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constituída de uma forma, ou um de caráter definido, como a que estava
implícita no fato de ser, quer éter, fogo, água ou terra
108
.
No que se refere aos seres vivos, o corpo correspondia à matéria ou ao
substrato do ser vivo; e a alma, representava o princípio da vida, sua causa
formal ou essência. Como na concepção aristotélica matéria e forma não
podiam existir separadamente, os seres vivos eram necessariamente
orgânicos, no sentido de serem dotados de órgãos ou instrumentos que
desempenhavam alguma função importante para a vida
109
.
Aristóteles definia a alma de seguinte forma: “[a alma] deve ser a
substância, no sentido da forma, de um corpo natural que tenha vida
potencialmente dentro dele. Mas tal substância é atualidade, e por isso, a alma
é a atualidade de um corpo”
110
.
Segundo essa definição, um ser vivo podia possuir vida, mas não
desempenhar as suas funções vitais, da mesma forma que ocorre com uma
pessoa que está adormecida: ela está viva (potencialidade), mas ela não está
exercendo toda sua vitalidade (atualidade)
111
.
A esse respeito, por um lado, Ross explica que Aristóteles era
influenciado pela expressão comum em grego para designar “ser vivo” e “corpo
animado”, onde “animado” designava um atributo distintivo de, no mínimo, se
auto-nutrir, quer seja ou não acompanhado das outras faculdades que
distinguiam os seres vivos superiores dos inferiores. Por outro, Peck aponta a
relevância da questão sobre “a alma consistir na ‘realização’ do corpo do
animal provido de órgãos”, sob o aspecto da causa final. Assim, para
Aristóteles, o corpo existia para o bem da alma, ou seja, a alma era a causa
final do corpo. Considerando esse ponto de vista, era porque o homem tinha
mãos que ele era o mais inteligente dos animais, exemplifica Peck, e não o
contrário. A alma era, então, “anterior” ao corpo, e este era de maneira tal,
108
Ross, Aristóteles, p. 78. Em relação à forma, Ross comenta que este termo abarca uma
série de significados para Aristóteles. Por vezes ele usava esse termo para designar o modelo
sensível, como um escultor que impõe nova forma a seu material. Porém, ele afirma que
Aristóteles, na maior parte das vezes, talvez pensasse na forma como algo que fosse mais um
objeto de pensamento do que dos sentidos, como a natureza íntima de uma dada coisa
expressa na sua definição: o plano da sua estrutura inteligível, um elemento fundamental na
noção aristotélica.
109
Martins & Martins, “Uma leitura biológica do ‘De Anima’ de Aristóteles”, p. 410.
110
Aristóteles, De anima, livro II, cap. 1, 412 a 19 - 412 a 23, trad. J. A. Smith.
111
Martins & Martins, “Uma leitura biológica do ‘De Anima’ de Aristóteles”, p. 417.