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Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Centro de Educação e Humanidades
Instituto de Artes
Carla Guimarães Hermann
A materialidade e o adverso nos Bólides
de Hélio Oiticica
Rio de Janeiro
2010
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Carla Guimarães Hermann
A materialidade e o adverso nos Bólides
de Hélio Oiticica
Dissertação apresentada, como requisito parcial para
obtenção do título de Mestre, ao Programa de Pós-
Graduação em Artes, da Universidade do Estado do Rio
de Janeiro. Área de concentração: Arte e Cultura
Contemporânea
Orientadora: Profa. Dra. Vera Beatriz Siqueira
Rio de Janeiro
2010
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CATALOGAÇÃO NA FONTE
UERJ/REDE SIRIUS/CEHB
C824 Hermann, Carla Guimarães.
A materialidade e o adverso nos Bólides de Hélio Oiticica / Carla
Guimarães Hermann. – 2010.
97 f.
Orientadora: Vera Beatriz Siqueira.
Dissertação (mestrado) Universidade do Estado do Rio de
Janeiro, Instituto de Artes.
1. Oiticica, Hélio, 1937-1980. O Éden Teses. 2. Arte conceitual
– Brasil – Teses. 3. Instalações (Arte) – Brasil – Teses. 4. Arte
interativa – Brasil – Teses. 5. Adversidade na arte – Teses. 6. Artes
plásticas – Materiais – Teses. I. Siqueira, Vera Beatriz. II.
Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Instituto de Artes. III.
Título.
CDU 7.071.1(81)"19"
Autorizo, apenas para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta dissertação
__________________________ __________________
Assinatura Data
Carla Guimarães Hermann
A materialidade e o adverso nos Bólides
de Hélio Oiticica
Dissertação apresentada, como requisito parcial para
obtenção do título de Mestre, ao Programa de Pós-
Graduação em Artes, da Universidade do Estado do Rio
de Janeiro. Área de concentração: Arte e Cultura
Contemporânea.
Aprovado em 29 de março de 2010.
Banca examinadora:
___________________________________
Profa. Dra. Vera Beatriz Siqueira (Orientadora)
Instituto de Artes da UERJ
_____________________________________
Prof. Dr. Roberto Luís Torres Conduru
Instituto de Artes da UERJ
_____________________________________
Prof. Dr. Ronaldo Brito Fernandes
Departamento de História da PUC-Rio
Rio de Janeiro
2010
Para Fabio
E para Laureano.
AGRADECIMENTOS
Meus mais sinceros agradecimentos:
Ao Programa de Pós-Graduação em Artes, pela oportunidade acadêmica única.
À minha orientadora Vera Beatriz Siqueira, por acreditar no meu trabalho e por entender
o tempo da minha escrita e amadurecimento de idéias.
Ao professor Roberto Conduru pela leitura atenta dos textos e pelas sugestões e
correções.
Ao professor Ronaldo Brito por suas aulas na PUC e pelas considerações tão ricas e
valiosas na leitura do texto de qualificação.
Aos professores Maria Berbara e Felipe Ferreira, cujas trocas acerca de outros
aspectos em Hélio Oiticica certamente refletiram nessa escrita.
À amiga e colega de Mestrado Isabel Carneiro, pela parceria nesses dois anos e pela
troca incessante de idéias que tecemos sobre os nossos trabalhos.
Aos colegas de Mestrado Jacqueline Siano, Tadeu Mourão e Ana Beatriz Cascardo
pelas conversas dentro e fora de sala de aula.
Ao Fabio, marido e financiador de idéias, pela paciência e atenção.
À minha família (pai, mãe e irmã) pelo amor, carinho e dedicação.
Aos meus amigos de fora do Mestrado, por ouvirem as reclamações mesmo sem
entenderem do que se tratava.
Ao Projeto Hélio Oiticica e Daniela Matera, que me permitiram conhecer os bólides “ao
vivo”, levando a pesquisa a outro patamar.
A CAPES pela bolsa de pesquisa.
RESUMO
HERMANN, Carla Guimarães. A Materialidade e o Adverso nos Bólides de Hélio
Oiticica. 2010. 97f. Dissertação (Mestrado em Artes) – Instituto de Artes, Universidade
do Estado do Rio de Janeiro, 2010.
A pesquisa analisa a criação de adversidade através da materialidade crua e
rústica utilizada nos Bólides de Hélio Oiticica. O papel da materialidade tornou-se
evidente a partir da percepção de que os ditos objetos realizam um convite àquilo que
chamamos de “participação adversa”. Ao mesmo tempo em que eram objetos capazes
de despertar a curiosidade do espectador e incitá-lo à manipulação, o faziam através do
toque de substâncias ásperas e pouco suaves, como por exemplo, pedaços de madeira
mal pintada, telas de nylon, conchas e pigmento em pó. O despertar de sensações
contrárias ao prazer sensorial sugeriu que não apenas a materialidade estaria no cerne
da questão da criação de adversidade como um dos fios condutores da obra de
Oiticica, como também que a captura de objetos descartados oriundos do cotidiano
seria a maneira do artista estruturar a sua noção de adversidade (da vida e da arte).
Para compreender o papel estrutural dos objetos despejados do dia-a-dia, realizamos a
aproximação entre o adverso e o abjeto (KRAUSS, 2000), bem como o pensamento do
informe como elemento operacional da obra (YVE-ALAIN BOIS, 2000). A materialidade
rude foi vista ainda como criadora de uma temporalidade de instantes para os Bólides e
aqueles que os manipulavam, como organizadora de fricção com o espaço e a cultura e
ainda como elemento de rebaixamento da condição matérica e do espectador.
Palavras-chaves: Bólides. Materialidade. Adverso.
ABSTRACT
The research investigates the adversity that is created through the rough and
crude materiality of Hélio Oiticica’s bólides series. The role played by the materiality
becomes evident with the perception that such objects are invitations to what we call
“adverse participation”. These are curious and manipulative objects, but at the same
time, they propose the spectator to touch non-smooth and coarse substances and
surfaces, such as pieces of badly painted plywood, wire mesh, shells and pigment. The
discovery of these sensations opposed to the sensorial pleasure suggested not only that
the materiality was the core of the adversity creation but also that the use of disposed
objects from everyday was the way Oiticica found to structure his notion of adversity – of
life and of art. To understand how everyday objects could form adversity, we made the
approximation between the adverse and the abject (KRAUSS, 2000) and employed the
concept of the informe as the operational element of the work of art (YVE-ALAIN BOIS,
2000). The rough materiality was also seen as the creator of moment temporalities for
the bólides and for those who wanted to manipulate them, and also as the organizer of
the friction between these objects and the space and culture, being hold responsible for
the debasement of the spectator.
Keywords: Bólides. Materiality. Adverse.
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO.............................................................................................................9
INTRODUÇÃO................................................................................................................13
1.DELIMITAÇÕES TEÓRICAS: FORMA, INFORME, ADVERSO.................................29
2. EXPERIÊNCIA DA ADVERSIDADE...........................................................................37
3. DA ASPEREZA DA COR À ASPEREZA TÁTIL: A MATERIALIDADE E O
ADVERSO.......................................................................................................................57
3.2. O caráter operativo da apropriação: da adversidade (da vida) ao adverso na
arte..................................................................................................................................65
4. OS DESDOBRAMENTOS DA CONCRETUDE..........................................................67
4.1 Antes de tudo, do ritmo à duração........................................................................67
4.2 Temporalidade plástica dos bólides: tempos de instantes adversos e o
rebaixamento do espectador........................................................................................74
4.3 Conformação espacial: interioridade x exterioridade da obra............................78
4.4 O dentro e o fora: as formas de caixas e potes e o atrito entre interioridade e
cultura.............................................................................................................................86
5. CONCLUSÃO.............................................................................................................92
REFERÊNCIAS...............................................................................................................94
9
APRESENTAÇÃO
A eleição de um objeto de pesquisa para a dissertação do Mestrado em Artes
não se deu a partir dele mesmo. Vivenciei as instalações do Éden (1969) e da Tropicália
(1968) em exposição no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro no final de 2007, e
colhi com a minha experiência as informações sensoriais que acabariam por guiar a
noção de “participação adversa” que viria a pensar dentro do conjunto dos Bólides ao
longo da pesquisa. O Éden de Helio Oiticica é um conjunto de bólides cama, tendas e
ninhos que funcionam como uma estrutura capaz de permitir a possibilidade da vivência
de um lazer efetivo, livre e não-repressivo através de um percurso pelos seus
“compartimentos” e sub-ambiências. Quando entrei nesse território de sensações
diversas, me senti dividida entre a vontade de participar e o nervoso que sentia de ter
que pisar descalça em chão de areia. Entrar no penetrável Lololiana com folhas secas
dispostas no chão depois de molhar os pés na poça de água do penetrável Yemanjá me
despertou reações desconfortáveis, e até pensei em desistir, dar meia volta e calçar os
sapatos. Por outro lado, deitar-me no bólide cama com cheiro de capim e cobertura de
juta foi muito convidativo, e a curiosidade de remexer nos livros e pedaços de papéis
impressos que cobriam um dos nichos dos ninhos me impulsionaram a continuar
participando. Foi com base nessa experiência hesitante que comecei a questionar a
idéia pré-concebida de que as obras de Hélio eram necessariamente convidativas e
ainda qual seria o grau de importância da natureza da matéria empregada pelo artista
na constituição do Éden na arquitetura desse senso de hesitação.
Na mesma ocasião a vivência da Tropicália também serviu como embrião para
as idéias da presente pesquisa. A obra, montada pela primeira vez em 1967 na
exposição coletiva Nova Objetividade Brasileira no Museu de Arte Moderna do Rio de
Janeiro, é um labirinto composto por dois penetráveis, PN2 Pureza é um mito (1966) e
PN3 Imagético (1966-67), além das plantas tropicais em vasos de barro, areia,
pedregulhos e serragem no chão, capas de parangolé e um aparelho de TV
permanentemente ligado no fim do labirinto escuro. Os dois penetráveis são feitos de
10
madeira, lona e chita, e a “porta” de entrada para o PN3 Imagético consiste de uma
parede de plástico colorido. O pequeno quadrado composto pelos penetráveis é dividido
por biombos de tecido, formando um estreito labirinto, o que amplia a experiência
espacial no seu interior, dando a impressão de ser maior do que realmente é. No interior
do labirinto de chita, vi primeiramente uma pequena área sem teto em que é possível
tocar elementos sensoriais capazes de exalar cheiro (como capim cheiroso) e/ou
manipular alguns maços de palha. Em seguida, foi preciso pisar numa parte escura de
areia (como no Éden, tive que entrar descalça no ambiente construído) e passar por
uma cortina de tiras de plástico. A combinação de incertezas (andar no escuro, pisar
numa superfície com elementos que não eram visíveis e sentir arrastar objetos
desconhecidos pelo meu corpo conforme caminhava – as tiras da cortina de plástico)
criou, para mim, uma certa angústia, por não saber o que me esperava em seguida. A
tensão da espera por uma surpresa se misturava ao medo de tomar um susto e à
possibilidade de ter que pisar em substâncias desconhecidas. Depois de percorrer esse
breve percurso encontrei uma televisão ligada e mal sintonizada, radiando uma
ambiência escura e misteriosa, onde a transmissão entrecortada da tela enchia o
espaço de luminosidade oscilante. Essa experiência que remetia às cenas de filmes de
terror barato, alem de surpreender, deixava sem resposta a cadeia de sensações
ativadas na experiência do percurso anterior. Por deixar sem explicação a perplexidade
que havia construído no labirinto, me senti diante de um anti-clímax. Foi esse
sentimento de frustração que me levou a questionar, mais tarde, se os bólides
correspondiam às expectativas dos espectadores.
Depois dessas duas experiências, quando me debrucei sobre os livros sobre
Oiticica, à procura de um recorte para a dissertação, foram os bólides que mais me
chamaram a atenção, e não as instalações que havia visitado alguns meses antes.
Logo de antemão, me pareceram condensar todas essas questões que eu havia
percebido no Éden (a matéria rude e a necessidade de manipular substâncias e
superfícies que não me eram convidativos ao toque) e na Tropicália (a de uma certa
frustração de expectativas). Some-se a estas questões a minha perplexidade em
11
relação a determinados bólides (em especial B27 Bólide vidro 13) e à tarefa
participativa do espectador. Em visita ao Malba em 2007, a observação de como um
bólide da coleção permanente de arte latino-americana daquele museu estava exposto
aguçou mais ainda a noção de estes objetos proporcionavam um convite diferente à
participação. B28 Bólide caixa 15 – variação do Bólide caixa 1 (1965-66) estava
disposto sobre uma base retangular de madeira pintada de branco, numa distância de
aproximadamente setenta centímetros distante do chão. Sobre a mesma base
encontrava-se um Bicho da artista Lygia Clark, estando este protegido por uma caixa de
acrílico. Sendo a proteção transparente um empecilho direto para a manipulação pelo
público visitante, logo questionei se o Bicho seria obviamente manipulativo e o bólide
exposto não. Aparentemente a organização do museu imaginava que ele despertaria
no espectador menos vontade de mexer, e não precisava ser isolado.
É fato conhecido que no decorrer da pesquisa (entre março de 2008 e o início de
2010) uma tragédia ocorreu. Em outubro de 2009 um incêndio acometeu parte
significativa do acervo de Hélio Oiticica, destruindo não apenas a maioria dos bólides,
mas também de seus parangolés, relevos espaciais, bilaterais, penetráveis etc. Alguns
dias após a divulgação da notícia, li um depoimento dos responsáveis pelo Projeto
Hélio Oiticica (e detentores dos direitos sobre a obra do artista), César Oiticica e César
Oiticica Filho, no qual afirmavam que algumas obras haviam se salvado e que seria
possível fazer a reconstrução de outras a partir dos escombros chamuscados ou dos
projetos deixados por Hélio. Imediatamente pensei que os bólides seriam impossíveis
de serem reproduzidos na ausência de um modelo original para cópia, exatamente pela
aspereza material que os estruturava. Soube, afinal, que alguns exemplares da série
efetivamente pouco sofreram com as chamas, e por isso, podem ser recuperados
1
.
1
Alguns bólides não estavam no acervo do Projeto HO na ocasião do incêndio e são os únicos com que
podemos contar como existentes atualmente em sua integridade física. São eles: B8 Bólide Vidro 2 (1963-64) em
posse de um colecionador carioca, B16 Bólide caixa 12 Arqueológico (1964-65), no MoMA em Nova York, B11 Bólide
caixa 9 (1964) e B17 Bólide vidro 5 Homenagem a Mondrian (1965) na Tate Modern de Londres, B28 Bólide caixa 15
– variação do Bólide caixa 1 (1965-66) no Malba em Buenos Aires, B30 Bólide caixa 17 variação do Bólide caixa 1
(1956-66) presenteado por Hélio Oiticica a Guy Brett, B33 Bólide caixa 18, poema caixa 2 Homenagem a Cara de
Cavalo (1965-66) da coleção Gilberto Chateaubriand no MAM/Rio e B47 Bólide caixa 22 Mergulho do Corpo (1966-
67), que estava no Centro de Artes Hélio Oiticica em decorrência da desmontagem de uma exposição.
12
Infelizmente, da maior parte dos objetos analisados em minha pesquisa, resta apenas a
documentação fotográfica e a memória dos momentos em que visitei a reserva técnica
do Projeto para investigá-los ao vivo.
Para além da óbvia perda material do meu objeto de estudo, o incêndio teve
também impacto crucial no que diz respeito às idéias que guiam o texto. Inicialmente
havia concebido um senso de adversidade nos bólides que seria estruturado por três
fatores: a materialidade, o tempo e a espacialidade. Ao longo do primeiro ano de
pesquisa o capítulo que versava sobre a materialidade tornou-se consideravelmente
maior que os outros, e comecei a suspeitar que, sob o ponto de vista que eu estava
defendendo, os aspectos materiais dos bólides acabavam predominando sobre os
demais. Após o incêndio e a percepção supracitada de que seria impossível reproduzir
esses objetos, acabei por modificar a estrutura da dissertação, atribuindo os “fatores”
antes vistos como estruturantes de adversidade também à materialidade, que percebi
estar no cerne daquilo que vim a chamar de “participação adversa”. O uso de substratos
cotidianos para compor os bólides e a madeira cuidadosamente trabalhada para
parecer bruta, rude e áspera talvez sejam mesmo impossíveis de ser reproduzidos com
a mesma atenção minuciosa que o artista dispensou quando da sua realização. E é
exatamente essa rudeza material das ranhuras, dos lanhos e de toda a ausência
consciente de esmero nos cortes dos bólides vidro e nas cores dos bólides caixa que
dão à questão da materialidade o papel de centralidade na estruturação da adversidade
que percebi nos outros objetos de Hélio Oiticica.
13
INTRODUÇÃO
Para pensar a questão da forma em Hélio Oiticica é necessário estabelecer
alguns balizamentos iniciais. Primeiramente um balizamento visual, no que diz respeito
à forma aparente (no sentido mais imediato), definindo com quais obras do artista se
pretende trabalhar. Oiticica desenvolveu um trabalho extenso e variado, que começou
com a pintura e encontrou na criação de ambiências a tradução dos seus propósitos e
preocupações acerca da arte, da cor e do espaço. Fazendo um recorte em sua
produção, decidimos trabalhar com o período compreendido entre os anos de 1963 e
1967 e com o desenvolvimento de uma série de objetos que Hélio Oiticica chamou de
bólides
2
.
Por definição no dicionário Michaelis, um bólide é uma “espécie de meteoro
ígneo que atravessa o espaço; aerólito. Variação: bólido.A noção de que um bólide é
um corpo que se desloca no espaço parece ser um dos motivos para a apropriação do
nome pelo artista, pois são objetos que têm presença marcante onde se situam. O
tamanho de objetos possíveis de serem transportados por uma só pessoa também
sugere que os bólides de Oiticica seriam, de alguma maneira, deslocáveis no espaço,
observação para a qual pesa o fato de termos encontrado ao longo da pesquisa
diversas fotografias dos bólides posicionados em ambientes outros que não o estúdio
de criação de Hélio Oiticica ou o espaço expositivo. Encontramos algumas fotografias
dos bólides nos jardins de sua casa no bairro do Jardim Botânico, na favela da
Mangueira e ainda em ruas no bairro do Leblon, todos no Rio de Janeiro. A noção de
um “meteoro ígneo” não pode ser considerada estritamente para todos os exemplares
da série, mas se encaixa com precisão aos bólides caixa confeccionados em tons fortes
de amarelo, laranja e vermelho, em óbvia relação à cor do fogo. A cor está no cerne das
estruturas dos bólides bem como de quase tudo o que Oiticica desenvolveu ao longo da
vida. Em entrevista a Ivan Cardoso, em 1979, o artista denuncia a escolha do nome dos
2
Faremos referência aos nomes de obras de Hélio Oiticica em letras minúsculas, contrariando a tendência atual
que propõe o uso de maiúsculas para os conceitos e obras do artista. Apenas nos títulos do bólides os veremos
em maiúscula. De modo a respeitar os critérios de relação metódica usada por Oiticica em vida, optamos por
colocar todas as informações nos títulos e a data de realização da obra entre parênteses, tal como o artista fazia.
14
bólides à vontade de “consumir as coisas em cor”:
[...] nessas coisas que eu chamo de invenção da cor eu procuro usar a cor mais
racionalmente. Na realidade, elas sempre foram luminosas para consumir, era uma
tentativa da estrutura na qual ela era pintada, quer dizer, a parte física do objeto, ele
fosse consumido pela cor, por isso mesmo eu usei a palavra Bólide para os Bólides, que
eu tive essa idéia quando eu vi um filme do Humberto Mauro, Ganga Bruta, em que as
pessoas usam roupas brancas e a roupa branca refletia a luz, então ele iluminava as
pessoas vestindo de branco, porque havia deficiência de luz, ou sei lá o que, então as
pessoas rolavam, assim, por um gramado, vestidos de branco e pareciam Bólides...
eu pensei assim, pareciam Bólides... ah, na realidade o que eu estou fazendo são
Bólides, eu quero transformar as coisas que eu estou fazendo, consumir elas de luz
através da cor. (OITICICA 1979 apud BRAGA 2007: 47)
A escolha dos bólides se deu também a partir da percepção de aspectos duais
presentes na morfologia desses objetos. Por um lado há o convite à experiência tátil: a
forma de caixas a serem desvendadas, com gavetas para serem abertas e recipientes
repletos de pigmentos para serem manipulados, é capaz de despertar a curiosidade e
chamar à participação. Por outro, os materiais e cores utilizados por Oiticica – a
madeira áspera e bruta, as cores saturadas e exteriores, a própria fatura da pintura das
ripas de madeira, que não procura amenizar as imperfeições da superfície e, ao
contrário, as evidencia – parecem repelir o espectador. A participação aqui nos convida
a percorrer a distância (aparente) entre dois pólos característicos dos bólides: da
evidenciada experiência tátil à aspereza da cor. É como se Oiticica nos propusesse
uma participação adversa, através da escolha de materiais adversos, cores ásperas,
manipulações arriscadas.
Os bólides ocupam papel de destaque dentro do conjunto da produção do artista,
e tendem a ser vistos como divisores de águas que marcam a passagem de uma “fase
visual” para outra “sensorial”.
A experimentação de Hélio Oiticica desenvolve-se continuamente da pintura à arte
ambiental, contrapondo um ‘programa in progress’. É possível, entretanto, nela identificar
duas fases, a visual e a sensorial, para que sejam melhor acentuadas as transformações
que produz. A fase visual estende-se da iniciação de Oiticica na arte concreta [1954] aos
Bólides [1963]; a sensorial, destes às últimas experiências em 1980, quando Oiticica
morre. (FAVARETTO 1992: 49).
A sugestão de que os Bólides seriam obras preliminares para as obras
ambientais parece ter embasamento em afirmações do próprio artista, tais como a do
texto de 1977, feito a pedido de Daisy Peccinini para a mostra O Objeto na Arte
15
Brasileira nos anos 60:
BÓLIDES: [...] são a semente, ou melhor, o ovo, de todos os projetos futuros ambientais
[...] considero-os como parte fundamental no q hoje vejo como PRELÚDIO AO NOVO:
tudo o q veio antes desse processo de desmitificação não passa de PRELÚDIO àquilo
que há de vir e q já começa a surgir a partir desse ano na minha 'obra': o q antes chamei
de OVO há de seguir o NOVO – e já era tempo. (OITICICA, 1977: 03 – grifos do autor).
A escolha da metáfora do ovo poderia parecer concordar com uma visão
evolutiva da própria obra, como se ela caminhasse em direção à arte ambiental.
Entretanto, o que não podemos deixar de mencionar é que toda a obra de Oiticica é
constantemente marcada por uma espécie de retomada de antecedentes,
especialmente no que diz respeito à reflexão escrita feita por Hélio sobre sua própria
produção. Seus escritos, embora quase sempre sejam datados precisamente, não
exigem uma leitura linear cronológica, uma vez que levantam questões que permeiam
todo o conjunto produzido. É como se o artista tivesse estruturado suas obras de
maneira a possibilitar que elas se afirmassem diante do mundo, independente da sua
produção anterior e daquilo que ainda viria a realizar. Mais além, é como se Oiticica
estivesse constantemente elegendo e re-elegendo antecedentes e sua obra estivesse
sempre se re-inventando, criando uma genealogia para aquele momento específico em
que ela existe. A vitalidade das afirmações de Oiticica sobre seus trabalhos perdem
potência quando são lidas dentro de um esquema explicativo linear e finalista. Essa
leitura linear tem sido a visão hegemônica de leitura da obra de Hélio Oiticica. Braga
(2007: 11) pode ser considerada uma exceção, ao investigar Oiticica “a partir da
constatação que há em Oiticica uma multiplicidade de artistas. Hélio costura com vários
fios uma constelação formada por muitos pontos luminosos. A partir de um chão de
inventores (ou céu de referências) Oiticica ergue seu programa ambiental”. Apesar de
constituir uma leitura onde tudo em Oiticica existe na simultaneidade, Braga identifica
“fios condutores” para a apreciação: “Os escritos de Oiticica permitem o afrouxar da
linearidade cronológica. Abandonando a linha do tempo, escolhe-se livremente um ritmo
e um fio condutor da leitura” (BRAGA 2007: 10). A idéia de um fio condutor implica em
inevitável linearidade e por isso, apesar de ser uma leitura que difere da maior parte
daquelas geralmente feitas, ainda não é a que desejamos.
16
Hélio Oiticica situa os bólides no cerne da criação do objeto como obra, e não
como mera solução para a substituição do quadro ou da escultura enquanto suportes
artísticos, e isto parece ter influenciado parte da crítica para situar os bólides como
objetos de transição. Favaretto (1992: 49) interpreta a idéia de “ovo” como estágio
embrionário para as obras ambientais que viriam a se desenvolver nos anos seguintes,
ainda que relativize a diferença entre aquilo que chama de fase sensorial e de fase
visual, afirmando que “a divisão é esquemática, pois ambas as fases evidenciam
originalidade de invenção e destacam a singularidade do programa de Oiticica
relativamente à vanguarda brasileira”. Mais adiante, reitera que a
[...] a preponderância crescente do sensorial não exclui o visual, que não se refere mais
ao pictórico [...] Inspecionando-se os Bólides e neles mexendo-se, por dentro e por fora,
acede-se a experiências que revelam tanto do êxtase visual como do simbolismo de uma
outra posição do imaginário, em que vigem os estados de fantasia e memória típicos do
ludismo infantil, de jogos e surpresas. (FAVARETTO 1992: 98).
Embora entendamos a necessidade de estabelecer periodizações nas análises
do conjunto da obra de Oiticica (o que não é nossa intenção aqui, focada nos bólides),
acreditamos que dividir a obra em “visual” e “sensorial” pode ser uma metodologia
empobrecedora, uma vez que observamos a presença de um aspecto no outro,
especialmente no que diz respeito ao papel da visualidade para a consolidação do
convite à exploração sensível e sensorial. A função da materialidade traduzida
visualmente ou de maneira palpável nos parece estruturante da participação proposta
por Hélio Oiticica, e será uma das nossas diretrizes de investigação.
Ainda dentro da metáfora do “ovo”, colocada pelo próprio artista, podemos ver os
bólides como parte de um conjunto cujos fragmentos derivam uns dos outros sem
necessariamente estabelecer relações evolutivas, já que o ovo é, por um lado, um ser
latente, mas por outro, uma forma fechada, completa em si mesma. Podemos pensar
um processo contínuo e constante para todo o conjunto de Oiticica e tomar os bólides
como biografia do artista. Referimo-nos aqui à idéia de biografia do artista tomando a
obra como capaz de resumir toda a sua produção, a força de uma realização plástica
completa existente em um objeto. Tomar determinado exemplar como biografia permite
portanto perceber nele questões que pontuam uma produção em diferentes momentos
17
sem o estabelecimento obrigatório de ordem cronológica, pois concentra questões tanto
anteriores quanto futuras. A idéia de biografia implica ainda na existência de uma
espécie de destino artístico que se cumpre e que sustenta a atualidade da obra, pois
ela não é vista como mera parte do conjunto de realizações do artista; ela é, também, o
conjunto, numa espécie de experiência pelas partes.
O crítico Rodrigo Naves aponta para uma tendência da crítica internacional
(européia e norte-americana) iniciada no final dos anos 1980 de ver Hélio Oiticica e
Lygia Clark como artistas antecipadores da arte contemporânea e da sua proposta de
união da arte à vida.
Oiticica, como parte de uma evolução diferente [da dos países centrais], fez seus bólides
incorporando terra, carvão, conchas etc., quatro ano antes das caixas Non-site de Robert
Smithson serem mostradas, assim como Lygia Clark em seus trabalho de borrachas
flexíveis, que podiam ser penduradas em qualquer superfície, antecipou os trabalhos de
feltro de Robert Morris. Seus trabalhos tangenciam (ou mesmo iniciam várias correntes
da arte recente em muitos pontos: minimalismo, earth art, cinetismo, arte ambiente,
conceitualismo, poesia concreta, body art, performance. (BRETT 1989 apud NAVES
2007: 210)
A ênfase no caráter emancipatório marca a escolha por um historicismo que
interpreta a história da arte “da frente para trás, privilegiando assim as obras de artes
modernas que desembocariam na arte contemporânea, e numa arte contemporânea
oposta a categorias fundamentais da arte moderna” (NAVES 2007: 211). A falácia do
argumento é a tentativa de resolução entre arte moderna e arte contemporânea numa
única direção, como se Lygia Clark e Hélio Oiticica antecipassem aspectos de um
movimento necessário e irreversível da história da arte. Além disso, afirmá-los como
artistas que resolvem esse embate entre o moderno e o contemporâneo é deslocá-los
do contexto específico da arte brasileira, onde, diferentemente da arte européia, a arte
contemporânea não se constitui no embate com a moderna, mesmo por causa da
ausência de um modernismo consolidado no país.
A leitura de Lygia Clark e Hélio Oiticica a partir de critérios exteriores e dessa
relação de causalidade reversa e de antecipação certamente afetou a percepção geral
que há sobre os bólides. Ao ver Oiticica como inaugurador de outra etapa da arte,
procurou-se identificar dentro do conjunto da sua produção instantes nos quais
ocorreria essa passagem, marcando novamente um antes e um depois, levando os
18
bólides a serem vistos como etapa que levaria à arte ambiental, fazendo se perder a
conexão com as obras anteriores a eles. O crítico Paulo Sérgio Duarte também
discorda dessa noção mais linear evolutiva na obra de Hélio Oiticica levantada por
Favaretto.
Penso que a afirmação de Favaretto [de que a obra de Oiticica] ‘é sempre um único
desenvolvimento’, para enfatizar a coerência metódica do artista, uma característica de
sua obra, pode dar lugar à idéia de certa linearidade que, a meu ver, não existe.
Penetráveis, Bólides e Parangolés correspondem a investigações diferentes e
simultâneas, embora unidas pela questão sensorial. (DUARTE, 2009 : 57)
A relação de Hélio com Guy Brett parece ter sido o pontapé inicial para a
interpretação de sua obra como antecipadora de tendências contemporâneas. O artista
conheceu o crítico inglês no Brasil, em visita a VIII Bienal de Arte de São Paulo em
1965, ano em que passou imerso na produção dos bólides e parangolés.
Desenvolvendo uma amizade baseada na crítica e nas relações artísticas, os dois
mantiveram intensa correspondência e, em 1969, Hélio acabou por realizar sua primeira
exposição individual no exterior e levou para a Whitechapel Gallery em Londres seus
bilaterais, relevos espaciais, núcleos, penetráveis, bólides, parangolés e as obras
ambientais Tropicália e Éden. Além de assinar a curadoria da exposição, Guy Brett
lançou em 1968 o livro Kinetic Art, no qual dedicou um capítulo inteiro a Hélio. A atitude
pioneira do crítico inglês de conhecer artistas de países em desenvolvimento e mais, de
reconhecer o valor das proposições por ele encontradas no Brasil (especialmente nas
obras de Hélio e de Lygia Clark, os artistas que ele levantaria como bandeiras do
contemporâneo) é uma exceção dentro da postura geralmente assumida pela crítica
internacional dos anos 1960. Apenas no final dos anos 1980 e com maior contundência,
na década seguinte, as críticas norte-americana e européia voltariam seus olhares para
a produção periférica, embalados pelo discurso do multiculturalismo. A verdade é que
frente aos discursos contemporâneos que levavam a cabo a necessidade de integração
entre a arte e a vida como reação à autonomia da obra moderna de arte (como os da
arte pop, do minimalismo e da arte povera, apenas para citar alguns) ficou mesmo mais
fácil para todos aqueles que olhassem para a obra de Hélio Oiticica e Lygia Clark no
final dos anos 80 os achasse incrivelmente atuais (NAVES 2007: 206). E efetivamente
19
levantavam questões dessa ordem desde a década de 1960, simultaneamente ou, às
vezes, antes mesmo das vanguardas européias e norte-americanas. A percepção
pioneira do crítico inglês Guy Brett não deixa de ser um reconhecimento que teve
conseqüências positivas e saudáveis para a arte brasileira. O aspecto negativo foi a
recepção dessa crítica dentro do próprio Brasil, que só foi capaz de assimilá-la
passados mais de vinte anos, no momento em que outros críticos internacionais
pareciam falar o mesmo, em meados da década de 1990.
A última década do século XX foi marcada pela procura por uma arte conceitual
“periférica” capaz de antecipar elementos considerados chave nas obras de arte do
conceitualismo central. A principal diferença para a arte latino-americana seria o
conteúdo fortemente ideológico e estético das suas obras. “Desde suas primeiras
manifestações, o conceitualismo nesses países estendeu o princípio auto-referente da
arte conceitual norte-americana a uma reinterpretação das estruturas sociais e políticas
nas quais se inscrevia” (RAMIREZ 2007: 188).
A exposição realizada em 1999 no Queens Museum of Art em Nova York,
chamada Global Conceptualism: Points of Origins 1950s - 1980s, com curadoria de Luis
Camnitzer, Jane Farver e Rachel Weiss, firmou a noção de que alguns artistas teriam
começado a trabalhar de maneira “conceitualista” a partir dos anos 1950 em uma série
de temas emancipatórios, que abordavam desde o imperialismo econômico até
questões de identidade social, em locais tão distantes quanto a América Latina, o
Japão, a Rússia e a Austrália aborígene. É importante frisar que a referida mostra
trazia, dentre outros artistas brasileiros (como Cildo Meireles e Antonio Dias), trabalhos
de Lygia Clark e Hélio Oiticica, os dois nomes brasileiros mais lembrados pela crítica
internacional no período, conforme já mencionado.
Ver a arte feita no Brasil nos anos 1960 como conceitual é, de certa maneira,
adotar um conceito exterior, mesmo porque atribui a ela um caráter mais público do que
realmente teria alcançado no seu momento. Entretanto, não cabe aqui a discussão da
validade disso ou não. A intenção é apenas apontar as conseqüências dessa
recuperação vinda de fora e através de um viés exterior à nossa história da arte.
20
Primeiramente, nos parece que ao forçar visão de um conceitualismo latino-americano,
procurou-se exacerbar nos artistas escolhidos o caráter político de suas obras,
deixando de lado a questão profunda acerca do objeto artístico e da arte em si. É um
recorte analítico que empobrece a percepção sobre as obras ao invés de enriquecê-las
e que mais uma vez parece ter afetado as percepções posteriores, especialmente no
caso de Hélio Oiticica. Explicando melhor a pertinência dessa observação para a
pesquisa dos bólides: a recuperação de Oiticica, tanto pelo viés do multiculturalismo
quanto pelo viés do conceitualismo global (que não deixam de possuir raízes comuns) é
justificada pelo caráter de emancipação que as obras de Hélio realizadas nos anos
1960 teriam em relação à produção realizada na Europa e nos EUA nos anos
posteriores.
Vale lembrar que os bólides são produzidos entre 1963 e 1967, quase
simultaneamente aos parangolés, realizados entre 1964 e 1968. Ou seja,
corresponderiam ao espaço de tempo em que o artista teria passado a incluir o
espectador/participador à sua obra, unindo, de maneira antecipatória, arte e vida. A
impressão que temos é que essa noção de inovação ancorada seja na ênfase do
caráter político da “arte conceitual latino-americana”, seja na questão da participação
ativa do espectador, acabou por estimular o maior reconhecimento e valorização dos
parangolés em relação aos bólides. Em ambos os casos, exaltava-se o caráter público
de seu discurso estético-político, ignorando-se a precariedade da penetração social,
cultural e institucional das artes visuais no Brasil de então.
Em segundo lugar, há a óbvia e já conhecida dificuldade que o estabelecimento
de cronologias traz para a construção da história da arte, obrigando-a a ser orientada
para um fim, fazendo interpretações atravessadas por elementos escolhidos para
responder perguntas e resolver questões colocadas pela finalidade. Voltamos, portanto,
ao problema de ver Hélio Oiticica como um artista premonitório, assim posicionado por
Guy Brett desde os fins dos anos 1960. Novamente Naves (2007) aponta que tais
finalismos na história da arte dirigem o olhar a uma via de mão única para ver a arte
contemporânea, como se só pudessem ser contemporâneas as obras que
21
propusessem a união de arte e vida. Ou ainda como se quanto mais participativa fosse
a obra, mais contemporânea ela seria, como se fosse possível e saudável reduzir toda
a produção de obras a esse único aspecto. Isto parece ter sido outro fator de maior
valorização dos parangolés em relação aos bólides, dado que eles exigiriam
participação mais ativa e mais predisposta do espectador – vestir, dançar, movimentar-
se –, o que os tornaria, numa leitura rasa e imediatista, mais “participativos”, e por isso,
mais contemporâneos.
Finalmente, é necessário afirmar ainda que a recepção dessa leitura crítica
internacional no Brasil acabou, em grande parte, por reproduzir esse determinismo
histórico “da frente para trás” (NAVES 2007: 211). O mesmo autor aponta para o fato de
que em 1992 uma exposição foi organizada no Witte de With Center for Contemporary
Arts em Rotterdam e seguiu itinerando por diversos outros importantes centros de arte
em distintas cidades (Galerie Nationale Jeu de Paume, em Paris, Fundació Antoni
Tàpies em Barcelona, Centro de Arte Moderna da Fundação Calouste Gulbenkian em
Lisboa e Walker Art Center em Minneapolis, nos Estados Unidos, além de outras
dezenas de exposições menores nos anos seguintes). Dois anos depois, o curador
Nelson Aguilar escolheu Lígia Clark, Hélio Oiticica e Mira Schendel para ocupar as
Salas Especiais da XXII Bienal de São Paulo em 1994 na intenção de “[...] fazer desses
três artistas brasileiros as bússolas capazes de iniciar o público na trajetória da arte
contemporânea, ajudando-o a navegar por conta própria, com instrumentos de aferição
tão precisos que cada um dos visitantes se torne um crítico de arte à sua maneira.”
(AGUILAR, 1994: 27). Assim, se reproduz a idéia de que determinados aspectos de
Oiticica, Clark e Schendel seriam antecipadores e capazes de guiar os passos do
entendimento crítico do público. Ao invés de ver nossa arte moderna a partir de valores
intrínsecos, próprios a ela e dentro da sua historicidade, acabamos criando uma visão
enviesada e informada pelo olhar estrangeiro.
No intuito de não ver os bólides nem como “antes” nem como objetos da
transição da incorporação da dimensão participativa, propomos vê-los como biografia. A
noção vem contemplar a necessidade de recuperar as conexões anteriores e
22
posteriores que eles estabelecem, e também de entender a potência artística inerente a
estes, que são capazes de causar alguma estranheza mesmo nos dias atuais. Se os
bólides ainda podem permanecer deslocados em meio à incontável diversidade da arte
contemporânea, isso ocorre devido ao caráter de participação deles e que é negado ao
público. Numa primeira instância, os bólides por si mesmos transmitem ao espectador
uma disponibilidade participativa truncada, podendo despertar tanto o desejo
investigativo quanto o da contemplação sem manipulação. Embora requisitem
participação, os bólides sequer necessitam dela para existir, embasados numa força
motriz interior que vai muito além da simples “preparação” de conquista do espaço para
a arte ambiental desenvolvida por Oiticica no ano de 1967 com a Tropicália e seus
penetráveis. O desconforto causado por um bólide à luz da atualidade ocorre muito
mais pela sua disposição no espaço expositivo do que por qualquer informação material
nele contida. Diversas outras obras se apropriam de materiais oriundos do cotidiano
para criar o informe e, portanto, não é a existência dessa materialidade nos bólides que
os tornam estranhos. A título de comparação podemos citar a artista paulista Leda
Catunda, que constantemente utiliza como suporte tecidos originalmente destinados à
fabricação de roupas e mobiliário, tais como voile e veludo e cria objetos orgânicos. As
pétalas, moscas, barrigas e bocas de Catunda são “formas prenhes” (LAGNADO, 1998:
119) e que dispostas na parede mas sem a rigidez da tela de pintura de cavalete,
quebram a verticalidade da mesma. A forma mole, arredondada e contingente cumpre
aqui papel semelhante ao dos suportes transparentes repletos de pigmentos dos
bólides vidro, e ainda constrói uma imagem final de um objeto impróprio à forma.
23
Catunda, Leda. Duas bocas (1994). Tinta acrílica sobre tela e veludo
220 x 340 cm. Fonte: Galeria Fortes Vilaça.
Outro artista paulistano, Nuno Ramos, costuma adequar materiais também pouco
convencionais nas suas construções. Além de privilegiar substratos que garantem uma
fisicalidade imponente (cera, parafina, ferro, mármore, asfalto, somente para citar
alguns), Nuno se apodera de verdadeiros abjetos do mundo, pedaços rejeitados, e por
vezes forma grandes aglomerados de sobras. É até mesmo possível ver algo dos
bólides nessas telas sem título, onde pedaços de sacos plásticos, hastes e tiras de
pelúcia convivem em perfeita tensão, aparentemente prestes a desabar da parede, mas
fixos na sua solidez matérica.
24
Ramos, Nuno. Sem título (1991). Espelhos, tecidos, folhas, plásticos, tinta, metais, resina sobre madeira.
220 x 340 cm. Fonte: Galeria Fortes Vilaça.
Os exemplos acima são de obras que através do informe produzem formas
desconfortáveis, mas onde a natureza abjetual não seduz o espectador à manipulação.
Tem-se a certeza de que não são obras para tocar, apalpar. O destaque dos bólides nos
dias de hoje ocorre pois o atrito entre o convite à investigação com as mãos e sua
estranheza material é potencializado quando essa participação é negada. Daí tornam-
se ainda mais enigmáticos, quase esquivos para quem os observa.
Oiticica realiza constante retomada de referências nas suas obras. Essa
reaquisição é facilmente percebida também no campo teórico, já que ele deixou uma
enorme gama de textos, anotações, esquemas e reflexões sobre sua própria produção.
Os bólides aparecem em consonância com a estruturação teórica e conceitual sobre
eles mesmos e também em relação a outros textos, referentes a outros momentos da
obra do artista. Assim, há a fricção entre a ordenação que ele mesmo propôs e a
insistência de cada bólide de se afirmar independentemente desta estrutura montada.
Só podemos mesmo ler os bólides a partir deles mesmos (e não de critérios exteriores)
para compreender o esforço de cada um desses objetos para fundamentar sua
existência. Recorremos novamente à metáfora do “ovo”: uma forma fechada, que
constitui um todo e que cria as condições para sua existência. Por isso é biografia, é
forma que pode ser vista como toda uma vida, que elege antecedentes e retoma
25
referências; é, ao mesmo tempo, início e retorno.
A reaquisição de antecedentes vem acompanhada também da questão temporal.
A forma contingente dos bólides marca uma temporalidade muito própria do objeto, que
procura constantemente eleger um passado para a sua existência, sempre em tensão
com uma temporalidade de instantes construída na participação. O participador constrói
essas temporalidades atreladas ao momento do contato com a obra. Entretanto, a
manipulação de diversos bólides em seqüência não permite a construção de um arco
temporal contínuo, ou mesmo de temporalidades específicas a cada um que sejam
capazes de se articular de maneira encadeada. Isso ocorre porque a manipulação
erige, junto a cada bólide, uma temporalidade específica, mas que está sempre em
conflito com a temporalidade contundente da forma fechada.
Reconhecer alguma linearidade na importância que determinados aspectos
tomam nas obras com o passar dos anos não se constitui como entrave ao
entendimento desejado. Através dos bólides escolhidos, acreditamos haver a
possibilidade de identificar características que viriam a ser desenvolvidas de outra
maneira nas suas criações posteriores, como por exemplo, as questões sensoriais e
corpóreas da experimentação das obras, exploradas diferentemente nos parangolés
(1964) e no ambiente Éden (1969). De outra forma, há nos bólides a percepção de
elementos presentes em obras anteriores a eles, como o questionamento acerca das
propriedades da cor, evidenciado a partir dos monocromáticos (1959-62). É inegável
que os bólides apresentam questões táteis prementes, aparentando um convite
contundente à participação. O que é preciso é desconfiar da idéia de que os bólides são
necessariamente mais “participativos” que obras anteriores ou posteriores graças aos
materiais palpáveis, ao toque. Nesse sentido, consideramos importante qualificar a
participação proposta por HO nos bólides, entender o seu convite ao toque e ao
envolvimento sensorial. Pela participação proposta por Oiticica perpassa a adversidade,
capaz de intimidar e até mesmo repelir o participador. Sob tal ponto de vista um
metaesquema pode ser tão (ou mais) interativo quanto um bólide, uma vez que
manipulação e contemplação ou visualidade e participação ativa não são atividades
26
excludentes.
Pensando os vieses críticos sobre a obra de Oiticica, surge a necessidade de
identificar as tendências gerais e de nos colocarmos diante delas. Há um
posicionamento em relação a HO que tende a vê-lo enquanto um artista de natureza
vibrante, solto, liberativo e dionisíaco. “O próprio texto da antologia que reúne seus
textos – Aspiro ao Grande Labirinto, escritos entre 1954 e 1969 – revela uma visão
dionisíaca da arte, onde a pura visualização é substituída pela participação do
espectador” (AGUILAR, 1994: 24). Diversos críticos e pesquisadores, como Asbury
(2006), Braga (2007), Jacques (2003), Salomão (2003), Silva (2006), Spricigo (2004)
aproximam a poética de Oiticica e sua alusão de que “aspira ao grande labirinto”
(OITICICA 1986: 26) com Dionísio. “O próprio Dionísio representa o grande Labirinto,
mais da ordem da música e da dança que da ordem da arquitetura e do urbanismo”
(JACQUES 2003: 84). Não é parte do escopo de investigação aqui averiguar em
minúcias se toda essa atribuição de uma verve dionisíaca ao conjunto inteiro da obra do
artista é fruto da uma passagem em seu diário onde se refere à dança dionisíaca como
simultaneidade entre o individual e o coletivo
3
. A idéia é a de questionar essa tendência
de apreciação, por perceber na forma de Hélio contingência e ordenação, além das
tentativas do artista em estabelecer uma linearidade explicativa sobre elas, aspectos
que não condizem com uma imagem geral dionisíaca. Tal tendência se tornou a visão
vigente mesmo em termos culturais. Os exemplos de apropriações feitas em cima da
imagem de um Hélio Oiticica solto e libertador são diversos, e datam já do final da
década de 1960, com a apropriação do nome da obra Tropicália para o movimento
tropicalista. Os vídeos de Ivan Cardoso sobre Oiticica
4
fazem um recorte do artista que
privilegia os aspectos de libertação da ordem estabelecida, do ode ao uso da droga e
da bandidagem. Em termos culturais amplos e mais recentes, a cantora Adriana
3
“A dança é por excelência a busca do ato expressivo direto, da imanência desse ato; não a dança de balé, que é
excessivamente intelectualizada pela inserção de uma 'coreografia' que busca a transcendência desse ato, mas a
dança 'dionisíaca', que nasce do rimo interior do coletivo, que se externa como característica de grupos
populares, nações, etc. (OITICICA, 1986: 73)
4
Os curta-metragens Dr. Dyonélio (1978), HO (1979), À Meia-Noite com Glauber Rocha (1997) e Heliograma
(2003).
27
Calcanhotto gravou em 1999 o disco Marítimo, que trazia na capa uma foto sua usando
uma capa laranja em alusão aos parangolés. A gravação trazia ainda a canção
Parangolé Pamplona, onde as idéias de êxtase, delírio, libertação e leveza aparecem. O
fascínio desta artista pelo caráter dionisíaco de Hélio pode ser comprovado com um
trecho de entrevista em que ela afirma que “ [...] daí que saem esses versos ‘branco no
branco no preto nu’ porque originalmente o parangolé era pra ser usado pelos negões
pelados mesmo, coisa que nunca cheguei a ver nos vídeos, em geral as pessoas estão
de roupa, mas a idéia era essa.” (CALCANHOTTO 2009). Mesmo sem atestar a
veracidade da informação (se os parangolés teriam sido pensados para serem usados
sobre corpos nus), o depoimento nos serve para ilustrar como esse caráter de liberação
que a obra de Hélio proporcionaria se encontra difundido no imaginário cultural
brasileiro. A ênfase nos parangolés e penetráveis certamente é responsável por isso.
Também no meio da arte contemporânea brasileira, os penetráveis e parangolés
são mais lembrados em apropriações. O carioca Alexandre Vogler realizou em 2004 o
Karaokê do Hélio, no Museu do Estado de Pernambuco
5
. A performance requeria a
participação do público, convidado a aspirar gás hélio e a ler textos de Oiticica em
seguida no microfone, disponibilizados por Vogler. Como o gás hélio altera a gravidade
nas cordas vocais, modificando temporariamente a voz, o resultado era a leitura dos
textos em tom de enorme descontração. Alexandre Vogler usou, durante todo o tempo
da performance, um parangolé, geralmente associado à liberdade de ação. Nesse caso,
remetia também à liberdade de discurso, já que as palavras de textos irônicos porém
seriamente engajados de Oiticica como Brasil Diarréia soavam não apenas
despretensiosas mas também descompromissadas e causadoras de risadas. Pesa
ainda a inspiração do artista Ricardo Basbaum na poética participativa de Hélio.
Basbaum expande os processos de participação em uma situação particular de
interação que gera uma obra em rede. A forma de estruturas metálicas vazadas
geometricamente remete a penetráveis interligados e de passagem, como que
atravessando a forma (MACIEL, 2008: 1). A ênfase no caráter participativo e a
5
VOGLER, Alexandre. Karaokê do Hélio. Pernambuco, 2004. Vídeo digital (01:22 min).
28
concepção de que a forma de Hélio Oiticica não seria relevante em virtude dessa
participação parece ter começado já nas primeiras relações críticas com Guy Brett, que
não acredita que o trabalho de Oiticica seja construído sobre relações formais (Brett,
1969).
Há a identificação de uma outra vertente crítica. Naves (2007) refuta a insistência
de Brett (1989) em colocar a singularidade das obras de HO no papel desempenhado
pela “presença física do espectador”, quando Oiticica permitiria “[...] experiências que
tendem a acentuar radicalmente uma noção lúdica, intimista e introspectiva dos
indivíduos.” (NAVES 2007: 210), atribuindo caráter mais controlador às obras do artista.
Ainda dentro desta tendência, destacando um determinado controle que as obras
exercem sobre o público e retomando a questão da forma por este viés, Ramos (2001)
e Martinez (2004) se opõem à leitura do problema formal como ultrapassado em virtude
da participação.
A fricção entre ver Hélio Oiticica como um artista aberto e alegre ou como obra
que se coloca sobre o participador é interessante exatamente pela sua oposição radical.
Apontar as contradições sem procurar resolvê-las e construir um posicionamento que
seja diferente de ambas é o intuito dessa pesquisa.
29
1. DELIMITAÇÕES TEÓRICAS: FORMA, INFORME, ADVERSO
O segundo balizamento a ser feito após decidir estudar a forma dos bólides é de
cunho teórico, esclarecendo como pretendemos encarar a questão formal, de modo a
estabelecer o que entendemos ou não como forma. Consideremos aqui, portanto, a
noção apontada por Kudielka (1998), da forma como a mediação entre a obra e o
espectador, sendo a abstração a instância articuladora dessa ordem de relação. A
tensão entre a composição e a sua contrapartida inominada é dotada de forma, e é
através dela que a tensão se revela. Com os exemplos de Pollock e Mondrian, Kudielka
reconhece na pintura abstrata a superação do sentido objetivo do fenômeno e a
situação do espaço do quadro em meio às coisas. As formas geométricas das pinturas
dos artistas em questão revelam, por si mesmas, que os quadros não se acham auto-
centrados, por meio de simetrias e hierarquias formais. Por outro lado, não se legitimam
como partes articuladas de um contínuo da experiência, e
[...] o espaço do quadro não é nem encerrado nele mesmo nem simplesmente aberto,
mas destaca-se da extensão indeterminada do campo de experiência pelo fato de a
diferença abrir justamente uma possibilidade elevada de contemplação. Em vez de
delinear um mundo, o quadro representa um espaço que remete o espectador para
dentro dele, mundo, em meio ao contexto de sua existência. (KUDIELKA 1998: 35).
A articulação da relação entre sujeito e obra exige esmiuçar, ainda, a questão da
abstração. “A arte da obra de arte distingue-se da simples artificialidade do artifício pelo
fato de que, nela, a tensão entre a composição e a sua contrapartida inominada é
dotada de forma.” (KUDIELKA 1998: 28). Considerando que a obra de arte é o resultado
da tensão estruturada entre os seus elementos, o autor repensa a relação entre o
figurativismo e a abstração, vendo-a não como oposição, mas como
complementaridade. Ambas seriam instâncias, etapas do trabalho do artista. A idéia de
obra abstrata imporia transformações na relação entre o sujeito e o objeto, de
posicionamento da obra e do sujeito no mundo. Mesmo nas obras de arte ditas
figurativas a razão utilizada pelo espectador para se relacionar com a obra deve ser de
ordem abstrata. A essência da abstração é mudar a relação entre sujeito e objeto, e
30
mesmo a arte figurativa passa por uma “etapa” de abstração do objeto do mundo para o
quadro (mesmo quando ele é representado de maneira figurativa). É essa possibilidade
de re-significação que a obra de arte permite, através da abstração e da tensão da sua
forma que a distingue dos objetos ordinários.
Partindo da idéia de George Bataille, Yve–Alain Bois (2000) defende o informe
como elemento operacional da obra. A forma, portanto, não pode mais ser encarada
como definição ou formato (a maneira como ela se organiza “fisicamente”); é também
constituída pelo aspecto operacional do informe. É essa dimensão operativa que
permite pensar a ambigüidade da forma e do informe, numa dialética que não se
resolve. A forma é pensada fora da concepção idealista moderna, que vê o significado
como construção apriorística, anterior à sua “corporificação” na matéria, assegurando a
apoteose do conceito de imagem (YVE-ALAIN BOIS 1996: 01). A concepção idealista
da forma é ainda passível de crítica por considerar que a obra existe meramente a partir
do significado, ignorando a influência da forma (mesmo a simples morfologia) no próprio
processo artístico. As noções do informe e da abstração como antítese podem ser
particularmente úteis para a análise dos bólides de Hélio Oiticica.
O contexto brasileiro da arte nos anos de 1950 e o debate sobre a abstração
certamente auxiliaram a moldar a especificidade da questão abstrata para ele. O artista
passou a freqüentar as reuniões do Grupo Frente em 1954, onde sofreu grande
influência do seu professor e um dos fundadores do grupo Ivan Serpa, responsável pela
formação de artistas de inclinação concreta e que defenderam uma linguagem
geométrica de caráter racional e abstrato. Além da discussão entre figurativos e
abstratos (a respeito da qual Oiticica certamente preferiu os últimos) o debate entre
abstração geométrica e lírica parece ter tido influência sobre ele. A crença na
necessidade de aliar uma perspectiva sensível ao rigor geométrico da razão fez com
que Oiticica visse outros abstracionismos. A insatisfação com o racionalismo excessivo
do movimento Concreto paulista (1956) culminou com a reação da publicação em 1959
do Manifesto Neoconcreto, concebido por Ferreira Gullar e assinado por Lygia Clark,
Lygia Pape, Amilcar de Castro, Franz Weissmann, Theon Spanudis e Reinaldo Jardim.
31
Fato notável é que Hélio se juntou mais tarde ao grupo dos neoconcretos, juntamente
com Aluísio Carvão, Hércules Barsotti e Willys de Castro. De todos os participantes da
vertente carioca, Hélio, Pape e Clark foram os que levaram mais adiante as questões
da dimensão participativa e relacional da obra como processo de criação. A abstração
para Oiticica é instância formal da obra, que se realiza considerando a esfera sensível e
o espaço fenomenológico da experiência.
Em alguns momentos nos bólides a própria morfologia é reveladora da
contraposição e combina elementos adversos, capazes de revelar a tensão entre a
forma e o informe. Estas obras revelam um embate inerente a elas que se traduz não
só numa forma difícil de ler, mas também num convite à participação do espectador de
maneira áspera. A contraposição entre a forma e o informe se manifesta pelo uso dos
materiais corriqueiros e na dificuldade de leitura decorrente da aparente simplicidade do
seu uso. A obviedade do que é colocado também pode descortinar o informe, pois é, na
verdade, uma obviedade obtusa. Visualmente não há um sentido oculto, a cor e a
matéria não enganam o olho e a identificação do que foi empregado é quase imediata.
O objeto, no entanto, se torna estranho de tão simples que é, e ficamos sem saber o
que fazer com ele. Assim, tomamos conhecimento da contrapartida informe da forma,
quando no momento da fruição vemos nossas expectativas não-realizadas, as vezes
até frustradas. Além do evidente questionamento acerca do uso de materiais cotidianos
para a composição do objeto artístico, somos levados à duvida sobre como proceder
com aquele bólide, onde situá-lo na história da arte, e principalmente, como nos portar
diante dele. O convite enviesado à participação e a rudeza material são aspectos
estruturais do informe manifestados na forma.
No caso de Hélio Oiticica, especialmente na sua produção dos anos 1960, esses
elementos tensionados (a forma e o informe dentro da própria obra) revelam-se para o
exterior das obras através da exposição dos elementos adversos, quase abjetos e
marginais. Também considerando a concepção de Bataille, Rosalind Krauss (2000)
trabalha a noção do abjeto não como o destino inevitável do informe, mas como parte
da heterologia teórica, desenvolvida por Bataille como a forma sem correspondentes no
32
processo de assimilação (seja intelectual, filosófico, científico ou social) e que, por isso,
deve ser rejeitado como sobra, excremento. A idéia da abjeção como desfetichização do
próprio objeto pode ser útil ao enfatizar a sobra na estrutura. A percepção do excesso
na forma e o uso dos materiais “baixos” para expressar o “mais baixo que o baixo”,
outro princípio central em Bataille apontado por Krauss (KRAUSS 2000: 242), nos
permite deslocar o olhar de verticalidade das condições da forma. Se toda estrutura de
pensamento produz excremento, também a estrutura da sociedade produz sobra.
Trabalhando dentro da idéia operacional do informe, chegamos à dimensão igualmente
operativa do abjeto: ele é uma força, capaz de transgredir, revelar o “mais baixo que o
baixo”. A concepção de Bataille traz algumas dificuldades operacionais inerentes a ela
mesma, pois não vê a distinção entre opostos – não há enfrentamento, como na
dialética e, portanto, não há superação ou resolução. Trabalha-se com uma unidade
onde um produz o outro e tudo produz abjeto e expande-se essa idéia num nível de
generalização muito mais amplo. Entretanto, apesar das dificuldades que esse
pensamento operacional carrega, ele também nos permite pensar o abjeto como um
conjunto de forças que não se formalizam, evitando formalismos e encadeamentos
lineares “evolutivos”. Por não considerar a distinção entre opostos o pensamento de
Bataille não pressupõe a existência de certo ou errado, evitando escalas de valores,
muitas vezes prejudiciais à construção de uma história da arte verdadeiramente crítica.
A escolha conceitual por Yve-Alain Bois e Krauss ocorreu pois o juízo que fazem
do informe possibilita tratar do problema formal sem cair no formalismo greenberguiano
de uma autonomia radicalmente fechada. Para além da necessidade de estabelecer a
relação entre a forma e o sentido nos pareceu necessário encontrar embasamento
teórico que tratasse da questão formal, diante da percepção de que a mesma, na leitura
feita pela maior parte da crítica sobre Oiticica, é deixada em segundo plano, priorizando
a questão participativa. Visto isto, procuramos compreender a forma de Hélio Oiticica
pelo informe (Yve- Alain Bois, 2000) explorando como o abjeto (Krauss, 2000) aparece
em suas obras: como adverso
6
.
6
Embora o adverso e o abjeto não sejam sinônimos, podemos considerar que são, em alguns casos,
33
Acreditamos que a escolha dos materiais trabalhados nos bólides seja parte
integrante da formação de uma idéia de adversidade, onde a visualidade efetivamente
se realiza através do material plástico. Como já apontado, o adverso se revela na
participação áspera, inquieta e capaz de desestabilizar o espectador/participador,
através dos materiais rústicos e até mesmo “baixos” escolhidos pelo artista.
Entendendo o “baixo” aqui como o fator funcional da operação (KRAUSS, 2000: 249),
pretendemos ver como e com quais elementos Hélio Oiticica assegura essa condição
operativa do adverso, trabalhando para além da temática do adverso, também presente
no conjunto de sua obra, através da figura do marginal, do abjeto socialmente
produzido e da própria idéia de adversidade como marca cultural brasileira. Para tal,
acreditamos ser necessário compreender, dentro do conjunto da obra de Oiticica quais
são as suas estratégias de formalização do adverso, desvendando como a adversidade
se mostra ao espectador, através do tipo de participação proposta.
Os bólides são objetos pensados para a manipulação, construídos na forma de
caixas de madeira ou de recipientes de vidro. O próprio artista se encarregou de fazer a
distinção entre eles e os nomeou bólides caixa e bólides vidro, marcando bem a
diferença da experiência com cada material dominante empregado. Hélio parece ter
pensado essas construções como pequenas arquiteturas estruturais, pois ainda que se
encerrem formalmente em si mesmos (são recipientes que contêm, que delimitam, que
ordenam) são objetos que estabelecem diálogo tenso com o entorno. São obras cheias
de luz – a cor é transformada em luz em seus interiores – emanada pelas “paredes” de
madeira pintadas com cores quentes (vermelhos, amarelos, laranjas) dos bólides caixa
ou através dos próprios pigmentos coloridos contidos nos bólides vidro. Mas também
são peças cheias de matéria, pois a cor-luz ganha densidade material, exposta como
pigmento. Desta forma, a cor mostra-se como exterioridade, ocupando o espaço real do
mundo e da cultura. Oiticica cria um jogo de mediação entre os bólides e o entorno,
valorizando espacialmente a cor. Se os bólides caixa parecem pequenos faróis
equivalentes. O abjeto, tomado por aquilo que é desprezível, indigno, descartável, é também, adverso, uma vez que
o adverso é aquilo que é desfavorável, contrário, inimigo.
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monocromáticos destacados no espaço (especialmente suas primeiras criações, B1
Bólide caixa 1 Cartesiano, B2 Bólide caixa 2 Platônico, B3 Bólide caixa 3 Africana e
Addendum, B4 Bólide caixa 4 Romeu e Julieta e B5 Bólide Caixa 5 Ideal, todos de
1963), os bólides vidro revelam a cor a partir do centro dor recipiente, colocando em
diálogo não apenas o objeto e o espaço, mas também a própria interioridade do objeto
e o entorno, através da transparência do vidro e do seu conteúdo de pigmento.
Conforme já apontado, os bólides estão num posicionamento intermediário em
meio ao conjunto da obra de Hélio Oiticica: não são pinturas (embora travem embate
firme com as questões acerca dela) nem são obras ambientais. Talvez essa confluência
de linguagens os tenha favorecido, criando alguma tensão formal nessa natureza
híbrida, o que, como veremos mais tarde, parece ser um artifício usado pelo artista para
arquitetar a noção de adversidade nas obras. O fato dos bólides serem construções
tridimensionais, palpáveis, também pesou para a escolha deles para nossa pesquisa.
Eles revelam o momento em que Oiticica trava diretamente o embate com a questão
objetual, com a criação de obras cuja forma acabada seria uma estrutura aberta, que
convida à participação. Por isso a escolha de materiais cotidianos seria algo mais que
uma apropriação, algo além da mera construção do objeto por suas qualidades
plásticas. Encontramos essa idéia em um trecho de uma correspondência enviada em
1968 por Hélio Oiticica para Lygia Clark:
Agora não sinto necessidade de construir objetos, mas uma lata cúbica vazia me deu
vontade de colocar água nela e pronto: é para que se olhe aquela lata com água, olhe-se
como num espelho, o que já não é apropriação como antes mas o objeto aberto
essencial, que funcionará conforme o contexto e a participação de cada um. (OITICICA,
1968).
Em outro trecho da mesma correspondência encontramos o depoimento de
Oiticica sobre a sua proposição de participação através de sensações desagradáveis.
“Tenho tido vivências incríveis justamente pelo não compromisso mais com a 'obra' mas
com a sucessão de momentos em que o
agradável e o desagradável é que contam, crio
daí objetos ou não [...]” (OITICICA, 1968). O grifo do próprio autor coincide com nossa
idéia de proposição de uma participação adversa e da adversidade como um vetor que
direciona a maneira como a obra é composta, colocando sempre em diálogo a obra e
35
seu objeto. A alternância entre momentos agradáveis e desagradáveis se refere à
participação do espectador e também ao impulso estético da sua própria criação.
Quando afirma a falta de compromisso com a obra, Oiticica não mais acredita que
experiência estética seja inerente à obra, e sim algo que só se realiza efetivamente com
a participação. A participação, assim, teria que ser desenvolvida para despertar essa
“sucessão” de possíveis reações, requerendo participadores ativos e se consolidando
enquanto obra pela experiência.
No decorrer da pesquisa e através da análise de alguns bólides , percebemos
que a materialidade se colocou nesses objetos como um “vetor” estruturante,
causadora de desdobramentos plásticos e da experiência, temporais e espaciais.
Assim, o presente texto se encontra dividido da seguinte forma:
1. Um capítulo sobre os bólides e a experiência da adversidade, onde além da
apresentação de alguns objetos escolhidos há o esclarecimento das opções por
trabalhar com eles e a análise de sete exemplares da série;
2. Um segundo capítulo focado na questão da materialidade e na arquitetura do
adverso que advém dela. A materialidade é entendida pelo uso de materiais
escolhidos do cotidiano, de certa maneira abjetos dentro do objeto artístico – por
não serem inicialmente identificados como matéria prima para a arte – e por
serem, eles mesmos, abjetos do mundo em suas funções cotidianas matéria
extremamente comum, às vezes até mesmo bruta, rude, crua.
3. Um terceiro capítulo que pretende colocar os desdobramentos que a presença
dessa materialidade adversa acarreta:
a) A construção de uma temporalidade de instantes alternados e que não se
ordenam em termos finalistas;
b) Oposição entre interior e exterior, manifesta não apenas na tensão entre
fechamento e abertura, mas também entre interioridade e cultura, originando
uma espacialidade complexa, na qual a adversidade e a contraposição se
afirmam como forma.
Faremos a discussão a partir não apenas dos bólides, mas também de outras
36
obras de Oiticica e mesmo de outros artistas, sem considerar necessariamente uma
questão cronológica atrelada à análise. Separamos os seguintes bólides para discutir
individualmente no primeiro capítulo:
a) B5 Bólide caixa 6 Egípcio (1963-64);
b) B10 Bólide caixa 8 (1964);
c) B12 Bólide vidro 3 Em memória de meu pai (1964)
d) B17 Bólide vidro 5 Homenagem a Mondrian (1965);
e) B27 Bólide vidro 13 (1964-65);
f) B32 Bólide vidro 15 (1965-66);
g) B33 Bólide caixa 18, caixa poema 2 Homenagem a Cara de Cavalo (1965-66);
A divisão do texto em capítulos se deve a uma necessidade de estruturação de
pensamento, mas não é possível separar efetivamente as questões, uma vez que um
elemento constrói o outro e diversos outros aspectos podem estar em jogo também. Por
exemplo, veremos que a questão da cor é fundamental para o desenvolvimento do
tempo e do espaço em Oiticica, e que ela responde diretamente à materialidade das
obras para formar os dois conceitos nos objetos do artista. Da mesma forma, veremos
no terceiro capítulo, que chamamos de Desdobramentos da concretude, aspectos
abordados ainda no primeiro capítulo através dos exemplos supracitados.
37
2. EXPERIÊNCIA DA ADVERSIDADE
Ao trabalhar com a aproximação entre o conceito de abjeto (BATAILLE apud
KRAUSS 2000) e o adverso para compreender a sua dimensão estruturante em
Oiticica, fizemos um recorte dentro da produção do bólides, elegendo sete deles para
uma análise mais minuciosa. Tal escolha ocorreu inicialmente em decorrência dos seus
aspectos visuais que pareciam potencialmente causadores de estranheza,
caracterizando o convite à participação com obstáculos. A gama de possibilidades de
interpretação do que seria ou não certa aparência áspera e capaz de causar essa
primeira impressão desconfortável é muito ampla. Por conta disso consideramos
especialmente as rugosidades presentes na matéria, como por exemplo, a textura das
superfícies de madeira de acabamento extremamente rústico, a borda de um vidro mal
cortado, a presença de materiais de manuseio complicado como pedras e pigmentos.
Consideramos também a aparência “geral” dos objetos, o conjunto das suas partes e a
imagem total da composição, que em dois casos bem específicos originaram objetos
tão estranhos que fazem o participador se indagar qual é a finalidade da sua
participação, o que deve ser feito com aquele objeto, nos revelando outra possibilidade
de proposição da participação adversa: a de que a satisfação não vem
necessariamente do toque e do manuseio, mas sim de uma ordem psicológica.
A adversidade proposta pelos bólides escolhidos é que nos levou a selecioná-los,
acreditando que a escolha de Oiticica por utilizar materiais pouco nobres – os materiais
baixos – assegurou o fator operacional do informe, tal como referido no conceito
desenvolvido por Bataille. O baixo material procura retirar o fetiche da matéria,
impregnada de idealismo, até mesmo pelos materialistas dialéticos. Segundo Bataille,
os materialistas situaram a matéria morta no topo da convenção hierárquica de tipos
diversos de fatos, sem perceber que se submetiam à obsessão com uma forma que se
aproxima ao que se quer alcançar, mais do que qualquer outra matéria deveria parecer-
se. Ou seja, acabaram encaixando o problema formal em modelos já formulados ou
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prontos, retirando a potencialidade da matéria e da própria forma (BATAILLE apud
KRAUSS 2000). O uso dos materiais baixos pode retirar da forma todo referencial
mundano, tudo que a princípio poderia constituir a morfologia previamente conhecida,
dada por certa enquanto um contorno associado a determinado significado. Assim, a
função do adverso como conceito operativo é a de rebaixamento, pois é capaz de retirar
a forma desse mundo, operando a sua re-significação pelo seu caráter residual. É
desperdício sedutor, aparentando ser o que há de mais infantil, pois o que ele
desencadeia é o baixo, o regressivo.
A dimensão escatológica dos materiais baixos está no cerne da discussão do
Modernismo e pode nos auxiliar a entender o arcabouço teórico que utilizamos aqui.
Clark (1992) chama de “o pesadelo do modernismo” o fato do projeto de revolução
modernista ter falhado tanto no sentido da mudança social quanto estética, propostas
ao tentar subverter a ordem burguesa usando e atribuindo potencialidade negativa
àquilo que ela deixava de fora: o infantil, o primitivo e o abjeto. Segundo ele, ao
contrário, o Modernismo teria reforçado os valores burgueses contra os quais pretendia
lutar. Ainda Clark, citando Flaubert, William IX da Aquitânia e Pollock por nomear suas
obras com trechos da canção de Ariel na peça The TempestSea Change e Full
Fathom Five – nos aponta que a arte de potencial negatividade (aqui entendida como
capacidade subversiva) não é necessariamente anárquica, escabrosa ou, de alguma
outra maneira, baixa (CLARK, 1992: 173). O potencial subversivo pode ter caráter
subterrâneo e estar na ordem ou organização aparentes, sem necessitar da aparência
caótica explícita. Entretanto, o que parece comum e mais difundido no mundo da arte,
especialmente da arte contemporânea, é a associação imediata entre o caráter
subversivo abjeto dos materiais baixos e a escatologia. O imediatismo de associação
entre fluidos corporais, dejetos biológicos, feridas e partes do corpo é resultante de uma
leitura da forma como morfologia aparente para o uso dos materiais baixos, passando
longe da proposta de Bataille com a qual estamos trabalhando. Todo escatológico é
abjeto, é sobra. Mas nem todo abjeto é escatológico. Como categoria operacional, não
se limita a uma apresentação morfológica óbvia. A produção do “ideal” gera sua própria
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sobra. “A produção inevitável do monstruoso, ou do heterogêneo, pelo mesmo processo
que é construído para excluir o que não se pode generalizar, é a força que cria a
diferenciação não-lógica das categorias que são construídas para manipular
logicamente a diferença” (KRAUSS, 2000: 252, tradução nossa). Assim, todo arranjo
produz uma organização espacial, mas também o informe, um desvio, no sentido da
capacidade de mudança, percebida no uso dos materiais baixos pela alteração das
qualidades materiais daquilo que é empregado e no rebaixamento dos referenciais
mundanos.
O rebaixamento nos bólides se formaliza na estranheza com que se mostram
para o mundo e nas dificuldades que colocam. Os entraves podem desestimular a
vontade participativa, tanto pelos riscos que eles trazem (como arranhar os braços ao
manusear o B27 Bólide Vidro 13, por exemplo) quanto pela dúvida, que fazem o
espectador hesitar ao não saber se algum desses objetos é realmente manipulável, ou
ainda pela fragilidade aparente da forma (como no B17 Bólide vidro 5 Homenagem a
Mondrian, onde o eventual rearranjo da trama de nylon parece desequilibrar o objeto
inteiro). Assim, o participador pode ser rebaixado novamente à condição de mero
observador. A alternância de “lugares participativos” que os bólides colocam para o
espectador sugere a criação de uma temporalidade de instantes, uma sucessão de
momentos em que o sujeito se vê como participador, daí para observador e depois de
volta para a participação. Arquitetar para o outro situações de expectativas para em
seguida frustrá-lo parece ser uma das faces desse senso de adversidade. Vejamos nos
exemplos escolhidos como a materialidade arquiteta o adverso e o rebaixamento que
isso possibilita.
A) B6 Bólide caixa 6 Egípcio (1963-64)
O que nos chama a atenção neste bólide caixa é, antes de tudo, a intensidade
das suas cores, embora as fotografias não revelem o quão fortes são os tons de laranja
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empregados por Hélio Oiticica. O efeito visual no embate direto presencial é impactante,
e a cor é responsável por boa parte do impacto. É evidente, entretanto, que ela não
acontece sozinha. O seu efeito no espaço se dá juntamente com o suporte material de
madeira sobre o qual a tinta é aplicada, bem como sua superfície inacabada e a
maneira bruta como Oiticica aplica a tinta, numa ausência consciente de esmero, dando
a impressão ao espectador de que o objeto efetivamente deriva de algum material
cotidiano, sem o acréscimo do gesto sublimador do artista. A imagem de que a matéria
prima do objeto artístico não só é parte do dia-a-dia, mas é ainda parte rejeitada dele,
leva à composição estruturante da noção de abjeto, e conseqüentemente, de
adversidade.
Outra dificuldade colocada por Egípcio é a manipulação que propõe. Por tratar-
se de uma caixa com objeto deslizante no seu interior, espera-se que o mesmo seja
“puxado” com facilidade no ato do manuseio. O bloco de madeira pintado de azul e
branco, entretanto, não se move facilmente, apesar de estar apoiado sobre uma placa
de vidro colocada no assoalho do interior da caixa. A dificuldade posta no ato da
manipulação questiona o espectador sobre o que é esperado da sua participação,
criando certo embaralhamento momentâneo, além de sensações desagradáveis de
potenciais cortes e quebras que ele pudesse causar à estrutura.
B6 Bólide caixa 6 Egípcio (1963-64). Madeira pintada, 56 x 24 x 57 cm. Fonte: PHO.
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B) B10 Bólide caixa 8 (1964)
A morfologia final, ou seja, a imagem criada pelo objeto quando fechado, é a de
uma caixa bastante irregular, onde o equilíbrio considera certa assimetria. A proposta de
manipulação é evidenciada por se tratar de uma caixa com um painel aparente (para
deslizamento lateral) e uma gaveta para abertura frontal, deixando “pistas” para o
espectador de que a manipulação é bem-vinda. Embora não haja nenhum indicativo
explícito de que a parte que estamos chamando de “gaveta” seja um compartimento
deslizante, como qualquer orifício ou rugosidade que se assemelhasse a um “puxador”,
a presença exterior de um pedaço de tela de nylon existente no seu interior dá a dica da
possibilidade de deslocamento para a frente do bloco em questão. Trata-se ainda de um
objeto cuja participação ocorre de maneira bastante direcionada, pois há apenas um
“vetor” de participação possível, delimitado já de início pela própria morfologia da caixa.
Um lado dela é fechado, e embora o topo tenha pequenas aberturas paralelas através
das quais seria possível deslizar outras placas de madeira pintada, não encontramos
nada que nos proporcione experiências manipulativas, apenas a exploração visual.
Resta-nos a única abertura possível, semelhante a uma gaveta e que traz duas
possibilidades derivadas de experiência. A abertura do compartimento revela um
pedaço de tela de nylon preso junto ao seu fundo e a parte exterior (o que seria a frente
da gaveta) é, na verdade, um painel que, ao deslocarmos para o lado esquerdo, revela
o fundo amarelo por trás do laranja predominante no resto do bólide. Assim, o
participador pode realizar três ações consecutivas: puxar a gaveta, deslizar o painel e
mexer na trama de nylon.
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B10 Bólide caixa 8 (1964). Madeira pintada, trama de nylon, 58 x 72 x 40 cm (fechado). Fonte: PHO.
Não fosse pela dualidade que permeia toda a forma do objeto, passaria o B 10
Bólide caixa 8 por uma caixa de madeira simples quando fechado. Entretanto, como ele
é de certa maneira sempre dividido, há geralmente duas possibilidades. Por exemplo,
há um lado cerrado e o outro passível de abertura com a gaveta. Há uma abertura
pintada de azul próxima ao fundo fixo do lado do bólide que não se abre. É uma
pequena fenda, impossível de ser penetrada pelas mãos do manipulador, mas
suficiente para deixar vazar luminosidade para dentro do objeto, iluminando seu interior
quando se puxa a “gaveta” para fora. A parte de cima também tem certo dualismo:
abriga uma plataforma de madeira pintada no mesmo tom de laranja e que também
possui um painel móvel, permitindo a participação da manipulação das cores. Essa aba
superior é maior que a superfície do topo da caixa sob a qual se apóia, criando uma
idéia de sobreposição, reforçada pelo pequeno vão deixado pelo artista entre a caixa e
a plataforma. Há uma assimetria morfológica por conta disso, mas que é compensada
com a parte mais sólida do bólide e que é capaz de equilibrar a forma do objeto. Mesmo
que houvesse uma primeira impressão de que a caixa fechada pudesse ter sido retirada
como um objeto acabado do cotidiano, esta seria rapidamente quebrada quando
percebêssemos o compartimento que viemos chamando de “gaveta” e o painel frontal
deslizante, e passaríamos a ter certeza de estarmos diante de um objeto construído a
partir de (e não sobre) materiais do cotidiano. Fica evidente para quem observa que a
forma é pensada utilizando matéria do dia-a-dia, tão familiar ao observador, mesmo que
sem partir de uma forma existente a priori (seria o caso se Oiticica tivesse partido de
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uma caixa pronta). A dualidade da forma aparente vai além e já no segundo olhar que
direcionamos a ela percebermos o nylon e a fenda pintada de azul, pequenas
intermitências no que antes parecia ser uma forma fechada.
C) B12 Bólide vidro 3 Em memória de meu pai (1964)
Esse bólide vidro foi escolhido por parecer antes um totem contemplativo do que
um recipiente colocado para manipulação, embora seja esta a sua finalidade. O pote de
vidro utilizado na sua composição é alto e estreito, de modo que a a abertura superior e
porta de entrada para a mão do participador, é, por sua dimensão, um tanto imprópria.
Como se não bastasse, Oiticica complica ainda mais a participação e coloca no interior
do pote de vidro pigmento amarelo, enterrando nele uma grande peça de madeira
pintada também de amarelo, em tom semelhante ao do pigmento. A madeira, como a
utilizada nos bólides caixa, não recebeu tratamento, não foi lixada e é bastante rude.
Entretanto, a adversidade colocada pelo objeto aqui não é construída tanto em cima da
materialidade palpável, e sim da experiência que o participador faz da matéria.
B12 Bólide vidro 3 Em memória de meu pai (1964). Madeira pintada, vidro, pigmento. 75 x 27 cm,
diâmetro do vidro: 63 cm, diâmetro da estrutura de madeira: 87 cm. Fonte: PHO.
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O convite à participação não poderia ser mais enigmático: o que fazer com um
objeto que não revela nem mesmo por onde começar a manipulação? As dúvidas são
colocadas pela forma, indeterminada: não se sabe se ela é manipulativa ou
contemplativa. Favaretto afirma que tal indeterminação é parte operativa das
possibilidades abertas pelos bólides e que os tornam elementos cruciais na obra de
Oiticica: “[O momento do bólides] abre um campo de atividades, que desloca o que se
designa como 'arte', em que vigem a disponibilidade criadora (pela participação, pelo
improviso), o processo, o inacabamento e a indeterminação.”(FAVARETTO 2000: 91).
Vencido o primeiro estranhamento causado por esta ausência de obviedade do convite
à manipulação, o passo seguinte tomado pelo participador é o de tentar separar a parte
de vidro da parte de madeira. A curiosidade, pilhada pela dúvida do enigma posto pela
forma, impele então ao movimento de separação. É preciso estar disposto: a “tampa-
totem” é pesada, e por estar enterrada dentro do pigmento contido no vidro, não sairá
sem dificuldade. Aliás, para proporcionar um atrito contundente, Oiticica posicionou
dentro do recipiente um pequeno retângulo vazado de madeira, uma pequena “capa”
enterrada no pigmento, dentro da qual penetra a tora de madeira que enraíza a parte de
cima do bólide. Em memória de meu pai possui um equilíbrio meticulosamente
calculado na sua composição geral, que é ameaçado pela mão de quem o manipula. A
despeito da rudeza e da solidez da madeira, tem-se a impressão de que a parte
superior depende de um encaixe muito preciso na cuba de vidro que serve de base,
criando uma brecha de fragilidade no conjunto supostamente robusto. De certa
maneira, Oiticica passa para o participador a responsabilidade do manuseio, criando a
condição efêmera que poderia levar à desintegração física do próprio trabalho. O
convite à participação aqui é não só nebuloso como também arquitetado com
obstáculos que promovem o atrito, catalisando a relação de fricção entre o próprio
indivíduo e a obra.
Há ainda o constrangimento de manipular a parte de madeira, de verticalidade
fálica. A referência ao pai no nome da obra cria um conflito na recepção da forma fálica
associada a noção de paternidade, de algum laço familiar. Assim, a manipulação da
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forma ereta pode ser embaraçosa já pela associação de mexer com o falo do pai de
Oiticica. E, se a despeito dos apelos eróticos aceitamos o desafio, ao desencaixar a
parte superior de madeira nos sentimos como se estivéssemos destituindo o objeto da
sua presença masculina, da sua virilidade e brutalidade latentes.
D) B17 Bólide vidro 5 Homenagem a Mondrian (1965)
Para entender o objeto em questão, é inevitável voltar a Mondrian, além de
pensar na obra do artista. Oiticica, bem como os neoconcretos em geral, procurava aliar
a subjetividade expressiva das obras de arte à racionalidade que a arte brasileira havia
apropriado do construtivismo. A leitura que fez de Mondrian se encaixou nessa tentativa
de renovação do quadro de referência teórica construtiva, ou seja, a releitura da
linguagem geométrica que havia sido reduzida a um racionalismo mecanicista. A
singularidade do Neoconcretismo é o privilégio do momento da concepção do trabalho
em detrimento da valorização da sua inserção social, “um recuo humanista e idealista
diante dos postulados teóricos mais rigorosos dos concretos” (BRITO 2002: 68). As
proposições fenomenológicas trabalhavam a obra enquanto expressão, e não como
produção. Viam a obra como uma gama de relacionamentos estabelecidos com o
participador, dentro da especificidade da obra, criando um espaço experimental aberto.
Os aspectos formais dos últimos Mondrians mostram preocupações distintas
daquelas do neoplasticismo “clássico”, como a conquista do espaço para além da tela,
uma precipitação dos quadrados e retângulos. Para racionalistas mais radicais, a
projeção luminosa da tela Broadway Boogie Woogie (1942-43) seria um “retrocesso” em
relação às conquistas do pintor holandês acerca da planaridade pictórica, pois os
pequenos quadrados amarelos parecem muitas vezes se projetar para frente do
quadro. Esse movimento de passagem do quadro para o espaço na referida obra teria
sido uma das referências em Mondrian para Oiticica. Antes de realizar os bólides
Oiticica já havia levado para o espaço o amarelo pulsante de Mondrian com seus
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núcleos (retângulos de compensado de madeira dispostos no espaço, pendurados por
fios e dispostos de modo a permitir que o espectador caminhasse ao longo dessas
placas), bem como as realizações de Malevitch em telas – o russo construtivista foi a
outra grande referência artística para o brasileiro – com a sua série de relevos espaciais
(objetos feitos de outros pedaços de compensado de madeira em formatos geométricos
articulados, formando objetos “dobrados” e pintados em amarelo ou vermelho ou
laranja).
Mondrian, P. Broadway Boogie Woogie. Óleo sobre tela (1942-42). Coleção MoMA, NY.
Nos Bólides, Oiticica amplia para o espaço as questões levadas ao limite por
Mondrian na pintura, do espaço da representação. “Mondrian limpa a tela, retira dela
todos os vestígios do objeto, não apenas a sua figura, mas também a cor, a matéria e o
espaço que constituíam o universo da representação: sobra-lhe a tela em branco.”
(OITICICA 1971: 01). A tela sem representação se torna o novo objeto da pintura, e
ainda segundo Oiticica “ao pintor cabe organizá-la mas também dar-lhe uma
transcendência que a subtraia à obscuridade do objeto material. A luta contra o objeto
continua.” (OITICICA 1971: 01). Oiticica continua a luta contra o objeto, investigando no
objeto a descoberta de uma visão total da obra a partir das experiências de
deslocamento espacial das gavetas e paredes dos bólides, dadas segundo a intuição
do espectador no deslocamento ao qual é levado na estrutura da obra. É por explorar
as questões levantadas pela pintura (especialmente de Mondrian, embora haja outras
influências em jogo na obra de Hélio Oiticica nesse momento de desenvolvimento da
sua poética) que os bólides são objetos que tratam de questões geralmente pertinentes
à pintura através de elementos formais estruturais que remetem a ela, como as texturas
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formadas pelas pinceladas, as cores empregadas sobre os materiais diversos, os
pigmentos e a cor. As experiências dos bólides são conseqüência e superação do
quadro, “pintura do espaço” ou a “estrutura-cor”. (OITICICA 1964: 02)
B17 Bólide vidro 5 Homenagem a Mondrian (1965). Vidro, pigmento amarelo suspenso em água, trama de
nylon pintada, juta. 31 x 33 x 33 cm. Fonte: PHO.
Pensando o bólide Homenagem a Mondrian como aquilo que o seu próprio nome
denuncia, entendemos que o artista brasileiro intentou estruturar uma forma que
tratasse das questões da pintura levantadas pelo holandês ao mesmo tempo em que as
superasse. Afinal, por que homenagear o espaço do equilíbrio universal alcançado
pelos movimentos básicos da horizontal e da vertical com um objeto de vidro curvo
acrescido de tecidos e outros materiais maleáveis, sem fazer uma única menção aos
retângulos, formas básicas das composições de Mondrian? Há a óbvia referência das
cores empregadas – o azul, o amarelo e o vermelho – que aparentam ser desgastadas
no bólide, e não da maneira sólida ou pura como se esperaria após uma leitura
imediatista ou rasa de Mondrian. O uso das cores puras como meio de expressão “do
plasticismo real-abstrato, já que a forma (o concreto) foi dissolvida na cor e a cor foi
liberada do natural” (MONDRIAN 2008: 54) foi uma constante do Neoplasticismo e
desempenhou papel significante no desenvolvimento da obra de Hélio Oiticica. No
referido bólide o desgaste das cores parece reforçar o sentido operativo que a
apropriação exerce nos objetos de Oiticica, o de aproximar a esfera da arte à da vida
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cotidiana, não através dos objetos pensados no design da racionalidade moderna
(como o próprio Neoplasticismo teorizou, em especial sobre a arquitetura) mas pelo
avesso disso, pela valorização espacial de um objeto ordinário que se transforma em
forma simbólica (ou obra de arte). Parece pertinente colocar o readymade como um
artifício pela busca da unidade entre a vida e a arte, herdada por Hélio Oiticica dos
escritos de Mondrian, embora não haja, evidentemente, nenhuma menção deste ao uso
de utensílios do dia-a-dia e sua re-significação enquanto arte. Mondrian e Malevitch
incutiram em Oiticica suas mudanças de preocupação estética na estrutura da obra,
mas é evidente que o brasileiro não pôde ficar imune a Duchamp e a outros
questionamentos acerca do estatuto da obra de arte.
Utilizar objetos cotidianos e operar uma transformação significativa sobre eles só
pode acontecer depois de serem deslocados das suas funções e despidos de suas
qualidades conotativas, sendo percebidos na sua pureza estética, suas qualidades
específicas (OITICICA 1963: 01 apud RAMIREZ 2007: 262). A idéia de uma pureza
primitiva dos objetos vai de encontro ao princípio neoplástico de que a forma
geométrica é o sentido da universalidade, e é levada adiante por Oiticica, que diz que é
a experiência que a torna forma simbólica.
A homenagem ocorre por referências menos óbvias, contidas algumas vezes no
oposto da forma aparente. Parece-nos que, tal como no Broadway Boogie Woogie, no
qual o amarelo não pode mais conter-se no quadro – sensação alcançada não só pela
luz empregada na cor, mas também pela ausência das formas geométricas pretas
comumente tomadas por linhas em Mondrian e que eram a marca registrada das suas
obras anteriores – no bólide vidro Homenagem a Mondrian o pigmento amarelo não
está contido somente no objeto. Ele vaza para o espaço graças à transparência do
recipiente, que faz o movimento dual de conter a água colorida por pigmento e colorir o
espaço quando olhamos através dele.
A saturação da cor na tela de Mondrian e a exterioridade impressa no espaço por
conta disso também foi levada ao objeto de Oiticica. O aspecto de uma pulsação
sensível da cor amarela no Broadway Boogie Woogie é embalado pela criação da
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composição de all-over na tela, potencializando o movimento processual, de circulação,
de fragmentos geométricos perfeitamente ligados ao todo, sempre em suspensão. O
bólide também traz essa sensação de suspensão e circuito, pelas partículas de
pigmento suspensas na água que preenche o vidro e pela própria estrutura criada pelo
emaranhado de tela pintada de azul, juta e plástico vermelho que brotam do gargalo do
vidro, criando uma espécie mesmo de circuito, imprimindo até certa circularidade no
olhar do espectador.
Aliás, a maleabilidade dos objetos supracitados em oposição à rigidez do frasco
de vidro pode ainda ser lida como a lembrança plástica desse movimento de alguma
precipitação espacial presente na tela de Mondrian. “Em Mondrian o espaço
verticalizado como que estatizado no tempo, acha o plano do quadro e tende ao espaço
tridimensional, fora do quadro.” (OITICICA 1962: 01). Podemos perceber melhor isso ao
comparamos com outro bólide feito por Oiticica no mesmo ano de 1965, B 22 Bólide
vidro 10 Homenagem a Malevitch Gemini 1, prestando tributo ao outro artista de maior
influência na obra de Hélio. Neste há a utilização de dois frascos de vidro retangulares,
muito mais sóbrios que o vidro utilizado para homenagear Mondrian e sem a
materialidade complementar da juta e das tramas de plástico capazes de imprimir
mobilidade para o espaço. Parece que essa escolha de materiais remete à
preocupação extrema de Malevitch com a planaridade do quadro, bem como da
percepção de uma abertura para certa preocupação existencial presente nas últimas
obras de Mondrian, quando a afirmação do plano já era dada por resolvida e
evidenciava a abertura para o espaço, bem percebida por Hélio Oiticica e traduzida
nessa materialidade de aspecto moldável.
50
B22 Bólide vidro 10 Homenagem a Malevitch Gemini 1 (1965). Vidros, pigmento suspenso em água, tampas
de plástico pintadas. 20 x 08 x 09 cm. Fonte: PHO.
E) B27 Bólide vidro 13 (1964-65)
Trata-se provavelmente do mais estranho bólide criado por Hélio Oiticica. A
metáfora que parece apropriada para descrever o objeto seria a de uma “torre
fortificada”, já que o artista criou um objeto vertical, no qual uma trama de metal dá
continuidade ao formato do recipiente quadrado de vidro que serve como base. O
interior do vidro e mais da metade da trama de metal acima dele encontram-se repletos
de pequenas pedras de brita. Na metade restante da “torre” criada pela trama de metal
há um saco de plástico transparente contendo pigmento azul e por cima deste, outro
pequeno saco com conchas no seu interior.
51
B27 Bólide vidro 13 (1965-66). Vidro, trama de arame, pigmento, conchas, pedras de brita.
95 x 19 x 19 cm. Fonte: PHO.
O conteúdo do bólide fica aparente devido ao uso do vidro e da semi-
transparência da trama, pela qual os materiais em parte se revelam, despertando
alguma curiosidade de investigação daquele que o observa. Ao partir para o manuseio é
que se encontra a restrição. Em primeiro lugar, é difícil porque tanto o plástico recheado
de pigmento quanto o de conchas é pesado. Em segundo, os objetos estão
praticamente encaixados dentro da torre formada pela trama, de modo que o espaço
para o participador colocar as mãos e puxar cada um deles é ínfimo, criando uma
barreira para que a participação ocorra. Outra limitação é a própria trama de metal, cuja
maleabilidade é pequena, apenas suficiente para que o artista pudesse moldá-la na
forma quadrada. É rígida o suficiente para tornar hesitante o manuseio do seu interior,
pois dá uma sensação de aspereza capaz de comprometer a integridade física das
mãos do participador no caso de um atrito mais forte contra ela. A borda da tela
representa um “perigo” ainda maior nesse aspecto, pois apesar de ter sido
52
cuidadosamente aparada, é capaz de arranhar o antebraço de quem estiver disposto a
manusear o conteúdo da “torre”.
A disposição longitudinal desse bólide pode tornar o participador em mero
manipulador das diferentes matérias presentes no seu interior. Tudo que é permitido
fazer é retirá-las pela parte superior e depois colocá-las de volta. A forma contingente
da “torre”, estabelece a diretriz manipulativa ao organizar os elementos no seu interior,
mas não dá sequer uma pista de como proceder com a experiência depois que os
sacos de pigmento e de pedras estão fora dela. E parece não haver mesmo muito o que
fazer, pois como já dito, são sacos duros e pesados. Se fossem leves e maleáveis, com
textura mais agradável, talvez pudessem suscitar outras explorações táteis, mas não é
o que ocorre, e tão logo esvaziamos o conteúdo do bólide, logo tornamos a preenchê-
lo. Diante da impossibilidade de continuar a mexer no objeto, nos postamos a observá-
lo. Em um momento, somos participadores e no seguinte, voltamos a condição da
observação, numa sucessão de momentos temporais colocados pela forma.
Os obstáculos para a participação são bastante evidentes, e o participador pode
desistir do manuseio mesmo antes de tentar tocar o bólide, ao medir as conseqüências
da manipulação sem cuidados. Se é capaz de rebaixar o participador a espectador, este
estranho bólide é também capaz de se colocar como um desafio, tão logo a hesitação
seja vencida. Entretanto, ao estampar um risco imediatamente anunciado que faz o
participador vacilar no caminho, rebaixa sua condição psicológica, fazendo com que se
sinta tolo, medroso.
F) B32 Bólide vidro 15 (1965-66)
O último bólide vidro a integrar nossa análise talvez seja aquele no qual a
imagem aparente inicialmente criada para o espectador é quebrada de modo mais
contundente. Ao avistar o Bólide vidro 15, a impressão primeira é a de um objeto
53
definitivamente convidativo à manipulação. A transparência do vidro arredondado revela
os diversos sacos com pigmento no interior. As cores são claras (amarelo, cinza, azul,
rosa, laranja) e a imagem final do conjunto é de certa serenidade. Está longe da
agressividade visual dos bólides caixa já analisados, onde a cor grita para o espaço
circundante a sua presença rude na superfície do objeto.
A surpresa fica mesmo para o instante exato da participação, quando se encontra
com a contrapartida inominada da forma: é bastante difícil manusear os sacos de
pigmentos, pois eles são pesados e grandes demais para levantar com apenas uma
mão. O toque também não corresponde à imagem de “algodão doce” que fazemos dos
saquinhos de pigmentos, pois são embalagens na verdade bastante compactas, meio
duras. Podemos dizer que o manuseio do conteúdo do interior do bólide frustra as
expectativas criadas pela imagem que ele passa inicialmente ao participador.
A borda do vidro recipiente dos pigmentos também dificulta a participação, pois
foi cortada de maneira irregular, deixando a superfície desnivelada e pronta para cortar
os braços de quem se aventurar a manipular os sacos de pigmento, caso não tome
cuidado. Depois de apontar os entraves colocados por Oiticica diretamente na
morfologia desse bólide para criar um convite atraente porém restringente de
participação, pareceria desnecessário dizer que, com isso, o artista cria uma situação
de adversidade. Entretanto, a adversidade aqui é dada pelas dificuldades físicas
colocadas pela forma somadas (as bordas cortantes do vidro, o peso dos sacos de
pigmento e a dureza deles) mas também é de ordem investigativa, porque desconstrói a
percepção primeira que se tem do objeto. A frustração de descobrir que aqueles sacos
de pigmento não são fáceis de se levantar e não cabem em uma só mão é capaz de
aviltar o próprio espectador, que se surpreende e questiona a sua capacidade de
manipulação. Ao mexer no conteúdo do bólide, o espectador embaralha não só a
imagem mental que tinha do objeto (a de que este proporcionaria uma experiência
serena) mas também a própria imagem de si mesmo, deixando de ver como alguém
capaz de manipular, entendedor da situação e do manuseio do objeto, e passando a
questionar sua condição de investigar.
54
B32 Bólide vidro 15 (1965-66). Vidro, pigmento dentro de sacos de plástico.
46 x 36 cm, circunferência: 152 cm Fonte: PHO.
G) B33 Bólide Caixa 18, caixa poema 2 Homenagem a Cara de Cavalo (1965-66)
Cara de Cavalo traz um elemento diferente dos outros bólides: quatro fotografias
do corpo do bandido homônimo estendido no chão, morto com quatro tiros pela polícia.
O fora da lei era amigo de Hélio Oiticica, desde quando o artista morou no Morro da
Mangueira. Este bólide foi escolhido não por trazer a figura do marginal como o abjeto
da sociedade (ainda que isto tenha que ser levado em consideração), mas sim para
pensar a associação entre abjeto e mundanidade destacando o aspecto operacional da
exterioridade.
As questões de dualidade ou tensão da forma se mostram logo de início, com a
presença de uma tela de nylon que impede a manipulação direta do objeto depositado
no fundo da caixa, um pequeno travesseiro de saco plástico transparente que contém
pigmento em pó vermelho e traz o poema “aqui está / e ficará! / contemplai / seu /
silêncio / histórico” escrito em sua superfície. A tela de nylon é pintada de vermelho, de
modo a permitir a visão parcial do fundo da caixa, através da porosidade das partes
preenchidas pela tinta na trama. O travesseiro está apoiado em hastes de metal no
fundo do bólide, e o fundo do mesmo é constituído apenas por tais hastes e outra fina
trama de nylon. As outras “paredes” do bólide abrigam na parte interior as fotos de
55
Cara de Cavalo e são revestidas na parte exterior por lâminas de vidro pintadas de
preto por baixo, o que lhes confere solidez. O fundo, ao contrário, parece hesitar diante
dos olhos e das mãos: sustenta o travesseiro-poema sobre a pequena grade, mas
guarda mais além a trama de nylon, como se fosse uma rede de segurança.
A experiência de Hélio no morro da Mangueira parece ter alterado sua maneira
de compor os bólides, intensificando sua necessidade de integração de objetos
cotidianos à sua arte. A fotografia do bandido morto, sacada duplamente da realidade
(primeiramente por ser um registro fotográfico de um acontecimento real, e em segunda
instância por ter sido publicada e impressa no jornal) constrói adversidade não apenas
porque o bandido é um outsider da sociedade (numa analogia a um discurso vigente
nos anos 1960 acerca da favela, o de que a favela era algo à margem da cidade), mas
antes porque a sua morte seria emblemática da situação adversa da vida, reveladora
de fricções e dualidades. A experiência de Oiticica com a realidade do morro teria
influenciado a sua produção no sentido de diminuir a distância entre o artista e a
sociedade. Sucede a extrapolação do espaço metafórico com o uso de materiais
cotidianos a partir do ingresso da fotografia de Cara de Cavalo, a despeito da pouca
mudança ocorrida em relação aos outros materiais que compõem os objetos. “Os
mesmos materiais aparecem em um contexto que aprofunda e amplia seu significado
metafórico, e o espectador participa mais integralmente na revelação da metáfora”.
(BRETT 1969: 36). A metáfora permanece, mas deixa de ser colocada para o
espectador pela materialidade sozinha pois é conduzida pela registro visual da morte do
bandido, passando a operar dentro do tema do adverso. A conversão da adversidade
em tema torna este bólide figurativo, onde não mais cabe a oposição entre metáfora e
visualidade, como nos demais exemplos analisados.
Em Cara de Cavalo aflora uma sublimidade recusada nos outros bólides. Oiticica
eleva à categoria de sublime a instabilidade da trama no fundo do bólide e que
acomoda o travesseiro de pigmento e que traz o poema escrito. O espectador não é
rebaixado pelo medo mais concreto de se cortar ou se arranhar nas bordas de vidro
nem precisa manipular coisas desagradáveis. Ele hesita em participar pelo medo
56
despertado pela presença da fotografia (e a condição de bandido-herói elevada por
Oiticica no retrato) associado ao desequilíbrio do saco de pigmento na parte inferior do
objeto.
B33 Bólide caixa 18 caixa poema 2 Homenagem a Cara de Cavalo (1965-66). Madeira, fotografia, nylon,
acrílico, pigmentos, plásticos. 40 x 30 x 68 cm. Fonte: MAM/Rio.
57
3. DA ASPEREZA DA COR À ASPEREZA TÁTIL: A MATERIALIDADE E O
ADVERSO
Em texto sobre sua série de bólides, em 1963, Oiticica afirma que se sente como
uma criança que começa a experimentar os objetos à sua volta, tentando entender suas
qualidades, tais como solidez, preenchimento, circunferência, peso e transparência
(OITICICA 1963 apud RAMIREZ 2007: 262). Tais averiguações seriam como que o
ponto de partida para perceber as qualidades dos objetos despidos das suas
qualidades conotativas, fossem elas utilitárias ou não. A intenção de deixar os objetos
na sua “pureza primitiva” se realiza através da cor. A invocação da infância e do
primitivismo na fala do artista nos remete ao prazer regressivo do informe. A pureza
construída pela cor é cuidadosamente elaborada, embora sua aparência de rudeza
indique à primeira vista o contrário. Em carta a Lygia Clark em 1964, Hélio relata que
está fazendo uma “nova caixa” onde “[...] o interior da caixa jamais é passivo: possui
uma tensão constante. Não se trata mais de ter a cor para vivenciá-la, mas de
apreendê-la como totalidade expressiva da estrutura no espaço e no tempo”
(FIGUEIREDO, 1996: 23). No referido ano, Oiticica fez seis bólides caixa diferentes,
sendo impossível identificar a qual ele se referia. Entretanto, a aparência descuidada de
todas caixas produzidas neste ano é o ponto importante da afirmação do artista. Ao
invés da simplicidade rústica da cor, constrói uma pureza de segunda ordem,
sublimando o aspecto cromático.
O que Oiticica queria alcançar, nesse ponto da sua carreira artística, era uma
experiência mais abrangente do que a dissecação analítica da cor que havia alcançado
com os núcleos (1960-62), obras anteriores aos bólides, onde a diluição da cor no
espaço ambiental procurava formar um “sistema total”. A intenção, com os bólides, seria
a de aproximar a visualidade de um todo expressivo, seja analítico (na procura por
texturas, na experiência do deslocamento de alguns ângulos, na combinação entre
superfícies e lâminas de cores etc.), seja sintético. As caixas de cor são massas que
expressam o todo cromático. O que se procura aqui é estruturar a cor a partir da sua
58
habilidade expressiva. Ocorre então a expressão estrutural da cor, como um fenômeno
essencialmente estético, em suas formas variadas (como pintura ou como pigmento) e
como um “sistema total”, que sintetiza todos os elementos estético-visuais. O aspecto
visual se une à palpabilidade enquanto força fundamental para a expressão, o visual e o
tátil se tornam parte do todo expressivo aberto à imaginação, sendo esta a mais
genuína finalidade da obra de arte (OITICICA 1964). Esta garantia da obra de arte
transcendental é dada pela imaginação inerente ao homem, exercitada sobre essas
unidades de expressão significativa. A forma aqui não perpassa nenhuma questão
representativa, ela é simplesmente expressão estrutural.
Ao perceber que a nova experiência estética só se daria com a transformação
estética do objeto, Oiticica alia a cor à forma simbólica nos objetos. “É a renovação
estética interior do nosso mundo desperdiçado dos objetos cotidianos”. (OITICICA 1963
apud RAMIREZ, 2007: 262). A escolha de objetos oriundos do dia-a-dia parece também
exercer função operacional na forma da obra, pois transformar em obras de arte
aqueles objetos ordinários seria dotá-los da potencialidade de mediação entre o sujeito
e o objeto que a abstração carrega. Em alguns bólides uma caixa vazia é
simbolicamente transformada pela valorização espacial da cor, redescobrindo a forma
de caixa. O mesmo ocorre com os recipientes de vidro (retos ou curvos) e com as
caixas maiores e com gavetas de outros bólides. As conotações existentes e referentes
às formas conhecidas previamente não funcionam mais de maneira independente da
nova ordem do objeto transformado em obra e terá sua experiência vivida pelo
participador. Além disto, ao referir-se ao mundo dos objetos cotidianos como “mundo
desperdiçado” (OITICICA 1964), o artista parece encarar os objetos cotidianos como
sobras do mundo, resultados da precariedade da vida não integrada à arte. A integração
entre a arte e a vida era um dos motes centrais da produção de Oiticica, e a separação
entre as duas esferas coloca os objetos cotidianos na condição de abjetos, excessos.
Assim, mesmo sem se valer do conceito de Bataille, Oiticica pode ter optado pelo uso
de objetos cotidianos e materiais que não são comumente valorizados, tais como
pedaços de madeira, pigmentos, vidros, telas, jutas etc. por considerá-los sobras do
59
cotidiano e, por isso, podemos aferir, adversos e abjetos. Da mesma maneira, ainda
dentro do mote central de integração entre arte e vida, ao dar a estes objetos adversos
a condição de obras de arte, Oiticica promove a “renovação estética” (OITICICA 1964)
do nosso mundo, aproximando as duas esferas através destes objetos.
O material adverso empregado nos bólides são as caixas feitas de compensado
sem acabamento, geralmente pintados com tinta acrílica, pedaços de telas de nylon,
jutas, plásticos, espelhos, pó-pigmento, garrafas, vidros circulares, pedaços de espuma
colorida, conchas, telas de arame. Por mais que tais materiais não sejam considerados
repugnantes
7
, eles também não são considerados nobres, e o manuseio de cada um
não imprime sensações prazerosas. Ao contrário, os elementos escolhidos, mesmo
individualmente, podem proporcionar experiências táteis adversas ou causar ao menos
certo estranhamento.
Em todos esses Bólides Caixa o espectador, apesar de convidado a explorá-los, é
mantido a uma certa distância. As maneiras de abrir são desconcertantes, e os espaços
internos, remotos como o interior das cavernas [...] A presença de um elemento natural
[terra] contido em um tipo de espaço em que geralmente guardamos pequenas coisas é
muito intrigante. (BRETT, 1969: 35).
O tratamento dado aos materiais reforça esse estranhamento. Oiticica opta por
não terminar o acabamento das tiras de madeira compensada que enquadram os
bólides caixa; o mesmo para a abertura de alguns recipientes de bólides vidro. Se há
um convite à manipulação, esta acontecerá de maneira comedida, numa negociação
entre a forma do bólide e o participador. Por conta disso, o prazer advém de outra fonte
que não a sensibilidade. Surge da descoberta dos elementos contidos nos objetos, e
talvez até mesmo da percepção por parte do participador, de que, ao manipulá-los, se
vê capaz de vencer certa adversidade ou, pelo menos, certa resistência.
Não apenas a presença desses materiais nas obras incute a condição de
adversidade. Também a cor, os procedimentos manipulativos e a maneira como eles
são organizados conduzem à sensação de manipulação do adverso. O fato de Oiticica
organizar nos bólides os elementos na forma de caixas ou recipientes de vidros faz com
7
Conforme dito anteriormente, é muito comum a associação entre a escolha de materiais escatológicos e a
expressão do abjeto, em leituras muitas vezes presas ao abjeto dentro de uma questão da morfologia,
diferentemente do que estamos tentando fazer aqui.
60
que cada obra constitua, de maneira independente, um pequeno universo, que é ao
mesmo tempo fechado e passível de exploração. A própria morfologia (caixa ou pote de
vidro) constitui tensão e ambigüidade nesse aspecto: ela é e contém um ambiente
pensado pelo artista, sendo, de certa maneira, fechada. Por outro lado, ao entregá-la ao
espectador, agora convidado a participar da própria forma, com o manuseio da mesma,
esse ambiente pensado pelo artista é também aberto.
A escolha da forma das caixas para os bólides parece obedecer à uma dimensão
simbólica de contingência e permissão. O formato fechado das caixas sugere a criação
de um pequeno universo hermético e controlado pelo artista. O uso das caixas não era
exclusividade de Hélio Oiticica na sua época. Este princípio ordenativo foi também
utilizado por Lygia Pape com as obras Caixa de Formigas (1967), Caixa de Baratas
(1967) e Caixa Brasil (1968) e por Antonio Manuel com as Urnas Quentes (1968) como
recurso “de ordenação frente à realidade incontrolável ao seu redor” (PEQUENO, 2007:
17), na busca da criação de um universo próprio, alheio à adversidade exterior. A
dimensão simbólica das caixas perpassa ainda pela surpresa, aquilo que pode ser
revelado pelo seu interior. Uma caixa costuma guardar algo e quando fechada, esconde
o seu conteúdo. Os bólides guardam mas também revelam, já que nunca são
construídos totalmente fechados. Um breve mas válido contraponto é o comentário feito
por George Didi-Hubermann sobre as primeiras esculturas de Tony Smith, verdadeiros
cubos negros e sólidos: “Pintados de preto – cor de buraco, cor do interior das
pirâmides –, as esculturas de Tony Smith colocam e recolocam diante de nós a questão
de um dentro obscuro” (DIDI-HUBERMANN, 1998: 106 grifo do autor). Frisando que as
caixas de Smith colocam para o outro o seu “dentro” fechado e escuro, o autor nos
chama a atenção para o interior das caixas como algo velado, talvez até mesmo
proibido. Os bólides não suscitam o mesmo sentimento, não criam o mesmo ar de
mistério e segredo. Despertam curiosidade sim, mas pelo convite ao desvendamento
das formas manipuláveis, jamais com ar sombrio. As cores evidentemente
desempenham papel fundamental nesse convite às descobertas, mas sempre
combinada à matéria e à maneira como o artista procurou revelar pequenas partes do
61
interior dos bólides, provendo o espectador de motivações imaginativas para dar início à
exploração.
Há ainda na escolha das caixas a vontade de construir espacialmente os
princípios da abstração. Embora as caixas utilizadas por Oiticica sejam retangulares,
podemos aproximá-las à forma universal do cubo. De modo formal, estrutural e
simbólico, o cubo pode ser tudo, e tudo pode ser reduzido a ele. O mesmo Didi-
Hubermann fala do cubo como forma que é evidente e inevidente, num paradoxo de
base que parece servir aos princípios duais dos bólides caixa que o tomaram como
estrutura organizadora. Assim, o cubo seria uma forma essencial
[...] em razão de nada imitar antes dele, de ser para si mesmo sua própria razão figural.
Ele é portanto um instrumento eminente de figurabilidade. Evidente num certo sentido,
porque sempre dado como tal, imediatamente reconhecível e formalmente estável.
Inevidente por outro lado, na medida em que sua extrema capacidade de manipulação o
destina a todos os jogos, portanto a todos os paradoxos. (DIDI-HUBERMANN, 1998: 88)
Ao manipular os bólides o participador poderá se deparar com o elemento
surpresa planejado pelo artista. Alguns bólides caixa possuem painéis móveis que
tencionam esconder ou revelar novos planos cromáticos. Outros têm gavetas que
guardam pigmento-pó ou simplesmente estão pintadas em um tom diferente do resto do
objeto. As possibilidades de aberturas de compartimentos (alguns óbvios, outros nem
tanto) chamam o espectador a investigar, mas novamente, com alguma hesitação. A
conformação das caixas e a possibilidade de descobrir novos compartimentos introduz
a possibilidade do inesperado, e torna a participação hesitante. A manipulação não
acontece imediatamente: talvez a curiosidade infantil que Oiticica diz sentir ao explorar
as qualidades dos objetos se refira a certo estranhamento diante dos mesmos, que
impõe alguma resistência em relação à curiosidade do manuseio. Quem sabe a
imaginativa exploração que a criança Hélio faria do bólide pudesse traduzir ainda o
fascínio pelo escatológico, até mesmo desagradável, atitude típica da descoberta do
mundo sensorial infantil. Afinal, são objetos que não inspiram o toque à primeira vista,
não nos prometem experiências sensoriais agradáveis, mas são capazes de chamar e
repelir ao mesmo tempo. As cores escolhidas para preencher de luz os bólides
participam de maneira estrutural da resistência colocada pelo objeto. Nos seis primeiros
exemplares construídos pelo artista, a escolha de cores quentes em tons fortes e
62
saturados não favorece a experiência acolhedora, ao contrário. Ao preencher o objeto
com a luz da cor, acaba fechando-o um pouco em si mesmo, criando mais um fator de
estímulo à exterioridade para se somar à hesitação do espectador em relação a ele.
A combinação da matéria empregada com a cor desenvolve papel fundamental
no despertar da curiosidade, bem como na hesitação da descoberta. “Em 1963 eu
comecei os bólides que eram peças manipuláveis de cor, que você tinha que olhar por
buracos, olhar através de frestas cores mais fortes, que se escondiam umas por dentro
das outras”. (OITICICA, 1979, grifo nosso). A cor expressiva de Oiticica transmitiria
também a noção da adversidade, pois é energia pulsante, capaz de afastar e atrair. Ela
envolve o espaço, mas não no sentido acolhedor, não cria obrigatoriamente uma
espacialidade agradável. Os bólides envolvem mais no sentido de atingir, enchendo o
ambiente de cor. Abraçam o espectador, mas isso não é necessariamente prazeroso.
Insistimos em tal questão pois, mesmo que sutilmente, parece existir na crítica da obra
de Hélio Oiticica a idéia da cor como elemento acolhedor. Nas palavras de Favaretto:
“Bolas de fogo, meteoros, os Bólides são focos de energia que envolvem seus
exploradores e o espaço circundante em modulações de cor.” (FAVARETTO 2000: 91 –
grifo nosso). A interpretação do envolvimento criado pela cor jamais vem acompanhada
de qualquer idéia de papel repulsivo ou ao menos dificultador que ela pudesse exercer
sobre o espectador. Em outra passagem do mesmo autor podemos desdobrar
possibilidades dentro da sua interpretação: “Pela experiência do toque, o participante
transforma a simples exposição do corpo à luz [...] em relação mágica com os objetos.
Voyeur da cor é enfeitiçado pela aura dessas cores-objetos, liberando sua carga
expressiva [...]” (FAVARETTO 2000: 92). Ao chamar o participador de “voyeur da cor”,
Favaretto caracteriza a cor como atrativa, capaz até mesmo de enfeitiçar que observa.
Um segundo olhar revela que dentro da própria metáfora do voyeur há outra
interpretação latente: a de atração dentro de circunstâncias complicadas (o voyeur pode
ser o observador escondido, que espia algo proibido). Daí o “feitiço da cor”: a
capacidade de atração apesar de alguma resistência do espectador. A idéia de
resistência colocada pela cor não é de maneira nenhuma posta em questão pelo autor,
63
fica apenas uma “pista” através da metáfora. Entretanto, uma interpretação subterrânea
é muito mais pertinente à nossa proposta de compreensão da forma adversa, que
contraria a opinião mais difundida na crítica. Guy Brett (1969) é um dos maiores
responsáveis pela noção de que a obra de Oiticica difunde um sentido de acolhimento:
O trabalho de Oiticica não é construído sobre relações formais. O modelo que o orienta é
o núcleo, o centro de energia. Este pode ser uma garrafa cheia de terra e pó de tijolo, ou
as capas que cobrem o corpo e os Ninhos em que deitamos no campo do Éden. Ao lado
da idéia de núcleo está a de proteção, de abrigo, a qual também engloba os materiais e
o ser humano, promovendo uma espécie de troca espiritual harmoniosa entre ambos.
(BRETT 1969: 34)
Ao associar a participação proposta por Hélio Oiticica a uma “troca espiritual
harmoniosa” entre os materiais e o ser humano, o crítico inglês certamente contribui
para a difusão da visão de que a proposta participativa aqui seria a de harmonia, capaz
de envolver o participador, independente das sensações deslanchadas pelo toque
serem adversas ou não. Todo o estranhamento causado pelos bólides descritos em
suas análises não parecem surtir qualquer efeito senão agradável, sendo sempre
interpretados de forma prazerosa. Guy Brett difundiu ainda a compreensão de que a
obra de Oiticica seria participativa no mesmo sentido da obra de Lygia Clark. Enquanto
Clark exploraria as questões táteis interiores, da superfície imediata do corpo, Oiticica
seria “o outro lado da luva” (Brett, 1972: 127), da ordem do corpo com o espaço do
mundo. Ao associar as duas obras e suas possibilidades diversas de participação, Brett
incute em Oiticica a mesma aura de agradabilidade e liberdade dos sentidos que
permeiam a obra de Clark, ao contrário da nossa visão de adversidade. Ainda sobre
Oiticica, o mesmo Brett nos fala que “[...] à medida que sua obra progrediu, ele
transformou seu desfrute hedonista da cor em um complexo mundo de pensamentos
sociais e filosóficos apaixonadamente a favor da liberdade” (BRETT, 1972: 127).
Tendemos mais a concordar com Naves (2007), que mais uma vez, aponta uma
percepção diferente da praticada pelo crítico britânico, dizendo que “[...] Hélio Oiticica
visava à criação de experiências extremamente intensas, em que todos os sentidos
fossem ativados ao mesmo tempo” (NAVES, 2007: 86 – grifo nosso).
A altura dos bólides e a disposição deles no espaço também devem ser
consideradas, pois são, também, entraves para a participação a que convidam. Os
64
bólides dificilmente chegam a ter 80 centímetros de altura, e ficavam geralmente
dispostos para o manuseio no chão, e não sobre uma mesa ou superfície qualquer que
os colocasse de maneira a proporcionar a manipulação mais cômoda para um adulto
8
.
Assim, são objetos que pedem que a pessoa esteja agachada para tocá-los, criando
certa ambiência desfavorável. O posicionamento dos bólides no espaço parece
paradoxalmente aumentar a curiosidade do espectador em relação a eles (tal como as
sensações de uma criança que descobre o mundo que Oiticica diz sentir ao manipulá-
los) e, ao mesmo tempo, marcar a diferença entre o espectador e a obra. Ao colocar os
bólides no chão, o artista cria para o participador possibilidades duplas de interpretação
e que o levam a ponderar a manipulação imediata: o objeto parece não estar
posicionado como uma obra de arte, pois não está sobre um pedestal ou mesa, mas é
tido como obra devido às circunstâncias envolvidas (a sua presença em alguma
instituição de arte).
Discutindo esta relação paradoxal de aproximação e afastamento entre o objeto
e o sujeito participador, Fried (2002) denuncia no movimento minimalista a retomada da
necessidade de incorporação de certa teatralidade para fundamentar a sensibilidade do
objeto minimalista nas circunstâncias factuais em que se dá o encontro do espectador
com o trabalho minimal. A experiência não ocorre mais no interior da obra, e sim na
situação construída pelo objeto. O objeto posicionado como obra cria uma situação que
só pode existir com o espectador, e por isso, precisa incluí-lo. A objetividade da obra
também se afirma pela espacialidade e pelos valores construídos no espaço para o
objeto, tais como distância, escala, tamanho e luz. O objeto é foco da situação, apesar
dela pertencer ao espectador. Há o deslocamento da importância encerrada no próprio
objeto para a importância dele ser percebido na situação. A objetividade se torna
relacional e, apesar de incluído por ela, o observador é mantido à distância pela própria
obra, e é isso que parece acontecer no caso de Hélio Oiticica. A despeito de não
estarmos tratando de obras minimalistas aqui, parece válida a consideração teórica de
8
Atualmente, de maneira geral, quando expostos, os bólides são colocados sobre bases, de modo que ficam na
altura ideal para um adulto manipula-los. A contradição é que, em exposição, são objetos que tem a manipulação
negada.
65
Fried ( ou seja, aproveitando a teoria despida do sentido pejorativo que Fried dá à
questão relacional do objeto) pois, no caso dos bólides o objeto intimida e se afirma
sobre o participador, dentro do mecanismo pensado para incluí-lo e afirmar ao mesmo
tempo sua objetividade perante ele. “O observador está ciente de estar em uma relação
indeterminada, aberta – e imprecisa – sujeito ao objeto impassível sobre a parede ou o
chão.” (FRIED, 2002: 136). Também a estruturação dos bólides com materiais
adversos cotidianos reitera o questionamento da objetividade dos mesmos perante o
sujeito participador, contribuindo para a participação hesitante.
3.1 O caráter operativo da apropriação: da adversidade (da vida) ao adverso
na arte
A percepção de que as situações abertas da vida constituíram material para a
conformação dos bólides não é novidade. O que frisamos como importante é o papel
estrutural que esse aporte de objetos e materiais mundanos desempenha na
construção de obras que, além de serem eles mesmas rudes, são capazes de imprimir
uma instância de vivência adversa. A afirmação do autor Celso Favaretto de que
Nos Bólides, o princípio operante da composição é a apropriação, a prática construtiva
que, surgida com a colagem cubista, com o readymade, o objet trouvé, o merz, constitui-
se como procedimento fundamental da assemblage contemporânea. Diferenciada e
estendida, no programa de Oiticica a apropriação comparece já voltada para a 'posse do
mundo ambiente' e não como 'posse de objetos'.(FAVARETTO 2000: 92)
parece fazer referência a como Hélio Oiticica entendia o espaço fenomenológico,
especialmente quando acontece o desenvolvimento das suas obras ambientais, a
Tropicália (1967) e o Éden (1969). Perante a necessidade de considerar o espaço
circundante para efetivar a obra, o artista teria, com a apropriação, ativado o espaço.
Em outra leitura, podemos considerar que a “posse do mundo ambiente” que Favaretto
cita seria a apropriação do real, da cultura material existente no mundo. Considerando
que as duas leituras são possíveis, uma outra citação, desta vez de um trecho de carta
de Hélio Oiticica a Lygia Clark, pode nos mostrar, à luz do pensamento do próprio
artista, como ele entendia a questão da apropriação. “[...] uma lata cúbica vazia me deu
66
vontade de colocar água nela e pronto: [...] olhe-se como num espelho, o que já não é
apropriação como antes mas o objeto aberto essencial, que funcionará conforme o
contexto e a participação de cada um.” (FIGUEIREDO, 1996: 52)
Ao desviar um objeto cotidiano da sua função pré-programada, ele o tornaria um
mediador da experiência, o meio através do qual o espectador exploraria as qualidades
plásticas e sensoriais próprias e do objeto. A impressão que temos é que Oiticica
acreditava ir na contramão das questões sobre a apropriação do readymade, da idéia
de que a arte “promove” os objetos comuns. Na realidade, Hélio partilha desta visão
romântica, pois acaba por destacar a noção de arte como sublimação. A diferença é que
na tarefa de salvar os objetos de seu destino vulgar, ele o faz pela ênfase nas suas
características materiais, baixas e de sobra. Apesar do sentido inverso ao da elevação,
o rebaixamento pode promover igualmente os objetos escolhidos por suas
materialidades, causando dualidade no interior da obra.
A captura de elementos do dia-a-dia opera a redução dos conceitos plásticos
(luz, textura, cor, brilho) à sua condição matérica, permitindo ao artista despi-los daquilo
que iria além da sua condição estética. Entretanto, se é verdade que o artista escolhe
os materiais por abrigarem aspectos que ele gostaria de exaltar na obra “final”, como
por exemplo a cor em estado pigmentar no intuito de desvendar as virtualidades
imanentes dela e da sua luz intrínseca, também é verdade que esse aspecto sublime
que a materialidade rude assume não pode ser isolado de toda e qualquer questão
simbólica que as formas e materiais carregam.
67
4. OS DESDOBRAMENTOS DA CONCRETUDE
Os bólides possuem condição material concreta, no sentido em que são
construídos com substâncias escolhidas por suas características de massa, volume e
luz. Ao selecionar o que iria integrar seus objetos, Hélio parece ter escolhido aquilo que
causaria impacto visual e que permitisse aos bólides uma presença marcada no
espaço. Esta concretude dos bólides causa desdobramentos tanto temporais quanto
espaciais, e para cada percepção que tivemos, desenvolvemos um subcapítulo. Nos
dois primeiros tratamos do tempo nos bólides e em outras obras de Hélio, inicialmente
como ritmo e posteriormente como instantes da obra e da esfera participativa. Nos
subcapítulos seguintes, consideramos dois aspectos da questão espacial colocada pelo
concreto. Sempre pensando em uma espacialidade contraposta, vemos a relação entre
interioridade e exterioridade dos bólides e em seguida pensamos a forma e a oposição
entre o “dentro” e a cultura.
4.1 Antes de tudo, do ritmo à duração
No desenrolar da obra de Oiticica percebemos certa tensão na forma, que revela
ora a angústia do tempo inapreensível ora o embate da esfera participativa, trazendo à
tona as tensões internas da obra em relação à questão da participação do espectador.
Essa tensão latente existe desde obras como os metaesquemas (1957-58), e se torna
mais evidente à medida que a participação tátil vai sendo proposta. Os metaesquemas
são tentativas de Oiticica de saltar do plano para o espaço e revelam a posição
ambígua do espaço pictórico. A estrutura gráfica delineada pelo artista vai se
desdobrando no espaço virtual, pela exploração das propriedades físicas da cor e da
ativação da planaridade da superfície. As formas são construídas no espaço
arquitetural, desenvolvido em trabalhos posteriores. Há uma luta interna nos
metaesquemas, como se a cor estivesse inconformada com os limites internos da
68
forma, tanto em relação aos limites virtuais (das formas geométricas) quanto aos limites
reais (do espaço interno).
O uso das formas abstratas geométricas – quadrados, losangos, retângulos –
imprime a forma no espaço circundante, revelando a influência dos mestres do
construtivismo. Oiticica valoriza a dinâmica da cor, que não parece mais passível de
contenção, mesmo dentro das formas geométricas. A mesma coisa ocorre em relação
ao tempo, aprisionado e tensionado dentro dessas formas, de modo que essas
parecem até mesmo executar movimentos dentro da estrutura estática. O artista nos
revela a noção do tempo que não quer ceder, mas fica apreendido, aprisionado,
marcando um ritmo interno e repetitivo aos metaesquemas. Conduru (2008) interpreta
“uma temporalidade cíclica, um vai e vem infinito” no metaesquema pertencente ao
acervo da Pinacoteca de São Paulo, percebendo o movimento constante resultante da
ordenação matemática assimétrica da forma, da cor e do espaço. A narrativa e a
temporalidade homogêneas alcançadas com isso tornam o metaesquema em questão
um bom exemplo do Concretismo. O mesmo autor aponta que, entretanto, não existe
obrigatoriedade em enxergar o metaesquema a partir das suas partes ou do todo,
havendo a possibilidade de
vê-lo como articulação imediata, co-planar, de formas geométricas em branco, preto e
cinza, sem fundo ou figuras, sem antes ou depois. Porque a mudança no modo de
intercalar formas e espaços não constitui propriamente um erro. Ao contrário, indica uma
manipulação liberta da objetividade do Concretismo. (CONDURU 2008: 688).
Desta forma, a afirmação do próprio Hélio Oiticica de que “não há razão para que
minha produção pré-1959 seja levada a sério” (OITICICA 1972 apud CONDURU 2008:
687) ganha novo significado. Ao tentar renegar sua produção de metaesquemas e do
período em que participou do Grupo Frente, o artista acaba chamando mais ainda a
atenção para ela, permitindo leituras que não acompanham uma linearidade de
“evolução” de determinados elementos ao longo do conjunto da obra. Pelo contrário,
queremos ver os objetos como biografias do artista, capazes de revelar aspectos que
apenas serão melhor percebidos em obras posteriores e que garantem sua existência
fora de alguma linearidade temporal. Voltando ao metaesquema analisado, a
materialidade pungente aponta as rupturas com a linearidade cíclica temporal do
69
Concretismo. “A cor e a matéria encorpadas, anti-teóricas [...] também indicam a
pretensão de romper com a virtualidade artística e promover uma ação mais direta e
incisiva com os meios plásticos, com a arte no real.” (CONDURU 2008: 688). Portanto,
está nos metaesquemas a indeterminação entre o que é pintura e o que vai além dela,
apontando para a participação, elemento emergente e essencial das proposições. Certo
brilho na superfície desta obra permite ao espectador perceber, mesmo dentro do
tempo cíclico dado pelo desenho, uma temporalidade própria, por ser aquela do
espectador.
A formalização do tempo rítmico de Oiticica continua com suas invenções (1959),
quadros monocromáticos onde o sentido da cor praticamente se liberta da estrutura que
a suporta. Aqui, o recurso ao monocromatismo impede o observador de penetrar no
interior do quadro, por não conseguir distinguir a superfície da profundidade. Com isto a
cor destaca o plano pictórico, mas sem criar a idéia de fundo. De certa maneira, a
temporalidade do quadro deixa de ser diferente do seu exterior por conta disso.
Segundo Favaretto, estamos diante da descoberta da “invenção”: a tomada de
consciência do espaço como elemento ativo e que traz a insinuação do conceito do
tempo. Por isso as invenções são compreendidas como a matriz na investigação da
“estrutura-cor no espaço e no tempo” (FAVARETTO, 2000: 58). A cor começa a se
realizar no espaço exterior ao quadro, e o tempo está contido nesse limiar de
realização. Aqui a cor desempenhou o papel de conduzir o espectador pelo espaço,
especialmente através das pinceladas feitas pelo artista na superfície promovendo a
passagem do espectador através das placas coloridas em questão, marcando a
temporalidade de certa fluidez, no sentido de conduzir o espectador por um caminho
pensado pelo artista. O ritmo da obra é dado mais por ela mesma do que pelo
espectador, mas a fluidez da cor colocada pela materialidade das placas das invenções
(pinceladas em tons muito próximos dando idéia de continuidade espacial) intermedeia
uma entrega comedida do artista ao espectador, para que ele mesmo participe da
construção da temporalidade.
Também os bilaterais e os relevos espaciais (1959-60) desdobram as
70
experiências dos metaesquemas e das invenções. Superam as delimitações gráficas ou
coloristas dos desenhos e as figuras geométricas vêm fundidas numa única peça. Eles
são apresentados suspensos no espaço, eliminando a delimitação de limites e a
exclusão de um avesso do quadro. Além disso, o fato de estarem pendurados no teto os
torna objetos de superfície dupla (daí o nome bilaterais), ao redor dos quais o
espectador pode caminhar, numa atitude de contemplação ativa na apreensão da cor e
do espaço. A cor branca dos bilaterais se propõe como dinamismo espacial. Ao passar
pelas estruturas o observador pode perceber as diferenças de cor nos dois lados delas.
A superfície dupla destas estruturas de dois lados marca uma ruptura no contínuo
espacial, caracterizando, mais uma vez, uma ambigüidade. A bilateralidade é literal e
estabelece duas propostas espaciais distintas para um espaço que não pode ser
homogêneo. A visualidade dividida em dois lados e a conformação do aspecto de
dentro e o de fora acompanha outras obras de Hélio, que na ânsia em causar
sensações agradáveis e desagradáveis em sucessão
9
acaba por trabalhar sempre na
tensão entre a interioridade da obra e o lado de fora. A exterioridade se conforma
também pela experiência íntima ou pessoal do indivíduo, e esta depende de uma gama
de fatores para acontecer, tais como a penetrabilidade do espectador na obra, o modo
como o indivíduo recebe a forma e as sensações que ela instaura.
É a relação entre a luz e o espaço interior e exterior que define o dinamismo
espacial. A madeira pintada em dois tons de branco e disposta de modo a sugerir a
formação de um cubo virtual revela uma temporalidade própria da obra, mas que não
se mostra tão evidente no espaço circundante, talvez devido à escolha da cor branca.
De qualquer maneira, a bilateralidade divide (e duplica) para o espectador também a
impressão do tempo, este ainda contido dentro dos limites da obras, mas percebido no
exterior ao ser convidado a “passar” pelas peças de madeira.
A relação entre a luz e o espaço exterior, potencializada pela escolha das cores
fortes reaparece na saturação dos relevos espaciais – igualmente datados de 1959,
estruturados em madeira e dotados de dobraduras. Suas formas geométricas
9
Ver citação na p. 34
71
agrupadas mais parecem prontas para explodir no espaço, tamanha a quantidade de
tensão acumulada em suas dobras. Percebemos que as peças dobradas de madeira
não estão confortáveis, tal como braços presos em uma camisa-de-força prestes a abrir.
As tonalidades da cor reforçam essa sensação, já que elas variam nas partes mais
“escondidas” dos relevos espaciais, potencializando essa angústia de varar para o
espaço. A temporalidade construída pelos espectadores ao passar pelos relevos,
apesar de variável de acordo com a tonalidade da cor presente na parte por onde se
passa, é marcada pela apreensão interna muito marcada do tempo na forma de
dobradura, revelando potência de rompimento para além dos limites construídos pela
cor, ainda mais evidente do que nos bilaterais.
Entre 1960 e 1966 Oiticica desenvolve os núcleos e penetráveis, nos quais o
espectador é investido de poder de escolha no funcionamento dos elementos espaciais.
A experimentação avança por duas linhas de investigação: a da visão contínua da
estrutura-cor (na exploração das múltiplas possibilidades de direções a serem tomadas
no espaço e da ressonância da cor nele) e a da efetivação da participação. As duas
diretrizes se fundem naquilo que Oiticica chama de “vivência da cor”, que seria a
participação do espectador pela estrutura-cor, capaz de criar ordens de manifestações
ambientais. Com os núcleos, o artista dá a liberdade à cor para que possa pudesse
construir também a duração (o tempo) da obra, alcançando a “dimensão infinita da cor”.
Os penetráveis trazem a proposição sensorial, da percepção propriamente dita, para
uma concepção espacial que até então se embasava mais na contemplação. São as
obras que apontam as condições de estética de movimento e de envolvimento que fica
patente nas experiências dos bólides, dos parangolés e dos ambientes. Aqui o espaço é
aberto e é nele que a obra se dá. Ao invés de encerrar a obra no espaço, o espaço
ambiental penetra nela, a envolve, criando um sentido unitário de integração e
compreensão. Há maior valorização do corpo e dos sentidos do espectador, e a
participação potencializa a cor, que precisa redobrar seu papel da ativação dos sentidos
do espectador.
O mesmo acontece com a temporalidade e a ansiedade da realização da obra de
72
arte diante do tempo. Os problemas plásticos formais ganham novos desenvolvimentos,
deixam de marcar de modo contundente aquela temporalidade cíclica que se colocava
sobre o espectador. Mesmo que permitisse a construção de temporalidades individuais,
por suas brechas e por seu posicionamento no espaço, estas ocorriam muito mais no
reino da percepção do espectador sobre a obra e na construção de uma temporalidade
individual sobreposta ao tempo cíclico interno dela, e não numa construção temporal
efetivamente conjunta. Vemos ainda que a tensão da forma é transferida, em parte,
para o conflito com o espectador, a quem Oiticica passa a chamar de participador. Isto
se dá também através do espaço de Oiticica, quando ele passa a ser ambiental e onde
a concepção de cor também supera os desenvolvimentos modernos, que
materializavam a cor na busca da cor pura. Como já dito, temos agora a “vivência da
cor”, onde a cor se torna um mundo de vivências possíveis, estruturando a experiência
e capaz de temporalizar o espaço plástico. Assim, o tempo, que antes implicava o fim
da representação, torna-se dinâmico ao ativar o plano, pois é lançado ao dinamismo da
cor. Deixa de ser um elemento mortificante, congelado e vira duração – permite ter sua
duração “construída” pela experiência de adentrar no penetrável ou de caminhar pelos
núcleos.
Os núcleos criam ambientes participativos que não são simplesmente suaves ou
convidativos: os amarelos fortes e vivos escolhidos para os núcleos possuem
capacidade de repelir o espectador, proporcionam uma participação, de certa forma,
hesitante. Ao contrário da idéia difundida de que a cor proposta por Oiticica seja capaz
de envolver o espectador
10
, parece que a cor aqui seria também capaz de afastá-lo,
propondo uma participação difícil e pobre. O espectador, desprovido de muitas
possibilidades interativas pode olhar rapidamente e circular ao redor do conjunto
formado pelas placas penduradas. Não há participação explícita colocada por aquelas
formas geométricas de madeira pintadas e unidas, e a presença deles no espaço do
museu é confusa. Não há altura suficiente para passar por baixo, pois geralmente são
10
O que Oiticica deseja , é que a cor-luz gere um espaço por extensão da superfície, com o fito de anular o
quadro e envolver o espectador.” (FAVARETTO 2000: 85). Também “ao lançar a cor para fora do retângulo, Oiticica
envolve o espectador numa nova experiência com a obra de arte” (BRAGA 2007: 53).
73
expostos com a distancia de um metro e meio do chão. Assim, se é impossível vê-los
como móbiles, também é complicado vê-los como objetos para tocar, dito que as placas
de aglomerado pintadas imprimem rigidez. O que fazer diante dos núcleos e
penetráveis? Caminhar e olhar? A dúvida faz com que imaginemos o que artista queria
alcançar com a presença do outro e mais, o que ele esperava que fosse feito diante das
obras, no momento da participação.
A relação entre a obra e o participador é problemática na sua essência e Oiticica
reforça este atrito. Em mais uma carta a Lygia Clark, desta vez datada de 1968, ele
revela suas incertezas sobre a questão da participação como um “defloramento” do
espectador sobre a obra apresentada pelo artista.
Por isso há a tal vivência, insuportável, de defloramento, de posse, como se ele,
espectador, dissesse: ‘quem é você, que me importa que você tenha criado isso ou não,
pois estou aqui para modificar tudo, esta merda insuportável que me dá vivências chatas,
ou boas, libidinosas [...] e o que interessa só eu posso vivenciar e você nunca poderá
avaliar o que sinto e penso, a tesão que me devora’. E sai o artista estraçalhado da
coisa. Mas é bom. Não se reduz a um masoquismo, como se poderia pensar, mas é a
verdadeira natureza do negócio. (FIGUEIREDO, 1996: 70).
Haveria, portanto, uma certa frustação da parte de Hélio, ao acreditar que sendo
incapaz de participar do momento que realmente importa para o espectador, o da
participação em si, o artista sairia “estraçalhado”, como se a obra fosse dele e não do
participador. A tensão reside no fato do artista encarar essa angústia de doar-se através
das obras como “a verdadeira natureza do negócio”. Na mesma carta, algumas páginas
adiante, o artista fala em “não-aceitação passiva” que seria aceitar e resistir ao mesmo
tempo a intromissão do espectador. Ao assimilar a sua própria dificuldade de aceitação,
Oiticica incorpora isso à natureza formal das obras, tando pela insistência na esfera
participativa (e na certeza de que somente ela poderia realizar efetivamente o ato
estético) quanto na criação de uma participação comedida, que não permite ao
espectador entrar completamente na obra. Para isto, o aspecto de uma interioridade
labiríntica e fortemente marcada é fundamental.
Não só os bólides apresentam esta interioridade emaranhada. Ocorre também
com os núcleos, e em especial o Grande núcleo (1960-66), que é apresentado sem
maior proximidade física do espectador, separado por uma superfície de pedras de
brita. O aspecto interior das placas é delimitado e marca uma interioridade que, apesar
74
de ser aerada e fluida, possui extremidades visíveis. Apesar da conformação espacial
seja mais aberta deste núcleo, há a clara percepção do dentro e do fora.
4.2 Temporalidade plástica dos bólides: tempos de instantes adversos e o
rebaixamento do espectador
A criação do tempo-duração se coloca de maneira contundente com os bólides.
Para Oiticica (1960) a noção de tempo como elemento capaz de dar dimensão à
criação não-representativa teria sido inaugurada por Mondrian. Uma inevitável olhada
na produção tardia do pintor holandês acaba sendo necessária para a compreensão da
leitura que Hélio faz dele. O tempo de Broadway Boogie Woogie (1942-43) é o da
fluidez rítmica, de instantes capturados de um circuito. A superposição de pequenos
planos coloridos aleatórios só reforça a idéia de algo que passa de maneira vital, sem
obedecer a uma ordem mecânica. O tempo em Mondrian, aliás, jamais é mecânico.
Mesmo nas suas composições de equilíbrio assimétrico, alcançado com o uso das
“linhas” pretas verticais e horizontais, a temporalidade construída pela forma plástica
não é sequer circular, quanto mais viciada dentro de alguma linearidade cíclica capaz
de encerrar o espectador nela mesma. Ao contrário, é aberta, e o ritmo é variável. Essa
variabilidade é que parece ter sido potencializada em seus últimos quadros,
principalmente pela sensação do todo disposto na não-organização aparente do all-
over. É o tempo-duração, do fazer-se do artista, que se basta por si mesmo. Assim,
explorando o binômio articulador das obras (espaço x tempo), Mondrian seria capaz de
ultrapassar as condições da materialidade, inaugurando plasticamente determinado
conceito de temporalidade (Oiticica 1960). A vontade dos neoconcretos de descontinuar
o processo de apreensão do tempo pautado pela leitura existencial que o espectador
faz da obra (BRITO 2002: 80) pode ter ido de encontro à percepção dessa
temporalidade rítmica de Mondrian, influenciando a construção de tempos de instantes,
envolvendo a experiência do participador, nos bólides de Oiticica. A incorporação da
75
leitura que o observador faz da obra não é exclusividade dos bólides, e sim um claro
resultado da influência da fenomenologia no processo artístico brasileiro. A valorização
da dimensão do sensível e do embate com a obra foram adotados pelos neoconcretos
desde o princípio: “[...] tanto Ferreira Gullar quanto Mário Pedrosa permeiam seus
principais escritos da época com traços do pensamento de Merleau-Ponty e dos
psicólogos da Gestalt” (BASBAUM 2008: 29). Oiticica se manteve fiel à leitura dos
escritos deste filósofo
11
mesmo após a dissolução do grupo, de maneira a alimentar
suas reflexões acerca da vivência, da participação e da experiência nas suas
construções. “[...] aprendi com Merleau-Ponty a ‘não ter medo da metafísica’, já que a
própria filosofia existencial a invoca, e a fenomenologia idem, de um modo vivo e novo”
(OITICICA 1979).
As publicações da Teoria do não-objeto (1959) e do Manifesto Neoconcreto
(1959) são marcos no que diz respeito à penetração das idéias fenomenológicas no
universo artístico brasileiro. O tom engajado do discurso destes documentos procurava
defender a autonomia da obra a partir de “[...] uma autonomia aberta, onde o jogo
formal da obra só se completa na medida em que estabelece relações com o entorno”
(BASBAUM 2008: 30). Essa noção de autonomia aberta, além de ser compatível com a
da forma como não cristalizada se fundamenta estruturalmente nos bólides pela
construção de temporalidade e espacialidade através da manipulação do participador.
Nessa construção conjunta da experiência entre o sujeito e o objeto, a obra deixa de
desempenhar o papel de mediação e se torna o outro, aquele que pratica a
participação. Ao eliminar a mediação, a instância representativa da obra perde seu
efeito.
O tempo dos bólides, apesar de parecer próprio aos objetos (no sentido de que
são pequenas arquiteturas que às vezes até formam universos herméticos, como por
exemplo, os bólides caixa, com a contingência da forma), é também construído pelo
participador. Graças à manipulação, a temporalidade é uma construção conjunta da
duração de tempo escolhida pelo participador e do tempo permitido pela forma. A
11
Ao longo da pesquisa em documentos e manuscritos do artista encontramos diversas referências ao escritos de
Merleau-Ponty, inclusive notas reflexivas feitas a partir da leitura de Estrutura do Comportamento.
76
maneira da forma “permitir” essa experiência temporal passa necessariamente pela
questão da adversidade colocada por ela para o espectador, o que nos leva,
novamente, à materialidade escolhida e ao modo como ela é organizada. A escolha dos
materiais e o tratamento dado a eles criam uma temporalidade plástica – ou seja, a
materialidade revela plasticamente a transitoriedade do tempo – pela qual expressa a
aceitação da passagem do tempo (papel desempenhado pela cor, especialmente nas
obras em que havia a exploração intensiva da mesma, como as invenções).
Observando a estrutura binária de texto e obra de Oiticica, Ramos (2001)
identifica nas palavras do artista a noção de que o tempo linear e incapaz de repetir-se
efetivamente acaba por fazer com que os textos se voltem à própria obra, ficando
condenados à exaustão por conta disso. É como se a percepção da impossibilidade de
apreensão do tempo fizesse com que Oiticica procurasse criar plasticamente um
continuum temporal.
O trabalho parece condenado a aceitar [o tempo que passa] – daí o tom aflito de seus
textos, que ao mesmo tempo anunciam e encarnam a coerência do projeto, carregando,
como uma espécie de fatalidade, a consciência de que a obra está se cumprindo [...]
Todo o esforço de Hélio Oiticica será manter a continuidade essencial ao seu sistema.
(RAMOS 2001: 5).
Enquanto que para Ramos, a aflição de Hélio de conter o tempo acaba por
produzir artificialmente em seus textos uma linearidade, Braga (2007) identifica uma
circularidade que nunca se repete, sempre se re-inventa no pensamento de Oiticica. A
simultaneidade de acontecimentos leva a autora à percepção do ritmo de Oiticica e ao
afrouxamento da linearidade cronológica para ler sua obra: “O tempo, em Hélio Oiticica,
é estético, corre em simultaneidades de atos, movimentos e obras que combinam o que
já existe em uma coisa nova, que por sua vez é um novo instante de tempo e assim
garante a 'contiguação'
12
da vida” (BRAGA 2007: 12). Identificando nos escritos de
Oiticica enxertos de Nietzsche, a autora vê a circularidade de simultâneos como a
apropriação feita pelo brasileiro do “eterno retorno”, o que
[...] constrói uma temporalidade onde o passado não remete a um passado histórico, do
tempo cronológico. O passado é uma fonte do vir-a-ser, uma meia-noite quando os
12
“CONTIGUAÇÃO [...] inventar: processo in progress q não se resume na edificação da obra mas no lançamento
de mundos q se simultaneiam. Simultaneidade em vez de mediação.” (OITICICA, H. 23/10/1973 in: ntbk 2/73
apud BRAGA, 2007:12)
77
dados foram jogados para caírem na terra num grande meio-dia [...] Com isso, apaga-se
qualquer possibilidade de evolução no sentido banal de anterior-posterior (BRAGA 2007:
35).
A descontinuidade temporal perseguida por Hélio Oiticica faz com que os bólides
sejam vistos como unidades, nos quais a manipulação das partes ocorre para a
construção de um todo, transcendendo a sucessão e a justaposição, formando circuitos
de contínuos. Os bólides acabam por lidar com a tensão entre um tempo próprio de sua
forma contingente (que re-elege seu passado a todo momento) e um tempo de
instantes (fundado na participação). A cor recebe nos bólides a companhia dos objetos
seqüestrados do cotidiano, que além de fazerem coincidir o objeto com o mundo
exterior e problematizar questões da pintura, podem exercer a capacidade de
transmissão do tempo.
É curioso como os elementos utilizados nos Bólides pertencem basicamente a duas
famílias: a de materiais de construção (caixas d'água, tijolos, caixas de misturar
cimentos, telhas) e a de coisas íntimas já usadas ou desgastadas pelo tempo (vidros de
perfume, lanternas mágicas, bolas de criança). Num caso, objetos que formarão algo; no
outro, objetos que já terminaram seu ciclo; num caso, objetos que serão, no outro,
objetos que foram – jamais objetos que são. Isto facilita a transitividade, agredindo
menos a continuidade da obra à qual buscam se fundir. (RAMOS 2001: 5).
Para acompanhar e construir junto ao tempo contínuo do mundo, Oiticica procura
dar fluidez à forma, permitindo que o olhar deslize pela superfície, em transições
facilitadas por tons e matizes intermediários, nutrindo um amor pelo provisório,
valorizando o aspecto passageiro nas obras. A passagem facilitada entre um tom e
outro imprime certa passividade no espectador, até mesmo uma “monotonia nesta
passagem das imperfeições do material ou da característica intermediária da cor à sua
duração”, segundo Nuno Ramos (2001). O uso de tons e matizes ao invés de cores
puras permite a fluidez, uma vez que a cor pura revela tensão. Há, com essa opção, a
exclusão da natureza mais profunda da cor, a de colocar-se enquanto relação. A
intenção seria criar nuances que dão continuidade às formas e às experiências. Embora
concordemos com a tentativa da fluidez temporal através de questões plásticas, nos
parece mais apropriado ver que, tanto nas questões materiais quanto naquelas que
dizem respeito à cor, a combinação de tais escolhas resulta em um sentimento oposto à
“monotonia”. Trata-se verdadeiramente de uma impressão bastante forte da obra no
espectador, muito mais impactante do que monótona.
78
A contingência das formas escolhidas para os bólides e a demanda pela
existência de um manipulador para utilizar os objetos possibilita instantes de
participação, que criam o tempo-duração. O impacto visual causado pela cor e pela
materialidade dos bólides, bem como o clima de mistério em torno dos objetos (o que
se espera do participador em relação a uma caixa fechada como o B10 Bólide caixa 8
ou como se deve proceder para a manipulação quando se está diante de um objeto que
mais parece um totem contemplativo como o B27 Bólide vidro 13) servem para
introduzir no processo geral pequenas rupturas que impedem a continuidade temporal
direta. A fragmentação da experiência em instantes construídos na participação
encontra reforço nesse impacto. São instantes que não se somam, mas são, também,
tempos totais, suficientes neles mesmos. Cada bólide guarda uma gama de
possibilidades infinitas, que ocorrem sempre atreladas à matéria de cada um. Por mais
que os objetos fossem expostos próximos uns aos outros ou em conjunto com outras
obras de Hélio Oiticica
13
, cada experiência é única não somente porque cada
participador interpreta e manipula de maneira única cada objeto, mas também porque
cada um desses objetos é pensado na sua especificidade para criar esses instantes
participativos.
4.3 Conformação espacial: interioridade x exterioridade da obra
A definição do substantivo “bólide” revela por ela mesma algumas associações
feitas por Oiticica acerca do espaço. Como já apontado, bólide (ou bólido) por definição
é uma espécie de meteoro ígneo que cruza o espaço, um corpo cadente e flamejante.
Oiticica parece ter batizado a série de objetos com esse nome para exaltar dois
aspectos. A luminosidade dos objetos decorrente da cor que os preenche é o primeiro
deles, sendo a relação dos objetos com o espaço o segundo. Tal como os aerólitos
13
Em exposição na galeria Whitechapel em Londres, em 1969, vários bólides foram dispostos dentro da instalação
de outra obra de Oiticica, o Éden, que também explora a experiência sensorial através de materiais como areia,
água, folhas, espuma, papéis, etc.
79
cadentes, os bólides são corpos no espaço, independentes de relações estabelecidas
com o chão onde são colocados ou mesmo o espaço do museu que habitam. São
objetos pensados para a interação, nos quais o processo de manipulação é que dá o
tom da sua existência, mas são, ao mesmo tempo, capazes de existir fechados em si
mesmos.
Passados mais de trinta anos desde a sua concepção, a obra de Oiticica
permanece potente em relação ao espaço do museu com o qual trava embate
constante. Embora haja a possibilidade de vê-la atualmente como dissociada da
adversidade para qual fora supostamente pensada (RAMOS, 2001), pensamos poder
estender a idéia de adversidade necessária para os objetos de Oiticica ao próprio
espaço do cubo branco, suas regras e imposições. Se há a necessidade de uma
materialidade exterior com os quais os objetos precisam se medir, o espaço institucional
se constitui como matéria e forma contrárias à obra, especialmente no que concerne às
questões da participação e ação do espectador.
A presença da exterioridade como essencial para a obra atingir seu objetivo é
retomada diversas vezes por Nuno Ramos: “Daí que seja imprescindível restituir a ele
um ponto de vista exterior, que percorre seu labirinto sem mimetizá-lo.” (RAMOS, 2001:
4). A comparação da obra como um labirinto marca seu espaço interior como um
espaço que se reitera, mas indefine, ao mesmo tempo, a fronteira exterior. A
interioridade do labirinto confunde quem adentra nele: cria uma identidade repetitiva e
claustrofóbica, não permite a formação de um espaço interior de definição óbvia, pelo
contrário, seus meandros significativos não permitem uma formação objetiva. O que
estranhamos nessa fala não é a necessidade da presença de certa exterioridade para
que se percorra o labirinto interno da obra de Hélio sem mimetizar no interior da obra a
sua mundanidade. O questionamento aqui é sobre a necessidade de restituição desse
olhar exterior, uma vez que este sempre esteve presente. A percepção que sustentamos
é a de que a obra de Oiticica, e de maneira particular os bólides, impõe sobre o
espectador a sua presença, de modo que essa exterioridade é permanentemente
atualizada, devido à diferença marcada entre sujeito e objeto.
80
A demarcação de limites entre sujeito e objeto coincide com a reiteração da
interioridade da obra, embora ao trazer elementos mundanos para sua composição o
artista acabe criando uma força contrária a isso, quase paradoxal. Ainda segundo
Ramos, Oiticica preenche as “dobras do labirinto com pedaços do mundo”, de modo a
fugir dos aspectos claustrofóbicos dessa interioridade capaz de confundir, que seriam
claramente percebidas pelo espectador, do exterior. Novamente estamos diante da
função operacional da utilização da apropriação. Os objetos cotidianos de Oiticica
fariam com que a arte coincidisse com o mundo (exterioridade) e que a arte estivesse,
potencialmente, em toda a parte do mundo, numa tentativa de coincidir modelo e
realidade, desdobrando o modelo construtivo de Mondrian. A idealidade da forma não
impede que ela seja não-representativa, de maneira a unir estruturalmente arte e vida.
É a vida que se torna modelo, e não o contrário, e a obra duplicaria a vida dentro do
espaço expositivo.
Os objetos cotidianos não seriam modelo do mundo apreendido e sim parte de
uma construção anterior a isso, tal como o projeto construtivo, tão admirado por
Oiticica. Há um aspecto a ser questionado, entretanto. Ramos coloca a utilização dos
objetos cotidianos como uma resolução para a interiorização sufocante e
“claustrofóbica”, representada algumas vezes pelo autor através da metáfora do
labirinto. Outra leitura nos parece possível: a de que a utilização dos objetos do dia-a-
dia vem como resposta a uma necessidade de potencializar um embate interior da obra,
e não amenizá-lo, tal como Ramos sugere. Tal hipótese deriva da percepção de que a
forma dos bólides é pensada a partir do readymade, ou seja, os vidros e madeiras
utilizados parecem estar na gênese da forma do Bólide, e são parte estrutural dela.
Cada parte dos materiais empregados está emaranhada à própria idéia de consolidação
material enquanto objetos artísticos, o que potencializa a interioridade em embate
destas obras, ao invés de amenizá-las. Apesar da importância simbólica dos objetos
mundanos da qual Ramos se refere (e que certamente eles possuem), preferimos
destacar o problema que é colocado pela matéria e suas qualidades físicas, tais como a
transparência e a opacidade. O vidro do B17 Bólide vidro 5 Homenagem a Mondrian
81
estrutura uma mediação visual pela matéria. A solução de pigmento em pó e água
revelada pela garrafa e a tela de nylon da parte de cima do bólide configuram um
aspecto interior da obra que funciona como um filtro mediador do “fora.” Por outro lado,
a cor e a forma podem expulsar o espectador para o mundo, como ocorre em alguns
bólides caixa, como por exemplo, com B13 Bólide caixa 10, onde a madeira pintada em
tons de laranja e a forma hermética do cubo quase fechado parecem repelir o
espectador.
Ainda pensando no interior contundente chegamos à percepção de que a força
da ênfase na interioridade se dá na estruturação de duas vontades antagônicas. Uma é
utilizar objetos do dia-a-dia devido à sua potência de memória visual e cognitiva, por
serem, desde a primeira vista, objetos que não foram pensados na sociedade para
desempenhar funções estéticas ou artísticas. A outra é descaracterizar tais objetos
enquanto cotidianos, depois de elevados à condição de objetos de arte. Assim, os
bólides lutam para tornar impossível a fundação do objeto no seu interior, ou seja,
tentam tornar “irreconhecíveis” para o mundo os objetos que foram dele retirados. Esse
processo se dá no nível da forma no sentido mais amplo do termo, tal como trabalhado
por Yve-Alain Bois (2000). Assim, o informe não aparece como a forma aparente ou o
contorno despedaçado ou destruído: aparece na interioridade da obra, revelando-se o
inverso à forma, por operar dentro desse embate entre revelar o mundo e não permitir
reconhecer-se por ele.
Oiticica retomou a confecção de pequenos objetos no final do ano de 1977 e os
chamou de Topological ready-made landscapes e a partir desta experiência disse ter
feito a verdadeira descoberta da cor a partir da forma do readymade, comparando seus
bólides anteriores ao “fim da representação”. A interioridade marcada dos bólides
produzidos nos anos 1960 não é repetida neste segundo momento, quando os objetos
estão voltados para o exterior. A intenção de Oiticica, com os TRML é alterar a
paisagem, construir ambiências a partir dos objetos, usando a manipulação para isso.
“São vidros onde eu coloco uma cor (...) e por fora desliza uma fita ou faixa de borracha
também de cor, então você muda a paisagem conforme você quer, subindo ou
82
descendo a fita, sem dobrar, alterando a paisagem” (OITICICA 1978). Ou seja, a
interferência dos objetos e da cor no espaço de entorno é importante aqui. Embora
Oiticica tivesse trabalhado transparências nos bólides (Homenagem a Mondrian
novamente é um exemplo), a alteração do espaço pela cor não parecia ser sua principal
preocupação. Em contrapartida, a exterioridade é bastante marcada nessa produção do
final da vida do artista. Ao nomeá-los Topological ready-made landscapes e não bólides,
o artista afirma a principal distinção entre eles. Apesar dos TRML serem objetos cujo
propósito e destino são a manipulação e formalmente também serem apropriações de
objetos cotidianos (um recipiente plástico de xampu infantil, uma garrafa de vidro de
desinfetante, tramas etc.), eles são muito mais voltados para o espaço exterior do que
para si mesmos. A principal diferença material é que nestes objetos “tardios” Hélio
Oiticica sempre colocava um elástico ao redor dos volumes, de modo a permitir que ele
fosse mudado de lugar, mas sempre envolvendo o objeto. Lidando com os TRML
percebemos também que eles são objetos apropriados e menos alterados, menos
trabalhados pelo artista do que aqueles que ele chamou de bólides. Na verdade, estes
são peças construídas a partir de sobras do dia-a-dia
14
. Os TRML são apropriações de
objetos em si, e a relação que o artista explora é mais com o espaço (daí o nome
landscapes, aludindo à construção de paisagens que aqueles objetos e a cor promovem
no espaço) e menos com a questão material no que tange à sua natureza, sua
rusticidade e aspereza. Podemos até arriscar dizer que os TRML não se preocupam
com a impressão de uma participação adversa em primeiro plano.
De volta aos bólides, a forma contingente das caixas e recipientes de vidros dá
aos objetos uma presença que não passa despercebida no espaço. De maneira
austera, os objetos se colocam diante do espectador, como se tivessem personalidade
forte e demarcada. Da mesma forma, a espacialidade interna muito marcada torna
esses objetos um tanto voltados para si mesmos. A especialidade espacial dos bólides
não é a de construir ambiências ou de preencher de luz o ambiente onde são colocados
14
Com exceção de B39 Bólide luz (1966), que é uma luminária infantil apresentada sem intervenções
do artista.
83
(exceto talvez o B39 Bólide Luz, que era uma luminária infantil com uma lâmpada), e
sim a de marcar, pela sua interioridade, sua presença no espaço. A relação dos bólides
com o espaço é, em geral, problemática, pois contida, como que dada por formalidades
colocadas pela presença do objeto. Podemos dizer que não desejam se descortinar
para fora deles mesmos, e por isso não “percorrem” o espaço. Embora sejam objetos
tridimensionais, muitas vezes parecem lidar com a espacialidade da pintura a que
constantemente fazem referência.
Nos bólides caixa as partes possíveis de serem manipuladas geralmente saem
de dentro de uma caixa maior; funcionam sempre como uma portinhola, uma gaveta ou
um alçapão. São articulações, ligadas à caixa de madeira principal do objeto. É
impossível desmembrar um bólide caixa no espaço. Nos bólides vidro, a fluidez é maior
graças às telas de nylon ou de juta. Entretanto, a maleabilidade e a liberdade tanto para
manipular quanto para avançar no espaço é restrita pela forma principal, que serve de
base e se mantém impassível. Um bom exemplo dessa relação contida é o B 18 Bólide
Vidro 6 Metamorfose, 1965, onde a “base estática” é composta por cinco vasos
quadrados de vidro colados entre si formando um retângulo irregular. Os vidros são
cheios de pigmento em pó de tons de amarelo distintos, o que faz com que cada vidro
se assemelhe a um tijolo vitrificado de um tom específico. A solidez da base vítrea do
objeto é equilibrada pela plasticidade aerada da parte superior, onde estão
emaranhados folhas de plástico transparente e amarelo e pedaços de trama de nylon
pintados de maneira irregular com tinta a óleo. Desta forma, quando examinamos a
trama, vemos que algumas partes são cobertas pela tinta e outras não, ora permitindo
ver a trama que há por baixo, ora vendo mais da pintura do que o substrato. Conforme
dito, esse objeto não se abre no espaço, não se descortina para além daquilo que a
base de vidro permite. Embora não se trate de uma composição visualmente pesada,
porque a transparência da base de vidro passa ao espectador uma falsa noção de
leveza e as formas plásticas da parte superior sejam armadas e se sustentem para
cima, a manipulação e mesmo um olhar mais atento atestam que não há muito em que
mexer, não há como desmembrá-lo ou moldá-lo diferentemente.
84
Na tentativa de compreender essa peculiar relação com espaço, podemos fazer
um contraponto dos bólides com os Bichos, da artista Lygia Clark. Confrontar os dois é
de extrema valia pela sua contemporaneidade e pela associação que a crítica
comumente faz de suas obras representativas do desenvolvimento inovador da arte
contemporânea brasileira. De fato, os Bichos são igualmente formas táteis de
experiência e foram desenvolvidos por Clark entre os anos 1960 e 1964. A interpretação
dos objetos e a sua alteração espacial dependem, em parte, do manipulador que é
integrado pela dimensão espacial da obra quando realiza a intervenção. Uma diferença
crucial, porém, é os Bichos são mais do que simples estruturas articuladas (placas de
alumínio em formatos geométricos); são peças pensadas para a articulação, nas quais
a manipulação promove a mudança da forma original exatamente pelo rearranjo feito
com as dobras. Os bólides, a título de comparação pontuada, são estruturas de
manipulação que trazem alguns elementos articulatórios, mas são ancorados numa
forma fixa. Já os Bichos são estruturas que percorrem o espaço pelas mãos de quem
os manipula. São objetos que permitem não apenas a manipulação mais casual e
descompromissada, mas também maior fluidez através da estrutura morfológica,
armada e dobrada das folhas de alumínio.
A observação de outro bólide levanta mais hipóteses no que diz respeito à
espacialidade contida. Em 1967, Oiticica fez quatro bólides saco, sendo o B52 Bólide
saco 4 Adaptável (1966-67) aquele que mais nos chama a atenção. Trata-se de um
plástico transparente costurado na forma de um saco, um retângulo fechado em um dos
lados e aberto em outro. Na barra do lado aberto, há a frase “Teu amor eu guardo aqui”
feita com letras recortadas de tecido vermelho. Um bólide que pode ser vestido e
utilizado sobre o corpo chama a atenção exatamente por ser um bólide, e não um
parangolé, como os desenvolvidos entre 1964 e 1968. Qual característica garante para
essa obra a sua existência enquanto bólide? Aparentemente a diferença entre este e os
parangolés é a forma de contingência e a construção de uma espacialidade orientada
pela forma. A observação de vídeos que trazem Hélio e outras pessoas vestindo os
parangolés e os bólides saco mostra a importância da questão da forma e da
85
espacialidade criada por ela. Heliorama (2004), documentário experimentação de Ivan
Cardoso traz imagens de uma “performance” na qual o artista veste uma calça com as
cores verde e rosa da escola de samba da Mangueira em tecido metalizado, sapatos de
passista prateados e veste, na parte de cima, sobre o peito nu, o Bólide saco Adaptável.
A coletânea de vídeos O espetáculo e a delicadeza, que acompanha o livro Arte
Brasileira Contemporânea – Um Prelúdio, de Paulo Sérgio Duarte, traz por completo
esse registro de movimento, filmado em 1979 e identificado como “Hélio Oiticica filmado
na frente de um supermercado no Leblon”. Podemos observar que a movimentação do
corpo do artista está sempre limitada pelo saco. Ele executa movimentos de um
passista sem grande desenvoltura, para frente e para os lados, respeitando a condição
de verticalidade imposta pelo saco. A visibilidade permitida pela transparência do
material plástico não garante a sua expansão para o espaço ao redor: Hélio está dentro
do objeto, encapsulado por ele. A interioridade enfatizada dos bólides aqui se faz
perceber facilmente, pois a transparência do saco permite a visão do artista dentro dele,
no interior contingente e restritivo.
A mesma coleção de imagens traz a captura dos movimentos de Hélio vestindo o
Parangolé P4 capa 1 formado por pedaços de tecidos de várias cores (azul, verde, mais
de um tom de amarelo e laranja) e diferentes tamanhos, tais como pétalas ou folhas
costuradas de maneira irregular. Por ser um “amarrado” de partes coloridas de tecido
que o artista veste como uma camisa, este parangolé (como os demais) libera os
braços de quem o veste. O movimento, articulado estruturalmente por quem veste,
certamente encontra maior fluidez pela liberdade dada pela forma, dada a organicidade
de sua união com o corpo. É óbvia a maior liberdade de movimentos estimulada pela
forma do parangolé, e essa breve comparação serve mais para enfatizar a natureza
contingente dos bólides e a espacialidade igualmente restrita que ela possibilita do que
para colocar as diferenças entre as duas séries de objetos, dado que escapa ao escopo
da pesquisa.
Para tornar mais complexa a relação entre o dentro e o fora, há ainda que se
apontar para uma característica peculiar de outro bólide, no qual a presença de um
86
espelho pode inverter a relação de oposição entre interior e exterior com que
trabalhamos até aqui. B9 Bólide caixa 7, é, mais uma vez, uma caixa de madeira
pintada em tom forte de amarelo e, como outras analisadas, apresenta uma de suas
partes passível de deslizamento, como uma gaveta. O que o diferencia dos demais é o
já citado espelho retangular, que reflete o entorno em que o Bólide se encontra. O
espelho é capaz de trazer para dentro do objeto o que está do lado de fora,
desconstruindo a noção de oposição, se ela for vista como uma via de mão única. O
exterior se torna interior, mesmo que momentaneamente, ao mesmo tempo em que
aquilo que está de fora continua presente do lado de fora também.
B9 Bólide caixa 7(1964) refletindo a perna de um morador do morro da Mangueira.
Fonte: RAMIREZ, 2007:60.
4.4 O dentro e o fora: as formas de caixas e potes e o atrito entre interioridade
e cultura
A oposição entre interior e exterior abordada no subcapítulo anterior se manifesta
não apenas na tensão entre fechamento e abertura, mas também entre interioridade e
cultura, originando uma espacialidade complexa, na qual a adversidade e a
contraposição se afirmam como forma. A cultura material cotidiana mais uma vez entra
na nossa análise por ser um dos componentes dos atritos entre as obras de Hélio e a
cultura.
Na sua vivência no Morro da Mangueira, Oiticica costumava levar para o
ambiente da favela alguns de seus bólides e parangolés, objetos que tinham como
87
admitida referência inicial algum momento vivido ou observado pelo artista de situação
de precariedade. Em 1964, no trajeto de ônibus para seu trabalho no Museu Nacional
da Quinta da Boa Vista, Oiticica teria visto na Praça da Bandeira a construção de um
mendigo, feita de tábuas de madeira, cordas e arame farpado, com frase “aqui é...
parangolé” pintada. No ano seguinte, sua amiga Desdemone Bardin fez fotos com ele
que são consideradas pelo Projeto Hélio Oiticica como “a gênese dos parangolés”
(RAMIREZ, 2007: 37). As fotografias trazem objetos despejados em locais de relativo
abandono. A primeira mostra Hélio e Jackson Ribeiro, em um terreno ao lado da linha
do trem, observando uma faixa de tecido com dizeres pendurada por um único ponto,
formando uma pequena cobertura, como uma pequena barraca ou tenda. A segunda
mostra uma pilha de latas, formando um retângulo irregular, tendo sido clicada nos
arredores da Mangueira. A terceira também dispõe poucas latas, uma garrafa de bebida
e um saco plástico preto ao pé de uma árvore franzina, onde há alguns pedaços de
panos ou plástico, tirada no estacionamento do MAM do Rio. As fotografias, capturas de
momentos visivelmente organizados pelo artista a partir do lixo e usando objetos
largados nos locais, permanecem como documentos visuais dessa noção de que os
bólides e os parangolés
15
seriam abstrações da própria condição de precariedade (e,
por conseqüência, de adversidade) encontrada nas ruas. Além disso, como as
fotografias foram feitas em espaços marginais (terrenos vazios cheios de lixo e entulho
ao lado da linha do trem e próximos à favela, ou mesmo um estacionamento), tornam
irresistível a idéia de que os bólides tomaram forma a partir dessa condição urbana
marginal, do lixo e do abandono dos locais inabitados e entrópicos. Os espaços
produzidos pela urbanidade como excessos que constituem vazios seriam abjetos da
metrópole, sobras do uso “oficial” da cidade. Seriam estes espaços os “berços” ideais
para os objetos de Hélio, que aproveitaria também a noção daqueles espaços como
informes na estruturação das obras.
A cultura como agente provocador de adversidade para a obra também é
15
Embora a fonte de onde retiramos as fotos (o livro Hélio Oiticica: the body of color, Londres, Tate Publishing:
2007) as utilize como ilustração da “gênese dos Parangolés”, pensamos que elas também ilustram algo da noção
inicial dos bólides, especialmente a fotografia das latas empilhadas.
88
entendida no contexto social em que a trajetória de Hélio Oiticica e suas obras se
inscreveram. Oiticica sempre pretendeu um sentido político para seus trabalhos,
embora jamais o fizesse através de frases de efeito e imagens de óbvia conotação
política como por exemplo, as Urnas quentes (1968) de Antonio Manuel. Defensor da
necessidade de “[...] colocar no sentido social bem claro a posição do criador, que não
só denuncia uma sociedade alienada de si mesma mas propõe, por uma posição
permanentemente crítica, as desmitificação dos mitos da classe dominante [...]”
(FIGUEIREDO, 1996: 74), Hélio compreendia que o papel do artista seria também
sócio-político. Sendo tão individualmente envolto nas questões acerca da arte da
natureza do objeto e da pureza pelas cores, nada mais pertinente do que pretender se
colocar criticamente através das formas abstratas e menos explícitas, numa tomada de
posicionamento subterrâneo. Diante do sentido de uma cultura exterior que seria por
ela mesma, adversa, um dos mecanismos dos quais Oiticica se utiliza é o de devolver o
espectador para o mundo. A forma de caixa ora impenetrável ora disponível e das cores
capazes de repelir mantêm o outro no exterior adverso.
B09 Bólide Caixa 7 (1964) é um exemplo contundente dessa dualidade entre a
interioridade e a cultura. A precariedade proposital da sua construção faz com que o
reflexo daquele que olha para seu interior transponha o observador para dentro da
situação adversa. Ao mesmo tempo, torna o bólide parte integrante do seu fora. Enfim,
borra as fronteiras entre o interior e o exterior da caixa, afirmando, de maneira dupla, a
adversidade do precário. Esse mesmo mecanismo aparece em uma obra da artista
Lygia Pape, a Caixa de Baratas (1967), uma caixa retangular de acrílico com 28 baratas
ordenadamente dispostas sobre um fundo espelhado. Utilizando também o recurso de
fazer de quem se aproxima do objeto parte integrante dele através da sua imagem
refletida, a artista também cria uma situação adversa para o espectador ao espelhá-lo
junto às baratas de seu interior. Esses insetos são considerados por unanimidade os
restos da civilização, e podemos até dizer que são explicitamente abjetuais. De maneira
diversa do bólide citado, a condição adversa criada por essa caixa de baratas envolve a
repulsa do espectador. Entretanto, nos dois exemplos, o jogo de imagens operado pelo
89
espelho traz o sujeito e o espaço exterior para dentro da situação de adversidade
construída e utiliza essa própria captação do que está fora para construir a situação de
adversidade. Além disso, devolve ao mundo aquilo que é adverso e que retirou dele,
criando um duplo movimento de troca, confundindo as fronteiras entre o dentro e o fora.
PAPE, Lygia. Caixa de Baratas. Acrílico, baratas e espelho. 35 x 27,5 x 7,5 cm. Fonte: Itaú Cultural
Uma hipótese para entender o espaço contingente dos bólides seria a de que
estes objetos e outros realizados por Hélio Oiticica se referem antes de tudo à pintura.
MARTINEZ (2004) pensa elementos da pintura na composição da obra Tropicália
(1968). Segundo o autor, a matéria disposta no chão da instalação delimita um campo
tal como uma tela que, articulada com as superfícies verticais dos penetráveis
Imagético e A Pureza é um Mito, “sugere a planaridade própria do campo pictórico,
aludindo a uma das grandes telas de Jackson Pollock, que eram pintadas sobre o chão”
(MARTINEZ: 2004, 319). A forma de A Pureza é um Mito – um pequeno quadrado
formado por superfícies de madeira retangulares com dois metros de altura e pintadas
nas cores azul, vermelho, amarelo e branco – é aberta na parte superior, enfatizando a
planaridade das superfícies pela abertura e as relações estruturais que ocorrem dentro
dos limites das quatro margens da tela. As mesmas estruturas ortogonais dos
penetráveis estão presentes nos bólides caixa, e são referências diretas a Mondrian,
declaradamente o artista mais influente para Hélio Oiticica. As caixas e paredes
estabelecem uma ordem abstrata com o espaço, e embora não “exclusivamente uma
90
ordem plástica formal, mas também de ordem cultural e social” (MARTINEZ 2004: 321),
a ordem espacial dada pela forma aparece de maneira bastante marcada. Pensando na
especificidade dos bólides vidro, embora em alguns casos a forma não seja retangular,
há uma relação de perpendicularidade entre os recipientes de vidro, onde o pigmento
em pó fica em depósito ou em suspensão, e os pedaços de tela, plásticos e tecidos
endurecidos que são projetados para cima dos vidros (nos referimos especialmente a
B15 Bólide vidro 4 Terra, B 17 Bólide vidro 5 Homenagem a Mondrian e B18 Bólide
vidro 6 Metamorfose). Ademais, a transparência dos vidros permite a visualização do
pigmento, o que parece aludir mesmo à questão da cor e do substrato da tela da
pintura, bem como a sua penetração no espaço, como irradiação possível, mas um
tanto quanto limitada.
De modo geral, as referências a Mondrian para Oiticica aparecem através da
tensão de elementos, como se o brasileiro desse às cores e formas básicas de
Mondrian um outro sentido. O básico e essencial para o holandês são a geometria e as
cores puras existentes apenas no mundo da arte, enquanto que Hélio pensa naquilo
que é básico na vida, na cultura – destituindo essa noção de qualquer conotação de
pureza e, por sua vez, pensando sobre o procedimento básico da cultura brasileira – a
exclusão, o abjeto, o adverso. Os marginais, os objetos descartados, os materiais
usados nas construções, seriam, portanto, os elementos constitutivos da realidade mais
essencial. A própria citação de Mondrian no nome do bólide Homenagem a Mondrian
seria uma maneira de articular a tensão entre os mundos da arte e da exterioridade,
profundamente rejeitada por Mondrian. Oiticica, ao contrário, parece ter vivido dessa
tensão.
A verdade é que mais do que criar tensão, a ordem plástica formal dos bólides se
confunde com a realidade do mundo do qual retirou os elementos para compor sua
identidade de abstração. Ao posicionar um bólide no espaço aberto real “[...] o mundo
das estruturas abstratas de Mondrian parece se render ao peso das ações terrestres,
passando [...] a tocar a terra [...]” (MARTINEZ: 2004: 321). O sentido de abstração se
confunde com a rusticidade da matéria usada na sua construção, na mescla de terra e
91
pigmento, aproximando a terra, o orgânico e o natural ao sintético da cor pura da
pintura abstrata.
B17 Bólide vidro 5 Homenagem a Mondrian (1965) e B18 Bólide vidro 6 Metamorfose (1965)
colocados no jardim da casa do artista. Fonte: PHO
92
CONCLUSÃO
Procuramos compreender a forma de Hélio Oiticica pelo informe (Yve- Alain Bois,
2000) entendendo o abjeto (Krauss, 2000) como o adverso. Hélio Oiticica utiliza a
adversidade para estruturar a tensão das suas obras, potencializando as ambigüidades
internas delas. Escolhemos por analisar a produção de objetos que o artista brasileiro
chamou de bólides (1963-67), onde a idéia de construção de ambigüidades que jamais
se resolvem é bastante evidente. A herança construtiva recebida por Oiticica não foi
assimilada numa leitura conclusiva da obra, nem para o espectador, nem para a forma,
que se mostra aberta. A questão formal acompanha o leitmotiv de não-resolução das
obras e dá cor, corpo ou volume a ele. Não se trata só de aparência visível inacabada,
como se os bólides fossem pequenos canteiros de obras dotados de cor. Trata-se
mesmo da não-conclusão como operação do informe, sem nunca resolver a tensão
inerente da obra.
A arquitetura do adverso para estruturar a não-conclusão reforça o sentido de
modernidade presente nos bólides de Oiticica, na medida em que constrói uma forma
aberta, oposta à perfeição. A idéia de criar adversidade é articulada pela morfologia
pensada pelo artista. Assim, todos os elementos materiais utilizados são pensados para
marcar as questões ambíguas de “atração” e “repulsão” do participador: as cores e
materiais empregados, as rugosidades da matéria, a maneira como os materiais são
articulados (entre si e com as cores), a própria altura e o posicionamento dos objetos no
espaço. Ao criar momentos ora agradáveis, ora desagradáveis, o artista acaba por
construir um situação de alternância de sensações que permite ao manipulador erigir
instantes temporais próprios. A valorização da experiência sensível do espectador junto
aos objetos é influência direta das leituras fenomenológicas feitas por Oiticica e outros
artistas de seu tempo e resulta também numa questão de ativação do espaço da obra.
Paradoxalmente, Oiticica acaba por marcar a dualidade entre o dentro e o fora, uma
constante observada na sua obra como um todo, não apenas nos bólides.
Nos bólides a interioridade se mostra marcada, labiríntica, de maneira a permiti-
93
los fundar sua própria história e funcionar de maneira mais ou menos autônoma no
espaço. Embora necessitem da presença do outro para existir, eles se afirmam sem ele
e, em alguns momentos, sobre ele. Ao convidar o espectador a interagir com objetos de
natureza desperdiçada, Oiticica está convidando ao que chamamos de “participação
adversa”. Não lidamos com formas necessariamente prazerosas de tocar. A forma pode
ser aparente como o universo hermético criado pelos bólides caixa mas pode guardar
segredos no seu interior opaco. É preciso abrir gavetas e pequenos alçapões sem
saber o que nos aguarda depois. é necessário que se queira descobrir. A participação
que Hélio propõe requer disponibilidade e vontade.
Mesmo os bólides vidro e suas formas transparentes, supostamente mais
abertas à experimentação por serem translúcidas, guardam mais do que o primeiro
olhar é capaz de desvendar. A participação não ocorre passivamente e exige do outro
alguma pré-disposição em sujar as mãos de pigmento em pó e mexer e rearrumar
pedaços de telas de nylon ou plástico. A aparência é de que eles dependem de
equilíbrio meticuloso para existirem, e a manipulação às vezes pode ser sentida como
uma ameaça a este estado de harmonia. Diante desse receio de “desarrumar” a ordem,
recuamos, e somos rebaixados à condição de espectadores inibidos de manipular.
A captura de objetos e materiais cotidianos para compor os bólides exalta as
qualidades de rudeza e encrudescimento, rebaixando os conceitos plásticos à condição
matérica. Ao realizar essa operação, Oiticica acredita ser capaz de capturar a
adversidade do mundo exterior e transportá-la para a obra. Esta passa a funcionar
como instância mediadora entre o sujeito e o mundo e, portanto, causadora das
mesmas condições de realização da vida nele.
Por conta das rugosidades colocadas, o prazer da experiência com os bólides
não parece vir da sensibilidade tátil, e sim do vencimento da adversidade colocada por
eles para o sujeito. Ao dificultar a participação, Oiticica aproxima as esferas da vida e da
arte. Com a articulação do abjeto, induz no participador a condição a partir da qual
vivemos no dia-a-dia, organizando estruturalmente a sua idéia de que “da adversidade
vivemos” (OITICICA, 1986: 98).
94
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