inclusive abarca perguntas e respostas, o texto apresenta, a rigor, dois solistas em
contraponto, desenvolvendo suas narrativas pessoais como em incessante variação sobre
um mesmo tema; num fluxo contínuo, despejado entre vírgulas, que não supõe
interrupções, talvez momentos de suspensão – como num jazz:
O CLIENTE – Eu não estou andando em certo lugar e a uma certa
hora; eu estou andando, só isso, indo de um ponto a outro, para
negócios privados que se tratam nesses pontos e não em percurso; eu
não conheço nenhum crepúsculo nem nenhum tipo de desejo e eu
quero ignorar os acidentes do meu percurso. Eu ia desta janela
iluminada, atrás de mim, lá no alto, a essa outra janela iluminada, lá
em frente, segundo uma linha bem reta que passa através de você
porque você está aí deliberadamente posicionado. Acontece que não
existe nenhum meio que permita, a quem vai de uma altura a outra
altura, evitar descer para ter de subir em seguida, com o absurdo de
dois movimentos que se anulam e o risco, entre os dois, de esmagar a
cada passo o lixo jogado pelas janelas; quanto mais no alto se mora,
mais o espaço é são, mas a queda é mais dura; e quando o elevador te
deixou embaixo, ele te condena a andar no meio de tudo isso que não
quisemos lá em cima, no meio de uma pilha de lembranças podres,
como, no restaurante, quando um garçom te prepara a conta e
enumera, ao seu ouvido atento, todos os pratos que você já está
digerindo há muito tempo. [...]
O DEALER – Você tem razão em pensar que eu não estou descendo
de nenhum lugar e que eu não tenho nenhuma intenção de subir, mas
você se enganaria se acreditasse que eu sofro por isso. Eu evito os
elevadores como um cachorro evita a água. Não que eles se recusem
a me abrir a porta nem que eu tenha horror a me fechar neles. Mas os
elevadores em movimento me fazem cócegas e eu perco ali minha
dignidade; e, se eu gosto de sentir cócegas, eu gosto de poder não
mais senti-las desde que minha dignidade o exija. Tem elevadores
que são como certas drogas, o uso exagerado te deixa flutuando,
nunca em cima nunca embaixo, tomando linhas curvas por linhas
retas, e congelando o fogo no seu centro. [...]
Pois, não importa o que você disser, a linha sobre a qual você
andaria, de reta talvez que ela fosse, ficou torta quando você
percebeu a minha presença, e eu percebi o momento preciso onde
você me percebeu pelo momento preciso onde o seu caminho ficou
curvo, e não curvo para te distanciar de mim, mas curvo para vir até
mim, senão nós nunca teríamos nos encontrado, mas você teria se
distanciado mais ainda de mim, pois você andaria à velocidade
daquele que se desloca de um ponto a outro; e eu não teria nunca te
alcançado porque eu me desloco lentamente, tranqüilamente, quase
imovelmente, com o passo de quem não está indo de um ponto a
outro mas de quem, em um lugar invariável, espreita aquele que