Download PDF
ads:
A
DRIANA MARIA MARTINI RODRIGUES
MIGRAÇÃO TEMPORÁRIA E SUAS IMPLICAÇÕES NA
EDUCAÇÃO:
O CASO DE SANTA MARGARIDA – BELA VISTA DO PARAÍSO (PR)
Londrina
2009
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
A
DRIANA MARIA MARTINI RODRIGUES
MIGRAÇÃO TEMPORÁRIA E SUAS IMPLICAÇÕES NA
EDUCAÇÃO:
O CASO DE SANTA MARGARIDA – BELA VISTA DO PARAÍSO (PR)
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação, em Geografia, Meio
Ambiente e Desenvolvimento da Universidade
Estadual de Londrina, como requisito parcial à
obtenção do título de Mestre em Geografia,
Meio Ambiente e Desenvolvimento.
Orientador: Prafa. Alice Yatiyo Asaki
Londrina
2009
ads:
ADRIANA MARIA MARTINI RODRIGUES
MIGRAÇÃO TEMPORÁRIA E SUAS IMPLICAÇÕES NA
EDUCAÇÃO:
O CASO DE SANTA MARGARIDA – BELA VISTA DO PARAÍSO (PR)
BANCA EXAMINADORA
______________________________________
Profa. Dra. Alice Yatiyo Asari
(Orientadora – UEL)
______________________________________
Profa. Dra. Lirian Melchior
(Membro – UNESP)
______________________________________
Profa. Dra. Ruth Youko Tsukamoto
(Membro – UEL)
Londrina, 17 de abril de 2009.
A Deus,
Por me tornar uma pessoa capaz;
Ao Flavinho
Pelo amor, cumplicidade e incentivo em todos os momentos;
Aos meus pais Eduardo e Dirce,
Que sempre se empenharam para que eu e meus irmãos estudássemos;
Aos meus irmãos Sandro e Evandro,
Pela amizade, ajuda e companheirismo que nos acompanha desde a infância;
A Marianinha,
Minha inspiração, força e alegria.
AGRADECIMENTOS
A realização deste trabalho foi possível graças a contribuição e auxílio de várias
pessoas. Não há como hierarquizar tal contribuição. Há somente uma gratidão pois o
trabalho só existe devido a estas pessoas. Meus agradecimentos especialmente;
À diretora Lúcia Antonia da Conceição Luís Sanfelice do Colégio Estadual
Presidente Vargas que nos colocou à disposição os dados estatísticos da escola e a
permissão para que os alunos e professores fossem entrevistados;
À supervisora Kelly Aparecida Almeida Azevedo pelos esclarecimentos e pela
disposição em colaborar;
Aos professores Sandro, Ivone, Darcley e Robson pelas entrevistas concedidas;
Aos alunos do Colégio Presidente Vargas pelas entrevistas e conversas;
Aos trabalhadores de Santa Margarida que responderam aos questionamentos que
subsidiaram o trabalho.
Aos “gatos” que aceitaram dar depoimentos sobre as migrações;
Ao Edvandir que colaborou com o trabalho fornecendo esclarecimentos sobre a
posição da Pastoral do Migrante;
A Kleyton Kamogawa que gentilmente colaborou com a confecção dos mapas;
À Enelice, minha amiga e diretora com quem pude sempre contar ;
E principalmente a Professora Alice Yatiyo Asari minha eterna gratidão, pela sua
orientação clara e precisa e pela paciência. Iniciamos com a orientação e
encerramos com a amizade. Obrigada.
RODRIGUES, Adriana Maria Martini. Migração temporária e suas implicações na
educação: O caso de Santa Margarida – Bela Vista do Paraíso (PR). 2009. 204f.
Dissertação (Mestrado em Geografia, Meio Ambiente e Desenvolvimento) –
Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 2009.
RESUMO
O presente estudo objetivou apresentar uma análise sobre as implicações das
migrações temporárias dos “bóias-frias” de Santa Margarida sobre a educação dos
alunos do Colégio Presidente Vargas. Discutiu-se o difícil acesso do homem , sem
recursos financeiros, a terra; as relações sociais de trabalho que foram se
desenvolvendo ao longo da história; as políticas públicas do Brasil para o campo; o
surgimento deste trabalhador rural assalariado, o “bóia-fria”; o processo migratório
brasileiro e a educação brasileira neste contexto. Em Santa Margarida, a migração
temporária para os estados de Minas Gerais e São Paulo apresenta-se de forma
cíclica e ocorre desde a década de 1970. Estas migrações acontecem, normalmente
de maio a setembro. No decorrer do trabalho, verificou-se as principais causas de
reprovações e abandonos dos alunos á escola que ocorrem no referido colégio após
as migrações sazonais e as soluções para este problema que estão sendo tomadas.
Palavras chave: “Bóias-frias”. Questão agrária. Migração temporária. Educação.
RODRIGUES, Adriana Maria Martini. Migração temporária e suas implicações na
educação: O caso de Santa Margarida – Bela Vista do Paraíso (PR). 2009. 204f.
Dissertação (Mestrado em Geografia, Meio Ambiente e Desenvolvimento) –
Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 2009.
ABSTRACT
This project aims at presenting an analyses on the implications of temporary
migrations of “bóias-frias” from Santa Margarida on the education of the Presidente
Vargas High School students. The following points have been discussed in this
project: the difficult access of the men, with no financial resource, the land; the social
relationship between work which has been developed throughout history; the
Brazilian rural public politics; how this type of rural worker was first hired, the ‘bóia-
fria” him/herself , the Brazilian migratory process and the Brazilian education within
this context. Temporary migration from Santa Margarida to Minas Gerais and São
Paulo are cyclic and it has happened since 1970. These migrations normally happen
from may to September. Reasons of failure and school abandonment from the school
previously mentioned after the migration period and the kind of solution thought of to
control them, have been checked.
Keywords: “Bóias-frias”. Agrarian question. Temporary migration. Education. Bóias-
frias: brazilian term which refers to temporary rural workers.
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 Produção de Lavouras Permanentes e Temporárias em Bela
Vista do Paraíso no ano de 2007.....................................................21
Tabela 2 Distribuição demográfica do Paraná: 1970/2000...........................100
Tabela 3 Evolução do número de máquinas e equipamentos agrícolas
do Paraná ......................................................................................101
Tabela 4
Situação de plantio e produção do café em grãos, por estado......146
Tabela 5 Média de rendimento dos margaridenses......................................152
Tabela 6 Situação do Ensino Fundamental 2007 ......................................167
Tabela 7 Situação do Ensino Médio – (Noturno) 2007 .................................168
Tabela 8 Resultados finais do Ensino Fundamental no período de 2004
a 2007............................................................................................175
Tabela 9 Resultados finais do Ensino Médio de 2005 a 2007......................176
Tabela 10 Resultado do IDEB 2005 e Projeções para o Brasil......................178
Tabela 11 Resultado do IDEB 2005 e Projeções para a Rede Estadual –
Paraná ...........................................................................................178
Tabela 12 Resultado do IDEB 2005 e as Projeções para a Rede
Municipal de Ensino – Bela Vista do Paraíso ................................179
Tabela 13 Resultado do IDEB 2005 e as Projeções para o Colégio
Estadual Presidente Vargas ..........................................................179
Tabela 14 Quadro de Alunos com Defasagem Idade e Série Escolar do
Ensino Fundamental do Período Matutino.....................................181
Tabela 15 Quadro de Alunos com Defasagem Idade e Série Escolar do
Ensino Fundamental do Período Noturno......................................181
Tabela 16 Quadro de Alunos com Defasagem Idade e Série Escolar do
Ensino Médio.................................................................................181
LISTA DE FOTOS
Foto 1 – Entrevistados para a pesquisa .............................................................130
Foto 2 – Entrevistados para a pesquisa .............................................................132
Foto 3 – Entrevistados para a pesquisa .............................................................135
Foto 4 – Entrevistados para a pesquisa .............................................................136
Foto 5 – Entrevistados para a pesquisa .............................................................138
Foto 6 – Entrevistados para a pesquisa .............................................................139
Foto 7 – Entrevistados para a pesquisa .............................................................149
Foto 8 – Entrevistados para a pesquisa .............................................................152
Foto 9 – Encontro da Pastoral com os migrantes em Santa Margarida..............165
Foto 10 – Visita da Pastoral aos locais de migrações ........................................166
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1 – Bens adquiridos através das migrações temporárias ......................137
Gráfico 2 –Tempo de Trabalho nas migrações temporárias ..............................141
Gráfico 3 – Estados para onde migram os trabalhadores de Santa Margarida..142
Gráfico 4 – Idade dos entrevistados...................................................................147
Gráfico 5 – Trabalhos realizados no retorno da migração..................................151
Gráfico 6 – Escolaridade dos trabalhadores entrevistados ................................153
Gráfico 7 – A escola é importante ? ...................................................................154
Gráfico 8 – Índices de reprovações dos filhos dos migrantes ............................154
Gráfico 9 – Mudaria para onde realiza as migrações ?......................................156
Gráfico 10 – Motivos pelos quais deixariam de migrar.......................................157
Gráfico 11 – Idade dos alunos entrevistados .....................................................159
Gráfico 12 – Deixaria de migrar ?.......................................................................160
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO......................................................................................................12
1 O HOMEM E SUA BUSCA PELA TERRA ........................................................18
1.1
CARACTERIZAÇÃO DE BELA VISTA DO PARAÍSO ....................................................18
1.2
A BUSCA CONSTANTE DO HOMEM PELA TERRA, SUAS RELAÇÕES SOCIAIS E DE
TRABALHO
....................................................................................................21
1.3
UM PANORAMA BRASILEIRO DA URBANIZAÇÃO E DA MIGRAÇÃO ...............................30
1.4
A QUESTÃO AGRÁRIA BRASILEIRA........................................................................36
1.4.1 O Capitalismo e o acesso a terra no Brasil ..................................................43
1.5
O MIGRANTE E SUA TRAJETÓRIA ..........................................................................53
1.5.1 As migrações internas brasileiras.................................................................56
1.5.2 As migrações temporárias............................................................................68
1.5.3 O retorno do migrante ..................................................................................71
1.6
AS POLÍTICAS PÚBLICAS PARA O CAMPO NO BRASIL...............................................73
2 O TRABALHADOR RURAL “BÓIA-FRIA” NO QUADRO DA QUESTÃO
AGRÁRIA BRASILEIRA, PARANAENSE E A EDUCAÇÃO NESTE
CONTEXTO................................................................................................78
2.1
DO DESEMPREGO AO SUBEMPREGO: O SURGIMENTO DO BÓIA-FRIA ......................79
2.2
O BÓIA-FRIA NO PARANÁ.....................................................................................94
2.3
AS MIGRAÇÕES E A EDUCAÇÃO..........................................................................103
2.4
A EDUCAÇÃO BRASILEIRA..................................................................................106
2.4.1 A escola como formadora de cidadãos ......................................................118
3 O “BÓIA-FRIA” DE SANTA MARGARIDA E A EDUCAÇÃO ........................122
3.1.P
ROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS...................................................................122
3.1.1 Pesquisa de campo....................................................................................124
3.2 Depoimentos dos “gatos” que acompanham os “bóias-frias” de Santa
Margarida .................................................................................................126
3.3 Depoimentos dos trabalhadores “bóias-frias” sobre: trabalho,
alojamento e educação............................................................................134
3.4 Depoimentos dos estudantes margaridenses sobre suas migrações ...........158
3.5 A Pastoral do Migrante e o migrante margaridense ......................................162
4 CARACTERIZAÇÃO DO COLÉGIO ESTADUAL PRESIDENTE
VARGAS..................................................................................................167
4.1
ESPAÇO FÍSICO, INSTALAÇÕES E EQUIPAMENTOS ................................................168
4.2
DEPOIMENTOS DE PROFESSORES DO COLÉGIO ESTADUAL PRESIDENTE
GETÚLIO VARGAS .......................................................................................169
4.3
QUADRO ESTATÍSTICO E O RESULTADO FINAL DO PERÍODO DE 2004 A 2007 ........175
4.4
IDEB E AS PROJEÇÕES PARA O COLÉGIO ESTADUAL PRESIDENTE VARGAS ..........177
4.5
DESAFIOS E DIFICULDADES DO COLÉGIO ESTADUAL PRESIDENTE VARGAS............182
4.6
PROPOSTAS E AÇÕES.......................................................................................185
CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................192
REFERÊNCIAS...................................................................................................196
12
INTRODUÇÃO
Este trabalho foi realizado no Colégio Estadual Presidente Vargas, distrito
de Santa Margarida, município de Bela Vista do Paraíso, no Norte do Paraná, e, teve como
objetivo geral analisar a influência das migrações temporárias sobre as reprovações e
abandonos dos alunos à escola no retorno desta migração.
Foram entrevistados “bóias-frias”, alunos, professores, supervisora, “gatos”
e coordenador da Pastoral do Migrante para que se compreendesse melhor o fenômeno.
Estes trabalhadores “bóias-frias”, fazem parte da história agrária do Brasil.
Tal história foi marcada por algumas características. Uma destas características é a sua
estrutura fundiária concentrada, herdada da colonização dos portugueses, no início do
século XVI e reforçada pela Lei de Terras de 1850. Além disso na década de 1930, o país
passou por uma transição, onde o setor industrial foi se consolidando como centro de
atividades econômicas, espaço até então ocupado pelo setor agrário exportador.
(BROIETTI, 2003, p. 10).
Ainda segundo o autor, a segunda metade do século XX, no que diz
respeito à questão agrária, vem sendo marcada pela definição das relações capitalistas na
agricultura. A industrialização, a modernização da agricultura, conjuntamente com o
contínuo processo de concentração fundiária liberou (expulsou) um grande contingente de
trabalhadores do campo para a cidade.
Este êxodo rural fez com que este trabalhador com mão-de-obra
especializada para o campo, agora instalado na cidade, fosse obrigado a tornar-se um
assalariado rural temporário, denominado “bóia-fria”.
Em Bela Vista do Paraíso, até a década de 1970, tinha-se como base de
sustentação econômica o café. Quando este foi erradicado e as “colônias” desapareceram,
estas famílias foram para a cidade e na grande maioria tornaram-se “bóias-frias”. Como não
havia trabalho para todos os “bóias-frias”, iniciou-se ainda no final da década de 1970 a
migração temporária (1979) para os estados de Minas Gerais e São Paulo para colherem,
principalmente, café. Segundo Greco (2007, p.14),
Podemos considerar que os “bóias-frias” surgiram como grupo
ocupacional de trabalhadores destinados a vender a sua força de
trabalho a fim de suprirem a necessidade de mão-de-obra em certas
etapas do processo produtivo ainda não mecanizadas. Apresentavam
como características básicas a falta de vínculos empregatícios,
recebendo por atividade, por diária ou por produção.
13
O “bóia-fria”, neste contexto, é um trabalhador desprovido dos meios de
produção e apresenta especificidades tanto na sua forma de arregimentação, como na
sazonalidade de sua força de trabalho.
O objetivo geral deste trabalho será contemplado na medida em que os
seguintes objetivos específicos forem atingidos:
a) Verificar as conseqüências das migrações temporárias sobre a vida escolar
dos alunos do Colégio Estadual Presidente Vargas;
b) Compreender os motivos que levam os “bóias-frias” a realizarem as
migrações temporárias desde a década de 1970;
c) Verificar as condições de alojamento, remuneração, respeito às leis
trabalhistas a partir da avaliação dos próprios migrantes;
d) Apontar as possibilidades de a escola superar os problemas relacionados à
migração através de projetos diferenciados;
No decorrer da dissertação foram utilizadas apenas teorias que
contemplavam a problemática da pesquisa, e assim valorizar a realidade encontrada
durante a investigação. A seguir será detalhado o procedimento utilizado para a realização
deste trabalho.
Primeiramente foi feito um levantamento bibliográfico acerca da temática
abordada, ou seja, as migrações temporárias e as implicações desta sobre a educação,
tendo como foco o Colégio Estadual Presidente Vargas de Santa Margarida. Foram
utilizados: livros, teses, dissertações, artigos científicos e de divulgação, que subsidiaram a
análise de documentação primária e secundária e na coleta de dados.
O método de pesquisa privilegiado foi a abordagem qualitativa, que parte
do fundamento de que há uma relação dinâmica entre o mundo real e o sujeito. Assim para
Gil (2000, p.73),
O estudo de caso utilizado para a coleta de dados (qualitativos e
quantitativos), caracteriza-se por uma análise profunda e exaustiva de
um ou de poucos objetos, onde se pressupõe, a fortiori , que a
investigação do(s) objeto(s) mesmo(s) ou o estabelecimento de bases
para uma investigação posterior, mais sistemática e precisa. O
pesquisador deve estar permanentemente aberto para formular suas
hipóteses e/ou alterar seu procedimento de coleta de dados. De forma
alguma deve-se partir de noções preconcebidas ou mostrar disposição
de seguir rigidamente as diretrizes definidas no planejamento inicial.
14
Desta forma, as entrevistas realizadas enfatizaram os seguintes pontos:
a) Trabalhadores, alunos e gatos;
dados pessoais relativos a sua família (nome, endereço, idade,
sexo, escolaridade, trabalho, renda);
dados sobre as migrações, habitação e trabalhos nas entressafras;
informações sobre as aspirações para o futuro;
b) Professores e supervisora;
questões relacionadas aos projetos de superação dos problemas
relacionados à migração (reprovações e abandonos);
questões relacionadas aos diversos problemas quanto ao
conteúdo, faltas, disciplina e auto-estima;
c) Coordenador da Pastoral do Migrante;
ajuda da Pastoral aos migrantes margaridenses;
informações sobre as instalações, remuneração e condições
trabalhistas dos “bóias-frias” quanto à migração.
Um dos inconvenientes nesse processo de discussão sobre a problemática
dos “bóias-frias” é o de não se ter o número exato de trabalhadores no distrito de Santa
Margarida. Estimou-se em 1200 o total de trabalhadores rurais que migraram e destes 41
foram entrevistados. Os fatos também foram analisados através da observação e
interpretação crítica do espaço estudado e das conversas informais com os entrevistados.
Não se pretende neste trabalho esgotar a discussão sobre as migrações e
suas implicações na educação escolar, mas contribuir para que esta discussão se estenda a
uma possível solução. Ela se justifica pela gravidade dos fatos que ocorrem nesta escola e
que podem ser extrapolados para outros locais que vivem situações assemelhadas.
A pesquisa está estruturada em quatro capítulos que analisam desde o
surgimento do “bóia-fria” até as migrações temporárias que estes trabalhadores realizam.
No primeiro capítulo faz-se um levantamento histórico da questão agrária
brasileira, discorrendo sobre o acesso a terra e as migrações brasileiras
O acesso à terra no Brasil sempre foi difícil para a população sem recursos
financeiros. Enquanto era dependente de Portugal, o rei doava imensos lotes de terras aos
donatários. Isto ocorreu de 1530 a 1822 (sistema sesmeiro). A Lei de Terras de 1850
beneficiava os grandes proprietários, não existia acesso a terra se não por meio da compra.
As pessoas que não conseguiam comprar as terras iniciaram as migrações internas saindo
15
do Nordeste para o Sul e Norte, do Sudeste ao Norte e Centro-Oeste. Desta forma, as terras
brasileiras vão se concentrando entre os grandes proprietários.
As relações entre trabalhadores e empregados também vão se alterando.
O homem pobre foi escravo, parceiro, empregado e ficou desempregado. Estando
desempregado no campo muda-se para a cidade onde não conseguiu emprego porque
possuía uma mão-de-obra especializada para o campo.
Até 1970 este homem realiza uma migração campo-cidade, o que será
alterado a partir desta década. Este migrante, o da cidade para a cidade é diferenciado, pois
está mais preparado para o trabalho na cidade. Tal movimento migratório nacional será
freqüente até a década de 1990, período em que sofrerá uma queda. Atualmente as
migrações vêm ganhando maior complexidade no interior das regiões brasileiras, em função
da multiplicação das cidades e dos papéis de atração e expulsão destas.
As pessoas migram por motivos diversos, e, normalmente as cidades mais
industrializadas são mais atraentes. Em meio a estas migrações tem-se o migrante
temporário, que é o foco deste trabalho. Este migrante viaja em busca de trabalho e quando
este trabalho acaba ele retorna ao seu local de origem.
No segundo capítulo discutiu-se o “bóia-fria” no Brasil e no Paraná.
Mostrou-se o surgimento deste trabalhador, as diversas denominações que recebe, a forma
de transporte ao local de trabalho e até a maneira como são remunerados.
O “bóia-fria” é resultado de um processo de separação do trabalhador rural
dos meios de produção, especialmente da terra. Torna-se um assalariado que não possui
qualificação para o trabalho na cidade e tem que retornar ao campo para garantir o sustento
de sua família.
Este trabalhador no interior das relações sociais de produção de caráter
temporário, se distingue das formas de assalariamentos ocasionais, nos quais os
trabalhadores ainda mantém vínculos com o empregador. Antes do seu surgimento tinha-se
contratos como: empreita, colonato, parceria ou arrendamento. Estes contratos eram
menos vantajosos para os proprietários. Os “bóias-frias” são mais vantajosos porque
recebem pela produção ou pelo dia do trabalho.
Juntamente com o “bóia-fria”, tem-se o surgimento do “gato”, no final dos
anos de 1960. Este é um intermediário entre o trabalhador e o empregador. Tem como
remuneração uma percentagem sobre o trabalho desempenhado pelos “bóias-frias”.
A aceleração do uso da mão-de-obra do “bóia-fria” estaria principalmente
relacionada aos seguintes fatores: erradicação do café; mecanização da agricultura que
através das técnicas exige menos mão-de-obra; extensão da legislação trabalhista ao
campo (ETR); substituição de lavouras perenes por lavouras anuais ou temporárias.
16
Note-se que o Paraná, em 1950, havia se tornado a região de cultivo de
café mais importante do Brasil e ao mesmo tempo a região produtora mais importante do
mundo. Havia cerca de 130 milhões de pés de café na região Norte do Paraná. Contudo, a
década de 1970 foi marcada pela marcha da soja que viria a dominar as terras roxas. A
população rural migrou para a cidade e o trabalho temporário se expande no Paraná. Este
trabalhador irá migrar temporariamente quando não consegue emprego onde reside. Estas
migrações temporárias, no caso de Santa Margarida irão influenciar nos abandonos e nas
reprovações de muitos alunos.
No terceiro capítulo foi apresentada a análise da pesquisa empírica,
demonstrando o suporte teórico adotado com os obtidos ao longo de todo o processo.
A migração temporária do distrito de Santa Margarida foi analisada
segundo o contexto brasileiro de migrações internas. Analisou-se os depoimentos feitos
pelos entrevistados. Através destes, nota-se que os trabalhadores são conscientes de que
não conseguem um emprego fixo porque sua escolaridade não permite. Para que a
aprendizagem aconteça o educando deve perceber a necessidade de se estudar. Para
FREIRE (1992, p.47);
[...] o educando precisa se assumir como tal, mas, assumir-se como
educando significa reconhecer-se como sujeito que é capaz de conhecer
e que quer conhecer em relação com outro sujeito igualmente capaz de
conhecer, o educador e, entre os dois, possibilitando a tarefa de ambos,
o objeto de conhecimento. Ensinar e aprender são assim momentos de
um processo maior – o de conhecer, que implica re-conhecer. No fundo,
o que quero dizer é que o educando se torna realmente educando
quando e na medida em que conhece, ou vai conhecendo os conteúdos,
os objetos cognicíveis, e não na medida em que o educador vai
depositando nele a descrição dos objetos, ou dos conteúdos. O
educando se reconhece conhecendo os objetos, descobrindo que é
capaz de conhecer, assistindo à imersão do significado crítico. Mais do
que ser educando por causa de uma razão qualquer, o educando precisa
tornar-se educando assumindo-se como sujeito cognoscente e não como
incidência do discurso do educador.
Desta maneira, o educando deve sentir a necessidade de aprender e o
educador deve estar pronto para ensinar. Estar pronto no caso do educador implica em, no
caso de Santa Margarida, conhecer a realidade dos alunos deste colégio e trabalhar com
conteúdos que interessem e sejam importantes para os educandos.
No quarto capítulo, retratou-se a situação do Colégio Estadual Presidente
Vargas quanto ao número de turmas, desistências e reprovações. Foram demonstrados
problemas da escola no que se refere á falta de espaço físico, instalações e equipamentos.
17
Foi apresentado o resultado do desempenho do colégio em avaliações
como a do IDEB (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) que proporcionou que o
colégio fosse incluído no Projeto Superação do governo do estado.
Os depoimentos dos professores serviram para que se compreendesse
como os alunos retornam em relação ao conteúdo, como resolvem os problemas das faltas
e o desinteresse dos mesmos no tocante as aulas.
Por fim, as considerações finais são apresentadas, fazendo-se um balanço
das questões migratórias e educacionais, as quais possuem íntimas ligações com os fatos
econômicos, políticos e sociais.
18
1 O HOMEM E SUA BUSCA PELA TERRA
No primeiro capítulo optou-se por realizar um relato histórico do acesso do
homem à terra, suas relações sociais de trabalho e como este processo se sucedeu no
Brasil. Contudo, para uma melhor compreensão sobre a história de Santa Margarida e do
contexto a ser estudado, faz-se necessária uma caracterização do município de Bela Vista
do Paraíso, onde se localiza o distrito de Santa Margarida.
1.1 C
ARACTERIZAÇÃO DE BELA VISTA DO PARSO
O Distrito de Santa Margarida, pertence ao Município de Bela Vista do
Paraíso (ver mapa 1). O município se localiza na região que se convencionou chamar de
Norte Novo do Paraná. Encontra-se nas coordenadas de 22º57’ Latitude (S) e 51º12’
Longitude (W). Limita-se ao norte com Alvorada do Sul, à nordeste com Primeiro de Maio, à
leste e a sudeste com Sertanópolis, ao sul e ao sudeste com Cambé, a oeste com Prado
Ferreira e a noroeste com Florestópolis. Possui uma área de 246,0203 Km
2
, e a sua
população é de 15.029 habitantes, dos quais apenas 7,79% se encontram atualmente no
campo.(LIMA, 2004, p.42).
19
LOCALIZAÇÃO DO MUNICÍPIO DE BELA VISTA DO PARAÍSO
Mapa 1 – Localização de Bela Vista do Paraíso – Paraná
Fonte: SEMA - PR – 2000
Bela Vista do Paraíso passou de patrimônio para Município, sem ter sido
distrito em menos de uma década (1938 a 1947). Anteriormente a esta data, pertencia ao
Município de Sertanópolis. Tanto Bela Vista do Paraíso, quanto o seu atual Distrito de Santa
Margarida tiveram sua ocupação iniciada em 1938, mas foi Bela Vista do Paraíso que em
1947 tornou-se município.
Segundo Lima (2004, p.30) o patrimônio de Santa Margarida era assim
descrito:
Esta vila consta de 2 avenidas com 5 travessas perpendiculares aquelas.
Tem também um comércio movimentado, possuindo vários
estabelecimentos de importância apreciável. Possui também uma
máquina de benefício de café e arroz, uma serraria, várias olarias, uma
farmácia, dois médicos, uma bem organizada oficina de montagem de
carroça. É dotada de iluminação elétrica própria sendo neste particular
bem servida.
20
O patrimônio era o local daqueles que viviam de atividades propriamente
urbanas como o comércio, porém o patrimônio de Santa Margarida era considerado como
possuidor de uma população rural.
Em março de 1939 (data que consta do projeto), o senhor Antônio Luppi
loteou o patrimônio de Santa Margarida. O Município de Bela Vista do Paraíso foi loteado
inicialmente pela Senhora Maria Palmieri Galdioli que também fez doações de terrenos. Em
1950, o município tinha uma população de 23.857 habitantes., sendo que 84% destes, ou
seja, 20.033 viviam na zona rural. Já o Censo Demográfico de 2000 demonstrou que a
maioria absoluta da população belavistense reside na cidade, isto é, cerca de 13.858 dos
15.029 habitantes.
Há uma proximidade espacial muito grande entre Bela Vista do Paraíso e
Santa Margarida. Até a década de 1970 o café foi à base de sustentação do município. Em
1985 existiam no município cerca de 3.550 bóias-frias, distribuídos em 710 famílias e que
correspondiam a 31,4% da população urbana do município. Segundo Lima (2004, p.57):
No mesmo ano, uma outra pesquisa, feita pelos próprios bóias-frias e
confirmada pelo Sindicato dos Trabalhadores Rurais constatou a
existência de aproximadamente 600 famílias desempregadas, devido á
estiagem prolongada. É no distrito de Santa Margarida onde se encontra
o maior número de bóias-frias do Município, sendo considerada a “capital
do bóia-fria”.
Como o Município dependia do café, quando este foi erradicado e as
“colônias” desapareceram, estas famílias foram para a cidade e tornaram-se, na grande
maioria, bóias-frias. Segundo Lima (2004, p.66), o desemprego é um dos principais
problemas enfrentados por estas famílias, em sua maioria de bóias-frias. Atualmente, Bela
Vista do Paraíso apresenta o seguinte perfil produtivo (Tabela 1):
21
Tabela 1 – Produção de Lavouras Permanentes e Temporárias em Bela Vista do Paraíso no
ano de 2007.
PRODUTO QUANTIDADE PRODUZIDA
(toneladas)
VALOR DE PRODUÇÃO
(mil reais)
ÁREAS PLANTADAS
(hectares)
RENDIMENTO MÉDIO
(quilogramas por hectare)
ABACATE 38 17 3 12.666
CAFÉ 466 1538 311 1498
LARANJA 2880 634 120 24.000
MANGA 39 32 3 13.000
UVA 112 146 7 16.000
FEIJÃO 45 38 60 750
MILHO 47.918 13.177 12.080 3.966
SOJA 41.280 18.576 16.000 2.580
TOMATE 120 120 2 60.000
TRIGO 11.309 5428 4.300 2.630
AMENDOIM
15 15 10 1.500
CANA-DE-
AÇÚCAR
240 8 4 60.000
Fonte: Produção Agrícola Municipal 2007; Malha Municipal Digital do Brasil: situação em 2007. Rio de Janeiro: IBGE, 2008.
Percebe-se que dos 32.900 hectares cultivados com lavouras permanentes
em Bela Vista do Paraíso, 98% desta área está ocupada com: milho, soja e trigo. Estes
cultivos não necessitam da mão-de-obra dos bóias-frias. Os outros 2% se dividem pelos
outros produtos. O café, que exige mais mão-de-obra é responsável por 0,94% das áreas
plantadas, não atingindo 1% desta área. Como a maioria dos trabalhadores de Santa
Margarida depende deste trabalho rural para sobreviver e terem renda, são obrigados a
migrar.
Esta migração temporária de Santa Margarida faz parte de um contexto
histórico que será analisado a seguir.
1.2
A BUSCA CONSTANTE DO HOMEM PELA TERRA, SUAS RELAÇÕES SOCIAIS E DE TRABALHO
O homem sendo um ser capaz de pensar e organizar-se, diferenciou-se
dos outros animais. Durante algum tempo sobreviveu em árvores para fugir das feras. Ter
descido das árvores ainda durante um estágio primitivo, foi uma conquista muito grande
para esse homem.
Percebeu que viver em grupos seria mais seguro e assim também o fez
para produzir a terra. Tudo o que era produzido era dividido por todos de maneira igualitária.
22
Esse período durou cerca de um milhão de anos e, ficou conhecido como Pré-História,
tempo de mudanças tanto nas relações do homem quanto na utilização de técnicas de
trabalho. No final deste período alguns grupos começaram a ter excedentes, uns grupos
começaram a ter mais poderes que os outros, surgindo assim o Estado, já na Antigüidade
(3000 a.C.), cuja função era garantir os interesses da classe dominante. Este período então
foi marcado pelo aparecimento da escrita, da propriedade privada e do Estado como já foi
dito. Com a propriedade privada nasce a divisão de classes entre os homens e com ela, o
domínio dos mais fortes sobre os mais fracos. As relações de trabalho antes tribais,
passaram agora a ser escravistas, perdurando, assim, por vários séculos. (MARTINS;
VANALLI, 1994, p.15).
As relações entre senhores e escravos começaram a se deteriorar porque
os escravos não se interessavam em aumentar a produção, uma vez que não eram
remunerados pelos serviços que desempenhavam, e os senhores não se empenhavam no
aperfeiçoamento das técnicas, já que a mão-de-obra escrava era abundante. Os escravos,
com o passar do tempo, passaram a se revoltar contra seus senhores, dando origem à
sociedade feudal que caracterizou a Idade Média. Nesta, as relações de trabalho não eram
escravistas e sim servis. O senhor feudal tinha domínio absoluto da terra, mas quem
trabalhava nelas eram os servos. A maior parte da produção pertencia aos senhores
feudais, mas os servos tiravam dali seu sustento e de sua família. Construíam suas casas
também nos feudos, desta forma ficavam protegidos. Porém, isto tinha um preço para os
servos, um pagamento para com os senhores feudais. Tinham que trabalhar de 3 a 5 dias
para o senhor e o restante para si. A terra tinha o valor da produção, da sobrevivência do
ser humano. Quem tinha mais terra, detinha maior poder. O rei, valia-se disto para distribuir
esta para aqueles que julgava fiel ou que prestassem serviços, juntando-se ao seu exército
nas guerras.”A terra, portanto, ainda não valia como mercadoria, não era comercializada,
mas adquirida através de doações. E os beneficiados por tais doações eram os senhores
feudais que, ao lado da Igreja, também era grande proprietária de terras, detinham o poder.”
(MARTINS; VANALLI, 1994, p.18).
Como a terra era símbolo de poder e riqueza, as atividades econômicas se
concentravam no campo (agricultura, a criação de animais e o artesanato). As cidades por
sua vez, que tiveram tanta importância no Império Romano, apresentavam-se adormecidas
na Idade Média. Graças às novas técnicas agrícolas o campo começou a produzir
excedentes que começaram a ser comercializados, o artesanato também ficou mais
sofisticado exigindo mais criatividade dos artesãos e, estes serviços foram gradativamente
se transferindo para a cidade, onde graças aos muros, poderiam ser comercializados com
segurança.
23
De acordo com Guareschi e Grisci (1993, p.34), havia uma cooperação
simples, foi a primeira relação de trabalho com o pré-capitalismo. Os então artesãos da
Idade Média são reunidos sob um mesmo teto para trabalhar para um burguês que
controlava os burgos ao trazer especiarias do Oriente para a Europa Ocidental. O comércio
é reativado e as moedas que antes estavam recolhidas aos castelos, em poder dos nobres,
passaram a circular novamente. Esta primeira fase denominada “capitalismo comercial”,
aconteceu por volta do século XV, conhecida como pré-capitalismo. Com o passar do tempo
as relações assalariadas foram substituindo as relações servis de trabalho. Para Lefebvre
(1991, p.4),
A partir do sobreproduto crescente da agricultura, em detrimento dos
feudos, as cidades começam a acumular riquezas: objetos, tesouros,
capitais virtuais. Já existe nesses centros urbanos uma grande riqueza
monetária, obtida pela usura e pelo comércio. Nesses centros, prospera
o artesanato, produção bem distinta da agricultura. As cidades apóiam as
comunidades camponesas e a libertação dos camponeses, não sem se
aproveitarem disso em seu próprio benefício. Em suma, são centros de
vida social e política onde se acumulam não apenas as riquezas como
também os conhecimentos, as técnicas e as obras (obras de arte,
monumentos).
No século XVI, o comércio já assumia grande importância na Europa, as
cidades ganharam vida, pois o desejo de ser livre incentiva os servos a buscarem estas
cidades para comercializarem seus produtos nestes locais. Com o passar do tempo as
cidades tornaram-se saturadas, surgindo novas cidades.
Estas cidades cresceram de maneira desordenada, desorganizada e
enfrentaram problemas tão sérios quanto os enfrentados pelas cidades contemporâneas. O
termo burguês
1
, neste período, significava comerciante. Hoje este termo é utilizado para
denominar grupos de proprietários de terras, de industriais, de banqueiros, de empresários e
também de comerciantes bem sucedidos. Os senhores feudais passavam por uma crise
financeira e vendiam suas terras como alternativa de solucionar tal crise. Os burgueses
1
O termo Burgo remonta à Idade Média, em que era o nome dado a cidades que eram protegidas por fortalezas.
Dessa palavra procede o adjetivo "burguês", também usado como substantivo e que designava o habitante do
burgo.No entanto, os burgueses eram pobres e não sonhavam com enriquecer-se nem, muito menos, com tomar
o poder. Desprezados pelos nobres e pelos artesãos, estes burgueses eram herdeiros da classe medieval, dos
vilões e, por falta de alternativas, se dedicaram ao comércio, que, alguns séculos mais tarde, serviria de base
para o surgimento do capitalismo. Os burgos, depois de um tempo, passaram a ter bancos e começaram a
enriquecer.Com a aparição da doutrina marxista, a partir do século XIX, a burguesia passou a ser identificada
como a classe dominante do modo de produção capitalista e, como tal, lhe foram atribuídos os méritos do
progresso tecnológico, mas foi também responsabilizada pelos males da sociedade contemporânea. Os
marxistas cunharam também o conceito de "pequena burguesia", que foi como chamaram o setor das camadas
médias da sociedade atual, regido por valores e aspirações da burguesia. . Com a expansão do comércio e da
economia de mercado, o poder e a influência da burguesia cresceu. Em todos os países industrializados, a
aristocracia perdeu gradualmente o poder ou foi expurgada por revoltas burguesas, passando a burguesia para o
topo da hierarquia social. Com os avanços da indústria, surgiu uma classe mais baixa inteiramente nova, o
proletariado ou classe trabalhadora. (MURTEIRA, 2006).
24
enriquecidos com o comércio artesanal, compravam estas terras. Primeiro o senhor vendeu
os campos abertos, depois os próprios feudos. “A terra, que se prestara durante séculos à
produção de bens agrícolas, através dos cercamentos, tornava-se objeto de compra e
venda, num mercado restrito as pessoas de alto poder aquisitivo, que agora eram os
comerciantes.” (MARTINS; VANALLI, 1994, p.21). Os burgueses prestaram mais atenção à
terra investindo em procedimentos tecnológicos com vistas a usufruir dos lucros que
advinham desta produção. No final de algum tempo essa nova classe social fortalecida,
tinha seu império econômico fundamentado no monopólio de terras agricultáveis, fábricas e
bancos, que ainda que rudimentares, começaram a surgir.
Já no século XVII, com o advento da manufatura, ainda, segundo
Guareschi e Grisci (1993, p.34), surge a divisão do trabalho. O artesão, sua ferramenta e a
natureza a qual manipula é a unidade técnica de produção. Mesmo realizando o trabalho
parcelado, o artesão ainda dominava o processo de confecção.
Enquanto os senhores feudais cercavam e vendiam suas terras, nas
cidades o artesanato tinha sido valorizado e os burgueses produziam, vendiam e
enriqueciam deste artesanato. No século XVIII, há uma mudança radical no modo de
produção e no processo de trabalho. O aparecimento das máquinas introduz um novo tipo
de relacionamento, alheio à subjetividade do trabalhador. Foi através do trabalho nas
fábricas que o homem pobre foi introduzido no mundo burguês, onde a fábrica, visando a
racionalização, já era pensada a partir das máquinas e não a partir do homem, levando a
uma cisão entre concepção e execução, processo esse extremamente alienante para o
trabalhador.(GUARESCHI; GRISCI, 1993, p.35).
Em meados do século XVIII culmina a Revolução Industrial, entra em cena
a matéria-prima que colocaria as fábricas (primeiramente de tecidos e na Inglaterra) em
destaque na economia deste país, e engrossaria os lucros dos novos ricos. Como as
fábricas de tecido foram as primeiras, o que seria explicado pelo rigoroso inverno da
Inglaterra, foi necessário criar mais ovelhas e elas tomaram o espaço antes reservado à
produção agrícola. Os camponeses tiveram que procurar emprego nas cidades. ”Iniciava-se
neste momento o fenômeno da urbanização, ou seja, o crescimento da população urbana
em detrimento da população rural”. (MARTINS; VANALLI, 1994, p.23).
Esta população não estava apta para as exigências dos trabalhos da
cidade. Deveriam submeter-se então a todo tipo de trabalho e por salários que não
condiziam com as horas trabalhadas.
A lógica do capitalismo requer, como difundiu Marx, um grande “exército
de reserva” (enorme contingente desempregados/subempregados) para perpetuar uma
exploração ao máximo e elevar os lucros das empresas, uma vez que se submetem a
qualquer salário. É o campo o principal abastecedor dessa massa de “desocupados” e é a
25
migração a forma pela qual o campo libera braços para a cidade. Ao mesmo tempo que
achata salários, o “exército de reserva” dificulta a organização dos trabalhadores. Migração
e desemprego juntos favorecem o capital e deterioram o trabalho (MENEZES;
GONÇALVES, 1986, p.61).
Os horários de trabalho impossibilitavam que estes trabalhadores se
articulassem e reivindicassem melhores condições de trabalhos e salários mais dignos.
Assim formou-se o “exército industrial de reserva”. A população
empobrecia, enquanto os capitalistas, donos dos meios de produção, ficavam mais ricos.
Surgiram também os problemas sociais urbanos, (falta de estrutura: falta de moradia, de
rede de água e esgoto; assim como problemas sociais: mendigos, violência, entre outros). A
expansão e o desenvolvimento do capitalismo como um modo de produção tem como
característica básica tornar o trabalhador “livre”, em que este possa vender sua força de
trabalho. Nem que para isso pague com o preço de uma expropriação dos seus direitos dos
meios de produção.(MENEZES; GONÇALVES, 1986, p.77).
Ao homem trabalhador era dada a opção de ser livre, de poder fazer suas
escolhas. Contudo, as condições de pobreza não lhes permitiam fazer o uso de tal atributo.
Caso escolhessem não aceitar as condições impostas pelos empregadores, não teriam
onde trabalhar, já que a oferta de mão-de-obra era superior aos empregos oferecidos. Na
realidade não eram livres, dependiam de muitos fatores, entre estes da oferta de empregos.
A dificuldade do homem pobre, ou seja, daquele homem que tem menos
possibilidades de se sustentar, ao acesso a terra fica assim evidenciada. Durante toda a
história da humanidade ele foi explorado das mais diversas formas. Isto não aconteceu de
maneira diferente no Brasil. Ao longo da história brasileira a população pobre sempre
passou por muitas dificuldades no tocante ao acesso à terra. Enquanto o Brasil era
dependente de Portugal, o rei repartia a terra escolhendo pessoas que queriam iniciar uma
nova vida. Imensos lotes eram doados para que donatários
2
viessem para produzir
principalmente a cana-de-açúcar. Muitos nobres decadentes se aventuraram. Os mais ricos
ganhavam mais terras (Zona da Mata Nordestina), recebiam também vantagens como o
transporte do produto. Escravos eram comprados e trazidos da África para o trabalho braçal,
tornando-se o alicerce da economia do país, servindo ao trabalho do açúcar, da mineração
e do café. (MARTINS; VANALLI, 1994, p.32).
2
Donatário era título, que na organização colonial portuguesa era dado à pessoa a quem era
concedida a donataria de um determinado território. Numa concepção feudal implicava que o poder
do rei era delegado nessa pessoa, que, a troco do pagamento de determinadas imposições, recebia o
encargo de administrar esse território, procurando realizar a sua colonização e o aproveitamento dos
seus recursos.Em muitos casos as donatarias eram hereditárias. Dada a penosidade da vida nos
territórios doados, era comum a sua divisão em capitanias, em cada uma das quais o donatário se
fazia representar por um capitão donatário, cargo a maior parte das vezes, particularmente quando as
donatarias eram incorporadas à coroa, também hereditário. (PIETRO, 2006)
26
Além dessas especificidades, os autores ainda enfatizam que, até mesmo
as terras dos pequenos agricultores eram doadas aos “sesmeiros
3
, que decidiriam se as
famílias poderiam ali permanecer ou não. Contudo, eram os “posseiros”
4
, que produziam os
alimentos consumidos. Isto ocorreu de 1530 a 1822 com o sistema sesmeiro . A Lei de
Terras de 1850 beneficiava os grandes proprietários e penalizou os pequenos proprietários.
Quanto aos escravos, a interrupção do tráfico negreiro anunciou o princípio
do fim do regime escravista no Brasil. Os donos de escravos resistiram muito para que a
abolição não acontecesse e fossem instaladas novas relações de trabalho. Antes da
abolição, outras leis foram sancionadas: Lei do Ventre Livre (1871), Lei Saraiva Cotegipe,
dita dos Sexagenários (1885). Tais leis impuseram aos escravos muitos constrangimentos já
que para estes, homens livres não precisavam trabalhar e eles deveriam ser convencidos a
trabalhar para seus antigos donos. (VAINER, 2000, p.25, (a)).
Para o autor, desde a Lei de Terras, pretendeu-se evitar qualquer forma de
acesso à propriedade da terra que não fosse através da compra, deixando claro que o
trabalho deveria submeter-se à propriedade, ao invés de submetê-la à sua lógica
reprodutiva. A substituição do trabalho do escravo não foi feita pelo trabalho do liberto, mas
por um outro contingente de trabalhadores que o Estado brasileiro havia começado a
recrutar, transportar e localizar: o trabalhador branco e livre da Europa.
A Lei de Terras ainda dificultava muito para que os pequenos proprietários
conseguissem comprar terras. Todas as terras sem dono pertenciam ao governo e ele
poderia vendê-las. Eram feitos leilões em praças públicas e os lances dados eram muito
altos. Quem trabalharia neste momento eram os imigrantes estrangeiros. As pessoas
expulsas das terras e que não conseguiam adquirir outras, iniciaram as migrações internas
saindo do Nordeste para o Sul e Norte, do Sudeste ao Norte e Centro-Oeste.
Desta maneira, as terras brasileiras foram sendo concentradas nas mãos
de poucas pessoas, que também decidiam o que seria produzido no país e normalmente a
3
Sesmaria é um instituto jurídico português (presente na legislação desde 1375) que normatiza a distribuição de
terras destinadas à produção. Este sistema surge em Portugal durante o século XIV, quando uma crise agrícola
atingiu o país. O Estado, recém-formado e sem capacidades de organizar a produção de alimentos, decide legar
a particulares essa função.Quando a conquista do território brasileiro se efetiva a partir de 1530, o Estado
português decide utilizar o sistema sesmarial no além-mar, com algumas adaptações.A partir do momento em
que chegam ao Brasil os capitães-donatários, titulares das capitanias hereditárias a distribuição de terras a
sesmeiros (em Portugal era o nome dado ao funcionário real responsável pela distribuição de sesmarias, no
Brasil, o sesmeiro era o titular da sesmaria) passa a ser uma prioridade, pois é a sesmaria que vai garantir a
instalação da plantation açucareira na colônia.A principal função do sistema de sesmarias é estimular a produção
e isso era patente no seu estatuto jurídico. Quando o titular da propriedade não iniciava a produção dentro dos
prazos estabelecidos, seu direito de posse poderia ser cassado. (PIETRO, 2006)
4
Posseiro é a pessoa que detém de fato a posse de uma gleba de terra, mas não é o dono de direito, não
possuindo assim documentação e registro em cartório, como por exemplo, quem ocupa terras devolutas sem
registro e titulação em cartório.O tamanho desta terra não interfere na designação de posseiro. Pode se tratar de
um morador antigo em uma terra devoluta ou privada (por mais de um ano e um dia), ou mesmo usufruir da terra
através da contratação de mão-de-obra de terceiros, sem nela fazer sua morada definitiva.O assentado da
reforma agrária , antes de receber o título definitivo de propriedade do imóvel, como doação por parte do
Governo Federal, também é um posseiro, usufruindo por ocupação uma terra da União. (SCHMITZ e MOTA,
2006).
27
exportação era contemplada, passando o Brasil por ciclos econômicos de monoculturas. É
preciso esclarecer que estes ciclos marcavam a predominância da produção. Contudo,
outras culturas eram cultivadas paralelamente as predominantes.
Durante estes ciclos
5
as relações entre trabalhadores e empregadores
sofreram algumas alterações. O homem pobre foi escravo, foi parceiro, foi empregado e
ficou desempregado. Neste processo que se modificou, o trabalho que este homem realiza
também foi sendo alterado.
Quando o trabalhador realiza apenas partes de um trabalho, perde a visão
do processo total da fabricação e não detém o poder do conhecimento sobre o que suas
mãos executam. O trabalhador não mais realiza trabalho, mas tarefas fragmentadas sob
olhares vigilantes de seus amos, seus senhores.
Conforme atestam Guareschi e Grisci (1993, p.47), o trabalho de uma
forma sintetizada, pode ser entendido como a ação transformadora, consciente e desejante,
que o trabalhador exerce sobre a natureza, com ou sem o auxílio de uma máquina. Desta
forma, o trabalhador é o sujeito do trabalho e como tal se diferencia da máquina,
sobressaindo-se à mesma.
A garantia de que alguém realmente trabalhe deve ser assegurada de
qualquer modo para que o sistema capitalista continue. Sendo que o
capitalismo depende essencialmente para sua sobrevivência, do trabalho
das pessoas, e se lucro é conseqüentemente a quantia de trabalho que é
apropriada pelo capital, são necessários mecanismos que façam com
que esse trabalhador realmente produza. (GUARESCHI; GRISCI, 1993,
p.20).
No dia-a-dia de uma empresa, segundo tais autores, ter-se-ia: a) relações
de vigilância por parte do capital (ou das pessoas e seu serviço) sobre os que trabalham.
Caso as ações não sejam executadas, recorre-se a medidas de coerção; b) relações de
hegemonia, são definidas como “liderança” moral e intelectual, que procuram ser efetivas
através do consenso despertado entre os que trabalham. Muitas vezes o controle pela
vigilância torna-se mais oneroso para o patrão do que os trabalhadores, ou ainda os patrões
chegam a perder o controle da situação graças ao poder dos controladores. Pode acontecer
5
A economia brasileira viveu vários ciclos ao longo da História do Brasil. Em cada ciclo, um setor foi privilegiado
em detrimento de outros, e provocou sucessivas mudanças sociais, populacionais, políticas e culturais dentro da
sociedade brasileira.O primeiro ciclo econômico do Brasil foi a extração do pau-brasil, o segundo ciclo econômico
brasileiro foi o plantio de cana-de-açúcar, o café foi o produto que impulsionou a economia brasileira desde o
início do século XIX até a década de 1930. Em meados do século XIX foi descoberto que a seiva da seringueira,
uma árvore nativa da Amazônia, servia para a fabricação de borracha, material que começava então a ser
utilizado industrialmente na Europa e na América do Norte. Com isso, teve início o ciclo da borracha no
Amazonas, Desde a década de 1970, o produto que impulsionou a economia de exportação foi a soja, hoje tem-
se uma crescente atenção para a cana-de-açúcar para a produção de biodiesel (CUNHA; MOREIRA, 2006).
28
ainda corrupção dos controladores sobre seus controlados. (GUARESCHI; GRISCI, 1993,
p.23).
Os empregadores, para garantirem a execução adequada dos serviços,
contratam pessoas que vigiarão os serviços dos trabalhadores. Esta vigilância é uma
garantia de que os serviços serão executados com êxito. Este também é o papel dos “gatos”
no trabalho do “bóia-fria”. Ele serve como intermediário entre os “bóias-frias” e os patrões.
São também os responsáveis pelo transporte destes trabalhadores. Em muitos casos os
“bóias-frias” não conhecem os patrões pois, têm contato apenas com os “gatos”. Essa
intermediação por parte do “gato” faz com que a diária do “bóia-fria” seja paga com um valor
menor.
A submissão é uma prática racional, os trabalhadores sabem que não há
outro jeito, se quiserem um salário, tem de se submeter. A obediência é um comportamento
individual e a legitimidade é uma norma social: os trabalhadores dedicam-se mais ativa e
docilmente às suas tarefas se acham que devem obediência a seus patrões. Essa
obediência e legitimidade são inculcadas, pessoal e socialmente pela: escola, família,
religião, socialização. É criada como que uma crença e uma norma de que há uma
obrigação moral de trabalhar e de se esforçar para executar as tarefas, que isso é bom e
desejável, necessário para o bem comum da sociedade, e que isso é “natural” a todas as
sociedades. As pessoas passam a se culpar e a se penitenciar por não terem sido fiéis às
tarefas propostas.(GUARESCHI; GRISCI, 1993, p.24). Estes são alguns mecanismos
empregados para garantir o desempenho do trabalho, com menos custos e com eficiência.
Contudo, este mecanismo baseado na vigilância / coerção no qual os trabalhadores são
altamente especializados (professores, gerentes, técnicos) pode acarretar sérios problemas.
Estes últimos, normalmente, não se submeterão a tal processo de coerção. Sobre tal
assunto Foucault (1983, p.85), deixa claro:
Mas as disciplinas se tornaram no decorrer dos séculos XVII e XVIII
fórmulas gerais de dominação.[...] O corpo humano entra numa
maquinaria de poder que o esquadrinha, o desarticula e o recompõe.
Uma "anatomia política", que é também igualmente uma "mecânica do
poder", está nascendo; ela define como se pode ter domínio sobre o
corpo dos outros, não simplesmente para que façam o que se quer, mas
para que operem como se quer, com as técnicas, segundo a rapidez e a
eficácia que se determina. A disciplina fabrica assim corpos submissos e
exercitados, corpos "dóceis". A disciplina aumenta as forças do corpo
(em termos econômicos de utilidade) e diminui essas mesmas forças (em
termos políticos de obediência). Em uma palavra: ela dissocia o poder do
corpo; faz dele por um lado uma "aptidão", uma "capacidade" que ela
procura aumentar; e inverte por outro lado a energia, a potência que
poderia resultar disso, e faz dela uma relação de sujeição estrita. Se a
exploração econômica separa a força e o produto do trabalho, digamos
que a coerção disciplinar estabelece no corpo o elo coercitivo entre uma
aptidão aumentada e uma dominação acentuada.
29
O corpo seria um objeto e alvo de poder. Ele seria manipulável, algo
que se modela, se treina, que obedece, responde, se torna hábil, ou cujas forças se
multiplicam. A disciplina deste corpo manipulado serviria para definir a que horas
poderão falar, com quem poderão falar, desarticulando assim qualquer forma de
reação do indivíduo ou do grupo a tal situação. É uma forma de disciplina autoritária,
que impõe a subordinação e a submissão.
Quando os trabalhadores não se adaptam a esta vigilância e não possuem
a qualificação necessária para outro trabalho, podem iniciar uma migração, na tentativa de
uma melhoria de vida. No entanto, esta mobilidade não depende apenas do trabalhador, ela
é forçada. Gaudemar (1977, p.182) esclarece que,
Toda estratégia capitalista de mobilidade é igualmente estratégia de
mobilidade forçada. Na sua dimensão espacial, ela assegura a repartição
dos indivíduos no espaço, na sua dimensão profissional, constitui o
postulado implícito de toda a nomenclatura dita homogênea, portanto de
toda codificação das atividades, na sua dimensão produtiva mais geral,
ela conduz a todos os processos pelos quais o capital dispõe das forças
de trabalho e as usa na multiplicidade dos processos de extorsão da
mais-valia tanto absoluta quanto relativa. A mobilidade do trabalho surge
assim como uma trave mestra de toda estratégia de desenvolvimento
capitalista.
Esta mobilidade é imposta pelas exigências do crescimento capitalista. Os
migrantes deslocar-se-ão em busca de locais onde poderão encontrar trabalho. O trabalho
se assemelha a qualquer outra mercadoria que deverá ser vendida a quem interessar, e, se
submeterá ao valor que o empregador lhe pagar. Desta maneira, é errôneo afirmar que o
trabalhador está livre para fazer suas escolhas, ele é conduzido até ela.
Para se tratar da migração, faz-se necessário a clara diferenciação entre o
urbano e o rural, já que o migrante pode deslocar-se de uma área rural para uma área
urbana ou vice-versa.
30
1.3 UM PANORAMA BRASILEIRO DA URBANIZAÇÃO E DA MIGRAÇÃO
Definir e diferenciar urbano
6
e rural não é tarefa tão simples como
aparentemente possa ser pensado. Há uma diversificação e ampliação da divisão social do
trabalho entre urbano e rural. Para Lefebvre (1991, p.68),
[...] a relação cidade-campo se transforma, aspecto importante de uma
mutação geral.
Nos países industriais, a velha exploração do campo
circundante pela cidade, centro de acumulação do capital, cede lugar a
formas mais sutis de dominação e de exploração, tornando-se a cidade
um centro de decisão e aparentemente de associação. Seja o que for, a
cidade em expansão ataca o campo, corrói-o, dissolve-o. A vida urbana
penetra na vida camponesa despojando-a de elementos tradicionais:
artesanato, pequenos centros que definham em proveito dos centros
urbanos (comerciais e industriais, redes de distribuição, centros de
decisão, etc).
A cidade, ou melhor, a sociedade urbana vai determinando ao campo
novos padrões de consumo através de modelos, de comportamentos e valores que são
implantados e divulgados fortemente pela mídia e pela rede de comunicação que aproxima
os homens e os lugares. Assim, tanto o que será produzido no campo, quanto os
comportamentos, formas de falar, de se vestir, vão sendo definidos na cidade.
O que é rural hoje é entendido como continuação do urbano (do ponto de
vista espacial), hoje o campo não é só agricultura e pecuária, e as indústrias não se
encontram apenas nas cidades; não há diferenças fundamentais nos modos de vida; na
organização social e na cultura. Observa-se ainda que a definição de urbano no Brasil é a
mesma desde 1938 a qual transformou em cidades todas as sedes municipais existentes,
independentemente de suas características estruturais e funcionais (CUNHA, 2005, p.13).
Alguns fatores que explicam a urbanização segundo Menezes e Gonçalves
(1986, p.30), são: desenvolvimento industrial de algumas cidades; modificações na
agricultura, tais como a mecanização, expansão da monocultura; crescimento do trabalho
assalariado; concentração fundiária; diminuição das pequenas unidades de produção;
crescimento do número de trabalhadores sem terra. Essas pessoas que saem do campo
perdem sua identidade, enquanto o campo se esvaziava, a cidade crescia e a sobrevivência
era dificultada. Sem raiz, sem terra e sem rumo, a vida deste trabalhador se deteriora.
6
Segundo o IBGE, qualquer comunidade urbana caracterizada como sede de município é considerada uma
cidade, independentemente de seu número de habitantes, sendo a parte urbanizada de seus distritos
considerados prolongamentos destas cidades. Nota-se que este modelo é semelhante ao da Austrália,
encontrando respaldo no senso comum brasileiro que normalmente associa um município a uma cidade. Quando
uma cidade funde-se fisicamente (mas não politicamente) a outra, formando uma conurbação, dá-se o nome de
Região Metropolitana.(IBGE, 2000).
31
No tocante à urbanização pode-se observar uma forte relação entre o
processo de crescimento urbano e industrial e a migração interna, propiciando um processo
de integração das regiões no âmbito do desenvolvimento produtivo das relações de
trabalho. Entre 1940 e 1960, a urbanização brasileira evoluiu de 31,2% da população
residindo em domicílios urbanos em 1940 para 44,7% em 1960, 67,6% em 1980, 75,6% em
1991 e 78,4% em 1996. O ritmo de crescimento que esse indicador exprime mostra
claramente a aceleração que houve de 1950 a 1960 (MATOS, 2002, p.50). Tem-se neste
período a erradicação do café, que substituído por culturas como a cana-de-açúcar, milho,
soja e pela pecuária extensiva muito contribuiu para esse crescimento urbano.
Em um país como o Brasil, a definição de urbano deve levar em
consideração uma diversidade muito grande nos dados coletados. Um tamanho mínimo de
cidades e densidades deveriam ser considerados.
O bóia-fria também faz a ligação deste urbano ao rural, assim como o
agricultor, que muitas vezes para garantir o sustento da família desempenha algumas
atividades remuneradas na cidade.
Para que se fizesse uma definição mais clara, os Censos Demográficos,
segundo Cunha (2005, p.16), deveriam levar em consideração ao pesquisar: conhecimentos
a respeito do tipo de atividades desenvolvidas pelos indivíduos, assim como o local onde
acontecem e o tempo dedicado a cada uma delas; locais de consumo; satisfação das
necessidades básicas; mudanças residenciais e mobilidade pendular. Seriam dados
relevantes para uma análise demográfica mais precisa das relações “urbano-rurais”
particularmente nas grandes aglomerações urbanas.
Note-se que a urbanização, primeiro esteve ligada à expansão das
atividades de intermediação. Depois da segunda metade do século XVIII, nos países
desenvolvidos, a necessidade de concentrar as pessoas por causa das máquinas, trouxe
uma consciência geográfica para as cidades. Na época atual, a urbanização cresceu com a
terceirização, e o tamanho das cidades aumentou, sobretudo nos países do Terceiro Mundo.
Longe destas manchas geográficas a expansão industrial se faz a um ritmo mais lento.
Verifica-se nas grandes cidades e, sobretudo, na metrópole econômica, uma concentração
das atividades terciárias de nível superior. As grandes cidades se tornaram os centros por
excelência da produção e consumo e, também, são os grandes centros de distribuição e
circulação. Concentram o comércio atacadista interno, além do comércio de exportação e
importação. A maior cidade de um país subdesenvolvido comercializa uma parcela da
produção alimentar que é maior que o consumo. Graças a estes fatores verifica-se um
mecanismo de aceleração do crescimento urbano nas grandes cidades em detrimento de
outras aglomerações da rede urbana nacional (SANTOS, 1982, p.49).
32
Há que se lembrar que a expansão do consumo levou ao crescimento do
número e o desenvolvimento das pequenas cidades. As cidades médias têm a função de
proporcionar serviços de nível médio e produtos mais diversificados do que pode vender as
cidades locais e a sua importância então varia de acordo com a capacidade de consumo da
população interessada.
Entre 1930-1970 as cidades brasileiras cresceram de maneiras
diferenciadas, a princípio desenvolveram-se as cidades com 2.000 habitantes. Contudo,
quando o Sudeste se industrializou, as metrópoles é que se desenvolveram mais
rapidamente. Áreas de fronteira como Amazonas e o Pará apresentaram uma ocupação
fortemente associada à urbanização, a ponto de que, na década de 1970, cerca de 40% da
população destas localidades vivia em cidades. No Mato Grosso e em Goiás, houve o
surgimento de novas cidades médias e grandes
7
(BRAGA, 2002, p.2).
Antes dos anos 1930, a forte migração internacional já dava as primeiras
contribuições para alterações mais profundas no mercado de trabalho e nas relações sociais
que se darão durante o Estado Novo. Neste momento, as migrações internas começaram a
protagonizar os movimentos populacionais mais importantes do país, refletindo uma
integração maior do mercado de trabalho nacional, pela oferta de oportunidades de trabalho
nos crescentes centros urbanos. A migração interna no Brasil, segundo Braga (2002, p.1),
pode ser dividida em três períodos distintos: um momento de crescimento constante dos
fluxos nas últimas décadas do século XIX até 1920; um crescimento vertiginoso dos
movimentos até 1950; e um pequeno arrefecimento das taxas a partir de 1960. Estas etapas
de migrações coincidem com as primeiras mudanças na estrutura urbana e produtiva do
país durante o século XX, a transição de uma economia agro-exportadora para a
industrialização de substituição de importações e a consolidação da infra-estrutura de
produção e do parque tecnológico nacional.
Ademais, a década de 1930 é caracterizada por um Nordeste e Leste
Meridional cedendo população e por um Sul e Sudeste atraindo migrantes. Nos anos de
1940 houve poucas mudanças com exceção do Paraná ter se tornado bastante atrativo
devido ao café, que vivenciou movimentos inter-regionais.
Conforme Martine (1994), a distribuição espacial da população brasileira
no período anterior a 1930 refletia as características assimétricas e irregulares do processo
de ocupação de um vasto território. A vida econômica até então se concentrava,
territorialmente em certos pontos ou em regiões, mais ou menos isoladas. A ocupação de
cada um desses pontos ou regiões tinha suas origens num determinado ciclo econômico.
Estes ciclos eram voltados para o exterior e desarticulados entre si, não promoviam a
7
O IBGE caracteriza a rede urbana da seguinte forma: Cidade pequena: 500 a 100 000 habitantes; Cidade
média: 100 001 a 500 000 habitantes; Cidade grande: acima de 500 000 habitantes. (IBGE, 2000).
33
integração econômica; também não estimulavam trocas populacionais, tornando a migração
entre distintas regiões escassas.
A década de 1950 foi marcada com as maiores taxas de migração interna
da história do Brasil, tendo o Rio de Janeiro e São Paulo como os maiores centros de
atração dos migrantes que vinham do Nordeste e Leste do país. .”Na década de 60 há uma
inflexão da tendência observada nos 30 anos anteriores, quando as taxas de emigração
passaram a apresentar declínio no Nordeste, mantendo os incrementos no Leste. Os efeitos
da queda nos movimentos são sentidos em São Paulo e principalmente no Rio de Janeiro e
Paraná“ (BRAGA, 2002, p.1).
Desde a década de 1970 que as migrações internas deixaram de ser
primordialmente do tipo campo-cidade. Os movimentos do tipo urbano-urbano são
evidentes. Houve uma forte concentração industrial no Centro-Sul do país, especialmente
nas grandes cidades do Sudeste e do Sul, que receberam muitos migrantes. Teve início
nesta década também uma série de medidas com o objetivo de promover a
desconcentração dos fatores de desenvolvimento presentes nas grandes metrópoles do
Sudeste e Sul (BRAGA, 2002, p.2).
Dessa maneira, para esse autor, cresceram, como já foi dito, os
movimentos migratórios de cidades para cidades. Este tipo de migrante possui
características diferentes do migrante rural-urbano. É um tipo mais informado, com mão-de-
obra mais especializada, portanto, mais preparado para o emprego. “Essa requalificação
dos migrantes contribui para a ascensão da população em termos de mobilidade social,
mediada pela substantiva alteração dos tipos de atividades econômicas incorporados pelo
sistema produtivo desde a segunda metade do século XX” (BRAGA, 2002, p.2).
Na medida em que os imigrantes são mais qualificados, as chances de
ingressarem mais rapidamente no mercado de trabalho e de se manterem nos empregos é
muito maior, o que deve resultar em ganhos relativos para o desenvolvimento das cidades.
Especialmente a partir da década de 1970, segundo Matos (2002, p. 50),
”surgiram fortes evidências sobre a existência de uma relativa desconcentração espacial,
especialmente em São Paulo”. Contudo, este fenômeno no Brasil, de um modo geral, é
pouco visível, dado o pouco tempo do fenômeno.
Martine (1994) afirma que as fronteiras do período mencionado podem ser
divididas, basicamente em três períodos cronológica e espacialmente diferenciados,
conforme se analisa no (Quadro 1);
34
PERíODO ÁREAS OCUPADAS MOTIVOS CONSEQÜÊNCIAS
1930 a Oeste de SP; Desmoronamento da economia Crescimento populacional acelerado particu-
1960 Norte e Oeste do PR; cafeeira em 1930; recuperação larmente nas décadas de 40 e 50; em 1970
Oeste de SC; da economia agrícola no final de a população já era seis vezes maior que em
Sudoeste do então MT 1930; proximidade dos portos e 1930.
dos mercados de São Paulo e Rio
de Janeiro; boas terras agrícolas;
estrutura fundiária eqüitativa.
1940 a
Faixa central do país Esforços governamentais visan- Construção da nova capital em Goiânia; cons-
1960 abrangendo GO, MS e do desenvolver a área da sub- trução de estradas ligando o Centro-Oeste ao
MA sequente transferência da fron- Sudeste; Construção de Brasília e das estra-
teira agrícola para esta faixa cen- das ligando a nova capital federal ao centro-
tral. Sul e a Belém; fluxos migratórios oriundos do
Nordeste, Minas Gerais, Espírito Santo e pos-
teriormente da Região Sul, contribuíram para o
encremento significativo de participação de
Goiás, Mato Grosso do Sul e Maranhão no
total da população do país.
Década de
Colonização intensiva à Atrair ou satisfazer às investidas Expansão interioriana progressiva da Ama-
1970 beira da Transamazônica do grande capital nas regiões an- zônia que durou meio século.
e do estado de Rondô- teriormente destinadas ao peque-
nia no produtor e afunilar o fluxo mi-
gratório de pequenos agricultores
para Rondônia, que cresceu aci-
ma da média nacional.
Quadro 1 – Migração de destino rural para três regiões de fronteiras brasileiras entre as
décadas de 1930 e 1970.
Fonte: MARTINE, G. Estado, economia e mobilidade geográfica: retrospectiva e perspectiva para o fim do século. Revista
Brasileira de Estudos da População, v.11, n.1, jan/jun. 1994.
Percebe-se desta maneira que essa expansão das fronteiras agrícolas
propiciou a incorporação de novas áreas agrícolas à economia nacional, diversificou os
pólos de crescimento e desconcentrou a população. Contudo, esta expansão não resolveu o
grave problema de pressão social sobre as áreas agrícolas tradicionais ou para aumentar a
produção agrícola. A migração para as fronteiras vai diminuindo significativamente no
decorrer das décadas mencionadas.
Em alguns aspectos sobre a migração no Brasil os autores Braga (2002) e
Martine (1994) concordam:
Em 1930, São Paulo recebeu um grande contingente de migrantes;
Houve um grande crescimento populacional em 1950 e
conseqüentemente um aumento das migrações internas.
35
No tocante a década de 1970, no entanto, os autores discordam.
Braga cita como relevante a migração urbano-urbano, enquanto
Martine faz menção à ocupação da Amazônia.
Há que se colocar que na década de 1940, o estado do Paraná teve uma
migração rural em torno de 400 mil pessoas e que equivalia a 13% do total da migração
rural-urbana do país durante o período; na década seguinte (a de 50) a migração rural-
urbana em todo o país cresceu para 7 milhões de pessoas, enquanto o Paraná teve uma
migração rural de 800 mil pessoas correspondendo a 12% do total da migração rural-urbana
no país. Contudo, nas décadas seguintes o que se observa é um declínio da migração rural-
rural que se tornará negativa em relação a rural-urbana. O Censo Demográfico de 1991 vem
demonstrar que na década de 1980 esta migração fronteiriça havia terminado. A região que
mais cresceu nesta década foi a Região Norte (Rondônia e Pará). Houve uma significativa
diferença na população destes estados porque possuíam menos habitantes que os
outros.(MARTINE, 1994).
Na década de 1980, as 14 áreas urbanas com mais de 500 mil habitantes
localizavam-se no Sudeste. Esta população correspondia a 1/3 da população brasileira total,
exemplificando um desequilíbrio populacional. A industrialização da região Sudeste era a
grande responsável pela atração da população. Assim, a migração pode ser vista como
mobilidade da força de trabalho, diretamente vinculada à criação, expansão e articulação
dos mercados de trabalho no país.(MATOS, 2002, p.51). As pessoas podem migrar do
centro para a periferia pela falta de trabalho nos centros; pela criação de novas
oportunidades nas periferias; pela degradação das condições de vida das famílias como alta
no transporte, alimentação, moradia; ou pelo aumento da violência e da criminalidade. As
migrações do campo para a cidade certamente contribuíram para o avanço da transição
demográfica
8
, que reduziu os níveis de pressão do campo sobre a cidade. Se isto não
tivesse ocorrido, os conflitos da terra no Brasil seriam mais intensos.
8
A transição demográfica é, no geral, um processo de diminuição de taxas de mortalidade e
natalidade, sendo que a primeira diminui mais rápido que a segunda, causando um período de
aumento do crescimento vegetativo e, portanto, de grande acréscimo populacional. No Brasil, a
queda da taxa de fecundidade, ocorrida nos últimos 30 anos, mostra mudanças no comportamento
demográfico, evidenciadas pela prática da esterilização feminina. Esta prática ocorre à revelia de
políticas populacionais oficiais e com o apoio de instituições privadas nacionais e internacionais. É
somente a partir de 1997 que o Estado brasileiro assume a tarefa de promover o Planejamento
Familiar gratuito, através da Lei 9263/97. Esta inovação pode redimir a prática indiscriminada da
esterilização, pois permite que o casal obtenha todas as informações sobre os diferentes métodos
contraceptivos e possa optar pelo mais adequado. No Brasil, a transição demográfica foi provocada
pelos processos de urbanização e industrialização que se traduziram numa perda das atividades
produtivas antes organizadas pela família, na necessidade de venda da força de trabalho e na perda
do valor econômico dos filhos. Assim, o empobrecimento da maioria da população brasileira torna
necessária a diminuição da prole tanto pela necessidade de participação da mulher no mercado de
trabalho, como pelo custo de sustentação dos filhos. (MURTEIRA, 2006).
36
A partir de 1990, as sucessivas crises que afetaram, especialmente a
classe média
9
, funcionaram como freio à mobilidade ascendente. Houve contudo, uma
contribuição positiva dos movimentos migratórios recentes e da constituição de novas
territorialidades nas quais a migração tem sido capaz de criar um novo sistema de
integração da rede de cidades.(BRAGA, 2002, p.2).
Nos dias atuais, as migrações vêm ganhando maior complexidade no
interior das regiões brasileiras em função da multiplicação de atores (cidades) e dos papéis
de atração e expulsão de migrantes. Esta expulsão também foi exercida pela maneira como
no Brasil, os produtos para exportação foram sendo mais valorizadas e como a questão
agrária foi se caracterizando.
1.4
A QUESTÃO AGRÁRIA BRASILEIRA
No Brasil, os produtos de exportação contaram com o apoio institucional.
Os produtos considerados como modernos, como a cana-de-açúcar, hoje, sempre têm
canalizado a maior parte dos empréstimos do crédito rural. As culturas são consideradas
modernas, segundo Graziano da Silva (1981, p.101), “quando utilizarem, de maneira mais
intensa máquinas e insumos adquiridos fora do setor agrícola”. Quando se troca a cultura
normalmente, há uma concentração maior da terra uma vez que os pequenos agricultores
não acompanham tal tecnologia. A sazonalidade também aumenta quando uma região
passa de uma policultura para uma monocultura qualquer.
Na década de 1960, o processo de industrialização da agricultura
10
intensificou-se no Brasil, com a instalação das fábricas de máquinas e insumos agrícolas. A
9
A classe média é uma classe social presente no capitalismo moderno que se convencionou tratar
como possuidora de um poder aquisitivo e de um padrão de vida e de consumo razoáveis, de forma a
não apenas suprir suas necessidades de sobrevivência como também a permitir-se formas variadas
de lazer e cultura, embora sem chegar aos padrões de consumo eventualmente considerados
exagerados das classes superiores. A classe média surgiu como uma conseqüência da consolidação
do capitalismo e não antes dele devido aos fatores de segmentação social em camadas, resultantes
do desenvolvimento econômico; é um fenômeno típico da industrialização. (MURTEIRA, 2006).
10
A modernização, a industrialização da agricultura e a formação dos Complexos Agroindustriais
apresentam características distintas. No processo de modernização, ocorreram mudanças na base
técnica da produção agrícola. No processo de industrialização, a agricultura transformou-se em um
ramo de produção semelhante à indústria e conectada a outros ramos de produção.O processo de
modernização da agricultura (através da importação de máquinas e insumos) resultou da
industrialização (já com as máquinas e insumos produzidos no Brasil), e essas transformações,
aliadas às mudanças nas relações de trabalho, resultaram na constituição do Complexo
Agroindustrial na década de setenta. A industrialização do campo é um processo especifico no qual a
indústria passou a comandar as transformações na agricultura, e isso só foi possível ocorrer a partir
da implantação da indústria para a agricultura no país. Nestes termos, a produção agrícola passou a
ser um elo de uma cadeia, processo que resultou na formação dos Complexos Agroindustriais.A partir
37
agricultura criou um mercado consumidor para os novos meios de produção instalados no
país. Até a primeira metade deste século dominava na agricultura brasileira uma
organização primitiva ou tradicional, tanto na base técnica como na divisão e organização do
trabalho. Isto é, as relações de produção estavam baseadas no trabalho vivo, sendo
dependente de uma base técnica frágil, movida, sobretudo pela força humana e animal.
(BROIETTI, 2003, p.68).
Para Graziano da Silva (1981, p.33) , a mecanização da agricultura, ao
contrário do que ocorre na indústria, não modifica necessariamente o tempo de produção de
uma dada mercadoria e, como reduz o tempo de trabalho, acaba por aumentar o tempo de
não-trabalho . O uso da mecanização levou trabalhadores permanentes a serem
dispensados porque não eram mais necessários o ano todo e também sua dispensa liberava
o proprietário de pagamento de encargos sociais.
Ainda segundo o autor, a industrialização da agricultura representa a
subordinação da natureza ao capital, quando então se liberta o processo de produção
gradativamente das condições naturais dadas, passando-se a fabricá-las sempre que se
fizerem necessárias. Assim, se faltar chuva, irriga-se; se não houver solos férteis, aduba-se;
se ocorrerem pragas e doenças, usa-se defensivos agrícolas.
A agricultura, para o capitalismo, é uma atividade que produz lucros. Não é
apenas a produção que interessa em si, mas a rentabilidade do capital investido. Produz-se
sempre em maiores quantidades a cultura que está tendo maior aceitação no mercado.
Hoje, no Brasil, graças ao etanol, há incentivos ao cultivo da cana-de-açúcar.
A modernização da agricultura brasileira inicia-se na década de 1960, com
a chamada Revolução Verde. Emergem novos objetivos e formas de exploração agrícola
originando transformações tanto na pecuária, quanto na agricultura. Como conseqüência do
processo são apontados, além da concorrência da produção, os efeitos sociais e
econômicos sofridos pela população envolvida em atividades rurais.
A idéia da Revolução Verde nasceu pouco antes da Segunda Guerra
Mundial, nos Estados Unidos da América. A pobreza existia nos países com economias
atrasadas, naqueles em que a agricultura era tecnologicamente rudimentar, onde as terras
produziam menos do que poderiam render caso estivessem sendo trabalhadas de maneira
mais sofisticada (ABRAMOVAY, 1983, p.77).
Assim, segundo o autor, ficou decidido que a resposta para todos os
problemas seria a introdução nestes países de técnicas mais avançadas. Os americanos
levaram esta revolução para vários cantos do mundo. A base de tudo foi a introdução de
desse processo tem-se um estreitamento das relações intersetoriais, um reforço dos elos técnicos e
dos fluxos econômicos entre a agricultura e a indústria, resultando na subordinação da agricultura à
dinâmica industrial. (MARAFON, 2008).
38
sementes selecionadas, produzidas em laboratórios. Estas sementes realmente produziam
mais , mas não tinham condições genéticas para enfrentar seus inimigos naturais e as
catástrofes. Houve um empobrecimento no patrimônio genético das espécies, além de
exigirem elementos químicos (fertilizantes e venenos) e máquinas agrícolas, que antes não
precisavam. Muitos países pobres deixaram de utilizar uma quantidade de fertilizantes
orgânicos (esterco, palhas de plantações) que eles mesmos produziam para comprarem
adubos químicos. Estes produtos eram importados dos países desenvolvidos. Junto com as
safras e as exportações agrícolas cresceu o número de famintos.
Graças a estas importações, os custos com a agricultura também
aumentaram provocando um endividamento dos agricultores. Os pequenos agricultores não
conseguiram competir com as empresas agrícolas que estavam mais aptas a gerenciar o
empreendimento exigido por esta revolução.
Para que a Revolução Verde acontecesse, o governo financiou a compra
do maquinário e da semente, contudo, os pequenos camponeses não tiveram acesso a este
financiamento. Isto fez com que as propriedades fossem concentradas. Decorrente disto,
também, no Brasil, houve uma saída muito grande de pessoas do campo que foram para as
cidades, caracterizando o êxodo rural da década de 1970.
No que diz respeito a este assunto, D’Incao (1984, p.15), complementa
que o desenvolvimento do modo de produção capitalista em qualquer sociedade se faz
acompanhado de acentuado movimento migratório do campo para a cidade. Esse processo
conhecido, como já foi dito, como êxodo rural, resulta do próprio desenvolvimento da
agricultura capitalista. A necessidade da utilização da terra para a produção de mercadorias,
produtos agrícolas comercializáveis, decorrentes dos processos de industrialização e
urbanização e da conseqüente elevação da demanda de produtos agrícolas, leva os
proprietários de terra a substituírem as antigas formas de pequena produção pela produção
comercial. Nessas circunstâncias, a população de pequenos produtores agrícolas, tende a
ser expropriada da terra em que trabalhava.
Após o êxodo rural, este pequeno produtor vai ser reabsorvido como mão-
de-obra temporária, pelo próprio sistema produtivo agrário. Há uma forte relação entre os
bóias-frias e a questão agrária evidente. Este pequeno produtor que irá residir na cidade,
não consegue empregar-se nesta e retorna ao campo, como bóia-fria.
Atrelado a isso, para D’Incao (1984, p.17), no Brasil, esse processo
acelerou-se grandemente a partir dos anos de 1950 como conseqüência da consolidação do
desenvolvimento industrial do país. A população rural de 70% em 1950, cai para 30% em
1970. Um dos motivos é a elevada concentração da propriedade da terra. Uma vez
concentrada os pequenos proprietários tendem a vender suas terras migrando para a
cidade. Segundo Santos e Silveira (2005, p.211), a mecanização e depois, a cientificização
39
do mundo rural contribuíram, certamente, para a queda da participação da população rural
na população total do Brasil, que passou de 68,76% em 1940 para 54,93% em 1960,
32,30% em 1980, 21,64% em 1996 e 18,75% em 2000.
No período citado de 1950, o Brasil passou por um processo de
industrialização que se realizava através da importação de um padrão industrial já altamente
tecnificado e poupador de força de trabalho. Assim num período em que no campo, ainda
exige-se mão-de-obra, na indústria não há a utilização integral desta, que se torna
excedente. Dentre as dificuldades encontradas pelos bóias-frias nas cidades pode-se citar:
desconhecimento de habilidades técnicas, ausência de documentação, dificuldades no
domínio da escrita e do hábito do trabalho em ambientes fechados. (D’INCAO, 1984, p.21).
Estas dificuldades, em alguns casos, chegam ao extremo. O extremo aqui,
seria a fome. Não a fome de não ter absolutamente nada para ingerir, mas a desnutrição e a
subnutrição por não possuírem uma alimentação adequada. Os “bóias-frias” possuem uma
jornada de trabalho extensa e cansativa. Sua alimentação assim, deve ser condizente a
estas características, porém, nem sempre o salário que recebe permite que este tenha uma
alimentação adequada. Este fato pode ser confirmado na escola onde muitos alunos terão a
única refeição satisfatória do dia. Em uma reportagem feita em 1999 a então diretora da
escola Presidente Getúlio Vargas declarou:
As próprias mães nos contam que a única refeição do dia é feita na
escola. Sem contar as inúmeras situações de carências nas quais nos
envolvemos em campanha ou pedido de auxílio para socorrer os mais
necessitados. A carência social tem sido uma dura lição para grande
parte das famílias do distrito (ALVES, 1999, p.4).
A palavra fome tem significado diferente para quando ela é um apetite,
vontade de comer ou quando é subalimentação. Neste último a fome é a impossibilidade de
ingerir, de satisfazer o instinto. Adas (1988, p.8) afirma que,
A fome [...] significa a situação em que uma pessoa fica, durante um
período prolongado, carente de alimentos que lhe forneçam as calorias
(energia) e os alimentos nutritivos necessários à vida e à saúde do seu
organismo. Os especialistas em nutrição diferenciam dois tipos de fome:
a global e a parcial.
Nessas circunstâncias, a pobreza e a fome estão muito presentes nos
países periféricos; nas palavras de Carneiro e Pereira (2005, p.257):
40
Nos países periféricos do sistema capitalista contemporâneo, uma das
características mais marcantes deste processo de reprodução da
pobreza e da miséria é a fome crônica e generalizada entre milhões de
indivíduos que, por gerações, apenas receberam por herança o descaso
das políticas públicas.
Normalmente, os produtos para a exportação são mais cultivados,
enquanto os mais necessários para atenderem as necessidades básicas da população, são
relegados á segundo plano.
Os autores, Carneiro e Pereira (2005, p.257), complementam que, a fome
não é um processo recente, porém ela se intensifica, de forma assustadora, a partir da
maximização do desenvolvimento desigual e excludente, característico do processo de
acumulação capitalista que, dialeticamente, é reprodutor da pobreza. A pobreza e a fome
são graves fatores de desagregação econômico-social e geográfica de um país ou região.
Observe-se que Castro (1963, p.401) já havia constatado que:
A alimentação do brasileiro se mostra imprópria em toda a extensão do
território nacional, apresentando-se em regra insuficiente, incompleta e
desarmônica, arrastando o país a um regime habitual de fome, seja de
fome endêmica, quantitativa e qualitativa, como na área amazônica, a do
Nordeste [...], seja epidêmica, como na área do sertão, exposta às secas
periódicas, seja de subnutrição crônica, de carências mais discretas
como as áreas do Centro Sul. A fome é mais do que uma expressão - a
mais negra e mais trágica expressão do subdesenvolvimento econômico.
A verdade é que não existe uma fórmula específica para combater a fome,
como se esta fosse uma doença de causa definida. O importante é dirigir a economia tendo
como meta principal o bem-estar social da coletividade. A vitória contra a fome constitui um
desafio.
Os efeitos mais comuns causados pela fome são: desnutrição calórico-
protéica, doenças causadas pela deficiência de vitamina A, a anemia, o raquitismo, o bócio
e distúrbios causados pela carência de vitaminas do grupo B (ADAS , 1988, p.12).Quanto a
inteligência Abramovay (1983, p. 23) deixa claro, “... o que vai interferir sobre a inteligência
da criança não é apenas o que ela come, mas o conjunto de sua relação com o mundo que
a cerca, os estímulos que lhe são oferecidos, o amor que recebe e a atenção que lhe é
consagrada pelo ambiente doméstico”.
Contudo, o rendimento escolar do faminto costuma ser inferior ao do bem
nutrido, uma vez que para o desenvolvimento da inteligência, como já foi dito, o rendimento
escolar depende não só da nutrição mas também dos estímulos que estas famílias darão
aos seus filhos. Tais estímulos podem ser prejudicados porque estas pessoas possuem um
41
problema muito maior, que é a fome. Sendo este rendimento escolar menor, surgirão
pessoas pouco instruídas, e por conseqüência pouco qualificadas, e em geral mal
remuneradas, causando a estes indivíduos um custo social e humano muito alto. Daí a
importância da escola para o “bóia-fria” por exemplo, que será uma das únicas alternativas
de quebrar este elo, pois indivíduos desqualificados têm menor possibilidade de ter filhos
qualificados. Não se quer aqui afirmar que os “bóias-frias” passam fome, apenas lembrar e
associá-los a esta falta de qualificação que faz com que seus salários sejam baixos
(ABRAMOVAY, 1983, p,27).
Ainda sobre este assunto, um outro ponto que vale ser ressaltado segundo
Carneiro e Pereira (2005, p.259), é que no Brasil a solução do problema da fome não reside
na ampliação sucessiva da produção de alimentos, uma vez que os recordes das colheitas,
graças ao uso de alta tecnologia, demonstram que a produção é muito maior do que o
consumo brasileiro, é então um problema político, que não prioriza as formas de distribuição
daquilo que é produzido no território. A legitimação da modernização agrícola brasileira, da
forma como tem sido conduzida nas últimas décadas, é visível nas políticas estatais e nos
discursos das grandes empresas estrangeiras (desde o seu início com a Revolução Verde),
que tem sido caracterizada por justificar o aumento da produção de alimentos para garantir
a “segurança alimentar” do país. Porém, este avanço na produção agrícola, tem colaborado
com a reprodução maciça da escassez no território, observada na grande massa de
miseráveis no campo brasileiro e também nas periferias das grandes cidades.
Nessas circunstâncias, segundo Abramovay (1983, p.53) a falta de
alimento não é fator gerador da fome, pois os famintos vivem num mundo de fartura, ou
seja, num mundo que anos após anos, apresentam recordes nas produções de alimentos, o
que permite concluir que a fome é causada sim, por uma má distribuição de renda. O que
caracteriza o mundo contemporâneo do ponto de vista agrícola, não é sua incapacidade de
produzir uma quantidade de alimentos suficientes à boa alimentação de todos, mas de
destinar estes alimentos a quem mais necessita. O tamanho da refeição e da qualidade
desta, dependerá do quanto poderão pagar por ela.
Além da má distribuição da produção alimentar existe ainda o problema da
subtilização da terra. O Brasil não produz em grande quantidade o alimento que sua
população necessita, pois, desde o início da colonização produz pensando em exportar.
Para Abramovay (1983, p.75), ”[...] quanto menor o mercado interno de um país, menores
serão as chances de que seu setor agrícola seja dinâmico, a menos que este setor se volte
justamente para o exterior”. A pobreza da população então, leva as safras agrícolas para
atenderem os mercados externos, e este por conseqüência aumenta a pobreza. Segundo
Adas (1988, p.13):
42
[...] A pobreza é a causa da fome. A pobreza em que vivem milhões de
seres humanos é que deve ser responsabilizada por essa tragédia e, por
sua vez, sabe-se que a pobreza é uma criação humana. É resultado do
tipo de sociedade que construímos e ajudamos a manter com todas as
suas contradições.
Diferentemente disto pregava a chamada teoria neomalthusiana , cuja
argumentação resumidamente era: o crescimento populacional acelerado dos países
subdesenvolvidos é um forte obstáculo ao desenvolvimento econômico, pois tornam-se
necessários grandes investimentos sociais (mais escolas, mais hospitais, mais postos de
saúde, etc) para atender ao aumento numérico da população. Isso impede ou dificulta, por
sua vez, a realização de investimentos em setores produtivos da economia, aprofundando
conseqüentemente o subdesenvolvimento. Em função disso, essa teoria defende o controle
da natalidade. Contudo, pode-se perceber, ao se analisar a realidade dos países
subdesenvolvidos que a fome deriva de problemas políticos, sociais, econômicos e culturais,
podendo assim ser destacados motivos como: concentração da renda da terra; agricultura
de exportação, difícil acesso aos meios de produção pelos trabalhadores rurais; avanço do
capitalismo no campo; influência das transnacionais de alimentos na produção agrícola e
nos hábitos alimentares da população dos países subdesenvolvidos; plantações para
produção de rações; relação entre cultura e alimentação, (ADAS,1988, p.33-34).
O Instituto de Economia Agrícola aponta que houve uma diminuição das
áreas de plantio de 32 produtos agrícolas, dentre eles: arroz (10%), feijão (13%), milho
(11%), batata (14%), mandioca (3%), algodão (40%) e tomate (12%), sem contar a redução
de mais de 1 milhão de bovinos e a queda da produção de leite no período de 2006-2007.
(Folha de São Paulo, 2007). Esta redução ocorreu em função do aumento da produção de
cana-de-açúcar principalmente para a produção de etanol, uma substância obtida da
fermentação de açúcares e que é utilizada como combustível de motores de explosão. O
etanol é uma fonte de energia renovável constituindo assim um mercado em ascensão
A concentração de terra no Brasil ainda é um dos maiores entraves à
superação da pobreza e da fome, visto que em algumas microrregiões brasileiras, as
propriedades acima de 500 ha chegam a ocupar 99% da área, gerando um extremo impacto
social. Essa concentração excessiva da terra, coincide em grande parte, com as áreas
destinadas às grandes monoculturas e/ou à pecuária extensiva. (CARNEIRO; PEREIRA,
2005, p 260).
A essa concentração da propriedade soma-se a improdutividade da terra.
De acordo com dados do levantamento cadastral do Incra, em 1996, mais de 35 mil imóveis,
considerados como latifúndios, estavam sem produzir. Esses ocupam mais de 60% da área
43
total cadastrada, ou seja, em torno de 166 milhões de hectares, realidade que não se alterou
significativamente nos últimos dez anos. (CARNEIRO; PEREIRA, 2005, p 263)
Atrelado a isso, os autores, deixam claro, que a concentração de capital
entre poucos produtores, e a ampla hegemonia do capital financeiro na atividade agrícola no
território brasileiro, age mais uma vez como elementos concentradores da terra, o que
acaba por obrigar os pequenos produtores a se sujeitarem como trabalhadores
arrendatários, parceiros ou assalariados nas grandes fazendas, ou ainda, a migrarem para
os centros urbanos, gerando um excedente de mão-de-obra pouco qualificado nas periferias
das cidades.
Uma forma de combate à pobreza é um acesso mais equilibrado à terra,
onde estas não fossem concentradas, e não fossem utilizadas, na grande maioria, para a
produção de culturas direcionadas às exportações.
Esse acesso á terra no Brasil, ao longo da história, aconteceu de forma
dificultosa para os menos privilegiados financeiramente. As leis relacionadas ao uso da terra
estiveram voltadas aos mais afortunados, aos que conseguiam comprá-la. A seguir será
demonstrado como este não acesso acontece e sempre aconteceu no Brasil.
1.4.1 O Capitalismo e o acesso a terra no Brasil
Segundo Andrade (1978, p.31), a colonização e o povoamento do Brasil,
iniciados na quarta década do século XVI, foram feitos visando o abastecimento do mercado
europeu . Portugal pretendia obter vantagens econômicas como mercado intermediário
entre sua colônia americana e aquele mercado. O sistema político foi organizado através
das Capitanias Hereditárias; através destas os donatários procuravam obter recursos e
mão-de-obra para dominar e escravizar os indígenas , apossar-se das terras férteis, destruir
as matas, fazer as plantações e implantar os engenhos de açúcar.
Ainda segundo o autor, primeiramente houve a tentativa de se escravizar
os índios, mas estes eram em pequeno número e fugiam mais facilmente porque conheciam
as matas. As terras foram divididas entre os cristãos, através de doações editadas por El
Rei ( Sesmarias). Passaram então a importar escravos negros africanos, autorizados pela
Coroa Portuguesa. A sociedade foi assim constituída por uma maioria de escravos que não
eram sujeitos de direito, mas considerados como coisas, como bens dos seus senhores. A
agricultura de subsistência era pouco produzida, pensava-se no mercado exterior. As
produções eram em grandes escalas e as sesmarias se estenderam formando mais tarde
os latifúndios.
44
O sistema escravocrata, porém, entraria em deterioração, quando a
ampliação da área povoada e a diversificação das atividades econômicas passaram a exigir
maior especialização, mão-de-obra de melhor qualidade, ao mesmo tempo em que o
crescimento demográfico contribuía para o crescimento de uma mão-de-obra livre e
pobre.(ANDRADE, 1978, p.34).
E, para Prado (2001, p.68), a tão sonhada emancipação que ocorreu em
1888 com a assinatura da Lei Áurea apenas deu ao negro o status de homem livre, sem
qualquer garantia econômica ou de assistência compulsória. Com a abolição, o negro
passou a não pertencer mais ao quadro econômico e a ser visto como um preguiçoso. Foi
criado o “problema negro”, a cor passou a ser sinônimo de: preguiça, indolência, alcoólatra,
desonestidade; ao passo que o “branco” era visto como perseverante no trabalho e mais
capacitado para todas as atividades.Esta população pobre e livre iria formar grupos
marginais que se tornaram arrendatários e parceiros. O Brasil deste período tinha como
base econômica o cultivo do café e este exigia muita mão-de-obra. Durante toda a
escravidão os negros trabalharam com o café e a madeira. Concorda com esta afirmação
Oliveira e Madeira (1986, p. 43) quando diz:
O café constitui durante todo o século XIX o mais importante produto
comercial de exportação no Brasil. Explorada ainda com base no regime
da escravidão, a cafeicultura deslocou-se do eixo entre o Rio de Janeiro
e São Paulo em direção ao oeste do Estado de São Paulo, na região
sudeste do País. Na época da abolição da escravatura, o chamado Oeste
Paulista constituía a mais importante região produtora.
Quando o tráfico negreiro foi proibido, fez-se necessário à importação de
trabalhadores assalariados de países, principalmente, europeus, iniciada na segunda
metade do século XIX. Entre 1886 e 1903 cerca de 97.000 estrangeiros entraram no Brasil.
Esta condição se manteve ativa até o início da Primeira Guerra Mundial, quando sofreu um
declínio (OLIVEIRA; MADEIRA, 1986, p.43). Iniciou-se assim a transição para o trabalho
assalariado, contudo, precisava-se de uma regularização do acesso a terra. Para Brito
(2004, p.12):
A Lei de Terras foi aprovada em 18 de setembro de 1850. Nela, proibia-
se a abertura de novas posses e restringia-se o acesso às terras
devolutas, a não ser pela compra. Estas se transformaram, segundo a lei
em monopólio do Estado Imperial e, mais tarde, em 1891, já na
República, em monopólio dos estados, consumando-se assim o controle
da propriedade territorial pelas oligarquias regionais.
Com a Lei de Terras o acesso a terra foi dificultado pois poucos poderiam
comprá-la. Para Graziano da Silva (1981, p.58), a Lei de Terras tinha como papel
45
fundamental fornecer o aparelho jurídico necessário para que se pudesse obrigar a mão-de-
obra livre a vender a sua força de trabalho . Ela sacramentou a noção da propriedade
privada adequada ao capitalismo à medida que só permitia o acesso a terra através dos
mecanismos de compra e venda. Propiciou os meios para que os proprietários rurais
reafirmassem o direito ao monopólio da propriedade privada da terra no país.
Segundo Nadalin (2001, p.70), a promulgação da Lei de Terras, ainda em
1850 significou uma vitória dos cafeicultores paulistas. A partir desta lei, as terras devolutas
só podiam ser adquiridas por meio de compra, dificultando as pretensões dos imigrantes
pobres. Os imigrantes que desembarcaram no Brasil, na maioria dos casos, não tinham
recursos, então só lhes restava a alternativa de trabalharem nos latifúndios cafeeiros.
O objetivo era restringir o acesso á terra, por meio do preço. Os imigrantes
teriam tal acesso, mediante o trabalho árduo nas fazendas cafeeiras. A forma de contrato
dos imigrantes era o colonato
11
, e este era o regime de trabalho que articulava a produção
de mercadorias com a produção para o autoconsumo. Suas bases podem ser encontradas
na necessidade de conciliar a mobilização maciça de trabalhadores livres com a
insuficiência de recursos dos fazendeiros para o pagamento de salários.(OLIVEIRA;
MADEIRA, 1986, p. 45).
As famílias eram contratadas segundo o número de trabalhadores que
possuíam. Eram normalmente famílias muito numerosas para garantirem maiores extensões
de terras sob seus cuidados. Tais famílias podiam produzir alimentos para sua subsistência
e criar animais.
Um século após a implantação da Lei de Terras, tem-se a implementação
do Estatuto do Trabalhador Rural (ETR, Lei 4.214 de 02/03/1963). Esta forma de relação de
trabalho não é nova, e muito menos brasileira, o trabalho por tarefa já constava, ao lado do
trabalho por tempo, nos Estatutos do Trabalho inglês e francês do século XIV (GONZALES;
BASTOS, 1982, p.42).
“Os empregadores rurais para se eximirem do pagamento dos direitos
regulados pelo ETR, restringiram, ou reduziram ao máximo, os trabalhadores agrícolas
residentes em suas fazendas” (STADUTO, 2004, p.60). Os donos de fazendas achavam que
com o ETR teriam que pagar um valor muito alto por uma mão-de-obra de baixa qualidade.
Surge aqui o trabalho itinerante, uma vez que os empregadores não mais aceitariam os
11
O colonato é uma forma de organização econômica e social rural na qual o trabalhador arrenda
uma porção de terra de outro sob condição de destinar parte de sua produção ao seu proprietário.
Uma outra forma de colonato é reservar um ou mais dias da semana para dedicar-se ao cultivo da
terra do proprietário. Constitui-se o colonato na soma de três condições: trabalho anual, empreitada e
acesso a terrenos para plantio de alimentos . As duas primeiras são monetárias e a terceira é um
paliativo para o rebaixamento dos gastos monetários com os trabalhadores. Do ponto de vista do
fazendeiro, ceder terras aos colonos significava certa autonomia em relação ao movimento dos
preços, uma vez que se diminuía a composição monetária da renda do colono. (TOSI et al, 2005).
46
vínculos empregatícios com os trabalhadores. Juntamente com o Estatuto na década de
1960, tem-se uma mecanização do campo. Essa mecanização, aliada a uma substituição de
culturas, possibilitou um aumento extraordinário da produtividade agropecuária. Com o
excesso de mão-de-obra, surge, e depois não deixa de existir, o “bóia-fria”. Assim, para
Staduto (2004, p.61):
[...] esse tipo de trabalho seria útil no processo de transição de uma
agropecuária tradicional para outra tecnicamente mais adiantada.
Principalmente nas décadas de 1970 e 1980, por um lado, o processo de
tecnificação do setor agropecuário intensificou-se, reduzindo a relação
trabalho/capital e, por outro, aumentou a relação entre trabalhador
temporário/permanente.
Nessas circunstâncias, para Silva e Rodrigues (1976, p.9), o Estatuto do
Trabalhador e o Estatuto da Terra
12
foram causadores do surgimento do fenômeno do
trabalhador rural volante, uma vez que contribuíram para a expulsão de muitos
trabalhadores das propriedades em que viviam, a fim de evitar a aquisição de “direitos” que
estes lhe proporcionariam. Houve também, para estes autores, uma contribuição para a,
mecanização agrícola, uma vez que diminuiu a quantidade de serviços no campo.
Isso remete a fatos que são identificados por Stein (1976, p.25),
[...] com a dispensa dos trabalhadores causada pela erradicação dos
cafezais, os trabalhadores pediam a indenização por tempo de serviço.
Isto significou a extensão radical da exclusão dos trabalhadores da
organização da fazenda: os proprietários tiveram que concordar com os
pedidos, desde que a Justiça do Trabalho aceitou, como provas de
tempo de serviço, os recibos de pagamento, as cadernetas de trabalho
usuais na lavoura do café e as testemunhas. Identificados porém esses
documentos, reconhecendo-os como mecanismos que podiam ser
acionados contra eles, os proprietários passaram a não aceitar qualquer
vínculo legal que comprovassem a relação de trabalho.
Assim, os empregadores não aceitam mais trabalhadores em suas
fazendas, optaram então pelo trabalho dos bóias-frias, já que esta forma de trabalho não
12
Pouco tempo depois do golpe de 64, o governo do marechal Castelo Branco enviou ao Congresso Nacional
um projeto, elaborado meses antes por empresários e militares, destinado a concretizar uma reforma agrária que
não representasse um confisco das terras dos grandes fazendeiros, mas que permitisse conciliar a ocupação e
utilização das terras com a preservação da propriedade capitalista e da empresa rural. Esse projeto, aprovado
rapidamente, transformou-se no Estatuto da Terra. O Estatuto abria o acesso à terra quando se olha o assunto
do ângulo dos proprietários, mas fechava o acesso à terra quando se olha o assunto do ângulo da grande massa
de trabalhadores sem terra. A reforma agrária beneficiaria preferentemente lavradores com vocação empresarial.
Ao mesmo tempo, as desapropriações só ocorreram no caso de conflitos ou de tensão social grave. Entre 1965 e
1981, o governo federal baixou somente 124 decretos de desapropriação de terras para fins de reforma agrária,
conforme levantamento feito no Senado Federal. O que dá menos de 8 desapropriações por ano, enquanto que
o número de conflitos por causa da terra foi de 70 por ano. (MARTINS, 1984, p.22).
47
teria este vínculo empregatício. Esses bóias-frias, nas cidades, seriam livres para venderem
sua força-de-trabalho para o empregador que quisessem. Estas são regras capitalistas.
O capitalismo e a modernização no campo gerou uma massa de
trabalhadores “livres” de toda forma de propriedade e que só tem sua força de trabalho para
vender. Ele é livre para vender sua força de trabalho para quem deseja comprá-la, e pode
deixar de vendê-la quando desejar. Contudo, há uma desigualdade muito grande neste
processo entre o salário e o lucro, que o capitalista obtém (BROIETTI, 2003, p.25).
A expropriação é uma característica do capitalismo, pois não há
capitalismo sem subjugação do trabalho. Este processo está articulado não só com a
transformação das relações de trabalho na agropecuária, tal como ocorre com o trabalho do
volante ou “bóia-fria”, mas também com as migrações para as cidades. Ao mesmo tempo
que cresce o número de expropriados, diminui o número de empregos. A expropriação do
trabalhador pelo capital, cria as condições para que ele passe a ser explorado. (MARTINS,
1982, p.55)
A propriedade familiar não é a propriedade de quem explora o trabalho dos
outros, é propriedade direta de instrumentos de trabalho por parte de quem trabalha, é a
propriedade do trabalhador. Seus ganhos não são lucros, são ganhos do seu trabalho e do
trabalho de sua família. Quando o capital se apropria da terra, esta se transforma em terra
de negócio, em terra de exploração do trabalho alheio; quando o trabalhador se apossa da
terra, ela se transforma em terra de trabalho. (MARTINS, 1982, p.60). A terra para o
capitalismo tem fim lucrativo, direto ou indireto, ou serve para explorar o trabalho de quem
não tem terra, ou é vendida por alto preço. A renda não existe apenas quando a terra é
alugada, ela existe quando a terra é vendida.
À medida que o capitalismo se instala no campo, ele provoca uma
dispensa progressiva de mão-de-obra, principalmente com a utilização de maquinários que
realizam as colheitas.
Para Graziano da Silva (1981, p.21); não basta que exista a propriedade
privada da terra para que exista a renda fundiária específica do modo capitalista de
produção. A existência da propriedade privada apenas viabiliza o proprietário da terra a
embolsar essa parte do trabalho social excedente. Na teoria da renda da terra, para Marx , o
progresso técnico representa uma maneira do capital superar a barreira representada pela
propriedade fundiária. Este progresso acontece a favor do capital.
De acordo com Prado (2001, p.43), o capitalismo causou ao campo
mudanças radicais; dentre elas, disseminou mecanismos coercitivos de expropriação dos
camponeses, através da instituição prática da propriedade capitalista da terra, alçando a
terra à condição de mercadoria, disseminando a ânsia pelo lucro sobre o reinado da
cooperação vicinal e do trabalho familiar, destruindo a tranqüilidade com o tenso processo
48
de derrubar e erguer cercas para ampliar as áreas que serviriam para produzir. A extensão
do capitalismo ao campo foi um processo extremamente violento contra os “sitiantes”. A
propriedade fundiária, era tida como domínio sócio-econômico, poder político embutido na
figura do grande fazendeiro, como membro das camadas socialmente privilegiadas, aquelas,
que tinham maior poder de aquisição, caracterizando uma existência dominada pelo signo
da atividade econômica e um estilo de vida concebido sob a égide dos valores da riqueza,
do trabalho e da economia.
O caipira, ou seja, o trabalhador sem instrução que vivia em pequenos
sítios distantes das transformações capitalistas, teve que se adequar à nova realidade. Para
Prado (2001, p.41);
Criando novas formas de ajuste ao meio, determinadas pela vinculação
ao mercado externo, quebrando o círculo da economia “semicerrada”, de
policultura rústica, erigindo núcleos de melhor equipamento material, com
relações espirituais e culturais mais intensas, o latifúndio tornou
periclitante o universo caipira, marginalizando-o (numa exclusão
integrativa): a cultura do caipira, como a do primitivo, não foi feita para o
progresso: a sua mudança é o seu fim, porque está baseada em tipos tão
precários de ajustamento ecológico e social, que a alteração destes
provoca a derrocada das formas de cultura por eles condicionada. Daí o
fato de encontrarmos nela uma continuidade impressionante, uma
sobrevivência das formas essenciais, sob transformações de superfície,
que não atingem o cerne senão quando a árvore já foi derrubada, e o
caipira deixou de ser.
Segundo Prado (2001. p.45), a ação e a mentalidade do fazendeiro, no
processo real da produção cafeeira, estiveram visceralmente atreladas à conformação da
grande fazenda como unidade de produção. Qualquer que fosse a extensão e a qualidade
da terra adquirida, o tipo clássico do latifundiário e escravocrata constituiu-se em proprietário
territorial, explorando ele mesmo, de forma capitalista, a sua propriedade, assim, auferindo
não só a renda, mas também o lucro.
A agricultura de subsistência era garantida pelos sitiantes medianos, uma
vez que os grandes já tinham uma visão voltada para o mercado externo.
Quando o café estava em alta, estes sitiantes eram pressionados para
vender suas terras. Muitos não conseguiam resistir, uma vez que para sobreviver no
capitalismo deveriam endividar-se comprando máquinas e insumos. Ficar no campo era a
única forma de não se tornarem trabalhadores assalariados.
No tocante aos cafeicultores, Prado (2001, p.41), discorre:
Personificando o “objetivo do lucro”, ou seja o processo intenso de
integração a uma economia de mercado, a grande fazenda simbolizou
uma sociedade, onde o capital, o café, e os escravos, “se misturavam
para produzir novos donos e uma nova ordem que serviria para
incorporar as comunidades camponesas ao mundo dos coronéis”.
49
No período que abrange o início da Primeira Guerra Mundial, até 1920, os
preços do café sofreram oscilações. Durante o período da guerra houve queda; em seguida
graças a um plano de estabilização do governo em 1917, os preços recuperaram-se,
estabilizaram-se, logo após, os preços chegaram a duplicar entre 1918-1919, em
conseqüência da geada de 1918. Os agricultores foram então incentivados a plantar. Havia
cerca de 50 milhões de cafeeiros. Nos anos de 1921 e 1922, a expectativa de uma enorme
safra de café provocou novas quedas nos preços (LEITE, 2003, p.35).
O comportamento da cafeicultura, em constante expansão, tornou-a mais
vulnerável. Em 1927/1928 e em 1929/1930 houve novas grandes safras coincidindo com o
início da crise de 1929, seguida pela depressão econômica dos anos iniciais de 1930. Esses
acontecimentos, decorreram da: superprodução e crise econômica capitalista, somados à
incapacidade do governo em obter financiamentos no exterior para sustentar os preços do
café naquele momento, provocando o “colapso” na cafeicultura. Os preços foram caindo e
em 1930 estavam reduzidos à metade dos alcançados em 1928. Apesar de esta não ser a
primeira crise da cafeicultura, foi considerada um divisor na história econômica do país. Os
reflexos dessa crise foram apontados como responsáveis por alterações estruturais na
economia brasileira devido à queda dos preços internacionais do café, provocando o início
da fragmentação do latifúndio cafeeiro (LEITE, 2003, p.36).
A crise de 1929
13
também foi apontada por vários autores, como a razão
da ocorrência de um ponto de inflexão no desenvolvimento da economia brasileira, em que
o investimento em atividades econômicas ligadas ao abastecimento do mercado interno
tornou-se o maior determinante do crescimento da renda. Os investimentos econômicos, ou
foram direcionados para outras atividades, ou permaneceram na agricultura, porém,
investidos em outras culturas além da cafeeira (cacau, algodão), base da economia até
então. (LEITE, 2003, p.37).
Durante o período de domínio do café, surge a figura do “camarada”, que
nada mais é que um antecessor ao “bóia-fria”; eram antigos meeiros das fazendas e
enquanto conseguiram assim se manter permaneceram nas fazendas, após este período,
eles passaram a residir nas periferias das cidades. O que o diferenciava dos “bóias-frias” era
13
Entre 1929 e 1933, o número de suicídios aumentou notavelmente em Nova Iorque, e isto estava relacionado
às falências, a ruína, a bancarrota de milhares de empresas, corretoras de títulos, especuladores, e o desespero
de simples aplicadores de poupanças na Bolsa. Acredita-se que este fato tenha influído nessa repentina “falta de
vontade de viver”. Durante os anos anteriores os negócios haviam sido excelentes. Pessoas enriqueciam muito
facilmente com especulações que faziam com que as ações aumentassem em 20 ou 30%. Em 24 de outubro de
1929, as ações caíram vertiginosamente iniciando a queda da Bolsa de Valores de Nova Iorque. Em pânico as
pessoas decidiram vender suas ações a qualquer preço. Os banqueiros lucraram porque compravam as ações
por preços inferiores. A Bolsa está ligada aos setores produtivos, então quando ela caí, atinge estes setores
como as produções de: café (no caso brasileiro), leite (Chicago) ou na criação de ovelhas (destruídas na
Austrália). O alicerce que sustenta a Bolsa, os negócios financeiros, os bancos, é a produção. Se esta última
sofre, pode atingir a Bolsa por uma queda nas cotações das ações. No entanto, uma crise na Bolsa pode fazer
com que a situação da produção seja muito ruim. (SANDRONI, 1981, p.7-18)
50
o fato de tratarem seus serviços de maneira direta com os fazendeiros, não sendo alvos dos
intermediários “gatos”, estabelecendo relações pessoais com os donos de terras e
garantindo uma certa estabilidade profissional. Estes tiveram seus papéis redefinidos com a
crise de 1929, ocasião em que a cana-de-açúcar entra em ascensão e os “camaradas”
tornam-se assalariados (PRADO, 2001, p.65). O “gato” segundo Carvalho (1991, p. 86)
seria:
Também chamado de empreiteiro nas ações trabalhistas, subemprega
trabalhadores sistematicamente para a realização das tarefas (empreitas)
durante a colheita. È responsável pelo trabalho dos trabalhadores
pagando-lhes a diária, e recebendo do proprietário por pés de café
trabalhados.
Este, após o café, continuou a desempenhar sua função. Hoje trabalha
com bóias-frias nas cidades, levando-os às colheitas, ou, como ocorre em Santa Margarida
reúnem as pessoas que levarão para as fazendas onde trabalharão na colheita de café.
Na área cafeeira, os colonos tinham o direito a cultivar lavouras de
subsistência entre os cafezais. Alguns moradores, trabalhavam de três a quatro dias para os
patrões, recebendo um baixo salário, e, tinham que plantar para sua subsistência nos finais
de semana, tinham direito à casa e podiam também criar animais. (ANDRADE, 1978, p.35).
Durante a década de 1960, o governo brasileiro criou o GERCA (Grupo Executivo de
Racionalização da Agricultura). Este desenvolveu dois programas, cujos objetivos eram a
erradicação de cafezais anti-econômicos, a modernização da cafeicultura brasileira e a
substituição destes cafezais por lavouras em bases modernas. Segundo Carvalho (1991,
p.72) isto aconteceu da seguinte maneira:
O primeiro plano de erradicação, a partir de junho de 1961, realizou
estudos sobre a economia cafeeira, levando à criação do GERCA. Este
foi criado em 29 de outubro de 1961. Na primeira fase (1962 a 1966) este
programa, cuja meta era a de erradicar dois bilhões de cafeeiros, pagava
indenização de CR$15,00 por pé de café eliminado, o que equivalia na
época à cerca de 80% do valor da produção, correspondente à produção
que se utilizava deste programa , escolheria a cultura a substituir o café,
sem exigências de técnicas agronômicas, caso fossem lavouras
temporárias. O Banco do Brasil financiava as lavouras através do CREAI.
Este programa deu bons resultados nos anos de 1962 e 1963,
diminuindo os resultados a partir de 1964. Em 1965 a indenização por
cafeeiro era de apenas 8% do valor da produção média. Entre 1962 e
1963 foram eliminados 587,5 milhões de cafeeiros (678 mil ha) e, de
janeiro de 1964 a julho de 1966, foram eliminados 136 milhões de
cafeeiros. A segunda fase entrou em execução em agosto de 1966,
sofrendo alteração em relação ao anterior. Os resultados desta última
fase do programa de erradicação foram prejudicados pelas fraudes
ocorridas. O preço pago foi considerado alto e ocorreram pressões para
que ele aumentasse mais.
51
Segundo a autora, a geada de junho de 1967, no Paraná, danificou cerca
de 500 milhões de cafeeiros. O GERCA então totalizou os 2 bilhões estabelecidos em 1962.
As pastagens foram a escolha principal dos grandes cafeicultores que erradicaram café nos
anos de 1962 e 1963.
Gradativamente, a relação entre trabalhadores e proprietários foi
caminhando até o sistema assalariado. Segundo Andrade (1978, p.35), ”teríamos então um
modo de produção de transição entre o escravista e o capitalista que não seria o feudal,
nem o capitalista”. Este modo de produção se caracteriza pelo fato do trabalhador não ter a
propriedade da terra, embora possuindo os instrumentos de produção, não ser fiscalizado
diretamente pelo proprietário em suas atividades no campo, como ocorria com o escravo e
ocorre com o bóia-fria. Durante a escravidão havia os feitores, e no caso do bóia-fria, existe
o “gato”. Segundo Carvalho (1991, p.86), antes do bóia-fria tem-se o surgimento do diarista;
este assim se caracterizava;
Era morador na fazenda, mas recebia somente por dia trabalhado e não
por “empreita” realizada. Nos dias de chuva ou quando esse tipo de mão-
de-obra não era necessária, não havia pagamento da diária. O “diarista”
tanto podia ser algum membro da família cujo chefe trabalhava e morava
na fazenda, ou, uma pessoa contratada só para este trabalho, formando
uma espécie de exército de reserva de mão-de-obra na preparação e
durante a colheita.
Atualmente, o diarista e o bóia-fria praticamente se confundem pela
eventualidade do trabalho e por não residirem nos locais de trabalho.
Conforme o Andrade (1978, p.35), a expansão do capitalismo no campo é
caracterizada pelo fato de o trabalhador se proletarizar, isto é, tornar-se um assalariado que
vende sua força de trabalho e é por isso remunerado em dinheiro. O proprietário era
conhecedor dos dispositivos do Estatuto da Terra e do Estatuto dos Trabalhadores Rurais,
que protegia os trabalhadores. Assim, diminuiu o número de trabalhadores que residiam em
suas propriedades. Os trabalhadores, de início, vão preferir os salários, uma vez que
representava uma garantia maior, ao passo que os cultivos sempre geravam incertezas,
podendo haver a ocorrência de geadas, secas ou enchentes. Os salários oferecidos aos
trabalhadores são nominalmente mais elevados, mas realmente inferior ao que desfrutava
quando morava nas propriedades.
As políticas de desenvolvimento agrícola sempre foram mais favoráveis
aos grandes proprietários e à agricultura de exportação. Há um favorecimento ao processo
de mecanização agrícola e à modernização. A conseqüente proletarização das camadas
rurais vem desde a dominação do sistema de grande propriedade implantado no período
52
colonial, de produzir para o mercado externo; essas culturas são totalmente dependentes
dos mercados externos. (ANDRADE, 1978, p.38).
Na mesma direção, Staduto (2004, p.61) coloca que, na década de 1970, o
governo brasileiro, através do Banco do Brasil, oferecia empréstimos generosos para
aqueles que quisessem mecanizar suas lavouras. O governo oferecia incentivos fiscais para
os proprietários que plantassem: milho, soja e laranja, garantindo um preço mínimo para os
produtores. Os empréstimos, no entanto, não vinham acompanhados de instruções quanto
ao uso adequado desta mecanização, e o resultado foi que, a terra trocou de dono, os
pequenos e médios proprietários que deveriam ser os grandes beneficiados, perderam suas
terras. Os grandes proprietários, como possuíam capital e instruções, rapidamente
aprenderam a lidar com esta mecanização. Houve nesta década uma diminuição na
produção de alimentos para o consumo interno e uma expansão na produção para
exportação. Os que perderam suas terras migraram para as cidades, que experimentaram
um intenso crescimento populacional, particularmente em suas periferias.
A década de 1980 foi marcada por uma grande urbanização, que teve
início na década de 1970, provocada principalmente pelas transformações que ocorriam no
campo. “Ou seja, a penetração do capitalismo na agricultura ocasionou a modernização dos
instrumentos e meios de trabalho (tratores, máquinas, fertilizantes, novas sementes), a
concentração das terras entre os grandes proprietários e a mudança na maneira de
produzir” (GRAZIANO DA SILVA, 1981, p.10).
Na década de 1990, houve fortes pressões competitivas com a rápida
abertura comercial e a readequação da economia para se ajustar à crise fiscal do Estado
brasileiro. Esta década foi palco de mudanças significativas na política de comércio exterior
brasileira. O período se caracterizou por um processo de abertura comercial abrangente,
que se iniciou no governo Fernando Collor de Mello e se estendeu até o governo de
Fernando Henrique Cardoso.
De acordo com Lacerda (2003, p.169-171), a partir desta década, o Brasil
implementou um conjunto de políticas liberalizantes. O crescimento sustentado foi abortado
por ciclos de instabilidade que encontraram a economia debilitada, com a ampliação da
vulnerabilidade externa. A conseqüência é que fosse pelas restrições no balanço de
pagamentos, as de ordem fiscal, ou de limitações da capacidade produtiva, o crescimento
econômico esteve sempre subordinado às políticas de estabilização e de ajuste às
transformações internacionais. A “modernização conservadora” da economia brasileira neste
período, significou uma forte estruturação da produção, tendo como pano de fundo o novo
paradigma industrial baseado nas mudanças provocadas pela globalização, a abertura da
economia, a privatização e a desregulamentação. A conseqüência é que a maior exposição
53
ao mercado internacional induziu as empresas locais a uma reestruturação defensiva, na
busca de padrões de competitividade.
Ainda segundo o autor, como principais conseqüências desse ajuste,
ocorreu um significativo aumento do grau de desnacionalização da economia, a ampliação
da vulnerabilidade das contas externas e a desarticulação do Estado como indutor do
desenvolvimento. Houve também uma substituição da produção local por importações,
desestruturando importantes cadeias produtivas e provocando impactos expressivos na
balança comercial e de serviços. A crise ainda foi agravada graças as crises mexicana,
russa, asiática e argentina.
Atualmente, novos setores da agropecuária brasileira estão sofrendo
rápidas transformações, como é o caso das grandes regiões canavieiras paulistas. Tais
regiões sofrem pressões dos ambientalistas (quanto às queimadas da cana-de-açúcar) e do
avanço tecnológico, como o surgimento de máquinas mais eficazes na colheita da cana-de-
açúcar, que poderão resultar na redução do uso da mão-de-obra assalariada. São exemplos
de tecnologia poupadora de mão-de-obra: máquinas que fazem o corte e a limpeza da cana-
de-açúcar nas áreas mecanizáveis, como já foi dito; colheitadeiras de café e algodão;
ordenhadeiras mecânicas. Estes são exemplos que evidenciam uma grande evolução do
capitalismo na agropecuária brasileira, visando sempre aumentar a produtividade
(STADUTO, 2004, p.65).
Desta maneira, pode-se constatar no tocante à utilização de mão-de-obra
assalariada: na década de 1970 houve uma grande utilização desta; na década de 1980 o
crescimento desta utilização foi mais lento; na década de 1990 houve um decréscimo; nos
dias atuais os bóias-frias sofrem com o desemprego. Este desemprego os obriga a realizar
migrações. Segundo os Censos Demográficos, são migrantes todos aqueles que moram a
menos de cinco anos no município de residência na data que os mesmos ocorrem. As
migrações ainda acontecem por muitos motivos, entre eles, pela realização do sonho de
melhorar de vida e por alguns outros que serão mencionados a seguir.
1.5
O MIGRANTE E SUA TRAJETÓRIA
Perseguições políticas, ameaças naturais ou questões econômicas podem
ser motivos que levam as pessoas a deixarem seus locais de origem para procurarem
condições melhores de sustento e melhoria de vida para si e para suas famílias. Segundo
Souza (1986, p 25):
54
Migrações acontecem de formas variadas e com uma natureza muito
diversa, podendo assumir rumos diferenciados ou até mesmo
contraditórios e significar, para os indivíduos, famílias e grupos sociais
envolvidos, mudança permanente ou transitória de residência ou, ainda
deslocamentos com periodicidade sistemática.
Quando migram, estas pessoas normalmente levam consigo apenas sua
força de trabalho e ao terminarem retornam aos seus locais de origem.
“O imigrante é uma força de trabalho, e uma força de trabalho provisória,
temporária, em trânsito” (SAYAD, 1998, p.12). Sposito (1992, p.26), acrescenta que;
a migração é a expulsão da terra de origem e , ao mesmo tempo, busca
de novos caminhos. Enquanto busca, acalenta projetos, sonhos e
esperanças. É verdade que o agravamento das condições de vida no
campo e a hostilidade da cidade têm deteriorado o conteúdo do sonho e
do projeto, talvez negando não só o direito de ser mas de vir a ser
consubstanciando em uma idéia de futuro. Mesmo assim, os migrantes e
suas famílias lutam por um destino melhor e condensam nos filhos a
possibilidade de sua realização.
Ao migrar, ao deixar seus familiares, o migrante leva consigo somente as
expectativas de que conseguirá atingir seus objetivos que é conseguir dar sustento a sua
família. Mas a realidade nem sempre corresponde as tais expectativas. O migrante, então,
se depara com a falta de emprego, moradias inadequadas e a falta da família. Os sonhos
são interrompidos e até o retorno ao lugar de origem torna-se impossível.
A migração pode ter dupla contradição, ela pode ser provisória ou o
migrante pode se instalar definitivamente no lugar de recepção.
A sociedade que recebe esse migrante também o vê sob o prisma desta
contradição, é a manutenção da ilusão coletiva de um estado que nem é provisório nem
permanente. As comunidades de origem dos migrantes, na grande maioria das vezes, agem
como se os migrantes fossem simples ausentes, estes enviam um montante significativo de
dinheiro para os entes que permanecem no local de origem, sendo importante inclusive para
a economia de onde partem.
Os migrantes sempre foram necessários para a expansão econômica. “A
decisão de migrar está sempre vinculada a uma escolha racional entre os fatores positivos e
negativos nas áreas de origem e nas áreas de destino dos fluxos migratórios [...]”.
(PACHECO; PATARRA,1993,p.36).
Os migrantes tentam se convencer de que a sua condição é provisória,
mas a própria sociedade lhe nega todo o direito por considerá-lo provisório como se este
provisório fosse interminável. O homem, nesta condição de migrante, vai gerar lucros e
55
despesas para as sociedades que o recebem. Lucros porque se submete a uma
remuneração que não condiz ao valor do seu trabalho, despesas porque retirarão destas
sociedades custos sociais e culturais.
O migrante tanto influencia a sociedade onde está inserido como é
influenciado por ela. Seus costumes, suas tradições são transmitidos onde quer se encontre,
assim como assumem costumes das sociedades onde se encontram.
A qualidade de homem, ou seja, seus anseios, suas angústias, seus
medos,está subordinada à condição de migrante. Não é qualquer trabalho que ele
desempenha e sim o trabalho do migrante.
Em qualquer lugar que se encontre, o migrante é visto como um problema
social. Ele é sempre pensado como : o migrante e o emprego ou o migrante e o
desemprego; o migrante e a habitação ; os migrantes ou os filhos de migrantes e a escola;
os migrantes e o direito de voto; os migrantes e a sua integração; os migrantes e a volta
para sua terra; os migrantes e a velhice, ou os velhos migrantes; dentre outros problemas.
Os conflitos que se reproduzem nos locais de chegada já são inerentes ao próprio
capitalismo.Tanto o migrante quanto o local que o recebe toleram a migração por acharem
que ela é passageira. O migrante se atém a este fato para que seu sofrimento seja menor,
uma vez que é muito difícil para ele, estar em um país muito diferente, com cultura diferente,
se submetendo a trabalhos que só o migrante fará.
Ainda que o migrante tenha a esperança de retorno ao seu local de
origem, muitas vezes esta migração se estende por um tempo superior ao esperado por ele.
Há uma preocupação por parte dos locais que recebem migrantes, que esta migração
aconteça em demasia. Note-se que por razões de segurança nacional, de identidade cultural
e por questões de emprego, habitação e sistema de assistência, a grande maioria dos
países europeus teme uma imigração incontrolada. Porém, muitas destas preocupações
estão sendo transformadas em restrições raciais. Os migrantes educados são desejados,
enquanto os pobres, analfabetos, de diferentes culturas e religiões são indesejados.
De outra forma, ressalta-se que “as migrações seriam um mecanismo de
ajuste destinado a eliminar os desequilíbrios entre as regiões ou os setores econômicos
onde haja “excedente” de mão-de-obra e aqueles onde haja “falta”. Seriam fluxos entre
áreas” (RUA, 1997, p.60). Assim, os países que são receptores, recebem uma gama cada
vez mais variada de imigrantes, é a chamada “globalização das migrações”. Este tipo de
migração pode ocorrer em países desenvolvidos e industrializados que atraem muitas
pessoas.
Tem-se dentre os grupos de migrantes os deslocamentos que se
configuram como ”fuga de cérebros”. Este grupo normalmente entra nos países de forma
legalizada, tem habitação e emprego fixos, formando um grupo mais intelectualizado.Em
56
contraposição, trabalhando no setor periférico da economia, tem-se grupos de migrantes
que não terão treinamento, realizam trabalhos temporários, sendo na maioria das vezes
domésticos. Estes trabalhadores estão disponíveis para qualquer trabalho mal remunerado,
a qualquer hora e em qualquer lugar.
Países como o Brasil correm este risco de perderem pessoas que
estudaram em escolas públicas, onde houve um investimento por parte do Estado. Isto
ocorre na maioria das vezes porque os pesquisadores, professores, dentre outros
profissionais não são adequadamente remunerados. Há então uma fuga para países que
reconhecem estes profissionais remunerando-os melhor. O contrário ocorre com as pessoas
que não tem uma especialização e procuram empregos temporários em outros países.
Estes são pouco esperados, principalmente quando os países para onde pretendem migrar
não necessitam desta mão-de-obra por eles oferecida. Contudo, a migração não é apenas
internacional, ela ocorre dentro dos países e por motivos diversos.
1.5.1 As migrações internas brasileiras
As migrações internas são historicamente condicionadas sendo o resultado
de um processo global de mudança, do qual elas não devem ser separadas visto que:
Ravenstein por exemplo, estudou as migrações internas na Grã-
Bretanha, no contexto da Revolução Industrial. Suas “leis de migração”
dificilmente se aplicariam às grandes migrações dos povos germânicos
que puseram fim ao Império Romano ou às migrações dos ameríndios do
norte ao sul do continente, no período pré-colombiano”. (SINGER, 1998,
p.29)
Estas leis se aplicam às migrações do campo à cidade de numerosos
países em processo de industrialização, inclusive vários da América Latina. Elas foram
criadas com o processo de industrialização porque este provocou alterações na divisão
social do trabalho.
Esse processo, ao redefinir as articulações de economia, passou a
provocar, no meio rural, situações de expulsão de populações que não conseguiram incluir-
se às formas capitalistas de produção. Os efeitos migratórios de tais processos foram
bastante diversificados. Para Singer (1998, p.30):
57
A aglomeração espacial da atividade industrial se deve à necessidade de
utilização de uma mesma infra-estrutura de serviços especializados
(energia, água, esgotos, transporte, comunicações, etc) e as economias
externas que decorrem da complementaridade entre os estabelecimentos
industriais
.
A industrialização fez surgir novos serviços como: educação, pesquisas
científicas, governamentais, de finanças, de contabilidade. A cidade é o lugar onde os
serviços se realizam. “As migrações internas são então uma mera redistribuição espacial da
população que se adapta, em última análise, ao rearranjo espacial das atividades
econômicas” (SINGER, 1998, p.31).
Ainda no século XIX, o capitalismo, segundo Singer (1998, p.32) consegue
encontrar instrumentos no sentido de acelerar a acumulação do capital e, de encaminhar o
excedente acumulável para as empresas, no entanto, os arranjos institucionais que
promovem a industrialização nem sempre se dão da mesma maneira em diversos países;
como pode ser observado isto ocorreu de maneira diferenciada: a industrialização britânica
requereu um tipo de política de comércio externo (livre-cambismo) ao passo que a alemã e a
americana exigiram outra oposta (protecionismo).
Nessas circunstâncias, para o autor
, a concentração do capital é
necessária ao progresso tecnológico. Esta concentração do capital e a concentração
espacial das atividades possuem, no capitalismo, um nexo causal comum. À medida que a
ocupação humana aumenta, as autoridades públicas necessitam ampliar os serviços
públicos. As indústrias, normalmente, se isentam de pagar os impostos que lhe são cabíveis
e transferem esses impostos para o consumidor, no valor final do produto O mercado
imobiliário também encarece o solo das áreas bem servidas de infra-estrutura.
As cidades mais industrializadas são mais atraentes, assim as
desigualdades regionais vão sendo criadas, e estas podem ser encaradas como motor
principal das migrações internas que acompanham a industrialização nos moldes
capitalistas.
A indústria, como já foi dito, concentra-se nas cidades, e para trabalharem
nesta, as pessoas deveriam estar próximas. Os trabalhadores então, se fixam nas cidades
por diversos fatores.
Podem ser considerados como fatores de expulsão do campo para as
cidades, fatores de mudança, como: introdução de relações capitalistas no campo tendo
como conseqüência a expulsão de agregados , parceiros e outros agricultores que não são
proprietários ou então , expropriação das terras indígenas. Segundo Singer (1998, p.36),
são fatores de estagnação: a crescente pressão populacional sobre a disponibilidade de
58
áreas cultiváveis que pode ser limitada tanto pela insuficiência física da terra como pela
monopolização de grande parte da mesma pelos grandes proprietários.
Na mesma direção, Singer (1998, p.38), coloca que do ponto de vista
econômico, os fatores de mudança tem um sentido oposto aos de estagnação. Os fatores
de mudança fazem parte do processo de industrialização, quando ele atinge a agricultura,
traz consigo mudanças de técnicas e aumento da produtividade do trabalho. O processo de
estagnação leva a população rural a migrar quando há um crescimento vegetativo da
população rural. São exemplos de mudanças: o alto investimento em tecnologia,
principalmente os relacionados à produção, como sementes selecionadas e até modificadas
geneticamente e as máquinas de colher cana-de-açúcar.
Os fatores de mudança ou de estagnação podem ainda ser considerados
como “propulsores” e “regressivos”. Os propulsores levam o progresso (desenvolvimento de
uma região, prosperidade) para novas áreas, enquanto os regressivos esvaziam outras
áreas, causando um desnível regional em toda a nação. Este processo de expulsão é muito
vantajoso para os grandes latifundiários que terão mão-de-obra abundante e barata. Assim
sendo,
A mobilidade espacial sempre fez parte da história da população rural
brasileira, principalmente de camponeses. Ela foi imposta pelo
predomínio do fazendeiro sobre a terra, que raramente admitia a
permanência estável de moradores e os incorporava ou expulsava de
acordo com os interesses e circunstâncias (RIBEIRO, 2004, p.244)
A mobilidade também resulta das técnicas agrícolas (entrega do solo
ao descanso), onde o produtor era forçado a procurar novas terras para o plantio.
Quando os filhos se casavam e constituíam suas famílias, mudavam-se para outras
terras que, muitas vezes, eram distantes.
A migração pode ainda ser caracterizada como uma mobilidade da
força de trabalho, ligada à expansão e articulação dos mercados de trabalho no
país. Argumenta-se que a migração é uma estratégia importante para a reprodução
social do grupo, pois:
A mobilidade de trabalhadores é explicada como resultado de mudanças
sociais, no sentido da modernização do processo de produção e das
relações de trabalho. Segundo a conceituação “proprietários marginais”
expressa não apenas as condições concretas desses trabalhadores em
relação à apropriação da terra e à dependência de salários, mas
também, uma representação teórica da realidade (MENEZES, 2002,
p.48).
59
Normalmente há uma maior mobilidade de migração para locais que
desempenham atração econômica, como empregos. Essa característica é mais perceptível
com migrantes que não possuem especialização como é o caso dos bóias-frias de Santa
Margarida, objeto de nossa pesquisa empírica.
Pesquisas de migrações localizadas podem favorecer a uma conclusão
sobre as causas determinantes da migração, pois numa perspectiva dinâmica, podem
mostrar o surgimento de novos padrões migratórios.
Ainda segundo Singer (1998, p.33) os governos se vêem obrigados a
desenvolverem as regiões que estão estagnadas, dispondo de um considerável potencial de
mobilização política. É dada ênfase a implantação de infra-estrutura: transporte, energia,
comunicações, assim como incentivos econômicos (caráter fiscal ou creditício às empresas
que se instalarem em tais regiões). O desenvolvimento regional facilita a penetração do
capitalismo na agricultura das áreas a serem desenvolvidas, passando-se assim de
estagnação para atração. O fator de atração mais importante é a demanda por força de
trabalho. Esta força seria uma oportunidade econômica que atrai na medida em que
oferecem uma remuneração mais elevada para o migrante. Muitas vezes o migrante já
chega endividado e precisa trabalhar para pagar os custos da viagem, submetendo-se a
salários mais baixos.
Note-se que o número de migrantes dependerá dos fatores de expulsão.
Os fatores de mudanças no campo criam uma espécie de desemprego tecnológico. É o
desemprego causado pelos avanços tecnológicos como a mecanização, onde antes a mão-
de-obra humana era essencial, após a introdução das máquinas, ela se torna dispensável
(SINGER, 1998, p.34).
Somente com a utilização adequada da mais-valia
14
(que é criada graças
ao aumento da produtividade do trabalho) pelos proprietários, credores e governo, é que o
desemprego tecnológico será ou não compensado pela criação de novos empregos.
As mudanças tecnológicas nos países não-desenvolvidos acontecem de
maneira mais intensa pois, ramos de produção inteiros são implantados de uma só vez,
submetendo a estrutura econômica a choques muito mais profundos, ao contrário do que
ocorre nos países desenvolvidos onde as tecnologias desenvolvem-se de maneira constante
e as mudanças são menos bruscas. Nestas condições, as migrações são mais intensas nos
14
Mais-valia é o nome dado por Karl Marx à diferença entre o valor produzido pelo trabalho e o salário pago ao
trabalhador, que seria a base da exploração no sistema capitalista.Marx chama a atenção para o fato de que os
capitalistas, uma vez que pagaram o salário de mercado pelo uso da força de trabalho, podem lançar mão de
duas estratégias para ampliar sua taxa de lucro: estender a duração da jornada de trabalho mantendo o salário
constante - o que ele chama de mais-valia absoluta; ou ampliar a produtividade física do trabalho pela via da
mecanização - o que ele chama de mais-valia relativa. Em fazendo esta distinção, Marx rompe com a idéia
ricardiana do lucro como "resíduo" e percebe a possibilidade de os capitalistas ampliarem autonomamente suas
taxas de lucro sem dependerem dos custos de simples reprodução física da mão-de-obra. (MURTEIRA, 2006).
60
países não desenvolvidos. Ao mesmo tempo, os fatores de estagnação podem gerar um
fluxo migratório considerável. Desta forma,
A importância das migrações internas para o desenvolvimento do país é
algo indiscutível, e o fenômeno está intimamente associado às
transformações deflagradas pela evolução do sistema econômico em
suas várias manifestações setoriais e espaciais. Trata-se de um
componente decisivo do processo de formação do mercado de trabalho,
por meio do qual a expansão capitalista explicita as adaptações e/ou
rupturas com as estruturas sociais anteriores, reordenando os espaços
econômicos e produzindo concentração e desigualdades regionais.
(MATOS, 1995, p. 46).
Percebe-se assim que a migração interna articula os mercados internos do
país. Os migrantes deslocam-se em busca do sustento de suas famílias, de uma condição
melhor de sobrevivência e colaboram com esta articulação.
De outra forma, no Brasil, segundo Singer (1998, p. 49), alguns migrantes
enviam a seus familiares, que permanecem nas áreas de subsistência, parte de seus
ganhos, reduzindo o volume da demanda efetiva na cidade. Outros que não conseguem
empregos fixos praticam atividades autônomas, prestarão serviços como: vendedores
ambulantes, carregadores, serviços de reparação, entre outros. A oferta de força de trabalho
da migração é absorvida em grande parte pelos serviços domésticos, cujo significado é nulo
para o capitalismo, podendo ser encarado como um “falso emprego”.
Muitos estudiosos do assunto consideram as migrações como um
fenômeno social nefasto, pois, só o desenvolvimento cria as condições que permitem uma
expansão vigorosa da economia urbana da qual pode resultar a absorção produtiva, embora
com retardo, da mão-de-obra trazida à cidade pelas migrações (SINGER, 1998, p.50).
Há que se considerar ainda, que as migrações internas têm caráter
coletivo e normalmente ocorrem por três motivos: econômico (procura de trabalho, melhora
das condições de vida), para acompanhar o esposo, família ou algo do estilo ou ainda pela
ocorrência de fenômenos naturais como as secas.
Os desempregados têm de migrar para outra área em busca de meios de
vida. São na grande maioria ex-assalariados, diaristas, peões, isto é, formam um grande
grupo que não tinha propriedades, não tinha solo. Mais tarde migram os proprietários por
não possuírem recursos para acompanharem as mudanças tecnológicas. Quando a
produção é muito grande, o preço baixa e os pequenos produtores, na grande maioria,
acabam indo à falência. O desemprego, no entanto, não atinge todos ao mesmo tempo, num
primeiro momento os trabalhadores mais novos são despedidos, os proprietários que se
endividaram são arruinados mais tarde. Parte dos desempregados ainda permanece no
61
local à espera de melhorias, e são sustentados por membros da família que trabalham, ou
praticam trabalhos casuais; outros descontentes com o salário baixo do local, migram para
tentar melhorar suas condições de sobrevivência. Os jovens, alfabetizados, solteiros tendem
a migrar antes. Este é o perfil dos primeiros migrantes que depois poderá ser seguido pelo
restante da família, ou não. Assim, num primeiro momento a migração atinge o assalariado
por ter menos recursos financeiros; a seguir migram os arrendatários, por não conseguirem
sobreviver economicamente às adversidades, e por último migram os pequenos
proprietários. Estes permanecerão no local, só retirando-se quando não houver mais meios
de sobrevivência. Resistem por terem vínculos de ordem emocionais a estes locais. As
propriedades, algumas vezes, foram herdadas, então as histórias de vida devem ser
consideradas.
Segundo Menezes (2002), a importância das remessas de dinheiro,
provenientes de trabalhos assalariados é uma demonstração da transformação dos
camponeses
15
em trabalhadores assalariados (durante uma parte do ano), pois, em termos
materiais eles são proletários, e essas remessas de dinheiro são essenciais para a
existência de relações sociais capitalistas.
É possível que sucessivos movimentos migratórios sejam desencadeados,
das cidades menores às maiores. Os migrantes da pequena burguesia rural (pequenos
proprietários e arrendatários) também podem fugir da estagnação econômica e social e da
falta de perspectiva de mobilidade social. Estes possuem mais recursos econômicos. Tais
pessoas são normalmente amparadas por suas famílias, que permanecem nas propriedades
rurais. Estes jovens (na grande maioria), podem também migrar para fora do país. Deste
modo, uma mesma área é lugar de destino para um fluxo migratório e lugar de origem para
outros.
As migrações internas desempenham papel de grande relevância nas
transformações das estruturas econômicas e sociais. A adaptação do migrante recém-
chegado ao meio social, normalmente se dá com uma ajuda mútua e de solidariedade de
migrantes mais antigos.
15
A noção de camponês surge no Brasil nos anos 50 pela via política, com as Ligas Camponesas. O objetivo
era dar unidade de classe à diversidade das populações agrárias não proprietárias de terras e não proletárias. O
camponês então neste contexto é percebido como sujeito social desprovido da terra e não assalariado, ou seja,
era uma outra categoria. Cria-se então a necessidade de saber de quem se estava falando. Com efeito, o termo
camponês apontava para a construção de um sujeito histórico e um sujeito político, sendo incorporado pelo
discurso acadêmico, que na sua maioria percebia as populações rurais somente na dimensão econômica, como
uma atividade, e não como um mundo entrecortado de relações sociais e com estreita relação com o urbano.
Convém ressaltar que o camponês genérico não existe, varia segundo as suas particularidades, diferenças
regionais, relações de produção, de poder, entre outras. Campesinato é sinônimo de produção familiar. Seu
cerne consiste no acesso estável à terra, na produção familiar (com recurso eventual à mão-de-obra externa à
família) e de subsistência (ainda que com alguma ligação ao mercado) e, por fim, certo grau de autonomia na
gestão de sua parcela de terra. Caracteriza-se ainda a produção camponesa por não acumular capital (ou sobre-
trabalho) e por repassar parte de seu excedente à sociedade, ao modo-de-produção dominante. (LOPES, 2004).
62
Os imigrantes da cidade e da pequena burguesia encontram seu lugar
mais rápido na sociedade aonde chega, em função de sua escolaridade, a qual muitas
vezes é condicionada pelo nível ocupacional do pai e pela escolaridade do pai e da mãe.
Os países capitalistas não desenvolvidos possuem um excedente de
reserva que é constituído menos por desempregados e mais por: serviçais domésticos,
trabalhadores de ocasião (biscateiros) , ambulantes de todo tipo (vendedores, engraxates,
reparadores, entre outros). Normalmente estas pessoas fazem migrações internas.
As migrações internas conduzem ao mercado de trabalho capitalista,
pessoas que anteriormente estavam integradas à economia de subsistência, principalmente
as ligadas ao campo. Segundo Matos (2002, p.49),
As migrações internas e o processo de urbanização têm sido muito
importantes na redistribuição da população no espaço há várias décadas.
O dinamismo da urbanização também é resultante das altas taxas de
crescimento vegetativo da própria população urbana e da impressionante
contribuição das migrações internas do tipo campo-cidade
.
No Brasil, não foi diferente, as migrações contribuíram e muito para a
distribuição da população por todo o país.
Em função das modificações ocorridas nas dimensões econômicas, sociais
e políticas em nível nacional e internacional, as migrações foram mudando ao longo da
história do país. Houve um aumento dos trabalhadores assalariados. Estes trabalhadores,
nas cidades são submetidos a: baixos salários, intensificação da jornada de trabalho,
ausência de direitos trabalhistas. Muitos não possuem casa própria e são obrigados a se
abrigarem em favelas.(MENEZES; GONÇALVES, 1986, p.78).
Ainda para os autores, a migração brasileira passou por três ocasiões
distintas: primeiramente os povos indígenas migraram ao contato com o invasor; em
segundo lugar migraram os negros que acompanhavam os ciclos econômicos em todo o
país; e o terceiro contingente era formado pelos europeus chamados de “braços livres para
a lavoura”.
Cada ciclo econômico trouxe consigo um fluxo migratório. O novo ciclo a
“industrialização”, repete a história. É a partir de 1930 que as migrações internas passam a
ser mais representativas e volumosas que a imigração estrangeira. Inicia-se então, um fluxo
do campo para a cidade, que se intensifica década a década, e persiste até os dias atuais.
(MENEZES; GONÇALVES, 1986, p.10).
Segundo Vainer (2000, p.20), após um período em que praticamente se
suspendeu a imigração, em vista do desemprego e da crise urbana e rural, importantes
alterações foram feitas na legislação, sendo de destacar que, no campo das migrações
63
como em tantos outros, assistiu-se uma dramática concentração de competências no
governo central. A nova legislação (a Legislação de 1934) veio, porém consagrar a
preocupação com a criação de um forte e centralizado aparato legal manifestamente voltado
para a seleção eugênica, moral e política dos imigrantes. Assim, os Decretos-lei número
24.215, de 9/5/1934, e número 24.258, de 16/5/1934, determinarão normas bem mais
rigorosas que a legislação até então vigente (Decreto número 4.247, de 6/1/1921) na
definição dos indesejáveis; ficam proibidos de imigrar: os cegos, aleijados, portadores de
doenças incuráveis ou contagiosas, bem como os portadores “de conduta manifestante
nociva à ordem pública ou à segurança nacional”. Igualmente rígidos e detalhistas eram os
dispositivos referentes aos imigrantes que se dirigiam à agricultura, reiterando desta forma o
agrarismo característico da estratégia imigrantista. O imigrante tornou-se “perigoso” quando
era adepto do anarquismo, ou socialismo, ideologias dissolventes completamente estranhas
ao povo brasileiro, tido como pacífico.
Para Menezes e Gonçalves (1986, p.11), o Brasil nasce e se forma como
um país de migração: num primeiro momento acontece o movimento para a abertura e
ocupação das terras novas, a chamada fronteira agrícola. Este processo, que se deu
através de ciclos econômicos provocou fluxos migratórios para cada arrancada econômica:
negros para cana e ouro, europeus e negros para o café, nordestinos para a borracha.
Até 1930, os fluxos migratórios rumavam às novas fronteiras (marcha para
o Oeste do país), depois eles começaram a destinar-se também para as cidades. Tais
movimentos estavam intimamente ligados à estagnação ou ao crescimento econômico do
país. Segundo Pacheco e Patarra (1993, p.35), “a partir de 1930 passaram a intensificar-se
as migrações internas. Esses movimentos de população vincularam-se às transformações
econômicas, sociais e políticas da sociedade brasileira, relegando a um segundo plano as
migrações internacionais.”
Em 1940, um pouco menos de 13 milhões de pessoas viviam nas cidades.
Ainda segundo Pacheco e Patarra (1993, p. 40), o deslocamento do eixo dinâmico da
economia, mais propriamente a configuração de uma dinâmica de acumulação assentada
na indústria, aquilo que caracterizaria o longo período da industrialização brasileira, ou ainda
a montagem das bases materiais do capitalismo nacional, propiciariam movimentos
migratórios bastante diversificados. Além de migrações para as cidades e das migrações
inter-regionais, que ocorreram predominantemente nas décadas de 1940 e 1950, foram se
constituindo os movimentos de migrações sazonais, decorrentes do descontínuo processo
de assalariamento da mão-de-obra rural. O número de pessoas que morariam nas cidades
aumentaria.
Segundo Silva (1988, p.140), nos anos 1950 a urbanização foi acelerada e
houve uma redefinição dos espaços sociais das relações entre o rural e o urbano. Em São
64
Paulo, até a década de 1960, prevalecia na agricultura um modo de produzir bastante
diferenciado: as formas de parcerias e arrendamento coexistiam com o trabalho dos
colonos, dos trabalhadores residentes nas propriedades e o trabalho familiar dos pequenos
proprietários. A partir de então houve uma profunda transformação nesta agricultura: grande
parte dos cafezais foi erradicada e em seu lugar surgiram outras culturas como: cana-de-
açúcar, milho, soja, a pecuária extensiva. Neste momento há o predomínio da migração
rural-urbana, devido a tecnificação, aos mecanismos de crédito adotados, a especulação e
concentração fundiária que restringiram de forma impiedosa o acesso à terra aos pequenos
produtores e reduziram a utilização de mão-de-obra, gerando o êxodo rural.
Vainer (2000, p.24), esclarece tal questão quando afirma que nos anos 50
impõe-se uma realidade totalmente nova: o êxodo rural e as intensas migrações
interrregionais. “Nos corredores da Hospedaria dos Imigrantes, em São Paulo, não se
ouvem mais o italiano ou o espanhol, agora substituídos pelos sotaques nordestinos e
mineiros [...]” Afinal de contas, São Paulo, que não pode parar, já havia descoberto desde os
anos 40 que os nordestinos e mineiros, os trabalhadores nacionais, poderiam ser
educados/disciplinados para o trabalho, no próprio trabalho.
Ainda segundo o autor, houve a transferência de grandes contingentes
populacionais para as cidades e para as regiões mais ricas, vendo nestes processos vetores
que viriam contribuir para o crescimento do setor moderno e, conseqüentemente, para a
elevação da produtividade e do bem estar da sociedade. Os novos fluxos migratórios, desta
década, devem ser analisados sob esta ótica.
Assim, “nas décadas de 1960 e 1970, cerca de 30 milhões de brasileiros
deixaram o campo em conseqüência do conservacionismo agrário, dos efeitos do milagre
sobre a economia e da revolução verde sobre a ocupação do campo” (RIBEIRO, 2004,
p.244). O crescimento acelerado da economia e a integração do comércio e da indústria
foram as causas principais da intensa mudança do campo para a cidade. Desta forma,
[...] caracteriza-se o êxodo rural, na sua essência, pela expulsão da mão-
de-obra empregada nas atividades agropecuárias e, conseqüentemente,
transferência para as ocupações extra-agrícolas. É, na sua expressão
quantitativa mais simples e relativa, o decréscimo da população rural em
benefício da população urbana (CAMARGO, 1960, p. 13).
As populações rurais abandonaram o campo em busca de melhores
condições de vida, se transferiram de regiões com menos condições de sustentabilidade.
Em Santa Margarida isto é perceptível. O distrito na década de 1980 era considerado a
capital do bóia-fria, devido ao número significativo de trabalhadores rurais transferidos do
65
campo para a cidade. Têm-se hoje, netos de bóias-frias que ainda desempenham tal
atividade mostrando que estes trabalhadores não superaram esta condição.
Um dos fatores que auxiliaram na ocorrência do êxodo rural foi a
monocultura, e esta produção de um mesmo produto sempre trouxe transtornos.
Historicamente, todas as vezes que o Brasil baseou sua economia agrária em
monoculturas, quando estas foram substituídas a população sofreu as conseqüências . Foi o
que ocorreu com a borracha, com a cana-de-açúcar, com o café, com a soja, e ainda não se
sabe o que ocorrerá com a cana-de-açúcar que novamente está sendo muito cultivada. O
Brasil depara-se com uma situação onde parte de suas terras produtivas está ocupada com
plantações de cana para a produção de combustíveis. Deparam-se também os brasileiros
com altas na cesta básica. A estimativa, segundo o IBGE (2000), é que a área plantada
deverá aumentar 8,3% em relação a 2007, quando foram plantados 6,7 milhões de hectares
de cana-de-açúcar. Dos 76,6 mil quilos produzidos em 2007 por hectare, passará para 77,3
mil quilos em 2008. A discussão atual está pautada na provável falta de alimentos para o
mundo em função das terras férteis estarem cultivando: milho ou cana-de-açúcar para
biocombustíveis. O estado de São Paulo criou o Zoneamento Agroambiental
16
, afim de,
controlar o plantio de cana-de-açúcar no estado. Iniciativas como esta asseguram uma
melhor distribuição do plantio da cana-de-açúcar. A única certeza que existe é que as
pessoas não se alimentam de combustíveis. O êxodo rural ocorreu também em função
destas circunstâncias (do término de uma monocultura) e a migração foi inevitável.
No período em referência (1960-1970) muitos brasileiros faziam as
migrações sazonais (temporárias). Para Martins (1986, p.53), “[...] é temporário, na verdade
aquele migrante que se considera a si mesmo “fora de casa”, ”fora do lugar”, ausente,
mesmo quando, em termos demográficos, tenha migrado definitivamente. É aquele que se
considera fora, fora de “suas” relações sociais, e que , não se considera dentro mesmo
quando está”.
Para todo o temporário, assim como para qualquer migrante, o emprego na
indústria era o grande sonho, pois significava a possibilidade de adquirir uma profissão, bem
como o acesso aos benefícios sociais. Sendo originário de atividades agrícolas e tendo
baixos níveis de escolaridade, o setor de construção civil foi o que mais empregou
migrantes que optaram pelas cidades grandes. Houve uma intensificação nas migrações de
16
Em ação conjunta, a Secretaria do Meio Ambiente e de Agricultura e Abastecimento do estado de São Paulo
apresentaram o primeiro Zoneamento Agroambiental que estabelece as áreas adequadas para o cultivo de cana
no território do estado. Com base na demanda por licenciamento de atividades sucroalcooleiras, estima-se que,
até 2010, a cana de açúcar ocupe 6,2 milhões de hectares em São Paulo. Segundo o estudo, o estado comporta
a expansão, mas essa só será feita nas áreas sinalizadas e com o cumprimento das novas regras
estabelecidas. O mapeamento das terras foi feito a partir de critérios ambientais como biodiversidade, presença
de águas suterrâneas e superficiais, topografia regional, qualidade do ar e clima, de acordo com o que contempla
o
Programa Biota/Fapesp. A partir do grau de restrição para instalação de novas unidades industriais, o território
do estado foi dividido em áreas: adequadas para a cana; com limitações ambientais; com restrições ambientais
e inadequadas para a atividade, onde não haverá nenhum tipo de instalação sucroalcooleira. (Prado, 2008).
66
retorno, quando os migrantes percebiam que não conseguiriam realizar o sonho de ter uma
vida mais digna.
Segundo Menezes e Gonçalves (1986, p.36), na década de 1970,
constata-se a continuidade e intensificação dos movimentos anteriores, com o acréscimo de
um novo: a migração sazonal, conseqüência direta da maciça proletarização do homem do
campo. Ao mesmo tempo que o homem perde o vínculo com a terra, vê-se obrigado a
realizar migrações periódicas e sazonais dependendo de safras agrícolas e forçado a se
adaptar ao tipo de agricultura criado nas décadas de 1960 e 1970.
Muitos grupos de migrantes recriam nas cidades grandes as relações
comunitárias e de convivência rurais que mantinham, uma vez que migraram em grandes
grupos. É uma forma de não perder suas raízes. Assim,
A migração será definitiva quando a festa também migrar. Quando o
reencontro desses dois momentos se der no mesmo espaço e a festa,
camponesa, anual, do padroeiro, sair do seu ciclo cósmico e entrar no
ciclo linear do descanso semanal remunerado, do cinema, do futebol
(MARTINS,1986, p.61).
O migrante deveria adaptar-se ao novo trabalho, às exigências sócio-
culturais-espaciais. Ele passaria de uma relação direta com as pessoas para uma relação
complexa com hierarquias. O trabalhador que outrora tinha uma ligação direta com seu
empregador, onde já tinha definido quais tarefas realizaria, agora, na cidade, deve
desempenhar atividades com as quais não estava habituado. Na maioria das vezes estes
trabalhadores não conhecem seus empregadores, já que existe uma hierarquia que deve
ser respeitada e junto com esta aparece a figura do “gato”.
O Brasil passa a ter a maior parte da população residindo nas cidades.No
final dos anos de 1970, o país passou por uma crise econômica (fim do milagre econômico,
recomeço da inflação elevada) e o crescimento urbano passou a ser encarado de forma
negativa.
Entre 1970 e 1980 o número de brasileiros que saíram do campo e foram
para a cidade sobe para 15,5 milhões. A década de 1980 foi marcada por uma concentração
progressiva e acentuada da população em cidades cada vez maiores.
Até a década de 1980, segundo Menezes e Gonçalves (1986, p.35), a
migração apresentava quatro características fundamentais: a) expulsão das áreas
tradicionais de migração: Estados do Nordeste, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Espírito
Santo, Santa Catarina; b) migração para o núcleo industrial São Paulo/Rio de Janeiro que se
intensifica a partir de 1930; c) migração para a fronteira consolidada: Paraná, Maranhão,
Goiás e Mato Grosso do Sul, nas décadas de 1940, 1950 e 1960; d) migração para a
67
fronteira em expansão: são as áreas de ocupação mais recentes compostas pela região
Norte, como um todo, e o estado de Mato Grosso na década de 1970. Martine (1994, p.1),
assim complementa: “a década de 80 marcou um novo ciclo, introduzindo um padrão de
redistribuição espacial da população cuja trajetória dependerá, mais diretamente que no
passado, da forma de integração da economia brasileira na economia global”.
Para o autor, houve uma intensificação da migração de retorno e dos
movimentos intra-regionais, revelando novas lógicas e espaços de migração. Estados como
São Paulo que eram receptores de migrantes, em tal década também foram marcados por
este fenômeno do retorno. Os brasileiros retornavam não apenas pela saudade dos
familiares, mas principalmente pelo “não sucesso” de sua migração. A inserção no mercado
de trabalho não ocorreu como este migrante desejava. Na verdade, quando o migrante
deixa o seu local de origem, ele procura recriá-lo onde quer que se encontre. Há uma
chance maior de retorno para os primeiros migrantes do que para seus descendentes que
nasceram onde as famílias se encontram.
Para Pacheco e Patarra (1993, p.48), a década de 1990 apresentou as
seguintes características:
Baixa capacidade de acomodar as tensões sociais e de incorporar novos
indivíduos ao mercado formal de trabalho; uma interiorização do
desenvolvimento que decorre mais da debilidade das economias
metropolitanas que do crescimento sustentado dos diversos hinterlands
desse país; intensa mobilidade espacial da população, dentro de uma
tipologia de movimentos bem mais complexa do que os padrões
clássicos da migração de longa distância das décadas passadas;
insegurança social decorrente da incapacidade de reproduzir a
mobilidade social do período anterior e de reduzir a desigualdade.
Na década em questão, os indivíduos deslocaram-se em função do não
emprego, principalmente nas metrópoles. Deslocaram-se, mesmo sem as expectativas que
os movia.
Nota-se que as pessoas ainda circulavam atrás de alguma esperança de
melhoria, embora sem destino certo, representado na grande maioria pela cidade grande. O
conceito de espaço vazio não existe mais. Este passa a ser concebido como constituído de
um território já ocupado: ter-se-iam esgotado as fronteiras agrícolas como recurso territorial
que, ao longo da história, havia permitido amenizar e administrar os ataques à estrutura
latifundiária e os conflitos fundiários de modo geral (VAINER, 2000, p.29).
Ainda segundo o autor, o que se assiste hoje é a multiplicação de políticas
sociais que pretendem gerenciar os excedentes populacionais estruturais, quase sempre em
âmbito localizado e através de ações dispersas (tem-se como exemplo o modelo da
68
Comunidade Solidária, que agências multilaterais, como o Banco Mundial, difundem na
América Latina). Tais ações apenas priorizam a criação de instrumentos aptos a gerenciar
localizadamente situações consideradas críticas. No Brasil, cidades médias e pequenas,
têm formulado e aplicado políticas ativas de segregação e fechamento do território urbano a
migrantes, mimetizando processo hoje corrente em escala internacional. Estes municípios
impedem o desembarque nos terminais rodoviários de indivíduos cuja aparência denuncia a
condição de classe e a situação de carência, são bloqueadas as vias de acesso às cidades.
É um controle à livre circulação, e, um fechamento do espaço.
O que se presencia são atos discriminatórios e maneiras de se repassar o
problema para outras localidades. O migrante que antes era bem vindo, hoje é indesejado e
expulso.
Para se compreender o processo de redistribuição da população do Brasil,
faz-se necessário estudar as dinâmicas das migrações intra-regionais e intra-estaduais.
Quando se faz uma análise migratória os censos demográficos devem ser utilizados,
contudo, muitas pessoas não são contadas por estarem ausentes quando tais censos são
realizados. Nestes casos é importante conhecer de maneira mais detalhada a trajetória dos
migrantes para que se possa entender o porquê destas migrações. Um detalhe
metodológico importante, no que se refere à migração interestadual é a informação sobre a
“residência anterior” que consta nos censos de 1980 e 1991, assim as pessoas
entrevistadas seriam contadas no município anterior e não onde se encontram (CUNHA,
2005, p.6).
Para Graziano da Silva (1981,p.141), “a migração em busca de novas
safras é um recurso contra o desemprego ou subemprego, dada a dificuldade de absorção
desses trabalhadores rurais pelo setor urbano”. É conveniente uma análise mais profunda
deste migrante temporário, para uma melhor compreensão deste processo.
1.5.2 As migrações temporárias
O migrante temporário é aquele que viaja em busca de trabalho. No caso
de Santa Margarida, ele viaja principalmente para o estado de Minas Gerais em busca da
sobrevivência da família. Estes migrantes possuem características que lhes são peculiares.
Estas características serão aqui ressaltadas.
Nem sempre este trabalhador é benquisto. Desta maneira, desde os anos
de 1950, quando os nordestinos intensificaram sua saída para o Sudeste, as migrações têm
sido encaradas como um problema social. Menciona-se o êxodo rural e os problemas que
69
este causaria. Porém, não se sabia corretamente de quem era esse problema. De um lado
poderiam ser observados os grandes proprietários preocupados com a escassez da mão-
de-obra barata, de outro lado, grupos urbanos preocupados com o aumento de população
pobre nas cidades. Como conseqüência, a migração passou por uma avaliação da
sociedade que a considerou negativa, pois “a consciência social que temos das migrações,
ainda hoje, é consciência herdada de um ponto de vista que não é dos trabalhadores e
migrantes, e sim o das classes dominantes de uma certa época” (MARTINS, 1988, p.6).
O aumento significativo de pessoas nas cidades implicou em
transformações estruturais destas. As cidades não estavam preparadas para receber as
pessoas que saíram do campo, não havia infra-estrutura suficiente e nem empregos.
Segundo Singer (1998),ocorreu o processo de proletarização, que é a
perda das condições objetivas da produção (meios de trabalho e terra), restando ao
trabalhador a sua força de trabalho. Neste processo, o trabalhador resume-se a um
possuidor de mão-de-obra. Sua subsistência só se garante através da venda desta força de
trabalho para quem possa pagá-la, através do assalariamento. Estabelece-se assim, um ato
de compra e venda entre proprietários e não-proprietários, isto é, proprietários e
trabalhadores. Esse processo é longo e se define através de algumas lutas de classe. Logo,
a proletarização é um processo histórico.
Histórica também é a migração temporária que muitos trabalhadores
fazem. Tomando novamente Santa Margarida como exemplo, existem famílias que viajam
há 18 anos.
Para Menezes (2002, p.50), os migrantes, dependem prioritariamente, da
renda geradora da família e essa renda principal vem da agricultura. Estes trabalhadores se
deslocam a cada safra, mas continuam vinculados aos seus locais de origem. A mobilidade
periódica representaria então, a proletarização total e consolidação do modo capitalista de
produção.
As classes médias se inquietam com o problema da pobreza, não por sua
benevolência, mas para que a ordem seja mantida. Há uma preocupação em eliminar-se ou
amenizar-se o “problema” migrante, então muitas medidas clientelísticas são tomadas
principalmente pelos governantes. Esse migrante é considerado um problema e são
acusados por trabalharem por um valor inferior ao que normalmente os moradores locais
receberiam pelo mesmo trabalho; sofrem discriminações nas escolas (na maioria dos casos
os alunos estão em defasagem de aprendizagem); são bem aceitos pelos comerciantes
locais que fazem acordos com os patrões para venderem a estes trabalhadores, a exemplo
dos migrantes de Santa Margarida.
O discurso que se faz sobre o migrante é um discurso ligado aos que
dominam e exploram mascarando-se a realidade que é a de uma pessoa que se submete a
70
deixar o seu lar, e muitas vezes sua família, por não poder sobreviver no local onde reside.
Para Martins (1988, p.6);
Quando o migrante deixa seu local de origem para fazer as migrações
temporárias sofrerá sérias conseqüências: rompe os laços familiares,
expressa a miséria e a impossibilidade de sobreviver no seu local de
origem, denuncia a exploração que inviabiliza a vida sedentária e lhe
impõe a vida nômade que desmoraliza, empobrece sua vida social. Além
de tudo, sofrem o preconceito dos moradores para onde se dirigem, são
consideradas pessoas “sem eira nem beira” , vivendo precariamente do
dia-a-dia.
A migração temporária deixa marcas permanentes. Ao retornar ele não é
mais o mesmo, nem a situação que deixara o é. Na maioria das vezes, quando este
migrante sai da zona rural, as mulheres e os filhos substituem o trabalhador ausente. A
migração temporária pode tornar-se duradoura para a sociedade.
No Brasil, há registros de migrações temporárias no estado de São Paulo
que datam do século XIX. O que houve ao longo dos anos foi um aumento no número de
migrantes. Há fazendas que possuem viveiros de mão-de-obra, reduto dos chamados
trabalhadores volantes
17
. Assim, “a clandestinidade do trabalho enfraquece a classe
trabalhadora, a migração não cria necessariamente o operário” (MARTINS, 1988, p.8).
As migrações em países como o Brasil, onde as diferenças econômicas
regionais e a desigualdade social são tamanhas, tem tido continuidade, não se prevendo a
redução desses deslocamentos populacionais em busca de melhoria das condições de vida,
como já foi dito anteriormente.
Em se tratando da localidade para onde migram, os migrantes sazonais
normalmente, tendem a migrar para os mesmos locais. As acomodações que são
encontradas nestes locais, tendem a se deteriorar ao longo dos anos. De acordo com
Gebara (1992, p.19),
Essas acomodações são pequenos quartos em construções de antigas
colônias de fazendas, ou em casarões velhos subdivididos. Muitos não
têm, ao menos, janelas para ventilação. O piso de tijolo ou cimento mal
conservado, invariavelmente pouco asseado, dado o pequeno espaço
onde se colocam uma ou duas camas, as malas e o fogão. Mal se
consegue locomover-se no ambiente.
Muitas das vezes não há água encanada em todos os quartos, precisam
lavar suas louças em bacias. Depois de um dia árduo de trabalho precisam esperar na “fila
do banho”. Lavam suas roupas em locais improvisados. Há também alojamentos nas
17
Subentende-se “bóia-fria” sempre que aparecer transcrito “trabalhador volante”.
71
propriedades agrícolas, onde as condições não são muito melhores, muitas vezes foram
feitas adaptações de velhas baias de cavalos. Quando as condições sanitárias não são tão
ruins nos alojamentos, há muitas pessoas no mesmo lugar.
As condições de moradia não permitem que as pessoas tenham qualquer
tipo de lazer, uma vez que ficam em lugares isolados onde não há uma praça para passear,
uma igreja, um bar. Em seus lugares de origem por mais dura que seja as condições de
vida, lhes são permitidos o convívio com seus familiares e uma vida social mais agradável.
Para Gebara (1992, p.21), “morar não é apenas um lugar para “se esconder”, para fugir da
chuva, do sol e descansar. Morar bem significa, inclusive, gostar do lugar, participar de
realizações sociais: festas, orações, jogos, visitas, entre outras formas de lazer. Martins
(1986, p. 49) complementa tal afirmação quando ressalta que: “migrar temporariamente é
mais do que ir e vir, é viver em espaços geográficos diferentes, temporalidades dilaceradas
pelas contradições sociais”. O migrante para conseguir permanecer onde se encontra,
muitas vezes, necessita levar as festas tradicionais de suas regiões. Ele só migra realmente,
quando recria o lugar de origem.
Quando o migrante se identifica com o local para onde migrou, ele deixa
de ser temporário e torna-se permanente. Caso este fato não ocorra, ele retorna para seu
local de origem.
1.5.3 O retorno do migrante
É ilusório pensar que no retorno o migrante possa ser o mesmo que saiu.
Como também o é, imaginar que a situação que ele encontrará será a mesma de outrora.
Todo migrante que se desloca por algum tipo de necessidade, na grande maioria das vezes
não gostaria de deixar seu local de origem, e isto, faz com que ele saia, pensando que um
dia conseguirá retornar. Para Sayad (2000, p.11), “o retorno é naturalmente o desejo e o
sonho de todos os migrantes, é como recuperar a visão, a luz que falta ao cego, mas como
cego, eles sabem que esta é uma operação impossível”. Como é quase impossível o retorno
para muitos dos migrantes, então, resta-lhes a nostálgica saudade da terra natal. Tal
nostalgia também é vivenciada pelo migrante sazonal, ele se atém à volta para poder
enfrentar todos os problemas que a distância lhe causa. Não se volta nunca ao mesmo
tempo, e as pessoas não são encontradas tal como eram, quem fica, muitas vezes, assume
responsabilidades que não eram suas. Ao que partiu, esteja este onde estiver, há uma
valorização da terra natal. Desta forma para Sayad (2000, p.12) há:
72
A valorização da terra natal, uma tarefa à qual se empenha
apaixonadamente, investindo todo o seu ser social, dotada de um forte
poder de mobilização, pois ela engaja toda a identidade social e cultural
(individual, ou em estado disperso, e coletivo, ou em estado organizado)
da pessoa, essa tarefa será retomada para além da cena puramente
afetiva da nostalgia, e para além da reação unicamente individual, no
plano largamente político.
Quando um grupo de indivíduos da mesma localidade encontra-se num
determinado local, a tendência é que reproduzam uma parte da sua cultura. Um exemplo
disto são as festas nordestinas realizadas na cidade de São Paulo.
O existir é portanto não só nostalgia, é uma questão política, pois se existe
num espaço e não se existe sozinho, o indivíduo pertence a um grupo social. Isto é mais
perceptível aos grupos que migram para outros países, onde o pertencer, é pertencer a uma
história nacional, pois o imigrante que se encontra em outros países a sua nacionalidade
talvez seja tão importante quanto o ente que ficou no país de origem.
A migração é vivida na dor compartilhada entre os que ficam e os que
partem. Ela sempre é pensada como provisória, não importa o tempo que dure.Os migrantes
tentam se convencer de que a sua condição é provisória, mas a própria sociedade lhe nega
todo o direito, justamente por considerá-lo provisório, como se este provisório fosse
interminável. O migrante vai gerar como já foi dito, lucros e despesas para as sociedades
que o recebem, lucros (mão-de-obra barata), despesas (custos sociais e culturais). Portanto,
“[...] imigração e imigrantes, só tem sentido e razão de ser se o quadro duplo erigido com o
fim de contabilizar os ”custos” e os “lucros” apresentar saldo positivo”. (SAYAD, 1998, p.50).
A qualidade de homem, ou seja, seus anseios suas angústias, seus
medos, está subordinada à condição de migrante. Não é qualquer trabalho que ele
desempenha e sim o trabalho do migrante. No caso aqui tratado, é o trabalho de bóia-fria.
O migrante quando retorna é para, ”antes de mais nada”, encontrar–se
consigo mesmo, pois, como afirma Sayad (2000, p. 14),
não se vive no seio de outra sociedade, de outra economia, em um outro
mundo, sem que algo permaneça desta presença, sem que sofra mais ou
menos intensa e profundamente, conforme as modalidades do contato,
os domínios, as experiências e as sensibilidades individuais, por vezes
mesmo não se dando conta delas, e, outras vezes, estando plenamente
consciente dos efeitos.
Essa influência pode ser notada nos seguintes aspectos: mudanças nos
hábitos alimentares com a introdução de receitas locais e comidas típicas; sotaques e
73
maneiras de se vestirem; mudanças culturais e de ordem pessoal, como aprender uma nova
língua.
A migração sempre deixa suas marcas, e estas são mais claras quando o
indivíduo não percebe tal mudança pois, ele já incorporou a mudança
. “O migrante é uma
pessoa que não está reivindicando apenas a terra para trabalhar, a liberdade de trabalho, o
direito do trabalho. Ele está reivindicando a liberdade de desenvolver sua economia familiar,
a liberdade de locomoção” (MARTINS, 1982, p.179). Tal liberdade, principalmente a de
trabalhar sua terra e sobreviver de seus esforços, sempre esteve condicionada às questões
que envolvem as terras brasileiras. Assim, é de suma importância, para um trabalho que
pretende retratar a história do bóia-fria, do seu surgimento até sua existência nos dias
atuais, que seja feita uma análise das políticas públicas para o campo no Brasil.
1.6
AS POLÍTICAS PÚBLICAS PARA O CAMPO NO BRASIL
A estrutura fundiária brasileira, caracteriza-se por uma concentração de
terras. O sistema sócio-econômico capitalista brasileiro caracteriza-se pela grande
concentração em poder de poucos, tanto da propriedade fundiária como também dos
capitais industriais e dos financeiros, da renda em geral e do poder político. “As origens
históricas do problema agrário, do modo como ele se apresenta hoje, coincide com as
origens históricas do modelo sócio-econômico do moderno capitalismo brasileiro.”
(MARTINEZ, 1987, p.8).
Ainda segundo o autor, em toda a evolução histórica da economia,
marcada por fases de prosperidade e outras de crise, com o predomínio de um ou outro
produto, ora se destacando uma região, ora outra, um fator permaneceu constante: a massa
trabalhadora, força motriz da produção, nunca teve acesso aos benefícios mais elementares
do progresso.
Segundo Martins (1993, p.13),
Nas sociedades pobres, e em nossa sociedade brasileira em particular,
os pobres do campo e da cidade não só não tinham privilégios a
defender como não tiveram aliados, em suas lutas, para impor condições
ao desenvolvimento econômico que a este obrigassem a algum
compromisso com os direitos sociais e com a dignidade humana. De
modo que, mais do que vistos e tratados como seres de trabalho e fontes
de lucro, fossem reconhecidos como seres de direitos.
74
Quando os empregadores deveriam pagar os direitos trabalhistas aos
trabalhadores (ETR), acharam por bem dispensá-los das propriedades. Estes, então,
tornam-se diaristas.
Para que estes direitos sejam reconhecidos, algumas lutas são travadas.
Segundo Menezes e Gonçalves (1986, p.45), lutas vão ocorrendo: são os
“bóias-frias”, que lutam contra a situação do subemprego, por melhores salários e direitos
trabalhistas; são os trabalhadores sem terra que dizem “não” a reforma agrária do governo e
desenvolvem a luta pela terra: acampamentos e ocupações; são os migrantes da cidade,
expropriados da terra de trabalho e da moradia, que lutam pela posse urbana; são os índios,
donos naturais desta terra, que lutam para recuperá-la de seus invasores; são os posseiros
que, num gesto concreto, vão construindo um novo conceito de propriedade da terra, uma
nova “Lei de Terras”: a terra é de quem trabalha e não de quem com ela pretende
especular. A terra, para estes, deveria pertencer apenas para os que nela produziriam e não
a quem a venderia. Assim, não haveria terras sem produção.
O local mais indicado para se tratar da reforma agrária é o campo, uma
vez que as pessoas vivenciam e não analisam o problema. Fala-se numa reforma
distributivista, partir a grande propriedade e abrir caminho para a pequena
propriedade.(MARTINS, 1982, p.24). Toda a terra tem um dono, mesmo que não esteja
sendo produzida. Resta então aos que não a possuem lutar por ela. Esta luta torna-se
conflito em muitos casos.
Desde as lutas de Porecatu no Paraná e de Santa Fé em São Paulo, no
início dos anos cinqüenta, intensificou-se a mobilização dos trabalhadores em torno da
sindicalização e da reforma agrária, até chegar-se à promulgação do Estatuto do
Trabalhador Rural, em 1963. Como de outras vezes na história, no ano de 1964 fez-se uma
“revolução de cúpula” para impedir algumas “reformas de base”, inclusive e principalmente a
reforma agrária, nos moldes de uma ampla repartição de terra. (MARTINEZ, 1987, p.23).
Segundo Martins (1993, p.91),
O grande problema do Brasil não é o de fazer uma reforma agrária
distributivista para resolver problemas econômicos. A classe dominante,
em princípio, deveria ter condições de, através da grande propriedade,
criar um sistema de produção e abastecimento do mercado interno, de
produção de artigos agrícolas para exportação e de matérias-primas. Há
tecnologia para isso e, sobretudo, para ela, muito dinheiro. Essa não é a
questão fundamental, é secundária, embora isso não queira dizer que
não seja uma questão importante. A questão fundamental é a de que é
necessário mexer na existência das oligarquias, pois é a fonte do poder
econômico e do poder político que elas têm ainda hoje.
75
Para que esta mudança ocorresse, tanto os donos de terras quanto os
trabalhadores seriam afetados. Não agrada aos proprietários a idéia de perderem parte de
seu patrimônio, e para os trabalhadores, seria a melhor transformação de suas vidas se
tivessem terras onde pudessem produzir. É uma questão difícil de se resolver e deve ser
tratada com toda a seriedade, principalmente pelas autoridades responsáveis pelas leis
nacionais referentes a tal assunto.
Os trabalhadores não lutam pela terra e sim pelo trabalho de sua família.
São para ele questões distintas. A luta no campo é uma proposta política de transformação
da sociedade, ela é uma luta prática e pouco ideológica, ao passo que a urbana é muito
ideológica e pouco prática (MARTINS, 1982, p.25). Para tal autor, a reforma agrária deveria
acontecer devido às injustiças da distribuição da terra, então,
[...] a má distribuição da terra no Brasil: muita gente tem pouca terra para
trabalhar e pouca gente tem o controle de muita terra, nem sempre
utilizada para o bem público. Esse fato é verdadeiro e tende a agravar-se
em nosso país. Por isso seria necessária uma reforma agrária no Brasil.
Além das terras estarem concentradas nas mãos de poucos, estes
normalmente produzem para a exportação que normalmente tem mais
incentivo do governo. A “lavoura de pobre, ou seja, a lavoura voltada
para o consumo interno não é interessante.
O que acontece no Brasil, é a reforma do grande capitalismo monopolista,
baseado na posse da terra e das colheitas por poucos empresários que detêm o poder de
dispor delas como for melhor para o rendimento dos capitais (MARTINEZ, 1987, p.29). Esta
reforma não é a agrária, sonhada por tantos trabalhadores. E, para lutar por uma reforma
agrária mais justa é que surgiu o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra).
O MST foi fundado em 1984, na cidade de Cascavel no Paraná, com a
realização do Primeiro Encontro Nacional dos Sem-Terra. Neste encontro, segundo
Fernandes (1996, p. 79), foram elaborados os objetivos gerais do MST que seriam:
- Que a terra só esteja nas mãos de quem nela trabalha;
- Lutar por uma sociedade sem exploradores e sem explorados;
- Ser um movimento de massa autônomo dentro do movimento sindical para
conquistar a reforma agrária;
- Organizar trabalhadores rurais na base;
- Estimular a participação dos trabalhadores rurais no sindicato e no partido
político;
- Dedicar-se à formação de lideranças e construir uma direção política dos
trabalhadores;
76
- Articular-se com os trabalhadores da cidade e da América Latina.
Note-se que, entre os objetivos estão a preocupação em aproximar os
trabalhadores do campo com os das cidades, que estes sejam politizados e participem de
partidos políticos. Desde sua fundação o MST está ligado ao PT, que foi criado em 1982 e a
CUT, em 1983. Esta ligação ocorreu devido a identificação de lutas.
Ainda segundo Fernandes (1996, p. 80), neste primeiro encontro nacional
do MST foram decididas as reivindicações pelas quais os trabalhadores lutariam. Nestas
reivindicações estavam as transformações ocorridas no campo pela instauração da política
de desenvolvimento agropecuário do regime militar; o presente que vivenciavam, que eram
as ocupações realizadas; e o futuro, pelo país que deveriam construir.
Com a fundação do MST os trabalhadores construíram um novo espaço no
cenário político brasileiro da luta pela terra.
Outros encontros nacionais ocorreram e novas reivindicações, assim como
novos objetivos foram traçados. Contudo, os princípios de transformação da sociedade
foram sendo mantidos. Muitas lutas foram travadas desde a sua fundação até os dias atuais.
São lutas pela terra, pela tão sonhada, reforma agrária e pela democracia.
Quanto à participação dos partidos políticos Martinez (1987, p. 36), deixa
claro que ela é muito pequena. Na falta de partidos políticos capazes de representar com
autenticidade as aspirações e as necessidades da maioria da população, os sindicatos
acabam avançando em espaços que seriam próprios da atividade partidária, inclusive dos
chamados “partidos de esquerda”. Em parte, isso se deve ao fato de os sindicatos terem sua
existência garantida por uma estrutura corporativa e burocrática vinculada ao Estado e,
principalmente, mantida pela contribuição financeira obrigatória dos trabalhadores. Contudo,
na sua atuação, os sindicatos revelam as mesmas deficiências dos partidos, por não serem
capazes, também eles, de oferecer modelos alternativos de organização da economia e da
sociedade, no todo ou nos seus aspectos principais.
O resultado é que os partidos não aglutinam as vontades populares e os
sindicatos não suprem as funções dos partidos. Além de confundirem os processos de
transformações sociais, os sindicatos acabam também por negligenciar ou deturpar suas
atribuições específicas.
O problema não pode ser resolvido com propostas idealizadas sem
condições efetivas de realização, esperando que a população acredite nelas e lhes dê
apoio. Esse tipo de proposta, na medida em que recebe adesões de trabalhadores,
intelectuais e políticos, desvia as forças populares da luta contra os verdadeiros adversários,
centrando-as no combate ao latifúndio individual e adotando formas complexas de
organização da propriedade e da utilização do capital e do trabalho. Atacando o latifúndio,
77
os trabalhadores estão ajudando o substituto dele, a empresa agropecuária, e perdem o
foco da questão que seria a justiça social (MARTINEZ, 1987, p.40).
Para que a justiça social se manifeste no campo, é mister que as
atividades agrárias possibilitem melhoria de renda das populações com garantias de
emprego e acesso à terra de modo a fixar o homem ao campo, dando-lhes melhores
condições de bem estar material. Além disso,certos aspectos de bem estar social como
educação, assistência médica e previdência são indispensáveis para que se promova o
desenvolvimento rural, isto é, tecnologia moderna mais apoio infra-estrutural mais melhoria
do bem estar (GERARDI, 1980, p.27). A melhoria das condições de vida da população
trabalhadora decorrerá da sua participação numa parcela dos ganhos extras que o sistema
obtiver acima dos níveis atuais. Ocorrerá quando a renda for melhor distribuída.
No Paraná, como em todo o Brasil, o bóia-fria tem suas denominações e
sua história de surgimento. Esta história está interligada à história da migração brasileira e
ao quadro agrário, que também sofreu transformações. A educação, não poderia deixar de
ser mencionada já que, ao migrar, o bóia-fria, ou melhor os filhos de bóias-frias sofrem
grandemente com os problemas que esta migração acarreta.
78
2 O TRABALHADOR RURAL “BÓIA-FRIA” NO QUADRO DA QUESTÃO AGRÁRIA
BRASILEIRA, PARANAENSE E A EDUCAÇÃO NESTE CONTEXTO
O trabalhador rural recebe várias denominações, dependendo do local
onde reside. Vários autores também os conceituam de formas diferenciadas. Assim tem-se,
A designação “bóia-fria”, dada ao volante, decorre das condições mais
freqüentes em que se realiza o seu trabalho. Contratado para
desempenhar tarefas em pequenos intervalos de tempo, o volante não
pode se fixar no local onde trabalha. Via de regra, viaja diariamente para
aquele local, levando uma pequena marmita ou caldeirão, com o alimento
que lhe servirá de almoço. Há falta de instalações para o seu devido
aquecimento, a comida é ingerida fria (D’INCAO, 1976, p.109).
Para Carvalho (1991,p.86) o bóia-fria seria;
Trabalhador que às vezes tinha contrato assinado (como no caso de uma
ação analisada), mas geralmente contratado verbalmente. Morava na
fazenda na época que nela trabalhava. Podemos dividi-lo em duas
categorias, segundo a sua origem: o ex-colono residente na fazenda e
que tinha o seu contrato de trabalho alterado pelo proprietário, e aquele
que chegava à fazenda como volante . Alguns eram contratados somente
na época da colheita, recebendo por saco de café derriçado ou por saco
de café colhido (incluía todas as tarefas da derriça até o ensacamento
para o transporte).
Broietti (2003, p.28) salienta que, o “bóia-fria” é um trabalhador com oferta
de emprego em períodos sazonais [...] a sazonalidade desta mão-de-obra é acentuada de
acordo com a mecanização da agricultura, iniciada com o processo de dissolução do
artesanato rural .
Em livro publicado, Silva e Rodrigues (1976, p.2) assim conceituam este
trabalhador,
O “bóia-fria” é o trabalhador rural, residente fora da propriedade agrícola,
geralmente na periferia das vilas ou cidades, registrado ou não,
recebendo por empreitada, tarefa ou por dia, aliciado ou não por
“turmeiro” e que geralmente se locomove todos os dias para o local de
trabalho, quase sempre em caminhões.
79
Os termos mais freqüentes, utilizados para denominarem estes
trabalhadores são: volantes, bóias-frias, birolos, paus-de-arara, clandestinos, queima-latas
(BROIETTI, 2003, p.35).
O que todas estas denominações têm em comum é a instabilidade do
trabalho, o baixo salário, a falta de assistência social e a pobreza, sendo que o surgimento
deste pode ser cronologicamente explicado.
2.1
DO DESEMPREGO AO SUBEMPREGO: O SURGIMENTO DO BÓIA-FRIA
O migrante sazonal, assim como a maioria dos brasileiros, sofre com o
desemprego e aceita o subemprego como forma de sobrevivência. Contudo, é possível
demonstrar que o indivíduo quando perde seu emprego passa por algumas etapas que
podem ser definidas desta maneira: primeiro há um choque e o indivíduo tenta encontrar um
emprego de qualquer maneira, ele ainda é otimista e não se conforma com a sua condição;
depois das tentativas frustradas , ele perde seu otimismo tornando-se pessimista e ansioso;
numa terceira e última fase o indivíduo torna-se submisso e se adapta à nova situação
(SILVA, 1993, p.17). Uma das formas de adaptação é a aceitação da informalidade como
alternativa. Para Pires (1993, p.6):
Enquanto nos sistemas capitalistas desenvolvidos, esse informal é
refluxo para a produção de valores de uso resultante de um longo
processo de industrialização e de acumulação de riquezas, anunciando
talvez em seu interior uma “desmercantilização” da força de trabalho,
resultado da existência de horas de não-trabalho, nos países como o
Brasil, o “informal” é outra coisa, é a pressão do não–emprego , sendo o
dos países desenvolvidos uma espécie de “pós-emprego”, que produz
valores de uso, bens e serviços, que de alguma maneira contribuem para
sustentar parte dos custos de reprodução da força de trabalho.
É comum que os bóias-frias, quando entrevistados, e perguntados qual
trabalho desempenham nas entressafras, respondam que desempenham algum trabalho
informal. Essa informalidade é um complemento para o que conseguiram adquirir na safra.
Eles distribuem o montante recebido como “bóia-fria”, pelo número de meses que não
conseguem empregos fixos para sobreviver até a safra seguinte.
O setor informal teve um crescimento grande entre 1980 e 1990, quando a
renda per capita do brasileiro caiu 6%, graças à crise fiscal do Estado. Da crise do petróleo
até o início dos anos 1990, o Brasil viveu um período prolongado de instabilidade monetária
80
e de recessão, com altíssimos índices de inflação (hiperinflação), combinados com arrocho
salarial, crescimento da dívida externa e crescimento pífio. Na década de 1980, o governo
brasileiro desenvolveu vários planos econômicos que visavam o controle da inflação, sem
nenhum sucesso. O resultado foi o não pagamento de dívidas com credores internacionais
(moratória), o que resultou em graves problemas econômicos que perdurariam por anos.
Para Fischer (1993, p.23), “o setor informal do mercado de trabalho teve expressivos
aumentos, num contexto onde as más condições de vida urbana se intensificaram ao sabor
da violência e do explosivo crescimento das aglomerações de baixa renda.”
O indivíduo que fica muito tempo desempregado entra num ciclo vicioso.
Muitos distúrbios emocionais podem ocorrer com estas pessoas, e por conseqüência a
insegurança que o circunda faz com que ele tenha mais dificuldades em encontrar outro
emprego. Quanto maior a pobreza menor a qualificação profissional do indivíduo, e menores
são as chances de sair deste ciclo.Segundo Silva (1993, p. 18);
[...] mesmo sendo o próprio desemprego uma causa importante de
pobreza, deve ser lembrado que o distúrbio mental que surge entre
pobres desempregados não pode ser atribuído apenas ao agravamento
da situação de pobreza. Pois o papel do trabalho na integração do
indivíduo de uma rede de relações sociais é também de alto significado
para o favorecimento da saúde mental.
De outra forma, nossa sociedade já foi inteiramente patriarcal, e o homem
deveria prover o sustento da família. Hoje, mulheres e homens dividem tanto as tarefas do
lar, quanto o sustento da família. Pessoas responsáveis, ficam depressivas quando não
contribuem para esta divisão de tarefas.
Estas pessoas desesperançadas se submetem a qualquer tipo de emprego
ou subemprego, como já foi dito, à procura do resgate de sua dignidade. Uma destas
opções de trabalho é a de “bóia-fria”, como é o caso da maioria dos residentes em Santa
Margarida. Martins (1986, p. 52), define tais migrantes como sendo trabalhadores
assalariados (os chamados bóias-frias) que se afastam de seus lugares de residência por
vários dias ou semanas levados pelo “gato”, para trabalhos temporários. [...] São
trabalhadores permanentemente temporários, já expropriados da terra ou despejados das
fazendas onde tinham moradia. Vivem, hoje, na periferia das cidades do interior. O “bóia-
fria” é um trabalhador assalariado no campo.
Segundo Broietti (2003, p.27), há controversas sobre o surgimento deste
trabalhador. Alguns, atribuem seu surgimento a publicação da Carta Magna de 1946, em
que deveria haver uma justa distribuição da propriedade e com igual oportunidade para
todos, mas um grande contingente de pessoas não tinha terra e não conseguiram nem
81
vender sua mão-de-obra; outros autores explicam o aparecimento do “bóia-fria” com o
surgimento do Estatuto do Trabalhador Rural (1963), que garantia aos trabalhadores do
campo: salário mínimo, férias, aposentadoria, que não possuíam anteriormente. A
obrigatoriedade do cumprimento dos direitos trabalhistas originou uma grande massa de
trabalhadores sem direito algum.
Para Graziano da Silva e Gasques (1982, p. 86), a transformação da
relação de produção da qual surge o volante resulta de todo um processo de
desenvolvimento e intensificação das relações capitalistas de produção porque passou a
agricultura e o próprio país, e que se consubstancia em : a) do lado urbano, numa crescente
urbanização e, portanto, transferência para fora da agricultura de uma proporção cada vez
maior de força de trabalho; b) do lado rural , numa parcela cada vez maior da produção de
alimentos assumindo a forma de mercadoria destinada ao consumo nas cidades, o que
significa que a produção para a subsistência teve que sofrer uma contração, ao menos
relativa, da mesma proporção.
É importante que o volante não seja visto apenas sob a ótica rural, mas
das relações do rural com o urbano. Do lado rural, o volante é a mão-de-obra parcialmente
“liberada” pela agricultura, uma vez que periodicamente, em especial durante as colheitas,
ele é reabsorvido. Do lado urbano, o volante engrossa as fileiras do “exército de reserva”,
contribuindo ainda mais para depreciar os salários pagos pelas indústrias que empregam
mão-de-obra “não qualificada”, especialmente aqueles de alta rotatividade, como a
construção civil. (GRAZIANO DA SILVA; GASQUES, 1982, p.88). Esta mão-de-obra é
desqualificada para as cidades porque sempre foi qualificada para o campo. Esse
trabalhador teve que se adaptar. Essa adaptação, assim como o surgimento do bóia-fria,
pode ser melhor compreendido com a explicitação de alguns fatos que marcaram algumas
décadas.
A década de 1930 vai se caracterizar, fundamentalmente, por importantes
transformações na estrutura produtiva da economia, na qual o estado vai emergir como
elemento concretizador das mesmas, assim como na década de 1920 a cafeicultura
continuou a ser responsável pelo maior volume de exportações, chegando a representar
70% desta exportação. A dependência do Brasil com as exportações fica evidenciada com
os diversos órgãos que foram sendo criados: Conselho Nacional do Café (1931), Instituto do
Cacau da Bahia (1931); Departamento Nacional do Café (1933), Instituto do Açúcar e do
Álcool (1933); Instituto Nacional do Mate (1937). Tais órgãos atuavam sobretudo para a
comercialização, buscando não só regular a formação de estoques, mas também a defesa
da renda, externa/interna, obtida pela venda de alguns destes produtos, que sustentavam a
demanda de manufaturados.(GUIMARÃES; INNOCENCIO, 1984, p.7).
82
Durante a Segunda Guerra mundial, houve uma brusca redução das
exportações primárias (café, cacau, madeira, laranja, banana) gerando um excedente de
estoque e uma baixa de preços. Dado o agravamento das dificuldades de importação, foi
incentivada a formação de indústrias principalmente dos setores têxtil e alimentar,
desenvolvendo-se também o setor extrativo (minerais e vegetais) e a pecuária. Entre 1940-
1950 a organização agrária apresentou algumas tendências diferentes às do período
anterior. Ocorreu uma redução do arrendamento e de parcerias que incorreu num processo
de concentração da terra. Segundo Guimarães e Innocencio (1984, p.10),
As décadas de 40-50 se caracterizaram como período de esvaziamento
do campo; considerando-se o conjunto da força de trabalho, verificou-se
que ela apresentou crescimento negativo, em torno de menos 3%. Por
outro lado, tomando-se o total da população rural, neste período, a taxa
média geométrica de seu crescimento anual, perfazia apenas 1,58,
enquanto da população urbana era de 3,84.
Tanto o lavrador do campo quanto o operário da fábrica são antagonizados
e absorvidos pelo capital, mas de formas diferentes. Por isso, dão respostas diferentes ao
mesmo adversário. Para cada uma dessas situações, a questão política se apresenta de um
modo diferente. Não porque correspondam a estágios históricos distintos, mas porque
correspondem a formas distintas de violência que o capitalismo exerce contra os
trabalhadores da cidade (MARTINS, 1982, p.16).
Quando se trata de relações de trabalho no modo de produção capitalista,
inevitavelmente pensa-se na divisão social do trabalho. A forma de distribuição do
trabalhador, em diferentes momentos da sociedade, em função da idade, sexo, da divisão
do trabalho entre o campo e a cidade, entre trabalho manual e intelectual, sem dúvida,
suscita discussões.
Há que se notar que o sistema econômico vigente não se desenvolve da
mesma maneira em todas as regiões. A partir da segunda metade do século XX a
agricultura torna-se um mercado consumidor de maquinários e insumos produzidos pelas
indústrias, provocando desdobramentos no emprego de mão-de-obra rural (BROIETTI,
2003, p.77). Eram trabalhadores fixos, com alimentação garantida, uma vez que plantavam
o que necessitavam e conseguiam um salário, ou, porcentagens sobre as vendas dos
produtos.
A exploração da força de trabalho e a expropriação da terra ocorrem de
maneira paralela. Pois, o mesmo dono da fábrica que paga mal o funcionário, muitas vezes
é o dono da terra que compra as terras dos pequenos proprietários, paga jagunços para
expulsar os que não se rendem e não querem vender, ou escravos para abrirem suas terras.
83
Seria um engano muito grande propor a exploração e não a expropriação como o eixo
principal da questão política na cidade (MARTINS, 1982, p.20).
As transformações políticas instauradas em 1964, incorreram em
profundas alterações nas diretrizes da economia nacional, dava-se muita importância às
exportações. As modificações ocorridas na segunda metade da década de 1960 (adoção de
políticas agrárias), não romperam com o padrão de alta concentração fundiária. A
capacidade de criação de empregos fixos diminui e no Paraná como em São Paulo, muitas
pessoas deixaram o campo (GUIMARÃES; INNOCENCIO, 1984, p.15).
Segundo Gonzáles e Bastos (1982, p.35), em 1970, 27% dos
trabalhadores rurais residiam nas áreas urbanas. Quase um terço da população rural do
Paraná era constituída de migrantes que circulavam dentro da própria área rural do estado.
Estes trabalhadores eram chamados de “itinerantes”, eles hospedavam-se temporariamente
nas fazendas onde trabalhavam. São diferentes dos trabalhadores volantes que são
desprovidos de propriedades e só sobrevivem da venda de sua força de trabalho. Dessa
maneira para tais autores;
[...] o trabalho volante não é uma simples “modalidade de trabalho”, mas
uma forma concreta da relação social de produção na qual o trabalhador
direto encontra-se desprovido de qualquer meio de produção, exceto pela
sua força de trabalho. Estes trabalhadores estão despojados de seu
campo de operação que é a terra, obrigando-se muitos deles a residirem
nas periferias dos centros urbanos. Estes trabalhadores despojados das
condições de trabalho, no processo real da produção, são obrigados,
para viver, a vender sua força de trabalho aos detentores dos meios de
produção, isto é, do capital. Desse modo, as relações sociais de
produção que estabelecem revestem-se de caráter assalariado
(GONZALES; BASTOS, 1982, p.40).
As décadas de 1970-1980, segundo Guimarães e Innocencio (1984, p.16)
foram marcadas pela elevação do preço internacional do petróleo e conseqüentemente,
dificuldades de colocação de produtos industrializados, de base não agrícola, em mercados
internacionais, devido à política protecionista adotada por diferentes países
Os estados do Paraná e São Paulo por terem apresentado uma
intensificação do processo de modernização muito mais acentuado que os outros estados,
revelaram alterações na composição da mão-de-obra. Nestes estados ocorreu intenso
desenvolvimento de culturas de elevado valor comercial, tendo uma delas, a soja, se
transformado num dos principais produtos da pauta de exportação do país, vindo a ser
cultivada em grande escala. Houve uma acentuada redução da mão-de-obra familiar, uma
vez que a soja não a exige e para Guimarães e Innocencio (1984, p.35) são fatores
preponderantes para o surgimento do bóia-fria:
84
[...] o aparecimento do trabalho volante é o resultado concreto dos
padrões de desenvolvimento que têm sido adotados, nos últimos anos,
para o setor agrícola, ou em última instância, para a economia em
sentido global. A partir do momento em que a utilização de trabalhadores
com vínculos de caráter permanente não mais respondem aos interesses
econômicos dos produtores, passa-se à adoção de empregado
temporário, que vem a ser a forma mais lucrativa [...]
Com a diminuição da utilização desta mão-de-obra, tem-se muitos
desempregados nas cidades e o descontentamento destes trabalhadores também é uma
crescente. Desenvolve-se progressivamente a idéia de uma distribuição mais igualitária das
terras brasileiras. Assim, a década de 1990 foi marcada pelo surgimento de muitas
ocupações pelo MST (Trabalhadores Rurais Sem Terra) (BROIETTI, 2003, p.31).
O trabalhador bóia-fria, trata-se de uma mão-de-obra parcialmente liberada
pela agricultura , sendo reabsorvida periodicamente. Nas colheitas, os “bóias-frias”
encontram emprego. Há “bóias-frias” que encontram serviço permanente no campo e outros
recorrem a empregos que não exijam qualificação na cidade. Existem tipos bastante
distintos de “bóias-frias”, tais como: os permanentes, os eventuais, os esporádicos e os
temporários. Os permanentes prestam serviços praticamente o ano inteiro; os eventuais
prestam serviços a diversos proprietários agrícolas em períodos descontínuos; os
temporários se constituem num tipo intermediário, quanto ao período de trabalho no campo ;
trabalham nas safras e alternam trabalhos rurais com urbanos (BROIETTI, 2003, p.35).
Fundamentalmente, o bóia-fria é um proletário, ou seja, um trabalhador
desprovido dos meios de produção e, enquanto tal, obrigado a vender a sua força de
trabalho para garantir a subsistência, como é o operário urbano e/ou o trabalhador rural
assalariado permanente. O aumento das relações de produção capitalistas na agricultura
brasileira, confere especificidade de proletarização ao bóia-fria. (GRAZIANO DA SILVA,
1981, p.126).
O autor aponta que, o bóia-fria é o resultado desse processo de separação
do trabalhador rural dos meios de produção, especialmente da terra, que já não é mais o
seu “laboratório natural”. Ele tem agora um grau de dependência principal do trabalho
assalariado no campo, apesar de poder alternar empregos rurais e urbanos. Aqui é
importante considerar não o indivíduo, mas a família do volante, que é a unidade de
reprodução da força de trabalho.
Este trabalhador faz parte do conjunto de população excedente, disponível
para atender às necessidades de mão-de-obra em determinados momentos do ciclo
produtivo. É, dentro da ótica das relações estruturais que se estabelecem no sistema de
produção capitalista da economia brasileira, e, mais particularmente no setor agrícola, que
85
vai compreender o processo de geração da categoria trabalhador volante e de seu aumento,
sobretudo em determinadas áreas (GUIMARÃES; INNOCENCIO, 1984, p.36).
Além desse fato, emerge que o bóia-fria representa uma relação de
trabalho que permite contornar o problema das variações sazonais de exigências de mão-
de-obra acentuadas com a modernização parcial da agricultura, evitando que isso se
traduza num aumento da folha de salários do empregador rural. (GRAZIANO DA SILVA,
1981, p.138).
Este trabalhador é gerado e produzido pelo tipo de desenvolvimento da
economia brasileira. Os trabalhadores diretos, são transformados em trabalhadores livres,
ou seja, estão prontos para venderem a sua força de trabalho, que passa a ser apropriada
pelo capital. O bóia-fria no interior das relações sociais de produção de caráter temporário,
se distingue das formas de assalariamento
ocasional, nos quais os trabalhadores ainda
mantêm vínculos com o empregador. Estes não têm certeza de que receberão um salário.
(GUIMARÃES; INNOCENCIO, 1984, p.37).
Para D’Incao (1976, p.48),
O estudo das diferentes formas de exploração da força de trabalho numa
dada realidade inicia-se a partir da compreensão do processo pelo qual a
produção econômica se realiza, isto é, do modo de produção, entendido
como o “modo pelo qual os meios de produção são possuídos, e as
relações entre os homens resultantes de suas ligações com o processo
de produção”.
As relações entre bóias-frias, gatos e patrões são também resultantes do
processo de produção. Os donos das terras e patrões, preferem manter-se no anonimato,
em muitos casos, haja vista, que os bóias-frias durante os trabalhos esporádicos não têm
vínculos empregatícios com estes patrões, que assim o preferem.
No capitalismo tem-se de um lado a classe dos detentores dos meios de
produção e do outro a classe que desprovida destes meios de produção é obrigada a vender
sua força de trabalho para sobreviver. Alguns sistemas eram utilizados para que a terra
fosse trabalhada, já que o proprietário sozinho não conseguiria produzir em grandes
quantidades de terra. Assim, tinha-se: o empreiteiro, o colonato, as parcerias, os
arrendamentos
18
.
18
Arrendamento é um tipo de contrato pelo qual uma das partes concede á outra o gozo temporário de um
imóvel, mediante retribuição.O arrendamento pode ser urbano ou rural. Arrendamento urbano é aquele pelo qual
uma das partes concede à outra o gozo temporário de um prédio urbano, no todo ou em parte, mediante
retribuição. Arrendamento rural é aquele que tem por objeto a locação de terrenos para fins de exploração
agrícola ou pecuária, nas condições de uma regular utilização. Arrendatários são aquelas pessoas que arrendam
("alugam") a terra de um proprietário e pagam em dinheiro (TOSI et al, 2005).
86
Segundo Carvalho (1991, p.85), o empreiteiro era o responsável por
determinada tarefa a ser feita e recebida a remuneração na finalização desta, empregando
membros de sua família ou recorrendo a alguns “peões” pagando-lhes diárias. Este tipo de
mão-de-obra era empregada na derriça, na arruação e colheita do café. O peão por sua vez,
era um trabalhador que mais se aproxima hoje do atual bóia-fria.
O colonato, para D’Incao (1976, p.49), consistia na contratação de uma
família para cuidar de alguns milhares de pés de café por ano, com o pagamento feito
mensalmente. O sustento da família era por conta da mesma, porém os gastos com a
lavoura eram de responsabilidade do proprietário. Na época da colheita o proprietário
pagava por saco colhido. Em colheitas, ainda havia a colaboração dos colonos vizinhos. O
colonato era muito utilizado pelo proprietário que plantava café, uma vez que este exigia
mão-de-obra praticamente durante o ano inteiro. Era um sistema mais oneroso para o
proprietário. Após a decadência do café os tipos de contrato mais utilizados eram a parceria
e o arrendamento. Sobre o colonato, Carvalho (1991, p.84), em concordância com Mello,
esclarece:
Era um contrato por ano agrícola e que a partir de 1962 o colono passou
a ser contratado como volante. O contrato por ano agrícola era assinado
entre setembro e novembro do ano seguinte. O colono possuía uma série
de obrigações e praticamente todos da família trabalhavam, mas
somente o chefe era reconhecido como empregado pelos proprietários
rurais em ações trabalhistas. Suas tarefas estavam relacionadas aos
cuidados de um determinado número de cafeeiros, de acordo com o
número de familiares aptos ao trabalho (enxadas), e tratavam do cafezal
em todas as fases de produção. O colono recebia “mesadas”, que eram
pagamentos em dinheiro, durante o ano, de dois em dois meses. Além
dessa remuneração, ele e os membros de sua família eram obrigados a
prestar serviços na fazenda, de acordo com os contratos agrícolas,
recebendo “diária”.
A partir de 1962, estes contratos não foram refeitos porque os cafezais
estavam sendo dizimados em todo o Brasil. No Paraná, foram contratadas operações para
erradicar 14 milhões de cafeeiros, 7% do total contratado no país, tendo sido liberados
19.000 hectares (CARVALHO, 1991, p.85).
No caso do arrendamento, para o proprietário era mais vantajoso, pois,
bastava ter a terra, uma vez que os demais encargos ficavam por conta do arrendatário.
Também eram vantajosos porque eram mais baratos, pelas possibilidades de exploração do
parceiro ou arrendatário, e ainda pela possibilidade de contar com menos pessoas nas fases
de preparação e de colheita. Estes contratos só eram possíveis graças á abundância de
mão-de-obra.
87
Em se tratando de contratos tem-se ainda: parceiros e os assalariados
rurais. Parceiro é o indivíduo que usa temporariamente uma parcela de terra, refere-se
portanto a concessão por parte do proprietário, de uma faixa de sua terra para ser explorada
por um período de tempo determinado, em troca de uma parte da produção. Assalariado
rural é o trabalhador rural que recebe o seu pagamento através de uma quantia fixa, mensal
e em dinheiro, independentemente de qualquer análise dos quesitos legais do Estatuto do
Trabalhador Rural (D’INCAO, 1976, p.55). Para Carvalho (1991, p.86), o parceiro realizava
as mesmas tarefas na lavoura como o colono, mas era caracterizado juridicamente como
“sócio” do proprietário e não empregado deste. Enquanto os colonos recebiam “mesadas”,os
parceiros tinham direito a uma parcela da produção do café. Uma denominação de parceria
muito comum na lavoura de café era personalizada no “porcenteiro” que retinha 40% da
safra do produto e por vezes, a totalidade das plantações que cultivavam nas “ruas” do
“talhão” do cafezal que ele plantava.
O sistema de parceria aos poucos foi sendo substituído pelo trabalho do
diarista, proletário rural, configurando-se uma vantagem para o proprietário rural e uma
decadência para o trabalhador. O crescimento demográfico se encarrega de propiciar aos
donos de terras, uma abundância de mão-de-obra no meio rural, o que possibilita aos
proprietários rurais uma situação de imposição de suas condições de trabalho. A
monopolização de grande parte das terras pelos proprietários, associada ao acelerado
crescimento vegetativo das populações rurais, se encarrega de garantir um intenso
movimento migratório campo-cidade (D’INCAO, 1976, p.71). É notória a resistência
oferecida pelo homem do campo a idéia de ir para a cidade, contudo, esta resistência tende
a diminuir à medida que o trabalhador vai tornando-se proletário. Ele percebe que precisa
fazer qualquer tipo de trabalho na cidade para sobreviver. Acostumado a uma vida mais
simples, com um consumo menor, o trabalhador rural quando vai para a cidade se depara
com um tipo de vida a qual não conhecia, e muitas vezes inicia um consumismo inadequado
ao seu salário. No caso dos margaridenses, como já foi dito anteriormente, aprenderam a
dividir, ou seja, reservam para que o gasto seja compatível com o dinheiro que possuem, o
resultante do recebimento do final das colheitas que fazem em Minas Gerais, pelos meses
que ficam em Santa Margarida. Dividem para que não lhes falte o sustento.
As parcerias desapareceram porque, para os empresários agrícolas, é
mais vantajoso pagar em salários do que pagar em produtos. O parceiro secundário, aquele
que recebe arroz, milho numa fazenda, ainda persistiu por mais tempo porque o parceiro
desempenhava inúmeras funções e tinha que plantar o que receberia como salário.
E assim, segundo Gonzales e Bastos (1982, p.54), o mesmo ocorreu com
o colonato, por exemplo do café. As relações de trabalho assalariado por tarefa, por tempo
88
permanente, temporário, parceria, colonato, entre outras, não são nada além de uma forma
concreta de relação social de produção.
Os colonos recebiam uma quantia em forma de salário e o restante em
produção. Não era interessante para os empresários pagarem em produção, pois o custo
era mais elevado. Também o salário permanente não é interessante porque tem de
remunerar na entressafra, então o volante é mais vantajoso. Segundo o ETR, o trabalhador
volante só seria beneficiado por direitos trabalhistas se os contratos durassem mais de um
ano, caso contrário ele seria considerado um trabalhador autônomo. O seu salário é pago
por tarefa e não por tempo ou produto; segundo o ETR (Art.2º e 6º) não podem ter seus
direitos universalmente reconhecidos, como salário mínimo, férias, descanso semanal
remunerado. São considerados empreiteiros autônomos. A Lei Trabalhista apenas regulou
as relações sociais, não as criando, ela portanto não determina as relações de trabalho
assalariado (GONZALES; BASTOS, 1982, p.45).
Para tais autores, o capital só se reproduz e desenvolve, na produção
capitalista, através do trabalho assalariado. O capital e o trabalho são, portanto, pólos
opostos de uma mesma expressão: trabalho assalariado.
As forças motrizes deste sistema de trabalho volante não se encontram no
Estatuto do Trabalhador Rural e muito menos na mecanização da agricultura, mas no
processo de valorização do capital condicionado, por um lado, pelo crescente aumento do
capital nas mãos dos empresários agrícolas e, por outro, pela disponibilidade de um
contingente de trabalhadores despojados dos meios de produção. (GONZALES; BASTOS,
1982, p. 55).
A presença e a existência do “bóia-fria” enquanto componente da “fileira”
de oferta de mão-de-obra, é confirmadora do sistema capitalista. Há, como já foi dito, um
excesso de mão-de-obra que sempre está disponível para qualquer tipo de trabalho. Antes o
assalariamento era apenas um complemento da renda, agora ser “bóia-fria” é a única forma
de garantir a reprodução da família.
Como é muito difícil para o “bóia-fria” acumular algum dinheiro, para ser
gasto quando não estiver trabalhando em alguma safra, normalmente suas condições são
de extrema pobreza, já que mesmo querendo e podendo trabalhar, os serviços a que se
prestam são irregulares. Na época das colheitas, é de praxe, os “bóias-frias” comprarem
alimentos não perecíveis para estocarem (arroz, feijão, óleo, sal, entre outros), já que não
possuem trabalho durante o ano inteiro. Nesta época, também costumam comprar algum
bem durável, roupas e sapatos. As famílias onde apenas um dos membros trabalha como
bóia-fria, garante uma renda maior, já que os demais desempenham outras atividades mais
rentáveis.(D’INCAO, 1976, p.91-94). Ainda para a autora;
89
A precariedade das condições de vida do “bóia-fria” exige que ele se
disponha a realizar o trabalho que encontra, numa tentativa de
sobreviver. É nestes termos que ele se sujeita ao trabalho diarista na
lavoura. E o faz sobretudo nas épocas de colheita, quando sabe contar
com um período maior de trabalho do que nas outras ocupações que
costuma desempenhar. Mas a sua insatisfação é permanente. O “bóia-
fria” vê o seu trabalho sempre como um paliativo e nunca como uma
solução definitiva.
Nem sempre o “bóia-fria” é volante, às vezes, como é o caso de muitos
trabalhadores de Santa Margarida, dependendo da conveniência do empregador, os
trabalhadores podem ser alojados nos locais do serviço. Este trabalhador necessita ir de
encontro às safras.
Para Graziano da Silva (1981, p.141), “a migração em busca de novas
safras é o recurso contra o desemprego ou subemprego dada a dificuldade de absorção
desses trabalhadores rurais pelo setor urbano.”
Guimarães e Innocencio (1984, p.37) deixam claro algumas características
que estão relacionadas ao emprego volante: a) a geração de empregos está estritamente
vinculada à existência de uma população excedente, disposta a aceitar barganha de sua
força de trabalho, sem vínculos permanentes; b) a formação desta população excedente, se
dá como resultado da própria tendência do capital, que é apossar-se de todos os ramos e
setores da produção, tendo em vista seus interesses; c) o capital, na medida em que vai
definindo as condições de existência e as formas históricas que assumem as relações de
produção não capitalistas, cria mecanismos para delas extrair trabalho excedente, além de
obter, também, um reservatório de mão-de-obra, com a função precípua de exército
industrial de reserva, quando consegue expropriá-la.
Os autores complementam que, a dominação do capital sobre a produção
se define pela apropriação do excedente aí gerado, através de relações econômicas, de
modo geral se concretizando no pagamento da renda da terra, das taxas de juros, no lucro
obtido pelos comerciantes nas transações efetivadas com os camponeses, ou mesmo
através dos impostos que pagam ao Estado. O pequeno produtor vive sempre em condições
precárias porque não consegue ultrapassar o nível de uma reprodução simples de sua
unidade de produção. Então é obrigado a encontrar estratégias de sobrevivência. Um
exemplo deste fato seriam as cooperativas criadas por estes agricultores, ou ainda aquelas
as quais se filiam a fim de aumentarem seus rendimentos.
A posse dos meios de produção em contrapartida à fraca capacidade de
se assalariar garantem a sobrevivência do trabalhador volante. Essa mão-de-obra, expulsa
da terra que antes produzia, tem que buscar outras alternativas de trabalho. Como a mão-
de-obra que este trabalhador tem a oferecer não é necessária nas cidades, ele retorna ao
90
campo agora como “bóia-fria”. Este tipo de trabalhador também é preferido pelos
empregadores, dadas as necessidades sazonais dos cultivos. (GUIMARÃES;
INNOCENCIO, 1984, p.37).
Graziano da Silva (1981, p.100) deixa claro que, a aceleração do uso da
mão-de-obra do “bóia-fria” estaria principalmente relacionada aos seguintes fatores: a)
erradicação do café; b) mecanização da agricultura que através das técnicas exige menos
mão-de-obra; c) extensão da legislação trabalhista ao campo; d) substituição de lavouras
perenes por lavouras anuais, ou temporárias (estas acontecem de maneira diferenciada,
dependendo do tamanho da propriedade).
O bóia-fria representa, para o autor, uma relação de trabalho que permite
contornar o problema das variações sazonais de exigências de mão-de-obra acentuadas
com a modernização parcial da agricultura, evitando que isso traduza num aumento da folha
de salários do empregador rural.
Para Andrade (1978, p.36), os bóias-frias seriam os trabalhadores que
vivem nas cidades, que oferecem todas as manhãs a prepostos dos proprietários que os
leva de caminhões para as áreas de serviços e os trazem à noite, a cidade, vila ou povoado
em que vivem. Levam em marmitas a alimentação pronta, daí a denominação de “bóia-fria”,
e fazem as refeições no campo, na própria área de trabalho. Como os caminhões são
desprovidos do conforto e da segurança, é freqüente a ocorrência de desastres e de mortes
de trabalhadores. Esta é uma definição de 1978, hoje os trabalhadores são transportados de
ônibus, muitos possuem carteira de trabalho e as marmitas, muitas vezes, são térmicas.
Cabe salientar que a região Sul do Brasil, conforme Guimarães e
Innocencio (1984, p.46), pode ser caracterizada, em parte pela persistência da produção
familiar. No Brasil houve formas de organização da produção de maneira diferenciada, cujas
origens se situam no próprio processo histórico da evolução da economia. No Paraná, São
Paulo, parte do Mato Grosso do Sul, porção meridional de Goiás e de Minas Gerais, tem-se
um espaço agrário de características mais ou menos comuns, em termos de práticas
utilizadas na agropecuária. Nestes estados, desde os anos 1970, o trabalhador volante vem
adquirindo importância, graças ao crescimento da agricultura e a incorporação da
modernização. Assim,
[...] a ampliação do exército industrial de reserva não implica numa
homogeneização do mercado de trabalho, na área em questão e, por
isso mesmo, não impede a reprodução simultânea de outras formas de
relações de trabalho, que detém papéis importantes no processo geral de
acumulação.(GUIMARÃES; INNOCENCIO, 1984, p.47).
91
O bóia-fria é um assalariado como outro qualquer, ele vende a sua força
de trabalho e em troca recebe um mínimo necessário para a sua sobrevivência. Contudo,
para que este salário garantisse uma sobrevivência mais digna, ele não deveria sofrer as
interrupções de quando não há safras. Nas fazendas, normalmente, reside apenas a mão-
de-obra qualificada e com trabalho duradouro. Os bóias-frias, em geral, vivem nas periferias
pobres das cidades, deslocando-se diariamente para o trabalho. Nos estados onde há uma
modernização da agricultura menos intensa, mais pessoas residem nas zonas rurais.
Quando estes trabalhadores moram nas cidades eles têm mais despesas, tais como:
aluguel (na maioria das vezes), alimentação (que antes cultivava quase toda), água, luz,
gás, entre outras. (GUIMARÃES; INNOCENCIO, 1984, p.52).
Entre o empregador e o bóia-fria, existe a figura do “gato”, empreiteiro ou
“turmeiro”. A figura do gato vai aparecer no final dos anos de 1960. Surgem assim as
“turmas fixas”, acabam ou diminuem muito os leilões que eram feitos nas manhãs, ficando
de fora destes os “bóias-frias” que sempre desempenham este trabalho e permanecendo
apenas os temporários.(GRAZIANO DA SILVA, 1981, p.134).
Para o autor, essas pessoas fazem a intermediação entre as duas
categorias. A ele cabe conseguir o maior preço, por exemplo, pela arroba de algodão, que o
patrão possa vender, e ao mesmo tempo pagar o menor preço possível para os bóias-frias.
Normalmente eles conseguem os serviços por já possuírem o meio de transporte, devendo
inspecionar os trabalhadores e fazer os pagamentos. Como os “gatos” podem dispensar os
trabalhadores, estes procuram trabalhar corretamente, ou seja, dando o máximo de sua
força física para não serem dispensados. Muitos trabalhadores chegam à exaustão física,
perdendo até mesmo a vida
19
, como já ocorreu nas colheitas de cana-de-açúcar. Os
trabalhadores que acompanham o gato, não se consideram “bóias-frias”, e sim “turmeiro”,
porque para os mesmos, “bóia-fria” ou volante é o trabalhador que não sabe para onde irá
trabalhar quando sai de casa. Além disso, para Stein (1976, p.26), o “gato” ainda tem com
função,
19
As conseqüências desse sistema de exploração e dominação são: - de 2004 a 2007, ocorreram 21 mortes,
supostamente por excesso de esforço durante o trabalho, objeto de investigação do Ministério Público; - a vida
útil de um cortador de cana é inferior a 15 anos, nível abaixo dos negros em alguns períodos da escravidão; - as
maiores depredações da saúde são: desgaste da coluna vertebral, tendinite nos braços e mãos em razão dos
esforços repetitivos, doenças nas vias respiratórias causadas pela fuligem da cana, deformações nos pés em
razão do uso dos “sapatões” e encurtamento das cordas vocais devido à postura curvada do pescoço durante o
trabalho; - no período de 1999 a 2005 segundo o INSS, no estado de São Paulo foram acidentados por motivos
típicos nas atividades da cana-de-úcar 39.433 trabalhadores; por motivo relacionado ao trajeto houveram 312
ocorrências; - no período citado ainda ocorreram: 1.453 casos de assistência médica, incapacidade inferior a 15
dias (30.465 casos), incapacidade superior a 15 dias (8.747 casos), incapacidade permanente (408 casos),
óbitos (72 casos)” .(SILVA, 2007).
92
[...] controlar o tempo de execução das tarefas, usar de mil e um artifícios
como: atrasar o pagamento e não pagar o combinado, explorar os
trabalhadores sem nenhum controle. A possibilidade de discordar é
dificultada ao trabalhador desde que ele não tem meios de saber quanto
o empreiteiro combinou com o proprietário e se o pagamento foi ou não
feito.
Além do transporte, cujo número deriva da necessidade da colheita, o
“fiscal” é contratado para controlar as pessoas e o trabalho que estas desempenham. O
objetivo principal desta fiscalização é garantir boa produção do trabalho dos “bóias-frias” e,
evitar acidentes que possam trazer problemas para o empregador. (D’INCAO, 1976, p.111).
O fiscal trabalha junto aos trabalhadores em período integral, ele cuida do trabalho realizado
e fiscaliza para que após as safras, os patrões saibam quais são os melhores trabalhadores,
para que somente estes sejam contratados nas entressafras, quando o trabalho diminui.
Estas pessoas segundo a autora, chegam a trabalhar de 10 a 12 horas por
dia, e fazem 2 paradas, 1 para o almoço e outra para o café da tarde. Alguns reservam
metade da “marmita”, ou seja, da refeição que fazem no almoço, para comerem no café da
tarde. Mas, se o calor for muito intenso a comida azeda e eles ficam sem lanchar à tarde,
podendo passar mal se ingerirem este alimento. Dependendo do tipo de colheita que estão
executando, os trabalhadores desenvolvem esta também aos domingos. Submetem-se a
este número de horas porque não têm o final de semana remunerado. A remuneração
corresponde então ao trabalho desempenhado e não às horas gastas para a execução do
serviço.
Quando há falta de mão-de-obra o preço, por exemplo da arroba do
algodão colhida sobe, e os trabalhadores participam de uma espécie de leilão, e sobem e
descem dos transportes indo trabalhar para o patrão que pagar mais. No findar das colheitas
a mão-de-obra aumenta e o preço da diária, da arroba, da saca, diminui. Sábado é o dia do
pagamento que é feito pelo “gato ou fiscal” . As tarefas mais comuns atribuídas aos
trabalhadores nas entressafras são: carpas, construções de benfeitorias, cercas,
mangueiras, preparo da terra para o plantio. Nesta etapa do serviço o trabalhador tem o
valor de sua diária diminuído. (D’INCAO, 1976, p. 114).
Se a distância é pequena, o trabalhador pode ir caminhando para o local
de trabalho; ou dependendo da conveniência do empregador pode se alojar no local de
trabalho (SILVA; RODRIGUES, 1976, p.8).
Como deixam claro Guimarães e Innocencio (1984, p.53), o caráter
vulnerável da forma pela qual se insere no processo produtivo faz com que o valor total de
seu trabalho seja mais reduzido, visto que, não sendo nem mesmo amparado pela
legislação trabalhista em vigor, não pode também contar com a garantia de obter trabalho
93
durante todo o ano. O fato de não contarem com uma legislação clara para sua situação, faz
com que os empregadores se utilizem desta mão-de-obra como lhe convém. O trabalhador
no que se refere as leis, vive em constante instabilidade uma vez que não tem patrão fixo e
não contribui com a Previdência Social. Não possuem assistência médico-hospitalar e tem
dificuldade para se aposentar por velhice ou invalidez.
Segundo Guimarães e Innocencio (1984, p.65), são características das
condições sócio-demográficas dos trabalhadores “bóias-frias”: analfabetismo, mão-de-obra
de reserva, pobreza, trabalho exaustivo e mal remunerado. Tais características serão
explicitadas a seguir.
Quanto à composição da mão-de-obra “bóia-fria”, os homens são maioria
absoluta. As mulheres tem uma participação significativa, e também acumulam a dupla
tarefa, a de “bóia-fria” e a doméstica. Antes, quando viviam nas fazendas, as mulheres
dedicavam-se, na maioria dos casos, às atividades domésticas, depois na cidade ela precisa
ajudar na renda familiar, ingressando no mercado de trabalho. Não só a mulher terá que
colaborar com a renda, assim como toda a família, se não como “bóia-fria”, com algum outro
trabalho. (GUIMARÃES; INNOCENCIO, 1984, p.65).
O trabalho do “bóia-fria” não exige qualificação, então há uma
concentração de analfabetos. Para os empregadores, o fato de seus empregados serem
analfabetos significa maiores possibilidades de manipulação dos mesmos. Esta falta de
qualificação leva a uma baixa remuneração que dificulta a sobrevivência destes
trabalhadores. Mesmo dentro do meio rural há uma variação nos salários.
Inerente a tal assunto, D’Incao (1984, p.9-10), assim descreve a vida deste
trabalhador: bóia-fria é o trabalhador que acorda as 3 ou 4 horas da madrugada, prepara
sua comida, caminha até o ponto do caminhão que deverá transportá-lo, espera, viaja de 1 a
2 horas até chegar ao local de trabalho, trabalha de 10 a 12 horas com pequenos intervalos
para as refeições que levam nos seus caldeirões, e só volta para a casa à noite. Ganha pelo
que produz e quando encontra colocação, trabalha o quanto agüenta, até o limite de suas
forças. Normalmente são contratados para realizar o corte da cana; a colheita de amendoim,
algodão ou laranja; a carpa de diferentes tipos de cultivo; plantios; construções de cercas ou
derrubadas de matas. Seu vínculo termina junto com o cumprimento dessas tarefas
específicas. Trata-se de uma massa trabalhadora subempregada, que é absorvida pelo
sistema produtivo, de forma itinerante e intermitente, tendendo a se concentrar com maior
intensidade nas regiões de agricultura mais desenvolvida. Os bóias-frias passam a constituir
uma população errante, que se desloca nas próprias regiões de origem ou de uma região
para a outra, à procura de trabalho.
Nos últimos anos, o termo mais comum para denominar este trabalhador é
o de Assalariado Rural Temporário (ART); este termo é utilizado no Fórum das Entidades
94
que atuam junto aos Assalariados Rurais Temporários (FEAJART) e do Grupo de
Articulação do Assalariado Rural Temporário (GAART). Essas organizações, ao
implementar seu trabalho, conseguiram algumas melhorias quanto a situação do “bóia-fria”.
Porém, isto não aconteceu homogeneamente, havendo diferenças no Paraná, desde a
forma de arregimentação do “bóia-fria” até a maneira com que ele é transportado da cidade
até o campo (BROIETTI, 2003, p.35).
Dependendo exclusivamente da venda da força de trabalho, os volantes se
vêem, pois, na contingência de mobilizar maior quantidade de energia física, com vistas à
maior produção e, além disso, muitas vezes, têm que fazer apelo à mão-de-obra de outros
elementos da família, mesmo dos menores e da mulher. A situação em muitos lugares
brasileiros, para o “bóia-fria” é descrita por Stein (1976, p.27);
Num conjunto de barracos com cômodos de quatro metros quadrados em
média, dispostos em ruelas estreitas e sem as mínimas condições de
higiene , amontoam-se famílias inteiras, em geral com cinco filhos. A
promiscuidade, a prostituição de jovens, o ingresso na delinqüência,
constituem o horror declarado dos pais. Os menores são incentivados
pelos pais a andarem pelas ruas em busca de esmolas. Nas fases de
entressafra, em que diminuem muito o já comprimido mercado de
trabalho, até os adultos são forçados à procurarem os mais variados
biscates: limpar jardim,esmolar, apanhar lixo.
Em Santa Margarida, os depoimentos dos bóias-frias demonstram uma
situação diferente da relatada pela autora, pois 90% dos entrevistados demonstraram uma
preocupação em adquirir ou conservar as casas que possuíam. Possuem casas de
alvenaria e a cada ano, quando retornam, fazem melhorias, ou constroem outros cômodos.
O Distrito não apresenta locais diferenciados para construções, então, os bóias-frias
constroem suas residências próximas ao centro não havendo bairros pobres ou ricos, e este
é um dos motivos que os fazem retornar após as migrações anuais que fazem. A realidade
dos “bóias-frias” do Paraná será trabalhada a seguir.
2.2
O BÓIA-FRIA NO PARANÁ
Como demonstra Broietti (2003, p. 51), a ocupação do Norte do Paraná
está em grande parte relacionada ao prolongamento das atividades cafeeiras desenvolvidas
no Estado de São Paulo. Em terras paulistas, o café já era cultivado desde a primeira
metade do século XIX ocupando toda a região paulista do Vale do Paraíba. No início da
95
segunda metade do século XIX penetrou na porção central da província paulista, e no
começo do século XX, abrangia o chamado de Oeste Velho, sendo que nas décadas de
1930-1940, chegou ao Paraná.
Conforme Nadalin (2001, p.73), por volta de 1870, o Paraná sofreu as
conseqüências, ainda que a economia local não estivesse alicerçada unicamente na mão-
de-obra escrava. Havia uma precariedade, quanto à lavoura de subsistência, esta estava
relacionada aos métodos e volume da produção de gêneros alimentícios. A sociedade
paranaense vivenciava uma crise de abastecimento e precisava renovar suas práticas do
trabalho e, para a sociedade local, somente o migrante estrangeiro conseguiria realizar tal
função.
Só restava então a introdução do estrangeiro, do imigrante. Este era
considerado livre, pacífico e trabalhador, capaz de branquear a raça. Era uma estratégia
militar, pois ocupar, colonizar, significa controlar o país. Pretendia-se em todo o país instalar
um novo padrão e tipo de produção com novas formas de propriedade. A imigração
européia seria também uma estratégia de povoamento com finalidades de inovação técnica
e “industrial”, fundamentada no pressuposto da qualidade superior do elemento estrangeiro
enquanto “produtor de trabalho”. Na verdade apenas pretendia se substituir a mão-de-obra
escrava, pela mão-de-obra livre (NADALIN, 2001, p.76).
Dando ênfase a tal questão, Vainer (2000, p.15-18) esclarece que, várias e
sistemáticas foram às iniciativas para povoar com gente branca livre e industriosa as vastas
terras brasileiras. Acalentava-se o sonho de transformar o Brasil numa nação branca. O
Estado se auto-atribuiu três ordens de questões: a necessidade econômica, isto é a de
braços adestrados e disciplinados; a necessidade eugênica, isto é, de doses crescentes de
sangue branco; a necessidade nacional, isto é, de construção de um povo nacionalmente
unificado e integrado sob padrões culturais homogêneos.
Os primeiros contratos feitos com imigrantes alemães aqui no Brasil, era
um contrato de parceria tão rígido que inviabilizava a quitação e transformavam, na prática,
o parceiro supostamente livre num escravo por dívida, demonstrando que na verdade houve
no início da colonização a substituição do trabalho escravo pelo do imigrante.
Dessa forma, para Nadalin (2001, p.77), a motivação de criar uma
agricultura de abastecimento personalizou a história da colonização no Paraná, pois esta foi,
durante quase 30 anos (1853 a 1879), a razão dominante que justificou uma política
imigratória provincial. Como resultado, às três colônias existentes na região no momento de
sua emancipação política: Rio Negro, Thereza e Superagüy, somaram-se dezenas de
outras, principalmente no decênio inaugurado pelo ano de 1870.
O ponto de referência da presença imigrante no Primeiro Planalto
Paranaense, situa-se entre 1850 e 1859. Devido ao sucesso do projeto nos arredores de
96
Curitiba, o governo decidiu estender o projeto para os Campos Gerais, mas isto não ocorreu
como esperado. O fracasso do projeto de povoamento do interior assinala o fim de um ciclo.
A partir de então, segundo Nadalin (2001, p.77), o governo provincial modificou a política
imigratória, diminuindo sua participação financeira, extinguindo praticamente a colonização
“oficial” e emancipando os estabelecimentos existentes. Como resultado diminuíram o
número de imigrantes instalados em colônias na década de 1880. Logo depois entre 1885 e
1889, 2939 estrangeiros entraram no Brasil, entre estes: poloneses, italianos, alemães,
ucranianos, holandeses na grande maioria.
O tipo de migração que se seguirá ao estrangeiro será a migração interna.
Segundo Nadalin (2001, p.81);
[...] a estrutura demográfica, não sendo compatível com o “minifúndio”,
obrigava os filhos que sobravam a emigrar tendo em vista os limites
impostos na produtividade pela divisão dos lotes originais. Em outras
palavras, a pulverização dos antigos lotes, somados ao esgotamento do
solo, levava à diminuição dos rendimentos e à incapacidade de sustentar
a família estendida.
As migrações internas começam a ocorrer com maior freqüência a partir da
Primeira Guerra Mundial e foi mais duradoura e regular.
Muitos filhos de pequenos proprietários partiram para as cidades, isto
porque as terras foram se tornando escassas e apesar de pretenderem manter-se
agricultores não conseguiram adquirir terras devido ao preço destas. Os chefes das famílias
compravam lotes vizinhos para os filhos que iam casando. Isto foi se tornando cada vez
mais difícil. Compravam então, quando podiam, terras mais distantes, o que foi ampliando a
extensão dos laços de parentesco no espaço criado pela “cultura migratória” (NADALIN,
2001, p.85).
As terras férteis do Norte do Paraná exerceram atração sobre fazendeiros
paulistas e mineiros, que estenderam na região a partir da década de 1860, o sistema
tradicional da fazenda de café, de grande propriedade, técnicas agrícolas e regime de
trabalho. Segundo Nadalin (2001, p.86) referindo-se a ocupação da região Norte do Paraná;
Ainda desordenadamente, foi uma penetração rápida, multiplicando-se e
tendo como resultado os núcleos urbanos: Tomasina (1865), Santo
Antônio da Platina (1866), Wenceslau Brás, São João da Boa Vista
(1867), Jacarezinho (1900), Cambará (1904), Bandeirantes (1921),
Cornélio Procópio (1924) e Andirá (1926). A fortificação do fluxo
migratório, principalmente de paulistas, mas também de mineiros e
nordestinos, resultou de uma combinação de fatores, sintetizados no
rápido aumento dos preços do café no mercado internacional depois da
Primeira Guerra Mundial. Houve também um esgotamento do solo em
algumas áreas, articulado com a infestação da broca do café e com o
baixo preço das terras.
97
De acordo com o autor, a quebra da Bolsa de Valores de 1929
20
, a
superprodução do café e a queda de preços, afetaram a cafeicultura de São Paulo e Minas
Gerais, fazendo com que muitas fazendas fossem vendidas. Um grande número de pessoas
migraram então para o Norte do Paraná afim de continuarem no campo. Assim, o Norte do
Paraná foi colonizado principalmente por paulistas e mineiros, além dos imigrantes
estrangeiros.
Também foi um fator de atração para o Norte do Paraná quando houve a
proibição, por parte do Governo Federal (1932) do plantio de novos cafeeiros. Contudo, a
ocupação e a organização espacial da região não ocorreram da mesma forma. Foi de
fundamental importância para esta ocupação, as estratégias do governo do Paraná e das
empresas privadas de colonização, como a Companhia de Terras Norte do Paraná (CTNP),
sucedida pela Companhia Melhoramentos do Norte do Paraná (CMNP). A Companhia
Melhoramentos Norte do Paraná , era de origem inglesa e em 1925, iniciou a compra de
terras no norte do Paraná para serem parceladas, preparadas para a ocupação, ligadas às
áreas existentes. Tinham inicialmente, a intenção de estabelecer colônias de acordo com o
grupo étnico, objetivando atrair imigrantes europeus.
Assim, a Companhia adquiriu uma área correspondente a décima sexta
parte da área total do Estado, propiciando a vinda de colonos em grande número, não só de
nacionais como estrangeiros, e o planejamento e a edificação de cidades como: Londrina
(1934), Maringá (1947), Cianorte (1953), Umuarama (1955),. A última fase da colonização
(após a Segunda Guerra Mundial), resultou na organização de quatro grandes
empreendimentos: Entre Rios (Guarapuava), a Colônia de Wittmarsum (Palmeira),
Castrolanda e Arapoti (NADALIN, 2001, p.87).
Um dos objetivos da CMNP
21
era obter lucros imobiliários através da
colonização com grande rapidez na parte norte paranaense. Eram terras muito férteis,
20
Com a crise de 1929, decorrente da quebra da Bolsa de Nova Iorque, ocorreu uma desestabilização no
mercado interno. Os financiamentos junto aos bancos estrangeiros foram interrompidos; os preços baixaram,
levando o setor para uma enorme crise. Na década de 1930, houve uma derrocada da lavoura e a queima de 80
milhões de sacas. Em virtude de sua importância nas exportações brasileiras, em 1931, foi criado o Conselho
Nacional do Café (CNC) que, em 1933, foi substituído pelo Departamento Nacional de Café (DNC), autarquia
federal subordinada ao Ministério da Fazenda, que controlou o setor até 1946, quando foi extinto. Em 1952, foi
criado o Instituto Brasileiro do Café (IBC), formado principalmente por cafeicultores e que definiu as diretrizes da
política cafeeira até 1989. Para dirigir a política cafeeira no país após a extinção do IBC, foi criado, em 1996, pelo
Governo Federal, o Conselho Deliberativo da Política do Café, vinculado ao Ministério da Agricultura, Pecuária e
Abastecimento, que atua até os dias de hoje. (EMBRAPA, 2008).
21
Lord Lovat (Simon Joseph Frazer), assessorado pelo escocês Arthur Thomas, com uma visão extraordinária
da vasta expansão agrícola e industrial que estava reservada para a região norte do Paraná, comprou 515.000
alqueires paulistas, parte em 1925 e parte em 1927, com o objetivo de obter terras para o cultivo do algodão.
Fundaram a “Paraná Plantations Company”, que mais tarde desdobrou-se em duas subsidiárias: a CTNP
(Companhia de Terras Norte do Paraná) e a Cia Ferroviária de São Paulo (estendendo os trihos até as zonas de
loteamento). Seguindo o modelo inglês de parcelamento rural, a companhia foi abrindo a ferrovia ao longo do
espigão e fundando cidades a cada 10 ou 15 quilômetros. Assim, entre os nomes indígenas escolhidos como
Apucarana, Arapongas, Cambé, Ibiporã, Jandaia, Tapejara, Umuarama e outros, sobressaem os nomes de
inspiração inglesa como Londrina, Rolândia e Lovat (atual Mandaguari) (GRASSIOTTO et al, 2003).
98
porém de difícil acesso. As terras eram compradas por preços baixos e depois de receber
benfeitorias como a ferrovia, foram vendidas por preços lucrativos.
O Norte do Paraná foi provavelmente a região brasileira onde se fez
perceber de maneira mais acentuada os problemas estruturais e de desenvolvimento na
agropecuária, e as conseqüências sobre o espaço mostram-se de maneira mais evidente. O
estado foi a principal fronteira agrícola nas décadas de 1940, 1950 e 1960. Recebeu dois
grandes fluxos: um vindo da região Nordeste, de Minas Gerais e São Paulo; outro vindo da
própria região Sul: Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Os colonos que prepararam a terra
mais tarde dirigiram-se para o Paraguai, norte do Brasil, também para as cidades
(MENEZES; GONÇALVES, 1986, p.42).
Nos anos de 1950 e início dos anos de 1960, o Norte do Paraná havia se
tornado a região de cultivo do café mais importante do Brasil e ao mesmo tempo a região
produtora mais importante do mundo. A ocupação do território e o desmatamento de
grandes áreas coesas serviram à expansão do cultivo do café como monocultura, que
apoiado pela crescente demanda no mercado mundial, transfigurou grandes áreas do Norte
Novo, colonizado desde 1930, e também das zonas pioneiras recém ocupadas do Norte
Novíssimo (KOHLHEPP,1991, p.80).
Na década de 1960 o avanço do cultivo de café alcançou o limite
meridional do Paraná, ocasionando assim um forte crescimento da população total,
especialmente da população rural nas regiões sul e sudoeste. A mobilidade espacial em
direção à frente pioneira estava parcialmente vinculada à mobilidade social. Junto com esta
colonização agrária na parte Meridional do Norte Novíssimo já se fizeram notar no Norte
Novo consideráveis perdas de população rural (KOHLHEPP,1991,p.88).
Em 1970, o café ainda era o cultivo dominante. Contudo, devido sobretudo
às geadas, foi ocasionada uma grande mobilidade populacional para as áreas urbanas. O
café foi sendo substituído pela soja, trigo e pela pecuária (gado) que exigia menos mão-de-
obra. Esta mudança de culturas ocorreu também em função da viabilidade da mecanização
e da qualidade de solos. O estado do Paraná perdeu o maior número de migrantes para o
norte e sudoeste. Para Carvalho (1991, p.142),
A década de 1970 vai se caracterizar por uma nova fase cafeeira cuja
principal característica foi a implantação de uma cafeicultura moderna em
oposição à anterior, que era mais “tradicional”. Ela estava associada ao
crédito rural subsidiado para o plantio de novas variedades cafeeiras e ao
uso de insumos agrícolas (agrotóxicos, fertilizantes químicos e
maquinários).
99
Sobre tal assunto o Ipardes (1983, p.6), deixa claro que, o Paraná até 1970
foi considerado uma área de forte atração; situação que durou cerca de 40 anos. O auge foi
a década de 1950, quando o Norte do Estado, cuja ocupação começou em 1930, ainda
possuía grandes espaços e o Oeste e Sudoeste começam a ser ocupados por numerosos
migrantes gaúchos e catarinenses. Assim, dirigiam-se para o Paraná grandes contingentes
populacionais, que buscava no acesso a terra a possibilidade de reprodução da sua
condição de produtor rural.
Para Kohlhepp (1991,p.82), a década em questão (1970), foi marcada pela
marcha da soja. Também privou o café das suas componentes especulativas, que, em vista
da queda temporária do preço do café, devido a fatores internos e externos no emaranhado
das decisões agropolíticas e da transloção dos subsídios se deslocaram para a soja e para
o Programa do Álcool (PROÁLCOOL
22
). O cultivo da soja voltada para a exportação
dominou nas terras roxas, ainda que, esta cultura tenha papel secundário no setor de
produtos alimentícios básicos brasileiros (óleo vegetal, margarina).
Entre as décadas de 1970 e 1980 houve mudanças transformadoras no
que se refere à população. A redução da população rural em alguns municípios atingiram de
60% a 90%. A legislação trabalhista aqui também teve um grande efeito. Esta população
rural migrou por todo o Brasil: frente pioneira regional (anos 60); região setentrional do
Paraná (anos 70); região amazônica e Rondônia (anos 70). Destinos urbanos do êxodo rural
nos anos de 1970 foram os centros regionais como: Londrina, Maringá, Paranavaí,
Umuarama e Campo Mourão (KOHLHEPP,1991,p.91). Através da tabela 2, é possível
identificar-se esta transição da população da área rural para a urbana;
22
O Programa Nacional do Álcool ou Proálcool foi criado em 14 de novembro de 1975 pelo decreto n° 76.593,
com o objetivo de estimular a produção do álcool, visando o atendimento das necessidades do mercado interno e
externo e da política de combustíveis automotivos. De acordo com o decreto, a produção do álcool oriundo da
cana-de-açúcar, da mandioca ou de qualquer outro insumo deveria ser incentivada por meio da expansão da
oferta de matérias-primas, com especial ênfase no aumento da produção agrícola, da modernização e ampliação
das destilarias existentes e da instalação de novas unidades produtoras, anexas a usinas ou autônomas, e de
unidades armazenadoras.
Os primeiros carros movidos exclusivamente a álcool surgiram em 1978. Trinta anos
depois do início do Proálcool, o Brasil vive agora uma nova expansão dos canaviais, com o objetivo de oferecer,
em grande escala, o combustível alternativo. O plantio avança além das áreas tradicionais, do interior paulista e
do Nordeste, e espalha-se pelos cerrados. Cerca de 40 novas usinas estão em projeto ou em fase de
implantação, com um total de investimentos calculado em: 3 bilhões de dólares. A maior parte delas concentra-
se no oeste do Estado de São Paulo, ocupando espaço aberto pelo deslocamento da pecuária. Há 21 novas
usinas em instalação na região. A nova escalada é um movimento comandado pelo governo, como a ocorrida no
final da década de 70, quando o Brasil encontrou no álcool a solução para enfrentar o aumento abrupto dos
preços do petróleo que importava., A corrida para ampliar unidades e construir novas usinas é movida também
por decisões da iniciativa privada, convicta de que o álcool terá, a partir de agora, um papel cada vez mais
importante como combustível, no Brasil e no mundo (PróAlcool – Programa Brasileiro de Álcool, 2008).
100
Tabela 2 – Distribuição demográfica do Paraná: 1970/2000
ANO TOTAL POPULAÇÃO
URBANA
% POPULAÇÃO
RURAL
%
1970 6.929.868 2.504.378 25,22 4.425.490 74,78
1980 7.749.752 4.566.755 58,93 3.182.997 41,07
1991 8.448.713 6.197.953 73,36 2.250.760 26,64
2000 9.563.458 7.786.084 81,41 1.777.374 18,59
Fonte: IBGE (1970,1980,1991,2000).
Em 30 anos, de 1970 a 2000, a população rural foi reduzida de 74,78%
para 18,59%, com efeito direto sobre as estruturas urbanas, principalmente no que se refere
ao número de empregos para esta população que não era especializada para trabalhos
urbanos. Esses números indicam que a forte migração para as áreas urbanas permitia a
formação de grande reserva de mão-de-obra concentrada principalmente em áreas
periféricas.
Essa concentração periférica, aliada ao excesso da mão-de-obra e, em
muitos casos, à falta de qualificação, desencadearam aumentos expressivos nas
quantidades de trabalhadores que passam a desempenhar atividades como bóias-frias.
Houve uma formação, segundo Kohlheepp (1991, p.86), de uma extensa
área marginal suburbana constituída por classes sociais mais desfavorecidas. A
desestabilização social torna-se visível nas áreas rurais pelo número reduzido de
trabalhadores rurais com contratos permanentes, pela segregação forçada e
economicamente desfavorável do local de trabalho e de residência e pelo emprego
predominante como bóia-fria.
Em decorrência da substituição do café, seguiu-se uma economia de
rotação trigo-soja, que acabou enfraquecendo o solo, causando erosão, e uma deterioração
simultânea das condições de financiamento (KOHLHEPP,1991, p.86).
Além dessas especificidades, para o autor, foi dada então mais atenção
para a implantação mecânica como terraços em curvas de nível, para evitar a erosão do que
a implantação de sistemas de rotação de culturas e principalmente para as culturas de
inverno. O plantio direto
23
foi experimentado no Norte do Paraná pela primeira vez em 1972.
23
O Sistema Plantio Direto (SPD) é um sistema de manejo do solo onde a palha e os restos vegetais são
deixados na superfície do solo. O solo é revolvido apenas no sulco onde são depositadas sementes e
fertilizantes. As plantas infestantes são controladas por herbicidas. Não existe preparo do solo além da
mobilização no sulco de plantio. Considera-se que para o sucesso do sistema são fundamentais a rotação de
culturas e o manejo integrado de pragas, doenças e plantas invasoras. Reduzir a erosão, melhorar as condições
físicas e de fertilidade do solo, aumentar o teor de matéria orgânica, nutrientes e água armazenada no solo e
101
Por plantio direto na agricultura mecanizada entende-se um método de semeadura em que
as sementes são introduzidas mecanicamente e de maneira direta na terra preparada.
No que diz respeito ao plantio direto, este é importante para a prevenção
das erosões, podendo-se contar com maior armazenamento de água, a prevenção da
fertilidade dos solos a longo prazo, assim como vantagens econômicas. Contudo, para que
seja feita com eficiência exige-se conhecimento da moderna tecnologia de produção,
especialmente sobre a dosagem e os efeitos de herbicidas utilizados para combater as
ervas daninhas; com estes procedimentos pode-se chegar a uma economia de 37% dos
meios de produção (KOHLHEPP, 1991, p.87). Tal economia é significativa porque gasta-se
menos com a conservação do solo e com a fertilização deste.
A decadência do cultivo de café com o trabalho intensivo, favoreceu a
transformação de áreas cafeeiras em áreas de criação de gado e o alto grau de
mecanização da agricultura, levaram a um desemprego rural significativo em grande parte
do Norte do Paraná. Para Kohlhepp (1991, p.87), muitos trabalhadores com empregos fixos
e com direito à moradia na própria fazenda, se mudaram para as cidades e se tornaram
“bóias-frias”, uma vez que só sabiam trabalhar junto à terra. Isto se tornou um problema
central em grandes partes do norte do Paraná, o que levou a ocorrência de conflitos sociais.
Este fato, pode ser melhor evidenciado de acordo com a tabela 4, que apresenta dados
sobre a evolução do nível tecnológico no estado:
Tabela 3 – Evolução do número de máquinas e equipamentos agrícolas do Paraná.
MÁQUINAS ARADOS
ANO TRATORES PLANTIO COLHEITA TRAÇÃO
ANIMAL
TRAÇÃO
MECÂNICA
1970 18.619 -- 19.719 283.215 18.883
1975 52.498 -- 20.699 230.316 59.785
1980 81.727 59.795 28.043 289.122 90.526
1985 101.346 75.584 21.023 306.617 95.570
1995/96 130.028 82.514 23.968 200.195 99.032
Fonte : IBGE, 2004 (1970, 1975, 1980, 1985, 1995, 1996)
Organização: Adriana Maria Martini Rodrigues
diminuir o consumo de combustíveis com a manutenção da produtividade das culturas indicam o SPD como o
sistema para alcançar a sustentabilidade da agricultura, com redução dos impactos ambientais
. (Secretaria de
Agricultura e Abastecimento, 2005).
102
Houve uma significativa utilização de tratores, com um aumento de 622%
de 1970 a 1996. O número de máquinas teve um crescimento menos significativo de 39% e
21% em termos de máquinas para plantio e colheita. Os arados, no entanto, como pode ser
observado sofreram uma redução de 30% de 1970 para 1995/96, e um aumento na tração
mecânica em 42 %. Este quadro terá significativa influência no número de desempregados
das cidades, e no número de empregos informais.
Como o número de bóias-frias é significativo, era de se esperar que
houvesse muitas manifestações para melhorar as condições de trabalho. Contudo, no
Paraná estas não foram muito expressivas. Segundo Broietti (2003, p.38), as manifestações
foram pouco expressivas nas últimas décadas. Os sindicatos não se consolidaram como
representação efetiva dos “bóias-frias”. Muitas vezes o papel dos sindicatos é realizado pela
CPT (Comissão Pastoral da Terra), sendo que esta tem primordialmente como função:
assessoria, acompanhamento, mediação, denúncia das situações, porém em alguns casos
a Pastoral investe em grupos de articuladores para que os trabalhadores, tomem as rédeas
e exerçam seus papéis na organização. São grupos de Articulação dos Assalariados Rurais
Temporários (GAART), formados na segunda metade da década de 1990, por lideranças
surgidas entre “bóias-frias”.
O Fórum de Entidades que atua junto ao Assalariado Rural Temporário, o
FEAJART é formado por entidades que têm algum trabalho relacionado aos “bóias-frias”.
Tem-se as seguintes entidades ligadas ao trabalhador rural: Rede Nacional Autônoma de
Advogados Populares (RENAAP), a Associação Projeto Educação do Assalariado Rural
Temporário (APEART), o Centro de Referência de Estudos do Assalariado Rural (CREAR),
o Serviço Pastoral do Migrante (SPM), Sindicatos dos Trabalhadores Rurais, os Membros do
Grupo de Articulação do Assalariado Rural Temporário (GAART), Comissão Pastoral da
Terra (CPT) (BROIETTI, 2003, p.38).
Um dos maiores problemas dos “bóias-frias” diz respeito aos seus direitos,
e no Paraná, segundo Broietti (2003, p.40), pode-se afirmar que a falta de mobilização
desses trabalhadores gera uma situação extremamente heterogênea. Assim, alguns direitos
adquiridos por trabalhadores de certos municípios não foram alcançados por “bóias-frias” de
outros municípios. O registro em Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) é um
destes problemas.
Ainda segundo o autor, quando o trabalhador está ligado ao “gato”, deve
procurar este para receber seu pagamento, não havendo nenhum documento que o ligue ao
proprietário, ao dono das terras, dificultando sua aposentadoria. Ao contrário, os
trabalhadores registrados pelas usinas de cana, quando conseguem ficar empregados por
mais de 6 meses, recebem na entressafra o seguro desemprego. Recebem também o 13º
salário, férias proporcionais ao tempo de serviço e é recolhido o FGTS. Os “bóias-frias” que
103
não recebem estes benefícios são obrigados a migrarem nas entressafras. Além destes
problemas que os bóias-frias enfrentam, existe também o risco do transporte para muitos.
Sobre tal assunto, o transporte do “bóia-fria” no Paraná, Broietti (2003,
p.47), deixa claro que, em 1990 o então governador Álvaro Dias, através do Decreto
Estadual Nº 7003, proibia o transporte de “bóias-frias” em caminhões. Anteriormente a este
decreto não havia nenhum tipo de fiscalização. Ainda são comuns notícias de caminhões
sem as mínimas condições de segurança, transportando “bóias-frias”. Tem ocorrido
inúmeros acidentes, havendo vários casos de morte no transporte dos “bóias-frias”. No dia
31 de maio de 1991, o então governador Roberto Requião revogou o Decreto Estadual
7003, e o Paraná optou pela aplicação da Resolução 683/87 do Conselho Nacional de
Trânsito (CONTRAN). De acordo com esta Resolução Federal, os “bóias-frias” poderiam ser
transportados por caminhões desde que estes tivessem: carrocerias altas e fechadas,
cobertura, assentos fixados ao assoalho da carroceria, compartimento em separado para
guardar as ferramentas, número de passageiros de acordo com a capacidade do veículo,
grades laterais altas e escada de acesso à carroceria. Quem não cumprisse a lei estaria
sujeito a multas e até apreensão do veículo. Em Santa Margarida há a utilização de ônibus
para o transporte dos bóias-frias. Não ocorre mais a utilização de caminhões para este fim.
Até a década de 1990, os alunos de Santa Margarida para conseguirem
concluir a Educação Básica e o Ensino Médio deveriam deslocar-se para Bela Vista do
Paraíso. Esse deslocamento era feito de ônibus. Agora, em 2008, os alunos estudam no
Distrito de Santa Margarida. Este é um fato muito importante, principalmente para os alunos
bóias-frias do período noturno porque há atrasos nos horários de chegada ao distrito. Em
épocas de colheitas, os “gatos” querem garantir uma maior produção diária e as horas de
trabalho se estendem. Aos bóias-frias que recebem por produção também é mais
compensatório, haja vista que, quanto mais se trabalha, maior a remuneração. Contudo, a
educação é de suma importância para que esta realidade seja modificada.
2.3 AS MIGRAÇÕES E A EDUCAÇÃO
Para Oliveira (1992, p.18), duas questões marcam as reflexões sobre as
questões culturais e os modos de pensamento. Tem-se de um lado pesquisas que procuram
identificar um percurso universal para o desenvolvimento psicológico do ser humano,
definindo quais são as formas mais e menos sofisticadas de pensamento. De acordo com
esta corrente, certos grupos humanos teriam, assim, um modo de funcionamento
psicológico mais avançado enquanto outros permaneceriam em um modo de pensar mais
104
primitivo. Alguns seriam capazes de atingir um pensamento abstrato, enquanto outros
permaneceriam no pensamento concreto. Estes teriam que se submeter a algum tipo de
educação compensatória para atingirem um modo de pensamento mais avançado. Tais
grupos seriam formados por pessoas de origem rural, sem escolaridade, e com nível sócio-
econômico mais baixo.
A outra linha de pesquisa que se opõe a esta, baseia-se na idéia de que
os indivíduos e grupos humanos funcionam psicologicamente em resposta às demandas do
contexto em que vivem, pois :
[...] os modos de pensamento e a atividade psicológica em geral seriam
definidos na relação do ser humano com as situações reais que enfrenta
em sua vida concreta. Nesta perspectiva não haveria sentido numa
comparação entre grupos “avançados” e “primitivos”, pois todo
desempenho humano é equivalente e de igual valor (OLIVEIRA, 1992,
p.19).
Seguindo esta segunda linha de pesquisa, o modo de pensar deve ser
respeitado e incorporado ao trabalho pedagógico na escola pois, o que cada indivíduo traz
consigo é equivalente, em termos de valor, sofisticação e complexidade ao que a escola tem
para oferecer.
O papel da escola é o de transmitir, sistematicamente os conhecimentos e
as formas de pensamento considerados necessários e adequados no interior dessa
sociedade marcada pelo desenvolvimento científico e tecnológico. O conhecimento é o
objeto privilegiado de sua ação. Na escola, o indivíduo aprende a relacionar-se com o
conhecimento. O indivíduo que passa pela escola é submetido à prática de trabalhar com o
conhecimento e enquanto objeto, esta prática o instrumentaliza para o modo de
funcionamento intelectual da sociedade letrada. Assim, “talvez a escola seja o protótipo da
instituição social que, no âmbito da sociedade letrada, ensina o homem a transcender seu
contexto e a transitar pelas dimensões do espaço, do tempo e das operações com o próprio
conhecimento” (OLIVEIRA, 1992, p.20). Note-se que as escolas são necessárias para todos,
principalmente para adultos analfabetos e para as crianças e, seria o caminho para a
superação da pobreza e o acesso à trabalhos melhores remunerados e com todos os
direitos garantidos. A escola seria a porta de passagem, talvez a única de que dispõe para
uma vida melhor. Desta forma,
Ir à escola, para os adultos analfabetos significa acrescentar algumas
horas à longa jornada de trabalho diário. Embora a vontade de ler e
escrever seja uma poderosa motivação, o cansaço do trabalho, as longas
horas de esforço concentrado sobre o corpo, deixam pouca energia para
estabelecer as relações necessárias entre aqueles sinais, letras e sons e
ainda menos disposição para aprender a relação entre aqueles signos e
a vida do trabalhador que os espera de novo no dia seguinte (MELLO,
1992, p. 21).
105
Para os migrantes há um agravante já que as escolas dos locais que os
recebem são distantes de onde ficam alojados. Os margaridenses, por exemplo, em um dos
locais para onde se dirigem, são deixados na estrada pelo transporte e devem atravessar a
fazenda para chegarem nos alojamentos.
Os filhos dos migrantes sofrem com o fracasso escolar, pois vivem em
mais de um local no mesmo ano. As escolas devem estar atentas a estas crianças, pois, ”o
fracasso sistemático das crianças, em lugar de mostrar como a escola é insatisfatória para
acolhê-los, vem reforçar a idéia de uma incapacidade que não é pessoal, mas de classe
social” (MELLO, 1992, p. 24). Este fracasso não é só dos alunos que não conseguem obter
o conhecimento necessário para modificarem sua vida, mas é de todo o sistema de ensino.
Algumas crianças apenas terminam a primeira série, outras conseguem chegar à oitava
série, porém, apenas algumas terminarão o ensino médio. A escola significa para estes
jovens que nela permanecem, um lugar de exercício de uma sociabilidade sem
compromissos, e, secundariamente como um local de estudo.
Os migrantes sonham com uma boa educação para seus filhos a fim de
livrá-los do mesmo destino e da vida árdua que levam. A escola para os migrantes é um
sonho, uma utopia, pois, além de uma ocupação mais digna, ela pode oferecer o saber para
a sobrevivência. As famílias, muitas vezes, se sacrificam para manter seus filhos estudando,
uma vez que a mão-de-obra destes faz falta na economia familiar. Há que se lembrar que,
segundo Sposito (1992, p.28), “a possibilidade de acesso à escolarização de crianças e
jovens, sobretudo, os obstáculos à permanência constituem aspectos indissociáveis de um
mesmo processo excludente que ainda demanda soluções que não se restringem às
políticas educacionais”.
Na concepção de Sposito (1992, p.29), a escola ideal deveria mesclar os
conteúdos das normas cultas da linguagem, às ciências e às práticas culturais, também
diversificadas pelo país heterogêneo e que caracterizam uma população que foi rural até
poucas décadas. O homem urbano, tem um substrato rural porque seus pais, ou seus avós
podem ter vivido na zona rural. O capitalismo unificou economicamente o rural e o urbano e
os homens transitam (vivem e trabalham) nestes espaços integrados. A escola também
está, muitas vezes, desligada desta realidade. Muitos professores fazem sinceros esforços
para modificar esta realidade, contudo, acham-se presos às malhas burocráticas da
administração centralizada da educação no Brasil.
A educação, de um modo geral, apresenta muitos pontos que ainda devem
ser trabalhados e melhorados. Só aprende o sujeito que muda seu comportamento e essa
mudança só acontece quando o educando se conscientizou. Essa regra vale para todos os
tipos de educação. O sistema de ensino do fundamental ao superior, se caracteriza pela
separação dos seus conteúdos, em que as disciplinas são ensinadas de maneira
106
compartimentada e não interdisciplinar. Apesar de estudiosos terem demonstrado que o
estudante já traz uma bagagem, que aprende melhor quando vivencia, quando manipula,
quando o ambiente de aprendizagem foi previamente preparado, tais fatos parecem ainda
não ter atingido nosso sistema de ensino (SPOSITO, 1992, p.31). Projetos diferenciados
como o de Superação, que a escola Presidente Vargas de Santa Margarida pretende
implantar, são importantes para que esta bagagem seja aproveitada.
Estes fatos são confirmados devido a grande quantidade de reprovações
que se tem nas escolas onde muitas crianças, adolescentes e adultos migram. Estas
escolas deveriam ter projetos diferenciados para atenderem estas necessidades.
Uma vez que a Educação precisa transmitir conhecimentos e formar
cidadãos , cabe a ela uma melhor compreensão deste cidadão que será por ela formado,
para tentar atender suas necessidades. É importante discutir a escola como um espaço
social, um espaço de convivência. Para o migrante é de fundamental importância que isto
ocorra para que o seu sonho se realize em seus filhos. O sonho de uma vida próspera
24
e
digna, em que a cidadania seja garantida.
2.4
A EDUCAÇÃO BRASILEIRA
Para Romanelli (2001, p.23), “[...] na medida em que se transforma, pelo
desafio que aceita e que lhe vem do meio para o qual volta sua ação, o homem se educa. E,
na medida em que comunica os resultados de sua experiência, ele ajuda os outros homens
a se educarem, tornando-se solidário com eles.”
A educação deve ser vista como o único valor que está presente entre os
direitos e os deveres de cada cidadão. Todas as pessoas merecem ser instruídas, assim
como devem ao seu próximo o respeito, a solidariedade, a obrigação de ser útil à sociedade.
Dessa forma,
[...] educar implica em não deixar os outros da maneira como estão, ou
seja, não se educa apenas esperando que o outro construa seu
conhecimento, mas intervindo na vida do outro de tal forma que ele seja
levado a se apropriar da cultura acumulada no decorrer dos séculos, o
que de outra forma significa se humanizar, se tornar menos natural,
menos animal e mais humano (MESQUITA, 2002, p.46).
24
Significa: ditoso, feliz, venturoso, bem-sucedido, afortunado . (FERREIRA, 1999, p.1652).
107
As pessoas, muitas vezes, estão envolvidas em seu cotidiano e não
percebem que deixaram de sonhar, de ter esperanças. Realizam todos os dias as mesmas
tarefas e não se permitem mudanças. Esta falta de iniciativa e de esperança foi percebida
nas entrevistas com os bóias-frias.
Note-se que a história da educação brasileira, como será exposto a seguir,
passou por diversos processos de adaptações e transformações. Contudo, ela sempre
esteve voltada as camadas menos necessitadas da população. Quer moldada por modelos
europeus, quer voltada a atender a política nacional, a educação foi de certa forma “usada”
como forma de dominação.
Será feita uma breve discussão sobre algumas teorias da educação, que
estiveram presentes nas escolas do Brasil.
Para Mesquita (2002, p.47), desde os primórdios de nossa civilização, já
se pôde verificar a presença da educação entre os membros da tribo na qual as crianças
aprendiam as tarefas rotineiras da vida cotidiana com os adultos e, também, na qual o saber
era coletivo. Tais tarefas levaram o homem a modificar a natureza e, conseqüentemente, ele
aprendeu a conhecer as próprias forças e limitações.
A forma como foi feita a colonização das terras e, mais, a evolução da
distribuição do solo, da estratificação social, do controle do poder político, aliadas ao uso de
modelos importados de cultura letrada, condicionaram a evolução da educação escolar
brasileira. A necessidade de manter os desníveis sociais teve, desde então, na educação
escolar um instrumento de reforço das desigualdades. Nesse sentido, a função da escola foi
a de ajudar a manter privilégios de classes, apresentando-se ela mesma como uma forma
de privilégio, quando se utilizou de mecanismos de seleção escolar e de um conteúdo
cultural que não foi capaz de propiciar às diversas camadas sociais sequer uma preparação
eficaz para o trabalho. Ao mesmo tempo que ela deu `a camada dominante a capacidade
de se ilustrar, ela se manteve insuficiente e precária , em todos os seus níveis, atingindo
apenas uma minoria que nela procurava uma forma de conquistar ou manter “status” .
(ROMANELLI, 2001, p.24).
Devido à situação de dependência de Portugal, durante o período colonial,
o Brasil, no tocante à educação, refletia uma concepção teocêntrica, pois no início de nossa
colonização a educação era depositada nas mãos dos religiosos, orientando toda a
expansão do ensino e a organização do sistema educacional brasileiro. Todavia, para se
entender a evolução do ensino no Brasil, é necessário ressaltar que nossa economia foi
fundada na grande propriedade e na mão-de-obra escrava, trazendo-nos implicações
sociais e políticas muito profundas, dando origem ao sistema de poder da chamada família
patriarcal, a qual detinha o poder político e buscava também deter os bens culturais.
(MESQUITA, 2002, p.25).
108
Convém, contudo, salientar que segundo Mesquita (2002, p.25), o
conteúdo desenvolvido pelos jesuítas era trazido da Europa, com base no espírito da
Contra-Reforma, que se caracterizava como uma reação contra o pensamento crítico, ou
seja, reforçava o valor da escolástica para manter a autoridade da Igreja sobre os seus fiéis.
Durante três séculos, a nação portuguesa, influenciada pela doutrina jesuítica, não permitiu
que a modernização iniciada na Europa atingisse suas colônias, provocando um grande
isolamento das mesmas.
Por conseguinte, segundo a autora citada, o objetivo de educar os
indígenas foi no decorrer do tempo dando lugar à educação da elite, que se distinguia das
demais por ser dedicada apenas à aristocracia rural, tornando-se inatingível à maioria da
população, durante todo o período Colonial, Imperial e início do Republicano. Assim, a Lei
aprovada em 15 de outubro de 1827, no seu art. 10, prevê o “ensino das primeiras letras
para todos os cidadãos brasileiros”. Em contrapartida, em seu art. 5º, desobriga o Estado da
formação dos professores desse nível de ensino, no qual se lê o seguinte “[...] e os
professores que não tiverem a necessária instrução desse ensino irão instruir-se em curto
prazo e a custa de seus ordenados” (MESQUITA, 2002, p.26).
Nesse início de período, o que mais se destacou no sistema educacional
brasileiro foi a criação dos primeiros cursos superiores, tendo como objetivo o atendimento
das necessidades oriundas da instalação da corte no Brasil. Com a preocupação voltada
para o ensino superior, os outros níveis de ensino ficaram num total abandono. A educação
brasileira viveu seus primeiros momentos de conflito, levando a uma revolução cultural entre
a tradição de uma educação aristocrática trazida da Europa, que preparava os letrados a
ocuparem os cargos administrativos e políticos do Brasil, em oposição a uma aristocracia
rural já implantada (MESQUITA, 2002, p.27).
No final do século XVIII, inicia-se o período do Iluminismo, que tinha como
uma das características a luta pela escola leiga e estatal. Não obstante, foi grande o
contraste entre países da Europa e o Brasil, pois o catolicismo é conhecido como “cimento”
de nossa sociedade, porque neutralizou os efeitos das mudanças culturais aqui já existentes
e bloqueou as mudanças ocorridas na Europa. No século XIX, devido ao processo de
aceleração decorrente do capitalismo industrial, a mão-de-obra exigida para a realização do
trabalho criou fortes expectativas com relação à educação (MESQUITA, 2002, p.28).
Aumentou a preocupação em preparar a criança para a vida em
sociedade. A educação passa a priorizar a formação de uma consciência nacional e
patriótica do cidadão e voltada ao ensino elementar, surgindo assim e de maneira precária,
as primeiras Escolas Normais com o objetivo de preparar os professores. Achava-se que a
escolaridade poderia resolver os problemas do país. Para Mesquita (2002, p.29), nessa fase
da história da educação brasileira (1850-1930), aumentou o nível de contradições sociais
109
devido ao desenvolvimento do capitalismo dependente brasileiro, presenciando-se a
influência de uma camada intermediária, afirmando-se como classe, formada por pessoas
ligadas principalmente à política. Não obstante, alguns intelectuais brasileiros, influenciados
pelas idéias européias, tentavam apresentar propostas de mudança na Educação, surgindo,
assim, os segmentos renovadores, que aspiravam pelos ideais liberais e positivistas.
Nesse período, devido à defasagem existente entre a educação e o
desenvolvimento econômico no Brasil que se apresentava em vias de industrialização,
previu-se uma grande expansão do ensino para responder às novas exigências sociais e
econômicas. Observou-se também a partir dessa data, a grande demanda do ensino, devido
ao crescimento demográfico e à intensificação do processo de urbanização. O
desenvolvimento do sistema econômico e as mudanças sociais ocorridas na sociedade
brasileira levaram a uma grande defasagem entre a educação e o desenvolvimento
brasileiro, resultando em lutas entre as camadas dominantes na estrutura do poder, fazendo
com que predominassem, quase sempre, os interesses das facções conservadoras em
detrimento das modernizadoras (MESQUITA, 2002, p.30).
Desta forma, a problemática do ensino do Brasil teve seu início muito antes
da proclamação da República, pois naquela época já se denunciavam as precariedades do
ensino e, mesmo existindo uma progressiva democratização do acesso à escola, não havia
a democratização da mesma. O ensino estava longe de atingir seu objetivo, nos sentidos
quantitativos e qualitativos, sendo que isso era comprovado pela repetência e evasão
escolar das camadas populares.
Segundo Mesquita (2002, p.43), através do conhecimento de nossos
antecedentes históricos é que se pode desvendar muitas questões que afligem atualmente o
professor no seu dia-a-dia em sala de aula, como por exemplo: o salário, as condições de
trabalho, a desvalorização profissional, a repetência, a evasão, e muitos outros.
Até os anos de 1920, a educação comportou-se como um instrumento de
mobilidade social, no sentido mais amplo do termo. Os estratos que manipulavam o poder
político econômico e as camadas médias urbanas procuravam-na como a principal via de
ascensão, prestígio e integração no universo dos estratos dominantes. Foi nessa sociedade
que se originou e cristalizou o padrão de ensino superior brasileiro. Nele não havia uma
função educadora para os níveis primário e secundário, (fundamental e médio), razão pela
qual estes não mereceram atenção do estado, senão formalmente, e a escola média jamais
conseguiu organizar-se, como tal, a não ser através de honrosas exceções partidas da
iniciativa privada (ROMANELLI, 2001, p.255).
Na década de 1930, o projeto político autoritário do Estado Novo investiu
muito em repressão, mas investiu também em educação. Era uma política educacional
estreitamente articulada a outras políticas sociais, como a da saúde, reunidas num só
110
ministério. Dessa forma, para o bem ou para o mal, essa foi uma área de preocupação
prioritária das políticas públicas da época. Havia objetivos e projetos bem definidos em
relação a este campo de atuação governamental, e isso pode ser verificado tanto no volume
de recursos organizacionais e financeiros destinados à área (sempre em termos do que até
então se havia aplicado), quanto pela mobilização de pessoal altamente qualificado para
nela trabalhar. É aí que se organiza o ensino secundário, e se implementa de uma maneira
mais incisiva e se organiza o ensino industrial e comercial, com o SENAI e o SENAC. Isto
sem falar na Universidade do Distrito Federal, Universidade do Brasil e a Universidade de
São Paulo, que foram implantadas. Tudo, é claro, de maneira muito delicada, envolvendo
concepções diferenciadas de educação e muitas disputas políticas em que não saíram
vencedores os projetos mais includentes e democráticos, como se pode deduzir, pois não
eram de interesse dos governantes (GOMES, 2002,p.9).
Ainda sobre o ano de 1930, Romanelli (2001, p.14), esclarece que, o
ensino expandiu-se fortemente, por causa do crescimento sensível da demanda social de
educação. O crescimento da demanda foi por sua vez, o resultado de dois fatores
concomitantes: o crescimento demográfico e a intensificação do processo de urbanização. O
primeiro é responsável pelo crescimento da demanda potencial de educação e o segundo,
pela evolução dessa demanda, que se torna aos poucos demanda efetiva. A expansão do
ensino, todavia, apesar de grande, foi deficiente, tanto em seu aspecto quantitativo, quanto
em seu aspecto estrutural. Quanto ao aspecto quantitativo, registraram-se três tipos de
deficiência: a) falta de oferta suficiente de escolas; b) baixo rendimento do sistema escolar;
c) discriminação social acentuada.
Lançado alguns meses depois da IV Conferência, o Manifesto dos
pioneiros da educação nova foi apresentado como a resposta política que ela se recusara a
dar. Colocando-se no centro das disputas políticas que, após 1930, configuraram o campo
do debate educacional, o Manifesto dava visibilidade e sistematização à defesa de um
sistema único de ensino, público, leigo e gratuito. O que antes, na década de 1920, era
convergência em torno da “causa cívico-educacional” explicita-se como confronto de
posições: escola única x escola dual; ensino público x ensino particular; ensino religioso x
ensino leigo. Mas, o próprio nome do Manifesto evidencia que, no âmago desse confronto,
enraizava-se outro, no campo teórico/doutrinário da Pedagogia, alimentado pelas novas
idéias pedagógicas que fervilhavam na Europa e nos Estados Unidos. Organizar a nação
era a fórmula que condensava as expectativas de modernização e controle social
depositadas na educação, designando um conjunto de dispositivos de distribuição,
integração, dinamização, disciplinarização e hierarquização das populações (CARVALHO,
2002, p.15-17).
111
Na memória, o que se sedimentou, segundo a autora citada, sobre o
movimento educacional dos anos de 1920 e 1930, é que de um lado estariam os signatários
do Manifesto, compromissados com reformas do sistema escolar que concretizassem os
ideais da educação nova, e do outro, os católicos, defendendo a escola tradicional
.
Com o objetivo de experimentar novas formas políticas, após 1930
começou uma luta ideológica intensa, culminando com uma efervescência política,
assinalando um clima de controvérsias, refletindo o que estava acontecendo em todo
mundo. Na educação, o grupo liderado por Anísio Teixeira lutava para que a formação dos
professores, tanto de nível primário como de nível secundário, fosse realizada nos cursos
superiores, nos quais a pesquisa deveria estar presente. Mas, o que predominou foram às
forças conservadoras, que continuaram formando professores primários na Escola Normal,
em nível médio (MESQUITA, 2002, p.231).
Por conseguinte, com o desenvolvimento ocorrido nesse período, deu-se
início aos projetos de redução do analfabetismo, que buscavam fornecer conhecimentos às
camadas mais numerosas da sociedade, em detrimento da qualidade, visando atender o
mercado de trabalho. E, com o aumento da industrialização, a mulher foi em busca de
trabalho, transferindo para a escola o ônus de formar o cidadão, tarefa até então exclusiva
da família, principalmente da mulher, passando para o Estado a tarefa de integrar o
indivíduo aos novos fins de formação (MESQUITA, 2002, p.31).
Em vista disso, surgiram ideologias pedagógicas, que buscavam o resgate
da liberdade com o objetivo de tornar o educando um homem livre da alienação. A
sociedade buscava a democracia social e devia também buscar os meios de expressá-la na
sua educação, a qual devia ser igual para todos: obrigatória, laica e gratuita.
Os anos de 1950, mesmo que “encolhido” entre dois ícones, ou seja, entre
o Estado Novo e o golpe de 1964, quando visto “por dentro” revela-se rico em possibilidades
investigativas, posto que ofereceu um repertório considerável de idéias, propostas e
instituições as quais elegeram o tema educação como crucial ao futuro do país. Se a história
intelectual do século XX brasileiro mantém unidos intelectuais e educação, naqueles anos, a
pesquisa educacional era a substância com a qual se configuravam e se diferenciavam
projetos intelectuais individuais e coletivos. O debate sobre a relação entre educação e
sociedade recompunha-se em meio a um número expressivo de questões que os próprios
atores daquele momento identificavam como importantes à redefinição da nacionalidade
brasileira; debate este marcado pelos parâmetros ideológicos da Guerra Fria e, ao mesmo
tempo, pelas alternativas “terceiromundistas” às quais se dirigiam significativos movimentos
de engajamento popular (FREITAS, 2002, p.55-56). Nessa época, os cientistas sociais
trouxeram ao campo pedagógico uma forma de pensamento que forçou os educadores a
reformularem suas concepções sobre a natureza das relações entre escola e sociedade.
112
A urbanização crescente, que a reorientação do modelo econômico
favoreceu, fez crescer a demanda social da educação, e o ensino que antes era apenas
aristocrático, passou a ser seletivo, já que a estrutura interna do sistema educacional pouco
mudou e os antigos padrões de escola mantiveram-se, agora transferidos para os níveis
primário e secundário. A defasagem que se acentua entre desenvolvimento e educação é a
que não só marginaliza boa parte da população, como corresponde, ou correspondia à
manutenção de um modelo antigo de educação e às necessidades da expansão econômica
(ROMANELLI, 2001, p.256).
Para a autora, a crise do sistema educacional do final dos anos de 1950 e
da década de 1960 apareceu, assim, mais timidamente, como crise da Universidade. O
poder político, até o início dos anos de 1960, mostrou-se incapaz de “absorver” a crise e a
Lei de Diretrizes e Bases atendeu mais a interesses de ordem política do que aos interesses
sociais emergentes e, até mesmo, aos interesses econômicos.
No início dos anos 1960, mesmo acontecendo um ensino meramente
expositivo significando apenas a assimilação dos conteúdos propostos nos programas de
ensino, intensificaram-se os movimentos de educação popular, principalmente com Paulo
Freire, com seu caráter essencialmente democrático (MESQUITA, 2002, p.32)
Segundo a autora, a abertura de nossa economia culminou com o golpe
militar em 1964
25
, instaurando a ditadura. Desse modo, mudou-se a concepção de educação
adotada anteriormente, coibindo qualquer forma de manifestação, principalmente na política.
Essa mudança apresentava como um dos objetivos, a erradicação do analfabetismo, porém,
sem elevar o nível intelectual do trabalhador. Sobre tal assunto, Romanelli (2001, p.257)
esclarece que,
após 1964, a redefinição do processo político e do modelo econômico criou, em
princípio, condições para o agravamento da crise no setor educacional, então
desfavorecido de ambos os lados (do setor político e, até certo ponto, do setor
econômico) mas já contando com um certo grau de politização de estudantes e
professores. Aqui, a desintegração de fatores atuantes no sistema educacional
consubstanciou-se numa polarização de interesses, na qual os interesses sociais
pressionavam o sistema, em direção a inovações e à expansão de
oportunidades, a estrutura de poder atuava tentando frear as inovações iminentes
e a política econômica adotada, em fase de “recuperação”, não permitia, senão
em limites estreitos, uma expansão da oferta de ensino.
25
O Golpe Militar de 1964 designa o conjunto de eventos ocorridos em 31 de março de 1964 no Brasil, e que
culminaram em um golpe de estado (chamada pelo Estado que se seguiu como uma "Revolução de 1964") que
interrompeu o governo do presidente João Belchior Marques Goulart, também conhecido como Jango. O ano de
1964 só se consuma politicamente em 1968. Isto é, o golpe político-militar deste ano somente se concretiza
como regime militar após a edição do Ato Institucional n.5 . É desnecessário lembrar que nos regimes ditatorial-
militares as Forças Armadas assumem o papel dominante porque controlam os “postos de comando essenciais”
e os “centros de poder real” do sistema institucional dos aparelhos do Estado (CODATO, 2004).
113
Com o início da ditadura, intensificou-se no país a ajuda internacional à
educação com o objetivo de modernizar o sistema educacional brasileiro, objetivando
integrá-lo ao sistema capitalista. Os famosos acordos MEC/USAID, realizados de 1966 a
1968 entre o governo brasileiro e o governo americano, apresentavam como principal
objetivo a preparação de profissionais que se adequassem aos propósitos do capitalismo
internacional, que buscavam mão-de-obra desqualificada e barata (MESQUITA, 2002, p.34).
Pessoas conscientes de seus direitos e atuantes politicamente, não eram benquistas.
Na década de 1970, para a autora, dentro do modelo econômico
desenvolvimentista sob a égide da ditadura militar, estabeleceu-se a obrigatoriedade da
formação no curso de Pedagogia, dos professores para a Escola Normal, sendo
denominado Magistério de 2º Grau. O currículo dessa licenciatura não contemplava os
conteúdos do curso primário e o pedagogo tinha de fazer uma educação que não havia
aprendido e nem vivido. Na década de 1980, afirmou-se o caráter profissional do trabalhador
em educação, que defendia suas condições de trabalho, além de um ensino democrático e
de qualidade, gerando lutas para a reformulação dos cursos de formação e, em 1985, com a
Nova República, através de diversos segmentos da sociedade civil, foi exigida a abertura
política que culminou com a aprovação de uma nova Constituição em 1988, fazendo com
que setores da sociedade civil se expressassem com maior autonomia, fazendo pressão
contra a corrupção e os desmandos do governo, exigindo os direitos do cidadão. A
educação se coloca como via para operar a construção do homem moderno e para formar
uma sociedade orgânica e livre.
A instrução e o trabalho se afirmam como momentos centrais na ação
pedagógica, interligando-se dialeticamente e redesenhando os perfis dos profissionais. A
educação é confirmada como direito universal e tarefa social e é marcada pela sua abertura
para os problemas mundiais, fazendo emergir novas práticas educativas e teorizações
pedagógicas. Passou-se a redefinir os processos educativos e as suas finalidades,
colocando em dúvida o que era tido como certeza.
Segundo Mesquita (2002, p.35), nesse final/início de século, produziu-se
uma escolarização em massa e com resultados não muito positivos, iniciando um processo
de reflexão sobre a escola, sobre sua função, surgindo novas vertentes de pesquisa
pedagógica. Todos os processos de transformação ocorridos na educação estão ligados a
razões histórico-sociais, e, para acompanhar esses movimentos, a sociedade passa a ser
mais dinâmica e aberta, exigindo a formação de homens com novas mentalidades, capazes
de fazer frente às inovações sociais e culturais e com um saber pedagógico mais reflexivo.
Entretanto, hoje indagações mais profundas estão em jogo quando se fala de educação no
Brasil, como: qual o entendimento da dimensão profissional de qualidade no mundo de
hoje? O que fazer para que o fracasso escolar não seja tão recorrente?
114
Estas questões são perfeitamente aplicáveis aos estudantes de Santa
Margarida. A escola, para tais alunos, deveria auxiliá-los com uma formação
profissionalizante e projetos diferenciados deveriam ser aplicados para que a evasão fosse
contida. Professores, diretora e comunidade escolar estão se empenhando para que isto
ocorra.
Nas últimas décadas, observa-se um crescente interesse em retomar as
análises sobre o que se acredita ser um caminho promissor para se enfrentar a difícil
problemática da educação brasileira. Desta maneira, parte-se do pressuposto de que é na, e
pela, interação social que o homem não só tem acesso ao saber acumulado pelos seus
antepassados como, ao fazê-lo, constitui-se enquanto sujeito. (PALANGANA, 2001, p.8). As
práticas pedagógicas que norteiam a educação hoje são variadas e amplamente discutidas.
Isto porque há uma série de concepções de ensino aprendizagem em constante estudo.
Neste sentido, para a autora, as interações sociais de um modo geral, e
em particular as que ocorrem no âmbito escolar, vêm sendo apontadas como um caminho
através do qual é possível incrementar o processo de aprendizagem e desenvolvimento
tornando mais produtivo o impacto da escola na trajetória de vida do sujeito.
Alguns pensadores da educação destacam-se quanto à clareza de
pensamento e o envolvimento com a realidade. Antes de ensinar é preciso que se conheça
o sujeito, depois de conhecido, a interação com seu meio deve ser levada em consideração.
Jean Piaget e Lev Semynovitch Vygotsky são exemplos de pensadores que devem ser
lembrados e mais uma vez estudados.
Jean Piaget foi um dos grandes pensadores e pesquisadores que
tentaram explicar a estrutura do conhecimento humano. Segundo Palangana (2001, p.14), a
idéia central do pensamento de Jean Piaget seria que; “a lógica de funcionamento mental da
criança é qualitativamente diferente da lógica adulta”. Logo, era preciso investigar através de
quais mecanismos ou processos ocorre essa transformação. A teoria psicogenética
proposta por Piaget pode ser qualificada, em princípio, como interacionista. Ele acreditava
que o conhecimento não é imanente nem ao sujeito nem ao objeto, sendo, isto sim,
construído na interação entre os dois pólos.
A autora ainda complementa que nas sistematizações teóricas de Piaget,
conhecer significa organizar, estruturar e explicar o real a partir das experiências vividas.
Conhecer é modificar, transformar o objeto; é compreender o mecanismo de sua
transformação e, conseqüentemente, o caminho pelo qual o objeto é construído . O
conhecimento é sempre produto da ação do sujeito sobre o objeto . Neste sentido, a
operação é a essência do conhecimento: a ação interiorizada modifica o objeto do
conhecimento, impondo-lhe uma ordenação no espaço e no tempo. O ser humano, para
Piaget, nasce com a possibilidade de, na interação com o meio ambiente, construir seus
115
esquemas de ação integrando-os em sistemas cada vez mais abrangentes (PALANGANA,
2001, p.74). Esta é então, uma postura interacionista ao analisar a relação
desenvolvimento/aprendizagem , em que o conhecimento é constituído na interação do
sujeito com o mundo externo (dos objetos e das pessoas). Contudo, é principalmente
através da ação do sujeito individual (e não do meio sobre ele) que o conhecimento se
estrutura.
Uma pessoa com uma estrutura familiar centrada na importância da
escola, fica mais motivada e pronta para estudar. Já no caso dos “bóias-frias”, o trabalho é
dificultado, pois, apesar de reconhecerem que estudar seria uma das únicas alternativas
para uma ascensão social, alguns não se esforçam o suficiente para que isto ocorra. A
escola como deixa claro Piaget, é o ambiente favorecedor da aprendizagem, contudo o
indivíduo deve estar motivado e interessado para que ela aconteça. A escola, necessita de
uma adaptação para atender esta clientela e esta precisa sentir a necessidade deste
atendimento.
Concordando com essa visão Interacionista, mas dando uma ênfase maior
ao fator social tem-se Lev Semynovitch Vygotsky que propôs a Teoria Histórico-Cultural;
para este, o processo de apropriação do conhecimento se dá no decurso do
desenvolvimento de relações reais, efetivas, do sujeito com o mundo. Vale ressaltar que as
relações não dependem da consciência do sujeito individual, mas são determinadas pelas
condições histórico-sociais concretas nas quais ele está inserido, e ainda pelo modo como
sua vida se forma nestas condições. Se esta hipótese é verdadeira, ou seja, se a
ontogênese (o desenvolvimento) das funções psicológicas especificamente humanas
depende do contexto histórico-social com o qual o sujeito interage, então, a Psicologia
enquanto ciência, que se ocupa dos processos de desenvolvimento e aprendizagem, dentre
outros, não pode permanecer indiferente a essas particularidades que caracterizam a
natureza desses dois fenômenos, sob pena de incorrer na negligência da própria identidade
de seu objeto de estudo (PALANGANA, 2001, p.132).
Mesquita (2002, p.133)complementa que, ao nascer, o sujeito humano é
herdeiro de toda a evolução cultural e, seu desenvolvimento dar-se-á em função das
características do meio social em que vive. Afirma ainda que o desenvolvimento é fruto de
uma grande influência das experiências do indivíduo. Este não nasce pronto nem é cópia do
ambiente externo. Em sua evolução intelectual há uma interação constante e ininterrupta
entre processos internos e influências do mundo social.
Uma vez que o indivíduo não nasce pronto e nem é só uma cópia do seu
meio externo, a visão de muitos bóias-frias de que “meu pai foi bóia-fria, eu sou bóia-fria e
meu filho fatalmente será bóia-fria”, pode e deve ser aniquilada. Eles devem ser levados a
compreender que esta situação pode ser mudada, e, que a educação pode contribuir para
116
que este fato ocorra. Como pode ser observado através dos pensadores Piaget e Vygotsky,
o meio interfere, mas não é fator único de formação.
Ainda para a Palangana (2001, p.133), Vygotsky foi capaz de conceber o
organismo humano com um alto grau de plasticidade, percebendo o efeito diferencial que a
variação de ambiente sócio-histórico pode exercer sobre o desenvolvimento cognitivo.
Precisamente por ter assumido esse ambiente enquanto um contexto cultural, histórico e,
portanto, em constante transformação, é que ele diferencia-se de Piaget. Para ele, a
natureza humana é, desde o início, essencialmente social: é na relação com o próximo ,
numa atividade de prática comum, que os homens, mediados pelos signos e instrumentos,
se constituem e se desenvolvem enquanto tal. Vygotsky interpretou a interação humana no
seio de um contexto histórico destacando a linguagem como instrumento que promove a
formação do psiquismo. “Na concepção do processo de ensino/aprendizagem de Vygotsky
há uma forte preocupação com o indivíduo social e histórico que traz um conhecimento
prévio para a escola” (MESQUITA, 2002, p.36).
Desse modo, percebe-se através do trabalho destes pensadores que o
interacionismo entre meio e a maturação individual é que condicionam a aprendizagem e o
desenvolvimento. Os alunos então aprendem quando estão preparados, maduros e quando
recebem os estímulos necessários. As trocas de experiências tanto com professores, quanto
com os colegas são importantíssimas neste processo. Se o conhecimento resulta de trocas
que se estabelecem na interação entre o meio (natural, social, cultural) e o sujeito, sendo o
professor o mediador, então a relação pedagógica consiste no provimento das condições
em que professores e alunos possam colaborar para fazer progredir essas trocas.
O papel
do professor é insubstituível, mas deve-se saber que a participação do aluno é
primordial no processo.
O aluno faz a sua parte, buscando os ensinamentos que vão ao
encontro dos conteúdos e modelos expressos pelo professor. Mas, esses esforços do
professor em orientar, em mostrar soluções à partir dos conteúdos implicam em um
envolvimento maior com o estilo de vida dos alunos, tendo consciência inclusive dos
contrastes entre sua própria cultura e a do aluno. O professor não se conterá apenas na
necessidade e na carência, buscará outras necessidades como: organizar os métodos de
estudos, exigir o esforço do aluno, propor conteúdos e modelos compatíveis com suas
experiências vividas, para que o aluno se mobilize para uma participação ativa na relação
com ele. Na mesma direção, Mesquita (2002, p.37) coloca que,
Vygotsky , afirmava que o ser humano, para aprender, deve ser inserido
a um meio - seja ele específico ou não - para retirar subsídios para o seu
desenvolvimento sócio-histórico. A sua teoria está baseada na mediação,
ou seja, ela acredita que o saber se dá a partir daquilo que o educando
tem como “conhecimento prévio” mediado com o conhecimento científico
que será instrumentalizado pela escola - na figura do professor. Pode-se
117
afirmar que as funções psicológicas superiores - atenção voluntária,
memória lógica e formação de conceitos originam-se, inicialmente, a
partir de relações entre sujeitos. O conhecimento, as idéias, as atitudes e
os valores das crianças, desenvolvem-se pela interação com os outros.
As crianças aprendem não por meio da exploração solitária do mundo,
mas apropriando-se ou “tomando para si” os modos de agir, oferecidos
por sua cultura.
Esse conhecimento deve, na escola, ser trabalhado e aprimorado. É
preciso que os educadores criem situações desafiadoras, que provoquem no aluno as
condições de gerar seus próprios conhecimentos. Os saberes não mais são transmitidos
pelo professor, e sim, mediados entre aquele que tem, de certo modo, mais experiência e
contatos com o mundo científico e o sujeito participante da comunidade que deverá ampliar
sua gama de conhecimentos, reelaborando seus próprios conceitos.
Será natural que algumas propostas de educação apareçam daqui e dali,
aliadas ao poder de realizar o trabalho de transformar a sociedade. Quando esse tipo de
proposta considera a educação como uma entre outras sociais, cujo efeito sobre as pessoas
cria condições necessárias para a realização de transformações indispensáveis, a sugestão
é aceita e realista. Nada se faz entre os homens sem a consciência e o trabalho dos
homens, e tudo o que tem o poder de alterar a qualidade da consciência e do trabalho tem o
poder de participar de sua praxe e de ser parte dela. Não obstante, a educação é imaginada
- agora pelo utopista social - como o único ou principal instrumento de qualquer tipo de
transformação de estruturas políticas, econômicas ou culturais, sem que haja a lembrança
de pequenos acessos de “utopismo pedagógico” (MESQUITA, 2002, p.42).
Os educadores, neste contexto, devem estar conscientes de que
precisarão ser: criativos, flexíveis, deverão impor limites e escutarem seus alunos ao mesmo
tempo. Na prática, isto é dificultoso. Competência acadêmica, ou seja, conhecimento dos
conteúdos a serem desenvolvidos, está estritamente relacionada ao sucesso profissional do
professor em relação a seu aluno.
Talvez seja também utópico pensar em uma educação democrática e
formadora de cidadãos. Uma escola onde o saber empírico seja levado em consideração.
Uma escola onde a opinião dos alunos seja respeitada assim como as suas diferenças,
principalmente as diferenças econômicas, haja vista, que a escola aqui em questão,
Presidente Vargas de Santa Margarida, é constituída de alunos, filhos de bóias-frias, na
grande maioria. Alunos que necessitam de uma atenção diferenciada por parte de toda a
comunidade escolar assim como das autoridades educacionais de nosso estado.
Alguns fatos devem ser levados em consideração quando se deseja uma
escola que forma cidadãos. Estes fatos serão agora analisados.
118
2.4.1 A escola como formadora de cidadãos
A cidadania já era praticada pelos romanos, onde os homens livres,
participavam da votação de leis e no exercício de funções públicas especialmente a
judiciária, partiam do pressuposto de que sem a participação dos cidadãos no governo, não
há Estado. Eram feitas quarenta assembléias ao ano. Com a decadência da civilização
greco-romana, o mundo ocidental atravessou vários séculos de supressão da cidadania.
Durante a Idade Média a idéia de cidadania foi abandonada. O renascimento da vida política
fundada na liberdade entre iguais deu-se apenas a partir do século XI, nas cidades
(COMPARATO, 1993, p. 86).
Segundo Ferreira (1999, p. 469), “cidadania é a qualidade ou estado do
cidadão”, entende-se por cidadão “o indivíduo no gozo dos direitos civis e políticos de um
estado, ou no desempenho de seus deveres para com este”.
A cidadania é, como pode ser percebido, um conjunto de direitos que dá à
pessoa a possibilidade de participar de maneira ativa da vida de seu país. Quem não
participa deste processo é excluído da possibilidade de participar da vida social do país
assim como, das tomadas de decisões. A cidadania é muito abrangente, incluindo desde o
não jogar papel no chão, não participar de nenhuma forma de corrupção, ajudar os que
necessitam, cuidar do meio ambiente, votar, participar de eventos que trabalhem para o bem
comum. É deixar de pensar apenas em si e pensar no coletivo. Pressupõe tanto direitos
quanto deveres. O cidadão tem de ser levado a se conscientizar das suas responsabilidades
enquanto parte integrante de um grande e complexo organismo que é a coletividade, a
nação, o Estado, para cujo bom funcionamento todos têm de dar sua parcela de
contribuição. Somente assim se chega ao objetivo final, coletivo: a justiça em seu sentido
mais amplo, ou seja, o bem comum. Sobre ser cidadão Silva (2008, p. 28) esclarece;
O significado pleno de cidadania se alia aos direitos a serem
conquistados e também aos deveres. A cidadania, portanto, tem um pé
fincado nos direitos e o outro, nos deveres. Quais seriam estes deveres?
Ser o (cidadão) o próprio fomentador da existência dos direitos a todos,
ter responsabilidade em conjunto pela coletividade, cumprir as normas e
propostas elaboradas e decididas coletivamente, fazer parte do governo,
direta ou indiretamente, ao votar, ao pressionar através dos movimentos
sociais, ao participar das assembléias no bairro, sindicato, partido ou
escola. E mais: pressionar os governos municipal, estadual, federal e
mundial (em nível de grandes organismos internacionais como o Fundo
Monetário Internacional).
119
A escola precisa formar o cidadão para participar de uma sociedade
planetária. A escola deve ser local, como ponto de partida, mas tem de ser internacional e
intercultural como ponto de chegada, isto é, deve valorizar a cultura local, a cultura primeira
do aluno, e depois compará-la com outras culturas.
Em concordância com este fato Romanelli (2001, p.25) afirma que “é
indispensável para o Ensino Médio garantir o pleno desenvolvimento dos jovens. Estes
deveriam ser preparados para o exercício da cidadania e das novas condições de trabalho.
Deveria ainda ser assegurada uma sólida formação cultural, científica, artística, desportiva e
tecnológica”.
Para Gadotti (1998, p.81), os conteúdos devem ser adequados,
problematizando e equacionando, relacionando a transmissão da cultura e o itinerário
educativo dos alunos. A escola não deve apenas transmitir conhecimentos, mas também,
preocupar-se com a formação global dos alunos, numa visão em que o conhecer e o intervir
no real se encontrem. Para que isto ocorra é preciso trabalhar com as diferenças, é preciso
reconhecê-las, não camuflá-las, pois para reconhecer a si mesmo, é preciso reconhecer o
outro.
Fatores como a herança cultural, a ordem política e o próprio sistema
econômico podem atuar de forma que orientem a demanda social de educação e controlem
a oferta de escolas. Nesse sentido, não apenas a quantidade de bens traduzidos em
educação escolar, mas também o próprio conteúdo desses bens podem ser adaptados
(ROMANELLI, 2001, p.26).
No tocante a educação, o Brasil passou por um primeiro momento em que
a educação estava entregue unicamente nas mãos da iniciativa privada, que ofereceu uma
escola de qualidade, mas para poucos. Passou, em seguida, por uma forte intervenção do
Estado, que conseguiu expandir as oportunidades educacionais, mas sem oferecer
qualidade e eficiência. Estamos vivendo hoje um momento diferente, um momento de busca
de síntese entre qualidade e quantidade (GADOTTI, 1998, p.81).
Origina-se deste fato a contribuição da escola para a proliferação de
desigualdades, uma vez que um indivíduo que estudou tem muito mais possibilidades de
conseguir um emprego melhor remunerado do que o que não freqüentou os bancos
escolares. É por esta escola mais justa que os cidadãos devem sonhar e lutar, fazendo valer
seus direitos.
Os investimentos em educação resultam de dois tipos de efeitos: sociais e
privados. Os efeitos sociais são externalidades decorrentes da educação de um indivíduo,
que compreendem um vasto número de indicadores socioeconômicos de uma sociedade.
Por sua vez, os efeitos privados de uma elevação do nível de educação são os impactos
exclusivamente sobre os indivíduos, resultando de um aumento da sua capacidade
120
produtiva e de um melhor estoque de qualificações que, mesmo sendo gerais os posicionam
em situação privilegiada em relação àqueles que não as obtiveram (PEREIRA, 2001, p.12).
Conforme o autor, os aspectos qualitativos dos efeitos da escolaridade nos
rendimentos estão positivamente correlacionados com os níveis salariais. Assim, por
exemplo, com uma maior habilidade natural do indivíduo, maior será sua chance de sucesso
na escola ou no desempenho de certas atividades. Logo, com maior produtividade esse
indivíduo terá, conseqüentemente, maior rendimento de trabalho.
Contudo, para que isto ocorresse seria necessário que as pessoas só
estudassem antes de começarem a trabalhar, e, que continuassem estudando para se
atualizarem.
Segundo Pereira (2001, p.25), "a educação no Brasil funciona tanto para
elevar a produtividade dos indivíduos, como para sinalizar oportunidades no mercado de
trabalho”. As políticas educacionais deveriam universalizar o acesso à escola, sobretudo nas
fases iniciais, como o meio mais adequado de viabilizar a obtenção de uma distribuição de
salários mais igualitária em conjunção com uma redução no contingente de pobres.
Capital humano para o autor é a existência de uma relação positiva entre
produtividade e escolaridade. Assim, ao adquirir um ano a mais de estudo, o indivíduo está
aglutinando em torno de si mais qualificações, que permitirão o aumento de sua
produtividade, tornando-a de maior valor no mercado de trabalho, e em última instância
elevando seu salário potencial de mercado. Colocada de forma mais clara, a abordagem do
capital humano atribui causalidade à relação entre educação e salário. Este é o motivo
porque o estoque de educação incorporado ao indivíduo constitui capital humano. As outras
fontes de capital humano são: migração, busca de informação sobre as oportunidades de
emprego, nutrição e saúde.
Muitas pessoas investem pouco em si mesmas porque as famílias
dependem dos seus salários e os empregos, às vezes, não facilitam que continuem
estudando.
Normalmente, filhos de pais com maior escolaridade e com melhores
salários estudam mais. Isto também pode ser explicado pelo fato destes pais terem mais
condições de investir em melhores escolas e mais incentivos emocionais como trabalhar
com a auto-estima.
Neste contexto, não somente os alunos deverão ser contemplados. Para
que uma escola funcione em sua plenitude, faz-se necessário que os professores trabalhem
com satisfação. Professores devem ser valorizados monetariamente para que
desempenhem suas atividades e auxiliem na aprendizagem das crianças, e para que esta
aprendizagem aconteça de maneira satisfatória.
121
Um dos problemas mais sérios das escolas, como a de Santa Margarida é
a reprovação. Os professores também são muito envolvidos com este problema uma vez
que necessitam de explicar-se junto ao Núcleo Regional de Ensino sobre o número de
abandonos e reprovações da escola.
A reprovação na escola é a grande produtora da ignorância. Este parece
ser um elemento chave, na medida em que é um resultado produzido no interior da escola e
ao mesmo tempo, produz um efeito: a seleção dos “mais aptos” e a exclusão dos demais.
Portanto, é através de reprovações sucessivas que a escola exclui a maioria das crianças
que nela ingressa (MESQUITA, 2002, p.58).
A avaliação, deve ser mediadora, que valoriza todos os atos e atividades
realizadas pelo aluno, assim, ela perde a conotação de instrumento de controle e exercício
de poder do professor sobre o estudante. Seu objetivo não é o de classificar nem selecionar,
mas contribuir para o crescimento da criança e do jovem. O educador tem, assim, a
oportunidade de aproximar-se mais de seus alunos, interessando-se mais efetivamente pela
caminhada de cada um deles.
O acesso à escola, ainda que gratuito é prejudicado pelo grave problema
social da má distribuição de renda. Em Santa Margarida ele se mostra claramente, uma vez
que os pais não podem deixar seus filhos ao se deslocarem para Minas Gerais e São Paulo.
Muitos dos alunos permanecem durante todo o tempo da colheita fora da sala de aula, o que
prejudica o desenvolvimento educacional destas crianças. Se pudessem, se tivessem
empregos fixos, a grande maioria deixaria de viajar.
O mundo mutante de hoje, com suas perdas e ganhos, requer uma
educação plena, que oriente os jovens em seus projetos de vida, mas igualmente contemple
os valores humanos fundamentais e abra a formação de novos quadros no avanço do
conhecimento.
122
3 O “BÓIA-FRIA” DE SANTA MARGARIDA E A EDUCAÇÃO
Neste momento será apresentada a análise da pesquisa empírica com
base no suporte teórico aqui adotado e nos dados obtidos ao longo de todo o processo.
Com este estudo, objetivou-se analisar a implicação da migração
temporária que já é realizada de Santa Margarida para os estados de Minas Gerais e São
Paulo há 29 anos, sobre a educação dos alunos do Colégio Presidente Vargas, localizado
no distrito de Santa Margarida em Bela Vista do Paraíso, no norte do Paraná.
Inicialmente, adotou-se o conceito de bóia-fria, como sendo o trabalhador
que presta serviços de forma temporária ao setor agrícola, em atividades como capina,
roçada, colheita e outras etapas do processo produtivo. São trabalhadores que recebem por
atividades desempenhadas, por produção ou por dia.
Para o “gato” considerou-se que é aquele que serve de intermediário entre
o bóia-fria e o patrão. Este organiza, no caso das migrações, as formas de transporte das
pessoas e de seus utensílios. Tem vínculo com a fazenda para onde migrarão,
especificando as formas de pagamento dos trabalhos desempenhados, assim como está
atento às instalações para onde conduzirá os bóias-frias com suas famílias.
Analisou-se o processo histórico das migrações internas no Brasil e, a
migração margaridense neste contexto, assim como as transformações que as relações de
trabalho foram sofrendo no Brasil e o surgimento e a continuação do trabalho realizado pelo
bóia-fria.
Na seqüência, serão apresentados os referenciais metodológicos que
propiciaram a orientação necessária ao desenvolvimento da pesquisa empírica.
3.1
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
A metodologia representa os caminhos para se atingir um objetivo.
Segundo Romanelli e Biasoli (1998, p. 14), “a palavra método tem origem na expressão
grega “meta odon”, que significa: “caminho para”. O método histórico nos proporciona então
caminhos para adentrar no mundo das “distâncias” temporais e espaciais.” Não se trata de
um único caminho, mas sim de diversos caminhos que o autor deverá seguir para encontrar
as respostas as suas perguntas. Para Richardson (1989, p. 15), para se fazer uma pesquisa
é necessário; ”[...] ter conhecimento da realidade, algumas noções básicas da metodologia e
técnicas de pesquisa, seriedade e, sobretudo, trabalho em equipe e consciência social. Em
123
termos gerais, não existe pesquisa sem teoria, seja ela explícita ou implícita, ela está
presente em todo o processo de pesquisa”.
Para se ter resultados em uma pesquisa há a necessidade de se obter
informações sobre os indivíduos a serem estudados, no nosso caso, sobre os bóias-frias.
Segundo Richardson (1998, p.103);
[...] é impossível obter informação de todos os indivíduos ou elementos
que formam parte do grupo que se deseja estudar: seja porque o número
de elementos é demasiado grande, os custos muito elevados ou também
porque o tempo pode atuar como agente de distorção (a informação pode
variar se transcorrer muito tempo entre o primeiro elemento e o último).
Essas e outras razões obrigam muitas vezes a trabalhar com uma só
parte dos elementos que compõem um grupo.
Sendo assim, utilizou-se a amostragem probabilística aleatória simples,
selecionando elementos da população de forma casual de modo a compor a amostra.
Foram coletadas informações de bóias-frias, alunos do Colégio Presidente Vargas, “gatos”,
do representante da Pastoral do Migrante que atua em Santa Margarida, e, de professores
que atuam nesta escola, da direção e da supervisão. Estas informações foram colhidas
através de entrevistas e questionários. Os questionários tinham o objetivo de caracterizar,
sob a ótica destes elementos, a relação entre as migrações e as reprovações que
acontecem no Colégio Presidente Vargas.
Os “bóias-frias” e os “gatos” foram contatados em suas residências no
próprio distrito de Santa Margarida. Alguns indivíduos apresentam maior facilidade em
responder, contudo, não houve nenhuma recusa de colaboração. Quanto aos estudantes,
estes foram abordados na escola, através de questionamentos sobre as condições de
trabalho e de estudos para onde migram. A entrevista com o representante da Pastoral do
Migrante deu-se em seu local de trabalho, com a pronta colaboração do mesmo.
Os professores também foram ouvidos em seu local de trabalho, ou seja,
na escola aqui retratada.
Após a coleta dos dados, as informações foram organizadas para serem
tratadas de maneira mais adequada, e para que a extração dos dados obtidos fossem
facilitados afim de que não se perdessem informações necessárias ao desenvolvimento da
pesquisa.
O procedimento sistemático escolhido para a descrição e explicação do
fenômeno pesquisado foi o método qualitativo que foi utilizado para avaliar os dados
colhidos, pois para Richardson (1998, p. 39);
124
O aspecto qualitativo de uma investigação pode estar presente até
mesmo nas informações colhidas por estudos essencialmente
quantitativos, não obstante perderem seu caráter qualitativo quando não
transformados em dados quantificáveis, na tentativa de se assegurar a
exatidão no plano dos resultados.
Foi utilizada esta técnica na tentativa de explicar alguns problemas mais
complexos.
3.1.1 Pesquisa de campo
O presente trabalho foi realizado no distrito de Santa Margarida, onde
foram entrevistados “bóias-frias”, “gatos”, alunos, representante da Pastoral do Migrante,
professores e supervisora. Verificou-se a hipótese de que as migrações são as principais
responsáveis pelo alto número de reprovações do Colégio Estadual Presidente Vargas.
Estes trabalhadores dependem desta migração para sobreviverem e terem rendas e
nas entressafras, os margaridenses são obrigados a migrarem. A mobilidade da força de
trabalho aparece então como uma condição necessária, senão suficiente, da gênese do
capitalismo e como índice de seu desenvolvimento (VAINER, 2000, p.4).
Além das análises sobre as reprovações e desistências, buscou-se retratar
o surgimento do “bóia-fria”, as modificações que foram ocorrendo com as relações de
trabalho no Brasil e a existência deste trabalhador nos dias atuais.
Procurou-se identificar, junto aos “bóias-frias” algumas características e
fatores inerentes à atividade, bem como analisar a ótica desses trabalhadores, os motivos
que levam às altas taxas de reprovação da escola do distrito.
Outro fator relacionado à pesquisa diz respeito ás providências que a
comunidade escolar (diretora, supervisora, professores, pais, alunos e funcionários) está
tomando para resolver tal problema (reprovações). Entrevistas foram realizadas para que
estes fatos fossem constatados. As entrevistas, para Goldenberg (2003, p.88), possuem as
seguintes vantagens:
- pode coletar informações de pessoas que não sabem escrever;
- as pessoas têm maior paciência e motivação para falar do que escrever;
- maior flexibilidade para garantir a resposta desejada;
- pode-se observar o que diz o entrevistado e como diz, verificando as possíveis
contradições;
125
- instrumento mais adequado para a revelação de informação sobre assuntos
complexos, como as emoções;
- permite uma maior profundidade;
- estabelece uma relação de confiança e amizade entre pesquisador-pesquisado, o
que proporciona o surgimento de outros dados.
Como 52% dos entrevistados “bóias-frias” não completaram o Ensino
Fundamental, considerou-se importante que fossem feitas entrevistas, pois o contato direto
com os entrevistados forneceram respostas mais claras e satisfatórias.
Os “gatos”, têm uma importância relevante quando narram os fatos
relacionados à forma de recrutamento e à fiscalização dos trabalhadores. Pelo fato de
serem, na maioria das vezes, os responsáveis pelo recrutamento dos trabalhadores, pelo
transporte destes nas migrações, formas de pagamento e condições dos alojamentos, estes
têm contato direto com os “bóias-frias” e participam desta realidade.
Quanto aos alunos, buscou-se informações sobre a sua conscientização
do motivo pelo qual suas reprovações ocorrem.
Para a correta análise dos dados e sua interpretação foi necessário
realizar um levantamento bibliográfico sobre os autores a este tema relacionados. Isso
possibilitou o confronto de opiniões de autores com a realidade de Santa Margarida.
Os questionários continham questões diretas, indagadas diretamente aos
entrevistados. Durante as entrevistas, os “bóias-frias” foram questionados sobre suas
histórias de vida, há quanto tempo realizam tal migração, condições para o desempenho
das atividades, opinião sobre a necessidade de se estudar e ainda se deixariam de realizar
tal migração.
No questionamento realizado com os “gatos”, buscou-se identificar as
formas de recrutamento, como os bóias-frias eram selecionados para migrarem, as
condições de segurança para o transporte, realização dos pagamentos, informações que
surgiram no decorrer da entrevista.
Os alunos entrevistados foram indagados sobre o período de tempo que
realizam essa migração, quantas reprovações já sofreram, condições de trabalho e como
eram recebidos nos municípios para onde migraram.
Ao representante da Pastoral do Migrante foi perguntado sobre o trabalho
(principalmente no tocante a auto-estima) que é realizado com estes “bóias-frias” quando
retornam das migrações.
Procurou-se identificar os motivos que levam as pessoas a migrarem e a
implicação desta migração sobre os problemas com o ensino do Colégio Estadual
Presidente Vargas.
126
Diante da existência de informações incompletas sobre o número total de
“bóias-frias” que migram para outros estados, estabeleceu-se que seriam aplicados,
aleatoriamente, questionários a 21 “bóias-frias” localizados no próprio distrito. Além disso,
questionou-se três “gatos”, 20 alunos que estudam no Colégio Estadual Presidente Vargas,
um representante da Pastoral do Migrante, quatro professores que trabalham na Escola e a
supervisora.
As análises de tais dados poderão ser verificadas na seqüência do
trabalho, assim como alguns depoimentos dos entrevistados.
3.2
DEPOIMENTOS DOS GATOS QUE ACOMPANHAM OS BÓIAS-FRIAS DE SANTA MARGARIDA
Foram entrevistados três “gatos”. Dois destes realizam a migração
temporária para Minas Gerais e um para o estado de São Paulo. Para Silva (1999, p. 109);
O surgimento desta figura deu-se no bojo da mudança das relações de
produção que culminaram no aparecimento do “bóia-fria”. Ele é produzido
por estas transformações, delas fazendo parte, não sendo exterior a elas.
È necessário que atue no mercado e na organização do trabalho. A
individualização do trabalho como forma dominante, é parte constitutiva
do processo de produção e formação da força de trabalho. Essa
individualização é um pré-requisito à transformação do trabalhador como
fornecedor de força de trabalho. Ela representa a produção do
trabalhador livre (das condições objetivas do trabalho e das amarras
políticas e jurídicas que o atavam ao patrão).
Os trabalhadores, desde o surgimento do “gato”, tornaram-se atrelados a
este, dependendo deste para trabalharem em muitos locais e sendo explorados pelos
mesmos.
Através do quadro que se segue percebe-se o perfil das famílias dos
“gatos”.
127
Nº de
ordem
Parentes-
co
Sexo Idade Escolari-
dade
Local de
Nascimento
Ocupação
na
entressafra
Renda Local para
onde migra
Anos de
Migra-
ção
1 Pai
Mãe
Filho
Filha
M
F
M
F
54
44
10
7
Ens.Médio
Completo
4ª série
5ª série
2ª série
B.V.Paraíso
Primeiro de
Maio
B.V.Paraíso
B.V.Paraíso
Compra e
vende soja
Do lar
Estudante
Estudante
R
$1.500,00
-
-
-
MG
-
-
-
18
-
-
-
2 Pai
Mãe
M
F
70
64
2ª série
4ª série
Mococa
Campo
Verde
Aposentado
Aposentada
R$415,00
R$415,00
MG
MG
30
30
3 Pai
Mãe
Filho
Filha
M
F
M
F
40
36
19
16
5ª série
2ª série
1º Ens.
Médio
8ª série
B.V.Paraíso
Engenheiro
Beltrão
B.V.Paraíso
B.V.Paraíso
Pedreiro
Bóia-fria
Pedreiro
Estudante
R$700,00
R$380,00
R$380,00
-
SP
SP
SP
SP
4
4
4
4
Quadro 2 – Perfil das famílias dos “gatos”
Fonte: Pesquisa realizada in loco. Santa Margarida (Bela Vista do Paraíso – PR), 2008.
Somente um dos gatos entrevistados não é mais acompanhado pela
família, os outros além de serem acompanhados pelos familiares têm a cooperação destes
na execução da colheita, portanto os familiares trabalham.
O gato com mais tempo de atividade, que já é aposentado, migra para
Minas Gerais acompanhando os bóias-frias há 30 anos. Ele relatou que as instalações
foram modificando ao longo do tempo. Estas foram sendo melhoradas já que o Ministério do
Trabalho fiscaliza as mesmas. Tal informação foi confirmada pelos “bóias-frias”.
Viaja normalmente acompanhado de 11 famílias e segue para Poços de
Caldas (MG) porque considera as instalações mais adequadas. A colheita em Minas Gerais,
para ele, é mais lucrativa porque o total de cafeeiros é maior. Viajam para Poços de Caldas
de ônibus. A família o acompanha (noras, genros e netos) e estes trabalham na colheita do
café.
As formas de pagamento são quinzenais, com acertos no final da colheita.
Admite que a escola é importante para que se possa pensar em uma
melhoria das condições de saúde, moradia e educação dos filhos.
Possui uma renda média que equivale a um salário mínimo. Fez o seguinte
relato sobre as migrações:
128
Aqui as pessoas não conseguem trabalhar fora da colheita. Depois do Sindicato
todo mundo foi mandado embora porque o “cabra” trabalha três anos e já vira
parceiro. Em 1977 lá em Minas Gerais não tinha instalações, elas foram
melhorando”.
A interferência do sindicato, segundo o “gato” é que levou o “bóia-fria” a
ser dispensado das fazendas onde residiam e trabalhavam. Sobre tal assunto Silva (1999,
p.111), esclarece que;
A expulsão dos trabalhadores da fazenda, mediante a regulamentação
de um ato jurídico, o ETR, provocou sua concentração espacial nas
pequenas cidades e nas periferias de outras maiores. Tem-se neste
momento, que o mesmo ato que regulamentou a expulsão, regulamentou
também a inserção em novas condições de trabalho. As discussões
anteriores acerca do ETR evidenciaram que os trabalhadores expulsos
não foram reconhecidos pela lei. Na verdade, eram “fora-da-lei”. As
novas relações de trabalho, portanto eram regulamentadas, não pela
deficiência do ETR, ou pelas suas falhas, mas exatamente pela sua
eficácia jurídica, para legitimar a negação deles
.
O empregador, segundo a autora, era obrigado a pagar 27,1% sobre cada
jornada de trabalho dos trabalhadores permanentes, correspondentes aos gastos sociais.
Os trabalhadores permanentes tornam-se muito onerosos aos empregadores e são
despedidos, substituídos assim pelos trabalhadores “bóias-frias”. Estes eram menos
onerosos porque os referidos gastos sociais não eram computados. Segundo este raciocínio
o ETR contribuiu para a expulsão do trabalhador rural das fazendas intensificando a
exploração da força de trabalho.
O “gato” entrevistado faz o seguinte relato quanto à história de sua vida:
“Fui criado na roça, depois me casei e toquei lavoura na roça. Quando me mudei
para a cidade, trabalhei com colheita. Já fui de “pau-de-arara”. Faz 30 anos que
levo pessoas pra trabalharem fora. Morei 10 anos em Minas Gerais, depois disso
só levo. Sempre vou para a mesma região, já mudei de fazenda. Quando a
colheita é mais fraca os patrões pagam mais, quando ela é melhor eles pagam
menos. O preço é sempre tratado lá. Recebem quinzenalmente para fazer
compras, depois recebem o restante no final da colheita. Todos são registrados,
há fiscalização. Lá vão a pé para o trabalho. A prefeitura leva os estudantes de
Kombi para a cidade para estudarem. Sempre fiz melhorias na casa com o que
ganho”.
129
O segundo “gato” a ser entrevistado já executa este trabalho há 18 anos.
Acompanha de 12 a 15 famílias até o município de São Sebastião do Paraíso (MG) e nunca
viajou para outro local. Para este:
“O melhor período para se migrar foi de 1994 a 2000 devido o preço do café. Em
1994 as famílias gastavam menos pra fazerem as compras quinzenais”.
Quanto às instalações faz o seguinte relato:
“Cada família fica em uma casa com vários tamanhos, dependendo do número
de pessoas”.
Tal informação foi confirmada pelo relato dos bóias-frias, que relataram
que este sempre acompanhou as famílias para o mesmo local. Um dos motivos é porque os
horários não são fixos, quanto mais trabalham, mais recebem. Os acertos são feitos nos
finais das colheitas, com pagamentos de vales quinzenais.
De acordo com o “gato”, viajam para Minas de ônibus. Afirmou também ter
concluído o ensino médio e considera a escola muito importante pois:
“Meu filho quer fazer faculdade de enfermagem. Ele estuda em escola particular
e minha filha também. Só irão conseguir fazer faculdade se estudarem muito”.
Nas entressafras, sobrevive comprando e vendendo soja. O gato faz o
seguinte relato sobre sua vida:
“Há 18 anos levo famílias para colher café em Minas Gerais. Em média vão 14
famílias. Viajam de ônibus e levam: cama, colchão, fogão, roupas que vão de
caminhão. Ficam de 3 a 4 meses (maio a setembro), dependendo da colheita. A
fazenda freta o ônibus . 60% das famílias que vão são as mesmas, 2 vão há 18
anos. Minha esposa foi comigo até 2003, enquanto as crianças ainda não
estudavam.” Gato” em Minas Gerais é chamado de turmeiro. “Nós vai daqui pra
lá e alguns chegando lá já precisam de vale pra fazer compra. Os vales servem
pra comprar remédios e comida. Quando vem embora acertam o resto”. Todos
são registrados. Há um contrato indeterminado que funciona enquanto há
colheita. A fazenda tem seguros para o caso de acidentes. Não há descontos no
contrato, só o do Fundo de Garantia. Menores de 16 anos não trabalham. A
fazenda possui 150 mil pés de café. Há creches, os menores ficam o dia inteiro
130
(os trabalhadores pagam por ela). O município dá o transporte para todos os
horários. Daria para todos estudarem. Já pensei em parar com esta vida pois é
muito cansativa. Aqui em Santa Margarida eu compro e vendo soja para
sobreviver”.
Foto 1 – Entrevistados para a pesquisa.
Autora: Adriana Maria Martini Rodrigues.
Em primeiro plano visualiza-se o “gato” e sua família. Este possui esposa e dois filhos.
A casa, é de madeira, com piso frio e está em ótimo estado de conservação. Possuem também
automóvel. Em segundo plano, há plantações de árvores frutíferas.
O terceiro “gato” entrevistado trabalha acompanhando as pessoas para
Vera Cruz (SP), há 4 anos.
As instalações para onde migra são constituídas por um galpão dividido
em 16 cômodos e por quatro casas de 8 cômodos, onde as famílias são alojadas.
Este tipo de acomodação não é a preferida pelos bóias-frias entrevistados,
eles preferem os alojamentos que são separados, porque conseguem mais privacidade para
suas famílias.
Os pagamentos são realizados a cada 15 dias para que os migrantes
possam fazer compras de alimentos e remédios.
As viagens para Vera Cruz também, como as outras duas, são realizadas
em ônibus.
131
A família deste “gato” o acompanha e trabalha na colheita de café. Sua
família é constituída pela esposa e dois filhos, um filho de 19 anos que cursa o 1º ano do
ensino médio, e uma filha de 16 anos que cursa a 8ª série. Ao retornarem, o filho trabalha
como pedreiro juntamente com o pai e em média recebe um salário mínimo. A filha apenas
estuda.
Nas entressafras o “gato” trabalha como pedreiro, recebendo em média
R$700,00 e sua esposa trabalha como bóia-fria, recebendo em média R$380,00. Assim
relata sua história de migrante:
“Levo em média 30 famílias para colher café em São Paulo. A colheita dura em
média 3 meses, é menor que a de Minas Gerais. Recebem mensalmente. No
início da colheita recebem vales para fazerem compras. Todos obrigatoriamente
são registrados. Vão de ônibus para São Paulo. Meus filhos já reprovaram por
causa do deslocamento e porque não gostam de estudar lá. Ainda não sei se vou
levar em 2008”.
Entre os três entrevistados existem pontos comuns e algumas diferenças.
É comum entre os três que sempre migrem para as mesmas fazendas porque já estão
comprometidos com os patrões. Relataram ainda que as instalações foram sendo
modificadas, melhoradas, ao longo de suas viagens, e isto deve-se ao fato de serem
inspecionadas pelo Ministério do Trabalho. Esta inspeção faz com que as fazendas
registrem estas pessoas que trabalham nas colheitas.
Conseguem as famílias para migrarem porque não há empregos
suficientes em Santa Margarida e são conscientes deste fato.
Os “gatos”, apesar de um migrar para São Paulo, são unânimes quanto à
preferência por Minas Gerais porque a colheita é mais longa devido a quantidade elevada
de pés de café.
O transporte dos trabalhadores é realizado em ônibus e os utensílios em
caminhões. Dois dos entrevistados não haviam trabalhado como “gato” em Santa Margarida,
somente um deles já exercia a profissão.
As famílias de dois entrevistados vão para a colheita junto com o “gato”.
Um dos “gatos” não é mais acompanhado pela família, porém, já foi anteriormente. Os
familiares também trabalham na colheita do café. Sobre tal assunto o senhor Joaquim
assim se expressou:
Vou sempre com o meu cunhado e a minha história é a seguinte: Se conhecemo
aqui, vai fazer 30 anos que casamos, temos uma filha de 26 anos que caso e
132
mora em Minas Gerais. Tenho um neto de dois anos. Se eu conseguir me
“encostar” (aposentar), nós vamos mesmo assim porque minha mulher trabalha.
Se eu não conseguir nós não vamos mais. Tenho um problema grave de coluna.”
Foto 2 – Entrevistados para a pesquisa
Autora: Adriana Maria Martini Rodrigues.
A casa é de alvenaria. Está localizada no centro do distrito. Possuí também um jardim e algumas
árvores frutíferas. A esposa é irmã de um dos “gatos” entrevistados e afirmou se alojar, quando
migram, em casa separada apesar de ir somente o casal.
Quanto ao fato de matricularem seus filhos para onde migram, os filhos
que ainda acompanham os pais são matriculados, e os filhos que ficam em Santa
Margarida, estudam em colégio particular em Bela Vista do Paraíso. Todos consideram a
escola importante. Um mencionou o fato de seus filhos pretenderem fazer faculdade.
Contudo, ao efetuarem os pagamentos algumas diferenças podem ser
notadas. Estas podem ser quinzenais, com acertos no final da colheita; quinzenais com
vales compras de alimentos ou remédios ou vales no valor por litros de cafés colhidos. Mas,
os acertos maiores, com o resultado da colheita são efetuados no final, quando retornarão à
Santa Margarida. Silva (1999, p.86) faz as seguintes afirmações sobre as formas de
pagamento;
133
A forma de salário predominante nos três produtos, a cana, o café e a
laranja, é o salário por empreita, tarefa ou por produção. Estas três
denominações vinculam-se à natureza do trabalho. Na realidade, elas
são uma única coisa, ou seja, referem-se ao salário por peças. Trata-se
de uma forma de salário mais vantajosa ao capitalista uma vez que a
intensidade do trabalho não depende dos investimentos em capital
constante, mas do próprio trabalhador. É um salário que reforça as
diferenças de habilidade, força, energia, perseverança dos trabalhadores
individualmente, provocando diferenças nos seus rendimentos e o
estabelecimento de ocorrência entre eles. Esta competição estimula o
aumento da intensidade do trabalho e, conseqüentemente, da
produtividade.
Esta forma de pagamento é mais um elemento para a não garantia da
estabilidade do emprego. Os proprietários lançam mão deste instrumento para não assumir,
na entressafra, todos os encargos trabalhistas destes trabalhadores. O contrato por safra ou
por tarefa encobre a relação de um trabalho permanente.
Um dos entrevistados já sofreu com o fato de trabalhadores de outros
estados fazerem a colheita por uma remuneração de menor valor. Porém, outros afirmaram
que apesar de os margaridenses trabalharem por um preço mais elevado, os patrões os
preferem porque realizam uma colheita de melhor qualidade, pelo fato de já realizarem este
tipo de colheita há vários anos, possuindo maior experiência.
Os “gatos” não possuem famílias muito numerosas e as rendas mensais
são em média de R$1000,00 por família. Nas entressafras um compra e vende soja, outro é
aposentado e o terceiro trabalha como pedreiro.
Deixaram claro que não pretendem interromper o trabalho que
desempenham. Possuem casa própria, automóvel, caminhões que conquistaram através de
cobranças de altas porcentagens sobre os trabalhos dos bóias-frias.
Segundo os trabalhadores “bóias-frias”, a porcentagem que os “gatos”
recebem nas colheitas é bem mais rentável que a deles. Esta porcentagem chega a atingir
50%, segundo relato de um “bóia-fria” que hoje não acompanha mais os “gatos” e faz a
migração de forma independente com sua família.
Os “gatos” têm uma porcentagem muito alta sobre a remuneração dos
bóias-frias, apesar de desempenharem um trabalho importante. Se estas migrações não
fossem organizadas por estes, com certeza a maioria dos “bóias-frias” não conseguiria
deslocar-se. “Ele se apropria de parte do ganho dos trabalhadores, dos seus salários, logo
de parte de seu trabalho necessário, uma vez que o excedente é apropriado pelo capitalista”
(SILVA, 1999, p.108).
Dos “bóias-frias” entrevistados, apenas um consegue migrar de maneira
independente. Os outros acompanham os “gatos” para realizarem tal migração que agem
134
como intermediários dos quais os “bóias-frias” dependem e muitas vezes não conseguem
desvincular-se.
3.3
DEPOIMENTOS DOS TRABALHADORES BÓIAS-FRIAS SOBRE: TRABALHO, ALOJAMENTO E
EDUCAÇÃO
A pesquisa foi realizada no Distrito de Santa Margarida com trabalhadores
bóias-frias que realizam migrações temporárias para os estados de São Paulo e Minas
Gerais. Essas migrações acontecem desde o ano de 1979, e, 45% dos entrevistados a
realizam há 18 anos. São relatos de pessoas trabalhadoras, que desempenham de maneira
honesta suas atividades, e que aprenderam a dividir o seu rendimento pelos serviços
prestados durante a migração, pelos meses que ficam sem empregos em Santa Margarida.
Segundo Carmo (2008, p.43), esses trabalhadores para realizar o trabalho
temporário da safra, deixam suas famílias em sua região de origem e procuram na atividade
sazonal uma complementação de sua renda, entre outras possibilidades. Assim,
permanecem na região produtora de café entre dois e cinco meses, normalmente entre os
meses de maio e setembro, variando de acordo com o ciclo produtivo do cafeeiro, podendo
ser maior em um ano e menor no ano seguinte. Esta afirmação confere com o depoimento
do senhor José:
“Nasci em Maracai em 1945. Vim para o Paraná ainda criança. Com 5 anos
mudei para Alvorada do Sul. De Alvorada me mudei pra Bela Vista do Paraíso.
Sempre trabalhei com o café. Nóis era colono, viemo pra cidade quando
arrancaram os café em 1982. Tenho 3 filhos. Uma estudou até a segunda série, o
outro até a oitava série e a mais nova completou o segundo grau. Uma mora
comigo e os outros dois se mudaram daqui. Aposentei por idade e sempre pensei
em pará de ir pra Minas mas quando chega na época, eu acabo indo.
Trabalhamos muito por lá, são 3 meses só trabaiano, não dá pra passear lá
porque senão num junta dinhero Estou fazendo mais um banheiro na minha
casa. Eu comprei o terreno e construí minha casa indo pra Minas (casa de
alvenaria). Lá, no início não tinha escola, tinha que sair às 5:00 horas. da manhã
e as crianças desciam sozinhas de volta. Faz 2 anos que tem creche e o patrão
cobra uma taxa por criança, quem cuida das crianças é a mulher do gato. Eles
não cobram a passagem das pessoas que fazem a colheita completa”.
135
Foto 3 – Entrevistados para a pesquisa
Autora: Adriana Maria Martini Rodrigues.
O senhor José reside em uma residência de alvenaria, toda calçada com grades e muros. Declarou
estar reformando o banheiro. Ele reside com a esposa, uma filha e um neto. A casa apresenta um
ótimo estado de conservação.
Estas pessoas reconhecem a importância da escola para seus filhos, mas
não demonstram este reconhecimento de maneira clara pois, um número significativo de
alunos não permanece ou não retorna à escola. Esta afirmação pode ser constatada pelo
grande número de evasão e reprovações que ocorrem no Colégio Presidente Vargas,
através dos gráficos e tabelas constantes nesta pesquisa. Poucos trabalhadores relatam o
que o senhor José relatou durante a entrevista:
Nasci em Ribeirão Preto. Vim de lá com 5 anos para Bela Vista do Paraíso. Meu
pai já trabalhava como volante e morava no sítio. Em 1987 me mudei para a
cidade, sempre trabalhei como volante (diarista). Me casei com 20 anos, tive 2
filhas e tenho 2 netos (cada um de uma filha). Só vou para Minas porque sou
obrigado, não tenho onde trabalhar aqui. Os 4 anos que minhas filhas estudaram
eu levantei às 5:00 h. e levei elas para estudar”.
136
Foto 4 – Entrevistados para a pesquisa.
Autora: Adriana Maria Martini Rodrigues.
Como pode ser observado ainda em primeiro plano há uma carriola, instrumento utilizado também na
construção. O senhor José ao ser entrevistado declarou estar fazendo obras em sua residência. O
local onde reside possui vários outros “bóias-frias”. São terrenos pequenos mas com construções na
grande maioria, de alvenaria e com banheiros. Alguns moradores como o senhor José possui também
um automóvel.
Através do relato do senhor José pode-se perceber que ele se preocupa
com a educação de suas filhas. São poucos os entrevistados que declararam levar seus
filhos á escola. Muitos expressaram-se quanto à dificuldade de locomoção para as escolas
como forma de impedimento para os filhos estudarem.
Uma das grandes preocupações dos trabalhadores que migram é a
aquisição de algum bem. O primeiro gráfico trata dos bens que os trabalhadores adquirem
quando retornam de suas migrações. (Gráfico 1).
137
BENS ADQUIRIDOS ATRAVÉS DAS MIGRAÇÕES
TEMPORÁRIAS
0
2
4
6
8
10
reformas
compra da
casa
mobília
automóvel
construção
da casa
pagamento
de dívidas
nada
BENS ADQUIRIDOS
Nº DE TRABALHADORE
Gráfico 1 – Bens adquiridos através das migrações temporárias
Fonte: Pesquisa realizada in loco. Santa Margarida (Bela Vista do Paraíso – PR) - 2008.
O dinheiro que se ganha com o duro trabalho na colheita do café, é todo
ele investido em bens e em outras aquisições em sua região de origem. O período em que
se encontra no trabalho do café parece ser um período de privação, no qual o trabalhador
está determinado a renunciar a algumas coisas, deixar de fazer o que considera como valor,
com o objetivo de acumular algum dinheiro e retornar para casa e lá, realizar outros
objetivos. Através do depoimento da senhora Josiane é possível identificar esta situação:
“Com 14 anos fui uma vez, depois trabalhei aqui. Desde que me casei vou todo
ano para lá. Só vou porque não tenho serviço. Aqui só dá pra comer. Se quiser
comprar alguma coisa tem que ir pra lá. Acho que eu vou guardar dinheiro pra
quando eu tiver filhos, pra não precisar mais ir. Eles não levam mulheres
grávidas”.
138
Foto 5 – Entrevistados para a pesquisa
Autora: Adriana Maria Martini Rodrigues.
A casa é de alvenaria, como pode ser observado em primeiro plano. É toda murada, calçada
e apresenta uma pintura recente. Ótimo estado de conservação.
Com este trabalho, os “bóias-frias” tem a possibilidade de conseguir renda
extra que permite, além da manutenção da família, a aquisição de alguns bens como terras,
casas, animais, motos, carros ou produtos incorporados ao seu cotidiano como aparelhos de
som, aparelhos de televisão, entre outros. O objetivo de uma melhor condição de
manutenção de vida está sempre presente, o que não significa que estes trabalhadores
sejam totalmente desprovidos de renda ou de trabalho, ao contrário, observa-se que em seu
local de origem estão sempre realizando as mais diferentes tarefas, e, o trabalho temporário
permite um complemento de sua renda às custas do duro trabalho na lavoura (CARMO,
2008, p.45). Como afirma o senhor Antonio em seu relato:
Nasci aqui, estudei aqui até a sétima série. Me casei aos 17 anos e tive 2 filhas.
Vou para Minas Gerais desde 1998, deixando de viajar desde então apenas 3
anos porque tive serviços bons aqui em Santa Margarida. Lá tem um ano bom e
um ano ruim de colheita. No ano ruim se eu tenho serviço de pedreiro aqui, não
vou porque não compensa. Sempre decido ir próximo da colheita e depende
muito do trabalho que tenho aqui. Se eu não vou, mando alguém no meu lugar
porque eu tenho vínculo com o patrão. Quando a gente vai com o gato quem
ganha é ele, indo por conta eu ganho mais que 20 pessoas, quando a colheita é
139
grande. Meu patrão é menos exigente, não tem máquinas, os terrenos dele são
muito inclinados.”
O senhor Antonio realiza a migração de forma independente e isto faz com
que tenha uma obtenção maior de lucro. Garantiu ter vínculos com fazendas em Minas
Gerais e que se não vai é representado por parentes, seu cunhado migra com sua família
para o local. Esta migração é mais vantajosa porque é independe dos “gatos” que
conseguem uma alta porcentagem sobre o trabalho dos “bóias-frias”.
Foto 6 – Entrevistados para a pesquisa
Autora: Adriana Maria Martini Rodrigues.
Em primeiro plano: o entrevistado e o muro que circunda o quintal;
Em segundo plano a casa de alvenaria e que ainda precisa ser rebocada por fora;
Possui automóvel e casa própria.
É comum que os margaridenses entrevistados respondam, como pode ser
observado no gráfico 1, que do montante que recebem das colheitas que realizam nas
migrações, parte foi utilizada na aquisição e na conservação da casa própria. Os migrantes,
de um modo geral, estão muito preocupados com a aquisição deste bem. Falam com muito
orgulho das casas que conseguiram construir com “seus suores”. São casas, na grande
maioria, de alvenaria, com banheiro, dois ou mais quartos, sala e cozinha. As construções
foram feitas em terrenos pequenos, ou no mesmo local onde os parentes já possuem
moradias. Estão próximas ao centro do Distrito. Para os “bóias-frias” este detalhe é muito
140
importante já que desta maneira, não necessitam instalar-se em favelas, o que aconteceria
fatalmente se morassem nas cidades para onde realizam suas migrações temporárias.
Desta maneira, quando indagados sobre tal assunto, respondem:
“Ajudou na construção da casa”;
“Fiz melhorias na casa”;
“Comprei uma residência, um automóvel, mobiliei a casa”;
“Comprei o terreno e construí a casa”;
“Quitei todas as contas que tinha e comprei uma casa”;
“Conservei e fiz melhorias na casa”;
“Cada ano eu faço um cômodo da casa”.
Algumas pessoas declararam que não conseguiram adquirir nenhum bem
com o dinheiro que trouxeram, mas para a maioria, sem esta renda não conseguiriam ter
casa própria e teriam muita dificuldade para sobreviverem nas entressafras, pois esta renda
é que pagará as contas do restante do ano. Contudo, se conseguissem trabalho em Santa
Margarida, não migrariam pois, gostam do local onde vivem e se angustiam com esta
realidade.
Somente dois entrevistados disseram que não haviam adquirido nenhum
bem. Estes preferem investir em roupas, calçados e móveis para suas habitações. Residem
em casas alugadas ou cedidas por parentes. De um modo geral, todos se preocuparam
com suas habitações, seja com a compra, reforma ou construção. Os trabalhadores
relataram que estas casas foram conquistadas com trabalho árduo durante anos,
normalmente um cômodo por vez. Alguns também conseguiram comprar um automóvel. Os
que possuem mais bens são os que fazem as migrações há mais anos. (Gráfico 2).
141
TEMPO DE TRABALHO NAS MIGRAÇÕES TEMPORÁRIAS
0
2
4
6
8
10
12
14
16
18
20
1
3
5
7
9
11
13
15
17
ANOS
Nº DE TRABALHADORES
S
ANOS
NÚMERO DE TRABALHADORES
GRÀFICO 2 – Tempo de Trabalho nas migrações temporárias
Fonte: : Pesquisa realizada in loco. Santa Margarida (Bela Vista do Paraíso – PR) - 2008.
Percebe-se que há famílias que já fazem estas migrações há dezoito anos.
E somente 24% responderam que não levam toda a família enquanto os outros
trabalhadores disseram que toda a família o acompanha nestas migrações. 5% deixam as
esposas, outros 5% os filhos que estudam, com avós ou outro parente. Assim como, 95%
afirmaram que se não fizessem estas migrações, não teriam adquirido os bens que
possuem. As migrações são feitas para dois estados: São Paulo e Minas Gerais. Este
movimento de idas e vindas é marcante não somente para os trabalhadores como para seus
familiares e entes queridos que estão diretamente envolvidos com estes deslocamentos. De
acordo com Carmo (2008, p.45);
A partida é envolvida de expectativas, de torcidas e de desejos para que
o trabalho seja bom e se consiga ao final retornar bem e com algum
dinheiro que será despendido nos objetivos da família. O retorno é o
momento bastante marcante para os trabalhadores, mas também para o
restante da população. Ao chegarem os trabalhadores trazem nos corpos
a expressão do duro trabalho, rosto queimado pelo sol e abatido pelo
cansaço da viagem somado ao do trabalho. Devido às condições que se
submeteram, ao tipo de alimentação consumida, ao esforço da intensa e
extensa jornada de trabalho entre outros elementos, aparentam também
uma certa fragilidade física.
Este momento do retorno é também o momento do reencontro com os
familiares e com os amigos deixados. Os trabalhadores contam e ouvem histórias de seus
142
entes. É o momento do descanso do dever cumprido e muitas vezes da perspectiva da
próxima viagem.
ESTADOS PARA ONDE MIGRAM OS TRABALHADORES DE SANTA
MARGARIDA
14%
SP
14%
SP/MG
72%
MG
Gráfico 3 – Estados para onde migram os trabalhadores de Santa Margarida
Fonte: Pesquisa realizada in loco. Santa Margarida (Bela Vista do Paraíso – PR) - 2008.
A escolha destes estados está relacionada à colheita e as instalações. O
período de colheita em Minas Gerais, segundo relatos, é mais longo, uma vez que as
fazendas possuem plantações com mais pés de cafés.
De acordo com Carmo (2008, p.46), em geral, os trabalhadores
permanecem alojados nas fazendas onde estão trabalhando e, salvo algumas exceções,
os alojamentos são grandes barracões nos quais são guardados implementos e máquinas
agrícolas além de outros instrumentos de trabalho. Muitas vezes os banheiros são
improvisados, assim como o local de cozinhar, lavar louça e roupa. Todo o grupo acaba
dividindo o mesmo espaço, o que nem sempre é muito fácil pois, as diferenças emergem e
os conflitos são inevitáveis.
Quanto às instalações, os margaridenses fazem os seguintes relatos:
Sobre São Sebastião do Paraíso (MG):
“São casas antigas, com banheiros para fora, várias famílias ficam na mesma
casa”;
“Ficamos em 5 ou 6 parentes na mesma casa, nunca fico só, eu vou só para lá”;
“Dá pra passar o tempo”;
“Em São Sebastião as casa são mais velhas, não tem chuveiro elétrico, não tem
água nas casas, a água é coletiva”;
“Casa com um cômodo e banheiro”;
143
“Casas antigas que precisam de melhorias, banheiro para fora da casa e sem
energia elétrica, banheiro para várias pessoas”;
“Casa separada e com banheiro”; Este depoimento foi feito pela irmã de um dos
gatos.
“Casas velhas sem chuveiro elétrico, tem água encanada e bica, na torneira
encanada todas as famílias devem buscar a água no mesmo local”;
Relato sobre Vera Cruz (SP):
“Barracão com divisórias”.
Relatos sobre Monte Carmelo (MG):
Casas separadas”;
“Barracão com vários beliches”;
“Casa de alvenaria com água, luz, tudo certo”;
Relato sobre Poços de Caldas (MG) e Ibiá (MG) :
Casas separadas com banheiros”;
Relato sobre Itápolis (SP):
“Casas separadas”;
“Uma casa para 13 pessoas”;
Relatos sobre Botelhos (MG):
“Casas ruins”;
“Casas de Alvenaria com água, luz, tudo certo”.
“A gente fica com 5 ou 6 parentes na mesma casa, sempre fica com alguém”;
Relatos sobre Bauru (SP):
“Galpão dividido em 16 cômodos onde as famílias ficam alojadas, tem mais 4
casas de oito cômodos onde ficavam 4 famílias em cada”;
144
Os outros depoimentos são semelhantes a estes. Algumas famílias fazem
declarações diferentes para a mesma localidade pois a instalação depende do número de
pessoas da mesma família que fazem a migração.
Alguns motivos são responsáveis pelos diferentes relatos sobre a mesma
localidade. Entre estes podem ser destacados os que se seguem: algumas pessoas viajam
sozinhas e normalmente são alojadas junto a parentes. Dependendo do número de pessoas
nas famílias, estas ficam em casas separadas. Um casal disse ficar em local separado com
banheiro, mas eram parentes do “gato”, e assim, percebe-se que houve favorecimento, uma
vez que os casais normalmente precisam dividir casas com outras famílias. Famílias que
viajam com poucas pessoas, duas ou três, normalmente ficam em alojamentos, ou, dividem
casas maiores com outras famílias. Porém, todos os entrevistados deixaram claro que as
casas são avaliadas por fiscais das autoridades mineiras e paulistas do Ministério do
Trabalho, e, se forem julgadas inadequadas devem ser reformadas ou demolidas.
Através do mapa 2 podem ser percebidos os principais municípios para
onde migram os trabalhadores margaridenses;
145
Mapa 2 – Municípios preferidos pelos margaridenses para migrarem.
Esta preferência aos municípios mineiros está inteiramente relacionada a
alta produtividade de café. O município mineiro mais citado foi São Sebastião do Paraíso.
São Sebastião do Paraíso é um município do estado de Minas Gerais,
localizado na microrregião de mesmo nome. Sua população estimada, segundo o IBGE
(2006), era de 61.838 habitantes. A área é de 822,295 km² e a densidade demográfica, de
76,53 hab/km². O município tem como principal atividade a produção de café. O município
produziu em 2006, 18.630 toneladas de café beneficiado numa área de 13.500 hectares. E,
apesar, de vários trabalhadores não se sentirem satisfeitos com as instalações deste
município para os bóias-frias do café, a quantidade de toneladas colhidas, faz com que se
torne o município preferido para efetuarem tal migração.
146
Observe-se que o estado de Minas Gerais, como consta no anuário do
IBGE de 2004, foi o responsável por 49,5% da produção em toneladas do café brasileiro em
2004.
Tabela 4 – Situação de plantio e produção do café em grãos, por estado
Estados Área plantada
(hectare)
Área colhida
(hectare)
Produção obtida
(tonelada)
Rondônia 171.168 171.168 101.676
Acre 4.598 4.598 2.901
Pará 23.245 18.768 20.697
Ceará 7.546 7.493 2.461
Bahia 146.593 148.474 143.199
Minas Gerais 1.187.064 1.093.845 1.228.740
São Paulo 219.800 219.800 258.370
Paraná 116.087 118.087 149.118
Brasil 2.560.962 2.383.276 2.478.815
Fonte: Anuário Estatístico (IBGE), 2004.
A preferência dos margaridenses, pode assim, ser confirmada e explicada,
uma vez que Minas Gerais é o maior produtor de café do Brasil, e assim, quando realizam a
migração para estas localidades conseguem uma renda mais elevada ao final da colheita.
O gráfico 4 apresenta a idade dos entrevistados. 86% dos entrevistados
são do sexo masculino, e quanto à idade dos entrevistados 43% destes tem menos de 30
anos. Isto se deve à faixa etária escolhida para a pesquisa. Um dos objetivos deste trabalho
é demonstrar a influência destas migrações na educação dos filhos dos migrantes, então
57% dos entrevistados são pais de famílias, com algumas exceções, para que se tivesse
também uma outra opinião sobre o assunto, e primordialmente os pais de famílias, foram
escolhidos para serem entrevistados. A maioria masculina também se explica pelo fato, de
parcela significativa dos homens viajarem sem suas famílias e estas permanecerem em
Santa Margarida.
147
IDADE DOS ENTREVISTADOS
14%
29%
24%
14%
19%
menos de 20 anos
20 a 30 anos
30 a 40 anos
40 a 50 anos
mais de 50 anos
Gráfico 4 – Idade dos entrevistados
Fonte: : Pesquisa realizada in loco. Santa Margarida (Bela Vista do Paraíso – PR) - 2008.
Um dos entrevistados tem idade superior a 60 anos, porque estas
migrações ocorrem desde 1979 e alguns a realizam há 18 anos, como consta numa
reportagem da Folha de Londrina (1979) sobre os margaridenses com o título: “Estômago
Vazio e pé na estrada”:
Cansados de viver num mundo de miséria, sem perspectivas e sem
apoio, os “bóias-frias” põem o pé na estrada seguindo para Minas Gerais
onde as lavouras cafeeiras prometem garantir o sustento pelo menos até
o fim da colheita. A situação dos trabalhadores volantes do Distrito de
Santa Margarida, em Bela Vista do Paraíso, é apenas um exemplo do
problema social na zona rural do Paraná. Esta semana cerca de 20
caminhões partiram com destino às lavouras mineiras, carregando entre
35 a 50 pessoas espremidas numa carroçaria de caminhão. Ninguém se
responsabiliza por eventuais acidentes. Eles levam apenas os pertences
de primeira necessidade e retornam após a colheita, para pagar dívidas e
ver familiares. São homens, mulheres, rapazes, moças, velhos e crianças
que se aventuram em busca de trabalho a 700 quilômetros de distância
em troca de um salário de Cr$35 a Cr$40 a saca de café catado. Em
Bela Vista do Paraíso, em atitude apenas contemplativa, o prefeito vê a
cena “com tristeza” se repetir diariamente.[...] enquanto nas lideranças há
críticas e omissão, o que é lamentável, o “bóia-fria” sobrevive, jogado de
caminhão em caminhão, sem perder a esperança.
Faz-se necessário fazer algumas considerações sobre a realidade de 1979
e a realidade de 2008. Percebe-se que o motivo que levou os margaridenses a iniciarem as
migrações para outros estados foi e ainda é, a falta de empregos em Santa Margarida.
Viajavam em caminhões e atualmente a migração é feita em ônibus e nos caminhões são
transportados os pertences dos “bóias-frias”. As autoridades, como o prefeito e o presidente
do Sindicato do Trabalhador Rural discordavam sobre os motivos que levavam os bóias-frias
148
a migrarem, contudo, os motivos que os levaram a iniciar tal migração ainda não foram
superados, pois, continuam migrando. As condições, segundo depoimentos, de transporte e
instalações ao que indica eram na década de 1970 mais precárias que as de 2008. Em um
depoimento da época, um dos migrantes explica porque se tornou “bóia-fria”:
Depois que entrou a mecanização, patrão nenhum queria mais colônia.
Então fecharam tudo. Mas os culpados mesmos são os camaradas que
trabalhavam 2 ou 3 meses e depois levavam o fazendeiro à promotoria.
Patrão ficou com medo e não quis mais saber de empregado. Agora, aqui
só se ouve falar em Minas. O negócio seria o governo dá terra que é pra
pobre plantar. No tempo da colônia a gente tocava o café com o
fazendeiro e tinha mais alguma coisinha. Aqui, hoje, é só um bando de
gente com cachorro seguindo atrás.
26
O migrante faz menção ao tempo em que morava nas fazendas e
conseguia sobreviver de maneira mais digna, segundo ele, porque podia plantar entre a
lavoura de café, quando fazia parte do colonato. Sugere ainda que seriam os trabalhadores,
os culpados pela não existência deste tipo de contrato, pois estes faziam valer seus direitos
trabalhistas. Direitos estes assegurados pelo Estatuto do Trabalhador Rural, que segundo
os entrevistados para este trabalho, seria também, um dos responsáveis pela situação em
que se encontram os bóias-frias, ainda hoje. O senhor Antonio vivenciou estes
acontecimentos:
Meu pai veio de Minas e ficou uns anos aqui em Santa Margarida, quando eu
nasci ele vorto para Minas, depois vorto de novo. Na época nóis era colono no
café, até eu ter 11 anos, depois nóis foi trabaiá por porcentagem (Ex: 40% do
café). A lavora era nossa. O povo foi arrancano o café e nóis tivemo que mudá
pra cidade e virá diarista. Só fomo pra Minas quando acabô o serviço daqui.
Minas tem: lavora de batatinha, café, cana-de-açúca e mamona que dá pra
trabaía. Mesmo assim não quero mudar pra lá, nós fomo criado aqui, não dá pra
mudá”.
26
Folha de Londrina. Suplemento: Folha Rural. 12/maio/1979
149
Foto 7 – Entrevistados para a pesquisa
Autora: Adriana Maria Martini Rodrigues.
O senhor Antonio reside sozinho e a casa que aparece ao fundo é de sua filha onde faz as refeições
todos os dias.
O relato do senhor Antonio é condizente aos fatos analisados por este
trabalho. Ele é o típico trabalhador rural que vivenciou vários fatos da história agrária
brasileira. Foi colono, percenteiro e ficou desempregado quando as lavouras de café
diminuíram. Na cidade transformou-se em “bóia-fria”, por não ter mão-de-obra especializada
para os trabalhos desempenhados nesta. Para este “bóia-fria”, a solução para os problemas
viria de uma distribuição de terras feita pelo governo federal, uma reforma agrária.
Para Martinez (1987, p.30), o programa governamental com relação à
questão agrária, está mais voltado para a melhoria e o fortalecimento do sistema existente e
tem muito pouco a ver com a distribuição de terras aos trabalhadores rurais. Na medida que
se promete soluções, ele acomoda situações de conflito, melhora a ocupação de algumas
terras e a produção de alimentos, diminui as pressões reivindicatórias e mantém acesa a
esperança de muitos milhões de trabalhadores, favorecendo o processo de expansão do
sistema capitalista no campo.
Como pode ser percebido, mesmo quando programas governamentais
tratam de reforma agrária, ela parece não atingir pessoas como os “bóias-frias” de Santa
Margarida que tanto necessitam dela.
O bóia-fria de 1979 e o de 2008 passaram e passam por muitas
dificuldades, e estas podem ser de ordem política e natural. Política porque o Estatuto do
150
Trabalhador não foi aceito pelos donos das propriedades que não se dispuseram a pagar a
indenizações e os direitos trabalhistas aos trabalhadores rurais. De ordem natural porque
as geadas provocaram uma perda na produção e comercialização do café que, em Bela
Vista do Paraíso, passou de Cr$68 milhões para Cr$10 milhões (de 1969 a 1979). A
mecanização, também aparece neste contexto de substituição da mão-de-obra no campo.
A industrialização é a destruição da harmonia que havia entre o homem e
a natureza, onde o homem usava seus conhecimentos para utilizar-se da natureza. Com
ela, o homem produz condições artificiais, fabricadas por ele. A industrialização da
agricultura é a própria reprodução da natureza pelo capital (GRAZIANO DA SILVA, 1981,
p.44). Com a modernização houve um aumento a dependência da agricultura em relação a
outros setores da economia, principalmente o industrial e o financeiro, acentuando o
desequilíbrio social e o impacto da atividade agrícola sobre as condições ambientais.
Esta dependência maior de máquinas diminui a necessidade de
trabalhadores e por conseqüência gera a intensa saída de trabalhadores do campo que se
dirigiram para a cidade. A saída se deu, muito, em virtude da Revolução Verde que se
intensificou no Brasil na década de 1970, gerando o chamado êxodo rural.
Segundo Camargo (1960, p.45), o êxodo rural proporciona à humanidade a
força necessária para satisfazer novas necessidades da população. Ele é a manifestação de
vitalidade de um organismo em processo; a sua ausência constitui, um sintoma de saúde
precária, significando para o organismo a demonstração de sua incapacidade para
progredir. O que ocasionou o êxodo em massa para a cidade foi a impossibilidade de
sobrevivência no campo. Foram fatores de expulsão aliados a fatores de atração (indústria).
Para Lefebvre (1991, p.10), êxodo rural assim se caracteriza:
[...] camponeses sem posses ou arruinados afluem para as cidades a fim
de nelas encontrar trabalho e subsistência. Ora, esses camponeses vêm
de explorações destinadas a desaparecer pelo jogo dos preços mundiais,
o qual depende estreitamente dos países e dos “pólos de crescimento”
industriais. Esses fenômenos dependem ainda da industrialização.
Esta população que migra para a cidade não tem sua mão-de-obra
aproveitada e se torna excedente, pois não é portadora de requisitos para os trabalhos
urbanos.
Hoje, ao retornarem à Santa Margarida os trabalhadores precisam
complementar suas rendas e realizam trabalhos, que variam entre a informalidade e
empregos fixos, como pode ser percebido no gráfico 5.
151
TRABALHOS REALIZADOS NO RETORNO DA MIGRAÇÃO
0
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
INFORMAIS BÓIA-FRIAS EMPREGO FIXO NÃO TRABALHA PEDREIRO
TIPOS DE TRABALHOS
Nº DE TRABALHADORES
S
GRÁFICO 5 – Trabalhos realizados no retorno da migração
Fonte: Pesquisa realizada in loco. Santa Margarida (Bela Vista do Paraíso – PR) - 2008.
Quando retornam das migrações os trabalhadores sobrevivem com o
montante que receberam durante a colheita. Porém, precisam complementar esta renda,
realizando principalmente os serviços que já foram relacionados. Carmo (2008, p.44) ao
descrever a realidade dos trabalhadores baianos esclarece:
[...] são habitantes dos povoados que durante outros períodos do ano se
empregam em atividades rurais, realizam pequenos “bicos”, prestam
algum tipo de serviço como “moto-taxista”, fazem a animação de
pequenas festas e bailes da zona rural e dos povoados com suas bandas
de forró, entre outras atividades e, no período em que se inicia a colheita
de café na região do Cerrado Mineiro fazem a opção pelo trabalho
temporário na safra de café e pela viagem de cerca de 1900 (mil e
novecentos) quilômetros.
Percebe-se duas realidades distintas e que se confundem. São
trabalhadores que se deslocam à procura de trabalho e que ao retornarem desempenham
trabalhos, na maioria das vezes informais, para sobreviverem em seus locais de origem.
Sobre tal assunto o senhor Ananias assim se expressou:
“Sempre trabalhei como diarista, só fico em casa se não tiver serviço. Ainda não
sei se vou para lá. Aqui é difícil porque não tem serviço. Só tem cana e soja.”
152
FOTO 8 – Entrevistados para a pesquisa
Autora: Adriana Maria Martini Rodrigues.
Em primeiro plano observa-se o senhor Ananias e a esposa.
Em segundo plano, árvores frutíferas e um muro que cerca todo o terreno.
A casa é de alvenaria e há calçamento em todo o quintal.
O trabalhador de Santa Margarida que se declarou pedreiro, afirmou que
deixou de migrar por ter conseguido bons trabalhos na sua área profissional; em tais
circunstâncias, como já está comprometido com o patrão de Minas Gerais, envia em seu
lugar, familiares para executarem a colheita. Este trabalhador também declarou que viaja de
automóvel, por conta própria, não dependendo de “gatos”. As rendas dos trabalhadores
divididas pelos meses que permanecem em Santa Margarida e pelo número de moradores
de cada família podem ser identificadas na tabela seguinte:
Tabela 5 – Média de rendimento dos margaridenses.
RENDA PERCENTAGEM
Menos de 1 salário mínimo 33%
1 a 2 salários mínimos 43%
2 a 3 salários mínimos 20%
Acima de 5 salários mínimos 4%
Fonte: : Pesquisa realizada in loco. Santa Margarida (Bela Vista do Paraíso – PR), 2008.
153
Há uma diferença de renda mesmo entre os bóias-frias. Alguns, ao
retornarem conseguem ter a mesma renda que tinham durante a colheita, mantendo a
média pelo número de pessoas da família. Outros, no entanto, não trabalham, ou não
recebem a mesma quantia baixando seu poder de compra. Entre as atividades que
desempenham enquanto estão em Santa Margarida, foram citados: vendas de automóveis e
imóveis (picaretas), eletricistas, pintores, trabalhadores domésticos, corte de cana-de-
açúcar, capina de café, capina de soja, costureira, empregados da fábrica de móveis,
domésticas, pedreiros, empregados do supermercado e estudantes. Os que conseguem
estes empregos tem renda semelhante a de Minas Gerais e São Paulo, os que trabalham
como bóias-frias, esporadicamente, não conseguem mantê-las. Observe-se que, estes
empregos estão relacionados ao grau de escolaridade dos migrantes.
ESCOLARIDADE DOS TRABALHADORES
ENTREVISTADOS
52%
40%
8%
De 1ª a 4ª série
De 5ª a 8ª série
Ensino Médio
Incompleto
Gráfico 6 – Escolaridade dos trabalhadores entrevistados
Fonte: Pesquisa realizada in loco. Santa Margarida (Bela Vista do Paraíso – PR) - 2008.
Quanto a escolaridade, as terceiras e quartas séries foram as mais
declaradas pelos trabalhadores, apenas três entrevistados tinham ensino médio incompleto.
Este (a baixa escolaridade) é um dos motivos que vem esclarecer porque estes
trabalhadores não conseguem empregos com melhores remunerações e necessitam das
migrações para sobreviverem. Apesar de considerarem a escola importante como pode ser
observado a seguir, o número de reprovações dos filhos dos entrevistados é muito alto,
chegando a 25%. (Gráficos 7 e 8).
154
A ESCOLA É IMPORTANTE?
95%
5%
Sim
Não
Gráfico 7 – A escola é importante ?
Fonte: : Pesquisa realizada in loco. Santa Margarida (Bela Vista do Paraíso – PR) - 2008.
ÍNDICES DE REPROVAÇÕES DOS FILHOS DOS MIGRANTES
28%
72%
SIM
NÃO
Gráfico 8 – Índices de reprovações dos filhos dos migrantes
Fonte: : Pesquisa realizada in loco. Santa Margarida (Bela Vista do Paraíso – PR) - 2008.
A análise dos gráficos 7 e 8 pode ser realizada simultaneamente uma vez,
que estão interligados. Os números se contradizem, pois 95% dos entrevistados consideram
a escola importante e deram os seguintes depoimentos:
“É o principal da vida, porque a pessoa tem que pelo menos saber aonde vai”;
“Ajuda no trabalho, num bom emprego”;
“É bom estudar os filhos, ninguém tira os estudos”;
“Pessoa sem estudo não tem futuro”;
155
“Agora não tem mais serviço na roça, quem não tem estudo, não tem nada”;
“É bom “prum “ futuro melhor”;
“Ajuda na inteligência”;
“Pra que meus filhos tenham um futuro melhor e não passem pelo que eu
passo”;
“Importante pra educação, pro caráter, pro conhecimento”;
“Minhas filhas querem trabalhar em serviços públicos e qualquer concurso tem
que ter segundo grau”.
As respostas são claras, os entrevistados sabem da importância da escola
para o futuro de seus filhos, contudo, estes mesmos entrevistados ao serem perguntados
sobre as reprovações de seus filhos deixaram claro que os filhos quando fazem as
migrações reprovam pelos seguintes motivos:
“Difícil acesso às escolas”;
“Pela discriminação que as crianças sofrem lá”;
“A escola de Minas não mandou minhas notas”;
“Ensino de Minas é diferente do daqui”;
“No primeiro ano que eu fui meu filho foi matriculado mas não foi na escola”;
“Falta de atenção e empenho”;
“Muitas faltas”;
“Por motivo de doenças”;
“O transporte de Minas para as escolas é muito difícil”;
Os trabalhadores fazem a ligação da reprovação com a migração. Sabem
que se não tivessem que realizá-la, seus filhos não sofreriam com este problema. Mas,
também percebe-se, que principalmente quando retornam não se empenham em
acompanhar a vida escolar de seus filhos e há um alto índice de abandono e desistência
chegando no Ensino Médio a 20%.
Os entrevistados não demonstram interesse em se mudar para os locais
para onde migram, então, tais migrações continuarão sendo efetuadas por estes, o que
torna as reprovações por este motivo, mais preocupantes. (Gráfico 9).
156
MUDARIA PARA ONDE REALIZA AS
MIGRÕES?
61%
39%
Sim
Não
Gráfico 9 – Mudaria para onde realiza as migrações ?
Fonte: Pesquisa realizada in loco. Santa Margarida (Bela Vista do Paraíso – PR) - 2008.
Os entrevistados utilizaram as mais variadas respostas, mas apenas 39%
disseram que se mudariam para onde realizam suas migrações temporárias. As respostas
foram as seguintes:
“Sim, porque bóia-fria lá tem mais serviço”;
“Lá tem mais serviço”;
“Sim por causa do trabalho”;
“Por falta de trabalho aqui, mudaria”;
“Sim, lá tem mais serviço”;
“Gosto daqui, sou acostumado aqui, fico lá na marra”;
“Não acostumo lá, já tive oportunidade de ficar e não quis”;
“Gosto daqui”;
“O custo de vida lá é mais alto, os parentes moram aqui, só uma filha mora lá”;
“Não acostumo com o clima de lá, é muito frio”;
“Lá tudo é mais difícil”;
“Aqui é melhor”;
“Nasci e me criei aqui, meus amigos e parentes estão aqui”;
“Minha família mora aqui”;
“Sou pedreiro e lá não tenho serviço quando acabo a colheita”;
As ligações afetivas que desenvolveram ao longo de suas vidas, os graus
de parentesco, as relações de amizade, os impedem de se mudarem para onde fazem as
157
migrações. Levam em consideração ainda, o fato do custo de vida ser mais elevado e que o
quanto ganham não seria o suficiente para sobreviverem nos locais para onde iriam.
Reconhecem também, que os poucos anos de estudo comprometem mais
quando se decide morar em uma cidade como São Sebastião do Paraíso, por exemplo,
devido a exigência de uma mão-de-obra mais especializada. Morando em Santa Margarida
estes trabalhadores residem na área central do distrito, se mudarem para cidades maiores
fatalmente residirão em lugares periféricos, pagando aluguéis mais altos e sobrevivendo a
um custo de vida mais elevado.
A opção que possuem então, é a de ano após ano irem e virem nas
migrações, não conseguindo quebrar este ciclo, que já foi transmitido de pai para filho.
MOTIVOS PELOS QUAIS DEIXARIAM DE MIGRAR
10%
19%
19%
52%
Não deixaria de
migrar
Falta do convívio
familiar
Dificuldades de
adapatação
Emprego fixo
MOTIVOS
PORCENTAGEM DE TRABALHADORES
Gráfico 10
Motivos pelos quais deixariam de migrar
Fonte: : Pesquisa realizada in loco. Santa Margarida (Bela Vista do Paraíso – PR) - 2008.
O que impulsiona a migração para os trabalhadores é principalmente a
falta de empregos no Distrito de Santa Margarida; a falta dos familiares que são deixados no
Distrito; a adaptação aos locais para onde realizam as migrações. Alguns trabalhadores ao
partirem sozinhos são obrigados a se alojarem com outras famílias, não podendo ficar em
separado nas instalações. Apenas 10% dos entrevistados não deixariam de migrar,
disseram que já se acostumaram com as constantes viagens. ( Gráfico 10).
De acordo com Carmo (2008, p.44), os trabalhadores que se deslocam
para o trabalho temporário o fazem por não possuírem empregos, por terem uma renda
mínima e poucos ganhos em seu lugar de origem, concorrendo pelos postos de trabalho
junto aos trabalhadores locais.
Esta falta de emprego e de um rendimento fixo é tido como mola
propulsora para o deslocamento destes grupos de trabalhadores, e também como uma
158
forma de exploração pelos fazendeiros do café, pois, de algum modo, podem utilizar este
fator (da falta de emprego) para recrutar esta mão-de-obra a valores menores do que
pagaria a trabalhadores locais.
Migrar não é uma opção para o bóia-fria, é a falta de opção. Deixam de
estudar porque se sentem cansados, porque o transporte é dificultoso, porque não
providenciaram os documentos para a transferência escolar, ou por não sentirem a
importância de se estudar. Ao deixarem de estudar não possuirão outra alternativa além de
realizarem as migrações. Repetem então a mesma trajetória de seus pais ou avós. A baixa
auto-estima de muitos os impedem de sonharem com uma vida mais digna e assim a escola
será envolvida nesta realidade. Uma realidade que deve ser modificada para que os alunos
superem estes problemas.
Ao entrar em contato com tal realidade pode-se perceber quão árduos e
sofridos são as experiências de vida destas pessoas. São pessoas que para sobreviverem
enfrentam as dificuldades do trabalho como bóia-fria, mas que não desistem de sonhar por
uma vida com uma qualidade melhor. Sonham em ampliar ou comprar suas residências, em
comprar automóveis, e reconhecem que não conseguirão cessar esta migração pois
dependem financeiramente dela. Esta realidade é destacada nas fisionomias destas
pessoas, que apesar de sofridas, demonstram contentamento com as casas e os bens que
possuem.
3.4
DEPOIMENTOS DOS ESTUDANTES MARGARIDENSES SOBRE SUAS MIGRAÇÕES
As entrevistas com os alunos ocorreram em 2007 e 2008. Os entrevistados
possuem idades que variam entre 14 e 25 anos e cursavam o Ensino Fundamental e o
Ensino Médio do período noturno. (Gráfico 11).
159
IDADE DOS ALUNOS ENTREVISTADOS
25%
50%
25%
menos de 15 anos
15 a 20 anos
21 a 25 anos
Gráfico 11 Idade dos alunos entrevistados
Fonte: : Pesquisa realizada in loco. Santa Margarida (Bela Vista do Paraíso – PR) - 2008.
50% dos alunos entrevistados têm entre 15 e 20 anos, porém 62,5%
destes alunos cursam o Ensino Fundamental (5ª a 8ª série), o que significa que não estão
em idade adequada para as séries que cursam. As reprovações segundo os entrevistados
são conseqüências das migrações que realizam todos os anos. Deixando de matricular e
freqüentar as aulas, ou, abandonando no retorno das migrações este quadro é perpetuado.
Este vem a ser um dos grandes transtornos da escola.
Aos alunos foram feitas diversas indagações, e entre estas, perguntou-se o
período de trabalho em Minas Gerais e São Paulo: 8,5% dos alunos já fazem esta migração
há mais de cinco anos. Migram principalmente para os seguintes municípios: Monte
Carmelo (MG), São João da Boa Vista (SP), Celso Bueno (MG), Botelho (MG), Cabo Verde
(MG), São Sebastião do Paraíso (MG), Piratininga (SP), Monte Sião (MG), Poços de Caldas
(MG) e Araguari (MG).
Todos trabalham na colheita do café, nos municípios citados. Possuem
uma média salarial de R$600,00, para 10 horas trabalhadas, em média, por dia. Dentre os
trabalhadores, 57% possuem registro na carteira de trabalho e as mesmas são regularmente
assinadas nos locais de trabalho. 71% dos alunos entrevistados consideram boas as
condições de trabalho (formas de pagamento, salários e horários) e dos alojamentos para
onde migram.
A média salarial quando dividida pelo número de familiares por residência
varia. Esta varia também de acordo com o emprego que conseguem ao retornar das
migrações. Segundo os entrevistados: 12,5% possuem famílias formadas por 3 pessoas,
12,5% por 5 pessoas, 12,5% por 8 pessoas e 62,5% possuem famílias formadas por 4
160
pessoas. Observa-se que o número de famílias com mais de 4 pessoas chega a 25%
demonstrando que não há muitas famílias numerosas entre os entrevistados.
Ao serem indagados sobre as matrículas e a freqüência à escola, 71%
responderam que ao migrar não levam a transferência ou não freqüentam a escola. Os
motivos variam entre cansaço e dificuldades quanto ao transporte para as escolas. 57%
disseram que já sofreram alguma forma de discriminação nestas cidades. Foi feito o
seguinte relato:
“Estudei uma vez e eu achei que tratam “nóis” um pouco diferente”;
Contudo, 63% dos alunos declararam que gostam das cidades para onde
migram e não deixariam de realizar tal migração;
DEIXARIA DE MIGRAR?
37%
63%
Sim
Não
Gráfico 12 – Deixaria de migrar ?
Fonte: : Pesquisa realizada in loco. Santa Margarida (Bela Vista do Paraíso – PR) - 2008.
Declaram que continuariam migrando pelos seguintes motivos:
“Sim, porque tem bastante trabalho e ganho dinheiro quando vou pra lá”;
“Sim, a gente conhece pessoas diferentes”;
“Sim, porque tenho a oportunidade de conhecer outras pessoas e é um meio de
viver, pois lá eu sei que meus pais vão ter emprego e salário garantido”;
“Sim, porque é bom sair daqui”;
161
As cidades agradam, porém 37% deixariam de fazer as migrações graças
aos seguintes fatos:
Porque é sofrido demais”;
“Não, o povo é chato”;
“Se eu tivesse uma condição boa tanto no trabalho, quanto financeira eu não
iria”;
Ao retornarem, a maioria , 63% tem dificuldades para recuperarem suas
notas e conseguirem as aprovações para as séries seguintes e são conscientes de que a
migração anual que fazem é a principal responsável por tal fato. São conscientes também,
que só estudando conseguirão um futuro mais promissor. 100% dos alunos responderam
que gostam de estudar e que não pretendem interromper os estudos porque:
“Sem estudo eu nunca serei nada, nunca conseguirei um serviço digno”;
“Quero ter uma vida melhor”;
“Estudando, eu consigo um emprego na sombra, nas fábricas”;
Porém, os mesmos 100% responderam que já reprovaram. A escola,
assim, tem um papel preponderante, pois com aulas mais dinâmicas, com projetos como o
de Superação do Estado do Paraná, possam fazer com que os alunos ao retornarem da
migração freqüentem mais esta, em horários diferenciados para não se distanciarem. Para
Freire (1992, p. 81);
Ensinar é assim a forma que toma o ato de conhecimento que o (a)
professor (a) necessariamente faz na busca de saber o que ensina para
provocar nos alunos seu ato de conhecimento também. Por isso, ensinar
é um ato criador, um ato crítico e não mecânico. A curiosidade do (a)
professor (a) e dos alunos, em ação, se encontra na base do ensinar-
aprender.
Também é sobre este aspecto que a Pastoral do Migrante desenvolve
suas atividades, levando aos “bóias-frias”, no caso de Santa Margarida, a certeza de que
não devem desistir de suas lutas diárias.
162
3.5 A PASTORAL DO MIGRANTE E O MIGRANTE MARGARIDENSE.
Migrações temporárias são deslocamentos periódicos de trabalhadores em
busca de novos meios de sobrevivência.
Segundo Possamai (1991, p.9-13), a saída é determinada principalmente
pelo:
- Esgotamento das possibilidades de sobrevivência das regiões de origem;
- Ao partir, o migrante leva consigo dor e esperança. A dor se expressa na
saudade de quem vai e de quem fica, na incerteza da terra estranha, na ruptura
dos laços familiares, no impacto psico-afetivo e religioso da separação, fatores
que, combinados, provocam grande sofrimento.
- Anima-o, em contrapartida, a esperança de uma vida melhor para a família, a
possibilidade de um convívio cultural mais amplo e aberto e a força do próprio
trabalho, ao lado de uma fé que jamais abandona o peregrino.
- As migrações em massa decorrem das profundas transformações ocorridas na
agricultura brasileira, seja nas formas de apropriação e uso da terra, seja nas
relações de trabalho. Conjugadas, estas duas dimensões de expansão capitalista
no campo configuram um quadro efetivo de exploração e expulsão dos
trabalhadores.
- A situação não é difícil apenas para quem sai, mas igualmente para quem fica. É
o caso das mulheres e crianças. Com a saída dos respectivos maridos e pais, ou
dos filhos e irmãos mais velhos, são obrigados a assumir todas as
responsabilidades da casa.
- Paradoxalmente, as saídas periódicas são formas de permanecer na terra. Migrar
temporariamente é muitas vezes uma forma de resistir à migração definitiva.
Neste contexto, para o autor, a Igreja procura assistir os migrantes, pois,
desde o final da década de 1970 e início dos anos 80, esta vem mantendo uma presença
junto aos migrantes temporários, em especial os trabalhadores da agroindústria canavieira.
163
Assim, a atividade pastoral entre os migrantes temporários ocorre em três
níveis:
a) Na origem, através do acompanhamento às comunidades e famílias de onde
saem os migrantes, procurando ao mesmo tempo orientá-los e incentivar a
implantação de projetos alternativos com vistas à fixação na terra;
b) No destino, com freqüentes encontros de migrantes, visitas, reuniões, grupos de
reflexão e celebrações nos alojamentos e pensões, serviços de assessoria
jurídica às organizações dos trabalhadores por melhores condições de trabalho e
de vida e na participação destes nas lutas reivindicatórias locais;
c) Intercâmbio entre origem e destino, o qual se efetiva através de visitas recíprocas
entre os agentes pastorais, bem como através de programas e atividades
conjuntas, o que garante o acompanhamento permanente dos migrantes, seja
durante a safra, seja no período de entressafra. (POSSAMAI,1991, p.13).
Com isso, ao mesmo tempo em que se procura dar continuidade à vivência
religiosa e manter os laços familiares desses trabalhadores, busca-se igualmente
conscientizá-los sobre seus direitos e sensibilizar a igreja e a sociedade civil para essa
realidade.
Em julho de 1990, em São Paulo, aconteceu o I Encontro Nacional sobre
Trabalho Sazonal. Uma das conclusões do encontro foi a elaboração de uma carta pastoral
conjunta dos bispos das igrejas locais de origem e de destino dos migrantes. Da mesma
forma que os migrantes estabelecem uma ponte entre origem e destino, trata-se, em nível
de Igreja de construir uma espécie de ponte pastoral que possa dar conta dessa situação de
permanente mobilidade (POSSAMAI, 1991, p 14).
Note-se que a ausência de uma Reforma Agrária tão anunciada e tantas
vezes adiada, de uma política agrícola orientada pelo modelo agroexportador e o processo
de crescente concentração fundiária, acompanhado e apoiado, muitas vezes, por um cruel
quadro de violência, têm tornado extremamente difícil a vida do homem do campo, gerando
um êxodo rural e um grande processo de migração desagregadora da pessoa e da família
(POSSAMAI, 1991, p 16).
Durante a safra, também é missão da pastoral, dar um duplo
acompanhamento ao migrante. Primeiro, no que diz respeito ao trabalho, assessoria para os
contratos e dissídios coletivos, os “acertos finais” e reivindicações em geral, se possível com
respaldo jurídico, para que o trabalhador não seja lesado quanto aos direitos conquistados,
164
bem como na conquista de outros. Segundo, no que se refere à sua inserção na
comunidade, um combate a todo tipo de discriminação que muitas vezes leva os
trabalhadores locais a vê-los como inimigos e concorrentes (POSSAMAI, 1991, p 20). A
mobilização da imprensa em caso de escravidão branca ou violências contra os
trabalhadores, também faz parte desta missão.
São muitos os migrantes temporários no Brasil. São dezenas de milhares
os trabalhadores da cana, da laranja, do café e do algodão. Sinais, ao mesmo tempo, de
sofrimento e coragem. Como todo peregrino, carregam duros fardos e enfrentam longas
caminhadas. Mas, por outro lado, apontam para um amanhã mais promissor. Esta
esperança, porém, para não se converter em desespero, precisa ser continuamente
alimentada. Só assim permanece viva e profunda a permanente experiência do êxodo
(POSSAMAI, 1991, p 23).
Em Santa Margarida, a Pastoral do Migrante trabalha para que esta
esperança não seja abandonada.
O representante da Pastoral, trabalha com a Pastoral do Migrante há 15
anos. Segundo ele, neste ano de 2008, migraram de Santa Margarida para Minas Gerais e
São Paulo cerca de 1200 pessoas, sendo 700 adultos e 500 crianças. Não possui dados
exatos porque “os gatos” não informam. Estes, segundo o representante, chegam a
declarar erroneamente o horário de partida para que os migrantes não tenham contato com
a Pastoral. Os “gatos” não têm interesse na Pastoral porque seus ganhos são bem maiores
que o dos “bóias-frias” e não é interessante que se tenha um “bóia-fria” consciente de sua
exploração.
O tipo de trabalho que a Pastoral desenvolve em Santa Margarida envolve
principalmente a conscientização política (sem partidos) e a auto-estima. Fazem reuniões
todos os domingos nas casas dos próprios trabalhadores, sendo cada domingo em uma
casa.
Segundo o entrevistado, um dos maiores problemas enfrentados pela
Igreja e pela Pastoral envolve questões familiares. Muitos homens ao migrarem deixam suas
famílias em Santa Margarida e constituem outra família na cidade para onde migram. As
separações são uma constante entre os casais. Outros ao retornarem encontram a sua
companheira com outro marido. As famílias segundo ele, estão sendo desfeitas.
A auto-estima deve ser muito trabalhada porque estes trabalhadores não
se reconhecem enquanto cidadãos. Não reconhecem o valor de seus votos e não valorizam
a escola como meio de mudança. Para este: “A escola não trabalha a realidade destes
alunos; deveria ter um calendário diferenciado para que estes alunos fossem atendidos
quando estão em Santa Margarida; na escola eles se sentem em outro mundo; a escola não
tem valor pois afirmam: “eu nasci pobre e vou morrer pobre”.
165
Quando retornam das migrações muitos jovens compram motos e gastam
praticamente todo o dinheiro que ganharam. Nas entressafras, quando não há trabalho, eles
não conseguem pagar as prestações e perdem a moto e todo o valor que já tinham pago.
São enganados muito facilmente”.
Houve uma redução significativa no número de migrantes já que estão
trabalhando: na Big Frango (processadora de frangos em Rolândia); construção civil em
Londrina; fábricas de costura, em Bela Vista do Paraíso; fábrica de móveis em Santa
Margarida
Nos locais para onde migram, as pessoas são obrigadas a comprar nos
mercados que já estão em acordo com os patrões e “gatos”, pagando assim os preços já
estipulados. Muitas fazendas possuem bares onde são vendidas bebidas alcoólicas a
preços acima do mercado.
Sofrem com a discriminação. Até nos postos de saúde são atendidos
quando não há mais nenhum morador da cidade. “Aonde eles chegam as pessoas saem.
Um homem morreu e não conseguia ser enterrado porque não tinha documentos”. As
fiscalizações do Ministério do Trabalho só acontecem quando ocorrem denúncias. Segundo
o entrevistado se não há denúncias as fiscalizações são reduzidas, ocorrem com uma
freqüência menor.
O trabalho da Pastoral é moroso e de convencimento, devido a baixa auto-
estima e a desesperança de muitos “bóias-frias”, estes primeiramente devem ser
convencidos a usufruir dos direitos que possuem. Seguem-se fotos de encontros da
Pastoral com trabalhadores margaridenses. (Fotos 9 e 10).
Foto 9 – Encontro da Pastoral com os migrantes em Santa Margarida
Fonte: Coordenador da Pastoral do Migrante de Santa Margarida.
Ano: 1998.
166
Foto10 – Visita da Pastoral aos locais de migrações
Fonte : Coordenador da Pastoral do Migrante de Santa Margarida
Ano: 2000
Os filhos de “bóias-frias” que são auxiliados pela Pastoral do Migrante, são
os alunos do Colégio Presidente Vargas. São os mesmos alunos com suas esperanças ou
desesperanças, e que devem ser atendidos da melhor maneira possível por esta escola.
167
4 CARACTERIZAÇÃO DO COLÉGIO ESTADUAL PRESIDENTE VARGAS
O Colégio Estadual Presidente Vargas – Ensino Fundamental e Médio
localiza-se à Avenida Dr. Marins Alves de Camargo, 281, no Distrito de Santa Margarida, no
município de Bela Vista do Paraíso.
A escola foi fundada em 1942 para atender os anos iniciais do Ensino
Fundamental e a partir de 1996 obteve autorização do Governo do Estado para a
implantação gradativa de 5ª a 8ª séries. Em 1998, com a municipalização do ensino, deixou
de ofertar os anos iniciais que passaram a ser de responsabilidade da Prefeitura Municipal.
A partir de 1999 obteve autorização para o funcionamento do Ensino Médio – Educação de
Jovens e Adultos. No entanto, foi mantida a dualidade administrativa, pois no prédio
funcionam as séries iniciais do Ensino Fundamental, que são de responsabilidade do
município e as séries finais do Fundamental e Ensino Médio que são de responsabilidades
do estado.
A instituição oferta atualmente o ensino Fundamental (5ª a 8ª séries) nos
turnos matutino e noturno e a partir de 2005 o Ensino Médio Regular (com implantação
gradativa), no turno noturno.
A seguir será feita uma análise da situação da escola quanto ao número
de turmas, desistências e reprovações. Os dados contidos nas tabelas foram coletados na
própria escola.
Tabela 6 – Situação do Ensino Fundamental – 2007
Nº de turmas Nº de Alunos
Séries
Diurno noturno diurno noturno
Total
5ª 04 01 195 39 234
6ª 03 01 129 44 173
7ª 02 01 71 33 104
8ª 01 01 35 40 75
Total 10 04 430 156 586
Fonte: Colégio Estadual Presidente Vargas – Ensino Fundamental e Médio – Santa Margarida – Bela Vista do
Paraíso – 2008.
168
Tabela 7 Situação do Ensino Médio – (Noturno) 2007
Séries Nº de Turmas Nº de Alunos
1ª 01 42
2ª 01 26
Total 02 68
Fonte: Colégio Estadual Presidente Vargas – Ensino Fundamental e Médio – Santa Margarida – Bela Vista do
Paraíso – 2008.
Total Geral de alunos: 654.
Além das turmas dos turnos matutino e noturno funcionam no período
vespertino: uma sala de apoio à 5ª série que atende 22 alunos, uma sala de apoio
(português) que atende 20 alunos (esta funcionou do início do ano até maio e retornou em
outubro por falta de professor) e uma sala de recursos
27
que atende 11 alunos. Funcionam
ainda salas do CELEM (Centro de Línguas Estrangeiras Modernas) que ensinam espanhol
para 37 alunos no período noturno.
4.1
ESPAÇO FÍSICO, INSTALAÇÕES E EQUIPAMENTOS
O estabelecimento de ensino conta com 10 salas de aula, mais 02
pequenas salas de madeira que estão adaptadas para sala de artes e sala de aula; 01 para
laboratório de Ciências, Física, Química e Biologia; 01 sala para Biblioteca; 01 sala de
professores que agrega a equipe pedagógica e ainda a direção e equipe pedagógica da
escola municipal; 02 banheiros para alunos (as) e outro para professores e funcionários; 01
cozinha; 01 refeitório; 01 secretaria e 01 sala para a direção.
A escola conta com os seguintes recursos e equipamentos: 03 TVs, 01
vídeo e 02 DVDs funcionando; 01 retroprojetor; 02 computadores bastante limitados para
uso de toda a escola.
A biblioteca possui um acervo de 1300 livros que são insuficientes para
atender a demanda da escola. Necessita de ampliação, atualização e adequação desse
material para melhor atender as especificidades da escola.
27
De acordo com as Diretrizes Nacionais a sala de recursos é um serviço de apoio pedagógico
especializado, no qual o professor realiza a complementação ou suplementação curricular, usando
procedimentos e materiais específicos. As atividades nestas salas seguem uma dinâmica de trabalho
condizente com as dificuldades e necessidades dos alunos e dos recursos a serem adaptados. As
salas de recursos funcionam em dois turnos - manhã e tarde.(PLANO Político Pedagógico, 2007).
169
Como pode ser percebido, o espaço que a escola possui não é suficiente
para atender as necessidades desta, pois ainda há um fator agravante, a escola possui
dualidade administrativa, ou seja, no mesmo espaço funciona uma escola do município e
uma do estado. É esta a realidade com a qual convivem os alunos e professores da escola,
com a qual devem empenhar-se para superar.
4.2
DEPOIMENTOS DE PROFESSORES DO COLÉGIO ESTADUAL PRESIDENTE VARGAS
Os professores entrevistados trabalham no Colégio entre três e vinte e
quatro anos com as disciplinas de: Geografia, História, Português e Educação Física. Eles
afirmaram que as principais dificuldades dos alunos que realizam a migração quanto aos
conteúdos desenvolvidos na escola são:
Dificuldade de acompanhamento do conteúdo pois, na maioria das vezes,
chegam defasados e não conseguem recuperar o conteúdo que já foi trabalhado.
Alguns nem estudam nas
cidades que vão trabalhar”;
“Desinteresse por parte dos alunos”;
“Alguns alunos por saberem que irão embora, não se esforçam e nem se
dedicam, mesmo no primeiro bimestre”;
“Defasagem nos conteúdos”;
O trabalho a ser realizado com alunos que já sabem que se ausentarão da
escola deve estar relacionado a persistência dos professores. Estes alunos estão
habituados a desistência escolar e devem constantemente ser motivados a permanecerem
na escola ao retornarem. O ambiente escolar deve ser suficientemente atraente para que o
aluno retorne.
Durante as entrevista realizadas com os pais, houve a informação de que
71,40% dos filhos já haviam reprovado alguma série escolar. Já os alunos entrevistados
afirmaram que 100% deles já haviam reprovado, confirmando assim, as dificuldades que os
professores enfrentam quanto ao desenvolvimento dos conteúdos.
Segundo os entrevistados, há uma preocupação unânime dos professores
para recuperarem estes alunos:
170
A escola tem certa experiência neste tipo de caso. Todos os professores tentam
fazer uma recuperação de conteúdo através de atividades como: trabalhos,
pesquisas, confecção de textos ou redação. O problema é que, grande parte dos
alunos trazem notas muito baixas de outras escolas e fica difícil recuperá-las”
;
Os professores desenvolvem projetos a fim de auxiliarem na superação dos
problemas de aprendizagem dos alunos que migram”;
“Os problemas são discutidos em Conselho de Classe por todos os professores”;
“A escola acolhe o aluno que retorna a fim de que consiga ser promovido para a
série seguinte”;
Fazem parte das atividades da escola: “a sala de apoio que funciona no
período da tarde com reforço de português e matemática, e, houve agora a implantação do
projeto Segundo Tempo, voltado para a área de Educação Física”.
Ao serem questionados se deixariam de trabalhar nesta escola, os
professores enumeraram algumas razões para que isto não ocorra:
“Não. Primeiro porque moro bem próximo. Segundo é que a mesma, por ser
pequena, tem um controle maior, principalmente na questão da violência.
Terceiro é que já me acostumei com os problemas exclusivos desta escola,
contribuo no projeto de superação da equipe e tenho muito contato com os pais”;
Não, os desafios motivam a superação”;
“Não, porque apesar de todas estas dificuldades que enfrentamos em relação ao
aprendizado dos alunos, percebe-se que os que estão na escola, em sua grande
maioria, querem e procuram crescer em seus conhecimentos, apesar da falta de
empregos que existe no distrito”;
“Não, pois sempre trabalhei aqui e me identifico com os alunos”;
Os professores procuram manter um contato constante com os pais. Para
que isto ocorra, há também, quando necessário, o acionamento do Conselho Tutelar.
Realizam este trabalho para manterem uma comunicação eficaz com os pais, para um
trabalho de resgate dos alunos que não retornam e de permanência dos que retornam.
171
Os professores sentem que os alunos possuem uma baixa auto-estima nos
seguintes aspectos:
Principalmente na questão do que irão ser quando se formarem. Muitos não
possuem perspectivas de melhora de vida: meu avô foi bóia fria, meu pai é bóia
fria e eu serei bóia fria”;
“Não se observa este fato somente nos que migram, mas nos que ficam
também. Muitos não possuem expectativas quanto a trabalho e melhoria de sua
condição financeira”;
“Sim, pois a maioria sabe que não poderá competir igualmente com os alunos de
outras escolas que tiveram uma formação melhor, pois a maioria tem que
trabalhar e não pode se dedicar aos estudos”;
Estas afirmações foram diagnosticadas quando pais e alunos foram
entrevistados, uma vez que não retornam à escola por não terem a esperança de uma
melhoria em suas condições financeiras, como um emprego fixo com todos os direitos
trabalhistas garantidos. Esta é realmente uma grande dificuldade a ser enfrentada. É a
tentativa de se interromper um ciclo que está sendo perpetuado entre os “bóias-frias”. O
conjunto de professores e funcionários deve estar empenhado nesta mudança para que
realmente ocorra.
O freqüentar a escola está diretamente relacionado aos conteúdos e
formas de trabalho dos professores. No caso dos professores desta escola os conteúdos
que mais interessam aos alunos são os que já vivenciaram ou têm um maior domínio:
Problemas ambientais, economia do dia-a-dia, política, água, agricultura, entre
outros”. E devem ser repassados da seguinte forma: “Como os alunos que
migram não conseguem acompanhar o ritmo dos demais, há a necessidade de
se aplicar avaliações diversificadas para tentar, pelo menos, recuperar os
conteúdos básicos que já foram trabalhados”.(Professor de Geografia);
Direito no E.C.A. e as relações no mundo do trabalho (exploração infantil)”.
(Professor de História);
“Uso de anabolizantes e doenças sexualmente transmissíveis”.(Professora de
Educação Física);
172
“Gostam de atividades práticas, conversar, analisar a situação, posicionarem-se
em relação a acontecimentos do cotidiano e também sobre textos
polêmicos”.(Professora de Português);
Os professores desenvolvem métodos diferenciados para trabalharem com
estes alunos, uma vez que os conteúdos são os mesmos de outras escolas.
Devido ao meu conhecimento em relação a esta clientela, possuo meus
métodos de aplicação de conteúdo. O conteúdo é o mesmo, apenas a
metodologia de como aplicá-los é diferente. Busco, em alguns casos, enxugar o
conteúdo ou mesmo adaptá-lo”.
“Sim,, pois é uma escola de superação e sempre tentamos trabalhar conteúdos
essenciais à formação de alunos capazes de enfrentarem o mercado de
trabalho”;
Em concordância quanto à escolha adequada dos conteúdos e adequação
destes, Moll (1996, p. 267) esclarece que;
Para conduzir com sucesso as lições de compreensão interativa, os
professores precisam saber como planejar as aulas, como estruturá-las e
como formar o pensamento do estudante por meio do questionamento
responsável. Ao planejar suas aulas os professores devem identificar um
tema central, ou uma idéia principal a ser usada para focalizar a
discussão e tornar a história significativa para os estudantes. Eles devem
identificar conceitos com os quais não estão, provavelmente,
familiarizados e, também dividir a história em partes para guiar a leitura e
discussão. Ao reestruturar as lições, os professores devem seguir a
abordagem experiência-texto-relação.
A experiência que os alunos têm deve ser levada em consideração quando
os professores planejam suas aulas. Iniciar um conteúdo sobre economia, ou sobre crise
mundial tomando como ponto de partida o “café” por exemplo, para os alunos de Santa
Margarida seria mais significativo.
Um dos problemas mais sérios é a quantidade de faltas, já que os alunos
permanecem de três a quatro meses em outro estado. Ao serem questionados sobre este
fato os professores declararam:
173
”Os alunos são analisados caso a caso em conselho de classe, havendo
justificativa do porque o aluno não estudou e onde foi trabalhar. As faltas são
abonadas”;
“Através dos Conselhos de Classe as faltas são anuladas”;
“Muitas faltas são discutidas em Conselhos de Classes, pois aqui em Santa
Margarida, há o fato dos alunos que trabalham no comércio de Bela Vista do
Paraíso também terem muitas faltas”;
“Deixamos em aberto e os alunos que tem condições de passarem pelo
Conselho de Classe tem suas faltas abonadas”;
Se esta análise não fosse feita, os alunos seriam reprovados por faltas e o
índice de reprovações e abandonos seriam maiores.
Quanto ao relacionamento entre alunos que migram e que não migram, e,
de professores com os alunos que migram, os professores deixaram claro que:
Geralmente o relacionamento é bom. Os alunos já conhecem os problemas
daqueles que migram e até ajudam, na medida do possível (emprestam os
cadernos, textos e alguns até ajudam nos trabalhos)”;
“Natural. Como as demais”;
“O relacionamento dos alunos é muito bom . Não há cobranças com relação aos
possíveis benefícios que os migrantes recebem, como o abono de faltas ou a
repetição de notas. Isto se deve também ao fato de que a maioria dos alunos já
passou, ou conhece alguém que passa por algum tipo de situação semelhante”;
Há um clima de solidariedade na escola. Os alunos que não migram se
solidarizam porque reconhecem as necessidades financeiras dos que a realizam. Assim
sendo, colaboram da maneira como podem com estes.
Outro problema está relacionado ao interesse dos alunos pelas aulas antes
mesmo de migrarem para outros estados. Sobre tal assunto os professores mencionaram
que:
174
Alguns, que sabem que irão estudar em Minas ou em São Paulo, levam o
bimestre normalmente. Já aqueles que não irão estudar, principalmente no mês
da viagem, nem trazem material, matam aulas e não realizam tarefas propostas
em sala. Tem alunos que já param de vir à escola cerca de duas semanas antes
de viajarem”.
“Os alunos que são comprometidos procuram tirar boas notas no primeiro
bimestre pois sabem que vão migrar. Contudo, os alunos que não se
comprometem com a escola não se preocupam com a necessidade de fazer um
bom início para se beneficiar depois”;
Os professores ainda prosseguem afirmando sobre o retorno destes
alunos:
Alguns professores até tentam, de alguma forma, diferenciar o conteúdo a ser
ministrado a esses alunos mas, devido ao tempo ou até mesmo ao material e
estrutura existente, não conseguem. Também tem de ser levado em conta que a
maioria dos alunos não têm interesse. A escola possui sala de apoio funcionando
em horários diferenciados justamente para tentar atender a necessidade desses
alunos que retornam de Minas e São Paulo. A verdade é que a minoria segue as
aulas de reforço”.
A falta de interesse por parte dos alunos muitas vezes desestimulam os
professores, mas estes persistem, na esperança de mudarem esta realidade. Uma das
formas de persistência é a mudança na metodologia de aplicação dos conteúdos para
melhor atender a estes alunos.
A escola, devido à média do IDEB de 2007 que foi 1,5, foi enquadrada em
um projeto do Estado chamado de Superação. Este projeto tem por finalidade atender
escolas como a de Santa Margarida que necessita de projetos diferenciados. Sobre tal
projeto os professores declaram:
A escola ficou sendo denominada como escola de superação, onde a mesma
possui forma de trabalho e clientela diferenciados da maioria dos
estabelecimentos de ensino. Os PPP’s são elaborados justamente para atender
as necessidades da comunidade. Atualmente ele encontra-se em processo de
reciclagem, onde novas idéias e propostas estão sendo implementadas a fim de
melhorar a qualidade de ensino do estabelecimento”.
175
Estes projetos são de suma importância para escolas como esta, haja
vista, que somente com o empenho de toda comunidade escolar e Estado os problemas
poderão ser superados. A esperança de melhoras deve ser uma constante entre estes
professores. Para Freire (1992, p.11);
A esperança é necessidade ontológica; a desesperança, esperança que,
perdendo o endereço, se torna distorção da necessidade ontológica.
Uma das tarefas do educador ou educadora progressista, através da
análise política , séria e correta, é desvelar as possibilidades, não
importam os obstáculos, para a esperança, sem à qual pouco podemos
fazer porque dificilmente lutamos e quando lutamos, enquanto
desesperançados ou desesperados, a nossa luta é suicida, é um corpo-
a-corpo puramente vingativo.
Todos estes fatores colaboram para a formação dos quadros estatísticos
quanto às reprovações e abandonos dos alunos, principalmente dos que realizam as
migrações temporárias.
4.3
QUADRO ESTATÍSTICO E O RESULTADO FINAL DO PERÍODO DE 2004 A 2007.
As tabelas que seguem foram elaboradas segundo os resultados finais de
aprovações, reprovações e desistências no período de 2004 a 2007.
Tabela 8Resultados finais do Ensino Fundamental no período de 2004 a 2007
ANOS
Condição 2004 2005 2006 2007
Aprovados 45% 22% 40% 43%
Reprovados 10% 31% 30% 16%
Transferidos 15% 12% - 11%
Desistentes 30% 35% 30% 30%
Fonte: Colégio Estadual Presidente Vargas – Ensino Fundamental e Médio – Santa Margarida – Bela Vista do
Paraíso – 2008.
Através da tabela com dados de quatro anos consecutivos algumas
considerações devem ser levantadas:
176
- O índice de aprovações não atingiu os 50% em nenhum dos quatro anos, ou
seja, foram aprovados menos da metade dos alunos que se matricularam nestas
séries;
- Nos anos de 2005 e 2006 as reprovações ultrapassaram os 30% dos alunos
matriculados. Ainda sobre o ano de 2005, muitos alunos não retornaram à escola,
caracterizando um alto índice de desistentes e reprovações, destacando-se dos
anos anteriores;
- O número de desistentes manteve-se na casa dos 30%;
Os números se alternam mostrando um quadro mais crítico em 2005 e
2006. Contudo, observa-se que no ano de 2007 houve uma sensível alteração nos dados de
aprovação, reprovação e abandono, mas o desafio é imenso se for considerado que cerca
de 40% dos alunos tiveram a escolaridade comprometida ou pela reprovação ou pelo
abandono.
Tabela 9 – Resultados finais do Ensino Médio de 2005 a 2007
28
.
ANOS
Condição 2005 2006 2007
Aprovados 71%
38%
51,5%
Reprovados -
18%
25%
Transferidos
19%
7% 3%
Desistentes
10%
37% 20,5%
Fonte: Colégio Estadual Presidente Vargas – Ensino Fundamental e Médio – Santa Margarida – Bela Vista do
Paraíso – 2008.
A análise dos quadros estatísticos do Ensino Médio evidencia que:
- No ano de 2005, 71 % dos alunos foram aprovados e não houve reprovações, o
índice de desistentes deste ano também foi muito importante para a escola, pois
apenas 10 % dos alunos desistiram;
- Este ano de 2005 destacou-se para o Ensino Médio porque este estava sendo
implantado na escola e havia apenas uma série, o 1º ano;
28
Em 2004 não havia Ensino Médio na escola.
177
- No ano de 2006, no entanto, novamente o número de desistentes é significativo e
retorna aos 37% dos alunos matriculados. Neste ano o índice de aprovados não
atingiu os 50% e novamente tem-se mais da metade dos alunos não sendo
aprovados. Ao contrário do ano anterior as reprovações ficaram em torno dos
18%. Uma das causas para este índice é que neste ano muitos alunos migraram
e a colheita de café teve um tempo maior de duração;
- Em 2007 as aprovações ultrapassaram os 50%, mas o índice de reprovados
aumentou. Os desistentes, diminuíram em relação a 2006, mas aumentaram se
comparados a 2005.
O número de aprovados, reprovados e desistentes estão diretamente
relacionados ás migrações realizadas pelos bóias-frias. Como se constata nos depoimentos
feitos pelos bóias-frias em entrevistas, as safras oscilam entre boas colheitas e colheitas
ruins. Quando as colheitas são rentáveis, os alunos demorarão mais para retornarem. Se a
colheita não for rentável, retornarão mais rápido para Santa Margarida e por conseqüência
para a escola. Com um retorno antecipado terão menos faltas e o índice de desistência será
menor. Também conseguem recuperar com maior facilidade as notas bimestrais. Estes
abandonos ou reprovações terão influência nas notas das avaliações que o Estado solicita a
todas as escolas.
4.4
IDEB E AS PROJEÇÕES PARA O COLÉGIO ESTADUAL PRESIDENTE VARGAS
O IDEB (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica), foi criado pelo
governo federal para que a qualidade da Educação Básica seja medida. O IDEB é calculado
e divulgado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
(INEP). A meta, é alcançar nota seis (numa escala de zero a dez), nos próximos 15 anos. A
nota média da Educação Básica hoje gira em torno de quatro pontos. O IDEB cruza dados
de desempenho dos alunos na Prova Brasil, com índices de aprovação, repetência e evasão
escolar. (PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO, 2007, p.75).
Fazem parte do IDEB, o Sistema de Avaliação da Educação Básica
(SAEB) que é composto por dois processos: a Avaliação Nacional da Educação Básica
(ANEB), que recebe o nome SAEB em suas divulgações e avalia os sistemas estaduais de
educação por amostragem, e a Avaliação Nacional do Rendimento Escolar (ANRESC), que
recebe o nome Prova Brasil nas divulgações e avalia os sistemas municipais de maneira
178
universal, a partir de critérios previamente estabelecidos. A Prova Brasil foi idealizada para
produzir informações sobre o ensino oferecido por todos os municípios e por todas as
escolas, com o objetivo de auxiliar os governantes nas decisões e no direcionamento de
recursos técnicos e financeiros, bem como a comunidade escolar para o desenvolvimento
de ações pedagógicas e administrativas que visem a melhoria da qualidade do ensino. Além
destas duas avaliações há o Educacenso, que registra o fluxo escolar.
A partir dos resultados do IDEB, o MEC construiu uma Projeção de Metas
Bienais a serem cumpridas para estes municípios. A meta estabelecida para o Brasil até
2022 é a de um IDEB igual ou superior a 6 pontos, que é a média encontrada entre os
países mais desenvolvidos do mundo. Assim, pode-se verificar as metas estabelecidas pelo
IDEB para o Brasil, para o Estado do Paraná e para o Município de Bela Vista do Paraíso.
Tabela 10 – Resultado do IDEB 2005 e Projeções para o Brasil
Fases Anos Iniciais do
Ensino Fundamental
Anos Finais do
Ensino Fundamental
Ensino Médio
2005 2021 2005 2021 2005 2021
Total 3,8 6,0 3,5 5,5 3,4 5,2
Fonte: SAEB e Censo Escolar 2005 e 2006 – MEC.
Tabela 11 – Resultado do IDEB 2005 e Projeções para a Rede Estadual - Paraná
Projeções do IDEB Fases de
Ensino
2005
(Observado)
2007 2009 2011 2013 2015 2017 2019 2021
Anos Iniciais
do Ensino
Fundamental
5,0 5,0 5,4 5,7 6,0 6,2 6,5 6,7 6,9
Anos Finais
do Ensino
Fundamental
3,3 3,3 3,5 3,8 4,2 4,5 4,8 5,1 5,3
Ensino Médio
3,3 3,3 3,4 3,6 3,9 4,2 4,6 4,9 5,1
Fonte: SAEB e Censo Escolar 2005 e 2006 – MEC.
179
Tabela 12 – Resultado do IDEB 2005 e as Projeções para a Rede Municipal de Ensino –
Bela Vista do Paraíso
Projeções do IDEB
Ensino
Fundamental
2005
(Observado)
2007 2009 2011 2013 2015 2017 2019 2021
Anos Iniciais
do Ensino
Fundamental
3,8 3,9 4,2 4,6 4,9 5,2 5,4 5,7 6,0
Anos Finais
do Ensino
Fundamental
- -
-
-
-
-
-
-
-
Fonte: SAEB e Censo Escolar 2005 e 2006 – MEC.
Tabela 13 – Resultado do IDEB 2005 e as Projeções para o Colégio Estadual Presidente
Vargas
29
.
Projeções do IDEB
Ensino
Fundamental
2005
(Observado)
2007 2009 2011 2013 2015 2017 2019 2021
Anos Iniciais
do Ensino
Fundamental
- - - - - - - - -
Anos Finais
do Ensino
Fundamental
1,3 1,5
2,0
2,7
3,5
4,1
4,3
4,6
4,9
Fonte: SAEB e Censo Escolar 2005 e 2006 – MEC.
Comparando-se o resultado de 2005 para as séries finais do Ensino
fundamental, entre os resultados do Brasil e do Colégio Estadual Presidente Vargas
constata-se que a média do colégio ficou abaixo (1,3) da média nacional que foi de (3,3).
Em 2007, apesar da média do colégio ter passado de 1,3 para 1,5 ainda
ficou abaixo da média do Paraná que foi de 3,3.
Enquanto a média nacional dos anos finais do Ensino Fundamental para
2021 deverá ser de 5,2, a média do Paraná é de 5,3 e a do Colégio Estadual Presidente
Vargas deve chegar a 4,9. Deve ser esta a média para 2021 porque partiu de uma média
muito baixa de 1,3.
Estas médias retratam as reprovações e os abandonos que sofre o Colégio
Presidente Vargas. Todo o quadro docente da escola mostra-se preocupado com estes
29
O colégio Estadual Presidente Vargas é responsável pelas séries finais do Ensino fundamental, por este
motivo as séries iniciais não são citadas nesta tabela.
180
índices, e, os professores sempre se colocam a disposição da diretora para os projetos que
porventura venham a ser implantados na escola, a fim de superar este quadro. Segundo
depoimentos de professores há uma mobilização do quadro docente nos seguintes
aspectos;
“Por ser uma escola de “Superação”, o governo está proporcionando o diálogo
para a implantação de cursos de complementação curricular, visando atingir a
defasagem de conteúdos indicada pelos profissionais deste colégio. Os
professores colaboram através de projetos elaborados pelos mesmos que
fundamentam seus objetivos na realidade local, pretendendo oportunizar
conteúdos para reparar os danos causados pela migração em relação à
aprendizagem” (Professor de História).
“A escola faz o que pode, porque muitos alunos não retornam depois que
chegam da colheita, principalmente alunos do período noturno. Aqueles que
voltam para a escola são acolhidos e muitos conseguem ser promovidos para a
série seguinte. A escola tem um grau altíssimo de desistentes, pois, além dos
migrantes que não voltam outros alunos acabam desistindo devido a outros tipos
de trabalho (comércio em Bela Vista do Paraíso), que interferem por causa do
horário que terminam o expediente. Essa semana recebemos orientação do
Núcleo Regional de Ensino para avaliarmos alguns alunos que serão
remanejados de série (aceleração) estes deverão ser enquadrados na série
“correta” com a idade que possui.” (Professora de Português).
Os professores além de colocarem em prática os projetos governamentais,
desempenham de acordo com cada disciplina seus próprios projetos de avaliação, seleção
de conteúdos e desenvolvimento deste em sala de aula.
181
Tabela 14 – Quadro de Alunos com Defasagem Idade e Série Escolar do Ensino
Fundamental do Período Matutino.
Ensino Fundamental – Período Matutino
Série Turmas Nº de alunos com
defasagem
Variação faixa
etária
5ª A 01 14
B 16 12 – 13
C 33 12 – 14
D 35 13 – 16
A 02 13 – 14
B 31 13 – 52
C 24 14 – 23
7ª A 04 14
B 19 14 – 22
A 16 15 - 19
Fonte: : Fonte: SAEB e Censo Escolar 2005 e 2006 – MEC.
Tabela 15 – Quadro de Alunos com Defasagem Idade e Série Escolar do Ensino
Fundamental do Período Noturno
Ensino Fundamental – Período Noturno
Série Turmas Nº de alunos com
defasagem
Variação faixa
etária
E 34 14 – 40
D 43 14 – 34
C 31 14 – 44
B 32 15 - 28
Fonte: : Fonte: SAEB e Censo Escolar 2005 e 2006 – MEC.
Tabela 16 – Quadro de Alunos com Defasagem Idade e Série Escolar do Ensino Médio.
Ensino Médio – Período Noturno
Série Turmas Nº de alunos com
defasagem
Variação faixa
etária
A 32 16 – 39
A 08 17 - 31
Fonte: : Fonte: SAEB e Censo Escolar 2005 e 2006 – MEC.
Novamente as reprovações e as desistências serão refletidas nas salas de
aula. Através destes quadros é possível fazer uma análise do número de alunos que estão
com defasagem quanto à idade para a série em que estão matriculados. (Tabelas 16, 17 e
18)
182
São 361 alunos que enfrentam tal problema. Observa-se alunos com 28
anos cursando a 8ª série e alunos com 39 anos cursando o Ensino Médio, demonstrando
que estes alunos estão fora da idade/série adequada.
A busca por trabalho é uma necessidade primeira , o que faz com que a
escola fique em segundo plano. No ensino noturno, a evasão escolar é ainda mais
acentuada por conta das opções de trabalho. De acordo com alguns depoimentos de
entrevistados constatou-se que;
“Muitas faltas dos alunos são discutidas em Conselho de Classe, pois aqui em
Santa Margarida há o fato dos alunos que trabalham em Bela Vista do Paraíso,
em mercados e no comércio em geral, também terem muitas faltas.” (Professora
de Educação Física).
“Quando volto de Minas e consigo emprego no comércio, também perco aula
porque a gente sai muito tarde do trabalho”. (Aluno entrevistado).
“Trabalhando como bóia-fria a gente perde o horário da escola porque chega
muito cansado”. (Aluno entrevistado).
Quando os alunos conseguem trabalho, acabam, muitas vezes,
abandonando a escola por diferentes razões: cansaço pela natureza da atividade (corte de
cana, por exemplo), distância do trabalho (saem muito cedo e voltam muito tarde, perdendo
os horários das aulas) ou por falta de motivação para o estudo e falta de perspectiva
profissional.
4.5
DESAFIOS E DIFICULDADES DO COLÉGIO ESTADUAL PRESIDENTE VARGAS
A escola enfrenta dificuldades que são de natureza física e estrutural.
Estas dificuldades atrapalham o bom desenvolvimento das atividades regulares da escola.
Cabe ainda ressaltar outros fatores que também interferem nessa
realidade escolar, como consta no Plano Político Pedagógico (2207) da escola:
- Espaço físico inadequado e insuficiente para atender as necessidades das duas
escolas: o Colégio Estadual Presidente Vargas e a Escola Municipal Dircy dos
Santos. Exemplo disso é que no mesmo espaço da sala de professores estão
183
também instaladas a equipe pedagógica do Colégio Estadual Presidente Vargas
e a direção e equipe pedagógica da escola municipal (separados por divisórias
de madeira), o que acarreta uma série de transtornos, dentre os mais sérios a
falta de privacidade para atendimento a alunos, pais e professores.
- - Falta de pátio coberto para a realização de atividade extra-classe e de quadra
esportiva. As atividades de Educação Física são realizadas em uma quadra
cedida ou na rua, o que causa transtornos quando as condições climáticas não
são favoráveis (dias chuvosos ou muito quentes).
- As instalações do refeitório são inadequadas, pois não comporta o número de
alunos do turno da manhã, período em que funcionam as duas escolas, além do
mobiliário que é insuficiente para a acomodação de todos, situação esta
agravada pela falta de pátio coberto, o que ocasiona transtornos na hora de
servir a merenda.
- Dificuldades para o desenvolvimento dos programas ofertados no turno
vespertino pela falta de espaço físico (neste turno funciona a escola municipal),
de funcionários, de espaço para a equipe pedagógico-administrativa, de
merenda, para atender adequadamente as seguintes atividades: salas de Apoio
de Língua Portuguesa e de Matemática; sala de Recursos; projeto 2º Tempo
(Esportes); curso de Espanhol –CELEM, além de outras que poderiam vir a ser
desenvolvidas. Os projetos e programas funcionam em instalações improvisadas
e inadequadas, dada a falta de salas e de ambientes.
- Falta de integração entre escolas municipais (anos iniciais do Ensino
Fundamental) e escolas estaduais, distanciamento este acentuado com a
municipalização do ensino.
- Rotatividade no quadro de professores. A escola tem 26 professores, dos quais
apenas 05 trabalham somente nesta escola. Os outros 21 professores atuam
também em outras escolas estaduais, sendo que 07 residem em outros
municípios. Estes professores, geralmente, assumem aulas para completar suas
cargas horárias em outras escolas, não participando efetivamente de todas as
atividades cotidianas. Há dificuldades para reunir todos os professores em
reuniões pedagógicas e conselhos de classe, uma vez que a maioria está
comprometida também com outras escolas, de outros municípios.
184
- A organização do horário das aulas contempla primeiramente as necessidades
dos professores que vêm de outras escolas e/ou municípios e não as
recomendações pedagógicas mais adequadas aos alunos.
- Defasagem na idade/série escolar o que ocasiona dificuldades, como por
exemplo, a necessidade da retomada de conteúdos básicos não apropriados por
uma série de interferências no andamento normal da escolaridade dessas
crianças, além de problemas disciplinares e de comportamentos, que muitas
vezes se manifestam no relacionamento escolar.
- Pouca participação da família na escola. Observa-se baixa freqüência nas
reuniões para discussão de avaliação e entrega de boletins ou em outros
momentos em que os pais são chamados à escola. A presença dos pais ou
responsáveis na escola acontece, na maioria das vezes, por motivo de
indisciplina ou quando a escola solicita a presença para justificar, por exemplo, o
excesso de faltas dos alunos. Não é raro solicitar ao Conselho Tutelar que
entregue a convocação solicitando a presença de pais ou responsáveis na
escola.
- Falta de equipamentos e recursos. A escola conta com 02 computadores já
ultrapassados, sendo que 01 fica à disposição do Sistema da Escola e o outro é
utilizado pela direção, pela secretaria, pelos professores e pela equipe
pedagógica, sendo necessário obedecer uma escala ou agendamento para poder
utilizá-lo, não podendo contar ainda com acesso a Internet. A equipe pedagógica,
que já não conta com um espaço físico adequado, fica seriamente prejudicada
pela falta de um equipamento (computador) para organizar e desenvolver o seu
trabalho. Os computadores do Paraná Digital ainda não foram instalados por falta
de espaço físico. São computadores que a escola recebeu para instalarem um
laboratório de informática, mas que ainda não puderam ser utilizados.
- A falta de laboratório de informática na escola não tem possibilitado que os
alunos e professores tenham acesso às ferramentas tecnológicas como meios
auxiliares de aquisição e ampliação dos conhecimentos, ou seja, uma alternativa
que poderia auxiliar na motivação para o estudo e na freqüência às aulas.
- Falta de funcionários para auxiliar no atendimento aos alunos (inspetor de alunos,
vigia) o que ocasiona uma sobrecarga de trabalho aos pedagogos que acabam
185
não desenvolvendo as suas atribuições específicas, definidas na legislação.
Observa-se que na maior parte do tempo os pedagogos ficam envolvidos com
ocorrências, com questões rotineiras, como por exemplo: alunos que estão fora
de sala, que retiram-se da escola, que brigam, com pessoas estranhas que
invadem o espaço escolar, no atendimento a turmas em que faltam professores,
com a reorganização de horários. Dessa forma, o trabalho de articulador
pedagógico e mediador das ações educativas fica comprometido.
- Há orientações do NRE (Núcleo Regional de Ensino) para que os alunos maiores
de 14 anos sejam matriculados no turno noturno, pois as séries finais do Ensino
Fundamental também são ofertadas neste período. Alguns pais, contudo,
manifestaram-se contrários a essa possibilidade, além do que esses alunos não
poderiam ser contemplados pelos programas e projetos da escola: salas de
recursos, salas de apoio e Projeto 2º Tempo (Esportes) e outros que precisam
ser desenvolvidos na escola.
Para que problemas como os presentes sejam sanados, a escola possui
propostas de ações que deverão ser executados á longo prazo e que constam no Projeto
Político Pedagógico da Escola.
4.6
PROPOSTAS E AÇÕES
Para que sejam sanados os problemas que a escola enfrenta, faz-se
necessário que algumas ações do Projeto Político Pedagógico da escola sejam colocadas
em prática. Dentre estas se destacam:
- Promover a integração entre escolas municipais (anos iniciais do Ensino
Fundamental) e escolas estaduais (anos finais do Ensino Médio), para discutir as
questões pedagógicas e curriculares, buscando um planejamento de ensino mais
adequado às necessidades e às exigências evidenciadas não só nas avaliações
do MEC e nas estatísticas das escolas, mas também no cotidiano escolar e na
vida dos alunos de uma localidade que vive num contexto social bastante
adverso. Discutir os projetos pedagógicos, avaliá-los e replanejá-los de forma
coletiva, na busca de caminhos para amenizar as fragilidades.
186
- Promover articulação entre Prefeitura, Estado e Governo Federal para viabilizar a
construção de uma outra escola para que seja atendida adequadamente toda a
população escolar do Distrito de Santa Margarida.
- Promover um espaço contínuo de formação, com cronograma e programa de
estudo específico, assessorado por professores de outras instituições e do
NRE/SEED, para analisar e discutir os fundamentos teórico-metodológicos das
Diretrizes Curriculares e questões da prática pedagógica que possam aprimorar o
processo de ensino e de aprendizagem. Os professores têm a hora atividade,
contudo, neste momento as áreas de ensino não são reunidas num mesmo
horário para que estas discussões ocorram.
- Fortalecer a prática da leitura em todas as áreas de ensino, reorganizando os
planejamentos de cada disciplina de forma que se assegure o espaço da leitura
no cotidiano de todas as aulas.
- Implementar a prática de jogos educativos como alternativa para desenvolver nos
alunos as capacidades de atenção, de observação, de concentração, de
raciocínio, de disciplina e de organização. Há uma literatura ampla nesta área
que poderia ser conhecida e estudada pelos professores em grupos de estudo.
- Equipar a escola com materiais didáticos, recursos e equipamentos que possam
auxiliar os professores na prática pedagógica. Além do que já foi citado, outros
são necessários: jogos educativos, TV, DVD, mapas atualizados, filmes e vídeos
das diferentes áreas, cartazes, CD de músicas de diferentes gêneros e culturas,
equipamentos e materiais esportivos.
- Ampliar o acervo e readequar a Biblioteca para ser utilizada por toda a
comunidade para investir maciçamente em projetos de leitura e outras atividades
afins. Para isso, é fundamental a contratação de bibliotecário.
- Solicitar autorização da SEED para viabilizar o funcionamento da Biblioteca em
outros horários como forma de criar espaços de incentivo à leitura e ao estudo, já
que o Distrito de Santa Margarida não conta com outro espaço dessa natureza.
- Equipar a escola com Laboratório de Informática, designando funcionários para
assessorar os professores e alunos durante as aulas e, também , para
187
desenvolver programas e projetos em horários alternativos (contraturno)
oportunizando a inclusão de todos nesse universo tecnológico, já que na
localidade não há espaços que contemplem essa necessidade.
- Refletir sobre o papel social da escola e construir coletivamente alternativas de
trabalho que possam diminuir os índices de evasão e de repetência, buscando
assessoria de outras instâncias, como por exemplo, NRE, Universidades, para
uma ação pedagógica mais eficaz.
- Solicitar à SEED (Secretaria de Estado da Educação) a criação de um programa
específico de formação continuada para os professores que trabalham nas
escolas que se encontram em lugares e em condições adversas, como é o caso
de Santa Margarida.
- Refletir sobre a prática avaliativa de fundamentos teóricos que dêem conta de
promover uma avaliação mais inclusiva e que possa servir de parâmetro para o
redimensionamento do trabalho escolar.
- Utilizar a avaliação não apenas como forma de constatação de resultados, de
notas ou conceitos, mas como ferramenta que permita a visualização do
processo de aprendizagem, tendo em vista o replanejamento da ação educativa,
de forma que os alunos possam ter outras possibilidades para aprender.
- Implementar instrumentos de avaliação que possam acompanhar não só o
andamento da aprendizagem dos alunos, mas que revelem também o perfil de
atuação dos componentes das diferentes instâncias da escola, visando assim, o
aprimoramento do trabalho de todos, revelando as fragilidades para planejar as
ações, além de mostrar com maior clareza as ações positivas para que estas
possam ser fortalecidas ou ampliadas.
- Rediscutir a recuperação paralela e implementar perspectivas diferenciadas de
trabalho em que a retomada do processo de ensino e de aprendizagem seja
oportunizada com outras experiências e possibilidades.
- Promover grupos de estudo sobre avaliação para rediscutir a sua finalidade,
instâncias, concepções, processos e instrumentos que melhor podem auxiliar os
188
professores no desenvolvimento de uma prática avaliativa mais inclusiva e mais
justa.
- Rediscutir o papel do Conselho de Classe, enquanto instância que deve
ultrapassar a prática de análises de notas ou médias já atribuídas aos alunos,
para apontar as contradições e as dificuldades que se revelam no decorrer da
ação educativa, rediscutir caminhos alternativos e, principalmente, acompanhar
continuamente a concretização das medidas propostas.
- Discutir o papel do pedagogo na escola, enquanto articulador de ações
educativas, redefinindo a sua prática no sentido de descortinar as relações que
se configuram no interior da escola, buscando compreendê-las a partir do outro,
buscar eixos teóricos que apontem outras perspectivas para a democratização do
espaço escolar. Dessa forma, neste trabalho devem ser considerados os espaços
e as instâncias da escola que apresentam fragilidade e equívocos, que
contribuem para uma ação educativa excludente. Superar a prática cotidiana de
ações isoladas, sem reflexão e planejamento, que muitas vezes ficam
circunscritas a atividades de reorganização de horários, atendimento de salas
que estão sem professores, ficando assim em último plano o que seria o foco
principal do seu trabalho: mediador da ação educativa. Nesse sentido, cabe
recolocar a importância do papel do pedagogo enquanto provocador de reflexões
nas diferentes instâncias do processo educativo, colocando à disposição de todos
espaços de estudo, de análise e de alternativas que venham promover o
conhecimento. Propor alternativas, oportunizar espaços de reflexão implica co-
responsabilizar-se na efetiva escolarização dos alunos.
- Organizar projetos e programas com apoio e assessoramento da SEED ou outros
órgãos e instituições com a finalidade de promover ações que possam envolver a
comunidade escolar no sentido de fortalecer as relações com a escola e com o
conhecimento.
- A escola necessita de maior apoio das diferentes instâncias e órgãos
governamentais, no sentido de melhorar a sua estrutura, de receber
equipamentos e materiais, de contar com assessoramento à gestão escolar, de
criar programas e projetos que possibilitem que as crianças permaneçam mais
tempo na escola, tendo ampliados os programas de Apoio Escolar, com mais
vagas, para que todos os alunos que necessitam, possam ser atendidos. Não se
189
trata de isentar a escola de sua responsabilidade no processo educativo, mas há
que se considerar que uma série de outros fatores combinados também
interferem nesse processo.
- Organizar programas com profissionais da área de saúde e assistência social,
por exemplo, para auxiliar a escola nas questões que estão ao seu alcance e
competência como orientação e acompanhamento de famílias em situações de
risco.
- Readequar o calendário e o currículo escolar de forma que os alunos que
retornem para a escola após longos períodos de faltas, possam ser atendidos de
maneira diferenciada, com aulas extras e complementares, assegurando-lhes o
direito de aprender.
Em suma, a escola está investindo em várias destas ações, mas uma das
que se destaca neste processo é a inclusão da escola no Projeto Superação do Governo do
Estado do Paraná. Segundo a Secretaria Estadual de Educação – SEED o Programa de
Superação é:
[...] composto de ações integradas entre os diversos Departamentos,
Coordenações, NREs (Núcleos Regionais de Ensinos) da SEED
(Secretaria Estadual de Educação) e coordenada pela DIPOL (Diretoria
de Políticas e Programas Educacionais), com o objetivo de potencializar
a qualidade educacional no Paraná, superando problemas constatados e
localizados em determinadas escolas da rede pública estadual de ensino.
De acordo com este programa, a escola será atendida em suas
necessidades essenciais, levando os alunos a participarem de forma mais ativa das
atividades extra-classes afim de que melhorem seu desempenho em sala de aula. Segundo
depoimento da supervisora da escola quanto às propostas referentes às reprovações e
abandonos por parte dos migrantes que foram colocadas em ação no ano de 2008 tem-se:
“Buscando a solução para o problema de migração temporária dos “bóias-frias”
em relação às reprovações e abandonos dos alunos, temos projetos como: Sala
de Apoio, Sala de Recursos e Segundo Tempo.
Desde o início do ano letivo percebemos a falta de compromisso com os estudos
por parte de alguns alunos e na fala está presente ‘”vou pra Minas mesmo, não
190
adianta nem me esforçar”. Já assumiram como derrota e mesmo com um
trabalho constante de apoio e incentivo percebe-se a pouca esperança com
vistas a um emprego mais digno que não os prejudiquem pelo resto da vida
Para aqueles poucos que acreditam ser possível superar é oferecido o incentivo
de obterem boas notas visando um retorno no qual possam obter sucesso.
Entre a maioria dos que retornam, poucos estudaram, voltam com a mesma
declaração que retiraram ao serem transferidos e as desculpas dos
responsáveis são:
Falta de transporte;
Distância entre a fazenda e a escola;
Há uma falta de responsabilidade e valorização da escola por parte dos
responsáveis pelos estudos dos filhos.
No retorno, há a realização de um trabalho diferenciado para atender a
defasagem em conteúdo destes alunos. Constata-se tamm, que os alunos que
freqüentaram as aulas têm muitas faltas. Aqui na escola enfrentamos os
problemas de: falta de espaço (período vespertino) devido à dualidade
administrativa; falta do efetivo compromisso dos responsáveis; pouca
assiduidade dos alunos aos projetos oferecidos como a Sala de Apoio, Sala de
Recursos e Segundo Tempo.”
Quanto aos novos projetos da escola para solucionar estes problemas a
supervisora afirmou:
“Tivemos grandes avanços com a conquista da Sala de Recursos, Sala de apoio
e Segundo Tempo. Temos visão positiva na conquista do projeto Viva Escola que
atenderá alunos em período contrário ao ensino regular com atividades que
foram propostas pelos próprios educandos. Este projeto dispõe de um programa
coletivo de acompanhamento escolar com ações individualizadas para
estudantes de nível fundamental e médio. O Programa visa a expansão de
atividades pedagógicas realizadas nas escolas, como complementação
curricular, a fim de atender às especificidades do aluno e de sua realidade,
vinculando as ações educativas ao Projeto Político Pedagógico.
191
Em 2009 os problemas de ordem social continuarão e devem ser analisados,
refletidos dentro do contexto de cada situação. As dificuldades econômicas, o
desemprego dos provedores, mesmo que temporários continuarão, assim como
os conflitos familiares e separações, tarefas domésticas assumidas pelos alunos
em substituição à mãe que sai para trabalhar fora e existe a ausência paterna,
contexto social ao qual pertencem.
Os problemas relacionados pela supervisora são os mesmos já
mencionados pelos professores com o acréscimo de alguns como: trabalho infantil no lar e
de conflitos familiares. Além de um atendimento especializado e contínuo aos pais, a
solução talvez esteja na implantação de um calendário especial para atender estes alunos.
Contudo, esta possibilidade já foi analisada e descartada uma vez que todos os horários dos
professores deveriam ser modificados. Assim, algumas medidas foram tomadas mas o
problema continua.
Enfim, não existe uma relação direta entre o fracasso escolar e a pobreza,
mas sim uma multiplicidade de fatores que, combinados de forma complexa, exercem
influência sobre a trajetória escolar dos alunos. A esses alunos deveria ser assegurado o
direito a uma política pública que contemplasse as necessidades da população local.
192
CONSIDERAÇÕES FINAIS
De acordo com os objetivos propostos neste trabalho, buscou-se discutir
ao longo de seu desenvolvimento, as implicações da migração temporária dos “bóias-frias”
de Santa Margarida sobre a educação. Foi feito um estudo de caso do Colégio Presidente
Vargas de Santa Margarida. Pode-se conhecer melhor a realidade dos trabalhadores
através de pesquisa de campo.
Considerou-se “bóia-fria” como sendo um grupo ocupacional de
trabalhadores destinados a vender a sua força de trabalho a fim de suprirem a necessidade
de mão-de-obra em certas etapas do processo produtivo ainda não mecanizados.
Apresentam como características básicas a falta de vínculos empregatícios, recebendo por
atividade, por diária ou por produção.
Através das pesquisas constatou-se que o município de Bela Vista do
Paraíso, na década de 1950 tinha 84% da sua população vivendo na zona rural e em 2000,
92% vivia na cidade. Até a década de 1970 o município tinha como base de sustentação
econômica, o café e quando este foi erradicado as pessoas foram obrigadas a se mudar
para a cidade. Ainda nesta década iniciam-se as migrações temporárias por falta de
emprego em Santa Margarida.
Essa migração perdura até os dias atuais e interfere na vida escolar dos
alunos do ensino fundamental (séries finais) e do ensino médio do colégio estudado.
Este trabalho possibilitou a caracterização dos “bóias-frias” de Santa
Margarida como sendo indivíduos de baixa formação escolar, geralmente restrita ao ensino
fundamental incompleto.
Observou-se que 95% dos entrevistados consideram a escola importante,
contudo, 71,40% responderam que seus filhos já reprovaram alguma série. A mesma
situação se repete quando a entrevista foi feita com os alunos, pois 100% deles consideram
a escola importante, e, 100% disseram já ter reprovado. Fazem relação da reprovação com
a migração que realizam anualmente.
Os trabalhadores demonstram satisfação com relação aos bens que
adquirem ao retornarem. Foram claros em dizer que se a migração não fosse realizada não
teriam adquirido tais bens. Assim, se explica o fato de alguns trabalhadores migrarem há 18
anos. Os municípios preferidos para a realização de tal migração localizam-se no estado de
Minas Gerais devido ao maior tempo de colheita. Minas Gerais é o maior produtor de café
do Brasil e por este motivo atrai um maior número de migrantes.
193
Ao retornarem á Santa Margarida, estes trabalhadores desempenham
atividades, na maioria das vezes, informais, para complementarem suas rendas. 61% dos
entrevistados afirmaram que não se mudariam para os locais onde realizam as migrações
por motivos diversos. Dentre os motivos estão as ligações afetivas, os graus de parentescos
e as relações de amizade.
Dos alunos entrevistados 71% declararam que não levam a transferência
escolar, ou, não freqüentam a escola durante as migrações. Os motivos variam entre
cansaço e dificuldades quanto ao transporte para as escolas. No retorno, 59% sentem
dificuldades para recuperarem suas notas e conseguirem as aprovações. 52% afirmaram
que se possuíssem emprego fixo não migrariam, enquanto 10% não deixariam de realizar a
migração, pois já estão habituados com este acontecimento.
Através das entrevistas com os professores foi possível constatar que há
uma preocupação dos docentes com relação ao problema das reprovações e abandonos.
Fazem recuperação de conteúdo e notas através de trabalhos, pesquisas e esclarecimentos
de dúvidas relacionadas a estes conteúdos. Foram unânimes em afirmar que não deixariam
de trabalhar no colégio porque estão acostumados aos problemas exclusivos da escola.
Contudo, o problema que consideram mais grave é a falta de auto-estima dos alunos.
As baixas médias conseguidas pelos alunos na avaliação do IDEB levou à
implantação do Projeto Superação como sendo uma das formas de resolução dos
problemas que causaram tais médias. A escola enfrenta dificuldades também de natureza
física e estrutural. São exemplos: dualidade administrativa , falta de quadra, refeitório
pequeno e falta de salas de aulas no período vespertino.
Como foi visto, para que os problemas sejam sanados faz-se necessário:
¾ Resolução de problemas de ordem estrutural como a integração entre as
escolas estadual e municipal para uma discussão pedagógica e curricular,
uma vez que, a escola municipal sofre os mesmos problemas de abandonos
e reprovações da escola estadual. Os alunos das séries iniciais do ensino
fundamental serão os mesmos das séries finais;
¾ De ordem física porque a escola estadual não tem espaço para a instalação
de novos projetos que possam atender os alunos em períodos de contraturno;
¾ Implantação de uma ação social mais eficiente. Os professores merecem
atendimento especial, com profissionais qualificados, como psicólogos, para
que o entusiasmo seja cultivado. E os pais, devem ser trabalhados quanto á
auto-estima e interesse para que valorizem a escola como sendo uma das
194
alternativas para a superação do ciclo da migração e da falta de emprego fixo
(ser um eterno “bóia-fria”);
¾ Os professores devem ser valorizados pelo trabalho que desempenham e
incentivados a novos projetos que auxiliem a resolução do problema. O
professor de Geografia, por exemplo, pode elaborar um projeto que:
valorize o conhecimento dos alunos;
seja iniciado (nas séries finais do ensino fundamental), pela agricultura
que é uma área de conhecimento de todos os alunos, tomando como
ponto de partida o café. Poderia também abranger os seguintes
conhecimentos: Lei de Terras, Estatuto do Trabalhador Rural, Estatuto
da Terra, Urbanização e suas conseqüências, economia (áreas
produtoras), desemprego, escala (distância entre o estado de partida e
de chegada da migração), culturas (alimentação, modo de falar),
discussões sobre reportagens referentes ao conteúdo abordado. No
ensino médio ainda poderiam ser incluídos: migração nacional e
internacional, história, economia, população, cultura dos países para
onde os brasileiros estão migrando, como estão sendo recebidos,
migrantes que vêm para o Brasil. Estes conteúdos devem ser
trabalhados de maneira lúdica e com a utilização de material
adequado (mapas, croquis, construção de maquetes, entre outros).
Partindo-se do cotidiano tem-se um resultado mais adequado,
convincente e prazeroso.
O ideal para os alunos que retornam da migração, seria a implantação de
um calendário especial para um atendimento exclusivo a estes alunos que migram. Esta
possibilidade, apesar de discutida e descartada pelos profissionais da escola e NRE (Núcleo
Regional de Ensino), deveria ser revista. Com a implantação deste calendário seriam
diminuídos significativamente o número de faltas, abandonos e reprovações uma vez que,
os alunos teriam repostas as aulas que perderam. Com a implantação deste e um trabalho
adequado com os pais, estes problemas estariam mais próximos de uma solução. Para que
isto ocorra, faz-se necessário o convencimento das autoridades competentes através da
apresentação adequada dos dados que a escola possui e com a apresentação também de
projetos adequados para a solução. Problemas como as férias dos professores seriam
195
acarretados, contudo, projetos como o de Superação poderiam ser estendidos a outros
profissionais que possuíssem horários disponíveis para recuperarem estes alunos.
O embasamento teórico foi necessário para uma melhor compreensão do
caso de Santa Margarida. Através das discussões sobre as relações sociais de trabalho, das
políticas públicas do Brasil em relação ao campo, pode-se compreender como o “bóia-fria”
surgiu, e como o “bóia-fria” margaridense iniciou sua migração em busca das safras de café.
Um estudo sobre a educação brasileira foi importante para destacar que
esta deve ser vista como um valor presente nos direitos de todos os cidadãos, e como não
poderia ser diferente, é um direito de todo o migrante margaridense.
O trabalho confirmou que as migrações estão diretamente relacionadas
aos altos índices de abandonos e reprovações dos alunos do Colégio Presidente Vargas de
Santa Margarida.
196
REFERÊNCIAS
ABRAMOVAY, R. O que é fome. São Paulo: Editora brasiliense, 1983.
ADAS, M. A fome: crise ou escândalo? São Paulo: Moderna, 1988.
ALVES, E. Pais migram; filhos deixam as escolas. Folha de Londrina. 4/julho/1999.
ANDRADE, M. C. de. O processo de modernização do trabalhador rural no Brasil.
Geografia. São Paulo: Editora de Humanismo, v.3, n.5, abril. 1978.
BRAGA, F. G. Migração Interna e Urbanização no Brasil Contemporâneo: Um estudo da
Rede de Localidades Centrais do Brasil. Anais XIII. Encontro Nacional de Estudos
Populacionais da ABEP. Ouro Preto, v.1, 2002.
BRITO, F. Crescimento demográfico e migração na transição para o trabalho assalariado no
Brasil. Revista Brasileira de Estudos de População. Campinas, v.21, n.1, p 5-20,
jan/jun.2004.
BROIETTI, M. H. Os assalariados rurais temporários da cana. Dissertação de Mestrado-
Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal de Santa Catarina.
Maio de 2003.
CAMARGO, J. F. Êxodo rural no Brasil: formas, causas e conseqüências econômicas
principais. Rio de Janeiro: Conquista, 1960.
CARMO, M. A. A. Trabalhadores temporários, trabalhadores o tempo todo. Revista
Travessia, maio/agosto, p.42-46, 2008.
CARNEIRO, P. A. S. ; PEREIRA, M. F. V. Território da desigualdade: pobreza, fome e
concentração fundiária no Brasil Contemporâneo. Geografia, v.30, n.2, maio/agosto. 2005.
CARVALHO, M. S. de. A pequena produção de café no Paraná. Tese de Doutoramento.
Universidade de São Paulo (Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas –
Departamento de Geografia). São Paulo, 1991.
CARVALHO, M. M. C. de. O território do consenso e a demarcação do perigo: Política e
Memória do Debate Educacional dos anos 30.In: FREITAS, M. C. de. (org). Memória
intelectual da educação brasileira. Bragança Paulista: Edusf, 2002.
CASTRO, J. de. Geografia da fome. São Paulo: Brasiliense, 1963.
197
CODATO, A. N. O golpe de 1964 e o regime de 1968: Aspectos conjunturais e variáveis
históricas. História: Questões & Debates, Curitiba, n.40, p.11-36, 2004. Editora UFPR).
Disponível em: <http://ojs.c3sl.ufpr.br/ojs2/index.php/historia/article/viewFile/2735/2272>.
Acesso em: 18 julho 2008.
COMPARATO, F. K. A nova cidadania. Lua Nova, Revista de cultura e política CEDEC,
n.28/29 p.85-106, São Paulo, 1993. Disponível em:
<www.datavenia.net/artigos/acessoajusticaexerciciocidadania.html-58-> Acesso em 18 julho
2008.
CUNHA, J. M. P. da. Migração e urbanização no Brasil: alguns desafios metodológicos para
análise. São Paulo em Perspectiva, v.19,n.4, p.3-20, out/dez, 2005.
CUNHA, A. B.; MOREIRA, L. P. Ciclos econômicos regionais no Brasil de 1985 a 2002 –
Uma introdução. R. Econ. Contempo.,Rio de Janeiro, 10(1): 115 – 138, jan/mar 2006.
Disponível em:<http://www.alexbcunha.com/research/papers/paper07.pdf>Acesso em: 24
setembro 2008
D’INCAO, M. C. Qual é a questão do bóia-fria. São Paulo:Editora Brasiliense, 1984.
D’INCAO, M. C. O “Bóia-Fria”: acumulação e miséria. Petrópolis: Vozes, 1976.
EMPRESA BRASILEIRA DE PESQUISA AGROPECUÁRIA (EMBRAPA). Café no Brasil,
2008. Disponível em: <http://www.cicbr.org.br/cafe-historia.php>. Acesso em: 17 Junho
2008.
FERNANDES, B. M. MST (Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra): Formação e
Territorialização em São Paulo. São Paulo: Hucitec, 1996.
FERREIRA, A. B. de H. Novo Aurélio século XXI: o dicionário da língua portuguesa. Rio
de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.
FISCHER, N. B. Economia Informal e Formação Humana. Revista Travessia, ano V, n.16,
maio/agosto, 1993.
FOLHA DE LONDRINA. Suplemento: Folha Rural. 12/maio/1979.
FOLHA DE SÃO PAULO. Opinião. 2/outubro/2007.
FOUCAULT, M. Os corpos dóceis. In: Vigiar e
punir: nascimento da prisão. 2. ed.
Petrópolis: Vozes,1983.
FREIRE, P. Pedagogia da esperança: um reencontro com a pedagogia do oprimido.
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.
198
FREITAS, M. C. de. A pesquisa educacional como questão intelectual na história da
educação brasileira (breves anotações para uma hipótese de trabalho). In: FREITAS, M. C.
de. (org). Memória intelectual da educação brasileira. Bragança Paulista: Edusf, 2002.
GADOTTI, M. Escola cidadã: uma escola, muitas culturas. IN: Salto para o futuro.
Construindo a escola cidadã, projeto político-pedagógico/Secretaria de Educação a
Distância: Ministério da Educação e do Desporto. SEED, 1998.
GAUDEMAR, J. P. de. A mobilidade do trabalho e acumulação do capital. Lisboa:
Editorial Estampa, 1976.
GEBARA, J. J. A moradia Provisória do Migrante Sazonal. Revista Travessia, ano V, n.14,
setembro/dezembro, 1992.
GERARDI, L. H. de O. Algumas reflexões sobre modernização da agricultura. Geografia,
v.5, n.9/10, out. 1980.
GIL, A. C. Técnicas de Pesquisa em economia e elaboração de monografias. São
Paulo: Atlas, 2000.
GOLDENBERG, M. A arte de pesquisar: como fazer pesquisa qualitativa em Ciências
Sociais. Rio de Janeiro: Record, 2003.
GOMES, A. C. O Estado Novo e os interesses da educação brasileira. In: FREITAS, M. C.
de. (org). Memória intelectual da educação brasileira. Bragança Paulista: Edusf, 2002.
GONÇALVES, A. J. Morar e Conviver. Revista Travessia, ano V, n.14, setembro/dezembro,
1992.
GONZALES, É. N. ; BASTOS, M. I. O trabalho volante na agricultura brasileira. In: A mão-
de-obra volante na agricultura. UNESP. (org.SIMON, Elias José et al). São Paulo: Editora
Polis, 1982.
GRASSIOTO, M. L. ; GRASSIOTO, J. de A. A atividade comercial e sua relação com o
urbano: o exemplo de Londrina. Semina: Ciências Sociais e Humanas. Londrina, v.24,
p.101-120, set, 2003. Disponível
em:<http://www.uel.br/proppg/semina/pdf/semina_24_1_21_43.PDF> Acesso em : 24
setembro 2008.
GRAZIANO DA SILVA, J. ; GASQUES, J. G. Diagnóstico inicial do volante em São Paulo.
In: A mão-de-obra volante na agricultura. UNESP. (org.SIMON, Elias José et al). São
Paulo: Editora Polis, 1982.
GRAZIANO DA SILVA, J. Progresso Técnico e Relações de Trabalho na Agricultura.
São Paulo: Editora Hucitec, 1981.
199
GRECO, S.C.B. Análise da tendência à redução do número de bóias-frias em Toledo-
PR, a partir de 1970, redução influenciada pela modernização agrícola e pelas
alterações nas culturas produzidas. Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado
em Desenvolvimento Regional e Agronegócio – Universidade Estadual do Oeste do Paraná.
Toledo, 2007. Disponível em <http://www.unioeste.br/servicos/bibvirtual/> Acesso em: 06
janeiro 2009.
GUARESCHI, P. ; GRISCI, C. L.T. A fala do Trabalhador. Petrópolis: Vozes, 1993.
GUIMARÃES, L. S. P. ; INNOCENCIO, N. R. O trabalhador volante na agricultura. Revista
Brasileira de Geografia. Rio de Janeiro, ano 46, nº 1, p.5-78, jan/mar. 1984.
IBGE, Produção agrícola municipal 2007; Malha municipal digital do Brasil: situação em
2007. Rio de Janeiro: IBGE, 2008. Disponível em <
http://www.ibge.gov.br/cidadesat/topwindow.htm?1> Acesso em: 03 janeiro 2009.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Censo demográfico 1970.
Rio de Janeiro: IBGE, 1975.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Censo econômico 1975. Rio
de Janeiro: IBGE, 1979.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Censo demográfico 1980.
Rio de Janeiro: IBGE, 1984.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Censo demográfico 1985.
Rio de Janeiro: IBGE, 1991.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Censo demográfico 1995.
Rio de Janeiro: IBGE, 1999.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Censo demográfico 1996.
Rio de Janeiro: IBGE, 1999.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Censo demográfico 2000:
resultados preliminares. Rio de Janeiro: IBGE, 2000.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Censo demográfico 2004:
resultados preliminares. Rio de Janeiro: IBGE, 2004.
NSTITUTO PARANAENSE DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E SOCIAL.
FUNDAÇÃO EDSON VIEIRA- IPARDES. As migrações e a transformação da estrutura
produtiva e fundiária no Paraná. Curitiba. 1983.
200
KOHLHEPP, G.Mudanças estruturais na agropecuária e mobilidade da população rural no
Norte do Paraná (Brasil). IN: Revista Brasileira de Geografia. Rio de Janeiro,v.53, n.2,
p.79-94, abr/jun. 1991.
LACERDA, A. C. de. Globalização e inserção externa da economia brasileira: política
econômica, investimentos diretos estrangeiros e comércio exterior, na década de
1990. Tese de Doutoramento. Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP . Campinas,
2003. Disponível em:< http://libdigi.unicamp.br/document/?code=vtls000298921> Acesso
em: 01 outubro 2008.
LEITE, S. I. de S. A Usina São Domingos: Os canaviais, a fábrica e os trabalhadores
(1952-1973). São Paulo: Annablume, 2003.
LEFEBVRE, H. O direito à cidade. São Paulo: Editora Moraes, 1991.
LIMA, E. F. O Conjunto Habitacional Rosa Luppi e a construção do espaço urbano de
Bela Vista do Paraíso (PR). Monografia de Bacharelado em Geografia. Universidade
Estadual de Londrina. Londrina, 2004.
LOPES, G. A. Caminhos e descaminhos do tabaco na economia colonial. Revista
Humanidades, v.5, n.12, out/nov, 2004.
MARAFON, G. J. Industrialização da agricultura e formação do complexo
agroindustrial no Brasil, 2008.Disponível em:
<http://www.educacaopublica.rj.gov.br/biblioteca/geografia/geo06d.htm>. Acesso em: 08
Junho 2008.
MARTINE, G. Estado, economia e mobilidade geográfica: retrospectiva e perspectiva para o
fim do século. Revista Brasileira de Estudos da População, v.11, n.1, jan/jun. 1994.
MARTINEZ, P. Reforma Agrária:questão de terra ou de gente? São Paulo:
Moderna,1987.
MARTINS, D. e VANALLI, S. Migrantes. São Paulo: Contexto, 1994.
MARTINS, J. de S. A militarização da questão agrária no Brasil. Rio de Janeiro: Editora
Vozes, 1984.
MARTINS, J. de S. Não há terra para plantar neste verão. Petrópolis: Vozes, 1986.
MARTINS, J. de S. Migrações temporárias problema para quem?. Revista Travessia , São
Paulo, ano 1, n.1, 1988.
201
MARTINS, J. de S. Expropriação e violência: a questão política no campo. São Paulo:
Editora Hucitec, 1982.
MARTINS, J. de S. A chegada do estranho. São Paulo: Editora Hucitec,1993.
MATOS, R. A contribuição dos imigrantes em áreas de desconcentração demográfica do
Brasil contemporâneo. Revista Brasileira de Estudos da população. Campinas, v.19, n.1,
jan/jun, p49-74, 2002
MATOS, R. Questões teóricas a cerca do processo de concentração e desconcentração da
população no espaço. Revista Brasileira de Estudos da População, São Paulo,v.12, n.1-
2, 1995.
MELLO, S. L. O que pode ler o iletrado. Revista Travessia, São Paulo, ano V, n.12, 1992.
MENEZES,M.A. Redes e enredos nas trilhas dos migrantes: um estudo de famílias de
camponeses-migrantes. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2002.
MENEZES,M. A. ; GONÇALVES, A. J. Migrações no Brasil: o peregrinar de um povo
sem terra / Centro de Estudos Migratórios. São Paulo: Paulinas, 1986.
MESQUITA, C. Fracasso escolar nas classes desfavorecidas. Dissertação (mestrado) –
Universidade Federal de Santa Catarina, Programa de Pós-Graduação em Engenharia de
Produção. Florianópolis, 2002.
MOLL, L. C. Vygotsky e a educação: implicações pedagógicas da psicologia sócio-
histórica. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996.
MOURA, L. F. Terra dos desprovidos. Folha de Londrina. Folha reportagem, p.4, 12
mar.2000.
MURTEIRA, M. Valor e Capital. Boletim de ciências econômicas da Universidade de
Coimbra, 2006.Disponível em: <http://www.mariomurteira.com/opin14.html>. Acesso em: 09
de Junho 2008.
NADALIN, Sérgio Odilon. Paraná: ocupação do território, população e migrações.
Curitiba: SEED, 2001.
OLIVEIRA, M. C. F. A. ; MADEIRA, F. R. População e força de trabalho: o caso da
cafeicultura no oeste paulista. Revista Brasileira de Estudos de População. Campinas,
v.3, n.1, p.41-62, jan/jun. 1986.
202
OLIVEIRA, M. K. Analfabetos na sociedade letrada: diferenças culturais e modos de
pensamento. Revista Travessia, São Paulo, ano V, n.12, 1992.
PACHECO, A.C. e PATARRA, N. (org.). Migrações, condições de vida e dinâmica
urbana. São Paulo, 1993.
PALANGANA, I. C. Desenvolvimento e aprendizagem em Piaget e Vygotsky: (a
relevância do social). 3ª. ed. São Paulo: Summus, 2001.
PEREIRA, D. J. de S. Diferenças de escolaridade e rendimento do trabalho nas regiões
Nordeste e Sudeste do Brasil. Dissertação (mestrado) – Escola Superior de Agricultura
Luiz de Queiroz, Universidade de São Paulo . Piracicaba, 2001.
PIETRO, M.S.Z.D. 500 anos de direito administrativo brasileiro. Revista de Direito do
Estado, n.5, jan/fev/mar, 2006. Disponível em: <http://www.direitoestado.com/revista/REDE-
5-JANEIRO-2006-MARIA%20SYLVIA%20ZANELLA.pdf>. Acesso em: 21 junho 2008.
PIRES, E. L. S. Espaço de Reprodução do Trabalho Informal, Estado e Classes Sociais.
Revista Travessia, ano VI, n.16, maio/agosto de1993.
PLANO Político Pedagógico. Escola Estadual Presidente Vargas, Distrito de Santa
Margarida – Bela Vista do Paraíso/PR, 2007.
POSSAMAI, D. A. (Bispo de Ji-Paraná em Rondônia). Migrantes Temporários: Desafio à
Igreja e à Sociedade. Edições Loyola, São Paulo, 1991.
PRADO, E. D. do. “Vila Ilze”: o viver fragmentado do “Bóia-Fria” – um estudo sobre o
cotidiano dos trabalhadores volantes de Itapira. Dissertação (mestrado) – Universidade
Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. Campinas, 2001.
PRADO, T. Zoneamento Agroambiental para cana. Plantio Sustentável, 2008. Disponível
em:< http://planetasustentavel.abril.com.br/noticia/desenvolvimento/conteudo_305697.shtml
> Acesso em: 27 setembro 2008.
PRÓALCOOL – PROGRAMA BRASILEIRO DE ÁLCOOL, 2008. Disponível em:
<http://www.biodieselbr.com/proalcool/pro-alcool.htm>.Acesso em: 18 Junho 2008.
RIBEIRO,E.M. Os caminhos de São Paulo: migrações e trabalho urbano de agricultores
mineiros. Revista Brasileira de Estudos de População, São Paulo, v.21, n.2, 2004.
RICHARDSON, R. J. Pesquisa social: métodos e técnicas. São Paulo: Atlas, 1998.
203
ROMANELLI, Geraldo e BIASOLI – ALVES, Zélia Maria Mendes. (org.). Diálogos
metodológicos sobre prática de pesquisa. Ribeirão Preto: Legis Summa, 1998.
ROMANELLI, O. de O. História da educação no Brasil (1930/1973). 25ª ed. Petrópolis:
Editora Vozes, 2001.
RUA, J. Repensando a Geografia da População. Revista do Departamento de Geografia,
Rio de Janeiro, n.1, 1997.
SANDRONI, P. O que é recessão. São Paulo: Brasiliense, 1981.
SANTOS, M. Espaço e Sociedade. Petrópolis: Vozes, 1982.
SANTOS, M; SILVEIRA, M. L. O Brasil: território e sociedade no início do século XXI.
Rio de Janeiro: Record, 2005.
SAYAD, A. O retorno: elemento constitutivo da condição do imigrante. Revista Travessia.
Ano XIII, n. especial, janeiro, 2000.
SAYAD, A. A imigração ou os paradoxos da alteridade. São Paulo: EUSP, 1998.
SCHMITZ, H; MOTA, D. M. Agricultura familiar: categoria teórica e/ou de ação política?
Fragmentos de Cultura, v.16, n11, nov/dez. Goiânia, 2006. Disponível em:
<http://seer.ucg.br/index.php/fragmentos/artcle/viewFile/186/149>. Acesso: em 21 junho
2008.
SECRETARIA de ESTADO da EDUCAÇÃO – SEED. Programa de Desenvolvimento
Educacional – PDE: Programa de Superação. Disponível
em:<http://www.pde.pr.gov.br/arquivos/File/pdf/Professores%20Titulados/TItulados_PDE_Su
peracao.pdf> Acesso em 23 agosto 2008.
SECRETARIA DE AGRICULTURA E ABASTECIMENTO. Plantio Direto: Caminho para a
Agricultura Sustentável. São Paulo, 2005. Disponível em:
<http://www.iac.sp.gov.br/Tecnologias/PlantioDireto/PlantioDireto.htm> Acesso em: 24
setembro 2008.
SILVA, E. S. Psicopatia da Recessão e do Desemprego. Revista Travessia, ano VI, n.16,
maio/agosto,1993.
SILVA, J. G. da; RODRIGUES, V. L. G. da S. A problemática do “bóia-fria”: uma revisão
bibliográfica. Cadernos. Rio de Janeiro, p.1-21, julho.1976.
204
SILVA, M. A de M. A imigração de mulheres do vale do Jequitinhonha para São Paulo: de
camponesas a proletárias. Revista Travessia, São Paulo, ano 1, n.1, 1988.
SILVA, M.A de M. Errantes do fim do Século. São Paulo: Fundação Editora da UNESP,
1999.
SILVA, M. A. de M. Atrás das cortinas no teatro do etanol. FOLHA DE SÃO PAULO.
Opinião. 2/outubro/2007.
SILVA, M. A. de M. Cortadores de cana e os (não) direitos. Revista Travessia, São Paulo,
maio/agosto, p. 26-36, 2008.
SILVA, M.V. Inovações nas políticas populacionais: O planejamento familiar no Brasil.
Revista Electrónica de Geografía y Ciencias Sociales. Universidade de Barcelona Nº 69
(25) 1 de agosto de 2000). Disponível em: <http://www.ub.es/geocrit/sn-69-25.htm>. Acesso
em: 21 junho 2008.
SINGER, P. Economia Política da Urbanização. São Paulo: Ed. Contexto, 1998.
SOUZA, G. A. A. de. Proletário e migrante: livre para a subordinação. Revista brasileira de
estudos da população. Campinas, v.3, n.1, jan/jun,1986.
SPOSITO, M .P. Indagações sobre a Educação de jovens filhos de migrantes. Revista
Travessia, São Paulo, volume V, n.12, 1992.
STADUTO, J. A. R. ; SHIKIDA, P. F. A. e BACHA, C. J. C. Alteração na composição da mão-
de-obra assalariada na agropecuária brasileira. Agric. São Paulo. São Paulo, v.51, n.2,
p.57-50, jul/dez, 2004.
STEIN, L. Gatos e “bóias-fria”. Cadernos. Rio de Janeiros, p.22-27, julho,1976.
TOSI, P.G.; FALEIROS, R. N.; TEODORO,R. S. Fragmentos de um modelo: pequenas
lavouras de café e acumulação de capitais. Franca/São Paulo 1890-1914. História, São
Paulo, v.24, n.02, p.291-327, 2005.
VAINER, C. B. Estado e migrações no Brasil: anotações para uma história das políticas
migratórias. Revista Travessia, Janeiro/abril, 2000 (a).
VAINER, C. B. Do corpo marcado ao território demarcado. Cadernos de Migração, São
Paulo, v.7, p. 3-30, 2000 (b).
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo