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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
INSTITUTO DE ECONOMIA
A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS
PARA O DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO: o caso
da Eletrobrás
Frederico Pinto Eccard
Rio de Janeiro
2009
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ii
Frederico Pinto Eccard
A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS
PARA O DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO: o caso
da Eletrobrás
Dissertação apresentada ao Corpo
Docente do Instituto de Economia da
Universidade Federal do Rio de Janeiro
UFRJ, como parte dos requisitos
necessários à obtenção do título de
mestre em Ciências Econômicas.
Orientador: Helder Queiroz Pinto
Júnior.
Rio de Janeiro
2009
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iii
Frederico Pinto Eccard
A EVOLUÇÃO DO PAPEL DAS EMPRESAS ESTATAIS
PARA O DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO: o caso
da Eletrobrás
Dissertação apresentada ao Corpo Docente do Instituto de Economia da
Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ, como parte dos requisitos
necessários à obtenção do título de mestre em Ciências Econômicas.
___________________________________
Prof. Doutor Helder Queiroz Pinto Júnior (Orientador)
___________________________________
Prof. Doutor Ronaldo Fiani – IE-UFRJ
___________________________________
Prof. Doutor Ronaldo Goulart Bicalho – IE-UFRJ
___________________________________
Prof. Doutor Denizart do Rosário Almeida - UFF
Rio de Janeiro
2009
iv
AGRADECIMENTOS
Aos meus pais, por todo o amor, carinho, educação e apoio que eles têm me dado ao
longo de toda minha vida.
À minha irmã, Manuela e a todos os meus familiares que de alguma forma
contribuíram para a realização do meu mestrado e que compreenderam a razão da minha
ausência nos últimos anos.
À minha namorada Fernanda, um agradecimento especial por todo amor, carinho,
amizade, compreensão, e por ter sido fundamental na difícil tarefa de ler e corrigir todas as
páginas dessa dissertação.
Aos meus amigos e professores do mestrado da UFRJ e da graduação da UFF que
contribuíram para a minha formação.
Aos meus companheiros da Eletrobrás, em especial para o pessoal da minha baia, que
com a boa convivência e o bom-humor de todos os dias, tornaram mais fácil a complexa
tarefa de conciliar o trabalho com a realização do mestrado.
Ao Instituto de Economia da UFRJ por ter me proporcionado a participação em um
mestrado de alto nível.
Por fim, gostaria de agradecer ao meu orientador Helder Queiroz Pinto Junior pela
dedicação, pelas conversas que foram extremamente positivas para o desenvolvimento da
idéia central dessa dissertação e pela confiança que foi me dada para o cumprimento desse
objetivo.
v
RESUMO
O objetivo desse trabalho é analisar a importância da Eletrobrás para o
desenvolvimento do setor elétrico brasileiro, começando com os motivos que levaram a
criação da empresa, como foi a sua atuação ao longo do tempo e a sua relação com os outros
agentes do setor. Para isso, primeiramente é feito um estudo sobre a intervenção do Estado na
economia e as razões que podem levar um governo a criar uma empresa estatal para atuar na
produção direta de um bem ou serviço. A criação da Eletrobrás para atuar em um setor que
havia se organizado, sofreu forte resistência, pois existiam muitos interesses que seriam
afetados com o estabelecimento da empresa. Passado essa fase inicial, a Eletrobrás
rapidamente se tornou o principal agente do setor elétrico brasileiro, pois além de holding de
empresas do setor e de ser o principal agente financeiro setorial, a estatal era responsável
pelas atividades de coordenação, supervisão e operação do sistema elétrico, pelo planejamento
da expansão da oferta de energia, pela articulação com a indústria nacional de materiais e
equipamentos, e por organizar o treinamento da mão de obra especializada do setor.
O período em que a Eletrobrás esteve no topo da hierarquia setorial trouxe um grande
crescimento da capacidade instalada do país, juntamente com uma maior segurança do
sistema elétrico. A crise dos anos 80 e as reformas liberais da década seguinte trouxeram
profundas transformações para o setor elétrico, com a criação de novas instituições,
privatização de empresas estatais e o incentivo à entrada da iniciativa privada. Com isso, a
Eletrobrás perdeu importantes funções, restando a ela apenas o papel de holding, a
administração dos encargos setoriais e de gestora dos programas do governo federal para o
setor elétrico. Com o objetivo do governo Lula de transformar a Eletrobrás em uma referência
para o setor energético, em 2008, foi modificada a lei que criou a empresa, dando-lhe mais
liberdade para atuar e abrindo espaço para que a Eletrobrás volte a ter um papel fundamental
para a expansão do setor elétrico.
vi
ABSTRACT
The aim of this work is to analyze the importance of Eletrobrás to develop the
Brazilian electric power industry, starting with the reasons that led to the creation of the
company, its performance over time and its relationship with the other players in the industry.
To do this, first a thorough analysis of state intervention in the economy is made and the
reasons that may lead a government to create a state enterprise to act in the direct production
of goods or services. The creation of Eletrobrás to work in a sector that had already been
organized, has strong resistance, because there were many interests that would be affected by
the establishment of the company. After this initial phase, Eletrobrás quickly became the main
agent of the Brazilian electrical sector, because, besides being a holding of companies in the
industry and being the main financial sector, the state enterprise was responsible for
coordinating activities, supervision and operation of the electrical system, for planning the
expansion of energy supply, through association with the national industry of machinery and
equipment, and for organizing the training of specialized manpower in the sector.
The period in which Eletrobrás was at the head of industry brought a large increase in
installed capacity in the country, along with greater security of the electrical system. The
crisis in the 80s and the liberal reforms of the next decade brought major changes for the
electricity sector with the creation of new institutions, privatization of state enterprises and
encouragement in the entry of private enterprise. Thus, Eletrobrás lost important functions,
leaving to it only the role of holding, the administration burden industry and as manager of
federal programs for the electrical sector. With the objective of the Lula government to
transform Eletrobrás in a reference to the energy sector in 2008, the law that created the
company was modified, giving Eletrobrás more freedom to act and make room for it to play a
key role in the expansion of the electrical sector.
vii
LISTA DE SIGLAS
ABRADEE Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica;
ABRAGE Associação Brasileira das Empresas Geradoras de Energia Elétrica;
ACL Ambiente de Contratação Livre;
ACR Ambiente de Contratação Regulada;
AFS Agente Financeiro Setorial;
AMFORP American Foreign Power;
ANDE Administración Nacional de Electricidad;
ANP Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis;
BIS Bens e Instalações em Serviço;
BNDE Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico;
BNDES Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social;
CADE Conselho Administrativo de Defesa da Concorrência;
CCC Conta de Consumo de Combustível;
CCEAR Contratos de Comercialização de Energia no Ambiente Regulado;
CCEE Câmara de Comercialização de Energia Elétrica;
CCON Comitê Coordenador de Operação do Norte/Nordeste;
CDE Conselho de Desenvolvimento Econômico;
CDE Conta de Desenvolvimento Energético;
CEA Companhia de Eletricidade do Amapá;
CEAL Companhia Energética de Alagoas;
CEAM Companhia Energética do Amazonas;
CEEE Comissão Estadual de Energia Elétrica e, posteriormente, Companhia
Estadual de Energia Elétrica;
CELG Companhia Energética de Goiás;
CELPA Centrais Elétricas do Pará;
CEMAR Companhia Energética do Maranhão;
CEMAT Centrais Elétricas Matogrossenses;
CEMIG Companhia Energética de Minas Gerais;
CEPEL Centro de Pesquisas de Energia Elétrica;
CEPISA Companhia Energética do Piauí;
CER Companhia Energética de Roraima;
CERJ Companhia de Eletricidade do Rio de Janeiro;
CERON Centrais Elétricas de Rondônia;
CESP Companhia Energética de São Paulo;
CGOI Comitês Coordenadores da Operação Interligada;
CGTE Comitê de Gestão da Transformação do Sistema Eletrobrás;
CGTEE Companhia de Geração Térmica de Energia Elétrica;
CHERP Companhia Hidroelétrica do Rio Pardo;
CHESF Companhia Hidrelétrica do São Francisco;
CHEVAP Companhia Hidrelétrica do Vale do Paraíba;
CMBEU Comissão Mista Brasil - Estados Unidos;
CNAEE Conselho Nacional de Águas e Energia Elétrica;
CND Conselho Nacional de Desestatização;
CNI Confederação Nacional da Indústria;
CNOS Centro Nacional de Operação do Sistema;
COHEBE Companhia Hidro Elétrica da Boa Esperança;
COMASE Comitê Coordenador das Atividades de Meio Ambiente do Setor
Elétrico;
CONAMA Conselho Nacional de Meio Ambiente;
CONESP Comissão de Nacionalização das Empresas Concessionárias de Serviços
Públicos;
COPEL Companhia Paranaense de Energia;
COS Centros de Operação do Sistema;
COSERN Companhia Energética do Rio Grande do Norte;
CPFL Companhia Paulista de Força e Luz;
CRC Conta de Resultados a Compensar;
CRFL Companhia Rio Grandense de Força e Luz;
CSN Companhia Siderúrgica Nacional;
DNAE Departamento Nacional de Águas e Energia;
DNAEE Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica;
DOS Diretoria de Operação de Sistemas;
DPE Diretoria de Planejamento e Engenharia;
EC Empréstimo Compulsório;
EIA Estudo de Impacto Ambiental;
Eletroacre Companhia de Eletricidade do Acre;
Eletrobrás Centrais Elétricas Brasileiras S.A.;
Eletronorte Centrais Elétricas do Norte do Brasil;
Eletronuclear Eletrobrás Termonuclear;
Eletropart Eletrobrás Participações;
ix
Eletrosul Centrais Elétricas do Sul do Brasil;
ENENORDE Comitê Coordenador dos Estudos Energéticos da Região Nordeste;
ENERAM Comitê Coordenador dos Estudos Energéticos da Amazônia;
ENERGIPE Empresa Energética de Sergipe;
ENERSUL Empresa Energética do Mato Grosso do Sul;
EPE Empresa de Planejamento Energético;
F&A Fusões e Aquisições;
FFE Fundo Federal de Eletrificação;
FHC Fernando Henrique Cardoso;
FMI Fundo Monetário Internacional;
FND Fundo Nacional de Desenvolvimento;
GCOI Grupos Coordenadores para Operação Interligada;
GCPS Grupo Coordenador do Planejamento dos Sistemas Elétricos;
GCPT Grupos Coordenadores do Planejamento do Sistema de Transmissão;
ICMS Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços;
IPCC Relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas;
IPEA Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada;
IPSSE Instituto de Desenvolvimento e Prestação de Serviços do Setor Elétrico;
IUEE Imposto Único sobre Energia Elétrica;
JK Juscelino Kubitschek;
MAE Mercado Atacadista de Energia;
MME Ministério das Minas e Energia e, posteriormente, Ministério de Minas
e Energia;
NAI Núcleos de Articulação com a Indústria;
NUCLEBRÁS Empresas Nucleares Brasileiras;
NUCLEN Nuclebrás Engenharia;
O&M Operação e Manutenção;
OCDE Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico;
ONS Operador Nacional do Sistema;
ONU Organização das Nações Unidas;
OPE Orçamento Plurianual do Setor de Energia Elétrica;
P&D Pesquisa e Desenvolvimento;
PAC Programa de Aceleração do Crescimento;
PAE Programa de Ações Estratégicas;
PAEG Programa de Ação Econômica do Governo;
x
PCHs Pequenas Centrais Hidrelétricas;
Petrobras Petróleo Brasileiro S.A.;
PIB Produto Interno Bruto;
PIE Produtor Independente de Energia;
PMS & F Power Market Study and Forecast;
PND Programa Nacional de Desestatização;
PNE Plano Nacional de Eletrificação;
PROCEL Programa Nacional de Conservação de Energia Elétrica;
PROINFA Programa de Incentivos às Fontes Incentivadas;
PRS Plano de Recuperação Setorial;
RBE-72 Revisão do Balanço Energético 1972-1985;
RELUZ Programa Nacional de Iluminação Pública Eficiente;
REVISE Revisão Institucional do Setor Elétrico;
RGG Reserva Global de Garantia;
RGR Reserva Global de Reversão;
RIMA Relatório de Impacto Ambiental;
SAELPA Sociedade Anônima Eletrificação da Paraíba;
SEST Secretaria Especial de Controle das Empresas Estatais;
SIESE Sistema de Informações Estatísticas do Setor de Energia Elétrica;
SIN Sistema Interligado Nacional;
SINTREL Sistema Nacional de Transmissão de Energia Elétrica;
SPE Sociedades de Propósitos Específicos;
TERMOCHAR Termoelétrica de Charqueadas;
TJLP Taxa de Juros de Longo Prazo;
TOP Take or Pay;
USELPA Usinas Elétricas do Paranapanema S/A;
II PDMA II Plano Diretor de Meio Ambiente do Setor Elétrico;
II PND II Plano Nacional de Desenvolvimento;
1
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO................................................................................................................... 1
CAPÍTULO 1 – AS FORMAS DE INTERVENÇÃO DO ESTADO NA ECONOMIA... 7
1.1 - A INTERVENÇÃO DO ESTADO NA ECONOMIA – ASPECTOS TEÓRICOS7
1.1.1 - O Antagonismo entre o Mercantilismo e os Clássicos........................................................ 7
1.1.2 - Keynes e os Neoclássicos.................................................................................................. 10
1.2 - AS EMPRESAS ESTATAIS.................................................................................. 12
1.2.1 - Os Motivos para a Crião das Estatais ............................................................................ 13
1.2.2 - O Resultado da Atuação das Estatais ................................................................................ 16
1.2.3 - A Autonomia e o Controle sobre as Estatais..................................................................... 18
1.2.4 - A Ambigüidade da Estatal................................................................................................. 19
1.3 - ASPECTOS TEÓRICOS E EXEMPLOS SOBRE EMPRESAS “NATIONAL
CHAMPIONS”............................................................................................................... 22
1.3.1 - A Definição sobre as “National Champions” e o Debate sobre o Incentivo à Consolidação
dessas Empresas. .......................................................................................................................... 22
1.3.2 - A Criação de “National Champions” no Setor de Energia na Europa ............................. 27
1.3.3 - Os Exemplos de Empresas “National Champions” no Setor de Telecomunicações........ 31
CAPÍTULO 2 – A INTERVENÇÃO DO ESTADO NA ECONOMIA BRASILEIRA E A
CRIAÇÃO DA ELETROBRÁS ....................................................................................... 34
2.1 - A INTERVENÇÃO DO ESTADO NA ECONOMIA BRASILEIRA.................. 34
2.1.1 - O Papel do Estado na Economia Brasileira....................................................................... 35
2.1.2 - A Intervenção do Estado na Economia Brasileira até o Plano de Metas........................... 36
2.1.3 - A Intervenção na Era Militar............................................................................................. 40
2.1.4 - A Intervenção por Meio das Empresas Estatais: os resultados alcançados ao longo do
tempo e a diferença no desenvolvimento de estatais em dois setores .......................................... 43
2.2 - A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO SETOR ELÉTRICO BRASILEIRO ANTES
DA CRIAÇÃO DA ELETROBRÁS.............................................................................. 45
2.2.1 - O Início da Produção de Energia Elétrica no Brasil.......................................................... 45
2.2.2 - O Domínio Estrangeiro no Setor Elétrico Brasileiro e o Código de Águas ...................... 48
2.2.3 - O Aumento da Participação do Estado no Setor Elétrico.................................................. 52
2.3 - A CRIAÇÃO DA ELETROBRÁS......................................................................... 58
2
2.3.1 O Segundo Governo de Getúlio Vargas .............................................................................. 58
2.3.2 – O Projeto de Criação da Eletrobrás .................................................................................. 63
2.3.3 – A Constituição da Eletrobrás............................................................................................ 68
CAPÍTULO 3 A IMPORTÂNCIA DA ELETROBRÁS PARA O
DESENVOLVIMENTO DO SETOR ELÉTRICO ......................................................... 72
3.1 - OS PRIMEIROS PASSOS DA ELETROBRÁS..................................................... 72
3.1.1 - As Reformas da Primeira Administração Militar.............................................................. 73
3.1.2 - A Unificação da Freqüência e o Consórcio CANAMBRA............................................... 74
3.1.3 - A Questão do Financiamento e as Alterações na Estrutura do Setor Elétrico................... 76
3.2 - O PROCESSO DE CONSOLIDAÇÃO DA ELETROBRÁS (1967-1973)........... 80
3.2.1 - A Revisão das Recomendações do CANAMBRA e os Estudos Energéticos do Norte e do
Nordeste do País........................................................................................................................... 81
3.2.2 - A Criação da Eletronorte, da Eletrosul e da Itaipu Binacional ......................................... 83
3.2.3 - O Início da Cooperação entre as Empresas do Setor Elétrico e as Mudanças nas Fontes de
Financiamento .............................................................................................................................. 85
3.3 - DESENVOLVENDO O SETOR ELÉTRICO (1974-1979).................................. 90
3.3.1 - Os Investimentos da Eletrobrás e a Articulação com a Indústria Fornecedora Nacional de
Materiais e Equipamentos ............................................................................................................ 90
3.3.2 - As Novas Mudanças na Fonte de Recursos do Setor Elétrico .......................................... 93
3.3.3 - O Planejamento sob a Liderança da Eletrobrás................................................................. 95
3.3.4 - As Outras Atividades Desenvolvidas pela Eletrobrás....................................................... 98
3.4 - A CRISE DOS ANOS 80...................................................................................... 100
3.4.1 - O Nível de Investimentos no Setor Elétrico e a Criação do Grupo Coordenador do
Planejamento dos Sistemas Elétricos (GCPS)............................................................................ 100
3.4.2 - Os Planos 2000 e 2010.................................................................................................... 103
3.4.3 - As Crises Financeira e Institucional no Setor Elétrico.................................................... 106
3.5 - O INÍCIO DA DÉCADA DE 1990....................................................................... 111
3.5.2 - O Plano 2015 e os Planos Decenais ................................................................................ 113
3.5.3 - O Início das Reformas no Setor Elétrico......................................................................... 116
CAPÍTULO 4 – AS REFORMAS NO SETOR ELÉTRICO E AS PERSPECTIVAS
PARA A ELETROBRÁS................................................................................................ 120
4.1 - AS REFORMAS NO SETOR ELÉTRICO......................................................... 120
3
4.1.1 - As Reformas Promovidas por FHC................................................................................. 121
4.1.2 - O Processo de Privatização ............................................................................................. 124
4.1.3 - Os Motivos que Levaram ao Racionamento de Energia ................................................. 125
4.1.4 - A Contra-Reforma do Governo Lula .............................................................................. 127
4.2 - A REAÇÃO E O ENVOLVIMENTO DA ELETROBRÁS ÀS MUDANÇAS
SETORIAIS E ÀS PRIVATIZAÇÕES NO SETOR ELÉTRICO BRASILEIRO.... 128
4.2.1 - As Propostas do Consórcio Coopers & Lybrand ............................................................ 129
4.2.2 - A Importância da Eletrobrás na Privatização de Empresas do Setor Elétrico e o Resultado
desse Processo para a Empresa................................................................................................... 133
4.2.3 - Como Foram Afetados os Investimentos do Sistema Eletrobrás e o Planejamento no Setor
Elétrico ....................................................................................................................................... 136
4.3 - O NOVO PAPEL DA ELETROBRÁS PÓS-REFORMAS................................ 140
4.3.1 - A Perda das Funções de Coordenação, Operação e de Agente Financeiro..................... 140
4.3.2 - A Perda das Funções Hierárquicas e de Planejamento.................................................... 142
4.4 - O CENÁRIO ATUAL E AS PERSPECTIVAS FUTURAS PARA O SETOR
ELÉTRICO .................................................................................................................. 145
4.4.1 - Os Números do Setor Elétrico na Atualidade ................................................................. 146
4.4.2 - O Problema da Renovação das Concessões .................................................................... 148
4.4.3 - A Utilização da Energia Nuclear e Eólica....................................................................... 152
4.4.4 - A Construção da Hidrelétrica de Belo Monte ................................................................. 155
4.5 - OS NÚMEROS ATUAIS DO SISTEMA ELETROBRÁS E AS PERSPECTIVAS
FUTURAS PARA A EMPRESA ................................................................................. 157
4.5.1 - Os Números do Sistema Eletrobrás................................................................................. 157
4.5.2 - As Mudanças na Lei que Dispõe sobre a Eletrobrás....................................................... 161
4.5.3 - O Aumento dos Investimentos em Distribuição e a Medida Provisória 466 .................. 164
4.5.4 - A Internacionalização da Eletrobrás ............................................................................... 167
4.6 - APLICAÇÃO DA TEORIA DE EMPRESAS “NATIONAL CHAMPIONS” AO
CASO DA ELETROBRÁS.......................................................................................... 168
CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................................... 177
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS........................................................................... 183
1
INTRODUÇÃO
A indústria de energia elétrica no Brasil vem passando por importantes transformações
no decorrer dos últimos anos. De um modelo que prevaleceu por muitos anos onde o Estado e
suas empresas estatais eram os principais agentes promotores do crescimento, passou-se na
década de 1990 para um modelo onde a lógica do mercado prevaleceria, com incentivos para
que a iniciativa privada tomasse o lugar de destaque na economia, diminuindo o tamanho do
Estado e a sua intervenção direta no setor produtivo. No entanto, com a crise de energia
ocorrida em 2001 e o início do governo Lula, o setor elétrico brasileiro presenciou uma nova
mudança em seu andamento em meados da década de 2000, novas instituições foram criadas,
outras deixaram de existir, e o Estado e suas empresas estatais voltaram a ter um papel mais
ativo nas decisões e no rumo do setor.
A motivação desse estudo encontra-se no papel fundamental exercido pela indústria
elétrica para o desenvolvimento do país. Uma nação não pode crescer sem que tenha uma
infra-estrutura adequada de oferta de energia, que ela é utilizada todos os dias na casa de
milhares de brasileiros e serve como insumo básico para quase todas as outras atividades
produtivas. O setor elétrico nacional ganhou destaque internacionalmente com o advento da
maior preocupação com o aquecimento global nos últimos anos, devido ao fato de o Brasil
gerar grande parte de sua eletricidade através de fontes renováveis. Para isso, o país precisou
construir grandes usinas hidrelétricas e linhas de transmissão ligando a produção aos centros
consumidores, sendo necessária uma ampla coordenação entre os agentes do setor para se
obter a otimização do resultado e a segurança do sistema. Essa coordenação foi exercida pela
Eletrobrás até as reformas liberais da década de 1990 que diminuíram a importância do
Estado e das empresas estatais no desenvolvimento do setor elétrico e da economia em geral.
A maior intervenção do Estado na economia brasileira teve como marco a década de
1930 com o primeiro governo de Getúlio Vargas, a partir daí, o Estado passou a liderar o
processo de industrialização do país, se tornando uma peça fundamental nesse processo,
realizando desde investimentos em infra-estrutura, incentivos fiscais, concessão de créditos
subsidiados e o planejamento econômico, até a produção direta de bens e serviços, através da
criação e fomento de empresas estatais. O período dos governos militares foi o auge da
2
presença do Estado na economia, diversos planos de desenvolvimento foram elaborados e
houve um grande crescimento no número de empresas estatais.
Foi nesse contexto de uma maior centralização política que a Eletrobrás começou a
operar, em pouco tempo ela se tornara o principal agente do setor elétrico brasileiro, sendo
responsável pelo planejamento, financiamento, operação e coordenação, holding das
subsidiárias regionais e realizadora de diversos serviços; era da Eletrobrás a responsabilidade
de executar a política federal para o setor elétrico. Esse quadro com a Eletrobrás no topo
hierárquico do setor funcionou bem até a década de 1980, com a oferta de energia crescendo a
taxas maiores do que o PIB brasileiro, com as demais empresas atuando satisfatoriamente,
sem muita contestação sobre a centralização das decisões na Eletrobrás e sobre os encargos
setoriais.
No entanto, a aceitação desse modelo começou a encontrar resistência com a crise
financeira vivida pelas empresas do setor que passaram a questionar o papel principal da
Eletrobrás, assim, a indústria de energia elétrica foi perdendo gradativamente a eficiência que
tinha sido a sua característica nas décadas anteriores. Esse crescimento da insatisfação foi
equacionado com as privatizações e as reformas da década de 1990, que promoveu o aumento
da entrada da iniciativa privada nas atividades do setor e criou novas instituições que tiraram
o poder da Eletrobrás de ser o principal agente e de influenciar nas decisões do setor elétrico
brasileiro.
A partir desse momento, a Eletrobrás passou a exercer uma função secundária,
correndo o risco até de ser privatizada, porém a empresa não deixou de ter um papel
importante, permanecendo com as atividades de holding de empresas do setor elétrico,
responsável pela administração dos encargos e fundos setoriais e da gestão e operação dos
programas do governo federal para o setor elétrico. Esse esvaziamento das funções e da
atuação da Eletrobrás veio a ser alterado em 2008 com a intenção do governo Lula de
transformar a empresa e torná-la uma referência para o setor elétrico, respeitada
internacionalmente. Essa nova guinada no rumo da Eletrobrás foi possível com a alteração da
lei que autorizou a União a criar a empresa, dando mais liberdade de atuação para a
Eletrobrás, abrindo espaço para que a empresa aumente o seu escopo de atuação, podendo
assim competir em igualdade de condições com as empresas privadas.
3
Este trabalho tem o objetivo de realizar a análise do setor elétrico brasileiro, mais
especificamente a atuação da Eletrobrás ao longo do tempo, começando com os motivos que
levaram à criação da empresa, passando pela sua forma de atuação, pelo papel que lhe foi
dado e a sua relação com os outros agentes do setor, e por fim, como foi a reação da
Eletrobrás às mudanças setoriais e a perspectiva para o futuro da empresa e para os seus
negócios. Para isso, essa dissertação conta com quatro capítulos além dessa introdução e das
considerações finais.
O primeiro capítulo foi reservado para o assunto intervenção do Estado na economia e
para os motivos que podem levar um governo a criar uma empresa estatal. Esse tema vem
sendo debatido muito tempo, colocando em lados opostos a visão de Keynes de que a
intervenção do Estado é necessária para garantir o nível da demanda efetiva que estaria na
origem da formação da renda e do emprego, e do outro lado, a teoria defendida pelos
neoclássicos e pelos neoliberais, onde os mercados são eficientes na alocação, distribuição e
produção de bens e serviços, portanto, qualquer intervenção do Estado resultaria na geração
de ineficiências. Essa diferença entre a importância do Estado para o melhor funcionamento
da economia também estava presente na discussão entre os adeptos do Mercantilismo e os
economistas clássicos como Adam Smith, onde os agentes atuando livremente na busca de
satisfazer os seus próprios interesses, acabariam fazendo com que a economia funcionasse de
forma eficiente.
Uma das formas de intervenção do Estado na economia é através da produção direta
de bens e serviços. Para isso, normalmente o Estado cria empresas estatais para atuarem no
setor produtivo, procurando atingir alguns objetivos sociais e/ou gerar externalidades
positivas para outros setores e indústrias, em uma magnitude que a empresa privada o seria
capaz de prover, pois está mais preocupada em buscar o lucro e aumentar o seu capital. Dessa
forma, o emprego das empresas estatais seria mais uma forma do Estado alcançar o seu
objetivo maior de aumento do bem-estar da população e o crescimento econômico.
Ao longo do primeiro capítulo, procurou-se demonstrar os diversos motivos que
podem levar um governo a criar uma empresa estatal, podendo ser destacado: setores onde o
capital privado o teria muito interesse em investir, devido ao longo prazo de maturação,
necessidade de grande montante de capital, baixa rentabilidade e riscos elevados; monopólios
naturais; contrapartida ao poder das multinacionais; indústrias sicas; geração de demanda
4
para a indústria de bens de capital; salvação de setores não-rentáveis ou em decadência;
questão da soberania nacional em setores estratégicos; e o mais vago dos motivos, o interesse
geral, que foi o mais utilizado para justificar a criação de empresas estatais no Brasil.
Para finalizar esse capítulo, a última seção aborda um tema relativamente novo, a
questão do incentivo à criação e/ou fomento de empresas “national champions. Essas
empresas podem ser privadas ou estatais, porém elas precisam estar comprometidas com os
interesses do país, se tornando uma nova forma de intervenção do Estado na economia,
principalmente nos setores considerados estratégicos, como o setor elétrico. Esse assunto se
tornou mais importante na Europa durante a década de 1990, com a discussão sobre a abertura
dos mercados nacionais e a formação de um mercado europeu único, resultando no aumento
da competição e na redução das barreiras à entrada de novos competidores. No entanto, países
como a França, Espanha e Alemanha têm resistido a essa abertura e unificação dos mercados,
evocando o espírito patriótico para tomar algumas decisões, como o apoio à formação de
empresas “campeãs nacionais”, para entre outros motivos, fortalecê-las para poderem
competir em igualdade de condições com os maiores conglomerados internacionais em um
mercado global, e em última instância, evitar que a empresa nacional seja comprada por uma
concorrente estrangeira que poderia não estar comprometida com o desenvolvimento do país.
O segundo capítulo foi dedicado à intervenção do Estado na economia brasileira, à
evolução do setor elétrico antes da criação da Eletrobrás e para a discussão sobre o projeto de
criação da empresa. O Estado no Brasil ao longo dos anos desempenhou várias funções que
influenciaram o desenvolvimento econômico, como a atuação no setor financeiro, indústria
extrativa, serviços públicos monopolistas e indústrias de base. No entanto, o aumento da
atividade estatal não tinha como objetivo competir com a iniciativa privada e tirar as
oportunidades de investimento, pelo contrário, na maioria das vezes a intenção do governo era
ajudar no processo de acumulação das empresas privadas, principalmente através do
preenchimento de áreas vazias, realizando investimentos necessários ao crescimento
econômico que a iniciativa privada não queria realizar ou não tinha condições para isso, ou
seja, os investimentos estatais em sua maioria foram realizados de forma complementar.
A eletricidade começou a ser gerada no Brasil ainda no final do século XIX e teve até
a metade do século seguinte o predomínio de duas empresas estrangeiras, a Light e a
AMFORP, que atendiam aos consumidores dos maiores centros urbanos do país, enquanto
5
pequenas empresas locais atendiam a outras localidades menores. Portanto, ao contrário da
criação das empresas estatais CSN, da Petrobras e da Vale que foram criadas para a
construção de setores que ainda não existiam no país ou que tinham uma escala bem reduzida,
a Eletrobrás foi criada para desenvolver um setor onde haviam empresas fortes
estabelecidas, o que resultou em um processo bem mais complexo e específico, pois envolvia
o interesse de diversos atores. Deste modo, existiu um bom motivo para que o projeto de
criação da Eletrobrás, proposto no segundo governo Vargas em 1954, tenha sido tão criticado
na época e tenha demorado tanto tempo para ser aprovado, apenas em 1961.
No terceiro capítulo estudou-se o papel desempenhado pela Eletrobrás e a contribuição
da empresa na trajetória de evolução do setor elétrico brasileiro até a cada de 1990, onde
reformas liberais alteraram o padrão de desenvolvimento da economia estabelecido desde
Getúlio Vargas, tendo o Estado em uma posição central no processo de substituição das
importações e crescimento do país. Nos primeiros anos de vida, a Eletrobrás expandiu a sua
atuação apoiada na estratégia do governo militar de centralizar no âmbito federal as principais
decisões econômicas e de aumentar o poder das empresas estatais, dando maior autonomia
institucional e financeira para que elas implantassem as suas estratégias de desenvolvimento.
Para planejar e coordenar o setor elétrico brasileiro, a Eletrobrás contou com a administração
de recursos federais que anteriormente estavam sob a tutela do BNDE e passou a obter
também novos recursos, como o Empréstimo Compulsório, tendo um papel fundamental de
financiadora dos projetos do setor.
Rapidamente a Eletrobrás se tornou o principal agente da indústria de energia elétrica
no Brasil, exercendo inúmeras tarefas e funções, como a execução das políticas federais para
o setor, a preocupação em desenvolver toda a cadeia de fornecedores de materiais e
equipamentos, e empresas de engenharia que prestavam serviços para o setor elétrico, como
também o treinamento e a qualificação da o de obra especializada. O sucesso no
desenvolvimento da indústria de energia elétrica em sua totalidade veio a sofrer um revés
na década de 1980 com o aumento do endividamento das empresas do setor, utilização das
tarifas de eletricidade como política de combate à inflação e problemas com as formas
tradicionais de financiamento. A partir daí, as dificuldades das empresas do setor
aumentaram, assim como a insatisfação com a centralização das decisões na Eletrobrás e com
os encargos setoriais.
6
No quarto e último capítulo, são apresentadas as reformas liberais empregadas pelo
governo Fernando Henrique Cardoso que entre outros objetivos, tinha a intenção de reduzir o
tamanho do Estado, delegando à iniciativa privada maiores poderes e atribuições. Para isso, o
governo priorizou a privatização de empresas estatais em atividades de inúmeros setores da
economia, entre eles o setor elétrico. A Lei Geral das Concessões de 1995 é considerada o
marco inicial das reformas e nos anos seguintes, importantes instituições foram criadas, como
a ANEEL, o ONS e o MAE. A reformulação institucional que acabou criando novos agentes
no setor elétrico brasileiro reduziu a importância da Eletrobrás para o desenvolvimento
energético do país, e mudou as suas funções setoriais. A estatal perdeu a função de
coordenação e operação do sistema, planejamento e financiamento do setor elétrico, além de
deixar o topo da hierarquia setorial.
Em 2003, Lula assumiu a presidência da República e anunciou algumas
transformações na política energética nacional, buscando dar maiores poderes ao Estado e às
suas instituições e diminuir um pouco a importância da iniciativa privada para o
desenvolvimento do setor elétrico. Em 2008, com o objetivo de tornar a Eletrobrás uma mega-
empresa, respeitada internacionalmente e agente ativo nos investimentos do setor elétrico, foi
promulgada a Lei 11.651 que propiciou o aumento da sua liberdade e do seu escopo de
atuação. Ainda nesse capítulo, foi tratada a questão da perspectiva futura para a atuação da
Eletrobrás, como a internacionalização da empresa e o aumento dos investimentos em
distribuição, e por fim, a aplicação da teoria sobre a formação de empresas “national
champions” para o caso da Eletrobrás.
Nas considerações finais, são apresentadas as principais conclusões desse trabalho,
buscando sintetizar as funções exercidas pela Eletrobrás para desenvolver o setor elétrico ao
longo do tempo e qual poderá ser o seu papel daqui para frente.
7
Capítulo 1 – AS FORMAS DE INTERVENÇÃO DO ESTADO NA
ECONOMIA
O primeiro capítulo analisará os aspectos teóricos que levam um Estado a intervir no
andamento natural de uma economia e os motivos normalmente utilizados para a criação de
empresas estatais. Na primeira seção será exposto como as escolas econômicas tratam a
questão da intervenção do Estado na economia, começando com as diferenças entre os
economistas clássicos e os adeptos do Mercantilismo, passando pelos neoclássicos, a teoria
intervencionista de Keynes e os neoliberais. Na seção seguinte virá uma descrição dos
motivos apresentados por diversos autores para a criação e manutenção de empresas sob o
domínio do Estado, explicando a dificuldade que existe entre executar políticas públicas e
disputar mercado com empresas privadas. Por fim, este capítulo abordará o debate sobre as
políticas de incentivo a criação ou fortalecimento de empresas “campeãs nacionais”, privadas
ou estatais, que estejam comprometidas com os interesses considerados estratégicos para o
país, se tornando uma nova forma de intervenção do Estado na economia.
1.1 - A INTERVENÇÃO DO ESTADO NA ECONOMIA – ASPECTOS
TEÓRICOS
A intervenção do Estado na economia não é um tema recente. Muito antes da
descoberta do Brasil e do estabelecimento dos Estados modernos europeus, o Estado já
intervinha na economia de alguma forma em civilizações mais antigas, como a Egípcia e a
Romana. Nessa seção serão apresentadas as diferenças de enfoque entre o Mercantilismo e a
teoria Clássica sobre esse assunto, além da visão dos Neoclássicos e da teoria de John
Maynard Keynes, que ganhou força com a crise de 1929.
1.1.1 - O Antagonismo entre o Mercantilismo e os Clássicos
Entre os séculos XV e XVIII, a prática econômica utilizada na Europa que ficou
conhecida como Mercantilismo, teve uma forte intervenção do Estado com o objetivo de obter
e manter dentro do país a maior quantidade possível de metais preciosos (ouro e prata). O
8
Mercantilismo se desenvolveu na Europa na transição entre o feudalismo e o capitalismo e
não chegou a ser uma teoria econômica unificada, já que os mercantilistas não desenvolveram
uma teoria geral da economia, cada um deu atenção apenas a áreas específicas. Coube a Adam
Smith, considerado um dos fundadores da teoria clássica, organizar em um livro as
contribuições das idéias mercantilistas, muitos anos depois. Assim, as principais
características seriam: a crença de que a riqueza de um país estaria ligada com a quantidade
de metais que ele possuía; e a idéia de que para obter mais ouro e prata, era preciso ter uma
balança comercial superavitária (MATTOS, 2007). Então o Estado tinha a função de restringir
ao máximo o nível de importações e aumentar as exportações do país, deixando o comércio
interno em segundo plano, apenas subsidiando o comércio exterior.
O incentivo do Estado ao superávit nas relações comerciais com o exterior vinha
através de uma política tarifária extremamente protecionista, ajudado pela criação de impostos
e taxas para dificultar a entrada de produtos, e ao incentivo às exportações, estimulando o
desenvolvimento de produtos manufaturados que tinham um valor comercialmente maior do
que os produtos agrícolas. O Estado também buscava manter colônias sobre o seu domínio
para conseguir ouro e prata diretamente desses territórios ou relações comerciais que
favorecessem aos objetivos da metrópole européia.
A forte intervenção do Estado na economia e as práticas mercantilistas foram
contestadas na segunda metade do século XVIII com o avanço da teoria clássica. É nessa
época que Adam Smith escreve o famoso livro, A Riqueza das Nações”, de 1776. Nesse
livro, o ponto central da sua argumentação sobre a liberdade econômica é que os agentes
atuando livremente na busca de satisfazer os seus próprios interesses e do seu próprio jeito,
acabam fazendo com que a economia funcione de forma eficiente. Essa teoria sobre o
funcionamento dos mercados ficou conhecida como “mão invisível”, onde a interferência do
Estado não seria bem-vinda, atrapalhando a realização dos impulsos, necessidades e
recompensas dos agentes individuais.
Após a queda do Absolutismo com a Revolução Francesa em 1789 e o surgimento
do capitalismo, a revolução industrial impulsionou o liberalismo clássico, o qual
tinha como principal premissa a não intervenção estatal na economia, na medida
em que esta deveria ser guiada pelas leis de mercado. A função do Estado era
meramente de permitir que a economia não sofresse nenhuma interferência, pois
ela se auto-regula. Smith restringe rigorosamente as atividades do Estado à
manutenção da defesa comum, ao provimento da justiça e à realização das obras
públicas necessárias (VINHA, 2005, p.3).
9
Para Smith, o Estado teria uma função bem mais restrita do que no pensamento
mercantilista, não devendo ter o papel de direcionar os investimentos ou influenciar as
decisões dos agentes privados sobre as áreas que deveriam ser incentivadas. Assim, o
caberia ao Estado direcionar os agentes para atividades e empregos que beneficiariam a toda
sociedade, isso seria incumbência da própria iniciativa privada que guiada pelo seu auto-
interesse, escolheria livremente onde iria empregar o seu capital e trabalho. A justificativa de
Smith é que a liberdade de ão do indivíduo traria um resultado em termos de riqueza
melhor do que o resultado produzido pela ação do Estado em promover intencionalmente
atividades específicas. Essa é “a idéia de que o bem-estar material de ‘toda a sociedade’ é
promovido no momento em que cada um é deixado livre para seguir seu próprio interesse
privado” (HIRSCHMAN, 1979, p.104).
Em mais uma crítica ao Mercantilismo, Smith afirma que a riqueza de uma nação não
pode ser medida pela quantidade de ouro e prata sob seu domínio. A fonte de riqueza de um
país seria o trabalho, e não o comércio exterior. Assim, passa a ser fundamental a análise da
produção anual e consequentemente da renda anual, pois aumentos na produção, acarretariam
em um aumento da poupança, à elevação do capital e por último, ao aumento do nível de
riqueza do país (MATTOS, 2007). Como o comércio exterior não é mais a fonte de riqueza, o
Estado não deve mais dar preferência a essa atividade em detrimento ao comércio interno,
canalizando os investimentos privados para essa atividade, a exemplo do que era feito no
Mercantilismo.
Com relação ao socialmente mais justo, Smith afirma que a liberdade econômica seria
melhor do que a prática mercantilista, pois na última, os maiores beneficiados desse sistema
seriam os comerciantes e uma parte dos produtores de manufaturas, enquanto os principais
“prejudicados seriam os outros segmentos da produção [...] e os consumidores em geral, que
eram forçados a pagar um preço mais elevado do que aquele que prevaleceria sob condições
competitivas” (MATTOS, 2007, p.125). Com isso, teríamos um número de indivíduos
beneficiados bem menor do que o número de prejudicados pelas práticas mercantilistas, que
dessa forma, seriam inadequadas economicamente e injustas socialmente, levando Smith a
concluir que a liberdade econômica e a não-intervenção do Estado na economia deveriam ser
medidas a serem adotadas pelos países.
As proposições de Adam Smith acabaram por se tornar o programa central de
praticamente todas as correntes da teoria econômica. A economia política clássica
10
foi construída em torno àquelas idéias. Tratava-se de mostrar como a ordem
econômica era construída, espontaneamente, a partir da interação de interesses
privados (CARVALHO, 1999, p.13).
A revolução Neoclássica do final do século XIX trouxe uma visão sobre a intervenção
do Estado na economia mais extrema do que a preconizada por Adam Smith. Para os
neoclássicos, as ações individuais dos agentes levariam ao equilíbrio da economia, não
havendo espaço para uma possível ação do Estado nesse campo. A idéia central é que a
economia deve funcionar em um sistema de concorrência perfeita para que se alcance o
equilíbrio geral eficiente. Um dos principais escritores dessa escola foi Leon Walras, que na
sua visão da economia, os mercados são completos, não há bens públicos nem externalidades,
a informação é perfeita, não ocorre retornos crescentes de escala e não existem custos de
transação. Assim, não lugar para uma atuação do Estado, pois o mercado sozinho faria a
melhor alocação possível dos recursos disponíveis. A intervenção do Estado, por menor que
fosse, seria prejudicial ao andamento da economia, que faria com que as taxas de retorno
fossem modificadas, divergindo daquelas geradas em um mercado de concorrência perfeita,
reduzindo os incentivos e informando erradamente sobre as oportunidades.
1.1.2 - Keynes e os Neoclássicos
Com a crise de 1929 e a quebra da Bolsa de Nova Iorque, uma nova doutrina
econômica começou a ganhar força, baseada no trabalho de John Maynard Keynes, que
propunha uma maior intervenção do Estado como forma de fomentar a economia e tirá-la da
depressão que se encontrava na época, já que os interesses individuais não produziriam
necessariamente os melhores resultados para a sociedade. “Não cabe ao Estado impor aos
indivíduos metas diferentes daquelas que desejem, mas, sim, permitir-lhes alcançar patamares
mais elevados de bem-estar” (CARVALHO, 1999, p.22).
Para Keynes, a teoria clássica precisava passar por uma ampla reformulação já que era
incapaz de resolver os problemas que eram apresentados na época. Então seu objetivo era
criar uma nova teoria que explicasse as dificuldades enfrentadas pelo capitalismo e que
apresentasse soluções factíveis. Em um período conturbado que passava a grande maioria dos
países, Keynes destaca que o problema enfrentado pelas economias era devido à insuficiência
da demanda e o um problema de oferta, como acreditava os neoclássicos. Dessa forma,
11
para combater à crescente taxa de desemprego, o Estado deveria incentivar e garantir de
forma direta o aumento da demanda efetiva na economia.
[...] O Estado deve exercer uma política econômica adequada para compensar a
insuficiência da demanda efetiva privada. Essa indicação de Keynes a respeito da
atuação estatal traduz, simplesmente, a necessidade de criação de procura adicional
para fomentar o emprego: numa economia fechada, o Estado deve agir sobre
variáveis que afetam o consumo e/ou o investimento. [...] Em resumo, a
preocupação maior de Keynes referia-se à necessidade de o Estado assumir maior
responsabilidade na organização dos investimentos, através de uma política de
regulação, com o objetivo de neutralizar sua instabilidade (CARVALHEIRO,
1987, p.110).
Keynes abandona a lógica de que o mercado sozinho poderia levar a um bom
funcionamento da economia, lembrando de que a economia corria o risco de funcionar em
crise. Assim, era função do Estado atuar principalmente sobre o volume de investimentos,
compensando eventuais variações por parte dos agentes privados, regularizando com isso, a
demanda e os investimentos globais, que estariam na origem da formação da renda e do nível
de emprego. Os gastos públicos estão no centro da teoria de Keynes, a ponto dele sugerir que
em momentos de crise, até gastos de utilidade duvidosa são altamente recomendados, vindo a
ser um complemento ao investimento e consumo privados, que via multiplicador,
aumentariam a demanda efetiva no país, então “a construção de pirâmides, os terremotos e
até as guerras podem contribuir para aumentar a riqueza [...]” (KEYNES, 1982, p.110). Dessa
forma, o Estado deveria ter a função de orientar os investimentos privados principalmente nos
períodos de depressão, mas não apenas em épocas de dificuldades, durante um período
próspero o Estado também exerceria essa função.
Com relação à política fiscal, Keynes observava que ela deveria ser usada para uma
melhora na distribuição da renda. Dessa forma, a redução de impostos ou uma tributação
progressiva, poderia afetar a propensão a consumir da sociedade como um todo, já que
aumentaria a renda disponível para o grupo que tem uma maior propensão a gastar. Para a
política monetária, Keynes afirma a sua importância devido ao seu impacto sobre o
investimento. A taxa de juros teria impacto sobre o motivo especulação em reter moeda, já
que os motivos transação e precaução seriam mais insensíveis a esse instrumento, sendo
influenciados pelos níveis de renda e da atividade econômica do país. A função do Estado
seria administrar a quantidade de moeda da economia para que ela não afetasse
negativamente a taxa de juros, elevando o seu nível, o que resultaria em uma queda no nível
de investimento no país.
12
Barrère (1961) faz um resumo sobre a teoria de Keynes e o grau de intervenção do
Estado:
[...] a teoria elaborada por Keynes sempre se baseia em elementos característicos
do capitalismo. O autor conserva a livre procura do lucro, o salariado e um alto
grau de iniciativa individual dentro de um quadro de controle flexível; mantém-se
a livre escolha do produtor e do consumidor e a repartição dos recursos se faz
sempre sob a ação dos preços. Pede ao Estado, apenas, que exerça uma ação
supletiva permanente (BARRÈRE, 1961, p.34).
A teoria Keynesiana praticada em importantes países sofreu um baque com a recessão
da década de 1970, após os choques do petróleo. O quadro que se via era de uma queda dos
investimentos, uma inflação crescente e diminuição do ritmo do crescimento dos países. É
nesse quadro que começa a ganhar força, principalmente na década seguinte, as teorias
neoliberais, que buscavam uma desestatização da economia e dar maior espaço para a
iniciativa privada. “É enfatizado o retorno às práticas de políticas econômicas mais
ortodoxas, centradas em um enfoque monetário restritivo e na austeridade fiscal, através de
expressivos cortes nos gastos públicos correntes, incluindo seus investimentos produtivos”
(LANDI, 2006, p.27).
Segundo as teses neoliberais, as funções do Estado e o seu tamanho seriam reduzidos,
privatizações seriam necessárias assim como a concessão ou permissão de serviços públicos
para a iniciativa privada, passando o Estado a exercer uma nova função, a regulação dos
serviços públicos. Para o liberalismo e as suas crenças no equilíbrio geral e na concorrência
perfeita, os mercados são eficientes na alocação, distribuição e produção de bens e serviços,
portanto, qualquer intervenção do Estado resultaria na geração de ineficiências. Assim,
apenas nos casos da existência de falhas de mercado
1
que o Estado teria uma função a ser
desempenhada na economia, admitindo a sua intervenção.
1.2 - AS EMPRESAS ESTATAIS
O motivo empregado o maior número de vezes para a intervenção do Estado na
economia é a existência de falhas de mercado, porém apenas esse motivo não é suficiente para
a criação de empresas estatais, já que outras opções podem ser adotadas e implicar em
1
Alguns exemplos de falha de mercado: externalidades, concorrência imperfeita, informação assimétrica e bens
públicos.
13
melhores resultados. Nessa seção serão detalhados os motivos que podem levar um governo a
criar uma empresa estatal.
1.2.1 - Os Motivos para a Criação das Estatais
Villela (1984) acredita que as empresas estatais foram criadas para promover
objetivos sociais e/ou gerar externalidades positivas em uma magnitude que a empresa
privada não seria capaz de gerar, pois o maior objetivo dessa última é a busca pelo lucro e a
valorização do seu capital. É por essa razão que o Estado resolveu criar as empresas estatais
como um instrumento a mais para ajudá-lo a orientar o desenvolvimento econômico do país
na direção desejada.
A empresa estatal foi a forma pela qual o Estado passou a intervir diretamente na
produção de mercadorias e serviços. Com isso, o Estado assume a propriedade
sobre uma parcela do capital do país, gera excedentes e se impõe como um ator
interessado no processo de concorrência. Assim, como qualquer outra firma
geradora de bens e serviços, as estatais estão submetidas às leis de mercado
(SCALETSKY, 2005, p.3).
A expansão das empresas estatais aceita inúmeras outras explicações, como por
exemplo, a tensa relação entre o Executivo e o Congresso Federal que levava à demora por
parte desse último de aprovar o orçamento do Poder Executivo. A solução encontrada foi a
criação de órgãos da administração indireta que dava uma maior flexibilidade ao Executivo,
assim a empresa estatal foi criada no Brasil e em inúmeros países para dar maior autonomia às
atividades estatais de natureza econômica, pois ela seria liberada do controle de diversos
órgãos do Estado para que pudesse ter respostas mais rápidas sobre as decisões do tipo
comercial.
Entretanto, esse intuito de proporcionar àquelas empresas maior autonomia suscita
inúmeros problemas. Que tipos de atividade deverão merecer tal liberdade? Que
limites deverão ser impostos a essa liberdade? De que forma vinculará a empresa
seus próprios imperativos econômicos aos interesses sociais, muito mais amplos?
Deveremos esperar da empresa pública comportamento diferente das empresas
privadas? Como pode a sociedade ter certeza de que as empresas públicas estão
funcionando com razoável eficiência? (SHERWOOD, 1964, p.3).
Uma empresa pode ser considerada pública, de acordo com Faucher (1982), quando
ocorre algum desses três motivos: participação do Estado no capital da empresa; o Estado
tem autoridade para nomear membros do conselho administrativo; e quando o governo tem o
poder de definir as grandes orientações da empresa.
14
Villela (1984) lista nove motivos para a criação das estatais: controle de monopólios;
controle do suprimento de insumos básicos; suprimento de espírito empresarial e treinamento
de executivos e técnicos; aumento do nível de emprego; redução da desigualdade de renda;
promoção de desenvolvimento regional; estabilização dos preços de insumos básicos;
contrapeso ao poder das multinacionais; e por fim, a geração de demanda para a indústria
nacional de bens de capital.
As empresas estatais foram criadas para atuarem em setores onde a necessidade de
capital para o desenvolvimento de projetos era muito grande, o prazo de maturação dos
investimentos era muito longo e a rentabilidade, pelo menos no curto prazo, era muito
pequena para atrair os investimentos privados. Já os monopólios geralmente surgem em
setores onde uma importante economia de escala, constituindo os monopólios naturais,
então é preferível para o Estado ser o proprietário desse monopólio do que deixar os lucros
dessa atividade para o setor privado.
Além de subsidiar as empresas privadas, o Estado é levado a criar suas próprias
empresas em função de sua capacidade de realizar poupança forçada. Quando o
volume de poupança necessária é muito grande, quando o prazo de maturação dos
investimentos é longo e os riscos elevados, cabe sistematicamente ao Estado
assumir os novos investimentos. Isto explica porque setores como petróleo, a
mineração, a produção de energia elétrica e de aço tendem a ser estatais
(BRESSER-PEREIRA, 1986, p.99).
Assim como Villela (1984), Faucher (1982) também lista os critérios que explicariam
a criação das estatais, que para esse autor, seriam dez critérios: interesse geral; monopólio
natural; falta de capitais e a atitude do setor privado frente ao risco; salvação dos setores não-
rentáveis; setores dominantes e as indústrias básicas; soberania nacional; preferência dos
agentes financeiros; nacionalização como técnica administrativa; processo de diversificação
das atividades das empresas públicas; e fatores políticos e sociais. Dentre essa lista, pode-se
destacar que o critério interesse geral é o mais vago e geralmente o mais usado para explicar a
criação de uma estatal. O Estado também interviria para salvar setores não-rentáveis se esses
fossem essenciais para a economia e a criação de empresas públicas em setores de indústrias
básicas serviria para garantir que toda a economia do país se beneficiasse do efeito em cadeia
que podem ser associados a alguns setores importantes.
Dimock (1964) sinaliza uma explicação mais geral para os seis motivos que levariam
um governo a criar suas próprias empresas estatais para atuarem diretamente no setor
15
produtivo: grande quantidade de capital para os investimentos necessários onde o capital
privado talvez não tivesse condições de realizá-lo; objetivos de interesse nacional de longo
prazo; temor dos monopólios privados; fins de emergência em períodos de grande recessão;
em tempos de guerra onde necessidade de planejamento econômico e controle de alguns
meios de produção para evitar o desabastecimento; e motivos econômicos, quando o Estado
encampa empresas que estejam obtendo lucros muito altos ou pelo o contrário, quando a
empresa dá muito prejuízo, porém a sua existência é fundamental para a economia e/ou setor.
Faucher (1982) deixa claro que o objetivo de se criar uma estatal não está apenas no
ganho econômico que ela pode trazer, mas também o Estado tem o interesse de mostrar para a
população a necessidade que existe de se controlar alguns setores produtivos importantes para
o crescimento do país, assim a criação de uma empresa pública supõe que o Estado agir no
intuito de orientar o desenvolvimento econômico.
Como ocorre com qualquer decisão política, a intervenção econômica do Estado
será requerida, tolerada ou deparará com forte oposição, conforme a composição
da estrutura social e o dinamismo da iniciativa econômica nacional. Uma burguesia
mais dinâmica pretenderá que o capital público assuma uma parte das suas
despesas de investimento, porém resistirá a todo controle do Estado sobre alguma
atividade produtiva. Uma burguesia em decadência exercerá pressões para que o
Estado assuma os setores não rentáveis, tendo vista recuperar o seu capital e
orientá-lo para atividades mais lucrativas (FAUCHER, 1982, p.96).
O Estado tem a atribuição de fornecer as chamadas mercadorias não-comercializáveis,
como a segurança e a área jurídica, entre outras, que existe uma grande dificuldade de
precificar esse tipo de mercadoria, não permitindo a valorização do capital investido. Essa
área de atuação típica do Estado não gerou conflito e reclamações da iniciativa privada, foi
apenas quando o Estado resolveu entrar no circuito da valorização do capital, na produção de
bens comerciais através das empresas estatais, que surgiram as primeiras críticas com relação
à demarcação dos limites de atuação dos setores público e privado.
A justificativa para a criação de uma empresa estatal é que ela tem um papel a
cumprir, ou seja, ela pode ser usada para desenvolver setores importantes para impulsionar o
crescimento do restante da economia, pode ser usada como instrumento de política industrial
e de desenvolvimento regional, pode ter as suas compras sendo utilizadas para incrementar
um outro setor e também pode ser utilizada para fins de planejamento econômico, além de
outras funções. Assim, uma empresa estatal que não estivesse trabalhando em prol do
interesse público, que atuasse como se fosse uma empresa privada, submetida ao paradigma
16
privado de produção que é a valorização do seu capital, ela acabaria com a justificativa
principal da criação ou manutenção da empresa sob o controle do Estado (MARTINS, 2004).
Que sentido teria o Estado de manter uma empresa que busca apenas o interesse próprio? As
estatais têm um objetivo a cumprir, elas têm que servir a toda sociedade para justificar o apoio
dado pelo Estado na sua constituição e desenvolvimento.
1.2.2 - O Resultado da Atuação das Estatais
Se for levado em consideração que uma empresa estatal é ineficiente simplesmente
pelo fato de ter sido instrumento de política econômica, não parece ser correto, já que esta é a
sua função, ajudar o governo a alcançar os objetivos planejados. O resultado de uma empresa
estatal não pode ser comparado com o resultado de uma empresa privada, que está livre de
interferências políticas e onde é possível buscar somente a maximização dos lucros e a
valorização do capital. Deve-se levar em consideração que a estatal é constantemente levada
pelo governo a se afastar do paradigma privado, comprometendo a sua futura expansão ou até
mesmo a sua existência.
Como o governo pode usar as estatais como instrumento de suas políticas econômica e
social, então o desempenho delas não pode ser julgado de acordo com a sua rentabilidade
alcançada, o mais certo seria julgá-las segundo a contribuição delas direta e indiretamente ao
desenvolvimento geral do país. Assim as estatais estão submetidas a interesses econômicos e
interesses políticos. Dessa forma, o Estado não procura alcançar taxas de remuneração de seus
investimentos compatíveis com as taxas de mercado, pois como ele renuncia às exigências
máximas de rentabilidade, ele obtém uma maior flexibilidade para investir em programas
onde a iniciativa privada não investiria.
Apesar de não se poder comparar os resultados obtidos por empresas privadas e
estatais, devido aos objetivos políticos e sociais que as estatais devem perseguir, não se pode
negar que a interferência política algumas vezes causa fortes danos às empresas quando ela é
submetida às políticas de curto prazo geralmente de combate à inflação, onde há redução real
do valor das tarifas ou das mercadorias produzidas pelas estatais, afetando a condição de
autofinanciamento. Assim, é confundida a razão da existência da estatal, mais voltada com
objetivos e resultados de longo prazo, com políticas de curto prazo.
17
Não se pode confundir “missão”, “razão de ser” e “legitimidade” de uma empresa
estatal, ou seja, o seu componente regulatório correspondente, com
instrumentalização de curto prazo, aleatória. A própria instrumentalização
“perversa”, a qual as empresas foram submetidas, acabou por obscurecer a razão
principal de muitas empresas estatais constarem do portfólio estatal (MARTINS,
2004, p.4).
Sherwood (1964) alega que não qualquer razão para que uma empresa estatal não
possa ser igual ou a mesmo superior às empresas privadas com relação às práticas
econômicas e comerciais, simplesmente pelo fato dela ser uma empresa pública. Porém
quando o Estado começa a influenciar os objetivos e o rumo da empresa, forçando-a a atender
principalmente aos interesses públicos, isso poderá ocasionar perdas maiores para a empresa
do que a concorrência no mercado poderia trazer. Então o Estado tem que ter a percepção de
saber a dose certa de usar a estatal como política para alcançar objetivos públicos, sem que a
deixe numa posição deficitária, sem conseguir meios de se auto-financiar, necessitando da
ajuda do Estado para continuar existindo.
Outra função que a empresa estatal pode vir a desempenhar é de estabilizadora do
sistema econômico. Ela poderia exercer reações bem diferentes a flutuações dos preços e do
crescimento da economia como um todo em comparação com as empresas privadas. A estatal
poderia, por exemplo, deixar de aumentar os preços em períodos de inflação e diminuir
menos os preços durante a deflação, sendo um elemento estabilizador de preços.
Sherwood (1964) mostra que é mais difícil ser o elemento estabilizador quando o
instrumento a ser usado são os investimentos da empresa. Em um período de recessão, a
estatal aumentaria o seu investimento para compensar a queda da atividade econômica como
um todo, e a posição contrária, a diminuição dos investimentos, ocorreria quando a economia
estivesse em um período de grande crescimento. Se a empresa pública usasse o seu
investimento dessa forma, como elemento estabilizador, estaria provocando sérios danos a
sua atividade produtiva, aumentando a sua capacidade de produção quando a demanda pelos
seus produtos está diminuindo, crescendo os seus custos sem a menor necessidade. O citado
autor indica que se a empresa pública conseguisse manter estável o seu nível de investimento,
traria um grande benefício para economia nacional, não tornando necessário os altos e
baixos do investimento ao longo do tempo.
18
1.2.3 - A Autonomia e o Controle sobre as Estatais
Com relação ao controle sobre o funcionamento das empresas estatais, o grau de
autonomia delas frente ao governo vai depender de como elas estão agindo de acordo com os
objetivos a elas incumbidos. Se os objetivos estiverem sendo alcançados de forma satisfatória,
não teria motivos para o governo intervir no funcionamento da empresa.
Abranches e Dain (1978) apresentam quatro níveis de autonomia que a estatal pode
alcançar: (i) autonomia política, que acontece quando a empresa tem a liberdade de decidir os
seus objetivos e os investimentos a serem realizados; (ii) autonomia financeira, que engloba a
capacidade da empresa se auto-financiar através dos lucros obtidos e as fontes externas à
empresa de financiamento; (iii) autonomia de capital, que é a liberdade de poder utilizar o seu
capital livremente, nas atividades que a empresa achar melhor empregar; (iv) autonomia de
gestão, que é a capacidade que a empresa dispõe para decidir os meios pela qual ela vai
procurar atingir os objetivos propostos.
As empresas estatais têm certa liberdade de ação em relação ao controle que é
exercido pelo seu proprietário ou maior acionista, que é o Estado. Essa autonomia diverge de
empresa para empresa, de setor para setor e de país para país. Emmerich (1964) concorda que
é necessário dar algum grau de liberdade para as empresas públicas, porém afirma que essa
autonomia precisa de certos limites e de um controle por parte do governo, que pode ser de
diversas formas: o campo de atividade da empresa deve estar bem definido; os poderes dados
devem ser pertinentes às respectivas funções; o governo deve ter o poder de supervisão, por
em prática auditorias e fiscalização; e deve-se exigir que as estatais divulguem ao público
relatórios anuais financeiros e contábeis.
Não um padrão universal de como deve ser feito o controle por parte do governo
nas empresas estatais, cada país, setor e empresa é um caso diferente, particular. Porém, de
um modo geral, o controle exercido pelo governo e o grau de autonomia que a empresa deve
ter, seria melhor administrado se na lei específica que criou cada estatal, estivesse bem
determinado os limites de atuação e controle da empresa.
Todavia, uma imunidade completa de controles governamentais especialmente no
que se refere a planejamento e diretrizes gerais, poderá frustrar as próprias
finalidades para as quais se terá criado a autarquia. Assim, por exemplo, poderá dar
a empresa excessiva importância à questão do lucro pecuniário, e em conseqüência
deixar de prestar serviços essenciais, por serem menos lucrativos: poderá lançar-se
19
a empreendimentos e produtos prejudiciais à economia em geral e em desarmonia
com o plano nacional de desenvolvimento [...] (EMMERICH, 1964, p.50).
Antigamente não se fazia distinção entre empresas estatais e atividades tradicionais do
Estado, por isso em alguns países, atividades como os serviços postais e telegráficos, assim
como algumas ferrovias eram organizadas e custeadas da mesma forma que as outras
instituições do Estado. A estatal era custeada pelo governo que lhe repassava recursos do
orçamento e toda receita recebida pela empresa era recolhida pelo Estado, então ela estava
amarrada pelo orçamento do governo assim como as demais atividades governamentais.
Quando uma empresa é custeada exclusivamente por recursos do orçamento anual, ela perde
o incentivo de melhorar a eficiência produtiva e de cobrar preços maiores do que o custo de
produção, pois o lucro operacional não fica dentro da empresa, ela não tem direito sobre ele,
não pode reinvesti-lo.
Essa forma de enquadrar as empresas públicas pode ser vista como positiva na
posição do governo, porque ele pode obter um grau máximo de controle sobre essas
empresas. Porém do ponto de vista operacional da empresa estatal ela sairia prejudicada, pois
ficaria totalmente sem a flexibilidade necessária para atuar comercialmente, que ela requer
uma condição funcional e financeira diferente da estrutura administrativa e financeira do
governo.
1.2.4 - A Ambigüidade da Estatal
Scaletsky (2005) sintetiza em seu trabalho, que desde a sua origem, a empresa estatal
nasce com uma ambigüidade: faz parte do sistema do Estado, mas também é uma organização
submetida às lógicas do mercado. Assim, ela o é um capital voltado exclusivamente à sua
própria reprodução, como também ela não é apenas recursos orçamentários para execução de
atividades típicas do Estado. Devido a essa ambigüidade, a empresa estatal tem duas faces: ela
executa políticas públicas em nome do governo, mas também disputa mercados com empresas
privadas, com o objetivo de reproduzir o seu capital e gerar recursos para os seus acionistas.
Essas duas lógicas, na maior parte das vezes, não são harmônicas e geram um conflito de
interesses dentro da própria empresa.
Condicionadas pelo governo e agindo como um instrumento na regulação do
sistema, elas assumem posições na economia que são estranhas aos seus interesses
empresariais. Sua inserção na produção de mercadorias, por outro lado, as
20
impulsiona para o lado do rompimento com a lógica de atuação pública. Não se
pode falar em empresa estatal sem que ambas faces estejam presentes. Se estiver
imune à influência política para sua ão, com certeza não se tem como referência
uma empresa onde o Estado detém a maioria do capital votante. Da mesma forma,
se as empresas estiverem agindo exclusivamente no interesse público, estamos
diante de uma mera extensão da administração pública direta (SCALETSKY,
2005, p.4).
A coexistência entre essas duas lógicas ao longo do desenvolvimento da empresa
estatal gera uma relação tensa entre os diversos atores envolvidos no processo, como os
gerentes da estatal e o governo. Muitas vezes quando o governo tenta dar uma orientação aos
investimentos, ele é acusado pelos próprios dirigentes da estatal de estar influenciando
politicamente os rumos da empresa. É uma situação no mínimo estranha, é como se o maior
acionista não pudesse exercer o seu direito de definir o caminho a ser perseguido pela
empresa.
[...] a estatal tem duas funções: a negócio, como a empresa atua em termos de
produtividade e rentabilidade e a política. [...] numa empresa estatal mais focada
em sua função política e orientação externa, aumenta a probabilidade de que ocorra
ênfase nas vendas ao invés da lucratividade, preços baixos em relação aos custos,
objetivos relativamente instáveis, objetivos estabelecido em termos vagos e não
muito claros, avaliação de desempenho feita de modo irregular, procura de apoio
público antes de uma ação e a alta administração recrutada do setor público
(LOBATO, 2007, p.32).
Faucher (1982) argumenta sobre as dificuldades de se compatibilizar os diversos
interesses por detrás da dualidade das empresas estatais, assim os objetivos da estatal como
agente do mercado será totalmente conciliável com os interesses políticos do Estado, se o
governo fizer dele os mesmos objetivos da empresa. As metas das políticas econômicas e da
utilização da empresa pública devem ser sempre confrontadas com o interesse da estatal de
ter uma maior autonomia para decidir o rumo a ser seguido por ela.
É para tentar resolver esse problema que a Organização para Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (OCDE) propõe a adoção de uma Guia de Governança
Corporativa para as empresas estatais. O guia da elaborado pela OCDE indica o ponto de
partida para o bom funcionamento da empresa, que o governo deixe explícito e claro a
política do Estado como acionista principal e controlador, e a postura que ele vai ter na
orientação do rumo que a empresa vai seguir. Uma das maiores preocupações da OCDE é que
“as responsabilidades que as empresas estatais assumem em nome de políticas públicas não
sejam confundidas, nem com ações públicas em geral, tão pouco fiquem submersas nas ações
empresariais” (SCALETSKY, 2005, p.4). Assim, é necessário registrar quais foram os gastos
21
da estatal tanto como um agente do mercado, quanto como agente público, abrindo espaço
para a diminuição dos conflitos entre os interesses do Estado, dos acionistas minoritários e
dos gerentes da empresa.
Pragmaticamente, uma das formas de fazer isso é a tradução destas atividades em
custos. Assim identificados, os custos públicos” seriam compensados por
transferências de recursos do orçamento geral do Estado. Quer dizer, estas ões
seriam do conhecimento blico, que integrariam o orçamento. O problema é
estabelecer a linha demarcatória entre o que o atividades empresariais e as
políticas exercidas em nome do interesse público (SCALETSKY, 2005, p.5).
Outro exemplo ilustra a dificuldade em separar as atividades de cunho público das
atividades empresariais das empresas estatais. Em muitos países, a atividade de correios e
telégrafos é realizada pelo Estado, assim, o seu objetivo é levar o serviço a todos os pontos do
país, do local de mais fácil acesso, até os mais longínquos, dos municípios mais populosos,
até os que têm pouca densidade demográfica. Do ponto de vista estritamente empresarial,
seria mais lucrativo realizar esse serviço apenas nas áreas com maior densidade populacional
e de mais fácil acesso, porém como é uma empresa estatal que desempenha essa função, ela é
obrigada pelo governo a prestar esse serviço universalmente, a todos os pontos do país. Deste
modo, uma atividade é subsidiada pela outra, sem que haja uma contabilização em separado
de cada uma, onde ficasse claro e fosse de conhecimento público os custos de cada atividade,
tornando mais fácil a avaliação da gestão da empresa pelos seus dirigentes.
Entre os muitos motivos empregados para a criação de empresas estatais que foram
explicados nessa seção, que entre outras conseqüências, poderiam resultar em financiamento
de importantes empreendimentos, planejamento industrial, políticas setoriais, operação e
desenvolvimento de indústrias, e criação de infra-estrutura, ou seja, mecanismos de
coordenação com o objetivo de orientar o desenvolvimento econômico do país, nos últimos
anos surgiu na Europa um novo debate sobre como o Estado pode incentivar a criação ou o
fortalecimento de empresas nacionais, privadas ou estatais, que estejam comprometidas com
os interesses considerados estratégicos para o país. Este será o tema da próxima seção.
22
1.3 - ASPECTOS TEÓRICOS E EXEMPLOS SOBRE EMPRESAS
“NATIONAL CHAMPIONS”
Um dos temas mais debatidos na Europa nos últimos tempos é a questão da formação
de empresas national champions”. Esse tema por mais que fizesse parte da agenda de
muitos países, principalmente na análise de casos de fusões e aquisições, ele se tornou mais
importante durante a década de 1990 até os dias atuais, com a discussão da abertura dos
mercados nacionais para a construção de um mercado unificado europeu. Em alguns setores,
principalmente os considerados estratégicos, como a aviação, telecomunicações e o setor
elétrico, um grande debate sobre a atuação dos órgãos de defesa da concorrência e a
atuação de alguns países que tem se caracterizado pelo apoio do governo a formação de
grandes empresas, com o intuito de fortalecê-las para poderem competir em igualdade de
condições com os maiores conglomerados internacionais em um mercado global. Como
maiores exemplos desse contexto, a França, Espanha e Alemanha têm evocado o espírito
patriótico para justificar essas ações, ao contrário do Reino Unido, que tem se caracterizado
pela defesa dos ideais liberais e pela promoção de um ambiente concorrencial.
1.3.1 - A Definição sobre as “National Champions” e o Debate sobre o Incentivo à
Consolidação dessas Empresas.
Como afirma Maincent e Navarro (2006), não existe consenso sobre a definição do
que seria uma empresa “national champion”, havendo diversas hipóteses dependendo do país,
do setor e da empresa que se quer avaliar. Em linhas gerais, uma national champion”
poderia ser considerada uma grande e importante empresa nacional, privada ou estatal, que
atue em um setor considerado estratégico para o governo, que possua economias de escala na
produção em seu setor chave, domine uma grande parte do mercado onde atua e que seja
capaz de competir em um mercado global com as gigantes empresas multinacionais.
A explicação para o uso das national champions” em alguns setores estratégicos
pode ser sintetizada dessa forma: além do medo de ficarem na dependência das empresas
multinacionais que não estariam comprometidas com o desenvolvimento do país, alguns
setores são chaves para o desenvolvimento de várias outras indústrias e nesse caso,
incrementar o setor chave significaria dar um forte impulso para o crescimento dos setores
23
complementares, o que resultaria em um efeito em cadeia para muitas outras atividades. Os
setores de infra-estrutura são exemplos dessa explicação, assim como os setores mais
inovadores.
Uma das formas de se fomentar a criação de “national champions” é através de
incentivos a aquisições e fusões de empresas concorrentes. Pinto Jr. e Iootty (2005) fizeram
um estudo sobre as fusões e aquisições (F&A) durante a década de 1990 na indústria de
energia pelo mundo e constataram que a abertura das indústrias principalmente de eletricidade
e de gás, criaram pressões sobre os agentes que atuavam nesses mercados que foram
obrigados a procurar outras alternativas para melhorar o seu grau de competitividade. A saída
foi a procura pela redução de custos, aproveitamento de economias de escala e a procura por
novas oportunidades de investimentos, que as empresas agora não teriam mais mercados
cativos restritos aos seus territórios nacionais e teriam que competir em um mercado mais
amplo e concorrido, correndo até o risco de perder o domínio sobre o seu antigo mercado.
Deve-se atentar também para as vantagens competitivas dos atos de aquisição.
Considerando somente os argumentos teóricos dispostos na literatura de Economia
Industrial, é possível afirmar que as empresas preferem muitas vezes crescer via
F&A, e não pelos meios de crescimento orgânico, porque deste modo elas podem:
i) acessar mercados ou aumentar o poder de mercado de forma imediata; ii) obter
ganhos de eficiência produtiva, seja do ponto de vista estático, ou dinâmico; iii)
diversificar suas atividades produtivas; e iv) alcançar a internacionalização de suas
atividades (PINTO JR. e IOOTTY, 2005, p.443).
O debate sobre national champion” pode levar a uma tensão entre a política
industrial e a política competitiva, ou seja, com os órgãos de defesa da concorrência,
principalmente em países de economia pequena. Esse conflito ocorreria porque a criação
desse tipo de empresa seria justificada como a única maneira de competir em um mercado
global com as grandes empresas multinacionais, porém os órgãos de defesa da concorrência
ficariam desconfortáveis com a posição de domínio que a national champion” teria no
mercado interno, pois em países com uma economia o muito grande, essas empresas quase
sempre teriam uma posição de monopólio. Portanto, para os interesses de grupos favoráveis a
fomentação de empresas national champions”, os órgãos de defesa da concorrência podem
ser um grande obstáculo a ser superado, enquanto que para esses órgãos, a criação dessas
empresas pode ser uma perigosa brecha para a manutenção de poderes de mercado.
Geroski (2005) expõe em seu texto que existiriam três motivos para a criação de uma
empresa “national champion”: a noção de que o mercado onde essa empresa atua é um
24
mercado global; a idéia de que a empresa precisa ter certo tamanho para ser competitiva; ou
que existem certos setores específicos que o Estado precisa consolidar para que o país
progrida economicamente. O mesmo autor desmente dois dos motivos normalmente
utilizados para se apoiar a criação de empresas national champions”. A hipótese de mercado
global na qual a oferta seria de produtos padronizados, onde a competição seria apenas via
preços e a diferenciação das empresas seria na economia de escala, na grande maioria dos
mercados não é verdadeira. O autor lembra que mesmo após a “unificação européia”, até
aquela data, a maioria dos mercados na Europa continuava sendo nacional e que vários
produtos tinham algum grau de diferenciação que correspondiam às preferências locais,
abrindo espaço para empresas menores especializarem-se na oferta desses produtos. Então o
fato da empresa operar globalmente seria mais uma opção estratégica do que uma necessidade
da firma.
a hipótese de que a empresa precisa ser grande para ser competitiva, obtendo um
diferencial de custo com a economia de escala na produção, também não pode ser totalmente
aceita, pois a posição dominante em um mercado local pode fazer com que a empresa seja
menos eficiente. A falta de concorrência pode resultar na empresa investir pouco em
inovações, reagir devagar às mudanças das necessidades do mercado, além do aumento de
preços que a posição de monopólio (ou quase-monopólio) pode ocasionar. Achar que o
simples fato da empresa ser grande, ter economias de escala, torná-la mais competitiva, é
aceitar que a habilidade é mais importante do que o incentivo que um mercado mais
competitivo poderia acarretar para o desenvolvimento da empresa.
duas formas de se identificar potenciais empresas “national champions”, a
maneira certa seria identificar os setores estratégicos, os que têm papel central na economia, e
ver que tipo de suporte seria absolutamente necessário para assegurar que o setor se
desenvolva. A forma errada seria sucumbir a pressões de firmas nacionais grandes e fortes
politicamente, que estejam passando por um período de desempenho insatisfatório ou que
estejam operando em um mercado em declínio ou maduro, no entanto, Geroski (2005) afirma
que na maioria dos casos a maneira errada é a que sobressai. Os defensores da política de
fomentação das “national champions” normalmente acham que o Estado deve dar um suporte
para a consolidação delas, que pode ser através de subsídios, linhas de financiamento com
juros e tempo mais convidativos do que o de mercado e relaxamento das políticas de defesa
da concorrência em seus setores.
25
Diaconu, Oprescu e Pittman (2007) no estudo sobre a reestruturação do setor elétrico
na Romênia afirmam que a criação de empresas “national champions deve ser combatida
porque o beneficiam os consumidores e a economia local. A falta de competição interna
resultaria em preços maiores, menores opções para os consumidores, investimentos
insuficientes, e um maior potencial para interferências políticas e corrupção. Já a conclusão de
Geroski (2005) é de que o fato da empresa operar em um mercado competitivo vai
provavelmente lhe tornar competitiva em um mercado global, enquanto empresas que não
atuam em um mercado competitivo, dificilmente sobreviverão quando forem expostas a um
mercado global, muito mais competitivo.
Opinião parecida com a de Clougherty e Zhang (2008) no estudo sobre o setor de
aviação internacional. Para esses autores, a discussão sobre os impactos da racionalidade das
national champions e a racionalidade da competição doméstica sobre os resultados das
exportações
2
tem recebido atenção dos teóricos desde a década de 1970. Simplificando as
duas correntes, a racionalidade national champion” admite que a grande operação no
mercado doméstico, limitando a concorrência, permite que a empresa obtenha uma importante
economia de escala que lhe vai ser útil para conseguir conquistar parcela considerável de um
mercado maior (regional ou internacional), aumentando o seu lucro nessa atividade. Para os
seguidores da outra corrente, a rivalidade doméstica acarreta em uma pressão vigorosa e real
sobre as empresas que atuam nesse ambiente, proporcionando uma maior busca pela inovação
e pela melhora na qualidade e na produtividade para a fabricação de um produto ou na
realização de um serviço, o que permite que essa empresa possa ganhar participação e maiores
lucros no mercado externo. Para Clougherty e Zhang (2008), a maioria dos estudos
econométricos empíricos mostram que uma relação positiva entre a competição no
mercado doméstico e o desempenho no mercado externo, resultado idêntico ao encontrado por
seu estudo. In sum, we find domestic rivalry to positively impact the international market
shares of airlines. Accordingly, airlines that experience substantial domestic rivalry tend to
perform better in export markets” (CLOUGHERTY e ZHANG, 2008, p.21).
Em seu trabalho sobre a política para “indústrias campeãs”, Maincent e Navarro
(2006) expõem que a noção de empresas “national champions” é controversa, já que pode ser
caracterizado como uma grande empresa, com ou sem poder de mercado, uma empresa de
2
Exportações nesse caso referem-se tanto às mercadorias enviadas de um país de origem da empresa para outros
mercados, quanto ao estabelecimento de uma fábrica ou de uma subsidiária no mercado que está recebendo o
bem ou serviço final.
26
sucesso em seu ramo de negócios, o importando o seu tamanho, ou uma empresa que tem
uma posição competitiva em um setor considerado estratégico. Segundo esses autores, o
termo national champion” tem sido usado em diversas situações diferentes, e para cada tipo
de situação, implica em diferentes teorias e diferentes políticas de incentivo para o
fortalecimento dessas empresas. Atualmente uma dúvida na Europa se essas empresas
surgiriam através da competição no mercado, sem a necessidade de alguma ajuda do governo,
ou se haveria uma necessidade de se adotar uma política ativa para o surgimento e o
desenvolvimento de uma “national champion”.
Dessa forma, para Maincent e Navarro (2006), existiriam três grandes alternativas
políticas para o debate das empresas national champions”: i) a política a ser adotada deveria
conter ações pró-mercado e que a abertura dos mercados nacionais europeus para a formação
de um único mercado integrado levaria a uma reestruturação das empresas, com o objetivo de
se obter economias de escala e aumentar a produtividade, a qualidade e a sua eficiência; ii)
política de apoio público explícito a um setor ou empresa considerada estratégica,
principalmente para se obter competitividade internacionalmente; e iii) política de sustentação
de grandes empresas ou setores que se encontram em dificuldades, principalmente os que
empregam um grande número de trabalhadores direta ou indiretamente, para que sejam
evitados custos sociais negativos. Em relação ao terceiro ponto, os autores afirmam que não
existiriam justificativas econômicas para manter artificialmente setores ou empresas que
perderam a competitividade frente aos seus concorrentes, porém devem ser levados em
consideração os custos sociais de cada medida, como o aumento do desemprego em um país
ou região. É uma decisão delicada que tem que ser tomada pelo governo, colocando na
balança o que é mais importante, evitar custos sociais negativos e incentivar setores
ineficientes a continuarem operando, ou aplicar recursos e esforços em outras políticas que
estimulem setores mais promissores ou que tragam benefícios a toda a sociedade.
Maincent e Navarro (2006) citam um exemplo de política de apoio a um setor
considerado estratégico
3
que traria benefícios para toda a sociedade daquele país. Em um
mercado onde uma multinacional dominante e o aprendizado é uma variável importante
para o sucesso de uma empresa, o governo pode subsidiar a produção até que a empresa local
consiga reverter às perdas iniciais por ainda ter um custo maior do que a empresa instalada
3
Por exemplo, um setor com grande uso de tecnologia, onde é necessário gastar muitos recursos em pesquisa e
desenvolvimento (P&D) e o aprendizado é um diferencial entre empresas.
27
e conseguir competir efetivamente nesse mercado. Assim, o preço da mercadoria produzida
será menor e o lucro da multinacional também, mas os consumidores do país obterão uma
melhora no bem-estar, pois além de um preço mais baixo que eles terão que pagar pela
mercadoria, a competição naquele mercado vai trazer benefícios como a melhora na qualidade
do produto e no esforço inovativo das empresas.
O perigo de se adotar uma política dessas, que vai acarretar em uma queda no lucro de
uma multinacional, é que o país de origem dessa empresa pode adotar uma política de
retaliação, então simplesmente abocanhar uma parte do lucro da multinacional por uma
empresa nacional não faz muito sentido, a não ser que traga outros benefícios para a
sociedade, não apenas para a empresa subsidiada. Para terminar, os autores também citam a
importância da complementaridade das políticas de se estimular a competição entre empresas
de setores estabelecidos e a de facilitar o surgimento de novas empresas em setores em
desenvolvimento.
The various economic policies should be complementary in achieving this twin
objective to provide a stimulating environment for well-established companies
while facilitating the development of young ones in growing sectors. First, efforts
to complete the internal market, which should be pursued, must be complemented
by actions aimed at supporting the growth of young innovative firms (MAINCENT
e NAVARRO, 2006, p.39).
1.3.2 - A Criação de “National Champions” no Setor de Energia na Europa
A política de incentivo à criação de empresas national champions” também é
encontrada no setor energético em países europeus. Segundo Leite e Castro (2009)
divergências na política energética na Europa, com importantes países incentivando a criação
de grandes empresas nacionais, dessa forma, dificultando a implantação de um mercado
integrado europeu, mais competitivo e aberto a potenciais participantes, o que é à base da
proposta da Comissão Européia.
Recentemente, uma série de fusões e aquisições no setor energético passou a
preocupar a European Comission que como resposta, veio a ser mais criteriosa nas tentativas
de F&A no setor, dando maior importância às análises de fusões convergentes, ou seja, fusões
entre empresas que atuam no segmento de gás com empresas que produzem eletricidade. O
gás e a eletricidade podem ser tanto complementares quanto substitutos, no primeiro caso, o
28
gás é utilizado como insumo para a produção de eletricidade, enquanto para outras atividades,
como o aquecimento de casas e da água, o gás e a eletricidade concorrem no mercado como
energias diferentes.
As Campeãs Nacionais são empresas, quer públicas ou privadas, mas empresas
nacionais, que estão sendo formadas e/ou fortalecidas por alguns países da EU para
darem resposta à crise energética. Estas empresas atuam segundo objetivos
nacionais de política energética, e não de consenso da EU e vem recebendo o apoio
implícito e/ou explícito para se constituírem em grandes empresas verticalizadas e
integradas no segmento de gás e eletricidade. Desta forma, alguns países buscam,
com e através das “National Champions” maximizar a segurança energética
doméstica (LEITE e CASTRO, 2009, p.2).
Com a justificativa do estabelecimento da segurança energética, governos buscam
estimular as “national champions” com a preocupação de garantir no futuro o equilíbrio entre
oferta e demanda de energia, que os principais países da Europa não contam com grandes
reservas de insumos energéticos dentro de suas fronteiras, necessitando importar uma parte
considerável para atender a demanda por energia. Para isso, atualmente impera a política de
“cada um por si” onde cada país busca firmar acordos bilaterais para suprir essa carência
energética, como os acordos entre Itália e Rússia, Espanha e países do norte da África e entre
Inglaterra e Noruega (LEITE e CASTRO, 2009). O argumento central para o apoio às
“campeãs nacionais” e para as fusões convergentes está no fato que haveria um aumento no
bem-estar social com a redução nos custos de transações entre operações verticais,
melhorando a eficiência do negócio e reduzindo os custos de produção, que seriam repassados
ao consumidor. No entanto, o risco nessa operação é muito alto devido às características
energéticas da Europa, onde o gás é um insumo muito importante na matriz energética e a
empresa de eletricidade que tivesse garantida essa oferta do insumo, implicaria em um poder
de mercado muito grande.
A teoria sobre empresas “national champions” indica que a fomentação desse tipo de
empresa pode levar a dois tipos de erros. O erro do tipo I seria a o autorização para o
surgimento de uma “national champion” quando essa seria a melhor escolha, e o erro do tipo
II aconteceria caso ocorresse o incentivo a criação de uma “national champion” quando não
fosse necessário. Para o caso das fusões e aquisições entre empresas do setor energético, a
ocorrência do erro do tipo II traz muito mais prejuízos para a sociedade do que o erro do tipo
I, então é melhor que esse último ocorra, pois como a elasticidade da demanda por
eletricidade é muito pequena em relação ao preço desse serviço, o mercado de eletricidade
seria muito suscetível ao poder de mercado, já que a empresa que obtivesse esse poder
29
poderia aumentar muito o preço da eletricidade sem que houvesse uma diminuição acentuada
do seu uso, o que ocasionaria uma transferência de renda dos consumidores finais para o
produtor. Por outro lado, os ganhos de escala e produtividade, ou qualquer outro motivo que
reduzisse o custo de produção de uma empresa “national champion” e que pudesse ser
repassado ao consumidor final, seria muito pequeno, que os ganhos de eficiência na fusão
entre empresas de gás e eletricidade são muito pequenos (BARQUIN et al., 2005), pois
pouca sinergia entre essas atividades (LEVEQUE, 2006). Assim como esses autores, Geroski
(2005) também alerta sobre o risco do tipo II em sua abordagem mais geral sobre a criação de
national champions” em diversos setores.
Making a type II error is, in my view, far more serious. Supporting the emergence
of national champion when this is not necessary just creates a domestic monopoly.
For domestic consumers, this is potentially an expensive policy choice, and it can
only be justified if the success of the national champion abroad feeds back to the
domestic market, and, in particular, to those consumers who have to face its
consequences. It seems to me that the case for national champions rarely includes
any discussion of exactly how domestic consumers are going to benefit from their
activities, and I sometimes wonder whether this is basically because it is unlikely
that they ever will. If so, it seems clear that we ought to be much more tolerant of
making type I errors than we are of making type II errors (GEROSKI, 2005, p.7).
Apesar dos riscos, algumas fusões e aquisições nos últimos anos não passaram pela
supervisão da European Comission, como foi o exemplo da aquisição da Ruhrgas pela E.ON
em 2002 e a oferta de compra da Endesa pela Gas Natural no início de 2006, que foram
analisadas e reprovadas pelos órgãos de defesa da concorrência da Alemanha e da Espanha
respectivamente, por verem efeitos anti-competitivos nessas aquisições. Porém, com a
justificativa do interesse estratégico nacional, os governos locais dos dois países autorizaram a
criação das national champions” (LEVEQUE, 2006). A junção da E.ON, que era a maior
empresa de eletricidade da Alemanha com a Ruhrgas, que era responsável por
aproximadamente 60% do mercado alemão de gás e detinha a maior rede de dutos do país,
formou uma gigante empresa alemã no setor energético, com um significativo poder de
mercado. No caso espanhol, o resultado das negociações foi diferente e não houve acordo
entre as partes, pois a Gas Natural (maior empresa produtora de gás da Espanha), fez uma
proposta hostil de compra de 100% das ações da Endesa (maior empresa de eletricidade da
Espanha) que não foi aceita devido a uma rivalidade histórica entre as províncias de Madri e
da Catalunha (LEITE e CASTRO, 2009).
30
Barquin et al. (2005) no estudo sobre a avaliação das conseqüências do projeto de
aquisição da Endesa pela Gas Natural, lista alguns problemas que essa negociação, caso fosse
confirmada, traria para o mercado energético espanhol: criação de barreiras à entrada para
novos concorrentes; redução de incentivos para essa nova national champion” espanhola
investir fora do território nacional; baixo crescimento do mercado interno; e redução da
cooperação na Europa. Para esses autores, a national champion” criada dominaria
amplamente o mercado espanhol e não teria incentivos para se aventurar em um outro
mercado que também estaria sob o domínio de uma outra empresa “campeã nacional” local. A
explicação para esse comportamento viria da grande barreira à entrada em cada mercado
energético nacional dominado por uma champion” local, assim, não faria sentido que uma
tentasse entrar no mercado da outra, devido ao grande risco dessa operação.
Além dos casos espanhol e alemão, Verde (2008) em seu artigo também explica o
processo de criação da empresa national champion” francesa que surgiu da fusão da Gaz de
France com a Suez, caso em que fica evidente o interesse em se formar uma empresa “campeã
nacional”. O acordo entre a Gaz de France e a Suez foi firmado poucos dias após a divulgação
de rumores de que a italiana Enel iria fazer uma proposta hostil de compra da Suez. O curioso
desse caso foi que o governo francês foi quem anunciou o acordo entre as duas empresas,
evidenciando seu papel importante para a concretização desse negócio. Para Verde (2008), o
acordo entre a Gaz de France e a Suez formaria o ou maior grupo europeu no mercado
energético e evitaria a ameaça de compra de alguma dessas duas empresas por uma empresa
concorrente de outro país.
Verde (2008) utiliza os três motivos elaborados por Geroski (2005) para a criação de
uma national champion” e conclui que o real motivo para a formação desse tipo de empresa
seria a escolha de se criar uma empresa nacional forte em um setor considerado estratégico
pelo Estado. O autor ainda argumenta que o aumento do interesse das empresas de gás pelas
empresas de eletricidade (e vice-versa) durante essa década, resultou em um vigoroso
aumento em F&A entre empresas desses setores. O benefício da empresa de eletricidade seria
na segurança da oferta de gás para a geração de energia, e a empresa de gás seria beneficiada
com uma demanda cativa por seu produto.
[...] electricity undertakings need to secure their gas supply as their generation mix
is more and more based on natural gas and, similarly, gas companies need to
dispose of a strong link with downstream electricity markets as they have to secure
31
their captive demand in order to fully respect TOP (take or pay) obligations in their
import contracts with strong extra-EU producers (VERDE, 2008, p.1132).
1.3.3 - Os Exemplos de Empresas “National Champions” no Setor de Telecomunicações
Outro estudo sobre a formação de empresas “national champions” foi realizado por
Mariscal e Rivera (2004), dessa vez, a análise foi sobre o setor de telecomunicações. O
trabalho analisou a reforma nesse setor que aconteceu na Espanha, no México e no Brasil,
resultando na criação de duas empresas “campeãs nacionais”, a Telmex no México e a
Telefônica na Espanha. No caso brasileiro, a privatização das principais empresas estatais do
setor, Embratel e Telebrás durante a cada de 1990, procurou privilegiar o estabelecimento
de um mercado moderno e competitivo para as telecomunicações no país, atraindo para o
Brasil muitas das mais importantes empresas de telecomunicações do mundo, com duas ou
três dessas empresas atuando em cada mercado regional do país, não priorizando a criação de
uma empresa “national champion”.
Na Espanha, o setor de telecomunicações era muito atrasado se comparado com a
média européia e suspeitava-se de que a Telefônica seria comprada por alguma outra grande
empresa do setor ou faria no máximo um papel secundário quando houvesse a integração do
mercado europeu. O governo espanhol tinha como objetivo a modernização de seu país, além
de buscar ter um papel central na Europa. Quando começaram as discussões no continente
para a formação de um mercado unificado, o governo espanhol estabeleceu como objetivo a
criação de um moderno setor de telecomunicações que pudesse levar a um maior
desenvolvimento do país e que fossem criadas condições para a Telefônica competir de igual
para igual com as grandes empresas européias do setor.
Simultaneamente com a modernização da empresa, a Telefônica iniciou um grande
processo de aquisições na América Latina, resultando na compra de inúmeras empresas recém
privatizadas. Mariscal e Rivera (2004) argumentam que esse quadro seria um verdadeiro
paradoxo, pois uma empresa considerada atrasada na Europa estaria comprando várias
empresas privatizadas que tinham como objetivo para seus governos, a modernização dos
serviços de telecomunicações em seus países. Os autores afirmam que essa estratégia também
era um mecanismo de defesa da empresa, pois aumentando o seu tamanho, ela evitaria a sua
compra pelas maiores firmas do setor. O governo espanhol da época reconheceu que apenas a
32
modernização da Telefônica não seria capaz de torná-la um importante player do setor, era
preciso ajudá-la a aumentar de tamanho, adquirindo novas empresas. Para isso, o Estado entre
outras coisas, estabeleceu tarifas generosas no país, para aumentar o caixa da empresa, e fez
com que os bancos públicos tornassem disponíveis os recursos necessários para as aquisições
de outras empresas e a taxas subsidiadas.
[…] it opened an exclusive market to the firm in Latin America, which in terms of
number of consumers, was much higher than the Spanish market. Additionally, this
new markets had an important growth potential since telephone density was
extremely low and the proximity between the three new markets made it easier to
take advantages of scope and scale economies. Most important of all, the firm
could now operate within a market comparable to any of its bigger European
neighbors (MARISCAL e RIVERA, 2004, p.13).
Não se pode negar que a política adotada pelo governo espanhol para tornar a
Telefônica uma empresa “national champion”, podendo competir no mesmo nível das demais
potencias européias do setor, foi bem sucedida, porém dúvidas se esse sucesso também
melhorou a vida dos consumidores dos serviços da Telefônica na Espanha. Se forem
considerados alguns quesitos para avaliar o desempenho da empresa no país, como o
percentual da rede de telecomunicações que em 1999 era digital, a Espanha (87%) perde
para países como México (100%) e Grécia (98%). “Spain, compared to other European and
developed countries, shows a lower technological adoption and lower overall penetration”
(MARISCAL e RIVERA, 2004, p.31).
no caso do México, a privatização da Telmex, que aconteceu em 1990, fez parte de
um processo mais amplo de abertura da economia que estava alinhada com o Consenso de
Washington. A empresa foi vendida como uma empresa verticalmente integrada, para ficar
mais atrativa para os investidores e porque a desverticalização da empresa demandaria muito
tempo, o que não seria possível naquele momento, além do forte lobby para a manutenção da
estrutura da empresa. A expansão das atividades da Telmex pela América Latina veio a
ocorrer na segunda rodada de privatizações, pois primeiramente a empresa estava preocupada
na modernização das telecomunicações no México, onde a taxa de penetração da telefonia
fixa na sociedade era muito baixa, e na prioridade na preparação para a possível entrada no
mercado dos Estados Unidos. Ao contrário da Telefônica que resolveu apostar nos segmentos
de telefonia fixa simultaneamente com outros segmentos na América Latina, a Telmex
preferiu entrar no mercado móvil e de serviços de longa distância.
33
O resultado da reforma no setor de telecomunicações no México e da atuação da
Telmex em seu país de origem é ambíguo. Enquanto o país alcançou 100% na digitalização de
sua rede de telecomunicação e a Telmex aumentou a qualidade dos seus serviços, melhorando
a sua produtividade, em outros segmentos os avanços não foram tão importantes. De acordo
com Mariscal e Rivera (2004), a falta de incentivo em oferecer todos os serviços no país
inteiro, fez com que a Telmex concentrasse a oferta de seus serviços em uma área restrita,
com pouca penetração, e a falta de concorrência no setor manteve as tarifas relativamente
altas no México. “Telecommunications reform modernized the telephone network but has yet
to distribute the gains of this modernization to the majority of the Mexican consumers”
(MARISCAL e RIVERA, 2004, p.28).
Apesar dos problemas que a formação de uma national champion” pode acarretar no
país de origem dessa empresa, devido à baixa concorrência entre os agentes do setor e as altas
barreiras à entrada, o objetivo que foi traçado para as “national champions” de competir no
mercado internacional com as maiores empresas do setor, vem sendo atingido
satisfatoriamente. Passado mais de uma cada da liberalização do setor de telecomunicações
na América Latina, a Telefônica e a Telmex dominam esse setor nessa região, sem que
empresas dos Estados Unidos e do Brasil tenham uma participação relevante nesse mercado.
34
Capítulo 2 – A INTERVENÇÃO DO ESTADO NA ECONOMIA
BRASILEIRA E A CRIAÇÃO DA ELETROBRÁS
O segundo capítulo abordará como foi a intervenção do Estado na economia brasileira
ao longo dos anos, destacando o setor elétrico e a criação de uma empresa estatal para atuar e
desenvolver esse setor, a Eletrobrás. Na primeira seção, será visto como os muitos governos
atuaram para que a economia do país crescesse e o país se industrializasse, principalmente
como foi a interferência do Estado em assuntos econômicos que teve o seu ápice no período
militar, onde o Estado e as suas empresas eram os principais agentes da economia. Na
segunda seção do capítulo, a história do setor elétrico antes da criação da Eletrobrás na década
de 1960 será o tema apresentado, onde a aquele momento, as empresas estrangeiras
dominavam a produção e distribuição de energia elétrica nos centros mais importantes do
Brasil. Na seção seguinte, todo o processo de criação da Eletrobrás será visto, desde os
acontecimentos do segundo governo de Getúlio Vargas que levaram a elaboração do projeto
original que foi enviado ao Congresso em 1954, até a aprovação da lei que autorizou a União
a criar a Eletrobrás em 1961.
2.1 - A INTERVENÇÃO DO ESTADO NA ECONOMIA BRASILEIRA
Inicialmente o papel do Estado na economia era de intervir apenas em momentos de
fraquezas do mercado ou quando houvessem falhas, assim, estimulando a produção e o
investimento, ele atenuava os períodos de recessão ou de baixa atividade econômica, atuando
como uma medida anticíclica. Posteriormente foi percebido que esses mesmos mecanismos
que eram utilizados de forma limitada poderiam ser usados de maneira sistemática e
permanente, com o intuito de promover o crescimento econômico do país, nascendo assim a
política e o planejamento econômico. O Estado dispõe de inúmeros instrumentos para intervir
na economia, como o nível de impostos, os subsídios, a quantidade de moeda, os
financiamentos, o crédito, o controle de preços, a regulação, a intervenção direta no setor
produtivo através das empresas estatais, etc.
35
2.1.1 - O Papel do Estado na Economia Brasileira
Para Baer, Kerstenetzky e Villela (1973), o predomínio do Estado na economia
brasileira até a década de 1970, principalmente em alguns setores, não foi resultado de um
esquema cuidadosamente concebido, pelo o contrário, foi motivado por inúmeras
circunstâncias que forçaram o Estado a intervir na economia do país, entre elas, reações a
crises internacionais, pretensão de industrializar rapidamente o Brasil e o anseio de controlar
atividades que estavam sobre o poder do capital estrangeiro, principalmente atividades
relacionadas com os recursos naturais e serviços de utilidade pública. “[...] o papel do Estado
na economia nos países em efetivo processo de desenvolvimento tende a ser tanto maior
quanto maior for o atraso relativo do país” (BRESSER-PEREIRA, 1986, p.98).
A atuação do Estado aconteceu primordialmente em quatro setores distintos: os
serviços públicos monopolistas, principalmente energia e telecomunicações; a indústria
extrativa, petróleo e mineração; a indústria de base; e os serviços financeiros (BRESSER-
PEREIRA, 1977). Para este autor, em apenas um desses quatro setores o motivo para a
intervenção do Estado naquela atividade foi político, na indústria extrativa, mas ele deixa
claro que em nenhum caso a intervenção na economia teve motivação socializante, que
nenhuma estatal foi criada com a justificativa de socializar os meios de produção. Nos demais
setores, a motivação da intervenção foi principalmente para preencher áreas vazias, realizando
investimentos necessários ao crescimento econômico que a iniciativa privada não queria
realizar ou não tinha condições para isso.
O grande crescimento do setor estatal produtivo, ilustrado pelo aumento do número de
empresas estatais, o tinha como objetivo concorrer ou tirar as oportunidades de
investimento do setor privado, bem diferente disso, a justificativa para a intervenção do
Estado sempre foi a de ajudar o processo de acumulação das empresas privadas. Bresser-
Pereira (1977) argumenta que apenas excepcionalmente os investimentos das estatais foram
feitos em áreas que concorriam com o setor privado, que a grande maioria desses
investimentos foram realizados de forma complementar. Somente na petroquímica, na
mineração e no setor financeiro que os investimentos apresentaram algum grau de
concorrência, porém mesmo nesses setores, a complementaridade foi uma característica mais
marcante do que a competição.
36
O Estado brasileiro atuou em todos os campos: econômico, financeiro,
administrativo e político. Ao agregar às funções de planejador e investidor, a
responsabilidade por uma série de funções no plano do bem-estar social, tornou-se
o instrumento fundamental da acumulação capitalista, transferindo renda nessa
direção, propiciando também as condições necessárias ao incremento de produção
do setor privado ao promover os investimentos necessários para a expansão
energética e de transportes (LOW-BEER, 2002, p.71).
2.1.2 - A Intervenção do Estado na Economia Brasileira até o Plano de Metas
O Estado brasileiro trilhou o caminho da não intervenção em assuntos econômicos no
século XIX, a não ser por alguns poucos episódios protecionistas. Para Baer, Kerstenetzky e
Villela (1973), os impostos de importação tinham fins de receita para o governo, raramente
sendo usado como um meio de proteção aos produtos internos. Nas outras áreas, a ação do
governo restringiu-se a concessão de empréstimos especiais para algumas empresas e
garantias de rendimentos para as empresas estrangeiras que investissem na infra-estrutura. A
única participação direta na economia brasileira era através do setor financeiro, mais
precisamente por meio da atuação do Banco do Brasil, que era um banco comercial e um
banco de emissão de moedas.
No início de século XX, em 1906, aconteceu a primeira grande intervenção do Estado
na comercialização de produtos agrícolas para exportação, o Convênio de Taubaté. A defesa
do café brasileiro teve à frente os principais estados produtores da mercadoria que
estabeleceram um controle da produção, limitando a quantidade que poderia ser colocada no
mercado e estabelecendo preços mínimos, mantendo-os artificialmente elevados.
Nos primeiros anos do século XX, “o Estado era um mero agente do sistema
capitalista agrário-mercantil da época; o tinha praticamente nenhuma influência efetiva na
economia, que se matinha, inteiramente subdesenvolvida” (BRESSER-PEREIRA, 1977,
p.17). A atuação do Estado na economia se intensificou no período entre guerras, junto com o
aumento da importância das teorias sobre o desenvolvimento e aperfeiçoamento das técnicas
de planejamento estatal.
A crise de 1929 trouxe problemas na coordenação da produção, acarretando em
dificuldades profundas e duradouras. A superação dessas dificuldades mostrou a necessidade
da intervenção estatal na economia para regular os ciclos produtivos. A maior interferência do
Estado tinha como objetivo proteger a economia brasileira do impacto total da recessão
37
mundial, além de apoiar o processo de industrialização. Dessa forma, as principais medidas
adotadas pelo governo brasileiro para superar a crise foram: o programa de apoio ao café,
onde era controlada a produção e fixado o seu preço; o controle cambial que entrou em vigor
em 1931; e a criação de autarquias para estimular o crescimento de vários setores (SARAIVA,
2004). Dentre outras autarquias criadas, estão o Departamento Nacional do Café (1933),
Instituto do Açúcar e do Álcool (1933), Instituto Nacional do Mate (1938) e o Instituto
Nacional do Sal (1940).
Foi a partir da Revolução de 30, com o encerramento da República Velha e a
instauração do regime ditatorial do Estado Novo, que as elites passaram a defender
com vigor o envolvimento do Estado na organização da sociedade e nos rumos do
desenvolvimento econômico. A ideologia vigente introduziu uma (inicialmente)
bem sucedida política de substituição de importações e o dinamismo da economia
brasileira passou a estar associado à industrialização (LOW-BEER, 2002, p.75).
O início da década de 1930 é considerado um marco para a intervenção do Estado na
economia e para o processo de industrialização brasileiro que teve o Estado como um agente
fundamental e líder no desenvolvimento desse processo. Brettas (2007) afirma que a crise de
1929 é um ponto de inflexão para o envolvimento do governo na economia, que ao
desorganizar o setor agrário exportador e o comércio internacional, criaram-se condições para
o aprofundamento da industrialização.
Após a Grande Depressão, ficou evidente que as forças de mercado não eram
suficientes para o desenvolvimento do Brasil que iniciou tarde o processo de
industrialização. Com a política laissez faire, não conseguiria sair da posição de
exportador de produtos primários. O mercado brasileiro apresentava diversas
imperfeições como a falta de capital e de empresários capitalizados, sendo
necessário que o Estado o substituísse em áreas como infra-estrutura e outros
investimentos de baixa rentabilidade, mas com alto retorno social (LOBATO,
2007, p.18).
A Segunda Guerra Mundial pode ser considerada como uma das principais
responsáveis pela transformação no papel do Estado, que passaria a ser um grande produtor de
bens e serviços, pois de acordo com a idéia de segurança nacional e soberania da Nação, havia
a necessidade de ampliação das fronteiras de atuação do Estado que passava a suprir as
necessidades de insumos básicos para a produção, devido ao temor de escassez de produtos
durante a guerra. Nesse período, algumas empresas importantes foram criadas, como a Vale
do Rio Doce (1942) e a Companhia Siderúrgica Nacional - CSN (1941) sendo que a maioria
delas por motivos de segurança nacional. Segundo Saraiva (2004), o argumento de que o
Estado só intervinha quando a iniciativa privada não queria ou o podia fazê-lo o é
38
totalmente correta, pois o Estado agiria toda vez que o processo político-econômico assim
exigisse.
Além das necessidades de segurança nacional, outro argumento foi posteriormente
adicionado nos anos 50 para a intervenção estatal: o planejamento econômico, que seria uma
intervenção racional e voluntária do Estado para induzir e orientar o desenvolvimento e
crescimento da economia. O primeiro plano econômico elaborado nesse sentido foi o Plano
SALTE, durante o governo Dutra, que previa investimentos planejados e coordenados para os
anos de 1949-1953, especialmente nos setores de saúde, alimentação, transporte e energia. No
entanto, esse plano não tinha metas a serem atingidas pela a iniciativa privada, nem
mecanismos de incentivos por parte do Estado para o desenvolvimento do processo de
industrialização, podendo ser reduzido a uma tentativa do Estado de melhorar os seus gastos
(BRETTAS, 2007).
nessa época ficava claro que o Estado tinha a capacidade de fazer os vultosos
investimentos para ampliar a infra-estrutura, que ele era capaz de fornecer crédito para
novos empreendimentos industriais e que era preciso dar incentivos fiscais para que a meta de
industrialização pudesse ser atingida. Tais razões levaram ao aumento no número de empresas
estatais fornecedoras de serviços públicos e de apoio financeiro, como a Petrobras (1953) e o
Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico BNDE (1952). Esse último tinha como
principal função o financiamento, a longo prazo, do programa de crescimento e modernização
da infra-estrutura do país, que as empresas nacionais não tinham condições de gerar fundos
necessários para a dimensão dos seus programas de investimentos e o mercado financeiro não
era suficientemente desenvolvido nessa época a ponto de conceder esses financiamentos.
Foi na década de 1950 que se difundiu a questão do controle de preços por parte do
governo. Esse controle foi ampliado para as tarifas de outros serviços públicos além da
energia elétrica, como a telefonia e o transporte público, e para outras áreas, como os aluguéis
e a gasolina. Esperava-se com isso que o ritmo de crescimento dos preços diminuísse, já que a
inflação no período estava em um nível preocupante. Segundo Baer, Kerstenetzky e Villela
(1973), o resultado dessa ação não foi o esperado pelo governo, não havendo diminuição das
pressões inflacionárias e criando escassez de produtos e serviços em vários setores da
economia.
39
O modelo de intervenção que viria a ser adotado pelo Estado brasileiro foi de
promover e regular a economia. Como promotor, ele teve um papel decisivo principalmente
no financiamento de grandes blocos de investimento e na produção de insumos, sobretudo na
criação da infra-estrutura. Como regulador, o Estado atuou criando instâncias político-
administrativas de coordenação e planejamento setorial, regulamentando serviços de utilidade
pública e normatizando as principais áreas da produção nacional.
Foi a partir da década de 1950 que o Estado passou a se empenhar de verdade no
processo de industrialização brasileiro via substituição de importações. Durante a gestão do
presidente Kubitschek começou a surgir as bases do modelo econômico que foi seguido nas
décadas seguintes. O Plano de Metas para os anos 1956-1961 seria o primeiro processo
efetivo de planejamento estatal, caracterizava a adesão explícita a um modelo onde as
empresas públicas desempenhariam um papel importante. Esse plano foi considerado por
Suzigan (1996) como a primeira real experiência brasileira de planejamento do
desenvolvimento industrial, pois coordenava um programa de investimentos - tanto público
quanto privado, em torno de um conjunto de determinadas metas que eram estabelecidas por
grupos executivos sob a tutela de um Conselho de Desenvolvimento. Esses grupos executivos
eram compostos por integrantes dos setores público e privado e tinham o objetivo de desenhar
e acompanhar a implementação das várias metas setoriais do Plano de Metas (LOW-BEER,
2002).
A meta era realizar a transição de um passado agrário para um futuro industrial e
urbano. A questão principal era aprofundar a industrialização mediante o
planejamento e ações explícitas do setor público. [...] A criação em 1956 do
Conselho do Desenvolvimento, subordinado diretamente a presidência, teve como
objetivo reformular e coordenar a nova política de desenvolvimento (BRETTAS,
2007, p.20).
Durante o Plano de Metas ocorreram diversos incentivos à expansão, diversificação de
setores industriais e investimentos nos setores de energia, transportes e indústrias básicas. O
investimento foi o ponto principal do plano do governo Kubitschek, deixando subordinado a
ele, a política cambial e o combate à inflação, mesmo com a crescente dificuldade do Balanço
de Pagamentos e da alta dos preços. No decorrer desse plano o vel de proteção à indústria
aumentou consideravelmente, com a introdução de novas tarifas aduaneiras, uma nova
política cambial que subsidiava as importações de máquinas, equipamentos e insumos
industriais e “puniam” as importações de bens não-essenciais, imposição de barreiras não-
tarifárias com a aplicação da Lei do Similar Nacional e de índices mínimos de nacionalização.
40
2.1.3 - A Intervenção na Era Militar
Os anos 60 caracterizaram-se como um período de transição política. Durante os
governos Jânio Quadros e João Goulart a política econômica foi orientada para o aumento das
exportações de produtos manufaturados, assim como o incremento do investimento direto
estatal e a proteção à indústria brasileira. A instabilidade econômica e política somada com
alguns interesses externos resultaram no golpe militar de 1964. Nos vinte e um anos de
governos militares foi o período onde foi criado o maior número de empresas estatais e onde
essas empresas tiveram a maior importância para o desenvolvimento da estrutura industrial do
país.
No primeiro governo militar, o presidente Castelo Branco assumiu o país com uma
grave situação econômica e adotou algumas medidas de curto prazo para combater a inflação
e tentar aliviar a crise. O Programa de Ação Econômica do Governo (PAEG) continha
importantes reformas estruturais, como a do setor financeiro, a do mercado de capitais, na
área de tributação, entre outras, com o objetivo de modernizar o país e permitir que o Brasil
voltasse a crescer de forma vigorosa. No entanto, por mais que o governo tenha realizado
algumas reformas, ele não conseguiu obter resultados satisfatórios durante os anos do PAEG,
no combate à inflação e na retomada de um maior crescimento do produto interno bruto - PIB.
Entre os anos 1967 e 1973, período conhecido como “Milagre Brasileiro”, os governos
Costa e Silva e Castelo Branco fizeram amplos investimentos públicos em infra-estrutura
básica. Foram beneficiados os setores de transporte, comunicações, químico, petróleo,
siderúrgico e de energia, além dos investimentos na construção civil apoiado no Sistema
Financeiro de Habitação. Também foi realizada uma nova reforma tributária que retirou a
autonomia dos estados em tributar e alterou a distribuição das receitas entre as três esferas do
Poder Executivo, os governos federal, estadual e municipal.
Entre os vultosos investimentos na infra-estrutura e em projetos industriais de grande
porte durante a década de 1970, principalmente na segunda metade, pode-se destacar a
expansão da CSN e da COSIPA, os pólos de Paulínia (SP) e Camaçari (BA), a Ferrovia do
Aço, o Projeto da Mineração em Carajás (PA) e as usinas hidrelétricas de Tucuruí e Itaipu,
seguindo a ideologia “Brasil Grande Potência”.
41
Após o choque do petróleo e a elevação dos preços das matérias-primas no
mercado internacional (1973-74), o Estado aumentou ainda mais sua influência
sobre os rumos do desenvolvimento industrial. [...] os níveis de investimento no
setor industrial permaneceram elevados, o que se deve à ação estruturadora do
Estado sobre o setor industrial na segunda metade dos anos setenta, de forma
semelhante ao que ocorrera na década de cinqüenta (VERSIANI E SUZIGAN,
1990, p.20).
Para Suzigan (1996), o II PND
4
(1975-79) foi a segunda efetiva experiência de
planejamento do desenvolvimento industrial no Brasil. Foi articulada uma nova fase de
investimentos públicos e privados nas indústrias de insumos básicos e bens de capital, além
de investimentos públicos em infra-estrutura (VERSIANI E SUZIGAN, 1990) sob a
coordenação do Conselho de Desenvolvimento Econômico que tinha o próprio presidente da
república como comandante. Os dois grandes objetivos desses investimentos foram de
completar a estrutura industrial brasileira e de se criar os meios de aumentar as exportações
do país. Apesar de alguns problemas encontrados, como o expressivo aumento das dívidas
pública e das empresas estatais, esses objetivos foram alcançados, tendo o Brasil aumentado
as suas exportações e praticamente fechado a estrutura da sua indústria em princípios da
década de 1980.
A estratégia de desenvolvimento do II PND foi baseada em um amplo sistema de
proteção à produção local. O câmbio era ajustado periodicamente através de
minidesvalorizações, a tarifa de importação era extremamente elevada, porém não tinha
muito efeito, já que existiam regimes especiais de importação e um forte controle não-
tarifário das importações, envolvendo desde emissões de guias de importação, aplicação da
análise da similaridade do produto importado com o produto nacional, até regulamentações
sobre índices mínimos de nacionalização.
A década de 1980 considerada por alguns como a “década perdida”, marca o
rompimento do modelo de desenvolvimento e industrialização praticado no Brasil desde os
anos 40, que tinha o Estado e as suas empresas estatais como agentes de extrema importância
para o crescimento da economia. O aumento do endividamento externo e a interrupção dos
fluxos de capital vindos do exterior levaram ao progressivo esgotamento da capacidade de
financiamento do Estado, acarretando em fortes restrições a continuação do fornecimento dos
serviços públicos e de infra-estrutura.
4
II Plano Nacional de Desenvolvimento.
42
A década de oitenta trouxe o final do ciclo de desenvolvimento levando o Brasil,
junto à América Latina a um período de crises econômicas, inflação, problemas de
solvência externa e baixo crescimento do PIB. Nesta conjuntura, o Presidente
Figueiredo, ao tomar posse em 1979, recomendou avaliar a privatização das
empresas estatais que não fossem estritamente necessárias para a correção das
falhas de mercado. O Ministro do Planejamento, Delfim Neto, deixou clara a
intenção de reduzir a participação do Estado no setor produtivo (LOBATO, 2007,
p.23).
A partir da cada de 1980, o papel do Estado em relação ao desenvolvimento da
indústria brasileira passou a ser inteiramente passivo (SUZIGAN, 1988). Todas as formas de
coordenação foram abandonadas, metas e programas setoriais foram sendo desativados, os
instrumentos que antes serviam para levar a um maior desenvolvimento industrial foram
trocados por instrumentos e medidas que tinham claros objetivos de estabilização
macroeconômica e controle inflacionário.
A crise dos anos oitenta trouxe com ela o debate sobre o tamanho do Estado e a sua
forma de relacionamento com o mercado. Baseado no argumento neoclássico da liberalização
e de um melhor funcionamento da economia em “mercados livres” foi proposto, como
solução para sanear as contas do Estado e revitalizar a economia do país, a privatização da
maior parte das empresas estatais que em grande parte passavam por dificuldades financeiras.
Dessa forma, cabia ao governo “o retorno às práticas de políticas econômicas mais ortodoxas,
centradas em um enfoque monetário restritivo e na austeridade fiscal, através de expressivos
cortes nos gastos públicos correntes, incluindo seus investimentos produtivos” (LANDI,
2006, p.27). O Estado teria a sua função reformulada, passaria de uma função produtora para
atuar no campo da regulação econômica, com a criação de todo um aparato regulatório em
alguns setores importantes da economia brasileira. Bresser-Pereira (1989) afirma que não
existe uma fórmula correta para um nível ótimo de intervenção do Estado na economia,
haveria um caráter cíclico nessa intervenção, contraindo e expandindo dependendo do
período.
Para os neoliberais, o nível ideal de intervenção estatal deveria ser muito baixo;
para os estatistas, muito alto; e para os pragmáticos, intermediário. Embora mais
próximo dos pragmáticos, digo que as três posições são inaceitáveis, na medida em
que assumem uma determinada relação entre mercado e controle estatal como ideal
ou ótima. Minha hipótese é a de que esta relação ideal inecessariamente variar
no curso da história e de acordo com o caráter cíclico e em permanente
transformação da intervenção do Estado na economia (BRESSER-PEREIRA,
1989, p.121).
43
2.1.4 - A Intervenção por Meio das Empresas Estatais: os resultados alcançados ao longo
do tempo e a diferença no desenvolvimento de estatais em dois setores
Os resultados econômicos alcançados no período em que as estatais brasileiras
estiveram à frente do processo de industrialização e substituição de importações, foram muito
positivos. O Brasil obteve uma taxa média de crescimento anual do PIB da ordem de 6% entre
os anos 1950 e 1980, além de ter alcançado uma mudança profunda em sua estrutura
econômica e produtiva. Segundo Saraiva (2004), em 1965 o Brasil tinha o 49º maior PIB
global, vinte anos após, em 1985, o país tinha chegado ao oitavo posto de maior economia
do mundo.
No Brasil o auge da criação das empresas estatais aconteceu no período militar. De
acordo com Brettas (2007), até o final do II PND, os governos militares tinham implantados
302 novas empresas estatais, um número muito alto mesmo levando em consideração que a
classificação desse tipo de empresa era muito ampla, incluindo desde as fundações, autarquias
e sociedades civis, até as empresas propriamente ditas. A proliferação dessas firmas tem que
ser vista com certa cautela, que o funcionamento de diversas empresas em uma mesma
época pode trazer alguns transtornos. Alguns deles são relacionados por Emmerich (1964):
competição pelos escassos recursos do Estado; dificuldade de coordenação das operações; e
ações em desacordo com as orientações macroeconômicas do governo.
A partir da década de 1980, devido ao alto endividamento das empresas estatais, do
aumento das taxas de juros dos empréstimos e da crise mexicana de 1982, ficou praticamente
paralisado o fluxo de empréstimos estrangeiros para as empresas brasileiras, que aliado com
uma política de tarifas baixas, fez com que as empresas estatais o tivessem condições de
continuar com os investimentos necessários para o seu bom funcionamento, mostrando uma
clara tendência declinante das compras das empresas estatais de bens de capital sob
encomenda. Depois dessa data, praticamente apenas a Petrobras continuou fazendo
investimentos importantes em seu setor.
No ano de 2005, existiam no Brasil 135 empresas estatais, principalmente nos setores
de petróleo e gás, energia elétrica e financeiro, sendo que as maiores empresas eram de capital
aberto, tendo suas ações negociadas na bolsa de valores. A permanência dessas empresas
44
sobre o poder do Estado teve, acima de tudo, uma influência política, refletindo a intenção da
sociedade e/ou do governo de continuar atuando em determinados setores.
Dain (1986) em seu trabalho entra em detalhes sobre a diversidade do
desenvolvimento de dois setores, o siderúrgico e o de mineração, e o comportamento das
respectivas empresas estatais que atuavam nesses setores.
Por um lado, a siderurgia estatal se vulnerabiliza ante os desígnios do Estado por
suas articulações vitais com os segmentos mais dinâmicos da indústria. Por outro
lado, a produção de minério de ferro se autonomiza em face deste mesmo Estado,
por sua atividade eminentemente exportadora. Na siderurgia, a essência do
mandato público está em gerar recursos para fora dela; na mineração, este mesmo
mandato permite internalizar os recursos nela gerados (DAIN, 1986, p.128).
A diferença entre os dois setores e a articulação que eles têm com outras indústrias da
economia foi um fator fundamental na definição das estratégias que seriam seguidas pelas
empresas estatais que atuavam em cada setor e na maior liberdade que elas teriam para
perseguir objetivos próprios. A empresa Vale conseguiu uma maior autonomia financeira
frente às estatais siderúrgicas devido a sua atividade ter pouca inserção ao mercado interno.
Assim a empresa foi pouco usada como instrumento de geração de lucros para outros setores,
sendo possível uma administração mais próxima da realizada em empresas privadas, onde o
objetivo é alcançar êxito na valorização do seu próprio capital.
A Vale depois de superada as dificuldades dos primeiros anos de sua criação, passa a
adotar na venda da sua produção os preços negociados no mercado internacional, exercendo
seu jogo de mercado em um negócio cada vez mais oligopolizado. no setor siderúrgico
devido a sua característica mais voltada para o mercado interno, passou a incidir pesadamente
a política de preços administrados pelo governo, não conseguindo assim, a valorização do seu
próprio capital na mesma magnitude da Vale.
Diferentemente da criação da Vale do Rio Doce, da CSN e da Petrobras que foram
criadas para a construção de setores que ainda não existiam no Brasil, no setor elétrico, a
criação da Eletrobrás teve uma característica distinta, pois já existiam empresas atuando
nessa atividade, que naquela época estava sob o domínio de duas empresas estrangeiras e
contava com diversas pequenas empresas locais, o que resultou em um processo bem mais
complexo e específico, já que envolvia o interesse de diversos atores.
45
2.2 - A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO SETOR ELÉTRICO BRASILEIRO
ANTES DA CRIAÇÃO DA ELETROBRÁS
A eletricidade começou a ser produzida no Brasil, no final do século XIX, quase ao
mesmo tempo em que a sua utilização comercial passou a ser usada na Europa. Campos dos
Goytacazes no Estado do Rio de Janeiro, em 1883, foi a primeira cidade do país e de toda a
América do Sul a ter um serviço de iluminação pública a partir da energia elétrica, que era
produzida por uma instalação térmica com máquinas a vapor.
2.2.1 - O Início da Produção de Energia Elétrica no Brasil
As primeiras usinas de energia elétrica no Brasil surgiram também no final do século
XIX, eram usinas pequenas que tinham como objetivo gerar energia para atividades
econômicas como a mineração, beneficiamento de produtos agrícolas, fábricas de tecidos e
também para a iluminação pública. Os investimentos realizados nesses empreendimentos o
contavam com contratos de longo prazo nem com qualquer outra medida que garantisse um
retorno para o investidor (MELLO, 2008). Na maioria das vezes, a remuneração dos
investimentos vinha das receitas das outras atividades associadas que se beneficiavam da
utilização da energia produzida pela usina e não da venda de energia para os consumidores. A
geração de energia elétrica de origem térmica predominou no país até a entrada em operação
da empresa Light, no início do século XX, quando a energia provinda das usinas hidrelétricas
passou a ser maioria.
Em 1883 foi instalada a primeira usina hidrelétrica do país, no município de
Diamantina, Minas Gerais, porém essa usina era para uso privado e tinha a finalidade de
atender a atividade de mineração. Seis anos depois, foi construída outra usina hidrelétrica,
dessa vez com um maior porte para a produção de energia, na cidade de Juiz de Fora, também
no Estado de Minas Gerais. A usina de Marmelos de propriedade do mineiro Bernardo
Marcarenhas foi construída para fornecer eletricidade para a sua fábrica de tecidos,
substituindo com isso o uso do carvão importado, e para fornecer energia elétrica à sua
cidade.
No início, as iniciativas no campo da geração de eletricidade eram privadas, locais,
especialmente nos estados de o Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, e
46
promovidas por empresários cujas atividades agrícolas, comerciais, industriais e
financeiras estavam vinculadas às localidades que seriam beneficiadas pela
introdução dos novos serviços (PINTO JR., 2007, p.198).
Gonçalves Jr. (2002) destacou que nos primeiros anos da energia elétrica no Brasil, os
equipamentos e o pacote tecnológico dos empreendimentos não levaram em consideração a
disponibilidade de recursos do país, ou seja, por mais que fosse mais barato a utilização dos
recursos hidráulicos devido a sua grande abundância, a energia elétrica de origem térmica
prevaleceu até o final do século XIX.
Tabela 2.1. – Potência Elétrica no Brasil – 1883 a 1895
ANOS Térmica (KW) Hidro (KW) Total % Hidro
1883 52 - 52 -
1885 80 - 80 -
1890 1.017 250 1.267 20
1895 3.843 1.991 5.834 34
Fonte: Conselho Mundial de Energia, Comitê Nacional Brasileiro, Estatística Brasileira
de Energia, n.1, apud GONÇALVES JR., 2002.
Faria (2003) também destacou alguns eventos importantes da virada do século: a
aprovação do Congresso Nacional do primeiro projeto de lei que tentava disciplinar o uso da
eletricidade no país, e as criações da empresa São Paulo Railway, Light and Power Company
Limited em 1899, e a Rio de Janeiro Tramway, Light and Power Company Limited em 1904.
As duas empresas originadas de um mesmo grupo canadense foram unificadas posteriormente
na holding Brazilian Traction, Light and Power Company Limited, que ficou conhecida
apenas como Light.
A Light surgiu no final do século XIX tendo um papel fundamental para o
desenvolvimento da produção de energia elétrica no Brasil, que a empresa realizou
importantes investimentos até a metade do século seguinte. A Light era uma empresa forte,
detentora de um grande poderio para a época de recursos técnicos e financeiros, o que
contribuiu em muito para que ela pudesse obter um grande êxito na eliminação ou
incorporação de empresas concorrentes. A primeira usina da empresa no país foi a usina
hidrelétrica Parnaíba
5
no rio Tietê no Estado de São Paulo, que começou a ser construída em
1899 e teve a sua conclusão apenas dois anos após. A Light desde o início de sua operação
5
Essa usina foi considerada a primeira hidrelétrica de grande porte do país, com uma capacidade instalada inicial
de 2.000 KW, tendo a sua capacidade aumentada ao longo dos anos, passando a 16.000 KW dez anos após a sua
inauguração.
47
procurou realizar investimentos em usinas hidrelétricas
6
, buscando os melhores potenciais
hidráulicos da região onde ela atuou, que esse tipo de geração de energia elétrica tem um
custo de produção menor do que a de origem térmica.
A primeira cidade em que a Light começou a operar foi em São Paulo, que vivia um
acelerado crescimento urbano, onde ela obteve concessões para explorar o transporte coletivo
de tração elétrica, a iluminação pública e a geração e distribuição de energia elétrica.
estabelecida a sua posição dominante na capital paulista, a empresa expandiu a sua atuação
para a cidade do Rio de Janeiro, obtendo em 1905 as mesmas concessões que detinha na
cidade de São Paulo. A estratégia da Light era atender as áreas de maior densidade
demográfica, onde houvesse uma maior procura pelos serviços oferecidos pela empresa
(GONÇALVES JR., 2002). Assim, a empresa concentrando as suas atividades no eixo Rio -
São Paulo, em uma área bem pequena se comparado com o tamanho do território nacional,
detinha mais de 40% da capacidade instalada do Brasil entre os anos de 1915 e 1945.
O domínio da Light no cenário elétrico do país era nítido em 1915, compreendendo
cerca de 40% da capacidade total, proporção essa que se manteve a1930 e que
subiria para 46%, em 1945. Os serviços estavam concentrados em uma área
territorial mínima, onde se localizavam as duas cidades mais populosas do país e a
maior parte da indústria (LEITE, 2007, p.66).
Nessa fase inicial do desenvolvimento da indústria elétrica brasileira não houve uma
legislação específica que tenha sido realmente utilizada para regular os serviços de energia
elétrica. O Decreto 5.407 de 1904 tentou estabelecer regras para os contratos de concessão,
porém teve um efeito muito reduzido. A revisão da tarifa seria de cinco em cinco anos, com a
aplicação da cláusula ouro, mas na prática, essa determinação não foi seguida, que as
empresas reajustavam quase que automaticamente as suas tarifas em função das
desvalorizações cambiais.
A adoção da cláusula ouro foi a solução encontrada para que as empresas estrangeiras
não tivessem a sua rentabilidade em moeda estrangeira afetada pelas desvalorizações
cambiais, pois elas precisavam enviar para o exterior parte do lucro auferido com as suas
atividades no Brasil. Dessa forma, as tarifas eram definidas parcialmente entre o ouro e o
papel-moeda, e a parcela vinculada ao ouro era atualizada pelo câmbio médio mensal,
6
Em 1924 a Light dispunha de 66.000 KW de capacidade instalada de geração de energia elétrica no Estado de
São Paulo, sendo 56.000 KW oriundas das usinas hidrelétricas e apenas 10.000 KW de origem térmica.
48
resultando em uma variação automática das tarifas na medida em que acontecessem variações
cambiais (PINTO JR., 2007).
No período entre 1889 a 1930, o Estado teve um papel secundário no desenvolvimento
da indústria elétrica brasileira, estabelecendo uma postura não-intervencionista. As
concessões dos serviços relacionados com a geração e distribuição da energia elétrica eram
regidas por contratos entre a empresa concessionária e o poder público, que podia ser de
qualquer uma das três esferas, federal, estadual e municipal. “Os municípios constituíram o
efetivo poder concedente dos serviços de energia elétrica cuja exploração ficou subordinada
aos acordos entre prefeituras e as concessionárias locais” (FARIA, 2003, p.6).
Fora das principais áreas urbanas, as cidades do Rio de Janeiro e São Paulo, inúmeras
empresas foram constituídas para atenderem algumas regiões específicas do país. Essas áreas
não tinham a mesma lucratividade em comparação com as duas cidades citadas, assim as
atividades foram sendo executadas por iniciativas locais e até mesmo por iniciativa do poder
público municipal. No promissor interior paulista, várias cidades já eram atendidas por
empresas de energia elétrica em 1910 e com o passar do tempo, essas empresas foram
crescendo e havendo um processo de fusão entre elas.
Mello (2008) enfatiza dois aspectos que foram característicos da década de 1920: a
construção de usinas hidrelétricas de maior porte que tinham o objetivo de atender o contínuo
crescimento da demanda por energia elétrica; e o processo de concentração das empresas do
setor, que resultou na quase completa desnacionalização dessa indústria no final da década.
2.2.2 - O Domínio Estrangeiro no Setor Elétrico Brasileiro e o Código de Águas
A crescente organização da indústria de energia elétrica no interior do Brasil e em
algumas capitais acabou gerando interesse de outro grupo estrangeiro. A empresa American
Foreign Power (AMFORP) de um grupo americano, que se instalou no Brasil em 1927. A
empresa verificou que no interior do Estado de São Paulo existia um grande número de
empresas com infra-estrutura de geração e distribuição que operavam de forma isolada. A
idéia da AMFORP era comprar essas empresas, assim não precisaria perder muito tempo na
construção de uma nova infra-estrutura, e fazer a ligação entre elas, otimizando a operação
49
das hidrelétricas da região. Esse seria o início da construção do sistema elétrico interligado
nacional.
A AMFORP em poucos anos de atuação no Brasil já tinha comprado mais de uma
dezena de empresas, a maioria delas era de propriedade particular, encontrava-se com
problemas técnicos e dificuldades financeiras. Dessa forma, na segunda metade da década de
1920, a empresa e a Light empreenderam um grande processo de concentração do setor,
refletindo o poderio dessas empresas frente às outras empresas concessionárias e aos governos
municipais. “Esse período ficou marcado pela consolidação da participação do capital
estrangeiro no setor, permanecendo, assim, durante as duas décadas seguintes” (MELLO,
2008, p.8).
Assim, no início da década de 1930, a Light
7
e a AMFORP já controlavam as cidades
mais desenvolvidas do país e as que apresentavam as maiores capacidades de crescimento. A
Light controlava a geração e distribuição de eletricidade nas cidades do Rio de Janeiro, São
Paulo e localidades vizinhas, e a AMFORP era responsável por esses serviços no interior dos
Estados de São Paulo e Rio de Janeiro, além das cidades de Salvador, Recife, Natal, Porto
Alegre e Vitória.
Por mais que a Light e a AMFORP dominassem as principais áreas desenvolvidas do
país, isso não quer dizer que as empresas nacionais também o tivessem espaço para atuar.
Essa atuação ocorreu principalmente nas áreas onde as duas empresas dominantes não tinham
interesse em investir, pois a lucratividade não seria tão alta. No início da década de 1930, a
atividade de geração e distribuição de energia elétrica se concentrava em uma área bastante
limitada se comparada com o tamanho do Brasil. A região Sudeste detinha 80% da
capacidade instalada, seguida da região Nordeste com 10%, a Sul com 8% e a região Norte
com apenas 2%.
Desse modo, até 1930, a indústria elétrica brasileira desenvolveu-se sob a forma de
sistemas independentes e isolados, abrangendo, essencialmente, as grandes
concentrações urbanas, por intermédio de concessionárias privadas – dentre as
quais se destacavam as estrangeiras (Light e AMFORP), que controlavam os
mercados mais importantes -, reguladas por contratos específicos a cada concessão
(PINTO JR., 2007, p.200).
7
A Light detinha 40% da capacidade instalada da época e a AMFORP era detentora de mais 15% dessa
capacidade.
50
Ao contrário do que ocorreu a o final do século XIX onde prevalecia a energia
elétrica provinda das usinas térmicas, no início do século seguinte, houve uma alteração nesse
quadro, as usinas hidrelétricas passaram a contribuir com 85% da capacidade instalada de
geração já no ano de 1905, permanecendo próximo dessa magnitude até os anos 30.
Tabela 2.2. – Capacidade Elétrica Instalada no Brasil
Anos Térmica (KW) Var % Hidro (KW) Var % Total (KW) Var %
Percentual -
Hidro
1900 5.093 5.283 10.376 51
1905 6.676 31 32.280 511 44.936 319 85
1910 32.729 390 124.672 286 152.401 239 82
1915 51.106 56 258.692 107 309.798 103 84
1920 66.072 29 300.946 16 367.018 18 82
1925 90.608 51 416.875 39 507.483 38 82
1930
148.752
64
630.050
51
778.802
53
81
Fonte: Conselho Mundial de Energia, Comitê Nacional Brasileiro, Estatística Brasileira de Energia, n.1, apud
GONÇALVES JR., 2002.
Grandes mudanças ocorreram no Brasil após a Revolução de 1930 que acabaram
refletindo também na indústria elétrica. Segundo Souza (2002), o Governo Provisório iniciou
um processo de maior intervenção do Estado na economia através de reformas institucionais
de cunho nacionalista. No setor elétrico, foram suspendidas todas as aquisições de empresas e
concessões de áreas, interrompendo o processo de concentração do setor promovido pelas
empresas estrangeiras Light e AMFORP. Desde o final da cada de 1920 crescia em alguns
países europeus
8
a idéia de que o Estado deveria intervir no setor elétrico para concorrer com
a iniciativa privada, na intenção de reduzir o preço da energia elétrica (LORENZO, 2002).
O Código de Águas regulamentado pelo Decreto 24.643 em 1934 é um dos principais
marcos para a regulação do setor elétrico do Brasil, foi através dele que se criou uma estrutura
legal para fiscalizar as empresas concessionárias, com o intuito de “assegurar a prestação de
serviço público adequado, fixar tarifas razoáveis e garantir a estabilidade financeira das
empresas” (MELLO, 2008, p.9). Um dos objetivos do Código era frear o processo de
concentração e desnacionalização da indústria elétrica, que aumentou consideravelmente o
poder das empresas estrangeiras Light e AMFORP.
No Código era estabelecido que o poder de concessão para aproveitamento de energia
elétrica seria da União, distinguindo a propriedade do solo da propriedade das quedas de água
8
Principalmente na Alemanha, Inglaterra, Suíça e Áustria.
51
e outras fontes de energia hidráulica. No entanto, o Código garantiu os direitos daqueles que
exploravam os potenciais hidráulicos e fixou em 30 anos o prazo para as concessões,
podendo ser estendido para no máximo 50 anos, dependendo do volume de recursos
despendido nas obras de criação da infra-estrutura. Ao final desse prazo, as instalações e os
materiais seriam revertidos para o Estado, com ou sem uma indenização ao antigo proprietário
(FARIA, 2003).
Também fazia parte do escopo do Código, a exclusividade da concessão de novas
autorizações de exploração dos potenciais hidráulicos a brasileiros ou a empresas organizadas
no Brasil, travando o crescente aumento da participação de empresas estrangeiras no total do
setor.
O Código [...] instituiu um controle sobre as concessionárias de energia elétrica
com fiscalização técnica, financeira e contábil, de modo a assegurar serviço
adequado, fixar tarifas razoáveis e garantir a estabilidade financeira da
concessionária. As tarifas eram fixadas sob a forma de serviço pelo custo
(remuneração garantida, como porcentagem sobre os ativos em operação, avaliados
pelo custo histórico) (SOUZA, 2002, p.65).
A remuneração com base no custo histórico
9
foi alvo de muitas críticas,
principalmente das principais empresas do setor, a Light e a AMFORP, devido ao prejuízo
que essa metodologia poderia acarretar. As desvalorizações cambiais e a inflação interna
tornavam o valor da tarifa menor do que o custo efetivo de mercado, o que poderia resultar
em prejuízos para a empresa que operasse no setor. Esse todo era utilizado nos Estados
Unidos e na Inglaterra, porém como as condições nesses países eram bem mais estáveis do
que no Brasil, essa sistemática funcionava lá. Ao princípio do custo histórico foi jogada a
culpa pela descapitalização das empresas do setor elétrico e da redução dos níveis de
investimento da indústria. Outra crítica feita ao Código de Águas foi a falta de diretrizes para
o segmento termelétrico, que apenas os potenciais hidráulicos e as usinas hidrelétricas
foram abordados.
Com a entrada em vigor do Código de Águas e posteriormente com a criação do
Conselho Nacional de Águas e Energia Elétrica, que revisou os contratos e as concessões
vigentes, as empresas do setor elétrico e especialmente a Light e a AMFORP manifestaram o
desinteresse em realizar novos investimentos já que estariam descapitalizadas devido a nova
metodologia de correção das tarifas de energia, o custo histórico. Dessa forma, as empresas
9
Custo original dos bens e instalações.
52
procuraram investir somente nos melhores projetos, com a maior viabilidade econômica, e
aumentaram o uso da infra-estrutura instalada, mesmo que isso pudesse ocasionar uma
perda da qualidade e confiabilidade dos serviços.
A descapitalização das empresas devido às novas regras sobre as tarifas não pode ser
responsabilizada como a única causa para a redução do crescimento da capacidade instalada
nos anos posteriores. Landi (2006), Gonçalves Jr. (2002) e Mello (2008) citam as dificuldades
das empresas em conseguirem obter empréstimos e financiamentos para os novos
investimentos devido a recente crise econômica mundial de grande magnitude ocorrida no ano
de 1929 e as restrições à importação de máquinas e equipamentos para a expansão do setor
elétrico resultado da Segunda Guerra Mundial que reduziu o nível do comércio exterior
mundial.
A redução dos investimentos não foi sentida imediatamente, que as empresas
concessionárias tinham uma folga de produção, conforme analisa Souza (2002), devido ao
excesso de capacidade instalada e a queda no crescimento da demanda em decorrência da
retração econômica da crise de 1929. Porém, a aceleração do crescimento industrial e da
urbanização do país, fez com que no início dos anos 40, o quadro de desequilíbrio entre o
crescimento da oferta e demanda de energia elétrica no Brasil fosse preocupante, levando ao
racionamento de energia nas duas maiores cidades do país, Rio de Janeiro e São Paulo. Os
números mostram que entre os anos 1930 1945, o crescimento da demanda por eletricidade
foi bem maior (cerca de 250%) do que o crescimento da capacidade instalada (cerca de 70%).
2.2.3 - O Aumento da Participação do Estado no Setor Elétrico
Ilustrado esse quadro de crescente desequilíbrio entre oferta e demanda, a questão da
energia elétrica passa a representar uma barreira ao crescimento da industrialização no Brasil
e ao desenvolvimento do país. A solução desse problema passa a envolver mais o Estado na
ampliação e na coordenação das ações do setor elétrico. É nesse período que começa a
aparecer mais fortemente a discussão entre duas linhas de pensamento opostas, a privatista e a
nacionalista.
Criou-se, dessa forma, um grande impasse. Por um lado, o governo não dispunha
de capital, tecnologia e capacidade de gestão suficientes para encampar e ampliar
os serviços públicos de eletricidade prestados pelas concessionárias estrangeiras;
53
por outro lado, as empresas estrangeiras não conseguiam obter melhores tarifas,
regulamento cambial favorecido e segurança para novos aportes de capital, devido
ao clima de incertezas políticas derivados da ascensão de forças nacionalistas. A
solução para esse impasse, começa a surgir ainda na década de 1940 com a criação
das primeiras companhias concessionárias estaduais (LORENZO, 2002, p.5).
No final do ano de 1950 foi constituída a Comissão Mista Brasil - Estados Unidos
(CMBEU) que atuou por dois anos trabalhando na identificação de pontos de estrangulamento
na infra-estrutura do país e na formulação de programas de investimentos destinados para a
eliminação desses problemas. A geração de energia elétrica foi identificada como um dos
maiores entraves para o crescimento econômico do país, assim a Comissão listou quatro
fatores que seriam os responsáveis pelo desequilíbrio entre oferta e demanda de eletricidade.
Os quatro fatores seriam: “acelerado processo de urbanização, rápido crescimento industrial,
controle sobre as tarifas de energia elétrica e tendência ao predomínio do petróleo e da
eletricidade sobre fontes de energia convencionais na matriz energética brasileira” (LANDI,
2006, p.58).
A CMBEU chegou a algumas recomendações: mudar a relação entre Estado e
empresas concessionárias; mudanças no Código de Águas; e uma nova política para o setor de
energia elétrica que resultasse em uma maior atratividade para os novos investimentos, com
novas regras para a remuneração dos serviços prestados, que consequentemente poderia trazer
para o setor uma maior entrada de capitais e novas técnicas de produção. Landi (2006)
completa afirmando que a CMBEU também sugeriu que o Estado deveria assumir o papel de
regulador do setor elétrico, ajudando na expansão do setor somente quando fosse realmente
necessário, dessa forma o Estado realizaria os seus maiores esforços em áreas de atuação
tradicionalmente públicas, como educação, saúde e transportes.
Com a aprovação do projeto de criação da Petrobras pelo Congresso Nacional, o que
desagradou às empresas petrolíferas americanas que tinham interesse no mercado brasileiro, o
governo dos Estados Unidos em 1953 suspendeu as atividades da CMBEU em retaliação a
medida aprovada pelo Congresso. A intenção do governo americano era dificultar o acesso a
recursos por parte do Brasil que lhe tornasse de certa forma autônomo para tomar as medidas
necessárias para superar os pontos de estrangulamento do país. O resultado dessa retaliação
foi o aumento das dificuldades encontradas para a expansão do setor elétrico brasileiro.
Apesar de uma forte oposição política contrária a uma maior intervenção do Estado na
economia, que foi fortalecida pela influência americana após o fim da Segunda Guerra
54
Mundial, a necessidade de oferecer eletricidade para continuar o forte processo de
industrialização, fez com que o Estado acabasse entrando no setor de energia elétrica com a
intenção de aumentar os investimentos e a oferta desse serviço, que as empresas
estrangeiras que dominavam o setor não estavam realizando os investimentos necessários para
atender a crescente demanda e as empresas privadas nacionais não tinham condições
financeiras e técnicas para a realização de um grande volume de investimentos. Gonçalves Jr.
(2002) argumenta que o setor elétrico estava sendo questionado não pela propriedade dos
empreendimentos (iniciativa privada ou pública), mas sobre a qualidade dos serviços
prestados e o constante desequilíbrio entre oferta e demanda.
Para resolver a grave crise energética e solucionar um dos maiores estrangulamentos
da infra-estrutura brasileira, o Estado decide realizar um amplo programa de investimentos
nas atividades de geração e transmissão de energia elétrica através da criação de empresas
públicas federais e estaduais para executar esses investimentos. As empresas estatais ficariam
responsáveis por essas áreas por serem as que mais necessitavam de investimentos, deixando
com as empresas privadas do setor a atividade de distribuição, que necessitava de um menor
volume de capital fixo e que tinha um retorno mais rápido dos investimentos realizados. Essa
divisão das atividades do setor não era formal, por meio de alguma lei ou decreto, era apenas
uma divisão informal da atuação de cada tipo de empresa, a meta principal, podendo haver
empresas públicas atuando na área de distribuição e empresas privadas na área de geração e
transmissão, como de fato ocorreu.
O Governo tinha como objetivo fornecer energia barata, evitando um aumento
expressivo na tarifa final dos consumidores, em linha com a corrente Nacionalista.
Com isso, os investimentos das estatais não visavam, necessariamente, a obtenção
de lucros ou taxas de rentabilidades ajustadas ao risco do negócio, mas sim, a
expansão do setor e o atendimento da demanda, independentemente do retorno
financeiro obtido pelo capital próprio investido (MELLO, 2008, p.13).
Em 1945 o governo federal criou a Companhia Hidrelétrica do São Francisco
(CHESF), uma empresa de caráter regional que viria a atuar no Nordeste do Brasil. Essa
estatal teve um papel importante na construção de grandes usinas hidrelétricas para a geração
de energia elétrica para quase todo o Nordeste, cabendo aos estados da região o
desenvolvimento da atividade de distribuição. No Estado do Rio Grande do Sul ocorreu em
55
1943 a criação da primeira comissão estadual
10
para realizar estudos sobre a utilização do
potencial hidrelétrico do estado.
No Estado de Minas Gerais foi criada em 1952 a empresa mista CEMIG que acabou
dando um novo impulso ao desenvolvimento da indústria no estado. Também na década de
1950 são criadas no Estado de São Paulo duas empresas estaduais a USELPA (1953) e a
CHERP (1955) para construir no interior do estado usinas e linhas de transmissão (SOUZA,
2002). Segundo Mello (1999), os governos estaduais das regiões Sul e Sudeste já detinham no
início dos 60, cerca de 30% da capacidade instalada do país. o governo federal cria em
1957 a empresa Furnas para gerar energia na região mais importante do país, o centro-sul do
Brasil que vivia em constante crise de oferta de energia.
O projeto da Usina de Furnas não atende às necessidades de capacidade
adicional do momento, como estabelece as bases para futuros atendimentos da
demanda na região, e será importante elo na interligação dos três grandes centros
consumidores – São Paulo, Rio e Belo Horizonte (A ENERGIA, 1977, p.75).
Quando Getúlio Vargas volta à Presidência do Brasil na cada de 1950, ele cria uma
comissão para elaborar propostas para a solução dos problemas da infra-estrutura elétrica. Os
estudos dessa comissão tinham um horizonte de dez anos e levavam em consideração as
especificidades de cada região do país e tinham o objetivo de analisar as necessidades de
energia, a estimativa dos investimentos previstos e a integração dos sistemas através da
criação de grandes linhas de transmissão. Esse estudo é considerado por Gonçalves Jr. (2002)
um marco no planejamento do setor elétrico no país.
Os estudos realizados pela comissão resultaram em quatro projetos de lei: a criação do
Imposto Único sobre Energia Elétrica (IUEE); a distribuição da parcela do Imposto Único
entre as três esferas do Executivo; um plano de planejamento para o setor elétrico chamado
Plano Nacional de Eletrificação; e a criação da Eletrobrás. No primeiro projeto, o governo
passava a cobrar na conta de luz do consumidor um imposto destinado à expansão dos
sistemas de geração e transmissão de energia elétrica do país, sendo que a distribuição
11
do
valor arrecadado era a seguinte: 40% eram destinados à União, 50% seriam divididos entre os
estados e o Distrito Federal e os 10% restantes iriam para os municípios.
10
A Comissão Estadual de Energia Elétrica (CEEE) foi posteriormente transformada na Companhia Estadual de
Energia Elétrica.
11
O critério de divisão da receita era ponderado dentro de cada classe por: 50% pela população da localidade;
45% consumo de eletricidade; 4% área do território; e 1% geração de eletricidade.
56
O Fundo Federal de Eletrificação
12
(FFE), que foi proposto em 1953 e aprovado no
ano seguinte, tinha a função de gerar recursos para os investimentos no setor elétrico e
também para incrementar a indústria de material elétrico pesado. Coube ao BNDE a
administração desse Fundo, a distribuição dos recursos do IUEE entre os estados e municípios
e a coordenação estratégica dos investimentos do setor. Todas as empresas públicas cresceram
e expandiram as suas atividades amparadas pelos recursos da União, do FFE e de recursos dos
estados que eram arrecadados através das taxas estaduais de eletrificação (GONÇALVES JR.,
2002).
Dos quatro projetos de lei apresentados para o Congresso, apenas os relacionados ao
imposto único foram aprovados. O Plano Nacional buscava institucionalizar o planejamento
do setor de energia elétrica e estipulava algumas metas: construção de novas usinas de grande
porte; construção de linhas de transmissão para grandes distâncias e de alta tensão; e a
unificação das freqüências em 60 Hz para que pudesse haver uma interligação entre os
sistemas.
O quarto projeto de lei, que propunha a criação da Eletrobrás, será analisado com uma
maior profundidade na seção seguinte. A empresa estatal seria criada com a estrutura de
uma holding do setor, administrando projetos e empresas de propriedade do governo federal,
os recursos arrecadados para serem aplicados no setor de energia elétrica, como o FFE, além
do papel de coordenação que ela desempenharia, sendo o “braço direito” do Estado no setor.
“O projeto da Eletrobrás previa o direito de montar subsidiárias para a fabricação de materiais
e equipamentos, com a finalidade de implantar e estabelecer no país um parque industrial
contendo toda a cadeia produtiva do setor elétrico” (GONÇALVES JR., 2002, p.104).
O aumento da intervenção do Estado na indústria de energia elétrica desde a década de
1940 alterou a quantidade da energia ofertada e da propriedade do empreendimento (público
ou privado). Em 1952, a oferta das empresas públicas era de apenas 6,8% do total da
capacidade instalada, enquanto as empresas privadas respondiam por 82,4%. Apenas dez anos
após, a capacidade instalada das estatais subiu mais de treze vezes, passando a representar
31,3% do total, ao passo que as empresas de origem privada diminuíram a sua participação
para 55,2%, tendo aumentado a sua capacidade em menos de duas vezes.
12
O FFE era constituído pela parcela do imposto único referente à União, por 20% da arrecadação da taxa de
despacho aduaneiro e pelas dotações do orçamento geral da União.
57
Tal comportamento é resultado das próprias características que envolveriam os
projetos do setor, centrados na construção de usinas hidrelétricas de grande porte,
com elevada relação produto/capital. Desta forma, os vultosos recursos exigidos,
os longos períodos de maturação e a baixa rentabilidade levaram à ampliação da
importância do setor público como produtor no setor energético (LANDI, 2006,
p.64).
Tabela 2.3. – Capacidade Instalada por Tipo de Concessionária no Brasil
Potência
(MW)
Part. %
Potência
(MW)
Part. %
Potência
(MW)
Part. %
Potência
(MW)
Part. %
1952 135 6,8 1.636 82,4 214 10,8 1.985 100
1953 171 8,1 1.631 77,5 303 14,4 2.105 100 6%
1954 303 10,8 2.161 77,0 342 12,2 2.806 100 33%
1955 538 17,1 2.248 71,4 362 11,5 3.149 100 12%
1956 657 18,5 2.552 71,9 341 9,6 3.550 100 13%
1957 682 18,1 2.697 71,6 392 10,4 3.767 100 6%
1958 823 20,6 2.743 68,7 427 10,7 3.993 100 6%
1959 967 23,5 2.724 66,2 424 10,3 4.115 100 3%
1960 1.099 22,9 3.182 66,3 518 10,8 4.800 100 17%
1961 1.343 25,8 3.243 62,3 619 11,9 5.205 100 8%
1962
1.793
31,3
3.162
55,2
773
13,5
5.729
100
10%
Público Privado Autoprodutor Total
Anos Variação %
Fonte: Fundap/Iesp, apud FARIA, 2003.
Ainda que as empresas públicas tenham aumentado fortemente os seus investimentos
no setor e com isso, tenham crescido a sua participação na capacidade instalada do país, as
empresas privadas continuaram a operar no país e a realizar investimentos, por mais que
tenham diminuído o seu peso relativo. Deste modo, como destaca Mello (2008), as discussões
sobre as correções das tarifas de energia continuaram, assim como as disputas sobre as áreas
de atuação entre as empresas públicas e privadas.
Por mais que o Estado tenha aumentado a sua participação no setor elétrico e com isso,
reduzido relativamente o espaço de atuação da iniciativa privada, ela ainda tinha uma gama
muito grande de atividades relacionadas ao setor ou que sofrem alguma influência com o
desenvolvimento do setor de eletricidade, que as empresas privadas poderiam atuar. Como
bem expõe Gonçalves Jr. (2002):
O Estado ao desempenhar funções diretamente ligadas à produção, contribui com a
abertura constante de mercado à iniciativa privada, que na cadeia de produção de
energia elétrica, tece a demanda de uma complexa rede de produtos e serviços
necessários ao planejamento, aos projetos, às construções, à operação, à
manutenção e fundamentalmente à expansão. Isto considerando só a cadeia
diretamente ligada ao sistema de geração/transmissão/distribuição de energia
elétrica. Além disso, deve ser verificado o resultado nas demais cadeias produtivas,
que a oferta de energia proporciona, demanda de aparelhos elétricos para as mais
variadas aplicações, seja nos setores de bens de produção, seja nos setores de bens
de consumo, dentre muitos aspectos (GONÇALVES JR., 2002, p.114).
58
2.3 - A CRIAÇÃO DA ELETROBRÁS
Nessa seção será analisado todo o processo de criação da Eletrobrás que teve o seu
projeto original enviado ao Congresso Nacional em 1954 e somente obteve a sua aprovação
em 1961, sendo realmente constituída no ano seguinte. O projeto da Eletrobrás fez parte de
um conjunto formado por quatro projetos elaborados pela Assessoria Econômica durante o
segundo governo de Getúlio Vargas visando o aumento da capacidade instalada do setor
elétrico brasileiro. Contudo, para que possa ser compreendido o contexto da apresentação do
projeto da Eletrobrás e todos os seus desdobramentos, é preciso ser feita uma análise do
segundo governo Vargas.
2.3.1 O Segundo Governo de Getúlio Vargas
O Projeto de criação da Eletrobrás foi fruto de estudos realizados pela Assessoria
Econômica do Gabinete Civil da Presidência da República durante o governo Vargas. Esse
órgão era o principal responsável pela formulação de políticas econômicas desse período,
principalmente a política nacional de energia. Formada em 1951, a Assessoria Econômica
tinha um forte viés nacionalista em seus projetos. A partir do primeiro semestre de 1953, a
Assessoria dedicou-se ao estudo dos problemas do setor elétrico brasileiro, culminando com a
apresentação de quatro projetos de lei diferentes, porém interligados entre si. Em um primeiro
momento foram apresentados dois projetos: a criação do Imposto Único e a distribuição da
parcela desse imposto entre as três esferas do executivo. Em uma segunda etapa, foram
expostos ao Congresso em abril de 1954, os outros dois projetos de lei, o de nº 4.277 e o de nº
4.280, referentes respectivamente ao Plano Nacional de Eletrificação e a criação da Centrais
Elétricas Brasileiras S.A. – Eletrobrás.
A criação da Eletrobrás está intimamente relacionada com as diretrizes adotadas
durante o segundo governo Vargas. Para se ter uma melhor compreensão desse processo, é
preciso uma análise mais criteriosa desse período da história brasileira. Para Melo, Oliveira e
Araújo (1994), o binômio energia e transporte marcou a preocupação dominante desse
governo, assim eles foram considerados os maiores entraves ao processo de industrialização
do país e deveriam ser solucionados. Esse processo de industrialização somado com o fim da
segunda guerra mundial intensificou o debate entre as correntes nacionalistas e privatistas.
59
Especificamente para o setor de energia elétrica, os privatistas apesar de o
comporem um grupo homogêneo, tinham em comum o apoio às empresas de energia em
funcionamento e queriam preservar esse setor para a atuação das empresas privadas. Eram
contrários ao regime tarifário adotado na época e consagrado pelo Código de Águas, que
limitava o reajuste tarifário ao princípio do custo histórico. Essa política tarifária juntamente
com a política cambial e a crescente inflação da época, para os privatistas, diminuía
fortemente os incentivos para novos investimentos de ampliação da oferta no setor. Para
aumentar os investimentos, esse grupo defendia a adoção de políticas tarifárias “realistas” e a
revisão do Código de Águas. os nacionalistas apoiavam uma maior intervenção direta do
Estado no setor elétrico e as medidas do Código de Águas, além de responsabilizar as
empresas estrangeiras pela não expansão da oferta para os níveis necessários. Esse grupo
defendia até a encampação das concessionárias estrangeiras pelo Estado brasileiro.
Historicamente vemos em Getúlio Vargas a figura mais representativa da corrente
nacionalista. Vargas realmente era nacionalista em suas atitudes e pensamentos, pois defendia
um maior crescimento industrial brasileiro, desenvolvimento econômico, uma redução da
dependência do mercado e do comércio externo e um incremento nas atividades voltadas para
o mercado interno. O nacionalismo de Vargas também era visto pelos objetivos nacionais da
intervenção desenvolvimentista do Estado em contraposição aos interesses privados ou
regionais. Dias (1988) explica que por mais que Vargas carregasse o ideário nacionalista, ele
nem sempre adotou uma postura contrária ao capital estrangeiro.
Na prática, refletindo a heterogeneidade das forças que o constituía, o segundo
governo Vargas adotou uma política econômica bifronte: de um lado, nacionalista
e tendencialmente estatista; e de outro, devido à carência de recursos internos,
receptivo à colaboração com o capital estrangeiro (DIAS, 1988, p.124).
Melo, Oliveira e Araújo (1994) assinalam que o nacionalismo varguista nunca chegou
a ameaçar a participação do capital estrangeiro na economia brasileira, no entanto, em alguns
setores considerados estratégicos para o país e de extrema importância para a manutenção da
soberania nacional, como o setor de energia, Vargas entendia que era missão do Estado
manter certo controle sobre essas áreas.
Bastos (2006) concorda que o nacionalismo econômico de Vargas variou ao longo do
tempo principalmente em relação à associação com o capital estrangeiro.
60
O problema das definições do nacionalismo econômico varguista a partir dos
meios pelos quais os interesses nacionais de desenvolvimento econômico seriam
alcançados, é que Vargas não manteve, ao longo do tempo, a adesão a formas
particulares de intervenção estatal e de associação com o capital estrangeiro. O que
apresenta maior continuidade é a adesão ao ideário do nacional-
desenvolvimentismo, ou seja, a vinculação do interesse nacional com o
desenvolvimento, ativado pela vontade política concentrada no Estado, de novas
atividades econômicas, particularmente industriais, associadas à diversificação do
mercado interno [...] (BASTOS, 2006, p.241).
O nacionalismo econômico ia ganhando cada vez mais força no pós-guerra,
empolgando mais classes da sociedade, com a proposta de defesa dos interesses nacionais
através do controle dos recursos naturais e a visão de que o forte incremento na
industrialização brasileira só viria através da entrada do Estado com investimentos diretos em
setores importantes, como de energia, indústrias de base, mineração e transporte. Bastos
(2006) afirma que nos ramos básicos, Vargas recorreu a diferentes tipos de intervenção do
Estado, não excluindo a priori os investimentos diretos com recursos estrangeiros.
Primeiramente ele se esforçou na tentativa de regular e criar os mercados, para somente em
um segundo momento, não obtendo muito êxito em suas aspirações, ele partiu para a criação
das empresas estatais para atuarem nesses setores e elas passaram a ser consideradas
imprescindíveis para ultrapassar os estrangulamentos na infra-estrutura do país.
O capital privado nacional não era muito levado em consideração para os
investimentos necessários em alguns setores de infra-estrutura, devido a sua grande
debilidade e os vultosos investimentos que eram indispensáveis. Não era muito realista contar
com empreendedores privados nacionais, que eles possuíam limitações financeiras e
tecnológicas, e também existiam alternativas de investimento mais rentáveis e menos
arriscadas do que os setores de infra-estrutura.
As principais razões para se acreditar que o segundo Vargas procurou adotar medidas
de cunho nacionalista para o desenvolvimento autônomo do país foram os projetos de criação
da Petrobras e da Eletrobrás e a Mensagem Presidencial de 1951. Essa Mensagem mostrava o
desenvolvimento histórico do setor elétrico e as suas debilidades naquele momento, e
defendia a intervenção do Estado praticando vultosos investimentos no setor para ampliar a
oferta de energia elétrica do país. Esses investimentos seriam realizados através de empresas
públicas estaduais e federais, que as empresas privadas nacionais não tinham condições
financeiras e técnicas para isso e as empresas estrangeiras eram responsabilizadas pelo
insuficiente desempenho na geração de eletricidade. O maior problema para se conseguir
61
efetuar as propostas da Mensagem Presidencial, era que a maior parte dos recursos
necessários para a realização dos investimentos viria de instituições financeiras e órgãos
públicos internacionais.
O Banco Mundial seria o maior responsável pelos recursos para investimentos, porém
o banco recebia uma forte influência do governo dos Estados Unidos e dos interesses
americanos. Assim a determinação do Banco Mundial na época era de emprestar recursos
para projetos que incentivassem os investimentos privados, ou seja, o banco o emprestaria
dinheiro para governos que fossem contrários a participação privada em seus diversos setores
e que não concordassem com políticas de atração de capitais externos privados. O Banco
Mundial preferia apoiar os empreendimentos elaborados pela Comissão Mista Brasil-Estados
Unidos (CMBEU) que tinham um caráter privatista e antiestatizante, sem restrições aos
investimentos estrangeiros e que recomendava que a atuação do Estado fosse apenas
reguladora e complementar às atividades privadas. Essa comissão mista preparou 40 projetos
que deveriam ser financiados com recursos do Banco Mundial e do Eximbank
13
, além dos
recursos internos. A responsabilidade financeira desses projetos caberia ao BNDE, criado
nessa época justamente para esse fim.
O conflito estava colocado desde o início da “cooperação”: enquanto Vargas
preferia contar com recursos externos sem perder a capacidade de decidir sobre a
destinação destes recursos (ou seja, sem que a dependência financeira implicasse
em perda de autonomia decisória), os bancos queriam influenciar o governo e
reforçar a posição do capital estrangeiro no setor elétrico brasileiro, com apoio das
seções brasileira e estadunidense da CMBEU. Para isso, tinham um recurso
político decisivo: o poder financeiro (BASTOS, 2006, p.264).
A estratégia do Banco Mundial foi de emprestar recursos para investimentos públicos
apenas para empreendimentos que não ameaçassem diretamente os interesses e negócios das
empresas estrangeiras. A forma do banco de influenciar o governo brasileiro em relação ao
setor elétrico era de dar financiamento diretamente para as empresas estrangeiras para investir
em empreendimentos, assim o governo deveria repensar a estratégia nacionalista para o setor.
Com a posse do novo presidente dos Estados Unidos, Dwight Eisenhower, e as repercussões
sobre o projeto de criação da Petrobras, aos poucos vão deteriorando as relações entre os dois
países e entre o governo brasileiro e a CMBEU. Em abril de 1953, Vargas ao saber que os
trabalhos da Comissão Mista tinham sido interrompidos e que nenhum outro projeto seria
financiado, deu “sinal verde” para que seus assessores finalizassem o primeiro dos quatro
13
O Eximbank é o banco americano de fomento das exportações e importações.
62
projetos para o setor elétrico, a constituição do Fundo Federal de Eletrificação. Lima (1995)
afirma que após a aprovação pelo Congresso Nacional do projeto de criação da Petrobras em
julho de 1953, o governo americano suspendeu as atividades do CMBEU e rompeu as
negociações com o Brasil.
O projeto de criação da Petrobras é mais um exemplo de como Vargas não era
totalmente contra a presença do capital estrangeiro no país. No projeto original formulado
pela Assessoria Econômica no final de 1951, era previsto a formação de uma empresa de
capital misto e abria a possibilidade de associações com empresas privadas de capital
estrangeiro
14
nas atividades de pesquisa, exploração e produção de petróleo. Esse projeto
original foi modificado pelo Congresso, adicionando medidas mais nacionalistas e restritivas
ao capital externo, como o monopólio da exploração, extração, refino e transporte de óleo
bruto.
O rompimento da Comissão Mista e a interrupção dos financiamentos estrangeiros
fizeram com que Vargas colocasse em prática as políticas nacionalistas anunciadas na
Mensagem Presidencial de 1951 e que ele adiou por certo tempo para tentar obter recursos
externos.
Não surpreende que, depois de ter sido forçado a protelar a realização de planos
nacionalizantes para o setor elétrico visando preservar a “cooperação
internacional”, a ruptura unilateral da mesma levou Vargas a retomar mais
decididamente projetos temporariamente paralisados, contando agora com maior
mobilização interna de recursos (BASTOS, 2006, p.270).
Diante das dificuldades encontradas em se obter financiamentos após o término das
operações do CMBEU, o governo formulou quatro projetos para o setor de energia elétrica
com o intuito de obter recursos e realizar obras que aumentassem a oferta desse setor. Um
desses quatro projetos foi o da criação da Eletrobrás que foi encaminhado para o Congresso
Nacional em abril de 1954 junto com o projeto contendo o Plano Nacional de Eletrificação
(PNE).
O coroamento dos projetos de eletrificação do segundo governo Vargas foi a
mensagem de criação da Centrais Elétricas Brasileiras S.A. Eletrobrás. A
organização da Eletrobrás visava assegurar o arcabouço institucional das
iniciativas do governo federal no setor de energia elétrica. Baseada no projeto da
Petrobras, a Eletrobrás estava destinada a cumprir a função de holding das
empresas federais integrantes do PNE e a promover a articulação em torno da
constituição da indústria de material elétrico pesado no país, associada ou não ao
14
Através da constituição de subsidiárias locais.
63
capital privado, nacional ou estrangeiro (LIMA, 1995, p.67).
Segundo Araújo e Oliveira (2003), o PNE previa a interligação dos sistemas regionais
isolados de geração de eletricidade, a unificação das correntes elétricas em 60 Hz e a
duplicação da capacidade instalada em dez anos. O financiamento desses projetos viria do
Imposto Único e a Eletrobrás seria a holding desse sistema, administrando as empresas
federais do setor, encarregada fundamentalmente da execução dos empreendimentos do PNE
e a de gerir os recursos da União que seriam aplicados no setor daí por diante. Caberia à
Eletrobrás “sociedade por ações destinada a operar, diretamente ou através de empresas
controladas e coligadas, a realização de estudos, projetos, financiamentos, construção e
operação de usinas, geradoras, linhas de transmissão e distribuição de energia elétrica” (A
ENERGIA, 1977, p.82).
2.3.2 – O Projeto de Criação da Eletrobrás
No projeto original da criação da Eletrobrás, ela poderia organizar subsidiárias - tendo
sempre a maioria das ações, e adquirir parte das ações de empresas estatais sob o controle do
Estado, tanto nas esferas estaduais e municipais. Assim, era permitida à Eletrobrás a atuação
direta no setor ou por meio de subsidiárias e empresas associadas. Como um dos motivos
para a criação da Eletrobrás, Lima (1984) enfatiza que Vargas sentia a necessidade de “dotar
o Estado de instrumentos mais adequados ao desempenho de funções que não se
restringissem àquelas típicas de um Estado ordenador por excelência” (LIMA, 1984, p.83).
Dessa forma, a empresa teve como exemplo a seguir o projeto de criação da Petrobras, e
assim como ela, a Eletrobrás teria uma forte articulação com a indústria de equipamento
elétrico pesado, que o fornecimento de equipamentos impactava negativamente a balança
comercial brasileira.
O fomento da indústria de material elétrico pesado associado ou o ao capital
privado nacional e estrangeiro foi um dos pontos que mais gerou críticas ao projeto de
criação da Eletrobrás, pois caso não houvesse interesse das empresas privadas na promoção
desse setor no Brasil, a própria Eletrobrás formaria parcerias para a produção de maquinas e
equipamentos (MELO, OLIVEIRA e ARAÚJO, 1994). Para Dias (2007), a excessiva
amplitude do projeto de criação da Eletrobrás que abrangia inúmeros aspectos não
64
relacionados com a coordenação do PNE resultou em muitas críticas e uma grande demora
para a aprovação do projeto, que teve forte oposição das concessionárias estrangeiras
atuantes no país. A criação da Eletrobrás só foi autorizada em 1961, sete anos após o envio ao
Congresso Nacional do projeto de criação da empresa e após sofrer inúmeras alterações no
projeto original. A oposição à criação da Eletrobrás era esperada devido às cinco décadas
de atuação no setor elétrico de algumas empresas, especialmente a Light, e da indústria nessa
época já estar consolidada, com aproximadamente três mil empresas atuando no Brasil,
levando em consideração nessa conta, as prefeituras que geravam energia.
No caso do setor elétrico, diferentemente do que ocorreu em diversos outros
setores produtivos básicos como petróleo, siderurgia e mineração, a intervenção do
Estado foi um processo mais complexo e específico porque, o setor se havia
organizado desde os primeiros anos do século e estava nas mãos do capital
estrangeiro, que tratou de, parcialmente, superar as crises, ampliando alguns
investimentos e ocupando espaços no setor (LORENZO, 2002, p.7).
A evolução do setor desde a formulação do PNE até a criação da Eletrobrás não
aconteceu de forma pacífica, houve muita discussão entre privatistas e nacionalistas sobre a
forma de intervenção do Estado no setor e o envolvimento de classes urbanas, parecido com
as campanhas em favor da criação da Petrobras e da instituição do monopólio do petróleo.
Porém esse apoio não foi o suficiente para igualar as críticas vindas de diversas instituições,
organizações, empresas e até dentro do próprio Estado, pois nesse último, também havia
grupos que eram caracterizados como privatistas e receptivos aos investimentos estrangeiros
no país, não apenas para o setor elétrico, mas também para todos os demais setores da
economia (DIAS, 1988).
Gonçalves Jr. (2002) também salienta que enquanto a questão do fomento da indústria
de materiais elétricos pesados por parte do Estado não foi retirada do projeto da criação da
Eletrobrás, ele sofreu fortes resistências, porque essa indústria era dominada
internacionalmente por grandes empresas estrangeiras que detinham um poder de cartel e que
avistaram no programa de grandes investimentos por parte do Estado brasileiro, uma ótima
oportunidade para vendas de máquinas e equipamentos, assim, elas exerceram uma forte
pressão para a não aprovação do projeto original da Eletrobrás. Landi (2006) e Araújo e
Oliveira (2003) afirmam que uma das maiores restrições ao projeto de criação da estatal do
setor elétrico veio dos próprios grupos estaduais e das empresas públicas e sociedades de
economia mista estaduais do setor elétrico, que temiam as divergências entre os interesses
federais e estaduais, além do excessivo controle e centralização das ações no nível federal.
65
A lista de grupos que faziam oposição à criação da Eletrobrás não pára por aí, Landi
(2006) destaca a mídia brasileira que representava os interesses das empresas estrangeiras, o
Instituto de Engenharia de São Paulo que promoveu em abril de 1956 a Semana de Debates
sobre Energia Elétrica onde foi expressamente condenada a participação do Estado na
produção direta de energia e sugerida que os recursos arrecadados pelo Fundo Federal de
Eletrificação fossem repassados para as mais de duas mil empresas concessionárias
15
em
operação no país, restando ao Estado a função meramente financeira. Em 1957 foi reiterada a
posição da Confederação Nacional da Indústria durante a III Reunião Plenária da Indústria
contrária a criação da Eletrobrás.
A oposição à Eletrobrás também vinha de maneiras mais sofisticadas como em ões
no Judiciário (LIMA, 1975). A Light por operar no país a mais de cinqüenta anos tinha a
colaboração de grandes juristas que defendiam os interesses da empresa, e que nesse caso
seria contra a criação da estatal. Outra atitude tomada pela Light foi de apresentar ao
Congresso Nacional emendas muito bem elaboradas
16
para a modificação do projeto original
da criação da Eletrobrás encaminhadas por um senador.
Paulo Richer
17
em depoimento para Memória da Eletricidade
18
levanta outro fator
contrário à criação da Eletrobrás, que foi a aprovação da instituição do Imposto Único sobre
Energia Elétrica e do Fundo Federal de Eletrificação, assim os recursos do fundo seriam
geridos pelo BNDE até a criação da Eletrobrás. surgiu o problema, que novamente
pessoas dentro do próprio aparato do Estado eram contrários ao estabelecimento da estatal.
“O BNDE, podendo dispor dos recursos do Fundo Federal de Eletrificação, o tinha motivo
para apoiar a criação da holding do setor elétrico” (DIAS, 1995, p.96). Assim a cúpula do
BNDE se esforçava para que o projeto da Eletrobrás não fosse para frente, pois achavam que
o banco estava preparado para gerir os recursos do fundo e a ser o principal órgão federal na
condução dos programas de expansão da capacidade instalada do setor elétrico.
15
A proliferação de empresas concessionárias principalmente estaduais foi resultado direto do Imposto Único
sobre Energia Elétrica que era administrado pelo BNDE e que restringia o repasse dos recursos aos Estados e
Municípios às exigências da elaboração de programas próprios para a aplicação desses recursos.
16
As emendas eram elaboradas pelo corpo técnico da Light.
17
Paulo Richer foi o presidente do grupo de trabalho que constituiu a holding Eletrobrás e foi o primeiro
presidente da empresa.
18
DIAS, Renato Feliciano. A Eletrobrás e a História do Setor de Energia Elétrica no Brasil: Ciclo de
Palestras. Rio de Janeiro: Centro da Memória da Eletricidade, 1995.
66
Apesar de contar com muita pressão contrária à criação da nova estatal do setor
elétrico, que já nasceria com um papel de holding do setor, a Eletrobrás também contou com
o apoio e a simpatia de importantes grupos da sociedade.
Hostilizado pelas concessionárias privadas brasileiras e estrangeiras e por outros
segmentos do empresariado, o projeto da Eletrobrás recebeu, em contrapartida, o
apoio de políticos, técnicos, engenheiros, jornalistas, militares, trabalhadores e
estudantes, que endossavam as propostas da corrente nacionalista. Embora não
tenham chegado a constituir um movimento organizado das dimensões daquele que
defendeu, no início da década, o monopólio estatal do petróleo, essa parcela da
opinião pública brasileira atuou como grupo de pressão sobre o governo,
conseguindo, de certa maneira, contrabalançar as iniciativas dos adversários
(DIAS, 1988, p.145).
Outro ponto característico do setor elétrico que também influenciou no debate sobre a
criação da Eletrobrás e foi frisado por Pinto Jr. (2007) está relacionado com o caráter regional
do setor. Como ele tinha mais de cinqüenta anos de operação, foi incorporado
características especificamente locais nos aspectos econômicos e políticos que deveriam ser
superados para a construção de um setor elétrico realmente nacional. Porém essa superação só
viria através de complexas e demoradas negociações políticas, que tinham o intuito de
resolver o conflito de interesses entre as partes envolvidas. Dessa forma, vão surgindo
possibilidades de cooperação e de conflitos e a administração dessa dualidade é que vai
orientar a construção do setor elétrico nacional. O autor completa afirmando que a indústria
elétrica não teve um desenvolvimento ao longo do tempo marcado pela homogeneidade dos
interesses dos agentes e pela continuidade dos projetos, e sim, muita divergência e
complexidade com relação aos interesses envolvidos. “De fato, a evolução se por idas e
vindas, conflito e cooperação, continuidade e descontinuidade [...]. Assim, o conflito de
interesses nunca deixa de existir; o que muda é a maneira como eles são administrados”
(PINTO JR., 2007, p.209).
Nesse contexto, o importante a ressaltar é que a criação da Eletrobrás, mais do que
um ponto de partida, é fruto de um longo processo de negociação, que ocorre em
paralelo ao fortalecimento do poder central. Graças aos recursos amealhados nesse
fortalecimento é possível administrar os conflitos de base regional. Essa
administração será marcada, cada vez mais, pela administração do acesso aos
recursos financeiros para os estados realizarem seus projetos. Na verdade, é a
posse desses recursos que ao governo central, de fato, o seu poder de
coordenação (PINTO JR., 2007, p.210).
Devido às inúmeras posições contrárias ao estabelecimento da Eletrobrás, o projeto de
criação da empresa demorou sete anos para ser aprovado, atravessando o mandato de cinco
presidentes da República. O projeto foi elaborado e enviado ao Congresso Nacional durante o
67
governo Vargas, passou pelo rápido período de Café Filho, tramitou até o fim do governo
Kubitschek sem ser aprovado, passou por Jânio Quadros e foi concretizado durante o governo
de João Goulart.
Após o suicídio de Vargas e a grande comoção popular, Café Filho assume a
presidência do país inaugurando uma nova fase da política econômica brasileira que seria
aprofundada no governo de Juscelino Kubitschek (JK). Houve uma reorientação em relação
ao capital estrangeiro, que seria amplamente apoiado e incentivado a entrada desses recursos,
que passou a ser a principal fonte de financiamento para os programas de investimentos
brasileiros.
A política econômica adotada por Juscelino Kubitschek diferiu em muito com a
política seguida por Vargas, porque incentivou a entrada maciça de capitais estrangeiros e
restringiu um pouco o papel das empresas estatais no processo de desenvolvimento brasileiro.
“Deste modo, no Governo JK a empresa pública deixou de ter aquele papel de articulação das
novas fronteiras de acumulação capitalista, restringindo o seu campo de ação às áreas de
infra-estrutura, alguns segmentos das indústrias de base [...]” (LIMA, 1984, p.94), além da
atuação no setor financeiro pela concessão de financiamentos de longo prazo através do
BNDE. Em relação ao setor elétrico, JK não se comprometeu com a aprovação de dois
projetos propostos no segundo Vargas que ainda estavam em tramitação no Congresso. Para
Lima (1995), os principais mentores do Plano de Metas do governo Kubitschek, Lucas Lopes
e John Reginald Cotrim, condenaram o Plano Nacional de Eletrificação e também não
estimulariam o projeto de criação da Eletrobrás, pois segundo eles, o governo tinha medo de
que os recursos do Fundo Federal de Eletrificação fossem administrados por uma instituição
despreparada e que poderia ser alvo de intensas pressões políticas.
para Lima (1984), apesar do Plano de Metas ter descartado o Plano Nacional de
Eletrificação, ele acabou resgatando inúmeros projetos desse Plano de Eletrificação de forma
informal, sem ter que passar pela tramitação no Congresso e enfrentar a resistência de alguns
políticos. Em relação à Eletrobrás, nessa época o projeto não contava com apoios políticos
expressivos, dificultando ainda mais a sua aprovação. De fato, durante o governo JK a
Eletrobrás não recebeu nenhum estímulo favorável à sua criação. Segundo as palavras de
Paulo Richer:
68
Ele preferia que o BNDE continuasse atuando, ao invés de criar uma empresa
nova. Mesmo porque a Eletrobrás seria criada como uma “brás” a mais e, na época,
existia a Petrobrás, que afetou os interesses daqueles que esperavam que o
petróleo no Brasil fosse explorado por empresas particulares. A Eletrobrás seria, de
certa maneira, uma repetição da Petrobrás, afetando os poderosos interesses das
empresas multinacionais que exploravam a energia elétrica no país (DIAS, 1995,
p.96).
2.3.3 – A Constituição da Eletrobrás
O projeto de criação da Eletrobrás que foi enviado para o Congresso Nacional em
1954 teve a sua aprovação na Câmara dos Deputados em 1956, porém com algumas emendas
que alteraram o projeto original, e foi encaminhado para o Senado Federal. Uma das
alterações feitas no projeto original foi a retirada da parte do texto que dizia respeito ao
vínculo da empresa com a indústria de material elétrico pesado associado ou não ao capital
privado nacional e estrangeiro. Em resposta à aprovação do projeto na Câmara, o Instituto de
Engenharia realizou a Semana de Debates sobre a Energia Elétrica que teve a tônica da
condenação da intervenção do Estado no setor e em particular da criação da Eletrobrás.
As alterações ocorridas no projeto original da Eletrobrás, a trajetória própria do setor
elétrico brasileiro e a criação do Ministério das Minas e Energia fizeram com que a criação da
nova estatal fosse um desdobramento natural dos acontecimentos no início da década de 1960
(LIMA, 1995), porém as pressões de ambos os lados, tanto o a favor da constituição da nova
estatal quanto o lado contrário, continuaram acontecendo. Os empresários, principalmente do
Estado de São Paulo e em destaque o Sindicato das Indústrias de Energia Elétrica de São
Paulo, organizaram campanhas publicitárias nos meios de comunicação com o intuito de
pressionar primeiramente JK e depois Jânio Quadros a vetar o projeto da criação da Eletrobrás
ou pelo menos parcialmente (DIAS, 1988). a corrente nacionalista fazia pressão política
para que o projeto fosse aprovado na sua forma integral e com o texto original, garantindo
assim a maior presença possível do Estado na economia.
Finalmente, em 25 de abril de 1961, Jânio Quadros assinou a Lei 3.890-A, que
autorizava o governo federal a proceder à constituição da empresa Centrais
Elétricas Brasileiras S.A. Eletrobrás. Nem nacionalistas nem privatistas foram
totalmente atendidos em suas reivindicações, uma vez que, apesar de consagrar a
solução estatizante, o texto legal foi sancionado por Quadros com vetos parciais,
entre os quais o referente à formação de uma indústria estatal de material elétrico
(DIAS, 1988, p.146).
69
Dentre os fatores que ajudaram a constituição da empresa, Araújo e Oliveira (2003)
destacam o sucesso do Fundo Federal de Eletrificação que foi responsável por 60% do
investimento do setor elétrico no período e viu a capacidade instalada no país passar de 2.806
MW em 1954 para 4.800 MW em 1960, assim as resistências dos principais estados
produtores de eletricidade foram diminuindo. O projeto da Eletrobrás só foi para frente devido
às pressões exercidas pelas empresas estaduais do setor elétrico que já não viam como
benéficas a relação meramente bancária com o BNDE que era o gestor dos recursos do Fundo
de Eletrificação (LIMA, 1975). “Era natural que essas empresas sentissem a necessidade de se
entenderem com empresas congêneres de âmbito federal, a que se ligassem como associadas
ou como subsidiárias” (LIMA, 1975, p.137).
Apesar de ter sido assinado a lei que criava a Eletrobrás em 25 de abril, apenas em
outubro o governo foi tomar medidas administrativas para realmente criar a empresa. Devido
ao longo tempo em que o projeto ficou para ser aprovado, ele se encontrava defasado em
alguns pontos. Então foi formado um grupo de trabalho liderado por Paulo Richer para a
realização de algumas tarefas, como o estudo da lei sancionada e a posterior sugestão das
alterações necessárias dos dispositivos legais, até o estudo de meios para que se aumentassem
os recursos do Fundo Federal de Eletrificação (LANDI, 2006).
Concluída a tarefa desse primeiro grupo de trabalho, em janeiro de 1962 foi formado
um segundo grupo de trabalho também presidido por Paulo Richer, que tinha o objetivo de
preparar o estatuto da Eletrobrás e realizar os atos necessários para a efetiva constituição da
empresa. A primeira providência tomada foi a seleção de pessoas de todo o Brasil para que a
Eletrobrás fosse uma empresa realmente de âmbito nacional e não apenas de estados
específicos, como Rio de Janeiro ou São Paulo. Em 16 de maio de 1962, o estatuto da
Eletrobrás foi finalmente publicado no Diário Oficial da União.
A Eletrobrás foi oficialmente instalada em 11 de junho de 1962 e dois dias depois, o
presidente da República João Goulart assinou o Decreto 1.178 que constituiu a empresa. A
Centrais Elétricas Brasileiras S.A. foi criada com um capital inicial de três bilhões de
cruzeiros, subscrito pela União e passou a gerir os recursos do Fundo Federal de Eletrificação
que a a sua criação ficou sobre a responsabilidade do BNDE. A Eletrobrás foi criada
como holding das empresas federais do setor elétrico, Furnas e CHESF que detinham cerca de
20% da capacidade instalada do país na época, além da Companhia Hidrelétrica do Vale do
70
Paraíba – CHEVAP (que estava construindo a hidrelétrica de Funil), a Termoelétrica de
Charqueadas TERMOCHAR e a participação minoritária em empresas estaduais. A
CONESP
19
(Comissão de Nacionalização das Empresas Concessionárias de Serviços
Públicos) também foi incorporada pela Eletrobrás.
A Eletrobrás, como holding das empresas públicas federais incorporou todas as
aplicações realizadas pelo BNDE e, como órgão de planejamento setorial, a vel
nacional, seria responsável pela definição dos planos de expansão do sistema
elétrico brasileiro (LIMA, 1984, p.111).
A Eletrobrás não tinha o poder de monopólio sobre as atividades do setor, então as
empresas privadas poderiam continuar operando e aumentando a sua capacidade instalada, ao
contrário do que ocorreu no setor de petróleo, onde a Petrobras detinha o monopólio da maior
parte das atividades do setor, restando para a iniciativa privada a área de distribuição e as
refinarias em uso, o podendo haver o aumento da sua capacidade instalada. A intenção
do governo com a criação da Eletrobrás era que o Estado assumisse a liderança no processo
de crescimento da oferta de eletricidade, não alterando a presença do capital privado. O que
estava ocorrendo desde antes a criação da Eletrobrás, era a iniciativa privada ir cada vez
mais para a área de distribuição, deixando a cargo do Estado a produção e transmissão da
energia elétrica, onde era maior a necessidade de capitais.
Álvares (1964) lembra de alguns dos objetivos da Eletrobrás na época de sua
constituição. Para esse autor, a sua primeira tarefa era de coordenação, fazer a integração
nacional através de soluções regionais, porém impedindo a duplicação de esforços e a
dispersão de recursos que não eram tão altos em comparação com o tamanho do problema de
expansão da oferta de energia elétrica. Outros objetivos citados são as assistências técnica,
econômica e jurídica que deveriam ser prestadas por parte da empresa. Landi (2006) também
enumera alguns dos objetivos da Eletrobrás como a realização de estudos, projetos,
construção e operação de usinas geradoras de energia elétrica, além de investimentos na
construção de linhas de transmissão e na área de distribuição de energia.
São suas atribuições, mais detalhadamente, controlar as operações das suas
empresas controladas nas quais o Governo Federal é acionista majoritário,
participar em parte do capital de outras empresas de energia elétrica na qualidade
de acionista minoritário, financiar suas empresas controladas e outras companhias
de energia elétrica, inclusive as em que não esteja associado, mas principalmente
19
A CONESP negociava a compra das empresas do Grupo AMFORP, em litígio com o governo brasileiro desde
a encampação em 1959 da sua subsidiária no Rio Grande do Sul, Companhia Rio Grandense de Força e Luz
CRFL (MELLO, 1999).
71
as estaduais; coordenar, avalizando empréstimos do setor; assessorar o Ministério
das Minas e Energia, como empresa de coordenação e gerência que é, no
estabelecimento da política de expansão, a longo prazo, do setor de energia
elétrica, e assegurar recursos para os investimentos necessários a essa expansão;
delinear normas gerais no planejamento do complexo eletro-energético nacional,
disciplinar aplicações de recursos federais em empreendimentos essenciais em
execução, desencadear os requeridos pelo previsto crescimento de chamada e
sanear deficiências em sistemas existentes. Coordenar ainda a operação dos
sistemas elétricos interligados e promover acordos com países vizinhos para o
intercâmbio de energia elétrica (A ENERGIA, 1977, p.84).
72
Capítulo 3 – A IMPORTÂNCIA DA ELETROBRÁS PARA O
DESENVOLVIMENTO DO SETOR ELÉTRICO
Nesse capítulo será desenvolvido o papel que a Eletrobrás desempenhou na trajetória
de evolução do setor elétrico brasileiro até o início da década de 1990, quando reformas de
cunho liberal reduziram a importância das empresas estatais. Na seção inicial, os primeiros
anos da Eletrobrás será destaque mostrando que uma das primeiras medidas adotadas em
favor da empresa foi a transferência do BNDE para a Eletrobrás da tarefa de planejamento do
setor elétrico. Nas duas seções seguintes, será analisado o ápice do período em que a expansão
do setor teve a Eletrobrás como o principal agente, exercendo as funções de coordenação e
supervisão das atividades do setor, além do planejamento, financiamento e outras atividades.
Na quarta seção, serão vistos os motivos que levaram as empresas estatais a passarem por
uma crise financeira e como isso afetou as atividades e as funções exercidas pela Eletrobrás.
A última seção mostrará as primeiras mudanças que ocorreram na economia brasileira e no
setor elétrico com a transformação do tamanho do Estado e a adoção de políticas liberais que
tiveram início no governo Collor.
3.1 - OS PRIMEIROS PASSOS DA ELETROBRÁS
Nos primeiros anos de vida da Eletrobrás ocorreram muitas alterações no quadro
político e econômico do setor elétrico brasileiro e no país em geral. Em 1964 as forças
armadas tomaram o poder, permanecendo nessa função até o ano de 1985. A administração
militar o diferiu muito das políticas adotadas durante a década de 1950, permanecendo o
processo de aumento da presença do Estado na economia e a substituição das importações,
visando um maior crescimento econômico do país. Durante o período militar, continuou a
tendência do aumento do poder das empresas estatais, já que as reformas administrativa, fiscal
e financeira ajudaram à expansão do setor produtivo estatal no estabelecimento de uma maior
autonomia institucional e financeira das empresas estatais para a implementação de suas
estratégias de desenvolvimento.
73
3.1.1 - As Reformas da Primeira Administração Militar
No primeiro governo militar, presidido por Castelo Branco (1964-67), o principal
objetivo era resolver a questão da crescente inflação do período, para posteriormente, o país
voltar a obter níveis maiores de crescimento econômico. Para isso, foram realizadas
importantes reformas na área fiscal
20
e monetária
21
, além da reforma na área de comércio
exterior, que fizeram com que a inflação caísse dos 90% anuais em 1964 para 20% em 1968.
Outro fato desse período e que foi fundamental para o posterior desenvolvimento do setor
elétrico foi a adoção da política de realidade tarifária nos preços dos serviços públicos que
ampliou a capacidade de autofinanciamento das empresas e que será visto com maior ênfase
ao longo dessa seção.
O regime político instalado em 1964 adotou uma política econômica bastante
centralizadora do ponto de vista decisório, financeiro e fiscal. No âmbito do setor
de energia elétrica, a tendência à centralização se colocava a partir da sua própria
dinâmica e forma de expansão. A viabilização da Eletrobrás no comando do
planejamento e na gestão dos recursos financeiros do setor seria favorecida nessa
conjuntura. Nesse sentido, os recursos fiscais federais vinculados, até então
administrados pelo BNDE, foram herdados pela Eletrobrás, que passou a contar
também com os recursos oriundos do Empréstimo Compulsório sobre o consumo
de energia elétrica, instituído em 1962 (FARIA, 2003, p.16).
Especificamente para o setor elétrico, o início dos anos 60 até o final de 1967 também
está recheado de transformações: a criação da Eletrobrás; a criação do Ministério de Minas e
Energia; a reestruturação das funções no setor; a unificação da freqüência no país; a aquisição
dos ativos da AMFORP; a constituição do consórcio CANAMBRA e os seus estudos; e por
fim, o novo padrão de financiamento do setor elétrico, com a criação do empréstimo
compulsório, a correção dos ativos das concessionárias, a reformulação do Imposto Único
sobre Energia Elétrica e a política da realidade tarifária.
A criação efetiva da Eletrobrás em junho de 1962 foi um marco na transformação do
setor elétrico brasileiro. Desde o início dessa cada as empresas estatais confirmavam a
liderança no processo de expansão do setor, que foi ratificada com a presença da Eletrobrás
que assumiu o planejamento do setor de energia elétrica que até então era regional e sem
regularidade. Assim, ao longo da cada, o planejamento do setor elétrico ficou mais
sistematizado institucionalmente refletindo no desenvolvimento do setor na prática. Com
20
Corte das despesas e aumento das receitas do Estado.
21
Controle na emissão de moeda e uma maior restrição ao aumento do crédito.
74
isso, houve um “deslocamento gradativo das tarefas de programação setorial das entidades
típicas de planejamento do governo para as empresas públicas do setor, fruto do
amadurecimento alcançado por elas” (LIMA, 1995, p.105).
Para Dias (1988), a estruturação do setor elétrico brasileiro que perdurou até as
reformas dos anos 90 foi basicamente implantada com a criação da Eletrobrás e do Ministério
das Minas e Energia (MME) na década de 1960, pois antes disso, as empresas que atuavam
no setor elétrico operavam de forma isolada, com nenhum ou com um pequeno intercâmbio
entre as elas, que o planejamento de cada uma era realizado de forma a atender alguns
projetos especiais independentes, e o havia uma rede de transmissão bem desenvolvida,
ligando as empresas. No final da década de 1950 estava claro para os integrantes do setor
que a interligação das empresas e dos sistemas era um requisito fundamental para a futura
expansão do setor elétrico brasileiro. A criação e consolidação de empresas regionais como
Furnas e a CHESF, além da criação do MME e da Eletrobrás, tiveram contribuição muito
importante para a concepção de uma nova visão integrada para o planejamento setorial.
3.1.2 - A Unificação da Freqüência e o Consórcio CANAMBRA
A legislação brasileira para o setor elétrico de 1957 permitia o uso de duas freqüências
distintas no país, 50 e 60 Hz, sendo definidas de acordo com as zonas determinadas pelo
Conselho Nacional de Águas e Energia Elétrica (CNAEE). Então um terço da capacidade
instalada do país utilizava a freqüência de 50 Hz, enquanto o restante usava 60 Hz (DIAS,
1995). A necessidade de uma maior integração energética nacional fez com que em 1961 o
CNAEE criasse a Comissão para Unificação de Freqüência que estabeleceu a unificação da
freqüência de todo o país em 60 Hz.
A partir de 1965 ficou a cargo da Eletrobrás a função de coordenar a execução do
programa de unificação das freqüências, tendo a responsabilidade de elaborar o cronograma
de desembolso, supervisionar os trabalhos das empresas envolvidas no processo, providenciar
os recursos financeiros e administrar as verbas orçamentárias do programa. “Às
concessionárias foi atribuída a responsabilidade pela elaboração e execução dos planos para a
conversão de seus respectivos sistemas” (CACHAPUZ, 2002, p.29). A unificação das
75
freqüências no Brasil teve o seu início efetivo em janeiro de 1967, tendo sido concluído dez
anos após essa data.
A progressiva conversão da freqüência brasileira para 60 Hz e a construção de linhas
de transmissão para integrar as regiões brasileiras também foi recomendado pelos estudos do
CANAMBRA. O CANAMBRA foi um consórcio contratado pelo governo brasileiro e o
Banco Mundial em 1962 para a realização de estudos do potencial hidrelétrico e de mercado
da região Centro-Sul
22
do Brasil. O consórcio era formado pelas empresas canadenses de
consultoria, Montreal Engineering e Crippen Engineering, além da Gibbs & Hill de origem
norte-americana. Esse consórcio realizou um trabalho pioneiro de planejamento integrado do
setor elétrico nacional e foi o primeiro levantamento detalhado do potencial hidrelétrico
brasileiro, já que foi feito um estudo rio por rio, da cabeceira até a foz, do potencial energético
da região.
Dias (1988) explica que os estudos do CANAMBRA que também contou com a
ajuda de técnicos das empresas do setor elétrico brasileiro, contribuíram de forma decisiva na
formação da o de obra especializada do setor que posteriormente veio a integrar as
instituições de planejamento das empresas estatais, visão essa que também é aceita por
Cachapuz (2002). “Essa experiência foi de fundamental importância para a capacitação
técnica e metodológica do setor, servindo de modelo para estudos análogos empreendidos em
outras regiões do país” (CACHAPUZ, 2002, p.31).
Um decreto federal de 1964 fez com que a Eletrobrás ficasse responsável pelo
acompanhamento da execução dos projetos propostos pelo CANAMBRA. Posteriormente, em
1967 com a aprovação do relatório final do CANAMBRA com os estudos sobre a Região
Centro-Sul, o governo federal delegou à Eletrobrás além da coordenação sobre os
investimentos propostos, a alternativa da eventual revisão do programa de desenvolvimento
da região.
Os trabalhos desenvolvidos em meados da década de 1960 sob a coordenação da
CANAMBRA, [...] significaram aportes decisivos do ponto de vista técnico e
metodológico à capacitação do setor de energia elétrica em termos da elaboração
de projeções de mercado, estudos de inventário e de viabilidade de projetos e do
planejamento da expansão do setor. A partir de então, o setor de energia elétrica,
por intermédio da Eletrobrás, encontrou condições de desenvolver seus programas
de investimento mediante a criação de instrumentos de planejamento que se
incorporam aos planos de ação do governo federal (LIMA, 1995, p.107).
22
A Região Centro-Sul atualmente é composta pelos estados da Região Sudeste.
76
O consórcio CANAMBRA dividiu os seus trabalhos em duas partes. Primeiramente
em 1963, o consórcio apresentou um relatório com um programa de investimentos para os
anos de 1964-66 com o intuito de atender a demanda prevista da região Centro-Sul até 1970.
Posteriormente, o CANAMBRA apresentou em 1966 um novo estudo sobre o mercado de
energia elétrica e novos inventários sobre as bacias da região, que teve como resultado um
potencial estimado em 38.000 MW, além de um programa de investimentos de longo prazo.
Tendo as suas atividades finalizadas no ano de 1966, o CANAMBRA realizou estudos
semelhantes iniciados no mesmo ano, abrangendo a região Sul. Esses estudos foram
finalizados em 1969 e projetou o desenvolvimento do setor de energia elétrica na região no
período de 1968 a 1980.
Tendo em vista os bons resultados obtidos em todos esses estudos anteriores, a
partir de 1969 é decidido realizar nas outras regiões do Brasil trabalhos com
finalidades idênticas, inventariando locais adequados à construção de usinas
hidrelétricas em bacias localizadas nas regiões Nordeste e Norte do país (A
ENERGIA, 1977, p.103).
3.1.3 - A Questão do Financiamento e as Alterações na Estrutura do Setor Elétrico
Junto com os estudos do consórcio CANAMBRA, outro fato importante desse
período foi a questão do financiamento do setor elétrico nacional, que sofria com a
deterioração em termos reais das fontes de recursos, devido aos problemas inflacionários da
época. Pinto Jr. (2007) lembra que a sustentabilidade financeira da Eletrobrás foi a primeira
questão a ser resolvida pelo governo federal, com a criação do empréstimo compulsório a
favor da empresa e a reformulação do Imposto Único sobre Energia Elétrica, ambos
constituídos pela Lei 4.156 de novembro de 1962, com a idéia de gerar recursos para a
expansão do setor elétrico.
O empréstimo compulsório foi criado originalmente para durar apenas cinco anos,
até 1968, porém o seu prazo foi estendido para 1973 e depois para até 1983. O empréstimo
compulsório seria cobrado dos consumidores de energia elétrica, com uma alíquota de 15%
que posteriormente passou a ser de 20%. Em contrapartida, os consumidores receberiam
obrigações da Eletrobrás, resgatáveis em dez anos e com juros de 12% anuais. Na verdade,
como ressalta Faria (2003), esse empréstimo se parecia com um imposto cobrado do
consumidor, pois a inflação alta não preservava o valor real dos ativos que seriam resgatáveis
77
no futuro. Os recursos arrecadados pelo empréstimo seriam apropriados pela Eletrobrás e
aplicados no setor elétrico, sendo que inicialmente, 60% desses recursos deveriam ser
aplicados nos estados de acordo com a proporção da arrecadação de cada um deles (LANDI,
2006).
No caso do Imposto Único, a Lei 4.156 determinou que o imposto passasse a ser ad
valorem, isto é, uma incidência percentual sobre o montante consumido, que a cobrança de
um valor fixo sobre o KWh em períodos de inflação crescente, representava uma perda
significativa na importância da arrecadação. Outra mudança no Imposto Único foi a adoção
de alíquotas diferentes sobre os variados tipos de consumidores de energia elétrica. Cabe
ressaltar que de uma porcentagem de 40% da arrecadação do Imposto Único, que era formado
o Fundo Federal de Eletrificação que desde a criação da Eletrobrás, passou a ser gerido pela
empresa. Os 60% restantes dos recursos estavam divididos em 50% para os estados e 10%
para os municípios que deveriam aplicá-los em planos setoriais elaborados em conjunto com a
Eletrobrás. “Mediante essas medidas, a Eletrobrás conseguiu fortalecer o seu caixa para fazer
face às necessidades de financiamento das obras associadas à expansão da oferta de energia
elétrica no país, principalmente a mais importante delas: a usina de Furnas [...]” (PINTO JR.
2007, p.212).
Outro ponto marcante para o financiamento das empresas do setor elétrico foi a
aprovação em 1964 com o Decreto 54.936 da correção monetária
23
do valor original dos bens
do ativo imobilizado, contribuindo para a reconstituição da capacidade das empresas do setor
se auto-financiarem, que segundo Landi (2006), foi o principal instrumento da política de
“realismo tarifário” adotada na época, permitindo a diminuição da dependência das empresas
com relação aos recursos fiscais.
A adoção do “realismo tarifário” foi uma das principais estratégias do governo
Castelo Branco para combater a inflação, pois aumentava a capacidade de autofinanciamento
das empresas públicas, diminuindo a necessidade de repasses de recursos, o que contribuiria
para a redução dos gastos públicos e do déficit público, o qual tinha sido diagnosticado como
uma das causas do aumento da inflação. Assim, entre 1964 e 1967, as tarifas de energia
elétrica tiveram um aumento de 62,4% ao ano contra uma inflação média anual de 39%,
representando um ganho significativo (MELLO, 2008).
23
A adoção da correção monetária decretou o fim da política tarifária com base no custo histórico.
78
“Esse ajuste nas tarifas fortaleceu a situação financeira das empresas estatais,
facilitando a captação de novos empréstimos externos junto a bancos privados e agências
multilaterais de crédito, como o Banco Mundial [...]” (MELLO, 2008, p.16). Essa nova fonte
de recursos para o setor, os empréstimos externos, foram incentivados devido a ideologia
seguida pelos governos militares e o debate sobre a incapacidade da poupança interna de
atender de forma satisfatória a um rápido crescimento econômico.
A partir daí verifica-se um fortalecimento financeiro e uma maior autonomia para a
realização de investimentos na figura da holding Eletrobrás, seja na gerência dos
recursos fiscais ou na intermediação de empréstimos externos que passaram para a
sua órbita de responsabilidade. Esta centralização financeira possibilitou a
Eletrobrás assumir igualmente o comando institucional e financeiro do setor de
energia elétrica. Esta nova configuração resultou num maior endividamento global
do sistema, pois os ativos totais do sistema foram ampliados em termos contábeis,
proporcionando uma expansão dos investimentos com a construção da usina
hidrelétrica de Itaipu e das usinas nucleares (FARIA, 2003, p.23).
Com relação às incorporações de empresas do setor elétrico brasileiro, essa época foi
marcada pela compra das empresas do grupo americano AMFORP. Em agosto de 1964, o
governo federal criou uma comissão interministerial sob a coordenação do presidente da
Eletrobrás para fazer as últimas negociações para a compra das ões e dos direitos das
empresas concessionárias pertencentes ao grupo AMFORP. A negociação foi aprovada pelo
Congresso Nacional em outubro do mesmo ano, autorizando a Eletrobrás a adquirir as ações
das empresas, fato que foi consumado no mês seguinte, com a promulgação da Lei 4.428. O
acordo foi assinado em Washington e a Eletrobrás adquiriu as ações mediante o pagamento de
135 milhões de dólares, como estava previsto anteriormente. O pagamento foi feito por
intermédio de uma abertura de crédito da AMFORP para a Eletrobrás sob a forma de
empréstimo que seria pago em 45 anos, com uma taxa de juros de 6,5% ao ano. Em 1965, as
empresas do grupo AMFORP passaram a fazer parte do Sistema Eletrobrás, porém após
poucos anos, em 1968, começou a transferência das companhias de distribuição para os
estados brasileiros que se estendeu até a década de 1970.
A Eletrobrás em seus primeiros anos de vida se tornou o principal agente do setor
elétrico brasileiro. A primeira medida adotada em prol da empresa foi a transferência do
planejamento do setor elétrico do BNDE para a sua alçada, assim a empresa estatal começou a
coordenar a expansão do setor. Em maio de 1965, um importante marco para a empresa recém
criada e para o setor como um todo foi a inauguração da Usina de Furnas, que era a maior
usina do país e uma das maiores do mundo (DIAS, 1995).
79
Para Cachapuz (2002) o estabelecimento do período militar trouxe inúmeras mudanças
institucionais para o setor elétrico e favoreceu enormemente o fortalecimento da Eletrobrás e
o papel a ser desempenhado por ela. Em 1965, o Decreto 57.927 delegou importantes funções
à Eletrobrás, entregando à holding a tarefa de coordenar a expansão do sistema da região
Centro-Sul e assim, consolidou o seu papel de agente planejador setorial.
Dispunha aquele decreto que caberia à Eletrobrás coordenar as empresas
concessionárias da região no sentido de definir a participação de cada uma na
expansão do sistema, sujeitando a concessão do aproveitamento a três pré-
condições básicas: a inclusão do projeto no programa de obras prioritárias definido
pelo comitê Centro-Sul; a capacidade de absorção pelo sistema da concessionária
de energia a ser gerada pelo projeto; e a capacidade de financiamento da
concessionária (LIMA, 1995, p.107).
Em 1966 ocorreu um fato importante para o futuro do setor elétrico nacional: foram
estabelecidas algumas premissas com o governo do Paraguai para a construção da usina de
Itaipu. No ano seguinte, uma das empresas integrantes do sistema Eletrobrás, a CHEVAP, foi
incorporada à Furnas, muito em função do sucesso da empresa na construção da usina de
Furnas. Outra função assumida pela holding em seus primeiros anos de existência foi a de
realizar cursos no Brasil e no exterior para treinar a mão de obra especializada do setor.
Embora situada no ápice da hierarquia do setor de energia elétrica desde 1962, a
Eletrobrás só começou a desempenhar papel ativo e determinante na formulação
dos planos de expansão setorial justamente por volta de 1968. Até então, ela vinha
concentrando suas atividades na área econômico-financeira, exercendo
basicamente as funções de holding de empresas federais e de principal agente
financeiro setorial (CACHAPUZ, 2002, p.26).
Com a criação da Eletrobrás não foram só as empresas federais e a base institucional
do setor que sofreram algumas alterações, as estatais estaduais também tiveram profundas
mudanças organizacionais, como lembra Dias (1988):
Após a constituição da Eletrobrás, o processo de organização de companhias de
energia elétrica controladas pelos governos estaduais, em curso desde os anos 50,
foi intensificado com a criação de novas empresas coligadas à Eletrobrás, a qual
detém um percentual variável, mas sempre inferior a 50%, do capital destas
concessionárias. Até 1977, utilizava-se a denominação empresas associadas
(DIAS, 1988, p.257).
Quanto à estrutura do setor elétrico, ela sofreu algumas reestruturações até o final da
década de 1960. Em 1965, a Lei 4.904 transformou a Divisão de Águas do Departamento
Nacional de Produção Mineral, no Departamento Nacional de Águas e Energia (DNAE),
diretamente ligada ao Ministério das Minas e Energia. Nessa época, existiam três organismos
80
com algumas funções superpostas: a Eletrobrás, o DNAE e o Conselho Nacional de Águas e
Energia Elétrica (CNAEE). Alguns anos mais tarde, o CNAEE foi extinto e as suas funções
foram repassadas para o Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica (DNAEE) que
foi criado em 1968.
Como lembra Lima (1995), a estrutura básica do setor elétrico brasileiro ficou então
dividida entre o DNAEE e a Eletrobrás. Assim, caberia ao primeiro órgão todas as funções
inerentes ao poder concedente da União, como fixar as tarifas de energia elétrica e promover
atos normativos em relação à prestação de serviços de eletricidade, ou seja, era um órgão
normativo e fiscalizador. Já a Eletrobrás assumiu as atividades empresariais do governo
federal, responsável pelo planejamento e execução da política federal para o setor elétrico
brasileiro, isto é, a estatal seria responsável pela execução das funções de coordenação e
planejamento da expansão e operação do sistema elétrico, da gestão financeira e empresarial e
a articulação do setor com a indústria” (LANDI, 2006, p.74).
Como é salientado por Faria (2003) e Souza (2002), por mais que o setor elétrico
brasileiro tenha se transformado nessa época em um setor predominantemente estatal, outras
oportunidades foram surgindo para o setor privado nacional e estrangeiro relacionadas com as
atividades do setor elétrico, devido à grande demanda pelas obras e serviços de engenharia
que eram contratados. Assim, grandes firmas empreiteiras e empresas fabricantes de materiais
e equipamentos foram se organizando no país, contribuindo para o desenvolvimento de toda a
cadeia de produção da indústria elétrica. A expansão do setor elétrico contribuiu para o
aumento da demanda por bens intermediários, para a construção civil e para as indústrias de
bens de capital (LORENZO, 2002).
3.2 - O PROCESSO DE CONSOLIDAÇÃO DA ELETROBRÁS (1967-1973)
Em seus primeiros anos, a Eletrobrás tomou um lugar de destaque no setor elétrico,
realizando a revisão de estudos do CANAMBRA, coordenando estudos nas regiões Norte e
Nordeste do país e ampliando a sua área de atuação com a criação de mais duas subsidiárias
regionais, a Eletrosul e a Eletronorte. Assim, ao longo da década de 1970 a Eletrobrás já tinha
um papel fundamental no setor elétrico realizando atividades de planejamento, financiamento,
coordenação e supervisão das atividades do setor, auxiliando as concessionárias através do
81
treinamento profissional da mão de obra e o do relacionamento com a indústria fornecedora
de materiais e equipamentos para as atividades do setor elétrico.
3.2.1 - A Revisão das Recomendações do CANAMBRA e os Estudos Energéticos do
Norte e do Nordeste do País
Uma das primeiras missões dada à Eletrobrás foi de assumir a responsabilidade de
rever alguns estudos realizados pelo Consórcio CANAMBRA. Em julho de 1968, o Banco
Mundial
24
solicitou que a estatal fizesse um novo estudo sobre o mercado da região Sudeste
para que fosse revisto algumas projeções realizadas pelo CANAMBRA. A primeira revisão
feita pela Eletrobrás ocorreu no ano seguinte, onde foram apresentadas ao Banco Mundial
novas projeções para o mercado na região Sudeste do país e aconselhado a alteração de
algumas obras recomendadas pelo Consórcio.
Assumida a responsabilidade da realização de novos estudos de mercado, a Eletrobrás
formou um grupo de trabalho reunindo técnicos da empresa, de Furnas, CEMIG e CESP,
empregados de várias empresas de consultoria, além do auxílio de alguns órgãos
governamentais, como o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e o Ministério do
Planejamento. O trabalho realizado por esse grupo ficou conhecido como Power Market Study
and Forecast South Central Brazil (PMS & F), tendo como objetivo central, fazer uma
previsão das condições de suprimento de energia elétrica para os estados da região Sudeste,
além do Distrito Federal e algumas localidades de Goiás e Mato Grosso, tendo como
horizonte de análise, o ano de 1985.
Além de subsidiar as negociações com o Banco Mundial para o financiamento de
novas obras de geração na Região Sudeste, o PMS & F contribuiu para o
estabelecimento de uma metodologia de estudo de mercado mais consentânea com
as características dos sistemas de energia elétrica brasileiros e o estágio de
desenvolvimento do país. Com base nessa metodologia, a Eletrobrás implantou
esquema de acompanhamento da evolução do mercado das principais
concessionárias do país, visando detectar as diferenças entre as projeções e o
consumo verificado, suas causas e possíveis repercussões (CACHAPUZ, 2002,
p.58).
Em 1971, a Eletrobrás decidiu realizar novos estudos sobre o mercado consumidor de
energia elétrica, alterando o trabalho entregue pelo PMS & F em 1969, devido o país ter
24
O Banco Mundial solicitou essa revisão nas projeções realizadas pelo CANAMBRA para subsidiar as
negociações de novas linhas de financiamento para obras de geração.
82
apresentado um quadro de crescimento econômico maior do que as premissas do estudo
anterior. Novamente o trabalho foi realizado no âmbito da Diretoria de Planejamento e
Engenharia da Eletrobrás e contou com a presença de técnicos das empresas do setor. Os
estudos foram concluídos no ano seguinte e foram apresentados no relatório chamado de
Revisão do Balanço Energético 1972-1985 (RBE-72) da região Sudeste do Brasil, onde foi
feita uma avaliação do mercado de energia elétrica até o ano de 1985. Algumas alterações
foram feitas na programação dos investimentos que deveriam ser realizados, como a exclusão
de quinze projetos de geração, a maioria de pequeno porte
25
propostos pelo CANAMBRA, a
alteração na capacidade de alguns projetos e a inclusão de três novas hidrelétricas.
Outro importante fato do final da década de 1960 foi a criação do Orçamento
Plurianual do Setor de Energia Elétrica (OPE) que passou a ser elaborado anualmente pela
Eletrobrás, através da coleta de informações junto às concessionárias e às agências de
desenvolvimento, utilizando os dados dos três anos passados e projetando os cinco próximos
anos. O OPE foi uma importante ferramenta de planejamento e programação dos
investimentos no setor elétrico, e por intermédio dele, a Eletrobrás teve meios de realizar uma
seleção dos projetos que teriam a sua ajuda técnica e financeira. Com a realização do OPE
também foi possível coletar informações sobre os equipamentos e materiais que seriam
necessários à expansão da capacidade de geração de energia elétrica, e assim, as empresas
produtoras dessas mercadorias seriam capazes de realizar um melhor planejamento de suas
atividades. “Embora voltado basicamente para as questões orçamentárias, o OPE se converteu
num importante instrumento de planejamento, ao fornecer dados de grande utilidade para as
indústrias de equipamentos e de material elétrico e para as firmas de engenharia” (DIAS,
1988, p.210).
Ainda no final da década de 1960, a Eletrobrás foi a coordenadora dos estudos
realizados nas regiões Norte e Nordeste do Brasil. Os Estudos Energéticos da Amazônia
foram iniciados em 1969 com a participação de empresas de consultoria brasileiras e a
supervisão de um comitê criado no âmbito do Ministério das Minas e Energia, o Comitê
Coordenador dos Estudos Energéticos da Amazônia, que ficou conhecido como ENERAM.
Esse Comitê era presidido pelo diretor de Planejamento e Engenharia da Eletrobrás e tinha
como um dos seus objetivos examinar as soluções técnicas apresentadas pelas consultorias
contratadas. Os estudos foram realizados na Amazônia entre 1969 e 1971 e tinham como
25
O RBE-72 privilegiava projetos de construção de hidrelétricas de grande porte.
83
horizonte o ano de 1985, sendo um trabalho pioneiro de mapeamento do potencial energético
da região.
Com relação ao estudo da região Nordeste, ele foi iniciado em 1970 e teve a
supervisão do recém criado Comitê Coordenador dos Estudos Energéticos da Região Nordeste
ENENORDE - que também teve como horizonte de tempo, o atendimento ao consumo de
energia elétrica até o ano de 1985 e a presidência do diretor de Planejamento e Engenharia da
Eletrobrás. O estudo de mercado de energia contou com a presença de técnicos da Eletrobrás,
CHESF, COHEBE e de técnicos das empresas de distribuição da região. O objetivo dos
estudos que foram concluídos em 1973, era fazer um levantamento do potencial hidrelétrico
da região, a sua viabilidade técnico-financeira e a definição de um plano de ampliação dos
sistemas já em operação. Antes da criação da ENENORDE, a CHESF tinha autonomia para
executar o planejamento da expansão do sistema elétrico da região Nordeste e segundo
Cachapuz (2002), a criação desse Comitê serviu para que o planejamento da ampliação do
sistema passasse para o âmbito da Eletrobrás.
3.2.2 - A Criação da Eletronorte, da Eletrosul e da Itaipu Binacional
Entre os anos 1967-1973, a Eletrobrás ampliou a sua presença nos investimentos do
setor elétrico com a criação de duas novas empresas regionais controladas pela holding, a
Centrais Elétricas do Sul do Brasil - Eletrosul e a Centrais Elétricas do Norte do Brasil -
Eletronorte. A primeira foi constituída em dezembro de 1968, tendo “incorporado as usinas de
geração térmica sob controle federal no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina” (LEITE,
2007, p.149), porém teve a sua autorização para atuar em abril do ano seguinte através do
Decreto 64.395, que também lhe concedeu a finalização da construção da hidrelétrica de
Passo Fundo, no Rio Grande do Sul. A Eletrosul tinha como principal objetivo planejar e
construir sistemas elétricos de grande porte
26
na região Sul do país que desse condições para
que a região continuasse a expansão das suas atividades e o desenvolvimento dos estados. Em
1971, foi incorporada à Eletrosul a Termelétrica de Charqueadas S.A., que tinha uma usina
que utilizava carvão para a produção de energia elétrica, assim como no ano seguinte, mais
duas empresas foram incorporadas à estrutura da Eletrosul, a Termoelétrica de Alegrete S.A. e
26
As usinas de grande porte serviriam para atender aos interesses de toda a região Sul, e não apenas interesses de
cada estado separadamente.
84
a Sociedade Termoelétrica de Capivari S.A., tornando a geração por meio de termelétricas
uma importante atividade para a empresa.
A Eletronorte surgiu como um desdobramento natural da conclusão dos estudos na
região Amazônica do Brasil, o ENERAM e foi criada pela Lei 5.824 de 1972 (A ENERGIA,
1977). A empresa foi a última das quatro empresas de âmbito regionais subsidiárias da
Eletrobrás a ser constituída, e teve destinado 10% da arrecadação do Empréstimo Compulsório
para a subscrição da nova empresa. A criação da Eletronorte também tinha uma grande relação
com o projeto da construção da usina hidrelétrica de Tucuruí, que seria a maior hidrelétrica
totalmente brasileira, e com a idéia de se desenvolver pólos industriais na região Norte. Ao
contrário da Eletrosul, a Eletronorte “era uma empresa cujas atividades se iniciavam sem
capacidade de geração de energia e com obras a serem definidas” (LEITE, 2007, p.149).
Na mesma lei que criou a Eletronorte ocorreu uma importante alteração na destinação
dos recursos do Empréstimo Compulsório que ajudou a Eletrobrás a destinar vultosos recursos
para as suas subsidiárias regionais. Aentão, metade dos recursos do Empréstimo deveria ser
aplicado pela Eletrobrás no mesmo estado onde aconteceu a arrecadação. Essa nova lei alterou
esse dispositivo, destinando a maior parte dos recursos do Compulsório para investimentos em
usinas e sistemas de transmissão de caráter regional.
Entre as mudanças que ocorreram no início da cada de 1970, o acordo sobre a
hidrelétrica de Itaipu e todo o desdobramento da entrada em operação da maior usina
hidrelétrica do mundo foi o maior marco. Como já foi dito na seção anterior, no ano de 1966
foram estabelecidas algumas premissas com o governo paraguaio para a construção de Itaipu.
De acordo com Cachapuz (2002), no ano seguinte foi criada uma comissão técnica mista
Brasil-Paraguai e em 1970 foi assinado um acordo de cooperação entre a Eletrobrás e a
empresa estatal paraguaia, Administración Nacional de Electricidad (ANDE). Diversos
estudos foram realizados e algumas alternativas foram levadas em consideração até que se
chegasse a um resultado final, a construção de uma grande barragem no rio Paraná, na divisa
entre os dois países.
Em 26 de abril de 1973, foi assinado o Tratado de Itaipu que definiu a criação de uma
empresa binacional que seria a responsável pela construção e operação da usina de Itaipu que
teria uma potência instalada de 12.600 MW (LANDI, 2006). No tratado também ficou
determinado que os dois países teriam direito a 50% da energia produzida e que um dos países
85
poderia adquirir a energia elétrica sobressalente que o fosse utilizada no outro país. Foi
criada a Itaipu Binacional que tinha o seu capital dividido em partes iguais entre a Eletrobrás e
a ANDE.
Devido as grandes proporções do empreendimento e da eletricidade que seria gerada
quando Itaipu estivesse em operação, foi necessária a promulgação de uma lei que
determinasse o escoamento da energia produzida pela hidrelétrica. A Lei 5.899 de julho de
1973, que ficou conhecida como Lei de Itaipu, estabelecia que Furnas e Eletrosul adquirissem
toda a energia destinada ao Brasil proveniente de Itaipu, e que as empresas que atuavam nas
áreas a serem servidas pela hidrelétrica teriam que planejar a expansão das suas atividades
prevendo a completa absorção da energia produzida por Itaipu. Essa lei ainda reforçou a
função coordenadora da Eletrobrás no planejamento do setor elétrico brasileiro, pois ela
desenvolveria atribuições técnicas, administrativas e financeiras, além da orientação quanto
aos novos investimentos do setor.
A construção da Usina de Itaipu foi um marco efetivo no desenvolvimento do setor
elétrico. A lei de Itaipu de 1973, delegou enorme poder à Eletrobrás. Ao
estabelecer prioridade para a obra, definia o quanto cada empresa deveria adquirir
de energia elétrica quando a construção tivesse terminado. Até a lei de Itaipu eram
negociados diretamente entre as empresas supridoras e distribuidoras. A lei de
Itaipu muda esta prática. Impõe uma subordinação de todas supridoras aos
interesses de Itaipu. Assim o DNAEE e a Eletrobrás passam a agir cartorialmente
com relação as vendas de energia elétrica e com relação a concessão de novas
vendas (LORENZO, 2002, p.11).
3.2.3 - O Início da Cooperação entre as Empresas do Setor Elétrico e as Mudanças nas
Fontes de Financiamento
Com a integração de Itaipu ao sistema elétrico brasileiro, ficava clara a necessidade da
coordenação operacional do setor. A Lei 5.899
27
criou os Grupos Coordenadores para
Operação Interligada (GCOI) que atuariam no lugar dos Comitês Coordenadores da Operação
Interligada (CGOI), que tinham sido criados em 1969 na região Sudeste e em 1971 na região
Sul. Os GCOIs eram compostos por representantes das empresas do setor elétrico, além do
DNAEE e da Eletrobrás - que tinha como determinação dessa lei, o direito de liderar esses
Grupos em caráter permanente. Os GCOIs tinham “atribuições de coordenar, decidir ou
encaminhar as providências necessárias ao uso racional das instalações geradoras e de
27
Regulamentada pelo Decreto 73.102 de novembro de 1973.
86
transmissão, existentes e futuras, nos sistemas elétricos interligados das regiões Sudeste e Sul”
(DIAS, 1988, p.211). A Lei de Itaipu dividiu o país em quatro regiões e cada uma estaria sobre
a influência de uma das quatro subsidiárias regionais da Eletrobrás: Furnas, CHESF, Eletrosul
e Eletronorte.
A criação dos CGOIs e posteriormente os GCOIs permitiu uma maior cooperação entre
as empresas do sistema elétrico brasileiro, possibilitando a troca de informações e dados entre
as empresas. A Eletrobrás teve um papel importante dentro do GCOI, pois era vista como uma
empresa que não tinha interesses comerciais diretos, portanto, exercia uma liderança mais
neutra nas discussões sobre o planejamento do setor. Na verdade, como escreveu Cachapuz
(2002), a opção brasileira em se utilizar os recursos dricos para a geração de energia elétrica
requeria um amplo planejamento das atividades do setor, pois esse tipo de empreendimento
necessita de vultosos investimentos e gera uma grande quantidade de eletricidade, além de
demorar alguns anos para começar a operar. Assim, a centralização institucional em torno da
esfera federal que ocorreu durante o período militar entre 1967-1973 e o rápido crescimento do
PIB alcançado nessa época, fizeram com que a importância da Eletrobrás no planejamento do
setor elétrico aumentasse muito.
A responsabilidade central do planejamento cabe à Eletrobrás que, junto com o
DNAEE, coordena os programas de investimento das empresas do setor e realiza
os estudos necessários para definição das obras, de forma a compatibilizar os
investimentos com as diretrizes de política energética emanadas do Ministério das
Minas e Energia e com a política econômico-financeira do Governo em geral (A
ENERGIA, 1977, p.163).
A Conta de Consumo de Combustível (CCC) foi criada nessa época através do
Decreto 73.102 de novembro de 1973 e ainda vigora até hoje, com algumas alterações
realizadas ao longo dos anos. O objetivo da implantação da CCC era utilizar ao máximo a
capacidade de geração hidráulica no país, e com isso, restringir a operação das termelétricas
ao máximo possível, apenas operando na complementação do sistema de geração. Dessa
forma, foi criada uma conta (CCC) com os depósitos sendo rateados pelas empresas do
sistema interligado para cobrir os custos da utilização de combustíveis nas usinas
termelétricas, então, ficaria a cargo dos recém criados GCOIs o comando das operações das
termelétricas no país.
De acordo com Pinto Jr. (2007) e Leite (2007), entre os anos 1967-1973 ocorreu a
transferência para os governos estaduais dos ativos de posse da União que tinham sido
87
adquiridos da AMFORP e que até aquele momento estavam sobre o controle da Eletrobrás.
Para Pinto Jr. (2007), essa transferência de ativos seguia a lógica de manter a atuação do Grupo
Eletrobrás apenas na geração e na interconexão regional e nacional, além de tentar evitar que
as concessionárias estaduais continuassem a construir o seu próprio sistema de geração. Ou
seja, as quatro subsidiárias de âmbito regional da Eletrobrás construiriam e operariam os
grandes empreendimentos de geração e transmissão, deixando a cargo das empresas estaduais,
a atuação principalmente na área de distribuição. Cachapuz (2002) lembra que a Eletrobrás por
meio da CHESF e da Eletrosul, também realizou transferências de linhas de transmissão
secundárias em 69 kV para as empresas estaduais de suas respectivas regiões de atuação.
Esse processo de transferência foi caracterizado por uma negociação difícil, cheia
de conflitos entre os interesses regionais e federais, denotando que a questão
regional permanecia sendo um traço marcante da indústria elétrica nacional, apesar
dos esforços para a construção de uma coordenação nacional do setor (PINTO JR.,
2007, p.214).
Ao longo da década de 1970, a Eletrobrás teve aumentada a sua atuação e importância
no setor elétrico brasileiro, tendo como atividades o planejamento, financiamento, coordenação
e supervisão em todas as atividades do setor, procurando desenvolver globalmente todo o
sistema elétrico brasileiro.
A Eletrobrás auxilia os concessionários (com assistência de coordenação e
engenharia, serviços jurídicos, administração e assistência do pessoal e
organização e métodos), além de atuar em faixas específicas como o
relacionamento com a indústria nacional, pesquisa científica e tecnológica de
energia elétrica, formação profissional, convênios e ligações internacionais, e ainda
em assistência social e de preservação ecológica quando necessário (A ENERGIA,
1977, p.114).
Em relação a formação profissional de técnicos para o setor elétrico, a Eletrobrás
intensificou a partir da década de 1970 o treinamento
28
desses técnicos. No final de 1971, a
Eletrobrás criou o Fundo de Desenvolvimento Tecnológico destinando 0,5% do seu lucro
líquido para essas atividades. Uma parte dessa verba era gasta em programas de treinamento e
aperfeiçoamento da mão de obra especializada do setor, além de contribuições às instituições
de ensino superior. A Eletrobrás promoveu inicialmente durante a década de 1970, convênios
com universidades americanas que realizavam cursos nas áreas de interesse para o setor, e
posteriormente, alguns desses cursos foram trazidos para o Brasil.
28
Essa atribuição está escrita no estatuto que criou a Eletrobrás.
88
O financiamento do setor elétrico durante os anos do “milagre econômico” teve
algumas significantes alterações, ampliando o nível de recursos para investimentos setoriais.
A Lei 5.655 de 1971 determinou a elevação da taxa de remuneração do investimento,
passando de 10 para 12% (LANDI, 2006), e a redução progressiva da aquota do imposto de
renda sobre os lucros das empresas, 17% para 6% (MELLO, 2008), além da transferência para
a Eletrobrás
29
do recolhimento dos recursos da Reserva Global de Reversão (RGR), criada em
1957, que antes ficava a cargo da própria empresa concessionária para financiamento do seu
programa de investimento. A RGR era formada por “quotas anuais de 3% do valor dos bens e
instalações em serviço BIS que, direta ou indiretamente, contribuíssem para a geração,
transmissão e distribuição de energia elétrica” (FARIA, 2003, p.18) e seria usada para cobrir
indenizações, encampação de serviços públicos e para empréstimos às empresas
concessionárias para a expansão das suas atividades.
Outra fonte de financiamento do setor elétrico brasileiro era o Empréstimo
Compulsório (EC), que deveria acabar em 1968, mas que foi prorrogado pelo Decreto-Lei 644
em 1969, para mais dez anos, aumentando o prazo de resgate dos títulos de 10 para 20 anos e
a redução da taxa de juros desses títulos de 12 para 6% ao ano. “Ademais, o referido decreto-
lei introduziu acentuada elevação da incidência do IUEE sobre o consumo residencial e
transferiu praticamente toda a carga sobre o consumo industrial para o EC” (LIMA, 1995,
p.103). Segundo esse autor, o EC não foi extinto em 1968 conforme previa a lei que lhe criou,
porque naquele ano, cerca de 45% das aplicações da Eletrobrás vinha de recursos dessa fonte.
A fonte interna de financiamento das empresas do setor elétrico também foi favorecida
entre 1967 e 1973, pois os reajustes tarifários na média foram maiores do que a inflação
anual. Para finalizar as formas de financiamento do setor, os empréstimos extra-setoriais
contraídos no mercado internacional subiram a sua importância nesse período, enquanto as
captações no mercado interno foram reduzindo de importância. Na tabela abaixo pode ser
vista a participação de cada forma de financiamento entre os anos de 1967-1973 no setor
elétrico brasileiro.
29
A Eletrobrás seria a titular dos recursos da RGR.
89
Tabela 3.1. - Evolução da Estrutura de Recursos do Setor de Energia
Elétrica – 1967-1973
PARTICIPAÇÃO (%)
ESPECIFICAÇÃO
1967 1968 1969 1970 1971 1972 1973
A - RECURSOS SETORIAIS 42,1 41,4 38,4 44,0 45,3 51,7 54,3
1 - PRÓPRIOS 34,0 33,5 30,0 33,6 33,7 42,8 44,9
1.1 IUEE 5,0 6,4 6,7 6,6 8,2 9,5 10,5
1.2 Geração Interna 24,6 21,9 18,8 24,9 21,6 24,2 25,4
1.3 RGR - - - - - - -
1.4 Outros 4,4 5,2 4,6 2,1 3,9 0,6 (1,5)
2 - DE TERCEIROS 8,1 7,9 8,3 10,4 11,6 8,9 9,4
2.1 - Empréstimo Compulsório 8,1 7,9 8,3 10,4 11,6 8,9 9,4
2.2 - Outros - - - - - - -
B - RECURSOS EXTRA-
SETORIAIS 57,9 58,6 61,6 56,0 54,7 48,3 45,7
1 - PRÓPRIOS 31,9 32,3 29,1 23,4 22,3 21,3 20,3
1.1 - Governo Federal 8,0 6,9 6,8 6,2 6,9 6,3 6,8
1.2 - Governos Estaduais 23,3 23,6 18,7 15,0 12,6 9,9 13,1
1.3 - Governos Municipais - 0,1 0,4 0,3 0,1 0,2 0,1
1.4 - Outros 0,6 1,7 3,2 1,9 2,7 4,8 0,3
2 - DE TERCEIROS 26,0 26,3 32,5 32,6 32,4 27,1 25,4
2.1 - Emp. e Financ. no país 13,0 13,9 15,3 15,3 13,5 4,1 6,5
2.1 - Resolução 63 - 0,7 2,7 1,1 0,1 - 0,1
2.3 - Emp. e Financ. No Exterior
13,0 11,7 14,5 16,2 18,8 23,0 18,8
C - TOTAL 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0
Fonte: Eletrobrás. Setor de Energia Elétrica: fontes e usos de recursos, série retrospectiva 1967/1977, apud
DIAS, 1988. p.218.
Os investimentos realizados pelas empresas do setor elétrico no período analisado
passaram de 14% ao ano, tendo uma grande contribuição nos investimentos totais da
economia brasileira e no crescimento do PIB do país. A capacidade instalada passou de 8.042
MW em 1967 para 15.354 MW em 1973, um crescimento de aproximadamente 91% e uma
média de 1.220 MW adicionados a capacidade de geração elétrica anualmente.
Não se pode deixar de destacar o sucesso obtido pelo setor elétrico brasileiro até
metade dos anos 70, quando houve grande ampliação da capacidade produtiva que
possibilitou, além de sustentar acelerado processo de crescimento econômico criar
ampla capacitação nacional na área de engenharia de projetos, consultorias e
construção de usinas hidrelétricas, que se revelou altamente competitiva ao
conseguir contratos até no exterior (LORENZO, 2002, p.11).
90
Tabela 3.2. - Evolução da Capacidade Instalada
(1967-1973)
Total
Hidráulica
Térmica
1967
8.042 5.787 2.255
1968
8.555 6.183 2.372
1969
10.262 7.857 2.405
1970
11.233 8.828 2.405
1971
12.670 10.244 4.426
1972
13.249 10.721 2.528
1973
15.324
12.495
2.859
Capacidade (em MW)
Ano
Fonte: IBGE. Estatísticas Históricas do Brasil, v. 3, apud
LIMA, 1995. p.144.
3.3 - DESENVOLVENDO O SETOR ELÉTRICO (1974-1979)
A expansão do setor elétrico brasileiro prosseguiu durante a segunda metade da década
de 1970 sob a influência da estratégia adotada durante o II Plano Nacional de
Desenvolvimento (II PND), criado no governo Geisel, que tinha como principal objetivo a
manutenção do forte ritmo de crescimento econômico alcançado durante o período do
“milagre”. Apesar da crise mundial devido ao aumento do preço do petróleo no mercado
internacional, o governo brasileiro ao invés de fazer ajustes na demanda agregada para
preservar o equilíbrio no Balanço de Pagamentos, adotou um amplo programa de
investimentos voltados para a manutenção das taxas de crescimento dos anos anteriores. A
intenção era melhorar a infra-estrutura e desenvolver a produção de insumos básicos, como o
petróleo, o aço e a energia elétrica, além de gerar demanda para a produção local de bens de
capital.
3.3.1 - Os Investimentos da Eletrobrás e a Articulação com a Indústria Fornecedora
Nacional de Materiais e Equipamentos
Para o setor elétrico, o governo reservou um amplo volume de investimentos
principalmente na expansão da capacidade de gerar energia elétrica em grandes
empreendimentos, como as usinas de Itaipu e Tucuruí. Os investimentos do setor cresceram a
taxas médias anuais maiores de 10% até o ano de 1978, assim como a sua capacidade
instalada, que passou de 15.324 MW em 1973 para 27.970 MW em 1979.
91
Durante a década de 70, devido à própria orientação do governo federal de centralizar
a administração pública, os investimentos da Eletrobrás e das empresas controladas pela
holding ultrapassaram os investimentos das empresas coligadas do setor elétrico (LIMA,
1995), ou seja, empresas que a Eletrobrás detinha uma participação minoritária. Essa relação
pode ser vista a seguir na tabela 3.3.
Tabela 3.3. - Composição dos Investimentos do Setor de Energia Elétrica, por
Categoria de Concessionária (1974-1980)
Ano
Controladas (%)
Itaipu (%)
Coligadas (%)
Total
1974
32,0 0,6 67,4 100,0
1975
35,2 6,2 58,6 100,0
1976
38,3 10,2 51,5 100,0
1977
40,6 13,6 45,8 100,0
1978
38,4 17,4 44,2 100,0
1979
50,8 16,7 32,5 100,0
1980
48,7
20,7
30,6
100,0
Fonte: Eletrobrás, DPE, Boletim de Planejamento, apud LIMA, 1995. p.128.
A usina de Itaipu era estratégica para as ambições do II PND, pois se tratava de um
grande e complexo empreendimento envolvendo dois países cujas, negociações se
arrastavam por alguns anos. Embora um consórcio formado por uma empresa norte-americana
(IECO) e uma italiana (ELC) tenha sido o vencedor da licitação internacional em 1970 para a
realização do projeto de obras, somente após quatro anos foi criada a entidade Itaipu
Binacional, que teria o objetivo de acompanhar as obras do empreendimento (LANDI, 2006).
As obras que eram inicialmente orçadas em 10,3 bilhões de dólares foram começadas no ano
seguinte, em 1975, com recursos obtidos pela Eletrobrás que abriu uma linha de crédito de 3,5
bilhões
30
de dólares para a Itaipu Binacional. Apenas em maio de 1984, nove anos após o
começo das obras, teve início a operação da primeira máquina da usina, sendo instalada após
essa data, de duas a três máquinas por ano (GONÇALVES JR., 2002).
Os impressionantes números da capacidade de Itaipu e toda a complexidade da
transmissão dessa energia para os centros consumidores, aliada ao problema do Balanço de
Pagamentos e a limitada capacidade de importar da economia brasileira, fizeram com que
fosse incentivado o desenvolvimento de toda uma cadeia de fornecedores nacionais de
materiais e equipamentos para o setor elétrico.
30
Esse empréstimo era o maior já concedido até então no Brasil.
92
Para A Energia (1977), a Eletrobrás desde quando foi criada se transformou em um
dos mais importantes agentes para o desenvolvimento da indústria nacional de equipamentos
e materiais, além da indústria de bens de capital sob encomenda. A Eletrobrás queria
aumentar o índice de nacionalização dos equipamentos do setor elétrico e com isso, reduzir a
dependência dos produtos importados. A estatal realizou entre os anos 1974-79 seminários e
reuniões com as empresas fornecedoras de equipamentos do setor para se discutir a melhor
forma de atender a crescente demanda por aqueles produtos. Em conjunto com essas
empresas, a Eletrobrás realizou estudos sobre as necessidades futuras de equipamentos para o
setor elétrico, com intuito de gerar um melhor planejamento da produção e dos investimentos
por parte das empresas fornecedoras. A holding também vinha realizando melhoramentos em
métodos e critérios de aperfeiçoamento da qualidade dos equipamentos para uso no setor
elétrico, a fim de que eles pudessem concorrer em igualdade de condições com os
equipamentos importados.
Durante os anos do II PND, os investimentos da Eletrobrás junto com as demais
empresas estatais foram utilizados como demanda para o desenvolvimento do setor nacional
de bens de capitais. O Decreto Lei 76.408 de 1975 criou os Núcleos de Articulação com a
Indústria (NAI) que teve a Eletrobrás como coordenadora de trabalhos nesses núcleos. Um
dos estudos realizados era para se saber por que alguns produtos importados não eram
produzidos no Brasil e as formas de se mudar esse quadro. Entre 1974 e 1979 as empresas do
Sistema Eletrobrás aumentaram de 64% para 76% o índice da nacionalização das suas
compras, porém essa tendência crescente foi revertida na década de 1980 com o aumento dos
empréstimos externos que em sua maioria tinha alguma contrapartida - a Eletrobrás era
obrigada por meio do acordo de empréstimo, a comprar uma parte dos equipamentos no
exterior.
A evolução do setor de energia elétrica nos últimos 25 anos também foi marcada
pela conquista da auto-suficiência na engenharia de projetos e construção de
hidrelétricas. Com efeito, os programas setoriais de expansão da capacidade
geradora, pontificados por obras de grande porte como Itumbiara, Tucuruí e Itaipu,
contaram com a colaboração decisiva e quase integral das empresas nacionais de
construção civil e de engenharia de projetos (Engineering) (DIAS, 1988, p.286).
93
3.3.2 - As Novas Mudanças na Fonte de Recursos do Setor Elétrico
O modelo de financiamento do setor elétrico foi sendo radicalmente alterado durante a
metade da década de 1970 e na década seguinte. A primeira alteração no padrão de
financiamento do setor veio em 1974 com a criação da Reserva Global de Garantia (RGG),
através do Decreto Lei 1.383. O objetivo era a equalização da tarifa de energia elétrica em
todo o Brasil, que seria alcançado por meio de uma transferência de recursos por meio da
RGG entre as empresas superavitárias para empresas deficitárias, de forma que cada empresa
tivesse uma remuneração próxima da média do setor (LIMA, 1995), e “com isso, pretendia-se
viabilizar os sistemas de fornecimento de energia elétrica em regiões mais distantes dos
centros consumidores, onde o custo do serviço era mais alto” (LANDI, 2006, p.80). A RGG
era arrecadada em cima de 2% sobre o imobilizado reversível, da mesma forma que a RGR, e
era depositada em uma conta da Eletrobrás, que só tinha o direito de mexer nessa conta com a
autorização do DNAEE. Para Souza (2002), a instituição da RGG trouxe prejuízos para o
setor elétrico como um todo, pois penalizou as empresas mais eficientes e com menores
custos, beneficiando as menos eficientes, e assim essas últimas não teriam incentivos para
melhorarem a sua eficiência operacional.
A geração interna de recursos durante os anos do II PND foi prejudicada devido à
aplicação de uma norma do Conselho de Desenvolvimento Econômico (CDE), no início de
1975, que restringia os reajustes das tarifas de energia elétrica. Então a partir desse ano, o
valor da tarifa de eletricidade começou a sofrer uma queda significativa, diminuindo a
geração interna de caixa pelas empresas concessionárias, resultado decorrente da política do II
PND em relação aos preços dos serviços públicos administrados, que “pretendia conter os
índices inflacionários ou, no mínimo, retardar sua explosão” (LORENZO, 2002, p.12). Em
1974, a geração interna de recursos contribuiu com 22,9% do total de recursos disponíveis
pelas empresas do setor elétrico, sendo reduzida em 1978 para 13,8%, como pode ser
observado na tabela a seguir.
Tabela 3.4. - Evolução da Estrutura de Recursos do Setor de Energia Elétrica -
1974-1979
PARTICIPAÇÃO (%)
ESPECIFICAÇÃO
1974 1975 1976 1977 1978 1979
A - RECURSOS SETORIAIS 51,1 44,7 45,0 41,6 36,4 31,8
1 - PRÓPRIOS 42,7 37,2 7,0 35,3 28,0 24,2
94
1.1 IUEE 9,7 7,6 7,2 7,1 6,0 4,8
1.2 Geração Interna 22,9 19,8 16,9 18,3 13,8 17,4
1.3 RGR 9,9 8,5 10,1 9,1 8,3 6,7
1.4 Outros 0,2 1,3 2,8 0,8 (0,1) (4,7)
2 - DE TERCEIROS 8,4 7,5 8,0 6,3 8,4 7,6
2.1 - Empréstimo Compulsório 8,4 7,2 7,7 6,4 6,5 5,8
2.2 - Outros - 0,3 0,3 (0,1) 1,9 1,8
B - RECURSOS EXTRA-
SETORIAIS 48,9 55,3 55,0 58,4 63,6 68,2
1 - PRÓPRIOS 19,7 21,7 14,7 10,5 10,2 6,1
1.1 - Governo Federal 8,8 8,0 6,4 3,3 4,1 3,1
1.2 - Governos Estaduais 9,9 10,3 7,8 6,6 5,9 2,9
1.3 - Governos Municipais 0,1 - - 0,1 0,2 0,1
1.4 - Outros 0,9 3,4 0,5 0,5 - -
2 - DE TERCEIROS 29,2 33,6 40,3 47,9 53,4 62,1
2.1 - Emp. e Financ. no país 10,0 13,3 22,8 17,3 20,5 30,1
2.1 - Resolução 63 0,5 0,7 1,3 2,8 1,4 3,0
2.3 - Emp. e Financ. No Exterior
18,7 19,6 16,2 27,8 31,5 29,0
C - TOTAL 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0
Fonte: Eletrobrás. Setor de Energia Elétrica: fontes e usos de recursos, série retrospectiva 1967/1977 e
1978/1979, apud DIAS, 1988. p.225.
Além da queda da tarifa real, o setor elétrico também perdeu recursos com a
desvinculação dos recursos setoriais que foi realizada pela coordenação do II PND, visando
uma maior liberdade orçamentária. Os recursos de alguns fundos setoriais como o da
cobrança sobre combusveis que estava vinculado ao DNER
31
e a parte federal do IUEE que
era transferida para a Eletrobrás, passaram a integrar o Fundo Nacional de Desenvolvimento
(FND), reduzindo os recursos a serem aplicados no setor elétrico.
Como os recursos setoriais foram progressivamente sendo reduzidos, as empresas do
setor elétrico tiveram que buscar outro tipo de recursos para conseguirem realizar os grandes
empreendimentos projetados pelo II PND. A saída encontrada foi aumentar os recursos extra-
setoriais através do aumento dos empréstimos e financiamentos de origem interna e
estrangeira que aumentaram consideravelmente as suas participações no total de recursos do
setor elétrico brasileiro. “Dessa forma, os investimentos do setor puderam ainda crescer
intensamente por algum tempo” (FARIA, 2003, p.25). A captação de recursos no exterior foi
incentivada pelo governo federal que precisava desse capital para equilibrar o Balanço de
31
Departamento Nacional de Estradas e Rodagens.
95
Pagamentos que já estava em dificuldades devido ao aumento do preço do petróleo no
mercado internacional.
A grande liquidez de capital no mercado externo durante a segunda metade da cada
de 1970 facilitou as captações de recursos pelas empresas do setor, porém com o aumento das
taxas de juros no final da década, cresceu espantosamente o montante a ser pago como serviço
da dívida por essas empresas. A queda em termos reais das tarifas e a diminuição dos recursos
setoriais, somados ao exponencial aumento da dívida das empresas do Sistema Eletrobrás e
das demais empresas do setor elétrico em geral, levaram a crise do setor na década seguinte
(MELLO, 2008).
De qualquer modo, pode-se concluir que, de 1964, com a criação da Eletrobrás, até
1979, o setor elétrico brasileiro viveu seu grande período de expansão, cabendo ao
Estado a tarefa de indutor e formulador das políticas do setor, consolidando sua
posição de agente principal. Esse comportamento permitiu a expansão da
capacidade instalada de energia elétrica, em 1979, para 27.970 MW, configurando
um aumento de 82,5% em apenas seis anos, tendo como base o ano de 1973
(LANDI, 2006, p.87).
3.3.3 - O Planejamento sob a Liderança da Eletrobrás
O planejamento também foi marcante durante toda a segunda metade da década de
1970, sempre tendo a Eletrobrás na liderança desse processo. Em 1974 foi elaborado o
primeiro plano de expansão de longo prazo do setor elétrico, o Plano 90 (GONÇALVES JR.,
2002). O objetivo desse plano foi projetar a expansão dos sistemas interligados das regiões
Sul e Sudeste ao ano de 1990, obedecendo ao que foi determinado pela Lei de Itaipu. Esse
plano foi coordenado pela Diretoria de Planejamento e Engenharia da Eletrobrás com a
colaboração das áreas de planejamento de algumas importantes empresas do setor elétrico e
de algumas entidades públicas. O Plano 90 tinha como premissa as diretrizes de crescimento
econômico otimistas do II PND, de 10% ao ano entre os anos de 1974 e 1979. Depois desse
ano, foram projetados dois cenários para o crescimento do PIB até 1990, um otimista
prevendo um crescimento médio de 11% ao ano e um pessimista, onde o crescimento
apresentaria taxas próximas a 8% anuais.
O Plano 90 concluiu que para atender a demanda por energia elétrica projetada até o
ano de 1990, era preciso investir em grandes projetos que assegurassem uma capacidade
instalada extra de 30.000 MW até o final da década de 1980, um fenomenal aumento da
96
capacidade de geração do país que em 1974 era de apenas 17.500 MW (LIMA, 1995).
Segundo Cachapuz (2002), o Plano 90 estava fortemente condicionado a conclusão das obras
da hidrelétrica de Itaipu que possibilitaria a interligação entre os sistemas das regiões Sul e
Sudeste, e com o desenvolvimento do programa nuclear no Brasil. Caso se confirmasse as
projeções otimistas de crescimento do PIB até 1990, seria preciso a instalação de oito usinas
nucleares com capacidade de gerar 1.200 MW cada uma (LEITE, 2007). Como a partir da
década de 1980 as projeções mais otimistas o foram sendo realizadas, o programa nuclear
brasileiro sofreu um forte reverso.
Em 1979, foi feita pela Eletrobrás a revisão do Plano 90 que ficou conhecido como
Plano 95, por ter como horizonte o atendimento da demanda por energia elétrica no país até o
ano de 1995. Dessa vez, foi utilizada entre as premissas do plano, uma taxa de crescimento do
PIB mais modesta, de 6 a 7% ao ano para o período de estudo do plano, de 1979 a 1995,
levando em consideração as dificuldades econômicas da época causadas pelo crescimento da
inflação, o segundo choque do petróleo e pelo aumento das taxas de juros no mercado
internacional que trouxeram dificuldades ao Balanço de Pagamentos brasileiro.
Em setembro de 1979, a Eletrobrás publicou o Plano de atendimento aos requisitos
de energia elétrica até 1995, analisando as possibilidades de expansão dos sistemas
elétricos de todo o país e propondo um conjunto de medidas para o atendimento do
mercado de energia elétrica dos sistemas interligados e isolados nos 15 anos
seguintes. O chamado Plano 95 foi o primeiro de uma série de quatro planos
nacionais de energia elétrica elaborados pela Eletrobrás e submetidos, em caráter
oficial, à aprovação do Ministério das Minas e Energia (CACHAPUZ, 2002,
p.133).
O Plano 95 foi realizado pela Eletrobrás com a ajuda das empresas do setor e teve
como base um conhecimento mais amplo do potencial hidrelétrico brasileiro, devido aos
estudos realizados anteriormente. Assim, o Plano 95 foi resultado de uma contínua revisão
dos estudos e planos anteriores, dessa forma, abrangeu os trabalhos do ENERAM sobre a
região Norte, o ENENORDE sobre a região Nordeste e o Plano 90, que realizou estudos e fez
o planejamento dos investimentos nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste.
97
Arnaldo Barbalho
32
em entrevista à Memória da Eletricidade
33
afirma que a
interligação elétrica entre as regiões do Brasil era uma das principais medidas desejadas pelo
governo na década de 1970. “A Portaria 1340-A, de 25 de novembro de 1974, determinou
estudos visando à interligação Norte-Nordeste e Nordeste-Sudeste, sob a coordenação da
Eletrobrás” (DIAS, 1995, p.183). Em 1977, a interligação entre Nordeste-Sudeste foi
aprovada pelo presidente Geisel e seria incorporada ao sistema Norte-Nordeste que estava
previsto para acontecer. A interligação desses sistemas traria um maior benefício para o setor
como um todo, pois reduziria os riscos da queda na oferta de energia de cada região, mas seria
preciso um esforço de planejamento e cooperação das empresas do setor elétrico ainda maior,
que a ação de uma empresa poderia influenciar o resultado de outras empresas. Esse
esforço seria liderado pela Eletrobrás que para isso criou a Diretoria de Operação de Sistemas
que passaria a atuar no lugar da extinta Diretoria de Gestão Empresarial que seria novamente
recriada em 1979, em mais um processo de reorganização estrutural da Eletrobrás.
A ação planejadora da Eletrobrás foi muito importante para o desenvolvimento do
setor elétrico, porém sofreu com as crises decorrentes das duas altas nos preços do petróleo na
década de 1970 e com a alta das taxas de juros no mercado internacional.
Apesar desse quadro de adversidades, o processo formal de planejamento do setor
elétrico incorporou toda uma frente de análise da indústria de equipamentos e
materiais. Além da tentativa de integrar os diversos agentes do setor elétrico
(indústrias de equipamento, empresas de construção civil, firmas de engenharia), o
processo de planejamento ultrapassou a ótica regional, característica da década de
1960 (DIAS, 1988, p.213).
Mais especificamente na região Nordeste, foi criado em 1974 o Comitê Coordenador
de Operação do Nordeste (CCON), semelhante aos GCOIs, sob a orientação do DNAEE e da
Eletrobrás, com a função de melhorar o relacionamento das empresas distribuidoras da região
com a CHESF, que a partir daquele ano começou a transferir para essas empresas estaduais o
sistema de transmissão de 69 kV e de definir normas de operação e manutenção dessas linhas
de transmissão.
32
Arnaldo Barbalho foi secretário-geral do Ministério das Minas e Energia por cerca de doze anos e presidente
da Eletrobrás por um curto período.
33
DIAS, Renato Feliciano. A Eletrobrás e a História do Setor de Energia Elétrica no Brasil: Ciclo de
Palestras. Rio de Janeiro: Centro da Memória da Eletricidade, 1995.
98
3.3.4 - As Outras Atividades Desenvolvidas pela Eletrobrás
Com a finalidade de se criar uma estatística segura com os dados do setor elétrico
brasileiro, o Ministério das Minas e Energia criou em 1976 o Sistema de Informações
Estatísticas do Setor de Energia Elétrica (SIESE), que depois de três anos teve o seu nome
alterado, mas foi mantida a mesma sigla. A responsabilidade em relação ao SIESE era
dividida entre a Eletrobrás, o DNAEE e a Secretaria Geral do Ministério, cuja função da
holding era coletar, reunir, analisar, consolidar e divulgar os dados” (A ENERGIA, 1977,
p.161).
Outro fato marcante da segunda metade da década de 1970 foi a formação na
Eletrobrás do Departamento de Eletrificação Rural em 1976, com o intuito de desenvolver a
área rural do país através do crescimento das atividades agrícola e pecuária. A Eletrobrás
financiava a construção de redes de distribuição rural em condições vantajosas: financiava de
60 a 80% do projeto, aplicava juros de 12% anuais e carência de sete anos. O Decreto 79.898
de 1977 estabeleceu o Programa de Eletrificação Rural em todo o Brasil contando com
recursos da Eletrobrás e recursos próprios das distribuidoras, sendo que a estas últimas estava
a tarefa de execução das obras.
A energia nuclear para geração de eletricidade entrou em pauta no setor elétrico
brasileiro no final da década de 1960. Em 1969, Furnas ficou encarregada pelo governo
federal a construir a primeira usina nuclear - em um total de três - do país, na cidade de Angra
dos Reis no Estado do Rio de Janeiro, tendo o início das obras começado três anos após essa
data. Em 1975 quando a construção de Angra I estava a todo vapor, o Brasil assinou um
acordo de cooperação nuclear com a Alemanha Ocidental visando desenvolver no país o ciclo
completo da energia nuclear, desde a pesquisa mineral até a produção do combustível
(LEITE, 2007).
Tomando como premissa a alternativa mais ambiciosa do Plano 90, o Brasil
assinaria em junho de 1975 um acordo de cooperação nuclear com a Alemanha
Ocidental para a construção, em um prazo de quinze anos, de oito centrais
nucleares, uma usina de enriquecimento de urânio e instalações para o
processamento do combustível atômico, a um custo total estimado em dez bilhões
de dólares (CACHAPUZ, 2002, p.131).
Um ano depois da assinatura do acordo, Furnas fechou a compra dos equipamentos
para a construção de Angra II e III junto com a empresa alemã KWU, sendo que o início das
99
obras em Angra II foram iniciadas em 1977. Angra I teve a sua fase de testes começando
em 1981 e apenas alguns meses depois desses primeiros testes, Furnas atendendo às
orientações do governo federal, transferiu para as Empresas Nucleares Brasileiras -
NUCLEBRÁS
34
, a tarefa de construir Angra II e Angra III, porém de acordo com Dias
(1988), também ficou decidido que após a finalização das obras, passaria a ser função de
Furnas a operação das usinas nucleares.
Outro ponto importante da década de 1970 foi a criação do Centro de Pesquisas de
Energia Elétrica (CEPEL) em 1974, fazendo parte da política do governo federal de se criar
centros de pesquisa tecnológica na área energética. Essa idéia tinha sido manifestada pelo
Ministério das Minas e Energia desde 1971 para que se buscasse alcançar o desenvolvimento
tecnológico autônomo do setor no país. O CEPEL foi criado como uma entidade civil sem
fins lucrativos subordinado à Eletrobrás, que é a sua principal mantenedora, e também poderia
ser financiado por empréstimos obtidos no Brasil e no exterior (DIAS, 1988).
A criação do CEPEL como mais um braço” da Eletrobrás, mostra a preocupação do
governo e da holding com o desenvolvimento geral do setor elétrico brasileiro. A Eletrobrás
além de promover o treinamento da mão de obra do setor através de programas de capacitação
e convênios com universidades, ela agora dava suporte científico e tecnológico às empresas
geradoras, transmissoras e distribuidoras de energia elétrica, além do suporte aos fabricantes
de equipamentos e às empresas prestadoras de serviços de engenharia.
Para finalizar a década de 1970, o último fato marcante foi a compra dos ativos da
Light em 1979 por US$ 380 milhões (PINTO JR., 2007) que passaram a fazer parte da
Eletrobrás
35
. As conversas sobre a compra da Light foram iniciadas ainda na década de 1960
sem, contudo ter-se chegado a um acordo. Na década seguinte, devido às dificuldades
encontradas pelas empresas do grupo com a perda do valor real das tarifas de eletricidade, a
Light manifestou a vontade de deixar o país. Em 1976 aconteceu uma tentativa liderada por
empresários brasileiros de comprarem a Light, porém o negócio também não foi fechado. O
acordo definitivo aconteceu três anos depois, com o governo federal aceitando pagar o
valor acima citado.
34
A NUCLEBRÁS foi organizada em 1974 para dirigir o programa nuclear do Brasil.
35
Em 1981, os serviços prestados pela Light em São Paulo foram repassados para a empresa estadual recém
criada, a Eletropaulo.
100
3.4 - A CRISE DOS ANOS 80
A década de 1980 começou fortemente influenciada pelo segundo choque do petróleo
e pela crise financeira internacional causada pela alta das taxas de juros internacionais. Esses
dois fatores acarretaram ao Brasil um grave problema em suas contas externas que passaram a
ser a maior preocupação da política econômica. Para equilibrar o Balanço de Pagamentos, o
governo federal utilizou as empresas estatais como fonte tomadora de recursos no mercado
internacional em um momento onde as condições desse mercado não eram favoráveis: taxas
de juros mais elevadas e flexíveis e prazos menores de amortização. Em setembro de 1982, a
situação do Balanço de Pagamentos brasileiro tornou-se mais crítica com a declaração da
moratória mexicana, o que resultou na suspensão quase total dos empréstimos externos às
economias em desenvolvimento. Outro problema que rondou a economia brasileira na década
de 1980 foi a crescente inflação e o aumento na dívida externa.
3.4.1 - O Nível de Investimentos no Setor Elétrico e a Criação do Grupo Coordenador do
Planejamento dos Sistemas Elétricos (GCPS)
Com a crise na década de 1980 e a redução das formas de financiamento do setor
elétrico brasileiro, algumas importantes obras foram adiadas ou tiveram o seu prazo de
conclusão alterado, postergando a entrada em operação de obras, como Angra I, que tinha em
seu cronograma original a inauguração em 1976, porém somente entrou em operação em
1985. Esse quadro de queda dos investimentos ao longo da década resultou na redução do
ritmo de criação de capacidade instalada no setor elétrico, caindo de 12% ao ano na década de
1970, para 5% ao ano na década seguinte, como pode ser visto na tabela 3.5. No entanto,
obras destacadas como Itaipu e Tucuruí foram finalizadas nessa década, porém representando
mais construções começadas na década de 1970 do que novos investimentos iniciados na
década de 1980.
Essa diminuição nas taxas de crescimento da capacidade instalada só não trouxe
maiores complicações para a economia, devido ao comportamento do PIB brasileiro. A
queda da taxa de crescimento do PIB fez com que a queda do vel de investimentos o
gerasse uma escassez de energia a curto prazo” (BRUNI, 2006, p.60). Mesmo assim, em
quase todos os anos da década, o crescimento do consumo de energia foi maior do que o
101
crescimento do PIB brasileiro, muito “em função de estímulos tarifários concedidos uma vez
que agora havia a necessidade de escoar um certo excedente de oferta, fruto das elevadas
taxas de investimento incorridas nos anos anteriores” (ALMEIDA e NEGRÃO, 2006, p.20).
Tabela 3.5. - Indicadores Selecionados para o Período 1980-1989
MW
Variação (%)
US$ Milhões
Variação (%)
GWh
Variação (%)
1980 9,20 33.472 - 8.155 - 121.837 -
1981 -4,25 37.269 11,34 8.624 5,75 125.141 2,71
1982 0,83 39.346 5,57 9.161 6,23 132.202 5,64
1983 -2,93 40.366 2,59 7.045 -23,1 142.620 7,88
1984 5,40 41.096 1,81 6.312 -10,4 158.517 11,15
1985 7,85 44.107 7,33 7.037 11,49 172.712 8,95
1986 7,49 44.953 1,92 6.699 -4,8 186.414 7,93
1987 3,53 47.561 5,80 9.426 40,71 192.224 3,12
1988 -0,06 49.575 4,23 7.793 -17,33 204.248 6,26
1989
3,16
52.125
5,14
6.402
-17,85
212.324
3,95
Consumo TotalCapacidade Instalada Investimentos
Anos PIB (%)
Fonte: IBGE e Balanço Energético Nacional 1996, apud LANDI, 2006.
A crise minou progressivamente as bases institucionais e financeiras do setor de
energia elétrica. Entre 1979 e 1982, a perda do valor real das tarifas, a compressão
das dotações orçamentárias governamentais e a intensificação da contratação de
empréstimos no exterior a custos financeiros violentamente superiores
determinaram o estrangulamento financeiro das empresas de energia elétrica. Uma
parte significativa dos recursos oriundos de empréstimos externos foi utilizada para
a rolagem da própria dívida (CACHAPUZ, 2002, p.162).
O planejamento do setor elétrico que estava em sua maioria a cargo da Eletrobrás,
sofreu um revés considerável com a crise dos anos 80. Diante dos problemas financeiros
encontrados pelas empresas concessionárias do setor, o planejamento de longo prazo foi
sendo substituído pelas questões de curto prazo, impactado pelas condições de pagamento e
pelo fluxo de caixa das empresas e dos projetos. O destaque na área de planejamento nessa
época foi a criação do Grupo Coordenador do Planejamento dos Sistemas Elétricos (GCPS),
que segundo Gonçalves Jr. (2002), foi constituído para resolver um conflito entre o governo
federal e as estatais estaduais causado pela obrigação dessas últimas de comprar uma parcela
da energia gerada por Itaipu, o que impactou negativamente na vontade de algumas
importantes estatais estaduais como a CEMIG, CESP e COPEL, em expandir o seu programa
de geração de energia elétrica.
Originalmente, o GCPS foi constituído em novembro de 1980 sob a coordenação da
Eletrobrás e a participação de dez empresas concessionárias
36
. Ele foi criado para substituir os
Grupos Coordenadores do Planejamento do Sistema de Transmissão (GCPT), com o intuito
36
Esse número só seria aumentado em 1985, já com José Sarney na presidência do país.
102
de compatibilizar a expansão dos sistemas das empresas do setor elétrico, com as diretrizes
estabelecidas pela Eletrobrás. Foram criados três GCPS, um para a região Norte-Nordeste,
outro para a Região Sul, e mais um para a região Sudeste/Centro-Oeste, todos eles compostos
por um ComiDiretor, uma Secretaria Executiva Geral, três Comitês Técnicos e Grupos de
Trabalho. A Eletrobrás era representada nesses GCPS pelo seu diretor de Planejamento e
Engenharia que também era o coordenador dos GCPS. Esses Grupos foram criados em um
momento de crise para dar uma maior representatividade ao planejamento do setor,
englobando um número maior de empresas e interesses a ele. Em 1982, o ministro das Minas
e Energia promulgou uma Portaria reconhecendo formalmente os GCPS como órgãos de
planejamento do setor elétrico.
Em relação à estrutura dos GCPS, tendo sempre a Eletrobrás como coordenadora, o
“Comitê Diretor foi incumbido de deliberar sobre o programa de expansão dos sistemas
elétricos das empresas, [...] com o poder de arbitrar as decisões na eventualidade de falta de
unanimidade entre as empresas” (CACHAPUZ, 2002, p.168).
Os Comitês Técnicos foram encarregados de assessorar o Comitê Diretor e orientar
os Grupos de Trabalho nos assuntos técnicos de acordo com sua área de
responsabilidade. Em sua organização inicial, o GCPS contou com o Comitê
Técnico para Estudos de Mercado (CTEM), o Comitê Técnico para Estudos
Energéticos (CTEE) e o Comitê Técnico para Estudos de Transmissão (CTST),
coordenados respectivamente pelos chefes dos departamentos de Mercado, Estudos
Energéticos e Sistemas Elétricos da DPE da Eletrobrás (CACHAPUZ, 2002,
p.168).
Os GCPS assumiram a função de fazer o planejamento de curto prazo do setor elétrico
brasileiro, ou seja, um horizonte de até dez anos, não participando do planejamento de maior
prazo, como o Plano 2000, elaborado pela Eletrobrás com a participação de outros órgãos
governamentais, como o Ministério da Fazenda e o Departamento Nacional de Águas e
Energia Elétrica (DNAEE). A criação do GCPS contribuiu para o aumento da importância e
da estrutura organizacional da Diretoria de Planejamento e Engenharia (DPE) da Eletrobrás,
que em 1981 teve a criação de dois novos departamentos, o de Programação e
Acompanhamento de Empreendimentos e o de Planejamento e Engenharia da Distribuição.
Ficou decidido que estaria sob a responsabilidade da DPE o planejamento com horizonte de
dez anos do sistema de transmissão nacional, enquanto o planejamento com horizonte de três
anos da operação de todo o sistema elétrico, ficaria a cargo da Diretoria de Operação de
Sistemas (DOS).
103
3.4.2 - Os Planos 2000 e 2010
Em janeiro de 1981, foi aprovada na Eletrobrás uma resolução que incumbia a
Diretoria de Planejamento e Engenharia da empresa, a função de coordenar a elaboração do
Plano 2000, junto com a participação de outras quatro diretorias da Eletrobrás, a de Operação
de Sistemas, a de Coordenação, a de Gestão Empresarial e a Econômico-Financeira, além da
colaboração de órgãos públicos como o DNAEE, a SEPLAN e o Ministério da Fazenda.
O Plano 2000 previu um crescimento médio anual de 8% até o ano 2000 para o
mercado de energia elétrica no país, sendo que esse crescimento seria menor no período de
crise em que o Brasil estava passando, de 2 a 4%, com as taxas subindo para 9% até o ano de
1995. Daquele ano em diante, o aumento do mercado seria em torno de 6% ao ano (DIAS,
1995).
As sugestões de obras de geração do Plano 2000 foram divididas por período de
tempo. As obras que já estavam em andamento e as que se iniciariam até 1985 acrescentariam
44.700 MW
37
, sendo 38.000 MW distribuídos por 31 hidrelétricas, 5.600 MW gerados por
cinco usinas nucleares e 1.040 MW gerados por quatro usinas termelétricas. Segundo a
Eletrobrás, a entrada em operação de usinas de geração e de linhas de transmissão ao ano
de 1984, garantiria o suprimento de energia elétrica até o ano 1985 no sistema interligado
Norte/Nordeste, e até 1987 para o sistema Sul/Sudeste/Centro-Oeste. Além disso, como em
1985 e 1986 haveria sobras de energia no último sistema interligado citado, então o
cronograma da entrada em operação de Itaipu e da construção de Angra II e Angra III,
sofreram alterações, postergando a necessidade dessas obras.
no programa de obras de geração nos sistemas interligados até o ano de 1995, que
constavam os empreendimentos que entrariam em operação entre 1990 – 1995, foi estimado a
construção ou ampliação de 32 usinas nos sistemas interligados do país, sendo 14.000 MW no
sistema Sul/Sudeste/Centro-Oeste. Nessa fase de obras, a Eletrobrás, seguindo as orientações
do Ministério das Minas e Energia, incluiu a instalação de mais uma usina nuclear e cinco
termelétricas a carvão na região Sul. Na última época estudada pelo Plano 2000, foi planejado
um acréscimo na capacidade instalada de geração no país de 15.000 MW entre 1996 - 2000,
sendo incluída entre os empreendimentos, a construção de mais três usinas nucleares
37
Desses 44.700 MW adicionados à capacidade instalada, 31.240 MW seriam acrescidos ao sistema interligado
Sul/Sudeste/Centro-Oeste, e 10.730 MW ao sistema Norte/Nordeste.
104
totalizando oito usinas como foi acertado no acordo nuclear Brasil/Alemanha e mais quatro
termelétricas a carvão na região Sul do país.
Quanto à atividade de transmissão, o plano deu maior ênfase ao desenvolvimento das
interligações regionais de grande porte. A interligação entre as regiões do país foi inaugurada
no início da década de 1980
38
, aumentando a confiabilidade do sistema elétrico brasileiro,
que seria possível o intercâmbio de energia entre regiões. O Plano 2000 também apresentou
estudos sobre a capacidade da indústria brasileira de atender a demanda do setor elétrico por
equipamentos e materiais e por serviços de engenharia.
Em 1986, foi iniciada com a coordenação da Eletrobrás, a elaboração do Plano 2010,
sendo concluída em outubro de 1987. No ano seguinte, através do Decreto 96.652, o
presidente José Sarney aprovou o Plano 2010 como referência para o planejamento do setor
elétrico e destacou o GCPS
39
para fazer anualmente as devidas atualizações do plano. Esse
plano, além de contar em sua elaboração com uma participação mais abrangente das
concessionárias do setor - dando mais voz às necessidades locais, estabeleceu critérios mais
flexíveis quanto ao planejamento de longo prazo do setor elétrico, que era previsto que
mudanças de ordem financeira, econômica e ambiental poderiam acontecer. A maior
participação na elaboração e nas atualizações do plano fazia parte de uma nova estratégia do
governo federal de dar maior participação aos agentes envolvidos de forma direta e
indiretamente com o setor elétrico, o que vinha de encontro com a nova ordem democrática
do país, com o fim da ditadura militar.
O Plano 2010 ampliou o escopo do planejamento tradicional do setor de energia
elétrica, abordando de forma inovadora ou pioneira uma série de questões, como a
preservação do meio ambiente, a inserção regional dos empreendimentos de energia
elétrica e o problema da incerteza no planejamento de longo prazo. A elaboração do
plano envolveu grande número de participantes, abrangendo todos os órgãos
ministeriais da área energética e empresas concessionárias de energia elétrica, bem
como inúmeras entidades públicas e privadas, nacionais e estrangeiras
(CACHAPUZ, 2002, p.242).
A coordenação dos trabalhos ficou sob a responsabilidade da Eletrobrás que tinha
como líder nesse processo, o diretor de Planejamento e Engenharia da holding, que também
era o coordenador do Comitê Diretor do GCPS. Na primeira parte do trabalho, o estudo sobre
38
A interligação Norte/Nordeste aconteceu em outubro de 1981 e a inauguração da interligação
Sul/Sudeste/Centro-Oeste ocorreu 12 meses depois. O Plano 2000 também previu a interligação entre esses dois
sistemas na segunda metade da década de 1990.
39
Nessa época o GCPS já contava com a participação de 35 empresas do setor elétrico brasileiro.
105
o mercado levou em consideração as diretrizes do I Plano Nacional de Desenvolvimento da
Nova República e posteriormente do Plano de Metas. Assim, a taxa de crescimento médio
anual do PIB seria de 5,8%, variando de uma máxima de 6,8% entre 1985-1990 e a mínima de
4,7% entre 2005-2010.
Em relação à expansão da geração de energia elétrica, o programa de longo prazo
previa que a energia gerada por meio de hidrelétricas seria predominante até 2010, porém esse
domínio teria uma leve queda, passando de 90,2% em 1986 para 88,6% em 2010. A análise de
longo prazo do plano ressaltou que o Brasil, a partir de 2010, precisaria recorrer cada vez
mais à energia gerada pelas termelétricas, e que haveria uma maior transferência de energia da
região Norte para o Sudeste e Nordeste e da região Sul para o Sudeste. O Plano 2010 previu
pela primeira vez no país o esgotamento da utilização do potencial hidrelétrico competitivo, já
que a geração por meio de hidrelétricas sempre foi pensado como o mais barato e eficiente.
Os investimentos necessários para a expansão do setor elétrico brasileiro foram
estimados no Plano 2010. Todas as obras de geração dos sistemas interligados e dos
principais sistemas isolados tiveram os seus investimentos projetados. No plano de
investimentos foi levado em consideração a implementação do Plano de Recuperação Setorial
(PRS) que tinha sido aprovado em 1986 e revisto no ano seguinte, e previa a superação da
crise econômico-financeira do setor através do aumento real da tarifa de energia elétrica, entre
outras medidas. A construção do Plano 2010 serviu como uma oportunidade para as
discussões sobre o projeto de Revisão Institucional do Setor Elétrico (REVISE) que foi
iniciado em 1987 para a resolução dos crescentes conflitos internos ao setor. O plano também
previa uma maior participação da iniciativa privada, dos estados e municípios no
desenvolvimento do setor elétrico, sem deixar de ressaltar a importância da Eletrobrás na
coordenação e orientação do setor.
Outro ponto importante do Plano 2010 que o diferencia dos demais foi a inclusão da
questão ambiental no planejamento da expansão do setor elétrico. Como afirma José Luiz
Lima em Dias (1995):
Esse dado é importante, na medida em que altera o processo de planejamento,
incorpora uma série de requisitos e demandas sócio-ambientais de ordem mais geral
relacionadas com o processo de investimento no setor de energia elétrica, além de
tornar muito mais complexa a viabilização sócio-política dos projetos (DIAS, 1995,
p.227).
106
O Plano 2010 foi o primeiro a levar em consideração o impacto ambiental nas obras de
geração e transmissão de energia elétrica, condicionando a expansão do setor à obediência de
algumas questões ambientais. Em 1981 foi criado o Conselho Nacional de Meio Ambiente
(CONAMA) composto por diversos membros, entre eles, o presidente em exercício da
Eletrobrás, sendo responsável pela formulação da política ambiental do país. Evidenciando a
preocupação da Eletrobrás com a questão ambiental, a holding publicou em 1986 o Manual de
Estudos de Efeitos Ambientais do Setor Elétrico mostrando as ões de conservação e
recuperação do meio ambiente - e o I Plano Diretor de Meio Ambiente do Setor Elétrico. Por
causa dessa maior preocupação com o meio ambiente, a Eletrobrás criou dentro da Diretoria
de Planejamento e Engenharia, o Departamento de Meio Ambiente, em 1987.
Na década de 1980, [...] os custos ambientais vieram a ser mais um elemento de
pressão sobre os custos do setor. A partir de meados da década, o setor elétrico
passou a ter que responder a uma crescente mobilização ambientalista, além de ser
obrigado a realizar Estudo e respectivo Relatório de Impacto Ambiental
(EIA/RIMA) para seus empreendimentos, elevando mais seus custos e levando
mesmo ao abandono de alguns projetos, por terem se tornado economicamente
inviáveis (PINHEIRO, 2006, p.46).
3.4.3 - As Crises Financeira e Institucional no Setor Elétrico
A questão do financiamento da expansão da capacidade instalada do setor elétrico foi
um problema durante toda a década de 1980. Na verdade, essa questão já vinha dificultando o
andamento dos investimentos das empresas concessionárias desde o final da década anterior,
com a crise financeira externa causada pelo segundo choque do petróleo e pelo aumento das
taxas de juros no mercado internacional. As empresas do setor elétrico vinham na década
anterior se endividando externamente aproveitando a grande liquidez do mercado
internacional e as boas condições dos financiamentos, para fazerem frente aos grandes
investimentos programados e realizados no II PND, que a tarifa real foi reduzida nesse
período para combater a inflação.
No entanto, essa boa condição no mercado externo foi alterada na passagem da década
de 1970 para 80 e as empresas do setor elétrico começaram a encontrar dificuldades para
manter-se operando e investindo. A abundância de capital externo foi cessada e o aumento das
taxas de juros fez crescer, a níveis preocupantes, a dívida das empresas do setor elétrico. Até
1982 ainda ocorreu uma importante captação por essas empresas, mesmo que em condições
107
adversas. Porém, com a moratória mexicana nesse ano, o mercado de capitais internacionais
praticamente fechou as portas para os países em desenvolvimento, cessando uma importante
forma de financiamento para as empresas de energia elétrica, que vinham com dificuldades
em levantar recursos intra-setoriais.
A utilização das tarifas de energia elétrica como instrumento de uso do governo para o
controle da inflação continuou na década de 1980. Além disso, para melhorar o saldo externo
do Balanço de Pagamentos, o governo federal adotou uma série de medidas subsidiando o
custo da energia elétrica para algumas indústrias e setores, como meio de aumentar as
exportações do país (DIAS, 1988). Nesse quadro de crise, a posição da Eletrobrás como
planejadora e distribuidora de recursos para as obras do setor elétrico ficou complicada, e
quase todos os recursos obtidos pela holding eram direcionados para as três grandes obras
ainda não acabadas do setor - Itaipu, Angra I e Tucuruí, restando pouco dinheiro a ser
empregado nos outros empreendimentos.
A crise na economia brasileira atingiu em cheio também os governos estaduais, assim
como suas empresas estaduais. Dessa forma, esses governos não tinham condições de aportar
recursos nas suas empresas, aumentando o grau de dificuldade delas financeiramente e o grau
de insatisfação. Esse descontentamento foi crescendo por vários motivos, como: a
centralização dos gastos dos escassos recursos do setor elétrico nas três obras principais, não
sobrando dinheiro para os projetos mais favoráveis às empresas estaduais; a equalização
tarifária sem ser levado em consideração às especificidades da cada empresa e região -
reduzindo o incentivo ao ganho de produtividade (LORENZO, 2002); a elevação da
arrecadação da RGR, passando de 3% para 4% do imobilizado remunerável; a continuação do
recolhimento da RGG como forma de igualar a taxa de remuneração das concessionárias, sem
a garantia de que esses recursos seriam repassados para as empresas com uma remuneração
abaixo da média verificada (DIAS, 1995), entre outras razões. Essa crescente dificuldade de
obtenção de recursos encontrada pelas empresas estaduais começou a despertar inúmeras
reclamações e descontentamento dentro do setor elétrico, principalmente sobre o papel
centralizador da Eletrobrás.
Todas essas dificuldades acabaram comprometendo o dinamismo e o desenvolvimento
do setor elétrico, diminuindo o seu grau de autonomia conquistado nos anos anteriores. A
transferência de recursos intra-setorial começou a ser ferozmente questionada, porque ela foi
108
de certa forma aceita quando as empresas do setor tinham uma posição financeira melhor e
mais estruturada, porém em tempos de crise, essa transferência passou a pesar na
rentabilidade e até mesmo na sobrevivência da empresa concessionária (LANDI, 2006). A
dificuldade financeira das empresas do setor elétrico pode ser mais facilmente compreendida
através dos números:
Para se ter uma idéia das mudanças ocorridas, destaca-se que, em 1973, cerca de
78% das fontes de recursos destinavam-se a investimentos e apenas 15% para o
serviço da dívida. Em 1989, o que se observou foi uma total inversão do quadro, no
qual apenas 26% dos recursos eram destinados a investimentos e os restantes 74%
consumidos no pagamento de compromissos com terceiros (PINHEIRO, 2006,
p.45).
Para piorar ainda mais a situação financeira das empresas de energia elétrica, na
Constituição Federal de 1988, ficou estabelecido o fim do Imposto Único sobre Energia
Elétrica (IUEE), que seria substituído pela criação do Imposto sobre Circulação de
Mercadorias e Serviços (ICMS) o vinculado ao setor elétrico, e o aumento na alíquota do
imposto de renda das empresas desse setor, passando de 6% para 40% (BRUNI, 2006). Para
finalizar o quadro de dificuldades de financiamento, a Resolução 1.464 do Conselho
Monetário Nacional, de junho de 1988, impediu que o BNDES
40
emprestasse dinheiro para as
empresas estatais.
A situação do setor elétrico era precária por volta da metade da década de 1980 e
alguma mudança precisava ser feita para que aliviasse a condição financeira das empresas
concessionárias. Em 1984, foi elaborado o Programa de recuperação financeira do setor
elétrico com a ajuda da Eletrobrás e do DNAEE, porém ele foi praticamente abandonado
durante o próprio ano, após o governo federal anunciar um teto muito baixo para os
investimentos das empresas do Sistema Eletrobrás para o ano de 1985, elaborado pela
Secretaria Especial de Controle das Empresas Estatais (SEST) ligada ao Ministério do
Planejamento. A explicação dada pelo Ministério era que não havia recursos para o aumento
do montante a ser investido.
Outra tentativa para restaurar o dinamismo perdido do setor elétrico foi a criação em
novembro de 1985 do Plano de Recuperação do Setor de Energia Elétrica (PRS) já no
governo Sarney. Esse plano, que teve em sua elaboração a contribuição das empresas do setor,
do DNAEE e a supervisão da Eletrobrás, buscou estabelecer um programa de investimentos
40
Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social.
109
até 1989 e medidas para a recuperação econômica e financeira das concessionárias. Dentre
essas medidas, destacavam-se metas de recuperação tarifária, condições para obtenção de
créditos do Banco Mundial e a transferência para o Tesouro Nacional do custo do programa
nuclear brasileiro (DIAS, 1988). Quanto à recuperação tarifária, o programa previa o
aumento real das tarifas, de forma gradual, fazendo com que a remuneração do investimento
passasse de 7% para 10%, além dos reajustes mensais equivalentes à correção monetária”
(MELLO, 2008, p.20). O PRS previu um moderado programa de obras e investimentos já que
foi projetado um crescimento do PIB menor do que a projeção dos programas de
planejamento setorial de longo prazo para a época.
As expectativas positivas criadas pelo Plano de Recuperação Setorial (PRS) foram
frustradas pelo conturbado processo de renegociação da dívida externa, pela
política de contenção tarifária adotada pelo governo federal e pelo acirramento dos
conflitos entre as concessionárias em torno dos escassos recursos financeiros
disponíveis (CACHAPUZ, 2002, p.229).
A Eletrobrás alterou em 1986 o planejamento previsto pelo PRS, o que foi aprovado
no início do ano seguinte pelo presidente Sarney, além de uma nova tentativa de alterações
em 1988 por parte da holding. De acordo com Cachapuz (2002), essa tentativa de revisão do
PRS foi fracassada devido ao agravamento da situação econômica do país e do setor elétrico,
com o aumento da inadimplência das empresas estaduais em relação ao pagamento da energia
comprada das empresas federais do Sistema Eletrobrás e da energia de Itaipu, além do não
pagamento dos tributos setoriais, afetando uma importante fonte de financiamento dos
investimentos do setor.
Esse não pagamento das obrigações das empresas estaduais, além de mostrar as
dificuldades financeiras dessas empresas, apresentava um caráter político. Com a crise na
economia brasileira e no setor elétrico durante a década de 1980, passou a se questionar cada
vez mais o papel da Eletrobrás e a centralização das decisões no setor. As empresas estaduais
mais fortes, como a CESP, CEEE, CEMIG e COPEL, queriam ter uma maior liberdade em
seus investimentos, ampliar o seu parque gerador e ser menos dependente da Eletrobrás e das
empresas do Sistema. Elas também eram contra a centralização da maior parte dos escassos
investimentos do setor nas empresas federais de geração.
Assim, com a interrupção do pagamento das cotas da RGR e da RGG, além do atraso
intencional no pagamento pela energia adquirida de Itaipu e das geradoras federais, as
principais concessionárias das regiões Sul e Sudeste queriam de certa forma boicotar o
110
sistema institucional do setor elétrico para que ocorressem mudanças. A desculpa usada pelas
concessionárias para essa atitude era que essas empresas tinham uma quantia a ser recebida do
governo federal através de direitos na Conta de Resultados a Compensar
41
(CRC), e assim,
como elas tinham um montante a receber, elas não precisariam pagar ao governo federal,
verdadeiro dono das empresas do Sistema Eletrobrás e nem repassar as cotas de RGR e RGG,
que deveriam ser descontadas da CRC.
Dessa forma, para diminuir o conflito entre as empresas estaduais e a esfera federal do
setor elétrico, foi criado em 1987, o projeto de Revisão Institucional do Setor Elétrico
(REVISE), que foi coordenado por um comitê composto pelos presidentes das empresas do
setor elétrico, além de representantes do DNAEE, Ministério do Planejamento e da
Confederação Nacional da Indústria (CNI). Segundo Landi (2006), o REVISE tinha dois
objetivos básicos: buscar formas para aumentar a participação da iniciativa privada no setor
elétrico; e a reformulação da estrutura institucional e política, devido aos problemas
enfrentados nos últimos anos e da crescente influência política nas decisões do setor. O
REVISE foi palco de intensas discussões e questionamentos de ambos os grupos, sem que se
tornasse um local de conversas produtivas e de solução definitiva dos problemas institucionais
(DIAS, 1995).
Assim, ao longo dos anos 80, o setor foi perdendo gradativamente a eficiência que
caracterizou a intervenção federal desde sua origem. As graves discordâncias entre
as concessionárias estaduais e a Eletrobrás e os rígidos controles orçamentários
exercidos pela área econômica do governo federal, levaram a que a tomada de
decisões fosse realizada externamente ao setor (LORENZO, 2002, p.14).
41
A CRC era uma conta onde as empresas concessionárias podiam registrar um crédito contra a União caso elas
por qualquer motivo, não conseguisse alcançar uma remuneração que lhe trouxesse um equilíbrio econômico-
financeiro.
111
3.5 - O INÍCIO DA DÉCADA DE 1990
O setor elétrico assim como toda a economia brasileira passou por uma transformação
na década de 1990. Essas mudanças precisam ser vistas dentro de um contexto mais geral,
onde a maioria dos países do mundo estava assumindo uma postura mais próxima do
pensamento liberal, a favor de uma maior abertura comercial e financeira e a redução do
tamanho do Estado, diminuindo assim sua participação como produtor direto de bens e
serviços. Dessa forma, no Brasil foi alterado o foco das políticas públicas, passando de uma
política desenvolvimentista – que já estava em crise desde a década passada, para uma política
mais liberal e de menor intervenção do Estado, apoiada no incentivo ao setor privado que era
visto como mais eficiente.
3.5.1 - Os Governos Collor, Itamar Franco e o Retrato do Setor Elétrico no Início da
Década
Fernando Collor assumiu a presidência do Brasil em 1990 adotando um discurso de
mudanças econômicas, como as reformas fiscal, monetária e administrativa. As metas
prioritárias do governo eram controlar a inflação
42
e iniciar o processo de abertura econômica
do país. Collor adotou as políticas liberais, pró-mercado, lançando no mesmo ano, junto com
o seu plano de estabilização
43
, o Programa Nacional de Desestatização (PND), que tinha como
metas: reduzir o tamanho do Estado na economia; diminuir a dívida pública; e tornar possível
a retomada dos investimentos das empresas estatais privatizadas, que o Estado não tinha
mais condições financeiras para isso. Para Faria (2003), a privatização resolveria dois
problemas importantes de uma só vez, a questão da baixa capacidade de investimento das
empresas estatais e a redução da dívida pública. De acordo com os princípios liberais, a
privatização das empresas públicas aliviaria o orçamento do governo, liberando mais recursos
para investimentos em questões mais essenciais, como a educação, saúde e segurança.
As primeiras privatizações de empresas públicas ocorreram ainda no período Collor,
foram privatizadas as empresas de siderurgia, petroquímica e de fertilizantes. Esses setores
não foram eleitos para iniciar o programa de privatização à toa, pois como não são atividades
classificadas como monopólios naturais, esses setores acabam não precisando de um aparato
42
A inflação nessa época já tinha ultrapassado o patamar de 80% ao mês.
43
O Plano de estabilização foi chamado de Plano Brasil Novo, porém ficou mais conhecido como Plano Collor.
112
regulatório, e assim, as estatais que atuavam nessas áreas puderam ser privatizadas
rapidamente. “Aos poucos, o Estado-empreendedor, que impulsionou o processo de
desenvolvimento econômico nacional, vai tentando se adequar ao padrão de Estado
fiscalizador/regulador, presente na nova ordem mundial” (LANDI, 2006, p.96).
Após o impeachment do presidente Collor, Itamar Franco assume a presidência do país
sem alterar o rumo das mudanças econômicas iniciadas pelo seu antecessor, apensas
reduzindo o número de empresas privatizadas. Em 1995, sob o comando do presidente
Fernando Henrique Cardoso (FHC), o programa de privatização das estatais foi reforçado e
ampliado, além da prioridade dada ao combate à inflação e a reforma do Estado
44
. Segundo
Cachapuz (2006), durante o primeiro mandato de FHC, nada menos do que 42 empresas
foram privatizadas, entre elas, importantes empresas estaduais distribuidora de energia, como
a Light, a CPFL e a Eletropaulo, além da parte de geração (Gerasul
45
) da estatal federal
Eletrosul, pertencente ao Sistema Eletrobrás.
Em relação ao setor elétrico, no início da década de 1990 o país contava com uma
capacidade instalada de 49.761 MW, sendo que em torno de 90% desse montante era gerado
por meio de hidrelétricas. As usinas termelétricas detinham próximo de 10% da capacidade de
geração de energia, porém tinham uma contribuição importante para o abastecimento nos
sistemas isolados e para a complementação da energia gerada pelas hidrelétricas nos sistemas
interligados, principalmente em períodos hidrológicos desfavoráveis. Nessa época, o Brasil
contava com dois grandes sistemas interligados
46
(Sul/Sudeste/Centro-Oeste e
Norte/Nordeste) que atendiam a 97% da demanda por energia do país, o restante era suprido
pelos sistemas isolados, em sua maioria na região amazônica (CACHAPUZ, 2006).
44
FHC preconizou a reforma do Estado em várias dimensões, como o maior controle sobre os gastos públicos,
mudança do foco da atuação do Estado, privatizações e concessão de serviços públicos à iniciativa privada,
como pode ser visto com a quebra do monopólio estatal do petróleo e das telecomunicações meses após o início
do seu mandato.
45
A Gerasul foi criada em função da separação das atividades da Eletrosul, um processo de desverticalização da
empresa.
46
O sistema interligado Sul/Sudeste/Centro-Oeste tinha 35.700 MW, era o maior do país, responsável por mais
de 70% da capacidade instalada do país. o sistema Norte/Nordeste tinha 11.000 MW e o restante vinha dos
sistemas isolados.
113
Tabela 3.6. - Evolução da Capacidade Instalada entre 1990-1994
Anos
Hidráulica
(MW)
Térmica
(MW)
Total (MW)
Crescimento
Anual (%)
1990 44.934 4.827 49.761 1,9
1991 45.992 4.860 50.852 2,2
1992 47.085 4.675 51.760 1,8
1993 47.967 4.784 52.751 1,9
1994
49.297
4.808
54.105
2,5
Fonte: Ministério de Minas e Energia, Balanço Energético Nacional 2002, apud
CACHAPUZ, 2006.
A atividade de geração estava bem concentrada no início da década entre as empresas
do Sistema Eletrobrás e as maiores empresas estaduais, onde o Sistema Eletrobrás contava
com quase 60% da capacidade instalada do país se for levado em consideração a parte
brasileira da hidrelétrica de Itaipu, e as quatro maiores empresas estaduais (CESP, CEMIG,
COPEL e CEEE) detinham conjuntamente mais de 30%. Segundo Cachapuz (2002), o
agravamento da crise dos anos 80 levou a um crescimento da capacidade instalada do país
bem mais lento do que o projetado pelos planos nacionais de energia elétrica. Para o ano de
1990, o Plano 2010 elaborado apenas três anos antes projetava que o Brasil teria uma
capacidade instalada maior do que a realmente verificada nesse ano, o déficit chegava
próximo dos 6.000 MW.
A ampliação da capacidade instalada no período entre 1990 e 1994 girou em torno
de 1.100 MW por ano, bem abaixo do patamar de 2.000 MW anuais, recomendado
nos planos decenais do Grupo Coordenador do Planejamento dos Sistemas
Elétricos (GCPS), organismo dirigido pela Eletrobrás, responsável pelo
balizamento da expansão dos sistemas de geração, transmissão e distribuição de
energia elétrica no país (CACHAPUZ, 2006, p.564).
3.5.2 - O Plano 2015 e os Planos Decenais
O planejamento do setor elétrico ficou prejudicado na década de 1980 devido à crise
econômica que o Brasil enfrentou. Essa dificuldade foi aumentada na década seguinte por
causa da instabilidade política, da provável mudança institucional do setor e da privatização
das empresas públicas. Mesmo assim, em outubro de 1990, a Eletrobrás resolveu iniciar a
revisão do planejamento de longo prazo do setor elétrico, através da atualização do Plano
2010 para o horizonte de análise até o ano de 2015. A diretoria da Eletrobrás determinou que
o Plano 2015 deveria ficar pronto em 15 meses e que a coordenação da elaboração do plano
ficaria a cargo da Diretoria de Planejamento e Engenharia da holding. Com atraso, o Plano
114
2015 foi divulgado apenas em 1994, entre outros motivos, devido às mudanças políticas que
ocorreram na esfera federal nessa época. Cachapuz (2002) destaca que além da mudança na
presidência do Brasil, após o impeachment do presidente Collor, o setor elétrico também
sofreu com as alterações na estrutura ministerial do país.
Durante o governo Collor, foi criado o “superministério” da Infra-Estrutura que
absorveu atividades de diversos outros ministérios e as funções do Ministério das Minas e
Energia (MME). Porém, com a saída do presidente, o Ministério da Infra-Estrutura foi extinto
e as atividades do setor elétrico voltaram a ser assunto do MME. Assim como o Plano 2010, a
elaboração do Plano 2015 contou com contribuição de funcionários da Eletrobrás, do
DNAEE, das empresas concessionárias e de pessoas e entidades externas ao setor elétrico.
Durante o desenrolar dos trabalhos, o GCPS deu continuidade ao processo de
atualização do horizonte decenal de expansão do sistema elétrico brasileiro,
elaborando os planos decenais de expansão para os períodos 1991/2000, 1993/2002
e 1994/2003. Esses três planos decenais foram considerados partes integrantes do
Plano 2015, juntamente com os planos anuais de operação do GCOI e o II Plano
Diretor de Meio Ambiente do Setor Elétrico (II PDMA), concluído no final de 1990
(CACHAPUZ, 2002, p.320).
O Plano 2015 inovou com a elaboração de quatro cenários para a economia que
serviriam como referência para o planejamento do setor elétrico. Para o PIB, foi projetado um
crescimento médio que variava desde 3,3% para o cenário I (o mais pessimista) até 5,8% no
cenário IV (o mais otimista), e com isso, a projeção do mercado de energia também variava
de acordo com o cenário proposto, variando de um crescimento de 4% a 5,6% ao ano.
No plano também foram analisadas outras fontes alternativas de geração de energia
elétrica, ressaltando os seus custos e a tecnologia necessária. Contundo, ficou determinado
que a utilização da fonte hidráulica ainda seria a melhor alternativa no curto e médio prazos,
porém advertindo que devido às questões ambientais na região amazônica onde estavam
previstos a construção dos maiores projetos, era preciso levar em consideração alternativas a
esses projetos caso eles não fossem aprovados. A idéia do Plano 2015 nesse ponto era
preparar os agentes para um possível esgotamento do uso competitivo da fonte hidráulica e
para as alternativas de substituição dessa fonte.
O plano previu que se o potencial amazônico o pudesse ser utilizado devido aos
problemas ambientais, a utilização hidráulica economicamente competitiva para obtenção de
energia, acabaria entre 2003 e 2012, e caso o potencial amazônico pudesse ser aproveitado, o
115
esgotamento ocorreria entre 2012 e 2020, dependendo do cenário de crescimento da demanda
por energia elétrica adotado. No Plano 2015 também foi recomendado a continuação dos
estudos e projetos para o intercâmbio de energia entre os países da América do Sul, como a
compra do gás natural da Bolívia, a interligação com a Argentina em 500 kV e o suprimento
de energia enviado a Boa Vista e Manaus originário da Venezuela, entre outros
empreendimentos.
Embora tenha preconizado a utilização de todas as fontes disponíveis para a
geração de energia elétrica, o plano considerou a opção hidrelétrica como principal
alternativa de expansão do sistema elétrico brasileiro até 2010, levando em conta o
grande potencial hidrelétrico da região Amazônica. Os autores do plano apontaram
a necessidade de um programa termelétrico de grande porte a partir de 2005,
baseado provavelmente em usinas a carvão e nucleares, se restrições de ordem
ambiental inviabilizassem os empreendimentos hidrelétricos da Amazônia. O Plano
2015 também destacou várias opções de intercâmbios energéticos com países
vizinhos e a importação de fontes primárias para geração de energia elétrica, como
o gás natural boliviano (CACHAPUZ, 2006, p.565).
Ainda em relação ao planejamento do setor elétrico, durante a década de 1990 foi
colocado em prática a elaboração de alguns planos decenais com o objetivo de direcionar
anualmente os investimentos em expansão do setor no curto prazo. Na verdade, os planos
decenais foram criados ainda na década de 1980, mais precisamente em setembro de 1988
durante o governo Sarney, através da promulgação do Decreto 96.652, que estabeleceu o
GCPS como encarregado de elaborar esses planos. Assim, ficou determinado que os projetos
de expansão do setor elétrico brasileiro a partir de então deveriam passar pelas três seguintes
situações: receber a outorga da concessão pelo DNAEE, ser aprovado e incluído no Plano
Decenal de Expansão pelo GCPS, e por último, obter o licenciamento dos órgãos ambientais.
Órgão regulador do setor, responsável, entre outras tarefas, pela outorga das
concessões, o DNAEE deveria solicitar o pronunciamento do GCPS, por
intermédio da Eletrobrás, sobre a oportunidade e adequação da inclusão ou
antecipação de obras de geração e transmissão, de modo a garantir a utilização
racional e econômica do sistema existente e futuro. A viabilidade técnica e
econômica dos projetos deveria levar em conta a dimensão socioambiental, bem
como as medidas de conservação e recuperação do meio ambiente, em
conformidade com a legislação vigente (CACHAPUZ, 2002, p.290).
O primeiro plano decenal foi concluído em dezembro de 1989 e aprovado pelo MME
no mês seguinte, abrangendo a expansão do setor elétrico para o período de 1990 a 1999. Em
geral, esse plano postergou as obras do setor elétrico propostas pelo Plano 2010, devido à falta
de recursos e às novas projeções sobre o mercado consumidor de energia, que eram menores
do que o previsto no Plano 2010. Até a chegada à presidência do país de FHC, mais quatro
116
planos decenais foram elaborados e aprovados pelo GCPS: os planos 1991-2000; 1993-2002;
1994-2003; e por fim o quarto plano decenal abrangia os anos 1995-2004 e foi aprovado
durante a presidência de FHC.
Segundo Cachapuz (2002), todos esses planos decenais seguiam um mesmo padrão de
seqüência de estudos e trabalhos: primeiramente era elaborado um estudo sobre o mercado de
energia elétrica, em seguida era feito um programa de geração para atender ao mercado
previsto, e posteriormente eram realizados estudos sobre as atividades de transmissão e
distribuição respectivamente. O estudo sobre o mercado era realizado pelo Comitê Técnico
para Estudos de Mercado sob a coordenação do Departamento de Mercado da Eletrobrás. O
Departamento de Estudos Energéticos da Eletrobrás liderava o Comitê Técnico de Estudos
Energéticos, responsável pelo programa de geração. o Departamento de Transmissão e o
Departamento de Distribuição e Eletrificação Rural da Eletrobrás eram responsáveis
respectivamente pela coordenação do Comitê Técnico para Estudos do Sistema de
Transmissão e pela Comissão de Programas de Investimento da Distribuição. Ou seja, os
planos decenais tinham a colaboração de uma grande quantidade de técnicos da holding e
também consideravam em suas avaliações, os impactos ambientais dos projetos de expansão
do sistema elétrico brasileiro, como os estudos da Comissão de Planejamento da Transmissão
da Amazônia e do Comitê Coordenador de Atividades do Meio Ambiente do Setor Elétrico,
ambos ligados ao GCPS.
Cada plano decenal avaliou o mercado a ser suprido e estabeleceu a seqüência de
usinas geradoras, linhas de transmissão e metas físicas dos sistemas de distribuição,
considerando critérios de atendimento ao mercado, a disponibilidade de recursos
financeiros e a viabilidade físico-construtiva dos empreendimentos, inclusive os
aspectos socioambientais (CACHAPUZ, 2002, p.342).
3.5.3 - O Início das Reformas no Setor Elétrico
Um importante marco nesses primeiros anos da década de 1990 foram as tentativas de
mudança no modelo institucional do setor elétrico. Desde a década passada, com o fim da
ditadura militar e as dificuldades financeiras encontradas pelas concessionárias, pressões
políticas foram ganhando cada vez mais força para que fosse realizada uma alteração no poder
das instituições envolvidas no setor. As primeiras discussões aconteceram no âmbito do
REVISE, criado em 1987 pelo MME. Posteriormente, com a nova Constituição brasileira de
117
1988, o artigo 175 enfatizou a obrigatoriedade de licitações públicas para a concessão de
serviços de utilidade pública, dando uma abertura para a possibilidade de participação do
setor privado no setor elétrico.
O aumento da participação privada no setor elétrico foi ganhando mais força com a
chegada ao poder de Fernando Collor e a adoção dos ideais liberais, que estavam em curso
em muitos países pelo mundo. A privatização de empresas públicas e a redução do tamanho
do Estado na economia eram pilares dessa ideologia, assim virou questão de tempo a
privatização de empresas do setor elétrico e a entrada em peso da iniciativa privada nesse
setor.
Durante o início da década de 1990, as concessionárias de distribuição estadual
voltaram a atrasar o pagamento da energia adquirida junto às empresas federais e os encargos
setoriais, afetando com isso, a capacidade de investimento das empresas do Sistema
Eletrobrás, que ainda sofriam com a concorrência da construção da usina hidrelétrica de
Xingó, prioritária durante o governo Collor na aplicação dos escassos recursos. Essa falta de
investimentos na expansão do setor elétrico só não trouxe graves conseqüências para a
economia brasileira devido ao crescimento médio negativo do PIB verificado durante a gestão
Collor.
Em junho de 1992, durante o processo de impeachment, Collor resolveu dar início
ao processo de privatização do setor elétrico, colocando no PND as empresas federais Light e
a Escelsa, além de reduzir o número de empregados da Eletrobrás através de demissões e
desligamentos incentivados (CACHAPUZ, 2006). Foi durante a curta passagem de Itamar
Franco pela presidência do país que ocorreu a primeira importante mudança institucional da
década de 1990. A Lei 8.631 de 1993, entre outras medidas, estabeleceu a transferência “para
as concessionárias de energia elétrica a responsabilidade de fixar e reajustar suas tarifas, de
acordo com os custos de cada serviço, abandonando a prática de rentabilidade garantida”
(LANDI, 2006, p.97). A idéia era aumentar a busca das empresas por uma maior
produtividade e eficiência, garantindo assim, melhores resultados para a concessionária e para
o setor elétrico como um todo, pois agora as próprias empresas elaboravam uma proposta de
reajuste da sua tarifa e enviava para o exame do DNAEE. Outro ponto importante dessa lei foi
a implantação da obrigatoriedade de assinatura de contratos entre as distribuidoras e as
empresas geradoras de energia. Cachapuz (2006) destaca a importância dessa lei para o
118
restabelecimento dos fluxos de recursos intra-setoriais que não estava funcionando bem desde
a década passada.
A flexibilização do processo de definição de tarifas foi reforçada pela exigência da
celebração de contratos bilaterais entre supridoras e distribuidoras, que abriu um
espaço de negociação até então inexistente. A responsabilidade pela determinação
desses contratos foi atribuída aos organismos de coordenação da operação e da
expansão dos sistemas elétricos dirigidos pela Eletrobrás. A Lei 8.631
estabeleceu, como garantias de pagamento dos contratos de suprimento, as receitas
próprias das concessionárias supridas e a respectiva autorização de débito
automático de suas contas bancárias em caso de inadimplemento (CACHAPUZ,
2006, p.484).
Ainda no ano 1993, os Decretos 915 e 1.009 estabeleceram a permissão de acesso de
autoprodutores à rede federal de transmissão, que aumentaria a competição entre as empresas
geradoras de energia, e também instituiu a criação do Sistema Nacional de Transmissão de
Energia Elétrica (SINTREL) que seria administrado pela Eletrobrás, permitindo o acesso à
rede de transmissão das empresas do Sistema Eletrobrás, porém preservando esses ativos sob
a administração da holding. Esses dois decretos mais a Portaria 337 de abril de 1994,
propiciaram as condições de competição na atividade de geração e na comercialização da
energia elétrica, com o objetivo principal de aumentar a participação privada na área de
geração (LANDI, 2006).
A privatização das empresas estatais do setor elétrico permaneceu em aberto durante o
governo Itamar Franco, que cancelou a publicação do edital de privatização da Escelsa e da
Light, deixando para o próximo governo a decisão sobre a venda dessas empresas. A
privatização do setor elétrico não era uma tarefa fácil, pois algumas situações precisavam ser
resolvidas: o equilíbrio econômico-financeiro das empresas; a difícil negociação com os
governos estaduais, que eram os donos das empresas distribuidoras de energia estaduais; e a
volta do pagamento das obrigações setoriais por parte das distribuidoras de energia,
principalmente o pagamento da energia comprada das geradoras, já que apenas dessa forma, a
iniciativa privada teria interesse em adquirir as empresas da atividade de geração (BRUNI,
2006).
O presidente Itamar Franco também se opôs à proposta de divisão da Eletrobrás em
duas empresas, prevendo a transferência do controle acionário das grandes
geradoras federais para uma nova empresa, denominada Eletrobrás Participações
(Eletropart). A proposta surgiu de estudos do corpo técnico da Eletrobrás, do
BNDES e do Ministério de Minas e Energia, chegando a ganhar a forma de minuta
de Medida Provisória em abril de 1994 (CACHAPUZ, 2006, p.487).
119
Segundo Cachapuz (2006), essa opção seria uma alternativa à privatização das grandes
geradoras federais, que a Eletropart teria o controle das empresas CHESF, Furnas,
Eletronorte e Eletrosul, e teria o seu capital aberto à iniciativa privada com a oferta de ações a
serem negociadas na bolsa de valores. A antiga Eletrobrás não seria extinta, ficaria com a
responsabilidade de administrar a parte nacional da Itaipu Binacional, a geração nuclear de
energia, além de permanecer com as suas funções de coordenadora do planejamento do setor
elétrico, e das atividades de preservação do meio ambiente. Itamar Franco não aceitou essa
divisão da Eletrobrás e deixou para o próximo presidente a definição sobre as privatizações do
setor e do rumo a ser dado à Eletrobrás.
120
Capítulo 4 – AS REFORMAS NO SETOR ELÉTRICO E AS
PERSPECTIVAS PARA A ELETROBRÁS
No último capítulo desse trabalho, as reformas que aconteceram no setor elétrico serão
discutidas, assim como as conseqüências delas para a Eletrobrás que teve reduzida as funções
que deveriam ser executadas pela empresa. As duas primeiras seções desse capítulo mostrarão
as reformas no setor elétrico empregadas pelo governo de Fernando Henrique Cardoso e
posteriormente pelo governo Lula, e qual o envolvimento que a Eletrobrás teve com as
privatizações e as mudanças setoriais. A terceira seção apontará o novo papel que a Eletrobrás
teve que desempenhar após as reformas do setor e a criação de novos agentes, que reduziram
o seu espaço de atuação. Nas duas seguintes seções será exposto o cenário atual no setor
elétrico brasileiro e os números da Eletrobrás, além de traçar uma perspectiva futura para o
setor e para a atuação da empresa. A última seção desse trabalho retomará novamente à teoria
sobre as empresas “campeãs nacionais” e testará a sua aplicabilidade ao caso da Eletrobrás.
4.1 - AS REFORMAS NO SETOR ELÉTRICO
O governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC) teve o seu início em janeiro de
1995, apoiado no sucesso do Plano Real, que devolveu a taxa de inflação a níveis aceitáveis.
FHC deu prosseguimento à adoção dos ideais liberais e a abertura comercial e financeira do
país. A sua política econômica era voltada tanto para a estabilização monetária, quanto para a
redução do tamanho e da importância do Estado, e a sua intenção era acabar de vez com o
modelo de crescimento adotado desde o governo Vargas, em que o Estado estava à frente do
processo de desenvolvimento do país, sendo a principal fonte de investimento da economia. O
seu desafio era aumentar a participação privada nos empreendimentos e setores, e restringir a
atuação do Estado, passando a ter um papel mais de regulador das atividades econômicas do
que de produtor de bens e serviços. Para isso, FHC seguiu algumas experiências
internacionais, reformulou institucionalmente inúmeros setores e aprofundou o processo de
privatização de empresas públicas.
121
4.1.1 - As Reformas Promovidas por FHC
Em relação ao setor elétrico especificamente, o governo FHC priorizou a privatização
das empresas estatais que atuavam na área de distribuição, em sua ampla maioria em poder
dos governos estaduais, pois seria muito difícil vender empresas geradoras sem que
estivesse sido estabelecido um novo marco regulatório para o setor, assim como um mercado
para a venda de energia. A intenção do governo era criar um ambiente competitivo, com a
entrada de novos agentes privados, o que resultaria em novos investimentos e uma busca por
maior eficiência no setor.
A Lei 8.987 de fevereiro de 1995, que ficou conhecida como Lei Geral das
Concessões, pode ser considerada como o marco inicial das reformas durante o período FHC.
Essa lei deliberou sobre o regime de concessões, definindo a obrigatoriedade de licitação para
a outorga de serviços públicos sob o regime de concessão ou permissão, a exigência de um
prazo determinado nessas concessões, além de determinar alguns critérios para julgar os
vencedores nos processos de licitações, entre outras medidas. Em julho de 1995, foi aprovada
a Lei 9.074 com algumas mudanças para as concessões no setor elétrico, determinando “as
regras gerais na licitação de concessões para projetos de geração e transmissão de energia
elétrica, estabelecendo os direitos e as obrigações das concessionárias” (FARIA, 2003, p.33).
Landi (2006) afirma que a Lei 8.987 só foi aprovada quando o governo aceitou redigir uma lei
própria para o setor elétrico, devido às suas especificidades.
Essa lei seria a 9.074, que determinou a possibilidade de prorrogação das concessões
em vigência na época, em até 20 anos, reconheceu o Produtor Independente de Energia (PIE),
estabeleceu o livre acesso às redes de transmissão e distribuição, e aumentou a barganha dos
grandes consumidores
47
de energia elétrica, ao liberar a sua compra de energia, pois eles não
precisariam mais comprá-la da distribuidora local. Outro ponto importante da Lei 9.074 foi
determinar que todas as concessões realizadas sem licitação depois da promulgação da
Constituição de 1988, seriam canceladas, abrindo espaço para abertura de novas licitações e
para uma maior entrada da iniciativa privada no setor.
A lei também definiu o prazo das concessões de geração, transmissão e distribuição
de energia elétrica contratadas no novo regime legal (35 anos para geração e 30
anos para transmissão e distribuição, prorrogáveis no máximo por iguais períodos)
47
Esses grandes consumidores que tinham a liberdade de escolher o seu fornecedor de energia foram chamados
de consumidores livres.
122
e autorizou os consumidores com demanda igual ou superior a 10 MW atendidos
em tensão igual ou superior a 69 kV a negociarem contratos de fornecimento de
energia com produtores independentes e com empresas públicas de geração ou
distribuição, situadas em outra área de concessão (CACHAPUZ, 2006, p.492).
Um marco importante para o processo de reforma institucional do setor elétrico
aconteceu em dezembro de 1996, com a promulgação da Lei 9.427, criando a Agência
Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) como órgão regulador setorial, vinculada ao
Ministério de Minas e Energia, sob a forma de autarquia especial e com a sua sede em
Brasília. A ANEEL passou a funcionar em dezembro do ano seguinte, tomando o lugar do
DNAEE que foi extinto nessa ocasião, contando com uma diretoria de cinco membros
48
- sob
a forma de colegiado, todos nomeados pelo presidente da República, mediante a aprovação do
Senado. Dentre as funções da ANEEL, pode-se destacar: promover licitações de novas
concessões; fixar o critério dos preços de transporte de energia nos sistemas de transmissão e
distribuição; regular e fiscalizar a produção, transmissão, distribuição e comercialização de
energia elétrica, em conformidade com as políticas e diretrizes do governo federal; aprovar
estudos de viabilidade de novos empreendimentos; fiscalizar os contratos de concessão e
aplicar multas; homologar reajustes na tarifa de energia elétrica; cuidar da qualidade dos
serviços prestados; além de zelar pelo equilíbrio econômico-financeiro das concessionárias de
energia elétrica.
A ANEEL foi constituída como autarquia sob regime especial para desempenhar
funções executivas (de concessão e fiscalização), legislativas (criação de regras e
procedimentos com força normativa) e judiciária (imposição de penalidades,
interpretação de contratos e julgamentos) com autonomia administrativa, financeira
e decisória (CACHAPUZ, 2006, p.497).
Em maio de 1998, foi aprovada a Lei 9.648 que preencheu algumas lacunas deixadas
em aberto na reforma do setor elétrico, criando o Mercado Atacadista de Energia (MAE) e o
Operador Nacional do Sistema (ONS). Segundo Leite (2007), a criação do MAE foi aprovada
pela ANEEL em agosto de 1998, e pelas concessionárias de energia, mediante a assinatura de
um acordo no qual essas empresas faziam parte. O MAE seria o ambiente onde seriam
realizadas as compras e vendas de energia elétrica no sistema interligado e onde seria definido
o preço spot dessa energia comercializada. O MAE entrou em operação oficialmente em
setembro de 2000, passando a ser o responsável pela contabilização da energia contratada
48
Os dirigentes da agência teriam estabilidade no cargo, pois tinham a garantia do mandato fixo de quatro anos,
com um critério muito rígido para exoneração do cargo, reduzindo assim, a influência política sobre suas
decisões e deliberações.
123
pelas empresas e pela energia efetivamente transferida, e caso houvesse diferença, ela seria
liquidada no MAE, ao preço estabelecido para cada submercado
49
. Cabia também ao MAE a
distribuição entre as empresas das perdas verificadas em todo o sistema e a aplicação de
penalidades.
ANEEL foi incumbida de estabelecer a regulamentação do MAE, coordenar a
assinatura do Acordo de Mercado pelos agentes, definir as regras de organização do
operador independente e implementar os procedimentos necessários ao seu
funcionamento (CACHAPUZ, 2006, p.507).
o ONS foi criado em paralelo com a formação do MAE, sendo constituído como
entidade jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, e com a participação de membros das
empresas concessionárias nas atividades de geração, transmissão e distribuição conectadas ao
sistema interligado brasileiro, além da participação de consumidores livres. O ONS conta com
uma diretoria executiva composta por quatro membros e um conselho administrativo formado
por representantes das áreas de geração, transmissão e comercialização de energia elétrica, e
um representante do governo, indicado pelo MME, que detém o poder de veto sobre as
deliberações do ONS. A ANEEL também tem a sua importância junto ao ONS, pois qualquer
mudança em seu estatuto precisa ser aprovada pela agência. Essa instituição foi
progressivamente assumindo as funções do Grupo Coordenador da Operação Interligada
(GCOI), organismo colegiado liderado pela Eletrobrás. Na verdade, foi dado um prazo de
nove meses para que o ONS assumisse as funções do GCOI, que após esse período, seria
automaticamente extinto.
Dentre as funções do Operador Nacional do Sistema Elétrico, pode-se destacar a tarefa
de otimizar a operação do sistema, com o menor custo possível, respeitando as questões
técnicas, os padrões de qualidade e a confiabilidade do sistema como um todo. Dessa forma, é
função do ONS: planejar e fazer a programação da operação e o despacho centralizado da
atividade de geração; supervisionar e coordenar os centros de operação de sistemas elétricos;
disponibilizar as condições de acesso às redes de transmissão, através da contratação e
administração desses serviços; e propor à ANEEL as ampliações ou melhoramentos das
instalações da rede básica de transmissão, para serem licitadas ou autorizadas.
O Operador Nacional do Sistema (ONS) teria um papel fundamental no novo
arranjo do setor elétrico brasileiro, executando a regulação técnica do sistema,
49
Existiam quatro submercados no MAE: Sul, Sudeste, Norte e Nordeste. Além disso, os preços eram diferentes
em função de cada patamar de carga: pesada, média e leve.
124
reunindo as funções de planejamento, programação e execução da operação das
usinas que atenderiam à demanda. Assim, o ONS era o responsável pela
manutenção da integridade do sistema, operando um conjunto de modelos de
otimização que definiam o despacho das centrais e, finalmente, o preço spot no
Mercado Atacadista de Eletricidade (PINTO JR., 2007, p.222).
4.1.2 - O Processo de Privatização
Simultaneamente com a implementação das reformas no setor elétrico, foi ocorrendo o
processo de privatização das concessionárias públicas, ou seja, antes que o aparato regulatório
tivesse sido definido e todas as instituições que fariam parte desse novo modelo estivessem
criadas, as empresas estatais começaram a ser vendidas à iniciativa privada, o que acarretaria
problemas no futuro. Ou seja, para Souza (2002), da forma como todo esse processo foi
evoluindo, ficava claro que o objetivo da reforma era a privatização, e as transformações
institucionais que foram ocorrendo em paralelo, eram uma conseqüência e uma necessidade
para que esse objetivo fosse alcançado. As privatizações tiveram o seu início com a venda das
distribuidoras federais Light e Escelsa, já durante o governo FHC, enquanto a CERJ foi a
primeira empresa estadual a ser vendida, o que ocorreu em novembro de 1996.
O BNDES teve um papel central nesse processo de privatização, pois foi o órgão
responsável por estudar as condições de venda das empresas e de executar as decisões do
Conselho Nacional de Desestatização (CND), ou seja, foi o coordenador do processo de
privatização das empresas federais e estaduais. A escolha de vender as empresas
distribuidoras de energia primeiramente, não foi uma escolha ao acaso, pois era a atividade
mais fácil de vender, que a receita recebida pela empresa viria diretamente dos
consumidores de energia e não era necessário estar todo montado o aparato regulatório para
que elas fossem vendidas.
Em abril de 1995, foi aprovada a inclusão da Eletrobrás e das suas subsidiárias
regionais no Plano Nacional de Desestatização (PND), proposta essa feita pelo ministro de
Minas e Energia e aprovada pelo CND
50
. Meses depois, o CND aprovou a venda dos sistemas
de geração, transmissão e distribuição pertencentes à Eletronorte em algumas capitais da
região Norte que eram abastecidas pelos sistemas isolados, além de algumas usinas geradoras
das demais empresas do Sistema Eletrobrás. Porém, em dezembro de 1996, foi revista pelo
50
O CND era composto por um representante do BNDES e por mais quatro membros permanentes: os ministros
da Fazenda, Planejamento, Casa Civil e o ministro da Administração e Reforma do Estado.
125
CND a idéia de vender esses empreendimentos, principalmente de geração, deixando para o
futuro a venda das empresas do Sistema por inteiro, ou seja, com todos os seus ativos.
Leite (2007) afirma que a decisão de vender as empresas regionais do Sistema
Eletrobrás teve uma importante contestação política, visão essa que também é verificada em
Souza (2002) ao atestar que só os ativos de geração da Eletrosul foram vendidos, porque
dentre as quatro empresas regionais Furnas, Eletronorte, Eletrosul e CHESF, aquela era a
que tinha o menor peso político, já que Furnas era responsável pelo suprimento da região mais
importante do país, e a CHESF e Eletronorte eram importantes ferramentas para o
desenvolvimento das regiões que elas atendiam, como a construção de empreendimentos de
irrigação, por exemplo. Assim, em maio de 1998, a Eletrosul teve os seus ativos de geração
separados dos seus ativos de transmissão, e para isso foi criada a Gerasul, sendo responsável
pelos primeiros ativos e a Eletrosul ficou apenas com a parte de transmissão. Após a cisão das
suas atividades, a Gerasul teve os seus ativos vendidos em setembro de 1998, se tornando até
hoje a única empresa de geração federal vendida à iniciativa privada. Depois da reeleição de
FHC em 1999, devido a vários motivos, foi reduzido o ritmo de privatizações no setor
elétrico, mesmo assim, entre 1995 e 2000, a receita proveniente da venda dessas empresas
somava mais de 30 bilhões de dólares.
Na prática, o projeto de privatização total tomou três rumos diferentes: em um
extremo houve a privatização quase completa da distribuição, e em outro
permaneceu estatal quase toda a transmissão. Entre as geradoras a venda foi parcial,
mantendo-se a maior parte da capacidade então existente sob o domínio federal
(LEITE, 2007, p.302).
4.1.3 - Os Motivos que Levaram ao Racionamento de Energia
A reforma de importantes setores da economia brasileira e especificamente o setor
elétrico sofreu influência das experiências internacionais. Os principais objetivos a serem
alcançados pela reestruturação, seria a retomada dos amplos investimentos nas três áreas do
setor elétrico e a introdução da concorrência, que traria melhorias na qualidade dos serviços e
na redução dos custos de produção da energia. Pinto Jr. (2007) explica que a reforma
implantada na década de 1990 não deu a devida importância a alguns aspectos fundamentais
para o bom funcionamento do setor: o planejamento e a coordenação. O primeiro é
indispensável devido à característica do setor elétrico em geral, necessidade de grandes
126
investimentos e longo prazo para a entrada em operação do empreendimento. O segundo
aspecto é mais relacionado com a especificidade do caso brasileiro, onde a grande parte da
energia elétrica gerada vem de usinas hidrelétricas, algumas delas de grande porte, e em
alguns casos, a energia gerada fica a milhares de quilômetros de distância das unidades
consumidoras. Dessa forma, há uma grande necessidade de coordenação entre as empresas do
setor para que o sistema como um todo funcione bem.
Pinto Jr. (2007) também cita a negligência quanto à falta de coordenação entre as
novas instituições criadas. Para ele, as três instituições básicas do setor, a ANEEL, MAE e
ONS, além das instituições com papéis secundários, como o Conselho Nacional de Política
Energética e o ComiCoordenador do Planejamento da Expansão dos Sistemas Elétricos,
não tinham uma boa coordenação entre elas, e com isso, o monitoramento e o planejamento
do setor elétrico ficou prejudicado. Dessa forma, o governo dava sinais de que caberia à
iniciativa privada e ao mercado, o papel de coordenação mais importante, relegando às
instituições criadas, um papel apenas secundário.
A falta de coordenação entre as novas instituições do setor elétrico foi apontada por
Pinto Jr. (2007) como um dos motivos para a grande crise energética enfrentada pelo Brasil
em 2001, que elas não foram capazes de identificar o problema em tempo hábil para que
fossem realizadas medidas necessárias contra a crise, e nem tiveram a capacidade de reunir
recursos e esforços para enfrentá-la. “De fato, a crise de racionamento de energia, vivenciada
ao longo de 2001, acabou por revelar certas falhas e alguns limites do modelo, levando,
inclusive, a reformulação da proposta original” (LANDI, 2006, p.121). Um dos principais
motivos apontado pelos especialistas para a crise energética foi a incerteza gerada pelas
reformas institucional e regulatória no setor elétrico, que eram vistas como reformas
incompletas e que precisariam de uma complementação em um futuro próximo. Assim, a
incerteza levou que as empresas, tanto públicas como as recém privatizadas, adiassem os
novos investimentos e os empreendimentos responsáveis pela expansão do setor, diminuindo
o ritmo de crescimento da oferta de energia e a qualidade e confiabilidade do sistema elétrico.
127
4.1.4 - A Contra-Reforma do Governo Lula
Em 2003, Lula assumiu a presidência da República e anunciou algumas
transformações na política energética nacional. A reforma de Lula para o setor elétrico
buscava dar mais poder ao Estado e às suas instituições e diminuir um pouco a importância da
iniciativa privada para o desenvolvimento do setor. Ao contrário do governo FHC que tentou
transferir o máximo possível de empresas e funções ao setor privado, em busca de uma maior
competitividade e eficiência, para Lula, o setor público também poderia ser eficiente e
competente na administração de empresas. Soma-se a esse potencial público, o descrédito no
comportamento das empresas privadas em transformar a busca pelo lucro, em
desenvolvimento do setor elétrico como um todo.
Outro ponto importante da reforma proposta pelo novo governo foi de criar novamente
meios de planejar a expansão futura da capacidade de produção de energia elétrica para
atender ao crescimento da demanda por energia e evitar o recente episódio de racionamento
de energia ocorrido no país. A reforma do setor elétrico manteve a idéia central de
concorrência nas atividades do setor, porém trouxe de volta ao nível governamental algumas
importantes funções que foram sendo tiradas ao longo dos anos.
Em linhas gerais, o novo modelo centralizava as decisões de planejamento
energético no âmbito governamental e introduzia importantes modificações no
ordenamento institucional vigente, mantendo entretanto a concepção de livre
concorrência nos mercados de geração e comercialização e de regulação nos
segmentos de transmissão e distribuição (CACHAPUZ, 2006, p.664).
A Lei 10.847 de 2004 criou a Empresa de Planejamento Energético (EPE) para
realizar estudos visando o planejamento integrado do setor energético e o seu plano de
expansão, funções essas, que anos antes, eram exercidas no setor elétrico pela Eletrobrás. A
EPE está vinculada ao MME, conta com uma diretoria de gestão corporativa e três diretorias,
além de um Conselho de Administração composto por seis membros com mandatos de três
anos, que foram nomeados pela presidente Lula. Leite (2007) destaca que as determinações da
EPE são apenas indicativas, elas não são impositivas, vai depender da vontade e capacidade
das empresas e instituições envolvidas em cada caso. Entre as inúmeras funções da EPE, é
possível destacar algumas: realizar estudos sobre os aproveitamentos de hidrelétricas; elaborar
estudos apontando os planos de expansão no curto, médio e longo prazos das atividades de
geração e transmissão; obter a licença ambiental prévia dos empreendimentos propostos;
128
calcular o custo marginal de referência que será usado nos leilões de energia; acompanhar a
execução de projetos e estudos; e desenvolver estudos sobre a viabilidade técnico-financeira
de empreendimentos, além dos impactos social e ambiental (PINTO JR., 2007).
Ainda em 2004, a Lei 10.848 criou novas instituições no setor elétrico e estabeleceu
regras gerais sobre a comercialização de energia elétrica. Foram criados dois ambientes de
negociação de energia, o Ambiente de Contratação Livre (ACL) e o Ambiente de Contratação
Regulada (ACR), a diferença entre eles está nos agentes que compram a energia negociada.
No primeiro ambiente, é permitida a negociação de energia pelos consumidores livres,
enquanto no outro ambiente, somente as empresas distribuidoras. Ou seja, enquanto as
empresas geradoras e que comercializam energia podem negociar em ambos os ambientes, as
distribuidoras só podem comprar energia no mercado regulado.
As relações comerciais entre os agentes no ACL são livremente pactuadas e regidas
por contratos bilaterais de compra e venda de energia elétrica, nos quais estão
estabelecidos prazos e volumes. [...] A contratação no ambiente regulado é
realizada por meio de leilões, nos quais os vencedores formalizam um conjunto de
contratos entre cada um deles e todos os agentes de distribuição (PINTO JR., 2007,
p.224).
A Lei 10.848 também criou a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE)
que substituiria ao MAE, com as atribuições principais de realizar os leilões de compra e
venda de energia elétrica e de manter o registro de todos os Contratos de Comercialização de
Energia no Ambiente Regulado (CCEAR), além de instituir o Comitê de Monitoramento do
Setor Elétrico, com a atribuição de verificar as condições de atendimento ao mercado no
horizonte de cinco anos e sugerir ações preventivas. Bruni (2006) também lembra que essa lei
foi a responsável pela retirada da Eletrobrás e de suas subsidiárias regionais do programa de
desestatização.
4.2 - A REAÇÃO E O ENVOLVIMENTO DA ELETROBRÁS ÀS
MUDANÇAS SETORIAIS E ÀS PRIVATIZAÇÕES NO SETOR ELÉTRICO
BRASILEIRO
As profundas mudanças que ocorreram no setor elétrico durante a década de 1990
ocasionaram uma importante alteração na atuação da Eletrobrás e em seu relacionamento com
o setor elétrico. O processo de privatização das empresas públicas do setor, principalmente as
129
distribuidoras, e a reformulação institucional que acabou criando novos agentes no setor
elétrico brasileiro, reduziram a importância da Eletrobrás para o desenvolvimento energético
do país, alteraram internamente o funcionamento da empresa e mudaram as suas funções
setoriais. Essas mudanças no setor elétrico foram influenciadas pela adoção dos ideais liberais
pelo governo FHC, que modificou o rumo da política econômica empregada até a década
anterior, dando um maior espaço para a iniciativa privada nas decisões econômicas do país.
4.2.1 - As Propostas do Consórcio Coopers & Lybrand
As mudanças setoriais foram resultado de um estudo realizado por uma consultoria
estrangeira contratada para ajudar o governo brasileiro a elaborar um novo marco regulatório
para o setor elétrico. No início de 1996, coube à Eletrobrás a incumbência de realizar um
processo de licitação com empresas estrangeiras para escolher a consultoria que realizaria
estudos para as mudanças setoriais. A empresa ganhadora da licitação foi a britânica Coopers
& Lybrand que liderava um consórcio formado por mais sete empresas e que assinou o
contrato com a Eletrobrás em julho de 1996. Esse trabalho foi concluído em junho de 1997 e
contou com a ajuda de técnicos do BNDES, das concessionárias do setor, do DNAEE e da
própria Eletrobrás.
Segundo Goldenberg e Prado (2003), o corpo técnico da Eletrobrás não era contrário à
idéia de mudanças institucionais e a reforma do setor elétrico, porém apontavam algumas
medidas que não deveriam ser tomadas caso quisessem o desenvolvimento racional do setor.
Alguns cnicos já no final de 1994 viam a incompatibilidade da cooperação entre as
empresas premissa básica para o planejamento e operação integrada dos sistemas
interligados, e a procura de uma maior concorrência no setor, visando a uma melhora na
eficiência. Pensavam que devido à especificidade
51
do caso brasileiro, para que se
aproveitassem eficientemente as oportunidades energéticas, era preciso ter um planejamento
comum e uma coordenação na ação dos agentes do setor, algo que era contrário ao ideal
liberal de concorrência.
51
Maior parte da energia gerada por meio de hidrelétricas, grande porte dos empreendimentos e a grande
distância entre os centros consumidores e o local onde a energia é gerada.
130
As principais recomendações dos técnicos da Eletrobrás eram: a continuidade dos
mecanismos existentes de planejamento e operação colegiados (GCPS e GCOI), que caso
fossem extintos, deveriam ser criadas instituições com atribuições semelhantes; e a não
desestruturação das grandes redes de transmissão, que propiciavam uma maior eficiência e
confiabilidade do sistema elétrico brasileiro, ao transferir energia de uma usina ou região, para
um outro sistema. Esses técnicos concluíam as suas argumentações afirmando que caso as
reformas do setor elétrico e as privatizações das empresas do setor não fossem bem feitas, o
Brasil corria um grande risco de diminuir o grau de confiabilidade do seu sistema elétrico, de
ocorrer a paralisação da coordenação entre as empresas do setor, e a elevação real dos níveis
tarifários cobrados dos consumidores.
Em linhas gerais, argumentava-se que em sistemas de base hidráulica, como é o
caso do Brasil, o interesse do sistema como um todo muitas vezes não coincide com
os interesses de curto prazo de suas partes componentes, e é muito difícil fazer com
que mecanismos simples de mercado traduzam, para cada uma das partes, as
necessidades globais do sistema. Seria, pois, necessário um órgão coordenador de
planejamento e operação do sistema (GOLDENBERG e PRADO, 2003, p.227).
Dessa forma, devido a posição contrária em relação a alguns pontos importantes da
reforma de cunho liberal, o quadro de funcionários da Eletrobrás passou a sofrer pressão
política, resultando em mudanças de cargos e funções dentro da holding. De acordo com
Goldenberg e Prado (2003), a participação de técnicos da Eletrobrás na elaboração das
reformas setoriais em conjunto com a consultoria Coopers & Lybrand, foi meramente para
discutir como introduzir o modelo de reestruturação escolhido pelo governo, assim, não
houve a participação da holding na elaboração das alternativas que poderiam ser
implementadas. Além disso, para os técnicos da empresa, a privatização da Eletrobrás e das
suas subsidiárias era somente uma questão de tempo, dependendo apenas da resolução de
alguns entraves legais e político. Esse quadro de apreensão dos funcionários das empresas do
Sistema Eletrobrás - já que privatização significava a redução de alguns milhares de postos de
trabalho - só foi diminuído com a vitória de Lula na eleição para o cargo de presidente do
país, e foi realmente sacramentado com a retirada das empresas do Sistema Eletrobrás do
PND em 2004.
Entre as principais sugestões apresentadas pelo relatório da Coopers & Lybrand
estavam a criação do Mercado Atacadista de Energia (MAE) e de um órgão regulador setorial
independente (ANEEL), a segregação das atividades de energia elétrica geração,
transmissão, distribuição e comercialização e a conseqüente desverticalização das empresas
131
do setor, e a criação do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), substituindo ao Grupo
Coordenador para Operação Interligada (GCOI), responsável pela administração e operação
do sistema elétrico brasileiro. Para Landi (2006), os dois objetivos centrais do estudo sobre as
reformas setoriais eram manter sobre a tutela do governo as funções política e de
regulamentação, e por outro lado, transferir para a iniciativa privada algumas
responsabilidades que antes estavam sendo executadas pelo setor público, como a operação e
os investimentos do setor.
Na análise de Mello (1999), segundo as recomendações dos estudos do consórcio
Coopers & Lybrand, o papel da Eletrobrás no setor elétrico ficaria extremamente reduzido,
pois ela só manteria a função de holding das empresas federais e teria provisoriamente o papel
de agente financeiro setorial (AFS). A função de planejamento passaria a ser responsabilidade
do Instituto de Desenvolvimento e Prestação de Serviços do Setor Elétrico
52
(IPSSE), assim
como o Centro de Memória da Eletricidade, o Programa Nacional de Conservação de Energia
Elétrica (PROCEL), os arquivos e bibliotecas, pois o IPSSE também seria um prestador de
serviços e teria uma estrutura semelhante ao do ONS
53
.
Instituto a ser criado, assumira diversas atividades exercidas pela ELETROBRÁS,
inclusive as referentes às relações internacionais, à memória da eletricidade, à
biblioteca, ao relacionamento com a indústria, aos estudos de pré-viabilidade, à
coordenação do COMASE, ao desenvolvimento de pequenas usinas e, finalmente, à
operação do PROCEL. Da mesma forma deveria apoiar a ANEEL na licitação de
concessões e coletar dados hidrológicos, assumindo, quase integralmente, as
atribuições da Diretoria de Planejamento e Engenharia da ELETROBRÁS
(CHUAHY e VICTER, 2002, p.72).
Quanto à função de agente financeiro, caberia à Eletrobrás facilitar o investimento
privado através do oferecimento de certas garantias e no compartilhamento de riscos, além de
ajudar no financiamento de novos projetos hidrelétricos e em áreas menos favorecidas. Assim,
o agente financeiro deveria desempenhar: compartilhamento de riscos; mobilização de
poupança nacional; atividades creditícias; e pagar indenizações. A escolha da Eletrobrás para
desenvolver esse papel não seria por acaso, já que os ativos da empresa seriam a principal
fonte de financiamento dessa sua nova atividade, pois Mello (1999) aponta que a holding
poderia resgatar mais de US$ 16 bilhões que poderiam ser utilizados para financiar o setor
privado.
52
O IPSSE substituiria o Grupo Coordenador do Planejamento da Expansão do Sistema Elétrico (GCPS).
53
Visto anteriormente.
132
Esse papel de agente financiador seria desempenhado pela Eletrobrás no curto prazo, e
no longo prazo, essa determinação poderia ser reavaliada, podendo essa função permanecer
com a Eletrobrás, ser transferida para o BNDES ou para alguma outra empresa. Também era
função do agente financiador proteger da variação cambial, ou indexar as tarifas a essas
variações, e utilizar o seu prestígio para conseguir obter empréstimos junto aos organismos
internacionais e repassar para os agentes privados. “O AFS poderia contribuir para o projeto
de financiamento fazendo empréstimos subordinados, assumindo os riscos relativos às
questões ambientais ou a mudança regulatória” (FERREIRA, 2000, p.202).
Como uma das diretrizes básicas do modelo proposto era a segregação das
atividades entre os agentes, a Coopers & Lybrand recomendou a reestruturação das
empresas regionais da Eletrobrás e o desmembramento de Furnas, CHESF,
Eletrosul e Eletronorte. Os ativos de geração e transmissão das quatro subsidiárias
da Eletrobrás deveriam ser separadas, tendo em vista a criação de empresas
atuantes exclusivamente num ou noutro desses segmentos. Em princípio, os
consultores preconizaram a manutenção da Eletrobrás como agente financeiro
setorial e holding estatal controladora de algumas empresas não privatizáveis, em
especial Itaipu e, eventualmente, da rede federal de transmissão, dependendo da
política de privatização adotada pelo governo (CACHAPUZ, 2006, p.503).
A desverticalização das empresas federais subsidiárias da Eletrobrás para a sua venda
futura foi um dos tópicos sugeridos pelo estudo da consultoria Coopers & Lybrand. A Lei
9.648 de maio de 1998 alterou alguns dispositivos de leis sobre o setor elétrico com intuito de
se aplicar algumas das recomendações feitas pela consultoria, como o modelo de
comercialização da energia elétrica e a reestruturação da Eletrobrás e suas subsidiárias, em
vista à privatização
54
. O projeto de venda das subsidiárias da Eletrobrás fez parte de um
movimento maior, de venda das empresas públicas do setor de energia elétrica para a
iniciativa privada, iniciado pela negociação das empresas federais de distribuição Light
55
e
Escelsa
56
. Como foi visto anteriormente, durante o governo de Itamar Franco, o projeto de
dividir a Eletrobrás em duas empresas, sendo que uma (Eletropart) ficaria com o controle
acionário das geradoras federais para posterior venda de ações e abertura de capital
57
, não
seguiu adiante.
54
A Eletrobrás e suas subsidiárias já tinham sido incluídas no Plano Nacional de Desestatização (PND) em 1995,
através do Decreto 1.503.
55
A Light foi vendida em maio de 1996 pelo preço mínimo, R$ 2.216 milhões.
56
A venda da Escelsa aconteceu em julho de 1995, com um ágio de 11,7%, por R$ 320,2 milhões.
57
Seria uma alternativa de entrada da iniciativa privada nessas empresas sem a necessidade de privatizá-las, ou
seja, sem a venda dos ativos físicos.
133
4.2.2 - A Importância da Eletrobrás na Privatização de Empresas do Setor Elétrico e o
Resultado desse Processo para a Empresa
A Eletrobrás teve um papel importante nas privatizações de empresas do setor elétrico,
assim como o BNDES. O banco além de ter gerenciado as privatizações, sendo o órgão gestor
do PND, teve a importante função de adiantar recursos para os estados tentarem ajustar as
contas das suas empresas de distribuição antes de privatizá-las, e também emprestou dinheiro
para financiar os compradores das empresas privatizadas em até 50% do preço mínimo
definido para cada empresa, reduzindo a quantia a ser desembolsada pelo vencedor do leilão.
a importância da Eletrobrás nas privatizações foi menor, porém relevante. Algumas
empresas firmaram acordo com a holding para que ela compartilhasse a administração da
empresa, com o intuito de saneá-la antes da privatização, pois caso contrário, devido a
precária condição que algumas empresas distribuidoras estaduais se encontravam, o leilão de
venda da empresa poderia ser um fracasso, sem ofertas para a compra da concessionária. Esse
foi o caso da ENERSUL, vendida em 1997, da CEMAT (1997), ENERGIPE (1997),
COSERN (1997), CELPA (1998), CEMAR (2000) e SAELPA (2000), que firmaram acordo
com a Eletrobrás. O acordo era realizado da seguinte forma: o governo do estado estabelece
um acordo com a Eletrobrás para uma gestão compartilhada da empresa estadual, com o
objetivo de equacionar a situação econômico-financeira da concessionária para viabilizar a
sua venda. Em troca, a Eletrobrás assumiria a gestão econômico-financeira da concessionária
estadual e teria a sua participação na empresa aumentada. Segundo Pinto Jr. (1998), esse
acordo entre a holding e as empresas estaduais não foi difícil, porque essas empresas deviam
recursos à Eletrobrás, e “a impossibilidade de equacionar o problema financeiro levou à troca
de parte da dívida das concessionárias por participação acionária da Eletrobrás” (PINTO JR.,
1998, p.206).
A Cemat foi a primeira distribuidora estadual a passar ao regime de gestão
compartilhada com a Eletrobrás, por contrato assinado em setembro de 1996 entre o
governo de Mato Grosso e a holding federal, com a interveniência do BNDES. No
período de gestão compartilhada, a Eletrobrás renegociou diversos contratos de
financiamento e débitos de suprimento de energia, assumindo o controle de 44,5%
do capital votante e 50,9% do capital total da companhia. O governo mato-
grossense obteve aporte de recursos do BNDES, no montante de R$ 38 milhões, a
título de antecipação de receita de privatização (CACHAPUZ, 2006, p.535).
O Sistema Eletrobrás teve a sua primeira grande baixa com a venda da atividade de
geração da Eletrosul (Gerasul) em setembro de 1998. A Gerasul foi criada em dezembro de
134
1997 em virtude da desverticalização da Eletrosul, que passaria a conter apenas ativos de
transmissão. A Gerasul foi constituída como subsidiária da Eletrobrás, com uma capacidade
instalada de 3.719 MW, o que correspondia a 6,8% da capacidade total de geração do país.
Faziam parte dos ativos da Gerasul, três usinas hidrelétricas, três termelétricas e três
empreendimentos ainda em construção, e o seu leilão ocorreu em 1998, onde foi vendida pelo
seu preço mínimo, R$ 947 milhões.
Apesar da perda de algumas subsidiárias, como a Gerasul, Light e Escelsa, o Sistema
Eletrobrás também incorporou alguns ativos. Entre 1997 e 2000, as concessionárias estaduais
CEAL, CEPISA, CERON, Eletroacre e CEAM tiveram o seu controle acionário adquiridos
pela holding com recursos da RGR, com os mesmos objetivos das empresas estaduais citadas
anteriormente: equacionar os problemas econômico-financeiros para viabilizar a futura
privatização das empresas. Segundo Cachapuz (2006), apenas a CEAM não foi incluída no
PND, sendo que a CEAL e a CERON chegaram a ter o seu leilão de venda programado,
porém não foram encontrados interessados em adquirir os seus ativos pelo preço mínimo.
Outra empresa que foi incorporada pela Eletrobrás nesse período de mudanças
setoriais passando a integrar o campo das suas subsidiárias, foi a CGTEE, criada em 1997,
resultado da cisão da distribuidora estadual do Rio Grande do Sul, CEEE. A CGTEE,
possuidora de 490 MW de capacidade instalada dividida em suas três usinas termelétricas, foi
passada ao controle federal em 1998 em troca da quitação de parte da dívida do governo
estadual, sendo repassada ao Sistema Eletrobrás em julho de 2000.
Como foi exposto acima, o resultado dos estudos realizados pela consultoria
Coopers & Lybrand implicou na publicação da Lei 9.648 em maio de 1998. Nessa lei, entre
outras coisas, foi proposta a reestruturação do Sistema Eletrobrás, com o intuito de se
desverticalizar as suas subsidiárias e de dividir em algumas sociedades por ões, a holding e
as suas subsidiárias para facilitar a futura privatização dessas empresas. Dessa forma, a lei
autorizou a divisão da Eletrobrás em até seis sociedades por ações, a Eletrosul em até duas
sociedades por ações, Furnas e CHESF em até três sociedades por ações cada uma, e por
último, a Eletronorte em até seis sociedades por ações.
Apesar de venda de parte da Eletrosul a sua atividade de geração, o processo de
cisão e de privatização das grandes subsidiárias federais geradoras de energia o foi bem
sucedido. Segundo Cachapuz (2002), as mudanças nos cenários interno e externo a partir de
135
1999 dificultaram o governo FHC a levar adiante a sua vontade de privatizar essas empresas,
pois aumentou consideravelmente a oposição política em todo o país e até dentro da base
governista contra a venda das subsidiárias da Eletrobrás e sobre a reestruturação do setor
elétrico. O caso mais emblemático foi a privatização de Furnas, que sofreu uma forte oposição
do governador recém eleito de Minas Gerais em 1998, Itamar Franco, que chegou até a
mobilizar a polícia militar estadual para defender as instalações de Furnas no estado contra a
sua provável venda.
De acordo com Chuahy e Victer (2002), após a vitória de FHC em 1999, o presidente
reeleito insistiu em privatizar Furnas no início do ano 2000. Para isso, o primeiro passo já
tinha sido realizado alguns anos antes, com a criação em 1997 da Eletrobrás Termonuclear
Eletronuclear, “como resultado da cisão do segmento nuclear de Furnas e sua fusão com a
Nuclebrás Engenharia (NUCLEN)” (CACHAPUZ, 2002, p.371). Desde a sua criação, a
Eletronuclear integrou o quadro de subsidiárias da Eletrobrás, passando a ser a responsável
pela a conclusão das obras de Angra II e pela operação da usina nuclear de Angra I. Essa
separação das atividades nucleares de Furnas era importante para a sua privatização, pois
segundo as leis brasileiras, havia um monopólio da União sobre as atividades nucleares, não
podendo ser repassado para a iniciativa privada.
No entanto, mesmo removido as restrições legais para a venda de Furnas através da
criação da Eletronuclear e da promulgação da Lei 9.648, o governo de FHC teve que rever a
sua posição a favor da privatização da empresa devido a alguns fatores importantes: a grande
oposição política contrária a venda de Furnas, que contou com políticos importantes como
Lula, Itamar Franco, Brizola e Antony Garotinho, além de alguns políticos da base governista;
a grande mobilização popular, principalmente nos estados onde a presença de Furnas era mais
forte, Rio de Janeiro e Minas Gerais; o processo aberto junto ao Supremo Tribunal Federal
contra a cisão da empresa; e por último, o valor do preço mínimo da venda estabelecido para a
empresa também gerou muita controvérsia, pois segundo o governo federal, Furnas teria um
preço mínimo de R$ 6 bilhões, enquanto alguns especialistas do setor elétrico avaliavam que a
empresa teria um valor muito maior, por volta de US$ 12 bilhões (CHUAHY e VICTER,
2002). O assunto sobre a privatização das empresas federais de distribuição só foi deixado de
lado após a grave crise energética que atingiu o Brasil em 2001, obrigando o país a racionar o
consumo de energia.
136
4.2.3 - Como Foram Afetados os Investimentos do Sistema Eletrobrás e o Planejamento
no Setor Elétrico
Em relação aos investimentos realizados pela Eletrobrás nesse período de
reestruturação setorial, eles sofreram um forte impacto do contingenciamento de recursos para
o setor público. A Eletrobrás vinha sofrendo desde a década de 1980 com o menor nível de
investimento em comparação com o PIB brasileiro, resultado dos problemas nas fontes de
financiamento do setor elétrico, o que veio a piorar com a Resolução 1.464 de 1988 do
Conselho Monetário Nacional que impediu as empresas estatais de obterem novos
financiamentos junto aos bancos oficiais, entre eles o BNDES e o Banco do Brasil.
Na década de 1990, o vel de investimentos das empresas do Sistema Eletrobrás,
principalmente para a expansão da capacidade instalada do seu parque gerador, veio a
piorar. Com o intuito de promover a entrada do capital privado no setor elétrico, o governo
FHC em 1995 editou dois decretos cassando 33 concessões
58
que anteriormente tinham sido
dadas para a exploração de empresas públicas, federais e estaduais. Segundo Chuahy e Victer
(2002), o governo federal também procurou restringir de todas as formas o crescimento da
capacidade instalada do setor público. Dessa forma, a reação da Eletrobrás a essas restrições,
tanto financeira quanto jurídica, foi de diminuir o ritmo dos investimentos, até porque a
empresa tinha sido incluída no programa de desestatização. Então, assim como as demais
empresas do setor elétrico que entraram no PND, a holding e as suas subsidiárias reduziram
seus investimentos e diminuíram de uma forma geral, o total de dívida
59
do Sistema
Eletrobrás, conforme a tabela 4.1. a seguir.
Tabela 4.1. - Dívida Total em R$ milhões de 2005
Ano
Sistema
Eletrobrás
Demais Total
1995 56.113 80.555 136.668
1996 45.624 74.872 120.496
1997 41.439 78.621 120.060
1998 42.066 97.664 139.730
1999 31.388 109.863 141.251
2000 30.331 107.070 137.401
2001 34.687 127.739 162.426
2002 38.853 144.934 183.787
2003 29.587 122.729 152.316
2004 28.947 114.978 143.925
2005
26.956
105.326
132.282
Fonte: ALMEIDA e NEGRÃO, 2006. p.36.
58
De acordo com Cachapuz (2002), dessas 33 concessões canceladas, oito eram de Furnas, nove da Eletronorte,
seis da CHESF e duas da Eletrosul.
59
Normalmente as empresas que entram no processo de privatização fazem um esforço para reduzirem o
tamanho da sua dívida para se tornarem mais atrativa para a iniciativa privada.
137
A partir do acordo afirmado com o Fundo Monetário Internacional (FMI) em 1999 e o
estabelecimento de metas de superávit primário, as restrições ao investimento das empresas
estatais do setor elétrico aumentaram consideravelmente. Os investimentos das empresas
estatais eram considerados como gastos públicos e comprometeriam as metas de superávit
primário do governo, que tinham como objetivo, abater as dívidas do setor público. Assim,
mesmo que a empresa tivesse meios de investir, ela precisaria de uma autorização superior
para fazer isso.
Fato que foi comprovado por Rousseff (2003) ao afirmar que na saída do cargo de
presidente da Eletrobrás, Firmino Sampaio dizia que a empresa apesar de ter mais de R$ 3,5
bilhões em caixa para investir, ela não recebia autorização para realizar esses investimentos.
“De fato, o acordo firmado com o FMI proíbe as empresas públicas de investirem, medida
referendada pelo Conselho Nacional de Desestatização (CND) no que diz respeito às
empresas públicas no programa de privatização” (ROUSSEFF, 2003, p.183). Dessa forma,
segundo Landi (2006), durante os governos FHC, a Eletrobrás basicamente limitou-se a
exercer o seu papel de holding das subsidiárias federais enquanto elas ainda não fossem
privatizadas e de administrar os programas do governo federal para o setor elétrico, como o
Luz no Campo, PROCEL e o RELUZ
60
.
Para Almeida e Negrão (2005) além do problema da redução dos investimentos das
empresas do Sistema Eletrobrás, um outro ponto a ser destacado é que a estrutura do setor
elétrico pós-reformas não ajuda a retomada dos investimentos para o aumento da capacidade
instalada do país. Para esses autores, a distribuição que é o segmento que vem sendo
privilegiado na repartição dos lucros do setor elétrico, é a atividade que representa uma menor
taxa de crescimento dos investimentos. “A redução dos investimentos como percentagem do
EBTIDA, embora comum a todos os segmentos, é menor acentuada no caso do Grupo
Eletrobrás” (ALMEIDA e NEGRÃO, 2005, p. 43).
Como pode ser visto na tabela 4.2, a EBTIDA das distribuidoras pertencentes à
ABRADEE
61
aumentou rapidamente partindo da base de 1995 até 2001, quando o resultado
das distribuidoras foi mais afetado do que as demais atividades do setor pelo período do
racionamento de energia elétrica. Porém, as empresas dessa atividade têm privilegiado a
60
Programa Nacional de Iluminação Pública Eficiente.
61
Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica.
138
distribuição de dividendos e juros sobre o capital próprio, ao invés de investir para aumentar
e/ou melhorar a sua rede de distribuição (tabela 4.3). É comum distribuidoras pagarem mais
do que o limite mínimo de 25% do lucro líquido aos seus acionistas, como é o caso da
CEMIG que adotou uma política de pagar pelo menos 50% do seu lucro líquido
semestralmente.
Dessa forma, a explicação para a redução dos investimentos das empresas do Sistema
Eletrobrás está mais do que fundamentada: por mais que existissem dirigentes das empresas
do Sistema alinhados com os ideais liberais do governo federal, de priorizar a iniciativa
privada e reduzir o tamanho e as atividades do Estado, a diminuição dos investimentos da
Eletrobrás ocorreria de qualquer forma. Existiam impedimentos legais e políticos à expansão
das atividades, limitações de financiamentos externos ao setor e limitações de caixa gerado
pelas atividades do Sistema Eletrobrás. Sem os investimentos necessários para aumentar a
capacidade instalada do Brasil, o racionamento de energia que aconteceu em 2001 também
não foi uma surpresa para os especialistas do setor elétrico.
A explicação elaborada pela comissão nomeada pelo governo mostrou claramente
que o racionamento o teria acontecido caso as obras identificadas nos planos
decenais da Eletrobrás tivessem sido executadas e as obras programadas não
estivessem atrasadas. Ficou evidente que o principal fator, responsável por quase
2/3 do racionamento, estava ligado à o implementação de novas usinas
(GOLDENBERG e PRADO, 2003, p.231).
Tabela 4.2. – Evolução do EBTIDA – R$ milhões de 2004
Ano
Sistema
Eletrobrás
Índice
Distribuidoras
ABRADEE
Índice
Demais
Empresas
Índice Total Índice
1995 2.524,4 100,0 5.275,3 100,0 1.594,2 100,0 9.393,9 100,0
1996 3.150,7 124,8 5.542,4 105,1 2.280,6 143,1 10.973,7 116,8
1997 3.711,3 147,0 5.568,8 105,6 1.943,5 121,9 11.223,6 119,5
1998 3.829,9 151,7 8.858,3 167,9 3.002,1 188,3 15.690,3 167,0
1999 3.956,6 156,7 8.956,2 169,8 2.602,0 163,2 15.514,8 165,2
2000 4.469,9 177,1 10.384,8 196,9 3.530,8 221,5 18.385,5 195,7
2001 6.051,1 239,7 13.301,7 252,1 4.774,4 299,5 24.127,2 256,8
2002 4.376,0 173,3 7.955,0 150,8 4.013,5 251,8 16.344,5 174,0
2003 5.638,6 223,4 9.521,7 180,5 5.057,2 317,2 20.217,5 215,2
2004
4.463,8
176,8
11.492,2
217,8
5.644,4
354,1
21.600,4
229,9
Fonte: ALMEIDA e NEGRÃO, 2005 p.40.
139
Tabela 4.3. – Evolução dos Investimentos como Percentagem do EBTIDA
Ano
Sistema
Eletrobrás
Distribuidoras
ABRADEE
Demais
Empresas
Total
1995
98,2%
100,6%
122,4%
103,6%
1996
93,7%
95,8%
78,9%
91,7%
1997
100,8%
107,9%
137,3%
110,7%
1998
125,7%
85,3%
93,0%
96,7%
1999 115,8% 72,3% 96,4% 87,4%
2000
72,7%
55,2%
94,2%
66,9%
2001
55,6%
44,7%
54,3%
49,3%
2002
95,3%
64,9%
56,6%
71,0%
2003 54,6% 44,1% 28,9% 43,2%
2004
64,2%
41,3%
17,3%
39,8%
Fonte: ALMEIDA e NEGRÃO, 2005 p.43.
Durante o período de reformas no setor elétrico, mais cinco planos decenais foram
realizados sob a coordenação da Eletrobrás, até a extinção do GCPS no ano de 1999. O
primeiro desses cinco planos foi concluído em dezembro de 1995, sendo analisado o período
de 1996 a 2005, se tornando o primeiro plano decenal de caráter apenas indicativo para a
expansão do setor elétrico brasileiro. Nesse plano, ficava claro a mudança de ideologia no
setor, ao se dar um papel central à iniciativa privada para a construção de usinas hidrelétricas
e termelétricas, ou seja, o crescimento da capacidade instalada a partir daquele momento
dependeria mais dos investimentos privados do que dos investimentos estatais.
O Plano 2000-2009 aprovado em dezembro de 1999 foi o último plano elaborado no
âmbito do GCPS, que teve a sua extinção automática com a finalização dos trabalhos desse
plano. Sem ter mais funções, a holding decidiu acabar com o Departamento de Planejamento
que estava ligado à Diretoria de Engenharia, e a partir de então, o Comitê Coordenador do
Planejamento da Expansão dos Sistemas Elétricos (CCPE) assumiria as atribuições do extinto
GCPS. Nesse último plano, foi previsto a construção em caráter emergencial de 49
termelétricas para tentar solucionar a iminente falta de energia nos sistemas interligados do
país. Segundo Chuahy e Victer (2002), o planejamento da expansão do setor elétrico ficou
prejudicado com o fim do GCPS e da desmobilização dos técnicos do Departamento de
Planejamento da Eletrobrás, além da crescente recusa das concessionárias privadas de
fornecerem dados concretos sobre a empresa e seu mercado, sob a alegação de segredo
empresarial.
140
4.3 - O NOVO PAPEL DA ELETROBRÁS PÓS-REFORMAS
Antes das reformas empregadas pelo governo FHC durante a década de 1990, a
Eletrobrás desempenhava importantes funções no setor elétrico. Para Leite (2007), a empresa
tinha cinco papéis principais: controladora das subsidiárias regionais Furnas, Eletronorte,
CHESF e Eletrosul e da parte brasileira de Itaipu; operadora dos sistemas interligados, através
da liderança no GCOI e CCON
62
; financiadora do setor elétrico e dos fundos setoriais;
responsável pela coordenação no GCPS, organismo responsável pelo planejamento do setor
elétrico brasileiro; e executora de variados serviços, como o PROCEL e o CEPEL. Pinto Jr.
(1998) também registra as principais funções da Eletrobrás antes das mudanças setoriais, que
para esse autor seriam quatro: a de holding; coordenação; planejamento; e financiamento
setorial.
4.3.1 - A Perda das Funções de Coordenação, Operação e de Agente Financeiro
Depois da reforma, a Eletrobrás perdeu para outras instituições, funções que estavam
sob a sua tutela, como o planejamento e a operação do sistema, assim como o financiamento
do setor elétrico, que por mais que a empresa continuasse administrando os fundos setoriais
como a RGR e a CDE
63
, a holding perdeu espaço para o BNDES como o principal agente
financiador dos novos empreendimentos no setor elétrico. O ONS foi criado em 1998 junto
com o MAE, absorvendo da Eletrobrás o papel de coordenador da operação do sistema
elétrico brasileiro, em substituição ao GCOI, que até aquele ano exercia essa função. Dessa
forma, a Eletrobrás foi obrigada a repassar em até nove meses ao ONS, as instalações e ativos
que constituíam o Centro Nacional de Operação do Sistema (CNOS) e os Centros de
Operação do Sistema (COS), assim como os demais ativos que faziam parte da coordenação
da operação do sistema elétrico. Após esse processo de transição, o GCOI seria extinto, no
entanto, o corpo técnico e o seu acervo seriam transferidos para o ONS, que esse não
poderia realizar a função que lhe foi dada sem uma boa estrutura e técnicos experientes no
assunto.
62
Comitê Coordenador de Operação do Norte/Nordeste.
63
Conta de Desenvolvimento Energético.
141
Segundo Landi (2006), com a entrada em operação do ONS e do MAE, a Eletrobrás
perdeu a função de controladora da geração de energia do sistema elétrico brasileiro, que o
ONS foi criado para a programação, operação e despacho da carga de energia do sistema, e o
MAE seria o ambiente onde seriam realizadas as compras e vendas de energia elétrica no
sistema interligado e onde seria definido o preço spot dessa energia comercializada.
Dessa forma, passamos a conviver com duas novas entidades, o ONS e o MAE, que
assumem a responsabilidade de executar as principais funções executadas, até
então, pela Eletrobrás, ou seja, otimizar a operação do despacho de carga do
sistema, bem como negociar a energia necessária para suprir os fluxos de energia.
Esta mudança institucional eliminou a tarefa de planejar da Eletrobrás transferindo-
a, principalmente, para o ONS (LANDI, 2006, p.127).
A tarefa da Eletrobrás de ser o agente financeiro setorial foi aos poucos sendo
transferida não em sua totalidade para o BNDES. De acordo com Bruni (2006), desde
quando foi criado, em 1952, para financiar principalmente empreendimentos nos setores de
energia, siderurgia e transportes, o BNDES assumiu uma importante função junto ao setor
elétrico de alavancar recursos para a expansão do setor. Esse papel de destaque foi diminuído
com a constituição da Eletrobrás, já que essa tarefa passaria a ser responsabilidade da holding,
passando o BNDES a ter um papel apenas secundário, financiando o setor apenas
indiretamente. Somente com a crise da década de 1980 que o padrão de financiamento para o
setor elétrico, que tinha a Eletrobrás como a grande balizadora de recursos, começou a ter
problemas e a gerar insatisfações.
Com as reformas do governo FHC e a dificuldade financeira vivida pela Eletrobrás,
coube ao BNDES voltar a ter um papel predominante como financiador do setor elétrico,
estando o banco a frente do processo de privatização das empresas do setor. Pinto Jr. (1998)
via uma disputa entre duas empresas estatais pelo posto de agente financeiro setorial, porém,
para esse autor, durante o período de transição de um modelo estatal para um modelo com
uma maior participação privada no setor elétrico, a Eletrobrás poderia atuar como mitigadora
de riscos, ao participar dos empreendimentos em suas fases iniciais e transferi-los para a
iniciativa privada após a conclusão das fases que apresentavam maiores riscos.
Com a crise energética de 2001, o BNDES passou a atuar de forma mais incisiva no
setor elétrico, dessa forma, o “banco manteve um padrão de financiamento muito superior aos
30% praticados na década de 1990, a sua participação nos financiamentos passou a variar de
142
60 a 90%, com custos de TJLP
64
mais uma remuneração de 1 a 3%” (BRUNI, 2006, p.79). No
entender de Bruni (2006), foi a partir da crise energética que o BNDES passou a orientar a
utilização gradativa do Project Finance nos financiamentos dos empreendimentos de energia.
Essa modalidade de financiamento não era anteriormente empregada devido à complexidade
dos contratos, isso ocorre das diferentes formas de percepção do risco e dos critérios para
contingenciamento de cada um dos parceiros, implicando custos de transação elevados e
contratos incompletos” (PINTO JR., 1998, p.221). No entender de Ferreira (2000), o BNDES
teria mais condições de ser o agente financeiro do setor do que a Eletrobrás, principalmente
pelo fato do BNDES ser um banco e por isso, ter mais facilidades para exercer esse papel.
Embora a Eletrobrás tenha demonstrado claramente habilidade no financiamento do
setor elétrico, questões como o risco de crédito devem ser melhor administradas por
uma instituição financeira, que também tem alternativas mais amplas de obtenção
de recursos (FERREIRA, 2000, p.202).
4.3.2 - A Perda das Funções Hierárquicas e de Planejamento
Outra função que anteriormente era exercida pela Eletrobrás e que após as reformas
setoriais a empresa não pôde desempenhar mais foi o papel hierárquico e de autoridade no
setor elétrico. Segundo Santana e Oliveira (1999), as características do sistema elétrico
brasileiro, onde a maioria do parque gerador é formada por hidrelétricas, as grandes distâncias
entre o local onde a energia é gerada e o seu mercado consumidor, possibilitam a troca
sazonal de energia entre os sistemas, criando uma complementaridade entre eles, mas para
isso, é necessário a construção e manutenção de toda uma infra-estrutura de redes de
transmissão para que o sistema como um todo possa ser beneficiado. Outro aspecto
importante do caso brasileiro é a existência de mais de uma usina hidrelétrica em um mesmo
rio e a necessidade de uma escolha intertemporal entre utilizar a água agora para produzir
energia ou economizá-la para o uso no futuro. Todos esses fatores implicam em uma
coordenação e planejamento da operação extremamente importante.
É no meio desse sistema interdependente que surge o papel hierárquico que era
exercido pela Eletrobrás. Por ser a holding de grandes empresas regionais responsáveis pela
maior parte da energia elétrica gerada no Brasil, além de ter participação acionária em muitas
distribuidoras de energia estaduais, até mesmo nas empresas já privatizadas, coordenar o
64
Taxa de Juros de Longo Prazo.
143
processo de planejamento da expansão do setor e a operação do sistema elétrico, através do
GCPS e do GCOI, a Eletrobrás estaria no topo da hierarquia setorial, exercendo certa
autoridade no setor elétrico. Santana e Oliveira (1999) explicam que a coordenação
centralizada desempenhada pela holding era bem-vinda e extremamente necessária para a
cooperação dos agentes do setor, caso contrário, seria praticamente impossível a otimização
dos recursos energéticos. Dessa forma, devido às características do setor elétrico brasileiro,
foi aberto um espaço considerável para as ações de coordenação da Eletrobrás, que
resultaram em uma estrutura quase que onipotente” (SANTANA e OLIVEIRA, 1999, p.378).
a autoridade exercida pela Eletrobrás sob os agentes do setor elétrico não era uma
autoridade regulamentada, oficial, era apenas um desenrolar natural dos acontecimentos.
Além de ter uma participação de destaque nas atividades de geração e transmissão e de liderar
instituições importantes como o GCOI e o GCPS, a Eletrobrás mantinha em sua carteira antes
das privatizações, participação acionária em todas as distribuidoras do país, influenciando
também nas decisões dessas empresas. Dessa forma, a Eletrobrás podia exercer um poder
discricionário, principalmente onde o processo de negociação era muito custoso, reduzindo os
custos de transação e induzindo a cooperação entre as empresas do setor.
Nestas circunstâncias, os mecanismos de controle e coordenação, específicos do
modelo de governança hierárquica do sistema Eletrobrás, que atuavam de maneira
compensatória à ausência de um instrumento de incentivo interno, criaram um
ambiente propício para a predominância de contratos relacionais fortemente
marcados pela subordinação (forbearance). Neste tipo de ambiente era comum a
não celebração de contratos entre geradoras e distribuidoras e, o que é mais
importante, as partes envolvidas em geral renunciavam a qualquer tipo de recurso a
instâncias superiores externas, como as cortes de justiça ou o órgão regulador, que
era capturado pela Eletrobrás (SANTANA e OLIVEIRA, 1999, p.379).
Após as reformas setoriais, a Eletrobrás perdeu importantes funções que anteriormente
eram coordenadas pela holding. Com o fim do GCPS e do GCOI e com a criação de
instituições com poderes semelhantes às extintas sem que a Eletrobrás estivesse em sua
liderança, somado às privatizações no setor elétrico, a perda da capacidade de investir e
financiar o setor elétrico e o incentivo a entrada do capital privado no setor, resultaram na
saída da Eletrobrás do topo da cadeia hierárquica do setor, passando a ser uma função do
mercado a coordenação e a otimização do sistema elétrico brasileiro.
O papel de comandar o planejamento setorial também foi outra função que a
Eletrobrás deixou de realizar, que em maio de 1999, foi promulgada a Portaria 150 pelo
14
4
Ministério de Minas e Energia criando o Comitê Coordenador do Planejamento da Expansão
(CCPE) como o novo órgão responsável pelo planejamento do setor elétrico, refletindo as
mudanças institucionais ocasionadas pelas reformas no setor. O CCPE tomaria o lugar e a
função do GCPS que seria extinto após o término da elaboração do Plano Decenal 2000-2009,
e o Conselho Diretor do Planejamento da Expansão seria presidido pelo Secretário de Energia
do MME (CHUAHY e VICTER, 2002). A substituição do GCPS na tarefa de planejar a
expansão do setor elétrico tinha sido proposta no relatório final do consórcio Coopers &
Lybrand, sugerindo que em seu lugar, fosse criado o Instituto de Desenvolvimento e Prestação
de Serviços do Setor Elétrico (IPSSE) para que o planejamento passasse a ter um caráter
apenas indicativo, e não mais impositivo
65
.
O CCPE não obteve êxito em sua tarefa de planejar a expansão das atividades do setor
elétrico, sendo substituído em 2004 pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), criada no
mesmo ano. A maior dificuldade encontrada pelo CCPE foi a de montar uma estrutura técnica
capaz de realizar as tarefas que lhe foram propostas, pois a área de planejamento da Eletrobrás
que era experiente nesse assunto e poderia ajudar na fase inicial de implementação do CCPE,
foi sendo desmantelada ao longo da década de 1990 (VIEIRA, 2005).
Quanto à tarefa de planejar, Rousseff (2003) argumenta que a própria característica do
complexo sistema elétrico brasileiro induziu o planejamento do setor elétrico a ter o caráter
determinístico, já que havia uma estreita relação entre o planejamento da operação e o da
expansão. A construção de usinas termelétricas ilustra bem essa visão, pois elas servem para
dar confiabilidade ao sistema, atuando de forma complementar na geração de eletricidade.
Toda vez que o risco de se ter um déficit de energia atinge 5%, as usinas termelétricas entram
em operação, servindo como um seguro contra problemas de geração. Portanto, como as
termelétricas precisam de um tempo para serem construídas, é necessário um bom
planejamento para que elas sejam introduzidas ao sistema elétrico brasileiro da forma mais
econômica e eficiente, reduzindo o risco de todo o sistema.
Resumindo, o caráter integrador da Eletrobrás na operação e no planejamento,
permitindo relações estreitas entre o GCPS e o GCOI, resultou em elevada
confiabilidade do sistema elétrico, ao assegurar os fundamentos para a produção de
energia mais barata e segura (ROUSSEFF, 2003, p.177).
65
A parte impositiva do planejamento seria apenas para a atividade de transmissão, a expansão da geração seria
apenas indicativa.
145
Assim, ao retirar a tarefa de planejamento do GCPS, que tinha a Eletrobrás como
coordenadora, e repassando para um novo órgão que não estava preparado para exercer essa
função, além de deixá-lo apenas como indicativo para a geração, ficava claro durante as
reformas promovidas pelo governo FHC que o planejamento do setor elétrico tinha perdido
força, admitindo a individualização do planejamento para dentro de cada empresa. Já no
governo Lula, o planejamento da expansão do setor elétrico tomou uma posição de mais
destaque nas decisões do setor, o que é traduzido pela criação da EPE, uma instituição mais
forte e capaz para realizar essa função.
Dessa forma, depois de perder algumas funções importantes que lhe foram concedidas
ao longo do tempo, entre elas, algumas que vinham sendo exercidas desde os primeiros
anos de atuação da empresa, a Eletrobrás continuou tendo um peso considerável no setor
elétrico brasileiro, com a tarefa de holding das empresas federais, Furnas, Eletronorte,
Eletrosul e CHESF, da participação brasileira de Itaipu, das subsidiárias de geração
Eletronuclear e CGTEE, além de contar sob seu domínio com concessionárias da área de
distribuição CEAL, CERON, CEPISA, Manaus Energia, Eletroacre e Boa Vista Energia. A
Eletrobrás também é a instituição mantenedora do CEPEL e tem a Lightpar
66
como uma de
suas subsidiárias.
Além de holding de empresas do setor elétrico, a Eletrobrás ainda permaneceu
responsável pela administração dos encargos e fundos setoriais, como a RGR e a CDE e
somado a isso, a Eletrobrás manteve a gestão e operação dos programas do governo federal
para o setor elétrico, como o Programa Luz para Todos, o Programa Nacional de Conservação
de Energia Elétrica (PROCEL) e o Programa de Incentivos às Fontes Incentivadas
(PROINFA).
4.4 - O CENÁRIO ATUAL E AS PERSPECTIVAS FUTURAS PARA O
SETOR ELÉTRICO
O setor elétrico brasileiro em julho de 2009 contava com a capacidade instalada de
104.703 MW, sendo aproximadamente 70% dessa capacidade de fonte hidráulica, distribuídos
66
A Lightpar foi criada em 1995 para administrar a participação acionária da Eletrobrás nas empresas paulistas
oriundas da cisão da Eletropaulo.
146
em 800 usinas hidrelétricas, 10,7% de gás e 5% de derivados do petróleo, como pode ser visto
na tabela 4.4. Em relação à atividade de transmissão, o país contava no final de 2008 com
94.800 km de linhas de transmissão, interligando quase todos os principais centros
consumidores de energia do país.
Tabela 4.4. - Capacidade Instalada e Contratos de Importação
Fonte Nº Usinas MW
% Capacidade
Disponível
Hidrelétrica 800 77.884,64 70,45%
Gás 121 11.844,29 10,71%
Petróleo 785 5.548,50 5,02%
Biomassa 330 5.548,74 5,02%
Nuclear 2 2.007,00 1,82%
Carvão Mineral 8 1.455,10 1,32%
Eólica 33 414,48 0,04%
Solar 1 0,02 < 0,01%
Importação Contratada* - 5.850,00 5,29%
Capacidade Disponível 2.080 110.552,77 100%
Fonte: SECRETARIA DE ENERGIA ELÉTRICA Ministério de Minas e Energias. Boletim
Mensal – Monitoramento do Sistema Elétrico Brasileiro, julho 2009.
* Paraguai e Venezuela
4.4.1 - Os Números do Setor Elétrico na Atualidade
Até julho de 2009, houve um incremento na produção de energia com a entrada em
operação de 1.692 MW no sistema elétrico do país. A dificuldade de se obter licenças
ambientais e de licitar hidrelétricas, principalmente as obras de grande e médio porte, pode ser
comprovada na tabela 4.5, onde fica claro que o acréscimo na capacidade de geração do país
por meio de fonte hidráulica cresceu menos do que de outras fontes de energia. A matriz
energética brasileira não vai ficar mais suja, porque houve um aumento expressivo de
empreendimentos que utilizam a biomassa para produzir energia elétrica, representado em
sete meses de 2009, um incremento de 12% no total de capacidade no final de 2008.
147
Tabela 4.5. - Entrada em Operação de Novos Empreendimentos em 2009 -
Geração (MW)
Sistema
Interligado
Sistemas
Isolados
Total
% sobre o
Total
UHE 50,00 0,00 50,00 2,96%
PCH 317,60 7,50 325,10 19,22%
Gás 61,20 0,00 61,20 3,62%
Petróleo 579,50 4,60 584,10 34,52%
Carvão Mineral 0,00 0,00 0,00 0,00%
Biomassa 599,90 0,00 599,90 35,46%
Eólica 71,60 0,00 71,60 4,23%
Total 1.679,80 12,10 1.691,90 100,00%
Acumulado até Julho/2009
Fonte
Fonte: SECRETARIA DE ENERGIA ELÉTRICA Ministério de Minas e Energias. Boletim
Mensal – Monitoramento do Sistema Elétrico Brasileiro, julho 2009.
Até 2011, ainda estão programados para entrarem em operação 15.671,5 MW (tabela
4.6), a grande parte oriunda de fontes poluentes, como o petróleo, gás e carvão mineral,
representando 46,1% do total. em relação às linhas de transmissão, nos sete primeiros
meses de 2009, foram adicionados ao sistema elétrico brasileiro, 1.359 km, a maior parte com
a tensão de 500 kV (55,1%) e o restante, de 230 kV. Até o final de 2011, a expectativa é de
que mais 13.427 km de linhas de transmissão sejam acrescentados aos 94.800 km da rede de
transmissão apurado em dezembro de 2008.
Tabela 4.6. - Empreendimentos em Implantação - Geração (MW)
Fonte 2009 2010 2011 Total
% sobre o
Total
UHE 910,3 1.950,3 1.695,6 4.556,2 29,07%
PCH 274,0 132,7 28,0 434,7 2,77%
Gás/Petróleo 1.059,6 3.946,2 785,5 5.791,3 36,95%
Carvão Mineral 0,0 350,0 1.080,4 1.430,4 9,13%
Biomassa 534,0 1.728,4 229,0 2.491,4 15,90%
Eólica 387,4 580,1 0,0 967,5 6,17%
Total
3.165,3
8.687,7
3.818,5
15.671,5
100,00%
Fonte: SECRETARIA DE ENERGIA ELÉTRICA Ministério de Minas e Energias. Boletim Mensal
– Monitoramento do Sistema Elétrico Brasileiro, julho 2009.
Os estados brasileiros nos últimos anos têm mantido certa constância na proporção da
produção de energia elétrica, essa situação mostra que mesmo com o “esgotamento” da
capacidade de aproveitamento de alguns rios, principalmente na região Sudeste e o grande
potencial ainda a ser explorado na região Norte, entre 2005 e 2007 (tabela 4.7) não variou
148
muito a importância de cada região na geração de energia elétrica. É importante destacar,
como se pode notar na tabela 4.8, que a capacidade instalada do Norte e Nordeste em relação
ao total da capacidade do país via fontes hidráulicas e termelétricas mantêm praticamente a
mesma proporção, as duas próximas dos 14%. O Centro-Oeste e a região Sul têm maior
importância na fonte hidro do que em termo, ao contrário da região Sudeste, que além de
deter 100% da fonte nuclear, as usinas Angra 1 e Angra 2 no Estado do Rio de Janeiro, ela
tem participação maior no total do país na geração por meio de termelétricas. Por último, por
mais que o Nordeste tenha as melhores condições para o aproveitamento da energia eólica,
confirmado pelo maior número de projetos (73%) e em potência instalada (71,6%) no
primeiro leilão dessa fonte de energia que vai ser realizado no segundo semestre de 2009, a
região o utiliza bem esse potencial, perdendo para a região Sul como o maior produtor de
energia por meio de fonte eólica.
Tabela 4.7. - Produção de Energia Elétrica por Região
Região 2005 2006 2007 Média
Norte 11,4 12,7 11,1 11,7
Nordeste 14,2 14,6 14,7 14,5
Sudeste 37,0 37,1 35,3 36,5
Sul 26,0 22,2 25,5 24,6
Centro-Oeste 11,3 13,5 13,4 12,7
Total 100,0 100,0 100,0 100,0
Fonte: EMPRESA DE PESQUISA ENERGÉTICA EPE. Balanço energético nacional
2008: ano base 2007.
Tabela 4.8. - Capacidade Instalada por Tipo de Geração
Região Hidro Termo Eólica Nuclear Total
Norte 13,7 14,0 0,0 0,0 13,4
Nordeste 14,2 15,5 32,0 0,0 14,2
Sudeste 30,9 47,2 0,4 100,0 35,7
Sul 28,1 16,5 67,6 0,0 25,2
Centro-Oeste 13,1 6,8 0,0 0,0 11,4
Total 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0
Fonte: EMPRESA DE PESQUISA ENERGÉTICA EPE. Balanço energético nacional 2008:
ano base 2007.
4.4.2 - O Problema da Renovação das Concessões
Em relação ao futuro do setor elétrico, a maior preocupação dos agentes do setor
atualmente é a questão da renovação das concessões. O problema é que até o ano de 2015
149
vencem as concessões de 58 usinas hidrelétricas que têm mais de 20% da capacidade
instalada de gerar energia do país, além de 73 mil quilômetros de linhas de transmissão, o que
equivale a quase 85% de todo o sistema. Somado a esses problemas, até o ano de 2017
vencem as concessões de 41 das 64 distribuidoras de energia, que segundo a maioria dos
especialistas, se realmente fosse seguida a Constituição brasileira, o governo federal deveria
levar tudo a leilão. A indefinição sobre esse tema causa transtornos às empresas e às
atividades do setor elétrico, tais como: dificuldade de captação de recursos frente às incertezas
dos recebíveis da empresa; insegurança quanto ao futuro da concessionária; perda de valor das
empresas; limitação da oferta de energia; desestímulos para novos investimentos para
modernizar os ativos que terão as suas concessões vencidas; entre outras dificuldades.
Para Batista (2009), três correntes sobre a interpretação do artigo 175 da
Constituição Federal, que aborda a questão da incumbência do poder público em prestar
serviços públicos diretamente ou sob regime de concessão ou permissão através de licitações.
A primeira corrente não admite a prorrogação das concessões, que estaria relacionada com o
período necessário à amortização dos investimentos realizados; a segunda corrente, que é a
posição majoritária dos especialistas, é que somente as concessões realizadas via licitações
podem ser prorrogadas; a terceira e última corrente, acredita que tanto as concessões que
foram objeto de licitações como as que não foram licitadas podem ser prorrogadas.
No estudo realizado por Batista (2009) envolvendo oito entidades e associações
representativas dos agentes do setor elétrico, como a Associação Brasileira de Distribuidores
de Energia Elétrica (ABRADEE) e a Associação Brasileira das Empresas Geradoras de
Energia Elétrica (ABRAGE), chegou-se a conclusão de que quase todas as entidades acham
que não existe legalmente uma forma de fazer a segunda prorrogação das concessões sem que
haja necessidade de se criar ou mudar a legislação ordinária. Outro resultado da consulta a
essas entidades é que somente as concessões das atividades de transmissão e distribuição, por
estarem sujeitas as revisões tarifárias periódicas, são as que podem ter as suas concessões
prorrogadas sucessivamente, desde que atendam as condições e a qualidade determinada pelo
órgão concedente
67
. Para a atividade de geração, certo consenso de que tem que haver um
caráter oneroso nessa nova prorrogação das concessões, repassando para o consumidor os
ganhos da amortização da maior parte das instalações.
67
O Poder Concedente tem a prerrogativa de criar novas obrigações para o concessionário quando for aprovada a
renovação das concessões.
150
O problema da renovação das concessões é maior para as hidrelétricas que geram
energia para o país. Ao contrário das termelétricas que têm igualado o seu tempo de vida útil
com o período de amortização dos investimentos realizados, a vida útil das hidrelétricas é bem
maior do que o prazo concedido nas concessões, que geralmente é de 30 anos, o que implica
em novas concessões para um ativo já amortizado ou em sua maior parte. Portanto, é
consenso entre os analistas do assunto que o preço da venda de energia desses ativos
amortizados deve ser menor do que anteriormente aplicado, beneficiando a todos os
consumidores e não apenas aos acionistas das empresas geradoras. Situação diferente das
distribuidoras e das concessionárias de transmissão, que são submetidas regularmente a
revisões tarifárias que procuram assegurar o equilíbrio econômico-financeiro da concessão, e
não da empresa que realiza o serviço.
Dessa forma, caso o governo federal queira levar a leilão principalmente a atividade de
geração, a disputa poderá ser de duas formas: pelo menor preço do serviço ou pelo maior
prêmio. O menor preço cobrado pelo serviço, nesse caso pela energia gerada, tem sido mais
utilizado pelo governo Lula, porém para essas hidrelétricas amortizadas, o menor preço
seria o de operação e manutenção (O&M) dos ativos. Portanto, por ser um valor muito baixo
em comparação com o valor da energia vendida pelas novas hidrelétricas, esse critério de
menor preço pode ser questionável. o critério de maior prêmio pago pelo concessionário
para explorar a energia gerada pela hidrelétrica amortizada pode ser uma alternativa, que o
ganhador da concessão pode repassar ao consumidor durante o período da concessão esse
prêmio pago inicialmente. Por gerar uma energia bem mais barata do que as hidrelétricas
ainda não amortizadas, o governo também ganha um espaço para elevar a sua arrecadação no
setor elétrico sem aumentar o preço pago pelo consumidor de energia elétrica.
Segundo cálculo de consultores ouvidos pelo jornal O Globo
68
, apenas as concessões
que vencem até 2015 das geradoras brasileiras valeriam cerca de R$ 175 bilhões considerando
o preço dio da energia e um contrato de 20 anos, descontado os custos necessários para a
produção dessa energia. Para a licitação desses ativos, seria necessária a contratação de
empréstimos e a utilização de um capital próprio novo para a aquisição de ativos velhos. Todo
esse capital poderia ser empregado para o benefício do país com o aumento da capacidade
instalada, porque é melhor para o investidor comprar uma usina, uma linha de transmissão ou
68
PAUL, Gustavo; TAVARES, Mônica. Risco de pane no setor elétrico. O Globo, Rio de Janeiro, 05 jul. 2009.
151
uma distribuidora de energia existente do que construir uma nova e ter que esperar alguns
anos para começar a recuperar o dinheiro investido. Assim, colocar em leilão uma instalação
existente, ao invés de estimular o aumento dos investimentos para garantir a qualidade, a
segurança e o crescimento do setor elétrico brasileiro, limita a realização de investimentos em
novos empreendimentos, o que não é bom para o país e seria uma escolha errada do governo.
Por mais que se soubesse anos que as concessões de importantes hidrelétricas,
linhas de transmissão e de distribuidoras de energia elétrica venceriam por volta de 2015,
apenas após a fracassada tentativa de leilão da CESP em 2008 que esse tema começou a ser
visto com maior preocupação. O fracasso foi devido ao reconhecimento de que as usinas
hidrelétricas de Jupiá (1.551 MW) e Ilha Solteira (3.444 MW) não poderiam ser renovadas
após o rmino da sua concessão em 2015. Essas duas hidrelétricas correspondem a dois
terços da capacidade de geração da CESP e com a incerteza sobre o futuro desses
empreendimentos, o valor da empresa seria bem menor, o que acarretou no fracasso do leilão.
Apesar de a maioria das concessões vencer em 2015, no curto prazo pode ser
sentido as repercussões desse imbróglio. É que em 2012 e 2013 terminam os contratos de
compra e venda de energia velha firmados entre as geradoras e distribuidoras de energia
elétrica. Os novos contratos vão determinar o ritmo de investimento do setor e para isso, é
necessário que nessa data já se tenha decidido o rumo da renovação das concessões. Somado a
isso, tem-se o prazo para encaminhar à ANEEL o pedido de renovação das concessões que é
de 36 meses, assim o ano limite para se enfrentar a maioria desse problema é 2012.
Por mais que o governo federal ainda não tenha se posicionado oficialmente sobre essa
questão da renovação das concessões, como afirma o diretor-geral da ANEEL, Nelson
Hubner
69
, a tendência é que haja a prorrogação das concessões, como tem afirmado o ministro
de Minas e Energia, Edison Lobão. Essa decisão teria um forte caráter político, pois como
apontam especialistas do setor, no caso das geradoras, uma nova licitação de hidrelétricas
principalmente no Nordeste como Xingó e Paulo Afonso, teria uma forte oposição de
políticos, mesmo os da base governista, contrários a passagem dessas hidrelétricas no rio São
Francisco para a iniciativa privada.
69
PAUL, Gustavo; TAVARES, Mônica. Risco de pane no setor elétrico. O Globo, Rio de Janeiro, 05 jul. 2009.
152
4.4.3 - A Utilização da Energia Nuclear e Eólica
Além da questão sobre renovação das concessões que vencem perto do ano de 2015,
outro item que voltou a tona nos últimos tempos no setor elétrico foi a questão da ampliação
do uso nuclear para a geração de energia elétrica. No Brasil, atualmente contamos com duas
usinas nucleares em operação, Angra 1 (657 MW) e Angra 2 (1.350 MW), gerando apenas
cerca de 2% da energia elétrica do país, pouco se comparado com outros países
desenvolvidos, como a França que gera 78% da sua energia através de usinas nucleares.
Apesar de ser impopular desde o desastre da usina de Chernobyl na Ucrânia em 1986 e de ser
considerada cara demais se comparado com outras formas de geração de energia elétrica, a
geração nuclear tem sido considerada ultimamente como uma alternativa ao aquecimento
global.
Muitos países, como a China, têm apostado no crescimento da utilização da energia
nuclear como alternativa para a necessidade de suprimento de energia elétrica imposta pelo
rápido crescimento econômico. Em junho de 2009, 45 novos reatores estavam sendo
construídos em 14 países no mundo para se juntar aos 438 reatores nucleares em operação
em 31 países, que têm uma capacidade de 370 GW (THOMÉ FILHO, CASTRO e
FERNANDEZ, 2009). Para ajudar esse movimento de expansão do uso da energia nuclear, o
Relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) organizado pela
ONU
70
, aprovado em Bangkok (Tailândia) em maio de 2007, que reuniu representantes de
150 países para debater as formas de redução do aquecimento global, o relatório considerou
que a energia de origem nuclear é uma alternativa à substituição dos combustíveis fósseis no
combate ao aquecimento global. Se pelos ambientalistas a notícia não foi bem recebida pelo
governo brasileiro foi comemorada. Para o governo federal, que anunciara a retomada do
projeto nuclear do país, ter respaldo de uma organização internacional foi um ponto positivo”
(BARRETO, 2008, p.3).
Para os ambientalistas, considerar a energia nuclear como limpa é um erro, pois ela
gera rejeitos nucleares que são radioativos e altamente cancerígenos. Essa visão pode ser
alterada depois do relatório do IPCC, pois esse tipo de energia não libera dióxido de carbono
na atmosfera, responsável pelo aquecimento global. Para Thomé Filho, Castro e Fernandez
(2009), a utilização da energia nuclear no Brasil tem razões diferentes da sua utilização em
70
Organização das Nações Unidas.
153
outros países. Nos países desenvolvidos, além da preocupação com o efeito estufa, a outra
razão para o incentivo ao uso dessa fonte de energia, é a diminuição da dependência desses
países frente ao fornecimento externo de carvão, petróleo e seus derivados e à volatilidade de
seus preços. em relação ao Brasil, a utilização da energia nuclear serve para complementar
a geração via hidrelétricas, principalmente nos períodos de menor quantidade de chuvas em
que os reservatórios estão mais vazios, e como ela não produz dióxido de carbono, a energia
nuclear leva vantagem nesse ponto em relação às termelétricas a gás, carvão ou de derivados
de petróleo. O segundo ponto destacado por Thomé Filho, Castro e Fernandez (2009), é o
desenvolvimento industrial e tecnológico do país, pois o incentivo ao uso nuclear acarretaria
em um maior esforço para se chegar ao domínio de todo o ciclo da produção de combustíveis
nucleares.
Dessa forma, o governo desde 2006 vem planejando a retomada do programa nuclear
brasileiro e em junho de 2007, o Conselho Nacional de Política Energética aprovou a
retomada da construção de Angra 3. A conclusão de Angra 3 foi incluída no Plano Decenal de
Energia (2006-2015), sendo que o prazo para a sua conclusão seria de cinco anos e meio ao
custo de R$ 7,2 bilhões, assim, a usina ficaria pronta em 2013 e teria a capacidade de 1.350
MW (BARRETO, 2008). A conclusão de Angra 3 é apenas o início de um plano mais
ambicioso de expansão de uso da energia nuclear. O Plano Nacional de Energia 2030
elaborado pela EPE trabalha com a implantação de novas usinas nucleares pelo país. A
decisão de construir duas usinas nucleares com a potência de 1.000 MW cada uma, na região
Nordeste, na faixa litorânea entre a Bahia e Pernambuco
71
, já movimenta políticos para levar
para o seu estado essas novas usinas, devido ao aumento na arrecadação de impostos e na
movimentação da economia local.
Apesar da construção de Angra 3 constar no Programa de Aceleração do Crescimento
(PAC) e a sua entrada em operação estar prevista para 2014, um importante ponto ainda não
foi totalmente esclarecido – o local onde será construído um depósito definitivo para estocar o
rejeito de alta radioatividade produzido pelas usinas nucleares. Mesmo assim, o Ibama
concedeu em julho de 2008 a licença para a construção do canteiro de obras da usina de
Angra 3 e em março de 2009, concedeu a licença de instalação da usina. Devido à retomada
do programa nuclear brasileiro, a necessidade de aumentar a produção de urânio no país,
71
Essa região poderá abrigar até seis usinas nucleares com 1.000 MW de potência cada uma delas.
154
que tem a sua mais importante mina no município de Caetité na Bahia, produzindo cerca de
400 toneladas de urânio por ano e que deverá triplicar a sua produção na próxima década.
Cabe ainda a ressaltar que com a retomada do programa de geração termonuclear
pós Angra 3 segue-se uma tendência do mundo na atualidade, atendendo ao
objetivo de ampliar o parque gerador mitigando uma exposição excessiva aos riscos
hidrológicos inerentes ao sistema elétrico brasileiro, e também não contribuir para o
aumento do efeito estufa. Além disso, o Brasil detém reservas de minério de urânio
e tecnologia para produção autônoma do combustível nuclear para estas três usinas
e as próximas que estão previstas (THOMÉ FILHO, CASTRO e FERNANDEZ,
2009, p.13).
Não é apenas a energia gerada pela fonte nuclear que está sendo incentivada pelo
governo brasileiro. O aumento da proporção utilizada da biomassa e da energia eólica na
matriz energética brasileira também é uma meta para o governo, que em 2007 a biomassa
contribuía com 4,1% da oferta interna de energia elétrica e a energia eólica, apenas 0,1%. Para
simbolizar a importância desse tema para o futuro do setor elétrico brasileiro, esmarcado
para novembro de 2009 o primeiro leilão de energia eólica. Segundo a EPE, 441
empreendimentos foram inscritos no leilão que juntos somam a capacidade instalada de
13.341 MW, espalhados em 11 estados de três regiões do país. O Nordeste foi a região com
mais projetos inscritos, com 322 projetos e 9.549 MW, aproximadamente 72% do total,
seguido da região Sul, com 3.594 MW (27% do total) distribuídos em 111 projetos. Entre os
estados brasileiros, os três com maior número de projetos inscritos são em ordem: Rio Grande
do Norte (134), Ceará (118) e Rio Grande do Sul (86).
Segundo o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão
72
, o governo estipulará em
novembro o total de energia que será comprada no leilão de energia eólica, que deverá ficar
entre 4.000 e 6.000 MW e o preço teto da energia, que atualmente está em cerca de R$
270/MW, quase o dobro do preço pago pela energia comprada de termelétricas. Ainda
segundo Edison Lobão, o Brasil teria condições de produzir até 140.000 MW de energia
eólica. De acordo com as regras estabelecidas em Portaria do MME, os contratos de energia
que serão firmados nesse leilão terão o início de suprimento em de julho de 2012 e prazo
contratual de fornecimento de 20 anos.
O Plano Decenal de Energia (2008-2017) sinaliza um forte crescimento das fontes
alternativas na matriz energética brasileira. Segundo os números do plano, a previsão é que a
72
RODRIGUES, Lorenna. Leilão de energia eólica tem 441 projetos inscritos. Folha Online, São Paulo, 16 jul.
2009.
155
base de energia gerada por eólicas aumente 419% e a de biomassa, em torno de 324%. a
energia gerada pelas usinas hidrelétricas, onde também estão incluídas as pequenas centrais
hidrelétricas (PCHs), cresceria apenas 38%, bem abaixo do aumento previsto para as fontes
eólica e biomassa, que partem de uma base bem mais baixa.
4.4.4 - A Construção da Hidrelétrica de Belo Monte
Em relação aos maiores empreendimentos que aumentarão a capacidade instalada
brasileira, pode-se destacar a conclusão das obras das hidrelétricas de Jirau (3.300 MW) e
Santo Antônio (3.150 MW), ambas no rio Madeira no Estado de Rondônia. Além dessas
hidrelétricas que se encontram em construção com a previsão da entrada em operação entre
2012 e 2013, outro empreendimento importante para o incremento da geração de energia
elétrica no Brasil, é o projeto de construção no rio Xingu da hidrelétrica Belo Monte, no
Estado do Pará.
Os estudos para a construção de Belo Monte começaram em 1980, com o inventário
sobre o potencial hidrelétrico da bacia do rio Xingu. Em 1987, a Eletrobrás elaborou um plano
de expansão para o setor elétrico, conhecido como Plano 2010 com informações sobre os
empreendimentos que deveriam estar concluídos no ano de 2010. Entre os empreendimentos
listados, estavam à hidrelétrica de Kararaô e Babaquara, que posteriormente passaram a ser
chamadas respectivamente de Belo Monte e Altamira. A proposta de construção da
hidrelétrica de Belo Monte é controversa devido à magnitude do projeto e a eventual
construção de novas usinas hidrelétricas para regularizar a vazão do rio Xingu, as questões
financeiras do grandioso projeto e os impactos ambientais em uma área de florestas e de
reservas indígenas.
Apesar dos problemas encontrados pelo governo federal para construir Belo Monte, o
governo marcou para o segundo semestre de 2009 o leilão da usina, mesmo sem ter saído a
licença ambiental do empreendimento. No início de junho a justiça do Pará suspendeu a
aceitação dos estudos sobre os impactos ambientais da obra com a justificativa de que ficou
faltando a realização de estudos antropológicos de impacto sobre as comunidades indígenas
da região, como exige o parágrafo do Art. 231 da Constituição Federal. Mesmo assim, o
governo insiste em realizar o leilão da hidrelétrica justificada pela necessidade de aumentar a
156
capacidade instalada do país e pelas características do rio Xingu, propícias à construção de
hidrelétricas, pois a sua declividade ajudaria na geração de energia elétrica. A hidrelétrica de
Belo Monte foi incluída no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), com o seu prazo
para a conclusão da obra inicialmente previsto para 2014, e no Plano Decenal de Energia
(2007-2016), podendo atender em 2020 a 6,4% da demanda por energia elétrica no país.
O relatório final dos estudos de viabilidade do CHE Belo Monte, elaborado pela
Eletrobrás e pela Eletronorte, foi encaminhado à ANEEL em 28 de fevereiro de
2002. De para cá, por várias vezes, a capacidade de geração de energia elétrica
do aproveitamento hidrelétrico de Belo Monte, apresentada nos estudos de
viabilidade, foi contestada por diversos órgãos e pessoas [...] (CARDINOT et al.,
2007, p.2).
Para os especialistas que são a favor da construção de Belo Monte, o empreendimento
deve ser aprovado por ter uma pequena relação entre área inundada e capacidade instalada,
que seu reservatório seria de apenas 440 km² e a capacidade da usina seria de 11.181 MW.
Houve uma redução considerável do tamanho do reservatório necessário para Belo Monte,
passando dos 1.200 km² proposto inicialmente para pouco mais de 400 km² (FEARNSIDE,
2005). Porém, para as pessoas contrárias a construção da usina, Belo Monte seria apenas o
menor dos problemas, que a construção da usina facilitaria a construção de outras
hidrelétricas rio acima.
A hidrelétrica de Belo Monte propriamente dita é apenas a ‘ponta do iceberg’ do
impacto do projeto. O impacto principal vem da cadeia de represas rio acima,
presumindo que o embalo político iniciado pela Belo Monte aniquilaria o sistema
de licenciamento ambiental, ainda frágil, do Brasil. Este é o quadro provável da
situação para a maioria dos observadores não ligados à indústria hidrelétrica. Das
represas rio acima, o reservatório de Babaquara, com duas vezes a área inundada da
barragem de Balbina, seria o primeiro a ser criado. Autoridades do setor elétrico se
esforçam para separar o projeto Belo Monte propriamente dito do seu impacto
principal, que é o de incentivar as megabarragens planejadas a montante
(FEARNSIDE, 2005, p.8).
A justificativa para a construção de novas hidrelétricas no rio Xingu, principalmente
rio acima seria, além de gerar energia adicional nesses empreendimentos, a de regularizar a
vazão do rio. “A existência de Belo Monte aumentaria grandemente a atratividade financeira
das represas a montante” (FEARNSIDE, 2005, p.11). Dessa forma, seria evitado que apenas
em poucos meses do ano Belo Monte produzisse energia na sua capacidade máxima. Porém,
para isso, uma enorme represa precisaria ser criada, inundando uma área de 6.140 km², parte
dela de reservas indígenas e de floresta tropical.
157
Além da questão ambiental, outro problema que ainda precisa ser discutido com a
sociedade é a viabilidade econômica da hidrelétrica de Belo Monte. Inicialmente, o
empreendimento estava orçado em R$ 7 bilhões, mas até hoje ainda o se sabe ao certo o
real valor da obra. Por mais que não haja consenso sobre o valor do empreendimento, é
unânime no setor que Belo Monte custará mais do que os R$ 7 bilhões, devendo ter o seu
custo em torno de R$ 20 bilhões, porém especialistas mais pessimistas apontam em até R$ 30
bilhões o valor total da usina, o que praticamente a inviabilizaria economicamente, pois o
custo da energia gerada por essa usina seria muito alto. As pessoas contrárias ao projeto ainda
afirmam que apesar da usina ter capacidade de produzir mais de 11.000 MW, estudos
comprovam que a potência média real seria de apenas 4.462 MW, sendo que a potência
máxima só seria alcançada em 3 meses do ano, acontecendo uma drástica diminuição na
produção no período de seca do rio Xingu, podendo reduzir a energia gerada para menos de
2.000 MW nesse período.
4.5 - OS NÚMEROS ATUAIS DO SISTEMA ELETROBRÁS E AS
PERSPECTIVAS FUTURAS PARA A EMPRESA
Atualmente, o Sistema Eletrobrás é composto por 15 empresas, além da holding. Na
área de geração e transmissão, fazem parte do Sistema: Eletronorte; Eletrosul; Eletronuclear;
Furnas; CHESF; CGTEE; e 50% da Itaipu Binacional. Na atividade de distribuição, a
Eletrobrás conta com: CEAL; CEPISA; CERON; Eletroacre; Manaus Energia; e Boa Vista
Energia. Além das áreas de geração, transmissão e distribuição, o Sistema Eletrobrás também
conta com a Eletropar - antiga Lightpar, e é a mantenedora do CEPEL.
4.5.1 - Os Números do Sistema Eletrobrás
Somadas a essas 15 empresas, a Eletrobrás também mantém participação em muitas
empresas públicas e privadas do setor elétrico, como mostram as tabelas 4.9 e 4.10. O
quantitativo de trabalhadores do Sistema Eletrobrás ao final de 2008 somou 27,6 mil pessoas,
um crescimento de 22% frente ao ano de 2007, sendo 1.002 funcionários da holding.
158
Tabela 4.9. - Participação da Eletrobrás nas Empresas que
Compõem o Sistema Eletrobrás
Furnas 99,54% CEAL 75,16%
CGTEE 99,94% CEPISA 98,56%
Eletronorte 98,66% CERON 99,96%
Eletrosul 99,71% Eletroacre 93,29%
CHESF 99,45% Manaus Energia 100,00%
Eletronuclear 99,81%
Itaipu 50,00%
Participações Pesquisa
Eletropar 81,61% Cepel 100,00%
Participação Participação
Geração /
Transmissão
Distribuição
Boa Vista
Energia
98,66%
Fonte: CENTRAIS ELÉTRICAS BRASILEIRAS S.A. ELETROBRÁS.
DFP - Demonstrações financeiras padronizadas, 2008.
Tabela 4.10. - Participação da Eletrobrás em Empresas do Setor Elétrico
Empresas Participação Empresas Participação Empresas Participação Empresas Participação
Rede Lajeado 40,07% CTEEP 35,29% CELB 0,61% CEMAR 33,57%
CEB Lajeado 40,07% CESP 2,05% CDSA 0,13% COPEL 0,56%
Paulista Lajeado 40,07% CEB 3,29% COELCE 7,06 EEB 0,11%
EDP Lajeado 40,07% CGEEP 0,47% ETEP 23,75% EMAE 39,02%
AES Tietê 7,94% CEA 0,03% Guascor 6,34% ELEJOR 47,00%
CELG 0,07% EATE 32,41% SAELPA 10,55% CEMAT 40,92%
CELPE 1,56% CEEE-D 32,59% CEEE-GT 32,59% CER 0,01%
CELPA 34,24% CELESC 10,75% Tangará 25,47%
Fonte: CENTRAIS ELÉTRICAS BRASILEIRAS S.A. ELETROBRÁS. DFP - Demonstrações financeiras
padronizadas, 2008.
A Eletrobrás terminou o ano de 2008 com uma capacidade instalada de 39.402 MW,
divididos em 28 usinas hidrelétricas, 15 termelétricas e duas usinas nucleares, considerando as
empresas do Sistema adicionado com os 50% da capacidade da hidrelétrica binacional Itaipu,
o que representa próximo dos 38% do total da capacidade instalada do mercado brasileiro,
assim, a Eletrobrás é de longe, a maior geradora de energia do país. Entre as suas empresas
geradoras, a CHESF tem a maior capacidade instalada, 10.618 MW, ou seja, quase 27% do
total do Sistema Eletrobrás, seguido de perto pela Eletronorte (9.173 MW) e Furnas (9.084
MW), ambas com mais de 23% do total. Segundo o banco de informações de geração da
ANEEL, atualmente caso fossem contadas separadamente, essas três empresas se
encontrariam nas três primeiras posições no ranking de maiores geradoras em capacidade
159
instalada do Brasil, tendo a CESP em quarto lugar, seguida da parte brasileira da Itaipu
Binacional, Tractebel e CEMIG.
Apesar de ter próximo dos 38% da capacidade instalada do país, segundo dados da
Eletrobrás
73
, as suas empresas (incluindo Itaipu) foram responsáveis no ano de 2008, pela
geração de 58% da energia do Brasil, a explicação para esse fato é que a Eletrobrás tem uma
menor participação de termelétricas em seu total de capacidade instalada para geração de
energia em relação ao resto do país, e uma parte dessas termelétricas entra em operação
para garantir a segurança do sistema elétrico brasileiro, principalmente quando uma
redução nos reservatórios das hidrelétricas, ou seja, elas funcionam de maneira complementar
a energia gerada pelas hidrelétricas.
Na tabela a seguir, é possível verificar os números do Sistema Eletrobrás na
capacidade de gerar energia, dividido por tipo de geração, destacando a diferença na
composição dessa capacidade em relação ao restante do país, que na Eletrobrás a
capacidade instalada da fonte hidráulica corresponde a 87% do total, se for levado em
consideração Itaipu, ou 84% sem a hidrelétrica binacional, e para o Brasil como um todo,
apenas 70,5% da capacidade instalada corresponderia a hidrelétricas. Dessa forma, percebe-se
a importância da fonte hidráulica para a Eletrobrás, contando com grandes empreendimentos,
como as hidrelétricas de Tucuruí (8.370 MW), 50% de Itaipu (7.000 MW), Complexo de
Paulo Afonso (3.984 MW), Xingó (3.162 MW), Serra da Mesa (1.275 MW), Furnas (1.226
MW) e Sobradinho (1.050 MW), todas as sete com a capacidade maior do que 1.000 MW.
Tabela 4.11. - Capacidade Instalada das Empresas do Sistema Eletrobrás em 31/12/2008
Potência
(MW)
Usinas
Potência
(MW)
Usinas
Potência
(MW)
Usinas
Potência
(MW)
Usinas com Itaipu sem Itaipu
CGTEE
0 0 490 3 0 0 490 3
1,2% 1,5%
CHESF 10.268 14 350 1 0 0 10.618 15
26,9% 32,8%
Eletronorte
8.694 4 479 6 0 0 9.173 10
23,3% 28,3%
Eletronuclear
0 0 0 0 2.007 2 2.007 2
5,1% 6,2%
Furnas
8.122 8 962 2 0 0 9.084 10
23,1% 28,0%
Manaus Energia
250 1 780 3 0 0 1.030 4
2,6% 3,2%
Itaipu (50%)
7.000 1 0 0 0 0 7.000 1
17,8% 0,0%
Total 34.334 28 3.061 15 2.007 2 39.402 45 100,0% 100,0%
Hidráulica Térmica Nuclear Total % do Total
Empresas
Fonte: CENTRAIS ELÉTRICAS BRASILEIRAS S.A. – ELETROBRÁS. Relatório anual, 2008.
73
ELETROBRÁS, Senior Unsecured Notes due 2019, Roadshow Presentation, July 2009.
160
Em relação à atividade de transmissão, as empresas do Sistema Eletrobrás eram
responsáveis no final de 2008 por 52.537 km de linhas de transmissão
74
, correspondendo a
mais da metade do sistema de transmissão brasileiro. Ao longo do ano, essas empresas
incorporaram aos seus sistemas 504 km de linhas de transmissão e mais 695 km em parcerias
com a iniciativa privada por meio de Sociedades de Propósitos Específicos (SPE). Dentre as
empresas do Sistema Eletrobrás, a CHESF com 18.010 km e Furnas com 16.950 km
representam mais de 66% do total, que ainda conta com linhas de transmissão da Eletronorte
(9.027 km), Eletrosul (8.165 km) e em menor participação, a Manaus Energia (365 km).
Em 2008, a Eletrobrás realizou R$ 3,9 bilhões em investimentos, o que corresponde a
apenas um pouco mais de 60% dos R$ 6,2 bilhões projetados. Na aplicação desses recursos,
52% foram para a ampliação da capacidade de geração da Eletrobrás, destacando a
implantação das hidrelétricas Simplício (334 MW) e Passo São João (77 MW), e a
implantação da fase C da termelétrica Candiota III (350 MW). Na tabela 4.12 pode ser visto a
distribuição dos investimentos realizados pela Eletrobrás separados pela sua natureza,
destacando a realização de investimentos na qualidade ambiental. As empresas do Sistema
Eletrobrás, isoladamente ou por meio de consórcios, têm participado ativamente dos últimos
leilões promovidos pela ANEEL para a construção de empreendimentos de transmissão,
durante 2008, nos quatro leilões realizados pela agência, as empresas do Sistema arremataram
13 dos 29 lotes leiloados, um total de 6.415 km, o que representa quase 60% dos 10.813 km
totais licitados no ano.
Tabela 4.12. - Distribuição dos Investimentos Realizados pela Eletrobrás
Natureza dos Investimentos
(R$ milhões)
2007 2008 Variação
Geração
1.284 2.019
57,2%
Transmissão
1.288 1.190
-7,6%
Distribuição
332 384
15,7%
Qualidade Ambiental
20 30
50,0%
Pesquisa
18 28
55,6%
Infra-estrutura
162 227
40,3%
Total Geral 3.104 3.878 24,9%
Fonte: CENTRAIS ELÉTRICAS BRASILEIRAS S.A. ELETROBRÁS. DFP -
Demonstrações financeiras padronizadas, 2008.
74
ELETROBRÁS, Relatório Anual, 2008.
161
4.5.2 - As Mudanças na Lei que Dispõe sobre a Eletrobrás
Essa maior participação em leilões da ANEEL é mais uma demonstração de como a
Eletrobrás voltou a ter um papel fundamental para o contínuo desenvolvimento do setor
elétrico brasileiro. Essa nova guinada no rumo da Eletrobrás veio em 2008, com a
promulgação da Lei 11.651 no dia 7 de abril que dava uma nova redação ao § 1
o
do Art. 15°
da Lei 3.890-A, que autorizou a União a criar a Eletrobrás em 1961. Essa nova lei em seu
artigo as seguintes determinações: “A Eletrobrás, diretamente ou por meio de suas
subsidiárias ou controladas, poderá associar-se, com ou sem aporte de recursos, para
constituição de consórcios empresariais ou participação em sociedades, com ou sem poder de
controle, no Brasil ou no exterior, que se destinem direta ou indiretamente à exploração da
produção ou transmissão de energia elétrica sob regime de concessão ou autorização”.
Essas pequenas alterações na lei que regulamenta a atuação da Eletrobrás permitiram
que a empresa tivesse mais liberdade para agir, obtendo uma maior igualdade de condições
frente aos seus concorrentes privados e ampliando o seu escopo de atuação. Essa nova cara
dada à Eletrobrás representava um desejo do governo Lula de transformar a empresa em uma
Petrobras do setor elétrico, ou seja, criar uma mega-empresa que seria respeitada no mercado
internacional. Para Castro e Gomes (2008), essa alteração na lei abre três importantes espaços
que a Eletrobrás pode usar para aumentar os seus empreendimentos: possibilidade de atuação
no exterior, principalmente na América do Sul para promover a integração energética dos
países da região, abrindo possibilidades para investimentos de empresas brasileiras de
engenharia e equipamentos voltados para o setor elétrico; investir em atividades que estejam
indiretamente ligadas à produção e transmissão de energia elétrica, como a participação em
leilões da ANP
75
em áreas para a geração de gás natural, garantindo a um menor preço um
insumo para as termelétricas; e o terceiro espaço é a possibilidade de participação das
empresas do Sistema Eletrobrás como majoritárias em consórcios com demais empresas do
setor, competindo em igualdade de condições com as empresas privadas.
Assim, uma justificativa econômica para a mudança no texto legal no que concerne
ao aumento do âmbito de atuação da estatal federal (participação majoritária em
consórcios) é possibilitar, quando necessário e estratégico for, um maior equilíbrio
nas participações públicas e privadas no setor elétrico, para evitar as distorções e
riscos potenciais. Desta forma, o Estado amplia a capacidade de ação e de política
econômica setorial, podendo usar este instrumento quando e onde necessário for
(CASTRO e GOMES, 2008, p.13).
75
Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis.
162
Depois que a lei que modificou as possibilidades de atuação da Eletrobrás foi
aprovada, a estatal começou a elaborar um plano de reestruturação focado na competitividade
e rentabilidade dos negócios das empresas do Sistema Eletrobrás. Dessa forma, foi elaborado
o Plano de Transformação da Eletrobrás e o Programa de Ações Estratégicas (PAE) para o
período 2009-2012. O primeiro envolve mais de quarenta ações com o objetivo de reestruturar
todas as empresas do Sistema Eletrobrás, tornando-as mais competitivas e aptas a expandir os
seus negócios, remunerando adequadamente os seus acionistas. Para coordenar esse trabalho,
foi instituído o Comitê de Gestão da Transformação do Sistema Eletrobrás (CGTE), composto
por representantes de todas as empresas do Sistema e das diretorias da holding, para definir as
diretrizes do plano e monitorar se os objetivos traçados estão sendo atingidos.
Já o PAE foi o primeiro plano integrado para todas as empresas do Sistema Eletrobrás,
sendo listados os objetivos, os fatores críticos e as metas para o período correspondente a
2009-2012. Está previsto o investimento de R$ 30,2 bilhões nesse período para entre outros
objetivos, a implementação de mais de 6.000 MW de capacidade instalada para geração de
energia e mais de 10.000 km de linhas de transmissão. O plano está estruturado em seis
pontos: (i) governança corporativa; (ii) imagem da empresa; (iii) internacionalização; (iv)
gestão corporativa; (v) investimentos; e (vi) gestão de pessoas.
No primeiro ponto, o objetivo é melhorar os requisitos de sustentabilidade do Sistema
Eletrobrás, através da listagem no Dow Jones Sustainability Index e a ascensão ao nível 2 de
Governança Corporativa da Bovespa, ambos as metas a serem atingidas até 2012. Já no
segundo ponto, a meta é consolidar a imagem da Eletrobrás junto ao público, como um agente
importante para o crescimento sustentável do país. Para a internacionalização da empresa, a
meta a ser atingida é a conclusão de estudos para a construção de 11.000 km de linhas de
transmissão e a geração de 18.000 MW a 2012. Para a gestão corporativa, o objetivo é
“alinhar e otimizar processos que permitam uma atuação integrada e ganhos de
competitividade” (ELETROBRÁS, 2009c, p.12). na gestão de pessoas, o objetivo seria
alcançar a valorização do quadro de funcionários das empresas e a Eletrobrás passar a ser
considerada uma das melhores empresas para se trabalhar no Brasil.
Ao se admitir que o fomento de um excelente clima organizacional depende do
desenvolvimento de uma política integrada de gestão de pessoas que considere
simultaneamente diversos aspectos relevantes, o postulados como fatores críticos
de sucesso: o Plano de Carreiras e Remuneração do Sistema Eletrobrás; o Plano
Unificado de Benefícios; o Sistema de Gestão de Desempenho com base em
resultados; o Programa Integrado de Desenvolvimento de Pessoas e um programa
163
formal de mobilidade dos quadros nas diversas empresas (ELETROBRÁS, 2009c,
p.13).
Quanto aos investimentos, dentre os objetivos do programa destaca-se a tentativa de
aumento do retorno sobre os investimentos a serem realizados, a busca pelo equilíbrio
econômico-financeiro das seis distribuidoras do Sistema Eletrobrás e a viabilização de
empreendimentos futuros. No PAE 2009-2012 estão previstos investimentos de R$ 30,2
bilhões, uma média de R$ 7,6 bilhões anuais, quase 60% do total investido nos dois primeiros
anos, sendo R$ 14,7 bilhões na atividade de geração, R$ 6,3 bilhões em transmissão, R$ 5,9
bilhões na área de distribuição e mais R$ 3,3 para outros investimentos, como pode ser visto
na tabela 4.13. Desse total de investimentos, a meta é atingir a implementação de 6.459 MW
em geração e 10.386 km de linhas de transmissão, aumentando o alcance do sistema
interligado nacional.
Além da implementação dessa capacidade instalada, outra meta do PAE é a finalização
de estudos de importantes projetos, como as hidrelétricas de Marabá (2.160 MW), Serra
Quebrada (1.328 MW) e as seis usinas do Complexo Tapajós (10.682 MW), além da
conclusão dos estudos antropológicos da hidrelétrica de Belo Monte (11.181 MW). O
aumento da utilização de usinas nucleares também está na pauta do programa, com o início
das obras de Angra 3 (1.405 MW) que tem prevista a entrada em operação no final de 2014 e
a obtenção do apoio do Ministério de Minas e Energia para a construção das UTNs Nordeste
1 e 2 e Sudeste 1 e 2 e a decisão dos locais para a implantação dessas usinas.
Tabela 4.13. - Investimentos 2009/2012 - Corporativo + Parcerias (R$ Milhões)
Investimento 2009 2010 2011 2012 Total % do Total
Geração
4.516 3.426 3.582 3.220
14.744 48,77%
Transmissão
2.545 2.324 1.182 288
6.339 20,97%
Distribuição
1.046 1.997 1.512 1.307
5.862 19,39%
Outros 592 1.255 747 694 3.288 10,88%
Total 8.699 9.002 7.023 5.509 30.233 100,00%
Fonte: CENTRAIS ELÉTRICAS BRASILEIRAS S.A. ELETROBRÁS. Programa de Ações Estratégicas do
Sistema Eletrobrás (PAE 2009 - 2012).
Outro ponto abordado no PAE é a meta de redução do PMSO
76
das seis empresas
distribuidoras que fazem parte do Sistema Eletrobrás, até que elas alcancem o valor da
76
PMSO representa a soma dos custos de pessoal, materiais, serviços de terceiros e outros custos.
164
empresa de referência estipulado pela ANEEL nas revisões tarifárias que ocorrem de quatro
em quatro anos. Por mais que essas empresas demandem uma boa quantidade de recursos com
uma baixa rentabilidade e os grandes projetos de geração e transmissão previstos nos
investimentos do PAE 2009-2012 não deixem muitos recursos para outras atividades,
atualmente a área de distribuição de energia passou a ser considerada um importante negócio
para a Eletrobrás, mesmo sem trazer um bom resultado para as contas do Sistema Eletrobrás.
4.5.3 - O Aumento dos Investimentos em Distribuição e a Medida Provisória 466
O resultado das distribuidoras melhorou bastante em 2008, porém não chega perto do
resultado das geradoras e transmissoras. Em 2007, as seis distribuidoras deram um prejuízo de
R$ 1,2 bilhão, o que foi revertido no ano seguinte para um lucro de R$ 53 milhões, devido
principalmente à rubrica Recuperação de Despesas Diversas na Manaus Energia, no valor de
R$ 784 milhões frente aos R$ 17 milhões de 2007, mesmo assim, a Eletrobrás estuda
aumentar a participação em algumas empresas distribuidoras.
A Eletrobrás vem negociando com o Estado de Goiás a compra de 41% das ações da
CELG, em uma transação que envolve um empréstimo de R$ 1,35 bilhão do BNDES e do
Banco do Brasil ao estado que irá repassar essa quantia para a empresa como parte do
pagamento da dívida de R$ 1,56 bilhão que esse tem com a CELG. A empresa está em uma
situação delicada, inadimplente com as obrigações setoriais e sem poder aplicar o reajuste
tarifário desde 2007, com uma dívida que passa dos R$ 5 bilhões, posição de junho de 2009.
Além da CELG, a Eletrobrás também estuda aumentar a sua participação na CELPA,
passando dos 34% para uma posição majoritária. Essa empresa foi privatizada em julho de
1998 e atualmente está sobre o controle do grupo Rede Energia e tem uma dívida financeira
líquida de R$ 1,1 bilhão
77
, 3,8 vezes a geração de caixa operacional. Somado ao interesse na
CELG e na CELPA, a holding também estuda a viabilidade de aumentar a sua participação na
CEAL, CEMAT e CEMAR, além das problemáticas CER e CEA.
Para melhorar o resultado das empresas distribuidoras do Sistema Eletrobrás, foi
criada em maio de 2008 a Diretoria de Distribuição, presidida pelo diretor-presidente Flávio
77
SCHÜFFNE, Cláudia. Eletrobrás pode assumir a gestão da endividada CELPA. Valor Econômico, São Paulo,
23 abr. 2009.
165
Decat e por seis diretorias: financeira; de gestão; comercial; de planejamento e expansão; de
operação; e de assuntos regulatórios e projetos especiais. O diretor-presidente e essas seis
diretorias são as mesmas para todas as empresas distribuidoras do Sistema Eletrobrás e tem o
objetivo de unificar a gestão dessas empresas, com ganhos de escala, redução de esforços e
melhorando a eficiência dessas empresas, com redução de custos operacionais.
O resultado das distribuidoras como um todo
78
pode melhorar consideravelmente a
partir de 2010 tornando a atividade mais atrativa e rentável para Eletrobrás, pois estará em
vigor a partir de de janeiro daquele ano os efeitos da Medida Provisória (MP) 466 que
dispõe sobre os serviços de energia elétrica nos sistemas isolados. Essa MP visa incentivar a
prestação de serviços de forma mais competitiva e de maior qualidade nos sistemas isolados,
sem que para isso, as distribuidoras que atendem essa região sejam obrigadas a arcar com
esses custos bem maiores do que os custos das distribuidoras ligadas ao sistema interligado
nacional, que seus mercados são esparsos
79
, com elevados custos de operação e
manutenção, grande parte de geração térmica e com baixo grau de confiabilidade.
Os Sistemas Isolados dependem, não apenas dos subsídios na aquisição de
combustíveis, recebidos por meio da Conta de Consumo de Combustíveis dos
Sistemas Isolados CCC, mas também de outras formas de incentivo que
minimizem o impacto, nas Concessionárias, do alto custo do serviço para
atendimento às localidades isoladas entre 500,00 R$/MWh e 1.000,00 R$/MWh.
Em síntese, sem um subsídio, os brasileiros da Região Norte, o têm como
suportar uma tarifa de fornecimento que represente sequer o equilíbrio econômico-
financeiro da concessão (ELETROBRÁS
80
, 2009b, p.2).
A MP 466 estabelece que as distribuidoras têm que atender todo o seu mercado através
da abertura de concorrência e realização de leilões, onde for viável, para a contratação de
energia nos sistemas isolados do país, de acordo com as normas da ANEEL, e para essa
contratação, as concessionárias precisarão dispor de garantias financeiras. A Conta de
Consumo de Combustíveis (CCC) terá que reembolsar às distribuidoras de energia que
atendem a esses mercados, a diferença entre o custo total da aquisição de energia nos sistemas
isolados e o custo médio da energia negociada no Ambiente de Contratação Regulada do
sistema interligado nacional.
78
Essa melhora no resultado total das distribuidoras viatravés de uma maior cobertura dos custos de geração
de energia nos sistema isolados, área atendida por quatro das seis empresas distribuidoras do Sistema Eletrobrás:
Manaus Energia, CERON, Eletroacre e Boa Vista Energia.
79
Os sistemas isolados correspondem a quase metade do território brasileiro, porém com poucos consumidores,
apenas 3% do consumo de energia do país.
80
ELETROBRÁS, MP 466 – Sistemas Isolados. Rio de Janeiro, Nota Explicativa, 30 set. 2009.
166
A MP também listou no Art. 3º, § 1º e 2º, o que deve ser considerado dentro do custo
total de produção de energia nos sistemas isolados: a contratação de energia; a geração
própria; a aquisição de combustíveis; os encargos e impostos; os investimentos realizados; e
todos os demais custos relacionados à prestação do serviço de energia elétrica. Dessa forma, a
MP 466 reconhece os elevados custos que as distribuidoras têm para prestar esse serviço e que
não era compensado com a tarifa cobrada dos consumidores e pela subvenção da CCC, tendo
a própria concessionária que subsidiar a energia elétrica dos consumidores dos sistemas
isolados, impactando negativamente em seu desempenho e rentabilidade. Esse é o quadro que
atinge não apenas as quatro das seis subsidiárias da Eletrobrás, como as demais empresas que
prestam serviço naquelas regiões e que atualmente se encontram em dificuldades financeiras,
como a CER e CEA.
Segundo cálculos do governo, a tarifa de energia elétrica do brasileiro não precisará
ser aumentada para cobrir esse aumento no repasse da CCC para as concessionárias dos
sistemas isolados, pois será compensado pela redução do valor pago às outras distribuidoras
que terão o seu mercado ligado ao sistema interligado nacional (SIN) nos próximos anos,
como os estados do Acre e Rondônia que farão parte do SIN ainda em 2009, uma parte do
Estado do Amazonas, incluindo a capital Manaus, o Estado do Amapá e provavelmente a
cidade de Boa Vista, que serão ligados ao SIN até o final de 2011. Para isso, a partir da data
da interligação, as concessionárias terão 18 meses para adequar as suas instalações físicas e
contratos para os padrões do SIN, regulamentado pela ANEEL.
Esse tempo para ajustes é importante para que as concessionárias recém interligadas
não sejam prejudicadas com o aumento dos custos da associação ao SIN, que terão que
pagar entre outras coisas, mais encargos setoriais, porém os contratos de compra de energia da
época em que as concessionárias ainda não estavam interligadas ainda estarão vigentes. Para
resolver esse impasse, o § 5º do Art. estabelece que o direito ao reembolso da nova
metodologia da CCC para os sistemas isolados terá duração igual ao tempo dos contratos
vigentes de compra de energia dessas concessionárias que serão interligadas. Essas medidas
terão impactos positivos no resultado do Sistema Eletrobrás a partir de 2010, quando entram
em vigor as disposições da MP.
167
4.5.4 - A Internacionalização da Eletrobrás
Outra medida estudada pela Eletrobrás para aumentar a rentabilidade dos seus
investimentos e atingir a meta de internacionalizar a empresa é o plano de investir em geração
e transmissão, principalmente na América do Sul para colocar em prática a integração
energética dos países da região. A Eletrobrás foi autorizada pela Lei 11.651 a atuar no
mercado internacional, e para isso, o PAE estruturou as metas para a empresa que são a
conclusão de estudos de viabilidade para empreendimentos de geração
81
e transmissão até
2012: 18.000 MW para geração e 11.000 km de linhas de transmissão.
Para atender a essa nova missão, em julho de 2008 foi criado na Eletrobrás a
Superintendência de Operações no Exterior (PE), que está subordinada a presidência da
holding, para coordenar “a sua atuação no mercado internacional, além de identificar e avaliar
potenciais mercados no exterior com vistas a propiciar a geração de negócios para a empresa e
suas controladas no segmento de energia elétrica” (ELETROBRÁS, 2009a, p.51). Para que
sejam realizados investimentos da Eletrobrás no exterior, primeiramente os empreendimentos
precisam ter uma adequada rentabilidade, a Eletrobrás precisará encontrar sócios para esses
projetos, e preferencialmente, esses empreendimentos devem estar localizados em algum país
que faça fronteira com o Brasil para que seja facilitada a exportação do excedente de energia
desses países. Atualmente a Eletrobrás avalia empreendimentos em países da América do Sul
(Argentina, Bolívia Colômbia, Guiana, Peru e Venezuela), em países da América Central
(Honduras e Nicarágua), na África (Angola, Moçambique, Namíbia e Marrocos) e na Ásia
(Nepal), além de estar atenta ao importante mercado dos Estados Unidos.
No final de 2008, a Eletrobrás contava com estudos para avaliação da viabilidade da
construção de nove hidrelétricas pelo mundo, seis no Peru totalizando perto de 7.000 MW,
uma na Argentina (1.800 MW), uma na fronteira entre Angola e Namíbia (360 MW) e uma na
Nicarágua (180 MW). Além desses empreendimentos, a Eletrobrás ainda estudava a
construção de uma linha de transmissão na Venezuela para a realização do intercâmbio de
energia com esse país. Mais um passo importante para a internacionalização da Eletrobrás foi
a implantação de um escritório no Peru e outro no Uruguai, em 2009.
81
Principalmente de hidrelétricas.
168
Para evidenciar a importância internacional que a Eletrobrás vem ganhando nos
últimos anos, em junho de 2009 a empresa foi convidada a participar de uma reunião
envolvendo as maiores empresas do setor elétrico dos oito países mais industrializados do
mundo (e8) onde foi debatida a mudança climática e a busca de soluções para o
desenvolvimento energético sustentável. Pouco mais de um mês depois, a Eletrobrás foi
chamada para ser membro permanente do e8, um grupo de 13 empresas mais importantes do
setor elétrico nos países do G8. Nas reuniões que ocorrem anualmente são discutidos temas
importantes para o setor elétrico mundial e o rumo que o setor deve seguir para que continue
ofertando energia da forma mais eficiente possível, levando em consideração as preocupações
com o aquecimento global. Além da participação como membro permanente desse fórum, a
Eletrobrás participa de diversos outros, como pode ser verificado na entrevista do presidente
da Eletrobrás, José Antonio Muniz, para a Revista Sistema Eletrobrás -
agosto/setembro/outubro 2009.
Temos participação na Agência Internacional de Energia, no que diz respeito às
usinas hidrelétricas, participamos do Fórum das Águas, por intermédio da Itaipu
Binacional, e do Conselho Mundial de Energia, para dizer os mais significativos.
No entanto, a participação no e8 é algo muito especial, porque é o fórum de maior
dimensão, é o maior de todos, até porque não outro similar (ELETROBRÁS,
2009f, p.6).
4.6 - APLICAÇÃO DA TEORIA DE EMPRESAS “NATIONAL
CHAMPIONS” AO CASO DA ELETROBRÁS
Se for aceita a idéia adotada nesse trabalho de que uma empresa pode ser considerada
uma national champion caso ela seja uma grande e importante empresa, que possua
economias de escala, que tenha uma fatia considerável do mercado onde atua, que seja capaz
de competir no mercado internacional com as maiores empresas do mundo em seu ramo e que
esteja localizada em um setor estratégico, a Eletrobrás possui todas essas qualidades, podendo
então, ser considerada uma national champion”. Porém, quando se analisa a sua trajetória, a
tarefa que lhe foi dada desde a sua criação, a sua atuação ao longo dos anos, chega-se a
conclusão de que a Eletrobrás, em toda a sua história, esteve muito mais voltada para obter
êxito no processo de desenvolvimento do setor elétrico brasileiro do que para crescer como
empresa, unicamente com objetivos empresariais de obtenção de lucro e de alcançar uma
parcela cada vez maior do mercado.
169
Dentre a explicação dada por Geroski (2005) sobre os três principais motivos
normalmente utilizados para a criação de empresas “campeãs nacionais”, a explicação de que
o local onde ela atua é um mercado global, a idéia de que a empresa precisa ser grande para
ser competitiva e que existiriam setores considerados estratégicos para o governo que
precisariam ser consolidados para que o país progredisse economicamente, o fortalecimento
da Eletrobrás se encaixa com o objetivo do último ponto, que é o único que não é desmentido
na análise geral do autor, que a ampliação da infra-estrutura e particularmente do setor
elétrico são fundamentais para o crescimento dos demais setores e indústrias da economia, e o
crescimento da capacidade de gerar energia essempre na pauta das políticas empregadas
pelos governos de muitos países.
Apesar da discussão sobre empresas “national champions” ser um tema relativamente
novo, os motivos para a criação da Eletrobrás na década de 1960 também se aplica na
explicação do uso das national champions” em alguns setores considerados estratégicos. O
medo de o país ficar nas mãos de empresas estrangeiras em áreas importantes, onde estas não
teriam o compromisso de desenvolver e buscar os melhores caminhos faz com que governos
se esforcem para criar empresas nacionais fortes para tomarem o lugar de destaque dessas
multinacionais. Esse foi o caso do setor elétrico brasileiro, que a Eletrobrás foi criada na
época em que a indústria de energia elétrica era dominada pelas empresas estrangeiras Light e
AMFORP, que não se esforçavam muito para levar energia a outras localidades que ainda não
eram atendidas pelos serviços das duas empresas. Assim, sem ser dada a devida atenção a um
campo chave da economia, quase todos os demais setores podem sofrer negativamente com
essa negligência, não sendo capaz de desenvolver todo o seu potencial, vide o que aconteceu
no período de racionamento de energia em 2001, quando a atividade econômica como um
todo foi afetada drasticamente.
Como foi dito anteriormente, a maneira correta de se encontrar potenciais empresas
national champions” seria através da identificação de um setor chave da economia e analisar
o que precisaria ser feito para que esse setor se desenvolvesse. Isso foi o que aconteceu
antigamente com a criação da Eletrobrás para fomentar de diversas formas o crescimento da
oferta de energia e o aumento da confiança do sistema elétrico brasileiro, e o que está
acontecendo novamente agora, com a transformação da função da Eletrobrás, que foi
permitida em 2008, através da entrada em vigor da Lei 11.651 que deu uma nova redação ao §
1
o
do Art. 15° da Lei 3.890-A, onde a União foi autorizada a criar a Eletrobrás em 1961.
170
Assim, como no meio do século passado, atualmente o Brasil passa por um momento onde é
necessária a presença de uma empresa forte no setor elétrico, que seja parceira das demais
empresas em projetos que vão dar garantias de que o país não vai enfrentar problemas de
oferta de energia no futuro, ou seja, que o crescimento do país não vai esbarrar em um dos
maiores gargalos de infra-estrutura que existe, a falta de energia.
A forma errada de se identificar potenciais empresas “national champions” seria
através da pressão recebida pelo governo de um país para incentivar uma empresa forte
politicamente, que esteja passando por um momento ruim em seu desempenho, ou que esteja
em um mercado maduro ou em declínio para que ela se torne uma “campeã nacional”. Esse
não é o caso da Eletrobrás que teve um desempenho satisfatório no ano de 2008 e está
atuando em um mercado em franco crescimento, com ampla margem para aumentar a sua
produção de energia elétrica. Ao contrário do que ocorre em alguns países, onde o setor
elétrico está estagnado, não havendo muitas oportunidades para que a empresa que atue
nesse mercado cresça e aumente a sua produção, restando para essa empresa, disputar
mercado em outros países ou ampliar a sua área de atuação.
No processo de reformas do setor elétrico durante a década de 1990, que culminou
com a criação da ANEEL e com a privatização de algumas empresas do setor, o planejamento
e os investimentos em criação de capacidade instalada ficaram em segundo plano, que era
mais fácil para os novos agentes privados que estavam entrando no setor, comprar uma
empresa com instalações já em operação, do que investir em projetos que levariam anos para
dar retorno e com um risco mais alto. Esse processo teve o seu ápice com a crise de energia de
2001, onde ficou claro que o procedimento de deixar nas mãos do mercado o destino desse
setor crucial para a economia brasileira, não estava correto.
Esse processo foi revertido nos últimos anos com a volta do planejamento a esfera
pública através da criação da EPE e com a volta dos projetos de construção de grandes
empreendimentos de geração de energia elétrica. Esses projetos por serem grandiosos,
precisam da presença de empresas do Sistema Eletrobrás na composição dos consórcios que
participam dos leilões, por diversos motivos, seja por causa do know-how das empresas, ou
devido aos altos custos financeiros dos empreendimentos, ou para a divisão dos riscos entre
os parceiros, ou simplesmente para haver concorrência entre os consórcios, beneficiando a
modicidade tarifária. Esse é um dos papéis que a Eletrobrás vem tendo no momento,
171
participando ativamente dos leilões de linhas de transmissão e de empreendimentos de
geração de energia, como as hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio no rio Madeira, no Estado
de Rondônia.
A Eletrobrás tem as principais características gerais de uma national champion”,
porém não age como se fosse uma. A Eletrobrás não usa o seu poder de mercado em benefício
próprio, criando barreiras à entrada no setor elétrico brasileiro para aumentar a sua
participação e o seu domínio sobre o mercado, recebendo maiores lucros por isso. Devido às
características do sistema elétrico brasileiro e de como ele atualmente está organizado, tendo a
ANEEL como principal instituição do setor, mesmo que a empresa quisesse exercer o seu
poder de mercado, ela não conseguiria, devido às ações e regulamentações da ANEEL ou por
causa da complementaridade do sistema elétrico brasileiro, onde a coordenação mais do que a
concorrência, é a principal fonte de otimização dos resultados.
O sistema elétrico brasileiro caracteriza-se pela existência de grandes usinas
hidrelétricas, com reservatórios plurianuais, localizadas em diferentes bacias
hidrológicas, em geral interligadas por extensas linhas de transmissão, e uma
pequena participação da geração térmica, algo em torno de 5% do total da
capacidade instalada. A possibilidade de interligação de bacias localizadas em
diferentes regiões geográficas assegura ao sistema brasileiro um importante ganho
energético, que consiste em tirar proveito das diferentes sazonalidades, garantindo a
complementaridade entre os diversos regimes hidrológicos. Dado que o sistema tem
a predominância de centrais hidrelétricas, a grande distância entre as fontes
geradoras e os centros de carga obriga a construção de longas redes de transmissão.
Além desses aspectos, são freqüentes as situações em que coexistem, em um
mesmo rio, usinas de diferentes proprietários, o que ressalta mais ainda a
importância da operação coordenada (SANTANA e OLIVERIA, 1999, p.374).
Desde a sua criação, a Eletrobrás vem realizando ações com o intuito de desenvolver o
setor elétrico: financiamento de projetos e empreendimentos; treinamento da mão de obra
setorial; planejamento da expansão da oferta de eletricidade; coordenação, supervisão e
operação do sistema elétrico; e a articulação com a indústria nacional de equipamentos e
materiais, além da indústria de bens de capital sob encomenda e de empresas de engenharia.
Fica claro que a função da Eletrobrás sempre foi a de promover o crescimento e de dar
dinamismo não para o setor elétrico brasileiro, mas para todas as indústrias e setores que
estavam ligados direta ou indiretamente a ele, com o intuito de reduzir a dependência externa
e de gerar internamente meios de suprir as necessidades do setor, aumentando o índice de
nacionalização dos equipamentos, o que foi reforçado com a criação do CEPEL que daria
suporte científico e tecnológico a toda indústria elétrica. Ou seja, mais do que um agente
concorrente, a Eletrobrás exercia uma liderança considerada neutra sobre as discussões
172
setoriais, sendo responsável pelo planejamento e execução da política federal para o setor
elétrico brasileiro, compatibilizando com as diretrizes da política energética do governo.
Normalmente a política de incentivo à criação de empresas national champions”
encontra resistências dos órgãos de defesa da concorrência, seja ele nacional ou regional. No
Brasil, frente aos últimos processos analisados pelo Conselho Administrativo de Defesa
Econômica (CADE), o fortalecimento da Eletrobrás e a possível compra de empresas do setor
elétrico pela estatal, provavelmente não encontraria muita resistência do órgão, já que o poder
de mercado é muito difícil de ser exercido por empresas de energia elétrica no Brasil. Entre os
motivos para a aquisição de empresas, o mais pertinente para a Eletrobrás seria a tentativa de
alcançar a internacionalização de suas atividades, mas para isso, a estatal teria que comprar
empresas estrangeiras, o que poderia acarretar em desgastes políticos, devido o setor
energético ser considerado estratégico. A solução para esse impasse e o que a empresa vem
tentando fazer nos últimos dois anos, é a realização de estudos e a construção de
empreendimentos hidrelétricos no exterior, expandindo a atuação da empresa para outros
países e ao mesmo tempo, garantindo, na maioria dos casos, a integração energética dos
países da América do Sul e o fornecimento da energia excedente para o Brasil.
A idéia de que alguns países buscam por meio do incentivo às national champions”
atingir objetivos nacionais de política energética para aumentar a sua segurança futura quanto
ao suprimento de energia elétrica, pode ser aplicado em menor escala para o atual momento
da Eletrobrás. A empresa conta com o apoio do governo brasileiro para a formação de
parcerias para a construção de usinas hidrelétricas em países da América do Sul, se possível,
perto da fronteira com o Brasil para que seja facilitado o escoamento das sobras de energia
para o país, evidenciando o interesse nacional de garantia da oferta futura de eletricidade,
misturado com os interesses da Eletrobrás, como um projeto que vai gerar valor para a
empresa, mesmo porque, o país onde pode ocorrer os investimentos, geralmente o tem
demanda para equilibrar esse aumento abrupto da oferta, como é o caso do Peru.
Para os críticos das políticas de fomento às “national champions”, o aumento do poder
de mercado da empresa e a falta de competição no mercado onde ela atua vai tornar a empresa
menos eficiente, que haveria poucos incentivos para que ela inovasse e investisse mais, e
resultaria em aumento de preços. No caso do setor elétrico brasileiro, a ANEEL não permite
que as empresas que atuam na área de distribuição sejam ineficientes, pois são penalizadas
173
por isso nos reajustes e revisões tarifárias. Além disso, as empresas do setor foram
desverticalizadas, e mesmo as poucas que ainda atuam nas atividades de geração e
distribuição, são proibidas desde 2004, pela reforma setorial promovida pelo governo Lula, de
comprar energia elétrica gerada por empresas do próprio grupo, sendo obrigada a comprar
toda a sua energia por meio de leilões. Almeida e Pinto Jr. (2004) abordam esse tema e
mostram a diferença entre o modelo que vigorou no governo FHC e o modelo aprovado pelo
governo Lula.
(...) the new model will promote total separation between the generation and
distribution segments. Currently distribution companies are allowed to buy uo to
30% of their electricity from their own subsidiaries (self-dealing). In addition,
Cemig and Copel, the distribution companies from Minas Gerais and Parana, are
vertically integrated. In the new model, sel-dealing is prohibited. Copel and Cemig
will have to unbundled their assets into different companies (ALMEIDA e PINTO
JR., 2004, p.15).
Para os novos empreendimentos de geração e transmissão, um leilão é realizado
apresentando um preço ximo
82
que a empresa ganhadora podecobrar pelos serviços e a
companhia que oferecer um maior deságio sobre o valor inicial, leva o direito de construir o
empreendimento. Caso haja algum problema causado por uma falta de eficiência na
construção e/ou operação desse empreendimento, o prejuízo fica por conta da empresa. O
poder de mercado para influenciar o preço cobrado ao consumidor final ou para os serviços
prestados nas atividades intermediárias são praticamente nulos no modelo brasileiro, pois
existem regras claras mostrando quando e como as tarifas serão alteradas e as atividades de
distribuição e transmissão consistem em monopólios naturais, havendo apenas uma empresa
ofertando o serviço em cada localidade, não ocorrendo competição entre elas.
Thus any move towards concentration in the distribution industry has little or no
anti-competitive effect, because the distributors operate in a natural monopoly
environment in their concession areas. Even an increase in concentration in the
generation industry will have little effect, given the nature of the ACR (CASTRO e
LEITE, 2009, p.129).
Atualmente o mercado de energia elétrica brasileiro está dividido em duas partes, o
ambiente de contratação regulado (ACR) e o ambiente de contratação livre (ACL). No
primeiro, estão os consumidores cativos das distribuidoras, como os residenciais, os de
serviços, iluminação e serviços públicos, e pequenas e médias indústrias. o ACL é
exclusivo para as firmas que contratam uma grande quantidade de energia - consumidores
82
Esse preço máximo é calculado pela EPE.
174
livres, nesse ambiente os participantes competem livremente, celebrando contratos com
preços, volumes e garantias diferentes, de acordo com cada operação (CASTRO e LEITE,
2009), sendo assim, apenas nesse local que realmente há concorrência no mercado energético,
onde os compradores e vendedores de eletricidade estão livres para negociar.
Portanto, é nesse mercado que a ANEEL e o CADE m que tomar maiores cuidados,
pois é nele que uma grande empresa pode tentar exercer o poder de mercado, influenciando
no preço e nas condições da energia a ser contratada. No ACR, a competição que existe é
apenas ex-ante, no momento dos leilões dos contratos de venda de energia de longo prazo,
porém nesse mercado há regras bem rigorosas sobre a atuação dos agentes. Então, no mercado
de eletricidade brasileiro não há muito espaço para que uma empresa possa exercer o poder de
mercado que ela teria caso dominasse a maior parte da sua atividade e/ou fosse verticalmente
integrada, o que é o caso das national champions”, que o ambiente é fortemente
controlado com punições para as empresas que não cumprem os seus contratos.
The regulatory arrangment in Brazil has two types of incentives: (i) distribution
companies and retailers must supply, according to long run (more than six months)
bilateral contracts, 100% of their market; (ii) generators must guarantee 100% of
electricity, with their own production or buying in the spot market, according to
their contracts. There´s a severe penalty for firms that fail in any of the cases
(SANTANA e LEITE, 2007, p.4).
Em relação à série de fusões e aquisições que vem ocorrendo na última cada na
Europa entre empresas de eletricidade e de gás, com o intuito de garantir o principal insumo
utilizado na produção de energia elétrica, diminuindo os riscos de suprimento, esse mesmo
fenômeno não vem ocorrendo no Brasil, muito em função da menor importância das
termelétricas a gás em comparação com a geração por meio de hidrelétricas e também devido
ao fato de que no Brasil, o único produtor de gás relevante é a Petrobras. Portanto, não faria
sentido a Eletrobrás receber incentivos do governo brasileiro para fazer a fusão com uma
empresa produtora de gás, pois não traria benefícios relevantes para os seus empreendimentos
que são em sua grande maioria, hidrelétricas. Apenas os futuros empreendimentos da
Eletrobrás que poderiam ser beneficiados, mas até o momento a empresa não vem
demonstrando interesse em construir termelétricas, que em seu plano estratégico de
negócios (PAE 2009-2012) apenas os projetos nucleares e hidrelétricos foram destacados,
enfatizando também a idéia de construção de hidrelétricas no exterior.
175
Não seria também do interesse do governo brasileiro interceder no mercado de
eletricidade em favor da Eletrobrás, como vem ocorrendo na Europa, porque o país ainda tem
muitas formas e meios para gerar energia elétrica, como as hidrelétricas na região Norte, as
usinas nucleares, a energia gerada por fonte eólica e por biomassa, além da construção de
termelétricas movidas a óleo, gás e carvão, insumos encontrados de forma abundante no país,
ao contrário da Europa, onde as national champions” recebem apoio para atingir objetivos
nacionais de segurança energética. Outra diferença em relação às “national champions”
européias é que devido ao gás não ser um insumo muito utilizado para gerar eletricidade no
Brasil, caso a Eletrobrás realizasse um acordo de F&A com uma empresa produtora de gás,
essa nova empresa não teria aumentado de forma significativa o seu poder de mercado,
portanto não haveria motivos para o negócio não ser aceito pela ANEEL e/ou pelo CADE.
Por outro lado, a Eletrobrás também não teria a justificativa de que o negócio seria bom para
empresa, que ela teria reduzido os seus custos de transações, melhorando a eficiência da
empresa e reduzindo os custos que seriam repassados ao consumidor final.
Outros pontos que caracterizam a política ativa do governo para o fomento de
empresas “campeãs nacionais” são as questões da concessão de subsídios às empresas e as
linhas de financiamento com taxas de juros mais baixas do que a praticada pelo mercado. No
caso da Eletrobrás ocorre justamente o contrário, a empresa é prejudicada por ter que
participar de empreendimentos que financeiramente não seriam bons para ela, mas que são
importantes para o governo, como são os casos das distribuidoras dos sistemas isolados que
foram incorporadas ao Sistema Eletrobrás e que na média vêm dando prejuízo ao longo do
tempo, impactando negativamente o resultado da estatal. Sobre as condições de
financiamento, a empresa vem sendo penalizada por ser estatal e ter que fazer parte do esforço
de superávit primário do governo, além de ter dificultada a sua captação de recursos devido
aos limites de endividamento, e a restrição na obtenção de recursos do BNDES.
Portanto, por mais que a Eletrobrás possa ter em linhas gerais as qualidades de uma
empresa national champion”, a empresa não age como uma, exercendo o seu poder de
mercado e aumentando as barreiras à entrada de novas firmas no setor elétrico brasileiro ou
nas atividades de seu maior interesse. Desde a sua criação, a Eletrobrás teve como objetivo
desenvolver as atividades do setor elétrico nacional e otimizar a sua operação, exercendo uma
posição central nesse processo. Pode-se considerar que a estatal vem obtendo êxito nesse
procedimento, pois o setor elétrico brasileiro é um dos que utilizam mais fontes renováveis na
176
geração de eletricidade, além de estar em sua grande maioria interligado, gerando maior
confiabilidade ao sistema e otimizando a sua operação.
Assim, a Eletrobrás não pode ser comparada com outras campeãs nacionais” que
estão em busca de expandir as suas atividades para ganhar mercados, evitando a sua compra
por empresas concorrentes, até porque, ela é uma empresa estatal e só seria vendida caso fosse
de interesse do governo. Deste modo, a meta do governo de fortalecer a Eletrobrás tem como
objetivo ter uma empresa forte que possa participar ativamente da construção de novos
empreendimentos, dando garantias de que o crescimento futuro do país não esbarra na
ameaça de falta de energia elétrica, como já ocorreu anteriormente.
177
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste trabalho buscou-se estudar a importância da Eletrobrás para o desenvolvimento
do setor elétrico brasileiro, os motivos que levaram à criação da empresa e como ela veio
atuando no setor ao longo do tempo, mesmo após as reformas liberais da década de 1990 que
lhe retiraram importantes funções que anteriormente faziam parte das suas atribuições. O
trabalho também buscou mostrar a análise da perspectiva futura da Eletrobrás e a aplicação da
teoria sobre empresas “campeãs nacionais” ao caso da estatal.
Pode-se concluir que o setor elétrico brasileiro é um dos mais eficientes do mundo,
pois produz energia barata, tem uma matriz em sua ampla maioria não poluente e tem
enormes linhas de transmissão que ligam quase todo o país, beneficiando a troca de energia
entre regiões do Brasil e a segurança do sistema elétrico. Para se chegar a esse nível atual, foi
preciso muitos anos de esforços e cooperação entre as empresas do setor, que tiveram que
abdicar dos interesses conflitantes, para a busca do interesse comum na construção de um
sistema elétrico nacional. Porém, o é fácil fazer com que todas as empresas de um setor
cooperem para o bem geral do país, foi preciso à atuação de uma empresa estatal que reunisse
meios e força política para realizar diversas funções, como o planejamento, coordenação,
operação, financiamento e outras atividades. Esse poder foi dado à Eletrobrás que realizou o
importante papel de desenvolver todo o sistema elétrico brasileiro, não só as atividades de
geração, transmissão e distribuição, mas também a indústria fornecedora de equipamentos e
materiais para o setor e as empresas de engenharia.
Como o poderia deixar de ser, as dificuldades para se implantar um sistema elétrico
nacional, quase em sua totalidade interligado, foram enormes, principalmente para a aceitação
do projeto de criação da Eletrobrás que ficou por diversos anos para ser aprovado, pois ia de
encontro com os interesses contrários de diversas empresas, pessoas e entidades. Não se pode
concluir, contudo, que caso a Eletrobrás não existisse o setor elétrico brasileiro não estaria tão
desenvolvido e integrado como está atualmente, mas certamente o caminho para se chegar a
o ponto atual teria sido bem mais árduo, pois a empresa conseguiu reunir todos os atributos
necessários para tocar a expansão da oferta de energia no Brasil. Claro que as empresas não
precisariam cooperar para que o setor elétrico crescesse, como acontece na grande maioria
dos setores na economia, no entanto, devido as características do país e do setor - grandes
178
usinas hidrelétricas, grande distância entre os centros consumidores e o local de geração da
energia, e o emprego de mais de uma hidrelétrica em um mesmo rio - a otimização da
operação do sistema seria possível dessa forma, com uma empresa atuando em prol do
desenvolvimento do setor elétrico como um todo e resolvendo os conflitos entre os agentes.
A atuação da Eletrobrás ao longo do tempo permitiu que ela fosse respeitada pelas
empresas do setor e pelas instituições governamentais, sendo considerada um agente neutro
no setor. Caso a estatal quisesse apenas crescer como empresa, aumentando a sua participação
no mercado, procurando obter maiores lucros e agindo politicamente em benefício próprio, a
Eletrobrás perderia o crédito junto aos demais agentes do setor elétrico que não respeitariam
mais a sua posição e as suas decisões, desencadeando todo um processo contrário à
cooperação entre as empresas.
A partir da análise da formação do setor elétrico brasileiro e das formas de intervenção
do Estado no ambiente econômico, foi possível observar que o projeto de criação da
Eletrobrás fez parte de um processo mais amplo de aumento da intervenção do Estado na
economia e de criação de empresas estatais que teve em Getúlio Vargas um divisor de águas.
Vargas entendia que era função do governo manter sob o controle do Estado o
desenvolvimento de setores estratégicos para o país, como o de energia, e para isso, a criação
da Eletrobrás serviria para instalar no setor elétrico uma empresa que assegurasse a execução
da política federal para o setor, fazendo com que o Estado assumisse a liderança no processo
de crescimento da oferta de eletricidade. No entanto, a forte crítica contrária à instalação da
Eletrobrás mostrou que havia grandes interesses em jogo que seriam afetados pela
centralização das ações na empresa e pela amplitude do projeto de criação da estatal, pois o
setor elétrico brasileiro havia se organizado, contando com a presença de milhares de
pequenas empresas locais e de duas grandes empresas estrangeiras.
Os sete anos que foram preciso para a aprovação da lei que criou a Eletrobrás serviram
para que as resistências ao projeto fossem diminuindo e para que houvesse um maior espaço
para negociações políticas, superando os obstáculos para a criação de um setor elétrico
realmente nacional. A primeira tarefa da estatal foi coordenar os investimentos do setor,
procurando fazer a integração nacional, evitando a dispersão dos recursos e a duplicação de
esforços, ou seja, procurando otimizar a aplicação dos recursos para o melhor
desenvolvimento do setor elétrico como um todo. A partir desse momento, a empresa virou o
179
principal agente financeiro setorial, dando condições para que o planejamento do setor
estivesse ligado à liberação de recursos.
Ao assumir o planejamento do setor elétrico, a Eletrobrás deixou para trás a tradição
do planejamento regional e sem regularidade que era a marca do setor antes da década de
1960. O planejamento da expansão das atividades do setor elétrico com o passar do tempo,
também começou a incorporar a análise sobre a indústria de equipamentos e materiais,
tentando integrar toda a cadeia de fornecedores. No decorrer deste trabalho ficou claro que a
Eletrobrás desde os seus primeiros anos de atuação procurou aumentar os índices de
nacionalização dos equipamentos utilizados no setor elétrico, e para isso, a empresa procurou
ajudar no melhor planejamento da produção e dos investimentos por parte das empresas
fornecedoras.
Através da análise do setor elétrico brasileiro foi possível observar que a criação da
Eletrobrás foi um marco na coordenação entre as empresas que atuavam na indústria de
energia elétrica, pois anteriormente, as empresas operavam de forma isolada, com nenhum ou
com um pequeno intercâmbio entre as elas, que o havia uma rede de transmissão bem
desenvolvida, ligando-as. Portanto, a necessidade de uma maior integração entre as empresas
já era notada antes da entrada em operação da Eletrobrás, porém, apenas com a função que lhe
foi dada que houve meios para que se colocasse em prática a cooperação.
Outra função assumida pela Eletrobrás logo em seus primeiros anos de existência foi a
de realizar cursos no Brasil e no exterior para treinar a mão de obra especializada do setor. A
criação do CEPEL também mostra a preocupação da Eletrobrás para o desenvolvimento
completo do setor elétrico brasileiro, ao fornecer suporte científico e tecnológico para as
empresas que atuam nas atividades de geração, transmissão e distribuição, além do apoio
técnico aos fabricantes de equipamentos e às empresas prestadoras de serviços de engenharia.
Como pôde ser visto, a questão ambiental também não foi esquecida, a partir do Plano 2010,
o impacto no meio-ambiente das instalações de expansão da indústria de energia elétrica
começou a fazer parte dos estudos, tornando mais complexa a viabilização dos projetos.
Com as reformas de cunho liberal que começaram a ser implantadas na economia
brasileira por Collor e posteriormente por FHC, profundas mudanças ocorreram no setor
elétrico com a justificativa de aumentar a presença do capital privado nas atividades do setor e
recuperar os níveis de investimento e crescimento da oferta de energia. Novas instituições
180
foram criadas, reduzindo o papel a ser exercido pela Eletrobrás nas decisões do setor,
diminuindo o seu número de funcionários e o ritmo dos investimentos, que a empresa tinha
sido incluída no programa de desestatização. Portanto, de todas as funções que a empresa
exercia anteriormente, apenas o papel de holding de empresas do setor elétrico e a
administração de programas do governo federal permaneceram sob a tutela da Eletrobrás, que
foi retirada do topo da hierarquia setorial.
Por mais que o governo Lula tenha adotado medidas que restabeleceram a importância
do Estado na economia brasileira e retirado da iniciativa privada a responsabilidade total pela
expansão da oferta de energia, a Eletrobrás permaneceu enfraquecida até 2008, com a perda
para o BNDES da função de principal agente financeiro setorial, para a EPE da função de
planejamento, e para o ONS e para o MAE (e posteriormente para a CCEE) das funções de
coordenação e operação do sistema elétrico brasileiro. Apenas com a modificação na lei que
criou a empresa e com a intenção do governo Lula de tornar a Eletrobrás em uma referência
no setor elétrico mundial, que a estatal pôde voltar a sonhar em exercer um papel importante
na política energética nacional.
Atualmente estão em vigência na Eletrobrás dois planos de reestruturação da empresa,
o Plano de Transformação da Eletrobrás e o Programa de Ações Estratégicas para o período
de 2009-2012, que têm o objetivo de tornar as empresas do Sistema Eletrobrás mais
competitivas e aptas a expandir os seus negócios, remunerando adequadamente os seus
acionistas. Dentre os objetivos da Eletrobrás, estão a internacionalização da empresa e o
aumento dos investimentos na atividade de distribuição. Assim, os investimentos da empresa
em geração e transmissão principalmente em países da América do Sul seguem a intenção do
governo brasileiro de interligar o continente, reduzindo os custos de produção da energia
elétrica e os riscos de desabastecimento de algum país em períodos hidrológicos
desfavoráveis. Além disso, o aumento dos investimentos em distribuição segue uma
recomendação da direção da empresa, influenciado pelo resultado obtido pelas suas seis
distribuidoras em 2008 e pela criação da Diretoria de Distribuição.
Essas duas ambições da empresa por mais que possam agregar valor ao resultado do
Sistema Eletrobrás e possa aumentar a segurança do sistema elétrico brasileiro, por outro lado,
vão aumentar em muito os riscos da empresa, por se tratar de países que estão passando por
uma onda revolucionária, onde os direitos de empresas estrangeiras não estão sendo
181
respeitados, vide o que vem acontecendo em maior escala na Bolívia, Venezuela e Equador, e
em menor escala na Argentina. Será que o ganho do Brasil com a interligação dos países da
América do Sul será maior do que os riscos que esses negócios poderão trazer para os
investimentos da Eletrobrás? Não me parece muito claro os reais benefícios para o país
atualmente, que o Brasil ainda conta com diversas formas para gerar energia elétrica, sem
ficar na dependência de outros países. O mais prudente seria investir em países onde as
instituições são mais fortes e não há um histórico recente de encampação de ativos de
empresas estrangeiras.
Quanto ao aumento dos investimentos em distribuição, a Eletrobrás estuda ampliar a
participação em algumas empresas, especialmente as estaduais em dificuldades como a
CELG, a CEA e a CER, portanto, o risco desses negócios também é alto, mas por razões
diferentes dos investimentos em países da América do Sul. O risco está no alto endividamento
dessas empresas e na sua ineficiência operacional, o que contribui para o resultado negativo
dessas concessionárias. Como elas o empresas estaduais, a interferência política continuará
sendo muito alta, mesmo com a entrada da Eletrobrás na administração dessas empresas, o
que reduz em muito e/ou inviabiliza o saneamento delas e a atratividade do negócio.
Portanto, a Eletrobrás tem alternativas mais promissoras do que investir grande
quantidade de recursos em países problemáticos da América do Sul e em distribuidoras em
dificuldades, que na melhor das hipóteses, precisariam de um tempo considerável para ficar
próxima da empresa de referência da ANEEL, reduzir as suas perdas de energia e se tornar
mais eficiente. A Eletrobrás poderia guardar recursos para entrar forte nos leilões de grandes
hidrelétricas como Belo Monte, continuar investindo pesado em linhas de transmissão,
apostar em fontes de geração alternativas, como a eólica, ou ainda, entrar no ramo de
produção de gás natural, através da disputa em leilões da ANP.
Em relação à teoria de empresas “national champions”, por mais que em algumas
definições, a Eletrobrás tenha as características desse tipo de empresa, ela nunca agiu como se
fosse uma, utilizando o seu poder de mercado em benefício próprio, criando barreiras à
entrada de concorrentes no setor elétrico brasileiro e tirando proveito disso. A Eletrobrás,
desde a sua criação, esteve muito mais voltada para o desenvolvimento da indústria de energia
elétrica, realizando inúmeras atividades em prol do crescimento da oferta de energia e da
segurança do sistema elétrico, do que interessada em crescer como empresa unicamente com
182
objetivos empresariais de obtenção de altos lucros e de capturar parcelas maiores do mercado.
Portanto, é possível concluir que a Eletrobrás não se encaixa nos moldes de uma empresa
national champion”, devido todo o seu histórico de ajuda aos agentes do setor elétrico
brasileiro.
O governo brasileiro não precisa interceder no mercado de energia elétrica para
beneficiar a Eletrobrás, como vem ocorrendo em outros países, o que ele pode e deve fazer é
tirar as “amarras” da empresa para que ela se fortaleça e continue desenvolvendo e
influenciando positivamente os rumos da expansão do setor tão essencial para a economia.
Não é preciso mexer no setor para beneficiar a empresa, basta mexer na empresa para
beneficiar todo o setor. Assim, a Eletrobrás poderá voltar a ser o principal agente do setor
elétrico brasileiro, não mais no topo da hierarquia setorial, mas participando ativamente de
todos os principais projetos que garantirão que a demanda por energia seja sempre atendida.
183
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