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Flávia Dias de Oliveira Ferrari
Começando pelo jogo: compreensão e linguagem em
Gadamer
Dissertação de Mestrado
Dissertação apresentada como requisito parcial
para obtenção do grau de Mestre pelo
programa de Pós-graduação em Filosofia do
Departamento de Filosofia da PUC-Rio.
Orientador: Prof. Paulo Cesar Duque-Estrada
Rio de Janeiro
Março de 2010
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Flávia Dias de Oliveira Ferrari
“Começando pelo jogo: compreensão e linguagem em
Gadamer”
Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de
Mestre pelo programa de Pós-graduação em Filosofia do Departamento
de Filosofia do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio.
Aprovada pela Comissão Examinadora abaixo assinada.
Prof. Paulo Cesar Duque Estrada
Orientador
Departamento de Filosofia – PUC-Rio
Profa. Ligia Teresa Saramago Pádua
Departamento de Filosofia – PUC-Rio
Prof. Rafael Haddock-Lobo
Universidade Federal do Rio de Janeiro- UFRJ
Prof. Paulo Fernando Carneiro de Andrade
Coordenador Setorial do Centro de Teologia e
Ciências Humanas - PUC-Rio
Rio de Janeiro, 25 de março de 2010.
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Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total
ou parcial do trabalho sem autorização da universidade, da
autora e do orientador.
Flávia Dias de Oliveira Ferrari
Graduou-se em Educação Física (Licenciatura) e em Belas
Artes (Bacharelado em Pintura) na Universidade Federal do
Rio de Janeiro. Cursou Especialização em Arte e Filosofia
na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.
Ficha Catalográfica
CDD: 100
Ferrari, Flávia Dias de Oliveira
Começando pelo jogo: compreensão e linguagem
em Gadamer / Flávia Dias de Oliveira Ferrari ;
orientador: Paulo Cesar Duque-Estrada. – 2010.
76 f. : il. ; 30 cm
Dissertação (Mestrado em Filosofia)–Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de
Janeiro, 2010.
Inclui bibliografia
1. Filosofia Teses. 2. Hermenêutica. 3. Jogo. 4.
Compreensão. 5. Verdade. I. Duque-Estrada, Paulo
Cesar. II. Pontifícia Universidade Católica do Rio de
Janeiro. Departamento de Filosofia. III. Título.
Para minha família,
Hecto, Léa, Cláudia e Flávio.
Agradecimentos
Ao meu orientador, Professor Paulo Cesar Duque-Estrada, grande incentivador ao
longo do meu percurso filosófico, pela confiança, amizade e apoio incondicional
nos momentos mais difíceis.
À professora Ligia Saramago, pela disponibilidade, por suas palavras precisas e
generosidade desde o primeiro encontro, imprescindíveis para me encorajar a
prosseguir, sempre.
Ao professor Rafael Haddock-Lobo, agradeço imensamente o incansável
incentivo, desde as minhas “andanças” como ouvinte.
Aos amigos do Núcleo de Estudos em Ética e Desconstrução (NEED/PUC-Rio),
pelo acolhimento.
Aos professores da banca examinadora, pela disponibilidade para leitura e pela
preciosa contribuição.
Às professoras Irley Franco e Cristina Ribas, pelo incentivo.
À professora Adriana Ítalo (em memória), pelos encontros proustianos
inesquecíveis.
Todo meu carinho aos professores do Departamento de Filosofia da PUC-Rio que
contribuem para a minha formação filosófica.
À Edna Sampaio, Diná Santos e Leonardo Dias, pela atenção.
Ao amigo Rodrigo Cabral de Melo Neto, pela grande ajuda neste percurso.
À professora Denise de Souza Freitas, pela atenção e disponibilidade.
Aos meus pais, Hecto e Léa, e minha irmã Cláudia, por tudo.
Ao Flávio, companheiro de todas as horas, “primeira vítima” dos meus textos.
À PUC-Rio, pelo auxílio concedido, sem o qual inviabilizaria este trabalho.
Resumo
Ferrari, Flávia Dias de Oliveira; Duque Estrada, Paulo Cesar. Começando
pelo jogo: compreensão e linguagem em Gadamer. Rio de Janeiro,
2010. 76 p. Dissertação de Mestrado Departamento de Filosofia,
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.
O presente trabalho consiste em um estudo em torno de Verdade e Método,
principal obra do filósofo alemão Hans-Georg Gadamer. Ao tomar o fenômeno
da compreensão (Verstehen) como objeto de sua reflexão, Gadamer nos esclarece
de antemão que a hermenêutica que ele pretende desenvolver constitui uma
tentativa de entender a verdade que é própria das ciências humanas, para além de
sua autoconsciência metodológica, bem como o que liga tais ciências ao conjunto
de nossa experiência de mundo. Um dos temas centrais desenvolvidos nesta obra,
e que se encontra diretamente articulado com a questão da compreensão, é o
conceito de jogo (Spiel), entendido como um acontecimento que se para além
das subjetividades que nele se encontram envolvidas. Para Gadamer o alcance
universal e a dimensão ontológica do jogo não devem ser ignorados. Portanto,
tentaremos mostrar neste estudo, que jogar e compreender são elementos
intercambiáveis em seu pensamento, na medida em que pensar o entrelaçamento
jogo-compreensão é realizar que a estrutura da compreensão exige um certo
entregar-se à situação” em que a subjetividade não é tida mais como instância
determinadora em relação ao momento da compreensão.
Palavras-chave:
Hermenêutica, jogo, compreensão, verdade.
Abstract
Ferrari, Flávia Dias de Oliveira; Duque Estrada, Paulo Cesar (Advisor).
Starting with Play: understanding and language in Gadamer. Rio de
Janeiro, 2010. 76 p. MSc. Dissertation Departamento de Filosofia,
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.
The present paper is a study on Truth and Method, the main work of the
German philosopher Hans-Georg Gadamer. When it comes to the phenomenom of
understanding (Verstehen) as the object of his thought, Gadamer explains us that
the hermeneutics he intends to develop constitutes an attempt to understand the
truth of human sciences, beyond their methodological self-consciousness, as well
as, what links such sciences to the whole of our world experience. One of the
central themes developed in this work, straightly linked to the question of
understanding, is the concept of play (Spiel), known as an event that happens
beyond the subjectivities involved in it. According to Gadamer, the universal
scope and the ontological dimension of play should not be ignored. Therefore, we
will try to show in this work that to play and to understand” are interchangeable
elements in Gadamer´s thought, inasmuch as to think about the connectedness of
“play-understanding” is to realize that the structure of understanding demands
one to surrender oneself to the situation in which the subjectivity is no longer the
determinant instance regarding the moment of understanding.
Keywords:
Hermeneutics, play, understanding, truth.
Sumário
1. Introdução 13
2. A noção gadameriana de jogo. 17
2.1. O conceito de jogo 17
2.2. O jogo como compreensão 22
2.3. A transformação do jogo em configuração e a mediação total 31
3. Elementos da compreensão. 38
3.1. O diálogo em Gadamer. 38
3.2. Pressupostos husserlianos acerca do conceito de horizonte 42
3.2.1. Horizonte e a positividade do preconceito 47
3.3. A fusão de horizontes 49
4. A linguagem em Gadamer 56
4.1. Uma conversa com Heidegger 56
4.2. A linguagem como medium da experiência hermenêutica
64
5. Considerações finais 70
6. Referências bibliográficas 73
Figura1- KLEIN, Yves. Salto no Vazio (Saut dans le vide), Performance, Rue Gentil-Bernard
Fontenay-aux-Roses, fotografado por Harry Shunk (1924-2006), Paris, 1961.
Abreviaturas das obras de Gadamer utilizadas nesta dissertação:
AB – A atualidade do belo: a arte como jogo, símbolo e festa
HFE – Herança e Futuro da Europa
HRI – Hermenêutica em Retrospectiva Volume I
HR II – Hermenêutica em Retrospectiva Volume II
HR IV – Hermenêutica em Retrospectiva Volume IV
PCH – O Problema da consciência histórica
REC – A Razão na Época da Ciência
VM – Verdade e Método
VM II – Verdade e Método II
Compreender e interpretar textos não é um expediente reservado apenas à ciência,
mas pertence ao todo da experiência do homem no mundo.
Hans-Georg Gadamer, Verdade e Método.
1
Introdução
O presente trabalho é um estudo a partir de Verdade e Método
1
, principal
obra do filósofo alemão Hans-Georg Gadamer (1900-2002). Ao tomar o
fenômeno da compreensão como objeto de sua reflexão, Gadamer deixa claro na
introdução desta obra que a hermenêutica
2
que ele pretende desenvolver não é
uma doutrina de métodos das ciências humanas, mas a tentativa de entender o que
são na verdade as ciências do espírito (Geisteswissenschaften)
3
, para além de sua
autoconsciência metodológica, e o que as liga ao conjunto de nossa experiência de
mundo. Para ele, as ciências humanas contribuem para compreensão que o
homem tem de si mesmo e, portanto, adquirem uma valência ontológica que não
poderia permanecer sem consequências para a sua autocompreensão
metodológica. Ele parte do princípio que a compreensão é o aspecto fundamental
do in-der-Welt-sein humano. Gadamer pensa a compreensão como um processar
histórico sempre efetivo e atuante na vida. Com efeito, a historicidade da
compreensão é um princípio fundamental para a hermenêutica filosófica, que
concebe a compreensão em sua natureza propriamente histórica, como uma
consciência dos efeitos da história (Wirkunsgeschichte)
4
. Para o filósofo italiano
1
Gadamer é considerado o expoente da hermenêutica filosófica. Compreender e Acontecer seria o
título inicial de Verdade e Método (1960). Ele propôs ao seu editor Mohr Siebeck como subtítulo:
“Traços fundamentais de Hermenêutica Filosófica”. Mas, seu editor respondeu que
‘hermenêutica’ era um termo bastante obscuro. O título então foi modificado para Verdade e
Método: Traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica, doravante referido como VM.
(GADAMER, Hans-Georg. Verdade e método. Tradução de Flávio Paulo Meurer. Petrópolis,
Vozes; Bragança Paulista, SP: Editora Universitária São Francisco, 1997.) Para Robert J. Dostal, a
palavra “método” no título é ambígua e irônica, haja vista que Gadamer nos fornece a noção que
verdade é para ser primeiramente entendida como a função de um método rigoroso. In: DOSTAL,
Robert J. Gadamer’s philosophical hermeneutics, Cambridge University Press, 2002, p.1-2,
tradução minha. Na interpretação de Ernildo Stein, existe uma intenção provocativa do título, pois
se trata da verdade contra o método que Gadamer sustenta a premissa que na estrutura das
experiências da arte, história e linguagem, é produzido um tipo de verdade incompatível com o
método lógico-analítico. STEIN, Ernildo. Aproximações sobre hermenêutica, Porto Alegre:
EDIPUCRS, 1996, p.44.
2
Hermenêutica é um termo derivado da palavra grega hermeneuein”, que significa interpretar.
Refere-se de maneira simbólica a Hermes, mediador e mensageiro, o intérprete da vontade divina.
3
O termo ciências humanas significa literalmente em alemão, ciências do espírito
(Geisteswissenschaften).
4
Uma tradução adequada ao termo alemão Wirkunsgeschichte: “história atuante”. Para Gadamer:
“A consciência histórica não é portanto uma postura erudita especial ou condicionada pela visão
do mundo, mas sim uma espécie de instrumentação da espiritualidade de nossos sentidos que
Gianni Vattimo, é em Verdade e Método que se inaugura, no pensamento
contemporâneo, “o que passou a ser chamado de ontologia hermenêutica”
5
, tendo
como base a influência de seu mestre Martin Heidegger (1889-1976).
Portanto,
tomar a compreensão como um existencial do Dasein
6
, é uma importante premissa
heideggeriana, na avaliação de Gadamer. Deste modo, a compreensão para
Gadamer tem um peso ontológico, na medida em que ela é o modo de ser
originário da vida humana mesma, tema abordado em uma de suas conferências
ministradas no ano de 1958, no Instituto Superior de Filosofia da Universidade de
Louvain, e publicadas sob o título O Problema da Consciência Histórica.
Em sua principal obra, Gadamer põe em discussão a metodologia das
ciências humanas (Geisteswissenschaften) e da natureza (Naturwissenschaften) na
busca da verdade, à luz da ciência da hermenêutica. Neste caso, “as ciências
humanas encontram-se mais próximas da autocompreensão humana do que as
ciências naturais”.
7
No percurso de seu pensamento ele procura descrever o que acontece
conosco quando compreendemos, pois ele considera a compreensão um acontecer
efetivo que sustenta toda a relação com as coisas. Quando Gadamer levanta a
questão como é possível a compreensão?”, ele acredita que tal questionamento
desdobra-se em implicações filosóficas importantes, que sua investigação
coloca a questão ao todo da experiência humana do mundo e da práxis da vida.
Neste sentido, Gadamer afirma existir uma afinidade entre a hermenêutica
determina por princípio nossa visão e nossa experiência da arte”. (In: GADAMER, Hans-Georg.
A Atualidade do Belo: A Arte como Jogo, Símbolo e Festa, tradução de Celeste Aida Galeão. Rio
de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1985, p.22, doravante referido como AB).
5
VATTIMO, Gianni, Hermenêutica e Niilismo. O Fim da Modernidade: niilismo e hermenêutica
na cultura pós-moderna, tradução de Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p.109.
6
Como sugere a tradução brasileira da obra de Heidegger (Ser e Tempo), o termo presença” e
“ser aí”, são algumas designações para o termo alemão Dasein. Optamos por manter sua
formulação originária: Dasein. No quarto parágrafo de Ser e Tempo, O primado ôntico da questão
do ser, Heidegger classifica a compreensão do ser como um privilégio, pois para ele, esta
compreensão do ser, ‘o que está em jogo’, a compreensão própria, a gente “é” enquanto
compreende. Assim, O Dasein é o único ente que a essência é conjunta a existência. Ver:
HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo. Tradução revisada de Márcia Sá Cavalcante Schuback;
Posfácio de Emmanuel Carneiro Leão. Petrópolis, Vozes; Bragança Paulista, SP: Editora
Universitária São Francisco, 2006, §4, p.47-51.
7
GADAMER, Hans-Georg. O Problema da Consciência Histórica. Tradução de Paulo Cesar
Duque-Estrada. Rio de Janeiro: Editora Fundação Getúlio Vargas Vozes, 1998, p.12, doravante
referido como PCH.
filosófica e a práxis
8
, tema que ele retoma de Aristóteles. Conforme coloca Joel
Weinsheimer, a hermenêutica é explicada por Gadamer tendo como base a ética
aristotélica, pois a ética, “tal como a hermenêutica, envolve a questão do
conhecimento aplicado.”
9
Para Duque-Estrada, compreensão para Gadamer
significa, portanto, “o processo de mútua compreensão que vai se desdobrando ao
longo da experiência (Erfahrung) de uma vida em comum que, sempre e
novamente, se preserva e se projeta para novas possibilidades.”
10
De fato, podemos afirmar que a hermenêutica filosófica abre caminho para
novas experiências de verdade, que pode ser revelada em três momentos: o da
experiência marcada pelas estruturas ontológicas da arte, o do entendimento
histórico e o da linguagem. Assim, um dos temas desenvolvidos por Gadamer na
primeira parte de Verdade e Método, articulado com a questão da compreensão é
o conceito de jogo (Spiel), pois ele sustenta que o alcance universal e a dimensão
ontológica do jogo não devem ser ignorados. Como premissa de sua investigação
acerca do jogo, Gadamer parte da obra Homo Ludens (1938), do antropólogo
holandês Johan Huizinga (1872-1945)
11
e deste modo, a temática do jogo
12
vai se
constituir como fio condutor da explicação ontológica. Como veremos, jogar e
8
Gadamer define o âmbito prático da hermenêutica filosófica fazendo uma relação entre práxis
com a vida humana como um todo: “’Práxis’ exprime melhor, como o demonstrou especialmente
Joaquim Ritter, a forma de comportamento dos seres vivos, em sua mais ampla generalidade. A
práxis, como o ser vivo, está situada entre a atividade e o ‘encontrar-se em um estado ou situação’.
Como tal, não está limitada ao homem, que atua exclusivamente por livre escolha (prohairesis).
Práxis significa melhor realização da vida (energeia) do ser vivo, a quem corresponde uma ‘vida’ ,
uma forma de vida, uma vida que é levada a cabo de uma determinada maneira (bios). Também os
animais tem práxis e bios, isto é, uma forma de vida.” In: GADAMER, Hans-Georg. A Razão na
Época da Ciência, tradução de Ângela Dias. Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 1983, doravante
referido como REC, p.59.
9
WEINSHEIMER, Joel C. Gadamer’s Hermeneutics: A reading of Truth and Method, Yale
University Press, 1985, p.187, tradução minha.
10
DUQUE-ESTRADA, Paulo Cesar. Limites da Herança heideggeriana: A Práxis na
hermenêutica de Gadamer. Revista Portuguesa de filosofia. A Idade Hermenêutica da Filosofia:
Hans-Georg Gadamer. Faculdade de Filosofia de Braga, 2000, p.520.
11
Johan Huizinga tem como objeto de seu estudo o jogo como forma específica de atividade,
‘como forma significante’, como função social. No prefácio de Homo Ludens ele afirma: “Já
muitos anos que vem crescendo em mim a convicção de que é no jogo e pelo jogo que a
civilização surge e se desenvolve. É possível encontrar indícios dessa opinião em minhas obras
desde 1903. (...) Assim, jogo é aqui tomado como fenômeno cultural e não biológico, e é estudado
em uma perspectiva histórica, não propriamente científica em sentido restrito”. HUIZINGA,
Johan. Homo Ludens: o jogo como elemento da cultura, tradução de João Paulo Monteiro. São
Paulo: Ed. Perspectiva, 2004, grifos meus.
12
Tal temática, também é desenvolvida por Gadamer em Conferência feita em 1974 na
Universidade de Salzburgo intitulada: A Atualidade do Belo: A arte como jogo símbolo e festa
(Die Aktualität des Schönen, Kunst als Spiel, Symbol und Fest), onde ele afirma ser necessário
considerar o jogo “uma função elementar da vida do homem, de tal sorte que a cultura humana,
sem um elemento de jogo, é impensável, AB, p.38, grifos meus.
compreender são elementos intercambiáveis no pensamento hermenêutico de
Gadamer. no jogo uma liberdade tal que nenhum jogo é jogado duas vezes
da mesma maneira e apesar dessa variedade é ainda o mesmo jogo”
13
. O jogo
altera expectativas. Entremos no jogo.
13
WEINSHEIMER, Joel C. Idem, p. 104, tradução minha.
2.
A noção gadameriana de jogo
Aquele que compreende atua como uma criança que de
repente se conta de que é capaz de montar em uma
bicicleta e que, por pura emoção não se dá conta de que
vai demasiado depressa e que vai fazendo isso de um
lado para o outro.
14
2.1
O conceito de jogo
No início da apresentação deste tema,
Gadamer esclarece e toma
como pressuposto que o conceito de jogo que pretende desenvolver é diverso do
conceito subjetivo apresentado nas teorias estéticas de Kant
15
e Schiller, para
quem o “o jogo seria um estado de espírito, um livre jogo de faculdades e,
portanto uma propriedade de subjetivação”
16
. Gadamer também afirma que sua
análise acerca deste tema é pensada de forma puramente fenomenológica
17
.
Assim, na primeira parte de sua obra maior, Verdade e Método ele apresenta o
conceito de jogo, como modelo estrutural para a explicação da compreensão. Para
14
Como diz Jean Grondin em Introducción a Gadamer, p.43, citado por Silva Junior em: SILVA
JUNIOR, Almir. Estética e Hermenêutica: A Arte como Declaração de Verdade em Gadamer, tese
de doutorado, departamento de filosofia da USP, 2005, p.26.
15
Em linhas gerais, para Kant se o prazer estético é possível, ele deriva do jogo livre de nossas
faculdades mentais. Quando Gadamer faz uma crítica da consciência estética, segundo ele não se
pode considerar a obra de arte como um objeto posto diante de um sujeito. Para ele não
poderemos fazer justiça ao problema da arte partindo do primado da consciência estética. O que
possibilita o caráter de acontecimento à experiência da arte é justamente o fato de “nos deixarmos
levar”, análogo ao fenômeno do jogo. Podemos transportar esta analogia do jogo de forma
imagética assim como é apresentada na figura 1 desta dissertação. (Ver: página 10). KLEIN, Yves.
Salto no Vazio (Saut dans le vide), Performance, Rue Gentil-Bernard Fontenay-aux-Roses,
fotografado por Harry Shunk (1924-2006), Paris, 1961.
16
WEINSHEIMER, Joel C. Idem, p. 101, tradução minha.
17
VM, p.23.
tanto, como mencionado anteriormente, Gadamer parte da obra de Johan Huizinga
que considera o jogo como o fato mais antigo da cultura e está presente em tudo o
que acontece no mundo, como um fenômeno cultural, onde a partir dele a
civilização se desenvolve. Sob esta perspectiva, mais do que um fenômeno
biológico, ou um reflexo psicológico, o jogo é tomado como um fenômeno
cultural e que ultrapassa os limites da atividade puramente física ou biológica,
pois para ele o jogo é uma função significante, “encerra um determinado sentido”
e por sua vez implica em sua própria essência a presença de um sentido não
material. Tal como observa Johan Huizinga, para Gadamer a ideia de jogo
(Spiel), é de uma presença não material. Em alemão o termo correlato de jogo é
Spiel e spielen e seu uso é inteiramente diferenciado.
Para Gadamer, jogo (Spiel) significa tanto jogar como brincar, tocar um
instrumento, representar uma peça de teatro (schauspiel), etc. Em seu sentido mais
amplo, ele apresenta um aspecto essencial no jogar: o ir e vir de um movimento
que não tem ponto de partida, nem de chegada: “O movimento de vaivém é
central para a definição essencial do jogo”, é o que legitima o jogar e não quem
ou o quê joga. Assim, está implícito no significado figurado da palavra jogo o
vaivém de um movimento que não se fixa em nenhum alvo onde termine, e que
isso também corresponde ao significado da palavra jogo enquanto dança. Diz
Gadamer:
O movimento de vaivém é obviamente tão central para a determinação da
essência do jogo que chega a ser indiferente quem ou o que executa esse
movimento. O movimento do jogo como tal também é desprovido de substrato. É
o jogo que é jogado ou que se desenrola como jogo; não um sujeito fixo que
esteja jogando ali. O jogo é a realização do movimento como tal.
18
Dentre os vários exemplos acerca desta questão, Gadamer fala do jogo das luzes,
do jogo das ondas, do jogo da peça da máquina no rolamento, do jogo articulado
dos membros, do jogo das forças, do jogo das moscas, do jogo das cores e até
18
VM, p.156-157.
mesmo do jogo das palavras. O movimento do jogo como tal é desprovido de
substrato, é autônomo, “vai como que por si mesmo”.
Johan Huizinga, no segundo capítulo de A Noção de jogo e sua expressão
na linguagem
19
, afirma que a expressão jogo aparece em diversas línguas e em
virtude disto, não é cito afirmar que tal expressão apresente as mesmas ideias.
Em grego, é possível encontrar três palavras diferentes para designar o jogo em
geral, já em sânscrito, ele afirma que é possível encontrar ao menos quatro raízes
verbais que correspondem ao conceito de jogo: o termo mais geral é kridati, o
jogo entre animais, as crianças e os adultos, equivale a spiel em alemão e play em
inglês. Também para ele, “jogo” nas línguas germânicas serve para designar o
movimento do vento ou das ondas, como também, pode ter em geral o significado
de “saltar” ou “dançar”, em geral, sem referência expressa à noção de jogo. Neste
último caso, aproxima-se da raiz nrt, que abrange todo o domínio da dança e da
representação dramática. Em chinês, a palavra mais importante é wan, onde a
ideia predominante é a de jogo infantil. em japonês, de maneira muito
semelhante às nguas ocidentais modernas, designa a função lúdica com uma
palavra única e bem definida. Assim, tanto o substantivo asobi, quanto o verbo
asobu significam: jogo em geral, recreação, relaxamento, divertimento,
passatempo, disponibilidade e significam igualmente jogar alguma coisa,
representar, imitar. Ainda acerca das observações feitas por Johan Huizinga
acerca do jogo na língua japonesa, ele também afirma que o substantivo asobu
significa o estudo sob a direção de um professor ou numa universidade, o que
pode fazer remetimento o uso da palavra latina ludus no sentido de escola. Neste
caso, em latim, com uma única palavra cobre o terreno do jogo: ludus, que
abrange jogos infantis, a recreação, as competições, as representações litúrgicas e
teatrais e os jogos de azar. Desde muito cedo, ludus foi suplantado por um
derivado de jocus, que foi ampliado para o jogo em geral. Deste modo, podemos
observar que em francês é jeu, jouer, italiano é gioco, giocare, em espanhol é
juego, jugar e em português, jogo, jogar. Ao longo deste capítulo o autor
apresenta várias designações para a expressão de jogo. Até nos textos góticos, ele
apresenta o termo laikan no sentido de saltar. Ele afirma que todo jogo é capaz, a
qualquer momento, de absorver inteiramente o jogador, lançando sobre nós um
19
HUIZINGA, Johan. Idem, p.33-51.
feitiço; “é fascinante e cativante”. O jogo tem em seu caráter especial e
excepcional um ar de mistério em que frequentemente se envolve. Neste sentido,
outro termo correlato de jogo em alemão é envolvimento (im spiel sein).
Pensemos também que, para Gadamer, o sentido de jogar pressupõe um
movimento de participação, engajamento, onde o jogar é a priori um jogar junto.
Contudo, ele diz que para que o jogo aconteça não é absolutamente indispensável
que outro participe efetivamente do jogo, “mas é preciso que ali sempre haja um
outro elemento com o qual o jogador jogue e que, de si mesmo, responda com um
contralance ao lance do jogador”.
20
O modelo do jogo para a explicação do processo de compreensão é; de
fato, um modelo interessante proposto por Gadamer na medida em que o autor nos
permite pensar que a compreensão é como um jogar, um movimento, uma
estrutura aberta que se repete ou pode se repetir. Todo jogar para Gadamer é um
“ser-jogado” e, portanto, o atrativo do jogo, a fascinação que ele exerce, reside
justamente no fato de que o jogo se assenhora do jogador.
21
Conforme dito,
compreender, segundo Gadamer, pertence ao todo da experiência do homem no
mundo e, como jogadores-intérpretes”, somos interpelados a todo o momento
por este grande livro chamado “mundo”.
O que nos possibilita pensar o entrelaçamento jogo-compreensão é que a
estrutura da compreensão exige um certo entregar-se à situação”
22
onde a
subjetividade não é tida mais como instância determinadora em relação à
compreensão. Nesta direção de pensamento, também para Johan Huizinga “o
jogador pode entregar-se de corpo e alma ao jogo, e a consciência de tratar-se
‘apenas’ de um jogo pode passar para segundo plano”.
23
Para Gadamer, o jogo
acontece num espaço pré-reflexivo: a estrutura pré-reflexiva ontológica torna-se
condição de possibilidade para a reflexão, pois a estrutura da racionalidade
encontra-se antecipada na situação pré-reflexiva. O jogar, diz Gadamer, “só
cumpre a finalidade que lhe é própria quando aquele que joga entra no jogo.”
24
Sobre esta questão, comentando Gadamer, Joel Weinsheimer afirma: “o jogo
20
VM, p.159.
21
Cf. VM, p.160.
22
Entregar-se à situação pode ser interpretado como o fundamento hermenêutico proposto por
Gadamer com o objetivo de recuperar a verdade da arte.
23
HUIZINGA, Johan. Idem, p.24, grifos meus.
24
VM, p.155.
realmente existe quando é jogado, ou seja, objeto e sujeito se confundem, de
modo que o objeto não é mais objeto e o sujeito não é mais sujeito”.
25
Existe uma
primazia do jogo diante da consciência do jogador, pois o que constitui a essência
do jogo são as regras e deste modo, a subjetividade é desempenhada de forma
secundária. Na medida em que a subjetividade submete-se às regras do jogo é ela
que joga.
26
A este respeito, ao fazer uma descrição da estrutura da compreensão,
Gadamer retorna a um ponto de partida onde no jogo a sua razão de ser não é o
sujeito, isto é, parece que o jogo não tem um sujeito capaz de dominá-lo, onde o
sujeito do jogo é o próprio jogo. Comentando Gadamer, afirma Rui Sampaio da
Silva:
O ser do jogo tem um caráter paradigmático para a hermenêutica, desde que
tenhamos em consideração, como Gadamer tem o cuidado de sublinhar, que o
sujeito do jogo (o subjectum, o substrato) não é o jogador, mas o próprio jogo. É
certo que o jogo não é jogo sem os jogadores. (...) Jogo e jogador constituem uma
unidade indissolúvel, mas o primado pertence ao jogo.
27
*
25
WEINSHEIMER, Joel C. Idem, p. 103, tradução minha.
26
Para Christian Hamm, como “a ‘experiência estética’, enquanto jogo livre, depende na
realização plena não de jogadores que conhecem e aceitam as regras do jogo, mas também e
sobretudo, de jogadores que sabem jogá-lo.” In: HAMM, Christian, Gadamer, leitor de Kant,
‘experiência estéticavs. ‘experiência da arte’. Revista Studia Kantiana 1 (1): 9-28, 1998, p.28.
27
SAMPAIO DA SILVA, Rui. Gadamer e a Herança Heideggeriana, Revista Portuguesa de
filosofia. A Idade Hermenêutica da Filosofia: Hans-Georg Gadamer. Faculdade de Filosofia de
Braga, 2000, p.538.
2.2
O Jogo como Compreensão
Gadamer tematiza o jogo como conceito-chave na fundamentação de sua
hermenêutica filosófica enquanto um fenômeno essencial da vida e cultura
humanas. É nesta perspectiva de pensamento que ele estabelece com o jogo, uma
analogia com a estrutura aberta do acontecer compreensivo. Para ele, o fenômeno
da compreensão e interpretação está presente nas relações do homem para com o
mundo na medida em que a interpretação “não é um ato posterior e
ocasionalmente complementar à compreensão. Antes, compreender é sempre
interpretar, e, por conseguinte, a interpretação é a forma explícita da
compreensão”.
28
Em Verdade e Método, partindo da analítica heideggeriana
temporal da existência, Gadamer afirma que de maneira convincente, Heidegger
mostrou que a compreensão não é um dentre outros modos de comportamento do
sujeito, mas o modo de ser do próprio Dasein.
29
Assim, a reflexão heideggeriana
sobre a compreensão e interpretação contida em Ser e Tempo constitui a base da
hermenêutica filosófica de Gadamer.
É também através do jogo que Gadamer alarga um conceito central em sua
obra: o conceito de experiência. Em alemão
30
, existem duas formas para designar
tal conceito: Erlebnis e Erfahrung. Em linhas gerais, Erlebnis significa
“experiência vivida” e Erfahrung significa “pura experiência”, no sentido de
autêntica, verdadeira experiência. É importante atentar para a segunda palavra
apresentada. Uma Erfahrung
31
é considerada uma experiência de um
28
VM, p. 406, grifos meus. Ainda sobre isto, Robert Dostal afirma que “a compreensão para
Gadamer é sempre uma questão de interpretação”. DOSTAL, Robert J, Gadamer’s Philosophical
Hermeneutics, p.1, tradução minha.
29
Diz Gadamer: “O conceito de ‘hermenêutica’ foi empregado, aqui, nesse sentido. Ele designa a
mobilidade fundamental da pré-sença, a qual perfaz sua finitude e historicidade, abrangendo assim
o todo de sua experiência de mundo.” (VM, p.16).
30
Esta pesquisa se afasta da pretensão em fazer um aprofundamento acerca desta terminologia,
haja vista a minha limitação diante da língua alemã. Contudo, julgo necessário apresentar de uma
maneira geral e cuidadosa o sentido dos termos para tentarmos compreender o percurso do
pensamento gadameriano.
31
Ainda sobre esta questão, na origem da palavra alemã Erfahren, está contido o verbo fahren, que
significa ir, viajar e literalmente também “ir adiante” que possui uma qualidade mais exterior.
Sendo assim, cabe observar que pode significar “aprender, descobrir, ouvir falar”, como também
acontecimento externo, objetivo e as lições que se aprendem de tais
acontecimentos. É como Gadamer se refere a “experiência hermenêutica”, pois
para ele, a experiência da verdade é hermenêutica até onde ela nos “atravessa” e
“surpreende”. Para a experiência hermenêutica é fundamental que algo nos
provoque, como uma Erfahrung. Sobre esta questão, diz Heidegger à propósito
da expressão “fazer uma experiência” em que
“Fazer” não diz aqui de maneira alguma que nós produzimos e operacionalizamos
a experiência. Fazer tem aqui o sentido de atravessar, sofrer, receber o que nos
vem ao encontro, harmonizando-nos e sintonizando-os com ele. É esse algo que
se faz, que se envia, que se articula.
32
Neste sentido, quando somos surpreendidos de maneira única,
participamos de encontros hermenêuticos genuínos, como no jogo que altera
expectativas e é imprevisível. Podemos afirmar que a primeira de todas as
condições hermenêuticas é o fato de que “algo nos interpela” (e para Gadamer
esta é a condição hermenêutica suprema): é pelo jogo que o “jogador-intérprete”
é interpelado e passa a ser integrante do objeto. Gadamer sustenta que o jogar
possui uma referência essencial própria para com o que é sério. Na medida em que
Não é a referência que, a partir do jogo, de dentro para fora, aponta para a
seriedade; é a seriedade que no jogo que permite que o jogo seja
inteiramente um jogo. Quem não leva a sério o jogo é um desmancha-prazeres
33
.
“receber, sofrer” algo. Ver mais em: INWOOD, Michael, Dicionário Heidegger, tradução de Luísa
Buarque de Holanda. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2002, p.60.
32
HEIDEGGER, Martin. A Caminho da Linguagem, p.121, grifos meus. Na tradução francesa,
acerca desta expressão, diz Heidegger: “Dans cette expression, ‘faire’ ne signifie justement pas
que nous sommes les opérateurs de l’expérience; faire veut direi ici, comme dans la locution ‘faire
une maladie’, passer à travers, souffrir de bout en bout, endurer, accueillir ce qui nous atteint en
nous soumettant à lui. Cela se fait, cela marche, cela convient, cela s’arrange.”(HEIDEGGER,
Martin, Acheminement vers la parole, Éditions Gallimard;1976, p.143.)
33
Comentando Gadamer, Rogério José Schuck, afirma que o termo "Spielverderber" comumente é
traduzido do alemão para o português como "desmancha-prazeres". Em Verdade e Método
poderíamos considerar o sentido de "in Unordnung bringen", ou seja, é uma espécie de tentativa
de acabar com o "existente aí", ou não se enquadrar nas regras. "Verderben" possui um sentido de
arruinar; estragar. Assim, pode-se dizer que tal expressão já "pré-supõe" o que "está-aí" à
disposição. Exemplo simples disso pode ser em relação a alimentos, como é o caso do leite, que
ficando fora de suas condições favoráveis de armazenagem coalha, se estraga, isto é, "verderbt".
O modo de ser do jogo o permite que quem joga se comporte em relação ao
jogo como se fosse um objeto.
34
Para que o jogo aconteça é necessária a pré-existência da possibilidade de
se ultrapassar os pontos de vista singulares em um engajamento tal dos jogadores
que permita tal ultrapassamento. Isto vale também para a compreensão. Segundo
o filósofo Richard Bernstein, a condição básica para toda compreensão
“necessita testar e colocar em risco as próprias convicções e preconceitos no e
através de um encontro com o que é radicalmente ‘outro’ ou ‘estranho’”.
35
Em Gadamer, a verdade como experiência autêntica pressupõe na
concepção de experiência hermenêutica, um modelo de interpretação que
ultrapassa o modelo cartesiano dogmático da autoconsciência. Aliás, nos moldes
da ciência moderna, o objetivo da ciência é eliminar a historicidade do seu objeto.
O próprio Gadamer afirma que
a ciência moderna não faz mais do que continuar, com seus próprios métodos, o
que, de um modo ou de outro, é sempre objetivo de qualquer experiência. Uma
experiência só é válida, na medida em que se confirma; nesse sentido, sua
dignidade repousa no princípio que reza que ela pode ser reproduzida. Mas isto
significa que, por sua própria essência, a experiência suspende em si mesma sua
própria história e a extingue.
36
Poderíamos dizer que Gadamer desenvolve a sua reflexão contestando o discurso
racionalista da filosofia moderna baseado na premissa heideggeriana que a
(SCHUCK, Rogério José, O jogo como fio condutor da explicação ontológica em Gadamer:
Subjetividade e Compreensão, Minas Gerais, 2003. (Disponível em:<http://www.dialetica-
brasil.org/Schuck-site.htm>. Acesso em 3 jul 2009.)
34
VM, p.155.
35
BERNSTEIN, Richard. The New Constelation: the ethical-political horizons of
modernity/postmodernity, p.4, tradução minha. Em linhas gerais, como comenta Sampaio da Silva,
os preconceitos (Vorurteile)constituem um saber prévio, ou um horizonte de expectativas, graças
ao qual o conhecimento se torna possível.” SAMPAIO DA SILVA, Rui. Idem, p.525, grifos meus.
(Trataremos desta questão no terceiro capítulo desta pesquisa.)
36
VM, p.454.
compreensão não está limitada a privacidade da consciência, mas sim através de
nosso ser-no-mundo. Também para o filósofo lituano Emmanuel Lévinas, em
Martin Heidegger e a Ontologia, a compreensão:
não é uma faculdade cognitiva que se juntaria à existência para lhe permitir
tomar conhecimento de suas possibilidades; a distinção entre o sujeito que
conhece e o objeto conhecido já não tem aqui sentido: a própria existência
humana sabe-se antes de qualquer reflexão introspectiva e torna possível esta
última.
37
A experiência hermenêutica se exatamente quando nos possibilita o
insight, e nos permite pensar: “eu nunca tinha visto por este viés antes”. O
primado do jogo frente aos jogadores que o executam, acaba sendo experimentado
pelos próprios jogadores de maneira especial. Conforme dito na introdução deste
estudo, no jogo “uma liberdade tal que nenhum jogo é jogado duas vezes da
mesma maneira e apesar dessa variedade é ainda o mesmo jogo”
38
. A liberdade
39
implícita no jogo não significa que ele esteja livre de riscos, pois, para Gadamer, o
próprio jogo é um risco para o jogador, ninguém sabe como irá terminar, análogo
a uma aventura. Acerca disto, assim como no jogo, Gadamer afirma em A Razão
na Época da Ciência que “Compreender é uma aventura e é, como toda aventura,
perigoso”.
40
Aceitar o caráter aventureiro da compreensão é, para Gadamer,
oferecer oportunidades especiais, pois pode contribuir para ampliar de maneira
especial nossas experiências humanas, nosso autoconhecimento e nosso horizonte
do mundo.
37
LÉVINAS, Emmanuel. Martin Heidegger e a Ontologia. In: Descobrindo a existência com
Husserl e Heidegger. Martin Heidegger e a Ontologia. Tradução de Fernanda Oliveira. Lisboa:
Instituto Piaget, 1988, p.86, grifos do autor.
38
WEINSHEIMER, Joel C. Idem, p. 104, tradução minha, grifos meus.
39
Fazendo uma referência ao estudo de Huizinga, a primeira das características fundamentais do
jogo é o fato de ser livre, de ser ele próprio liberdade. (HUIZINGA, Johan, Idem, p.11).
40
REC, p.75.
Também para ele, não existe jogo que se reduza ao comportamento do
jogador, e assim, o jogo é dotado de uma natureza
41
própria, que jamais se
confunde com o comportamento daqueles que jogam. Neste sentido, com base na
estrutura do jogo, Gadamer irá dizer que a compreensão “jamais é um
comportamento subjetivo frente a um ‘objeto’ dado, mas pertence à história
efeitual, e isto significa, pertence ao ser daquilo que é compreendido”
42
. Neste
papel fundamental do vaivém próprio ao movimento jogo-compreensão,
sempre uma relação com uma alteridade e, sendo assim, desfaz-se de início
qualquer possibilidade de certeza. Como nos jogos de bola, uma partida de
futebol, em constante movimento, ninguém tem a certeza de como o jogo irá
terminar. Em seu caráter fascinante, o atrativo do jogo sobre o jogador reside
exatamente nos riscos
43
inerentes a ele, ou seja, o risco de saber se aquele que
impõe a si mesmo a realização de tarefas “vai”, “conseguirá” e “voltará a
conseguir” realizá-las.
O sentido de jogar pressupõe um movimento de participação,
engajamento, onde o jogar é a priori um jogar junto. Na mesma direção nos diz
Johan Huizinga: “todo jogo é capaz, a qualquer momento, de absorver
inteiramente o jogador”.
44
Entrar no jogo é estar envolvido. Não distinção
entre ser e jogar e o que constitui a sua essência, nas palavras de Gadamer são
as regras e disposições que prescrevem o preenchimento do espaço lúdico. Isso
vale em geral onde quer que haja um jogo”
45
. Ele afirma que o verdadeiro fim do
jogo não é a solução de tarefas, (pois no jogo o cumprimento de tarefas não
remete a nenhuma correlação de fim) e sim a ordenação
46
e configuração do
próprio movimento do jogo”
47
. Para ele “o entregar-se à tarefa do jogo” é um
modo de identificar-se com ele, e, assim, o ser do jogo não está na consciência
41
Segundo Gadamer é possível extrair uma importante conclusão metodológica pelo fato do modo
de ser do jogo encontrar-se tão próximo da forma de movimento da natureza: ele parte da premissa
que o homem joga e que também o seu jogar é um processo natural, e o sentido de seu jogar,
justamente por ser natureza e na medida em que é natureza, é um puro representar-se a si mesmo.”
VM, p.158, modificado.
42
VM, p.18.
43
Tal como afirma Huizinga: “o jogo tem, por natureza, um ambiente instável.” (HUIZINGA,
Johan. Idem, p.24).
44
HUIZINGA, Johan. Idem, p.11, grifos meus.
45
VM, p.160.
46
Pois “a estrutura ordenadora do jogo faz com que o jogador se abandone a si mesmo,
dispensando-o assim da tarefa da iniciativa que perfaz o verdadeiro esforço da existência. (VM,
p.158)
47
VM, p.161.
nem no comportamento do jogador. O jogador-intérprete” experimenta o jogo
como uma realidade que o ultrapassa
48
. Dentro desta perspectiva, para Gadamer,
o jogo não tem nada de puramente subjetivo; ao contrário, aquele que joga se
sente antes conduzido por uma realidade que o ultrapassa
49
. Quem participa de
um jogo se submete à autonomia do jogo, como por exemplo, um jogador de
futebol que ao receber a bola devolve o passe, a bailarina que dança no ritmo da
música ou quando somos “tomados, envolvidos” por uma leitura
50
.
*
Quando Gadamer começou a elaborar uma hermenêutica filosófica, sua
própria “pré-história” exigia que “as ciências da compreensão” seriam o seu ponto
de partida. A partir daí, ele destaca a experiência da arte
51
, que para ele, tanto a
arte, quanto as ciências históricas, são modos de experiência que implicam
diretamente nossa própria compreensão da existência. Acerca disto, na introdução
de O Problema da Consciência Histórica, ele evidencia algo essencialmente
novo: “o papel positivo da determinação pela tradição (Traditionsbestimmtheit),
que o conhecimento histórico e a epistemologia das ciências humanas
48
Desta forma, também afirma Huizinga ao apresentar uma das características do jogo, diz que ao
entrarmos no jogo, que não é vida “corrente”, nem vida “real”, acontece uma supressão temporária
do mundo habitual: É como se saíssemos da vida ‘real’ para uma esfera de tempo autônoma.
HUIZINGA, Johan. Idem, p.11, modificado.
49
Este tema será tratado mais adiante na seção: A Transformação do jogo em configuração e a
mediação total.
50
Sobre a leitura podemos exemplificar tal questão: mesmo após lermos por diversas vezes um
mesmo livro, podemos nos surpreender com ele.
51
Deste modo, o fenômeno da hermenêutica é posto em questão em toda a sua envergadura. Ao
criticar o Idealismo e as suas tradições românticas, Gadamer sustenta de forma clara que as formas
de consciência que havíamos herdado e adquirido, a consciência estética e a consciência histórica
eram “figuras alienadas de nosso verdadeiro ser histórico e que as experiências originárias
transmitidas pela arte e pela história não podiam ser compreendidas partindo-se daí.” (VM II,
p.565).
compartilham com a natureza fundamental da existência humana”.
52
A
hermenêutica gadameriana reconhece o homem como um ser-histórico
53
que
compreende o mundo a partir de sua historicidade. Com Gadamer a história
consiste na história desta “autocompreensão” da humanidade. É dessa maneira
que, para ele, é impossível romper com a tradição, a partir de princípios
puramente racionais. Em O problema da história na filosofia alemã mais recente
(1943), Gadamer afirma que “a questão da história afeta a humanidade o como
um problema de conhecimento científico, mas como um problema da própria
consciência de vida”.
54
Vale recordar o que também Gadamer diz no parágrafo O
Princípio da História Efeitual, onde ele nos alerta que não precisamos
desenvolver a história efeitual como nova disciplina auxiliar das ciências
humanas, mas precisamos “apenas aprender a conhecer-nos melhor e reconhecer
que os efeitos da história efeitual operam em toda compreensão, estejamos ou
não conscientes disso”.
55
Para ele, a verdadeira experiência é aquela onde o
homem se torna consciente de sua finitude
56
, ou seja, quando se conta de que
ele não é senhor do tempo nem do futuro”. O tempo não é um precipício que
devemos transpor para recuperarmos o passado; não é um obstáculo para a
compreensão, e sim, o “solo que mantém o devir e onde o presente cria raízes”
57
.
Segundo Maria Luísa Portocarrero Silva, a proposta de Gadamer é uma nova
concepção do filosofar, baseada numa hermenêutica da memória humana, numa
hermenêutica da finitude, na medida em que “Ser finito é ter memória, ser
afectado pelo outro e é este poder ser afectado o novo sentido do transcendental”
58
e repensar a experiência humana do princípio fora dos quadros da subjetividade
transcendental
torna-se a principal tarefa de sua hermenêutica.
52
PCH, p.12.
53
“Ser histórico quer dizer não se esgotar nunca no saber-se.” (VM, p.399, grifos do autor).
54
GADAMER, Hans-Georg, Verdade e método II. Tradução de Enio Paulo Giachini. ; revisão da
tradução de Márcia Cavalcante Schuback. Petrópolis, Vozes; Bragança Paulista, SP: Editora
Universitária São Francisco, 2002, p.39, grifos do autor, doravante referido como VMII.
55
VM, p.398, grifos meus.
56
Assim, para Gadamer, mesmo na finitude, perguntamos por um sentido. (VMII, p.39.)
57
PCH, p.67. Em Gadamer, o poder do tempo desperta em nós a consciência de uma força própria
sobre o tempo, pela qual configuramos nosso destino.
58
SILVA, Maria Luisa Portocarrero. Razão e Memória em H-G. Gadamer, Revista Portuguesa de
filosofia. A Idade Hermenêutica da Filosofia: Hans-Georg Gadamer. Faculdade de Filosofia de
Braga, 2000, p.340.
Neste percurso, vimos que Gadamer tem como objetivo romper com um
padrão das filosofias de um sujeito encerrado na consciência, e para tanto, o
conceito de jogo se apresenta como alternativa nesta direção. Tal movimento de
pensamento conduz à aproximação ontológica de Gadamer em relação à arte.
Como ele mesmo sustenta, a verdadeira abertura ao outro é possibilitada pela arte:
“eu não podia negar, sobretudo que a experiência da arte afetava de certo modo
a filosofia. Que a arte é um verdadeiro órgão da filosofia”
59
. Ele não quer, com
isso, promover uma batalha filosofia versus arte. A arte torna-se objeto de uma
atenção especial na medida em que a sua verdade é reconhecida como a
experiência de um tipo de verdade não alcançável por outros meios, uma verdade
que não se deixa apreender por nenhum método e nem se restringe aos limites do
conhecimento científico. Em outras palavras, ele reflete sobre a possibilidade de
se pensar a verdade sob um novo horizonte de pensamento, pois ele sustenta que a
verdade das ciências humanas provém antes de um acontecimento do que de um
método. Assim, a experiência da arte, pode revelar verdades diferentes dos
padrões metodológicos científicos. Com isto, na introdução de Verdade e Método
ele afirma:
A presente investigação inicia, portanto, com uma crítica da consciência estética,
a fim de defender a experiência da verdade que nos é comunicada pela obra de
arte contra a teoria estética, que se deixa limitar pelo conceito de verdade da
ciência. Mas não se limita à justificação da verdade da arte. Partindo dessa base,
busca, antes, um conceito de conhecimento e de verdade que corresponda ao todo
de nossa experiência hermenêutica.
60
É também neste sentido que Gadamer, assinala para o fato de que “algo novo vem
a existência com a obra de arte”
61
ou seja, algo que ainda não vimos, que
aparece como acontecimento. Vale lembrar que toda a primeira parte de Verdade
e Método é dedicada ao desenvolvimento do tema sobre A Liberação da questão
59
VM II, p. 548.
60
VM, p.31, grifos meus.
61
GADAMER, Hans-Georg. Heidegger Ways, New York: Univ. New York, 1994, p.105, tradução
minha.
da verdade a partir da experiência da arte. Na introdução desta obra, Gadamer
afirma que é no fato de experimentarmos a verdade numa obra de arte, em que se
a importância filosófica da arte, na medida em que “ao lado da experiência da
filosofia, a experiência da arte é a mais clara advertência para que a consciência
científica reconheça seus limites”.
62
O modo de ser da obra de arte se intimamente vinculado ao seu ser
experimentado, no sentido de experenciado. Sobre esta questão, comentando
Gadamer, ao apresentar a obra Verdade e Método, Gianni Vattimo afirma que o
objetivo gadameriano é recuperar a arte como experiência de verdade, contra a
visão cientificista moderna, “que limitou a verdade ao campo das ciências
matemáticas da natureza, relegando todas as outras experiências, mais ou menos
explicitamente, ao domínio da poesia, da pontualidade estética, do Erlebnis”.
63
Conforme dito, sob diferentes perspectivas, o conceito de verdade foi
abordado por Gadamer e tal concepção não pode de forma alguma, ser confundida
com um relativismo subjetivista. Para ele, a arte não é um estado alterado de
sentimento, mas uma forma de verdade sobre o mundo. Assim, a experiência da
verdade é uma experiência hermenêutica, como ele diz, que ela nos “atravessa”
e “surpreende” (como no jogo). No modelo de jogo que Gadamer nos apresenta a
subjetividade encontra-se sempre e implicada, mas não em primeira instância.
Assim, é razoável afirmarmos que a subjetividade curva-se a algo maior; ela se
submete ao que a obra lhe impõe: o sujeito encontra-se então submetido a um
encontro que o transforma. A teoria hermenêutica gadameriana parte da seguinte
afirmativa: “a obra de arte é uma provocação para a nossa compreensão”.
Diante desta premissa, não ficamos indiferentes, pois a obra de arte nos eleva até
sua verdade. A arte é experiência de verdade se é experiência autêntica, isto é,
se o encontro com a obra modifica realmente o observador”.
64
Portanto, a
experiência da arte é uma genuína experiência, que não deixa inalterado aquele
que a faz. Como diz Chris Lawn:
62
VM, p.31.
63
VATTIMO, Gianni, Idem, p.122.
64
VATTIMO, Gianni. Idem, p.122, grifos meus.
A verdade como Gadamer descreve, é da variedade hermenêutica com sua
capacidade de surpreender e frustrar expectativas, ao invés de passivamente
confirmá-las. A verdade é revelação, aquilo que se manifesta no encontro entre o
familiar e o desconhecido. (...) Para Gadamer, a experiência da verdade é
hermenêutica até onde a parte modifica o todo, portanto, a experiência da verdade
encontrada no novo, a novidade, o inesperado, está numa situação de tensão com
aquilo que já foi entendido.
65
Recordemos Gadamer na introdução de Verdade e Método:
A presente investigação acredita estar a serviço de uma evidência que, em nosso
tempo inundado de rápidas transformações, ameaça ser obscurecida. Aquilo que
se transforma chama muito mais a atenção
66
do que aquilo que continua como
sempre foi.
67
*
2.3
A transformação do jogo em configuração e a mediação total
A verdade é revelação para Gadamer na medida em que ela se manifesta
no encontro entre o familiar e o desconhecido. Essa revelação que transforma a
realidade transfigurada e reconhecida numa obra de arte também pode me
transformar. Neste sentido, ainda inserida no conceito de jogo como fio condutor
de sua explicação ontológica, merece nossa atenção o termo “transformação”
(Verwandlung) que ele aborda como o segundo fio condutor da explicação
ontológica. No percurso de seu pensamento, Gadamer apresenta inicialmente uma
65
LAWN, Chris, Compreender Gadamer. Tradução de Hélio Magri Filho. Petrópolis, RJ: Vozes,
2007, p.87, grifos meus.
66
A expressão “chamar a atenção” pode ser interpretada como enxergar algo que antes não era
visto, ampliar a visão, ampliar os nossos horizontes.
67
VM, p.32.
descrição geral do jogo. Posteriormente, ele fala da transformação do jogo em
configuração, que nada mais é do que uma transformação em uma verdade; e isto
na medida em que como diz Chris Lawn “o jogo pode, muitas vezes, começar
como uma simples diversão e, repentinamente, se transformar num caso muito
sério.”
68
Este algo sério sugere que o jogo da arte transforma o mundo cotidiano.
É esta linha de argumentação que nos permite trilhar o fio condutor da explicação
ontológica acerca do jogo existente em Verdade e Método. Gadamer chama de
“transformação do jogo em configuração” o momento em que o jogo humano
alcança em sua verdadeira consumação, tornando-se arte. Para ele é somente no
momento desta mudança que o jogo alcança sua idealidade, de modo que poderá
ser pensado e compreendido enquanto tal”.
69
O jogo adquire, então, uma
autonomia absoluta, e é isto justamente o que deve assinalar o conceito
gadameriano de transformação. Mas, para ele, a transformação não pode ser
entendida como “sinônimo de modificação”, pois modificação sempre sugere que
aquilo que se modifica, permanece e continua sendo o mesmo. Ele esclarece que
toda modificação pertence ao âmbito da qualidade, ou seja, de um acidente da
substância. Contrariamente à modificação, Gadamer sustenta que a transformação
indica que algo se tornou uma outra coisa,
de uma vez e como um todo, de maneira que essa outra coisa em que se
transformou passa a constituir seu verdadeiro ser, em face do qual seu ser anterior
é nulo. Quando encontramos alguém como que transformado, isso significa
exatamente que se tornou uma outra pessoa.
70
A transformação permite então uma verdadeira passagem à outra coisa e que
aquilo que era antes não é mais. Assim, se pensarmos no jogo enquanto
configuração de uma estrutura estável, podemos admitir que é através dele que a
obra de arte e o espectador-jogador se integram num quiasma, isto é, “os
68
LAWN, Chris, Idem, p.123.
69
VM, p.165.
70
VM, p.166.
jogadores (ou poetas) não existem mais, existe apenas o que é jogado por eles”.
71
O jogo se transforma numa estrutura (configuração) que não mais se esvai, que é
reconhecida: é a verdade que vêm à luz no melhor lugar para se entendê-la, a obra
de arte.
Como podemos constatar, o jogo transforma os jogadores e a si mesmo na
medida em que revela algumas estruturas dimensionadas da realidade. Para
Gadamer, tornar-se configuração significa dizer que, a partir daí, a obra passa a
repousar em si mesma”, e perde o estatuto de objeto. A transformação em
configuração alcança o seu sentido pleno, na medida em que a transformação
consiste, na verdade, em transformação no verdadeiro.
Conforme dito, a hermenêutica filosófica abre-se para novas experiências
de verdade, que podem ser revelada em três momentos: o da experiência marcada
pelas estruturas ontológicas da arte, do entendimento histórico e da linguagem.
Acerca de seu caráter ontológico, ao partirmos do caráter lúdico do jogo,
afirmamos neste percurso que envolvimento (im spiel sein), é outro termo
correlato de jogo em alemão. O movimento do jogo implica a abertura homem-
mundo. O mundo da obra de arte, onde um jogo se manifesta de maneira plena na
unidade de seu decurso, é de fato para Gadamer, um mundo totalmente
transformado: “Nele toda e qualquer pessoa reconhece que ‘assim são as
coisas!’”
72
Como ele mesmo diz, “‘o assim são as coisas’ é uma espécie de
autoconhecimento do espectador, que retorna de modo clarividente dos
ofuscamentos em que ele, como qualquer outro, vive.”
73
Gadamer nos permite pensar através da obra de arte que a manifestação
desta verdade é mutável e aberta.
74
Como vimos, ele se refere a “experiência
hermenêutica”, como uma Erfahrung, e, para ele a experiência da verdade é
hermenêutica enquanto ela nos “surpreender”. A verdade é de cunho
hermenêutico enquanto surpreende e frustra expectativas, desconstrói certezas.
Assim, a concepção gadameriana de verdade não está atrelada a um modelo
71
VM, p.167.
72
VM, p.168.
73
Cf. VM, p.191, grifos do autor.
74
Contrariamente a Kant, para Gadamer a obra de Arte não é uma pura “forma”, apresentada ao
julgamento de gosto.
dogmático imposto pelas ciências naturais. A compreensão pode ser tomada
como um encontro com a verdade; e quando falamos na experiência da arte como
uma experiência da verdade, é interessante ressaltar que Gadamer considera a
existência do espectador como integrante do evento em que se na obra; uma
verdade em que eu participo, pois a obra me interpela de maneira única. Portanto,
pode-se dizer que na visão gadameriana, a verdade é compartilhável. O ser do
espectador é para Gadamer, antes determinado por sua assistência” (Dabeisen).
Para ele, isto significa dizer que assistir é mais do que estar ali, junto com alguma
outra coisa, significa participar. “O ato de ser espectador é, pois, uma forma de
participação verdadeira”
75
. Neste sentido, Gadamer trata do conceito grego da
theoria, na medida em que Theoros é aquele que participa de uma delegação de
festa. A theoria é a verdadeira participação e não deve ser pensada como um
comportamento da subjetividade, como atividade: é um sofrer (pathos), ou seja,
um ser atraído e dominado pela visão (Anblick): “O estar entregue a uma visão,
totalmente esquecido de si, é constitutivo da natureza do espectador”.
76
Como
coloca Gadamer, a transformação também inclui os que nela participam. Quando
o jogo interpela o jogador, fica patente de forma nítida a sua relação com a
comunidade. Esse jogar junto (Anspielen) da obra é a interpelação que
transforma, e que permite a descoberta de si mesmo e, dessa forma, o jogo é tido
como o verdadeiro acontecimento. Tomemos seu exemplo acerca de um
espetáculo teatral: ele considera que a encenação de um espetáculo teatral,
não pode ser separada dele como algo que não pertence ao seu ser essencial,
que é tão subjetivo e fugidio como as vivencias estéticas nas quais é
experimentado. Antes, é na execução que encontramos a obra ela mesma o
mais claro exemplo é o da música – assim como no culto encontra-se a divindade.
77
75
VM, p.181, grifos meus.
76
VM, p.183, grifos meus. Também em A Razão na Época da Ciência, acerca do que os gregos
chamam de Theoria, Gadamer afirma: estar entregue a algo que, em sua poderosa presença, se
oferece a todos em conjunto e que está caracterizado porque, à diferença do que acontece com
todos os bens, não se reduz mediante a participação e, portanto, não é codificado da mesma
maneira que todos os outros bens, mas que ganha com a participação.” (REC, p.48, grifos meus).
77
VM, p.172, grifos meus.
A constatação anteriormente descrita é que, para Gadamer, fica claro o
ganho metodológico que se obtém partindo-se do conceito de jogo, uma vez que a
obra de arte não pode ser simplesmente isolada da “contingência” das condições
de acesso sob as quais se mostra. Assim, o espetáculo teatral só se mostra quando
encenado, a música deve ser música quando executada, o texto é texto
quando lido, o jogo somente é jogo quando é jogado, e assim, Gadamer nos faz
ver que o ser da arte o pode ser determinado como objeto de uma consciência
estética (ästhetischen Bewuβtseins). Partindo da premissa de que o espetáculo
teatral não é simplesmente um mero sistema de regras e de prescrições
comportamentais é que podemos justificar o caráter lúdico do jogo. Em diversas
encenações da mesma peça teatral pode-se diferenciar um modo de mediação de
outro. Gadamer considera que é somente através da performance que se dá o vir à
luz da obra, onde cada performance é um acontecimento único.
A partir do que foi apresentado até aqui, pode-se dizer que para Gadamer a
obra de arte é transmissora de conhecimento. Isto se expressa no ideal de
"formação" (Bildung) humana como uma das funções da arte. Com o objetivo de
apresentar a arte em seu caráter ontológico de conhecimento e reconhecimento,
Gadamer lança mão do conceito grego de mimesis como função cognitiva. Mas, o
conceito de imitação consegue descrever o jogo da arte se não perder em seu
foco o sentido cognitivo que se encontra na imitação, afirma Gadamer: “Quem
imita alguma coisa torna presente o que ele conhece e como o conhece. É
imitando que a criança começa a brincar, confirma assim o que conhece
confirmando a si mesma”.
78
Isto significa dizer que no imitar está implícito
representar o que é conhecido. Para Gadamer a arte é sobretudo, mímesis na
medida em que traz à re-presentação o já conhecido e por isso, tornando-o
presente. Vale lembrar que para ele re-conhecer não se limita a conhecer
novamente o conhecido, mas tem em sua essência, uma espécie de iluminação,
revelação, por meio da qual se identifica algo: a alegria do reconhecimento reside,
antes, no fato de identificarmos mais do que somente o que é conhecido. Segundo
Gadamer, Platão concebeu a ideia mítica de reminiscência lado a lado com o
caminho de sua dialética, que procura a verdade do ser na idealidade da
78
VM, p.169.
linguagem. Tema central do platonismo juntamente com sua doutrina de
“anamnesis”. Diz Gadamer:
De fato, um tal idealismo da essência aponta para o fenômeno do
reconhecimento. O “conhecido” alcança o seu ser verdadeiro e mostra-se como o
que ele é apenas através do reconhecimento. Enquanto reconhecido, é aquilo que
é preservado em sua essência, liberto da casualidade de seus aspectos.
79
O conceito de representação em Gadamer não tem o sentido de
substituição, isto é, não se vincula a um remetimento para além da obra de arte,
pois
a “representação” terá de ser reconhecida como o modo de ser da própria obra de
arte. Isso deveria ser preparado derivando o conceito de representação do
conceito de jogo, na medida em que o representar-se é a verdadeira essência do
jogo e com isso também da obra de arte. Através de sua representação, o jogo
interpela o espectador e de tal modo que este passa a ser parte integrante do
objeto, apesar de todo o distanciamento do estar de frente para o espetáculo.
80
Johan Huizinga afirma em Homo Ludens que: “Era costume comparar o
mundo a um palco, no qual cada homem desempenhava seu papel”.
81
Análogo a
este sentido, Gadamer também afirma que como em todo jogo, os atores
representam seus papéis, e assim o jogo torna-se representação, mas o próprio
jogo é o conjunto de atores (Spielern) e espectadores. Para Gadamer, o espectador
é fundamental para completar o espaço do jogo quando ele se transforma em
espetáculo. Também ele nos diz que uma obra de arte jamais se esgota e que ela
nunca está vazia, pois, para ele nenhuma obra de arte nos fala do mesmo modo.
O sentido que nos atrai diante de uma obra de arte nos leva a participar do jogo: é
79
VM, p.170.
80
VM, p.172, grifos meus.
81
HUIZINGA, Johan. Idem, p.8, grifos meus.
como se esse sentido fosse conhecido, reconhecível, compartilhado pelos
jogadores-intérpretes”, e assim, desvelado como verdade. Portanto, para
Gadamer, a experiência da arte é uma experiência de conhecimento, no sentido de
anamnesis. Além disso, a obra de arte não é um produto, é também uma
energeia”. O ser de todo jogo é sempre resgate, e, conforme dito realização pura,
energeia” que traz seu fim em si mesmo. O jogo é configuração (estrutura),
como também a configuração (estrutura) é jogo na medida em que somente
alcança sua plenitude a cada vez que é representado.
Com base no que foi dito pode-se compreender as razões pelas quais
Gadamer considera mau hermeneuta aquele que está certo que pode ou deve ficar
com a última palavra. É preciso buscar compreender o outro e estarmos
preparados para o fato de nós mesmos não termos razão, pois a resposta do outro
pode ser surpreendente e este fato coloca-nos diante de uma nova abertura, de
uma nova experiência de verdade.
*
3.
Elementos da compreensão
Quem considera a hermenêutica importante
precisa saber, antes de tudo, que é preciso escutar
e que se pode dar algo a compreender a
alguém que pode escutar
82
.
3.1
O diálogo em Gadamer
Como vimos, o jogo é um acontecimento que se para além da instância
subjetiva, pois não há nenhuma consciência subjetiva, nem a consciência do
falante, nem a consciência daquele que é interpelado, que possa abarcar o
movimento que vem à tona com o jogo. Tal é o paradigma em que se assenta o
conceito gadameriano de diálogo. De fato, é sob diferentes olhares que Gadamer
aborda em Verdade e Método, a questão da verdade, a partir da noção de jogo, e, a
partir daí no interior de uma concepção sua de diálogo. Podemos afirmar, neste
sentido, que é inerente ao jogo o movimento de vaivém, tal como o movimento
dialógico que pertence tão essencialmente ao jogo que em sentido extremo torna
impossível um jogar-para-si-somente”.
83
E assim, ao levantar a questão: “O que
é um diálogo?”, Gadamer afirma que para nós, um diálogo é aquilo que deixou
uma marca: “O que perfaz um verdadeiro diálogo não é termos experimentado
82
GADAMER, Hans-Georg. Ciência histórica e linguagem. (Hermenêutica em Retrospectiva: A
posição da filosofia na sociedade. Volume IV. Tradução de Marco Antônio Casanova. Petrópolis,
RJ: Ed. Vozes, 2007, doravante referido como HR IV, p.59.)
83
VM, p.159.
algo de novo, mas termos encontrado no outro algo que ainda não havíamos
encontrado em nossa própria experiência de mundo”.
84
Deste modo, faz-se necessário uma abertura de si mesmo a todo poder do
que é dito pelo “outro” para que aconteça verdadeiramente um diálogo. Quando
nos referimos à necessidade de uma abertura de si mesmo, isso não significa dizer
que tal abertura indique concordância, mas sim um confronto dialógico.
Na
introdução de O Problema da Consciência Histórica, Gadamer comenta que
tentou mostrar em sua obra maior, como esse processo de confronto permite que o
novo venha à luz pela mediação do antigo, constituindo assim um processo de
comunicação cuja estrutura corresponde ao modelo do diálogo. Como observa o
filósofo,
Toda experiência é confronto, que ela opõe o novo ao antigo, e, em princípio,
nunca se sabe se o novo prevalecerá, quer dizer, tornar-se-á verdadeiramente uma
experiência, ou se o antigo, costumeiro e previsível reconquistará finalmente a
sua consistência. (...) O novo deixaria de sê-lo se não tivesse que se afirmar
contra alguma coisa.
85
No jogo “algo” se a compreender, na medida em que aquele que quer
compreender deve ser capaz de “escutar o outro”, numa relação de abertura à
alteridade, sem hierarquia, mas em condições de igualdade, para com ele
estabelecer um diálogo. De maneira precisa, ele aponta que quando buscamos
compreender o outro, fazemos a experiência hermenêutica de que é necessário
romper uma resistência presente em nós: “O outro rompe com a centralidade do
meu eu”, na medida em que o diálogo possui uma força transformadora e com ele
fica algo para nós e em nós que nos transformou.
Esta questão é também
abordada por Gadamer no ano de 1987, onde ele afirma que o diálogo representa
uma experiência superior, na medida em que ultrapassa o caráter sempre meu”
84
VM II, p.247, grifos meus.
85
PCH, p.14.
do ser-aí, um caráter que é desenvolvido pela analítica existencial heideggeriana, e
a sua decadência no mundo.
86
Segundo Custódio Almeida, Platão torna-se uma importante referência
para Gadamer na medida em que “entendeu que a tarefa máxima da filosofia é dar
razões ao mundo e à vida humana, e isso se realiza com o diálogo. A dialética em
Platão é o lugar mesmo da efetivação da tarefa da filosofia”.
87
Acerca da
dialética, Platão em A República, afirma que é dialético quem “é capaz de ter a
visão de conjunto”.
88
Assim, para Gadamer é tarefa da filosofia “encontrar o
comum também dentre o diferente, ‘aprender a olhar em conjunto, na direção de
uma coisa’”.
89
O que ele aprendeu de Platão, é que a estrutura de monólogo
da consciência científica jamais permitirá de modo pleno, ao pensamento
filosófico alcançar seus objetivos. Com isso Gadamer diz que o diálogo filosófico
deve vir primeiro, para renovar um diálogo com Platão, e não para renovar o
platonismo. A linguagem da metafísica é e permanece sendo o diálogo, mesmo
que esse se dê na distância de séculos e milênios na medida em que é inviável
refletirmos sobre a compreensão sem ter em mente a condição básica do diálogo,
estrutura do entendimento hermenêutico.
Deste modo, é válido afirmar que a hermenêutica gadameriana pode ser
caracterizada como um convite ao diálogo. Em O modelo da dialética platônica,
Gadamer diz que não se fazem experiências sem a atividade do perguntar, pois
O conhecimento de que algo é assim, e não como acreditávamos inicialmente,
pressupõe evidentemente a passagem pela pergunta para saber se a coisa é assim
ou assado. Do ponto de vista lógico, a abertura que está na essência da
experiência é essa abertura do ‘assim ou assado’. Ela tem a estrutura da pergunta.
(...) É preciso então que nos aprofundemos na essência da pergunta, se quisermos
86
GADAMER, Hans-Georg. Romantismo primevo, hermenêutica e desconstrutivismo. (In:
Hermenêutica em Retrospectiva: A virada hermenêutica. Volume II. Tradução de Marco Antônio
Casanova. Petrópolis, RJ: Ed. Vozes, 2007, doravante referido como HR II, p.69, grifos do autor.)
87
ALMEIDA, Custódio. Hermenêutica e dialética: substituição ou complementação? São
Leopoldo: Filosofia Unisinos, Volume 3, n°4, 2002, p.160, grifos meus.
88
“−É também a melhor prova para saber se uma natureza é dialética ou não, porque quem for
capaz de ter uma vista de conjunto é dialético; quem o o for não é”. PLATÃO. A República.
Livro VII, [537 C], p. 235, grifos meus.
89
AB, p.23.
esclarecer em que consiste o modo peculiar de realização da experiência
hermenêutica.
90
Por conseguinte, podemos compartilhar com Gadamer o fato de que a
hermenêutica filosófica está mais interessada nas perguntas que nas respostas.
Quem quiser pensar deve perguntar e perguntar quer dizer colocar no aberto. A
abertura daquilo o que se pergunta consiste no fato de não possuir uma resposta
fixa. Podemos pensar com Gadamer que para perguntar é preciso querer saber, ou
seja, saber que não sabe, que a colocação de uma pergunta pressupõe abertura,
mas também delimitação. A arte da dialética “não é a arte de ganhar todo mundo
na argumentação”
91
nos diz Gadamer. Também para ele a dialética, como arte
do perguntar, “só pode se manter se aquele que sabe perguntar é capaz de manter
de suas perguntas, isto é, a orientação para o aberto”.
92
O saber é
fundamentalmente dialético e somente pode possuir saber aquele que tem
perguntas e é essencial a toda pergunta que tenha um sentido. Sentido quer dizer,
todavia, sentido de orientação” e assim afirma:
Com a pergunta o interrogado é colocado sob uma determinada perspectiva. O
surgir de uma pergunta rompe de certo modo o ser do interrogado. Nesse sentido,
o logos que desenvolve esse ser assim aberto é sempre resposta, e tem
significado no sentido da pergunta.
93
A arte de perguntar é a arte de continuar perguntando; isso significa, porém, que é
a arte de pensar chama-se dialética porque é a arte de conduzir uma autêntica
conversação. Para que a conversa aconteça é necessário que os interlocutores ao
conversar “não passem ao largo um do outro”. No diálogo genuíno, os
participantes mudam as suas perspectivas, assim acontece o verdadeiro
nascimento da verdade. A produtividade do diálogo se na medida em que nos
90
VM, p.473.
91
VM, p.478.
92
VM, p.479.
93
VM, p.473.
permite ver as coisas de maneira diferente e sob novas perspectivas, sob novos
horizontes.
*
3.2
Pressupostos husserlianos acerca do conceito de horizonte
Quando ganhamos um horizonte, aprendemos sempre a ver para além do
que está próximo, e ver as coisas sob novos horizontes é permitir que tenhamos
uma visão panorâmica, aberta, uma perspectiva sobre o mundo. Em linhas gerais,
o horizonte
94
é o modo como nos situamos e apreendemos o mundo a partir de um
determinado ponto de vista. Portanto, é algo onde trilhamos nosso caminho e que
conosco faz o caminho na medida em que os horizontes se deslocam ao passo de
quem se move. Para nos deslocarmos a uma situação, precisamos possuir um
horizonte desde sempre, pois para Gadamer, um horizonte não é uma fronteira
rígida, mas algo que se desloca com a pessoa e que convida a que se continue a
caminhar”.
95
Na interpretação gadameriana, o conceito de horizonte torna-se
interessante, pois expressa essa visão superior e de maior amplitude que deve ter
aquele que compreende, já que o horizonte não é algo imutável, fixo; com o passar
do tempo ele está constantemente e gradativamente mudando. Com efeito,
partindo dos pressupostos do fundador da fenomenologia, Edmund Husserl (1859-
94
Segundo Michael Inwood, em grego, horos era uma ‘divisa, limite, fronteira, margem, beira,
linha divisória, definição [de uma palavra]’. Deu origem a horizein, dividir ou separar como uma
fronteira, marcar fronteiras, limites, fixar, marcar, estabelecer, definir etc.’ Ho horizon (kuklos),
‘(o círculo) divisório’ era o horizonte’, um termo usado não apenas em ótica e astronomia, mas
também para a fronteira do conhecimento humano. Esta fronteira é finita em qualquer período
dado, podendo, no entanto, estender-se indefinidamente, que sempre podemos conceber um
ponto de vista que nos possibilita transcender a atual fronteira do nosso conhecimento. (INWOOD,
Michael, Idem, tradução de Luísa Buarque de Holanda. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2002,
p.89-90).
95
VM, p.330, grifos meus.
1938), Gadamer reconhece a importância da noção husserliana de horizonte
(Horizont). Como diz:
Horizonte é o âmbito da visão que abarca e encerra tudo o que pode ser visto a
partir de um determinado ponto. Aplicando esse conceito à consciência pensante,
falamos então da estreiteza do horizonte, da possibilidade de ampliar o horizonte,
da abertura de novos horizontes etc. A linguagem filosófica empregou essa
palavra, sobretudo desde Nietzsche e Husserl, para caracterizar a vinculação do
pensamento à sua determinidade finita e para caracterizar o ritmo de ampliação
do campo visual. (...) Aquele que tem horizontes sabe valorizar corretamente o
significado de todas as coisas que pertencem ao horizonte, no que concerne a
proximidade e distância, grandeza e pequenez.
96
Husserl fala de horizonte ao explicitar a percepção. Para ele, como
comenta Inwood
97
, não percebemos a solidez de um objeto de uma só vez, apenas
um aspecto deste. Portanto, as percepções potenciais de todos os aspectos do
objeto constituem seu “horizonte interno”. Um objeto relaciona-se a outros
objetos, e estes a outros objetos. Este é o “horizonte externo” do objeto, que pode
estender-se indefinidamente e abarcar a totalidade de mundo. Em 1931, na obra
Meditações Cartesianas, Husserl faz uma descrição do horizonte como uma
totalidade “pré-traçada” de modo indeterminado, onde ele aborda a relação de
uma vivência particular com o horizonte à qual pertence:
Certamente, este traçado em si é sempre imperfeito, mas tem, apesar de sua
indeterminação, certa estrutura de determinação. Assim, o cubo visto de lado-
não “diz” nada sobre a determinação concreta desses lados não visíveis; no
entanto, ele é, de antemão, “percebido” como cubo, depois, em particular, como
colorido, enrugado, etc., cada uma dessas determinações deixando sempre outras
particularidades na indeterminação. Esse deixar na “indeterminação” das
particularidades – anteriormente às determinações efetivas mais precisas que
96
VM, p.399-400, grifos meus.
97
INWOOD, Michael, Idem, p.89-90.
talvez jamais irão ocorrer – é um momento contido na consciência perceptiva em
si; ele é precisamente o que constitui o “horizonte”.
98
É também possível para Gadamer reconhecer na fenomenologia
husserliana o significativo conceito de mundo da vida (Lebenswelt). O mundo da
vida corresponde à totalidade daquilo que vivemos, tomado como fundamento da
relação intersubjetiva, na medida em que é um mundo comunitário. O que
caracteriza o verdadeiro propósito de Husserl, é que ele não utiliza mais o termo
consciência no âmbito de sua subjetividade, e sim “vida”.
99
Em 1936, Husserl
aborda este conceito ao escrever A crise das ciências européias e a fenomenologia
transcendental, publicado na revista Philosophia e conhecido nos meios
acadêmicos como Die Krisis.
100
Torna-se importante enfatizar que a tematização
feita por Husserl deste conceito, situa-se no contexto da cultura européia dos anos
trinta, que após o advento da Primeira Guerra Mundial encontra-se em crise com
a perda da no potencial da racionalidade expressa nas ciências modernas, e na
continuidade de filosofias centradas no sujeito.
101
Para Husserl, o mundo da vida
precede a toda atividade humana ou tomada de posição. Portanto, ele é pré-dado
e universal, vem antes de toda teoria e interpretação na medida em que ele á a
base de fundamento de toda teoria e do questionar. Com este conceito, ele
redimensiona a questão do conhecimento, e recoloca o tema da vida como cerne
de uma reflexão universal. Assim, Gadamer encontra em Husserl a relação entre a
ideia de mundo
102
e o conceito de horizonte, que está contido no conceito de
mundo da vida:
98
HUSSERL, Edmund. Meditações Cartesianas: introdução à fenomenologia. São Paulo: Madras,
2002, p. 63.
99
Para Hilton Japiassú, o mundo da vida é “aquilo que se aceita, que se torna dado como
pressuposto, constituindo nossa experiência cotidiana. Trata-se do real em seu sentido pré-teórico,
pré-reflexivo”. In: JAPIASSÚ, Hilton. MARCONDES, Danilo, Dicionário sico de filosofia.
Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2001, p.190.
100
Título completo em alemão: Die Krisis der europäischen Wissenschaften und die
transzedentale Phänomenologie Ergänzungsband.
101
Segundo André Dartigues, é viável afirmar que toda a vida filosófica de Husserl, desde a
Filosofia da Aritmética (1891) às conferências sobre a Crise das ciências européias (1935), “é
dominada pelo sentimento de uma crise da cultura.” DARTIGUES, André. O que é a
fenomenologia? Rio de Janeiro: Editora Eldorado, 1973, p.16.
102
Para José Maria Gómez Heras, “o mundo representa uma plataforma global de sentido sobre o
qual assentam as diferentes perspectivas nas quais o homem percebe os objetos” Também para
Heras, o Lebenswelt é o mundo onde se nasce e se morre, onde se herda uma tradição cultural,
onde se comunica através da linguagem, onde se convive com outros seres viventes. O mundo
vivido é configurado historicamente por um passado e um presente, transmitido por tradições e
Forjando um conceito que faz aparecer o contraste com o conceito de mundo que
pode ser objetivado pelas ciências, Husserl chama a esse conceito
fenomenológico do mundo de “mundo da vida”, ou seja, o mundo em que nos
introduzimos por mero viver nossa atitude natural, que, como tal, jamais poderá
tornar-se objetivo para nós, mas que representa o solo prévio de toda
experiência. Esse horizonte do mundo é pressuposto também em todas as
ciências, sendo assim mais originário do que elas. Como fenômeno de horizonte,
este “mundo” está essencialmente referido à subjetividade, e essa referência
significa, ao mesmo tempo, que ‘tem seu ser no fluxo do cada vez em cada caso
(Jeweiligkeit)’. O mundo da vida se encontra num movimento de constante
relatividade da validez.
103
Para Husserl, quando a ciência retira o objeto de suas relações mundanas
ela não estaria indo “às coisas mesmas”. Lembremos do célebre enunciado
afirmado por ele em Investigações Lógicas no início do século XX: nós
queremos voltar às coisas mesmas”. Husserl quer olhar para o banal, pois para
ele, antes de tudo, tenho que retornar com o meu contato primeiro com as coisas.
Ele quer resgatar o espanto (thaumázein) que é o mais originário da filosofia: é
como um surpreender-se com a coisa pela primeira vez. A coisa mesma deve ser
abordada como aparece no mundo da vida, em todas as relações mundanas. Como
comenta AndDartigues, o retorno incessante à intuição originária, “fonte de
direito para o conhecimento”, é chamado por Husserl como o princípio dos
princípios de onde o pensamento retorne às suas origens dando-se como “ponto de
partida, não mais as opiniões dos filósofos, mas a própria realidade.”
104
Para
Gadamer, o que constitui a genialidade da reflexão husserliana com o conceito
mundo da vida, é o fato de Husserl, matemático por formação, o assistente do
célebre alemão Weierstrass, “ter implodido a estreiteza do conceito de experiência
reduzido às ciências e ter elevado o ‘mundo da vida’, a experiência realmente
vivida do mundo, a tema universal da meditação filosófica”.
105
Primeiramente,
Husserl investigou o que estrutura o mundo da vida, um conceito essencialmente
histórico, que significa para Gadamer “o todo que estamos vivendo enquanto
expresso em uma linguagem. É o mundo de nossa cotidianidade, em cujo horizonte nos
enquadramos para nos orientarmos”. HERAS, José Maria Gómez, Ética e Hermenéutica.
edição, Madrid, Editorial Biblioteca Nueva, p.77-79.
103
VM, p.331-332, grifos meus.
104
Cf. DARTIGUES, André. Idem, p.20.
105
Cf. HRII, p.31.
seres-históricos.”
106
O que estrutura o mundo da vida, nos parece remeter à nossa
experiência comum e corrente:
Husserl foi o primeiro a investigar o que estrutura o mundo da vida, não tentou
explicar processos de percepção como factos psicológicos provenientes de algum
mecanismo de associações e dissociações ou da organização de elementos
perceptivos, como era então comum, mas antes demonstrou que amesmo nas
experiências mais simples e naturais da vida quotidiana se ocultam legalidades
muito diferentes, que podemos reconhecer.
107
Deve-se também assinalar que Gadamer não pensa o conceito de horizonte
nos termos da relação com objetos, tal como Husserl, mas ao tematizá-lo,
desenvolve a sua reflexão a partir da relação entre intérprete e tradição, onde “o
intérprete e o texto possuem cada qual seu próprio ‘horizonte’”.
108
A
experiência hermenêutica tem a ver com a tradição, na medida em que o conceito
de tradição liga-se ao ato de compreender e interpretar. A interpretação é algo
que está sempre a caminho, que nunca conclui, afirma Gadamer
109
; pois para ele,
a palavra interpretação faz referência à finitude do ser humano e à finitude do
conhecimento humano. Desta forma, a interpretação, em constante processo de
formação, tal como o horizonte, põe “à prova nossos preconceitos no encontro
com o passado e tentando compreender partes da nossa tradição”
110
, como afirma
Bleicher. Cabe, a este respeito, uma observação sobre a retomada gadameriana da
noção de preconceito.
*
106
VM, p.332, grifos meus.
107
GADAMER, Hans-Georg. Herança e Futuro da Europa. Tradução de Antônio Hall. Lisboa:
Edições 70, 1989, p.20, doravante referido como HFE, grifos meus.
108
VM II, p.132.
109
REC, p.71.
110
BLEICHER, Josef. Hermenêutica Contemporânea. Tradução de Maria Georgina Segurado.
Lisboa: Edições 70, 1992, p.159.
3.2.1
Horizonte e a positividade do preconceito
Como antecipações de nossa abertura para o mundo (ou seja, como
orientações da nossa abertura em relação ao mundo), os preconceitos
(Vorurteile)
111
, tornam-se condições para que possamos experimentar qualquer
coisa, para que aquilo que nos vem ao encontro possa nos dizer algo. Em A
Universalidade do Problema Hermenêutico, o próprio Gadamer afirma que
formulou de maneira provocativa o pressuposto de que “mais que nossos
conceitos, são nossos preconceitos que perfazem nosso ser”.
112
Existem para
Gadamer, dois matizes para a palavra preconceito: um positivo e outro negativo.
Tal formulação provocativa acerca do preconceito visa restituir o direito ao
conceito positivo do preconceito desde que, segundo ele, o Iluminismo francês e
inglês expulsou do uso da linguagem. Tal fato é para Gadamer decorrente de um
desconhecimento do Iluminismo de um traço dialético (provisório) originário de
todo o preconceito, nos levando a interpretá-lo como algo negativo, errôneo, “de
modo a distorcer a verdade”.
113
Para o Iluminismo, o passado é tomado como um
objeto de pesquisa e contrariamente a isto, a perspectiva de Gadamer é que o
passado é algo que nos pertence, no qual estamos ligados. Portanto, “‘liberar-se’
da tradição o pode ser a nossa primeira preocupação em nossos
comportamentos em face do passado do qual nós, seres históricos, participamos
constantemente”
114
, na medida em que como elo concreto entre todos nós, ela “é
o espelho em que cada um de nós se reconhece”.
115
Ao fazer uma análise
histórica do conceito do preconceito, Gadamer nos mostra que “é somente na
Aufklärung que o conceito do preconceito recebeu o matiz negativo que agora
111
Como veremos adiante, Gadamer mostra que inicialmente a palavra preconceito (Vorurteil)
quer dizer um juízo (Urteil) provisório que de forma preliminar afirma algo, mas que não se
mostrará como algo definitivo e com contexto negativo e prejudicial. Deste modo, este não é dado
como um juízo falso. Mas a partir das premissas do Iluminismo, este entendeu como um juízo não
fundamentado como algo distanciado da verdade.
112
VMII, p.261.
113
Cf. VMII, p.261.
114
PCH, p.44.
115
PCH, p.45.
possui.”
116
Para ele, a palavra preconceito” quer dizer um juízo que se forma
antes do exame definitivo de todos os momentos determinantes segundo a coisa
em questão. No âmbito jurídico, ele nos mostra que um preconceito é “uma pré-
decisão jurídica, antes de ser baixada uma sentença definitiva.”
117
No idioma
francês, préjudice, tal como no latino praeiudicium, significa simplesmente
prejuízo, desvantagem, dano. Contudo, em sua visão, essa negatividade é apenas
secundária:
A conseqüência negativa repousa justamente na validez positiva, no valor
prejudicial de uma pré-decisão, tal qual o de qualquer precedente. “Preconceito”
não significa pois, de modo algum, falso juízo, uma vez que seu conceito permite
que ele possa ser valorizado positiva ou negativamente. (...) Aos olhos da
Aufklärung, a falta de fundamentação não deixa espaço a outros modos de
validade, pois significa que o juízo não tem fundamento na coisa em questão, que
é um juízo sem fundamento’. Essa é uma conclusão típica do espírito do
racionalismo. Sobre ele funda-se o descrédito dos preconceitos em geral e a
pretensão do conhecimento científico de excluí-los totalmente.
118
Para se compreender autenticamente, é preciso reconhecer que existem
preconceitos legítimos, na medida em que para Gadamer, são ilegítimos os
preconceitos que nunca são postos em questão, convertidos em ideias claras e
suscitando a certeza de poder superar todo o mal-entendido, no sentido de abarcar
uma totalização do saber. Isto sugere que a completude da compreensão é algo
inviável em sua hermenêutica, que se admite na estrutura do acontecer
compreensivo o processo de fusão de horizontes.
*
116
VM, p.360.
117
VM, p.360.
118
VM, p.360-361.
3.3
A fusão de horizontes
Ao descrever o acontecer compreensivo Gadamer nos apresenta o conceito
de “fusão de horizontes”
119
(Horizontsverschmelzung) para a fundamentação de
sua hermenêutica filosófica. Para tanto, como mencionado anteriormente, ele
lança mão da noção de horizonte (Horizont) do fenomenólogo Husserl. Em A
Razão na Época da Ciência
,
a pequena metáfora de uma discussão bem sucedida
pode ilustrar o que Gadamer desenvolveu na teoria da fusão de horizontes em
Verdade e todo. Como ele mesmo afirma, “pode justificar o que ali também
considerei como um modelo fecundo: a situação do diálogo em que, através das
perguntas do intérprete deixa falar um texto mudo.
120
Deve-se ressaltar que, em Verdade e Método, encontra-se atrelada ao
conceito de fusão de horizontes a noção de consciência histórica
121
, que, para
Gadamer, a historicidade da compreensão é um princípio fundamental para a sua
hermenêutica filosófica. De acordo com Gadamer, compreensão, verdade e
historicidade são conceitos interligados, uma vez que, como ele diz:
119
Em linhas gerais, uma fusão de horizontes significa dizer que um horizonte pode ser colocado
em contato com outro horizonte. Ao invés de um suprimir o outro, acontece um processo de fusão.
120
REC, p.76.
121
Gadamer entende por consciência histórica “o privilégio do homem moderno de ter plena
consciência da historicidade de todo presente e da relatividade de toda opinião. Os efeitos dessa
tomada de consciência histórica manifestam-se, a todo instante, sobre a atividade intelectual de
nossos contemporâneos: basta pensarmos nas imensas subversões espirituais de nossa época. (...)
Ninguém pode atualmente eximir-se da reflexividade que caracteriza o espírito moderno. Seria
absurdo, daqui por diante, confinar-se na ingenuidade e nos limites tranqüilizadores de uma
tradição fechada sobre si mesma, no momento em que a consciência moderna encontra-se apta a
compreender a possibilidade de uma múltipla relatividade de pontos de vista. Também nos
habituamos, nesse sentido, a responder aos argumentos que se nos opõem através de uma reflexão
em que nos colocamos deliberadamente na perspectiva do outro.” (PCH, p.17-18) Deve-se
assinalar que a consciência histórica é um tema discutido pelo filósofo alemão Wilhelm Dilthey
(1833-1911) anteriormente à Gadamer acerca da metodologia das ciências humanas, em sua
relação com o método próprio das ciências naturais. A posição diltheyniana acerca disto é feita por
Gadamer na segunda conferência intitulada “Extensão e limites da obra de Wilhelm Dilthey”.
(PCH, p.27-38).
Quando nossa consciência histórica se transporta para horizontes históricos, isto
não quer dizer que se translade a mundos estranhos que nada têm a ver com o
nosso; ao contrário, todos eles juntos formam esse grande horizonte que se move
a partir de dentro e abarca a profundidade histórica de nossa autoconsciência para
além das fronteiras do presente. (...) O nosso próprio passado e o dos outros, ao
qual se volta a consciência histórica, faz parte do horizonte móvel a partir do qual
vive a vida humana, esse horizonte que a determina como origem e tradição.
122
Após a publicação do primeiro volume de Verdade e Método, Gadamer
ainda aborda o conceito de historicidade no ano de 1965, sob o título: A
Continuidade da história e o instante da existência
123
. Para ele, tal conceito não
enuncia algo sobre um nexo do acontecer que se deu realmente, mas sobre o modo
de ser do homem que está na história e que somente pode ser compreendido a
fundo em seu ser pelo conceito de historicidade. Todo compreender representa
uma fusão desses horizontes: sempre interpretamos uma obra tendo como
premissa as questões do nosso tempo, ainda que isso possa ser imperceptível. Em
todo ato de interpretar, encontra-se implicada a produção de um novo texto em
função de um novo sentido dado pelo intérprete partindo de uma concepção
dialógica.
124
A tarefa autêntica da hermenêutica consiste, para Gadamer, em o
intérprete, ao se deparar com a estranheza de um texto, observar como ele é
diferente; deixando-se, assim, ser atravessado por uma experiência de como o
texto comporta um pensamento diferente do seu.
125
122
VM, p.402.
123
Cf: VMII, p.159-173.
124
Quando Gadamer aborda em seus trabalhos a necessidade de que o horizonte venha a se fundir
com o horizonte do outro em toda compreensão, tal afirmação “não visa verdadeiramente a
nenhum uno permanente e identificável, mas essa fusão acontece no diálogo que prossegue”.
(HRII, p.73, grifos meus).
125
Em sua quinta conferência intitulada Esboços dos fundamentos de uma hermenêutica, inserida
em O Problema da Consciência Histórica, Gadamer afirma que “a intenção autêntica da
compreensão é a seguinte: ao lermos um texto, queremos compreendê-lo; nossa expectativa é
sempre que o texto nos informe sobre alguma coisa. Uma consciência formada pela autêntica
atitude hermenêutica é sempre receptiva às origens e características totalmente estranhas de tudo
aquilo que lhe vem de fora. Em todo caso, tal receptividade não se adquire por meio de uma
‘neutralidade’ objetivista: não é nem possível nem necessário nem desejável que nos coloquemos
entre parênteses. A atitude hermenêutica supõe uma tomada de consciência com relação às nossas
opiniões e preconceitos que, ao qualificá-los como tais, retira-lhes o caráter extremado. É ao
realizarmos tal atitude que damos ao texto a possibilidade de aparecer em sua diferença e de
manifestar-se a sua verdade própria em contraste com as idéias preconcebidas que lhe
impúnhamos antecipadamente.” PCH, p.63-64, grifos do autor.
O sentido de um texto supera seu autor não ocasionalmente, mas sempre. Por
isso, a compreensão nunca é um comportamento meramente reprodutivo, mas
também e sempre produtivo. (...) Na verdade, compreender não é compreender
melhor, nem sequer no sentido de possuir um melhor conhecimento sobre a coisa
em virtude de conceitos mais claros, nem no sentido da superioridade básica que
o consciente possui com relação ao caráter inconsciente da produção. Basta dizer
que, quando se logra compreender, compreende-se de um modo diferente.
126
Quando por exemplo, podemos compreender o sentido de uma obra de arte
ou de um texto literário
127
, não se tem o objetivo de reconstruir os “desejos” do
texto, a intenção original do autor, mas compreendê-lo de forma que sua verdade
chegue até nós.
128
Hans Robert Jauss (1921-1997), historiador da literatura e
discípulo da hermenêutica gadameriana, contribuiu para divulgar o processo de
fusão de horizontes nas décadas de 1970 e 1980. Alguns anos após a publicação
de Verdade e Método, Jauss causou um forte impacto nos meios acadêmicos da
época ao publicar no ano de 1967, A História da Literatura como Provocação à
Teoria Literária. Jauss privilegia o leitor no ato de interpretar um texto literário e
deste modo não o considera como uma tábula rasa sobre o qual o texto vai
imprimir seu sentido. Jauss compartilha com as reflexões de Gadamer, onde não é
possível fazer a leitura de um livro do mesmo modo, principalmente em épocas
diversas.
O que para Gadamer é determinante para as diferentes compreensões é a
própria distância temporal. Neste sentido, acerca da distância temporal, ela não é
segundo ele “uma distância a percorrer, mas uma continuidade viva de elementos
que se acumulam formando uma tradição, isto é, uma luz à qual tudo o que
trazemos conosco de nosso passado, tudo o que nos é transmitido faz a sua
aparição”.
129
afirmamos aqui, que o tempo não é um precipício que devemos
126
VM, p.392, grifos do autor.
127
Para Gadamer, literários, são aqueles textos que devem ser lidos em voz alta, mesmo que
unicamente para o ouvido interior, e quando recitados não são apenas ouvidos mas devem ser
acompanhados pela voz interior.” (VMII, p.406.). Também para Gadamer: O próprio ato de ler
em voz alta para si mesmo é dialogal, porque na medida do possível deve sintonizar o fenômeno
sonoro com a captação do sentido.” (VMII, p.412-413.)
128
Tal afirmação pode estar indicada na passagem em que Gadamer diz: “Quando procuramos
compreender um texto, não nos deslocamos até a constituição psíquica do autor, mas, se quisermos
falar de ‘deslocar-se’, devemos deslocar-nos para a perspectiva na qual o outro conquistou sua
própria opinião. O que não significa nada mais que procuramos fazer valer o direito objetivo
daquilo que o outro diz.” (VM, p.386)
129
PCH, p.68.
transpor para recuperarmos o passado; na medida em que este não é tomado como
um obstáculo para a compreensão: não é preciso superar a distância do tempo
(pois ela é a própria possibilidade e condição do conhecimento); o que importa é
reconhecer a distância temporal (Zeitenabstand) como uma possibilidade
produtiva e positiva do compreender. A tarefa é, neste sentido, a de preservar a
continuidade hermenêutica. Para Gadamer, alguma comunicação é possível, e
está sempre a caminho a partir do processo de fusão de horizontes, pois a primeira
de todas as condições hermenêuticas é o fato de que “algo nos interpela”. Assim,
compreender é
operar uma mediação entre o presente e o passado, é desenvolver em si mesmo
toda a série contínua de perspectivas na qual o passado se apresenta e se dirige a
nós. Nesse sentido radical e universal, a tomada de consciência histórica não é o
abandono da eterna tarefa da filosofia, mas a via que nos foi dada para chegarmos
à verdade sempre buscada.
130
Seguindo este pensamento, podemos afirmar que a mediação do passado e
do presente está na base da ideia gadameriana acerca do processo de fusão de
horizontes, momento em que o horizonte do passado e o horizonte do intérprete se
fundem num único horizonte:
O horizonte do presente não se forma pois à margem do passado. Não existe um
horizonte do presente por si mesmo, assim como não existem horizontes
históricos a serem conquistados. Antes, compreender é sempre o processo de
fusão desses horizontes presumivelmente dados por si mesmos. Conhecemos a
força dessa fusão sobretudo de tempos mais antigos e da ingenuidade de sua
relação com sua época e com suas origens. A vigência da tradição é o lugar onde
essa fusão se constantemente, pois o velho e o novo sempre crescem juntos
130
PCH, p.71. Vale ressaltar que compreender o passado não é deixar o horizonte atual e seus
preconceitos para se deslocar ao horizonte do passado; compreender é aplicar um sentido ao
presente, é traduzir o passado na linguagem do presente onde acontece a fusão: horizontes do
passado e do presente.
para uma validez vital, sem um e outro cheguem a se destacar explícita e
mutuamente.
131
O horizonte do passado, do qual vive toda vida humana e que se apresenta
sob a forma de tradição já está “sempre em movimento”.
132
Ao fazer uma analogia
com o jogo, na perspectiva de um “diálogo hermenêutico”, a noção de horizonte é
tomada como conceito-chave na medida em que se apresenta como um elemento
intercambiável com a compreensão que deve ser pensada menos como uma ação
da subjetividade e sim como um retroceder que penetra num acontecimento da
tradição, onde se intermedeiam constantemente passado e presente”.
133
Portanto,
o jogador-intérprete”, não pode ignorar a si mesmo e a situação hermenêutica
concreta na qual se encontra, pois segundo Gadamer, se ele “quiser compreender,
deve relacionar o texto com essa situação.”
134
Vale ressaltar que é constituinte
do jogador-intérprete uma pré-compreensão daquilo que irá interpretar.
No processo de fusão de horizontes, não há distinção entre sujeito e objeto,
e assim, ao interpretar, o “jogador-intérprete” entra em conversação
(Gespräches) com o texto: os horizontes separados como pontos de vista
diferentes fundem-se um no outro. Desta forma, a comunicação acontece
através da fusão de horizontes (e nela podemos reconhecer a forma de realização
da conversação). Entre o jogador-intérprete”, o texto, a obra e o evento passado
a hermenêutica procura gerar uma linguagem comum que lhes permite dialogar,
pois o diálogo que realizamos com os outros e conosco nos permite a revisão de
nossos pontos de vistas.
É possível afirmar que em Gadamer, não existem horizontes fechados, pois
aquilo que nos parece estranho inicialmente, “incomunicável”, “incompreensível”,
pode se tornar inteligível, pois compreender é, sobretudo, o participar de uma
perspectiva comum. Lembremos que sob esse ponto de vista, o sentido de jogar
pressupõe um movimento de participação, de engajamento, de compartilhamento,
onde o jogar é a priori um jogar junto. Se, para Gadamer, o texto traz um tema à
131
VM, p.404-405, grifos do autor.
132
VM, p.402.
133
VM, p.385, grifos do autor.
134
VM, p.426, grifos meus.
fala, isso se mediante o trabalho do intérprete que por sua vez é parte
integrante do vir à fala de um tema. Como diz Gadamer, “ambos [texto e
intérprete] tomam parte disso”. Assim como cada um jamais é um indivíduo
solitário, haja vista que estamos sempre nos relacionando com os outros, é
evidente que nesta relação ao outro, precede a própria experiência do “eu”. Deste
modo, o homem que compreende não sabe nem julga a partir de um simples estar
“postado frente ao outro sem ser afetado, mas a partir de uma pertença específica
que o une com o outro, de modo que é afetado com ele e pensa com ele”.
135
Em
Interpretações e Ideologias, Paul Ricoeur (1913-2005) fala de um indício da
dialética de participação e distanciamento fornecido no conceito de fusão de
horizontes. Segundo Ricoeur, a obra Verdade e Método se erige em torno de um
debate entre distanciamento alienante e experiências de pertença nas três esferas
da experiência hermenêutica: esfera estética, histórica e da linguagem. Para
Ricoeur, devemos a Gadamer esta ideia muito fecunda onde a
comunicação a distância entre duas consciências diferentemente situadas faz-se
em favor da fusão de seus horizontes, vale dizer, do recobrimento de suas visadas
sobre o longínquo e sobre o aberto. Mais uma vez, é pressuposto um fator de
distanciamento entre o próximo, o longínquo e o aberto. Este conceito significa
que não vivemos nem em horizontes fechados, nem num horizonte único. Mais
uma vez, é pressuposto um fator de distanciamento entre o próximo, o longínquo
e o aberto. Na medida mesma em que a fusão de horizontes exclui a idéia de um
saber total e único, esse conceito implica a tensão entre o próprio e o estranho,
entre o próximo e o longínquo e, por conseguinte, fica excluído o jogo da
diferença na colocação em comum.
136
Na hermenêutica gadameriana, somos conversação, somos intérpretes do
mundo e o mundo nos é apresentado sob a forma de linguagem. A temática da
linguagem torna-se relevante no percurso deste estudo, na medida em que
viabiliza o processo de fusão de horizontes. Com efeito, o fenômeno da
linguagem articula-se com o movimento de jogar e compreender. Segundo
135
VM, p.425, grifos meus.
136
RICOEUR, Paul. Interpretação e Ideologias. Tradução de Hilton Japiassú. Rio de Janeiro:
Francisco Alves, 1990, p.41, grifos meus.
Gadamer, o mistério da linguagem é a sua abertura, pois “qualquer um é capaz de
encontrar a palavra correta para situações nunca calculáveis e para instantes
imprevisíveis”.
137
Importa-nos dizer aqui, que a investigação do fenômeno da
linguagem como horizonte de uma ontologia hermenêutica indica que o
pensamento gadameriano não se fundamenta simplesmente na linguagem como
objeto da hermenêutica, mas como um fio condutor (tal como no modelo do jogo).
*
137
GADAMER, Hans-Georg. Heidegger e a Linguagem. (In: Hermenêutica em Retrospectiva:
Heidegger em retrospectiva. Volume I. Tradução de Marco Antônio Casanova. Petrópolis, RJ: Ed.
Vozes, 2007, doravante referido como HR I).
HRI, p.45.
4.
A linguagem em Gadamer
Sem vida, toda a meditação de Gadamer sobre
a linguagem está voltada contra a redução do
mundo dos signos e instrumentos que poderíamos
manipular à vontade. Toda a terceira parte de
Wahrheit und Methode é uma apologia
apaixonada do diálogo que somos e da concórdia
prévia que nos impulsiona.
138
4.1
Uma conversa com Heidegger
quarenta anos, ao escrever Linguagem e Compreensão (1970),
Gadamer afirma que a questão da compreensão adquire cada vez mais atualidade
nos últimos anos. É visível que as tentativas de se entrar em acordo entre as
nações, os blocos, e as gerações fracassam porque, “parece faltar uma linguagem
em comum”
.
139
Para ele, todos os fenômenos do entendimento, da compreensão e
da incompreensão, que formam o objeto da hermenêutica, representam um
fenômeno de linguagem. No decorrer de sua fala, Gadamer, quer saber através de
um questionamento, a razão do fenômeno da compreensão ter o caráter de
linguagem. Ele mesmo responde, sustentando que está implícita na própria
pergunta a resposta que é “a linguagem que constrói e conserva essa orientação
comum no mundo.”
140
Para Gadamer, conversa não significa a priori,
138
RICOEUR, Paul. Idem, p.41.
139
VMII, p.216.
140
VMII, p.220.
controvérsia, visão que parece ser característica da modernidade em apreciar a
identificação entre conversa e controvérsia. Como também, conversar não é
mutuamente desentender-se. Contrário a este pensamento, ele sustenta que se
constrói um aspecto comum do que é falado, pois
A verdadeira realidade da comunicação humana é o fato de o diálogo não ser nem
a contraposição de um contra a opinião do outro e nem o aditamento ou soma de
uma opinião à outra. O diálogo transforma a ambos. O êxito de um diálogo dá-se
quando não se pode recair no dissenso que lhe deu origem. Uma solidariedade
ética e social pode acontecer na comunhão de opiniões, que é tão comum que
não é nem minha nem tua opinião, mas uma interpretação comum do mundo.
141
Assim, é viável afirmarmos que a importância conferida à linguagem em
Verdade e Método é acompanhada do interesse ético, trilho da hermenêutica
gadameriana. Como medium da experiência hermenêutica, a linguagem é tida
como um dos momentos em que se transmite a tradição e assim, a possibilidade
da compreensão acontece a partir da tradição, que chega pela linguagem. Segundo
Richard Palmer, somos frutos da tradiçãoe ela “não se coloca, pois contra nós;
ela é algo em que nos situamos e pelo qual existimos; em grande parte é um meio
tão transparente que nos é invisível tão invisível como a água é para o peixe
142
. Penso que é inconcebível para Gadamer, admitir a possibilidade de relacionar
a linguagem com indivíduos isolados, pois em sua essência a linguagem é
comunitária: é como se ele afirmasse, “a linguagem é um nós.” Dentro desta
perspectiva, podemos considerá-lo um filósofo da tradição. Para ele, o verdadeiro
lugar da hermenêutica é o ponto médio, lugar mesmo da realização da filosofia.
Uma das possíveis explicações para tal afirmativa nos leva a dizer que Gadamer
está afinado com os pressupostos éticos ditos por Aristóteles no livro II em Ética
a Nicômaco.
143
Outra resposta possível como ponto médio da hermenêutica
141
VMII, p.221, grifos meus.
142
PALMER. Richard. Hermenêutica. Tradução de Maria Luísa Ribeiro Ferreira. Lisboa: Edições
70, 1969, p.180, grifos meus.
143
“Em tudo que é contínuo e divisível pode-se tirar uma parte maior, menor ou igual, e isso tanto
em termos da própria coisa, quando em relação a nós; e o igual é um meio termo entre o excesso e
filosófica, é que desde sempre nos movemos e somos linguagem, uma vez que
não há uma primeira nem última palavra, não há verdade definitiva em tais
pressupostos.
144
Gadamer sustenta que a humanidade pode aprender a partir de
suas próprias experiências já que, como ele mesmo afirma, “há experiências
originárias para os homens em todas as línguas”.
145
Lembremos que no início de Verdade e Método, ao questionar a autoridade
do método científico, Gadamer propõe uma reflexão em que aposta nas ciências
humanas, no humanismo uma saída “contra as pretensões monopolistas da
ciência moderna, do ideal metódico e da técnica e como comenta Duque-
Estrada, “permanece dentro de uma discussão que diz respeito à afirmação de um
conhecimento que seja imanente à vida
146
. No decorrer do segundo capítulo
deste estudo, afirmamos que a reflexão heideggeriana sobre a compreensão e
interpretação contida em Ser e Tempo constitui a base da hermenêutica filosófica
de Gadamer.
147
Contudo, uma reflexão renovada sobre as ciências humanas nos
pressupostos de sua hermenêutica filosófica, o tem sentido para Heidegger e
com isto, Gadamer se afasta dos pensamentos de seu mestre Heidegger.
148
Este
traço de humanidade presente na hermenêutica de Gadamer, pode nos levar a
conduzir uma conversa com o filósofo Martin Heidegger. A ideia é que
a falta. Por ‘meio-termo no objeto’ quero significar aquilo que é eqüidistante em relação aos
extremos, e que é o único e o mesmo para todos os homens; e por ‘meio-termo em relação a nós’
quero dizer aquilo que não é nem demasiado nem muito pouco, e isto não é o único e o mesmo
para todos.” Cf. ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Tradução de Pietro Nassetti. São Paulo: Ed.
Martin Claret, 2007, p.47 [1106ab].
144
Uma discussão mais aprofundada acerca disto é apresentada em: ALMEIDA, Custódio.
Hermenêutica e dialética: substituição ou complementação? São Leopoldo: Filosofia Unisinos,
Volume 3, n°4, 2002, p.155-170.
145
HRI, p.48.
146
DUQUE-ESTRADA, Paulo Cesar. Limites da Herança heideggeriana: A Práxis na
hermenêutica de Gadamer, p.518.
147
“Embora eu tenha contornado a intenção filosófica de Heidegger, quer dizer, a retomada do
‘problema do ser’, torna-se não obstante claro que somente uma viva tematização da existência
humana enquanto ‘ser-no-mundo’ revela as implicações plenas do Verstehen como possibilidade e
estrutura da existência.” (PCH, p.12)
148
Para François Renaud, a hermenêutica filosófica de Gadamer, entendida como uma defesa das
humanidades se baseia essencialmente sobre o conceito de clássico, que segundo o próprio
Gadamer representa a continuidade e a pretensão à verdade da tradição tal como nos é transmitida
na palavra escrita. O artigo escrito por Renaud aponta para uma decisiva diferença entre a
hermenêutica humanística de Gadamer e a crítica de Heidegger acerca da destruição da tradição
metafísica. (In: Classical Otherness: Critical Reflections on the Place of Philology in Gadamer’s
Hermeneutics, p.361-388, grifos meus).
Heidegger não quer fazer uma hermenêutica das tradições, na medida em que o
seu foco de pensamento é o Ser, ao passo que para Gadamer, é a linguagem.
149
*
Como um grande crítico da subjetividade, Heidegger, no sexto parágrafo
de Ser e Tempo, se debruça sobre a necessidade de fazer uma destruição da
ontologia tradicional, o por hostilidade contra a metafísica em geral, mas, para
que ela volte a si mesma numa autêntica ontologia fundamental. Em sua reflexão,
Heidegger afirma no primeiro parágrafo desta obra, que a metafísica sempre
pensou o ser como se este fosse um ente, ela sempre entificou o ser de alguma
coisa. Neste sentido, na avaliação de Heidegger, a história da metafísica é
marcada precisamente por um esquecimento do ser e uma adesão ao ente: a
história da metafísica é, portanto, a história do esquecimento do ser
150
. Existe
para ele, como aponta Rui Sampaio da Silva,
uma relação íntima entre metafísica e humanismo: a concentração exclusiva no
ser do ente (metafísica) teria como reflexo uma orientação antropocêntrica da
filosofia (humanismo). Pior do que isso: a metafísica e o humanismo
degenerariam, segundo a narrativa heideggeriana, no subjectivismo da época
moderna, o qual, por seu turno, culminaria na figura da vontade de poder
(Nietzsche), vontade de poder esta que originaria o pesadelo de um mundo
dominado à escala planetária pela técnica.
151
149
Como aponta Duque-Estrada: “Gadamer não situa o compreender no âmbito do Dasein, como
‘lugar’ da questão sobre o ser, mas sim no âmbito da existência histórica efectiva que se auto-
realiza através da compreensão mediatizada na linguagem.” (DUQUE-ESTRADA, Paulo Cesar.
Limites da Herança heideggeriana: A Práxis na hermenêutica de Gadamer. Revista Portuguesa de
filosofia. A Idade Hermenêutica da Filosofia: Hans-Georg Gadamer. Faculdade de Filosofia de
Braga, 2000, p.518.)
150
Ver: HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo. Tradução revisada de Márcia Cavalcante
Schuback; Posfácio de Emmanuel Carneiro Leão. Petrópolis, Vozes; Bragança Paulista, SP:
Editora Universitária São Francisco, 2006, p.37.
151
SAMPAIO DA SILVA, Rui. Gadamer e a Herança Heideggeriana, Revista Portuguesa de
filosofia. A Idade Hermenêutica da Filosofia: Hans-Georg Gadamer. Faculdade de Filosofia de
Braga, 2000, p.530, grifos meus.
O filósofo canadense Jean Grondin no início de seu ensaio intitulado
Gadamer on Humanism, aponta possíveis diferenças entre os projetos filosóficos
de Heidegger e Gadamer, e nos esclarece de antemão que “Gadamer é um
humanista e Heidegger, não”.
152
Vale salientar que ao fazer tal afirmação, ele
sustenta que isso não quer dizer em absoluto nenhum tipo de julgamento moral
implícito entre os filósofos em questão (não deve ser primariamente entendido
dentro de um sentido biográfico), mas sim, dentro de uma perspectiva filosófica.
Portanto, criticar o humanismo, não significa ser “desumano”. Aliás, o próprio
Heidegger ao criticar o humanismo não quer dizer que este modo de pensar “se
oriente para o lado oposto do humano, defendendo o inumano e a desumanidade
ou degrade a dignidade do homem.”
153
A razão em pensar contra o humanismo é
porque ele (o humanismo), não instaura a humanitas do homem num patamar alto
o suficiente. Para Grondin, o humanismo, como uma questão de destaque na
cultura ocidental, é tematizado pela literatura corrente sob três pontos altos: O
Humanismo Renascentista, O Iluminismo (mais precisamente nos trabalhos dos
clássicos alemães, tais como, Schiller, Goethe e Winckelmann) e finalmente no
início do século XX entre os classicistas como Werner Jaeger (1881-1961), quem
distinguiu dentro da cultura antiga os modelos de uma educação verdadeiramente
humanista.
Vale ressaltar que o foco para propagar uma nova discussão acerca do
humanismo neste ensaio apresentado por Grondin tem como pano de fundo, a
situação da Europa após a sangrenta Segunda Guerra Mundial, mais precisamente
a desumanidade do regime nazista, com as mortes nos campos de Auschwitz. Tais
fatos, repercutem em Jean Beaufret um sentimento de desacordo o que o leva a
fazer no livro Carta Sobre o Humanismo o seguinte questionamento à Heidegger:
“como se dar um novo sentido à palavra humanismo?” Para Heidegger,
qualquer resposta acerca da humanidade do homem seria ainda metafísica e assim,
levanta a questão se é necessário tal indagação. Como ele mesmo afirma:
“Pergunto-me se isto é necessário. Ou será que não se manifesta, ainda, de modo
152
GRONDIN, Jean. Gadamer on Humanism. The Philosophy of Hans-Georg Gadamer. The
Library of living philosophers. Volume XXIV, 1997, p.157.
153
HEIDEGGER, Martin. Carta Sobre o Humanismo, p.15-16.
suficiente, a desgraça que expressões desta natureza provocam?
154
A linguagem é
comumente pensada à luz do homem. Nas palavras de Heidegger,
Pensamos comumente a linguagem a partir da correspondência à essência do
homem, na medida em que esta é representada como animal rationale, isto é,
como a unidade do corpo-alma-espírito. Todavia, assim como na humanitas do
homo animalis a ex-sistência permanece oculta e, através dela, a relação da
verdade do ser com o homem, assim encobre a interpretação metafísico-animal da
linguagem a sua essência ontológica historial.
155
Heidegger quer pensar a linguagem fora do âmbito da representação, pois
para ele, enquanto estivermos na representação, fatalmente estaremos dentro da
metafísica. Ainda em Carta Sobre o Humanismo, ele urge pensar a essência da
linguagem na medida em que a mesma, não é a exteriorização de um organismo,
nem expressão de um ser vivo. Heidegger pensa a linguagem a partir da
correspondência ao ser enquanto correspondência, o que quer dizer, como
habitação da essência do homem”
156
, que não é para ele apenas um ser vivo, pois
ao lado de outras faculdades, também possui a linguagem. Quando Heidegger fala
“homem” é no sentido ôntico-ontológico e a linguagem é para ele, algo que diz
respeito a nós, ao nosso próprio modo de ser, pois nós moramos neste apelo, nesta
solicitação ao ser.
Para Carsten Dutt, filósofo da universidade de Heidelberg, Gadamer faz
uma réplica ao célebre enunciado heideggeriano dito no início de Carta Sobre o
Humanismo: A linguagem é a casa do ser”
157
. Assim sendo, ainda em Dutt,
afirma Gadamer: “Me segue parecendo verdade que a linguagem não é somente a
casa do ser, mas também a casa do homem, em que nela se vive se encontra com
outros, se encontra no outro”.
158
Lembremos que Heidegger, em sua crítica
154
HEIDEGGER, Martin. Idem, p.3.
155
HEIDEGGER, Martin. Idem, p.18, grifos do autor.
156
HEIDEGGER, Martin. Carta Sobre o Humanismo, p.18, grifos meus.
157
HEIDEGGER, Martin. Idem, p.1.
158
GADAMER apud DUTT, op. cit., p.58, grifos meus. (DUTT, Carsten. En Conversación con
Hans-Georg-Gadamer: Hermeneutica- estética- filosofia prática. Tradução de Teresa Rocha
Barco. Madri: Tecnos, 1998).
desenvolvida no início de Carta sobre o Humanismo, afirma que todo o
humanismo se funda, ou numa metafísica, ou ele mesmo se postula como
fundamento de uma tal metafísica. Assim, para ele,
qualquer humanismo
permanece metafísico. O humanismo quando coloca o homem no centro das
atenções, também contribuiria para o esquecimento do Ser, característico da
história da metafísica, questão colocada anteriormente por ele em Ser e Tempo.
Nesta direção de pensamento, é possível na visão de Gadamer, aprender que o
humanismo não é necessariamente um antropocentrismo, como sustenta
Heidegger.
Gadamer sustenta que uma das características fundamentais da linguagem
enquanto lugar de mediação da experiência do mundo é o seu caráter
dialógico, que não se encontra sob controle do sujeito ou do grupo. O diálogo é,
portanto, a estrutura do entendimento hermenêutico. Compartilhando com as
reflexões abordadas por Rui Sampaio da Silva, poderíamos pressupor que haveria
em Gadamer, acerca do caráter dialógico da linguagem, uma continuidade com o
projeto filosófico de Heidegger quando este comenta um poema de Hölderlin, ao
escrever em 1936, Hölderlin e a essência da poesia. Como diz Heidegger, “o ser
do homem funda-se na linguagem, mas esta acontece verdadeiramente no
diálogo
159
. Contudo, trata-se, em Heidegger, do diálogo com os deuses, ao passo
que Gadamer está atento para uma conversação entre os homens, “entre os
mortais”. Esta questão é ratificada por Jean Grondin
160
, como também é tratada
por Robert Dostal nas palavras a seguir:
A conversação foi um importante conceito para Heidegger, também, mas, como
nós notamos, sua conversação era com os deuses. O tratamento de Heidegger
segue a partir de Hölderlin (“nós somos uma conversação”), que localiza a
conversação entre humanos e o divino. Sua escrita, conseqüentemente, é
meditativa, eu poderia sugerir, e não dialógica.
161
159
Cf. SAMPAIO DA SILVA, Rui. Idem, p.536.
160
Ver mais em: GRONDIN, Jean. Idem, p.165.
161
DOSTAL, Robert J. Gadamer’s Relation to Heidegger and Phenomenology. In: The
Cambridge Companion to Gadamer. Cambridge: Cambridge University Press, 2002, p.257, minha
tradução, meus grifos.
É neste sentido que Heidegger propõe uma maneira diferente de se pensar
a linguagem, pois para ele, não podemos pensá-la no terreno da mediação. O que
fundamentalmente caracteriza a concepção de compreensão (Verstehen)
162
atrelada à linguagem em Gadamer é a noção de mutualidade. Em sua fala,
Gadamer afirma que a opinião comum se constrói sempre na mutualidade da
conversa.”
163
Sendo assim, é a partir de tal noção que podemos apontar
diferenças entres as reflexões de Gadamer e Heidegger. Como afirma Duque-
Estrada:
A mutualidade é, neste contexto, a palavra-chave que nos leva ao cerne da
diferença entre Gadamer e Heidegger: enquanto a estrutura original da
compreensão leva Heidegger a um constante e renovado esforço em chegar à
fonte originária da linguagem (a linguagem silenciosa do ser); ela [a estrutura
original da compreensão] leva Gadamer a abraçar um ideal de engajamento com
o processo efetivo da compreensão que se na linguagem familiar do mundo no
qual vivemos. Mas, neste vel, a compreensão é essencialmente compreensão
mútua que se dá através da experiência básica (Erfahrung) de co-participação em
uma vida comunitária que, continuamente, é preservada e projetada em novas
possibilidades de ser.
164
Gadamer considera a possibilidade do acontecimento efetivo da
experiência hermenêutica na medida em que a linguagem, abertura para um
mundo comunitário, é o meio onde é possível a compreensão. Assim, a linguagem
162
Gadamer nos fornece um exemplo do sentido mais literal para Verstehen: “Em seu sentido mais
literal, compreender (Verstehen) significa em alemão justamente representar totalmente o caso de
um outro diante do tribunal, colocar-se em seu lugar (HRII, p.88-89). Na tradução francesa deste
livro, diz Gadamer: “Au sens le plus littèral du terme, comprendre, c’est, en effect, représenter la
cause de quelqu’un d’autre devant un tribunal ou n’importe quelle autre instance, et s’en porter
garant”.
GADAMER, Hans-Georg. Herméneutique en Rétrospective, p.181.
163
VMII, p.221.
164
Esta questão aparece em Hermenêutica e Práxis em Gadamer de Gustavo Silvano Batista que
faz um comentário partindo da tese de doutorado intitulada: Gadamer’s Rehabilitation of Practical
Philosophy An Overwiew, defendida por Paulo Cesar Duque-Estrada no ano de 1993. (DUQUE-
ESTRADA, Paulo Cesar. Tese de doutorado em Filosofia, Boston College, 1993, p.164, grifos
meus.) Ver: BATISTA, Gustavo S. Hermenêutica e Práxis em Gadamer. Rio de Janeiro, 2007.
Dissertação (Mestrado em Filosofia) – Departamento de Filosofia/PUC-Rio.
como diálogo
165
se insere aqui tendo um papel decisivo na hermenêutica
gadameriana. Portanto, é inviável para ele refletir sobre a compreensão sem ter
em mente a condição básica do diálogo; ao passo que para Heidegger, o autêntico
momento da compreensão é sempre solitário.
*
4.2
A linguagem como medium da experiência hermenêutica
Ao falar da linguagem como medium da experiência hermenêutica,
Gadamer inicia afirmando que quanto mais autêntica uma conversação, menos ela
se encontra sob a direção da vontade de um outro dos interlocutores. O que
surgirá de uma conversação ninguém pode saber a priori, pois o acordo ou o seu
fracasso, como ele mesmo afirma, “é um acontecimento que se realizou em nós.”
166
Neste sentido, como a conversação toma seus rumos próprios, ao invés dos
interlocutores dirigirem a conversação eles são os dirigidos”.
167
Em sua
investigação acerca da linguagem, Gadamer reconhece por um lado em Verdade e
Método que compreender o que é a linguagem, representa uma das coisas “mais
obscuras com que se deparou a reflexão humana”
168
. Mas por outro lado, em
sua análise do pensamento em relação às ciências humanas, podemos alcançar
uma proximidade desse obscuro universal, que precede todas as coisas, e que para
165
Uma leitura aprofundada acerca deste tema é tratada por Duque-Estrada em: DUQUE-
ESTRADA, Paulo Cesar. The Double Move of Philosophical Hermenutics. Études
Phénoménologiques, Bruxelles, n.26, 1997, 19-31.
166
VM, p. 497.
167
VM, p.497. Nesta direção de pensamento, podemos dizer que no decorrer da conversação, um
jogo acontece.
168
VM, p.492.
ele nos faz sentir confiantes na orientação da questão que o guiava. Também para
ele, ao afirmar que linguagem é compartilhamento, participação”
169
, isto pode
sugerir o caráter de conversação inerente a ela na medida em que “a partir da
conversação que nós mesmos somos, buscamos nos aproximar da obscuridade da
linguagem.”
170
A conversação é um processo em que os interlocutores se
encontram dispostos a entrar no seu jogo, ou seja, abrir espaço para que haja o
acolhimento do estranho e do adverso.
Tal é a idéia de acordo (Verständigung)
que permitiu a Gadamer introduzir a linguagem dentro do âmbito de sua
concepção hermenêutica, que o acordo sobre uma questão, “que deve surgir na
conversação, significa necessariamente que os interlocutores começam por
elaborar uma linguagem em comum”.
171
Segundo Grondin existe uma razão que ajuda Gadamer a enfatizar a noção
que o compreender implica uma forma de acordo: é que o acordo é algo que
ocorre principalmente pela linguagem, no diálogo ou conversação. Esta noção
outorga peso específico sobre o elemento linguístico da compreensão.
Compreender é colocar algo dentro de palavras, ou melhor, formular a
compreensão dentro de uma potencialidade linguística. Ainda segundo Grondin,
poderíamos evocar aqui a importante objeção que nem tudo o que eu compreendo
pode ser colocado em palavras. Eu posso compreender um sinal, uma peça de arte,
ou música. A importante ideia para a noção gadameriana de interpretação e sua
inerente linguisticidade é que o ouvinte é suprimido pelo o que ele procura
compreender, e, assim, responde, interpreta, busca por palavras ou expressa.
Portanto, compreender, no sentido gadameriano, é articular (um sentido, uma
questão, um acontecimento) com palavras; “palavras que são sempre minhas,
mas que ao mesmo tempo essas que eu luto para compreender.”
172
Como
comenta Vattimo, é na linguagem que “vivenciamos aquele mundo que possuímos
e compartilhamos”
173
e por isso, a linguagem serve de mediação total da
experiência do mundo enquanto sede, ou lugar, de realização do concreto, do
169
HRII, p.38.
170
VM, p.492.
171
VM, p.493, grifos meus.
172
Cf. GRONDIN, Jean. Gadamer’s Basic Understanding of Understanding. In: The Cambridge
Companion to Gadamer. Cambridge: Cambridge University Press, 2002, p.41, minha tradução
modificada, meus grifos.
173
VATTIMO, Gianni. Idem, p.132.
ethos comum de uma determinada sociedade histórica”.
174
Como princípio de
ordenação do mundo, é em função da linguagem que é possível a convivência
entre os homens através de uma experiência do que é comum a todos. Diz
Gadamer:
É somente pela capacidade de se comunicar que unicamente os homens podem
pensar o comum, isto é, conceitos comuns e sobretudo aqueles conceitos comuns,
pelos quais se torna possível a convivência humana sem assassinatos e
homicídios, na forma de uma vida social, de uma constituição política, de uma
convivência social articulada na divisão do trabalho. Isso tudo está contido no
simples enunciado: o homem é um ser vivo dotado de linguagem.
175
O célebre enunciado de Aristóteles define o homem “como o único ser
vivo dotado de logos
176
. De acordo com Gadamer, é pela linguagem que
podemos abarcar uma visão para além do presente. Em A Razão na Época da
Ciência ele diz que:
Aristóteles viu o mais decisivo deste fenômeno: um ser que possui linguagem
está caracterizado por um distanciamento em relação ao presente, pois a
linguagem torna presentes as coisas. Ao manter presentes fins remotos, se chega à
opção de atuar no sentido da escolha de meios para fins determinados; além
disso, são conservadas as normas obrigatórias em relação às quais a ação humana
se projeta como social.
177
174
VATTIMO, Gianni. Idem, p.132.
175
VMII, p.173-174, grifos meus.
176
176
VMII, p.173-174, grifos meus.
176
A palavra grega λόγος (logos) foi traduzida no sentido de razão ou pensar. Na verdade, a
palavra significa também e sobretudo: linguagem. Cf. VMII, p.173. Interessante salientar que os
gregos “não tinham nenhuma palavra específica para ‘linguagem’: eles podiam dizer glotta, quer
dizer: a língua e eles podiam dizer logos, ou seja, aquilo que foi dito”, como afirma Gadamer.
(HRIV, p.122).
177
REC, p.46-47.
É possível afirmar que segundo Gadamer, é a linguagem que nos faz
conhecer o ser das coisas. Entretanto, isto não significa dizer que a experiência
que o homem faz do mundo é possível pelo fato dele dispor da linguagem, como
algo que possa ser por ele dominado e apreensível. A linguagem permite que algo
venha à fala, e, portanto, não é algo à disposição de um ou de outro interlocutor.
Neste sentido, seria um erro sugerir, uma analogia entre a linguagem e um
instrumento (ou ferramenta) com o qual possamos controlar o seu uso e, quando
não precisamos mais, nos desfazer dele. Em “Homem e Linguagem”, ele é
enfático ao afirmar que “jamais nos encontramos como consciência diante do
mundo para num estado desprovido de linguagem lançarmos mão do instrumental
do entendimento.”
178
Pelo contrário, pois em todo conhecimento que temos de
nós mesmos e do mundo, sempre nos encontramos pela nossa própria
linguagem. Nosso pensamento habita a linguagem, o que para Gadamer constitui
o enigma profundo que a linguagem propõe ao pensar. Assim, é inviável pensar a
linguagem fora dela mesma, pensá-la como um objeto, pois, não pensamento
sem linguagem, na medida em que todo pensar sobre a linguagem, já foi sempre
alcançado pela linguagem.
Com a tematização da linguagem, vinculada indissoluvelmente ao mundo vital
humano, parece que se oferece um novo fundamento à velha pergunta da
metafísica acerca do todo. Neste contexto, a linguagem não é um mero
instrumento ou um dom excelente que possuímos como homens, mas o meio no
qual vivemos desde o começo, como seres sociais, e que mantém aberto o todo no
qual existimos.
179
Na citação acima, Gadamer enfatiza o fato da linguagem se constituir
como um vínculo entre o homem e o seu mundo vital, análoga ao ar que
respiramos, que ela é, em outras palavras, o meio onde desde o início vivemos
178
VMII, p.176. Reforçando tal argumento, “a linguagem é, pois, o centro do ser humano, quando
considerada no âmbito que ela consegue preencher: o âmbito da convivência humana, o âmbito
do entendimento, do consenso crescente, o indispensável à vida humana como o ar que
respiramos”. (VMII, p.182, grifos meus)
179
REC, p.11.
como seres sociais, e, portanto a base de tudo o que constitui o homem e a
sociedade na condição de seres históricos.
É assim que, no segundo volume de
Verdade e Método, Gadamer afirma que “o homem pode pensar e falar”, e poder
falar (Falar, quer dizer, falar a alguém) significa poder tornar visível através de
sua fala algo ausente, permitindo que também um outro possa vê-lo. Portanto,
encontra-se pressuposto no falar, uma audiência, o que reafirma, em sua reflexão,
a perspectiva da alteridade no cerne do acontecer compreensivo.
afirmamos aqui que a linguagem (como medium da experiência
hermenêutica) é tida como um dos momentos em que se transmite a tradição e
assim, a possibilidade da compreensão acontece a partir da tradição, que chega
pela linguagem. Para Gadamer, embora aquele que foi criado numa determinada
tradição cultural e de linguagem possua uma cosmovisão diferente daquele que
pertença a outras tradições, (e certamente os “mundos” históricos, que se
dissolvem uns nos outros no decurso da história, são diferentes entre si e também
do mundo atual) ainda assim, “o que se representa é sempre um mundo humano,
isto é, um mundo estruturado na linguagem, seja qual for sua tradição.
180
A
compreensão da tradição na linguagem possui especial primazia, pois esta é
tradição no sentido autêntico da palavra, uma vez que não nos encontramos diante
de algo que se deve “investigar e interpretar enquanto vestígio do passado”.
181
A
essência da tradição se caracteriza pelo seu caráter “linguageiro” e desta forma
adquire seu pleno significado hermenêutico onde a tradição se torna escrita. A
tradição escrita não é apenas uma parte de um mundo que se passou, pois para
Gadamer, na forma da escrita todo o transmitido encontra-se simultaneamente
presente para qualquer atualidade. O portador da tradição não é este manuscrito
como uma parte do passado, mas a continuidade da memória por onde a tradição
se converte numa parte do próprio mundo, e, com efeito, o que a tradição nos
comunica pode chegar imediatamente à linguagem. Onde uma tradição escrita
chega a nós, não conhecemos algo individual mas se faz presente em pessoa
uma humanidade passada em sua relação universal.”
182
180
VM, p.577, grifos meus.
181
VM, p.504.
182
VM, p.505.
De acordo com Gadamer, o modo de ser especulativo da linguagem
demonstra seu significado ontológico universal, pois o que vem à fala é,
naturalmente, algo diferente da própria palavra falada, pois a palavra é palavra
em função do que nela vem à fala. O caráter dialógico da linguagem ultrapassa o
ponto de partida da subjetividade, inclusive o do falante em sua referência ao
sentido. Penso que existe, portanto, uma afinidade entre o fenômeno da
linguagem e o fenômeno do jogo. Tanto na linguagem como conversação, quanto
na da poesia e na da interpretação, a linguagem encerra uma estrutura especulativa
que não consiste em ser cópia de algo dado de modo fixo; ao contrário, nela algo
vem à fala onde se enuncia um todo de sentido. O que é manifestado nela não é a
mera fixação de um sentido pretendido, e sim um intento em constante mudança,
uma tentativa de se deixar levar por algo e com alguém. Isto é inerente tanto ao
diálogo escrito, como ao intercâmbio oral uma condição básica, pois, para
Gadamer, os dois interlocutores “desejam sinceramente entender-se. Assim,
sempre que se busca um entendimento, há boa vontade”.
183
*
183
Texto e Interpretação (VMII, p. 396, grifos meus).
5
Considerações finais
A primeira parte desta dissertação iniciou com o tema: A noção
gadameriana de jogo (capítulo 2), tomado como modelo estrutural para a
explicação da compreensão. Vimos como Gadamer lança mão do conceito de jogo
(Spiel) para fazer uma descrição da estrutura da compreensão (Verstehen) e, então,
retorna a um ponto de partida onde a razão de ser do jogo não é o sujeito: o sujeito
do jogo é o próprio jogo. Como ele mesmo afirma no prefácio à segunda edição
de Verdade e Método,
Não foi minha intenção desenvolver uma “doutrina da arte” do compreender,
como pretendia ser a hermenêutica mais antiga. (...) Minha verdadeira intenção,
porém, foi e continua sendo uma intenção filosófica: O que está em questão não é
o que fazemos, o que deveríamos fazer, mas o que acontece além do nosso querer
e fazer.
184
O que despertou o interesse em desenvolver esta dissertação foi a
possibilidade de pensar o fenômeno do compreender levando em consideração o
outro neste evento de verdade que é marcado pela estrutura mesma do jogo.
Assim, na perspectiva de ser fiel ao seu tema, Gadamer pensa a verdade como
algo “que se revela a alguém somente através do tu, e somente pelo fato de
permitir que esse outro lhe diga algo.”
185
Para ele, a verdade em seu aspecto
provisório, é, portanto, dialógica. Tentamos mostrar, através da dimensão
dialógica proposta por Gadamer, o caráter performático da compreensão e da
interpretação como um dos pontos constitutivos de sua hermenêutica filosófica.
Como vimos, a compreensão é sempre diferenciada, como um jogar, um
movimento, um vaivém, uma estrutura aberta que se repete ou pode se repetir. Na
medida em que compreendemos o sentido de um texto, de uma obra de arte, de
184
VM, p.14, grifos meus.
185
VM, p.23.
um espetáculo teatral, o que fazemos não é reconstruir a intenção autoral, mas
compreendê-lo de tal forma que sua verdade se manifesta para nós. Nesta direção
de pensamento, vimos que a noção gadameriana de jogo é o ponto de partida para
Gadamer organizar a sua concepção de diálogo, um dos Elementos da
compreensão (capítulo 3), tema da segunda parte desta dissertação.
O que nos possibilitou refletir o entrelaçamento jogo-compreensão é que a
estrutura da compreensão exige um certo entregar-se à situação” onde a
subjetividade não é tida mais como instância determinante em relação à
compreensão. Vale recordar que Gadamer parte da obra Homo Ludens (1938), do
antropólogo holandês Johan Huizinga, como premissa de sua investigação acerca
do jogo, e deste modo, a temática do jogo se constituiu como fio condutor da
explicação ontológica. Quando aborda tal conceito, Gadamer nos mostra que
“qualquer um, num jogo, é parceiro”
186
. Sob esse ponto de vista, o sentido de
jogar pressupõe um movimento de participação, de engajamento, de
compartilhamento, onde o jogar é a priori um jogar junto. Entre o jogador-
intérprete”, o texto, a obra e o evento passado, a hermenêutica filosófica proposta
por Gadamer procura gerar uma linguagem comum que lhes permite dialogar,
pois, como tentamos ver, o diálogo que realizamos com os outros e conosco nos
permite a revisão de nossos pontos de vista e assim, a ampliação de nossos
horizontes. Como diz Richard Bernstein
187
, “ter um horizonte é não ser limitado
àquilo que é próximo mas ser capaz de mover-se para além disso”. Somos
jogadores-intérpretesdeste livro chamado “mundo” que nos é apresentado sob
a forma de linguagem. A temática da linguagem tornou-se relevante nesta
trajetória, na medida em que o fenômeno da linguagem articulou-se com o
movimento de jogar e compreender. Deste modo, A Linguagem em Gadamer
(capítulo 4), foi o tema tratado na terceira e última parte desta dissertação.
Tentamos mostrar que é constitutivo do jogo uma liberdade tal que
nenhum jogo é jogado duas vezes da mesma maneira e apesar dessa variedade é
ainda o mesmo jogo”
188
. Entrar nesse jogo é entregar-se a uma experiência de
liberdade (sem as amarras da subjetividade), condição sine qua non para que este
186
AB, p.45.
187
BERNSTEIN, Richard. Beyond Objectivism and Relativism, p.143, tradução minha.
188
WEINSHEIMER, Joel C. Idem, p. 104, tradução minha.
encontro com a verdade aconteça. O que nos interessa efetivamente é a
possibilidade de saltar sem medo, assim como Yves Klein
189
em sua performance,
deixando-se levar para um momento imprevisível, e ao mesmo tempo
enriquecedor, tal como Gadamer nos mostrou . Nas palavras de Rainer Maria
Rilke (1875-1926), reproduzidas por Gadamer,
Apanhar o que tu mesmo jogaste ao ar
Nada mais é que habilidade e tolerável ganho;
Somente quando, de súbito, deves apanhar a bola
Que uma eterna comparsa de jogo
Arremessa a ti, ao teu cerne, num exato
E destro impulso, num daqueles arcos
Do grande edifício da ponte de Deus:
Somente então é que saber apanhar é uma grande riqueza
Não tua, de um mundo.
*
189
Ver: Figura 1- Página 10- KLEIN, Yves. Salto no Vazio (Saut dans le vide), Performance, Rue
Gentil-Bernard Fontenay-aux-Roses, fotografado por Harry Shunk (1924-2006), Paris, 1961.
6
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SILVA JUNIOR, Almir. Estética e Hermenêutica: A Arte como Declaração de
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VATTIMO, Gianni. O Fim da Modernidade; niilismo e hermenêutica na
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Fontes, 1996.
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