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Universidade Metodista de Piracicaba
Faculdade de Direito
Diogo Cressoni Jovetta
A PENHORA DE FATURAMENTO DE EMPRESA SOB A LUZ
DO PRINCÍPIO DA PRESERVAÇÃO DA EMPRESA
Piracicaba
2009
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Universidade Metodista de Piracicaba
Faculdade de Direito
Diogo Cressoni Jovetta
A PENHORA DE FATURAMENTO DE EMPRESA SOB A LUZ
DO PRINCÍPIO DA PRESERVAÇÃO DA EMPRESA
Dissertação apresentada como exigência
parcial para obtenção do título de Mestre em
Direito à Banca Examinadora da Faculdade
de Direito da Universidade Metodista de
Piracicaba.
Orientador: Prof. Dr. Jo Luiz
Gavião de Almeida
Piracicaba
2009
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A PENHORA DE FATURAMENTO DE EMPRESA SOB A LUZ
DO PRINCÍPIO DA PRESERVAÇÃO DA EMPRESA
Diogo Cressoni Jovetta
BANCA EXAMINADORA
_______________________________
Prof. Dr. José Luiz Gavião de Almeida
Orientador
_______________________________
Prof. Dr. Jorge Luiz de Almeida
_______________________________
Prof. Dr. ______________
A mais elevada coragem é ousar ser você
mesmo face à adversidade. Escolha o certo
sobre o errado, a ética à conveniência, e a
verdade à popularidade… estas são as
escolhas que medem sua vida. Viaja o trajeto
da integridade sem olhar para trás, porque
nunca há um momento inoportuno para fazer a
coisa certa.
Preste atenção em seus pensamentos, porque
eles se transformam em palavras.
Escolha suas palavras, porque elas se
transformam em ações.
Compreenda suas ações, porque elas se
transformam em hábitos.
Estude seus hábitos, porque eles se
transformam em seu caráter.
Desenvolva seu caráter, porque ele determina
o seu destino.
Ultrapasse, vá abaixo, circunde ou atravesse.
Mas nunca desista.
1
1
Ditados populares.
AGRADECIMENTOS
Inicialmente, agradeço a meus pais, Isabel Maria Cressoni Jovetta e João Luiz
Jovetta, que sempre me apoiaram e incentivaram.
Agradeço ainda: ao meu irmão Danilo Cressoni Jovetta, que, me deu a sobrinha
Letícia, e à minha cunhada Bruna, afinal nada se faz sozinho. À minha avó Lila. Aos
meus tios, tias, primos e primas e aos tios, tias primos e primas de minha esposa, que
tenho como se fossem meus.
A ela, amor de minha vida, Mariana Sinatura Bassan Jovetta, e ao nosso
“moleque”, João Vitor Jovetta, que sorri toda manhã.
Aos meus amigos e colegas de Mestrado, em especial Wagner, Hugo, Alencar,
Juliana, Dejamir, Luiz e Lucas.
Aos meus amigos e colegas de toda a vida, em especial Marcio, Guga, Henrique,
Thomas, Roberto, Bruno, Dr. Ricardo, Dra. Mariana, Dr. Eduardo e Dr. Edson.
Aos professores e funcionários da Unimep, especialmente ao Prof. Dr. José Luiz
Gavião de Almeida, orientador dedicado e paciente, e ao Dr. Jorge Luiz de Almeida, por
toda sua sabedoria jurídica.
Por fim, agradeço a todos aqueles que, de alguma forma, contribuíram para
minha formação acadêmica, aos demais amigos e familiares.
Obrigado!
RESUMO
Acolhida pela doutrina e jurisprudência, notadamente pela jurisprudência do Superior Tribunal de
Justiça, um embrião do que é hoje a penhora sobre faturamento foi pioneiramente inserido no
ordenamento jurídico pela Lei n.º 10.552/02, no art. 11, §8º e, recentemente com o advento da
Lei n.º 11.383/2006, foi definitivamente incluído no Código de Processo Civil, nos artigos 655,
VII e 655-A, §3º. Antes da recente positivação, no Código de Processo Civil, eram quatro os
requisitos mais genericamente apontados pela doutrina e jurisprudência para efetivação da
medida: a) a nomeação de depositário-administrador; b) a necessidade de apresentação de um
plano de pagamento; c) a excepcionalidade da medida utilização restrita a apenas quando todas
as outras medidas falharam; e d) que a constrição permitisse o funcionamento e a sobrevivência
da empresa. O estudo visa a averiguar como, quando e sob quais condições e requisitos a penhora
sobre faturamento pode ocorrer em prestígio aos princípios e regras gerais da Carta Magna de
1988 aos Direitos Fundamentais.
Palavras-chave: Direito Processual, Execução, penhora sobre percentual de
faturamento de empresa, princípio da preservação da empresa.
ABSTRACT
Received by the Brazilian doctrine and jurisprudence, mainly by the Superior Court of Justice
jurisprudence, an embryo of what the distrainment on invoicing is currently was precursory
inserted in the legal system by the Law n. º 10,552/02, in art. 11, §8º and, recently with the
advent of the Law n.º 11,383/2006, was definitively enclosed in the Code of Civil action, in
articles 655, VII and 655-A, §3º. Before the recent modification in the Code of Civil action, there
were four requirements more generically pointed by the doctrine and jurisprudence in respect to
the step: a) the nomination of depositary-administrator; b) the necessity of presentation of a
payment plan; c) the use only for extreme limit cases restricted utilization only when all the
other steps had failed; and d) in case the constriction allowed the functioning and survival of the
company. The study aims at inquiring how, when and under what conditions and requirements
the distrainment on invoicing can occur in prestige to the principles and general rules of the Great
Letter of 1988 to the Basic Rights.
Key Words:
Procedural law, Execution, distrainment on percentage of company
invoicing, principle of the preservation of the company.
RESUMEN
Conducido por la doctrina y la jurisprudencia, especialmente la jurisprudencia de la
Corte Suprema de Justicia, un embrión, que ahora significa el embargo sobre la
facturación, pionera en introducirse en el orden jurídico por intermedio de la Ley N º
10552/02, 11, § 8, y recientemente con el advenimiento de la Ley N º 11383/2006, se ha
incluido en el Código de Procedimiento Civil, artículos 655, VII y 655-A, § 3. Antes de la
reciente positiva en el Código de Procedimiento Civil, fueron cuatro los requisitos más
generales planteados por la doctrina y la jurisprudencia en el sentido de la medida: a) el
nombramiento del depositario-administrador b) la necesidad de presentar un plan de
pagos, c) la excepcional medida para el uso restringido, solamente cuando todas las
demás medidas hallan fallado, d) que la constricción permita el funcionamiento y la
supervivencia de la empresa. El estudio pretende determinar cómo, cuándo y en qué
condiciones y requisitos se produce el embargo con relación a las ventas, respetando
los principios y normas generales de la Carta Magna de 1988 de los Derechos
fundamentales. .
Palabras claves: Derecho Procesal, Ejecución de embargo sobre el porcentaje de los
ingresos de las empresas, El principio de preservación de la empresa.
Jovetta, Diogo Cressoni.
A penhora de faturamento de empresa sob a luz do princípio da
preservação da empresa. Diogo Cressoni Jovetta. Piracicaba, 2009.
101 fls.
Orientador: Prof. Dr. José Luiz Gavião de Almeida.
Dissertação [Mestrado] – Programa de Pós-graduação em Direito,
Universidade Metodista de Piracicaba.
I. Direito Processual II. Execução III. Penhora sobre percentual de
faturamento de empresa. IV. Princípio da preservação da empresa.
I. Jovetta, Diogo Cressoni.
II. Título.
9
INTRODUÇÃO...............................................................................................................10
CAPÍTULO I – DIREITOS FUNDAMENTAIS.................................................................12
CAPÍTULO II - PRINCÍPIOS DA UTILIDADE, FINALIDADE E SUFICIÊNCIA:
EQUILÍBRIO NA EXECUÇÃO E PRINCÍPIO DA PRESERVAÇÃO DA EMPRESA.....21
CAPÍTULO III - EMPRESA............................................................................................31
III. I. Regime constitucional de livre iniciativa 31
III. II. Teoria Jurídica da Empresa 33
III. III. Personalidade jurídica 40
III. IV. Tipos de sociedades empresárias no ordenamento pátrio 42
CAPÍTULO IV – PENHORA...........................................................................................45
CAPITULO V – FATURAMENTO..................................................................................59
CAPÍTULO VI - PENHORA DE PERCENTUAL DO FATURAMENTO DE
EMPRESA......................................................................................................................67
VI. I. Faturamento como Direito da empresa 73
VI. II. Penhora sobre faturamento de empresa e a ordem legal de bens à penhora 77
VI. III. Sujeição passiva possível 80
VI. IV. Pluralidade de penhoras sobre o faturamento 82
VI. V. Depositário-administrador 85
VI. VI. Elaboração, apresentação, aprovação ou rejeição do plano 92
CONSIDERAÇÕES FINAIS...........................................................................................97
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS............................................................................100
10
INTRODUÇÃO
Devido à importância da empresa para o interesse coletivo e ao fato de
que, em última análise, a penhora sobre faturamento é um ato de império do
interesse público sobre o interesse privado, justifica-se a proposta de estudo sobre
o tema.
A penhora sobre percentual do faturamento da empresa guarda certa
similaridade com o antigo instituto da “adjudicação compulsória”. Acolhida pela
doutrina e jurisprudência, notadamente pela jurisprudência do Superior Tribunal de
Justiça, um embrião do que é hoje a penhora sobre faturamento foi pioneiramente
inserido no ordenamento jurídico pela Lei n.º 10.552/02, no art. 11, §8º e,
recentemente com o advento da Lei n.º 11.382/2006, foi definitivamente incluído no
CPC (Código de Processo Civil), nos artigos 655, VII e 655-A, §3º.
Antes da recente positivação no Código de Processo Civil a Lei n.º
10.552/02 apenas faz menção ao instituto –, eram quatro os requisitos mais
genericamente apontados pela doutrina e jurisprudência para efetivação da medida:
a) a nomeação de depositário-administrador;
b) a necessidade de apresentação de um plano de pagamento;
c) a excepcionalidade da medida: utilização restrita a apenas quando todas as
outras medidas falharam;
d) que a constrição permitisse o funcionamento e a sobrevivência da empresa.
11
Os dois primeiros requisitos constam no novo art. 655-A, §3º do CPC; já o
art. 655, VII do mesmo codex, apenas colocou o instituto na ordem legal de bens,
em sétimo lugar de certa maneira, relativizando a excepcionalidade da medida,
que vinha sendo consagrada pelos tribunais. Por fim, o último requisito está, de certa
forma, compreendido pela exigência de apresentação de um plano de pagamento
factível, embora o princípio da necessidade de sobrevivência da empresa tenha
continuado relegado ao ramo dos princípios e aos estudos doutrinários e a
jurisprudência.
Adiante conceituaremos e também nos deteremos na análise da natureza
jurídica, conteúdo e abrangência da penhora, assim como do conteúdo do termo
“faturamento” ainda que, nos dias atuais, o termo tenha sido delimitado de forma
bastante precisa sem nos afastarmos dos princípios e regras gerais da Carta
Magna de 1988.
Esses princípios constitucionais revelam que as empresas guardam
grande importância para toda a coletividade e que o exame do instituto da penhora
sobre percentual de faturamento de empresa se faz urgentemente necessário para
demonstrar como, quando e sob quais condições e requisitos a penhora sobre
faturamento pode ocorrer em prestígio aos princípios e Direitos Fundamentais.
12
CAPÍTULO I – DIREITOS FUNDAMENTAIS
Não há outra forma de iniciar qualquer estudo sobre as três gerações de
direito sem mencionar que a idéia nasceu de Karel Vasak, que proferiu, em 1979, no
Instituto Internacional dos Direitos Humanos, em Estrasburgo, na França, aula com o
título "Pour les droits de l’homme de la troisième génération: les droits de solidarieté"
–“Pelos direitos do homem da terceira geração: os direitos de solidariedade
1
, em
português.
A separação em gerações, descrevendo uma crescente sobreposição
histórica de direitos, foi cunhada por esse jurista para perfilar o avanço dos direitos
fundamentais com o lema da Revolução Francesa: Liberdade, Igualdade,
Fraternidade. Por esse arranjo retórico e didático é que Karel Vasak deu aos direitos
difusos que vinham surgindo o nome de direitos de solidariedade, aprofundando ou
até atualizando, o termo fraternidade do lema revolucionário.
De fato, o que houve foi um avanço histórico gradual dos direitos
fundamentais, sem que houvesse efetivamente a divisão em gerações. A separação
dos direitos em três gerações é útil por seu didatismo e beleza retórica, porém não é
essencial ao entendimento do avanço histórico dos direitos do Homem.
Por ser didaticamente útil, seguiremos, a seguir, as três gerações originais
de Karel Vasak, sem deixar de informar que essas três gerações traçam um
1
BARROS, S. R. Três gerações de direitos. Disponível em:
<http://www.srbarros.com.br/artigos.php?TextID=33&TextPart=12>. Acesso em: 13 jul. 2007.
13
percurso de evolução histórica contínua, que deve ser analisada em sua
complexidade e não em simplicidade resumida.
A luta pelos direitos individuais nasce com o surgimento do Estado que,
soberano e absoluto, tudo podia e nada devia. Desse fato histórico, surgiu a
necessidade das massas de opor ao soberano os direitos individuais, como fizeram
os ingleses diversas vezes tendo por fonte seus direitos de tempos imemoriais, fática
ou ideologicamente advindos das mais remotas tradições da terra inglesa. A fonte,
seja histórica ou ideológica, era necessária para a retórica política, que, se tais
direitos fossem outorgados pelo Rei, poderia ele cassá-los, o que não satisfaria a
necessidade histórica presente.
Assim, são marcos da luta inglesa: Magna Carta de 1215, posteriormente
confirmada várias vezes por sucessivos soberanos, Petition of Right, de 1627, o
"Habeas corpus" Act, de 1679, e, por fim, o Bill of Rights de 1689.
Não sendo o combate ao absolutismo uma necessidade histórica apenas
inglesa, por óbvio que o remédio a essa necessidade não haveria de se restringir a
essas terras, tendo migrado para a França, onde os direitos dos súditos contra seu
Rei foram racionalmente perfilados com base na teoria dos direitos naturais.
Essa teoria política substituiu a contento a necessidade histórica francesa
para dar outra fonte a tais direitos que a mera concessão do Rei. o podendo ser
por ele concedidos, os direitos não poderiam ser por ele revogados. De acordo com
essa teoria, os direitos do Homem deveriam ser apenas declarados para serem
conhecidos e garantidos. Para esse duplo fim dar a conhecer e garantir os direitos
14
naturais do indivíduo humano –, surgiu formalmente, na França, a declaração de
direitos
2
.
Com e por esses adventos históricos, e a estes somados outros como a
Independência Americana, entre outros, surge a primeira geração de direitos que, de
acordo com o argumento retórico de justaposição com o trinado da revolução
francesa empregado por Karel Vasak, foram chamados “Direitos de Liberdade”.
São, de fato, direitos de liberdade individual ou direitos individuais, pois
têm o escopo de impor limites à ação do Estado, para o qual geram obrigações de
não-fazer
3
. Denominados pelos franceses de “Liberdades Públicas”, seu principal
objetivo é resguardar o indivíduo da ação absoluta estatal.
Pela exemplificação dos direitos afirmados nessa primeira geração,
percebe-se que são claramente direitos dos indivíduos singularmente considerados.
São alguns desses direitos: liberdade de opinião, direito a julgamento justo iniciou-
se com o julgamento pelos costumes e pelos pares da terra natal evoluindo até o
Due process of law
4
” –, liberdade de credo ou religião e direito a voto – evoluindo do
restrito ao universal –, entre outros.
Os direitos individuais são, devido à sua fonte ideológica, histórica ou
política, imprescritíveis, inalienáveis e irrevogáveis. A necessidade histórica foi
satisfeita por esses direitos e pelo aprimoramento destes até o fim do século IXX e
início do século XX, quando nasce a segunda geração de direitos.
2
Id. ibidem.
3
Id. ibidem.
4
Expressão que, infelizmente, deixou de encontrar tradução no português dado o amesquinhamento do “Devido
Processo legal” corrente nestas terras.
15
À Era das Revoluções e do surgimento dos direitos fundamentais ainda
na forma de direitos meramente individuais se sucede a Era do Capital
5
. Nesse
momento histórico, o mercantilismo gera o acúmulo de capital para, por fim, se
transformar em Capitalismo, que, fundado na liberdade negocial total, se desenvolve
ao livre arbítrio da “mão invisível” do mercado. Para descrever esse momento
histórico do sistema capitalista separando-o do sistema econômico vigente, é de
praxe incluir um adjetivo: selvagem. Selvagem, não porque maléfico à sociedade
embora a moral dos dias de hoje assim o considere –, mas porque, desprovido das
amarras do Estado, se desenvolvia livre como um animal na mata de fato, o
Estado sempre exerce influência sobre o sistema econômico, mesmo que mera
influência política, de toda forma, o nível de liberdade desta época pode sim ser
considerado como selvagem.
A Era do Capital, como todo momento/fenômeno histórico, traz em si não
as raízes de sua destruição, mas o embrião de sua mutação. Eric J. Hobsbawn
6
afirma que o fim da Era do Capital ocorre quando os Estados tornam-se novamente
grandes e poderosos, dessa vez, não absolutos contra seus súditos, mas
“absolutistas” em relação a outros Estados menos poderosos.
Se antes era o império absolutista do monarca que oprimia o indivíduo
limitando sua liberdade, agora eram as amarras do capital que o impediam de atingir
a felicidade ou outra fonte qualquer que se considera motor da necessidade
histórica. As liberdades dos indivíduos encontram, nesse momento, barreiras
econômicas.
5
HOBSBAWN, E. J. A Era dos Impérios. 8 ed. São Paulo: Paz e Terra, 2003.
6
Id. ibidem.
16
Como considerar o indivíduo rico, que tem ao seu alcance todas as
benesses da modernidade e da industrialização tão livre quanto o pobre, que, sem
capital acumulado, seimpedido de exercer até o mais simples direito, como o de ir
e vir, se não puder pagar por ele? O efetivo gozo dos direitos individuais dependeria,
então, da afirmação de novos direitos do Homem.
O remédio histórico proposto é a concepção, mais uma vez utilizando a
nomenclatura do poderoso argumento retórico de Karel Vasak, dos “Direitos de
Igualdade.” O argumento retórico é simples e didático: se, na geração anterior, os
indivíduos afirmaram mera declaração sua liberdade, era necessário, pelo
momento de opressão social, que o segundo lema da revolução se concretizasse:
Igualdade entre os pares.
Igualdade social entre as categorias de indivíduos que acumulam capital
de forma desigual e posteriormente entre categorias de indivíduos que possuem
certo poder opressor ante o outro por alguma dada condição.
Essa dada condição surge inicial e principalmente na relação capital e
trabalho e logo evolui para outras relações em que o poder se apresenta de forma
desigual, como a relação de inquilinato, de consumo, entre outras.
Se os direitos individuais cobravam ações negativas, obrigações de não-
fazer, a nova geração de direitos reivindica a ação positiva do Estado, por
verdadeiras obrigações de fazer, prestações e intervenções sociais dos órgãos
estatais, com a finalidade de promover a igualdade
7
.
7
Id. ibidem.
17
Por buscarem a igualdade no efetivo gozo das liberdades individuais de
primeira geração, os direitos de segunda geração caracterizam-se não pela oposição
de direitos do indivíduo contra o Estado, mas pela oposição de categorias de
indivíduos contra outras categorias de indivíduos. Por exemplo: os direitos especiais
da categoria dos assalariados frente à dos detentores do capital, o direito da
categoria dos consumidores face aos produtores, dos estudantes frente às
organizações de ensino, entre outras tantas.
Novos tempos geram novas necessidades históricas. Isso não implica
afirmar que as necessidades históricas passadas foram integralmente satisfeitas.
Assim, mal se iniciaram os processos que levaram à obtenção de direitos categoriais
os ditos de segunda geração –, se desencadeava, na aurora do século XX, a
era da catástrofe
8
, que evidenciaria a capacidade do Homem de auto-destruir-se.
A guerra, a catástrofe econômica dos anos 1920 e 1930, novamente a
guerra e, então, o risco do extermínio maciço da humanidade pela própria
humanidade e a intensificação do convívio humano nas aldeias globais fizeram
nascer, após a declaração dos direitos de liberdade (individuais) no século XIX e dos
direitos de igualdade econômicos, sociais e culturais no século XX contidos na
segunda geração, a partir do âmbito internacional, o aparecimento de uma nova
geração de direitos fundada no humanismo integral em defesa da dignidade humana
mediante a solidariedade humana
9
.
Essa nova geração de direitos foi correlacionada por Karel Vasak como a
terceira lâmina do tridente revolucionário francês: a fraternidade. São os
8
HOBSBAWN, E. J. A Era dos Extremos: o breve século vinte. 2 ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.
9
BARROS, S. R. Noções sobre gerações de direitos. Disponível em:
<http://www.srbarros.com.br/aulas.php?TextID=63>. Acesso em: 9 jul. 2007.
18
denominados direitos de fraternidade ou direitos de solidariedade. Sérgio Resende
de Barros explica a ação dessa tipologia de direitos
10
:
Defendem os valores humanos mais básicos e genéricos da
sociedade humana, em verdade se estendem a toda a sociedade
humana indistinta e difusamente considerada em sua generalidade.
Daí, por que o nome que mais lhes convém, quanto à extensão, é o
de direitos difusos (BARROS, [s.d.], [s.p.]).
A nova necessidade histórica exigiu direitos cuja titularidade alcançava
todos os indivíduos integrantes da humanidade, indistintamente considerados ou
distintos em categorias sociais, como na segunda geração.
Essa geração de direitos leva o ser humano ao um novo patamar social: o
da responsabilidade solidária de todos os homens para com o efetivo exercício da
liberdade e da igualdade entre seres humanos, sintetizando os valores basilares da
humanidade.
Do ponto de vista jurídico, tais direitos geram obrigações de fazer ou de
não - fazer não ao Estado, mas também a todos os integrantes da sociedade
política
11
.
Assim, a evolução dos direitos fundamentais leva à questão da re-
articulação da cidadania a partir dos grupos, das organizações sociais públicas e
privadas, locais, regionais, nacionais e mundiais. Diante dos problemas colocados
pela globalização, será necessária a revisão da separação de um direito centrado no
10
BARROS, S. R. Op. cit.
11
Id. ibidem.
19
mercado e de um "outro" direito centrado na cidadania, nos valores culturais e
sociais.
Sindicatos, organizações de proteção ao meio ambiente, movimentos de
defesa da igualdade de gêneros para citar algumas organizações atuam diante
do Estado, de organizações públicas internacionais e empresas transnacionais de
forma isolada ou articulada em redes mundiais para a defesa de interesses coletivos
e difusos.
A globalização dos feudos em nações trouxe os direitos de primeira
geração, a globalização do capital selvagem trouxe a segunda geração, e agora a
globalização das nações em supra-nações, em busca da derradeira solidariedade
entre os homens e pela efetiva globalização, trouxe os direitos difusos, do Homem
em face do Homem, como ser social coletivamente considerado.
Em constante evolução, desde os direitos dos indivíduos face a outros
indivíduos, passando pelos direitos de categorias sociais em face de outras
categorias sociais até o momento de consolidação da solidariedade multinacional,
global, mundial.
O rumo tomado até o momento é a tendência do capital domado por
singelas amarras. Como visto, o meio ambiente econômico influencia diretamente o
surgimento de necessidades históricas, que, por sua vez, reagem sobre o meio
ambiente econômico.
Um meio econômico saudável é uma das condições para a efetividade e
distribuição dos direitos individuais, categoriais e de solidariedade. E o motor
20
propulsor de um meio ambiente economicamente saudável, no sistema capitalista
atual, é a empresa.
21
CAPÍTULO II - PRINCÍPIOS DA UTILIDADE, FINALIDADE E SUFICIÊNCIA:
EQUILÍBRIO NA EXECUÇÃO E PRINCÍPIO DA PRESERVAÇÃO DA EMPRESA
As sociedades empresárias privadas em que centraremos nosso estudo,
que as pessoas jurídicas empresárias de direito público empresas públicas se
encontram em posição normativa privilegiada, assim como as pessoas jurídicas de
direito privado cujo capital social é formado totalmente ou majoritariamente por
capital público – empresas estatais ou de economia mista
12
tal o cuidado do
ordenamento jurídico em preservar a coisa, o bem público.
A preservação da empresa privada ou da sociedade empresária é
preocupação recente no ordenamento brasileiro como aponta Sebastião José Roque
(1994):
A função do Direito Falimentar era a de selecionar as empresas
viáveis e banir da vida empresarial as empresas que revelaram
incapacidade tecnológica de nela permanecer. Baseiam-se no antigo
princípio: “quem não tem competência não se estabelece”.
Permaneceriam então as multinacionais, portadoras de aperfeiçoado
“aviamento”, ou seja, organização mais adequada para enfrentar os
desafios da nova ordem econômica (ROQUE, 1994, p. 93).
13
O autor anota, ainda, que o aspecto da antiga Lei de Falências brasileira
era eminentemente punitivo:
12
COELHO, F. U. Para entender Kelsen. 3 ed. São Paulo: Max Limonade, 1999.
13
ROQUE, S. J. Direito de recuperação de empresas. São Paulo: Ícone, 1994.
22
No Brasil, era marcante a natureza jurídica processual e com sentido
punitivo à empresa falida e aos seus dirigentes (mais à empresa do
que aos dirigentes). A falência é um processo, um procedimento
judicial, tanto que ela começava com a sentença decretatória de
falência (ID. IBIDEM, 1994, 36).
14
Obviamente que o aspecto punitivo não atendia aos credores nem à
sociedade. Um sistema jurídico meramente punitivo e altamente complexo aliado à
morosidade judicial virtualmente privava os credores do produto da expropriação dos
bens da massa em caso de falência, e a sociedade perdia um contribuinte de
impostos, um gerador de riquezas e postos de emprego.
Waldírio Bulgarelli (1985) explica a importância da empresa para a
sociedade:
O que nos parece de maior interesse é ressaltar a valoração dos
interesses convergentes na empresa, e nesse sentido Ghidini
entende que para a melhor compreensão do sistema legal é
necessário partir do óbvio conceito de que a empresa é um
organismo produtivo de fundamental importância social e portanto
deve ser salvaguardado e defendido enquanto: 1) constitui o
instrumento de produção de riqueza (efetivo); 2) constitui o
instrumento fundamental de ocupação e distribuição de riqueza; 3)
constitui um centro de propulsão de progresso e também cultural da
sociedade. Em conseqüência implica em vários interesses: 1) dos
trabalhadores dependentes; 2) dos clientes consumidores
(adquirentes dos produtos, usuários dos serviços, etc.); 3) dos
fornecedores e, em geral, do mercado de crédito; 4) de outros
empresários concorrentes (BULGARELLI, 1985, p. 58).
15
O autor explica também a necessidade de regulação e proteção à
empresa, mesmo fora do âmbito do Direito Comercial:
14
Id. ibidem.
15
BULGARELLI, W. A teoria jurídica da empresa: análise jurídica da empresarialidade. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1985.
23
É natural que, como centro polarizador da atividade econômica
moderna chamada de célula-mater da economia em nossos
tempos, convergisse para a empresa uma variada gama de
interesses, dizendo respeito aos trabalhadores, aos credores, ao
Estado (quer na sua função mais mesquinha de arrecadador de
impostos, quer como incentivador das atividades produtoras, quer
ainda como intérprete das aspirações populares ou do bem público),
aos sócios ou acionistas em relação ao empresário coletivo; aos
consumidores, à comunidade, etc. E sem dúvida que a regulação ou
proteção desses interesses chega a extravasar a área delimitada do
Direito Comercial indo alcançar outros ramos do Direito
(BULGARELLI, 1985, p. 267-8).
16
Aliás, coletivamente consideradas, as empresas encarregadas da
produção de bens e serviços para consumo não são apenas entes recolhedores de
impostos e criadores de postos de trabalho, mas também constituem a própria
economia nacional.
Na busca pelos ideais previstos na Constituição é que o antigo direito
falimentar se transmutou ao longo do tempo em direito de recuperação de empresas,
sendo que a falência passou a ser aplicável apenas quando falha a recuperação.
Acerca do espírito da nova de lei de falências de 2005 (Lei n.º
11.101/2005) discorre novamente Sebastião José Roque (1994):
A empresa é organismo vivo, tendo seu início e seu fim, ambos
entremeados de altos e baixos da fisiologia empresarial. Essa vida,
porém, apresenta sua fase patológica, caracterizada pelo estado de
crise econômico-financeira e seus desacertos. O Direito de
Recuperação de Empresas é o ramo do Direito Empresarial
encarregado de cuidar da fase patológica da empresa enferma, mas
com possibilidade de salvação; os procedimentos falimentares
16
Id. ibidem.
24
procuram solucionar a morte da empresa, poupando maiores
sofrimentos para todos (ROQUE, 1994, p. 36).
17
E, no mesmo sentido, afirma Humberto Theodoro Júnior, ao discorrer
sobre a necessidade de preservação do capital de giro das empresas:
A explicação está em que a empresa não é uma figura estática de
um simples patrimônio. É um organismo vivo, cuja preservação
interessa a toda a sociedade e não apenas a seus associados, pela
reconhecida função social que desempenha na circulação da riqueza
e na produção de bens e serviços úteis e necessários à vida
comunitária (THEODORO JÚNIOR, [s.d.], [s.p.]).
18
O excerto acima propõe que, agrupados, os princípios do pleno emprego,
da livre concorrência, da defesa do consumidor e do meio ambiente e da soberania
nacional orientam a busca por um determinado estado ideal de coisas, com uma
finalidade específica: a preservação da empresa.
Esse princípio que orienta os processos de recuperação de empresas é
também o que orienta os processos de execução singular por quantia certa contra
devedor solvente em face de empresas seja embasada tanto em título extrajudicial
como em título judicial e deve também orientar a penhora, segundo Bruno Garcia
Redondo e Mário Vitor Suarez Lojo (apud BUENO, 2008):
O princípio da função social da empresa é tratado, atualmente, sob
diversas óticas: instrumento de progresso econômico e tecnológico;
célula-base de toda economia industrial; agente de expansão e
verdadeiro criador de riqueza nacional. Por essa razão, é
indispensável que o princípio da preservação da empresa também
norteie a realização da penhora, para proporcionar a melhor
17
ROQUE, S. J. Op. cit..
18
THEODORO JÚNIOR, H. A impossibilidade da penhora do capital de giro. Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2925>. Acesso em: 28 mai. 2009.
25
possibilidade se sua “sobrevivência” (continuidade) (REDONDO;
LOJO apud BUENO, 2008, p. 43).
19
Nota-se que, no processo de recuperação judicial, convivem dois
princípios aparentemente antagônicos: a recuperação da empresa em crise
econômica e a satisfação dos credores.
A princípio, o objetivo maior do processo de recuperação de empresas é
justamente a recuperação da empresa, porém tal objetivo não se deve cumprir à
custa dos direitos dos credores. O processo de recuperação se realiza flexibilizando
estes últimos direitos dos credores para tornar possível a realização do objetivo
máximo, a recuperação da empresa.
Portanto, pode-se dizer que, embora o objetivo da recuperação da
empresa prevaleça sobre o interesse dos credores, a principal finalidade do instituto
da recuperação judicial é propiciar um ambiente em que os dois princípios dialoguem
sob a supervisão de um juízo imparcial e auxilio técnico profissional.
O estado de coisas anterior, que buscava a punição e o banimento
daquelas empresas consideradas não aptas à vida empresarial, se demonstrou
ineficaz para satisfazer os interesses dos próprios credores, cuidando a Constituição
de sabiamente corrigir o equívoco lançando as bases do pensamento jurídico que
busca não a punição, mas a preservação da empresa.
19
BUENO, C. S. Curso sistematizado de direito processual civil: tutela jurisdicional executiva. v. 3. 2 ed.
Saraiva: São Paulo, 2008.
26
Este princípio, presente no caso extremo do processo de recuperação
judicial, também é aplicado aplicá-lo ao processo de execução de título extrajudicial
e cumprimento de sentença por quantia certa contra devedor solvente.
de se salientar que, no curso do processo executivo, dialoga o
interesse do credor, representado pelo princípio do resultado ou da eficiência da
jurisdição, com os demais princípios orientadores do processo de execução
classicamente trazidos pela doutrina. São eles: o princípio da suficiência, da utilidade
e da especificidade.
Sobre essa tríade, explica Cassio Scarpinella Bueno (2008) acerca do
interesse do credor:
De acordo com o princípio do resultado, que tem fundamento no art.
612, a tutela jurisdicional executiva e, conseqüentemente, a prática
dos atos que se fazem necessários para sua prestação devem ser
pensados com vistas à satisfação do exeqüente. O dispositivo é
expresso no sentido de que “realiza-se a execução no interesse do
credor, que adquire, pela penhora, o direito de preferência sobre os
bens penhorados” (BUENO, 2008, p. 43).
o princípio da suficiência impõe que o órgão judiciário estatal realize a
constrição judicial somente sobre bens que sejam necessários para o pagamento do
credor e das despesas processuais – art. 659 do CPC
20
.
O princípio da suficiência embasa a possibilidade da penhora parcial e
também impede o abuso ou excesso da penhora inciso I do art. 685 do CPC
21
.
20
Art. 659. A penhora deverá incidir em tantos bens quantos bastem para o pagamento do principal atualizado,
juros, custas e honorários advocatícios.
21
Art. 685. Após a avaliação, poderá mandar o juiz, a requerimento do interessado e ouvida a parte contrária: I -
reduzir a penhora aos bens suficientes, ou transferi-la para outros, que bastem à execução, se o valor dos
penhorados for consideravelmente superior ao crédito do exeqüente e acessórios;
27
Visa, portanto, a proteger o devedor de possíveis excessos do exeqüente, o que
contribuirá também para a preservação da empresa devedora.
O princípio da utilidade impede a expropriação inútil de bens do devedor,
ou seja, quando o produto da expropriação não satisfaz minimamente a pretensão
do credor.
O Código de Processo Civil fixa esse patamar mínimo determinando que
a penhora não se concretize quando evidenciado que o resultado não será suficiente
ao pagamento das custas e demais despesas processuais – § 2º, art. 659, CPC
22
.
Outro princípio classicamente descrito pela doutrina é o da especificidade.
Esse princípio é que orienta que a penhora deve afetar exclusivamente aos bens
(patrimônio) do devedor, impedindo que a penhora, em princípio, alcance bens de
terceiros.
Cassio Scarpinella Bueno (2008) utilizou o termo “execução equilibrada”
para descrever o necessário equilíbrio de todos os princípios envolvidos no processo
executivo. Fica, dessa forma, sua lição:
De acordo com o princípio do resultado, que tem fundamento no art.
612, a tutela jurisdicional executiva e, conseqüentemente, a prática
dos atos que se fazem necessários para sua prestação devem ser
pensados com vistas à satisfação do exeqüente. O dispositivo é
expresso no sentido de que “realiza-se a execução no interesse do
credor, que adquire, pela penhora, o direito de preferência sobre os
bens penhorados”.
Parelho a este princípio (resultado) é bastante freqüente haver
menção a outro, o da máxima utilidade da execução”, construído a
partir do disposto nos arts. 577, 579, 599, 600 e 601, que
22
Art. 659, § 2o. Não se levará a efeito a penhora, quando evidente que o produto da execução dos bens
encontrados será totalmente absorvido pelo pagamento das custas da execução.
28
expressamente reconhecem o múnus público do estado-juiz ao longo
da prestação da tutela jurisdicional executiva, autorizando-o a tomar
providências, até mesmo de ofício, para, a um tempo, criar
condições de prevalecimento do direito tal qual reconhecido no título
– e, conseqüentemente, a satisfação plena do exeqüente – e reprimir
quaisquer atos do executado (ou de terceiros) que, de alguma forma,
busquem ilegitimamente frustrar aquela função.
O chamado “principio da menor gravosidade ao executado”, por sua
vez, é expresso no art. 620: havendo alternativas à prestação da
tutela jurisdicional executiva, compreendidas as atividades que a
veiculam, o modo menos gravoso, isto é, menos oneroso, ao
executado, aquela que sofre a tutela executiva, deve ser eleito.
Trata-se de diretriz que, em última análise, deriva do princípio da
ampla defesa, de estatura constitucional.
O conflito resultante dos princípios apresentados anteriormente tem,
em última análise, fundamento constitucional bem claro, não
obstante seu assento no modelo infraconstitucional do processo civil
nos arts. 612 e 620, respectivamente: trata-se do mesmo conflito que
se pode verificar entre o principio da efetividade da jurisdição” e o
“principio da ampla defesa”.
(...)
A “execução equilibrada”, aqui examinada, destarte, não é,
propriamente, um “princípio” da tutela jurisdicional executiva mas,
diferentemente, um verdadeiro resultado desejável da escorreita
aplicação, em cada caso concreto, dos princípios do “resultado” e da
“menor gravosidade da execução” (BUENO, 2008, p. 24-5).
23
Pode-se perceber, portanto, que esses princípios orientados para o fim de
uma execução equilibrada são perfeitamente condizentes com a finalidade de
preservação da empresa, sendo que doravante, quando citarmos esse último
objetivo final, entenderemos que a preservação da empresa sempre se comportará
em consonância com os três princípios, ou seja, se implementará de forma
suficiente, útil e específica; assim como não exigirá do juízo da execução, do credor
ou do devedor nada mais do que equilíbrio.
São esses princípios que regem os processos de execução contra
devedor solvente fazendo com que se alinhem em favor dos ideais do bem coletivo,
buscados pela Carta Magna.
23
Id. ibidem.
29
É, com esse espírito, que a nova redação do art. 655
24
do Código de
Processo Civil, dada pela Lei n.º 11.382 de 6 de dezembro de 2006, mais do que
reorganizar a ordem de preferência dos bens pela qual a penhora poderá se realizar,
inovou o direito positivo, porquanto se entende que, ao relacionar a penhora sobre
faturamento no inciso VII na ordem de preferência, o ordenamento positivou a
construção jurisprudencial doutrinária existente. Como assevera Humberto Theodoro
Júnior (2008):
A jurisprudência, algum tempo, vinha admitindo, com várias
ressalvas, a possibilidade de a penhora incidir sobre parte do
faturamento da empresa executada. A reforma do CPC realizada
pela Lei 11.382/2006, que criou o art. 655-A, normatizou em seu §3º
a orientação que predominava no Superior Tribunal (THEODORO
JÚNIOR, 2008, p. 329).
25
O instituto jurídico propicia o exercício do princípio da preservação da
empresa quando esta se encontra sem disponibilidade imediata de ativos
suficientemente líquidos, ou seja, possuidora de ativos de valor suficiente a fazer
frente ao passivo exeqüendo, porém não possuidores da liquidez necessária.
Afinal, trata-se de execução contra devedor solvente, e, em condições
normais, a sociedade empresária com essas características encontra-se em situação
de grave crise financeira e dificilmente está sujeita a apenas um processo de
execução ou cumprimento de sentença.
24
Art. 655. A penhora observará, preferencialmente, a seguinte ordem: I - dinheiro, em espécie ou em depósito
ou aplicação em instituição financeira; II - veículos de via terrestre; III - bens móveis em geral; IV - bens imóveis;
V - navios e aeronaves; VI - ações e quotas de sociedades empresárias; VII - percentual do faturamento de
empresa devedora; VIII - pedras e metais preciosos; IX - títulos da dívida pública da União, Estados e Distrito
Federal com cotação em mercado; X - títulos e valores mobiliários com cotação em mercado; XI - outros direitos.
25
THEODORO JÚNIOR, H. Curso de Direito Processual Civil Processo de execução e cumprimento da
sentença, Processo Cautelar e tutela de urgência. v. 2. Rio de Janeiro: Forense, 2008.
30
Em condições tais, o mais provável é que diversos credores a estejam
demandando judicialmente, em um estado de pré-insolvência, anterior apenas
àquelas condições que são capazes de dar ensejo à recuperação judicial.
O princípio da preservação da empresa atua, então, na execução contra
devedor solvente em favor do bem coletivo, em estrito respeito e rigor aos demais
princípios que regem os processos executivos.
Eis o que dispõe a Orientação Jurisprudencial n.º 93 de 25 de maio de
2002 da SDI-II do TST:
Mandado de Segurança. Possibilidade de penhora sobre parte da
renda de estabelecimento comercial. É admissível a penhora sobre
renda mensal ou faturamento de empresa, limitada a determinado
percentual, desde que não comprometa o desenvolvimento regular
de suas atividades.
Portanto, o objetivo do dispositivo adicionado no ordenamento positivo
pela Lei n.º11.382/06 é novamente propiciar, no âmbito da execução contra devedor
solvente ou das execuções contra devedor solvente, um ambiente em que o
interesse dos credores e a preservação da empresa como bem coletivo dialoguem
sob a supervisão de um juízo imparcial e auxilio técnico profissional.
O próximo passo, portanto, é delimitar o conteúdo dos termos da inovação
legislativa diante dos conceitos de penhora e de faturamento, para, a seguir,
demonstrar como e sob quais condições a penhora sobre faturamento se
implementa, tendo como finalidade dos princípios orientadores, a preservação da
empresa.
31
CAPÍTULO III - EMPRESA
III. I. Regime constitucional de livre iniciativa
O pressuposto constitucional do regime jurídico-econômico nacional é a
livre iniciativa privada para a exploração de atividades econômicas art. 170,
CF/88
26
–, sendo reservada ao Estado a atuação apenas supletiva – art. 173,
CF/88
27
–, esta restrita a casos excepcionais descritos minuciosamente na
Constituição.
O Estado brasileiro legou, portanto, à iniciativa privada, o ônus e o bônus
de desenvolver plenamente a atividade econômica, reservando a si o papel de
agente normativo e regulador da atividade econômica art. 174, CF/88
28
para que
esta seja exercida pelo empreendedor privado nos moldes capitalistas e em
atendimento aos princípios trazidos pelo art. 170 da CF/88.
Ao reservar ao Estado papel meramente regulador ou de agente
supletivo, cuja atuação é permitida em hipóteses excepcionais, a Constituição
expressamente optou pelo sistema de produção de bens e serviços necessários à
26
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim
assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: I -
soberania nacional; II - propriedade privada; III - função social da propriedade; IV - livre concorrência; V - defesa
do consumidor; VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto
ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; VII - redução das
desigualdades regionais e sociais; VIII - busca do pleno emprego; IX - tratamento favorecido para as empresas
de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País. Parágrafo
único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de
autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.
27
Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo
Estado será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse
coletivo, conforme definidos em lei.
28
Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as
funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para
o setor privado.
32
vida das pessoas individualmente consideradas, denominado capitalista. Nos dizeres
de Fábio Ulhoa Coelho (2003):
Ao atribuir à iniciativa privada papel de tal monta, a Constituição
torna possível, sob o ponto de vista jurídico, a previsão de um regime
específico pertinente às obrigações do empreendedor privado. Não
poderia, em outros termos, a ordem jurídica conferir uma obrigação a
alguém, sem, concomitantemente, prover os meios necessários para
o integral e satisfatório cumprimento desta obrigação. Se, ao
capitalista, a ordem reserva a primazia na produção, deve cuidar
para que ele possa desincumbir-se, plenamente, dessa tarefa. Caso
contrário, ou seja, se não houvesse um regime jurídico específico
para a exploração econômica, a iniciativa privada permaneceria
inerte e toda a sociedade sofreria com a estagnação da produção
dos bens e serviços indispensáveis à satisfação de suas
necessidades (COELHO, 2003, p. 26).
29
Todo o sistema jurídico pátrio e, em especial, a legislação Constitucional
são orientados de acordo com determinados princípios, ou seja, são voltados à
busca por um estado de coisas ideal.
Assim, o regime jurídico específico que regra os meios de produção e
consumo de bens e serviços escolhido capitalismo deve obediência aos
princípios constitucionais orientadores propostos e cristalizados na Constituição.
Todos os princípios estampados no art. 170 da CF/88 dialogam entre si
em um movimento dialético, assumindo maior ou menor ascendência individual
sobre os demais princípios do conjunto de acordo com o desenvolvimento da busca
pelo estado de coisas ideal previsto na Constituição.
29
COELHO, F. U. Manual de Direito Comercial. São Paulo: Saraiva, 2003.
33
Na busca desses ideais, o principal mecanismo pelo qual a livre iniciativa
se organiza com a finalidade de cumprir o objetivo a ela legado pela Carta Magna é
o exercício da empresa.
III. II. Teoria Jurídica da Empresa
A teoria jurídica da empresa hoje atuante no Brasil surgiu na Itália, em
1942, conforme descreve Fábio Ulhoa Coelho (2003):
Em 1942, na Itália, surge um novo sistema de regulação das
atividades econômicas dos particulares. Nele, alarga-se o âmbito de
incidência do Direito Comercial, passando as atividades de prestação
de serviços e ligadas à terra a se submeterem às mesmas normas
aplicáveis às comerciais, bancárias, securitárias e industriais.
Chamou-se o novo sistema de disciplina das atividades privadas de
teoria da empresa. O Direito Comercial, em sua terceira etapa
evolutiva, deixa de cuidar de determinadas atividades (as de
mercancia) e passa a disciplinar uma forma específica de produzir ou
circular bens ou serviços, a empresarial. Atente para o local e o ano
em que a teoria da empresa se expressou pela primeira vez no
ordenamento positivo. O mundo estava em guerra e, na Itália,
governava o ditador fascista Mussolini.
A ideologia Fascista não é tão sofisticada como a comunista, mas um
pequeno paralelo entre ela e o marxismo ajuda a entender a
ambientação política do surgimento da teoria da empresa. Para
essas duas concepções ideológicas, burguesia e proletariado estão
em luta; elas divergem sobre como a luta terminará. Para o
marxismo, o proletariado tomará o poder do estado, expropriará das
mãos da burguesia os bens de produção e porá fim às classes
sociais (e, em seguida, ao próprio estado), reorganizando-se as
relações de produção.
para o Fascismo, a luta de classes termina em harmonização
patrocinada pelo Estado nacional. Burguesia e proletariado superam
seus antagonismos na medida em que se unem em torno dos
superiores objetivos da nação, seguindo o líder (duce), que é
intérprete e guardião destes objetivos. A empresa, no ideário
fascista, representa justamente a organização em que se
harmonizam as classes em conflito. Vale notar que Asquini, um dos
expoentes da doutrina comercialista italiana, ao tempo do governo
fascista, costumava apontar como um dos perfis da empresa o
34
corporativo, em que se expressava a comunhão dos propósitos de
empresário e trabalhadores (ID. IBIDEM, p. 8).
30
Como explica ainda o autor, a teoria da empresa se desvencilhou de suas
origens fascistas e se espalhou por outros países de tradição jurídica romana devido
a seus méritos jurídicos, tecnológicos e principalmente por superar a teoria dos atos
de comércio, abrigando, sob suas hostes, importantes setores da economia, setores
outros que não o puro comércio.
No Brasil, a teoria da empresa se instalou primeiramente na doutrina e na
jurisprudência, sendo aos poucos exposta no ordenamento positivo por meio de leis
específicas, como o Código de Defesa do Consumidor (1990), a Lei de Locação
Predial Urbana (1991) e a Lei de Registro de Empresas (1994). Por fim, foi
consagrada com a entrada em vigor do CC (Código Civil) de 2002.
Waldírio Bulgarelli destaca que o ponto chave da teoria da empresa é o
exercício de uma atividade tipicamente empresarial:
E aqui gostaríamos de ressaltar o que parece ter sido o verdadeiro
achado na teoria jurídica da empresa, embora nem sempre clara
para seus cultores: a transmutação do conceito econômico de
empresa como organização da atividade econômica em atividade
econômica organizada (BURGARELLI, 1985, p. 115).
31
Essa atividade, segundo o autor, se contrapõe à antiga teoria dos atos de
comércio:
30
COELHO, F. U. Op. cit.
31
BULGARELLI. Op. cit.
35
No que consiste esta empresarialidade, que naturalmente, na
evolução histórica, se opõe à antiga teoria dos atos de comércio,
pode-se aferir pela configuração do conceito pleno de empresa,
entendida como exercício profissional da atividade econômica
organizada, englobando o empresário, por via do agente que exerce
a atividade, e o estabelecimento pelo significado de organização das
atividades referidas aos bens organizados. Ou se se preferir o
conceito descritivo, analítico: atividade econômica organizada de
produção e circulação de bens e serviços para o mercado, exercida
pelo empresário, em caráter profissional, através de um complexo de
bens (ID. IBIDEM, p. 115).
32
Nota-se que, no conceito analítico proposto pelo autor, a atividade
empresarial não é apenas a atividade econômica organizada”, mas a atividade
econômica organizada qualificada pelo signo do profissionalismo e que é exercida
por meio de um complexo de bens. Oscar Barreto Filho (1988) detalha essas notas
relevantes:
Caracteriza-se o empresário, desta forma, pelas seguintes notas
conceituais: a) exercício de atividade econômica, destinada a criação
de riqueza; b) atividade organizada, através da adequada
coordenação dos fatores da produção trabalho, natureza e capital;
c) exercício praticado de modo profissional, isto é, habitual e
sistemático, vale dizer, em nome próprio e com fito de lucro
(BARRETO FILHO, 1988, p. 112).
33
O profissionalismo é considerado sobre três aspectos distintos, a saber:
Habitualidade, Pessoalidade e o monopólio das informações ou Know-How, sendo
esta última característica assim conceituada por Fábio Ulhoa Coelho (2003):
32
BULGARELLI. Op. cit.
33
BARRETO FILHO, O. Teoria do estabelecimento comercial: fundo de comércio ou fazenda mercantil. 2 ed.
São Paulo: Saraiva, 1988.
36
Monopólio das informações que o empresário detém sobre o produto
ou serviço objeto de sua empresa. Este é o sentido com que se
costuma empregar o termo no âmbito das relações de consumo.
Como o empresário é profissional, as informações sobre bens ou
serviços que oferece ao mercado especialmente as que dizem
respeito as suas condições de uso, qualidade, insumos empregados,
defeitos de fabricação riscos potenciais à saúde ou a vida dos
consumidores costumam ser de seu inteiro conhecimento
(COELHO, 2003, p. 12).
34
Habitualidade se configura pelo fato de a atividade de produção e
comercialização não ocorrer de forma episódica, ou seja, para ser considerado como
habitual, o empresário deve exercer a atividade de forma contínua, não esporádica.
A pessoalidade ocorre pela distinção da personalidade empresária da de seus
sócios e funcionários ou prepostos.
No que tange à organização para circulação de bens e serviços, reputa-se
que estejam na empresa, presentes e articulados entre si, os quatro fatores de
produção: capital, mão-de-obra, insumos e tecnologia – no sentido de know-how.
Essa articulação deve ter um propósito definido, qual seja atender ao
mercado consumidor desses bens e serviços. Por isso, a articulação com fins outros
que não a de atender ao mercado não é dotada do signo da empresarialidade, na
expressão utilizada por Waldírio Bulgarelli (1985):
Tratando-se de um fenômeno complexo, sem dúvida, que a sua
tradução para o Direito não poderia ser feita apoiada numa única
categoria, mas deveria ser referida a três delas, demonstrando-se
através dos três conceitos, a sua essencialidade. Razão pela qual, a
34
COELHO. Op. cit.
37
fim de clarificar terminologicamente o fenômeno, na sua complexa
projeção, adotamos o termo empresarialidade. E dessa
empresarialidade apreendeu-se: 1) o agente, o que tem iniciativa, a
anima, corre riscos e faz jus aos resultados; 2) o conjunto ou o
complexo de bens que o empresário utiliza para atingir os fins
propostos; e finalmente 3) a atividade econômica organizada
desenvolvida (BULGARELLI, 1985, p. 53).
35
Por fim, o empresário, agente da atividade empresarial, exerce sua
atividade por meio de um complexo de bens, o estabelecimento comercial:
Parece ficar de fora o estabelecimento (azienda, fonds de commerce,
hacienda, etc.) cuja palavra não participa do radial da empresa;
entretanto substancialmente se afirma pelo significado, como
integrante da empresarialidade, através da organização de bens que
está ínsita na compreensão do termo. É incontroverso que o
estabelecimento, embora historicamente reconhecido e aceito desde
a Idade Média, designado como taberna, mensa, mercatura,
fundacum, merx, já caracterizado corpus universale ou corpus
mysticum, no regime jurídico do comerciante, tomou, contudo, novas
dimensões e, conseqüentemente, outra configuração após o
surgimento da empresa. Não será, pois, porque o seu nome não
ostenta conotação empresarial direta, que deixa de integrar a
empresarialidade, situando-se como outro perfil da empresa
econômica, no plano jurídico (ID. IBIDEM, p. 47).
36
E, no mesmo sentido, Oscar Barreto Filho (1988) afirma:
O empresário, como vimos, é um sujeito de direito, e a empresa é a
atividade por ele organizada e desenvolvida, através do instrumento
adequado que é o estabelecimento. A figura jurídica do empresário
pressupõe, necessariamente, uma base econômica, ou seja, um
complexo de bens que constituem o instrumento e, de certo modo, o
objeto de seu trabalho. Esse complexo de bens destinados pelo
empresário ao exercício da empresa é a fazenda ou estabelecimento
(BARRETO FILHO, 1988, p. 115).
37
35
BULGARELLI. Op. cit.
36
BULGARELLI. Op. cit.
37
BARRETO FILHO. Op. cit.
38
Sendo o estabelecimento uma universalidade patrimonial pela qual o
sujeito empresário desenvolve sua atividade, verifica-se que a empresa é essa
própria atividade, ou seja, uma abstração, como afirma Rubens Requião (1998):
É preciso compreender que a empresa, como entidade jurídica, é
uma abstração. A muitos tal afirmativa parecerá absurda e
incompreensível, dado aquele condicionamento de que a empresa é
uma entidade material e visível. Brunetti, professor italiano de alto
conceito, chegou à conclusão da abstratividade da empresa,
observando que “a empresa, se do lado político-econômico é uma
realidade, do jurídico é un’astrazione, porque, reconhecendo-se
como organização de trabalho formada das pessoas e dos bens
componentes da azienda, a relação entre a pessoa e os meios de
exercício não pode conduzir senão a uma entidade abstrata,
devendo-se na verdade ligar a à pessoa do titular, isto é, ao
empresário” (REQUIÃO, 1998, p. 59).
38
E também Barbero, citado por Waldírio Bulgarelli (1985):
Pode parecer curioso que o código fale de empresa, mas, não a
defina, e, ao invés, defina o empresário”. Isso, entretanto, é
significativo: não é uma extravagância, mas um produto espontâneo
da natureza das coisas. E denota precisamente que a empresa “não
existe”, mas “se exerce”, não é “um ser” nem sujeito nem objeto, mas
“um fato”; quem é, o que existe, são “o empresário” como sujeito, e o
“estabelecimento” como objeto. O exercício que o empresário” faz
do estabelecimento constitui exatamente a “empresa” (BARBERO
apud BULGARELLI, 1985, p. 143).
39
O exercício da atividade de empresa tem como sujeito as sociedades
empresárias destinadas a esse fim. A construção do conceito de sociedade
38
REQUIÃO, R. Curso de Direito Comercial. São Paulo: Saraiva, 1998.
39
BARBERO apud BULGARELLI. Op. cit.
39
empresária está apoiada na própria atividade empresarial e no conceito de pessoa
jurídica.
40
Sobre a distinção de sociedade simples e empresarial, anota Fábio Ulhoa
Coelho (2003):
A distinção entre sociedade simples e empresária não reside, como
se poderia pensar, no intuito lucrativo. Embora seja da essência de
qualquer sociedade empresária a persecução de lucros inexiste
pessoa jurídica dessa categoria com fins filantrópicos ou pios -, este
é um critério insuficiente para destacá-la da sociedade simples. Isto
porque também sociedades não empresárias com escopo
lucrativo, tais como as sociedades de advogados, as rurais sem
registro na Junta etc. O que irá, de verdade, caracterizar a pessoa
jurídica de direito privado não estatal como sociedade simples ou
empresária será o modo de explorar seu objeto (COELHO, 2003, p.
109).
41
Ou seja, o que distingue a sociedade simples da sociedade empresária é
o exercício do objeto social com profissionalismo e de forma organizada para a
circulação de bens e serviços.
As pessoas jurídicas, por seu turno, podem ser divididas em dois grandes
grupos: as pessoas jurídicas de direito público interno, compreendendo a União,
Estados, municípios e autarquias e as de direito privado, compreendendo todas as
demais.
A diferença primordial entre as pessoas jurídicas desses dois grupos é a
atividade empresarial que exercem. Não obstante, em razão da supremacia dos
40
COELHO. Op. cit.
41
COELHO. Op. cit.
40
interesses públicos, as pessoas jurídicas de direito público interno gozam de uma
posição jurídica diferenciada.
as pessoas jurídicas de direito privado se relacionam pautadas pelo
princípio da isonomia, inexistindo valoração diferenciada dos interesses defendidos
por elas.
Entre as pessoas jurídicas de direito privado, porém, de se fazer uma
divisão necessária ao conceito de sociedade empresária. Isto porque os recursos
utilizados para a constituição da empresa podem ser provenientes do poder público.
São as denominadas empresas estatais que compreendem os seguintes tipos de
empresa: a sociedade de economia mista, na qual particulares detêm participação
acionária, e a empresa pública, constituída privativamente com recursos públicos.
III. III. Personalidade jurídica
A personalização é uma técnica jurídica utilizada para atingir
determinados objetivos práticos, qual sejam a autonomia patrimonial e a limitação ou
supressão de responsabilidades individuais
42
.
A personalização das sociedades empresariais permite que a pessoa
jurídica constituída por uma sociedade não se confunda com as pessoas que a
compõem. E mais: a personalização outorga à sociedade, como pessoa jurídica,
titularidade negocial, titularidade processual e responsabilidade patrimonial.
42
COMPARATO, F. K. O poder de controle na sociedade anônima. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1976.
41
Titularidade negocial significa que a pessoa jurídica exerce, em seu
próprio nome e não no nome dos seus sócios, todos os seus negócios. Titularidade
processual significa que a pessoa jurídica comparece em juízo, ela própria, com
capacidade processual para demandar e ser demandada. Titularidade patrimonial
significa que a pessoa jurídica tem patrimônio próprio, inconfundível com o dos
sócios, e responde com seu patrimônio por suas obrigações.
Pontualmente, a personificação pode ser tornada ineficaz para
determinados atos. É o que a doutrina denominou “desconsideração da
personalidade jurídica”, Disregard of legal Entity, adotada pelo Código Civil em seu
art. 50
43
. Afinal, como assevera Rubens Requião (1998, p. 351): a personalidade
jurídica não constitui um direito absoluto, mas está sujeita e contida pela teoria da
fraude contra credores e pela teoria do abuso de direito”.
44
Afora possam ser tornados ineficazes em relação a determinado ato, os
efeitos da personalização subsistem até a dissolução da sociedade, o que pode
ocorrer de forma regular extrajudicialmente ou judicialmente ou de forma irregular.
Sendo certo que as diferentes formas pelas quais a personalidade jurídica se
dissolve, elas acarretam diferentes efeitos no âmbito da responsabilidade patrimonial
dos sócios.
43
Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão
patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no
processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens
particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.
44
REQUIÃO. Op. cit.
42
III. IV. Tipos de sociedades empresárias no ordenamento pátrio
São seis os tipos societários existentes no direito empresarial: a
sociedade em nome coletivo, a sociedade em comandita simples, a sociedade em
comandita por ações, a sociedade em conta de participação esta
despersonalizada, art. 993
45
do CC –, a sociedade limitada e a sociedade anônima
ou companhia.
Essas sociedades podem ser classificadas de diversas maneiras. São três
as formas de classificação mais conhecidas: quanto ao regime de constituição e
dissolução, quanto à responsabilidade dos sócios pelas obrigações sociais e quanto
às condições para alienação da participação societária.
Quanto ao regime de constituição, as sociedades empresárias podem ser
classificadas como contratuais ou como institucionais.
As sociedades contratuais são aquelas cujo ato constitutivo e
regulamentar é o contrato social. A constituição e dissolução destas sociedades são
regidas pelo Código Civil de 2002. São sociedades contratuais a sociedade em
nome coletivo, a em comandita simples e a sociedade limitada.
as sociedades institucionais têm como ato regulamentar o estatuto
social e são regidas pelas normas específicas da Lei n.º 6.404/76. São institucionais:
a sociedade em comandita por ações e a sociedade anônima ou companhia.
45
Art. 993. O contrato social produz efeito somente entre os sócios, e a eventual inscrição de seu instrumento
em qualquer registro não confere personalidade jurídica à sociedade.
43
Segundo o critério que considera a responsabilidade dos sócios pelas
obrigações sociais, as sociedades podem ser divididas em ilimitadas, mistas ou
limitadas.
Na sociedade ilimitada, os sócios respondem ilimitadamente pelas
obrigações assumidas pela sociedade. É dessa categoria a sociedade em nome
coletivo.
Na sociedade mista, parte dos sócios tem responsabilidade ilimitada, e a
outra parte tem responsabilidade limitada. É o caso da sociedade em comandita
simples e em comandita por ações.
Os sócios das sociedades limitadas e sociedades anônimas, salvo
disposição expressa de lei em contrário, respondem de forma limitada pelas
obrigações sociais.
A terceira forma de classificação, quanto às condições para alienação da
participação societária, contempla duas categorias: as sociedades de pessoas e as
sociedades de capital. Conforme discorre Fábio Ulhoa Coelho (2003):
É claro que não existe sociedade composta exclusivamente por
“pessoas” ou exclusivamente por “capital”. Toda sociedade surge da
conjunção desses dois elementos, ambos imprescindíveis. O que faz
uma sociedade ser de pessoas” ou “de capital” é, na verdade, o
direito de o sócio impedir o ingresso de terceiro não-sócio no quadro
associativo existente nas de perfil personalístico e ausente nas de
perfil capitalístico (COELHO, 2003, p. 122).
46
46
COELHO. Op. cit.
44
As sociedades institucionais são sempre de capital”; as contratuais
podem ser “de capital” ou “de pessoas”. Na sociedade limitada, a menos que seu
contrato social disponha de forma diferente, os sócios podem obstar a entrada na
sociedade de terceiros a ela estranhos – art. 1057 do CC
47
.
Nas sociedades em nome coletivo e em comandita simples, a cessão de
cotas depende da anuência dos demais sócios art. 1003 do CC
48
. São, portanto,
sociedades “de pessoas”, embora, em caso de falecimento dos sócios, o contrato
social possa facultar a entrada automática de estranho na sociedade
49
, de forma
que, nesse aspecto específico, são sociedades “de capital”.
47
Art. 1.057. Na omissão do contrato, o sócio pode ceder sua quota, total ou parcialmente, a quem seja sócio,
independentemente de audiência dos outros, ou a estranho, se não houver oposição de titulares de mais de um
quarto do capital social.
48
Art. 1.003. A cessão total ou parcial de quota, sem a correspondente modificação do contrato social com o
consentimento dos demais sócios, não terá eficácia quanto a estes e à sociedade.
49
COELHO. Op. cit.
45
CAPÍTULO IV – PENHORA
Importa, neste momento, trazer ao estudo o conceito de penhora, e, para
esse trabalho, utilizaremos, como ponto de partida, o conceito trazido por Marcos
Vinicius Rios Gonçalves (2008):
A penhora é um mecanismo processual que afeta um bem à futura
expropriação em execução por quantia. Não se confunde com os
direitos reais de garantia, que independem de processo e têm
requisitos muito diferentes. Ela é constituída por determinação
judicial, ao passo que os direitos reais de garantia dependem da
vontade das partes. Somente na penhora a entrega do bem a um
depositário, que se incumbirá de preservá-lo até que a expropriação
se efetive (GONÇALVES, 2008, p. 149).
50
Afirmam ainda Araken de Assis (2007), Vicente Greco Filho (2008) e
Humberto Theodoro Júnior (2008), respectivamente: “a penhora é ato executivo que
afeta determinado bem à execução, permitindo sua ulterior expropriação, e torna os
atos de disposição do seu proprietário ineficazes em face do processo” (ASSIS,
2007, p. 529)
51
; “a penhora é ato de apreensão de bens com finalidade executiva e
que inicio ao conjunto de medidas tendentes à expropriação de bens do devedor
para pagamento do credor” (GRECO FILHO, 2008, p. 82)
52
; e:
A penhora se manifesta como o primeiro ato executivo com que o
Estado, na execução por quantia certa, agride o patrimônio do
devedor inadimplente, para iniciar o processo de expropriação
50
GONÇALVES, M. V. R. Novo curso de direito processual civil: execução e processo cautelar. v. 3. o
Paulo: Saraiva, 2008.
51
ASSIS, A. Manual da execução. 11 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.
52
GRECO FILHO, V. Direito processual civil brasileiro. 19 ed. v. 3 (Processo de execução e procedimentos
especiais). São Paulo: Saraiva, 2008.
46
judicial necessário à realização coativa do direito do credor
(THEODORO JÚNIOR, 2008, p. 296).
53
E, ainda, Luiz Carlos de Azevedo (1994):
Assim, constitui a penhora o ato pelo qual determinados bens
pertencentes àquele que responde por débito inadimplido,
independentemente de sua vontade, ficam sujeitos ao juízo da
execução, com vistas à satisfação do crédito correspondente. [...] É o
primeiro ato-meio de coação, tendo início, a partir dele, a seqüência
de medidas tendentes à expropriação definitiva do bem ou dos bens
do devedor. Ato emanado de ordem judicial reflete o poder de
coerção de que se investiu o Estado para tornar atuante a sanção, de
tal modo que o devedor não terá como evitar esta intromissão no
âmbito jurídico de seu patrimônio (AZEVEDO, 1994, p. 119).
54
Bruno Garcia Redondo e Mário Vitor Suarez Lojo (2007) conceituam a
penhora como ato executivo por meio do qual se afeta judicialmente parcela do
patrimônio do executado, se individualiza o bem que será expropriado ao final e pelo
qual se inicia a execução forçada.
55
Temos por base, portanto, que a penhora é um instrumento coercitivo do
Estado em prol do exercício da responsabilidade patrimonial que vincula os bens do
devedor à garantia do direito do credor, por meio de “atos de afetação”, nos dizeres
de Humberto Theodoro Júnior (2008):
Diz-se, outrossim, que a penhora é um ato de afetação porque sua
imediata conseqüência, de ordem prática e jurídica, é sujeitar os
53
THEODORO JÚNIOR. Op. cit.
54
AZEVEDO, L. C. Da penhora. São Paulo: Resenha Tributária, 1994.
55
REDONDO, B. G.; LOJO, M. V. S..Penhora: exposição sistemática do procedimento, de acordo com as Leis
11.232/05 e 11.382/06, bens passíveis de penhora, impenhorabilidade absoluta, relativa e o bem de residência.
São Paulo: Método, 2007.
47
bens por ela alcançados aos fins da execução, colocando-os à
disposição do órgão judicial para, “à custa e mediante sacrifício
desses bens, realizar o objetivo da execução”, que é a função pública
de “dar satisfação ao credor” (THEODORO JÚNIOR, 2008, p. 294).
56
O termo afetação é afeito ao ramo administrativo do direito em que guarda
com significado de “conferir uma destinação pública a um determinado bem,
caracterizando-o como bem de uso comum do povo ou bem de uso especial, por
meio de lei ou ato administrativo” (BITTENCOURT, 2006, p. 263).
57
Discorrendo sobre a “afetação” do patrimônio no âmbito do direito
comercial, Oscar Barreto Filho (1988) conclui:
A afetação não implica disposição do bem, e, portanto, na sua saída
do patrimônio do sujeito, mas sua vinculação a uma finalidade
específica. Enquanto afetados a um fim, os bens são considerados
como patrimônio separado, no quadro dos bens que compõem o
patrimônio geral do individuo (BARRETO FILHO, 1988, p. 58).
58
Bruno Garcia Redondo e Mário Vitor Suarez Lojo (2007) explicam que o
termo afetação”, em sua definição, foi empregado por melhor traduzir a idéia de
“imposição de ônus a um determinado bem”:
A preferência pelo termo afetação (em vez de outros, como
apreensão ou subtração) deve-se ao fato de melhor traduzir a idéia
de “imposição de ônus a um determinado bem”, para que seja
56
THEODORO JÚNIOR. Op. cit.
57
BITTENCOURT, M. V. C. Manual de Direito Administrativo. 1 ed. Belo Horizonte: Fórum, 2006.
58
BARRETO FILHO. Op. cit.
48
valorizado o vinculo de caráter público processual dela decorrente
(REDONDO; LOJO, 2007, p. 37).
59
A natureza jurídica da penhora encontra basicamente três correntes
básicas: aquela que advoga pela natureza cautelar do instituto, a que defende a
natureza dúplice cautelar-executiva da penhora e aqueles evidenciar-se-á que
os autoreses citados até o momento se filiam à última corrente que defendem a
natureza jurídica da penhora como ato executivo, como explica novamente
Humberto Theodoro Júnior (2008):
A primeira tese, a nosso ver, deve ser desde logo descartada, pois
não é a penhora medida que se tome como eventual instrumento de
mera segurança ou cautela de interesse em litígio, como
especificamente ocorre com as providências cautelares picas, ad
instar do seqüestro, do arresto e similares.
Lembra Micheli que longe da eventualidade e da acessoriedade que
caracterizam as medidas cautelares, a penhora “constitui um
momento necessário do processo executivo (de expropriação)”.
Nem se pode pretender que seja a penhora ato de natureza mista,
participando ao mesmo tempo da natureza executiva e cautelar, pois,
sendo a prevenção mero efeito secundário do ato, o que importa
para definir sua natureza ou essência é o seu objetivo último, que,
sem dúvida, é o de iniciar o processo expropriatório.
Daí por que o entendimento dominante na melhor e mais atualizada
doutrina é o de que a penhora é simplesmente um ato executivo (ato
do processo de execução), cuja finalidade é a individualização e
preservação dos bens a serem submetidos ao processo de
execução, como ensina Carnelutti. Trata-se, em suma, do meio de
que se vale o Estado para fixar a responsabilidade executiva sobre
determinados bens do devedor (THEODORO JÚNIOR, 2008, p. 294-
5).
60
A divergência, a nosso ver, reside menos na natureza da penhora do que
no conceito de ato executivo.
59
REDONDO; LOJO. Op. cit.
60
THEODORO JÚNIOR. Op. cit.
49
Parece-nos que aqueles que defendem a natureza jurídica de ato
executivo do instituto da penhora a entendem como um dos atos do complexo de
atos que se denominam executivos e visam, por final, ao adimplemento do crédito
exeqüendo pela expropriação dos bens do devedor.
Pela sistemática vigente no Código de Processo Civil, o instituto da
penhora se implementa com temporalidade posterior ao início do complexo de atos
que se denomina processo executivo, ou seja, está compreendido dentro desse
complexo de atos, sendo que nos parece mais correto, portanto, asseverar que a
penhora realmente possui natureza jurídica de ato executivo.
O ato de penhorar, em verdade, compreende a prática de diversas ações
que envolvem o juízo, o exeqüente, o executado e, ainda, um depositário. Por isso,
pode-se dizer que se trata de ato “complexo”.
Cada uma dessas ações é minuciosamente descrita na Lei, de forma que
além de ato “complexo”, toda penhora é um ato “solene”, ou seja, possui rito
legalmente descrito para que se aperfeiçoe.
Apenas com a lavratura do auto de penhora – Art. 659, §4º e seguintes do
CPC
61
contendo as informações exigidas em lei art. 655 do CPC
62
e posterior
61
Art. 659. A penhora deverá incidir em tantos bens quantos bastem para o pagamento do principal atualizado,
juros, custas e honorários advocatícios. § 4º A penhora de bens imóveis realizar-se-á mediante auto ou termo de
penhora, cabendo ao exeqüente, sem prejuízo da imediata intimação do executado (art. 652, § 4º), providenciar,
para presunção absoluta de conhecimento por terceiros, a respectiva averbação no ofício imobiliário, mediante a
apresentação de certidão de inteiro teor do ato, independentemente de mandado judicial. § 5º Nos casos do § 4º,
quando apresentada certidão da respectiva matrícula, a penhora de imóveis, independentemente de onde se
localizem, será realizada por termo nos autos, do qual será intimado o executado, pessoalmente ou na pessoa
de seu advogado, e por este ato constituído depositário. § Obedecidas as normas de segurança que forem
instituídas, sob critérios uniformes, pelos Tribunais, a penhora de numerário e as averbações de penhoras de
bens imóveis e móveis podem ser realizadas por meios eletrônicos.
62
Art. 665. O auto de penhora conterá: I - a indicação do dia, mês, ano e lugar em que foi feita; II - os nomes do
credor e do devedor; III - a descrição dos bens penhorados, com os seus característicos; IV - a nomeação do
depositário dos bens.
50
apreensão e depósito dos bens – art. 664 do CPC
63
– é que ela se considera perfeita
e acabada.
Ao se aperfeiçoar, pela prática dos atos processuais legalmente previstos,
a penhora terá elegido a fatia do patrimônio do devedor que será sacrificada para
pagamento da dívida exeqüenda, individualizado o bem sobre qual recairão as
constrições típicas da penhora, ou seja, afetará o bem ou os bens, sujeitando-o(s) à
finalidade da execução, qual seja a satisfação do credor.
De acordo com a nova sistemática adotada pelo Código Processual Civil
pelo advento da Lei n.º 11.382 de 6 de dezembro de 2006, é o credor quem tem o
privilégio de indicar os bens do patrimônio conhecido do devedor que deseja ver
penhorado, art. 652, §2º do CPC
64
e 475-J, §
65
. A exceção se dará no âmbito da
execução fiscal, em que o executado poderá, assim que citado, indicar os bens que
prefere ter penhorados, desde que obedecida a ordem legal – Art. 9º, III da LEF
66
.
Portanto, a ordem legal do art. 655 endereça-se ao exeqüente e não ao
executado, podendo o executado impugnar o pedido de penhora se não atender à
ordem legal, art. 656, I do CPC
67
, como explica Humberto Theodoro Júnior (2008):
63
Art. 664. Considerar-se-á feita a penhora mediante a apreensão e o depósito dos bens, lavrando-se um
auto se as diligências forem concluídas no mesmo dia. Parágrafo único. Havendo mais de uma penhora, lavrar-
se-á para cada qual um auto.
64
Art. 652. O executado será citado para, no prazo de 3 (três) dias, efetuar o pagamento da dívida. 2
o
O credor
poderá, na inicial da execução, indicar bens a serem penhorados (art. 655).
65
Art. 475-J. Caso o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa ou fixada em liquidação, não o
efetue no prazo de quinze dias, o montante da condenação seacrescido de multa no percentual de dez por
cento e, a requerimento do credor e observado o disposto no art. 614, inciso II, desta Lei, expedir-se-á mandado
de penhora e avaliação. § 3
o
O exeqüente poderá, em seu requerimento, indicar desde logo os bens a serem
penhorados.
66
Art. - Em garantia da execução, pelo valor da dívida, juros e multa de mora e encargos indicados na
Certidão de Dívida Ativa, o executado poderá: III - nomear bens à penhora, observada a ordem do artigo 11; ou
IV - indicar à penhora bens oferecidos por terceiros e aceitos pela Fazenda Pública. § - O executado
poderá indicar e o terceiro oferecer bem imóvel à penhora com o consentimento expresso do respectivo cônjuge.
67
Art. 656. A parte poderá requerer a substituição da penhora: I - se não obedecer à ordem legal.
51
É claro, outrossim, que o credor não dispõe de um poder absoluto
para definir o objeto da penhora. Tem a iniciativa, as ao devedor
cabe o direito de impugnar a nomeação se não obedecer à gradação
legal (art. 655) ou se não respeitar a forma menos gravosa para o
executado (art. 620) (ID. IBIDEM, 2008, p. 317).
68
Mesmo assim, existe posicionamento doutrinário que descarta a
importância dessa inovação legal, como o de Cássio Scarpinella Bueno (2008):
Pouco importa quem indique bens à penhora, quem os penhore; é
importante que a gradação feita pelo legislador seja observada.
razões para que a ordem seja aquela que ocupa os onze incisos do
dispositivo, mas sua explicação mostra-se desinteressante
juridicamente. O que importa é que o legislador fez uma avaliação
sobre quais bens podem ser penhorados antes de outros, buscando
conciliar os interesses e os direitos contrapostos do exeqüente e do
executado, e a ordem dela decorrente deve ser observada pelo
intérprete e pelo aplicador do direito. Na normalidade dos casos,
portanto, a ordem do art. 655 deve ser observada. O executado tem
o direito de ser executado em observância ao que consta do
dispositivo. É este o devido processo legal, tal qual eleito pelo
legislador mais recente (BUENO, 2008, p. 229).
69
“Desinteressante juridicamente” é a melhor forma que se pode imaginar
para dizer o óbvio, qual seja que a ordem legal instituída pelo legislador não possui
nenhum sentido lógico.
Grande parte da doutrina e da jurisprudência, em consonância com o
pensamento do autor citado, ressalta a expressão preferencialmente” constante no
texto legal, o que significa dizer que a ordem legal ali instituída não é absoluta, mas
relativa, como se pode depreender das afirmações de Humberto Theodoro Júnior
(2008) e Marcos Vinicius Rios Gonçalves (2008), respectivamente: “o texto renovado
68
THEODORO JÚNIOR. Op. cit.
69
BUENO. Op. cit.
52
do art. 655 afina-se com a jurisprudência ao estatuir que “a penhora observará,
preferencialmente”, a gradação da lei (e não obrigatória ou necessariamente)”
(THEODORO JÚNIOR, 2008, p. 318)
70
;
O STJ já teve oportunidade de proclamar expressamente que o
preceito sobre gradação dos bens sujeitos à penhora é "norma que
de ser interpretada em consonância com o princípio geral que se
acha consagrado no art. 620 do CPC" (STJ, RMS 28-SP, T.,
Rel. Min. Ilmar Galvão, DJU 25.6.90) (IDEM, [s.d.], [s.p.])
71
;
e “tem sido decidido, com razão, que a ordem não é absoluta, havendo situações
que justifiquem uma inversão” (GONÇALVES, 2008, p. 147).
72
O mesmo pensamento jurisprudencial e doutrinário acerca da rigidez da
ordem legal de preferência de bens se aplica ao processo executivo fiscal, em que,
como citado, por força do art. §2º da LICC
73
, a nova ordem de preferência de
bens não se implementou.
O rito solene da penhora exige que o produto da afetação seja entregue à
guarda de depositário, sendo esta a condição para que a penhora se aperfeiçoe
art. 644 do CPC.
Humberto Theodoro Júnior (2008) destaca que a penhora se aperfeiçoa
com o depósito:
70
THEODORO JÚNIOR. Op. cit.
71
THEODORO JÚNIOR, H. A impossibilidade da penhora do capital de giro (artigo no jus).
72
GONÇALVES. Op. cit.
73
Art. 2
o
o se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue. § 2
o
A
lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das existentes, não revoga nem modifica a lei
anterior.
53
A penhora se aperfeiçoa mediante apreensão e depósito de bens do
devedor (art. 664). Há, com ela, a retirada dos bens da posse direta
do devedor, de maneira que o depósito se apresenta como elemento
essencial do ato executivo. Penhora sem depósito não produz
eficácia alguma, ou, como ensina Pontes de Miranda, “se houve a
penhora e o depositário não assinou o auto de penhora, penhora não
houve”. A regra de incidência obrigatória nas constrições de bens
corpóreos não se aplica, porém, aos casos de penhora sobre bens
incorpóreos, como o direito de crédito, e naqueles em que o depósito
é imposto pela lei, sem depender de consentimento expresso do
dono, como se em relação aos imóveis (THEODORO JÚNIOR,
2008, p. 344).
74
O depositário judicial tem natureza processual e pública, de auxiliar da
justiça, cabendo a ele a guarda e conservação dos bens penhorados art. 148 do
CPC
75
. Ele exerce a posse dos bens a ele confiados em nome do órgão judiciário e
pratica todos os seus atos em nome e a ordem do juízo
76
.
No entanto, quando se trata da penhora de percentual de faturamento, um
plano que enuncia a “forma de constrição” é condição ao aperfeiçoamento da
penhora
77
, motivo pelo qual o art. 655-A, §3ª do CPC é uma verdadeira exceção à
regra descrita no art. 644 do mesmo código.
A função de depositário é indelegável e personalíssima. Mesmo que ele
possa ter empregados ou prepostos que o auxiliem, a responsabilidade art. 150 do
74
THEODORO JÚNIOR. Op. cit.
75
Art. 148. A guarda e conservação de bens penhorados, arrestados, seqüestrados ou arrecadados serão
confiadas a depositário ou a administrador, não dispondo a lei de outro modo.
76
THEODORO JÚNIOR. Op. cit.
77
HABEAS CORPUS EXECUÇÃO PENHORA DE FATURAMENTO PLANO DE PAGAMENTO
DEPOSITÁRIO-ADMINISTRADOR – INADIMPLÊNCIA NA APRESENTAÇÃO – PRISÃO – ILEGALIDADE –
ORDEM CONCEDIDA A denominada "penhora sobre faturamento" de empresa somente torna-se eficaz após
apresentação do plano de pagamento, pelo depositário-administrador. Antes de tal plano é impossível
estabelecer o valor a ser gravado com penhora (CPC, arts. 677 e 678). A omissão do depositário-administrador
em apresentar o plano justifica destituição sumária - Jamais sua prisão. (STJ RHC 200702368396 (22166)
RS – 3ª T. – Rel. Min. Humberto Gomes de Barros – DJU 28.11.2007 – p. 00213)
54
CPC
78
sempre recairá sobre a pessoa do depositário, nunca de seus auxiliares ou
prepostos
79
. Acerca da responsabilidade do depositário discorre sinteticamente
Humberto Theodoro Júnior (2008):
No exercício da função pública que lhe é afeta, o depositário assume
responsabilidade civil e criminal pelos atos praticados em detrimento
da execução e de seus objetivos.
Apropriando-se o depositário dos bens sob sua custódia, pratica o
crime de apropriação indébita, com o agravante do §1º do art. 168 do
vigente Código Penal.
Os atos fraudulentos cometidos pelo devedor para evitar a penhora
ou desviar bens penhorados configuram o crime do art. 179 do
Código Penal, que é figura afim do estelionato.
Da responsabilidade civil do depositário decorre a possibilidade de
ser ele demandado em ação de depósito, de prestação de contas e
de indenização (THEODORO JÚNIOR, 2008, p. 347).
80
O depositário deverá constar no auto de penhora, sendo, ainda, que, de
acordo com a nova sistemática, o depositário, de preferência, será um daqueles
citados ao art. 666 do CPC
81
. Com a palavra, novamente Humberto Theodoro Júnior
(2008):
Com a reforma operada pela Lei n.º 11.382/2006, não mais a
preferência genérica em favor do executado (isto é, do dono dos
78
Art. 150. O depositário ou o administrador responde pelos prejuízos que, por dolo ou culpa, causar à parte,
perdendo a remuneração que lhe foi arbitrada; mas tem o direito a haver o que legitimamente despendeu no
exercício do encargo.
79
GRECO FILHO. Op. cit.
80
THEODORO JÚNIOR. Op. cit.
81 Art. 666. Os bens penhorados serão preferencialmente depositados: I - no Banco do Brasil, na Caixa
Econômica Federal, ou em um banco, de que o Estado-Membro da União possua mais de metade do capital
social integralizado; ou, em falta de tais estabelecimentos de crédito, ou agências suas no lugar, em qualquer
estabelecimento de crédito, designado pelo juiz, as quantias em dinheiro, as pedras e os metais preciosos, bem
como os papéis de crédito; II - em poder do depositário judicial, os móveis e os imóveis urbanos; III - em mãos de
depositário particular, os demais bens. § 1º Com a expressa anuência do exeqüente ou nos casos de difícil
remoção, os bens poderão ser depositados em poder do executado. § 2º As jóias, pedras e objetos preciosos
deverão ser depositados com registro do valor estimado de resgate. § 3º A prisão de depositário judicial infiel
será decretada no próprio processo, independentemente de ação de depósito.
55
bens penhorados). O encargo de depositário somente por exceção
ser-lhe-á atribuído. A regra geral é o deslocamento do bem
penhorado para a guarda de outrem (THEODORO JÚNIOR, 2008, p.
344).
82
Porém, parece-nos que, nesse tocante, a razão não assiste ao autor.
Parece-nos mais verdadeiro que a escolha do depositário que realizará mais
satisfatoriamente o princípio da utilidade como preconizado no art. 620 do CPC é a
do próprio devedor como depositário. Neste sentido, enuncia Marcos Vinicius Rios
Gonçalves (2008):
Por este motivo, nos alinharemos a corrente que advoga a tese de
que a nova regra deverá ser interpretada de acordo com os
princípios orientadores do processo executivo. E de acordo com a
conjunção destes princípios o executado só não deverá ser nomeado
depositário se manifestar interesse em não exercer a função-
encargo, ou se, o exercício da função pelo executado for colocar em
risco o sucesso da execução de forma manifesta e justificada. O
devedor, em princípio, deve ser o depositário. Em regra, ele tem o
bem consigo, e a sua nomeação cumprirá a regra de que a execução
deve ser feita da forma menos onerosa para ele, quando houver mais
de uma forma de executar.
Isso não ocorrerá quando houver recusa do próprio devedor, que
prefere eximir-se das responsabilidades do encargo. Ou quando o
credor, na forma do art. 666, §1º, não anuir, expondo motivos
suficientes que justifiquem a retirada da coisa da esfera de poder do
executado, atribuindo-se a outro o encargo. Nesse caso, o juiz pode
atribuí-lo ao próprio credor ou a terceiros.
foi decidido: “A não-concordância do credor de estar calcada
em motivos plausíveis, para ser acolhida. Não é absoluta e
discricionária a recusa” (JTA, 61:133) (GONÇALVES, 2008, p. 159).
83
82
THEODORO JÚNIOR. Op. cit.
83
GONÇALVES. Op. cit.
56
Se o bem afetado for bem imóvel, a regra será a do art. 659, §5º do
CPC
84
, que acreditamos ser mais coerente com o estado de coisas ideal buscado
pelo legislador.
Nessa condição, quando o encargo de depositário recair sobre o próprio
sujeito passivo da execução, este figurará a um tempo como executado e auxiliar
do juízo, como afirma Araken de Assis (2007):
Em conseqüência, uma relação jurídica autônoma, disciplinando
um dos elementos da penhora, tornada flagrante quando o
executado assume o encargo. Ele passa a desempenhar,
simultaneamente, os inconfundíveis papéis de sujeito da relação
processual executiva e de depositário dos bens sujeitos à técnica
expropriatória. Mais que um nculo exclusivo do processo, o
depósito configura negócio jurídico entre o Estado e o depositário,
sendo que o último obtém, em seguida à apreensão da res pignorata,
posse imediata da coisa (ASSIS, 2007, p. 623).
85
Não o executado, mas qualquer um, pode recusar o encargo de
depositário de forma expressa, mesmo contra determinação do juízo, conforme
enuncia a súmula 319 do STJ (Superior Tribunal de Justiça): “O encargo de
depositário de bens penhorados pode ser expressamente recusado”.
84
Art. 659. A penhora deverá incidir em tantos bens quantos bastem para o pagamento do principal atualizado,
juros, custas e honorários advocatícios. 4
o
A penhora de bens imóveis realizar-se-á mediante auto ou termo de
penhora, cabendo ao exeqüente, sem prejuízo da imediata intimação do executado (art. 652, § 4
o
), providenciar,
para presunção absoluta de conhecimento por terceiros, a respectiva averbação no ofício imobiliário, mediante a
apresentação de certidão de inteiro teor do ato, independentemente de mandado judicial. § 5
o
Nos casos do § 4
o
,
quando apresentada certidão da respectiva matrícula, a penhora de imóveis, independentemente de onde se
localizem, será realizada por termo nos autos, do qual será intimado o executado, pessoalmente ou na pessoa
de seu advogado, e por este ato constituído depositário.
85
ASSIS. Op. cit.
57
Por fim, a Lei n.º 11.382/2006 encerrou antiga controvérsia acerca da
possibilidade de o juízo exarar mandado de prisão nos próprios autos da execução,
em face do depositário infiel, pela redação do art. 666, §3º do CPC
86
.
No entanto, devem sempre ser assegurados a ampla defesa e o
contraditório:
Sem embargo de permitido o decreto incidental da prisão civil do
depositário judicial judicial que não restitui os bens sob custódia, não
cabe ao juiz fazê-lo sem antes ensejar-lhe o direito de defesa e
esclarecimento sobre o desaparecimento dos objetos penhorados. A
garantia do contraditório e ampla defesa não lhe pode ser negada,
sob pena de grave ofensa aos incisos LIV e LV do art. da
Constituição. Até mesmo a possibilidade de depositar o preço do
bem penhorado deve ser admitida como defesa capaz de evitar a
prisão, na espécie (THEODORO JÚNIOR, 2008, p. 348).
87
A penhora deve guardar finalidade específica, em fiel consonância com os
princípios orientadores constitucionais e em prol da defesa do direito de toda a
coletividade, como instrumento que é da realização da justiça, como bem acentua
Luiz Carlos de Azevedo (1994):
Estas considerações aqui se colocaram para reforçar a tônica da
função judicial, e o interesse público que dela transcende; interesse
que não diz respeito à relação jurídica posta entre o credor e
devedor, mas que ao Estado cabe atender, por força da prestação
jurisdicional que lhe é afeta; na efetividade dos comandos judiciais,
antes que um aumento de inquisitoriedade daqueles que assim
determinam, e antes que qualquer cerceamento ao direito das partes,
de se colocar em realce o fim que ela visa, bem como o
significado que isto representa, no sentido de tornar o processo um
86
Art. 666. Os bens penhorados serão preferencialmente depositados: § 3
o
A prisão de depositário judicial infiel
será decretada no próprio processo, independentemente de ação de depósito.
87
THEODORO JÚNIOR. Op. cit.
58
instrumento confiável e eficaz de realização de justiça (AZEVEDO,
1994, p. 126).
88
A penhora, portanto, pode ser conceituada como ato processual
executivo, complexo e solene, por meio do qual se afeta judicialmente parcela do
patrimônio do executado, colocando esse patrimônio sob a guarda de um
depositário, com finalidade específica de iniciar o processo de expropriação dos
bens do devedor em favor do credor, em estreita concordância com os princípios de
direito coletivo constitucionais.
88
AZEVEDO. Op. cit.
59
CAPITULO V – FATURAMENTO
Neste momento, se faz necessário o entendimento do conteúdo jurídico
do termo “faturamento” para que seja possível compreender todo seu espectro
jurídico e real alcance.
O termo “faturamento” é derivado do ato de emitir fatura, que é uma ação
clássica do direito comercial quando da ocorrência de vendas a prazo, como elucida
Fabio Ulhoa Coelho (2003):
Presentemente, com uma identidade própria, encontra-se o título
disciplinado pela Lei n. 5474, de 1968. Por esse diploma, nas vendas
mercantis a prazo, entre partes domiciliadas no Brasil, é obrigatória a
emissão, pelo vendedor, de uma fatura para apresentação ao
comprador. Por fatura entende-se a relação de mercadorias
vendidas, discriminadas por sua natureza, quantidade e valor
(COELHO, 2003, p. 282).
89
O ato faturar originariamente objetivava o controle do comerciante e do
cliente sobre as vendas feitas a prazo. Concomitantemente com a emissão da fatura
ao cliente, os comerciantes costumavam anotar os mesmos dados em caderno
próprio, por vezes coletando a assinatura dos fregueses como forma de controle. É
nesse ato que se encontra a origem remota do título de crédito puramente brasileiro,
a duplicata mercantil.
89
COELHO. Op. cit.
60
E é por força do art. da Lei de Duplicatas
90
– Lei n.º 5474/1968 que o
comerciante é obrigado a emitir fatura para todas as vendas efetuadas a prazo, mas
não para as vendas à vista. Originariamente, portanto, o termo “faturamento” poderia
estar tão somente relacionado às vendas a prazo.
Fabio Ulhoa Coelho (2003) afirma que, no ano de 1970, um convênio
firmado entre o Ministério da Fazenda e as Secretarias Estaduais da Fazenda
permitiu que comerciantes realizassem a emissão de um único documento no ato da
venda, a Nota Fiscal-Fatura. Por conjugar a fatura, que deveria ser emitida apenas
nas vendas a prazo, e a nota fiscal, que deveria ser emitida para todas as
operações, o comerciante adepto dessa modalidade devia emitir a nota fiscal-fatura
para todas as operações, fossem elas à vista ou a prazo
91
. O faturamento passou,
então, a contemplar o total de vendas de mercadorias.
A origem do termo “faturamento” está muito ligada às tradições comerciais
e se deve ao antigo pensamento do direito comercial ligado aos atos de comércio.
Como já explicamos, a teoria dos atos de comércio, aos poucos, caiu em desuso
frente à teoria da empresa, motivo pelo qual o conceito de faturamento também teve
de modernizar-se para incluir não apenas os comerciantes, mas também outros
atores da economia nacional que exploram empresarialmente o objetivo social, como
os prestadores de serviço.
90
Art. Em todo o contrato de compra e venda mercantil entre partes domiciliadas no território brasileiro, com
prazo não inferior a 30 (trinta) dias, contado da data da entrega ou despacho das mercadorias, o vendedor
extrairá a respectiva fatura para apresentação ao comprador. § 1º A fatura discriminará as mercadorias vendidas
ou, quando convier ao vendedor, indicará sòmente os números e valores das notas parciais expedidas por
ocasião das vendas, despachos ou entregas das mercadorias.
91
COELHO. Op. cit.
61
Em 1998, a Medida Provisória n.º 1.724 de 29 de outubro de 1998, que
depois resultou no texto da Lei n.º 9.718/98
92
, tentou alargar o conceito de
faturamento, que integrava o texto da Lei Complementar n. º 70 de 30 de dezembro
de 1991
93
responsável pela criação da contribuição social denominada Cofins –,
em tentativa de driblar a então vigente redação do art. 195, I da CF/88
94
, ampliando-
o com a finalidade de majorar a base de cálculo da contribuição social em questão.
A tentativa, resumidamente, era alterar a base de cálculo da contribuição
social sem alterar a Constituição o que, ao final, aconteceu por meio da EC n.º 20
de 1998
95
–, alterando o significado do vocábulo “faturamento” a fim de equipará-lo
ao significado e conteúdo jurídico de receita bruta.
O risco de o legislador tentar ampliar a competência tributária
constitucionalmente atribuída aos entes políticos por meio do desvirtuamento e
redefinição por meio de lei de conceitos postos havia muito sido previsto, de
forma que os artigos 109 e 110 do CTN
96
asseguravam a impossibilidade desse
desvirtuamento, em louvor da segurança jurídica.
92
Art. 2° As contribuições para o PIS/PASEP e a COFINS, devidas pelas pessoas jurídicas de direito privado,
serão calculadas com base no seu faturamento, observadas a legislação vigente e as alterações introduzidas por
esta Lei. Art. 3º O faturamento a que se refere o artigo anterior corresponde à receita bruta da pessoa jurídica.
§ 1º Entende-se por receita bruta a totalidade das receitas auferidas pela pessoa jurídica, sendo irrelevantes o
tipo de atividade por ela exercida e a classificação contábil adotada para as receitas.
93
Art. A contribuição de que trata o artigo anterio r sede dois por cento e incidirá sobre o faturamento
mensal, assim considerado a receita bruta das vendas de mercadorias, de mercadorias e serviços e de serviço
de qualquer natureza.
94
Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da
lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios,
e das seguintes contribuições sociais: I - dos empregadores, incidente sobre a folha de salários, o faturamento e
o lucro. (g.n.)
95
Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da
lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios,
e das seguintes contribuições sociais: I - do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma
da lei, incidentes sobre: a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer
título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício; b) a receita ou o faturamento; c)
o lucro.
96
Art. 109. Os princípios gerais de direito privado utilizam-se para pesquisa da definição, do conteúdo e do
alcance de seus institutos, conceitos e formas, mas não para definição dos respectivos efeitos tributários. Art.
62
O art. 110 do CTN é uma expressão positivada na legislação tributária do
princípio da segurança jurídica e da supremacia da Constituição. Isto porque
“pudesse a lei ordinária alterar os conceitos utilizados nas normas da Constituição,
poderia o legislador ordinário, por essa via, alterar a Constituição, modificando o
sentido e o alcance de qualquer de suas normas”
97
.
Assim, deve-se compreender que, em virtude do princípio da segurança
jurídica e da supremacia da Constituição, nenhuma lei deve ter o poder de alterar a
definição, o conteúdo e o alcance de nenhum instituto, conceito ou forma de direito,
para nenhuma finalidade, em nenhuma circunstância, em nenhum ramo do direito.
A interpretação do conteúdo e alcance dos termos da Constituição é
primazia do jurista intérprete, como assevera Hugo de Brito Machado (2008) acerca
do art. 110 do CTN:
Inalterabilidade que evidentemente não está restrita à matéria
tributária. Nenhum conceito utilizado em norma da Constituição pode
ser alterado pelo legislador ordinário para, por via oblíqua, alterar a
norma de superior hierarquia (MACHADO, 2008, p. 211).
98
Além do mais, o mecanismo que pretendemos estudar, a penhora
incidente sob “percentual do faturamento”, em muito se parece com um tributo, na
medida em que incidirá, sobre uma base de cálculo (faturamento), uma alíquota
(porcentagem), exatamente como se dá na incidência dos tributos monofásicos.
110. A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de
direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos
Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências
tributárias.
97
MACHADO, H. B. Comentários ao Código tributário nacional. v. 2. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2008.
98
MACHADO. Op. cit.
63
Isso torna não apenas salutar, mas imprescindível, que o estudioso do
direito civil e processual civil não ignore a existência dos conceitos assentados na
prática comercial e afirmados pela jurisprudência do STF (Superior Tribunal
Federal).
O STF celebrou o conceito de faturamento como a receita bruta das
vendas de mercadorias e de mercadorias e serviços que constava do art. 22, §1º, a,
do Decreto-Lei n.º 2.397, de 21 de dezembro de 1987
99
, repetido e consolidado pela
Lei Complementar n.º 70 de 30 de dezembro de 1991.
Conforme o voto vencedor do ministro Cezar Peluso, no Ag. Reg., no RE
518.681-4/SP, que explica o entendimento final da Corte nos casos acerca da base
de cálculo para cobrança de PIS/COFINS, que girava em torno do conceito
constitucional de faturamento:
Uma das teses do acórdão recorrido está em aberta divergência com
a orientação da Corte, cujo Plenário, em data recente, consolidou,
com nosso voto vencedor declarado, o entendimento de
inconstitucionalidade apenas do §1º do Art. da Lei n. º 9.718/98,
que ampliou o conceito de receita bruta, violando assim a noção de
faturamento pressuposta na redação original do art. 195, I, b, da
Constituição da República, e cujo significado é o estrito de receita
bruta das vendas de mercadorias e da prestação de serviços de
qualquer natureza, ou seja, soma das receitas oriundas do
exercício das atividades empresariais.
99
Art. 22. O § do art. 1° do Decreto-lei n° 1.940, de 25 de maio de 1982, cujo caput foi alterado pelo art. 1° da
Lei 7.611, de 8 de julho de 1987, passa a vigora r com a seguinte redação, mantidos os seus §§ e e
acrescido dos §§ 4° e : A contribuição socia l de que trata este artigo será de 0,5% (meio por cento) e
incidirá mensalmente sobre: a) a receita bruta das vendas de mercadorias e de mercadorias e serviços, de
qualquer natureza, das empresas públicas ou privadas definidas como pessoa jurídica ou a elas equiparadas
pela legislação do Imposto de Renda;
64
Logrou-se êxito em determinar o quê integra a base de cálculo de
incidência do imposto ao estudo presente analogicamente a base de cálculo da
penhora –, sem, no entanto, esmiuçar exatamente o que é faturamento e como a
incidência se dá.
A técnica tributária consiste basicamente em colher da realidade um fato
lícito, e, à realização desse fato pelo sujeito passivo, impor uma conseqüência
jurídica, qual seja recolher aos cofres públicos um determinado montante pecuniário.
Faturamento como o ato de emitir fatura comercial, no âmbito do direito
tributário, é fato jurídico imponível que, colhido pela hipótese legal de incidência,
ensejo à obrigação do sujeito passivo de recolher ao sujeito ativo o tributo devido por
lei.
Ocorre que esse fazer e não um dar ou receber não possui conteúdo
patrimonial e material apto a suportar a incidência do tributo, imprestável que se
demonstra pela impossibilidade de determinação da base de cálculo de um simples
fazer.
Para que se materialize a incidência do tributo sobre o ato de faturar é
necessário que a ele se atrele o conceito qualitativo das “operações” das quais
decorre o ato de faturar:
Com acréscimo deste predicado, também as vendas realizadas a
dinheiro enquadram-se no conceito moderno pretendido para
faturamento, enquanto conteúdo valorativo de operações que
traduzem negócios jurídicos decorrentes de fornecimento de
65
mercadorias ou de serviços quer o pagamento seja efetuado à vista,
ou ajustado para determinado prazo (MINATEL, 2005, p. 97).
100
Essas operações são a soma das receitas oriundas do exercício da
atividade empresarial. Excluídas do conceito de faturamento, estão outras receitas
que não as oriundas diretamente do fazer prestar objeto social da empresa.
Assevera, com razão, José Antonio Minatel (2005):
Com efeito, é uníssono o entendimento no sentido de que os valores
recebidos pelas pessoas jurídicas a título de juros, de royalties, de
dividendos, se qualificam inegavelmente como receitas, por
representarem efetiva remuneração de direitos (investimentos)
temporariamente transferidos para uso em beneficio de terceiros
mediante imputação de cláusula onerosa, direitos que, no entanto,
continuam a integrar o patrimônio da pessoa mutuante ou cedente,
como acontece com a titularidade do capital mutuado produtor dos
juros, da titularidade de marcas, de patentes e de outros direitos
inerentes a processos de conhecimento (know-how) remunerados
por royalties, assim como a titularidade do investimento em
participação societária com eficácia para proporcionar dividendos.
Contudo, ainda que certa a presença da receita nesses eventos,
parece óbvio não se poder falar na existência de faturamento nesses
negócios jurídicos especificados, pois, como vimos, é ínsita ao
faturamento a existência de operações caracterizadas pela
transmissão definitiva da propriedade (venda e compra) ou de
operações remuneradoras de atividade que envolve um fazer ou um
prestar (serviços) (ID. IBIDEM, p. 98).
101
Assim, resumidamente, pode-se dizer que faturamento é a operação
caracterizada pela transmissão definitiva da propriedade ou de operação
remuneradora de atividade que envolve um fazer ou prestar que consiste no
exercício do objeto social da empresa. Na linguagem do CPC, é sobre o volume
100
MINATEL, J. A. Conteúdo do conceito de receita e regime jurídico para sua tributação. São Paulo: MP, 2005.
101
MINATEL. Op. cit.
66
dessas operações mensais que incidirá determinada porcentagem, ou seja, é esta a
base de cálculo sobre a qual incidirá uma alíquota.
67
CAPÍTULO VI - PENHORA DE PERCENTUAL DO FATURAMENTO DE EMPRESA
A idéia de a penhora incidir sobre o rendimento não é nova e
originalmente não se destinava a conferir efetividade à execução quando esgotados
os meios executórios, mas sim para permitir proporcionalidade à execução, como
exemplifica Ovídio Araújo Baptista da Silva (2002):
Imagine-se que o patrimônio do devedor seja constituído apenas por
um imóvel, não tendo alcançado o crédito objeto da ação de
execução mais do que cinco por cento (5%) de seu valor. Para tal
hipótese concebe a lei que, em vez da alienação do imóvel em praça,
adjudique o credor apenas os seus rendimentos, à semelhança se
uma locação forçada, de modo que seus o credor paulatinamente
percebendo esses rendimentos, até que a dívida seja integralmente
resgatada. A esta modalidade de pagamento do credor denomina o
Código “usufruto de imóvel ou de empresa”. O instituto era conhecido
do direito brasileiro anterior sob a denominação de “adjudicação dos
rendimentos”, disciplinado pelo art. 982 do Código de 1939, que
prescrevia o seguinte: “Se o executado concordar, o exeqüente
poderá requerer, ao invés da arrematação dos bens penhorados, que
se lhe adjudiquem os respectivos rendimentos”. À “adjudicação dos
rendimentos” mandava o §2º desse art. 982 aplicar as normas
atinentes à anticrese, considerando o credor adjudicatório um
anticresista. Código atual preferiu assimilar o instituto a um usufruto,
deixando expresso que esta modalidade de extinção da obrigação,
objeto da ação executória, alcança tanto os imóveis quanto as
empresas, sejam elas comerciais, industriais ou agrícolas, conforme
dispõe o art. 726 (SILVA, 2002, p. 111).
102
No mesmo sentido, porém revelando origem ainda mais remota, anota
Araken de Assis (2002):
102
SILVA, O. A. B. Curso de processo civil: execução obrigacional, execução real, ações mandamentais. v. 2.
5 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.
68
Entre nós, o instituto procede da adjudicação compulsória
contemplada no § 24 da Lei de 20.06.1774. De acordo com esta
regra, valendo os bens penhorados o dobro do crédito, ou mais, o
juiz adjudicaria os rendimentos dos mesmos ao exeqüente até a
cabal solução da dívida. Como adjudicação de rendimentos ele se
apresentou no art. 982 do Código de 1939, cabendo assinalar que,
nos termos do seu §2º, o credor adjudicatário passava a credora
anticresista (ASSIS, 2002, p. 388-9).
103
Importante destacar que o instituto descrito é o da penhora de usufruto,
que eventualmente podia recair sobre a empresa, conforme descrevia o art. 716 do
CPC
104
antes da modificação empregada pela Lei n.º 11.382/2006, que suprimiu a
possibilidade de usufruto de empresa do mesmo art. 716
105
e revogou os artigos de
726 a 729 do CPC, que pormenorizavam a forma de administração deste tipo de
usufruto.
Como a mesma lei incluiu a penhora sobre percentual de faturamento de
empresa na ordem de preferência do art. 655, VII e no §3º do art. 655-A do CPC, é
plausível afirmar que o legislador substituiu aquela possibilidade por essa última.
Aliás, ambos os institutos não se confundiriam, embora, como se verá
adiante, a jurisprudência tenha considerado que a penhora sobre percentual do
faturamento da empresa prescinda do preenchimento dos mesmos requisitos legais
exigidos para o usufruto de empresa. Neste sentido, afirma Bruno Garcia Redondo e
Mário Vitor Suarez Lojo (2007):
103
ASSIS. Op. cit.
104
Antiga redação - Art. 716. O juiz da execução pode conceder ao credor o usufruto de imóvel ou de empresa,
quando o reputar menos gravoso ao devedor e eficiente para o recebimento da dívida.
105
Art. 716. O juiz pode conceder ao exeqüente o usufruto de móvel ou imóvel, quando o reputar menos
gravoso ao executado e eficiente para o recebimento do crédito.
69
O novo inciso VII do art. 655 não era previsto na redação anterior do
CPC. Trata-se, portanto, de positivação legislativa de procedimento,
que já vinha sendo aplicado na prática pelos Tribunais: a
possibilidade de penhora de percentual do faturamento de empresa,
que não se confunde, em absoluto, com o extinto usufruto de
empresa” (arts. 726 a 729, revogados pela Lei 11.382/2006)
(REDONDO; LOJO, 2007, p. 69-70).
106
Não se pode também confundir a modalidade de penhora sobre
percentual de faturamento com a penhora sobre estabelecimento comercial ou
empresarial art. 677
107
e 678 do CPC
108
. Isto porque o termo “empresa” é
empregado pelo Código de Processo Civil com diversos significados, como discorre
Oscar Barreto Filho (1988):
O rigor conceitual e terminológico da dogmática jurídica não encontra
eco na legislação comercial, nem na trabalhista e de previdência
social. Não coerência no emprego das expressões empresa e
estabelecimento, dando azo a toda sorte de confusões. Os dois
institutos são as vezes identificados, outras vezes tratados com
desigual extensão, de maneira indiscriminada e contraditória
(BARRETO FILHO, 1988, p. 126).
109
O significado correto em cada preposição pode ser compreendido com
a ajuda da já explicada teoria da empresa. Como enuncia Waldírio Bulgarelli (1985):
106
REDONDO; LOJO. Op. cit.
107
Art. 677. Quando a penhora recair em estabelecimento comercial, industrial ou agrícola, bem como em
semoventes, plantações ou edifício em construção, o juiz nomeará um depositário, determinando-lhe que
apresente em 10 (dez) dias a forma de administração. § 1º Ouvidas as partes, o juiz decidirá. § 2º É lícito, porém,
às partes ajustarem a forma de administração, escolhendo o depositário; caso em que o juiz homologará por
despacho a indicação.
108
Art. 678. A penhora de empresa, que funcione mediante concessão ou autorização, far-se-á, conforme o valor
do crédito, sobre a renda, sobre determinados bens ou sobre todo o patrimônio, nomeando o juiz como
depositário, de preferência, um dos seus diretores. Parágrafo único. Quando a penhora recair sobre a renda, ou
sobre determinados bens, o depositário apresentará a forma de administração e o esquema de pagamento
observando-se, quanto ao mais, o disposto nos arts. 716 a 720; recaindo, porém, sobre todo o patrimônio,
prosseguirá a execução os seus ulteriores termos, ouvindo-se, antes da arrematação ou da adjudicação, o poder
público, que houver outorgado a concessão.
109
BARRETO FILHO. Op. cit.
70
Foi aqui afirmado várias vezes que a empresa permaneceu sendo
utilizada no plano jurídico, principalmente pelas leis não com um
significado preciso e único, mas com vários e , certamente por isso,
não tão precisos. Essa situação a doutrina procurou superar, através
do ajustamento dos dados econômicos ao Direito, chegando a
construir novos institutos, ou, se se preferir, novas categorias
jurídicas. Assim se explica a elaboração dos conceitos de
empresário, de estabelecimento comercial (azienda) e atividade
(BULGARELLI, 1985, p. 16).
110
O Código Civil de 2002, no art. 966, considera empresário “quem exerce
profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação
de bens ou de serviços.” O empresário– denota-se pelo vocábulo “quem” é uma
pessoa de direito, que exerce a atividade empresarial. Conforme assevera Rubens
Requião (1998):
Dessa explicação surge a nítida idéia de que a empresa é essa
organização dos fatores da produção exercida, posta a funcionar,
pelo empresário. Desaparecendo o exercício da atividade organizada
do empresário, desaparece, ipso facto, a empresa. Daí por que o
conceito de empresa se firma na idéia de que é ela o exercício de
atividade produtiva. E do exercício de uma atividade não se tem
senão uma idéia abstrata (REQUIÃO, 1998, p. 59).
111
Não se pode penhorar uma idéia abstrata. E, em decorrência da teoria da
responsabilidade patrimonial, por óbvio que o empresário não pode ser penhorado,
já que é uma pessoa de direito. Sujeito à penhora estará sim o patrimônio da
empresa, categoria na qual está inserido o estabelecimento comercial.
O estabelecimento comercial é uma universalidade de bens e direitos:
110
BULGARELLI. Op. cit.
111
REQUIAO. Op. cit.
71
Recordamos apenas a conclusão a que chegamos, nas pegadas de
Sylvio Marcondes, de que o traço distintivo essencial entre as duas
reside em que a universitas júris é um conjunto de direitos (relações
ativas e passivas), ao passo que a universitas facti é um conjunto de
objetos de direito. À luz deste critério, definido o estabelecimento
comercial como complexo de bens instrumentais, devemos colocá-lo
entre as universitas facti (BARRETO FILHO, 1988, p. 107).
112
Essa universalidade de bens e direitos corpóreos e incorpóreos,
denominada estabelecimento comercial, é conceituada de forma mais genérica pela
doutrina como o “complexo de bens reunidos pelo empresário para o
desenvolvimento de sua atividade econômica” (COELHO, 2003, p. 57)
113
e pelo art.
1142 do CC: “considera-se estabelecimento todo complexo de bens organizado,
para exercício da empresa, por empresário, ou por sociedade empresária”.
Diante da singeleza do conceito legal, é salutar trazer à luz o conceito
trazido por Oscar Barreto Filho (1988):
Retomando a elaboração do conceito de estabelecimento, à vista dos
novos dados obtidos com a definição de sua natureza jurídica e com
sua colocação na teoria da empresa, podemos determinar com
precisão maior seus elementos conceituais. Como vimos, não se
confunde o estabelecimento objeto de direitos com a empresa
atividade exercida pelo empresário, que é o seu sujeito; ambos
conceitos, porém, estão em estreita dependência e se correlacionam
como o meio ao fim. Por outro lado, a noção de estabelecimento é a
de um complexo de bens no sentido amplo, aí compreendidas não só
as coisas corpóreas e os chamados bens imateriais, mas também as
prestações decorrentes do trabalho subordinado, ou seja, os
serviços. Esse conjunto de bens e serviços tem caráter instrumental,
pois é organizado pelo empreendedor tendo em vista a consecução
de uma finalidade produtiva ou de mediação, qual seja o exercício da
atividade empresarial. Em síntese, com base nesses elementos,
112
BARRETO FILHO. Op. cit.
113
COELHO. Op. cit.
72
podemos fixar-nos na seguinte definição de estabelecimento, fundo
ou fazenda comercial: complexo de bens “lato sensu” (inclusive
serviços) organizados pelo empresário como instrumento para o
exercício da atividade empresarial (BARRETO FILHO, 1988, p. 132).
114
Portanto, quando o CPC menciona penhora de empresa, em verdade, o
que se pode daí inferir, à luz da moderna teoria da empresa, é que o objeto da
penhora é o estabelecimento comercial e não o empresário ou sua prática
empresarial
115
.
Anota-se, ainda, que as cotas sociais ou as ações da sociedade podem
ser colhidas do patrimônio dos sócios, ou seja, podem ser penhoradas – respeitadas
todas as particularidades desse tipo de penhora –, o que também não significa dizer
que, nesse caso, ocorre a penhora da empresa ou do empresário, mas tão somente
das cotas ou ações da sociedade.
A penhora de estabelecimento empresarial pressupõe, assim, a
apreensão da universalidade de bens e direitos corpóreos e incorpóreos para que
dela o administrador extraia o conteúdo monetário apto a satisfazer a execução.
Nunca é demais dizer que se trata de simples penhora do estabelecimento comercial
sujeita aos ditames dos artigos 677 e 678 do CPC aos artigos 1142 e seguintes do
CC, quando aplicáveis.
Percebe-se que a penhora de estabelecimento objeto de direito com
conteúdo patrimonial não se confunde com a penhora sobre percentual do
faturamento, ato pico da atividade empresarial. Na primeira, penhora-se o
114
BARRETO FILHO. Op. cit.
115
Em sentido contrário: ASSIS (2007, p. 652-4).
73
estabelecimento comercial para que o administrador manuseie aquela
universalidade para dela extrair o quantum necessário ao pagamento da dívida; no
segundo tipo de penhora, o alvo da penhora é um percentual do volume de
operações caracterizadas pela transmissão definitiva de propriedades ou de
operações remuneradoras de atividades que envolvem um fazer ou prestar objeto
social da empresa.
A idéia original é a mesma constante da antiga “adjudicação compulsória
da renda” de 1774. Afinal, espera-se de um bem imóvel que dele se possa extrair
renda por meio de aluguel, assim como é de se esperar de alguns bens móveis que
deles também se possa extrair renda, por meio do aluguel ou do emprego da própria
coisa em alguma determinada atividade. Da mesma forma, a expectativa de que
o empresário, ao cumprir com seu objeto social algum tempo, obtenha receitas
em volume suficiente para satisfazer o credor.
VI. I. Faturamento como Direito da empresa
A jurisprudência oscilou entre equiparar a penhora de faturamento da
empresa a dinheiro
116
ou a direito
117
, tendo ainda considerado que equivale a um
bem penhorável
118
e até que significaria a penhora da própria empresa
119
.
116
Neste sentido:
JLEF.11 JLEF.11.1 PROCESSUAL CIVIL AGRAVO DE INSTRUMENTO EXECUÇÃO FISCAL
PENHORA FATURAMENTO LEILÃO NEGATIVO DILIGÊNCIAS ENCETADAS PARA LOCALIZAR BENS
RESTARAM INFRUTÍFERAS POSSIBILIDADE I- A penhora sobre o faturamento da empresa constitui meio
excepcional, agasalhado pelo § 1º do artigo 11 da Lei 6830/80, possível somente quando não forem encontrados
outros bens do devedor, suficientes à garantia do crédito fiscal. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça e
desta corte. II- Muito embora alegue ser incabível a penhora sobre seu faturamento, a recorrente não indicou
74
Como asseveramos, o próprio empresário é a pessoa de direito, sujeito
passivo da execução, sendo impróprio admitir que a penhora sobre percentual de
faturamento equivale à penhora da própria empresa. Aliás, a penhora sobre
faturamento, como explicamos, não equivale também à penhora do
estabelecimento comercial.
Resta esclarecer se o faturamento, de acordo com os conceitos
trazidos, equivale à penhora sobre dinheiro, sobre direitos ou se não deve ser
equiparado a nenhum dos dois.
bem passível de constrição (liquidez de mercado), que servisse a uma eventual análise de substituição de
penhora, tendo em vista da aparente dificuldade de arrematação dos bens oferecidos. III- Não indicando outros
bens passíveis de penhora, é plenamente justificável a substituição dos bens penhorados pela receita aferida
pela empresa, ante a inexistência de licitantes interessados em hasta pública pelos bens ofertados pela
executada. III- A penhora a ordem de 5% (cinco por cento) sobre o faturamento não inviabiliza o prosseguimento
das atividades da empresa executada, observando-se que tal percentual deve ser aplicado pro rata, ou seja, a
penhora sobre o faturamento efetuada na totalidade das execuções ajuizadas contra a agravante não deve
ultrapassar 10%. IV- Agravo de instrumento improvido. (TRF 3ª R. AG 2007.03.00.034247-0 – (297099) –T.
– Relª Desª Fed. Alda Basto – DJU 30.04.2008 – p. 499)
220715 PROCESSUAL CIVIL PENHORA EM DINHEIRO MOVIMENTO MENSAL DA EMPRESA
EXECUTADA OBSERVÂNCIA DAS FORMALIDADES LEGAIS MATÉRIA PROBATÓRIA LEI 6.830/80,
ART. 11, § 1º CPC, ARTS. 678, § ÚNICO, 719, 720 E 728 DO CPC SÚMULA 07/STJ – PRECEDENTES – A
jurisprudência admite a penhora, em dinheiro, do faturamento mensal da empresa devedora executada, desde
que cumpridas as formalidades ditadas pela Lei Processual Civil, como a nomeação de administrador, com
apresentação da forma de administração e do esquema de pagamento. Impossível, em sede de recurso
especial, a revisão da matéria fática que embasou a fundamentação de parte da decisão recorrida, a teor da
jurisprudência sumulada desta Corte (Súmula 07/STJ). – Recurso conhecido e parcialmente provido, para
determinar o cumprimento das formalidades exigidas pelo Código de Processo Civil. (STJ RESP 147725/RS
T. Rel. Min. Francisco Peçanha Martins DJU 20.03.2000 p. 62) JCPC.678 JCPC.678.PUN JCPC.719
JCPC.720 JCPC.728
117
Neste sentido:
HABEAS CORPUS DEPOSITÁRIO INFIEL PENHORA DE FATURAMENTO DE EMPRESA A penhora
sobre faturamento de estabelecimento comercial constitui crédito futuro e incerto, inexistindo bem material que
demande a figura do depositário com a responsabilidade da respectiva guarda formal e material. No momento da
nomeação do depositário, não havia depósito materializado que devesse ser protegido pelo Paciente, conforme
inteligência da OJ 143 da SDI-II, do C. TST. Ordem concedida. (TRT R. HC 12829-2007-000-02-00-9 SDI
– Rel. Juiz Sergio Winnik – DOE/SP15.05.2008)
118
Neste sentido:
JCPC.620 EXECUÇÃO FISCAL PENHORA SOBRE O FATURAMENTO POSSIBILIDADE 1. A regra da
menor onerosidade (art. 620, do CPC) não visa inviabilizar, ou dificultar, o recebimento do crédito pelo credor. 2.
Faturamento é bem penhorável. 3. Precedentes do C. Superior Tribunal de Justiça. 4. Recurso parcialmente
provido. (TRF 3ª R. AG 2007.03.00.036577-8 (298410) – T. – Relª Juíza Conv. Fed. Mônica Nobre DJU
30.04.2008 – p. 483)
119
Neste sentido:
222938 – EXECUÇÃO FISCAL – PENHORA – FATURAMENTO DA EMPRESA – IMPOSSIBILIDADE – A
penhora que recai sobre o rendimento da empresa, equivale à penhora da própria empresa, razão pela qual não
tem mais a egrégia primeira turma admitido penhora sobre faturamento ou rendimento. Recurso provido. (STJ
REsp 258.613/SP – 1ª T. – Rel. Min. Garcia Vieira – DJU 18.09.2000 – p. 108)
222939 – EXECUÇÃO FISCAL – PENHORA – FATURAMENTO DA EMPRESA – IMPOSSIBILIDADE – A
penhora que recai sobre o rendimento da empresa equivale à penhora da própria empresa, razão pela qual não
tem mais a egrégia primeira turma admitido penhora sobre faturamento ou rendimento. Recurso provido. (STJ
REsp 234.619/SP – 1ª T. – Rel. Min. Garcia Vieira – DJU 21.02.2000 – p. 92)
75
Colares Mantovanni Cavalcante (2005), em seu artigo intitulado “A
penhora de parcela do faturamento de empresa e suas restrições”, assevera que “o
faturamento é direito da empresa, embora se exprima em moeda (ID. IBIDEM, p.
307).
120
afirmamos que faturamento é a operação remuneradora de atividade
que envolve um fazer ou prestar que consiste no exercício do objeto social da
empresa. É correto afirmar que, realizada essa operação, o empresário pode se
tornar titular dos direitos advindos da realização da operação. Isto porque o
faturamento presume a existência de uma relação contratual, conforme afirma José
Antonio Minatel (2005):
Como noção de conjunto ou com o sentido de uma única operação,
faturamento têm como nota determinante a existência de contrato,
escrito ou verbal, que assegure direito ao recebimento da
contraprestação (preço) materializada pela entrega da mercadoria ou
pela efetiva prestação de serviços (MINATEL, 2005, [s.p.]).
121
Antes da realização de tais operações, o empresário não é, de fato, titular
de nenhum direito que pode exercitar. O faturamento, portanto, é capaz de gerar
direitos ao empresário, mas não é um direito do empresário.
Diz-se que o faturamento é capaz de gerar direitos ao empresário na
medida em que é o ato tipicamente empresarial que expressa a realização de uma
obrigação contratualmente assumida, obrigação esta que, realizada, satisfará uma
condição contratual, ensejando a titularidade do direito de receber a contra-
120
CAVALCANTE, C. M. A penhora de parcela do faturamento de empresa e suas restrições. In: LOPES, J. B.;
CUNHA, L. J. C. (orgs.). Execução civil. Aspectos polêmicos. São Paulo: Dialética, 2005.
121
MINATEL. Op. cit.
76
prestação contratualmente avençada, geralmente o pagamento do preço. Isto
porque uma das atividades do empresário é contrair, com seus clientes, contratos
pelos quais se obriga a entregar determinada coisa ou prestar determinado serviço,
objeto de seu objetivo social.
Ocorre que, na realidade empresarial, a dinâmica da realização desses
contratos é revestida pela informalidade e protegida pelo sigilo profissional. Por meio
do ato do faturamento, revela-se toda a dinâmica das operações remuneradoras das
atividades que envolvem um fazer ou prestar concernentes ao exercício do objeto
social da empresa.
O fato de o empresário contrair contratos não significa que será capaz de
cumpri-los, motivo pelo qual o faturamento é futuro e incerto.
122
O faturamento é ato da atividade empresarial que “espelha” a aquisição
pelo empresário de bens ou direitos. De fato, o volume de operações mensais de
faturamento do empresário “se expressa” em dinheiro, mas com ele não se
confunde. Na ocorrência de vendas ou prestações de serviço com pagamento a
prazo, isso se torna ainda mais visível. Após faturar a venda ou o serviço, o
122
Neste Sentido:
116370705 JLEF.15 JLEF.15.I PROCESSUAL CIVIL SUBSTITUIÇÃO DE PENHORA 1. Em execução
fiscal, conforme dispõe o art. 15, I, da Lei 6.830, de 1980, a penhora de bens móveis, imóveis e outros
direitos, pode ser substituída por depósito em dinheiro ou fiança bancária a qualquer tempo. 2. Penhora em
faturamento da empresa não pode ser considerada como sendo igual a depósito em dinheiro. O faturamento
além de ser incerto, exige para ser penhorado, procedimento específico. 3. Correto a decisão que indefere
pedido da penhora de 42.120 botijões de glp ser substituído por penhora de 2% do faturamento da executada. 4.
Inexistência de omissão, obscuridade e/ou contradição no acórdão. 5. Recurso Especial improvido. (STJ – RESP
200701160873 – (954157) – SP – 1ª T. – Rel. Min. José Delgado – DJU 12.12.2007 – p. 00407)
37030434 DEPOSITÁRIO INFIEL DESCARACTERIZAÇÃO Hipótese em que se considera inexistente o
depósito, tendo em vista que a penhora deu-se sobre valor incerto (faturamento futuro da empresa executada), o
que pressupõe o bom andamento do negócio, fato este cuja responsabilidade não pode ser atribuída
exclusivamente à ora paciente. Ademais, entende-se que a excepcionalidade da medida deve ser cada vez mais
repelida pelo princípio da vedação à prisão por dívida, tendo em vista o objetivo maior de garantir um dos direitos
fundamentais de todo e qualquer indivíduo, qual seja, a liberdade de ir e vir, consagrado constitucionalmente.
Assim, impõe-se a concessão da ordem definitiva de habeas corpus. (TRT 17ª R. HC 00341.2004.000.17.00.4
– Rel. Juiz José Carlos Rizk – J. 09.12.2004)
77
empresário passa a ser titular de um direito que apenas será exigível após o decurso
de certo tempo. Esse direito é que, via de regra, significa a entrega ao empresário de
certa quantia em dinheiro.
Faturamento, portanto, não é direito ou dinheiro, mas sim fator indiciário
que de que o empresário se tornou titular de um direito, que pode até
instantaneamente materializar-se em dinheiro.
Dentro do conceito de volume mensal de operações, descrito, a lei
determina que um certo percentual do montante mensal contratado seja, após a
prática da operação de faturamento pelo empresário, imediatamente reservado e
imputado ao pagamento do crédito exeqüendo.
Nota-se que não se trata de penhora futura. A penhora apenas incide com
temporalidade “posterior” à prática do empresário das operações de faturamento que
são objeto social da empresa, de modo que sobre o volume total de direitos oriundos
desses atos, em um mês conforme determina o art. 655-A, §3º é que incidirá
percentual a ser penhorado.
Cabe ao administrador elaborar plano que indica de que forma e a que
tempo se dará a constrição, se comprometendo ainda a prestar contas mensalmente
e a recolher as quantias à conta judicial para que sejam efetivamente penhoradas.
VI. II. Penhora sobre faturamento de empresa e a ordem legal de bens à
penhora
78
Com a nova redação do art. 655 no Código Civil, a penhora sobre
percentual de faturamento de empresa foi incluída em sétimo lugar. A doutrina
aponta esta mudança como homenagem à excepcionalidade da medida, conforme
asseveram Humberto Theodoro Júnior (2008) e Anderson Furlan (2008),
respectivamente:
A penhora de percentual do faturamento figura em sétimo lugar na
ordem de preferência do art. 655, de sorte que, havendo bens livres
e de menor gradação, não será o caso de recorrer à constrição da
receita da empresa, que, sem maiores cautelas, pode comprometer o
seu capital de giro e inviabilizar a continuidade de sua normal
atividade econômica (THEODORO JÚNIOR, 2008, p. 329).
123
A posição tópica da constrição, elencada no inciso VII do art. 655 do
CPC, depois, portanto, dos bens móveis e imóveis, explica-se em
favor da parte exeqüente e não em interesse da parte executada. É
que o faturamento, posto que futuro, constitui mera expectativa. Pode
vir a não existir. Sendo a ordem estabelecida em benefício da parte
exeqüente, faculta-se à mesma indicar, na petição inicial o
faturamento em preferência aos outros bens (FURLAN, 2008, p.
29).
124
No entanto, em se tratando de execução fiscal, a modificação no Código
de Processo Civil não surte efeito, visto que a LEF é Lei mais específica e continua a
regular a matéria inalterada.
Assim, como ausente na ordem legal estabelecida pelo art. 11 da Lei
6.980/80
125
, a posição da ordem legal da penhora sobre faturamento de empresa, no
âmbito da execução fiscal, continua conflituosa.
123
THEODORO JÚNIOR. Op. cit.
124
FURLAN, A. A nova execução fiscal. Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo, n.º 152, p. 21-39, mai.
2008.
125
Art. 11 - A penhora ou arresto de bens obedecerá à seguinte ordem: I - dinheiro; II - título da dívida pública,
bem como título de crédito, que tenham cotação em bolsa; III - pedras e metais preciosos; IV - imóveis; V -
navios e aeronaves; VI - veículos; VII - móveis ou semoventes; e VIII - direitos e ações. § 1º - Excepcionalmente,
a penhora poderá recair sobre estabelecimento comercial, industrial ou agrícola, bem como em plantações ou
edifícios em construção. § 2º - A penhora efetuada em dinheiro será convertida no depósito de que trata o inciso I
79
A doutrina e a jurisprudência que consideram esse tipo de penhora
equivalente a dinheiro sustentam que a constrição viria em primeiro lugar na ordem
legal.
Já a corrente que sustenta a equivalência a direito considera que a
posição do instituto da penhora de faturamento na ordem legal deve ser equivalente
à posição da penhora sobre direito, ou seja, oitavo e último lugar.
também a norma do art. 11, §8º
126
da Lei n.º 10.552/02, que institui
que, em caso de descumprimento do parcelamento de débitos tributários, o Refis
que tenha sido garantido pelo faturamento da empresa –, essa modalidade de
penhora encontra-se em primeiro lugar.
O art. 11, §8 da Lei 10.552/02 é ainda mais específico que a LEF e se
aplica às empresas não apenas sujeitas à Lei de execução fiscal, mas também
àquelas empresas que se sujeitaram à regulação mais específica do plano de
parcelamento fiscal Refis. Por ser norma mais específica, prevalece sua aplicação
em detrimento do art. 655 do CPC e ao Art. 11 da LEF.
Afirmamos anteriormente que o faturamento não é dinheiro nem direito,
mas sim expressa a aquisição de um direito pelo empresário, e que a penhora se
implementa posteriormente ao ato do faturamento, incidindo sobre o volume de
direitos adquiridos pelo empresário por meio da realização de sua atividade
empresarial.
do artigo 9º. § 3º - O Juiz ordenará a remoção do bem penhorado para depósito judicial, particular ou da Fazenda
Pública exeqüente, sempre que esta o requerer, em qualquer fase do processo.
126
Art. 11. Ao formular o pedido de parcelamento, o devedor deverá comprovar o recolhimento de valor
correspondente à primeira parcela, conforme o montante do débito e o prazo solicitado. § 8
o
Descumprido o
parcelamento garantido por faturamento ou rendimentos do devedor, poderá a Fazenda Nacional realizar a
penhora preferencial destes, na execução fiscal, que consistirá em depósito mensal à ordem do Juízo, ficando o
devedor obrigado a comprovar o valor do faturamento ou rendimentos no mês, mediante documentação hábil.
80
Por afetar diretamente os direitos que o empresário adquire graças ao
faturamento, é que o lugar, na ordem de preferência legal da penhora sobre
faturamento de empresa no âmbito da execução fiscal, deve ser o mesmo da
penhora sobre direitos e ações.
Ocorre que a ordem legal de penhora de bens, no âmbito da execução,
deve ser analisada por outro prisma, qual seja o dos princípios constitucionais
vigentes. É verdadeira a observação citada de Anderson Furlan quando discorre que
a colocação desse tipo de penhora no fim da ordem legal se faz em benefício do
credor, afinal o faturamento é futuro e incerto, depende da capacidade do
empresário de realizá-lo.
Em consonância, a jurisprudência predominante do STJ considera a
penhora de faturamento medida de caráter excepcional, prevalecendo, assim, o
princípio da preservação da empresa.
Neste sentido, se a empresa deseja preservar-se e impedir que seja
leiloada, por exemplo, um maquinário vital para sua atividade empresarial, é de seu
direito subverter a ordem legal e requerer que seja penhorado percentual de seu
faturamento.
VI. III. Sujeição passiva possível
A correta compreensão da teoria da empresa é essencial principalmente
porque a Lei utilizou os vocábulos “faturamento” e empresa” e não pode tê-los
81
empregado de forma despretensiosa, mas sim no aspecto técnico-jurídico, em que
cada um deles assume um significado próprio e inconfundível.
Resta saber quem está sujeito a essa modalidade de penhora, uma vez
que é necessário que existam “operações caracterizadas pela transmissão definitiva
de propriedades ou de operações remuneradoras de atividades que envolvem um
fazer ou prestar objeto social da empresa” (MINATEL, 2005, p. 97)
127
, ou seja, que o
sujeito passivo alvo da penhora tenha faturamento.
Em princípio, pelo conceito consolidado do STF, é essencial, para a
existência de faturamento, que exista a atividade empresarial, ou seja, que o sujeito
passivo seja empresário. Isso não significa dizer que é necessária a existência de
uma pessoa jurídica; basta o exercício de forma profissional de atividade organizada
de forma empresarial.
Inequivocamente, o prestador de serviços é sujeito de direito capaz de
faturamento em concordância não apenas com a teoria da empresa, mas também
por força do art. 20
128
da Lei n.º 5.474/68. Equiparado aos prestadores de serviço,
também são capazes de faturar os profissionais liberais, conforme disposição do art.
22
129
da mesma lei. O incorporador imobiliário, ainda que pessoa física equiparada à
pessoa jurídica
130
, também pode ser alvo da penhora sobre faturamento, desde que
exercite sua atividade com profissionalismo e de forma empresarial. O produtor rural
127
MINATEL. Op. cit.
128
Art. 20. As empresas, individuais ou coletivas, fundações ou sociedades civis, que se dediquem à prestação
de serviços, poderão, também, na forma desta lei, emitir fatura e duplicata.
129
Art. 22. Equiparam-se às entidades constantes do art. 20, para os efeitos da presente Lei, ressalvado o
disposto no Capítulo VI, os profissionais liberais e os que prestam serviço de natureza eventual desde que o
valor do serviço ultrapasse a NCr$100,00 (cem cruzeiros novos).
130
De acordo com o art. 151 do Decreto 3.000/99 – RIR/99.
82
também se qualificará para a sujeição passiva da penhora de percentual de
faturamento se sua atividade se revestir das características da empresarialidade.
aqueles que exercem profissão intelectual não estão sujeitos à
penhora de faturamento, salvo se sua atividade for revestida por elemento de
empresa. Também as cooperativas nunca serão empresárias por força do art. 982,
parágrafo único
131
, CC.
VI. IV. Pluralidade de penhoras sobre o faturamento
Entre os princípios que orientam a penhora sobre percentual de
faturamento de empresa, o mais relevante é o princípio da preservação da
empresa.Trata-se de um princípio orientador na medida em que, na aplicação da Lei,
os pontos omissos devem ser resolvidos de forma prática com a finalidade de
satisfazer o credor, porém, sem perder de vista o propósito de preservar a existência
do empresário e da atividade empresarial.
Talvez uma das maiores questões sobre o tema da penhora de percentual
de faturamento de empresa seja exatamente sobre o quantum, ou seja, qual o
percentual pode ser penhorado? Isto porque, visando à satisfação do credor, a regra
é que todo o patrimônio do devedor esteja à disposição do processo executório,
salvo o que a Lei determina impenhorável. Neste sentido, todo o faturamento mensal
131
Art. 982, Parágrafo único. Independentemente de seu objeto, considera-se empresária a sociedade por
ações; e, simples, a cooperativa.
83
estaria à disposição do exeqüente. Porém, a penhora de todo o faturamento
impossibilitaria a manutenção da empresa.
Opera, portanto, o princípio da preservação da empresa para que o
depositário-administrador busque conhecer qual o limite máximo sobre o qual pode
ser fixado o percentual do faturamento que será penhorado. Conforme afirmam
Bruno Garcia Redondo e Mário Vitor Suarez Lojo (2007):
Em outras palavras, a penhora não poderá incidir sobre aquela
parcela das quantias depositadas que se demonstre essencial à
manutenção da atividade empresarial e dos negócios do executado.
Por outro lado, deverá ser liberado da penhora apenas o mínimo
indispensável à sobrevivência do empreendimento. Afinal, a
continuidade da atividade empresarial do executado revela-se,
inclusive, como uma forma de aumentar a possibilidade de
recebimento do crédito por parte do exeqüente, que um executado
falido dificilmente terá condições de saldar todos os seus débitos
(REDONDO; LOJO, 2007, p. 178).
132
Em caso de segunda penhora sobre percentual de faturamento de
empresa, o princípio da preservação orienta que seja nomeado o mesmo
depositário-administrador e o mesmo montante da primeira penhora. Ou seja, sendo
o faturamento finito e sendo que, logo na primeira penhora, esta deve abarcar todo o
percentual o quanto possível do faturamento para não comprometer a existência da
empresa, a segunda penhora deve recair sobre o mesmo percentual da primeira– o
132
REDONDO; LOJO. Op. cit.
84
mesmo montante finito –, tendo esta última a preferência de acordo com os ditames
do art. 612
133
e 613
134
do CPC.
Essa lógica impede que o faturamento da empresa seja constrito em
100% por diversas penhoras diferentes e também garante que o percentual
penhorado logo na primeira penhora seja o mais alto o possível. Assim, a
preferência sobre o percentual máximo do faturamento passível de penhora sem que
esta inviabilize a continuidade da empresa é daquele que primeiramente penhorar o
faturamento, conforme Bruno Garcia Redondo e Mário Vitor Suarez Lojo (IBIDEM):
Nesse sentido, tanto na execução singular cível quanto na
trabalhista, o primeiro exeqüente que obtiver a penhora de um bem
assume sua ordem na preferência, independentemente do critério de
registro ou inscrição da penhora, no caso de bens sujeitos o registro
(v.g., imóveis e veículos) [...] Em suma, não obstante se tratarem ou
não de bens que prescindam de registro ou de inscrição da penhora,
a preferência será daquele que primeiro a tiver obtido (ID. IBIDEM, p.
52).
135
Em caso de pluralidade, o juiz pode, inclusive, manter o administrador e
continuar a penhora de modo que, uma vez tendo satisfeito o primeiro credor, a
constrição passe a servir ao segundo, conforme o art. 711 do CPC
136
.
133
Art. 612. Ressalvado o caso de insolvência do devedor, em que tem lugar o concurso universal (art. 751, III),
realiza-se a execução no interesse do credor, que adquire, pela penhora, o direito de preferência sobre os bens
penhorados.
134
Art. 613. Recaindo mais de uma penhora sobre os mesmos bens, cada credor conservará o seu título de
preferência.
135
REDONDO; LOJO. Op. cit.
136
Art. 711. Concorrendo vários credores, o dinheiro ser-lhes-á distribuído e entregue consoante a ordem das
respectivas prelações; não havendo título legal à preferência, receberá em primeiro lugar o credor que promoveu
a execução, cabendo aos demais concorrentes direito sobre a importância restante, observada a anterioridade
de cada penhora.
85
VI. V. Depositário-administrador
Para efetivação da penhora sobre percentual de faturamento de empresa,
é imprescindível a nomeação de depositário
137
, sendo que a jurisprudência pacífica
do STJ exige a nomeação de administrador como requisito à efetivação de penhora
válida sobre percentual do faturamento.
O artigo 655-A, §3º do CPC, menciona a nomeação de depositário.
Acreditamos, todavia, que a utilização desse vocábulo foi infeliz, que
depositário é aquele que recebe um bem, para mantê-lo e conservá-lo sob sua
guarda até que o depositante o requisite de volta.
Assim, depositário é aquele que recebe a coisa para conservá-la até que
o depositante a reclame. O depositário pode ser voluntário ou nomeado pelo juízo.
Nesse último caso, o depositário assume a função de serventuário da justiça em prol
do interesse público processual e serve diretamente sob as ordens do juízo que o
nomeou.
Na penhora sobre percentual de faturamento de empresa, não é um
depositário que o juiz nomeia. Nada é lhe dado para guardar ou conservar, uma vez
que o faturamento nada mais é do que a realização de direito condicional ou a termo
137
JCPC.655 JCPC.655.VII JCPC.655A JCPC.655A.3 MANDADO DE SEGURANÇA PENHORA SOBRE O
FATURAMENTO DA EMPRESA – APLICAÇÃO DOS ARTIGOS 655, INCISO VII E 655-A, § 3º DO CPC, COM A
REDAÇÃO DADA PELA LEI Nº 11.382, DE 06.12.2006 – É ilegal a constrição judicial realizada sobre o
faturamento da empresa, sem nomeação de depositário com a atribuição de submeter à aprovação judicial a
forma de efetivação da constrição, bem como de prestar contas mensalmente. (TRT 4ª R. – MS 00085-2008-000-
04-00-0 – Rel. Ricardo Tavares Gehling – J. 09.05.2008)
86
da empresa, mas que ainda não pode ser exercido. Não estamos, portanto, diante
da figura de um mero depositário, mas sim de administrador, conforme afirma
Humberto Theodoro Júnior (2008):
Ordinariamente, objetivo do depósito é a guarda e conservação dos
bens penhorados, evitando extravio ou deterioração. Casos ocorrem,
contudo, em que a natureza dos bens apreendidos exige a
continuidade da sua exploração econômica. O depositário, então, se
transforma também em administrador. É o que ocorre quando a
penhora atinge empresas comerciais, industriais ou agrícolas, bem
como semoventes, plantações ou edifício em construção (art. 677 do
CPC).
A função do depositário, em tais casos, é ativa, pois consiste em
“manter em atividade e produção o estabelecimento penhorado”.
Trata-se de realizar uma gestão e não uma simples guarda.
A gestão desse depositário segue um plano previamente preparado
pelo administrador e aprovado pelo juiz da execução (CPC, art. 677).
As rendas auferidas são objeto de prestação de contas periódicas e
revertem em benefício da execução (THEODORO JÚNIOR, 2008, p.
347).
138
Conforme explica Teori Albino Zavascki, nos votos que proferiu nos
seguintes autos de Habeas Corpus, n.º 102.173 SP (2008/0057751-8) e também
nos autos de n.º 20.075 – SP (2006/0184432-9), respectivamente:
HABEAS CORPUS Nº 102.173 - SP (2008/0057751-8)
RELATOR : MINISTRO FRANCISCO FALCÃO
IMPETRANTE : HUMBERTO LENCIONI GULLO JUNIOR
IMPETRADO : TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3A REGIÃO
PACIENTE : HUMBERTO ANTONIO NADOLSKY
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO TEORI ALBINO ZAVASCKI: Sra. Ministra
Presidente, peço vênia ao Sr. Ministro Relator para divergir. Neste
caso, apesar de haver “depositário judicial”, a penhora é sobre
faturamento, o que significa dizer que não propriamente depósito.
É uma penhora atípica. É diferente. É comum se fazer confusão
entre penhora de depósito em dinheiro, em conta corrente, e penhora
de faturamento. Penhora de faturamento é penhora sobre ingressos
futuros. Assim sendo, o encargo de reter futuros ingressos de
138
THEODORO JÚNIOR. Op. cit.
87
recursos não é o mesmo que encargo de fiel depositário, pois no
momento em que há a designação não existe depósito algum.
Concedo a ordem de habeas corpus. É o voto. (g.n.)
RECURSO EM HABEAS CORPUS Nº 20.075 - SP (2006/0184432-9)
RELATOR : MINISTRO FRANCISCO FALCÃO
RECORRENTE : RAIMUNDO NONATO DA CUNHA FILHO
ADVOGADO : JOSÉ CLÁUDIO DA CRUZ E OUTRO
RECORRIDO : TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3A REGIÃO
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO TEORI ALBINO ZAVASCKI: Srs. Ministros,
peço vênia ao Sr. Ministro Relator para acompanhar o voto do Sr.
Ministro Luiz Fux, seguindo o precedente de que, para que haja
prisão por infidelidade de depósito, é preciso que tenha havido
depósito efetivo. No caso, a nomeação de depositário foi pro forma,
porque o faturamento ainda não existia; o dever que ele descumpriu
seria, portanto, o dever de fazer a retenção do faturamento, não o de
restituir algo que já estivesse depositado.
Dou provimento ao recurso de habeas corpus.
E, no mesmo sentido, a ementa de Habeas Corpus de relatoria de Denise
Arruda:
HABEAS CORPUS 87.140 - RJ (2007/0166640-8) RELATORA :
MINISTRA DENISE ARRUDA IMPETRANTE : SÂNZIO BAIONETA
NOGUEIRA E OUTROS IMPETRADO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO
ESTADO DO RIO DE JANEIRO PACIENTE : MARIA DO ROSÁRIO
DIAS SBAMPATO
EMENTA:
PROCESSUAL CIVIL. HABEAS CORPUS . EXECUÇÃO FISCAL.
PENHORA SOBRE O FATURAMENTO. DESCUMPRIMENTO.
DEPOSITÁRIO INFIEL. NÃO-CARACTERIZAÇÃO. CONCEITO QUE
NÃO PODE SER AMPLIADO POR TÉCNICAS QUE AUMENTEM O
ALCANCE DA TIPIFICAÇÃO PREVISTA NA LEI.
1. Não obstante a prisão tenha sido decretada pelo juízo da
execução, o Tribunal de origem, em sede de agravo de instrumento,
reconheceu sua legitimidade. Destarte, havendo ameaça à liberdade
individual, não se mostra plausível exigir-se a interposição de
qualquer outro recurso (no caso, especial ou extraordinário) e
suprimir o direito à impetração de habeas corpus, em virtude da
celeridade e urgência no procedimento. Além disso, a Corte de
origem deixou de conhecer do habeas corpus apresentado após o
julgamento do agravo de instrumento, por força do "trânsito em
julgado da decisão relativa ao agravo". Assim, mostra-se
caracterizada a competência desta Corte para apreciar a presente
impetração.
2. Nos termos do art. 5º, LXVII, da CF/88, "não haverá prisão civil por
dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e
88
inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel".
Segundo o art. 652 do CC/2002 e o art. 902, § 1º, do CPC, a
restrição à liberdade não pode exceder um ano e serve como
"constrição psicológica para o adimplemento da obrigação de
entregar a coisa" (FIUZA, Cesar. "Direito civil: curso completo", 10ª
ed., Belo Horizonte: Del Rey, 2007, pág. 564). Assim, em princípio, a
prisão do depositário infiel é autorizada pelo ordenamento jurídico.
3. Por outro lado, há precedentes desta Corte no sentido de admitir a
prisão do responsável pelo depósito mensal de valor decorrente de
penhora sobre o faturamento da empresa. Nesse sentido: RHC
17.244/SP, Turma, Rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro, DJ de
18.4.2005; RHC 21.039/RS, Turma, Rel. Min. Hélio Quaglia
Barbosa, DJ de 4.6.2007.
4. Contudo, tratando-se de restrição à liberdade individual, é
necessário o perfeito enquadramento da situação fática ao conceito
previsto na norma. É depositário aquele que recebe um bem para
guardar até que o depositante o reclame (depósito voluntário), ou é
nomeado responsável para a guarda de bens que foram objeto de
penhora (depósito judicial), devendo as contas serem prestadas na
forma do art. 919 do CPC. Não é depositário aquele que,
responsável pelo depósito de percentual incidente sobre a renda da
empresa, descumpre a obrigação, pois são distintos os casos de
penhora sobre o próprio bem e de penhora realizada sobre os
eventuais frutos que o bem possa gerar. Nessa situação penhora
sobre a renda —, a constrição incide, diretamente, sobre os frutos e
não sobre o bem principal. Desse modo, apenas no primeiro caso,
frise-se, fica caracterizada a situação de depositário. Malgrado a
prisão civil não tenha natureza punitiva, é inviável a sua decretação
por meio de técnicas que ampliem a tipificação prevista na lei. Nesse
sentido: RHC 19.246/SC, Turma, Rel. Min. Teori Albino Zavascki,
DJ de 29.5.2006; RHC 20.075/SP, Turma, Rel. Min. Luiz Fux, DJ
de 13.11.2006.
5. Ordem de habeas corpus concedida.
Daí se depreende que o depositário-administrador da penhora sobre
faturamento não se reveste da condição de jurídica de depositário, pois nada recebe
em depósito. A figura do suposto depositário tem apenas o condão de administrar a
forma de constrição do faturamento da empresa e nada recebe em depósito que não
seja o quantum constrito.
Esse fato gerará efeitos decisivos na possibilidade de prisão civil do
administrador da penhora sobre faturamento. Neste sentido, a jurisprudência aponta
a impossibilidade de prisão do administrador em caso de o faturamento não se
realizar:
89
RECURSO EM HABEAS CORPUS Nº 20.075 - SP (2006/0184432-9)
RELATOR : MINISTRO FRANCISCO FALCÃO
R.P/ACÓRDÃO : MINISTRO LUIZ FUX
RECORRENTE : RAIMUNDO NONATO DA CUNHA FILHO
ADVOGADO : JOSÉ CLÁUDIO DA CRUZ E OUTRO
RECORRIDO : TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3A REGIÃO
EMENTA
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO EM HABEAS CORPUS.
DEPOSITÁRIO INFIEL. PENHORA SOBRE FATURAMENTO.
REPRESENTANTE LEGAL DA EXECUTADA QUE, SEM NADA TER
RECEBIDO EM DEPÓSITO, ASSUMIU O COMPROMISSO DE
EFETUAR MENSALMENTE O RECOLHIMENTO DE PARTE DO
FATURAMENTO DA EMPRESA. NÃO CONFIGURAÇÃO DA
CONDIÇÃO DE DEPOSITÁRIO. ILEGITIMIDADE DA PRISÃO CIVIL.
1. A prisão civil constitui meio executivo de caráter excepcional,
recaindo somente em relação a "responsável pelo inadimplemento
voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário
infiel" (art. 5.º, LXVII, da CF/1988).
2. O depositário cuja empresa revela estado de inatividade e
conseqüentemente não apresenta faturamento se incide em
inadimplência no desembolso mensal do quantum (30%) fixado para
a penhora, não comete o ilícito da infidelidade do depósito o que
deslegitima a ordem de prisão.
3. É que "não depositário sem que tenha havido a regular
constituição de um depósito, legal ou consensual. E não se pode
considerar como depositário infiel quem, nada tendo recebido em
depósito, simplesmente deixou de cumprir a obrigação que assumira
de recolher em juízo parte do futuro faturamento da pessoa jurídica,
para fins de penhora". (RHC 19.246/SC, Rel. Min. TEORI ALBINO
ZAVASCKI, Primeira Turma, DJ 29.05.2006)
4. Deveras, "a penhora sobre o faturamento deve observar as
formalidades dos arts. 677 e 678, parágrafo único, do Código de
Processo Civil, de sorte a assegurar que a medida não acarrete
solução de continuidade nos serviços desenvolvidos pela empresa
executada".
5. Ademais, "a elaboração de um plano de administração constitui
verdadeiro pressuposto legal da penhora sobre o faturamento, de
modo que somente depois de aprovado dito plano pelo juiz é que tem
lugar a implementação da medida constritiva". (HC 49.469/SP, Rel.
Min. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, Segunda Turma, DJ
04.10.2006).
6. Habeas corpus concedido. (destaques do original) (g.n.)
90
Ou seja, a prisão civil se pela impossibilidade de restituição da
coisa
139
, o que exige acreditar, caso adotemos o conceito de administrador e não de
depositário, que a apenas haverá a possibilidade de prisão civil se o depositário
receber o montante referente ao percentual fixado no plano e furtar-se de repassar
esse montante ao juízo da execução.
A nomeação do depositário, nesse caso, administrador, é condição para
que a penhora se repute perfeita e acabada. Na prática, três opções estarão à
disposição do juízo: nomear o próprio executado – nesse caso, a empresa –, nomear
o sócio administrador da empresa ou nomear um terceiro estranho à sociedade.
139
116366442 JCF.5 JCF.5.LXVII JNCCB.652 JCPC.902 JCPC.902.1 JCPC.919 – PROCESSUAL CIVIL –
HABEAS CORPUS EXECUÇÃO FISCAL PENHORA SOBRE O FATURAMENTO DESCUMPRIMENTO
DEPOSITÁRIO INFIEL – NÃO-CARACTERIZAÇÃO – CONCEITO QUE NÃO PODE SER AMPLIADO POR
TÉCNICAS QUE AUMENTEM O ALCANCE DA TIPIFICAÇÃO PREVISTA NA LEI 1. Não obstante a prisão
tenha sido decretada pelo juízo da execução, o tribunal de origem, em sede de agravo de instrumento,
reconheceu sua legitimidade. Destarte, havendo ameaça à liberdade individual, não se mostra plausível exigir-se
a interposição de qualquer outro recurso (no caso, especial ou extraordinário) e suprimir o direito à impetração de
habeas corpus, em virtude da celeridade e urgência no procedimento. Além disso, a corte de origem deixou de
conhecer do habeas corpus apresentado após o julgamento do agravo de instrumento, por força do "trânsito em
julgado da decisão relativa ao agravo". Assim, mostra-se caracterizada a competência desta corte para apreciar
a presente impetração. 2. Nos termos do art. 5º, LXVII, da CF/88, "não haverá prisão civil por dívida, salvo a do
responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel".
Segundo o art. 652 do CC/2002 e o art. 902, § 1º, do CPC, a restrição à liberdade não pode exceder um ano e
serve como "constrição psicológica para o adimplemento da obrigação de entregar a coisa" (fiuza, cesar".Direito
civil: Curso completo", 10ª ED., belo horizonte: Del rey, 2007, pág. 564). Assim, em princípio, a prisão do
depositário infiel é autorizada pelo ordenamento jurídico. 3. Por outro lado, há precedentes desta corte no sentido
de admitir a prisão do responsável pelo depósito mensal de valor decorrente de penhora sobre o faturamento da
empresa. Nesse sentido: RHC 17.244/SP, turma, Rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro, DJ de 18.4.2005; RHC
21.039/RS, turma, Rel. Min. lio quaglia barbosa, DJ de 4.6.2007. 4. Contudo, tratando-se de restrição à
liberdade individual, é necessário o perfeito enquadramento da situação fática ao conceito previsto na norma. É
depositário aquele que recebe um bem para guardar até que o depositante o reclame (depósito voluntário), ou é
nomeado responsável para a guarda de bens que foram objeto de penhora (depósito judicial), devendo as contas
serem prestadas na forma do art. 919 do CPC. Não é depositário aquele que, responsável pelo depósito de
percentual incidente sobre a renda da empresa, descumpre a obrigação, pois são distintos os casos de penhora
sobre o próprio bem e de penhora realizada sobre os eventuais frutos que o bem possa gerar. Nessa situação
penhora sobre a renda —, a constrição incide, diretamente, sobre os frutos e não sobre o bem principal. Desse
modo, apenas no primeiro caso, frise-se, fica caracterizada a situação de depositário. Malgrado a prisão civil não
tenha natureza punitiva, é inviável a sua decretação por meio de técnicas que ampliem a tipificação prevista na
Lei. Nesse sentido: RHC 19.246/SC, 1ª turma, Rel. Min. Teori albino zavascki, DJ de 29.5.2006; RHC 20.075/SP,
1ª turma, Rel. Min. Luiz fux, DJ de 13.11.2006. 5. Ordem de habeas corpus concedida. (STJ – HC 200701666408
– (87140) – RJ – 1ª T. – Relª. Min.Denise Arruda – DJU 05.11.2007 – p. 00224)
91
Nomeando o próprio executado seimpróprio falar na remuneração do
administrador, conforme enuncia o Art. 149 do CPC
140
, que deve ser adiantada pelo
exeqüente Art. 20, §2º do CPC –, tendo como conseqüência de não fazer o que
dispõe o art. 267 do CPC. Indiferentemente da pessoa indicada para administrar a
penhora sobre percentual de faturamento de empresa, o certo é que essa pessoa
administrará apenas e tão somente o percentual objeto da penhora, como
corretamente assevera Elpídio Donizetti (2008):
De toda sua gestão, que não inclui a interveniência nas atividades
empresariais, a não ser para recolher o percentual previsto no
esquema aprovado judicialmente, o depositário-administrador
prestará contas mensalmente ao juízo (DONIZETTI, 2008, p. 628).
141
Ou seja, a atividade do administrador é restrita ao “manuseio” daquele
percentual de créditos decorrentes do faturamento da empresa. Neste sentido,
afirma Humberto Theodoro Júnior (2008):
O depositário exercerá uma intervenção parcial na gestão da
empresa, durante o cumprimento do esquema judicial de pagamento.
Tomará providencias para recolher as importâncias deduzidas do
caixa da empresa, ou descontadas da conta bancária de cobrança de
duplicatas. Poderá, até mesmo, encarregar-se da cobrança dos
títulos correspondentes ao percentual do faturamento penhorado. O
esquema de pagamento poderá explicitar, caso a caso, a forma
140
PROCESSUAL CIVIL EXECUÇÃO FISCAL NOMEAÇÃO DE ADMINISTRADORA JUDICIAL DA
PENHORA SOBRE O FATURAMENTO CABIMENTO HONORÁRIOS PERICIAIS CORRETAMENTE
FIXADOS I- É razoável a nomeação de pessoa estranha à empresa como administradora da penhora sobre o
faturamento, a fim de averiguar a alegada impossibilidade financeira da executada em adimplir o recolhimento
mensal. II- Honorários periciais fixados com moderação na r. Decisão agravada. III- Agravo de instrumento
improvido. (TRF R. AG 2004.03.00.034682-5 (210450) T. Relª Desª Fed. Alda Basto DJU
30.04.2008 – p. 492)
141
DONIZETTI, E. Curso didático de Direito Processual Civil. 10 ed. São Paulo: Lumenjuris, 2008.
92
adequada de apropriação das parcelas estabelecidas (THEODORO
JÚNIOR, 2008, p. 80).
142
Destarte, o depositário-administrador não recebe o estabelecimento
comercial em penhora e sim o percentual de faturamento. E não necessita, portanto,
prestar nenhuma forma de caução art. 1400 do CC
143
nem averbar, no registro
do empresário, que o estabelecimento comercial se encontra sob administração
judicial – art. 1144 do CC
144
.
O administrador tem responsabilidade pelo caráter público que
desempenha Art. 37, 6º, CF
145
e responde pelos danos que pode causar, sendo
que a ação prescreve em três anos – Art. 206, §3ª, V do CC
146
.
VI. VI. Elaboração, apresentação, aprovação ou rejeição do plano
Um dos requisitos jurisprudenciais para a penhora de faturamento é a
elaboração do plano de pagamento. O legislador, pela introdução do art. 655-A, §3º,
ratificou a exigência. Assim como ocorre no processo de recuperação judicial, o
administrador da penhora de percentual de faturamento poderá, quando da
142
THEODORO JÚNIOR. Op. cit.
143
Art. 1.400. O usufrutuário, antes de assumir o usufruto, inventariará, à sua custa, os bens que receber,
determinando o estado em que se acham, e dará caução, fidejussória ou real, se lha exigir o dono, de velar-lhes
pela conservação, e entregá-los findo o usufruto.
144
Art. 1.144. O contrato que tenha por objeto a alienação, o usufruto ou arrendamento do estabelecimento,
produzirá efeitos quanto a terceiros depois de averbado à margem da inscrição do empresário, ou da sociedade
empresária, no Registro Público de Empresas Mercantis, e de publicado na imprensa oficial.
145
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e
eficiência e, também, ao seguinte: § 6º - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado
prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a
terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.
146
Art. 206. Prescreve: §3º Em três anos: V - a pretensão de reparação civil;
93
avaliação do plano, constatar a inutilidade da penhora, a impossibilidade ou o estado
falimentar da empresa.
A penhora será inútil quando, por exemplo, o débito for
desproporcionalmente grande em face do faturamento da empresa. Uma penhora
que dure 100 (cem) anos, por óbvio, não satisfaz os interesses do exeqüente.
Pode haver também a impossibilidade da efetivação da penhora ou
mesmo a constatação de que a empresa passa por processo pré-falimentar, ocasião
em que o administrador deverá notificar o juízo do estado de insolvência da empresa
executada.
Caso verifique a possibilidade da implementação da penhora, o
administrador terá duas tarefas essenciais durante a elaboração do plano: a)
determinar o montante mensal do faturamento que pode ser penhorado sem
comprometer a atividade empresária; b) determinar como será sua atuação e a
forma pela qual se dará a constrição.
Alguns autores recomendam cautela ao juízo quando da fixação do
percentual:
Esse dispositivo não traz, de forma expressa, o percentual do
faturamento de empresa que é passível de penhora. Por
conseguinte, caberá ao juiz, diante do caso concreto, ponderar os
valores e interesses em causa e, de acordo com os princípios da
proporcionalidade, razoabilidade, efetividade e menor onerosidade
para o devedor, fixar esse percentual, capaz de permitir tanto a
sobrevivência (viabilidade econômica) da empresa, quanto a
94
satisfação do direito do exeqüente (REDONDO; LOJO, 2007, p.
70)
147
.
Como é visível, o Código não prefixou o percentual do faturamento
que é passível de penhora, e nem poderia fazê-lo, afinal, sabe-se
bem que o conjunto das operações financeiras de uma empresa
sempre está na dependência de uma série de fatores, a exemplo da
espécie de atividade econômica por ela exercida. Portanto, a
quantificação desse percentual deve ser realizada caso a caso pelo
juiz. Quando se cogita dessa modalidade de penhora, é pressuposto
que se apurem os resultados obtidos pela devedora em suas
negociações num dado período, o que normalmente pode ser
mensurado pela análise dos últimos balanços contábeis da
executada. Por isso, acreditamos que a exibição e a interpretação
desses documentos são indispensáveis para que se defira a
constrição. Finalmente, ao mencionar que a penhora recairá sobre
"percentual" do faturamento da empresa, nas entrelinhas do § é
possível notar a preocupação do legislador com a sobrevivência da
executada, ademais, certamente a Lei dos Ritos não deseja que o
percentual penhorado inviabilize a continuidade da atividade
empresarial da devedora. Por isso, é necessário que o juiz seja
prudente na dosimetria dessa fração (MACIEL, [s.d.], [s.p.]).
148
Ocorre embora seja o juízo que fixe o montante a ser penhorado incumbe
ao administrador indicar ao juízo o quantum máximo que pode ser penhorado e a
forma de constrição.
Mais cautela então deve ter o administrador quando da elaboração do
plano, devendo diligenciar junto a empresa para tomar conhecimento de suas
atividades, da forma pelo qual faz suas vendas ou presta serviços e a forma como
recebe estes créditos, para determinar em qual momento poderá intervir para
constringir a parcela do faturamento penhorado.
147
REDONDO; LOJO. Op. cit.
148
MACIEL, D. B. A penhora sobre o faturamento da empresa. Disponível em:
<http://istoedireito.blogspot.com/2008/05/penhora-sobre-o-faturamento-da-empresa.html>. Acesso em: 4 jan.
2009.
95
O percentual indicado e posteriormente fixado deve preservar o
pagamento de salários dos funcionários da empresa, sob pena de ofensa aos art.
449
149
da CLT e art. 7º, inciso X da CF
150
.
O administrador, por não efetivamente gerir bem de terceiros, mas tão
somente o percentual penhorado, não é responsável tributário nos termos do art.
134, III
151
do CTN. Mas, se o percentual do faturamento for indicado e fixado de
forma a obrigar a empresa a negligenciar suas obrigações tributárias, ele poderá ser
responsabilizado pelo inadimplemento da obrigação, nos termos do art. 135
152
do
CTN.
O capital de giro essencial à manutenção da empresa também deve ser
preservado quando da indicação e fixação do percentual, analisando as
características e necessidades do negócio, como, por exemplo, a sazonalidade do
mercado comprador ou a necessidade de formar estoques em determinadas épocas
do ano.
Diferentes atividades empresariais operam com diferentes margens de
lucro e contribuição e recebem seus créditos de forma também diferenciada. Não é
preciso dizer que qualquer tentativa de uniformizar o percentual poderá acarretar
danos irreparáveis ao executado.
149
Art. 449 - Os direitos oriundos da existência do contrato de trabalho subsistirão em caso de falência,
concordata ou dissolução da empresa
150
Art. São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição
social: X - proteção do salário na forma da lei, constituindo crime sua retenção dolosa;
151
Art. 134. Nos casos de impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal pelo
contribuinte, respondem solidariamente com este nos atos em que intervierem ou pelas omissões de que forem
responsáveis: III - os administradores de bens de terceiros, pelos tributos devidos por estes;
152
Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes
de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos: I - as pessoas
referidas no artigo anterior; II - os mandatários, prepostos e empregados; III - os diretores, gerentes ou
representantes de pessoas jurídicas de direito privado.
96
Ciente da dinâmica da empresa, o administrador deverá também
estabelecer de que maneira efetiva fará a constrição de forma a interferir o mínimo
possível nas atividades empresariais e garantir a constrição do percentual
penhorado. A forma de constrição deve ser adequada ao modelo de negócio da
empresa executada e buscar, por todos os meios lícitos, a efetividade da execução.
Na ausência de prazo processual estabelecido para a apresentação do
plano, é licito que o juízo conceda ao administrador o tempo que este último
entender como necessário para a realização dos trabalhos de forma prudente.
É licito também que executado e exeqüente manifestem-se sobre o plano
apresentado:
Uma vez apresentada pelo depositário sua proposta sobre a forma
de efetivação de constrição, deve o magistrado conceder prazo ao
exeqüente e ao executado para que se manifestem sobre o plano,
para a correta garantia do contraditório e da ampla defesa
(REDONDO; LOJO, 2007, p. 184).
153
Ao fim, o juízo poderá, por meio de despacho fundamentado, aceitar ou
rejeitar o plano, determinando que outro seja elaborado ou o modificando de acordo
com as ponderações das partes. Em caso de o administrador considerar o plano
adotado inexeqüível, caberá a ele renunciar ao encargo legal.
153
REDONDO; LOJO. Op. cit.
97
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Avaliando a evolução dos direitos fundamentais, verificou-se que é
fundamental para a completa difusão dos direitos de solidariedade que exista a
manutenção e aprimoramento de um meio ambiente econômico saudável.
A empresa, no sistema capitalista atual, é o centro desse meio ambiente.
É a empresa que gera a riqueza. É da empresa que o Estado recolhe os tributos que
o sustentam. Do labor nas atividades de empresa que se ocupam os Homens para
retirar o sustento. É no produto da empresa que o resultado desse trabalho é gasto,
na aquisição de bens e serviços, essenciais à sobrevivência ou simplesmente
capazes de tornar a vida mais agradável.
A teoria da empresa traduz para o direito, com grande grau de sucesso,
essa realidade econômica que é a empresa. A máxima “empresário se é, empresa
se governa, estabelecimento se tem” encontrou guarida no ordenamento jurídico
brasileiro e se fortaleceu por seus próprios méritos.
A importância da empresa para o ordenamento jurídico é tamanha que,
quando demandada em juízo em processo de execução aos princípios básicos
desse tipo de demanda, à utilidade, finalidade e suficiência se soma mais um
princípio: o da preservação da empresa.
O princípio da preservação da empresa tem como finalidade a
manutenção da atividade empresarial estabelecida com o objetivo de permitir à
empresa, mesmo quando em dificuldades financeiras, cumprir os desígnios
constitucionais e salvaguardar os direitos fundamentais do Homem.
98
A penhora sobre percentual do faturamento da empresa foi acolhida no
ordenamento jurídico pátrio, porém sem nunca relegar o princípio da preservação da
empresa.
Doutrina e jurisprudência fixaram requisitos para a implementação do
instituto, sendo que os requisitos mais genericamente apontados para efetivação da
medida são: a) a nomeação de depositário-administrador; b) a necessidade de
apresentação de um plano de pagamento; c) a excepcionalidade da medida
utilização restrita a apenas quando todas as outras medidas falharam; e d) que a
constrição permitisse o funcionamento e a sobrevivência da empresa.
As alterações trazidas pela Lei n.º 11.382/2006 no Código de Processo
Civil, nos artigos 655, VII e 655-A, §3º, positivaram tais entendimentos e,
considerados todos os outros princípios orientadores do processo de execução, não
amesquinharam o princípio da preservação da empresa, mas o fizeram mais seguro
e possibilitaram nova visão sobre esse instituto.
A teoria da empresa é a base a partir da qual se depreende a qualidade
do faturamento como um ato típico do empresário, que consiste no exercício do
objeto social da empresa, uma operação contratual caracterizada pela transmissão
definitiva da propriedade ou de operação remuneradora da atividade que envolve um
fazer ou prestar.
Como parcela do patrimônio da empresa executada, uma porcentagem do
montante creditício resultado dessas operações contratuais é que pode ser afetada
judicialmente pela penhora, com a finalidade específica de iniciar o processo de
expropriação em favor do credor.
99
Norteado pelo princípio da preservação da empresa e pela teoria da
empresa, acredita-se que a utilização do instituto da penhora sobre percentual do
faturamento de empresa seja ferramenta útil, de grande valia, para satisfazer as
necessidades do exeqüente e da empresa executada.
100
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