15
a ciência significava a promessa de uma nova era para a humanidade
12
, talvez de
realização das utopias européias no mundo recém descoberto.
13
Essa foi a época
em que na Europa surgiram academias e sociedades onde estava sendo gerada a
Ciência.
14
Vieira era um jesuíta que, aos seis anos foi trazido para o Brasil onde estudou
e tornou-se um orador considerado brilhante em sua época. Mesmo que não fosse
um “homem da ciência”
15
, Vieira não deixou de se interessar pelos assuntos de seu
tempo. Além dos trabalhos e dos cargos que ocupou no Império Português, Vieira
mostrou interesse pelo conhecimento médico e, como era comum na Companhia de
Jesus, nas relações entre as paixões, o comportamento e a palavra (retórica).
Em vista destes interesses, conforme escreveu Marina Massimi, os sermões
eram, além de um meio de fazer circular os saberes teológicos e alguma informação
no século XVII, ferramentas para a modelagem de comportamento
16
a partir de uma
concepção aristotélico-tomista de moral.
Neste sentido, Vieira ocupa um lugar privilegiado. Além de pregar no Brasil,
pronunciou seus sermões na Europa. Estes sermões tratavam de vários temas de
seu tempo: a escravidão dos índios, a corrupção, as paixões, a tristeza, a morte, a
enfermidade.
Entre os diversos sentidos que utilizou a palavra enfermidade está o mal-estar
que toma o corpo e gera seus efeitos na alma e no comportamento. Sendo assim,
encontramos em Vieira uma fonte para a pesquisa histórica a respeito das matrizes
do pensamento psicológico construído no Brasil.
12
Ana Maria Alfonso-Goldfarb, O que é História da Ciência. (São Paulo: Ed. Brasiliense, 1994), p. 45
13
Ver, por exemplo, “A Nova Atlântida” de Francis Bacon, obra póstuma publicada no ano de 1627;
publicada e traduzida para o latim por William Rawley. Conforme escreve José Aluysio Reis de
Andrade na introdução do volume “Os Pensadores” dedicado a Bacon: “A principal idéia dessa
pequena obra inacabada de Bacon é a de que a harmonia e o bem-estar dos homens repousam no
controle científico alcançado sobre a natureza e a consequente facilitação vida em geral.”
14
Ana Maria Alfonso-Goldfarb, O que é História da Ciência, p. 45
15
Certa vez, uma colega, após minha exposição dos objetivos deste trabalho, perguntou-me: “Você
está dizendo que Vieira era um homem da ciência?”. Eu respondi que não, e que talvez este termo
nos causasse diversos problemas, pois a partir dele imaginamos um clara separação ao longo do
tempo entre o conhecimento que chamamos de científico, a filosofia e os saberes religiosos. Um
exemplo desta complicação são os estudos do jesuíta Athanasius Kircher que entre diversos
interesses escreveu sobre medicina (dedicou um texto sobre a peste e propôs uma teoria dos
miasmas apoiada no conhecimento médico da época), sobre vulcões e astronomia. Como
mencionamos Descartes acima, uma de suas máximas é “obedecer as leis e os costumes de meu
país, mantendo na religião na qual Deus me concedera a graça (...)”. Discurso Sobre o Método,
Terceira Parte. Francis Bacon também seria um exemplo disso, mas deixemos ao leitor a tarefa de
aprofundar estas questões conforme seu interesse.
16
Marina Massimi, “Alimentos, palavras e saúde (da alma e do corpo), em sermões de pregadores
brasileiros do século XVII”. In: História, Ciência, Saúde – Manguinhos, 13 (2,2006), pp. 253-270