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SANDRA CATHARINNE PANTALEÃO RESENDE
RUGOSIDADES URBANAS EM LONDRINA:
DESCOMPASSOS SOCIOAMBIENTAIS NA APROPRIAÇÃO
DOS CORPOS D’ÁGUA
Dissertação de Mestrado em Geografia
linha de pesquisa em Dinâmica Ambiental,
apresentado ao Departamento de
Geociências da Universidade Estadual de
Londrina, para obtenção do grau de Mestre.
Orientador: Profª. Drª. Yoshiya Nakagawara
Ferreira
LONDRINA
2010
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Catalogação elaborada pela Divisão de Processos Técnicos da Biblioteca Central da
Universidade Estadual de Londrina.
Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)
R433r Resende, Sandra Catharinne Pantaleão.
Rugosidades urbanas em Londrina: descompassos socioambientais na
apropriação dos corpos d’água / Sandra Catharinne Pantaleão Resende.
Londrina, 2010.
281 f. : il.
Orientador: Yoshiya Nakagawara Ferreira.
Dissertação (Mestrado em Geografia) – Universidade Estadual de Londrina,
Centro de Ciências Exatas, Programa de Pós-Graduação em Geografia, 2010.
Inclui bibliografia.
1. Geografia urbana – Teses. 2. Cidades e vilas Águas subterrâneasTeses.
3. Planejamento urbano Teses. 4. Cidades e vilas Cursos de água Teses. 5. Recursos
dricos Desenvolvimento Teses. I. Ferreira, Yoshiya Nakagawara. II. Universidade
Estadual de Londrina. Centro de Ciências Exatas. Programa de Pós-Graduação em
Geografia. III. Título.
CDU 911.3::711
SANDRA CATHARINNE PANTALEÃO RESENDE
RUGOSIDADES URBANAS EM LONDRINA:
DESCOMPASSOS SOCIOAMBIENTAIS NA APROPRIAÇÃO
DOS CORPOS D'ÁGUA
Dissertação de Mestrado em Geografia
linha de pesquisa em Dinâmica Ambiental,
apresentado ao Departamento de
Geociências da Universidade Estadual de
Londrina, para obtenção do grau de Mestre.
BANCA EXAMINADORA
____________________________________
Profª. Drª. Yoshiya Nakagawara Ferreira
(Orientadora)
Universidade Estadual de Londrina
____________________________________
Profª. Drª. Marta Adriana Bustos Romero
Universidade de Brasília
____________________________________
Profª. Drª. Rosely Sampaio Archela
Universidade Estadual de Londrina
Londrina, verão/2010
A Paulo e Aurea,
por lançarem-me em meus sonhos;
Ao Vitor,
pelo apoio incondicional em concretizá-los;
Aos utopistas e idealistas,
pela ousadia e inovação;
vi
AGRADECIMENTOS
Um trabalho de pesquisa, seja em qualquer área de conhecimento, em qualquer
nível de especialização, não se realiza sem dedicação, colaboração, sensibilidade e esforço coletivo.
Por isso mesmo, não poderia deixar de registrar meus sinceros agradecimentos àqueles que
permitiram a viabilidade e a concretização dessa etapa na minha vida profissional.
São inúmeras as pessoas responsáveis por este trabalho, apesar de nem sempre
seus créditos estarem tão explícitos ao longo da pesquisa. Nem sempre pude agradecê-los pelo
incentivo que direta ou indiretamente foram essenciais ao longo do percurso de construção desta
pesquisa.
Acima de tudo, agradeço a Deus pela sua supremacia e providência,
manifestando-se nos momentos de angústia, ao encher meu coração de forças para não desistir de
enfrentar os infortúnios, além de permitir que situações delicadas fossem momentos de
amadurecimento e revigoramento para seguir em frente. Sua proteção e amabilidade fortaleceram o
compromisso, acima de quaisquer obstáculos que, insistentemente, colocavam-se como provações
da minha capacidade de alcançar os objetivos traçados. Sem dúvida, a fé e a crença foram elementos
decisivos: Obrigada, Pai!
Se hoje sou uma flecha lançada ao mundo e pude trilhar um caminho de estudos
longínquo, passando por duas graduações, três especializações e, enfim, o Mestrado, a
responsabilidade é fundamentalmente de duas pessoas que abdicaram, muitas vezes, de seus
sonhos, de seus projetos de vida, renunciando-os em favor de suas pequenas criaturazinhas. Ao meu
pai, Paulo Sérgio Pantaleão, pelos esforços em oferecer a melhor educação que poderia,
sacrificando-se para conseguir a realização de um sonho meu: ser arquiteta. A minha mãe, Aurea de
Souza Pantaleão, pelos cuidados e preocupações das noites mal dormidas, dos últimos 8 anos.
Obrigada mãe, pela parceria mais constante que passamos a ter.
Não poderia também deixar de agradecer ao meu companheiro de vida, Vitor
Hugo Martins Resende, incentivador dos meus sonhos. Diria que, mais ainda, pela sua alma nobre e
plena compreensão da necessidade que tive em ausentar-me do seu convívio ao longo dos dois
últimos anos, em favor das questões profissionais entre a docência universitária e o
desenvolvimento da dissertação de mestrado. Sua confiança, suas palavras amigas e sua disposição
em resolver os imbróglios que surgiram ao longo dessa jornada, permitiram que houvesse mais
oxigênio para que chegasse até aqui com fôlego renovado. Obrigada pela saudade!
Yoshiya Nakagawara Ferreira, mais do que uma orientadora, uma amiga, uma
pessoa incrível, calma, tranquila que soube delinear muito bem o desenvolvimento desta pesquisa.
Não pela sua dedicação e empenho ao me apresentar as pessoas que poderiam contribuir para o
meu trabalho, mas também pela sua paciência, pela sua amabilidade que proporcionaram momentos
alegres e muito construtivos ao longo das pesquisas de campo, das reuniões em sua casa e das
entrevistas que fizemos. O aprendizado não foi apenas acadêmico, foi também de vida, pois sua
experiência e serenidade, ante ao mundo, não me deixaram desistir desta jornada, nem mesmo pelos
problemas mais amargos que tivemos que enfrentar, o que nos tornou mais próximas ainda. Serei
eternamente grata pela receptividade que teve comigo, uma forasteira e, mais ainda, por ter confiado
a mim um trabalho tão delicioso e apaixonante: a cidade e as águas.
Em seguida, agradeço a todas as pessoas que permitiram a concretização das
pesquisas, seja pela doação de materiais, disponibilização de documentos históricos, seja pelo
trabalho hábil e da memória de muitos anônimos que construíram a fisionomia da cidade de Londrina.
Agradeço, especialmente, aos motoristas José Airton e Divino, os quais foram fundamentais nas
pesquisas de campo – destacando o apoio do setor de transportes da UEL.
Registro com gratidão a colaboração dos funcionários do departamento de
Geociências da Universidade Estadual de Londrina, bem como aos préstimos da Biblioteca, na qual
mergulhei em muitas viagens, buscando entender a própria construção da cidade de Londrina.
Ainda, reconheço o apoio e o trabalho de Vanda Moraes, da Secretaria de Cultura
de Londrina, ao permitir e disponibilizar o acesso aos documentos históricos, demonstrando as
intenções de preservação e constante resgate do patrimônio social e ambiental, ainda que não
devidamente reconhecidos.
Agradeço, especialmente, ao Engenheiro Rudolpho Horner, pelas entrevistas e
relatos das primeiras tentativas de dotar a cidade de infraestrutura urbana, notadamente quanto à
drenagem urbana. A sua memória está bem viva ao relatar os acontecimentos e vivências pessoais e
administrativas, quando ocupava destacados cargos na prefeitura de Londrina.
Agradeço, também, a colaboração de Adilson Nalin Luiz, funcionário da Secretaria
vii
Municipal do Ambiente de Londrina, pela disponibilização do trabalho, referente às Microbacias
hidrográficas urbanas de Londrina, Rio da Minha Rua.
A entrevista com o Arquiteto Humberto Tavares, do Instituto de Planejamento e
Pesquisa de Londrina, que forneceu informações importantes para a construção da pesquisa.
Algumas instituições merecem agradecimento incondicional: Universidade
Estadual de Londrina - UEL, a Coordenadoria de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
CAPES, e a Universidade Estadual de Goiás – UEG, pelas ações voltadas ao aprimoramento
profissional. Agradeço também a Fundação Araucária pelo auxílio financeiro, por meio de bolsa, ainda
que parcial, permitindo alguns investimentos na elaboração da presente pesquisa.
Aos eternos professores que sempre torceram e acreditaram em mim e no
desenvolvimento da pesquisa, mesmo distantes: Elane Ribeiro Peixoto, Adriana Mara Vaz de Oliveira,
Roberto Cintra Campos, Dalton Souza e Silva e Carlos Vaz de Campos. Aos professores da
especialização da UnB: Gabriela Tenório, que se tornou uma amiga nas horas mais difíceis deste
percurso; Marta Romero, pelo aprendizado e o bom humor; a Liza Andrade, pelos ensinamentos
acerca da sustentabilidade urbana. Outros importantes professores que estiveram presentes em
outros momentos, mas que foram decisivos para o meu ingresso no Mestrado: Antônio Carlos Zani e
Jorge Marão, ao me apresentar à Yoshiya Nakagawara Ferreira, a qual se mostrou aberta e
disponível para o trajeto pretendido. Em especial, a Otávio Yassuo Shimba, pelas importantes
observações no exame de qualificação e sua prontidão em apontar os caminhos ainda a percorrer. A
Rosely Archela, professora do Programa, cujas considerações também foram essenciais no exame
de qualificação.
Aos amigos que me apoiaram nos momentos mais difíceis e escutaram minhas
lamentações, minhas frustrações, meus medos, encorajando-me a superar as adversidades: Theresa
Milana Pantaleão, minha irmã de doces palavras e coração afável; à querida Clara Alice, nossa doce
menina, de verdades incontestáveis; Aline Anhesim, uma amiga sempre presente; Janaína de Oliveira
Neiva, pela depositada; Giulie Bellarguarda Flores, pelas longas conversas e horas de diversão;
Marcela Ruggeri, pela confiança e força, me amparando nos momentos de angústia; Vanessa
Guilhon, pelas conversas instantâneas e trocas de informações constantes; Ricardo Trevisan, pela
confiança e possibilidade de iniciar a carreira acadêmica. Lucas Jordano, um amigo recente, mas de
conversas animadas e pelo livro Jardim de Granito, entre outras recomendações bibliográficas.
Expresso a satisfação pela presença e cooperação de alguns alunos, que, por
vezes, assumiram o papel de amigos, dedicando também parte de seu tempo em reflexões,
escutando com entusiasmo minhas provocações em sala de aula, sempre pontuando o papel da
nossa profissão, atuando na construção, desconstrução e reconstrução das cidades. Foram a
jovialidade, os momentos de descontração que me animaram ao longo desta pesquisa. O constante
contato e troca de ideias na sala de aula, representavam desafios trazendo-me alegrias na
descoberta maravilhosa de “ser professora”.
Agradeço, em especial, a Elmar Rodrigo Vieira Macedo, um amigo entre os
inúmeros alunos envolvidos no processo de construção de algumas das reflexões aqui esboçadas,
pelas ilustrações, que deram mais expressividade às minhas palavras, pois seu traço expressa,
muitas vezes, mais explicitamente as próprias mensagens textuais a percepção de um eminente
arquiteto.
Jean Fogaça agradeço-lhe pela atenção dedicada aos desenhos de evolução da
cidade, tornando a análise mais legível e bem ilustrada, tão comum a nossa área: arquitetura e
urbanismo, mas que aqui ganharam feições e personalidades próprias.
Enfim, agradeço a todos as pessoas que, direta ou indiretamente, possibilitaram a
confecção deste material, tornando-se, de certa forma, coautores desta pesquisa.
Londrina, 26 de feveiro de 2010.
Sandra Catharinne P. Resende
viii
Diversa da dos trens
é a viagem que fazem os rios:
convivem com as coisas
entre as quais vão fluindo;
demoram nos remansos
para descansar e dormir;
convivem com a gente
sem se apressar em fugir.
(João Cabral de Melo Neto)
RESENDE, Sandra Catharinne Pantaleão. Rugosidades urbanas em Londrina:
descompassos socioambientais na apropriação dos corpos d’água. 2010. 281 f.
Dissertação (Mestrado em Geografia) Universidade Estadual de Londrina,
Londrina, 2010.
RESUMO
Compreender a evolução urbana, por meio dos caminhos construídos pela
civilização é o cerne da discussão deste trabalho, cujas reflexões se pautam no
processo da dinâmica de construção do ambiente urbano, tendo em vista que é, de
fato, o local de consolidação do habitat humano. O objeto de estudo é a cidade de
Londrina, que se constituiu no século XX, num momento em que era possível
prever a ocupação de determinadas áreas, especialmente pelos avanços da
historiografia urbana, ainda que esta não englobasse a problemática ambiental. É
por meio da apropriação e relação natureza e sociedade que a presente pesquisa se
estrutura, primeiramente, pela reflexão acerca do papel dos elementos naturais na
configuração do espaço e criação de territórios, tomando como objeto de estudo a
estruturação e o ordenamento de Londrina e as relações com as microbacias
urbanas, visto que seu processo de adensamento e crescimento urbano é dinâmico
e acelerado. Um dos fios condutores se ampara nas discussões da fenomenologia
existencialista do habitat de Heidegger, buscando a raiz e a essência da cidade,
entre os sistemas naturais, sociais e culturais. A reflexão para compreender o
processo de relação entre os corpos d’água e as atividades do homem na área
urbana e no seu entorno rural, regional e, até, a outros territórios, muitas vezes
invisíveis e distantes, pautou-se também em outras referências e metodologias, além
desse fio condutor, foram substanciais para apoiar muitos caminhos trilhados. Essas
análises se justificam pela necessidade de abordar a complexidade existente entre
homem e natureza elucidando os fatores fundamentais para que o diálogo entre
esses dois agentes de construção do ambiente urbano sejam inseridos nas
propostas de reversibilidade ambiental.
Palavras-chave: Natureza e Sociedade. Corpos d’agua urbanos. Habitat
heideggeriano. Reversibilidade ambiental. Planejamento urbano.
RESENDE, Sandra Catharinne Pantaleão. Urban Roughness in Londrina:
socioenvironmental mismatches in the appropriation by urban rivers. 2010. 281 f.
Dissertação (Mestrado em Geografia) Universidade Estadual de Londrina,
Londrina, 2010.
ABSTRACT
This study aims at understanding urban evolution through the story of civilization, and
it is based on the dynamics of the construction of human environment , considering
that this is, in fact, the consolidation of human habitat. The object of this study is the
city of Londrina, founded in the 20th century, when it was already possible to predict
the occupation of certain areas, specially for the advancements in urban
historiography, although not yet with an approach to environmental issues. This
research focuses on the relationship between nature and society: firstly, reflecting
over the role of the natural elements in the configuration of space and the creation of
new territories ; then, analysing the formation and organization of Londrina and the
connection of these two elements with urban rivers, considering that the process of
urban growth is dynamic and accelerated and does not always follow urban planning.
One of the leading theories that permeated this reseach was the existentialist
phenomenology of Heidegger, which searches the roots and the essence of the city
among natural, social and cultural systems.However, other methodologies and
references were also crucial towards the understanding of the process of the
relationship between rivers and humans activities in urban and surrounding rural
areas as well as other territories, many times invisible and distant.These tests are
justified by the need to address the existent complexity between humans and nature,
elucidating the fundamental factors, so that the dialogue between these two agents
of contruction of the urban environment is inserted in the proposal of environmental
reversibility.
Keywords: Nature and Society.Urban rivers. Habitat heideggeriano. Environmental
Reversibility and Urban Planning.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1: Mapa Localização de Londrina - área urbana. Fonte: IPPUL, 2007; ITCG, 2008 e Imagem
Google Maps, 2008. Org. Pantaleão, 2010........................................................................................... 51
Figura 2: Limites territoriais do Município de Londrina, destacando a área urbana (em vermelho) e
localização dos seus distritos. Fonte: IPPUL, 1997. Org. Pantaleão, 2010. ........................................ 51
Figura 3: Mapa Climático do Brasil. Fonte: http://www.guianet.com.br/brasil/mapaclima.htm, acesso
em 20/03/08........................................................................................................................................... 52
Figura 4: Temperatura Máxima Média Anual, entre 1976 e 2005. ....................................................... 52
Figura 5: Precipitação (em mm), com médias mensais, para um período de 10 anos. ....................... 53
Figura 6: Umidade Relativa do Ar, com médias mensais, para um período de 10 anos. Fonte: IAPAR,
2005. Org. Pantaleão, 2008.................................................................................................................. 53
Figura 7: Mapa Hipsométrico de Londrina............................................................................................ 54
Figura 8: Carta de direção e velocidade dos ventos de superfície de Londrina/PR............................. 54
Figura 9: Microbacias Hidrográficas do Município de Londrina............................................................ 56
Figura 10: Microbacias Hidrográficas do Município de Londrina. Fonte: IPPUL, 2005. Org. Pantaleão,
2010....................................................................................................................................................... 56
Figura 11: Remanescentes da Mata Nativa.......................................................................................... 57
Figura 12: Cidades a Noite, vistas do Espaço. Fonte: NASA, 2000..................................................... 65
Figura 13: esquematização do conceito de lugar para Tuan. Fonte: elaborado pela autora, 2010..... 70
Figura 14: Esquematização do conceito de Norberg-Schulz sobre o lugar, respaldado na
fenomenologia existencialista de Heidegger. Fonte: elaborado pela autora, 2010.............................. 71
Figura 15: Localização das primeiras civilizações. Fonte: Benévolo (2001, p.25)............................... 77
Figura 16: Vale do Rio Nilo. A civilização egípcia dividia o território em Cidade dos Vivos direita) e
Cidade dos Mortos esquerda), tendo o Rio Nilo como referência de orientação. A cidade dos
Mortos era a verdadeira cidade para os egípcios, implantadas na parte mais alta da planície,
impedindo que se perdessem no tempo. Fonte: elaborado pela autora, 2009. ................................... 78
Figura 17: Babilônia. Disposição dos templos na margem do Rio Eufrates, que eram protegidos pelos
jardins suspensos, os quais funcionam como barreira e proteção. Apropriação das margens ao longo
dos rios para construção dos “jardins suspensos”. Fonte: elaborado pela autora, 2009..................... 78
Figura 18: Localização de Atenas em relação ao Mar Egeu. Fonte: www.flirck.com.br....................... 81
Figura 19: Limite físico da cidade e elementos naturais. Fonte: Pantaleão et. al., 2009. .................... 81
Figura 20: Distribuição dos templos e relação topográfica. Elevação do tempo e distribuição dos
elementos para exaltar a posição de destaque. Adequação a topografia, inserção da natureza na
paisagem antropizada. Fonte: Pantaleão et. al., 2009. ........................................................................ 81
Figura 21: Racionalidade e organização do espaço por funções. Espaço Sagrado, elemento mais
importante em destaque, seguido pela Ágora. Habitação pouca importância. Fonte: Pantaleão et. al.,
2009....................................................................................................................................................... 81
Figura 22: Cidade de Mileto localizada na foz do Rio Meandro. Fonte: Pantaleão et. al., 2009.......... 82
Figura 23: Princípio da grela, adaptado à topografia, com localização dos espaços públicos em pontos
menos planos. Fonte: Pantaleão et. al., 2009....................................................................................... 82
Figura 24: Zoneamento de Mileto, com identificação das zonas comercial, civil e religiosa. Muralha,
elemento de defesa. Fonte: Pantaleão et. al., 2009 ............................................................................. 82
Figura 25: Cidade de Olinto adequação da malha ortogonal à topografia. Fonte: Morris, (2001, p.
76) ......................................................................................................................................................... 83
Figura 26: Cidade de Priene apropriação da parte mais elevada do sítio e distribuição da grelha no
sentido das curvas. Fonte: Morris (2001, p. 83).................................................................................... 83
Figura 27: Aquedutos romanos: solução de engenharia hidráulica para abastecimento das colônias.
Sistema porticado em arcos plenos e alvenaria. Predomínio sobre a paisagem. Fonte:
www.flirck.com.br .................................................................................................................................. 86
Figura 28: Detalhe da calha condutora da água para abastecimento das cidades. Fonte:
www.flirck.com.br .................................................................................................................................. 86
Figura 29: Esquema do desenho urbano de Roma.............................................................................. 88
Figura 30: Carcassone. Bastide Francesa. Fonte, Morris (2001, p. 156)............................................. 88
Figura 31: cidades medievais e adequação às preexistências e aos fatores culturais. Morris, 2001.. 90
Figura 32: “Cidades Ideais”. Fonte: Lamas (2000, p. 178)................................................................... 91
Figura 33: Planta do Palácio de Versalhes........................................................................................... 93
Figura 34: Croqui em perspectiva do Palácio do Louvre...................................................................... 93
Figura 35: Parc de Voux. Destaque para o edifício residencial, cercado por jardins geométricos. ..... 93
Figura 36: Intervenção em Paris Às margens do Rio Sena. Museu do Louvre.................................... 93
Figura 37: Retificação do traçado medieval. Plano de Hausmmann, Paris, sec. XIX.......................... 95
Figura 38: Presença dos corpos d’água nas cidades, configurando-se como elemento de organização
espacial. Fonte: Mello (2008, p. 110).................................................................................................. 103
Figura 39: Mapa Geral da Província do Paraná, 1876. Destaque para o norte paranaense:
“desabitado”......................................................................................................................................... 108
Figura 40: Mapa Viário do Paraná destaque para as ferrovias e caminhos existentes no território, em
1908. Apenas a porção noroeste era povoada, com pequenos núcleos próximos a São Paulo. Fonte:
ITCG, 2009.......................................................................................................................................... 108
Figura 41: Mapa do Estado do Paraná localização das cidades, vilas, povoamentos e
assentamentos indígenas. Na região entre os Rios Tibagi e Ivaí não nenhum registro dessas
localidades. Fonte: ITCG, s/d.............................................................................................................. 108
Figura 42: Mapa do Estado do Paraná, de 1919................................................................................ 112
Figura 43: Esquema de localização das ferrovias existentes (linha tracejada) e futuros
prolongamentos (pontilhada). Posição da região em relação a Capital do Brasil - Rio de Janeiro, São
Paulo, Santos e Curitiba. Fonte: National Archives, 1934.................................................................. 112
Figura 44: Linha férrea a partir de Ourinhos, até Jatahy. Passando pela região nordeste do Paraná,
com destaque às cidades Cambará, Bandeirantes, Santa Mariana, Cornélio Procópio e Jatahy, para
implantação das estações de parada. Destaque a rede hídrica da região. Fonte: National Archives,
1934..................................................................................................................................................... 112
Figura 45: Estado do Paraná com delimitação da área total colonizada pela CTNP e CMNP. Fonte:
CMNP, 1975. Org. Pantaleão, 2010 ................................................................................................... 112
Figura 46: Estado do Paraná com delimitação da área total colonizada pela CTNP e CMNP. Fonte:
CMNP, 1975. Org.: Pantaleão, 2010. ................................................................................................. 112
Figura 47: Estrada de Rodagem para prolongamento da estrada de ferro.Org. Pantaleão, 2010..... 112
Figura 48: Área situada entre os Rios Ivaí e Tibagi, planalto Apucarana: área escolhida pela CTNP
para seu projeto imobiliário. Mapa elaborado pelo Estado do Paraná, em 1919, destacando o relevo e
a hidrografia e as vias de circulação Fonte: ITCG, 2009. Org.: Pantaleão, 2009. ............................. 113
Figura 49: Vale dos Rios Tigres e Eufrates, Mesopotâmia: berço da civilização ocidental. .............. 114
Figura 50: Parcelamento da área rural, com limites entre as vias e os corpo d'água. A direita e no alto,
núcleo urbano de Londrina. Fonte: CMNP, 1975................................................................................ 116
Figura 51: Perfil esquemático do parcelamento da área rural. Fonte: CMNP, 1975.......................... 116
Figura 52: Organização Regional e distribuição dos núcleos urbanos: Londrina, Nova Dantzig
(Cambé), Rolândia, Arapongas, São Pedro, Lovat, Marialva, Sarandi e Maringá. A linha férrea é o
elemento estruturador da organização regional, situado na cota mais elevada, entre as nascentes dos
rios e córregos que constituem as bacias hidrográficas da região. Fonte, IPPUL, 1995................... 118
Figura 53: Planta parcial da Colonização da CTNP. A divisão das glebas foi orientada pelo divisor das
Microbacias hidrográficas. Os lotes assemelham-se a faixas estiradas entre o espigão e o fundo de
vale. Fonte: Museu Histórico, 2007. Org. Pantaleão, 2010................................................................ 120
Figura 54: Parcelamento urbano de Londrina..................................................................................... 125
Figura 55: Numeração das quadras de Londrina. Fonte: Pantaleão, 2005........................................ 125
Figura 56: Estradas de rodagem e núcleo urbano de Londrina.......................................................... 125
Figura 57: Localização do núcleo urbano em relação às Microbacias............................................... 126
Figura 58: Relação entre traçado de Londrina e topografia elemento definidor dos limites iniciais da
cidade e de sua configuração espacial............................................................................................... 127
Figura 59: Microbacia do Ribeirão Cambé. Vertente norte perfil mais plano e suave........................ 129
Figura 60: Microbacia do Ribeirão Jacutinga. Vertente sul do Ribeirão Quati com perfil mais plano e
suave................................................................................................................................................... 129
Figura 61: Posição do núcleo original em relação às microbacias hidrográficas............................... 129
Figura 62: Relação entre topografia e cursos d’água na definição dos limites do traçado inicial...... 136
Figura 63: Quadrilátero central de Londrina, com principais elementos urbanos da paisagem atual
sem escala. Org. Pantaleão, 2008...................................................................................................... 141
Figura 64: Ocupação Urbana de Londrina 1939. As quadras ocupadas se concentravam nos eixos
da Avenida Paraná, Rio de Janeiro, São Paulo e Uruguai................................................................. 143
Figura 65: Expansão Urbana década 1930. Traçado urbano de Razgulaeff de Londrina e Heimtal
(preto) e prolongamento do traçado ortogonal a norte (roxo)............................................................. 145
Figura 66: Expansão da ocupação, com novos loteamentos nas áreas rurais, na década de 1940. 146
Figura 67: Ocupação das quadras: proporção aproximada entre suas dimensões. Lotes com frente
para os quatro lados............................................................................................................................ 146
Figura 68: Aerofotogrametria de 1949 com sobreposição dos elementos estruturadores do espaço
urbano de Londrina: ferrovia (amarelo), rodovia (vermelho) e traçado urbano ortogonal (branco).
Fonte: Bortolotti, 2007. Org. Pantaleão, 2010..................................................................................... 149
Figura 69: Esquema da proposta de Prestes Maia para Londrina. Fonte: Lima, 2000...................... 155
Figura 70: Vista Parcial Jardim Shangri-lá, projetado por Jorge Macedo Vieira. Linhas sinuosas, áreas
públicas e lotes alongados. Fonte: Bortolotti (2007, p. 89)................................................................. 156
Figura 71: Ocupação no sentido NO-SE. Novos loteamentos menos rígidos que o desenho do traçado
de Razgulaeff de 1934. Implantação do aeroporto sobre o espigão a sudeste. ................................ 157
Figura 72: Proposta de composição da paisagem urbana de Londrina, com limites bem definidos: a
norte, a ferrovia e a sul, o Lago Igapó. Fonte: Situação 66, 1966...................................................... 161
Figura 73: Evolução década de 1960. Ocupação das vertentes esquerda do Ribeirão Cambé e direita
do Ribeirão Quati, margeando os fundos de vale. Loteamentos fragmentados fora dessas duas áreas,
com mais concentração a NO e pontual a N e SE.............................................................................. 162
Figura 74: Rede de abastecimento de água. Fonte: Situação 66(1966)............................................ 163
Figura 75: Rede de Esgoto Sanitário. Fonte: Situação 66 (1966)...................................................... 163
Figura 76: Macrozoneamento de Londrina, indicando as principais atividades. Fonte: Asplan, 1968.
............................................................................................................................................................. 165
Figura 77: Esquema da estrutura urbana de Londrina. Fonte: Asplan, 1968..................................... 166
Figura 78: Croqui de Rudolpho Horner para as marginais dos fundos de cale e a faixa sanitária como
elemento compositivo da paisagem urbana........................................................................................ 168
Figura 79: Áreas Previstas no Programa Setorial de áreas verde proposto pela Asplan (1968), como
complemento ao Plano Diretor de Londrina........................................................................................ 169
Figura 80: Densidade demográfica por setor censitário. Fonte: Codem, 1966.................................. 175
Figura 81: Localização dos Cincos Conjuntos do Setor Norte de Londrina, situado na margem direita
do Ribeirão Jacutinga.......................................................................................................................... 178
Figura 82: Evolução Urbana de Londrina, de 1930 a 1970................................................................ 181
Figura 83: Formação do Setor Norte, partindo do espigão (Atual Avenida Saul Elkind) em direção ao
Ribeirão Lindoia com a implantação de loteamentos privados........................................................... 183
Figura 84: Limites de expansão urbana por décadas: em verde, área de expansão urbana definida
pelo Plano Diretor de 1968. Em amarelo, ocupação posterior a 1960 até meados dos anos 1970.
Fonte: PML, 1978................................................................................................................................ 184
Figura 85: Relação entre traçado dos Cinco Conjuntos, topografia................................................... 186
Figura 86: Caracterização das quadras dos cinco conjuntos: predomínio do parcelamento longitudinal:
remanescente dos lotes rurais da CTNP. ........................................................................................... 186
Figura 87: Evolução 1930 1980, com destaque as vias arteriais de ligação entre a área central e o
setor norte. .......................................................................................................................................... 187
Figura 88: vias Estruturais no sentido norte-sul: ligação entre Setor Norte e Centro......................... 191
Figura 89: Vista a partir do trevo da Avenida Saul Elkind espigão entre os Ribeirões Lindoia e
Jacutinga. Ao fundo: verticalização do centro da cidade circunscrito pela ocupação rarefeita e
dispersa do Setor Norte, onde predomina a horizontalidade.............................................................. 191
Figura 90: Vista panorâmica a partir da Av. Saul Elkind. Conjuntos Habitacionais caracterização da
ocupação da microbacia do Ribeirão Jacutinga e seus afluentes...................................................... 191
Figura 91: vista da vertente esquerda do Ribeirão Lindoia. Segundo plano: divisor de águas – Avenida
Tiradentes/Celso Garcia Cid............................................................................................................... 191
Figura 92: Avenida 10 de dezembro e Setor Norte, ao fundo. ........................................................... 191
Figura 93: Ocupação da Microbacia Jacutinga usos residenciais e diferentes promotores; 1.
Ocupação por políticas públicas; 2. Ocupação por promotores imobiliários; 3. Permanência das
atividades rurais e 4. Ocupações irregulares...................................................................................... 195
Figura 94: Prolongamento da Avenida Higienópolis e reurbanização do Lago Igapó........................ 200
Figura 95: Zoneamento de 1974. Fonte: PML, 1978.......................................................................... 202
Figura 96: Microbacia do Ribeirão Esperança, delimitação e localização na área urbana e perfil de
suas vertentes..................................................................................................................................... 208
Figura 97: Elementos estruturadores do Setor Sul, com destaque para os eixos viários que
possibilitaram a interligação com a área central [tecido urbano consolidado], tornando-se, de certa
forma, um tecido contínuo, devido ao caráter especulativo e a atuação do setor público em prol dos
agentes privados. Elementos característicos: Catuaí Shopping Center e condomínios fechados de alto
padrão. Paisagem rarefeita e espraiada............................................................................................. 212
Figura 98: Vista aera Catuaí Shopping Center. Ao fundo, edifícios da Gleba Palhano. Desenho: Elmar
Vieira, 2010. ........................................................................................................................................ 212
Figura 99: Catuaí Shopping Center - vista aérea frontal: à direita Carrefour; ao fundo à direita -
Empreendimentos Royal; à esquerda - AlphaVille Londrina. Fonte: Catuaí Shopping. Administração,
abr. 2005. ............................................................................................................................................ 212
Figura 100: Localização dos condomínios fechados e caracterização da microbacia do Ribeirão
Esperança. Fonte: Semima, 2007....................................................................................................... 212
Figura 101: novos elementos de estruturação da paisagem pólos de crescimento e consolidação do
Setor Sul: 1. Catuaí Shopping Center; 2. Empreendimentos Teixeira & Holzmann e 3.condomínios
fechados para classe média-média. ................................................................................................... 213
Figura 102: Área da Fazenda Palhano............................................................................................... 214
Figura 103: Mapa de Zoneamento de Londrina, 1984. Fonte: Ippul, 2010. ....................................... 216
Figura 104: .......................................................................................................................................... 217
Figura 105: Lago Igapó 1 e ao fundo, processo de verticalização de suas margens na Gleba Palhano.
Desenho: Elmar Vieira, 2009. ............................................................................................................. 220
Figura 106: Evolução e expansão Urbana de Londrina, 1930 – 1990................................................ 222
Figura 107: Evolução e expansão Urbana de Londrina, 1930 – 2000................................................ 223
Figura 108: Inserção de condomínios residenciais fechados na área rural. Desenho: Elmar Vieira,
2010..................................................................................................................................................... 225
Figura 109: Gleba Esperança. Org. Pantaleão, 2010......................................................................... 226
Figura 110: Macrozoneamento Urbano de Londrina. Fonte: IPPUL, 1998......................................... 242
Figura 111: Esquema volumétrico da área central de Londrina, como primeiro ponto de formação do
tecido urbano da cidade, com destaque aos equipamentos e espaços públicos no eixo central do
tabuleiro xadrez, sendo em vermelho a marcação da Igreja Matriz, ladeada por espaços públicos
praça e bosque. Paisagem urbana décadas 1940 a 1960. Desenho: Jean Fogaça, 2010................ 250
Figura 112: Esquema volumétrico da paisagem urbana de Londrina, em meados da década de 1990
e início dos anos 2000, marcando a expansão no vetor Sul, com crescimento contínuo, em relação a
Área Central, notadamente com a instalação do Catuaí Shopping Center na vertente esquerda do
Ribeirão Esperança, induzindo o adensamento da antiga área “Fazenda Palhano”. Ao mesmo tempo,
destaque para a verticalização do tecido histórico, com transformações já consolidadas nesse mesmo
período, conformando uma cidade mais compacta e vertical ao centro, rodeada pelo tecido mais
espraiado e horizontal. Desenho: Jean Fogaça, 2010. ...................................................................... 250
Figura 113: Crescimento em extensão sobre a Microbacia do Ribeirão Cambé, tendo o Lago Igapó
como barreira ao crescimento e, até mesmo, limite. Ao fundo, a transposição da ferrovia, que passa
de limite à pólo de crescimento, induzindo a ocupação de parte da Microbacia do Ribeirão Jacutinga.
Paisagem urbana décadas 1960 a 1970. Desenho: Jean Fogaça, 2010........................................... 250
Figura 114: transposição das barreiras anteriores, tornando o Lago Igapó e a a ferrovia pólos de
crescimento. Ao fundo, em vermelho, a início da ocupação da Microbacia do Ribeirão Jacutinga,
engendrada pelas ações governamentais, com financiamento do BNH para a construção de conjuntos
habitacionais de baixa renda. Paisagem Urbana décadas 1970 a 1980. Desenho: Jean Fogaça, 2010.
............................................................................................................................................................. 250
Figura 115: Análise Urbana, década de 1930 com os elementos de estruturação urbana................ 251
Figura 116: Análise Urbana, década de 1940 com os elementos de estruturação urbana................ 252
Figura 117: Análise Urbana, década de 1950 com os elementos de estruturação urbana................ 253
Figura 118: Análise Urbana, década de 1960 com os elementos de estruturação urbana................ 254
Figura 119: Análise Urbana, década de 1970 com os elementos de estruturação urbana................ 255
Figura 120: Análise Urbana, década de 1980 com os elementos de estruturação urbana................ 256
Figura 121: Análise Urbana, década de 1990 com os elementos de estruturação urbana................ 257
Figura 122: Análise Urbana, dos anos 2000 com os elementos de estruturação urbana.................. 258
Figura 123: Caracterização do tecido urbano e relação com bacias hidrográficas............................ 261
Figura 124: Elementos da estrutura urbana de Londrina. Fonte: Acervo da autora, 2009................. 262
Figura 125: Verticalização da Vertente direita do Ribeirão Cambé em direção a microbacia do
Ribeirão Esperança, criando continuidade com a área central. Presença de vazios urbanos e
atividades rurais. Org. Pantaleão, 2010.............................................................................................. 264
Figura 126: Ribeirão Quati, residências, ocupações irregulares e qualidade da água. Org.
Pantaleão, 2010. ................................................................................................................................. 265
LISTA DE ABREVIATURAS
ASPLAN Assessoria em Planejamento S.A.
BNH Banco Nacional de Habitação
COHAB-LD Companhia de Habitação de Londrina
CTNP Companhia de Terras Norte Paranaense
CURA Projeto de Comunidade Urbana para Recuperação Acelerada
FGTS Fundo de Garantia por Tempo de Serviço
FRIDEN Frente Integrada de Desenvolvimento
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatístca
IPARDES Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social
IPPUL Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Londrina
ITCG Instituto de Terras, Cartografia e Geociências
PDDI Plano de Diretor de Desenvolvimento Integrado
PEDU Progama de Desenvolvimento Urbano
PLANASA Plano Nacional de Saneamento
PML Prefeitura Municipal de Londrina
SERFHAU Serviço Federal de Habitação e Urbanismo
SFH Sistema Financeiro de Habitação
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
17
CAPÍTULO
1
21
PERCURSO E CONSTRUÇÃO DA PESQUISA
1
PALAVRAS
INICIAIS
22
1.1 J
USTIFICATIVA DA PESQUISA
25
1.2 O
BJETIVOS
28
1.2.1 Objetivo Geral
27
1.2.2 Objetivos Específicos
27
1.3 P
RESSUPOSTOS QUE
E
NCAMINHARAM O
T
RABALHO
27
1.3.1 Construção do ambiente urbano: a intersecção dos sistemas natural e
humano no ordenamento territorial
30
1.3.2 Processo Cognitivo na Percepção Ambiental: O Desenho na
Espacialidade Urbana
36
1.3.3 Paisagem, Sociedade e Natureza: Rugosidades do Fenômeno Urbano
39
1.4 O
P
ROCESSO
M
ETODOLÓGICO
(E
MPÍRICO E
T
EÓRICO
)
45
1.5 A
PRESENTAÇÃO DO
O
BJETO DE
P
ESQUISA
50
CAPÍTULO
2
60
DE ABRIGO A CONSTRUÇÃO DO AMBIENTE: A INSERÇÃO DAS ÁGUAS NA
REVISITAÇÃO HISTORIOGRÁFICA URBANA
2.1 C
ONSTRUÇÃO DE ABRIGOS E
S
ENTIDO DE
H
ABITAT
68
2.2 M
ODOS DE
H
ABITAR
:
C
ONSTRUINDO
E
SPACIALIDADES
72
2.2.1 Civilizações Cosmo-Místicas
75
2.2.2 Civilizações Antropocêntricas
79
2.2.3 Civilizações Colonizadoras
84
2.2.4 Civilizações em Institucionalização
89
2.2.5 Civilização em Redes e Fluxos Tecnológicos
97
2.3 P
ERMANÊNCIAS
,
R
UPTURAS E
D
INÂMICAS DA
P
AISAGEM
C
ONTEMPORÂNEA
100
CAPÍTULO 3
105
A GÊNESE DA ESTRUTURA URBANA: A VISÃO REGIONAL NA FORMAÇÃO
DA REDE PARANAENSE
3.1 C
APITAL INGLÊS
,
C
AFEICULTURA E
T
ERRAS
R
OXAS
:
F
ORMAÇÃO DA
R
EDE
N
ORTE
P
ARANAENSE
106
3.2 O
D
ESENHO DO
N
ÚCLEO
S
EDE
:
R
AÍZES DA
F
ORMA
U
RBANA
122
CAPÍTULO 4
132
MICROBACIA DO RIBEIRÃO CAMBÉ: DEFININDO LIMITES DO DESENHO
URBANO
4.1 A
R
ACIONALIDADE DO
P
LANEJAMENTO
:
DESENHANDO
L
IMITES
133
4.2 U
SO E
O
CUPAÇÃO DO
S
OLO
U
RBANO
:
DA
G
EOMETRIA
P
LANEJAMENTO PARA
A
PROPRIAÇÃO DAS
V
ERTENTES
139
4.3 E
SPACIALIDADE
R
EGIONAL E
C
RESCIMENTO
I
NTRAURBANO
E
SPONTÂNEO
148
4.4 O
PLANO DE PRESTES MAIA E PARÂMETROS URBANÍSTICOS
:
FUNÇÃO
H
IGIENISTA E
S
ANITÁRIA DOS
F
UNDOS DE
V
ALE
152
4.5 P
RIMEIRAS
O
BRAS DE
I
NFRAESTRUTURA NOS
F
UNDOS DE
V
ALE DE
L
ONDRINA
154
4.6 R
EGULAMENTAÇÃO DA PAISAGEM PELO PLANO DIRETOR DE
1968:
A
U
RBANIZAÇÃO DOS FUNDOS DE VALE
160
CAPÍTULO 5
173
MICROBACIA DO JACUTINGA: REFLEXOS DAS POLÍTICAS PÚBLICAS E
PROMOTORES IMOBILIÁRIOS
5.1 O
E
SBOÇO DO
D
ESENHO DOS
C
INCOS
C
ONJUNTOS
:
O
P
APEL DA
M
UNICIPALIDADE
NA
F
RAGMENTAÇÃO DESORDENADA DO
S
ETOR
N
ORTE
180
5.2 E
SCALA INTRAURBANA DO PLANEJAMENTO E SUAS IMPLICAÇÕES NOS CURSOS
D
ÁGUA
194
CAPÍTULO 6
203
MICROBACIA
DO
RIBEIRÃO
ESPERANÇA:
EMPREENDIMENTOS
PRIVADOS
DE
ALTO
PADRÃO
E
REVALORIZAÇÃO
DA
NATUREZA
6.1 A
V
ISÃO
B
UCÓLICA DA
N
ATUREZA E DO
R
URAL COMO
D
ETERMINANTES NA
OCUPAÇÃO E VALORIZAÇÃO DO
S
ETOR
S
UL DE
L
ONDRINA
208
6.2 I
NVESTIMENTO
,
E
SPETACULARIZAÇÃO
E
R
EDES
:
A
E
SCALA
A
MPLIADA
226
6.3 N
OVAS
C
ENTRALIDADES
U
RBANAS
:
P
AISAGEM
H
ORIZONTAL E
V
ERTICAL
232
CAPÍTULO 7
234
MICROBACIAS
URBANAS
ENTRE
PERMANÊNCIAS
E
DINÂMICAS
NO
TECIDO
URBANO
7.1 O
RDENAMENTO TERRITORIAL
O
P
APEL DO
P
LANO
D
IRETOR DE
1998
237
7.2
E
XPANSÃO DA
E
STRUTURA
U
RBANA DE
L
ONDRINA
:
DO
C
ENTRO
H
ISTÓRICO AO
E
NVOLVIMENTO DAS
M
ICROBACIAS NA
M
ODELAGEM DO
T
ECIDO
U
RBANO
242
CONSTRUINDO
UMA
AGENDA
DE
PESQUISA
267
ENTRE
A
RUGOSIDADE
E
A
FLUIDEZ
DO
ESPAÇO
URBANO:
A
CIDADE
E
AS
ÁGUAS
NO
ORDENAMENTO
TERRITORAL
URBANO
REFERÊNCIAS
272
Introdução
IntroduçãoIntrodução
Introdução
17
INTRODUÇÃO
O presente trabalho discorre sobre a temática água e civilizações,
cujos traços são reconhecidos pela construção de ambientes urbanos, partindo do
pressuposto de que a paisagem é modelada pela convergência entre os aspectos
físicos do território e os aspectos culturais que representam as relações da
sociedade quanto ao uso, apropriação e transformação do mesmo.
A modelagem da forma urbana é efetivamente concretizada pelas
relações socioespaciais, mesmo que sejam contribuições imateriais, oriundas de
fenômenos culturais. Desse modo, não se pode compreender, perceber ou analisar
os ambientes construídos unicamente pela vertente das ciências naturais, nem,
tampouco, apenas pelas ciências humanas.
A interrelação entre a abordagem das ciências naturais e humanas é
pertinente ao observamos, numa rápida análise visual, a existência de resquícios
históricos, que emanam das relações socioespaciais sob o ponto de vista da busca
da essência da configuração espacial, a qual é, de fato, construída e perceptível
pelos testemunhos concretos da espacialidade, a partir do domínio de territórios,
que, a priori, apresenta-se no processo, sendo, desse modo, imaterial. Em outras
palavras, torna-se evidente que o ambiente construído detém significações e
sentidos, a partir das relações inerentes à relação Natureza e Sociedade.
Para uma análise mais profunda, que possibilite explicar as
transformações e formações de determinadas configurações espaciais, tendo em
vista sua permanência espaço-temporal dentro do contexto socioambiental em que
está inserida, é necessária uma compreensão da interrelação entre ambas áreas de
conhecimento, cujo propósito é entender o fenômeno urbano mediante a
transformação da paisagem.
Nesse sentido, consideramos o objeto de estudo transversal: muito
mais que limitar-se ao conceito de cidade, tratamos da construção de ambientes o
sentido de apropriar-se e dialogar com os elementos naturais, em especial, nesta
pesquisa, o significado da água para a configuração do ambiente construído.
O objeto de estudo, nessa abordagem é a cidade de Londrina,
localizada no norte paranaense, cidade planejada e implantada desde meandros dos
Introdução
IntroduçãoIntrodução
Introdução
18
anos 20 do século passado, integrada a um projeto de organização espacial de nível
regional para o uso e a ocupação das áreas ainda de mata virgem à esquerda do
Rio Tibagi. Na implantação do projeto, inicialmente colonizador, os recursos hídricos
deram a direção e orientação demarcando locais e regiões, constituindo-se em um
grande território de planejamento, até então, pouco visto no Brasil.
O estudo do ambiente construído, desenvolvido nesta pesquisa,
especificamente, aborda a relação entre a drenagem urbana de Londrina, o seu
entorno rural-urbano e, quando necessário, aspectos da região também foram
percorridos, como um dos caminhos norteadores da organização do espaço, por
meio de uma rememoração histórica das primeiras civilizações, tanto orientais
quanto ocidentais, demonstrando que o processo de intercambialidade entre
elementos naturais e construídos é que esmera os aspectos físicos do próprio
ambiente.
Para que sejam mais bem esclarecidas as relações entre as ciências
naturais e humanas, o capítulo 1 discorre sobre a fundamentação teórico-
metodológica, pertinente ao ambiente construído, em sua dimensão socioespacial.
Entendemos que a convergência entre ambos os campos do conhecimento científico
não se refere apenas à tendência atual, mas inaugura uma nova interrelação do
homem com o próprio mundo, evidenciando as mudanças estruturais da sociedade
contemporânea. Para investigar o ambiente construído é necessário entender
sociedade que o constituiu como também o comportamento humano coletivo e suas
relações com o meio, seja ele natural, construído, ou imaginado.
Retomamos exemplos clássicos de ocupação, a nível mundial, para
que as experiências a nível nacional e regional possam ser mais bem
compreendidas, bem como a importância de outros elementos naturais, como
norteadores da organização dos ambientes construídos, constituindo, por
conseguinte, sua própria fisionomia urbano-regional.
Com este propósito, o capítulo 2 caracteriza bem essas relações,
discutindo a importância dos elementos naturais ao longo da história urbana.
Retomamos importantes estudos de autores clássicos, da historiografia das cidades,
evidenciando a própria metodologia de trabalho, pelo viés da transversalidade,
reforçando a primeira parte da pesquisa.
Ainda, como complementação da compreensão e do
Introdução
IntroduçãoIntrodução
Introdução
19
aprofundamento da pesquisa, o capítulo 3 refere-se à inserção da cidade de
Londrina na rede norte paranaense, permeando os apontamentos de escala
intrarregional, levando a compreensão da formação de uma estrutura urbana e seu
respectivo processo de expansão. Esse entendimento permite apontar algumas
características de região metropolitana que Londrina possui.
O capítulo 4 aborda a formação de Londrina, perpassando entre as
escalas intrarregional e intraurbana, em que verificamos o aspecto secundário
desempenhado pelo núcleo urbano planejado nas primeiras décadas de formação
do tecido urbano. Observamos que os elementos naturais topografia e corpos
d’água foram elementos determinantes na escolha do sítio, definindo a
configuração espacial da cidade.
O recorte espacial do processo evolutivo de Londrina abarca a
relação entre o processo de ocupação das microbacias e suas relações com o uso e
a ocupação, como elemento de ordenação e regulação da expansão urbana. São
três microbacias, que cortam a cidade e que foram tomadas como estudos a serem
aprofundados
1
, pois estão inseridas no espaço urbano de Londrina no sentido oeste-
leste, a saber: o Ribeirão Cambé; o Ribeirão Jacutinga, situado no extremo norte da
expansão de Londrina em direção às áreas nitidamente rurais e o Córrego
Esperança, localizado a sul da cidade, região marcada pela presença de
condomínios horizontais residenciais de recente expansão em direção às glebas
rurais. São estudos empíricos que pretendem elucidar melhor as questões teóricas
apresentadas nos capítulos anteriores, quanto à relação entre as microbacias
urbanas e a organização do ambiente construído.
No estudo, foi abordada a formação da estrutura urbana de
Londrina, desde a escala regional à intraurbana, devido à atuação da Companhia de
Terras Norte Paranaense (CTNP), em todo o norte do Paraná. Paralelamente, os
aspectos políticos nacionais e regionais foram também objeto de análise. Para
melhor clarificar essas relações, foram elaborados mapas, a partir de documentos
históricos, visando destacar as microbacias regionais e locais e seu papel no
processo de parcelamento regional e intraurbano das áreas pertencentes à CTNP.
No capítulo 5, são apresentadas as intervenções públicas e
1
São nove as microbacias hidrográficas que cortam o município de Londrina, a saber: Cafezal, Cambé, Limoeiro,
Jacutinga, Lindoia, Três Bocas, Apertados e Ribeirão dos Cágados. Dessas, seis estão inseridas no perímetro
urbano com inúmeras nascentes que estruturam e configuram a paisagem urbana da cidade.
Introdução
IntroduçãoIntrodução
Introdução
20
privadas, marcando o segundo momento de formação do tecido urbano de Londrina,
que coincide com marcos temporais políticos e econômicos, que, por sua vez,
definiram a configuração espacial sobre a microbacia do Ribeirão Jacutinga: uma
ocupação rarefeita e difusa, característica do uso predominante residencial. Este foi
o primeiro momento de superação das barreiras iniciais e a formação de novos pólos
e elementos reguladores da expansão, crescimento e adensamento da cidade.
Verificamos, ainda, que neste percurso, não houve uma leitura da
totalidade do fenômeno urbano, sendo as ações públicas pontuais e paliativas,
acarretando consequências danosas aos corpos d’água urbanos. Mais uma vez, no
processo evolutivo da cidade, percebemos que estes elementos naturais eram tidos
como barreiras e limites para a ocupação, sendo desconsiderados nas ações de
ordenamento territorial.
Em seguida, no capítulo 6, analisamos o terceiro momento de
construção da cidade de Londrina, em que o avanço do ambiente construído alcança
a Microbacia do Ribeirão Esperança, localizado a sul da cidade. Essa ocupação
possui relação direta com os novos elementos característicos das cidades
contemporâneas: os shopping centers e os condomínios residenciais fechados de
alto padrão, configurando-se como um tecido urbano entre vastas áreas de soja e
trigo, que emolduram os cursos d’água. Diferentemente das ocupações anteriores,
os corpos d’água são tomados como importantes componentes da estrutura destes
novos loteamentos, modificando seu papel na formação da paisagem urbana.
A partir desta análise evolutiva foi possível compreender os
fenômenos determinantes e condicionantes da organização socioespacial do
ambiente construído, propiciando empreender algumas considerações sobre a
relação cidade e corpos d’água com o intuito de discutir a gestão, uma das
finalidades desta pesquisa assunto retratado no capítulo 7, em que são
apresentados os mapas analíticos. A inserção de mapas temáticos a partir do
método proposto por Panerai (2006) permitiu aprofundar a discussão, em que a
dimensão do fenômeno urbano foi estudada para que as possibilidades,
desdobramentos e contribuição para o ordenamento territorial e gestão urbana
fossem um dos resultados da presente pesquisa.
CAPÍTULO
CAPÍTULO CAPÍTULO
CAPÍTULO 1
11
1
PERCURSO E CONSTRUÇÃ
PERCURSO E CONSTRUÇÃPERCURSO E CONSTRUÇÃ
PERCURSO E CONSTRUÇÃO DA PESQUISA
O DA PESQUISAO DA PESQUISA
O DA PESQUISA
capítulo 1 – percurso e construção da pesquisa
22
1 PALAVRAS INICIAIS
“A Geografia não é física nem humana.
A Geografia é das humanidades”.
Milton Santos
Neste capítulo, apresentamos o percurso da pesquisa e a
abordagem desenvolvida, que situam-se na interrelação entre as ciências naturais e
humanas, e, atualmente, no âmbito da Geografia, perpassa pela expressão
Geografia Socioambiental, o que tem possibilitado muitos trabalhos que envolvam
simultaneamente aspectos de suporte fisico-ambiental e os aspectos sociais.
A Geografia Socioambiental se respalda na integração da visão
sistêmica abordada por Capra (1982), reconhecendo que o objeto de estudo o
espaço e seus desdobramentos exige uma visão da totalidade, substituindo a
fragmentação do conhecimento por disciplinas altamente especializadas e isoladas,
tal qual discorre Morin (1999). A visão holística e sistêmica da realidade torna-se
indispensável quando tratamos das questões ambientais, pois estas são resultados
da ação antrópica sobre a biosfera.
Nessa perspectiva, citamos, também, Mendonça (1994), ao discorrer
acerca dessa visão na urbanização e no urbanismo, notadamente pós anos oitenta,
tendo em vista “[...] a troca do planejamento urbano (cidade funcional) pelo projeto
urbano (projetos para parte das cidades)” (MENDONÇA, 1994, p. 67), notadamente
nas cidades europeias, que passaram a rejeitar os pressupostos urbanos modernos
da fase industrial.
O surto da industrialização nos países em desenvolvimento ocorreu
a partir da década de 1970, como é o caso das cidades brasileiras, as quais
incharam com o êxodo rural, causando problemas ambientais, notadamente sobre o
ar e a água (MENDONÇA, 1994, p. 68-69).
Bitoun (2003, p. 299), em suas reflexões proferidas no VII Simpósio
Nacional de Geografia Urbana, ensina que “[...] na unidade do espaço geográfico,
reconhece-se a inseparabilidade do meio e da sociedade [...]”. A emergência dessas
preocupações se deve à ênfase dada ao crescimento econômico a qualquer custo,
gerando enormes prejuízos ao meio ambiente, especialmente pela urbanização
acelerada das cidades brasileiras nos últimos trinta anos.
capítulo 1 – percurso e construção da pesquisa
23
Frente a essa realidade, Suertegaray (2003) explica que a questão
ambiental, iniciada nos anos 1970, ocorreu, num primeiro momento, como alerta
pela escassez de determinados recursos naturais como a água e o petróleo,
envolvendo as feições sociais, políticas e culturais no âmbito de sua conjectura,
especialmente quanto aos ambientes construídos e palco da vida social: as cidades.
Nas últimas décadas, com o avanço científico e tecnológico, o
ambiente construído vem se consolidando sobre a superfície terrestre, sendo foco de
estudos das ciências naturais, como da geomorfologia, geologia, biologia, entre
outras, sobretudo quanto ao uso e ocupação das vertentes em relação à drenagem
urbana. Por outro lado, o ambiente construído também abriga as relações
socioculturais da organização espacial, objeto de discussão das ciências humanas.
Desse modo, o desafio está posto: buscar abordagens que passem
a interpretar o ambiente construído, seguindo os pressupostos evidenciados por
Morin (1999) ao observar que, ao longo da própria história da civilização, houve
alterações quanto aos estudos científicos. Num primeiro momento, prevaleceu o
procedimento empírico-racional, ou seja, havia a necessidade de buscar provas na
experiência ou na observação do objeto de estudo, para a formulação de uma teoria
coerente para postular o fundamento do conhecimento científico. Essa visão
perdurou por bastante tempo, sendo uma concepção clássica e de ordem mecânica.
Retomando as reflexões de Suertegaray (2003):
A cidade, na perspectiva ambiental, poderá ser lida como não natureza se
pensarmos natureza como todas as coisas além do homem e no próprio
homem que não expressam uma intenção. (Drouin, 1991). Nesse sentido, a
cidade como expressão material de uma intencionalidade aparece
carregada de sentido humano. [...] a natureza transfigurada tem, talvez, sua
maior materialização na cidade, portanto, a cidade como expressão da
cultura contemporânea promove essa discussão [perspectiva
socioambiental]. (SUERTEGARAY, 2003, p. 355-356)
A partir do surgimento das ciências sistêmicas, podemos perceber
uma interação entre os diferentes seres pertencentes a um determinado
ecossistema, o qual é entendido como um fenômeno organizado. A percepção
desse fenômeno não pode ser entendida pela separação das partes nem tampouco
pela especialização de cada campo do saber: tem-se um sistema complexo, sujeito
a modificações constantes e a reações retroativas entre seus componentes. o
entendimento do acaso que permite a auto-organização do próprio sistema, o que
evoca uma unicidade entre as ciências, pois entende-se que uma ação desencadeia
capítulo 1 – percurso e construção da pesquisa
24
reações em todas as esferas do sistema e não podem ser apreendidas
separadamente. (MORIN, 1999).
Ainda sobre esse assunto, Morin (1999) coloca que o processo
cognitivo é construído pela integração de informações, dentro de um conjunto que
lhe sentido. A informação é compreendida dentro de um contexto, em que se
busca inseri-la num sistema que pode ser codificado e compreendido. Significa que
o processo do conhecimento requer a contextualização e a globalidade. Nesse
sentido, a reforma do pensamento coloca em xeque três pilares fundamentais do
conhecimento: ordem, separação e razão. A separação foi um dos métodos mais
usuais, e o objeto, um sistema fechado em si sem qualquer relação com seu meio,
como se fosse possível a sua existência isoladamente, complementa o autor.
Mesmo que se tenha superado o paradigma da redução, no âmbito
das ciências sociais, perduram as investigações pautadas na especialidade, em que
cada um trata do mesmo objeto de forma distinta. No entanto, ao adotar a
complexidade como ponto de partida, Morin (1999) explica que a compreensão da
natureza humana depende do pleno entendimento das relações da realidade em que
se realiza a vida em sociedade do ecossistema, como contexto. E, quanto mais
global as relações, maiores são as dependências entre as ações, as quais ressoam
nos mais diferentes territórios, ou seja, há uma interferência direta e indireta entre os
fatos da realidade, relacionando os problemas e os dados percebidos.
Sob esse ponto de vista, a contribuição de Santos (2008) acerca da
Natureza do espaço, deve ser considerada, indicando as transformações ocorridas
ao longo do século XX, em que os avanços técnico-científicos levam a uma nova
realidade econômica e política, permitindo uma diversificação das atividades sobre o
território, como fator imprescindível para a reprodução do capital.
A visão de Santos (2008) é compartilhada por Corrêa (1997), que
aponta comentários acerca das interações espaciais como elementos inerentes às
redes geográficas, sendo caracterizadas pela circulação e pelos fluxos que
envolvem o modo de produção capitalista e a organização social. Nesse sentido, as
interações espaciais integram parte dos processos da existência e da reprodução,
bem como do processo de transformação social, ou seja, modifica todos os âmbitos
do ambiente construído, não se limitando mais às áreas que são influenciadas,
levando a uma maior interação entre cada uma dessas partes, articuladas entre si.
capítulo 1 – percurso e construção da pesquisa
25
Desse modo, o alcance das interações efetiva-se em distâncias cada
vez maiores, dentro da lógica da supressão do espaço sobre o tempo. Essa relação
espaço-tempo é derivada da constante aceleração do ciclo de reprodução do capital,
por meio de meios de comunicação e circulação cada vez mais eficientes. As
palavras em voga são a instantaneidade e a simultaneidade, como prerrogativas do
próprio avanço do capitalismo, apoiado no meio técnico-científico informacional.
A partir dessas colocações, pode-se afirmar que o ambiente
construído está em constante processo de formação, transformação e reformulação,
onde a materialidade dos fenômenos se propaga à medida que as relações
simbólicas configuram a integração social, o que, nas palavras de Bourdieu (1998, p.
11) significa uma dualidade intrínseca ao processo: “[...] a cultura que une
(intermediário de comunicação) é também a cultura (instrumento de distinção) e que
legitima as (essas) distinções [...]”.
Ao refletir sobre o ambiente construído, contextualizado na
complexidade contínua da própria evolução técnico-científica, remete às relações
transdisciplinares e sistêmicas, enquanto ferramentas epistemológicas frente às
discussões, não apenas como um objeto isolado, mas inserido na realidade
complexa. Em outras palavras, uma discussão acerca da construção do
conhecimento, no âmbito da convergência interdisciplinar, é colocada, como suporte
teórico para o próprio desenvolvimento da pesquisa, que trata das transformações
socioambientais da atualidade.
Deve-se, portanto, permear e aprofundar as relações entre os
diversos saberes (interdisciplinaridade) para que se possa romper com as barreiras
ainda existentes, e estabelecer diálogos transdisciplinares, considerando um
processo de retroalimentação para a investigação geográfica ante aos desafios de
compreender e compelir interpretações à própria dinâmica do ambiente construído.
1.1 J
USTIFICATIVA DA PESQUISA
Uma cidade não pode ser entendida apenas do ponto de vista
espacial, ou seja, das relações dos elementos constituídores do ambiente
construído, como mera descrição fisiográfica. Do mesmo modo, a abordagem
capítulo 1 – percurso e construção da pesquisa
26
temporal, delimitando os acontecimentos não permite uma visão mais aprofundada
dos aspectos imateriais que permeiam o ambiente construído. Nem tampouco, uma
análise rasa da imagem da cidade, em termos estéticos, propicia o pleno
entendimento da formação e estruturação da forma urbana, pois as cidades
encontram-se em constante processo de transformação, devido às inúmeras
variáveis que as compõem, seja pelas mudanças que buscam equilibrar o meio
ambiente ou pelas modificações de comportamento da sociedade.
A relação rio-cidade se propaga ao longo da história urbana, não
apenas como importante elemento fisiográfico na definição da demarcação do
território, pois também estabelece relações que influenciam o homem quanto ao
meio e vice-versa, sendo, portanto, uma prova de que as sociedades ditas urbanas
estabelecem relações diretas ou indiretas com os elementos naturais.
A manifestação material e imaterial do ambiente construído
perpassa por determinado tempo e espaço, em que se observam as transformações
e a dinâmica da própria configuração da forma urbana. São fatores que permitem
também refletir acerca dos conflitos entre reserva legal urbana, preservação
ambiental e crescimento urbano. De posse das informações coletadas, das análises
feitas sobre a história urbana de Londrina, considerando desde os meados da
década de 1920 até os dias atuais, permitiu apontar caminhos de regulação e de uso
e ocupação do solo, voltados para a reversibilidade ambiental, notadamente nas
proximidades das margens dos corpos d’água urbanos.
Pretende-se com este estudo estabelecer as relações entre o
suporte físico-ambiental e o espaço construído, a fim de compreender a forma
urbana e as transformações da paisagem em função dos fenômenos sociais,
políticos, econômicos e culturais, que dinamizam a vida das cidades para que essas
informações possam contribuir para uma melhor gestão urbana. Isso porque os
núcleos urbanos vão se modificando à medida que o desenvolvimento e a
organização social se tornam mais complexos, exigindo novas formas de ordenação
e construção do espaço. Assim, verificar de que forma o ambiente urbano é
construído torna-se uma ferramenta para as decisões de planejamento e gestão do
espaço, de forma que sejam equilibradas as relações existentes entre natureza e
sociedade.
Este estudo consiste em mostrar como ocorrem as relações entre o
capítulo 1 – percurso e construção da pesquisa
27
suporte sico-ambiental de uma determinada localidade e seu rebatimento na forma
urbana, evidenciando que a apropriação do espaço natural delineia a configuração
da cidade. Além disso, aborda também a relação entre rio e cidade e degradação
ambiental, fruto da expansão urbana sobre os corpos d’água urbanos, apontando a
necessidade de estabelecer critérios para o uso e a ocupação do meio ambiente de
forma sustentável.
Não se pode desvincular homem e meio ambiente, visto que a
integração de ambos resulta na própria conformação do mundo contemporâneo. Do
mesmo modo, as pesquisas sejam elas no campo da Geografia, História, Filosofia,
Psicologia ou Arquitetura, entre outras, não devem ocorrer apenas em sua
especificidade. Ao contrário, deve-se produzir um saber transversal, numa atuação
interdisciplinar dialógica, visto que as discussões pertinentes ao estudo das cidades
concorrem tanto no campo das ciências naturais quanto humanas.
1.2 O
BJETIVOS
1.2.1 Objetivo Geral
Analisar o processo de apropriação dos elementos naturais na
conformação urbana de Londrina, considerando as variáveis espaço-tempo e os
agentes de produção do espaço, contrapondo o primeiro desenho urbano histórico e
sua transformação a partir da expansão urbana sobre os corpos d’água, cuja relação
intrínseca com a drenagem se faz presente na dinâmica espacial até os dias atuais.
1.2.2 Objetivos Específicos
Apresentadados a problemática, a metodologia de investigação
científica e o aporte teórico-metodológico, a pesquisa ainda possibilitou atingir os
seguintes objetivos específicos:
Relacionar o suporte físico-ambiental e a expansão urbana;
capítulo 1 – percurso e construção da pesquisa
28
Evidenciar a contribuição dos elementos naturais na definição da
paisagem urbana;
Identificar as ligações entre o crescimento da região e o
crescimento urbano;
Verificar quais são os agentes promotores e o papel da
legislação urbana municipal na configuração da forma urbana;
Indicar propostas como contribuição para o planejamento urbano
e ambiental, buscando a reversibilidade ambiental.
1.3 F
UNDAMENTOS
T
EÓRICOS
-M
ETODOLÓGICOS
O rápido adensamento das aglomerações urbanas e a consolidação
desses assentamentos são fato e marco da história da humanidade na passagem do
século XX e XXI. Não se pode ignorar a tendência mundial que as cidades
assumiram nas últimas décadas como o local das conquistas de desenvolvimento e
progresso da sociedade, que vislumbra a superação da economia industrial para a
uma economia pós-industrial, englobando a discussão acerca da questão ambiental.
As conferências internacionais sobre cidades alavancaram essa
discussão a nível internacional, em que são tratados assuntos pertinentes aos
assentamentos humanos, visando uma maior equidade e qualidade ambiental.
Essas conferências internacionais constituem o Programa Habitat das Nações
Unidas (ONU) e tem como objetivo prover as cidades de qualidade socioambiental,
isto é, aplicar o desenvolvimento sustentável não só pela ótica ambiental, mas
também em minimizar os problemas sociais, notadamente nos países em
desenvolvimento para a erradicação da pobreza e consolidação da urbanização.
Em 1976, por meio da Conferência de Vancouver, a ONU implantou
o Programa Habitat das Nações Unidas, criando uma agência responsável pelas
discussões pertinentes aos assentamentos humanos, culminando, em 1996, na
cidade de Istambul, Turquia, a Conferência das Nações Unidas sobre os
Assentamentos Humanos Habitat I. O foco central foram as discussões acerca de
Meio Ambiente e Desenvolvimento, como desdobramento da Rio-92, voltadas para
as cidades, tendo em vista a sua consolidação como o habitat humano do século
capítulo 1 – percurso e construção da pesquisa
29
XXI, como aponta Salgado (1997):
En la actualidad más de la mitad de la población mundial vive en las
ciudades y en los próximos treinta años, según las previsiones, se
congregarán en ellas cerca del setenta por ciento de los habitantes del
planeta. Desde su creación y de manera más acentuada en el último siglo
las ciudades han sido símbolo del poder político, del desarrollo económico y
de los precesos innovadores, pero también las ciudades han contribuido de
manera esencial a la educación de los habitantes, a la difusión en la cultura,
a la mejora de las relaciones humanas y, en fin, al incremento del conjunto
de indicadores que comportan lo que se denomina calidad de vida. No
obstante, se atisban para los próximos años y a nivel mundial nuevos
desafíos: intenso crecimiento demográfico sobre todo en las ciudades,
agudización de los problemas medioambientales, aumento de las
desigualdades de la redistribución de recursos y riquezas, incremento de los
problemas de segregación social(…). (SALGADO, 1997, s/p).
A Conferência de Istambul HABITAT II coloca em evidência, o
modo de vida urbano das últimas décadas e a tendência para o século XXI, sendo o
reconhecimento da questão urbana fator fundamental para o desenvolvimento
sustentável, acarretando consequências para o próprio futuro do planeta. A
preocupação maior das Nações Unidas centra-se nas cidades dos países em
desenvolvimento, uma vez que o avanço econômico contribui para a degradação
ambiental, bem como alastra os problemas sociais sobre o espaço urbano, como a
falta de moradias, infra-estrutura, transporte e mobilidade, entre outros, com maiores
problemas nas cidades em vias de metropolização, cujo crescimento econômico
quase sempre é destituído de planejamento urbano adequado.
As cidades, portanto, carregam consigo o desafio de permitir o
desenvolvimento urbano e, ao mesmo tempo, a preservação ambiental,
notadamente em relação aos recursos naturais presentes em seus limites sicos,
com atenção especial aos cursos d’água que se inscrevem sobre este espaço, pois
mesmo com os avanços tecnológicos, as cidades se desenvolvem entorno dos
corpos d’água, detentores de diversas funções, além de ser presença no imaginário
coletivo, como um dos elementos morfológicos marcantes das cidades.
Desse modo, a cidade é o foco de atenção desta pesquisa, sendo
sua temática central. Os estudos das cidades não se restringem apenas ao fascínio
ou o atrativo visual que o ambiente construído desperta na nossa imaginação, uma
vez que a crescente concentração de pessoas nesses locais é fato consumado, em
todos os campos da superfície terrestre. E são, nas cidades, que aparecem os
maiores problemas das sociedades atuais, passando desde as questões
socioeconômicas, quanto àquelas de cunho ambiental ou cultural, que estão
interligadas aos avanços tecnológicos e à aceleração da vida urbana.
capítulo 1 – percurso e construção da pesquisa
30
A clara compreensão do objeto de estudo permeia, portanto, as
contribuições de vários campos de conhecimento, cuja interface está entre as
ciências naturais e humanas, como princípio metodológico do aporte teórico. Sob o
ponto de vista geográfico, compreender a paisagem respalda a transversalidade da
investigação, do mesmo modo que integra os aspectos naturais e humanos do
ambiente construído. As contribuições do campo do urbanismo ou da arquitetura da
cidade convergem para essa abordagem interdisciplinar, constando-se as novas
relações presentes nas cidades.
Podemos dizer que vivenciamos uma nova crise, como as de outros
momentos históricos, tais como a passagem da Idade Média para o Renascimento;
as indagações religiosas do século XVI e XVII, além da Revolução Industrial e da
queda da bastilha na França. A revolução da microeletrônica e a rápida aceleração
da vida cotidiana apresentam-se como conflitos da existência humana em que se
questiona o relacionamento entre Natureza e Sociedade, implicando em novos
caminhos, não mais por cisão de conhecimento, mas pelo paradigma da visão
sistêmica, em oposição à fragmentação do conhecimento, perpassando pela
filosofia, pautada na fenomenologia existencialista.
1.3.1 Construção do Ambiente Urbano: a Intersecção dos Sistemas Natural e
Humano no Ordenamento Territorial
É evidente que o ambiente construído é objeto de fascínio para
múltiplas ciências, além de ser a materialidade das ações e comportamentos
humanos: os problemas que afetam o meio são conhecidos e profundamente
difundidos, mas ainda falta a consolidação do paradigma socioambiental, como
referência para o desenvolvimento de propostas mais próximas à realidade
vivenciada, especialmente na gestão e ordenação do território.
A cidade, desse modo, não pode ser apenas a espacialização da
produção capitalista, como também não pode ser apenas o espaço de registro dos
feitos humanos, bem como não se resume à produção espetacular de arquitetos, ou
ainda não se expressa unicamente pela percepção dos cidadãos. Ocorre, na
verdade, uma sucessão de dinâmicas resultantes de todas essas relações
capítulo 1 – percurso e construção da pesquisa
31
socioespaciais, que possibilitam a compreensão da sua gênese. Assim, passa-se a
considerar tanto a sociedade quanto o meio de investigação da dinâmica do
ambiente construído, permeando a abordagem socioambiental como caminho para a
gestão urbana e o ordenamento territorial.
É preciso repensar de que forma a gestão e o ordenamento urbano
podem se consolidar em termos de programas e projetos, incorporados em políticas
públicas, considerando as envolventes econômicas, sociais, culturais e políticas, que
fluem pelo ambiente construído, ora de forma direta, pelas intervenções pontuais e
concretas, ora pelas circunstâncias imateriais, que pulsam, repulsam e delineiam as
relações tangíveis. Não se pode desenvolver programas e projetos baseados em
modelos acabados e teóricos, pois a incursão da prática, ou seja, a construção da
realidade não se enquadra em uma problemática fechada e plenamente encaixada
em um determinado modelo. As nuances sociais e culturais, principalmente, são
fatores chave no desenrolar do processo de mutabilidade ao qual o ambiente
construído está sujeito. Nesse sentido, Sposito (2003) observa:
O ambiental, como resultado das relações entre o natural e o social deve
ser visto [...] a partir da dimensão temporal. Trata-se, neste caso, das
formas como se articulam ou entram em contradição duas escalas
temporais – a da natureza e da sociedade.
A cidade, como resultado da capacidade social de transformar o espaço
natural, não deixa, em função disso, de ser parte desse espaço e de estar
submetida às dinâmicas e processos da natureza. (SPOSITO, 2003, p.295)
É notório o fracasso de políticas urbanas deslocadas da realidade,
quando concretizadas, que ao invés de contribuir com soluções, apresentam-se
como novos problemas de difícil precisão. Significa que a academia não deve se
isolar no campo teórico, com foco apenas no saber científico, do mesmo modo que
as ações práticas não sejam independentes dessas investigações.
O mundo codificado é um conhecimento cultural e socialmente
partilhado, sendo, portanto, pertinente as proposições de Côrrea, em sua palestra
proferida no XII EGAL de 2009, em Montevidéu, Uruguai, quando apresentou
algumas questões iminentes e irrefutáveis para a investigação da geografia: a
espacialidade da cultura, como um dos caminhos mais importantes de investigação
e a construção coletiva de uma agenda de investigação.
Segundo Côrrea (2009), a ação humana sobre o território não pode
ser mensurada apenas pela perspectiva dos aspectos humanos ou simplesmente do
ponto de vista dos aspectos físicos. Isso não basta mais para a investigação
capítulo 1 – percurso e construção da pesquisa
32
científica, pois, ao considerar a cultura como um processo e o um meio ou fim,
aporta-se para a construção de uma ciência interpretativa, que não afere mais um
objeto específico a ser descrito em sua exaustão, em relação a uma especialidade
única. A cidade, enquanto objeto de pesquisa, não se limita a uma disciplina
específica, pois seu conteúdo é complexo e derivado de vários sistemas e/ou
conjuntos justapostos, espaço-temporalmente.
Quanto a essas reflexões, Mendonça (2001) ressalta, ainda, que se
vivencia um estado geral de crise no momento contemporâneo, em que se busca a
superação da visão especializada e reducionista como desafio interdisciplinar nas
abordagens pertinentes ao ambiente construído. Em outras palavras:
Estudar a cidade, o fato urbano, a metropolização não é atributo de
nenhuma ciência em particular, isto porque a cidade se constitui uma
verdadeira encruzilhada, onde se encontram diferentes realidades,
dinâmicas, interesses e saberes. Ela constitui, por si só, um paradoxo à
realidade positiva moderna, seja porque explicita diferenças ao concentrar
homens e atividades num só lugar, seja porque evidencia contradições
básicas do modo de produção moderno [...] (MENDONÇA, 2001, p. 80).
A cidade, no século XX, situa-se como a espacialidade das ões
humanas e, cada vez mais efetiva as relações sociais, cuja temporalidade se
desloca do processo cíclico e sazonal da natureza, o que prenuncia uma revisão das
relações intrínsecas entre esses dois subsistemas que coexistem na biosfera.
Mesmo reconhecendo a importância da ciência na dita Era Moderna,
Mendonça (2001) explica que o conhecimento da Natureza e da Sociedade tomou
caminhos distintos e, por vezes, opostos. No positivismo lógico, a ciência é vista
como o paradigma do conhecimento, ou seja, a indução era o método de
investigação, a partir da observação empírica dos fatos. Segundo Alves-Mazzoti e
Gewandsznajder (1999, p. 12) “os positivistas exigiam que cada conceito presente
em uma teoria tivesse como referência algo observável [...] a aceitação de uma lei
ou teoria seria decidida exclusivamente pela observação ou experimento.”
Prosseguindo nas ideias acima pode-se assinalar que o positivismo
estava intimamente ligado às ciências naturais, cuja objetividade deveria ser o
princípio norteador das investigações, pautando-se nas relações lógicas existentes
entre os enunciados científicos. Aqui, conforme Alves-Mazzoti e Gewandsznajder
(1999), não havia uma preocupação em explicar de que modo a ciência funcionava,
mas sim em legitimar ou justificar o conhecimento científico por meio de deduções
lógicas e experiências empíricas. No entanto, como mesmo criticou Popper, a
capítulo 1 – percurso e construção da pesquisa
33
observação empírica está impregnada de teorias, sendo que não há apenas a
descrição do fato, mas a sua própria interpretação. O positivismo lógico foi refutado
por grandes filósofos, que passaram a adotar o racionalismo crítico, proposto por
Popper, mas ainda preconizam a objetividade da ciência e a avaliação racional das
teorias, tendo em vista o paradigma a ser adotado na formulação de conceitos.
Desse modo, não era admissível que a visão subjetiva como critérios
para a conceituação das teorias ou leis científicas, mesmo que houvesse o
reconhecimento de que nem tudo poderia ser explicado pelo método indutivo. No
entanto, se retomarmos alguns aspectos, notaremos que as relações entre meio e
homem são mais pertinentes, pois revelam que a existência humana no mundo
ocorre por suas manifestações mais inconscientes, ou seja, que o vivido e a
cotidianidade estejam presentes na problemática do ambiente construído.
Na atual conjetura das ciências, não se pode mais partir de um
conhecimento científico objetivo, preciso e fechado para as pesquisas referentes ao
ambiente urbano, pois este está impregnado de circunstâncias geradas pela própria
ação humana sobre o sítio natural, esgotando o paradigma positivista. A crise de
paradigmas, ocorrida na década de 1970, conforme colocam Alves-Mazzoti e
Gewandsznajder (1999), incita novos métodos de investigação para os fenômenos
humanos ou sociais, intensificando-se o uso de técnicas qualitativas, em substituição
às quantitativas.
Segundo Nunes et.al. (2006, p. 123) a abordagem sistêmica, ao ser
incorporada ,na segunda metade do século passado, “[...] trabalha com a ideia de
sistemas complexos, a partir das trocas de energia e matéria, abandona a visão
fragmentada, [...] e absorve a ideia de interatividade e conjunção”. Para esses
autores, os estudos centrados nas características geofísicas começam a incorporar
as relações humanas, seja pelo viés político ou econômico, compelindo novas
interpretações, ainda que se reporte ao materialismo dialético. Os estudos de
Chorley (1973 apud NUNES et. al., 2006) prenunciavam a visão sistêmica, ao
enunciar que os estudos paisagísticos deveriam elucidar as ligações existentes entre
meio ambiente e homem, o qual era considerado como “[...] ser ativo e atuante no
meio natural, em que se desconsideram os conflitos e a lógica da organização
espacial desigual” (NUNES et. al., 2006, p. 124).
capítulo 1 – percurso e construção da pesquisa
34
Retomando as reflexões de Mendonça (2001), a Teoria dos
Sistemas, como aporte metodológico, tornou-se um marco importante para
compreender melhor a dinâmica da natureza e a interação estabelecida entre o sítio
natural, a materialidade urbana e as atividades humanas que se efetivam nas
cidades, a qual deveria ser vista a partir da visão holística e pela dimensão evolutiva.
Assim, o pleno entendimento do ambiente urbano perpassa pela superação das
disciplinas isoladas e especializadas, retomando-se uma integração entre os
conhecimentos ditos naturais e humanos.
Portanto, ao ultrapassar a precisão que os métodos descritivos
propiciam, é possível evidenciar as relações sociais que moldam, transformam e dão
sentido as paisagens urbanas. Cabe aqui esclarecer que tais relações são, ao
mesmo tempo, concretas e abstratas, pois se moldam fisicamente, mas podem
ser apreendidas a partir da análise dos aspectos intangíveis que remetem a amplas
relações que são, em essência, a espacialidade do ambiente construído. Significa
que, para se compreender o concreto, o tangível, o visível da sociedade urbana, é
preciso engendrar no campo abstrato das relações que se manifestam também por
meio de códigos, símbolos e signos, tornando o conceito urbano complexo.
Assim, pode-se registrar que o todo, muito mais que a soma das
partes, consiste num sistema organizado, que tem sentido pela integração das
partes, que são capazes de retroagir entre si, permitindo a transformação do próprio
sistema. Isso define o novo objeto da ciência: não o todo isolado, mas o sistema,
capaz de se auto-regular e interagir com o mundo, isto é, estabelecer trocas internas
e externas, o que denota um sistema complexo. Esse por sua vez, implica numa
combinação entre o simples e o complexo, desencadeando o elo de fenômenos para
compreender a organização daquilo que se analisa, afirmando a existência da
incerteza e da contradição na construção do conhecimento. Nas palavras de Nunes
et. al. (2006):
Os estudos ambientais exigem parâmetros que envolvam as dinâmicas
espaciais, assim como a análise do estado e do funcionamento do sistema.
O sucesso do prognóstico será sempre resultado de uma abordagem
totalizante, conjuntiva, e um entendimento pleno das estruturas espaciais e
das diferenciações que acontecem dentro da escala temporal do sistema.
(NUNES, 2006, p. 124)
Desse modo, pode-se dizer que o estudo das transformações da
paisagem urbana não deve ser feito de forma fragmentada, parcial, mas por meio da
compreensão dos fenômenos que a moldam e sugerem novas formas. Entender a
capítulo 1 – percurso e construção da pesquisa
35
complexidade do urbano é fator essencial para analisar sua dinâmica e suas
relações espaço-tempo, pois as transformações tornam-se mais aceleradas, quando
há um processo de urbanização crescente e dinâmico.
A abordagem interdisciplinar supera as conjecturas de aplicação de
uma metodologia reducionista, sugerindo um novo paradigma para a questão
ambiental. Isso porque, conforme explica Mendonça (2001), o meio ambiente
permite a interação de diversos campos do saber, por vezes, diferentes ou opostos
entre si, ao tratar de uma mesma problemática. As discussões sobre o processo de
urbanização envolvem uma mesma dimensão espacial, em que se manifestam tanto
os fenômenos naturais quanto sociais, sendo, portanto, transversais. A interação
entre as ciências naturais e sociais torna-se uma importante ferramenta para
compreender melhor o fenômeno urbano, no contexto atual.
A totalidade, portanto, pode ser captada pelo processo cognitivo,
através da percepção ética, ou seja, o sujeito inserido no mundo, sua participação,
tendo em vista a abrangência do global, mas pautar por ações locais. Não há,
portanto, um método particular para a Geografia Urbana. Pode-se falar isto sim, de
teorias substantivas da urbanização, construídas à luz de um conceito de espaço
geográfico que recupera a totalidade da Geografia como dimensão social.”
(CASTILHO, 2001, p. 202).
No entanto, para a efetivação desta postura, é preciso decodificar as
formas simbólicas espaciais, ou seja, deve-se ter o pleno entendimento da sua
gênese, da sua organização e estruturação formal, permeando o debate no campo
do significado que é, o que de fato, sentido às configurações espaciais, que
também devem ser entendidas em diferentes escalas (CÔRREA, 2009).
Deve-se refletir como o espaço é construído, quais são os processos
incorporados às práticas, quais são as intenções das mensagens projetadas, de que
forma as paisagens urbanas são processadas, nesse todo complexo da
espacialidade, que é pautada na tensão entre intenção e interpretação. Significa não
mais separar o debate epistemológico da produção per si do ambiente construído,
isto é, deve-se propiciar um caminho em que as práticas e as teorias estejam
interconectadas e coexistam na investigação do ambiente construído.
capítulo 1 – percurso e construção da pesquisa
36
1.3.2 Processo Cognitivo na Percepção Ambiental: o Desenho da
Espacialidade Urbana
A conformação de um determinado espaço urbano não se viabiliza
apenas pela forma física que adquire, pois está intrínseco a este processo o
fenômeno social, dotado de complexificação, como explica Morin (1999): as ações
humanas se inserem num sistema, cuja relação com o meio possibilita as
transformações, mudanças e re-configurações do território, modificando
sensivelmente as próprias relações entre Natureza e Sociedade. Isso porque as
relações sociais não são simples e nem tampouco tangíveis, pois resultam do jogo
entre ordem e desordem de vários elementos que se constituem, a partir dessa
própria relação, o que permite apreender a realidade pelos processos cognitivos.
Tomando-se como caminho o sentido de habitar, manifestado por
Lefebvre (2008, p. 78-79), ao citar as palavras de Hölderlin “o homem habita como
poeta”, vislumbramos relações para além do concreto: o que não é visível,
compreensível quanto às formas de expressão da própria casa uma linguagem
própria do ser humano consigo e com o ambiente: a condição de viver e construir
sua vivência, materializada pelo imaginário.
Os traços contidos nos limites da apropriação de um tio natural
modelam as ações humanas, manifestam as relações sociais pelos usos dado ao
espaço. Ferrara (1999, p. 62) observa que os processos de urbanização são um
terreno sugestivo para a pesquisa científica, pelas características diversas que
apresentam: “[...] trata-se dos ecossistemas ambientais sustentados pelas
contradições que caracterizam aquelas cidades [...]”.
Mais ainda, revelam a interação homem-natureza, em que não se
enaltece nenhum nem outro, mas sim a relação existente entre ambos, pois o
homem se manifesta sobre o ambiente apropriando-se de seus elementos,
transformando-os em objetos que o permitam manipular e modificar as condições de
habitabilidade natural. Tal manifestação sociocultural é que permite a sua
sobrevivência ao construir espaços, cuja expressão máxima são as cidades,
conforme observações feitas por Ferrara (1993).
A complexidade das relações sociais e ambientais vislumbradas nos
ambientes urbanos, no âmbito da percepção ambiental, reporta a cidade como
capítulo 1 – percurso e construção da pesquisa
37
linguagem, visto que a cidade congrega uma rede de sistemas de representação do
fenômeno urbano, o qual é, por essência, interdisciplinar, em que a:
[...] interdisciplinaridade não se propõe como aplicação do corpo teórico
explicativo de qualquer ciência que se debruce sobre o fenômeno da
cidade; ao contrário, propõe uma integração entre as ciências, notadamente
aquelas sociais e humanas, para produzir uma inteligibilidade da cidade
enquanto objeto de investigação. Se a integração empalidece o domínio
específico daquelas ciências nas suas singularidades, ganha a Ciência na
produção interpretativa do fenômeno urbano; um resultado mais pragmático
do que teórico e especulativo. (FERRARA, 1999, p. 64).
A percepção ambiental esmiúça o “[...] estudo da linguagem que o
homem desenvolve para intervir na natureza e construir seu espaço.” (FERRARA,
1999, p.64), sendo também informacional e não apenas visual. Enquanto que a
percepção visual restringe-se a descrição compositiva dos elementos que a
constituem, a percepção ambiental informacional “[...] é mediada por signos [...] e
refere-se, pois, a uma consciência reflexiva que move a seleção entre alternativas e
a própria criação inferencial sobre elas;” (FERRARA, 1999, p.65).
No âmbito das ciências geográficas, Melo, Teixeira e Alexandre
(2007) explicam que a percepção ambiental possui três linhas de pesquisas, sendo a
percepção regional, a percepção espacial da criança e a percepção da forma
urbana. Esta última se debruça sobre as questões do desenho das cidades e suas
relações internas, sendo objeto de colaboração entre geógrafos e arquitetos e
urbanistas. Os autores colocam que é uma abordagem que supera a simples crítica
à produção capitalista do espaço, pois incorpora as preocupações ecológicas frente
ao avanço do próprio capitalismo sobre a Natureza, ressaltando as preocupações
acerca da vulnerabilidade e dos riscos provocados pela degradação em nome do
crescimento econômico.
Podemos citar os trabalhos de Mcharg (1992) e Spirn (1995) que
apontam para a inserção da Natureza como instrumento de elaboração dos projetos
urbanísticos ou intervenções urbanas nas cidades. O debate desses pesquisadores
reflete a preocupação de pensar o desenho urbano como uma representação das
interrelações entre homem e ambiente, sendo um marco para os compêndios de
arquitetura da paisagem.
Segundo Franco (1997), o estudo de McHarg (1992) Design with
Nature aborda o planejamento holístico, que “[...] desenvolveu-se a partir de uma
concepção sistêmica na qual a abordagem dos fenômenos e eventos se dá de
capítulo 1 – percurso e construção da pesquisa
38
maneira inter-relacionada e interdependente” (FRANCO, 1997, p. 92). Com isso, a
compreensão dos fenômenos é possível pela observação do contexto no qual está
inserido, promovendo uma intercambialidade de informações, que reunidas em
conjuntos lógicos e estruturados, possibilitam a comunicação.
Na mesma linha insere-se também o trabalho de Spirn (1995) que
propõe a compreensão dos processos naturais como ferramenta de modelação do
espaço, tendo em vista que as cidades nutrem-se dos recursos naturais, mesmo que
nem sempre promovam o adequado manejo dos resíduos produzidos, degradando o
ambiente. Para a autora, a cidade deveria ser vista como um sistema, acarretando
uma gestão urbana que promovesse a qualidade ambiental urbana.
Podemos afirmar, de acordo com as proposições desses autores,
que as cidades encontram-se em um processo de integração de informações, dentro
de um conjunto que lhe sentido: informação, circunscrita em um dado contexto,
que pode ser codificado e compreendido na sua totalidade, pela análise das partes
estruturantes. Significa que o processo do conhecimento requer a contextualização e
a globalidade dos fenômenos para que sejam inteligíveis, perpassando pelo
paradigma da visão sistêmica. Nas palavras de Franco (1997):
Entende-se como concepção sistêmica, a maneira de ver todos os
fenômenos ou eventos interligados. A ciência se apropriou da palavra grega
systema que significa reunião ou grupo, para designar um conjunto de
elementos interligados de um todo, coordenados entre si de forma a que
funcionem como uma estrutura organizada. (FRANCO, 1997, p. 91)
Tuan (1980, p. 5) define essa integração de sistemas como
topofilia, definido por ele mesmo, como “[...] o elo efetivo entre a pessoa e o lugar
ou ambiente físico. Difuso como conceito, vívido como experiência pessoal [...]”.
Podemos entender esse elo como a integração de diversos conjuntos que vão se
estruturando e se modelando em função de estímulos, em que uma troca
constante de informações.
A disposição dos elementos fisiográficos do ambiente numa
determinada região geográfica prioriza o desenvolvimento de certos estímulos
sensoriais para que os seres possam reconhecer e sobreviver sobre tais condições
naturais, formulando traços culturais nas paisagens. Destes se produzem imagens,
esboçando as representações e as relações topofílicas que a Sociedade estabelece
com a Natureza, dotando-lhe de estruturas significantes, observa Tuan (1980).
capítulo 1 – percurso e construção da pesquisa
39
A criação de sistemas codificados e decodificáveis pelos seres
humanos, criando uma estrutura espacial de representação, por meio de formas
simbólicas, é um mecanismo de relacionar-se com a Natureza. Pela construção de
uma linguagem abstrata de sinais e símbolos,
[...] os seres humanos construíram mundos para se relacionarem entre si e
com a realidade externa. O meio ambiente artificial que construíram é
resultado os processos mentais – de modo semelhante, mitos, fábulas,
taxonomias e ciência. Todas essas realizações podem ser vistas como
casulos que os seres humanos teceram para se sentirem confortáveis na
natureza [...]. (TUAN, 1980, p. 15)
O homem se apropria dos recursos que a natureza oferece e os
modifica conforme suas necessidades, interagindo com os demais elementos
naturais que o cercam rios, montanhas, florestas, montanhas, entre outros por
meio das estruturas linguísticas de significante e significado, construindo referências,
identidades, memórias, imaginário para que possam conviver entre si e com o meio
que o cercam.
Ainda conforme Tuan (1983), dominar uma porção da biosfera não é
uma característica exclusiva dos seres humanos, ao observar que pássaros e
mamíferos são capazes de manipular os elementos naturais em prol de tecer uma
espacialidade mais adequada as suas sensações de conforto e bem estar, mas que
se difere daqueles, pois, o fazem com consciência: pela intermediação de uma
intencionalidade.
São das escolhas e desenvolvimento de técnicas de domínio que se
configuram estruturas espaciais complexas e, aparentemente descoladas da
natureza. Além disso, ainda percorrendo o pensamento de Tuan, verificamos que o
meio ambiente construído define relações e funções sociais, por meio da expressão
e concretude dos sistemas de comunicação que reúnem as pessoas sob o mesmo
espaço geográfico.
1.3.3 Paisagem, Sociedade e Natureza: Rugosidades do Fenômeno Urbano
A expressão rugosidades urbanas, destacada no título deste
trabalho, possui profundidade e densidade na explicação não do ponto de vista
semântico e metafórico, mas, sobretudo, filosófico. Utilizada por Milton Santos
(1986), para explicitar as relações entre as formas de crescimento urbano, de
capítulo 1 – percurso e construção da pesquisa
40
dimensões interplanetárias, sob o contexto técnico científico informacional, como
repercussões, em que real e imaginário; concreto e abstrato; e global e local se
fundem para expressar um novo momento histórico.
O embate entre as ações de globalização e as resiliências locais,
próprias de cada território, este se modificado pela ação antrópica, se evidencia,
assumindo as paisagens fisionomias heterogêneas. Estudar a sua configuração,
permite uma compreensão da dinâmica de estruturação do espaço urbano frente
aos aspectos socioambientais numa escala local, sem perder de vista as questões
globais.
Nunes et. al. (2006) coloca que, ao modificar os elementos naturais,
o homem estrutura o território, dominado pelos sistemas de codificação para a
realização das suas atividades e da própria vida em sociedade. São as marcas do
tempo sobre o ambiente, que vão se moldando e, se modificando por meio das
relações sociais:
[...] o espaço geográfico é formado pelo menos por dois elementos: a
materialidade e as relações sociais (simbólicas). A materialidade se constitui
nas formas herdadas do passado, associada ao presente, através das
constantes modificações realizadas pela dinâmica da sociedade. as
relações sociais são as diferentes formas políticas, econômicas, culturais e
ambientais que a sociedade manifesta concretamente, principalmente na
escala geográfica local. (NUNES et. al., 2006, p. 125)
Para Santos (2008), a produção do espaço decorre das técnicas
utilizadas para que essa materialidade se efetive como expressão simbólica e, por
isso, possui importante papel para a compreensão das transformações na
modelagem e configuração das cidades. Por meio dessa dinâmica e avanço técnico
científico é que se processam e se inserem novos elementos no espaço. Ou ainda,
modificam-se os significados dos elementos naturais e sua inserção no contexto
urbano. uma constante adição de elementos na estruturação do território, sem
que necessariamente haja uma substituição por completo do pré-existente.
Ao tomarmos o conceito trabalhado por Santos (1986), referimo-nos
à dinâmica temporal que não se dissocia da espacialidade, ao contrário, é parte
constituinte para compreender o processo de transformação e resignificação dos
elementos que conformam a paisagem urbana. Desse modo, a pesquisa retoma
alguns o sentido de habitat, enquanto espaço existencial, na visão de Norberg-
Schulz (1980), e, também, pelo viés da historiografia urbana, visando elucidar a
apropriação dos corpos d’água em distintos momentos históricos e localidades
capítulo 1 – percurso e construção da pesquisa
41
espaciais, para que, as reflexões sobre os processos de crescimento e adensamento
das cidades permita uma compreensão interpretativa do atual panorama da
paisagem urbana.
As cidades representam, na atualidade, o ambiente da vida humana,
tornando-se o lugar da construção do cotidiano e das experiências vividas, que o
são moldadas separadamente das estruturas históricas ou anteriormente moldadas
nos territórios.
A adição, subtração, justaposição, conexão ou integração de novas
regiões a um núcleo preexistente, com feições diferenciadas entre si tem provocado
a alteração na qualidade ambiental da cidade como habitat, principalmente pela
constatação da degradação e exploração indiscriminada dos recursos naturais,
oferecendo riscos socioambientais, cuja magnitude e complexidade imprimem novas
configurações espaciais.
Nos últimos cinquenta anos, a problemática ambiental tornou-se
tema central do discurso relativo à gestão urbana, sendo necessários novos modos
de vida e caminhos de desenvolvimento, considerando os limites da natureza e a
conservação dos recursos naturais, sem desprezar os benefícios da tecnologia,
como ações integradas entre conservação e desenvolvimento de forma sustentável,
tendo como método de investigação o pensamento sistêmico e holístico.
Como forma de buscar o desenvolvimento sistêmico e holístico
através da sustentabilidade em todas as suas dimensões, a necessidade de se
desenvolver protótipos e linguagens estéticas que os contemplem, bem como rever
as relações entre o ambiente construído e o natural, trazendo à tona a reflexão
sobre o próprio papel como cidadão e seu comportamento ético.
A conservação e o pleno funcionamento dos ecossistemas naturais
são fatores indispensáveis para a consolidação da sustentabilidade, pois a
preocupação em atender as necessidades presentes e as futuras leva a um uso
mais racional dos recursos naturais e, em consequência, a perpetuação da vida na
biosfera. Segundo Barbieri (2005), tais exigências são obtidas a partir de avanços
tecnológicos e científicos que permitam a ampliação da capacidade de uso dos
recursos naturais, além de recuperá-los e conservá-los e a mudança de
comportamento da humanidade, estabelecendo novas posturas e modos de vida.
Essa relação remete ao questionamento de como o meio natural
capítulo 1 – percurso e construção da pesquisa
42
pode sustentar o consumo tão recorrente na sociedade pós-industrial. Hoje não mais
o crescimento da população é um agravante para a degradação ambiental, pois o
consumo exacerbado também entra no rol dos agentes do desequilíbrio ecológico.
[...] o conceito de sustentabilidade aplica-se aos recursos renováveis,
principalmente os que podem se exaurir pela exploração descontrolada [...],
no entanto, a idéia de manejo de recursos renováveis implica em
reconhecer as interações entre eles de modo controlado, para que ocorram
compensações entre as espécies e preservação da vitalidade dos
ecossistemas que abrigam. (BARBIERI, 2005, p. 38-39)
Esse mesmo autor observa que, em 1991, foi publicado o
documento “Cuidando da Terra”, pelas entidades UINC, WWF, e PNUMA que
reafirmaram o documento Nosso Futuro Comum” como importante instrumento de
entendimento das relações de interdependência entre economia e desenvolvimento,
conforme coloca o autor.
Desde os primórdios da existência humana, a água tem sido um dos
principais elementos naturais necessário para a manutenção da vida e para o
desenvolvimento de espécies da flora e da fauna, sendo, desse modo, fundamental
sua presença na natureza, como importante substância na composição do ambiente
natural ou antrópico. Isso porque, a água é responsável pela regulação do clima no
planeta, do mesmo modo que o ciclo hidrológico contribui para a caracterização
geográfica de diversas regiões da estratosfera. Desse modo, seu ciclo corresponde
a uma das mais importantes condições que permitem a sobrevivência e existência
dos ecossistemas.
O desenvolvimento de ecossistemas naturais ou artificiais conectam-
se diretamente à água, sendo um elemento indispensável da própria condição de
vida das espécies nos mais difentes ambientes: aquáticos ou terrestres, e, que inclui
a espécia humana.
Sua importância pode ser vislumbrada pelo papel que desempenhou
e desempenha na constituição das cidades, pois é essencial para o consumo
humano, em todas as escalas: da aplicação na agropecuária às atividades
industriais. Além disso, um ambiente atendido por sistemas saudáveis de
abastecimento de água e a destinação correta dos esgotos produzidos pelas
atividades humanas permitem melhores condições de saúde. No entanto, como se
observa nos grandes centros urbanos, a falta de planejamento e o crescimento
desordenado das cidades culminaram em um processo de assentamentos
desprovidos de qualquer infra-estrutura no que concerne ao saneamento ambiental,
capítulo 1 – percurso e construção da pesquisa
43
criando disparidades no espaço urbano. Essa realidade denota, conforme explica
Costa (2007), o valor econômico dado à água, cujos reflexos estão nas diferentes
condições sócio-econômicas verificadas entre as camadas sociais, presentes em um
mesmo espaço urbano.
Nesse sentido, a gestão das águas deve procurar minimizar os
efeitos nocivos que essas condições socioeconômicas impõem nas cidades, de
forma que toda a população tenha acesso à água potável para consumo e sistemas
de esgoto para que sejam minimizados os impactos sobre os cursos d’água. Essa
preocupação, além de refletir perigo para a saúde das comunidades mais carentes,
também afeta diretamente o equilíbrio dos ecossistemas, uma vez que a gestão
das águas provoca a poluição das próprias fontes de abastecimento, afetando
negativamente o ciclo hidrológico.
No sistema convencional de abastecimento de água potável,
especialmente nas áreas urbanas, os mananciais de superfície são a principal fonte
de captação para o fornecimento de água tratada. Desse modo, a gestão das águas
perpassa pela sistematização dos processos de captação da água, que requer
estações de tratamento, uma vez que os leitos de abastecimento encontram-se
poluídos para o consumo direto. Quanto maior forem os impactos negativos sobre os
leitos de abastecimento, maiores serão os recursos econômicos e tecnológicos para
tornar a água própria para o consumo humano. Repensar o saneamento ambiental
das cidades é fator fundamental para que a água não se torne um recurso natural
ameaçado.
Do mesmo modo, deve-se repensar na água, como um recurso
natural e, portanto, que sua retirada do meio ambiente, seja feita de modo a
minimizar as alterações no ciclo hidrológico processo natural de reciclagem da
água na natureza, dado pelas transformações de estados físicos, o que possibilita
um equilíbrio, no seu curso natural (Costa, 2007). Desse modo, o saneamento
ambiental dos espaços urbanos deve apresentar soluções em que as ações
antrópicas, alterem o menos possível o ciclo natural da água.
O rápido adensamento das cidades brasileiras a partir da década de
1970 resultou em uma ocupação desordenada e, muitas vezes, sem considerar as
características ambientais do sítio. Até as cidades planejadas no início do século XX,
com preceitos modernistas de salubridade, higienização e funcionalidade,
capítulo 1 – percurso e construção da pesquisa
44
expandiram-se, causando danos irreparáveis ao meio ambiente e a configuração de
tecidos descontínuos.
No processo de planejamento urbano e ambiental, a drenagem
urbana é um fator fundamental para as políticas de saneamento, considerando as
recomendações da Agenda 21, quanto à aplicação dos princípios de
sustentabilidade e da qualidade de vida, ao eleger a bacia hidrográfica como
unidade territorial para a elaboração de Planos Diretores e Planos Municipais de
Saneamento, com gestão participativa e cooperada entre os municípios. Significa
estabelecer relações equilibradas entre o ambiente construído e os recursos
naturais, ou seja, disciplinar o uso e a ocupação do solo das áreas urbanizadas.
É fundamental refletir sobre como as cidades são e como devem ser
projetadas para absorver o crescimento urbano: se forem sustentáveis permitirão
que as próximas gerações possam usufruir dos recursos naturais do planeta.
Tucci e Orsini (2005) explicam que as bacias hidrográficas pequenas
são o foco dessas ações, pois é local do ambiente urbano. Os principais impactos
apontados pelos autores são: “[...] o aumento da inundação por conta dos efeitos de
impermeabilização do solo e da aceleração do escoamento decorrente de condutos
e canais, denominado aqui de drenagem urbana.” (TUCCI; ORSINI, 2005, p. 243-
244)
As intervenções urbanas interferem neste ciclo principalmente
devido à retirada da vegetação responsável pelo processo de evapotranspiração.
Outro agravante resultado da urbanização é a impermeabilização do solo, com
calçamentos, edificações, ruas, etc. A impermeabilização gera um aumento no
volume e velocidade da água escoada superficialmente e reduz o volume de água
infiltrada e escoada subterraneamente, prejudicando a recarga dos aqüíferos
subterrâneos. Ambos os processos (retirada da cobertura vegetal e
impermeabilização do solo) levam ao enfraquecimento do solo e a erosões.
O Plano Diretor ao definir o zoneamento, o uso e ocupação do solo,
deve evidenciar a necessidade de implementação de um sistema de infra-estrutura
urbana considerando a bacia como instrumento de planejamento, tanto para otimizar
o uso da água quanto à destinação adequada dos resíduos sólidos e,
principalmente, causar menores impactos no ciclo hidrológico, determinando maiores
índices de permeabilidade dos lotes, utilização de materiais porosos nos espaços
capítulo 1 – percurso e construção da pesquisa
45
públicos, visando a melhoria da ambiência urbana. O Plano Diretor deve considerar
a carta de risco e as legislações ambientais para o ordenamento territorial, como
sistemas de controle da drenagem urbana, procurando evitar enchentes e
desmoronamentos.
1.4 O
P
ROCESSO
M
ETODOLÓGICO
(E
MPÍRICO E
T
EÓRICO
)
O caminho escolhido perpassa pela investigação de como a
representação dos valores socioambientais se corporifica, tornando-se objeto visível
e passível de ser percebido e apropriado pela sociedade, elucidando as relações
construídas entre homem e ambiente, no domínio de uma região, definindo um
espaço com particularidades fisiográficas próprias, que, também interagem na
construção do habitat humano.
A abordagem da análise urbana desenvolvida baseia-se no método
desenvolvido por Panerai (2006) para a análise urbana, por meio da iconográfica
como importante recurso de pesquisa, tendo em vista que a fragmentação do
território da atualidade supera as análises visual e sequencial das paisagens
urbanas, pois não existem mais conjuntos isolados ou elementos contínuos que
possam ser aprendidos em sua totalidade, considerando que a escala de
abordagem é metropolitana, isto é, a cidade construída por rugosidades urbanas.
É preciso habituar-se a visões fragmentárias, perder a ilusão de tudo ver,
aceitar o engarrafamento e a impossibilidade de estacionar. Memorizar
aquilo que mal se teve tempo de antever. Orientar-se e encontrar-se, ler
mapas rodoviários, saber parar, trabalhar com amostras sem perder um
entendimento de conjunto. (PANERAI, 2006, p. 43)
Além disso, a constituição do tecido urbano se processa ao longo do
tempo, resultando em configurações espaciais distintas e em diferentes níveis, o que
resulta em áreas distintas, a saber: tecidos com sedimentação histórica, tecido em
consolidação ou tecidos em estágio inicial de formação. Londrina apresenta estas
três tipologias de tecido urbano apontadas por Panerai (2006), que podem ser
delimitados, considerando a macroescala urbana, pelas próprias microbacias,
constatando a influência dos cursos d’água na estruturação da paisagem da cidade.
O autor também explicita Panerai (2006, p. 62) que a formação do
pólo de crescimento marca no tecido urbano, “[...] um lugar singular, um local de
capítulo 1 – percurso e construção da pesquisa
46
concentração que indica a acumulação histórica, o valor comercial, a carga simbólica
[...]”, sendo o centro da cidade, o lócus, que nas palavras de Rossi (2001, p. 147)
são definidos como “[...] aquela relação singular mas universal que existe entre certa
situação local e as construções que se encontram naquele lugar”. No entanto, como
bem observa Panerai (2006), o caráter simbólico do pólo de crescimento foi se
perdendo em função das transformações que a as outras atividades foram
impregnando no processo de urbanização, assumindo um caráter econômico e de
indução de crescimento sem considerar os próprios elementos naturais.
Desse modo, a análise busca identificar a concentração das
atividades que se desenvolvem pelas vias ou margens do tecido urbano; em
seguida, o território percebido, a visão tridimensional dessas áreas lindeiras e, por
fim, o território historicamente constituído, com a leitura de dados históricos e
cartográficos, associados ao conhecimento das características do sítio, visando
identificar o sistema que gerou a atual organização espacial. Com isso, entendemos
que esses três níveis colocados pelo autor, permite-nos discutir e refletir sobre o
papel das microbacias urbanas ao longo da construção da cidade de Londrina.
Para a análise, foram detalhadas as estruturas intra-regional e intra-
urbana, que refletiram na expansão urbana sobre as várias vertentes, subdivididas
em três etapas, que consideramos as mais significativas, tanto em relação aos
aspectos físicos quanto de uso e ocupação do solo, acentuando-se as atividades
que marcaram sua apropriação na dinâmica da própria evolução. Panerai, em suas
proposições (2006, p. 51): “[...] o conjunto de fenômenos de extensão e
adensamento apreendidos de um ponto de vista morfológico, isto é, a partir de sua
inscrição material no território.”, além das questões referentes “[...] a história local, a
estrutura de poder e os conflitos políticos” que interferem na constituição do tecido
urbano, definindo relações complexas entre crescimento e desenvolvimento:
Se uma certa prosperidade ou ao menos algum recurso financeiro é
necessária também uma vontade política forte e de longo prazo. Tal vontade
pode existir em períodos de recessão ou estagnação econômica e valer-se
justamente de projetos de extensão ou ordenamento urbano como motor
para a retomada e antecipação do desenvolvimento. (PANERAI, 2006, p.
52)
Nesse particular, reportamos à especificidade dessas ações em
relação aos cursos d’água urbanos, tendo como referência os tipos de uso e a
evolução da ocupação urbana e as ações de ordenamento territorial. Para tanto,
observamos as funções urbanas que assumem os corpos d’água, retomando as
capítulo 1 – percurso e construção da pesquisa
47
tipologias configuracionais das civilizações, os quais possuem um caráter universal,
tendo em vista a sua transposição para diferentes contextos e épocas distintas.
[...] um dos aspectos fascinantes do estudo das cidades é que, apesar de
suas diferenças e da identidade própria a cada uma delas, em todas podem
ser encontrados os mesmos tipos de fenômenos urbanos. Contradição
aparente ou, antes, leitura dialética que oscila sem cessar entre o universal
e o particular, a regra e a exceção, a repetição e a singularidade.
(PANERAI, 2006, p. 53)
Os períodos escolhidos para a análise se reportam, primeiramente,
desde os antecedentes da ocupação norte paranaense até a formação do núcleo
pioneiro de Londrina, contextualizando a dinâmica socioeconômica s-período
colonial brasileiro, referente à economia cafeeira, transição de Império à República.
A importância desse panorama, em termos nacionais, tornou-se pertinente devido à
própria criação de Londrina: núcleo sede da Companhia de Terras Norte
Paranaense (CTNP), formada por ingleses e fazendeiros paulistas, a qual financiou
a construção dos eixos férreos da região, até então, meados da década de 1920,
esquecidas pela Província do Paraná, transformando o Planalto Apucarana numa
das mais dinâmicas regiões do interior brasileiro, quase sempre “desvalorizado”, se
comparado com a faixa litorânea, historicamente.
São os aspectos econômicos que predominam nesse período, cuja
dinâmica rebate-se também sobre a escolha dos locais e da distribuição dos núcleos
urbanos, estruturados ao longo da via férrea e suas relações com os aspectos
fisiográficos. Passamos, desse modo, a uma análise intra-regional do espaço norte
paranaense, para, depois, em escala intraurbana, evidenciar as relações existentes
entre os corpos d’água e a sociedade, elegendo como objeto de análise, a
microbacia do Ribeirão Cambé, no perímetro urbano de Londrina. Delimitamos a
gênese de formação de suas vertentes entre as décadas de 1930 e 1950, para
retomarmos, aos dias atuais, após a apresentação da gênese de formação das
outras duas bacias escolhidas para a presente pesquisa.
O segundo momento refere-se à expansão norte do núcleo urbano
de Londrina, tomando como principal referência a atuação dos agentes públicos, das
três esferas municipal, estadual e federal na implantação de áreas voltadas para
a habitação de interesse social, cujo pano de fundo é a microbacia do Ribeirão
Jacutinga, inserida às margens do perímetro urbano, no limiar da área rural.
A gênese de formação dessa espacialidade inicia-se na década de
1960, com o Plano Diretor de 1968, responsável por definir o zoneamento da cidade,
capítulo 1 – percurso e construção da pesquisa
48
uso e ocupação, bem como prever as áreas sujeitas a absorver a expansão urbana,
ainda próxima à região central, mas em direção à vertente dos Rios Quati e Lindoia.
Na década de 1970, a expansão da cidade é incitada pelas políticas públicas de
habitação, conjugada às crises da produção agrícola, dando uma nova fisionomia à
região norte da cidade. Tomamos assim, como delimitação temporal, meados da
década de 1960 e 1970 como o período de formação das relações entre os corpos
d’água urbanos e a sociedade, para, em seguida, caracterizá-las nos dias atuais.
Como terceiro momento de estruturação da paisagem intraurbana de
Londrina, consideramos o período final da década de 1980 até os dias atuais,
pontuando o uso e a ocupação do solo na microbacia do Esperança, integrante da
bacia hidrográfica do Ribeirão Cafezal, localizado no setor sul da cidade.
No processo, verificamos a instalação de instituições de ensino,
redes de abastecimento e serviços, bem como a inserção de elementos exógenos à
realidade das cidades médias (SPOSITO, 2001), mas que tem sido um fenômeno
recorrente: a implantação de condomínios residenciais fechados na periferia das
cidades, que, para proporcionar segurança e qualidade de vida, valoriza-se a
natureza como uma amenidade aos problemas urbanos.
O processo de configuração da paisagem de Londrina, evidenciando
os corpos d’água possibilita trazer algumas reflexões acerca da dinâmica urbana,
com seus atores e aspectos de diversas naturezas, contribuindo para que o
entendimento desse processo, seja ferramenta fundamental nas ações, propostas,
projetos e intervenções sobre o espaço. Os significados dados aos corpos d’água
em cada um desses períodos são retratados, nos capítulos subsequentes, para que
possamos também refletir sobre a relação Natureza-Sociedade do século XXI.
Todas essas mudanças, datadas do final dos anos 1960 e
retomadas na virada do século, resgatam as discussões sobre o espaço existencial,
isto é, a existência humana se expressa pela espacialidade. Norberg-Schulz (1980,
p.78) explica que: “[...] não se pode dissociar o homem do espaço [...] o espaço não
é nenhum objeto externo nem uma experiência interna [...] a relação do homem com
os lugares e através deles com os espaços consiste na residência”.
Há, em primeiro lugar, a ampliação da escala. Não podemos nos
deter apenas no entorno imediato, isolado e fragmentado para compreender estes
fenômenos contemporâneos de produção do espaço. Ressoa, para muitos
capítulo 1 – percurso e construção da pesquisa
49
pesquisadores, um consenso de um mundo virtual, sem território ou da supressão do
espaço pelo tempo. Ora se isto fosse, de fato, um processo irreversível, a dinâmica
urbana deixaria de ser uma constante, bem como a afirmação e construção de
novas imagens perderiam seu sentido.
Norberg-Schulz (2005) explica que o espaço existencial se estrutura
por lugares pontos, caminhos linhas e limites polígonos, de forma tal que se
interagem e interam para conformar a totalidade do ambiente que não
circunscreve o homem como também o inscreve sob esses elementos sendo esta a
totalidade. São subsistemas intercambiáveis, conjugados, desfigurando-se em um
conjunto complexo e dinâmico, como uma expressão própria das atividades
humanas. Algumas reflexões e discussões foram desveladas, a saber:
Os recursos hídricos como elementos fundamentais para a
sobrevida dos ambientes urbanos;
Os significados atribuídos aos elementos naturais, notadamente,
os corpos d’água ao longo da historiografia urbana, permitindo traçar a evolução da
civilização e a constante presença da água;
A gestão ambiental, na esfera do planejamento urbano, coloca em
voga a microbacia como instrumento de ordenamento territorial, uma vez que a
ocupação e uso do solo urbano estão intimamente relacionados aos corpos d’água;
Os processos de degradação ambiental vinculados aos diversos
agentes, que definem diferentes fisionomias sobre as vertentes, sendo responsáveis
pela dinâmica de expansão e transformação da paisagem urbana;
O papel desempenhado pela normatização de uso e ocupação do
solo. A influência e a abrangência das intervenções urbanas do poder público, seja
no âmbito federal, estadual ou municipal, favorecendo determinadas atividades no
ambiente urbano nem sempre condicionadas à relação Sociedade e Natureza;
É por meio do trabalho de campo, percorrendo as vertentes dos
corpos d’água e suas margens que iniciamos as primeiras reflexões acerca dos usos
e ocupações que resultam na configuração da paisagem urbana atual;
O entendimento dessa organização espacial, no entanto, foi
sistematizada por temporalidades, tendo como categoria de análise a paisagem, pois
verificou-se a necessidade de desmembrar o objeto de estudo para que a gênese de
cada um dos corpos d’água analisados pudesse ser apresentada e compreendida na
capítulo 1 – percurso e construção da pesquisa
50
totalidade da estrutura urbana dos dias atuais;
A representação do espaço por meio de mapas temáticos,
ilustrações e registro fotográfico não apenas elucidam o caráter sígnico para a
percepção, leitura e interpretação da realidade, mas são, antes de tudo,
instrumentos metodológicos de análise, pois oferecem informações e desnudam o
processo de construção do ambiente urbano, verificados no trabalho de campo.
A reversão do quadro atual é latente e deve ser foco da gestão
urbana, em que a relação Natureza-Sociedade seja apreendida como fonte de
subsídios para tomada de decisões, visando a integração e uso adequado dos
elementos naturais presentes no ambiente urbano, com ênfase aos corpos d’água.
1.5 A
PRESENTAÇÃO DO
O
BJETO DE
P
ESQUISA
Para iniciar a proposta de pesquisa acerca da estruturação de
cidades novas fundadas no século XX, e suas relações com os corpos d’água
urbanos, elegemos o processo de estruturação, crescimento e ordenamento
socioambiental de Londrina, focalizando essas relações com as três principais
microbacias urbanas: Ribeirão Cambé, Jacutinga e Esperança.
Os dados fisiográficos permitem uma leitura do ambiente natural,
como um dos condicionantes da estruturação urbana, em busca do seu habitat. “A
história dos assentamentos urbanos ou rurais, sempre foi marcada por uma estreita
relação de dependência dos recursos e bens naturais em geral.” (IPPUL, 1995).
Londrina, localizada na região norte do Estado do Paraná, com
população estimada em 500.000 habitantes (2009), praticamente concentrada na
área urbana do município. A sua posição geográfica, cortada pela linha imaginária
do Trópico de Capricórnio, evidencia uma série de características e aspectos
socioambientais próprios de regiões trópico-continentais. O município de Londrina se
limita pelas seguintes coordenadas geográficas: longitude entre 50º 52’ 11” a leste e
51º 14’35” e a latitude entre 23° 10’ 17” e 23º51’1 0”. (figuras 1 e 2)
capítulo 1 – percurso e construção da pesquisa
51
Figura 1: Mapa Localização de Londrina - área urbana. Fonte: IPPUL, 2007; ITCG, 2008 e Imagem
Google Maps, 2008. Org. Pantaleão, 2010.
Figura 2: Limites territoriais do Município de Londrina, destacando a área urbana (em
vermelho) e localização dos seus distritos. Fonte: IPPUL, 1997. Org. Pantaleão, 2010.
Por estar próxima ao Trópico de Capricórnio, Londrina situa-se numa
região de transição climática, de climas denominados atmosféricos intertropicais e
equatoriais ao norte, sendo do tipo AW clima tropical úmido com chuvas de verão
e por sistemas extra-tropicais ao sul, cujo clima é do tipo Cfb clima tropical de
altitude com verão fresco (figura 3).
capítulo 1 – percurso e construção da pesquisa
52
Figura 3: Mapa Climático do Brasil. Fonte:
http://www.guianet.com.br/brasil/mapaclima.htm, acesso em 20/03/08.
Conforme Maack (1981), esse sistema é classificado pelos estudos
de vegetação, temperatura e pluviosidade, de Köpplen. De acordo com as tabelas
das normais climatológicas
2
, a temperatura média anual, de 30 anos, é de 21,3°C,
mínima de 11,7°C, registrada em maio e máxima 29,7° C, em fevereiro (figura 4).
Figura 4: Temperatura Máxima Média Anual, entre 1976 e 2005.
Fonte: IAPAR, 2005. Org. Pantaleão, 2008.
As estações do ano são bem definidas, com verões quentes e
chuvosos e invernos frios e geadas pouco frequentes. A precipitação anual média no
período de 10 anos é de 1.609mm com ocorrências em todas as estações do ano,
com maior concentração entre novembro e fevereiro
3
(figura 5).
2
Segundo dados do IAPAR, nesse período de trinta anos houve períodos de seca (1962, 1963, 1966, 1967,
1968, 1979, 1984 e 1985) com períodos de intensa atividade pluviométrica (1965 1972 a 1976 e 1980). Esse
desequilíbrio é justificado pela ação do El Niño na elevação da pluviosidade e o efeito contrário na ocorrência da
La Niña, que influencia o clima de Londrina.
3
Dados extraídos das tabelas elaboradas pelo Programa computacional de geração de gráficos (software livre),
desenvolvido pelo Instituto Agronômico do Paraná (IAPAR, 2002), que monitora a Estação Agrometeorológica de
capítulo 1 – percurso e construção da pesquisa
53
Figura 5: Precipitação (em mm), com médias mensais, para um período de 10 anos.
Fonte: IAPAR, 2005. Org. Pantaleão, 2008.
A umidade média relativa anual de 71%, com picos entre dezembro
e abril (figura 6).
Figura 6: Umidade Relativa do Ar, com médias mensais, para um período de 10 anos. Fonte:
IAPAR, 2005. Org. Pantaleão, 2008.
Londrina situa-se na Bacia do Rio Tibagi, que, conforme Mendonça
(1994, p. 31) está “[...] posicionada genericamente na direção sudeste-noroeste-
norte. A cidade situa-se na porção médio-jusante da bacia, cujo vale possui
direcionamento sul-norte [...]” com altitude decrescente de oeste para leste,
considerando-se o limite municipal, que é o Terceiro Planalto Paranaense na Serra
Apucarana. A altitude varia entre 620 a 380 m, conforme o mapa hipsométrico. Essa
variação tem relação direta com a rede hídrica, com várias nascentes de Córregos e
Ribeirões. Mendonça (1994, p.33) assinala “O relevo do sítio urbano inclina-se,
Londrina a partir de um banco de dados, fornecido pelo próprio IAPAR, versão 1.0. Disponível em
<<http://www.iapar.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=193>>. Acesso em 05/02/08.
capítulo 1 – percurso e construção da pesquisa
54
genericamente, de oeste para leste, nordeste e sudeste, decorrência de sua posição
sobre o relevo da bacia hidrográfica do rio Tibagi”. (figura 7)
MAPA HIPSOMÉTRICO DE LONDRINA
Figura 7: Mapa Hipsométrico de Londrina.
Fonte: Atlas Urbano de Londrina (2009).
CARTA DE DIREÇÃO E VELOCIDADE DOS VENTOS DE LONDRINA
Legenda
Velocidade
Direção
Figura 8: Carta de direção e velocidade dos ventos de superfície de Londrina/PR.
Fonte: Mendonça (1994).
capítulo 1 – percurso e construção da pesquisa
55
Os ventos ocorrem no sentido nordeste-norte-noroeste oriundos da
porção jusante da bacia hidrográfica do Rio Tibagi, que direciona o deslocamento do
vento dominante de leste para oeste com velocidade média de 2,6 m/s. No entanto,
pela zona de transição, é comum a ocorrência de oscilações nas temperaturas,
devido ao intenso fluxo dos sistemas atmosféricos, elevando e diminuindo a
temperatura de forma muito rápida. Isso proporciona uma mudança de direção na
primavera e no verão, quando o sentido do vento dominante é de oeste para
sudoeste (figura 8), mas que não chegam a atingir a área urbana. (IAPAR, 1998).
Observamos que a maior bacia, quanto à área de abrangência, em
relação ao município é do rio Taquara, seguido do Ribeirão Três Bocas, cuja linha
representa o limite da área urbana, sendo bacias situadas na área rural, a sul. A
expansão da área urbana, até o presente momento, ainda não atingiu essas duas
bacias e, por isso mesmo, não foram objeto deste estudo (figura 10).
Algumas microbacias estão totalmente inseridas no perímetro
urbano.Dentre elas, em função da expansão urbana, destacam-se: Cambé na
porção central; Lindoia-Quati, pertencente ao Jacutinga a norte; Esperança,
afluente do Cafezal, a sul. (figura 11). As nascentes desses ribeirões também
ocorrem na área urbana, o que justifica a denominação de microbacias urbanas
para nossas análises, pois possuem relações diretas com o uso e ocupação do solo.
As microbacias localizadas na porção norte possuem configuração
mais linear, distribuindo-se no eixo leste-oeste, enquanto que aquelas localizadas na
parte sul, acompanham o revelo com declividades mais acentuadas, se comparadas
com as demais.
[...] a drenagem do município caracteriza-se por apresentar uma
padronagem dentrítica, fato que atesta a fraca movimentação do relevo
mais aplainado que na porção sul, na qual o relevo é mais acidentado. Nas
áreas onde ocorrem a primeira situação, esta característica morfogenética,
tem apresentado maior ocorrência de assoreamento de leitos,
principalmente naqueles submetidos a urbanização circunvizinha intensa,
ou atividade agrícola dinâmica, sem presença da mata ciliar. Exemplo
característico é o Ribeirão Lindoia. (IPPUL, 1995, p. II-7)
Ainda conforme dados do IPPUL (1995), caracterizam-se pela
qualidade de suas águas, devido ao escoamento superficial, além da contaminação
por resíduos urbanos, como esgoto doméstico e industrial, bem como o lançamento
de dejetos in natura. Também acabam sendo ocupados de forma inadequada, seja
para atividades urbanas ou rurais.
capítulo 1 – percurso e construção da pesquisa
56
Tabela 1: Microbacias Hidrográficas do Município de Londrina.
Microbacia Hidrográfica Área (km²) Rio Principal Extensão (km)
Jacutinga 241 32
Limoeiro 51 16
Três Bocas 545 61
Marrecos 85 15
Apertados 350 66
Taquara 973 83
Barra Funda 110 21
Apucaraninha 89 32
Apucarana 30 14
Rio Tibagi 1.716 80
Fonte: Plano Diretor (1995)
MICROBACIAS HIDROGRÁFICAS MUNICÍPIO DE LONDRINA
Figura 9: Microbacias Hidrográficas do Município de Londrina.
Fonte: Acquametrople (2006).
Tabela 2: Microbacias Hidrográficas da Área Urbana de Londrina.
Microbacia Hidrográfica Área (km²) Extensão (km)
Cafezal 66,25 71,9
Lindoia 63,29 43,1
Cambé 51,07 48,03
*Jacutinga 36,08 33,30
*Três Bocas 14,41 26,09
Limoeiro 13,56 15,70
Total 245,42 32
*considerou-se apenas as vertentes norte do Jacutinga e a sul do Três Bocas e não sua área total.
Fonte: Atlas Urbano de Londrina (2009)
MICROBACIAS HIDROGRÁFICAS ÁREA URBANA
Figura 10: Microbacias Hidrográficas do Município de Londrina. Fonte: IPPUL, 2005. Org. Pantaleão, 2010.
capítulo 1 – percurso e construção da pesquisa
57
Antes da ocupação planejada, a região tinha 100% de cobertura
vegetal florestal, conhecida como Mata Pluvial Tropical e Subtropical dos Planaltos
inferior. A região do Norte do Paraná apresenta poucos resquícios da cobertura
vegetal original, devido ao rápido desenvolvimento agrícola ocorrido nas primeiras
décadas de implantação das cidades pela CTNP e a urbanização intensa alteram a
paisagem natural. (figura 12).
Figura 11: Remanescentes da Mata Nativa.
Fonte: IPPUL, 1995.
A flora que cobria a área de Londrina possuía variedades de
espécies e gêneros de vegetação, algumas das quais se destacam pelo valor
econômico: Figueira Branca, Peroba, Pau d’alho, Pinheiro do Paraná, entre outras,
Segundo dados do Plano Diretor (1995), a área urbana apresenta cobertura vegetal
satisfatória, sendo registrada em 1991, uma área de 39,67m²/hab, acima do
capítulo 1 – percurso e construção da pesquisa
58
recomendado de 12m²/habitante hoje este índice encontra-se em torno de
30m²/hab. No entanto, esse cálculo considerou todo o perímetro urbano da cidade,
mas no mapeamento do IPPUL (1995) percebe-se nitidamente a distribuição
dessas áreas em todo o perímetro, havendo áreas com bastante cobertura vegetal e
outras com pequenas áreas, como é o caso da região central.
As áreas rurais não possuem cobertura vegetal, devido ao
agronegócio da soja e do milho. Esse fator atua negativamente nas condições
climáticas, evidenciando-se que a vegetação na área urbana não cumpre o papel de
estabilizar os efeitos do clima, conforme Romero (2000):
A vegetação auxilia na diminuição da temperatura do ar, absorve energia,
favorece a manutenção do ciclo oxigênico-gás carbônico essencial à
renovação do ar. Um espaço gramado pode absorver maior quantidade de
radiação solar e, por sua vez, irradiar uma quantidade menor de calor que
qualquer superfície construída, uma vez que grande parte da energia
absorvida pelas folhas é utilizada para seu processo metabólico, enquanto
em outros materiais toda a energia absorvida é transformada em calor.
(ROMERO, 2000, p. 32)
Da mesma forma que as arborizações
4
encontradas nas áreas livres
públicas e privadas, as árvores que acompanham o sistema viário exercem função
ecológica, no sentido de melhorar do ambiente urbano, e estética, por proporcionar o
embelezamento das vias públicas e, consequentemente, da cidade.
Algumas contribuições significativas na melhoria da qualidade do
ambiente urbano são citadas a seguir: purificação do ar pela fixação de poeiras e
gases tóxicos e pela reciclagem de gases através dos mecanismos fotossintéticos;
melhoria do microclima da cidade, pela retenção de umidade do solo e do ar e pela
geração de sombra. Fatores que evitam a incidência direta dos raios solares sobre
as pessoas; bem como a redução na velocidade do vento.
Outro ponto importante é sua contribuição para balanço hídrico,
favorecendo infiltração da água no solo e provocando evapotranspiração mais lenta;
abrigo à fauna, propiciando uma variedade maior de espécies, conseqüentemente
influenciando positivamente para um maior equilíbrio das cadeias alimentares e
diminuição de pragas e agentes vetores de doenças; e amortecimento de ruídos.
4
Entende-se por arborização urbana toda cobertura vegetal de porte arbóreo existente nas cidades. Essa
vegetação ocupa, fundamentalmente, três espaços distintos: as áreas livres de uso públicas e potencialmente
coletivas; as áreas livres particulares e acompanhando o sistema viário.
capítulo 1 – percurso e construção da pesquisa
59
Outra função importante da arborização que acompanha o sistema viário é seu
préstimo como corredor ecológico, interligando as áreas livres vegetadas da cidade,
como praças e parques
5
.
Mediante essas reflexões, percebemos o quanto é importante
reconhecer e valorizar os aspectos naturais, que estão diretamente relacionados ao
conforto ambiental, sendo indispensáveis para a gestão urbana e ordenamento
territorial. Consideramos o clima, a vegetação, o relevo e as águas como aqueles
que mais interagem com o meio urbano, mas nos detemos, para nosso estudo, nas
discussões pertinentes a presença das águas na cidade de Londrina.
No entanto, para que possamos entender melhor as relações
existentes entre a água e o homem, reportamos a algumas colocações importantes e
essenciais que foram fundamentais para que pudéssemos avaliar as microbacias no
contexto urbano de Londrina. É necessário conhecer as microbacias urbanas para a
adequação do desenho urbano de modo a proporcionar o equilíbrio entre o meio e o
homem. O capítulo que segue discorre acerca do desenvolvimento das civilizações,
colocando a água, por vezes, protagonista ou relés figurante na construção do
habitat.
5
Questões desenvolvidas durante a Especialização em Arquitetura e Urbanismo, REABILITA, pela
Unb, 2007.
CAPÍTULO
CAPÍTULO CAPÍTULO
CAPÍTULO 2
22
2
D
DD
DE
EE
E ABRIGO
ABRIGO ABRIGO
ABRIGO A CONSTRUÇÃO DO AMBIENTE
A CONSTRUÇÃO DO AMBIENTEA CONSTRUÇÃO DO AMBIENTE
A CONSTRUÇÃO DO AMBIENTE:
: :
: A INSERÇÃO DAS ÁGUAS
A INSERÇÃO DAS ÁGUAS A INSERÇÃO DAS ÁGUAS
A INSERÇÃO DAS ÁGUAS
NA REVISITAÇÃO
NA REVISITAÇÃONA REVISITAÇÃO
NA REVISITAÇÃO HISTORIOGR
HISTORIOGR HISTORIOGR
HISTORIOGRÁ
ÁÁ
ÁFI
FIFI
FIC
CC
CA
AA
A URBANA
URBANA URBANA
URBANA
capítulo 2 – de abrigo a construção do ambiente: a inserção das
águas na revisitação historiográfica urbana
61
“[...] aquela cidade também se estende
pois sempre junto aos rios
prefere se fixar aquela gente;
sempre perto dos rios,
companheiros de antigamente,
como se não pudessem
por um minuto somente
dispensar a presença
de seus conhecidos de sempre.”
(João Cabral de Melo Neto)
A água sempre esteve presente nas relações do homem com o
mundo: é um elemento indispensável à vida humana. Desde os primórdios dos
agrupamentos humanos, a água esteve presente. As relações entre a água e a
humanidade se desenvolveram muito atreladas à própria cultura de cada civilização,
bem como mediante ao ambiente que os envolveram.
Peixoto cita que “[...] várias culturas indicavam as águas primordiais
como origem de todas as coisas.” (PEIXOTO, 2007, p. 4). Prosseguindo em suas
colocações, o autor evidencia a discussão filosófica iniciada por Tales de Mileto,
quando buscou a unidade do ser na água e acrescenta, ao repousar o invólucro das
cidades como abrigo e proteção:
[...] a vida urbana sempre dependeu da água. Desde Mileto do Séc. VI antes
de Cristo em que viveu Tales, à Mileto helenística de Hipódamo, no Séc. III
a. C.; da cidade sonhada de Dinócrates à cidade transatlântico do sonho de
Le Corbusier; da mítica Babel do Gênesis à Alexandria e dessas cidades do
mundo subconsciente coletivo da humanidade [...]. As águas dos portos do
mar abastecem e enriquecem as cidades. Há indispensáveis águas de rios
e lagos, águas nas fontes das praças. Nos jardins urbanos, na arborização
das ruas verdes que são a florescência viva das águas escondidas. São
formas de águas urbanas os esgotos “águas servidas” e seus destinos.
Tudo é água e a cidade é tudo [...] (PEIXOTO, 2007, p. 7)
Todas essas palavras ressoam quando falamos de água e cidades:
“Mitos, crenças, símbolos, signos, palavra e inconsciente, bem como enchentes,
inundações, esgoto, gestão, entre outras”. Relacionar-se com o mundo ou povoá-lo
de impressões particulares são algumas das principais sensações provocadas em
nosso imaginário de que o atual desenvolvimento urbano não existiria sem a água.
[...] a ideia da terra como um disco plano, cercado por água e flutuando
sobre ela, aparece em muitas partes do mundo. A ideia pode enraizar na
mente das pessoas apesar da evidencia do meio ambiente, que pode ser
um planalto desértico, uma região montanhosa ou uma ilha. (TUAN, 1980,
p. 41)
E ainda, nas palavras de Fagundes (2006):
A água determina a vida humana fundamentalmente. No fundo, somos
todos de água. Por isso, o uso de água na vida social é a participação num
ciclo ecológico que permeia o apenas os nossos próprios corpos, mas
capítulo 2 – de abrigo a construção do ambiente: a inserção das
águas na revisitação historiográfica urbana
62
também os corpos de todos os outros seres vivos como também a
paisagem e a atmosfera. [...] a água é mais do que um recurso é um bem
essencial em termos ecológicos e um patrimônio em termos culturais; nele
está embutido um conjunto de valores que dizem respeito às mais diversas
dimensões da vida, como o biológico, o econômico, o simbólico, o sagrado,
o lúdico, e outros. (FAGUNDES, 2006, p. 2)
O marco inicial, desse modo, das civilizações teve influência direta
das águas, pois, em vários pontos da Terra, o sítio escolhido para se desenvolverem
foram os vales dos rios. Local em que a humanidade começou o processo de
superação desse invólucro, visando romper a camada que nos envolve, mas que,
com a crise ambiental, percebemos que somos incapazes de criar uma redoma
artificial. As sociedades articulam com os sítios, em que estruturam, delineando
formas de representação das próprias relações que se estabelecem.
O meio ambiente natural e a visão de mundo estão estritamente ligadas: a
visão do mundo, se não é derivada de uma cultura estranha,
necessariamente é construída dos elementos conspícuos do ambiente
social e físico de um povo. Nas sociedades não tecnológicas, o ambiente
físico é o teto protetor da natureza na miríade de conteúdos. Como meio de
vida, a visão do mundo reflete ritmos as limitações do meio ambiente
natural. (TUAN, 1980, p. 91)
A linguagem é o instrumento pelo qual a utilização do espaço
adquire formas simbólicas de representação das relações cósmicas, ao fundar o
mundo. O reconhecimento do território, que por sua vez, permite o desenvolvimento
dos sentidos de direção, orientação e localização: “[...] as pessoas tendem a
estruturar o espaço geográfico e cosmológico com elas no centro e a partir daí,
zonas concêntricas com valores decrescentes” (TUAN, 1980, p. 30).
São os elementos naturais que permitem um desenvolvimento mais
apurado dessas sensações, sendo que a água é o elemento de ligação das relações
cósmicas, bem como de localização geométrica, constituindo-se como o elemento
essencial na apropriação de uma porção geográfica, na concepção de Tuan (1983).
O costume de estruturar o mundo em substâncias, cores, direções, animais
e traços humanos, estimula uma visão simbólica do mundo. Em um
esquema cosmológico, uma substância imediatamente sugere uma cor, que
por sua vez sugere um traço da personalidade humana ou um estado de
ânimo. Em um mundo tão ricamente simbólico, os objetos e eventos
assumem significados [...]. os significados de muitos símbolos são
orientados pela cultura. (TUAN, 1980, p. 26)
A espacialidade é estruturada, então, por uma linguagem abstrata,
que permite ao homem sistematizar o ambiente natural conforme sua organização
sociocultural. Aos elementos naturais são atribuídos significados cósmicos e
geográficos, emoldurando os limites territoriais e, cada sociedade tende a
posicionar-se no centro: “a ilusão de superioridade e centralidade provavelmente é
capítulo 2 – de abrigo a construção do ambiente: a inserção das
águas na revisitação historiográfica urbana
63
necessária para a manutenção da cultura. Quando a crua realidade despedaça essa
ilusão, é possível que a própria cultura decline.” (TUAN, 1980, p.36)
Os rios assumem papel decisivo na relação dos sistemas humanos e
naturais, proporcionando a estruturação dessa linguagem cosmográfica,
representada por esquemas abstratos presente desde os povos primitivos. Não
apenas como interação desses sistemas e criação de uma linguagem comunicativa,
observamos a apropriação dos corpos d’água, ao longo da evolução humana, pois
as suas propriedades sicas permitem que sejam navegáveis e caminhos para as
trocas comerciais em vários momentos, bem como representavam o limite do
território dominado e a demarcação de fronteiras com outros povos.
Mesmo que houvesse um isolamento entre as civilizações,
verificamos que os valores culturais atribuídos aos corpos d’água é um traço forte na
configuração das paisagens. Também, o conhecimento do ciclo hidrológico e o
aproveitamento das cheias, a canalização e abastecimento das cidades antigas é
uma notória interação entre homem e ambiente. Mumford (1998) enaltece a
importância dos rios:
Os próprios rios foram as primeiras auto-estradas, tão logo se inventaram os
barcos: correias móveis de água, com mil quilômetros de extensão, no Egito
e na Mesopotâmia, mil e seiscentos no vale do Indo.Formavam um sistema
dorsal de transportes que servia de modelo para a vala de irrigação e o
canal; ao passo que suas súbitas enchentes ou inundações periódicas
tornavam necessário que os cultivadores de aldeia se ajuntassem em
grupos para reparar os danos da tempestade, para guiar as águas ao redor
de seus campos, a fim de atravessar as secas, e para criar, toda uma rede
de represas, canais e obras de irrigação. (MUMFORD, 1998, p.68).
As cidades expressam a relação sociocultural integrada e, desde as
primeiras civilizações, foram nas margens dos cursos d’água que elas brotaram e
prosperaram em ambientes de beira de rios do Oriente Próximo, conforme
exemplificou Tuan (1980). A rede de significados nas relações homem-natureza são
motivadas por elementos terrestres terra, água, fogo, ar, mineral, vegetal, e os
elementos bióticos.
Ainda que as cidades contemporâneas tenham atingindo um alto
grau de desenvolvimento e absorção das técnicas científicas para a estruturação do
suporte físico, criando milhares de redes de infraestrutura, a água percorre este
espaço, seja pelos cursos naturais ou pelos artifícios de canalização de sua direção.
A água é o sangue da vida das cidades: impele fábricas, aquece e resfria as
casas, nutre os alimentos, mata a sede e carrega dejetos. As cidades
importam mais água do que todos os outros bens e matérias-primas
capítulo 2 – de abrigo a construção do ambiente: a inserção das
águas na revisitação historiográfica urbana
64
combinados. Água suficiente não é apenas um pré-requisito para saúde, é
essencial para a vida. Apesar de sua desesperada necessidade de água, e
apesar de sofrerem com sua crescente escassez, as cidades sujam e
desperdiçam o precioso líquido. (SPIRN, 1995, p. 145).
Não podemos desvincular os aspectos físicos e as formas urbanas
que são construídas em suas margens. Seguindo as observações da autora: “no
ambiente natural de cada cidade, existem elementos diferenciados e elementos
comuns”. Spirn (1995) reforça alguns aspectos da gênese de antigas aldeias que se
tornam cidade, valorizando alguns elementos do próprio local:
Muitas cidades devem sua localização, seu crescimento histórico e a
distribuição da população, bem como o caráter dos seus edifícios, ruas e
parques às características diferenciadas de seu ambiente natural. Muitas
cidades ocupam o sítio de antigas aldeias, escolhido pelos primeiros
habitantes por causa da facilidade de defesa, acesso à água, combustível e
material para construção, além da proximidade das rotas de transporte.
(SPIRN, 1995, p. 27).
Sob o aspecto físico e da forma urbana, os rios são fortes elementos
da paisagem e, geralmente, espinhas dorsais das cidades que se desenvolvem às
suas margens. Eles estruturam o tecido urbano que lhes é adjacente, tornando-se
muitas vezes eixos de desenvolvimento do desenho da cidade. Eles, às vezes,
modelam a paisagem, direcionando o crescimento das aglomerações urbanas ou
limitam seu crescimento, e, ainda, delimitam a configuração urbana e, em alguns
casos, servem como divisas territoriais.
Bacon (1995, p. 13) afirma que a forma da cidade é um indicador do
estado de uma civilização, à medida que, ao analisar suas estruturas conseguimos
desvendar os processos visíveis e não tão visíveis, mas que são traços imprimidos
pela cultura e as interralações socioambientais. As relações entre as formas urbanas
e os processos sociais que as produzem e delas se apropriam são, realmente,
indicativos das características socioambientais.
O estudo da história urbana, como processo social permite, desde o
presente, determinar o nosso futuro, pois, a cidade sofre inúmeras modificações
(MUMFORD, 1998, p. 620), porém, as inovações devem levar em consideração a
arte e o pensamento, com uma especial dedicação aos processos ecológicos. O viés
temporal permite uma compreensão mais clara de como esses processos ecológicos
podem ocorrer, na análise das paisagens e suas transformações.
Ao observamos a foto de um satélite (figura 13), amplamente
divulgada pela NASA (2000), vislumbramos a gama da urbanização do planeta pelas
luzes artificiais, mesmo que o predomínio visual seja de água. Pequenos pontos
capítulo 2 – de abrigo a construção do ambiente: a inserção das
águas na revisitação historiográfica urbana
65
contornam as extremidades da porção continental, evidenciando a proximidade das
grandes metrópoles aos cursos d’água. Nas palavras de Spirn (1995):
Vista do espaço, a Terra é um mundo-jardim, um planeta de vida, uma
esfera de verdes e azuis envolta numa atmosfera úmida. À noite, as luzes
das cidades brilham ao longe, formando constelações tão distintas e
variadas como as do firmamento além. [...] quando surge um novo dia, as
luzes apagam-se, sobrepujadas pela luz do sol; mares azuis, florestas e
campos verdes emergem, contornando vastas constelações urbanas e
nelas penetrando. Mesmo vistas tão de longe, a essa altura da terra, as
cidades são um mosaico cinza, permeado por gavinhas e pontos verdes,
com largos rios e grandes parques dentro delas. (SPIRN, 1995, p. 19)
Figura 12: Cidades a Noite, vistas do Espaço. Fonte: NASA, 2000.
Os pontos iluminados que indicam cidades, distribuídas no mapa-
múndi estão concentradas em alguns espaços geográficos, especificam a relação do
nosso imaginário com o progresso ou a possibilidade da existência de espaços
diferenciados em relação a outras áreas opacas. Um traço comum entre essas áreas
diz respeito a localização nas bordas dos continentes, indicando que, a presença da
água é uma constante no ambiente antropizado, e, passando a tema central de
várias linhas de pesquisas da atualidade frente aos problemas socioambientais que
o crescimento desordenado impregnou sobre o ambiente urbano.
Tendo em vista que a formação dessa constelação de cidades
esteve entrelaçada à proximidade da água, retomamos algumas discussões de
como este elemento foi sendo apropriado nos diferentes momentos históricos,
adquirindo maior ou menor importância no crescimento e desenvolvimento do habitat
humano, ora pelos seus aspectos simbólicos, ora funcionais. A bibliografia que trata
da evolução urbana e a formação das primeiras cidades enfatiza a importância
desse elemento na configuração espacial, e, por vezes, torna-se o princípio
capítulo 2 – de abrigo a construção do ambiente: a inserção das
águas na revisitação historiográfica urbana
66
regulador das transformações da paisagem, numa dinâmica envolvendo o espaço-
tempo. Por exemplo, podemos citar Coulanges, 1961; Aymonino, 1983; Topalov,
1991; Bacon, 1995; Mumford, 1998; Benévolo, 2001; Kostof, 1999; Morris, 2001;
Tuan, 1980, 1983; Kolhsdorf, 1996; Lamas, 2000; Panerai, 2006; Mello, 2008;
Trevisan, 2009.
Mello (2008) em sua tese de doutorado Na Beira do rio tem uma
cidade coloca que as abordagens sobre a questão da água no Brasil, tomam como
fio condutor a problemática da poluição, diferentemente de sua proposta, que marca
o resgate da inserção das águas na construção de ambientes urbanos. A autora
identifica duas vertentes relativas ao modo de ver e atuar sobre os espaços urbanos
de beira-d’água
[...] a vertente de valorização dos corpos d’água, na qual esses são
considerados no planejamento e incorporados à paisagem urbana, e a
vertente de desvalorização dos corpos d’água, na qual esses são
desconsiderados, permanecendo como subprodutos urbanos, quando não
desaparecem completamente da paisagem. (MELLO, 2008, p. 28).
A água como força motriz na evolução das civilizações é o tema
deste capítulo, que desenvolvemos a partir de pesquisas em estudos urbanos,
retratada por esses autores que buscam identificar as motivações e os processos
sociais como representação espacial ou que analisam a própria estrutura urbana
para identificá-los. O interesse aqui tratado se reporta mais especificamente à
segunda abordagem, ou seja, que destaca os elementos estruturadores dos
processos socioambientais.
Aferimos assim, a distinção de vários momentos históricos da
evolução urbana, quanto ao tratamento dado à água e os possíveis significados.
Mello (2008) observa na historiografia urbana, que essas relações não são
retratadas no foco das reflexões. Essa constatação também foi sentida no decorrer
do trabalho, e, por isso mesmo, o que nos levou a agrupar distintas civilizações, de
diferentes tempos e lugares e seu modo de habitat pelos seus traços mais
característicos. A intenção foi identificar possíveis tipologias civilizatórias quanto à
apropriação dos cursos d’água.
O termo civilização aqui está condicionado à “cultura material das
cidades” (YÁZIGI, 2003). Nas palavras do autor:
É sobretudo nos centros urbanos que pode acontecer a necessária
concentração de energia, as estruturas sociais e especializações que
tornam possiveis as invencoes, os progressos técnicos e intelectuais. [...] é
a cultura que produz civilização – do mesmo modo que espaço e sociedade
capítulo 2 – de abrigo a construção do ambiente: a inserção das
águas na revisitação historiográfica urbana
67
são indissociáveis, como define o método geográfico. (YÁZIGI, 2003, p. 29)
O método ao qual Yázigi (2003), apoiando-se em Braudel, considera
o espaço delimitado pela cultura, sem torná-lo rígido, mas com conteúdo: “São áreas
culturais entre as culturas; sempre subordinadas a permanentes trocas. [...] sempre
como produto da historia.” Consideramos então o termo civilização a estas
espacialidades que a sociedade cria e imputa ao meio natural peculiaridades
próprias, num processo de continuidade constante. (YÁZIGI, 2003, p. 29-30).
A precisão não é histórica, mas permeia o campo da historicidade
urbana. No processo de configuração espacial, a revisitação historiográfica permite-
nos resgatar as relações fundamentais e essenciais natureza-homem, que podem se
repetir, mas nunca se conformar como um modelo urbano ou espacial. São pelas
transformações que rompem e proporcionam novos modos de dominar o espaço que
nos conduziu a diferenciar a apropriação dos corpos d’água pelos seguintes tipos de
civilização, que também não deixam de ser tipos urbanos. São elas: 1. Civilizações
Místicas; 2. Civilizações Antropocêntricas; 3. Civilizações Colonizadoras; 4.
Civilizações Institucionalizadas e 5. Civilizações em rede e fluxos tecnológicos.
As primeiras experiências e representações da espacialidade do
habitat heideggeriano, isto é, marcar a presença humana sobre a superfície
terrestre, de forma consciente ao interpretar os fenômenos astronômicos, criando um
conjunto de significados e funções cósmicas. Significa que os primeiros
assentamemtos humanos consideraram as forças da natureza como protagonistas
na definição de seus habitats, cujo domínio espacial representasse a interferência
humana, sem, contudo desprezar seu entorno (CEÇA, 2006). As civilizações que
se desenvolveram sob essa perspectiva foram definidas pela tipologia civilizações
cosmo-místicas.
também as sociedades que enaltecem o homem e toda a sua
racionalidade, rebatendo essa visão mística de mundo sobre a apropriação dos
espaços, – referimo-nos as civilizações antropocêntricas.
Depois, analisamos as sociedades que incursaram pela descoberta
ou comprovação de novos mundos, seja pelas conquistas dos imperadores romanos
ou pelas grandes navegações, lideradas por espanhóis e portugueses, com
fundação de colônias. Compreendem a tipologia civilizações colonizadoras. É
importante ressaltar que são as novas colônias o foco da discussão, a partir do
capítulo 2 – de abrigo a construção do ambiente: a inserção das
águas na revisitação historiográfica urbana
68
desejo de vários povos em ampliar seu domínio territorial.
No processo de inversão campo-cidade, o papel das instituições
passa a ser um importante aspecto, muitas vezes, preponderando as relações
espaciais de produção, circulação e fluxos, cujas influências emanam com mais
força para o seu entorno rural ou regional, legitimando o poder urbano em todas as
relações socioambientais. No período denominado de técnico-científico por Milton
Santos (1994), as cidades ressurgem evidenciando não o seu poder espacial
como também se sujeitando ao domínio simbólico ou real de outros elementos
significativos do mundo contemporâneo. Essas questões são abordadas na tipologia
definida como civilizações institucionalizadas.
Nessa revisão historiográfica, é importante pontuar as relações
propiciadas pela Revolução Industrial e a formação das metrópoles globais,
inseridas primeiramente no período fordista e taylorista, para em seguida,
compreender o papel das águas na sociedade contemporânea, via rede de fluxos da
informação e comunicação.
O aprofundamento nem sempre recorre a uma linearidade histórica
precisa, pois ao pontuar o sentido das águas evocado em cada uma dessas
tipologias apresentadas, temos como propósito compreender o papel
desempenhado por este elemento e aprofundá-lo com o objeto de estudo, em que
serão desenvolvidas as principais ideias das formações das civilizações místicas à
constituição da formação das metrópoles e da sociedade contemporânea para a
compreensão da espacialidade de Londrina.
A retomada das relações entre água e civilização corrobora na
afirmação de que as águas sempre fizeram parte da formação urbana, tanto no
sentido de conflitos em relação ao seu uso, como também pela necessidade de
reconstruir relações de equilíbrio, pois a água é um importante recurso para a vida
do homem na sua relação com seu habitat.
2.1.C
ONSTRUÇÃO DE ABRIGOS E
S
ENTIDO DE
H
ABITAT
A configuração espacial urbana se estrutura a partir de elementos
característicos e, na maioria das vezes, estabelecem conexões entre ambiente e
capítulo 2 – de abrigo a construção do ambiente: a inserção das
águas na revisitação historiográfica urbana
69
sociedade para o sua plena formação, transformação e evolução. Ainda que os
primeiros agrupamentos humanos, da era paleolítica, não estabelecessem um
habitat, entendido como a construção de um abrigo perene, as relações com o
ambiente se concretizavam.
O modo de viver ou de se constituir é um mecanismo da natureza
humana que se concretiza pelo domínio do espaço que o cerca. Esse conceito,
desenvolvido por Langer (1980 apud RIBEIRO, 2003, p. 46) é compartilhado por
Tuan (1980), que, em suas explanações sobre a topofilia demonstra que mesmo os
esquimós conseguem diferenciar a cor da neve, em sutis tons, ao contrário daquele
que não convive com este mesmo perfil geográfico. Domínio representa o
reconhecimento das características do ambiente e os códigos e significados que são
desenvolvidos a partir daí.
É pela transformação do ambiente natural que se processa o
espaço, o qual passa a ser contido por limites, tamanhos, formas, dimensões,
superfície, entre outras características de articulação e organização, recortando
parte do vasto espaço que o envolve. Em consequência, podemos pensar sobre a
concretude de um espaço “[...] como sendo um centro de um mundo visível, que
corresponde ao domínio, ou seja, a um espaço não geográfico, perceptivo, com
princípio organizativo próprio, essencialmente simbólico.” (RIBEIRO, 2003, p. 46)
Sendo perceptível, os espaços organizados demandam uma
interpretação, podendo ser lidos como textos, pois se estruturam por sistemas
simbólicos em que a arquitetura da cidade retrata o intermédio entre os aspectos
culturais e o rebatimento concreto dos mesmos, oferecendo um ambiente a ser
habitado conforme a visão de mundo daquele que o habita. Nas palavras de Ribeiro
(2003, p. 48): “[...] por meio das várias maneiras de configurar o espaço, o homem
confere significado aos lugares [...]”.
As palavras de Tuan (1983, p. 66) reforçam essas ideias: “[...] o
espaço, uma necessidade biológica de todos os animais, é também para os seres
humanos uma necessidade psicológica, um requisito social, e mesmo um atributo
espiritual”. Isso porque a interferência humana sobre o espaço, o modela e o
modifica, tecendo uma rede de significados, que favorecem o aguçamento do
sentido de direção e orientação, tornando-os lugares habitáveis.
A questão do habitar é uma condição da existência humana, pois é
capítulo 2 – de abrigo a construção do ambiente: a inserção das
águas na revisitação historiográfica urbana
70
por meio do habitar que se articulam e se efetivam as conexões entre os aspectos
visíveis e invisíveis no espaço. “quando um espaço nos é inteiramente familiar,
torna-se lugar” (TUAN, 1983, p. 83). (figura 14)
Figura 13: esquematização do conceito de lugar para Tuan. Fonte: elaborado pela autora, 2010.
Os conceitos desenvolvidos por Tuan (1980; 1983) também foram
trabalhados por Norberg-Schulz (1975; 1980) ao tratar os vínculos que o homem
confere ao espaço, em busca de uma teoria arquitetônica, denominado de genius
loci. Para Norberg-Shculz, a arquitetura representa os vínculos entre homem e meio,
sendo muito mais que mera função, como defendia os precursores do movimento
moderno. Nesse sentido, a visão de Norberg-Schulz se apropria dos
questionamentos de Heidegger (1951) sobre a existência humana, a partir da qual
analisa como a arquitetura representa e possibilita as significações do habitat.
Verificamos que muito mais do que entender a prática arquitetônica, o autor buscava
entendê-la como ciência, pois a racionalidade positivista não abarcava as questões
de significação que o homem cria a partir das artes, sendo a arquitetura um
fenômeno concreto. Nas palavras do autor:
[…] “existential foothold” and “dwelling” are synonyms, and “dwelling”, in an
existential sense, is the purpose of architecture.[…] Architecture means to
visualize the genius loci, or “spirit of place”, has been recognized as the
concrete reality man has to face and come to terms with in his daily life.
(NORBERG-SCHULZ, 1980, p.5)
Para entender a relação que o homem estabelece com o espaço e
cria seus significados, o autor explica que o lugar possui uma estrutura, a qual pode
ser descrita por paisagens. Essa estrutura se constitui pela formação tridimensional
do espaço, em função dos elementos que o constituem, que, por sua vez,
estabelecem a atmosfera do lugar, isto é, o espaço vivido, dotado de significações. É
o sentimento de pertencimento, de fazer parte e de possuir raízes numa determinada
porção de espaço, conhecido e reconhecido, que os homens habitam a terra.
Norberg-Schulz qualifica o espaço existencial definido como a imagem estável do
ambiente circundante que o faz pertencer a uma totalidade social e cultural.
Em outras palavras, estabelecem-se redes de comunicação e
capítulo 2 – de abrigo a construção do ambiente: a inserção das
águas na revisitação historiográfica urbana
71
interação entre homem e ambiente, em que se afetam mutuamente de acordo com
as experiências vividas. Não se trata apenas de discorrer sobre o espaço, mas de
uma dimensão espaço-temporal. (NORBERG-SCHULZ, 1980).
Figura 14: Esquematização do conceito de Norberg-Schulz sobre o lugar, respaldado na
fenomenologia existencialista de Heidegger. Fonte: elaborado pela autora, 2010.
[ o espaço] é tão plástico e imaterial como o próprio tempo, variando com os
indivíduos, com os povos, com as épocas, e, principalmente, com os pontos
de vistas. Não existe um espaço objetivo e autônomo do ser humano.
Existem diferentes maneiras de perceber e compreender esse espaço
‘bruto’, fora, sem significação, a espera de minha chegada. Por exemplo,
desse mesmo espaço podemos produzir as mais diversas representações,
como a do pintor, do arquiteto, do fotógrafo, do engenheiro, do médico etc.
Mas certamente, a somatória deles nunca retratará a experiência de cada
um, apenas ampliará seus sentidos, mostrando a existência de diversos
pontos de vista. (FUÃO, 2004, s. p.)
Desse modo, o sentido de espaço se torna possível pela
presença humana, e que, para Heidegger (1951), revela-se o ser, em essência. Da
mesma maneira que Heidegger (1951) buscou distinguir construir de habitar,
Norberg-Schulz (1980) discorre sobre a distinção de espaço e lugar, objeto também
discutido por Tuan (1983). Reis-Alves (2007) retoma essas questões:
[...] o lugar é o espaço ocupado, ou seja,habitado, uma vez que uma de
suas definições sugere sentido de povoado, região e país. O termo
habitado, de habitar, neste contexto, acrescenta à idéia de espaço um novo
elemento, o homem. O espaço ganha significado e valor em razão da
simples presença do homem, seja para acomodá-lo fisicamente, como o seu
lar, seja para servir como palco para as suas atividades. (REIS-ALVES,
2007, s. p.)
Retomando as reflexões de Tuan (1983, p. 151): “[...] o espaço
transforma-se em lugar à medida que adquire definição e significado. [...] No entanto,
não é possível descrever o lugar sem introduzir explicitamente conceitos espaciais”.
E estes, por sua vez, dependem da topofilia, da experiência vivida, cujo tempo é
primordial. Reis-Alves (2007) complementa:
[...] as sociedades antigas compreendiam o espaço qualificando-o nessas
duas formas, o primeiro é o território habitado, é o mundo, o nosso mundo, é
capítulo 2 – de abrigo a construção do ambiente: a inserção das
águas na revisitação historiográfica urbana
72
conhecido e sagrado (Cosmos), e o segundo, o espaço indeterminado que
cerca o primeiro, é um outro mundo, é desconhecido e profano, é o Caos,
habitado por figuras estranhas e monstros. Nenhum “Mundo” pode nascer
no Caos da homogeneidade e da relatividade do espaço profano.
Conferindo um caráter ao lugar, através do genius loci, o homem colocava-
se em posição central no universo. Este exercício não era mais do que a
repetição de um ato primordial: trabalhando a terra desconhecida, realiza
novamente o ato dos deuses que organizaram o Caos, dando-lhe uma
estrutura, formas e normas, interpretando-o para nele poder habitar. (REIS-
ALVES, 2007, s. p.)
Norberg-Schulz (1980, p. 6) recorre à fenomenologia para definir o
espaço existencial, o qual: “[...] não é um termo lógico-matemático, mas compreende
as relações básicas entre o homem e o seu meio”, conforme Reis-Alves (2007):
[...] no Caos da homogeneidade e da relatividade do espaço profano.
Conferindo um caráter ao lugar, através do genius loci, o homem colocava-
se em posição central no universo. Este exercício não era mais do que a
repetição de um ato primordial: trabalhando a terra desconhecida, realiza
novamente o ato dos deuses que organizaram o Caos, dando-lhe uma
estrutura, formas e normas, interpretando-o para nele poder habitar. (REIS-
ALVES, 2007, s. p apud NORBERG-SCHULZ, 1980, p. 19.)
As reflexões de Heidegger (1951) criticavam o urbano e a arquitetura
moderna, pelo exarcebado comprometimento que tinham com a funcionalidade do
espaço, em que as cidades foram perdendo essa teia de significações complexas
exaltadas por Norberg-Shculz (1976), ainda que fosse o lugar da sua concretização.
A qualidade destes espaços, enquanto dwelling se modificaram ao longo da
historiografia urbana, culminando em sociedades distantes do sentido de habitar
proferido por Heidegger (1951).
Os aspectos estruturais de como se configuram essas relações nos
instiga e nos permite referendar as tipologias definidas nesta pesquisa, em
particular, averiguando como ocorreram essas mudanças características das
cidades em função dos fenômenos socioculturais. Ao longo da historiografia urbana,
foi possível evidenciar claramente como a água contribuiu decisivamente para que o
espaço pudesse ser dotado de qualidades, para a construção do sentido de lugar,
ou seja, reafirmado no modo de habitar: “[...] salvar a terra, acolher o céu, aguardar
os deuses, conduzir os mortais” (HEIDEGGER, 1951).
2.2. M
ODOS DE
H
ABITAR
:
C
ONSTRUINDO
E
SPACIALIDADES
A cidade é um retrato vivo da história. Desde os tempos clássicos, o
homem vem tentando dar um sentido a urb. Palavra esta originada em Roma,
capítulo 2 – de abrigo a construção do ambiente: a inserção das
águas na revisitação historiográfica urbana
73
quando a civilização se organizou e construiu um vasto império, ao contrário da polis
grega, esta voltada para os homens e para a filosofia. Na Idade Média, as cidades
perderam sua importância, como núcleo gerador e formador de uma sociedade
organizada e hierarquizada, pois os agrupamentos urbanos se fecharam em feudos
e se desenvolveram isoladamente (LAMAS, 2000).
A abordagem da cidade como cultura, defendida por Mumford (1998)
é também colocada por Rossi (1966), ao considerar que a arquitetura não poderia
desvincular-se da cidade, de sua história e de suas formas urbanas. O autor
buscava uma metodologia de análise do ambiente urbano, com o objetivo de
identificar primeiro como as cidades cresceram e se transformaram com o tempo e,
depois, como os edifícios participaram da evolução morfológica.
As cidades são estruturadas por seus elementos que dão forma ao
meio urbano e interagem com a própria história, que constituindo-se de formas
permanentes, enquanto que as funções podem ser modificadas ao longo do tempo.
Neste sentido, o tipo urbano se manifesta, entendendo as formas permanentes
como elementos mínimos, os quais constituem a sua substância.
Nos anos 60, Rossi (1966) postulou métodos de análise para as
cidades, sendo que a considerava como artefato, um produto humano e, por isso, se
modifica no tempo: uma cidade pode se sobrepor a outra, mas sua memória
permanece. O autor pretendia estabelecer uma ciência urbana, através da análise
dos fatos urbanos, como sendo um modo de discorrer sobre a história da cultura do
homem (antropologia), com referenciais da própria história. “Identificar as formas
elementares e fundamentais do habitat humano, expressas em estruturas tais como:
a praça, a rua, o quarteirão, o pátio, entre outros, que se definiram em longa duração
histórica [...]” (ROSSI, 2001, p.57), os quais assumem o papel de elementos
mínimos conforme a civilização que os constrói.
A cidade, para Rossi (1966), é vista como construção e artefato
cultural; um produto do homem, onde se leva em conta o tempo e a localização para
a análise e compreensão da sua estrutura espacial.
Panerai (2006) acrescenta que neste processo de evolução urbana o
espaço não está condicionado a uma moldura, que o envolve e protege, pois a
dinamicidade tem revelado a inversão das relações entre centro e periferia, “[...] esta
última passando a representar, em superfície e população, a parcela maior da
capítulo 2 – de abrigo a construção do ambiente: a inserção das
águas na revisitação historiográfica urbana
74
aglomeração” (PANERAI, 2006, p. 14).
Durante o século XX, o processo de urbanização e o êxodo rural,
contribuíram para grandes transformações nos tecidos históricos, atingindo até
mesmo as cidades brasileiras planejadas: constata-se a expansão para além dos
limites iniciais, cuja dinâmica é mais explícita nas áreas periféricas, o que difere, em
certa medida, do processo de consolidação dos centros antigos, especialmente
quando se tratam de cidades milenares. um prolongamento da área urbanizada,
o que modifica as relações com o suporte físico, quando a fragmentação e a
inserção de redes e fluxos no estabelecimento de novos elementos.
O espraiamento vem acompanhado por uma engarçadura do tecido urbano.
A evolução dos modos de vida urbana engendra um consumo expressivo de
espaços. E a cidade, outrora compacta, inclui hoje grandes zonas não
construídas: áreas naturais; plataformas lógicas, setores de estocagem,
terrenos baldios. Ela vai ficando abarrotada com uma heterogênea massa
construída, na qual ocorrem rupturas de escalas impressionantes [...]
(PANERAI, 2006, p. 14-15)
Nas Cidades Antigas, a construção do ambiente foi um processo
demorado, em que as transformações são quase imperceptíveis, pois era uma
estrutura mais simples e com menos sistemas incorporados. O advento da
industrialização modificou o tempo, com a cisão entre o tempo cíclico da natureza e
o tempo das atividades humanas, engendrando nas cidades complexos sistemas de
interação. Sobre a importância de entender o processo de crescimento urbano:
[...] importante porque nos oferece a apreensão global da aglomeração
numa perspectiva dinâmica. períodos de estabilidade, quando se firma a
coesão interna da cidade, sucedem-se momentos de ruptura marcados por
ampliações importantes, por avanços bruscos sobre o território. Em tal
perspectiva, o estado atual de uma cidade é apenas um instante precário e
transitório em sua evolução. É por isso que o estudo do processo de
crescimento implica a recusa da cidade-museu, de obra acabada, estática e
congelada. (PANERAI, 2006, p. 53-55)
Dentre tantas características, compreender a configuração da
paisagem urbana o é tarefa das mais simples, pois suas variantes e sua
configuração se transformam no tempo, o que implica na materialidade espacial.
Além disso, as características físico-territoriais são importantes elementos para seu
crescimento, bem como as questões culturais e locais. O tecido urbano, atualmente,
se assemelha a uma rede, cujas partes, mesmo que não sejam totalmente
integradas ou inter-relacionadas permitem sua vida e sua estrutura.
Ao tratarmos de tipologias, nessa revisitação das civilizações e suas
relações com as águas, é possível discutir analogamente os aspectos do conjunto
urbano de Londrina, que se assemelham a um ou outro tipo de civilização. Panerai
capítulo 2 – de abrigo a construção do ambiente: a inserção das
águas na revisitação historiográfica urbana
75
discursa sobre o conceito de tipologia em arquitetura, citando Carlo Aymonino: “[...]
uma tipologia independente que procura classificar os fenômenos artísticos para
elaborar um método de análise crítico” (PANERAI, 2006, p. 110 apud AYMONINO,
1966).
As investigações italianas, notadamente o Grupo Tendenza, do qual
participaram Rossi e Aymonino, estavam preocupadas com a preservação e
conservação dos sítios urbanos históricos de suas cidades face às constantes
renovações urbanas que ocorreram na Europa no período pós-guerra. A
metodologia proposta focava em identificar as tipologias, ou os traços culturais
impressos na construção das cidades: “[...] o tipo se apresenta com características
de necessidade, mas reage com a técnica, função, estilo, caráter coletivo e momento
individual”. (ROSSI, 2001, p. 64).
As críticas de Rossi (2001) ressoam sobre as cidades funcionalistas
notadamente, e, ao próprio, caráter padronizado da arquitetura moderna. Isso torna
a forma mais representativa para entender a construção das cidades do que a
função em si, que pode modificar-se, sem, no entanto, destruir a forma por completo.
Se pensarmos sobre os elementos naturais como a base ou o
suporte para a construção do habitat humano, estes abarcam a característica de
tipo, pois estruturam e podem também induzir o crescimento da cidade,
especialmente aqueles que assumem funções primordiais, como é o caso dos
corpos d’água. Trata-se de um “fato urbano”, enquanto lócus e memória tipológica
o substrato do desenho. Postas essas reflexões, apresentamos a interferência dos
corpos d’água na concepção das civilizações.
2.2.1. Civilizações Cosmo-Místicas
O domínio do espaço, mesmo que não resultasse em um espaço
fixo, aparece no homem nômade, que, organizado em grupos deixavam vestígios
daquilo que extraiam da natureza, inventando objetos e instrumentos para lidar com
seu invólucro, o que pode ser definido como a origem das cidades. Mumford (1998)
alerta observando que se procurarmos apenas estruturas permanentes não
atingiremos a natureza das cidades, pois para chegar mais perto, é preciso que se
capítulo 2 – de abrigo a construção do ambiente: a inserção das
águas na revisitação historiográfica urbana
76
faça o trabalho de um arqueologo que procura a mais funda camada na qual possa
reconhecer uma obscura planta baixa, a indicar a existência de uma ordem urbana.
O autor expressa que se quisermos identificar a cidade,
[...] devemos seguir a trilha para trás, partindo das mais completas
estruturas e funções urbanas conhecidas, para os seus componentes
originários, por mais remotos que se apresentem no tempo, no espaço e na
cultura, em relação aos primeiros que se apresentem no tempo, no espaço
e na cultura, em relação aos primeiros tells que foram abertos. Antes da
cidade, houve a pequena povoação, o santuário e a aldeia; antes da aldeia,
o acampamento, o esconderijo, a caverna, o montão de pedras; e antes de
tudo isso, ouve certa predisposição para a vida social que o homem
compartilha, evidentemente, com diversas outras espécies animais.
(MUMFORD, 1998, p.11)
Não havendo o registro dessas relações, sendo ainda difícil
desvendar todas as questões dos agrupamentos primitivos, que, durante um período
longo, sobreviveu na superfície terrestre, coletando seu alimento e abrigando-se em
cavernas, sem que suas ações deixassem profundas cicatrizes sobre o espaço.
Apropriando-se do território, transparece a necessidade de organizar
o ambiente, selecionando e retirando da natureza aquilo que julgava necessário para
sua proteção, modificando o meio ambiente.
Ferreira (2004) observa que:
Foi cerca de 5.000 anos, nas planícies aluviais do Oriente Próximo,
algumas aldeias se transformaram em cidades; os produtores de alimento
são persuadidos ou obrigados a produzir um excedente a fim de manter
uma população de especialistas: artesãos, mercadores, guerreiros e
sacerdotes, que residem num estabelecimento mais complexo, a cidade, e
daí controlam o campo. Esta organização social requer o invento da escrita;
daí começa, de fato, a civilização e a história escrita, em contraposição à
pré-história. Doravante, todos os acontecimentos históricos sucessivos
dependem da quantidade e da distribuição deste excedente alimentar.
(FERREIRA, 2004, p. 14)
Os rios representam o marco de transição entre a aldeia e a cidade,
pois suas cheias foram utilizadas para a irrigação pelos povos que se fixaram em
diversas áreas, com destaque à região do Oriente Próximo, inaugurando a primeira
revolução humana.
Ao passo que os tios naturais passaram a conter significações, os
elementos naturais foram providos de vida, organizando uma estrutura cósmica, que
permitia a permanência do homem naqueles lugares (TUAN, 1980).
A fertilidade do solo, nas margens dos cursos d’água, portanto,
caracteriza as primeiras civilizações, que desenvolveram um processo de afetividade
com o ambiente, fato que se expressa em suas configurações espaciais. O espaço
construído é dotado de relações místicas entre o homem e o ambiente.
capítulo 2 – de abrigo a construção do ambiente: a inserção das
águas na revisitação historiográfica urbana
77
Surgem, pois, o habitat, por meio de tais relações místicas, se
concretiza, confirmando a presença do homem e suas atividades agrícolas. Ao
apropriar-se de um espaço e dotá-lo de cultura, define-se o lugar do homem
enquanto ser que habita (HEIDEGGER, 1951). O homem primitivo produzia seu
alimento, ao mesmo tempo se protegia dos danos e das adversidades da natureza,
criando estruturas espaciais que lhe protegiam e o acolhiam das adversidades do
meio. As reflexões de Tuan (1980) reforçam nossas ideias:
O vale é identificado simbolicamente com o útero e com o refúgio. A sua
concavidade protege e nutre a vida. Quando os antepassados primatas do
homem saíram das florestas e foram para as planícies, procuraram a
segurança física e (pode-se imaginar) psicológica da caverna. Os refúgios
artificiais são concavidades nas quais os processos de vida podem operar,
afastados dos perigos do ambiente natural e da exposição à luz. As
primeiras moradias construídas, frequentemente, foram semi subterrâneas:
a escavação do buraco minimizou a necessidade de uma superestrutura e
ao mesmo tempo colocou os seus habitantes em contato com a terra. O
vale é ctnônico e feminino, os mégaras do homem biológico. Os cumes das
montanhas e outras saliências são escadas para o céu, lar dos deuses. Ali o
homem poderia construir templos e altares, exceto suas próprias moradas.
(TUAN, 1980, p. 135).
Assim, no vale dos rios, onde as facilidades de irrigação e
transportes não exigiam técnicas mais apuradas revelaram-se como próprios para o
habitar humano: na Mesopotâmia, entre os rios Tigres e Eufrates; no Egito, no delta
do Rio Nilo; na Ásia, nos rios Hindu, Amarelo e Yang-Tsé-Kiang. (Figura 15).
Figura 15: Localização das primeiras civilizações. Fonte: Benévolo (2001, p.25).
Não as características naturais propícias para a agricultura foram
importantes para o berço da civilização se desenvolver entre os rios Tigres e
Eufrates, na Mesopotâmia; na bacia do rio Nilo, no Egito civilizações ocidentais e
nos rios Hindu, na Índia e no Rio Amarelo, na China civilizações orientais, pois
estes serviam para a circulação e a comunicação entre as diversas civilizações,
potencializando as trocas dos excedentes produzidos, à medida que as técnicas
capítulo 2 – de abrigo a construção do ambiente: a inserção das
águas na revisitação historiográfica urbana
78
agrícolas foram aprimoradas. A localização das primeiras civilizações confere aos
rios uma função utilitária, delimitando também as cidades.
Os traços característicos dessas sociedades, portanto, se situam na
relação harmônica com o ambiente, tendo os rios como linha mestra da organização
espacial, juntamente com elementos construídos de alto valor simbólico: as
muralhas e os templos. Esse esquema de configuração espacial define a tipologia
das civilizações místicas, isto é, daquelas que buscaram nos elementos naturais a
explicação do mundo, se adequaram a seu tempo cíclico para organizar o seu
habitat. Sobre o tempo da natureza: “Os antigos acreditavam que o movimento da
natureza seguia um trajeto circular. O circulo simbolizava a perfeição.” (TUAN, 1980,
p. 170). Como principal traço, podemos dizer que o ambiente, dotado de
significações, formava um todo indissociável, sendo a cidade uma expressão cultural
como o legado desses povos. Os esquemas abaixo elucidam a questão
6
. (figuras 16
e 17).
Figura 16: Vale do Rio Nilo. A civilização egípcia
dividia o território em Cidade dos Vivos (à direita)
e Cidade dos Mortos esquerda), tendo o Rio
Nilo como referência de orientação. A cidade dos
Mortos era a verdadeira cidade para os egípcios,
implantadas na parte mais alta da planície,
impedindo que se perdessem no tempo. Fonte:
elaborado pela autora, 2009.
Figura 17: Babilônia. Disposição dos templos na
margem do Rio Eufrates, que eram protegidos
pelos jardins suspensos, os quais funcionam
como barreira e proteção. Apropriação das
margens ao longo dos rios para construção dos
“jardins suspensos”. Fonte: elaborado pela
autora, 2009.
Soja nos ensina:
El sedentarismo fue esencial para que las sociedades y las aldeas agrarias
crecieran considerablemente en tamaño a través del suroeste de Asia en el
temprano Neolítico, hasta aproximadamente el 10.000 a.C. Esta nueva
forma de asentamiento y organización socioeconómica, surgida del
desarrollo de la agricultura a gran escala, estaba formada por
aglomeraciones más densas de casas rectangulares construidas con barro y
6
As colocações aqui pontuadas foram desenvolvidas durante as atividades de docência na disciplina Estudos
Urbanos 1, do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Estadual de Goiás, (2009) e representam as
discussões e o processo de construção das reflexões e leituras apresentadas pelos alunos, em seminários.
capítulo 2 – de abrigo a construção do ambiente: a inserção das
águas na revisitação historiográfica urbana
79
adobe (diferentes a las chozas en forma de colmena de los cazadores-
recolectores) y con un orden social basado de una forma cada vez más
profunda en un parentesco más extenso o en lazos étnicos, bajo la forma de
familias extensas y nucleares, clanes y linajes. (SOJA, 2008, p. 56)
Além disso, a observação do comportamento das águas e a
adaptação ao ciclo hidrológico permitiram que desenvolvessem técnicas de irrigação
e construção de canais de irrigação. O controle da água era necessário para evitar
as enchentes e inundações, o que levou a formação política e administrativa para
que os sistemas de infraestrutura fossem construídos de forma organizada,
elegendo-se sacerdotes para essa tarefa, personificando as relações místicas por
meio de um sistema religioso, político e administrativo. Conforme Benévolo (2001):
[...] o excedente se concentra nas mãos dos governantes das cidades,
representantes do deus local; nesta qualidade recebem os rendimentos de
parte das terras comuns, a maior parte dos despojos de guerra, e
administram estas riquezas acumulando as provisões alimentares para toda
a população, fabricando ou importando os utensílios de pedra e de metal
para o trabalho e para a guerra, registrando as informações e os números
que dirigem a vida da comunidade. (BENÉVOLO, 2001, p. 26)
Essa administração da produção agrícola justifica o desenvolvimento
das técnicas hidráulicas de forma a ordenar e controlar o espaço, que são expressas
pela arquitetura, como artefato concreto que cada uma das civilizações antigas
imprimiu no território, tornando-a uma dimensão relacional e temporal, pois
[...] as imagens da topofilia são derivadas da realidade circundante. As
pessoas atentam para aqueles aspectos do meio ambiente que lhes
inspiram respeito ou lhes prometem sustento e satisfação no contexto das
finalidades de suas vidas [...]. (TUAN, 1980, p. 137)
Quanto à paisagem, se destacam os templos sagrados, que para
Tuan (1980) representa a paisagem aberta e aspiração vertical sobre a planície
aluvial, sendo extremamente simbólicas. A natureza para esses povos é recheada
de virtude e poder” (TUAN, 1980, p. 169), pois o lugar em que se assentam e se
desenvolvem é dotado de qualidades sagradas, sendo a construção do espaço um
ritual, em que a água é protagonista.
2.2.2. Civilizações Antropocêntricas
A filosofia e a condição humana integram o cerne do pensamento
grego. O homem buscava a explicação do mundo em si mesmo e não somente na
natureza, como fizeram os povos da antiguidade. Não mais as águas que definem a
capítulo 2 – de abrigo a construção do ambiente: a inserção das
águas na revisitação historiográfica urbana
80
organização espacial, pois o local para a implantação da polis é a colina, onde o “as
fortalezas dóricas foram construídas nas montanhas e não nas vertentes dos vales”.
(TUAN, 1980, p. 169). A cidade não é mais envolvida pelos limites dos vales, pois o
homem almeja o horizonte e exalta a si mesmo: a organização espacial se estrutura
pelo pensamento, pela natureza do homem.
Os gregos se regozijavam com a vida pública. Eles tendiam a denegrir a
vida privada por estar ligada aos monótonos, irrelevantes ciclos da natureza
orgânica. [...] essa atitude geral para com a vida se refletia na arquitetura
das antigas cidades gregas, nas quais era evidente o contraste entre a
magnificência dos edifícios públicos a modéstia e miséria dos alojamentos
privados. (TUAN, 1980, p. 206)
Isso resumia a estrutura urbana a dois pontos: Acrópole e Ágora. A
primeira, no alto da colina, dedicada aos deuses e, a segunda, na parte baixa,
espaço da democracia, dos homens livres. A relação com as águas se efetivava pelo
domínio do mar Egeu, como descreve TUAN (1980):
O mar tinha beleza e utilidade, mas era também uma força escura e
assustadora. O mar figurou nas epopeias Homéricas. Foi também descrito,
muitas vezes como uma estrada. Quando calmo parecia com a beleza de
um “vinho escuro”, quando bravo engolia navios e marinheiros. No século
sexto antes de Cristo, os gregos dominavam as técnicas de navegação, de
modo que o mar Egeu lhes era inteiramente familiar. (TUAN, 1980, p. 137-
138)
O temor às águas turbulentas do mar condicionava aos gregos a
afirmação da terra como local de seu habitat, pois era de onde tiravam seus
alimentos, revelando o domínio sobre as mesmas. A função utilitária das águas se
reforça como caminhos para as trocas comerciais.
Atenas representa a síntese da polis grega, situada numa planície
“[...] recortada por dois pequenos rios, o Cefiso e Ilisso, entre os quais se encontram
uma série de colinas [...]” (BENÉVOLO, 2001, p. 87). A configuração espacial da
Acrópole é destinada a implantação dos templos dos deuses, em que emerge uma
interação entre os constructos humanos e os elementos naturais, cada qual com
suas funções específicas. (figuras 18, 19, 20 e 21)
O domínio do topo da planície é o lugar sagrado da cidade, o que
aproxima-se dos templos sagrados dos povos anteriores, definindo-se a hierarquia
dos edifícios diretamente com a sua posição no sítio. Ambiente e civilização são uma
totalidade.
Esta sistematização, que Atenas dá a si mesma enquanto permanece livre e
poderosa, não corresponde a um projeto regular e definitivo: é composta por
uma série de obras que corrigem, gradualmente, o quadro geral, e se
inserem com discrição na paisagem originária: mas tem, igualmente, uma
extraordinária unidade, que deriva da coerência e do senso de
capítulo 2 – de abrigo a construção do ambiente: a inserção das
águas na revisitação historiográfica urbana
81
responsabilidade de todos aqueles que contribuíram para realizá-la: os
governantes, os projetistas e os trabalhadores manuais. Estamos
habituados a distinguir arquiteturas, esculturas, pinturas, objetos de
decoração, mas aqui não podemos manter separadas as várias coisas.
(BENÉVOLO, p. 87)
Figura 18: Localização de Atenas em relação ao
Mar Egeu. Fonte: www.flirck.com.br
Figura 19: Limite físico da cidade e elementos
naturais. Fonte: Pantaleão et. al., 2009.
Figura 20: Distribuição dos templos e relação
topográfica. Elevação do tempo e distribuição
dos elementos para exaltar a posição de
destaque. Adequação a topografia, inserção da
natureza na paisagem antropizada. Fonte:
Pantaleão et. al., 2009.
Figura 21: Racionalidade e organização do
espaço por funções. Espaço Sagrado, elemento
mais importante em destaque, seguido pela
Ágora. Habitação pouca importância. Fonte:
Pantaleão et. al., 2009.
Na reconstrução da cidade, após a invasão persa, natural e artificial
fundem-se: “[...] a natureza e a história são mantidas presentes, e forma a base do
novo cenário da cidade.” (BENÉVOLO, 2001, p. 87). Para os gregos a cidade,
portanto não é estanque, é um organismo sujeito a modificações no tempo, como
podemos ver nas sucessivas intervenções.
A tipologia que aqui discorremos, apesar de mostrar-se menos
subordinado às leis da natureza, revela uma civilização que buscava entender a sua
posição no mundo, isto é, o modo de habitar, reconhecendo a própria força da
natural, sendo, portanto, um exemplar da relação harmônica homem-natureza. Nas
palavras de Benévolo (2001)
[...] a presença do homem na natureza toma-se evidente pela qualidade,
capítulo 2 – de abrigo a construção do ambiente: a inserção das
águas na revisitação historiográfica urbana
82
não pela quantidade; [...] permanece uma construção na medida do homem,
circundada e dominada pelos elementos da natureza não mensurável.
(BENÉVOLO, 2001, p.89)
Desse modo, o plano das ideias opera as formas ideais em
esquemas geométricos para a organização da cidade ideal, como mese dos
sistemas cósmicos. A cidade ideal de Platão combinava o círculo com o quadrado.
“[...]. o sistema de Platão de rculos, quadrados, cores e números refletem as
doutrinas cosmológicas dos pitagóricos.” (TUAN, 1980, p. 179).
O extremo da racionalidade geométrica é representada por
Hipódamo de Mileto, conferindo a cidade, um rigor ortogonal em seu traçado,
definindo zonas e densidade demográfica. O desenho de Mileto é a síntese dessa
concepção, como bem explica Kostof (1999), ao abordar a grelha como princípio de
organização espacial.
A cidade de Mileto, segundo Moreno (2002, p. 25) possui traços do
pensamento de Aristóteles, ao definir claramente os três tipos de áreas que eram
necessárias nas cidades: pública, sagrada e privada. Apesar da morfologia ser
definida pela modulação a partir da casa privada, as dimensões padrão permitiam a
adaptação às atividades que exigiam maiores áreas, tornando as habitações a
unidade base do desenho (figuras 22, 23 e 24). Não apenas a racionalidade estética
está presente no pensamento de Hipódamo, pois as questões de higiene surgem
como condições para a definição da planta da cidade, buscando uma cidade mais
adaptada ao clima natural.
Figura 22: Cidade de Mileto
localizada na foz do Rio
Meandro. Fonte: Pantaleão et.
al., 2009.
Figura 23: Princípio da grela,
adaptado à topografia, com
localização dos espaços
públicos em pontos menos
planos. Fonte: Pantaleão et. al.,
2009
Figura 24: Zoneamento de
Mileto, com identificação das
zonas comercial, civil e
religiosa. Muralha, elemento de
defesa. Fonte: Pantaleão et. al.,
2009
Apesar da qualidade ambiental ser um aspecto evidente para
capítulo 2 – de abrigo a construção do ambiente: a inserção das
águas na revisitação historiográfica urbana
83
Aristóteles, o sentido de cidade para os gregos se distanciava dessa condição, tendo
em vista que a polis era o lugar de participação da vida política e não de sua
moradia. Desse modo, a habitação era relegada em segundo plano na configuração
espacial das cidades, sendo enaltecidas a Acrópole e a Ágora, como os espaços
efetivos das cidades gregas; por isso mesmo as cidades, mesmo seguindo as regras
de composição geométrica, não resultavam em formas necessariamente, iguais.
[...] A complicação do perímetro e a distância que os muros estão dos
quarteirões respeitam o equilíbrio entre a natureza e a obra do homem, e
diminuem, em grande escala, o contraste entre a cidade e a paisagem.
Deste modo, a "regularidade" não é levada até comprometer a hierarquia
entre o homem e o mundo; permite conceber e padronizar a cidade, mesmo
quando esta é grande, e permite aumentar em certa medida uma cidade
formada. (BENÉVOLO, 2001, p. 112)
A visão de mudo dessa sociedade é dada pela condição humana de
imitar a natureza, possível pelo seu trabalho, imprimindo na paisagem um diálogo
consigo mesmo e com a própria natureza. E são as áreas livres e públicas que a
vida da polis se manifesta, isto é, “a cidade como a casa de todos”. O
reconhecimento da localização geográfica também é expresso pela função que
Atenas adquire centro comercial do mar Egeu. As plantas das cidades de Olinto e
Priene ilustram essas questões (figuras 25 e 26).
Figura 25: Cidade de Olinto – adequação da
malha ortogonal à topografia. Fonte: Morris,
(2001, p. 76)
Figura 26: Cidade de Priene apropriação da
parte mais elevada do sítio e distribuição da
grelha no sentido das curvas. Fonte: Morris
(2001, p. 83)
No panorama da cidade, os templos se sobressaem, sobre todos os
demais edíficios, porém mais pela qualidade do que por seu tamanho. Surgem em
posição dominante, afastados dos outros edifícios, e seguem alguns modelos
capítulo 2 – de abrigo a construção do ambiente: a inserção das
águas na revisitação historiográfica urbana
84
simples e rigorosos. Constitui-se como um conjunto, um organismo artificial inserido
no ambiente natural, interagindo-se mutuamente. respeita as linhas gerais da
paisagem natural, que em muitos pontos significativos é deixada intacta, interpreta-a
e integra-a com os manufaturados arquitetônicos. O equilíbrio entre natureza e arte
dá a cada cidade um caráter individual reconhecível. (BENÉVOLO, 2001).
O sentido de habitat heideggeriano reporta-se tanto ao domínio e a
articulação entre o homem e o ambiente, pois as marcas da ação humana sobre o
espaço se expressam e se diferem da natureza, sem, contudo, afrontá-la. A busca
por um equilíbrio entre os dois sistemas é a essência dessa civilização, na qual está
representada pela abstração das formas geométricas puras. Significa que a
abstração pura geometria e filosofia dialogam, sendo as cidades a expressão da
visão da cultura helenística, antropocêntrica e interdependente da natureza.
2.2.3. Civilizações Colonizadoras
Alguns elementos naturais sempre foram vistos como limites ou
barreiras que dificultava a sua transposição pela humanidade, dentre eles, Tuan
(1980) cita a montanha e os mares, como limites do espaço conhecido e dominado
pelas primeiras civilizações. No entanto, a história registra o momento de
transposição e a “descoberta do novo mundo” como uma superação e o
enfrentamento das adversidades da natureza pelos homens.
As reflexões de Aristóteles e Platão, no século IV a.C., sobre as
cidades, demonstram as preocupações dos filósofos gregos, tendo em vista os
efeitos do ambiente urbano sobre os habitantes, tanto no aspecto físico quanto no
aspecto moral. Perini (2004) explicita as preocupações de Aristóteles acerca das
cidades, definindo parâmetros para sua implantação: um sítio, não apenas salubre,
mas que facilitasse o abastecimento, defendendo a integração tanto com a terra
quanto com o mar; prenuncia a separação das atividades, com a divisão por zonas,
enaltecendo os espaços livres para a vida pública e comercial. Tais preocupações
são evidentes nas cidades hipodâmicas fundadas por Alexandre Magno, que,
posteriormente, são conquistadas pelos romanos, que herdaram essa estrutura
urbana (ABIKO; ALMEIDA; BARREIROS, 1995).
capítulo 2 – de abrigo a construção do ambiente: a inserção das
águas na revisitação historiográfica urbana
85
O Império Romano buscava a afirmação do poder de seus deuses
personificado na conquista de territórios. A cidade de Roma detinha do esplendor do
espaço público convivendo com as periferias miseráveis de sua população.
“monumentos magníficos estavam colocados como pérolas em uma densa e
rudimentar rede de estreitos becos lúgubres e cortiços deteriorados.” (TUAN, 1980,
p. 208). A magnitude do império não condizia com a realidade de sua sede.
Cabe ressaltar que a capital do Império Romano se desenvolveu ao
longo das margens do Rio Tibre, incorporado à paisagem da cidade pela arquitetura
desenvolvida ao longo da história com seus monumentos e elementos de
infraestrutura urbana.
A extensão do Império Romano englobava grande parte da Europa,
indo desde o Mar Mediterrâneo, tendo sua fronteira delimitada pelas margens do rio
Danúbio, até o mar Negro. Praticamente todo o mundo civilizado era dominado por
Roma. As estradas abertas pelos romanos foram fundamentais para a extensão de
suas fronteiras, fruto de uma organização complexa do ponto de vista administrativo,
além das frentes militares e nas leis que regulamentação a ocupação do território.
As colônias fundadas garantiam a posse do território conquistado,
cuja configuração espacial era regulada pela quadrícula rígida, pois este é o traçado
que melhor permite a distribuição dos elementos constituintes das cidades de forma
rápida. Ainda, conforme o autor: “[...] O Império Romano potencializa o traçado
regular das cidades com os conceitos de eixo norte-sul, leste-oeste, expressão
máxima de sua organização.” (MORENO, 2002, p. 25-26).
Essa estrutura, apesar de racional, surgia de um ritual, em que se
delimitava seu perímetro e o ponto central, visando a manutenção da ordem cósmica
e universal, herdada da visão humanística grega. Forrat (2003) descreve o sentido
dos eixos estruturantes das colônias fundadas:
De entre los dos ejes principales mencionados antes, El decúmano o eje
este-oeste se confería como eje principal. La razón La encontramos en las
referencias cardinales, cuyos puntos de referencia no eran otros que las
direcciones marcadas por el lugar donde el sol salía e escondía. La retícula
que completa el trazado de las calles secundarias se forma con las
manzanas de viviendas denominadas insulae. La zona del foro, el
equivalente romana del ágora griega, suele estar situado en una de las
esquinas formadas pela intersección del decúmano y el cardo. (FORRAT,
2003, p. 133)
Este autor também cita três tipos de colônias fundadas pelo império
romano, que são: “[...] las coloniae, núcleos de población autóctona […]; los
capítulo 2 – de abrigo a construção do ambiente: a inserção das
águas na revisitação historiográfica urbana
86
municipia, que asumían oficialmente un estatuto foral […] y las civitales, capitales de
mercado y centros administrativos tribales […]”. (FORRAT, 2003, p. 133).
Outro trabalho sobre o mesmo assunto, sob o ponto de vista
urbanístico, explica as cidades do Império Romano:
[...] foram herdeiras das gregas, das quais tomaram todos os refinamentos
técnicos: esgotos, aquedutos, água corrente, balneários, pavimentos,
serviço de incêndio, mercados, etc. Havia-as, como é natural, de vários
tipos, conforme a sua evolução histórica, condições do solo, clima e
características locais. Havia cidades comerciais e industriais que eram, na
realidade, as mais importantes (Roma, Alexandria, Antioquia, Éfeso,
Cartago, Leão, etc.); cidades caravaneiras, como as que faziam o comércio
com o Oriente (Palmira, Petra, Bostra); cidades que eram capitais
provinciais ou de departamentos agrícolas (Verona, Siracusa, Londres,
Tarragona, Córdova, Mérida, Timgad, Cirene, Rodes, Esmirna, Pérgamo,
Mileto). (GOITIA, 1992, p. 98)
São cidades que definem territórios, pelo poder da conquista,
sujeitando-se à organização regulamentada e dirigida. No entanto, para que a
afirmação desse domínio se consolidasse, obras de engenharia e soluções adversas
as características dessa vasta extensão de terras, deveriam ser contempladas.
A solução encontrada para prover suas colônias de água foram os
extensos aquedutos, que como as estradas eram obras públicas. A visão da
coletividade é o enfoque das relações entre a água e as cidades coloniais romanas,
pois a ação pública permite a existência dessas localidades. Utilizam, de preferência,
água de nascente, ou água fluvial filtrada; canalizam-se num conduto retangular
(specus) revestido com reboco de tijolos em (opus signinum) coberto mais
passível de ser inspecionado e arejado, com declive o mais constante possível (de
10 a 0,2 por mil, segundo as características do percurso) de maneira que a água flua
livremente.
Figura 27: Aquedutos romanos: solução de
engenharia hidráulica para abastecimento das
colônias. Sistema porticado em arcos plenos e
alvenaria. Predomínio sobre a paisagem. Fonte:
www.flirck.com.br
Figura 28: Detalhe da calha condutora da água
para abastecimento das cidades. Fonte:
www.flirck.com.br
capítulo 2 – de abrigo a construção do ambiente: a inserção das
águas na revisitação historiográfica urbana
87
Prosseguindo na sua análise, o autor detalha que:
[...] Os romanos, como os gregos, conhecem o uso do sifão e o aplicam em
certos casos com virtuosismo técnico [...]. Mas preferem que a água chegue
na cidade a pressão reduzida, para não superar o limite de resistência das
tubulações de distribuição; por isso o aqueduto, quando atravessa um vale,
é elevado sobre uma ou mais séries de arcadas. (BENEVOLO, 1993, p.188)
Do ponto de vista compositivo, os aquedutos foram construídos pelo
sistema de arcadas, formando pórticos que, além de funcionar como condutores das
águas, eram elementos monumentais e marcantes, associados a um processo de
purificação da água, como explica o autor.
Ao longo do percurso e na chegada dos aquedutos se encontravam os
reservatórios de decantação (piscinae limariae), onde a água deposita as
impurezas; em seguida passa pelos tanques de distribuição onde é medida
passando através de cálices de bronze, e daí as tubulações da cidade,
feitas de pedaços de tubos de chumbo (fistulae) com 10 pés em media, ou
seja cerca de 3 metros. (BENEVOLO, 1993, p.188).
Esse processo revela as primeiras ações de saneamento nas
civilizações ocidentais, cuja técnica, ainda que rudimentar, integra-se aos processos
hidrológicos sem causar danos ao ambiente natural. O conhecimento técnico, aliado
a absorção das culturas dos povos conquistados, permitiu que os romanos
desenvolvessem sistemas construtivos ousados, favorecendo a manutenção de seu
império colonizador. Além de abastecer as colônias, a água era também importante
para a realização das trocas comerciais, que ocorria pelo Mar Mediterrâneo.
A estrutura centrada na retícula de Hipódamo de Mileto é o traço
fundamental das cidades de colonização, em que o ponto central é uma área livre,
denominada praça, local dos edifícios mais importantes dessas cidades.
Diferentemente dos sistemas geométricos das cidades egípcias e sumérias, o
desenho de Hipódamo é um instrumento prático de planejamento e construção de
novas colônias, tornando esta solução universal.
Nas cidades de colonização hispânica, do século XV, as bastides
francesas e as fortificações militares da Idade Média, bem como nas colônias
inglesas do século XVIII e XIX, foi adotada essa estrutura reticular para a formação
de cidades novas, com a hierarquia e disposição das colônias romanas, isto é a
praça no cruzamento dos dois eixos principais. (MORRIS, 2001). (figuras 29 e 30).
Sobre o urbanismo renascentista Goitia (1992) acrescenta:
[...] idéias urbanísticas do Renascimento, que não passaram de teoria,
utopia ou exercício intelectual nos países da Europa onde se origem,
encontraram o seu campo de realização concreta na América, na obra
ingente da colonização espanhola. (GOITIA, 1992, p. 61)
capítulo 2 – de abrigo a construção do ambiente: a inserção das
águas na revisitação historiográfica urbana
88
Figura 29: Esquema do desenho urbano de
Roma.
Figura 30: Carcassone. Bastide Francesa. Fonte,
Morris (2001, p. 156).
Desse modo, podemos dizer que o traçado viário é a característica
das cidades de colonização, cujo sistema reticulado preconiza o domínio do território
para, posteriormente, iniciar a construção dos edifícios, os quais, por sua vez, estão
subordinados a trama viária, preestabelecida.
Panerai (2006) observa que ao contrário da ocupação linear que se
relaciona diretamente com o terreno, ajustando-se ao relevo, rodeando obstáculos e
deixando vazios, um outro modelo urbano que funciona em extensão: é o
território todo organizado de uma vez. Nascida de necessidade de quadricular a
terra apara irrigá-la por igual, a geometria surge no Egito antigo; lá, ela regula
também a forma das cidades traçadas, quadriculadas, regulares. Os gregos também
a empregam e Hipódamos de Mileto dá seu nome ao traçado em xadrez. (PANERAI,
2006, p. 19). Essa referência é também praticada pelos romanos, sendo que a
geometria é sistematizada e transformada em um instrumento de conquista e,
A cidade quadriculada, imagem urbana do centuriato agrícola, é fruto de um
raciocínio simples e de uma geometria elementar: distante de Roma, um
oficial subalterno pode rapidamente traçar e repartir terras para o cultivo ou
lotes para habitação entre seus soldados. O campo e a cidade (ou o
acampamento militar) fazem parte de um mesmo entendimento: o mundo é
quadriculado, medido, controlado, culturalizado. (PANERAI, 2006, p. 19)
É a cidade plenamente organizada sobre o território, sendo que o
traçado xadrez é de fácil adaptabilidade às condições topográficas, especialmente
quando declives e aclives predominam no sítio a ser colonizado. É um processo
extremamente racional de concepção e domínio do espaço, juntamente com o
desenvolvimento da infraestrutura urbana, conformando, no caso da Roma Imperial,
uma rede de sistemas, de alcance regional.
No entanto, a relação com o ambiente não é totalmente perdida, pois
capítulo 2 – de abrigo a construção do ambiente: a inserção das
águas na revisitação historiográfica urbana
89
como observa Tuan (1980, p. 210), os edifícios e espaços públicos permitiam “[...]
um abrigo do sol, um refúgio da chuva e do vento, um lugar onde até o mais
desgraçado podia descansar entre obras de arte.”
2.2.4. Civilizações em Institucionalização
Produção e técnica, racionalidade e padronização estão na égide do
excedente agrícola e crescimento populacional, na baixa Idade Média. Os processos
que deflagrariam no fenômeno urbano foram incubados, quando a cidade começa a
se afirmar afirma o palco das atividades humanas, em contraposição a vida
campesina dos feudos medievais.
É da organização política-administrativa das cidades medievais que
se criam as condições de florescimento do comércio e a retomada da construção
das cidades, com a formação de novos bairros ao redor da cidade amuralhada, cuja
população é constituída, basicamente por artesãos e comerciantes, pontuando a
dialética centro e periferia e segregação socioespacial na estruturação do espaço.
Morris (2001) considera, na evolução da forma urbana, o período da
baixa Idade Média como o ponto chave de gênese das cidades modernas, pois as
bases socioeconômicas formaram-se com a apropriação das antigas cidades
romanas ou pela construção de cidades fortificadas. No entanto, essas cidades
surgem sincronizadas às mudanças das cidades, com vínculos culturais em seus
elementos morfológicos, bem como aos aspectos religiosos.
As transformações ante ao mundo também são evidentes:
Na Idade Média, a natureza dos eruditos e dos poetas (adaptando o cosmo
aristotélico) sofreu uma constrição para não significar o TODO, mas
simplesmente a mutabilidade das regiões sublunares. Embora os céus
acima da órbita da lua fossem excluídos, a natureza permaneceu estratifica.
A vertical continuou sendo o principal eixo e se estendia para baixo desde a
região do fogo, passando pelo ar e pela água até a terra. (TUAN, 1980, p.
152)
Numa visão regional, podemos considerar as cidades medievais
pelo princípio de estruturação do território, em que são nítidas as fronteiras entre o
campo e a cidade, sendo o primeiro o centro da economia e, a segunda, como
suportes para as atividades sociais e possibilidade de pequenas trocas, pois o
comércio não encerra por completo, apenas diminui a sua intensidade (MORRIS,
capítulo 2 – de abrigo a construção do ambiente: a inserção das
águas na revisitação historiográfica urbana
90
2001). Sobre as cidades europeias, Panerai (2006), observa:
Quase sempre oriundas de uma fundação romana ou de um pequeno burgo
celta, as cidades da Europa se enclausuraram na Idade Média, protegendo-
se por trás de muralhas; [...] substituídas por uma “via perimetral” com um
novo contorno adaptado às duas novas dimensões e englobando seus
antigos arrebaldes, seus faubourgs. (PANERAI, 2006, p. 15)
O ressurgimento do comércio acelera a migração para as cidades,
que são adaptadas das ruínas romanas ou se enaltecem sobre os terrenos
irregulares, sem que houvesse uma forma pré-definida. Muitas vezes, uma
integração entre natureza e geometria: deforma as linhas precisas dos monumentos
e ruas antigas e simplificam as formas imprecisas da paisagem seguindo as linhas
gerais dos perfis montanhosos, dos vales e dos cursos d’água, com ênfase aqueles
que permitiam a navegação. (MORRIS, 2001, p. 108). (figura 31).
Figura 31: cidades medievais e adequação às preexistências e aos fatores culturais. Morris, 2001.
Esse autor enumera os fatores que propiciaram o reavivamento do
comércio na Europa, modificando os sistemas de ocupação das áreas urbanas e
rurais, dos quais destacamos: o desenvolvimento das cidades-estados; a
estabilização da população e o excedente agrícola, acarretando a saída de parte da
população do campo para as cidades em busca de emprego. Decorre daí o
crescimento dos extratos artesãos e comerciantes; a colonização do território
agrícola, em função do desenvolvimento das cidades, visando o aumento a
produção e, em consequência, são colonizadas novas terras, além da racionalização
do uso das áreas cultivadas.
As estruturas fechadas dos burgos dificultam a expansão da cidade,
o que leva a fundação de novas cidades, seguindo a retícula de Hipódamo, com
várias obras públicas, seguindo a urbanística romana. A formação das cidades-
estado controla o território, a produção agrícola, assumindo atividades urbanas, com
autonomia e não ligada a um conjunto de diretrizes imperais.
A escala da organização é local, ao contrário das cidades coloniais
capítulo 2 – de abrigo a construção do ambiente: a inserção das
águas na revisitação historiográfica urbana
91
romanas, que dependiam da metrópole. A cidade medieval é a convulsão da
reestruturação da sociedade, representada pela organicidade de seu tecido,
delimitado, algumas vezes, pelos leitos fluviais, visando também a proteção contra
ataques inimigos.
Goitia (1992) relata importantes detalhes do traçado urbano
medieval, explicando a relação da topografia, com a forma urbana irregular, “a
fisionomia especial e o pitoresco da cidade medieval” (p.58), explicando que
O traçado das ruas tinha que resolver as dificuldades da localização, o que
fazia com que elas fossem irregulares e tortuosas. As ruas importantes
partiam em geral do centro e dirigiam-se radialmente para as portas do
recinto fortificado. Outras ruas secundárias, freqüentemente em círculo à
volta do centro, ligavam as primeiras entre si. Em linhas gerais, este padrão,
chamado radioconcêntrico, repete-se muito na cidade medieval. (GOITIA,
1992, p. 58)
Assim, uma aparente desordem configuracional incita a formulação
de tratados urbanísticos no século XV, quando a visão antropocêntrica do mundo se
renova, modificando o modo de se pensar o habitar humano, especialmente pela
descoberta da perspectiva que antecipa como o espaço tridimensional poderia ser
manipulado, de forma a direcionar o olhar, criando cenários fixos.
Abaixo, apresentamos 6 imagens de abstração e geometrização do
espaço, consideradas como “cidades ideais”, segundo as proporções dos tratadistas
renascentistas (figura 32).
Figura 32: “Cidades Ideais”. Fonte: Lamas (2000, p. 178).
capítulo 2 – de abrigo a construção do ambiente: a inserção das
águas na revisitação historiográfica urbana
92
Essa composição ideal preconizava as relações racionais e não as
relações sociais que tornam o espaço concreto, que é o espaço vivo e dotado de
sentido de lugar. Prosseguindo, o homem perde as sensações e percepções do
ambiente, tendo em vista que “[...] o cosmo medieval é imenso, porém infinito.”
(TUAN, 1980, p. 153). A visão axial, cuja predominância é a vertical, ainda na Idade
Média, vai pouco a pouco sendo substituída pela predominância da horizontalidade,
especialmente com as descobertas científicas, que para Tuan (1980) destituiu os
ambientes construídos das relações espirituais, metafóricas, místicas, etc.
[...] o ciclo hidrológico era concebido como tendo essencialmente uma única
dimensão, a vertical. A Meteorológica de Aristóteles e o cosmo lendário da
Idade Média lhe atribuíram este viés. [...] O processo físico transformou-se
na imagem popular das transcendentes entre a alma humana e Deus. A
alma, como a gota do orvalho ou com a água, procura ser alçada e
absorvida no céu; e Deus nas alturas fornece o apoio espiritual para a alma
sedenta, como a chuva para a terra esquecida. Quando o ciclo hidrológico
ganhou sua dimensão horizontal perdeu seu poder metafórico tornou-se um
processo puramente físico, vazio de implicações transcendentais e
simbólicas. (TUAN, 1980, p. 154)
Assim, as cidades passaram a ser pensadas não pela
transcendência, mas pela racionalidade, pelo extremo rigor geométrico das relações
de proporção, como se a idealização da vida humana estivesse resumida a círculos,
retângulos e quadrados. “[...] O círculo e o quadrado representavam a perfeição: a
combinação dessas duas figuras eram realçadas no planejamento idealizado”.
(TUAN, 1980, p. 181).
A mudança mais radical entre a Idade Média e o Renascimento é a
ilusão da terceira dimensão. É pela ilusão da profundidade que Tuan discorre sobre
a mudança axial da sociedade europeia, conferindo ao plano bidimensional, a
terceira dimensão por recursos geométricos. O mundo vai se efetivando pela
artificialidade da linha reta.
[...] a natureza oferece poucas linhas retas. [...] as condições artificiais da
perspectiva de um ponto de vista, onde melhor são encontradas na
natureza, é num vale fluvial com suas vertentes convergentes e com a
diminuição da largura da corente em direção da nascente. A luz e a cor
podem ser exploradas para aumentar o efeito espacial do recuo. (TUAN,
1980, p. 156)
As proposições renascentistas não se concretizaram no espaço real,
tendo em vista não sua racionalidade, mas também pela exclusão de aspectos
socioambientais e do cotidiano da população. Entretanto, no período Barroco são
efetivadas as intervenções racionais sobre o traçado das cidades medievais, além
da construção de cidades residenciais e palácios suntuosos. “Versalhes e Kralsruhe
capítulo 2 – de abrigo a construção do ambiente: a inserção das
águas na revisitação historiográfica urbana
93
são exemplos notáveis de cidades residenciais e de mansões suntuosas que
expressaram o sentido de poder e de grandeza do período barroco. [...]” (TUAN,
1980, p. 182).
As intenções político-administrativas moldaram as paisagens dessas
cidades pontuando o processo de institucionalização, que é característica do
desenho urbano barroco, destacando-se conjuntamente a atividade comercial e as
zonas portuárias. É pelo poder do rei que processa a construção do espaço,
modificando a estrutura cósmica das cidades antigas, e, por conseguinte abre
caminhos para novos problemas urbanos. (figuras 33, 34, 35 e 36)
[...] as intervenções do barroco frequentemente tomavam partido da
abertura dos espaços de beira-rio para a utilização pública e o
embelezamento urbano. O autor comenta que na Renascença, as cidades
européias quebraram o estrangulamento medieval nas áreas de beira-rio e
criaram espaços abertos na orla, com bulevares, permitindo a entrada do
sol, do vento e a vista. (MELLO, 2008, p. 128 apud MANN, 1973, p. 14)
Figura 33: Planta do Palácio de Versalhes
Figura 34: Croqui em perspectiva do Palácio do
Louvre.
Figura 35: Parc de Voux. Destaque para o edifício
residencial, cercado por jardins geométricos.
Figura 36: Intervenção em Paris Às margens do
Rio Sena. Museu do Louvre.
capítulo 2 – de abrigo a construção do ambiente: a inserção das
águas na revisitação historiográfica urbana
94
A vida da cidade moderna se constrói a partir das necessidades da
sociedade do século XVII e se torna complexa com as alterações do século
seguinte, devido à Revolução Industrial, em que urbanização e industrialização
fundem-se nas cidades. Choay (1979) explica que é pelo aumento exponencial da
população que as cidades sofrem os maiores impactos da industrialização, que, por
sua vez, se processa devido à concentração da produção têxtil próximas aos cursos
d’água, quando a quina de fiação, movida a energia hidráulica é inventada e,
sucessivamente a máquina a vapor.
O adensamento populacional que se processa de forma mais
constante e efetiva em alguns pontos próximo ao surgimento de atividades
estruturais desencadeia e potencializa os problemas urbanos, principalmente a
questão da higiene coletiva e pessoal. O poder instituído não estava preparado para
compreender a necessidade da problemática higiênica quando a população aglutina
e se adensa no habitat. Em Londres e nas suas imediações, como outras cidades
próximas, há relatos detalhando que havia “[...] os montes de poeira e sujeira que se
juntavam em todos os espaços abertos, dentro e fora de Londres.”, detalhando ainda
alguns aspectos dos bairros residenciais:
[...] o adensamento e extensão sem precedentes dos bairros operários
tomam quase impossível o escoamento dos detritos; ao longo das ruas
correm águas servidas e esgotos a descoberto, e qualquer recanto está
cheio de amontoados de lixo e imundices. Os bairros residenciais são
construídos preferencialmente próximos dos locais de trabalho, pelo que as
casas e as oficinas ficam amiúde em contato, alternando-se sem qualquer
ordem e perturbando-se mutuamente. (ABIKO; ALMEIDA; BARREIROS,
1995, 39)
O processo de urbanização vinculado à industrialização precede às
leis, às discussões e a organização racional do espaço, atropelando todas as
relações anteriores, especialmente, pela perda da qualidade do ambiente urbano,
com imagens de caos, desordem e epidemias.
A era industrial foi marcada por um conjunto de fatores que conduziram à
desvalorização e à degradação dos espaços urbanos em margens de
corpos hídricos. O planejamento urbano passou a ser preponderantemente
regido pela economia da terra e pela especulação imobiliária. Lotes,
quarteirões e ruas padronizados multiplicavam-se extensivamente. Em face
do desenvolvimento tecnológico, os contornos e elementos naturais não
representavam grandes obstruções. Córregos e nascentes não eram
poupados da ocupação desenfreada e sem critérios. (MELLO, 2008, p. 132)
Historicamente, a modernização do espaço urbano tem seu berço
em Paris, na segunda metade do século XIX, cuja industrialização foi acompanhada
pelo aumento da população, advinda do campo, pela intervenção planejadora de
capítulo 2 – de abrigo a construção do ambiente: a inserção das
águas na revisitação historiográfica urbana
95
grande escala, com o sistema de bulevares, proposto pelo barão de Haussmann,
com favorecimento ao capital financeiro e a especulação imobiliária (BENJAMIN,
1985). (figura 37)
As cidades européias tiveram um processo de industrialização,
sobrepondo as formas medievais e barrocas, novos traçados e novas propostas de
ocupação do território. Nesse momento, o urbanismo se institui e são formuladas
várias teorias a cerca do modelo urbano ideal. Como distingue CHOAY (1965), duas
posições marcaram o início do urbanismo como disciplina e ciência, que podem ser
caracterizadas pelas visões prospectiva e retrospectiva. A essa primeira
corresponde o urbanismo progressista e a segunda o culturalista.
Figura 37: Retificação do traçado medieval. Plano de Hausmmann, Paris, sec. XIX.
A formulação da cidade moderna não foi, portanto, proposta a partir
de um pensamento linear, mas fruto de várias experiências, em toda a Europa,
devido às mudanças decorrentes da urbanização acelerada. Nos primeiros anos do
século XX, a cidade moderna ficou restrita à teoria e sua experiência prática foi
possível no período entre guerras (1918-1939), pois com a destruição das cidades,
houve espaço para a consolidação do ideal moderno, visto que eram necessárias
respostas rápidas e eficazes para os problemas urbanos e a questão administrativa
dos projetos estavam a cargo dos arquitetos.
Sucedem-se, então, em ritmo e quantidades a então desconhecidos,
bairros, grandes conjuntos e cidades novas desenham as hipóteses da
moderna urbanística[...]. nesta alavanche de planos e projetos acabará por
instalar a rotina e a monotonia[...]. (LAMAS, 2000, p.299)
Dentre os modelos urbanos, podemos citar: a cidade-jardim; a
capítulo 2 – de abrigo a construção do ambiente: a inserção das
águas na revisitação historiográfica urbana
96
unidade de vizinhança; as experiências holandesas, alemãs e austríacas; o
racionalismo e o funcionalismo da Carta de Atenas; as propostas de Le Corbusier e
os postulados dos CIAM´s
7
. São modelos aceitos e utilizados até meados da década
de 1950. tinham, em comum, a recusa à cidade tradicional. A cidade moderna “[...]
acabará por não ter conexão com a cidade tradicional, porque, em definitivo, toda a
morfologia tradicional será abandonada e dela nada restará.” (Lamas, 2000, p.300)
As premissas do urbanismo progressista foram postuladas na Carta
de Atenas, que separava e isolava as funções das cidades entre habitar, trabalhar,
circular e recrear. A cidade é constituída, então, por zonas, que por sua vez,
geraram sistemas independentes e a divisão do espaço é feita em função de cada
elemento: “[...] as vias servem o tráfego; os edifícios servem para alojar pessoas
[...] os equipamentos urbanos prestam serviços e distribuem-se abstratamente, de
acordo com grelhas e áreas de drenagem [...].”(Lamas, 2000, p.303).
Essa separação simplifica a forma da cidade, o edifício não
necessita de uma relação direta com a paisagem. A construção do espaço urbano e
sua apropriação constituem-se de forma a eliminar a complexidade, a enaltecer as
vias como elos de ligação entre as zonas. A formulação moderna extinguiu o que
havia de mais tradicional do tecido urbano: o centro. Cada zona representa um
recorte da cidade e tem sua importância vinculada a sua função, sem que haja um
espaço que abarcasse o poder de induzir uma maior atratividade. A centralidade
ocorre pela definição das atividades e dos fluxos que geram.
A cidade reduz-se a uma máquina, que tem sentido pela
composição zoneada e pela distribuição espacial das funções definidas no
planejamento. A ocupação territorial é institucionalizada, com administração do
Estado quanto à compra e a venda dos parcelamentos. Essa nova modalidade de
estruturação implica na formação de espaços descontínuos e à expansão horizontal.
As distâncias aumentam e são necessárias novas vias de ligação.
A partir da visão europeia e das discussões do urbanismo, como
disciplina, as cidades brasileiras, almejando crescimento e desenvolvimento
econônimo atrelados à urbanização, recorrem a essas soluções na configuração
espacial de algumas cidades, principalmente as capitais. Transpor uma realidade
europeia para as cidades brasileiras, localizadas nos trópicos, não contribui e nem
7
CIAM – Congressos Internacionais de Arquitetura Moderna.
capítulo 2 – de abrigo a construção do ambiente: a inserção das
águas na revisitação historiográfica urbana
97
corresponde na construção de habitats brasileiros arraigados a sua própria história,
pois o território ainda dispunha de inúmeras áreas desabitadas, notadamente no seu
interior, o que demandava uma atenção mais direta às experiências locais, que,
indentificadas, pudessem ser complementadas às reflexões do discurso europeu e
possibilitar a construção de ambientes em equilíbrio com as características
fisiográficas, evitando-se apenas a cópia e a repetição dos modelos da Europa.
2.2.5. Civilização em Redes e Fluxos Tecnológicos
A evolução uma civilização se reveste de características próprias de
cada região, cujos comportamentos, tradições e atitudes não se mudam tão
rapidamente como, por exemplo, no mundo contemporâneo. Entretanto, em algumas
regiões que a consolidação das práticas urbanísticas se apresenta de apresenta de
forma notória, é possível a absorção de novas formas ou elementos que influem no
habitat. Nos últimos 20 anos, com a evolução tecnológica e difusão da informação
instantânea, muitas vezes, o tempo e o espaço são anulados ou se revestem de
uma instantaneidade, mesmo sem a materialização ou a prática ainda não
absorvida. Em razão disso, podemos caracterizar o atual momento como uma
civilização em processo de redes e fluxos tecnológicos, se esboçando rapidamente,
cuja absorção em vários pontos do espaço também tem sido de forma acelerada.
O atual período, onde as revoluções técnico-científicas, a rapidez
das informações e da sua difusão tem contribuído para desenhar novos caminhos de
forma acelerada, imprimindo a sua marca no território e nas cidades.
Um mundo conectado por fluxos invisíveis: uma aparente
virtualização do espaço e a eternidade do instantâneo. Emerge, a partir de revolução
da microeletrônica, as sociedades em rede.
um século, o olhar que lançamos sobre as cidades é moldado pela
representação que delas nos dão o cinema e a fotografia, isto é, pela
associação da imagem e do percurso, da imagem e do tempo. [...] foram
substituídos por outros ritmos e outras escalas. À imagem do movimento [...]
a imagem em movimento. (PANERAI, 2006, p. 25)
Com o advento da microeletrônica, na década de 90, essas
transações se tornam mais voláteis e especulativas, os fluxos, mais ágeis e virtuais.
Nesse momento, o capitalismo se insere em sua esfera neoliberal, sendo que os
capítulo 2 – de abrigo a construção do ambiente: a inserção das
águas na revisitação historiográfica urbana
98
investimentos são constantemente distanciados desse jogo especulativo, regalados
a segundo plano, no cenário econômico mundial. As barreiras deixam de existir, o
Estado perde sua força, o controle sobre as grandes corporações é banido e a
desigualdade social se agrava mais e mais.
A combinação e a dispersão espacial e integração global criou novo papel
estratégico para as principais cidades. Além de sua longa história como
centros de comércio e atividades bancarias internacionais, essas cidades
funcionam em quatro novas formas: primeira, como pontos de comando
altamente concentrados na organização da economia mundial; segunda,
como localizações-chave para empresas financeiras e de serviços
especializados [...]; terceira, como locais de produção, inclusive a produção
de inovação nesses importantes setores e a quarta, como mercados para
os produtos e as inovações produzidas. (SASSEN, 1991, p. 3-4)
A revolução tecnológica e a microeletrônica levaram ao franco
desenvolvimento da indústria do entretenimento, que gera o consumo em massa,
através de seu maior veículo: a televisão, que funde a fonografia do rádio, com a
imagem do cinema, estando presente em todos os lugares, emergindo a sociedade
do espetáculo. A desregulamentação do mercado, a evolução da microeletrônica e a
cultura de massa elevam a imagem como fator preponderante.
Portanto, a cidade também um produto global, que deixou de ser
competência do Estado para ser pensada por grupos empresariais através de
operações de grande escala. (MUXI, 2004, p. 11). A autora observa também que
esta realidade consiste em uma arquitetura e uma maneira de se fazer cidade, cujo
modelo é o que tem sido utilizado pela sociedade norte-americana para construir sua
identidade, sua tradição e sua história. O processo não é automático, não
inicialmente, mas pouco a pouco se tornam modelos de produção, da apropriação
do território e da criação, baseados na própria imagem.
Todas essas mudanças de comportamento e relações sociais
desencadeiam novas formas de habitar as cidades que tiveram uma quebra dentro
da história urbana com o “[...] surgimento dos condomínios fechados, cujos
resultados urbanos e sociais são visíveis na dualidade, segregação e o abandono de
numerosas áreas urbanas.”
8
(MUXI, 2004, p. 118)
[...] uma arquitetura de dimensões gigantescas que é imposta à força ao
lugar e à cidade, uma fortaleza em roupagem moderna. Surgiram
megaprojetos com várias outras formas: hectares de áreas de lazer e
parques temáticos, imensos shopping center regionais à deriva em mares
de estacionamento asfaltado, gigantescos parques de escritórios bem
afastados dos centros urbanos, complexos habitacionais inseridos em
densos tecidos urbanos [...]. (GHIRARDO, 2002, p. 42)
8
Tradução nossa.
capítulo 2 – de abrigo a construção do ambiente: a inserção das
águas na revisitação historiográfica urbana
99
A partir dessa nova organização econômico-social, o território
urbano é apropriado sob o aspecto da fragmentação do tecido urbano e vários
núcleos de atratividade, pois
[...] o desenvolvimento da comunicação eletrônica e dos sistemas de
informação propicia uma crescente dissociação entre a proximidade
espacial e o desempenho das funções rotineiras: trabalho, compras,
entretenimento, assistência à saúde, educação, serviços públicos, governos
e assim por diante.[...] estão destituídas de sua necessidade funcional [...]
(CASTELLS, 2000, p. 419)
[...] o mundo econômico global, pós-fordista e pós-industrial, é imaginado
como possuidor de fluxos transnacionais de população e cultura e auto-
estradas de informação. O movimento constante de turistas, refugiados,
homens de negócios reflete-se na arquitetura, na qual, por exemplo, um
arquiteto francês cria projetos para Bangkok, um arquiteto de Nova Jersey
voa para Berlim para supervisionar a construção de um prédio e arquitetos
italianos desenvolvem projetos em Houston e Galveston, Texas.
(GHIRARDO, 2002, p.38)
Discute-se muito se essa revolução da passagem do século XX para
o XXI, provocará o fim da cidade vazia de suas funções, em favor, da comunicação
estabelecida pelos meios da tecnologia da informação, tendendo-se a relações
virtuais de convivência em sociedade, mas para Castells (2000, p. 423), apesar da
habitação sugerir uma nova centralidade, os locais de trabalho, as escolas,
complexos médicos, postos de atendimento ao consumidor, áreas de recreação e
lazer, ruas de comércio, shoppings center, estádios de esportes e parque sempre
vão existir, haverá o deslocamento de pessoas entre eles, devido ao aumento da
mobilidade e pela flexibilidade nas relações de trabalho.
As cidades tornam-se dispersas com múltiplas centralidades, vazios
urbanos mesclados a atividades econômicas que geram os novos fluxos, sendo,
portanto, destituída de forma (CASTELLS, 2000). O território perde a característica
de apropriação do espaço e toma-se o fluxo, que é muito dinâmico, como fator
fundamental e determinante da organização dessas sociedades (comunicação,
Internet, etc). Não se relacionam com seus recortes, com sua região geográfica, mas
com o tecido urbano em escala planetária. Forma-se a estrutura em redes
9
, não
palpável, mas estabelecida pela comunicação das partes das empresas, localizadas
em diferentes regiões do globo.
9
Manuel Castells (2000) define redes como um conjunto de nós interconectados por um processo
que não mais se estabelece num mesmo espaço físico, podendo expandir-se de forma ilimitada,
formando novos nós que compartilham os mesmos códigos de comunicação. Produzem uma
concentração de poder descentralizada e em escala planetária.
capítulo 2 – de abrigo a construção do ambiente: a inserção das
águas na revisitação historiográfica urbana
100
Esse fenômeno vem sendo estudado dentro da corrente do New
Urbanism, em que elucida o conceito de cidade global (SASSEN, 1991), a
metropolização dos grandes centros urbanos e os mecanismos de definição do
patrimônio cultural, histórico e construído da cidade e os enclaves urbanos. Panerai
(2006) nos lembra de que essas estruturas quase autônomas não são formas
inovadoras, o que se distingue das fortalezas medievais e as propriedades
aristocráticas do século XVII são as dimensões de superfície que passam a exigir.
Estações de triagem, aeroportos, campos militares, portos, complexos
industriais ocupam vastos terreno, por vezes tão mais extensos que o
próprio centro urbano. [...] suas dimensões o são, e a amplitude do
fenômeno nos desconcerta, visto que tais enclaves aparecem como áreas
isoladas em que todos os métodos de leitura do espaço experimentados
fracassam. (PANEIRAI, 2006, p. 45)
A natureza e seus elementos, notadamente a água e a vegetação
são reapropriados e reinseridos nos enclaves urbanos. As soluções de infraestrutura
também são diferenciadas pelo extenso território, não conferindo a cidade uma
uniformidade, como os aquedutos romanos ou as pontes medievais. Não se pode ter
uma leitura da totalidade da cidade sem recorrermos a mapas e imagens aéreas,
pois a diversidade do tecido urbano predomina sobre a superfície terrestre.
A cidade global se caracteriza por um conjunto articulado de
cidades, territorialmente distante umas das outras e que integram um modelo de
investimentos, de uma rede global de locais estratégicos no mundo. Sassen (2001)
afirma que é indispensável desempenhar “funções de produção” centrais em várias
áreas – política, economia, cultura e até estilos de vida com cheiro cosmopolita.
2.3.
P
ERMANÊNCIAS
,
R
UPTURAS E
D
INÂMICAS DA
P
AISAGEM
U
RBANA
Das tipologias apresentadas, podemos avaliar a relação da
fenomenologia existencialista pela articulação entre ambiente e sociedade, em
função das permanências e transformações aferidas aos tecidos históricos,
especialmente pelas vários mapas e plantas que nos permitem uma rápida e
panorâmica visualização sobre os espaços construídos ou ainda em processo de
construção, ou também, em seu estado “natural”.
A articulação dos elementos naturais e a sobreposição dos artefatos
culturais evidenciam objetos remanescentes e as novas formas de uso e apropriação
capítulo 2 – de abrigo a construção do ambiente: a inserção das
águas na revisitação historiográfica urbana
101
do território, expandindo ou retraindo suas fronteiras. Se observarmos atentamente
esse processo dinâmico, pelos diversos recursos iconográficos, constataremos que
os núcleos urbanos estão diretamente vinculados aos corpos d’água, quer sejam
rios, lagos ou mares. A relação do uso e ocupação nos revelam as funções utilitárias
ou metafóricas atribuídas aos rios, quando retomamos a contextualização da
construção de cada uma das tipologias apresentadas.
Mumford (1998), na sua obra A cidade na história, aborda bem o
surgimento das primeiras civilizações que foram determinadas pelas condicoes
geográficas. Mello (2008) apoiando-se em Mumford (1998) faz um destaque e uma
crítica à construção de cidades próximas aos rios.
[...] no Egito, as condições eram mais suaves, céu sem nuvens, o Nilo
apresentava uma enchente anual previsível e uniforme; na Mesopotâmia,
predominava um ambiente turbulento, catastróficas torrentes e inundações.
[...] Enquanto o Egito se caracterizava pela “cidade aberta”, sem muros, e
pela permanência da maior parte da população em pequenas cidades e
aldeias, onde a vida era mais próxima à natureza, a cidade mesopotâmica
era uma “espécie de prisão”, caracterizada por portentosas muralhas,
reflexo de uma cultura fundamentada no “absolutismo arcaico”, na
insegurança e intimidação. (MELLO, 2008, p. 101)
A expansão e o crescimento das cidades para uma determinada
direção, seu caráter linear ou fragmentado também são fisionomias intrínsecas a
presença dos rios, ou da confluência dois afluentes de uma Microbacia maior,
determinando uma área de ocupação, como na Mesopotâmia, entre os Rios Tigres e
Eufrates e no norte paranaense, entre os Rios Tibagi e Ivaí. Do mesmo modo, a
ocupação da faixa litorânea é uma constante na historiografia urbana, em que
podemos destacar a formação de cidades na confluência do rio com o mar, como é o
caso de Londres, Rio de Janeiro e Salvador.
Os rios possibilitam lógicas que podem se adaptar ao
desenvolvimento urbano, seja sob a ótica positiva ou negativa, quando a agressão
humana torna sua presença nas cidades indesejáveis. Mello (2008, p. 102) expõe
que as forças que os rios possuem ante a evolução urbana “[...] manifestam-se
segundo padrões universais presentes em distintos contextos históricos e
geográficos – e padrões peculiares a determinadas culturas, regiões e localidades”.
De modo geral o desenho urbano exclui ou incorpora em seu
traçado a sinuosidade dos leitos dos corpos d’água, sendo um elemento periférico
ou central da configuração urbana. A água, ainda que não envolvida na trama das
vias e quadras das cidades, moldam-se em suas margens, recorrendo-se a ela como
capítulo 2 – de abrigo a construção do ambiente: a inserção das
águas na revisitação historiográfica urbana
102
fonte de abastecimento. Desse modo, podemos ter aglomerações urbanas voltadas
para o rio ou moldadas de costas para os mesmo, mas à medida que vão se
expandindo direcionam-se para seus talvegues.
As cidades que notadamente priorizaram as vias de circulação
artificiais em detrimento dos leitos naturais, apresentam problemas e conflitos
ambientais, principalmente pela [...] impermeabilização do solo, o rebaixamento de
leitos, as reversões e canalizações de cursos d’água intensificaram e tornaram
frequentes as inundações.” (MELLO, 2008, p. 107-108)
Os novos paradigmas discussões socioambientais são fundamental,
pois buscam, em suas reflexões, reestabelecer a valorização dos espaços
localizados às margens dos corpos d’água, de forma a incorporar na gestão urbana,
as questões relacionadas à água, tais como saneamento e hidrologia. No entanto,
como bem ressalta Mello (2008) é necessário discernir o limiar entre as práticas
ambientais e os discursos do marketing city.
[...] a cidade passou a ser objeto de iniciativas de embelezamento e que
determinados espaços passaram a ser valorizados, como atributos de
diferenciação local. Os elementos naturais de destaque como os corpos
d’água assumiram papel relevante neste processo, como referências de
identidade regional e local. (MELLO, 2008, p. 109)
A nossa pesquisa, desse modo, tentou resgatar sinteticamente a
importância dos corpos d’água e seu papel nas cidades, em sentido oposto a
simples valorização dos mesmos como mercadorias. Refletimos que o planejamento
urbano e sua gestão devem se orientar pela dimensão socioambiental visando a
reversibilidade dos corpos d’água e não pelo discurso da mera valorização dos
elementos naturais.
Retomando as nossas impressões sobre a historiografia urbana, a
presença dos rios foram ponto chave para o desenvolvimento da agricultura, por
meio das técnicas de irrigação desenvolvidas. Nas cidades romanas, conjugaram-se
a técnica da engenharia com a construção de monumentos regionais para que a
distribuição de água atingisse as áreas mais continentais do Império. Em seguida, na
reestruturação das cidades medievais, obtiveram maior destaque aquelas cuja
função mercantil foi determinada pela construção de canais vias fluviais para a
circulação dos produtos agrícolas (figura 38).
Além disso, ao expandir para fora dos muros, as cidades medievais,
principalmente os bairros fundados pelas corporações de oficio, ocupavam as
capítulo 2 – de abrigo a construção do ambiente: a inserção das
águas na revisitação historiográfica urbana
103
margens dos cursos d’água, criando os subúrbios, na maioria das vezes, bem maior
que o próprio burgo. (MORRIS, 2001), criando-se pontes para transpor os limites
que os cursos d’água impunham, e ao mesmo tempo, protegiam.
Figura 38: Presença dos corpos d’água nas cidades, configurando-se como elemento de organização
espacial. Fonte: Mello (2008, p. 110)
Mello (2008) tendo como referência Guillerme (1990) evidencia que
as “[...] intervenções de “saneamento” dos terrenos alagadiços pelo
desenvolvimento de técnicas de dragagem e de elevação do nível d’água” (p. 111)
ocorreram para regulamentar e dirimir os conflitos que iam surgindo, em função do
crescimento desordenado da periferia. As técnicas desenvolvidas priorizavam a
formação de novas áreas para ocupação, que pela drenagem dessas áreas, criavam
a força hidráulica para o funcionamento dos moinhos.
As teorias hidráulicas, no processo de estruturação das atividades
industriais também mudaram as posições quanto a água, o que para Mumford
(1998) implicou em acelerar o ciclo hidrológico natural para uma dinâmica em favor
do desenvolvimento econômicos, em curso. A água como fonte de energia não
trouxe impactos tão negativos quanto à própria indústria, que elegeu as margens do
rio como o local ideal na ocupação do ambiente urbano, por razões diversas:
capítulo 2 – de abrigo a construção do ambiente: a inserção das
águas na revisitação historiográfica urbana
104
[...] a grande quantidade de água exigida pelos novos processos de
produção (para abastecer caldeiras, resfriar superfícies, preparar soluções);
a associação ao transporte ferroviário da matéria prima e dos produtos
(tendo em vista a deficiência da locomotiva a vapor em vencer aclives
acentuados, as áreas planas dos vales eram as mais apropriadas para a
localização de vias férreas); a necessidade de proximidade a depósitos
minerais (também predominantes nos vales); enfim, os rios eram os locais
onde se podiam lançar grandes volumes de efluentes, de modo mais
conveniente e econômico. (MELLO, 2008, p. 121)
Como comentamos anteriormente, as descobertas científicas e as
novas posturas em relação às águas, as quais foram responsabilizadas pela
proliferação de epidemias, destituindo a água de suas funções e representações.
Em consequência, as cidades foram destituídas de água, aterrando-se as áreas
alagadiças e aceleração do escoamento das águas, bem como as redes enterradas.
A água deixou de ser um componente dos ambientes urbanos para se dedicar aos
processos de desenvolvimento, ressaltando-se no final do século XVIII sua função
utilitária. Uma das principais intervenções foi a retificação dos leitos dos rios, como
medida contra as inundações e, ao mesmo tempo, a distância de suas margens
facilitavam a navegação. “Os cursos d’água que não serviam à atividade econômica
passaram a cumprir a função de recepção de excrementos.” (MELLO, 2008, p. 112)
As postulações modernas tornaram o desenho urbano mais abstrato
e geométrico, cujo processo desemboca na desvalorização dos corpos d’água. O
projeto de cidades novas ou as intervenções em suas partes tendem a manipular o
espaço e dotá-lo de qualidades que afirmem o desenvolvimento econômico como
mola propulsora das ações humanas. Não interessa mais o sentido cósmico dos
elementos naturais e sua inserção no ambiente urbano, prevalecendo o sentido
econômico e utilitário dos corpos d’água, como recursos a ser explorados.
Assim, percebemos que os rios, ao longo das diversas
manifestações da civilização foram perdendo sua força para o conhecimento técnico-
científico, imperando o domínio do homem sobre a natureza, numa ilusão da criação
de ambientes totalmente artificiais. Com emergência das questões ambientais, duas
vertentes ressoam nas ações atuais: uma exclusivamente urbanística, em que
grandes incorporações imobiliárias devolveram o valor aos rios, mas numa
estratégia de consumo, que pauta a sociedade urbana; e outra, oposta, pautada na
visão sistêmica, sendo os elementos naturais parte do processo do desenho urbano.
CAP
CAPCAP
CAPÍTULO
ÍTULO ÍTULO
ÍTULO 3
33
3
A GÊNESE DA ESTRUTURA
A GÊNESE DA ESTRUTURA A GÊNESE DA ESTRUTURA
A GÊNESE DA ESTRUTURA REGIONAL NA FORMAÇÃO DA REDE URBANA
REGIONAL NA FORMAÇÃO DA REDE URBANAREGIONAL NA FORMAÇÃO DA REDE URBANA
REGIONAL NA FORMAÇÃO DA REDE URBANA
Capítulo 3 – a gênese da estrutura regional na
formação da rede urbana
106
O processo de implantação e crescimento da cidade de Londrina se
insere no contexto do processo de expansão capitalista da ocupação brasileira. O
prévio conhecimento da região, por meio de levantamentos cartográficos foi
fundamental no planejamento dos empreendedores ingleses, influindo
decisivamente no desenho, na configuração e distribuição de cidades, lotes rurais e
urbanos no norte do Paraná, tendo em vista que foram definidos a partir dos
elementos naturais.
3.1 C
APITAL INGLÊS
,
C
AFEICULTURA E
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ARANAENSE
Os primeiros mapas cartográficos do Paraná são datados do final do
século XIX (ente 1876 e 1911), cuja preocupação se respaldava em definir suas
fronteiras e os limites do país, após a Guerra do Paraguai (1864-1869), e, também,
evitar a perda de território para Santa Catarina, conforme os registros do Instituto de
Terras, Cartografias e Geociências do Estado do Paraná (ITCG).
O levantamento dos aspectos fisiográficos da província também
tinham por objetivo permitir estudos de viabilidade da implantação de eixos
ferroviários pelo território paranaense, bem como destacavam os caminhos fluviais e
terrestres existentes, sendo representados com destaque nas cartas da época
(figura 39). A amplitude das bacias hidrográficas com os respectivos afluentes e
ribeirões definiam as fronteiras entre as províncias imperiais de São Paulo e Paraná
Rio Paranapanema; como também entre Paraná e Mato Grosso Rio Paraná; e
entre Paraná e Rio Grande do Sul, pelo Rio Uruguai.
A representação cartográfica de 1876 a 1911 destacava a área de
Curitiba, não sendo considerada a porção norte nos planos de implantação de linhas
férreas, área de difícil acesso a sul, devido as Serras Gerais, sem registro de vilas
ou povoados, ainda que tivessem conhecimento da hidrografia dessa área. A oeste,
havia apenas a indicação de áreas indígenas, na divisa com o Paraguai e Mato
Grosso do Sul. A preocupação de desenvolvimento da Província focava a
interligação leste-oeste, sem que coubesse a região norte algum papel de destaque.
O norte paranaense ganhou destaque na cartografia oficial, somente
Capítulo 3 – a gênese da estrutura regional na
formação da rede urbana
107
na primeira década do século XX, que se tornou uma área estratégica que precisaria
ser ocupada, quando o governo do Estado fez uma série de concessões a empresas
estrangeiras e nacionais. No mapa viário, de 1908, (figura 40), elaborado pela
Secretaria de Obras e Viação, o havia nenhum projeto de implantação de trechos
férreos no sentido leste-oeste na atual região norte paranaense e, tampouco,
quaisquer direcionamentos para a criação de novas vilas ou cidades.
O caminho entre a capital e o norte do estado se estruturava às
margens do Rio Tibagi. Esse caminho se comprova pelas cidades dispersas
indicadas no mapa. A cidade de Jatahy aparece como um ponto isolado no norte
paranaense, sendo este o limite de ocupação da região.
O mapa de 1912 (figura 41), elaborado pelo governo do estado do
Paraná destaca a localização dos núcleos, que são classificadas em cidades, vilas,
povoados e assentamentos indígenas, além da capital, Curitiba. A maioria das
cidades e vilas está distribuída ao longo das estradas, enquanto que os povoados
estão às margens dos caminhos. Os caminhos e estradas se estruturam ao longo
nas margens dos rios, direcionando-se para Curitiba, enquanto que os caminhos que
partem dos povoados, localizados no norte, se desenvolvem pelo espigão, partindo,
por exemplo, de Jatahy até Tibagi, onde se encontrava com a estrada de ferro em
pleno funcionamento (trecho entre São Pedro do Itararé divisa com São Paulo e
União da Vitória, a sul). (ITCG, s/d).
Pela situação geopolítica, a área de cerca de 515.000 alqueires,
adquirida pela Companhia de Terras Norte do Paraná (CTNP), se encontrasse no
território do Paraná, a maciça migração da população, principalmente de São Paulo,
Minas Gerais e estados do Nordeste, inicialmente se localizou na área rural de mais
de 60 núcleos fundados pela CTNP, estimulando uma rápida ocupação,
principalmente distribuída em áreas do planejamento regional da CTNP. A Influência
paulista foi decisiva não na ocupação como também no processo de urbanização
e nos fluxos comerciais e de serviços que, inicialmente, tinham muito mais relação
interregional com São Paulo do que com o sul do Paraná. Podemos afirmar, desse
modo, que a ocupação e a urbanização do norte paranaense se efetivaram por
interesses econômicos do que por uma interferência pública preocupada com o
desenvolvimento da região.
Capítulo 3 – a gênese da estrutura regional na formação da rede urbana
108
Figura 40: Mapa Viário do Paraná destaque para as ferrovias e caminhos existentes no
território, em 1908. Apenas a porção noroeste era povoada, com pequenos núcleos próximos
a São Paulo. Fonte: ITCG, 2009.
Figura 39: Mapa Geral da Província do Paraná, 1876. Destaque para o norte paranaense: “desabitado”.
Fonte: ITGC, s/d. Org.: Pantaleão, 2010.
Figura 41: Mapa do Estado do Paraná localização das cidades, vilas, povoamentos e
assentamentos indígenas. Na região entre os Rios Tibagi e Ivaí não nenhum registro
dessas localidades. Fonte: ITCG, s/d.
Capítulo 3 – a gênese da estrutura regional na
formação da rede urbana
109
As primeiras áreas de ocupação do norte paranaense, para além
dos limites do atual Estado de São Paulo, se situavam à nordeste do Paraná,
próximo à cidade de Ourinhos, destinando-as à ampliação da cafeicultura (TOMAZI,
1989). A região tornou-se atrativa pela fertilidade de suas terras, provocando a
expansão da fronteira agrícola dos fazendeiros paulistas e mineiros, que utilizavam o
rio Paranapanema como meio de transporte de suas safras, ou ainda as precárias
estradas dos tropeiros até o porto de Santos.
Em São Paulo, a construção de vias férreas significou a solução
para o escoamento da produção agrícola, especialmente do café, e colocava a
expansão do transporte ferroviário no Brasil como uma meta de progresso e geração
de riquezas, sendo eles próprios os financiadores das primeiras linhas implantadas
no interior paulista. As ideias de desenvolvimento e progresso, condicionadas à
construção de ferrovias, começaram a ter mais força, especialmente pela
urbanização de São Paulo, financiada pela cafeicultura e pelas mudanças políticas,
iniciadas no final do século XIX, com a República.
Diferentemente do processo de ocupação da faixa litorânea, que
tinham nos portos o meio de operacionalizar a produção agrícola para o exterior, o
interior não dispunha de infraestrutura adequada para que essa circulação fosse
garantida, pois as estradas abertas pelos tropeiros eram precárias e, quanto
mais se deslocavam para oeste, maiores dificuldades encontravam para transpor
sua produção até o porto de Santos. A solução encontrada pelos fazendeiros de
café foi investir na construção das linhas férreas, ligando o oeste paulista ao porto
de Santos.
Em comparação com os mapas anteriores, o mapa datado de 1919
(figura 42) apresenta a ocupação da porção nordeste do território paranaense, como
extensão das áreas destinadas à cafeicultura paulista, limitando-se ao planalto entre
os Rios Paranapanema e Tibagi, por volta de 1910, conforme explica Tomazi (1989).
No entanto, ainda que a fertilidade do solo fosse um ponto chave para os pioneiros,
esbarravam-se nas dificuldades de escoamento da produção.
Essa dificuldade, devido à distância e a falta de infraestrutura,
motivou a expansão dos trilhos da Estrada de Ferro Sorocabana, pela Estrada de
Ferro Noroeste do Paraná, depois Companhia Ferroviária São Paulo-Paraná
composta pelos próprios fazendeiros, que se estabeleceram na margem esquerda
Capítulo 3 – a gênese da estrutura regional na
formação da rede urbana
110
do Tibagi, na região conhecida como Norte Pioneiro. De Ourinhos partiram os trilhos
da ferrovia para o território paranaense até a cidade de Cambará
10
, com quase 29
km de extensão (figura 43). Esse pequeno trecho não foi suficiente para sanar os
problemas dos bandeirantes paulistas, pois outros núcleos urbanos se direcionavam
para o Rio Tibagi: Bandeirantes (1921); Santa Mariana; Cornélio Procópio (1924) e
Jatahy. (figura 44).
No entanto, o capital desses investidores não era suficiente para a
ampliação que este prolongamento alcançasse o Rio Tibagi, levando-os a buscar
investimentos na Missão Montagu
11
(1923), solicitada pelo presidente Arthur
Bernardes. Tomazi (1989) explica que a incursão de Simon Joseph Frazer (Lord
Lovat) ocorreu em 1924, não mais pela Missão Montagu, mas, em busca de áreas
propícias para a produção inglesa de algodão e madeira, atendendo os interesses
da Sudam Cotton Plantations Syndicate, que explorava terras no Sudão.
Como atrativos, os fazendeiros apresentaram a fertilidade do solo de
uma extensa área de mata nativa a qual poderia ser apropriada para os interesses
dos ingleses, que, em contrapartida, construiriam a estrada de ferro, facilitando o
escoamento da produção cafeeira até o Porto de Santos e, ao explorar a terra de
forma racional (plano de colonização), seus investimentos se converteriam em
lucros. um depoimento de Gastão Mesquita Filho, que acompanhou Lord Lovat
na viagem às terras roxas do norte do Paraná, no qual foram relatadas vantagens do
investimento nessa região, que estão expressas nas seguintes colocações:
[...] eu falava a Lovat das vantagens da colonização, apoiada na construção
de estradas de ferro e na repetição inteligente das terras por elas
atravessadas. E não havia melhor ilustração para as minhas palavras do
que as áreas colonizadas em Cambará, para onde se dirigiam os trilhos da
ferrovia que eu estava construindo, vilazinha até então pertencia ao
município de Jacarezinho. [...] quando a notícia de aproximação da estrada
de ferro, começaram a circular, os preços dessas terras foram subindo [...] é
natural, portanto, que Lovat se mostrasse deslumbrado diante de uma
valorização de mil por cento, quando na Inglaterra os bons negócios se
faziam na base de cinco por cento ao ano. Estou convencido que esta
oportunidade de lucro, possível com a aproximação da ferrovia e através de
um plano inteligente de divididas, constituiu a semente da Companhia de
Terras Norte do Paraná (CMNP, 1975)
Esses argumentos denotassem como um atrativo maior que a
10
A ocupação de área de Cambará iniciou-se em 1904; reconhecido como distrito pelo estado em
1920 e elevado a município em 1923. (FERREIRA, 2006)
11
A Missão Montagu estava vinculada a questões econômicas e financeiras, uma vez que visava a
liquidação de dívidas com o Banco do Brasil. Também objetivava minimizar o excessivo controle do
governo brasileiro sobre as estradas de ferro inglesas, o que onerava o escoamento do café.
(TOMAZI, 1989, p. 87).
Capítulo 3 – a gênese da estrutura regional na
formação da rede urbana
111
própria fertilidade das terras, fundou-se a Brazil Plantations Syndicate Limited, com
sede em Londres, em 1924, adquirindo áreas para o cultivo de algodão em Salto
Grande e Birigui, no interior de São Paulo. Esse investimento não se mostrou
vantajoso devido à conjuntura internacional, seja pelos preços do mercado, ou pela
baixa qualidade das sementes. Com isso, restava ao grupo inglês aplicar seus
investimentos no norte paranaense, que fundou, em 1925, a Paraná Plantations
Limited, com sede em Londres, responsável pelas despesas do plano imobiliário e a
Companhia de Terras Norte do Paraná (CTNP), com sede em São Paulo, designada
a execução dos planos colonizadores e imobiliários. (REGO, 2009).
A CTNP adquiriu os títulos de propriedade das terras, mesmo em
áreas ocupadas por posseiros irregulares, perfazendo um total de 415 mil alqueires
sob seu domínio (figura 45), e, posteriormente, outras áreas fracionadas, totalizando
515.017 alqueires
12
de terras muito ferteis, cobertas por densa mata nativa, e, sob
a denominação Companhia Melhoramentos Norte do Paraná (CMNP), em 1951, a
área total era da ordem de 545.048 alqueires paulista (figura 46).
Segundo relatos publicados pela Companhia Melhoramentos Norte
do Paraná (CMNP) em 1956, a área escolhida não foi aleatória, mas visualizada pela
cartografia da época. Antes mesmo da construção da ferrovia, foi necessária a
abertura de vias para que o acesso fosse facilitado, que se constituíram em sistemas
viários interseccionando a gleba adquirida pela CTNP.
Essa rede viária possibilitou a comunicação entre os núcleos
urbanos, além de atrair possíveis e potenciais compradores, conforme o projeto
colonizador desenvolvido. Nesse sentido, a rodovia (1930 – partindo de Jacarezinho)
se concretiza antes mesmo da ferrovia (1932-1935), sendo uma escolha criteriosa
em relação aos aspectos naturais da região, em especial aos recursos hídricos e
pontos de maior altitude (figura 47).
12
Conforme dados do Instituto de Pesquisa e Planejamento de Londrina IPPUL, em Perfil de
Londrina, 2003.
Capítulo 3 – a gênese da estrutura regional na formação da rede urbana
112
Figura 42: Mapa do Estado do Paraná, de 1919.
Registro da ocupação da região nordeste do Paraná. Fonte: ITCG, s/d.
Figura 43: Esquema de localização das ferrovias existentes (linha tracejada) e
futuros prolongamentos (pontilhada). Posição da região em relação a Capital do
Brasil - Rio de Janeiro, São Paulo, Santos e Curitiba. Fonte: National Archives,
1934.
Figura 44: Linha férrea a partir de Ourinhos, até Jatahy. Passando pela região nordeste do Paraná, com destaque às cidades Cambará,
Bandeirantes, Santa Mariana, Cornélio Procópio e Jatahy, para implantação das estações de parada. Destaque a rede hídrica da região.
Fonte: National Archives, 1934.
Figura 46: Estado do Paraná com delimitação da área total
colonizada pela CTNP e CMNP. Fonte: CMNP, 1975. Org.:
Pantaleão, 2010.
Figura 45: Estado do Paraná com delimitação da área total colonizada
pela CTNP e CMNP. Fonte: CMNP, 1975. Org. Pantaleão, 2010
Figura 47: Estrada de Rodagem para prolongamento da
estrada de ferro.Org. Pantaleão, 2010
Capítulo 3 – a gênese da estrutura regional na
formação da rede urbana
113
Pelo mapeamento (figura 47), foi construída uma estrada de
rodagem principal, ao lado da futura ferrovia, o que já facilitaria a sua própria
implantação, bem como permitiria o acesso aos principais núcleos projetados pela
CTNP e, perpendicular a essa via principal, foram previstos caminhos secundários
para a circulação entre os lotes rurais e os núcleos urbanos. Com isso, a
espacialização inter-regional se conforma linearmente pelo espigão principal e de
maior área, hierarquizando o espaço e a distribuição de áreas rurais e urbanas,
sendo as primeiras a de maior predomínio.
A estrutura, portanto, da área adquirida pela CTNP apresenta, em
termos de configuração espacial (figura 48), uma linearidade no sentido leste-oeste,
em que estão localizados os núcleos urbanos, perpendicular aos principais rios da
região o Rio Tibagi e o Rio Ivaí, uma vez que a ocupação ocorreu pela espinha
dorsal do projeto colonizador: a ferrovia implantada no ponto mais alto: no divisor
das bacias hidrográficas da região, também denominado por espigão
(NAKAGAWARA, 1980).
Figura 48: Área situada entre os Rios Ivaí e Tibagi, planalto Apucarana: área escolhida pela CTNP
para seu projeto imobiliário. Mapa elaborado pelo Estado do Paraná, em 1919, destacando o relevo
e a hidrografia e as vias de circulação Fonte: ITCG, 2009. Org.: Pantaleão, 2009.
Ao compararmos a configuração dos Rios Tibagi e Ivaí com o vale
dos Rios Tigre e Eufrates (figura 49), sem considerar o relevo e suas
especificidades, apenas sob o ponto de vista da representação cartográfica
(bidimensional), podemos, analogicamente, afirmar que no norte paranaense poder-
se-ia desenvolver uma civilização baseada na agricultura, aproveitando-se dos
recursos naturais existentes, tendo em vista que uma área rica em água possui
Capítulo 3 – a gênese da estrutura regional na
formação da rede urbana
114
fertilidade para uma produção comercial e não simplesmente de subsistência.
Isso nos permite afirmar que a escolha da área considerou a água
não como um elemento místico ou de ligação com o cosmos, como nas sociedades
da Antiguidade, mas sim o potencial financeiro que tal característica natural poderia
oferecer aos sitiantes, que, por sua vez, reverteriam em lucros, os investimentos do
capital em inglês em estradas e trilhos, ao adquirir essas terras férteis.
Figura 49:
Vale dos Rios Tigres e Eufrates, Mesopotâmia: berço da civilização ocidental.
Ao apontar essas semelhanças concluímos que a escolha da área
da CTNP ocorreu de forma que o investimento aplicado revertesse lucros sem que
houvesse riscos de perdas. Cabe, também, lembrar que este período entre guerras
estimulava a conquista de novos territórios por parte das nações mais
industrializadas da época (Inglaterra, França, Alemanha), cujo foco de exploração
voltou-se tanto para os países africanos, quanto latino-americanos, reconfigurando a
geopolítica europeia.
A exploração de novas áreas ainda seguia os objetivos das
primeiras civilizações colonizadoras, que se aventuraram na travessia do Oceano
Atlântico em busca de pedras preciosas no século XV e XVI. Diferente desse
período, a ação imperialista da segunda década do século XX se respaldava não
mais na acumulação de riquezas, mas sim no aumento da mais-valia. É importante
tecer tais considerações, pois o norte paranaense se insere nesse contexto, via
produção cafeeira e exploração do transporte ferroviário pelo capital inglês.
Capítulo 3 – a gênese da estrutura regional na
formação da rede urbana
115
Com isso, a relação Sociedade e Natureza se efetiva pela
exploração de seus recursos, em prol de um progresso e geração de capital para a
sociedade, cujo processo de urbanização enfraquece e, até certo ponto, destrói as
relações harmônicas, características das civilizações cosmo-místicas e
antropocêntricas, citadas no capítulo 2. São os aspectos econômicos que regem a
apropriação e ocupação do norte paranaense, substituindo a paisagem natural de
mata virgem, por uma rede de cidades, a qual estava calcada no capital inglês e na
cafeicultura, moldada pelos valores “civilizatórios”, presentes nos discursos
urbanistas para as cidades industriais.
O rebatimento espacial se configura, portanto, como um projeto
imobiliário-colonizador (NAKAGAWARA, 1984), em que a terra representa um valor
de troca e fonte de lucros. Possibilita também a utilização de estratégias de domínio
de territórios ainda não ocupados em prol do progresso e do desenvolvimento que a
Revolução Industrial, do século XVII e o conhecimento científico difundido pelo
Iluminismo, do século XIX, avançam sobre as terras devolutas.
A atuação da CTNP, em escala macro regional, tinha a ferrovia e a
rodovia como eixos estruturadores, previa lotes urbanos, rurais e chácaras,
baseados em levantamentos topográficos, identificação das bacias hidrográficas e a
localização das estradas nos espigões. Essa solução tornava o empreendimento
menos dispendioso para os ingleses, ao mesmo tempo em que permitia aos lotes
rurais acesso às estradas escoamento da produção agrícola e circulação até os
núcleos comerciais – e a água, elemento primordial para a irrigação das terras
férteis, garantindo a produção agrícola, sem grandes recursos tecnológicos. Nas
palavras de Barnabé (1989), cada uma das pequenas bacias hidrográficas foram
divididas em “[...] lotes compridos e estreitos, cujas extremidades atingissem, de um
lado o rio, de outro, a linha de cumiada [...]”.(BARNABÉ, 1989, p. 6). (figura 50).
Observa-se que o percurso de expansão orienta-se sobre esse vetor
de desbravamento e incursão pelo sertão, em que a ferrovia torna-se o marco inicial
de exploração e modificação do ambiente natural, que passa a ter feições
socioculturais na conformação da espacialidade tanto como eixo estruturador físico
quanto disseminador de várias culturas que se instalam nas suas adjacências
(Figura 51).
Capítulo 3 – a gênese da estrutura regional na
formação da rede urbana
116
Figura 50: Parcelamento da área rural, com limites entre as vias e os corpo d'água. A direita e no alto,
núcleo urbano de Londrina. Fonte: CMNP, 1975.
Figura 51: Perfil esquemático do parcelamento da área rural. Fonte: CMNP, 1975.
Em relação ao uso e ocupação das terras da CTNP, o predomínio da
estrutura espacial é rural, cabendo aos núcleos urbanos, às atividades comerciais e
de serviços, além do controle sobre a produção agrícola. Se compararmos a área
destinada aos lotes rurais em relação às datas urbanas, na divisão territorial
proposta pela CTNP, verificaremos o predomínio dos primeiros o que evidencia uma
intenção de uso da terra: a cafeicultura, mesmo que o papel dos núcleos urbanos
seja mais importante para o gerenciamento de toda a atividade econômica.
O sítio urbano das cidades projetadas pela CTNP está em
topografias elevadas, com pelo menos um dos lados em declive, favorecendo a
drenagem e a salubridade. Todo o processo de ocupação e apropriação do território
não é involuntário, mas parte de uma visão amadurecida de planejamento urbano e
Capítulo 3 – a gênese da estrutura regional na
formação da rede urbana
117
regional, que se insere na economia capitalista moderna (Barnabé, 1989). Ainda, de
acordo com a CMNP,
[...] as cidades ao se tornarem núcleos econômicos de maior importância
seriam demarcadas de cem em cem quilômetros, aproximadamente. Entre
estas, distanciados de 10 a 15 quilômetros um do outro, seriam fundados os
patrimônios, centros comerciais e abastecedores intermediários. Tanto nas
cidades quanto nos patrimônios, a área urbana apresentaria uma divisão de
datas residenciais e comerciais. Ao redor das áreas urbanas se situariam os
cinturões verdes, isto é, uma faixa dividida em chácaras que pudessem
servir para a produção de gêneros alimentícios de consumo local [...] a área
rural seria cortada por estradas vicinais, abertas de preferência ao longo dos
espigões, de maneira a permitir a divisão da terra da seguinte maneira:
pequenos lotes de 10, 15 ou 20 alqueires, com frente para a estrada de
acesso e fundos para um ribeirão [...] na parte alta plantaria o café [...] na
baixa, construiria a sua casa e um pequeno pomar. A água seria obtida do
ribeirão [...] (CMNP, 1975, p. 77-79)
Interessante também observar que não se tratam de grandes
latifúndios, como em outros momentos da agricultura de monocultura no Brasil. São
lotes de proporções modestas, pois destinavam-se a formação de uma estrutura
regional, o que demandava a previsão de um maior contingente populacional. Nas
palavras de Rego (2009, p. 110): “[...] a Parana Plantations se ocupou da promoção
das virtudes do desenvolvimento regional como forma de agregar valor à terra e
provocar um apelo maior junto a possíveis compradores [...]”.
Ao tomarmos os relatos de Monbeig (1998), verificamos que essa
concepção espacial se difere do grande latifúndio do oeste paulista, pois
[...] a grande fazenda contava com recursos para ser autossuficiente e
possuía o capital necessário para prover o seu próprio meio de transporte;
nelas, sempre havia a oferta de moradia, escola, capela, além da presença
do médico, do farmacêutico, do comerciante; por vezes, outros serviços
demandados pelos seus trabalhadores rurais vinham até eles, enquanto o
sítio do pequeno produtor dependia mais da cidade próxima para contar
com esses serviços. Entre pequenas propriedades, a proximidade das
estradas de rodagem e da ferrovia trazia a vida urbana ao alcance do
agricultor [...]. (MONBEIG, 1998, p. 229)
Entendemos, também, que, para a viabilidade do transporte
ferroviário, principal mote de rendimento para os ingleses, tendo em vista que o ferro
era um material importado, se concretizaria pela circulação de pessoas e
mercadorias, pois, sendo concessionária da Estrada de Ferro, o investimento dos
trilhos se converteria em lucros pela cobrança de fretes e passagens. A demanda
populacional era, portanto, também um elemento importante para os interesses dos
ingleses, o que se rebate na divisão territorial de lotes de menores dimensões e no
distanciamento entre os núcleos urbanos ou patrimônios.
Capítulo 3 – a gênese da estrutura regional na
formação da rede urbana
118
Podemos afirmar que a ocupação da região estava vinculada ao
escoamento da produção, via férrea, a distribuição fundiária das terras adquiridas
pela CTNP, sendo as cidades apoio para as áreas rurais (local da produção), em
que cada uma delas tinha seu papel dentro do conjunto. À Londrina coube sediar a
CTNP, sendo o local administrativo das atividades produtoras cafeeiras, e,
geograficamente, seria o acesso a todo o empreendimento colonizador, conforme
podemos visualizar, na planta de 1938 (figura 52).
Figura 52: Organização Regional e distribuição dos núcleos urbanos: Londrina, Nova Dantzig
(Cambé), Rolândia, Arapongas, São Pedro, Lovat, Marialva, Sarandi e Maringá. A linha férrea é o
elemento estruturador da organização regional, situado na cota mais elevada, entre as nascentes dos
rios e córregos que constituem as bacias hidrográficas da região. Fonte, IPPUL, 1995.
O mapa de Colonização da CTNP dividiu a área em várias glebas,
com a indicação dos córregos próximos. Apresentamos a planta parcial das glebas
dos Ribeirões Três Bocas, Jacutinga, Vermelho e Bandeirantes do Norte, Alexandre
Razgulaeff, definiu as parcelas fundiárias rurais e urbanas, representadas em
escala macro regional por Londrina e Nova Dantzig (Cambé).
Nessa planta (figura 53), verificamos que o primeiro núcleo urbano
Capítulo 3 – a gênese da estrutura regional na
formação da rede urbana
119
dentro dos limites da área adquirida pela CTNP seria Londrina, localizada no divisor
das microbacias do Ribeirão Cambé e Quati. Os lotes rurais pertencentes ao
patrimônio, primeiramente definido por Três Bocas, depois Londrina, circundavam as
seguintes microbacias hidrográficas: a norte, Córregos Quati e Lindoia; a sudeste, o
Córrego Limoeiro; a sul, o Ribeirão Cambé, Esperança e Cafezal, afluentes do
Ribeirão Três Bocas. O parcelamento proposto, portanto, atribuía aos rios a função
de limites físicos entre cada um dos patrimônios, além de servir como fonte de
abastecimento, favorecendo as atividades pretendidas na região.
A lógica, portanto, de parcelamento seguia um planejamento
regional, com a definição das áreas de cada patrimônio, com seu núcleo urbano e a
distribuição dos lotes rurais ao longo das vertentes, transformando a grande da área
da CTNP em áreas racionalmente projetadas, geometricamente desenhadas,
garantindo juridicamente e espacialmente, a parcela fundiária adquirida.
Do mesmo modo, vislumbramos o rebatimento das soluções das
civilizações colonizadoras: as estradas localizadas nos pontos mais altos do relevo,
definindo as artérias de circulação e, posteriormente, as conexões de uma rede
linear, orientada e direcionada; o parcelamento geométrico dos lotes rurais em
contraste com as linhas sinuosas das bacias hidrográficas e os núcleos urbanos com
seus quarteirões quase quadrados, abraçando a sinuosidade da estrada e da
ferrovia.
São soluções experimentadas pela Roma Imperial, posteriormente,
normatizadas pelos tratados renascentistas, e aplicada pelos colonizadores
espanhóis, principalmente (GOITIA, 1992). também o rebatimento da relação
entre urbano e rural preconizada pelas comunas medievais quanto à administração
da produção agrícola e a concentração das atividades comerciais na cidade
(MORRIS, 2001), teorizadas por Howard pautadas no equilíbrio entre campo e
cidade. Por outro lado, é a organização espacial e a majoração do valor da terra que
se define a estrutura macro regional.
Capítulo 3 – a gênese da estrutura regional na formação da rede urbana
120
A CTNP parcelou a área adquirida no norte paranaense
pelas bacias hidrográficas principais, marcados no mapa: em
amarelo, o Ribeirão Jacutinga; em laranja, os rios Vermelho e
Bandeirante do Norte e em rosa, o Ribeirão Três Bocas, sendo
que a divisão das lotes rurais era feita a partir de uma linha
perpendicular entre o ponto mais alto, ou cumeada, até o ponto
mais baixo, o fundo de vale. Com isso, o curso d’água acabada
sendo privatizado, servindo como fonte de abastecimento de
cada proprietário.
Percebemos, também, pela análise do mapa que a área
destinada aos núcleos urbanos era quase nula, se comparada a
quantidade de lotes rurais, que se conformavam entre o ponto da
cumeada rodovia e o fundo de vale, definindo uma estrutura
urbana em escala regional.
O prévio levantamento da área, indicando os cursos
d’água e a topografia, permitiu que esse traçado regional fosse
definido, marcando a fundação de núcleos cuja função primordial
era a de entreposto comercial, se assemelhando as ações de
colonização de espanhóis e portugueses, tanto na América
quanto na África. Essas constatações reafirmam o “projeto
imobiliário colonizador” (Nakagawara, 1980), aplicado no norte
do Paraná.
Figura 53:
Planta parcial da Colonização da CTNP. A divisão das glebas foi orientada pelo divisor das Microbacias hidrográficas. Os lotes
assemelham-se a faixas estiradas entre o espigão e o fundo de vale. Fonte: Museu Histórico, 2007. Org. Pantaleão, 2010.
Capítulo 3 – a gênese da estrutura regional na
formação da rede urbana
121
Os preceitos urbanísticos, discutidos no cerne das sociedades
industriais europeias, não foram totalmente transferidos para essa estrutura espacial,
tendo em vista que a ocupação e a apropriação do território foram feita por milhares
de migrantes paulistas, mineiros e nordestinos, e imigrantes japoneses, alemães
italianos, entre outros, como proprietários de cada parcela fundiária. Podemos
apenas vislumbrar a escala macro regional como influências dos preceitos de
Howard, pois a atividade econômica empreendida era rural e não urbana, ao
contrário da teoria das cidades-jardins; tais preceitos aparecem mais claramente nas
cidades da CMNP, a exemplo de Maringá, cuja preocupação urbanística é clara no
plano da cidade. Para Trevisan (2009), as cidades vinculadas à expansão das linhas
férreas no oeste paulista e norte paranaense se aproximam das concepções ideais
de cidade linear:
A regularidade destas cidades, dispostas ao longo da linha férrea, permite-
nos fazer um paralelo com o tipo de Cidade Linear do espanhol Arturo Soria
y Mata (1844-1920). [...] foi possível verificar a presença da ferrovia como
elemento estruturador da escala urbana e regional. Se, no caso espanhol, a
idéia de expansão urbana foi trabalhada através da linha férrea interligando
duas cidades existentes; nas CNs [cidades novas] do oeste paulista e norte
paranaense, a implantação de cada cidade era gerenciada pela ferrovia e
suas estações (quase sempre eqüidistantes uma das outras). [...]
(TREVISAN, 2009, p. 99-100).
Caberia, portanto, não aos colonizadores empreender a construção
de uma paisagem singular, pois definiram elementos pontuais para que a
configuração norte paranaense se estruturasse, com ênfase a acessibilidade e
circulação.
O sentido de lugar, explicitado por Tuan (1980), no sentido de
permanecer, de demorar-se e de edificar um elo com o espaço se conformaria pelos
migrantes, os quais fincaram sobre a estrutura fundiária da CTNP, sua cultura. No
entanto, não podemos desvincular a percepção desses empreendedores, pois o
sentido de localização, direção e constituição do habitat humano se estabelecia
pelos elementos da estrutura regional: os lotes rurais eram definidos por limites
físicos: a estrada, no ponto mais alto e a água, na parte mais baixa.
A paisagem do norte paranaense estava implantada, ainda que não
detivesse da atmosfera, a que se refere Norberg-Schulz (1980), pois os caminhos e
a presença da água detinham o sentido de orientação e presumiriam a forma de
ocupação e apropriação deste espaço, por meio das relações de espaços internos e
externos, a ser conferida pelos colonos, provenientes de diversas partes do mundo,
Capítulo 3 – a gênese da estrutura regional na
formação da rede urbana
122
buscando transpor para a este lugar traços da sua cultura. Assim, a articulação entre
a estância e a circunstância atribuída a estes elementos para que o espaço tivesse,
em si mesmo, o sentido de lugar aos futuros sitiantes.
Em termos de espacialidade inter-regional, a apropriação da área da
CTNP estabeleceu uma relação antagônica entre Sociedade e Natureza, ao se
destruir a densa mata virgem e substituí-la por uma paisagem precisa e
preestabelecida: as linhas sinuosas dos rios foram confrontadas com as linhas retas
das propriedades rurais e, no alto do espigão, ainda que os trilhos da ferrovia se
espelhassem no traçado do próprio relevo, que era o principal espigão do norte do
Paraná. Havia a interrupção pela malha ortogonal, em que se estabeleceriam os
núcleos urbanos, dispostos hierarquicamente, ao longo da ferrovia, que também foi
acompanhada pela rodovia principal, instalada no norte do Paraná, paralelamente à
ferrovia, hoje BR-369: cada um desses núcleos seria um ponto de parada, de partida
ou de chegada de desbravadores, migrantes, pioneiros e toda gente disposta a
construir o progresso e a civilização moderna.
3.2 O
D
ESENHO DO
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ÚCLEO
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AÍZES DA
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ORMA
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A história de Londrina confunde-se com a própria ocupação do norte
paranaense e representa uma colonização diferenciada na história brasileira,
ocorrida no início do século XX. Como sede administrativa da CTNP, o traçado
urbano de Londrina antecedeu até mesmo o parcelamento das glebas em lotes
rurais (BARNABÉ, 1989). As atividades administrativas dos empreendedores de
capital privado eram necessárias para que o processo de colonização se efetivasse.
A gênese do ambiente construído de Londrina se constitui pelo
parcelamento desencadeado em todo o norte paranaense, de leste para oeste, cujo
sistema de organização espacial pautava-se nos preceitos modernistas, não apenas
pela divisão cidade/campo, mas também pela divisão em lotes voltados a
investimentos de cunho especulativo – a terra como mercadoria.
Ao retomarmos os primeiros registros referentes à construção da
cidade de Londrina, verificamos que o processo de consolidação das pretensões da
CTNP se tornou possível a partir de um projeto urbano de magnitude não pensadas
Capítulo 3 – a gênese da estrutura regional na
formação da rede urbana
123
para a época, tendo em vista a localização geográfica da área distante das áreas
litorâneas e incrustadas numa área ainda não povoada e nem tampouco inserida
nas pretensas explorações do Estado Novo (1937), que visava a expansão e
consolidação das áreas a oeste do país.
Londrina, desse modo, não foi um projeto político isolado como fora
a construção de Goiânia e Brasília, pois a formação de uma rede urbana, ainda que
ligada apenas pela extensão dos eixos rodoviários e ferroviários, corroborava para a
formação de uma região mais próxima economicamente de São Paulo, do que
propriamente com a inclusão nos projetos de desenvolvimento do Estado do Paraná.
Essa afirmação pode ainda ser validada se observamos que a constituição da
sociedade da região ocorreu pela migração de povos estrangeiros, bem como de
migrantes paulistas, mineiros e nordestinos, que buscavam nas férteis terras roxas a
propagação do cultivo do café. (PANTALEÃO, 2008).
Verificamos, a partir dessas colocações, que a formação da região
norte paranaense teve influências internacionais (interesse de um grupo inglês),
nacionais (governo Estado do Paraná) e regionais, pela desestruturação
socioeconômica do estado paulista, baseada na cafeicultura encontrou nas terras
norte paranaenses um prosseguimento dessa atividade comercial, agora
empreendida principalmente pela força dos imigrantes e migrantes, ao lado dos
empreendedores. A água e as condições climáticas e hipsométricas, ao lado da
fertilidade das terras roxas, configuram-se como importantes elementos, que
juntamente com os desejos dos migrantes e imigrantes que tiveram na cafeicultura
sua principal atividade, são responsáveis pela historiografia do norte paranaense.
A Londrina delegou-se o papel de sede administrativa, social,
cultural e econômica na consolidação do projeto urbano-regional para a formação de
uma espacialidade moderna e progressista em pleno sertão, até então abandonado
e desconhecido pelo restante do país e, até mesmo, da capital paranaense.
(RIBEIRO, 2006). Londrina era a principal referência como sede da organização e
formação do espaço norte paranaense, pois passou a ter praticamente a função
administrativa do planejamento inglês.
A escolha, portanto da área de implantação do núcleo sede da
CTNP não foi aleatória e tampouco se diferenciou, quanto à configuração espacial,
das demais cidades, prevalecendo a malha ortogonal com um eixo central, destinado
Capítulo 3 – a gênese da estrutura regional na
formação da rede urbana
124
as atividades comerciais no sentido noroeste-sudeste, pelo próprio sentido da
estrada férrea; e no sentido norte-sul, identificamos a formação de um eixo cívico e
público, sobre o qual, estavam definidas algumas atividades, fossem para o lazer,
atividades religiosas, administrativas, educacionais, entre outras (figura 54). A
primeira cidade: “[...] era pequena, com 86 quadras ao redor da Igreja em uma área
retangular de 2,00 x 1,65 km [...]”. (REGO, 2009, p. 122). (figura 55)
Antes de adentrarmos na escala intraurbana, precisamos observar a
posição geográfica dessa parcela de 3,3 km², quanto aos aspectos do sítio,
corroborando as colocações de Serra (1987) sobre as cidades planejadas no Brasil,
que foram fundadas, em sua maioria em locais desabitados, normalmente,
sobrepondo-se as aos espaços naturais: “[...] a localização é determinada pela rede
urbana na qual se insere e por sua função produtiva” (SERRA, 1987, p; 85), isto é,
uma intencionalidade na escolha do sítio para implantação de uma cidade nova.
No entanto, a localização, quando analisada por si só, se define também pelas
condições do espaço natural, como colocado pelo autor:
[...] algumas características básicas serão sempre levadas em consideração, dentre
elas as declividades excessivas, as áreas inundáveis e os cursos d’água, os ventos
dominantes e a orientação das encostas, etc. Contudo, a partir de um certo ponto, a
paisagem que conta é aquela construída, aquela formada pelo conjunto, agora
denso, das adaptações. Esse espaço, agora urbano, é então visto a partir de outras
categorias; é percebido em função de outras variáveis. (SERRA, 1987, p.86)
O espaço natural é, portanto, adaptado para servir o espaço urbano,
mas alguns de seus elementos são fundamentais para a constituição de cidades, de
tal forma que se inserem na paisagem, com destaque para a hidrografia e o relevo
como determinantes da forma urbana. Serra (1987) explica que a construção da
forma urbana inicia-se pela adaptação do sítio às necessidades dos pioneiros.
Tomando como estrutura macro regional, a ferrovia, locada no alto
do espigão, em função de demandar menores investimentos por parte da CTNP, em
termos de infraestrutura, observamos que a topografia foi um elemento natural
enfático não apenas na configuração regional como também na definição da forma
intraurbana. Desse modo, podemos antever que as cidades novas também
estariam localizadas no alto do espigão, acompanhando a própria forma linear da
ferrovia (figura 56).
Capítulo 3 – a gênese da estrutura regional na formação da rede urbana
125
O traçado ortogonal, conhecido como tabuleiro de
xadrez, marca a forma urbana de Londrina, o qual se distribui sobre
limites de escala regional: a ferrovia e a rodovia eixos de estruturação
regional, no sentido leste-oeste, acompanhando a hipsometria. Em
contraposição, na escala intraurbana, forma-se o eixo norte-sul, sobre o
qual se distribuem os equipamentos públicos. Este eixo se define a partir
do ponto de entrada da cidade: a estação ferroviária, prolongando-se até
o cemitério, a sul.
A figura 55 ilustra a numeração das quadras
realizadas pela CTNP, em que se verifica a numeração a partir da
ferrovia, reforçando a organização espacial intraurbana, bem como a
concentração das primeiras quadras entre o eixo da ferrovia e da
rodovia, local destinado ao uso comercial. As quadras mais distantes, e,
consequentemente, de maior numeração localizam-se a sul. Nesta
imagem, também podemos verificar a expansão da cidade para oeste,
tendo como limites a rodovia, a norte e o Ribeirão Cambé, a sul.
Na figura 56, observávamos a interligação do núcleo
urbano com região, permitindo a formação de um eixo secundário, no
sentindo norte-sul, responsável pela comunicação com o patrimônio de
Heimtal e a região sul do estado do Paraná.
Figura 54: Parcelamento urbano de Londrina.
Figura 55: Numeração das quadras de Londrina. Fonte: Pantaleão, 2005.
Figura 56: Estradas de rodagem e núcleo urbano de Londrina.
Fonte: IBGE, 1962. Org. Pantaleão, 2008.
Capítulo 3 – a gênese da estrutura regional na
formação da rede urbana
126
Não obstante, cabe ainda analisar a posição do núcleo, isto é,
entender a preferência por uma determinada posição geográfica e não outra, que
o parcelamento urbano em malha ortogonal poderia ser implantado sobre qualquer
superfície plana, íngreme ou levemente acentuada.
Diferentemente do traçado dos lotes rurais, o desenho urbano possui
características mais geométricas, abstratas, e, mesmo assim, os aspectos físicos
não foram desconsiderados: o encontro entre os eixos noroeste-sudeste e norte-sul
circunscreve uma elipse, uma forma geométrica pura contrastante com o restante do
desenho quadriculado (figura 57).
Figura 57: Localização do núcleo urbano em relação às Microbacias.
Ao sobrepormos o traçado de Razgulaeff (1934) à carta topográfica
(figura 58), vislumbramos uma justaposição entre ambos, pois é na marcação da
elipse central que temos o topo mais alto do espigão. Não é este aspecto que
explicita a posição do centro elíptico do traçado urbano de Londrina, pois, a
Capítulo 3 – a gênese da estrutura regional na
formação da rede urbana
127
intersecção da rodovia, anterior a ocupação da região, também contribuiu para essa
conformação. Desse modo, os aspectos físicos foram determinantes para definir a
estrutura do território, em termos de organização espacial.
Figura 58: Relação entre traçado de Londrina e topografia – elemento definidor dos
limites iniciais da cidade e de sua configuração espacial.
Ainda, analisando a topografia, percebemos que a maior área plana
do limite destinado a Londrina, na gleba adquirida pela CTNP situa-se no divisor das
microbacias do Ribeirão Cambé e Jacutinga. Tanto o eixo estruturador a ferrovia e
suas paradas quanto os núcleos urbanos, se situavam nos pontos de maior cota
de nível, observando-se uma área plana que comportasse a implantação de um
malha ortogonal para abrigar as atividades urbanas comércio, serviços e
administração. Reforçando nossas colocações, Rego (2009) complementa:
[...] o critério de seleção dos locais para a implantação dos assentamentos
urbanos da Companhia foi pautado não só pela regularidade nos intervalos
ao longo da ferrovia, mas também pela escolha de sítios topograficamente
dominantes. Assim, mais que sítios, eram lugares: possuíam características
distintivas e reconhecíveis o platô, o ‘alto’ do topo da encosta onde se
deitariam as cidades e, por conseguinte, condicionaram a configuração
delas. [...] (REGO, 2009, p. 118-119).
Para um entendimento das condicionantes e determinantes dos
fenômenos do uso e ocupação do solo, analisamos as cartas topográfica e
Capítulo 3 – a gênese da estrutura regional na
formação da rede urbana
128
hidrográfica da área escolhida para a implantação de Londrina. Como centro
administrativo da CTNP, essa nova cidade demandava uma área maior, oferecendo
além de espaço para os edifícios públicos, áreas para os comércios, residências e
algumas atividades de manufatura. É importante a compreensão da gênese do
processo de organização espacial para que a relação entre os corpos d’água e a
sociedade seja apreendida ao longo do tempo, permeando as especificidades da
função e do significado dado a esses elementos naturais.
Dentre as inúmeras microbacias locadas e desenhadas pelos
técnicos da CTNP, representando a paisagem natural, analisamos as motivações
quanto a escolha da área para o núcleo sede. Extraindo dados técnicos das cartas
topográficas e hidrográficas perfis, dimensões e áreas (figura 59, 60 e 61),
podemos afirmar que, a inclinação mais suave e a área de maior platô se situava a
sul do eixo estruturador, sendo o local mais adequado para as intenções imobiliárias
e planejamento da CTNP.
Verificamos também, pela planta parcial de 1934, com o traçado de
Londrina, a limitação da malha ortogonal pelas nascentes dos afluentes do Ribeirão
Cambé de sudoeste a nordeste, pelas nascentes do Córrego Quati a norte e do
Córrego Água das Pedras a oeste, delimitando também o divisor entre as
microbacias (figura 60). Ainda que o resultado do desenho urbano de Londrina seja
uma malha ortogonal, com 8 x 11 quadras (norte-sul e leste-oeste, respectivamente),
os elementos naturais foram importantes para que a forma fosse mais alongada no
sentido leste-oeste, acompanhando a linearidade do eixo estruturador.
Assim, em escala regional predomina o eixo leste-oeste, reforçando
a importância das vias de circulação, ainda que as atividades, em escala
intraurbana, se estruturassem sobre o eixo norte-sul, simétrico espacialmente,
partindo do cume do espigão, determinando o centro da cidade sobre a elipse.
Conforme analisa Ferreira (1999), esse quadrilátero inicialmente com 86 quadras
e, posteriormente 190, com dimensões predominantes de 115x105 m, foi projetado
numa área de cerca de 515.000 alqueires paulista, desconsiderando os aspectos
fisiográficos, cuja predominância está disposta no eixo noroeste-sudeste. Ao
contrário, esse sistema ortogonal se distribuiu sobre os eixos norte-sul e leste-oeste,
conformando o traçado xadrez.
Capítulo 3 – a gênese da estrutura regional na formação da rede urbana
129
Figura 59: Microbacia do Ribeirão Cambé. Vertente norte perfil
mais plano e suave.
Figura 60: Microbacia do Ribeirão Jacutinga. Vertente sul do
Ribeirão Quati com perfil mais plano e suave.
Figura 61: Posição do núcleo original em relação às microbacias hidrográficas.
Capítulo 3 – a gênese da estrutura regional na
formação da rede urbana
130
O eixo norte-sul partia da cota mais elevada: caimento para norte em
direção a linha férrea e às nascentes dos Afluentes do Ribeirão Jacutinga; e
caimento a sul em direção ao cemitério e às nascentes dos afluentes do Ribeirão
Cambé. Os limites físicos eram marcados e poderiam impor alguns significados:
[...] o desenho da cidade começava a partir do ponto no terreno onde se
demarcava a estação. Ela era a porta da cidade. Em contrapartida, o
cemitério se encontrava no limite sul do espaço urbano. Desse modo, o
campo santo e a estação ferroviária ocupavam posições opostas e
simétricas em relação ao centro da cidade. E de certo modo determinavam
os limites do espaço urbano: começo e fim, chegada e partida.
Normalmente três elementos urbanos estação, centro da cidade e
cemitério estavam diretamente conectados e sua ordem era facilmente
percebida no espaço urbano, ainda que em Londrina isso tenha ficado
menos evidente por conta do relevo. (REGO, 2009, p. 126)
Na relação com o ambiente, o ato de construir o abrigo confere
qualidades subjetivas na medida em que se separa o ponto de chegada e o ponto de
partida, de certa forma, recepcionando os migrantes e imigrantes e conduzindo-os
sobre o espaço.
No entanto, a estação ferroviária, em si, não é um abrigo, mas
apenas o ponto referencial de chegada/partida, sendo os trilhos o conector entre a
“civilidade” e o sertão inexplorado, sendo, nas colocações de Heidegger (1951) a
estância e a circunstância, ou seja, a possibilidade do encontro: a partir da parada,
abre-se uma clareira, direcionando o olhar do migrante para o cume, sobre o qual se
repousa a Igreja; no seu entorno, as construções públicas e os espaços livres. Essa
configuração aguça a percepção de uma espacialidade facilmente interpretável:
trata-se, em essência, de uma cidade. Fincam-se, portanto, sensações no espaço,
definindo no eixo norte-sul relações à escala intraurbana. Norberg-Schulz (1980)
observa que não se pode pensar que os espaços intencionalmente construídos são
totalmente desprovidos de significados, pois refletem, ainda que pontuados pela
racionalidade métrica, as experiências anteriores daqueles que o pensaram.
Essa estrutura, em eixos, também reporta a algumas colocações de
Tuan (1980; 1983) ao explicitar os pontos cardeais representados no espaço. O eixo
leste-oeste parece-se aproximar-se do percurso solar, sendo que a leste tem-se a
“civilização”, a qual precisa avançar sobre o oeste, marcando os passos e
conquistas dos pioneiros. O eixo norte-sul se contrapõe a essa vertiginosa aventura
pelas paradas do próprio trem local de repouso e permanência, cuja escala se
diferencia e se estende aos elementos topofílicos atribuídos às coisas construídas.
Capítulo 3 – a gênese da estrutura regional na
formação da rede urbana
131
Analogamente às considerações de Mumford (1998) de que o Nilo
fora um elemento organizador do espaço para os egípcios, as nascentes das bacias
hidrográficas formaram os limites de estruturação do núcleo urbano, permitindo que,
do alto da colônia, fosse possível vislumbrar a natureza no horizonte, respeitando-se
as características físicas do ambiente.
A localização e a hierarquia dos elementos são compreensíveis e
comunicativos, estabelecendo uma das funções apontadas por Tuan (1983), quanto
ao espaço arquitetônico: revelar e instruir. “[...] o apelo direto aos sentidos, ao
sentimento e ao subconsciente. A centralidade da construção e a presença
dominante são imediatamente registradas.” (TUAN, 1983, p. 127). Enquanto espaço
arquitetônico, a cidade articula a vida social, evidenciando a horizontalidade pela
ocupação da cumeada e a verticalidade pela posição de destaque do edifício
religioso, os espaços livres e edifícios públicos no seu entorno, em que a malha
ortogonal perde sua rigidez e monotonia pelas sensações que o tecido urbano vai
provocando. A separação entre o natural e o construído não é tão nítida, pois a
configuração do espaço é informativa e comunicativa, em que os dados do relevo e
da hidrografia determinaram a organização espacial das cidades novas,
evidenciando a paisagem natural existente, e, ao mesmo tempo, marcaram a
localização dos elementos construídos, definindo a estrutura urbana da paisagem.
No entanto, não havia uma preocupação em preservá-los, mas em
adequar-se aos mesmos, visto que os custos seriam menores e a maximização dos
lucros garantida. Pelo pleno conhecimento científico, métrico e quantitativo se definiu
a paisagem regional, o que nas palavras de Tuan (1983, p. 117) reflete “[...] um tipo
de conhecimento espacial [...] o projeto sistemático e formal, a visão do resultado
pelo desenho de planos.” E ainda:
O espaço em nosso mundo contemporâneo pode ser planejado e ordenado
para chamar a atenção para a hierarquia social, mas a ordem o tem
significado religioso e pode nem mesmo ter uma correspondência direta
com a riqueza. Um efeito é a diluição do significado do espaço. Na
sociedade moderna, a organização espacial não é capaz, nem nunca foi
destinada a exemplificar uma visão total do mundo. (TUAN, 1983, p. 129)
Assim, verificamos que as relações cosmo-místicas na estruturação
espacial da rede de cidades novas não se processaram, num primeiro momento,
pois verificamos apenas a preocupação em riscar e projetar um espaço,
possibilitando determinar a sua medida, no plano bidimensional e, a partir daí,
determinar um valor de troca.
CAPÍTULO
CAPÍTULO CAPÍTULO
CAPÍTULO 4
44
4
MICROBACIA DO RIBEIRÃO CAMBÉ:
MICROBACIA DO RIBEIRÃO CAMBÉ: MICROBACIA DO RIBEIRÃO CAMBÉ:
MICROBACIA DO RIBEIRÃO CAMBÉ: A ESTRUTURAÇÃO DO TRAÇADO
A ESTRUTURAÇÃO DO TRAÇADO A ESTRUTURAÇÃO DO TRAÇADO
A ESTRUTURAÇÃO DO TRAÇADO
URBANO
URBANOURBANO
URBANO
capítulo 4 – microbacia do ribeirão cambé: a estruturação do traçado
urbano
133
4.1 A
R
ACIONALIDADE DO
P
LANEJAMENTO
I
NICIAL
:
D
ESENHANDO
L
IMITES
Delimitar um espaço para um fim parece ser uma das atividades
humanas mais antigas que traçam determinadas estruturas sobre a superfície
terrestre. Em virtude das necessidades de abrigo, de modo geral, entendido como o
local destinado a realização das mesmas, o homem vai modificando o espaço
natural, adaptando-o a sua própria realidade, como lembrou SERRA (1987), em um
dos seus trabalhos.
[...] o adaptações do espaço não apenas as edificações, mas até mesmo
a terra arroteada, o bosque cultivado, o canavial e o cafezal [...] um sistema
viário, uma linha de transmissão de energia elétrica, um sistema de canais e
de vias navegáveis, as redes, os nós, a própria região [...] dentre esses
espaços adaptados o mais complexo é a cidade (SERRA, 1987, p. 49).
Tais adaptações não são aleatórias nem tampouco desprovidas de
significado, pois resultam da combinação entre a sua localização geográfica – o sítio
e as questões socioculturais, as quais são denominadas pelo autor como situações.
Para Serra (1987), portanto, o espaço natural define o sítio e a situação resulta das
relações e interações próprias das relações sociais. Desse modo, “[...] a forma da
adaptação construída depende da declividade do terreno, de sua drenagem e
orientação, da importância da insolação e das condições de conforto térmico, assim
como, dos tipos de técnicas e materiais empregados” (SERRA, 1987, p. 54).
Em seus estudos sobre a forma das cidades, Kohlsdorf (1996)
aponta que o meio natural deve ser analisado a partir dos seus aspectos
morfológicos, que participa diretamente da composição da imagem dos lugares. No
entanto, “[...] os elementos de análise morfológica não se revelam à primeira vista na
cartografia tradicional nem nos processos fotográficos, precisando buscar-se na
expressão dos atributos específicos de cada um deles [...]” (KOHLSSDORF, 1996, p.
137).
As variáveis fisiográficas, quando dominadas e representadas,
permitem um estudo mais elaborado da forma, permitindo que a convergência entre
as intencionalidades humanas e as características do sítio configure uma
determinada paisagem (KOHLSDORF, 1985). Fica, portanto, evidente que as
técnicas e o domínio dos recursos naturais influem nas intervenções humanas,
sendo estas mais ou menos abruptas, com maior ou menor ação e modificação das
características físicas. Essas afirmações permitem traçar correspondências entre a
capítulo 4 – microbacia do ribeirão cambé: a estruturação do traçado
urbano
134
geometria espacial adotada no desenho urbano de Londrina, adequando-se uma
intenção – o projeto a uma realidade – o sítio.
Nas análises a seguir, destacamos o papel da modelagem do solo e
do sistema hídrico com maior ênfase para a formação inicial da cidade, verificando
posteriormente como esses elementos se comportaram no processo evolutivo da
cidade, relacionando-os com a vegetação e o clima.
Tomamos como critérios de análise as questões propostas por Prinz
(1980), Lynch (1976), McHarg (1992), Spirn (1995), Del Rio (1999), Santos (1988),
Mascaró (2003; 2008), tendo como ponto central a concepção do desenho urbano
quanto às variáveis funcionais, formais e econômicas, vislumbrando as
características do tio como ponto indispensável ao se projetar cidades novas.
Avaliamos, assim, de que forma a interferência do projeto da CTNP para Londrina
afetou a infraestrutura da paisagem com ênfase e relação aos cursos naturais dos
rios e seus afluentes, que compõem o todo da drenagem urbana. Desse modo, não
analisamos apenas as questões pertinentes aos fatores socioculturais, evidenciando
também a inter-relação destes com os aspectos naturais do ponto de vista técnico e
a pertinência dos aspectos ambientais nas propostas de desenho urbano.
Além disso, as redes de infraestrutura urbana são primordiais para
garantir o bom funcionamento da cidade, com especial destaque ao ciclo hidrológico
e à topografia no ambiente construído. Para Santos (1988), a infraestrutura urbana
influencia na estrutura das cidades, tanto quanto o sistema viário e o uso do solo,
ressaltando a adoção de soluções menos sofisticadas e inviáveis, aliando qualidade
e quantidade na implementação dos serviços urbanos.
Mascaró (2003) explica que uma das principais características do
sítio é a topografia, a qual se vincula diretamente ao ciclo hidrológico. Pensar nesses
elementos não apenas do ponto de vista bidimensional é primordial para aproveitar
melhor os recursos naturais e causar menos impacto ambiental.
Nessa mesma vertente, quanto ao desenho urbano, são pertinentes
as colocações de Prinz (1980, p. 13) ao colocar a topografia como “[...] o ponto de
partida absolutamente essencial para as possibilidades de desenvolvimento
espaciais da zona de aplicação, e para a estrutura e forma do projeto urbano [...]”. A
representação do relevo, assim, permite avaliar os critérios de sua apropriação, tanto
na escala macro e micro, criando estruturas da construção da paisagem. O
capítulo 4 – microbacia do ribeirão cambé: a estruturação do traçado
urbano
135
conhecimento das características geológicas do solo é também importante para o
autor, pois indica a resistência e os tipos de usos mais adequados.
Outro ponto de destaque, acerca dos elementos naturais, são os
cursos d’água, que, interconectados ao clima e a vegetação “[...] constituem
características importantes da paisagem, tendo, ao mesmo tempo, um significado
vital para o equilíbrio da natureza [...]” (PRINZ, 1980, p. 17).
O ciclo hidrológico interfere nos sistemas de saneamento ambiental
das cidades, sendo que podem favorecer o fluxo d’água ou prejudicar, causando
danos, como enchentes, alagamentos, entre outros. Uma das implicações quanto à
construção de ambientes urbanos é permitir que o escoamento superficial ocorra
naturalmente, interferindo o menos possível na recarga dos lençóis freáticos e dos
cursos d’água. Ferreira (1999) observa que a implantação de Londrina não
obedeceu aos critérios normativos de preservação das matas ciliares, nem
tampouco na definição de áreas de preservação permanente ao redor das nascentes
dos cursos d’água, e também não houve a preocupação em implantar as redes de
captação da água e disposição dos dejetos sólidos apenas apropriou-se do curso
natural do sítio para o escoamento das águas superficiais.
As relações entre a topografia, os cursos d’água e o desenho urbano
do traçado inicial da cidade estão representados no mapa (figura 62). A partir da
altimetria, analisamos a disposição das vias e sua contribuição para a drenagem
urbana. Na figura 62, em laranja estão representadas as vias perpendiculares às
curvas de nível, localizadas a oeste da elipse central, as quais assumem o papel de
coletores superficiais das águas pluviais, escoando-as para a nascente do Córrego
Pombas, o que reforça a própria sinuosidade da via norteadora do traçado e o
espaço público concentrado no eixo norte-sul. Também, podemos avaliar que a Rua
Uruguai, em tracejado vermelho, delimitava essa drenagem, tornando-se
perpendicular às curvas e às vias anteriores, desempenhando papel de receptor
pluvial antes que o escoamento atingisse o próprio fundo de vale, o que pode
também explicar sua função de ligação entre Londrina e Heimtal, nas plantas de
Razgulaeff (1932 e 1934).
capítulo 4 – microbacia do ribeirão cambé: a estruturação do traçado
urbano
136
Figura 62: Relação entre topografia e cursos d’água na definição dos limites do traçado inicial.
No sentido oposto, verificamos um rigor mais evidente, com
predomínio das vias dispostas no eixo leste-oeste, até o limite do traçado, marcando
também a mudança e direcionamento da drenagem, conduzindo o escoamento para
os Córregos Leme (a sul) e Água Fresca (a leste), delimitando, de certa forma a
primeira fase de ocupação da cidade. Podemos, portanto, afirmar que o desenho
urbano evidencia a adaptação da quadrícula ortogonal ao sítio, evitando
movimentação de terras, tornando o empreendimento menos oneroso do ponto de
capítulo 4 – microbacia do ribeirão cambé: a estruturação do traçado
urbano
137
vista da drenagem urbana, ainda que as redes de saneamento não estivessem
regulamentadas ou previstas. O eixo norte-sul, destacado em rosa, marca também a
transição de sentido e direção das curvas de nível, tendo em vista que a drenagem
ocorre, à direita, nas vias dispostas para o Córrego das Pombas e à direita, ao
Córrego Leme e Água Fresca, pertencentes à microbacia do Ribeirão Cambé.
É possível, a partir dessas análises, afirmar que a ocupação do
espigão permitia a distribuição das quadras pela marcação desse eixo central, cuja
forma geométrica mais adequada foi um retângulo de proporções 3:2, subdividido
em partes: no eixo norte-sul manteve-se o quadrado e a leste-oeste, as praças em
1/4 de circunferência, com o ponto central elíptico.
Essa intersecção sobre a regularidade do traçado xadrez demonstra
que o conhecimento da rede hídrica e da altimetria foram determinantes para a
configuração e organização do espaço, o que indica que as vias que delimitam e
contornam o quadrilátero central se caracterizam como drenos naturais de
escoamento superficial. Dessa forma, a drenagem urbana revela também o domínio
dos técnicos da CTNP sobre características naturais do sítio, evitando investimentos
em infraestrutura urbana para o empreendimento.
Não que a conformidade necessária e indicada ao desenho urbano
tenha sido o mote das decisões projetuais, prevalecendo os critérios econômicos e
não estéticos e/ou simbólicos ao evitar a transposição sobre os cursos d’água, o
núcleo urbano não demandaria despesas de infraestrutura por parte do investidor.
Ainda observando o mapa, a modelagem do sítio escolhido, onde a
parte central é mais plana, com declive médio nas direções leste e oeste,
acentuando-se na face sul e norte, reforçando o limite do quadrilátero central.
As nascentes dos cursos d’água definiram o próprio perímetro
urbano, orientando também os limites da área rural. Muito mais que uma
preocupação estética, percebemos que a conformação do traçado foi definida pelos
aspectos técnicos, destacando-se as soluções de menor custo, em termos de
infraestrutura urbana. Barnabé (1989) complementa que o desenho urbano:
[...] acomoda-se entre os fundos de vale, sem atingi-los possivelmente
por
questão sanitária, e podemos observar que este procedimento define os
limites formais do desenho. Londrina foi concebida sobre sítio de
declividade suave, ao redor de dez por cento, e o encontro das diagonais do
quadrado, na qual sua forma basicamente se insere, ocorre o ponto mais
elevado do terreno [...] (BARNABÉ, 1989, p. 249).
capítulo 4 – microbacia do ribeirão cambé: a estruturação do traçado
urbano
138
Não eram discussões do ponto de vista de apropriação dos
elementos naturais numa visão sistêmica, pois a solução do traçado refere-se às
relações de custo/benefício, visto que consistia em um empreendimento imobiliário
colonizador para uma imensa área praticamente não desbravada.
A captação da água para o abastecimento dessa área inicial se
efetivou mais pela exploração das águas subterrâneas do que pelas superficiais,
tendo em vista a disponibilidade hídrica do alto do espigão. Mais uma vez as
questões econômicas e o baixo custo da exploração dos recursos hídricos
prevaleceram na construção da paisagem urbana. Esse panorama sobrepuja os
valores econômicos e a especulação imobiliária como agentes nocivos aos corpos
d’água, tornando-os insalubres, e tema recorrente nas discussões atuais sobre o
gerenciamento dos recursos hídricos.
Os cursos d’água, portanto, não são apropriados em sua totalidade,
sendo importante apenas do ponto de vista funcional, sem que seus aspectos
ambientais se tornem elementos de planejamento urbano. Nos processos de
intervenção urbana, a municipalidade tentou reestruturar a forma urbana, mas as
discussões pertinentes aos fundos de vale não foram tema da problemática de
saneamento, porque ainda o tinham sido ocupados e vieram a ser objeto de
discussão apenas no final da década de 60, quando o acentuado crescimento
demográfico foi pauta de planos e projetos de ordenamento territorial, principalmente
pelas condições de degradação dos fundos de vale.
Mesmo que as questões de higienismo e salubridade fossem
discussões do final do século XIX e das primeiras décadas do século XX para as
cidades industriais europeias e os centros emergentes do país, não rebatimentos
claros dessas questões para a primeira fase aqui analisada. As redes de
saneamento não foram construídas pela CTNP, primeiro agente de parcelamento
prática que se repetiria ao longo da evolução urbana da cidade na implantação de
novos loteamentos, pelos agentes imobiliários.
Com isso, a função dos corpos d´água se limitaria a receber o
escoamento superficial, os dejetos sólidos e abastecimento das atividades, mas sem
que a sistematização, regulamentação e definição de medidas sanitárias ocorressem
na configuração do espaço urbano. uma aproximação com as cidades coloniais
capítulo 4 – microbacia do ribeirão cambé: a estruturação do traçado
urbano
139
brasileiras, em que a fundação de cidades novas se efetiva pelo impulso econômico,
acarretando uma série de problemas de infraestrutura urbana posteriormente.
A construção das cidades brasileiras ocorreu por jogos de poder,
muitas vezes, elegendo como prioridades “[...] facilitar o acesso de bens, matérias-
primas e pessoas; e fornecer as bases que permitissem a maximização dos núcleos
urbanos como máquinas produtivas.” Em outras palavras: “[...] são propostos planos
que desprezam as vocações criativas das cidades, preferindo o direcionamento
explícito das razões materiais de produção”. (SANTOS, 1988, p. 42).
Os aspectos de salubridade orientaram-se por outros aspectos. Lima
(2000) explica que o desenho urbano também abarcava a direção dos ventos e a
exposição solar, privilegiando a ocupação das áreas situadas em cotas de nível mais
altas, evitando a ocupação das margens dos fundos de vale, visto que as
experiências das frentes pioneiras já elucidavam as epidemias, como a malária.
A partir da macroestrutura do traçado urbano, passamos a análise
do uso e ocupação do solo, introduzindo as questões de constituição do tecido
urbano inicial, retomando as colocações de Panerai (2006) sobre os elementos de
morfologia urbana quanto as tendências de crescimento e articulações do espaço
em função da apropriação e desenvolvimento das atividades.
4.2 U
SO E
O
CUPAÇÃO DO
S
OLO
U
RBANO
:
DA
G
EOMETRIA
P
LANEJADA PARA A
A
PROPRIAÇÃO DAS
V
ERTENTES
As intenções econômicas tanto dos ingleses quanto dos migrantes e
imigrantes com a cafeicultura eram claras na ocupação desta região desabitada. A
mata densa subtropical cedeu espaço para as vastas áreas de cultivo, conferindo
uma organização espacial atrelada aos interesses de migrantes, criando uma classe
média constituída de proprietários rurais, fato raro no início do século XX.
A construção perene do habitat se efetiva apenas pela apropriação
desse espaço rígido pelos migrantes e imigrantes, quando se expressa o modo de
relacionar-se com o ambiente, permitindo a configuração de uma espacialidade
singular e dotada de identidade. Se, num primeiro momento, apenas o traçado
ortogonal dividiu e definiu a parcela fundiária no espaço urbano, foram os próprios
capítulo 4 – microbacia do ribeirão cambé: a estruturação do traçado
urbano
140
pioneiros que definiram as atividades em cada uma das vias traçadas,
caracterizando o espaço tridimensional. Os primeiros edifícios são de madeira,
refletindo a técnica de europeus e japoneses, adaptada a abundância do material
encontrado na região: a madeira. São esses compradores das parcelas fundiárias
que expressam seu modo de vida sobre a estrutura do projeto imobiliário:
[...] o pioneiro buscava começar uma vida nova com o sonho de melhor
condição financeira e almejava outra posição social daquela que ele até
então ocupava, geralmente interrompendo drasticamente a continuidade do
seu passado a fim de construir um futuro diferente. Nesse caso, despir-se
de uma identidade nem sempre significa ter uma outra pronta para ser
vestida, particularmente em uma zona pioneira, onde o mundo está por ser
construído, por ser definido, inclusive. (REGO, 2009, p. 138)
Tem-se, portanto, a primeira fase de desenvolvimento da cidade,
cuja paisagem é definida pelo traçado ortogonal, de quadras quadradas, cortadas
por uma diagonal, formando no ponto mais alto uma elipse, destinada ao edifício
religioso,
eixos de orientação no desenho urbano: no sentido leste-oeste, os limites
impostos pelos cursos d’água, destinando suas margens para as chácaras, criando
um cinturão verde, mas não com o mesmo propósito de Howard para as cidades-
jardim, cuja influência ocorreu na escala regional e, depois, na concepção das
cidades da década de 1950 (como Maringá, por exemplo).
O desenho das quadras de medidas equivalentes de ambos os lados
acentuava a rigidez do traçado, o que não hierarquiza usos determinados ou uma
hierarquia de vias em nenhum dos sentidos (N-S e L-O). Esse traçado foi
rapidamente ocupado por casas de madeira, construções vernáculas dos imigrantes,
muitas delas em peroba (vegetação nativa e abundante na época), concentradas
nas adjacências da Avenida Paraná. Ferreira (1999) explica que
Esse desenho urbano criou uma morfologia espacial centrada na Igreja e
praças adjacentes. O leito ferroviário e a principal avenida de acesso eram
os únicos traços sinuosos desse quadrilátero. Até hoje, após mais de 06
(seis) décadas, os principais traços permanecem nitidamente, embora o
uso, as características relacionais e a função tenham sido acrescidos de
novos elementos urbano/espaciais. (FERREIRA, 1999, s.p.)
A distribuição de atividades não era uma determinação normatizada
claramente pela CTNP, o que não impediu a ocupação das quadras, em meados da
década de 1930, por zoneamentos evidentes na cidade, resultado da entre os usos
e os elementos naturais e construídos estruturadores da organização espacial. Tal
fato pode ser explicitado pela própria hierarquia de usos que a ferrovia e a rodovia
preconizavam, desempenhando o papel de eixos de fluxos das mercadorias, das
capítulo 4 – microbacia do ribeirão cambé: a estruturação do traçado
urbano
141
pessoas em escala intra-regional e extra regional, atraindo para suas adjacências os
usos industriais, comerciais, institucionais e administrativos.
A hierarquia das vias se processa pelas atividades e usos
destinados em cada uma das linhas riscadas e projetadas anteriormente,
evidenciando a dinâmica da vida urbana.
No início da década de 1940, percebe-se a concentração de edificações ao
longo dos dois eixos estruturadores da cidade, onde a densidade é maior,
principalmente nas quadras entremeadas entre as vias [...]. No entanto,
tanto as ruas longitudinais, quanto as transversais possuíam fachadas,
devido à forma da quadra e à distribuição dos lotes com frente para todos os
lados. Isso contribuiu para a ocupação das quadras em sua totalidade, com
usos mistos comércio e residências. No entanto, havia maior
concentração das atividades comerciais e de serviços ao longo da Avenida
Paraná e do eixo rodoviário e maior uso residencial nas proximidades da
praça central. [...]. Fora do quadrilátero, nas chamadas franjas, estavam
localizadas as atividades industriais e depósitos, articulando a produção do
campo com a cidade. (PANTALEÃO, 2008, p.33).
Na espacialidade da apropriação do traçado ortogonal destacam-se
o eixo cívico e suas vias lindeiras, a linearidade da avenida principal e a expansão
no sentido norte. O prolongamento do desenho urbano, a norte apropriou-se da
grelha do alto do espigão, cujas intenções enunciavam a formação de áreas de uso
predominante residenciais, diferenciando-se do tecido inicial, que, exigia atividades
comerciais e de serviços e, por conseguinte, tornavam esta área mais valorizada.
Figura 63: Quadrilátero central de Londrina, com principais elementos urbanos da paisagem atual
sem escala. Org. Pantaleão, 2008.
As relações intrínsecas de uso e ocupação do espaço e de
interdependência entre o urbano e o rural, trabalhadas por Nakagawara (1981),
capítulo 4 – microbacia do ribeirão cambé: a estruturação do traçado
urbano
142
demonstram que a efetivação do plano geométrico e abstrato se consolida pelos
aspectos socioculturais, conformando o tecido urbano, de fato. Desse modo, o
processo de estruturação da paisagem é contínuo e fragmentado, ao mesmo tempo,
incorporando aos espaços naturais, os fenômenos socioculturais (SERRA, 1987).
Bortolotti (2007) completa:
Na elaboração dos planos de implantação das cidades foram considerados
os elementos pré-existentes para referenciar o traçado das vias e a
localização dos equipamentos urbanos, como caminhos e estradas
existentes, elevação topográfica e água para o abastecimento. No desenho
urbano de Londrina a igreja se localiza no ponto mais alto e a estação
ferroviária em uma cota mais abaixo, como polarizadora de atividades. No
espaço entre esses dois locais principais, foi instalado o comércio e a
prestação de serviços, e as praças como articuladoras desses elementos.
(BORTOLOTTI, 2007, p. 75)
Nos anos 30, percebemos que a ocupação não segue a linearidade
do traçado inicial, sendo que, antes mesmo, da ocupação das quadras a leste e a
sul, o prolongamento do desenho e a ocupação a norte da linha férrea ao redor
dos eixos viários N-S, pois é pela ação da sociedade e suas necessidades que o
tecido urbano vai se consolidando, apropriando-se do desenho traçado no sítio.
A proporção de 1:1 dos quarteirões permitiu a flexibilidade de usos
residencial e comercial, que na divisão dos lotes, todas as faces das quadras
tinham testadas frontais (Barnabé, 1989). Outro ponto importante na fisionomia da
paisagem da cidade foi à elaboração de um código de obras pela CTNP, que
estabelecia recuos frontais para residências e a utilização da madeira; para os
edifícios públicos estipulava a alvenaria e dispensava a exigência de recuos.
Segundo Castelnou (2002), em 1935, o comércio da cidade era
dinâmico, com a presença de várias redes comerciais destinadas ao abastecimento
e suporte tanto para a população urbana quanto rural (figura 64).
As redes bancárias também se instalaram já nos anos 1930. O
entorno da praça central (em rosa) foi ocupado por residências, considerada uma
área nobre e de grande valor para a época, sendo destinados aos funcionários da
CTNP. A Avenida Paraná (em azul) passou a abrigar o setor terciário da cidade,
devido ao acelerado crescimento e dinamismo da sociedade, pelas altas
exportações de café. Entre o núcleo urbano e o rural, foram implantadas algumas
atividades industriais, facilitando a articulação entre ambos.
capítulo 4 – microbacia do ribeirão cambé: a estruturação do traçado
urbano
143
Figura 64: Ocupação Urbana de Londrina – 1939. As quadras ocupadas se concentravam nos eixos
da Avenida Paraná, Rio de Janeiro, São Paulo e Uruguai.
Fonte: Pantaleão, 2005.
A partir do traçado ortogonal, a fisionomia da paisagem foi se
estruturando, com a adição dos processos de complexidade, articulando vários
componentes. Sobre isso, Rueda (1997) traz importantes esclarecimentos:
De alguna manera los componentes de la ciudad no son independientes los
unos de los otros, siendo su capacidad de cambio limitada por el hecho de
pertenecer al sistema urbano. Cuando el conjunto de personas e
instituciones se relacionan entre en el seno de una ciudad, surge cierta
convergencia de comportamientos, en el sentido de que cada elemento
influye sobre las posibles variaciones de los otros y, como consecuencia, el
número de posibilidades que, a priori podría parecer más grande, queda
más o menos limitado. Dado que cada acción o movimiento depende de la
constelación de influencias procedentes de otros, las posibilidades de
variación se reducen y la actividad del sistema aparece guiada y regida. La
ciudad a pesar de que cambie con el transcurso del tiempo, conserva
alguna propiedad invariable. [...] Por otra parte, las ciudades son sistemas
capítulo 4 – microbacia do ribeirão cambé: a estruturação do traçado
urbano
144
abiertos, son sistemas que dependen de una alimentación material,
energética (subsistema disipativo) y de información externa para mantener
su estructura y pervivencia. Como todos los sistemas abiertos, la ciudad
tiene la capacidad de aprovechar, seleccionar y procesar la información del
medio evolucionando hacia estadios más complejos (subsistema
autoorganizativo). (RUEDA, 2000, s.p.)
No sentido norte-sul, a distribuição de vários equipamentos urbanos
no limite o cemitério, ponto mais meridional, seguido pelo colégio das freiras, o
bosque até chegar ao cume; do outro lado, a Avenida Paraná, principal ponto de
comércio, a Estação Rodoviária e a Estação Ferroviária, alcançando a ferrovia e a
rodovia, as únicas linhas sinuosas do traçado. Barnabé (1989) lembra também que
essa disposição facilitava a drenagem urbana em direção ao fundo de vale – a norte,
Córrego Quati e a sul – o Ribeirão Cambé.
Razente (1984) avalia o valor dos lotes urbanos, que eram mais
caros nas imediações da Avenida Paraná trecho urbano da rodovia –, facilitando
também o abastecimento e escoamento das áreas rurais.
O monopólio da comercialização de terras pela CTNP não durou
muito tempo e, em 1937, houve o parcelamento de uma área para fora do
quadrilátero original. Isso se deve pela valorização das áreas, proporcionando o
avanço para fora do limite do planejamento inicial, alterando-se o número de 86 para
109 quadras (FERREIRA, 1999), com a ocupação de áreas rurais na porção norte,
cujo uso foi destinado a novos loteamentos, levando a incorporação de 20 hectares
à área urbana (figura 65). Nas palavras da autora:
Na evolução urbano-territorial, no final da década de 30, a população do
Município somava cerca de 10.000 habitantes. Nessa época, o afluxo
populacional para o Norte do Paraná foi intenso [...]. Sendo Londrina sede
da CTNP e comandando o processo de ocupação regional da população
procedente de Ourinhos por ser o caminho natural para o oeste,
estrategicamente se beneficiou da sua posição geográfica. (FERREIRA,
1999, p.2).
Em menos de dez anos (anos 30 e 40), a população da cidade havia
se quadruplicado, acentuando-se a ocupação dos lotes urbanos. Ao contrário do que
se poderia imaginar, essa demanda populacional não se fixou nas áreas projetadas
e, em consequência, houve a expansão para fora do perímetro da CTNP.
Analisando a geometria do sítio, podemos perceber que esta se
constitui por uma vertente mais aberta, cujo declive é menos acentuado se
comparado com a porção sul da cidade. Perini (2004) observa que a porção sul,
onde se localiza o Ribeirão Esperança, era tida como área rural até os anos 70, com
capítulo 4 – microbacia do ribeirão cambé: a estruturação do traçado
urbano
145
loteamentos dispersos e desconectados da malha urbana, deflagrando problemas
de saneamento ambiental e poluição dos fundos de vale.
Figura 65: Expansão Urbana década 1930. Traçado urbano de Razgulaeff de Londrina e Heimtal
(preto) e prolongamento do traçado ortogonal a norte (roxo).
Essa dinâmica não projetada vislumbra os problemas de
espraiamento do tecido urbano e as dificuldades de ordenamento territorial devido
aos custos que demandam a instalação de infraestrutura urbana (NAKAGAWARA,
1981). Em outras palavras:
los propósitos que guían la construcción de la ciudad actual no tienen como
prioridad el aumento de la complejidad de la ciudad, es decir, aumentar la
probabilidad de contactos, intercambios y comunicación -que es, en
definitiva, la esencia de la ciudad y la que tendría que guiar su construcción-
procurando explotar los sistemas de los que depende sin sobrepasar su
capítulo 4 – microbacia do ribeirão cambé: a estruturação do traçado
urbano
146
capacidad de carga, sino posicionarse mejor que el resto de ciudades en la
explotación de los sistemas ya sean locales o globales. La explotación de
los recursos se hace, en la mayoría de los casos, sin tener en cuenta los
límites en la capacidad de carga de los sistemas.
El resultado es una ciudad que se difumina en el campo ocupando áreas
cada vez más extensas (en ocasiones regiones enteras). Es la ciudad difusa
que tiene de todo y mucho pero disperso, separado funcionalmente (la
universidad, la industria, la residencia, las áreas comerciales, las oficinas,
etc. se separan físicamente) y segregado socialmente, uniendo las partes a
través de una densa red de carreteras y vías segregadas de transporte
privado. Esta forma de proceder, multiplica el consumo del suelo, de energía
y materiales. (RUEDA, 2000, p. 2).
Os parcelamentos não controlados pela CTNP datam de 1937 e
1939, a Vila Agari e Vila Casoni, respectivamente. A partir desses loteamentos,
outros se sucederam na vertente direita dos Córregos Quati e Lindóia. No mapa
(figura 66), essas áreas de expansão estão representadas em amarelo,
caracterizando-se como tecidos descontínuos na formação de Londrina. Entretanto,
a geometria destes loteamentos se confundia com o traçado de Razgulaeff ao seguir
o mesmo padrão: quarteirões de proporções próximas a 1:1 (figura 67).
Figura 66: Expansão da ocupação, com novos
loteamentos nas áreas rurais, na década de
1940.
Figura 67: Ocupação das quadras: proporção
aproximada entre suas dimensões. Lotes com
frente para os quatro lados.
Mesmo que as condições econômicas dessa população não
permitissem a aquisição de lotes a sul da Avenida Paraná, o desejo de
pertencimento ao núcleo original é nítido, pois uma continuidade da estrutura
urbana, adequando questões de mobilidade e acessibilidade, conjugada à
necessidade de trabalho e moradia. A rodovia deixou de ser uma barreira física para
a expansão da cidade, deslocando-se para a ferrovia, atingindo as nascentes dos
afluentes do Córrego Lindoia, ainda na década de 1940.
capítulo 4 – microbacia do ribeirão cambé: a estruturação do traçado
urbano
147
A CTNP não teve como evitar esse vínculo de produção da mais
valia por meio da exploração fundiária, pois coincidiu com o momento da
transferência de suas ações para o capital nacional. A partir disso, o território perde,
de certa maneira, suas atribuições de ocupação regional, em função dos interesses
particulares de cada agente do processo. Isso leva a uma especulação imobiliária
crescente com a transformação das glebas rurais em urbanas, sem que houvesse o
planejamento ordenado do território.
A densidade demográfica da década de 1940 acentuou os
problemas de saneamento básico, principalmente pela disposição do esgoto
doméstico em fossas e sumidouros, separados em dejetos líquidos e sólidos, sem
quaisquer parâmetros ou adequações para o tratamento. Em 1942, houve uma
regulamentação quanto ao tratamento do esgoto doméstico, obrigando a instalação
de fossa séptica nos lotes urbanos, conforme as especificidades determinadas pelo
governo estadual da época (BORTOLOTTI, 2007).
Tabela 3: Evolução da População urbana e rural de Londrina pelos Censos Demográficos
População
Pop.
urbana
% Pop. Rural % Total
Tx. Cresc.
Anual
Ano
1940 19.100 25,37 56.196 74,63 75.296 -
1950 34.230 47,93 37.182 52,02 71.412 -
1960 77.382 57,40 57.439 42,60 134.821 6,60
Fonte: IBGE (1940; 1950; 1960)
Nas primeiras décadas da cidade, verificamos, pelos dados
censitários de 1940, que a população urbana representava quase um terço da
população rural, aproximadamente. Na década seguinte (1940), havia praticamente
uma equivalência entre a população urbana e rural, representando um acréscimo à
primeira em detrimento da segunda, mesmo sem crescimento da taxa anual.
As primeiras diretrizes de gestão urbana o consideravam a
preservação ou a inserção dos fundos de vale como componente da paisagem, pois
eram tidos como espaços insalubres, propiciavam a proliferação de doenças, tendo
a função de absorver os dejetos urbanos in natura.O uso e ocupação dos primeiros
anos de Londrina relegou a segundo plano a importância dos cursos d’água para a
formação da paisagem urbana, dispensando a estes quaisquer funções de lazer ou
de formação de uma identidade imagética.
capítulo 4 – microbacia do ribeirão cambé: a estruturação do traçado
urbano
148
4.3 E
SPACIALIDADE
R
EGIONAL E
C
RESCIMENTO
I
NTRAURBANO
E
SPONTÂNEO
Em termos de estruturação espacial já demonstramos que os
elementos naturais determinaram a localização do desenho proposto para Londrina,
visando uma população entre 15.000 e 18.000 habitantes
13
. O caráter especulativo e
os interesses econômicos fundamentaram as ações privadas na construção dessa
estrutura, a qual não se vinculava a preocupações de ordenamento territorial, não
sendo, desse modo, um plano urbanístico; ao contrário tratava-se de um
parcelamento fundiário.
As discussões acerca da construção de cidades novas e a
reorganização de ambientes urbanos já consolidados demandam respostas que
avançam para além do simples provimento de espaços de comércios e serviços. É
necessário que as cidades possuam sistemas de infraestrutura urbana,
equipamentos públicos, áreas livres, de forma tal que a natureza participe do
processo, aproveitando-se das suas potencialidades, compondo a volumetria e a
fisionomia da paisagem. A concentração e adensamento demográfico, talvez
inimaginados para os propósitos iniciais da CTNP, em menos de 20 anos da
fundação do Município de Londrina e suas dimensões regionais (PANTALEÃO;
FERREIRA, 2009), podem explicitar a simplicidade que o tema tem sido tratado.
Por outro lado, os interesses da CTNP se pautavam em executar o
empreendimento imobiliário colonizador de amplitude rural, definindo uma estrutura
viária regional como o fio condutor da colonização da região, para, em seguida, o
desenvolvimento da atividade cafeeira, com a implantação de núcleos urbanos,
patrimônios e distritos, para que a circulação de pessoas e mercadorias se
consolidasse sobre esse eixo leste-oeste.
Essa gênese de ocupação do território evidencia o modelo de
produção capitalista, em que a circulação assume o papel de convergência: de um
lado, garantindo o fluxo de pessoas e mercadorias pelos trilhos da ferrovia,
compensando o capital inglês; do outro, eximia o investimento em infraestrutura pelo
poder público. um continuum espacial rural-urbano, cuja forma revela os
interesses motivadores da construção dos núcleos, distritos e patrimônios. Do
13
Essa população foi obtida considerando aproximadamente 3.600 lotes urbanos e uma proporção de
5,5 habitantes por lote.
capítulo 4 – microbacia do ribeirão cambé: a estruturação do traçado
urbano
149
mesmo modo, a espacialidade da rede representa a demarcação do território e as
relações de integração entre os diversos núcleos que a compõem.
No modelo espacial, havia o predomínio das interações regionais,
visando a acessibilidade, atribuindo à rodovia e à ferrovia o papel de distribuição de
fluxos, juntamente com as microbacias, as quais assumiam o papel de direcionar e
identificar os limites das propriedades particulares. O desenho dos núcleos urbanos
foi gerado a partir da paisagem natural, situando-os sobre os divisores das
microbacias, moldando uma estrutura regional linear. Os traços da paisagem natural
podem ser observados nas imagens panorâmicas: a estrutura regional no sentido
leste-oeste e a regularidade dos acessos locais no sentido norte-sul. (figura 68)
Figura 68: Aerofotogrametria de 1949 com sobreposição dos elementos estruturadores do espaço
urbano de Londrina: ferrovia (amarelo), rodovia (vermelho) e traçado urbano ortogonal (branco).
Fonte: Bortolotti, 2007. Org. Pantaleão, 2010.
A abordagem, portanto, da configuração urbana de Londrina não se
desvincula da sua natureza de pólo administrativo integrado a uma extensão
territorial mais ampla e não limitada apenas pelos limites físicos do quadrilátero
central. Significa que o projeto não é urbano, não traduz as discussões da
urbanística moderna do início do século XX, presente em outras regiões do país.
capítulo 4 – microbacia do ribeirão cambé: a estruturação do traçado
urbano
150
A adequação aos aspectos climáticos ocorria na produção agrícola,
evitando que os cafezais fossem atingidos pelas geadas, enquanto que as
habitações situavam-se à meia encosta, facilitando o acesso à água. A configuração
rural era destaque nos planos da CTNP, pois a regulamentação garantiria o sucesso
do empreendimento, atraindo mais e mais migrantes, ao mesmo tempo, que a
disposição dos cafezais, nas partes mais elevadas dos lotes rurais, servia como
propaganda e certificavam a fertilidade da região.
Complementando a paisagem regional, os núcleos urbanos eram
assentados no topo das encostas, apropriando-se das vertentes mais planas “[...] o
que lhes podia causar algum problema de abastecimento de água, embora
garantisse boa drenagem urbana, além do domínio visual e linhas de comunicação
fácil pelas cumeadas” (MENEGUETTI, 2007, p. 74).
Eram cidades planejadas, ainda que preconizassem a tradição
portuguesa de sítios mais elevados, como resultado do pensamento abstrato e
racional. A hierarquia dos núcleos urbanos suas funções dentro da rede, sendo que
a distância determinada pela CTNP definia:
[...] cidades destinadas a se tornarem núcleos de maior importância seriam
demarcadas de cem em cem quilômetros, aproximadamente. Entre estas,
distanciados de 10 a 15 quilômetros um do outro, seriam fundados os
patrimônios, centros comerciais e abastecedores intermediários. (CMNP,
1975, p.76).
A disposição dos núcleos urbanos, além de subsidiar a ferrovia,
proporcionava a interação entre elas, criando uma rede urbana mais complexa, à
medida que, a produção agrícola legitimava a própria existência das áreas urbanas.
A adequação à forma natural pressupunha baixos custos para a
CTNP, resultando na articulação reducionista entre o ambiente construído e o
espaço natural, excluindo a vegetação, os cursos d´água e o relevo na composição
volumétrica do malha ortogonal. A clareira aberta no divisor das microbacias rebatia
a adequação bidimensional, ainda que circunscrita por grelhas rígidas, sem uma
correta articulação com as concepções ambientais e estéticas.
Dos condicionantes ambientais apontados por diversos estudiosos,
foram desconsideradas as características climáticas, a vegetação, os vales e os
ventos para a composição paisagística do conjunto urbano, pois não havia a
previsão de áreas verdes ou parques urbanos, aproveitando a riqueza hídrica do
sítio, nem mesmo regulamentações quanto à preservação da mata ciliar. Fato que
demonstra os limites das responsabilidades da CTNP: comercialização dos lotes. Na
capítulo 4 – microbacia do ribeirão cambé: a estruturação do traçado
urbano
151
proposta de Razgulaeff (1932), o desenho urbano repercute essa intenção da CTNP,
demarcando as áreas disponíveis para a ocupação dos imigrantes, excluindo os
fundos de vale e os cursos d’água da cartografia da cidade.
Os elementos naturais não foram elementos compositivos da
paisagem, e, em consequência, não houve medidas preventivas para a preservação
das nascentes dos cursos d’água, da vegetação nativa e das condições climáticas. A
preocupação era imediatista de valoração da terra e comercialização das datas.
Anos mais tarde, segundo o CMNP (1975), Razgulaeff explicaria sobre a concepção
do desenho da cidade:
[...] tenho críticas à cidade de Londrina. A cidade é muito mal projetada, mas a
culpa não é minha, eu vou dizer a verdade. Quando projetei a cidade com as
avenidas de 30 metros e as ruas de 24 e apresentei esta planta, o presidente
que chegou lá naquele tempo, o General Asquith falou: bom, nós vamos levar a
planta para estudo na Inglaterra e depois de lá você recebe a ordem de
executar, e veio a ordem que esse Alexandre é louco. Uma cidade você sabe,
no meio do mato, abre ruas com 30 metros de largura, ruas com 24 metros,
não convém. ·Quem vai construir ruas? Nós. Quem vai pagar impostos? Nós.
Não, não. Então mandaram diminuir, ruas de 16 metros, o máximo que aceitei.
Eles queriam 12 metros. Máximo que aceitei foi avenidas com 24 metros.
Fiz o projeto de toda a cidade. Projetei a avenida Paraná, passando aqui o
Fuganti e indo para Nova Dantzig, hoje Cambé. Depois a avenida Rio de
Janeiro e avenida São Paulo essas duas que vão descer para a estação. Na
planta original o existia a avenida Higienópolis. A cidade crescia
progressivamente de modo que quando acabou a saída para Nova Dantzig,
ainda não existia a entrada à esquerda para a Higienópolis.
Desenhei todas as ruas. A rua Heimtal que era a Duque de Caxias, a Mato
Grosso [...] Na minha ausência Carlos Rotmann diminuiu a largura da rua
Cambé para 12 metros conforme as ordens da Inglaterra, mas quando eu
voltei, rejeitei e disse de jeito nenhum, eu não aceito porque eu sou o
responsável pela formação da cidade, não é ele. Desenhei a planta de
Londrina na minha casa construída na minha chácara onde hoje é a Anderson
Clayton[...] (PREFEITURA DE LONDRINA, 2003 p. 7-8)
Ainda que Razgulaeff demonstrasse seu desapontamento, não
mencionara as questões acerca da integração dos elementos naturais, apenas
evidenciava o caráter progressista da concepção do sistema viário, de forma
simplista e racional.
Londrina debruçou-se sobre a vertente esquerda do Ribeirão
Cambé, numa área de declividade de 10%, enquanto que as chácaras de 5 a 10
alqueires contornavam o núcleo urbano, com declividades mais acentuadas entre 20
e 30% (IPPUL, 1995). Nas duas primeiras décadas, esses limites foram respeitados,
evidenciando o caráter higienista de ocupação, em que a ocupação não atingiria os
fundos de vale, sendo estes limites da cidade, mesmo não havendo parâmetros
urbanísticos de regulamentação e ordenação de uso e ocupação do solo até 1951.
capítulo 4 – microbacia do ribeirão cambé: a estruturação do traçado
urbano
152
Rudolpho Horner
14
(2009) explica as relações entre a ocupação da
cidade e os cursos d’água, tendo em vista a consolidação da cidade e sua influência
regional, apontando os agentes promotores da expansão urbana. Para o
engenheiro, a ocupação dos fundos de vale tem associação direta com o êxodo rural
e a ação de corretores que começaram a lotear as áreas das chácaras que
contornavam o núcleo urbano. Lembra também que a ação de Prestes Maia definiu
a concepção urbanística do Brasil, acentuando os nculos entre Londrina e São
Paulo, momento em que os fundos de vale são pensados nas ações de
planejamento e ordenamento territorial.
Os estudos de Prestes Maia culminaram com a promulgação da Lei
133, definindo os parâmetros urbanísticos para novos loteamentos, em setembro de
1951. A partir do diagnóstico formulado, podemos analisar a inserção dos corpos
d’água na estruturação da paisagem urbana.
4.4 O
P
LANO DE
P
RESTES
M
AIA E
P
ARÂMETROS
U
RBANÍSTICOS
:
F
UNÇÃO
H
IGIENISTA E
S
ANITÁRIA DOS
F
UNDOS DE
V
ALE
A primeira vertente de ocupação de Londrina, como explicitado se
localiza entre o Córrego Quati/Lindoia e o Ribeirão Cambé. A cidade mantém
distante dos cursos d’água, mas não deixa de explorar seus recursos, ao captar a
água para o abastecimento, bem como pelo lançamento do esgoto doméstico e de
águas pluviais. Os rios são cursos naturais e desempenham papel importante no
ambiente urbano, ainda que o ciclo hidrológico fosse alterado sem medidas
paliativas para evitar a sua degradação.
Londrina fora pensada para uma população urbana entre 15.000 e
18.000 habitantes. O censo demográfico de 1950 aponta que este contingente
havia sido superado, atingindo 19.100 habitantes e, alcançando, na década
seguinte, 34.230 habitantes urbanos, (IBGE, 1960), período da dinâmica e
consolidação de ocupação da margem esquerda do Ribeirão Cambé. No censo
demográfico de 1960, a inversão populacional, com o predomínio de habitantes
14
Entrevista concedida em 12 de julho de 2009. Rudolpho Horner trabalhou na Secretaria de Planejamento de
Londrina, assumindo as primeiras ações de organização da cidade, em 1963 e foi responsável pela urbanização
dos fundos de vale e a adequação da drenagem urbana.
capítulo 4 – microbacia do ribeirão cambé: a estruturação do traçado
urbano
153
na área urbana. Esse crescimento acelerado e espontâneo ocasionou o
agravamento dos problemas ambientais juntamente com a falta de infraestrutura
adequada para a consolidação da vida urbana, exigindo ações públicas para saná-
los. Nas palavras de Buchmann (2001):
A microbacia do Ribeirão Cambé está inserida em área densamente
povoada e sua principal calha hídrica, o Ribeirão Cambé, atravessa o sítio
urbano da cidade de Londrina, recebendo as mais variadas ações
antrópicas, desde as relacionadas a lazer e turismo até as relacionadas a
efluentes industriais, lixo, esgoto doméstico, agrotóxicos, assoreamento,
ocupação do solo às margens do ribeirão, etc., tornando-se assim, uma
área de impacto negativo. (BUCHMANN, 2001, p.89-90).
Essa inversão, evidenciava a importância de Londrina para a
região, principalmente pela concentração de atividades secundárias e terciárias no
núcleo urbano, já na década de 1950. E, não tarda para que as políticas urbanas de
São Paulo rebatam sobre Londrina sendo, por vezes, comparado o crescimento e
desenvolvimento de ambas as cidades, devido ao ciclo cafeeiro. O prefeito da
época, Hugo Cabral, contratou Francisco Prestes Maia para diagnosticar os
problemas urbanos da cidade e definir parâmetros para a regulamentação de uso e
ocupação do solo urbano, por meio de um Plano Urbanístico, culminando na Lei
133/1951(LIMA, 2000; BUCHMANN, 2001).
Bortolotti (2007) explica que o Plano de Prestes Maia foi o primeiro
Plano Diretor de Londrina, reforçando a necessidade de controlar a expansão
desordenada da cidade, que havia sido regulamentada por legislações
específicas, expressando ação do poder público local no ordenamento territorial. O
autor destaca a preocupação com os fundos de vale, no decreto de 1945: “[...]
ninguém poderá servir-se dos rios ou valas de esgoto, que atravessem seus
quintais, para despejo ou servidão de qualquer natureza”. (BORTOLOTTI, 2007, p.
92). Outros artigos desse decreto mencionavam a proteção de córrego e fundos de
vale como garantia da saúde pública.
As políticas urbanísticas dos anos 50, conforme relata o autor,
também buscavam atender às reivindicações da população, tendo a frente a
Associação Comercial de Londrina (ACIL), reforçando o caráter de construção do
habitat, expressado na concretude do tecido urbano. A sociedade urbana, tendo
como referência as transformações paulistas, a necessidade de áreas públicas,
como praças e espaços para o lazer, como teatros eram os principais aspectos
destacados pela população, segundo Scharwtz (1997 apud BORTOLOTTI, 2007).
capítulo 4 – microbacia do ribeirão cambé: a estruturação do traçado
urbano
154
Em sua gestão, Hugo Cabral (eleito em 1947), procurou solucionar a
falta de infraestrutura urbana e implantar os serviços blicos necessários ás áreas
construídas de forma desordenada, ao mesmo tempo, em que buscava definir regras
para os novos loteamentos. Nessa época, como lembra Bortolotti (2007), não havia
nenhuma legislação urbana da cidade nem mesmo um corpo técnico que pudesse
evitar a ação indiscriminada dos especuladores. Isso levou a proibição de novos
loteamentos até que o plano de Prestes Maia fosse aprovado. Juntamente com o ex-
prefeito de São Paulo, foram convidados outros profissionais designados a construir
edifícios públicos na cidade, marcando a produção arquitetônica moderna em
Londrina, como explicita Guadanhim (2002) em sua tese de doutorado Influência da
Arquitetura Moderna nas Casas de Londrina, ao elucidar que a vinda de Artigas e
Cascaldi influenciou também a produção de residências com os aspectos da escola
paulista, remodelando a paisagem da cidade.
Foram estas as primeiras interferências do poder público local na
conformação da paisagem urbana da cidade, seja pela produção arquitetônica e
urbanística de cunho modernista, ou pelas legislações que passaram a definir os
critérios de novos loteamentos, que detalhamos a seguir e sua conexão com os
fundos de vale.
4.5 P
RIMEIRAS
O
BRAS DE
I
NFRAESTRUTURA NOS
F
UNDOS DE
V
ALE DE
L
ONDRINA
Muitos loteamentos, lançados entre 1930/40, evidenciam a
especulação e valorização das terras rurais, que, urbanizadas tornavam-se mais
lucrativas do que a atividade agrícola. Isso porque os loteadores não precisavam
investir em serviços de infraestrutura e nem destinar áreas para equipamentos
públicos e/ou espaços livres. Sem regulamentação urbanística, havia a maximização
de áreas postas à venda. Para evitar o desordenamento e o caos urbano, a lei nº.
133/51 passou a exigir a abertura de novas ruas e a elaboração de novos
loteamentos, cuja preocupação se concentravam na estrutura intraurbana da cidade,
capítulo 4 – microbacia do ribeirão cambé: a estruturação do traçado
urbano
155
pois considerava além das conexões dos novos loteamentos, os equipamentos
públicos e infraestrutura, que remetem ao conceito de unidade de vizinhança
15
.
Relph (1987, p. 62) lembra-nos que “[...] entre 1910 e 1945
desenvolveram-se medidas de planejamento que se tornaram parte dos padrões do
repertório de planejamento do pós-guerra e que têm tido um efeito considerável na
aparência das cidades [...]”. As propostas de Prestes Maia inseriam-se nessa linha,
destacando-se a divisão por zonas, as relações entre número de habitantes,
localização dos equipamentos públicos e distâncias e percursos a pé como as
principais diretrizes apresentadas no plano urbanístico de Prestes Maia (figura 69),
que dava ênfase a abertura de vias de circulação, contornando o tecido urbano
existente como também o contraste do traçado para novos bairros, inspirados nas
feições das cidades-jardins, como é o caso do Jardim Shangri-lá A.
Figura 69: Esquema da proposta de Prestes Maia para Londrina. Fonte: Lima, 2000
.
A concepção urbanística do Jardim Shangri-lá A evidencia as
influências das discussões pós-guerra, especialmente pelo traçado hierarquizado,
com vias desde aquelas destinadas aos veículos até as vias para os pedestres,
15
Inserido nas discussões sobre as políticas habitacionais do pós-guerra, aprofundando as relações e
distribuição de determinados equipamentos urbanos como primordiais para as áreas residenciais, emerge no
campo da urbanística moderna, o resgate das relações de vizinhança. Conforme Lamas (2000), o conceito de
unidade de vizinhança se relaciona com as discussões de sociólogos americanos, que constatam a perda das
relações de vizinhança à medida que as cidades crescem e se expandem, redefinindo as distâncias ideais dos
equipamentos urbanos para os deslocamentos a pé, bem como também delimitam o número de habitantes para
cada área residencial.
capítulo 4 – microbacia do ribeirão cambé: a estruturação do traçado
urbano
156
sendo que todas seguiam as linhas da topografia, resultando em um traçado mais
orgânico, comparado com a ortogonalidade do “quadrilátero central” (figura 70).
Figura 70: Vista Parcial Jardim Shangri-lá, projetado por Jorge Macedo Vieira. Linhas sinuosas,
áreas públicas e lotes alongados. Fonte: Bortolotti (2007, p. 89).
Antes da aprovação da lei, foi elaborado um roteiro para estudar as
questões urbanas de Londrina em que “[...] expõe a abrangência, a ordem de
atividades na elaboração do plano e algumas ideias sobre o urbanismo.” (LIMA,
2000, p.155). Este roteiro contava com nove itens, sendo cinco prioritários e quatro
complementares: dentre os prioritários citavam que o plano mínimo deveria abranger
um plano de avenidas, a implantação do aeroporto e definir áreas ajardinadas ou
arborizadas. O sentido de unidade de vizinhança se aplica quando Prestes Maia cita:
“[...] sistema de ruas, praças, jardins e parques, acessos rodoviários, previsão dos
principais prédios necessários, parques infantis, regras para núcleos urbanos novos
ou secundários, etc.[...]” (LIMA, 2000, p.156).
As indicações de preservação e conservação dos fundos de vale e
soluções para o saneamento básico são contempladas por artigos específicos da lei,
demonstrando a necessidade de estabelecer critérios para o uso e ocupação do
solo, mas não foi o mote de suas especificidades, pois o plano de Prestes Maia
centrou-se na estruturação viária. Como resultado, a legislação urbanística apontava
um rígido controle na produção do espaço urbano de Londrina, principalmente pela
prática indiscriminada de parcelamento em áreas carentes de infraestrutura urbana.
capítulo 4 – microbacia do ribeirão cambé: a estruturação do traçado
urbano
157
Em função dessas proposições, o desenho urbano da cidade foi se
modificando, principalmente com o deslocamento de parte da população da área
central para as regiões noroeste e sudeste, em função do aeroporto e da saída para
Maringá, passando por Cambé. Essa conformação da paisagem reforça o desenho
do Ribeirão Cambé, pois a forma da cidade rebate a sua configuração em
contraposição a centralidade do traçado xadrez elaborado por Razgulaeff (figura 71).
Figura 71: Ocupação no sentido NO-SE. Novos loteamentos menos rígidos que o desenho do
traçado de Razgulaeff de 1934. Implantação do aeroporto sobre o espigão a sudeste.
A caracterização morfológica definida por Prestes Maia para os lotes
difere da quadrícula do traçado inicial, passando a uma configuração retangular,
com diferenças de dimensões, conforme o uso a qual se destinava. Proibia ainda
que a ocupação do lote contivesse mais de uma unidade unifamiliar e, em caso de
edifícios de múltiplos pavimentos, comportaria uma única torre (LIMA, 2000).
capítulo 4 – microbacia do ribeirão cambé: a estruturação do traçado
urbano
158
Para Lima (2000), a cidade foi se modernizando nesta fase, com a
melhoria do espaço urbano, até, então, desestruturado, cabendo à intervenção
municipal definir “[...] as relações espaciais, ou seja, disciplina a urbanização e a
apropriação de áreas, ordenando a localização [...]”. (LIMA, 2000, p. 165).
Outro aspecto de interferência na paisagem intraurbana foi a
aprovação do uso misto para a área central da cidade, adicionada a possibilidade de
verticalização. Ao contrário, a zona de expansão dividia-se em quatro tipos de usos
(residencial, industrial, diversos e rural ou agrícola). Isso condicionou duas
paisagens na cidade, conforme coloca Pantaleão (2008):
[...] a cidade dispunha de duas paisagens distintas, o quadrilátero central,
ordenado e com boa infra-estrutura, sendo uma paisagem compacta e as
áreas periféricas ocupadas de forma desordenada, a cidade difusa. Essa
normatização buscava implantar medidas de planejamento ao definir zonas
urbanísticas para Londrina, de modo que a orientação de crescimento da
cidade pudesse acontecer dentro dos princípios urbanos e não pela vontade
única e exclusiva da especulação imobiliária. As diretrizes dessa legislação
permeiam o caminho do urbanismo progressista (CHOAY, 2002), separando
as funções da cidade, retalhando o espaço urbano e a diferenciação por
classes sociais.
Quanto aos aspectos de infraestrutura para novos loteamentos, a
legislação exigia que loteadores garantissem o escoamento das águas pluviais,
redes de esgoto, abastecimento de água, pavimentação, arborização e iluminação
pública, como também, a definição de áreas públicas, tais como ruas, praças, fundos
de vale e áreas institucionais, cuja posse é de domínio público.
Em relação aos aspectos ambientais, cabe destacar a valorização
da paisagem, com a utilização de técnicas de engenharia e urbanismo. Isso
corrobora para a inserção da natureza no ambiente construído. Os fundos de vale
são vistos como elementos funcionais e estéticos, mas sem integrar-se com a
própria sociedade. Citamos, a seguir, as normas gerais quanto a estes aspectos:
[...] garantir o escoamento das águas permanentes, pluviais e sanitárias e
resguardar os fundos de vale e rincões. Nos arruamentos ao longo dos
cursos d’água público, o proprietário-arruador regularizará previamente, com
a municipalidade, a questão da posse, ocupação ou servidão da faixa
marginal. Sempre que possível, será acrescentada, acima da linha de
enchentes máximas, uma faixa verde, destinada a ajardinamento,
arborização ou serviço. Preservar ou criar pontos de vista e perspectivas
interessantes, mantendo os bosques e exemplares vegetais notáveis,
mesmo à custa de pequenas irregularidades de traçado. Proteger os
transeuntes e moradores contra aspectos desagradáveis, gases, maus
odores, ruídos, etc., pela anteposição de parques e cortinas verdes. (LIMA,
2000, p. 174-175)
capítulo 4 – microbacia do ribeirão cambé: a estruturação do traçado
urbano
159
O resgate dos aspectos ambientais remonta aos conceitos do
urbanismo culturalista, sendo que para Lima (2000), pressupõe uma adaptação da
modernidade na realidade de Londrina.
[...] a preocupação com a natureza não fica somente na preservação de
remanescentes da vegetação primaria, na arborização de ruas e praças e
preservação de alagados, encostas ingrems, fundos de vale, mas entra no
campo, onde propõe um tratamento paisagístico com a arborização bilateral
das estradas rurais tal qual as Parkway de Olmsted, não as de Moses, nem
a prática bucólica das estradas alemãs.. (LIMA, 2000, p. 197)
A valorização proposta, no entanto, limita-se a inserção de áreas
verdes, mas sem que houvesse a preocupação em integrar os cursos d’água, uma
vez que a própria vegetação desempenharia o papel de barreira entre o ambiente
construído e os cursos d’água, estes relegados a condutores funcionais do
escoamento pluvial.
O legado das ações dessa primeira intervenção pública sobre a
paisagem urbana e a construção do Lago Igapó, quando os fundos de vale
assumiram o papel de dispor áreas de lazer passivo ou ativo, inserindo-se na
configuração espacial da paisagem, modificando a relação entre Natureza e
Sociedade. Buchmann (2001) esclarece, no entanto, que a ocupação urbana da
bacia do Ribeirão Cambé iniciou-se em 1955, com a construção da barragem e, em
consequência, a formação do Lago Igapó I, cuja ocupação se concentrou na porção
sul, por loteamentos residenciais com as mesmas feições do traçado proposto para
o Jardim Shangri-lá. Castelnou (2002) lembra-nos que a construção do Iate Clube
também motivou a construção do Lago Igapó:
O lago de 725.000m² inundou cerca de 32 propriedades, o lago também foi
motivado de modo a bloquear o rápido desenvolvimento de favelas naquela
região. Uma margem foi reservada a propriedade privada, enquanto a outra
era de uso público. (CASTELNOU, 2002, p. 123)
A partir da elaboração do diagnóstico intitulado Situação 66,
elaborado pela Comissão de Desenvolvimento Municipal (CODEM), foi possível a
elaboração do Plano Diretor para Londrina. Horner (2009) enfatiza o interesse do
governo estadual em Londrina, enviando técnicos da prefeitura para a participação
do Encontro de Arquitetos Planejadores em Curitiba, realizado também em 1966.
A construção da barragem, a ocupação da porção sul por
loteamentos residenciais e as áreas públicas da margem norte não foram suficientes
para que o Lago Igapó fosse explorado como elemento de interação entre a
Sociedade e a Natureza, levando ao documento Situação 66 a traçá-lo como parte
capítulo 4 – microbacia do ribeirão cambé: a estruturação do traçado
urbano
160
indispensável do planejamento urbano, o resgate da paisagem urbana, interagindo o
ambiente construído com os espaços naturais que o delimitam na porção sul.
Essas questões exaltam a importância da forma urbana como
elemento de enfoque do planejamento urbano, a qual é definida e determinada pelos
condicionantes físicos, ambientais, sociais, políticos, econômicos e culturais da
população que os abriga, além de inserir-se no tempo e modificar-se ao longo dele
(LAMAS, 2000). As cidades se desenvolvem e se expandem segundo estes
fenômenos, que são agravados ou minimizados com a inserção administrativa ou
não no planejamento urbano.
4.6 R
EGULAMENTAÇÃO DA
P
AISAGEM PELO
P
LANO
D
IRETOR DE
1968:
A
U
RBANIZAÇÃO
DOS
F
UNDOS DE
V
ALE
Desde a década de 1940, o espaço urbano de Londrina conviveu
com a proliferação de loteamentos desprovidos de infraestrutura, que, para
GUADANHIM (2002), ocasionou a desestruturação da cidade, devido ao fluxo
migratório intenso com o sonho de enriquecimento rápido, devido ao
desenvolvimento agrícola anterior. Houve uma desconexão entre o projeto original e
os novos loteamentos, pois a companhia norteava a ocupação urbana, definindo
preços e prazos de pagamentos dos lotes, atrelada a densidade e o crescimento
dentro dos seus limites físicos. Sobre a década de 1950, o autor observa:
[...] as mudanças da paisagem vão se consolidando, como a construção da
praça Gabriel Martins; a abertura da Alameda Manoel Ribas; a implantação
da estrada São Luiz-Eldorado; construção de pontes e conservação das
estradas rurais; implantação de escolas municipais; projeto de arborização
da cidade e a presença marcante das obras de Vilanova Artigas e Cascaldi,
como a Casa da Criança e a Estação Rodoviária. Essas intervenções
públicas também são coincidentes com as primeiras geadas que afetaram a
agricultura, o que levou a um maior adensamento da cidade e a criação de
cursos superiores. No início da cada a cidade possuía 75.000
habitantes e dobrou durante essa década, devido a inversão campo-cidade
e a chegada da industrialização, acompanhando o desenvolvimento de São
Paulo (GUADANHIM, 2002, p. 45).
Acrescentamos também a legislação urbanística de 1951, como
medida de regulação de uso e ocupação do solo, visando o ordenamento territorial.
A rigidez da legislação buscava diminuir a desestruturação citada por Guadanhim
(2002), e, ao mesmo tempo, buscava inserir Londrina nos preceitos da modernidade,
capítulo 4 – microbacia do ribeirão cambé: a estruturação do traçado
urbano
161
por meio da transformação do ambiente construído, fortalecendo a importância da
cidade no contexto regional e, em certa medida, nacional.
Ferreira (1984) reforça o destaque adquirido por Londrina e suas
feições de região metropolitana ao concentrar as atividades terciárias, com poucos
traços de industrialização, atribuindo-lhe o papel de centro administrativo de toda a
produção agrícola, cujo suporte se respaldava nas atividades terciárias. Com isso, o
governo estadual buscou realizar uma política de integração da região a capital
Curitiba, propiciada pela construção da Estrada do Café, cujo objetivo era o de
escoar a produção para o Porto de Paranaguá, em substituição ao de Santos.
Quanto à paisagem urbana, destacaram-se os elementos
estruturadores da configuração espacial de Londrina, reforçando a centralidade do
núcleo inicial, onde surgiram alguns edifícios em pavimentos de uso misto enquanto
que nas áreas periféricas predominava o uso residencial. No entanto, identificaram
os elementos peculiares, com a formação de uma [...] paisagem típica: é o traçado
da Avenida Paraná, margeando o espigão que delimita seu centro, espécie de
plataforma inclinada onde se situam a praça principal, a catedral e toda a grande
concentração urbana de Londrina.” (CODEM, 1966).
Reconhecida a importância do núcleo original, o documento
recomendava a preservação das visadas a partir dessa área, enaltecendo a
conservação dessa região, limitando a ocupação do seu entorno. Somado a isso,
destacava também a tendência do Lago Igapó a incorporar-se à cidade tanto
visualmente quanto pela ocupação (figura 72).
Figura 72: Proposta de composição da paisagem urbana de Londrina, com limites bem definidos: a
norte, a ferrovia e a sul, o Lago Igapó. Fonte: Situação 66, 1966.
[...] a represa do Igapó representa um potencial paisagístico de inestimável
valor, que não tem sido aproveitado pela população. A todos os fatores que
possui para constituir-se em um ponto de atração para a cidade, alia-se a
sua proximidade e toda uma extensão integrada fisicamente à cidade
tanto, quanto a Avenida Paraná, o bosque e a ferrovia constituindo o
verdadeiro desenho de Londrina. (CODEM, 1966, p. 183).
capítulo 4 – microbacia do ribeirão cambé: a estruturação do traçado
urbano
162
Para que essa inclusão e integração ocorressem, era necessário
garantir a posse pública, evitando a ocupação por particulares. Outra preocupação
quanto aos fundos de vale, se refere ao Córrego Rubi, localizado a norte,
vislumbrando neste local a implantação de um Parque Municipal. Observa-se que,
na década de 1960, houve a expansão em direção ao Ribeirão Cambé e ao Córrego
Quati, com a redefinição dos limites da cidade: a norte, a BR-369; a sul, o curso
d’água; a leste, o Aeroporto e a oeste, a proximidade com Cambé. (figura 73).
Figura 73: Evolução década de 1960. Ocupação das vertentes esquerda do Ribeirão Cambé e direita
do Ribeirão Quati, margeando os fundos de vale. Loteamentos fragmentados fora dessas duas áreas,
com mais concentração a NO e pontual a N e SE.
O diagnóstico também verificou as condições de infraestrutura
urbana, ressaltando os avanços da Lei n.º133/51, quanto ao abastecimento de água,
capítulo 4 – microbacia do ribeirão cambé: a estruturação do traçado
urbano
163
sendo encanada, ainda que não fosse tratada (figura 74). Colocava como
necessidade a ampliação da captação na bacia do Cafezal, para a demanda
projetada para os anos 1980. Por outro lado, constatou-se a precariedade da rede
de esgoto, que, mesmo tendo um sistema com quatro distritos sanitários, apenas
dois funcionavam, limitando-se ao centro e algumas áreas a norte e a sul (figura 75);
nas demais áreas, o tratamento ocorria por fossas sépticas (CODEM, 1966).
Figura 74: Rede de abastecimento de água. Fonte: Situação 66(1966).
Figura 75: Rede de Esgoto Sanitário. Fonte: Situação 66 (1966).
A partir desse diagnóstico, foi designado um concurso nacional para
a elaboração do primeiro Plano Diretor de Londrina, em 1968, refletindo questões
capítulo 4 – microbacia do ribeirão cambé: a estruturação do traçado
urbano
164
pertinentes a preservação e conservação da qualidade do ambiente urbano,
ressaltando a importância dos fundos de vale e suas relações, modificando
consideravelmente as relações entre um e outro, como medidas de ordenamento
territorial, ainda que não contemplasse as discussões incipientes a nível
internacional, acerca da sustentabilidade urbana ambiental.
A equipe vencedora era coordenada pelo arquiteto Jorge Wilheim,
sediada em São Paulo, sob a denominação de ASPLAN (BUCHMANN, 2001). É
interessante observar que o documento aborda a dificuldade do planejamento
urbano no país, ao explicitar que se tratava de um tema recente, que envolvia
soluções a longo prazo e criticava a transposição de modelos, visto que as
diferenças locais são indispensáveis para as decisões propostas.
Cabe ressaltar a importância do Plano Diretor de 68, quando ainda
não havia discussões pertinentes ao planejamento de cidades fora dos centros
urbanos e que não se caracterizassem como capitais ou eixos metropolitanos. Isso
demonstra a força regional de Londrina e seu crescimento em escala acelerada,
contabilizando cerca de 130.000 habitantes à época da elaboração do plano.
(ASPLAN, 1968).
O Plano Diretor é definido como um instrumento de compreensão e
orientação do desenvolvimento urbano: “[...] é o início de um processo permanente
de planejamento que se estende no tempo, compreendendo a existência de
sucessivos planos e instrumentos de implantação sempre relacionados às
exigências do momento.” (ASPLAN, 1968, p. 8). O documento é visto, portanto,
como um mecanismo de auxílio à administração municipal, visando o ordenamento
territorial. Podemos considerar a participação da população como um avanço para a
época, visto que esta não era a prática recorrente da época.
O debate organizado com a população londrinense no seminário de
divulgação do Plano, bem como a revisão efetuada pelos representantes de
entidades públicas e privadas sobre os exemplares distribuídos do Plano
Preliminar, trouxeram [sic] preciosas sugestões à elaboração do presente
trabalho (ASPLAN, 1968, p. 8).
A compreensão da realidade está presente na elaboração deste
plano, do mesmo modo que indicava algumas tendências futuras. Mediante isso,
foram definidos os seguintes objetivos, para os anos seguintes: Londrina como
Centro Regional; Londrina como Centro Industrial; Londrina como comunidade
equilibrada e circulação eficiente (ASPLAN, 1968).
capítulo 4 – microbacia do ribeirão cambé: a estruturação do traçado
urbano
165
Para tanto, dever-se-ia contemplar os seguintes aspectos: definição
da estrutura urbana; do centro; organização do sistema viário e dos equipamentos
públicos e a importância da paisagem relação entre o ambiente construído e os
elementos naturais do sítio. A estrutura viária contemplava os aspectos de
zoneamento conforme o uso e as atividades desenvolvidas, considerando a
hierarquia do sistema viário proposto, bem como a distribuição dos equipamentos
urbanos. Em termos de paisagem, buscava-se destacar os elementos de identidade
local, preservando as visuais existentes do perfil do centro e do vale do Ribeirão
Cambé, como fora comentado pelo documento SITUAÇÃO 66 (CODEM, 1966).
Essas diretrizes permitiram a formulação de um macrozoneamento para a cidade,
elucidado no esquema de autoria da própria ASPLAN (figura 74).
Figura 76: Macrozoneamento de Londrina, indicando as principais atividades. Fonte: Asplan, 1968.
Nas análises dos aspectos históricos e geográficos, o documento
apontava a tendência de ocupação do Vale do Ribeirão Cambé, atingindo o fundo de
vale, bem como a localização de indústrias no eixo leste-oeste, uma característica
consolidada historicamente.
O norte e a noroeste do Centro se a ocupação mais intensa de
populações, principalmente empregadas nas atividades econômicas do eixo
industrial ou da área comercial. Ao sul do Centro, localizam-se de modo
mais esparso populações de nível aquisitivo, mais elevado, empregadas,
principalmente nos serviços da área central. (ASPLAN, 1968, p. 28).
Do ponto de vista fisiográfico, a área urbana se assentava sobre dois
eixos rodoviários (BR-369 e PR-445), ocupando o Vale do Ribeirão Cambé e o
espigão que o separa dos Ribeirões Quati e Lindoia. (figura 75).
capítulo 4 – microbacia do ribeirão cambé: a estruturação do traçado
urbano
166
Figura 77: Esquema da estrutura urbana de Londrina. Fonte: Asplan, 1968.
A distribuição de população está, portanto, intimamente ligada às
atividades da sociedade, conformando os aspectos paisagísticos para a cidade, que
se evidenciam e se consolidam, tornando-se característicos determinados aspectos
de cada uma das três bacias hidrográficas que cortam a área urbana.
Outro aspecto abordado trata da ocupação desordenada pelos
loteadores, uma vez que tais ações criam vazios e falhas nas áreas urbanizadas, o
que encarece os serviços de infraestrutura e de equipamentos públicos. Também
aponta-se como consequência a permanência de “[...] ravinas e fundos de vale não
saneados, o que é motivo de constante perigo por permitir a transmissibilidade de
epidemias.” (ASPLAN, 1968, p. 28)
Como resultado dos levantamentos de documentos públicos e visitas
de campo, temos, por meio da legislação Lei n.º 1444/1968, as normas de uso e
ocupação do solo, com a instituição do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano.,
em que nos detivemos nas questões dos fundos de vale e o saneamento básico.
O principio básico para os fundos de vale foi a fixação dos limites de
ocupação de suas margens, tendo em vista a garantia do escoamento superficial
capítulo 4 – microbacia do ribeirão cambé: a estruturação do traçado
urbano
167
das águas pluviais e a implantação das redes de esgoto, de acordo com as próprias
características de cada curso d’água, conforme a tabela abaixo:
Tabela 4: Limites das faixas sanitárias para os dos fundos de vale de acordo com a área das
microbacias.
ÁREA DA BACIA HIDROGRÁFICA (ha) FAIXA SANITÁRIA (m)
Até 50 4
De 50a100 6
De 100 a 200 10
De 200 a 500 15
De 500 a 1.000 20
De 1.000a 2.000 25
De 2.000 a 5.000 30
De 5.000 a 10.000 40
De 10.000 a 25.000 60
De 25.000 ou mais 70
Fonte: Asplan, 1968.
No Projeto de Lei, essas faixas foram denominadas faixas sanitárias,
prevendo, ainda a limitação por meio do sistema viário, exigindo-se “[...] nos
arruamentos de terrenos marginais a cursos d’água será exigida em cada margem
uma faixa longitudinal de 14 metros de largura.” (ASPLAN, 1968, p. 188).
A preocupação em preservar livres as áreas contíguas aos cursos
d’água aparece muito mais como mecanismos de dotar a cidade de infraestrutura,
garantido a drenagem urbana, do que em inserí-los como elementos necessários ao
ambiente, desempenhando funções bioclimáticas. Isso fica mais claro pelo texto do
art. 4 que explicita as obras de engenharia e os cálculos hidráulicos para que as
cotas de enchentes fossem consideradas na definição dos arruamentos marginais,
que passam a limitar os cursos d’água e a área urbanizada. A preservação da forma
natural dos cursos d’água é ressaltada no art. 47, evitando o aterramento ou a
canalização dos mesmos. (ASPLAN, 1968, p. 191).
No programa de ação, contido no documento do Plano Diretor, a
ampliação da rede de esgoto e do sistema de escoamento das águas pluviais,
visando o saneamento dos fundos de vale e a delimitação das microbacias urbanas
é classificado como medida de curto prazo (até 1971), com destaque ao
aproveitamento das margens do Lago Igapó para as atividades de lazer.
Em seguida, como medida de médio prazo (até 1975) colocou-se o
desenvolvimento de projeto paisagístico para os vales saneados e a execução do
Lago Igapó, juntamente com a extensão das redes de esgoto e saneamento dos
vales, considerando ajustes possíveis, atentando-se para a própria dinâmica urbana.
capítulo 4 – microbacia do ribeirão cambé: a estruturação do traçado
urbano
168
Foram ações de urbanização dos fundos de vale, demonstrando a importância dos
cursos d’água como elementos componentes e compositivos da paisagem.
Figura 78: Croqui de Rudolpho Horner para as marginais dos fundos de cale e a faixa sanitária
como elemento compositivo da paisagem urbana.
Quanto aos Programas Setoriais, destacamos os estudos para as
áreas verdes, em que se esboçou sua distribuição em toda a extensão da cidade,
contemplando as várias regiões, uma vez que a distribuição de fundos de vale é
mais ou menos equilibrada, em função da ocupação desse período. Essas medidas
podem ser consideradas como um grande avanço no processo de ordenamento
territorial, pois a importância dos fundos de vale para a qualidade de vida e formação
do ambiente construído é colocada, visto que os índices de área verde por habitante,
apresentava descompasso entre as áreas da cidade (até 500 hab/ha, nas margens
do Igapó e 20 hab/ha, no centro), indicando a necessidade de equidade:
O plano propõe uma distribuição mais equitativa do espaço verde, prevendo
uma variação de 2000 a 5000 hab/ha de áreas verdes na zona urbana,
fazendo exceção, apenas nos setores ao redor do Igapó, onde esses
valores são ultrapassados. [...] é proposição do plano a existência de um
parque de recreação próximo a cada escola primária e de um campo de
esportes em cada setor servido pelo menos por uma escola secundária.
(ASPLAN, 1968, p. 203)
Todas as áreas consideradas insalubres a época deveriam ser
saneadas, recuperadas e inseridas no contexto urbano. As áreas de praças
assumiram o papel de jardins livres e, algumas existentes com reservas de
vegetação, poderiam assumir as atividades recreativas, passando a parques
urbanos, prevendo até desapropriações, em áreas que se julgassem necessárias.
O quadro II abaixo indica as áreas previstas no programa setorial de
áreas verdes e são apresentadas na figura 79.
capítulo 4 – microbacia do ribeirão cambé: a estruturação do traçado urbano
169
Quadro 1: Áreas Previstas no Programa Setorial de áreas verde proposto pela Asplan, como
complemento ao Plano Diretor de Londrina.
Setor
População
prevista
índice
previsto
(hab/ha)
Área
mínima
prevista
OBS.
Programas
para 1968
Programas
até 1980
1 12.320 2.000 6 ha
Usar o Parque
da Vila Leonor
A – B – C -
2 18.430 3.000 6 ha - C – D B
3A 17.590 - -
3B 21.690 2.000
24 ha
Usar o Parque
Municipal Bom
Retiro
A – B – C -
4A 14.000 - - - - -
4B 14.400 2.000 7 ha - C B
5A 18.750 Indeterminado
- Usar o Centro
Esportivo
B – C -
5B 16.850 2.000
8 ha Usar o Parque
do Córrego
Bararé
A – B – C -
6A 16.160 2.000
8 ha Usar o Parque
do Córrego Rubi
A – B – C -
6B 12.320 2.000
6 ha Usar o Parque
do Córrego
Água Fresca
A – B – C -
7 15.920 2.000
8 ha Usar o Parque
do Igapó e do
Ribeirão Cambé
A – C B
8 10.970 3.000 3 ha - C – D B
9 6.150 500 77 ha
11 9.050 500 77 ha
13 8.280 500 77 ha
14 7.880 500 77 ha
Usar o Parque
do Igapó
A – B – C -
10 9.940 3.000 3 ha - C – D B
12A
12B
14.221 3.000 4 ha - C – D B
15 33.996 5.000 6 ha - C – D B
Fonte: Asplan, 1968.
Figura 79: Áreas Previstas no Programa Setorial de áreas verde proposto pela Asplan (1968), como complemento ao Plano
Diretor de Londrina.
capítulo 4 – microbacia do ribeirão cambe: a estruturação do traçado
urbano
170
A partir do mapeamento e definição dos projetos e obras a serem
executados, os vales passam a integrar à paisagem urbana, modificando a visão
que se tinha até o momento. Bortolotti (2007) e Horner (2009) explicam que os
fundos de vale não eram áreas públicas, o que dificultava ações fitossanitárias. Isso
se deve ao processo de loteamento da CTNP, com a extensão dos lotes rurais até
os cursos d’água, segmentando-os pela divisão da gleba. “[...] a legislação não
obrigava os loteadores a doarem os fundos de vale para o município como áreas
públicas [...]”. (BORTOLOTTI, 2007, p. 125). A localização e a distância em relação
ao fundo de vale definia o valor do lote:
[...] as melhores casas eram construídas junto ao espigão, baixando a
qualidade das construções para os fundos de vale até chegar às chácaras.
A baixa qualidade de urbanização dos terrenos próximos aos córregos
gerava conflitos e rejeição dos moradores para novas construções,
provocando a desvalorização dos imóveis. Ao mesmo tempo a população
pressionava o poder público para que fossem feitas melhorias nestes locais.
(BORTOLOTTI, 2007, p. 125)
De modo geral, o Plano Diretor de 1968 baseou-se no conceito do I
Congresso Internacional de Arquitetura Moderna (CIAM, 1931), cujo resultado foi a
Carta de Atenas (1933), pois seus princípios foram regidos pelas quatro funções
clássicas das cidades: habitação, trabalho, circulação e lazer. A estrutura urbana,
então, foi pensada calcada nessas referências modernistas, tendo em vista a
espacialização da cidade, com as considerações de expansão urbana e
efetivação das áreas ocupadas.
A expansão urbana previa a ocupação de todo o Vale do Ribeirão
Cambé, até o horizonte projetado 1980, e a encosta sul dos Córregos Lindoia e
Quati. No entanto, constamos ainda, nos dias atuais, que a ocupação do Vale do
Ribeirão Cambé não ocorreu em sua totalidade, ponto que discutiremos mais
adiante, nas análises das três bacias conjuntamente. Outros limites que o Plano
Diretor de 1968 definiu são elementos construídos: as Rodovias BR-369 e a PR-445,
sentido leste-oeste, a norte da área urbana e sentido norte-sul, a leste,
respectivamente.
Os problemas urbanos apontados no diagnóstico do Plano se
convergem para a valorização dos cursos d’água, muitas vezes priorizando apenas
sua faixa lindeira, por meio da formação de áreas verdes, sem, no entanto,
evidenciar diretamente sua inserção no meio urbano, apesar das proposições de
saneamento das águas.
capítulo 4 – microbacia do ribeirão cambe: a estruturação do traçado
urbano
171
Essas áreas naturais seriam destinadas às atividades recreativas ao
ar livre e também contribuiriam com a qualidade do ambiente construído, pelos seus
valores estéticos. As áreas de recreação e as soluções da infraestrutura – drenagem
e saneamento básico – possibilitariam a valorização da paisagem, o que demandaria
execução de obras, as quais foram, em partes, realizadas nas duas décadas
posteriores. Podemos dizer que a concepção urbanística do primeiro Plano Diretor
de Londrina se respaldava nas discussões da cidade funcionalista, mas abarcava
conceitos ambientais, ao pensar a cidade como um organismo em que os fundos de
vale desempenhariam funções específicas:
[...] com localização às margens do Igapó de um Centro Cultural-Recreativo
e com o traçado de uma avenida parque ao longo do Ribeirão Cambé pode-
se criar um eixo cultural-recreativo, que irá inclusive, servir e acesso à
Universidade. (ASPLAN, 1968, p. 75)
Outro aspecto relacionado às bacias hidrográficas corresponde ao
macrozoneamento, que especificou tanto as atividades na cidade – residencial,
industrial e comercial, quanto pela espacialização da densidade urbana. Para a área
central, a densidade seria alta (entre 140 e 280 hab/ha), consolidando sua
verticalização. A densidade média se localizaria no entorno imediato da área central,
considerada a ocupação entre 70 e 140 hab/ha e, imediatamente, as áreas de baixa
densidade, com menos de 70 hab/ha. As relações intraurbanas foram previstas, por
meio de uma setorização, cuja divisão e definição foram estabelecidas pelos limites
geográficos, o que reforça o desenho inicial, e, ao mesmo tempo, a importância dos
elementos naturais na definição da paisagem urbana.
A distribuição das áreas residenciais antecipou questões atuais de
planejamento urbano, tendo como instrumento de ordenamento territorial a própria
bacia hidrográfica. Com isso, a margem esquerda da bacia do Ribeirão Cambé se
consolidaria urbana, com densidade alta; a densidade média se localizaria entre a
BR-369 e o divisor das bacias do Cambé, Quati e Lindoia; e densidade baixa, para
além desses limites, induzindo a ocupação de conjuntos habitacionais em direção à
bacia do Ribeirão Jacutinga área notadamente rural. Quanto às áreas industriais,
foi prevista a ocupação do eixo da BR-369 em que os Córregos Quatis e Lindoia
receberiam o esgoto industrial, sendo, portanto, indicada a proximidade com as
fontes de abastecimento de água para a implantação desse eixo.
A expansão urbana na margem esquerda desses vales concentraria
as áreas residenciais de baixa densidade, favorecendo o deslocamento dos
capítulo 4 – microbacia do ribeirão cambe: a estruturação do traçado
urbano
172
trabalhadores. Já as áreas comerciais seriam consolidadas no centro da cidade junto
com os serviços, destinando-se os eixos rodoviários para o comércio atacadista. Por
fim, as áreas especiais, mencionadas no Plano, referem-se à formação de parques
recreativos, contemplando a função de lazer da cidade funcionalista. E à medida que
os fundos de vale foram incorporados à paisagem urbana, os lotes próximos se
valorizaram: “[...] no espigão onde os terrenos eram mais caros, os preços foram
reduzidos igualando-se aos de fundo de vale, resultando em moradias e construções
de alta qualidade, atraídas pela nova paisagem que se formava [...]”. (BORTOLOTTI,
2007, p. 125-126). A especificidade dessas ações são detalhadas e melhor
analisadas no capítulo 7, quando a análise abrange as três microbacias urbanas de
Londrina.
O segundo momento de estruturação da paisagem, marcando a
ocupação do Setor Norte é bem diferente desta primeira em praticamente todos os
aspectos: institucionais, sociais como na organização interna desse espaço, que,
embora recente, guardam características e especificidades espaciais, funcionais e
ambientais próprias, apresentadas no capítulo seguinte.
CAPÍTULO
CAPÍTULO CAPÍTULO
CAPÍTULO 5
55
5
MICROBACIA DO JACUTINGA: REFLEXO DAS
MICROBACIA DO JACUTINGA: REFLEXO DAS MICROBACIA DO JACUTINGA: REFLEXO DAS
MICROBACIA DO JACUTINGA: REFLEXO DAS POLÍTICAS
POLÍTICAS POLÍTICAS
POLÍTICAS PÚBLICAS E PROMOTORES
PÚBLICAS E PROMOTORES PÚBLICAS E PROMOTORES
PÚBLICAS E PROMOTORES
IMOBILIÁRIOS
IMOBILIÁRIOSIMOBILIÁRIOS
IMOBILIÁRIOS
capítulo 5 – microbacia do jacutinga: reflexo das
políticas públicas e promotores imobiliários
174
Como colocado, o Plano Diretor de 1968 previa a ocupação de
média densidade entre o espigão dos vales do Ribeirão Cambé e Quati até a BR-
369, onde se formaria um eixo leste-oeste das atividades industriais. O zoneamento
proposto para essa faixa territorial provocou a expansão da área urbana, cuja
paisagem possui traços diferentes, se comparados com o primeiro processo de
estruturação do espaço. Não apenas o planejamento urbano favoreceu essa
ocupação, pois a inversão campo-cidade deflagrava a necessidade de prover os
ambientes urbanos de locais para essa população migrante.
Horner (2009) explica que a consolidação de Londrina, como centro
regional, e, em certa medida, capital do norte do estado foi fruto do processo de
urbanização devido ao êxodo rural, com a instalação dos migrantes na periferia da
cidade. Esse processo gerou, por parte da administração municipal, a elaboração de
um intenso processo de desenvolvimento urbano.
Razente (1984) aborda as mudanças econômicas tanto na esfera
rural quanto na urbana, para explicitar o papel intervencionista do Estado sobre a
produção do espaço urbano, buscando sanar os problemas e questões urbanas que
emergem do fluxo migratório:
[...] Londrina assiste o avanço do capitalismo agrário e a incorporação da
moderna indústria urbana. O corolário deste processo resulta num
extraordinário fluxo migratório em direção a cidade, provocando seu
crescimento. Por outro lado, à cidade compete receber, além dos fluxos
resultantes da proletarização do trabalhador rural, a crescente classe média
constituída pela economia de serviços e setor industrial. Com o crescimento
populacional verifica-se uma expansão urbana acentuada provocando uma
demanda crescente por espaços uranos e equipamentos de consumo
coletivo. (RAZENTE, 1984, p. 214)
As ações governamentais desse período, somadas à decadência do
café, concentram as atividades na área urbana, a qual se expande e verticaliza-se
ainda mais, também com edifícios de apartamentos, como afirmação do progresso e
da modernidade. O centro tradicional transforma-se em um eixo urbano que abrigava
a vida da cidade: bancos, escritórios comerciais, apartamentos, convivendo com o
trânsito, o tráfego e o fluxo acelerado da própria dinâmica de crescimento da cidade.
Torna-se o pulso da cidade e a medida exata de sua urbanização acentuada, se
comparada com outras cidades de seu porte.
Desde a década de 1940, a dinâmica de expansão e crescimento de
Londrina foi crescente, com ápice nas décadas seguintes, ocorrendo
capítulo 5 – microbacia do jacutinga: reflexo das
políticas públicas e promotores imobiliários
175
desordenamente e sem infraestrutura. Nos anos de 1953 e 1955 ocorreram fortes
geadas, como colocam Ferreira
16
(2008) e Horner (2009), agravando todo o sistema
produtivo e as relações sociais do norte do Paraná. O problema habitacional se
agravou, com o loteamento indiscriminado em várias regiões do espaço urbano. No
levantamento da CODEM (1966), o mapa de adensamento demográfico demonstra a
grande concentração desta população nas proximidades dos trilhos da ferrovia,
notadamente, na porção oeste (em vermelho mais escuro). (figura 80).
Figura 80: Densidade demográfica por setor censitário. Fonte: Codem, 1966.
Nos estudos do Plano Diretor 1968, a definição de média densidade
para essa área acabava efetivando um processo em curso, tornando-o apenas
legítimo. No entanto, essa legitimação não foi suficiente na ordenação do espaço,
especialmente com a instituição do BNH, considerado por Horner (2009) como um
desastre em termos de políticas habitacionais. Isso porque a homogeneidade
espacial não estimula os sentidos do homem e a dinâmica espacial, constatando
que o zoneamento nem sempre contribui para a qualidade socioambiental.
Como comentamos anteriormente, ainda que não houvesse um
zoneamento da cidade pela CTNP, responsável pela gestão do espaço até meados
16
Depoimento durante trabalho de campo, realizado em 24 de novembro de 2008.
capítulo 5 – microbacia do jacutinga: reflexo das
políticas públicas e promotores imobiliários
176
dos anos 1940, a distribuição da população de menor renda se concentrava fora do
quadrilátero central, constituindo uma configuração não oficial de uso e ocupação do
solo, à medida que fugia dos propósitos iniciais do desenho urbano. A presença da
ferrovia atraía a instalação de alguns estabelecimentos atacadistas e indústrias de
porte médio em suas imediações, absorvendo parte da mão de obra ociosa.
Não apenas a localização dos postos de trabalho favoreceu essa
dinâmica, pois o preço da terra contribuiu, deixando a parte mais a sul do núcleo
original desocupada. (FERREIRA, 1989). Nesse sentido, a construção do ambiente
urbano foi motivada pela necessidade de abrigo e pelas questões econômicas, ainda
que não permitisse a qualidade do espaço, tanto do ponto de vista estético quanto
ambiental. Por outro lado, à medida que esta população se apropria do espaço,
tenta torná-lo o mais aprazível possível, reforçando as relações de vizinhança.
Como exposto, a década de 1950 foi marcada pela modernização
do espaço urbano, via Plano Prestes Maia. A questão habitacional, quase sempre
associada à urbanização e ao crescimento desordenado dos espaços urbanos, não
poderia deixar de ser abordada. Lima (2000) comenta a proposta de habitação
popular do Plano de Prestes Maia para Londrina (1951): “[...] com dois tipos de
casas, a econômica e a popular, distribuídas em três subzonas, com ênfase para a
iniciativa privada e a exploração rentista.” (LIMA, 2000, p. 190)
Foi na década de 1970 que o déficit habitacional apresentou sua
fase mais crítica. Nas palavras de Bortolotti (2007, p. 119): “[...] a crise se agravou
com o surgimento de nove favelas ocupando os fundos de vale e as áreas vizinhas.”
As favelas localizavam-se em diversas áreas da cidade, atreladas aos espaços
renegados até então: os fundos de vale. Horner (2009) lembra-nos da dificuldade em
convencer essa população de o ocupar os fundos de vale, devido ao lançamento
indiscriminado de esgoto doméstico.
Ferreira e Santos (2005) reforçam a atuação dos vários agentes
responsáveis pela “[...] modelagem do espaço urbano [...] criando áreas de vazios e
áreas de concentração no período pós 70. Entre os fatores para o crescimento e
adensamento das áreas urbanas, destaca-se o declínio do café, favorecendo o
fortalecimento da indústria gradativamente [...]”. No entanto, como observamos
nas primeiras décadas da formação de Londrina, a infraestrutura é executada
posteriormente, pois o poder público não consegue acompanhar a dinâmica urbana.
capítulo 5 – microbacia do jacutinga: reflexo das
políticas públicas e promotores imobiliários
177
As formas de apropriação do espaço urbano vão criando diferenciações
sociais e estruturações, de certa forma, irreversíveis, pela ausência de uma
política de uso e ocupação do solo urbano, inviabilizando ou privilegiando
condições de vida diferenciada para a população londrinense. (FERREIRA,
1984, p. 1)
Com esse panorama nacional, os municípios passaram a dispor de
órgãos específicos para o planejamento urbano, sendo o primeiro deles em
Londrina, a Companhia de Desenvolvimento CODEL, atrelando-se a organização
físico-territorial e ao desenvolvimento econômico.
A organização da política habitacional estava hierarquizada nas três
esferas de poder, em que os recursos financeiros eram de responsabilidade federal
e estadual; ao município, caberia a implantação dos programas e projetos pela
escolha das áreas consideradas mais adequadas, definindo os modelos das
residências e a população beneficiada, cujo órgão responsável seria a Companhia
de Habitação de Londrina – COHAB/LD, fundada em 1964.
Para Ferreira (1994), o domínio do binômio trigo/soja em terras
paranaenses se explica pela alta mecanização e pelos financiamentos e créditos
bancários, que a partir dos anos de 1970 substituem o marco de desenvolvimento e
pioneirismo da região o café. Ao adotar os sistemas mecanizados, a área rural
dispensa a mão de obra, que migra para as cidades, principalmente aquelas de
maior desenvolvimento urbano, como é o caso de Londrina, provocando a ocupação
de áreas inadequadas ou sem infraestrutura. Além disso, a autora observa que as
pequenas propriedades o servem para esses sistemas modernos de manejo das
culturas, pois demandam uma maior área, levando a redistribuição fundiária também
das áreas rurais em grandes propriedades e dinamizando toda a rede rururbana
norte paranaense. Desse modo, o tecido urbano de Londrina é estendido sobre a
vertente dos Córregos Quati e Lindoia, alcançando a margem direita do Ribeirão
Jacutinga, conformando a periferia da cidade, denominada e reconhecida nos dias
atuais como Cinco Conjuntos
17
(figura 81).
17
A conotação da Zona Norte se confunde com a expressão Cinco Conjuntos”. Cabe observar que
esta região iniciada pela distribuição de unidades habitacionais, vem dinamizando-se e
transformando-se muito rapidamente, cujo rebatimento se exprime como uma nova centralidade para
Londrina, conforme discute Ribeiro (2001).
capítulo 5 – microbacia do jacutinga: reflexo das
políticas públicas e promotores imobiliários
178
A implantação da política habitacional de Londrina, na
década de 1970, conforme ilustrado (figura 81) incita a formação de um
novo tecido urbano descontínuo à área central consolidada, estruturada
entre as décadas de 1930 e 1940. A ocupação das décadas de 1950/60
demonstram alguma continuidade com o tecido existente consolidando a
área urbana sobre a Microbacia do Ribeirão Cambé.
No mapa, percebemos os limites da cidade: Ribeirão
Cambé e Ribeirao Quati, sendo estes os pontos de marcação da área de
expansão urbana da cidade no Plano Diretor de 1968.
Observamos também que os novos pólos de
crescimento urbano formam novos tecidos urbanos: a sul, na
Microbacia do Ribeirão Esperança, a Universidade Estadual de Londrina
(UEL) e a norte, os cinco conjuntos, distante do centro 14 km.
A proximidade com o distrito de Heimtal é muito maior
do que com a própria área urbana de Londrina, demonstrando as
políticas habitacionais distantes da realidade local.
Figura 81: Localização dos Cincos Conjuntos do Setor Norte de Londrina, situado na margem direita do Ribeirão Jacutinga.
capítulo 5 – microbacia do jacutinga: reflexo das
políticas públicas e promotores imobiliários
179
A configuração espacial da microbacia do Jacutinga se diferencia da
estrutura do Ribeirão Cambé, pois a aproximação de uma política organizada,
que interfere na modelagem do espaço, buscando respostas rápidas para o
crescimento desordenado, vivido pela maioria das cidades brasileiras, em virtude da
inversão campo-cidade sem sanar os problemas socioambientais em sua totalidade.
No entanto, a população beneficiada por estes programas não
participava da conformação espacial: se apropriava de uma ideia pronta, pelas
políticas definidas na esfera federal. Isso provocou distanciamentos e disparidades,
o que, em certos momentos, indica duas paisagens, aparentemente desconexas
entre si: se na primeira gênese de ocupação de Londrina, a espacialidade foi
definida pela visão regional, a segunda se aprofunda na escala intraurbana, em que
o esfacelamento do tecido urbano pela descontinuidade entre o tecido
consolidado e este em vias de formação. (PANERAI, 2006).
Para um melhor entendimento do processo de formação da
paisagem urbana de Londrina, analisamos a gênese do segundo momento que
definimos como estruturante da configuração espacial, em que as políticas públicas
e o planejamento urbano institucionalizado se mostraram como os principais
agentes, que, por vezes, evidencia e explicita a segregação espacial rebatidas em
tensões sociais, como foi o caso das últimas eleições municipais
18
.
Apresentamos, a seguir, as características fisiográficas dessa área,
visando identificar as possíveis razões e/ou motivações que possam relacionar as
políticas públicas habitacionais e o sítio sobre o qual se ergueram os conjuntos
habitacionais, destacando os elementos naturais e suas condicionantes para ação
antrópica. Em seguida, discutimos as relações entre o desenho urbano, a
infraestrutura urbana, as relações com a região central, o sistema viário e as
atividades que justificassem tal escolha, bem como as reflexões de planejamento
urbano que delinearam o desenvolvimento dessa região. Por fim, verificamos de
que forma essas questões anteriores se refletiram nas inter-relações Natureza e
Sociedade.
18
Largamente veiculado pela imprensa local, especialmente pela decisão judicial de inelegibilidade de Antonio
Belinatti, o debate político do pleito de 2008 focou a discussão entre a periferia e o centro; entre a população de
maior e menor renda, sendo esta a mais enfraquecida e que deveria ser beneficiada pelos programas
assistencialistas, como se os problemas urbanos fossem de sua exclusividade. O debate do discurso populista
gravitou na formação de duas paisagens da cidade, evidenciando a influência que a espacialidade e a
conformação da estrutura urbana criam elementos de disputa entre as classes sociais. A cidade, em si, se divide
e se contrapõe, perdendo-se a visão da totalidade em prol de todos.
capítulo 5 – microbacia do jacutinga: reflexo das
políticas públicas e promotores imobiliários
180
5.1 O
E
SBOÇO DO
D
ESENHO DOS
C
INCOS
C
ONJUNTOS
:
O
P
APEL DA
M
UNICIPALIDADE
NA FRAGMENTAÇÃO DESORDENADA DO SETOR NORTE
A estruturação da paisagem perpassa pelas características do sítio
sobre o qual o ambiente urbano é construído, conferindo fisionomias e modelagens
próprias, mesmo que a construção se respalde em experiências ou aproximações
arquitetônicas já vislumbradas em outros lugares, cujas semelhanças nos reforçam a
construção de algumas características que poderiam ser denominadas de paisagens
homogêneas, mas, tendo em vista, a apropriação e as ações de transformação da
população sobre o ambiente construído, percebemos que nem sempre as periferias
urbanas possuem a mesma paisagem, principalmente em Londrina, embora
compartilhem problemas semelhantes (localização, infraestrutura, entre outros).
No particular deste item, trabalhamos com a formação do Setor
Norte de Londrina, como o segundo momento marcante da estruturação urbana, a
qual coincide com a ocupação da microbacia do Ribeirão Jacutinga para fins
urbanos, incorporando grande parte das vertentes de seus afluentes Quati e Lindoia.
Ferreira (1986) observa que na década de 1980, quase toda a
população de Londrina se concentrava na área urbana, destacando que grande
parte dela “[...] se encontra de forma bem irregular e desordenada, com segregações
espaciais e sociais imprimidas pelos vários agentes, tanto privados como públicos”.
(FERREIRA, 1986 apud YAMADA, 1991, p. 44). Grande parte da área urbana se
caracterizava por vazios urbanos, capazes de absorver quase 240.000 habitantes,
conforme pontua Ferreira (1986), demonstrando a falta de planejamento e
ordenamento territorial da cidade, pois de um lado a área urbana possuía lotes
passíveis de sanar o problema habitacional e, de outro, a grande demanda
populacional, que acaba se instalando fora do perímetro urbano, nos interstícios
rurais, modificando a área de expansão urbana. (figura 82)
No mapa de expansão urbana, verificamos que a bacia do Ribeirão
Cambé contemplava a área de expansão urbana de Londrina até a década de 1970,
tendo como limite a sul, a PR-445 e a norte, a BR-369, assentada sobre o espigão
entre o Córrego Lindóia e Quati.
capítulo 5 – microbacia do jacutinga: reflexo das
políticas públicas e promotores imobiliários
181
A expansão, verificada ao longo da década de 1970,
culminou com a formação de um tecido urbano descontínuo e espraiado,
ultrapassando a área de expansão urbana definida no Plano Diretor de
1968. As vertentes direitas do Ribeirão Cambé e do Ribeirão Jacutinga
foram ocupadas, de forma aleatória e desordenada, sem que houvesse
uma infraestrutura intraurbana definida.
Entre as décadas de 1970 e 1980, a ocupação
urbana se caracterizou pelo uso residencial em lotes rurais, reforçando o
desenho longitudinal dessas propriedades,, parceladas pela CTNP entre
as décadas de 1930 e 1940.
A configuração urbana da cidade, em relação aos
elementos reguladores e estruturadores da cidade não é alterado, pois
os loteamentos privados e os Conjuntos Habitacionais, neste primeiro
momento, formavam mosaicos dispersos entre as lavouras da área rural.
Nota-se também a presença de áreas não parceladas
dentro da zona urbana de Londrina. A linha tracejada, em vermelho,
representa os divisores das microbacias dos Ribeirões Quati e Lindoia,
que, no entanto, não se apresentavam como elementos reguladores da
expansão urbana. Posteriormente, com a transposição da ferrovia mais a
norte, a formação da BR-369 e da Avenida Saul Elkind é que essa região
se caracterizará como pólo de crescimento [décadas de 1990 e 2000].
Figura 82: Evolução Urbana de Londrina, de 1930 a 1970.
capítulo 5 – microbacia do jacutinga: reflexo das
políticas públicas e promotores imobiliários
182
Yamada (1991) complementa:
[...] a partir da década de 60, houve a apropriação de extensas áreas físicas
em várias direções, tanto nos quadrantes Noroeste, Sudeste, Sudoeste e
Leste, destacando-se a década de 80 como a década de grande expansão
física, principalmente pela expansão de conjuntos habitacionais nos setores
Norte e Sul [...]. (YAMADA, 1991, p. 45).
Mesmo hoje a paisagem urbana do Setor Norte guarda alguns
resquícios da homogeneidade de seus momentos iniciais, principalmente constituída
por residências financiadas pelo BNH. Eram padrões de residências unifamiliares de
23, 33 e 43 m², sobressaindo-se a maior função urbana de todo o espaço de
Londrina: função residencial. Até aproximadamente 15 anos, depois dos primeiros
conjuntos, era proibido instalar unidades comerciais ou de serviços nessa região.
Devido às reivindicações dos moradores, foi possível praticar o comércio na parte
frontal das residências que, paulatinamente, pela força do comércio local, se
expandiu rapidamente. Passados mais de 30 anos, a estrutura familiar mudou
substancialmente, cujos filhos já trabalham ou estudam e trabalham no comércio
local, ampliando as condições financeiras da família como também a poder aquisitivo
da população, com melhoramento nas residências, modificando a paisagem.
Essa expansão marca a formação da periferia de Londrina, que além
dos conjuntos habitacionais também abrigam vários loteamentos, muitos deles
desprovidos de um desenho urbano que tenha levado em consideração os aspectos
ambientais e a relação com o sítio (topografia, clima, vegetação, entre outros) e/ou
aspectos qualitativos do espaço e que dão suporte à moradia: espaços livres,
destinados a praças, áreas de lazer, etc. Repete-se mais uma vez o fatiamento do
território, em que a terra é tida como mercadoria, mesmo que se encontrasse em
áreas rurais. O espaço urbano de Londrina passou a se caracterizar pela
descontinuidade do tecido, com alguns assentamentos na área rural, o que provocou
um distanciamento também na integração desta região com a área central,
denominados por Ferreira (1987) como ‘ilhas’ ou ‘arquipélagos de habitação’ ao
observar que eram áreas distantes do tecido já consolidado e se formavam não nas
franjas rururbanas, mas no próprio espaço rural.
Desse modo, ao invés da ocupação ocorrer no sentido do fundo de
vale para o espigão da área central para a periferia, ocorre o inverso: a ocupação
da região se efetiva do espigão para o fundo de vale (figura 83), realçando entre
ambas as áreas regiões vazias e desocupadas, o que também dificulta a ligação
com a área central e a provisão de infraestrutura, visto que demandam altos custos.
capítulo 5 – microbacia do jacutinga: reflexo das políticas públicas e promotores
imobiliários
183
O Setor Norte caracteriza-se como o segundo
momento de estruturação urbana de Londrina. O uso e ocupação do solo
desta região foi exclusivamente residencial, dentro das políticas
habitacionais da década de 1979 e 1980, via BNH. Não podemos dizer
que houve um crescimento urbano planejado. Essa urbanização é muito
mais por adensamento de áreas espraiadas e desconexas do tecido
urbano existente, acarretando problemas de escala intraurbana,
especialmente pela falta de infraestrutura.
Essa região configura-se, portanto, pela ação de
empreendedores imobiliários que transformavam áreas rurais em
urbanas, burlando, muitas vezes, a legislação urbanística de 1951, além
das ações governamentais voltadas para as HIS.
O mapa, além de delimitar a Zona Norte, refere-se ao
trecho entre os divisores das microbacias, situadas na área urbana de
Londrina a Norte: a BR- 369, entre o Ribeirão Cambé e Lindoia; e a
Avenida Saul Elkind, que delimita as vertentes do Ribeirão Lindoia e
Jacutinga.
Figura 83: Formação do Setor Norte, partindo do espigão (Atual Avenida Saul Elkind) em direção ao Ribeirão Lindoia com a implantação de loteamentos
privados.
capítulo 5 – microbacia do jacutinga: reflexo das
políticas públicas e promotores imobiliários
184
Martins (2007) observa que a distância entre a área consolidada e
os Conjuntos Habitacionais traduz a especulação imobiliária, pois os vazios gerados
entre essas duas regiões, ao receberem alguma infraestrutura, são valorizados.
Esse processo dificulta o acesso população de menor renda à cidade formal,
contribuindo na formação de assentamentos subnormais, que ocupam as áreas
públicas e, notadamente, aquelas esquecidas: os fundos de vale.
Quanto à gênese de formação, a primeira vertente ocupada se situa
entre os cursos d’água da própria bacia do Ribeirão Jacutinga, a qual não pertencia
à área urbana da cidade, definida pelo Plano Diretor de 1968 e, portanto, livre das
exigências e restrições da legislação urbanística de 1951. (figura 84)
Figura 84: Limites de expansão urbana por décadas: em verde, área de expansão urbana definida
pelo Plano Diretor de 1968. Em amarelo, ocupação posterior a 1960 até meados dos anos 1970.
Fonte: PML, 1978.
capítulo 5 – microbacia do jacutinga: reflexo das
políticas públicas e promotores imobiliários
185
Pela altimetria, analisamos como a distribuição das vias contribui
para a drenagem urbana e as ligações com a área central (figura 83). As vias
assentadas sobre os espigões desempenham o papel de calhas urbanas, além do
papel de ligação entre a malha urbana consolidada e a zona norte, em que se
destacam a Av. Rio Branco-Wilson Churchill, com extensão norte-sul desde a
Avenida Tiradentes até a Avenida Saul Elkind, localizada a leste da área central;
outra via que se consolida é a Rua Uruguai – hoje Avenida Duque de Caxias,
presente já no traçado xadrez de Razgulaeff, até de Heimtal, no traçado original.
Essas vias cortam as vertentes mencionadas e acompanham, em
partes, a modelagem do relevo, definindo linhas sinuosas no sentido norte-sul,
principalmente pela declividade da região, muito mais acentuada do que na área
central. É nas adjacências dessas duas vias que os conjuntos habitacionais e
loteamentos foram implantados, ocupando a região norte. Nos interstícios, cuja
declividade é mais acentuada, evita-se a ocupação no primeiro momento,
representado no mapa em amarelo, o que demonstra a preferência em aproveitar os
caminhos preexistentes para a implantação dos conjuntos e loteamentos, pois
resultaria em menos custos de infraestrutura. Apesar de ser uma região de maior
declividade, o traçado não estabelece nenhuma ligação com a topografia, sendo
mais alongado no sentido norte-sul, que leste-oeste; do espigão para os fundos de
vale, o que reforça a incorporação dos lotes rurais, para fins urbanos.
Essa afirmativa se reforça ao analisarmos a estrutura viária da
região, tendo como destaque as linhas perpendiculares ao fundo de vale,
características das estradas rurais abertas pela CTNP (figura 85), bem como o
parcelamento dessas tiras no sentido transversal para a formação das quadras e,
posteriormente, subdivisão em lotes de 250m² (10x25) para a região dos cinco
conjuntos, os quais são orientados no sentido leste-oeste (figura 86). Tanto na
porção leste quanto na porção oeste, verificamos a repetição do traçado, cujas
bordas emolduram os fundos de vale, muito mais para desviar dos mesmos do que
para integrá-los ao traçado. Não observamos áreas destinadas para uso público
como praças ou áreas de lazer, destacando-se, como dissemos, a função da
moradia na produção do espaço urbano, notadamente nas décadas de 1970 e 1980,
quando o SFH promoveu a construção de vários conjuntos habitacionais.
capítulo 5 – microbacia do jacutinga: reflexo das
políticas públicas e promotores imobiliários
186
Figura 85: Relação entre traçado dos Cinco Conjuntos, topografia.
Figura 86: Caracterização das quadras dos cinco conjuntos:
predomínio do parcelamento longitudinal: remanescente dos
lotes rurais da CTNP.
capítulo 5 – microbacia do jacutinga: reflexo das
políticas públicas e promotores imobiliários
187
A evolução urbana, na década de 1980, caracteriza-
se pela expansão das áreas formadas na década anterior, dando
continuidade aos tecidos descontínuos à área urbana consolidada,
destacada no mapa.
A ocupação vai ocorrendo no sentido norte-sul nas
vertentes dos afluentes do Ribeirão Jacutinga, sendo os fundos de vale o
limite destas novas áreas. Algumas vezes, são ocupados de forma
irregular, constituindo áreas informais, degradando os cursos d’água.
Outro fator importante para essa época foram as
primeiras ações municipais de ordenamento territorial, via PDDI (1978).
No entanto, as ações não abarcavam a escala intraurbana, devido aos
programas e projetos pontuais de saneamento básico.
O Setor Norte consolida-se como tecido urbano à
medida que novos loteamentos são implantados ao longo da via norte-
sul, ligando o patrimônio de Heimtal com o centro urbano de Londrina.
Essa ocupação é rarefeita, o que demonstra a estruturação sobre esses
eixos viários, que, posteriormente, tornar-se-iam importantes vias
expressas da cidade.
A modelagem das áreas destinadas aos conjuntos
habitacionais e aos loteamentos possuem uma topografia mais plana,
com declive médio nas direções leste e oeste, acentuando-se na face sul
e norte, reforçando a Avenida Saul Elkind como eixo estruturante da
região. No entanto, a divisão das quadras não acompanha as curvas de
nível, pois prevalece a maior dimensão no sentido norte-sul, criando
condutores do escoamento superficial nos dois sentidos leste-oeste e
norte-sul. Não há, portanto, uma hierarquia de eixos ou elementos que
organizaram o espaço, pois a ação foi fragmentada, como podemos
observar pela evolução dos conjuntos e loteamentos.
No mapa de evolução dos loteamentos percebemos
que a ocupação da zona norte iniciou-se na década de 40, com os
primeiros parcelamentos localizados nas proximidades da BR-369, de
forma dispersa, o que demonstra a falta de planejamento quanto à
ocupação das áreas, pois os loteamentos não seguiam uma lógica de
uso e ocupação contínua.
Figura 87: Evolução 1930 – 1980, com destaque as vias arteriais de ligação entre a área central e o setor norte.
capítulo 5 – microbacia do Jacutinga: reflexo das
políticas públicas e promotores imobiliários
188
Apesar do registro de loteamentos entre as décadas de 1940 e
1960, verificamos que a consolidação da área ocorreu em meados da década de
1970 para 1980, com alto índice de novos loteamentos entre 1976 e 1981.
Tabela 5: Evolução de novos loteamentos no Setor Norte de Londrina - 1947-1991.
Ano de aprovação Número de loteamentos
1947 1
1957 2
1959 2
1963 1
1964 2
1965 1
1966 1
1967 4
1968 2
1969 3
1971 1
1973 3
1974 1
1975 4
1976 12
1977 7
1978 8
1979 11
1980 5
1981 9
1982 4
1983 3
1984 4
1985 3
1986 3
1987 3
1988 11
1989 10
1990 8
1991 4
1992 12
Fonte: Yamada, 1991.
Obs. O Setor Norte, a partir da BR-369.
Dos dados, extraímos os períodos entre 1976-1981 e 1988-1991
tiveram elevados números de loteamentos aprovados na região norte. Razente
(1984) caracteriza essa produção do espaço como “periférica”, cuja característica
básica é ofertar, por parte do poder público, áreas para a moradia da classe
trabalhadora, a qual normalmente ocupava fundos de alguns fundos de vales em
áreas públicas, como também se destinava à população que almejava ter a casa
própria. Em suas análises, Razente (1984), explica que o mecanismo de produção
do espaço se respalda na associação entre diversos promotores, dotando a terra de
valor, conforme o fatiamento e a localização, sendo um produto, muitas vezes
capítulo 5 – microbacia do Jacutinga: reflexo das
políticas públicas e promotores imobiliários
189
conflitantes com as próprias questões da gestão urbana, principalmente pelo avanço
da expansão sobre as áreas rurais.
Yamada (1991, p. 65) lembra-nos que até a década de 1970, “[...] o
Setor Norte de Londrina [...] era uma área rural, ocupada por pequenos proprietários,
algumas chácaras e alguns loteamentos esparsos.” Não a atuação do poder
público corroborou para a expansão dessa área, pois, ao instalar os conjuntos
habitacionais no quadrante noroeste, distante entre 10 km e 17 km da área central,
adicionou-se à ação pública, a especulação imobiliária, criando um nicho para as
camadas intermédias, muitas vezes como investidores que esperam a valorização
dos vazios urbanos (FERREIRA, 1986).
Diferentemente da fase anterior, a ocupação das vertentes da
microbacia do Jacutinga não possui uma clara relação com a topografia, em que
quesitos técnicos tenham sido condicionantes ou determinantes do desenho que
cada loteamento ia imprimindo ao sítio. Apenas focalizamos a concentração dos
loteamentos nas proximidades das vias arteriais, facilitando a circulação das
pessoas. Mais uma vez, notamos a importância que o sistema viário implantado pela
CTNP adquire, sendo, desta vez, os eixos rurais norte-sul apropriados para
promover a ligação entre o núcleo central e os conjuntos habitacionais, que estão
muito mais próximos do patrimônio Heimtal, do que da própria sede de Londrina.
A estrutura urbana do Setor Norte de Londrina se respalda pela
quantidade de unidades habitacionais que foram constituindo uma paisagem sem
considerar as características topográficas e hidrográficas do espaço geográfico,
correspondendo a tecidos urbanos monótonos, com residências unifamiliares,
geminadas ou coletivas de até quatro pavimentos. Assim, prevalece a
homogeneidade de uso e ocupação do solo, quase exclusivamente para a HIS. O
rebatimento espacial dessas áreas é descontínuo e não apresenta quaisquer
relações visíveis entre si, inferindo outras questões quanto a localização dos
mesmos no espaço urbano.
Interessante observar que esses conjuntos habitacionais, apesar de
espraiados no sentido leste-oeste, possuem semelhanças: proximidade com os
fundos de vale e com os eixos estruturadores da gênese da estrutura urbana de
Londrina ferrovia, rodovia, planejamento urbano-regional e as condições
topográficas e hidrográficas. No entanto, transpõe o limite inicial da Ferrovia,
capítulo 5 – microbacia do Jacutinga: reflexo das
políticas públicas e promotores imobiliários
190
ocupando a vertente sul da Bacia do Córrego Lindoia. Isso indica a apropriação das
nascentes dos afluentes dos Córregos Quati e Lindoia, sem que programas ou
projetos de urbanização dos vales, incorporando-os como áreas públicas,
destinadas ao lazer, de fato, se configurassem no processo da dinâmica urbana.
Desse modo, observamos que as vias destes primeiros conjuntos ladeiam as
nascentes, sem, contudo, torná-las parte do tecido urbano, provocando rupturas e
fragmentação na própria estrutura viária.
As vias arteriais da cidade se destacam no sentido leste-oeste a BR
– 369 e a Avenida Saul Elkind, localizadas a norte, conformando as linhas de divisão
entre as bacias hidrográficas. Notamos que essas duas vias são mais lineares, se
comparadas com a PR-445 e a Rodovia Celso Garcia Cid/Avenida Paraná/Estrada
dos Pioneiros, cujo eixo se distribui no sentido noroeste-sudeste, delimitando de
forma precisa a bacia do Ribeirão Cambé (figura 88.).
Percebemos também a descontinuidade do eixo norte-sul norte-sul,
sendo que apenas na porção leste vias que permitem essa circulação: a Avenida
Duque de Caxias, remanescente das ligações entre os patrimônios da CTNP e a Via
Expressa (10 de Dezembro), construída entre 1973 e 1977 e, ainda que haja
interrupções do quadrilátero central, na porção oeste, a partir da Avenida Juscelino
Kubitscheck, a Avenida Rio Branco/Wilson Churchill possibilita esse percurso.
Ao longo desse eixo, especialmente a leste, temos a implantação em
massa das HIS que, em pouco tempo, transformaram a paisagem da cidade,
avançando em direção aos fundos de vale, localizados em áreas, até então, rurais.
Nesse sentido, a estruturação urbana apresenta um processo inverso, que coincide
com o auge de implantação das HIS (figuras 90, 91 e 92), distanciando-se da malha
urbana e conduzindo a uma ocupação linear às margens dos eixos norte-sul.
O desenho desses conjuntos, no extremo norte da cidade
caracteriza por um esboço de feições rígidas, precisas e abstratas, seccionado por
limites não muito claros, em que as escolhas das áreas perpassam por decisões
políticas e econômicas, sem que a inserção dos elementos naturais nos desenhos
das áreas destinadas a HIS. Entre áreas rurais são enxertados de uma única vez,
centenas ou milhares de unidades habitacionais, modificando as relações campo-
cidade, em que os limites de um e de outro não se definem facilmente: ao contrário,
as atividades convivem lado a lado.
capítulo 5 – microbacia do Jacutinga: reflexo das políticas públicas e
promotores imobiliários
191
Figura 89: Vista a partir do trevo da Avenida Saul Elkind espigão entre os Ribeirões Lindoia e
Jacutinga. Ao fundo: verticalização do centro da cidade circunscrito pela ocupação rarefeita e
dispersa do Setor Norte, onde predomina a horizontalidade.
Figura 90: Vista panorâmica a partir da Av. Saul Elkind. Conjuntos Habitacionais –
caracterização da ocupação da microbacia do Ribeirão Jacutinga e seus afluentes
.
Figura 91: vista da vertente esquerda do Ribeirão Lindoia. Segundo plano: divisor de águas
Avenida Tiradentes/Celso Garcia Cid.
Figura 88: vias Estruturais no sentido norte-sul: ligação entre Setor Norte e Centro.
Figura 92: Avenida 10 de dezembro e Setor Norte, ao fundo.
capítulo 5 – microbacia do Jacutinga: reflexo das
políticas públicas e promotores imobiliários
192
A falta de interação entre os elementos constituintes da paisagem
ressoa aqui, pois estes Conjuntos Habitacionais detém apenas a função da
construção como fim e não como meio de possibilitar o habitar, pois se limita a uma
necessidade primária. Prevalece a quantidade de HIS construídas e convertidas em
plataformas políticas do que a preocupação em aferir ao ambiente construído
elementos promotores de apropriação do espaço, de modo que a população
remanejada para este espaço se sentisse pertencente a ele.
Significa que a construção da região não é a materialização dos
comportamentos e a adaptação dos elementos naturais na configuração desta
periferia urbana, pois a velocidade e o tempo de construção impedem que construir
e habitar estejam entrelaçados, sendo o primeiro o meio para se alcançar o
segundo; uma perda das relações topofílicas, pois a espacialidade não expressa
e nem comunica um modo de vivenciar o espaço, de se relacionar com o mundo: é
uma imposição quantitativa, engendrando a atuação da Cohab-Ld e seu sucesso por
meio de dados estatísticos.
As nascentes dos cursos d’água também não participam diretamente
desta nova frente de ocupação e expansão, pois não são elementos delimitadores
da região, ou que ressoe sobre o parcelamento dos lotes rurais, visando sua
conversão em urbanos. Os corpos d’água aparecem na configuração espacial como
empecilhos para a repartição dos lotes, tendo suas margens delimitadas por vias,
para que o traçado ortogonal prevaleça sobre a modelagem do sítio. Desse modo, a
topografia interfere muito pouco, não sendo um elemento de definição ou de
limitação do espaço.
Razente (1984) ressalta a simplicidade que o problema habitacional
fora tratado na organização espacial de Londrina, ao observar que “[...] a habitação
é resolvida apenas enquanto teto abrigável, local de disposição de uma cama [...]”
(RAZENTE, 1984, p. 311). Assim, as HIS não respondem ao processo da
dinamicidade do fenômeno urbano, pois as demais funções aplicadas às cidades,
que ainda tem sido o enfoque do planejamento, acerca de lazer, trabalho e
circulação são descartadas ou ignoradas nas ações públicas locais.
Ao reduzir a complexidade do ambiente urbano, os problemas são
agravados, tendo em vista o inchaço populacional, especialmente na zona norte,
local desprovido de investimentos em serviços e equipamentos públicos, criando
capítulo 5 – microbacia do Jacutinga: reflexo das
políticas públicas e promotores imobiliários
193
uma distinção entre o centro e a periferia da cidade. Do ponto de vista ambiental, a
falta de saneamento básico proporciona maiores impactos ao meio, com o
lançamento de esgoto doméstico nos fundos de vale, e, em consequência, a
proliferação de doenças entre a população ribeirinha, demandando maiores
investimentos na saúde pública.
No planejamento, ainda que incipiente, da década de 1970, a cidade
viu-se reduzida à questão habitacional, sem que as obras de infraestrutura,
adequação do sistema viário e a importância regional da cidade fossem
contempladas nas políticas de gestão urbana, para o ordenamento territorial.
Perdeu-se a escala regional de abrangência de Londrina, bem como a escala
intraurbana, em favor de ações paliativas a uma região específica da cidade, sem
que a totalidade do espaço estivesse incluída nessas decisões da gestão local.
Acrescentamos ainda que a HIS não contemplou toda a população,
pois aqueles de menor renda, ou sem renda ficaram alheios ao processo de
estruturação da zona norte, emergindo em vários pontos da cidade assentamentos
subnormais às margens das vias estruturantes e nos fundos de vale.
O processo de ocupação da zona norte se assemelha à estrutura
inicial da cidade: a mercê de seus habitantes; os aspectos ambientais desprezados;
a falta de equipamentos de uso coletivo; falta de áreas verdes, o que nos permite
comparar a ação da CTNP e da gestão municipal sob o mesmo enfoque:
comercialização de lotes. Guardadas as devidas proporções e intenções de cada um
desses agentes, o espaço urbano é concebido sem que se pense nas inter-relações
existentes e inerentes entre os ambientes natural e o artificial.
As áreas verdes, os fundos de vale e as margens dos corpos d’água
são esquecidos como parâmetros qualitativos do espaço, em que a justa medida e a
quantidade de HIS se estabelecem como mediadoras e definidoras do espaço
urbano. É o enfoque político que se destaca neste segundo momento de
estruturação da paisagem de Londrina, evidenciando que o planejamento urbano
não cumpre sua função: delinear as diretrizes, nas diversas escalas, para a
ordenação e organização do território. Se, na primeira etapa de estruturação, temos
a motivação econômica como destaque na produção do espaço, agora
vislumbramos as ações públicas de configuração espacial, que não correspondem à
complexidade das cidades.
capítulo 5 – microbacia do Jacutinga: reflexo das
políticas públicas e promotores imobiliários
194
O espaço recortado, dividido e desenhado para contemplar um
contingente populacional de baixa renda, fruto do processo de mecanização agrícola
caracteriza a ocupação da vertente esquerda do Ribeirão Lindoia. Grande parte da
população abrigada nos primeiros conjuntos habitacionais possui esse perfil. Foram
alocadas numa área periférica, distante do centro de Londrina, cuja paisagem é
marcada pela infinidade de unidades habitacionais, com média de 36m² (MARTINS,
2007), como materialidade idealizada para o problema da moradia.
No entanto, o caráter não industrial de Londrina não tem sido objeto
de muita preocupação, sua modernidade e dinâmica não foi pensada no ideário de
sanar o êxodo rural, em forma de moradias para essa parcela da população. A
solução dada mais se assemelha aos modos medievais de construir cidades,
alocando os excluídos fora dos domínios do quadrilátero central, cuja muralha se
concretiza pelas nascentes dos cursos d’água, tanto a norte quanto a sul.
Os limites naturais estabelecem a divisão da cidade em duas,
distantes física e socialmente: de um lado a cidade provida de infraestrutura,
equipamentos públicos, servida pelos programas de saneamento dos fundos de
vale, abertura da via expressa e revitalização do Lago Igapó; à margem desse
processo, um contingente populacional, inserido numa área rural, isolado também
pelas nascentes, definiu-se o traçado da cidade no sentido norte-sul.
Entretanto, a própria dinâmica urbana se encarrega de evidenciar os
problemas que o planejamento urbano não anteviu, provocando a reação da
população e a exigência de qualidade ao ambiente construído. No entanto, ainda
que as políticas urbanas municipais tenham enfocado a HIS como solução ao
planejamento urbano, foi pela apropriação da população que novas exigências se
revelaram e foram, pouco a pouco, sendo inferidas a esse ambiente
predominantemente residencial, desvelando novas atividades, como evidência da
dinâmica urbana.
Os lotes rurais, no desenho da CTNP, eram perpendiculares às vias
e ao curso d’água, gerando formas alongadas e em declive. Essa configuração não
foi alterada na implantação dos Conjuntos Habitacionais, com adição de novas
divisões quadras e subdivisões lotes, a fim de abrigar as unidades residenciais:
as maiores, localizadas perto do espigão e as de menor área, na parte mais baixa.
Verifica-se, assim, que o valor das unidades habitacionais era determinado pela sua
capítulo 5 – microbacia do Jacutinga: reflexo das
políticas públicas e promotores imobiliários
195
localização, o que reforça o pensamento higienista e sanitarista. A natureza é um
elemento alheio ao processo de formação do subúrbio ou da periferia, os quais
causam impactos ambientais. A figura 93 ilustra a situação.
Figura 93: Ocupação da Microbacia Jacutinga – usos residenciais e diferentes promotores; 1.
Ocupação por políticas públicas; 2. Ocupação por promotores imobiliários; 3. Permanência das
atividades rurais e 4. Ocupações irregulares.
A falta de planejamento e a visão de totalidade ficam evidentes
quando verificamos que a população, ainda que tivesse a rede de abastecimento de
água, muitas vezes, buscava nas nascentes, a água potável. Não obstante, eram
nos fundos de vale que o esgoto doméstico era lançado, sem grandes cuidados
quanto ao tratamento, tendo em vista que nem sempre a construção das fossas
sépticas garantia a salubridade da região. Não a valorização dos cursos d’água,
como se este não fosse um elemento essencial para a vida.
A falta de áreas verdes, como as praças e parques, contribui para o
aumento do escoamento superficial, que direcionam a água das chuvas para os
cursos d’água num espaço de tempo menor e com mais força. Spirn (1995, p. 147)
ensina que os “[...] sistemas de drenagem transportam água de um ponto para outro;
eles não reduzem nem eliminam água, apenas mudam sua localização.” A
interferência do ambiente construído no ciclo hidrológico repercute na própria
cidade, causando enchentes e erosões principalmente nas margens dos corpos
d’água.
5.2 E
SCALA
I
NTRAURBANA DO
P
LANEJAMENTO E SUAS
I
MPLICAÇÕES NOS
C
URSOS
D’
ÁGUA
O acelerado processo de adensamento demográfico e a
problemática habitacional dos anos 1960 e 1970 evidenciaram que a construção de
moradias não era suficiente para frear a degradação ambiental ou promover o
capítulo 5 – microbacia do Jacutinga: reflexo das
políticas públicas e promotores imobiliários
196
desenvolvimento urbano. Londrina, com pouco mais de 40 anos de existência,
vivenciava os dramas urbanos, não oferecendo soluções de moradia para as
camadas de menor renda, que acabavam por formar assentamentos subnormais,
especialmente, nos fundos de vale.
Uma parte dos recursos do BHN foi aplicada em projetos de
preservação e/ou recuperação dos fundos de vale, visando o ordenamento territorial,
constatando que a rápida transformação de áreas rurais em urbanas necessitava de
controle e normas rígidas. Dentre os projetos de desenvolvimento urbano
destacamos aqueles relacionados aos cursos d’água: FRIDEN (1974) e CURA
(1974), ambos financiados por recursos federais.
Conforme explica Bortolotti (2007) que, além dos programas de HIS,
o SERFHAU destinava recursos para o desenvolvimento urbano, mediante os planos
urbanísticos, pautados em soluções meramente técnicas, cujos conceitos eram
desenvolvidos pelo próprio órgão federal (SCHWEIGERT, 2007) e resultavam nos
“Planos Diretores de Desenvolvimento Integrado”. Basicamente, esses planos
visavam à aplicação de recursos para o sistema viário e saneamento básico, frente
ao crescimento acelerado das cidades brasileiras na década de 1970 e incentivavam
os projetos de industrialização.
Horner (2009) comenta sobre os projetos desenvolvidos pela
Secretaria de Planejamento de Londrina, sendo o principal deles a urbanização dos
fundos de vale. A maior dificuldade encontrada pelos técnicos da Secretaria de
Planejamento era controlar a ação dos loteadores, visto que nem sempre levavam
em conta as exigências da Lei n.º133/1951 e da lei federal n.º 6766/1979.
Acerca da relação natureza e cidade, o engenheiro demonstra sua
preocupação em “adequar a cidade às características naturais, de forma a climatizá-
la” (HORNER, 2009), indagando a possibilidade de conduzir o planejamento urbano
tendo como princípio a integração dos recursos naturais na paisagem urbana.
Pesando em Londrina, reflete sobre as propriedades físicas entre os elementos
naturais, explicando que sobre uma superfície líquida.
O engenheiro comenta sobre sua visão da importância dos fundos
de vale, especialmente o Ribeirão Cambé, que se configurava como espinha dorsal
da cidade, principalmente quando o crescimento a norte e a oeste estava
ocorrendo e o “espraiamento da cidade a sul se iniciava”. Dada a importância deste
capítulo 5 – microbacia do Jacutinga: reflexo das
políticas públicas e promotores imobiliários
197
curso d’água na paisagem urbana, Horner (2009) definiu a função dos fundos de
vale na paisagem de Londrina, lembrando que estava em vigência a visão da Carta
de Atenas (1931). O engenheiro descreve que estes seriam corredores de circulação
do ar, permitindo a climatização e o conforto térmico da cidade, e os usos
permitidos: lazer e recreação, devido a suas características de áreas naturais.
Outro ponto que Horner (2009) destaca, em seu depoimento, se
refere a exigência de contornar os cursos d’água com vias de categoria, com
cerca de 15 metros, a salvo da enchente máxima. Não tendo um parâmetro do valor
dado a enchente máxima, como ele mesmo diz, ficou a seu cargo a definição dessa
cota. Com isso, procurou efetivar sua ideia de preservação dos fundos de vale, o
que, de certa forma, se concretizou com os recursos do projeto CURA. Bortolotti
explica como a urbanização dos fundos de vale modificaria a paisagem:
[...] os fundos de vale formavam grandes corredores de ventilação na
direção leste-oeste, onde os ventos dominantes tinham maior frequência,
garantindo boa climatização em toda área urbana que estava prejudicada
pela construção dos altos edifícios. (BORTOLOTTI, 2007, p. 126)
A visão da Secretaria de Planejamento, vislumbradas nas posições
tanto de Horner (2009) quanto de Bortolotti (2007) reforçam a importância dos
cursos d’água no ambiente urbano, pois atenuam as temperaturas do ar, quando
assumem o papel de corredores de ventilação e, ainda, promovem a recomposição
da fauna e da flora. No entanto, para que surtam efeito na paisagem da cidade,
devem ser pensados também para fins utilitários, isto é, dispor de elementos que
atraiam a população, não apenas como um pulmão verde na cidade, mas também,
como ponto de convívio e vida da cidade.
Por outro lado, os fundos de vale devem também ser parte do
sistema hídrico urbano, que bem empregados tornam-se elemento fundamental para
o desenvolvimento da vida em ambientes artificiais. Neste ponto, destaca-se a
drenagem urbana, isto é, o caminho que a água pluvial percorre até atingir os cursos
d’água e o solo. Spirn (1995) ensina que o rio e sua várzea constituem uma
unidade, sobre a qual o rio se movimenta, sendo fundamental conhecê-la e
preservá-la, restringindo o uso e ocupação, como recurso contra enchentes.
No seu conjunto, as atividades urbanas, a densidade da forma urbana, o
padrão de assentamento e sua relação com a rede de drenagem natural, e
o projeto de drenagem e de controle das enchentes produzem o sistema
hídrico urbano característico (SPIRN, 1995, p. 146).
Nas intervenções da municipalidade, com recursos do BNH, foi
possível resolver parte da problemática da drenagem urbana, o que reporta às
capítulo 5 – microbacia do Jacutinga: reflexo das
políticas públicas e promotores imobiliários
198
colocação de Spirn (1995), com a execução dos projetos contidos no Plano
Municipal de Saneamento, datado de outubro de 1974.
Em suas explanações, Horner (2009) comenta sobre o plano de
macrodrenagem e microdrenagem, bem como a instalação das redes de esgoto e
urbanização dos fundos de vale. Isso foi possível pela disponibilidade de recursos
federais, com a adesão do município Plano Nacional De Saneamento PLANASA,
“[...] visando dessa forma o saneamento dos vales, envolvidos pela malha
urbana”. Para tanto, os projetos de engenharia urbana, propunham “[...] canalizar,
drenar, transpor e urbanizar os cursos d’água”. (SITUAÇÃO 78, 1978, p. 22).
Tornar essas áreas públicas locais de lazer e recreação não seria
suficiente para sanear os fundos de vale, pois a drenagem também interfere sobre a
qualidade das águas, ao descarregar no leito dos córregos todos os sedimentos das
vias públicas. O projeto abarcava também soluções de engenharia para a instalação
das galerias pluviais e dos receptores de esgoto doméstico.
A construção de galerias pluviais não era um grande problema para
Londrina, pois a concepção da Companhia da cidade no espigão facilitava o
escoamento superficial, direcionando o fluxo da água para os fundos de vale
(HORNER, 2009). Para a viabilidade dos projetos das galerias pluviais, o engenheiro
desenvolveu diversos cálculos hidrológicos, a fim de determinar o tempo de
recorrência e, em função disso, dimensionar as galerias pluviais, evitando-se o
acúmulo das águas pluviais nas vias.
De um modo geral, o projeto permitiu a construção de interceptores
nos fundos de vale, diminuindo o lançamento do esgoto doméstico, além de
minimizar o volume das águas pluviais sobre os fundos de vale. Em sua maioria,
esses projetos centraram-se nas soluções técnico-construtivas, dotando a cidade de
infraestrutura, com pouca atenção à apropriação e à incorporação dos fundos de
vale no cotidiano urbano, pois, na viabilização das áreas de lazer e recreação, os
projetos paisagísticos nem sempre foram totalmente executados.
Inicialmente, conforme descreve o documento Situação 78, os
cursos d’água saneados foram: Córregos Cambé, Rubi, Baroré, Bom Retiro, Leme e
Água Fresca, além da reurbanização do Lago Igapó. As áreas escolhidas e suas
dimensões, evidenciando também a formação de reservas da mata nativa (Parque
Arthur Thomas e Praça Marechal Candido Rondon – Bosque Municipal).
capítulo 5 – microbacia do Jacutinga: reflexo das
políticas públicas e promotores imobiliários
199
Ainda na proposta do Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado
(PDDI) 1978, os Córregos Quati e Lindoia deveriam ser saneados, em virtude do
processo de urbanização que sofreram, com a implantação das vias marginais,
separando os fundos de vale dos lotes particulares.
O FRIDEN foi importante porque reconheceu os fundos de vale, não
do ponto de vista da infraestrutura urbana, mas também sua salvaguarda,
evitando a proliferação de loteamentos sobre suas margens, ainda que não tenham
se consolidado como áreas recreativas e dinâmicas no contexto urbano. A atuação
do poder público volta-se muito mais para o uso e ocupação do solo, definindo-as
como áreas non aedificandi, do que propriamente sua funcionalidade no contexto da
cidade como elemento estético e ambiental. Em consequência do saneamento dos
fundos de vale, houve uma valorização surpreendente dos lotes que se localizam
nas suas proximidades, como explica Bortolotti (2007):
[...] no espigão onde os terrenos eram mais caros, os preços foram
reduzidos igualando-se aos de fundo de vale, resultando na construção de
moradias de alta qualidade, atraídas pela nova paisagem que se formava
com a urbanização [...]. (BORTOLOTTI, 2007, p. 125-126).
Houve uma retomada a ocupação dos fundos de vale, com
loteamentos mais bem elaborados, do ponto de vista do desenho, seguindo os
princípios de unidade de vizinhança, bem como a definição das vias pela topografia.
Ao contrário do que ocorria na Zona Norte, a ocupação do Ribeirão Cambé próximo
ao curso d’água, foi delineada pela apropriação das feições topográficas e pelo
próprio desenho do fundo de vale, o qual foi incorporado à paisagem, tendo em vista
a profusão de áreas verdes pela gestão pública.
Essa valorização da água e do verde tornaram-se pontos chaves
para os empreendedores, que passaram a buscar as áreas contíguas aos fundos de
vale para o lançamento de seus edifícios. Acerca disso, Bortolotti (2007) comenta:
[...] esse fato foi objeto de negociação com os investidores que deveriam
construir os edifícios com mais de dois pavimentos além de 200 metros a
partir do nível da água do córrego. Isso facilitaria a circulação das correntes
de ar e menor intervenção no ecossistema local. Estas variáveis nos
conduziam a retornar a implantação da rua contorno [...]. para os novos
loteamentos, foi prevista a doação da área de preservação em dobro do
exigido por lei para o serviço público, devido ao seu baixo valor comercial.
Com isso, as diretrizes de políticas de preservação dos fundos de vale
ganhariam mais força na ampliação das áreas públicas. As áreas
particulares localizadas nesses espaços seriam desapropriadas e as
construções existentes demolidas. (BORTOLOTTI, 2007, p. 127).
A pavimentação e os serviços urbanos das zonas periurbanas de
Londrina foram executadas pelo Projeto de Comunidade Urbana para Recuperação
capítulo 5 – microbacia do Jacutinga: reflexo das
políticas públicas e promotores imobiliários
200
Acelerada (CURA), com recursos do FGTS emprestados ao poder municipal “[...] a
baixa taxa de juros e a longo prazo [...] concedidos por empréstimo ao BNH [...]”
(BORTOLOTTI, 2007, p. 137). Ao contrário do SFH, o CURA não visava propostas
de alcance social, pois “[...] os investimentos retornavam através da cobrança de
impostos e da contribuição pelas melhorias à população.” (op. cit.).
Conforme explica o autor, a responsabilidade dos projetos e
aplicação dos recursos era da Secretaria de Planejamento, representada por uma
equipe multidisciplinar, a qual era designada a elaborar e detectar as áreas carentes
de infraestrutura e de ocupação rarefeita, localizadas em pontos estratégicos da
malha urbana, pois o retorno rápido dos investimentos era um ponto fundamental.
Mediante os levantamentos de campo e leitura da cidade, a equipe definiu: “[...] os
bairros Higienópolis, Jardim Quebec e Parque Guanabara, foram os aprovados para
constituírem a área piloto, por serem os que mais atenderam aos requisitos de
viabilidade do projeto pela coordenação do BNH.” (BORTOLOTTI, 2007, p. 138).
Além da área piloto, o Projeto Cura também foi responsável pela
transposição do Ribeirão Cambé, a partir da Avenida Higienópolis, ligando o
quadrilátero central aos loteamentos implantados na vertente direita do vale do
Cambé, induzindo o crescimento em direção a microbacia do Cafezal, somado à
construção do Lago Igapó II (figura 94).
Figura 94: Prolongamento da Avenida Higienópolis e reurbanização do Lago Igapó.
Os investimentos públicos de melhoria da infraestrutura urbana
priorizaram, portanto, as áreas contíguas à malha urbana, não englobando a Zona
Norte, recém constituída, nos programas e projetos de saneamento básico,
capítulo 5 – microbacia do Jacutinga: reflexo das
políticas públicas e promotores imobiliários
201
pavimentação das vias públicas, criação de áreas de lazer e recreação, reforçando a
segregação espacial e a forte tendência de uso residencial dessa região.
Face ao crescimento acelerado da década de 1970, a lei de 1951 e
o plano diretor de 1968 foram revistos e atualizados em 1974, com a aprovação da
lei n.º 2.518, delineando o zoneamento da cidade, tendo em vista
[...] estimular e regularizar o uso adequado dos terrenos não em relação
a saúde, segurança e bem estar da população, como também quanto a
localização dos edifícios para fins residenciais, comerciais e industriais,
principalmente. Tentou-se ainda evitar a concentração ou dispersão
excessiva da população [...]. (PREFEITURA DE LONDRINA, 1978).
Com a transposição do Ribeirão Cambé, novos loteamentos foram
lançados, destacando-se o Bairro Jardim Bela Suíça, formado, em sua maioria por
chácaras, o que não impediu a apropriação das margens do rio pelos moradores.
Para Ferreira (2008), a ligação da Avenida Higienópolis provocou esse nova fase de
ocupação da vertente direita do vale do Cambé, consolidando-o como área nobre da
cidade, tendo em vista a modificação da lei de zoneamento. A aprovação desses
novos loteamentos ficou condicionada a alteração da lei, definindo os usos e
ocupação da cidade. (quadro 2 e figura 95).
No Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado de Londrina (PDDI,
1978), as áreas de preservação ecológica e áreas verdes se concentram na vertente
direita do Ribeirão Cambé e vertente esquerda do Ribeirão Esperança,
demonstrando uma preocupação em definir as áreas verdes do perímetro urbano.
Entretanto, não são contemplados os cursos d’água da bacia do Ribeirão Jacutinga.
De certa forma, a exclusão dessas áreas corroborou para a distinção
de duas paisagens na cidade, tendo em vista a área consolidada e foco das
prioridades do investimento público e, outra, esquecida e renegada a segundo plano,
com propostas exclusivas de HIS. Essa distinção e priorização de implantação de
áreas verdes e preservação dos cursos d’água na malha urbana demonstram a
articulação entre a legislação no direcionamento da expansão urbana, favorecendo a
valorização de determinadas áreas, que, em Londrina, é latente o potencial da zona
sul, como vetor de crescimento nas décadas subsequentes.
capítulo 5 – microbacia do Jacutinga: reflexo das
políticas públicas e promotores imobiliários
202
Quadro 2: Zoneamento Urbano de Londrina. Definição de usos e localização.
Sigla
Definição e usos Localização quanto às microbacias urbanas
ZR1
Zona estritamente residencial, unifamiliar de alta
categoria e baixa densidade. Subdividida em
ZR1A, com lotes de 500m².
ZR1 – Vertente direita do Ribeirão Cambé: compreendendo o Jardim
Bela Suíça, com limite das nascentes do Córrego Capivara e as chácaras
nas imediações da nascente do Córrego Colina Verde.
ZR1 A – Vertente direita do Ribeirão Cambé, até PR-445, entre as
nascentes dos Córregos Capivara e Tucanos.
ZR2
Zona residencial unifamiliar de padrão médio
para elevado, densidade média.
Toda extensão da vertente esquerda do Ribeirão Cambé, atingindo o
espigão. Na vertente direita, abrange a área entre os Córregos da Mata e
Capivara;
ZR3
Zona residencial popular, isto é, de residências
de padrão médio, permitindo-se a construção de
habitações populares, densidade média.
Localizada na periferia urbana:
a) Vertente direita do Ribeirão Cambé – na extremidade leste, entre
a margem direita do Córrego Tucanos até a margem esquerda do
Córrego Cristal; extremidade oeste, Entre os Córregos da Mata e Baroré;
b) Vertente esquerda do ribeirão Cambé, porção leste, entre os
Córregos Limoeiro e Cafezal;
c) Vertente direita do Ribeirão Quati – toda a extensão; vertente
esquerda, loteamentos já existentes e descontínuos da malha;
d) Vertente esquerda do Ribeirão Lindoia: conjuntos habitacionais
preexistentes e descontínuos da malha urbana;
ZR4 Zona residencial coletiva, alta densidade.
Porção sul da área central, entre a Rua Goiás e JK – sentido norte-sul e,
sentido leste-oeste, Avenida JK e nascente do Córrego das Pombas.
ZC1
Zona de comércio principal. Visa proporcionar a
maior variedade possível na oferta de serviços e
comércio varejista, recreação, pontos de encontro
e convívio social.
Centro da cidade, abrangendo praticamente o quadrilátero central.
ZC2
Zona de comércio secundário. Visa estimular a
concentração de certas atividades e de serviços
que exigem áreas mais amplas e que apresentam
certas características incômodas ao centro
principal.
Abrange a porção norte da zona central, a partir da Rua Sergipe até as
imediações da BR-369. Margeia a Via Expressa, na sua porção sul.
ZC3
Zona de comércio regional. Destinada a
implantação de qualquer tipo de comércio,
estimulando o comércio e serviço em grande
escala, inclusive indústrias desde que não
poluentes, nocivas ou perigosas
Eixo rodoviário estrutural: BR – 369, entre as ZR3; Porção leste da
cidade, a qual era definida como Parque Industrial (CILO I).
ZC4
Zona de comércio local. Visa estimular a
concentração de estabelecimentos comerciais e
de serviços destinados a atender as
necessidades cotidianas e imediatas de
abastecimento e serviços.
Não definida no mapa de zoneamento, podendo abranger ZR1, ZR2 e
ZR3;
ZI1 Zona industrial pesada
Localizada no entroncamento das BR-369 e PR-445 no extremo oeste da
cidade, no alto do espigão entre as três Bacias (CILOS II E III).
ZI2 Zona industrial leve
Localizada na vertente direita do Ribeirão Quati, até o Córrego das
Pedras, extremo leste da cidade, denominado Parque das Indústrias
(CILO I);
ZE
Zonas especiais de 1 a 7. São áreas reservadas
para fins específicos e sujeitos à normas mais
restritas, com estudo especial da Secretaria de
Urbanismo, Obra e Viação e da Secretaria de
Planejamento.
ZE1 – destinada à formação de Parque Esportivo Regional;
ZE2 – destinada à expansão do Campus Universitário;
ZE3 – às margens do Lago Igapó, destinada à proteção paisagística;
ZE4 – destinada à implantação de Parque Recreativo Municipal;
ZE5 – área ocupada pelas instalações Aeroportuárias;
ZE6 – área destinada à implantação da Via Expressa Norte-Sul;
ZE7 – fundo de vales, áreas das encostas dos córregos situados dentro
da área urbana e de expansão urbana, destinadas à formação de Parque
Municipal ou implantação de equipamentos comunitários.
Figura 95: Zoneamento de 1974. Fonte: PML, 1978.
Em todas as zonas residenciais fica permitido clubes recreativos, escolas, bibliotecas e igrejas; além de hospitais, com exceção da ZR1 e a possibilidade de comércio local varejista na ZR4. Nas ZR2 e ZR3 edifícios de habitação coletiva
com máximo de quatro pavimentos, com exceção do térreo, para lotes com área mínima de 1.200 m².
CAP
CAPCAP
CAPÍTULO
ÍTULO ÍTULO
ÍTULO 6
66
6
MICROBACIA DO RIBEIRÃO ESPERANÇA
MICROBACIA DO RIBEIRÃO ESPERANÇAMICROBACIA DO RIBEIRÃO ESPERANÇA
MICROBACIA DO RIBEIRÃO ESPERANÇA: EMPREENDIMENTOS
EMPREENDIMENTOS EMPREENDIMENTOS
EMPREENDIMENTOS
PRIVADOS DE ALTO PADRÃO
PRIVADOS DE ALTO PADRÃOPRIVADOS DE ALTO PADRÃO
PRIVADOS DE ALTO PADRÃO E
E E
E REVALORIZAÇÃO DA NATUREZA
REVALORIZAÇÃO DA NATUREZA REVALORIZAÇÃO DA NATUREZA
REVALORIZAÇÃO DA NATUREZA
capítulo 6 – microbacia do ribeirão esperança: empreendimentos
privados de alto padrão e revalorização da natureza
204
A porção sul da cidade se caracteriza como uma das regiões mais
heterogêneas de Londrina, tanto do ponto de vista da composição social, como
econômica e cultural. As grandes alterações socioambientais se iniciaram pouco
mais de 30 anos: houve a instalação da UEL, em 1972 e, a instalação do Catuaí
Shopping Center, em 1990, dois grandes investimentos que influíram e remodelaram
todo o espaço sul, sudeste e sudoeste da área urbana de Londrina em direção às
áreas rurais da microbacia do Ribeirão Esperança. Nesse mesmo Setor Sul,
ocupações espontâneas que foram legalizadas pela prefeitura municipal local,
constituídas de população de baixo poder aquisitivo.
No Plano Diretor de 1998, a vertente direita do Ribeirão Cambé
passou a ser ocupada de forma mais contundente nos anos 1980, sendo, ainda
hoje, uma área marcada por vazios, notadamente na Gleba Palhano, com ocupação
mais concentrada na vertente esquerda do Ribeirão Esperança, fora dos limites
institucionalizados em meados da década de 1970, quando o Plano Diretor de 1968
foi revisto. Perini (2004) caracteriza a área:
Até a década de 1970 a área do ribeirão Esperança era considerada como
área rural. Portanto, não estava sujeita a nenhuma legislação urbana. Com
a grande expansão físico-territorial de Londrina, principalmente a partir das
grandes migrações rural-urbana e urbana-urbana, ocasionadas pelas
transformações e relacionadas a modernização do campo, as periferias da
cidade de Londrina crescem em todos os quadrantes, invadindo as áreas
rurais. [...] os loteamentos [entre 1950 e 1996] foram implantados de forma
muito dispersa, como mosaicos isolados no entorno do ribeirão,
preferencialmente na sua margem à direita, que é uma continuidade da
expansão físico territorial da cidade de Londrina, em direção ao setor sul.
(PERINI, 2004, p. 174).
Em meio à organização da municipalidade, visando ordenar o
território, outros fatores contribuíram para a expansão em direção a microbacia do
Esperança, que destacamos a seguir.
Dos aspectos socioeconômicos destaca-se o potencial terciário de
Londrina pelo desenvolvimento dos serviços nos anos 1970, como comenta
Castelnou (2002, p. 215): “[...] surgiram cerca de 55 escolas municipais e estaduais
[...] Londrina contava com 15 hospitais, 145 clinicas medicas, 207 clínicas
odontológicas e 15 postos médicos [...]”. Além disso, a fundação da Universidade
Estadual de Londrina UEL, em 1971 e do Centro de Estudos Superior de Londrina
– CESULON, em 1972, aglutinaram atividades educacionais e culturais.
Sob a ótica físico-territorial foram contribuições: a criação do Parque
Arthur Thomas, na porção sudeste da cidade, com o objetivo de oferecer a
capítulo 6 – microbacia do ribeirão esperança: empreendimentos
privados de alto padrão e revalorização da natureza
205
população uma extensa área verde, de 60,25ha doados pela CMNP, em 1975; a
reurbanização do Lago Igapó, inserindo uma área recreativa na nascente do
Córrego Leme, denominada por Luís Borghesi o Zerão; além de outros
equipamentos urbanos: Ginásio de Esportes Moringão, Com Tour Shopping Center,
Estádio do Café; a transformação de parte da Avenida Paraná em via exclusiva de
pedestres, visando a reestruturação do centro; a abertura da via expressa norte-sul;
e a Avenida Leste-Oeste, em substituição a linha férrea.
Essas ações, de cunho administrativo, emolduraram as
transformações da paisagem urbana sem, no entanto, articular a integração entre as
duas bacias ocupadas. Ao contrário, a partir dessas ações, novas áreas, que nem
pertenciam ao perímetro urbano, foram incorporadas, resultando numa
fragmentação do espaço e desordenamento territorial.
Londrina, a cada período tem sido moldada e remodelada pelo setor
imobiliário de forte atuação no Setor Sul, delineando a macrourbana estrutura da
cidade e, ao mesmo tempo, aliada aos serviços ofertados pelo poder público local,
expande e redefine novas áreas de ocupação.
Se, em sua gênese, foi o projeto imobiliário colonizador que incitou a
ocupação regional, seja em lotes rurais ou urbanos, o momento de estruturação do
espaço intraurbano é marcado pela ação do Estado, principalmente no Setor Norte,
mas na região é o capital privado que imprime e configura o espaço urbano e rural,
ofertando lotes de alto valor.
Essas colocações evidenciam o caráter progressista de Londrina, o
que não surpreende sua rápida transformação e concatenação com os fenômenos
nacionais e internacionais. Não obstante, a cidade passa a agregar características
para além de sua condição de cidade média, reafirmando sua área de influência e
sua condição de pólo regional. As tentativas do desenvolvimento pautado na
industrialização perdem força para um panorama visionário, em se tratando de uma
área interiorana e de ocupação recente.
A terra como mercadoria deixa de ser um simples processo de
compra e venda e passa a representar o investimento, num processo complexo de
reprodução do capital, o qual se impõe sobre o espaço, rebatendo-se na eleição de
áreas vazias e periféricas para novos empreendimentos, estes responsáveis pela
capítulo 6 – microbacia do ribeirão esperança: empreendimentos
privados de alto padrão e revalorização da natureza
206
valorização de toda uma região. Repete-se, no entanto, o mesmo processo de
ocupação das duas fases anteriores – do alto do espigão para os fundos de vale.
Tal como ocorreu com o Setor Norte, os lotes rurais localizados fora
da área de expansão urbana, são focos da ação dos investidores, que adquirem e
parcelam propriedades rurais, para residências de médio padrão e também chácaras
de 2.000 a 5.000 m². Diferentemente dos objetivos da ocupação estritamente
residencial na zona norte em seu início, hoje essa é uma das regiões mais
valorizadas competindo com as regiões sul e leste.
O que se assiste na região sul é a formação de uma paisagem
diversificada, com pontos estratégicos e elementos até então exógenos às cidades
médias: shopping center e condomínios residenciais fechados de alto padrão,
formando complexas redes de valorização das áreas urbanas. Esses novos
elementos das cidades médias são “[...] para a população, o que muitos consideram
como estruturas alóctones da paisagem local substituída, como os prédios de
apartamentos ou o shopping, são justamente aqueles que conferem um sentido de
modernidade à sua cidade”. (LANDIM, 2004, p. 79).
São novos traços da organização espacial no ambiente urbano em
que a área central não mais representa o único local de preferência das elites para
suas residências, visto que este passa a ser um local de comércio e serviços. A
expansão da cidade ocorre novamente, mas, agora, atrelada ao discurso da
segurança e qualidade de vida, pela proximidade com a natureza.
Henrique (2004) observa que os empreendimentos imobiliários
utilizam a natureza como meio de valorização, substituindo a visão romântica do
século XIX. Ao invés de mediadora dos problemas urbanos, a inserção da natureza
na cidade transmuta de uma visão ambiental para uma função mercadológica:
“[...] uma mercadoria para poucos consumidores, escolhida em função da
obtenção de aumento do valor de trocas pelos empreendedores imobiliários.
Para os agentes do mercado imobiliário, a natureza na cidade não é uma
necessidade coletiva, e a exclusão é exercida à serviço da acumulação.”
(HENRIQUE, 2004, p. 143)
Os fundos de vale e os cursos d’água, sob a ótica higienista e
sanitarista, são vistos como fonte de doenças, que hoje merecem tratamento mais
qualificado, pelas condições técnicas que permitem dar mais atenção às questões
socioambientais, mesmo que isso que não seja uma resposta às inter-relações entre
esses sistemas, mas sim uma afirmação da especulação imobiliária, o que dificulta
capítulo 6 – microbacia do ribeirão esperança: empreendimentos
privados de alto padrão e revalorização da natureza
207
um melhor aproveitamento dos potenciais e as qualidades desses elementos para o
ordenamento territorial. (SPIRN, 1995).
O ordenamento territorial se concentra na área periférica das
cidades, onde estes elementos são implantados, estabelecendo uma estreita relação
com as vias arteriais do sistema viário. O adensamento provém da instalação dos
grandes equipamentos, que neste caso específico é o shopping center, para depois
haver a ocupação residencial e a inserção de novas estruturas de superfície.
Este é o mote da nova configuração urbana entre meados dos anos
1980 e 1990, quando a transformação da cultura e os novos usos das cidades
passam a ser produto de consumo, respaldado por uma grande área de
estacionamento, segurança e novos padrões da sociedade altamente consumista.
Desse modo, a produção do espaço urbano é dotada de
complexidade, à medida que não se tratam mais de simples traços e divisões de
glebas em parcelas, como ocorrera no empreendimento da CTNP, ou ainda, na
profusão quantitativa de HIS, nas regiões periféricas industriais pelos agentes
públicos. São espaços que preconizam os cursos d’água e a vegetação nativa,
ambos intocados pelos processos civilizatórios, revelando-se como tecidos urbanos
previamente planejados.
Por ocasião da instalação Catuaí Shopping Center a atual Avenida
Madre Leônia Milito, às margens desse shopping era uma importante via de
circulação entre o centro urbano e a região sul de Londrina, constituindo-se na
principal via de articulação para o as propriedades rurais, que se utilizam dessa via
tanto para o abastecimento quanto ao escoamento da produção agrícola.
Para viabilizar o deslocamento da população de Londrina para ter
acesso ao shopping, utilizando o automóvel, o governo local, juntamente com os
empreenderes privados, asfaltaram rapidamente essa via, trazendo maior
valorização ao seu entorno e imediações.
Podemos dizer, em linhas gerais, que esta terceira fase de
estruturação da paisagem urbana de Londrina se apoia em aspectos
socioeconômicos, com tratamento às questões ambientais, denotando uma maior
preocupação em relação às décadas anteriores, bem como há um resgate das
relações intra-regionais, que superam os limites físicos e atingem também escalas
planetárias, inserindo a cidade na era da globalização.
capítulo 6 – microbacia do ribeirão esperança: empreendimentos
privados de alto padrão e revalorização da natureza
208
6.1 A
V
ISÃO
B
UCÓLICA DA
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ATUREZA E DO
R
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ETERMINANTES NA
O
CUPAÇÃO E
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ALORIZAÇÃO DO
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S
UL DE
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ONDRINA
No particular, deste capítulo, apresentamos a formação do Setor Sul
de Londrina, como o terceiro momento marcante da estrutura da paisagem da
Cidade, a qual coincide com a ocupação da bacia hidrográfica do Ribeirão
Esperança, que por sua vez, pertence ao Ribeirão Cafezal (figura 96).
Figura 96: Microbacia do Ribeirão Esperança, delimitação e localização na área urbana e perfil
de suas vertentes.
A nova área de interesse e foco dos empreendedores imobiliários
nos últimos trinta anos pertence à bacia do ribeirão Esperança, notadamente a
porção sudoeste da cidade, numa extensão linear desde a divisa com Cambé, local
anteriormente pertencente a produtores rurais e a Gleba Palhano, a qual não
capítulo 6 – microbacia do ribeirão esperança: empreendimentos
privados de alto padrão e revalorização da natureza
209
possuíam a mesma divisão alongada dos lotes rurais, como podemos observar na
planta da CTNP, de 1934.
Assim, em menos de 3 gerações urbanas, a ocupação de Londrina
se alastra sobre as vertentes de três microbacias, reforçando a dinâmica e a
adaptação do ambiente construído frente às mudanças sociais, econômicas,
culturais, políticas e ambientais, como mecanismos de formação, transformação e
remodelação do espaço urbano. São as gêneses, no entanto, de formação de cada
uma destas periodizações que fornecem substratos para identificarmos a
constituição do tecido urbano da cidade, em que a ação privada, na maioria das
vezes, antecipa o próprio planejamento.
A periferia desta área se difere do Setor Norte, pois não se respalda
em políticas públicas para HIS. Ao contrário surge do interesse especulativo
imobiliário, face a nova dinâmica econômica período pós-fordista, o qual se
caracteriza pela flexibilização e desregulamentação econômica, sugerindo o
esfacelamento do Estado do bem-estar social e ação privada nos setores sociais.
Além da conjuntura socioeconômica, os fatores culturais e
ambientais emergem como elementos condicionantes aos novos modos de habitar a
cidade, deslocando-se para as zonas rurais. Com isso, os aspectos fisiográficos do
sítio são evidenciados e incorporados ao discurso do marketing city, ainda que o
traço impresso no tio se assemelhe aos desenhos de outros empreendimentos
desta mesma envergadura, que conformam a periferia das cidades brasileiras de
maior destaque econômico. Nesse sentido, os aspectos naturais são tomados e
ajustados nesses loteamentos, recriando uma paisagem bucólica, como se homem e
natureza fossem pares antagônicos. O valor do lote não se limita a suas dimensões,
pois abarca também parte da área verde, dos lagos artificiais e demais elementos
naturais enxertados no desenho desses espaços.
A exaltação dos aspectos naturais em oposição a “selva de pedra”
das áreas centrais estimula a ocupação das margens dos fundos de vale. Os riscos
de doenças e demais desconfortos destes elementos domesticados definem a
preferência pelas áreas mais próximas aos fundos de vale, daquelas adjacentes ao
espigão. Isso inverte o processo de ocupação assistido até então: nos fundos de
vale são destinados os loteamentos residenciais fechados, que o contornam e
apropriam de suas nascentes; no espigão, se localizam os equipamentos de
capítulo 6 – microbacia do ribeirão esperança: empreendimentos
privados de alto padrão e revalorização da natureza
210
superfície
19
, como shopping center, condomínios fechados e redes de ensino
superior, e, nas suas proximidades, iniciando uma vigorosa verticalização de hotéis e
habitações coletivas para estudantes universitários e classe média. No entanto, ao
invés de aglutinarem-se em áreas consolidadas, estes equipamentos se alinham e
se alastram sobre áreas rurais, o que também presume a existência de áreas vazias
entre essas duas porções de tecido urbano.
Quanto ao sistema viário, uma apropriação dos eixos estruturais
que demarcam esta área e definem de certa forma, o uso e ocupação do solo,
destacando-se dois equipamentos como limites: de um lado a UEL, com loteamentos
e alguns conjuntos habitacionais no entorno oeste, condomínios fechados a sul e a
leste; de outro, temos o Catuaí shopping Center, situado no entroncamento das
Rodovias PR-445 e Rodovia Mário Gonçalves Palhano (figura 97), a partir da qual se
distribuem os condomínios fechados, que também são diferenciados quanto às
áreas dos lotes: na porção oeste e na margem direita do Ribeirão Esperança, estão
os loteamentos da Teixeira & Holzmann, mais a sul se localizam os loteamentos do
Alphaville, enquanto que, na porção leste, existem inúmeros condomínios menores,
cuja estrutura é remanescente do parcelamento fundiário do própria CTNP. (figuras
99, 100 e 101).
A principal via da região, a PR-445, está situada no ponto mais alto:
no divisor das bacias do Ribeirão Cambé e Esperança. De modo geral, o Setor Sul
de Londrina se localiza numa área de cotas mais baixas se comparadas com as
duas outras analisadas e também de menor área plana no espigão, com declives
mais acentuados, com trechos que a inclinação com mais de 30%. As vias
estruturais, que, além permitir a ligação com a malha urbana, desempenham o papel
de calhas do escoamento superficial, ao conduzir os fluxos das águas pluviais do
espigão para os fundos de vale.
As vias em destaque demonstram que a circulação ocorre na
direção noroeste-sudeste, com poucos entroncamentos no sentido perpendicular
Verificamos que a Avenida Maringá/Ayrton Senna, que se inicia no divisor das outras
microbacias, é um forte eixo estrutural norte-sul, mas que se consolidará após o
término da obra (em execução) do viaduto sobre a PR-445. O acesso norte-sul não é
direto, pois a Avenida Higienópolis desemboca na Avenida Madre Leônia Milito, que
19
Equipamentos de superfície referem-se aos edifícios cuja área construída e ocupada é impensada.
capítulo 6 – microbacia do ribeirão esperança: empreendimentos
privados de alto padrão e revalorização da natureza
211
se situa sobre o espigão dos Córregos Capivara e Ribeirão Cambé; esta, por sua
vez, após a PR-445, passa a ser denominada por Rodovia Mário Gonçalves
Palhano, cortando as curvas de nível perpendicularmente.
Essa dificuldade de articulação do sistema viário é o resultado do
processo de parcelamento desordenado dos lotes rurais, especialmente as áreas de
chácaras incorporadas à malha urbana, sem agenciamento entre os traçados que se
pulverizavam em meio às culturas cafeeiras e, depois, do binômio soja e trigo. Desse
modo, um novo sistema viário é pensado, levando a diversos problemas quanto à
desapropriação de áreas ou ainda de realocação das adutoras da Sanepar,
conforme publicado em diversas reportagens locais:
Parada desde 2005 por conta de um imbróglio com o proprietário de um
terreno, a obra do prolongamento da Avenida Ayrton Senna (foto) foi
retomada em junho e deve ficar pronta no início de setembro. O trecho em
construção começa na Rua Bento Munhoz da Rocha e vai até a Rua João
Huss, totalizando 330 metros de comprimento. (MENEGHEL, 2008)
A obra, que teve ordem de serviço assinada no início de 2008 e era para ter
sido concluída em fevereiro deste ano, sofreu diversos atrasos durante o
cronograma. No fim de 2008, uma adutora da Sanepar se rompeu. [...] Além
disso, segundo Jannani Júnior, houve problemas em relação a um terreno
da Universidade Norte do Paraná (Unopar). “Tinha um terreno que era da
Unopar cujo termo de doação só foi assinado há pouco tempo”, disse.
Diante disso, os prazos foram prorrogados: a liberação da PR-445 para o
tráfego será feita em março, mas ainda não expectativa para finalizar a
parte debaixo do viaduto, onde está a Avenida Ayrton Senna. (LUPORINI,
2010)
As obras de infraestrutura são, conforme trechos de reportagens
acima citados, a cargo do município, readequando o sistema viário, para que as
novas ocupações se conectem com a malha urbana, tornando-se parte dela. A partir
dessas obras de infraestrutura, novos empreendimentos são anunciados, como a
construção de edifícios de múltiplos pavimentos, que terão valor agregado, após a
inauguração do viaduto sob a PR-445. Alguns destes novos empreendimentos são
de investidores locais associados a empresários de outras regiões, notadamente
São Paulo, formando grupos incorporadores, nos mais diversos segmentos e
estratos sociais
20
.
20
Como exemplo, podemos citar o empreendimento Fit Terra Bonita, sob administração de um grupo
de construtoras, sendo duas construtoras locais Graúna e Monarca, associadas a uma segunda
marca da Gafisa, representada pela construtora Tenda, que atua no setor imobiliário em todo o país,
no segmento residencial, cujo público alvo é bastante diverso.
[http://www.graunaconstrucoes.com.br/?page=pages/noticias/8.php], acesso em 14 de outubro de
2009.
capítulo 6 – microbacia do ribeirão esperança: empreendimentos privados de alto padrão e
revalorização da natureza
212
Figura 98: Vista aera Catuaí Shopping Center. Ao fundo, edifícios da
Gleba Palhano. Desenho: Elmar Vieira, 2010.
Figura 99: Catuaí Shopping Center - vista aérea frontal: à direita
Carrefour; ao fundo à direita - Empreendimentos Royal; à esquerda -
AlphaVille Londrina. Fonte: Catuaí Shopping. Administração, abr. 2005.
Figura 97: Elementos estruturadores do Setor Sul, com destaque para os eixos viários que possibilitaram a interligação com a área central [tecido urbano
consolidado], tornando-se, de certa forma, um tecido contínuo, devido ao caráter especulativo e a atuação do setor público em prol dos agentes privados.
Elementos característicos: Catuaí Shopping Center e condomínios fechados de alto padrão. Paisagem rarefeita e espraiada.
Figura 100: Localização dos condomínios fechados e caracterização
da microbacia do Ribeirão Esperança. Fonte: Semima, 2007.
capítulo 6 – microbacia do ribeirão esperança: empreendimentos privados de
alto padrão e revalorização da natureza
213
As vias norte-sul são importantes eixos viários, pois possibilitam a
circulação da população migrante do núcleo e/ou de outras regiões da cidade para
esta área em franca expansão, sendo motivadas por uma infraestrutura que precede
a própria ocupação da área e que não se executa sozinha, mas é parte de todo o
projeto que estrutura esta região em vias de formação.
Apesar de aproveitar parte das estradas rurais abertas pela CTNP,
percebemos que é um traçado bem mais sutil e de menor evidência do que no Setor
Norte, cujo prolongamento dos lotes é visível. Há uma adequação da estrutura
regional implantada pela CTNP, na concepção do projeto imobiliário colonizador, da
década de 1930. Isso se confirma pelo desenho orgânico dos loteamentos
residenciais fechados de alto padrão, destinados a classes mais abastadas (figura
98). Outros loteamentos, de dimensões mais singelas e, destinados à classe média-
média, retomam o desenho inicial, repetindo de certa forma o mesmo princípio de
configuração espacial da zona norte. A sobreposição dos mapas permite uma
melhor visualização dessas relações. (figura 101)
Figura 101: novos elementos de estruturação da paisagem – pólos de crescimento e consolidação do
Setor Sul: 1. Catuaí Shopping Center; 2. Empreendimentos Teixeira & Holzmann e 3.condomínios
fechados para classe média-média.
Além das intenções do empreendimento, não devemos deixar de
registrar que a Gleba Palhano, demarcada no mapa de 1934 como Fazenda
capítulo 6 – microbacia do ribeirão esperança: empreendimentos privados de
alto padrão e revalorização da natureza
214
Palhano, comprova a ocupação da região de Londrina, anterior a ação da CTNP.
Sobre a ocupação da Gleba Palhano, Silva (2007) descreve suas transformações:
[...] as ocupações das terras da gleba antecederam a fundação da cidade
de Londrina e o projeto de colonização da Companhia de Terras Norte do
Paraná (CTNP). As primeiras expedições que chegaram a Londrina para
demarcação de terras foram realizadas por Mábio Palhano [...]. O segundo
momento teve início após o falecimento de Mábio Palhano, quando ele
deixou para seu herdeiro 750 alqueires da fazenda que se estendia de um
ponto no distrito Espírito Santo até a margem direita do Ribeirão
Cambezinho (Lago Igapó). Nela originalmente existiam sítios e
patrimônios como da Viação Velha. O espaço onde hoje está localizada a
Universidade Estadual de Londrina é uma delas e, posteriormente ocorreu
desmembramentos totalmente incorporados à área urbana da cidade como
o Catuaí Shopping Center. [...] Os parcelamentos e loteamentos em
chácaras são típicos desse segundo momento. (SILVA, 2007, p. 87)
Um dos marcos, apontados por Silva (2007 apud PAULA, 2006), foi
a subdivisão da gleba, constituindo: a Gleba Palhano, dividida pela PR-445, com
parte localizada à margem direita do Ribeirão Cambé, até a Avenida Madre Leônia
Milito e outra parte, na margem esquerda do Ribeirão Esperança, entre a Rodovia
Mábio Gonçalves Palhano e a UEL; a Gleba Cafezal, a sul da PR-445, localizada
mais a leste e, por fim, a Gleba Esperança, que envolve a margem direta do Ribeirão
Esperança, onde se concentram os loteamentos residenciais fechados. A figura 102
ilustra essa subdivisão, legitimada sob a lei municipal n.º 1.794, de 24/12/1970.
Figura 102: Área da Fazenda Palhano.
capítulo 6 – microbacia do ribeirão esperança: empreendimentos privados de
alto padrão e revalorização da natureza
215
A Gleba Palhano é formada pelas atuais Avenida Madre Leônia
Milito, Rua João Huss, Rua João Wylclif, R. Wesley Cesar Vanzo, foi enquadrado na
ZR-5, o que incentivou a construção de habitação coletiva, consolidando o eixo de
ligação entre o shopping center e o núcleo central da cidade. Inicialmente, os
primeiros edifícios foram construídos ao longo da Avenida Madre Leônia Milito, para
em seguida percorrer a vertente direita do Ribeirão Cambé, cuja concentram nas
vias marginais foi mais recorrente, invertendo o processo de ocupação do espigão
para os fundos de vale.
Perini (2004) complementa, atualizando as Zonas Especiais, de
acordo com a Lei n.º 3.706, de 16/07/1984, que trata do Zoneamento de Londrina,
cujos objetivos preconizam “[...] a adequação do solo às suas características
naturais, bem como o equilíbrio necessário e melhor uso da infraestrutura urbana”.
(PML, 1984). uma abrangência maior desta nova lei de zoneamento, se
comparada com a lei n. 2.518/1974, pois considera também como parte do
zoneamento, as áreas agrícolas ou rurais. Além disso, o zoneamento é mais
detalhado e contempla o processo de verticalização, que na lei de 1974 não definia
parâmetros urbanísticos.
Nos interstícios entre as diversas zonas residenciais, comerciais e
industriais e as demais áreas adjacentes, a municipalidade havia determinado como
Zonas Especiais, das quais se destacam: ZE-1; ZE-3 e ZE-4 (PERINI, 2004), visto
que há uma tentativa de proteger os fundos de vale, reforçando a construção de vias
marginais, a fim de que fossem criados os perímetros entre as áreas edificáveis e
estas, consideradas non aedificanti, conforme o mapa e quadro.
capítulo 6 – microbacia do ribeirão esperança: empreendimentos privados de
alto padrão e revalorização da natureza
216
Sigla Definição, atividades e usos MAPA DE ZONEAMENTO CONFORME LEI N.º 3.706/1984
ZR1
Zona residencial, de baixa densidade, com lote mínimo de 500,00m², com usos
conformes de equipamentos urbanos;
ZR2
Zona residencial, de baixa densidade, com lote mínimo de 300,00m², com usos
conformes de equipamentos urbanos, limitados a 20%;
ZR3
Zona residencial, de média densidade, com lote mínimo de 250,00 m², com usos
conformes de equipamentos urbanos, limitados a 30%;
ZR4
Zona residencial, de média densidade, com lote mínimo de 250,00 m², com usos
conformes de equipamentos urbanos, limitados a 30%;
ZR5
Zona residencial, de alta densidade, com lote mínimo de 360,00 , com usos
conformes de equipamentos urbanos e comércio, limitados a 30%;
ZR6
Zona residencial, de alta densidade, com lote mínimo de 360,00 , com usos
conformes de equipamentos urbanos e comércio, limitados a 40%;
ZR7
Zona residencial, de alta densidade, com lote mínimo de 500,00 , com usos
conformes de equipamentos urbanos e comércio, limitados a 40%;
ZC1
Zona central, atividade característica de centro urbano, única e principal, onde todo tipo
de comércio e prestação de serviços são natural e historicamente desenvolvidos e que
deve-se incentivar a maior variedade possível na oferta de serviços e comércio
varejista, recreação, pontos de encontro e convívio social. Não deve ser excluída a
habitação na zona. Lote mínimo de 500,00 m². Em caso de uso residencial, atender os
parâmetros urbanísticos da ZR-2;
ZC2
Zona de apoio as zona central, ou zonas centrais de bairros, assemelhadas na função
do centro urbano principal, visam estimular a concentração de atividades e de serviços
que exigem áreas mais amplas e que apresentam certas características incômodas ao
centro principal. Lote mínimo de 360,00 m². Em caso de uso residencial, atender os
parâmetros urbanísticos da ZR-2;
ZC3
Zona de comércio regional. Destinada a implantação de qualquer tipo de comércio,
estimulando o comércio e serviço em grande escala, inclusive indústrias desde que não
poluentes, nocivas ou perigosas. Lote mínimo de 450,00 . Em caso de uso
residencial, atender os parâmetros urbanísticos da ZR-2;
ZC4
Zona de comércio local. Visa estimular a concentração de estabelecimentos comerciais
e de serviços destinados a atender as necessidades cotidianas e imediatas de
abastecimento e serviços. Lote mínimo de 250,00 m². Em caso de uso residencial,
atender os parâmetros urbanísticos da zona residencial que os envolve;
ZI1
Zona de indústria leve, que são de pequeno porte e necessitam de pequenas áreas
para a instalação e armazenamento e que não sejam poluentes, ruidosas ou nocivas;
ZI2
Zona de indústria pesada, que são de grande porte e necessitam de grandes áreas,
para instalação e armazenamento e geram tráfego intenso, poluem ou não o ambiente
natural;
Figura 103: Mapa de Zoneamento de Londrina, 1984. Fonte: acervo do autor, 2010.
capítulo 6 – microbacia do ribeirão esperança: empreendimentos privados de
alto padrão e revalorização da natureza
217
Sigla
Definição, atividades e usos
Localização quanto às bacias hidrográficas
ZONAS ESPECIAIS CONFORME LEI N.º 3.706/1984
ZE
São áreas reservadas para fins específicos e sujeitas a normas próprias, nas
quais toda e qualquer obra deverá ser objeto de estudo por parte do Poder
Público Municipal. Estas zonas classificam-se de acordo com a finalidade das
quais foram criadas;
ZE1
Zona Especial de Preservação Histórica ou Natural – destinam-se a propiciar as
condições adequadas à preservação de e ambientes, obras ou monumentos de valor
histórico, ou áreas que contenham espécimes animais e vegetais, raros ou notáveis;
ZE 2
Zona Especial Aeroportuária - Destinada a possibilitar a operação segura de
aeronaves e prever a evolução harmônica com a Cidade nas suas áreas inter-
relacionadas;
ZE 3
Zona Especial Universitária - Destinada a conter o Campus Universitário, servindo as
atividades especificas de ensino e treinamento profissional. A zona é limitada pelas
divisas do terreno pertencente ao Campus;
ZE 4
Zona Especial de Preservação de Fundo de Vale - Toda área que contenha
nascentes, córregos, ribeirões, ou qualquer curso d'água será considerada zona
especial de preservação de fundo de vale. Estas áreas são limitadas pelas nascentes
e margens em distância variável, com a dimensão da bacia hidrográfica respectiva,
topografia, vegetação e demais acidentes naturais. Destinam-se prioritariamente à
formação de parques lineares e contínuos, objetivando o uso para prática de lazer e
recreação. Quaisquer obras nessas áreas devem restringir-se às correções de
escoamento pluvial, fluvial e saneamento, levando em conta a proteção da fauna e
flora.
ZE 5
Zona Especial Turístico-Recreativa - Destinada a conter, com especialização,
instalações para fins comerciais e prestação de serviços, ligados à recreação e
turismo;
ZE 6
Zona Especial da Avenida Central - Área influenciada e, ao longo do antigo leito
ferroviário, destinada a sediar um complexo viário. O uso dos lotes por ela abrangidos
será definido em lei especial.
ZE7
Zona Especial de Combustíveis - Destinada a conter as atividades de
armazenamento, manuseio e distribuição de combustíveis.
ZE 8
Zona Especial de Esportes (ZEE) -
destinada a estimular as atividades
desportivas e a criação de centros
de atletismo.
Área do Centro Social Urbano da Vila
Portuguesa (Adriano Marino Gomes);
Área do Aterro do Lago Igapo II;
Área do Autódromo Internacional Ayrton
Senna, Estádio de Café e do Kartódromo;
Área do Centro de Lazer e Recreação Luigi
Borghesi (Zerão), na faixa compreendida entre
as Ruas Sena Martins e Martin Luther King;
Área do Vale do Rubi;
Área do Estádio Vitorino Gonçalves Dias.
Figura 104: Zoneamento por uso do solo. Fonte: IPPUL, 1995.
capítulo 6 – microbacia do ribeirão esperança: empreendimentos privados de
alto padrão e revalorização da natureza
218
capítulo 6 – microbacia do ribeirão esperança: empreendimentos
privados de alto padrão e revalorização da natureza
219
Ainda comparando a definição de ZE, fica claro que a inserção dos
fundos de vale é uma contribuição desse novo zoneamento, enaltecendo as
qualidades ambientais que devem ser uma presença no ambiente construído. No
entanto, permite a construção de habitação coletiva nas imediações da ZE 4,
favorecendo a verticalização da bacia do Ribeirão Cambé.
De acordo com o zoneamento, a região central e seu entorno
imediato estariam liberados para a construção de edifícios de múltiplos pavimentos,
podendo ter usos mistos residencial e comercial, comercial, ou ainda,
exclusivamente residencial. Quanto aos parâmetros urbanísticos, ficou determinado
que as habitações coletivas deveriam oferecer a seus condôminos áreas de
recreação e lazer, bem como definiam recuos, ocupação do lote e índice de
aproveitamento de acordo com cada uma das zonas, já apresentadas.
A estrutura viária, desse modo, foi se estruturando antes mesmo da
ocupação da área, promovendo a valorização dos imóveis, bem como incorporando
à área urbana, a vertente esquerda do Ribeirão Esperança e Cafezal, onde se
localizavam lotes rurais de dimensões maiores. As vias abertas tanto facilitaram a
articulação no sentido norte-sul, como também no sentido leste-oeste, sendo estas,
as vias coletoras dos bairros, diferenciando-se do traçado característico da CTNP.
As quadras são maiores que aquelas situadas na área central e
Setor Norte e, consequentemente, subdividas em lotes maiores, visando atender às
exigências da legislação municipal de Zoneamento, tendo em vista que na ZR-5, os
lotes mínimos foram estipulados em 360,00 m². Apear dessa exigência a forma
alongada dos lotes permaneces, pois a largura mínima exigida de 12m condicionava
lotes com profundidades de até 30 m.
A topografia dessa região é mais movimentada, com pequenos
platôs em destaque, os quais margeiam a PR-445, evidenciando os grandes
equipamentos sobre estas áreas: UEL, IAPAR, Catuaí shopping center, entre outros.
Outro ponto que distancia este processo de ocupação dos anteriores
é a presença da legislação urbanística, visando o desenvolvimento e expansão do
ambiente construído, sem, contudo, agredir os cursos d’água e o ambiente natural.
No entanto, atividades urbanas começaram a ocupar parte da área , que à época,
era rural na Bacia do Ribeirão Esperança, como observa Perini (2004):
Somente após 14 anos, (zoneamento de 1984) foi promulgada uma nova lei
de zoneamento, a de n. 7.482 de 20 de julho de 1998, alterando
capítulo 6 – microbacia do ribeirão esperança: empreendimentos
privados de alto padrão e revalorização da natureza
220
substancialmente o zoneamento complementando as novas funções
urbanas alterando o limite da expansão urbana de Londrina influindo na
área do ribeirão Esperança quando novas unidades habitacionais, áreas
comerciais e até algumas indústrias, embora não permitidas pela legislação,
são localizadas na área próxima ao ribeirão. (PERINI, 2004, p. 184)
O zoneamento de 1984 não abrangia a margem direita do Ribeirão
Esperança e Cafezal, a qual foi considerada como expansão urbana em 1998, após
a aprovação do novo Plano Diretor. Toda a vertente direita apresentava o
parcelamento de lotes rurais. O leito do Ribeirão Esperança representava o limite
entre a área de expansão urbana e a área rural do município.
Pelo sistema viário que foi sendo construído antes mesmo da
consolidação da área, o desenho de uma hierarquia viária começava a ser
esboçado, tendo como principal via de articulação e de alcance regional a própria
PR-445; a Avenida Madre Leônia Milito caracteriza-se como via arterial, pois permite
tanto o acesso para cidade, via Avenida Higienópolis, quanto a saída sul, via
Rodovia Mábio Gonçalves Palhano. Nos mapas mais antigos e levantamentos
aerofotométricos, o principal acesso à vertente esquerda do Ribeirão Esperança
ocorria nessa faixa. (figura 105)
Figura 105: Lago Igapó 1 e ao fundo, processo de verticalização de suas margens na Gleba
Palhano. Desenho: Elmar Vieira, 2009.
Podemos afirmar, com isso, que o entroncamento entre esses dois
eixos é que organizaram o espaço e delinearam as futuras ocupações dos anos
posteriores. Sendo um divisor de ramificações secundárias, a Avenida Madre Leônia
Milito é a principal via dos fluxos no sentido leste-oeste, ainda que com a ocupação
capítulo 6 – microbacia do ribeirão esperança: empreendimentos
privados de alto padrão e revalorização da natureza
221
da Gleba Palhano, a partir do Lago Igapó II, tenha definido algumas vias paralelas a
ela. Definem-se como vias coletoras, de fluxo mais local, com poucos cruzamentos
ao longo se sua extensão. Outras vias importantes ainda não foram totalmente
construídas, sendo a de maior destaque a Avenida Ayrton Senna, continuação da
Avenida Maringá, cuja previsão é de transpor a PR-445 (obra ainda em execução).
Percebemos pela própria estrutura urbana traçada, uma
preocupação maior com a integração e interligação com a malha consolidada, o que
imprime a convergência dos interesses privados e as obras de infraestrutura
promovidas pela municipalidade, e, por consequência, gera um novo pólo indutor de
expansão, o qual ainda não está totalmente concretizado.
A partir do mapa de evolução dos loteamentos (figura 106),
traçamos algumas análises. Os primeiros loteamentos são datados da década de
1970, como parte dos programas de HIS e loteamentos particulares, que surgiram
aos arredores da UEL. Esses loteamentos não seguem a estrutura rígida do lote
alongado como no Setor Norte, com linhas mais orgânicas, enaltecendo a presença
dos fundos de vale em suas imediações.
Os loteamentos privados, ainda em fase de ocupação e
adensamento, se estendem desde a via estrutural PR-445 até as vias marginais
dos fundos de vale. Essa disposição se concentra na vertente esquerda, voltada
para a área central da cidade e, mais na periferia, encontram-se os Conjuntos
Habitacionais, na divisa com Cambé. Podemos associar a presença desses
parcelamentos pela proximidade com uma zona industrial pensada para a área, nos
anos 60 e da implantação da UEL, também nesta década, como ilustrado no mapa.
Na década de 1980, houve certa estagnação da região, com poucos
lotes ocupados nos parcelamentos de iniciativa privada, e o lançamento mais efetivo
da área são as habitações coletivas para os universitários, próximo ao
entroncamento da PR-445 com a Avenida Faria Lima. É na década de 1990 que se
efetivou a dinâmica de transformação da paisagem dessa região, desencadeada
pela inauguração do shopping center. Muitos loteamentos são lançados,
especialmente os condomínios horizontais fechados, na segunda metade dos anos
1990, contornando o fundo de vale e, até mesmo se apropriando dele. Ribeiro
(2006) explica que apesar do parcelamento da Gleba Palhano em 1971, até 1992
não havia edifícios de habitação coletiva.
capítulo 6 – microbacia do ribeirão esperança: empreendimentos privados de alto padrão e
revalorização da natureza
222
Na década de 1980, observamos que a expansão da
cidade ocorreu nas imediações das áreas formadas anteriormente, com
maios concentração nas regiões nordeste e sudeste, evidenciando as
políticas públicas de novos loteamentos e ou assentamentos para as
famílias de baixa renda.
na década de 1990, a ocupação se concentra fora
dos limites da área urbana da cidade, proliferando loteamentos em áreas
rurais, constituindo áreas descontínuas ao tecido urano consolidado.
Nota-se que a vertente direita do Ribeirão Esperança ainda não havia
sido ocupada, fato que ocorre apenas no final da década, por volta de
1998. Verifica-se, portanto, que até esse período o Setor Sul estava se
estruturando, mesmo porque o Plano Diretor de 1998 modificou a área
urbana, incorporando-o ao perímetro urbano. Ressaltamos, no entanto,
que o tecido urbano consolidado [destacado em azul] não abrangia essa
região.
Figura 106: Evolução e expansão Urbana de Londrina, 1930 – 1990.
capítulo 6 – microbacia do ribeirão esperança: empreendimentos privados de alto padrão e
revalorização da natureza
223
A efetiva ocupação do Setor Sul se inicia nos anos
2000, devido aos agentes imobiliários que passam a lançar os
condomínios residenciais de alto padrão na margem direita do Ribeirão
Esperança, além dos investimentos públicos em infraestrutura urbana:
abertura de vias de ligação entre o centro consolidado e o tecido urbano
em formação. Observamos também que a região Norte tem uma
ocupação mais efetiva, fato este possível pela abertura de novas vias e
lançamento de loteamentos, marcando a década de 2000 pelos
investimentos privados na produção do espaço urbano.
Figura 107: Evolução e expansão Urbana de Londrina, 1930 – 2000.
capítulo 6 – microbacia do ribeirão esperança: empreendimentos
privados de alto padrão e revalorização da natureza
224
A microbacia do Ribeirão Esperança absorve os aspectos urbanos,
sem, ainda, perder suas feições rurais, levando ao recorte e a dissolução da fronteira
rururbana; do mesmo modo, a microbacia do Ribeirão Cambé consolida-se como
área urbana e se define na hierarquia da paisagem, com a adição de edifícios de
habitação coletiva, cuja verticalidade é extrema no quadrilátero central e vai se
conformando até as vias marginais do Lago Igapó, que como bem coloca Horner
(2009) é a espinha dorsal da cidade, tornando-se uma imagem símbolo e identitária
de Londrina (PANTALEÃO, 2007).
Os corpos d’água passam, dessa forma, a constituir o tecido urbano,
criando uma contiguidade e linearidade de manchas verdes, que, anteriormente, no
processo de estruturação urbana, não eram tão evidentes. Não é mais o limite a ser
evitado, mas o ponto de conexão e integração entre a região sul e a área central que
se encontram nos fundos de vale, revigorando a presença dos mesmos no contexto
da paisagem urbana.
A continuidade dessas duas regiões é enfatizava. As relações
intraurbanas da microbacia do Esperança é mais evidente que da microbacia do
Jacutinga. O legado de periferia é totalmente transposto para o setor norte e o sul,
com os suspiros da “pós-modernidade”, expande a visão pioneira e desbravadora do
norte paranaense, que, mesmo com um tecido urbano bem diverso do primeiro,
aparenta ser conexo e coeso.
Com a inserção do shopping center uma mudança no processo
de estruturação urbana da cidade, pois a construção dos elementos morfológicos
não é isolada ou fragmentada, isto é, uma concomitância entre as obras de
infraestrutura urbana, as edificações e os corpos d’água urbanos e, com isso, uma
dinâmica de valorização da região, com várias frentes de trabalho, transformando a
região num canteiro de obras, cuja paisagem ressoa sobre as águas do Lago Igapó,
pela vegetação da mata ciliar em meio a produção agrícola (figura 108).
Sob uma ótica do investidor privado, podemos entender a
apropriação dos elementos naturais à paisagem urbana, associado ao poder público
que confere a uma parte da cidade uma fisionomia homogênea, ao passo que é a
reprodução de conceitos e tipologias alóctones e desprendidas da própria raiz da
região, atropelando as peculiaridades de Londrina: não é mais a produção cafeeira
que instiga a produção da cidade, seja em seu momento áureo ou na sua crise,
capítulo 6 – microbacia do ribeirão esperança: empreendimentos
privados de alto padrão e revalorização da natureza
225
respectivamente, o núcleo central e a zona norte, mas uma terceira via de escala
extra regional.
Figura 108: Inserção de condomínios residenciais fechados na área rural. Desenho: Elmar Vieira,
2010.
Outro aspecto que podemos extrair das análises cartográficas é a
topografia. O mapa abaixo indica as áreas situadas em cotas mais elevadas, cuja
inclinação é mais suave e que, do ponto de vista, do uso e ocupação do solo, tem se
destinado aos loteamentos residenciais fechados, denominados por condomínios
residenciais horizontais.
É a área mais plana da bacia do Ribeirão Cafezal, que se estende
no eixo NO-SE, como os demais cursos d’água, definindo-se como gleba Esperança
(figura 104). Essas condições naturais permitiram que a área fosse valorizada, como
reserva de mercado da especulação imobiliária, tornando-se foco dos parcelamentos
a partir das mudanças aferidas na circulação, viabilizando sua ligação com o centro
da cidade de Londrina (SILVA, 2007).
Os traços da preferência pelas áreas mais planas enaltecem os
condicionantes do sítio como definidores das áreas destinadas aos
empreendimentos de alto padrão, que mesmo isolados e distantes da área central,
seguem a estrutura de um divisor como via de acesso entre os loteamentos que se
capítulo 6 – microbacia do ribeirão esperança: empreendimentos
privados de alto padrão e revalorização da natureza
226
definem entre essa linha de circulação e os cursos d’água, predominando na
vertente direita o uso residencial, em invólucros muros de segurança.
A presença desses elementos modifica a relação entre uso e
ocupação do solo com os fundos de vale, que não só delimitam os loteamentos
residenciais fechados como também participam de sua conformação, inseridos na
área do empreendimento, como se fossem a área pública necessária para sua
aprovação enquanto loteamento, visto que a legislação urbanística de Londrina, não
trata com especificidade esta tipologia no tecido urbano.
Figura 109: Gleba Esperança. Org. Pantaleão, 2010.
Retomando aos aspectos de uso e ocupação do solo da microbacia
do Ribeirão Esperança, observamos que o processo de destruição da natureza é
evidente, pelo desmatamento dos fragmentos florestais, em substituição a espécies
exóticas, o redesenho dos rios, sugerindo lagos artificiais, a esse respeito:
Como o tema central desses condomínios é a natureza, não havia lugar
melhor, pensaram os grupos imobiliários. É só apropriar-se da natureza,
usa-se as áreas de mananciais para criar lagos artificiais, ou grandes
espelhos d’água, conferindo uma paisagem bucólico dentro desses
condomínios. O restante dessas áreas de mananciais é aterrada para
compor a geometria das obras do condomínio, e o lucro é garantido nesse
tipo de investimento. (PERINI, 2004, p. 194)
A demanda populacional destes novos condomínios residenciais
revela um fluxo urbano-urbano, e não mais a migração rural, comunentemente
atendida pelos conjuntos habitacionais.
capítulo 6 – microbacia do ribeirão esperança: empreendimentos
privados de alto padrão e revalorização da natureza
227
6.2 I
NVESTIMENTO
,
E
SPETACULARIZAÇÃO
E
R
EDES
:
A
E
SCALA
A
MPLIADA
As mudanças de comportamento e as revoluções proporcionadas
pelas conquistas tecnológicas interferem na estruturação do espaço urbano.novas
formas espaciais surgem pela expressão de um processo de auto-segregação
intencional, e não um modelo imposto, pois os empreendimentos, a cada
lançamento, tem obtido sucesso e não parece que uma tendência de estagnação
do mercado imobiliário. Mas o quanto não foi a auto-segregação uma marca
eminente do tecido urbano de Londrina, confeccionado na égide da modernidade?
Assim, surgem questionamento como se a simples análise pela divisão do trabalho
do espaço é suficiente para explicitar a complexa teia de relações que culminaram
nessas paisagens, ao ponto de não revelar-se tão homogêneas, com traços sutis
dos dois períodos anteriores.
Ante ao exposto, tecemos neste item algumas questões acerca das
relações concretas e abstratas que se materializam e indicam novos caminhos para
o planejamento urbano, não mais como um prenúncio do futuro, mas debruçado
sobre a realidade, permitindo que as diretrizes e a leitura das paisagens, permitam
uma interpretação crítica e oriente o horizonte para a construção, desconstrução e
reconstrução das cidades, um fascínio da própria natureza humana.
Há, em primeiro lugar, a ampliação da escala. Não podemos nos
deter apenas no entorno imediato, isolado e fragmentado para compreender estes
fenômenos contemporâneos de produção do espaço. Ressoa, para muitos
pesquisadores, um consenso de um mundo virtual, sem território ou da supressão do
espaço pelo tempo. Ora se isto fosse, de fato, um processo irreversível, a dinâmica
urbana deixaria de ser uma constante, bem como a afirmação e construção de
novas imagens perderiam seu sentido.
Norberg-Schulz (2005) explica que o espaço existencial se estrutura
por lugares pontos, caminhos linhas e limites polígonos, de forma tal que se
interagem e interam para conformar a totalidade do ambiente que não
circunscreve o homem como também o inscreve sob esses elementos sendo esta a
totalidade. São subsistemas intercambiáveis, conjugados, desfigurando-se em um
conjunto complexo e dinâmico, como uma expressão própria das atividades
capítulo 6 – microbacia do ribeirão esperança: empreendimentos
privados de alto padrão e revalorização da natureza
228
humanas. No entanto, como observa o autor, as cidades têm perdido essa
eloquência do espaço, visto que a sensação de mobilidade e desprendimento do
espaço é uma condição incoerente ao desenvolvimento humano, e que nada mais é
do que a expressão de um estado egocêntrico da sociedade, em que a identidade
do homem foi perdida ao ter se esvaído o sentido de habitar, pois o homem não se
encontra espontaneamente sobre o sítio em que se assenta (NORBERG-SCHULZ,
1975).
A discussão de Norberg-Schulz (1975) aponta essencialmente para
a perda da interação entre interior e exterior: os condomínios residenciais horizontais
se alinham a essa crítica, uma vez que possuem muros como invólucros do espaço
privado, que emolduram um grupo social que precisa se afirmar e se posicionar no
mundo, condicionado a padrões preestabelecidos.
Para Haesbaert (2004), as sociedades pós-modernas preconizam a
apropriação do território por meio de conexões, ou seja, permeiam entre os fixos e
fluxos que se inter-relacionam e delineiam o controle sobre a mobilidade e o
movimento na construção do ambiente construído. Verifica-se que a conformação
social leva a uma nova espacialidade, que necessita ser mensurada, controlada,
principalmente quanto aos aspectos imateriais que determinam o próprio
direcionamento dos fluxos, seja de pessoas, mercadorias ou informações. A partir
desses pressupostos a multiterritorialidade emerge como materialização dos novos
mecanismos de controle e poder, devido à própria fluidez do fenômeno.
O habitat privado se sobrepõe ao público, à medida que as relações
ocorrem no espaço da residência, sendo o centro, a continuidade e o limite, ou seja,
reduz a estrutura do espaço existencial a seu invólucro, cuja exterioridade afirma seu
pertencimento a um determinado estrato social. O espaço e o sentido de lugar
também são caracterizados como mercadorias, como objetos a serem consumidos e
não mais como a interação de uma estrutura que expressa sua visão de mundo.
Acerca disso, Ferreira (2004) acrescenta:
As questões como segurança e violência ou tranquilidade e stress são
sinônimos e antônimos ou qualificações que envolvem a questão da
formação de condomínios horizontais fechados que vão se constituindo
como verdadeiras fortalezas urbanas, apropriando-se de espaços rurais,
interferindo nos direitos de cidadania e qualidade de vida urbana, pública ou
privada. Nos dados levantados sobre os condomínios horizontais fechados
em Londrina, verificamos que cada vez mais o habitar se tornou uma das
mercadorias mais caras do viver humano. Falar do processo de formação
dos condomínios habitacionais, de qualquer natureza, urbanos ou rurais,
capítulo 6 – microbacia do ribeirão esperança: empreendimentos
privados de alto padrão e revalorização da natureza
229
horizontais ou verticais, em Londrina, é falar também do processo de
formação urbana e regional de uma das áreas bem valorizadas e
procuradas da Região Sul. [...] (FERREIRA, 2004, p. 45)
Com isso, a subversão da organização espacial da cidade moderna
é notória, não havendo mais zonas preestabelecidas, mas sim pontos de interesse,
que para Augé (1994) se aproximam de não-lugares, que fortalecem as nuances
intangíveis da sociedade de consumo fluxo, em detrimento das barreiras físicas
e/ou os limites físicos que antes definiam a hierarquia espacial. Desses pontos se
ramificam caminhos ou continuidades, que encarregam de conectar e transpor
aquelas áreas que não são interessantes, sendo tanto os pontos quanto os
caminhos as barreiras invisíveis, pois limitam o acesso de diversas formas.
Pantaleão (2005) observa:
Assim, a cidade global definida por Sassen considera, então, como a chave
de serviços altamente especializados e conectados em rede, sendo que as
empresas tornam-se transnacionais e contratam serviços de vários lugares
do mundo para gerir seus negócios. Sua relação com o lugar onde se situa
não existe, pois a conexão é feita pela teia de comunicação da dinâmica de
fluxos. As cidades globais não são solitárias, mas interconectadas umas
com as outras, gerando um espaço de fluxos e desprendido do território.
Essa alta especialização sucumbe a uma economia muito mais excludente e
a elevação dos índices de informalidade. (PANTALEÃO, 2005, p. 29).
No entanto, conforme observa Haesbaert (2004), a produção do
espaço não ocorre pela generalização ou por uma única forma de organização, pois,
ainda se reforçam as diferenças socioculturais, revelando não uma
desterritorialização e, sim a formação de uma multiterritorialidade. O espaço
contemporâneo apresenta fragmentos descontínuos e complexos, cuja
espacialidade expressa as transformações e novos modos de organização e
distribuição da sociedade sobre o território. Não se tem mais um método preciso e
universal, mas uma complexidade de agenciamentos, a partir da coexistência de
múltiplos extratos sociais e diferentes relações entre os fixos e fluxos, levando a uma
deformação da cidade estática e idealizada de Platão.
A partir das colocações de Haesbaert (2004), podem ser analisados
os elementos de exclusão e controle por meio das relações simbólicas imprimidas
sobre o território e as relações existentes na configuração do ambiente construído,
vislumbrando os processos de apropriação pelos diversos sujeitos que coexistem em
uma determinada região geográfica.
Os condomínios tornam-se, portanto, uma expressão individual do
espaço existencial, em que essa nova tipologia urbana de morar se coloca e
estrutura o habitat, abarcando todos os aspectos físicos e psíquicos da relação
capítulo 6 – microbacia do ribeirão esperança: empreendimentos
privados de alto padrão e revalorização da natureza
230
homem-natureza, desprezando-se em certa medida os espaços coletivos. Os muros,
portanto, representam a materialização daquilo que não se define pelo invisível:
tornam-se a marca e a presença do modo de habitar de uma parcela da população.
O sentido de lugar não interage em todas as escalas, mas na
relação do indivíduo consigo mesmo, isto é, estar dentro; pertencer a; fazer parte de.
Essas atitudes nada mais expressam o consumo como meio e fim das áreas
urbanas. Desse modo, as cidades contemporâneas são fruto de um novo modo de
produção do espaço, uma vez que refletem a espacialidade das relações sociais
deterioradas, em que o tempo é vivido em sua efemeridade e sobressai-se a
quantidade na relação espaço-tempo, ao invés da qualidade.
Neste particular, é um processo que reflete a apropriação privada do
espaço, quanto ao acesso à moradia, pois a relação entre renda e metro quadrado
vislumbra a morfologia espacial e social das cidades contemporâneas, em que a
propriedade privada é o principal agente de transformação e modificação das
paisagens urbanas. Isso revela as contradições do mundo moderno, imperando os
instrumentos legais de produção do espaço, que permitem a realização da
contenção social, seja pela degradação do espaço público que inibe sua
apropriação, seja pela monumentalidade dos objetos arquitetônicos legalmente
constituídos, voltados para o consumo do espaço.
A cidade não se define mais por zonas, pois o espraiamento e a
profusão das atividades ocorrem em espaços adjacentes, mesmo que sejam
atividades desconexas entre si, exigindo um sistema viário eficiente e de alta
velocidade, permitindo a mobilidade entre diversas paisagens que vão sendo
modeladas num mosaico de formas, usos e ocupações.
Como discutimos, a construção de Londrina ocorre na égide da
modernidade, sendo um processo muito mais dinâmico e acelerado, se comparado
com outras localidades brasileiras. Primeiro, afirma-se pela cafeicultura, responsável
pela pujança econômica; em seguida, com a inserção dos moldes industriais na
produção agrícola, a consolidação do urbano toma contornos de uma política
verticalizada e tecnocrata, constituindo tecidos urbanos fragmentados, descontínuos
e imersos em franjas rururbanas.
Londrina, diferentemente das cidades do oeste paulista, que também
se fincaram sobre o território, a partir da produção cafeeira, não viu consolidada o
capítulo 6 – microbacia do ribeirão esperança: empreendimentos
privados de alto padrão e revalorização da natureza
231
par industrialização e urbanização. Ao contrário, ainda nos anos 1960 se afirmava
como pólo de atividades terciárias, atropelando o processo natural dos fenômenos.
Desse modo, absorve com bastante vigor seu papel de destaque numa rede urbana
que conglomera mais de 1 milhão de habitantes.
No limiar dessas transformações abruptas, as características locais
e a identidade com o rural não se perde, deixando aberto um nicho para o investidor
imobiliário, em que a renda fundiária se torna um aspecto abstrato da produção do
espaço.
A urbanidade não implica na eliminação da ruralidade, nem nas duas
periodizações analisadas, pois a dimensão da densidade demográfica se articula
com as mudanças do processo produtivo agrícola, o qual passa a incorporar
aspectos urbanos. Não uma cisão das funções urbanas e rurais e, ao apropriar-
se das franjas urbanas, com contornos amuralhados, em que o isolamento em
pequenos redutos, sem infraestrutura urbana e próximos aos elementos naturais,
resgata o modo de vida rural. Além disso, são recortes que interrompem as culturas
de milho, soja ou trigo, com tipologias arquitetônicas modernas.
Os sítios de lazer e as chácaras de recreio também ocupam as
franjas urbanas, com todo o aparato tecnológico, mas que visam reaproximar
homem e natureza, entendida aqui como a própria paisagem rural e não constituída
de elementos naturais.
São, mais uma vez, estruturas espaciais que não consideram os
elementos naturais, e, com isso, não estabelecem relações topológicas, no sentido
de construir espaços sustentáveis, conforme ensina Pellegrino (2003, p. 1): “[...] a
existência de uma exclusão metódica, planejada e desejada, de parte da nossa
sociedade, no momento de produção dos novos espaços”. E ainda da perda de ideia
de cidade, de urbanidade e cidadania:
[...] avassalados por um consumismo que se reveste da única razão de ser
da inserção do indivíduo no social, e diminuídos pelo apagar da memória da
antiga cidade, produto de outras relações da sociedade com seu território.
Pontos de resistência podem ser encontrados em situações-limite, numa
cidadania atrofiada, onde o horizonte do cidadão se torna, quando muito, o
próprio bairro, sua rua ou o condomínio onde se enclausura.
A construção da dimensão ambiental do espaço é desvinculada e
cenográfica, ao impedir a análise do ambiente como totalidade, engessando ou até
mesmo neutralizando a necessidade de equilíbrio entre os sistemas naturais e
capítulo 6 – microbacia do ribeirão esperança: empreendimentos
privados de alto padrão e revalorização da natureza
232
artificiais. Conforme aborda o autor, a dissociação entre o ambiente construído e sua
base natural:
[...] tem-se o agravamento, senão a destruição, das condições de qualidade
de vida urbana, que passa dos índices alarmantes de contaminação
atmosférica nos meses de estiagem, aos efeitos catastróficos das
enchentes nos meses de maior precipitação pluviométrica, como resultado
do comprometimento da drenagem na imensa bacia que abriga a cidade,
em virtude da ocupação das várzeas e da impermeabilização do solo.
(PELLEGRINO, 2003, p. 2)
E são as áreas naturais mais frágeis, menos densas e menos
exploradas que tornam-se objeto de exploração de novos padrões urbanos, o no
sentido de interação entre paisagem e evolução, pois são vistas como áreas
inexploradas e suscetíveis a conectar-se ao tecido urbano, tendo em vista o
consumismo das amenidades naturais. uma valorização dos corpos d’água
urbanos, o entorno imediato de suas margens, quando parcelados possuem o metro
quadrado mais alto do perímetro urbano, sem que a zona lindeira efetive-se como
parte da estrutura urbana, sendo apenas uma imagem estacionária. Sobre isso, o
autor coloca:
A adequação a esses papéis é o que uma linha de investigação sobre as
paisagens ao longo do Rio deveria suscitar, ao estudar as potencialidades
existentes e propor, como fator fundamental para o enfrentamento dos
problemas ambientais, que a atividade projetual da paisagem perca o seu
caráter arbitrário e passe a informar e formar um juízo perceptivo sobre a
identidade urbana, que só um processo prévio de planejamento pode
garantir. (PELLEGRINO, 2003, p. 6)
A interação entre os sistemas socioeconômicos, culturais e
ambientais ainda não se concretizam nas ações de planejamento urbano, mesmo
que haja o reconhecimento da influência das características naturais no uso e
ocupação do solo urbano, como, por exemplo, a criação de corredores ecológicos.
São as redes e os fluxos que desencadeiam a fragmentação do
tecido urbano, com vários núcleos de atratividade, pois
o desenvolvimento da comunicação eletrônica e dos sistemas de
informação propicia uma crescente dissociação entre a proximidade
espacial e o desempenho das funções rotineiras: trabalho, compras,
entretenimento, assistência à saúde, educação, serviços públicos, governos
e assim por diante.[...] estão destituídas de sua necessidade funcional [...]
(CASTELLS, 2000, p. 419)
[...] o mundo econômico global, pós-fordista e pós-industrial, é imaginado
como possuidor de fluxos transnacionais de população e cultura e auto-
estradas de informação. O movimento constante de turistas, refugiados,
homens de negócios reflete-se na arquitetura, na qual, por exemplo, um
arquiteto francês cria projetos para Bangkok, um arquiteto de Nova Jersey
voa para Berlim para supervisionar a construção de um prédio e arquitetos
italianos desenvolvem projetos em Houston e Galveston, Texas.
(GHIRARDO, 2002, p.38)
capítulo 6 – microbacia do ribeirão esperança: empreendimentos
privados de alto padrão e revalorização da natureza
233
A estruturação da espacialidade contemporânea é conduzida pela
autonomia que a população possui, ao elevar a importância do automóvel na vida
cotidiana, pois este supre as distâncias entre os elementos mais antigos e recentes
presentes na cidade, que ressoam um tecido urbano fragmentado, cuja conexão se
processa pelas vias arteriais do sistema viário, modificando o tecido existente e
conformando uma nova espacialidade urbana.
6.3 N
OVAS
C
ENTRALIDADES
U
RBANAS
:
P
AISAGEM
H
ORIZONTAL E
V
ERTICAL
Os pontos que concentram atividades comerciais e bancárias no
Setor Norte e Sul de Londrina demonstram que a áreas de atratividade de Londrina
encontram-se, hoje, pulverizadas, constituindo paisagens horizontais em
contraposição a verticalização do centro, que, consolidado, compactou em seus
3,3 km² as atividades comerciais, residenciais e de serviços. Significa dizer que
enquanto o crescimento e adensamento da área mais antiga da cidade foi vertical e
a expansão sobre as microbacias do Ribeirão Jacutinga e Esperança expressam
uma ocupação predominantemente horizontal, repercutindo na formação de vários
subcentros de atratividade e concentração populacional.
Dentre os diversos subcentros ou novos pontos de atratividade,
destacamos o Shopping Center Catuaí, cujo sítio pertence à microbacia do Ribeirão
Esperança. Segundo Pantaleão (2005), configura ao lado dos condomínios
residenciais fechados [...] estruturas urbanas independentes do local em que se
inserem e homogêneas em qualquer lugar, não transmitindo a identidade que um
centro histórico, por exemplo, possui.” (PANTALEÃO, 2005, p. 80)
Em comparação com outras cidades, esses elementos definem uma
paisagem urbana de posição periférica, com relações estreitas com as vias
estruturantes do sistema viário. A partir do equipamento de superfície, as vias
estruturais são marcadas sobre o sítio, o que demanda, em sua maioria,
movimentações de terra, para “[...] depois haver a ocupação residencial e a inserção
de novas estruturas de superfície.” (PANTALEÃO, 2005, p. 81).
Novos empreendimentos, que visam somar a segurança
conquistada pelos apartamentos, com a tranquilidade de áreas campesinas, numa
capítulo 6 – microbacia do ribeirão esperança: empreendimentos
privados de alto padrão e revalorização da natureza
234
retomada ao bucolismo de outrora resultam nos condomínios horizontais fechados,
correspondendo ao anseio e desejo desses estratos sociais, respaldados pelo
consumo, típico da sociedade pós-fordista, da natureza, com o subterfúgio da
qualidade de vida. Essa combinação de elementos permite o deslocamento dessas
classes para as periferias, que são áreas normalmente ainda não ocupadas,
cortadas por grandes rodovias e próximas aos shopping center. Assim, o tecido
urbano da terceira fase de estruturação de Londrina, ainda em formação,
caracteriza-se pela horizontalidade, cujo tecido é espraiado e desconexo entre si,
contrapondo-se a verticalização da região central.
O modelo implantado nas grandes cidades brasileiras também foi
transferido para as cidades médias, não pela necessidade de “fuga” aos centros
urbanos consolidados, mas para manter o status e entrar na moda do consumo e
das nuances do mercado imobiliário. Isso confere não só o poder das classes
dominantes sobre o território, como também implanta uma nova morfologia e novos
usos para os tradicionais elementos urbanos.
Cada condomínio, cercado por muros, é uma cidade isolada, cujo
acesso é altamente controlado, definindo áreas restritas e exclusivas nas fimbrias
rururbanas, que oferecem atrativos de lazer, com bosques, lagos, áreas de lazer e
“espaços públicos” de convivência entre os moradores, os quais são submetidos a
regras para a ocupação dos lotes individuais, visando um padrão homogêneo das
habitações unifamiliares. A paisagem desses locais ocorre de duas maneiras
distintas, pois um cenário interno e privado e as ruas de ligação entre estes
condomínios e a cidade tornam-se passagens emparedadas, inertes e de isolamento
que, pelos muros, relembram os feudos da Idade Média.
CAPÍTULO
CAPÍTULO CAPÍTULO
CAPÍTULO 7
77
7
MICRO
MICROMICRO
MICROBACIAS
BACIAS BACIAS
BACIAS URBANAS
URBANASURBANAS
URBANAS ENTRE PERMAN
ENTRE PERMAN ENTRE PERMAN
ENTRE PERMANÊNCIAS E DINÂMICAS NO
ÊNCIAS E DINÂMICAS NO ÊNCIAS E DINÂMICAS NO
ÊNCIAS E DINÂMICAS NO
TECIDO URBANO
TECIDO URBANOTECIDO URBANO
TECIDO URBANO
capítulo 7 – microbacias hidrográficas entre
permanências e dinâmicas no tecido urbano
236
Nas considerações iniciais da pesquisa, relacionadas à configuração
espacial às margens dos corpos d’água urbanos, pudemos perceber, em cada
momento específico de expansão da cidade, a presença dos valores socioculturais e
os fenômenos político-econômicos que influenciaram sua dinâmica. Apresentadas as
especificidades e a gênese da estrutura das três principais microbacias urbanas de
Londrina, que dão suporte ao seu ambiente construído, traçamos um quadro
comparativo, destacando o uso e ocupação e a evolução urbana.
O processo de crescimento da cidade se desenvolve a partir das
permanências e das dinâmicas, objeto de análise e reflexão deste capítulo, em que
buscamos indicar a paisagem síntese de cada um dos períodos de maior
transformação da cidade, que coincide com as primeiras ocupações em cada uma
das microbacias anteriormente apresentadas. A leitura é contemporânea, resultado
da confrontação dos dados cartográficos e dos registros da pesquisa de campo,
visando a interpretação da totalidade urbana e, com isso, tecer algumas reflexões
sobre o ordenamento territorial e a gestão urbana, frente aos corpos d’água urbanos.
Para a construção do quadro síntese, consideramos os aspectos
fisiográficos do tio, as condicionantes socioeconômicas, as intervenções
municipais de normatização, por meio de legislações urbanísticas, pontos chaves
para compreender o quadro da cidade hoje, evidenciando o espaço tempo e suas
características. Na distinção da cidade, pelas suas três microbacias urbanas, são
expressos também três períodos distintos, sendo também importantes elementos de
configuração da paisagem urbana atual, permitindo análises sobre as nuances do
processo de crescimento urbano.
A análise engendra pela perspectiva evolutiva dinâmica, o que
possibilita entender a cidade como um conjunto, pois adentramos pelos momentos
de ruptura ampliações importantes até a sua estabilidade e avanços bruscos que
resultaram em impactos na cidade como um todo. Assim, ainda que nossa leitura
percorra a configuração da paisagem atual, sabemos que esta é, também, um
período “transitório da evolução”, com partes mais estáveis ou mais dinâmicas.
Ao analisar a macroestrutura da cidade, observamos o conjunto e os
elementos característicos que reforçam a interferência direta dos cursos d’água na
construção da fisionomia urbana, com ênfase ao papel dos cursos d’água quanto ao
capítulo 7 – microbacias hidrográficas entre
permanências e dinâmicas no tecido urbano
237
crescimento e adensamento urbanos, bem como destacar sua presença nos mais
diferentes períodos de construção do ambiente construído de Londrina.
Assim, a formação da estrutura urbana da cidade foi esboçada no
planejamento regional definido pelos ingleses, constituindo o que hoje denominamos
como rede norte paranaense, sendo o tecido urbano com sedimentação histórica a
área localizada na margem esquerda do Ribeirão Cambé, cujo processo de
transformação foi mais intenso entre 1960 e 1980, dada a expansão de novos
loteamentos concomitante com a verticalização da área mais antiga.
O traçado rural e o parcelamento do solo são os principais
elementos de caracterização do Setor Norte de Londrina, cujo processo de
consolidação está em curso, definindo novas áreas de atratividade e indução de
crescimento, bem como a transformação do próprio tecido, reforçando a
dinamicidade desta região de Londrina. Em relação ao Setor Sul, verificamos que
seu tecido ainda está em estágio inicial de formação, especialmente pela franca
expansão dos condomínios fechados horizontais de alto padrão, cujo processo de
consolidação é mais acelerado se comparado com as duas áreas anteriores.
A relação intraurbana do tecido urbano é mais bem compreendida
pelos mapas de evolução, onde estão demarcadas as continuidades ou
descontinuidades de crescimento, especialmente pela ampliação do núcleo urbano
original. Outro aspecto importante da análise intraurbana consiste em identificar os
elementos reguladores do crescimento, os quais condicionam ou determinam o
crescimento. “Fisicamente, o crescimento das cidades pode ser regulado pela
relação entre dois tipos de elementos: aqueles que organizam a expansão (linhas e
polos) e aqueles que as contém (barreiras e limites).” (PANERAI, 2006, p. 60).
Com esse mapeamento e a análise temporal, marcamos as
transposições aos limites iniciais, quanto aos cursos d’água, criando-se a distinção
entre centro e periferia. A diferenciação do desenho das quadras e lotes também
revela essa adição de traçados e tecidos urbanos, o que provoca a criação de linhas
axiais para o sistema viário. Para que esta análise se tornasse mais clara,
contrapomos a situação anterior da área com a atual, verificando o crescimento
descontínuo, isto é, as rugosidades, no conceito de Milton Santos (1986).
Para cada uma das microbacias urbanas, identificamos também a
existência de pontos específicos com atividades distintas de outros pontos, tornando
capítulo 7 – microbacias hidrográficas entre
permanências e dinâmicas no tecido urbano
238
a cidade polinucleada, em que a modificação da periferia e do centro principal se
distingue, pois a consolidação da área mais antiga não processa dinâmicas e
transformações como o que ocorre no Setor Sul, ainda em fase de construção e no
setor Norte, pela reestruturação e valorização de suas principais vias arteriais.
Nessas análises, foram observadas se o crescimento e ordenamento territorial
definiram novos parâmetros urbanísticos para que a adequação das transformações
estivesse legitimado ou, ao contrário, as ações de planejamento induziram-nas.
7.1 O
RDENAMENTO
T
ERRITORIAL
O
P
APEL
D
O
P
LANO
D
IRETOR
D
E
1998
Em meados dos anos 1980, Londrina já contabilizava quase 300.000
habitantes, atingindo índices de urbanização elevados, especialmente pela sua
condição de cidade média e sua jovialidade
21
. Os dados populacionais,
apresentados na tabela abaixo, demonstram que a taxa de crescimento diminui, a
partir do censo de 1980. No entanto o fluxo contínuo da migração eleva a população
urbana, ultrapassando 400.000 habitantes no final dos anos 1990 e, atualmente,
esse número é superior a 500.000 habitantes (IBGE, 2009).
Tabela 6: Evolução da População urbana e rural de Londrina pelos Censos Demográficos
População
Pop.
urbana
% Pop. Rural % Total
Tx. Cresc.
Anual
Ano
1950 34.230 47,93 37.182 52,02 71.412 -
1960 77.382 57,40 57.439 42,60 134.821 6,60
1970 163.528 71,69 64.573 28,31 228.101 5,40
1980 266.940 88,48 34.771 11,52 301.711 2,82
1991 366.676 94,00 23.424 6,00 390.100 2,36
2000 433.264 96,96 13.585 3,04 446.849 2,02
Fonte: IBGE (1950, 1960, 1970, 1980, 1991 e 2000)
A consolidação do caráter urbano de Londrina se efetivou, como
discutimos no capítulo anterior, nos anos 1980 e se consolidou na década seguinte,
principalmente com a implantação de novos equipamentos na área urbana, bem
como condomínios residenciais fechados de alto padrão na zona sul da cidade,
incrustados em meio à área rural.
Concorrem, para esses fatores de crescimento urbano, as
21
Essa hierarquia de cidades é dada pelo IBGE. No entanto, uma avaliação acerca dessa rigidez
classificatória se faz necessário. Londrina completou 75 em 10 de dezembro de 2009.
capítulo 7 – microbacias hidrográficas entre
permanências e dinâmicas no tecido urbano
239
regulamentações de ordenamento territorial da municipalidade, que, depois de 30
anos do Plano Diretor de 1968, aprovou em 20 de julho de 1998 a Lei nº 7.482/1998,
instituindo o Plano Diretor do Município de Londrina. Fica claro na definição da
referida lei, em seu artigo 1º que a cidade funcional (habitação, trabalho, circulação e
lazer) apoiou as políticas de ordenamento territorial, apesar de ponderar a
problemática ambiental e o desenvolvimento local, bem como abranger a área rural.
Com instrumento de ordenamento físico-territorial, podemos
considerar que este Plano Diretor avançou por abordar questões locais e ambientais
em suas discussões, alinhando-se com as preocupações que culminaram no
Estatuto das Cidades (2001). Isso porque o documento de discussão elaborado em
1995 apresenta uma leitura da cidade não apenas pela ótica da municipalidade, pois
a equipe do IPPUL contou com a contribuição da sociedade civil. O avanço, pelo
menos, no plano teórico, indicava que a cidade resulta da ação de múltiplos agentes,
cabendo ao poder público municipal a orientar e delinear tais ações no processo de
urbanização, pois
A recuperação do papel ativo da prefeitura permite-lhe reconhecer os
agentes reais que intervém no processo de construção da cidade e então
articular a ação dos diversos agentes públicos e privados em prol do
desenvolvimento social, indicando também mecanismos idôneos para a
participação mais ativa e flexível da iniciativa privada. (IPPUL, 1995, p.1).
Essas definições colocam em evidência a preocupação com os
elementos naturais frente à ocupação urbana, em que se busca a adequação
ambiental sem desprezar o crescimento e adensamento urbano. Somam-se a estas,
as diretrizes relacionadas ao planejamento ambiental, sendo princípios e diretrizes:
I – ampliação, recuperação e monitorização das áreas verdes do Município;
II criação de parques intra e extra-urbanos, com recomposição intensiva
da vegetação;
III criação de amplos espaços públicos abertos, principalmente na região
centro-norte;
IV recuperação e preservação da vegetação das áreas das nascentes e
dos fundos de vale;
V – melhoria, proteção e programas de despoluição dos recursos hídricos;
VI – prevenção e combate à degradação do solo;
VII – implantação e implementação de programas de monitorização da
qualidade do ar;
VIII implantação e desenvolvimento do plano de coleta e disposição final
de resíduos sólidos.
(PREFEITURA MUNICIPAL DE LONDRINA, 1998, p. 6-7)
Essas referências são importantes porque deixam claro que o
processo de construção do ambiente urbano se apropria dos elementos naturais,
sendo que sua interferência é direta, seja como limitadores iniciais ou como
capítulo 7 – microbacias hidrográficas entre
permanências e dinâmicas no tecido urbano
240
elementos de especulação imobiliária, o que nem sempre significa o bom uso
desses recursos naturais. No entanto, não observamos a efetivação dessas
questões no registro de campo, especialmente acerca do tratamento dos corpos
d’água enquanto elemento fundamental nas cidades, na visão socioambiental, e não
meramente pelos aspectos visuais, estéticos e funcionais, isoladamente.
Apresentamos, o quadro de uso e ocupação do solo em vigor, datado de 1998, e,
em seguida, os registros de campo, para a formulação da paisagem característica de
cada microbacia urbana, pontuando as relações intraurbanas existentes entre elas
para a configuração da totalidade.
Como dissemos, a cidade não possui uma única paisagem, mas
heterogeneidades, que apropriam-se dos elementos naturais, constituindo diferentes
tecidos urbanos, o que resulta em lugares característicos, que, por vezes,
sobrevivem a imposição de elementos ditos como modernos. Nesse particular,
percorremos a identificar permanências, elementos estruturantes da gênese de cada
uma das áreas analisadas e as dinâmicas, pela transformação processada a partir
das leis urbanísticas e dos agentes promotores e ou incentivadores da inserção de
novos elementos urbanos, evidenciando os impactos e transformação às margens
dos cursos d’água.
capítulo 7 – microbacias hidrográficas entre permanências e dinâmicas
no tecido urbano
241
Sigla Definição, atividades e usos MAPA DE ZONEAMENTO CONFORME LEI N.º 7.485/1998
ZR1
Zona residencial, de baixa densidade, com lote mínimo de 500,00m², com usos conformes de equipamentos urbanos
de vizinhança;
ZR2
Zona residencial, de baixa densidade, com lote mínimo de 300,00m², com usos conformes de equipamentos urbanos
de vizinhança;
ZR3
Zona residencial, de média densidade, com lote mínimo de 250,00 m², com usos conformes de equipamentos urbanos
e comércio e serviços;
ZR4
Zona residencial, de média densidade, com lote mínimo de 250,00 m², com usos conformes de equipamentos
urbanos, comércio, serviços, e industriais virtualmente sem riscos ambientais;
ZR5
Zona residencial, de alta densidade, com lote mínimo de 360,00 m², com usos conformes de equipamentos urbanos
comércio, serviços, industriais virtualmente sem riscos ambientais e geradores de ruídos noturnos;
ZR6
Zona residencial, de alta densidade, com lote mínimo de 360,00 m², com usos conformes de equipamentos urbanos
com usos conformes de equipamentos urbanos e comércio e serviços;
ZC1
Zona central, atividade característica de centro urbano, única e principal, onde todo tipo de comércio e prestação de
serviços são natural e historicamente desenvolvidos e que deve-se incentivar a maior variedade possível na oferta de
serviços e comércio varejista, recreação, pontos de encontro e convívio social. Não deve ser excluída a habitação.
Lote mínimo de 500,00 ; os usos permitidos são residencial, equipamentos urbanos de vizinhança, comércio e
serviços e geradores de ruídos diurnos e noturnos;
ZC2
Zona de expansão da zona central, consolidada, visa a estimular a concentração de atividades de comércio varejista e
a prestação de serviços assemelhadas às da área central; Os usos permitidos são residencial, equipamentos urbanos
de vizinhança, comércio e serviços e geradores de ruídos diurnos e noturnos; Lote mínimo de 500,00 m².
ZC3
Zona de apoio da área central, com atividades semelhantes às da área central, ao longo dos corredores viários e
áreas centrais de bairros, visa a estimular a concentração de atividades que exigem áreas mais amplas e que
apresentam certas características incômodas ao centro principal; Os usos permitidos são residencial, equipamentos
urbanos de vizinhança, comércio e serviços, industriais virtualmente sem riscos ambientais, podendo ser estes usos
geradores de ruídos diurnos e noturnos ou ainda, polos geradores de tráfego; Lote mínimo de 360,00 m².
ZC4
Zona corredor ao longo do sistema viário e de centro de bairros. Lote mínimo de 360,00 m². Em caso de uso
residencial, atender os parâmetros urbanísticos da zona residencial que os envolve; Os usos permitidos são
residencial, equipamentos urbanos de vizinhança, comércio e serviços, industriais virtualmente sem riscos ambientais,
podendo ser estes usos geradores de ruídos diurnos e noturnos ou ainda, polos geradores de tráfego;
ZC5
Localizada principalmente ao longo das rodovias regionais, visa a estimular a concentração de comércio e serviços de
interesse regional, atendendo na região polarizada pela cidade a qualquer tipo de comércio e serviço em grande
escala; lote mínimo de 450m²; Os usos permitidos o residencial, equipamentos urbanos de vizinhança, comércio e
serviços, industriais virtualmente sem riscos ambientais, podendo ser estes usos geradores de ruídos diurnos e
noturnos ou ainda, polos geradores de tráfego;
ZC6
Zona de comércio local. Visa estimular a concentração de estabelecimentos comerciais e de serviços destinados a
atender as necessidades cotidianas e imediatas de abastecimento e serviços, fortalecendo a centralidade dos bairros.
lote mínimo de 250,00 m²; As edificações mistas deverão atender aos parâmetros da zona comercial, e as edificações
estritamente residenciais deverão adotar as normas para a zona que as envolve.
ZI1
Destinada à implantação de indústrias classificadas em virtualmente sem riscos ambientais; lote mínimo de 1.000m²;
Admite-se o uso residencial quando previsto na aprovação do loteamento e tiver isolamento por logradouro público
com no mínimo 20m (vinte metros) de largura, observadas as normas da Zona Residencial 3.
ZI2
Destinada à implantação de indústrias classificadas em virtualmente sem riscos ambientais ou de risco ambiental leve;
lote mínimo de 2.000m² (dois mil metros quadrados);Admite-se o uso residencial quando previsto na aprovação do
loteamento e tiver isolamento por logradouro público com no mínimo 20m (vinte metros) de largura, observadas as
normas da Zona Residencial 3.
capítulo 7 – microbacias hidrográficas entre permanências e dinâmicas
no tecido urbano
242
ZE
As Zonas Especiais destinam-se a uso com finalidade específica, quer modificando a realidade urbana existente, quer criando situações urbanas novas, devendo toda intervenção nessa Zona ser objeto de
estudo por parte do Poder Público Municipal.
ZE1
Zona Especial de Equipamentos Institucionais
I – Aeroporto;
II – Câmpus Universitário;
III – Zona Especial de Combustíveis;
IV – Autódromo Internacional Ayrton Senna e Estádio do Café;
V – IAPAR.
ZE 2
Zona Especial de Ocupação Controlada (ZEOC), destina-se a regular áreas de interesse específico de proteção do
patrimônio cultural, histórico, artístico e paisagístico. deve-se procurar manter a área com tipologias distintas,
espaços e edificações significativas, fortalecendo a identidade e promovendo o senso de comunidade. Subdivide-
se em:
Zona Especial de Ocupação Controlada Casoni (ZEOC Casoni) ou ZE-2.1;
Zona Especial de Ocupação Controlada Heimtal (ZEOC Heimtal) ou ZE-2.2.
ZE 3
Zona Especial de Fundo de vale e de Preservação Ambiental, destina-se prioritariamente à formação de parques
contínuos, visando à preservação ambiental e à recreação.
ZE 4
A Zona Especial de Estudo destina-se à implantação de projetos específicos, os quais terão normas próprias à
vista de seu uso ou ocupação especial. Classificam-se em:
Zona Especial de Estudo do Novo Aeroporto ou ZE-4.1;
Zona Especial de Estudo da área de influência do Contorno Rodoviário Metropolitano Norte ou ZE-4.2;
Zona Especial de Estudo da área de influência do Contorno Leste ou ZE-4.3;
Zona Especial de Estudo em áreas de preservação ambiental assim classificadas na Lei de Parcelamento do Solo,
para implantação de novos parcelamentos ou ZE-4.4;
Zona Especial de Estudo do Centro de Eventos ou ZE-4.5.
A ZE-4 poderá ser enquadrada, após estudos, como ZE-1, ZE-2 ou ZE-3.
Figura 110: Macrozoneamento Urbano de Londrina. Fonte: IPPUL, 1998.
capítulo 7 – Microbacias hidrográficas entre
permanências e dinâmicas no tecido urbano.
243
7.2 E
XPANSÃO DA
E
STRUTURA
U
RBANA DE
L
ONDRINA
:
DO
C
ENTRO
H
ISTÓRICO AO
E
NVOLVIMENTO DAS
M
ICROBACIAS NA
M
ODELAGEM DO
T
ECIDO
U
RBANO
Neste item apresentamos a análise do processo de estruturação
urbana de Londrina, desde a constituição do seu centro histórico, até o panorama
contemporâneo, com o intuito de apreender a sua evolução até a presente data.
Como um importante recurso metodológico, além dos mapas históricos e temáticos,
que foram construídos e utilizados, a análise contou também com muitas pesquisas
de campo, com anotações de caderneta, fotografias, imagens panorâmicas e croquis
realizados durante a pesquisa.
De posse do registro de campo, podemos identificar e confrontar os
dados cartográficos históricos e as plantas georreferenciadas de Londrina, buscando
identificar os “elementos reguladores” (PANERAI, 2006) do crescimento urbano e
suas relações com os corpos d’água. Partimos da paisagem dos dias atuais, na qual
as permanências e as dinâmicas estão materializadas, moldando, definindo e
redefinindo as várias “sub-paisagens” nesse contexto.
Na microbacia do Ribeirão Cambé encontramos a área mais
consolidada da cidade, cujo crescimento foi orientado pela topografia e cursos
d’água. Esta é a “sub-paisagem” marcante em Londrina, pois constitui-se por traços
das dinâmicas e permanências justapostos e entrepostos, especialmente quando
captamos os volumes edificados: são casas de madeira e assobradadas em
alvenaria, entre edifícios de habitação coletiva ou uso misto, os quais comportam
estilos arquitetônicos de diversas épocas, como a chegada dos pioneiros, o registro
da pujança cafeeira dos fazendeiros de café, a verticalização das cidades modernas,
com a oferta do comércio e serviços vicinais.
Somam-se, ainda, nessa microbacia, as linhas predominantemente
comerciais, como a Avenida Paraná, Higienópolis, JK e Rua Sergipe. Quanto mais
ao sul do Lago Igacaminhamos, maior é a diversidade de comércio e serviços,
desde concessionárias de veículos importados e de serviços, como as redes
bancárias, de supermercados, de farmácias, de escolas de línguas, além de vários
bares e restaurantes que conferem à área mais antiga de Londrina uma
heterogeneidade de atividades. Essa impressão é da escala humana, que permite a
capítulo 7 – Microbacias hidrográficas entre
permanências e dinâmicas no tecido urbano.
244
diferenciação detalhada de uso e ocupação do solo, dando-nos parâmetros das
permanências e dinâmicas a nível setorial.
A visão panorâmica da microbacia do Ribeirão Cambé permite
distinguir os traços gerais da estrutura urbana, sobre a qual se assentam os
elementos que a caracterizam, tais como as quadras, os lotes, as avenidas, as ruas
e os edifícios. Essa macroestrutura é registrada e identificada por croquis no quadro
evolutivo (figuras111, 112, 113 e 114).
A área do primeiro percurso de campo compreende a região central
de Londrina, ou ainda, o tecido urbano constituído por sedimentação histórica
(PANERAI, 2006). Esse tecido não deve ser entendido como o fragmento estático ou
estagnado da cidade, pois, apresenta transformações, ainda que em menor grau,
quando comparado às outras duas microbacias em análise neste trabalho e detém
alta significação na memória coletiva da população, sendo símbolo da cidade dois
elementos reguladores e definidores desta área: o traçado urbano do quadrilátero
central, hoje, altamente verticalizado e o Lago Igapó, cujas margens têm passado
por um processo de revalorização e adensamento, prolongando a verticalização
presente no tecido histórico. Essa reconfiguração espacial é mais nítida na vertente
direita, notadamente na região antes delimitada como Fazenda Palhano.
A constituição de áreas adensadas por edifícios de múltiplos
pavimentos na vertente direita do Ribeirão Cambé caracteriza a continuidade de
crescimento e adensamento da área central, modificando as funções
desempenhadas pelo Lago Igapó, sob o ponto de vista da estrutura urbana. Se, na
fase inicial, o Ribeirão Cambé constituía-se como uma barreira ao crescimento,
juntamente com a Fazenda Palhano, hoje são elementos que permitem o
crescimento em extensão, prolongando a paisagem do centro histórico,
consolidado.
No empreendimento de organização espacial, definida pela CTNP, o
parcelamento da região norte paranaense em lotes rurais e núcleos urbanos definiu
a estrutura urbana de Londrina, interpondo sobre o traçado, elementos reguladores
de construção da cidade, sendo estes elementos fatos urbanos, que se passam a
caracterizar a fisionomia urbana em construção.
O traçado ortogonal pode ser entendido como um tipo urbano
aplicado na formação de cidades novas e é uma constante na historiografia urbana.
capítulo 7 – Microbacias hidrográficas entre
permanências e dinâmicas no tecido urbano.
245
Mesmo sendo um elemento homogêneo, sua configuração nem sempre é idêntica
no processo de formação de cidades novas, pois podem sofrer alterações, conforme
as necessidades de cada época e também sofrem adequações relacionadas aos
aspectos socioeconômicos, fisiográficos, políticos e culturais da própria sociedade
que se apropria deste elemento e o concretiza sobre o sítio escolhido.
Os tipos urbanos da cidade de Londrina estão intrínsecos ao seu
processo de crescimento, o que permite definir a cidade em constante processo de
transformação temporal, explicitando o caráter dinâmico de crescimento e
adensamento, a partir da identificação dos elementos reguladores, que, por sua vez,
assumem, o papel de tipos urbanos. São eles:
a) Linhas de crescimento: Rodovia Celso Garcia Cid, Ribeirão
Cambé, hipsometria, a rede férrea e a fixação de núcleos
urbanos sobre esse eixo e, posteriormente, Avenida Saul Elkind,
Avenida Higienópolis, Avenida Maringá, Avenida 10 de
Dezembro, as quais permitem a conexão entre os diferentes
tecidos urbanos de Londrina;
b) Pólo de crescimento: quadrilátero central, ferrovia, BR-369,
Aeroporto, PR-445, Ribeirão Cambé, Gleba Palhano e Centro
Cívico Bento Munhoz da Rocha, nas microbacias do Ribeirão
Cambe e Esperança Uel e Unopar e a Avenida Saul Elkind,
Avenida Wilson Churchill, Avenida 10 de Dezembro, no Setor
Norte da cidade.
São os elementos reguladores que organizam a expansão urbana da
cidade, definindo a direção do crescimento, a relação com o sítio, e a formação de
barreiras e limites como bordas do tecido urbano, que, à medida que se consolida,
rompe com essas bordas, constituindo novos limites ou, ainda, a partir do próprio
limite induz o adensamento das áreas em consolidação.
As linhas de crescimento de Londrina reportam à organização do
tecido urbano, configurando o processo de expansão do tecido num primeiro
momento, e, posteriormente, induzem o crescimento para além das suas margens,
evidenciando a estruturação subordinada ao desenho da própria rodovia,
assentando o tecido urbano a partir do topo do divisor das microbacias do Ribeirão
Cambé e do Ribeirão Lindoia/Quati.
capítulo 7 – Microbacias hidrográficas entre
permanências e dinâmicas no tecido urbano.
246
Podemos dizer, a partir dessas colocações, que a rodovia, como
linha principal de orientação do crescimento, acompanhada pela ferrovia, a norte e o
Ribeirão Cambé, a sul, definem os limites da área urbana de Londrina, entre as
décadas de 1930 a 1950. O estágio de formação do tecido urbano no espigão das
microbacias é superado, quando assumem o papel de pólos de crescimento. A
expressão pólo de crescimento foi utilizada conforme o conceito definido por Panerai
(2006), visando uma metodologia de análise das cidades sob o aspecto de suas
permanências e dinâmicas, que imprimem o tecido, atribuindo-lhe o significado de
regiões de difusão do crescimento na escala intraurbana.
A demarcação dos limites e das linhas de crescimento é
acompanhada também pela estruturação dos pólos de crescimento, os quais se
constituem pelo adensamento da área inscrita no perímetro que as próprias linhas
definiram. Assim, podemos dizer que, nas primeiras décadas, Londrina possuía o
núcleo urbano como pólo de crescimento, cercado pelos lotes rurais, atribuindo aos
elementos periféricos o sentido de barreiras, assumindo o significado de “fim” da
cidade, ponto de transição entre o espaço urbano e rural.
A dinâmica da cidade e seu destaque na rede norte paranaense
permitiu que, rapidamente, as linhas de crescimento abarcassem o sentido de pólos
de crescimento devido à presença de atividades que agregaram características
urbanas, como a instalação de comércio varejista nas proximidades da ferrovia,
residências para seus funcionários e a transposição sobre a mesma, fixando-se
indústrias de pequeno e médio porte nas margens da BR-369, em meados da
década de 1950 e, ao longo da década de 1960, a instalação do Aeroporto a
sudeste favorece a concentração de loteamentos residenciais, bem como na
vertente esquerda do Ribeirão Cambé, com a construção da barragem do Lago
Igapó, somadas às ações iniciais de saneamento dos fundos de vale.
A instalação do campus da UEL nas margens da PR-445, além de
ser uma ruptura aos limites iniciais, forma um pólo de crescimento menos dinâmico
nas décadas de 1970 e 1980, tornando-o mais consolidado com a construção do
Catuaí Shopping Center, que se assenta sobre a vertente esquerda do Ribeirão
Esperança, induzindo novos elementos de adensamento do Setor Sul de Londrina:
os condomínios residenciais horizontais fechados, no seu entorno. Com isso, a
Fazenda Palhano e o Lago Igapó, antes barreiras de crescimento, tornam-se pólos,
capítulo 7 – Microbacias hidrográficas entre
permanências e dinâmicas no tecido urbano.
247
aferindo à paisagem atual, a área de maior transformação e adensamento do tecido
urbano.
Por outro lado, no Setor Norte, os conjuntos habitacionais
destinados à HIS, na vertente direita do Ribeirão Jacutinga, marca, além do
crescimento descontínuo, a constituição da Avenida Saul Elkind como linha e pólo
de crescimento do Setor Norte, ainda em fase de consolidação, atraindo a instalação
de redes de hipermercados, empreendimentos residenciais, entre outros. A
integração dessa via com a área central foi possibilitada especialmente pela
construção da Avenida 10 de Dezembro, ainda na década de 1970, sendo o
elemento de conexão entre os dois tecidos urbanos, cada qual em uma microbacia
urbana.
As transformações e diferenças temporais dos tecidos urbanos em
Londrina também ficaram mais evidentes após a instalação do Centro Cívico Bento
Munhoz da Rocha, na margem esquerda do Lago Igapó II. A implantação desse
equipamento possibilitou a retomada do crescimento e adensamento do Setor Leste
da cidade, primeiro com a valorização das áreas que contornam o Lago, e,
posteriormente, a Avenida Inglaterra. Nos dias atuais, o processo é acentuado,
tendo como o Concurso Público para projeto do Teatro Municipal o atrativo principal,
desencadeando a implantação de outros equipamentos urbanos, conferindo também
à Avenida 10 de Dezembro e ao próprio Centro Cívico o papel de elementos
reguladores de uma nova área de atratividade imobiliária.
Os elementos reguladores permitem a análise da dinâmica urbana,
que podem ser, primeiramente, definidores das linhas de crescimento e constituição
do tecido urbano de sedimentação histórica, e, em consequência disso, tornam-se
pólos de crescimento da cidade, formando as paisagens urbanas calcadas por
aspectos sociais, culturais, econômicos, políticos e ambientais. Ao afirmarem a
dinâmica urbana no processo de consolidação do tecido, os elementos que
desempenhavam o papel de limites ou barreiras também adquirem as características
de pólos, reconfigurando a paisagem da cidade pela transposição do limite inicial,
como é o caso do Setor Leste da cidade.
No caso dessas cidades, a expansão urbana apresenta pólos de
crescimento atrelados à sua dinâmica, seja na escala intraurbana ou regional, como
é o caso de Londrina. São a rodovia e a ferrovia, que imprimem uma certa unidade à
capítulo 7 – Microbacias hidrográficas entre
permanências e dinâmicas no tecido urbano.
248
expansão do traçado urbano, conferindo o crescimento em extensão e induzem a
localização das atividades: comércio nas margens da rodovia, residências na parte
sul e indústrias de pequeno e médio portes a norte. Assumem, pois, o papel de eixos
de circulação e de orientação do ordenamento territorial, aferindo a leitura da função
regional da cidade, como principal característica da expansão urbana, quando
analisamos a microbacia do Ribeirão Cambé, entre as décadas de 1930 e 1950.
A rodovia e a ferrovia, mais do que linhas de crescimento, distribuem
e conferem ao ambiente construído, elementos de significação, reforçando a
presença de afetividade dos pólos de crescimento na escala intraurbana: a formação
do eixo cívico de norte a sul e a construção da imagem identitária da cidade,
localizada no ponto central do quadrilátero central, local de implantação da Igreja
Matriz da cidade e distribuição de espaços públicos característicos da vida cotidiana.
Os elementos que se caracterizam como pólos de crescimento se
referem ao Catuaí Shopping Center na vertente esquerda da Microbacia do Ribeirão
Esperança, cuja atratividade inverte alguns processos de estruturação da cidade:
não mais é o traçado o elemento de definição da estrutura urbana, mas o próprio
edifício, aqui representado pelo próprio shopping, responsável pela expansão
descontínua do tecido urbano no Setor Sul, definindo eixos de crescimento, como a
Avenida Madre Leônia Milito, Avenida Maringá-Ayrton Senna, Rodovia bio Gleba
Palhano e Avenida Harry Prochet.
São, pois, linhas de crescimento que se confundem com pólos,
devido às atividades econômicas que concentram, e a especulação imobiliária de
suas adjacências, especialmente pela verticalização, voltadas para habitações
coletivas e escritórios de alto padrão, condomínios residenciais horizontais fechados
de alto padrão, formando uma periferia urbana com alta atratividade, conformando o
pólo de consolidação do Setor Sul de Londrina.
Esse fenômeno indica o crescimento em extensão do Setor Sul,
destacando-se o processo acelerado de sua formação, onde estão presentes
atividades rurais como permanências da estrutura regional da década de
1930/1940; áreas residenciais consolidadas situadas às margens do Lago Igapó,
indicando sedimentos históricos, principalmente pela presença de algumas
edificações em madeira, e, que passam por processos de transformação, menos
dinâmicos que a área da microbacia do Ribeirão Esperança, justapondo áreas em
capítulo 7 – Microbacias hidrográficas entre
permanências e dinâmicas no tecido urbano.
249
consolidação e áreas em estágio inicial de formação.
São, portanto, pólos de crescimento, os elementos que definem uma
atratividade ou concentração de atividades que induzem a expansão da cidade,
demarcando a característica heterogênea de cada uma de suas partes, quando
apreendidas na totalidade da configuração espacial da paisagem urbana.
Ao tomarmos os corpos d’água como linhas direcionais e
orientadoras do sentido de crescimento da cidade, observamos que a constituição
do tecido urbano se diferencia pelas microbacias urbanas, sendo:
a) predominantemente linear na Microbacia do Ribeirão Cambé,
considerando o tecido consolidado, cujo sentido é noroeste para
sudeste; e sentido sul, cujo crescimento é contínuo pela volumetria
das edificações que afirmam o processo de consolidação da Gleba
Palhano;
b) na Microbacia do Ribeirão Jacutinga, o crescimento ocorre a
partir do espigão que divide o Setor Norte da área central de
Londrina, tendo os corpos d’água como barreiras e resultam na
formação de tecidos descontínuos, e, consequentemente, com
distintas características, configurando-se duas paisagens
diferenciadas tanto pelo desenho do traçado quanto pela volumetria
da massa edificada.
c) multidirecional, ocupando as duas vertentes do Ribeirão
Esperança de forma acelerada e voraz, substituindo grande parte
das atividades rurais por atividades urbanas, que convivem com
interstícios de tecidos rurais;
A caracterização dos tipos de crescimento em linhas direcionais, a
partir das Microbacias, explicita também os elementos reguladores da estrutura
urbana, notadamente nas relações intraurbanas, isto é, a formação de tecidos
contínuos ou descontínuos, destacando os elementos de organização da estrutura
urbana, que podem sofrer alterações em função dos fenômenos urbanos que
materializam a dinâmica da cidade.
capítulo 7 – Microbacias hidrográficas entre permanências e
dinâmicas no tecido urbano.
250
Esquema de Evolução Tecido Urbano de Londrina entre as décadas de 1930 e 2000
Figura 111: Esquema volumétrico da área central de Londrina, como primeiro ponto
de formação do tecido urbano da cidade, com destaque aos equipamentos e
espaços públicos no eixo central do tabuleiro xadrez, sendo em vermelho a
marcação da Igreja Matriz, ladeada por espaços públicos praça e bosque.
Paisagem urbana décadas 1940 a 1960. Desenho: Jean Fogaça, 2010.
Figura 113: Crescimento em extensão sobre a Microbacia do Ribeirão Cambé, tendo
o Lago Igapó como barreira ao crescimento e, até mesmo, limite. Ao fundo, a
transposição da ferrovia, que passa de limite à pólo de crescimento, induzindo a
ocupação de parte da Microbacia do Ribeirão Jacutinga. Paisagem urbana décadas
1960 a 1970. Desenho: Jean Fogaça, 2010.
Figura 114: transposição das barreiras anteriores, tornando o Lago Igapó e a a
ferrovia pólos de crescimento. Ao fundo, em vermelho, a início da ocupação da
Microbacia do Ribeirão Jacutinga, engendrada pelas ações governamentais, com
financiamento do BNH para a construção de conjuntos habitacionais de baixa renda.
Paisagem Urbana décadas 1970 a 1980. Desenho: Jean Fogaça, 2010.
Figura 112: Esquema volumétrico da paisagem urbana de Londrina, em meados da década de 1990 e início dos anos 2000, marcando a expansão no vetor Sul, com
crescimento contínuo, em relação a Área Central, notadamente com a instalação do Catuaí Shopping Center na vertente esquerda do Ribeirão Esperança, induzindo o
adensamento da antiga área “Fazenda Palhano”. Ao mesmo tempo, destaque para a verticalização do tecido histórico, com transformações consolidadas nesse mesmo
período, conformando uma cidade mais compacta e vertical ao centro, rodeada pelo tecido mais espraiado e horizontal. Desenho: Jean Fogaça, 2010.
capítulo 7 – microbacias hidrográficas entre permanências e
dinâmicas no tecido urbano.
251
Crescimento de Londrina por décadas e relação com as Microbacias Urbanas (1934 a 2009)
Na análise do crescimento de Londrina, na década de
1930, destacam-se as barreiras: Fazenda Palhano e
Quati. A tendência de crescimento aponta como pólo,
o espigão que divide as Microbacias do Ribeirão
Cambé e os afluentes da Microbacia do Ribeirão
Jacutinga, Ribeirão Lindóia e Quati. As nascentes dos
corpos d’água caracterizam-se como limites ao
crescimento na formação do tecido urbano inicial e a
rodovia e a ferrovia são linhas de crescimento.
Figura 115: Análise Urbana, década de 1930 com os elementos de estruturação urbana.
capítulo 7 – microbacias hidrográficas entre permanências e
dinâmicas no tecido urbano.
252
Crescimento de Londrina por décadas e relação com as Microbacias Urbanas (1934 a 2009)
Na análise do crescimento de Londrina, na
década de 1940, destacam-se os loteamentos
descontínuos ao tecido preexistente. As linhas
de crescimento e os limites se mantêm, com
poucas alterações em relação ao período
anterior, reforçando o tecido histórico como
pólo de crescimento e transformação da cidade.
Ainda que haja a disjunção entre áreas, os
corpos d’água aparecem como barreiras ao
crescimento, concentrando as atividades
urbanas inscritas a seu perímetro.
Figura 116: Análise Urbana, década de 1940 com os elementos de estruturação urbana.
capítulo 7 – microbacias hidrográficas entre permanências e
dinâmicas no tecido urbano.
253
Crescimento de Londrina por décadas e relação com as Microbacias Urbanas (1934 a 2009)
Análise do crescimento de Londrina na década
de 1950. Os corpos d’água como barreiras ao
crescimento é reforçado, pelo sentido linear de
crescimento no sentido noroeste-sudeste,
especialmente com a construção do Jardim
Sangri-lá A no prolongamento da ferrovia, e, do
lado oposto a implantação do Aeroporto em
1956. o crescimento em extensão ocorre na
porção oeste e sul do tecido preexistente,
conformando entre os corpos d’água (Ribeirão
Cambe, Quati e Lindóia) o pólo de crescimento
e consolidação da área urbana de Londrina,
avançando sobre o parcelamento rural. As
linhas de crescimento se reforçam.
Figura 117: Análise Urbana, década de 1950 com os elementos de estruturação urbana.
capítulo 7 – microbacias hidrográficas entre permanências e
dinâmicas no tecido urbano.
254
Crescimento de Londrina por décadas e relação com as Microbacias Urbanas (1934 a 2009)
Análise do crescimento de Londrina na década
de 1960. Crescimento descontínuo nas bordas
dos corpos d’água, que ainda representam a
barreira ao crescimento, acentuado pelo
adensamento na porção noroeste, o que
explicita a importância da ferrovia e da rodovia
na organização espacial de Londrina. A Uel
demarca um novo pólo de crescimento,
transpondo a barreira da Fazenda Palhano e do
Lago Igapó. O crescimento antes descontínuo,
abarca a expansão em extensão, seguindo o
sentido inicial, mas agora aproximando-se das
bordas. Para facilitar o adensamento, surgem
novas linhas de crescimento, com destaque as
vias norte-sul.
Figura 118: Análise Urbana, década de 1960 com os elementos de estruturação urbana.
capítulo 7 – microbacias hidrográficas entre permanências e
dinâmicas no tecido urbano.
255
Crescimento de Londrina por décadas e relação com as Microbacias Urbanas (1934 a 2009)
Análise do crescimento de Londrina na década
de 1970, marcando a descontinuidade do
traçado urbano entre a área central e o Setor
Norte e o crescimento em extensão na no
sentido sul, ocupando praticamente toda a
vertente esquerda do Ribeirão Cambé. A
Fazenda Palhano mantém como barreira ao
crescimento, ao contrário do Lago Igapó, com o
adensamento de parte da sua margem direita.
Figura 119: Análise Urbana, década de 1970 com os elementos de estruturação urbana.
capítulo 7 – microbacias hidrográficas entre permanências e
dinâmicas no tecido urbano.
256
Crescimento de Londrina por décadas e relação com as Microbacias Urbanas (1934 a 2009)
Análise do crescimento de Londrina na década
de 1980, com adensamento na vertente
esquerda do Ribeirão Lindóia, adensando o
Setor Norte, que se conecta a área central por
meio das vias arteriais. Entre a BR-369, pólo de
crescimento nas margens do Ribeirão Quati e a
Avenida Saul Elkind, o crescimento é
descontínuo e esparso, indicando o
adensamento da vertente esquerda do Ribeirão
Quati, aproximando-se dos primeiros conjuntos
destinados a HIS, no extremo norte. Os limites
demarcados nas décadas de 1960 e 1970
pouco se alteram.
Figura 120: Análise Urbana, década de 1980 com os elementos de estruturação urbana.
capítulo 7 – microbacias hidrográficas entre permanências e
dinâmicas no tecido urbano.
257
Crescimento de Londrina por décadas e relação com as Microbacias Urbanas (1934 a 2009)
Análise do crescimento de Londrina, na década de
1990, com concentração do crescimento na vertente
direita do Ribeirão Cambé e formação de pólo de
crescimento pela PR-445, com a implantação do Catuaí
Shopping Center. As alterações no setor Norte são
mínimas, com adensamento por lançamento de
loteamentos privados, que caracterizam o crescimento
em extensão no sentido leste-oeste, com pouca
conexão com a demais áreas da cidade.
Figura 121: Análise Urbana, década de 1990 com os elementos de estruturação urbana.
capítulo 7 – microbacias hidrográficas entre permanências e
dinâmicas no tecido urbano.
258
Crescimento de Londrina por décadas e relação com as Microbacias Urbanas (1934 a 2009)
Análise do crescimento de Londrina, após a aprovação
do Plano Diretor de 1998, em que se destacam: a
verticalização da Gleba Palhano, consolidando-a como
pólo de crescimento; bem como a Av. Saul Elkind no
Setor Norte. A região leste também tem sido foco de
atenção dos empreendedores imobiliários, com a
instalação de áreas comerciais e residenciais para a
classe média, transformando a Av. Harry Prochet em
pólo e linha de crescimento.
Figura 122: Análise Urbana, dos anos 2000 com os elementos de estruturação urbana.
capítulo 7 – microbacias hidrográficas entre permanências e
dinâmicas no tecido urbano.
259
Quadro Síntese da Análise de Crescimento Urbano de Londrina – elementos de análise urbana
MICROBACIAS URBANAS
Elementos de análise
do crescimento
Cambé Jacutinga [Quati-Lindoia] Esperança
Conformação inicial da
CTNP
Espigão – núcleo urbano Parcelamento de lotes rurais
Parcelamento de lotes rurais e presença de fazendas particulares
(destaque Palhano)
Período de ocupação intensa
para fins urbanos
Década de 1940, 1950 e 1960 retomando 1980 e 1990 Década de 1970 e 1980 Década de 1990 e 2000
Predominância de
uso e ocupação
Residencial, Comércio e Serviços Conjuntos Habitacionais, habitações unifamiliares, geminadas e seriadas
Equipamentos regionais de comércio e serviços, condomínios
horizontais residenciais
Tipologia de
civilização
Urbanizada Urbanizada Sociedade em rede e de fluxos
O papel
dos
cursos
d’água
Macro Drenagem urbana;
Saneamento básico (esgoto e água);
Cenário bucólico – presença da natureza no ambiente urbano;
Drenagem urbana;
Receptor de resíduos urbanos in natura;
Abrigo – ocupações irregulares;
Barreira ao crescimento até os anos 1960 e depois apropriado
pela especulação imobiliária;
capítulo 7 – microbacias hidrográficas entre permanências e
dinâmicas no tecido urbano.
260
Influências da legislação
urbana
Construções na margem direita do Cambé;
Verticalização e alta densidade do núcleo central;
Vias marginais, contornando o lago;
Alto padrão de edifícios e residências;
eixos viários estruturais – transposição sul e ligação norte;
Definição dos CILOS – instalação de indústrias nas margens do Ribeirão
Quati;
Implantação de Conjuntos Habitacionais;
Zoneamento de unidades habitacionais unifamiliares de baixa densidade, no
início com proibição de instalação de atividades comerciais e de serviços;
Alteração da legislação de 1984, pelo Plano Diretor de 1998,
permitindo a verticalização da Gleba Palhano;
Definição de capítulo específico na lei de uso do solo para a
construção de loteamentos fechados, leia-se condomínios
fechados de alto padrão em Zonas Especiais de Proteção
Ambiental;
Ações de intervenção
administrativa
Abertura de vias, Projeto FRIDEN e CURA
Política Habitacional e indução de instalação de indústrias, nem sempre
atendendo as necessidades da cidade;
Alteração do Plano Diretor de 1968, em 1998, permitindo a
ocupação da área rural; Alteração do traçado viário e abertura de
novas vias arteriais;
Paisagem síntese das microbacias:
imagens representativas da configuração espacial
(desenhos de Elmar Vieira, 2010)
Tendências
Continuidade da verticalização sobre a Microbacia do Ribeirão Esperança
e formação de condomínios residenciais fechados nas proximidades do
Catuaí Shopping Center.
Consolidação da Avenida Saul Elkind e melhorias nas unidades unifamiliares e
continuidade das políticas habitacionais assistencialistas.
Diluição das fronteiras rurubarnas.
capítulo 7 – Microbacias hidrográficas entre
permanências e dinâmicas no tecido urbano.
261
As formas de crescimento de Londrina reforçam a importância e a
presença dos corpos d’água como um dos fortes elementos estruturadores,
assumindo ora o caráter de limites e barreiras de crescimento, ora pólos indutores
do adensamento. Podemos caracterizar cada microbacia por uma tipologia de tecido
urbano que mais predomina, não excluindo os demais tipos. (figura 123).
Figura 123: Caracterização do tecido urbano e relação com bacias hidrográficas.
A Microbacia do Ribeirão Cambé possui tanto tecidos urbanos com
sedimentação histórica quanto em consolidação, distinguindo a paisagem urbana
(figura 124). A sua vertente esquerda destaca-se no tecido urbano, face ao
adensamento de edifícios de múltiplos pavimentos, enfileirados ortogonalmente,
capítulo 7 – Microbacias hidrográficas entre
permanências e dinâmicas no tecido urbano.
262
expressando a malha do tabuleiro de xadrez como um elemento regulador da
estrutura urbana, já consolidada e com poucos indícios de dinâmicas, os quais são
pontuais e pouco interferem no conjunto dessa estrutura.
Figura 124: Elementos da estrutura urbana de Londrina. Fonte: Acervo da autora, 2009.
A área inicial da cidade encontra-se consolidada, sendo as
permanências mais expressivas do que as dinâmicas urbanas, pois o adensamento
e crescimento vertiginoso ocorreram durante a fase de expansão na direção norte,
com a transposição das barreiras iniciais. sua vertente direita, na direção sul,
ainda não está totalmente consolidada, com áreas em franca expansão, retomadas
pela apropriação da microbacia do Ribeirão Esperança entre os anos 1980 e 1990 e,
com maior dinâmica, nos últimos dez anos.
O processo de verticalização, a reestruturação do sistema viário e a
inserção de vias predominantemente comerciais e de serviços, mostram-se como
elementos de transformação da paisagem, consolidando a continuidade entre essas
duas microbacias, cabendo ao lago Igapó o papel de conector entre ambas áreas,
pelas vias que transpõe suas margens, substituindo seu aspecto de barreira.
Com isso, as ações de readequação e intervenção urbana tornam-se
necessárias para que seja consolidado como um parque linear, assumindo sua
importância na estruturação e configuração urbana, com funções de amortecedor
dos problemas ambientais, exigindo estudos mais detalhados para a reversão do
processo de degradação e assoreamento, bem como com a criação de áreas
recreativas com atividades diversificadas.
capítulo 7 – Microbacias hidrográficas entre
permanências e dinâmicas no tecido urbano.
263
capítulo 7 – Microbacias hidrográficas entre
permanências e dinâmicas no tecido urbano.
264
Figura 125: Verticalização da Vertente direita do Ribeirão Cambé em direção a microbacia do
Ribeirão Esperança, criando continuidade com a área central. Presença de vazios urbanos e
atividades rurais. Org. Pantaleão, 2010.
A integração da área central com o Setor Norte, é menor que a do
Setor Sul, revelando os processos de apropriação e consolidação de duas áreas
distintas, pois, entre elas, a presença de eixos rodoviários e ferroviário que
atraem atividades específicas, e caracterizam barreiras e limites ainda não
modificados, impedindo que sejam elementos contíguos. Além disso, o Setor Norte
possui uma ocupação densa, de caráter residencial, vislumbrando as próprias ações
da municipalidade sobre o espaço. As áreas mais dinâmicas se situam nas vias
arteriais, com a concentração de comércio e serviços nas Avenida Brasília-Wilson
Churchill, Avenida Saul Elkind, e áreas recreativas, como o Lago Norte nas
imediações da Avenida 10 de Dezembro. São os elementos do sistema viário que se
destacam nessa área da cidade, sendo destacados elementos reguladores da forma
urbana. No entanto, não se verifica uma tendência de ruptura das barreiras iniciais,
mas apenas a consolidação de áreas, que se transformam, sendo que as principais
vias arteriais assumem o papel de pólos de crescimento da região, separando ainda
mais as duas áreas. A mudança da estrutura ocorre pela inserção de novos pólos,
constituídos como antagônicos ao próprio centro urbano histórico consolidado.
capítulo 7 – Microbacias hidrográficas entre
permanências e dinâmicas no tecido urbano.
265
No Setor Norte são as linhas de crescimento no sentido norte-sul
que permitem a comunicação com a área central, o que provoca o adensamento nas
intermitências dessas duas áreas, num crescimento em extensão de dois tecidos
urbanos descontínuos. A formação do Setor Norte representa a ruptura do tecido
rural abruptamente sem que as relações afetivas com o tecido urbano preexistente
fossem contempladas, pois houve um rápido adensamento da área destinada às
HIS, incrustada entre cafezais, que foram arrancados para o assentamento de
residências unifamiliares, isoladas das demais atividades da vida urbana.
Os cursos d’água que constituem a microbacia do Ribeirão
Jacutinga são barreiras que denotam a ruptura dos tecidos urbanos, pois apenas as
vias arteriais é que permitem a conexão entre as áreas, tornando-os barreiras
indissolúveis da cidade, além de caracterizar bem a distinção das paisagens
urbanas: no centro, a cidade verticalizada e compacta e a norte, a cidade espraiada
e dispersa, destituída de infraestrutura adequada e forte caráter residencial, sendo,
na macroescala, uma paisagem quase homogênea.
Figura 126: Ribeirão Quati, residências, ocupações irregulares e má qualidade da água. Org.
Pantaleão, 2010.
Não uma continuidade de traçado, nem tampouco de
transformações que integrem as duas áreas, constituindo-se territórios distintos,
capítulo 7 – Microbacias hidrográficas entre
permanências e dinâmicas no tecido urbano.
266
gerando, em consequência, a fragmentação da cidade de Londrina, seja no campo
econômico, político, cultural e socioambiental.
Na escala setorial, as transformações da paisagem do Setor Norte
são menos intensas que do Setor Sul, pois há uma dependência das ações públicas,
como a implementação de obras de infraestrutura urbana, as quais nem sempre
ocorrem de maneira a propiciar ambientes urbanos com menos riscos
socioambientais. É uma área em que os corpos d’água não tiveram o tratamento
adequado para se incorporar à malha urbana, sendo muitas vezes depositários de
resíduos urbanos, ou ainda, local para a instalação de atividades vinculadas a
informalidade, como os catadores de papel, que ocupam os fundos de vale e
transformam suas margens em áreas informais não reconhecidas pela
municipalidade. São elementos reguladores que impõem barreiras ao desenho da
cidade, propiciando a degradação do tecido urbano, pois suas margens são
apropriadas de forma a caracterizá-los como pólos de repulsão ao crescimento e
integração dos diversos loteamentos existentes em suas vertentes.
Além disso, as indústrias de pequeno e médio porte que se
instalaram ao longo da BR-369, via paralela aos cursos d’água, lançam seus
efluentes, gerando graves problemas ambientais. Os cursos d’água localizados na
Microbacia do Ribeirão Jacutinga não adquiriram a forca de atratividade do Lago
Igapó, dificultando a conexão entre suas vertentes, especialmente no seu afluente
Lindoia que assistiu ao adensamento desordenado do tecido urbano, com a
pulverização dos loteamentos urbanos privados – muitas vezes como mecanismo de
valorização fundiária, com pouco adensamento e grandes empreendimentos
públicos (HIS) que aceleraram a transformação da paisagem, anteriormente rural.
Convivem, pois, nas suas margens, diversos tecidos, uns mais
consolidados e outros em processo de consolidação, como mecanismo da ação
especulativa do empreendedor imobiliário, sem de fato, prover o Setor Norte de
qualidade ambiental, especialmente pela falta de espaços públicos que pudessem
modificar tais características.
Em contraposição, o Setor Sul, apesar de sua urbanização ser mais
recente e apresentar-se como um tecido em fase inicial de formação, a continuidade
com o tecido de sedimentação histórica é muito mais evidente que o do Setor Norte,
devido ao tratamento dado aos cursos d’água: se de um lado, foram renegados e
capítulo 7 – Microbacias hidrográficas entre
permanências e dinâmicas no tecido urbano.
267
atribuídos a função de barreiras ao crescimento, por outro, tornaram-se linhas de
crescimento e, posteriormente, pólos, induzindo a extensão do crescimento urbano
no sentido sul, alcançando a vertente direita do Ribeirão Esperança.
Isso coloca o Lago Igapó como o principal elemento de integração e
continuidade na constituição desses tecidos urbanos, vislumbrando uma paisagem
urbana verticalizada no alto do espigão e, à medida que se aproxima das margens
dos corpos d’água, o predomínio de residências unifamiliares de alto padrão, que
até certo ponto, apropriam-se individualmente dos fundos de vale. Tal aspecto
também concorre na formação do tecido urbano na vertente direita e em partes da
vertente esquerda do Ribeirão Esperança, com a implantação dos condomínios
residenciais fechados de alto padrão.
No entanto, o tecido do Setor Sul não é uniforme, apresentando
variações, pois o tecido mais antigo, datado em meados dos anos 1960, caracteriza-
se pelo crescimento descontínuo, ao contrário dos elementos de continuidade ao
tecido histórico, que são posteriores às cadas de 1990 e 2000. Esses aspectos
definem uma fragmentação do tecido, seja pelo traçado ou pela tipologia dos
edifícios implantados em toda a extensão do Ribeirão Esperança.
Essas questões deixam claro que a heterogeneidade tanto pela
ocupação inicial quanto pela apropriação subsequente com usos diversos,
evidenciam que Londrina possui tratamentos específicos para cada uma das
microbacias analisadas, o que constrói diferentes habitat, mesmo que os cursos
d’água se consolidem como elementos reguladores e ordenadores do crescimento
urbano e da distinção dessas regiões, tendo em vista que vão sendo incorporados à
paisagem urbana muito mais pela necessidade de expansão das áreas urbanas do
que pelas suas qualidades ambientais.
Nessas grandes faixas de ocupação, a relação com a água se
evidencia mais fortemente do que os demais elementos naturais, constituindo o
espaço de ação dos diferentes agentes promotores do espaço. Num primeiro
momento, e, em seguida, o lócus daqueles que se apropriam da estrutura imprimida
no território, cuja dinâmica revela também a presença da escala regional como um
dos elementos estruturantes do espaço urbano.
A abrangência de sua influência regional propicia a valorização
fundiária, atraindo para a cidade grandes investidores do mercado imobiliário, que
capítulo 7 – Microbacias hidrográficas entre
permanências e dinâmicas no tecido urbano.
268
também atuam na diferenciação da inserção dos elementos naturais nas três
microbacias urbanas analisadas.
Um novo vetor de indução a expansão urbana reforça a especulação
do investidor imobiliário, concretizando os eixos viários propostos no
Macrozoneamento do Plano Diretor (1998) como importantes elementos de indução
do crescimento urbano, que, na atualidade, se direciona para leste.
Esse novo flanco de expansão ocorre com a implantação de
empreendimentos imobiliários pensados conjuntamente, isto é, diversas atividades
concentradas entre a área central e o Setor Leste, em que a atuação do poder
público local está condicionada a valorizar ainda mais essa região, esboçando novos
processos de dinâmica evolutiva.
As atividades, empreendidas nessa nova zona de expansão,
compreendem desde investimentos imobiliários residenciais com o lançamento de
vários blocos de apartamentos para a classe média, até investimentos públicos que
se concentram na construção de um Teatro Municipal. Destaca-se, ainda a
instalação de uma instituição federal de ensino tecnológico e superior e a instalação
de um mercado privado altamente qualificado com atividades de lazer e serviços, em
que se enfatiza a gastronomia.
CONSTRUINDO UMA AGENDA DE PESQUISA
CONSTRUINDO UMA AGENDA DE PESQUISACONSTRUINDO UMA AGENDA DE PESQUISA
CONSTRUINDO UMA AGENDA DE PESQUISA
A
A A
A CIDADE E AS ÁGUAS NO ORDENAMENTO TERRITORIAL URBANO
CIDADE E AS ÁGUAS NO ORDENAMENTO TERRITORIAL URBANOCIDADE E AS ÁGUAS NO ORDENAMENTO TERRITORIAL URBANO
CIDADE E AS ÁGUAS NO ORDENAMENTO TERRITORIAL URBANO
Construindo uma agenda de pesquisa: as águas e as
cidades no ordenamento territorial urbano
270
O tema aqui estudado, bem como a problematização envolvendo o
encaminhamento desta pesquisa não se esgota com este estudo, mesmo porque, ao
longo de nossas discussões percebemos quão complexa é a cidade de Londrina.
Mais ainda, pesquisar sobre ela, que não se trata de um objeto pronto, definido,
mas sempre em processo de construção, desconstrução e transformação.
Por outro lado, a partir da análise da evolução e das formas de
crescimento urbano tratados aqui, cotejando ou se relacionando com os corpos
d’água, pontuamos alguns aspectos que consideramos chaves para este primeiro
estudo.
Inicialmente, assinalamos a força da expressão “rugosidade”
utilizada por Milton Santos (1986) acerca da produção do espaço, cuja ideia tem
como fio condutor a constante construção e destruição de formas sociais que
conformam o espaço geográfico. Podemos dizer que se aplica à dinâmica evolutiva
das cidades, revelando as suas permanências e dinâmicas tanto históricas quanto
estruturais, bem como a justaposição, contraposição ou sobreposição de diferentes
espacialidades num mesmo espaço.
A expressão rugosidade” mais conhecida como um conceito
cunhado por Santos (1986), nesses últimos 20 anos, ela tem sido empregada de
diferentes formas, mas sempre coexistindo a idéia de construção, destruição,
transformação, etc. Na realidade, a expressão “rugosidades espaciais” tem sido
expressada desde o século XIX por outros autores, como Marx, Barchelard, Hegel, e
outros, que foi revisitada e valorizada por Santos (1986).
Como mesmo afirma Santos (1998), a homogeneidade do espaço
não é total, pois, ante aos processos de globalização e sua influência no
ordenamento territorial, existem “subpaisagens” que, arraigadas ao processo de
sedimentação do tecido urbano no território, revelam mais permanências que
dinâmicas, ainda que estas últimas sejam mais visíveis no processo de modelagem,
notadamente envolvendo os corpos d’água, no presente estudo. A utilização da
expressão “subpaisagens”, utilizada neste trabalho, deve ser entendida dentro da
“constelação conceitual“, como continuidade ou agregação à expressão
“rugosidade”.
O processo evolutivo de crescimento e adensamento constitui-se
pela soma de tecidos urbanos contínuos ou descontínuos historicamente
Construindo uma agenda de pesquisa: as águas e as
cidades no ordenamento territorial urbano
271
determinados que avançam sobre as Microbacias de Londrina. Os diferentes modos
de produção do sistema capitalista que, rebatem e se materializam no espaço pela
divisão social do trabalho, imprimiram diferentes modos de apropriação dos corpos
d’água e sua inserção no tecido urbano, cujas “subpaisagens” são frutos da relação
espaço-tempo dentro de uma estrutura maior que reconfigura e ordena a totalidade
dessa paisagem.
O estudo aqui realizado sobre a natureza da relação entre o homem
e o ambiente construído, tendo como suporte desse ambiente as Microbacias,
tomadas como um recorte para uma avaliação mais aprofundada dessa relação,
permitiu compreender que uma dependência intrínseca entre o poder público e
privado, em maior ou menor grau dependendo da região estudada ou dos tipos de
infraestrutura urbana assentada nos vários quadrantes do espaço urbano de
Londrina.
Foi percebido nitidamente que o setor público influiu decisivamente
na estruturação urbana do Setor Norte da cidade, principalmente, através da sua
ação voltada à política habitacional. Enquanto que no Setor Sul e também na área
central, onde se alinham as Microbacias do Ribeirão Esperança e do Ribeirão
Cambé, a participação do poder privado foi decisiva e tem sido muito importante até
a presente data nas formas de apropriação, estruturação e organização do espaço
dessas regiões.
Mediante os resultados dessa pesquisa, surgem várias indagações,
afirmações ou dúvidas, sendo que uma delas é questionar a importância do
planejamento ou seu papel na evolução e organização do ambiente construído de
Londrina, como principal agente promotor do ordenamento territorial. Era de se
esperar que o fio condutor dos seus planos, projetos e ações de intervenção sobre o
espaço visasse uma maior interdependência e efetividade do seu papel como
planejador e executor e fiscalizador do ambiente construído.
A interação e compreensão de como se comportam os sistemas
naturais e humanos possibilitam definir as necessidades socioambientais para que
haja uma organização equilibrada entre as atividades urbanas e os espaços
naturais, entendendo os corpos d’água como um dos elementos estruturantes da
modelagem da paisagem, quer pela constituição de “subpaisagens”, evocando não a
fragmentação do espaço, mas a coexistência de diferentes espacialidades, pois,
Construindo uma agenda de pesquisa: as águas e as
cidades no ordenamento territorial urbano
272
cada uma das “subpaisagens” foram concebidas e estruturadas em tempos distintos,
cujos aspectos sociais, econômicos, culturais, políticos e ambientais interferem e se
materializam, distinguindo-se na escala intraurbana, diferentes territorialidades, com
diferentes necessidades e diferentes ações visando a qualidade de vida.
Ao pensar na coexistência desses substratos, verificamos que a
construção da estrutura urbana remonta a um longo processo histórico de formação,
consolidação e sedimentação de permanências, que imprimem a temporalidade da
sociedade que se apropriou do espaço, revelando-se concretamente nas formas de
produção, reprodução e transformação dessas ações, cabendo ao planejador
antever as tendências e os desafios que são colocados todos os dias no espaço
urbano, evitando-se a profusão de riscos socioambientais no ambiente construído..
A função da gestão urbana não é distinguir essas “subpaisagens”
como instrumento de elaboração de planos e projetos, pois também a
necessidade de estabelecer a relação dialógica entre ambiente e homem. Os
elementos naturais e construídos são fatos urbanos que estruturam a paisagem,
sendo incorporados ao cotidiano pelos laços de afetividade, consolidando as
permanências históricas no tecido urbano, convivendo com a dinamicidade de
transformação do ambiente construído.
A pesquisa realizada em documentos históricos, as cartas
elaboradas, as imagens fotográficas e panorâmicas e o trabalho de campo permitem
tecer outras considerações no campo da arquitetura, da geografia, da sociologia e
da engenharia urbana, sendo, portanto, considerações de caráter interdisiciplinar,
cujos problemas poderão ser mitigados com a intervenção de profissionais de
várias áreas.
Londrina, entendida como uma cidade nova, hoje com setenta e seis
anos, constituiu-se por “subpaisagens” que denotam a presença da força do capital
estrangeiro na produção do espaço, inicialmente. Atualmente uma força muito
grande do capital privado, representado pelaas atividades imobiliárias locais,
regionais e nacionais, em menor escala. Esses vários agentes, atuando de forma
desarticulada e com interesses específicos, contribuíram para o aparecimento de
vários problemas urbanos, e, hoje, são desafios da gestão urbana quanto ao
ordenamento territorial.
Os problemas urbanos são evidenciados pelas ações desconexas
Construindo uma agenda de pesquisa: as águas e as
cidades no ordenamento territorial urbano
273
entre o poder privado fortemente estruturado, que eleva o preço da terra na
apropriação do solo urbano, e atuam em contraposição à oferta de serviços e
habitação pela prefeitura, que são menores que as necessidades da população.
O poder público não consegue acompanhar o forte dinamismo de
Londrina, presente desde a sua implantação como núcleo sede da CTNP e,
atualmente, como capital regional do norte do Paraná, pois o conjunto de ações que
a municipalidade poderia oferecer sempre concretizou-se posteriormente aos
processos de construção e destruição do espaço, demonstrando que negligência a
importância dos corpos d’água na estruturação urbana. Isto resulta em intervenções
posteriores paliativas que, comparadas aos estudos de crescimento e adensamento
urbano, tornam-se mais dispendiosas aos cofres públicos.
Planejar a cidade sem considerar os elementos naturais torna-se
difícil e oneroso quando as ações efetivas de mitigação dos problemas urbanos e
ambientais forem encarados como prioritários no processo de planejamento urbano
e na sua efetiva gestão. Do mesmo modo, a compreensão da dinâmica e o
reconhecimento das permanências que estruturam o ambiente construído enaltecem
a importância do planejamento e do desenho urbano e ambiental, como um dos
métodos de planejar e antecipar as problemáticas urbanas, respondendo ao
ordenamento territorial mais equilibrado.
Hoje podemos perceber que a gestão urbana dispõe da participação
da sociedade civil, que tem se organizado, exigindo que as diferenças e
singularidades das “subpaisagens” bem como o respeito ao meio ambiente tornem-
se temas prioritários das discussões do poder público local, visando à construção de
ambientes menos problemáticos e que, também, permitam o acesso eqüitativo aos
equipamentos e serviços públicos.
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