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manifestamente que não há quaisquer indícios concludentes,
nem marcas assaz certas por onde se possa distinguir
nitidamente a vigília do sono , que me sinto inteiramente
pasmado: e meu pasmo é tal que é quase capaz de me
persuadir de que estou dormindo”. (DESCARTES, 1979, p. 86).
Eis a dúvida hiperbólica de Descartes: posso seguir duvidando a
respeito das evidências científicas até então disponíveis, pois “quem pode me
garantir que 2+2=4? Quem garante que tal resultado a que chego não pode ser
inspiração de um gênio maligno que deseja me enganar?” (VERGEZ E
HUISMAN, 1988, p.
148-149). Na seqüência posso duvidar da existência de
Deus e de minha própria existência. Todavia, de todas as possibilidades de
suspensão do juízo, existe uma coisa que não permite dúvida: ainda que tudo o
que penso seja falso e que um demônio queira enganar resta uma certeza.
“Mais eu me persuadi de que nada existia no mundo, que não
havia nenhum céu, nenhuma terra, espíritos alguns (sic), nem
corpos alguns: não me persuadi também, portanto, de que eu
não existia? Certamente não, eu existia sem dúvida, se é que
eu me persuadi, ou, apenas, pensei alguma coisa. Mas há
algum, não sei qual, enganador mui poderoso e mui ardiloso
que emprega toda sua indústria em enganar-me sempre. Não
há, pois, dúvida alguma de que sou, se ele me engana; e, por
mais que me engane não poderá jamais fazer com que eu
nada seja, enquanto eu pensar ser alguma coisa”.
(DESCARTES, 1979, p. 92).
Nâo há dúvida da certeza do eu pensante mesmo que este coloque em
dúvida o próprio eu pensante. Posso colocar em duvida as coisas sobre as
quais penso, mas não posso duvidar do ato de duvidar. “[...] cumpri enfim
concluir e ter por constante que esta proposição, eu sou, eu existo, é
necessariamente verdadeira todas as vezes que a enuncio ou que a concebo
em meu espírito.”
(DESCARTES, 1979, p. 92).
Não posso duvidar que de fato
esteja duvidando e dessa certeza posso então concluir o cogito, ergo sum, isto
é, “Eu sou, eu existo”.
(DESCARTES, 1979, p. 94).