva de
Jesus, muito do que Freud escreve pode ser interpretado, sem nenhum temor, como
releitura do que o Mestre deixou como exemplo de dedicação e amor, ao não se furtar à
audição das mais variadas demandas. O mestre sabia ouvir e se calar, quando
necessário. No evangelho de Lucas, capítulo 12, verso 14, lemos: “Mas Jesus lhe
respondeu: Homem, quem me constituiu juiz ou partidor entre s?”. Nessa pequena
narrativa o Senhor não emitiu juízo de valor. É no saber ouvir que saberemos falar.
Outro pequeno exemplo do que afirmamos, o texto narrado no capítulo 24 do evangelho
de Lucas, que trata dos dois discípulos de Emaús, reflete claramente como o Senhor
sabia ouvir e interpretar para além das palavras daqueles com quem viveu. Os gestos, as
expressões gustativas, os movimentos orbitais, a sensibilidade olfativa, tudo deve ser
levado em consideração na conversa pastoral, pois de alguma forma o aconselhando
está tentando transmitir o seu inmodo. Não é esse, também, o serviço prestado pelo
conselheiro, o de saber interpretar oo dito?
A psicanálise pode ser usada pelo conselheiro cristão, sem que isso comprometa o
crescimento espiritual daquele que dela faz uso, como daquele que busca no
aconselhamento uma resposta para questões espirituais mais íntimas. É o que nos
propomos demonstrar no terceiro capítulo. O conselheiro cristão não deve temer a
psicanálise, podendo, ao contrário, utilizá-la com sabedoria para atender melhor o
aconselhando. É sinal de maturidade saber julgar todas as coisas e reter o que é
realmente útil no socorro do aflito. O conselheiro cristão, no exercício da função, busca
dotar dos meios adequados o aconselhando, de modo que este saiba lidar maduramente
com as vicissitudes desta vida. Entendemos que um bom aconselhamento é aquele que
14
conduz o aconselhando a um melhor relacionamento com Deus, consigo mesmo e com a
sociedade em geral.
Procuramos, para tanto, traçar um paralelo entre psicanálise, psicologia e
aconselhamento pastoral, servindo-nos do trabalho de estudiosos dessas diferentes
áreas, numa composição dos esfoos desses pesquisadores no intuito de aliviar o
sofrimento dos aconselhandos, numa esfera laica ou não.
15
Primeiro capítulo
1
O novo vazio humano com o advento da modernidade e o conselheiro
cristão na modernidade contemporânea
As transformações que se podem observar no chamado período pós-moderno
provocam nítidas e variadas alterações comportamentais nos diversos estratos sociais,
nas regiões mais variadas do planeta. Em pequenos grupamentos encontramos marcas
do sofrimento humano, numa reatualização de seus conceitos sicos institucionais, o
que nos sugere que tamanho, nesse caso, não significa muito. Família, sociedade,
trabalho, religião, linguagem, educação, moral, civismo, ética e tantos outros conceitos,
outrora teoricamente dominados e de fácil entendimento, ganharam, com a pós-
modernidade, uma percepção que difere bastante dos períodos pré-moderno e moderno.
A religião é indubitavelmente um fator importantíssimo nesse processo.
Neste capítulo analisaremos os efeitos do vazio produzido na sociedade
contemporânea, decorrentes das transformações pelas quais passa a humanidade,
oriundas da fragmentação das mais diversas estruturas sociais em que se insere o
indivíduo, capazes de condicionar seu comportamento e influir na sua psique. As
fraturas na esfera psíquica, ao desestabilizarem o indivíduo, alteram o agir em comum
do homem.
16
1.1
O vazio existencial moderno
Em meio ao leque infindável de possibilidades gerado pela complexidade s-
moderna, procuramos examinar aqui, dentro do campo religioso, o exercício do
conselheiro cristão, que deve se atualizar continuamente de modo a acompanhar as mais
diferentes demandas dos necessitados de audição. Saber ler o tempo em que se vive e
sugerir caminhos que aliviem a carga emocional de tantos desencontros na vivência da
cristã, em tempos s-modernos, constitui o grande compromisso do conselheiro
cristão. Não se trata de tarefa cil, especialmente porque o pensamento humano tem na
linguagem falada uma de suas formas de expressão mais mutável, e os signos
linguísticos assumem novos significados muito rapidamente.
Nosso trabalho, neste capítulo, se dividirá em três etapas, na tentativa de melhor
entender os efeitos da s-modernidade passíveis de dificultar a audição do conselheiro
ainda não totalmente nscio da importância dessas mudanças de comportamento,
conceitos e influências ligados ao próprio conhecimento do ser humano em sua
essência, e tudo que está ao derredor do seu habitat e que, de uma forma ou de outra,
influencia diretamente sua psique.
Esses fenômenos vão desde a simples conversa informal até o gabinete pastoral,
local em que toda a instrumentalização do saber, visando ao melhor desempenho na
prática do aconselhamento cristão, se faz necessária. As novas ideias e comportamentos
adotados com a pós-modernidade parecem ter voltado os olhos também para uma nova
maneira de aconselhamento pastoral, pois certa explosão de religiosidade se faz presente
e é amplamente divulgada pelos diversos meios de comunicação.
Num primeiro momento julgamos necessária uma pequena descrição do que
referimos como pré-moderno. Os pensamentos e vivências sociais da pré-modernidade
eram padronizados, em especial pela Igreja. Analistas sociais, filósofos, psicólogos e
psicanalistas tentam elucidar esse período na hisria da humanidade, as possíveis
causas e efeitos que agiram significativamente no modo de pensar a vida, a natureza, os
relacionamentos sociais e as organizações institucionais voltadas para a questão da
religiosidade do homem, como elemento significativo a refletir mudanças profundas no
paradigma psíquico. A própria percepção do “outrocomo elemento que reflete para o
17
semelhante tais transformações é fator determinante a nos remeter ao trabalho auditivo
do conselheiro cristão.
Em seguida, trataremos dos possíveis riscos a que se expõe o conselheiro criso
ao não se inteirar dos diferentes enfoques existentes nas ciências, nas artes e na religião,
no trato do comportamento social humano, embora evitemos o aspecto sobre a fé, o
abstrato que está diretamente ligado à questão do crer, da qual se ocupam as religiões. A
religiosidade é inerente ao homem e à sociedade em geral, e continua a influenciar e a
apresentar princípios que contribuem para diversas transformações sociais. A religião
exerce forte poder sobre as diferentes camadas sociais em todos os tempos históricos
conhecidos, e o trabalho do conselheiro é vital para que o ser humano se sinta orientado
ao tomar decies.
Por fim, faremos algumas sugestões práticas de modo a contribuir com o
desempenho da fuão de conselheiro cristão, visando a que ele não perca de vista a
base da em Cristo, em si uma grande tarefa para o conselheiro na s-
modernidade. É certo que o assunto é amplo. Nosso objetivo é conclamar outros para
que, juntos, procuremos identificar claramente as diferenças entre aconselhamento
cristão e outras formas não menos eficazes de terapia, que não devem ser confundidas
com o aconselhamento pastoral. Talvez esse seja o momento de tentar resgatar o
ministério pastoral do conselheiro que, com os efeitos da pós-modernidade, parece
também passar por profundas transformações não muito benéficas.
1.2
O pensamento na pré-modernidade
O homem pré-moderno não podia imaginar que, com o avanço da ciência, seu
mundo passaria por transformações que muito lhe fariam refletir sobre verdades
fossilizadas, especialmente as que estavam relacionadas à Igreja e à fé. A Igreja não
seria mais o paradigma a ser seguido cegamente e nem os relacionamentos familiares e
sociais estariam livres de questionamentos. O mundo passaria a girar em torno da
interpretação múltipla do dado científico e a verdade alcançaria conotações relativas,
dependendo do interesse de quem a estivesse manipulando. Nas palavras de Freud, “[...]
há que refletir que aquilo que é provável não é necessariamente a verdade, e que a
18
verdade nem sempre é provável”.
1
A busca da verdade, dos relacionamentos produtivos
(interindividuais ou entre grupos), a percepção do tempo, do espaço e da ppria figura
humana desencadeariam novas correntes de pensamento, num pesadelo quase
insuportável para quem se propusesse repensar seus conceitos. Isso porque qualquer
transformação de crença e relacionamento familiar e social acarreta mudanças na
cosmovisão humana, capazes de influenciar o alcance da verdade presumida por essa
mundividência. Esse saber pode estar imerso no plano inconsciente, vindo à tona
somente por meio da audição psicanalítica empreendida pelo conselheiro. No caso
específico do aconselhamento cristão, é necessário considerar a preexistência de um
sistema de crenças que subjaz à cosmovisão do sujeito, o qual norteia seu
comportamento em diferentes desdobramentos da atitude reflexiva e no contexto social,
aqui considerando-se as rias facetas desse estar no mundo, marcado por diferentes
intensidades na interação familiar, laboral, religiosa e cognitiva. Assim, a
instrumentalização da psicanálise por essa vertente específica de aconselhamento
constitui ferramenta valiosa também no entendimento da psique orientada pela fé.
Estabelecer uma data precisa para a transição da pré-modernidade para a
modernidade foge ao alcance. Segundo Azevedo, ao citar o historiador alemão Wilhelm
Oncken (1838-1905),
A passagem da idade dia para a moderna se realiza de modo tão paulatino
e imperceptível que não se pode fixar exatamente este peodo da história,
menos ainda assinalar um fato determinado como ponto divisório entre as
duas idades.
2
O que percebemos como marca relevante da transição entre os dois momentos é o
declínio da hegemonia da Igreja sobre os fatores ligados à sociedade, cultura e
economia. A Igreja, por cujas lentes e interpretação pré-estabelecida o mundo era lido,
não provia mais a visão das relações do homem com o imanente. A ótica dessa
instituição manifestava uma cosmovisão obtusa, frente aos avanços que se iniciavam.
Nas palavras de Giddens, ao citar Yi-Fu Tuan, “na maioria das culturas pré-
modernas, inclusive na Europa medieval, o tempo e o espaço se misturavam com o
reino dos deuses e espíritos, e também com o privilégio do lugar”.
3
Giddens destaca três
1
FREUD. Sigmund. Moisés e o monoteísmo. Rio de Janeiro: Imago, 2001, p. 18.
2
ONCKEN apud AZEVEDO, Marcos Antonio Farias de. A liberdade cristã em Calvino – uma
resposta ao mundo contemporâneo. Santo André. SP: Academia Cristã, 2009, p. 30.
3
TUAN apud GIDDENS, Anthony. Modernidade e identidade. Rio de Janeiro: Zahar, 2002, p. 142.
19
prováveis pilares do período pré-moderno. O primeiro é a questão do tempo e do
espaço; para esse estudioso, segundo Simões,
4
o tempo do trabalhador pré-moderno “é
cíclico (baseado em estações) e local”, não submetido à abstração do relógio, mas
orientado pela natureza visível. Por sua vez, para a maioria da população, o senso de
espaço, seja geográfico ou, mais importante, social, era estreito [...] as idéias de espaço
eram fixas”;
5
em segundo lugar, a questão do abstrato, do transcendente, assinalada pela
religião que, para Giddens, “gera um senso da fidedignidade dos eventos sociais e
naturais, e assim contribui para a vinculação do tempo-espaço”;
6
e o terceiro, a do local
de culto como ponto relevante, dando mostras de alguns pensamentos embrionários no
que diz respeito ao simbólico imaginário do homem.
A religiosidade pré-moderna passa pela equação tempo e espaço e sacraliza o
lugar do culto como ambiente propício ao contato com a divindade. Embora o aspecto
apresentado por Tuan possa parecer irrelevante, o local do culto continuaria sendo
importante no período s-moderno e exerceria forte impacto em outros lugares do
globo terrestre. A importância de um solo sagrado ainda se tornaria motivo de
formidáveis disputas, e mesmo depois das descobertas científicas e todo o avanço
tecnológico da pós-modernidade, locais, ritos e elementos místicos apareceriam no
imaginário religioso da própria sociedade s-moderna, ostentando uma roupagem
nova, contemporânea.
No pré-modernismo a família era a base da organização social vigente, tendo na
economia de subsistência a principal fonte de renda e manutenção de vida. Toda família
fazia parte desse pequeno núcleo, vivendo em um ambiente inteiramente doméstico,
emocionalmente equilibrado e sem grandes modificações estruturais. Isso nos conduz à
percepção de que a unidade básica da sociedade, a família, encontrava-se coesa por
códigos sociais facilmente entendidos, mesmo nas manifestações de suas crenças.
Assim, Giddens nos fornece um pequeno exemplo ao dizer que
Nos tempos pré-modernos, certamente na Europa e sem vida também na
maioria das outras culturas não modernas, a criança desde muito cedo vivia
num ambiente coletivo em interação com os adultos em lugares domésticos
assim como em outros lugares.
7
4
SIMÕES, Vinícius. Disponível em: <http://www.espacoacademico.com.br/038/38csimoes.htm>. Acesso
em: 12 abr. 2010
5
SIMÕES, Vinícius. Disponível em: <http://www.espacoacademico.com.br/038/38csimoes.htm>.
Acesso em: 12 abr. 2010.
6
GIDDENS, Anthony. As conseqüências da modernidade. Tradução de Raul Fiker. o Paulo: Unesp,
199, p.106.
7
GIDDENS, 2002, p. 142.
20
Ao considerar a criança como indivíduo interagente com o meio social, inferimos
que no momento histórico pré-moderno, o pensamento humano expunha aspectos
inclusivos dos componentes formadores daquele núcleo. A criança não estava alijada do
contato com os adultos que representavam modelos de comportamento na sua formação
psíquica, por excelência, e nem alheia às manifestações do que era considerado sagrado.
Porém, com o início da desconstrução dos conceitos medievais, no mundo novo
que se apresenta, a ciência progressiva e em dúvida modelos institucionais
considerados ultrapassados no caso aqui referido, a própria família e a sociedade pré-
moderna. Desse ponto em diante é possível perceber mudanças estruturais que
começam a interferir no psiquismo humano, dando mostras de que o abstrato começa a
ser repensado. Tenta assim materializar o que até então era abstrato, ou seja, o que
interfere na saúde psíquica do indivíduo que, o tão ingênuo, quer saber mais sobre si
mesmo.
A própria estrutura psíquica sofre uma espécie de epidemia, trazendo consigo
infecções
8
que reverberarão na pós-modernidade. Surgem o vazio existencial e o
questionamento do ser”, forçando ciência e religião a explicarem assuntos até então
inquestionáveis.
Como uma nova forma de pensar e viver, a modernidade apresentava-se como
inversão do até então vivido e conhecido. Nas palavras de Zygmunt Bauman, “de fato,
pode-se definir a modernidade como a época, ou o estilo de vida, em que a colocação
em ordem depende do desmantelamento da ordem ‘tradicional’, herdada e recebida; em
que ‘ser’ significa um novo começo permanente”.
9
O começo ao qual se referiu Bauman
se tornaria para o ser humano pós-moderno uma verdadeira fonte de neuroses e doenças
psíquicas, que continuariam objeto de estudo das ciências psicológicas e especialmente
da psicanálise freudiana. Muitas patologias mentais surgiriam em decorrência dos
efeitos da chamada s-modernidade, até então o experimentados pelas culturas, por
estarem centradas no que o período medieval legitimava como certo.
O sagrado continuaria provocando atritos e controvérsias, considerando os
aspectos até então imperceptíveis da relação entre o homem e aquilo que o transcende.
As proibições seriam um pouco diferentes das ocorridas no período medieval, mas o
cerne continuaria o mesmo, ou seja, a cultura do medo e da punição por vezes
8
JUNG, G. Presente e futuro. Petrópolis: Vozes, 1999, p. 2.
9
BAUMAN, Zygmunt. O mal-estar da pós-modernidade. Rio de Janeiro: Zahar, 1998, p. 20.
21
irracional, parte do transcendente situado para além do ser, que se instauraria como o
sagrado revestido de nova roupagem e puniria impiedosamente o infiel, sem considerar
qualquer tipo de consequência futura ou chance de perdão.
Freud deixa transparecer o que afirmamos, ao escrever que o sagrado é
obviamente algo em que não se pode tocar. Uma proibição sagrada possui um tom
emocional muito forte, mas, na realidade, nenhuma base racional”.
10
O efeito da racionalidade tão bem dissecado na obra de Freud provocou um
desconforto significativo com respeito às queses ligadas à fé e à religiosidade.
Contudo, não se pode afirmar que seus questionamentos se tornaram relevantes no que
tange à e que esses não tenham contribuído para que a pudesse ser observada
apenas na vertente emocional, mas também na sua manifestação prática que pudesse
curar a psique humana.
Segundo Jung, “nós podemos nos proteger da contaminação psíquica quando
ficamos sabendo o que nos está atacando, como, onde e quando isso se dá”.
11
Até aquele
momento a segurança do saber, retido pelo Estado e principalmente pela Igreja, não
estava sujeita a ameaças. Porém, a velocidade de difusão das descobertas científicas
desencadearia problemas pontuais no advento denominado pós-modernidade.
Tudo tem repercussão sensível na própria experiência humana e na sua relação
com a religiosidade e o sagrado. A Igreja se frente a questionamentos antes
inimagináveis e a expressa pela religião, outrora ponto pacífico para a sociedade pré-
moderna, torna-se elemento de reflexões e estudos, pois as crenças nascidas numa
religiosidade mecânica, depois dos avanços e descobertas arqueológicas e científicas,
não mais pareciam satisfazer os interesses de um mundo que repensa o indivíduo como
integrante de uma natureza cósmica que tem “Deus” como parte.
1.3
Estruturas que não fazem mais sentido
A consciência de um mundo outrora sujeito às mais variadas formas de
intervenção da natureza, como manifestação de algo ligado a Deus e seu relacionamento
com o homem, sofre radical mudança de sentido. A racionalidade faz com que o ser
10
FREUD, 2001, p. 104.
11
JUNG, G. 1999, p. 3.
22
humano interprete os efeitos da natureza como algo distante de Deus e de si mesmo.
Essa separação entre Deus e o homem, ou entre o ser e o transcendente, reflete a
mudança significativa que o ser humano experimentou em relação a si mesmo, a Deus e
ao outro. Essa nova forma de pensar desconstrói um arcabouço até então intocável,
herdado da Idade Média, o que entendemos melhor à luz de Queiruga:
Na nova mentalidade, um Deus separado leva necessariamente seja ao
deísmo puro e duro do “deus arquiteto ou relojoeiro”, que se desentende com
sua criação, seja a uma espécie de deísmo intervencionista. Neste caso, trata-
se da imagem de um Deus que está no céu, onde não está totalmente passivo,
que intervém de vez em quando; mas do qual, por isso, há que tentar se
aproximar mediante o rito, a recordação ou a invocação, e mover ou
convencer mediante a súplica, a oferenda ou o sacrifício. Em qualquer caso, a
estrutura radical é a de que a iniciativa e a preocupação contínua estão em
nós, enquanto a Ele solicitamos que intervenha de vez em quando com sua
“ajuda”.
12
Jamais, na Idade Média, essa estrutura de pensamento teria alcançado o êxito
obtido na s-modernidade. O homem destitui Deus do centro do universo e se
apresenta como suficientemente capaz de resolver seus problemas.
As consequências dessa forma de pensar seriam mais tarde objeto de pesquisa das
mais variadas ciências, em particular as psicológicas, pois o pensamento começava a
sofrer modificações desconfortáveis e aflitivas inauditas. E o reflexo social desses
transtornos motivará incontáveis pesquisas das ciências do comportamento, buscando
respostas racionais para aspectos racionalmente não prováveis, apenas aceitos ou
rejeitados. O despreparo para o novo busca na fé a resposta que a racionalidade não tem
e esse conflito tornar-se-ia elemento inicial de patologias psíquicas até então jamais
pesquisadas.
1.4
O conselheiro cristão e a modernidade
O que seria modernidade, então? Etienne assim define modernidade:
Entende-se geralmente por modernidade um modo de civilização que se
desenvolveu na Europa ocidental a partir do século XVI, com o Humanismo
renascentista e a Reforma Protestante e que encontrou seus fundamentos
12
QUEIRUGA, Andrés Torres. Fim do cristianismo pré-moderno: desafios para um novo horizonte.
o Paulo: Paulus, 2003, p. 30.
23
filosóficos e políticos no culo XVII e XVIII, com o pensamento empirista,
racionalista e iluminista.
13
Partindo desse pressuposto, o moderno é a evolução do pensamento do homem,
como pensador da própria existência, e assim, demolidor das certezas absolutas até
então fossilizadas pelo período passado e especialmente defendidas pela Igreja. Tais
princípios e conceitos não mais satisfazem a cosmovisão humana; buscam-se
caminhos que alcancem significados motivadores para essa nova forma de re-
significação simbólica do real.
Essa transformação trouxe consigo inquietações sociais perceptíveis em grande
parte das civilizações alcançadas pela tecnologia em gestação. O ser humano sofre um
abalo na sua hipóstase e tem início uma crise sem precedentes na história da
humanidade. A perda de grande parte do referencial que a princípio mantinha estáveis
as estruturas psicossociais gera angústias e dúvidas. À falta de referências por que
passava o homem naquele momento, Santos se refere como “a desreferencialização do
real e dessubstancialização do sujeito, ou seja, o referente (a realidade) se degrada em
fantasmagoria e o sujeito (indivíduo), perde a substância interior, sente-se vazio”.
14
É esse vazio existencial abstrato de significação que se tornará o principal motivo
de pesquisa e labor do conselheiro cristão. Frente a essa nova vivência humana, o
conselheiro cristão depara-se com um indivíduo em busca de uma nova consciência de
si mesmo e do outro, mas que ainda carrega o conflito entre o que pensava ser e o que
ainda o consegue ser. Esse indivíduo percebe-se como quem, ao “alienar-se de si
mesmo sente sucumbir-se à mentalidade coletiva.”
15
O problema do conselheiro é que ao utilizar a palavra, o discurso e a linguagem
como ferramentas básicas para o trabalho de audição de demandas tão subjetivas, porém
pontuais, ele pode incorrer no equívoco de se firmar apenas em conceitos estabelecidos
e que não atendem a quem vivencie essa alienação existencial. “Entrar num mundo de
conceitos em que substitui, em larga escala, a verdade da realidade pelos produtos de
sua atividade consciente”
16
é por si um risco, pois “a consciência é uma condição do
ser”.
17
13
HIGUET, Etienne A. (Org.). Teologia e modernidade. São Paulo: Fonte Editorial, 2005, p. 9.
14
SANTOS, Jair Ferreira dos. O que é pós-moderno.o Paulo: Brasiliense, 2004, p. 9.
15
JUNG G., 1999, p. 9.
16
JUNG G., 1999, p. 37.
17
JUNG G., 1999, p. 21.
24
A questão para o conselheiro torna-se ainda mais problemática quando ele percebe
o aconselhando perdido da condição mínima de consciência de ser. Isso levará o
conselheiro a questionar onde se deu essa perda e quais os principais motivos, muitas
vezes externos, que fizeram do aconselhando um indivíduo emocionalmente instável.
Perder a consciência ou não querer resgatá-la em algum ponto consolida o vazio
existencial. Quanto a isso, lemos o seguinte em Jung:
A perda de consciência em nosso mundo provém, fundamentalmente, da
perda do instinto e tem sua razão de ser no desenvolvimento mental da
humanidade ao longo das eras passadas. Quanto mais o homem conseguiu
dominar a natureza, mais lhe subiu à cabeça o orgulho de seu saber e poder, e
mais profundo o seu desprezo por tudo que é apenas natural e casual, isto é,
pelos dados irracionais, inclusive a própria psique objetiva que não é a
consciência.
18
Ao ouvir o aconselhando, o conselheiro cristão deve ser capaz de possibilitar o
entendimento da não diluição da individualidade pela massificação, e que é na
compreensão da própria organização psicossocial interior que ele superará os atritos
sociais e pessoais ao longo da vida, pois “somente aquele que se encontra tão
organizado em sua individualidade quanto à massa pode opor-lhe resistência”.
19
O conselheiro cristão deve manter sua base de sem perder de vista as
transformações a que estão sujeitas o saber científico empírico e a descoberta abstrata
de uma realidade transcendente. Deve também lembrar-se de que nas mais variadas
narrativas bíblicas, o exemplo maior deixado pelo Senhor é que permite ao conselheiro
refletir sobre indivíduos contemporâneos de Jesus, que ao serem ouvidos pelo Mestre,
conseguiram superar os atritos mais íntimos. Até mesmo Freud elucida a questão ao
afirmar que
através da influência de indivíduos que possam fornecer um exemplo e a
quem reconheçam como deres, as massas podem ser induzidas a efetuar o
trabalho e a suportar as renúncias de que a existência depende.
20
Não é, eno, sem perceber os aspectos essenciais da modernidade que o
conselheiro cristão alcançará sucesso no trabalho de tentar, junto ao aconselhando,
reestruturar a psique contaminada por conceitos que em vez de aliviarem os
18
JUNG G., 1999, p. 39.
19
JUNG G., 1999, p. 27.
20
FREUD, Sigmund. O futuro de uma ilusão. Rio de Janeiro: Imago, 2001, p. 10.
25
desconfortos e instabilidades associados à modernidade, produzem o vazio existencial
ao qual já nos referimos e que a própria modernidade se incumbiu de “modernizar”.
Por mais simples que possa parecer, nem toda a tecnologia inventada, nem os
sofisticados recursos científicos, nem mesmo a própria religião conseguiu anular os
efeitos da crença num comportamento e num viver diário coerente, tanto do indivíduo
como do meio social, e as ciências humanas procuram desvendar tal mistério.
O conselheiro cristão pós-moderno procura ler com as lentes de seu tempo o
passado, o presente e a projeção para o futuro, sem, contudo, se tornar refém de
princípios incapazes de responder aos anseios de quem procura o equilíbrio
existencial, para que a qualidade de vida seja real e não imaginária. Tarefa
extremamente comprometedora, não permite que aventureiros da fé se estabeleçam
como indivíduos técnica e espiritualmente habilitados a desempenhar um serviço que,
mal conduzido, pode provocar fraturas pquicas que jamais se cimentarão. Por isso,
conhecer a religiosidade do homem na pós-modernidade é fator fundamental para que se
minimizem os possíveis enganos na audição de quem, em meio às angústias da vida,
espera na terapia pastoral ou em outro método terapêutico uma resposta que lhe alivie a
aflição.
O conselheiro contemporâneo consegue vislumbrar numa conversa pastoral os
reais motivos que levaram o aconselhando a procurá-lo, pois entende que as misteriosas
agonias provocadas pela psique humana apenas refletem um todo mais amplo do que o
indivíduo pensa ser a vida. De alguma forma, aquilo que o aconselhando vivenciou ao
longo da existência fica arquivado nos porões da memória. Pensamentos obsessivos
diminuem a qualidade de vida e impedem o amadurecimento psíquico de quem padece
desse mal e o sofrimento é inevitável.
Nas palavras de Bootz,
21
“os pensamentos nos dominam, tornamo-nos obsessivos
com idéias das quais não conseguimos nos desligar”.
22
Cabe ao conselheiro ser a nova
via que reconduzirá o aconselhando à estrada para o destino desejado. Bootz também
afirma: Na esfera psíquica, nada se perde; a energia reprimida e estancada, uma vez
libertada, é transformada em energia acessível à consciência”.
23
É disso que o
21
NOTA: Everton R. Bootz é pastor da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil em
Jaraguá/SC: doutor em Teologia pela EST; ex-professor na Universidade Luterana de El Salvador;
pesquisador da obra de Eugen Drewermann e das interfaces da Teologia e do Aconselhamento Pastoral
com a Psicologia Profunda.
22
HOCH, Lothar Carlos; Heimann, Thomas (Orgs). Aconselhamento pastoral e espiritualidade: anais
do VI Simpósio de Aconselhamento e Psicologia Pastoral. São Leopoldo: EST, Sinodal, 2008, p. 14.
23
HOCH, Lothar Carlos; Herimann, Thomas, 2008, p. 16.
26
conselheiro deve tratar no seu trabalho: proporcionar que a energia produzida qualifique
o aconselhando a uma maturidade que lhe permita relacionar-se melhor com as
vicissitudes da vida. Não é tarefa fácil, mas ao mesmo tempo é a grande oportunidade
que o aconselhando tem de se ver livre para prosseguir rumo aos seus objetivos reais.
1.5
O homem religioso na pós-modernidade
A religião cristã passa por um declínio considerável, se comparada ao período
medieval e moderno. Isso, porém, o quer dizer que a religiosidade do ser humano
tenha perdido importância. Pelo contrário, o que constatamos pelos meios de
comunicação é a busca fretica da crença e de sua manifestação. O indivíduo religioso,
muitas vezes inconscientemente, não se apercebe de que essa religiosidade o situa com
vantagem em relação a outras questões da existência. Afirma Jung:
O homem religioso desfruta de uma grande vantagem com relação à questão
crucial de nosso tempo: ao menos ele tem uma idéia clara de que sua
existência subjetiva se funda na relação com “Deus”. Coloco a palavra
“Deus” entre aspas para ressaltar que se trata de uma representação
antropomórfica cuja dinâmica e simbolismo o transmitidos por meio da
psique inconsciente.
24
A pós-modernidade tem, dentre tantas marcas, uma que afeta diretamente a psique
humana: a desconstrução. Desconstruir conceitos, normas, paradigmas tornou-se uma
das principais provas da pós-modernidade. Tal efeito trouxe uma gama enorme de
conflitos psíquicos que, segundo Jair F. dos Santos, associados à decadência dos
grandes ideais, valores e instituições ocidentais como Deus, ser, razão, sentido, verdade,
totalidade, ciência, sujeito, consciência, produção, Estado, revolução, família etc.,
25
geraram um nível tal de desestruturação psíquica que a religião se tornou, se não era
de alguma forma, uma base de sustentação homeostática do sujeito como indivíduo
social.
A grande exploo das diversas formas de expressão da religiosidade que
afloraram concomitantemente com o que se denominou s-modernidade trouxe
questionamentos até então não propostos sobre a religião adotada ou praticada na
24
JUNG, 1999, p. 41.
25
SANTOS, Jair. 2004, p. 72.
27
tentativa de relacionamento com o transcendente. Por essa vertente é possível observar
o grau de influência que sofre o homem, no que diz respeito à estrutura psíquica, que na
s-modernidade sofre um desmoronamento muitas vezes irreversível do ponto de vista
das ciências racionais, mas não da fé cristã.
1.6
A desconstrução que amplia o vazio
Foi Jacques Derrida quem inventou a palavra desconstrução,
26
conceito que
resume, de certa forma, a filosofia que tende a dominar todo o pensamento s-
moderno. Para o conselheiro cristão no exercício da função, essa palavra detém
significado importantíssimo. A desconstrução a que se refere Derrida tem como pano de
fundo o pensamento niilista de Nietzsche. Niilismo da palavra latina nihil que
corresponde a “nada” na língua portuguesa, “quer dizer, desejo de nada, morte em vida,
falta de valores para agir, descrença em um sentido para a existência”.
27
A questão é que
se desconstrói, mas nada é colocado no lugar desse buraco psíquico-social.
O homem religioso da pós-modernidade é um indivíduo que procura o
preenchimento desse vazio, porém a massificação, entendida “como toda manifestação
cultural produzida para o conjunto das camadas mais numerosas da população, o povo,
o grande público”,
28
transforma-se em um obstáculo detentor de altíssimo índice de
infelicidade pessoal, porque o mercado capitalista produtor dessa cultura de massa não
está interessado no indivíduo como ser, mas como consumidor compulsivo amesmo
de produtos a ser inventados. “Um dos principais fatores da massificação é o
racionalismo científico”.
29
O capitalismo tem vedado a percepção do homem como indivíduo, levando-o a
perceber-se como mera parte da engrenagem. Ao reforçar sua individualidade, não lhe
permite saber quem ele realmente é. Segundo Fromm, o que o capitalismo moderno
produz no homem pode ser resumido, de acordo com nosso entendimento, da seguinte
forma:
O capitalismo moderno necessita de homens que cooperam sem atrito e em
amplo mero; que queiram consumir cada vez mais; e cujos gostos sejam
26
SANTOS, Jair. 2004, p. 78.
27
SANTOS, Jair. 2004, p. 72.
28
Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Cultura_de_Massa> Acesso em 14 jan. 2008.
29
JUNG, G. 1999, p. 7.
28
padronizados e possam ser facilmente influenciados e previstos. Necessita de
homens que se sintam livres e independentes, não submissos a qualquer
autoridade, ou princípio, ou consciência e, contudo, desejosos de ser
mandados, de fazer o que se espera deles, de adequar-se em fricção à
quina sócia; que possam ser guiados sem força, dirigidos sem líderes,
impulsionados sem alvos exceto o de produzir bem, estar em movimento,
funcionar, ir adiante.
30
Inferimos, então, que o capitalismo produz certa espécie de comportamento que
além de influenciar o homem na vida prática, em especial no relacionamento com o
objeto material, tem também distorcido a própria autoimagem desse homem. E ainda
conforme Fromm, o homem moderno é alienado de si mesmo, de seus semelhantes e
da natureza”.
31
Tal alienação tende a produzir níveis facilmente perceptíveis de
ansiedade, angústia e frustração e agirá diretamente na saúde psíquica desse indivíduo,
gerando uma infelicidade visível a olho nu.
Segundo Zygmunt Bauman, citado por Giddens, “o mercado se nutre da
infelicidade que gera”.
32
Ao deixar-se influenciar por essa massificação alienante, o
indivíduo perde-se de si mesmo, e nesse conflito interno, mais desqualificado para a
vida social se sente. “A desqualificação da vida social cotidiana é um fenômeno
alienante e fragmentador no que diz respeito ao eu”.
33
Sem saber exatamente quem é, o
sujeito cede às escolhas impostas indutivamente pela mídia de modo tão subliminar
como se ele mesmo as tivesse exercido, e o homem torna-se um robô programado para
responder de acordo com o software” nele implantado pela via do inconsciente.
Entendemos, portanto, que não se consegue superar sozinho toda essa mudança de
valores e princípios. Insegurança e vazio serão preenchidos à medida que o indivíduo
tiver consciência de que não está nessa empreitada. A figura do conselheiro, na
qualidade de terapeuta, é indispensável para que isso aconteça, porque “a terapia nos
oferece alguém para quem podemos nos voltar, uma versão secular do
confessionário”.
34
Isso nos leva a refletir sobre como a pós-modernidade carece de
conselheiros preparados para esse serviço, capazes de o se deixar influenciar pelo
modelo alienado dos meios de comunicação apoiados pelo capitalismo que transforma o
ser humano em outra espécie de mercadoria.
Segundo nos lembra Giddens,
30
FROMM, Erich. A arte de amar. Belo Horizonte, Itatiaia, 1985, p. 116.
31
FROMM, 1985, p. 116
32
GIDDENS, 2002, p. 183.
33
GIDDENS, 2002, p. 129.
34
GIDDENS, 2002, p. 38.
29
A terapia não é simplesmente um meio de lidar com novas ansiedades, mas
uma expressão da reflexividade do eu – um fenômeno que, aovel do
indivíduo, como as instituições maiores da modernidade, equilibram
oportunidade e catástrofe potencial em medidas iguais.
35
O desafio do conselheiro terapeuta não é apenas o de desfazer equívocos
emocionais, mas também o de gerar, dentro do possível, “segurança psíquica e sensação
de bem-estar”.
36
Para que isso aconteça, a atenção às variações sociais e novas
descobertas científicas torna-se matéria de qualquer reflexão que objetive a condução do
homem ao encontro de si mesmo.
1.7
Habilitado para aconselhar
Frente ao exposto, quem estaria habilitado a acompanhar alguém num processo de
reestruturação pquico-social na pós-modernidade? O conselheiro cristão deve estar
consciente de sua singularidade em relação a outros profissionais da área de saúde
mental, bem como da particularidade da sua técnica psicoterápica, entre as demais. Os
recursos utilizados na audição terapêutica cristã lidam essencialmente com a perspectiva
do transcendental, o que quer dizer que o conselheiro cristão leva em consideração sua
vivência religiosa. Isso, no entanto, não deve interferir no cuidado de sua audição de
modo a comprometer seu desempenho ao ouvir um aconselhando não cristão.
A seu favor, o conselheiro cristão conta com a religiosidade humana, talvez
inconsciente para o aconselhando, mas indubitavelmente lúcida para o conselheiro. A
subjetividade religiosa está presente e patente aos olhos de quem exerce essa função.
Nem mesmo a s-modernidade foi capaz de sufocar o interesse humano pelo
transcendental. O conselheiro cristão habilitado sabe que, apesar de toda a ciência e
tecnologia desenvolvida, “o homem religioso encontra-se sob a influência direta de uma
reação do inconsciente. Ele caracteriza esse fato, via de regra, como consciência
moral”.
37
Outro aspecto importante é que no caso do conselheiro cristão, sua formação leva
em conta a interdisciplinaridade da preparação. Filosofia, psicologia, sociologia, ética,
35
GIDDENS, 2002, p. 38.
36
GIDDENS, 2002, p. 159.
37
JUNG, 1999 p. 40.
30
política, história geral e das religiões são apenas algumas das disciplinas estudadas e
que tornam o conselheiro cristão um profissional atualizado e atento ao mundo de seu
tempo. Mas Anton T. Boisen, citado por Clinebell, amplia esses conceitos elementares,
ao afirmar que
Quando dá o melhor de si, o padre ou pastor traz certos insights para a tarefa
de ajudar os atribulados de espírito. Ele é versado nas expressões dos grandes
e nobres da raça humana, investigou as aventuras do espírito humano, tanto
individuais quanto coletivas, em sua busca da vida mais abundante. Ele
compreende os profundos anseios do coração humano e a importância das
forças construtivas que estão manifestas de modo semelhante na experiência
de conversão religiosa e na doença mental aguda. Ele reconhece a
necessidade fundamental de amor, o negro desespero relacionado à culpa e à
alienação daqueles a quem amamos, e o significado do perdão através da fé
no Amor que rege o universo e perante o qual ninguém que está no processo
de tornar-se melhor está condenado. Nessas percepções, e não em quaisquer
técnicas específicas, reside a importante contribuição do ministro
competente.
38
Se o homem pós-moderno por vezes se excluído do processo que lhe rouba a
identidade, priva-o de uma escolha genuína e transforma-o numa quina de consumo,
a questão religiosa ou a religiosidade de modo geral tem conseguido fazer frente a essa
exclusão do ser humano da sociedade, o que corrobora o pensamento de Giddens, ao
afirmar que
quanto mais inclusivauma determinada denominação religiosa, mais ela
“resolve o problema de como viver num mundo de múltiplas opções.
Formas mais atenuadas de crença religiosa, entretanto, também podem
oferecer apoio importante na tomada de decisões vitais significativas.
39
A habilidade do conselheiro na s-modernidade é o entendimento de que as
diversas formas terapêuticas também procuram o bem-estar do sofredor, pois “o
terapeuta é no máximo um catalisador que pode acelerar o que deve ser um processo de
autoterapia”.
40
Isso não reforça, segundo nosso entendimento, a crise instaurada pela
s-modernidade, que privilegia o narcisismo como patologia, como afirma Giddens:
[...] Repressão institucional em que afirma os mecanismos de vergonha e o
de culpa, assumem o primeiro plano. A vergonha tem relações próximas com
o narcisismo, mas é um erro, como observado acima, supor que a auto-
identidade se torna cada vez mais narcisista. O narcisismo é um tipo entre
outros de mecanismo psicológico e, em alguns casos, uma patologia – que
38
CLINEBELL, Howard J. Aconselhamento pastoral modelo centrado em libertação e crescimento.
o Leopoldo – RS: Sinodal, 2000, p. 65.
39
GIDDENS, 2002, p. 133.
40
GIDDENS, 2002, p. 71.
31
as conexões entre identidade, vergonha e projeto reflexivo do eu fazem
surgir.
41
Ser um bil conselheiro na s-modernidade, especialmente cristão, é ter
consciência das possibilidades aqui mencionadas, e jamais se esquecer de que o homem,
apesar de todas as transformações a que é submetido pela ciência ou pela religião, nunca
deixará de “ser humano”.
1.8
A pós-modernidade e sua relação com o eu e o outro
O homem contemporâneo procura a autorreconstrução frente aos desafios de
equilibrar-se num mundo novo em que a identidade individual apresenta contornos de
poder e liberdade. Situar-se no meio pós-moderno obriga-o a encarar o próprio eu em
relação ao outro. E é no conhecimento do outro que o eu conseguirá se identificar e
perceber-se. O que a princípio pode parecer simples se revelará um dos obstáculos mais
trabalhosos a ser superado pelo homem chamado s-moderno. O individualismo a que
se entregou o homem pós-moderno será o causador das variadas patologias mentais
amplamente estudadas pelas ciências psicológicas, e como não poderia deixar de ser,
pelo conselheiro pastoral. Se o indivíduo não se reconhece, não se tratando aqui de
patologia que envolva amnésia, a tendência é que se dilua em meio aos tantos outros
que também não se percebem como indivíduos com identidade própria. A massa
humana, então, procurará se projetar em ídolos que substituam o seu real pelo
imaginário desejado. É a ppria aniquilação do eu e a oportunidade esperada pelos
aproveitadores das carências humanas. A indústria que explora a miséria humana possui
seus empresários e funcionários de plantão. Religiosos ou não, tais empreendedores não
estão dispostos a abrir mão do lucro não tributável. É um bom “negócio”!
41
GIDDENS, 2002, p. 15-16. * Grifo do autor.
32
1.8.1
O Eu pós-moderno
O fenômeno da pós-modernidade, dentre outros aspectos, busca apresentar uma
nova perspectiva do indivíduo na qualidade de Eu. Durkheim, citado por Giddens, diz
que “em certo sentido o ‘indivíduo’ não existia nas culturas tradicionais, e a
individualidade não era prezada”.
42
Ora, isso é importante na observação do Eu sob uma
perspectiva s-moderna. Se no passado o homem se alienava de si mesmo, agora
procura saber quem é. O paradoxo se encontra quando percebemos que na s-
modernidade o Eu não se apresenta emancipado, e a isso Giddens chama de projeto
reflexivo do eu ou autoidentidade:
43
“o eu entendido reflexivamente pelo indivíduo em
termos de sua biografia”.
44
Com a pseudoemancipação do homem, apoiada no relativismo científico, no não
absoluto e no hedonismo exacerbado, a desfragmentação do Eu só se sustenta por meio
de uma autobiografia pré-fabricada. Essa biografia pode ser geradora de uma autofobia,
ou seja, “a autofobia é o medo de si mesmo, da autobiografia, da tomada de consciência
da realidade consciencial”.
45
Se a ciência não responde às questões ligadas ao absoluto e
a religião não consegue fazer com que o indivíduo opte pela busca do abstrato como
possibilidade de autoconhecimento, então, como diz Giddens, “tomar conta de nossas
próprias vidas envolve risco, porque significa enfrentar a diversidade de possibilidades
abertas”.
46
O fator complicador disso tudo é que o Eu tenta escapar do passado recalcado e
traumático criando uma biografia que não corresponde ao que se encontra armazenado
no inconsciente, o qual não se enquadra no tempo e no espaço, pois “na teoria
psicanalítica o inconsciente o pode conceber sua própria morte, porque o inconsciente
não tem sentido de tempo”, e na biografia do Eu a morte ainda continua sendo o grande
mistério. Na verdade é o não saber que produz essa ansiedade velada.
42
GIDDENS, 2002, p. 74.
43
GIDDENS, 2002, p. 221.
44
GIDDENS, 2002, p. 221.
45
Disponível em: <http://pt.conscienciopedia.org/Autofobia> Acesso em 08 Jan.2008.
46
GIDDENS, 2002, p. 72.
33
O Eu da pós-modernidade busca coerência psíquica e, ao mesmo tempo, material.
“Pois o desenvolvimento de um sentido coerente de nossa hisria de vida é um meio
fundamental de escapar à escravidão do passado e abrir-se para o futuro”.
47
O problema
se agrava quando o Eu não vislumbra o futuro e a apatia depressiva da falta de
perspectiva imobiliza a esperança e proclama o suicídio homicida desse Eu.
Com esse pensamento não concordaria Foucault, que rejeita o Eu como “sujeito
conhecedor autônomo que o mundo como um objeto acessível ao conhecimento
humano”.
48
Corroborando o pensamento nietzschiano, o filósofo francês não segue os
postulados iluministas e nem crédito à “suposta universalidade e à eternidade das
categorias situando-as novamente no fluxo histórico”.
49
Para Foucault, a natureza
humana é questão abstrata, tornando-se apenas um conceito universalmente aceito por
via do estruturalismo iluminista. Foucault afirma que “nossa experiência subjetiva é
constituída social e historicamente por fatores que ‘internalizamos’
inconscientemente”.
50
Os adeptos da filosofia de Foucault o buscam entender um Eu
independente, ocupando-se mais com a questão da interpretação de textos, da linguagem
e do discurso como representação do mundo, e confirmam a complexidade em que a
s-modernidade está mergulhada.
1.8.2
O Outro que não sou Eu
A percepção do outro na pós-modernidade não se distancia da reflexividade
institucional de que trata Giddens. Para esse estudioso, “reflexividade institucional é o
uso regularizado de conhecimento sobre as circunstâncias da vida social como elemento
constitutivo de sua organização e transformação”.
51
Mas existiria Outro” num
pensamento pós-moderno? Apesar do individualismo e da manipulação de massa
observeis no período s-moderno, Giddens deixa transparecer que existe um Outro,
que se aliado ao Eu, conseguiria um bem-estar comum na sociedade. Porém, isso
47
GIDDENS, 2002, p.71.
48
GRENZ, Stanley J. Pós-modernidade guia para entender a filosofia do nosso tempo. São Paulo:
Sociedade Religiosa Edições Vida Nova, 1999, p. 186.
49
GRENZ, 1999, p. 187.
50
GRENZ, 1999, p. 187.
51
GIDDENS, 2002, p. 26.
34
seria possível se ambos, Eu e Outro, tivessem uma percepção menos escatológico-
apocalíptica do mundo e que assim o presente seria uma forma de preparo para o futuro.
Segundo Giddens, “o mundo moderno tardio o mundo do que chamo de alta
modernidade é apocalíptico não porque se dirija inevitavelmente à calamidade, mas
porque introduz riscos que gerações anteriores não tiveram que enfrentar”.
52
na pós-modernidade uma tendência fortíssima que promove o isolamento do
indivíduo, como se este bastasse a si mesmo. Tal pensamento é amplamente rejeitado
por Giddens e outros pensadores pós-modernos, como Etienne, que afirma que “a
exaltação do sujeito individual o isola num mundo desprovido de solidariedade e
espírito comunitário”.
53
Solidariedade é uma palavra que bem expressa a presença e a
interferência do outro na vivência do indivíduo. Ampliando esse pensamento,
encontramos mais uma vez, no dizer de Giddens: “Quanto mais cada um de nós puder
aprender a estar verdadeiramente no presente com os outros, sem fazer regras ou erigir
barreiras para o futuro, tanto mais fortes seremos, e tanto mais próximos e felizes em
nossas relações”.
54
Libânio, ao abordar a relação do sagrado como elemento selvagem, assim escreve:
Há uma lógica no surto do sagrado selvagem. A racionalização do mundo, da
sociedade, com suas lógicas da razão científica e técnica, devora as
alteridades, reduzindo-as ao mesmo” do indivíduo. “O Outro somos nós”.
Corroem-se as referências e representações simbólicas religiosas tradicionais
que davam à sociedade tradicional sua unidade e que mantinham o indivíduo
e a sociedade sob dependência radical.
55
O autor apresenta-nos uma perspectiva inclusiva de sociedade e lembra-nos
sutilmente de que a alteridade sempre foi, em toda a história humana, o que nos legou
exemplos a serem seguidos no futuro. Quanto a isso, o maior exemplo, e que mais
polêmica causou, foi a própria figura do Cristo, não havendo racionalização ou ciência
que conseguisse diminuir o impacto apresentado nos evangelhos do modo “moderno
de ser de Jesus. É no encontro com o “Outro” que me percebo como indivíduo.
Não deverá ser surpresa para o conselheiro cristão na s-modernidade perceber
que o conflito humano de identidade se estende para além de conceitos e filosofias
incapazes de responder às queses sobre o Outro e sua importância no entendimento do
52
GIDDENS, 2002, p. 11-12.
53
HIGUET, 2005, p. 11.
54
GIDDENS, 2002, p. 73.
55
LIBANIO, João Batista. A religião no início do milênio. São Paulo: Edições Loyola, 2002, p. 68-69.
35
Eu. Saber quem sou Eu necessariamente passa pelo reconhecimento de quem é o Outro,
e quanto a isso os argumentos até eno apresentados pela modernidade não
conseguiram ofuscar que no mais profundo do ser a raça humana continua precisando
da vivência social para se estabelecer e se reconhecer.
1.9
Ao conselheiro cristão
Durante todo este capítulo procuramos dimensionar duas questões relevantes: o
efeito da pré-modernidade e da pós-modernidade contemporânea e a importância do
conselheiro, em especial o cristão, no exercício altruísta de preparar-se para enfrentar os
embates mais desgastantes que ainda surgirão com o avanço da s-modernidade
contemporânea. Nossa pesquisa visa a incentivar o conselheiro a que não se deixe
desviar de suas convicções criss básicas, embrenhando-se por caminhos que pouco ou
nada produzirão de concreto na audição terapêutica, além do efeito analgésico psíquico
mascarador de infecções humanas da alma: Infecções psíquicas provocadas por um
fanatismo religioso”.
56
Não são poucos os exemplos de filósofos como Nietzsche,
Foucault, Derrida e outros que, de alguma forma, passaram pela religiosidade que
interferiu em suas vidas, mas, ao que parece, não encontraram a resposta para os anseios
mais profundos. Deixaram, contudo, seguidores que ainda procuram desvendar o
mistério da transcendência humana pelas vias da racionalidade, apenas.
Situar-se como terapeuta hoje exige dedicação e, segundo nosso ponto de vista,
nenhum preconceito quanto a técnicas, leituras, esforço e, acima de tudo, fé. A paixão
pelas almas continua sendo uma velha receita que, se aplicada sabiamente, produz cura
física, mental e espiritual. A isso se presta quem se sente inclinado a ser conselheiro e
reconhece que a religiosidade não libertadora pode gerar conflitos internos capazes de
ampliar o sofrimento e o desconforto na vivência do homem, o que seria um retrocesso
à Idade Média e a períodos em que o homem não se percebia como ser pensante.
O desafio do conselheiro na modernidade é não incorrer em erros passados, pois
segundo Warren Wagner, citado por Giddens,
As autoridades religiosas em particular freqüentemente cultivavam a
sensação de que os indivíduos estavam cercados por ameaças e perigos – pois
só o agente religioso estava em posição de ser capaz de entender essas
56
GIDDENS, 2002, p. 15.
36
ameaças e perigos e, portanto, de procurar controlá-los. A autoridade
religiosa criava mistérios ao mesmo tempo em que afirmava ter acesso
privilegiado a esses mistérios.
57
Reconhecido como autoridade terapêutica competente, sem se situar como
solucionador de todos os problemas, o conselheiro deve estar consciente de que “o
advento da modernidade traz mudanças importantes no ambiente social externo do
indivíduo, afetando o casamento e a família assim como outras instituições”.
58
Seu
material de trabalho o é descartável e o instrumento básico utilizado é a palavra. O
pensamento expresso pela palavra tornou-se tão importante para o falante e aquele que o
ouve que somos lembrados por Vigotski da relevância de seu significado: “O
significado de uma palavra representa um amálgama o estreito do pensamento e da
linguagem, que fica difícil dizer se se trata de um fenômeno da fala ou de um fenômeno
do pensamento.
59
O sujeito que se expõe pela palavra propõe-se despir de todos os preconceitos
impostos pelo convívio sociocultural. É lúcido acompanharmos o pensamento de
Roudinesco, ao afirmar que
[...] um sujeito falante está em condições de testemunhar sobre a tragédia
de sua existência. E provavelmente esse privilégio do pensamento reflexivo,
recebido como herança pela psicanálise, é o único que o homem moderno
pode hoje reivindicar num mundo agora extrapolado pela vertigem de sua
própria potência.
60
Por isso vale a pena ser um conselheiro preparado, pois a vida não tem preço e a
s-modernidade busca estabelecer um valor de mercado para cada indivíduo. Com essa
forma de pensamento “moderno”, o conselheiro jamais pode concordar, pois ele sabe
que, apesar de todo o capitalismo acoplado à modernidade, a vida não tem preço.
57
GIDDENS, 2002, p. 180.
58
GIDDENS, 2002, p. 18.
59
VIGOSTSKI, L.S. Pensamento e linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 150-151.
60
ROUDINESCO, Elisabeth. A família em desordem. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 2003, p. 167.
37
Segundo capítulo
2
Ouvir sem escutar
Não é por ser dotado de capacidade auditiva que se esteja necessariamente
ouvindo. A comunicação auditiva, para além da anatomia, envolve disposição mental e
atenção não difusa. Esse é mais um compromisso a que se dispõem o conselheiro cristão
e qualquer método terapêutico que instrumentalize a voz e a audição como ferramentas
de trabalho. de se reconhecer que a ciência deu um imenso salto na comunicação de
massa: a maioria dos falantes de qualquer nacionalidade conta com instrumentos de
comunicação que permite ouvir e falar telefones, rádios, televisores, internet etc. e
um sem número de invenções e pessoas em contato com outras nas mais remotas
partes do globo terrestre. Mas isso não quer dizer necessariamente que se esteja
realmente ouvindo, pois ouvir, do ponto de vista deste capítulo, está para além da
tecnologia, para além da simples decodificação de sons ou palavras que, em não raros
casos, não dizem nada. Ouvir é algo muito abrangente, envolvendo outros sentidos
(tato, olfato, visão, gustação), no que poderíamos denominar audição integral e
integrante, que procura ouvir o ser humano todo e, no caso de uma terapia auditiva,
ouvi-lo o tempo todo. Os gestos, as expressões gustativas, os movimentos orbitais, a
sensibilidade olfativa, tudo deve ser levado em consideração na conversa pastoral, pois
de alguma forma o aconselhando está tentando transmitir o seu incômodo.
38
2.1
Considerações sobre a comunicação
A primeira década do século XXI pode ser considerada a década da comunicação
de massa. Mas o que é comunicação de massa? Vejamos:
A comunicação de massa é a comunicação feita de forma industrial, ou seja,
em série para atingir um grande número de indivíduos, a sociedade de massa.
Numa visão apocalíptica, ela é uma conversão da cultura em mercadoria,
utilizada pelas classes dominantes de forma vertical para homogeneizar as
massas. Para definir esta conversão, os frankfurtianos Adorno e Horkheimer
criaram o termo Indústria Cultural, citado pela primeira vez em Dialética do
Iluminismo.
61
Os avanços tecnológicos nessa área possibilitam produzir um novo
comportamento nas massas populacionais que nos leva a refletir sobre como o ser
humano tem ouvido o semelhante e se a comunicação está realmente acontecendo.
Segundo McLuhan,
as culturas de massa criadas pelos modernos meios eletrônicos (sobretudo a
televisão), e sua linguagem própria, baseada na imagem, significava o
surgimento de uma nova cultura popular que ia permitir a comunicação entre
os habitantes da aldeia global em um mundo comprimido pelas redes
eletrônicas de informação, de onde deduzimos que não há a preocupação com
o que se informa, a estes meios basta tão somente comunicar.
62
E como aspecto relevante, a comunicação humana parece dar mostras de que
ouvir alguém ou algo que faça sentido torna-se extremamente difícil. O que é
significativo e passível de observação, no entanto, é que apesar de todo esse aparato
tecnológico à disposição das diferentes classes sociais, o ser humano parece não se fazer
entender, quando lemos o que se segue:
Apesar de a comunicação autêntica ser a que se assenta sobre um esquema de
relações simétricas numa paridade de condições entre emissor e receptor,
na possibilidade de ouvir o outro e ser ouvido, como possibilidade mútua de
entender-se —, os meios de comunicação de massa são veículos, sistemas de
comunicação num único sentido (mesmo que disponham de vários feedbacks,
como índices de consumo, ou de audiência, cartas dos leitores). Esta
característica distingue-os da comunicação pessoal, na qual o comunicador
conta com imediato e contínuo feedback da audiência, intencional ou não, e
leva alguns teóricos da mídia a afirmar que aquilo que obtemos mediante os
meios de comunicação de massa não é comunicação, pois esta é via de dois
61
YOUNES, Nathalia. O que é comunicação de massa? Disponível em:
<http://www.jornaldedebates.ig.com.br/debate/midia-toma-partido-ou-cumpre-seu-papel/artigo/que-
comunicacao-massa> Acesso em: 14 jan. 2008
62
http://www.portaldomarketing.com.br/Artigos/Comunicacao_de_massa.htm.
39
sentidos e, por tanto, tais meios deveriam ser denominados veículos de
massa.
63
É fácil perceber nas vias blicas e locais de aglomeração de massas (aeroportos,
estações fluviais ou ferroviárias, rodoviárias, parques etc.) que a geração deste tempo
está marcada pela necessidade de ouvir. São aparelhos de MP3, rádios, televisores e
grande número de fones de ouvido usados tanto por jovens como por adultos. Tudo isso
nos faz pensar que ouvir ganhou outro significado, o de fazer sentido de alguma forma.
Mas quem ouve quem? E o que se ouve? Tal audição tem contribuído para que o
homem se torne mais sensível às questões sociais, às carências afetivas, ao outro?
O que é passível de observação é que em meio a tudo isso, o tempo gasto nas
comunicações virtuais não satisfaz a necessidade de manter contato real com quem se
fala. Contra isso ainda pesa o fenômeno tempo como qualidade, e não como extensão
cronogica. Mesmo quando se faculta ao semelhante oportunidade suficiente para que
este ouça o outro e a si mesmo, parece que nunca se produz a comunicação. É a guerra
do tempo, algo tão imaterial, contra a materialidade das relações humanas. O adágio
popular “nada substitui o calor humano” pode ser parafraseado por “nada substitui o
estar perto para ouvir, ser ouvido e falar”.
2.2
Estudo do texto de Lucas 24
Na assim denominada s-modernidade, o ouvir está para além da simples
decodificação de frases organizadamente justapostas e estruturalmente bem elaboradas.
A dinâmica da vida tem reduzido o tempo e o esforço de parar e ouvir a fala do outro.
Esse dizer é a própria expressão do mundo, da vida, das expectativas de futuro, do
sonho de ser realmente ouvido num mundo em que o barulho ensurdecedor de motores,
máquinas, carros e tantos outros sons impedem o ser humano de dizer quem ele é.
Poucos são aqueles que se dedicam a ouvir o semelhante pela importância que este tem
como tal. Cabe aqui lembrar um personagem histórico que aparece nos evangelhos e foi
63
Disponível em:
<http://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Comunica%C3%A7%C3%A3o_de_massa&oldid=5794777>.
Acesso em 12 abr 2010.
40
exemplo de como se deve ouvir e falar. O serviço diaconal de Jesus era marcado pelo
ouvir e pelo falar, e isso faz muita diferença até os dias de hoje.
A diaconia de Jesus abrange, dentre outros aspectos, a importância de ouvir o
homem como unidade do universo que o abarca em todas as suas potencialidades.
Mesmo assim, por vezes o ser humano se desintegra em meio a uma multidão sem
nome, rosto ou identidade. Uma multidão denominada sociedade de consumo que
consome quem ele é e o que pode vir a ser, e tenta a todo instante consumir sua ppria
alma, misturando-a a objetos inanimados, como se estes fizessem parte da vida integral
do homem. É a própria robotização da carne humana, na tentativa de eternizar o que
perece dia a dia.
Conforme Gustavo Gutiérrez, citado por Gaede Neto,
64
a compreensão holística
concebe o ser humano “em sua totalidade: corpo e espírito, indivíduo e sociedade,
pessoa e cosmos, tempo e eternidade”. Isso nos permite pensar na diaconia auditiva de
Jesus, na qual os componentes relacionados por Gutiérrez fazem parte da própria
“existência humana em todas as dimenes” assumidas pelo Cristo.
65
Tomemos como exemplo básico de audição holística diaconal de Jesus a narrativa
de Lucas 24:13-35, em que dois discípulos do Senhor caminham para Emaús, cidade
que distava de Jerusalém não mais que 11 quilômetros.
66
É possível inferirmos alguns
aspectos do dlogo: quem fala, do que fala e como aquele que ouve, ao falar, reflete nas
palavras o cuidado para com os entristecidos discípulos.
O primeiro aspecto interessante é que o Senhor não interfere na narrativa dos dois
angustiados caminhantes. Ouve atentamente todo o relato, pondo-se ao lado dos dois,
numa mesma caminhada, porém com objetivos distintos. Os discípulos dirigiam-se a
Emaús e Jesus ia ao encontro daquilo que os angustiava, ou seja, da própria falta de
esperança de que o Messias estivesse vivo. Apesar de este anteriormente os haver
advertido que a morte e a ressurreição aconteceriam, conforme Mc.10:32-34, a
compreensão dessa realidade, para os ouvintes” do caminho, parecia algo
extremamente difícil.
É a própria conversão que os une. A necessidade dos discípulos de verbalizar
sentimentos frustrantes não provoca no Senhor nenhuma precipitação quanto ao que Ele
64
GAEDE NETO, Rodolfo. A diaconia de Jesus contribuição para a fundamentação teológica da
diaconia na América Latina. São Leopoldo: Sinodal, 2001. 22p.
65
GAEDE NETO, 2001, p. 22.
66
A BÍBLIA ANOTADA, The Ryrie Study Bible. Tradução de Carlos Oswaldo C. Pinto. Versão
Almeida. ed. rev. e atual. São Paulo: Mundo Cristão, 1976.
41
deveria dizer. O que nos parece é que os andarilhos de Emaús estavam indignados com
a injustiça (Lc.24:19-20) feita ao Mestre, e um dos aspectos da diaconia é justamente a
promoção da justiça. Frei Beto, citado por Gaede,
67
num artigo intitulado “Diaconia
Profética”, escreve que “no Terceiro Mundo este serviço chama-se justiça”, referindo-se
à diaconia como exercício da equidade. É interessante pensar que o próprio ouvir pode
promover justiça, assim como uma má audição pode sentenciar à morte.
O segundo aspecto é que o Senhor, ao iniciar seu discurso, o faz com uma
pergunta (Lc.24:27) suficientemente capaz de imobilizar imediatamente os discípulos. É
a própria perplexidade de alguém que pensa que não conseguiu ser ouvido, ou
comunicar sua aflição, angústia, tristeza. Tão logo eles encerram a narrativa dos últimos
acontecimentos em Jerusalém, Jesus dá início à sua fala, e no final restabelece a
esperança daqueles dois seres humanos desolados. Isso é diaconia auditiva holística
cristã. Jesus ouviu e falou, e suas palavras foram terapêuticas para eles. (Lc.24:32). Essa
forma de agir e pensar pode ser corroborada pelas palavras de Mário Alleti:
A psicoterapia requer forte envolvimento pessoal, que encontra expressão
numa comunicação verbal da parte do paciente, sem reservas preconceituosas
ou censuras, direcionada a instaurar um melhor conhecimento de si, uma
melhor competência dos pprios processos psíquicos, um amadurecimento
das capacidades relacionais e, só consequentemente e subordinadamente, a
“curados sintomas.
68
O que facilmente observamos é que o Mestre utilizou-se de tudo para o qual Alleti
nos chama a atenção. Resumidamente diríamos que Jesus utilizou a comunicação
verbal, não tolheu quem falava, desenvolveu uma empatia pessoal marcante que
permitiu a completa comunicação, ouviu o falante e devolveu a fala do que ouviu, numa
forma terapêutica capaz de curar qualquer sintoma. Isso é saber ouvir integralmente.
Salientamos, ainda, que, ao que nos parece, as palavras do Mestre não estavam envoltas
em elucubrações filosóficas que, em vez de promoverem bem-estar, desestimulam a
caminhada, metaforizada aqui qualquer caminhada da vida.
67
GAEDE NETO, 2001, p. 25.
68
ALETTI, rio. Psicologia: teoria e pesquisa. Brasília: 2008, Vol. 24 n1 p. 117.
42
2.3
A diaconia do ouvir
A questão primordial para os desolados era a esperança que se havia desvanecido
com a crucificação do Senhor. Estava implícito na fala dos dois o reflexo de uma
compreensão apenas superficial, materialista, do que o Mestre ensinara e demonstrara
durante a permanência entre os discípulos. Isso não é de se estranhar, pois mesmo os
apóstolos, por vezes, desentendiam o que o Senhor lhes ensinava. Era necessário que
Jesus re-significasse as próprias palavras para que seus seguidores não compreendessem
equivocadamente o Reino de Deus e o serviço ao próximo, como manifestação de
entendimento da mensagem maior de Deus ao ser humano. Jesus ouvia atentamente as
interpretações de suas próprias palavras. Perceber a própria palavra outrora dita, mas
que por algum percalço não fora entendida, e mesmo assim saber o momento certo de se
pronunciar é uma das grandes virtudes que o conselheiro ou terapeuta deve alcançar. O
óbvio muitas vezes nos impacienta, mas para quem fala nem tudo é tão óbvio. Segundo
Otto Rank, “a psicologia materialista de Freud põe sobretudo em relevo a influência que
pode exercer o conjunto dos fatores externos, ou o meio, sobre o desenvolvimento do
indivíduo e a formação do seu caráter”.
69
Entendemos, então, conforme o que diz Rank,
que fatores externos podem influenciar nosso modo de expressão verbal e, no caso em
queso, influenciavam não apenas o comportamento dos andarilhos de Emaús mas,
inconscientemente, possibilitavam uma reestruturação de caráter que descredenciaria
toda a vivência histórica dos discípulos, no período em que foram “alunos” do mestre.
2.3.1
A diaconia auditiva e a história
Analisando as dimensões possíveis no serviço diaconal do Mestre, evidenciamos a
misericórdia de Deus como elemento fundamental de alcance, ao menos parcial, da
profundidade com que a palavra misericórdia se aplica ao contexto, sem ser proferida.
Segundo Schipani,
70
pessoas bias faziam a vontade de Deus e incentivavam
especialmente a compaixão, a justiça e a paz”. Jesus, como sábio mestre, exerce
misericórdia prática ao ouvir pacientemente o relato dos peregrinos, demonstrando que
69
RANK, Otto. A personalidade e o ideal. Rio de Janeiro: EMIEL Editora, 1940, p. 10.
70
SCHIPANI, Daniel S. O caminho da sabedoria no aconselhamento pastoral. São Leopoldo: Sinodal,
2004.
43
os seus seguidores, e até mesmo os meros observadores do Senhor, foram alvo dessa
sábia manifestação da vontade de Deus.
Os caminhantes de Emaús se sentiram confortados à medida que ouviam as
palavras do Senhor. E como quem é bio no ouvir também o é no falar, a diaconia
auditiva pressupõe a diaconia verbal. Por isso, também, os discípulos insistiram para
que o Mestre ficasse com eles e não seguisse viagem. Quem se sente ouvido nas mais
profundas idiossincrasias deseja que quem o ouviu esteja sempre por perto.
Não tem sido primordial a questão de ser ouvido, tratada nos diversos segmentos
psicossociais, num mundo onde muitas vozes sem sentido continuam retirando dos
outros o sentido de querer viver? Por mais intelectualizada que a sociedade possa vir a
ser, “a voz do intelecto é suave, mas não descansa enquanto não consegue uma
audiência”.
71
Essas palavras de Freud ainda repercutiriam nas pesquisas mais
sofisticadas, tanto no campo da teologia como de outras ciências ligadas ao
comportamento humano. Pregações, palestras, discursos, tudo que envolve a palavra e a
interpretação promoveu e ainda promove o empenho de muitos estudiosos em obter a
comunicação unívoca, absoluta e eficaz.
2.3.2
A diaconia auditiva e a comunidade
Quem o gosta de ouvir uma boa história? A diaconia pode se prestar tanto a
ouvir a história de uma vida em conflito quanto a contar outra hisria que alivie a dor
do aflito e transmita-lhe esperança. Isso não sugere que comparar passados
desagradáveis tenha efeito terapêutico no conforto ou consolo daquele que sofre. Jesus é
um bom exemplo de quem sabe ouvir e contar histórias. Mas a história, como ciência
que trata dos eventos formadores das sociedades, das culturas, do passado e das épocas
antigas, é que contribui na formação de conceitos que deveriam capacitar o homem a
não cometer os mesmos erros de outrora e a promover melhor qualidade de vida para si.
Por trás de uma simples metáfora, de um simples gesto ou atitude registrada pelos
narradores neotestamentários, podemos perceber nitidamente que os exemplos
históricos usados pelo Mestre objetivavam uma qualidade de vida não observada em
tempos idos e contrastante com a das futuras gerações. Saber ouvir histórias é também
71
FREUD, Sigmund. O futuro de uma ilusão. Rio de Janeiro: Imago, 2001, p. 25.
44
perceber os componentes que a tornaram registro importante, a fim de que nessa prática
o homem se torne aliado de si mesmo no desenvolvimento individual, beneficiando as
gerações seguintes. É mesmo discutível a hipótese de que o cuidado necessário com a
fala e a audição poderia evitar conflitos simples que acabaram se tornando guerras. Isso
deveria servir como um alerta.
Não deveria existir, segundo nosso ponto de vista, diaconia auditiva que
desconsiderasse o apoio da própria comunidade eclesial, porque a igreja deve procurar a
integração humana social, suficientemente capaz de superar obstáculos que ainda
persistem nas diversas sociedades. Schipani lembra-nos que
O enfoque está na comunidade cuidadora e nos vários contextos de
cuidado (ao invés de concentrar-se exclusivamente ou até
primariamente no cuidado pastoral como o trabalho do pastor). Em
outras palavras, as dimenes de orientação, desenvolvimento,
sustentação, reconciliação, libertação e cura do cuidado pastoral que
são funções da Igreja como um todo; o apenas para o bem estar de
seus membros, mas especialmente em benefício da comunidade
humana maior.
72
O que Schipani apresenta relaciona-se diretamente com uma forma diaconal
auditiva capaz de envolver toda a igreja como comunidade terapêutica, a qual, por meio
do conselheiro, exerça sua função social integradora. Isso não é muito diferente do que
Gaede nos faz pensar ao dizer que a comunidade que aceita o desafio dessa identidade
é na verdade a comunidade que serve”.
73
O desafio nada mais é do que o serviço
diaconal em ação. Prossegue Gaede em sua explanação:
A perspectiva da cruz é a base para uma nova ordem na vida da
comunidade das pessoas que seguem a Jesus. Esse é propriamente o
tema de Mc. 10:35-45. Essa constatação fundamenta a relevância da
dimensão comunitária da diaconia...
74
Saber ouvir o clamor dos aflitos distribuídos pelas várias estratificações sociais
necessariamente exige um esforço não tão simples dos seguidores do modelo diaconal
auditivo do Mestre. A inversão de valores até então fossilizados provocou uma reação
que abalou as estruturas vigentes do poder temporal na época de Jesus. Encontramos,
72
SCHIPANI, 2004, pp. 78-79.
73
GAEDE NETO, 2001, p. 82.
73
GAEDE NETO, 2001, p. 82.
45
assim, uma nova direção apontada pelo Senhor, contrária à seguida por seus
contemporâneos: “Ao proclamar para a comunidade de suas seguidoras e seguidores a
regra do servir no lugar do exercício do poder, está propondo um contra-modelo à
sociedade que vitima a maioria de seus membros.”
75
Não é de se estranhar que o
discurso do Senhor tenha desagradado a elite dominante da época, o que não mudou
com o passar do tempo. Na vida moderna do século XXI, qualquer discurso que
questione o descaso aos menos favorecidos provocará reações que podem levar o orador
à morte, nem sempre física, mas econômica, social e moral.
O necessitado de socorro precisa encontrar na comunidade dos santos o amparo
necessário de pelo menos ser ouvido nas aflições e necessidades. Isso nos leva a pensar
que “a igreja é desafiada a redefinir constantemente o seu agir diaconal”,
76
especialmente no que ela é suficientemente sensitiva e ativa para entender a dor do
outro que fala. A igreja é a instituição que pode ser porta-voz atuante dos absurdos
despóticos dos poderes públicos para perpetuar o sofrimento humano. Nesse tipo de
serviço o conselheiro cristão não pode agir sozinho, antes promovendo a ação e
mobilizando toda a comunidade a acolher todo aquele que é cerceado em seu direito de
dizer e se torna um mudo funcional, por falta de quem o ouça.
2.3.3
A diaconia na fala de Jesus
Ao caminhar ao lado dos dois discípulos, Jesus não ignorou a história particular
narrada por eles, a partir do entendimento de que conseguiriam obter tudo o que
experimentaram ao longo do viver comunitário. Gaede lembra-nos de que quando o
Senhor, na caminhada para Jerusalém (Marcos 10), anuncia por três vezes a sua paixão
e morte, ouve de seus discípulos uma forte reação que demonstrava total incompreensão
dos ensinamentos ministrados durante o período de caminhadas juntos.
77
Não se pode
afirmar com segurança, mas parece haver pessoas que preferem as más notícias e a elas
dão mais importância do que às boas novas. Tal não foi o caso dos discípulos. Mesmo
sem o completo entendimento do que o Mestre dizia, a notícia dita pelo próprio
75
GAEDE NETO, 2001, p. 83.
76
GAEDE NETO, 2001, p. 99.
77
GAEDE NETO, 2001, p. 47.
46
Senhor produziu o efeito humanamente esperado, o mal-estar que os conduziu a uma
reação explosiva.
Não ignorar os componentes históricos que constroem o arcabouço de referenciais
simlicos na audição é fundamental para que se entenda o dito do outro. A percepção
histórica es presente nos mais simples ensinamentos do Senhor e não pode ser
olvidada pelo conselheiro. Bens simbólicos devem ser manuseados com o máximo de
cuidado durante uma audição de aconselhamento. De acordo com Don Browning, eis o
pensamento de Rieff sobre o simbólico:
Rieff acredita que o simbólico controlador tende a ser o produto das elites
criativas de uma cultura particular. Por simbólico controlador ele quer dizer
o sistema de idéias e símbolos que organizam o potencial humano dentro de
tipos previsíveis de caráter ou personalidade. Foas sociais como a
tecnologia dominante da civilização, sua economia, suas mudanças sociais,
suas guerras e catástrofes, certamente tudo influencia a formação do caráter
moral de um povo. Mas a cristalização final do simbólico controlador
sempre parece ser um ato imaginário pela superação individual ou em
grupo
78
(tradução nossa).
Inferimos, então, que o Mestre soube lidar com todo o referencial simlico em
que esteve inserido durante a caminhada com os discípulos de Emaús. Em nenhum
momento Ele perde de vista a importância de tudo aquilo que representava valor social e
material para os seus ouvintes, e até mesmo aspectos que, mesmo não revelados
nitidamente, estavam presentes no diálogo e no comportamento dos três. Isso é digno de
consideração porque nos mostra claramente que o Senhor jamais deixou de levar em
conta as tradições, os símbolos, os ritos e os costumes do povo, porém ampliou o
significado do simbólico para que seus discípulos entendessem a profundidade da
mensagem que Ele veio viver e pregar.
Ele, Jesus, via e lia a história de seu tempo, não se esquecendo de todo o passado
evolutivo até que Ele entendesse e interpretasse os anseios dos ancestrais históricos
representados na figura dos caminhantes de Emaús. Freud alude sobre a interligação
entre presente e passado numa perspectiva de audição analítica e tal alusão podemos
aplicar ao nosso estudo:
78
Rieff believes that "controlling symbolics" tend to be the product of the creative elites of a particular
culture. By controlling symbolics he means the system of ideas and symbols that organize human
potential into predictable types of character or personality. Social forces, such as a civilization's dominant
technology, its economy, its social changes, its wars and catastrhophes, certainly all influence the
formation of the moral character of a people. But the final crystallization of a controlling symbolic always
seems to be an imaginative act by on outstanding individual or group. In: BROWNING, Don S.
Generative man: psychoanalytic perspectives. New York: A Delta Book, 1975, p. 13.
47
[...] em geral, as pessoas experimentam seu presente de forma ingênua, por
assim dizer, sem serem capazes de fazer uma estimativa sobre seu conteúdo:
isto é, o presente tem de se tornar o passado para que possa produzir pontos
de observação a partir dos quais eles julguem o futuro.
79
Talvez a ingenuidade dos caminhantes naquele tempo em que estiveram com
Jesus não os tenha deixado perceber que a história do Cristo remontava a tempos
anteriores aos fatos narrados e por eles vividos. O risco, então, está em desconhecer
fatos que marcaram e formaram a cultura da não. Não entender a própria história e o
tempo em que se vive é fator prejudicial para quem deseja exercer a diaconia auditiva
próxima da demonstrada pelo Senhor. Como um conselheiro cristão comprometido com
o serviço, qualquer “suspiro num momento de conversa pastoral pode se tornar a
resposta para questões fossilizadas e jamais verbalizadas. As interjeições são um bom
exemplo, no caso da língua portuguesa. O que aparentemente nada tem de significado
fora do contexto, ao ser corretamente compreendido, enriquece e torna expressiva a fala,
pois apesar do instinto da palavra, o ser humano ainda não conseguiu dicionarizar tudo
que as emoções potencialmente podem produzir. E aquilo que a palavra não pode
representar de alguma forma o existe ou não pode ser compreendido. Daí, também, a
importância dos ícones, dos símbolos, dos sinais e de um simples piscar de olhos.
2.3.4
A diaconia auditiva de Jesus supera o óbvio
Imaginemos uma situação vivida pelo Senhor, em que um deficiente auditivo e
com disfunção na fala tentasse externar seus anseios e anstias. Segundo Uwe Wegner,
citado por Gaede, “...é necessário desenvolver a sensibilidade para a percepção além do
óbvio, pois nem tudo é visível a olho nu”.
80
A invisibilidade do óbvio requer daquele
que serve ao próximo um exercício perene de atenção. O próprio silêncio do outro pode
ser um grito de socorro. Jesus pôde perceber que no silêncio de seu semelhante residia a
dor de toda uma vida silenciosa. Quantos o teriam sido os que, sem voz ou
emudecidos pelos sistemas opressores criados pelos homens, atravessaram o caminho
do Senhor na esperança de serem ouvidos? E quantos o se arriscaram a ser
literalmente eliminados por tentarem se aproximar do Mestre e o que ainda se tornaria
79
FREUD, 2001, p. 10.
80
GAEDE NETO, 2001, p. 101.
48
mais drástico seriam martirizados por crerem num Reino de amor, igualdade e paz. O
óbvio não é a miséria, a fome, a mordaça e a indiferença, mas torna-se imperceptível
quando o amor é reduzido a dogmas litúrgicos que anestesiam a consciência,
perpetuando a fome, não só física, mas sobretudo espiritual.
É fácil reconhecer que as mulheres, as crianças, os pobres, os doentes e os
desvalidos formavam uma grande massa populacional nos tempos do Mestre. Frente à
liturgia religiosa reinante, eles não eram considerados da mesma espécie. Eram seres
invisíveis de uma subespécie, destinados ao silêncio sepulcral ainda em vida pelos que
não tinham a sensibilidade do Filho de Deus e se diziam representantes do próprio
Criador. A tristeza e o descaso nem sempre são os mesmos para alguns, especialmente
para os que não necessitam de socorro.
Jesus não desviava olhos nem ouvidos dos invisíveis seres humanos socialmente
rejeitados. É o exemplo do bom samaritano, que segundo Gaede, além de uma ação
solidária, sem preconceitos, “vê o assaltado caído à margem do caminho”.
81
Trata-se de uma forma de “ver” diferente, que permite desencadear uma ação
efetiva. Segundo Uwe Wener, citado por Gaede,
82
o samaritano vê, e aqui se infere que
ele também ouve o sincio do caído, com visão e audição de misericórdia muito
peculiar ao Senhor. E quem, nos dias atuais, pode se omitir frente aos descalabros em
que vivem tantas sociedades e culturas ao redor do mundo? Superar o óbvio, como
observado no exemplo do Mestre, é viver a denúncia viva de que aquilo que para alguns
é tão comum não passa de agressão velada ao desfavorecido. O conselheiro cristão deve
estar atento a todo tipo de “coisas óbvias” que não se permitem vir a lume. O que agrava
ainda mais essa situação é a vasta penetração nas instituições religiosas históricas da
espiritualidade alheia aos moldes de Cristo, enormes ajuntamentos de crentes que
deveriam ser arautos da justiça e a todo tempo se posicionarem frente a esse “óbvio”
que as autoridades insistem em não enxergar.
2.3.5
A diaconia auditiva de Jesus influencia quem ouve
Um bom exemplo pode ser encontrado nos escritos de Freud, ao lermos que “só
através da influência de indivíduos que possam fornecer um exemplo e a quem
81
GAEDE NETO, 2001, p. 100.
82
GAEDE NETO, 2001, p. 100.
49
reconheçam como líderes, as massas podem ser induzidas a efetuar o trabalho e a
suportar as renúncias do que a exisncia depende”.
83
Tal foi o legado de Jesus para a
humanidade inteira, deixando um exemplo que atravessa épocas, períodos, séculos. Por
mais que pareça não evoluir ou extinguir-se aos poucos, continua a desafiar o tempo,
como expressão máxima de humanidade a que o homem pode chegar. Sua perenidade
assim se configura, mesmo porque o homem não muda de essência, apenas se traveste
do que se habituaram a denominar de modernidade.
Jesus conseguiu, com sua forma ímpar de agir, tornar-se um exemplo até hoje
enigmático, por causa do poder influenciador capaz de conduzir o homem à busca do
semelhante, indo além do que se esperava de um filho de camponês, um trabalhador
braçal, um jornaleiro qualquer. Como exemplo, nosso Mestre não induz, mas desperta a
consciência dos letargicamente iludidos com discursos falaciosos, promessas etéreas,
reinos imaginários.
Leonardo Boff, citado por Gaede,
84
define o próximo como quem vai além de si
mesmo e se debruça sobre o outro abandonado. Nesse exemplo, que se enquadra
perfeitamente na figura do Mestre, quem ouve os ensinamentos do Senhor e os pratica
supera-se a si mesmo e humildemente cumpre o único mandamento necessário para o
cristão: amar a Deus e ao próximo. Quem ouve os ensinos do Nazareno é influenciado e
influenciador. É assim que o discípulo percebe que pode servir a Deus no serviço às
pessoas. E que atitudes aparentemente insignificantes para alguns, como oferecer um
copo de água fria ao sedento, refletem claramente a influência da diaconia do discurso
prático de Jesus.
Chega a ser apavorante o nível de descaso a que chegou a raça humana. Sendo
bem pessimista, jamais se notou na história das civilizações um grau tão elevado de
indiferença e morbidez frente à necessidade do semelhante. O que a ciência e a religião
conseguiram, nos tempos modernos, aponta que o ser humano já não possui valor
algum, é material descartável, peça de reposição de baixo preço. Por isso, aquele que
ouve o discurso do Mestre “diaconiza-se” sem grande esforço, sem necessidade de
títulos, rótulos ou tradições fossilizadas inúteis ao clamor do sofredor. Socorrer o se
torna trabalho especial na esfera de quem deseja servir, é apenas o prolongamento de
seu entendimento do exemplo diaconal de Jesus.
83
FREUD, 2001, p. 10.
84
GAEDE NETO, 2001, p. 111.
50
2.3.6
A diaconia auditiva de Jesus percebida em outros meios científicos
A interdisciplinaridade nos evangelhos e nas ciências psicológicas é assunto que
merece um estudo à parte. Não se pode negar que a teologia sustenta o mesmo princípio
das ciências psicológicas, pois todas estão interessadas nas reações comportamentais da
mente humana, observáveis nos relacionamentos psicossociais. A religião é, sem
vida, um campo vasto de análise das questões transcendentes também pesquisadas
por outras disciplinas científicas. O elemento complicador, no entanto, é que se a
teologia não é uma ciência empírica para alguns, pelo menos desperta e provoca nas
ciências humanas de cunho psicológico questionamentos sobre o modo como o
personagem de um livro considerado sagrado por grande parte da população mundial
consegue mobilizar sociedades ao redor de todo o mundo e estabelecer comportamentos
diferentes.
A sociologia estuda os fenômenos causados pelas mais diferentes manifestações
de crença e fé. A arqueologia tenta desvendar os mistérios de escritos, pergaminhos e
papiros que conduzem a uma reflexão profunda que desafia a razão humana. E o mais
recente fica a cargo da neuroteologia.
85
Observemos o que tem a nos dizer Rieff sobre a influência da teologia, e aqui, da
teologia diaconal, com respeito ao que ela provocou ao o contribuir com o
pensamento do drama humano. Assim lemos o que o escritor afirma:
Rieff afirma que Calvino e a teologia da igreja reformada produziram a tão
chamada ética protestante e o homem protestante tem sido dominante no
Ocidente desde o culo XVI até o início do século XX. Rieff acredita que a
síntese protestante agora entrou em colapso e no seu lugar surgiu a
psicanálise. O que para Calvino era apoio, agora foi substituído por Freud. O
simbólico freudiano e a presença revelada de seus pensamentos desviou a
população em geral, através de corporações mundiais de psiquiatras e
psicoanalistas, que se tornaram fonte básica que alimenta o
autoentendimento do homem moderno
86
(tradução nossa).
85
NOTA: "Neuroteologia", também conhecida como Bioteologia ou Neurociência Espiritual é o estudo
da base neural da espiritualidade e emoção religiosa. A meta da Neuroteologia está em descobrir os
processos cognitivos que produzem experiências espirituais ou religiosas e relacioná-las com padrões de
atividade no cérebro, como elas evoluíram nos humanos, e os benefícios dessas experiências. Origem:
Wikipédia, a enciclopédia livre. Disponível em: < http://pt.wikipedia.org/wiki/Neuroteologia> Acesso
em: 04 Fev. 2010. Cf. LALANDE, A. Vocaburio técnico e crítico de filosofia. São Paulo: Martins
Fontes, 1996.
86
Rieff claims that Calvin and the theology of the Reformed Church produced the so-called Protestant
ethic and the Protestant man which have been dominant in the West from the xisteenth to the beginning of
the twentieth century. Rieff believes that the Protestant synthesis has now collapsed and that in its place
has come psychoanalysis. Where Calvin stood, now stands Freud. The Freudian symbolic and the
51
Fica assim evidenciado que a psicanálise, como parte das ciências psicológicas,
insere-se no contexto teológico pelas lacunas que a própria teologia não conseguiu
suprir. E se a psiquiatria hoje se sobressai como ciência apresentada como alternativa
para o sofrimento psíquico, isso também provém das falhas encontradas na teologia, que
impediram a alise do transcendente de forma racional, se assim, paradoxalmente,
podemos afirmar. Pois como um Deus que, na leitura de muitos, é só paz e amor,
permite que catástrofes, guerras, desequilíbrios ainda aconteçam com sua criação
principal – o ser humano – se este ainda não se encontrou totalmente?
Fica evidenciado, então, que a teologia perdeu terreno para outras ciências que, ao
invés de minimizarem a aflição do ser humano, se utilizam de paliativos incapazes de
responder aos anseios mais profundos do homem. Ou seja, como preencher o vazio
existencial que cresce concomitantemente ao avanço das ciências tecnológicas?
2.3.7
Uma audição que provoca eco
A forma como os evangelhos apresentam o relacionamento de Jesus com seus
contemporâneos faz-nos refletir sobre conduta e comportamento. Lalande
87
define
conduta como “conduzir, governar, dirigir; e comportamento como ação reflexa, desde
que observada nas espécies inferiores”. A partir daí sugerimos que a conduta de Jesus
nos evangelhos influencia um mero significativo de pessoas, no que eu denomino de
eco auditivo da diaconia de Jesus. É interessante, nesse contexto, observar o que
escreveu Wittgenstein: “Aquilo que se sabe quando ninguém nos interroga, mas que não
se sabe mais quando devemos explicar, é algo sobre o que se deve refletir.
evidentemente algo sobre o que, por alguma razão, dificilmente se reflete]”.
88
Essa reflexão do filósofo aleo sobre o saber não interrogado, mas que faz parte
do pensamento humano, é limpidamente abstraída dos exemplos diaconais vividos e
ensinados pelo Senhor. o é necessário um discurso bem elaborado para entender que
as pessoas são mais importantes do que objetos e bens materiais. O homem, em toda a
commanding presence of Freud's own mind, siphoned off into the general population through a
worldwide corps of psychiatrists and psychoanalysts, have become the basic source feeding modern man's
self-understanding. In: BROWNING, Don S. Generative man: Psychoanalytic Perspectives. New
York: A Delta Book, 1975, p.13.
87
LALANDE, A. Vocabulário técnico e crítico de filosofia. São Paulo: Martins Fontes,1996, p. 534.
88
WITTGENSTEIN, L. Investigações filosóficas, it. 89. Coleção os pensadores. São Paulo: Nova
Cultura, 1989.
52
sua totalidade, foi o objetivo maior da diaconia auditiva de Jesus, porque rico ou pobre,
necessita sentir-se integrado a alguma forma de sistema ou arranjo para se encontrar e se
perceber como indivíduo pertencente a um grupo. E não foi isso o que o Senhor também
fez, despertando o sentimento de cada um para o convívio fraterno de ajuda mútua por
meio da diaconia? O ser humano, ao se permitir pensar questões como essas, tende a se
transportar para além de si mesmo. E aquilo que seu pensamento não materializa ou
significa em palavras corre o risco de não existir, posto que a dessignificação não
permite o encadeamento das idéias.
2.3.8
Uma audição que provoque e tenha significado
Ao ouvir seus interlocutores, Jesus re-significa humildemente palavras até então
destituídas de valor relevante. Parece que a sua audição produzia eco no ouvinte,
quebrando o senso comum de representações até então jamais ampliadas e passíveis de
uma nova cosmovisão. Pode parecer paradoxal que ouvir influencie tanto no
comportamento e na ação humana. Não é tão simples tentar explicar por que alguns
sons mexem com nossos humores, estados emocionais e até mesmo reações musculares,
produzidas por impulsos elétricos cerebrais. Quem tem ouvidos e o ouve pode apenas
imaginar uma comunicação sonora.
Segundo Gaede, Jesus ao acolher um termo profano (diakoneîn), o
insignificante na época”,
89
consegue ampliar-lhe o significado para designar uma
dimensão fundamental da vida comuniria e da própria história salvífica. A diaconia
relaciona-se diretamente a tudo que Jesus disse, fez e ouviu. Vigotski assim explica o
valor do significado das palavras: “O significado de uma palavra representa um
amálgama tão estreito do pensamento e da linguagem, que fica difícil dizer se se trata de
um fenômeno da fala ou de um fenômeno do pensamento”.
90
Pode-se estabelecer, a
partir da citação de Vigotski, uma relação direta com o tratamento de Gaede da
ressignificação do termo diakoneîn usado por Jesus. É ainda Vigotski que diz: “Uma
palavra sem significado é um som vazio; o significado, portanto, é um critério da
palavra, seu componente indispensável. Pareceria, então, que o significado poderia ser
89
GAEDE NETO, 2001, p. 44.
90
VIGOSTSKI, L.S. Pensamento e linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 2000, pp. 150-51.
53
visto como um fenômeno da fala”.
91
O significado de que trata Vigostski e
prudentemente relembrado por Gaede é de vital importância para o entendimento de que
uma única palavra carrega em si a potencialidade de desenvolver ações até então ocultas
para o ouvinte. E não a menor dúvida de que Jesus sabia do poder da linguagem e da
palavra mal significada ou re-significada. Danos até certo ponto irreversíveis
comprovariam mais tarde, no desenvolvimento das sociedades humanas, aquilo que o
Mestre já sabiamente antevia.
O que Jesus dizia e ressignificava para os ouvintes era a própria materialização de
algo situado dentro deles, que por variados motivos não tinham a coragem ou a força
necessária para refletir sobre o efeito do dito. O Mestre, então, de forma nem sempre
delicada, mas vislumbrando um efeito construtivo, não poupava esforços no ensino da
palavra falada e ouvida. O uso refletido da palavra e seu modo de emprego nos locais
apropriados de significação, além de potencializá-la, alcançam os labirintos mais
exóticos do pensamento humano.
2.3.9
Uma audição que desafia o contemporâneo de Jesus
Prosseguindo na caminhada auditiva, ao lado dos dois andarilhos no caminho de
Emaús, Jesus, dando novo enfoque à história, “exe a ferida da sociedade”
92
que não
soube ler, ouvir e nem interpretar os valores de seu tempo. Eram inúmeros os doentes,
aflitos, famintos e necessitados não alcançados pelos “diáconos” profissionais.
Os mais ilustres intelectuais se fechavam nas masmorras interiores e se esqueciam
de que “a diaconia se caracteriza pela sua abertura ao mundo, pela sua comunicação
com o mundo, pela sua parceria com iniciativas que tenham a partilha como
proposta”.
93
A diaconia está aberta ao diálogo, ao esforço de entender o que o outro tem
a dizer, e nessa tentativa de comunicação buscar soluções que possibilitem um encontro
com Deus, com o próprio sujeito e com o próximo. A comunicação é um ato de boa
vontade e que envolve os que assim desejam se comunicar. Saber ouvir é uma arte que,
com o passar do tempo, não tem sido tão valorizada como merece. Não é de se
91
VIGOSTSKI, L.S. 2000, pp. 150-51.
92
GAEDE NETO, 2001, p. 178.
93
GAEDE NETO, 2001, p. 184.
54
estranhar, então, por que os seres humanos parecem perpetuar a narrativa histórica da
Torre de Babel, pois cada um fala uma língua e quase ninguém se entende de verdade.
2.3.10
Uma audição que confronta a modernidade
A questão da modernidade trouxe consigo, dentre outros tantos aspectos, um que
particularmente nos chama a atenção, por se referir a elementos cotidianos sociais.
Assim escreve Giddens, sobre a alteração da vida social:
Altera radicalmente a natureza da vida social cotidiana e afeta os aspectos
mais pessoais de nossa existência. Surgem novos mecanismos de auto-
identificação que são constituídos pelas instituições da modernidade, mas que
também as constituem.
94
A dinâmica auditiva de Jesus, apesar de o antiga, continua a desafiar os tempos
atuais porque, mesmo com toda a evolução científica e tecnológica do homem, este
continua se questionando sobre seu real significado neste planeta. Nem toda cultura,
ciência e tecnologia conseguiu demolir a frieza dos relacionamentos observados em
nossos dias. Se “a modernidade produz diferença, exclusão e marginalização”,
95
a
contemporaneidade acirra esse estado de coisas. Qualquer tentativa de reverter esse
avançado processo de estratificação social incorrerá em conflitos, do pensamento às vias
de fato. A modernidade reduziu o homem a peça rotica, substituível no caso de não
produzir o que ela criou ou está para criar. É essa modernidade que fomenta o desejo
para que, ao lotear o futuro, o poder econômico ocupe área mais valorizada do que o
saber humano.
A audição diaconal de Jesus, ao contrário das estruturas moldadas pelo mercado,
devolve ao homem seu lugar no plano maior da criação. O ser humano Jesus
demonstrou, com sua conduta de vida, que apesar da marcha da história em meio a
encantos e desencantos, valorizar o semelhante ainda é o grande desafio de todos os
tempos. E qualquer forma de diminuão, exclusão ou marginalização do indivíduo no
contexto social deve ser combatida com as armas mais poderosas ao alcance de todos: a
palavra, o discurso e o amor.
94
GIDDENS, 2002, pp. 9-16.
95
GIDDENS, 2002, pp. 9-16.
55
O modelo de diaconia de Jesus confronta a modernidade ao apresentar, nas mais
variadas dimensões, aspectos que recolocam o homem no centro do universo. É verdade
que o antropocentrismo pode ser narcísico, como aponta Giddens, ao comentar a
modernidade: “...um tipo entre outros de mecanismo psicológico e, em alguns casos,
uma patologia que as conexões entre identidade, vergonha e projeto reflexivo do eu
fazem surgir”.
96
Trata-se, nessa perspectiva, do eu como centro de todas as coisas. Ao
contrário, o discurso de Jesus de Nazaré conduz o homem em direção ao semelhante,
não para o confronto de forças, mas para a construção mútua de uma vivência, senão
pacífica por excelência, pelo menos enriquecida de misericórdia. A modernidade
congela o ser, petrifica-o e despersonaliza-o, a tal ponto que este não se reconhece nem
ao se deparar com a própria imagem refletida no espelho.
As dimenes práticas, proféticas e comunitárias da diaconia de Jesus ainda
continuarão sendo motivo de investigação e pesquisa para os empenhados em um
mundo mais justo e igualitário, independentemente de as ciências modernas procurarem
ou não anular, desacreditar ou confundir a mensagem central vivida pelo Senhor. O
exemplo de humanidade das narrativas do Novo Testamento continua a desafiar
governos, entidades, organismos e até mesmo a falsa espiritualidade travestida de
costumes e liturgias arcaicas que já não atende aos anseios de uma sociedade carente de
ouvintes. Segundo Gaede, “toda vez que alguém é resgatado da exclusão, está sendo
testemunhada a iminente viria sobre a realidade injusta e revelada a presença da
salvação em meio à história humana, aparentemente sem salvação”,
97
numa afirmação
que corrobora o exemplo deixado pelo Mestre. Felizes os que ouvem e não se
conformam com a miséria como indústria produtora de farrapos humanos.
A diaconia de Jesus também permanecerá como motivo de estudo e confrontação
com as antigas e modernas realidades vividas, já que os registros encontrados nos
evangelhos sobre os ensinamentos de Jesus, seu modo inovador de perceber o homem,
sua prática simples de refletir verdades profundas e a aceitação de suas idéias pelas mais
diferentes ordens sociais levam-nos a crer que “a diaconia se caracteriza pela sua
abertura ao mundo, pela sua comunicação com o mundo, pela sua parceria com
iniciativas que tenham a partilha como proposta”.
98
Isso permitirá confrontar os efeitos
96
GIDDENS, 2002, pp. 9-16.
97
GAEDE NETO, 2001 p. 155.
98
GAEDE NETO, 2001, p. 184.
56
maléficos da modernidade, sem, contudo, dela excluir o que pode melhorar a qualidade
da vida humana.
2.3.11
Prosseguindo para o alvo de conselheiro
A diaconia de Jesus, especificamente no que diz respeito à sua percepção auditiva
do próprio contexto temporal e da sociedade judaica daquela época, supera qualquer
tentativa de fechar questão sobre assunto tão relevante. O interesse do Mestre pelos
menos favorecidos e seu empenho em resgatar o homem sempre garantirão exemplos
confiáveis a quem abraçar a causa de fomentar a prática do amor no seio da sociedade.
Andar ao lado de Jesus e dos dois discípulos na caminhada de Emaús faz-nos
repensar como tem sido percebida a questão da diaconia em nossos dias. Não estamos
alheios ao contexto que envolveu todo o agir do Mestre nem às dificuldades de
estabelecer uma conexão que faça sentido hoje, tanto no que diz respeito às suas
palavras como à sua forma sui generis de ouvir o outro.
Pelo exposto, entendemos que ouvir o outro não é tarefa para aventureiros
despreparados. A importância atribuída pelo Senhor aos que o procuravam denota que
não se deve confundir a audição diaconal com outras formas terapêuticas de serviço.
O conselheiro que o tenha como princípio básico perceber os detalhes sugeridos
por Jesus por meio de suas metáforas, parábolas e outras formas de significação das
situações por Ele experimentadas correrá o risco de não ouvir o outro.
Isso, no entanto, não estreita o caminho a ser percorrido pelo conselheiro. o o
autoriza, portanto, na busca de instrumentalização intelectual e técnica, a lançar por
terra personagens da história que, assim como Jesus, se dedicaram ao árduo trabalho de
ouvir o próximo. De fato, na diaconia auditiva o primeiro a ser ouvido é o próprio
conselheiro, que deve ouvir a si mesmo. Mas como fazer isso? Sugerimos a
aproximação de profissionais competentes e experientes, leituras despidas de
preconceitos sobre assuntos incomuns nos rculos religiosos e também sociais, como
contribuições para o melhor desempenho na função de conselheiro ou diácono da
audição.
A diaconia da audição exige o aparentemente antagônico: a imparcialidade
parcial. Imparcialidade, porque quem ouve deve estar bem preparado para as narrativas
mais desumanas. Foi assim que Jesus demonstrou o evangelho do Reino, e aqui uso o
57
termo demonstrar porque no exercício diaconal do Filho do homem o exemplo maior
era Ele mesmo. Sua aparente imparcialidade fez com que muitos o considerassem
glutão, amigo de pessoas de moral duvidosa e até filho de uma entidade obscura.
A parcialidade percebida ao longo desta reflexão foi a ampla defesa, pelo Senhor,
dos princípios elementares para a sobrevivência humana. Em momento algum Ele abriu
mão de suas convicções a respeito de Deus e do próprio homem. O risco a que o
diácono da audição se expõe, quando desequilibrado em assuntos que envolvam e
comportamento humano, é o de provocar danos irreversíveis em si mesmo e naqueles a
quem deve ouvir.
Segundo nosso ponto de vista, a audição diaconal coerente promove o ser humano
assim como Jesus o promoveu, não condescendendo com o desvio ou o erro, mas
possibilitando meios que capacitem o necessitado a melhorar sua própria qualidade de
vida de modo a alcançar os semelhantes.
Não se resume tudo isso no mandamento de amar a Deus e ao próximo? Esse é o
parâmetro indissociável de qualquer dimensão dianica, facilmente percebida nos
relatos sobre Jesus, e também o grande objetivo do conselheiro ou diácono da audição
ao praticar a diaconia auditiva de Jesus, tornando simples o que para muitos ainda é
complexo. Ou seja, o amor de Deus pela criatura ultrapassa os limites das complicadas
estratégias montadas pelos homens, a fim de tornar simples e objetiva a prática do
cristianismo diário, de boas obras e de amor, sem que necessariamente o conteúdo
principal, o amor-caridade, torne-se apenas mais uma bela teoria, nos compêndios e
tratados teológicos que mais dificultam do que facilitam a espiritualidade.
A contemporaneidade é ruidosa, e o imenso barulho que produz abafa os sinais de
que a surdez emocional, social e intelectual impede os homens de se entenderem,
comprometidos física, mental e espiritualmente. Se isso acontecer, será lastimável e,
portanto, novos recursos de terapias auditivas devem ser pesquisados, e outros
reatualizados, para que o caos não se instaure tão avassaladoramente como se pode
prever. O legado dos estudos e observações de Freud poderá abrir novos rumos para que
o homem se conheça melhor e não se perca em meio aos conflitos mais íntimos.
O conselheiro necessariamente precisa olhar para o passado, não para
reconhecer caminhos não mais aplicáveis na modernidade, mas, sobretudo, para
compreender nas lacunas da teoria psicanalítica a oportunidade de aperfeiçoar seu
trabalho. Aprender com os equívocos é não temer as contribuições psicanalíticas –
como as que veremos no próximo capítulo que continuam válidas para o
58
conhecimento da psique humana, bem como encarar os novos desafios que surgirão
com a evolução e dinamização de outras ciências.
59
Terceiro capítulo
3
Psicanálise e psicologia na prática do aconselhamento pastoral
contribuões e diferenças
Este capítulo objetiva apresentar descobertas da psicanálise capazes de contribuir
no exercício do aconselhamento. Importa que o conselheiro use da melhor forma
possível as descobertas freudianas sobre o aparelho psíquico. Ao saber ouvir e falar, e
dotado do conhecimento que possibilite ao aconselhando sentir-se acolhido, e ao mesmo
tempo impulsionado para a cura, o conselheiro cristão não deve temer a ciência
psicanalítica. Como outros terapeutas que atuam nas ciências psicológicas e mentais, ele
deve encarar o fato de que o desconhecimento técnico psicológico é a maior causa de
fracassos em gabinetes pastorais, porque de alguma forma perpetuou-se o mito de que
doenças mentais são doenças não orgânicas, produzidas por falta de algum componente
químico necessário ao corpo humano,
99
ou mais arcaicamente como manifestações de
entidades do mal, que se apoderam de corpos, mentes e saberes com o fim único de
literalmente infernizar o homem em vida.
Procuramos, para tanto, traçar um paralelo entre psicanálise, psicologia e
aconselhamento pastoral, servindo-nos do trabalho de estudiosos tanto da área das
ciências psicológicas quanto da teologia, como Freud, Scheefer, Rizzuto, Foucault,
Augé, Garcia bio, Aletti, Tillich, Morano, Browning, Schneider-Harpprecht, Lothar
Carlos Hoch e Boff, dentre outros. Essa composição de diferentes áreas objetiva o
alcance do entrelaçamento das diferentes correntes terapêuticas que visam à audição de
aconselhandos, crentes ou não.
60
3.1
O aparelho psíquico conforme Freud
Embora nosso objetivo não seja o estudo profundo da formação do aparelho
psíquico, tal qual apresentado por Freud, consideramos importante vislumbrar, mesmo
que superficialmente, uma das descobertas mais interessantes no campo das ciências
que lidam com a psicologia humana, e em especial, no nosso caso, a psicanálise
freudiana.
Para perceber algo da estrutura psíquica humana, da teoria da personalidade, como
modelo puramente psíquico, é necessário entender as duas teorias básicas do aparelho
psíquico desenvolvidas por Freud. Esse aparelho, segundo apresentado por ele, “tem um
sentido ou direção”.
100
O que nos interessa nesse ponto é perceber que a direção toma
parte de uma extremidade sensória rumo a uma atividade motora.
101
Ou seja, as
percepções sensoriais permitem que registremos como atos reflexos o que captamos ao
longo de nossa existência. Assim, quanto ao que é sensorial, Freud fez o seguinte
registro em seus escritos:
Pois na psicanálise, não temos outra opção senão afirmar que os processos
mentais são inconscientes em si mesmos, e assemelhar a percepção deles por
meio da consciência à percepção do mundo externo por meio dos órgãos
sensoriais.
102
Esse acúmulo de informações nos conduz ao raciocínio freudiano no que tange à
formação do inconsciente. Ele empregou a palavra “aparelho” para caracterizar uma
organização psíquica dividida em sistemas, ou instâncias
103
psíquicas, com funções
específicas para cada uma delas, que estão interligadas entre si, ocupando certo lugar na
mente.
104
Nas palavras do próprio Freud, “representaremos o aparelho mental, como um
instrumento composto, a cujos componentes daremos o nome de ‘instâncias’ ou (por
99
FOUCAULT, Michel. Doença mental e psicologia. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro Ltda, 1968, p.7.
100
FREUD, Sigmund. A psicologia dos processos oníricos. Edição Standard Brasileira das Obras
Completas. Vol. V, capítulo VII, Imago, Rio de Janeiro, 1972, p. 573.
101
FREUD, 1972, p. 573.
102
FREUD, Sigmund. Justificação do conceito de inconsciente. Edição Eletrônica 2.1 das Obras
Psicológicas de Sigmund Freud, vol. XIV.
103
[“Instanzen”, literalmente “instância”, num sentido semelhante àquele em que a palavra tem na
expressão Tribunal de Primeira Instância”]. FREUD, Sigmund. Edição Standard Brasileira das Obras
Psicológicas Completas. Imago, Rio de Janeiro, vol. V - Capítulo VII A psicologia dos processos
oníricos. p. 573.
104
Disponível em: < http://fundamentosfreud.vilabol.uol.com.br/segundatopica.html>. Acesso em: 20
nov.2009
61
amor a maior clareza) ‘sistemas’”.
105
Em grego, “tópos”
106
quer dizer “lugar”. O modelo
tópico, portanto, designa um “modelo de lugares”, dos quais Freud descreveu dois: a
Primeira pica, conhecida como Topográfica, e a Segunda Tópica, ou Estrutural.
107
Freud não se preocupou em situar uma região no cérebro como local específico das
instâncias psíquicas. Apenas utilizou-se do modelo tópico para que a descrição da
formação do inconsciente não se tornasse mais complicada do que já parecia ser.
Na Primeira Tópica, inspirada pela análise dos sonhos e da histeria, Freud
apresenta-nos os três sistemas que comem o aparelho psíquico e a personalidade: o
inconsciente, o pré-consciente e o consciente.
108
3.2
O inconsciente (das Unbewusst, unbewusst)
Segundo Freud, o inconsciente é uma pequena parte do que denominamos mente
humana”,
109
o que sugere que se trata de um conceito simples. Ledo engano, pois o
próprio pai da Psicanálise assim se refere ao inconsciente:
O inconsciente abrange, por um lado, atos que são meramente latentes,
temporariamente inconscientes, mas que em nenhum outro aspecto diferem
dos atos conscientes, e, por outro lado, abrange processos tais como os
reprimidos, que, caso se tornassem conscientes, estariam propensos a
sobressair num contraste mais grosseiro com o restante dos processos
conscientes.
110
É de vital importância para a compreensão de uma das partes mais importantes do
aparelho psíquico que “a diferenciação do psíquico em consciente e inconsciente é
pressuposição fundamental da psicanálise.
111
O que podemos observar é que “nele
estão registrados os atos psíquicos que carecem de consciência, principais determinantes
da personalidade, fontes de energia psíquica, pulsões e instintos”.
112
Isso pode parecer
105
FREUD, Sigmund. 1972, p. 573.
106
HOUAISS, Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa 1.0
107
Disponível em: <http://fundamentosfreud.vilabol.uol.com.br/primeiratopica.html>. Acesso em: 20
nov. 2009.
108
Dispovel em: <http://fundamentosfreud.vilabol.uol.com.br/segundatopica.html>. Acesso em: 20
nov.2009
109
Disponível em: < http://gballone.sites.uol.com.br/freud.html>. Acesso em: 25 nov.2009
110
FREUD, Sigmund. Vários significados do inconsciente. Obras psicogicas completas. Edições
Eletrônicas 2.0 Vol. XIV. Imago, Rio de Janeiro, 1972.
111
MIJOLLA, Alcain de. Dicionário Internacional da psicanálise. Conceitos, noções, biografias,
obras, eventos, instituições. Rio de Janeiro: Imago, 2005, p. 940.
112
Dispovel em: <http://fundamentosfreud.vilabol.uol.com.br/segundatopica.html>. Acesso em: 20
nov.2009
62
como algo simples de ser alcançado, mas a grande questão se estabelece quando se
observa que, de certa forma, muito do que está em nosso inconsciente, se assim
podemos inferir, deseja tornar-se consciente. E nós, por alguma razão até então
inconsciente, tornamos consciente aquilo que, de certa forma, não cause sofrimento.
Querer e não querer saber quem se é continua sendo o drama da psique humana.
É no inconsciente que se encontram elementos impedidos, de alguma forma, de se
tornar conscientes. Em dado momento essas forças emocionais censuradas ou
reprimidas tornam-se conscientes, desfazendo uma sequência de elos inconscientes e
encerrando, assim, uma cadeia de descontinuidade pquica. “O inconsciente não é
apático nem inerte, havendo uma vivacidade e imediatismo em seu material.
113
Contudo, embora tal dinâmica mental esteja presente, “este material não é esquecido
nem perdido porém o é permitido ser lembrado”.
114
O acesso a esses pensamentos
continuam recebendo estímulos, mesmo que o conscientemente. “O pensamento ou a
memória ainda afetam a consciência, mas apenas indiretamente”.
115
Interessante é
observarmos que, segundo as pesquisas de Freud, “o inconsciente não é uma segunda
consciência estranha em nós, mas que existem atos psíquicos que são privados de
consciência, distinção importante que coloca o acento sobre o ato e não sobre a
reflexividade”.
116
Segundo Freud, o inconsciente é constituído pelos sonhos, esquecimentos de
palavras ou nomes, lapsos, atos falhos em geral e chistes, expressando-se por esses
meios. Segundo as próprias palavras do pai da psicanálise,
Se olharmos para os desejos inconscientes reduzidos à sua mais fundamental
e verdadeira forma, teremos de concluir, fora de vida, que a realidade
psíquica é uma forma especial de existência que não deve ser confundida
com a realidade material.
117
É importante observar que o inconsciente, ou o sistema inconsciente, consegue se
abstrair do que chamamos de tempo lógico. Esse pensamento é confirmado por Freud:
Os processos do sistema inconsciente são intemporais, ou seja, não se
apresentam ordenados cronologicamente, não são modificados pelo
transcurso do tempo e não têm absolutamente nenhuma relação com este
113
Disponível em: < http://gballone.sites.uol.com.br/freud.html>. Acesso em: 25 nov.2009
114
Disponível em: < http://gballone.sites.uol.com.br/freud.html>. Acesso em: 25 nov. 2009
115
Disponível em: < http://gballone.sites.uol.com.br/freud.html>. Acesso em: 25 nov. 2009
116
MIJOLLA, Alcain de. 2005, p. 943.
117
MIJOLLA, Alcain de. 2005, p. 943.
63
último. A relação temporal também está ligada ao trabalho do sistema
consciente
118
.
Assim, tanto o sistema inconsciente como o consciente estão interligados, mas a
manifestação do inconsciente para uma percepção consciente não é simples. A obtenção
do conhecimento das estruturas que compõem o aparelho psíquico apresentado por
Freud contribui para que a escuta pastoral não fique apenas no dito pelo aconselhando,
mas percorra caminhos mais profundos, apresentados pelo não verbal. Noto uma grande
contribuição da psicanálise como instrumento que possibilita ao conselheiro cristão se
dispor a investigar com maior critério e rigor os motivos de desconforto psíquico-
existencial ao aconselhando. Tomar conhecimento dessas técnicas é também demonstrar
interesse e valorizar o outro como a si mesmo.
3.3
O pré-consciente (das vorbewuste, vorbewusst)
No pré-consciente, localizam-se as partes do inconsciente capazes de se tornar
conscientes. “É a área das lembranças que a consciência precisa para desempenhar suas
funções”.
119
Podemos inferir que, “estritamente falando, o Pré-Consciente é uma parte
do Inconsciente”.
120
O pré-consciente está eivado de experiências, passíveis de trazer
“lembranças, nomes, locais outrora freqüentados, datas, nossos alimentos prediletos, o
cheiro de certos perfumes e uma grande quantidade de outras experiências passadas”.
121
Esse pré-consciente do ponto de vista metapsicológico, funciona como uma forma de
barreira que não permite tão facilmente que os processos inconscientes passem para o
pré-consciente sem que sofram alguma transformação”.
122
118
MIJOLLA, Alcain de. 2005, p. 944.
119
Disponível em: < http://fundamentosfreud.vilabol.uol.com.br/segundatopica.html>. Acesso em: 20
nov.2009
120
Disponível em:< http://gballone.sites.uol.com.br/freud.html>. Acesso em: 25 nov. 2009
121
Disponível em:< http://gballone.sites.uol.com.br/freud.html>. Acesso em: 25 nov. 2009
122
Disponível em: < http://akhenaton.sites.uol.com.br/psicanalise.htm> Acesso em: 07 fev. 2010
64
3.4
O consciente (bewusst)
Por fim, o consciente é a pequena parte da mente que inclui tudo de que estamos
cientes em dado momento histórico.
123
Esse momento particular, denominado de
atividade psíquica, é composto dos estímulos gerados a partir da percepção pré-
consciente até a conscncia, a qual, num determinado instante, possibilita a tomada de
decisões que poderão repercutir na vivência futura. Para Freud, “a consciência não é um
estado permanente, mas sim transitório”.
124
Isso leva-nos a pensar que na “consciência”
nossas reações podem ser entendidas e qualquer ação desenvolvida, de certa forma,
estará sob o nosso controle. Mas com isso não podemos afirmar que o trabalho de
perceber o que é consciente destitua-se de outros componentes que o conduziram àquele
momento perceptivo.
3.5
A segunda tópica
A segunda tópica, que surgiu após 1920, é sistemática, estrutural. Freud apresenta
uma visão tripartite da mente em três instâncias: o id, o ego e o superego.
125
Esses três
componentes é que fornecerão à teoria psicanalítica os recursos para que o aparelho
psíquico apresentado por Freud continue sendo objeto de estudo nas mais variadas
ciências ligadas à psique humana. O id (ou o isso) é o polo pulsional da personalidade
humana, em que se localizam as energias psíquicas iniciais, do ponto de vista
econômico. “O ponto de vista econômico constitui, com os pontos de vista picos e
dinâmicos, um dos três eixos principais da metapsicologia.
126
Nele são abordados os
fatos psíquicos sob o ângulo da intensidade das forças que os percorrem e os animam.
127
123
Disponível em: < http://fundamentosfreud.vilabol.uol.com.br/segundatopica.html>. Acesso em: 20
nov.2009
124
FREUD, Sigmund. Moisés e o monoteísmo. Rio de Janeiro, Imago, 1997, p.84.
125
Dispovel em: <http://fundamentosfreud.vilabol.uol.com.br/segundatopica.html>. Acesso em: 20
nov.2009
126
Nota: é um conceito trazido por Freud em 1986, que pode ser explicado como uma associação entre os
elementos da teoria psicanalítica e as experiências vividas na clínica.
Dispovel em:< http://www.dicionarioinformal.com.br/buscar.php?palavra=metapsicologia> Acesso em:
06 Fev. 2010.
127
MIJOLLA, Alcain de. 2005, p. 533.
65
O que nos chama a atenção no ponto de vista ecomico de Freud é que tal ponto
compõe-se de forças específicas (pulsões) que percorrem o aparelho psíquico variando
de intensidade, a qual age, por vezes, em termos de constituição, por causa de reforços
ligados ao desenvolvimento de traumatismos em particular. A oposição ou combinação
dessas forças é que o ponto de vista econômico descreve como jogo de forças e
intensidades resultantes do movimento.
128
Talvez nesse pensamento em particular
possamos inferir que tais forças pulsionais permitem perceber o prazer e o desprazer.
na questão do id, Freud apresenta três novos pontos de vista. O primeiro está
ligado à sua dinâmica, que se relaciona com as funções do ego e com os objetos,
abarcando realidades exteriores e introjetadas. Por sua vez, id e ego se relacionam com
o superego de modo um tanto conflituoso, mas que possibilita ao id uma interação de
aliança com o superego.
129
Já do ponto de vista funcional, o que rege o id é justamente o
princípio desorganizado do prazer e das paixões, o próprio caos na personalidade, por
estar ligado ao processo primário de formação desta.
130
E do ponto de vista topográfico,
percebemos que o id coincide virtualmente com o inconsciente, sendo reconhecido
como o polo psicobiológico da personalidade, fundamentalmente constituída pelas
pules de vida e de morte.
131
A pulsão de morte não foi objeto intenso de estudo do
próprio Freud.
O ego (eu) é outra insncia que compõe a segunda pica de Freud. Do ponto de
vista tópico, o ego depende tanto das reivindicações do id como dos imperativos do
superego e das exigências da realidade. Sua autonomia é apenas relativa.
132
Porque o
ego depende de toda a estrutura pquica para se manter e desempenhar sua função no
equilíbrio emocional do indivíduo. Em ação, atinge o corpo com sua percepção
sensorial, e que por vezes ao reagir apresenta a realidade que o indivíduo até então não
havia percebido por si , tentando regular os desejos e impulsos que o indivíduo tem
dificuldade em controlar. De certa forma, o ego está a serviço do id numa busca
incessante de não contrariar o superego.
128
Cf. MIJOLLA, Alcain de. 2005, p. 534.
129
Dispovel em: <http://fundamentosfreud.vilabol.uol.com.br/segundatopica.html>. Acesso em: 20
nov.2009
130
Dispovel em: <http://fundamentosfreud.vilabol.uol.com.br/segundatopica.html>. Acesso em: 20
nov.2009
131
Dispovel em: <http://fundamentosfreud.vilabol.uol.com.br/segundatopica.html>. Acesso em: 20
nov.2009
132
Dispovel em: <http://fundamentosfreud.vilabol.uol.com.br/segundatopica.html>. Acesso em: 20
nov.2009
66
Do ponto de vista econômico, o ego surge como fator de ligação dos processos
psíquicos, mas nas operações defensivas as tentativas de ligação da energia pulsional
são contaminadas pelas características que especificam o processo primário: assumem
um aspecto compulsivo, repetitivo, irreal.
133
Na questão dinâmica do ego, representa o
polo defensivo da personalidade, que considera ainda os afetos desagradáveis, sinal das
angústias.
134
O superego ou supereu, como mais uma das instâncias da personalidade, é
descrito por Freud, metaforicamente, como juiz ou censor do ego. O pai da psicanálise
vê na consciência moral, na auto-observação, na formação de ideias funções do
superego. De uma forma clássica, ele se define como herdeiro do complexo de Édipo e
constitui-se por interiorização das exigências e das interdições parentais.
135
Apesar de toda a complexidade na elaborão e definição das funções
apresentadas no aparelho psíquico de Freud, tanto na primeira como na segunda tópica
fica claro que essa estrutura didática facilita muito a apreensão da dinâmica do
psiquismo humano. A forma como os elementos que constituem a personalidade do
indivíduo e os caminhos pelos quais as energias pquicas (catexias)
136
são elaboradas
continuam fazendo da mente humana alvo de pesquisa para quem que se propõe
desvendar os segredos da alma, e assim, também curá-la.
3.6
Freud e a escuta psicanalítica. Saber escutar e escutar sabendo.
Por mais constrangedor que pareça ser, no campo da religião, a importância das
pesquisas de Freud no que se refere à elaboração do aparelho pquico e da estruturação
do inconsciente, a escuta psicanalítica desenvolvida por Freud é uma das ferramentas
que proporcionaram os maiores avanços no campo das ciências empíricas,
principalmente as psicológicas.
133
Dispovel em: <http://fundamentosfreud.vilabol.uol.com.br/segundatopica.html>. Acesso em: 20
nov.2009.
134
Dispovel em: <http://fundamentosfreud.vilabol.uol.com.br/segundatopica.html>. Acesso em: 20
nov.2009.
135
Disponível em: <http://fundamentosfreud.vilabol.uol.com.br/segundatopica.html>. Acessado em: 20
nov.2009.
136
Catexia é o processo pelo qual a energia libidinal dispovel na psique é vinculada a ou investida na
representação mental de uma pessoa, idéia ou coisa.
Dispovel em:< http://gballone.sites.uol.com.br/freud.html>. Acessado em: 25 Nov. 2009
67
Assim, o conselheiro pastoral deveria fazer uso do que existe de positivo nas
descobertas freudianas, para melhor atender ao aconselhando, pertença este a algum
seguimento religioso ou não. Oscar Pfister
137
recebeu do próprio Freud uma
correspondência datada em 9 de fevereiro de 1909, na qual o pai da psicanálise
expressava sua percepção sobre religião e psicanálise da seguinte forma: “A psicanálise
em si não é religiosa nem anti-religiosa, mas um instrumento apartidário do qual tanto o
religioso como o laico poderão servir-se, desde que aconteça o somente a serviço da
libertação dos sofredores”.
138
A psicanálise não tem, claro está, interesse em ser reconhecida como parte de
uma estrutura religiosa, mas se propõe analisar os fenômenos que a manifestação
religiosa provoca na saúde psíquica do indivíduo religioso, ou seja, se em ritos e cultos
manifesta-se algum sintoma que prejudique aquele que crê. De forma bem clara, Freud
deixa transparecer que a religião é uma organização com poderes metafísicos
suficientemente fortes para conduzir uma massa incauta a práticas irracionais, pondo em
risco não só a saúde psíquica do indivíduo, mas também sua integridade física.
O termo psicanálise, segundo Tillich,
139
“tem sido usurpado pela escola de Freud
como se ninguém mais pudesse usá-lo”. O conceito não deixou de acompanhar as
“descobertas sicas de Freud, principalmente no que concerne ao inconsciente”,
140
e a
teologia encarregou-se semanticamente disso, “relacionada de maneira muito especial
com a psicanálise, principalmente na função de aconselhamento”.
141
Tal relação
teologia-psicanálise, segundo o pprio Tillich, “mostra-se intimamente ligada ao
movimento existencialista do século XX”,
142
pois para ele as duas disciplinas não
andam em caminhos separados, mas se interpenetram”.
143
A lucidez desse pensamento se justifica, pois ambas, psicanálise e teologia, têm
como objeto de pesquisa algo que as transcende: no caso da teologia, trata-se do
pensamento humano, que se situa para além do físico e, numa tentativa de
sistematização equilibrada, recorre às fontes históricas catalogadas; e no caso da
psicanálise, as manifestações do inconsciente, que se apresentam nos atos falhos, nos
137
Oscar Pfister. Doutor em filosofia e doutor honoris causa em teologia. Nasceu em Zurique em 23 de
Fevereiro de 1873.
138
FREUD, Ernst L. & Meng, Heinrich (Org). Cartas entre Freud & Pfister (1909-1939) – um diálogo
entre a psicanálise e a fé cristã. Viçosa –MG, Ultimato, 1998, p. 25.
139
TILLICH, Paul. Teologia da Cultura. Fonte Editorial, São Paulo, 2009, p. 161.
140
TILLICH, Paul. 2009, p. 161.
141
TILLICH, Paul. 2009, p. 162.
142
TILLICH, Paul. 2009, p. 162.
143
TILLICH, Paul. 2009, p. 163.
68
chistes, nos sonhos e nas descargas pulsionais das forças libidinais (a palavra libido aqui
não se restringe ao erotismo, mas refere-se a energias em funcionamento no aparelho
psíquico).
Perceber a relação entre psicanálise e teologia pode contribuir para a melhor
qualidade da escuta durante a sessão de aconselhamento pastoral, pois os dois métodos
terapêuticos estão interessados em eliminar ou, pelo menos, minimizar o mal-estar do
aconselhando. Foi isso que Pfister descobriu e registrou em uma carta enviada a Freud
no dia 18 de fevereiro de 1909, expressando sua alegria: “Foi para mim uma grande
satisfação saber, através de sua comunicação, que entendi corretamente a tarefa da
psicanálise, de ser, no fundo, um método de cura de almas”.
144
Observamos então que
teologia e psicanálise estão imbuídas de um sentimento que tem como princípio
dignificar o ser humano, tratando-o de tal forma que os desconfortos e angústias não
sejam relegados a um plano irrelevante na composição da qualidade de vida do homem.
O termo psicologia profunda é raramente utilizado hoje em dia para substituir a
técnica psicanalítica de análise, que se encontra diretamente ligada aos eventos do
inconsciente “com suas raízes na teoria e na práxis freudiana”.
145
Isso nos leva a pensar
que a psicanálise pode e deve ser entendida também como parte importante desse
conceito. “Ela trabalha igualmente com símbolos, mitos e é constantemente aplicada às
pesquisas religiosas, principalmente no campo da interpretação do Novo
Testamento...”.
146
Qualquer religião tem seu sistema de símbolos e dogmas, que a
diferencia de outra e isso é passível de verificação especialmente no que diz respeito à
saúde mental e psíquica dos seguidores e praticantes das mais diversas religiões.
A psicanálise se interessa pelos valores simbólicos encontrados nas religiões e
pelo efeito desses símbolos sobre o imaginário da comunidade, examinando a alteração
que tais elementos processam no comportamento do grupo ao criarem êxtases que
permitem uma percepção mais nítida das manifestações do inconsciente. A questão
religiosa é tão importante nos escritos freudianos que, segundo Théo Pfimmer (1982),
são encontradas mais de quatrocentas citações bíblicas ao longo de toda a obra de
Freud.
144
FREUD, Ernst L. & Meng, Heinrich (Org). 1998, p. 27.
145
<Dispovel em: <http://www.infoescola.com/psicologia/psicologia-profunda/> Acessado em 20 Nov.
2009.
146
<Dispovel em: <http://www.infoescola.com/psicologia/psicologia-profunda/> Acessado em 20 Nov.
2009
69
Quando tratamos a audão psicanalítica desenvolvida por Freud como
instrumento à disposição do conselheiro cristão, não incorremos na ingenuidade de
aceitar toda a teoria psicanalítica freudiana como isenta de aspectos antagônicos a essa
fé. Ao contrário, por entendermos que o modelo de terapia estudado e desenvolvido por
Freud contribui para a qualidade do trabalho do conselheiro cristão, e que a escuta e a
habilidade para lidar com as mais variadas demandas do gabinete pastoral podem ser
subsidiadas pela cnica psicanalítica freudiana é que buscamos o aporte da psicanálise.
Segundo Pfister, “um adversário de grande capacidade intelectual é mais útil à religião
que mil adeptos inúteis”.
147
Portanto, se a psicanálise for encarada como adversária da
teologia ou da religião judaico-cristã, proporcionará, pelo menos, um desconforto que
levateólogos e conselheiros a se inteirarem do assunto. O estímulo, vindo assim pela
via do oposto, seria como uma tentativa apologética de defender a em detrimento das
teorias psicanalíticas. E se tais teorias questionam as manifestações religiosas, teremos
uma perspectiva mais apurada do que realmente as pessoas creem. Para tanto é
necessário que essas pessoas sejam ouvidas sem nenhum preconceito. Saber ouvir é,
portanto, primordial tanto para analistas quanto para conselheiros.
3.6.1
Saber escutar
O que seria, então, para o conselheiro cristão, praticar a audição considerando a
psicanálise como possibilidade? Segundo Mario Aletti,
148
saber escutar deve estar isento
de qualquer parcialidade possível. E é essa neutralidade que permitirá ao conselheiro
escutar com maior clareza o aconselhando por meio de um discurso muitas vezes
obscuro para este. A análise da verbalização do aconselhando exige do conselheiro o
entendimento da diferença entre dois verbos: ouvir e escutar.
Essas duas palavras podem parecer sinônimas. Das conotações encontradas no
dicionário Houaiss para os dois termos, destacamos as seguintes: ouvir é “perceber
(som, palavra) pelo sentido da audição; escutar”;
149
Escutar é “estar consciente do que
está ouvindo, ficar atento para ouvir, dar atenção a”.
150
Portanto, escutar é um ato mais
147
FREUD, Ernst L. & Meng, Heinrich (Org), 1998, pp. 146-147.
148
ALETTI, Mário. Psicologia: teoria e pesquisa. Brasília, 2008, Vol. 24 n. 1, pp. 117-126.
149
HOUAISS. Dicionário Eletrônico da Língua Portuguesa 1.0
150
HOUAISS. Dicionário Eletrônico da Língua Portuguesa 1.0
70
profundo do que simplesmente ouvir, estando implícito nesse ato que quem escuta está
“consciente” do que se diz, o que nem sempre está claro num gabinete pastoral ou set
analítico para o que fala. Quem fala pode repetir histórias, narrar fatos, exprimir
vivências sem, contudo, perceber o que subjaz ao dito e tem valor importante na
conduta e no comportamento.
O que parece simples ganha contornos de complexidade ao observarmos o que
nos diz Aletti com respeito à neutralidade do que escuta (no caso, o conselheiro). Assim
lembra-nos Aletti:
Faz parte da neutralidade também saber escutar. Muitas vezes indo além das
palavras, para colher a verdade do não-dito, na não-verdade do dito; a
“talking cure”, de que fala Freud, é análise do discurso, mas também das
lacunas do discurso: os esquecimentos, as preterições, as redundâncias...
151
O professor italiano refere-se também à necessidade de não cortar o fio discursivo
do aconselhando, que precisa explicitar o incômodo:
Saber escutar significa não saber colher o incômodo, mas também
deixar que ele se expresse nas palavras do paciente, em seu próprio
formular-se, no processo em que o sofrimento se torna palavra,
evitando o recurso fácil a formas de silenciamento do sujeito.
152
Não constitui esforço inválido entender que durante o aconselhamento pastoral
instrumentalizado pela psicalise, a escuta pastoral se viabiliza com alguma
imparcialidade capaz de garantir a escuta do que está para ser expresso pelo
aconselhando. O conselheiro “deve saber escutar, estar atento, ser compreensivo,
objetivo, imparcial, autêntico e desinteressado”.
153
O aconselhando se dispõe a
verbalizar o desconforto, crendo que aquele que o escuta está devidamente habilitado
para conduzi-lo a uma melhor percepção de si mesmo, e que durante o tratamento na
sessão do gabinete pastoral ou no set analítico a fala bem ouvida constitui socorro em
meio ao sofrimento.
O conselheiro cristão assemelha-se ao analista que utiliza a terapia freudiana
clássica ao observar as três técnicas principais da psicanálise: a confrontação, a
151
ALETTI. 2008, p. 124.
152
ALETTI. 2008, p. 124.
153
MORANO, Carlos Domínguez. Crer depois de Freud. São Paulo, Loyola, 2003, p. 281.
71
interpretação e a reconstrução.
154
O componente comum a essas fases é o medo do
aconselhando ou analisando de lidar com o seu verdadeiro eu, ao permitir que
lembranças, desejos, pensamentos e atitudes reprimidos aflorem à consciência”.
155
Assim, o trabalho do conselheiro é o de ajudar nesse árduo caminho da
descoberta de si mesmo. Essa tarefa exige preparo, empenho e, acima de tudo,
responsabilidade na condução desse processo que pode agravar uma situação
desfavorável, tornando-a psiquicamente irreversível. É o que sabiamente nos lembra
Rizzuto ao dizer que “nenhuma mente humana possui a capacidade de destruir uma
representação. A mera tentativa de fazê-lo poderia nos levar à loucura!”.
156
As representações mentais re-significadas na conversa pastoral remontam a
vivências fixadas no passado ou podem vir a ser o início de uma formação traumática
que mais adiante se apresentará como sintoma. O trauma, nas palavras de Freud, “é toda
impressão ou vivência que provoque afetos penosos de medo, susto ou vergonha e que o
sistema psíquico tem dificuldade para resolver por meio do pensamento associativo ou
por reação motora.”
157
Portanto tratar o trauma exige do conselheiro o desempenho
hábil na reconstrução dos elementos causadores. Não é em função do ato em si, mas das
possíveis sequelas futuras que prevenir danos continua sendo uma boa maneira de evitar
que enfermidades ultrapassadas ganhem conotação de endemias modernas a serviço
de interesses nada éticos.
3.6.2
Escutar sabendo
As transformações por que passa o mundo contemporâneo estão além da
compreensão ou do domínio. Uma sociedade em que “o fenômeno religioso em toda a
sua pujança é hoje antes de tudo o triunfo da sacralizão do imaginário em vias de
globalização
158
não admite a religiosidade que pelo menos o tente materializar o que
é espiritualmente transcendente, seja por meio de comportamentos mais ou menos
154
HURDING, Roger F. A árvore da cura. Modelos de aconselhamento e de psicoterapia. São Paulo.
Edições Vida Nova. 1995, p. 84.
155
HURDING, 1995, p. 84.
156
RIZZUTO, Ana-Maria. O nascimento do Deus vivo um estudo psicanalítico. São
Leopoldo:Sinodal:EST, 2006, p. 114.
157
Disponível em: http://www.fundamentalpsychopathology.org/anais2006/4.26.3.1.htm Acesso: 05 fev.
2010.
158
JOSAPHAT, Frei Carlos. Falar de Deus e com Deus caminhos e descaminhos das religiões hoje.
o Paulo: Paulus, 2004, p. 15.
72
bizarros, seja recorrendo a uma linguagem metafórica que permita ao religioso abstrair
o que não é representável por outras vias de comunicão. Esse imaginário fabricado em
laboratórios e ilhas de edição afetou de tal maneira o pensar e o comportamento humano
que pelos anos 50, no imediato pós-guerra, quando a dia retomava seu surto
vertiginoso, falava-se do advento de uma sociedade de imagem”.
159
Não é difícil inferir
que o estímulo ao imaginário pode também tornar-se uma ponte de desequilíbrio na
vivência real cotidiana. Essa percepção de uma nova forma de ver o imaginado é
extremamente significativa. Assim, lembra-nos Josaphat:
De início, as imagens pareciam seduzir olhos e ouvidos. O que muita gente
nem notou foi o jeito bom, sorrateiro e astuciosamente criativo que a mídia
tem de fazer o homem à sua imagem, conquistando-o dia a dia, sobretudo
noite e mais noite, plasmando-lhe a imaginação, a afetividade e mesmo o
inconsciente.
160
O conhecimento das transformações por que passam os comportamentos mais
íntimos relacionais da sociedade implica no entendimento de que mesmo
inconscientemente o imaginário compromete-se diretamente nas possíveis
manifestações do inconsciente que naturalmente surgem durante a sessão de
aconselhamento religioso. O conselheiro que tende a sacralizar o não sacralizável pode
muito facilmente contribuir para que o aconselhando que o se percebe numa nova
relação entre o que é sagrado hoje e o que era sagrado antes perpetue seu conflito
interior na escolha ou na formação do que é convencionado como sacro. O conselheiro
traz ao aconselhando algo que devolve a este uma esperança que pode ou não estar
oculta.
Segundo Erich Fromm, apud Browning, “a esperança é o elemento central do
caráter produtivo”
161
(tradução nossa). O conselheiro, por trabalhar com a perspectiva e
a expectativa da cura, não está alheio ao significado dos elementos simbólicos tornados
sagrados para o aconselhando. De fato, no aconselhamento pastoral o aconselhando
deseja que sua esperança não se desvaneça, seja qual for o motivo que o levou a
procurar o conselheiro. Como força que capacita ao movimento curativo, Fromm afirma
que a esperança é a capacidade de ver e apreciar todos os sinais de uma vida nova”
162
(tradução nossa).
159
JOSAPHAT, 2004, p. 15.
160
JOSAPHAT, 2004, p. 15.
161
Hope is a central element of the productive character. BROWNING, Don S. Generative man:
Psychoanalytic Perspectives. New York, A Delta Book, 1975, p. 130.
162
The capacity to see and cherish all signs of new life. BROWNING, 1975, p. 131.
73
É a esperança de uma nova vida ou um novo comportamento existencial que
impulsiona, muitas vezes, o aconselhando à busca do aconselhamento capaz de
estimulá-lo a vencer os obstáculos do cotidiano. A esperança está fortemente ligada à
que assegura a realização das possibilidades. Por isso nem a esperança nem a devem
ser entendidas como elementos vazios e irracionais.
163
No exercício da escuta, o conselheiro percebe que o seu trabalho está envolto em
elementos simbólicos trazidos pelo aconselhando, e que esse valor simbólico, seja ele
qual for, influencia diretamente no entendimento e no comportamento do aconselhando.
Especialmente quando se trata de pessoas religiosas, que trazem no imaginário símbolos
sagrados que se tornam sensíveis a qualquer alteração de significado, o cuidado torna-se
ainda maior. Quanto a esse aspecto do simbólico e do inconsciente, numa relação entre
aconselhamento cristão e uso da teologia pelo ministro religioso, cabem as
considerações de Morano:
[...] o inconsciente não entende nada de teologia e é perfeitamente capaz de
revestir-se de qualquer uma delas para mascarar propósitos inconfessáveis.
[...] ultrapassar os limites do imaginário para alcançar o simbólico não é
garantido simplesmente pelo acesso às melhores teologias.
164
Por isso, a escuta envolve elementos que perpassam não só a decodificação de
expressões verbais, mas a captação do que é dito nas entrelinhas da vida, das vivências,
dos comportamentos e das épocas, e a percepção de que mesmo assim o aconselhando é
único nesse universo de possibilidades. de se considerar também que “a patologia
mental exige métodos de análise diferentes dos da patologia orgânica, e que é somente
por um artifício de linguagem que se pode emprestar o mesmo sentido às ‘doenças do
corpo’ e às ‘doenças do espírito’”.
165
163
BROWNING, 1975, p. 131.
164
MORANO, 2003, p. 319.
165
FOCAULT, Michel. Doença mental e psicologia. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1968, p. 17.
74
3.7
A psicanálise e a psicologia a favor do aconselhamento pastoral. Sem medo de
psicanalisar pastoralmente.
A psicologia e a psicanálise não precisam ser temidas pelo conselheiro cristão,
desde que seu usuário não as veja como “o método único e infalível no
acompanhamento do aconselhando. Em relação ao método, leiamos Harpprecht: “Os
métodos têm que capacitar clientes para conscientizar-se sobre a sua situação e procurar
soluções solidárias a partir da fé cristã”.
166
Isso não pode ser ignorado pelo conselheiro.
Sabemos que o aconselhamento pastoral difere do psicológico e psicanalítico, por
considerar a vincia espiritual do aconselhando, mesmo que este não tenha uma vida
religiosa praticante ou regular. No entanto, isso não inviabiliza nem descarta o uso sábio
de técnicas psicanalíticas e psicológicas. A seguir apresentamos alguns métodos
psicológicos utilizados nos diversos meios terapêuticos seculares e a possível relação de
alguns deles com o aconselhamento pastoral, sem que este venha a perder sua
identidade e objetividade.
O risco a que se expõe o conselheiro será alto se este o tiver convicções
firmes. Quem sabe em quem crê e não se deixa influenciar por outras correntes
filoficas descomprometidas com a consolidação da cristã não deve temer se
aventurar nos caminhos do aconselhamento e da psicologia pastoral. o se deve
minimizar a capacidade dos aspirantes ao aconselhamento eficaz, mas tampouco ignorar
que muito do que a psicologia e a psicanálise nos apresentam, com recursos de retórica
e discursos bem elaborados, pode causar vidas no exercício de uma prática. Como
tratamos no segundo capítulo, a diaconia auditiva não tem como modelo o método, mas
a própria vivência do Senhor.
O que a terapia deve propiciar é um acompanhamento eficiente ao
cliente/aconselhando, e que este se expresse sem medo, algo aparentemente simples a
princípio, mas de fato uma valiosa chave para as curas psíquicas. Acrescentamos aqui a
afirmação de Gilbert Durand, citada por Kalu:
A terapia propicia o espaço para que pensamentos e sentimentos esquecidos
e incontroláveis encontrem palavras e gestos e sejam discutidos de tal modo
166
SCHNEIDER-HARPPRECHT, Christoph. Aconselhamento pastoral. In: SCHNEIDER-
HARPPRECHT, Christoph (Org.). Teologia prática no contexto da América Latina. 2 ed. São
Leopoldo: Sinodal – Aste, 2005, p. 316.
75
que sejam superados e esquecidos de maneira saudável. Além disso, o
terapeuta não considera que o seu trabalho se assemelhe ao do Sacerdote ou
diretor escolar, segundo a definição dos paradigmas contemporâneos,
religiosos ou poticos. Quem cuida dessas facetas da culpa é o Estado e a
Igreja. Uma pessoa pode vir voluntariamente a um confessor e executar as
penitências de acordo com a religião, e pode ir voluntariamente para prisão e
cumprir as exigências do presídio, expcitas e inferidas. Mesmo depois
disso, ela pode sentir um resquício de culpa inconsciente
167
Constatamos então que o local da terapia também contribui para que o
cliente/aconselhando encontre as forças necessárias para se manifestar livremente, sem
censura ou inibições. Talvez seja esse o ponto que determinará a boa terapia.
3.7.1
A prática do aconselhamento pastoral utilizando a psicanálise. Mais um recurso a
favor do aconselhando
Na prática do aconselhamento pastoral os limites com o método psicanalítico
devem estar bem claros para o conselheiro cristão. O entendimento desses limites sem
preconceitos fossilizados e tradições ultrapassadas pode contribuir no atendimento ao
aconselhando, possibilitando-lhe atendimento equilibrado e cristão. Não é pelo fato de
Freud se dizer ateu que toda a sua pesquisa sobre o inconsciente deva ser desvalorizada.
Sua seriedade, cientificamente comprovada em grande parte de sua clínica, tornou o
material adquirido e registrado um tesouro precioso para gerações futuras.
Ao ler Freud, entenderemos a responsabilidade que pairava sobre o pai da
psicanálise ao falar de assuntos ligados ao inconsciente, à psique humana e à
possibilidade de as mais diversas doenças se desenvolverem a partir da orientação
educacional, social e, por que não dizer, religiosa. No capítulo O Inconsciente
justificação do conceito de inconsciente, lemos:
Nosso direito de supor a existência de algo mental inconsciente, e de
empregar tal suposição visando às finalidades do trabalho científico, tem
sido vastamente contestado. A isso podemos responder que nossa suposição
a respeito do inconsciente é necessária e legítima, e que dispomos de
numerosas provas de sua existência.
168
167
DURAND, apud KALU, Singh. Conceitos da psicanálise. Culpa. Rio de Janeiro: Relume Duma,
Ediouro. São Paulo: Segmento Duetto, 2005, p. 63.
168
FREUD, Sigmund. O Inconsciente. Justificação do conceito de inconsciente. In: Obras psicológicas
completas. Rio de Janeiro: Imago, 1972. Edição Eletrônica 2.1 vol. XIV., p. 192.
76
As pesquisas de Freud não foram tentativas aventureiras, antes descortinaram para
as gerações futuras um leque enorme de possibilidades que levariam a novas
descobertas do grande mistério que é a mente humana. As provas de Freud da existência
de uma instância inconsciente estão presentes, já que, segundo ele,
Ela é necessária porque os dados da consciência apresentam um número
muito grande de lacunas; tanto nas pessoas sadias como nas doentes ocorrem
com freência atos psíquicos que podem ser explicados pela
pressuposição de outros atos, para os quais, não obstante, a consciência o
oferece qualquer prova. Estes não incluem parapraxias
169
e sonhos em
pessoas sadias, mas também tudo aquilo que é descrito como um sintoma
pquico ou uma obsessão nas doentes; nossa experiência diária mais pessoal
nos tem familiarizado com idéias que assomam à nossa mente vindas não
sabemos de onde, e com conclusões intelectuais que alcançamos o
sabemos como.
170
O conselheiro cristão, no uso das descobertas freudianas, não põe em risco a do
aconselhando, desde que reconheça que sua fala contém muito mais do que ele pensa
verbalizar. Consciente disso, o conselheiro procura desvendar junto ao aconselhando os
motivos desencadeadores das angústias e sofrimentos vividos.
Conscientizar o aconselhando de atos até então inconscientes (latentes) é
possibilitar a cura da doença que talvez, durante anos, o fez padecer de sintomas e
complexos que jamais seriam trazidos à baila a não ser pelo método psicanalítico
freudiano ou outro método criado a partir da descoberta do inconsciente e da elaboração
do aparelho psíquico, como tentativa didática de explicação do funcionamento das
formações mentais.
O que pretendemos, ao expor reflexões que julgamos importantes para o
conhecimento do conselheiro cristão, objetiva principalmente facilitar o encontro com
algo mais difícil de ser apreendido num estudo solitário. Cabe nessa questão o alerta de
Hebreus 13:3: Lembrem-se dos que estão na prisão, como se aprisionados com eles;
dos que estão sendo maltratados, como se vocês mesmos estivessem sendo
maltratados”.
171
Esse deve ser o elemento catalisador de quem pretende exercer a
função de conselheiro cristão, ou seja, buscar o bem-estar do aconselhando.
Ainda podemos acrescentar o que Freud nos lembra sobre os estados mentais:
169
Nota: parapraxias (atos falhos) m um significado psíquico pleno e revelam muito mais do que se
possa supor superficialmente. Disponível em: <http://pt.shvoong.com/social-
sciences/psychology/1618571-parapraxias-atos-falhos-confer%C3%AAncia-ii> Acesso em: 09 Fev.
2010.
170
FREUD, Sigmund. 1972. Edição Eletrônica 2.1 vol. XIV p. 192.
171
Bíblia Sagrada Nova Versão Internacional. São Paulo: Vida, 2000.
77
A consciência torna cada um de nós cônscio apenas de seus próprios estados
mentais; que também outras pessoas possuam uma consciência é uma
dedução que inferimos por analogia de suas declarações e ações observáveis,
a fim de que sua conduta fique inteligível para nós.
172
É lúcido entender que cada aconselhando carrega consigo a ppria história,
indiscutivelmente particular, e mesmo que os fatos pareçam os mesmos ou tenham se
desenrolado de maneira idêntica a de outros, isso não tornará o aconselhamento uma
produção em rie e admitindo um único tratamento. Para cada aconselhamento o
conselheiro deve atentar para essa singularidade significativa na compreensão de uma
história de vida.
Com isso enfatizamos que o objetivo maior na conversa pastoral é a pessoa do
aconselhando. Sua história não é ele, apenas relata a vida até o momento em que, sem
explicações simplórias, ele procurou junto ao conselheiro o alívio de viver bem consigo
mesmo, com Deus e com o próximo. O conselheiro cristão que se instrumentalizar
tecnicamente para melhor servir não apenas se valorizará, mas demonstrará com seu
trabalho que o respeito e a dignidade humana devem ser encarados como ato diaconal
que nosso Mestre muito bem deixou registrado, o em palavras ou teorias etéreas, mas
num compromisso de vida que nos permite entender o amor ao próximo.
3.7.2
Freud e sua percepção do transcendente
Quais seriam as contribuições da psicanálise freudiana e de outros psicanalistas no
trabalho de conselheiro cristão? Não o poucos os protestantes que veem no pai da
psicanálise um dos maiores inimigos da Igreja, julgando-o mesmo como uma espécie de
anticristo pós-moderno. Contudo, se observarmos imparcialmente alguns aspectos do
método psicanalítico freudiano, descobriremos que muito do conhecimento transmitido
pelas escrituras sagradas foi também a base para que o pensamento de Freud se
transformasse no que hoje é a psicanálise.
Partamos da própria teoria freudiana sobre a percepção e formação do
inconsciente na vida do ser humano: muito tempo é do conhecimento comum que
172
FREUD, Sigmund. 1972. Edição Eletrônica 2.1 vol. XIV pp. 194-195.
78
as experiências dos cinco primeiros anos de uma pessoa exercem efeito determinante
sobre sua vida, efeito que mais tarde pode enfrentar”.
173
Se as primeiras impressões captadas pela criança (sensoriais, psíquicas, de prazer
e desprazer etc.) são passíveis de representação e ressurgimento na vida adulta, cabe
aqui lembrar que Freud teve na primeira infância um contato não pouco significativo
com a Bíblia.
Ana Maria Rizzuto
174
destaca alguns desses momentos, dentre os quais
lançaremos mão de apenas dois, por se tratar de matéria extensa, ppria de um estudo
específico das impressões de Freud sobre o monoteísmo judaico, a religião e a Bíblia.
O primeiro deles diz respeito ao presente que Jakob Freud, pai de Sigmund, deu-
lhe quando este tinha apenas sete anos de idade: uma bíblia de Philippson.
175
O que a
leitura da bíblia causou em Freud, muito significativo, foi registrado por Rizzuto:
Em 1935, Freud reconheceu quão significativa foi para ele essa primeira
exposição à Bíblia: “meu profundo envolvimento com a história da bíblia
(particularmente tão logo aprendi a arte de ler) teve, como percebi muito
depois, um efeito permanente sobre a direção de meu interesse”.
176
Se as primeiras impressões da vida são inconscientemente preservadas até a vida
adulta, podemos entender, pelas reflexões registradas em sua obra, que Freud teve na
sua inncia algum material de ordem religiosa. Exemplos do pensamento de Freud
acerca da religião são encontrados em seus livros Totem e tabu (1912-13) e Moisés e o
monoteísmo (1937-39), dentre outros escritos.
Talvez o reconhecimento de que o homem busca na transcendência uma
explicação para a existência nos auxilie na compreensão de tantas interrogações sobre
nossa vivência passada e perspectivas futuras. Cabe aqui um pensamento profundo de
Leonardo Boff sobre imanência e transcendência:
O ser humano é um ser nunca pronto, por isso não há antropologia, há
antropogênese, que é a gênese do ser humano. Nessa experiência emerge
aquilo que somos, seres de imanência e de transcendência, como dimensões
de um único ser humano. Imanência e transcendência não são aspectos
173
FREUD, Sigmund. 1997, p. 109.
174
RIZZUTO, Ana-Maria. Por que Freud rejeitou Deus? Uma interpretação psicodinâmica. o
Paulo, Loyola, 2001, pp. 95-110.
175
Nota: para maior conhecimento do assunto sugiro a leitura do capítulo 5 da obra citada na ref. 151
176
RIZZUTO, 2001, p. 60.
79
inteiramente distintos, mas dimensões de uma única realidade que somos
nós.
177
A psicanálise tenta auxiliar o conselheiro no equilíbrio que as revelações do
inconsciente trazem à consciência do aconselhando. Não percebemos aqui concorrência
entre aconselhamento pastoral e psicanálise, mas apenas outro método de audição que
também pode ser utilizado pelo conselheiro, desde que este dissocie audição analítica de
audição pastoral. Como demonstramos, o método psicanalítico é apenas um, dentre
outros. A audição pastoral trata de aspectos diferentes do conteúdo analisado, pois a
direção de um aconselhamento pastoral volta-se primeiramente para uma prática de
capaz de responder às questões espirituais do aconselhando em particular, e não a um
grupo.
Referindo-se à práxis psicanalítica e à práxis pastoral, recorremos a Morano:
A psicanálise nasce e encontra sua mais plena justificação numa relação
interpessoal particular: a relação que se estabelece entre um psicanalista e um
analisando, na qual efetivamente tem lugar o ato psicanalítico por excelência.
A associação livre sobre um divã, a atenção livremente flutuante e a
neutralidade do analista, assim como a interpretação das defesas
inconscientes, tudo isso no seio da experiência transferencial, constituem o
arcabouço básico da psicanálise e o único espaço onde ela pode encontrar
justificação.
178
Para o conselheiro cristão, o que se apresenta como agente facilitador no processo
de aconselhamento é justamente a relação interpessoal estabelecida livremente entre ele
e o aconselhando. É o que Morano chama de “experiência transferencial”. No caso do
aconselhamento pastoral, a própria relação de pastor e membro tende a minimizar as
resistências, pois se pressupõe que ambos já estão de certa forma num nível mais
elevado de relacionamento, embora isso seja apenas possibilidade, e não regra. Essa
“não transferência” pode ocasionar o mascaramento do que outrora motivara o
aconselhando a procurar o conselheiro.
As resistências que devem ser quebradas em qualquer forma terapêutica de
acompanhamento psicológico ou pastoral são claramente evidenciadas nos
ensinamentos de Freud, pois são essas resistências que inibem o aconselhando a se
sentir seguro nas demandas. Na verdade, no set analítico ou na conversa pastoral deve
ficar bem claro que a presença do profissional é justamente uma das funções a ele
177
BOFF, Leonardo. Tempo de transcendência o ser humano como um projeto infinito. Rio de
Janeiro, Sextante, 2000, p. 26.
178
MORANO, 2003, p. 263.
80
atribuídas para que essa resistência não impeça o aconselhando de alcançar a cura. Para
o aconselhando, parece um jogo de querer e não querer saber. O conselheiro,
conhecendo esse detalhe, tenta efetivar no menor tempo possível a quebra dessa
resistência.
Quanto à práxis pastoral como beneficiária da psicanálise, Morano não poupa
esforços ao lembrar que a psicanálise pode ser aplicada nos mais variados meios
culturais, inclusive na própria experiência religiosa. Em suas próprias palavras,
A partir dessa pxis essencialmente experencial e relacional, é elaborada
toda uma teoria psicológica – denominada por Freud “metapsicologia: –, que
também possibilita uma aplicação do método a outros campos da atividade
humana. Surge assim a psicanálise aplicada aos diversos setores da cultura,
entre os quais a experiência religiosa é, como vimos, um de seus mais
importantes beneficiários
179
.
Infelizmente o que temos notado em nosso momento contemporâneo é uma
exploração sem precedentes da comum que, ao invés de libertar os acometidos por
enfermidades mentais no caso, neuroses continuam perpetuando os mais diversos
tipos de doenças mentais como as obsessões, as manias depressivas, as paranoias, as
psicoses alucinatórias, as hebefrenias e as catatonias, que vão se tornando parte de
alguns cultos e celebrações de instituições religiosas.
180
Essas enfermidades adquiridas ou perpetuadas têm feito com que a própria fé
cristã caia em descrédito. o são poucos os meios de comunicação que se aproveitam
desses distúrbios organizacionais, refletidos nas manifestações obsessivas e neuróticas
de seus membros no serviço religioso, para convencer os menos avisados de que a igreja
é uma associação de neuróticos devidamente conhecidos e registrados num rol de
membros que se sentem seguros do Reino dos Céus graças à instituição religiosa.
3.7.3
Situando a fé na psicanálise ou a psicanálise na
As questões de fé que surgem durante o aconselhamento pastoral devem ser
entendidas como o exercício de um comportamento que na crença a solução para o
mal-estar vivido pelo aconselhando. A ciência psicanalítica não tem qualquer interesse
179
MORANO, 2003, p. 263.
180
FOUCAULT, Michel. Doença mental e psicologia. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro Ltda., 1968, pp.
10-11.
81
de pesquisa na fé em si, segundo Garcia Rúbio, porque “a psicanálise não questiona a
senão a nossa relação com a fé, seja qual for o modo como esta se elabore
racionalmente”.
181
A importância disso consiste em que se pode perceber o limite entre
queses psicanalíticas e questões de gabinete pastoral. Mas em nenhum momento
entendemos que o aconselhamento religioso leve em consideração apenas o que se
relaciona à religião propriamente dita, e sim à sua prática. Ainda com relação à fé,
Garcia nos chama a atenção:
Ora, a dom de Deus é resposta da pessoa humana, não existe pairando no
ar, desvinculada das raízes profundas afetivas do ser humano. É aqui, então,
que a psicanálise pode ajudar a teologia, não questionando os enunciados da
(o que não compete à psicanálise), mas sim a pessoa crente que vivencia
esses enunciados.
182
Percebemos, assim, que o interesse que une psicanálise e aconselhamento pastoral
ultrapassa aspectos ligados somente à e, como Garcia nos faz entender, abrange as
relações afetivas observáveis no comportamento do aconselhando na prática dessa fé.
Por essa vertente o que importa é que fique claro para o aconselhando que este não deve
ter uma “falsa consciência”
183
de si mesmo, ou um “autoengano”,
184
o que é passível de
uma deformação da realidade material e até espiritual, podendo atingir questões que
envolvam a sua própria identidade de sujeito.
Faz-se necessário entender que as representações e manifestações lticas estão
repletas de aspectos afetivos e mnêmicos, que se não forem bem entendidos poderão
produzir desequilíbrios mentais significativos. Segundo o pai da psicanálise,
As representações são investimentos baseados em traços mnésicos –, ao
passo que os afetos e sentimentos correspondem a processos de descarga
cujas manifestações finais são percebidas como sensações. A afetividade,
acrescentou Freud em nota, manifesta-se essencialmente na descarga
motora, secretora, reguladora vascular, destinada à modificação interna do
próprio corpo, sem relação com o mundo exterior. Vamos reencontrar
toda a questão das neuroses atuais, se bem que o seja explicitamente
citada.
185
Inferimos que a igreja presta um serviço importante no que se refere ao
autoconhecimento do aconselhando e ao seu comportamento individual e social. Um
181
RUBIO, Garcia. Superação do infantilismo religioso. Atualidade Teológica, Rio de Janeiro, ano VI,
n. 12, 2002, p. 307.
182
RUBIO, 2002, p. 307.
183
MORANO, 2003, p. 92.
184
RUBIO, 2002, p. 307.
185
MIJOLLA, Alcain de. 2005, p. 944.
82
bom acompanhamento pastoral que não entre em atrito com o método psicanalítico
poderá minimizar os danos psíquicos o enfatizados por Freud com respeito à religião.
A igreja não deve se transformar em “fábrica de neuróticos” e o aconselhamento
pastoral é um dos recursos disponíveis para que isso não aconteça. Ser conselheiro é
estar ciente de toda essa responsabilidade pela saúde mental da instituição.
A importância da psicoterapia pastoral nos dias atuais se deve, também, ao papel
da igreja de comunidade apta a socorrer ao que sofre, independentemente do tipo de
infortúnio. Mas nem sempre foi assim, pelo menos no pensamento de Sandro
Spinsanti,
186
que faz a apresentação do livro de Hanna Wolf, Jesus psicoterapeuta, no
qual lemos:
Um indício do lugar de destaque assumido pela psicoterapia, no nosso
sistema de vida, encontramo-lo na evolução de sua relação com a religião.
Não se pode negar: as instituições religiosas não favoreceram a difusão da
psicoterapia. De modo geral, encaravam-na com desconfiança. Reação essa
perfeitamente compreensível, se considerarmos que, tradicionalmente,
aqueles que, levados pelo mal-estar interior, desejavam mudar seus
sentimentos ou seu modo de vida e de pensar, recorriam, na maioria dos
casos, a uma experiência religiosa. A mudança era interpretada como uma
modificação do relacionamento com a divindade. Ao sacerdote era reservado
um papel de intermediário, nesse processo.
187
As divergências entre psicanálise e aconselhamento pastoral podem ser
repensadas a despeito da aparente inconciabilidade entre as duas disciplinas mesmo
ao se tratar de aconselhandos ateus. Segundo Rubio,
Não há, contudo, um vínculo indissovel entre psicanálise e ateísmo [sobre o
ateísmo de Freud]. Outros defensores do todo psicanalítico o
encontraram incompatibilidade entre a psicanálise e a abertura a um sentido
transcendente para a vida humana. De fato, sabemos hoje que se trata de um
todo investigativo do dinamismo subterrâneo da psique e de procura da
cura do paciente, que independe da negação ou aceitação de Deus.
188
Concordamos com Rubio no que diz respeito à busca de um tratamento que vise
realmente à cura do paciente-aconselhando”, tornando-o apto para enfrentar os
diversos obstáculos da vida, quer esteja esse paciente interessado na resolução de
problemas de ordem secular, quer preocupe-se com a vivência cristã, quer afirme não
ter crenças. É constante a busca do equilíbrio psíquico necessário ao homem, a fim de
186
Nota: Professor de Teologia Moral na Faculdade de Medicina de Roma da Universidade Católica do
Sagrado Coração.
187
WOLFF, Hanna. Jesus psicoterapeuta. São Paulo: Paulinas, 1990, p. 6.
188
RUBIO, 2002, p. 305
83
entender-se e conviver com seu semelhante, e como métodos de investigação dos porões
da mente humana, a psicanálise e a teologia têm muito a contribuir para o equilíbrio
emocional e social do homem. Tal procedimento e disposição serão alcançados se a
cura da alma for possível, e a figura do conselheiro espiritual mantém sua vital
importância na orientação e no empenho para essa cura.
e psicanálise devem se respeitar nessa busca do bem-estar do homem. Se a
psicanálise revelar algum fundamento de uma distorcida, geradora de sintomas do
mal-estar do aconselhando, estará aliada à , pois esta também pressupõe basicamente a
crença de que o homem pode ser melhor, se com sua prática de fé consegue promover o
bem-estar social. Isso nos faz lembrar o que disse Albert Schweitzer:
[...] respeito à vida é a única ética verdadeira, humana, universal. E tal
esquecimento gera uma corrupção da vida coletiva cada vez maior, por causa
de uma insensibilidade brutal e irresponsável. Por sua vez, esse embotamento
da consciência, que sufoca todo e qualquer sentimento, faz com que as
pessoas não mais se perguntem qual o valor das coisas, mas se preocupem tão
somente com aquilo de que podem tirar proveito pessoal. Isto quer dizer
regredir totalmente às formas de comportamento indignas do homem.
189
É da vida que tratamos durante todo este estudo. Uma vida mental que
proporcione a consciência de que se a religião não alcançar o objetivo proposto, ou seja,
a união entre o transcendente e o ser finito, transforma o homem no escravo de si
mesmo. Tal servidão não tolhe a liberdade de ir e vir, mas a liberdade de reconhecer no
outro parte de si mesmo. Tal me parece ser o cerne do pensamento de Schweitzer: não
permitir que a alienação tecnológica roube o lugar do coração sensível, e nesse vazio
existencial o nada seja dominante e os sentimentos, os afetos e o amor sejam
considerados apenas reações químicas controladas nos laboratórios espirituais chamados
igrejas.
3.7.4
O pastor psicanalista e o aconselhamento pastoral
O pastor interessado no estudo da psicanálise e no véu do inconsciente que ela
remove entende que o método psicanalítico não deve influenciar em nada a sua conduta
de conselheiro, já que o conselheiro cristão, mesmo psicanalista, sabe estabelecer os
189
SCHWEITZER, apud WOLFF, Hanna, 1990, p. 109.
84
limites entre a própria prática de aconselhamento pastoral, que obedece às relações entre
e prática, e o método psicanalítico freudiano. É o que nos lembra Santos,
190
ao dizer
que “o evangelhoo nos pede que sejamos bons, mas que amemos.
191
O mundo moderno tem conseguido produzir uma subespécie de seres que se
dizem humanos, frutos da morbidez meticulosamente trabalhada nos laboratórios
especializados em comportamentos humanos de massa. Quanto a isso, ainda podemos
buscar exemplo nas palavras de Schweitzer: “Esses e muitos outros são os
condicionamentos e os ônus coletivos que propagam formas rbidas de tipo
depressivo, as quais atingiram uma intensidade sem precedentes”.
192
A mente humana é um dos mistérios que a ciência o conseguiu decifrar por
completo, mas o método psicanalítico tem contribuído para que o ser humano possa se
encontrar em meio ao turbilhão de conceitos, descobertas, terapias e manifestações tão
antagônicas de religiosidade. Esse antagonismo relaciona-se aos mais diferentes cultos e
formas de organização que surgiram no último século. Formas que não se limitam a
sugerir o que fazer, mas que buscam uniformizar o pensamento e as atitudes das mais
variadas sociedades da dita aldeia global.
O aumento do número de cristãos com depressão é alarmante, mas qual o motivo
desse crescimento, quando a mensagem do evangelho é de paz e amor? Mais uma vez
buscamos a experiência de Albert Schweitzer no que se refere à depressão. Vejamos
como ele trata a frieza com que os seres humanos se encontram como sociedade:
A depressão é essencialmente uma forma neurótica de aflição. A pergunta
logicamente é: o que, de fato, aflige essas massas humanas? É perceber que,
cada vez menos conseguem viver em plenitude como seres humanos. É
também a sensação, muito tempo descoberta, de, como membros de um
grupo mais amplo, se terem tornado, da mesma forma que a árvore e o
cordeiro, objetos a serem simplesmente desfrutados. Movidos pela ânsia do
consumismo em relação ao mundo que as cerca, a de mero utilitarismo, a
questão tornou-se, há muito tempo, vital para tais pessoas.
193
Os tempos modernos continuam revelando que a aflição neurótica, amplamente
estudada e debatida por Freud e tantos outros psicanalistas, está longe do mínimo
paliativo que permita suportar as preses sociais impostas pelos pretensos donos da
190
Nota: Hugo N. Santos. Doutor em Psicologia, professor titular no Instituto Universitário ISEDET
(Argentina).
191
HOCH, Lothar Carlos; Herimann, Thomas, 2008, p. 31.
191
AUGÉ, Marc. A guerra dos sonhos: exercícios de etnoficção. Campinas, Papirus, 1997, p. 71.
192
SCHWEITZER, apud WOLFF, Hanna. 1979, p. 109.
193
SCHWEITZER, apud WOLFF, Hanna. 1979, p. 111.
85
verdade e do poder. Por essa e outras razões o pastor psicanalista ou o psicanalista
pastor consegue ultrapassar o básico nas relações sociais e estruturas institucionais
constituídas.
O conselheiro psicanalista, consciente das fronteiras entre psicanálise e religião,
habilmente saberá lidar com essa fronteira tão tênue. E aqui, mais uma vez nos ajuda
Hugo N. Santos, ao escrever sobre a importância do ser humano na perspectiva divina
que olha além da superfície: “A glória de Deus não está em conflito com o bem do ser
humano. O bem da pessoa está acima de todas as coisas. Deus não aceita aquilo que faz
sofrer ou deformar o ser humano e, muito menos, que isso se faça em seu nome”.
194
O pastor psicanalista não se permite duvidar da fé, e nem mesmo sua forma de
aconselhar está distante dos princípios bíblicos que a teologia elucida e tenta
racionalizar para que a fé não se apoie em fantasias, ilusões e se torne apenas mais uma
ferramenta de manobra das massas carentes de esperança e amor.
A maturidade do conselheiro deve se refletir no seu autoconhecimento e também
na sua capacidade de entender que “o terapeuta é no ximo um catalisador que pode
acelerar o que deve ser um processo de autoterapia”.
195
Concordamos com Augé, pois
entendemos que o aconselhamento é apenas outro caminho para conduzir o
aconselhando a uma maturidade de vida que o permita trabalhar questões relacionadas
ao passado e ao presente, preparando-o para os passos seguintes da existência.
Conselheiro e aconselhando buscam coerência de vida, pois é no equilíbrio coerente
entre espiritualidade e razão que o cristão se prepara para o futuro.
O pensamento de Augé corrobora o que acabamos de expor: “[...] o
desenvolvimento de um sentido coerente de nossa história de vida é um meio
fundamental de escapar à escravidão do passado e abrir-se para o futuro”.
196
O
conselheiro conhece e aceita o desafio de contribuir na orientação de atitudes que serão
ou não tomadas pelo aconselhando, buscando recursos para melhorar sua competência e
seu desempenho na arte de aconselhar. Saber tirar proveito da psicanálise para utilizá-la
no gabinete pastoral é um dos sinais de que o conselheiro esmaduro para exercer sua
função, não se deixando influenciar por métodos que tornem o aconselhando ainda mais
confuso nas tomadas de decisão, sem, contudo e isso é ainda pior – instrumentalizá-lo
para se defender das forças tão bem elaboradas de indução de massa.
194
HOCH, Lothar Carlos; Herimann, Thomas, 2008, p. 31.
195AUGÉ, 1997, p. 71.
196
AUGÉ, 1997, p. 71.
86
O pastor-teólogo-psicanalista-conselheiro sabe que “tomar conta de nossas
próprias vidas envolve risco, porque significa enfrentar a diversidade de possibilidades
abertas”.
197
Isso nos faz perceber que o aconselhamento é também expor os riscos, os
possíveis fracassos a que todos, inclusive o cristão, estão sujeitos. O conselheiro procura
convencer o aconselhando sobre a condição pquica como fator determinante para uma
vida madura e equilibrada. Dada essa responsabilidade, é necessário que o conselheiro
espiritual não passe apenas por formação acadêmica, mas por vivências aliadas a teorias
e práticas seguras de terapia, que façam diferença num mundo que clama
silenciosamente por socorro psíquico. A mente não tem voz, cor, raça, nem escrita. O
que ela faz é usar a palavra, as expressões corporais e os sintomas sicos para dizer:
“Por favor, ensine-me o caminho das palavras não dicionarizadas, pois meu vocabulário
é parco frente à minha angústia e aflição”. Lágrimas são palavras não dicionarizadas.
Ser conselheiro cristão é ser intérprete e tradutor do desconforto da alma.
O vazio existencial surge com a autoconsciência do homem como ser que não se
basta, e essa noção se faz presente desde os primórdios de sua vida na terra. Entretanto
essa lacuna na alma tem alcançado propoões marcadas pelo desespero à medida que a
civilização se desenvolve no aspecto tecnológico. Se a estruturação pré-moderna em
torno da família, a qual proporcionava o reconhecimento do indivíduo como pertencente
a um grupo conhecido e, no entanto, incapaz de saciar o vácuo existencial, a
modernidade, ao extirpar do homem a vinculação aos grupos tradicionais, bem como
desalojá-lo de um tempo e de um espaço concretos, arrasta-o para uma perda crescente
de referenciais preciosos, no mínimo confundindo sua identidade. A exacerbação desse
movimento na modernidade tardia provoca os piores efeitos conhecidos na psique, no
que se refere ao relacionamento do homem consigo, com o outro, com a natureza e com
o transcendente. Na contraposição a essa continuidade perversa é que o aconselhamento
pastoral se alia à psicanálise, devolvendo, como catalisadora da trajetória inversa, o
conforto ontológico perdido. Tal simbiose se viabiliza, de um lado pela motivação
psicanalítica de reestruturar o inconsciente “esburacado”, e por outro, pela determinação
do aconselhamento cristão em ministrar o preenchimento desse hiato por meio de uma
relação progressivamente positiva com o fundamento da fé.
197
AUGÉ, 1997, p. 72.
87
3.8
Síntese das características gerais da evolução dos métodos de aconselhamento
psicológicos apresentados por Ruth Scheeffer
198
Julgamos importante apresentar uma pequena síntese de alguns métodos de
aconselhamento psicológico elaborados por Ruth Scheeffer, justamente para que o
conselheiro perceba que os métodos são apenas tentativas de aperfeiçoar o trabalho de
aconselhamento. Em cada método o conselheiro observará o que lhe seja mais eficiente,
dependendo do caso que esteja ouvindo, para também o se tornar inflexível frente às
novas técnicas terapêuticas.
Método autoritário: ordenar, proibir, repreender, ameaçar.
Método exortativo: termo de compromisso e promessas formais como estímulo
para modificação de atitudes.
Método sugestivo: repressão da problemática por encorajamento e suporte.
Catarse: verbalização de problemas e vivências emocionais conscientes e
inconscientes a alguém que proporcione aceitação e compreensão.
Método diretivo: o orientador dirige a entrevista, seleciona os picos, define os
problemas, descobre as causas, sugere soluções e planos de ação, baseando-se na
orientação médica.
Método interpretativo: esclarecimentos a respeito das motivações (às vezes
inconscientes) de comportamentos e atitudes.
Método não diretivo: o orientador dirige a entrevista, visando ao amadurecimento
emocional e não apenas à solução de problemas; focaliza o conteúdo emocional
expresso pelo cliente; proporciona atmosfera propícia para a autodeterminação do
orientando.
Método eclético: emprega, simultaneamente ou não, os vários métodos, de acordo
com a natureza do problema e a necessidade do cliente.
198
SCHEEFFER, 1973, p.27.
88
3.8.1
O aconselhamento psicológico
Na obra intitulada Aconselhamento Psicológico,
199
Ruth Scheeffer apresenta
definições da palavra “aconselhamento de acordo com a interpretação de vários
teóricos da psicologia. Também faz parte da obra a evolução dos diferentes métodos por
eles utilizados, como se pode observar acima.
A autora cita diversos especialistas ligados à psicologia, tais como Annette Garret,
Carl Rogers, Mac Kinney, E.L. Tolberg e Erick Erickson, entre outros, e a perspectiva
de cada um quanto ao significado da palavra “aconselhamento. Dentre as definições
apresentadas e o método utilizado, duas delas nos chamaram a atenção por estarem,
segundo entendemos, mais nitidamente ligadas à função de conselheiro cristão. Uma é
de Carl Rogers e outra, de Erick Erickson.
Para Carl Rogers, aconselhamento é uma série de contatos diretos com o
indivíduo com o objetivo de lhe oferecer assisncia na modificação de suas atitudes e
comportamento.
200
Embora Rogers defina aconselhamento em termos de encontros
psicológicos terapêuticos, tal visão não é conflitante com o que entendemos como
aconselhamento pastoral. No gabinete pastoral, além da espiritualidade do
aconselhando, intrinsecamente está envolvido o aspecto psicológico que diz respeito ao
exercício ouo da fé. O conselheiro considera os dois aspectos como possibilidades do
bom conselho ou direção para o aconselhando. A questão relevante é a da flexibilidade
do conselheiro para empregar o melhor método, o mais eficiente em cada caso de
aconselhamento.
Rogers acrescenta a seu comentário: “Aconselhamento é usado nos meios
educacionais e psicoterapia nos meios psicológicos e clínicos, por psilogos
clínicos”.
201
Assim, de certa forma o aconselhamento pastoral tende a ser mais didático-
pedagógico do que terapêutico, caso o conselheiro se prenda apenas às questões
superficiais conscientemente trazidas pelo aconselhando. Mas se o conselheiro estiver
atento aos reais motivos do aconselhando ao procurá-lo, ele necessariamente deverá ter
uma audição diferente, ouvindo mais profundamente o que o aconselhando tenta
199
SCHEEFFER, Ruth. Aconselhamento psicológico. Rio de Janeiro, Editora Fundo de Cultura S.A. 4
Ed. 1973 pp. 10-26.
200
SCHEEFFER, 1973, p. 13.
201
SCHEEFFER, 1973, p. 15.
89
transmitir por palavras. Quanto a esse ouvir mais profundo, lembra-nos Alfred
Benjamim:
Ouvir de verdade é um trabalho difícil, implicando muito pouca coisa de
mecânico. Ouvir exige, antes de mais nada, que não estejamos preocupados,
pois se estivermos, o podemos dar uma atenção plena. Em segundo lugar,
ouvir implica em escutar o modo como as coisas estão sendo ditas, o tom
usado, as expressões, os gestos empregados. E mais, ouvir inclui o esforço de
perceber o que não está sendo dito, o que apenas é sugerido, o que está
oculto, o que está abaixo ou acima da superfície. Ouvimos com nossos
ouvidos, mas escutamos também com nossos olhos, coração, mente e
vísceras. Nosso objetivo é ouvir com compreensão.
202
O que o conselheiro cristão faz é justamente ouvir e compreender a demanda de
quem o procura, sem que as questões inerentes à fé e a vivência cris sejam obstáculos.
É necessário que o aconselhando tenha plena certeza e confiança de que alguém o ouve
por completo e assim sinta-se inteiramente compreendido e disposto a, se necessário,
redirecionar comportamentos capazes de produzir o seu mal-estar.
Um pouco diferente de Carl Rogers, mas sem perder o foco do significado de
aconselhamento, Erick Erickson destaca certas características relevantes durante a
sessão de aconselhamento ou atendimento psicológico. Segundo ele, o aconselhamento
tem como objetivo principal promover o bem-estar do aconselhando.
203
Erickson
apresenta uma lista de cinco características
204
interligadas durante o aconselhamento,
das quais destacamos a que busca perceber não o grau de desconforto do aconselhando,
mas os “variados objetivos e necessidades básicas do entrevistado a serem
atendidos”.
205
No aconselhamento pastoral os princípios elementares que reduzem ou mesmo
extinguem o mal-estar do aconselhando são levados em consideração, visando à vida
espiritual equilibrada e à maturidade emocional que permita ao necessitado saber lidar
com limitações e deficiências. O aconselhando, com uma demanda de vida capaz de
sugerir a fragmentação entre o espiritual e o físico, deve perceber na fala do conselheiro
que a verdadeira espiritualidade reflete-se na prática cristã cotidiana, constituindo um
todo compartimentado somente para fins didáticos, e nada mais.
202
BENJAMIN, ALFRED. A entrevista de ajuda. São Paulo, Martins Fontes, 1978, p. 68.
203
SCHEEFFER, 1973, p. 14.
204
SCHEEFFER, 1973, pp. 13-14
205
SCHEEFFER, 1973, p. 14.
90
3.8.2
O método da catarse no aconselhamento pastoral
Dentre os métodos estudados por Scheeffer, o da catarse
206
tem, de certa forma,
um estreito relacionamento com a Igreja. Segundo a autora, a catarse foi um método
“baseado na confissão, usada durante muitos culos pela Igreja Católica”.
207
É
relevante notar que mesmo nos estudos de aconselhamento psicológico a Igreja se
apresenta como método também relevante de análise, o que não quer dizer, no entanto,
que as manifestações da estejam patentes aos olhos das terapias psicológicas, embora
a própria Scheeffer acrescente que a catarse “consiste na expressão dos problemas
apresentados a uma pessoa que proporciona uma orientação”.
208
Na psicanálise, a autora reconhece que a catarse
foi trazida à terapêutica por Freud. É empregada em Psicanálise de maneira
sistemática e profunda com o objetivo de libertar o indivíduo de recalques,
angústias etc. Aplicada de maneira contínua pode mobilizar o inconsciente,
resultando um melhor ajustamento.
209
Inferimos, então, que os aspectos aparentemente concorrentes e antagônicos entre
aconselhamento psicológico, psicanálise e aconselhamento pastoral na verdade se
integram na busca de um mesmo objetivo básico, o de promover o bem-estar do
necessitado que procura pela audição pastoral ou psicológica a qualidade de vida que
lhe permita lidar com as vicissitudes do cotidiano. Os métodos podem variar, mas não
se excluem. Ao contrário, devem ser analisados para impedir, como dissemos, a
inviabilização da cura psíquica pela inflexibilidade de métodos. Entender tal princípio é
estar aberto para um diálogo que não defenda opiniões egoístas, que no anseio da
absolutização, releguem a segundo plano quem mais precisa de socorro. A fogueira das
vaidades ainda continua fazendo discípulos, e em se tratando de saúde mental, até as
mais simples vaidades podem revelar patologias inconscientes.
206
De acordo com Aristóteles, na “Poética”, catarse é o sentimento de terror e piedade que a tragédia
(gênero ptico) deve provocar nos expectadores, quando o herói, ou seja, o herói trágico, passa da
ventura para a desventura por ter cometido algum “ato falho”. A catarse, então, seria a purificação dessas
emoções. Dispovel em: <http://www.dicionarioinformal.com.br/definiçãol>. Acesso em: 31 dez. 2009.
207
SCHEEFFER, 1973, p. 22.
208
SCHEEFFER, 1973, p. 22.
209
SCHEEFFER, 1973, p. 22.
91
3.8.3
O método eclético de aconselhar. Exemplo nos evangelhos
O método de aconselhamento psicológico que nos parece o mais flexível e
criativo é o eclético. Scheeffer assim o descreve:
Caracteriza-se pela aplicação de conceitos e cnicas pertencentes aos
diversos métodos já focalizados. Consiste no aproveitamento das técnicas
consideradas pelo orientador como mais satisfatórias e eficientes para a
situação apresentada pelo cliente. Assim, técnicas diretivas, não diretivas,
interpretativas, catárticas, suportativas e sugestivas podem ser usadas,
simultaneamente ou o, de acordo com a natureza do problema e as
necessidades do orientando. Grande ênfase é dada à habilidade do orientador
de selecionar, manejar e aplicar as várias técnicas relacionando-as
adequadamente às exigências da situação apresentada pelo orientando.
210
Não são poucos os exemplos encontrados nos evangelhos, especialmente no de
Marcos, em que a criatividade de Jesus sugere o uso dos mais diferentes recursos para
atender àqueles que o procuram, carentes de algo físico, mental ou espiritual. Os
diferentes tipos de angustiados encontrados na narrativa do Novo Testamento
(paralíticos, cegos, leprosos, atormentados da alma, oprimidos moral e fisicamente etc.)
são nitidamente tratados por Jesus das mais variadas maneiras. Em momento algum se
percebe fastio nas ações expressivas do Senhor sobre o Reino de Deus. Cada ato do
Mestre apresentava um selo, uma marca de criatividade, que não supunha a cristalização
do método como didática monolítica. Ao contrário, o Mestre sempre foi criativo para
curar, operar maravilhas, ouvir ricos e pobres, sem perder a postura eclética de
relacionamento.
O Cristo soluciona especificamente cada problema, ora sugerindo um
comportamento gerador de esperança, ora dispondo-se ele mesmo a acatar a percepção
do necessitado a respeito do caminho para sua demanda (cura do servo do centurião
encontrado em Lucas 7:2 em diante). O método eclético é o que mais se assemelha aos
exemplos da atuação terapêutica de Jesus frente às enfermidades encontradas em sua
época.
210
SCHEEFFER, 1973, p. 26.
92
CONCLUSÃO
Estamos convencidos de que a psicanálise pode se tornar uma aliada do
conselheiro cristão, já que nos exemplos de Pfister, no passado, e de Morano, no
presente, dois conselheiros cristãos atuantes que utilizam a psicanálise como mais um
método terapêutico, percebemos que em nenhum momento eles se deixaram iludir pelo
que poderia ser prejudicial à cristã. Com muita sabedoria, eles legaram exemplos de
maturidade na audição e na fala na sessão de aconselhamento pastoral, não sendo, por
um lado, alheios à psicanálise, nem por outro, reféns freudianos. Esses estudiosos nos
chamaram a atenção para os benefícios da psicanálise, especialmente no que tange à fé
cristã, assim como a sua manifestação no cotidiano de quem crê no Evangelho de Jesus.
A modernidade contemporânea continua produzindo um vazio existencial com
múltiplas manifestações, o que torna o aconselhamento um instrumento terapêutico de
grande valor, muito procurado por quem crê no Senhor e por quem não professa
nenhum tipo de crença, o que só demonstra que o aconselhamento sempre foi parte
importante na vida do homem, mas só agora começa a ser reconhecido como tal.
Outro grande desafio do conselheiro cristão na modernidade é o temer nenhum
método terapêutico de aconselhamento, o que poderia comprometer ou limitar o seu
desempenho como conselheiro, mas tampouco ser imprudente no uso de técnicas que
não conhece profundamente, atitude desastrosa para quem vê no aconselhamento a
esperança de uma qualidade de vida espiritual e física equilibrada.
Por fim, o pretendemos em momento algum esgotar assunto tão polêmico e
delicado, como é a psicanálise. Antes buscamos impedir que o medo de novas
descobertas cienficas, especialmente no que diz respeito às ciências psicológicas,
torne-se mais uma fobia a ser tratada no gabinete pastoral.
93
O desafio do aconselhamento pastoral competente torna-se objeto de análise a ser
revisto e melhorado a cada dia com o fim último de que na relação entre conselheiro e
aconselhando a graça e o amor de Cristo continuem sendo os pilares da dignidade do ser
humano, capazes de torná-lo emocionalmente maduro para vencer os novos desafios
que se mostrarão presentes para quem busca uma religiosidade cristã equilibrada, capaz
de fazer diferença neste novo século.
A psicanálise e o aconselhamento pastoral serão excludentes no que diz respeito à
fé, mas ao mesmo tempo inclusivos na observação de aspectos da saúde psíquica e
espiritual do aconselhando. Com a psicanálise, o conselheiro poderá aprofundar-se no
que o inconsciente traz à luz no gabinete pastoral, e de posse daquilo que ouviu,
encaminhará o aconselhando a uma experiência cristã equilibrada e madura,
característica de uma vida mental, física e espiritualmente sadia, capaz de promover o
amor e a graça de Deus.
O conselheiro cristão deve ser liberto do duplo jugo das teorias e do medo de
novas descobertas das ciências psicológicas. Ele deve ser o primeiro a se abrir para o
diálogo, para rever conceitos que não fazem sentido na pós-modernidade, a qual
também não conseguiu tornar o homem mais humano, feliz e seguro de si. o tantas as
oportunidades, as escolhas e as chances de se perceber que o homem perdeu-se e sente-
se só de si mesmo. Em mais esse desafio para o conselheiro e para a psicanálise, espera-
se que o ser chamado humano se entenda e se perceba como indivíduo capaz de
identificar a si mesmo e ao outro, e assim promover mais vida do que armas de guerra,
mais alimento do que desperdício, mais amor do que ódio.
Contudo, muito há de ser feito contra dogmas e mitos que situem a psicanálise
como meio de conhecimento à parte das outras ciências humanas e psicológicas, e
especialmente teológicas. É preciso buscar suas fronteiras e não as dispor num campo
de batalha onde os conceitos, normas e regras assumam a função de armas, perdendo-se
de vista que o homem é feito da própria terra e que nada substitui o amor como forma
terapêutica de maior resultado. A mente será ainda, por muito tempo, uma fronteira a
ser superada, mas o poder construtivo do amor nunca foi superado por nenhuma forma
de pensamento ou vivência, pois o amor, para além de afeto, é ação, e o aconselhamento
ou terapia que não tenha como premissa maior o amor perpetuará e agravará a doença
mais terrível criada pelo homem, a indiferea.
94
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