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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Ana Regina da Silva Pita
A interação do brincar em um espaço escolar entre crianças de 6 a
10 anos de idade: um estudo a partir da abordagem de Donald W.
Winnicott
MESTRADO EM PSICOLOGIA CLÍNICA
SÃO PAULO
2010
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Ana Regina da Silva Pita
A interação do brincar em um espaço escolar entre crianças de 6 a
10 anos de idade: um estudo a partir da abordagem de Donald W.
Winnicott
MESTRADO EM PSICOLOGIA CLÍNICA
Dissertação apresentada à Banca
Examinadora da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, como exigência
parcial para obtenção do título de
MESTRE em Psicologia Clínica e
Psicanálise, sob a orientação do Prof.
Doutor. – Gilberto Safra
SÃO PAULO
2010
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Banca Examinadora
_________________________________________
__________________________________________
__________________________________________
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho a minha mãe
que sempre me ensinou a lutar
pelos meus objetivos e a vencer
meus obstáculos.
Agradecimentos
Agradeço a Deus e a vida por tudo que me proporcionaram e pelo
amadurecimento que pude vivenciar neste percurso.
A minha querida mãe que eu amo muito, que sempre torce por mim, que
me ensinou tudo que eu sei. É uma vitoria nossa!
Ao Valber, meu noivo, por seu amor, carinho, compreensão, lealdade e
torcida.
Ao Gilberto Safra, por toda sabedoria, paciência e aprendizagem.
Aos professores Doutores Suzana Maia e Andrés Antunéz pelo ótimo
retorno na qualificação.
A professora Doutora Maria Lourdes Ornellas por toda sua ajuda. Serei
eternamente grata.
Ao CNPQ pela bolsa concedida que possibilitou que eu continuasse a fazer
minha pesquisa.
Aos professores Silvio e Leana por permitirem e acreditarem na pesquisa.
Agradeço a todos os funcionários da escola que facilitaram o desenrolar da
mesma.
A Marize Pitta pela revisão ortográfica.
Aos meus padrinhos, tios, tias, primos, primas e minha vó Anita por toda
força e pela união e amor que nossa família tem.
Aos meus priminhos Júlia, Manuela e Gabriel. Vocês são a inspiração deste
trabalho. Amo vocês meus pequenos.
A minha querida família Boa Sorte, meus sogros, cunhados e concunhados.
Obrigada pela torcida e por toda demonstração de carinho.
As minhas queridas amigas Laís, Larissa, Ivana, Geisa e Juliana. Nossos e-
mails logorréicos ajudaram na minha distância e fortaleceu ainda mais
nossa amizade.
A minha querida amiga Paty Boa Ventura por ter permitido eu continuar
nosso estudo. Obrigada pela amizade e pelo seu carinho.
Aos presentes que ganhei em São Paulo: Adriana, Périsson, Erika e Carol.
Mistura de sotaques e de vivências que deu certo. Amizades que sempre
levarei e que sempre contarei.
A Kinha, pela amizade, pelo apoio, força e “acolhida”em Sampa.
Ao Dirceu, meu querido amigo guru, por todo a ajuda e paciência.
A Thereza por ter me acolhido por tanto tempo em São Paulo, pelas
conversas, pelas sopas, pelas novelas e principalmente pelo carinho.
A Adriana Arapiraca que me ajudou desde o inicio mesmo sem me
conhecer, sendo hoje uma grande amiga.
A Tia Zezé e Esperança por sempre estarem presentes nos momentos que
mais preciso, ajudando nas boas vibrações.
A todos que estiveram presentes neste percurso e que me ajudaram. Foram
muitas pessoas que tornaram isto possível. Obrigada!
RESUMO
Essa pesquisa foi realizada por meio da observação de atividades lúdicas
em um espaço escolar e teve como objetivo investigar as interações
espontâneas que ocorrem através do brincar entre crianças de 6 a 10 anos
durante o intervalo das aulas em uma escola particular de ensino
fundamental na cidade de São Paulo. A perspectiva teórica de trabalho foi
baseada nas contribuições de Donald Winnicott e as contribuições de
Raquel Soifer. Para realizar esta pesquisa, foi usado o procedimento de
observação e registro de dados, durante três meses. Na análise dos dados,
utilizaram-se algumas categorias decorrentes das próprias observações,
sempre tendo como referencia as contribuições de Donald Winnicott e de
Raquel Soifer. As categorias analisadas foram: imaginação; soluções de
problemas; o brincar sozinho; a socialização; a competição e a rivalidade;
questão do gênero; o medo e o poder; a amizade; um possível caso de
objeto transicional e a observadora e as crianças. Observamos que o brincar
nessas situações favoreceu a socialização, a resolução de conflitos,
elaboração de fantasias inconscientes, etc.
Palavras-chaves: Brincar, desenvolvimento infantil, interação, escola
fundamental.
ABSTRACT
This research was conducted through observation of play activities in a
school place and aimed to investigate the spontaneous interactions that
occur among children with 6 to 10 years old in the range of classes in an
elementary school in Sao Paulo’s city. The theoretical work was based on
the contributions of Donald Winnicott and Rachel Soifer. This research was
conducted in a private school for three months and the procedure was based
on observation and recording of data. In data analysis, we used some
categories arising from own observations, always having as reference the
contributions of Donald Winnicott and Raquel Soifer. The categories
examined were: imagination, problem solving, the play alone, socialization,
competition and rivalry, the issue of gender, fear and power, friendship, a
possible case of transitional object and the observer and the children. We
concluded that the play in these situations favored socialization, conflict
resolution, development of unconscious fantasies, etc…
Key-Words: Play, child development, interaction, elementary school.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ................................................................................... 11
1. Principiando o desejo .................................................................. 11
2. O brincar na teoria psicanalítica .................................................. 14
3. Donald Woods Winnicott ............................................................ 16
4. Alguns estudos sobre o brincar baseados nos pressupostos de
Winnicott ......................................................................................... 17
5. Era uma vez o brincar.................................................................. 20
6. O brincar visto por Donald Winnicott ......................................... 26
6.1 A constituição do self ............................................................. 26
6.2 A realidade subjetiva .............................................................. 30
6.3 Os fenômenos transicionais .................................................... 31
6.4 Criação da externalidade ........................................................ 34
6.5 O brincar ................................................................................. 38
I. AS ETAPAS MATURATIVAS E O BRINCAR ............................ 43
1. Crianças antes de completar 1 ano de idade .............................. 44
2. Crianças entre 1 ano e 3 anos de idade ...................................... 46
3. Crianças entre 3 anos e meio (42 meses) e 5 anos de idade ...... 48
4. Crianças entre 6 e 8 anos de idade ............................................. 49
5. Crianças entre 9 e 11 anos de idade ........................................... 52
6. Crianças entre 12 e 13 anos ....................................................... 54
II. DIÁRIO DE CAMPO E COMENTÁRIOS ................................. 56
1. Observação I, no horário das 09 às 09:25 ................................... 59
1.1 Comentários .......................................................................... 60
2. Observação II, no horário das 14:40 às 15:05 ............................. 62
2.1 Comentários .......................................................................... 62
3. Observação III, no horário das 09 às 09:25 ................................ 63
3.1 Comentários .......................................................................... 64
4. Observação IV, no horário das 14:40 às 15:05 ............................ 66
4.1 Comentários .......................................................................... 66
5. Observação V, no horário das 09 às 09:25 .................................. 67
5.1 Comentários .......................................................................... 68
6. Observação VI, no horário das 14:40 às 15:05 ........................... 69
6.1 Comentários .......................................................................... 69
7. Observação VII, no horário das 09 às 09:25 ............................... 71
7.1 Comentários .......................................................................... 72
8. Observação VII, no horário das 14:40 às 15:05 .......................... 74
8.1 Comentários .......................................................................... 75
9. Observação IX, no horário das 09 às 09:25 ................................ 76
9.1 Comentários .......................................................................... 77
10. Observação X, no horário das 09 às 09:25 ................................ 79
10.1 Comentários ........................................................................ 80
11. Observação XI, no horário das 14:40 às 15:05 ......................... 81
11.1 Comentários ......................................................................... 82
12. Observação XII, no horário das 09 às 09:25 ............................. 83
12.1 Comentários ........................................................................ 84
13. Observação XIII, no horário das 09 às 09:25............................ 85
13.1 Comentários ........................................................................ 85
14. Observação XIV, no horário das 14:40 às 15:05 ....................... 87
14.1 Comentários ........................................................................ 87
III. CATEGORIA DE ANÁLISES DAS OBSERVAÇÕES ............. 89
1. Imaginação ................................................................................. 89
2. Soluções de problemas .............................................................. 92
3. O brincar sozinho ....................................................................... 94
4. A socialização ............................................................................ 95
5. A competição e a rivalidade ....................................................... 97
6. Questão de gênero ..................................................................... 98
7. O medo e o poder ....................................................................... 99
8. A amizade ................................................................................ 100
9. Um possível caso de objeto transicional ................................. 101
10. A observadora e as crianças .................................................... 103
IV- CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................... 105
REFERÊNCIAS ................................................................................ 111
ANEXO I ............................................................................................ 120
ANEXO II ........................................................................................... 121
11
INTRODUÇÃO
1. Principiando o desejo
O brincar sempre esteve presente na minha vida. Meu interesse pelo
brincar despertou quando eu comecei a tomar conta de meus primos
pequenos, algo que até hoje eu faço. Quando brinco com eles, eu me sinto
uma criança novamente, porque sento no chão, brinco com os bonecos, os
jogos, vejo desenhos animados e, o mais importante, tento entender e
participar das fantasias deles.
Brincando com meus primos, lembro da minha própria infância.
Como filha única e sem primos da mesma idade para brincar, costumava
brincar muito sozinha, mas, para mim, não havia problemas, pois
continuava sendo encantador. Meu quarto era meu espaço particular, que se
transformava em um mundo só meu, podendo ser minha casa, uma sala de
aula, uma loja e mesmo um pequeno espaço dele servia como a casa das
minhas Barbies.
Minhas bonecas preferidas tinham nomes e significavam tanto para
mim que, mesmo depois de ter perdido o interesse por brinquedos, guardei-
as por um bom tempo; afinal, eram meus objetos transicionais.
Dentre estes brinquedos, lembro-me de uma boneca especial, que era
de porcelana, um dos poucos bonecos mais artesanais que tive. Gostava
tanto desta boneca que, quando ela quebrou, chorei muito e minha tia não
quis desfazer dela.
Eu sou de uma geração que pouco valorizava os bonecos mais
artesanais; lógico que não é nada comparado aos de hoje, mas era comum
presentear crianças com brinquedos industrializados, plastificados,
resistentes. Mas ainda restava um pouco de simplicidade ao comparar aos
12
dias atuais. Existia o ferrorama, as Barbies, bonecas que falavam muito (era
apenas uma frase), brincadeiras de elásticos, bambolês, legos (famosos
brinquedos de encaixes), entre outros. Muitos destes brinquedos ainda
fazem sucesso entre as crianças.
Mas posso dizer que, até hoje, gosto de brincar e meu brincar está
marcado nesta pesquisa, esteve presente quando estudei Winnicott. Brincar
para mim não é no sentindo de não levar a sério, ou de mentira, como os
adultos geralmente usam quando se referem a outro adulto. Brincar para
mim está no prazer de fazer algo, interagir, desenvolver. Nós, adultos,
esquecemos o quanto é gostoso brincar até vermos crianças brincando,
rindo, se divertindo. Quem, ao ver uma cena destas, não se lembra, nem
que seja por um segundo, da sua infância, de suas brincadeiras favoritas?
Escolhi este tema porque, para mim, faz recordar muitas lembranças boas.
Gostando do brincar, durante a minha graduação, feita na
Universidade Salvador – Unifacs na Cidade de Salvador - Bahia, tive a
oportunidade de estudar o ato de brincar como facilitador no
desenvolvimento infantil ao fazer o Trabalho de Conclusão do Curso de
Psicologia. Minha dupla e eu pensamos em fazer uma revisão de literatura
sobre o brincar como recurso na terapia infantil. Nossa orientadora propôs
que aprofundássemos este tema a partir da visão de algum teórico e sugeriu
que utilizássemos as leituras de Donald Winnicott. Começamos a estudá-lo
e, a partir de então, fui me encantando com sua obra. Vi pouco sobre
Winnicott durante a graduação e, com este estudo, pude me aprofundar um
pouco mais nos pressupostos desenvolvidos pelo o autor.
Em paralelo, no meu último ano de faculdade, fiz três disciplinas
como aluna especial na Universidade Federal da Bahia (UFBA), no
programa de mestrado em Psicologia. As disciplinas que cursei foram sobre
o desenvolvimento infantil e uma específica sobre o brincar feita com a
professora Doutora Ilka Bichara, especialista no tema. Entretanto, estas
13
disciplinas tinham um enfoque na teoria behaviorista. Não existia no
programa professores que tivessem uma maior afinidade com Winnicott.
Também neste ano, fui pesquisadora de uma pesquisa quantitativa pelo
Instituto de Saúde Coletiva, vinculada à UFBA, que também utilizava uma
leitura com um conteúdo mais behaviorista. A minha opção pela psicanálise
me fez repensar aquela empreitada, mas, no momento, era com o que eu
podia contar.
Mesmo sendo recém-formada, pensei em fazer mestrado, porque
sempre me interessei pela pesquisa e queria aprofundar ainda mais os sobre
os estudos Donald Winnicott, que respondiam mais aos meus interesses.
Porém, sabia que, em Salvador, não poderia conciliar um estudo sobre
Winnicott com o brincar. Sendo assim, resolvi fazer meu mestrado na
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, porque eu sabia que haveria
a possibilidade de conciliá-los.
A influência do estudo da teoria behaviorista me fez ver fantasmas na
maneira de pesquisar e de escrever. Assim posto, optei com meu orientador,
por fazer uma investigação exploratória por meio da observação sobre
atividades lúdicas no ambiente escolar.
Escolhemos a escola, porque não haveria uma grande rotatividade de
crianças e elas já seriam conhecidas entre si, o que facilitaria observar a
brincadeira habitual existente entre elas. Traçamos como meta observar
crianças aparentemente saudáveis fisicamente e sem nenhum transtorno
psicológico aparente, porque queríamos perceber como o brincar aparece e
favorece o desenvolvimento infantil, observando crianças em um pátio
escolar.
A idade que escolhemos foi de 6 a 10 anos, pois, como a psicanalista
Raquel Soifer afirma, é nesta faixa etária que a criança gosta de brincar
mais com outras crianças, além de conseguir socializar-se melhor e ter uma
melhor coordenação motora, o que facilita muitas de suas brincadeiras.
14
Antes desta idade, percebemos muitas brincadeiras paralelas, mas não em
conjunto.
Com a orientação, fui encaminhando a pesquisa para elaborar o luto
da teoria behaviorista e acabei me direcionando para uma leitura
psicanalítica do fenômeno. Aos poucos fui me familiarizando mais com a
Psicanálise, por meio das leituras e das aulas, o que foi afetando a maneira
como eu fazia as observações e, principalmente, a maneira como escrevia o
diário de campo.
Desta forma, a proposta que fazemos nesta pesquisa é a de investigar
a interação espontânea que ocorre no brincar entre crianças de 6 a 10 anos
durante o intervalo das aulas em uma escola de Ensino Fundamental na
cidade de São Paulo, analisando e discutindo por meio das contribuições de
Donald Winnicott.
2. O brincar na teoria psicanalítica
No campo psicanalítico, muitos utilizaram e estudaram o brincar
como parte do procedimento analítico com crianças. Podemos citar
Sigmund Freud, que abordou o tema em Além do princípio do prazer
(1920)
1
, afirmando que certos tipos de brincadeiras são importantes para a
criança pelo fato de ela poder passar da passividade à atividade de brincar.
Nesta obra, Freud descreve o jogo que seu neto (com a idade de 18
meses) faz com o carretel. Esta criança jogava um carretel amarrado em um
fio para dentro e para fora de sua cama. Ele o fazia desaparecer ao mesmo
tempo em que pronunciava a palavra fort (fora) e depois o puxava,
fazendo-o aparecer, pronunciando, com satisfação, a palavra da (aqui).
1
FREUD, S. (1920). Além do princípio do Prazer. Edição Standard brasileira das obras completas de
Sigmund Freud. Vol. XVIII. Rio de Janeiro: Imago, 1996.
15
Freud relaciona este fato como sendo uma possibilidade, para a criança, de
controlar o aparecimento e o desaparecimento da mãe. Esta brincadeira
aconteceu simultaneamente à ausência da mãe, sendo uma forma de
controlar, também, a angústia acarretada por esta ausência.
Mas a psicanálise começa, em vias de fato, os atendimentos com
crianças apenas nos anos de 1920 com Anna Freud e Melanie Klein.
Ana Freud, no seu livro O tratamento psicanalítico de crianças
(1926), afirma ser impossível uma transferência em atendimentos com
crianças, pois os objetos de transferência primários de amor (os pais)
ainda têm papéis cruciais no processo de constituição subjetiva da criança.
Para Anna Freud, as brincadeiras não são símbolos de relação com objetos
internalizados e assim não poderiam ser usados como recursos para a
associação livre, já que a mesma não ocorria com crianças.
Melanie Klein, em 1932, criou a técnica da análise através do
brincar. Considerava que, a partir da brincadeira, poderia ter acesso ao
inconsciente, da mesma maneira que o sonho para o adulto. Klein também
comparou a vocalização expressada pela criança ao brincar com as
associações livres.
A psicanálise desenvolveu estudos a partir da teoria do
inconsciente, mas, no início, os estudos relacionados à infância limitavam-
se às crianças a partir de 2 anos de idade, com o estudo da simbologia dos
sonhos, da sintomatologia psicossomática e da atividade criativa. Donald
Winnicott, pediatra e psicanalista, quis aprofundar os estudos nos
primeiros meses de vida da criança, pois a vida do indivíduo tem início no
momento em que ele nasce (Winnicott, 1987, p. 46)
2
.
Dentre os psicanalistas mais atuais, temos Raquel Soifer,
psicanalista argentina, que fez um estudo baseado em observações de
2
Os capítulos do livro de Winnicott, D. (1987). Os bebês e suas mães, são transcrições de conferências,
programas de rádio e artigos inéditos que foram reunidos e publicados após a morte dele em 1971. Esta
organização foi feita por Ray Sheperd e Madeleine Davis.
16
crianças no seu livro Psiquiatria infantil operativa: psicologia evolutiva e
psicopatologia (1992). Soifer compara a evolução maturativa à idade da
criança e especifica, neste quadro, algumas atividades, entre elas o
brincar, assunto o qual abordaremos melhor em um capítulo específico.
No entanto, na nossa pesquisa, utilizamos a contribuição de Donald
Woods Winnicott, que estudou muito sobre o desenvolvimento infantil e
utilizava o brincar durantes os seus atendimentos. Ele compartilhava da
mesma opinião de Melanie Klein a respeito do brincar com pacientes.
3. Donald Woods Winnicott
Donald Woods Winnicott nasceu em 07 de abril de 1896, na cidade
de Plymouth, na Inglaterra, e veio a falecer em 28 de janeiro de 1971, em
Londres, após sofrer uma série de ataques de coração.
Ele, inicialmente, foi pediatra, mas tornou-se psicanalista, pois
percebia a participação do psiquismo no adoecimento infantil. Seus
estudos enfocaram, principalmente, o desenvolvimento da criança em
interação com o seu meio ambiente.
Lins (1997) afirma que Winnicott sempre pensou em ser médico,
decidindo por esta profissão quando ficou internado no hospital por ter
quebrado a clavícula. Interessou-se pelos trabalhos de Darwin,
particularmente, a origem das espécies. Em 1923, aos 27 anos, tornou-se
pediatra e trabalhou por 40 anos no Paddington Green Children’s Hospital
e no Queen’s Hospital for Children.
Segundo Lins (1997), Winnicott iniciou sua prática clínica como
pediatra antes das suas atividades como psicanalista. Entretanto, seu
interesse pela Psicanálise começou em 1919, quando percebeu sua
incapacidade para lembrar-se de seus sonhos. Nesta época, ele leu o livro
17
A Interpretação dos Sonhos (Freud, 1900) e, a partir de então, quis
submeter-se a uma análise com o psicanalista James Strachey, que foi
tradutor das obras de Sigmund Freud do alemão para o inglês.
De acordo com Khan, no prefácio do livro de Da Pediatria à
Psicanálise (1958), Winnicott foi criado de acordo com as tradições de seu
povo, o inglês. Para Winnicott, os fatos eram a realidade e as teorias eram
os estudos feitos acerca desta realidade.
Totalmente contra os dogmas, Winnicott foi um não-conformista e
um pesquisador. Ele pensava que todo sujeito, na sua constituição, encontra
e define a sua própria realidade. Foi canalizando suas energias às realidades
clínicas que estruturou todo o seu trabalho.
Winnicott foi um caso singular por muito tempo, pois era um
pediatra com formação analítica. Sua experiência na pediatra teve uma
grande influência na sua teoria do desenvolvimento afetivo e sobre sua
prática analítica, que se baseava na relação mãe-bebê. Ele foi um
observador desta relação.
Pode-se dizer que Winnicott era um estudioso com pensamento de
caráter intuitivo. Ele afirmava que a Psicanálise dá um seguimento à
fisiologia. Lins (1997) afirma que, com este pensamento, Winnicott queria
continuar expandindo a Psicanálise ao território científico, englobando a
estrutura humana junto aos seus conflitos. Winnicott enfocou bastante a
questão do brincar, considerando-o o principal recurso na análise infantil.
4. Alguns estudos sobre o brincar baseado nos pressupostos de
Winnicott
Todos nós sabemos o quanto o brincar é um fator essencial para a
constituição do desenvolvimento infantil, pois é a partir deste brincar que a
18
criança irá interagir consigo mesma, com os outros e com o mundo. A
brincadeira possibilita o acesso à cultura, às normas sociais, a formar elos
de amizade, assim como a constituição de aspectos do self da criança.
Pode-se afirmar que é através das brincadeiras que a criança se insere no
mundo que a cerca, desenvolvendo os aspectos sociais, afetivos e
cognitivos.
Existem estudos no Brasil relacionando o brincar e a situação
analítica, utilizando a abordagem winnicottiana, como o estudo de Franco
(2003) e o de Felice (2003), nos quais eles contam as próprias experiências
clínicas.
Franco (2003) afirma que o espaço do brincar fica na fronteira da
subjetividade, facilitando a comunicação entre paciente e terapeuta, pois
possibilita a desintegração e integração do paciente. A ação do brincar se
sustenta a partir de uma fantasia oculta dentro de si, sendo que Winnicott
quis propor a ação do brincar como algo diferente, como objeto de estudo
realizado em conjunto com seus pacientes.
Segundo Felice (2003) nas obras de Winnicott se encontra uma
relevância no ato de brincar na análise infantil, pois o paciente tem a
liberdade de poder ser criativo e encontrar seu self. Entretanto, o brincar
deve ser espontâneo e não submisso. Ao realizar brincadeiras com
pacientes, devemos perceber a importância da significação deste ato, pois
ele gera modificações no processo mental do paciente.
O brincar foi utilizado por Donald Winnicott enquanto um dos
recursos nos atendimentos tanto a crianças quanto a adultos. Os estudos de
Mencarelli & Aiello - Vaisberg (2005) e o de Sei & Pereira (2005) falam
das experiências que as autoras tiveram empregando o brincar nos seus
atendimentos.
Mencarelli & Aiello-Vaisberg (2005) em seu artigo contam a
experiência de um trabalho no qual utilizaram o jogo do rabisco e o brincar
19
ao atender pacientes portadores do vírus HIV em um ambulatório de
moléstias infecciosas. As autoras desenvolveram este trabalho baseado na
afirmação de Winnicott (1971) de que a psicoterapia é a sobreposição de
duas pessoas, paciente e analista, que brincam juntas.
O trabalho desenvolvido por Sei & Pereira (2005) utiliza dos
recursos da arteterapia em um grupo de crianças de nove a onze anos de
idade. Nestes encontros, as crianças traziam os conteúdos que lhes eram
mais pertinentes naquele momento, reproduzindo-os através de atividades
artísticas. Em atitudes de escuta, aceitação e estímulo, as autoras (que
eram as coordenadoras do grupo) ofereceram um ambiente
suficientemente bom para que as crianças tivessem gestos espontâneos.
Além das contribuições nos atendimentos, Donald Winnicott
sempre foi voltado à arte e a cultura. O artigo de Luz (2005) relata o que
Winnicott pensa sobre a relação sujeito e cultura, percebendo a arte como
um paradigma da comunicação e da não-comunicação.
Neste artigo, Luz (2005) trabalha em cima da interpretação de
Winnicott sobre os versos de Rabindranath Tagore On the seashore of
endless words, children play
3
, interpretando o pensamento de Winnicott
face a estes versos que ele traduziu como a união do homem com a mulher
e o nascimento da criança, visualizando a experiência do brincar como
algo bruto do existir e do ser saudável. O autor compara a recepção e a
criação da poesia com o brincar.
O estudo de Amiralian (2007) fala sobre a análise com crianças
cegas congênitas, usando a teoria de Winnicott como abordagem, e
percebeu que essas têm uma falta de interesse pelo brincar e uma fantasia
pobre e restrita, pois o ambiente que as cerca, o qual favorece o bom
desenvolvimento, geralmente não está preparado para recebê-las.
3
Os comentários feitos sobre este verso estão em Winnicott, D. W. (1971) O brincar: a atividade
criativa e a busca do self. O brincar e a realidade. Trad. José O. A. de Abreu. Rio de Janeiro: IMAGO,
1971.
20
Com relação à análise em crianças e adolescentes, o artigo de
Kupermann (2007) usa principalmente a base da teoria winnicottiana para
falar sobre este assunto. O autor afirma que o início a análise de crianças e
de adolescentes é mais complexo do que a análise de adultos por causa da
participação decisiva da família.
Kupermann (2007) afirma que o final da análise com crianças
tem que enfatizar a relação estabelecida entre a criança e o analista, e com
os pais, após o processo analítico. É importante dar importância ao
acolhimento e ao manejo dos conflitos, angústias, expectativas e culpa dos
pais, algo que era defendido tanto por Anna Freud quanto Melanie Klein.
O estudo de Sei (2008) relata o atendimento que a autora fez a um
menino que havia sofrido de violência física por parte de sua mãe
biológica, utilizando o brincar como recurso. A autora relata que este
paciente pedia uma posição atenta para suas necessidades, mas, a partir da
sustentação oferecida, ocorreu um processo de internalização dos cuidados
e da sustentação, passando a reproduzi-los através do brincar.
Entretanto, ainda existe certo preconceito em relacionar a brincadeira
ao favorecimento do desenvolvimento infantil. São muitos os adultos que
acham a brincadeira desnecessária e inconveniente, porém o brincar é
necessário para toda criança. É importante que os pais incentivem a
brincadeira, principalmente em crianças pequenas, que ainda não interagem
com outras e brincam apenas com adultos que tomam contam dela.
5. Era uma vez o brincar
A criança brinca simplesmente porque gosta de brincar. O brincar
reflete o social, o afetivo e o social da criança. Ao fazê-lo, a criança
interage com o meio em que está inserida e isto possibilita que a mesma
21
tenha um convívio social com outras pessoas.
A brincadeira é um fato muito antigo, sempre esteve presente na
sociedade humana e é encontrado na cultura. O brincar é mais do que um
fenômeno fisiológico ou um reflexo psicológico. Ultrapassa os limites da
atividade puramente física ou biológica. É uma função significante, isto é,
encerra um determinado sentido (Huizinga, 1938, p. 03).
Huizinga (1938) afirma que os jogos serviam para estreitar os laços
coletivos, sendo realizados em grandes festas sazonais em que todos,
independente da idade ou do sexo, participavam.
A relação entre o brincar e o brinquedo é muito estreita, pois o
brinquedo faz parte da brincadeira. Benjamin (1969) afirma que não é a
brincadeira que faz o brinquedo, mas é a partir do tema e da ação do
brincar que a criança insere seu brinquedo por meio da fantasia.
De acordo com Benjamin (1969), o brinquedo se originou na
Alemanha em oficinas de entalhadores de madeira ou de fundidores de
estanho, sendo feito com “restos” e a venda destes brinquedos não era feita
por comerciantes especializados, mas por marceneiros, caldeireiros ou por
fabricantes de velas.
A partir no século XVIII, os brinquedos passam a ter uma produção
mais específica e, na segunda metade do século XIX, os brinquedos se
tornaram maiores, perdendo a graciosidade e a discrição de antes.
Segundo Benjamin (1969), os brinquedos, muitas vezes, imitam o
mundo dos adultos e são reflexos da cultura. Com o capitalismo, estes
começaram a ficar plastificados e indestrutíveis. É importante para criança
destruir o brinquedo, pois destrói aquilo que pode construir internamente.
Ao destruir o brinquedo, ao contrário do que muitos adultos pensam, a
criança estimula sua criatividade e o faz por curiosidade.
Atualmente, a indústria de brinquedos movimenta os valores
econômicos, permitindo a criação em série de vários brinquedos. Podemos
22
perceber que, com tanta tecnologia, artifício, cores, funções, o brinquedo
deixa a inocência natural e faz com que as crianças fiquem logo enjoadas
da boneca que fala mil palavras ou do carrinho que vira avião e robô, ou
seja, estes novos brinquedos fascinam a criança só que apenas
temporariamente, pois logo são esquecidos e substituídos por outros.
Podemos dizer que nada estimula mais a imaginação da criança do que os
brinquedos simples, como uma bola, uma pipa ou uma simples boneca.
Mas o olhar do brincar não foi sempre o mesmo já que foi se
modificando no decorrer da história. Desde Platão e Aristóteles há relatos
sobre brinquedos e jogos que eram utilizados para o aprendizado, imitando
atividades sérias. Em Roma, como afirma Kishimoto (1995), os jogos eram
destinados ao preparo físico, aparecendo entre os romanos que formavam
soldados e cidadãos obedientes e devotos.
Com o nascimento do cristianismo, a sociedade cristã aplica uma
educação disciplinadora, de maneira que os mestres apenas recitavam os
cadernos e os alunos apenas decoravam, distanciando do desenvolvimento
da inteligência. Neste clima, não havia espaço para a brincadeira.
No Renascimento, entre os séculos XIII e meados do século XVII,
houve grandes modificações, o que acarretou outras concepções
pedagógicas com a idéia de que o corpo não precisa ser mortificado, mas
desenvolvido. Kishimoto (1995) afirma que, nesta época, houve a
necessidade dos exercícios físicos acrescidos do espírito, além do jogo das
cartas educativas a fim de ensinar filosofia, algo inventado pelo frade
franciscano Thomas Murner.
Nos anos posteriores ao renascimento, continuou a expansão dos
jogos educativos. Houve a relevância das imagens para a educação infantil,
pois Locke, pai do empirismo, defendia que tudo que se apresenta na
inteligência passa pelos sentidos. Desta forma, aumentaram-se os jogos de
leitura assim como vários jogos destinados à área didática.
23
Segundo Kishimoto (1995), a publicação da Enciclopédia no século
XVIII, proporcionou o surgimento de novos jogos, pois utilizavam as
imagens da Enciclopédia a fim de criar jogos para a educação de príncipes
e nobres. Em paralelo a isso, houve uma popularização dos jogos
educativos que antes eram restringidos apenas à nobreza.
Um fato importante que ocorreu no século XVIII foi o nascimento da
concepção da infância, pois a criança antes era vista como um pequeno
adulto e tratado como tal. A visão de Rousseau em Emílio (1762) ajudou na
mudança deste olhar, porque defendia a especificidade infantil em que a
criança é portadora de uma natureza que lhe é própria e que deve ser
desenvolvida.
A partir do século XVIII, a criança passa a ter vestimentas,
brinquedos próprios e tem a permissão para se comportar como criança. Os
brinquedos começam a ser separados por sexo, “brinquedos de meninos” e
“brinquedos de meninas”, pois antes não havia esta separação.
De acordo com Kishimoto (1995), no século XIX, com o término da
Revolução Francesa, o aparecimento de inovações pedagógicas e com os
princípios de Rousseau e Pestalozzi, o sentido da ação do brinquedo passa a
ser visto como uma relação com a inteligência, favorecendo o
desenvolvimento infantil. Neste mesmo século, Froebel traz o brincar para
fazer parte da educação pré-escolar. O brincar passa a ser aliado da
educação.
Vale ressaltar que, com a I Guerra Mundial, o sentido do jogo
também muda e passa a haver uma maior oferta por jogos militares. Após o
fim dos conflitos, os jogos passam às práticas esportivas e a brinquedos
elétricos, ocasionando a expansão de brinquedos.
Kishimoto (1995) afirma que, neste período, os brinquedos são mais
vistosos adaptados ao gosto da criança; há o emprego de materiais
diversificados e um cuidado maior com a segurança (p. 43).
24
O brinquedo representa a cultura do lugar em que a criança vive. A
depender da região, existem brinquedos e brincadeiras específicas, pois,
segundo Brougère (1997), a brincadeira é um aprendizado social, de forma
que a criança aprende os vocabulários típicos, formas, regras e o momento
de realizar a brincadeira.
A brincadeira, na antiguidade, era um fenômeno social, de maneira
que todos, adultos e crianças, participavam. Entretanto, como Friedmann
(1998) afirma, a partir da revolução industrial surgiu uma segregação das
crianças em um grupo, separando-as dos adultos. As crianças passam a
utilizar a brincadeira como uma atividade criativa e como um instrumento
de fantasia e satisfação. A brincadeira começa a ser exercida na escola com
a finalidade de tornar este espaço, além de educacional, um lugar
prazeroso.
O lugar onde o brincar acontece é em casa, na escola, na rua, nos
parques, em playground, etc., sendo que, na maioria das vezes, as
brincadeiras sempre são passadas de crianças para crianças ou quando os
adultos lhes ensinam. Assim, o brincar é o patrimônio lúdico cultural,
traduzindo valores, costumes, formas de pensamento e ensinamentos
(Friedmann, 1998, p. 30).
Como já vimos, as brincadeiras têm um lugar muito importante em
diversas culturas e, antes, as crianças e os adultos se misturavam nas
atividades sociais. De acordo com Volpato (2002), os brinquedos
antigamente eram compartilhados por crianças e adultos, por meninos e
meninas, nas diversas situações do cotidiano.
Mas, pela crescente tendência ao racional, o brincar foi mudando
radicalmente. O que antes era motivo de profundas relações familiares,
com valores e sentimentos culturais significativos, torna-se objeto
destinado a um público-alvo, com um fim em si mesmo (p. 218).
Meire (2003) reforça esta afirmação de Volpato quando diz que o
25
brincar já não é mesmo devido à quantidade de estímulos incessantemente
em uma velocidade absurda, de maneira tal que o brinquedo é substituído,
em um piscar de olhos, por um novo, em uma versão mais moderna.
Atualmente, a mídia volta-se para a criança, com a finalidade de
fazer propaganda de brinquedos novos, uma série sem fim, prometendo-lhe
uma satisfação imensa com aquele brinquedo. Mas o excesso de estímulos
causa uma fragilidade no próprio brincar. Meire (2003) afirma que
suspender o tempo e o brincar é hoje um ato de extremo desafio que as
crianças têm de enfrentar frente à avassaladora rede de aparelhos virtuais
(p. 77).
Kishimoto (2006) supõe que o brinquedo tem uma relação íntima
com a criança, podendo ser usado de diversas formas, já que não tem regras
quanto ao seu uso. O brinquedo oferece um mundo imaginário para a
criança e, por que não dizer ao adulto também, que é o “inventor” do objeto
lúdico? Quem constrói o brinquedo introduz sua própria cultura e cada uma
tem seu modo de ver e perceber a criança.
Segundo Kishimoto (2006), o significado do brinquedo não pode ser
reduzido à multiplicidade de sentidos do jogo. O brinquedo tem uma
dimensão material, cultural e técnica que conota a criança e é um objeto de
suporte para as brincadeiras.
A brincadeira e a cultura são fatores fundamentais para o
desenvolvimento da criança. É importante perceber que muitas brincadeiras
se mantiveram iguais com o passar do tempo. Kishimoto (2006) afirma que
existem relatos sobre os jogos de amarelinha, empinar pipas, jogar
pedrinhas no Egito antigo e no Oriente.
Essas e muitas brincadeiras foram passadas de geração em geração
através de conhecimentos empíricos, permanecendo na memória infantil.
Isso se deve ao poder da expressão oral.
De acordo com Kishimoto (2006), a brincadeira é uma demonstração
26
livre e espontânea da cultura, tendo como função transmitir a cultura
infantil, desenvolver formas de convivência social e proporcionar o prazer.
Sendo transmitida espontaneamente, a brincadeira garante a presença do
lúdico na situação imaginária.
No entanto, se a criança não consegue brincar, devido ao pouco
estímulo do ambiente em que ela está inserida, ela não criará laços afetivos,
não desenvolverá a questão social e cognitiva. Faz-se importante o brincar,
pois busca a criação e a interação com o outro.
6. O brincar visto por Donald Winnicott
Donald W. Winnicott nunca abandonou a pediatria, mesmo sendo
psicanalista. Dirigia-se aos pediatras com a intenção de alertar sobre as
descobertas que pareciam essenciais sobre o cuidar e educar na busca da
preservação da saúde.
A saúde física significa que o corpo funciona de acordo com suas
fases do desenvolvimento. A saúde psíquica deve ser percebida como uma
questão de maturidade.
6.1 A constituição do Self
O desenvolvimento humano é algo contínuo, que inicia antes do
nascimento e vai até a morte do indivíduo. Vai da total dependência ao
cuidado do outro até à independência. Winnicott enfatiza bastante o papel
da mãe no início do desenvolvimento do bebê, já que, no início, o bebê e a
mãe são um só.
Quando o bebê está pronto para nascer, a mãe sabe quais as
27
necessidades dele, porque ela também já foi um bebê e traz recordações
de como foi cuidada.
Nas primeiras semanas de vida, o ambiente facilitador tem que ser
humano e pessoal, adaptando-se às necessidades do bebê. Este ambiente
deve ser suficientemente bom para que as tendências adquiridas de
crescimento do bebê alcancem resultados favoráveis.
O bebê que vivencia falhas ambientais tem um prejuízo completo e
pode se tornar uma criança ou um adulto com uma memória latente em
decorrência de um desastre que ocorreu com o seu self, sendo que muita
energia e tempo serão gastos a fim de organizar sua vida. Na pior das
hipóteses, esta falha pode ocasionar, no desenvolvimento desta criança,
uma personalidade deturpada ou um caráter deformado.
De acordo com Safra (1999), o self acontece devido às
potencialidades do bebê em conjunto com o meio ambiente favorável e,
através do processo maturacional, alcança um sentido de totalidade. O self
reconhece a si através dos olhos e na expressão facial da mãe. Este
espelho materno é essencial para o desenvolvimento emocional, pois,
quando o bebê vê o rosto da mãe, ele se vê.
Nos estágios iniciais, a dependência em relação ao ambiente é
absoluta. Segundo Winnicott (1954), nestes estágios, o indivíduo não é
uma unidade completa, mas é uma unidade em conjunto com o ambiente.
O self ainda não é individualizado e não pode discernir entre o mim e o
NÃO-mim.
Desde o nascimento, portanto, o ser humano está envolvido
com o problema da relação entre aquilo que é objetivamente
percebido e aquilo que é subjetivamente concebido e, na
solução desse problema, não existe saúde para o ser humano
que não tenha sido iniciado suficientemente pela mãe
(Winnicott, 1951, p. 26).
28
A realidade psíquica pessoal começa quando o indivíduo começa o
processo de harmonizar experiências e passa a acreditar e confiar. No
começo, a criança não sabe a diferença entre a realidade interna e externa,
sentindo que tudo faz parte da sua realidade subjetiva.
O fato de os bebês, no princípio, serem muito dependentes, os torna
sensíveis a tudo. Os bebês estão o tempo todo armazenando experiências
em sua memória, o que lhes proporciona confiança ou não (a depender do
ambiente).
De acordo com Winnicott (1987), a criança começa a se relacionar
com os objetos e com o mundo a partir do momento em que ela e a mãe
estabelecem uma base de relacionamento que pode ser visto na
alimentação.
Na amamentação, o bebê explorará o seio antes de transformá-lo
num objeto. É o início da relação mãe-bebê e, por conseqüência, será o
início da relação objetal.
Esta primeira mamada pertence à primeira mamada teórica. A
primeira mamada é uma série de primeiras vivências que o bebê tem e irá
favorecer o desenvolvimento dele como indivíduo, pois o bebê está em
uma crescente tensão instintiva, esperando alguma coisa, mas não sabe o
quê e quando. É neste momento que a mãe lhe oferece o seio.
Winnicott (1951) afirma que a mãe suficientemente boa possibilita
que o bebê crie a ilusão de que o seio faz parte dele. O bebê, com o passar
do tempo, começa a alucinar o mamilo no momento em que sabe que a
mãe irá lhe oferecer, pois as memórias são constituídas devido a inúmeras
impressões sensoriais intercaladas à amamentação e ao encontro do
objeto.
O bebê tem a confiança de que o objeto do desejo pode ser
encontrado, significando que ele, gradualmente, passa a suportar a
ausência do objeto, e inicia, assim, a concepção da realidade externa no
29
bebê, lugar onde os objetos aparecem e desaparecem.
A mãe suficientemente boa oferece sustento para que a criança se
suporte no tempo, a fim de permitir que ela vivencie repetidas ansiedades
ligadas aos impulsos instintivos e elabore estas experiências. Esta mãe que,
no início, se adapta às necessidades do seu bebê, vai aos poucos
desadaptando-se e, com o passar do tempo, a mãe irá desiludir o bebê de
que o seio não faz parte dele.
Com a frustração, o bebê passa a tornar real os objetos e começa a
perceber a existência de um limite temporal para a frustração (quando a
mãe se ausenta), passando a ter os primórdios da atividade mental e a
utilizar de satisfações auto-eróticas.
À medida que vai se desenvolvendo, o bebê capacita sua própria
individualidade, vivenciando afetos de identidade pessoal. Mas isso se
torna possível, segundo Winnicott (1987), porque o ego materno possibilita
a organização do ego rudimentar do bebê.
O self vai se constituindo e o indivíduo tem lembranças do cuidado
ambiental, o que o possibilita cuidar de si mesmo, de modo que,
gradualmente, sua dependência vai diminuindo.
Quando passa ao estágio de dependência relativa (no qual a mãe
passa a readaptar-se às suas próprias necessidades), este bebê começa a
perceber a realidade interna e externa, criando o espaço potencial que será
preenchido com o brincar e a experiência cultural (Abram, 2000).
Com a constituição do self, torna-se possível uma relação entre a
criança e a soma das identificações. Safra (1999) afirma que, a partir desta
relação, o bebê consegue organizar uma realidade psíquica viva. Entretanto,
afirma que o self jamais termina sua constituição, está sempre aberto para
o porvir em direção à morte, sua derradeira realização (p. 93).
30
6.2 A realidade subjetiva
As mães desenvolvem uma identificação com o bebê, favorecendo a
ida de encontro com as necessidades básicas deste e transfere o interesse
do seu próprio self para ele, sendo este evento pertencente à Preocupação
Materna Primária, que ocorre quando as mães tornam-se capazes de
colocar-se no lugar do bebê (Winnicott, 1987, p. 30).
Ao desenvolver a Preocupação Materna Primária, a mãe favorece
um contexto para que a constituição do bebê comece a se manifestar assim
como seu desenvolvimento.
Com a disponibilidade oferecida pela mãe, através da Preocupação
Materna Primária, ela possibilita que o gesto criador do bebê apareça,
promovendo, consequentemente, o acontecer do self, que levará à
concepção do fenômeno da ilusão.
O fenômeno da ilusão é um sentido da realidade que é estabelecido,
ou seja, cria-se a realidade subjetiva. Segundo Safra (1999), o fenômeno
da ilusão é fundamental para o processo maturacional, pois possibilita que
o bebê crie uma nova dimensão do mundo.
A mãe suficientemente boa irá apoiar, junto ao seu próprio ego, o
ego do bebê, sendo que o mesmo desenvolverá defesas e padrões pessoais.
A função materna tem como objetivo o holding (segurar), o manuseio
(handling) e a manipulação de objetos.
Segundo Winnicott (1965), o holding (segurar) é tomar conta,
manter a rotina, é a identificação que a mãe tem com o lactente. O
manuseio possibilita a formação de uma ligação psicossomática na
criança, contribuindo para que a criança perceba o real. Já a apresentação
de objetos permite que a criança interaja com eles. O holding é muito
importante, pois
31
Os bebês são realmente muito sensíveis à maneira como são
segurados, o que os leva a chorar com algumas pessoas e a
ficar calmos e satisfeitos quando no colo de outras, mesmo
quando ainda são muito novinhos (Winnicott, 1987, p. 15).
A partir do olhar, do segurar, do manusear de uma mãe
suficientemente boa, existirá uma comunicação silenciosa entre eles, de
maneira que a mãe atende àquilo que o bebê procura.
No início, o bebê acha que o externo está no seu controle, sendo que
mais tarde, esta experiência de onipotência permite que ele se frustre e
passe a perceber que o mundo estava presente antes dele.
O adulto, ao proteger a criança, utiliza-se de vários recursos a fim de
protegê-la de um mundo desconhecido e acaba também resguardando esta
criança de seus próprios impulsos e das possíveis consequências. Esta
proteção continua durante toda a infância. Os pais deixam a criança entrar
gradualmente no mundo.
A segurança proporciona à criança a descoberta do desafio de poder
escapar. O meio circundante em que a criança vive é essencial para o seu
crescimento. É certamente um sinal de crescimento saudável quando as
crianças começam a ser capazes de desfrutar a liberdade que lhes é dada
de forma crescente (Winnicott, 1960, p. 102).
Mas Winnicott (1987) ressalta que existirão momentos em que o
bebê precisará da mãe para ser mal sucedido, podendo vivenciar
sentimentos de frustração e raiva; portanto, que estes sentimentos não o
levem ao desespero.
6.3 Os fenômenos transicionais
Winnicott aborda a existência de uma realidade interna e uma área
intermediária de experimentação. Esta área intermediária é um lugar onde o
32
sujeito consegue manter a realidade interna e externa (realidade
compartilhada) separada, mesmo elas sendo inter-relacionadas.
Winnicott (1951) enfatiza que o ato de o bebê levar um objeto
externo com os dedos à boca é geralmente acompanhado por balbucios,
sendo este fato chamado de fenômeno transicional. O fenômeno
transicional surge entre os quatro e seis meses até os oito e doze meses de
idade.
O fenômeno transicional é um estado temporário, pertencente à
primeira infância, onde o bebê possui um “controle mágico” sobre a
realidade externa.
Os bebês, assim que nascem, chupam os dedos e punhos em
estimulação da zona oral. À medida que vão crescendo, vão se interessando
por brinquedos, sendo que alguns irão se tornar os preferidos.
Pouco antes do primeiro ano de vida, a criança pode possuir um
objeto transicional. Mas o bebê só pode criá-lo se esse realmente existir.
Este objeto surge a fim de ajudar o bebê a lidar com a ansiedade. Quando o
bebê começa a organizar sons, pode aparecer uma palavra (ou mais de uma
sílaba) para designar este objeto.
Há uma relação entre usar os dedos e punhos e a escolha de um
objeto (a primeira possessão de um objeto Não-mim).
O objeto transicional é o símbolo de união entre o bebê e a mãe,
representando o seio para o bebê. Segundo Winnicott (1971), só se pode
usar o objeto quando o indivíduo tem a capacidade de usá-lo, momento em
que o indivíduo começa a dirigir-se para a realidade.
Winnicott (1965) afirma que o objeto transicional pode adquirir um
valor representativo entre o self e o mundo exterior. Porém, entre a relação
do objeto e do uso dele, existe a percepção do objeto como fenômeno
externo.
O objeto permite que o indivíduo faça algumas modificações no seu
33
self. Na relação com o objeto, o indivíduo encontra algo de seu nele, mas
enriquecido de sentimentos. Todavia, este objeto deve fazer parte da
realidade compartilhada (mundo externo compartilhado pelos indivíduos).
O objeto transicional é a primeira possessão que o bebê faz de um
objeto que não faz parte dele. O bebê tem possessão sobre este objeto que é
amado, mas muitas vezes mutilado.
Este objeto é oriundo do exterior, segundo nosso ponto de vista, mas
não o é, segundo o ponto de vista do bebê. Tampouco provém de dentro;
não é uma alucinação (Winnicott, 1951, p. 18).
O objeto transicional é um símbolo usado pela criança nas primeiras
brincadeiras, mas vale ressaltar que, quando o simbolismo é utilizado, o
bebê já possui uma capacidade de diferenciar a fantasia do real.
Com o passar do tempo, o objeto transicional vai perdendo seu
efeito. Não que este objeto seja esquecido, mas apenas perde seu
significado com a ajuda dos fenômenos transicionais que se tornam difusos
entre a realidade psíquica interna e a realidade compartilhada, ou seja, pelo
universo cultural.
O objeto transicional e os fenômenos transicionais têm como
característica essencial o paradoxo e a aceitação do paradoxo. O bebê cria o
objeto, mas só o pode fazer se o objeto já existir.
Os termos fenômenos transicionais e objeto transicional são usados
para relacionar a passagem do uso do próprio corpo ao apego a um objeto
Não-mim.
O objeto transicional e os fenômenos transicionais iniciam uma área
neutra entre o bebê e a realidade externa. A mãe proporciona a ilusão e
depois a desilusão (através do desmame, dos pais e de outros). Vale
ressaltar que o simples término da alimentação ao seio não constitui
desmame (Winnicott, 1951, p. 28).
O ser humano sempre terá a tensão entre as realidades interna e
34
externa, sendo que o alívio é desencadeado através da área intermediária.
Esta área intermediária fica numa ligação direta com o brincar da criança.
O brincar criativo e a experiência cultural situam-se no espaço
potencial. Este espaço existe entre o bebê e o objeto (a mãe ou parte dela)
no momento em que começa a perceber o objeto como Não-mim,
manifestando isso com agressividade e destruição
Esta área varia de indivíduo para indivíduo, pois é resultado das
experiências individuais. O espaço potencial depende da confiança que é
conduzida pela experiência. Através dele, o indivíduo vivenciará a
criatividade.
O espaço potencial surge através das experiências ilusórias e da
dependência relativa, na qual o bebê vive algo que proporciona o
amadurecimento e o desenvolvimento, sendo essencial ao desenvolvimento
humano e à constituição do seu self.
A área intermediaria é fundamental para a relação entre a criança e o
mundo. Winnicott ressalta a importância da maternagem suficientemente
boa e do(s) objeto(s) transicional (ais) para a área intermediária. O objeto
transicional representa a mãe, mas é algo externo ao bebê. Os objetos
transicionais e os fenômenos transicionais fazem parte do domínio da
ilusão.
As pessoas saudáveis vivenciam as relações interpessoais como
existenciais, mesmo em ambientes não-humanos. A realidade psíquica
pessoal onde se valoriza a criatividade e a área de experiência cultural a
qual conduz ao condomínio da herança humana (Winnicott, 1967, p.19).
6.4 Criação da externalidade
Winnicott (1964) afirma que o relacionamento entre a mãe e o bebê é
35
uma evolução. A princípio, o bebê nada sabe sobre o mundo, cabendo à
mãe apresentá-lo aos poucos, pois ela o faz de maneira natural. No início,
as sensações são sentidas intensamente e são de nível corporal.
Gradualmente expandem-se as necessidades do ego. Passa a ocorrer uma
relação do ego entre a mãe e o bebê, na qual a mãe vai se recuperando e o
bebê começa a percebê-la como pessoa. A mãe, ao falhar, por outro lado,
traz ameaças à existência pessoal do eu (Winnicott, 1965, p. 403).
O estágio da dependência absoluta ou quase absoluta relaciona-se
com o estado, no começo, do bebê que ainda não se separou do Não-mim,
do que é mim.
Quando ocorre a separação, é como se a criança percebesse a sua
própria existência. A criança começa a perceber o ambiente e um mundo
exterior a ela. Segundo Winnicott (1987), a diferença entre a realidade
interior e a realidade compartilhada é suavizada pela adaptação daquele que
cuida da criança.
Mas o estágio seguinte, que é rumo à independência, só é
proporcionado devido às experiências que o bebê obtém através do
comportamento adaptativo da mãe, possibilitando que ele encontre fora do
seu self o que é necessário e esperado. O bebê passará a ter uma percepção
objetiva.
A Psicologia estudada por Winnicott volta-se aos fatores emocionais,
à estruturação do mim e à evolução da dependência absoluta para a
dependência relativa até a fase de independência.
Esta evolução depende dos recursos ambientais (cuidados) que vão
aos poucos se separando do bebê. Os processos de maturação acabam por
fazer com que a criança se afaste do que é o Não-mim, construindo o mim
(Winnicott, 1987).
Quando a criança desenvolve a ideia de um mim e um Não-mim,
reconhece a mãe como indivíduo. O bebê começa uma responsabilidade
36
pela experiência instintiva e pelo conteúdo do self, passando a ter
independência do mundo que está fora.
Winnicott (1954) afirma que a base para a saúde, na primeira
infância, é o instinto, que é a força biológica presente na vida do bebê (ou
criança), exigindo ação.
Existirá um momento em que o bebê começará a agredir a mãe,
talvez não com a intenção de feri-la, pois não é tão desenvolvido para tal.
Por ser o primeiro objeto do bebê, a mãe é mordida e atacada para ser
reconhecida.
Mas não existe raiva neste objeto que é atacado, mas alegria em
perceber que ele sobreviveu, pois esse poderá ser usado pelo bebê. A
sobrevivência do objeto à destruição implica a criação de um mundo de
realidade compartilhada.
A mãe tem que sobreviver a estes ataques, pois o bebê encontrará
um novo significado para a palavra amar, e uma nova coisa surgirá em sua
vida: a fantasia (Winnicott, 1987, p.26).
Esta fase vai dos seis meses aos dois anos, quando a criança começa
a vivenciar o mundo, deixando seu mundo protegido em que a mãe
adaptava-se as suas necessidades.
Mas não é possível a um indivíduo aguentar a destrutividade que está
na base dos relacionamentos humanos, ou seja, do amor instintivo, exceto
através de um desenvolvimento gradual associado às vivências de
reparação e restituição.
Na relação triangular (mãe, criança e pai), a criança odeia a terceira
pessoa. Winnicott (1954) afirma que o bebê já vivenciou o amor e a
agressão e esta terceira pessoa é amada pela criança e o ódio aparece na
maneira mais livre, pois a criança sabe que esta pessoa pode se defender.
Pois,
Quando chega a um estágio de desenvolvimento em que
37
consegue perceber a existência de três pessoas, ela própria e
duas outras, a criança encontra, na maioria das culturas, uma
estrutura familiar à sua espera. No interior da família, a criança
pode avançar passo a passo, do relacionamento entre três
pessoas para outros mais e mais complexos (Winnicott, 1954, p.
57).
Segundo Winnicott (1954), é importante a capacidade que o bebê
tem de aceitar a responsabilidade pela intenção destrutiva no impulso
amoroso, o que inclui a raiva e a frustração.
O desenvolvimento primitivo consiste em três fatores: o contato com
a realidade externa, a sensação do corpo e a integração. Na integração, o
bebê começa a se perceber como “eu” separado da mãe e vai tendo
consciência disso gradualmente. É muito importante nesse estágio que a
mãe tenha a criança em sua mente como uma pessoa inteira, pois então a
criança pode permitir-se estar em pedaços (Winnicott, 1948, p. 47).
A partir do seu primeiro ano de vida, a criança pode ter atingindo um
alto grau de integração, de modo que sua personalidade se torna forte e seu
self fica exagerado. O primeiro grande fato que ocorre nesta idade é da
criança ter a sua independência. Mas pode ocorrer que a criança não tenha
a personalidade definida e continue dependente.
Nesta idade, a criança geralmente já se firma no seu corpo. A psique
e o soma conseguem conviver, mas, vale ressaltar que ela não está
completamente enraizada no seu corpo. O mundo interno do indivíduo já
tomou uma organização definida ao final do primeiro ano de vida.
(Winnicott, 1965, p. 11).
Segundo Winnicott (1964), a criança, a partir dos dois, três e quatro
anos, já vive, simultaneamente, em dois mundos. O mundo que é
compartilhado é também o próprio mundo imaginativo da criança, de
maneira que ela o vivencia intensamente. Mas o desenvolvimento continua
por toda a vida do sujeito, finalizando apenas com a morte.
38
6.5 O brincar
O bebê, no começo, não tem consciência de si. Mas entre os dois e
cinco anos, a criança começa a se entender com a hereditariedade, os
instintos, as peculariedades do corpo e com os fatores ambientais.
Paralelamente ela constrói relacionamentos e uma consciência. O ser
humano é uma amostra - no - tempo da natureza humana (Winnicott,
1954, p. 29).
A formação do self é influenciada diretamente no cuidado que o
bebê recebe do meio ambiente (principalmente a mãe ou um substituto da
mãe).
À medida que vai amadurecendo, o bebê começa a reconhecer sua
própria realidade interna e a realidade compartilhada (externa e própria de
todos os sujeitos). Mas, em paralelo, o bebê começará a reconhecer os
objetos que são pertencentes ao Não-mim, principalmente através da
criação da área intermediária, a qual se estenderá para as experiências
culturais e o brincar.
O brincar pertence à terceira área, a qual se expande no viver
criativo e na vida cultural. Esta terceira área tem contraste com a realidade
psíquica pessoal e com a realidade compartilhada, situando-se no espaço
potencial (que de início une e separa o bebê da mãe) que é variável de
indivíduo para indivíduo.
O brincar tem lugar e tempo. O ato de brincar é fazer. O lugar do
brincar aparece no espaço potencial, existindo o contraste entre a
realidade interna e a realidade externa. A brincadeira não é uma questão
de realidade psíquica interna, nem tampouco realidade externa
(Winnicott, 1967, p. 134).
O brincar oferece emoções e experiências físicas particulares às
crianças, ocorrendo certo prazer por parte delas nestas experiências. Para
39
Winnicott (1971), é importante permitir que a criança invente suas próprias
brincadeiras, para que ela exerça e estimule sua criatividade e autonomia ao
fazer algo que lhe dá prazer.
Segundo Winnicott (1971), o ato de brincar é o fato de haver uma
ligação entre a realidade interna e a experiência de controle de objetos
reais. A princípio, a criança brinca com a mãe (adaptando-se às atividades
do bebê). Gradualmente, a mãe vai inserindo o seu próprio brincar (suas
ideias próprias) e, por conseguinte, o brincar passa a ser um ato em
conjunto.
Winnicott (1994)
4
também enfatiza o uso do brinquedo no
momento da brincadeira. Através dos brinquedos, a criança lida de maneira
criativa com a realidade externa. Afinal, eles possibilitam um viver criativo,
conduzindo à capacidade de sentir-se real e sentir que a vida pode ser usada
e enriquecida. A criança, sem o brinquedo e, por conseqüência, sem
realizar o ato de brincar, é incapaz de ver criativamente o mundo, voltando-
se à submissão.
De acordo com Winnicott (1994), sem a brincadeira, a criança terá
uma grande possibilidade de não se desenvolver de maneira saudável ou
mesmo de vir a desenvolver sérios problemas psíquicos.
Ao brincar, a criança inicia suas relações, o que irá lhe proporcionar
o desenvolvimento de contatos sociais. Através do brincar, a criança faz
amigos e inimigos. De acordo com Winnicott (1964), o ato de brincar pode
ser comparado ao mundo de trabalho dos adultos, pois é o meio onde as
relações e formação de vínculos se organizam de maneira mais intensa.
O brincar oferece à criança uma ampla interação com as pessoas
que a cercam, assim como é um facilitador para a compreensão do mundo
4
Este manuscrito foi encontrado no arquivo “Idéias” de D. Winnicott, sendo provável que date antes do
final da década de 60, quando o teórico tornou costumeiro usar o termo “brincar“ (playing), em vez de
“brinquedo“ (play). Foi publicado no livro Explorações Psicanalíticas, organizado por Clare Winnicott,
Ray Sherperd e Madeleine Davis. Traduzido por José O. de A. Abreu, pela editora Artes médicas, 1994.
40
em que a criança está inserida.
A brincadeira proporciona à criança uma experiência física e
emocional. Por mais que os adultos ofereçam às crianças materiais ou
ideias, as crianças conseguem inventar brincadeiras de maneira muito fácil.
Segundo Winnicott (1964), através do brincar, a criança pode liberar o ódio
e a agressão, seus ressentimentos e cóleras recalcados.
Winnicott (1971) afirma que o brincar é, por si só, uma terapia, onde
há uma linha teórica existente entre o subjetivo e o objetivo, ou seja, entre
as representações sobre o meio ambiente e o que é interpretado deste.
A psicoterapia com crianças utiliza o brincar como recurso, pois é
apenas através do brincar que as crianças irão expressar seu inconsciente
5
.
Caso o terapeuta não consiga utilizar este recurso, ele não é não está apto
para este trabalho. A psicoterapia trata de duas pessoas que brincam juntas
(Winnicott, 1971, p. 59).
Durante os atendimentos infantis, o psicanalista não irá, por
exemplo, coletar os materiais das associações livres da maneira tradicional,
utilizada geralmente nas análises com adultos (neuróticos), de forma que o
paciente se deite no divã.
Na análise infantil, utiliza-se o brincar já que, muitas vezes, a criança
não possui o domínio da linguagem. Deve-se observar a criança que brinca
e não o conteúdo da brincadeira. O terapeuta tem que se preocupar mais
com a utilização do conteúdo da brincadeira do que em olhar a criança
que brinca e escrever sobre o brincar como uma coisa em si (Winnicott,
1971, p. 61).
Além do brincar em si, Donald Winnicott utilizava outros recursos,
como, por exemplo, o Jogo do Rabisco. Através do Jogo do Rabisco,
Winnicott entrava em contato com o indivíduo, acessando seu inconsciente
5
O significado de inconsciente para Winnicott era o mesmo denominado por Freud, embora se possa
reconhecer que, em sua concepção de inconsciente, integra-se o não-acontecido.
41
e mantendo uma relação intersubjetiva com a criança atendida.
No Jogo do Rabisco, o analista utiliza os resultados junto ao
conhecimento que tem sobre o que a criança gostaria de comunicar. Porém
Winnicott ressaltava que este jogo não era uma técnica estabelecida com
regras e regulamentos (Winnicott, 1964-1968)
6
.
De acordo com Winnicott (1950), no momento em que a criança está
rabiscando, ela deve demonstrar uma capacidade crescente de conservar
sua espontaneidade, em conjunto com diversos fatores de controle, tal
como o pedido do analista para rabiscar algo.
A partir disso, Winnicott mantinha diálogos intersubjetivos e
criativos com a criança, possibilitando o acesso ao seu inconsciente, junto
ao material que o analista já possuía sobre o paciente.
O brincar é importante nos aspectos afetivos, cognitivos e sociais da
criança. Através do brincar, a criança se expressa, comunica o que não
consegue dizer em palavras ou o que é estranho para ela, como a chegada
de um novo irmãozinho, por exemplo. O brincar proporciona a estrutura
psicológica da criança.
Desta forma, a presente pesquisa busca observar a interação do
brincar entre crianças de 6 a 10 anos, em uma escola localizada na cidade
de São Paulo, com o objetivo de levantar os tipos de brincadeiras utilizadas
pelas crianças no recreio escolar e como estas atividades lúdicas facilitam o
desenvolvimento de elos entre elas. Estas observações serão analisadas à
luz dos princípios desenvolvidos por Donald Winnicott. Observando as
crianças ao brincar no espaço escolar, podemos analisar os tipos mais
frequentes de brincadeira, o apego a certos brinquedos, as regras implícitas
e explícitas etc.
6
Este capítulo é um conjunto de dois trabalhos realizados por Donald Winnicott. O que data 1964 não foi
publicado e o de 1968 foi publicado como artigo. Esse capítulo está no livro Explorações Psicanalíticas,
organizado por Clare Winnicott, Ray Sherperd e Madeleine Davis. Traduzido por José O. de A. Abreu,
publicado no Brasil pela editora pelas Artes médicas em 1994.
42
Foi necessário fazer um paralelo com a etapa maturativa e a idade
infantil trazida pela psicanalista Raquel Soifer, para facilitar a análise das
observações, uma vez que a formação psicanalítica não fez parte de meu
percurso. No seu livro Psiquiatria infantil operativa: psicologia evolutiva e
psicopatologia (1992), ela traz a brincadeira compatível com a idade em
que a criança se encontra, algo necessário para analisarmos as observações.
Descrevemos o diário de campo das observações, fazendo uma
categoria de análise para os temas em cada observação. Analisamos, junto à
ideia que Donald Winnicott tem sobre o brincar, relacionando à
importância do mesmo para o desenvolvimento da criança, tendo o suporte
nas considerações feitas por Raquel Soifer.
Por fim, chegamos às nossas considerações sobre a pesquisa
desenvolvida, mas lembrando que o brincar é fundamental ao
desenvolvimento da criança como indivíduo, independente da idade em
que a criança se encontra.
43
I. AS ETAPAS MATURATIVAS E O BRINCAR
Neste capítulo, utilizamos o livro de Raquel Soifer (1992),
Psiquiatria infantil operativa: psicologia evolutiva e psicopatologia (3
ed.). (J. Abreu & F. Settineri, Trad.). Porto Alegre: Artes médicas.
Optamos por esta obra, porque faz uma ligação do brincar com a
idade em que a criança se encontra, algo importante para entendermos as
brincadeiras que observamos na escola. Soifer observou grupos de crianças
aparentemente sem algum distúrbio físico ou psicológico para fazer este
estudo.
Raquel Soifer é uma psicanalista argentina e tem uma perspectiva
voltada mais para os princípios desenvolvidos por Melanie Klein, mas foca,
também, os estudos de Winnicott.
Soifer realizou trabalhos interessantes como, por exemplo, atender a
criança junto com os pais quando a criança brincava durante a sessão e a
psicanalista tomava esta brincadeira como expressão daquilo que estava
sendo discutido na sessão.
A autora, ao fazer uma breve descrição da escala de Gesell
7
, discute
o que acontece no desenvolvimento a partir do ponto de vista psicanalista e
argumenta o tipo de jogo característico em cada idade do ponto de vista
cognitivo e imaginário.
Soifer (1992) compartilha do mesmo pensamento que Winnicott de
que a família é quem oferece as possibilidades para o desenvolvimento
físico e psíquico da criança, principalmente a mãe. A escola, entretanto,
surge como o ambiente mediador entre a família e a sociedade,
7
Arnold Gesell (1880-1961) pioneiro nos estudos sobre desenvolvimento infantil. Teve grande interesse
sobre os aspectos maturacionais do desenvolvimento humano. A escala de Gesell descreve o
comportamento nas diversas idades, fazendo uma conexão com o comportamento motor, adaptativo, a
linguagem e o pessoal-social.
44
desenvolvendo a sociabilidade e oferecendo o conhecimento.
Para uma melhor compreensão, dividimos este capítulo por grupos
de idade, lembrando que as idades das crianças que observamos variavam
entre 6 a 10 anos, e serão analisadas nos tópicos 4 e 5 deste capítulo.
Em alguns momentos, utilizamos citações do próprio Gesell para
complementar as afirmações de Soifer, utilizando seus livros A criança do
0 aos 5 anos (6 ed.) e A criança dos 5 aos 10 anos (3 ed.), ambos
traduzidos por Cardigos dos Reis e publicados aqui no Brasil pela Editora
Martins Fontes.
1. Crianças antes de completar 1 ano de idade
Todos nós, seres humanos, nas primeiras semanas de vida,
precisamos da ajuda de outra pessoa para sobrevivermos. Este cuidado vai
diminuindo, de maneira gradual, à medida que vamos amadurecendo.
O ambiente adapta-se ao bebê para que, depois, este bebê vá se
adaptando ao ambiente. Desta maneira, o modo como este bebê reage ao
ambiente vai se modificando e ampliando, assim como sua visão do mundo
externo.
Sabemos que, desde muito pequenos, já começamos a brincar e,
segundo os estudos desenvolvidos por Winnicott, a primeira pessoa que
brinca com a criança é a mãe. Através das suas observações e de seus
estudos, Raquel Soifer pôde descrever muitas brincadeiras nos primeiros
meses de vida.
Soifer (1992) percebe que, no primeiro mês de vida, o bebê reage a
alguns sons e, aos dois meses, ele começa a sorri para alguns rostos
familiares e vira a cabeça quando falam com ele.
Com três meses, o bebê brinca de se esconder com o lençol e dá
45
gargalhadas. Aos quatro meses, ri e brinca com as mãos, abrindo-as e
fechando-as. Aos cinco meses, já fica sentado com a ajuda de alguém,
distingue rostos familiares de estranhos e começa a ter uma maior
habilidade com as mãos, pois já consegue pegar os objetos que estão perto
dele e também consegue segurar os pés. Desta forma, podemos acrescentar
que, nesta idade, o bebê já pega e segura alguns brinquedos, como o
chocalho, por exemplo.
Como já foi dito, Winnicott afirma que, dos seis meses aos dois anos,
começa a fase em que o ambiente vai se desadaptando às necessidades do
bebê, influenciando no seu psicodinamismo. Aos seis meses, o bebê
começa a reconhecer o seio como um objeto completo e não como extensão
do seu corpo.
Em questões físicas, o bebê de seis meses já consegue sentar sem
ajuda e passa o brinquedo de uma mão para outra. Utilizando da teoria
freudiana, Soifer (1992) afirma que, nesta idade, começa a fase oral
(estimulação de um objeto, lambendo-o ou chupando-o).
Aos sete meses, a criança brinca de jogar objetos no chão e brinca
sozinho. Mas, apenas aos dez meses, é que a criança brinca com os
brinquedos, não apenas jogando-os para longe.
À medida que vai se desenvolvendo, naturalmente o bebê vai
adquirindo um maior controle dos seus movimentos, tanto que, aos oito
meses, já consegue ficar em pé e fazer movimentos para poder andar e
consegue gesticular as mãos para dar tchau ou soltar beijos. Aos nove
meses, já se levanta sozinho. Com dez meses, o bebê consegue girar o
corpo e amplia seu brincar, pois aperta, bate, chupa e joga seus brinquedos.
46
2. Crianças entre 1 ano e 3 anos de idade
A criança com 1 ano de idade já tem uma maior habilidade motora,
pois já anda e, se for preciso, sobe, mesmo que agachado, para pegar algum
objeto. Soifer (1992) afirma que, nesta idade, a criança ainda não se
concentra em apenas um brinquedo, brinca de se esconder e consegue jogar
uma bola que está na sua direção.
Com base nas suas observações, Soifer usa dos argumentos da
psicanalista Arminda Aberastury
8
de que crianças nesta idade gostam de
mexer com água, areia, terra, associando isso tudo ao processo digestivo
evacuatório. Já as bonecas, bolas, botões, tambor feito de panelas e colher
estão relacionados a fantasias inconscientes, especialmente sobre o ventre e
o genital.
Com 1 ano e meio (18 meses), a criança ainda não se interessa por
outras crianças e, geralmente, as empurra, tratando-as como objetos
manipuláveis. Brincam lado a lado, mas não dividem os brinquedos.
Afirmando o que Soifer descreve sobre crianças com 1 ano e meio,
Gesell (1985) traz algo semelhante, pois, para ele, aos 18 meses a criança
não tem relações interpessoais complexas. Estes autores acreditam que as
outras crianças são objetos para serem manuseados e com isso brincam
sozinhas. Gostam de brincar de se esconder e de ser encontradas, porque
esta brincadeira ajuda-a a criar uma identificação de si própria como uma
pessoa distinta das outras, mas semelhantes a ela (p. 178).
De acordo com Soifer (1992), aos 21 meses, a criança brinca só por
um período maior e com mais frequência. A autora faz um paralelo com
Arminda Aberastury que afirma que, nesta idade, a criança já tem interesse
em brincar com carros e trens, devido à vida sexual dos pais e pode
8
Arminda Aberastury (1910-1972) é uma das maiores autoridades na Argentina sobre a análise infantil.
Teve influência de vários analistas diferentes, mas foram os pensamentos de Melanie Klein que estiveram
mais presentes em seu trabalho na análise infantil.
47
relacionar este brincar à sua própria locomoção. Começam a brincar de
bonecas e animais, a fim de expressar a necessidade paternidade-
maternidade.
A partir dos dois meses, a criança começa a entender as
peculiaridades do seu corpo e do ambiente, interagindo melhor com o
mundo externo. Considerando os pressupostos de Winnicott, podemos
afirmar que é nesta idade, estendendo até os quatro anos, que a criança vive
ao mesmo tempo no mundo interno e externo.
Com dois anos, a criança anda bem erguida, mas não consegue se
inclinar. Corre encurvado para frente. Sua coordenação manual está mais
hábil, de maneira que ela já consegue alternar uma mão com a outra.
Nesta idade, a criança fala sozinha quando brinca (já consegue
formular frases com várias palavras). Agarra suas coisas e briga por elas,
mas sabe o que pode e o que não pode pegar. O importante é que a criança
de 2 anos já consegue compartilhar seus brinquedos.
Aos dois anos, a criança tem uma brincadeira mais organizada,
preferindo brinquedos que se movem ou girem. Gosta de brincar com
pedras, água e areia.
Soifer (1992) afirma que, com dois anos, a criança fala enquanto
brinca, mas de maneira que emenda cenas já vistas. Pede que lhe contem
histórias várias vezes e gosta de olhar as gravuras dos livros. Começa a ter
noção da diferença entre os sexos. Com relação à sociabilidade, alterna
entre a timidez e o convívio com os outros.
Todavia, aos dois e três anos, independente do sexo, existem as
birras e as angústias. Os meninos pensam que todo mundo tem pênis, até os
objetos inanimados e, entre os dois anos e meio e os três, o menino tem
uma relação mais afetuosa com o pai.
De acordo com os estudos de Sigmund Freud, é nesta idade que a
fixação da menina pela mãe perdura mais que no menino (que vai até os
48
dois anos e meio), fase essa chamada de período pré-edípico
9
. A menina,
aos 2 e 3 anos, vê o pai e os irmãos como rivais e, ao brincar de boneca, ela
desperta sua feminilidade, evidenciando, assim, sua relação com a mãe.
Aos três anos, anda igual a um adulto, porque já tem uma
coordenação mais fina e já tem noção do tempo. Começa a tolerar os
brinquedos coletivos. Gosta de inventar histórias. Nesta idade, torna-se
mais evidente a diferença de sexo na escolha de materiais lúdicos (Soifer,
1992, p. 84).
3. Crianças entre 3 anos e meio (42 meses) e 5 anos de idade
Aos 3 anos, a criança encontra-se na fase fálica e os genitais
femininos ainda são desconhecidos. Nesta idade, inicia-se o Complexo de
Édipo e, no caso da menina, o Complexo de Édipo leva-a à inveja do pênis.
O resultado da fase sexual dominado pelo Complexo de Édipo é a
formação de um precipitado no ego, constituído pela identificação com o
pai e com a mãe (Soifer, 1992, p. 90).
Aos 3 anos e meio, a criança tem um apego a um companheiro que,
geralmente, é do sexo oposto, sendo companheiro de brinquedos
imaginários.
Com 4 anos, a criança brinca com as palavras e pergunta tudo. Tem
um alto nível motor. O importante é que, com esta idade, a criança já está
mais sociável e participa de grupos. Possui habilidades com papel, lápis,
massa. Gosta de brincadeiras imaginativas com profissões.
Soifer (1992) percebe que, aos 4 anos, a criança, geralmente, é
autoritária e já brinca com outras crianças, mas ressalta que, nesta idade, a
9
O período pré-edípico é um desenvolvimento psicossexual anterior à instauração do complexo de
Édipo; neste período, predomina, nos dois sexos, o apego à mãe (Laplanche e Pontalis, 1982, p. 352).
49
criança tem dificuldades de brincar quando são três, sendo que, geralmente,
brinca com crianças que são do mesmo sexo.
Reforçando as afirmações de Soifer, Gesell (1985) também observou
esta maior sociabilidade aos 4 anos, pois observou que, nesta idade, a
criança gosta da companhia de outras crianças, mas, quando tem uma
terceira criança, existe certa dificuldade, pois, nesta idade, ela gosta de
brincadeiras mais teatrais e sempre muda de uma situação para outra
rapidamente.
Aos 5 anos, a criança tem uma noção mais equilibrada de si em
relação aos outros. Repete um número limitado de brinquedos e, quando
está brincando, usa uma linguagem prática.
4. Crianças entre 6 e 8 anos de idade
Entre 5 e 8 anos de idade, ocorre o período de latência
10
. Nesta
época, os impulsos são desviados para que não sejam sexuais. Através deste
desvio, chamado de sublimação, a criança obtém as aquisições culturais.
Nesta faixa etária, ocorre a ambivalência de sentimentos com os
professores. Estes professores são figuras substitutas dos primeiros objetos
(pai, mãe, irmão), assumindo uma herança afetiva.
Algo que se pode perceber é que, nesta faixa etária, a criança acaba
se afastando do pai e modifica sua opinião sobre ele, pois percebe que ele
não é o mais sábio ou o mais poderoso. A criança também começa a criticar
e observar sua situação na sociedade.
10
Laplanche e Pontalis (1982) afirmam que o período de latência vai do declínio da sexualidade infantil
até a puberdade. Há uma diminuição das atividades sexuais, a dessexualização das relações de objetos e
dos sentimentos. Surgem sentimentos como pudor ou repugnância e há aspirações morais e estéticas.
Origina-se no declínio do Complexo de Édipo e tem como consequência uma intensificação no recalque
(resultando em uma amnésia que dura os primeiros anos) e uma grande identificação com os pais.
50
Em paralelo, como Soifer (1992) aponta, a criança entra na escola
11
e
tem contato com professores que acabam se tornando pais substitutos. A
criança transfere a eles o respeito e as expectativas inerentes ao pai
oniscientes da infância e os confronta com a ambivalência original com a
disputa com o pai (p. 104).
Durantes as observações, pudemos perceber a relação que a criança
desta idade tem com a professora ao pedir-lhe para brincar em algum lugar
ou mesmo a autorização para poder brincar.
Os brinquedos vão se adaptando à realidade e acabam se tornando
menos criativos do que antes, devido ao recalcamento da imaginação e ao
maior desenvolvimento do ego. Aliado a isso, ocorre, também, uma maior
ênfase na realidade. A criança desta idade já tem uma noção mais firme da
realidade compartilhada.
Com 6 anos, idade de muitas das crianças que observamos, a criança
já frequenta a escola, mas tem dificuldade de unir o que acontece em casa
com o ambiente escolar. O ingresso na escola é uma transição que pode
causar transtornos físicos e psíquicos à criança.
Nesta idade em particular, a criança já se vê e vê os outros. Consegue
equilibrar seu corpo e, com isso, gosta de pular, correr, subir em coisas,
algo que pudemos perceber através das nossas observações, pois foram
vários os episódios de brincadeiras de pega-pega.
Aos 6 anos, a criança gosta de usar a mão como ferramenta, podendo
fingir que é uma arma, outra brincadeira frequente que percebemos em
nossas observações. Gosta de construir, colar, desenhar, cortar. Brinca
dramaticamente, utilizando brinquedos, e a menina, especificamente, gosta
de brincar de vestir e despir bonecas.
Um fato importante que Soifer (1992) afirma e que também pudemos
11
No Brasil, atualmente, é comum as crianças ingressarem na escola com dois anos ou mesmo mais
novas.
51
perceber nas observações é que, nesta idade, é comum brincar com outras
crianças, mas não se tem preferência por sexo. Era comum, por exemplo,
ver vários grupos formados por meninos e meninas brincando de pega-
pega, mesmo em crianças maiores.
De maneira geral, aos 6 anos, começa a brincar de jogos, cartas, etc.
Percebe-se, também, que briga com frequência e, neste caso, vimos que os
grupos resolviam estes conflitos, mas, às vezes, era preciso a ajuda da
professora para negociar. Estas brigas não eram apenas com crianças de 6
anos, mas com as de 7 e 8 anos também.
Gesell (1987) afirma que a criança de 6 anos gosta de brincar com
outras crianças, mesmo brincando bem sozinha. Já começa a brincar em
grupos maiores, mas de maneira pouco organizada, de forma que, se
alguma criança sair do grupo, não perturba a organização da brincadeira.
Nesta idade, já aparecem algumas diferenças na escolha de certas
brincadeiras, como, por exemplo, as meninas gostam de pular corda e os
meninos gostam de fazer escavações na areia.
Aos 7 anos, segundo Soifer (1992), a criança tem uma grande
concentração, chegando a esquecer do mundo externo. É mais responsável
e consegue se colocar no lugar do outro. Já sabe diferenciar a escola de lar.
Nesta idade, tem uma maior preferência em brincar sozinha e gosta
de inventar coisas, mas suas brincadeiras envolvem mais realismos com as
situações cotidianas. Houve dois episódios em que uma criança estava
brincando perto de um grupo maior, mas brincava sozinha e parecia não se
incomodar com isso.
A criança, com 7 anos, começa a pensar sobre sexo e muitas fingem
que namoram. Gosta de repetir várias vezes a mesma atividade e mantém a
mesma posição por mais tempo. Brinca em grupos maiores e prefere
52
brincar com crianças do mesmo sexo, às vezes rejeitando o sexo oposto
12
.
Quando compete, não se interessa tanto em ganhar, mas o faz pelo prazer.
Aos 8 anos, a criança fica menos retraída e procura aumentar seus
conhecimentos pelas coisas e pensa antes de fazer algo. Percebe a diferença
dos adultos. Entende a reação dos outros e tem senso de justiça, por isso era
mais freqüente, nas observações, a solução de problemas entre as crianças
nesta idade. A criança começa a ter aptidões sociais. Aceita as limitações
dadas pelos companheiros de brincadeiras e já começa a fazer amizades.
Com base no que Winnicott afirma, quando a criança começa a brincar com
outras crianças, algo que é mais intenso nesta faixa etária, também começa
a fazer amigos e mesmo inimigos.
Ampliando esta afirmação, Gesell (1987) afirma que a criança, com
8 anos, começa a fazer amigos, principalmente na escola, e são do mesmo
sexo. Gosta de representar e prefere brincar acompanhada a ficar sozinha.
5. Crianças entre 9 e 11 anos de idade
Soifer (1992) afirma que, entre os 9 e 11 anos, se apresenta o período
da pré-puberdade, no qual ocorrem mudanças biológicas e se apresentam as
características psicológicas específicas.
Quando pequena, a criança tem o desejo de ser igual aos seus pais e,
à medida que cresce e começa a conviver com outros adultos,
consequentemente, compara o que lhe traz insatisfação, servindo como
críticas. A substituição do pai por outro adulto pode ser uma manifestação
de saudade da época em que seu pai figurava como o mais forte de todos os
homens e sua mãe a mais adorável.
12
Não foi isso que pudemos perceber nas nossas observações, algo que será mais explorado no capítulo
de Análise.
53
Na pré-puberdade, a criança começa a ter noção das relações sexuais,
mas rejeita a ideia de que seus pais o fazem. Em paralelo, a rebeldia que
acontece neste período é para limitar as pulsões incestuosas e tentar
demarcar conhecimento e mania consciente.
Aos 9 anos, a criança tem mais domínio de si e tem uma maior auto-
avaliação. Aceita a culpa, analisa suas ações e planeja antes de executar
algo. Varia o estado de ânimo e tem uma grande inquietação.
Nesta idade, a criança tem uma boa relação com os companheiros de
brincadeiras, fazendo amizades profundas com crianças do mesmo sexo.
Admira pessoas do mesmo sexo e começa a cultivar heróis. Gosta de jogos
coletivos e organizados, além de gostar de competir, como pudemos ver em
um episódio das observações quando um grupo de crianças entre 9 e 10
anos competia, baseado em regras já pré-estabelecidas por elas mesmas,
para ganhar uns bonequinhos.
Aos 10 anos, a criança assemelha-se a um adulto em formação e tem
múltiplos interesses. Existe uma diferença clara no comportamento de
meninos e meninas. As meninas começam a chorar mais e os meninos
reagem com ira. As meninas já começam a ter uma maior variedade de
valores sociais e culturais o que contribui com o desenvolvimento do ego e
este desenvolvimento acontece de maneira mais avançada do que em
meninos.
Com 10 anos, a criança continua não gostando do sexo oposto, mas
já faz algumas amizades com o mesmo. Soifer (1992) percebeu, no seu
estudo, que, geralmente, nesta idade a criança já não se interessa tanto por
brinquedos, preferindo fazer esportes.
Aos 11 anos, começa a etapa que leva à adolescência. A criança fica
mais inquieta e começa a criticar os pais, mas ainda exclui crianças do sexo
oposto.
54
6. Crianças entre 12 e 13 anos
Entre os 12 e 13 anos, a criança vivencia a fase da puberdade.
Crianças nesta idade têm uma necessidade de competir, provocando sua
coragem. O menino rivaliza com o pai pela posse da mãe, estendendo sua
potência sexual, o que gera aversão e agressão, mas escondendo estes fatos.
Identifica-se com heróis, dividindo a imagem do pai e extravasando sua
raiva para outros objetos.
A menina, geralmente, já menstrua e o aspecto intelectual continua
evoluindo, porém demora mais para desenvolver uma atitude
completamente feminina.
Particularmente aos 12 anos, como Soifer (1992) aponta, a criança
torna-se menos egocêntrica, mais companheira e consegue controlar mais
suas emoções. Crianças nesta idade tendem a se separar por sexo, mas as
meninas começam a ter mais interesse por meninos.
Percebe-se que cada idade tem suas questões psicodinâmicas
específicas, tanto na questão motora, social e no brincar. À medida que
cresce, a criança torna-se mais parecida com um adulto na maneira de se
comportar e de enxergar o mundo, mas, antes disso, ela se insere no
mundo, possuindo uma realidade compartilhada. Assim, suas brincadeiras
também se modificam e se ajustam a esta nova realidade.
Raquel Soifer faz uma análise com um caráter descritiva, mas, assim
como Winnicott, a autora preocupa-se em observar e perceber o brincar,
evidenciando o quanto este ato é importante no desenvolvimento da criança
e como isso está sempre presente na vida dela.
Com base nos estudos feitos por Winnicott e Soifer, pudemos
articulá-los junto às nossas observações realizadas em uma escola, com
crianças entre 6 aos 10 anos, durante a hora do intervalo. Vimos, através
55
das observações, questões que foram aqui abordadas e descritas por Raquel
Soifer e, principalmente, estudadas, desenvolvidas e aprofundadas por
Winnicott, por isso a nossa escolha por estes autores para fazermos a
análise do nosso diário de campo.
56
II. DIÁRIO DE CAMPO E COMENTÁRIOS
Nesta pesquisa, iríamos utilizar o procedimento de observação, que
se caracteriza por coletar dados, com o objetivo de descrever e analisar
fenômenos que se deseja estudar. Este procedimento é frequentemente
utilizado na pesquisa de campo com abordagem qualitativa, que tem a
vantagem de colocar o pesquisador em um contato mais direto com a
realidade.
Toda observação deverá ser registrada. Durante o registro, é
importante explicitar as diferentes informações pertinentes ao fenômeno: o
comportamento, as falas, o jogo, etc.
Utilizaremos a observação descritiva que visará:
descrição dos sujeitos, modo de agir, de falar;
reconstrução de diálogos;
descrição do ambiente físico;
descrição de eventos especiais - o que ocorre e como foi;
descrição das atividades - atividades gerais e comportamentos.
As observações foram anotadas em um diário de campo, totalizando
14 observações realizadas em um período ininterrupto de três meses,
variando apenas entre os turnos da manhã e tarde. Logo após o relato de
cada observação, apresentamos os comentários referentes a cada uma,
discutindo com base em Winnicott e Soifer, com foco na problemática da
brincadeira, qual foi a influência do brinquedo e se a presença da
observadora influenciou no desenrolar do brincar das crianças.
Vale ressaltar que, no relato das observações, estão os nomes de
algumas crianças, mas esses são fictícios, a fim de preservar a identidade
das crianças, dos professores e da escola. As observações estão descritas
57
em primeira pessoa, porque são baseadas no Diário de Campo da
pesquisadora.
Estas observações foram realizadas durante o intervalo de 25
minutos, divididos entre o turno da manhã e da tarde, em uma escola de
Ensino Fundamental localizada na cidade de São Paulo, perfazendo um
total de 350 minutos (aproximadamente 6 horas) de observação. Vale
ressaltar que não houve diferença significativa no comportamento das
crianças entre os turnos da manhã e tarde, mesmo o turno da tarde
possuindo um número um pouco maior de alunos matriculados.
Os sujeitos da presente pesquisa foram crianças entre 6 a 10 anos,
alunos pertencentes do 1º ao 4º ano do Ensino Fundamental. Nosso
instrumento de coleta foi o diário de campo, baseado nas 14 observações
feitas nestes três meses.
A escola de ensino fundamental não tem as mesmas características
adaptativas que a escola maternal. Na escola de ensino fundamental, as
crianças estão mais independentes dos cuidados dos professores, pois,
geralmente, possuem uma maior habilidade motora. Na maioria dos casos,
elas têm um maior acesso às diversas partes do espaço que a escola oferece
durante o intervalo.
A escola em que fizemos a coleta foi uma escola particular de ensino
fundamental, localizada na cidade de São Paulo. A escolha desta escola foi
pela sua localização, que é perto da Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo (PUC-SP), e, principalmente, porque já tem uma parceria com a
PUC-SP, a qual já realizou em conjunto diversas pesquisas, além de a
escola possibilitar que se realize nela estágios obrigatórios de algumas
disciplinas de cursos da graduação.
Em 06 de fevereiro de 2006, o Ministério da Educação (MEC)
implantou a lei 11.274 que mudava as Diretrizes e Bases da Educação
Nacional, passando a duração no ensino fundamental de oito para nove
58
anos, com matrícula obrigatória da criança aos 6 anos de idade, iniciando,
assim, o seu ensino regular. As escolas têm até 2010 para se adequar a esta
mudança. Desta forma, a criança de 6 anos, que antes entrava na
Alfabetização, hoje frequenta o 1º ano do Ensino Fundamental e vai até ao
9º ano do Ensino Fundamental (o que antes era a 8ª série).
A escola onde fizemos a coleta já havia realizado estas mudanças. As
séries que observamos foram: o 1º ano, que é composto por crianças de 6 a
7 anos; o 2º ano, frequentado por crianças dos 7 aos 8 anos; o 3º ano por
crianças dos 8 aos 9 anos e o 4º ano por crianças dos 9 aos 10 anos.
Os alunos do 1º ao 3º ano ficam em pátio separado e somente os
alunos do 2º e 3º ano podem ir ao pátio grande, onde ficam todos os outros
alunos. Mas a grande maioria parece gostar de brincar neste espaço
reservado à etapa do 1º ao 3º.
Este espaço, reservado para crianças do 1º ao 3º ano, tem um cercado
de areia (com brinquedos próprios para se brincar na areia, como pás,
baldes); um brinquedo grande, comum em parques (em formato de casa,
tendo escorregador, balanço, gangorra, etc.); um fogãozinho de brinquedo
(embaixo de uma escada que, futuramente, será outro pátio); e umas caixas
cheias de brinquedos em cada sala de aula.
Para a coleta de dados, utilizamos anotações das observações em
diário de campo. As observações serão apresentadas, ao longo deste
trabalho, na ordem em que foram realizadas. Antes de se iniciar a coleta,
foi necessário dar entrada no Comitê de Ética da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, para autorização da observação da pesquisa (ver
apêndice I). Foi importante, também, pedir uma autorização da escola, à
qual foi entregue uma carta de livre consentimento e documentos
vinculados à PUC - São Paulo, explicando o fundamento da pesquisa (ver
apêndice II).
Pela importância que o brincar possui no desenvolvimento infantil,
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buscamos, nesta pesquisa, observar como ocorre a interação através do
brincar em um espaço escolar entre crianças do primeiro segmento do
ensino fundamental. Os dados coletados foram feitos através da observação
durante o recreio da manhã e tarde em uma escola localizada na cidade de
São Paulo.
As crianças observadas tinham entre 6 a 10 anos, porém foi feita
apenas uma observação com crianças de 10 anos porque, como já foi
explicado anteriormente, elas ficavam em um pátio maior, o que dificultava
a observação pelo grande número de crianças que se encontravam e porque,
muitas vezes, havia crianças mais velhas, pertencentes a outros anos
escolares, durante este intervalo (seja porque não tinham aula ou por outros
motivos assim parecidos), ficando difícil distinguirmos a idade delas.
1. Observação I, no horário das 09 às 09:25
(*) Pátio do 1º e 2º ano
Quando eu cheguei, as crianças ainda estavam lanchando. Tinha um
grupo de três meninos do 2º ano que estavam brincando, cavando a areia
com rodos e, depois de um tempo, um destes meninos gritou “achei”. Ele
havia achado um brinquedo enterrado na areia.
Enquanto eu observava esta cena, a professora do 2º ano veio
conversar comigo e disse que a escola estava em reforma (com isso alguns
lugares estavam lacrados, mas parecia não interferir nas brincadeiras).
O grupo, que antes tinha três, agora estava com sete meninos, sendo
que dois estavam descalços. Arrastavam os rodos pela areia e um deles
enfileirava os brinquedos que ali eram encontrados. Porém, houve uma
discussão entre eles, porque havia apenas quatro rodos e muitos meninos.
A professora, vendo esta cena, conversou com eles e disse que teriam
60
que emprestar o brinquedo para o coleguinha que reclamava. Eles
encontraram a solução jogando “jôke-pô” (pedra, pau e tesoura) e a criança
que perdeu entregou o rodo.
Passado um tempo, João sentou e disse que não iria mais brincar.
Então se reuniram de novo e jogaram “jôke-pô”, mas, antes de finalizar,
Carlos disse a um coleguinha que ele deveria entregar o rodo dele.
Logo depois, Vitor também se chateou e disse que estavam
demorando a lhe entregar um rodo e começou outra discussão,
reivindicando o fato de Lucas nunca entregar o brinquedo dele. Esse se
justificou, dizendo que não estava brincando com eles e, realmente, ele
parecia não estar envolvido na brincadeira, pois, enquanto os outros
cavavam buracos, ele amontoava a areia como se fizesse um pequeno forte.
1.1 Comentários
A problemática desta observação foi o brinquedo achado na areia,
que iniciou quando um menino encontrou, por acaso, um brinquedo
enterrado e, com isso, outros meninos fizeram o mesmo, em grupo. Soifer
(1992) afirma que, a partir dos 7 anos, a criança já consegue brincar com
grupos maiores, como ocorreu nesta observação que era um grupo de sete
crianças.
Outro ponto interessante que podemos notar é que este grupo era
formado, apenas, por meninos, o que já vimos que é outro fator comum,
pois, como afirma a autora citada acima, nesta idade a criança começa a
rejeitar o sexo oposto.
Os brinquedos achados não estavam sendo percebidos como objetos,
mas podemos dizer que eram como pequenos tesouros para estas crianças.
Mas o brinquedo que movimentou todo o desenrolar da brincadeira foi o
rodo. O pequeno rodo não foi usado em sua real finalidade, que é a de
61
escoar a água, mas para achar os “tesouros” enterrados e fazer “fortes” de
areia.
O rodo foi utilizado como instrumento de acesso ao objeto tesouro, o
que outorgou a ele um sentido fálico. O fato de haver poucos rodos
estimulou a rivalidade entre crianças, o que provocou o aparecimento de
uma situação de conflito.
É interessante notar que as crianças procuraram resolver a situação
por meio de um jogo, “jôke-pô”, que inseria a possibilidade de acordo e
negociação, facetas que demonstram a internalização das regras sociais
pelas crianças. No entanto, o conflito permanece já que um dos meninos se
recusa a aceitar as regras de negociação. É digno de nota observar que este
menino jogava só, realizando a construção de um castelo, que assinala uma
maior dificuldade de socialização, já que o castelo aponta possíveis defesas
diante do outro.
A imaginação presente neste ato é comum e muito presente nas
brincadeiras das crianças. De acordo com Winnicott (1971), é no brincar
que a criança expressa toda sua criatividade e, consequentemente, descobre
o self.
Estes meninos tinham entre 7 e 8 anos e, de acordo com Soifer (1992), é
comum gostar de inventar coisas. As crianças tiveram a imaginação de usar
o rodo com outra função.
Nesta primeira observação, as crianças não interagiram com a
observadora e parecia que a presença dela não afetou a brincadeira. Uma
possibilidade disso ter ocorrido é porque estas crianças já estavam
acostumadas à presença de outros adultos, que não sejam professores e
funcionários da escola, devido à parceria que a escola mantém com a PUC-
SP, como já foi dito antes.
62
2. Observação II, no horário das 14:40 às 15:05
(*) Pátio do 1º e 2º ano
Neste dia, as crianças pareciam muito agitadas e muitas estavam
descalças e sem camisas, já que fazia muito calor.
Uma menina, que aparentava ter 6 anos, que iremos chamar aqui de
Carmem, pegou uma tábua de passar roupa de brinquedo e fingiu que era
uma prancha de surf. Depois, pegou o brinquedo e foi com algumas colegas
em direção à sala. Ao retornar, o colocou novamente no chão, voltando a
fingir que estava surfando (vale ressaltar que, nesta mesma época, estreava
uma novela na televisão em que o tema central era sobre o surfing).
Joana, que estava perto de Carmem, começou a tomar impulso junto
de uma árvore através de pulos. Carmem, então, largou sua “prancha” e
começou a fazer o mesmo.
Em paralelo a isso, umas crianças do segundo ano corriam e
entravam na sala e, quase sempre, esbarravam em mim, já que eu estava
sentada apenas em um banco perto da porta da sala deles.
2.1 Comentários
Focaremos, aqui, Carmem e a construção da sua prancha. Carmem
tinha entre 6 a 7 anos e brincava sozinha. De acordo com Soifer (1992), é
comum, aos 7 anos, a criança querer ficar só. O brinquedo para ela não teve
a função real, que seria de brincar de passar roupa, mas sim a de surfar, o
que é possível pelo formato da tábua. O jogo adquire o sentido de busca de
competência e de possível identificação com heróis de novela.
Mesmo brincando sozinha, a criança está se desenvolvendo.
Winnicott (1971) incentiva a ação do brincar, em conjunto ou não, e cabe
ao adulto preocupar-se quando a criança não gosta de brincar.
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Esta brincadeira com a prancha tem características fálicas,
implicando, também, o movimento de exibição de si perante os demais.
Vale ressaltar que a criança, nesta idade, se encontra no período de latência,
em que se detém o desenvolvimento sexual.
Como já foi citado acima, achamos que esta brincadeira foi
influenciada pela mídia, pois, na época, passava na televisão uma novela
que tinha o tema do surfing. Mesmo Carmem entrando na sala, retornou e
continuou a brincadeira, deixando de brincar disso apenas quando viu uma
menina pulando perto dela.
Embora a “prancha de surf” tenha sido abandonada, o pular continua
oferecendo a possibilidade de exercitar a competência, agora em
companhia da amiga. Soifer (1992) afirma que, com 6 anos, a criança já
tem firmeza no seu corpo e sua dimensão no espaço e, consequentemente,
gosta de correr, pular, subir.
O brincar de Carmem não foi influenciado pela presença da
observadora, mas, possivelmente, deve-se ao fato da mesma ter ficado
longe. Entretanto, o grupo de crianças que corriam e entravam na sala,
quase esbarrando na observadora, parecia não se incomodar com a presença
dela, pois continuaram correndo.
3. Observação III, no horário das 09 às 9:25
(*) Pátio do 1º e 2º ano
Neste dia, cheguei atrasada para o intervalo deles, porque, na
secretaria, achavam que eu era estagiária referente ao estágio obrigatório da
graduação em Psicologia e teria, como tal, que assinar a lista de presença.
Tive que explicar que não era da graduação e sim do mestrado, estando ali
para fazer uma pesquisa para a minha dissertação e que a mesma já havia
64
sido explicada e acertada com o diretor e com a coordenadora do Ensino
Fundamental. Depois de tudo esclarecido, fui para o pátio.
Como o segundo ano estava fora por causa de um passeio, havia
poucas crianças no pátio. Aliado a isso, neste dia estava bem frio, fazendo
com que muitas crianças lanchassem na sala de aula.
No pátio havia uma parte isolada por fita, devido a uma reforma e
também porque estava molhado, mas o lugar que tinha uma casinha com
escorregador (casinha de madeira muito comum em parques) estava livre.
Um menino e uma menina, João e Lara, que tinham entre 7 e 8 anos,
corriam atrás dos pombos. Lara gritava, dizendo que havia espantado os
pombos, e João respondia “beleza”.
Outro menino, chamado aqui de Joaquim, fingia que estava armado
e, depois, outros meninos se juntaram a ele. Estas crianças tinham entre 7 e
oito anos. Todos correram em direção ao portão, fingindo carregar uma
arma.
Quando observava esta cena, uma aluna perguntou se era nova no
colégio e eu respondi que não, que estava ali apenas vendo a escola.
3.1 Comentários
Vimos aqui duas brincadeiras. A primeira é a das duas crianças que
corriam atrás do pombo. Não sabemos ao certo quem propôs esta
brincadeira. Podemos classificá-la como tal, pois houve uma interação
entres estas crianças, uma ação que era correr, um prazer em fazer aquilo,
ou, como denomina o dicionário Michaelis (1998), era uma ação de brincar
porque as crianças se divertiam.
O brincar, neste caso, não ocorreu pelo uso de um brinquedo. As
duas crianças compartilhavam um mesmo jogo, que consistia em
experimentar o poder de assustar e afastar um animal. Este tipo de jogo é
65
realizado buscando estabelecer a confiança em si mesmo diante das
situações do mundo. Deste modo, buscam colocar o medo debaixo do
domínio do eu.
Como já foi citado, Soifer (1992) afirma ser comum a criança com 7
anos correr e ela gosta de fazer isso. Mas, um ponto que não condiz com os
estudos desta autora é o brincar entre o menino e a menina, pois, nos
estudos desenvolvidos pela autora, os meninos pensam que as meninas
atrapalham e as meninas os temem. Não percebemos isso, muito pelo
contrário, eles brincavam em conjunto, interagindo um com o outro.
A segunda brincadeira foi a de fingir que estava armado. Segundo
Soifer (1992), a partir dos 6 anos é comum a criança fingir que a mão é
outra coisa, simbolizá-la de outra forma. Outro fato que a autora traz nos
seus estudos é que, a partir dos 7 anos, a criança gosta de brincar de arma.
Sendo um grupo apenas de meninos que brincavam disso, podemos supor,
neste caso, que era uma brincadeira de menino. Aqui também podemos
observar uma variação do jogo fálico, por meio do qual a criança busca
afirmar o seu poder diante das situações conflitivas e perigosas do mundo.
A criatividade se encontrou presente nesta segunda brincadeira, algo
muito enfatizado por Winnicott nos seus estudos, pois, ao brincar, a criança
tem a possibilidade de estimular a sua criatividade e o viver criativamente,
o que favorece o desenvolvimento de maneira saudável.
Em ambas as brincadeiras, a presença da observadora não
influenciou. Na verdade, podemos afirmar que ela não foi notada, pelo
menos não de modo marcante. Quem a percebeu foi uma menina que não
participou de nenhuma das brincadeiras aqui analisadas.
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4. Observação IV, no horário das 14:40 às 15:05
(*) Pátio do 1º e 2º ano
Um grupo de cinco crianças (quatro meninas e um menino) entre 6 a
7 anos brincava na areia. Clara, uma destas crianças passava um garfo de
brinquedo na areia. Bianca, outra criança do grupo, pisou em cima das
marcas e Clara disse para a coleguinha ter cuidado porque ela estava
fazendo a estrada.
Uma menina observava de longe a brincadeira, sentada no colo da
professora. Passado um tempo, ela ficou perto da areia e, quando o menino
largou o objeto com que brincava na areia, ela correu e o pegou,
começando a cavar um buraco na areia. Esta menina brincava sozinha.
Uma das meninas do grupo chegou perto e comunicou ao restante do
grupo que esta menina era a cozinheira. Mas o menino disse que esta
menina não estava na brincadeira com eles.
Havia também, no espaço da areia, duas meninas que brincavam
juntas, mas não pertenciam a este grupo.
O grupo de cinco se dividiu e cada um começou a fazer pequenos
montes. Uma das meninas falou que estava furando o castelo e fazia isso
com uma pá. Outra menina perguntou às outras duas que brincavam
afastadas se elas queriam participar da brincadeira, mas elas não
responderam.
4.1 Comentários
A brincadeira começou com o grupo de cinco crianças, formado por
meninas e um menino, o que novamente não condiz com as afirmações de
Soifer com relação a esta idade em que se evita o sexo oposto.
O interessante, nesta brincadeira, é que cada criança parecia ter uma
67
função, que era determinada, não apenas por uma criança, mas, a cada
momento, uma assumia este papel que era indicar quem fazia as estradas,
os montes, quem os furava, quem era a cozinheira. Os jogos aconteciam
por meio de elementos que apontavam a questão do feminino. Neste caso, o
jogo possibilitava lidar com as facetas do feminino por meio da brincadeira
em grupo.
No caso da “cozinheira”, o menino do grupo disse que ela não estava
brincando com eles. É mais um caso de uma criança brincando sozinha,
afastada pelo grupo, o que é, de acordo com Soifer (1992), um fato comum
entre os 7 anos.
Os brinquedos aqui usados ajudaram e foram inseridos na
brincadeira. As crianças desta idade gostam de brincar na areia e estes
brinquedos favoreceram o manusear.
Houve um momento em que eles se afastaram um do outro, mas
continuaram a brincadeira, ou seja, permanecia a interação. Como
Winnicott afirma nos seus estudos, ao brincar, a criança sempre irá interagir
consigo mesma, com o outro e com o mundo externo.
Mais uma vez percebemos que a presença da observadora não
influenciou nesta brincadeira. As crianças não interagiram com ela, o que
foi um fator positivo, porque o brincar ocorreu espontaneamente.
5. Observação V, no horário das 09 às 9:25
(*) Pátio do 1º e 2º ano
Um grupo de quatro meninos (João, Pedro, Joaquim e Bruno) entre 7
e 8 anos brincava de pega-pega. Passado um tempo, João disse que não
estava brincando, mas, logo depois, voltou a se juntar ao grupo.
Quando Joaquim pegou João, ele disse que não ia mais brincar.
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Pedro resolveu a questão ao dizer para jogar “jôke-pô” e quem saísse é
quem iria pegar. Todos concordaram e foi Bruno que perdeu.
Quando Bruno pegou Pedro, ele falou que não estava valendo,
porque ele teria que contar até dez. Mas Bruno não deu ouvidos e correu.
Com isso, Pedro saiu atrás.
Este grupo de meninos correu para o pátio maior. Quando voltaram
ao pátio em que eu estava, outro menino quis entrar na brincadeira e o
grupo disse que era a vez dele de pegar. Estas crianças, às vezes, se
escondiam embaixo da escada.
Quando o sinal para voltar à sala tocou, eles ainda ficaram brincando
por mais três minutos.
5.1 Comentários
O brincar aqui presente foi o pega-pega, que permite que os meninos
procurem lidar com a competição, com a rivalidade, e, também, tentar
colocar as ansiedades persecutórias inerentes ao tema do jogo (situação
edípica). Soifer (1992) afirma que é bem comum na idade deles. Aos 8
anos, a criança mostra-se mais rápida nas suas reações. Outro ponto
importante que a autora ressalta e que percebemos nesta observação foi que
o grupo era composto apenas por meninos.
Este grupo não utilizou o brinquedo porque, basicamente, a
brincadeira consistia em correr atrás do outro e, quando fosse pego, era sua
vez de correr. Estes meninos pareciam ter se envolvido tanto nesta
brincadeira que permaneceram por mais três minutos além do recreio e nem
notaram a presença da observadora. O jogo se prestou como modo de
internalização das regras sociais, questão que, novamente, aparece na
tentativa de lidar com conflitos por meio do “jôke-pô”.
Quando surgiu um conflito, que foi para saber quem iria pegar, eles
69
resolveram, mais uma vez, na tática do “jôke-pô”. Trazendo Winnicott para
uma possibilidade do uso deste recurso, o autor afirma que o brincar
possibilita à criança a inserção no mundo externo e, por conseqüência, nas
regras da sociedade. Regras associam-se aos limites de cada um e são
necessárias à convivência em sociedade.
6. Observação VI, no horário das 14:40 às 15:05
(*) Pátio do 1º e 2º ano
Um grupo de quatro meninos, entre 8 e 9 anos, corria, fingindo que
tinham armas e gritavam “pow-pow” como se fosse os tiros. As armas de
mentira eram feitas de legos (brinquedos de encaixe).
Aos poucos, outras crianças foram se juntando e estes legos também
viraram espadas e granadas. Neste novo grupo, havia duas meninas.
Por mais que este novo grupo estivesse grande, havia seis meninos
que brincavam mais reclusos dos demais. Pelo que pudemos perceber, estes
seis meninos, geralmente, no recreio, sempre brincavam juntos.
No meio da brincadeira, houve um momento em que todos saíram
correndo, porque diziam que havia “explodido” uma bomba.
Mas, um fato interessante é que, por mais que estivessem “atirando”,
ninguém fingia estar morto. Porém, teve um momento em que um menino
disse “Pow-pow, você morreu”, mas o menino em quem ele “atirou”
balançou a cabeça de um lado para o outro rindo, como se dissesse que não
tinha morrido.
6.1 Comentários
Esta brincadeira começou com os quatros meninos que fingiam estar
70
armados, não sabemos ao certo qual deles sugeriu, mas o interessante é
que, depois, outras crianças participaram. Estes meninos tinham entre 8 e 9
anos. De acordo com Soifer (1992), aos 9 anos, a criança tem um maior
domínio de si, o que a faz analisar mais seus movimentos. O jogo
possibilita colocar o conflito no registro da brincadeira, o que favorece não
apenas a elaboração psíquica, como também o processo de socialização. O
tema do jogo remete às fantasias homicidas decorrentes das questões
relacionadas à rivalidade, decorrentes da situação edípica. Neste caso, o
jogo também permite que as fantasias de perseguidor e perseguidos possam
estar subordinadas à criatividade das crianças.
O lego (brinquedo de encaixe) foi feito de arma. O lego é um
brinquedo que possibilita isso, pois, sendo de encaixe, sua função é
adequar-se aos desejos da criança para a brincadeira. Ou seja, percebemos,
mais uma vez, como o brinquedo pode ser inserido e usado de várias
maneiras, a partir do tema da brincadeira.
A imaginação esteve muito presente nesta observação, não apenas
nos brinquedos, mas na explosão da “bomba”. Porém, teve algo que nos
chamou a atenção: por mais que estivessem atirando, ninguém do grupo
morria, o que seria o mais lógico. Baseado nos estudos de Winnicott,
podemos afirmar que a criança, quando brinca, vive o seu próprio mundo e
este não precisa, necessariamente, seguir a ordem da realidade
compartilhada.
Um ponto importante que presenciamos foi a questão da amizade.
Como pudemos notar, havia um grupo que sempre brincava junto e estava
mais recluso que os demais. A partir dos 8 anos, a criança já começa a
estreitar seus elos e, de acordo com Winnicott (1971), é no brincar que a
criança fará amigos e, também, seus inimigos; afinal, o brincar estimula a
interação e, por conseqüente, a sua sociabilidade.
Percebemos, novamente, que a presença da observadora não
71
influenciou na brincadeira de maneira tal que as crianças não interagiram
com a mesma.
7. Observação VII, no horário das 09 às 9:25
(*) Pátio do 1º e 2º ano
Neste dia, havia um grupo de meninos do 1º ano brincando na caixa
de areia, mesmo estando úmida. Quatro deles pegaram a pá e começaram a
fazer buracos. Um deles arrastava o pé e dizia que a areia estava molhada.
Lucas foi até a caixa de brinquedos e pegou quatro baldes. Distribuiu
e disse que havia achado o balde mágico. Outro menino entrou na
brincadeira. Todos se juntaram no centro do espaço de areia e fizeram um
monte com a areia. Diziam que era o castelo.
Depois de um tempo, Lucas foi reclamar com a professora que um
dos meninos estava com a pá e não queria emprestá-la. A professora foi
tentar resolver, dizendo eles que tinham que dividir os brinquedos.
Conversando, eles resolveram dar uma das pás para Lucas.
Felipe, um dos meninos, gritou, dizendo que havia achado um
tesouro, apontando para o lugar em que tinha um “X”. Lucas começou a
cavar areia e achou um peixe de brinquedo, mas o outro menino começou a
reclamar e disse que era para cavar apenas onde estava o “X“.
Lucas, então, fez um “X” mais distante e gritou que tinha achado
outro tesouro e começou a cavar. Felipe pegou uma folha, a enterrou, fez
um “X” e disse que era outro tesouro.
Um tempo depois, Antônio, outro menino, estava cavando e
começou a gritar “larva”, e todos fingiram que tinha larva de vulcão
naquele lugar.
Teve um momento em que dois dos meninos começaram uma guerra
72
de areia, jogando-a um para o outro, mas a areia caiu em Lucas, que não
gostou e foi falar com a professora. Um dos meninos que estava jogando
areia começou a gritar desculpa, mas, mesmo assim, Lucas chamou a
professora.
Quando tocou o sinal, estes meninos pisaram em cima do “castelo” e
gritavam ao fazer isso.
Neste dia, um menino que já tinha me visto na hora do recreio deles,
passou por mim sorrindo e perguntou se estava tudo bem. Sorrindo,
respondi que sim.
7.1 Comentários
A brincadeira deste episódio começou quando Lucas, um dos
meninos, distribuiu os baldes, pois, antes, eles estavam brincando, mas
parecia não ter um segmento em conjunto. Depois da distribuição,
ocasionou várias sequências para a brincadeira deles. Importante perceber
que a brincadeira era composta, apenas, por meninos, algo que condiz com
os estudos de Soifer.
Os brinquedos que foram incluídos nesta brincadeira foram os baldes
e as pás que auxiliavam no espaço de areia. Os baldes ganharam uma
conotação mágica, afinal eram “baldes mágicos” e os ajudou a fazer o
castelo. Segundo Soifer (1992), aos 6 anos, a criança é capaz de usar
símbolos, mas apenas semi-abstratos, o que aconteceu com o “balde
mágico”. O jogo relaciona-se às questões da sexualidade e da fecundação.
Neste jogo, encontramos a fantasia de penetrar e achar o tesouro, meio pelo
qual os meninos buscam ter acesso às suas potências.
A imaginação mobilizou toda a brincadeira, iniciando com o balde,
depois com o castelo, a larva, os tesouros achados. Mais uma vez
percebemos o quanto a criatividade é um fator presente nas brincadeiras
73
das crianças. Com base nos pressupostos de Winnicott, podemos afirmar
que, através do brincar, a criança tem toda a liberdade para criar seu mundo
particular, mesmo que não seja condizente com a realidade externa, mas é
algo que estimula a imaginação e, consequentemente, os aspectos
cognitivos.
Entretanto, por causa do uso dos brinquedos, houve um conflito, já
que o número de pás era inferior ao número de crianças brincando. Neste
caso, a professora teve que tentar resolver esta situação. Outro conflito
surgiu por meio da guerra de areia, mas o menino responsável pediu
desculpas. Muitas vezes, o jogo não é capaz de conter a excitação
decorrente da fantasia vinculada pelo brincar. Nestes casos, o jogo se
rompe pela necessidade de descarga instintiva. O conflito se estabelece e é
necessário o uso de dispositivos de jogo, sociais, para a sua superação.
Entretanto, um fato interessante é que esta atitude não condiz com os
estudos de Soifer, pois a autora afirma que, apenas aos 9 anos, é que a
criança já assume a culpa.
Houve, também, o uso de regras, pois os tesouros encontrados
deveriam estar apenas no lugar do X. Estas regras foram estabelecidas por
um dos meninos, mas foi respeitada e exercida. Soifer (1992) afirma que,
aos 7 anos, a criança é obsessiva com seus interesses.
Algo interessante é que a brincadeira acabou quando os meninos
destruíram o castelo e gritavam. Podemos perceber, aqui, uma
demonstração da agressividade, algo tão presente na vida do indivíduo.
Winnicott (1971) afirma que a brincadeira é também utilizada pela criança
como uma maneira pela qual pode expressar tudo o que lhe é estranho,
como, por exemplo, os sentimentos de raiva. Em conjunto, estas crianças
puderam despejar tudo no castelo de areia, um forte que construíram e
destruíram juntos.
A ação de destruir o castelo teve o objetivo de finalizar o espaço de
74
jogo para que outra atividade pudesse ser iniciada. Movimento que nos
recorda a etapa final do jogo da espátula, quando, após o período de
hesitação e de uso da espátula, a criança busca livrar-se do objeto, o que
finaliza a consulta.
A observadora, mais uma vez, não afetou o jogo destas crianças. A
criança que percebeu a presença dela foi uma que não estava brincado junto
ao grupo. Várias possibilidades podem ser ditas aqui, como as crianças
realmente não terem visto a observadora ou não se incomodaram com sua
presença.
8. Observação VIII, no horário das 14:40 às 15:05
(*) Quadra de esportes coberta
Um grupo de sete crianças, entre 9 a 10 anos (três meninas e quatro
meninos), estava sentado em círculo perto da quadra. Eles organizaram, na
frente de cada um, uma fileira de bonequinhos com uns três centímetros,
que eram bem coloridos. Jorge, um dos meninos, disse que iria começar.
Vitor avisou que o jogo iria funcionar no sentido horário.
O objetivo do jogo, pelo que eu pude perceber, era derrubar o boneco
do outro. O atirador (como eles mesmo chamavam) dava um “peteleco” no
seu boneco com o objetivo de acertar o boneco da outra pessoa.
Derrubando o boneco, ganhava-o.
As crianças tinham estojos com vários destes bonequinhos, mas não
colocavam todos na brincadeira. Todas as crianças colocavam a mesma
quantidade, mais ou menos uns cinco bonecos. Quando a brincadeira
começou, outros meninos se aproximaram para ver.
Luíza, uma das meninas, disse que iria derrubar o de Jorge (que
estava sentado do seu lado), mas derrubou quase todos o de Vitor e ao fazer
75
isso, ironizou ao dizer que falavam que ela tinha uma má mira.
Luíza era a que mais falava e quem parecia dar mais ordens ao dizer
de quem era a vez, quantos podiam acertar, ou seja, estava o tempo todo
lembrando as regras.
Houve um momento em que Maria, uma das meninas, colocou a mão
na frente de seu boneco, impedindo que esse fosse acertado por Vitor. O
menino disse que assim não valia e repetiu a jogada.
Tocou o sinal do intervalo e todos começaram a recolher seus
bonequinhos. Vitor tinha perdido todos, mas não parecia estar chateado por
isso.
Porém, teve um momento durante este jogo em que um dos meninos
que assistia, ao subir em um lugar próximo, derrubou uma caixa de suco.
Eu peguei a caixa e devolvi a ele. Quando terminou de tomar, ele pediu que
eu jogasse a caixa fora, já que eu estava sentada perto do lixo.
8.1 Comentários
A brincadeira aqui observada é um jogo pré-estabelecido por regras,
que se iniciou quando estas sete crianças haviam arrumado seus bonecos.
Havia uma maneira de arrumá-los, uma maneira para jogar, uma ordem a
seguir. De acordo com Soifer (1992), a idade entre 9 e 10 é quando a
criança tem uma preferência por jogos competitivos, coletivos e
organizados, e é mais avançada na dinâmica e na organização das suas
ações.
Os brinquedos aqui usados serviram de peças para o jogo, não
possuindo uma função de caráter imaginativo. Soifer (1992) afirma que,
nesta idade, para a criança o brinquedo não é algo tão fundamental. O tema
do jogo remete às fantasias de castração que precisam ser elaboradas e
superadas pelas crianças, questão importante para as crianças diante do
76
outro e diante dos adultos.
O conflito que ocorreu foi provocado por uma menina que queria
burlar o jogo ao colocar a mão na frente dos seus bonecos, impedindo que o
acertassem, o que, de acordo com Soifer (1992) é comum aos 10 anos, pois
a criança ainda não tem uma noção clara de jogo limpo.
Todavia, percebemos que as regras eram fundamentais para o
funcionamento do jogo. Regras aqui aplicadas para um bom convívio,
assemelhando-se ao convívio em sociedade, algo que Winnicott enfatizou
nos seus estudos, pois, através do brincar, a criança pode vivenciar o
mundo externo, adequando-se às suas normas, à cultura e aos costumes.
Por mais que a observadora estivesse perto, sua presença não pareceu
afetar o desenrolar da brincadeira. As crianças pareciam estar acostumadas
ao público presente, pois, assim como a observadora, várias crianças
assistiam ao jogo delas.
9. Observação IX, no horário das 09 às 9:25
(*) Pátio do 1º e 2º ano
Um grupo de crianças do 1º ano estava lanchando no brinquedo em
formato de uma casinha de madeira que tem um escorregador (um
brinquedo bem comum nos parques). Depois do lanche, três meninas
saltaram no meio do escorregador para o chão.
Vendo esta cena, alguns meninos se juntaram e fizeram o mesmo,
competindo para ver quem conseguia saltar do ponto mais alto do
escorregador.
Outras duas meninas, que chamaremos de Júlia e Léa, corriam pelo
pátio. Léa foi até a professora e pediu alguma coisa, então foi à sala e
trouxe uns óculos cor-de-rosa. Júlia começou a correr atrás dela, porque
77
também queria usá-los.
O grupo de meninos que estava saltando do escorregador entrou na
sala e todos saíram usando óculos escuros e, depois, voltaram para o
escorregador.
Outro menino, Carlos, pediu à professora uns óculos escuros, mas ela
disse que tinha acabado. Ele entrou na sala e voltou com um escudo e um
secador de brinquedo que fazia de arma.
Depois, as outras crianças entraram na sala e cada uma saiu com um
brinquedo, e muitas estavam com secadores que eram suas “armas”. Léa
agora estava usando um colar e era Júlia que usava os óculos cor-de-rosa.
As crianças que estavam com o secador brincavam de matar uma a
outra e quem não tinha “armas” usava seus “poderes” através da
gesticulação das mãos.
Depois de um tempo, elas começaram a brigar com um menino. As
crianças alegavam que, na brincadeira, este menino dizia ter todos os
“poderes do mundo” e ele não podia ter todos. A professora foi tentar
resolver a situação.
Antônio, Léa e Júlia brincavam de atirar usando o secador. Antônio
fingiu que tinha acertado Léa e ela começou a se tremer e parou de correr,
pois havia “morrido”.
9.1 Comentários
Esta observação teve uma sequência de brincadeiras paralelas, mas
interligadas entre si. Começaremos falando das duas meninas, Léa e Júlia,
que corriam. Os óculos cor-de-rosa usados por Léa se tornaram objeto de
desejo da outra menina e foi uma ação imitada pelas outras crianças (todas
usaram óculos escuros logo depois de vê-la com um). É interessante
observar como o jogo iniciado por uma criança leva as outras a se inserirem
78
na brincadeira.
Paralelo a isso, outras crianças brincavam de pular, competindo.
Mesmo quando todos passaram a usar óculos, saíram para pegá-los e
voltaram a pular. Soifer (1992) afirma que pular, correr e outras
demonstrações do potencial motor são bem comuns entre crianças de 6
anos.
Outro ponto que notamos é que a brincadeira era entre meninos e
meninas, não havendo uma preferência pelo sexo. Aos seis anos, segunda a
autora acima citada, a criança ainda não faz uma diferença, mas aos 7 anos,
já começa a fazê-lo.
Os óculos escuros eram os objetos mais desejados desta observação.
Entretanto, quando um dos meninos não teve como usá-los, por não ter
mais, ele usou da imaginação e fez do secador de brinquedo uma arma.
O fato de os óculos terem passado a adquirir um valor especial,
outorgou a eles um valor fálico. Aqueles que o possuíam pareciam ter algo
que lhes dava valor e prestígio diante dos outros. Podemos observar que,
por não haver óculos para todos, surgiram fantasias homicidas, que as
crianças procuraram manter no registro do jogo. No entanto, uma das
crianças recorre a uma fantasia onipotente “ter os poderes do mundo” como
uma forma de se defender diante da angústia mobilizada pelo jogo.
As outras crianças imitaram mais uma vez a brincadeira e todas
compartilharam da mesma imaginação. Como já vimos, Winnicott (1994)
afirma que a imaginação sempre está muito presente nas brincadeiras
infantis, possibilitando à criança lidar com a realidade compartilhada e
sentir-se real.
O interessante é que todas estas crianças antes brincavam separadas e
passaram a brincar em conjunto e a impor regras, como a que dizia que
ninguém poderia possuir todos “os poderes do mundo”. Soifer (1992)
afirma que, aos 6 anos, é comum ter brigas. As regras são maneiras pelas
79
quais estas crianças associam as regras de convivência e, neste caso,
assemelham-se à realidade externa, pois ninguém pode possuir tudo.
Percebemos que, nesta brincadeira, as crianças seguiam os padrões
naturais da vida, pois, quando Antônio “atirou” em Léa, ela “morreu”. A
criança desta idade já tem uma noção clara das leis naturais da vida e a
escola possibilita um maior acesso as tais conhecimentos.
A observadora não influenciou nestas brincadeiras, uma vez que se
encontrava um pouco mais distante das cenas ocorridas, a fim de não
influenciar no desenvolver do jogo.
10. Observação X, no horário das 09 às 9:25
(*) Pátio do 1º e 2º ano
Três meninos do 2º ano estavam no espaço de areia cavando e logo
depois outro menino se juntou a eles. Fernando, um dos meninos, começou
a dizer que tinha rato na areia (um lugar perto de onde eu estava sentada).
Os meninos se reuniram e discutiram se existia ou não o tal rato.
Bento, um dos meninos, queria tirar toda a areia e verificar se existia
ou não o rato, mas Fernando dizia que tinha que tapar tudo com a areia
porque as crianças da tarde poderiam pegá-lo, colocar a mão na boca e
acabariam se infeccionando, o que resultaria nas suas mortes. Ao falar isso,
olhou para mim, como se esperasse uma aprovação, mas preferi não dizer
nada.
Bento esperou que eles saíssem e cavou o buraco. Logo depois,
gritou, dizendo que não existia rato algum. Quando um dos meninos se
aproximou, ele o empurrou e voltava a repetir que não tinha rato e que
aquilo era apenas um buraco.
Quando o intervalo tocou, Bento ainda cavava o buraco e, depois, me
80
perguntou se o sinal havia tocado ou não. Respondi que sim. Ele, então,
saiu correndo para a sala com a pá ainda na mão. A professora mandou-o
voltar para guardar o brinquedo.
10.1 Comentários
No início estes quatro meninos entre 7 e 8 anos estavam apenas
brincando na areia, mas a problemática se iniciou quando um dos meninos
achou que havia um rato. O interessante é que o “rato” estava perto da
observadora, sendo esta a primeira (e única) interação entre as crianças e a
observadora, possivelmente por ela ter ficado bem próxima.
Eles não a convidaram para brincar, mas, como era uma adulta, foi
colocada no papel que poderíamos chamar de juíza para analisar se existia
ou não o tal rato e os malefícios que ele poderia trazer (discurso feito por
uma criança, mas parecia de um adulto). De acordo com Soifer, a criança
de 8 anos sabe a diferença dos adultos.
O jogo do rato assinala o aparecimento de fantasias persecutórias,
que se associavam à idéia da morte de outras crianças. A criança, nesta
etapa, tem consciência do perigo e formula, com clareza, a questão do mal.
O jogo evocou a angústia e foi difícil manter a atividade do brincar como
modo de a conter. Vemos como a criança ficou envolvida na situação, a
ponto de não poder mais reconhecer se o sinal que assinalava o re-início
das aulas havia soado. Assim, outorgou à observadora a função de teste da
realidade.
Parece que, nesta observação, quando um dos meninos pergunta à
observadora se o sinal havia ou não tocado, ela foi posta no papel de um
adulto responsável por eles, naquele espaço escolar, como a professora ou
outro funcionário.
O brinquedo aqui utilizado foi a pá, que era o instrumento para
81
mover a areia, tapando ou cavando em consequência do rato.
A brincadeira acabou quando se percebeu que não havia rato, sendo
aquilo apenas um buraco na areia. Soifer (1992) afirma que, aos 7 anos, a
criança gosta de inventar coisas e o discurso que a criança fez sobre os
malefícios do rato é devido à capacidade que tem a criança desta idade em
distinguir o que é bom e mau.
11. Observação XI, no horário das 14:40 às 15:05
(*) Pátio do 1º e 2º ano
Neste dia, três meninas e um menino do 1º ano brincavam de pega-
pega. Quando o menino foi pegar uma das meninas, ela disse que não
estava valendo, porque estava cansada e argumentou com base no que seu
pai havia dito que, quando se estiver cansado, deve-se parar e descansar.
Resultou que todos ficaram parados e só depois recomeçaram.
Mas o grupo acabou se dispersando e o menino se juntou a outros
meninos e começaram a brincar de pega-pega.
Neste outro pega-pega, quando não sabiam quem estava pegando,
um deles começava a contar de olhos fechados, enquanto os outros se
espalhavam e se escondiam embaixo da escada.
Fora desta cena, estava um menino de aproximadamente 6 anos, que
chamaremos de Rafael, que estava com um urso de pelúcia bem sujo e o
jogava para cima e para baixo. Rafael subiu em cima do brinquedo em
formato de casa e, embaixo dela, tinha um menino e uma menina que eram
da mesma turma dele e estavam brincando. Estes meninos, Renato e Léa,
brincavam da seguinte forma: ele dava um brinquedo para ela morder e,
depois, jogava-o para longe. Já havia percebido que estes dois meninos
sempre brincavam juntos no recreio quando ambos estavam na escola.
82
Rafael começou a apertar Renato por entre as tábuas do brinquedo e,
depois, começou a mostrar o urso, como se presença desse também fosse
perturbar os meninos. Renato pegou o urso e saiu correndo e Rafael saiu
atrás. Depois que conseguiu recuperar o urso, preferiu guardá-lo na sala.
11.1 Comentários
Foram duas brincadeiras nesta observação. Começaremos com a do
pega-pega. Este jogo começou com quatro crianças, meninas e um menino
que tinham entre 6 e 7 anos. Soifer (1992) afirma que a rejeição pelo sexo
oposto inicia-se aos 7 anos, tanto que, quando o grupo se dispersou, o
menino foi brincar com outros meninos.
O uso das regras no pega-pega do grupo misto foi definido por uma
menina, quando ela estava cansada; ela usou de argumentos de um adulto
(o pai dela) para que não fosse pega, fazendo-o em beneficio próprio.
Soifer (1992) afirma que, aos 6 anos, a criança compreende e se comporta
bem com as normas, mesmo sendo impulsiva. O tema do jogo trouxe a
questão da perseguição, que precisou ser elaborada pelo jogo.
O pega-pega entre meninos teve uma resolução de problemas, pois
não sabiam de quem era a vez, um deles, voluntariamente, parava e contava
até 10. Estas regras eram implícitas no jogo para seu melhor desenrolar.
A outra brincadeira foi desencadeada em duas. A primeira foi a do
menino de 6 anos e do seu ursinho de pelúcia, um possível caso de objeto
transicional
13
. Este urso lhe era tão significativo que, com ele, achava que
poderia perturbar as outras crianças da mesma maneira que ele o fazia.
Percebe-se que, em alguns momentos, o menino se identificava com o urso
e isso lhe dava a sensação de poder e força, que buscava apresentar às
outras crianças. Sentia-se forte como um urso e foi o seu modo de se
13
Este caso será discutido no capítulo de Análise de categorias.
83
defender da sensação de vulnerabilidade diante das ansiedades
persecutórias presentes naquele momento. Quando o outro menino lhe tirou
o urso, revela-se a sua vulnerabilidade e, neste momento, decide guardar o
urso.
Em paralelo a isso, as duas crianças que eram incomodadas sempre
brincavam juntas. Como tinham 6 anos, ainda não têm preferência entre os
sexos. Segundo Winnicott (1971), a partir do brincar, a criança fará amigos,
pois estará socializando e interagindo com o ambiente que a cerca.
Em todas as brincadeiras, as crianças não interagiram com a
observadora, mas, vale ressaltar que esta se encontrava distante destas
crianças.
12. Observação XII, no horário das 09 às 9:25
(*) Pátio do 1º e 2º ano
Duas meninas do 3º ano (entre 8 e 9 anos) pediram à professora para
brincar de corda. A professora pegou a corda de um lado e uma das
meninas ficou do outro; com isso, outras meninas entraram na brincadeira e
cantavam “o homem bateu na minha porta”. Mesmo quando a professora
parou de bater a corda, ficava do lado orientando a brincadeira. Esta
brincadeira não foi espontânea e teve a presença de um adulto.
Uma menina e um menino do 2º ano esperavam a senhora da
limpeza tirar as folhas da areia. Assim que ela terminou, eles correram para
a areia. Cada um deles pegou uma pá e o menino colocou um brinquedo na
areia e fez um monte sobre ele. A menina fez o mesmo. Depois começaram
a pegar a areia molhada em diversos lugares do espaço. Enquanto faziam
isso, conversavam sobre um aniversário a que eles iriam.
84
12.1 Comentários
Comentaremos, apenas, a brincadeira entre a menina e o menino no
espaço de areia, pois o objetivo do trabalho era analisar as interações
espontâneas e, como já foi dito, a brincadeira da corda, por mais que tenha
sido ideia das meninas, foi orientado pela professora. Embora pudéssemos
notar que a brincadeira visava à apropriação de habilidades físicas e
domínio da fantasia diante do sexo oposto, “um homem bateu na minha
porta”.
As crianças só começaram a brincar na areia depois que lhes foi
permitido (a funcionária estava limpando-a antes). Soifer (1992) afirma
que, aos 7 anos, a criança acata melhor as normas da escola e, neste caso
específico, elas tiveram que esperar até que um funcionário terminasse seu
serviço para que pudessem brincar.
Era um menino e uma menina que brincavam juntos, o que não
condiz com as afirmações de Soifer sobre a rejeição ao sexo oposto nesta
idade (7 e 8 anos). Eles pareciam ser amigos e conversavam sobre um
evento a que os dois iriam (a festa de aniversário). Winnicott percebeu que
a brincadeira possui este papel de aproximar as crianças, resultando nas
amizades e mesmo inimizades, pois se assemelha ao trabalho no mundo
adulto.
A pá foi o objeto usado para mexer na areia, desempenhando sua real
função e foi o brinquedo inserido nesta brincadeira que era a construção de
um monte. As crianças compartilhavam do jogo como um projeto em
comum, perspectiva fundamental para a vida futura, para serem capazes de
realizar um projeto de vida com outra pessoa.
85
13. Observação XIII, no horário das 09 às 9:25
(*) Espaço em frente ao portão da escola
Duas meninas do 3º (entre 8 a 9 anos), Joana e Catarina, estavam
sentadas juntas, mas Catarina não quis dar algo à colega e saiu correndo.
Joana a xingou de gorda, fazendo com que Catarina voltasse rindo e lhe
entregasse o que ela pediu.
Um grupo de meninos do 1º e do 2º ano estava trocando uns
bonequinhos
14
. Catarina, vendo a cena, falou para Joaquim, um menino do
1º ano, que queria fazer uma troca de dois por um. Joaquim se interessou
pela proposta, mas ela complementou, dizendo que ela daria um para ele e
ele lhe entregaria dois.
Joaquim saiu meio chateado com a proposta e sentou ao meu lado
com sua caixa cheia destes bonecos. Logo depois, outro menino sentou e
eles começaram a olhar para dentro da caixa de Joaquim.
Um grupo de cinco meninos do 1º ano começou a brincar de pega-
pega. Quando pegaram um dos meninos, ele se mexeu e os outros brigaram
com ele porque, segundo as regras deles, este menino deveria ter ficado
parado.
13.1 Comentários
Nos dois jogos presentes, durante a observação notamos o anseio de
dominar e manipular o outro. No primeiro, por meio de frase que poderia
ferir a auto-imagem da outra. No segundo, a tentativa de realizar proposta
que permitisse enganar e levar a melhor sobre o outro.
Comentaremos a ação de Catarina, uma menina que deveria ter entre
14
Este jogo parecia similar ao jogo descrito na observação VIII; entretanto, a observadora não pôde ter
maiores detalhes porque estava longe deste grupo.
86
8 e 9 anos, na relação com o menino de 7. Pudemos perceber que a sua
negociação de troca não favorecia o menino, tanto que o mesmo percebeu
quando ela lhe explicou. A idade em que a menina se encontrava, de acordo
com as afirmações de Soifer, favorece o pensar antes de realizar uma ação
e, sendo mais racional, consegue subordinar seus interesses em relação ao
grupo, o que, neste caso, foi a troca dos brinquedos.
Antes, esta menina havia sido xingada de gorda por uma colega,
mas, ao invés de se chatear ou reclamar, a obedeceu. Com relação ao
menino, Joaquim, ele se aproximou da observadora, mas não teve
curiosidade em procurar saber o que esta fazia perto deles
15
. Ele e outro
menino ficaram olhando a caixa sem se preocupar com a observadora perto
deles.
Com relação à brincadeira de pega-pega entre os meninos do 1º ano,
podemos afirmar que é algo bastante comum na idade deles, algo já citado
por Soifer, pois, nesta idade, a criança gosta de correr. Além disso, outro
fato que confirma os pensamentos da autora é que esta brincadeira era
composta apenas por meninos, ou seja, entre 7 e 8 anos as crianças
preferem interagir com crianças do mesmo sexo. Como podemos observar,
este jogo foi bastante frequente, o que nos assinala a importância, para as
crianças desta idade, que as ajudem a lidar com a rivalidade, a competência
e com as ansiedades persecutórias.
Não sabemos quando e quem iniciou a brincadeira, mas havia regras
pré-estabelecidas de que, quando era pego, a criança deveria ficar parada.
Quando um dos meninos não respeitou a regra, todos os outros brigaram
com ele. Regras fazem parte da boa convivência humana e, como podemos
perceber nos estudos de Winnicott, a brincadeira proporciona o exercício de
regras e do convívio em sociedade.
15
Uma possibilidade para isso é que a observadora não estava anotando ou gravando nada, apenas estava
sentada observando a cena. Como já citamos, a escola recebe a presença de muitos alunos vinculados à
PUC-SP para estágios.
87
Nesta brincadeira de pega-pega, a observadora não foi requisitada e
sua presença parecia não incomodar os meninos. A brincadeira finalizou
com o término do recreio.
14. Observação XIV, no horário das 14:40 às 15:05
(*) Pátio do 1º e 2º ano
Um grupo de cinco meninos do 2º ano brincava de “múmia“. A regra
desta brincadeira era que quem pegava virava “múmia”. Um dos meninos,
Henrique, empurrou outro menino, que acabou revidando. Henrique
começou a chorar.
Vendo a cena, a professora se aproximou e perguntou o que tinha
acontecido. Henrique disse que não queria ser a “múmia”. Outro menino
disse que seria a múmia, justificando que ele sempre fazia este papel.
Em outro lugar, Rafael e Léa (crianças do 1º ano e da observação XI)
corriam com um urso de pelúcia na mão (que não era o mesmo urso da
observação XI). Eles revezavam para segurar o bichinho, mas, na maioria
das vezes, quem o fazia era Renato. Houve um momento em que outro
menino também queria segurar o urso, mas, depois de tentar e não
conseguir, se cansou e foi brincar com outras crianças.
14.1 Comentários
Primeiro analisaremos a brincadeira de “múmia”. O grupo era
formado apenas por meninos de 7 e 8 anos. Segundo Soifer (1992), a
criança desta idade gosta de correr devido à sua grande coordenação
motora, além de preferir interagir com crianças do mesmo sexo.
88
As regras impostas foram estabelecidas por eles mesmos para que o
jogo pudesse desenrolar sem maiores conflitos. Todavia, a discordância de
um dos meninos, Henrique, em não querer ser a “múmia” e a resolução (de
outro menino se oferecer para fazê-lo) seja porque aos 8 anos, de acordo
com Soifer (1992), a criança aceite as limitações do outro e tem uma maior
aptidão para as questões sociais, o que justifica a disponibilidade deste
menino. Ser múmia era ser monstro, o diferente, o excluído do humano.
Jogo que visa não apenas lidar com a experiência do sinistro, mas, também,
com a experiência de humilhação no registro social. Para Henrique, ser
múmia não era mais jogo, pois se sentia atingido pessoalmente pela
brincadeira.
A briga que ocorreu por causa do empurrão resultou no choro de
Henrique. A questão colocada pelo jogo anterior não foi suficientemente
elaborada e Henrique foi agredido pelas outras crianças. Ele acabou no
lugar que procurava evitar ocupar no jogo. Soifer (1992) traz que, nesta
idade, a criança se emociona com maior facilidade e também não gosta que
toquem nela.
Com relação a Rafael e Léa, percebemos, mais uma vez, a
demonstração de amizade, algo comum, de acordo com Winnicott (1964),
pois, com o brincar, a criança faz amizades. A amizade entre eles é algo
fortemente percebido, tanto que revezavam sem brigas o uso do brinquedo
(que não foi usado como subjacente à fantasia). Eram aliados e não
permitiram que mais ninguém participasse deste momento.
Voltamos a perceber que a presença da observadora não afetou no
desenrolar das brincadeiras aqui descritas.
89
III. Categoria de análises das observações
A escolha para os temas da análise das observações foi realizada de
acordo com os estudos de Winnicott e de Soifer com relação ao
desenvolvimento infantil. Em conjunto, escolhemos situações que mais
chamaram nossa atenção, seja pela repetição dos eventos, como foi o caso
da imaginação, ou por sua singularidade, como o possível caso de objeto
transicional.
Dividimos este capítulo em dez temas: imaginação; soluções de
problemas; o brincar sozinho; a socialização; a competição e a rivalidade;
questão do gênero; o medo e o poder; a amizade; um possível caso de
objeto transicional e a observadora e as crianças. Neste último, procuramos
colocar as impressões pessoais que aconteceram durante estes três meses de
observações.
Winnicott (1971) relata que, a partir seus estudos sobre os fenômenos
transicionais, o significado do brincar mudou para ele. Mas ressalta,
também, que existe algo sobre o brincar que ainda não encontrou lugar na
literatura psicanalítica (p. 62).
1. Imaginação
A presença da imaginação foi muito frequente durante as
observações já que o brincar favorece a capacidade criadora e imaginativa
da criança.
Percebemos o uso da imaginação, por exemplo, na observação IV
quando uma menina dizia estar fazendo estradas e na VII quando os
meninos disseram ter encontrado tesouros e larvas do vulcão.
90
A imaginação também pode ser vista em episódios em que as
crianças fingiam que certos objetos eram coisas completamente diferentes,
como na observação II em que uma menina usou uma prancha de ferro
como prancha de surfing, na VI quando usavam os legos como espadas,
granadas e armas e na observação IX em que um menino de 6 anos fingia
que o secador era arma.
Era muito comum as crianças entre 6 a 9 anos brincarem de armas, e,
muitas vezes, fingiam que as mãos eram armas, como ocorreu na
observação III.
De acordo com Soifer (1992), crianças de seis anos usam a mão
como símbolo nas brincadeiras e têm uma preferência por brincadeiras
dramáticas, o que pôde ser percebido nestas observações.
Entre os seis aos oito anos, os brinquedos adaptam-se à realidade e
são menos criativos que antes devido ao recalcamento da imaginação e ao
maior desenvolvimento do ego (Soifer, 1992, p. 106).
As brincadeiras de armas estavam associadas, também, à questão da
agressividade, porque era sempre com tiros, mesmo muitas vezes não
respeitando a lei natural em que deveriam morrer (como foi na observação
VI em que ninguém morria). A agressividade também esteve presente
quando destruíam os castelos de areia, como na observação VII. Neste
último caso em particular, pois só podemos destruir aquilo que já existe
internamente, a sobrevivência deste objeto resulta na criação de um mundo
de realidade compartilhada.
Quando a criança está no processo de amadurecimento, ocorre à
destruição e, consequentemente, a construção, sendo isto um sinal de saúde
perceber este brincar construtivo. Um impulso construtivo está relacionado
com a aceitação pessoal, por parte da criança, da responsabilidade pelo
aspecto destrutivo da sua natureza (Winnicott, 1964, p. 107).
De acordo com Winnicott (1964), a agressividade pode ser uma
91
reação à frustração ou uma das muitas fontes que o indivíduo tem para
liberar energia. A agressão está sempre ligada à distinção entre o que é mim
e Não-Mim, mas é tarefa do adulto impedir que a agressão fuja do controle.
Ainda analisando a observação IX, achamos interessante porque,
além de um menino (que tinha entre 6 a 7 anos) brincar que o secador era
arma, outras crianças da sua mesma idade o imitaram, pegando outros
objetos e fingindo ser armas ou gesticulando as mãos para fingir que
tinham poderes.
Com relação ao poder, nesta mesma observação ocorreu um fato em
que um menino dizia ter todos “os poderes do mundo” e as outras crianças
brigaram porque ele não poderia ter todos.
Winnicott (1964) afirma que, a partir dos cinco anos, a criança
começa a se interessar pelo mundo real. O adulto pode participar do mundo
imaginativo da criança quando brinca com ela. O mundo real tem muito a
oferecer, mas sua aceitação não pode ocasionar em uma perda da realidade
do mundo pessoal.
Existe uma transição direta dos fenômenos transicionais para o
brincar, do brincar para o brincar compartilhado e, por conseqüência, para
as experiências culturais.
A experiência cultural encontra-se no espaço potencial (espaço entre
indivíduo e o meio ambiente), assim como o brincar. A experiência criativa
inicia com o viver criativo, que sempre é representado na brincadeira.
Entretanto, uma criança que não recebe a oportunidade de viver
criativamente e de utilizar objetos reais, não possuirá a área para a
experiência cultural, tornando-se uma criança incapaz de brincar. O
fracasso da fidedignidade ou perda do objeto significa, para a criança,
perda da área da brincadeira e perda de um símbolo significativo
(Winnicott, 1967, p. 141).
É importante perceber quanto é necessário, em um desenvolvimento
92
sadio, o papel da aceitação dos símbolos das crianças. A aceitação de
símbolos começa desde cedo, sendo estes chamados por Winnicott de
objetos transicionais e o brincar, baseado na aceitação de símbolos, contém,
desta forma, possibilidades infinitas.
Winnicott (1964) afirma que este símbolo capacita a criança a
experimentar a sua íntima realidade psíquica pessoal, base do sentimento
de identidade que está em desenvolvimento e nisso haverá tanto a
agressividade quanto amor.
O brincar proporciona à criança estimular a sua criatividade e a
fantasia, a fim de vivenciar o mundo que a cerca. Sem a brincadeira, a
criança terá uma grande possibilidade de não se desenvolver de maneira
saudável ou mesmo desencadear sérios problemas psíquicos.
2. Soluções de Problemas
Com 7 anos, as crianças já brincam em grupos maiores. Com este
convívio em grupos maiores, torna-se quase inevitável a ocorrência de
certos conflitos. Winnicott (1964) afirma que a criança sadia desenvolve a
capacidade de se colocar no lugar dos outros e isto torna possível a solução
de conflitos.
Na observação I, por exemplo, teve uma cena com solução de
problemas, quando os meninos resolveram a questão de quem emprestaria
o rodo jogando “jôke-pô” (pedra, papel e tesoura). Usar do recurso do
“jôke-pô” parecia ser algo bem frequente entre estas crianças, porque
também podemos ver na observação V, quando jogaram para saber de quem
seria a vez de pegar.
Mas pode acontecer de algum deles achar a solução, seja por se
sentir culpado ou por senso de justiça, como aconteceu na observação X,
93
um dos meninos se ofereceu para ser a vez dele de pegar, sem ter
necessidade de acharem outro recurso. No entanto, nem sempre o jogo
favoreceu a possibilidade da resolução do conflito.
Porém, algumas vezes, foi preciso chamar a professora para resolver
alguns conflitos, mas ela só era chamada quando alguém não queria
emprestar algum brinquedo, como ocorreu na observação VII ou quando
aconteceu de um jogar areia no outro, como aconteceu na observação IX,
mas Francisco, o menino que jogou a areia assumiu a culpa.
Justificando isso, trazemos a afirmativa de Soifer (1992) de que, na
faixa etária dos 7 aos 9 anos, a criança já assume a culpa, tem um senso de
justiça, aceita melhor as limitações impostas pelos companheiros de jogos
e, principalmente, consegue se colocar no lugar do outro.
Fazendo um paralelo com a observação VII, havia um menino, que
chamamos de Lucas, que deveria ter 7 ou 8 anos, que supomos ter
dificuldade para se adequar às regras em grupo porque, antes de tentar
resolver no próprio grupo, algo que era bastante comum, ele foi direto à
professora, o adulto responsável, para se queixar.
As regras sempre estavam presentes em muitas brincadeiras e podem
ser vistas como um paralelo às regras da vida, a fim de favorecer um bom
convívio social.
Na observação VIII, as crianças sempre repetiam as regras. Como
eram crianças entre 9 e 10 anos, percebemos, como Soifer (1992) afirma,
que, com 9 anos, as crianças tornam-se mais iniciativas e, aos 10, agem
como pequenos adultos, por isso respeitavam, repetiam as regras,
instigavam e até provocam um ao outro durante a brincadeira observada.
Como era um jogo de regras, é comum, nesta idade, serem mais hábeis com
as mãos. A partir desta idade, começam a se interessar por jogos coletivos e
organizados.
Havia regras também nas brincadeiras das observações XI, XIII e
94
XIV. Na observação XI, uma menina disse que não podiam pegar, pois
estava cansada, porém parecia mais uma malandragem do que realmente
um uso de regras, porque a menina utilizou deste argumento quando o
menino estava perto de pegá-la. Na XIII, quem pegava, tinha que ficar
parado porque estava morto, o mesmo aconteceu na XIV, onde quem era
pego virava múmia. Percebemos que todas estas brincadeiras eram de
correr, algo que é comum entre crianças de 6 e 7 anos, como traz Soifer
(1992), porque, nesta idade, a criança está mais consciente do seu corpo no
espaço.
Como Winnicott (1964) afirma, é através do brincar que a criança
experimenta os prazeres físicos e emocionais. Suas experiências de
conflitos são vivenciadas através do brincar e, consequentemente,
proporciona à criança a maturidade para resolver certos conflitos que
possam ocorrer durante algumas brincadeiras com outras crianças.
Por mais que os adultos ofereçam às crianças materiais ou ideias, as
crianças conseguem inventar brincadeiras de uma maneira muito fácil.
Segundo Winnicott (1964), através do brincar, a criança pode liberar o ódio
e a agressão, seus ressentimentos e cóleras recalcados.
O ser humano desenvolve-se desde seu nascimento até o momento
da sua morte. O adulto obtém experiências através das ações cotidianas. A
criança adquire experiência brincando (Winnicott, 1964, p. 163).
3. O brincar sozinho
Não há nada de anormal em a criança querer brincar sozinha. De
acordo com Soifer (1992), a criança de 7 anos tem uma grande capacidade
de concentração e, muitas vezes, chega a esquecer do mundo externo. Com
esta idade, a criança acaba, também, preferindo brincar sozinha e foi isso
95
que pudemos perceber em algumas observações.
Percebemos este fato na observação I, quando um menino de 7 anos
estava perto dos demais, mas, quando lhe perguntaram sobre o rodo, disse
que não estava brincando ao restante do grupo. Na observação IV, uma
menina, que também deveria ter 7 anos, parecia querer brincar com as
outras crianças, mas preferiu brincar só mesmo estando no mesmo espaço.
Em ambos os casos, estas duas crianças ficavam longos tempos
abaixados, cavando buracos ou empurrando a areia, algo comum nesta
idade, pois, como Soifer (1992) afirma, eles gostam de repetir, várias vezes,
o mesmo movimento.
O brincar faz parte do desenvolvimento da criança, devendo o adulto
preocupar-se apenas com a criança que não quer brincar. Independente de
ser só ou em grupo, o importante é estimular a capacidade que a criança
tem de brincar.
Segundo Winnicott (1971), o brincar tem lugar no tempo e no
espaço, conduzindo os relacionamentos. Mesmo a criança brincando
sozinha, ela está desenvolvendo sua questão social, pois a possibilidade de
brincar a ajuda, também, a discriminar-se do grupo, embora em outros
momentos possa querer participar dele.
A criança está expressando angústias e conflitos do seu mundo
interno, que se relaciona às questões psicossomáticas. Segundo Winnicott
(1971), é através do brincar que a criança tem prazer, mas também pode
dominar angústias, conflitos e controlar ideias.
4. A socialização
De acordo com o dicionário Michaelis (1998), é através da
socialização que o indivíduo é capaz se tornar uma pessoa humana, pois
96
adquire hábitos que o capacitam a viver em sociedade e esta aprendizagem
vai do nascimento até a morte do indivíduo.
Winnicott (1964) afirma que o brincar tem uma parcela fundamental
na vida da criança. Desta maneira, podemos considerar que a brincadeira é
um dos meios que o indivíduo tem para poder socializar-se e se inserir no
mundo que o cerca. O brincar favorece o amadurecimento nos aspectos
sociais, cognitivos e afetivos do indivíduo.
O brincar incentiva e beneficia a socialização. Como já foi dito, o
brincar permite que a criança faça amigos e inimigos. Winnicott (1971)
afirma que o brincar possibilita a comunicação, com exceção das
psicopatologias. Esta comunicação proporciona que a criança interaja com
outras pessoas.
Podemos afirmar que, em todas as observações aqui discutidas,
percebemos a socialização ocorrendo entre as crianças. Em grande parte
dos jogos, pudemos observar como as crianças buscaram colocar, no
registro do jogo, questões que poderiam dificultar as suas relações com os
demais: rivalidade, competição, fantasias homicidas, edípicas etc. Muitas
vezes, quando o jogo se rompia com o aparecimento do conflito, vimos
como tentaram conseguir, por meio de outros jogos, alguma resolução para
a situação. Quando esta possibilidade falhava, era necessária a presença de
um adulto. Neste caso, a criança chamava alguém para ajudá-la a resolver o
conflito. Talvez esta possibilidade, ao longo do tempo, pudesse vir a
desencadear um processo de identificação com o adulto.
De acordo com Winnicott (1971), a brincadeira é algo universal e
beneficia o amadurecimento, a saúde e as relações interpessoais. O
socializar pode ser percebido quando a criança brinca em grupos, algo que
Soifer (1992) afirma que é possível a partir dos 6 anos, quando a criança
consegue brincar em grupos maiores.
Podemos perceber, também, a socialização, quando a criança
97
empresta seu brinquedo ou impõe regras. Estas regras são comparadas ao
bom convívio entre os outros, ou seja, para se viver em sociedade precisa
de regras que devem ser respeitadas e exercidas.
5. A competição e a rivalidade
Este tema foi bastante frequente nos jogos das crianças observadas.
Faceta esperada na faixa etária das crianças observadas. De acordo com
Winnicott (1964), o brincar permite que a criança consiga se relacionar
tanto no aspecto físico quanto nas vivências de ideias. Ou seja, o brincar
desenvolve os processos motores e psicológicos da criança, favorecendo a
formação da sua personalidade, algo que é perceptível e demonstrado
através da competição e da rivalidade no brincar.
A competição e a rivalidade são elementos que sempre podem
aparecer na brincadeira, principalmente quando for em grupo. Pudemos
perceber competição na observação VIII, em que as crianças competiam
para acertar os bonequinhos uma das outras. Soifer (1992) traz como
comportamento comum entre crianças de 9 e 10 anos. Na observação IX,
também ocorreu uma competição, que era baseada em quem saltava mais
alto, outro comportamento comum em crianças com 6 anos, devido à
grande habilidade motora.
A rivalidade esteve presente nas observações I, VII e na XIV. Na
observação I, esta rivalidade foi gerada por causa dos poucos rodos
disponíveis para as crianças brincarem. A observação VII foi algo
semelhante, mas, desta vez, foi por causa das pás de brinquedo. Na XIV, a
rivalidade ocorreu porque um dos meninos não queria ser a “múmia” (não
queria ter que pegar).
Em todos os casos aqui descritos, as crianças tinham entre 7 e 8 anos
98
e conseguiram resolver os conflitos, seja com a ajuda da professora ou
pelas suas próprias resoluções.
Soifer (1992) afirma que, nesta idade, a criança começa a
compreender as limitações dos outros e consegue abstrair o que é certo e
errado e com isso consegue uma melhor solução para os conflitos.
Os estudos de Winnicott trazem que, através das brincadeiras, a
criança consegue se colocar no mundo e, desta forma, é inevitável a
competição e a rivalidade. A competição e a rivalidade possibilitam que a
criança se autovalorize e, principalmente, que ela delimite seu espaço.
6. Questão do gênero
Sabemos que há brincadeiras tipicamente masculinas e outras
femininas. A menina, por exemplo, brinca na medida em que ela é
verdadeira feminina, é do tipo que mostra uma tendência à maternidade
(Winnicott, 1954, p. 64).
Na observação IV, pudemos perceber o exercício da questão
feminina através do jogo, pois o mesmo era liderado por meninas (neste
caso, havia apenas um menino brincando com elas).
Percebemos que a maioria das brincadeiras de pega-pega e de cavar
ou furar a areia acontecia entre meninos entre 7 a 9 anos. Soifer (1992)
afirma que, justamente a partir dos 7 anos, a criança começa a rejeitar o
sexo oposto e faz amizades com crianças do mesmo sexo.
A brincadeira de furar a areia pode ser relacionada à afirmação de
Winnicott (1954) que o menino que não sabe lutar ou enfiar trenzinhos em
um túnel (e neste caso furar a areia) não poderá engravidar uma mulher. O
autor expande ao dizer que a menina que não consegue guardar um segredo
não poderá engravidar.
99
Entretanto, ocorreram episódios de brincadeiras em grupos que eram
mistas entre crianças com mais de 6 anos, como a própria observação IV, a
VIII (competição na quadra), a IX (competição do salto e o pega-pega) e a
XI (pega-pega).
As brincadeiras de armas ocorreram apenas entre meninos, sendo
este um objeto fálico. Pode-se constatar que os meninos, nesta idade, têm
uma preferência por brincadeiras mais agitadas, de correr, pular, e mais
violentas, atirar. Mas pudemos perceber as meninas brincando em algumas
delas.
Segundo Winnicott (1954), quando observamos o brincar, podemos
vislumbrar a elaboração imaginativa das funções corporais da criança,
principalmente quando ela é pequena, e possibilita entrarmos na sua
realidade psíquica.
7. O medo e o poder
O medo é uma tática de sobrevivência utilizada pelos indivíduos.
Com relação ao poder, a criança pode exercê-lo através das brincadeiras.
Na observação III, podemos ver um claro exemplo do medo e do
poder. As duas crianças que espantavam os pombos compartilhavam,
experimentavam o poder que tinham ao assustar e afastar os animais,
possibilitando a autoconfiança perante as situações do mundo. Com este
ato, as crianças também puderam pôr o medo debaixo do domínio do eu.
Winnicott (1964) afirma que, com o brincar, a criança consegue
liberar o ódio, a agressão, seus ressentimentos e cóleras recalcados, além de
conseguir controlar suas angústias. O medo pode ser expresso no brincar de
uma criança, pois só assim ela conseguirá lidar com ele.
Com relação ao poder, a criança pode vivenciá-lo nas suas
100
brincadeiras quando, por exemplo, ela se torna o líder, ditando as regras.
Vários foram os casos em que percebemos isso, mas um ótimo exemplo
seria na observação VIII, onde era uma menina que ditava as regras. De
acordo com Soifer (1992), a criança de 9 anos tem uma autovalorização e
aplica mais suas iniciativas.
A mesma autora traz que, aos 10 anos, a criança já é um adulto em
formação, abarcando uma alta variação de valores culturais e sociais, o que
favorece o desenvolvimento do seu ego. Muitos destes comportamentos
favorecem a questão do poder, que é fortemente exercida nas brincadeiras.
8. A amizade
O ato de brincar é o fato de haver um interrogo entre a realidade
interna e a experiência de controle de objetos reais. No início, a criança
brinca com a mãe (adaptando-se às atividades do bebê). Gradualmente, a
mãe vai inserindo o seu próprio brincar (suas ideias próprias) e, por
conseguinte, o brincar passa a ser um ato em conjunto.
À medida que vai amadurecendo, a criança vai fazendo amigos
através do brincar e a brincadeira fornece uma organização para a
iniciação de relações emocionais e assim propicia o desenvolvimento de
contatos sociais (Winnicott, 1971, p. 163).
Percebemos vários episódios que tinham demonstrações de
amizades, pois alguns grupos sempre estavam juntos durante o intervalo.
Infelizmente, não sabemos se na sala de aula estes grupos também
permaneciam unidos.
Tiveram várias brincadeiras, principalmente entre crianças de 7 e 8
anos que brincavam mais divididos entre sexo. Porém, algo que não condiz
com os estudos de Soifer é quando ela afirma que, a partir dos 7 anos, a
101
criança começa a rejeitar o sexo oposto, pois observamos vários exemplos
de brincadeiras entre meninos e meninas e, particularmente, um caso de
amizade entre crianças de 6 e 7 anos que estavam presentes nas
observações XII, XI e XIV (estas últimas eram com os mesmos meninos).
Pudemos supor caso de amizades baseados em brincadeiras paralelas
em que duas ou três crianças brincavam juntas perto de um grupo maior de
crianças. Na observação IV, duas meninas, entre 7 e 8 anos, brincavam no
espaço de areia perto de um grupo maior e foram chamadas para participar
do mesmo, mas não responderam. Na observação VI, também vimos isso e,
neste caso, eram crianças que aparentavam ter 8 anos de idade e sempre
brincavam juntas. Segundo Soifer (1992), é comum fazer amizade a partir
dos 8 anos.
Com relação a brincadeiras entre meninos e meninas, era muito
comum, durante as observações, brincadeiras entre meninos e meninas em
todas as idades que observamos, dos 6 aos 10 anos. Segundo Soifer (1992),
isto é característico nas crianças de seis anos, mas, a partir dos 7 anos, já
começam a rejeitar crianças do sexo oposto, mas não foi isso que
conseguimos perceber.
Percebemos que, através do brincar, as crianças desenvolviam as
questões sociais e interagiam com outras crianças, mesmo não sendo da sua
mesma sala de aula. Pois, tal como alguns adultos fazem amigos e inimigos
facilmente no trabalho (...), as crianças fazem também amigos e inimigos
durante as brincadeiras (Winnicott, 1964, p. 163).
9. Um possível caso de objeto transicional
Um caso que nos chamou a atenção foi de um possível uso feito por
uma criança de 6 ou 7 anos de um objeto transicional. Este caso está na
102
observação XI e o objeto em questão era representado por um ursinho de
pelúcia.
Achamos ser um objeto transicional porque o menino tinha certo
apego a este bicho de pelúcia e parecia ter se chateado quando o pegaram.
Outro fato importante é que o mesmo estava muito sujo, o que Winnicott
diz ser comum aos objetos que têm tanto valor. Mas, como já dissemos, são
apenas suposições.
Winnicott (1965) afirma que este objeto faz parte da criança e da
mãe. É possível que uma criança de cinco ou seis anos ainda tenha este
objeto, mas o problema se dá quando a criança quer levá-lo à escola,
cabendo ao professor bani-lo aos poucos.
Ao levar este objeto à escola, a criança leva um pouquinho da mãe, o
que remota à primeira infância, onde este bebê começava a reconhecer a
mãe e o mundo. Mas, à medida que fica mais confiante, a criança deixa seu
objeto de lado (Winnicott, 1965).
A idade de um ano, a maioria das crianças um ou mais objetos
macios, ursinhos, bonecas de pano, etc., que lhes são
importantes. (Alguns meninos preferem objetos duros). Tais
objetos obviamente desempenham o papel de objetos parciais,
representando, sobretudo o seio, e é só aos poucos que vão
passando a representar bebês, papai ou mamãe (Winnicott, 1965,
p. 18).
De acordo com Winnicott (1967), o uso que a criança faz de um
objeto transicional é a primeira possessão NÃO-mim. Este objeto é tanto o
primeiro uso de um símbolo pela criança quanto sua primeira experiência
da brincadeira.
Entretanto, não podemos ter certeza ser este ursinho de pelúcia, na
observação XI, pois este fato só aconteceu uma vez durante o período das
observações. Teríamos que saber mais sobre a vida desta criança, sua vida
fora da escola. Pode ser que este objeto seja apenas um bichinho de
estimação que ela pode ter levado por causa de uma atividade na escola.
103
Enfim, trabalhamos aqui com a possibilidade de ser um objeto transicional,
mas é algo que precisaria de uma maior investigação para se confirmar.
10. A observadora e as crianças
Aconteceu um episódio, logo no início, de uma criança ter
estranhado haver um adulto novo no seu ambiente escolar. Este episódio
aconteceu na observação III, em que uma menina perguntou se a
observadora era nova na escola; com esta pergunta, ela, possivelmente,
achava que a observadora era uma funcionária da escola.
O mais comum era que as crianças pareciam estar adaptadas às
pessoas estranhas no seu ambiente, possivelmente porque a escola
observada ofereça estágios vinculados à PUC-SP, assim como espaço para
pesquisas, o que causa, então, um menor estranhamento a adultos novos.
Na observação II, minha sensação era como se a observadora não
estivesse ali, pois quase se esbarravam nela quando corriam.
Mas a observadora não era tão despercebida assim, pois, na
observação VII, uma das crianças a reconheceu e perguntou como ela
estava. Na observação VIII, as crianças pareciam não se incomodar com a
presença dela perto deles durante o jogo nem as outras crianças que
assistiam, tanto que um menino perguntou se ela poderia jogar algo seu no
lixo.
Mas percebemos que, de uma forma ou de outra, a observadora já era
uma figura comum para aquelas crianças na observação X, em que um
menino perguntou a ela se o sinal havia tocado ou não. Algo comum,
durante as observações, é que o sujeito(s) observado(s) acaba(m)
influenciado(s) pelo observador e o observador pelo(s) sujeito(s)
observado(s).
104
De acordo com Laville & Dionne (1999), é através da observação
que podemos colher informações, devendo o pesquisador estar atento a
tudo que se relaciona com sua hipótese. A observação revela certamente
nosso contato privilegiado com o real; é observando que nos situamos,
orientamos nossos deslocamentos, reconhecemos as pessoas, emitimos
juízos sobre elas (p. 176).
O observador deve se adequar às circunstancias e ao objeto estudado.
No nosso caso, sabíamos qual o contexto que iríamos observar e a que
aspectos deveríamos ficar atentos. Por mais que as crianças percebessem
que havia alguém estranho ali, a observadora tentava ser o mais discreta
possível ao fazer as anotações para que não interferisse. O mais importante
é que as crianças não souberam que estavam sendo observadas na maneira
como brincavam.
105
IV. Considerações finais
O brincar favorece o desenvolvimento social e maturacional, além de
proporcionar a saúde social e psicossomática do indivíduo. Através do
brincar, a criança tem a possibilidade, não só de se constituir em presença
de alguém facetas fundamentais de seu self, como de viver experiências no
espaço potencial e, também, se inserir no mundo externo, facilitando a
vivência na realidade compartilhada. O brincar emerge da criatividade e
ocorre no espaço potencial, permitindo à criança acessar o viver criativo e o
campo cultural.
A pesquisa aqui apresentada investigou a interação espontânea por
meio do brincar entre crianças de 6 a 10 anos, durante o intervalo das aulas,
em uma escola de Ensino Fundamental. Através da análise das 14
observações realizadas, levantamos dez categorias de análise: a
imaginação; soluções de problemas; o brincar sozinho; a socialização; a
competição e a rivalidade; a questão do gênero; o medo e o poder; a
amizade; um possível caso de objeto transicional e a observadora e as
crianças. Estes temas foram analisados e discutidos por meio das
contribuições de Donald Winnicott e Raquel Soifer.
Percebemos que as brincadeiras observadas se encontravam de
acordo com a faixa etária das crianças, quando comparadas aos estudos de
Raquel Soifer.
As crianças entre 6 a 8 anos eram as que mais corriam e pulavam,
algo condizente com a habilidade motora e noção de espaço destas idades.
Observou-se que algumas crianças buscavam a possibilidade de brincarem
a sós, perspectiva frequente aos 7 anos de idade.
Outra brincadeira que também condiz com a idade foi a da
observação VIII, baseada em um jogo de competição com regras pré-
106
estabelecidas. Esta brincadeira condiz com as afirmações de Soifer de que a
criança entre 9 e 10 anos tem preferência por jogos competitivos.
A imaginação esteve sempre presente em quase todas as nossas
observações. Winnicott afirma que a imaginação está sempre representada
nas brincadeiras infantis, possibilitando que a criança vivencie a realidade
compartilhada de um modo pessoal, desenvolvendo-se de maneira
saudável.
O brincar possibilita a convivência com outras crianças, a
socialização, a formação de amizade e a elaboração dos conflitos. O
processo de socialização está em plena atividade nas crianças com idade
entre 6 a 10 anos. A socialização da criança acontece mediada pelas
brincadeiras, pois a cultura oferta os brinquedos, o jogo possibilita o
estabelecimento e a internalização de regras e permite a tentativa de
solução de conflitos e problemas.
Nas observações, constatei que crianças a partir de 6 anos já
brincavam em grupos maiores, possibilitando convivência e o aparecimento
de conflitos que demandavam soluções. Na maior parte das situações
observadas, as crianças encontraram soluções para os problemas por si
mesmas, sendo que, apenas em alguns casos, a professora teve que
intermediar e tentar conciliar os conflitos. Estes casos aconteceram com
crianças que tinham dificuldade em seguir regras ou emprestar seus
brinquedos, mas a professora, junto com as crianças, conseguiu solucionar
as questões.
É interessante notar que as crianças usavam como “tática” para a
solução dos problemas outra brincadeira, o “jôke-pô” (pedra, pau e
tesoura). Não sabemos como e quem começou esta modalidade de jogo, o
fato é que, entre essas crianças, era comum a utilização deste jogo na
resolução de conflitos. Crianças entre 7 e 8 anos eram as que mais usavam
deste recurso. Resolviam questões conflitivas nas brincadeiras, usando
107
outro jogo.
As cenas de amizade estiveram mais presentes a partir dos 8 anos,
algo que confirma o estudo desenvolvido por Soifer e Winnicott, de que,
através do brincar, a criança tem a possibilidade de estabelecer amizades e
de aprofundá-las. Entretanto, percebemos algumas situações com crianças
em idade entre 7 a 10 anos, as quais brincavam juntas, independente do
gênero de cada uma delas, o que não se coaduna com as afirmações de
Soifer de que, a partir dos 7 anos, a criança rejeita o convívio com o sexo
oposto.
Porém as brincadeiras de cavar a areia, pega-pega e jogos com armas
eram mais exercidas por meninos do que meninas, pois se relacionam à
sexualidade masculina. É inevitável, nesta idade, ocorrer certa preferência
entre as brincadeiras e pudemos averiguar que esse fenômeno de fato
ocorreu. Os meninos optaram por brincadeiras mais violentas e as meninas
por pular corda ou jogo que expressavam as questões femininas
(observação IV).
O medo e o poder, assim como a competição e a rivalidade, podem
ser expressos por meio do brincar, principalmente em crianças na faixa
etária que observamos. Estas questões estão presentes no cotidiano humano
e, no caso das crianças entre 6 a 10 anos, foram vivenciadas e
desenvolvidas em suas brincadeiras. Dados em consonância com os estudos
de Winnicott e Soifer.
Percebemos um possível caso do uso de um objeto transicional na
observação XI. Winnicott assinala que uma criança de 5 e 6 anos ainda
pode possuir esse tipo de objeto. Entretanto, esse dado é aqui apresentado
como hipótese, pois não pôde ser comprovado, já que, para isso, teríamos
que colher informações sobre a vida desta criança.
Uma categoria de análise importante foi a relação da observadora
com as crianças. Devido ao costume de ter outros alunos da PUC-SP na
108
escola, a presença da pesquisadora parece não ter influenciado na maioria
das brincadeiras (apenas uma), o que possibilitou analisar a interação
espontânea entre estas crianças, pois os jogos pareciam acontecer
espontaneamente, elas não pareciam inibidas ao agir e brincar
naturalmente.
Nossas análises foram apenas algumas dentre outras possíveis
interpretações que poderiam ser feitas. A escola que servia de espaço para
as nossas observações favorecia o desenvolvimento das brincadeiras das
crianças. Havia muitos brinquedos, espaço de areia e área para as crianças
pularem e correrem. O brincar era incentivado pelas professoras, pois
deixavam as crianças livres para brincar do que quisessem, apenas zelando
pela segurança das mesmas e ajudavam a solucionar os conflitos quando as
crianças por si só não conseguiam.
Possivelmente há diferença entre o brincar na escola e o brincar em
casa, sendo um dos principais motivos o tipo de espaço oferecido (o que
em casa geralmente é muito menor) além do convívio com outras crianças
da mesma ou de outras idades, o que no ambiente escolar se faz possível.
A escola também possibilita a união entre o aprendizado e o brincar.
Em sala de aula, vários são os professores que usam músicas e jogos para
facilitar o aprendizado. Nas brincadeiras aqui observadas, pudemos
perceber o aprendizado mais voltado ao convívio social.
Sabemos quanto o brincar é importante para o desenvolvimento da
criança, o que levou ao aparecimento de diversos estudos sobre o tema em
todas as áreas da Psicologia. Todavia, poucos são os estudos que focam o
brincar em crianças aparentemente saudáveis fisicamente e sem nenhum
transtorno psicológico aparente.
Os estudos sobre o brincar com base nos pressupostos de Winnicott
são, em sua maior parte, em atendimentos analíticos e não no brincar em
grupo. Por outro lado, a investigação sobre o brincar em grupo é muito
109
desenvolvida pela teoria evolucionista, que descreve estas brincadeiras.
A maioria das pesquisas sobre observações com crianças foca apenas
aquelas que têm algum transtorno, como é o caso do estudo de Amiralian
(2007) feito com crianças cegas, ou o estudo de Sei (2008) com uma
criança vítima de violência física. Interessava-me observar o que poderia
acontecer com crianças aparentemente saudáveis.
Realizar esta pesquisa me mobilizou muito, pois, a todo o momento,
era inevitável lembrar-me de minha infância, de minhas brincadeiras
preferidas, de meus brinquedos favoritos. As dificuldades que apareceram
no começo de meu trabalho foram porque tive dificuldade em me desfazer
da influência behaviorista e adentrar na linha psicanalítica. Depois de feito
o “luto” desta antiga influência, consegui, gradativamente, brincar com o
texto, com as palavras e com o assunto.
Foi prazeroso perceber um pouco mais do mundo infantil expresso
através do brincar e poder adentrar nas possibilidades maturativas que a
brincadeira proporciona à criança.
Esta pesquisa me fez refletir sobre minha visão anterior sobre o
brincar, valorizando-o mais. O trabalho levou-me a refletir o quanto é
importante incentivar as brincadeiras infantis e brincar, sempre que
possível, quando uma criança o solicita.
Entretanto, percebemos que seria possível continuar este trabalho a
fim ampliar a investigação sobre o brincar, enfocando as brincadeiras mais
frequentes em crianças mais velhas. Possivelmente apareceriam outros
temas de jogos, pois, a partir dos 11 anos, a criança entra na adolescência, o
que, consequentemente, modifica a sua maneira de perceber a si mesma, os
outros e o mundo externo.
Para finalizar este trabalho, trazemos a obra do pintor brasileiro
Cândido Portinari (1903-1962), Meninos soltando pipas. O quadro
apresenta uma brincadeira tão comum em várias cidades brasileiras. Em
110
cada lugar, ela tem um nome diferente, empinar pipa, soltar araia, etc. É
digna de nota a visão que este pintor traz sobre o brincar, algo que pode
acontecer em grupo ou só, construindo o brinquedo ou entregando-o pronto
para à criança. Percebemos, na tela, o colorido, o movimento, mas,
principalmente, a diversão e o prazer que o brincar gera.
“Meninos soltando papagaios”
(Cândido Portinari - 1947)
111
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Psiquiatria infantil operativa: psicologia evolutiva e psicopatologia (3a
ed.). (J. Abreu & F. Settineri, Trad.). Porto Alegre: Artes médicas.
__________. (1992) Psicodinamismo entre 3 e 5 anos de idade.
Psiquiatria infantil operativa: psicologia evolutiva e psicopatologia (3a
ed.). (J. Abreu & F. Settineri, Trad.). Porto Alegre: Artes médicas.
__________. (1992) Psicodinamismo entre 6 e 8 anos de idade.
Psiquiatria infantil operativa: psicologia evolutiva e psicopatologia (3a
ed.). (J. Abreu & F. Settineri, Trad.). Porto Alegre: Artes médicas.
__________. (1992) Psicodinamismo entre 8 e 12 anos de idade.
Psiquiatria infantil operativa: psicologia evolutiva e psicopatologia (3a
ed.). (J. Abreu & F. Settineri, Trad.). Porto Alegre: Artes médicas.
__________. (1992) Psicodinamismo entre 12 e 13 anos de idade.
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desenvolvimento individual, (3a ed.). (M. Cipolla, Trad.). São Paulo:
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suas mães. (J. L. Camargo, Trad.). São Paulo: Martins Fontes, 1994.
_______________. O relacionamento inicial entre a mãe e o seu bebê. A
119
família e o desenvolvimento inicial (3a ed.). (M. Cipolla, Trad.). São
Paulo: Martins fontes, 2005.
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através de identificações. O brincar e a realidade. (J. Salomão, Trad.).
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transicionais. O brincar e a realidade. (J. Salomão, Trad.). Rio de
Janeiro: Imago, 1975.
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primitivos. Natureza Humana. (D. Bogomoletz, Trad.). Rio de Janeiro:
IMAGO, 1990.
120
Anexo I
121
Anexo II
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
I – DADOS DE IDENTIFICAÇÃO DA INSTITUIÇÃO ONDE SERÁ
REALIZADA A PESQUISA
NOME DA INSITUIÇÃO: ______________________________________
ENDEREÇO DA INSTITUIÇÃO: ________________________________
N°_____ BAIRRO______________________ CEP____________
CIDADE:________ UF:__
TELEFONES (___)_____________ / (___)_______________
NOME DO DIRETOR DA INSITUIÇÃO: _________________________
N° DOCUMENTO DE IDENTIDADE DO DIRETOR: _______________
NOME DA COORDENADORA PEDAGÓGICA: ___________________
N° DOCUMENTO DE IDENTIDADE DA COORDENADORA: _______
COORDENADORA RESPONSÁVEL DA ___ A ___ ANO DO________
II – DADOS SOBRE A PESQUISA CIENTIFÍCA
1. Título provisório do protocolo de pesquisa: “As interações através do
brincar em um pátio escolar entre crianças de 6 a 10 anos de idade: um
estudo a partir da abordagem de Donald W. Winnicott”.
2. Pesquisadora Responsável: Ana Regina da Silva Pita.
Cargo/Função: Psicóloga responsável pela pesquisa.
3. Instituição: PUC-SP, Programa de Pós-Graduação em Psicologia Clínica,
Núcleo de Psicanálise, Nível Mestrado.
122
4. Orientador: Professor Doutor Gilberto Safra
5. Avaliação do risco da pesquisa: A probabilidade de que o indivíduo sofra
algum dano como conseqüência imediata ou tardia desta pesquisa é de risco
baixo.
6. Duração da pesquisa: 2 (dois) meses.
7. Publicação da pesquisa: As informações e os materiais produzidos ao
longo da pesquisa serão publicados no meio científico, sendo preservados
os dados de identificação dos participantes e o nome da Instituição.
III – REGISTRO DAS EXPLICAÇÕES DA PESQUISADORA AO
PARTICIPANTE SOBRE A PESQUISA
Esta pesquisa está sendo realizada com o objetivo de investigar as
interações espontâneas entre crianças de 6 a 10 anos de idade realizadas por
meio do brincar em um pátio escolar.
As observações serão anotadas em diários de campo durante a
investigação realizada.
Os resultados da pesquisa serão utilizados na elaboração da dissertação de
Mestrado em Psicologia Clínica da pesquisadora; e para possível
publicação futura em meios acadêmicos científicos. Entretanto, não haverá
identificação das crianças participantes ou o nome da escola em nenhuma
publicação.
IV – ESCLARECIMENTOS DADOS PELA PESQUISADORA
SOBRE GARANTIAS DO SUJEITO DA PESQUISA
CONSIGNANDO:
123
1. O diretor da instituição, a coordenadora pedagógica da mesma, assim
como o responsável pelo (a) participante da pesquisa, podem ter acesso,
sempre que desejar, às informações sobre procedimentos, riscos e
benefícios relacionados à pesquisa;
2. O diretor e a coordenadora pedagógica têm liberdade para retirar seu
consentimento a qualquer momento, não permitindo mais, desta forma, que
a pesquisa continue sendo realizada na Instituição;
3. O diretor e a coordenadora pedagógica têm a garantia de que de que
serão salvaguardados a confidencialidade e a privacidades de seus nomes, o
nome da Instituição e o nome dos alunos que participarão da pesquisa;
4. O diretor e a coordenadora pedagógica da Instituição receberão uma
devolutiva da participação na presente pesquisa apresentada no formato de
um relatório ao final da pesquisa.
V – INFORMAÇÕES DA RESPONSÁVEL PELO
ACOMPANHAMENTO DA PESQUISA PARA CONTATO, CASO
NECESSITE:
Ana Regina da Silva Pita
Fone: (11) 7200-6667 // (71) 9963-3772
E-mail: [email protected].br
124
VI – CONSENTIMENTO PÓS-ESCLARECIDO:
Declaro que, após termos sido convenientemente esclarecidos pela
pesquisadora e termos entendido o que foi explicado pela mesma,
consentimos que seja feita a observação das brincadeiras dos alunos nesta
instituição.
São Paulo, _____ de _______________ de 2008.
____________________________
Silvio Barini Pinto
(Diretor)
_____________________________
Leana N. Bergel
(Coordenadora Pedagógica)
_____________________________
Ana Regina da Silva Pita
(Pesquisadora)
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