14
bólides à vontade de “consumir as coisas em cor”:
[...] nessas coisas que eu chamo de invenção da cor eu procuro usar a cor mais
racionalmente. Na realidade, elas sempre foram luminosas para consumir, era uma
tentativa da estrutura na qual ela era pintada, quer dizer, a parte física do objeto, ele
fosse consumido pela cor, por isso mesmo eu usei a palavra Bólide para os Bólides, que
eu tive essa idéia quando eu vi um filme do Humberto Mauro, Ganga Bruta, em que as
pessoas usam roupas brancas e a roupa branca refletia a luz, então ele iluminava as
pessoas vestindo de branco, porque havia deficiência de luz, ou sei lá o que, então as
pessoas rolavam, assim, por um gramado, vestidos de branco e pareciam Bólides... Aí
eu pensei assim, pareciam Bólides... ah, na realidade o que eu estou fazendo são
Bólides, eu quero transformar as coisas que eu estou fazendo, consumir elas de luz
através da cor. (OITICICA 1979 apud BRAGA 2007: 47)
A escolha dos bólides se deu também a partir da percepção de aspectos duais
presentes na morfologia desses objetos. Por um lado há o convite à experiência tátil: a
forma de caixas a serem desvendadas, com gavetas para serem abertas e recipientes
repletos de pigmentos para serem manipulados, é capaz de despertar a curiosidade e
chamar à participação. Por outro, os materiais e cores utilizados por Oiticica – a
madeira áspera e bruta, as cores saturadas e exteriores, a própria fatura da pintura das
ripas de madeira, que não procura amenizar as imperfeições da superfície e, ao
contrário, as evidencia – parecem repelir o espectador. A participação aqui nos convida
a percorrer a distância (aparente) entre dois pólos característicos dos bólides: da
evidenciada experiência tátil à aspereza da cor. É como se Oiticica nos propusesse
uma participação adversa, através da escolha de materiais adversos, cores ásperas,
manipulações arriscadas.
Os bólides ocupam papel de destaque dentro do conjunto da produção do artista,
e tendem a ser vistos como divisores de águas que marcam a passagem de uma “fase
visual” para outra “sensorial”.
A experimentação de Hélio Oiticica desenvolve-se continuamente da pintura à arte
ambiental, contrapondo um ‘programa in progress’. É possível, entretanto, nela identificar
duas fases, a visual e a sensorial, para que sejam melhor acentuadas as transformações
que produz. A fase visual estende-se da iniciação de Oiticica na arte concreta [1954] aos
Bólides [1963]; a sensorial, destes às últimas experiências em 1980, quando Oiticica
morre. (FAVARETTO 1992: 49).
A sugestão de que os Bólides seriam obras preliminares para as obras
ambientais parece ter embasamento em afirmações do próprio artista, tais como a do
texto de 1977, feito a pedido de Daisy Peccinini para a mostra O Objeto na Arte