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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
ALINE REGINA ALVES MARTINS
DEPENDÊNCIA E MONOPÓLIO NO COMÉRCIO INTERNACIONAL
DE SEMENTES TRANSGÊNICAS
Dissertação de Mestrado apresentada ao
Departamento de Ciência Política do Instituto de
Filosofia e Ciências Humanas da Universidade
Estadual de Campinas como requisito para
obtenção do título de Mestre em Relações
Internacionais.
Este exemplar corresponde à redação final da
dissertação defendida e aprovada pela Comissão
Julgadora em 06/04/2010.
Orientador: Prof. Dr. Reginaldo Carmelo
Corrêa de Moraes
BANCA:
Prof. Dr. Reginaldo Carmelo Corrêa de Moraes (Orientador)
Prof. Dr. Luis Fernando Ayerbe
Prof. Dr. Sebastião Velasco e Cruz
Prof. Dr. Shiguenoli Miyamoto (suplente)
Prof. Dr. Tullo Vigevani (suplente)
CAMPINAS Abril / 2010
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FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA
BIBLIOTECA DO IFCH - UNICAMP
Bibliotecária: Cecília Maria Jorge Nicolau CRB nº 3387
Título em inglês: Dependence and monopoly in international trade of
genetically modified seeds
Palavras chaves em inglês (keywords) :
Área de Concentração: Política Externa
Titulação: Mestre em Relações Internacionais
Banca examinadora:
Data da defesa: 06-04-2010
Programa de Pós-Graduação: Relações Internacionais
International relations
Genetically engineered foods Trade
Intellectual property
State and science
Rural development
Reginaldo Carmello Corrêa de Moraes, Luis Fernando
Ayerbe, Sebastião C. Velasco e Cruz
Martins, Aline Regina Alves
M366d Dependência e monopólio no comércio internacional de
sementes transgênicas / Aline Regina Alves Martins.
- - Campinas, SP : [s. n.], 2010.
Orientador: Reginaldo Carmello Corrêa de Moraes.
Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual de Campinas,
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas.
1. Relações internacionais. 2. Alimentos transgênicos
Comércio. 3. Propriedade intelectual. 4. Ciência e Estado.
5. Desenvolvimento rural. I. Moraes, Reginaldo C. Correa de
(Reginaldo Carmello Correa de), 1950- II. Universidade Estadual
de Campinas. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas.
III.Título.
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À minha mãe, Vilma, pelo exemplo de força e determinação.
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AGRADECIMENTOS
Agradeço imensamente ao meu orientador, Reginaldo Moraes, pela orientação
desde a graduação, disponibilidade e por ter sempre acreditado no meu trabalho.
Aos professores Luis Fernando Ayerbe e Sebastião Velasco e Cruz pela leitura
dedicada e às observações feitas ao meu texto final. Também agradeço ao professor José
Maria da Silveira e ao pesquisador da Embrapa, Pedro Abel Vieira Junior, pelas entrevistas
concedidas para realização desta pesquisa.
Agradeço a todos os professores do Programa San Tiago Dantas, em especial ao
professor Shiguenoli Miyamoto, por me apoiar na decisão de ingressar no mestrado em
Relações Internacionais e ao Tullo Vigevani, pela possibilidade de trabalharmos juntos
contribuindo para meu aprendizado e formação acadêmica. Também não poderia deixar de
mencionar a Giovana pela ajuda nesses dois anos e em especial ao Antonio. Agradeço aos
meus colegas de turma, especialmente à Priscila, Daniela, Adriana, Manoela, Terra e
Marília.
Agradeço às minhas amigas e companheiras de república, Amanda Arely, Karol
Pereira e Natália Amorim.
Aos meus amigos desde a graduação e que de certa forma acompanharam minha
jornada até aqui, agradeço ao Bruno Fiorelli, Vinicius Medina e Daniel Bertonha, pelos
churrascos inesquecíveis, e em especial ao Luis Felipe Sobral e Mauricio de Almeida pelas
longas conversas e cafés!
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Agradeço aos meus amigos Luis Fernando Vitagliano e à querida Luiza Carnicero
pela ajuda e conselhos! Gostaria muito de agradecer também ao Julio Gouvêa, Robert
Bonifácio, Rodrigo Vasquez, Deolindo de Barros, Wilson Vieira e aos meus amigos mais
do que queridos: Juliana Bertazzo, Beatriz Junqueira, Celly Inatomi, Marcia Baratto, Kadu
Giungi, Ariana Bozzano e Julia Bertino. Muito obrigada pelo carinho e amizade!!!
Nunca poderia deixar de mencionar o Valencio Dias de Oliveira pela amizade e
ajuda incondicional desde meu primeiro ano de graduação. Sem você tudo seria mais
difícil! Obrigada por acreditar em mim desde o começo!
Agradeço à minha avó pelos meus momentos de ausência, aos meus primos, aos
meus tios, em especial à Sandra, pela ajuda em todos os momentos que precisei. Aos meus
irmãos, aos meus pais, e em especial à minha mãe pelo exemplo de ser humano e por me
apoiar sempre!
À Fapesp, pelos recursos financeiros que possibilitaram a realização desta pesquisa.
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RESUMO
Com a Revolução Científica e Tecnológica (1970), a informação e o conhecimento
transformam-se em fontes de maior produtividade e de desenvolvimento socioeconômico.
No mundo agrário, os Organismos Geneticamente Modificados, também denominados
transgênicos, representam a conformação dessa nova dinâmica tecnológica internacional.
Em uma economia diretamente enraizada na produção e uso de conhecimentos, este
trabalho prima pela investigação da existência de uma monopolização das técnicas
transgênicas por determinadas empresas e países restringindo as possibilidades de
concorrência no setor de sementes geneticamente modificadas, o que prejudicaria países
menos avançados em biotecnologia agrícola. Em que medida conhecimentos e tecnologias
de ponta estão organizados em fluxos globais ou estão inseridos em uma estrutura
assimétrica, estabelecendo uma divisão entre os países capazes de participar dos processos
de geração de novas tecnologias agrícolas e aqueles que passivamente absorvem
conhecimentos advindos do exterior? Como a polarização de conhecimentos e informações
estratégicos acarretaria e perpetuaria desigualdades na economia global e quais são os
mecanismos jurídicos e políticos que corroborariam essa concentração?
xii
xiii
ABSTRACT
In the Scientific-Technical Revolution (1970), information and knowledge are transformed
in sources of higher productivity and socioeconomic development. In agriculture, the
genetically modified organisms represent the conformation of that new international
technological dynamic. In an economy directly rooted in the production and use of
knowledge, this research primarily investigates the existence of a monopoly in the field of
genetically modified seeds by certain companies and countries, which would undermine
less advanced countries in agricultural biotechnology. To what extent are technology and
information organized into global flows or in an asymmetric structure establishing a
division between countries able to participate in the process of generating new agricultural
technologies and those who passively absorb knowledge coming from outside? How the
polarization of strategic knowledge and information would result and perpetuate
inequalities in the global economy and what legal and political mechanisms support this
concentration?
xiv
xv
LISTA DE SIGLAS
Bt Bacillus thuringiensis (cultivar transgênico resistente a insetos)
CDB Convenção sobre Diversidade Biológica
CIB Conselho de Informações sobre Biotecnologia
CSA Centro de Segurança Alimentar
C&T Ciência e Tecnologia
DPI direitos de propriedade intelectual
Embrapa Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
EUA Estados Unidos da América
EU União européia
FAO Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação
NEBs Novas Empresas de Biotecnologia
P&D Pesquisa e Desenvolvimento
OGM Organismo Geneticamente Modificado (transgênico)
OMPI Organização Mundial da Propriedade Intelectual
OMC Organização Mundial do Comércio
ONU Organização das Nações Unidas
PD&I Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação
RCT Revolução Científica e Tecnológica
RV Revolução Verde
SAN Segurança Alimentar e Nutricional
SPS - Acordo sobre a Aplicação de Medidas Sanitárias e Fitossanitárias
TBT Acordo sobre Barreiras Técnicas ao Comércio
TIC Tecnologias da Informação e Comunicação
TRIPS Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio
UNIDO Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial
UPOV Convenção Internacional para a Proteção de Novas Variedades de Plantas
xvi
xvii
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 - Área global de cultivo transgênico, de 1996 a 2008 ........................................... 33
Tabela 2 - Área global de cultivos transgênicos em 2008 por país ...................................... 36
Tabela 3 - As maiores agroquímicas no mercado de sementes ............................................ 85
Tabela 4 - Vendas das maiores firmas de defensivos agrícolas e concentração mundial
(CR4) entre os anos de 1997 e 2005 ..................................................................................... 87
Tabela 5 - As 10 maiores companhias de sementes do mundo ............................................ 89
Tabela 6 - Área de plantio transgênico como porcentagem da área global cultivada dos
principais cultivos em 2008 .................................................................................................. 90
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - Área global de cultivo transgênico, 1996-2008 (milhões de acres) ..................... 34
Figura 2 - Mercado global de sementes comerciais (transgênicas e não-transgênicas) ....... 88
Figura 3 - Taxa de adoção global por principais cultivos transgênicos em 2008 (milhões de
hectares) ................................................................................................................................ 91
Figura 4 - Participação dos países desenvolvidos e em desenvolvimento no comércio global
de sementes transgênicas em 2008 ..................................................................................... 109
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xix
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 17
CAPÍTULO I. O PAPEL ESTRATÉGICO DO CONHECIMENTO NO MUNDO
GLOBALIZADO ................................................................................................................ 21
I.1 REVOLUÇÃO CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA E O PODER DO
CONHECIMENTO PARA A COMPETIÇÃO ECONÔMICA INTERNACIONAL ..... 21
I.2 INFORMAÇÃO E CONHECIMENTO NO MUNDO AGRÍCOLA: O
SURGIMENTO DA BIOTECNOLOGIA MODERNA .................................................. 28
I.3 PRIVATIZAÇÃO DO CONHECIMENTO: OS DIREITOS DE
PROPRIEDADE INTELECTUAL ........................................................ 37
I.4 GLOBALIZAÇÃO DO REGIME DE PROPRIEDADE INTELECTUAL ............... 40
I.5 INTRODUÇÃO AO DEBATE SOBRE PROPRIEDADE INTELECTUAL:
INCENTIVO À INOVAÇÃO OU MONOPÓLIO DE CONHECIMENTO? ................. 42
CAPÍTULO II. ORGANISMOS GENETICAMENTE MODIFICADOS: UMA
SEGUNDA REVOLUÇÃO VERDE? ............................................................................... 49
II.1 AS CONTRADIÇÕES DA PRIMEIRA REVOLUÇÃO VERDE (RV) ............... 49
II.2 AS GRANDES MULTINACIONAIS NO SETOR DE PESQUISA E
DESENVOLVIMENTO (P&D) EM AGROBIOTECNOLOGIA ................................... 52
II.2.1Monsanto: ............................................................................................................ 54
II.2.2 DuPont: ............................................................................................................... 55
II.2.3 Syngenta: ............................................................................................................ 55
II.3 A INTRÍNSECA POLÊMICA EM TORNO DOS TRANSGÊNICOS ................ 56
CAPÍTULO III: CONCENTRAÇÃO NO SETOR DE SEMENTES
TRANSGÊNICAS: MONOPÓLIO E DESIGUALDADE ............................................. 75
III.1 O ESTADO NA ERA DO CONHECIMENTO ....................................................... 75
III.2 MONOPOLIZAÇÃO DO CONHECIMENTO NO MUNDO GLOBALIZADO: O
CASO DA TECNOLOGIA TRANSGÊNICA. ................................................................ 81
III.2.1 As fusões e aquisições no setor agrícola: .......................................................... 83
III.2.2 O mercado de sementes ..................................................................................... 88
III.2.3 O mercado de sementes transgênicas ................................................................ 89
III.2.4 Onde estão as Instituições Públicas de Pesquisa Agrícola? .............................. 94
III.2.5 Mercado de Conhecimentos .............................................................................. 96
III.2.6 Desigualdades no mundo global ...................................................................... 105
27
27
27
27
34
43
46
48
55
55
58
60
61
61
81
81
87
89
94
100
95
102
111
xx
CAPÍTULO IV: TECNOLOGIAS ALTERNATIVAS: O FORTALECIMENTO DAS
INSTITUIÇÕES PÚBLICAS DE PESQUISA AGRÍCOLA ...................................... 113
IV.1 IMPORTÂNCIA DA POLÍTICA NA CONDUÇÃO DE P&D PARA O SETOR
AGRÍCOLA ................................................................................................................... 113
IV.2 COOPERAÇÃO ENTRE OS SETORES PÚBLICO E PRIVADO ...................... 119
IV.3 RESSURGIMENTO DAS INSTITUIÇÕES PÚBLICAS DE PESQUISA
AGRÍCOLA E A IMPORTÂNCIA DA EMBRAPA NO FUTURO ............................ 123
CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................... 127
BIBLIOGRAFIA: ............................................................................................................. 137
119
119
125
129
133
143
xxi
xxii
17
INTRODUÇÃO
Esta pesquisa objetiva analisar o processo de monopolização tecnológica e comercial no
setor de sementes transgênicas por determinados países e grandes companhias multinacionais na
contemporaneidade. Para tal objetivo, é fundamental a apreciação da importância estratégica que
os novos conhecimentos e informações adquirem para o desenvolvimento socioeconômico dos
países a partir da Revolução Científica e Tecnológica (RCT), iniciada nos anos 1970, assim como
também é importante analisar como as novas tecnologias geradas neste novo paradigma tecno-
produtivo estão organizadas e distribuídas na economia global.
Dessa maneira, divide-se o trabalho em quatro capítulos. O primeiro consiste em uma
contextualização histórica do que representa a RCT, período que muitos especialistas denominam
a “Era do Conhecimento”, fase esta em que é estabelecido um novo padrão sócio-político e
econômico nas relações internacionais. Mostra-se neste capítulo como o conhecimento e a
informação transformam-se em “bens comerciáveis”, elementos fundamentais para o
desenvolvimento econômico, tanto de agentes privados quanto de países. Apresenta-se também a
definição do que é biotecnologia moderna e especificamente, trata-se do conceito de
transgênicos, demonstrando o que diferencia a transgenia de outros métodos de melhoramento
vegetal e qual seu impacto no setor agrícola. Com isso, pretende-se discutir como a biotecnologia
moderna agrícola representa a RCT no mundo agro, transformando o conhecimento em um
“insumo” fundamental para o desenvolvimento agrário. Aqui também se apresenta a definição de
Propriedade Intelectual, e em seu segmento, conceito de Propriedade Industrial e Patentes,
apontando brevemente como estas duas categorias ajudam no processo de apropriação do
conhecimento.
18
No segundo capítulo, inicialmente se faz uma análise sucinta do que foi a primeira
Revolução Verde, que se alastrou por diversos países em desenvolvimento principalmente a partir
dos anos 1960, e as suas grandes controvérsias. Muitos críticos afiançam que o modelo de
desenvolvimento agrário disseminado por essa revolução intensificou a desigualdade entre
grandes e pequenos proprietários, aumentando a dependência destes para com as grandes
multinacionais agroquímicas. Na seqüência, é analisada a introdução em massa do setor privado
em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) a partir da Revolução Genética (1970) e o concomitante
enfraquecimento das Instituições Públicas de Pesquisa Agrícola. Levanta-se a hipótese de que
esta inserção poderia prejudicar as possibilidades de concorrência nesse setor para empresas
menores e países que não possuem condições de investir pesadamente em P&D. Após, discorre-
se sobre as polêmicas que envolvem a produção e o consumo de transgênicos, apontando em que
medida a transgenia corresponde a uma segunda Revolução Verde ao reproduzir muitas das
promessas e contradições da revolução dos anos 1960.
No terceiro capítulo, analisa-se a concentração no setor de sementes transgênicas. Pontua-
se as fusões e aquisições das grandes companhias de sementes, como a transgenia contribui para
a maior concentração desse setor e como os direitos de propriedade intelectual auxiliam nesse
processo cooperando para a conformação de monopólios neste mercado. É ressaltado o papel
central do Estado no processo de liberalização econômica, atuando decididamente na definição da
estrutura e da dinâmica da economia globalizada e no estabelecimento de uma determinada
ordem mundial.
Finalmente, o quarto capítulo é dedicado à discussão do fortalecimento das Instituições
Públicas de Pesquisa Agrícola, dando-se especial atenção para a importância da Empresa
Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), na promoção de tecnologias alternativas às
19
desenvolvidas pelo setor privado. Atenta-se, ainda, para a necessidade da criação de políticas
nacionais fortes em P&D agrícola que possibilitem que países menos desenvolvidos participem
ativamente do processo inovativo. Cita-se também a importância da cooperação entre os setores
público e privado, o que contribui para a ampliação da concorrência no mercado de sementes,
favorecendo as pequenas sementeiras e os produtores e engendrando um espaço para a criação de
tecnologias alternativas.
O objetivo não é esgotar todas as facetas e polêmicas que envolvem as complexas
relações entre os setores privado e público no que diz respeito ao comércio de transgênicos.
Acredita-se, no entanto, que a ênfase dada à compreensão da formação dos monopólios
comerciais é útil para estabelecer panoramas que permitam a ascensão dos Estados nacionais
como grandes protagonistas responsáveis pela melhor distribuição das condições de
desenvolvimento agrário e socioeconômico.
20
21
CAPÍTULO I. O PAPEL ESTRATÉGICO DO CONHECIMENTO
NO MUNDO GLOBALIZADO
I.1 REVOLUÇÃO CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA E O PODER DO CONHECIMENTO
PARA A COMPETIÇÃO ECONÔMICA INTERNACIONAL
Nos anos 1970 e 1980, o padrão de acumulação baseado na produção em massa de bens e
serviços intensivos em materiais e em energia entra em decadência, havendo uma série de
mudanças no âmbito econômico, social, político, organizacional, institucional e tecnológico. A
informação e o conhecimento assumem novos e estratégicos papéis, transformando-se em fontes
de maior produtividade e de desenvolvimento econômico (LASTRES, 1999). No que se
convencionou denominar Revolução Científica e Tecnológica (RCT) o acesso a uma ampla base
de informações e conhecimentos científicos e tecnológicos, que consistia numa vantagem no
passado, passa a ser de fundamental importância. Nessa nova base tecno-produtiva, as atividades
humanas se centram e se organizam ao redor das práticas de geração, recuperação e uso de
informações e conhecimentos (LASTRES e ALBAGLI [org.], 1999). Nesse sentido:
as capacitações adquiridas e as possibilidades de geração e uso de
conhecimentos são vistas como possuindo papel mais central e estratégico, não
apenas na competitividade, mas para a própria sobrevivência de indivíduos,
organizações e países (LASTRES, 2000:19).
Pesquisadores das mais diversas áreas consensualmente apontam como a informação, o
conhecimento e as tecnologias de informação tornam-se elementos basilares da dinâmica da nova
ordem mundial. Estabelecem-se “novas práticas de produção, comercialização e consumo de bens
e serviços, novos saberes e competências, novos aparatos e instrumentais científicos e
produtivos” (LASTRES et al.: 2002:61). Engendram-se novas interações entre o público e o
privado, entre o Estado, a sociedade e o mercado, redefinindo-se os direitos e deveres dos
22
diversos atores sociais. Para alguns, esse momento representa uma forte ruptura com o paradigma
precedente, ou pelo menos de forte diferenciação, por mais que suas características sejam
resultantes de tendências e elementos não propriamente novos ou recentes (LASTRES e
ALBAGLI, 1999).
Segundo Castells (2000: 68), o novo paradigma tecnológico da “Era do Conhecimento”
corresponde a “um novo modelo de acumulação em descontinuidade histórica com o capitalismo
pós-Segunda Guerra Mundial”. Nesse novo padrão sócio-técnico-econômico uma interação
como nunca antes observada entre tecnologia e sociedade. Para Castells, a informação é a
matéria-prima desse novo paradigma, com uma forte penetrabilidade dos efeitos das novas
tecnologias, que influenciam a existência individual e coletiva estando presente em qualquer
sistema ou conjunto de relações. Mesmo levando-se em conta que a informação e o conhecimento
correspondam a elementos primordiais no crescimento da economia, e que a evolução da
tecnologia sempre tenha determinado em grande parte a capacidade produtiva da sociedade, o
novo paradigma tecnológico está “organizado em torno de novas tecnologias da informação, mais
flexíveis e poderosas, possibilitando que a própria informação se torne o produto do processo
produtivo” (ib.:87).
Com a disponibilidade de novas redes de telecomunicações e de sistemas de informação,
tem-se o início da integração global dos mercados financeiros e uma maior articulação da
produção e do comércio mundial. uma maior velocidade, confiabilidade e um menor custo de
transmissão, armazenamento e processamento de enormes quantidades de conhecimentos
codificados. As tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) são instrumentos de dinamismo
no novo paradigma, proporcionando inovações técnicas-científicas, organizacionais, sociais e
institucionais. Criam novas possibilidades de retorno econômico e social nas mais diversas
23
atividades (LASTRES et al., 2002). Destarte, é imprescindível a formulação de novas regras e
normas que permeiem o processo de geração, acesso, fluxo, disseminação e uso de informações e
conhecimentos bem como as novas práticas e relações que se instituem em torno dessas
atividades (LASTRES e ALBAGLI [org.], 1999).
Cabe apontar como essas novas tecnologias da informação e comunicação não são
capazes de codificar o conhecimento em sua totalidade, que qualquer codificação necessita de
igual criação na base do conhecimento tácito. Ou seja, o conhecimento local, enraizado
socialmente, é de notória importância para a aquisição e absorção do conhecimento oriundo de
fora. Dessa maneira, acentua-se a importância dos processos locais de desenvolvimento
tecnológico, de inovações e de competitividade (LASTRES e ALBAGLI, [org.], 1999:15).
Conquanto as novas tecnologias da informação e comunicação permitam a codificação e difusão
do conhecimento em velocidade como nunca antes vista, os conhecimentos tácitos permanecem
detendo uma grande importância estratégica na Economia do Conhecimento.
Stiglitz (1999) propõe um modelo de desenvolvimento, contrário à noção disseminada
pelo Consenso se Washington, que não se limite à acumulação de capital e à inserção e extensão
de recursos, mas que prime pela transformação da sociedade, devendo, portanto, diferir de acordo
com as especificidades de cada país. Mostra-se defensor, assim, do conhecimento local e de sua
perpetuação, mas não deixando de lado a importância do contato deste conhecimento tradicional
com o conhecimento que ele denomina global. Ao se pensar em desenvolvimento, deve-se
combinar o conhecimento tradicional com o aprendizado derivado de experiências globais,
engendrando assim políticas efetivas para o provimento do desenvolvimento no âmbito local.
Devido à grande complexidade das sociedades humanas, elas acabam requerendo a localização
do conhecimento, devendo este ser adaptado a especificidade local, fixado através do
24
aprendizado, e não simplesmente imposto de fora. Deve cada sociedade participar ativamente
desse processo de aprendizado: [n]ão é apenas uma questão de estar „aberto ou „fechado‟ para
conhecimentos de fora; é uma questão de estar aberto para conhecimentos externos de uma
maneira que reafirme a autonomia” (STIGLITZ, 1999: 9
1
). A transmissão de conhecimento por
intermédio da imposição de condicionalidades desencoraja a capacidade analítica e de pesquisa
de cada localidade. A transmissão passiva de conhecimento cria novas formas de colonialismo
intelectual, reforçando relações hierárquicas tradicionais e incentivando a ineficiência de um
diálogo aberto, este que é central para a ação democrática. Em seu estado extremo, engendra não
dependência nas ações mas até mesmo na formação de opinião e de visão de mundo das
pessoas: “somente reforça a passividade dos clientes e a falta de auto-eficácia” (ib.: 14
2
).
Desta maneira, observa-se como a nova ordem mundial, em vez de significar um mundo
integrado e sem fronteiras, no qual o conhecimento flui livremente, na verdade exige “níveis de
qualificação e capacitação locais ainda mais elevados do que no passado” (LASTRES et al.,
2002:65).
Não é central neste trabalho a discussão sobre conhecimento cito e desenvolvimento
local. Contudo, não é desconsiderada sua importância na conformação dessa nova base tecno-
produtiva intensiva em conhecimento. Por isso é pertinente sua citação.
Os conhecimentos científicos e tecnológicos desenvolvidos tornam-se cada vez mais
complexos ao mesmo tempo em que se incrementam as possibilidades e a capacidade de
privatização destes, o que acarreta na commodificação dos conhecimentos e informações
relevantes para a nova base tecno-produtiva. Faz-se, assim, um uso mais intenso dos resultados
1
Tradução livre.
2
Idem.
25
de Ciência e Tecnologia (C&T) pelo setor privado, com o intuito de se atender aos requisitos de
competitividade e lucratividade engendrados nesse novo paradigma. Destarte, cresce a parcela de
conhecimentos codificados e informações atrelados ao valor dos bens e serviços produzidos e
comercializados.
O acesso a esses conhecimentos cada vez mais complexos, bem como a
capacidade de apreendê-los, acumulá-los e usá-los, passam a ser elementos definidores do grau
de competitividade e desenvolvimento de nações, regiões, setores, empresas e indivíduos. Nesse
novo contexto, tem-se um “crescente esforço em inovação por parte das empresas, tanto nos seus
países de origem, como no exterior e [a] constituição de uma grande variedade de relações e
acordos interfirmas, incluindo alianças tecnológicas” (LASTRES e ALBAGLI, [org.],1991:105).
Para um posicionamento competitivo mais favorável no cenário internacional na Era do
Conhecimento, é necessário uma maior articulação com a economia global. Para isso, dentre uma
série de medidas, destaca-se a necessidade de uma moderna infra-estrutura de TIC:
novas estratégias competitivas que privilegiam a capacidade de inovação
perpétua e que exigem a inserção e redes dinâmicas de financiamento,
informação, inovação, produção e comercialização de abrangência global, assim
como sofisticados sistemas de inteligência competitiva (ib.: 24).
Conforma-se uma nova dinâmica do ponto de vista político, reestruturando-se “antigas
formas, mecanismos e escalas de poder e de contestação do poder desafiando os Estados-
Nações e sua soberania como o lócus da hegemonia” (ib.: 9). Nesse novo padrão sócio-político-
econômico, formam-se novas hierarquias geopolíticas, pautadas em novos diferenciais sócio-
espaciais que traduzem as assimétricas disponibilidades de informações e conhecimentos
estratégicos. A homogeneização e diferenciação são fenômenos que ocorrem concomitantes nesse
novo paradigma, manifestando-se em diversas dimensões:
26
a. Espacial, em que a diferenciação dos territórios constitui elemento básico no
movimento de constante atualização dos termos que regem a divisão
internacional do trabalho, ao mesmo tempo que os mercados expandem-se
continuamente em escala planetária.
b.Social, estabelecendo-se claras linhas divisórias entre os que estão capacitados
a promover ou a participar ativamente em uma dinâmica ininterrupta de
inovação e aprendizado, e aqueles que foram, ou tendem a ser, deslocados e
marginalizados pelas transformações na base técnico-produtiva.
c.Econômico, em que, do mesmo modo, se mantêm mais dinâmicos e
competitivos os segmentos e organizações que se colocam à frente do processo
inovativo, o que hoje equivale dizer aqueles mais intensivos no uso de
informação e conhecimento.
d. Político-institucional, em que estas diferenças refletem e implicam distintos
formatos institucionais e estratégias para lidar com a nova realidade. (ib.: 9-10).
Configuram-se explícitas linhas divisórias entre os que estão capacitados a participar
ativamente em uma dinâmica ininterrupta de inovação e aprendizado, e os que tendem a ser
excluídos e subordinados (LASTRES et al., 2002). O estabelecimento dessa nova ordem mundial
exige níveis de qualificação e capacidade mais elevados do que no passado.
Contudo, tal opinião não é consensual. Se por um lado os que pontuam como a RCT
engendra novas hierarquias geopolíticas no plano internacional, aumentando o gap de
conhecimentos e informações entre os países centrais e periféricos, por outro lado existem os que
defendem haver um claro processo de tecno-globalismo. O argumento deles se pauta diante da
rápida e eficiente difusão de conhecimentos e informações por todo o planeta graças às novas
TIC.
De acordo com esse ponto de vista, com os avanços das TIC, (traduzindo-se, entre outros
desenvolvimentos, na transmissão de dados à velocidade da luz, na propagação da informática
nos setores da produção e dos serviços e na miniaturização dos computadores e sua conexão em
redes à escala planetária) permite-se uma expansão como nunca antes vista dos contatos e trocas
de informações, possibilitando uma rápida comunicação, armazenamento e transmissão de
27
informações na esfera global. Em função da imensa capacidade de disseminação de novas
tecnologias, informações e conhecimentos por todo o planeta, no caso específico da biotecnologia
(que será tratada neste trabalho,) não haveria uma concentração nas inovações por parte das
grandes corporações do setor, embora haja um enorme poder concentrador de capital e de
participações no mercado, além das empresas de menor porte terem mais dificuldades de alcançar
o mercado de capitais para obter financiamento. Silveira, Futino e Olalde (2002) afiançam que
embora as corporações líderes da indústria biotecnológica procurem estreitar as opções
tecnológicas buscando adequar os requerimentos da biotecnologia aos processos competitivos, as
decisões de cooperação e estabelecimento de associações com empresas inovadoras de menor
porte perpetuam. Dentre os motivos, haveria a necessidade de monitoramento dos
desenvolvimentos científicos presentes nessas pequenas empresas e a obrigatoriedade de se
manter maiores opções em torno de trajetórias tecnológicas, já que o processo de competitividade
é de alta complexidade e instabilidade:
Os movimentos defensivos em setores afeitos à biotecnologia (Assouline &Joly,
1999) são um indicador de que, mesmo com enorme poder concentrador de
capital e de participações no mercado, essas empresas não utrapassam a fase em
que o monitoramento da biotecnologia é tão ou mais importante do que o
lançamento de novos produtos (SILVEIRA, FUTINO e OLALDE, 2002:159).
Ainda de acordo com os autores citados, o dinamismo das formas de financiamento
descentralizado existente nos Estados Unidos e em difusão na Europa “questiona a
inevitabilidade de se ter a grande corporação como principal protagonista das inovações em
biotecnologia” (ib.: 161). Nesse sentido, o ambiente de grande incerteza que caracterizaria a
biotecnologia de ponta favoreceria a descentralização não sendo possível um processo de
centralização da pesquisa e geração de biotecnologia moderna pelas grandes corporações do
setor, minando a possibilidade do estabelecimento de monopólios nessa área.
28
Destarte, constituir-se-iam estratégias globais de pesquisa por meio do estabelecimento de
unidades de P&D em diferentes países com a criação de networks para a realização de programas
de inovação. Firmar-se-iam acordos internacionais de cooperação tecnológica e mesmo grandes
programas de pesquisa transnacionais. Dessa maneira, as mais diversas localidades de todo o
globo teriam acesso, consumiriam e até mesmo produziriam bens e serviços semelhantes,
alegam os autores.
I.2 INFORMAÇÃO E CONHECIMENTO NO MUNDO AGRÍCOLA: O SURGIMENTO
DA BIOTECNOLOGIA MODERNA
Na conformação deste novo padrão tecno-produtivo, a informação e as novas tecnologias
aumentam drasticamente sua importância também na agricultura, dando origem a vantagens
competitivas estratégicas. A informação e o conhecimento exercem papel cada vez mais
determinante na obtenção de controle e poder dentro de diversos setores da agricultura,
incrementando a probabilidade de aumento nos lucros e reduzindo custos com a possibilidade de
transferir riscos para os que não possuem acesso a esses conhecimentos e informações. Podem
permitir ao produtor agrícola a combinação mais eficiente da terra, trabalho e capital.
Dentre as razões que culminam neste novo papel exercido pela informação e pelo
conhecimento no mundo agro está, além da crescente sofisticação e complexização do sistema de
produção alimentar
3
, a intensificação do conhecimento nos processos químicos, biológicos e
físicos inseridos na produção agrícola. Hoje, as grandes companhias agroquímicas e de sementes
detêm na informação e no conhecimento instrumentos centrais e estratégicos de vantagem
competitiva:
3
Exige-se uma maior diversidade e um controle mais exato sobre a qualidade na produção.
29
Considerando que os recursos físicos da terra e de capital, combinados com um
pouco de conhecimento e informação são e provavelmente se tornarão mais
importantes no futuro para a gestão bem sucedida de uma empresa agrícola.
Conhecimento superior e informação serão a base para o sucesso que
permitirão ao produtor obter os recursos físicos da terra, trabalho e capital e
combiná-los de uma forma eficiente. Conhecimento e informação sobre um
conjunto mais amplo e complexo de temas (...) serão cada vez mais importantes
para operações socialmente responsáveis e rentáveis nas práticas agrícolas
(BOEHJE, 1998: 24
4
).
O estabelecimento dessa nova ordem global no mundo agro se por intermédio do
processo de esgotamento do padrão tecnológico produtivista disseminado pela RV
5
em
decorrência de seu processo de homogeneização das práticas agrícolas, da perda de diversidade
ecológica, da poluição da água e solo pelo intenso uso de insumos químicos entre outros
fatores. A biotecnologia moderna, que proporciona o surgimento dos Organismos Geneticamente
Modificados (OGMs), ou transgênicos, no setor agrícola representa a conformação dessa nova
dinâmica tecnológica internacional. Diante do fracasso da RV em acabar com a fome no mundo a
transgenia surge prometendo grandes índices de produtividade com a concomitante preservação
do meio ambiente. De acordo com as palavras de Norman Ernest Borlaug, considerado o “pai da
Revolução Verde” e ganhador do prêmio Nobel da Paz de 1970, cabe a transgenia “exercer o
papel que as demais tecnologias de melhoramento de sementes e outros métodos modernos
desempenharam nos últimos 50 anos” (KISS, 200?). Dentre as promessas da nova Revolução
estão, além do aumento da produtividade e do emprego de práticas agrícolas sustentáveis, a
redução dos custos e melhorias na qualidade dos alimentos.
O conceito de biotecnologia “se refere a um conjunto amplo de tecnologias utilizadas em
diversos setores da economia e que têm em comum o uso de organismos vivos (ou partes deles,
4
Tradução livre.
5
Esse é um tema a ser apresentado no segundo capítulo.
30
como células e moléculas) para a produção de bens e serviços” (SILVEIRA, DAL POZ, ASSAD
[org.], 2004:18). Como aponta Castells, conquanto a biotecnologia fosse algo presente na
nossa vida, como a fermentação, “foi somente no início da década de 1970 que a combinação
genética e a recombinação do DNA, base tecnológica da engenharia genética, possibilitaram a
aplicação de conhecimentos cumulativos”. (CASTELLS, 2000:65) Atenta Castells que a difusão
da engenharia genética “desencade[ia] um debate fundamental na fronteira, atualmente, entre a
natureza e a sociedade” (ib.:67). Juntamente com as tecnologias da informação e comunicação, a
biotecnologia moderna modifica o cotidiano e as projeções sobre o desempenho de distintos
ramos da economia, necessitando a criação de novos padrões e mecanismos regulatórios, e com
isso, novos métodos e modelos de análise, além de modificar a percepção dos limites impostos
pela natureza para a atividade humana.
De acordo com o nível científico e tecnológico existente, distingue-se entre a
biotecnologia tradicional e a biotecnologia moderna ou avançada. Na primeira, os organismos
vivos são utilizados da forma como são encontrados na natureza, ou modificados através do
melhoramento genético tradicional, como o caso das sementes de alta produtividade da primeira
RV. Aqui, o principal agente é a grande empresa do setor químico e a principal atividade
inovadora consiste em inovações de processos com o intuito de reduzir custos. Já a biotecnologia
moderna faz uso de organismos vivos geneticamente modificados por intermédio da “engenharia
genética ou tecnologia do DNA recombinante tecnologia que permite cortar e unir
quimicamente o DNA e assim transferir genes de uma espécie para outra, e, ao fazê-lo, criar
novas formas de vida” (SILVEIRA, DAL POZ, ASSAD [org.], 2004: 19). Neste caso, predomina
a inovação de produtos, com uma forte interdependência entre diversas áreas do conhecimento e
a formação de alianças tecnológicas de grandes empresas com institutos de pesquisas em
31
biotecnologia. A engenharia genética é uma “descoberta científica tão importante que após a
humanidade estar milhares de anos fundindo, derretendo, forjando, soldando e queimando
matéria inanimada para se criarem coisas úteis, agora passa se a juntar, recombinar, inserir, e
costurar matéria viva, construindo utilidades econômicas” (RIFKIN, 1999: 46, citado por
ARAÚJO, 2001).
A biotecnologia moderna traz impacto em diversos setores da economia. Contudo, vem se
destacando na área da saúde humana e da agricultura devido ao grande volume de investimentos,
aos avanços das pesquisas e aos impactos sociais e econômicos. Nestes setores, as inovações
ganham um papel de destaque no processo competitivo. A biotecnologia transforma-se em uma
ferramenta que utiliza a informação com o intuito de responder à produção contemporânea e aos
novos desafios de mercado.
A possibilidade de produzir plantas transgênicas, com novos atributos e independentes da
compatibilidade sexual entre as espécies, superando as barreiras naturais entre diferentes espécies
de plantas, corresponde ao maior impacto da biotecnologia moderna na agricultura. A “tendência
é a revolução agrícola atual depender menos de inovações mecânicas e químicas e se basear no
uso intensivo do conhecimento científico e de técnicas moleculares e celulares”. (ib.: 23). A
transgenia muda, portanto, os paradigmas do melhoramento vegetal.
[...] a biotecnologia é um campo em que se observa a importância crescente da
interação entre os universos da ciência, da pesquisa tecnológica e da produção
industrial e agrícola. Mais do que em qualquer outra atividade produtiva
moderna, a natureza da pesquisa básica em biotecnologia é orientada pela busca
do tipo de inovação que faz erodir as fronteiras entre ciência e tecnologia
(SILVEIRA, 2007, citado por VEIGA [org. 2007]: 31).
Do ponto de vista tecnológico, as técnicas de DNA recombinante possibilitam o
desenvolvimento de organismos (vegetais ou micro-organismos) com novos atributos, capazes de
32
produzir substâncias de valor econômico e social. No aspecto econômico, a biotecnologia
moderna engendra uma “estrutura industrial” (SILVEIRA, DAL POZ, ASSAD [org.], 2004)
distinta da indústria da biotecnologia tradicional, ao se observar uma grande rapidez com que os
novos conhecimentos são transformados em “riquezas” ou “negócios” (ib.) Surge, assim, um
novo agente: as Novas Empresas de Biotecnologia (NEBs), dedicadas exclusivamente à Pesquisa
e Desenvolvimento (P&D), fazendo parcerias e alianças com as grandes companhias
transnacionais, atuando como intermediárias entre a ciência básica e a indústria. Com isso tem-se
em conta como a biotecnologia demanda por sua multidisciplinariedade, complexidade e
impossibilidade de apenas um agente possuir todo o conhecimento envolvido o
desenvolvimento de uma rede de relações entre diversos agentes, tais como empresas (no caso
aqui, as do setor agroquímico), as NEBs, universidades e centros de pesquisa públicos. Estes
atores individualmente dominam, segundo alguns especialistas, apenas fragmentos do
conhecimento relevante (SILVEIRA e BORGES, 2004). Mas cabe ressaltar, como será discutido
no terceiro capítulo, que o fato de o conhecimento estar “dividido” entre diferentes agentes, não
necessariamente impede a patenteação de conhecimentos por somente um desses atores,
impossibilitando a circulação livre do conhecimento entre os restantes.
Os primeiros experimentos a campo com plantas geneticamente modificadas foram feitos
em 1986 nos Estados Unidos e na França com o tabaco. A primeira variedade de uma espécie
vegetal produzida pela engenharia genética a atingir o mercado consumidor foi o “tomate
FlavrSavr”, desenvolvido pela empresa americana Calgene e comercializada a partir de 1994.
Porém, a plantação de transgênicos em grande escala para fins comerciais iniciou-se em 1996.
Como será discorrido no capítulo seguinte, embora os OGMs causem divergências quanto à sua
produção e consumo, a área plantada com cultivos transgênicos não pára de crescer em todo o
33
mundo. Dentre 1996 e 2003, a área global com cultivares transgênicas aumentou 40 vezes, com
um valor do mercado global estimado (em 2003) entre US$ 4,5 bilhões e US$ 4,75 bilhões.
(SILVEIRA, DAL POZ, ASSAD [org.], 2004).
Tabela 1 - Área global de cultivo transgênico, de 1996 a 2008
Ano
Hectares (milhões)
Acres (milhões)
1996
1,7
4,3
1997
11
27,5
1998
27,8
69,5
1999
39,9
98,6
2000
44,2
109,2
2001
52,6
130
2002
58,7
145
2003
67,7
167,2
2004
81
200
2005
90
222
2006
102
252
2007
114,3
282
2008
125
308,8
Total
815,9
2016,1
Fonte: James (2008).
Em 2008, vinte e cinco países plantaram sementes transgênicas no mundo. Os
novos países que passaram a cultivar OGMs no último ano foram: Burkina Faso e Egito, na
África, e a Bolívia, nono país na América Latina a adotar sementes transgênicas. A área cultivada
com transgênicos no mundo alcançou 125 milhões de hectares, representando um aumento de
10,7% comparado com o ano de 2007. O Brasil, agora o terceiro maior país do mundo no cultivo
de OGMs (ficando atrás apenas dos Estados Unidos e da Argentina) alcançou 15,8 milhões de
hectares em 2008, um crescimento de 5% comparado com 2007 (JAMES, 2008). E mais, sendo
34
hoje o segundo maior produtor mundial de soja, poderá ter em breve 80% da sua produção
pautada na tecnologia transgênica, como já acontece nos Estados Unidos, maior produtor mundial
do grão.
Figura 1 - Área global de cultivo transgênico, 1996-2008 (milhões de acres)
Fonte: James (2008).
Na União Européia (UE), onde é tradicional a restrição do cultivo de OGMs, atingiu-se o
total de 107.719 hectares de milho transgênico em 2008 (único tipo de cultura transgênica
aprovada para cultivo na região). Houve um crescimento de 19.046 hectares, ou 21%, em relação
a 2007. Os sete maiores países da UE em produção de milho transgênico são a Espanha,
República Tcheca, Romênia, Portugal, Alemanha, Polônia e Eslováquia. Em setembro de 2008, a
LibertyLink A2704, soja tolerante a herbicida, teve liberada sua importação na região (JAMES,
2008).
China, Índia, Argentina, Brasil e África do Sul, com uma população total de 2,6 bilhões
de pessoas (40% da população mundial), estão exercendo liderança quanto à plantação de OGMs.
Em 2008, o valor global do comércio de sementes transgênicas atingiu a marca dos 7,5 bilhões de
35
dólares, representando 22% dos aproximadamente 34 bilhões de dólares do comércio mundial de
sementes comerciais
6
.
6
Nesse caso, faz-se referência também às sementes não-transgênicas.
36
Tabela 2 - Área global de cultivos transgênicos em 2008 por país
Rank
País
Área (em milhões
de hectares)
Cultivo transgênico
1
Estados Unidos
62,5
soja, milho, algodão, canola, abóbora,
mamão, alfafa, beterraba
2
Argentina
21
soja, milho, algodão
3
Brasil
15,8
soja, milho, algodão
4
Índia
7,6
algodão
5
Canadá
7,6
canola, milho, soja, beterraba
6
China
3,8
algodão, tomate, choupo, petúnia,
mamão,pimentão
7
Paraguai
2,7
Soja
8
África do Sul
1,8
milho, soja, algodão
9
Uruguai
0,7
soja, milho
10
Bolívia
0,6
Soja
11
Filipinas
0,4
Milho
12
Austrália
0,2
algodão, canola, canela
13
México
0,1
algodão, soja
14
Espanha
0,1
Milho
15
Chile
<0,1
milho, soja, canola
16
Colômbia
<0,1
algodão, canela
17
Honduras
<0,1
Milho
18
Burkina Faso
<0,1
algodão
19
República Checa
<0,1
Milho
20
România
<0,1
Milho
21
Portugal
<0,1
Milho
22
Alemanha
<0,1
Milho
23
Polônia
<0,1
Milho
24
Esoláquia
<0,1
Milho
25
Egito
<0,1
Milho
Fonte: James (2008).
37
Com a crescente importância dos transgênicos, introduzindo os agricultores em um novo
patamar tecnológico, necessita-se o redesenho das relações da agricultura com o mercado e com
as instituições relacionadas à propriedade intelectual. Ao se compreender como os direitos de
propriedade intelectual estão estabelecidos atualmente, entende-se o ambiente jurídico e político
no qual está pautado o comércio internacional de sementes transgênicas.
I.3 PRIVATIZAÇÃO DO CONHECIMENTO: OS DIREITOS DE PROPRIEDADE
INTELECTUAL
No novo contexto em que a informação e o conhecimento são elementos estratégicos no
âmbito econômico-produtivo, político e sócio-cultural, é cogente a construção de novos espaços e
instrumentos de regulação política e jurídico-normativa. Com isso, o regime de propriedade
intelectual ganha novo fôlego.
Segundo a visão schumpeteriana o lucro extraordinário, que é o grande propulsor e
produto da inovação, tende a desaparecer com a sua constante difusão entre os concorrentes. Em
um ambiente de rápidas mudanças, o retorno de investimentos de longo prazo costuma ser lento e
incerto. Dessa maneira, busca-se a formação de aparatos institucionais que garantam esses lucros
extraordinários resultantes das inovações, perpetuando, portanto, o incentivo à inovação.
Mecanismos de proteção precisam ser desenvolvidos, dentre eles o sistema jurídico de patentes e
a conformação de práticas monopolistas (como a manipulação de preços)já que é necessário o
oferecimento de “iscas que seduzam o capital para trilhas desconhecidas” (SCHUMPETER,
1975: 88/90, citado por SILVEIRA, C., 2001).
Antes, porém, de propriamente discorrermos sobre o estabelecimento do regime global de
propriedade intelectual, que se inicia nos anos 1970 e 1980, cabe pontuar brevemente o conceito
38
de propriedade intelectual, e em seu segmento, o conceito de propriedade industrial e de patente,
relacionando-os à biotecnologia moderna agrícola através da proteção especial para cultivares.
Propriedade Intelectual, um processo que está em constate formação e estruturação social,
corresponde a um direito privado conferido a uma determinada pessoa, empresa, entre outros,
sobre bens intangíveis (idéias, informações), o que permite direitos exclusivos no uso da criação,
pelo inventor, por um determinado período de tempo. Com isso, o conceito de propriedade se
vincula não aos bens materiais mas também aos bens intangíveis. Nesse sentido, toda
propriedade deve ter um tratamento igual, independentemente de sua característica material ou
imaterial.
a tradição tem reservado a palavra „propriedade‟ ao controle sobre coisas, ou
bens tangíveis; por uma extensão relativamente moderna, admite-se falar de
propriedade intelectual, propriedade industrial, propriedade comercial, etc., para
descrever direitos exercidos com relação a certos bens intangíveis (BARBOSA
19-?: 22).
A Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI ou WIPO-sigla em inglês)
define como propriedade intelectual:
A soma dos direitos relativos às obras literárias, artísticas e científicas, às
interpretações dos artistas intérpretes e às execuções dos artistas executantes, aos
fonogramas e às emissões de radiodifusão, às invenções em todos os domínios
da atividade humana, às descobertas científicas, aos desenhos e modelos
industriais, às marcas industriais, comerciais e de serviço, bem como às firmas
comerciais e denominações comerciais, à proteção contra a concorrência desleal
e todos os outros direitos inerentes à atividade intelectual nos domínios
industrial, científico, literário e artístico (BARBOSA, 19-?: 8).
O regime de propriedade intelectual é muito flexível, que de acordo com os interesses
de atores econômicos que predominam nessa área, mudanças podem ocorrer nas regras e nos
procedimentos no regime de propriedade intelectual. Nesse sentido, a propriedade intelectual
39
possui como característica uma complexidade peculiar, sendo portanto, “(...) mais funcional
[grifo do autor], ainda mais condicionada, ainda mais socialmente responsável, e seguramente
muito menos plena do que qualquer outra forma de propriedade” (BARBOSA, 19-?:23).
A Propriedade Intelectual abarca o campo da Propriedade Industrial, direitos autorais e
demais direitos sobre bens imateriais das mais diversas origens. Dentro do vasto campo dos
direitos de propriedade intelectual, nesta pesquisa se atentará à propriedade industrial, que abarca
o que conhecemos como patente.
Propriedade industrial, especificamente, é um segmento diretamente relacionado à
indústria de transformação e ao comércio:
Na definição da Convenção de Paris de 1883 (art.1 § 2), é o conjunto de direitos
que compreende as patentes de invenção, os modelos de utilidade, os desenhos
ou modelos industriais, as marcas de fábrica ou de comércio, as marcas de
serviço, o nome comercial e as indicações de proveniência ou denominações de
origem, bem como a repressão da concorrência desleal. A Convenção enfatiza
que, conquanto a qualificação „industrial‟, este ramo do Direito não se resume às
criações industriais propriamente ditas, mas „entende-se na mais ampla acepção
e aplica-se não à indústria e ao comércio propriamente ditos, mas também às
indústrias agrícolas e extrativas e a todos os produtos manufaturados ou naturais,
por exemplo: vinhos, cereais, tabaco em folha, frutas, animais, minérios, águas
minerais, cervejas, flores, farinhas‟ (BARBOSA 19-?: 9).
Especificamente, uma patente corresponde a um direito, dado pelo Estado, que confere ao
titular da patente a exclusividade da exploração de uma determinada tecnologia. A fim de se
conferir um direito de propriedade sobre as idéias tecnológicas de uso industrial, foram dadas à
concepção intelectual propriedades físicas com o intuito de sua exploração comercial. Durante
um limitado período de tempo, é conferida ao patenteado a exclusividade de usufruir da
invenção. Enquanto durar a exclusividade, a informação contida na patente torna-se
40
economicamente indisponível, mesmo para “aqueles que, por trabalho próprio ou acaso,
dispuserem da informação protegida” (BARBOSA, 19-?:72).
Os países membros, segundo o artigo 27 do Acordo sobre Direitos de Propriedade
Intelectual Relacionados ao Comércio (TRIPS sigla em inglês) devem proteger as variedades de
plantas por patentes, por lei suis generis ou pela combinação das duas modalidades.
A biotecnologia moderna introduz a vida na esfera industrial com o intuito de maximizar
os lucros. Patentear formas de vida transforma-se em parte do processo de expansão do capital
(MARTINS, 2000).
I.4 GLOBALIZAÇÃO DO REGIME DE PROPRIEDADE INTELECTUAL
Com o estabelecimento da nova base tecno-produtiva intensiva em conhecimento, é
necessária a ordenação dos processos de geração, acesso, fluxo, disseminação e uso de
informações e conhecimentos. Assim, busca-se a ampliação e reformulação das garantias de
direitos de propriedade intelectual (LASTRES e ALBAGLI [org.]: 1999).
Instrumentos coercivos para regerem as atividades de informação e conhecimento são
gerados, tornando-se mais restritas as garantias de monopólio sobre os novos conhecimentos e
informações, notadamente aqueles de alto valor tecnológico. A proteção ao trabalho intelectual
torna-se central na Economia do Conhecimento e os direitos de propriedade intelectual
transformam-se em elementos do processo de desenvolvimento e de competitividade dos países e
empresas no cenário internacional.
Na busca de uma padronização na esfera internacional das normas de proteção jurídica
dos direitos de propriedade intelectual, engendra-se em 1994, no final da Rodada Uruguai no
41
âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC), o acordo TRIPS. Este deixa de estar
ligado a uma instituição consultiva e sem poderes coercitivos, a OMPI, e se une à OMC,
organização internacional detentora de poderes coercitivos e que prima pela liberalização
comercial (CRUZ, 2008). O acordo TRIPS propõe o estabelecimento de patamares mínimos de
proteção aos direitos de propriedade intelectual no comércio internacional a todos os países
membros da OMC que assinaram o acordo. (YAMAMURA, SALLES FILHO e CARVALHO,
200-). Além de fortalecer e ampliar os direitos de propriedade intelectual, o TRIPS dá-lhes uma
abordagem comercial, adotando elementos coercitivos para garantir o cumprimento desses
direitos num paradigma dirigido pelos países desenvolvidos, notadamente dos Estados Unidos.
a prevalência do padrão americano no estabelecimento do regime global de propriedade
intelectual. Os países devem adequar suas legislações nacionais ao que foi estabelecido no
acordo, uniformizando os direitos de propriedade intelectual sem levar em consideração, muitas
vezes, o grau de desenvolvimento técnico dos países (CRUZ, 2008). Pelo intermédio do TRIPS
há a conformação de um regime global de propriedade intelectual.
Mas antes mesmo do acordo, as necessidades particulares da indústria agrícola
instituíam a criação de um sistema específico de proteção (BARBOSA: 1987).
A relação entre transgênicos e propriedade intelectual encontra-se dispersa em diferentes
textos legais. Internacionalmente, destacam-se, além do acordo TRIPS: o Acordo Sobre a
Aplicação de Medidas Sanitárias e Fitossanitárias (Agreement on the Application of Sanitary and
Phytosanitary Measures SPS); o Acordo sobre Barreiras Técnicas ao Comércio (Agreement on
Technical Barriers to Trade TBT); a Convenção Internacional para a Proteção de Novas
42
Variedades de Plantas
7
, (International Convention for the Protection of New Varieties of Plant) e
a Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), de 1992, e um de seus Protocolos, o Protocolo
de Cartagena
8
sobre Segurança da Biotecnologia, de 2000 (YAMAMURA, S. 2006: 22).
Privilegia-se o acordo TRIPS nesta pesquisa em decorrência dele ser atualmente o
referencial internacional mais amplo a prescrever o tratamento aos direitos de propriedade
intelectual”. Ele prevê o patenteamento ou outra proteção de propriedade intelectual para
variedades de plantas, possibilitando a apropriação desses recursos genéticos por empresas
privadas (ib.:23).
I.5 INTRODUÇÃO AO DEBATE SOBRE PROPRIEDADE INTELECTUAL:
INCENTIVO À INOVAÇÃO OU MONOPÓLIO DE CONHECIMENTO?
Muitos defendem os direitos de propriedade intelectual que estes permitem a
apropriação do resultado final da inovação e a exploração comercial desta, o que seria basilar ao
desenvolvimento, inclusive da própria biotecnologia agrícola. Neste setor existe uma rede
complexa entre diversos atores com objetivos diferentes, o que torna necessário o
estabelecimento de leis que regulamentem os direitos de propriedade intelectual (SILVEIRA e
BORGES, 2004). A P&D demanda um grande volume de investimento e a imitação e reprodução
das inovações oriundas normalmente são processos relativamente simples. Como as idéias e
informações são de fácil transmissão, terminam por demandar mecanismos para sua apropriação.
7
Essa convenção busca um tipo de proteção especial em forma de patentes ou outros, no plano internacional, para
cultivares. Pela UPOV não se exige invenção propriamente dita, podendo-se proteger novas variedades de plantas,
mesmo que encontradas na natureza (BARBOSA, 19-?).
8
O Protocolo visa a regulação do comércio internacional de transgênicos em bases seguras, levando em consideração
as necessidades de proteção do meio ambiente, evitando que os transgênicos minem a conservação e o uso
sustentável da biodiversidade, não trazendo riscos também à saúde humana. No seu artigo 27, pontua a
responsabilização por danos decorrentes do movimento transfronteiriço de transgênicos.
43
Nesse sentido, a propriedade intelectual pode garantir uma recompensa monetária para o inventor
produzir. Com o estabelecimento de regras de divisão justa dos resultados das inovações criam-
se, portanto, as condições necessárias para a construção de redes de cooperação entre os diversos
agentes.
A partir do momento em que é dado valor econômico ao conhecimento, começa-se a tirar
o maior proveito possível deste a fim de se maximizar o lucro. De acordo com essa visão
econômica sobre o sistema de patentes, o regime de Propriedade Intelectual seria útil ao
incentivar o investimento em P&D. Sem esses incentivos trazidos pela Propriedade Intelectual
“poderia haver uma diminuição dos fluxos de tecnologia, o que prejudicaria a sociedade como
um todo. Nesse ínterim, os direitos de PI [Propriedade Intelectual] beneficiam a todos e não
apenas os detentores dos monopólios” (CRUZ, 2008:28). Com isso, os segredos industriais
seriam divulgados e as inovações, estimuladas. Neste argumento, se não houvesse proteção
patentária, as inovações continuariam secretas. A limitação temporal existente na concessão
patentária permitiria por um lado a recompensa do inventor pelo seu bem criado como também
consentiria a utilização social desse bem. Ao se estabelecer o uso exclusivo do invento para o
inventor por um período de tempo limitado, garantir-se-ia a revelação do segredo do invento e
sua concomitante disponibilidade à sociedade. A exclusividade jurídica sobre uma certa
tecnologia nova, dada como útil, ou seja, um monopólio sobre o novo, não presumiria a restrição
de atividades já existentes. Criar-se-ia um monopólio sobre algo que não existiria antes. Portanto,
não se minariam as liberdades dos outros para se reservar a um a única pessoa que o novo
invento não faria parte dessa liberdade. Haveria sim um monopólio de certa maneira, mas
corresponderia a um monopólio instrumental, jurídico, que recairia “sobre um meio de se
explorar o mercado, sem evitar que, por outras soluções técnicas diversas, terceiros explorem a
44
mesma oportunidade de mercado” (BARBOSA, 19-?: 27, [grifo do autor]). Haveria um
monopólio jurídico, mas não econômico.
Não obstante, os que defendem não ser somente o retorno financeiro que confere
incentivos a um cientista, por exemplo, produzir. O reconhecimento social também é um fator de
estímulo ao trabalho inventivo. Por outro lado, muitos criticam se realmente o sistema de patentes
incentiva a invenção que em grande parte quem se beneficia dos retornos financeiros e de
todos os incentivos são os empresários e não os inventores de fato (CRUZ, 2008).
Grande parte dos créditos de uma invenção não é mais transmitida ao indivíduo
que o cria, mas sim às companhias que podem arcar com os custos de uma
patente e que, por ter o inventor como seu funcionário, apropriam-se
automaticamente da invenção e de seus DPI [Direitos de Propriedade
Intelectual]. Assim, a transferência destes direitos permite a alienação dos
direitos originais do inventor por uma recompensa, muitas vezes, um salário.
(Ib.26).
Existem os que ponderam (assunto que margem a grandes polêmicas, que será mais
bem discorrido no terceiro capítulo) que “os senhores dos DPI exerce[riam] certo controle de
mercado uma vez que te[riam] o poder de determinar tanto o uso de sua criação quanto a
comercialização dos produtos que as contêm” (ib.: 16), criando “monopólios de conhecimentos”.
Especificamente quanto às patentes, evidencia-se como estas garantiriam ao inventor um certo
controle sobre sua invenção patenteada, havendo um certo monopólio sobre esse bem que
limitaria o acesso deste a outros. As patentes permitiriam o controle do preço das invenções e até
mesmo impediriam novas descobertas científicas. Especificamente quanto à agricultura, a partir
do momento em que o conhecimento e a informação crescem em importância estratégica para o
desenvolvimento econômico, os direitos de propriedade intelectual contribuiriam para o declínio
45
em importância das Instituições Públicas de Pesquisa Agrícola na geração e distribuição de
conhecimentos e informações estratégicos para a agricultura.
A patente demonstraria o poder de monopólio do dono da patente que determinaria o
limite a que podem chegar os competidores. O patenteado passaria a deter uma grande vantagem
sobre seus concorrentes que seria o único que poderia usufruir do invento. Com esse controle
do conhecimento num campo relevante, terminaria por atrapalhar o desenvolvimento deste
mesmo campo (CRUZ, 2008).
Destarte, os direitos de propriedade intelectual possuiriam uma contradição inerente pois a
maximização da utilidade e do bem-estar, como está presente no Artigo 7 do TRIPS
9
, ocorre
com a expansão máxima da disseminação e distribuição do conhecimento produzido em uma
economia competitiva e não pela sua restrição.
Conquanto muitos especialistas afiancem que o monopólio legal criado pelas patentes
incentiva a inovação e a divulgação do conhecimento, a cada dia mais predomina a visão de que
o simples fato de se investir em pesquisas e divulgar à sociedade os resultados delas (resultados,
e não o conhecimento adquirido), justificaria por si a patente. Tal fato aferraria práticas de
privatização e monopolização de conhecimentos vistos como estratégicos, como a biotecnologia
agrícola, restringindo a possibilidade da difusão pública desse conhecimento. Minar-se-ia,
destarte, a justificativa da criação de patentes como instrumentos facilitadores da difusão de
conhecimentos e informações (LASTRES e ALBAGLI, [org.], 1999):
Se, como os críticos argumentam, o mercado de idéias é falho pela presença de
desigualdade econômica e, mais fundamentalmente, é uma criação artificial que
9
“A proteção e a aplicação de normas de proteção dos direitos de propriedade intelectual devem contribuir para a
promoção da inovação tecnológica e para a transferência e difusão de tecnologia, em benefício mútuo de produtores
e usuários de conhecimento tecnológico e de uma forma conducente ao bem-estar social e econômico e a um
equilíbrio entre direitos e obrigações”. (OMC, 1994)
46
serve aos poderosos produtores de idéias e legitima o papel das elites, então o
caso da propriedade intelectual é improcedente (…)
10
.
Este complexo assunto existente em torno da propriedade intelectual, mesmo que longe de
produzir consenso, é central neste trabalho. A constatação do papel estratégico que o
conhecimento adquire na nova ordem mundial, conformando um regime global de propriedade
intelectual, é base fundamental a partir da qual se pretende analisar o comércio internacional de
sementes transgênicas, tema central dessa pesquisa. Buscar-seaveriguar se existe um processo
de monopolização tecnológica por determinadas empresas e países, contrariando a visão da
difusão global de conhecimentos e informações em decorrência da expansão das TIC, e como os
direitos de propriedade intelectual auxiliariam nesse processo.
10
MARTIN, Brian. Against intellectual property. University of Wollongong, NSW 2522, Australia. Department of
Science and Technology Studies, citado por Cruz (2008).
47
48
49
CAPÍTULO II. ORGANISMOS GENETICAMENTE MODIFICADOS: UMA
SEGUNDA REVOLUÇÃO VERDE?
II.1 AS CONTRADIÇÕES DA PRIMEIRA REVOLUÇÃO VERDE (RV)
A RV correspondeu ao processo pelo qual o padrão agrícola químico, motomecânico e
genético, engendrado nos Estados Unidos, na Europa e no Japão, foi disseminado para diversos
países em desenvolvimento notadamente a partir dos anos 1960. Houve a substituição das
técnicas locais de produção por um conjunto bem mais homogêneo de práticas tecnológicas que
trazia consigo a esperança de resolver os problemas da fome. A introdução das sementes de alta
produtividade também chamadas de “sementes milagrosas” grande fruto da RV, tornou-se
imprescindível no momento em que o crescimento agrícola não pôde mais ocorrer somente
através da expansão total da área cultivada no meio rural. Neste caso, foi determinante a adoção
de mudanças técnicas que puderam proporcionar cultivos mais intensivos e maiores rendimentos
no setor agrícola, cabendo à RV facilitar a substituição da terra, um fator escasso, por fatores
mais abundantes como fertilizantes e herbicidas, por exemplo. Dessa maneira, pretendeu-se
aumentar a produção de cereais básicos nos países pobres podendo-se assim acabar com o
problema de abastecimento de alimentos, pondo-se fim à fome no mundo. Observa-se o processo
de dominação da natureza pelo homem por intermédio da modificação de processos naturais
adaptando-os ao sistema de produção industrial: “a RV foi anunciada como uma conquista
política e tecnológica, sem precedentes na história humana” (SHIVA, 1993:11).
A disponibilidade de recursos naturais deu lugar à capacidade científica e industrial. A
agricultura dos países em desenvolvimento transformou-se de uma atividade baseada na natureza
para uma “indústria” pautada na ciência, o que estabeleceu novas relações entre indústria e
agricultura.
50
De acordo com seus defensores, a RV seria capaz de instalar a paz no campo, aumentando
a produtividade com o concomitante rompimento dos limites da natureza. Ela corresponderia ao
“controle sem precedentes do ambiente facilitado por uma tecnologia de alto nível [e à]
possibilidade de eliminar o trabalho pesado e a pobreza” (ib.: 14). Destarte, a RV não seria
somente a “semente” da abundância, mas também a semente de uma nova política econômica nos
países em desenvolvimento.
As novas sementes (de trigo, em princípio) desenvolveram-se originalmente no México
em 1943 por intermédio dos Estados Unidos. Este país desenvolvia uma missão científica de
assistência ao desenvolvimento tecnológico agrícola no país latino americano com o apoio do
governo local e da Fundação Rockfeller. A RV, novo padrão tecnológico de produção agrícola
difundido pelos Estados Unidos, concretizou-se através da expansão da agroindústria,
principalmente no setor de insumos e de processamento de alimentos. Mas somente a partir da
década de 1960 outros países passaram a adotar as sementes de alta produtividade em função das
crises globais de alimentos desencadeadas pelos fracassos das lavouras no sul da Ásia. Destarte,
“as agências de assistência bilaterais e multilaterais redirecionaram seu apoio para a criação de
instituições destinadas a fortalecer a pesquisa, a extensão, o crédito e o fornecimento de insumos”
(HAYAMI e RUTTAN, 1988: 467).
Contudo, os críticos da RV afiançavam que embora a produção e a produtividade
agrícolas tenham efetivamente crescido, nos anos 1980 o ânimo das grandes safras sucumbiu a
uma série de preocupações relacionadas aos problemas socioeconômicos e ambientais suscitados
por esse padrão produtivo, como a erosão e a perda de fertilidade do solo, a destruição do
patrimônio genético e da biodiversidade, entre outros. As desvantagens das sementes de alta
variedade eram muitas, como menor resistência à secas e inundações. Também eram mais
51
suscetíveis a enfermidades e infestação de insetos, demandando a utilização de maiores
quantidades de insumos químicos para que efetivamente pudesse haver uma diferença de
produção das sementes melhoradas em relação às sementes locais (GRIFFIN, 1982).
Outros críticos atentavam para o aumento da dependência dos países pobres para com as
agroindústrias que eram elas em grande parte que produziam e distribuíam os novos inputs
agrícolas. Desenvolviam pesquisas a fim de aumentar e melhorar a produtividade no campo, tanto
em parceria com instituições ou individualmente, ou simplesmente através da compra de
tecnologias, o que lhes possibilitava controlar toda a produção de alimentos, do campo até a
mesa, ou seja, a produção (campo), manufatura (fábricas) e a distribuição (comércio, transporte,
armazenagem). Segundo este ponto de vista, com a RV houve no campo um processo de
polarização em conseqüência da concentração de terra, entre agricultores-empresários e
trabalhadores assalariados desprovidos de terra. Em muitos países mais pobres, a produção
voltou-se mormente para a exportação e não para o abastecimento da população interna
também mudou a produção de um tipo de alimento para outro, substituindo muitas vezes o mais
nutritivo e importante para a população do país produtor. Além do mais, o modelo de agricultura
introduzido com a RV “dificilmente poderia ser considerada „agrícola‟: na realidade um sistema
altamente sofisticado e de intenso gasto de energia, para transformar uma série de produtos
industriais em outra série de produtos industriais que, por acaso, são comestíveis” (GEORGE,
1978:25). A RV aumentou a desigualdade econômica e a pobreza, o que agravou conflitos entre a
população, pois, de acordo com Shiva (1993), a ciência e a tecnologia da RV excluiu as regiões e
as pessoas pobres bem como as opções sustentáveis de desenvolvimento.
A RV, portanto, não foi um meio de alimentar as populações, mas sim um investimento
lucrativo mudando profundamente a relação entre a terra, trabalho e capital; entre proprietários,
52
rendeiros e trabalhadores; entre agricultura, comércio e indústria; e entre a cidade e o campo. As
mudanças tecnológicas na agricultura, portanto, não bastariam para impedir a miséria; poderiam
ser, de fato, a sua causa (GRIFFIN, 1982). Os que tinham recursos puderam se beneficiar das
oportunidades criadas com a RV, mas para os agricultores sem terra e analfabetos a tendência foi
empobrecer ainda mais. A RV correspondeu, portanto, a uma revolução discriminatória que
permitiu a existência de grandes colheitas e estoques de alimentos como jamais antes alcançados
com a concomitante fome de milhões de pessoas. Em que medida os transgênicos seriam uma
segunda RV?
II.2 AS GRANDES MULTINACIONAIS NO SETOR DE PESQUISA E
DESENVOLVIMENTO (P&D) EM AGROBIOTECNOLOGIA
Na primeira RV, a participação do setor público em pesquisas na área agrícola foi
preponderante. Todavia, com a Revolução Genética nos anos 1970, a maior parte das pesquisas
aplicadas e quase todo o aproveitamento comercial destas passam para as mãos de empresas
privadas que possuem sua sede nos países desenvolvidos. As grandes companhias agroquímicas
são as primeiras a investir na produção de sementes transgênicas. Enquanto o setor privado se
foca em pesquisas de ponta, às agências públicas e quase-públicas são alocadas tarefas de
pesquisas básicas. Uma das razões que levam as grandes empresas privadas a se interessarem
pelas atividades de P&D em cultivos transgênicos é o fato de preverem a queda do mercado de
praguicidas (basilar no modelo produtivista disseminado pela RV) e de estarem buscando novos
mercados. Mas também se deve ao aumento de incentivos dados ao setor privado pelos governos
de países desenvolvidos através do patenteamento de genes engendrados por meios artificiais e
plantas modificadas geneticamente. O pagamento de royalties por produtos patenteados
transforma-se em um atrativo para as grandes companhias multinacionais manterem grandes
53
projetos de P&D. Estabelece-se, assim, o controle cada vez mais concentrado na indústria de
sementes pelas grandes corporações.
Schumpeter (1975) já havia demonstrado muito antes como a inovação insere-se no
interior das grandes empresas, transformando-se em parte das atividades rotineiras destas. O
processo inovativo torna-se “assunto de equipes de especialistas treinados que criam o que lhes é
pedido e fazem-no funcionar de maneira previsível [...]. Assim, o progresso econômico tende a se
tornar despersonalizado e automatizado” (SCHUMPETER, 1975: 131-2, citado por SILVEIRA,
C., 2001). Na agricultura, da mesma forma, somente as grandes companhias de sementes que
possuem seus novos departamentos de ciências agrícolas predominam no setor:
A evidência de que a lógica da inovação biotecnológica, com a sua alta
necessidade de capital, períodos longos e arriscados de gestação e necessidade
de sistemas extensivos de distribuição, esalterando o seu centro de gravidade
amplamente em favor das corporações multinacionais [...] é inescapável. [Estas],
utilizando-se de suas experiências em P&D, vastos recursos e métodos flexíveis
de financiamento, dominam atualmente a biotecnologia comercial e,
progressivamente, a direção da pesquisa fundamental. Essa dominação [...] foi
conseguida pela aquisição de lotes de ações ou controle integral de firmas de
pesquisas genéticas, formação de joint-ventures ou sociedades limitadas de
P&D, pelo financiamento, com capital de risco, de firmas privadas que investem
em biotecnologia, contratos de pesquisas com universidades e expansão de suas
próprias atividades de P&D. Essas alternativas de envolvimento são,
freqüentemente, seguidas pela Monsanto... (GOODMAN; SORJ; WILKINSON,
1990: 98).
Neste novo paradigma produtivo tecnológico, observa-se um processo de fusão entre as
empresas de sementes existentes com as grandes agroquímicas multinacionais, tendo-se a
maior parte das pesquisas em biotecnologia agrícola do setor privado nas mãos dessas grandes
companhias. Hoje, as três maiores empresas do mundo em transgênicos e em todo tipo de
sementes comerciais, Monsanto, Dupont-Pioneer e Syngenta, também o gigantes no setor de
agroquímicos. Apresentemos, brevemente, o histórico dessas grandes corporações.
54
II.2.1Monsanto:
A Monsanto, atualmente a maior companhia de sementes transgênicas do mundo, foi
fundada em 1901, inicialmente produzindo sacarina, e em 1945 inicia a produção e
comercialização de agroquímicos. Em 1975 estabelece um programa de pesquisa biológica de
células em sua Divisão Agrícola e em 1981 a biotecnologia passa a ser o foco das pesquisas dessa
empresa. Logo, seus cientistas se tornam pioneiros na modificação genética de células de plantas.
Em 1984 compra a Jacob Hartz Seed Co., conhecida por suas sementes de soja, e funda seu
Centro de Pesquisas de Ciências da Vida (Life Sciences Research Center) nos Estados Unidos.
em 1987 a Monsanto conduz os primeiros testes de campo com plantas geneticamente
modificadas, também nos Estados Unidos. Nos anos 1990 seu primeiro produto geneticamente
modificado passa a ser comercializado neste mesmo país: o Posilac - somatotropina bovina - para
gado leiteiro. Em 1996 adquire participações na Calgene, empresa da área de biotecnologia. Em
1997, a divisão de sementes da Asgrow é adquirida. No mesmo ano compra a Holden's
Foundation Seeds L.L.C. e a Corn States Hybrid Service L.L.C., fornecedoras de sementes
básicas de alta qualidade para a indústria de sementes de milho. Em 1998, a Monsanto completa
a compra da Dekalb Genetics e por intermédio de várias aquisições, compra por US$ 1,4 bilhão o
setor internacional da Cargill ocupando, neste ano, o lugar mundial no ranking no setor de
sementes, com vendas de US$1,8 bilhão. Em 2004, a Monsanto forma a American Seeds
Inc.(ASI), uma empresa dedicada ao milho e à soja. No ano seguinte anuncia a aquisição da
Seminis, empresa de sementes de frutas e verduras, e da Emergent Genetics Inc., empresa de
sementes de algodão. Ainda em 2005, adquire a empresa de algodão Stoneville, incluindo sua
marca NexGen. em 2007, compra a Agroeste, no Brasil, a Delta & Pine, além de outras
55
empresas de sementes no mundo. E em 2008 ingressa no segmento de cana-de-açúcar com a
compra das empresas Alellyx e CanaVialis, também no Brasil.
II.2.2 DuPont:
A DuPont, segunda maior empresa do setor de sementes no mundo (transgênicas e não-
transgênicas) foi fundada em 1802 dedicando-se inicialmente à fabricação de pólvora. Mais tarde,
volta-se às chamadas Ciências da Vida”, especialmente nas áreas de saúde, alimentos e
biotecnologia. No final dos anos 1990 adquire a Pioneer Hi-Bred International Inc., até então a
maior empresa de sementes de milho dos Estados Unidos, expandindo a capacidade dessa
empresa no campo da biotecnologia. Em países como Argentina, Uruguai, Paraguai, Chile e
Bolívia, a DuPont realiza a aquisição, em 1999, de 100% da Agarcross. Ainda no mercado
internacional, a companhia se fortalece com a aquisição da Pioneer Hi-Bred, em 1997, com a
formação da joint-venture com a Griffin, em 1998, e da Protein Technologies International. Hoje,
a Dupont é a 14ª maior corporação industrial do mundo e detém mais de 60 produtos no mercado
de insumo agrícola mundial. Sementes de milho transgênicas são seu carro chefe, que as produz e
comercializa ao lado de uma variedade de sementes de grãos otimizados. A soja também atrai os
investimentos da DuPont e esta empresa é líder na pesquisa, produção e comercialização deste
grão e seus derivados.
II. 2.3 Syngenta:
a terceira maior empresa no ranking, Syngenta, é uma das maiores companhias do
mundo, com mais de 24.000 funcionários em 90 países. Ela foi criada pela fusão entre as áreas de
agribusiness da Novartis e da AstraZeneca, no ano 2000, o que a permitiu nascer com uma
sólida base em capacidade de pesquisa e uma linha de produtos bastante abrangente. Contudo,
sua origem remonta a uma história de quase 250 anos no setor dos agronegócios. Discorrendo
56
brevemente seu histórico de fusões, em 1996 as empresas Ciba e Sandoz se fundem, formando a
Novartis. A Zeneca adquire a Mogen em 1997, empresa de biotecnologia sediada na Holanda,
para avigorar sua capacidade no setor de biotecnologia agrícola. Em 1998, a Novartis anuncia a
formação do Novartis Agricultural Discovery Institute (Nadi), um dos maiores centros dedicados
à pesquisa e ao desenvolvimento do genoma agrícola. Em 1999, a Astra e a Zeneca se fundem. E,
finalmente, em 2000 a Novartis Agribusiness e a Zeneca Agrícola se unem, formando a
Syngenta. Esta é a primeira empresa global exclusivamente dedicada ao agribusiness oferecendo
produtos para toda a cadeia de alimentos. No ano de 2007, as vendas globais da companhia
alcançaram o total de US$ 9,2 bilhões.
II.3 A INTRÍNSECA POLÊMICA EM TORNO DOS TRANSGÊNICOS
Como assinalado no primeiro capítulo, a transgenia representa uma mudança clara nos
paradigmas no que diz respeito à obtenção de novos seres vivos, não se tratando de um
aprimoramento dos métodos convencionais. É de fato um novo método, ligado à própria essência
da vida. Na produção de alimentos, trazem importantes modificações na cadeia agroalimentar.
De acordo com a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO),
a aplicação da moderna biotecnologia para a agricultura traz novas oportunidades e potenciais
benefícios, bem como desafios para se garantir a proteção dos consumidores. A possibilidade da
transferência de genes de diferentes espécies, orientando o processo de produção de novos
organismos, permite a alteração do “comportamento” das novas cultivares e demais seres vivos
desenvolvidos. Dessa maneira, colocam-se questões a respeito da segurança desse tipo de
tecnologia e não há um cenário final conhecido para a utilização da engenharia genética.
57
Frente a essa incerteza quanto ao futuro, os OGMs geram grandes polêmicas. Eles não
despertam divergências entre diferentes interesses sociais e econômicos (principalmente aqueles
ligados ao lado comercial da tecnologia) como também criam preocupações de ordem ambiental
e outras relacionadas à saúde, tanto humana quanto animal. “A questão, em essência, não é como
conviver com a nova tecnologia, mas se, quando e em quais condições a engenharia genética fará
parte de nossas vidas” (RIFKIN, 1999, citado por ARAÚJO, 2001: 120).
Pretende-se deixar claro que diante de um tema tão complexo, é difícil posicionar os
totalmente contra e os totalmente a favor dos transgênicos. Essa controvérsia não pode ser
entendida simplesmente a partir da dicotomia entre verdade e mentira. Assuntos dessa
complexidade não podem ser tratados nesses termos. Mas, por mera didática, intenta-se nesse
capítulo listar alguns dos principais argumentos apresentados pelas posições antagônicas quando
o assunto é transgênico. Dessa forma, são neste trabalho apontados os discursos dicotômicos dos
“defensores” dos transgênicos e dos “contra” a liberalização da comercialização e consumo
destes.
Comparados à primeira RV, as plantas transgênicas são para muitos especialistas a grande
alternativa para a garantia da segurança e soberania alimentar
11
de todos os povos. Os entusiastas
11
De acordo com o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate a Fome, o conceito de Segurança Alimentar e
Nutricional (SAN) corresponde a “realização do direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de
qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base
práticas alimentares promotoras de saúde, que respeitem a diversidade cultural e que sejam social, econômica e
ambientalmente sustentáveis”.
Pessanha e Wilkinson (2003: 265) apontam que o conceito de segurança alimentar possui, basicamente, quatro
elementos: 1) Garantia da produção e da oferta agrícola, relacionada ao problema da escassez da produção e da oferta
de produtos alimentares; 2) Garantia do direito de acesso aos alimentos, relacionado à distribuição desigual de
alimentos nas economias de mercado; 3) Garantia de qualidade sanitária e nutricional dos alimentos, o que remete
aos problemas de baixa qualidade nutricional e de contaminação dos alimentos consumidos pela população; 4)
Garantia de conservação e controle da base genética do sistema agroalimentar, que se refere à falta de acesso,
destruição ou ao monopólio sobre a base genética do sistema agroalimentar. De maneira geral os dois primeiros
conteúdos se relacionam aos temas da food security, enquanto os demais se vinculam ao termo food safety. Em
português, tratamos os dois termos como segurança alimentar.
58
das técnicas transgênicas acreditam que com a expectativa da população mundial chegar a 8
bilhões em 2030, os OGMs representam o único caminho viável para o aumento da oferta de
alimentos.
Nos anos 1980, uma série de preocupações surgiu, relacionada aos problemas
socioeconômicos e ambientais suscitados pelo padrão produtivo da primeira RV, como relatado
no capítulo anterior. Destarte, para suprir a demanda de 1,2 bilhão de pessoas que vivem hoje no
estado de insegurança alimentar, é necessário o auxílio de inovações tecnológicas que
contribuíssem para elevar a produtividade do trabalho, o rendimento por área diminuindo a
pressão sobre os recursos naturais e a contaminação ambiental pelo uso de produtos químicos. E
a moderna biotecnologia é a melhor resposta a essas pressões, defendem os entusiastas dos
alimentos transgênicos. Dentre as promessas dos OGMs estão:
i) a diminuição dos custos de produção, com o incremento da produção e produtividade
agrícolas.
ii) a criação de plantas resistentes a pragas reduzindo, assim, o uso de agrotóxicos. Com
isso diminui-se a possibilidade de intoxicação por parte dos produtores bem como os impactos
ambientais.
iii) os ganhos nutricionais dos alimentos que se pode produzir variedades transgênicas
com maior concentração de nutrientes.
iv) a contribuição eficaz para se por fim à fome no mundo.
o termo Soberania Alimentar (entrelaçada ao conceito de segurança alimentar) enfatiza a autonomia de cada país
sobre sua produção alimentar, o direito a auto-suficiente, a proteger os mercados domésticos e a promover uma
produção ecológica.
59
v) a inserção dos pequenos agricultores e regiões no mercado atual.
vi) a cooperação na produção de biocombustíveis.
vii) o alívio das mudanças climáticas e a redução da emissão de poluentes.
Em torno do início da competição dos biocombustíveis com a indústria alimentar por
recursos como cana-de-açúcar e milho, bem como a emergência de uma classe média na China e
Índia demandando maiores quantidades de alimentos, existe um consenso quanto à necessidade
de se aumentar a produção a fim de se suprir o incremento da demanda por alimentos. O atual
secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, afirmou em uma reunião da organização em Roma em
2008 a necessidade de se aumentar em 50% a produção de alimentos até 2030. Nesse contexto
muitos apontam que:
é preciso enfrentar a realidade, não se pode atrasar o relógio e regressar aos
velhos tempos dos anos [19]30, quando a população mundial era de 2 bilhões de
pessoas e se usavam pouco fertilizantes e insumos químicos. Não se pode perder
a visão da tarefa descomunal de alimentar 8 a 10 bilhões de pessoas no futuro
(...) a biotecnologia seria o caminho para aumentar a oferta de alimentos no
mundo (SOUZA, 1999b, citado por CAVALLI, 2001).
Diante das promessas de maior produtividade a partir dos OGMs, em 2007, o Brasil foi o
país que teve o maionr índice de aumento o cultivo de sementes transgênicas no mundo. A
Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) crê na transgenia enquanto um
instrumento alternativo de sustentação da agricultura brasileira, “reconhecendo que a obtenção de
transgênicos é apenas um método de melhoramento vegetal quando são exauridas as
possibilidades de melhoramento convencional, em que a precaução sempre é posta em evidência”
(VALOIS, 2001: 4). Dessa forma, busca a Embrapa produzir plantas que não somente sejam
resistentes e tolerantes a fatores biótipos e abióticos, mas também que proporcionem melhoria na
qualidade dos produtos agindo em favor da saúde dos indivíduos. Sempre respeitando as normas
60
da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança, se propõe a analisar seus produtos transgênicos
sob o ponto de vista ambiental e da segurança alimentar, além de concordar com a
comercialização e socialização dos produtos transgênicos (ib.).
Segundo a FAO (2002), os alimentos transgênicos podem ser mais uma alternativa no
combate à fome e à pobreza nos países em desenvolvimento. De acordo com Silveira e Buainain,
(VEIGA [org.], 2007) a transgenia seria fundamental para a geração de produtos biofortificados,
enriquecidos com ferro e vitaminas. Por exemplo, a fortificação do arroz, base da alimentação do
Sudeste Asiático, com vitamina A (conhecido como “arroz dourado”), permitiria a superação da
deficiência alimentar existente nas populações dessa região, reduzindo seu estado de insegurança
alimentar. Dessa forma, os países menos desenvolvidos poderiam lucrar mais com os
transgênicos do que os países centrais.
Em abril de 2009, cientistas europeus anunciaram a criação de uma variedade de milho
geneticamente modificado enriquecido com três vitaminas. Esse milho transgênico possui
maiores quantidades de betacaroteno e precursores da vitamina C e de ácido fólico
12
, o que
poderia ajudar na melhoria da dieta em países mais pobres. Semelhante ao “arroz dourado”, o
rendimento de vitaminas verificado ultrapassaria qualquer outra variedade engendrada por
métodos convencionais de produção de vegetais. Segundo o Conselho de Informações sobre
Biotecnologia (CIB), trata-se da primeira planta transgênica a apresentar mais de uma vitamina.
Este estudo é orientado especificamente para a África Subsaariana (CIB, 2009).
12
Betacaroteno (transforma-se em vitamina A) é bom para a pele, a visão, o desenvolvimento embrionário, a
fecundidade e o sistema imunitário; ácido fólico ajuda na formação de células vermelhas do sangue e também ajuda
no desenvolvimento do feto durante a gravidez; ascorbato torna-se vitamina C é fundamental para a pele e para o
processo de cicatrização, além de estimular o sistema imunológico (CIB, 2009).
61
Pesquisadores atentam também que em países em desenvolvimento, o milho convencional
fica armazenado no campo por um longo período estando propício à proliferação de fungos. o
milho Bacillus thuringiensis (Bt) cultivar transgênico resistente a insetos apresentaria
menores teores de microtoxinas nas mesmas condições que o milho não-transgênico. Dessa
maneira, os transgênicos poderiam estimular uma alimentação mais saudável, pautada no
consumo de produtos in natura.
Não eficientes na geração de alimentos mais nutritivos, os transgênicos também
proporcionariam aumento na renda dos agricultores, bem como auxiliariam na preservação do
meio ambiente. A FAO (2002) cita que três anos após o governo chinês ter autorizado o cultivo
comercial do algodão transgênico, a área plantada com esse cultivo foi expandida de 2000 para
70000 hectares, o consumo de inseticida foi reduzido em 80%, o custo de produção por quilo caiu
28% e a produtividade por hectare aumentou. Tudo isso diminuindo o risco à saúde do lavrador
em mais de 15%.
O incremento da renda em decorrência da adoção de cultivos de OGMs se deveria a
fatores tais como a redução de perdas na produção devida às pragas (cultivos resistentes a
insetos); a restrição dos gastos com inseticidas, barateando os custos de produção; a limitação do
uso de máquinas e equipamentos resultando na diminuição das emissões e CO
2
se comparados
com cultivos convencionais. No caso de plantas transgênicas resistentes a herbicidas, seria
necessário um menor número de aplicações deste produto, o que levaria a uma menor
necessidade do uso de tratores, mitigando a compactação do solo e a queima de diesel.
Em 2004, de acordo com o estudo do National Center for Food and Agriculural Policy,
citado por CIB (2009), o cultivo de seis variedades geneticamente modificadas nos Estados
Unidos trouxe maiores rendimentos e redução de uso de pesticidas nas lavouras. Os 10,8 milhões
62
de hectares cultivados com algodão tolerante a herbicida permitiram economias da ordem de US$
263,9 milhões, enquanto que o milho transgênico economizaria por volta de US$ 138,7 milhões
(CIB, 2005).
Ao se olhar especificamente para o caso do algodão, especialistas apontam que a China
teve seus gastos com inseticidas diminuídos em 80% entre 1999 e 2001 em decorrência da
adoção de algodão transgênico (Bt). O número de aplicações de inseticidas por hectare nas
plantações de algodão Bt seria agora de um terço em comparação com plantações de algodão
não-transgênico e o custo por hectare nas unidades produtoras de algodão Bt seria um sexto das
demais.
Ao mesmo tempo, contudo, defensores da tecnologia transgênica reconhecem que as
vantagens competitivas advindas do uso de OGMs não são universais, havendo correlação com o
contexto local, com os fatores climáticos e geográficos de cada região. Para comprovar, Silveira e
Buainain (VEIGA [org.], 2007) citam o caso do uso de algodão Bt em duas regiões da Espanha
(Sarinena e Barbastro). Argumentam que a redução do custo total da produção ocorreu na
primeira região citada, pois o uso de inseticida era anteriormente imenso e a diminuição nos
custos com inseticida foi maior do que o aumento nos custos com sementes. na região de
Barbastro, onde era bem menor o uso de inseticida, a adoção do algodão Bt aumentou o custo de
produção total em 18,5%. Tal fato ocorreu em função da redução dos gastos com inseticida não
ter suprido os gastos mais elevados para a aquisição das sementes transgênicas.
Silveira e Buainain (ib.: 26) afirmam que não como se negar a existência de riscos na
utilização da engenharia genética na agricultura. Contudo, discorrem que da mesma forma,
existem riscos ao viajar de avião, ao tomar medicamentos que curam milhões de pessoas, ao se
fazer uma cirurgia de coração e ao consumir alimentos que hoje são infinitamente mais baratos e
63
que demandam fertilizantes e defensivos químicos que nada tem de natural. Para eles, é absurda a
vontade de “controlar a tecnologia”.
para Araújo (2001), a precaução é de fundamental importância ao se pensar em
políticas de introdução de OGMs na agricultura. Silveira e Buainaim (VEIGA [org.], 2007:27)
apontam como a engenharia genética é de fato um instrumento poderoso, mas que sua aplicação
potencial é tanto grande quanto desconhecida. Mas continuam, afirmando que “poder e incerteza
são atributos das inovações e não podem, a menos que existam razões objetivas sérias, ser usados
para interromper o processo de desenvolvimento científico e tecnológico”. Dessa maneira,
reconhecer que há riscos na utilização da engenharia genética não implica em ser contrário ao seu
uso já que toda inovação tecnológica possui certo risco, defendem os agroeconomistas:
Há riscos, mas não há evidência de que o nível de risco não possa ser controlado
institucionalmente ou que o risco seja tão elevado, e com potencial de dano tão
devastador a ponto de justificar o banimento dos transgênicos (VEIGA [org.],
2007:28).
A ambiguidade e a complexidade existentes em torno da transgenia existentes em
função da incerteza intrínseca aos processos de inovação poderiam coexistir sem impedir
inovações biotecnológicas na medida em que o aprendizado e mesmo as inovações incrementais
possibilitassem que se reduzam a incerteza e os custos de transação advindos dessas inovações a
todos os atores do processo inovativo. Há ainda especialistas que pontuam como o uso da
modificação genética por si não faz dos OGMs seguros ou perigosos, mas que a falta de
experiência e o potencial para certos impactos destes organismos implicariam a introdução de
estratégias preventivas para o seu uso.
Para o Office of Science and Tecnhology Policy, (citado por Veiga [org.], 2007:46) “os
produtos gerados pela biotecnologia avançada demonstraram apresentar pequeno potencial de
64
risco quando comparados, por exemplo, com o desenvolvimento de setores químico, nuclear e
automobilístico (...)”. A expansão das cultivares transgênicas pelo mundo sem dúvida
demonstraria as vantagens oferecidas por estas aos produtores. A transgenia apresentaria muitos
resultados positivos, tanto que se não fosse assim não teria sido adotada por tantos agricultores,
garantem seus defensores.
para os críticos aos OGMs, estes poderiam causar alteração do metabolismo da planta
ou animal, causando o surgimento de novas toxinas ou alérgenos, além de alterarem a
composição nutricional dos alimentos, reduzindo as quantidades disponíveis de nutrientes
essenciais ou elevando a quantidade de elementos que poderiam fazer mal a saúde humana, entre
outros (PESSANHA e WILKINSON, 2003). Segundo Fernandes (VEIGA, [org.], 2007), dentre
os efeitos inesperados dos transgênicos estariam:
i)alteração de interações com microorganismos do solo;
ii) suscetibilidade a patógenos;
iii) modificação na resistência a insetos;
iv) alteração de características reprodutivas das plantas;
v) menor produtividade da soja transgênica;
vi) variação nos níveis de expressão da proteína transgênica ao longo do ciclo da cultura.
Ainda de acordo com seus críticos, uma vez decidida a liberalização dos transgênicos, sua
disseminação seria irreversível, que o novo gene introduzido na semente poderia se propagar
sem controle na natureza:
Se, quando utilizamos animais cujas características são bem conhecidas, bem
entendidas e razoavelmente previsíveis, e os colocamos em ambientes
conhecidos, podemos causar um desastre às vezes irreversível o que se pode
65
esperar, se fizermos o mesmo com novos organismos cujas características nós
nem ao menos compreendemos bem? (RIFKTIN, 1999, citado por ARAÚJO,
2001: 128).
Um dos problemas ambientais mais graves relacionados aos transgênicos corresponderia à
possibilidade de haver o cruzamento de cultivares transgênicas com cultivares não-transgênicas.
Ou seja, as plantas “nativas” incorporariam genes que não são naturalmente de sua espécie o que
causaria a “contaminação genética” das plantas tradicionais. Por mais que isso ocorra em
pequena porcentagem, é um fato considerado por todos os cientistas. Segundo o artigo Seguridad
Alimentaria: El Derecho de los Pueblos a la Vida (CIP-ECOSOCIAL, 2008: 38-9), os
transgênicos:
Desaparecem com as populações nativas e silvestres de arroz, de trigo, peixes, e
outras fontes de alimentos. (...) Segundo um informe recente da Câmara Baixa
do Parlamento Inglês sobre a expansão dos cultivos OGM na América do Norte,
nos Estados Unidos mais de dois terços dos cultivos convencionais estão
contaminados com material genético modificado. O informe cita dados da União
dos Cientistas Preocupados (Union of Concerned Scientists, UCS), afirmando
que a contaminação por OGM é endêmica ao sistema [tradução livre].
Com a plantação de espécies transgênicas resistentes a herbicidas, seus críticos receiam
que se amplie o uso desses agroquímicos nas lavouras, com o conseqüente aumento da poluição
do meio ambiente, o que prejudica os seres vivos existentes no complexo solo-água. Além disso,
as pragas poderiam adquirir tolerância a herbicidas, tornando-se superpragas, que a expressão
constante da toxina geraria uma grande pressão de seleção. A remoção total de plantas invasoras
pelo uso de herbicidas de amplo espectro reduziria a cobertura vegetal viva do solo. Plantas
transgênicas resistentes a herbicidas poderiam, também, afetar insetos benéficos ou predadores
naturais de outras pragas: “pulgões são capazes de incorporar a toxina das plantas Bt e transferi-la
para seus predadores (os coccinelídeos ou „joaninhas‟), afetando a reprodução e a longevidade
destas espécies benéficas” (ALTTIERI, 1997, citado por ARAÚJO, 2001: 127).
66
No que se refere à expansão de cultivares transgênicas na Índia, Vandana Shiva (CIP,
2008) relata a respeito do cultivo do algodão Bt, autorizado em 2002. As autoridades locais
argumentavam que as sementes tinham sido liberadas para produção de acordo com métodos
indianos, que não haveria a necessidade do uso de pesticidas, bem como se alcançaria uma maior
produção melhorando a renda dos agricultores. Contudo, segundo Shiva, o algodão transgênico
aumentou a vulnerabilidade ecológica e econômica da região. De acordo com um estudo da
Research Foundation for Science, Technology and Ecology, mencionado pela autora, o algodão
Bt não teria resistido aos animais daninhos, sendo devastado por ataques de animais, além de ter
tido suas raízes apodrecidas. Também não cumpriria sua promessa de obter maior produção.
Shiva (ib.: 103) pontua:
Assegurou-se que se produziriam 37 quintais
13
por hectare mas, na realidade, a
produção não superou mais do que dez, uma quantidade muito inferior ao que se
pode esperar de outros algodões híbridos. A produção média foi de três quintais
por hectare [tradução livre].
Conquanto os favoráveis aos transgênicos afiancem que estes proveriam mais
rentabilidade ao agricultor, o que pouco se presta atenção, segundo os críticos, seria o fato de que
se os OGMs reduzem custos em determinados itens, por outro lado incrementam o custo da
própria semente, tanto pelo seu maior valor tecnológico quanto “pelo caráter oligopolizado do
mercado” (ARAÚJO, 2001:125). Quanto ao aumento da produtividade com o uso de
transgênicos, na verdade a grande produtividade destes se deveria à capacidade de absorver de
três a quatro vezes mais fertilizantes, caso fossem devidamente irrigados (OLIVEIRA, 2001).
Neste sentido, a alta produtividade dos OGMs o valeria de nada sem fertilizantes. No caso da
Índia, muitos dos agricultores não teriam ganhado dinheiro suficiente para cobrir os gastos com
13
Um quintal corresponde a aproximadamente 60kg.
67
as sementes e com a mão-de-obra, que teriam ficado entre US$ 187 e US$ 214 por hectare. Os
cultivadores de algodão teriam perdido cerca de US$ 24 milhões em uma colheita, embora a
Monsanto-Mahyco e o comide aprovação tivessem como discurso que os OGMs aumentariam
suas rendas médias (CIP, 2008).
Destarte, muitos discorrem como a realidade da engenharia genética seria muito mais
confusa do que se poderia inicialmente imaginar. Embora os geneticistas sejam capazes de inserir
um gene no núcleo de uma célula com a ajuda de um vetor de transferência específico, não
saberiam, contudo, se a célula incorporaria o novo gene em seu DNA, nem quais os efeitos que
teria sobre o organismo. “Assim, a engenharia genética funciona[ria] na base da tentativa e erro e
prima[ria] pelo desperdício”, garantem seus críticos (VEIGA [org.] 2007: 92). Nesse sentido:
A contaminação do abastecimento de sementes nos deixaria completamente
indefesos se se demonstra que os que fomentam os OGM estão equivocados.
Segundo o informe da UCS as sementes serão nosso único recurso caso se
demonstre que a crença que hoje prevalece sobre a segurança dos OGM está
equivocada... Se a engenharia genética fracassa, nossa capacidade para mudar de
rumo seria gravemente limitada. (CIP, 2008: 138-9).
No que diz respeito às consequências dos transgênicos à saúde humana, segundo Oliveira
(2001), o feijão transgênico produzido pela Embrapa possui um gene da castanha-do-pará, que ao
ser testado nos Estados Unidos, demonstraria causar reações alérgicas. Argumenta-se também
que se um gene introduzido num determinado tipo de alimento, como o milho, por exemplo, de
fato for prejudicial, haveria um risco potencial para aqueles que comem milho in natura e seus
derivados, como o óleo e a farinha, assim como para aqueles que consomem frango ou suíno
alimentados com o milho transgênico. No caso da soja transgênica, haveria um aumento no teor
de ácido graxo do tipo C22:0 (ácido behênico). Também apresentaria uma diminuição de 12% a
14% na concentração de fitoestrogênios naturais, que são considerados eficazes na proteção
68
contra o câncer de mama, doenças do coração e osteoporose (ARAÚJO, 2001). Além disso, o
fato de plantas geneticamente modificadas serem tolerantes a herbicidas ocasionaria um aumento
nos níveis de resíduos desses produtos nos grãos e no solo, elevando sua ingestão pelo ser
humano e pelos animais. De acordo com Bohm (2008), a quantidade de resíduos de glifosato
(principal forma de controle das plantas daninhas durante o cultivo da soja geneticamente
modificada BRS 244 RR) encontrada nos grãos seria superior ao limite máximo estabelecido pela
Agência Nacional de Vigilância Sanitária.
O conceito de equivalência substancial, que permite a comparação de um transgênico com
seu equivalente natural, seria um instrumento para que países não criem regulamentações
específicas para os transgênicos, garantem os críticos aos OGMs. Esse conceito permite garantir a
segurança de um alimento transgênico ao identificar a equivalência na composição química deste
em relação ao seu par não-transgênico. Porém, Fernandes (VEIGA [org.], 2007:87) explica que
até hoje não se teria definido o que significaria ser „equivalente‟. Ter variação de até 0,5% no
teor de proteínas? Ou de até 5%? Ou 0,002 mg de cálcio?” E ainda pontua que embora um
transgênico tenha composição nutricional análoga à de um alimento não modificado, não
necessariamente estaria estabelecida sua relação com toxidades. O mesmo autor ainda cita o
artigo publicado na revista Nature, (MILLSTONE et al., “Beyond Substancial Equivalence”, em
Nature, 7/10/1999 citado por Veiga [org.], 2007:88) em que se questiona o conceito de
equivalência substancial:
O grau de diferença entre um alimento natural e sua alternativa transgênica até
que suas “substâncias deixem de ser aceitas como “equivalentes” não está
definido em nenhum lugar, assim como não existe uma definição exata acordada
por legisladores. É exatamente esta imprecisão o que torna o conceito tão útil à
indústria, mas inaceitável à ciência, governos e aos consumidores. Além disso, a
confiança dos tomadores de decisão no conceito da equivalência substancial
funciona como uma barreira para a realização de pesquisas mais aprofundadas
sobre os possíveis riscos do consumo de alimentos transgênicos.
69
Críticos assinalam como “os supostos benefícios econômicos resultantes da adoção dos
transgênicos seriam usados para minimizar o debate sobre biossegurança, risco e princípio da
precaução”, discussões fundamentais em torno do consumo de OGMs (VEIGA [org.], 2007:81).
A ausência de rigor científico seria uma das características da difusão de variedades modificadas
geneticamente. Muito pouco do recurso gasto com biotecnologia seria alocado para estudos sobre
biossegurança. Alguns citam menos de 3% (VEIGA [org.], 2007). E mesmo depois de mais de 10
anos da entrada dos transgênicos no mercado, ainda estariam sendo formulados os métodos e as
técnicas para avaliação de seus riscos.
Não obstante, voltando aos defensores dos transgênicos, estes pontuam que quanto à
crítica de que os OGMs poderiam causar impactos aos microorganismos do solo que são
benéficos às plantas
14
, haveria pesquisas sobre impactos dos OGMs que gerariam conhecimento
expressivo para compreender, monitorar e apoiar o desenvolvimento seguro da tecnologia
transgênica. Quanto à possível destruição da biodiversidade causada pelo cultivo de transgênicos,
seus favoráveis pontuam que tal problema poderia ser resolvido com a implantação de um
zoneamento agroecológico. Aliás, solução que até hoje não teria sido mencionada pelos
militantes antitransgênicos. Com regras claras e bem especificadas, evitar-se-ia esse problema. E
da mesma maneira, a crítica de que os transgênicos difundiriam a monocultura seria errônea. Os
OGMs poderiam tanto facilitar e reforçar a monocultura como da mesma maneira poderiam
promover a diversificação e a intensificação de cultivos em pequenas áreas, liberando terras para
preservação de reservas e também para a criação de microviveiros naturais que cooperariam para
a preservação e recuperação de parte da biodiversidade perdida.
14
Por exemplo, causar impactos negativos sobre microorganismos utilizados para a fixação biológica de nitrogênio.
70
E mais, a argumentação quanto à necessidade de um processo recursivo de prova e
contraprova ainda no ambiente laboratorial somente ampliaria o atraso tecnológico. Tal fato faria
com que o processo inovativo se submetesse à agenda de inovação das empresas, minando a
possibilidade de criação de uma agenda complementar paralela que atenderia a determinadas
necessidades que não estariam no rol de prioridades das grandes multinacionais que dominam o
processo de P&D na área. Além disso, o uso político dos processos regulatórios (Princípio de
Precaução, por exemplo) poderia ter efeitos contrários aos esperados pelos críticos aos
transgênicos. Estes, ao defenderem regulações rígidas a fim de impedir a difusão de transgênicos,
terminariam por favorecer as grandes corporações e os produtos difundidos em larga escala. Não
só restringiriam a agenda de pesquisa e inovação, bem como ampliariam o espaço para quem tem
mais liberdade de ação e vantagens cumulativas no processo inovativo. Destarte, os defensores
dos OGMs afiançam: “[os críticos aos transgênicos] conseguem, [dessa maneira], caracterizar a
„profecia auto-realizada: transgênicos geram monopólios e servem aos produtores
capitalistas‟” (VEIGA [org.], 2007:44). Aqui se chega a uma outra grande polêmica quando se
trata de OGMs, debate este que é central à argumentação a ser desenvolvida a partir desse ponto
do estudo.
Dentre os riscos que cercam os alimentos geneticamente modificados, existem aqueles
que transcendem a natureza tecnológica. Nesse sentido, outras preocupações surgem, como a
privatização e a concentração da tecnologia transgênica pelas grandes multinacionais, criando
grandes monopólios na área. Como conseqüência, a diminuição da base genética da
agricultura, a transferência de bancos genéticos nacionais para as grandes multinacionais, a
elevação dos preços de sementes transgênicas, a maior influência política das grandes
71
corporações
15
, o aumento da dependência do agricultor às grandes multinacionais produtoras de
sementes, entre outras. São notadamente nesses aspectos que os transgênicos aprofundam o
modelo de desenvolvimento disseminado pela RV dos anos 1960.
Ao concluir essa discussão, constata-se, a partir da exposição do debate acima, que a
biotecnologia não foge à ambiguidade. Existem visões antagônicas ao seu respeito que, contudo,
não podem ser eliminadas. No que diz respeito especificamente à biotecnologia agrícola, o fato
de por um lado permitir o aumento da produtividade e, por outro lado, poder causar danos ao
meio ambiente e à saúde, assim como a intensificação da dependência na produção agrícola, bem
exemplifica a dificuldade em conciliar interesses em conseqüência da elevada incerteza quanto
aos seus impactos. Não se tenciona nesta pesquisa tomar um posicionamento frente aos possíveis
malefícios à saúde e ao meio ambiente causados pelos transgênicos, embora seja muito forte essa
discussão. A biotecnologia, assim como qualquer tecnologia, possui riscos inerentes à prática
tecnológica, como a possibilidade de contaminação ambiental. Não obstante, como pontuado,
existem riscos que transcendem a natureza tecnológica. E este trabalho prima pela apreciação
destes aspectos, notadamente as questões comerciais relacionadas aos transgênicos.
Nesse sentido, defende-se nessa pesquisa o ponto de vista de que os transgênicos são uma
segunda RV não pelas promessas de alcance de grandes índices de produtividade agrícola
cooperando para o fim da fome no mundo (como bem enfatizavam os entusiastas da primeira
RV), mas também pelo fato do monopólio na geração do conhecimento técnico na agricultura por
15
Citando especificamente o Estado brasileiro, Araújo (2001: 140) argumenta como seria forte a “influência exercida
por empresas e seus agentes na aprovação de leis que os beneficiem ou de decisões administrativas que ampliem seus
lucros. Esta ão, legítima quando transparente, e ilegítima e ilegal quando decorrente de fraude e corrupção, é
facilitada, em ambos os casos, pelo poder econômico e pela maior facilidade de acesso aos centros decisórios da
administração. (...) ao se concretizar a previsão de concentração econômica nas áreas de pesquisa e melhoramento
vegetal e de produção de sementes, com a formação de monopólios de grande poder econômico, provavelmente,
intensificar-se a influência desses setores sobre o Estado brasileiro, moldando o processo regulatório e
fiscalizatório a seus interesses”.
72
parte da comunidade científica existente na RV ter sido intensificado com o surgimento dos
transgênicos.
A primeira RV intensificou a monocultura, diminuiu a diversidade genética e estabeleceu
laços de dependência do agricultor para com a agroindústria que as sementes melhoradas
alcançavam grandes índices de produtividade com a utilização do chamado “pacote tecnológico”
(constituído por herbicidas, pesticidas, etc.) (OLIVEIRA, 2001). A RV demonstrou que o
problema da fome no mundo hoje não é conseqüência da produção insuficiente de alimentos, mas
sim uma questão eminentemente política, relacionada a políticas de distribuição de renda. Isto é,
a fome no mundo é produto não da escassez de alimento. É resultado da impossibilidade do
acesso a ele. Nesse sentido, o discurso de que a crescente demanda por alimentos e matérias-
primas em escala mundial necessitaria de uma nova RV, agora pautada na biotecnologia e na
engenharia genética, é um ponto de vista que nada mais é do que um malthusianismo revisitado
(ARAÚJO, 2001). Dessa maneira, a afirmação de que os transgênicos são instrumentos de
combate a fome é falsa dada sobretudo as lições da primeira RV. Um dos grandes paradoxos da
RV, a miséria em abundância que diante de grandes colheitas e estoques jamais antes vistos
mais famintos do que em qualquer outro momento anterior da história corresponde a uma
espécie de “sintoma” presente também na segunda Revolução Verde, pautada nas sementes
geneticamente modificadas (MINAYO, 1985). Dessa forma, o “paradoxo da plenitudeda RV
está sendo intensificado com a entrada dos OGMs na agricultura.
Através da transgenia, a hereditariedade foi reduzida à sua base material, o DNA, que
passou a ser patenteado e transformado em commodity. Dessa forma, procurar-sedemonstrar
nos próximos capítulos como determinadas conseqüências indesejadas da transgenia, como a
monopolização tecnológica e o aumento da dependência dos agricultores para com as grandes
73
multinacionais do setor agrícola, não estão relacionadas às características da tecnologia em si,
mas sim se relacionam com os contextos político, social e econômico bem como seus
mecanismos jurídicos e comerciais a partir dos quais a tecnologia é desenvolvida, produzida e
consumida.
74
75
CAPÍTULO III: CONCENTRAÇÃO NO SETOR DE SEMENTES
TRANSGÊNICAS: MONOPÓLIO E DESIGUALDADE
III.1 O ESTADO NA ERA DO CONHECIMENTO
Muitos especialistas enfatizam que com o estabelecimento de relações transnacionais, as
interações e contatos através das fronteiras não estariam mais centralizados no órgão
governamental. As empresas seriam os grandes atores do crescimento econômico, não buscando
obter tecnologia pela própria tecnologia nem o aumento de produtividade para a melhora das
condições sociais. As grandes companhias empresariais agiriam de acordo com o contexto
histórico no qual estão inseridas, conforme as regras do sistema econômico atual, no caso, o
capitalismo informacional. Assim:
as empresas [estão] motivadas não pela produtividade, e sim pela lucratividade,
para a qual a produtividade e a tecnologia podem ser meios importantes mas,
com certeza, não os únicos. E as instituições políticas, moldadas por um
conjunto maior de valores e interesses, [estão] voltadas, na esfera econômica,
para a maximização da competitividade de suas economias. A lucratividade e a
competitividade são os verdadeiros determinantes da inovação tecnológica e do
crescimento da produtividade. (CASTELLS, 2000:100).
Dessa forma, diante do processo de globalização econômica, em que o mercado
supostamente constituiria a principal força dirigente no mundo internacional, o papel principal no
sistema seria agora exercido pelo setor privado? A autoridade política dos Estados estaria
findando? Diante da existência de relações transnacionais (em que pelo menos um dos atores
envolvidos é não-estatal), o aparato formal do Estado se tornaria um paradigma inadequado para
se entender a política e a economia na contemporaneidade? (KEOHANE e NYE, 1972)
76
Determinados autores apontam como as formas de organização estatais ficaram incapazes
de lidar com a revolução tecnológica informacional. De acordo com eles, o Estado perdeu o
controle da informação, que era o elemento básico em que estava baseado seu poder através da
história. Assim, ele se tornou cada vez mais inoperante no global e cada vez menos representativo
no nacional. Tal fato teria levado os setores sociais a se refugiarem em torno das identidades
criadas ao redor de sua experiência e seus valores tradicionais, como religião, localidade,
memória, cultura étnica, etc. Haveria aqui o questionamento do Estado-nação e a incapacidade de
pensá-lo em sua forma tradicional de estruturação frente aos embates da economia global e das
sociedades locais. Seria necessária a mudança da máquina burocrática de suas formas de gestão
(CASTELLS, 2000).
Para Arjun Appadurai (1997:34), oEstado-nação moderno estaria numa grave crise
enquanto organização compacta e isomórfica de território, etnia e aparato governamental”, ao
mesmo tempo em que surgiriam formações sociais não-nacionais e mesmo pós-nacionais.
Segundo este autor, a constituição do Estado-nação na sua forma clássica pressupõe o
isomorfismo entre povo, território e soberania legítima. Não obstante, cada vez mais o território
como base da lealdade e do sentimento nacional estaria divorciado do território como lugar da
soberania e controle estatal da sociedade civil, graças às formas de circulação de pessoas
características do mundo contemporâneo. Essa pluralidade étnica e cultural, enquanto resultado
do fluxo de populações do mundo contemporâneo, entraria em choque com a estabilidade
promovida pelo projeto territorial pautado no Estado-nação moderno.
Contudo, o Estado ainda corresponde a um elemento crucial de regulação econômica, de
representação política e de solidariedade social, mesmo que dentro de importantes limites
estruturais e culturais e com formas de atuação que são historicamente novas (CASTELLS,1998).
77
O Estado não perde capacidade de ação, ainda sendo um agente importante na indução ao
desenvolvimento, recebendo e processando elementos do sistema global interconectado,
adequando-os à realidade do país. Keohane e Nye ([org.], 1972: xxii) defendem a permanência do
papel central dos Estados nas relações internacionais:
Nossas observações sobre as mudanças no mundo da política não negam que os
governos continuam sendo os mais importantes atores do jogo. Embora as
organizações transnacionais sejam imensamente mais abundantes e importantes
agora do que antes de 1914 ou 1945, os governos têm procurado desde a
Primeira Guerra Mundial não somente manter mas também estender seu controle
sobre as forças e os eventos externos [tradução livre].
A política ainda possui papel determinante no funcionamento das economias, tanto dos
países desenvolvidos quanto dos países menos desenvolvidos. É um instrumento imprescindível
para os processos de inovação e de acumulação de aprendizado, elementos estes estratégicos na
nova ordem mundial, fundamentais para a diminuição da desigualdade entre empresas, regiões e
países no sistema internacional.
Os governos, notadamente dos países desenvolvidos, permanecem legítimos e capazes de
agir no novo espaço e nas condições que surgem com a RCT. Dessa maneira, demonstra-se como
os Estados mantêm a sua legitimidade ao engendrarem uma série de instrumentos cada vez mais
complexos com o intuito de responderem à maior exposição de suas economias no âmbito
internacional:
Em vez de perderem sentido, na verdade, as políticas nacionais passam a ter seu
alcance, desenho, objetivo e instrumentos reformulados, visando ao atendimento
e novos requisitos da era do conhecimento. Sobretudo no caso de economias em
desenvolvimento, políticas nacionais de promoção da capacidade e do
desenvolvimento econômico e social são condição indispensável à inserção
menos subordinada no cenário internacional (LASTRES et al., 2002:64).
78
Castells (1998) especificamente não discorre sobre a permanência do Estado como ator
central nas relações internacionais como bem pontua para sua nova forma institucional que,
segundo ele, nasceu para a adequação aos novos problemas de administração pública e gestão
política. Esse rearranjo institucional é uma resposta à crise estrutural do Estado na era da
informação. De fato, o que ele denomina Estado-rede é a forma de sobrevivência do Estado na
era da informação e da globalização.
A nova forma de intervenção estatal em uma economia global une a competitividade, a
produtividade e a tecnologia. O Estado ampara o desenvolvimento tecnológico das indústrias do
país e de sua infra-estrutura de produção a fim de promover a produtividade e ajudar “suas”
empresas a competir no mercado mundial (CASTELLS, 2000). Em momentos cruciais, os
governos usam a concorrência econômica das empresas de seus países para o atendimento dos
interesses políticos nacionais. Estados também protegem seus mercados evitando a entrada de
concorrência externa engendrando uma vantagem competitiva para setores específicos em fase de
crescimento. Assim, a produtividade e a política se unem, tornando-se instrumentos basilares para
a competitividade. Com a interdependência e a abertura da economia internacional, existe o
esforço em se promover o desenvolvimento de estratégias em nome do empresariado nacional:
Desregulamentação e privatização podem ser elementos da estratégia
desenvolvimentista dos Estados, mas seu impacto no crescimento econômico
dependerá do conteúdo real dessas medidas e de sua conexão com estratégias de
intervenção positiva, tais como políticas tecnológicas e educacionais que
aumentem os recursos e talentos do país no âmbito da produção informacional
(CASTELLS, 2000:108-9).
Com isso, demonstra-se como a economia informacional global é uma economia muito
politizada e a revolução tecnológica é estruturada de acordo com os processos políticos moldados
no e pelo Estado. Embora os processos estruturais da economia e da comunicação estejam cada
79
vez mais globalizados, os Estados ainda são e continuarão sendo fundamentais enquanto agentes
de intervenção estratégicos nos processos econômicos.
Embora exista uma economia global no sentido de que os agentes econômicos agem em
uma rede global de interação que ultrapassa as fronteiras nacionais e geográficas, essa economia
é diferenciada pelas políticas em função do importante papel dos governos nacionais nos
processos econômicos. A diferenciação política do sistema global define os processos
econômicos, ou seja, a era do conhecimento é a representação da “complexa interação entre as
instituições políticas com raízes históricas e os agentes econômicos cada vez mais globalizados”
(CASTELLS, 2000:120). A economia global não está, portanto, a parte da questão do poder
estatal.
Cada empresa multinacional ainda mantém grande parte de “seus ativos e o centro de
comando estratégico no país historicamente definido como sua „terra natal‟”. (CASTELLS,
2000:115). Chesnais (1996) pontua como os pontos fortes e fracos da base nacional de uma
grande multinacional e a ajuda que tiver recebido de seu Estado se transformam em elementos de
sua estratégia e de sua competitividade. Tal fato comprova mais uma vez o importante papel do
Estado na definição da estrutura e da dinâmica da nova economia. Como indica o Centro sobre
Empresas Transnacionais da Organização das Nações Unidas (ONU), citado por Castells
(2000:116), as empresas multinacionais do Japão foram amplamente apoiadas pelo governo e
mantiveram seus principais ativos financeiros e tecnológicos no país. Multinacionais americanas
seguem instruções de seu governo, às vezes de forma relutante, quando chegam a recusar
tecnologia a países em desacordo com a política externa norte-americana. De modo semelhante, o
governo dos Estados Unidos apóia projetos tecnológicos de empresas norte-americanas e
interfere em transações comerciais em nome dos interesses da segurança nacional. Além do mais,
80
seu governo também vem lutando para fomentar a aceitação dos cultivos transgênicos, a
liberalização do mercado de biotecnologia e a padronização mundial dos direitos de propriedade
intelectual para os produtos da biotecnologia a fim de avigorar a posição dominante de sua
indústria biotecnológica (VEIGA [org.], 2007). Robert Gilpin (2002) igualmente aponta como as
multinacionais norte-americanas e a política externa deste país possuem interesses que se
complementam. As primeiras produzem divisas que colaboram para a manutenção da posição
política e militar dos Estados Unidos sendo importantes, portanto, para a perpetuação da
influência global deste país.
Pelo fato das empresas multinacionais ainda serem muito dependentes de suas bases
nacionais, a afirmação de que as empresas transacionais são “cidadãs do mundo” não tem
validade. O termo transnacional na verdade pertence “ao mundo de representação tica (ou
formação de imagem para benefício próprio por parte de consultores administrativos) do que às
realidades institucionais da economia internacional” (CASTELLS, 2000: 210). Assim. observa-se
que embora as redes internacionais sejam estruturadas em torno das multinacionais, a economia
global não está centrada nessas empresas. Estas são as detentoras do poder proveniente da riqueza
e da tecnologia na economia global; não obstante, estão inseridas “em uma multiplicidade de
ambientes institucionais
16
” (ib.:212).
Ao constatar a primazia do papel do Estado na nova ordem estabelecida e a ação em
muitos casos convergentes das multinacionais para com seus países de origem constituindo-se
em instrumentos eficazes de política externa observa-se que a concentração e a monopolização
16
Estas empresas são diferenciadas internamente “em redes descentralizadas e externamente dependentes de sua
participação em uma estrutura complexa e em transformação de redes interligadas, redes internacionais. Também,
cada componente dessas redes internas e externas está imerso em ambientes culturais/institucionais específicos
(nações, regiões, locais) que interferem na rede em diversos níveis”. (CASTELLS, 2000:211)
81
de conhecimentos estratégicos atendem não só aos interesses das empresas, mas antes de tudo aos
dos próprios países. Destarte, a posse de conhecimentos estratégicos, garantida por intermédio da
reformulação e ampliação dos direitos de propriedade intelectual, aumenta a disparidade de
informações e conhecimentos que separa países desenvolvidos dos não desenvolvidos,
conformando novas formas de desigualdade no sistema internacional.
III.2 MONOPOLIZAÇÃO DO CONHECIMENTO NO MUNDO GLOBALIZADO: O
CASO DA TECNOLOGIA TRANSGÊNICA.
A fase transnacional do capitalismo, ao criar uma nova ordem agrícola mundial, afeta a
organização interna dos setores produtivos, incluindo o setor agrícola e de alimentos. Em um
desenvolvimento tecnológico agrícola intensivo em conhecimento, os transgênicos (uma
tecnologia intensiva em conhecimento) passam a ter um potente valor comercial de troca. Em
função de seu valor econômico, o conhecimento de determinadas técnicas termina encapsulado
pelas grandes multinacionais do setor na forma de commodity. Dessa maneira, uma parte
importante do processo de produção social dirige-se cada vez mais a essas grandes empresas, em
detrimento dos agricultores.. Portanto, a transgenia e a biotecnologia agrícola, de modo geral, não
possuem somente implicações ambientais; elas também provocam transformações nas relações
sociais de produção agrícola em escala global, bem como imensas conseqüências para a
habilidade do mundo empobrecido em prover a si mesmo com suas necessidades básicas
(RICHARDS, 2004).
82
É importante ressaltar brevemente que esta pesquisa se foca no setor de sementes
(insumos). Não serão enfatizados os outros elos do Complexo Agroindustrial
17
, como as
atividades de transformação e distribuição de produtos agroalimentares. No entanto, reconhece-se
a importância e a influência destes outros setores na conformação e na própria dinâmica do
Complexo.
Como discorrido no primeiro capítulo, a aceleração do processo de globalização bem
como o novo papel assumido pelo conhecimento e pela informação são dois fenômenos de
extrema relevância das últimas décadas e estão intensamente interligados. Com isso, a análise da
globalização e seus efeitos é imprescindível a fim de se compreender o processo de concentração
da produção de P&D por determinadas empresas e seus países correspondentes. Chesnais
(1996:27) aponta como “no tocante ao „progresso cnico‟, a globalização é quase
invariavelmente apresentada como um processo benéfico e necessário”.
A globalização é complexa e repleta de divergências. Esse fenômeno pode ser
interpretado como um processo que inclui, engendrando um ambiente de interdependência,
graças às TIC, ou como um processo excludente, que cria e intensifica desigualdades entre as
nações por intermédio de diversos mecanismos institucionais, como o regime de propriedade
intelectual.
Questiona-se nesse ponto da pesquisa qual é a real extensão da globalização. Uma das
distorções quanto a esse fenômeno é seu forte conteúdo ideológico. Pode-se realmente pensar na
existência de um mundo global e includente? Que tipos de informações, conhecimentos e
tecnologias efetivamente estão sendo globalizados? Quem de fato se apropria dos resultados de
17
Existem diversas unidades de análise com o intuito de se compreender o aparelho produção agrícola
transformação distribuição. E dentre as mais importantes estão o Agronegócio, o Sistema Agroalimentar e o
Complexo Agroindustrial (BELIK, 2007).
83
P&D? Como as novas tecnologias estão sendo distribuídas no setor agrícola, em especial no setor
de sementes, e como os direitos de propriedade intelectual influenciam esse processo?
III. 2.1 As fusões e aquisições no setor agrícola:
Nas chamadas “Indústrias da Vida”, na qual as indústrias de biotecnologia agrícola se
encontram, é forte a concentração de um mercado já caracterizado como oligopólio.
Demonstrou-se no segundo capítulo que a RV (pautada no processo de melhoramento de
sementes, máquinas e defensivos agrícolas) começou a apresentar sinais de esgotamento a partir
dos anos 1980. Com a limitação do processo de inovação do setor de defensivos agrícolas, as
indústrias do ramo buscaram a criação de novos produtos que fossem eficazes no combate a
pragas e outros patógenos e passíveis de patenteamento. Em função desses fatores e outros, como
o aumento da resistência de pragas aos defensivos agrícolas tradicionais, algumas dessas
indústrias se focaram em P&D em setores tecnologicamente promissores, como a genética,
associando-a ao setor químico. A união entre a química e a genética originou uma nova dinâmica
de inovação, basilar no setor agrícola atualmente.
Desde a década de 1970, o setor de sementes passou por dois momentos primordiais.
Como citado, em princípio houve a entrada de grandes empresas de agrotóxicos no setor de
sementes, por meio da compra de empresas do ramo. O segundo momento se caracterizou pela
concentração, instante em que as sementeiras passaram para as mãos das grandes corporações
multinacionais.
As empresas do setor defensivo compraram massivamente as indústrias de sementes:
O sentido destas operações está no fato de que, via biotecnologia, se incluem
nessas sementes a capacidade de resistirem aos herbicidas produzidos por essas
mesmas empresas. O mesmo princípio se aplica à elaboração de resistência
genética a insetos e doenças. Nesse ambiente competitivo, a emergência de um
cenário caracterizado por transformações tecnológicas e desregulamentação
84
flexibilizou as fronteiras da indústria e criou novas oportunidades de negócios,
ampliando, não somente a dimensão, como a intensidade da competição na
escala internacional. Estava assim definida a “Indústria da Vida”. (VIEIRA
JUNIOR et al., 2009: 3).
A Monsanto, que em 1945 inicia sua produção e comercialização de agroquímicos, ao
começo da década de 1980 não estava presente no mercado de sementes. Hoje, todavia, é líder
nesse setor, controlando um grande acervo genético.
Atualmente, as seis maiores companhias de sementes e agroquímicos (BASF, Monsanto,
Bayer, Syngenta, DuPont e Dow AgroSciences), controlam metade do mercado de sementes e
74% do mercado global de agroquímicos. Desta maneira, demonstra-se como as maiores
agroquímicas do mundo também são gigantes da indústria de sementes (ECT-Group, 2008). E
esses mesmos gigantes do setor agroquímico e de sementes buscam mais fusões e aquisições,
garantindo a eles o controle de todos os aspectos da cadeia de produção do trabalho agrícola.
85
Tabela 3 - As maiores agroquímicas no mercado de sementes
Companhias
Vendas de agroquímicos em
2007 (US$ milhões)
% no mercado
Bayer (Alemanha)
$7.458
19%
Syngenta (Suíça)
$7.285
19%
BASF (Alemanha)
$4.297
11%
Dow Agrosciences (EUA)
$3.779
10%
Monsanto (EUA)
$3.599
9%
DuPont (EUA)
$2.369
6%
Makhteshim Agan (Israel)
$1.895
5%
Nufarm (Austrália)
$1.470
4%
Sumitomo Chemical (Japão)
$1.209
3%
Arysta Lifescience (Japão)
$1.035
3%
Total: 10
$34396
89%
Fonte: ECT-Group (2008).
Destarte, leva-se à concentração na área agrícola tendo como base comum a esses setores
o uso privado do gene. Essas “Indústrias da Vida” se especializaram em duas vertentes: saúde e
agricultura. Como exemplo, há o caso da Aventis e da AstraZeneca, duas firmas que atuavam nos
setores de fármacos e de defensivos agrícolas na cada de 1990 e em 2000, passaram a se
dedicar somente ao setor de fármacos. Outro exemplo é o caso da Monsanto, que teve a
oportunidade de entrar no setor de fármacos pela associação com a Pharmacia na década de 1990,
mas escolheu a especialização no setor agrícola nos anos 2000. também o exemplo da Bayer,
que se mantém nos dois setores, porém criou uma divisão independente, a Bayer CropScience,
para o setor agrícola.
86
As operações de fusões e aquisições tornam-se instrumentos para que as “Indústrias da
Vida” alcancem posição de destaque na competitividade em um ambiente altamente
financeirizado e de alto risco. De acordo com Silveira, Futino e Olalde (2002: 130):
A dependência da biotecnologia com a continuidade das atividades científicas
reforça a percepção de que a procura e o estreitamento de sua base de
investigação em torno da exploração das oportunidades tecnológicas que
pareçam mais rentáveis é uma opção de elevado risco em um horizonte de largo
prazo e que vise dar às empresas envolvidas uma posição de destaque.
Assim, abre-se espaço para a ampliação da propriedade intelectual dos inventos nas
indústrias da vida e, conseqüentemente, para a patenteação de genes. As vantagens comparativas
são levadas em consideração, pretendendo torná-las mais rentáveis. Dessa maneira, com as fusões
e aquisições, buscam as “indústrias da vida” aumentar seu poder econômico, atuando com ênfase
na maximização do lucro (CANO, 2002).
87
Tabela 4 - Vendas das maiores firmas de defensivos agrícolas e concentração mundial (CR4)
entre os anos de 1997 e 2005
Fonte: Vieira Junior, et al. (2007).
A concentração da produção e do mercado internacional de fármacos, defensivos e, o que
mais interessa nessa pesquisa, de sementes em função das constantes fusões e aquisições
demonstradas acima resultou, portanto, na concentração de um mercado altamente
Firma
Defensivos
Sementes
1997
1999
2001
2003
2005
1997
1999
2001
2003
2005
Bayer CropScience
2.254
2.456
2.418
5.394
6.080
-
-
250
311
390
Syngenta
4.199
3.800
5.385
5.507
6.030
928
930
937
1.071
1.800
BASF
1.855
2.100
3.105
3.569
4.141
-
-
-
-
-
Dow Agrosciences
2.200
2.132
2.616
3.009
3.368
136
220
200
204
495
Monsanto
3.126
3.230
3.755
3.031
3.142
1.800
1.700
1.650
1.879
3.252
Dupont
2.518
2.309
1.917
2.024
3.037
1.618
1.850
2.000
2.240
2.750
Sumitomo
717
760
780
1.141
1.320
-
-
-
-
-
Makhteshim-Agan
740
852
889
1.035
1.740
-
-
-
-
-
Advanta (AstraZeneca)
2.674
2.504
-
-
-
437
416
435
-
-
Aventis
4.554
4.582
3.842
-
-
134
288
-
-
-
American Home Products
2.119
-
-
-
-
-
-
-
-
-
Groupe Limagrain
-
-
-
-
-
686
700
433
497
1.160
KWS-AG
-
-
-
-
-
329
355
391
529
622
Sakata
-
-
-
-
-
349
396
376
395
416
Delta & Pine
-
-
-
-
-
-
301
298
315
365
DLF-Trifolium
160
207
210
256
320
Takii
-
-
-
-
-
300
312
320
366
316
Seminis
-
-
-
-
-
375
531
453
477
-
CR4
47%
79%
81%
82%
86%
23%
21%
-
-
33%
88
concentrado. Em menos de três décadas, algumas poucas corporações multinacionais formaram
um rápido e forte cerco em torno do primeiro escalão da cadeia alimentar.
III.2.2 O mercado de sementes
Em 2007, o valor total do mercado de sementes foi de US$26,7 bilhões chegando a
US$34 bilhões em 2008, de acordo com JAMES (2008) sendo que deste total, US$ 22 bilhões
corresponderam às sementes patenteadas ou protegidas de acordo com os direitos de propriedade
intelectual. Essas sementes que estão protegidas ou sujeitas ao monopólio, correspondem a 82%
do mercado mundial de sementes (ETC-GROUP, 2008).
Figura 2 - Mercado global de sementes comerciais (transgênicas e não-transgênicas)
Fonte: ECT-Group (2008).
As 10 maiores companhias controlam 67% do mercado global de sementes patenteadas
sendo que a Monsanto, maior empresa do setor de sementes, detém sozinha 23% desse mercado.
As três maiores multinacionais (Monsanto, DuPont e Syngenta) controlam juntas 47% do
mercado global de sementes protegidas por propriedade intelectual (dados de 2007). Outra
demonstração do quão concentrado é o setor de sementes, essas três companhias possuem 65%
89
do mercado mundial de sementes protegidas por propriedade intelectual de milho e metade do
mercado de semente de soja.
Tabela 5 - As 10 maiores companhias de sementes do mundo
Companhias
Vendas de sementes
em 2007 (US$
milhões)
% do mercado global de
sementes protegidas por
propriedade intelectual
1.Monsanto (EUA)
$4.964
23%
2.DuPont (EUA)
$3.300
15%
3.Syngenta (Suiça)
$2.018
9%
4.Grupo Limagrain (França)
$1.226
6%
5.Land O‟ Lakes (EUA)
$917
4%
6.KWS AG (Alemanha)
$702
3%
7.Bayer Crop Science
(Alemanha)
$524
2%
8.Sakata (Japão)
$396
<2%
9.DFL Trifolium (Dinamarca)
$391
<2%
10.Takii (Japão)
$347
<2%
Total: 10
$ 14785
67%
Fonte: ECT-Group (2008).
III.2.3 O mercado de sementes transgênicas
As sementes geneticamente modificadas são responsáveis por importantes fontes de renda
para as grandes multinacionais do setor de sementes. Em 2007, 48% das sementes pertencentes à
empresa DuPont eram geneticamente modificadas. Além disso, as sementes transgênicas
corroboram a maior concentração do setor de sementes. Por que a “indústria do gene” é altamente
concentradora?
Como apontado no primeiro capítulo, o valor global do comércio de sementes
transgênicas atingiu a marca dos US$7,5 bilhões em 2008, o que representa 22% dos
aproximadamente US$34 bilhões do comércio mundial de sementes nesse mesmo período.
90
Desses US$7,5 bilhões, US$3,6 bilhões correspondem ao milho transgênico (48%), enquanto que
US$2,8 bilhões são de soja transgênica (37%); o algodão corresponde a US$0,9 bilhão (12%) e a
canola é responsável por US$0,2 bilhão ou 3% do comércio global de sementes geneticamente
modificadas.
As sementes transgênicas da Monsanto representam 87% das sementes geneticamente
modificadas plantadas no mundo inteiro. No Brasil, hoje segundo maior produtor de soja do
mundo, com uma produção recorde estimada para o ano de 2010 no valor de R$ 65 milhões,
detém 60% da sua produção pautada em sementes transgênicas de posse de uma única grande
empresa, a própria Monsanto
18
. Por outro lado, esta empresa justifica que licencia suas sementes
transgênicas para 250 empresas.
Tabela 6 - Área de plantio transgênico como porcentagem da área global cultivada dos
principais cultivos em 2008
Cultivo
Área Global
(milhões de
hectares)
Área de cultivo transgênico
(milhões de hectares)
% de cultivos
transgênicos em
relação ao cultivo
global
Soja
95
65,8
70%
Algodão
34
15,5
46%
Milho
157
37,3
24%
Canola
30
5,9
20%
Outros
--
0,5
--
Total
316
125
40%
Fonte: James (2008).
18
BASF é autorizada a vender soja geneticamente modificada no Brasil. Folha de São Paulo, São Paulo, 5/2/2010.
Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u689973.shtml.
91
Figura 3 - Taxa de adoção global por principais cultivos transgênicos em 2008 (milhões de
hectares)
Fonte: James, 2008.
Cada vez mais os “gigantes do gene” estão formando alianças entre si, findando a
existência de um mercado competitivo. Por intermédio de acordos de cooperação em P&D, as
mais importantes companhias multinacionais do setor de sementes e agroquímicos reforçam o
poder de mercado em benefício próprio. Como discorre o ETC-GROUP (2008), essa tendência
não é novidade, mas os acordos de cartéis estão se tornando cada vez maiores e mais fortes.
Dentre esses acordos estão:
o estabelecido em março de 2007 pela maior empresa de sementes, a Monsanto, com a maior
empresa do setor agroquímico, a BASF. Foi anunciado um acordo de cooperação em P&D da
ordem de US$ 1,5 bilhão com o intuito de se aumentar os rendimentos e a tolerância à seca
das sementes de milho, algodão, canola e soja. Nesse caso, se alcança todos os benefícios de
mercados oligopolizados sem as restrições antitruste: “Este é um grande passo rumo ao
92
fornecimento de sementes de maior rendimento aos agricultores”
19
(MONSANTO, 2007a),
afiançam os representante da Monsanto.
Também se destaca os esforços da Monsanto juntamente com a AgroScience (empresa de
agroquímicos) no sentido de desenvolverem o primeiro milho geneticamente modificado com
oito novos genes. A liberalização está prevista para 2010. O vice-presidente executivo de
estratégia e operações da Monsanto discorre: “Os fazendeiros terão mais opções de produtos a
fim de incrementarem seu desempenho e proteção, o que se traduz em uma oportunidade de
maiores rendimentos e uma ocasião oportuna de crescimento para os seus negócios e para os
nossos”
20
(MONSANTO, 2007b).
Outro acordo que merece destaque é o firmado entre a Monsanto e a Syngenta em maio de
2008. Neste, busca-se uma trégua em litígios pendentes, intentando-se também alcançar
novos acordos entre as duas empresas. O vice-presidente executivo da Monsanto, Brett
Begemann, aponta: “Nós estamos satisfeitos pelo fato de termos sido capazes de trabalhar
com a Syngenta colocando os clientes em primeiro lugar, estabelecendo um acordo que lhes
oferece muitos benefícios e escolhas...”
21
(MONSANTO, 2008).
Embora as “gigantes do gene” afirmem que os agricultores irão se beneficiar dos acordos
de cartel, contudo não dúvida de que os clientes pagarão mais caro pelas sementes, além de
contarem com menos opções no mercado. A grande gama de investimentos em P&D por parte
das principais companhias, em decorrência do aumento dos custos das pesquisas e do
recrudescimento das regulações, limita a entrada de outras empresas no ramo. De ano a ano, a
19
Tradução livre.
20
Idem.
21
Idem.
93
Monsanto aumenta seu investimento em P&D em 14%, chegando hoje a um total de US$ 800
milhões anuais (10% de seu faturamento). A revista Nature Biotechnology
22
enfatiza como os
negócios em transgenia parecem que estão se transformando em uma batalha exclusiva de
gigantes.
A Organização para Mercados Competitivos (OCM sigla em inglês) pondera que a
“falta de competição e inovação no mercado reduziu as opções dos agricultores e permitiu à
Monsanto aumentar os preços livremente” (OCM, 2008). Em agosto de 2009 foi anunciada a
vontade da Monsanto em aumentar o preço de suas novas sementes em 42% pelo fato de seu
principal herbicida, o Roundup, ter tido uma queda nas vendas (BRENNAM, 2009).
Contudo, o professor e pesquisador do Instituto de Economia da Universidade estadual de
Campinas (Unicamp), José Maria da Silveira, asseverou em entrevista como não se pode iludir
achando que qualquer mercado tecnológico possui competição perfeita. “O problema dos críticos
aos transgênicos é que eles pensam que o mercado de semente convencional é um mercado puro,
o que não é verdade”. Por outro lado, ele admite que sim risco de monopólio: “realmente em
alguns setores de genética houve um nível de concentração elevadíssimo”.
Até aqui se concluí que conquanto a área cultivada com transgênicos esteja crescendo, a
transgenia coopera para fortalecer as incertezas quanto ao futuro da produção de alimentos e da
segurança e soberania alimentar das nações, notadamente das mais pobres. Em vez de propiciar o
desenvolvimento da agricultura, na verdade procura estabelecer uma padronização global desta e
a dependência total do agricultor em relação às poucas empresas multinacionais do setor que
controlam a tecnologia transgênica. De acordo com o Centro de Segurança Alimentar (CSA), em
22
Mithell (2007).
94
entrevistas cedidas por pequenos agricultores, estes discorrem sobre as dificuldades cada vez
maiores em adquirir variedades convencionais de determinadas espécies de sementes. De acordo
com o Centro:
O plantador de soja de Indiana, Troy Roush afirma: „Você não pode nem mesmo
comprá-las nesse mercado. Não estão disponíveis. “Um agricultor de Arkansas
concorda: “Está se tornando cada vez mais difícil encontrar sementes (de soja)
convencionais”. Um plantador de algodão do Texas relata da mesma forma:
“Praticamente o único tipo de semente de algodão que você consegue achar
atualmente é geneticamente modificado. Da mesma forma com as variedades de
milho. Não existem muitas sementes disponíveis que não sejam geneticamente
alteradas de alguma forma”. (CSA, 2005:13).
Criam-se, portanto, novos laços de dependência entre os agricultores e as grandes
multinacionais: “Assim, como na Revolução Verde, os novos cultivares novamente formarão o
núcleo de „pacotes tecnológicos‟, mas as sementes originárias da engenharia genética garantirão
que os fazendeiros ficarão muito mais presos aos agroquímicos patenteados” (GOODMAN;
SORJ; WILKINSON, 1990:98). A semente de soja da Monsanto, a Roundup Ready, ao ser
resistente ao herbicida Roundup fabricado pela própria Monsanto, garantindo o mecanismo de
venda casada, constitui um bom exemplo. Tal fato corrobora a perda de importância das
Instituições Públicas de Pesquisa Agrícola dos países em desenvolvimento, o que dificulta o
intercâmbio de inovações tecnológicas e a prevalência de pesquisas agrícolas que levem em
consideração as necessidades dos países mais pobres.
III.2.4 Onde estão as Instituições Públicas de Pesquisa Agrícola?
Como apontado no primeiro capítulo, a partir dos anos 1960, a participação do setor
público em pesquisas na área agrícola diminui. No Brasil, apesar da criação da Embrapa em
1973, nos anos 1980 e 1990 esta instituição pública de pesquisa agrícola sofre com o
desmantelamento do Estado nacional e com as políticas de cunho neoliberal colocadas em
95
prática. Nesse período, o governo diminuiu abruptamente o investimento em novas tecnologias
agrícolas.
Pedro Abel Vieira Junior, pesquisador da Embrapa Informática Agropecuária, afirmou em
entrevista como a Embrapa possui tipos de Bt (transgênicos resistentes a insetos) de maior
qualidade do que os materiais Bt disponíveis no mercado que estão mais bem adaptados às
nossas condições naturais. Porém, por mais que possua tecnologia, a Embrapa não consegue se
alavancar no mercado. Atualmente, a concorrência não está pautada na tecnologia em si, mas sim
no acesso ao mercado. A Monsanto não é melhor do que a Embrapa em termos de geração de
tecnologias. Por isso que não se pode dizer que não concorrência no mercado de sementes
transgênicas por falta de competência técnica. Contudo, a Embrapa não visa lucro; portanto, ela
não participa desse movimento, desse mercado. Assim, ela não tem como competir com as
grandes multinacionais, garante o pesquisador. O grande erro de política brasileira na década de
1990 foi não ter resguardado e preservado as indústrias nacionais a fim de absorver as tecnologias
nacionais e dispô-las no mercado. Perdeu-se todo um arranjo de transferência de tecnologia,
assevera.
Muitos dos transgênicos da Embrapa possuem genes da Monsanto, o que torna necessário
que a primeira pague royalties para a segunda. Tal fato demonstra a imensa concentração que
existe nesse mercado. Perante essa realidade, como competir? Não no Brasil, mas no mundo
atualmente, o setor público não consegue concorrer com as empresas privadas.
Não uma indústria nacional forte que absorva a tecnologia nacional criada pela
Embrapa. Esta entra no mercado com parceiras nacionais e com a pequena indústria de semente
nacional. E a luta da Embrapa é manter a indústria de semente nacional viva com um aporte de
tecnologia produzida internamente. É importante poder assegurar que o agricultor não precise
96
negociar exclusivamente com o capital internacional. A Embrapa disponibiliza tecnologia
genética brasileira através do financiamento do capital internacional e a instituição brasileira
financia o agricultor. Este tem sido o papel da Embrapa, porque de concorrer de igual para igual
não é possível. De fato, uma concorrência desleal com o capital internacional. A Embrapa
precisa ajudar a fortalecer a indústria nacional, para assim tentar abrir concorrência perante as
multinacionais do setor de sementes.
Outro ponto importante, destacado pelo pesquisador e professor Silveira, do Instituto de
Economia da Unicamp, refere-se às exigências das leis de biossegurança para o registro de
produtos transgênicos. Para ele, essas leis também constituem uma barreira à entrada de novas
empresas no mercado de sementes geneticamente modificadas. Elas favorecem a concentração e
reforçam o poder de monopólio. A Embrapa, assim como empresas menores, não é capaz tanto
quanto as grandes multinacionais de registrar um produto geneticamente modificado em
conseqüência da alta necessidade de capital.
O papel limitado das instituições públicas de pesquisa agrícola, a concentração em P&D
em biotecnologia agrícola e a conseqüente monopolização da produção da tecnologia transgênica
pelo setor privado são processos intensificados pela reformulação e ampliação dos direitos de
propriedade intelectual através do acordo TRIPS.
III.2.5 Mercado de Conhecimentos
Os direitos de propriedade intelectual transformam-se em origem de confrontos e
controvérsias também na agricultura, a partir do momento em que a informação e o conhecimento
ganham destaque na consolidação de vantagens competitivas estratégicas, conduzindo a
mudanças estruturais no mundo agro.
97
A fim dos países desenvolvidos garantirem o controle e os benefícios econômicos das
informações e conhecimentos, agora commodificados, buscam ampliar e fortalecer os direitos de
propriedade intelectual para suas inovações biotecnológicas.
Como demonstrado no primeiro capítulo, o acordo TRIPS é parte de um sistema de
negociação comercial multilateral que tem por função básica estabelecer padrões internacionais
mínimos para a proteção da propriedade intelectual. A pressão dos países desenvolvidos, os
interesses de empresários nacionais, bem como o aumento no acesso ao mercado agrícola dos
países centrais pelos países menos desenvolvidos foram fatores que fizeram com que os últimos
aceitassem sua inclusão no Acordo.
A harmonização dos direitos de propriedade intelectual promovida pelo acordo TRIPS
reduz os riscos e os custos associados ao investimento internacional, proporcionando assim um
incremento na circulação tanto de capital quanto de commodities, que são originados mormente
nos países desenvolvidos. O acordo maior racionalidade e previsibilidade ao sistema de
produção e circulação, aumentando a mais-valia em decorrência do grande poder de monopólio
proporcionado pela propriedade exclusiva.
Infelizmente, contudo, o Acordo não vai ao encontro dos interesses dos países mais
pobres, nem dos trabalhadores e consumidores de um modo geral. A reformulação e ampliação
dos direitos de propriedade intelectual são instrumentos de regulação que facilitam a
concentração e a conseqüente monopolização de conhecimentos estratégicos por determinadas
empresas e países, criando novas assimetrias no sistema internacional. A posse das novas
tecnologias agrícolas pelas grandes corporações multinacionais, garantida pelos direitos de
propriedade intelectual, tem sérias conseqüências negativas às características estruturais da
agricultura, levando à redução da competitividade e à perda de bem-estar social.
98
O acordo TRIPS é uma forma de protecionismo tecnológico que detém a intenção de
consolidar uma divisão internacional do trabalho na qual os países desenvolvidos geram
inovações, protegendo a vantagem competitiva de suas grandes empresas multinacionais,
enquanto os países em desenvolvimento constituem o mercado para estes novos produtos e
serviços. Destarte, embora o TRIPS possa criar as condições para a transferência de tecnologia
entre países ricos e pobres, ele opera também para impedir a habilidade dos países mais carentes
de negociarem favoravelmente.
Os países que apoiaram a conformação do TRIPS foram os países com bem
desenvolvidas capacidades produtivas intensivas em conhecimento. Dentre esses países estavam
os da União Européia e o Japão. De modo geral, estas nações já possuíam leis bem desenvolvidas
no que diz respeito aos direitos de propriedade intelectual, embora em muitos casos não fossem
compatíveis com as leis existentes nos Estados Unidos. Este país era de longe o maior defensor
do TRIPS, afinal, esse Acordo nada mais correspondia do que à harmonização no âmbito global
das regras dos direitos de propriedade intelectual já existentes nos país norte-americano
23
:
A tarefa do TRIPS é apresentar as normas e direitos de Propriedade Intelectual
da maneira em que são encontrados nos Estados Unidos, não como a
manifestação ideológica de um interesse particular de classe, mas sim como
servindo o bem-estar econômico global (RICHARDS, 2004: 132
24
).
Ao se estabelecerem garantias de monopólio cada vez mais restritas sobre os
conhecimentos e informações(LASTRES e ALBAGLI [org.] 2001:311-12), principalmente no
campo da ciência e tecnologia de ponta, os resultados precípuos da atividade científica avançada
23
Richards (2004: 124) defende que o acordo TRIPS atende sobremaneira ao poder do capital transnacional
intrinsecamente ligado à Representação Comercial dos Estados Unidos.
24
Tradução livre.
99
terminam por ficar sobre o controle cada vez maior de grandes agentes econômicos, sediados
nos principais pólos de poder mundial (dada sua complexidade e os seus custos elevados)”:
Essas leis agem como um obstáculo para a transferência e adaptação do
conhecimento às necessidades dos trabalhadores e consumidores no mundo todo,
especialmente aqueles que residem na periferia, enquanto preservam para as
corporações transnacionais superioridade tecnológica e controle (RICHARDS,
2004: 120
25
).
Constata-se, assim, como o regime de propriedade intelectual propicia a exclusão
daqueles que não podem pagar por conhecimentos e informações. Esses mecanismos jurídicos
permitem que grande parte dos créditos de uma invenção seja dada às grandes empresas que
podem arcar com os custos de uma patente e que, por terem o inventor como seu funcionário,
apropriam-se automaticamente da invenção e de seus direitos de propriedade intelectual. Em
grande parte, quem se beneficia dos retornos financeiros e de todos os incentivos são os
empresários e não os inventores de fato.
Segundo o Centro para Segurança Alimentar (CSA, 2005), a Monsanto detentora de
87% do comércio de sementes transgênicas no mundo tem agredido práticas agrícolas
tradicionais, dentre elas, o direito de replantar e guardar sementes. A entrada de sementes
transgênicas na agricultura possibilita a criação de contratos mais complexos entre as grandes
companhias do setor e os agricultores, o que permite a punição destes últimos pela possível
violação de patentes, mesmo que a utilização de sementes patenteadas não seja intencional
(contaminação de cultivos não-transgênicos por variedades modificadas geneticamente). Dessa
maneira, quando cultivos não-transgênicos são contaminados por sementes geneticamente
modificadas de posse da Monsanto, eles tornam-se propriedade da empresa. A Monsanto recebeu
25
Idem.
100
em uma única ação contra um agricultor US$3.052.800,00. Até 2005, o valor total das sentenças
registradas a favor da Monsanto, nos Estados Unidos, foi de US$ 15.253.602,82. No mesmo
ano, esta companhia detinha 647 patentes de plantas modificadas geneticamente participando, no
ano de 2003, de 29,82% de toda a P&D da indústria biotecnológica (CSA, 2005).
A semente transgênica patenteada dá ao agricultor o direito de uso desta por somente uma
safra, o que demonstra que as cnicas existentes nas plantas geneticamente modificadas
beneficiam apenas as grandes multinacionais. Dessa maneira, a grande “novidade” dos
transgênicos não é a capacidade de transferência de genes entre diferentes espécies, tanto de
plantas quanto de animais, mas corresponde à possibilidade das sementes serem patenteadas,
garantindo direitos monopólicos a seus detentores. No Brasil, de acordo com a Associação dos
Produtores de soja do Rio Grande do Sul, a cobrança de royalties para esse grão estava prevista
em R$ 1 bilhão no ano de 2009. Atualmente, os produtores que utilizam a tecnologia Roundup
Ready, de posse da Monsanto, repassam 2% da produção total para a multinacional
26
. Por sua
vez, a Associação dos Produtores de Soja do Mato Grosso entraram em fevereiro de 2010 com
uma notificação na Justiça pondo em questão o sistema de cobrança de royalties sobre a
comercialização da soja da Monsanto
27
.
Dessa maneira, os direitos de propriedade intelectual criam “monopólios do
conhecimento” que os donos das patentes podem determinar tanto o uso de sua invenção
quanto a comercialização dos produtos que as contêm. As patentes, ao restringirem o acesso e uso
da invenção garantindo direitos aos inventores e financiadores de pesquisas, permitem a esses o
controle do preço de suas invenções podendo até mesmo impedir novas descobertas científicas.
26
COBRANÇA de royalties pelo uso das sementes da Monsanto é mantida. Agrosoft Brasil, 22/4/2009. Disponível
em: http://www.agrosoft.org.br/agropag/210087.htm.
27
Ferreira, 2010.
101
Como o acordo TRIPS é produto das vontades e ações de grandes corporações e países
desenvolvidos, ele contribuiu para o aumento da posição privilegiada destes nos fóruns
multilaterais. O controle de informações e conhecimentos mormente aqueles mais estratégicos
determina, cada vez mais, a posição relativa dos países no cenário internacional (LASTRES e
ALBAGLI [org.] 2001). De tal modo, o TRIPS ajuda na manutenção e expansão da ordem
hegemônica prevalecente, exercendo as mesmas funções que as organizações multilaterais no
sentido de serem importantes mecanismos de sustentação de uma dada hegemonia
28
.
Cox (2007:119) pontua que para a manutenção dessa hegemonia, essas instituições, dentre
elas, o acordo TRIPS, corporificam as regras que facilitam a expansão da ordem mundial
hegemônica ao mesmo tempo em que são elas mesmas produtos dessa mesma hegemonia,
corroborando “ideologicamente as normas da ordem mundial”. Elas auxiliam na definição de
diretrizes políticas para os Estados e na legitimação de certas instituições e ações no plano
nacional, indo ao encontro dos interesses das forças sociais e econômicas dominantes. Também
cooptam as elites dos países periféricos, além de absorverem idéias contra-hegemônicas. Cox
afirma como:
as instituições e regras internacionais se originam do Estado que estabelece a
hegemonia. No mínimo, têm de ter o apoio desse Estado. O Estado dominante
encarrega-se de garantir a aquiescência de outros Estados de acordo com uma
28
Aqui se faz referência à interpretação de Cox (2007) sobre o conceito gramsciano de hegemonia aplicado à
compreensão das relações internacionais. Hegemonia para o autor não pode ser entendida somente enquanto o
domínio de um país sobre outros, ou seja, a hegemonia não é somente uma relação interestatal. Um Estado para ser
hegemônico necessita construir uma ordem mundial de cunho universal, no sentido de que outras nações a considere
compatível com seus interesses. Caso essa hegemonia fosse pautada exclusivamente em termos interestados, acabaria
por ressaltar os interesses divergentes dos diferentes Estados. Dessa maneira, hegemonia no plano internacional não
é somente uma estrutura política, mas é também uma ordem inserida em uma economia mundial com um modo de
produção dominante, expressando normas, instituições e mecanismos universais que estabelecem regras gerais de
comportamento para os Estados e para as forças da sociedade civil que atuam além das fronteiras nacionais regras
que apóiam o modo de produção dominante” (COX, 2007: 118-19). Observa-se, destarte, o papel das idéias e
instituições no estabelecimento de uma dada ordem mundial. Hegemonia não se institui somente através da coerção,
mas também a partir do consenso.
102
hierarquia de poderes no interior da estrutura de hegemonia entre os Estados
(ib.: 119-20).
A harmonização no âmbito global dos direitos de propriedade intelectual traz benefícios
para os países hegemônicos à custa do bem-estar dos países menos desenvolvidos. Facilita a
expansão do capitalismo global enquanto reforça a atual hierarquia de produção e de relações
sociais.
Dessa forma, o “Mercado do conhecimento” criado pela globalização do regime de
propriedade intelectual cria ao mesmo tempo em que agrava desigualdades entre os países que
podem investir pesadamente em P&D e aqueles mais pobres, que ficam reféns do regime de
propriedade intelectual. É o que observamos no caso da biotecnologia agrícola, em que poucas
empresas e países de fato possuem e controlam tecnologias cada vez mais essenciais para o
desenvolvimento da agricultura e para a competitividade dos países no comércio agrícola
internacional, excluindo os que não têm acesso a conhecimentos estratégicos:
O desenvolvimento científico-tecnológico representa a grande fronteira a ser
conquistada no século XXI e a propriedade intelectual constitui o instrumento
que estabelece os limites entre os que detêm conhecimentos de ponta e
informação estratégica associada e para isso investiram pesadamente,
desejando assim protegê-los e cobrar pelo seu acesso e os que não detêm esses
conhecimentos e informações (LASTRES e ALBAGLI, 1999 [org.]: 300-1).
A concessão de direitos privados monopolísticos, engendrando o domínio de poucas
empresas em grandes campos tecnológicos, frustra os grandes objetivos do próprio sistema de
patentes, que esse monopólio sobre o conhecimento inibe o estímulo às grandes inovações e o
aumento das fontes de invenção. Em setores onde o mercado é altamente concentrado, como
no caso das sementes, as patentes desestimulam novas pesquisas em P&D por parte de novos
concorrentes, reduzindo drasticamente o ritmo do progresso tecnológico. “Se a situação da
103
patente se torna tão forte que os competidores potenciais se consideram incapazes de concorrer, o
resultado talvez não seja apenas monopolístico, mas um monopólio com pouca pressão
competitiva e limitadas fontes exteriores de idéias” (NELSON, PECK e KALACHEK, 1969:
186).
A pesquisa básica é dependente do livre acesso de conhecimentos. Assim, a proteção à
propriedade intelectual a prejudica que restringe a livre circulação de conhecimentos,
aumentando os custos de transferência deste entre os países e outros atores. A Organização das
Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial UNIDO (2006) enfatiza como a proteção
excessiva aos direitos de propriedade intelectual culmina em uma disseminação inadequada de
novos conhecimentos, o que pode levar a um crescimento econômico lento em função da
necessidade do acesso às tecnologias existentes para se gerar inovação. Especificamente na
agricultura, resulta no declínio em importância das Instituições Públicas de Pesquisa Agrícola,
dentre elas a própria Embrapa, na geração e distribuição de conhecimentos e informações
estratégicos para o desenvolvimento agrário. Richards (2004: 192) afirma:
razão para se duvidar do benefício dos excludentes DPI [Direitos de
Propriedade Intelectual] privados na agricultura [...] também razões ainda
mais determinantes para se preocupar com suas implicações dinâmicas a longo
prazo. Inovações que emanam de empresas monopolistas podem criar uma
espécie de dependência no caminho para futuras inovações [tradução livre].
Nelson, Peck e Kalachek (1969) discorrem sobre como o conhecimento a respeito do
meio de fabricar um produto de qualidade superior ou usar melhores processos é intrinsecamente
um bem público. Defendem como é de grande importância que os conhecimentos estejam
livremente acessíveis em todos os casos em que tiverem valor social positivo. Para eles, deve
104
haver uma outra forma de recompensar o inventor em troca do acesso irrestrito ao seu invento
29
.
O direito privado corresponde, ao excluir inerentemente, a um meio socialmente ineficiente de
recompensar a criação de bens públicos inéditos.
Questiona-se até mesmo a necessidade da proteção intelectual a fim de se promover e
manter o processo de inovação. Michele Boldrin e David K. Levine (2008) afiançam como a
inovação e a competição sem a proteção dos direitos de propriedade intelectual ocorrem em
várias indústrias. Como exemplo, os autores focam o mercado de software de código-aberto:
“teoricamente não razão para acreditar que a força monopolística, atuando através da
propriedade intelectual, seja necessária para a inovação. O mercado de software de código-aberto
é um representante perfeito dessa perspectiva”. Defendem abertamente, portanto, que a inovação
pode florescer em um mercado sem a tradicional propriedade intelectual.
Eles explicam que esse mercado de software é caracterizado pela renúncia voluntária dos
direitos autorais e de patente. Aos compradores são permitidas cópias, até mesmo a modificação
do software para a venda. Os lucros para os criadores de software derivam da venda
complementar da expertise. Ou seja, paga-se pelo acesso a serviços e suporte para garantir que os
programas permaneçam seguros, confiáveis e atualizados.
A UNIDO (2006) argumenta como sem a presença da proteção dos direitos de
propriedade intelectual podem existir incentivos naturais para a inovação. Eles podem advir de
estratégias de mercados e/ou das dificuldades em copiar e imitar. Estes elementos provavelmente
são mais importantes do que a proteção à propriedade intelectual em determinadas circunstâncias,
aponta a agência das Nações Unidas.
29
De maneira muito vaga citam um prêmio compatível aos lucros advindos da patente. Eles mesmos relatam como
existem limitações para se encontrar uma saída realista para o sistema (NELSON; PECK; KALACHEK, 1969).
105
Patentear sementes hoje resulta em tirá-las das mãos do camponês e colocá-las em posse
das grandes multinacionais (SANTOS, 2003). Contudo, as sementes representam a autonomia do
agricultor em sua essência e devem, portanto, ser vistas como fatores primordiais dos sistemas
agrícolas e tratadas como um bem público, não privado. Assim, desafiar a propriedade intelectual
aos moldes em que está estabelecida atualmente é fundamental, por conseguinte, para o combate
da pobreza e da desigualdade no setor agrícola.
III.2.6 Desigualdades no mundo global
Constata-se, dessa maneira, como as fusões e a conformação de acordos de cooperação
entre as grandes multinacionais do setor de sementes e agroquímicos, bem como o
recrudescimento da proteção à propriedade intelectual produtos da intensificação da
globalização econômica evidenciam o processo de concentração e até mesmo de
“reconcentração da produção de informações, conhecimentos e tecnologias considerados
estratégicos em unidades e espaços econômicos bastante delimitados” (LASTRES e ALBAGLI,
1999:13). A crescente concentração na indústria de biotecnologia demonstra como os alegados
benefícios da inovação não são tantos assim e nem mesmo distribuídos de forma equânime,
que essa concentração empresarial incentiva o estabelecimento de acordos comerciais
desfavoráveis para os países em desenvolvimento, como demonstrado.
Portanto, a intensificação do processo de globalização, embora avigore a interdependência
dos sistemas econômicos e políticos nacionais, por outro lado reforça a vantagem competitiva de
determinados países, possibilitando a estes articular as atividades de P&D em escala mundial.
Com isso, permite-se a estes países a posse dos resultados dos novos conhecimentos
engendrados:
106
Tal prática mostra-se especialmente importante em conjunturas de grandes e
profundas incertezas e transformações como aqueles associados à mudança de
paradigma tecno-econômico quando os regimes de apropriação são seriamente
enfraquecidos, assim como o são as chamadas barreiras à entrada por parte de
novos concorrentes, dando margem a abertura de „janelas de oportunidades‟. A
importância de controlar os processos de geração e difusão de novos
conhecimentos e inovações mostra-se ainda mais fundamental quando estas
colocam-se ainda mais nitidamente no cerne das estratégias competitivas
públicas e privadas, como é o caso do atual paradigma em expansão (LASTRES
e ALBAGLI [org.], 1999: 14).
Observa-se assim um processo de não-globalização quanto à geração e difusão de
conhecimentos e de inovações, em discordância com os que defendem haver um processo de
tecno-globalismo (globalização tecnológica). A concentração oligopolista não só se manteve
como aumentou na maioria dos setores, assegurando a monopolização de informações e
conhecimentos por determinados grupos. Há uma concentração nitidamente nacional de tais
atividades, com articulações sendo efetuadas quase que exclusivamente entre países e empresas
tecnologicamente mais avançados (LASTRES et al. 2002). Essa concentração em P&D
representa novas formas de desigualdade que surgem no sistema internacional. Constata-se,
destarte, como a intensificação da globalização é tanto moldada pelas desigualdades existentes
entre os Estados como também cria novas disparidades entre países, regiões e empresas.
Conquanto o processo de liberalização econômica “imposto” pela globalização confira
pressões para um processo de homogeneização, ele não produz necessariamente homogeneidade.
Não obstante haja a possibilidade da difusão de informações e conhecimentos codificados
globalmente, eles não estão acessíveis de forma equânime para qualquer Estado ou região. Tal
ocorre porque os governos nacionais respondem de maneiras diferentes às pressões externas.
Como os Estados são política e economicamente desiguais, enquanto alguns valores são
“transmitidos”, muitos outros são impostos ou forçados. Observa-se desta forma, como o
processo de globalização é complexo e contestado. Chesnais (1996:37) assevera como a expansão
107
indiscriminada do termo global esconde o fato da globalização engendrar uma “polarização
internacional, aprofundando brutalmente a distância entre os países situados no âmago do
oligopólio mundial e os países da periferia”.
Para compreender de fato os impactos da globalização é necessário focar na desigualdade
entre os Estados não no plano internacional, mas também no âmbito nacional. Os países mais
fracos, ao terem de fazer reformas a fim de participarem dos acordos internacionais e se
adaptarem à nova realidade internacional, sofrem maior resistência internamente. Ou seja, eles
entram numa nova ordem internacional na qual não podem alterar e ainda necessitam lidar com
as resistências internamente quanto a essas mudanças. Exemplo citado é a adesão de países
menos desenvolvidos ao acordo TRIPS. Os novos padrões de poder estrutural engendrados pela
globalização são regulados por regras e instituições formuladas e fortalecidas principalmente
pelos atores mais fortes da arena política internacional. Em outras palavras, os países mais
poderosos influenciam o processo de globalização e esta influencia a posição e o poder relativo
destas nações na arena internacional.
Chesnais (1996:53) pontua como o movimento da mundialização
30
é excludente:
Esse movimento caracterizou-se, na década de [19]80, por um claro recuo dos
Investimentos Externos Diretos e das transferências de tecnologia aos países em
desenvolvimento, bem como por um começo de exclusão de vários produtores
de produtos de base, em relação ao sistema de intercâmbio.
Diversos países continuam marginalizados do processo de geração de tecnologia, poder e
riqueza, cooperando para o processo de concentração e concomitante regionalização da economia
30
Chesnais (1996:32) define mundialização do capital como um contexto mais rigoroso ao termo globalização.
Inicia-se a partir dos anos 1980 e é mais do que uma outra etapa no processo de internacionalização. É, na verdade,
uma nova configuração do capitalismo mundial e nos mecanismos que comandam seu desempenho e sua
configuração. A “mundialização deve ser pensada como uma fase específica do processo de internacionalização do
capital e de sua valorização à escala do conjunto das regiões do mundo onde há recursos ou mercados, e só a elas”.
108
global. Ao lado de áreas produtivas e ricas em informação existem outras empobrecidas,
atingidas pela exclusão social. Muitos países e regiões não participam dos processos de
acumulação e consumo que caracterizam a economia informacional/global.
Conforma-se, destarte, uma rede hierárquica e assimetricamente interdependente, de
acordo com a capacidade de diferentes países de competirem para atrair capital, profissionais
especializados e tecnologias. A desigualdade no sistema internacional expressa hoje
fundamentalmente a desigual distribuição sócio-espacial de conhecimentos e informações
estratégicas” (LASTRES e ALBAGLI [org.], 2001:310).
No que se refere à biotecnologia agrícola, embora a difusão global do cultivo transgênico
seja impressionante, como já demonstrado no primeiro capítulo, a sua distribuição é notadamente
desigual, com quatro cultivos (soja, milho, algodão e canola) representando 99% da produção
mundial de transgênicos (FAO, 2004). Dessa maneira, é importante ressaltar que utilizar
tecnologia difere da capacidade necessária de gerá-la. Na Argentina, África do Sul e México:
(...) os OGMs utilizados foram desenvolvidos pela Monsanto para o mercado
dos Estados Unidos. Apenas foram desenvolvidas pesquisas de modo a adaptar
as variedades locais aos genes transgênicos. Porém, existem numerosos países
em desenvolvimento que não estão em condições de realizar nem sequer esse
tipo de pesquisa adaptativa (FUCK e BONACELLI, 2007:95).
Embora esteja crescendo o número de países não desenvolvidos cultivando transgênicos,
(dos 25 países que cultivam OGMs hoje, 15 são países em desenvolvimento) tal realidade não
confirma a existência de um tecno-globalismo, no sentido de que todos os países possuem
autonomia na geração de tecnologia transgênica. Pelo contrário, a expansão no cultivo de OGMs
pelo mundo significa um aumento da dependência de países mais pobres para com aqueles que
possuem a patente dessa tecnologia (ou seja, os países mais ricos e suas empresas
correspondentes, capazes de investir pesadamente em P&D). Não obstante os países em
109
desenvolvimento sejam maioria na produção de transgênicos, eles controlam somente 24% (ou
US$ 1,8 bilhão) do comércio global de sementes geneticamente modificadas. Os países centrais
participam com US$ 5,7 bilhões (76%).
Figura 4 - Participação dos países desenvolvidos e em desenvolvimento no comércio global
de sementes transgênicas em 2008
Fonte: James, 2008.
No caso específico da produção de alimentos, essa dependência tecnológica dos países
menos desenvolvidos mina a garantia da segurança e soberania alimentar a médio e longo prazo.
Num contexto no qual as mudanças ocorrem com grande velocidade ao mesmo tempo em
que são muito radicais, somente aqueles que estão envolvidos na criação de conhecimentos
possuem reais possibilidades de absorver e fazer uso destes. Portanto, não basta absorver
passivamente informações e conhecimentos, a partir do pagamento de royalties, por exemplo,
para que se possa adaptar às evoluções do mercado e às correntes mudanças técnicas. É preciso
ativamente participar do processo de geração de conhecimentos.
Constata-se, assim, como a globalização da produção agrícola contém uma contradição
fundamental. Por um lado, produz comida em abundância e barata para os países centrais. Por
outro lado, cria uma situação de dependência socioeconômica que alcança grandes segmentos da
110
população de países em desenvolvimento e frações da população dos países centrais (BONANO,
1994). Se o setor agrícola continuar a se desenvolver nos padrões atuais, as contradições que
caracterizam o sistema provavelmente crescerão. A abundância de alimentos ainda será um
fenômeno limitado a poucas regiões e grupos sociais. Para muitos, a natureza commodificada do
alimento continuará criando um problema de acesso, desde que não haja recursos para adquirir
comida. O suprimento da demanda mundial por alimento permanecerá parcialmente
“direcionada” porque somente alguns segmentos da população mundial, concentrada nos países
desenvolvidos, poderão adquirir comida, enquanto uma significante gama populacional,
centralizada nos países em desenvolvimento, permanecerá não podendo. Apesar de sua
disponibilidade física, o alimento continuará economicamente indisponível.
As vantagens anunciadas pelo avanço da biotecnologia agrícola não serão de fato reais
perante o comportamento monopólico decorrente das fusões e aquisições, dos acordos de cartéis
e da recrudescência dos direitos de propriedade intelectual. Os benefícios advindos das inovações
que poderiam favorecer os agricultores e consumidores na verdade estão sendo “capturados”
pelas firmas de inovação. Assim, embora os transgênicos possam ser um dos instrumentos
efetivos para a promoção da segurança e soberania alimentar, a concentração e posse das técnicas
transgênicas por parte de poucas multinacionais e países intensificam a dependência do agricultor
para com essas empresas e nações. Dessa forma, impossibilita-se o desenvolvimento da
agricultura e todas as possíveis vantagens provenientes dos OGMs se perdem. A crescente
importância dada aos transgênicos para o suprimento de uma demanda crescente por alimentos
corrobora o estabelecimento de uma padronização global da agricultura, e sua tecnologia
intensiva em conhecimento concede às grandes corporações e seus respectivos países o
patenteamento dessas sementes geneticamente modificadas e a conseqüente garantia de direitos
111
monopólicos. Coopera-se, destarte, para incertezas quanto ao futuro da produção de alimentos,
notadamente das nações mais pobres, criando novas formas de dependência no mundo agrícola.
Dessa maneira, como a primeira RV, a Revolução Genética também não alcança seu objetivo
mais proclamado por seus entusiastas: acabar com a fome no mundo.
112
113
CAPÍTULO IV: TECNOLOGIAS ALTERNATIVAS: O
FORTALECIMENTO DAS INSTITUIÇÕES PÚBLICAS
DE PESQUISA AGRÍCOLA
IV. 1 IMPORTÂNCIA DA POLÍTICA NA CONDUÇÃO DE P&D PARA O SETOR
AGRÍCOLA
Sabe-se que a pesquisa agrícola não pode mais ser feita somente no âmbito nacional. Ela é
hoje uma atividade global que envolve Estados nacionais e também atores transnacionais
(BUSCH, 1994). A globalização da pesquisa agrícola e do mercado de tecnologias mudou a
natureza da competição na indústria agrícola, contribuindo para a internacionalização da origem
dos produtos pelas companhias do agronegócio e da distribuição de insumos por parte das
empresas de abastecimento, além de aumentar também a competição desse setor no âmbito
global. E, da mesma maneira que a internacionalização do mercado de tecnologias, existe,
outrossim, a privatização de conhecimentos e informações e da transferência de tecnologias como
já discutido nos capítulos anteriores. Com isso, os direitos de propriedade intelectual globalizados
tornam-se grandes desafios para as políticas nacionais, notadamente dos países em
desenvolvimento.
A decorrente expansão da participação do setor privado em segmentos de P&D para a
agricultura amplia a disponibilidade de recursos para financiamento de pesquisas. Porém, pode
causar uma deformação na agenda de pesquisa pública, engendrando a concentração exclusiva da
pesquisa agropecuária em setores comerciais, como acontece no mercado de sementes
geneticamente modificadas (EMBRAPA, 2008).
Além do mais, existe a tendência à intensificação da elaboração de arranjos
multiinstitucionais e multidisciplinares em P&D que englobem empresas e instituições públicas e
privadas. Assim, surgem “novas modalidades de gestão financeira de projetos” tendo-se uma
114
maior preocupação com propriedade intelectual, e com os mecanismos para gestão da competição
incentivando a visão comercial no desenvolvimento de novas tecnologias. Porém, essa maior
cooperação entre os setores pode atrofiar ainda mais as instituições públicas de Pesquisa,
Desenvolvimento e Inovação (PD&I) na área agrícola, diante do novo comportamento do setor
privado em P&D (ib.: 13). Destarte, acerca da monopolização de informações e conhecimentos
em transgenia pelo setor privado, quais são as alternativas frente a essa realidade?
Dentre essas alternativas, defende-se nesta pesquisa o fortalecimento das Instituições
Públicas de Pesquisa Agrícola, importantes antes da Revolução Genética.
É por meio da política que se cria um ambiente no qual se permite que o comércio de
biotecnologia se desenvolva. Para se poder colher todo o potencial da biotecnologia, políticas
públicas apropriadas precisam ser desenvolvidas para se garantir que os potencias riscos sejam
diagnosticados com precisão e, se necessário, sejam evitados. A política é capaz de prover um
sistema que gere e regule o desenvolvimento, a aquisição e a organização de produtos de
biotecnologia a fim de transformar um país, de importador de alimentos, a um país manufatureiro
e exportador (JAMES: 2008). Mesmo com o processo de liberalização da economia e as políticas
de ajustes estruturais, o desenvolvimento é ainda questão fundamental do Estado. Este permanece
sendo ator central no processo de desenvolvimento soberano, sustentável e includente. E como
atualmente a C&T é imprescindível para uma forte competitividade e alcance do
desenvolvimento dos países, é cogente a preponderância do investimento pesado por parte do
Estado na condução soberana das políticas de C&T e P&D agrícolas.
Especificamente quanto ao Brasil, constata-se que: “A avaliação do contexto brasileiro de
PD&I nos últimos anos indica o surgimento de instrumentos de incentivo ao desenvolvimento
científico e tecnológico [...] que increment[am] a participação do setor privado em alguns setores
115
de PD&I” (EMBRAPA, 2008: 12). Contudo, ainda o predomínio do setor público em
segmentos estratégicos, sendo este um movimento a se mostrar presente nos próximos 15 anos.
Nos países em desenvolvimento, embora a pesquisa do setor privado também esteja
crescendo (já preponderante nos países desenvolvidos), ela ocorre somente naquelas nações em
que o setor privado enxerga possibilidades de lucro. A demanda potencial por inputs e produtos
desenvolvidos através de pesquisa varia de acordo com cada região dependendo do poder de
compra da população, das condições agroclimáticas, das políticas setoriais e macro que
influenciam os preços dos insumos, entre outros fatores (IAASTD, 2009). Por isso, apesar da
diminuição do investimento governamental na área agrícola de modo geral e frente à
preponderância do setor privado em alguns campos, como no caso de sementes geneticamente
modificadas, as agências públicas permanecem enquanto o principal provedor de fundos para
P&D agrícola na maior parte dos países em desenvolvimento. Exercem, assim, papel fundamental
no desenvolvimento e disseminação de novas tecnologias para a agricultura, com destacada
atuação em segmentos estratégicos podendo contribuir para um desenvolvimento sustentável e
menos desigual (EMBRAPA, 2008).
De acordo com a International Assessment of Agricultural Knowledge IAASTD (2009)
, apesar da controvérsia em torno dos transgênicos, os investimentos governamentais em
agrobiotecnologia têm crescido rapidamente em alguns países em desenvolvimento. O
investimento público em biotecnologia agrícola cresceu velozmente na China, passando de 300
milhões de yuans em 1995 para 1,6 bilhão de yuans em 2003 (equivalente a US$ 200 milhões).
Em 2006, a Índia oficialmente noticiou investir US$100 milhões, contando ainda com a ajuda de
US$24 milhões dos Estados Unidos para alocar recursos em biotecnologia agrícola. Da mesma
forma, o governo da Malásia anunciou no mesmo período um investimento de US$3,12 bilhões
116
na agricultura para os próximos anos e a África do Sul lançou, em 2004, a página eletrônica
Plantbio
31
a fim de apoiar a comercialização de produtos oriundos da biotecnologia agrícola.
O alcance de certos projetos de P&D de grande valor social pode superar os interesses do
setor privado em decorrência do dispêndio de grandes recursos financeiros e técnicos, da
preferência por benefícios monetários bem como outros interesses comerciais das empresas. Em
resumo, o setor privado não desenvolve tecnologias que não lhes proporcione vantagens
competitivas e grandes retornos financeiros. Além disso, o setor privado pode não gerenciar os
bens públicos (como o meio ambiente, por exemplo) de maneira eficiente, contribuindo para o
bem-estar social. Destarte, a fim de suprir essa lacuna, é necessária a ação do setor público. A ele
reserva-se a função de alocar e gerenciar eficientemente os recursos de acesso comum, obtendo o
máximo de bem-estar social a partir deles.
É importante ressaltar, porém, que o investimento público em C&T agrícolas, embora
contribua significadamente para o crescimento econômico de modo geral, não necessariamente
resulta em redução da pobreza. O impacto das novas tecnologias agrícolas na pobreza depende
das políticas, instituições e acesso aos recursos do Estado. Antes mesmo dos investimentos em
C&T agrícolas, aspectos de distribuição devem ser levados em consideração. Análises adicionais
são necessárias a fim de se entender melhor quem se beneficia de fato desse crescimento e porque
este não é sempre traduzido na melhoria da pobreza e na garantia da segurança alimentar. Da
mesma forma, as políticas de preços e as políticas comerciais agrícolas influenciam os impactos
da distribuição do crescimento da produtividade proveniente da tecnologia (IAASTD: 2009).
31
www.plantbio.org.za
117
Todavia, a grande maioria dos benefícios de P&D financiados pelo setor público é de fato
revertida para a população de modo geral, atendendo a temas de interesse social mais amplos,
como questões ambientais, de sustentabilidade, de segurança dos alimentos e de preservação de
instituições rurais. As tecnologias agrícolas e as informações geradas por esse setor estão
disponíveis para todos os produtores rurais.
A Embrapa, instituição pública de pesquisa agrícola de grande prestígio internacional,
procura ampliar as pesquisas voltadas para o aumento da produtividade e melhoria na qualidade
dos produtos agrícolas. Concomitantemente visa, outrossim, a sustentabilidade da agricultura,
levando em conta as características de cada bioma. Deste modo, procura desenvolver e
regularizar tecnologias que minimizem perdas e que diminuam impactos ambientais e sociais no
decorrer da cadeia produtiva. Existe uma preocupação em especial com relação possíveis
impactos oriundos das mudanças climáticas, o que faz com a Embrapa amplie pesquisas no
sentido de diminuir as emissões de carbono e gases de efeito estufa nos sistemas de produção.
Igualmente, objetiva “intensificar o desenvolvimento de novas tecnologias e processos para
garantir a inocuidade, a qualidade e a ausência de contaminantes e resíduos físicos, químicos e
biológicos em alimentos e outros produtos” (EMBRAPA, 2008:33). Também se empenha em
desenvolver conhecimentos e tecnologias que auxiliem a inserção social e econômica da
agricultura familiar e das comunidades tradicionais.
A pesquisa básica e o estudo em métodos de pesquisa são categorias que da mesma
maneira são conduzidas em grande parte pelas instituições públicas. Programas de pesquisa que
geram práticas melhoradas em vez de melhores produtos agrícolas podem não oferecer
oportunidade de lucros para o setor privado e por isso devem, igualmente, ficar a cargo do setor
público.
118
O fato de exercer papel determinante no processo educacional e reunir um grande espectro
de especialistas de diversas áreas o que não pode ser encontrado em uma única empresa ou
categorias de empresas demonstra, outrossim, a importância da pesquisa de base pública na
condução de P&D. Sabe-se que o desenvolvimento tecnológico depende da qualidade e
quantidade da capacidade científica dos institutos nacionais e que o crescente investimento na
aptidão humana resulta em um desenvolvimento tecnológico mais promissor. Destarte, ainda é
função da instituição pública atrair, desenvolver e reter talentos técnicos e gerenciais. Ela tem por
função:
a) criar mecanismos para atração de talentos e assegurar condições para seu
desenvolvimento e sua retenção.
b) desenvolver competências gerenciais em centros de excelência nacionais e
internacionais.
c) desenvolver gestores de projetos de PD&I em ambientes transdisciplinares
e multiinstitucionais, nacionais e estrangeiros.
d) ampliar e intensificar os esforços de formação e aperfeiçoamento de
recursos humanos em PD&I e gestão empresarial.
e) orientar a avaliação de pessoas e equipes para valorizar a inovação
organizacional, o trabalho em rede e outros arranjos coletivos voltados para
a obtenção de resultados finalísticos (EMBRAPA, 2008:25).
Especialistas também apontam como o setor público não pode depender totalmente do
setor privado em P&D, principalmente em áreas como a agricultura, conquanto haja grande oferta
de pesquisas por parte das empresas privadas. O setor público pode garantir uma orientação mais
segura na criação de novas pesquisas, promovendo o redesenho da agricultura e seu
desenvolvimento sustentável a longo prazo.
119
IV.2 COOPERAÇÃO ENTRE OS SETORES PÚBLICO E PRIVADO
Contudo, ao se pensar em toda a importância do Estado enquanto provedor e financiador
de políticas de P&D, não se deve simplesmente descartar o setor privado no desenvolvimento de
novas tecnologias para a agricultura.
As grandes companhias agroquímicas e de sementes geram e controlam grande parcela da
biotecnologia agrícola e focam sobremaneira as grandes fazendas comerciais que compram seus
produtos. Porém, muitas das tecnologias e dos produtos intermediários desenvolvidos pelo setor
privado podem ser adaptados a fim de solucionar imensos problemas nos países em
desenvolvimento. Por isso, para estes poderem colher os benefícios da biotecnologia e outras
tecnologias de ponta para o setor agrícola, é cogente o incentivo às parcerias entre os setores
público e privado, em que este último possibilite o acesso a essas tecnologias por um preço
acessível aos mais pobres. O setor privado possui uma vantagem em relação ao setor público pelo
fato de possuir maior capacidade de disseminação de conhecimentos e informações. Dessa forma,
muitos especialistas pontuam que cabe haver não a preponderância de um setor sobre o outro,
mas sim a cooperação entre eles, fazendo com que cada um explore sua vantagem comparativa,
ou seja, a capacidade de integração e análise do setor público, com a capacidade de disseminação
do setor privado (BOEHLJE, 1998). Para a FAO (2002), esse é o grande desafio político do
futuro.
Os projetos e programas de P&D se tornam mais complexos, focados em pesquisa básica,
adaptativa, em transferência de tecnologia, entre outros. As pesquisas da nova RV precisam ser
multidisciplinares, baseando-se não somente na biologia e na engenharia genética mas também
no contexto socioeconômico no qual as práticas agrícolas ocorrem. E para isso um diálogo maior
deve existir entre cientistas, agricultores, formuladores de políticas e a sociedade civil. A
120
Embrapa reconhece como a maior preocupação ecológica, bem como a crescente aceleração no
fluxo de bens e informação demandam maior participação da sociedade civil nos sistemas
nacionais de ciência, tecnologia e inovação. É improvável que um indivíduo, universidade,
agência ou firma privada isoladamente tenha todos os especialistas, as facilidades, os
equipamentos e outros recursos requeridos para montar todas as atividades envolvidas em P&D.
Inevitavelmente são necessários acordos institucionais, interdisciplinares e interorganizacionais e
altos níveis de comunicação, integração e coordenação entre os vários agentes, tanto dos setores
público quanto privado.
A Embrapa comumente cria mecanismos a fim de aumentar sua atuação em acordos
multidisciplinares e multiinstitucionais. Com novos arranjos institucionais e metodologias
inovadoras, visa o estabelecimento de inovação tecnológica em rede, com a participação de
agentes públicos e privados, nacionais e internacionais, ampliando a cooperação tecnológica,
científica e organizacional com empresas. Tais acordos têm como intuito a aceleração do
processo de intercâmbio de conhecimento e o fortalecimento da agenda de transferência/adoção
das tecnologias geradas, aponta a instituição.
Em 4 de novembro de 2009 foi anunciado um repasse da Monsanto para a Embrapa no
valor de R$ 8,3 milhões a fim de se financiar pesquisas mormente para o desenvolvimento de
“recursos genéticos de cereais adaptados à seca, de planta transgênica de feijão tolerante ao
estresse híbrido, geração de mamoeiro resistente a múltiplas viroses e estudos envolvendo o
bicudo do algodoeiro” (PORTAL, 2009). Desde 2006, a Monsanto repassou para o “Fundo de
Pesquisa em Biotecnologia da Embrapa-Monsanto” o valor de R$ 20 milhões. Para a Monsanto, a
parceria com a Embrapa representa uma grande oportunidade para o desenvolvimento de novas
tecnologias que visem o aumento da produtividade assim como a possibilidade de se tornar a
121
prática agrícola mais sustentável. Do ponto de vista da Embrapa, tal cooperação “com foco na
pesquisa agrícola e inovação, [é] essencia[l], e est[á] alinhad[a] com as prioridades do governo,
no sentido de reunir os setores público e privado no enfrentamento do desafio global de aumentar
a produtividade agrícola de maneira sustentável” (ib.).
Para o professor de Economia Agrícola, José Maria da Silveira, a cooperação da Embrapa
com as multinacionais é necessária, pois a competição é muito complicada. Tal ocorre por dois
motivos: o primeiro é o volume de recursos da Embrapa, que é bem menor em comparação com
os das grandes multinacionais; e o segundo é a própria missão da Embrapa. Ela hoje tem uma
missão menos focada em sementes, afirma. Os empresários da Syngenta, Dupont e Monsanto
criticam a Embrapa pela falta de foco desta instituição pública de pesquisa. Esses empresários
“trabalham com objetivos muito claros, com um plano de negócios, com conceitos. E do conceito
para o plano de negócios não se aceita um projeto que não se chegue a um produto final. na
Embrapa não existe tanto essa preocupação”, argumenta Silveira. E mais, quando ela chega a um
produto final, as empresas privadas são mais eficazes em sua redistribuição. Dessa maneira, é
necessária a cooperação com as multinacionais.
A tecnologia Roundup da Monsanto é realmente muito eficiente e, portanto,
extremamente procurada. Assim, não houve como a Embrapa não se associar à Monsanto, caso
contrário, os agricultores ficariam resistentes a incorporar o germoplasma
32
da Embrapa. Assim,
esse acordo de cooperação permite ao agricultor ter mais facilidades no acesso a sementes
competitivas. Ao introduzir o gene patenteado pela Monsanto no germoplasma da Embrapa,
32
Germoplasma corresponde à soma dos recursos genéticos de uma dada espécie. Nele está a fonte para pesquisas
em melhoramento genético.
122
condições, portanto, para a indústria nacional concorrer no mercado com as multinacionais de
sementes
33
. Essa é uma realidade mormente no caso da soja.
Por isso, não é adequado se pensar em competição entre os dois setores. A Embrapa tem
adotado como visão a idéia de complementação, elaborando acordos nos quais algumas
tecnologias intermediárias, que estão nas mãos das multinacionais, passem a ser utilizadas por
consórcios, como o Fundo de Pesquisa da Embrapa-Monsanto. Mas muitos apontam como é
necessário se repensar essa dinâmica, pois não concordam que a instituição pública permaneça
pagando royalties para as grandes multinacionais.
Holt (1998) acredita que o mercado naturalmente se move em direção ao equilíbrio
dinâmico e economicamente apropriado entre os setores público e privado. Conquanto haja a
tendência geral à participação cada vez maior do setor privado, isso não significa
necessariamente menor participação do setor público.
A nova RV, pautada nos transgênicos, deve aspirar mais do que o aumento da
produtividade, mas precipuamente deve almejar um desenvolvimento sustentável, por meio do
uso eficiente de insumos seguros, e a equidade social. Dessa maneira, para muitos autores não
cabe pensar a separação entre “público” e “privado” (KEENEY e VORLEY, 1998). A
sustentabilidade pode ser alcançada a partir do redesenho da agricultura, construída com base
na diversidade e demandando uma série de práticas agrícolas viáveis enquanto alternativa ao
status quo que podem e devem envolver os dois setores. Igualmente, é cogente garantir que os
benefícios das pesquisas cheguem às áreas mais pobres e marginalizadas. Investir em P&D não é
33
O pesquisador da Embrapa, Pedro Abel Vieira Junior, afiança como as multinacionais dificultam as empresas
nacionais privadas e que realmente é difícil para estas competirem com a Monsanto. Há uma assimetria enorme. Mas
cabe à Embrapa exercer o papel de reguladora do sistema, ou seja, em vez das empresas nacionais irem negociar com
a Monsanto, cabe à Embrapa negociar.
123
necessariamente o melhor instrumento para se por fim às grandes desigualdades enquanto não
houver uma eficaz distribuição de recursos.
IV.3 RESSURGIMENTO DAS INSTITUIÇÕES PÚBLICAS DE PESQUISA AGRÍCOLA
E A IMPORTÂNCIA DA EMBRAPA NO FUTURO
As empresas de transgenia criaram um discurso de que o transgênico iria resolver o
problema da fome no mundo. Conquanto essa tecnologia corresponda a uma ferramenta
extremamente importante, ela não é a grande salvação para os famintos do planeta. Atualmente
se observa diversos efeitos adversos dos transgênicos. Em algumas situações, o OGM está
produzindo menos do que a semente convencional. A transgenia é uma tecnologia que precisa
caminhar lado a lado com o entendimento do sistema de produção. Para o pesquisador da
Embrapa, os grandes ganhos hoje na agricultura se dão com a compreensão do próprio sistema de
produção. Não é suficiente a pesquisa agrícola voltada somente para o estudo da doença da soja,
por exemplo. “É preciso entender o sistema, ter uma visão holística da prática agrícola”, garante
em entrevista, o pesquisador. Todavia, o modelo de pesquisa atual, sobretudo o modelo de
pesquisa transgênico, não leva isso em consideração. A pesquisa focaliza em grande medida a
cura de uma determinada doença na planta, mas não considera o impacto dessa ação no sistema.
“Por isso as empresas multinacionais terão de começar a mudar. E a Embrapa precisa ser a
moderadora nesse processo de mudança”. Hoje, a primeira paga royalties para a multinacional,
porém esta última necessita também da instituição de pesquisa pública. Agora, a Embrapa precisa
ser muito inteligente para organizar seu programa de pesquisa de tal modo que amanhã a
multinacional necessite mais da Embrapa e inverta a relação que está posta atualmente. “Acho
que essa é a estratégia para a biotecnologia do setor agrícola”. É indispensável que a Embrapa se
foque no sistema de produção, porque na área de biotecnologia em si, ela não consegue concorrer
124
mais. É imprescindível que a Embrapa continue investindo em biotecnologia agrícola, mas deve
prestar mais atenção no sistema de produção, pois isso será o gargalo das multinacionais, explica
o pesquisador da Embrapa.
Destarte, mesmo a Embrapa procurando modernizar a atuação em campos experimentais,
em parceria com a iniciativa privada, por outro lado procura e de fato necessita manter áreas
próprias e autônomas para experimentos de longo prazo e pesquisas de interesse estratégico. O
fato da instituição pública de pesquisa brasileira deter escritórios na África, na Inglaterra, na
Holanda, na França, na Venezuela, nos Estados Unidos e no Panamá demonstra como estas
regiões estão vindo procurar a Embrapa. Elas vêem que seus modelos de pesquisa agrícola estão
falindo. E a Embrapa é a instituição de pesquisa que tem condições de dar respostas aos desafios
do desenvolvimento da agricultura:
[A Embrapa] pretende e tem condições de continuar gerando benefícios
relevantes para o Brasil e para os países em que atua ou nos quais venha a atuar.
A Embrapa será um dos líderes do mundo em seu campo, com ão estendida
para contemplar a produção sustentável de alimentos, fibras e agroenergia
(EMBRAPA, 2008:19).
A saída para a imensa concentração no setor de sementes está no fortalecimento da
indústria nacional coligada com a Embrapa. Todavia, é fato que as empresas privadas são e
continuarão sendo as principais fornecedoras de inputs e inovações para a agricultura e não vão
ofertar mercadorias e serviços para os quais não mercado, além de potencialmente
deformarem a agenda de pesquisa pública. Contudo, para o sucesso da segunda RV, é
indispensável a intensificação dos investimentos em C&T agrícolas pelos países em
desenvolvimento, e tal deve ser feito por meio do aumento nos investimentos do setor público. É
cogente, portanto, a predominância do setor público em segmentos estratégicos na PD&I para a
125
agricultura. E para isso, é necessário o fortalecimento das Instituições Públicas de Pesquisa
Agrícolas. Somente assim será possível a participação real e ativa dos agricultores no desenho e
no teste das novas tecnologias.
Pelo fato da tecnologia transgênica se restringir a atributos notadamente agronômicos que
visam a redução de custos (variedades resistentes a insetos e tolerantes a pesticidas e
herbicidas
34
), torna-se imprescindível a existência efetiva dessas instituições públicas de pesquisa
com o intuito de desenvolverem pesquisas em culturas que a iniciativa privada não detém
interesse em investir. Deve-se mudar o foco da pesquisa transgênica, indo em direção a outras
características que atendam a demanda dos agricultores mais pobres, como o aumento da
tolerância à seca e altas temperaturas, além de se buscar o aumento nutricional dos alimentos e
maiores rendimentos por área. Essa mudança de foco pode e deve ser baseada na cooperação
entre o público e o privado, explorando a maior eficiência da pesquisa do segundo. Mas, todavia,
deve estar sob orientação do setor público (FAO, 2002).
Destarte, o setor público pode contrabalançar os interesses privados na agenda de
pesquisa, expandindo a oferta de tecnologias a fim dos países em desenvolvimento não se
tornarem meros receptores passivos de tecnologias desenvolvidas pelas empresas multinacionais.
O aumento da concorrência no mercado de sementes favorece as pequenas sementeiras e os
produtores, contribuindo para um desenvolvimento sustentável da agricultura. E para o alcance
desse intuito, é necessário se fazer frente aos desafios existentes, dentre eles a globalização dos
direitos de propriedade intelectual, diminuindo, conseqüentemente, as desigualdades hoje postas.
34
De acordo com James (2008) as variedades transgênicas tolerantes a herbicidas corresponderam a 63% da área
global de cultivos transgênicos em 2008.
126
A transferência de tecnologia é elemento determinante do processo de inovação, que
confere aplicabilidade efetiva às tecnologias geradas. Contudo, há de haver ainda muito empenho
no sentido da ampliação do acesso às novas tecnologias agrícolas traçando um caminho estável
rumo ao desenvolvimento agrário e sócio-econômico soberano, sustentável e includente. E esse
esforço é eminentemente político.
127
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com a revolução científico-tecnológica dos últimos 30 anos, a geração e o uso de
conhecimentos e informações assumiram papel estratégico e central para a competitividade e o
desenvolvimento socioeconômico dos países. Eles transformaram-se em elementos basilares na
dinâmica da nova base tecno-produtiva. Mediante este fato, a formulação de novas regras e
normas tornou-se imprescindível. Este arcabouço jurídico passou a permear o processo de
geração, acesso, fluxo, disseminação e uso de informações e conhecimentos com o intuito de
garantir os lucros advindos da criação desses novos conhecimentos e informações. Aumentaram,
portanto, as possibilidades e a capacidade de sua privatização e commodificação, havendo um
maior incentivo para o setor privado fazer uso mais intenso dos resultados de C&T e responder
aos seus anseios de maior de competitividade e lucratividade.
No mundo agro, demonstrou-se nesta pesquisa como essa nova dinâmica internacional é
representada pela Revolução Genética, o que permite a criação dos OGMs, ou transgênicos. Em
um desenvolvimento tecnológico agrícola intensivo em conhecimento, a transgenia passa a ter
um potente valor comercial de troca e transforma-se em grande instrumento de expansão do
capital internacional.
A informação e o conhecimento exercem papel cada vez mais determinante na obtenção
de controle e de poder dentro de variados setores da agricultura, incrementando a possibilidade de
aumento nos lucros e reduzindo custos. Frente ao esgotamento do padrão tecnológico
produtivista disseminado pela RV (1960) e de seu fracasso em acabar com a fome no mundo, a
transgenia surge prometendo grandes índices de produtividade com a concomitante preservação
do meio ambiente. A biotecnologia moderna e os OGMs transformam-se em uma ferramenta a
128
partir da qual se procura responder à produção contemporânea e aos novos desafios de mercado.
Agora não mais pautada em inovações mecânicas e químicas, a nova revolução se estabelece a
partir do uso intensivo do conhecimento em engenharia genética. Como se pôde observar,
somente em um pouco mais de uma década, 25 países passaram a cultivar transgênicos, mesmo
diante de todas as suas polêmicas, o que demonstra como a transgenia foi a tecnologia agrícola
mais rapidamente adotada em todo o planeta. A área cultivada com transgênicos no mundo
alcançou 125 milhões de hectares no final de 2008.
Contudo, mostrou-se nesse estudo as contradições da primeira RV e em que medida a
transgenia corresponde a uma segunda RV ao reproduzir muitas de suas promessas e
antagonismos. Mesmo com grandes expectativas para com os alimentos transgênicos enquanto
alternativa no combate à fome e à pobreza nos países em desenvolvimento, eles são a causa de
grandes polêmicas, relacionadas a questões ambientais, à saúde, quanto a questões econômicas.
Nesta pesquisa não se atentou, em grande medida, aos dois primeiros temas, embora sejam de
grande importância dentro da discussão sobre transgênicos, mas focou-se sobremaneira nas
questões comerciais que envolvem os OGMs.
O imenso valor tecnológico presente nas sementes geneticamente modificadas incita o
pagamento de royalties para o cultivo destas, o que amplia o incentivo para o patenteamento da
tecnologia transgênica por parte das multinacionais do setor. Assim, essas novas possibilidades
de aumento da competitividade e de lucro no mercado de sementes estimulam a criação de
grandes projetos de P&D na área agrícola pelas grandes empresas do setor.
O aumento dos custos das pesquisas demanda uma grande gama de investimentos em
P&D, o que limita a entrada de empresas menores no ramo. Como conseqüência, as grandes
corporações agrícolas controlam, cada vez mais, as pesquisas de ponta em melhoramento vegetal,
129
o que contribui para a concentração do setor. Da mesma forma, as fusões e aquisições existentes
no setor de sementes e agroquímicos, bem como a consolidação de acordos de cartéis entre as
grandes multinacionais, findam a existência de um mercado competitivo no setor de sementes e
reforça o poder de mercado em benefício dessas próprias empresas. Em menos de três décadas,
algumas poucas corporações multinacionais formam uma espécie de “cinturão” em torno do
primeiro escalão da cadeia alimentar.
A falta de competição no mercado de sementes reduz as opções dos agricultores, o que
permite às companhias aumentarem os preços livremente. Evidencia-se, assim, a dependência dos
agricultores às poucas empresas no ramo de sementes. Os primeiros são obrigados a aceitar
condições comerciais desfavoráveis pagando royalties muitas vezes abusivos para essas
companhias. Citou-se ao longo deste estudo como a associação dos agricultores do Mato Grosso
entraram em fevereiro de 2010 na justiça questionando o pagamento de royalties e multas para a
companhia Monsanto. E este não é um caso isolado. Nessas circunstâncias, os OGMs são
somente produtos de empresas multinacionais que adotam posições monopolistas, não
compromissadas com o desenvolvimento sustentável, tão pouco com a dimensão social que
envolve a agricultura (VEIGA, [org.], 2007).
Diante do grande potencial econômico dos OGMs tornando-se importantes fontes de
renda para as grandes multinacionais do setor de sementes essa pesquisa mostrou a correlação e
a necessidade do redesenho das relações da agricultura com o mercado e com as instituições
relacionadas à propriedade intelectual. Esses aparatos institucionais garantem a posse dos lucros
resultantes das inovações já que possibilitam garantir direitos monopólicos sobre os novos
conhecimentos e informações engendrados.
130
A reformulação e a ampliação dos direitos de propriedade intelectual, fato
institucionalizado pelo acordo TRIPS, conformam o ambiente jurídico e político no qual está
pautado o comércio internacional de sementes transgênicas. O TRIPS é o referencial de cunho
internacional mais amplo a preceituar o tratamento aos direitos de propriedade intelectual. Ao
estabelecer padrões internacionais nimos para a proteção da propriedade intelectual, o Acordo
conforma um regime global de propriedade intelectual.
Como um incentivo, a propriedade intelectual pode garantir uma recompensa monetária
para o inventor produzir, que as idéias e as informações são de fácil transmissão, necessitando
de mecanismos para sua apropriação. O regime de propriedade intelectual, defendem alguns, é
útil ao incentivar o investimento em P&D impedindo a diminuição dos fluxos de tecnologia.
Contudo, como se discutiu nessa pesquisa, a proteção excessiva dos direitos de propriedade
intelectual limita a poucos o controle do mercado de novas tecnologias e redunda em uma
disseminação inadequada de novos conhecimentos. Aumenta-se os custos de sua transferência
resultando, no caso agrícola, no declínio da importância das Instituições Públicas de Pesquisa
Agrícola, dentre elas a própria Embrapa, na geração e distribuição de conhecimentos e
informações estratégicos para o desenvolvimento agrário. Nesse sentido, embora o acordo TRIPS
possa criar as condições para a transferência de tecnologia entre países ricos e pobres, ele opera
para impedir a habilidade das nações mais carentes de negociarem favoravelmente, propiciando a
exclusão daqueles que não podem pagar por conhecimentos e informações.
Destarte, concluiu-se como a concentração e a monopolização de conhecimentos
estratégicos, dentre eles a transgenia, atendem não aos interesses das grandes empresas, mas
antes de tudo beneficia os próprios países. Ressaltou-se neste estudo como o Estado permanece
preponderante enquanto ator central na abertura da economia internacional regulando e criando
131
as relações de mercado, conquanto possa ter sido questionado em sua soberania enquanto o lócus
da hegemonia. Ele mantém a sua legitimidade, engendrando uma série de instrumentos cada vez
mais complexos a fim de responder à maior exposição de sua economia no âmbito internacional.
Dessa forma, explica-se a imensa defesa dos Estados Unidos quanto à liberalização da
comercialização dos transgênicos no mundo, à padronização mundial dos direitos de propriedade
intelectual para os produtos da biotecnologia (entrando em grande impasse com a União
Européia) e à introdução de sementes geneticamente modificadas nas políticas de ajuda alimentar
ao exterior. A revolução tecnológica agrícola é, constata-se, estruturada de acordo com os
processos políticos conformados no e pelo Estado.
A concentração e monopolização de conhecimentos e tecnologias estratégicos
estabelecem novas formas de desigualdade entre os países que podem investir pesadamente em
P&D e aqueles mais pobres, que ficam reféns do regime de propriedade intelectual, absorvendo
passivamente as informações e conhecimentos advindos do exterior. Novas formas de
“colonialismo intelectual” são criadas, como bem pontua Stiglitz (1999). Em um contexto no
qual as mudanças ocorrem com grande velocidade ao mesmo tempo em que são muito radicais,
somente aqueles que estão envolvidos na criação de conhecimentos possuem reais possibilidades
de absorver e fazer uso destes. É preciso participar ativamente do processo de geração de
conhecimentos, e neste aspecto, torna-se um grande desafio para as políticas nacionais,
notadamente dos países em desenvolvimento, modificar a atual conformação dos direitos de
propriedade intelectual globalizados.
Esses direitos de propriedade intelectual, ao auxiliarem na concentração e monopolização
de conhecimentos, resultando em novas formas de desigualdade entre os países, corroboram a
afirmação de que a globalização da economia internacional cria e intensifica novos laços de
132
dependência entre os países centrais e as nações menos desenvolvidas. Neste trabalho, buscou-se
tomar um posicionamento crítico em relação à concepção liberal de globalização perante a
análise do mercado de sementes transgênicas e seus mecanismos de apropriação de novas
tecnologias agrícolas.
No pretenso mundo globalizado, em vez da existência de um mundo homogêneo,
constitui-se uma nova divisão internacional do trabalho, na qual os países desenvolvidos
participam ativamente em uma dinâmica ininterrupta de inovação e aprendizado se apossando
das tecnologias de ponta imprescindíveis para o desenvolvimento socioeconômico enquanto
aqueles Estados excluídos e subordinados que não possuem capacidade de investir em P&D.
Diversos países continuam marginalizados do processo de geração de tecnologia, poder e riqueza.
A homogeneização e diferenciação são fenômenos que ocorrem simultaneamente nesse novo
paradigma e as novas formas de poder estrutural engendradas pela globalização são reguladas por
regras e instituições formuladas e fortalecidas principalmente pelos atores mais fortes da arena
política internacional, como é o caso do acordo TRIPS.
Constatou-se nesta pesquisa, destarte, como a globalização da produção agrícola possui
uma contradição essencial: se por um lado produz comida em abundância e barata para os países
centrais, em contrapartida cria uma situação de dependência socioeconômica regional que atinge
grandes parcelas da população dos países em desenvolvimento. Para determinados segmentos da
população mundial, a natureza commodificada do alimento continuará a criar um problema de
acesso, desde que não haja recursos para adquirir comida.
A grande lição aprendida com a primeira RV e que não se pode deixar de ressaltar ao
analisar a introdução dos transgênicos é como as mudanças tecnológicas na agricultura não
bastam para impedir a miséria no campo. Podem ser, ao contrário, a sua causa. A fome é uma
133
questão eminentemente política, relacionada a políticas de distribuição de renda e não à produção
agrícola em si.
As vantagens anunciadas pelo avanço da biotecnologia agrícola não serão de fato reais
enquanto o comportamento monopólico decorrente das fusões e aquisições, dos acordos de
cartéis e da recrudescência dos direitos de propriedade intelectual perpetuar. Os benefícios
advindos das inovações que poderiam favorecer os agricultores e consumidores estão, na
verdade, sendo “capturados” para grandes corporações. Dessa maneira, todas as possíveis
vantagens oriundas dos OGMs tornam-se ilusões. Como a primeira RV, a Revolução Genética
também não alcança seu objetivo mais difundido, qual seja, acabar com a fome no mundo. Os
transgênicos por si não são instrumentos eficazes de combate à fome enquanto não houver
uma maior democratização das oportunidades de desenvolvimento.
Talvez o mais difícil diante do estabelecimento desse novo padrão sócio-político-
econômico nascido com a Era do Conhecimento seja a possibilidade de se equacionar os
objetivos de crescimento econômico e competitividade de empresas e países com as metas de
desenvolvimento e equidade social. Todavia, a nova RV, pautada nos transgênicos, deve aspirar
um desenvolvimento sustentável e includente.
Face aos desafios atuais, é necessário o controle social sobre os diversos aspectos do
desenvolvimento econômico e da inovação, a subordinação dos mecanismos de apropriação
privada de informações e conhecimentos frente à universalização do acesso daqueles de interesse
público e social. Também é essencial o estabelecimento da visão de que o avanço do
conhecimento não cabe somente ao desenvolvimento econômico, mas deve antes de tudo estar
orientado ao desenvolvimento humano em suas mais diversas dimensões. Por isso é
134
imprescindível a adoção de estratégias sócio-políticas mais sustentáveis, recuperando o papel das
políticas estratégicas frente ao imperativo ideológico da globalização e da financeirização.
Para tal, é cogente a participação ativa dos Estados no processo inovativo a partir de uma
política soberana de C&T e P&D. Dessa maneira, esta pesquisa se propôs também a enfatizar o
papel do Estado enquanto provedor e financiador de P&D agrícolas, através das Instituições
Públicas de Pesquisa Agrícola, buscando assim um desenvolvimento soberano, sustentável e
includente. Os governos dos países em desenvolvimento continuam a exercer papel fundamental
no desenvolvimento e disseminação de novas tecnologias para a agricultura, com destacada
atuação em segmentos estratégicos, representando os interesses maiores da sociedade e das
futuras gerações. Ao setor público é resguardada a tarefa de desenvolver pesquisas em cultivares
que a iniciativa privada não detém interesse em investir, além de ampliar a concorrência no
mercado de sementes, favorecendo as pequenas sementeiras e os produtores. Dessa forma,
engendra-se um ambiente mais propício à geração de tecnologias alternativas a fim dos países em
desenvolvimento não se tornarem meros receptores passivos de tecnologias desenvolvidas pelas
grandes corporações.
A transgenia não é uma tecnologia salvadora nem maléfica, é simplesmente uma
tecnologia. O problema está em sua instrumentalização, ou seja, por quem e como é empregada e
a que propósitos. Se utilizadas dentro de políticas eficazes e includentes, pode auxiliar na
promoção do desenvolvimento agrário diminuindo a desigualdade no mundo rural. Com o intuito
de acabar com sua instrumentalização, é cogente um rearranjo político, mais do que econômico.
Embora haja a necessidade da cooperação entre os setores público e privado, explorando a maior
eficiência da pesquisa deste, a investigação científica para a agricultura deve estar sob orientação
do setor público. O Estado é o único capaz de proporcionar acesso eficiente às novas tecnologias
135
agrícolas geradas, promovendo assim, um desenvolvimento sustentável, soberano e includente.
Como bem aponta Braudel (1987:54), o capitalismo não é um sistema econômico que ele
vive da ordem social: “o capitalismo é impensável sem a cumplicidade ativa da sociedade. É
forçosamente uma realidade da ordem social, até mesmo uma realidade da ordem política, uma
realidade da civilização”. Somente com a ampliação do acesso às novas tecnologias por
intermédio de ações políticas se atribuirá o real sentido e função às inovações agrícolas e se
devolverá ao conhecimento sua característica fundamental de bem público.
136
137
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