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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
ANDREA LEMES SINOHARA COCCARO
A GRAMÁTICA NORMATIVA NA FORMAÇÃO INTELECTUAL DO
CIDADÃO BRASILEIRO.
O ensino da Língua Portuguesa à altura dos desafios contemporâneos
MESTRADO EM LÍNGUA PORTUGUESA
SÃO PAULO
2010
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
ANDREA LEMES SINOHARA COCCARO
A GRAMÁTICA NORMATIVA NA FORMAÇÃO
INTELECTUAL DO CIDADÃO BRASILEIRO.
O ensino da Língua Portuguesa à altura dos desafios contemporâneos
Dissertação apresentada à Banca Examinadora
da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
como exigência parcial para obtenção do título de
Mestre em Língua Portuguesa, sob a orientação
da Professora Doutora Leonor Lopes Fávero.
SÃO PAULO
2010
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BANCA EXAMINADORA
_________________________________________________
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ANDREA LEMES SINOHARA COCCARO
A GRAMÁTICA NORMATIVA NA FORMAÇÃO INTELECTUAL DO
CIDADÃO BRASILEIRO.
O ensino da Língua Portuguesa à altura dos desafios contemporâneos
Resumo:
Este trabalho tem como objetivo analisar a maneira pela qual a gramática
normativa é imposta no ensino de língua portuguesa como principal objeto de
conhecimento na formação intelectual do cidadão brasileiro. Como suporte
teórico, usaremos os pressupostos da História das Ideias Linguísticas, que se
referem aos estudos de todo saber construído em torno de uma língua, num
dado momento, como produto quer de uma reflexão metalinguística, quer de
uma atividade metalinguística não explícita (Cf. AUROUX, 1992). Como toda
tradição gramatical é uma parte das Ideias Linguísticas, fazer história das
ideias permite, por um lado, trabalhar com a história do pensamento sobre a
linguagem no Brasil, mesmo antes da Linguística se instalar em sua forma
definida; por outro, trabalhar a especificidade de um olhar interno à ciência da
linguagem, ou seja, possibilita avaliar teoricamente as diferentes filiações
teóricas e suas consequências para a compreensão do seu próprio objeto: a
própria língua (Cf. ORLANDI, 2001). Assim, depois de discutir a construção da
gramática normativa e da constituição da norma padrão no Brasil, analisou-se a
imposição da gramática normativa nas escolas, mesmo com a divulgação dos
PCNs que direciona o ensino de língua portuguesa para a formação do
indivíduo-cidadão crítico, por meio dos estudos de textos escritos e orais,
observando os mais variados gêneros, e das análises linguísticas.
Palavras-chave: Gramática Normativa, Cidadania, Ensino de Língua
Portuguesa, História das Ideias Linguísticas.
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ANDREA LEMES SINOHARA COCCARO
The Normative Grammar in the intellectual formation of the
Brazilian citizen.
The teaching of Portuguese language at the height of the contemporary
challenges.
Abstract:
This paper analyzes the way in which the Normative grammar is imposed
on the teaching of Portuguese language as the main object of knowledge in the
intellectual formation of the Brazilian citizen. As theoretical support, we will use
the assumptions of the History of Linguistics Ideas, which refer to the studies of
all the acquired knowledge related to a language, at any given time, as a result
of a metalinguistic reflection, or a non explicit metalinguistic activity (Cf. Auroux,
1992). Like all grammatical tradition is one part of linguistic ideas, to make
history of the ideas allows us, on one hand, to work with the history of thoughts
about the language in Brazil, even before the linguistics set up in its definite
form; on the other hand, to work with the specificity on an inside look to the
Science of the language, that is, it enables to evaluate theoretically the different
theoretical affiliations and its consequences to the understanding of the object
itself: the language itself (Cf. ORLANDI, 2001). Thus, after discussing the
construction of the Normative grammar and the constitution of the standard
rules in Brazil, we analyzed the imposition of the Normative grammar at
schools, even with the release of the “PCNs” that directs the teaching of the
Portuguese language to the formation of the critical individual-citizen, through
the studies of written and oral texts, observing the various genres, and the
linguistic analysis.
Keywords: Normative Grammar, citizenship, the teaching of Portuguese
language, the history of the linguistic ideas.
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AGRADECIMENTOS
A realização deste trabalho só foi possível graças à colaboração direta
ou indireta de muitas pessoas, para quem manifesto minha sincera gratidão.
Algumas delas, entretanto, foram fundamentais para que o sonho de mestrado
fosse concretizado na presente dissertação. Dessa forma, agradeço
particularmente,
e, especialmente, à minha orientadora, Professora Dra. Leonor Lopes
Fávero, pela dedicação, apoio e direcionamento, que certamente foram
fundamentais para desenvolvimento deste trabalho;
ao meu esposo, ao meu filho e à minha mãe que sempre me
ofereceram amor, compreenderam a importância do mestrado para minha
formação e, assim, apoiaram minhas decisões e incentivaram as minhas
iniciativas;
as minhas amigas Patrícia Mafra e Christianne Gally, pelo incentivo
para a realização desse sonho e o companheirismo nas horas de estudo;
aos Professores do Programa de Pós-Graduação de Língua
Portuguesa que, em suas disciplinas, abriram espaço para a discussão de
questões relevantes, aqui desenvolvidas;
aos Professores da Banca Examinadora, Dra. Dieli Vesaro Palma e
Dra. Maria Valíria A. Mello Vargas, que, gentilmente, aceitaram o convite para
participar desta minha empreitada acadêmica; e, finalmente,
à Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, pelo apoio
financeiro, indispensável para a materialização desta dissertação.
7
SUMÁRIO
Introdução ................................................................................................
p.08
Capítulo I - História das Ideias: uma abordagem linguística ..............
.
p. 13
1. História das Ideias ............................................................................. p. 13
1.1. A Nova História...............................................................................
.
p. 14
1.2. História das Mentalidades e das Ideias........................................... p. 18
Capítulo II- Gramática: conceito e história............................................
.
p. 26
2. A gramática .......................................................................................
.
p. 26
2.1. Diversidade conceitual da gramática .............................................
.
p. 30
2.2. Pequena História da Gramática no Ocidente ................................. p. 35
Capítulo III- A gramática no Brasil ......................................................... p. 47
3. Histórico ............................................................................................
.
p. 47
3.1. O estabelecimento de uma norma padrão ..................................... p. 50
3.2. A norma-padrão sob o ponto de vista da ideologia ........................ p. 57
Capítulo IV- A diretriz educacional brasileira........................................ p. 62
4. O cenário histórico da década de 1990.............................................. p. 62
4.1. A gramática normativa e a formação do cidadão brasileiro............
.
p. 65
4.2. Ensino de Língua Portuguesa: conhecimento e cidadania
PCNs vs Nova Proposta Curricular do Estado .................................
p. 72
Considerações finais...............................................................................
.
Referências Bibliográficas .....................................................................
p. 89
p. 92
8
A GRAMÁTICA NORMATIVA NA FORMAÇÃO INTELECTUAL DO
CIDADÃO BRASILEIRO.
Introdução
O ensino de língua portuguesa, no Brasil, de alguma forma, esteve
diretamente relacionado com o ensino da gramática normativa, entendida aqui
como um conjunto de regras que devem ser seguidas. A gramática, entretanto,
pode ser considerada tanto como um “manual” que organiza os saberes de
uma língua, quanto uma “disciplina” que oferece múltiplas noções. (Cf. NEVES,
2004).
Quanto à multiplicidade de noções a respeito da gramática, Neves
(2005) explica que:
... no modelo normativo puro, a gramática [é vista] como o conjunto de
regras que o usuário deve aprender para falar e escrever corretamente a
língua; no modelo descritivo ou expositivo, a gramática como conjunto que
descreve os fatos de uma dada língua; no modelo estruturalista, a gramática
como descrição das formas e estruturas de uma língua; no modelo gerativo,
a gramática como o sistema de regras que o falante aciona intuitivamente
ao falar ou entender sua língua; e assim por diante. (NEVES, 2005, p. 30).
Apesar das inúmeras definições e das diversas formas de se entender a
função desta ou daquela gramática, a escola, instituição responsável pela
disseminação do saber linguístico, privilegia a norma culta, imposta pela
gramática normativa. Para Bechara, “o ensino da gramática com intuitos
eminentemente normativos tem-se aproveitado das teorias linguísticas
dominantes”. (BECHARA, 2006, p.51).
No século XIX, predominavam as teorias histórico-comparativas e as
evolucionistas que, “dentro de sala de aula, repercutiram, entre outros
aspectos, na ideia de que o presente da língua se explicava pelo passado e
que a fase atual do idioma resultava de uma ‘corrupção’ de fase anterior.
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(idem). É também neste momento que o historicismo dá bases para a reforma
do ensino de língua portuguesa, em especial, para a criação do programa
elaborado por Fausto Barreto, em 1887. A partir daí, inúmeras gramáticas
foram publicadas, como as de João Ribeiro (1887), Maximino Maciel (1894),
Ernesto Carneiro Ribeiro (1890), etc.
Com a teoria moderna proposta por Saussure, as gramáticas brasileiras
renovaram-se: distinguiu-se “a pertinência dos traços fonéticos como
diferenciadores de vocábulos e as diversas realizações fonéticas geradoras de
variantes” (idem, p. 53); derivação de flexão, parassíntese e hibridismo, vogais
temáticas e desinências de gênero e número, etc.
A partir dos pressupostos da sociolinguística, a gramática escolar se pôs
em contato com os diversos registros da língua, como os dialetos sociais e
regionais, e com a diferença entre a língua escrita vs língua oral. Além disso, a
língua literária passou a ser vista em sua especificidade, ou seja, no uso
estético da língua.
Com as teorias gerativo-transformacionais, os estudos da sintaxe foram
reformulados, mas, de acordo com Bechara, “até agora foram poucos ou
nenhuns os resultados de sua influência positiva aproveitados pela gramática
escolar”. (idem, p.54).
Embora seja adepto da corrente funcionalista, que propõe uma
gramática voltada para a língua funcional, Bechara admite que ainda é a
gramática normativa a imposta nas escolas brasileiras que “têm como escopo e
fim essencial a cultura integral dos educandos”. (idem, p.23). Para o autor, a
escola é o lugar onde a escolarização representa o projeto de urbanidade e de
civilidade.
Assim como as teorias linguísticas modificaram as gramáticas escolares,
as concepções de educação também mudaram durante o percurso do tempo. É
na escola que se dá a representação do projeto de civilidade, de construção do
indivíduo pleno. (Cf. ORLANDI, 2002). Os objetivos a que se propõe a escola
também foram elaborados a partir da concepção de formação do indivíduo,
apoiados nas teorias pedagógicas. Se no século XIX, por exemplo, o objetivo,
grosso modo, era o de formar o homem culto, no final do século XX, com a
LDB e depois com a proposta dos PCNs, é o de formar o cidadão crítico,
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objetivo que se estende até o início de século XXI, por meio das novas
propostas de ensino de Língua Portuguesa regidas pelo Estado.
Cidadão, de acordo com o dicionário Laurosse (2001), é o indivíduo que
goza dos direitos civis e políticos de um Estado. Para Carvalho (2006), só é
cidadão pleno todo aquele que é titular dos direitos civis fundamentais à vida, à
liberdade, à propriedade e à igualdade perante a lei; dos direitos políticos – que
se referem à participação efetiva do cidadão na vida da comunidade política; e,
por último, dos direitos sociais, os quais garantem a vida em sociedade e a
participação na riqueza coletiva – o direito à educação, ao trabalho, ao salário
justo, à saúde, etc.
Além dessa noção de ordem política, ainda se pode entender “cidadão”
como aquele que pertence à cidade, não em termos de espaço empírico, mas
planejado, ou seja, o de projeção, em que ser citadino é ter urbanidade. E ter
urbanidade é ter foros de cidadania: citadino e cidadão se recobrem,
coincidem. (Cf. Orlandi, 2002).
De acordo com estudos realizados por Dias (1996), o brasileiro que faz
uso da língua falada no país só é reconhecido como cidadão tendo como
referência o percurso da escrita. É a língua escrita, portanto, a responsável
pela inserção do indivíduo no ambiente socialmente prestigiado.
A formação desse cidadão pressupõe aliar ensino formal à experiência
social, levando-o a considerar-se um indivíduo participante da vida política do
país de maneira crítica. Assim, vários são os modelos pedagógicos
preconizados ao longo do século XX, como o construtivismo e o interacionismo.
Enquanto este estuda a contribuição do sujeito nas suas trocas com o objeto e
com o meio e do meio na estruturação do conhecimento e das condutas do
sujeito, aquele consiste na busca de explicações para o aparecimento de
inovações, mudanças e transformações de ordem qualitativa que aparecem
durante o desenvolvimento e os mecanismos responsáveis por essa evolução.
(Cf. LEITE, 1991). Tanto os interacionistas quanto os construtivistas destacam
que o organismo e o meio exercem ação recíproca, ou seja, um influencia o
outro, e é essa interação que acarreta as mudanças sobre o indivíduo. É, pois,
na interação do indivíduo com o mundo físico e social que as características e
peculiaridades desse mundo vão sendo conhecidas, para cada indivíduo. Daí,
a construção desse conhecimento exigir uma ação sobre o mundo.
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As concepções interacionista e construtivista de desenvolvimento
apoiam-se, portanto, na ideia de interação entre organismo e meio e veem a
obtenção de conhecimento como um processo construído pelo indivíduo
durante toda a sua vida. Em outras palavras, o conhecimento não é adquirido
de forma estanque, nem de uma só vez, mas adquirido passivamente, graças
às pressões do meio.
A escola, portanto, deve apresentar um currículo mínimo de
conhecimentos a serem fornecidos para o indivíduo, a fim de torná-lo apto a
exercer a cidadania. Dentre as várias disciplinas do ensino primário,
fundamental e médio, a de língua portuguesa é considerada, ao lado da
matemática, a mais importante nesta formação.
De que maneira, então, é constituído o programa de ensino de língua
portuguesa nas escolas? Quais são as atividades propostas pelos documentos
oficiais da rede estadual, por exemplo, para alcançar o objetivo de “formar o
cidadão crítico” ? Qual a relação existente entre o ensino de língua portuguesa
e a gramática normativa? Por que é tão difícil desvinculá-las? De que maneira a
gramática normativa, aqui também considerada como tradicional, influencia na
capacitação intelectiva de um indivíduo, capacitando-o a exercer a cidadania?
Este trabalho, portanto, tem como objetivo analisar a maneira pela qual a
gramática normativa é imposta no ensino de língua portuguesa como principal
conhecimento na formação intelectual do cidadão brasileiro, apesar de as
várias correntes linguísticas – como a linguística textual, a análise do discurso,
o funcionalismo, etc – apontarem caminhos diferentes, e de novas propostas
serem efetivadas por meio dos documentos oficias, trazendo, em sua
construção, as teorias dessas correntes acrescidas dos pressupostos do
cognitivismo e interacionismo pedagógico.
A partir da abordagem da História das Ideias Linguísticas que propõe
estudar todo saber construído em torno de uma língua, num dado momento,
como produto quer de uma reflexão metalinguística, quer de uma atividade
metalinguística não explícita (Cf. AUROUX, 1992) – assunto a ser discutido no
capítulo 1 –, este trabalho, no capítulo 2, tratará da gramática – conceitos e
história – num percurso diacrônico com o objetivo de compreender a
construção deste produto histórico e artefato cultural, resultante da interação de
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tradições e do contexto estava inserido. No capítulo 3, traçará um perfil da
gramática normativa no Brasil, seu estabelecimento e seus aspectos
ideológicos e, finalmente, no capítulo 4, discutirá o ensino dessa gramática
como um dos pilares na formação científica do cidadão brasileiro, resistindo às
propostas dos PCNs, implantados em 1998 os quais estão atrelados à
Constituição de 1988 e à LDB de 1996. A partir desse confronto, ainda no
capítulo 4, analisar-se-á a nova proposta de ensino de língua portuguesa
regida pelo estado de São Paulo, tanto do fundamental I quanto do
fundamental II, a qual tem por objetivo formar e capacitar o cidadão numa
sociedade em que o bem falar e o escrever são condições para sua
legitimação.
Pretende-se, então, contribuir com as discussões acerca do ensino de
língua portuguesa nas escolas públicas, em relação ao uso indiscriminado da
gramática normativa, tanto por desconhecerem as novas teorias linguísticas e
as propostas dos PCNS, quanto por resistirem às inovações, ou pelo fato de
acreditarem na gramática como único instrumento de legitimação de uma
língua culta, modalidade que deve ser adquirida por todo cidadão brasileiro, ou
por limitar-se a práticas pedagógicas discutíveis e atividades obsoletas.
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Capítulo I –
História das Ideias: uma abordagem Linguística
Introdução
Neste capítulo abordaremos as questões referentes à História das Ideias
Linguísticas, resultante da interação entre a História e a Linguística. Trata-se
de questões relativas ao processo histórico da gramatização e a maneira pela
qual esse processo pode ser analisado.
1. História das Ideias
A partir do século XIX, com os estudos histórico-comparativos e com a
definição do objeto de estudo – a língua – pelo neogramático Saussure, a
Linguística passou a ser considerada ciência. Daí em diante, várias foram as
pesquisas que se detiveram sobre o conhecimento linguístico. Para Auroux
(1992), esses trabalhos podem ser classificados em três categorias:
i. Os que visam a constituir uma base documentária para a pesquisa
empírica; ii. Os que são homogêneos à prática cognitiva de que derivam
(por exemplo, trabalho de um filólogo das línguas clássicas sobre a
gramática, a filologia ou a lógica grega); iii. Os que têm papel fundador,
queremos dizer, os que se voltam para o passado com o fim de legitimar
uma prática cognitiva contemporânea (AUROUX, 1992, p.11).
Ainda de acordo com Auroux (idem), os conhecimentos são parte de
uma realidade histórica e se desenvolvem constituindo a realidade cotidiana;
por esse motivo, os saberes não devem ser ignorados em função de uma nova
concepção. É, pois, função do historiador estudá-los a fim de compreender o
porquê, o como e o quando das novas tendências científicas. Em relação à
Linguística, ele considera como “forma de saber e de prática teórica nascida no
14
século XIX em um contexto determinado, que possui objetos determinados...”
(idem, p.12).
Depois de a Linguística ser interpretada sob a luz do método histórico-
comparativo, ela se desenvolveu através de um “constante jogo de oposições
(...). O comparativismo surgiu em oposição às teorias especulativas; o
estruturalismo, ao comparativismo; a gramática gerativo-transformacional, ao
estruturalismo; e contra os estudos circunscritos ao limite da frase vieram as
teorias do texto” (FÁVERO & MOLINA, 2006, p.17).
Da mesma forma que a Linguística se desenvolveu, buscando novos
horizontes e novas explicações para os fenômenos da linguagem, a História se
preocupou com novos métodos, novas abordagens e novos objetos,
“concebendo o tempo de modo pluridirecionado, múltiplo, não linear, que
dialoga com vários outros tempos e diversas disciplinas” (idem, p.19). A esta
nova concepção, chamou-se História Nova.
1.1. A nova história
“Aquele que tem o controle do passado tem o
controle do futuro” (Orwell apud Dosse, 2003).
Os jovens Marc Bloch e Lucien Febvre, nas décadas de 1910/20,
insatisfeitos com os conceitos positivistas, “como os de racionalidade,
progresso e ordem, que ainda perduravam na historiografia” (SALIBA, 1992
apud FÁVERO & MOLINA, 2006, p.20), propuseram uma renovação dos
estudos históricos, considerando a História como “estudo cientificamente
conduzido, das diversas atividades e das diversas criações dos homens de
outrora, tomadas na sua data, no quadro das sociedades extremamente
variadas e, contudo comparáveis umas com as outras” (FEBVRE apud
FÁVERO & MOLINA, idem, p. 20).
Com a publicação da revista dos Annales d’historie économique et
social, em 1929, a História integrou a seus estudos diversas áreas do
conhecimento, como a Economia, a Sociologia, a Antropologia e a Geografia a
15
fim de conhecer e compreender, de modo totalizante, o homem, cuja
complexidade em sua maneira de ser, pensar e agir no meio social e cultural,
não podia mais limitar-se a um reflexo de jogos de poder ou de atuações de
poderosos do momento.
Mas, como era o fazer histórico antes de Febvre e Bloch? Até o início do
século passado, fazer História consistia em relatar cronologicamente fatos
considerados importantes, priorizar alguns personagens políticos e levar em
conta apenas os fenômenos econômicos, sociais e políticos. Devido à nova
visão de como fazer História, as autoras explicam que
se antes uma análise histórica era feita por meio do estudo de
documentação, dos registros dos fatos julgados realmente relevantes:
história de reis, batalhas, revoluções, agora se torna massiva, e (...) ‘os
documentos se referem à vida cotidiana das massas anônimas, à sua vida
produtiva, à sua vida comercial, ao consumo, às suas crenças, às suas
diversas formas de vida social’. (REIS apud FÁVERO & MOLINA, op.cit,
p.19).
Emergia, então, uma nova perspectiva de se ampliar a visão do
historiador em relação ao próprio homem. De acordo com Burke (1997), essa
nova visão sobre o papel da história e seus métodos estabelece uma relação
com outras faculdades do saber, ou seja, uma relação interdisciplinar
possibilitando melhor compreensão do homem e sua atuação no mundo por
uma perspectiva “histórica mais ampla e mais humana”, totalizando todas as
atividades humanas e estando menos preocupado com a narrativa de fatos do
que com a análise das estruturas, termo que desde então se tornou preferido
dos estudiosos da historiografia francesa da conhecida escola dos Annales.
(Cf. Burke, 1997).
A École des Annales passou por três fases:
a primeira fase, de 1920 a 1945, caracterizou-se por ser pequena, radical e
subversivo, conduzindo uma guerra de guerrilhas contra a história
tradicional, a história política e a história dos eventos. Depois da Segunda
Guerra Mundial, os rebeldes apoderaram-se do establishement histórico.
Essa segunda fase do movimento, que mais se aproxima do
verdadeiramente de uma “escola”, com conceitos diferentes (...) e novos
métodos (especialmente a história serial das mudanças na longa duração),
foi dominada pela presença de Fernand Braudel. Na história do movimento,
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uma terceira fase se inicia por volta de 1968. É profundamente marcada
pela fragmentação. (BURKE, 1997, p.12).
Assim, o espírito inovador que impulsionava a primeira geração dos
Annales liderada por Bloch e Febvre (1929 a 1945) ficou marcado pelo forte
desejo de mudança radical na compreensão da História, pela diversidade e por
uma grande fissura na aceitação de novas propostas e métodos. O que
distinguia Bloch e Febvre dos marxistas e seu tempo “era precisamente o fato
de que não combinavam seu entusiasmo pela história social e econômica com
a crença de que as forças sociais e econômicas tudo determinavam.” (BURKE,
1997, p. 127).
A segunda geração (1945 a 1968), também conhecida como a geração
Braudel, caracterizou-se pela preocupação com a categoria “tempo” na
História. Braudel era versado em Economia e Geografia e acreditava
firmemente em um mercado comum das Ciências Sociais. Em sua opinião, a
História e a Sociologia deveriam ficar bastante próximas porque os praticantes
de ambas as disciplinas tentam, ou deveriam tentar, ver a experiência humana
como um todo. (Cf. BURKE, 2002).
Apesar disso, Braudel não inovou por completo seu modo de ver a
história. Para Burke (1997, p. 13), “embora ele fosse excepcionalmente aberto
às novas ideias, mesmo numa idade avançada, nada alterou
fundamentalmente sua maneira de ver e escrever a história (...). Daí a
necessidade de ter tomado algumas liberdades com a ordem cronológica.” A
história, portanto, poderia ser vista e ser analisada em três perspectivas
temporais diferentes: na superfície – a história dos acontecimentos, situados
em um tempo curto, em que aparentemente não há relação uns com os outros;
na meia encosta – uma história conjuntural seguida de um ritmo mais lento e
na profundidade – uma história de longa duração, de realidades estáveis e
duradouras.
Ainda para Braudel, “os acontecimentos são perturbações superficiais,
como espumas de ondas que, para compreendermos, é necessário saber
mergulhar sobre as ondas” (apud FÁVERO & MOLINA, 2006, p. 21), ou seja,
não basta a análise meramente dos fatos, é necessário ampliar horizontes,
ligar ideias e métodos, reconstruí-los, fechando fendas. Essa geração ficou
17
marcada por quantificações, por técnicas e até mesmo pela penetração do
marxismo.
Por fim, a terceira fase foi constituída pelos estudos de Le Goff e
Chartier (1968 a 1989), e também é conhecida como a metáfora do porão ao
sótão, última geração dos Annales. Esse período é marcado fortemente pela
fragmentação, agregando aos seus objetivos a participação da mulher na
história e a preocupação sócio-cultural.
A última fase profundamente influenciada pelo estruturalismo e pela
modificação de suas preocupações centra-se “nas mentalidades, nas vidas
cotidianas, firmando-se em representações e interpretações, ampliando
consideravelmente o conceito de fonte, utilizando-se de vários tipos delas:
testamentos, inventários, arqueológicos, orais, religiosos”. (idem, p.21).
É ainda nessa terceira geração que se observa uma maior abertura em
relação às ideias vindas do exterior. Alguns historiadores dessa fase tentaram
“fazer uma síntese entre a tradição dos Annales e as tendências intelectuais
americanas – como a psico-história, a nova história econômica, a história da
cultura popular, antropologia simbólica, etc”. (BURKE, 1997, p.80).
Hoje, a História Nova é definida, de uma maneira geral, “pelo
aparecimento de novos problemas, de novos métodos que renovaram domínios
tradicionais da história (...) e principalmente, talvez, pelo aparecimento no
campo da história de novos objetos, em geral reservados, até então, à
antropologia” (LE GOFF, 2005, p.61), como os gestos, as imagens, o livro, o
mito, o sexo etc. Para o autor, essa abrangência em relação com as outras
áreas do conhecimento contribuíram para que o homem compreendesse
melhor sua atuação nas atividades econômicas, sociais e culturais, rompendo
com o espírito de especificidade e promovendo a interdisciplinaridade, sendo
a mais importante contribuição do grupo dos Annales, incluindo-se as três
gerações, foi expandir o campo da história por diversas áreas. O grupo
ampliou o território da história, abrangendo áreas inesperadas do
comportamento humano e a grupos sociais negligenciados pelos
historiadores tradicionais. Essas extensões do território histórico estão
vinculadas à descoberta de novas fontes e ao desenvolvimento de novos
métodos para explorá-las. Estão também associadas à colaboração com
outras ciências, ligadas ao estudo da humanidade, da geografia à
linguística, da economia à psicologia. (BURKE, 1997, p.126).
18
Dessa maneira, ampliaram-se os horizontes e, consequentemente, a
exploração de novos aspectos, como os relacionados à chamada história das
mentalidades, propostos ainda por Febvre, baseando-se na psicologia coletiva
e nos fenômenos espirituais na história. (Cf. LE GOFF, 2005).
1.2. História das Mentalidades e das Ideias
A história das mentalidades nasce vinculada às obras de Bloch e Febvre
e de outros estudiosos da época, tornando-se mais popular na década de 60,
momento em que esses historiadores se inspiraram em novos estudos.
A história busca identificar o modo como, em diferentes lugares e
momentos, uma determinada realidade social é construída, interpretada e
deixada como legado a futuras gerações. Por isso, se faz necessário pensar
em história como elemento de representação. De acordo com Fávero & Molina
(2006, p.23), “essa representação, interesses dos indivíduos que compõem a
sociedade, passa a ser entendida como uma interligação, uma imagem
presente que suscita um objeto ausente numa relação de interdependência que
regula os indivíduos em diversas situações.” Essas ideias conferem com as de
Restaino (2005, p. 10) que afirma “o modo como a sociedade compreende,
aceita ou não um acontecimento, está relacionado aos interesses e à herança
cultural dos indivíduos que a compõem”.
Essencialmente a história das mentalidades é uma abordagem
durkheiniana, embora Durkheim preferisse a expressão “representações
coletivas”. Os sociólogos e antropólogos contemporâneos referem-se a essa
abordagem como modos de pensamento, sistemas de crenças ou mapas
cognitivos. (Cf. BURKE, 2002). Seja qual for o tratamento dado, essa é uma
abordagem que difere da história intelectual convencional ao menos em três
aspectos:
atribui-se mais destaque às atitudes coletivas do que às individuais; a
pressupostos implícitos do que a teorias explícitas, ao “senso comum” ou ao
que parece ser senso comum em uma cultura específica; e à estrutura dos
sistemas de crença, incluindo uma preocupação com as categorias usadas
para interpretar a experiência e os métodos de prova e persuasão. (idem, p.
129).
19
Burke (2002, p.129) afirma “que há um paralelo óbvio entre essas três
características da história das mentalidades e a abordagem de Michel Foucault
em The order of things - A ordem e das coisas - (1966) trabalho em que o autor
costumava chamar essa abordagem de arqueologia dos sistemas de
pensamento ou epistemes”. Para Burke (2002), os historiadores obtiveram
mais sucesso ao descreverem as mentalidades em um ponto específico do
passado do que ao explicarem como, quando e por que elas mudaram. Para
ele, a obra de Foucault também padece desse mal, embora esse ponto frágil
esteja diretamente relacionado com um dos pontos fortes da abordagem, ou
seja, o pressuposto de um sistema de crenças, em que cada parte depende
das demais. Essa premissa possibilita aos historiadores explicar a persistência
de uma certa mentalidade ao longo do tempo, apesar da existência de
inconvenientes evidências empíricas.
O autor ressalta, ainda, que, quanto mais aceitável a explicação sobre a
persistência de um comportamento coletivo, mais difícil se torna o
esclarecimento da mudança de uma mentalidade quando ela finalmente ocorre.
Outro problema suscitado pela história das mentalidades poderia se denominar
como homogeneização. O enfoque nas mentalidades coletivas acarreta o risco
de desprezar a variação em muitos níveis diferentes. O primeiro refere-se ao
fato de os indivíduos não pensarem da mesma forma e a essa objeção o
historiador francês Le Goff (1974, apud Burke, p.132, 2002) sugere que o termo
mentalidade seja utilizado com a finalidade restrita de descrição das crenças
que os indivíduos têm em comum com os demais membros do seu grupo. Já o
segundo refere-se ao mesmo indivíduo que se expressará de maneira diversa
em situações comunicativas diferentes. E mais: se ele encontrar uma ilusória
afirmação paradoxal realizada em outro momento ou em outra cultura, torna-se
necessário recolocá-la em seu contexto social. E por último, considerado ainda
mais grave, surge do fato de os historiadores das mentalidades admitirem a
existência de uma oposição binária entre dois sistemas de crenças, o
tradicional e o moderno. O pensamento moderno é mais abstrato, menos
dependente do contexto e mais flexível no sentido de que há muitos sistemas
concorrentes disponíveis, assim os indivíduos são inteirados mais facilmente
das alternativas às próprias crenças.
20
Dessa maneira, a preocupação com esse tipo de abordagem suscitou o
estudo pioneiro na história das mentalidades nos anos 20 do século passado
(Burke, 2002). Como o historiador francês Marc Bloch tinha grande admiração
por Durkheim, muito deve ele ao sociólogo sua maneira de abordar o tema e
sua escola porque compartilhava não só do interesse pela coesão social e
pelas representações coletivas, mas também pelo seu comprometimento com o
método comparativo. (Burke, p.30-31, 1997). Em relação ao seu método
comparativo Durkheim
distinguiu e defendeu dois tipos de comparação. Primeiro, comparações
entre sociedades que fundamentalmente têm a mesma estrutura ou, como
dizia ele em metáfora biológica elucidativa, que são da mesma espécie;
segundo, comparações entre sociedades basicamente diferentes. É
bastante evidente essa influência de Durkheim em linguística e literatura
comparativa, sobretudo na França. (BURKE, 2002, p.39-40.).
Vale ressaltar que, nos anos 60 do século passado, essa noção de
mentalidade denominada por Chartier de à francesa, tornou-se ainda mais
particular, pois passou a ser entendida como a mentalidade de um indivíduo.
De acordo com Le Goff (2005), a história das mentalidades, em
cumprimento das diretrizes interdisciplinares, associa-se à Etnologia a fim de
buscar o estágio mais estável das sociedades; depois a Sociologia forneceria a
noção do coletivo como objeto de estudo. Para ele, esta é o que muda mais
lentamente apesar de a história “caminhar mais ou menos depressa” (LE
GOFF, 2005, p.62). As “forças profundas da história só atuam e se deixam
apreender no tempo longo” (idem), perspectiva muito apreciada pelos
historiadores das mentalidades.
Burke (2002, p. 132) ressalta o problema de “os historiadores das
mentalidades admitirem logo a existência de uma oposição binária entre dois
sistemas de crenças, o tradicional e o moderno”. Para Le Goff (idem), o estudo
das mentalidades deve integrar-se num movimento histórico global que recorre,
ao mesmo tempo, à civilização material e à cultural, pois
21
a união do individual e do coletivo, do antigo e do cotidiano, do inconsciente
e do intencional, do estrutural e do conjuntural, do marginal e do social
produz o estudo das mentalidades, por isso, o termo no plural, pois um
mesmo período pode conter mais de um modelo de mentalidade, ainda,
esses modelos estão intimamente ligados a seu tempo, ou seja, só
produzem sentido no local e no momento em que foram criados. (LE GOFF
apud RESTAINO, p.10, 2005).
É possível, portanto, compreender que não se pode identificar a história
das mentalidades em refúgios que escapam a toda e qualquer racionalização,
mas é preciso localizá-la no centro do corpo social.
Segundo Burke (idem), George Duby também definiu um lugar da
história das mentalidades. Ele a considera como aquilo que os seguidores de
Marx chamam de infra e superestruturas. Além disso, Duby atribuiu três ritmos
ao estudo da história das mentalidades de acordo com a grade braudeliana: o
primeiro, denominado rápido, refere-se às emoções do momento; segundo,
denominado moderado, por associar-se à evolução dos comportamentos e às
crenças partilhadas por um grupo social determinado; e terceiro, na longa
duração, os quadros mentais os quais resistem às mudanças, a herança
cultural, o sistema de crenças ou modelo de comportamento que perduram
para além do factual.
Outra relevante consideração a respeito da história das mentalidades é
dada por Michel Vovelle (apud Burke, 2002), que também a integra como parte
da história global. Ele localiza o trabalho do historiador das mentalidades num
plano das articulações entre diacronia e sincronia e revela que a melhor
posição é a decifração das fases de crise, das mudanças sociais mais radicais
e dos movimentos tectônicos mais profundos.
Dessa forma, compreender o modo de uma sociedade aceitar, ou
rejeitar, e entender um fato tem estreita relação com as crenças e a herança
cultural da sociedade em questão. Compreender a relação dessa nova
articulação entre a estrutura cultural e a social significa desvelar o
desconhecido, reconhecer o irreconhecível, verticalizar um olhar do passado
com o do presente; é, enfim, entender história e sua relação com o meio.
Muitas vezes confundida com a história das mentalidades e com a
história intelectual, a história das Ideias, até pouco tempo atrás, era apenas um
objeto de estudo de alguns departamentos de filosofia franceses. O papel das
22
ideias é bem mais perceptível na visão iluminista do processo histórico. Nesse
sentido, “a história filosófica iluminista foi elaborada a partir de algumas ideias-
chave – princípios e valores – admitidas como fundamentos de toda
compreensão histórica” (FALCON, 1997, p. 92).
Apesar de o termo ideia ser entendido de múltiplas maneiras, as ideias
são vistas aqui como “produtos socialmente determinados; não constituem uma
esfera distinta e separada da existência social”. (idem, p.101).
A história das Ideias, portanto, objetiva reconstruir o passado de modo a
identificar o que está imerso, relacionando os fatos produzidos no momento, no
qual se encontra o objeto de estudo. Assim, a nova conceituação da História
busca não só o resgate das ideias, como também os reflexos gerados por ela.
Por causa desse novo olhar, o século XX presenciou a frutificação da
história das Ideias estreitando as relações com a história Linguística, gerando,
assim, a relação interdisciplinar. Por Ideia Linguística, entende-se “todo saber
construído em torno de uma língua, num dado momento, como produto quer de
uma reflexão metalinguística, quer de uma atividade metalinguística não
explícita”. (FÁVERO & MOLINA, 2006, p.24).
Para o traçado da história das Ideias Linguísticas, é necessário
recuperar dados importantes da trajetória da Ciência da Linguagem. Os
primeiros estudos linguísticos surgiram nas primeiras décadas do século XX.
De acordo com Auroux (1992), a consolidação desses estudos da linguagem
como ciência se deu no primeiro Congresso Internacional de Linguística em
1928 onde temas, como a profissionalização dos saberes e a adoção das
tecnologias linguísticas europeias foram discutidos.
Até o século XVIII, a linguagem era vista sob uma perspectiva teológica
e tanto a abordagem de sua origem quanto as regras universais de sua lógica
eram apoiadas na gramática latina.
O século seguinte, por sua vez, foi influenciado pelo Historicismo
1
e
Evolucionismo
2
; princípios que consideravam a linguagem um mecanismo em
desenvolvimento. Já na metade do século XX, a linguagem foi estudada como
1
O Historicismo é uma corrente filosófica cuja característica é levar em consideração o homem
em sua dimensão histórica; no caso da linguagem, vê-la como fenômeno histórico.
2
O evolucionismo, corrente filosófica, gestada na biologia, advoga, grosso modo, a
transformação progressiva das espécies.
23
sistema; as décadas finais do século XX destinaram seus estudos à Linguística
textual
3
e às teorias de texto.
Esse percurso histórico da linguística, segundo Varó (apud RESTAINO,
2005) indica que há um desenvolvimento constante do saber metalinguístico,
buscando novos horizontes e incorporando novos espaços a sua investigação,
tendo como característica fundamental o empenho no exame científico da
linguagem o qual passou do estudo prescritivo das normas de bom uso ao
estudo descritivo dos fenômenos da linguagem.
Em relação ao empenho do exame científico da linguagem, o autor
intensifica que é necessário obedecer a quatro fatores: o método ou conjunto
de princípios metodológicos gerais; o objeto da investigação; as metas, como
construir teorias e modelos descritivos, e a finalidade.
Fávero & Molina (2006, p.26-28) ressaltam que ao estudioso da História
das Ideias Linguísticas cabe um trabalho árduo e intenso, pois ele deve
levantar o maior número possível de fontes para sua análise. Os desafios a
serem enfrentados são três:
1) a exaustividade: o documento sob análise do pesquisador será
investigado de acordo com o momento histórico anterior, para organização do
passado e projeção do futuro, pois conceitos, teorias e leis não podem ser
apreendidas abstratamente. Isto porque o pesquisador deverá identificar e
organizar o que de fato é relevante. (Cf. KHUN apud FÁVERO & MOLINA,
2006).
2) a busca das fontes: torna-se difícil buscar as fontes por dois motivos:
o primeiro é a dificuldade no acesso à documentação e a necessidade de
longas convivências com arquivos, bibliotecas e obras raras; o segundo é a
dificuldade de localizar obras ou edições.
3
A Linguística Textual constitui um novo ramo da linguística que começou a desenvolver-se a
partir da década de 60 do século XX, na Europa, e em particular, na Alemanha. Esta consiste
em tomar como objeto de investigação, não mais a palavra ou a frase, mas sim o texto. Ela,
portanto, visa a ultrapassar os limites da frase e entende a linguagem como interação, por isso
justifica-se a necessidade de descrever e explicar a língua dentro de um contexto,
considerando suas condições de uso. A Linguística Textual surge a partir da Teoria da
Enunciação. Na história de sua constituição não tem como ter precisão uma ordem cronológica
e homogênea no desenvolvimento das teorias da linguística de texto, porém, podem-se definir
três fases. Num primeiro momento restringiu-se ao estudo da frase, passando posteriormente
ao estudo da gramática de texto, cujo objetivo era suprir as lacunas não preenchidas pela
corrente estruturalista e gerativista; e logo em seguida, chega-se aos conceitos de texto, que
por sua vez não define mais como algo pronto e acabado, mas como processo em construção.
(Fávero e Koch, 2002).
24
3) o estudo da documentação: o pesquisador deverá, no momento da
análise, considerar dois aspectos: o primeiro é verificar o contexto de produção
da obra; o segundo, atentar para a intransponível distância espaço-temporal
entre o cenário no qual viveram as personagens que produziram as obras –
objeto de estudo em que se produz o trabalho – e o pesquisador. (Cf. idem).
Ao vencer tais obstáculos, o pesquisador da História das Ideias
Linguísticas deverá, não somente localizar a fonte, mas contextualizá-la
tecendo os aspectos sociais, culturais, ideológicos a fim de obter uma
compreensão mais profunda e totalizante de seu objeto.
Para Auroux (1992), o saber linguístico é fruto de uma produção
histórica resultante da interação entre o valor dos conhecimentos, tradições e
contexto. De acordo com Fávero & Molina (idem, p.46) “... a história dos
saberes linguísticos é feita de seus desenvolvimentos, de suas interações e
lacunas e da passagem da tematização de certos fenômenos a outros...” e
ainda completam que, para traçar essa história, a escrita teve um papel
fundamental, uma vez que possibilitou a passagem do saber epilinguístico
4
ao
saber metalinguístico, tendo sido, assim, o momento de objetivação, fixação e
concretização da linguagem, ou seja, o epilinguístico é o saber inconsciente
que todo indivíduo possui de sua língua e da natureza da linguagem, antes de
ser metalinguístico, isto é, construído e manipulado com a ajuda de uma
metalinguagem. O saber metalinguístico surge a partir do momento em que
temos a representação consciente dos usos da linguagem. Ele é determinado
por três tipos de domínio:
1-da enunciação: capacidade que o locutor tem de tornar a sua fala
adequada à sua finalidade;
2- das línguas: falar e compreender uma língua e
3- da escrita.
O processo de aparecimento da escrita
4
De acordo com Auroux (1992), o saber epilinguístico refere-se ao saber inconsciente que todo
locutor possui de uma língua e da natureza da linguagem; assim, a linguagem é uma atividade
que supõe ela própria uma perpétua atividade epilinguística definida como atividade
metalinguística não consciente.
25
é um processo de objetivação da linguagem, isto é, de representação
metalinguística considerável e sem equivalente anterior. Ele precisa do
aparecimento de técnicas autônomas e inteiramente artificiais; ele produz o
aparecimento de um dos primeiros ofícios da linguagem na história da
humanidade, provavelmente o aparecimento das tradições pedagógicas.
(AUROUX, 1992, p.20).
Além disso, não se podem ignorar os fatores sociais diversos
responsáveis pelo desenvolvimento desse saber, como a expansão e domínio
territorial e consequente labuta de proteção à língua.
Todo produto oriundo da escrita é fruto de um processo de
representação metalinguística, sem equivalente anterior, e é, possivelmente, o
responsável pelo surgimento das tradições pedagógicas da linguagem. Isto
porque o saber linguístico obtém sua fonte no fato de que a escrita fixa a
linguagem.
Assim, a gramática, que é um dos instrumentos tecnológicos, garante o
aprendizado da língua escrita, pois cabe a ela sistematizar e normatizar,
divulgando o saber linguístico.
Dessa maneira, a gramática, como manual, torna-se técnica de
aprendizagem das línguas descrevendo, comparando e prescrevendo normas
para bem falar e escrever. (Cf. FÁVERO & MOLINA, 2006).
O capítulo seguinte, portanto, será dedicado à reconstrução do contexto
em que o objeto gramática foi produzido a fim de verificar os conceitos
atribuídos a esse objeto e seu desenvolvimento na história ocidental, pois o
estudioso da História das Ideias Linguísticas deve observar a língua e o saber
que se constrói sobre ela, uma vez que há transformação da sociedade e de
seus sujeitos. Esse vínculo entre os estudos da linguagem com momentos da
história de uma dada sociedade contribui, pois, para melhor compreensão dos
estudos atuais da linguística.
26
Capítulo II-
Gramática: conceitos e história
Introdução
Sob a perspectiva da História das Ideias Linguísticas, é necessário, além
de definir e descrever o objeto de estudo, que, neste trabalho, é a gramática
normativa, também contextualizá-lo, considerando os aspectos históricos,
filosóficos, sociais e culturais. Este capítulo, portanto, tratará dos conceitos
atribuídos ao objeto gramática e a seu desenvolvimento na história ocidental a
fim de entender sua importância na formação intelectual do cidadão brasileiro.
2- A gramática
O exercício da linguagem, de acordo com Gusdorf (1995), “produz, em
longo prazo, uma espécie de depósito sedimentar que se impõe ao falar
individual sob forma de vocabulário e de uma gramática”, constituindo, assim,
uma língua.
Se a linguagem contribui para distinguir homem e animal, tornar o
homem um ser hábil no contexto de humanização, cabe ainda à linguagem
construir um ponto de encontro do homem com outros homens, facultando,
assim, a comunicação.
A linguagem traz consigo a realidade humana como totalidade; portanto,
ela é a afirmação do homem no mundo. Por meio dela, o homem se move
interagindo no tempo e espaço; por isso, todo conhecimento exteriorizado deve
ser percebido por ele. A linguagem é forma socializadora do homem, através
da palavra que se renova cada vez que é proferida sob as influências culturais
e sociais.
Devido à natureza racional, o homem dotado de linguagem é capaz de
estruturar seu pensamento em cadeias faladas. Ele é o senhor das regras que
27
regem a combinação codificada e decodificada dos elementos que produz,
gerando a capacidade de animal político o qual comunica e articula ideias
significativas de sentido imerso numa sociedade política. (Cf. NEVES, 2002).
A linguagem é parte da nossa vida cotidiana; por isso, permeia os
nossos pensamentos mediando nossas relações interpessoais. Há uma
naturalidade inerente ao homem no processo de se comunicar, porque, desde
nossa infância, tratamos do fato de forma espontânea como o ato de caminhar
sem sequer perceber como tal fenômeno acontece.
Embora a linguagem não seja um fenômeno biológico como o caminhar,
o falar é um processo mecânico que não exige qualquer esforço de análise.
Nas sociedades primitivas, tanto do passado quanto do presente, esta é, sem
dúvida, uma realidade cultural.
À medida que a sociedade se desenvolve e torna-se mais complexa,
cria-se um campo favorável para o estudo da linguagem e foi, a partir da
invenção da escrita, que os homens passaram a notar a existência de
diferentes formas linguísticas.
Auroux (1992, p. 22) explica que, no início do século XX, pode-se
considerar que um processo de dominação e de transferência da tradição
ocidental em direção a todas as outras tradições acabou resultando numa
homogeneização relativa dos grandes traços especulativos do saber linguístico.
Segundo o autor, é a partir da escrita que nasce uma tradição de saber
linguístico.
A escrita produz textos, em particular literários. Mesmo com o fato
evidente de que toda escrita supõe normas, especialmente estilísticas, ela não
parece produzir prontamente uma reflexão sobre a natureza da linguagem a
partir de suas próprias técnicas. Com a alteridade, considerada
essencialmente do ponto de vista da escrita, é possível avançar as reflexões
sobre a linguística, pois o saber linguístico tem sua fonte no fato de que a
escrita, ao fixar a linguagem, objetiva a alteridade e coloca diante do indivíduo
um problema a resolver. Esta alteridade pode apresentar várias fontes: pode
ser proveniente da antiguidade de um texto canônico, de palavras ou de textos
estrangeiros sendo necessário fazer a transcrição. Pode, ainda, igualmente, ser
proveniente de uma mudança de estatuto do texto escrito, ou seja, deixa de ser
um suporte mnemônico do oral para se tornar objeto de leitura.
28
É certo que a gramática como representação da linguagem, na
separação entre oral e escrito, não poderia estar ao lado do oral. Auroux
ressalta que, desde que exista um sistema de escrita, para usá-la, é preciso
apreendê-la de modo especial, diferente da competência linguística cujo
sistema, completamente formado, é transmitido.
E afirma que é isto que redobra o papel da escrita no desenvolvimento
dos saberes linguísticos. A gramática grega, por exemplo, visava somente à
aprendizagem da leitura. Esse saber de tipo gramatical podia nascer, então, da
prática textual na base da própria escrita. Em relação à finalidade da gramática,
Auroux afirma que
(...) a primeira análise gramatical não nasceu de necessidade de falar uma
língua qualquer, mas da de entender um texto. Em nossos dias a gramática
é antes de tudo uma técnica escolar destinada às crianças que dominam
mal sua língua ou que aprendem uma língua estrangeira. Isto se deve tanto
ao desenvolvimento do sistema escolar quanto ao da gramática. Em tempos
remotos, nunca se teve espontaneamente a ideia de fazer gramática – um
corpo de regras explicando como construir palavras, mesmo que sob a
forma implícita de paradigmas – para aprender a falar. (AUROUX, 1992, p.
25).
E sobre a gramática, Leite (2006, p.21), concebe que “... como elemento
de conhecimento dos sistemas de saber e como um instrumento lingüístico” é
possível conceber a “gramática como um lugar em que se inscreve parte do
saber sobre a língua, sobre a história do pensamento linguístico, o que,
evidentemente, não pode ser desprezado.”
Assim, o saber metalinguístico contribuiu para o surgimento das
gramáticas. Esse processo de produção gramatical se iniciou a partir do século
XVI, período em que “houve grande desenvolvimento das gramáticas das
línguas vernácula européia e exótica”. (AUROUX, 1992, p.65). Esse período é
denominado por Auroux (idem) de gramatização, ou seja, “o processo que
conduz a descrever e instrumentar uma língua na base de duas tecnologias,
que são ainda hoje os pilares de nosso saber metalinguístico: a gramática e o
dicionário”.
O autor explica que a gramatização constitui um dos movimentos
culturais mais importantes da civilização do Ocidente, pois
29
mudou profundamente a ecologia da comunicação humana e deu ao
Ocidente um meio de conhecimento / dominação sobre outras culturas do
planeta. Trata-se propriamente de uma revolução tecnológica que não
hesito em considerar tão importante para a história da humanidade quanto à
revolução agrária do neolítico ou a Revolução Industrial do século XIX.
(Auroux, 1992, p. 9).
E acrescenta que, a gramatização massiva se deu a partir de uma única
tradição linguística inicial - a tradição greco-latina -, das línguas do mundo. Esta
gramatização, que coincide com o período do Renascimento, de acordo com
Auroux, constitui, depois do advento da escrita, a segunda revolução técnico-
linguística e, acrescenta que suas consequências práticas são consideráveis
para a organização das sociedades humanas.
Nesse mesmo período, incidirão transformações na história das ciências
da linguagem. O interesse prático da gramática se estende da filologia, ou seja,
o acesso ao texto escrito, que é seu lugar de origem, em direção ao domínio
das línguas maternas. Assim, a gramática torna-se, ao mesmo tempo, uma
técnica pedagógica de aprendizagem das línguas e um meio de descrevê-las.
Auroux (1992, p. 46-47) explica que há duas causas para o fenômeno da
gramatização. A primeira concerne à necessidade de aprendizagem de uma
língua estrangeira – isso ocorre em contextos onde já existe uma tradição
linguística. Essa necessidade é, segundo o autor, suscetível de responder ela
mesma a vários interesses práticos: o acesso a uma língua de administração; o
acesso a um corpus de textos sagrados; o acesso a uma língua de cultura; as
relações comerciais e políticas; viagens; a implantação e exportação de uma
doutrina religiosa; a colonização.
A segunda, por sua vez, concerne essencialmente à política de uma
língua dada. Para Auroux, essa é, pois, suscetível de afetar a língua materna
podendo se reduzir a dois interesses. De um lado, busca a organização e
regulação de uma língua literária e de outro, busca o desenvolvimento de uma
política de expansão linguística de uso interno ou externo.
A partir do século XVI, período em que se formam os estados nacionais,
surge também o dicionário monolíngue, cuja finalidade também visa ao
aprendizado da língua materna. Nunes (2006, p. 12-13) concebe que “os
dicionários ocupam um lugar curioso na história das ciências da linguagem”,
30
pois, se considerarmos as listas de palavras como as primeiras técnicas
lexicográficas, tal como afirma Auroux (1992), elas são uma das mais antigas
formas de saber linguístico e serviram de base para a elaboração de glossários
e dicionários.
Nunes ressalta, ainda, que foram necessários muitos séculos para se
chegar à concepção moderna do dicionário como instrumento que se utiliza
para (re) conhecer a própria língua porque com os estudos da linguística no
século XX, houve, em grande medida, o interesse por estudos descritivos da
oralidade, produzindo um silenciamento em relação aos dicionários,
considerados como instrumentos normativos, objetos fossilizados que não
correspondiam à língua falada, ou seja, dizia-se que ele não era a língua.
Para alguns estudiosos, entretanto, como Câmara Jr., o estudo da
linguagem está diretamente relacionado à conservação “inalterada da
linguagem correta das classes dominantes em seu contato com outros modos
de falar dentro da sociedade”. (1975, p.16). Esse estudo, com esta finalidade,
possibilitou a construção das gramáticas, principalmente pautada nos conceitos
de certo e errado. Mas esta não é a única definição, nem finalidade, da
gramática. Veremos, a seguir, os conceitos e suas limitações, sob o ponto de
vista da história.
2.1. Diversidade conceitual da gramática
A gramática, como define Trask (2006), são regras para construir
palavras e sentenças numa língua em particular, ou o ramo da linguística que
estuda esse tema. De acordo com o autor, toda língua tem uma gramática; ou
melhor, toda língua tem muita gramática.
A gramática é uma disciplina que surgiu em condições próprias com
finalidades práticas, cujo nascimento representa a preservação da cultura
helênica. Ao longo do tempo, porém, a gramática se desenvolveu de acordo
com as necessidades próprias de cada época. É importante, assim,
compreender o contexto em que as gramáticas foram produzidas, resgatando o
momento no qual frutificaram, foram compreendidas, interpretadas e
31
representadas, isto é, entrelaçando os fios que ligam a obra, autor e contexto.
(Cf. FÁVERO & MOLINA, 2006)
Ao analisar conceitualmente algumas gramáticas dentro de um tempo e
espaço, é possível identificar um diálogo comum entre seus autores. Dentre as
variadas conceituações da gramática, limitaremos a discussão sobre três delas
que, de alguma maneira, estão interligadas por um fio condutor que remete a
uma tradição cultural de língua, a norma padrão, e que parecem diretamente
pertinentes à questão do ensino. (Cf. TRAVAGLIA, 2001; POSSENTI, 1996).
Os autores ressaltam, ainda, que, em decorrência dessa tradição, excluem, por
exemplo, as gramáticas funcionais. Assim, “tal expressão pode”, segundo
Possenti (1996, p.64), “ser entendida como: 1) conjunto de regras que devem
ser seguidas; 2) conjunto de regras que são seguidas e 3) conjunto de regras
que o falante da língua domina.”
O primeiro conceito é herdeiro das gramáticas greco-latinas e traz
consigo a concepção aristotélica de língua entendida como reflexo lógico do
pensamento. Produzido sob os pressupostos da Gramática Geral ou Filosófica,
a gramática trata, especificamente, de normas para falar e escrever
corretamente, isto é, “manual com regras de bom uso da língua”. As normas de
bom uso da língua provêm da valorização das obras clássicas que fortaleciam
a ideia de que existia uma língua pura e outra impura. Assim, os primeiros
estudos gramaticais visavam ao estudo dos autores clássicos.
Esse primeiro conceito de gramática não só evidencia o princípio que
inspirava os alexandrinos na sua atividade filológica, mas também atualiza o
conceito dado por Dionísio, o Trácio: “gramática é o conhecimento do uso dos
poetas e prosadores”. Em relação à atividade filológica, cujo caráter lhe era
peculiar, decorria da própria situação histórico-cultural, que etimologicamente
significa amor ao discurso, uma paixão que faz falar e que faz, também,
comentar e interpretar. (Cf. NEVES, 2002).
O estudo dos poetas e oradores de expressão bela, considerada correta,
é atividade do filólogo. Esse se refere àquele que possui interesse pela cultura
em geral; o que tenta a revisão crítica dos textos e a compreensão da obra
literária, e não cabe a ele somente explicar as obras, mas também julgá-las;
reconhecendo ou não sua autenticidade, apontar suas belezas e defeitos. (Cf.
idem).
32
Neves (idem) acrescenta, ainda, que, servindo à interpretação e à
crítica, realiza-se o estudo metódico dos elementos da língua e compõe o que
tradicionalmente seria qualificado como gramática. A época helenística,
portanto, não cuida de criação, mas da preservação. A cultura é, acima de
tudo, a memória do passado e se baseia, assim, em ensino e aprendizagem.
Em relação ao segundo conceito de gramática, Neder (apud
TRAVAGLIA, 2001, p. 27) refere-se “a um conjunto de regras que o cientista
encontra nos dados que analisa, à luz de determinada teoria e método”. Em
outras palavras, o gramático preocupa-se com a descrição da estrutura e do
funcionamento da língua. Os representantes dessa concepção gramatical
produziram, à luz das teorias estruturalistas, a descrição da língua.
Aqui o traço marcante da gramática é o prescritivismo: considera-se
gramatical tudo o que está em consonância com as regras de funcionamento
da língua, tanto na dimensão da escrita como na dimensão do oral. O conceito
de certo e o errado, então, é substituído pelo conceito da diferença. Segundo
Trask (2006, p.76), “os próprios falantes encaram certos usos como bons ou
maus”. Para Travaglia (2001, p.32), “a gramática descritiva trabalha com
qualquer variedade da língua e não apenas com a variedade culta e dá
preferência para a forma oral desta variedade”, portanto, essas gramáticas
adotam uma postura mais abrangente que a primeira e eliminam qualquer
suspeita de exclusão. Assim, de acordo com Crystal (1981)
(...) uma gramática descritiva é, em primeiro lugar, a descrição de uma
língua da forma como ela é encontrada em amostras da fala e da escrita
(...). Na tradição mais antiga, a abordagem descritiva se opunha à
abordagem prescritiva de alguns gramáticos, que tentavam estabelecer
regras para o uso social ou estilisticamente correto da língua. (Crystal,
1981, p.129).
Essa gramática, conforme Perini (apud TRAVAGLIA, 2001), resulta do
trabalho do linguísta que, a partir da observação do que se diz ou se escreve
na realidade, trata de explicar o mecanismo da língua, construindo hipóteses
que expliquem seu funcionamento.
33
São representantes dessa concepção as gramáticas elaboradas de
acordo com as teorias estruturalistas, as quais privilegiavam a descrição da
língua oral, e as gramáticas elaboradas segundo a teoria gerativo-
transformacional que trabalha com enunciados ideais, isto é, produzidos por
falante-ouvinte ideal. De acordo com Travaglia (2001, p.28), “as correntes
linguísticas que dão base a esse tipo de gramática têm em comum o fato de
proporem uma homogeneidade do sistema linguístico, abstraindo a língua de
seu contexto.”
O terceiro conceito de gramática refere-se a “um conjunto das regras
que o falante de fato aprendeu e das quais lança mão ao falar” (TRAVAGLIA,
2001, p.28). Esse conceito foi proposto por Noam Chomsky, que definiu a
gramática como um conhecimento implícito, ou seja, hipóteses sobre os
conhecimentos que habilitam o indivíduo a produzir frases e sequências de
palavras de tal maneira que essas frases e sequencias são compreensíveis e
reconhecidas como pertencendo a uma língua. Esse conhecimento implícito
corresponde à gramática internalizada, isto é, competência decorrente do
desenvolvimento gradual da construção da língua, a partir de suas próprias
atividades linguísticas. Isso torna lícito supor que há na mente do indivíduo
conhecimentos de um tipo específico que, para Possenti (1996, p.69),
“garantem a estabilidade da linguagem.” Segundo Perini (1995, p.13),
qualquer falante de português possui um conhecimento implícito altamente
elaborado da língua, muito embora não seja capaz de explicitar esse
conhecimento. E veremos que esse conhecimento não é fruto da instrução
recebida na escola, mas foi adquirido de maneira tão natural e espontânea
quanto a nossa habilidade de andar. Mesmo pessoas que nunca estudaram
gramática chegam a um conhecimento implícito perfeitamente adequado da
língua.
Nesse caso, propõe-se que o conhecimento linguístico não esteja
vinculado ao aprendizado sistemático ou saber constituído por meio da
escolarização, mas da construção ativada do amadurecimento no uso da
linguagem e de seus princípios e normas. Aqui o erro linguístico não existe. A
designação erro é substituída por inadequação da variedade linguística. O que
o indivíduo produz reflete o que ele sabe, isto é, a gramática internalizada; no
34
entanto, cabe à gramática descritiva realizar as comparações sem preconceito.
A explicitação da aceitação ou rejeição social de tais formas é tarefa da
gramática normativa. (Possenti, 1996, p.90).
Segundo Perini (1995), a gramática é uma disciplina ocupada, como as
demais disciplinas científicas, em estudar um aspecto do mundo, a saber, a
estrutura e o funcionamento da língua, ou seja, um conjunto de regras que
definem as combinações possíveis dos elementos léxicos de uma língua.
Dessa maneira, o termo gramática é considerado poliforme, uma vez
que admite diferentes significados, pois um mesmo falante pode usá-lo sob
diversas perspectivas. Tanto ele poderá significar “conhecimento internalizado”,
quanto uma área do conhecimento referente ao “conjunto de regras”.
Além das gramáticas normativas e descritivas, tem-se a gramática
funcionalista que
faz, acima de tudo, a interpretação dos textos, considerados como unidades
de uso (...), embora, obviamente, se vá à interpretação dos elementos que
compõem as estruturas da língua (tendo em vista suas funções dentro de
todo o sistema linguístico) e à interpretação do sistema (tendo em vista os
componentes funcionais. (NEVES, 2006, p.26)
Em outras palavras, a gramática funcional está assentada em três
pontos centrais: “o uso (em relação ao sistema); o significado (em relação à
forma); e o social (em relação ao individual)” (idem).
Apesar de inúmeros modelos de gramática, produtos das teorias
linguísticas a que historicamente estão relacionados, nas escolas ainda é a
gramática normativa adotada pela maioria dos professores como instrumento
de aquisição da linguagem culta, assunto que veremos mais adiante. Uma das
perguntas que se levantam é: por que são as gramáticas normativas
consideradas ainda como as mais adequadas para a aprendizagem da língua
portuguesa? Por que esta força resiste às mudanças previstas, inclusive, nos
PCNs? O histórico da construção dessa gramática aponta algumas respostas.
35
2.2. Pequena história da Gramática no Ocidente
A tradição do estudo da linguagem na Europa provém da cultura grega
antiga como apêndice da lógica. Seu objetivo principal, portanto, estava ligado
aos estudos filosóficos. Esse período, conhecido como helenístico, foi marcado
pelo domínio da Macedônia sobre o mundo grego, influenciando, fortemente, a
esfera cultural.
A maior parte das escolas famosas de filosofia grega incluiu a linguagem
como um de seus objetos de investigação. A exemplo disso, tem-se Heráclito
com sua filosofia panteística, que fez da palavra a expressão do pensamento;
Parmênides, em sua escola eleática; Demócrito; Epicuro e seus discípulos, que
discutiram vários assuntos linguísticos, entre os gerais estava a indagação
sobre até que ponto a língua era regular.(Cf. LYONS, 1979, p.6).
Os estudos filosóficos gregos influenciaram a construção da gramática
que remonta ao século V. a.C. Para os gregos, a gramática sempre foi parte da
filosofia, ou seja, era uma parte da sua indagação geral sobre a natureza do
mundo que os cercava e das suas instituições sociais. Inclinados ao
universalismo, discutiam se o que regia a língua era a natureza ou a
convenção.
Essa oposição abrigava um lugar comum de especulação filosófica: de
um lado, a teoria naturalista, fundamentada em Heráclito, propunha que a
palavra era a imagem exata do mundo, ou seja, havia uma relação entre a
língua e as coisas que ela exprimia; de outro a teoria convencionalista, pregava
a arbitrariedade da palavra. Parmênides notou, na multiplicidade da palavra, o
mero resultado do costume e da tradição, isto é, havia um contrato social entre
os membros da comunidade. Os sofistas, devido à proximidade com
Parmênides, também negaram à linguagem a capacidade de refletir a
realidade.
A discussão entre o “natural” e o “convencional”, portanto, permeava os
estudos da linguagem na Grécia. Pode-se dizer que o estudo gramatical, na
Grécia antiga, é caracterizado por três períodos importantes:
36
a) Período dos filósofos pré-socráticos e dos estudiosos Sócrates, Platão
e Aristóteles;
b) Período Estoico; e
c) Período Alexandrino.
Os estudos que se destacaram, no primeiro período, foram os de Platão
e Aristóteles. Crátilo, principal trabalho de Platão, refere-se, especialmente, à
linguagem. Ele trata de um diálogo entre Crátilo (filósofo seguidor de Heráclito)
e Hermógenes (seguidor de Demócrito) em que se discutem questões
linguísticas relacionadas à origem da língua; à sua composição fonética e à
estrutura etimológica das palavras; à relação forma/significado das palavras e à
motivação ou arbitrariedade do signo linguístico, momento no qual defendeu a
teoria da exatidão natural das palavras. Platão, adepto da Escola Naturalista,
afirmava que todas as palavras eram apropriadas por natureza às coisas que
elas significavam, pois se referiam à metafísica das ideias que regem
externamente a mente humana.
Outra abordagem, no diálogo de Crátilo, trata da etimologia das
palavras. Esses estudos consistiam em estabelecer a origem de uma palavra e,
por meio dela, explicitar o seu verdadeiro significado. Assim, acreditava ser
possível revelar uma das verdades da “natureza”: a palavra é o resultado de
uma justaposição de termos simples e cabe à filosofia aproximá-los com a
mesma familiaridade sonora. De acordo com Lyons (1979, p. 5), “a relação
fundamental entre uma palavra e seu significado era a de dar nome
(nominação); e originariamente as palavras eram imitativas das coisas que elas
nomeavam”.
Contrariando os princípios filosóficos de Platão, Aristóteles desenvolveu
uma teoria linguística fundada na filosofia de Demócrito, a qual defendia a tese
do convencionalismo na linguagem e da relação arbitrária entre a palavra e o
significado, realizando, dessa maneira, uma análise mais apurada da estrutura
linguística. Ele acreditava, portanto, que a linguagem era produto de convenção
ou acordo tácito entre os homens. Apesar de ter concebido a Gramática Geral
como parte da Lógica Formal, dedicou-se aos estudos sob a luz da teoria da
frase, partes do discurso e categorias gramaticais.
Assim, vale ressaltar que foi com Aristóteles que se estabeleceu a
tradição gramatical – além de acrescentar ao nome e ao verbo uma classe
37
nova, a das conjunções, via a língua através da lógica, desenvolvendo o estudo
lógico da linguagem, que prevaleceu até o advento da linguística propriamente
dita. (Cf. SILVA, 1989). Ele trata, portanto, da distinção nítida a respeito das
partes do discurso (substantivos, verbos, e partículas) e da estrutura da oração
(o nome como sujeito e o verbo como predicado), a qual perdura até hoje e é
reconhecida como categoria aristotélica. Além disso, segundo Kristeva (1969),
Aristóteles definiu também a proposição, que afirma ou nega um predicado ao
sujeito, ou diz se existe ou não. Quanto às categorias aristotélicas, são elas
dez: 1- a substância ou essência – que dá à pergunta “o quê” a resposta
”homem”- refere-se, assim, ao substantivo; 2- o quanto; 3- o qual e o 4- o
relativamente a quê – referem-se às formas de qualificar; 5- o onde e o quando
– referem-se às classes de denominações espaciais e temporais; 7- o estar em
posição; 8 - o estar em estado; 9- o fazer, e 10- o sofrer- que se referem às
categorias verbais. (Cf. BENVENISTE apud SILVA, 1989).
De acordo com Câmara Jr. (1975, p.26), os fundamentos da gramática
grega foram lançados por Aristóteles e sua continuidade foi dada pelos
estoicos. Silva (1989) explica que a delineação da fundamentação gramatical
tradicional, a partir do que chamaram de etimologia, foi iniciada pelos estoicos.
Eles ocuparam-se em discutir não só o problema da origem da linguagem, mas
também das regularidades na língua. Esse percurso delineado constitui-se um
refinamento de análise que, a princípio, é apenas parte de uma teoria geral do
conhecimento, de uma filosofia que somente alguns séculos depois vem, na
verdade, fundamentar uma gramática.
Foi também com os estoicos, representantes do segundo período, que
os estudos da linguagem foram reconhecidos como parte autônoma da
Filosofia. A grande contribuição consistiu na formulação da dicotomia ente
significado e significante, semelhante à distinção feita por Saussure tempos
depois. São eles os precursores da ideia de que a língua é a expressão do
pensamento, o que tornou possível o entendimento da mente humana – alguns
linguístas da atualidade consideram-nos como os impulsionadores da
Psicologia Cognitiva. Embora a dedicação de seus estudos estivesse voltada
para questões relativas à pronúncia e à etimologia, sistematizaram as classes
de palavras e paradigmas flexionais.
38
A Escola Estoica desenvolveu um estudo sistemático da gramática,
baseado em Aristóteles, porém dele diferindo na sua teoria filosófica, até no
que se referia à linguagem. Aristóteles e os estoicos, entretanto,
desenvolveram uma análise mais completa da linguagem, revelando regras
subjacentes existentes em seu uso. A lógica era a base do desenvolvimento
dos estudos da língua para Aristóteles; aos estoicos coube introduzir o conceito
dos casos nominais.
A disputa entre os naturalistas e os convencionalistas prolongar-se-ia
por séculos, apropriando-se do questionamento especulativo acerca da origem
da língua e da relação entre as palavras e seu significado. Para Lyons (1979,
p.6), essa disputa foi importante para a evolução da teoria gramatical porque foi
ela quem “deu origem a investigações etimológicas as quais estimularam e
mantiveram o interesse dos estudiosos na classificação das relações entre as
palavras”, isso porque eles não acreditavam que havia uma correspondência
unívoca entre a forma e o significado.
Devido ao fato de não acreditarem na relação direta entre forma e
significado, culminou em uma oposição entre os analogistas, que sustentavam
a ideia de que a língua era sistêmica e regular, e os anomalistas, que
defendiam a ideia de que a linguagem possuía irregularidades e era repleta de
arbitrariedades. Os analogistas esforçavam-se para criar vários modelos
referenciais para que pudessem classificar as palavras regulares. Os
anomalistas não negavam a existência de regularidades na formação da
palavra, porém apontavam várias evidências de irregularidades nelas.
O terceiro período, o período alexandrino, caracteriza-se pelos estudos
empiristas e pragmáticos de Alexandria, que consideravam o estudo linguístico
como parte do estudo literário. Seu objetivo principal era o de educar os povos
conquistados na língua e na cultura grega. Eles tinham uma postura normativo-
purista, pois havia a valorização da língua escrita pelos grandes escritores da
época. Sobre tal postura,
toda uma situação cultural cerca esses fatos. A exigir a instalação de uma
disciplina gramatical estão as condições peculiares da época helenística,
marcada pelo confronto de culturas e de línguas, e pela conseqüente
exacerbação do zelo pelo que então se considerava a cultura e a língua
mais puras e elevadas. (NEVES, 2005, p.243).
39
Portanto, esse é o período em que se codifica, mais ou menos, de forma
definitiva, o que veio a chamar-se de gramática tradicional. A língua era
analisada sob duas perspectivas: uma que se baseava nas regularidades, ou
seja, uma postura normativa (preocupação em como a língua deve ser); e
outra, nas irregularidades, isto é, privilegiavam o uso efetivo da língua
(preocupação em como a língua é). Esse período conhecido como helenístico
foi fundamental para o apogeu da gramática grega que foi, finalmente,
estruturada no compêndio de Dionísio da Trácia, que nasceu em Alexandria e
viveu entre 170 e 90 a.C.
A influência da gramática de Dionísio sobre todas as gramáticas
ocidentais é imensurável, já que, de um lado, é representativa do procedimento
gramatical que surgiu na época alexandrina e, de outro, é um formato cujos
traços serviram de modelo para a tradição gramatical ocidental. Aqui sua
gramática é definida como a “arte de escrever”, considerada como disciplina já
independente da lógica e da filosofia e como saber empírico da linguagem dos
poetas e prosadores. Esse conceito de arte dado à gramática por Dionísio
refere-se ao fato de que ela não era especulativa, mas prática. (Cf. FÁVERO,
2001). Em relação, ainda, à importância de Dionísio na construção das
gramáticas ocidentais, Neves explica que sua gramática era um
tratado breve e metódico de doutrina gramatical. Dionísio, no primeiro
parágrafo de seu manual, indica como partes da gramática: leitura praticada
segundo as regras da prosódia; explicação dos poetas segundo os tropos
que neles aparecem; explicação natural dos fatos linguísticos e históricos;
investigação etimológica; exposição da analogia e julgamento das obras
(que é a parte mais importante da arte gramatical). (NEVES, 2005, p. 126-
7).
De acordo com Neves (2005), verificam-se, ainda, na organização da
obra do gramático, vinte parágrafos, assim divididos: 1- da gramática; 2- da
leitura; do acento; 3- da pontuação; 4- da pontuação; 5- da rapsódia; 6- do
elemento; 7- da sílaba; 8- da sílaba longa; 9- da sílaba breve; 10- da sílaba
comum; 11- da palavra; 12- do nome; 13- do verbo; 14- da conjunção; 15- do
particípio; 16- do artigo; 17- do pronome; 18- da preposição; 19- do advérbio e
20- da conjunção. Como se vê, a obra não abriga a sintaxe, apenas a fonética
40
e a morfologia, sempre com vistas à língua grega. Na tradição lexicológica
grega, as partes do discurso já se distinguiam em oito: nome, verbo, particípio,
artigo, pronome, advérbio, preposição, conjunção. Entretanto, ainda não abriga
a sintaxe, apenas fonética e a morfologia, sempre com vistas à língua grega.
As formulações dessa gramática tratam, na verdade, de uma gramática
descritiva, embora, pelos padrões selecionados para descrição, fique revelada
uma finalidade normativa. (Cf. NEVES, 2002).
Outro gramático não menos importante foi Apolônio Díscolo. Nascido em
Alexandria, viveu na primeira metade do século II d. C. e representou o ponto
culminante da sabedoria gramatical da Antiguidade. Como os estudiosos de
Alexandria sempre privilegiaram a língua escrita dos grandes escritores da
época, estabeleceram o que foi chamado de erro clássico na tradição
gramatical. Ao concentrarem seus estudos na linguagem escrita, avaliaram, de
forma negativa, as diferenças entre o falar e o escrever. De acordo com Lyons
(1979, p.21), os estudiosos alexandrinos viam a língua falada como “uma cópia
imperfeita da linguagem escrita”.
De acordo com Câmara Jr. (1975, p. 57), “os principais filólogos do
período alexandrino foram Zenodotos (século IV ou III a.C.); Aristarco,
intérprete de Homero; e Apolônio Díscolo”. As gramáticas escritas pelos
filólogos helenistas tinham duas finalidades: a primeira era a de combinar a
intenção de estabelecer e explicar a língua dos autores clássicos; e a segunda
era a de preservar o grego da corrupção por parte dos ignorantes e iletrados.
Isso explica a expressão criada por eles “arte de escrever” derivada da palavra
gramática. Fávero (2001) explica que a “gramática” era a “arte”, “conceituação
oriunda do modelo greco-latino. A autora explica que “Ars é tradução do grego,
a qual segundo Aristóteles, na Metafísica atribui ao termo o sentido de ofício,
habilidade para fazer algo; artesão é o que possui essa habilidade e conhece
as coisas pelos feitos, não pelas causas”.
A tradição gramatical do Ocidente teve início com os gregos, mas foram
os romanos que deram continuidade a esses estudos gramaticais.
A gramática, nascida para explicar e estudar a língua grega foi, mais
tarde, vertida em latim, copiando os romanos a terminologia usada pelos
gramáticos alexandrinos, ou seja, a cultura romana “aceitou e aplicou o latim,
41
de forma geral, ao estudo linguístico desenvolvido pelos gregos” (CÂMARA Jr.,
1975, p.27).
Discípulo dos gramáticos de Alexandria, Varrão (século II a.C.) utilizou a
estrutura da gramática grega para moldar a gramática latina, postulando-a
como “a arte de escrever e falar corretamente e de compreender os poetas”;
privilegiando a gramática do latim clássico. O modelo de gramática utilizado por
ele influenciou as que surgiram depois.
De acordo com Garcia (1960), a contribuição do povo romano para os
estudos gramaticais, entretanto, não foi de grande originalidade, pois os
trabalhos dos gramáticos confirmam que os gregos consolidaram os primeiros
princípios da nova ciência, que têm permanecido quase inalterado ao longo dos
tempos. Esse fator, nada inovador, se deu por causa da semelhança que havia
em ambas as estruturas linguísticas, levando os latinos a pensar que as muitas
categorias gramaticais elaboradas pelos gregos eram universais e necessárias.
Por essa razão, ainda hoje, a gramática portuguesa utiliza-se de uma
terminologia inventada há mais de vinte séculos.
Os gramáticos gregos só tiveram como objetivo de seus estudos sua
própria língua, mas os latinos tiveram um campo de trabalho mais interessante
e amplo, já que, ao lado da própria língua, tinham a grega como ponto de
referência. Para os latinos, o termo “gramática” designava meio e técnica que
faculta a produção de textos escritos, isto é, eles acrescentaram à concepção
dos gregos o estudo do tratado dos fatos da linguagem e elaboração de
gramáticas para o aperfeiçoamento da língua latina.
Essa visão a respeito da língua seria mantida explicitamente pelos
gramáticos medievais. As obras de Varrão (século II a.C.), Quintiliano (século I
de nossa era), Donato (meados do século IV d.C.) e Prisciano (século V d.C.),
especialmente dos últimos, foram conhecidas durante a Idade Média. De
acordo com Lyons (1979, p.14), “o período tardio dos estudos gramaticais
latinos, o de Donato (400 a.D.) e Prisciano (400 a.D.) como o período
alexandrino, foi uma idade de classicismo”. Os estudiosos medievais
realizaram, na análise gramatical do latim, muitos avanços que permitiram a
compreensão da gramática tradicional a qual se conhece hoje.
Durante a Idade Média, as gramáticas de Donato e Prisciano foram
utilizadas como manuais de ensino e, até no século XVII, não descreviam a
42
língua de seu tempo, mas a dos escritores como Cícero e Virgílio. Além disso,
uma das características principais era o lugar importante que o latim ocupava
no sistema educacional, por isso os tratados de Donato e Prisciano eram,
segundo Câmara (1975, p.30), “modelos para o ensino da gramática latina”.
Desde o início havia um esforço imensurável para manter a norma do latim
clássico em oposição à língua popular do Império.
Ainda nesse tempo, o surgimento das línguas vernáculas propagou um
esforço maior a fim de conservar o latim puro como língua universal de cultura
superior às vernáculas.
Os filósofos escolásticos, nessa época, ganhavam terreno. O interesse
deles pela língua era o de tratá-la como instrumento de análise da estrutura da
realidade. Isso sob as influências aristotélicas, pois a gramática era entendida
ainda como uma auxiliar da lógica. Dessa maneira, surge, com os gramáticos
filósofos da Idade Média, a dúvida de ser, ou não, a gramática uma ciência.
Posteriormente, surge a ideia de que existe uma estrutura gramatical comum e
universal a todas as línguas e que essa estrutura manifestava-se na língua
latina, por isso a valorização do significado ou da significação.
Os gramáticos desse período, chamados de modistas, publicaram
tratados filosóficos sobre a linguagem, dentre os quais o mais conhecida foi De
Modis Significandi. Eles tinham por inspiração ideias escolásticas da ciência
como busca das causas universais e invariantes das categorias da Lógica, da
Epistemologia e da Metafísica, partindo dos mesmos princípios gerais e
universais.
A chamada gramática especulativa, a qual influenciaria, mais tarde,
Chomsky, visava a descobrir os princípios pelos quais a palavra relacionava-
se, por um lado, com a inteligência humana; por outro, com a coisa a qual ela
representava ou significava. De acordo com Lyons (1979, p. 15), “a gramática
era, pois, uma teoria filosófica das partes do discurso e dos seus modos de
significação característicos”. O fundamento para essa gramática era a
disciplina da lógica delineada por Aristóteles, na Grécia Antiga, e Descartes, no
século XVII. Vale lembrar que o termo especulativo, aqui usado deve ser
entendido num sentido mais particular, derivado da concepção de que a língua
é como speculum – um espelho que reflete a realidade subjacente aos
43
fenômenos do mundo material. Essa metáfora já fora usada pelos estoicos. (Cf.
LYONS, 1979).
A posição privilegiada do latim, neste tempo, foi, sem dúvida muito
importante para a evolução da gramática universal. A visão escolástica da
língua não foi negada na Renascença; na verdade, demonstraram um novo
interesse pelas línguas vernáculas e o seu uso na literatura.
Os humanistas da Renascença, inspirados por Cícero, sustentaram que
a literatura da antiguidade clássica era fonte de todos os valores civilizados.
Daí, eles terem se dedicado à reunião e publicação de textos clássicos.
Acrescido a esse aspecto, a invenção da imprensa, no fim do século XV, tornou
possível a rápida distribuição de textos apurados e, nesse contexto da
diversidade de línguas das nações europeias e do desenvolvimento do
capitalismo mercantil, o aparecimento da imprensa foi, segundo Auroux (1992,
p.29), “um motor decisivo para gramatização e padronização dos vernáculos
europeus". E acrescenta que as grandes transformações dos saberes
linguísticos são, antes de tudo, fenômenos culturais que afetam o modo de
existência de uma cultura do mesmo modo que dela procedem. O papel da
gramática, então, era o de auxiliar o entendimento dessa literatura clássica e
ajudar aos escritores a escreverem em bom latim.
Os ideais da gramática especulativa foram revividos por Arnaud e
Lancelot, ao publicarem, no século XVII, a Grammaire Générale et raisonée – a
Gramática de Port-Royal, cujo objetivo era mostrar que a estrutura da língua é
produto da razão. Lyons (1979) explica que
essa gramática teve enorme influência na França e no estrangeiro, e o
Século das Luzes devia assistir ao aparecimento de muitas obras desse
tipo. Todas essas gramáticas racionais foram forjadas dentro da tradição
clássica que em nada de inovador contribuíram para a teoria linguística
nova. (LYONS, 1979, p.18).
Como já foi dito, a gramática greco-latina, considerada normativa, já era,
em seu tempo, definida com arte de falar e escrever corretamente. A gramática
de Port-Royal “é definida como arte de falar e escrever corretamente; o seu
objetivo é descobrir as relações existentes entre os elementos da língua, sejam
44
eles naturais ou convencionais” (idem). Aos gramáticos, portanto, competia
descrever o bom uso, ou seja, a língua exemplar dos escritores ou pessoas
cultas.
Nessa época, o latim passa a segundo plano, devido a uma crescente
atenção pelas línguas modernas da Europa. Além disso, o século XVII é palco
de entusiasmo para cada país desenvolver sua própria língua.
Diante desse contexto, os contatos linguísticos e as gramáticas
tornaram-se elementos determinantes dos saberes linguísticos codificados, e
as gramáticas tornaram-se as peças-mestras de uma técnica do conhecimento
das línguas. Auroux (1992) conclui que a exploração do planeta, a colonização
e a exploração da vários territórios encetam o longo processo de descrição, na
base da tecnologia gramatical ocidental, na maior parte das línguas do mundo.
É a partir do século XVI que surge a gramatização das línguas
vernáculas, combinando a orientação lógica e a intenção do certo e errado. O
aspecto oral da linguagem também surge neste século e a teoria fonética,
embora rudimentar, desenvolveu-se. Essa teoria fonética teve apoio dos
estudos biológicos da linguagem que se desenvolveram no século seguinte,
devido ao interesse em ascensão pelos órgãos da fala e sua forma de produzir
os sons da língua. Esses estudos fonéticos não fazem parte da linguística,
embora existam naturalmente estritas conexões entre as duas disciplinas. Os
foneticistas investigam tópicos, tais como a base anatômica, fisiológica e
neurológica da fala - fonética fisiológica –, a ação dos órgãos da fala na
produção dos sons da fala – fonética articulatória –, a natureza acústica das
ondas sonoras que transmitem a fala – fonética acústica – e a maneira como o
ouvido e o cérebro interpretam a fala – fonética auditiva e perceptiva. (Cf.
TRASK, 2006).
Esses ideais foram recentemente revividos pela escola norte-americana
de Noam Chomsky. Apesar dos esforços em valorizar essas gramáticas,
críticas severas surgiram, desde o início do século XX, pois eram necessários
requisitos mais precisos e rigorosos para satisfazerem, de fato, a análise sob
as leis do raciocínio.
O fator mais importante a relatar ainda sobre o século XVII a respeito da
linguagem foi o empenho em comparar as línguas e classificá-las de acordo
com suas semelhanças. Os estudos etimológicos da antiguidade ganham
45
novos ares sob uma visão histórica. Mas é somente no início do século XVIII
que essa corrente comparativa e histórica adquiriu mais consistência acerca
dos estudos da linguagem, ou seja, ideias mais sólidas que iriam impulsionar o
advento da verdadeira ciência da linguagem ou linguística no século XIX. Para
Lyons (1979)
as realizações mais significativas da ciência linguística do século XIX
podem resumir-se nestes dois fatos: o estabelecimento dos princípios e
métodos para a classificação (...) de famílias linguísticas, e, o que é mais
importante, o desenvolvimento de uma teoria geral das transformações
linguísticas e das relações entre as línguas. (LYONS, 1979, p. 22).
De acordo com Nunes (2006, p. 146), “a partir da metade do século XIX,
passa-se a considerar a proximidade genética e a explicação histórica: de um
lado, as genealogias, de outro, as explicações e etimologias”. A linguística do
século XIX vista como ciência autônoma, restringia-se à comparação das
línguas. Segundo Câmara (1975, p. 42), “o grande impulso (...) para a
elaboração de estudo histórico da linguagem teve início depois da descoberta
do sânscrito e da cultura da Índia pelos estudiosos europeus no começo do
século XIX”.
O interesse pelo estudo descritivo da língua firmou-se no início do século
XX. Linguistas da época acreditavam que, ao lado das leis históricas, havia leis
descritivas, mas foi, de forma mais objetiva, que o linguísta franco-suíço
Ferdinand Saussure dividiu a linguística em sincrônica – gramática descritiva,
cientificamente conduzida, ou seja, sistemática, objetiva e coerente – e
diacrônica – estudo que se dá através do tempo, isto é, a gramática histórica. O
objetivo de Saussure era ver essa gramática como disciplina autônoma, livre
das disciplinas filosóficas da lógica e da psicologia, como de quaisquer outras
ciências.
Na gramática tradicional normativa estava implícita a ideia de
inferioridade da língua falada em relação à língua padrão escrita. Em oposição
a esta concepção, Saussure sustentou que, mesmo havendo importantes
restrições, a língua falada vem primeira, ou seja, isso implica a prioridade da
46
língua falada que é anterior e, portanto mais difundida que a escrita. Lyons
(1979) explica que
quando o gramático tradicional sustentava o princípio da prioridade da
língua escrita, estava, sem dúvida, pensando, sobretudo na língua da
literatura mais do que, por exemplo, nos telegramas, nas manchetes, (...), e
tinha tendência de dizer que a língua era a forma mais nobre ou mais
correta. (LYONS, 1979, p. 42).
Contrariando a orientação da gramática tradicional, portanto, o linguista
apenas dá sustentação de que, no uso da língua, há muitos objetivos e que
devido as suas variadas funções esse uso não pode ser julgado sob critérios
que são aplicáveis particularmente à língua literária.
O interesse de Saussure “por todas as línguas deriva dos fins
declarados que ele se propõe: a construção de uma teoria cientifica da
estrutura da linguagem humana” (LYONS, 1979, p.46). Dessa forma, havendo
os exemplos de língua documentados e passíveis de observação, servem
como dados que podem ser sistematizados e, é claro, explicado pela teoria
geral.
As gramáticas, portanto, foram construídas e amalgamadas em modelo
greco-latino, preocupando-se, prioritariamente, com a norma da língua escrita,
por ser essa considerada mais culta. No Brasil, as gramáticas se beneficiaram
com os estudos portugueses a partir do século XIX, momento em que é
inaugurado o cientificismo e instaurados questionamentos acerca do
aprendizado da língua, assunto do próximo capítulo.
47
Capítulo III-
A Gramática no Brasil
Introdução
Este capítulo não só se ocupará em traçar os caminhos percorridos pela
gramática no Brasil situando sua construção de acordo com o contexto
histórico educacional brasileiro, mas também tratará de explicitar o
estabelecimento da norma-padrão e de seus aspectos ideológicos.
3- Histórico
Como já foi visto, no período em que surgiu a gramática tradicional, cujo
caráter especulativo não exigia uma comprovação empírica, os gramáticos
defendiam a existência de línguas inferiores e variações linguísticas
consideradas superiores e puras. Assim, não há dúvidas de que a língua
clássica era a modalidade de grande prestígio e que a dimensão da escrita era
superior à dimensão da fala.
Desde sua origem, portanto, a gramática normativa estabeleceu regras,
baseando-se na escrita no uso que dela faziam os indivíduos considerados
pela sociedade os mais cultos e nobres. A gramática grega visava a preservar
a cultura grega, transmitindo, assim, o patrimônio literário grego, preservando-o
dos bárbaros. De acordo com Lyons (1979), os gramáticos tradicionais
se preocupavam mais ou menos exclusivamente com a linguagem literária,
padrão; e tendiam a desconsiderar ou condenar como incorreto o emprego
de formas não consagradas ou coloquiais, tanto no falar como no escrever.
Com freqüência, deixavam de compreender que a linguagem padrão é de
um ponto de vista histórico, tão somente o dialeto regional ou social que
adquiriu projeção, tornando-se o instrumento da administração, da
educação e da literatura. (LYONS,1979, p.21).
48
Essa precedência da língua escrita e a seleção de uma variedade,
considerada como a melhor, de uma língua já aparecia como objetivos da
gramática como arte de escrever entre os filólogos e os gramáticos de
Alexandria, no século III a.C. (Cf. LYONS, 1979).
A busca pela pureza da linguagem, entretanto, não se reduz apenas à
antiguidade. Na França, no século XVII, a obra de Vaugelais, Remarques sur la
Langue Française, refere-se à escolha do bom uso da língua que deveria ser o
da corte. Para esse autor, “somente a corte tinha poder de legislar sobre a
língua; os eruditos, os gramáticos e os escritores opinavam quando
convocados como conselheiros, em caso de dúvida”. (LEITE, 2006, p.20-1).
No século XVIII, porém, o bom uso da língua deveria estar restrito aos
modelos literários dos grandes escritores. Daí, a importância dos textos
escritos. A gramática, então, fixaria essa língua através de normas a serem
seguidas. Para Fávero (2008),
a gramática não tem por finalidade ensinar a língua, mas fornecer modelos
(literários) àqueles que já possuem a língua padrão; ela é ao mesmo tempo
o reflexo e o resultado de uma organização social e ferramenta da classe
dominante; uma força ativa de sua ideologia, para manutenção desta
dominação: o gramático, talvez sem perceber, desempenha o papel
ideológico de exclusão do saber (e do poder) das camadas que não
constituem a elite.
A gramática denominada normativa, portanto, propõe-se a sistematizar
as regras de uma língua e, por meio delas, manter um determinado padrão de
língua. Essa escolha pela variante padrão tem estreita relação com os fatores
históricos e sociais de um determinado período e num determinado espaço.
Segundo Figueiredo (2004, p. 105), em função da sua finalidade didática
e do contexto sociopolítico do ensino da Língua Portuguesa, as gramáticas
normativas restringiram-se à descrição de um tipo de língua escrita, “a língua
dos “bons autores”, que são geralmente autores clássicos, isto é, produtores de
um estado de língua anterior”. Ainda acrescenta que os exemplos justificavam
a descrição da língua dos bons autores e
49
(...) eram sempre retirados de uma tipologia de textos, a narração escrita
clássica, que estava longe de ser representativa da língua efectivamente em
uso. São excluídos outros usos, os textos argumentativos, por exemplo, e
as produções orais que não recebem, nestas gramáticas normativas,
qualquer descrição ou explicação.
Ao destacar-se a finalidade da gramática normativa e o modo como ela
se apropria dos textos clássicos, surge a necessidade de percorrer um caminho
que visa à reflexão de como essa gramática foi pensada no Brasil em relação à
escolha de qual língua impor ao brasileiro no século XIX. Antes, porém, é
necessário situar a construção dessas gramáticas vinculadas ao processo
educacional brasileiro no contexto histórico.
A periodização dos estudos gramaticais no Brasil não é única.
Nascentes (apud FÁVERO & MOLINA, 2006), por exemplo, divide os estudos
gramaticais em 4 períodos:
o primeiro, chamado por ele de embrionário, começa com a cultura
brasileira e vai até 1835, data de publicação do Compêndio da gramática da
língua nacional de Antônio Álvares Pereira Coruja, seguindo
exclusivamente orientação lusitana; o segundo,que nomeia de empírico, vai
de 1835 – com a publicação da primeira obra de certo valor (...), do mesmo
Coruja – até 1881 – data de publicação da gramática de Júlio Ribeiro; o
terceiro denominado de gramatical, vai de 1881 até 1939, data da Fundação
da Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil, e instância
de inauguração do quarto período. (apud FÁVERO & MOLINA, 2006, p. 47-
48).
Silvio Elia
(apud FÁVERO & MOLINA, 2006), por sua vez, divide a
história dos estudos gramaticais no Brasil em dois períodos: “vernaculista, de
1820 (época de nossa independência) a 1880 (época da publicação da
Gramática Portuguesa de Júlio Ribeiro e cientifico de 1880 em diante)” (idem,
p. 48). O primeiro período coincide com o momento de Independência do
Brasil e com a entrada no Brasil de novas idéias românticas. O movimento de
idéias no Brasil começa a se dar por influência de outros países, não somente
de Portugal. Sobre esse período, Elia (idem) explica que
50
coincide, grosso modo, com o advento e o triunfo da escola literária
denominada Romantismo – É, pois, uma fase de contradição entre as
preocupações puristas e classicizantes de alguns espíritos conservadores
ou retardatários e as reivindicações reformistas, senão mesmo
revolucionárias, de representantes de uma geração ansiosa de afirmações
autonomistas e até separatistas. Nos dois campos, porém, predominavam
as intenções de vernaculidade, de não corrupção de linguagem, de
legitimidade das formas de dizer.
Existem outras propostas de periodização dos estudos gramaticais no
Brasil, como as de Eduardo Guimarães que também a divide em quatro
momentos, a de Leodegário A. de Azevedo Filho, que propôs cinco períodos e
a mais recente, a de Cavaliere que a divide em quatro momentos, baseando-se
em dois fatores: “as fontes teóricas e as obras representativas dos momentos
de ruptura” dos estudos linguísticos. (apud FÁVERO & MOLINA, 2006, p. 51).
Fávero & Molina (idem) concluem, entretanto, que pelo menos dois
momentos são importantes nos estudos gramaticais brasileiros: o primeiro
formado pelas obras que antecedem à de Júlio Ribeiro, e o segundo, pelas
gramáticas publicadas depois dele, ou seja, aquelas “produzidas sob
orientação das correntes científicas (histórico-comparativas)”. (idem, p. 52).
3.1. O estabelecimento de uma norma- padrão
A língua possui uma multiplicidade de formas. Essa heterogeneidade
natural da língua está relacionada à concepção de homem enquanto ser social,
que se movimenta em uma estrutura igualmente complexa de uma sociedade.
A metáfora subjacente ao pensamento de alguns intelectuais marxistas
ou estruturalistas, como Barthes, era o modelo da sociedade; o da cultura
como linguagem. Retomada a questão diversa da sociedade, é essa que faz
com que a língua vá além de sua característica como instrumento
comunicativo, aliando-se a fatores políticos, econômicos, culturais e
ideológicos.
Determinar apenas uma das variedades da língua deve-se a muitas
razões, como a associação à escrita, à tradição gramatical, à dicionarização e
51
o estabelecimento de uma norma. Esta última provém da ideia de continuidade
e necessidade do aprendizado da gramática normativa, ou seja, deve-se à
ideia de que se há uma norma a ser ensinada, é necessário que todos a
aprendam. Em outras palavras, podemos relacioná-la à transmissão, ou seja,
tradição ou reprodução cultural. Segundo Bourdieu & Passeron (2008), essa
expressão refere-se à tendência de a sociedade, em geral, e o sistema
educacional, em particular, se reproduzirem ao inculcar e preservar na geração
mais jovem os valores do passado.
As tradições não sobrevivem automaticamente; elas são transmitidas
como resultado de um trabalho árduo realizado pelos pais, professores e outros
agentes envolvidos no processo de socialização. O conceito de reprodução
cultural, segundo Burke (2002), evidencia os esforços em manter uma
sociedade mais ou menos tal como se encontra.
Existe, assim, relação entre linguagem e poder, cuja aparência visa à
democracia, com vistas a garantir oportunidades igualitárias a todos. O
estabelecimento da variação linguística prestigiada socialmente constitui um
processo gerador de exclusão dos que não a manejam com eficiência. A norma
linguística utilizada pelos que detêm o poder transforma-se na língua modelar;
(...) as variedades linguísticas usadas pelos segmentos sociais subalternos são
considerados erros, transgressões e seus usuários são, por isso,
ridicularizados. (FIORIN, 1990, p.07). Sobre essa relação de poder, Lasswell
(apud Burke, 2002, p. 109) ressalta que os “que conseguem o máximo são
elites; o restante é massa”.
O exercício do poder em instituições de pequena abrangência – em
particular, a escola – reforça a exclusão do ‘restante da massa’ que, por vezes,
mesmo submetidos à educação sistematizada, não dispõem de certos
parâmetros que lhes permitam reconhecer com clareza as posições sociais que
ocupam e assim medir a realidade imersa na desigualdade.
Diante disso, a fim de regular as relações entre os indivíduos, há
necessidade da formulação e implementação de políticas e de projetos
educacionais e linguísticos que visem ao tratamento igualitário de cidadãos
cuja natureza é diversa, como forma de se evitar a exclusão social. Apesar da
aparência contraditória, é preciso contemplar a natureza heterogênea expressa
52
pela língua, pois essa heterogeneidade exterioriza os traços identitários
resultantes das diversas posições discursivas assumidas pelos sujeitos.
A heterogeneidade da língua, entretanto, não é levada em consideração
quando se trata de estabelecer uma norma padrão da língua, prevista pela
gramática normativa. O aspecto polissêmico do termo “norma” favorece as
discussões, às vezes, antagônicas, entre os estudiosos da língua.
“Norma” pode ser definida sob duas perspectivas: a primeira, como
norma padrão, norma normativo-prescritiva ou norma prescritiva, subjetiva,
conceito tradicional, idealizado pelos gramáticos pedagogos a qual serve, até
certo ponto, como diretriz, a fim de controlar a representação escrita da língua;
a segunda, como normas sociais ou normais, objetivas, atuantes nos usos
falados das variantes das línguas. As normas, portanto, são responsáveis pela
definição de grupos sociais, os quais constituem a hierarquia social de uma
sociedade. Distinguem-se, assim, normas sem prestígio social e normas de
prestígio social, que equivale à norma culta utilizada pela classe dominante e
pelas sociedades letradas. (Cf. SILVA, 2005). A norma, portanto, a que se
refere o ensino da gramática como instrumento de capacitação intelectual do
cidadão brasileiro, é definida sob a primeira perspectiva, ou seja, ela é
prescritiva e impõe, a partir de exemplos de escritores clássicos, o modelo
idealizado de língua culta.
A “norma linguística”, ainda sob a segunda perspectiva – a de norma
social – pode ser vista como fruto de um acordo tácito, ou seja, ela resulta de
um contrato social feito entre membros de uma comunidade, que se impõe via
tradição e as rupturas a ela não são bem aceitas; são avaliadas de forma
negativa e, se necessárias, precisam ser justificadas, para que possam ser
defendidas dos ataques da força da tradição. (Cf. LEITE, 2006). Vista por esse
ângulo, Faraco (2002) ressalta que a norma-padrão é carregada de preconceito
em relação às demais variantes e tem por finalidade estabelecer uma
padronização da língua, determinando tudo o que se opõe a ela como errado.
Para Rodrigues (2002), a norma-padrão é definida como “padrão ideal”,
escolhida, no português, arbitrariamente como “o melhor” que deve ser
utilizado por quem realmente “preza o valor de sua língua”. A norma culta, por
sua vez, pode ser considerada como o “padrão real”, ou seja, o padrão que
realmente é utilizado pela sociedade. Geralmente, quando se trata de “norma”,
53
tende-se a relacioná-la ao trabalho de codificação gramatical dessa variante
com a produção de manuais descritivos que se destinam ao ensino dessa
variante.
A partir do momento em que se inicia o processo de codificação desta
ou daquela variante, e a escolhida é tomada como objeto de descrição,
estabelece-se uma relação dialética entre o que os escritores produzem, a
partir da variante tomada como base, e o que o gramático recomenda como
correção.
Auroux (1992) explica que a produção de gramáticas no ocidente teria
correspondido a um grande esforço tecnológico o qual buscou reproduzir a
tecnologia existente para o Latim, ampliando-a e problematizando-a, tornando
possível todo movimento de construção de identidades nacionais por meio da
codificação de escritas nacionais.
Em relação ao movimento de constituição de uma norma a ser seguida,
é a significação social das formas linguísticas que define uma posição de
sujeito com a qual eles se identificarão, podendo significar-se como classe
social, grupo etário, grupo regional. Esse significado social não provém de
vontade individual ou coletiva, mas é produto da própria dinâmica social
definida pela ideologia e pelos discursos.
Uma vez legitimada uma norma-padrão, ela passa a ter uma tendência
natural de ser mais estável, porque tem maior abrangência em relação à
identidade nacional e às relações de poder mais amplas na sociedade,
colocando-se acima das relações locais, ou etárias ou sexuais. Ainda assim, a
norma também pode passar por uma ressignificação social.
No Brasil, o estabelecimento da norma-padrão teve o intuito de paralisar
a variação e controlar a mudança. A norma-padrão brasileira surgiu no século
XIX, partindo da necessidade que alguns membros ocupantes da sociedade
letrada viram de unificar a língua, tornando-a livre da heterogeneidade e
combatendo as mudanças e as variações, principalmente na escrita,
representando, assim, maior distanciamento entre as modalidades oral e
escrita. (Cf. FARACO, 2002).
Segundo Pagotto (2001), a constituição da norma no Brasil pode ser
dividida em dois momentos: um de fixação e outro de manutenção. O primeiro
54
teria abrangido a segunda metade do século XIX e o segundo, a partir do
século XX, o qual teria vindo até os dias de hoje.
No primeiro momento, tiveram papel importante não só as gramáticas,
como os dicionários, ambos instrumentos de fixação da língua que
sistematizaram um conjunto de preceitos que deveriam ser seguidos em prol
de uma normalização linguística.
O segundo momento foi caracterizado, primordialmente, pela “escolha”
de bons modelos ou de modelos de uso mais prestigiados da língua
portuguesa. Segundo Leite (2006, p. 19), “as noções de uso e de norma
linguística não devem ser confundidas, pois é o uso que estabelece a norma”,
além disso, a autora ressalta que “o grau de variabilidade da norma é sempre
maior que a do uso, pois um certo uso é senão uma das possibilidades de
realização da norma”. Essa escolha deu margem a várias polêmicas que se
tornaram célebres, como a de José de Alencar, Rui Barbosa e Carneiro
Ribeiro, e que tratavam da noção de norma, referindo-se a três sentidos
diferentes dados pelos intelectuais envolvidos:
Da definição de uma norma literária, um problema que surgiu durante o
período do romantismo, ligado à preocupação de dotar a literatura brasileira
de uma linguagem literária própria;
Da elaboração de uma norma para o português escrito culto, que teve um
momento importante na polêmica sobre o texto do Código civil da Primeira
República;
Da questão de estabelecer uma norma fonética para o português brasileiro
que foi debatida a propósito da pronúncia a ser usada no canto e no teatro,
em dois congressos, realizados, respectivamente, em 1936 e 1957. (ILARI
& BASSO, 2006, p.214).
Nesse momento, também se verifica a construção de inúmeras
gramáticas normativas e a preocupação em se formar o homem culto, objetivo
a ser alcançado nos cursos oferecidos pelas escolas públicas.
A respeito desses três sentidos sobre a questão da norma proferidos
pelos intelectuais da época, tratar-se á, agora, de cada caso. A primeira
definição resulta de um período em que os escritores brasileiros interpretaram
o ideário literário num cenário criado pela independência política; por isso, a
exaltação da natureza reportava à origem da nacionalidade em que o
55
imaginário gerado reflete a figura do índio. Esse período determinado como
romantismo trouxe o nacionalismo, via linguagem, o combate aos
estrangeirismos, valorização do vernáculo, e utilização da linguagem
regionalista. (CF. LEITE, 2006).
Após o período da independência (1822), surgiu, no Brasil, a questão
acerca do nome da língua em que deveria expressar-se a literatura brasileira,
uma vez que já se percebiam diferenças entre a língua portuguesa falada em
Portugal e a falada no Brasil. Daí, a literatura brasileira deveria expressar-se
em “língua nacional” ou “língua brasileira”, como ficou denominada. É nesse
Brasil do século XIX que as polêmicas em torno da linguagem de José de
Alencar ganham ares além mar, pois, do outro lado do Atlântico, o filólogo
português Pinheiro Chagas fez dele uma avaliação depreciativa, à qual Alencar
responderia acrescentado à segunda edição de Iracema (1870) um post-
scriptum que ficou célebre.
Sobre Alencar recaíam acusações por praticar uma linguagem
descuidada, cheia de neologismos e galicismos. O escritor em sua obra
Iracema deixa evidenciar o brasileirismo cujo papel era considerável e,
diferentemente de tudo o que já havia aparecido em língua portuguesa, esse
romance tinha características de um poema em prosa. Dessa polêmica Leite
(2006, p.26) explica que “tomaram parte tanto portugueses quanto brasileiros
contra Alencar (...) o centro das atenções era Portugal e a produção linguística
brasileira era toda voltada para lá e, portanto, o que escapasse à norma
clássica era duramente criticado.” E acrescenta que os brasileiros eram muito
mais rígidos que os portugueses, porque queriam deixar patente sua erudição
e provar não serem provincianos.
No final do século XIX e início do século XX, outra polêmica foi travada
entre Rui Barbosa e Ernesto Carneiro Ribeiro a respeito da elaboração de uma
norma para o português escrito do Código Civil. O fato se dá devido à
encomenda da Câmara dos Deputados a Carneiro Ribeiro de revisar a primeira
redação do Código Civil, a qual foi submetida, com suas emendas, à sanção do
Senado. A partir disso, surgem a Réplica e a Tréplica, obras resultantes da
polêmica, que se tornaram documentos do uso linguístico desse período, pois,
segundo Leite (2006, p.27), “trazem reação aos usos não autorizados, mas
presentes em textos escritos e falados, oriundos de falantes e escritores cultos,
56
como, por exemplo, textos dos dois contendores”. Além disso, de acordo com a
autora, esses documentos revelam como prova da mudança lingüística as
expressões e estruturas condenadas pelos dois, ou por um dos polemizadores
e que estão, hoje, em pleno vigor na norma culta prescritiva e objetiva, no
registro, sem deixar entrever qualquer marca estigmatizadora. Sobre a norma
linguística denominada objetiva, Rey (apud LEITE, 2006, p. 27) afirma que “é
aquela que é efetivamente praticada pelos falantes no uso espontâneo da
língua, no registro culto ou popular. A norma prescritiva é a que está codificada
nas gramáticas normativas”.
No início do século XX, entretanto, ainda persiste a questão da norma
linguística que continuava sendo um problema para a sociedade brasileira, pois
os usos não autorizados estavam presentes em textos escritos e falados. A
metalinguagem reacionária à mudança, ou seja, o purismo possuía as mesmas
características das quais se iniciaram no século XVIII.
Mas, de acordo com Leite (2006, p. 27) foi somente a partir de 1922 que
tal situação começou a “ser transformada quando a força da bandeira
modernista, ruptura com o passado, promoveu uma reforma no panorama
linguístico brasileiro, por propugnar a valorização da variante da língua
praticada aqui”.
Assim, a fim de regulamentar a língua utilizada em dois gêneros
artísticos – o canto lírico e o teatro – realizaram-se dois congressos. No
Congresso Brasileiro da Língua Cantada – realizado em São Paulo em 1936,
com a participação de Mario de Andrade, o inspirador, Manuel Bandeira e o
filólogo Antenor Nascentes – organizou-se uma discussão sobre qual língua se
adotar na fala. Além desse encontro, outro Congresso também foi organizado
com esse intuito: o Congresso Brasileiro da língua Falada no Teatro, realizado
em 1957, em Salvador, tendo como relator o filólogo Antônio Houaiss. Apesar
da distância temporal entre os dois eventos, havia muitos pontos em comum
entre eles:
57
Reconheciam implicitamente que a língua portuguesa, no Brasil, era falada
de várias maneiras, que não coincidem com as maneiras utilizadas em
Portugal;
Partiam do pressuposto de que a norma era sobretudo uma questão de
sotaque, que se todos tomassem como modelo a fala de alguma cidade ou
região do Brasil, eliminando os traços que fossem considerados
regionalismos (por exemplo o sibilismo dos paulistas ou o gargarismo e o
chichismo dos cariocas. (ILARI & BASSO, 2006, p. 220).
De acordo com Ilari & Basso (2006), um aspecto comum aos dois
congressos foi a ideia de que, uma vez que a pronúncia fora definida por
especialistas, ela acabaria por ser recomendada e assim se espalharia por
áreas cada vez mais amplas do país por meio do ensino.
Para Leite (Cf. idem), a língua escrita, mesmo a padrão, praticada em
todos os outros meios que não os científicos e literários, que são
particularmente especiais – considerada liberal, é ainda voltada para a norma
prescritiva.
Coseriu (apud Leite, 2006), concebe que língua padrão é a
segunda língua comum que se estabelece por cima da língua comum (no
caso duma língua comum diferenciada regionalmente e/ ou socialmente),
como forma idealmente unitária da mesma, pelo menos para aquelas
tarefas e atividades (culturais, políticas, sociais, educacionais) que são
(idealmente) tarefas e atividades de toda comunidade idiomática. Com isso,
a língua exemplar ou língua padrão confirma a coesão e a individualidade
da comunidade correspondente a uma língua histórica e é expressão mais
eloqüente da unidade étnico-cultural da comunidade idiomática. (COSERIU
apud LEITE, 2006, p. 29).
Todas as discussões sobre “as concepções de norma tiveram algum
reflexo no ensino, mas se fizeram sentir de maneira desigual. Apesar disso, a
que mais deixou marcas foi ‘a norma da língua escrita’ da qual se tomou como
exemplo o trabalho de Rui Barbosa e Ernesto Carneiro sobre o Código Civil”
(ILARI & BASSO, 2006, p. 223). Para os brasileiros que defendem uma língua
brasileira as raízes da norma imposta no Brasil são portuguesas, mas que
ainda exercem forte influência sobre o modo como a sociedade brasileira
representa o uso culto da língua, o que contribui para ampliar a distância entre
o português padrão e o português falado pela população não escolarizada.
58
3.2. A norma-padrão sob o ponto de vista da ideologia
Os fatores extralinguísticos, como os ideológicos e sociais, operam para
o estabelecimento da norma linguística. Esse estabelecimento da norma-
padrão pode ser relacionado à noção de ideologia, uma vez que se pode
conceituá-la, segundo Fiorin (1990, p.69), como “sistema das idéias, das
representações, que domina o espírito de um homem ou de grupo”.
A ideologia emerge das instituições em geral: escola, família, Estado,
religião, associações para fins diversos, empresas, que estabelecem normas
para as relações sociais. A ideologia manifesta seu discurso a funcionários,
alunos, empregados, filhos e leigos, por meio de agentes como políticos,
professores, pais, padres, pastores, sobre as coisas, as situações,
interpretando-as. (Cf. CHAUÍ, 1998).
O processo ideológico pode apresentar-se de uma maneira restrita (um
grupo de pessoas defendendo certa idéia), ou ampla, quando intelectuais
ligados às estruturas de poder desenvolvem idéias que rapidamente serão
defendidas por todos.
Os discursos ideológicos são envolventes e convincentes, mas cheios
de vazios; trata-se, pois, de um discurso lacunar. Esse discurso não fornece as
explicações verdadeiras. Permanece na constatação do fato ou preso a uma
linguagem obscura. Por ser lacunar, esse discurso camufla as intenções
predominantes em determinadas situações. Sem esclarecer a realidade das
condições sociais, a ideologia justifica por que a sociedade é assim e não de
outro modo. Valendo-se de explicações dominantes, a ideologia procura
desqualificar o discurso das camadas mais populares; tudo, na verdade, que é
ligado a essas camadas, é visto como ultrapassado. (Cf. idem).
A ideologia procura, assim, legitimar a ação de aceitação de certas
posições sociais e políticas, por meio de uma linguagem, e isso ocorre por
conta da necessidade de a ideologia não permitir uma aproximação com o
todo, com o contexto formador da realidade que a linguagem, via processo
ideológico, encobre.
Para Althusser (1985), a ideologia refere-se ao relacionamento
imaginário ou imaginado dos indivíduos com suas condições reais de
existência. É concepção de mundo e, em grande parte, é imaginária, ou seja,
não correspondente à realidade. Embora o autor admita que ela não
59
corresponda à realidade, sendo, portanto uma ilusão, ele reconhece que faz
alusão à realidade e que basta interpretá-la para reencontrar, sob a sua
representação imaginária do mundo, a própria realidade desse mundo. Para o
autor, há diferentes maneiras de se interpretar a realidade, e considera duas
delas as mais importantes a mecanicista (Deus é a representação do mundo) e
a hermenêutica (Deus é a essência do Homem real).
Para Fiorin (1990, p.28), “as condições de vida do homem e as relações
que ele mantém com outros homens e as representações que servem para
justificar e explicar a ordem social é a ideologia”. Por meio dela, o homem está
submetido ao domínio de um mundo que se impõe a ele, por exemplo, as
idéias da classe dominante tornam-se incontestáveis com a justificativa de que
são elas utilizadas para manter a ordem social ou política.
Burke (2002), explica que a ideologia tem sido tratada como uma
espécie de cimento social, que mantém a sociedade unida, no entanto há uma
contradição implícita nesta concepção em que se ocultam as divisões sociais e
políticas, dando lhes uma falsa aparência de unidade e diferenças individuais.
Assim, a produção ideológica da ilusão social faz com que todas as
classes sociais aceitem as condições em que vivem, sem interesse de
transformá-las ou conhecê-las de fato, sem considerar a contradição existente
entre as condições reais em que vivem e as ideais.
Essa ilusão social refere-se ao fato de que, apesar da divisão das
classes sociais, devido à nossa participação na idéia de humanidade, raça,
pátria, nação, e os conceitos de individualidade, liberdade como algo particular.
As desigualdades sociais, econômicas e políticas não são produtos da divisão
social, mas das diferenças naturais.
O processo ideológico de que se adquirem os resultados baseia-se na
inversão: ao operar de modo contraditório, atua no sentido do conhecer e do
desconhecer, ou seja, os efeitos são colocados no lugar das causas,
transformando-os em efeitos. Um exemplo disso é o julgamento de valor dado
socialmente ao domínio da norma culta: ela é considerada um instrumento de
ascensão social; mas é também o acesso à classe social de prestígio que
facilita, favorece o domínio da norma culta. Esse fator contraditório impulsiona,
na verdade, por meio da ideologia, o conformismo aos indivíduos
desfavorecidos perante a sociedade de que sua condição social é fruto de sua
60
incapacidade natural de dominar os bens materiais e culturais que são
considerados como apenas da elite, ou seja, a norma culta. De acordo com
Charaudeau (2008, p.200), “as doutrinas são constituídas, em parte, pelo saber
de conhecimento e, em parte, pela crença”. Ainda para o autor, as doutrinas
servem de modelo de pensamento e de comportamento para os indivíduos
que vivem em sociedade. Elas são insensíveis às contradições que a
experiência poderia suscitar; recusam a crítica, e diante dela reagem
apenas de maneira dogmática, por anátemas, excomunhões ou outras
formas de exclusão. Elas são fechadas e não sofrem contestação porque no
fundo repousam sobre um discurso moral que não afirma o conhecimento
do mundo, mas a dimensão transcendental de ser (...). (CHARAUDEAU,
2008, p.200).
As ideologias constituem, assim, um conjunto de representações sociais
aliadas a um sistema de idéias genéricas, consideradas a base de posição
fundada sobre valores inquestionáveis e universais. (Cf. idem).
Nesse sentido, Bagno ressalta que a palavra “ideias”, como variedade
linguística, possibilita entender a gramática normativa como ideologia, pois é a
variedade das classes dominantes que se transforma em valor universal, válido
para todos os que fazem parte de uma sociedade que a considera como língua
legítima. Essas considerações não negam que a ideologia tenha bases na
realidade, por isso
uma ideologia não é necessariamente ‘falsa’: quanto a seu conteúdo
positivo, ela pode ser‘verdadeira’, muito precisa, pois o que realmente
importa não é o conteúdo afirmado como tal, mas o modo como esse
conteúdo se relaciona com a postura subjetiva envolvida em seu próprio
processo de enunciação. (...) para ser eficaz, a lógica de legitimação da
relação de dominação tem que permanecer oculta. (Zizek, apud BAGNO,
2001, p. 33).
Sabe-se que não só a doutrina da gramática normativa como as demais
possuem algumas falhas em relação ao tratamento dado aos fatos da língua,
contudo, aqui em particular, vale ressaltar que a gramática normativa trata dos
fatos da língua de maneira superficial, com conceituações frouxas e análises
61
que se limitam à estrutura de frases descontextualizadas. Desconsidera ou
distorce o vínculo da ideologia com a realidade, com o aparente propósito de
democratizar o acesso à norma culta. (Cf. BAGNO, 2001).
Conforme Bourdieu & Passeron (2008), o que a gramática normativa
pretende, de fato, é preservar, inculcar e consagrar por meio da norma culta, a
distância que separa os que já sabem dos que a ignoram.
O ato de desvendar a ideologia que rege as relações histórico-sociais
cria condições para a compreensão da realidade pela qual o sujeito do
conhecimento critica suas próprias ilusões e conhecimentos, buscando as
relações entre o pensar e o agir. Para isso, é necessário enxergar o que foi
omitido pela ideologia, desvelando, por trás do seu discurso unívoco, a
multiplicidade de significações ocultada.
No próximo capítulo, então, serão expostos alguns fatos históricos que
permearam a realidade educacional do Brasil, durante e pós década de 90, e
os objetivos que veem orientando o ensino de língua portuguesa no século XXI.
62
Capítulo IV-
A diretriz educacional brasileira
Introdução
Objetiva-se com este capítulo explicitar o contexto histórico que permeia
a realidade do ensino de Língua Portuguesa no Brasil a partir da década de 90,
verificando como os PCNs (1997, 1998 e 2006) produzidos, com base na
Constituição de 1988 e na LDB de 1996, têm orientado após um pouco mais
que uma década, as novas propostas de ensino de língua regidas pelo estado.
4. O cenário histórico brasileiro da década de 1990
No Brasil, o século XX representou uma lenta mudança do modelo
agrário-exportador, o advento da burguesia industrial urbana e a ampliação da
oferta de ensino. Para Aranha (2006, p.346), o “trunfo de se tornar um dos
países mais ricos, no entanto, contrasta com o fato de ser recordista em
concentração de renda, com efeitos sociais conflitantes com os sem-terra, os
sem- teto, menor abandonado, nos grandes centros”.
Segundo a autora, para não ceder ao derrotismo, desde a década de
90, setores da sociedade civil brasileira têm se expressado com maior
autonomia, fazendo pressão contra a corrupção e os desmandos do governo e
exigindo os direitos dos cidadãos.
A Constituição de 1988 é considerada a mais liberal e democrática que o
país já teve, merecendo por isso o nome de Constituição Cidadã, cuja
preocupação central era a garantia dos direitos civis. A elaboração dessa nova
Constituição possibilitou, depois de um longo período de crise econômica e
financeira aliada a graves problemas sociais brasileiros, a realização das
primeiras eleições livres para a presidência da República em 29 anos.
63
Assim, os direitos políticos adquiriram amplitude nunca antes atingida.
Entretanto, a estabilidade democrática não pode ainda ser considerada fora de
perigo. De acordo com Ghiraldelli Jr. (2006, p.168), Fernando Collor de Melo,
candidato das forças conservadoras, apresentou-se como um messias salvador
desvinculado dos vícios dos velhos políticos e assumiu o cargo de presidência
em 1990, quando anunciou o Plano Brasil novo, cujo objetivo era conter a
espiral inflacionária, por meio do confisco de 80% dos ativos financeiros que
circulavam na economia do país.
Nesse cenário de democracia política, Collor aderiu ao modelo neoliberal
de abertura da economia com privatização de empresas estatais e redução de
barreiras alfandegárias que controlavam a entrada de produtos estrangeiros.
Apesar disso, a proposta foi um fracasso ao tentar controlar a inflação e
combater a desigualdade, o recesso e o desemprego. Aliado a esse complexo
panorama econômico, continuaram os problemas sociais, sobretudo na
educação, nos serviços de saúde e saneamento, o governo enfrentou, ainda,
uma situação crítica de ordem social por causa do aumento da violência, ou
seja, houve um agravamento da situação dos direitos civis no que se refere à
segurança individual.
Ghiraldelli Jr. (2006, p.168) explica que no meio dessa política caótica, o
governo
investiu contra setores de fomento à investigação científica, como o CNPq e
a CAPES, até então bem organizados. Sua política educacional foi
conturbada e improdutiva, além de se fixar em frases meramente
demagógicas, por exemplo, a de construção de centenas de CIACs, ou
seja, escolas no modelo Brizolões, uma forte marca do PDT (...).
Segundo o autor, após a mobilização popular contra o governo, quando
foi deposto, Collor deixou para Itamar Franco um país em frangalhos, em
particular o MEC e todo o aparato estatal de fomento à cultura, educação e
ciências.
Durante todo o processo de democratização do país, desde 1985, foi
necessária a eleição de uma Assembléia Nacional Constituinte. O novo
64
Parlamento deveria fazer a nova Carta Magna, colocando de lado a
Constituição imposta ao Brasil, e tantas vezes emendada autoritariamente de
modo a servir a interesses momentâneos, por generais e presidentes. Com a
nova Constituição de 1988, mais generosa em relação aos direitos sociais,
dentre tantos setores, o campo da educação também foi arena de disputa de
interesses variados.
De acordo com Ghiraldelli Jr. (idem, p. 170), no lugar próprio da
Educação na Constituição, “ficou ali mencionada como algo que deveria visar
ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para a cidadania e sua
qualificação para o trabalho.” Para efetivar esse direito, a Constituição criou o
instrumento do mandado de injunção (art.5, LXXI), a ser concedido sempre que
a falta de norma reguladora torne inviável o exercício dos diretos e liberdades
constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à
cidadania. O autor explica que a nova Constituição
ainda que favorecesse velhos hábitos que desgostassem os que queriam
uma maior proteção ao ensino público, gratuito, obrigatório e laico fornecido
pelo Estado, por conter uma série de mecanismos que permitiam o
deslocamento de verbas públicas para o ensino privado e coisas similares,
não podia, por ela mesma, legislar no campo mais detalhado da educação.
(Ghiraldelli Jr., 2006, p.170).
Assim, a própria Constituição determinou que se elaborasse uma nova
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Esta resultou de intensa luta
parlamentar e extraparlamentar. A LDB derivou, portanto, de uma mescla entre
o projeto que ouviu os setores da população e o projeto do Senador Darcy
Ribeiro.
A elaboração dos Parâmetros Curriculares Nacionais, influenciados pelo
interacionismo e pelo construtivismo, foi aprovado após a LDB de 1996, cujo
sentido era o de recomendar que a formação do aluno não deveria se reduzir à
acumulação de conhecimentos, objetivo comum associado à pedagogia
tradicional, ou seja, a partir desses novos parâmetros para a educação, não se
observaria mais somente o desenvolvimento da inteligência e afetividade do
sujeito que aprende, mas enfatizaria sua interação com o outro, além de
avaliar o educando como sujeito-em-situação, inserido em determinado
65
contexto histórico e cultural, uma vez que a aprendizagem só progride quando
leva em conta aspectos da realidade concreta.
4.1. A gramática normativa e a formação do cidadão brasileiro
A sociedade brasileira do século XXI é produto da revolução tecnológica
que se acelerou na segunda metade do século passado e dos processos
políticos que repensaram suas relações mundiais, gerou ao lado do problema
das competências linguísticas constituídas na vida escolar, um novo tipo
desigualdade, ou exclusão, ligada ao uso da tecnologia de comunicações que
auxiliam na mediação do conhecimento dos bens culturais.
Em um momento no qual o saber é usado de forma intensiva, o
diferencial será marcado pela qualidade da formação recebida. Isso será
determinante para garantir a participação do indivíduo na sociedade. Mais do
que nunca, o ato de aprender, é hoje o ofício do aluno; falar bem e escrever
bem são habilidades vistas, no Brasil, como o caminho que o levará ao
encontro da autonomia da vida social e profissional. De acordo com a nova
Proposta Curricular do Estado de São Paulo (2008, p. 11), capacitar o aluno
para fazer o uso eficiente da língua é dar condições para que ele “possa
acessar o conhecimento necessário ao exercício da cidadania em dimensão
mundial”. E, acrescenta que, dessa maneira, é possível
construir identidade, agir com autonomia em relação com o outro, e
incorporar a diversidade são as bases para a construção de valores de
pertencimento e responsabilidade, essenciais para inserção cidadã nas
dimensões sociais e produtivas. Preparar indivíduos para manter o
equilíbrio da produção cultural, num tempo em que a duração se caracteriza
não pela permanência, mas pela constante mudança (...). (Proposta
Curricular do Estado de São Paulo, 2008, p.11)
Portanto, uma das condições para garantir a vida cidadã é, sem dúvida,
a apropriação eficiente dos conhecimentos que asseguram o bom uso da
linguagem. Vale lembrar que apropriar-se, ou não, desses conhecimentos pode
66
ser um instrumento da ampliação das liberdades ou mais um fator de exclusão.
Assim, Travaglia (2001, p. 30) esclarece que
ao lado da norma ou variedade culta da língua (análise de estruturas, uma
classificação de formas morfológicas e léxicas), a gramática normativa
apresenta e dita normas de bem falar e escrever, normas para a correta
utilização oral e escrita do idioma, prescreve o que se deve e o que não se
deve usar na língua. Essa gramática considera apenas uma variedade da
língua como válida, como sendo a língua verdadeira.
De acordo com os PCNs (1998, p. 29),
a imagem de uma língua única, mais próxima da modalidade escrita da
linguagem, subjacente às prescrições normativas da gramática escolar, dos
manuais e mesmo dos programas de difusão da mídia sobre o que se deve
e o que não se deve falar e escrever não se sustenta na análise empírica
dos usos da língua.
A não sustentação empírica é explicada por duas razões básicas: em
primeiro lugar, está o fato de que ninguém escreve como fala, ainda que, em
certas circunstâncias, se possa falar um texto previamente escrito. Em segundo
lugar, está o fato de que, nas sociedades letradas, há a tendência de se
tomarem as regras estabelecidas para o sistema de escrita como padrões de
correção de todas as formas linguísticas.
Desde a década de 1990, percebem-se movimentos que demonstram a
necessidade de repensar a prática de ensino de língua e de questionar qual o
seu papel e função no sistema escolar. A sustentação para atender a essa
exigência visou, principalmente, a uma revisão crítica da gramática normativa,
ao exigir sua recontextualização, ou seja, era necessário rever os objetivos,
metodologias e a própria prática pedagógica que até então orientava o ensino
de língua.
Os objetivos propostos pelos PCNs, fundamentados pela LDB 9.394/96,
que visam à formação plena do indivíduo para o exercício da cidadania,
aconselham o domínio da norma padrão, embora tenham em vista a promoção
da igualdade entre os cidadãos.
67
Nesse sentido, a Lei 9.394/96 (Art. 2º) dispõe sobre “a educação, que é
dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade o pleno
desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e
sua qualificação para o trabalho”. Essa Lei é concernente ao Art. 205 da
Constituição da República Federativa do Brasil (2006, p.124) que dispõe sobre
“a educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e
incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno
desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua
qualificação para o trabalho.”
As Leis, em seus objetivos, visam, pois, à formação plena, voltada ao
desenvolvimento da capacidade de aprender e adaptar-se às constantes
mudanças. Assim, para o ensino da Educação Básica (ensino fundamental),
os dispositivos da Lei 9.394/96 reafirmam os objetivos anunciados: Art.22: A
educação básica tem por finalidade desenvolver o educando, assegurar-lhe a
formação comum indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhe
meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores (...). Para que essa
condição seja realizada, torna-se necessário, indubitavelmente, o domínio da
variante padrão da língua, uma vez que a língua é a identidade do indivíduo.
No Art. 32, lê-se: O ensino fundamental, com duração mínima de oito
anos e gratuito na escola pública, terá por objetivo a formação básica do
cidadão, mediante:
I- o desenvolvimento da capacidade de aprender, tendo como meios
básicos o pleno domínio da leitura, da escrita e do cálculo.
II- a compreensão do ambiente natural e social, do sistema político, d
tecnologia, das artes e dos valores em que se fundamenta a sociedade;
III- o desenvolvimento da capacidade de aprendizagem, tendo em vista a
aquisição de conhecimentos e habilidades e a formação de atitudes e valores;
IV- o fortalecimento dos vínculos de família, dos laços de solidariedade
humana e da tolerância recíproca em que se assenta a vida social (...).
O pleno domínio da leitura e da escrita significa que o aluno deve ser
capaz de simbolizar as experiências (suas e dos outros) a partir da palavra
(oral e escrita), refletindo sobre elas, mediante o estudo da língua, instrumento
que lhe permite organizar a realidade na qual se insere, construindo
68
significados, nomeando conhecimentos e experiências, produzindo sentidos,
tornando-se sujeito.
Observam-se, portanto, expressões que apontam a preocupação com a
formação plena do sujeito a fim de desenvolver a capacidade de aprender
(autonomia intelectual) e, assim, exercer a cidadania em todas as implicações
na vida social. Por isso, é importante que se faça uma leitura crítica histórica,
tanto para rever o ensino da gramática com novas perspectivas, quanto para
identificar a causa do problema que permeia o ensino de língua.
O fracasso relacionado ao ensino de língua não se restringe apenas ao
ensino da gramática normativa, mas também a outros fatores, tais como a
postura dos educadores frente à sua má formação ao mau uso de materiais
didáticos. Possenti (1996, p.17) acrescenta que “uma das razões pelas quais
não se aprende, ou se aprende, mas não se usa um dialeto padrão, (...), têm a
ver em grande parte com os valores sociais dominantes e um pouco com
estratégias escolares discutíveis”.
Além desses aspectos, a leitura crítica histórica também é importante
para buscar a compreensão de quais foram ou quais são os principais
pressupostos que serviram/servem de parâmetro para descrever o que
chamamos de norma padrão; distinguir a gramática tradicional do uso político
que dela se faz; e, verificar quais objetivos orientam as gramáticas.
As gramáticas normativas são pouco explícitas e sistemáticas, porque
apresentam critérios heterogêneos e impõem regras. Os efeitos causados pelo
discurso da escrita produzem uma relação de confronto com a questão
pedagógica, pois o modelo apresentado pela escola se especializa na
reprodução da literatura de escritores, ou seja, ensinar língua é reproduzir a
escrita da língua anteriormente produzida.
Hoje os novos manuais de gramática procuram outros modelos que não
o literário, ou seja, os livros didáticos já têm trabalhado com diferentes gêneros
textuais como propõem as orientações dos PCNs. No entanto, o princípio
normativo continua preservado, até porque, longe de considerá-lo o vilão do
universo escolar, é ele que garante o acesso à vida social do aluno, pois cada
uma das diversas variantes de uma língua histórica tem a sua gramática a qual
é observada pelos usuários dessa variante. Uma delas é a variante das
pessoas letradas, isto é, a norma padrão. Condição, portanto, para ser cidadão
69
todo e qualquer brasileiro é, sem dúvida, dominar essa norma padrão e é a
escola o lugar onde esse saber deve ser construído.
Em relação à instituição escola, Possenti (1996, p.17) afirma que “o
objetivo da escola é ensinar o português padrão, ou, talvez mais exatamente, o
de criar condições para que ele seja aprendido.” Geraldi (1997) acrescenta que
(...) o ensino de língua será a própria prática a linguagem instalada, no
plano de desejo de cada sujeito em processo, visando à conquista e uma
certeza: a da sua não inserção no quadro das tranqüilidades que o ajuste
social lhe confere. O ensino da língua deixaria de ser de reconhecimento e
reprodução passando a um ensino de conhecimento e produção, em que o
exercício sistemático só lhe conferiria maiores condições de formar sua
identidade, cambiante que fosse. (GERALDI, 1997, p.122-123)
Se se considera a história da gramática tradicional na história da
sociedade em que ela nasceu, pode-se perceber que a reflexão de Platão
sobre a linguagem muda a direção no sentido que tem a gramática até hoje.
Essa relação social com a escrita, comum desde a Antiguidade grega e
romana, traduz a acolhida mais favorável, portanto, a escrita como meio de
controle social, dada por uma ordem estabelecida por uma classe e em
proveito dela.
A transposição, hoje, para aquilo que a gramática normativa remete,
reflete e reforça o discurso da elite, revelando padrões de uso que são próprios
a uma classe dominante. O ensino dessa gramática, portanto, bem ou mal, faz
ocultar os outros usos.
Parte da comunidade docente defende a imposição de forma equivocada
da gramática prescritiva. Algumas gramáticas persistem em manter inclinação
para direções que já operavam no século V a. C., isto é, ou partem das funções
sintáticas e, em seguida, das partes do discurso, ou iniciam destas para chegar
às suas funções sintáticas. Essa prática fomenta uma das falhas da gramática
normativa que sistematiza os fatores linguísticos dissociados do uso concreto
da língua. (Cf. SILVA, 1989, p.15).
Mas, os PCNS esclarecem que (1998, p.18-19), apesar de ainda imperar
no tecido social uma postura corretiva e preconceituosa em relação às formas
não canônicas de expressão linguística, as propostas de transformação do
70
ensino de Língua Portuguesa tomaram outro rumo e consolidaram-se em
práticas de ensino em que tanto o ponto de partida quanto o ponto de chegada
é o uso da linguagem. Explica, ainda, que hoje há um consenso que as práticas
devem partir do uso possível aos alunos a fim de permitir a conquista de novas
habilidades linguísticas, particularmente daquelas associadas aos padrões da
escrita, sempre considerando que:
i- a razão de ser das propostas de leitura e escuta é a compreensão ativa e
não a decodificação e o silêncio;
ii- a razão de ser das propostas de uso da fala e da escrita é a interlocução
efetiva, e não a produção de textos para serem objetos de correção;
iii- as situações didáticas têm como objetivo levar os alunos a pensar sobre
a linguagem para poder compreendê-la e utilizá-la;
iv- apropriadamente às situações e aos propósitos definidos.(PCNS,1998,
p.19).
Dessa maneira, fica evidente que há a necessidade de articular os
aspectos gramaticais a situações reais de uso da língua a fim de promover o
aprendizado concreto de língua ao aluno.
A partir do momento em que esse uso real é ignorado, outros aspectos
que se entrelaçam também são deixados de lado. Esses aspectos configuram-
se em evidenciar as diferenças entre as modalidades escrita e oral, a influência
do contexto social, cultural e ideológico no condicionamento do uso das demais
variedades da língua e a influência do tempo no processo de evolução da
língua.
Há outras limitações que também estão associadas à gramática
normativa. São elas:
a) possui visão purista e preconceituosa da língua;
b) privilegia o ensino de metalinguagem e não da língua em si;
c) faz uso de definições pouco explícitas;
d) não há discussões sobre as regras de construção, elas são
simplesmente reproduzidas;
e) adota uma postura de língua desassociada dos diferentes usos,
bem como das situações concretas de interação;
f) ignora a temporalidade da língua;
71
g) privilegia uma única variante da língua.
Em relação, por exemplo, ao privilégio dado a apenas uma variante da
língua, vê-se que, ao analisar a realidade sócio-política brasileira, longe está de
a gramática normativa possibilitar a abertura de espaço a todas as variedades
de forma apropriada às situações e aos propósitos definidos. Qualquer que
seja a posição tomada, no entanto, deve-se fazê-la de forma consciente ao
trabalhar a língua materna.
Se “a língua existe na coletividade sob a forma de impressões
depositadas em cada mente, como um dicionário do qual todos os exemplares,
idênticos, são repartidos entre indivíduos” (apud DIAS, 1996), como se pode
ignorar o saber linguístico desenvolvido nas relações cotidianas? Esse é um
dos motivos que nos remete a outro conceito de gramática, ou seja, a
gramática internalizada, evidenciado por Chomsky que ressalta a importância
de a gramática tradicional explicitar a natureza própria do desempenho
linguístico dos indivíduos ao invés de minimizá-la.
A crítica feita à gramática normativa revela uma prática de ensino
inadequada à realidade social, por limitar a fronteira do saber linguístico em
que se preceituam normas as quais se devem acatar como um manual de boas
maneiras.
Apesar das novas concepções em relação ao ensino da gramática e de
como ela pode ser trabalhada em sala de aula, as atividades, por exemplo, não
têm contemplado as habilidades e competências ligadas ao uso efetivo da
linguagem, pois elas acreditam desenvolver as competências linguísticas dos
discentes por meio de exercícios em que se pede para grifar, para circular ou
palavras ou orações e que são obsoletas. Segundo Antunes (2003, p. 87),
essas são atividades “sem nenhuma preocupação com saber para que servem,
para que foram usadas ou que efeitos provocam em textos orais e escritos”.
Assim, torna-se necessário repensar a ação dessas formas de verificação de
conhecimento já que não contemplam o aspecto interativo da linguagem que
postula “que a gramática existe não em função de si mesma, mas em função
do que as pessoas falam, ouvem, lêem e escrevem nas práticas sociais da
língua”. (idem).
A gramática, portanto, instrumento tecnológico, favoreceu, apenas um
segmento social em detrimento da maioria, pois o processo cumulativo que se
72
desenvolveu durante vinte e três séculos, mantém-se até hoje como grande
interesse para a história cultural do homem e para a compreensão de como foi
se construindo um campo do saber, isto é, o da reflexão sobre a linguagem
humana.
Assim, ao iniciar a discussão sobre o ensino de língua no Brasil, não se
pode esquecer a articulação pedagógica com a política na história da
escolarização, porque a língua, considerada como objeto de conhecimento,
histórico e simbólico, está diretamente ligada à questão da cidadania e ao
trabalho de política da escolarização brasileira, sob aspectos ideológicos, da
história e da política, nas práticas pedagógicas de língua.
4.2. Ensino de Língua Portuguesa: Conhecimento e cidadania
PCNs vs a nova Proposta Curricular do Estado
Participar da formação plena do sujeito na disciplina de língua
portuguesa implica superar uma atividade apenas voltada para a informação. É
necessário formar esses sujeitos para o mundo do conhecimento por meio da
linguagem, pois conhecer é o ato cognitivo de compreender para transformar a
si e ao mundo em que se vive, construindo relações entre os diversos
significados de uma mesma ideia ou fato. Conhecimento, portanto, é uma rede
de significados. Assim, quem conhece, conhece algo ou alguém, logo, é
participar no processo de transformação e atribuição de significados e relações
ao objeto do conhecimento.
Dessa maneira, a relação entre a língua – objeto de conhecimento
histórico e simbólico – e a gramática normativa apresenta-se como uma das
bases principais para a formação intelectual do cidadão brasileiro. Os efeitos
da história, da ideologia e da política nas práticas pedagógicas propostas pelas
atuais diretrizes
5
da política da língua nacional integram as políticas públicas de
5
Refiro-me ao Programa Ler e escrever - orientações curriculares de 1ª a 4ª séries do Ensino
Fundamental ciclo I (2008) e à nova Proposta Curricular do Estado de São Paulo para o Ensino
de Língua Portuguesa – Ensino Fundamental ciclo II e Médio (2008).
73
educação, consideradas como políticas sociais do Estado, enquanto direito
social de ordem democrática.
Sobre essa visão política e democrática da constituição do direito social,
Carvalho afirma que
Os direitos sociais permitem às sociedades politicamente organizadas
reduzir os excessos de desigualdade produzidos pelo capitalismo e garantir
um mínimo de bem-estar para todos. A ideia central em que se baseiam é a
justiça social. (...) educação popular (...) é definida como direito social (...). A
ausência de uma população educada tem sido sempre um dos principais
obstáculos à construção da cidadania civil e política. (Carvalho, 2006, p.10-
11).
Em relação a essa ideia de justiça social, por meio da educação, como
direito social, não se limita à democratização do ensino, ou seja, é necessário
dar a devida relevância a que e a quem se ensina. A esse respeito, a nova
Proposta Curricular esclarece que
para que a democratização do acesso à educação tenha uma função
realmente inclusiva não é suficiente universalizar a escola. É indispensável
a universalização da relevância da aprendizagem. Criamos uma civilização
que reduz distâncias, que tem instrumentos capazes de aproximar as
pessoas ou de distanciá-las, que aumenta o acesso à informação e ao
conhecimento, mas também acentua diferenças culturais, sociais e
econômicas. Só uma educação de qualidade pode evitar que essas
diferenças constituam mais um fator de exclusão. (Proposta Curricular do
Estado de São Paulo, 2008, p. 10).
Busca-se aqui a compreensão do objetivo estipulado pelas políticas
educacionais traçado para a formação intelectual do cidadão a partir da análise
das propostas do corpus constituído
a) pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) para 1ª a 4ª séries
do ensino fundamental (1997) definidas pelo Ministério da Educação e do
Desporto – MEC;
74
b) pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) para 5ª a 8ª séries
do ensino básico (1998) definidas pelo Ministério da Educação e do Desporto –
MEC;
c) por algumas considerações explicitadas nos PCN+ da área de
Linguagens e Códigos (2006) definidas pelo Ministério da Educação e do
Desporto – MEC;
d) por alguns objetivos que integram o Programa Ler e escrever -
orientações curriculares de 1ª a 4ª séries do Ensino Fundamental ciclo I (2008);
e) e pela nova Proposta Curricular do Estado de São Paulo para o
Ensino de Língua Portuguesa – Ensino Fundamental ciclo II e Médio (2008).
Em cada um dos PCNs em questão, interessou a esta análise o texto da
introdução, em que se encontram os fundamentos principais e a disciplina de
ensino da língua portuguesa, mais especificamente. Em relação ao Programa
Ler e escrever – orientações curriculares de 1ª a 4ª séries do Ensino
Fundamental ciclo I e a nova Proposta Curricular do Estado de São Paulo para
o Ensino de Língua Portuguesa – Ensino Fundamental ciclo II e Médio o
recorte incidiu sobre a introdução, onde se encontram os fundamentos gerais e
sobre a disciplina de língua portuguesa devido às orientações específicas das
propostas.
Nessa proposta de política, concretiza-se a relação entre língua,
conhecimento e ensino, evidenciando-se como a língua se inscreve na história
a fim de que ela signifique, construindo espaços para atuação do sujeito.
Orlandi e Guimarães (2001), tratando da formação das línguas nacionais e das
políticas de línguas, afirmam que
Quando se define que língua falamos, com que estatuto ou quando se
determina este ou aquele modo de acesso a esta língua – pelo ensino, pela
produção dos instrumentos linguísticos, pela leitura das publicações, pelos
rituais de linguagem, pela legitimidade dos acordos, pela construção das
instituições linguísticas- praticamos concomitantemente diferentes formas
de política da língua. Ao mesmo tempo, para identificar esta língua,
produzimos um saber, uma análise que lhe garante uma configuração
singular. Com efeito, não há política linguística sem gramática e, em sentido
inverso, a forma da gramática define a forma das políticas linguísticas (a
relação com a língua/a relação com as línguas). (ORLANDI E GUIMARÃES,
2001, p. 36).
75
Cabe, pois, à política educacional, por meio das instâncias do Estado
brasileiro, chamar para si a tarefa de mudar a concepção de ensino de língua
(Cf. Possenti, 1996), objetivando produzir uma nova relação dos sujeitos com a
língua, formando outro tipo de homem, o crítico, através de determinados
patamares de articulação entre a unidade e a diversidade da língua, entre a
igualdade e a desigualdade social e política, deslocando fronteiras linguísticas
que se articulam às fronteiras econômico-sociais.
A fim de centrar o aspecto filosófico da aprendizagem no direito de
aprender e não mais na liberdade de ensino, a Lei de Diretrizes e Bases 9.394/
1996 deslocou o foco do ensino para o da aprendizagem. Essa transição da
cultura do ensino para a de aprendizagem não é individual, pois cabe à escola
fazê-la coletivamente, tendo à frente seus gestores para capacitar os
professores, para que todos se apropriem dessa mudança de foco. E mais, a
Proposta Curricular do Estado de São Paulo (2008) acrescenta que
Cabe às instâncias condutoras da política educacional nos estados e nos
municípios elaborar, a partir das Diretrizes e dos Parâmetros Nacionais,
propostas curriculares próprias e específicas, proverem os recursos,
técnicos e didáticos para que as escolas, em seu projeto pedagógico,
estabeleçam os planos de trabalho que, por sua vez, farão das propostas
currículos em ação. (Proposta Curricular do Estado de São Paulo, 2008, p.
15).
Começa-se, então, por explicitar algumas formulações, que aparecem
como gerais nos PCNs de 1
ª a 4ª séries do ensino fundamental (1997), nos de
5ª a 8ª séries do ensino fundamental (1998), e nos PCN+ (2006), cujos
enunciados foram tomados como objeto de análise.
(...) a escola tem a responsabilidade de garantir a todos os seus alunos o
acesso aos saberes linguísticos, necessários para o exercício da cidadania,
direito inalienável de todos. (PCN, 1997, p.15).
O domínio da linguagem, como atividade discursiva e cognitiva, e o domínio
da língua, como sistema simbólico utilizado por uma comunidade linguística,
são condições de possibilidade de plena participação social. Pela linguagem
os homens e as mulheres se comunicam, têm acesso à informação,
expressam e defendem pontos de vista, partilham ou constroem visões de
mundo, produzem cultura. Assim, um projeto educativo comprometido com
76
a democratização social e cultural atribui à escola a função e a
responsabilidade de contribuir para garantir a todos os alunos o acesso aos
saberes linguísticos necessários para o exercício da cidadania. (PCN, 1998,
p.19).
Comparar linguagens, compreender a língua materna como geradora de
significação para a realidade, de uma organização de mundo e da própria
identidade são competências do eixo Representação e Comunicação que
exigem estudo metalinguístico, estudo que não é possível sem o domínio de
conceitos como linguagem, língua, fala, identidade, cultura. Logo,
competências e conteúdos fundados em determinados conceitos se cruzam.
(PCN+ 2006, p.26 – 27).
(...) cabe à escola promover as competências indispensáveis ao
enfrentamento dos desafios sociais, culturais e profissionais do mundo
contemporâneo. O documento aborda algumas das principais
características da sociedade do conhecimento e das pressões que a
contemporaneidade exerce sobre os jovens cidadãos, propondo princípios
orientadores para a prática educativa, a fim de as escolas se possam tornar
aptas a prepara seus alunos para esse novo tempo. Priorizando a
competência da leitura e da escrita, esta proposta define a escola com
espaço de cultura e de articulação de competências e conteúdos
disciplinares. (Proposta Curricular do Estado de São Paulo, 2008, p. 8).
Nesse contexto de caracterização da área de Língua Portuguesa, tem-
se, ainda
Toda educação verdadeiramente comprometida com o exercício da
cidadania precisa criar condições para o desenvolvimento da capacidade de
uso eficaz da linguagem que satisfaça necessidades pessoais – que podem
estar relacionadas às ações efetivas do cotidiano, à transmissão e busca de
informação, ao exercício da reflexão. De modo geral, os textos são
produzidos, lidos e ouvidos em razão de finalidades desse tipo. Sem negar
a importância dos que respondem a exigências práticas da vida diária, são
os textos que favorecem a reflexão crítica e imaginativa, o exercício de
formas de pensamentos mais elaboradas e abstratas, os mais vitais para a
plena participação numa sociedade letrada. (PCN, 1997, p.25-26).
O objeto de ensino e, portanto, de aprendizagem é o conhecimento
linguístico e discursivo com o qual o sujeito opera ao participar das práticas
sociais mediadas pela linguagem. (PCN, 1998, p. 22).
É função de a escola esclarecer que a utilização dos códigos que dão
suporte às linguagens não visa apenas ao domínio técnico, mas
principalmente à competência de desempenho, ao saber usar as linguagens
em diferentes situações ou contextos, considerando inclusive os
interlocutores ou públicos. (PCN+, 2006, p. 105).
77
(...) é tarefa de escola ensinar a ler e escrever, espaço social em que se
pode intervir na busca da equidade para promover a igualdade de direitos
de cidadania. É saber ler e escrever é um direito fundamental do cidadão.
(...) Ler e escrever não se resume a juntar letras, nem decifrar códigos: a
língua não é um código – é um complexo sistema que se representa uma
identidade cultural.
(Programa Ler e escrever, 2008, p.16).
Representar, comunicar e expressar são atividades de construção de
significado relacionadas a vivências que se incorporam ao repertório de
saberes de cada indivíduo. Os sentidos são construídos na relação entre a
linguagem e o universo natural e cultural em que nos situamos. (...). A
ampliação das capacidades de representação, comunicação e expressão
está articulada ao domínio não penas da língua mas de todas s outras
linguagens e, principalmente, ao repertório cultural de cada indivíduo e de
seu grupo social, que a elas dá sentido. A escola é o espaço em que ocorre
a transmissão, entre as gerações, do ativo cultural da humanidade, seja
artístico e literário, histórico e social, seja cientifico e tecnológico. Em cada
uma dessas áreas, as linguagens são essenciais. (Proposta Curricular do
Estado de São Paulo, 2008, p. 16).
Outras importantes considerações feitas nesses documentos referem-se
à maneira pela qual a escola deve ensinar, refletindo sua preocupação com os
usos da língua nacional:
A questão não é falar certo ou errado, mas saber qual forma de fala utilizar,
considerando as características do contexto de comunicação, ou seja, saber
adequar o registro às diferentes situações comunicativas. É saber
coordenar satisfatoriamente o que falar e como fazê-lo, considerando quem
e por que se diz determinada coisa. É saber, portanto, quais variedades e
registros da língua oral são pertinentes em função da intenção
comunicativa, do contexto e dos interlocutores a quem o texto se dirige. A
questão não é de correção da forma, mas de sua adequação às
circunstâncias de uso, ou seja, de utilização eficaz da linguagem: falar bem
é falar adequadamente, é produzir o efeito pretendido. (PCN, 1997, p.26).
(...) nas inúmeras situações sociais do exercício da cidadania que se
colocam fora dos muros da escola. A busca de serviços, as tarefas
profissionais, os encontros institucionalizados, a defesa de seus direitos e
opiniões. Os alunos serão avaliados (em outros termos, aceitos ou
discriminados) à medida que forem capazes de responder a diferentes
exigências de fala e de adequação às características próprias de diferentes
gêneros do oral. Reduzir o tratamento da modalidade oral da linguagem a
uma abordagem instrumental é insuficiente, pois, para capacitar os alunos a
dominarem a fala pública demandada por tais situações. (PCN, 1998, p. 25).
Na esteira dos novos paradigmas da atual política educacional brasileira –
que busca democratizar mais e mais o acesso à escola tornando-a parte
ativa do corpo social – o ensino da língua materna deve considerar a
necessária aquisição e o desenvolvimento de três competências: interativa,
78
textual e gramatical. Esse tripé, necessariamente interrelacionado, mesmo
não sendo exclusivo da disciplina, encontra nela os conceitos e conteúdos
mais apropriados. (PCN+, 2006, p.55).
Vemos surgir a preocupação com o ensino da língua organizado a partir de
duas vias inseparáveis: como objeto e como meio para o conhecimento. Ou
seja, na mesma medida em que deveria se apresentar como matéria a ser
analisada, minuciosamente, proporcionaria ao sujeito a construção e
compreensão de conhecimentos do mundo. (...). Assim, a proposta de
disciplina de língua portuguesa não separa o estudo da linguagem e da
literatura do estudo do homem em sociedade. (Proposta Curricular do
Estado de São Paulo, 2008, p. 42).
Em relação à escrita:
A compreensão atual da relação entre a aquisição das capacidades de
redigir e grafar rompe com a crença arraigada de que o domínio do bê-á-bá
seja pré-requisito para o início do ensino de língua e nos mostra que esses
dois processos de aprendizagem podem e devem ocorrer de forma
simultânea. Um diz respeito à aprendizagem de um conhecimento de
natureza notacional: a escrita alfabética; o outro se refere à aprendizagem
da linguagem que se usa para escrever. (PCN, 1997, p. 27).
Tomando-se a linguagem como atividade discursiva, o texto como unidade
de ensino e a noção de gramática como relativa ao conhecimento que o
falante tem de sua linguagem, as atividades curriculares em Língua
Portuguesa correspondem, principalmente, a atividades discursivas: uma
prática constante de escuta de textos orais e leitura de textos escritos e de
produção de textos orais e escritos, que devem permitir, por meio da análise
e reflexão sobre os múltiplos aspectos envolvidos, a expansão e construção
de instrumentos que permitam ao aluno, progressivamente, ampliar sua
competência discursiva. (PCN, 1998, p.28).
É papel da escola lidar de forma produtiva com a variedade lingüística de
sua clientela, sem perder de vista a valorização da variante lingüística que
cada aluno traz consigo para a escola e a importância de se oferecer a esse
aluno o acesso à norma padrão – aquela que é prestigiada quando se
testam suas habilidades para ingressar no mundo do trabalho.(PCN+ 2006,
p.82).
Tanto os saberes sobre o sistema de escrita como aqueles sobre a
linguagem escrita devem ser ensinados e sistematizados. (...). É preciso
planejar uma diversidade de situações em que possam, em diferentes
momentos, centrar seus esforços ora na aprendizagem do sistema, ora na
aprendizagem da linguagem que se usa para escrever. (...) Quanto mais
acesso à cultura escrita, mais possibilidades de construção de
conhecimentos sobre a língua. (Programa Ler e escrever, 2008, p.18).
79
A disciplina de língua portuguesa pode centrar-se: 1- no conjunto de regras
que nos leva a produzir frases e dali chegarmos aos enunciados concretos;
2- nos enunciados que circulam efetivamente no cotidiano e que seguem as
regras específicas as quais permitem comunicação.
É necessário saber lidar com os textos nas diversas situações de interação
social. É essa habilidade de interagir linguisticamente por meio de textos,
nas situações de produção e recepção em que circulam socialmente, que
permite a construção de sentidos desenvolvendo a competência discursiva
e promovendo o letramento. (Proposta Curricular do Estado de São Paulo,
2008, p. 42 a 43).
Para que haja uma mudança de paradigma, é necessário que haja
também uma mudança das práticas pedagógicas. Isso é colocado em
condições materializadas por determinação dos PCNs.
Mas não são os avanços do conhecimento científico por si mesmos que
produzem as mudanças no ensino. As transformações educacionais
realmente significativas – que acontecem raramente – têm suas fontes, em
primeiro lugar, na mudança das finalidades da educação, isto é, acontecem
quando a escola precisa responder
a novas exigências da sociedade. E, em
segundo lugar, na transformação do perfil social e cultural do alunado: a
significativa ampliação da presença, na escola, dos filhos do analfabetismo -
que hoje têm a garantia de acesso, mas não de sucesso - deflagrou uma
forte demanda por um ensino mais eficaz. Estes Parâmetros Curriculares
Nacionais pretendem contribuir nesse sentido. (PCN-1997, p.21).
Vale ressaltar que a necessidade de atender às novas exigências da
realidade social, hoje, implica fazer com que “a atividade de língua portuguesa
evite que o aluno se sinta um estrangeiro ao utilizar-se de sua própria língua e
das literaturas que essa produziu.”
(Proposta Curricular do Estado de São
Paulo, 2008, p. 44).
Assim, é notório que os próprios PCNs, quanto às Propostas
Curriculares do Estado convida, pois, à reflexão sobre essas novas exigências
da sociedade, bem como sobre as transformações do perfil social e cultural,
enquanto elementos constitutivos de um processo histórico que precede esta
política e que determina a circunstância específica em que ela se produz,
evidenciando o fato de que as ciências têm uma ligação com os seus efeitos
fora deles mesmos, neste caso, o ensino.
80
Há, portanto, uma relação com a exterioridade para que as ciências
possam se constituir. A prática que domina cada ciência e a relação entre elas
tornam-se uma prática de ensino ligada à transformação histórica de um
processo de organização das relações sociais, sendo o aluno e o professor
elementos constitutivos dessa sociedade.
Assim, ao fazer um retorno aos enunciados, inicialmente apresentados,
torna-se possível verificar que o encaminhamento da análise dada pela
estruturação dos PCNs aponta para novos direcionamentos no que diz respeito
à compreensão desse processo de significação em que língua se materializa.
A organização dos PCNs propõe uma superação à contradição histórica
na educação brasileira que, em linhas gerais, aponta diretrizes para uma
perspectiva democrática e participativa e que o ensino deve se comprometer
com a educação necessária para formar o cidadão crítico. Entretanto, há uma
falta de regularidade entre os objetivos anunciados e o que é proposto para
alcançá-los. No centro desse descompasso, um sujeito “crítico” na contramão
das teorias e metodologias conservadoras, em que o sujeito está para uma
teoria contrária à sua prática.
É importante observar que essa contradição entre valores proclamados
e a ação de fato é apresentada constantemente a respeito da educação e das
desigualdades. Para exemplificar essa questão, Possenti (1996, p.17) explica
que “a tese de que não se deve ensinar ou exigir o domínio do dialeto padrão
dos alunos que conhecem e usam dialetos não padrão baseia-se em parte no
preconceito segundo o qual seria difícil aprender o padrão.” No entanto, o autor
ressalta que nisso há uma inverdade tanto do ponto de vista dos falantes
quanto do grau de complexidade de um dialeto padrão.
Ele ainda acrescenta que “as razões pelas quais não se aprende, ou se
aprende, mas não se usa um dialeto padrão, são de outra ordem, e têm a ver
em grande parte com os valores sociais dominantes e um pouco com
estratégias escolares discutíveis”. (idem).
É incontestável o fato de que cabe à escola ensinar a norma padrão da
língua, porém se faz necessário que, tanto teorias quanto metodologias,
caminhem na mesma direção para que não haja desvios no percurso.
81
Quanto à função da escola em cultivar, ou não, esse tipo de ensino, o
autor (1996) explica que há duas teses básicas que valem a pena comentar:
uma é de natureza político-cultural; outra, de natureza cognitiva.
a tese de natureza político-cultural diz basicamente que é uma violência, ou
uma injustiça, impor a um grupo social os valores de outro grupo.(...) Dado
que a chamada língua padrão é de fato o dialeto dos grupos mais
favorecidos, tornar seu ensino obrigatório para os grupos sociais menos
favorecidos, como se fosse o único dialeto válido, seria uma violência
cultural. Isso porque, juntamente com as formas linguísticas (...), também
seriam impostos os valores culturais ligados às formas ditas cultas de falar e
escrever, o que implicaria em destruir ou diminuir os valores populares. (...)
natureza cognitiva (...) consiste em imaginar que cada falante ou grupo de
falantes só pode aprender e falar um dialeto (ou uma língua). Dito de outra
maneira: a defesa dos valores populares suporia que o povo só fala formas
populares, e que elas são distintas das formas utilizadas pelos grupos
dominantes. (...) supõe também que o aprendizado de uma língua é tarefa
difícil, ou, pelo menos, difícil para certos grupos ou para certas pessoas.
(Possenti, 1996, p.18-19).
É preciso, então, analisar a unidade real da oposição entre teoria e
prática na qual se organiza, historicamente, a sociedade brasileira, aliando, de
alguma forma, o pedagógico e o político.
A escola, como instituição de uma dada sociedade, gerida em suas
diretrizes pelo Estado, constituída por realidades diversas e contrárias,
caracteriza-se por colocar em jogo teorias/práticas, metodologias e tecnologias,
que se confrontam e aliam os interesses e necessidades concretas das
diferentes relações de produção.
Os PCNs trazem princípios e fundamentos adotados em sua elaboração
que explicitam temas centrados em palavras-chave relacionados que se
repetem ao longo dos volumes 1 e 2 (1997) e da apresentação e 1ª parte
(1998) e (2006), indicando um fio condutor para compreensão de seu
funcionamento em que se articulam a língua, Estado e ciência.
Esses princípios e fundamentos que se reafirmam nos objetivos
expressos pelas propostas curriculares - Fundamental I e II - Médio (2008),
desenvolvem-se em torno da necessidade de se constituir:
”participação social” (1997, p.21) e (1998, p.19);
“democratização social e cultural (1997, p.21) e (1998, p.19);
82
“democratização política” (1997, p.21) e (1998, p.19);
“escola” enquanto “espaço social” de construção de “significados
éticos” necessários e constitutivos de toda e qualquer ação de cidadania (1997,
p.21) e (1998, p. 19);
“cidadão” a ser formado “nesta” escola, “deste” Estado, que
representa “esta” sociedade; (1997, p.21) e (1998, p.19);
“cidadania” que, para ser exercida, “exige” acesso a “recursos
culturais” relevantes, dentre os quais o domínio da língua “falada e “escrita”.
(1997, p.21) e (1998, p.19).
Nesse contexto, de princípios e fundamentos constitutivos para a
formação plena do cidadão brasileiro, a escola precisa criar o ambiente e
propor situações de práticas sociais de uso da escrita às quais os alunos têm
acesso para que possam interagir intensamente com textos dos mais variados
gêneros, identificar e refletir sobre seus diferentes usos sociais, produzir textos
e, assim, construir as capacidades que lhes permitam participar das situações
sociais pautadas pela escrita.
Notam-se, ainda, algumas relações em seu funcionamento, nos
diferentes acontecimentos que marcaram a História das Ideias Linguísticas no
Brasil, a saber: sociedade / Estado, democracia / escola, escola / significação,
cidadania / cultura, cultura / língua, que possibilitam enfrentar a contradição
indicada anteriormente, ou mesmo, de compreender que os termos opositivos
servem para apagar, negar a contradição real.
Trata-se, portanto, de entender as relações e articulações que se dão
entre práticas pedagógico-linguísticas e práticas científicas num momento
histórico em que se trava uma busca incessante de mudanças qualitativas nos
sistemas educacionais do País.
Uma nova relação entre teoria e prática impõe-se diante da
complexidade da realidade social, exigindo novas formas de identificação e
lugar do cidadão, novas formas de inclusão/exclusão, que delimitam a
existência dos brasileiros.
O contexto de produção dos PCNs, em particular na década de 90,
evidencia o movimento de um tempo que obrigava o Estado a assumir a
questão da língua como uma questão do Estado, buscando adequar-se às
novas exigências do capitalismo mundial e das sociedades organizadas pela
83
tecnologia e pela informação e, concomitantemente, enfrentar velhos
problemas do sistema educacional brasileiro, como o analfabetismo e a
universalização da educação fundamental.
Neste mesmo período, no século XX, o Brasil, tentando se colocar
democraticamente em meio a uma grave crise econômica e ingressando no
mundo globalizado em que o que impera é a tecnologia e informação, surge um
contexto marcado por diferenças e desigualdades, dando uma dimensão maior
às exclusões. É preciso, então, pensar sobre os diversos sentidos que se pode
produzir em relação à educação colocada pela globalização como via de mão
única para se constituir, em meio à diversidade, a cidadania, embora tenha
sido, na década de 90, que os indicadores básicos de qualidade de vida
tenham adquirido aumento relativamente satisfatório em relação à década
anterior, como explica Carvalho:
Assim, por exemplo, a mortalidade infantil caiu de 73 por mil crianças
nascidas vivas em 1980 para 39, 4 em 1999. A esperança de vida ao nascer
passou de 60 anos em 1980 para 67 em 1999. O progresso mais
importante, que é o fator decisivo para a cidadania. O analfabetismo da
população e 15 anos ou mais caiu de 25, 4% em 1980 para 14, 7% em
1996. A escolarização da população de sete a quatorze anos subiu de 80%
em 1980 para 90% em 2000. (2006, p. 206).
É visando à superação de problemas de ordem social, como esses, que
os PCNs se apresentam como um lugar estratégico, dando à educação um
sentido específico: o de vencer o atraso, pelo estabelecimento de determinada
relação entre educação e cidadania, constituindo-se aí mesmo o lugar de
apagamento do social, do político, em que a cidadania, tal como pensada nos
Estados democráticos, deve ser formulada.
Para os PCNs, a superação dessa contradição, o movimento cadenciado
adequado estaria na hipótese de que os conteúdos estivessem de acordo com
as intenções manifestas. Assim, a estrutura dos PCNs adotará noções, como
as de ciclos, princípios, eixos, temas, áreas, conteúdos, a fim de dar coerência
entre o que se pensa estar fazendo e o que realmente se faz. E, é claro, que os
84
objetivos esclarecem a preocupação com a formação plena do cidadão
brasileiro:
compreender a cidadania como participação social e política, assim como
exercício de direitos e deveres políticos, civis e sociais, adotando, no dia-a-
dia, atitudes de solidariedade, cooperação e repúdio às injustiças,
respeitando o outro e exigindo para si o mesmo respeito;
posicionar-se de maneira crítica, responsável e construtiva nas diferentes
situações sociais, utilizando o diálogo como forma de mediar conflitos e de
tomar decisões coletivas; 1ª a 4ª séries do ensino fundamental (1997, p.9).
conhecer características fundamentais do Brasil nas dimensões sociais,
materiais e culturais como meio para construir progressivamente a noção de
identidade nacional e pessoal e o sentimento de pertinência ao País;
conhecer e valorizar a pluralidade do patrimônio sociocultural brasileiro,
bem como aspectos socioculturais de outros povos e nações,
posicionando-se contra qualquer discriminação baseada em diferenças
culturais, de classe social, de crenças, de sexo, de etnia ou outras
características individuais e sociais; 5ª a 8ª séries do ensino fundamental
(1998, p.7).
Observam-se, a partir desses objetivos, expressões que entrelaçam os
enunciados para projetar a imagem concreta do cidadão dentro de uma
sociedade que se legitima por meio da escrita.
Assim, “compreender a cidadania, como participação social e política,
(...) como exercícios de direitos e deveres políticos e sociais”, implica ter
“acesso e domínio dos saberes linguísticos”, usando-os de forma eficaz e
satisfazendo necessidades pessoais.
Quanto ao “posicionar-se de maneira crítica”, serão “os textos que
favorecerão essa reflexão crítica e imaginativa, o exercício de forma de
pensamentos mais elaborados e abstratos, os mais vitais para a plena
participação numa sociedade letrada”. Além disso, “conhecer e valorizar a
pluralidade do patrimônio cultural” trata-se também de “saber adequar o
registro às diferentes situações comunicativas. É saber coordenar
satisfatoriamente o que falar e como fazê-lo, considerando quem e por que se
diz determinada coisa (...) falar bem é falar adequadamente, é produzir o efeito
pretendido”. (PCNs, 1998).
85
Diante desse novo olhar sobre a sociedade se constitui também o
conceito de nação que segundo o dicionário Laurosse (2001), está intimamente
ligado a um agrupamento humano, em geral numeroso, cujos membros fixados
num território, são ligados por laços históricos, culturais, econômicos e linguísticos.
Contribuindo com a definição anterior Saliba (apud Fávero & Molina,
2006, p.30) afirma que
homens hábeis no seu exercício de conceber o transcendente, concebiam a
nação – este ser dotado de corpo e de alma, de alma mais do que corpo...
Presos à cadeia de suas opções passadas, os homens faziam a história:
individualmente, seguindo os ditames das suas paixões ou impulsos; mas
coletivamente, obedecendo a um poder anônimo irresistível (...) tudo no
passado parecia dotado de alma: nações, épocas inteiras, reinos, grupos de
pessoas.
Dessa maneira, esses homens (membros) identificam elementos de
seus países de origem, organizados de maneira mais maleável o que lhes
desperta um sentimento de pertencimento. É, pois, nacionalismo a designação
dessas manifestações da consciência e do caráter nacional.
Apesar disso, já houve em outro momento segundo Hobsbawn (apud
Fávero & Molina, 2006, p.31) a seguinte concepção de nação:
o agregado de habitantes de uma província, de um país ou de um reino, e
também um estrangeiro, mas que, depois disso, passou a significar um
Estado ou um corpo político que reconhece um centro supremo de governo
comum, além de o território constituído por esse Estado e seus habitantes,
considerados como um todo.
Em meio a tantas discussões sobre a conceituação dessa palavra,
abarca-se também a ideia metafórica, como sugere a etimologia da palavra
nação, que transporta a significação de casa e de sentir-se bem em casa
através daquelas distâncias e diferenças culturais, que transpõem a
comunidade imaginada do povo-nação.
Com as transformações sociais e a busca de ideais significativos, hoje, a
sistematização e o acesso ao ensino seguido de uma árdua luta contra ao
86
analfabetismo não são condições suficientes para garantir a cidadania, é
preciso oferecer ensino de qualidade aliado à valorização da língua nacional
em respeito à cultura da nação.
Assim, “construir a noção de identidade nacional e pessoal e o
sentimento de pertinência ao país” dar-se-á por duas razões: a primeira é por
causa da “identificação à nação”, dentre outros fatores, “por meio da língua” e a
segunda é por causa da “relação do sujeito com o Estado e com a nação.” Num
país de capitalismo tardio e periférico como o Brasil, o pleno cidadão nunca
chegou a existir de fato, porque tivemos como herança colonial, uma sociedade
de tradição autoritária, na qual os homens tinham muito mais deveres do que
direitos e cujo fundamento da disciplina era a simples e inquestionável
obediência. (CF. HOLANDA, 1995, p. 11).
Sobre essa questão da cidadania, Carvalho (2006) explica que
(...) derivado da natureza histórica da cidadania (...) ela se desenvolveu
dentro do fenômeno, também histórico, a que chamamos de Estado-nação
e que data da Revolução Francesa, de 1789. A luta pelos direitos, todos
eles, sempre se deu dentro das fronteiras geográficas e políticas do Estado-
nação. Era uma luta política nacional, e o cidadão que dela surgia era
também nacional. Isto quer dizer que a construção da cidadania tem a ver
com a relação das pessoas com o Estado e a com a nação. As pessoas se
tornavam cidadãs à medida que passavam a se sentir parte de uma nação e
de um Estado. Da cidadania como conhecemos fazem parte então a
lealdade a um Estado e a identificação com uma nação. (Carvalho, 2006,
p.12).
Para Carvalho (1997), por um lado, “no Brasil, o bom cidadão não é o
que se sente livre e igual, é o que se encaixa a força na hierarquia que lhe é
prescrita”, ou seja, é aquele que se submete docilmente ao mando e aceita sua
posição social com cordialidade e simpatia. Desse modo, as pessoas são
formadas como súditos, objetos de ação do Estado, e não como sujeitos desta
ação. Por outro lado, o Estado aparece para as pessoas “como algo a que se
recorre, como algo necessário e útil, mas que permanece fora do controle,
externo ao cidadão” (CARVALHO, 1999, p.146-7).
Assim, o processo em que o sujeito se configura pela educação, pode-se
explicar e compreender essas condições expostas para dar continuidade ao
novo paradigma que essa política propõe sobre os saberes linguísticos
87
necessários a essa cidadania que se constitui diante dos objetivos
apresentados, e que dá ao sujeito o sentimento de pertencimento a uma nação.
Para tanto, a adequação, o uso e a eficácia da língua são repensados
nesse contexto em que deslizes do sujeito culminarão na infração de regras
estabelecidas por um contrato social, privando-o da vida cívica, pois privado
dessa competência intelectual que o acesso a saberes linguísticos o habilitaria,
não ocupará o lugar de cidadão pleno.
A fim de realizar uma ordem social mais justa, indo à busca da solução
para os contrários (prática e teoria), o sujeito deve adequar-se à diversidade
submetida a uma unidade por meio de um esforço que lhe é particular.
A língua, portanto, como produto social e heterogêneo, garantirá, por
meio do processo ensino-aprendizagem, a unidade na diversidade adequando
o sujeito à ordem social, através da comunicação tomada como transparente e
de uma mesma natureza, com uma identidade fixa. Desse modo, o objetivo que
se coloca ao ensino de língua portuguesa é desenvolver a competência
comunicativa do educando, ou seja, ampliar a capacidade de realizar a
adequação do ato verbal às mais variadas situações de comunicação, pois de
acordo com os PCNs (1998), toda
educação verdadeiramente comprometida com o exercício da cidadania
precisa criar condições para o desenvolvimento da capacidade de uso
eficaz da linguagem que satisfaça necessidades pessoais – que podem
estar relacionadas às ações efetivas do cotidiano, à transmissão e busca de
informações, ao exercício da reflexão. (PCNs, 1998, p.30).
Esse objetivo torna-se fundamental ao sujeito a fim de que ele garanta
sua plena participação na vida social e, nesse campo, de acordo com os PCNs,
algumas habilidades devem ser priorizadas:
o domínio da língua falada e escrita, os princípios da reflexão matemática, s
coordenadas espaciais e temporais que organizam a percepção o mundo,os
princípios da explicação científica, as condições de fruição da arte e das
mensagens estéticas, domínio de saberes tradicionalmente presentes nas
diferentes concepções do papel da educação no mundo democrático, até
outras tantas exigências que se impõem no mundo contemporâneo. (PCNs,
1998, p. 33-34).
88
Há, pois, um lugar ocupado por aqueles que sabem os conhecimentos
necessários referentes à língua para o uso eficaz e satisfatório, a fim de causar
o efeito pretendido. Essa meta configura os objetivos pretendidos – a formação
intelectual de um cidadão crítico-pleno – e avalia os resultados adquiridos por
outro sujeito. A cidadania, portanto, é entendida como adequação em uma
situação de comunicação e no lugar do sujeito de direitos tem-se o usuário
eficaz da língua.
89
Considerações finais
Sabe-se que, historicamente, a constituição das gramáticas de língua
portuguesa teve como base uma tradição greco-latina. Apesar de inúmeras
teorias linguísticas, como as da sociolinguística, as funcionalistas e as teorias
do texto, o ensino de língua portuguesa ainda prioriza a gramática normativa,
como um dos privilegiados instrumentos de aprendizagem da norma padrão da
língua. Porém, esse fato não é o problema central do ensino de língua
portuguesa, pois esta gramática normativa, na verdade, é a que dá condição
para que o indivíduo ocupe seu lugar na sociedade e exerça, via linguagem,
seu exercício pleno de cidadania. Neves (2003) explica que são dois, os
marcos de alteração da história da gramática no Ocidente e por extensão, da
norma, ambos ligados ao desenvolvimento da ciência linguística: a primeira
refere-se ao aparecimento dos estudos variacionistas e o segundo, refere-se
ao desenvolvimento dos estudos sobre a oralidade. E acrescenta que
ao separar o social do linguístico, a ciência linguística,(...) ensinou também,
por outros caminhos, a considera o social no uso da linguagem: os padrões
não se impõe ao uso, mas pelo contrário, os usos estabelecem padrões; os
usos são socialmente diferentes, mas essa estratificação não representa
diferente valoração, apenas representa o reconhecimento de que diferentes
usos hão de ser adequados a diferentes situações de uso; assim, a
existência de registros não-padrão constitui garantia de eficiência de uso.
(Neves, 2003, p. 34- 35).
Dessa forma, a formação intelectual do cidadão brasileiro, prevista pelos
PCNs, passaria pela educação linguística, o que difere do ensino da gramática
normativa na prática. A formação escolar do cidadão brasileiro fica dividida
entre dois pontos; o primeiro diz respeito sobre a força da tradição do ensino da
gramática normativa; e o segundo trata das novas concepções funcionalistas
da linguagem.
O tratamento escolar da linguagem tem buscado fugir da simples
proposição de modelos de desempenho que direcionam a submissão estrita a
90
normas linguísticas consideradas legitimas bem como da simples proposição
de modelos de organização de entidades metalinguísticas que direcionam a
submissão estrita a paradigmas considerados exemplar.
Dessa maneira, espera-se que não haja um tratamento ingênuo aos
fatos da língua, o qual desconhece seu funcionamento e que se assente como
base para o trabalho de proposição de uma gramática que possa ser
operacionalizada na escola, a fim atender os objetivos propostos pelos PCNs,
ou seja, 1- o indivíduo de uma língua natural deve ser competente para ativar
esquemas cognitivos, produzir enunciados de sua língua, mesmo que não
tenha obtido estudo prévio de regras de gramática; 2- o estudo da língua
materna, isto é, os cuidados com a língua nacional devem acima de tudo
representar a reflexão do uso de uma língua particular historicamente inserida,
via pela qual se chega à explicação do próprio funcionamento da língua e 3- a
disciplina não pode reduzir-se a uma atividade de encaixamento em modelo
que dispensem as ocorrências naturais e desprezem zonas de imprecisão ou
de oscilação, inerentes à natureza viva da língua.
Assim, não se perderão de vista o peso e a importância da gramática
escolar na condução da reflexão sobre a linguagem dos sujeitos, pois a
apreensão desses saberes permite sua legitimação no exercício pleno da
cidadania.
Em detrimento dos objetivos estabelecidos pelos PCNs atrelados à
Constituição de 1988 e à LDB de 1996, a Secretária da Educação do Estado de
São Paulo elaborou propostas pedagógicas, cujas atividades se propõem a
atender essas novas exigências da realidade social.
Vale lembrar que não só o material, mas também a metodologia do
professor de língua portuguesa devem atender aos objetivos a fim de que se
cumpra o direito de ter direitos, ou seja, entender bem o significado da palavra
cidadania, pois é uma palavra segundo Dimenstein (1999) usada todos os dias
e tem vários significados.
Hoje, porém, significa em essência viver de forma digna. E cabe à
escola como espaço institucional privilegiado de parametrização social, que
tradicionalmente, segundo Neves (2003), se confiou o papel de guardiã da
norma regrada e valorizada, daquele bom uso cujo poder qualifica o sujeito
91
para obtenção de passaportes sociais, e, portanto, para trânsito ascendente
nos diversos estratos, dando foro de urbanidade, civilidade, cidadania plena.
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