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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
ESCOLA DE TEATRO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTES CÊNICAS
DOUTORADO EM ARTES CÊNICAS
JANAÍNA TRÄSEL MARTINS
OS PRINCÍPIOS DA RESSONÂNCIA VOCAL
NA LUDICIDADE DOS JOGOS DE CORPO-VOZ
PARA A FORMAÇÃO DO ATOR
Salvador, Bahia
2008
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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
ESCOLA DE TEATRO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTES CÊNICAS
DOUTORADO EM ARTES CÊNICAS
JANAÍNA TRÄSEL MARTINS
OS PRINCÍPIOS DA RESSONÂNCIA VOCAL
NA LUDICIDADE DOS JOGOS DE CORPO-VOZ
PARA A FORMAÇÃO DO ATOR
Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em
Artes Cênicas, Escola de Teatro da Universidade
Federal da Bahia, como requisito parcial para
obtenção do grau de Doutora em Artes Cênicas.
Orientadora: Prof. Dra. Eliene Benício Amâncio Costa
Salvador, Bahia
2008
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FICHA CATALOGRÁFICA
Biblioteca Nelson de Araújo - UFBA
M379 Martins, Janaína Träsel.
Os princípios da ressonância vocal na ludicidade dos jogos de corpo-voz
para a formação do ator / Janaína Träsel Martins. - 2008.
198 f.: il.
Orientadora : Profª Drª Eliene Benício Amâncio Costa.
Tese (doutorado) – Universidade Federal da Bahia, Programa de Pós-Graduação
em Artes Cênicas, Escola de Teatro, Escola de Dança.
1. Artes cênicas. 2. Voz. 3. Educação. I. Universidade Federal da Bahia.
Escola de Teatro. II.
Título.
792
2
AGRADECIMENTOS
À minha família: meu pai, Jaime; minha mãe, Isoldi e minha irmã Fabiola, por todo
amor na vida; flores para vocês!
Aos meus colegas do PPGAC e queridos amigos em Salvador: Luis Felipe Botelho,
Márcio Bernardes, Leda Bazzo, Renata Duarte, Célida Salume, Ana Carneiro, Flor Marques.
À Meran Vargens, Iami Rebouças, Juliana Rangel, Rosemari Brack – amigas e colegas
pesquisadoras de voz no teatro, eu agradeço por todo compartilhar e união.
Agradeço aos professores do PPGAC da Escola de Teatro pelos aprendizados: minha
orientadora Eliene Benicio, Ciane Fernandes, Sônia Rangel, Ângela Reis, Daniel Marques,
Leda Muhana, Suzana Martins, Sérgio Farias, Cleise Mendes.
Às minhas colegas de turma: Ana Flávia Mendes, Giselle Moreira, Karine Jansen,
Makários Maia, Olinda Charone, Suki Villasboas. Especialmente à Márcia Duarte, um abraço
de sol.
Aos alunos do curso de Bacharelado em Artes Cênicas - Interpretação da Escola de
Teatro, que participaram desta pesquisa.
Aos meus amigos-família, sempre presentes amorosamente na minha vida: Cíntia
Bloise (Dayita), Carlos Pinheiro, Jane Bruggemann, Michel Smeja, Karin Veras, Cláudia
Santos, Cláudia Russo (Dinha), Marquito, Viviane e Maini Narciso. Agradeço a irmandade e
os laços verdadeiros de amizade. À Samantha Lopez pela amizade e tradução do abstract. À
Edson Menezes pelos coloridos de sua arte, na tese e na vida.
À comunidade do Vale do Capão, Chapada da Diamantina, pela acolhida nesta
natureza esplendorosa. Especialmente agradecimentos à família Marcelo e Plisia, à família
Fernando, Esdras, Raissa, Luana, às meninas da Pousada do Capão (Cassinha, Cida, Bartira),
à Marilene Vaquer, à Zelice das Danças da Paz, ao Grupo do Coral, ao Grupo do Circo. Ao
Vale do Capão: cachoeiras, florestas e flores. Aos pássaros pelos cantos sonoros de
amanhecer.
À CAPES, pela bolsa de estudos.
3
RESUMO
Esta pesquisa trata sobre o estudo da ressonância da voz em dinâmicas lúdicas de jogos
corpóreo-vocais para a formação do ator. O objetivo é, a partir do entendimento dos
princípios sonoros da ressonância vocal no corpo físico e energético, desvendar a ressonância
como caminho no processo criativo do ator. Na flauta vocal interna do corpo flui a corrente
sonora composta de freqüências vibratórias, ondas energéticas, prana respiratório,
harmônicos, tons da voz. A hipótese é de que, no processo de preparação do ator, o fluir do
som no corpo desperta a consciência criativa. No processo de criação do ator, a ressonância
vocal potencializa as qualidades energéticas das ações físico-vocais-verbais em uníssono com
o movimento vibracional do corpo, ampliando a presença vocal cênica. A ludicidade dos
jogos corpóreo-vocais como foco pedagógico é pesquisada como caminho para o
desenvolvimento da consciência vocal na atuação cênica. Como metodologia prática desta
pesquisa, foram realizados jogos corpóreos de ressonância vocal com estudantes das
disciplinas de Expressão Vocal I e II, do Curso de Graduação em Interpretação Teatral, da
Escola de Teatro da Universidade Federal da Bahia, por meio do Estágio Docente, realizado
no decorrer do ano letivo de 2006. Na vivência prática do primeiro semestre, os
procedimentos dos jogos envolveram a pesquisa do fluxo dos sons no corpo na dinâmica do
movimento físico-energético, revelando as suas capacidades da vibração sonora para a arte
lúdica de criar vocalidades poéticas. Na vivência prática do segundo semestre, a pesquisa teve
como fio condutor a criação de ações vocais através dos ressonadores, dos seus impulsos e
deslocamentos físicos, sensíveis, orgânicos e energéticos em relação à ação corpórea da
palavra poética. Para a investigação da ressonância na ação vocal da palavra, utilizamos
alguns fragmentos do texto Cobra Norato, de Raul Bopp. Nestas práticas de preparação-
criação vocal do ator, aprendemos sobre a importância da ludicidade dos jogos corpóreos de
ressonância vocal na dinamização da sabedoria e da consciência criativa do corpo. A
ressonância da voz traz presença energética à corporeidade das palavras na ação vocal. O
aprendizado está ligado à capacidade de criar o jogo lúdico vocal nas ações físico-vocais. Os
princípios dos jogos vocais são plantados aqui como sementes, para que se abram às diversas
conexões de desenvolvimento de procedimentos metodológicos para a prática teatral, de
acordo com fins pedagógicos, poéticos ou estéticos que se queiram cultivar e fazer florescer.
Palavras-Chave: ressonância vocal, jogos corpóreo-vocais, formação do ator.
4
ABSTRACT
The focus of this study is resonance of voice within the ludic dynamics of corporeal-vocal
games in the training of actors. The objective based on an understanding of the principles of
vocal resonance within the physical and energetic bodies is to unveil the wisdom of resonance
as a pathway for an actors creative process. Within the ‘body’s internal flute’ flow, currents of
sounds, energetic waves, breathe of prana, vibrational frequencies, harmonics and vocal tones.
The hypothesis is that: in an actor's process of preparation, the flow of sounds in the body
awakens a creative consciousness. In the creative process, vocal resonance potentiates the
energetic qualities of physical-vocal actions in unison with the body’s vibrational movements,
enrichening the scenic vocal presence. The ludicity of corporeal-vocal games, from a
pedagogical frame of reference, is studied as a guiding pathway towards the development of
the creative consciousness. As a means of practical methodology, within a post-graduate
teaching internship, this study implemented corporeal games of vocal resonance with the
performance arts students enrolled in Vocal Expressions course I & II in the Theatrical Arts
Program at the Federal University of Bahia, year of 2006. During the first semester of
experiential exercises, the procedures of the games involved researching the flow of sounds in
the body within the dynamics of physical-energetic movement, and revealed the importance
of resonant vibrations for the ludic art of creating vocally. The second semester the studies
revealed: that the body's resonators by way of their physical, sensorial, organic, energetic
impulses and displacements, were the conducive thread for the creation of physical-vocal
actions in relation to poetic word. For the investigation on the resonance of the vocal action of
the word, we used some fragments of the text Cobra Norato by Raul Bopp. While conducting
the vocal creative-preparational activities with the actors, we learnt of the important influence
which the ludicity of corporeal-vocal resonance games plays on the wise and creative
consciousness of the body. The learning process is linked to the actor’s capacity to create
ludicly rich vocal games. The voice offers: an energetic corporeal presence of the words being
vocalized, quality in vocal projection, and dynamic vibrational frequencies for composing
sonorous actions. Similar to seeds, the principles of corporeal-vocal games are planted, so that
the diverse connections in the development process of methodological procedures, may bloom
and flourish.
Keywords: vocal resonance, ludic corporeal-vocal games, actor's training.
5
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ................................................................................................................ 9
1 O JOGO VOCAL NA PRÁTICA CRIATIVA DO ATOR ....................................... 25
1.1 O foco dos jogos vocais: o desenvolvimento da consciência criativa através da
ludicidade..........................................................................................
27
1.2 O jogo vocal na dinâmica do imaginário do corpo................................................... 33
1.3 A consciência sonora em sua força criativa.............................................................. 40
2 PRINCÍPIOS DA RESSONÂNCIA VOCAL..............................................................
46
2.1 Os princípios sonoros da ressonância........................................................................ 46
2.2 Os princípios fisiológicos da ressonância vocal no corpo........................................ 51
2.3 O fluxo de energia do som na ressonância corpórea................................................ 56
3 A RESSONÂNCIA VOCAL NA PRÁTICA DO ATOR: JOGOS
CONSCIÊNCIA DA FLAUTA VOCAL INTERNA ......................................................
62
3.1 Aquecimento vocal: afinar-se a si.............................................................................. 63
3.2 A ressonância vocal e a sensibilização auditiva e sinestésica das freqüências
vibratórias do som ............................................................................................................
70
3.2.1 Jogo vocal-corpóreo: Ressonância vocal e sensibilização auditiva e sinestésica ............
73
3.2.2 Jogo vocal-corpóreo: Abraço sonoro ...............................................................................
75
3.3 A ressonância vocal em conexão com a respiração.................................................. 78
3.3.1 Jogo vocal-corpóreo: A respiração, fluxo de energia pela flauta vocal interna...............
83
3.3.2 Jogo vocal-corpóreo: Impulso respiratório para a ressonância vocal..............................
85
3.4 A ressonância vocal: os fluxos dos sons no corpo na dinâmica do movimento.....
.
89
3.4.1 Jogo vocal-corpóreo: Os fluxos dos sons no espaço interno do corpo.............................
91
3.4.2 Jogo vocal-corpóreo: Os fluxos dos sons no espaço interno do corpo na dinâmica do
movimento.................................................................................................................................
94
3.5 A ressonância vocal e o equilíbrio muscular nas dinâmicas do movimento......... 97
3.5.1 Jogo vocal-corpóreo: Ressonância vocal e eixos de equilíbrio do corpo.......................
100
3.5.2 Jogo vocal-corpóreo: Ressonância vocal e apoios corpóreos..........................................
103
3.5.3 Jogo vocal-corpóreo: Ressonância vocal e o equilíbrio da força muscular.....................
106
6
3.6 A ressonância vocal e a projeção vocal no espaço cênico........................................
109
3.6.1 Jogo Vocal-Corpóreo: Ressonância vocal e intensidades vocais.....................................
114
3.6.2 Jogo Vocal-Corpóreo: Campo energético vocal ao redor do corpo.................................
117
4 A RESSONÂNCIA VOCAL NA CRIAÇÃO DAS AÇÕES FÍSICAS DO ATOR.. 121
4.1 O texto em ressonância com o corpo-vocal............................................................... 124
4.2 A ação física e a ação vocal da palavra: a ressonância como eixo integrador....... 129
4.2.1 Jogo vocal-corpóreo: A ressonância da ação da palavra no corpo..................................
132
4.2.2 Jogo vocal-corpóreo: Mandala sonora de palavras..........................................................
136
4.2.3 Jogo vocal-corpóreo: Impulso respiratório como propulsor da ação físico-vocal...........
.
142
4.2.4 Jogo vocal-corpóreo: Precisão na ação físico-vocal das palavras....................................
146
4.3 A ressonância vocal na criação do personagem....................................................... 149
4.3.1 Jogo vocal-corpóreo: Focos de ressonância na ação vocal..............................................
151
4.3.2 Jogo vocal-corpóreo: Composição da partitura a partir das matrizes
físicas e energéticas dos focos de ressonância...................................................................
156
4.4 A ressonância vocal na composição da dramaturgia sonora..................................
.
159
4.4.1 Jogo vocal-corpóreo: Composição sonora através dos ritmos.........................................
162
4.4.2 Jogo vocal-corpóreo: Composição sonora através dos tons das alturas...........................
165
4.4.3 Jogo vocal-corpóreo: Composição de atmosferas sonoras..............................................
169
CONSIDERAÇÕES FINAIS ..........................................................................................
.
172
REFERÊNCIAS ...............................................................................................................
.
180
ANEXOS ...........................................................................................................................
.
190
7
LISTA DE FIGURAS
Figura 1. A ludicidade na criação........................................................................................ 31
Figura 2. O imaginário corpóreo que habita a casa-corpo................................................... 35
Figura 3. O arco-íris de sons e cores da consciência........................................................... 42
Figura 4. Cavidades ressonadoras: cavidade oral, seios paranasais, pulmões..................... 53
Figura 5. Os chackras.......................................................................................................... 57
Figura 6. Os chackras e as cores.......................................................................................... 58
Figura 7. A Flauta Vocal Interna........................................................................................ 61
Figura 8. O diafragma e os músculos do abdômen............................................................. 82
Figura 9. O fluxo energético dos sons no corpo.................................................................. 89
Figura 10. A poética do equilíbrio....................................................................................... 100
Figura 11. Os chackras e o campo energético do corpo...................................................... 116
Figura 12. As freqüências vibratórias das energias, tons e sons......................................... 120
Figura 13. O imaginário e as palavras................................................................................ 126
Figura 14. Árvore – sementes que se enraízam na terra e florescem elevando-se ao
céu........................................................................................................................................
133
Figura 15. Mandala sonora.................................................................................................. 136
Figura 16. Palavras ao vento............................................................................................... 137
8
LISTA DE QUADROS
Quadro 1. Os chackras, anatomia físico-energética e suas funções ................................. 57
Quadro 2. Os chackras, cores, sons, mantras e tons ......................................................... 58
9
INTRODUÇÃO
Esta tese tem como estudo a ressonância da voz, a partir da pesquisa prática de jogos
de corpo-voz, com o intuito de desvendar seu potencial no desenvolvimento da consciência
criativa, na formação do artista cênico. A hipótese é de que no processo de preparação-
criação, os jogos corpóreos de ressonância vocal acionam a consciência criativa e servem
como um caminho para a composição da ação da palavra via dramaturgia do corpo,
potencializando a presença criativa da ação físico-vocal.
Através dos jogos de ressonância vocal pretende-se desenvolver a criação da ação da
palavra em cena por sua dimensão sonora e corpórea, enquanto ação físico-vocal. Assim,
considerando a ação vocal como o movimento do som que preenche a palavra com
freqüências vibratórias, em uma variedade de tonalidades ditadas por suas dinâmicas
corpóreas, esta pesquisa busca desenvolver um trabalho com a ação da palavra como um
acontecimento corpóreo-vocal, via as ressonâncias vocais da palavra no corpo, para a
dramaturgia criativa do artista cênico.
Na cena contemporânea, a ação da palavra recebe novas percepções quanto aos seus
modos de constituição. Desde a virada do século XX, a crítica à cena textocentrista
1
, à cena
centrada na hegemonia da linguagem verbal e o questionamento sobre o esvaziamento das
palavras resulta na busca, por alguns dramaturgos
2
e encenadores
3
, de uma palavra em cena
que provoque um jogo sonoro com as palavras, para fazê-las vibrar mais por sua
materialidade sonora, em seus aspectos corpóreo-energéticos, do que somente por suas
funções semânticas. Eis que na atualidade, alvorece o corpo em ação e a palavra, em suas
funções poéticas, é despojada do transporte da representação de significados, sendo deslocada
para o predomínio do sensório, através da revitalização da experiência por meio do corpo.
1
O textocentrismo foi uma característica da obra teatral baseada no texto. Especialmente no século XIX, o
textocentrismo era considerado quase sinônimo e finalidade da criação teatral, baseado na tendência de assimilar
a encenação à concretização cênica do texto dramático prévio (ASLAN, 1994).
2
Cita-se, por exemplo, o dramaturgo Eugéne Ionesco, para quem a palavra era desprovida de sentido. “[...]
esvaziada de conteúdo, deixando de ser significante, a linguagem de Ionesco resulta num mar de vocábulos que
envolvem o individuo em ilha e solidão”, de forma que as palavras, contidas nas escritas dos seus textos
dramáticos, serviam mais para sublinhar a incomunicabilidade destas (MAGALDI, 2001, p. 332).
3
Cita-se, por exemplo, Antonin Artaud (1896-1948), para quem: “a palavra se ossificou, se congelou, enfurnou
em seu significado, numa terminologia esquemática e restritiva. A obsessão pela palavra clara que diga tudo leva
ao ressecamento das palavras” (ARTAUD, 1999, p. 138). “As palavras deverão utilizadas num sentido
encantatório, verdadeiramente mágico – em função de sua forma, de suas emanações sensíveis, e não mais de
seu significado
3
” (ARTAUD, 1999, p. 146).
10
Esta tese segue o viés da busca por uma ação da palavra em cena que visa o estímulo
da criatividade, acionando a própria presença sensorial dos corpos que participam do
acontecimento, convidando-os a um estado de percepção mais aprofundada e apurada dentro
de sua própria consciência corpórea. Assim, a pesquisa envolve a busca de uma palavra em
cena que provoque um jogo vocal com as palavras, para fazê-las vibrar por sua materialidade
sonora e energética. Sendo que a ação da palavra em cena se compõe dos modos de
constituição da vocalização, o jogo sonoro pode elevar a ação da palavra a um espaço de
criatividade e de ludicidade, por meio da sensibilidade da força vibratória da voz.
Diante da multiplicidade de linguagens estéticas que a cena contemporânea propõe,
entre elas o teatro realista, o teatro físico, a dança-teatro, o circo, a performance e outros
relativos ao teatro pós-dramático
4
, no plano das concepções ideológicas de cada linguagem
estética
5
, determinados procedimentos criativos, incluso para a composição da ação da palavra
em cena, poderão ser realizados. Entretanto, permeando os diversos caminhos poéticos, há
princípios básicos relativos às práticas vocais que visam o desenvolvimento da consciência
criativa do artista cênico
6
, para torná-lo apto a criar de acordo com as exigências e
singularidades de cada processo de montagem cênica do qual participar. Desde esta
perspectiva, a ressonância vocal será estudada a partir de seus princípios
7
fisiológicos e
energéticos, por estes servirem como bases que proporcionarão diversas possibilidades de
conexões, para a criação de procedimentos, de acordo com objetivos pedagógicos, póeticos ou
estéticos, que se queira desenvolver. Nesta tese, através do estudo destes princípios
fisiológicos e energéticos, foi desenvolvido, para a formação do artista cênico, jogos
corpóreos de ressonância vocal com vistas a ampliação da consciência criativa.
Com foco nos aspectos pedagógicos, desde minhas vivências como professora
8
,
observo que uma das pesquisas a serem aprofundadas com os alunos é a prática de criação da
4
Vide: LEHMANN, Hans-Thies. O teatro pós-dramático. São Paulo: Cosacnaify, 2007.
5
“A estética tem um caráter filosófico e especulativo, enquanto que a poética tem um caráter programático e
operativo” (PAREYSON, 2001, p.15).
6
Neste estudo, Artista Cênico é definido como o dramaturgo, o encenador, o ator, o dançarino, o cantor, o artista
de circo, o performer, ou seja, todos criadores das artes cênicas.
7
“Princípio, de caráter molecular, unidade viva de obra e pensamento permite em suas operações conectar
tempos e espaços libertos de hierarquias e cronologias. Nesse modo de pensar, Princípio e/ou Proposta
conservam a natureza vital do jogo, diferem de um conceito. Um conceito preexiste, é modelante do objeto,
geralmente aplicado como didática de anexação. Um princípio opera por uma didática estética, de
reconhecimento, aproximação, pulsão, desejo, compreensão, invenção” (RANGEL, 2006, p. 312).
8
Em Florianópolis, ministrei aulas de Voz na Ribalta Escola de Atores (1998 a 2001) - em tal escola particular
de teatro, tive a oportunidade de trabalhar com turmas de crianças, de adolescentes e de adultos. Nesta mesma
11
ação da palavra na dinâmica da ação físico-vocal, aprimorando as qualidades do movimento
entre palavra, voz e corpo. Com este intuito, venho desenvolvendo práticas que integrem a
técnica vocal e a improvisação corpórea. Na graduação em Fonoaudiologia
9
e na
Especialização
10
em Voz, tive aprendizados sobre as dinâmicas anatomofisiológicas da voz e
da fala, bem como os procedimentos de técnicas vocais para fins clínicos e artísticos, visando
a saúde e a harmonia do corpo. Dentro do foco das técnicas vocais, me instigou a sua relação
orgânica com as dinâmicas criativas artísticas do corpo, por isto, na seqüência da pesquisa,
aprofundei no Mestrado em Teatro
11
, a dissertação sobre a ‘Integração Corpo-Voz na Arte do
Ator’. Nesta, tracei um panorama histórico sobre a preparação vocal para os atores e teci
considerações sobre a integração entre o corpo e a voz, desde os campos de estudos da
Fonoaudiologia, da Educação Somática e do Teatro. Nesta tese, sigo a seqüência dos estudos
de preparação vocal, costurando, desta vez, as técnicas vocais ao jogo teatral, com o intuito de
disponibilizar o corpo para a conexão com sua sabedoria, consciência e potencial criativo para
a composição cênica da ação da palavra poética.
A ludicidade dos jogos vocais, no processo pedagógico, permite a vivência do corpo
em ação; é um espaço de consciência criativa, de vivências que levam o corpo a experimentar
suas potências de multiplicidades de qualidades de movimento. O jogo
12
no teatro, como diria
Patrice Pavis “pode ser aplicado à arte do ator, o que seria a atuação, interpretação, à própria
atividade teatral, ou ainda a certas práticas educacionais coletivas” (PAVIS, 2001, p. 219).
Interessa-me, nesta tese, o jogo teatral desde seu potencial lúdico de desenvolvimento da
consciência dos alunos no processo de criação. Encontro, nas considerações de Cipriano
Luckesi (2002), a importância da ludicidade na educação como recurso de desenvolvimento
do ser humano: esta abordagem percebe a experiência lúdica como uma experiência interna
época, ministrei práticas vocais em duas escolas infantis
8
, com crianças de dois a seis anos, onde eu desenvolvia
um trabalho de teatro e música. Estas turmas, compostas de diferentes idades, me trouxeram como aprendizado,
o aprimoramento dos procedimentos dos jogos vocais de acordo com cada faixa etária e a importância da
ludicidade nos jogos de voz. Em seguida, nos anos de 2001 a 2004, ministrei aulas de Expressão Vocal, no Curso
de Artes Cênicas da Universidade do Estado de Santa Catarina, onde também participei como preparadora vocal
de montagens teatrais e dirigi o grupo de pesquisa vocal Kalimbá
8
. Em 2005, ingressei no doutorado em Artes
Cênicas na Universidade Federal da Bahia, onde desenvolvi, durante o Estágio Docente
8
, em 2006, práticas de
jogos corpóreos de ressonância vocal, foco desta pesquisa.
9
A minha graduação em Fonoaudiologia ocorreu em Porto Alegre/RS, no Instituto Metodista de Educação e
Cultura, tendo início no ano de 1994 e término em 1997.
10
A Especialização em Voz foi realizada no CEFAC - Centro de Estudos Fonoaudiológicos e Atualização
Científica, na cidade de Curitiba/PR, tendo início em 1999 e término em 2001.
11
O Mestrado em Teatro foi realizado na Universidade do Estado de Santa Catarina, com término em 2004.
12
Cabe citar aqui as pesquisas do Jogo no Teatro de: Viola Spolin (A improvisação teatral); Ingrid Koudela
(Jogos teatrais; Texto e Jogo); Sandra Chacra (Natureza e sentido da improvisação teatral); Maria Lúcia Pupo
(Entre o mediterrâneo e o Atlântico) – vide nas Referências.
12
do sujeito que a vivencia. Por esta perspectiva, a ludicidade é estudada, aqui nesta tese, desde
a dimensão interna que envolve a prática dos jogos vocais. O objetivo é que a ludicidade das
práticas vocais na ação educativa trabalhem em um rol mais amplo na formação do indivíduo
pela criatividade.
Eis que desde as vivências como professora e preparadora vocal dos artistas cênicos eu
venho observando a importância da ressonância vocal para além da mera colocação da voz
nas cavidades ressonadoras, percebendo, por meio do poder de seus harmônicos, seu potencial
de despertar a consciência corpórea criativa e de acionar um processo de criação a partir da
dramaturgia do corpo-sonoro, a fim de potencializar a qualidade da ação físico-vocal da
palavra em cena.
A dramaturgia do corpo-sonoro envolve a subjetividade do artista cênico nos seus
processos de criação, seu imaginário corpóreo, suas energias dinamizadas, seus tons e sons na
criação das ações físico-vocais-verbais. O conceito de dramaturgia do artista cênico envolve
“o trabalho das ações na representação”, como constata Eugenio Barba (1995, p. 68). Para
acessar a dramaturgia do corpo-sonoro para a composição da ação físico-vocal da palavra,
esta tese partirá da pesquisa da ação da palavra pelo fluxo dos sons no corpo, por suas
musculaturas acionadas, por suas energias dinamizadas, por suas ressonâncias. Para tanto, a
pesquisa seguirá o caminho de, primeiramente, organizar os princípios físicos e energéticos da
ressonância vocal, para aplicá-los por meio de jogos corpóreo-vocais, com o objetivo de
aprimoramento da consciência criativa do corpo na composição da ação físico-vocal da
palavra para a cena artística.
Na busca dos princípios fisiológicos e energéticos, que regem a ressonância vocal,
escolhi autores que nos trazem contribuições sobre os aspectos fisiológicos, desenvolvidos
pela Fonoaudiologia; aos aspectos energéticos, desenvolvidos pelo sistema oriental; aos
aspectos relacionados aos processos de criação, desenvolvidos por estudiosos das Artes
Cênicas.
O princípio fisiológico da ressonância da voz é que esta ocorre quando as freqüências
vibratórias geradas pelas pregas vocais, nos seus fluxos pelo corpo, encontram
compatibilidade de freqüência vibratória em determinadas regiões, reverberando
determinados harmônicos, de acordo com tamanho, espaço e tessitura das cavidades e órgãos
13
(BEHLAU, 1995; PINHO, 1998; ZEMLIN, 2000). Estudos também apontam que a voz vibra
nos chackras, centros energéticos do corpo (ANDREWS, 1996; BRENNAN, 1987;
DEWURST-MADDOCK, 1999; GARDNER, 2007; GOLDMAN, 1994; HALPERN, 1998;).
Com estas pesquisas veremos que a voz ressoa em uníssono a energia da freqüência vibratória
dinamizada pelo corpo físico e energético.
Poeticamente, utilizo a imagem da flauta vocal interna
13
, para designar os locais
físicos e energéticos por onde tocam, vibram e se encaixam os harmônicos da voz, gerando a
ressonância. Esta imagem foi escolhida pelo fato de a flauta ser um tubo por onde passa o ar,
ressoando o som em seus orifícios, nas suas chaves. Nesta metáfora, ressoa o som no corpo,
na flauta vocal interna, nas cavidades ressonadoras físicas (seios paranasais, cavidade oral,
laringe, traquéia, pulmões, coluna) e energéticas (nos chackras - vórtices de energia dentro do
corpo) - por entre este espaço interno percorre o fluxo da energia, do prana
14
, da kundalini
15
.
Pesquiso então, a ativação do fluxo interno de energia, por meio dos sons que percorrem o
corpo, para despertar a consciência corpóreo-vocal criativa.
Os princípios anatomofisiológicos são estudados aqui a partir da Fonoaudiologia -
destaco os estudos de duas pioneiras no trabalho com o ator: Eudósia Quinteiro (1989, 1997,
2000) e Glória Beuttenmuller (1992). E, da atualidade, cito as pesquisas de Mara Behlau
(1995, 2005) e de Silvia Pinho (1998). A partir destas pesquisas, estudo as dinâmicas
fisiológicas da voz nas dinâmicas do movimento do corpo no processo criador do artista
cênico. Adentrando nos princípios fisiológicos da dinâmica vocal, o corpo em estado de
criação necessita de uma organização para as exigências vocais cênicas. Quanto à respiração
na emissão vocal cotidiana, a expiração ocorre de forma passiva, enquanto no trabalho do
artista cênico deve ser trabalhada a ativação do apoio respiratório, para sustentar a qualidade
vocal na dinâmica do movimento corpóreo e na projeção da ação vocal. A intensidade
utilizada no cotidiano requer menor número de decibéis do que a necessária para a projeção
vocal no espaço cênico. A altura (graves e agudos) da voz utilizada no dia-a-dia colore as
inflexões da fala, no trabalho do ator a ampliação da extensão vocal propicia uma maior
13
Vide imagem na página 61.
14
Prana, em sânscrito, significa sopro de vida. Denota as energias vitais que permeiam o cosmos e o corpo
humano (http://pt.wikipedia.org/wiki/Pranas).
15
Kundalini: é o poder espiritual primordial ou energia cósmica que jaz adormecida no Múládhára Chakra, o
centro de força situado próximo à base da coluna. É a energia que transita entre os chackras. Deriva de uma
palavra em sânscrito que significa, literalmente, "enrolada como uma cobra" ou "aquela que tem a forma de uma
serpente". É a energia do Universo em seu aspecto Purna-Shakti, total, como potencial, sendo o Prana-Shakti
seu aspecto biológico, ou físico. (http://pt.wikipedia.org/wiki/Kundalini).
14
expressividade melódica para a composição da palavra falada e cantada. O foco de
ressonância da voz normalmente é de um registro médio (cabeça e peito), enquanto que no
trabalho cênico, a potencialização do fluxo de vibração dos sons no corpo potencializa uma
resposta acústica máxima, uma voz rica em harmônicos, para a criação de diversas qualidades
vocais. O equilíbrio corporal, na vida cotidiana, tem, como ideal, uma postura ereta para um
adequado funcionamento da dinâmica fisiológica vocal; já o ator trabalha com dinâmicas de
movimento que envolve variações de eixos do equilíbrio, de forma que os apoios corporais
devem ser adequados para direcionar as tensões musculares para regiões que não obstruam o
canal vocal. Todas estas dinâmicas fisiológicas atuam como um todo integrado, se
influenciando mutuamente na qualidade do movimento. A importância do estudo fisiológico
contribui para a compreensão do funcionamento do corpo com vistas á organização de
procedimentos, de técnicas vocais e de jogos vocais, que respeitem a organicidade harmônica
de saúde, para as exigências da dinâmica cênica, potencializando as qualidades vocais, na
dinâmica do movimento, para a ação criativa artística.
Os princípios fisiológicos do corpo estão interligados a dimensão energética que vibra
por entre as musculaturas, respiração, coração. Por meio dos cursos práticos que vivenciei de
“Voz Terapia e Cantos Sagrados” com Sônia Prazeres (1998, 1999, 2000) e da formação em
“Educação Somática Corporal
16
(de 1999 á 2001) – pude perceber que as dinâmicas
musculares do corpo estão interligadas ao fluxo energético da corrente vital, e que, se há
excesso de tensão muscular
17
em determinados locais (segmentos ocular, oral, cervical,
laríngeo, torácico, diafragmático, pélvico), o fluxo energético do corpo pode ser interceptado.
Assim, quando a musculatura está hipertônica, há o bloqueio de energia e há menos
reverberação dos harmônicos da voz. Neste sentido, a consciência corpórea envolve a
percepção e a transformação dos anéis de tensão muscular, para que as correntes de energia
vital, respiratória e vocal possam fluir. Na prática cênica, trata-se do potencial transformador
do corpo de buscar soluções criativas para as dinâmicas do movimento, libertando-se de
condicionamentos, desbloqueando o excesso de tensão muscular, reajustando os apoios
musculares, desenvolvendo um controle sobre as variações de tônus do corpo, trabalhando a
abertura do fluxo da energia pelo corpo, buscando novas possibilidades de movimento
16
Na formação em Educação Somática, os estudos e vivências corpóreas estavam calcadas nas pesquisas desde
Wilhelm Reich, Alexander Lowen, José Gaiarsa, Boadella, Stanley Keleman, além dos estudos desenvolvidos
por Moshe Feldenkrais, Humberto Maturana e Thomas Hanna.
17
Para mais informações sobre a influência dos anéis de tensão muscular na vocalidade do ator, consultar
também: MARTINS, Janaína. A integração corpo-voz na arte do ator. [Dissertação de mestrado]. UDESC, 2004.
15
corpóreo, respiratório, vocal. O processo de criação calcado na educação somática traz à tona
a consciência corpórea, para a transformação de si, das formas de aprender, perceber e
interagir com o meio.
Para o processo de criação cênica, a consciência do corpo disponibiliza-o para a
atuação do seu potencial criativo. Correlacionando tais aprendizados com a expressividade de
forma artística, por meio das práticas de corpo e dança tive a experiência da importância do
centramento no interior do corpo, para que a ação expressiva flua criativamente. As vivências
de dança de patinação artística
18
(1981 á 1997), em Porto Alegre, e as vivências de dança
contemporânea que tive na Bahia (2005, 2006, 2007) – entre elas as aulas de Laban/Bartenieff
com Ciane Fernandes, de contato-improvisação
19
com David Iannitelli, além de outras
oficinas de dança contemporânea – foram significativas para a percepção do quanto as
práticas de corpo atuam no desenvolvimento da consciência, de que, por meio das dinâmicas
sensório-motoras (da percepção e da sensação do corpo na transferência de peso, das
tonicidades musculares, do fluxo do movimento, etc) é ativado a sabedoria do corpo, abrindo
suas respostas intuitivas à ludicidade da improvisação e da criatividade, trazendo novas
percepções sobre o ser, estar e se relacionar com o meio ambiente.
Com o objetivo de aprofundar o estudo sobre o desenvolvimento da consciência
criativa, dialogo nesta tese com estudiosos ocidentais, tais quais: Antonio Damásio (2000),
Ken Wilber (1977), Jonathan Goldman (1994) e com filósofos orientais, tais quais: Sri
Aurobindo (2001) e Jiddu Krishnamurti (2000). Por meio destes estudiosos, podemos
observar que os estudos sobre a consciência têm constatado esta como percepção do corpo em
sua totalidade
20
: corpóreo-cognitiva em relação com o meio (Damásio); composta de diversos
18
Dos sete aos vinte anos, pratiquei patinação artística, e, dentro da qual, durante a adolescência, ministrei aulas
e atuei em espetáculos. Em Porto Alegre, participei de dois grupos artísticos de dança-patinação artística:
Tangarás e Dom Bosco. Com o grupo Tangarás apresentamos 11 espetáculos entre os anos de 1991 e 1992, em
diversas cidades do Rio Grande do Sul. E com o grupo profissional de dança sobre patins do Dom Bosco,
apresentamos 20 espetáculos durante os anos de 1993, 1994 e 1995, em diversas cidades do Rio Grande do Sul.
Totalizaram-se 31 espetáculos de dança que atuei. De 1994 a 1996 fui professora de patinação artística, dirigindo
três espetáculos de dança.
19
Contato-Improvisação é uma técnica de dança criada pelo bailarino americano Steve Paxton, no início dos
anos 70.
20
Entre caminhos filosóficos, podemos ver nos paradigmas do Holismo e do Pensamento Sistêmico,
contribuições sobre a totalidade que envolve o ser humano em relação ao meio, em contraposição ao pensamento
filosófico reducionista, mecanicista e materialista. O Holismo significa “a tendência da natureza a formar,
através da evolução criativa, “tudos” que são maiores que a soma de suas partes”. Vê o mundo como um todo
integrado, como um organismo (http://pt.wikipedia.org/wiki/holismo). Já o Pensamento “sistêmico” é uma
forma de abordagem da realidade que surgiu no século XX em contraposição ao pensamento “reducionista-
mecanicista”. O pensamento sistêmico não nega a racionalidade científica, mas acredita que ela não oferece
16
níveis de faixas vibratórias, do ego ao transpessoal (Ken Wilber) e em sua totalidade
energética e espiritual (Krishnamurti e Sri Aurobindo). Dentre a linha oriental estão os
ensinamentos sobre os chackras, o campo energético, o yoga e os mantras. Especificamente
sobre o desenvolvimento da consciência através do som, cita-se o músico Jonathan
Goldman
21
. Na alquimia entre estes ensinamentos, sigo os rumos do desenvolvimento da
consciência por meio de vivências sonoras.
Escolhi integrar no horizonte teórico as visões da fisiologia do Ocidente e do Oriente,
para sistematizar os princípios da prática de jogos corpóreos de ressonância vocal, pois a
matéria é uma estrutura da energia, como assinala Sri Aurobindo (2001). Nesta conexão, parto
da premissa de que: a voz é energia sonora, freqüências vibratórias, fisicamente geradas pelas
pregas vocais, energeticamente geradas pela intencionalidade dos sentimentos. A mecânica da
vibração das pregas vocais ocorre minuciosamente com a força mioelástica da laringe
juntamente com a força aerodinâmica da respiração; porém, é no impulso da vibração
muscular afetiva do corpo todo, que está a força da vocalização: o corpo todo vibra o som e o
som vibra o corpo, a energia é a força motriz que faz com que o corpo físico entre em
vibração. Assim, nesta tese, estudo, na ressonância vocal, as especificidades fisiológicas em
estreita conexão com as especificidades energéticas (chackras e campo energético) e suas
relações com a dinamização da criatividade da vocalidade poética do ator. Pesquiso a
influência do fluxo dos harmônicos em ressonância no corpo para a dinamização da
consciência criativa no processo de criação da ação físico-vocal da palavra para a cena.
Nestes desvendares da ressonância vocal em seus fluxos energéticos pelo corpo, as
práticas de Danças da Paz e Musicoterapia, focalizadas por Tânia Valladares e Eliana
Gavenda, de 1998 a 2001, guiaram-me aos cânticos de diversas culturas do mundo, tais como:
brasileiras, aramaicas, gregas, islâmicas, indígenas, entre outros, trazendo o aprendizado
corpóreo e sensível sobre a força energética que permeia o som. Em 2002, fiz uma oficina
com Thomas Adam, sobre o desvendar da voz, da Antroposofia, que também foi significativa
na minha vivência dos princípios energéticos da voz. Continuei experimentando as Danças da
Paz com Zelice Peixoto, na Chapada da Diamantina - Bahia, em 2007. Lá, no Vale do Capão,
parâmetros suficientes para o desenvolvimento humano, e por isso deve ser desenvolvida conjuntamente com a
subjetividade das artes e das tradições espirituais (http://pt.wikipedia.org/wiki/pensamentosistemico). Tais
pensamentos filosóficos são componentes de um paradigma emergente, aonde o ser humano é considerado em
sua totalidade físico-mental-emocional-energética e em conexão íntima com o meio.
21
Site de Jonathan Goldman: <http://www.healingsounds.com/>
17
também foi importante a a participação no Coral, com os regentes Ari e Sônia. Todas estas
vivências contribuíram para o meu estudo sobre o potencial energético da voz, interligando-os
com os trabalhos de preparação e encenação teatrais. O estudo da dimensão sutil das
freqüências vibratórias dos sons com os chackras e o campo energético do corpo, tem como
influências as vivências de meditação, principalmente as que eu realizo com a cromoterapeuta
Helena Dóris, (desde 1998 até a atualidade, em Florianópolis), em que trabalhamos a elevação
da freqüência vibratória dos chackras e dos campos energéticos sutis do corpo através da
visualização de cores. Estas vivências de meditação com as cores influenciam esta tese,
principalmente, no que diz respeito ao estudo entre as freqüências vibratórias sonoras e as
freqüências vibratórias das cores, seus potenciais de dinamizar qualidades vocais repleta de
força energética.
Na prática cênica, a consciência sobre a força energética da voz foi ressaltada por
importantes encenadores da metade do século XX, entre eles cita-se Jerzy Grotowski e
Eugenio Barba. Com Grotowski, vemos a investigação do poder das freqüências vibratórias
energéticas da voz e seus efeitos no corpo: “Trabalhamos sobre ações ligadas aos antigos
cantos vibratórios, os cantos que serviram no passado a propósitos rituais e que têm, portanto,
um impacto direto sobre a ‘cabeça, o coração e o corpo’ dos atuantes. Cantos que fazem
passar de uma energia vital a uma energia mais sutil” (GROTOWSKI, em entrevista ao
SESC, 1996). Nesta fase, da “Arte como Veículo”, a investigação de Grotowski direcionou-se
à pesquisa de práticas, tais como: danças sagradas, métodos de meditação e yoga, rituais e
cânticos sagrados. Calvert (2002) complementa que, na Itália, o trabalho teve como centro de
pesquisas as canções tradicionais africanas e afro-caribenhas.
Com Eugênio Barba, encontra-se a busca pela dilatação das energias do ator, pois para
ele, a energia é a concretizadora da presença cênica do artista, é o que dá vida à sua atuação:
“em nível perceptivo parece que o ator trabalha com o corpo e com a voz. Na verdade,
trabalha sobre algo invisível, a energia. [...] palavra grega enérgheia quer dizer, justamente,
estar pronto para a ação” (idem, 1994, p.84; 94). Ele assinala que o ator deve saber como
modelar a energia - a freqüência vibratória da intenção de sua ação físico-vocal-verbal. Para
tanto, propõe dilatar a qualidade energética do bios cênico (corpo cênico) do ator, para que
este possa estar vivo em cena, capaz de irradiar energia a ponto de, mesmo na “imobilidade”
dos movimentos corpóreos, estar presente cenicamente, com uma qualidade energética que
desperta a vida no espectador.
18
Na atualidade, vemos a questão energética no trabalho do ator, desenvolvido também
pelo grupo teatral LUME
22
. Para Burnier (2001), energia, precisão e organicidade podem ser
agrupadas sob o conceito de presença. Trata-se de utilizar a energia de maneira expandida,
dilatada, quando em cena. Ferracini (2000, p. 94) cita o treinamento energético como um
caminho para o ator desbloquear condicionamentos e descobrir suas energias potenciais, sua
potência muscular, para utilizá-las de acordo com as situações cênicas. “Definindo a energia
como um estado muscular orgânico, a musculatura, por ser palpável e manipulável, por suas
variações das tensões e movimentação no tempo/espaço, pode ser o ponto de partida para esse
estudo corpóreo sobre a manipulação de energia” (idem, 2000, p. 108).
A partir dessas premissas, levanto a questão: se a prática do artista cênico envolve a
dinamização das suas energias, a ressonância vocal na execução das ações físicas amplifica a
corporeidade das palavras com qualidade vocal?
Qualidade vocal, pelo viés da fonoaudiologia, é uma resposta acústica máxima, onde
há o aumento da qualidade dos harmônicos vocais, os quais se amplificam devido aos
esforços musculares adequados, no que tange à organização dos apoios musculares na
dinâmica do movimento. Pelo viés do sistema oriental, poder-se-ia dizer que é uma qualidade
de consciência do fluxo de energia que percorre o corpo, através da respiração e da voz, com
poder de vivificar energias, ampliando a saúde e a vitalidade criativa em sua expressão ao
meio. Pelo viés das artes cênicas, poder-se-ia dizer que é a qualidade corpórea muscular-
energética do movimento, com presença cênica. De forma que, desde o potencial criativo da
voz pesquisa-se a ressonância como um caminho para a qualidade vocal da ação da palavra
em cena, repleta de presença energética de harmônicos (faixas de freqüências amplificadas de
ressonância).
Assim, a ressonância vocal é pesquisada para o aumento da qualidade vocal dos atores,
na execução da ação física das palavras. Neste processo de criação da ação da palavra com
22
Grupo Teatral LUME, núcleo interdisciplinar de pesquisas teatrais da Universidade de Campinas
(UNICAMP). Teve como fundador Luis Otávio Burnier. (http://www.lumeteatro.com.br/). Oficinas de Voz e
Ação Vocal que participei com o Grupo Teatral Lume: em 2000, no SESC de Florianópolis (ministrantes Ana
Cristina Colla e Renato Ferracini); em 2002, na 2ª Mostra Internacional de Teatro de Grupo e 6ª Mostra
Itajaiense de Teatro (ministrante Carlos Roberto Simioni); em 2002, no 16º Festival Universitário de Teatro de
Blumenau/Santa Catarina (ministrantes Renato Ferracini e Ana Cristina Colla). Estas oficinas contribuíram para
as minhas pesquisas sobre a corporeidade da voz: seus impulsos, energias, organicidade e demais componentes
das ações físico-vocais do ator.
19
qualidade vocal, os jogos corpóreos de ressonância vocal serão vivenciados com o intuito de
desenvolver a consciência criativa na dinamização dos fluxos energéticos da ação físico-vocal
e nos seus deslocamentos no espaço. Para tanto, iremos pesquisar o processo interno de
criação da ação física da palavra, através da vibração do som no corpo, por meio dos
ressonadores, como matriz física e energética da ação. De tal forma que pesquisa-se nos jogos
de ressonância vocal, a composição por meio da dramaturgia do corpo.
Através do fluxo vocal pela flauta interna, os sons geram vibrações, que geram
sensações, que ativam o imaginário corpóreo. Assim, os jogos vocais, estão relacionados ao
espaço-tempo povoado pela ludicidade, que perpassa o poder criativo da imaginação, de criar
outras camadas de sentido da ação da palavra, via dimensão sensorial do corpo. Dentro desta
questão, navegaremos por Gaston Bachelard, para quem a imaginação é fonte de invenção e
de originalidade criativa. Busca-se, através da ressonância vocal, vivificar as energias das
freqüências vibratórias da ação física da palavra, promovendo um jogo sonoro que preencherá
o texto cênico por sua dimensão acústica, de forma a conduzir a percepção da ação da palavra
para além do entendimento somente semântico, mas desenvolvendo-a como um
acontecimento corpóreo, no seu potencial de gerar ressonâncias no corpo. Assim, pretende-se,
através da potencialização da qualidade vocal da ação da palavra, fazê-la vibrar por sua
materialidade sonora, por suas energias, por seus impulsos, por suas intensidades e por seus
deslocamentos físicos e sensíveis no espaço-tempo.
Através da pesquisa dos princípios físicos e energéticos da ressonância vocal, os jogos
corpóreos de ressonância vocal foram criados por mim, a partir de todas as influências que
tive em meus caminhos, especialmente as influências da Fonoaudiologia, da dança
contemporânea, do contato-improvisação, das danças da paz, do canto coral, das práticas de
corpo, bem como inspirações de horizontes teóricos já citados e de outros específicos sobre a
voz e o som, como Ricardo Oliveira (1996), Murray Schafer (1991), José Wisnik (2004),
Stephen Cheng (1999), Valborg Werbeck-Svärdström (2001), Ted Andrews (1996), aliados às
inspirações dos horizontes teóricos do teatro, especialmente Jerzy Grotowski e Eugenio
Barba, e da dança Rudolf Laban. Nestas alquimias, através das inspirações proporcionadas
por horizontes teóricos associados às minhas práticas de corpo-voz, os jogos foram inventados
para o foco específico que se pretende trabalhar aqui: a ressonância vocal na preparação e
criação do artista cênico.
20
A prática dos jogos corpóreos de ressonância vocal foram vivenciados com alunos de
graduação em Artes Cênicas, do curso de Interpretação Teatral, da Escola de Teatro da
Universidade Federal da Bahia. A partir da prática, realizada no ano letivo de 2006, foram
levantadas considerações sobre princípios pedagógicos que regem a ressonância vocal nos
jogos de preparação e criação do artista cênico. A prática foi desenvolvida por meio de
estágio docente
23
, onde ministrei as aulas da disciplina de Expressão Vocal I, no primeiro
semestre de 2006, para os estudantes da 6ª Fase do Curso de Interpretação Teatral, e disciplina
de Expressão Vocal II, no segundo semestre de 2006, 7ª fase do Curso. Em ambos os
semestres, dez estudantes, em sua maioria na faixa etária de 20 a 23 anos, formaram o grupo
de pesquisa. Os encontros com a turma ocorriam duas vezes por semana, com a duração de
duas horas por aula, quatro horas por semana, 60 horas por semestre, 120 horas ao total de
ambos semestres.
Na disciplina de Expressão Vocal I, as vivências dos jogos vocais para a preparação
dos alunos teve como intuito o desenvolvimento criativo da ressonância vocal, e, na disciplina
Expressão Vocal II, as vivências tiveram como foco as descobertas da ressonância vocal na
criação de ações físicas para as palavras.
Na vivência prática da disciplina de Expressão Vocal I, desenvolvi jogos de corpo-voz
com o objetivo de abrir o corpo dos alunos para a sua potencialidade de ressonância vocal,
ampliando sua consciência sobre si, a fim de dinamizar suas energias e capacidades corpóreas
para a arte de criar vocalmente. Nesta fase de preparação vocal, buscamos os caminhos para
ampliação da consciência da ressonância da voz no movimento corpóreo, para tanto, os jogos
tiveram como objetivos físico-energéticos a serem pesquisados: a respiração, os eixos de
equilíbrio do corpo, os apoios corpóreos, os trajetos do som no espaço interno do corpo, as
freqüências vibratórias da voz, a sensibilização auditiva e sinestésica sonora e a projeção
vocal.
Na segunda fase da pesquisa prática, na disciplina de Expressão Vocal II, realizada no
segundo semestre de 2006, desenvolvemos o trabalho sobre a ressonância da voz na relação
com a ação física e verbal: a pesquisa teve como fio condutor a criação de ações físico-vocais
desvendadas por meio dos ressonadores. O objetivo foi de, por meio dos jogos corpóreos de
ressonância vocal, desenvolver a consciência criativa no processo de criação através da
23
Estágio Docente do doutorado em Artes Cênicas do Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas da
Universidade Federal da Bahia.
21
dramaturgia do corpo. Assim, seguimos o caminho de composição da ação físico-vocal das
palavras por meio de seus fluxos no corpo, impulsos e deslocamentos físicos e energéticos no
espaço. Como a pesquisa foi de cunho pedagógico, de desvendar os princípios da ressonância
na ação vocal, foi resolvido, pelos alunos e por mim, deter-nos somente na pesquisa de
improvisações vocais, com o intuito de ampliar as possibilidades de uso da ressonância da voz
na criação, sem o compromisso com a composição de um espetáculo teatral.
Os jogos experimentados nesta prática foram registrados em vídeo (a edição da
filmagem está no DVD em anexo à tese), relatos escritos pelos estudantes (alguns dos quais
constam no decorrer dos capítulos 3 e 4) e minhas anotações (que estão inseridas nos
comentários dos jogos). As anotações dos alunos eram feitas no final da aula, logo após a
vivência do jogo, para que a expressão escrita fluísse de acordo com as sensações surgidas
naquela prática. A partir do diálogo com os alunos, pelos seus comentários e pelas relações
que aconteceram na prática, foram feitas reflexões sobre a importância da ressonância vocal
nos processos de preparação e criação do artista cênico e a importância da ludicidade dos
jogos corpóreos para criação vocal.
A metodologia desta pesquisa é qualitativa, sendo que me interessa como ocorrem os
processos internos de desvendar da ressonância vocal na prática dos alunos; por isto, optei
pela ludicidade dos jogos de corpo-voz, pois o foco está em como se organiza internamente,
dentro dos atores, o processo de criação da ação da palavra, tendo a ressonância vocal como
caminho. Devido a isto, não optei pela pesquisa quantitativa, tal qual mensurar através de
análises acústicas por computador os harmônicos e os formantes dos atores
24
. Escolhi
desvendar sobre o processo de criação via a dramaturgia do corpo: sobre como se organizam
as descobertas dos efeitos da ressonância vocal dentro de cada corpo, do que o fluxo da voz
desperta, em termos de sensações, imagens, imaginação, ludicidades e criatividades, para o
processo de criação da ação físico-vocal da palavra, para o texto cênico. Assim, cheguei aos
resultados a partir da prática de sala de aula acompanhando os processos internos dos alunos,
do que eles escreviam nos comentários sobre suas vivências e das observações feitas no
decorrer da própria prática.
24
Pesquisa neste sentido, de verificar os formantes dos atores se encontra em: MASTER, Suely. Análise acústica
da voz de atores e não atores masculinos: long term average spectrum e o “formante do ator”. [Tese de
Doutorado] São Paulo: UNIFESP/EPM, Programa de Pós-graduação dos Distúrbios da Comunicação Humana,
2005.
22
Prática e teoria se entrelaçam, e ainda assim, uma transcende a outra. O trabalho
prático transcende as palavras, as palavras transcendem o trabalho prático. O conhecimento
sobre a ressonância vocal se dá na sua vivência corpórea, e, portanto, deve ser experimentada
intimamente. Como assinala Ken Wilber: “a realidade não se comunica verbalmente. Por ser
as próprias palavras ‘parte’ da realidade, se tentarmos descrever plena e totalmente a realidade
com palavras, teremos também de descrever as palavras que usamos e, depois, as que usamos
para descrever nossas palavras” (idem, 1977, p.46). Continua Wilber afirmando que:
todas as coisas transcendem todas as formas de verbalização, descrição e
conceituação [...]. Na medida em que se pode expressar em palavras, a verdade há
de ser sempre um conjunto de instruções sobre como despertar o modo não-dual de
conhecer e, por essa forma, experimentar diretamente a realidade [...]. (WILBER,
1977, p.47).
No desenvolvimento da consciência, mais do que palavras, se fazem necessárias as
vivências. Na relação interativa da prática, muitas relações se estabelecem indo além do que
possamos mensurar. De tal sentido que, neste trabalho, mesclo, entre os escritos, algumas
frases poéticas minhas sobre o assunto, e algumas poesias como uma forma de ampliar as
possibilidades existentes entre as palavras, as imagens e as sensações. Todos os poemas foram
inseridos “como textos de referência que instigam uma outra forma de pensamento como
fonte para artistas e teóricos pesquisarem seu próprio pensar”, como também afirma Sônia
Rangel (2006, p. 311). No decorrer da escrita do capítulo 4, coloco, nos entremeios, poesias
do texto que trabalhamos naquele semestre: Cobra Norato
25
, de Raul Bopp
26
.
Nesta tese, os caminhos seguem as seguintes direções:
No Capítulo 1, desenvolvo as bases teóricas que subjazem as questões epistemológicas
referentes a ludicidade dos jogos corpóreos de ressonância vocal, em sua função de
desenvolvimento da consciência corpórea criativa, na formação do artista cênico. Dentro
disto, as reflexões são sobre o foco dos jogos vocais, sobre a dinâmica do imaginário no
corpo, e, sobre o desenvolvimento da consciência ampliada, através da dimensão sensível dos
sons.
25
Vide fragmentos do texto no Anexo 2.
26
Raul Bopp, gaúcho, integrou o grupo paulista do modernismo, de cujas correntes verde-amarelas (Pau Brasil)
e antropofágicas fez parte. Sempre conviveu em ambientes literários, sendo amigo de autores consagrados como
Jorge Amado e Carlos Drummond de Andrade. Participou da Semana da Arte Moderna ao lado dos amigos
Tarsila do Amaral e Oswald de Andrade. Cobra Norato é considerado seu principal livro e obra mais importante
do movimento antropofágico. A obra ostenta a grandeza do mundo em formação que é o Amazonas. Pela força
de suas descrições, pelo lirismo que informa o poema, pelo seu aproveitamento das raízes populares, é de um
valor definitivo do Modernismo brasileiro (http://pt.wikipedia.org/wiki/Raul_Bopp).
23
No Capítulo 2, estudo os princípios da ressonância vocal em seus aspectos físicos e
energéticos, para o entendimento dos fluxos do som no corpo, tanto na fisiologia ocidental
(anatomofisiologia), quanto na fisiologia oriental (chackras e campo energético). Os
princípios aqui desvendados servirão como um terreno fértil para o desenvolvimento dos
jogos corpóreos de ressonância vocal com vistas ao estímulo da criatividade e sabedoria do
corpo.
No Capítulo 3, abordo a prática vivenciada na pesquisa do desvendar dos jogos
corpóreos de ressonância vocal, para a abertura criativa do corpo para a criação cênica. Esta
pesquisa foi realizada na disciplina Expressão Vocal I, no primeiro semestre de 2006, no
Curso de Interpretação Teatral da UFBA. Entre os princípios pesquisados nestes jogos
corpóreos de ressonância vocal estão as suas conexões com: o aquecimento vocal; a
sensibilização auditiva e sinestésica das freqüências vibratórias do som; a respiração; os
fluxos dos sons no corpo na dinâmica do movimento; o equilíbrio muscular na dinâmica do
movimento; a projeção vocal no espaço cênico. Os jogos neste e no capítulo que se segue
estão organizados logo após uma reflexão teórica sobre o assunto. São eles descritos em sua
dinâmica, apontando os seus focos e objetivos e logo a seguir eu estabeleço comentários sobre
a vivência destes, na minha perspectiva e na dos alunos, através dos seus relatos escritos.
Após o jogo, eu organizo a idéia principal do princípio ali desvelado.
No Capítulo 4, desenvolvo sobre a pesquisa prática realizada na disciplina de
Expressão Vocal II, tendo como foco os jogos corpóreos de ressonância vocal como um
caminho para o processo de criação, via a dramaturgia do corpo, da ação físico-vocal das
palavras. Desenvolvem-se aqui princípios da ressonância da voz em jogos para a criação do
ator: do texto em ressonância corpóreo-vocal; da ressonância como eixo integrador da ação
física à ação vocal; dos focos de ressonância na criação vocal de personagens; da ação da
ressonância vocal na criação da dramaturgia sonora.
Cabe ressaltar que todo ponto da ressonância vocal estudado nesta tese pode ser/estar
conectado a outro ponto - como uma mandala com fios interconectados, todas as dimensões
estão intimamente ligadas: desde a respiração às dinâmicas musculares, aos eixos de
equilíbrio do corpo, aos aspectos afetivos e energéticos do corpo-vocal em relação ao meio. A
acepção é holística, no sentido do entrelace entre todas as dimensões que envolvem os seres
consigo mesmos e com os outros no espaço criativo.
24
Os princípios dos jogos vocais, portanto, funcionam como territórios, a partir dos
quais múltiplas conexões podem realizadas. Encontro em Ken Wilber (1977) a percepção de
que a realidade não é um mapa, senão o território. Acrescento que os princípios são eixos que
se entrelaçam e florescem a partir das conexões que se queira estabelecer. De forma que
quaisquer das entradas aos princípios da ressonância vocal propiciarão a descoberta de novas
possibilidades, de acordo com a multiplicidade das relações na prática teatral, com
metodologias pedagógicas e com os objetivos e circunstâncias de cada processo cênico
criador.
Por fim, teço considerações sobre os princípios físicos e energéticos que, em um
círculo de conexões, permeiam a ressonância vocal em seu potencial criador para as artes
cênicas. Os caminhos dos jogos corpóreos da ressonância vocal para os processos de criação,
demonstraram ser um território aonde as sementes vocais em potenciais, que existem dentro
de cada um, ao serem irrigadas pela sabedoria e consciência criativa do corpo, fazem
germinar frutos orgânicos para a prática da criação vocal cênica.
25
1 O JOGO VOCAL NA PRÁTICA CRIATIVA DO ATOR
O jogo é um espaço de criatividade e de ludicidade. No teatro, o jogo acontece em um
entrelace de relações criativas da preparação à atuação do ator, à relação que se estabelece
entre os atores, à composição do conjunto da encenação, às relações comunicativas entre
atores e espectadores. Em uma alquimia, o jogo vocal está neste conjunto que forma um
acorde de criação por meio do corpo, da voz, da palavra em ação, preenchendo o espaço
cênico com composições sonoras de dimensão poética e estética.
Na composição cênica, o jogo vocal cria freqüências vibratórias energéticas carregadas
de intencionalidades que, por sua vez, geram uma atmosfera sonora pelos seus modos de
constituição. Sendo a voz a ação corpórea que cria intencionalidades às palavras, o jogo
sonoro do texto cênico constitui-se das dinâmicas da vocalidade: nas variações de
intensidades, de melodias, nas ênfases em palavras-chave, nas variações de ritmos, nas
relações entre o gestual e o verbal, nas ressonâncias das palavras no corpo, no compartilhar
sonoro com os colegas e com a platéia. A ação da voz cria ação á palavra por suas freqüências
vibratórias que ressoam no corpo, por sua presença enquanto acontecimento corpóreo, mais
do que por sua capacidade de significar simbolicamente algo no sentido semântico. A voz,
assim como o corpo, não formula sentido somente lingüístico, mas articula energia; não
representa ilustração, mas uma ação, bem como esclarece Hans-Thies Lehmann: “o corpo,
sem prolongar uma existência como significante, pode ser agente provocador, de uma
experiência livre de sentido, que não consiste na atualização de um real e de um significado,
mas é experiência do potencial” (idem, 2007, p. 336). Assim, através dos jogos vocais, a ação
da palavra na obra cênica assume sua função para além do entendimento racional semântico
de determinadas informações: ela visa o estímulo da própria criatividade e do imaginário do
receptor, pela interação contínua com o texto cênico, via a ressonância das vocalidades no
corpo.
Na prática criativa de composição cênica, o jogo vocal cria a relação sonora estética
que se pretende desenvolver na composição da obra. O teatro é um jogo de imaginação,
realidade e fantasia. Nas palavras de Antonin Artaud, “o teatro faz o elo entre o que é e o que
26
não é, entre a virtualidade do possível e o que existe na natureza materializada” (idem, 2006,
p. 24). Assim também o jogo tem a função de nos conduzir a um instante poético sensível:
O jogo nos transporta para além das regras da lógica cotidiana, um mundo onde reina
algo diferente da claridade do dia. O mundo selvagem, da criança e do poeta, o
mundo do jogo. [...] Por detrás de toda expressão abstrata se oculta uma metáfora, e
toda metáfora é jogo de palavras. Assim, ao dar expressão à vida, o homem cria um
outro mundo, um mundo poético, ao lado do da natureza (HUIZINGA, 1993, p. 7).
Neste instante poético, o jogo teatral eleva a imaginação à recriação de novas
percepções da realidade. Assim, a ludicidade do jogo convida à vivências na dimensão da
criatividade.
Dentro desses pressupostos, abrem-se as portas para a entrada na sala de aula, para
refletirmos sobre questões epistemológicas referentes ao jogo teatral, com foco nas práticas de
corpo-voz, para o desenvolvimento da criatividade do artista cênico. Acredita-se que através
da ludicidade, as vivências práticas despertam modos não-duais de conhecer em que não há
separação do corpo e voz, corpo e mente, razão e emoção, sujeito e objeto. Assim, através da
ludicidade dos jogos corpóreos, o aluno desenvolve a consciência criativa em sua plenitude
física-cognitiva-afetiva-energética. Neste viés, o jogo corpóreo-vocal é um caminho educativo
que pretende estimular o aprendizado por meio do acesso à sabedoria do corpo, por meio do
desenvolvimento da criatividade enraizada na busca de movimentos orgânicos, dos sons e
tons de suas qualidades e potencialidades. Se ancorado em sua consciência criativa, o artista
cênico estará apto a criar suas poéticas vocais nas estéticas que desejar. Desta forma, a
pedagogia vocal orgânica pretende estimular o artista a conhecer seu corpo-vocal pela
ludicidade:
Acreditamos que o amor e a brincadeira como modo essencial de viver humano em
relação, são elementos básicos da história evolutiva que nos deu origem. Como um
comportamento que constitui o outro como um legítimo outro em coexistência, o
amor segue junto com a ternura e a sensualidade; e a brincadeira como modo de
viver no presente acompanha a abertura sensorial, a plasticidade do comportamento
e o prazer de existir (MATURANA, 2004, p. 247).
Este capítulo tem como objetivo refletir sobre questões epistemológicas a respeito do
desenvolvimento da consciência vocal-corpórea criativa na formação do artista cênico.
27
1.1 O foco dos jogos vocais: o desenvolvimento da consciência criativa
através da ludicidade
O jogo teatral tem sua raiz na ludicidade, é esta a força motriz que permeará a
vocalidade poética na composição cênica do texto dramático. O jogo está na presença do
corpo que emana a vocalidade, em seu poder de consciência criativa. Como assinala Cipriano
Luckesi (2004), a ludicidade está na dimensão interna da pessoa que vivencia a prática:
A ludicidade é uma atividade criadora a partir da vivência e percepção interna do
sujeito [...] As atividades lúdicas permitem que o indivíduo vivencie sua inteireza e
autonomia em um tempo-espaço próprio, particular. Esse momento de inteireza e
encontro consigo mesmo gera possibilidades de autoconhecimento, de maior
consciência de si (LUCKESI, 2004, p. 82).
A ludicidade que envolve os jogos estabelece um espaço de descobertas criativas. Para
o desenvolvimento da consciência, os jogos, com uma estrutura clara, com regras e com
objetivos definidos, ampliam a possibilidade de criação, como constatam também Huizinga
27
(1993), Caillois (1990), Spolin
28
(2003). Em um tom poético, pode-se dizer que, na
preparação-criação do ator, as regras e os focos do jogo aterram em concentração a energia
corpórea, ao mesmo tempo dando espaço no terreno para que as sementes da criatividade
floresçam em suas múltiplas possibilidades de fragrâncias.
O jogo vocal compõe-se de princípios fisiológicos, energéticos e imagéticos. Quanto
aos princípios fisiológicos da voz, estes são baseados na anatomia e funcionamento do corpo.
A partir destes princípios, desenvolvem-se metodologias e técnicas vocais para a ampliação
da consciência criativa vocal do corpo. Os jogos vocais, baseados nos princípios fisiológicos
do funcionamento do sistema fonador, contribuem para o desenvolvimento da consciência, a
partir da organicidade integrada do corpo em sua totalidade. Os princípios energéticos dos
jogos vocais trazem à consciência o poder criativo da voz enquanto energia sonora,
freqüências vibratórias que preenchem as palavras com intencionalidades que vibram em
expressão, comunicabilidade e interação com o meio. Os princípios do imaginário poético,
nos jogos vocais, estão relacionados ao espaço-tempo povoado pela ludicidade, que perpassa
o poder criativo da imaginação. No jogo vocal, as dinamizações das possibilidades criadoras
27
Johan Huizinga (1993) percebe a manifestação do jogo a partir do foco da cultura. Para ele, a própria cultura
possui um caráter lúdico manifestado de acordo com as diferentes sociedades e períodos históricos.
28
Viola Spolin (2003) direciona as regras do jogo teatral dentro de uma estrutura dramática (onde, quem, o que),
dentro da qual o problema a ser solucionado é o objeto do jogo que proporciona o ‘foco’.
28
da corporeidade da voz são geradas pelas relações imagéticas das circunstâncias dadas, do
contexto e da situação cênica proposta.
Entremos na organização da seqüência de evolução do jogo, do aquecimento, à
pesquisa criativa, à composição artística, ao terem estes um direcionamento relacionado a um
objetivo físico a ser solucionado de forma gradual, amplifica a consciência corpórea criativa,
traz profundidade à pesquisa do corpo em ação. Por meio do jogo, o artista é estimulado a
desenvolver sua consciência sobre si, em relação ao meio, a partir da vivência prática. A
técnica não é algo que está fora a ser incorporado; são metodologias que conduzem à
percepção de como está o corpo, abrindo-o através de dinâmicas, de exercícios, de
metodologias facilitadoras para a conexão com sua sabedoria. Na pesquisa criativa da
vocalidade poética, técnica e improvisação se unem, pois eis que no jogo teatral está o espaço
para criar e recriar qualidades dinâmicas de movimento do corpo em ação cênica.
Os objetivos físico-energéticos do jogo a serem resolvidos trazem a atenção ao corpo,
ao contato com as sensações que surgem através dos sons vocalizados, despertando a
organicidade na criação, enraizado nas musicalidades criativas do corpo. O imaginário surge
do corpo em ação, da abertura dos canais de percepção físicos, sinestésicos e energéticos.
Dentre os aspectos fisiológicos, para desvendar a consciência criativa do corpo-vocal, estão os
focos na respiração, na ressonância, nos apoios-corpóreos, nas tonicidades, nos eixos de
equilíbrio, outros, nas relações das dinâmicas de movimento do corpo com a vocalização.
Dentre os aspectos energéticos, estão: o lançamento de energia, a composição do campo
sonoro, a criação da atmosfera sonora através das freqüências vibratórias da voz, permeadas
por um acorde de melodias, de ritmos, de intensidades, de ressonâncias. Dentre os aspectos
imagéticos, estão: as circunstâncias, o contexto, a situação, as intenções e objetivos da
personagem e do texto cênico, em relação com a pesquisa corpórea das descobertas do som no
corpo do próprio ator. Os objetivos do jogo vocal a serem pesquisados na prática corpórea
facilitam a integração do movimento com a vocalização poética das palavras do texto cênico.
Dentro da estrutura do jogo, há liberdade de criação, de forma que as soluções
corpóreas para a realização do objetivo físico-energético são únicas, de cada pessoa. Os
desafios são caminhos a serem desvendados por ela; mesmo nos jogos que têm um objetivo
comum a ser pesquisado por todos, há a particularidade de cada corpo. “O jogo consiste na
necessidade de encontrar, de inventar imediatamente uma resposta que é livre dentro dos
29
limites da regra” (CAILLOIS, 1990, p. 27). Há, no jogo vocal de preparação corpórea, a
liberdade da pesquisa, de improvisar, de possibilidades de soar a palavra nas dinâmicas do
corpo, de inventar combinações de formas de movimento sonoro para o texto cênico.
Na ampliação do potencial criativo, os jogos de improvisação trazem o foco do corpo
para a percepção de si, do perceber-se fazendo e sendo, tendo como desafio o quebrar
condicionamentos de movimentos que impedem o fluxo orgânico da voz. “Os
condicionamentos são um moinho de padrões habituais de pensamento, de movimentos
corporais estereotipados e de padrões mecânicos de vida. [...] O processo de impedir o fluxo
da natureza é um processo aprendido, assimilado. Precisa de consciência” (BOADELLA,
1992, p.28). “Nossas experiências comuns são determinadas por nossos egos, muito pessoais
e condicionadas, e, nelas, a liberdade quântica dá lugar a quase 100% de condicionamento,
em virtude de muitas reflexões no espelho da memória de experiências passadas (MITCHELL
& GOSWAMI apud GOSWAMI, 2005, p. 61). Nestas relações entre corpo e história
biográfica, entre os condicionamentos físicos que bloqueiam a voz citam-se: respiração
superficial e predominantemente superior, um foco de ressonância laríngeo, uma inadequada
abertura dos órgãos fonoarticulatórios, língua hipotônica, postura inadequada da cabeça,
tensões musculares que travam o fluxo da voz no corpo, apoio muscular na região superior,
excesso de força mioelástica da laringe, alinhamento da postura inadequado. A proposta dos
jogos de improvisação vocal é justamente a de sair de padrões habituais que travem a
expressividade e experimentar novas possibilidades de soar. Nesta busca,
quando o estado quântico do cérebro se desenvolve como um conjunto de
potencialidades, em resposta a uma situação de confrontação criativa, o conjunto
inclui não só estados condicionados, mas também estados de possibilidades, novos
e nunca antes manifestados. Claro, os estados condicionados de nossas próprias
memórias pessoais, aprendidas, são fortemente condicionados no conjunto de
probabilidade, e são pequenos os pesos estatísticos, dos estados novos e ainda não
condicionados. Como superar as esmagadoras possibilidades desfavoráveis que
favorecem a astúcia da velha memória, de preferência à arte autêntica do novo?
(GOSWAMI, 2000, p. 264).
O desafio no jogo está no conhecer-se e reorganizar o corpo para a arte vocal,
percebendo, no instante em que se faz som, como está: a respiração (se falta ar durante a fala,
se usa predominantemente a respiração superior, se usa o ar de reserva, se há ataque vocal
brusco), o foco de ressonância (ressonância oral ou laringo-faringea), a projeção vocal (se usa
o apoio respiratório e os seios paranasais como cavidades amplificadoras da voz), a
mobilidade dos órgãos fonoarticulatórios (tonicidade, mobilidade e postura da língua e
30
lábios), os apoios corpóreos (relações entre os músculos, as posturas e as articulações). Tais
observações do corpo em ação referem-se, também, à correlação da sensibilidade física com a
percepção energética do som: a vibração da voz, as sensações que surgem, os pensamentos, o
despertar do imaginário corpóreo, a intencionalidade na troca com o colega, a influência dos
sons do ambiente em si e a influência dos sons vocalizados por si no ambiente.
O jogo vocal é um território de observação do corpo em ação, uma observação não de
hegemonia do mental racional, mas sim uma percepção sensitiva. A consciência criativa es
na sabedoria do corpo; basta que se fique atento aos sinais que este irradia, a partir das
sensações e das percepções da energia interna, sinais gerados naquele instante da vocalização,
trazendo a experiência para a plenitude da corporeidade em ação.
No processo de desenvolvimento da consciência criativa, na medida em que o corpo
conhece a si, desenvolve novas maneiras de vocalizar. Ademais, como afirma Feldenkrais
(1977), quanto mais houver possibilidades de organização, de variações de movimentos, mais
complexidade, mais redes neuronais poderão ser ativadas. Nesta relação corpóreo-cognitiva
de aprendizagem, afirmam Greiner e Katz (2005), que é a partir das estruturas e memórias já
presentes no corpo que cada novo conhecimento se acrescenta, reorganizando-o: “o corpo não
é um meio por onde a informação simplesmente passa, pois toda informação que chega entra
em negociação com as que já estão” (GREINER, 2005, p.131). Na rede de conexões que o
organismo efetua, a consciência ocorre por meio da busca de soluções criativas no trânsito de
informações e trocas entre o processo interno e o processo externo.
Durante o jogo, por mais que cada aluno esteja na sua investigação individual, o
ambiente sonoro que ele está inserido influencia sua criação, pois o jogo se faz na relação com
o outro e com o ambiente. Nas interações sonoras, a consciência criativa envolve escutar a si e
ao outro, escutar os sons e os silêncios que permeiam as palavras, e quais as influências destes
sons na sua própria criação, dentro desta teia sonora de relações que se estabelece no jogo.
A consciência criativa está no saber lidar com os momentos de imprevisibilidade e de
surpresa do que vai acontecer no jogo. Os momentos de imprevisibilidade estabelecem o
potencial de ludicidade, do aprender a encontrar soluções e lidar com sua criatividade de
forma consciente. Aí está o potencial de ludicidade, no desafio ao corpo de mover-se na
direção do novo, onde não há pontos de apoio, sem recorrer aos procedimentos habituais,
31
permanecendo aberto para a incerteza do momento presente, pois, como afirma
Nachmanovitch: “na medida em que nos sentimos seguros do que vai acontecer, trancamos as
possibilidades futuras e nos defendemos contra surpresas essenciais. [...] “Improvisar é
aceitar, a cada respiração, a transitoriedade e a eternidade” (idem, 1993, p. 30). É no mistério
contido em cada momento da improvisação vocal que está a aventura para novas
criatividades, para o desenvolvimento da consciência criativa de si na interação com o meio.
A consciência criativa está na transcendência dos condicionamentos, no abrir-se à
liberdade de criar, dentre as múltiplas possibilidades, novas poéticas. O ser humano é “capaz
de estabelecer relacionamentos entre os múltiplos eventos que ocorrem ao redor ou dentro”
(OSTROWER, 1977, p. 9). Assim também a abertura da voz ocorre por meio da busca de
soluções criativas, pela consciência do corpo, através da conexão com seu centro interior, na
sua ação interativa com o meio:
Figura 1. A ludicidade na criação
Fonte: CORTAZAR (1991 apud SALLES, 1998). Diagramação do texto: Janaina T. Martins
É no momento presente do jogo vocal que está o espaço-tempo da plenitude da
experiência da consciência criativa. Quando se vibra no presente, move-se em uma percepção
íntegra da totalidade, em que não há passado e futuro e sim o instante do agora. Estar em
presença plena na experiência, significa estar consciente do momento presente, com
uma consciência intensamente alerta e não contaminada pelo pensamento, pelos
símbolos ou pela dualidade, uma percepção do Agora, do que é, e não do que era,
do que será, do que seria, do que devia ser, ou do que podia ser. [...] A
compreensão nasce do agora, do presente, sempre intemporal. O postergar, o
preparar-se para receber o que é amanhã, é simplesmente impedir-se a si próprio de
32
compreender o que é agora...Você se prepara para compreender amanhã o que só
pode ser compreendido agora (WILBER, 1977, p. 254-255).
Ao se estar inteiro vivenciando a prática, sentimos a presença energética fluindo
dentro e nesta presença, no instante presente, escutamos a sabedoria do corpo, abrindo
espaços para a criatividade fluir, pois eis que,
quando somos criativos, quando temos experiências extra-sensoriais, quando
amamos, nesses momentos erguemo-nos acima do condicionamento e agimos com
pleno conhecimento de nossa unidade e de nossa co-autoria, pois colocamos em
colapso as possibilidades disponíveis com nossa plena liberdade de escolha
(GOSWAMI, 2000, p. 46).
A sabedoria interna se amplia com o silêncio dos condicionamentos mentais, para que
a voz da intuição entre em ação juntamente com a sabedoria sensório-cognitiva. Com os jogos
de improvisação, treinamos estar presentes, conscientes, com a percepção ampliada, para que
a ação, diante de um vasto leque de possibilidades a serem criadas, parta do centro do ser.
Através dos jogos de improvisação, á medida que a percepção aumenta, podemos trazer-lhe
formas mais eficazes de pôr suas energias criativas em ação. Assim, a ludicidade das práticas
corpóreo-vocais propiciam que o aluno experimente novas experiências sensoriais, ampliando
a percepção e as possibilidades de movimento criativo.
Nos jogos vocais, após o momento de improvisação, se houver tempo, faz-se
necessário, ao final da aula, desenvolver as descobertas criativas: as criações corpóreo-vocais
que surgiram na improvisação, ao serem exercitados repetidamente na composição de uma
seqüência de movimentos, ampliam a consciência, permitindo que o corpo vá registrando as
suas novas possibilidades e abrindo espaços para novos ajustes, conexões e poéticas.
Na seqüência, na finalização da prática do jogo vocal vivenciado no dia, para que se
internalize mais ainda o conhecimento experimentado, pode-se propor aos alunos deitarem e
prestarem atenção à percepção de como está o corpo no momento, em suas sensações
fisiológicas e energéticas. Após este instante de atenção, eles são instruídos a irem voltando
para ao alinhamento da postura, ao relaxamento da musculatura laríngea e ao retorno às
freqüências e intensidades habituais da fala. Assim, propõe-se a cada aluno o contato com o
seu centro interno para observar as sensações de mais um ciclo de jornada rumo à consciência
e sabedoria criativa do corpo.
33
No fazer pedagógico dos jogos teatrais de corpo-voz, a percepção sobre o tempo de
cada etapa dos jogos propicia a adequação de um espaço-tempo de pesquisa, para que o corpo
conheça a si, quebre seus condicionamentos, descubra novas possibilidades de movimentos,
crie ações criativas e realize composições corpóreo-vocais, desvendando o seu potencial de
dramaturgia. O trabalho de consciência visa a uma pesquisa vocal calcada em processos e não
em efeitos diretos, senão a preparação vocal seria na superfície, somente forma, sem conexão
com a totalidade que engloba a sabedoria que envolve o movimento corpóreo. Nos jogos
vocais, importa o desvendar de movimentos genuínos, orgânicos, em conexão com a energia
interior. O prazer que envolve o jogo, na ludicidade do pesquisar, do conhecer a si, do
expressar, do escutar, do compartilhar, do brincar, permite que o processo criativo flua em
potencial.
1.2 O jogo vocal na dinâmica do imaginário do corpo
Neste item, entraremos no imaginário corpóreo e seu poder de criar imagens sonoras
na relação entre o texto dramático e a dramaturgia do ator, e dentro disto, a influência da
ressonância vocal, do toque sensível do som no corpo, no despertar da imaginação poética.
No processo de criação, o ator assume o papel de co-criador da obra ao estabelecer
uma relação íntima entre o seu imaginário corpóreo e a o texto cênico: através de sua
corporeidade, ele compõe a vocalidade poética das palavras do texto. Neste processo, as
imagens literárias dos textos dramáticos guiam-no ao encontro de seu próprio imaginário
corpóreo. O imaginário corpóreo é “o depósito e armazém de todo o universo de imagens,
símbolos. Fruto das heranças culturais e das experiências de vida da mais remota à mais
recente. Está em constante evolução” (VARGENS, 2005, p. 38). No contato com textos
escritos, o imaginário é acessado através das ressonâncias do texto com o próprio corpo. Bem
como constata Gaston Bachelard (1989), ao lermos textos literários, lemos a nós mesmos,
pois “a palavra de um poeta, tocando o ponto exato, abala as camadas profundas do nosso ser”
(idem, 1989, p.32). Assim, na composição vocal do texto cênico, a criação do ator permeia
uma jornada ao seu imaginário corpóreo, não somente por sua capacidade de formular sentido
e significar, mas principalmente pelo poder da imaginação de ampliar as percepções sobre o
texto cênico.
34
O mergulho na dramaturgia do ator através do imaginário corpóreo, na composição da
ação palavra para o texto cênico, foi enfatizado por encenadores teatrais, tais quais:
Constantin Stanislavski, Jerzy Grotowski e Eugenio Barba, entre outros. Para Stanislavski
(1989), o ator, ao dizer o texto, deve comunicar aos espectadores o que vê na tela de sua visão
interior, projetando as imagens através da fala para fazer com que o espectador crie as suas
próprias imagens do contexto desencadeado pelas palavras. “Ouvir é ver aquilo que se fala e
falar é desenhar imagens visuais. [...] Esqueçam os sentimentos e concentrem toda atenção
nas imagens interiores, descrevam-nas com a máxima plenitude” (STANISLAVSKI, 1989,
p.149). Para Grotowski (1987), as imagens surgem pelo caminho do despertar do corpo.
Trata-se de um processo de reação física a alguma vivência marcada nos sentidos. Eugenio
Barba (1991) também constata o valor das imagens pessoais para envolver a voz “para chegar
ao universo sonoro individual. Não mais efeito calculado, voz mecanicamente impostada, mas
reações, respostas à imagem que servia de estímulo” (BARBA, 1991, p. 62). Por meio destas
percepções, assinala-se a importância do contato do ator com seu corpo, com sua
sensibilidade, seus sentidos, suas sensações, suas imagens, sua organicidade, suas
associações, na composição artística. No processo de criação artística, a composição envolve
a subjetividade de cada corpo, pois eis que, como afirma a dançarina Christine Greiner:
Se a dramaturgia é uma espécie de nexo de sentido que ata ou dá coerência ao fluxo
incessante de informações entre corpo e ambiente; o modo como ela se organiza em
tempo e espaço é também o modo como as imagens do corpo se constroem no
trânsito entre o dentro e o fora do corpo organizando-se como processos latentes de
comunicação [...] Para pensar na dramaturgia de um corpo, há de se perceber um
corpo a partir de suas mudanças de estado, nas contaminações incessantes entre o
dentro e o fora (o corpo e o mundo), o real e o imaginado, o que se dá naquele
momento e em estados anteriores (sempre imediatamente transformados), assim
como durante as predições, o fluxo inestancável de imagens, oscilações e
recategorizações (GREINER, 2005, p. 73/81).
As imagens internas são as responsáveis pelas mudanças do estado corporal e as
mudanças do estado corporal são responsáveis pelo brotar de novas imagens internas. O corpo
tem em sua morada o habitat de imagens dinâmicas, as quais se enraízam de acordo com as
vivências e com as percepções que se escolhe ter com o meio ambiente em que se vive a cada
interação corpóreo-sensório-cognitiva.
Neste espaço perceptivo que se organiza no presente, o imaginário cria as imagens,
não como reprodução da realidade, mas como recriação, como constata Bachelard (2001).
Esclarece ele que a tradição filosófica tem configurado a imaginação como a faculdade mental
de evocar, sob a forma de imagens, objetos conhecidos por uma sensação ou experiência
35
anteriores. Nesse caso, temos a imaginação reprodutora, meramente evocativa, a depender,
substancialmente, das nossas sensações e da reprodução evocativas de memórias do passado.
Já a imaginação criadora do ponto de vista de Bachelard, é mais do que a faculdade de formar
imagens, é a faculdade de deformar imagens fornecidas pela percepção, é a faculdade de
libertar-nos das imagens primeiras e de mudá-las. As imagens são poéticas, revive a cada
instante de acordo com como as criarmos. A imaginação é essencialmente criadora,
simbolizante, poetificante, inventora.
Entremos na poética do espaço que habita o imaginário: a casa-corpo. “Sim, o que é
mais real: a própria casa onde se dorme ou a casa para onde se vai dormindo, fielmente
sonhar?” (BACHELARD, 1990, p. 76).
Figura 2. O imaginário corpóreo que habita a casa-corpo
Fonte: BACHELARD (1989, p. 23; 24; 27; 76; 81). Diagramação da imagem por Janaína T. Martins.
36
A imagem da Casa
29
, como arquétipo simbólico proposto por Bachelard, constitui-se
do habitat do nosso imaginário. Dentro da casa-corpo existem os cantos sonoros, os quais se
compõem das memórias dos sons e das palavras que ali reverberaram no decorrer da vida.
Nos cantos sonoros do corpo, a palavra emerge suas marcas ressoando os ecos de significados
biográficos e culturais. A linguagem psicossocial, de cada sociedade, instaura conceitos
simbólicos sobre as palavras, isto, como acrescenta Ken Wilber (1977), atua como um filtro
da nossa percepção:
O modo com que o indivíduo experimenta a realidade e subseqüentemente ele mesmo
sofre a profunda influência de fatores sociológicos - a estrutura da linguagem, os
sistemas de valores sociais, as regras implícitas e inconscientes da comunicação, para
nomear apenas alguns – a influência, em suma, dos mapas que a sociedade lhe dá para
traduzir e transformar a realidade (WILBER, 1977, p. 182).
Assim, na formação das imagens das palavras, também há uma identificação com um
conjunto de conceitos e significados condicionados. Como acrescenta este filósofo a respeito
deste processo de associação, ao tomar uma vibração ou um conjunto de vibrações
basicamente sem sentido e dar-lhe um significado social, cria-se uma dicotomia entre a
entrega ao sentir puro da experiência e a cristalização do sentido imposto. A energia sensitiva,
ao ser codificada em imagens mentais, transforma o instante puro da vibração em
conceitualizações simbólicas
30
sobre o fato: a imagem, ao passar pelo filtro da percepção,
torna-se uma interpretação da realidade, como constata Wilber (1977). Porém, a realidade é
um território a ser vivenciado e não um mapa com caminhos definidos “Nossos mapas são
ficções, que possuem maior ou menor realidade, como a divisão da terra em linhas de latitude
ou longitude ou a divisão do dia em unidades de horas e minutos” (WILBER, 1977, p. 185).
Alerta este filósofo para que não confundamos a descrição do mundo com o próprio mundo
tal como é, um território onde múltiplas possibilidades podem ser criadas.
Trata-se de não permitir com que conceitos fixos acorrentem a imaginação, como
assinala Amitt Goswami (2005), temos que resistir ao desejo de reduzir o processo criativo a
uma hierarquia simples de programas aprendidos. Enfatiza Jiddu Krishnamurti:
29
A morada é constituída de sótão e porão enquanto lugares metafóricos onde habitam imagens. O porão pode
estar relacionado com a região dos símbolos do inconsciente – a terra debaixo da casa, memórias que estão
registradas enraizadas no corpo e que muitas vezes são inconscientes. Caminhando para a consciência, chegam-
se ao sótão, lugar de imagens oníricas e sonhos.
30
A elaboração simbólica pode ser usada para expressar parcialmente a realidade, mas nenhum se usa para
captá-la totalmente. Como diria o Zen, são que nem o dedo que aponta para a lua. O problema, como sempre,
está em não confundir o dedo com a própria lua” (WILBER, 1977, p. 47).
37
Como estou sempre traduzindo o novo baseando-me no antigo, nunca me deparo
com o novo com a mente limpa. Interpreto a nova reação, o novo sentimento, isto
porque estou olhando para ele com idéias, conclusões, palavras e significados
referentes ao passado. Entretanto se a mente pode observar ‘aquilo que é’ sem os
olhos do passado, então você estará completamente livre dele (KRISHNAMURTI,
2000, p. 57).
Tal premissa amplia o desenvolvimento da atuação do ator, na relação do seu
imaginário corpóreo com a vocalização das palavras do texto, de forma que ele não se
identifique somente com condicionamentos de imagens mentais cristalizadas ou associações
com velhas memórias corpóreas. Mais do que cristalizar as imagens das palavras em
conceitos, importa senti-la como vibração pura, para abrir novas possibilidades de sensações
sobre as palavras, dando-lhes asas.
A verdade em seu vazio conceptual é, em potencial, múltiplas possibilidades criativas.
O modo com que experimentamos o mundo é de escolha nossa. Eis que para ampliar
percepções, cabe a atenção ao corpo-sensório em ação. Nas palavras de Damásio:
A modalidade sômato-sensitiva (a palavra provém do grego soma, que significa
‘corpo’) inclui várias formas de percepção: tato, temperatura, dor, sensação
muscular, visceral e vestibular. A palavra imagem não se refere apenas a imagem
“visual”, e também não há nada de estático nas imagens. A palavra se refere a
imagens sonoras, como as causadas pela música e pelo vento, e às imagens somato-
sensitivas (DAMÁSIO, 2000, p. 402).
Na prática de jogos teatrais, a pesquisa do imaginário corpóreo é, portanto,
investigada, nesta tese, através da ressonância vocal, do seu potencial de estimular, através do
fluxo dos sons no corpo, novas qualidades sensórias e freqüências vibratórias, despertando
novos sentidos para a ação física da palavra. Isto porque, sendo a voz o eco do nosso ser e
estar, o fluxo do som sacode as imagens que habitam o corpo, possibilitando a reconstrução
criativa do imaginário, a cada instante em que se faz poética sonora. Nos jogos vocais, a
abertura perceptiva do imaginário convoca a percepção somática do corpo à atenção para as
palavras por sua vibração sonora, sensível, que ocorre no instante presente, pois,
a percepção organísmica é a percepção do Presente apenas – não podemos provar o
passado, cheirar o passado, ver o passado, tocar o passado, nem ouvir o passado.
Tampouco podemos provar, cheirar, ver, tocar ou ouvir o futuro. Em outras
palavras, a percepção organísmica é apropriadamente intemporal (WILBER, 1977,
p. 102).
Nos jogos vocais de criação da ação da palavra, as associações que surgem
dinamizadas pelas memórias corpóreas, têm em seu potencial a criação e a recriação
38
contínuas de novos sentidos. Estruturada pela percepção e memória que se faz e se refaz a
cada instante, a imagem é dinâmica, está em constante movimento de recriação, na
atualização do presente. O imaginário corpóreo é evocado à recriação poética das imagens no
instante em que se faz. Assim, as imagens e seus arquétipos evoluem com a ampliação da
percepção e da consciência corpórea. O tempo é criativo, o término de cada instante significa,
ao mesmo tempo, um novo começo.
Os jogos vocais desenvolvem a amplitude das possibilidades imaginativas através dos
sons que reverberam no corpo no instante em que flui e vibra. Ao perceber no aqui-agora os
estados do corpo, as sensações e as dinâmicas energéticas, o fluxo de imagens vai se
desenvolvendo e novas conexões vão acontecendo. Através dos sons, damos amplitude às
imagens provocadas pelas palavras, pois entramos num espaço energético, de sensações
corpóreas, anterior à simbolização da palavra pela da mente racional. Os sons despertam
sensações dando movimento energético à palavra. Por exemplo, ao repetirmos a palavra
“som” várias vezes, perceberemos que esta transcende seu significado, ganhando um brilho de
expressividade de acordo com as melodias vocais criadas. Trabalhar sobre o nível de vibração
corpórea e sonora que as palavras contêm significa uma criação via sensibilidade, percepção e
consciência. Na pesquisa vocal, o desenvolvimento do imaginário na relação com as
sensações da palavra no corpo amplifica o potencial de recriação da imagem para além de
padrões conceituais racionais fixos, estimulando os sentidos sinestésicos e cinestésicos, da
palavra como um acontecimento corpóreo. Na vocalização dos textos dramáticos, o ator, ao se
concentrar na materialidade sonora das palavras promove uma abertura para fluir do
imaginário corpóreo. O movimento de composição da palavra poética revela-se em sensações
e imagens, à proporção que suas vibrações são desveladas pelo corpo em ação lúdica.
Na relação entre o som e os sentidos corpóreos, tanto a vocalização dos sons podem
gerar imagens internas, quanto imagens internas podem dinamizar qualidades energéticas
corpóreas que influenciam a vocalização. Em um fluxo e refluxo, a imagem se constrói de
acordo com a percepção sensória do corpo. Bem como constata Meran Vargens, no universo
da interpretação teatral:
a visualização de imagens ajuda a construir realidades. A incorporação de imagens
propicia modificar a realidade visível de um corpo. A construção de imagens tendo
como foco os atores e a criação de caminhos de transição entre as imagens torna-se
essência da linguagem, um jogo poético. Para a voz, a imagem corporificada torna-
39
se arquitetonicamente um ponto acústico para a ressonância (VARGENS, 2005, p.
38).
Através dos jogos de ressonância vocal, o imaginário corpóreo é acionado via
sensação dos pontos acústicos dinamizados pela energia, do fluxo dos sons ou das imagens,
no corpo. Poeticamente, o jogo vocal leva a imaginação ao vôo sonoro que paira entre as
palavras. “No sonho, não se voa para ir aos céus, sobe-se aos céus porque se voa”
(BACHELARD, 1990, p. 33).
O caminho de descoberta do imaginário corpóreo via as energias despertadas pelo
corpo-sonoro no momento do acontecimento, traz uma liberdade na criação de distintas
interpretações dentro do campo da imaginação e da realidade. A composição da ação da física
da palavra via dramaturgia do corpo é uma aventura em que o imaginário, a consciência e a
sensibilidade se interpenetram.
Nestas trilhas por entre o imaginário, no jardim da casa-corpo, com seus cantos e
encantos, o centramento na sabedoria interna, que ali habita, nos mostra o potencial criativo
de criar e recriar imagens, e, suas influências na qualidade de movimento do corpo e
consequentemente nas percepções da realidade. A verdade é não-dual, não existe cerca
dicotomizando em dualidades o interno e o externo: a percepção e as imagens brotam de
dentro do ser, são nossos olhos que vêem e o nosso corpo que sente - habitamos as imagens
que nós mesmos construímos, pelas percepções que temos do mundo. No olhar para dentro de
si, a percepção dos condicionamentos de imagens cristalizadas, amplia a consciência
perceptiva sobre as possibilidades criativas. A verdade é não-simbólica: livre de
conceituações cristalizadas entra-se no espaço vazio, entre o dizível e do indizível que
permeia a linguagem humana:
Aquelas rosas debaixo da minha janela não fazem referência a rosas anteriores nem
a melhores rosas; são o que são; existem com Deus hoje. Não há tempo para elas.
Há simplesmente a rosa; que é perfeita em cada momento da sua existência
(Emerson apud WILBER, 1970, p. 100).
Do ponto de vista pedagógico, faz-se importante o estímulo do aluno-ator à sua
imaginação poética - brilho de abertura do potencial criativo da dramaturgia do corpo. No
campo do vivido, a qualidade efetiva da imaginação está no processo de transformação
relacionado à capacidade de sonhar, proporcionando novas maneiras de perceber a realidade.
40
1.3 A consciência sonora em sua força criativa
As atividades lúdicas sonoras podem conduzir ao espaço de consciência criativa, de
aprendizagem através da experiência plena. A consciência plena é a irradiação total, da
dimensão física, mental, emocional e energética - é harmonia vibracional, em que toca e
ressoa o corpo. Para entendermos estes diversos níveis que envolvem a consciência,
dialogaremos com filósofos ocidentais e orientais.
A consciência em sua corporeidade vibra em freqüências vibratórias. Há diferentes
faixas de níveis vibratórios do espectro de consciência e cada pessoa está em um nível
vibratório. Nesta perspectiva, mostra Ken Wilber: “diferentes modos de conhecer
correspondem a diferentes níveis de consciência desde o qual e no qual operamos” (WILBER,
1977, p. 44), seja nos níveis do ego, do mental racional, da intuição, ou do transpessoal. A
consciência é composta de diversas gradações, faixas ou níveis de energia reciprocamente
penetrantes “desde a mais fina consciência luminosa que se irradia para todos os pontos e que
a tudo penetra, até a forma mais densa de ‘consciência materializada’, que se apresenta diante
de nós como o nosso corpo físico visível” - constata a concepção budista (Lama GOVINDA
apud WILBER, 1970, p. 16). Continua Wilber, afirmando que:
a radiação eletromagnética consiste num espectro de energia de vários
comprimentos de onda, freqüências e energia, que vão desde os raios cósmicos
‘mais finos’ e ‘mais penetrantes’ até as ondas de rádio ‘mais densas’ (WILBER,
1970, p. 16).
Segundo a concepção budista tibetana, a consciência é a unidade que transpassa a
existência, está em toda parte, envolvendo e penetrando a todos; a consciência existe por si
mesma. Todas as formas de dicotomias e dualismos são forçadas pela mente. Porém, a
consciência vai além do entendimento somente da mente racional, esta não é capaz de
controlar todos os dados da realidade. Vejamos o que dizem alguns estudiosos: “Quando o
universo como um todo procura conhecer-se, por intermédio da mente humana, alguns
aspectos desse universo hão de permanecer desconhecidos” (WILBER, 1977, p. 26). “Assim
como o sol é infinitamente mais brilhante do que a chama de uma vela há uma inteligência
infinitamente maior no ser do que na nossa mente” (TOLLE, 2002, p. 119). Sri Aurobindo
também afirma que a consciência humana não se restringe ao mental:
41
A consciência é geralmente identificada com a mente, mas a consciência mental é
somente a parte que cabe ao ser humano, e de maneira nenhuma esgota todas as
possibilidades da consciência – do mesmo modo que a visão humana não esgota
todas as possibilidades da cor e a audição humana não esgota todas as
possibilidades do som, uma vez que existem muitas coisas, acima e abaixo do
homem, que são invisíveis e inaudíveis (SRI AUROBINDO, 2001, p. 294).
A consciência funciona de forma integrada, onde as estruturas cognitivas emergem do
corpo através da percepção sensório-motora, como constata Antonio Damásio (2000) e
também os estudos de Sandra Meyer:
a consciência do corpo já está nele, e é atuando diretamente com o corpo, e não no
corpo ou sobre o corpo, que atingimos uma funcionalidade mais plena deste. (...)
Trata-se de uma espécie de corporificação do conhecimento, onde as representações
mentais simbólicas são substituídas à medida que o corpo (sensório-motor) conhece
[...] é menos a mente discursiva comandando e mais a emergência de uma
inteligência própria do corpo (MEYER, 1998, p.131; 57; 30).
Para além de dualidades entre mente, cognição, emoção, energias, é na consciência em
sua totalidade harmônica que a sabedoria do ser se expressa em plenitude. Todos os aspectos
da consciência estão interligados e se influenciam mutuamente: a dimensão mental influencia
a dimensão emocional, que influencia a dimensão energética. Metaforicamente, pode-se dizer
que:
a cor azul não é menos bela porque existe ao lado das outras cores do arco-íris, e a
própria ‘azulidade’ depende da existência das outras cores, pois se a única cor
existente fosse o azul, nunca seríamos capazes de vê-lo (WILBER, 1970, p. 17).
A consciência, poeticamente comparada a um espectro eletromagnético de um arco-
íris
31
de luz e som, perpassa por freqüências de vibração, aonde em algumas pessoas vibra
mais a dimensão emocional, em outras a dimensão mental-racional. Importa a vivência em
plenitude do corpo, percebendo os entrelaces da unidade que vibra o corpo. A sabedoria do
corpo tem, no seu interior, o brilho da luz, com todas as suas cores, a serem usadas para a
alquimia artística.
31
Um arco-íris aparece quando a luz do sol atravessa uma superfície líquida (como a gota de chuva) ou sólida
(transparente). Parte da luz é refletida e refratada no interior da gota e devolvida em várias cores ao ambiente.
(www.noticias.terra.com.br/educação/vocesabia).
42
Figura 3. O arco íris de sons e cores da consciência.
Fonte: HAUSCAKA (apud SALLES, 1998, p.90).
Diagramação da imagem: Janaína T. Martins. Pintura das cores: Edson Menezes.
Vemos no processo de preparação e criação do ator que alguns importantes
encenadores assinalaram a busca pela emergência da sabedoria do corpo, transpassando a
mente racional controladora. Dizia Grotowski (1987) “é melhor não pensar, e sim agir,
assumir os riscos. Quando falo em não pensar, quero dizer não pensar com a cabeça. Claro
que se deve pensar, mas com o corpo, logicamente, com precisão e responsabilidade [...] não
pense no instrumento vocal, não pense nas palavras, mas reaja com o corpo [...] o corpo deve
ser o centro das reações” (GROTOWSKI, 1987, p. 155, 174). Ele queria eliminar o lapso de
tempo entre impulso interior e reação exterior: a voz deve partir da expressão do corpo para
que o impulso seja mais rápido que o pensamento. Para ele, o ator deve expressar-se
corporalmente muitas vezes até à exaustão, para vencer as barreiras mentais racionais e deixar
que o corpo guie o impulso expressivo da voz. Eugenio Barba também enfatiza que “[...] é
necessário neutralizar uma das antenas do cérebro, pois uma parte do cérebro, a do sistema
crítico, deve descobrir o silêncio” (BARBA, 1994, p. 62).
43
Sri Aurobindo (2001) assinala que é a consciência que usa o cérebro, e que esse é
instrumento da consciência e não sua causa. Ele constata que a consciência se distribui pelo
organismo e é dotada de diversos centros no corpo. Assim, quando a quietude da mente de
condicionamentos racionais preestabelecidos ocorre, então, entra em cena a inteligência total
do corpo, na qual a sensibilidade floresce e a música interna do ser se revela em sua plenitude
consciente. “No silêncio há espaço” (KRISHNAMURTI, 2000, p. 58) para ampliar a
percepção do corpo com sua sabedoria e criatividade orgânicas. No silêncio interno, há espaço
para a entrega às ilimitadas possibilidades do vazio. “O vazio não é o nada, não é o niilismo, é
simplesmente a Realidade antes de ser fatiada com o conceptualismo – puro território além de
quaisquer mapas descritivos” (WILBER, 1970, p. 59).
No jogo vocal, o ato de entrega ao silêncio interno de padrões e de excessos de
pensamentos lógicos dedutivos da mente discursiva e controladora traz a abertura à
sensibilidade do corpo. Neste sentido, o silêncio interior equilibra a harmonia entre o
funcionamento da consciência corpórea, emocional, mental, energética. A partir do silêncio
interior, amplia-se a escuta à sabedoria do corpo, à sua intuição, sensações, sentidos,
percepções, aos seus impulsos criativos para a arte poética do movimento. A intuição é um
poder da consciência. Vejamos nas palavras de Sri Aurobindo:
É quando a consciência vibra em ressonância com a verdade daquilo com que entra
em contato, que a intuição fulgura como um relâmpago do impacto desse encontro;
ou então quando a consciência, mesmo sem um tal encontro, olha para si mesma e
sente direta e intimamente a verdade ou as verdades que lá residem, e assim entra
em contato com as forças que se ocultam por trás das aparências – também então
ocorre o fulgurar da luz intuitiva; ou ainda quando a consciência encontra a
realidade espiritual das coisas e dos seres e efetua uma união de contato com essa
realidade – também aí a centelha, o raio ou a chama da percepção íntima da verdade
se acende em suas profundezas (SRI AUROBINDO, 2001, p. 145).
Ao estar centrado no instante presente da improvisação criativa, que rege o jogo, abre-
se espaço para uma resposta intuitiva à situação cênica que está sendo desenvolvida. A
intuição é a presença, o contato com a sabedoria do corpo. A conexão com a intuição amplia a
conexão com o impulso interior consciente na improvisação. Escutar a voz interior impulsiona
o movimento criativo a saltar de dentro de si e se revelar em expressividade. Ao fluir a voz do
corpo, a intuição guiará para os próximos passos, amplos em possibilidades poéticas criativas:
O intuitivo só pode responder no imediato – no aqui e agora. Ele gera suas dádivas
no momento presente de espontaneidade, no momento quando estamos livres para
atuar e inter-relacionar, envolvendo-nos com o mundo à nossa volta que está em
constante transformação (SPOLIN, 2003, p. 4).
44
Com estes entendimentos, vemos que o desenvolvimento do aprendizado envolve uma
complexidade que extrapola a hegemonia do uso racional do intelecto, estando a consciência
ligada à sabedoria do corpo, na harmonia vibracional de suas dimensões afetivas, cognitivas e
intuitivas. Após esta compreensão, abre-se a questão: tem o som a capacidade de ampliar a
consciência a um nível sutil de vibração? Utilizando a metáfora do espectro eletromagnético
das luzes aos sons, já que ambas são freqüências vibratórias, qual a relação das freqüências
vibratórias do corpo com as freqüências vibratórias sonoras?
Com os sons, é possível mudar os ritmos de nossas ondas cerebrais, nosso ritmo
cardíaco e nossa respiração. Os estudiosos têm atribuído faixas de ondas cerebrais
distintas aos diversos estados de consciência
32
(GOLDMAN, 1994, p. 22).
A irradiação sonora penetra em pulsações elétricas os corpos físico, mental, emocional
e espiritual, modifica seus padrões vibratórios. Conseqüentemente, revigora-se através dos
sons o fluxo energético do corpo, abrindo-o em seu potencial criativo. Pesquisadores, tais
como: Goldman (1994), Halpern (1998), Dewurst-Maddock (1999), Brennan (1987) citam a
influência do som na consciência, a qual pode ser despertada a vibrar e a se elevar em
determinadas freqüências eletromagnéticas. O som atravessa o corpo, tocando-o em energias,
abrindo os portais corpóreos para uma consciência multidimensional, sensitiva, energética,
intuitiva.
Com estes estudos, podemos aferir que, através do som, os jogos vocais ampliam os
estados de consciência para o propósito de criar arte. Pelo jogo vocal, o aluno-ator é
estimulado a desenvolver sua consciência ampliada diante dos desafios que o foco do jogo lhe
apresenta, a sustentar um estado de presença intensa, a perceber a si e aos outros. Os jogos de
vocalização com foco na ressonância da voz trazem a consciência do corpo em ação, a partir
das relações que se estabelecem do fluxo energético do som no espaço interno do corpo e a
sua expressão no meio ambiente.
O corpo é expressão criadora na sua interação com o meio, nos movimentos entre o
que ocorre dentro a partir da percepção do ‘fora’, na integração que permeia o sujeito e
32
Há quatro categorias básicas de ondas cerebrais, baseadas em ciclos por segundo (hertz ou Hz) medidas
atribuídas aos sons. São elas: 1) ondas beta – de 14 a 20 Hz, encontradas em nosso estado de vigília ou,
consciente; 2) ondas alfa – de 8 a 13 Hz, ocorrem quando meditamos ou nos entregamos a devaneios; 3) ondas
teta – de 4 a 7 Hz, ocorrem quando entramos em meditação ou sono profundos, bem como durante atividades
xamânicas; 4) ondas delta - de 0,5 a 3 Hz, ocorrem no estado de sono mais profundo e em estados muito
profundos de meditação e cura. Os sons podem ser usados para alterar nossas ondas cerebrais, possibilitando a
indução de estados misticamente alterados (GOLDMAN, 1994, p. 22).
45
objeto. “O organismo está empenhado em relacionar-se com algum objeto, e o objeto nessa
relação está causando uma mudança no organismo” (DAMÁSIO, 2000, p. 48). Neste sentido,
a consciência vocal ocorre na interatividade, na relação de si com os outros, na
comunicabilidade sonora da voz. E a ludicidade do jogo propicia ao aluno um olhar para
dentro que observa a si na relação com o meio, para a consciência criativa da expressividade
poética da voz. Dentre estas observações de si em relação criativa com o meio, faz-se
importante saber escutar o silêncio e os sons, dentro de si, dentro do que os colegas estão
criando, dentro do ambiente sonoro que está vibrando no espaço. E desde esta escuta como
ato de consciência, perceber o que a sua vocalidade contribui para o todo que se está criando
em conjunto, e o que estes sons do ambiente modificam no seu trabalho individual, em um
fluxo de interação. De forma que é necessário desenvolver no aluno uma criação sonora mais
consciente como parte integrante da atmosfera sonora que está em situação e em relação. A
consciência criativa envolve perceber as relações energéticas que se criam e se estabelecem
no instante em que se manifesta o som. Trata-se da consciência ampliada, a respeito desta
explica Damásio:
A consciência ampliada é necessária para a mobilização interna de uma quantidade
substancial de conhecimento evocado em diferentes sistemas e modos sensoriais e,
depois, para as capacidades de manipular esse conhecimento na solução de
problemas ou de recorrer a ele (DAMÁSIO, 2000, p. 259).
Poeticamente, sob a luz da consciência, quando o sol nasce, as flores se abrem diante
dos nossos olhos. De maneira que na entrega em plenitude da experiência, floresce a atenção
criativa, a inteligência, a ampliação da percepção e da consciência. No trabalho teatral, um
corpo-vocal consciente em sua totalidade físico-energética tem muito mais disponibilidade
para criar. Aonde levar a voz interior, o vôo.
Como vimos neste capítulo, o jogo vocal no processo criativo do aluno-ator envolve o
desenvolvimento da consciência, do imaginário corpóreo através da ludicidade. Estes três
itens – consciência, imaginação, ludicidade – estão intimamente conectados na relação com o
desenvolvimento do fluxo da criatividade.
46
2 PRINCÍPIOS DA RESSONÂNCIA VOCAL
Neste capítulo, é desenvolvido o estudo sobre os princípios fisiológicos e energéticos
da ressonância vocal no corpo, dentre os quais iremos desvelar o potencial da ressonância
vocal no processo de preparação e criação do ator. Entraremos na flauta vocal interna para
estudar a ressonância do som, desde seu toque no corpo físico, ao toque no corpo energético,
chackras e campo energético. O corpo irradia freqüências vibratórias e a voz é o som que
ressoa a freqüência vibratória do mesmo.
Metaforicamente, imaginemos uma flauta vocal interna ao corpo, um tubo por onde
passa o prana, o fluxo energético, e por onde perpassa o som, com suas ondas de freqüências
vibratórias. Neste fluxo da voz no corpo, ocorre ressonância quando há sintonia entre a
freqüência vibratória do som e da cavidade do corpo, órgão, músculo, ossos, ou nos centros
energéticos, tais quais os chackras. Onde duas freqüências entram em sintonia, ocorre a
ressonância:
A ressonância é um princípio fundamental da física, há ressonância quando dois ou
mais corpos possuem freqüências vibratórias semelhantes, tornando-se facilmente
compatíveis (DEWHURST-MADDOCK, 1999, p. 28).
A partir deste princípio, iremos desvendar as influências da ressonância da voz no
corpo, para compreender seus potenciais, a fim de desenvolver a presença vocal cênica do
ator.
2.1 Os Princípios Sonoros da Ressonância
A ressonância vocal está relacionada à freqüência vibratória. A freqüência vibratória é
medida como uma grandeza física associada a movimentos de características ondulatórias que
indicam o número de ciclos por unidade de tempo, de cada vibração energética. As medidas
em Hertz quantificam o número de ciclos que essa freqüência vibratória cria a cada segundo:
Os seres humanos ouvem sons situados na faixa de 16 Hz a 25.000 Hz. O alcance
da voz humana vai de 100 Hz a 10.000 Hz. O ouvido é mais sensível a tons entre
500 Hz a 4.000 Hz, que é também a faixa da fala normal. No piano, o Dó médio
tem, em geral, a vibração de 256 Hz. [...] A freqüência elétrica da atividade
47
muscular humana começa em 0 Hz e chega a 250 Hz, inclusive a do coração, que
atinge 225 Hz. (GARDNER, 2007, p. 92).
Em um rol mais amplo, podemos aferir que tudo é freqüência vibratória. Assinala
Berendt (1983, p.113) que “toda partícula do universo físico ostenta suas características
mediante as freqüências, os modelos e os tons de suas vibrações especiais, ou seja, mediante
suas ‘canções’”.
A ressonância ocorre quando, no mínimo, duas freqüências vibratórias possuem
semelhança, a que envia e a que recebe. Assim, de acordo com Andrews (1996), para que o
efeito de ressonância ocorra, são necessárias as seguintes condições: primeiro, uma fonte
energética com uma freqüência vibratória; segundo, tem de haver um meio de transmissão,
como por exemplo, o ar, onde as ondulações vibratórias saem de um ponto, passam de uma
molécula de ar para a outra e assim sucessivamente; terceiro, deve haver um receptor, algo
que receba e reaja à freqüência vibratória. Alguns exemplos de ressonância:
No exame de ressonância magnética, quando o som de alta freqüência (ultra som)
penetra no corpo, é refletido mais intensamente no exterior dos órgãos do que no
interior deles, e assim é obtida uma imagem do contorno dos órgãos (HEWITT,
2002, p. 349).
Consideremos dois diapasões que vibram no mesmo tom, digamos 440 ciclos por
segundo. Se fizermos um deles vibrar para produzir um som, o segundo começará a
vibrar espontaneamente, pois ele foi tocado pelas ondas sonoras emitidas pelo
primeiro diapasão. Isso é possível porque ele contém no seu interior a similaridade
de estrutura vibratória necessária, que permite a ressonância que vai produzir o
som.
O conceito de ressonância pode explicar como Josué conseguiu derrubar as
muralhas de Jericó, tal como relatado no Antigo Testamento. Josué e seus homens
começaram a marchar à volta das muralhas de Jericó batendo em seus tambores e
tocando trombetas. Deram sete voltas ao redor da muralha. Então pararam e de
repente ‘o povo gritou!’ e as muralhas ruíram (GOLDMAN, 1994, p. 21).
Estes exemplos demonstram os efeitos da ressonância: quando uma freqüência
vibratória é compatível com outra freqüência vibratória, elas entram em sintonia vibracional.
Dentro de um espectro eletromagnético
33
, poeticamente dentro de um arco-íris de luz e
som, podemos perceber que há múltiplas freqüências vibratórias. Em vibração pura, tudo é
33
“A radiação eletromagnética é um amálgama de radiações diferentes comprimentos e intensidades de onda. O
espectro eletromagnético inclui, em ordem crescente de freqüência: energia elétrica e ondas telefônicas, ondas de
televisão e freqüência modulada, microondas, luz infravermelha, luz visível, luz ultravioleta, raios X e raios
gama, e raios cósmicos” (GARDNER, 2007, p.73). Na conexão vibracional entre luz e som, Joy Gardner (2007)
verifica que toda energia eletromagnética se move à velocidade da luz (300 mil quilômetros por segundo) e que a
velocidade do som não vai além de uns 75 mil quilômetros por segundo.
48
freqüência vibratória. Na faixa sonora, suas freqüências vibratórias variam de ultra-sons a
infra-sons, com vibrações rápidas ou lentas, gerando energia.
As freqüências sonoras se apresentam nas dimensões de ritmo e melodia, em durações
rítmicas e alturas melódicas - constata Miguel Wisnik (1989). Segundo este estudioso, o nosso
ouvido só percebe sinais rítmicos no máximo até 10 Hz, e, entre 10 e cerca de 15 hertz, o som
entra numa faixa difusa e indefinida entre a duração e altura, que se define depois, nos
registros oscilatórios mais rápidos, através da sensação de permanência espacializada do som
melódico (quando a periodicidade das vibrações fará, então, com que escutemos com a
identidade de um possível dó, mi, lá, si
34
). Quando se diminui gradualmente a aceleração das
ondas sonoras, passamos a escutar não mais o tom e sim o ritmo, de forma que o ritmo
também é freqüência vibratória. E o pulso rítmico acelerado faz suas freqüências vibratórias
produzirem tons melódicos, por exemplo:
O bater de um tambor é antes de qualquer coisa um pulso rítmico. Ele emite
freqüências que percebemos como recortes de tempo, onde inscreve suas
recorrências e variações. Mas se as freqüências rítmicas foram tocadas por um
instrumento capaz de acelerá-las muito, a partir de cerca de dez ciclos por segundo,
elas vão mudando de caráter e passam a um estado de granulação veloz, que salta
de repente para um outro patamar, o da altura melódica. A partir de um certo limiar
de freqüência (em torno de quinze ciclos por segundo, mas estabilizando-se só em
cem e disparando em direção ao agudo até a faixa audível de cerca de 15 mil hertz),
o ritmo vira melodia (WISNIK, 1989, p. 20).
Tais freqüências vibratórias do som, se multiplicadas em sua velocidade, chegam às
freqüências das cores. Jonathan Goldman (1994) verificou que as freqüências sonoras, ao
serem elevadas em vibrações rapidíssimas, chegam à luz. O som é freqüência vibratória e
também a cor: a luz é o som acelerado
35
. Vale lembrar que existem centenas de tonalidades e
matizes que compõem uma cor, havendo variações de freqüências vibratórias para cada uma.
Portanto, cada som emitido, dependendo da freqüência vibratória, gerará uma cor, com
determinada matiz. O espectro de freqüências vibratórias, na relação da luz com o som,
34
As freqüências vibratórias dos tons, medidos em Hz são: Dó 1 = 256 Hz; Ré 1= 293 Hz; Mi 1= 330 Hz; Fá 1=
349 Hz; Sol 1= 392 Hz; Lá 1= 410 Hz; Si 1= 494 Hz; Dó 2= 512 Hz e assim por diante.
35
Goldman (1994) verificou que, matematicamente se uma freqüência de onda sonora for acelerada fazendo-a
dobrar quarenta vezes, chegará a uma freqüência que está dentro dos parâmetros da luz. Ao contrário, se
desacelerar quarenta vezes uma freqüência de onda luminosa, chegará a uma freqüência no âmbito dos
parâmetros do som. A freqüência de 518,7 ciclos por segundo (Hz), que cria uma nota próxima a um /Dó/, por
exemplo, quando acelerada desse modo, cai dentro da faixa do que percebemos como a cor verde. O vermelho de
um escuro intenso vibra a uma freqüência de aproximadamente 430 trilhões de ciclos por segundo, o que,
quando reduzido por 40 oitavas, resulta em 391,3 ciclos por segundo, criando a nota /Sol/. É interessante
observar que o espectro do violeta vai do violeta claro, a 690 trilhões de ciclos por segundo, o que é convertido
em 627,8 ciclos por segundo, gerando uma nota próxima a um /Mi bemol/, até o violeta carregado, a 750 trilhões
de ciclos por segundo, que é convertido a 682,4 ciclos por segundo criando uma nota próxima de um /Fá/.
49
estabelece uma compreensão a respeito da amplitude que envolve as freqüências vibratórias
da voz. “O que importa é ouvir os sons inaudíveis, é experimentar a invisibilidade das cores, a
visibilidade dos sons, a audibilidade das cores” (BERENDT, 1985, p.50). A voz é som, é luz,
é vibração que percorre o corpo e se irradia. “A energia elétrica flui por nosso corpo e é por
ele produzida. Campos magnéticos operam dentro e ao redor do corpo” (GARDNER, 2007,
p.73).
Nestas ressonâncias entre as freqüências vibratórias dos sons com as freqüências
vibratórias das cores, podemos levantar a hipótese de que, no jogo vocal para a prática do
ator, as utilizações de cores, associadas aos sons, fortificam, não somente o imaginário, mas o
poder de vibração do som em seu potencial de luz, no tubo de luz do corpo. Assim, a voz em
seu estado poético pode ter no seu toque da flauta vocal interna o acesso ao seu potencial
energético criador.
O fluxo energético no corpo está relacionado às freqüências vibratórias de cada órgão,
músculo, cavidade e dos movimentos internos, como ritmos do batimento do coração, como a
respiração, entre outros, todos interconectados com a freqüência vibratória do pensamento, do
sentimento, da intencionalidade.
Todo órgão, osso e tecido de seu corpo têm sua própria freqüência de ressonância.
Juntos, eles formam uma freqüência composta, um harmônico que é sua freqüência
vibratória pessoal (GOLDMAN, 1994, p. 20).
Goldman (1994) parte da hipótese de que assim como é possível fazer com que um
objeto entre em sua vibração por meio da ressonância, é possível restabelecer as freqüências
vibratórias harmônicas do corpo, mediante o uso de sons vocálicos
36
, pois as ondas de som da
vocalização comunicam as suas energias às regiões internas do corpo e se estas tiverem a
mesma freqüência inerente à da vibração, também iniciarão um movimento vibratório.
Nesse sentido, Ted Andrews (1996) relembra que os sábios antigos ensinavam que o
ritmo, a melodia e a harmonia têm o poder de provocar mudanças no organismo.
36
“Discoveries by Dr. Royal Rife in the 1930’s give us a clear indication of just how potent the right tones can
be for eliminating disease or disharmony from de body. Dr. Rife found that every cell has its own vibratory
frequency, and every cell within a specific organ system has a similar vibratory resonance” (Gardner, 1993,
p.13). “Descobertas do Dr. Royal Rife em 1930, deu uma clara indicação do quão potente um correto tom pode
ser para eliminar doenças e desarmonias do corpo. Dr. Rife descobriu que cada célula tem sua própria vibração, e
cada célula específica de cada sistema de órgão tem uma ressonância vibratória similar” (Tradução da autora).
50
Complementa este autor que a voz é uma linguagem vibratória capaz de movimentar
processos em nossas células, bem como nos levar a estados de consciência ampliados. Nesta
relação da ressonância do som com a ampliação da consciência, as pesquisas de Gardner
(2007) e Goldman (1994) acrescentam que:
A sua consciência lúcida normal, quando você está conversando animadamente ou
em estado de alerta, gera ondas beta, de 40 a 15 Hz. À medida que você se
descontrai e fica mais receptivo, as ondas do seu cérebro se tornam mais lentas e
com amplitude maior, de sorte que você passa para alfa de 9 a 14 Hz (GARDNER,
2007, p. 89).
Com os sons é possível mudar os ritmos de nossas ondas cerebrais, nosso ritmo
cardíaco e nossa respiração. Os estudiosos têm atribuído faixas de ondas cerebrais
distintas aos diversos estados de consciência. Há quatro categorias básicas de ondas
cerebrais, baseadas em ciclos por segundo (Hz), medidas atribuídas aos sons. [...]
Os sons podem ser usados para alterar nossas ondas cerebrais. A alteração da faixa
de onda cria mudanças de consciência (GOLDMAN, 1994, p.22).
Esses estudos demonstram o potencial do som de, através de suas freqüências
vibratórias, influenciarem a consciência. Relacionando tais descobertas à preparação do ator,
podemos constatar que a ressonância da voz no corpo pode promover o desenvolvimento da
consciência sensório-cognitiva-energética. Neste sentido, ao ampliar a consciência, o ator
despertará a sabedoria total do corpo, sua intuição, sensibilidade, criatividade e aprimorará
suas percepções sobre o poder criativo do som.
O ator, ao aprender como modular e sustentar a freqüência vibratória através do som,
amplia sua capacidade de criar vocalmente. Assim, na composição cênica, o trabalho
energético com a voz, com a freqüência (altura), a intensidade (volume), a duração (espaço-
tempo/ritmo), o timbre (cor tonal, composição de harmônicos), são recursos para dinamizar
atmosferas sonoras para as cenas, através da criação de campos energéticos sonoros.
Na atuação vocal do ator, estes princípios podem ser ampliados para o objetivo final
da vocalização poética: a relação sonora com o espectador. Se, com a ressonância, as
vibrações de um corpo podem se expandir e atingir outro corpo vibratório, conforme constata
Goldman (1994), então podemos perceber a comunicação sutil que a voz do ator exerce sobre
o espectador. Nesta relação sutil da vocalidade poética com a platéia, há uma transmissão
não-verbal de intencionalidade, que é irradiada pela qualidade sonora da energia dinamizada,
numa troca de freqüências vibratórias, que geram ressonâncias ou não. A ressonância ocorre
quando há sintonia de freqüências vibratórias corpóreo-energéticas.
51
2.2 Os princípios fisiológicos da ressonância vocal no corpo
O amor é o reconhecimento da existência de estados
harmônicos iguais, de vibrações e, finalmente, de harmonias
idênticas. Amor é acorde (da raiz latina cor, que significa
coração). Amor é música (BERENDT, 1983, p.94).
A voz humana é composta de freqüências vibratórias, relacionadas às freqüências
vibratórias que o corpo irradia. A ressonância da voz ocorre quando as freqüências
vibratórias, transformadas em som pelas pregas vocais, ao fluírem seus harmônicos pelo
corpo, encontram compatibilidade em determinada região.
A ressonância da voz, em sua dinâmica física, está interligada aos tons gerados pelas
pregas vocais, influenciadas pela freqüência vibratória do corpo todo. Os aspectos físicos que
determinam a relação das freqüências vibratórias com a dinâmica fisiológica do corpo são
desde a espessura e extensão das pregas vocais, ao grau de tensão do trato vocal, a tonicidade
da musculatura, ao tamanho das suas cavidades, a porosidade óssea, a estrutura do esqueleto.
Todos estes aspectos estão conectados com a vibração energética que o corpo todo irradia.
Comecemos pelo entendimento da produção das freqüências vibratórias na fonte
glótica, local das pregas vocais. A freqüência vibratória fundamental da voz
37
é o som
periódico base, produzido pelas pregas vocais, no seu ciclo vibratório gerado pela força
mioelástica da laringe e pela força aerodinâmica da expiração.
Na vibração do som na laringe, a espessura e a extensão das pregas vocais determinam
a quantidade de massa muscular em vibração, o que determina o seu movimento oscilatório e
conseqüentemente os tons que serão gerados. O número de ciclos vibratórios produzidos pelas
pregas vocais em um dado segundo é o que gerará a freqüência fundamental. Quando as
pregas vocais vibram lentamente, com poucos ciclos por segundo, por estarem encurtadas,
espessas, com muita massa muscular vibrando, o comprimento de onda é grande, com
37
Na fala as freqüências vibratórias, averiguadas por Boone (1996) são: até 7 anos entre 256 Hz a 493 Hz; por
volta dos 12 anos: 220 a 587 Hz; mulheres de 21 anos: por volta de 195 Hz; mulheres de 51 anos: por volta de
175 Hz; homens de 21 anos: por volta de 130 Hz; homens de 51 anos: por volta de 110 Hz. Mara Behlau
“constata que a extensão de freqüências em uso habitual é de 3 a 5 semitons, dependendo da língua que se fala e
da entonação empregada” (idem, 2005, p.309). Em uma pesquisa realizada na cidade de São Paulo (BEHLAU,
TOSI, PONTES, 1993), os valores de freqüência fundamental dos homens apresentaram valores médios de 113
Hz, das mulheres de 205 Hz e de crianças 236 Hz.
52
vibração lenta de poucos ciclos por segundo, gerando as freqüências graves. Todavia, quando
a vibração das pregas vocais é muito rápida, quanto mais esticadas as pregas vocais estiverem,
mais ciclos por segundo ocorrerão na vibração, gerando um comprimento de onda curto, de
freqüências agudas (BEHLAU, 1995; PINHO, 1998, ZEMLIN, 2000). A freqüência
fundamental gerada pela prega vocal é um sinal sonoro complexo, como explica Zemlin
(2000, p. 447): “a freqüência fundamental é o componente mais baixo em um sinal sonoro ou
vibração complexos. Um parcial é qualquer componente de um sinal sonoro complexo ou
vibração complexa. Um harmônico é uma parcial em vibração complexa ou um sinal sonoro
cuja freqüência seja múltiplo integral da freqüência fundamental”. Sendo os harmônicos
múltiplos inteiros da freqüência fundamental, se esta for 200 Hz, os harmônicos que sucedem
serão 400, 600, 800, 1000 Hz, e assim por diante.
Os harmônicos, os componentes da freqüência fundamental gerada pelas pregas
vocais, se espalharão pelas cavidades do corpo e, dependendo do tamanho, do formato, da
configuração, do material das cavidades e do grau de constrição da musculatura, eles serão
absorvidos pelas regiões que são compatíveis com tais vibrações sonoras. Segundo Halpern
(1998), desde que a cavidade do corpo tenha no seu interior a capacidade vibratória
compatível pode ser ’tocada’ pelos estímulos da voz, entrando em harmonia ressonante com
sua estrutura vibratória. Zemlin (2000, p.593) considera a ressonância vocal como “a absorção
de uma estrutura e emissão de energia na mesma banda de freqüência”. Para este estudioso, os
ressonadores funcionam como filtros acústicos.
Nos trajetos do som no corpo, dependendo do grau de tensão do trato vocal, este
atuará como filtro, absorvendo e irradiando determinadas energias. A fonoaudiologia estuda,
por exemplo, que a hipertensão dos pilares faríngeos (músculos palatoglosso e palato
faríngeo) provoca um efeito de ressonância faríngea, gerando uma emissão sonora de tons
mais agudizados, de uma voz metálica e estridente. Já se houver concentração de tensão
muscular na região cervical, com tendência á posteriorização da língua, o foco de ressonância
será o laringo-faríngeo, gerando um som abafado e sem projeção. Já no nariz, se houver
deficiência no fechamento velofaríngeo, o desvio do fluxo oral para a cavidade nasal
provocará uma ressonância hipernasal (rinolalia aberta), ao contrário, se houver presença de
edema na estrutura interna do nariz (rinite alérgica, gripe), o filtro ficará fechado, o que
provocará um efeito de ressonância nasal, dita rinolalia fechada (PINHO, 1998). A relação
entre a fonte glótica (pregas vocais) e o filtro (trato vocal) nos traz a compreensão de que a
53
freqüência vibratória gerada na prega vocal, na medida em que percorre o corpo, tem alguns
de seus componentes filtrados, outras absorvidas e outras irradiadas, pela maneira com que o
sinal laríngeo passa pelas cavidades supraglóticas.
No fluxo do som por entre as cavidades do corpo, determinadas freqüências
vibratórias serão absorvidas de acordo com o tamanho, o material e a espessura destas. Por
exemplo, as cavidades do corpo situadas acima das pregas vocais, tais quais: a laringe, a
faringe, a cavidade oral, a cavidade nasal e os seios paranasais
38
, são regiões supraglóticas
simpáticas às freqüências vibratórias de tom mais agudo, devido ao seu tamanho menor, onde
cabem ondas de menor comprimento, ou seja, as freqüências mais agudas. Já as cavidades
situadas abaixo das pregas vocais, tais como traquéia e pulmões, são as regiões subglóticas,
que, por possuírem um tamanho maior, ressoarão as ondas sonoras de maior comprimento, ou
seja, as freqüências vibratórias mais graves (BEHLAU, 1995; PINHO, 1998).
Nas imagens abaixo, vemos as cavidades ressonadoras do corpo, entre elas, os
pulmões, traquéia, cavidade oral, seios paranasais:
Figura 4. Cavidades ressonadoras: cavidade oral, seios paranasais e pulmões.
Fonte: SOBOTTA (2006).
38
Os seios paranasais são cavidades que, além de serem bons ressonadores da voz, servem para deixar o crânio
mais leve. São eles: esfenoidal, frontal, maxilar, etmoidal (HUNGRIA, 1991).
54
A musculatura também atua como filtro das freqüências vibratórias: dependendo de
como estiverem suas tonicidades, uma ou outra qualidade de freqüência vibratória irá ressoar.
Wilhem Reich (1998) constatou que o fluxo energético no corpo pode ser bloqueado em
determinados locais por excesso de tensão muscular. Ele descreveu sete anéis de tensão
gerados pela Couraça Muscular de Caráter, sendo eles: o segmento ocular (olhos, testa,
couro cabeludo – visão, audição, olfato), o segmento oral (lábios, queixo, mandíbulas e
bochechas), o segmento cervical (laringe, faringe, cintura escapular), o segmento torácico
(coração, pulmões e braços), o segmento diafragmático (diafragma), o segmento abdominal
(intestinos e parte inferior das costas) e o segmento pélvico (órgãos sexuais e pernas). Cada
um destes segmentos, ao estar excessivamente tenso na musculatura, interrompe e intercepta a
corrente vital de fluxo energético (da energia e da respiração) pelo corpo. Tais segmentos
estão relacionados ao fluxo energético das emoções por entre as musculaturas. A partir de tais
compreensões, podemos constatar que, para o fluxo energético sonoro perpassar em
potencialidade pelo corpo, é necessário também uma atenção à tonicidade das musculaturas.
Nestes fluxos da freqüência vibratória vocal pelo corpo, a porosidade óssea da
estrutura do esqueleto é em potencial um ressonador do som. Dr. Alfred Tomatis, um médico
otorrinolaringologista francês, ressalta o efeito condutor dos ossos para a amplificação e
ressonância da voz. Arthur Lessac
39
, professor de técnica vocal para o teatro, pesquisa uma
abordagem de ressonância vocal que consiste em dar ênfase às sensações de vibração nos
ossos da face durante a fonação. A ênfase é relacionada à informação sensorial relacionada
com a produção da voz ressonante (BEHLAU, 2005).
Seguindo nos trajetos do som no corpo, vimos que eles percorrem a corrente aérea
(respiração), a corrente da matéria (ossos, seios paranasais, cavidades nasal e oral, laringe,
faringe, traquéia, pulmões) – estes são os locais considerados as cavidades de ressonância da
voz, onde são melhor irradiadas determinadas freqüências vibratórias. Porém, cabe lembrar
que o som reverbera e vibra no corpo todo. Encontramos na pesquisa de Hewitt (2002) a
seguinte premissa:
A maior parte dos sons que escutamos é transmitida através do ar. Entretanto,
qualquer substância elástica – seja sólida, líquida, gasosa ou plasma – pode
transmitir som. Líquidos e sólidos cristalinos são excelentes transmissores de som
muito melhores que o ar. A rapidez da propagação do som normalmente é muito
39
O Método Lessac-Madsen de Ressonância é uma abordagem holística desenvolvida a partir de técnica vocal
para o teatro aliado à clínica Fonoaudiológica (BEHLAU, 2005).
55
maior nos líquidos do que nos gases, e maior ainda nos sólidos (HEWITT, 2002, p.
347).
Levanta-se a hipótese de que a ressonância da voz afeta em vibração também a
corrente sangüínea e os demais líquidos do corpo
40
. Esta totalidade que abrange a corrente
sonora por todo o corpo amplia a compreensão sobre a ressonância da voz. E, especificamente
no trabalho do ator, isto contribui para o direcionamento da pesquisa dos trajetos do som, com
a percepção de que trabalhar os caminhos do som no corpo todo não é só fruto da imaginação
para provocar determinadas qualidades sonoras. É, então, através das sensações da voz no
corpo que responderemos a esta questão, pois os trajetos do som na flauta vocal interna
seguem diversos rumos, tão amplos, que somente a sensação da freqüência vibratória nos traz
a consciência da energia dinamizada, sua propagação e suas influências. A este respeito,
vemos nas pesquisas de Jerzy Grotowski a descoberta de que:
freqüentemente as pessoas que ouviram falar de vibrações – por meio de certas
anedotas – pensam que se trate de um fenômeno subjetivo. Não. Na realidade é
vibração física. Até mesmo na barriga – e é por isto que não falamos de
“ressonadores”, porque na barriga, cientificamente um ressonador é impossível.
Não existem ossos. Todavia, há uma vibração. Se se usa o vibrador da barriga, a
carne vibra naquele ponto (GROTOWSKI, 2007, p. 153).
Assinala-se, novamente, que as cavidades ressonadoras que mais amplificam o som,
são as citadas anteriormente (ossos, seios paranasais, cavidades nasal e oral, laringe, faringe,
traquéia, pulmões); porém, todo o corpo vibra o som, e, nesta vibração, a ressonância ocorre
quando há compatibilidade de freqüência vibratória da voz com determinados locais.
Percebendo a importância da vibração do fluxo sonoro pela flauta vocal interna, em
todos seus trajetos, pelos órgãos, pelas cavidades, pelos ossos, pode-se constatar que, na
atuação vocal do ator, a pesquisa dos trajetos do som, nas suas relações com as configurações
do corpo, potencializa a criatividade vocal em concordância com as suas dinâmicas
fisiológicas. Desenvolver o potencial das alturas vocais (tons graves e agudos) e de projeção
vocal através dos ressonadores traz uma amplitude nos harmônicos vocais, sem prejudicar
com esforços musculares inadequados a fonte glótica (pregas vocais). O entendimento da
fisiologia do corpo traz grandes contribuições sobre o potencial de ressonância vocal para a
criação do ator.
40
Para maiores aprofundamentos, há pesquisas de Bonnie Bainbridge-Cohen (1993), como também pesquisas de
Masaru Emoto, encontradas no site: <http://www.heartherapy.com/water.php>.
56
2.3 O fluxo de energia do som na ressonância corpórea
Na busca das relações entre as dinâmicas fisiológicas e energéticas, propícias à
expansão da ressonância da voz para o uso cênico, são desvendados, neste item, os princípios
energéticos que envolvem o som, do fluxo de sua corrente de energia que percorre o nosso
corpo, e suas relações com a energia sonora nos trajetos na flauta vocal interna. Para a
preparação e criação vocal do ator, este estudo contribui para o entendimento do fluxo de
energia no corpo, seus potenciais de ressonância, para a abertura da criatividade na
composição cênica.
Vocalizar faz fluir a energia no corpo. A corrente de energia que percorre o corpo é
denominada “Chi na China, Ki no Japão, Kundalini e Prana na Índia, Mana na Polinésia,
Orendé e Manitu entre os iroqueses e algonquinos, Axé no candomblé afro-brasileiro, Baraka
para os sufis do Oriente Médio, Élan vital em Paris” (NACHMANOVITCH, 1993, p. 40). A
energia está em todas as coisas, vivemos numa teia invisível de energia que liga toda a
existência. A energia é uma força que ultrapassa a conceituação através de palavras, de tal
forma que não se consegue definir exatamente a realidade por detrás delas. A sua percepção
se dá na vivência do fluxo de vida que percorre e transpassa nosso corpo e meio ambiente.
Poeticamente, podemos dizer que a energia é para nós como a água é para o peixe, ou seja,
ela está no ar, por todo lugar, por entre o corpo, por entre o amar, basta respirar.
A respiração é responsável pelo fluxo da energia vital no corpo e pela condução das
ondas sonoras que percorre o corpo. Neste, a energia dinamizada flui por entre os chackras.
Os chackras são vórtices energéticos, são eles: básico, esplênico, plexo solar, cardíaco,
laríngeo, frontal e coronário. Poeticamente, cada chackra é um sol de consciência que se abre
por dentro. Tais centros energéticos do corpo são aqui estudados na sua relação com a
ressonância da voz. Vejamos abaixo um quadro com os nomes em sânscrito de cada chackra e
os sistemas que eles regem: as glândulas endócrinas, os gânglios espinais e suas correlações
com os aspectos emocionais e energéticos do corpo:
57
Quadro 1. Os chackras, anatomia físico-energética e suas funções
Chackra: Em Sânscrito:
Glândulas
endócrinas
41
: Sistema:
Gânglio
Espinal: Atributos:
Raiz Muladhara supra-renais Circulação
vértebra
sacra
vitalidade,
força vital,
sobrevivência
Baço Svadhishthana gônadas Sexuais
vértebra
lombar
reserva
energética,
sexual
Plexo Solar Manipura pâncreas Digestivos
vértebra
torácica
sensibilidade,
sensação
perceptiva
intuição, centro
do sentimento
Coração Anahata timo
respiração
e coração
vértebra
cervical
amor,
compaixão,
união, cura,
equilíbrio
Garganta Vishuddi tireóide
fala,
audição
vértebra
cervical
expressão
vocal,
comunicação,
criatividade
Terceiro
Olho Ajna pineal Mental
vértebra
cervical
clarividência,
criatividade
Coronário Sahasrara
consciência
consciência
Fonte: Ted Andrews (1996)
Fonte sobre gânglio espinal: Leadbeater (2004)
Figura 5. Os chackras
Fonte: CAMINHOS DE LUZ (2008)
41
“As secreções das glândulas endócrinas são liberadas diretamente na corrente sanguínea e, a seguir, são
transportadas para os vários tecidos do organismo” (ZEMLIN, 2000, p. 428).
58
Os vórtices energéticos dos chackras, de acordo com a freqüência vibratória que deles
emanam, influenciam energeticamente o funcionamento dos sistemas fisiológicos, das
glândulas endócrinas, dos gânglios espinais - todos inter-relacionados com os sentimentos
gerados pelo corpo. Estudiosos dos sons (ANDREWS, 1996; GOLDMAN, 1994;
GARDNER, 2007) constatam que, ao se vocalizar determinados sons, em determinados tons,
ou com determinados mantras, propicia-se a amplitude de vibração harmônica do chackra.
Neste quadro abaixo, vemos as relações entre os sons, as cores, os tons e os mantras para
ativar a freqüência vibratória dos chackras:
Quadro 2. Os chackras, cores, sons, mantras e tons.
Chackra Cor Som Mantra Tons Tons
Fundamentais Harmônicos
Raiz vermelho U Lam C C
Baço laranja O Vam D G (5ª M)
Plexo Solar amarelo O Ram E C 2
Coração verde A Iam F# E (3ªM)
Garganta azul E Ham G G (5ª m)
Terceiro Olho azul escuro I Aum-Om A Bb (7ª m)
Coronário violeta I Om Bb C 3
Gardner McClellan
Fonte: Ted Andrews (1996).
Figura 6. Os chackras e as cores
Fonte: PORTAL ALPHA (2008)
59
Como constata Bárbara Brennan (1987), as cores observadas em cada chackra
relacionam-se com a freqüência da energia que está sendo metabolizada. Em cada chackra
vibram freqüências vibratórias que se correspondem em ressonância entre cores e tons. Cada
tom e cada cor têm uma freqüência vibratória. O corpo irradia energias, tons e cores, vibra em
uma dimensão de consciência, com uma qualidade energética. Este princípio se relaciona com
o princípio estudado no item 2.1, sobre as relações das freqüências vibratórias entre som e
cor.
Na relação entre os chackras e os sons, constata Goldman (1994) que a vocalização de
vogais em tempo contínuo faz ressoar os chackras. Diversas pesquisas também constatam que
as vogais ativam os chackras e harmonizam partes específicas do corpo, potencializando a
vibração de energia naquele lugar (BRENNAN, 1987; ANDREWS, 1996; HALPERN, 1998;
DEWHURST-MADDOCK, 1999; GOLDMAN, 1994; GARDNER, 2007). No fluxo da
energia sonora pelo corpo, os centros energéticos (chackras) são canais por onde há uma
maior incidência de vibração de freqüência vibratória propícias às ressonâncias:
Os chackras absorvem a energia (ch’i, prana, etc) e em seguida mandam-na ao
longo de rios de energia, chamado nádis, para o sistema nervoso, para as glândulas
endócrinas e depois para o sangue, a fim de alimentar o corpo (BRENNAN, 1987,
p. 76).
Cada chackra principal na parte dianteira do corpo esconectado e transpassa até a
parte traseira. Na parte de trás, a corrente energética flui desde a base da espinha dorsal até o
topo da cabeça. Esta corrente principal de força vertical, que corre para cima e para baixo, e
que percorre o canal da espinha dorsal denomina-se kundalini (BRENNAN, 1987). Na coluna
vertebral o fluxo energético percorre as três ou quatro vértebras coccígeas (cóccix), as cinco
vértebras sacrais (sacro), as cinco vértebras lombares, as doze vértebras torácicas e as sete
vértebras cervicais. Nesta contagem de Zemlin (2000), a coluna vertebral consiste de 32 ou 33
vértebras unidas entre si por cartilagens intervertebrais e ligamentos. No entrelace do corpo
físico ao energético, cada uma destas vértebras está conectada com as energias dos chackras.
Neste caminho eletromagnético, a medula espinhal é um canal que, através dos nervos, recebe
os estímulos do corpo e os envia à central, ao cérebro. Constata Leloup (1998) que:
em grego, a etimologia da palavra esqueleto (skeleton) é a mesma da palavra escola
(skola) e escada (skada). [...] E a palavra vértebra quer dizer elo de uma corrente,
de uma cadeia. [...]. O simbolismo da coluna vertebral é de uma escada para subir a
energia da vida, nos elevando e nos enraizando (LELOUP, 1998, p. 109).
60
Perpassa a kundalini, o fluxo da vida, ao longo da espinha, do cóccix até a base do
crânio. “De acordo com as tradições tântricas hinduístas e budistas, a Kundalini é a energia
criativa do universo que, normalmente, permanece inativa na base da espinha dorsal do
homem. Quando despertada toma a forma de energia ativa, ou Shakti, subindo pelos canais
condutores do corpo sutil das pessoas (nadis). Ao subir, abre e ativa os chackras do corpo”,
conforme pesquisou Grof (1994, p.180).
Relacionando o fluxo das energias com o fluxo dos sons no corpo, podemos perceber
os possíveis locais onde as freqüências vibratórias se amplificam. Assim, quando há sintonia
entre a freqüência vibratória do som e da cavidade, órgão, músculo, ossos, ou nos centros
energéticos, tais quais os chackras, ocorre a amplitude da vibração, o que gera maior energia
vocal. O fluxo de vida flui de acordo com a abertura do corpo, assim, trata-se de através dos
jogos vocais, de abrir os caminhos internos, através do som, para que a energia criativa flua.
Na prática do ator, a consciência da energia vital, que flui dentro de si na vocalização, das
suas ressonâncias no corpo físico e energético, aumenta as possibilidades de soar a flauta
vocal interna e dinamizar a força energética criativa da vocalidade cênica.
61
Figura 7. A Flauta Vocal Interna
Fonte: Desenho feito pelo artista plástico Edson Menezes.
62
3 A RESSONÂNCIA VOCAL NA PRÁTICA DO ATOR: JOGOS DE
CONSCIÊNCIA DA FLAUTA VOCAL INTERNA
Este capítulo refere-se ao desenvolvimento de princípios relacionados à prática de
jogos corpóreos para a pesquisa da ressonância vocal. O objetivo desta fase de preparação
vocal do ator foi o de abrir o corpo para a dinâmica artística da voz, ampliando suas
potencialidades e possibilidades de movimento criativo. Através dos jogos de ressonância
vocal, desvendaremos o corpo-sonoro criativo, sua capacidade de compor desde um processo
que parta do centro do ser, desenvolvendo a criação desde sua sabedoria interna. Para abrir o
canal criativo, tocaremos a flauta vocal interna do corpo, em sua dimensão física e energética,
buscando novas ressonâncias e maneiras de vibrar a consciência.
No desenvolvimento deste capítulo, são apresentados os jogos vocais, para
exemplificar, e os escritos dos alunos sobre suas vivências. As vivências práticas foram
realizadas no primeiro semestre de 2006, na Disciplina de Expressão Vocal I, com estudantes
do 7º semestre do Curso de Interpretação Teatral
42
, da Universidade Federal da Bahia. Nesta
pesquisa, os jogos corpóreos de ressonância vocal envolveram: a respiração, a sensibilização
auditiva e sinestésica das freqüências vibratórias do som, os trajetos dos sons no espaço
interno, os eixos de equilíbrio, os apoios corpóreos, as intensidades vocais e a projeção vocal.
Estes aspectos estão todos interligados, em suas dimensões físicas e energéticas, na dinâmica
do movimento. A ressonância vocal, enquanto eixo do trabalho prático teve como objetivo
pedagógico conectar os alunos com a musicalidade do seu corpo-sonoro e elevar a
consciência criativa para a arte da vocalidade poética.
42
Curso de Interpretação Teatral de 8 semestres.
63
3.1 Aquecimento vocal: Afinar-se a si
O aquecimento do corpo-vocal, feito no início de cada aula, pretende disponibilizar as
energias dos alunos para a criação, convidando-os a entrar no espaço poético dos sons. Por
meio dos sons, enquanto linha condutora do aquecimento, o objetivo é afinar-se a si. Afinar-se
a si significa afinar a consciência criativa, abrir o canal da flauta vocal interna, concentrar a
atenção à energia interna, à um estado de consciência ampliada, conectada com o meio em
que está inserido. Poeticamente, afinar-se a si é acordar o sol interno, dissipando as neblinas
para que a luz vocal se irradie:
Um corpo destreinado é como um instrumento musical desafinado, em cuja caixa
de ressonância há uma barulheira confusa e dissonante de ruídos inúteis, impedindo
a audição da verdadeira melodia. Quando o instrumento do ator, seu corpo, é
afinado pelos exercícios, desaparecem as tensões e hábitos desnecessários. Ele fica
pronto para abrir-se às ilimitadas possibilidades do vazio (BROOK, 1999, p. 18).
O corpo-vocal tem mais força criativa quando os canais de percepção físicos,
cinestésicos e energéticos estão abertos, afinados com a sabedoria interna.
A linha condutora do aquecimento vocal é a prática criativa que será desenvolvida
naquele dia, trata-se de aquecer as musculaturas que serão mais ativadas durante o jogo
corpóreo. Ademais, na condução do aquecimento, é importante a percepção e a intuição do
que os corpos necessitam naquele momento, pois, por vezes, se planeja todo um aquecimento,
e, no entanto, ao se chegar à aula, percebe-se que os alunos estão precisando de outro caminho
para se aquecerem. Neste sentido, o aquecimento envolve também a aprendizagem de cada
aluno de olhar para dentro de si mesmo e ampliar as percepções sobre o que seu corpo
necessita para alongar-se e abrir a flauta vocal interna.
O momento do aquecimento é um espaço de concentração interna. É um convite para
centrar-se no instante presente do corpo, afastando-se das preocupações mentais do cotidiano.
O aquecimento traz, para o momento presente, a atenção ao corpo-vocal, silencia o barulho da
mente e amplia a percepção para a consciência do instante que está acontecendo, desenvolve
uma observação atenta de como está a respiração, a postura, os apoios, as tonicidades das
musculaturas, naquele momento. Ao alongar a musculatura, movimentar as articulações e
liberar a respiração - acorda-se o corpo. A respiração é um caminho para entrar num silêncio
da mente racional para escutar a música do corpo-sonoro. O ato de prestar atenção na
64
dimensão do silêncio amplia a percepção e a escuta aos sons internos, para que os sons
orgânicos brotem. “Liberar o som é dar passagem a um som que mesmo desconhecido nos
habita naquele instante” (VARGENS, 2005, p. 36).
As dinâmicas de aquecimento vocal envolvem metodologias para trazer o corpo à
consciência de sua sabedoria. Para tanto, as técnicas trabalham a organização do corpo para a
arte poética de criar, em seus aspectos fisiológicos, sensíveis, imagéticos e energéticos.
Sobre os aspectos fisiológicos necessários a serem trabalhados no aquecimento vocal
para o ator, temos a contribuição das pesquisas realizadas pela Fonoaudiologia, a qual, por
meio de estudos da anatomofisiologia do corpo, desenvolveu técnicas vocais
43
de relaxamento
vocal, de respiração, de postura, de apoio vocal, de sustentação da voz, de suavização do
golpe de glote, de abertura da laringe, de fortalecimento da musculatura da língua, de projeção
da voz, de ressonância, de altura vocal, de flexibilidade vocal, de articulação precisa, de
sensibilização auditiva, de vocalização em escalas musicais, de ritmos da fala, de
desaquecimento vocal. Citamos algumas: técnicas de manipulação digital da laringe, de
alongamentos da cabeça em rotação, de alinhamento da cabeça com a coluna, de massagens
associadas a sons, técnicas de sustentação da voz, técnicas de vibração de língua /trr/ e
vibração de lábios /brr/, técnica do som basal (vocal fry), as técnicas de sopro com sons
agudos, técnicas de sustentação da voz, técnicas de sons fricativos, técnicas de suavização do
golpe, técnicas de apoio vocal, técnicas de impulso respiratório, técnicas de abertura da
laringe, técnicas para a musculatura da língua, técnica da bocca chiusa (humming). Tais
técnicas, que serão discutidas no decorrer deste item, têm a explicação de seus procedimentos
em BEHLAU (2005).
A técnica não é algo que está fora a ser incorporada. As técnicas se organizam
internamente, de acordo com a corporeidade de cada pessoa, de maneira que são elas
procedimentos e dinâmicas facilitadoras para a conexão do corpo com sua sabedoria, com
43
Tais técnicas vocais foram descritas pela Fonoaudióloga Mara Behlau, em seu livro “Voz, o livro do
Especialista”, 2005. A fonoaudióloga Maria Ignez Pedroso realizou uma pesquisa sobre “Técnicas vocais para
profissionais da voz”. In: Voz Ativa - Falando sobre o profissional da voz Org. Léslie Piccolotto Ferreira e
Henrique Olival Costa. São Paulo: Roca, 2000. Nesta pesquisa, a fonoaudióloga fez uma revisão da citação de
técnicas vocais nas bibliografias fonoaudiológicas. Tais técnicas foram encontradas por ela nas seguintes
bibliografias: Mello (1998); Quinteiro (1989 e 1995); Cooper (1991); Dinville (1993); Pontes e Behlau (1993 e
1995); Beuttenmuller (1995); Colton e Casper (1996); Brandi (1996); Crary (1997); Rammage (1997); Boone
(1996); Pinho (1998). A Fonoaudióloga Mara Behlau, em seu livro “Voz, o livro do Especialista” (2005),
apresenta os princípios das técnicas vocais.
65
suas potencialidades e qualidades criativas. Assim, técnica e criatividade se unem a partir da
compreensão da fisiologia da vocalização em suas relações com o corpo em movimento, em
suas dinâmicas de criar e recriar suas qualidades de movimento.
A fim de integrar a totalidade que envolve o aquecimento vocal, desde os
alongamentos da musculatura do corpo todo, às musculaturas das pregas vocais, aos
alongamentos das articulações, à respiração, às sensibilizações energéticas sonoras, eu
costumo utilizar os aquecimentos vocais com movimentos corporais. Tenho experimentado os
asanas do yoga
44
associados a vocalizes
45
, como maneira de alongar o corpo em contato com
o prana, a respiração, a energia. O objetivo é um adequado alinhamento postural, promovido
pelos asanas, de forma a organizar as forças musculares e seus apoios ósseos, para abrir o
espaço interno para a voz ressoar. Esta união dos asanas a alguns vocalizes têm demonstrado
grande efeito de preparação, alongamento e centramento do ator para a entrada na prática
criativa. Os asanas do yoga, utilizados como aquecimento corpóreo-vocal do ator, trazem
como benefícios: a concentração, a quietude interior para a criação, a ampliação da respiração
para a vocalização, o alongamento da musculatura e a ampliação da sensorialidade sobre si.
Além disso, o yoga é coerente como sistema físico-energético dos chackras e dos mantras,
pertencendo ao mesmo universo filosófico e cultural.
No processo de abertura do corpo-vocal no aquecimento, podem também ser utilizadas
as técnicas de massagens nas musculaturas: cervical, escapular, lombar, para relaxar as que
estão tensas, a fim de que os harmônicos da voz ressoem. Neste sentido, algumas técnicas, tais
quais: de manipulação digital da laringe, de alongamentos da cabeça em rotação, de
alinhamento da cabeça com a coluna, de massagens associadas a sons, reduzem a
hipertonicidade e emissões vocais tensas (BEHLAU, 2005). No trabalho do ator, trata-se de
um relaxamento ativo, induzido com a finalidade de abrir a criatividade do corpo nas
dinâmicas do movimento. Conforme também constata Oliveira (1996, p. 50): “muito mais do
que um simples relaxamento, as práticas corporais devem propiciar o aumento da nossa
capacidade de afinação das tensões à harmonia geral dos sistemas envolvidos”.
Adentrando na minúcia que compõe o aquecimento vocal da estrutura fisiológica da
prega vocal, “o esquema básico de aquecimento prevê a liberação da tensão excessiva da
44
Imagem do Jogo Vocal no DVD no link: Aquecimento Vocal
45
Exemplos de asanas com vocalizes: vide Anexo 1.
66
musculatura intrínseca laríngea, por meio da solicitação do músculo tireoaritenóideo (TA)
inicialmente e, depois, do cricotireóideo (CT), o que é seguido pela mobilização da mucosa,
aumento de ressonância no trato vocal e projeção da voz no espaço” (BEHLAU, 2005, p.
354). Esta fonoaudióloga explica que, para trabalhar a ação máxima do músculo
tireoartitenóideo (TA), a ativação muscular é conseguida através do som basal em ‘aaa’
prolongado, emitido na freqüência tipicamente grave desse registro e sem constrição
supraglótica. A técnica do som basal (vocal fry) é um procedimento também usado para a
desativação do ajuste motor habitual da pessoa. O registro basal apresenta as freqüências mais
graves de toda a tessitura vocal e é caracterizado pela percepção dos pulsos de vibração
glótica, durante a emissão. A intensidade neste registro e na corrente aérea entre as pregas
vocais são mínimas; há contração acentuada dos músculos tireoaritenóideos e relaxamento
dos cricotireóideos e os cricoaritenóides posteriores. Esta técnica mobiliza e relaxa a mucosa,
favorecendo a coaptação glótica equilibrada, o aumento da amplitude de vibração da mucosa,
a redução da tensão fonatória, a elevação do véu e o aumento do foco de ressonância. Já para
trabalhar os agudos, e, conseqüentemente, a ação máxima do músculo cricotireóideo (CT),
são utilizadas as técnicas de sopro com sons agudos. Para facilitar a emissão dos sons agudos,
também há a técnica do /b/ prolongado, que relaxa e abaixa a laringe, favorece a coaptação
glótica adequada, com menos impacto entre as pregas vocais e com onda de mucosa mais
ampla; aumenta energia na região aguda do espectro (BEHLAU, 2005).
Para o aquecimento muscular das pregas vocais, as técnicas de vibração de língua /trr/
e vibração de lábios /brr/ têm como objetivos: ativar a circulação sangüínea, massagear a
mucosa aumentando a amplitude vibratória e o fluxo aéreo, gerar menor tensão fonatória e
aumentar a energia acústica com maior número de harmônicos (BEHLAU, 2005). A técnica
da bocca chiusa (humming) auxilia na ressonância da voz pelo corpo. Segundo Behlau (2005)
e Pinho (1998), a técnica do humming aumenta a adução glótica e melhora o fechamento
posterior das pregas vocais. O aquecimento vocal da musculatura das pregas vocais é
importante para o desenvolvimento vocal do ator. Cabe ressaltar que tais técnicas vocais, com
foco na musculatura intrínseca da laringe, estão completamente relacionadas às dinâmicas do
corpo como um todo, desde o todo fisiológico-energético. Nesta teia de relações, estão
envolvidas: a respiração, os apoios musculares, os eixos de equilíbrio e postura. Assim, o
alongamento vai desde o aquecimento muscular das pregas vocais ao aquecimento da
musculatura do pescoço, da musculatura do diafragma, dos pulmões em relação com todas as
conexões do corpo.
67
A conexão dos vocalizes de aquecimento à dinâmica da respiração é essencial. A
ativação do apoio respiratório aprimora a sustentação da voz, aumentando o tempo máximo
de emissão, e facilitando a projeção vocal. As técnicas de sustentação da voz visam, através
do controle expiratório, desenvolver a capacidade de emissão de frases longas. As técnicas de
suavização do golpe de glote visam à adução glótica das pregas vocais sincronicamente com a
expiração, de forma suave, evitando o ataque vocal brusco das pregas vocais na vocalização
de sons explosivos. As técnicas de sons fricativos trabalham o direcionamento do fluxo aéreo,
aumentam o tempo de fonação, controlam a sonorização glótica e melhoram a coordenação
pneumofônica. As técnicas de apoio vocal visam à utilização da voz em grandes intensidades,
sem constrição laríngea. As técnicas de impulso respiratório
46
têm como objetivo trabalhar o
controle do diafragma por meio do funcionamento dos músculos da cintura abdominal e dos
intercostais, o direcionamento da pressão aérea e a modulação da projeção vocal.
O apoio respiratório está interconectado com a força aerodinâmica que impulsiona o
som pelo fluxo do corpo, de maneira que, de acordo com a abertura da flauta vocal interna,
haverá determinada qualidade vocal. Para abrir o espaço interno, as técnicas de abertura da
laringe visam a abrir a laringe para a passagem do som, evitam tensões nesta região que
provoquem o aprisionamento da voz. Exemplo 1: varrer a língua no céu da boca para trás.
Exemplo 2: com a cabeça para trás, abrir a boca e soltar um som grave com intensidade fraca.
A técnica do bocejo-suspiro é utilizada para reduzir os ataques vocais bruscos, e auxiliar na
projeção vocal, pois, fisiologicamente, ocorre a ampliação do trato vocal com o abaixamento
da laringe e o levantar do véu palatino; os bocejos podem ser feitos com modulação de
freqüência ou com vocalização falada. A abertura vertical da boca também favorece a redução
das constrições no trato vocal e amplifica a intensidade da emissão vocal. As técnicas para a
musculatura da língua auxiliam na tonicidade e organização da postura da língua, a qual pode
influenciar nas tensões do trato vocal, modificando a qualidade da ressonância. Eis algumas
dinâmicas: estalos de língua associados a sons; deslocamento lingual para frente, para trás,
para os lados.
A vocalização de vogais e consoantes, com variações de altura, desenvolve a
elasticidade das pregas vocais e a ampliação da extensão vocal. A utilização de escalas
46
Exemplo: técnica do /si, fu, chi, pa/, exercício do Método do Espaço-Direcional, da Fonoaudióloga Glória
Beuttenmuller. Estas consoantes foram escolhidas por trabalhar a elevação e descida da laringe, o relaxamento
da mandíbula e a estimulação da articulação precisa.
68
musicais é útil para trabalhar o alongamento e encurtamento muscular das pregas vocais,
conscientização da freqüência vocal, aumento da extensão vocal. Fisiologicamente:
os exercícios de glissando ascendente, alcançado altas freqüências, requerem a
contração do tiroaritenóideo, mas principalmente do cricotireóideo. Glissandos
descendentes, que alcançam freqüências baixas, ativam apenas o músculo
tireoaritenóideo. A prática do exercício do glissando ascendentes e descendentes,
alterando a contração dos dois músculos, aumenta a força e massa muscular e,
muitas vezes, a própria resistência do músculo (BEHLAU, 2005, p. 417).
No trabalho com a vocalização em escalas musicais, o acompanhamento através do
teclado ou piano é um ótimo recurso para já ir desenvolvendo a afinação para o canto, uma
vez que, em um espetáculo teatral, o ator pode ser requisitado também a cantar. No entanto,
ressaltamos que a afinação com o piano limita o universo sonoro às doze notas do Sistema
Temperado, que vem a se constituir em uma aproximação das notas de maneira que todas
mantenham entre si a mesma distância ou intervalo. Acontece que a emoção nos guia a tons e
a subtons que seguem outra lógica, que não a linear de intervalos marcados, como constata
Oliveira (1996). Nos exercícios técnicos de aquecimento da voz, importa a organicidade do
corpo:
A palavra técnica está ligada à capacidade operativa do artista, à capacidade de
operacionalizar um fluxo comunicativo entre sua pessoa, sua humanidade, seu fluxo
de vida, e seu fazer, dando forma à vida e às energias potenciais dinamizadas
(BURNIER, 2001, p. 25).
O desenvolvimento da consciência no aquecimento vocal envolve atenção aos fatores
físicos, sensíveis e energéticos, tais quais: prestar atenção aos sons que o corpo ressoa,
aprender a direcionar os sons dentro do corpo, estimular a imaginação na criação de
freqüências vibratórias energéticas, observar os sentimentos que são acessados com os sons,
observar a relação dos sons com o despertar do imaginário corpóreo:
A via técnica funciona como um estopim de manifestações imagísticas, de um
acréscimo de sensações físicas vividas, de um vir à tona de expressividades
adormecidas, facilitando assim o contato do ator com seus recursos adormecidos.
Importa aqui o desbloqueio do canal expressivo do intérprete (AZEVEDO, 2002, p.
264).
Do ponto de vista pedagógico, o aquecimento do corpo-voz prepara os estudantes para
o foco do jogo criativo que se seguirá, abrindo espaços para o fluxo criativo do corpo. Nestes
sentidos, as técnicas de aquecimento vocal devem estar correlacionadas aos objetivos dos
procedimentos criativos a serem pesquisados naquele dia, com o direcionamento específico
segundo os objetivos que se quer alcançar nos jogos criativos que virão em seqüência. Desta
forma, abre-se espaço para que o corpo vá desenvolvendo suas percepções e ajustes
69
musculares, para poder, na criação vocal em movimento, trabalhar com a força muscular e os
apoios adequados. Assim, o desenvolvimento da consciência vai ocorrendo através do corpo,
disponibilizando-o à abertura da qualidade energética que se quer desenvolver. Os
aquecimentos vocais associados a movimentos corporais alinham a postura, trabalham sobre a
tonicidade das musculaturas, aquecem as articulações, ampliam o espaço interno de vibração
do som, e já vão trabalhando a voz nas dinâmicas de movimento do corpo, desenvolvendo os
ajustes necessários para o potencial criativo vocal cênico. De tal maneira, que, faz-se
importante enfatizar, no aquecimento vocal, a organização do corpo para as dinâmicas
musculaturas que serão mais utilizadas naquele jogo criativo.
Os exercícios de aquecimento, voltados para a respiração e para a ressonância vocal,
ampliam o fluxo de sons dentro do corpo e, conseqüentemente, a freqüência vibratória
energética, trazendo o aluno-ator para um estado de presença. Assim, faz-se importante
associar as práticas que desenvolvem a consciência da dinâmica fisiológica à consciência da
intenção energética na emissão vocal. As vocalizações de tons, vogais e mantras, trazem a
conexão do corpo com o potencial energético criador dos sons, de forma que elas podem ser
associadas às técnicas vocais citadas neste item, com intuito de potencializar a técnica com o
poder criativo energético da voz.
O aquecimento prepara o corpo do ator e de quem guiará o jogo e abre os canais
perceptivos para o ato de criar em conjunto. É a etapa inicial para a concentração do ator ao
centro interior do seu corpo, afinando-se a si, a um estado ampliado de consciência sonora, a
fim de abrindo-se para a percepção dos seus sons na relação com os sons de outras pessoas.
70
3.2 A ressonância vocal e a sensibilização auditiva e sinestésica das
freqüências vibratórias do som
No desvendar da ressonância vocal, estudaremos neste item sobre as influências do
som no corpo em relação ao desenvolvimento da consciência criativa, tendo como foco a
audição como órgão de consciência.
A percepção auditiva está relacionada à nossa experiência subjetiva com o mundo
sonoro. Conforme constata Ricardo Oliveira (1996), atualmente, a nossa adaptação ao mundo,
em geral, faz o sentido da visão ser mais valorizado e aguçado que o da audição. A perda da
sutileza auditiva é uma adaptação: a sobrecarga de estímulos sonoros poluentes gera grande
tensão, mecanismos de defesa atuam, e, então, ficamos “surdos” para alguns sons:
Um dos grandes prejuízos do homem contemporâneo é a perda da sutileza dos seus
sentidos. De maneira geral, o homem contemporâneo focaliza o contato visual em
detrimento dos outros sentidos. É nossa adaptação ecológica ao mundo em que
vivemos que determinam, em grande parte, os sentidos mais utilizados. [...] Os
efeitos da poluição sonora no organismo humano geram grandes tensões. O lixo
sonoro penetra por todo o corpo, que altera os ritmos internos, os processamentos
cerebrais e o humor. [...] muitos sons nos penetram sem termos consciência deles,
agindo sobre nosso metabolismo, penetrando em nosso corpo sem pedir licença
(OLIVEIRA, 1996, p. 41).
A sensibilização auditiva relacionada à história sociocultural tem na pesquisa de
Murray Schafer (2001) a constatação de que “os indivíduos e as sociedades de diferentes
períodos ouviam de modos diferentes”, “os sons de determinadas épocas geram os modos de
ouvir”. Em sua pesquisa sobre a afinação do mundo, este autor constata que os sons da cidade
e os sons da natureza determinam as maneiras de ouvir, o que implica em determinadas
percepções e, conseqüentemente, envolve a consciência. Por estes sentidos, podemos perceber
que na cidade a paisagem sonora dos carros, aviões, rádio, construções, vendedores
ambulantes, televisão, celular, entre outros, influenciam nosso espaço-ritmo interno causando
estresse
47
no organismo, ensurdecendo-nos aos sons orgânicos e harmônicos que o corpo tenta
entoar. Já na vida no campo os sons dos pássaros, dos ventos e da floresta nos elevam a uma
47
“No passado havia santuários emudecidos onde qualquer pessoa que sofresse de fadiga sonora poderia
refugiar-se para recompor sua psique. Poderia ser nas florestas, à beira-mar ou numa encosta coberta de neve
durante o inverno. Alguém podia admirar as estrelas ou o vôo silencioso dos pássaros e ficar em paz”
(SCHAFER, 2001, p. 351).
71
outra dimensão de consciência, de ampliação da percepção sutil. Escutar afeta o movimento
do corpo como um todo. Vejamos a influência do escutar na perspectiva fisiológica:
O ouvido está relacionado ao nervo vago, ou décimo nervo craniano. Esse nervo
afeta a laringe, os brônquios, o coração e o duto gastro-intestinal, e por isto, nossa
voz, nossa respiração, nossos batimentos cardíacos e nossa digestão são afetados
pelo ouvido. O ouvido também é considerado envolvido com os nervos óticos e
oculomotores, e, por isso, relacionado com os processos da visão e do movimento
(TOMATIS apud GOLDMAN, 1994, p. 80).
As dinâmicas fisiológicas estão relacionadas com as vibrações sonoras, tanto
emanadas pelo próprio corpo, como por ele recebida através do ambiente sonoro que está
inserido. Em suas pesquisas sobre a influência dos sons no corpo, Tomatis constata que os
sons podem recarregar energeticamente o sistema nervoso central e o córtex cerebral e a carga
do corpo todo – ele acredita que, uma das funções básicas do ouvido é fornecer, através do
som, a recarga do córtex cerebral, bem como a recarga do corpo.
Nessa relação das influências do som no corpo, de acordo com Steven Halpern (1998),
as células raramente vibram mais de 1000 ciclos por segundo, ao passo que a faixa do som
estende-se até 20.000 ciclos por segundo. O corpo, portanto, precisa filtrar uma ampla faixa
de sons incidentes e agir como um transformador vibratório. Por vezes, isto pode ser
extremamente esgotante. Como por exemplo, as freqüências sonoras específicas, como o
“zumbido” da televisão, que ressoa a 15.750 Hz e invade invisivelmente uma sala, pode ter
um pronunciado efeito esgotante físico, mental e energético. Como vimos no item 2.1,
segundo as pesquisas científicas, a audição humana é capaz de perceber apenas uma pequena
fração sonora, se compararmos ao extenso espectro vibratório existente no mundo e no
universo. As ondas sonoras cobrem uma vasta área de freqüência, desde frações de 1 Hz até
milhões de Hz, e a audição humana varia entre 16 e 20 Hz - abaixo ou acima desta faixa
audível, as vibrações podem ser sentidas pelo corpo, mas não podem ser ouvidas
48
.
A voz só pode criar e duplicar os sons que o ouvido consegue captar, de acordo com
Tomatis. Assim, quanto mais desenvolvemos a audição, mais possibilidades vocais nós
teremos. Aliado a este princípio, segue-se a compreensão de que o ato de escutar os
48
Abaixo desta faixa da audição humana encontramos as freqüências infra-som, inaudíveis, e, acima, a faixa
ultra-som “A audição da maioria dos animais é bem superior à nossa. Eles parecem perceber sons que não
captamos. Os morcegos, por exemplo, usam um método sofisticado de sonar para caçar e localizar suas presas.
Os golfinhos podem emitir e captar sons próximos de 200.000 Hz. Os elefantes parecem utilizar uma freqüência
extremamente baixa, bem abaixo de nosso nível de audição, como forma de comunicação e em rituais de
acasalamento” (GOLDMAN, 1994, p. 82).
72
harmônicos da voz, dos sons dentro dos sons, abre-nos para outro nível de consciência. A
escuta envolve, assim, o uso dos ouvidos como órgãos da consciência, conforme também
constata Goldman:
Na tradição hindu, há uma grande percepção da audição como ferramenta para a
consciência acentuada. Reconhece-se a compreensão de shabda, a ‘corrente
sonora’, que pode ser montada como se fosse um cavalo alado que nos leva a outros
planos de existência (GOLDMAN, 1994, p. 78).
Este estudioso do som constata que a escuta dos harmônicos propicia a percepção da
realidade a expandir-se. E que os sons podem transportar-nos a lugares perceptivos onde o
intelecto racional não é capaz de nos levar. Através da abertura da sensorialidade auditiva, o
som pode conduzir a estados ampliados de consciência, em uma dimensão sutil, sensível e
energética.
De tal forma que a abertura da audição dos sons envolve a escuta, tanto dos níveis
sonoros contidos na faixa audível, quanto da discriminação auditiva das propriedades do som
(timbre, duração, altura, intensidade), da pulsação, melodia, ritmo e harmonia, da direção
sonora, como também da percepção da freqüência vibratória energética que irradia o som.
Ademais, o desenvolvimento da escuta, como órgão de consciência, ocorre, não só através da
audição, mas também através da sensibilidade sinestésica e cinestésica do toque e fluxo dos
sons no corpo:
Sinestesia: Sensação, em uma parte do corpo, produzida pelo estímulo em outra
parte. Relação subjetiva que se estabelece espontaneamente entre uma percepção e
outra que pertença ao domínio de um sentido diferente, exemplo: um som que
evoca uma imagem (FERREIRA, 1986, p. 590).
Cinestesia: Sentido pelo qual se percebem os movimentos musculares, o peso e a
posição dos membros (FERREIRA, 1986, p. 407).
Nos jogos vocais, a prática de desenvolver a escuta abre a atenção ao contato sonoro
com o próprio corpo: ao sintonizar-se com os sons interiores e exteriores despertamos novas
percepções e movimentos. Neste sentido, os jogos de sensibilização auditiva servem para
despertar a consciência através do som. Assim, a sutiliza energética que envolve a dimensão
sonora nos traz á percepção o potencial da vocalidade poética para a composição cênica.
Abaixo, serão descritas as investigações feitas nos jogos de sensibilização auditiva e
sinestésica com o intuito de desvendar o corpo como filtro de sons e transformador vibratório
e o que isto influencia no movimento, nos estados corporais e no imaginário criativo.
73
3.2.1 Jogo vocal-corpóreo: ressonância vocal e sensibilização auditiva e sinestésica
Objetivo: sensibilização auditiva e sinestésica.
Foco: percepção do toque do som no corpo, nas ações e nas reações que a sensibilidade
auditiva e sinestésica provoca na qualidade do movimento.
Descrição: aquecimento com vocalizes ao som de instrumentos musicais. Em um primeiro
momento, todos os estudantes, de olhos fechados, são guiados por sonoridades de
instrumentos musicais (por exemplo, violão, sino, xilofone, kalimba, pau de chuva). O
intuito é deixar a qualidade do movimento do corpo e da respiração fluir de acordo com as
sensações que estes provocam. Segue-se o som, na trajetória sonora que ele está
conduzindo no espaço. Em um segundo momento, a turma é organizada em 3 pequenos
grupos, e cada grupo segue determinado som, desenvolvendo a atenção auditiva. Em um
terceiro momento, ao invés de seguir os sons dos instrumentos musicais, ainda de olhos
fechados, as pessoas começam a seguir a voz de um integrante do seu grupo. Na
continuação do jogo, experimenta-se seguir as trajetórias dos sons, agora de olhos abertos,
verificando as diferenças na sensibilidade auditiva e sinestésica, nas sensações e nas
imagens, que então o som provoca.
Comentários sobre a vivência do jogo:
Por meio deste jogo, percebemos que o ato de fechar os olhos ampliou o uso dos
sentidos que não os da visão, fazendo com que ocorresse a ampliação da sensibilidade sonora
e energética, como observam os dizeres dos alunos que participaram desta vivência:
“A não utilização da visão aguçou mais a audição, toda a atenção ficou voltada para
a percepção sonora, aumentando a sensibilidade sonora” (Lis).
“Parece que meus olhos e ouvidos entram num espaço maior, observam sem saber
sua capacidade maior e podem mergulhar em sensações maiores. [...] Minhas
sensações físicas se esvaíam com o suor e com a imaginação sonora gerada
(Tatiane).
Estar de olhos fechados ampliou a sensibilidade de como os alunos sentiram o som e o
espaço ao redor, pois se entrou em um espaço diferente de percepção. As dificuldades
encontradas neste jogo foram relacionadas à predominância do sentido da visão sobre a
audição de maneira a provocar estranhamento inicial nesta transição de troca de um sentido ao
outro:
74
“No início era muito estranho, uma sensação esquisita, mas depois o corpo se
adaptava e os olhos não tinham mais a mesma importância de antes e sim a audição.
Ao seguir o som eu ia criando várias imagens que não faziam muito sentido, era
como se eu pensasse não como uma pessoa, mas como um som” (Daniel).
“Era como seu eu pensasse não como uma pessoa, mas como um som”, grifo este
relato, assinalando seu aspecto transpessoal, de que, quando há a transcendência da dicotomia
do som que vem de fora, com o som de dentro, a própria pessoa se torna som e vibra em
uníssono com o fluxo energético dinamizado. Não há subdivisões entre interior e exterior
neste estado de experiência perceptiva em que ocorre a consciência da totalidade que envolve
a música do corpo. É a manifestação do próprio ser sonoro. Nestas relações entre a
consciência que os sons despertam, relata outro aluno que:
“O poder psicológico que um som pode transmitir pela exclusiva condução auditiva
gera autoconfiança. A sua prática faz com que os ouvidos se tornem tão sensíveis
quanto os raios de luz que perpassam pela retina. A visão vai para os ouvidos, e
tudo se guia através da intuição” (Eduardo).
Podemos verificar no relato deste aluno que, quando se entra em contato com a
totalidade do corpo, amplia-se sua consciência intuitiva e a confiança na sabedoria que existe
dentro de si.
Na seqüência do jogo, o fato de haver três grupos vocalizando ao mesmo tempo criou
uma maior concentração auditiva no seguir o som. Além da localização do som, foi ressaltada
a percepção sinestésica que os sons provocam no corpo. As dificuldades percebidas que foram
trabalhadas, dizem respeito ao silêncio interno para a concentração do som a seguir, por mais
que outros sons estivessem sendo entoados ao redor, no ambiente. Vejamos como foi esta
vivência para uma das alunas:
“A sensibilidade auditiva aumenta consideravelmente, inclusive a capacidade de
abstração dos outros sons. A partir do momento que eu tinha que seguir
determinado som, eu me concentrava de tal forma que os outros não influenciavam
nem atrapalhavam o percurso. E essa facilidade se mantinha quando eu tinha que
seguir outro instrumento, após um breve momento de adaptação. A concentração
auditiva chega a tal ponto que os olhos são de certa forma dispensáveis” (Tarsila).
O desafio proposto aos alunos era o de desenvolver a concentração em um foco
sonoro, para ampliar o direcionamento da atenção. A capacidade de focalizar os sons é
importante de ser desenvolvida, pois permite uma maior concentração sonoro-sinestésica. De
tal forma que, durante este jogo, os alunos foram estimulados a, por mais que a pesquisa
75
estivesse centrada na sua busca individual, que a atenção fosse concentrada também nos sons
do ambiente que estavam sendo gerados pelos colegas:
“Sentia as vibrações provenientes dos sons produzidos pelos colegas através do
chão [...] Dava a impressão que o som era matéria palpável. A característica
inerente aos sons, produzidos por determinados instrumentos musicais, sugeriram
determinadas qualidades de movimentos ao meu corpo (Vitória)”.
Os objetivos deste jogo de sensibilização corpórea e sensitiva das energias das
freqüências vibratórias dos sons serviram para ampliar a relação sonora de composição em
grupo, do saber escutar a si e ao outro para a composição cênica individual e grupal.
As descobertas dizem respeito ao ato de escutar como gerador de consciência:
consciência de si, de escutar o seu corpo, a sua intuição, a sua sensibilidade, e consciência do
escutar os colegas e o ambiente no qual se está inserido. Com o desenvolvimento da escuta,
abrimos o portal da intuição: o cultivo à atenção na escuta do corpo leva ao contato interno
com a própria sabedoria corpórea. Neste sentido, o silêncio interno é a chave-mestra para a
abertura da escuta do corpo-sonoro, pois, na relação com os sons do ambiente, os sons
internos têm que estar em harmonia, em conexão com sua sabedoria sobre o ato de criar, se
influenciar mutuamente e compor em conjunto com os sons que ali já estão. O silêncio interno
significa a interrupção do fluxo mental, o cessar na tagarelice da mente, onde, na serenidade, a
percepção possa ser ampliada e a intuição possa brotar.
A proposta é abrir a escuta como órgão de consciência, com atenção às percepções
energéticas e sinestésicas relativas ao toque do som no corpo.
3.2.2 Jogo vocal-corpóreo: Abraço sonoro
49
Objetivo: pesquisar o poder das freqüências vibratórias da voz de tocar energeticamente
nosso corpo, de forma a despertar sensações e criações de imagens.
Foco: sentir as freqüências vibratórias do som no corpo e perceber as imagens que surgem
despertadas pelos sons.
Descrição: na forma geométrica de uma mandala, forma-se uma roda de pessoas fora e
outra roda de pessoas dentro. Como aquecimento vocal, entonação de vogais explorando a
propagação do fluxo de sons no corpo e em relação com o interior da mandala. No jogo,
49
Imagem do Jogo Vocal no DVD no link: Atmosferas Sonoras
76
as pessoas que formam a roda de fora vocalizam vogais, de tons graves aos agudos,
direcionando-as para as pessoas que estão dentro da roda. Em intencionalidade energética,
cria-se uma mandala sonora com círculos concêntricos de som. Quem está na roda de
dentro só sente o som e deixa o imaginário voar, pelas sensações que os sons vão
despertando. Via sensibililização sonora, experimenta-se o potencial energético da
ressonância dos sons, do abraço vocal que o som dá.
Comentários sobre a vivência do jogo:
A proposta deste jogo é ampliar a percepção sobre o abraço que o som nos dá e a
capacidade que o som tem de nos transportar para o imaginário que permeia o nosso ser.
Em um mergulho nos sons do ambiente acústico criado, está a materialidade sonora
significante capaz de sensibilizar por suas vibrações sonoras, transcendendo a conceituação
racional do imaginário mental e elevando a consciência para uma sensibilidade mais sutil:
“Antes mesmo do sentido do som, há a própria materialidade que é o som [...] A
imaginação enquanto concretização de formas genuínas, vazias ou completas. A
forma enquanto um reino constante de associações e liberações, a união inesperada
de imagens, torna-se substancialmente para nós uma carta íntima e é possível
compartilhar sensibilidades [...] se soubermos nos acessar, não nos esgotamos
nunca” (Tatiane).
Como salientou a aluna, quando se está centrado dentro de si, não há esgotamento de
energia, pois a criação parte do contato com a força interna.
Nesta conexão com o centro interior, podemos perceber que a ressonância amplia a
consciência do corpo, convidando-a a elevar a sua freqüência vibratória para uma dimensão
sensível. As freqüências vibratórias da voz têm o poder de modificar a nossa própria
freqüência vibratória; tal como vimos no item 2.1, essa premissa confirmou-se com as
observações dos alunos de terem ficado vibrando numa energia mais sutil, a partir de um
estado de percepção ampliada. A sensação interna de mudança de freqüência vibratória se
refletiu por uma mudança perceptiva na respiração e nas qualidades corporais despertadas em
cada um pelos sons. Ao ampliarmos a escuta dos sons e observarmos as sensações sinestésicas
e cinestésicas que estes provocam, podemos perceber que estes realmente movimentam
energias e têm um poder de criação física, conforme sentiu a aluna:
77
“A ressonância traz uma sensação e vibração interna, que parece que tudo dentro do
corpo vibra, chegando a dar uma sensação de outra dimensão” (Lis).
No processo de criação do ator, a sensibilidade traz uma escuta do que ocorre
corporalmente consigo e com os colegas de cena. A ampliação da percepção é essencial para
o desenvolvimento da criação energética sonora que perpassa a cena. Trata-se de uma prática
pedagógica relacionada ao saber sensível do corpo e suas potencialidades criativas.
A partir de tais jogos corpóreos de ressonância vocal, chegamos aos seguintes
princípios em relação à sensibilização auditiva e sinestésica das freqüências vibratórias do
som no corpo e suas relações com o processo de criação do ator:
Na prática do ator, constatamos as relações entre a audição e a consciência vocal
criativa: a escuta dos harmônicos, dos sons dentro dos sons, propicia a ampliação da
consciência criativa sobre as sutilezas energéticas que envolvem a vocalização poética. O
corpo todo atua na ressonância como filtro de sons e transformador vibratório, de forma que
as freqüências vibratórias da voz têm o poder de modificar a nossa própria freqüência
vibratória, trazendo novas qualidades de movimento e consciência. Trata-se da escuta dos
sons como geradores de consciência. Nas dinâmicas do movimento, a escuta do corpo leva ao
contato interno com a própria sabedoria corpórea. Assim, abre-se o corpo à percepção do
potencial de sinestesia do toque do som, influenciando, na criação, nas qualidades dinâmicas
do movimento, nos estados corporais e imaginários despertados, e nas trocas criativas em
relação aos sons dos colegas, na criação cênica.
78
3.3 A ressonância vocal em conexão com a respiração
A voz é nossa respiração audível, é uma massagem de dentro para fora, é a
expressão sutil das individualidades, é o som desse instrumento chamado Homem
(OLIVEIRA, 1996, p.70).
A respiração é responsável por dar energia e vitalidade ao corpo, o que alimentará a
presença cênica do ator e a sua expressividade vocal. Ao ampliar a respiração, ocorre a
abertura para a sensorialidade e para a percepção da dinâmica energética do corpo no
ambiente. No processo de criação do ator, por meio da prática respiratória desenvolvem-se as
percepções mais refinadas, amplia-se o sentir, a consciência do corpo, a manifestação da
sabedoria interna, da intuição e da criatividade.
Respirar é a natureza do ser humano:
O ar que você respira é natureza, como também é natureza o próprio ato de respirar.
É a respiração da natureza. Ao sentir a respiração e ao aprender a prestar atenção
nela, você se conecta à natureza de forma mais íntima e poderosa (TOLLE, 2005,
p.85).
A ligação do ar com a natureza, do prana enquanto energia que respiramos, nos faz
conectar a dimensão interna do ser na relação com a atmosfera que inspiramos e expiramos,
que é criada e criadora pelas nossas respir-ações. Na respir-ação está o prana criativo, que
cria ações no espaço interno do corpo em suas conexões com o ambiente.
No trabalho do ator, a respiração é a força energética que envolve a vocalidade
poética, a força criativa da ação da palavra em cena. A vocalidade é a oralização poética do
sopro da respiração, como poetiza Bachelard: a respiração é o sopro poético, que se
concretiza na imaginação material aérea, a qual habitará a forma verbal. É conduzida pela
imaginação do falante, o qual propõe inúmeras imagens verbais – contendo as palavras o “[...]
exato volume de matéria aérea que lhes compete”, dando-lhes o ritmo da matéria do sopro
(BACHELARD, 1990, p.251). “Tanto na força como na doçura, veríamos em ação uma
economia dirigida de sopro, uma administração feliz do ar falante” (idem, p.245).
Vibrar na intenção respiratória impulsiona a vibração energética da voz. Nas palavras
de Antonin Artaud:
79
Se o conhecimento da respiração ilumina a cor da alma, com maior razão pode
provocar a alma, facilitar seu desabrochar. [...] A respiração reacende a vida, atiça-a
em sua substância. [...] A respiração acompanha o sentimento e pode-se penetrar no
sentimento pela respiração, sob a condição de saber discriminar, entre as
respirações, aquela que convém a esse sentimento (ARTAUD, 2001, p. 165-166).
Na vocalização, a respiração é a propulsora e iniciadora do som: a inspiração é a
energia prana que inunda o corpo e dinamiza as energias, e a expiração é a força
aerodinâmica que colocará em movimento as pregas vocais, propulsionando a produção do
som vocal. A respiração, no seu fluxo energético que percorre o corpo, está totalmente
conectada com a ressonância vocal, pois é através dela que as freqüências vibratórias da voz
serão conduzidas para reverberação. A respiração é o impulso das energias na vocalização. Na
conexão da fisiologia do corpo com sua dinâmica energética, eis que pulmões e coração têm a
função de absorver e distribuir oxigênio pelo corpo todo. Ademais, o diafragma está
interligado ao coração:
Os trajetos das fibras musculares do diafragma são verticais, enquanto a porção
tendinosa é contínua com o pericárdio (do grego peri, ao redor + kárdia, coração =
bolsa membranosa que envolve o coração). O pericárdio é composto por dois
diferentes tipos de membrana, serosa e fibrosa. O pericárdio seroso forra a bolsa
fibrosa e cobre a parte externa do coração. O pericárdio fibroso forma uma bolsa
que circunda o pericárdio seroso, além dos grandes vasos sanguíneos do coração.
Devido à continuidade anatômica entre a face torácica do diafragma e o pericárdio
fibroso, a descida do diafragma leva todo o pericárdio consigo, da mesma forma
que os pulmões seguem os movimentos do diafragma e das paredes torácicas
(ZEMLIN, 2000, p. 75).
Os princípios energéticos da respiração estão conectados com os princípios
fisiológicos. O corpo vibra, a alma vibra, a respiração vibra, a voz vibra. É a energia o
impulsionador da criação intencional da ressonância vocal. A partir de tais fatos, podemos
perceber o quanto a respiração está intimamente conectada com a ressonância da voz, ao ser
condutora da energia a ser dinamizada.
Na dinâmica do movimento expressivo, dentro da malha de conexões corpóreas que
envolvem a respiração, o músculo do diafragma tem extrema importância no impulso do
movimento e também no impulso expiratório que gerará a força aerodinâmica (juntamente
com os pulmões), para a vocalização. Pavão esclarece a anatomia:
O diafragma constitui uma grande ‘capa’ muscular, que divide o tronco ao meio,
horizontalmente, separando tórax e abdômen, contendo uma parte muscular
periférica e uma parte tendinosa central, o centro tendíneo, além de três orifícios
para a passagem da aorta, veia cava e esôfago. Para assegurar sua fixação nesta
posição, o diafragma possui inúmeras inserções, que se irradiam da sua porção
80
muscular sobre as vértebras lombares, as costelas inferiores e o esterno (PAVÃO in
VALLE, 2002, p. 119).
Através de pesquisas da dinâmica fisiológica da respiração, o campo de estudos da
Fonoaudiologia estuda técnicas de apoio respiratório-vocal para ampliar a capacidade de
sustentar e intensificar a vocalização. Como podemos observar quando damos uma risada,
fisiologicamente na expiração há uma diminuição simultânea no volume da cavidade
abdominal, com pressão intra-abdominal: “o movimento para baixo e para cima do centro
tendíneo resulta no aumento das dimensões verticais da cavidade torácica e em diminuição da
pressão intrapulmonar. Isso ocasiona uma diminuição simultânea no volume da cavidade
abdominal e da pressão intra-abdominal” (ZEMLIN, 2000, p. 79). A partir da dinâmica
fisiológica, Claire Dinville (1993) assinala a importância da musculatura da cinta abdominal
(músculos transverso do abdômen, grande oblíquo, pequeno oblíquo e grande reto) na
participação da dinâmica respiratória e da sustentação da voz, permitindo modular e regular a
pressão expiratória. Eudósia Quinteiro (1989) confirma que o apoio respiratório é realizado
quando ocorre a pressão ativa dos dois diafragmas torácico e pélvico; é a subida diafragmática
que garante a pressão expiratória. Afirma que é sobre a musculatura dorso-lombar que os
músculos da cinta abdominal e os da parte inferior do tórax vão encontrar um ponto de
resistência. Silvia Pinho (1998) também concorda que o apoio respiratório é costo-
diafragmático-abdominal, por sustentação intercostal seguida de uma descontração muscular
intercostal progressiva e contração progressiva da cinta abdominal até o ar reserva.
Assim, o impulso da expiração tem em sua dinâmica o envolvimento do diafragma em
relação com o apoio abdominal. Na atuação do ator, quando não ocorre o impulso respiratório
através da ativação da musculatura da cinta abdominal, ocorre um grande esforço
compensatório da musculatura extrínseca e intrínseca da laringe devido à ausência do
aumento da pressão aérea subglótica, o que gera sobrecarga vocal, fadiga e estresse da
musculatura laríngea.
O corpo tem seu funcionamento como um todo integrado. Constata Zemlin que: “os
principais componentes da estrutura esquelética para o mecanismo da respiração são as
vértebras ou a coluna vertebral, o arcabouço ósseo do tórax e a pelve” (ZEMLIN, 2000, p.
61). Complementa Boadella (1992) que a nuca, a garganta e o diafragma formam uma
unidade funcional interligada: o principal nervo frênico que vai para o diafragma passa pela
coluna vertebral através da quarta vértebra cervical do pescoço. Nesta dinâmica do músculo
81
do diafragma com os movimentos da coluna vertebral, Feldenkrais (1977, p. 141) ressalta que
a tonicidade dos músculos flexores do abdômen aumenta o tônus dos extensores das costas.
De tal forma que, na vocalização, o apoio respiratório tem relação com o apoio abdominal
interligado aos movimentos da coluna, para o suporte do movimento nas variações dos eixos
de equilíbrios da postura.
As correntes de movimento a partir do Suporte Respiratório Interno são a base da
dinâmica do movimento corpóreo, assinala Ciane Fernandes (2002) baseada no estudo das
pesquisas de Irmgard Bartenieff. O Suporte Respiratório Interno é ativado por meio do uso da
musculatura interna profunda, especificamente dos músculos
50
iliopsoas, do diafragma e do
quadrado lombar:
na expiração, usa-se o diafragma para engajar o Iliopsoas e o Quadrado Lombar
numa Corrente de Movimento até os músculos profundos do quadril. Esse suporte
facilita toda transferência de peso corporal, desde a simples flexão coxofemoral até
a mudança de nível, sentando, levantando, caminhando, interagindo com o espaço
tridimensional e de volta ao chão (FERNANDES, 2002, p. 41).
Vejamos aqui neste desenho os músculos profundos e superficiais do abdômen:
50
“os músculos do abdômen podem ser divididos em um grupo antero-lateral e um posterior. Os músculos do
grupo antero-lateral são cinco: oblíquo externo, oblíquo interno, transverso do abdômen, reto do abdômen e
piramidal. Os músculos posteriores do abdômen são quatro: quadrado lombar, ilíaco e psoas maior e menor. O
abdômen é a parte do corpo limitada por cima pelo diafragma e por baixo pela entrada da pelve. ” (ZEMLIN,
2000, p. 88).
82
Figura 8. O diafragma e os músculos do abdômen
Fonte: SOBOTTA (2006).
Na prática do artista cênico, vemos a importância da respiração no suporte físico e
energético do movimento corpóreo e vocal. Na atuação vocal o apoio respiratório: amplia o
tempo máximo de fonação (a quantidade de ar que dá suporte à fala) para vocalização de
frases grandes, impulsiona a força expiratória para o aumento de intensidade na projeção
vocal, organiza o suporte à vocalização em variações de movimentos e posturas cênicas, e
dinamiza as qualidades energéticas para o corpo vibrar e ressoar seus harmônicos vocais,
conduzindo as intencionalidades da expressividade da voz.
O entendimento fisiológico do corpo ajuda-nos a compreender os procedimentos
adequados para trabalhar a voz do ator, mas, mais do que o entendimento somente racional, a
83
verdadeira consciência está no olhar interno, que se volta para dentro e observa a si mesmo,
suas sensações, suas energias, sua respiração. Sendo que respirar é um ato natural, então,
observar a sabedoria do corpo envolve perceber como o organismo se sente quando a sua
dinâmica fisiológica e energética está em harmonia.
A seguir, será relatada a investigação feita através de jogos de corpo-voz sobre a
respiração na relação dinâmica entre os movimentos do corpo-vocal: a respiração como
suporte e impulso do movimento; os apoios respiratórios e suas relações com a coluna e com
as posturas; os fluxos energéticos da respiração no espaço interno do corpo; a respiração na
pausa e na precisão do tempo-ritmo e no sopro poético da palavra.
3.3.1 Jogo vocal-corpóreo: a respiração, fluxo de energia pela flauta vocal interna.
Objetivo: dinamização do fluxo energético vocal através da respiração.
Foco: percepção da sabedoria respiratória do fluxo do ar no corpo.
Descrição: início com alongamentos com asanas do yoga (vide anexo 1). Experimentar
neles, nas diversas posturas, as amplitudes da respiração. Visualizar a inspiração de cores
e a expiração de cores, durante os fluxos respiratórios. A partir dos asanas do yoga, ir
desenvolvendo o movimento em liberdade, partindo da visualização dos movimentos
iniciando nos chackras, inspirando cores ali, expirando as cores dali, e pintando-as no
espaço através da troca gasosa com o meio.
Comentários:
Neste jogo, trabalhamos a respiração com a visualização das cores nos chackras para
harmonizar as freqüências vibratórias do corpo. A visualização das cores foi trazendo-nos um
estado de silêncio do blá blá blá mental. Neste estado de silêncio, a respiração eleva a um
estado sutil de consciência, onde, poeticamente, as nuvens do pensamento mental se
dissolvem pela força aérea, abrindo um espaço de céu azul dentro do corpo, para que a
sensibilidade flua e a criatividade voe com as asas da imaginação.
Observamos que a respiração acorda o corpo, trazendo-o para o presente. A atenção ao
prana que percorre o corpo aumenta a vitalidade e concentra a energia corporal para
84
dinamizá-la por meio da ressonância vocal. É na corrente do prana pelos os canais físico e
energéticos da flauta vocal interna, que são geradas as freqüências vibratórias na vocalização.
A consciência corpórea dos alunos foi, então, estimulada a estar focada para se fazer presente
sobre o fluxo respiratório, levando a energia vital aos pulmões, sendo o ar que o corpo está
respirando e observando as sensações geradas no espaço interno.
Em relação às posturas e às sensações da respiração, trabalhamos a abertura para que a
respiração inundasse o corpo, preenchendo-o de vitalidade energética. Observamos que, a
cada postura, a respiração gera determinadas sensações. E que a cada sensação, que emana do
corpo, uma freqüência vibratória vocal ressoa. Esta relação energética da respiração, enquanto
afetividade, sensação, energia, geradora de intenções, está em contato íntimo com os aspectos
anatômicos de relação do diafragma com o coração e com a coluna.
Nesta correlação da dimensão fisiológica com a energética, a corrente do prana-
respiração pelo corpo ativa os vórtices de energia, os chackras: o centro de força do chackra
plexo solar (no físico, é o local do diafragma) propulsiona a energia para o chackra cardíaco
e tem seu fluxo de passagem, que liga coração e pensamento, através do chackra laríngeo (no
físico, é o local das pregas vocais), concretizando sua energia através dos harmônicos sonoros
da voz.
Este jogo trouxe a percepção de que, por meio da respiração, desde o seu mecanismo
fisiológico de inspirar e expirar enquanto troca gasosa entre o organismo e o meio, há o
potencial de criação de energias e atmosferas no ar do ambiente. Nesta alquimia de inspirar e
expirar energias, a respiração é a condutora da voz, é ela que transporta as freqüências
vibratórias do som como ondas de intencionalidades, nas suas interações e criações com o
meio.
85
3.3.2 Jogo vocal-corpóreo: impulso respiratório para a ressonância vocal
Objetivo: o fluxo respiratório como impulso para a ressonância na ação vocal.
Foco: o impulso respiratório na dinâmica do movimento, apoios respiratórios na relação
com o fluxo dos sons no corpo.
Descrição: através do impulso do diafragma parte o movimento do corpo. Cuidado para
não encolher com muita força o abdômen para não ter pressão subglótica excessiva.
Atenção no fluxo respiratório inspiratório, seu percurso pelo corpo, fazendo o movimento
tridimensional dos pulmões: altura, profundidade, largura. Atenção no fluxo expiratório
que começa no impulso do diafragma e percorre a flauta vocal interna até chegar à saída
pela boca. Por meio do apoio respiratório no diafragma, impulsionar o fluxo energético
dinamizado com a respiração, até regiões do corpo de onde se irradiará o movimento. A
atenção deve estar focada também na precisão do início e do fim dos trajetos da expiração,
nos impulsos no corpo no direcionamento para o espaço. Em um segundo momento,
nestes caminhos percorridos, a energia deve ser lançada através da vocalização de vogais.
No final do jogo, os estudantes são instruídos a deitar, ampliar a respiração, relaxar e
deixar fluir a energia que foi dinamizada. Frase para inspirar:
O vento apresenta um infinito número de variações vocálicas. Ambos têm sons de
amplo espectro, e em sua faixa de freqüência outros sons parecem ser ouvidos
(SCHAFER, 2001, p. 43).
Comentários sobre a vivência do jogo:
Em um primeiro momento, o foco do jogo estava no movimento do fluxo da
respiração dentro do corpo, e, em um segundo momento, o foco estava na irradiação do
impulso respiratório de acordo com as dinâmicas de fluxo do corpo no espaço.
Ao prestar atenção nos modos como cada organismo dos alunos atuava na respiração,
percebi que havia alguns que, ao inspirar, realizavam um levantamento do arcabouço ósseo do
tórax, causando a elevação dos ombros, o que provocava uma hipertensão nas musculaturas
do pescoço, canal da voz. A solução foi trabalhar com a percepção dos alunos aos modos de
inspirar: inflando o corpo de energia, com a leve dilatação do abdômen, ou ao contrário,
contraindo o abdômen ao inspirar; inflando os pulmões até a sua parte superior, ou
expandindo o pulmão com foco na sua lateralidade – tais modos de respirar foram feitos para
86
que, ao invés de ensinar a fisiologia pelo plano mental, o corpo dos alunos percebesse por si
só quais as harmonias da sua dinâmica fisiológica. Os alunos observaram que na inspiração,
para a atuação cênica, o trabalho com a lateralidade dos pulmões propicia um suporte aéreo
suficiente e não provoca o excesso de elevação dos ombros (o que traria hipertensão à região
laríngea). Assim, nos movimentos do corpo no espaço, seguimos trabalhando a
tridimensionalidade da respiração (profundidade, largura, altura), com ênfase na observação
do percurso do ar que entra no corpo e dinamiza energias para o fluxo da dinâmica do
movimento.
No contínuo do movimento, a atenção à expiração estava focada nos ajustes da relação
entre a contração do abdômen, o impulso do diafragma e a pressão aérea pulmonar
dinamizada. Observamos que, se há impulsos muito fortes no abdômen, ocorre uma pressão
aérea subglótica fortíssima que gera ataques vocais bruscos
51
, ou seja, as pregas vocais se
fecham com muita força. De forma que a solução foi a observação atenta à dimensão sutil e
sensível de força abdominal, para que o fluxo aéreo subglótico promovesse uma vibração
harmônica das pregas vocais.
Em relação ao impulso do diafragma, constatamos a importância de observar o fluxo
deste impulso no corpo todo, e não só encolher o abdômen no movimento pelo movimento,
pois é nos percursos da respiração que está a força energética. Como vemos na observação da
aluna:
“Quando permiti maior fluxo entre a barriga e o peito, senti que eu tinha mais
energia para desenvolver o movimento” (Vitória).
Percebemos que a respiração, ao ser desenvolvida como impulso para o movimento,
amplifica o fluir das energias no corpo. O impulso respiratório-muscular-energético é o
trampolim da irradiação das freqüências vibratórias da voz em seu fluxo na flauta interna.
Assim, constatamos que a mudança na qualidade do movimento está também relacionada à
mudança nas sensações energéticas que percorrem o corpo através do fluxo da voz nos locais
de ressonância.
Nos trajetos do corpo no espaço, impulsionado pela respiração e irradiação de cores,
foi na escuta do corpo-sonoro que o impulso vibrava orgânico, pois era por meio da
51
Ataque vocal brusco, ou golpe de glote, acontece quando os sons iniciados são tão bruscos que ocorre uma
contração abrupta dos músculos adutores da vibração da prega vocal (ZEMLIN, 2000, p. 120).
87
respiração que os movimentos eram levados a irradiar no espaço. Na dinamização das
energias e sua irradiação no espaço, questões foram abertas para a busca de soluções criativas
pelos alunos: quais ventos passam por dentro? A respiração te impulsiona a quê? O que te
move? Teu ar quer alcançar o quê?
“O impulso respiratório, quando utilizado corretamente, fortalece nosso corpo e
nossa voz, permitindo maior limpeza dos movimentos e sons” (Lis).
Corpo e respiração são integrados e interagem energeticamente. Como constatou a
aluna, o direcionamento da energia através do fluxo da respiração no corpo concentrava as
energias, o que ampliava seu estado de presença no jogo, vejamos:
“O fluxo respiratório deu mais concentração e energia para o movimento” (Tarsila).
As dificuldades da respiração em relação com o movimento foi a falta de fôlego, como
perceberam as alunas:
“Percebi então o quanto é difícil conciliar a voz com o movimento corporal intenso,
como a respiração muda, o fôlego diminui, precisando pensar no impulso
respiratório de forma mais concentrada. É uma coisa que preciso trabalhar melhor”
(Lis).
“Muitas vezes me cansei demais, o que aumentou minha atenção sobre a tonicidade
do meu corpo e minha capacidade respiratória” (Tatiane).
Para resolver tal dificuldade, o foco estava em liberar a respiração, deixá-la fluir de
acordo com as respostas sinestésicas do movimento. Observamos que, quando se amplia a
respiração, ampliam-se as sensações e as dinamizações das energias.
Outro aspecto trabalhado foi a atenção dos alunos à concentração ao silêncio interno
antes, durante e após a emissão de algum som, o que permite que o som se sustente e
reverbere no espaço. É como dar asas para o som voar pelo espaço, e ressoar, ecoar.
Em um tom poético: a voz voa com o sopro, ventos que circulam por dentro e
permeiam o ambiente. Em estado puro, o vento é sensação no corpo. Na inspiração, os vôos
para o infinito céu de potenciais criativos. Na expiração, sopros poéticos direcionam em ações
precisas os sons, criando atmosferas energéticas:
O vento varria as folhas, o vento varria os frutos, o vento varria as flores... E a
minha vida ficava cada vez mais cheia de frutos, de flores, de folhas” (MANUEL
BANDEIRA).
88
A partir de tais jogos corpóreos de ressonância vocal, chegamos ao seguinte princípio
em relação à respiração: a respiração é a condutora das ondas sonoras, ela conduz as
freqüências vibratórias que irão seguir em seu fluxo pelas cavidades do corpo. Os aspectos
físicos e energéticos da respiração estão interligados. Na atuação cênica, a respiração sustenta
o movimento, físico e energético. O diafragma e os músculos profundos do abdômen (Sistema
Muscular Interno) sustentam o movimento, dão força, energia e vitalidade. Inspiram-se
energias e o corpo, ao vocalizar, expressa energias. A respiração transporta as
intencionalidades que são geradas pelas freqüências vibratórias da voz. Na atuação do ator, a
respiração para a fala traz suporte para a utilização da intensidade forte, da fala em frases
grandes e para as intencionalidades vocais das palavras. Na respiração, está o impulso da
intencionalidade vocal vibratória do corpo.
89
3.4 A ressonância vocal: os fluxos dos sons no corpo na dinâmica do
movimento
Figura 9. O fluxo energético dos sons no corpo
Fonte: Desenho feito pelo artista Edson Menezes
A partir do princípio sonoro da ressonância vocal, as freqüências vibratórias dos
harmônicos da voz fluem e ressoam por entre o corpo físico-mental-emocional-energético. Os
sons transpassam em seus trajetos os órgãos, cavidades ósseas, chackras e, na união com a
respiração, cria energias, desperta sensações e gera imagens, em ressonância com a
consciência da pessoa que vocaliza. Assim, os sons vocalizados criativamente trazem em si as
freqüências vibratórias dinamizadas que ecoam dentro do corpo e se irradiam ao espaço.
Na dinâmica da qualidade do movimento cênico, os trajetos das energias sonoras no
espaço interno do corpo estão relacionados aos impulsos internos que o movem física e
energeticamente no espaço. Com Rudolf Laban, vemos na categoria expressividade que esta
se trata do como nos movemos – a propulsão, o impulso para o movimento. As qualidades
90
dinâmicas expressam a atitude interna em relação a quatro fatores: fluxo, espaço, peso,
tempo
52
. Dentro da categoria expressividade, desenvolveremos, neste momento, os fatores
fluxo e peso. O fator fluxo significa o controle da energia expressiva, da tensão muscular
usada para deixar fluir o movimento (fluxo livre) ou para restringi-lo (fluxo controlado).
Tanto o fluxo livre quanto o controlado pedem uma tensão muscular. É a relação entre estes
músculos tensos que determina a qualidade do fluxo. Ainda dentro da categoria
expressividade há o fator peso, que significa como o corpo usa sua força na transferência de
peso para a locomoção (FERNANDES, 2002).
A consciência da ressonância vocal se dá a partir das percepções internas do
organismo e do seu entorno, pelas expansões das ondas sonoras no espaço e suas relações
com o ambiente. Trata-se de ações e reações provocadas pelo fluxo sonoro no corpo e ao
redor. O processo de troca e de influência entre a pessoa e o meio ambiente é recíproco:
dentro e fora estão conectados – quando se trabalha por dentro, o fora também se modifica.
Assim, a atenção ao fluxo de sons e seus trajetos no espaço interno do corpo, não significa
dicotomia entre dentro/fora. Como constata Ciane Fernandes (2005), nesta relação que
permeia o interior e o exterior, podemos representar a relação corpo-espaço num contínuo
através do Anel de Moebius: “uma figura que gera o desenho de um oito com o meio vazio, ou
seja, a figura do infinito, sem separação entre interior ou exterior. Ao seguirmos uma de suas
faces, desembocaremos na outra e vice-versa, sem realmente passarmos por dentro ou por
fora, mas sempre passando entre estes dois universos” (FERNANDES, 2005, p. 71). O
organismo está o tempo todo se relacionando com o ambiente. Como salienta Damásio, a
consciência passa a ser um produto da capacidade do organismo de perceber suas emoções e
do ambiente de reagir a elas. Os organismos necessitam manter formas de regulação interna
precisas, sempre em conexão com a informação recebida do exterior. “[...] o organismo está
empenhado em relacionar-se com algum objeto, e o objeto nessa relação está causando uma
mudança no organismo” (DAMÁSIO, 2000, p.48). Nestas relações, o movimento dos fluxos
dos sons no corpo está sempre se relacionando criativamente com o ambiente entorno. Para a
pesquisa dos trajetos dos sons no corpo, importa centrar-se em si, em seu interior, e perceber
os seus movimentos em relação com o espaço.
52
Na categoria expressividade há gradações entre os fatores, que variam desde a polaridade condensada (fluxo
contido, espaço direto, peso forte, tempo acelerado) à polaridade entregue (fluxo livre, espaço indireto, peso
leve, tempo desacelerado). (FERNANDES, 2002).
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A seguir, na investigação das relações entre fluxo e peso, pesquisaremos, nos jogos de
corpo-voz, as tonicidades musculares nas relações com os eixos de equilíbrio e os apoios
corpóreo-respiratórios, para aprimorar e dinamizar diversas qualidades de ressonâncias vocais
no corpo.
3.4.1 Jogo vocal-corpóreo: Os fluxos dos sons no espaço interno do corpo
Objetivo: consciência do fluxo de sons no espaço interno do corpo.
Foco: experimentar através de vocalizes com bocca chiusa e vogais, as possibilidades de
trajetos e vibrações da voz no corpo.
Descrição: Em dupla, um jogador toca, o outro é tocado em regiões espeficas do corpo,
os toques variam de intensidades, de suave, atingindo a superfície da pele a profundos,
atingindo a musculatura. Uma pessoa da dupla está deitada, vocalizando a bocca chiusa,
direcionando a voz ao local do corpo onde o colega está massageando a musculatura. As
intensidades da voz devem variar de acordo com as intensidades do toque do colega. Ao
vocalizar, perceber as sensações e energias do som vibrando no espaço interno do corpo e
sua relação com o estímulo externo. A partir das percepções dos sons que reverberam
dentro do corpo, fica-se atento para as sensações e imagens que surgem. Em um segundo
momento, a partir destas sensações dos estímulos físicos, levanta-se e inicia-se o
movimento corpóreo, começando pelas regiões que mais reverberaram o som. Em um
terceiro momento, escolhem-se os movimentos que mais ressoaram a voz para
transformá-lo em poética, segundo a intencionalidade de toda musicalidade que foi sendo
criada e recriada a partir da sensação e das imagens poéticas que foram surgindo.
Comentários da vivência:
Bocca chiusa é um vocalize assim denominado pela escola italiana de canto. A
Fonoaudiologia o denomina humming (mastigar). Nesta vocalização, a técnica está em entoar
com a boca fechada, tal qual a pronúncia do /m/, para que o som percorra todo o corpo. Uma
variação técnica é entoar como se estivesse bocejando, o que facilita a abertura da cavidade
velo-faríngea, ampliando os espaços para o som fluir na flauta vocal interna.
92
Nesta prática, o ato de estar deitado, com a boca fechada, entoando nas musculaturas
que eram sensibilizadas através do toque das mãos do colega, propiciou um relaxamento do
corpo aliviando possíveis tensões. Isto trouxe uma abertura do espaço interno para a expansão
dos sons. Assim sentiram os alunos:
“Para mim parece que uma parede se dissolve e o som começa a circular, atingindo
minha pele, minha face. Tento tirar som de várias partes do meu corpo. Isto me dá
uma sensação de preenchimento ao mesmo tempo em que elimina possíveis tensões
internas. É uma sensação de entrar para dentro e sair para fora ao mesmo tempo”
(Tatiane).
“É quase um orgasmo sonoro quando o ponto de ressonância é descoberto. O corpo
fica leve e as estruturas musculares relaxadas” (Eduardo).
À medida que o corpo ia se entregando ao estado de relaxamento, abria-se cada vez
mais à sensibilidade ao toque do colega e, assim, as variações de intensidade do som na flauta
vocal interna foram sendo vocalizadas pelas interferências provocadas pelo estímulo externo.
O toque era o estímulo externo, mas o que despertava a vibração e o fluxo de energia era o
toque interno do som, o sino interior que ressoava e movimentava as freqüências vibratórias
do corpo.
Ainda com os alunos deitados, no momento em que foi pedido para abrirem os sons
internos para a expressão ao exterior, através das vogais, observou-se algumas tendências de
esforço laríngeo para a emissão da vogal. Assim, retomava-se a atenção para deixar o som
fluir por si só, com o corpo relaxado. À medida que havia entrega por parte do estudante à
atenção dentro de si, mais concentração havia de freqüências vibratórias sonoras e
tranqüilamente o som se expandia em seu próprio potencial de ressoar. E quanto mais fluía o
som, mais amplificava a freqüência vibratória do corpo e mais amplificava a intensidade
sonora: o fluxo sonoro ia ganhando plenitude e intensidade energética.
O vocalize com a bocca chiusa, associado ás vogais, podem ser direcionados para a
entonação de mantras, tais quais: /om/, /aum/. A proposta é a de deixar o som tocar o corpo,
permitindo com que os tons vocais entrem e reverberem nas musculaturas, ossos, cavidades.
Constatamos que a sensação do fluxo energético do som desenvolveu uma elevação da
freqüência vibratória do corpo, ampliando a consciência a uma dimensão sutil de percepção:
“Senti muito a vibração da voz mais no peito e nas costas. Observar as freqüências
vibratórias dentro do corpo altera meu estado para uma maior concentração e posso
perceber os processos internos do corpo” (Vitória).
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Depois de um tempo vocalizando com a bocca chiusa, as vogais alongadas e os
mantras, percebemos que, com o relaxamento do corpo, a corrente sonora ia fluindo por si só
e as freqüências vibratórias iam se encaixando em locais diferentes. Quando o corpo está
aberto, o som tem mais potencial de fluir e ativar a consciência energeticamente. Assim,
observou-se que os encaixes dos sons em determinados locais já não estavam sendo
premeditados racionalmente por influência do toque do colega em determinada região, mas
era o próprio som que abria os caminhos e conduzia seus harmônicos:
“A sensação da ressonância quando ela realmente acontece é fantástica. Senti uma
vibração muito forte e intensa na região da cabeça, experimentando agudos,
cheguei numa nota impressionantemente aguda, até eu me assustei na nota que
atingi, através da ressonância” (Tarsila).
Percebemos que, quando o som se encaixa em ressonância, é como se uma região
corpórea, ao ser acordada pelo som, soasse por si própria. Ao o som tocar tal região ressoa
harmônicos que ali tem compatibilidade, gerando tons que, como disse a aluna, antes não
haviam sido experimentados. Ao permitirmos que o som se mova através de si, o fluxo
energético criará em potencialidade, gerando sensações, criatividades e ativando o imaginário
corpóreo, como vemos no dizer deste outro aluno:
“A bocca chiusa é como se mexesse com o corpo todo internamente. Quando você
realmente está inteiro no exercício, com as sensações todas internalizadas, a bocca
chiusa te leva á vários lugares. Através das vibrações que se espalham pelo corpo
sou capaz de ‘viajar’ muito!” (Daniel).
Nesta jornada interior conduzida pela vibração do som no corpo, a flauta vocal interna
ao estar aberta permite o fluir das energias internas, da ação intuitiva e da imaginação criativa.
As descobertas neste jogo estão relacionadas ao poder da ressonância da voz de conduzir,
através freqüências vibratórias sonoras, o fluxo da energia vital, promovendo a ampliação da
consciência sensitiva para a criação vocal cênica.
94
3.4.2 Jogo vocal-corpóreo: Os fluxos dos sons no espaço interno do corpo na dinâmica do
movimento
Objetivo: perceber o fluxo do som no movimento interno de ressonância do corpo em
relação ao movimento do corpo no espaço.
Foco: trajetos da voz nos espaços internos do corpo na dinâmica do movimento.
Descrição: o jogo começa com os estudantes deitados no chão, entrando em contato com
o corpo, com a respiração, com as sensações das tonicidades musculares, com o batimento
cardíaco. Em um segundo momento, de olhos fechados, os estudantes imaginam a entrada
de água para dentro do corpo pelos pés. Segue-se a entrada da água em um movimento
ascendente na inalação do ar/água, através da sola dos pés até o topo da cabeça e, na
expiração, o movimento do ar/água/som, descendo da cabeça aos pés. Deitados, os
estudantes são instruídos a experimentarem, através da imagem da água percorrendo o
corpo, o fluxo da respiração e da energia. Em determinado momento, os estudantes são
instruídos a começarem a movimentar o corpo e a direcionar os trajetos da água, com
intencionalidade, para determinados espaços internos do corpo, onde bem desejarem.
Após este momento, investigando os trajetos da água, os estudantes são instruídos a
direcionar, juntamente com a água, a voz. A pesquisa segue na dinâmica do movimento,
trabalhando as transições fluídas de variações de níveis, do plano baixo ao plano médio e
depois ao plano alto, e suas relações com o impulso da água dentro do corpo. Em um
terceiro momento, os estudantes são instruídos a espirrarem a água pelas cavidades de
ressonância do corpo, através do impulso do diafragma, e jorrarem a voz para o espaço
externo. Frases inspiradoras do jogo:
À medida que o feto se move no líquido amniótico, seu ouvido se afina com o
marulho e o gorgolejo das águas (SCHAFER, 2001, p. 33).
Os líquidos corporais – sangue, linfa, líquido conectivo, líquido sinuvial, líquido
cefalorraquidiano, etc. – e os órgãos – estômago, intestino, fígado, pulmões,
coração, etc. - concedem a fluidez e o grau de intensidade do fator fluxo do
movimento corporal (FERNANDES, 2002, p. 106).
Comentários da vivência:
O começo desta prática foi com os alunos deitados, a fim de que houvesse uma
concentração na energia interna do corpo, para que depois, então, a dinâmica de movimento
no espaço estivesse em total conexão com a dimensão interior da vibração do som. Para
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manter esta conexão da dinâmica do movimento com o centro interior, utilizamos como
imagem os líquidos internos do corpo. Esta imagem também serviu para o contato com esta
parte desconhecida de vibração do som: dentro das correntes líquidas do corpo, pois, como foi
visto no item 2.2, os líquidos são também transmissores do som.
Através da imagem da água fluindo dentro do corpo, estimulamos a imaginação da
voz percorrendo as profundezas internas dos trajetos líquidos do corpo, principalmente a
corrente sangüínea. Tal imagem estimulou o mergulho nas dimensões dos fluídos corporais e
trouxe à tona a organicidade vocal:
“Através da água percorrendo meu corpo, me conectei com minha própria
ressonância e musicalidade” (Lis).
“Minha ressonância e musicalidade estavam em conexão consciente. A imagem da
água permitiu uma nova visão sobre os caminhos internos do meu corpo, suas
cavidades que podem ser usadas como estímulos imaginários e reais ao som. Ao
final, as imagens ganham corpo, transcendendo os limites do eu/espaço, eu/corpo,
eu/sensível, (re)criando sons originais que precisavam ser acessados dentro desta
composição energética (Tatiane).
A imagem da água abriu um espaço para o contato com a musicalidade ressoante da
voz na relação com as sensações do corpo, amplificando o potencial de recriação da imagem.
Mais do que a codificação racional da imagem da água, fez-se importante, neste jogo, o sentir
a força vocal da vida presente no momento, da vibração sonora em sua pura sensação. Neste
sentido, a imagem da água trouxe uma qualidade sensitiva de movimento corporal fluido,
onde o navegar por dentro da corrente sonora propiciou ao som levar suas ondas ao corpo a
partir do contato íntimo com a sensação. Assim como fluiu o corpo, fluiu o movimento vocal,
o gesto em ressonância com as ondulações energéticas da voz, o que trouxe determinadas
qualidades ao movimento. Com a flauta vocal interna aberta, ao deixar o corpo e a respiração
fluírem, a voz segue em uníssono vibracional aos seus impulsos, como vemos nos relatos dos
alunos:
“As ondas do mar eram ondas sonoras que repercutiam em diversas partes do
corpo, que eram estimuladas pelo som a se movimentar. Os movimentos do corpo e
som eram fluidos e tinham uma continuidade como se continuasse ecoando ao
redor do corpo” (Vitória).
“Meu corpo era água, minha voz era água, o som saía sem muito esforço e era
jogado de um lado pra outro” (Daniel).
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As sensações geradas por estes movimentos ondulatórios foram aos poucos
despertando outras imagens corpóreo-vocais. Pedagogicamente, faz-se importante estimular
no aluno-ator a sua imaginação poética, a força do criar e recriar imagens:
“Dava a sensação de estar flutuando no mar e das ondas surgiam as vogais” (Sara).
“Senti a força gravitacional da terra puxar o meu ar, e o fogo energético-corporal
sendo sugado pelo vento que entrava da janela. O meu Self estava numa energia
musical que potencializava o imaginário das ondas do mar ao redor da epiderme
suada” (Eduardo).
O som transpassa e perpassa o fluxo energético no corpo, criando uma corrente de
energia de acordo com a dinâmica do movimento, sendo possível direcioná-lo para
determinadas regiões, ou deixar fluir livremente a corrente sonora, por onde quer que ela
queira ir. Neste fluxo, é possível direcionar a corrente sonora às cavidades ressonadoras,
como a cabeça, a laringe, o nariz, o peito, mas a determinados locais do corpo, tais quais as
regiões profundas dos líquidos, percebemos que o fluído dos harmônicos evolui por si
mesmo. Ainda assim, ressalta-se que a utilização da imaginação de jogar a voz para locais,
tais quais: a corrente sanguínea, ou os pés ou as mãos, entre outros, permite uma abertura à
totalidade vibracional do corpo, dinamizando determinadas qualidades de movimento e fluxo
energético. Vejamos estas sensações na vivência da aluna:
“Em alguns pontos do corpo é difícil perceber tal vibração. No entanto, é
interessante que a vibração passava para o meu braço” (Vitória).
Ainda sobre a questão do levar o movimento vocal a esta ou àquela parte do
organismo, reflete-se sobre o fato de que uma condução mental racional de moldar a voz a
partir de fora pode deixar mecânico e vazio o movimento. Encontrar as regiões de ressonância
significa mais do que tentar moldar a voz; trata-se de perceber o movimento vibratório do
organismo inteiro que soa, esta é a verdadeira ressonância da corrente sonora em sintonia com
o fluxo de energia vital no corpo:
“A sensação de fluidez do exercício se refletiu na voz, fazendo com que o som
navegasse pelo corpo seguindo um curso tranqüilo, e ao mesmo tempo intenso e
investigador, como se procurasse um mar para desaguar. O que achei mais
interessante foi que, apesar de não sentir a mesma vibração em todas as partes do
corpo, eu conseguia direcionar a energia para algumas delas de forma consciente e
concentrada” (Tarsila).
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Nesse jogo, percebemos que os fluxos dos harmônicos do corpo seguem os fluxos das
dinâmicas energéticas, o que faz com que a voz soe de acordo com a freqüência vibratória
emanada pelo corpo.
A partir de tais jogos corpóreos de ressonância vocal, chegamos aos seguintes
princípios em relação ao fluxo no corpo na dinâmica do movimento:
A ressonância do som no corpo vibra conforme a freqüência vibratória gerada pela
ativação muscular do movimento: de acordo de como estiver o espaço interno (da flauta vocal
interna), ressoarão determinados harmônicos vocais. Assim, pode-se direcionar o som para
determinadas regiões do corpo, mas a qualidade do som, em termos de harmônicos é
proporcional à estrutura que seus fluxos encontrarem no transcurso pelo corpo, assim, faz-se
necessário organizar os ajustes musculares, de como o corpo usa sua força na transferência de
peso para a locomoção, para a irradiação em potencial do fluxo energético dos harmônicos na
dinâmica expressiva. A voz ressoa e irradia a freqüência vibratória físico-mental-emocional-
energética do corpo.
3.5 A ressonância vocal e o equilíbrio muscular nas dinâmicas de
movimento
Na prática do ator, a vocalidade está intimamente ligada à relação da dinâmica do
corpo em movimento. O movimento corpóreo nas atuações cênicas envolve variações de
posturas, de eixos de equilíbrio, que exigem do corpo esforços no sistema de ligamentos,
ossos, articulações e músculos. Nestas dinâmicas, para que a voz possa vibrar em potencial,
necessita-se de toda uma organização do sistema muscular e ósseo para sustentar o corpo no
movimento. Trata-se de trabalhar os ajustes musculares, os apoios corpóreos e respiratórios
dentro das posturas criadas para o personagem, para buscar o novo equilíbrio, nas novas
formas de inter-relações e tensões musculares. Assim, com esta reorganização do corpo, a
flauta vocal interna poderá se manter aberta para reverberar seus harmônicos:
O ator, ao estar em movimento, aciona inúmeras tensões geradas pelo desequilíbrio
corporal, ou equilíbrio precário, ou equilíbrio extracotidiano. É esse esforço
extracotidiano que dilata as tensões do corpo, de tal maneira que o ator parece estar
vivo antes mesmo que comece a expressar. O equilíbrio dinâmico do ator, baseado
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nas tensões do corpo, é um equilíbrio em ação: isso gera a sensação de movimentos
no espectador mesmo quando só há imobilidade. O equilíbrio precário é a fonte de
vida que anima a presença do ator, aumentando a tonicidade e a energia do corpo
(BARBA, 1995, p. 40).
O desenvolvimento da consciência do corpo em movimento tem uma inter-relação dos
movimentos ósseos e musculares aos movimentos respiratórios e de ressonância vocal. Nestes
entrelaces, a região onde é produzida a voz, a laringe, é um canal que precisa estar livre de
tensões exacerbadas: as hipertensões nas musculaturas da região cervical e escapular,
influenciam na musculatura intrínseca da laringe (pregas vocais), causando hipertonicidade ali
também, de tal forma que é necessário ajustar esta reorganização do corporal na dinâmica do
movimento, para permitir que a voz possa ressoar em potencial, pois, como foi visto no
capítulo 2, os fluxos de sons que percorrem o corpo reverberarão determinados harmônicos de
acordo com o espaço interno encontrado: tamanho, formato e material da cavidade.
A proposta é desenvolver, através de jogos vocais, a utilização da força muscular
adequada para abrir o canal da flauta vocal interna para o fluxo energético das ondas sonoras.
A abertura envolve uma organização das tonicidades das musculaturas ligadas às conexões
ósseas, ligadas aos eixos de equilíbrio do corpo. Os músculos esqueléticos são os responsáveis
pela postura e pelos movimentos. O sistema músculo-esquelético é formado pelo esqueleto,
pelos músculos, tendões, ligamentos e outros componentes das articulações. O esqueleto
provê força, estabilidade, e uma base de sustentação para que os músculos trabalhem e
produzam o movimento. Os músculos esqueléticos, responsáveis pela postura e pelos
movimentos, estão unidos aos ossos e dispostos em grupos opostos em torno das articulações.
Por exemplo, os músculos que flexionam o cotovelo (bíceps braquial) sofrem a oposição de
músculos que estendem o cotovelo (tríceps braquial). Nesta relação músculo-esqueleto, Gerda
Alexander complementa que “a função tônica tem a finalidade de regular a atividade
permanente do músculo que condiciona nossa postura e faz com que a musculatura esteja
preparada para responder rapidamente às múltiplas solicitações de vida” (ALEXANDER,
1983, p.12). Também Feldenkrais (1977) compreende que o esqueleto mantém o corpo no
centro de gravidade sem dispêndio de energia, e que, se os músculos realizarem esta função
do esqueleto, eles estarão desperdiçando energia e serão impedidos de desempenhar suas
funções principais, que são a do movimento, de mudar as posições do corpo e de suas partes.
“O excesso de tensão nos músculos causa o encurtamento da espinha. Esforços desnecessários
que acompanham uma ação tendem a encurtar o corpo” (FELDENKRAIS, 1977, p.127).
99
Segundo este pesquisador, a pessoa, ao perceber como faz determinado movimento, terá mais
facilidade para modificar determinado padrão, para, então, poder construir novas maneiras de
se movimentar e ter um repertório variado à disposição. Para tanto, sugere, para o trabalho
que exija maior movimentação do corpo, no qual são necessários maiores esforços
musculares, que estes sejam feitos por músculos apropriados, os músculos maiores e mais
fortes, ligados aos membros (braços e pernas) e à pélvis (particularmente nádegas, coxas e
abdominais).
Ademais, todo o corpo está interligado no movimento. O movimento da cabeça está
relacionado com o movimento da coluna. As vértebras do pescoço estão ligadas aos músculos
da nuca. O movimento do tronco está relacionado ao movimento da respiração. As vértebras
pulmonares estão ligadas aos músculos dos pulmões. O movimento da curvatura da espinha
está relacionado aos movimentos pélvicos. O movimento muscular está relacionado aos
movimentos das articulações. A respiração está ligada ao movimento do oxigênio no sangue.
O movimento fisiológico está interligado aos movimentos energéticos, relacionados à
freqüência vibratória emitida. A freqüência vibratória do corpo está ligada aos movimentos
dos pensamentos e dos sentimentos. Nestes entrelaces, todos estes movimentos ligados entre
si determinam e são determinados por padrões energéticos, do como o fluxo de vida percorre
o corpo.
A consciência da dinâmica do corpo em movimento envolve a percepção e a escolha
dos locais apropriados para os apoios musculares de acordo com o equilíbrio do corpo. A
consciência de onde colocar o ponto de força dos movimentos promove uma reorganização
muscular, de forma a não sobrecarregar a força nas regiões musculares do sistema fonador.
Para que haja uma adequada circulação energética da voz no fluxo do corpo, este deve estar
com o espaço interno aberto:
A boa circulação energética depende da quantidade de energia disponível, da
desobstrução dos canais de comunicação, dos contatos bem-feitos e do aterramento
(OLIVEIRA, 1996, p. 28).
A seguir, serão descritos os jogos vocais e as descobertas que vivenciamos sobre a
ressonância vocal, seus aspectos físicos e energéticos, nas suas relações com as variações de
eixo de equilíbrio e os ajustes musculares necessários para sustentar o corpo nas dinâmicas do
movimento.
100
3.5.1 Jogo vocal-corpóreo: Ressonância vocal e eixos de equilíbrio do corpo
53
Objetivo: pesquisar os fluxos de ressonâncias vocais a partir das variações dos eixos de
equilíbrio. Trabalhar o encaixe da voz de acordo com o ajuste corpóreo proposto pela
postura.
Foco: experimentar possibilidades de abertura do espaço interno do corpo, a partir das
variações das posturas e, conseqüentemente, dos eixos de equilíbrio, para a descoberta de
novas maneiras de fluir a voz nos trajetos internos do corpo.
Descrição: em uma escada, cada estudante em um degrau explora diversas posturas e
posições corpóreas com intuito de desvendar as possibilidades de a voz ressoar nos
trajetos internos do corpo. A partir das variações de equilíbrio, os estudantes investigam as
dinâmicas do tônus corpóreo, os apoios do corpo, os impulsos musculares e respiratórios,
de forma a propiciar que o eixo corporal dê espaço para a ressonância da voz vibrar em
potencial. Frase inspiradora do processo:
Figura 10. A poética do equilíbrio
Fonte: Poesia de Roseana Murray.
Diagramação da imagem de Janaína T. Martins
53
Imagem do Jogo Vocal no DVD no link: Eixos de Equilíbrio do Corpo.
101
Comentários sobre a vivência do jogo:
Esta prática de alongamentos, utilizando os degraus da escada, propiciou a busca
criativa de variações dos eixos de equilíbrio e, partir delas, a reorganização muscular do
corpo, de acordo com a postura gerada. Devido a estas novas qualidades de posturas,
diferentes das maneiras habituais e cotidianas, as variações dos eixos de equilíbrio do corpo
abriram espaço para a observação de si, de quais são as habituais tendências musculares
utilizadas. A idéia do jogo era justamente desestabilizar os eixos de equilíbrio habituais, com
a ajuda da escada, para que o corpo buscasse ali soluções criativas para novos ajustes
corpóreos. Por meio da observação de si, os alunos iam percebendo as relações da fisicalidade
dos eixos de equilíbrio do corpo com as sensações geradas, tanto pelo desequilíbrio, quanto
pela nova organização do corpo:
“Sempre que experimento subverter os pontos cotidianos de equilíbrio do meu
corpo, percebo que algumas tensões, limitações e condicionamentos igualmente
cotidianos são eliminados ou amenizados. Assim, surgem qualidades vocais novas,
sons e vozes que se eu tentasse reproduzir voluntariamente, estando meu corpo
numa posição ereta convencional, não teriam surgido tantas possibilidades. O
bloqueio de autocensura cria tensões desnecessárias na região do pescoço e ombros,
altamente prejudiciais à criação vocal. Já com a experimentação de variações do
eixo de equilíbrio, a atenção está voltada para novos pontos de apoio, o que
encaminha novas possibilidades para a voz” (Vitória).
Conforme a aluna constatou, é fato que o bloqueio de autocensura cria tensões
desnecessárias. Enfatiza-se aqui a percepção de que os eixos de equilíbrio do corpo estão na
relação intrínseca entre o físico, mental e emocional. A busca do próprio eixo interior é o
centramento para a consciência do movimento:
“Talvez este tenha sido um dos exercícios mais importantes desenvolvidos por mim
em relação à voz, pois nele consegui captar o sentido de superação através de uma
nova consciência do meu corpo. Foram tantas vozes, encaixadas de maneiras tão
diferentes pelo novo desenho do meu corpo no espaço. Um dos pontos essenciais
também foi poder transferir tensões, me livrando deste peso que tenho atrás da
cabeça e nos ombros, que aprisiona minha voz na garganta. A imagem da flauta
vocal interna, então, é muito mais clara e a voz parece circular e ganhar força antes
de sair pelas cavidades” (Tatiane).
Com a variação dos eixos de equilíbrio, os corpos foram chamados ao reajuste dos
apoios musculares adequados para a amplitude da ressonância do som, entre esses, cita-se as
conexões entre a coluna, o pescoço e a postura da cabeça. No caso da voz, a garganta é o
pequeno tubo que liga todo o corpo à cabeça, tubo por onde há a passagem da expressividade
do coração, à irradiação da voz pela boca. Ali há influência de como estão as tonicidades nas
102
regiões dos músculos trapézio, escapular, cervical. Poder transferir as tensões que se travam
nesta região laríngea, libera a fonte sonora: a musculatura das pregas vocais. Assim,
buscamos, primeiramente, os ajustes musculares, com a ativação da força na musculatura do
diafragma e abdômen. Observamos que, no momento em que se os atores direcionavam a
força para o abdômen, liberava-se o canal de produção do som na laringe, abrindo a
musculatura intrínseca e extrínseca do pescoço para a voz ressoar. No trabalho com os alunos,
era visível o quanto a voz se encaixava em seus harmônicos, quando o foco da força vocal
estava no abdômen/diafragma, e não no pescoço. A organização dos apoios dentro de um eixo
de equilíbrio, mesmo que instável, traz a força adequada para a musculatura adequada do
corpo. O encaixe das notas depende desta organização das tonicidades da musculatura do
corpo, para que a voz possa ressoar:
“Me deu vontade, apesar do cansaço, de desenvolver mais vezes o tônus muscular
através de ‘dobraduras corpóreas’. É incrível como a voz circula pelas cavidades
internas antes de atingir a boca. Fica um ponto acumulado, querendo encontrar um
poro pra sair, seja na caixa craniana, seja na ponta do dedo mindinho [...]. O apoio e
a sua desconstrução permitem um olhar mais investigativo em relação aos meus
limites” (Eduardo).
Percebemos, na experimentação de novas posturas corpóreas, que o desequilíbrio, ao
provocar o organismo a se reorganizar nos apoios dos músculos-esqueléticos, fez surgir novas
possibilidades sonoras. Nas novas possibilidades de organização do corpo, são desveladas
novas potências de fluxo de sons na flauta interna e novos encaixes dos harmônicos da voz,
para além do habitual:
“A descoberta da expressão vocal através de posições do corpo trouxe coisas
inusitadas. Percebia sons guturais, doces, agudos, graves, sons saíam do meu corpo,
diversas partes do corpo e não conseguia identificá-los como sendo meus,
cotidianos, conhecidos de meu registro vocal. Eram tão estranhos e impressionantes
que eu visualizava personagens pra eles” (Tarsila).
Os jogos com objetivos físicos de variação dos eixos de equilíbrio provocam a
experimentação de novas posturas corpóreas, estimulando o organismo a se reorganizar nos
apoios dos músculos-esqueléticos, fazendo surgir novos encaixes dos harmônicos da voz, para
além do habitual, propiciando a ressonância de novos tons no corpo, o que desperta novas
sensações, ocasionando novas imagens.
103
Com este jogo, o aprendizado foi de que o desequilíbrio, nas suas desestabilizações,
provoca o corpo a uma nova organização, assim, sai-se de condicionamentos vocais,
energéticos, sensitivos e imagéticos e abre-se para novas potências.
3.5.2 Jogo vocal-corpóreo: Ressonância vocal e apoios corpóreos
54
Objetivo: trabalhar os ajustes corpóreos nos apoios musculares, para propiciar a
ressonância da voz.
Foco: Exploração dos diversos apoios que a parede propicia para um apoio muscular
adequado do corpo para a vocalização.
Descrição: Aquecimento com vocalizes associados a alongamentos corpóreos, utilizando
a parede como contato para pesquisar os apoios do corpo para a ressonância da voz. A
parede é utilizada, neste jogo, como estrutura para o desenvolvimento de objetivos físicos
a serem resolvidos relacionados à pesquisa dos apoios do corpo, nas variações dos eixos
de equilíbrio, em conexão com a ressonância da voz. Em um primeiro momento, a
pesquisa é de desvendar pontos de apoio com foco no fluxo de respiração, gerado a partir
das variações dos eixos de equilíbrio. O intuito é abrir o corpo para a passagem do prana,
do fluxo energético respiratório. Em um segundo momento, a pesquisa dos pontos de
apoio tem como foco a organização das tonicidades musculares, para o fluxo das vogais
no corpo. Em um terceiro momento, a dinâmica segue variando os eixos de equilíbrio e
apoios corpóreos, com frases do poema:
A margem do que foi fica simplesmente como ponto de apoio, espécie de parapeito
na janela do tempo, onde repousamos o cotovelo, no infinito de que somos feitos.
A margem não existe, no entanto nela se reflete o continuo movimento de nós
mesmos: fluxo e refluxo (RANGEL, 1995, p. 101).
Depois de um momento organizando os apoios corpóreos, para que a palavra possa
vibrar ressoante no corpo, com foco nas localizações das palavras em cada variação do
equilíbrio, o trabalho segue a pesquisa em dupla. A dupla é instruída a compor desenhos
espaciais com o corpo, em pontos de apoio na parede, e juntas compor a musicalidade sonora
do poema que está junto enunciando.
54
Imagem do Jogo Vocal no DVD no link: Apoios Corpóreo-vocais.
104
Comentários da vivência do jogo:
Para o desenvolvimento da consciência do corpo, na dinâmica do movimento da
ressonância vocal, o foco deste jogo está nas descobertas das maneiras como o corpo
funciona, como ele processa o movimento. Por isto, na exploração de posturas físicas na
parede, não importou, neste momento, a forma estética da imagem que o corpo estaria
desenvolvendo, e sim uma observação para dentro, dos músculos vivos na dinâmica do
movimento, de como eles se organizam. O intuito era dissolver possíveis “paredes internas”
que travem o fluxo da voz no corpo. Tais metafóricas “paredes internas” são barreiras que se
impõem através da hipertonicidade de determinados músculos, travando o fluxo do som na
flauta vocal do corpo:
“Para mim parece que uma parede se dissolve e o som começa a circular, atingindo
minha pele, minha face. Tento tirar som de várias partes do meu corpo. Isto me dá
uma sensação de preenchimento ao mesmo tempo em que elimina possíveis tensões
internas. É uma sensação de estar para dentro e sair para fora ao mesmo tempo”
(Tatiane).
Neste jogo, as variações dos eixos de equilíbrio, ao serem realizados na parede externa
como estímulo físico, propiciaram com que os corpos dos alunos procurassem apoios
corpóreos, para que a ressonância da voz pudesse acontecer em potencial. Com a busca de
diversas posturas na parede, o corpo ia subvertendo seus pontos de equilíbrio natural, ficando
de cabeça para baixo, com as pernas lá em cima, e para os lados. A própria modificação do
centro de gravidade do corpo na parede provocava que este, para se firmar, desenvolvesse
pontos de apoios. Este fato foi aproveitado como estímulo físico, para que os atores
imprimissem, com consciência, a força de determinados pontos do corpo na parede. Assim, os
próprios corpos iam experimentando novas sensações de forças, novos pontos de contato de
onde a força partia. E, através da percepção e das sensações do estímulo físico, a consciência
ia ocorrendo, via corpo, não via mental racional, mas via consciência do corpo em ação.
Aos poucos, pelo desequilíbrio provocado pelas posturas diferentes das habituais,
eram exigidos do corpo esforços musculares feitos por músculos apropriados. Com isso, com
o decorrer do exercício, foi ficando cada vez mais claro que os músculos maiores e mais
fortes estavam nos braços, pernas, pélvis, coxas e abdominais e que estes têm musculaturas
internas profundas que sustentam o corpo para as dinâmicas de movimento e vocalização.
105
Nesta reorganização muscular, a parede, enquanto estímulo físico para o alongamento
do corpo e percepção dos apoios, trabalhava fisicamente a relação da coluna com as
musculaturas. O alongamento do corpo propiciava que as vértebras cervicais, torácicas e
lombares, fossem alongadas em relação aos músculos que as permeiam, músculos cervicais,
torácicos e lombares. Com os pontos de apoio adequados e as forças musculares bem
distribuídas, é liberada, então, a coluna, para sua flexibilidade de movimento. Lembremos
que, como vimos no item 2.3, o fluxo energético percorre a coluna e esta região deve estar
liberada para que a força vital possa fluir.
A sensação do fluxo energético, reverberando na flauta vocal interna, se dá pela
sensação de aumento da freqüência vibratória do corpo. A visualização de um tubo de luz, no
qual a respiração e os sons transpassam desde as regiões físicas às energéticas (chackras),
ajudou a desenvolver a sensibilidade da flauta vocal interna. Nesta ocupação do som no
espaço interno do corpo, os sons preenchem o corpo em vibração, trazendo sensações de
elevação:
“Explorei uma forma que ia do preenchimento total até o esvaziamento do som, na
relação com a parede, até chegar numa espécie de som ‘transe’, como se
estivéssemos hipnotizados pelos sons produzidos por mim e pela turma” (Tatiane).
Podemos observar, no dizer desta aluna, um acesso à força energética do som, da
capacidade que tem o som vocal de elevar-nos a um estado ampliado de consciência
perceptiva. Nesta sensibilidade, a abertura de um corpo que leva e é levado pelos sons.
Na focalização do jogo com os alunos, fez-se necessária a lembrança sobre o ato de
firmar o movimento antes de partir para o próximo, para que houvesse uma investigação
atenta das tonicidades e locais de força do corpo para a transferência do peso.
Durante o jogo, a atenção dos alunos era chamada para a percepção do quanto os sons
do ambiente influenciam na pesquisa individual criativa. Na atenção das sensações, que as
relações provocam na pesquisa interna, tanto as relações com os colegas quanto as relações
com a própria parede serviram como estímulos para a criação. Constatei que as pesquisas
individuais se potencializaram quando estavam desenvolvidas com a atenção ao meio sonoro
que estava sendo produzido por todos. A partir disto, observa-se a importância de, nos jogos,
estimular o ator a escutar e criar também a partir das atmosferas criadas pelo grupo, mesmo
que o foco de atenção da pesquisa esteja centrado em si mesmo. Tal relação é efetiva a partir
106
do centramento interior, onde há uma concentração na percepção das sensações dos estados
do corpo em relação com o meio:
“Todos trabalhavam seus sons na parede trabalhando bem os apoios e tal..., e em
uma determinada hora a parede onde eu estava ficou ensopada com o suor meu e
dos colegas o que fez com que eu procurasse outros apoios pra fugir daquela
‘lambança’ e isso fez com que eu experimentasse apoios que nunca pensei fazer”
(Daniel).
Vemos, no dizer deste aluno, que ele, ao estar aberto para as percepções do que ocorre
internamente em relação aos estímulos sonoros e corpóreos que circulam no meio ambiente,
aproveitou o seu sentir para a busca de ressonâncias em sintonia com as sensações.
Observamos que, quando os atores estavam em relação com o colega, abertos à sensibilidade
das influências dos sons do meio, no seu trabalho de pesquisa, novas propostas vocais
surgiam, para além dos padrões habituais:
“Quando passei a incorporar a qualidade sonora dos colegas, experimentei novas
formas” (Vitória).
Como se observa no depoimento da aluna, as relações sonoras com o colega traziam
reações ao seu corpo, apontando novos caminhos de possibilidades de ressoar o som. Inserido
no ambiente, o corpo influencia e é influenciado pelas relações que estabelece. Perceber como
se cria, com consciência, nestas relações, está o aprendizado da sensibilidade que envolve a
busca de novas possibilidades de ressoar consigo, com os colegas e com o ambiente.
A descoberta feita neste jogo é que o equilíbrio ocorre a partir do centramento no
interior do ser, para a percepção e a consciência criativa na troca com o meio em que se está
relacionando.
3.5.3 Jogo vocal-corpóreo: o equilíbrio da força muscular no corpo
Objetivo: consciência dos locais no corpo onde há hipercinesia e regulação das
tonicidades musculares, de forma a abrir o canal da flauta vocal interna.
Foco: consciência das tonicidades musculares cotidianas do corpo e organização do corpo
para a arte, com o ajuste das forças musculares, na transferência de peso, na execução dos
movimentos corpóreo-vocais.
Descrição: No aquecimento, o foco está na percepção de como está a musculatura do
estudante naquele dia, abrindo a percepção para os locais de tensão no corpo. Em dupla,
107
um aluno está deitado e o outro pressiona, com as suas mãos, regiões do corpo do colega
deitado, e este faz oposição de força muscular, percebendo, nesta força muscular, as
variações dos graus de tonicidade. Em um segundo momento, o colega continua
pressionando pontos do corpo da pessoa deitada e esta se entrega ao relaxamento da
musculatura, sentindo os apoios no chão. Após este aquecimento de percepção muscular,
o estudante, a partir das sensações que teve, escolhe um local do corpo em oposição ao
que estava tenso, para distribuir a força muscular. Para tanto, o estudante amarra com um
véu (tecido) uma parte do seu corpo, de forma a propiciar uma sensação sinestésica
naquela região muscular do corpo. A parte do corpo amarrada deve ser escolhida com o
intuito de distribuir os pontos de força, de forma a abrir a região que, habitualmente (ou
que naquele dia específico), está com hipercinesia. A imagem que serviu de esmulo
estava relacionada à liberdade e à extrema rigidez muscular, no que aprisiona e no que
liberta o movimento expressivo vocal.
Comentários sobre a vivência do jogo:
Como foi visto nos jogos anteriores, no movimento corpóreo, as variações dos eixos
de equilíbrio do corpo provocam uma mudança interna dos apoios musculares. Neste jogo,
mais uma vez, o aprendizado é o de que a oposição de tonicidades trabalha sobre a
distribuição da força muscular, proporcionando a liberação do sistema respiratório-vocal, para
que ocorram as expansões das ondas sonoras pelo corpo. Tratamos, aqui, de pesquisar a
consciência do grau de contração do tônus muscular em todo corpo, através dos apoios
músculos-esqueléticos e dos apoios respiratórios. Para tanto, o foco específico deste jogo
estava na oposição das musculaturas, na distribuição das forças; assim, os alunos, ao
amarrarem com o véu as regiões onde costumam ter tensão, provocaram uma sensibilidade e
imobilidade daquela musculatura, sendo necessário ser ativado outro grupo muscular em
oposição. Noto que, através de objetivos físicos a serem resolvidos, tais quais neste jogo de
direcionar as tensões do corpo em oposição, traz à voz a experiência sensória do aprendizado,
dentro do qual é o corpo que conhece e reconhece suas organizações a partir de suas
sensações. Como observamos no dizer da aluna:
“Muitas vezes me senti abrindo regiões diferentes do meu corpo, o que facilitava
um apoio maior para a respiração – uma coisa fundamental para entendermos as
potencialidades da voz. Era como se as estruturas se alongassem. A imagem da
flauta, bem como o aparelho respiratório, a abertura do palato e o relaxamento da
108
região da nuca me fizeram expandir mais o corpo e a voz, me sentia mais
confortável para brincar” (Tatiane).
Observei nos alunos que as tendências musculares mais voltadas ao excesso de rigidez
ou à pouca força, causam o fechamento das possibilidades de caminhos da voz no corpo. Já
com direcionamento da força para os músculos do abdômen e os músculos ligados às pernas e
braços, foram liberadas as musculaturas extrínsecas do pescoço (escapular, cervical,
esternocleidomastóideo), abrindo o canal do fluxo da voz.
Em um segundo momento do jogo, os véus amarrados foram retirados, e, através
daquela sensação estabelecida com os véus, o corpo tinha que continuar na atenção à
distribuição de forças entre a parte que ora tinha sido imobilizada e o grupo muscular em
oposição ao que tinha sido acordado para equilibrar os ajustes musculares:
“Eu imobilizei justamente meus braços, que eram o foco de meu movimento. A
dificuldade encontrada fez com que eu criasse mais consciência dos músculos
utilizados na ação e permitiu que eu trouxesse essa sensação na execução do
movimento sem a imobilização” (Tarsila).
No jogo de pesquisa da transferência do peso corporal se deslocando no espaço,
importou a dinâmica de como este movimento era realizado. A alternância de grupos
musculares em variações de forças, de tônus, foi provocando a experimentação de diversas
possibilidades, para que cada corpo descobrisse qual a melhor organização para a liberação da
voz na transferência do peso. Tratou-se de um criar e recriar as mudanças na força usada nas
dinâmicas de movimento.
A partir de tais jogos corpóreos de ressonância vocal, chegamos ao seguinte princípio
em relação às variações dinâmicas dos eixos de equilíbrio e suas ações musculares no
processo criativo:
O movimento corpóreo-vocal nas atuações cênicas, em suas dinâmicas de variações de
posturas e de eixos de equilíbrio, envolve uma investigação atenta das tonicidades e dos locais
de força para a transferência do peso, de forma a propiciar a amplitude dos harmônicos da voz
nas ressonâncias com o corpo. Busca-se que os esforços musculares sejam feitos por
músculos apropriados, tais quais os músculos mais fortes, ligados aos membros, como os
braços e as pernas e à pélvis, principalmente os músculos abdominais (suporte muscular
interno), liberando possíveis hipertensões na região laríngea (musculatura extrínseca e
109
intrínseca do pescoço) e liberando a flexibilidade da coluna para a dinâmica do movimento.
Na relação dos músculos-esqueléticos com a força do corpo, faz-se importante trabalhar as
conexões entre as articulações ósseas e as musculaturas, principalmente as relações cabeça-
coluna-cóccix. O jogo vocal, com objetivo físico, faz com que o corpo busque os ajustes a
partir de sua sabedoria interna, de suas sensibilidades, e não via o entendimento somente
mental de como devem ser distribuídas as forças musculares. Na prática, as variações dos
eixos de equilíbrio, desde uma adequada organização muscular do corpo, propiciam novos
encaixes dos harmônicos da voz, novas potências de fluxos de sons na flauta interna, e,
conseqüentemente, novas criatividades vocais nas dinâmicas do movimento.
3.6 A ressonância vocal e a projeção vocal no espaço cênico
Na arte teatral, a projeção vocal forma o ambiente sonoro, enquanto expansão e
amplificação da qualidade energética da voz. Neste aspecto, o uso da ressonância vocal é um
importante recurso para a projeção da voz com qualidade energética, com presença cênica. Eis
que a projeção vocal em cena tem uma função maior do que o ator apenas ‘dizer bem’ ou
projetar e ilustrar o texto, ou do que a platéia entender determinada mensagem. As
sonoridades vocais das palavras trazem em si múltiplas possibilidades imagéticas e
perceptivas, de acordo com as sensações energéticas por elas geradas. A voz do ator é energia,
ondas sonoras com freqüências vibratórias que se propagam pelo espaço cênico, criando a
ludicidade sonora para as cenas.
Para aprofundar o assunto sobre a adequação da voz ao espaço cênico, primeiramente,
definiremos espaço cênico a partir das conceituações de Patrice Pavis (2001, p. 132): “o
espaço cênico é o espaço real do palco onde evoluem os atores, quer eles se restrinjam ao
espaço propriamente dito na área cênica, quer evoluam no meio do público”. Dentre os
componentes que abrangem o espaço cênico, de acordo com este autor, estão: espaço
cenográfico ou espaço teatral sendo aquele em cujo interior situam-se público e atores durante
a representação; espaço dramático constituído pelo espaço dramatúrgico; espaço textual é o
espaço considerado em sua materialidade fônica; e o espaço lúdico, como o espaço criado
pelo ator, por sua presença e seus deslocamentos, por sua relação com o grupo, por sua
disposição no palco. Estes espaços acima citados estão entre as dimensões que influenciam a
110
projeção vocal: desde o espaço interno do corpo (a dinâmica fisiológica necessária para o
aumento da intensidade da voz), até os seus envolvimentos com o espaço relacional e lúdico
entre atores, e, finalmente, a concepção do espaço que se estabelece entre atores-espectadores
(as marcações das posições dos atores no palco, os ângulos sonoros em relação á platéia, os
tipos de palco – italiano, arena, semi-arena, galpões, rua, igreja, etc – e a acústica do espaço).
Com o objetivo de disponibilizar o corpo para a atuação nos diversos espaços cênicos,
adentraremos no centro da projeção vocal: a amplificação do som no interior do corpo. Na
perspectiva fisiológica da propagação do som no espaço interno, temos a tríade: respiração,
ressonância e articulação, como pilares que, em conexão, promovem a ampliação da projeção
vocal.
Nesta malha interconecta que envolve a projeção vocal, neste item desenvolveremos a
pesquisa dos jogos de intensidade e de projeção vocal, por meio dos ressonadores:
buscaremos o aumento da amplitude dos harmônicos, para então, irradiar no espaço cênico a
qualidade de suas freqüências vibratórias. A partir do princípio físico da ressonância (de que
quando a freqüência de vibração de um objeto se iguala à freqüência natural dele, ocorre um
aumento da amplitude de vibração), a voz, quando reverbera em determinadas regiões do
corpo, promove a amplificação sonora. As pesquisas fonoaudiológicas averiguam que,
fisiologicamente a intensidade produzida pelas pregas vocais é de volume baixo, a voz
aumenta de intensidade quando as freqüências vibratórias ressoam nas cavidades do corpo, de
tal forma que as cavidades de ressonância servem como amplificadores naturais da voz.
Sendo assim, o ator, ao utilizar as cavidades de ressonância como amplificadoras da voz,
desenvolverá a projeção vocal de forma saudável, sem tanto esforço muscular das pregas
vocais. Nos estudos dos melhores locais de amplificação do som no corpo, vários
pesquisadores
55
da voz sugeriram o uso da face como principal cavidade de ressonância a ser
usada para a projeção vocal. Na face, são os seios paranasais (frontal, maxilar, etmoidal e
esfenoidal) os melhores condutores do som, eles são carapaças ocas, espaços cheios de ar, nas
quais os harmônicos da voz entram em ressonância.
Aliada à amplificação do som, pelas cavidades de ressonância da voz, está a força
expiratória. Para o aumento da intensidade da voz, são necessários os apoios intercostais da
respiração e o aumento do fluxo aéreo, através da contração da musculatura da cinta
55
Behlau (1995), Beuttenmüller (1992), Boone (1994, 1996), Brandi (1992), Costa & Silva (1998), Dinville
(1993), Ferreira (1998, 2000), Mccallion (1998), Pinho (1998), Quinteiro (1989), entre outros.
111
abdominal. Para produzir uma intensidade vocal forte, é necessário um aumento do nível de
pressão aérea expiratória subglótica, e, em nível glótico, um aumento da força muscular dos
adutores da prega vocal (cricoaritenóideo lateral, aritenóides e feixe externo do
tireoaritenóideo) e da amplitude de vibração e tensão das pregas vocais (Teoria Mioelástica de
Van den Berg, 1958 apud PINHO, 1998). O nível de intensidade do som da voz aumenta
cerca de 8 a 12 decibéis quando a pressão aérea subglótica é duplicada (ZEMLIN, 2000, p.
179). Já se há ausência do aumento da pressão aérea subglótica, gera-se sobrecarga vocal por
esforço compensatório da musculatura extrínseca e intrínseca da laringe.
A projeção vocal depende de ajustes feitos entre os apoios respiratórios e as cavidades
de ressonância, e, entre estes, os ajustes articulatórios são definidores para o aumento do nível
de pressão sonora. Uma adequada abertura de boca na articulação das palavras propicia o
aumento da intensidade na projeção da voz, evitando o esforço excessivo da musculatura da
laringe que provocaria constrição e fechamento do canal. Além de melhorar a inteligibilidade
da fala, os órgãos fonoarticulatórios (língua, lábios, bochechas e véu palatino) ao estarem com
a musculatura forte e flexível e com uma boa articulação, também propiciarão a colocação da
voz nas cavidades de ressonância e a projeção da voz.
A partir dessas premissas fisiológicas sobre a amplificação da voz, através do impulso
respiratório e dos ressonadores, a energia sonora se expande e o corpo todo vibra. Trata-se da
qualidade energética da voz em relação com a intensidade vocal. Esta tríade respiração-
ressonância-articulação é, na adequação da voz no espaço cênico, preparada, neste trabalho, a
partir de dinâmica da voz em movimento, ou seja, em suas conexões com os eixos de
equilíbrio, postura, musculatura e dinamizações de energias. E estas dinâmicas fisiológicas
estão correlacionadas com as dinâmicas energéticas do fluxo do prana e som no corpo.
No trabalho do ator, com a projeção da sua voz para o espaço cênico, a preparação
permeia amplificar a qualidade energética da voz a partir dos ressonadores fisiológicos e
chackras, no campo energético e no espaço cênico. Trabalhar com a intensidade vocal envolve
trabalhar com a intensidade energética. O som cresce primeiramente dentro do corpo, para
depois expandir-se: da irradiação vocal dos ressonadores do corpo, ao espaço pessoal ao redor
do corpo, a energia sonora vai amplificando-se e vai compondo o campo energético. O
movimento dinamiza a energia da irradiação central à periferia, ao espaço ao redor do corpo.
112
Este espaço ao redor do corpo é denominado de cinesfera
56
por Rudolf Laban, no trabalho
com a dinâmica do movimento do corpo. O termo cinesfera refere-se ao espaço físico
tridimensional ao redor do corpo, alcançável ao estender-se sem que seja necessário transferir
seu peso. A tridimensionalidade é relativa ao comprimento, largura, profundidade, eixos
vertical, horizontal e sagital do corpo (FERNANDES, 2002).
O campo sonoro, ao redor do corpo, é aqui pesquisado por meio do poder da energia
vocal de criar, com suas freqüências vibratórias, uma atmosfera energética. A projeção vocal,
então, se daria, a partir dos ressonadores, expandindo-se tanto no espaço indireto, quanto no
espaço direto:
Espaço indireto: atento a todo espaço ao meu redor, todos os pontos ao mesmo
tempo. Meu corpo move-se consciente de muitos simultâneos pontos. Céu repleto
de estrelas. [...] Espaço direto: consciente do meu espaço, objetivo, mira, alvo, sei
onde quero ir, todo meu corpo canaliza-se ao ponto escolhido (FERNANDES,
2002, p.112).
O trabalho com a projeção da voz não se limita a irradiá-la para frente, até porque,
hoje em dia, nem todos os espetáculos são apresentados em teatros à italiana, com foco
frontal. Assim, o trabalho com o corpo todo como ressonador-amplificador, traz mais potência
ás dinâmicas de projeção vocal que se queira estabelecer. Na irradiação sonora, a atitude
interna intencional está relacionada à concentração da energia e à focalização e
direcionamento desta a determinados pontos no espaço entorno. Nestas relações, espaço e
movimento determinam-se mutuamente:
O fato de que os nossos campos sensoriais se estendem bem além do nosso espaço
alcançável nos traz para um relacionamento altamente dinâmico e interativo com o
espaço geral e todas as pessoas e objetos em nossa zona de consciência (GROFF
apud FERNANDES, 2002, p. 165).
A partir deste trabalho com os espaços interior e lúdico, criados por sua presença e
seus deslocamentos, e por sua relação com o grupo, desenvolve-se a ocupação da voz no
espaço acústico, que pretende se desenvolver como processo de criação cênica.
Cada espaço cênico possui uma acústica, e esta deve ser explorada na criação vocal.
Fisicamente, dependendo do espaço acústico, o som terá uma ou outra reverberação. Assim, a
suspensão do som terá um tempo determinado. É importantíssimo explorar vocalmente o
espaço aonde será apresentada a encenação, pois o tamanho, o formato e o material de que é
56
No sistema Laban, a cinesfera pertence à categoria Espaço, ou Harmonia Espacial (FERNANDES, 2002).
113
feito o local, irão reverberar uns ou outros harmônicos de sons, podendo gerar eco, ou não, ou
abafamento, enfim. O ator deve pesquisar a reverberação do som no espaço, fazendo uma
análise acústica da ocupação da sua voz no ambiente. Ademais, a projeção vocal está
relacionada à concepção do espaço cênico, no que diz respeito à ação vocal, ao tipo de
relacionamento que se pretende estabelecer com o espectador. Como constata Pavis (2003),
pensar o espaço cênico envolve pensar o espaço-tempo-ação, trinômio que forma um
corpo. O espaço situa-se onde a ação acontece e se desenrola com certa duração. O tempo
manifesta-se de maneira visível no espaço. A ação concretiza-se em lugar e momento dados.
A encenação organiza espaço-tempos em uma seqüência de ações. Todos estes espaços são
um só. Através de sua ação, o ator cria um espaço-tempo de jogo, compondo uma atmosfera
energética que envolve as ações cênicas.
Pensando no espaço-tempo, enquanto ações físicas e imagéticas que se criam através
do som, as dinâmicas da voz perpassam por uma pesquisa criativa do espaço acústico
relacional que se quer criar. No estudo da voz, no espaço cênico, a marcação sonora da cena
estabelece a relação sonora espacial e energética que se pretende com o espectador. Na
interação do corpo-voz com o espaço, os focos de direcionamento da voz, o desenho da voz
no espaço, os trajetos e a disposição espacial do som, ampliam a força energética do som na
criação da atmosfera cênica. A voz e a fala são mais do que ondas sonoras que se propagam
no espaço, elas constroem o espaço energético, interferem no espaço, criando a atmosfera
sonora e provocando interações e ações perceptivas e corpóreas. Desta maneira, o som vocal
tem o poder de ressoar no espaço cênico e atuar diretamente sobre a percepção e sensações da
platéia. A voz propõe aos espectadores introduzirem nela o seu próprio imaginário, não se
detendo somente nas informações das palavras, mas nas informações das sonoridades, nas
freqüências vibratórias que lhes chegam e que lhes fornecem outro espaço para a entrada no
espetáculo. A projeção da voz, através da expansão das freqüências vibratórias energéticas
sonoras, que envolvem as palavras enunciadas, sensibiliza sonoramente o público, pela
criação de atmosferas sonoras para as cenas.
A seguir, serão descritas as vivências dos jogos corpóreos de ressonância vocal na
pesquisa das suas relações com as intensidades da voz e com a projeção vocal, no que diz
respeito às questões relacionadas: aos aspectos físiológicos (ressonância, respiração,
articulação); aos aspectos energéticos das intencionalidades e da comunicabilidade; aos
114
aspectos relativos ao espaço lúdico, criado pelas presenças energéticas e seus deslocamentos
no espaço em relação com o grupo.
3.6.1 Jogo vocal-corpóreo: A ressonância vocal e as intensidades vocais
Objetivo: explorar a ressonância da voz, enquanto sistema de amplificação, desenvolver a
habilidade do aluno-ator de fazer variações na intensidade da fala.
Foco: amplificar a voz, a partir dos ressonadores, dinamizar variações na intensidade da
fala.
Descrição: aquecimento vocal com alongamento corpóreo, com aumento e diminuição da
intensidade, segundo regência do focalizador. Após este aquecimento, a dinâmica segue
em dupla: enquanto uma pessoa está no plano baixo, trabalhando sobre a intensidade
fraca, a outra está no plano alto trabalhando sobre a intensidade forte. A atenção dos
estudantes deve estar voltada tanto para o meio interno, na percepção de ampliação da voz
pelos ressonadores, quanto no meio externo, na percepção da criação de atmosferas
sonoras que estão criando com o colega através do recurso da intensidade.
Comentários da vivência do jogo:
A partir do trabalho com o espaço interior de projeção vocal, neste jogo, são
desenvolvidas as variações das intensidades, a partir de seus deslocamentos no espaço e por
sua relação com o grupo.
O início do jogo começa no espaço interior, de pesquisa das cavidades de ressonância
da voz no corpo, como espaço acústico de ocupação do som, da vibração da freqüência
sonora, na flauta vocal interna. Os atores eram conduzidos pelo colega, através da regência
deste, para variarem as intensidades. Primeiramente, as variações de intensidades eram
experimentadas com vogais e depois com palavras:
“Trabalhei as intensidades num tom grave, por ser mais distante do que uso. O mais
difícil no exercício no início era acompanhar a regência da dupla, que alternava
entre o volume forte e o fraco e não deixar isso ser um salto muito grande. Os sons
agudos são mais difíceis, mas pesquisei aumentar a projeção aumentando a
intensidade do som nas cavidades de forma encaixada. O que eu evoluí foi no
encaixe da voz nos focos de ressonância do corpo, aprendendo tecnicamente esses
115
pontos e como fazer pra levar o som até esses pontos, o direcionamento, o encaixe
da boca, a abertura correta” (Tarsila).
Após este centramento inicial da dinamização das variações das intensidades dentro de
si, com vogais e com palavras, foi trabalhado o deslocamento do corpo no espaço em relação
às variações da intensidade. As regras eram: mover-se do plano baixo ao plano alto, variando
de intensidade fraca no plano baixo à intensidade forte no plano alto. Nas variações, o fluxo
sonoro deveria crescer nos ressonadores. A dificuldade estava em coordenar o trabalho da
dinâmica corpórea com a dinâmica vocal. Neste sentido, um ponto interessante é o de
experimentar as dissociações entre intensidade e alturas (tons). Algumas vezes, os estudantes
têm a tendência de ir para o agudo e elevar a intensidade, ou ir para o grave e diminuir a
intensidade. O desafio está em os alunos experimentarem as diferentes possibilidades de
conexões entre altura e intensidade, desenvolvendo uma maior consciência das possíveis
variações de dinâmicas da voz. Ressalta-se que a consciência do corpo vem a partir da prática
e da ampliação da percepção na pesquisa do movimento.
O desafio deste jogo também está na graduação da intensidade, que deve partir de
dentro, dos ressonadores (e suas freqüências vibratórias energéticas), como amplificadores do
som. Observamos que, quando havia concentração na dimensão interna da criação lúdica das
intensidades, havia concentração na energia, o que propiciava a expansão da ressonância da
voz no corpo e ampliava o potencial de expansão do som no espaço cênico. Cabe ressaltar a
conceituação de loudness, que significa a sensação subjetiva de intensidade de um som e está
a ela relacionada, a partir de sua pressão, energia ou amplitude (RUSSO, 1999). Sobre o
loudness dos alunos, vimos que este é um ponto crucial a ser trabalhado, pois a regulação da
intensidade da voz é importante para as dinâmicas qualitativas da atmosfera sonora que se
quer estabelecer em cena.
No início do exercício, quando foi marcado primeiramente o trajeto de, nas subidas do
corpo, subir a voz, a concentração estava ativa e o foco do jogo estava sendo desvendado,
mas, na medida em que eles experimentaram inverter as ordens, de ir do plano baixo ao alto,
associar a mudança da intensidade forte à fraca, aí as regras do jogo foram se perdendo -
talvez porque a intensidade da troca expressiva com o colega estivesse forte. Muitas vezes, os
atores se envolviam tanto com a ludicidade com o colega, que, por fim, perdiam o foco do
jogo de variações das intensidades de acordo com as variações do corpo do plano baixo ao
plano alto. Por outro lado, o foco tornou-se a intensidade do corpo e da comunicabilidade, o
116
que é maravilhoso. Na relação sonora de intensidades em dupla, observamos que o estar em
relação propiciava que as intensidades vocais tivessem a força energética da vontade da
comunicabilidade. Observei, também, que as sensações de loudness, das sensações auditivas
sobre as intensidades utilizadas na escala de forte a fraco, não eram tão conscientes em
relação ao aumento real de intensidade que eles estavam fazendo. De forma que foi necessário
chamar a atenção à escuta sensível e sutil do trabalho com as intensidades da voz e o que ela
provoca em termos de sensações corpóreas.
Desse jogo, fica o aprendizado de que projetar a voz não significa expressar-se com
intensidade forte o tempo todo; a utilização das escalas de intensidade (do suave ao intenso)
cria uma atmosfera sonora que sensibiliza, promovendo o desenvolvimento de uma escuta
sutil das palavras vocalizadas.
Figura 11. Os chackras e o campo energético do corpo
Fonte: BRENNAN (1987).
117
3.6.2 Jogo vocal-corpóreo: Campo energético vocal ao redor do corpo
57
Objetivos: projeção vocal.
Foco: crescer a intensidade a partir dos ressonadores e amplificá-la ao redor do corpo,
compondo um campo energético sonoro.
Descrição: aquecimento vocal-corpóreo, a partir da bocca chiusa, colocada em
determinados focos de ressonância no corpo. A proposta é expandir as vogais ao redor do
corpo, criando um campo sonoro, imaginando cores, criando tons, compondo um acorde
sonoro de vibração para o seu corpo. A partir dos focos de ressonância, ir crescendo em
intensidade a voz como ondas sonoras dentro do corpo e se expandindo em energia ao
redor do corpo. Primeiramente, exploramos os sons no crescendo e decrescendo em
intensidades a partir dos ressonadores e depois exploramos o jogo com palavras de um
poema e com um canto de escolha de cada um. A voz deveria compor uma atmosfera de
campo energético ao redor do corpo.
Comentários da vivência do jogo:
Neste jogo, o foco estava no espaço lúdico, criado pela presença energética do
estudante e suas relações com o grupo. A atenção estava na criação do campo energético ao
redor do corpo. A criação do campo energético começou a partir da concentração na dimensão
interna da energia, concentrando o início do impulso a partir da vibração dos ressonadores
físicos e dos chackras e, desde ali, ir crescendo como uma onda de luz, fazendo uma ‘bolha’
ao redor do corpo, tanto em movimentos físicos, quanto em movimentos energéticos:
“A concentração da voz em um espaço menor, um círculo delimitado
imaginariamente em volta do nosso corpo, ao mesmo tempo em que isso parece
reduzir nossa expressão, quanto mais insistimos no exercício mais notamos um
crescimento do gesto, uma atração maior entre o ponto de partida e chegada de cada
partitura com braços, pernas, mãos, etc. É como se criássemos um grande compacto
à nossa volta e a voz ganhasse essa qualidade presente no gesto. Aliás, o gesto só se
completa com o som e vice-versa, se pensarmos em intersubjetividade e
intencionalidade” (Tatiane).
A intencionalidade energética concentra as freqüências vibratórias do corpo e,
conseqüentemente, da voz. As utilizações de imagens, como as cores, dinamizam a
intencionalidade de criação do campo energético ao redor do corpo; são uns estímulos para
trabalhar a criação das freqüências vibratórias dos tons dos sons:
57
Imagem do Jogo Vocal no DVD no link: Campo Sonoro.
118
“Sentir a energia e vibração sonora ao redor do corpo é a sensação que mais ficou
em mim do exercício. Com a ajuda de braços e pernas que “simulavam” uma
redoma ao redor de nosso corpo, criamos vozes e fizemos estas circularem em torno
desse círculo energético, com diferentes intensidades, tonalidades, vindas de nosso
próprio corpo em experimentação” (Tarsila).
A sensação e a intuição são os grandes guias do caminho de criação. Percebi também
que, mesmo que só no imaginário, sem os atores estarem vendo os seus campos energéticos
(pois são poucas as pessoas no mundo que têm a clarividência de ver os campos energéticos),
ainda assim, utilizando a imaginação da criação de um campo de energia sonoro, a presença
cênica dos alunos ia tomando uma força, uma amplitude, uma qualidade energética.
A irradiação sonora no espaço significa criar, vivificar energias, compor atmosferas no
ambiente. Assim, projeção significa se comunicar, trocar, compartilhar, enviar o som para
alguém. De maneira que trabalhar a projeção vocal envolve o ouvir a si, ouvir aos colegas e
ouvir a atmosfera sonora que se instala no ambiente - envolve uma atitude interna de atenção
a si, vocalizando no espaço cênico que o rodeia. Neste sentido, ressalto a importância de ser
trabalhada a relação sonora entre o grupo, mesmo quando se está na pesquisa individual, do
seu campo energético, se está sempre em relação com o ambiente. Como bem assinala a aluna
a partir da vivência deste jogo:
“Projetar é buscar ressonâncias com outros elementos, ver até onde ela está
provocando vibrações, até onde suas ondas tocam. Estar em relação é sempre um
dos princípios fundamentais do teatro. Testar, brincar, ser ressonante ou não é um
desafio que começa quando você decide se ver e se abrir ao outro” (Tatiane).
Sendo, o princípio físico da ressonância, a sintonia de duas freqüências vibratórias, eis
que é na relação com o outro e com o ambiente que está o potencial de criação. Diz o
princípio físico do som: “quando se sobrepõem duas faixas de som de amplo espectro e com a
mesma intensidade, o resultado é um aumento de pelo menos três decibéis” (SCHAFER,
2001, p. 123). Vemos que na união de duas ou mais freqüências vibratórias sonoras, o som se
amplifica, ganha intensidade – assim nos ressonadores do corpo, assim nos chackras, quando
a voz entra em ressonância com estes, há amplificação. Assim também é quando o corpo todo
está gerando freqüências vibratórias da intencionalidade: a comunicabilidade da projeção
vocal ganha mais amplitude.
Na ludicidade vocal do criar em conjunto um único campo sonoro, em uníssono, a
união das vozes gerou inicialmente dissonâncias, mas à medida que se continuava
119
vocalizando, a vibração foi se concentrando, as emissões sonoras foram se relacionando, e a
ressonância do grupo foi surgindo, criando um só campo energético. Na roda de união de
todos os campos energéticos, importou em um momento trabalhar a regulação da intensidade
a partir da escuta de si e do colega, para aprimorar a sensibilidade sobre as intensidades
sonoras quando na comunicação com os colegas em cena.
As dificuldades encontradas eram a respeito da total atenção às variações sutis de
intensidade, pois, na vontade de projetar a voz, às vezes, as forças expressivas ganhavam
intensidades demasiadas. Projetar não significa falar em intensidade fortíssima o tempo
inteiro, pois, na variação sutil das intensidades, há um potencial de gerar dinâmicas sonoras
que abrilhantam a composição das atmosferas sonoras das cenas.
As descobertas neste jogo foram as de que: a projeção vocal a partir dos ressonadores
traz uma qualidade de intensidade vocal adequada à freqüência vibratória da intencionalidade,
sem esforços musculares desnecessários para projetar a voz. A ampliação da intensidade da
voz ocorre, então, primeiramente no espaço interno, nos ressonadores, para depois se expandir
ao campo energético ao redor do corpo. A criação consciente do campo energético amplifica a
potência da freqüência vibratória que se irradia. A partir do centramento no aumento da
intensidade através dos efeitos de ressonâncias dos harmônicos no corpo, percebemos que a
intenção, o foco e o direcionamento da voz, com precisão no fluxo no espaço-tempo (foco
direto ou indireto), potencializam a dinâmica criativa das freqüências vibratórias dos
harmônicos nos seus deslocamentos no espaço relacional lúdico e no espaço acústico cênico.
A partir de tais jogos corpóreos de ressonância vocal, chegamos ao seguinte princípio
em relação à projeção vocal:
A projeção da voz tem, na ressonância vocal, seu potencial de amplificação, pois é nos
ressonadores fisiológicos e nos energéticos que a voz ganha intensidade e se amplifica ao
redor do corpo, formando um campo energético sonoro, que expande as energias da
intencionalidade vocal. Projeção vocal significa criar energias sonoras no ambiente, significa
estar em relação. A irradiação da intensidade vocal ocorre a partir do movimento interno na
relação intencional que se estabelece com o outro, com o espaço cênico e com a platéia.
120
Figura 12. As freqüências vibratórias das energias, tons e sons.
Fonte: desenho feito pelo artista Edson Menezes
121
4 A RESSONÂNCIA VOCAL NA CRIAÇÃO DAS AÇÕES FÍSICAS DA
PALAVRA
Por entre caminhos estéticos e poéticos, está a poesia do ator na atuação cênica, que
perpassa pela apropriação do texto
58
dramático para o corpo, e se transforma em dramaturgia
do corpo, porque permeado pela criatividade que se faz a partir da composição da ação física,
como elemento criador do movimento poético.
A dramaturgia criativa do corpo no processo de composição da ação da palavra para a
cena, deste capítulo em diante, será aprofundada em suas relações com a ressonância vocal. A
ressonância vocal, como um caminho de acesso a dramaturgia do corpo para a criação de
ações físicas da palavra, parte de uma pesquisa rumo à criatividade, à atitude poética do ator,
de, ao receber a proposta do texto, transformá-lo através da sua corporeidade, com
consciência criativa nas relações lúdicas do jogo sonoro.
Os jogos de ressonância vocal para a composição das ações físico-vocais das palavras,
via a dramaturgia do corpo, é continuação dos estudos realizados no capítulo anterior,
relativos a jogos de ressonância vocal para a abertura e organização do corpo-vocal nas
dinâmicas do movimento. O primeiro momento do estudo - visto no capítulo anterior - foi
realizado com alunos da disciplina de Expressão Vocal I (6ª fase), agora, em continuidade,
este segundo momento foi realizado com os mesmos alunos, na disciplina de Expressão Vocal
II (7ª fase), do Curso de Interpretação da Universidade Federal da Bahia.
Para a pesquisa da criação das ações físico-vocais no trabalho com a palavra,
escolhemos o conto Cobra Norato, do gaúcho Raul Bopp. Com este texto, decidimos
desenvolver a sua composição na linguagem estética do teatro voltado para crianças, com o
intuito de dinamizar: a ludicidade vocal, o brincar com os sons e com a descoberta de novas
significações, vibrações e ações para palavras, ampliando o espaço de imaginação e
consciência criativa na composição cênica. O texto Cobra Norato serviu como pré-texto; dele
58
“Texto e representação não são mais concebidos em uma relação causal, mas como dois conjuntos
relativamente independentes, que não se encontram sempre e necessariamente pelo prazer da ilustração, da
redundância, do comentário. É preciso considerar a cena como um domínio autônomo, que não tem que
concretizar exatamente um texto dramático preexistente” (PAVIS, 2003, p. 18).
122
utilizamos somente alguns fragmentos, algumas frases soltas e o contexto da floresta sugerido
na fábula. A utilização de fragmentos do texto teve como intuito desmembrar e extrapolar a
lógica linear da narrativa, deslocando o sistema de significações ao terreno fértil do
imaginário corpóreo, através da livre associação. Assim, a pesquisa de criação das ações
físico-vocais das palavras seguiu-se de jogos de improvisação, onde brincávamos com
diversas colagens das frases, pesquisando suas possíveis dramaturgias sonoras, sem deter-se
inicialmente em seu conteúdo semântico, e sim nos jogos vocais, para que as significações, o
imaginário e as ações fossem sendo descobertas pelo corpo.
Os objetivos dos jogos de ressonância vocal desta fase da pesquisa residiam mais na
investigação do processo de criação via a dramaturgia do corpo, da consciência criativa
interna na ludicidade do jogo sonoro, das descobertas do corpo em ação, do que propriamente
na montagem de um espetáculo. A ênfase esteve na vivência de um processo de criação
focado na dramaturgia do ator, de sua responsabilidade como criador:
O processo criativo é caracterizado pela contemporaneidade de invenção e
execução, pela co-presença da incerteza e orientação, e é guiado pela dialética da
forma formante e da forma formada [...]. Eis como o processo artístico pode ser ao
mesmo tempo criação e descoberta, liberdade e obediência, tentativa e organização,
escolha e coadjuvação, construção e desenvolvimento, composição e crescimento,
fabricação e maturação (PAREYSON, 2001, p. 189/192).
O processo de criação em grupo baseia-se no fluxo criativo entre todos os envolvidos,
cada pessoa é responsável pela semente que planta de contribuição para a composição. Da
consciência advinda da sabedoria, de como o corpo se organiza nas suas relações com o meio,
por suas soluções criativas, neste centramento, eis o florescimento do potencial de criação via
dramaturgia do corpo.
Assim, nesta jornada interior que permeia a composição da dramaturgia do ator, os
jogos de ressonância vocal pretendem estimular a consciência criativa, para a criação da ação
físico-vocal da palavra. Neste processo de criação a partir da pesquisa interna, serão
desenvolvidos neste capitulo os jogos de ressonância vocal, em seu potencial de, através do
fluxo da voz no corpo, ativar os ressonadores, como sementes das vibrações, dos sons e tons,
que dinamizarão a matriz física e energética que permeará a subpartitura - os elementos que
apoiarão o ator no seu processo de criação:
123
A subpartitura se situa sob a partitura visível e concreta do ator. Ela é a idéia por
trás da ação, o fundamento da partitura, o ramal de associação ou de imagens, o
corpo invisível da ação. Ela sustenta o ator, é aquilo que ele se apóia, é o terreno
sobre o qual florescerá ator (PAVIS, 2003, p. 89).
A matriz é como órgão onde se gera o feto, o útero, é a célula criativa do ator. Ela,
como material inicial, pode ser modelada, remodelada, reconstruída, segmentada,
transformada em sua fisicidade no tempo/espaço, tendo, como única condição, a
necessidade de se manter seu coração, o ponto de organicidade que é a essência da
ação/matriz, ou seja, sua corporeidade (FERRACINI, 2001, p. 116).
A matriz passa a ser, efetivamente, primeiro material sobre o qual o ator pode
debruçar-se e iniciar seu trabalho de criação. [...] Ela é, muitas vezes, um conjunto
de ações mais simples que determinam uma qualidade de energia inerente a todas.
O que a determina como matriz é o fato de poder ser repetida e codificada pelo ator,
configurando-se como material vivo de sua criação. Sendo um material vivo, a
matriz, mesmo codificada, é repleta de virtualidades, já que carregada de memórias,
emoções e sensações, etc. que não se atualizam de maneira padronizada (HIRSON,
2006, p. 44).
Nesta pesquisa, por meio da matriz energética gerada pelo impulso respiratório e pela
ressonância vocal, foram florescendo as sementes criativas das ações físicas, que, regadas
através da repetição, foram, a cada jogo, sendo elaboradas em um processo evolutivo de
criação dos personagens ‘seres da floresta’ compostos para o conto Cobra Norato. Em se
tratando de um trabalho relacionado ao teatro voltado para crianças, a matriz energética
dinamizada foi a ludicidade do brincar. Através do fluxo dos sons no espaço interno, as
ressonâncias serviram como molas propulsoras para acessar o imaginário que permeou as
criações das ações físico-vocais das palavras.
Com objetivo pedagógico, de desenvolvimento da consciência criativa na composição
das ações físicas das palavras, os jogos corpóreos de ressonância vocal tiveram objetivos
físicos a serem desvendados para o processo de composição via dramaturgia do corpo: a
descoberta dos impulsos da respiração, dos apoios, das tonicidades, das forças musculares,
dos eixos de equilíbrio. Estes objetivos físicos nos levaram a desvelar a ressonância como
eixo integrador da ação física à ação vocal; o impulso respiratório como propulsor da
ressonância da palavra no corpo; a ressonância sonora como dinamizadora do imaginário
corpóreo poético; a criação corpórea das palavras do texto através das vibrações nos focos
ressonadores; a composição de atmosferas sonoras através do efeito de ressonância.
Neste processo de criação via a dramaturgia do corpo, pretende-se elevar, através dos
jogos de ressonância vocal, a composição da palavra no texto cênico, por sua dimensão física
e energética.
124
4.1 O texto em ressonância com o corpo-vocal
Começa agora a floresta cifrada
Me misturo no ventre do mato
Galhinhos fazem ‘psiu’
O vento mudou de lugar fazendo cócegas nos ramos
Chegam outras vozes
Clareia, os céus se espreguiçam
Arregaçam-se os horizontes
(Cobra Norato - Raul Bopp)
Na dramaturgia do ator, a apropriação do texto via a descoberta das ações físico-
vocais traz a palavra á dimensão de um acontecimento corpóreo, atuando por seus impulsos,
por suas intensidades, por seus deslocamentos sensórios-motores no espaço. Neste item,
iremos desvendar a dimensão corpórea e energética da vocalidade que permeia a palavra,
elevando-a a este nível sutil que a envolve na criação cênica. Seguimos com o desejo de
Antonin Artaud, de uma palavra presente em toda sua materialidade, que desencadeia
emanações sensíveis, as quais atuam diretamente sobre a percepção do espectador:
Essa linguagem concreta, destinada aos sentidos, e independente da palavra, deve
satisfazer antes de tudo aos sentidos [...]. O valor concreto da entonação no teatro,
sobre a faculdade que tem as palavras de criar, também elas, uma música segundo o
modo como são pronunciadas, independentemente do seu sentido concreto, e que
pode até ir contra esse sentido (ARTAUD, 2006, p. 39).
Para Artaud, não é somente o significado que deve conduzir a utilização da palavra,
mas, principalmente, as possibilidades ligadas aos elementos sonoros presentes no
significante, os quais produzem as entonações, tais quais: o timbre, a extensão vocal, as
alturas, as intensidades, os ritmos. A palavra é percebida aqui desde suas energias sonoras,
vibração pura, relacionada aos sentidos, para além de significados cristalizados. É na voz
enquanto vibração que está a potência criativa da palavra. Ressalta Zumthor:
A voz, de fato, é mais que a palavra. Sua função vai além de transmitir a língua. Ela
não transmite a língua; antes se diria que a língua transita por ela, voz cuja
existência física se impõe a nós com a força de choque de um objeto material [...] A
ação vocal implica uma libertação das imposições lingüísticas, ela deixa emergirem
marcas de um saber selvagem proveniente da própria faculdade da linguagem, na
complexidade concreta e no calor de uma relação interpessoal (ZUMTHOR, 2001,
p. 7/160).
125
Em profundidade, esta discussão está relacionada à linguagem
59
como interpretação da
realidade na qual a palavra, como sistema lingüístico, é usada para representar e significar
algo. No entanto, a realidade não se comunica verbalmente. Ressalta Ken Wilber (1977) que
as aparências das palavras não fornecem em completude a realidade. A palavra como símbolo
aponta para um mapa, uma tentativa de descrição da realidade.
Se tentarmos descrever plena e totalmente a realidade com palavras, teremos
também de descrever as palavras que usamos e, depois, as que usamos para
descrever nossas palavras...e a realidade se perde num círculo vicioso [...]
(WILBER, 1977, p. 6).
Uma palavra aponta para além dela mesma, para além de descrições racionais que
tentem mensurá-la. A fragrância de uma rosa, por exemplo: sentimos seu aroma perfumado
que inunda a alma via corpo; tal sensação é de uma vibração que transpassa a tentativa de
definição da palavra. A sensação sonora envolve uma sabedoria que transpassa e permeia o
nível do pensamento mental racional das palavras: a ressonância vocal é energia de vibração
que vai além de descrições objetivas. O aroma da rosa em si, ou a ressonância da voz no
corpo transpassa qualquer tentativa de significação pela palavra. Para entender todos os seus
potenciais, desde a elevação da consciência à ampliação da criatividade, é preciso
experimentá-la intimamente. A descrição objetiva através de palavras tenta mensurar algo que
é mais do que um conceito mental; é múltiplo em possibilidades de vibração.
59
Em um rol mais amplo, o início do século XX foi marcado por movimentos artísticos que discutiam as normas
lógicas e lineares. O Simbolismo, por volta de 1881, trouxe à tona as novas formas de olhar o mundo, pela
intuição do eu profundo, do inconsciente, do sonho. Assim, na relação com as palavras, vale-se do imaginário e
da fantasia, mais do que de nomear objetivamente os elementos da realidade, de forma que a aproximação da
poesia com a música é uma das características estéticas. No Dadaísmo, por volta de 1916 a 1924
aproximadamente, a discussão residia na falta de sentido que pode ter a linguagem, das certezas e da linearidade,
as quais eram quebradas por justaposição casual de palavras, poemas sonoros, palavras inventadas, contrapondo-
se à lógica estabelecida. No Surrealismo, por volta de 1920, os artistas queriam se libertar da lógica da ação e
enfatizavam o papel do inconsciente na atividade criativa. Desse modo, na dramaturgia rompiam o nexo causal
narrativo em favor de outros ritmos de representação, em especial a lógica do sonho (ASLAN, 1994;
LEHMANN, 2007).
126
Figura 13. O imaginário e as palavras
Fonte: BARROS (2001). Diagramação de Janaina T. Martins
Dentro do infinito campo de potenciais vibratórios que existe sobre as palavras, o
imaginário de cada ator pode propor múltiplas realidades e possibilidades de movimento ao
texto cênico que está trabalhando na criação de sua dramaturgia corporal. O texto a ser criado
artisticamente pode extrapolar o lado lingüístico de passar mensagens através das palavras e
utilizá-las de uma maneira mais íntegra, em que são explorados mais territórios do que mapas
prontos com definições e conceitos preestabelecidos.
Mais do que transmitir idéias, as palavras vibram em um espaço de imaginação, de
poesia, de múltiplas possibilidades do real. Assim, nos jogos vocais, procuramos, nas
palavras, a metáfora, a sutileza, as múltiplas possibilidades de movimento, fugindo do
descritivo e do óbvio, eliminando significados congelados. É na reinvenção da palavra, no
deslocamento desta do sistema habitual de significação, que reside o potencial de fazê-la
127
vibrar de um modo diferente na consciência. De maneira poética, Manuel de Barros propõe,
em sua Didática da invenção, “desinventar objetos. O pente, por exemplo. Dar ao pente
funções do não pentear. Até que ele fique à disposição de ser uma begônia. Ou uma
gravanha”. Trata-se de desconstruir a palavra, reconstruí-la e reinventá-la, para que ela possa
vibrar além de padrões estabelecidos. De tal forma que, abrir-se à pesquisa do território que
permeia o potencial da palavra é abrir-se para a percepção das múltiplas possibilidades do
real: “Hoje eu desenho o cheiro das árvores” (MANUEL DE BARROS). É no território do
dizível e do indizível que permeiam as ações das palavras que está a possibilidade de criação
destas para a cena.
Na ludicidade da pesquisa do jogo vocal com as palavras investiga-se o seu nível de
vibração sonora, que extrapola o nível conceptual de descrições sobre a realidade e se dá em
um nível de sensação, de percepção, de criação energética.
Também a palavra tem um aspecto físico, porque ela não é apenas o sentido, mas
também som (PAREYSON, 2001, p. 153).
É na vocalidade que está a força energética da palavra. As palavras carregam as
vibrações que o som cria. É na voz, e pela voz, que se articulam os possíveis significados das
palavras, por conta da carga energética que elas contêm. Assim, a entonação da voz, a
maneira de pronunciar a palavra, modifica sua significação. Através da voz, o ator movimenta
a palavra em cena, com sonoridades de melodias, tons, intensidades, ritmos e ressonâncias.
À medida que o som ganha vida, o sentido da palavra definha e morre; é o eterno
princípio yin e yang. Se você anestesiar uma palavra, por exemplo, o som do seu
próprio nome, repetindo-o muitas e muitas vezes, até que seu sentido adormeça,
chegará ao objeto sonoro, um pingente musical que vive em si e por sim mesmo,
completamente independente da personalidade que ele uma vez designou
(SCHAFER, 1991, p. 240).
Nos jogos vocais para a criação do ator, busca-se o desvendar da palavra a partir da
sua vibração e da sensação que ela provoca no instante em que se vivencia a sua vocalização,
no instante em que se pesquisa o movimento do corpo, segundo os objetivos a serem
desvendados pelas circunstâncias dadas. Trata-se de ir além de conceitos fixos na criação da
ação física da palavra, experimentando-as por suas sonoridades e vibrações no corpo.
O processo de criação das palavras envolve conectar-se com as energias profundas que
cada vibração emana, descobrindo por si mesmo as sensações dos seus fluxos através da
128
sabedoria sensitiva do corpo. Nos jogos vocais, o princípio da sensibilização auditiva traz em
si uma ação de envolvimento da palavra em vibração.
Bom se eu pudesse empurrar horizontes
ver estrelas com florestas decotadas
numa noite enfeitada de lua
com cachos e estrelas
(Cobra Norato - Raul Bopp)
As possibilidades de vocalizações das palavras, ao serem pesquisadas nas suas
relações corpóreas, trazem um desvendar das energias que podem conter o texto, na busca das
significações das palavras através da sabedoria sensitiva do corpo, dentro das circunstâncias
dadas pelo texto. Trata-se de redescobrir o seu potencial expressivo que emana do corpo,
experimentando a palavra como criadora de energias, sensações e imagens.
A relação entre o movimento do corpo e a palavra revela-se em sensações e imagens, à
proporção que seu sentido é desvelado corporalmente, via os sentidos do corpo. Assim, a
apropriação do texto, a partir da prática corpórea, parte da ampliação perceptiva da
consciência, de como as palavras ressoam no corpo, quais sensações energéticas elas geram,
em termos de freqüências vibratórias, intenções, ritmos, energias, pela maneira como esta se
manifesta no corpo, pelos locais onde vibra, pela raiz de onde partem seus impulsos, pelo
estado da respiração, pelo modo como se manifestam na musculatura as intenções, pela
maneira como ocorre a dinamização de suas energias associadas aos objetivos e
circunstâncias do texto cênico proposto. Os movimentos, trajetos, fluxos dos sons no corpo
criam atmosferas sonoras para as palavras. Trata-se de descobrir a ação vocal da palavra
através de seus objetivos físicos, musculares e energéticos. As palavras têm em seu potencial
comunicativo a força da voz que ressoa freqüências vibratórias.
Para a composição da ação da palavra via a dramaturgia do corpo, escutar as palavras
pelo corpo, pela vibração dentro de si, abre espaços para a sensibilidade que emana das
palavras, para a percepção de sua dimensão sensível, vibratória, poética. A poesia contida em
cada palavra está no espaço que ocorre entre os sons e os silêncios, entre a vibração e a
sensação, entre a comunicação e a troca energética. Eis a ação vocal.
129
4.2 A ação física e a ação vocal da palavra: a ressonância como eixo
integrador
Na pesquisa da criação da ação da palavra através da dramaturgia do corpo, neste item
desvendaremos o processo interno de dinamização das ações vocais. Para tanto, faremos uma
jornada ao interior do movimento, aos ressonadores, sementes sonoras que irão germinar o
impulso e a intencionalidade criativa da expressividade da ação no espaço cênico.
Já apontava Constantin Stanislavski
60
(1989), mentor do Método das Ações Físicas,
que o impulso interior é o que dá vida à ação e está diretamente ligado ao preenchimento e
justificação da ação, o que impede que haja a mecanização nas ações, assim, as ações físicas
devem estar conectadas a algum objetivo, ter alguma intencionalidade, intenções expressas
através da materialidade do corpo. Eis que o conceito da ação física diz respeito aos
movimentos que nascem do interno do corpo, enquanto o gesto
61
é uma ação periférica do
corpo, assinala Burnier (2001). As pesquisas de Grotowski (1987) demonstram que a
manifestação do impulso intencional das ações físicas vem do interior e tem a ver com a
organicidade que alimenta a ação “a capacidade de encontrar e dinamizar um determinado
fluxo de vida, do potencial do corpo humano, de uma corrente quase biológica de impulsos”
que vem do interno e vai para o cumprimento de uma ação precisa
(GROTOWSKI apud
BURNIER, 2001, p. 52). A dinamização e o impulso das energias intencionais da ação estão
relacionados com a mobilização muscular, constata Grotowski:
Não há intenção se não há uma mobilização muscular adequada, não é um estado
psicológico, mas é em nível muscular [...] a justa tensão: um impulso surge sempre
em ‘tensão’, isto é, quando pretendemos fazer algo, há já uma tensão justa por
dentro. Não se trata, porém, de um trabalho que envolve somente contrações
musculares, mas sim o equilíbrio dinâmico entre tensão e relaxamento [...] Os
impulsos precedem as ações físicas. É como se a ação física, ainda invisível no
exterior, já tivesse nascido no corpo. [...] Os impulsos estão enraizados
profundamente ‘dentro’ do corpo, e depois se estendem para fora (GROTOWSKI in
BONFITTO, 2002, p. 73).
60
Constantin Stanislavski pesquisa sobre esta relacionada às circunstâncias dadas pelo texto do dramaturgo,
porém cabendo ao ator criar um subtexto de objetivos e intenções da personagem, os quais deveria expressar
através do corpo e voz.
61
Complementa Bonfitto (2002) que o gesto traz uma codificação e significa, de forma particular, um signo de
determinado grupo, cultura, sociedade. Esclarece ainda que o movimento é o deslocamento espacial de um
objeto, o qual se torna ação física quando significa algo.
130
Na dinâmica do movimento, as variações dos eixos de equilíbrio do corpo contribuem
para a dinamização do impulso energético que trará intencionalidade á ação, como assinala
Eugenio Barba (1994). Em um olhar para dentro do interior do corpo, aos aspectos
energéticos que precede a ação física, Barba denomina sats o impulso que ativa a passagem
de uma a outra qualidade de energia para a ação, e que torna vivo o comportamento
expressivo cênico:
No instante que precede a ação, quando toda a força necessária se encontra pronta
para ser liberada no espaço, mas como que suspensa e ainda presa ao punho, o ator
experimenta a sua energia na forma de sats, preparação dinâmica. [...] Numa
seqüência de ações, é uma pequena descarga de energia que faz mudar o curso e a
intensidade da ação ou a suspende improvisadamente (BARBA, 1994, p. 84).
Como um acontecimento corpóreo, tal impulso das energias, dinamizadas pela ação
física, percorre a coluna. “A coluna é o início (impulsionada pelo abdômen) e o movimento
das extremidades é conseqüência disto”, afirma Raquel Hirson (2006), do grupo de Teatro
LUME, citando as pesquisas de Burnier (2001, p. 32): “A ação nasce da coluna vertebral”.
Associando este pressuposto com a ação vocal, pode-se aliar o impulso que nasce da coluna
com o impulso respiratório gerado pelo diafragma à reverberação da voz pela coluna,
lembrando que os ossos são ótimos condutores do som, e que o fluxo da energia vital
(kundalini) percorre a coluna, como foi visto no item 2.3. Continua Burnier assinalando que
“o coração da ação determina onde, no corpo, estão localizados a intenção, o impulso, a voz,
a respiração” (BURNIER, 2001, p.42). Desde estes pressupostos, os ressonadores, enquanto
vórtices de energia podem ser ativados como o coração da ação, por serem potenciais
vibradores, dinamizadores, amplificadores e condutores das qualidades energéticas na ação
vocal da palavra.
Com estas pesquisas, consta-se que, o que gera a intencionalidade da ação é a sua
execução corpórea, ativadas pela musculatura, que, de acordo com as variações dos eixos de
equilíbrio, gerará a energia que será impulsionada pelo abdômen, percorrendo a coluna, para
ser irradiada para o espaço. Perpassa as energias da ação física, portanto, os caminhos da ação
vocal: de acordo com como estiverem as tonicidades musculaturas do corpo, nas variações
dos eixos de equilíbrio, nos percursos pela coluna, pelo trato vocal e pelos chackras
62
,
determinados harmônicos irão ressoar, dinamizando qualidades energéticas para a ação da
palavra. De maneira que a ressonância vocal pode servir como eixo integrador da ação física à
62
Vide capítulo 2
131
ação da palavra, pois à ela está relacionada o fluxo da vibração da ação em seu percurso
interno em relação às qualidades do movimento.
O ato intencional, portanto, pressupõe existir uma mobilização interior que ativa a
fisicalidade do corpo, em nível muscular e energético. Tal mobilização interior é mais do que
a intenção manifestada somente com a hegemonia do plano mental elaborando as intenções de
acordo com as circunstâncias dadas pelo texto, pois é no momento em que é movimento
físico, muscular, energético, é que a intenção da ação se torna efetiva. Assim, no processo de
criação da ação vocal das palavras, a intencionalidade da ação física surge enquanto potência
energética do corpo em ação. Complementa Pavis sobre esta perspectiva da criação da
atuação cênica:
Na ação física o ator-dançarino se caracteriza por suas sensações cinestésicas, sua
consciência do eixo e do peso do corpo, do esquema corporal, do lugar de seus
parceiros no espaço-tempo (PAVIS, 2003, p.49).
Tais constatações provocam na conceituação da ação física a superação do corpo
semântico, um deslocamento que suspende a doação de sentido. Desde aí, na
contemporaneidade, “o corpo pós-dramático se caracteriza por sua presença, e não por algo
como sua capacidade de significar [...] O corpo, sem prolongar uma existência como
significante, pode ser agente provocador, de uma experiência livre de sentido, que não
consiste na atualização de um real e de um significado, mas é experiência do potencial”
(LEHMANN, 2007, p. 336). Assim como a ação física, a ação vocal da palavra não formula
somente sentido semântico, mas articula energia; não representa uma ilustração, mas uma
ação física, ou seja, um acontecimento corpóreo.
Sendo que a ação vocal corporifica a enunciação da palavra com freqüências
vibratórias, sua prática, portanto, permeia um trabalho com a energia física. A ressonância,
enquanto geradora das energias vocais, impulsionará a qualidade vocal às palavras, como um
acontecimento corpóreo. Neste sentido, a ressonância da ação físico-vocal da palavra no
corpo traz a execução do movimento ao centramento no interior do ser, antes de manifestá-la
no espaço. A consciência criativa deste processo, portanto, se inicia no interior do corpo,
nascendo no silêncio que antecede a ação, na concentração energética, na ativação muscular,
no impulso da respiração, no fluxo de energia que percorre as musculaturas, os ossos, o
sangue e as cavidades, ressoando, de acordo com o tamanho, o formato e o material que é
constituída a região, determinadas freqüências vibratórios, para então se irradiar no espaço-
132
tempo. A ressonância como eixo integrador da ação vocal á ação física da palavra traz a
atenção ao interior do corpo, para o centramento das energias antes de manifestá-las no
espaço. Trata-se da consciência criativa, da criação física que se coloca em ação, com
pensamentos, com voz, com palavras, com movimentos, com atitudes.
A intencionalidade energética da ação depende do trânsito das interações do próprio
corpo com o ambiente. Ação significa agir, atuar, criar energias, manifestá-las no plano físico
e energético, no ambiente. A ação da palavra cria, concretiza energias, na expressividade
objetiva que se pretende manifestar no espaço, na troca comunicativa da relação que se
pretende estabelecer.
Nos caminhos de composição via dramaturgia do corpo, nesta jornada interior,
pesquisaremos, neste item, o centro gerador da ação físico-vocal no processo interno de
dinamização da ação da palavra: a respiração enquanto propulsora do impulso e os
ressonadores enquanto potencializadores das freqüências vibratórias. Dentro disto,
desvendaremos: as variações dinâmicas do impulso energético interno da ação, o fluxo
orgânico da ação interna para a manifestação no espaço, a espontaneidade e a precisão da
ação da palavra no espaço. Trata-se de desvendar a ressonância como eixo de integração do
movimento físico ao movimento da palavra.
A seguir, por meio dos jogos que se seguem, será exemplificado um caminho para a
descoberta sobre a dimensão sensível que permeia esta jornada interior de pesquisa da ação da
palavra.
4.2.1 Jogo vocal-corpóreo: A ressonância da ação da palavra no corpo
63
Objetivo: estimular a relação com o texto via a percepção corpórea sinestésica.
Foco: no toque e ressonâncias das palavras no corpo, na ação e reação corpórea, segundo
a sensibilidade sonora provocada pelo texto cênico e pelo ambiente sonoro.
Descrição: Iniciamos o primeiro contato com o texto Cobra Norato, de Raul Bopp, via a
percepção deste através da sensibilização sonora do corpo-vocal, com intuito de entrar no
texto via a dimensão sensível do toque das palavras no corpo. Como o texto trata sobre a
63
Imagem do Jogo Vocal no DVD no link: Criação de Personagens
133
floresta, fizemos uma aula na Praça do Campo Grande, para trabalhar a vocalização do
texto junto a estímulos da ambientação da praça, com árvores e sons de pássaros. Neste
jogo, o trabalho foi em dupla: um aluno de olhos fechados é guiado pelo colega (que está
de olho aberto). A proposta é de, em um primeiro momento, guiar o colega por trajetos
sonoros pelo espaço, vocalizando fragmentos do texto. A pessoa que está sendo guiada é
estimulada a perceber os sons do ambiente e das palavras do texto que ressoam em si e
provocam sensações sinestésicas. Em um segundo momento, a pessoa abre os olhos e é
estimulada a expressar os sons e sensações das palavras que ressoaram no seu corpo na
relação com aquele ambiente. Em um terceiro momento, o colega que está guiando
direciona a pessoa para focar através do olhar, seja de uma flor, de um lago, ou de uma
árvore, entre outros olhares, e emitir a vocalização das palavras do seu trecho do texto em
ressonância com a sua sensibilidade sonora, que a ambientação da praça estimulou.
Figura 14. Árvore – sementes que se enraízam na terra e florescem elevando-se ao céu.
Fonte: Foto da árvore guarapuvu, em Florianópolis.
134
Comentários da vivência do jogo:
Para a entrada no texto, via a dramaturgia do corpo, em sua dimensão sensível, ao
invés de fazermos uma “leitura de mesa”, trabalhamos com a escuta do texto por meio do
toque das palavras no corpo. Sendo que o conto Cobra Norato se passa em uma floresta, a
leitura dinâmica foi feita na Praça Campo Grande, em Salvador. Trabalhamos em dupla, com
acesso ao texto via os fragmentos, para a entrada na floresta, por vários caminhos. Uma
pessoa da dupla estava de olhos fechados (com uma venda de tecido nos olhos) e o outro da
dupla guiava este, pelas mãos, levando-o a sentir as palavras do texto por entre caminhos
pelas árvores e flores da Praça. Tratou-se de adentrar no texto via sensação, do contato com os
sons internos á Praça – sons de pássaros e das folhas ao vento - misturados com os sons
externos á Praça – sons dos carros e das buzinas, e perceber o que estes sons influenciam na
recepção do texto cênico, em relação aos imaginários que brotam sobre as palavras. O
objetivo era estimular a escuta sinestésica das palavras do texto, influenciadas pela atmosfera
sonora do ambiente.
Assim, neste jogo, seguimos o estudo da criação da dramaturgia vocal do texto via os
sentidos do corpo. Deste modo, esta prática foi bem sensitiva, na qual os alunos
experimentaram as influências dos sons do ambiente na reação sensível ao dizer o texto. O
foco estava na atenção sensorial da percepção do fluxo do movimento energético interno em
resposta aos estímulos sonoros externos. Vejamos como foi para a aluna:
“O trabalho na Praça do Campo Grande foi muita sensação. Serviu bastante pra dar
suporte na construção vocal da personagem em sala de aula. A finalização pra mim
foi mais interessante, quando as pessoas que estavam com os olhos vendados
interagiram num espaço de uma árvore. Ali todas as experimentações vieram à tona
e tornou a interação forte, sentia uma energia muito grande. Tudo ficou, pra mim,
na sensação, na energia, acho que foi o ambiente. Só consegui sistematizar mesmo
na sala de aula nos exercícios posteriores” (Tarsila).
Observamos, no dizer desta aluna, que o primeiro contato com o texto ficou registrado
no corpo como sensação. Tal sensibilidade é essencial para as descobertas do processo de
desvendar a palavra a ser vocalizada, para depois tal registro servir como apoio sinestésico e
cinestésico ao contínuo processo de descobertas das sensibilidades vibracionais do som no
movimento da palavra no corpo. Portanto, importa, em um primeiro momento no contato com
o texto, deixar a imaginação corpórea atuar através da atenção sensorial dos sons no corpo,
135
desvelando sonoridades possíveis para as palavras, dentro das circunstâncias e contextos do
texto.
A apropriação do texto, a partir da prática corpórea, parte da ampliação perceptiva da
consciência, de como as palavras ressoam no corpo, quais sensações energéticas elas geram,
em termos de freqüências vibratórias, intenções, ritmos, energias, de que forma esta se
manifesta no corpo, dos locais onde vibra, da raiz inicial de onde partem seus impulsos, do
estado da respiração, do modo como se manifestam na musculatura as intenções, da maneira
como ocorre a dinamização de suas energias associadas aos objetivos e circunstâncias do
texto cênico proposto, ou seja, das formas de realizar a enunciação concentrada em seus
objetivos físicos e energéticos, da relação íntima entre movimento e palavra.
Ao experimentar as palavras, através da carga energética sonora que a contém, abre-se
espaço para uma nova percepção sobre os sentidos desta vibração do corpo. Sentir a presença
sonora das palavras faz fluir a força muito mais no fluxo energético da palavra do que no
conceito mental sobre sua exata significação. Assim, propõe-se experimentar o texto
intimamente, desvendando primeiramente seus caminhos sonoros no corpo.
No segundo momento do jogo, quando a pessoa abre os olhos e é estimulada a
expressar os sons e sensações das palavras que ressoaram no seu corpo na relação com aquele
ambiente, focando através do olhar, seja de uma flor, de um lago, ou de uma árvore, a
vocalização das palavras do seu trecho do texto, percebemos que a imagem poética da palavra
se recria de acordo com quem se está em relação. Assim, observamos que, quando se
estabelece o encontro da palavra com o outro, na irradiação e no lançamento intencional da
energia sonora, amplifica-se a força da freqüência vibratória do corpo-vocal e a vida
expressiva da presença energética.
Neste jogo, os aprendizados são de que a apropriação do texto via sentidos do corpo,
faz com que as associações e conexões partam da própria expressividade individual de cada
pessoa, trazendo outras camadas de sentido ao texto dramático, que não somente os sentidos
lingüísticos, mas, principalmente, os sentidos corpóreo-energéticos. Tal caminho condiz com
a organicidade que se busca para a ressonância da palavra a partir da dramaturgia corporal do
ator.
136
4.2.2 Jogo vocal-corpóreo: Mandala sonora de palavras
Objetivo: despertar a percepção das palavras como um acontecimento sonoro corpóreo.
Foco: percepção do toque dos sons e das palavras no corpo, as sensações e as imagens
corpóreas poéticas acessadas.
Descrição: Compõem-se duas rodas, formando uma mandala. Na roda de fora, os
estudantes produzem sons, criando uma mandala sonora, por meio de vogais e depois com
frases do texto Cobra Norato e do Dicionário de Palavras ao Vento, de Adriana Falcão.
As pessoas que estão no centro da roda, deitados, ficam durante uma hora respirando
intensamente. A atenção deles é instruída para ser focada no fluxo da respiração pelo
corpo. Nesta atenção à respiração, o focalizador direciona a atenção a vários tipos de
respiração: inspiração pela boca, expiração pelo nariz; inspiração pelo nariz, expiração
pela boca; inspiração e expiração pela boca; inspiração e expiração pelo nariz. Juntamente
com esta respiração intensa, há músicas para crianças tocando no cd player e são
vocalizados fragmentos do texto Cobra Norato, permeados por algumas conceituações de
significações das palavras pelo Dicionário de Palavras ao Vento (utilizadas para
dinamizar outras conceituações a respeito das significações das palavras). A partir da
escuta destes sons, as pessoas dentro da roda escutam a si, às imagens dinamizadas pela
imaginação, decorrentes do toque dos sons e das palavras poéticas no corpo. Abaixo, a
figura de uma mandala, inspiradora do jogo e de um texto criado por mim, sobre este jogo,
com abertura em ondas de possibilidades ao jogo lúdico que permeia as significações das
palavras, conceituadas pelo Dicionário de Palavras ao Vento:
Figura 15. Mandala sonora
Fonte: diagramação Janaína T. Martins
137
Figura 16. Palavras ao vento
Fonte: Texto de Janaína T. Martins. Conceituações das palavras de FALCÃO (2005). Diagramação Janaína T.
Martins
138
Comentários sobre a vivência do jogo:
A mandala, composta de uma roda maior e outra menor no centro, foi a figura
geométrica dentro da qual convergia o foco da voz e das palavras. Sendo que o intuito deste
jogo era o de dinamizar a energia da ludicidade do brincar (matriz que estamos trabalhando
para as ações vocais do texto Cobra Norato), esta dinâmica respiratória foi associada à
audição de músicas de crianças e ás conceituações sobre algumas palavras pelo Dicionário de
Palavras ao Vento. Nas palavras da aluna:
“A partir da improvisação, fomos criando sons vocais, junto com sons tirados de
instrumentos e palavras tiradas do livro de Adriana Falcão, a fim de ativar a
imaginação daqueles que estavam dentro da roda. Foi muito legal porque nós que
estávamos ali preocupados em criar esse ambiente sonoro fomos aos poucos
resgatando nossa memória sonora infantil, e entramos numa energia muito gostosa,
do brincar, de curtir cada música cada lembrança” (Lis).
Quem estava dentro da roda, no toque das palavras poéticas no corpo, mantinha a
atenção no fluxo das palavras recebidas pelo corpo: aonde elas tocavam energeticamente e
quais imagens eram despertadas. Assim, seguimos no desvendar dos modos com que as
imagens internas do corpo são organizadas na criação da dramaturgia do ator. Relata a aluna:
“Eu reagia na criação da atmosfera de acordo com as sensações e imagens da
infância e vice-versa, alguma atmosfera me remetia a algum acontecimento. É
impressionante como um som, uma palavra qualquer acione uma emoção no
interior da gente” (Tarsila).
A audição das músicas e das palavras, associadas à respiração intensa, dinamizaram
sensações, que geraram associações corpóreas de sonoridades da infância, as quais foram
recriadas naquele instante, poeticamente pelo imaginário corpóreo. Percebemos que o som e
as palavras têm o poder de despertar sensações corpóreas, e, que, através de práticas do corpo
em ação, novas conexões sobre as imagens podem surgir e serem transformadas com vistas á
sua utilização poética. Tal vivência foi experimentada para ativar na dramaturgia do corpo seu
potencial criativo, de criar e recriar imagens sonoras orgânicas, trazendo-lhes a poética da
imaginação. Relata a aluna sobre este processo:
“Ao começarmos os exercícios do semestre, na pesquisa do universo infantil, em
primeira mão resgatamos nossa própria criança, recuperando passagens e
memórias, dando um tom mais orgânico e fugindo dos tipos básicos quando apenas
pensamos na criança. Dentro desta base são os sons que vibram e ativam coisas que
talvez até nossa criança tenha se esquecido. [...] Neste exercício me senti protegida
dentro de uma “bolha” de som e vi minhas vergonhas de menina aparecerem e
serem superadas” (Tatiane).
139
Sendo que ressonância das palavras no corpo provoca associações e conexões no
imaginário, ativando memórias, com a vibração sonora, a ação da palavra ganha espaços para
que o imaginário vá além de meio de padrões mentais preestabelecidos. Trata-se de buscar via
dimensão sensorial do corpo, outras camadas de significações para as palavras, saindo de
padrões mentais preestabelecidos de conceituações de velhas memórias. A memória que se
tem do passado não deve significar apego ao vivido, por isso o estado do vazio interior, para
aguçar a sensibilidade no momento presente. A criação artística provém de conhecimentos e
de vivências que se constituem num fluxo contínuo. De forma que a memória é trabalhada
aqui, então, desde a sua capacidade criativa, da possibilidade de ultrapassar a reprodução do já
existente, bem como defende Bachelard (1990). Vejamos os comentários dos alunos sobre
esta relação das memórias com as imagens poéticas geradas na atuação teatral:
“Poder armazenar fatos, acontecimentos, imagens se faz importante no trabalho do
ator. A memória funciona como um banco de dados. Durante toda a nossa vida
vamos armazenando informações, algumas delas, com o passar do tempo, vão se
tornando apagadas, mas elas permanecem ali, em algum lugar, mesmo que
conscientemente não tenhamos acesso a elas. Quando estamos em um processo
criativo parece que podemos acessar esses lugares, antes, um pouco escondidos.
Através dos estímulos dados ao ator isso se torna possível. Esse material que vem à
tona é, sem dúvida, um vasto material de trabalho que ajudará no processo de
criação do ator” (Deise).
“A memória é algo que com certeza ajuda muito na composição de uma
personagem. Quanto mais vivência e experiência nós adquirimos, mais suporte nós
teremos para a criação. Experiência de vida, experiência de palco, convivência,
emoções, ações, passado, presente, memórias, tudo isso fica armazenado e é
acionado no momento propício, conscientemente ou não” (Tarsila).
“Acho interessante o verbo /representar/ = re-presentar = tornar presente o que não
é presente. Acho que aí se tem uma pista para a idéia de criação do ator, uma vez
que este /tornar presente/ se refere a processos da história de vida da pessoa do ator,
de memórias, de processos de vida mesmo” (Altamar).
“Não sei separar quais exercícios me ativam a memória ou não, pois acho que ela
está sempre presente lá, porque nosso corpo também é constituído de memórias ao
longo da vida com essas histórias de infância, juventude, adulto, terceira idade,
construímos cognições, ensinamentos, ao mesmo tempo em que algumas coisas
parecem desaparecer e reaparecer. Por isso fomos feitos para cheirar, tocar, ouvir,
falar e algumas dessas coisas nos despertam para experiências novas ou já vividas.
Às vezes não importa a fidelidade à realidade, mas como conseguimos registrar as
coisas em nós mesmos e disponibilizá-las, através do que Castañeda define, por
exemplo, como recapitulação energética” (Tatiane).
Podemos perceber, pelos relatos dessas alunas, que, no trabalho de criação, as imagens
provêm do corpo, de associações que vêm de vivências do corpo, de uma totalidade de
hábitos, sensações, sentimentos, impressões e que são recriadas energeticamente no instante
presente. Como diz a autora Cecília Salles (1998), sobre o processo de criação,
140
todo movimento está atado aos outros e cada um ganha significado quando nexos
são estabelecidos. Tudo se constrói sobre o anterior. Este movimento criador, como
uma complexa rede de inferências, contrapõe-se à criação como uma inexplicável
revelação sem história, ou seja, uma descoberta espontânea, sem passado e futuro.
A originalidade da construção encontra-se na unicidade da transformação: as
combinações são singulares (SALLES, 1998, p. 89).
De fato, a memória e a história biográfica, mais do que uma linha de seqüência do
passado ao futuro, é rede, é malha entrecruzada que se presentifica em uma recapitulação
energética que se atualiza a cada instante em novas memórias. Conforme constata o filósofo
Ken Wilber,
ao lembrar-nos de qualquer ‘acontecimento do passado’, não estamos, de fato,
dando tento de nenhum passado real. Se nos lembrarmos, por exemplo, do que
jantamos na véspera, poderá esta lembrança permitir-nos ver realmente aquela
refeição? Tocá-la? Comer um pouco dela? Por certo, nunca damos tento de nenhum
passado real, senão apenas de imagens indistintas do passado, e essas imagens só
existem como experiência presente (WILBER, 1977, p. 80).
Assim, atualizar não significa reviver, mas recriar no aqui e agora do instante presente.
O importante é ter consciência, é restabelecer o contato do ator com seu próprio corpo-voz,
estando presente no que está acontecendo aqui-e-agora, pois a dramaturgia do corpo emerge
da ação no instante presente em que se faz a arte.
Neste jogo, com o intuito de trazer os alunos para o instante presente das vibrações
que estão sendo dinamizadas pelo fluxo sonoro, e não se apegarem somente ao passado, mas
recriar a vibração do corpo, suas atenções eram chamadas à consciência da corporeidade: à
percepção do fluxo da respiração e da reverberação da música no corpo, às sensações
sinestésicas de quais partes do corpo abriram e quais continuam fechadas, às sensações
físicas, de batimento cardíaco, muscular, respiração e às sensações energéticas. Percebemos
que o objetivo físico de atenção ao corpo permitiu com que o imaginário se desenvolvesse no
aqui–agora do instante presente.
Neste sentido, a respiração é um canal que nos permite reconhecer condicionamentos e
abrir-se para novas possibilidades, acordando o corpo por meio do despertar dos pontos de
ressonâncias adormecidos e dinamizando novas freqüências vibratórias: as ondas de ar pelo
corpo dinamizam o fluir das energias para além de padrões habituais. E a ressonância do som
no corpo dinamiza novas sensibilidades e sentidos às imagens, a partir de sua vibração,
provocando novas freqüências vibratórias, que geram mudanças nas memórias e estados
141
vibratórios sensitivos do corpo. A respiração e o fluxo dos sons nos trazem à uma percepção
ampliada no presente, o que abre o corpo à recriação poética do instante que se faz as
associações, utilizando o poder da imaginação de recriar imagens poeticamente.
Assim, percebemos que os fluxos dos sons no corpo ativam uma reorganização
energética da memória contida em determinadas regiões do corpo, abrindo espaço para que o
novo surja. E a respiração fortalece a recriação energética do corpo, no tempo do
acontecimento. É uma sensação física que traz novas potências das freqüências vibratórias.
Isto promove que a dinamização da imaginação venha da sensibilidade energética e do poder
de criar e recriar imagens sem codificá-las diretamente em símbolos. Observa-se que, ao se
estar presente, através da atenção á respiração, a intuição corpórea floresce a partir da
sabedoria sensitiva.
A criação da ação da palavra via a dramaturgia do corpo é, então, sensório-perceptiva.
É no ato de percepção do aqui-agora dos estados do corpo, das sensações e das dinâmicas
energéticas, que o fluxo das imagens vai acontecendo, o que gera novas possibilidades de
imaginação. A ludicidade está na relação criativa, desenvolvidas na pessoalidade de cada
corpo, para a ativação de sua sabedoria interna, na criação de suas associações e pontos de
apoio, para a composição da subpartitura da ação das palavras do seu texto.
Ao vento da noite
sussurro sete segredos:
tudo que tenho por fora
tudo que tenho por dentro
que o vento vá levando
minha sede
abra porteiras no mar
e nos quatro cantos do ar
(Roseana Murray)
142
4.2.3 Jogo vocal-corpóreo: impulso respiratório como propulsor da ação físico-vocal
64
Objetivo: desenvolver o impulso respiratório para dinamizar as energias na vocalização.
Foco: colocar a consciência no impulso respiratório-energético na execução da ação
físico-vocal.
Descrição: com intuito de dinamizar as energias que precedem a ação físico-vocal, o
aquecimento foi feito com a brincadeira de pega-pega, em dupla, como forma de
impulsionar a energia do brincar da criança, matriz que escolhemos como base energética
para a composição das ações verbais, a partir dos fragmentos do texto Cobra Norato.
Neste jogo, quem foi pego, era estimulado pelo toque do colega a dinamizar o impulso
desta energia para determinadas regiões do corpo. O que está sendo tocado detém a
atenção na percepção da criação do trajeto do impulso energético, usando este ponto do
corpo tocado como sensação por onde experimentaria fluir a voz também. Na seqüência
do jogo, o foco estava em fisicalizar este impulso energético, recriando-o em ações
corpóreas e sonoras de brincadeiras de criança. A partir desta criação, os estudantes são
instruídos a explorar as intensidades dos impulsos, mantendo o impulso interno em 100%
e a ação em pequenos movimentos e também em suas possíveis variações de intensidade.
Após a fase exploratória, cada aluno escolheu algumas, dentre as ações experimentadas,
encaixando uma música nelas. No final deste jogo, os alunos, deitados no chão, foram
chamados a sentirem o impulso que ainda ecoava no corpo. Após um momento de escuta
destes impulsos internos que ecoavam, eles vocalizaram os sons que ficaram registrados
na memória muscular-energética.
Comentários sobre a vivência do jogo:
Neste jogo, pesquisamos a respiração enquanto dinamizadora do impulso energético
da ação vocal. Sendo que o impulso do movimento nasce do centro do corpo e se irradia para
o meio, podemos constatar a importância do impulso da respiração, tanto em nível muscular
quanto energético, para a dinamização do fluxo de vida, da corrente de energia que ressoará
no corpo. A respiração dá ignição à ação do corpo, dinamiza e cria as energias que
impulsionarão a ação vocal com intencionalidades vibratórias.
64
Imagem do Jogo Vocal no DVD no link: Impulso Respiratório
143
Neste jogo, com intuito de dinamizar a organicidade do corpo na energia da ludicidade
do brincar começamos a prática com aquecimento físico através da brincadeira de pega-pega.
O objetivo da corrida foi trabalhar a dinamização das energias do corpo, liberando e
ampliando o fluxo respiratório para que o ar penetrasse no espaço interno e fizesse fluir um
estado de ligação interior com a energia de ser criança. Vejamos as sensações dos alunos
sobre este aquecimento:
“O aquecimento feito para despertar o corpo e disponibilizá-lo para o trabalho em
forma de brincadeira foi muito bom. Trabalharíamos com a energia do brincar, e o
aquecimento já foi trazendo esta característica. É interessante notar como as
brincadeiras vividas vão surgindo de forma natural. Temos uma memória que está
no nosso corpo, na nossa mente, mas que, muitas vezes, não temos consciência
delas. Quando começamos a ativar determinadas energias, ou até partes do corpo,
parece que estas imagens saltam à luz da consciência. Acabamos por exteriorizá-
las, fisicalizando este brincar através de uma ação física” (Deise).
“Correr pelo pátio da escola foi um exercício que serviu também para
manifestarmos a criança sem medo diante do olhar dos outros. A sensibilidade e a
respiração são despertadas e temos que nos concentrar em tudo para manter o jogo,
para não nos isolarmos. A criança tem uma enorme capacidade para fazer isso,
saber das necessidades de seu próprio corpo e manifestá-las claramente, com o
frescor da primeira vez. É uma sensação que lembra um calor e a voz se expressa
como um todo do corpo” (Tatiane).
“Correr pelo pátio foi ótimo. Tudo bem que havia uma preocupação minha em cair
no asfalto e depois me ralar, mas isso foi esquecido quando o lúdico se fazia
presente no jogo com minha dupla. O cansaço foi controlado e anestesiado pela
respiração solta, o que acabava por gerar uma voz aquecida e natural” (Eduardo).
“A corrida serviu muito pra expurgar todas as energias extras que só atrapalham
nestes momentos, pois ao ficar muito cansado, o corpo e a mente trabalhavam
exclusivamente pra aquilo que eram inclinados a fazer/pensar, com isso a energia se
concentrou bem nesses estímulos. Era a criança, a nossa criança que renascia, boba
alegre e feliz!” (Daniel).
Observamos que a exaustão física, na corrida, provocou o corpo a ir além da atividade
barulhenta do pensar racional. A exaustão pode ser uma forma de abrir o corpo,
energeticamente, vencendo as defesas psíquicas do ego controlador que está o tempo todo
tagarelando, julgando, limitando. Como salienta Luis Otávio Burnier: “Quando o ator atinge o
estado de esgotamento, ele conseguiu, por assim dizer, ‘limpar’ seu corpo de uma série de
energias ‘parasitas’, e se vê no ponto de encontrar um novo fluxo energético mais ‘fresco’ e
mais ‘orgânico’ que o precedente” (BURNIER, 1985 apud FERRACINI, 2001, p.138).
Observo que, para propor um exercício de exaustão, cabe, à percepção de quem está guiando
o jogo, verificar como está a energia da turma e suas necessidades específicas em cada aula,
pois os caminhos pedagógicos, para conseguir esta dinamização do estado de consciência
ampliado, são muitos. Dentre eles, há, também, exercícios que desenvolvem a quietude
144
interna da mente racional, através de propostas que não a da exaustão do corpo para vencer
barreiras mentais. A atenção ao momento presente é um caminho para trazer o espaço de
silêncio da mente. No caso deste jogo, conseguimos a proposta de deixar fluir as energias
organicamente, sem tentar controlar o movimento de forma racional, deixando vibrar o corpo
em sua totalidade criativa, conforme vemos no relato da aluna:
“Minha maior dificuldade no início foi pegar meu colega pra gente dar
continuidade ao exercício (rsrs). Quando conseguimos, eu estava tão cansada que
não conseguia nem raciocinar na hora de seguir o impulso da energia acumulada e
o estímulo no corpo. O movimento simplesmente fluía” (Tarsila).
Eis que, quem era pego, era estimulado por toques do colega e, e a partir das sensações
que surgia, deveria deixar fluir a corrente respiratória, para as regiões do corpo tocadas. O
fluxo criativo do movimento respiratório deveria partir da resposta intuitiva do corpo. O
trajeto do impulso energético seguiria então, desde o centro (diafragma/chackra plexo solar),
até o ponto do corpo tocado, expandindo-se pela boca, em um foco direto. Por estas sensações
energéticas e respiratórias, experimentou-se o fluir da voz, ligada à consciência de onde parte
e para aonde vai o impulso respiratório:
“O exercício de trabalhar com estímulo dado pelo colega em determinadas partes
do corpo foi bom para termos a consciência de qual parte foi estimulada e fazer
com que o movimento venha a partir destas partes estimuladas” (Deise).
“Encontrar o impulso a partir das indicações do colega, quando parávamos de
correr, foi a parte mais fácil. Fiquei concentrada apenas no impulso e no
movimento. O corpo fazia o percurso do ar, que começava no diafragma e
terminava na parte tocada. Brincar com o lúdico traz energia que às vezes não
temos ou achamos que perdemos toda essa energia. Achei que todos tinham uma
energia muito forte. A respiração traz prontidão corporal e vocal”” (Sara).
“Fiquei exausto, sorridente, ofegante, bobo, enfim, eu estava cheio de energias que
faziam parte da minha infância. Havia um panorama de sensações que me
impulsionaram um repertório de idéias criativas” (Altamar).
Com a atenção ao fluxo respiratório, foi sendo trabalhado o fluxo e impulso orgânicos
do corpo. Ao ampliar a percepção da sabedoria sensitiva do corpo, propicia-se a sua vibração
em totalidade física, cognitiva, afetiva, energética. A ação física ocorre então, não pela
predominância da ação mental/racional, mas pela percepção sensório-cognitiva da ação
intuitiva. Com a concentração na respiração, se pode conseguir com que ocorra um espaço no
fluxo dos pensamentos, instalando-se uma serenidade que propicia os lampejos de
criatividade e um nível mais ampliado da consciência da sabedoria do corpo.
145
A precisão no fluxo do movimento vocal está relacionada com os trajetos do fluxo
energético do corpo. De forma que, para ampliar a consciência da concentração energética do
ar-som e saber lidar com suas variações de intensidades e com suas precisões de ações no
espaço, na seqüência do jogo foram trabalhadas variações da energia na fisicalidade da ação:
“quanto ao espírito na qualidade de semente, temos um exemplo: mover o espírito aos dez
décimos, mover o corpo aos sete décimos” (GIROUX, 1991, p. 120). Os alunos foram
estimulados a partir da concentração energética em si, e desenvolvê-la em relação com o
meio, com suas variações de intensidades. Observamos que a ação se preenche de presença
quando há concentração, atenção e precisão no fluxo das energias dinamizadas e expressadas
ao meio.
Neste intercâmbio, o corpo está sempre em relação, pois eis que não há divisão entre
dentro e fora, tanto os estímulos do ambiente causam uma mudança no organismo, quanto os
movimentos internos causam uma mudança no ambiente. Em um movimento circular, de
criação e recriação energética, está o intercâmbio entre organismo e meio externo:
“Esse exercício serviu para fazer a gente sentir o impulso, que aparentemente viria
do exterior, já que o colega tocava em algum lugar do nosso corpo, de onde deveria
vir o impulso respiratório, mas dessa forma percebi que mesmo com um estímulo
exterior o impulso vem de dentro do corpo, o corpo prepara o movimento e logo em
seguida ele acontece” (Lis).
“Os estímulos de toque e impulso respiratório fizeram com que a construção
surgisse a partir da essência de cada um, dentro do âmago, do individual; ou seja,
uma construção que brota a partir de nossas experiências” (Eduardo).
O aprendizado foi de que, mesmo os estímulos vindo do exterior, a origem da
percepção e da criação energética nasce sempre no espaço interno. Assim, a pessoa,
plenamente consciente do seu centro interior, pode acionar sua sabedoria de criação e recriar
os fluxos dentro de si.
Para encerrar este jogo, cujo foco estava na atenção ao impulso interior que precede a
ação, pediu-se aos estudantes que, deitados, concentrassem a atenção à percepção dos
impulsos internos que foram dinamizados e que continuaram ecoando no corpo, observamos
no dizer da aluna que:
“Quando deitei e prestei atenção onde se concentrava minha energia, notei muita
energia no alto das costas, nas mãos e nos pés (bem forte nas extremidades) e na
boca” (Sara).
146
O fluxo da corrente energética faz ressoar em determinados pontos sensações que
provocam estados corporais, que são manifestados em intencionalidades criativas conscientes,
no instante em que se faz a ação poética da palavra. A consciência do corpo dos pontos
vibratórios ativados no corpo, dos caminhos da ação da palavra, das sensações e imagens que
surgiram, serviram como apoio para a continuação da pesquisa no próximo jogo, a fim da
composição das ações físico-vocais. As imagens corpóreas foram anotadas como “verbos de
ação e situação”. Assim, as descobertas desta aula, da matriz física e energética das
brincadeiras de criança, serão novamente trabalhadas na próxima aula, para desenvolve-las na
dinâmica de, a partir dos fluxos internos da ação, irradiá-las ao espaço com precisão.
4.2.4 Jogo vocal-corpóreo: Precisão na ação físico-vocal das palavras
65
Objetivo: trabalhar a precisão do fluxo interno da ação na irradiação no espaço, para
desenvolver a precisão da ação física à vocalidade da palavra na dinâmica do movimento.
Foco: precisão da ação física na relação com a ação vocal da palavra, nos seus
deslocamentos e desenhos no espaço.
Descrição: um véu (tecido leve) é utilizado como objeto cênico para a visualização e
precisão do movimento no espaço. Aquecimento vocal-corpóreo de alongamentos com
vocalizes utilizando os véus, de forma ao corpo já ir se apropriando daquele objeto cênico.
Na seqüência, continuam-se os movimentos corpóreos guiando o fluxo da energia e
irradiando para o movimento do véu pelo ar. Primeiramente, a ação é feita através do
impulso respiratório, para depois o mesmo movimento ser explorado com a voz e com a
palavra (fragmentos do texto Cobra Norato). Conforme o véu (como uma extensão do
corpo) desenha seus movimentos no espaço, se desenha o movimento da voz nos seus
trajetos pelo espaço.
Comentários da vivência do jogo:
A dinâmica corpórea com os véus surgiu com o intuito de trabalhar a precisão da
reverberação do impulso interior em seu fluxo no espaço, especificamente, a precisão da ação
do fluxo interno vocal ao fluxo da ação da palavra nos seus deslocamentos no espaço-tempo.
Ainda sabendo que corpo-voz é unidade integrada, nas dinâmicas de desvendar das ações
65
Imagem do Jogo Vocal no DVD no link: Matriz da Ação Físico-Vocal.
147
físicas das palavras, aparecem algumas dificuldades, conforme constatamos no relato dos
alunos:
“Não é sempre que conseguimos unir corpo e voz. Claro que um faz parte do outro,
mas muitas vezes nos inibimos em algumas partes para privilegiar outras, como se
as coisas estivessem separadas. Quando o encontro original destas formas se dá de
maneira consciente é claro para o ator que sua capacidade de comunicar cresce.
Isto, para mim, é alcançado quando me preparo antes de ir para cena, observando
minhas sensações e me perguntando como me sinto ao realizar, agir” (Tatiane).
“Normalmente eu não consigo me deixar levar pelo corpo e seguir com a voz. O
racional interfere, e quando eu me vejo estou já pensando numa próxima proposta
vocal ainda executando uma, sem que o corpo tenha mudado. O meu maior
aprendizado foi no sentido de conectar mesmo corpo e voz. Adaptar o corpo com a
voz, buscar as oscilações e nuances fazendo-as fluir é o grande barato e sinto que
eu consegui avanços nesse aspecto” (Tarsila).
Vemos, nas observações destas alunas, que, na pesquisa da vocalidade na dinâmica do
movimento, acontecem alguns momentos de predominância do pensamento racional analítico
que inibe o fluxo orgânico vocal. Uma hipótese para a ocorrência disto pode ser associada a
toda dicotomia de corpo-voz, corpo-mente, corpo-emoção, decorrente do século XIX, de cujo
paradigma ainda há resquícios na nossa sociedade. Assim, na prática, para os atores, ainda há
a necessidade de trabalhar a integração da ação física à ação vocal, através do
desenvolvimento da sensibilidade da vivência do corpo na sua totalidade físico-cognitivo-
afetivo-energética.
O desafio está na abertura da percepção, sem deixar que ocorra uma hegemonia do
pensamento analítico e racional. A cognição está atuando no corpo, é sensório-motora. Assim,
basta deixar fluir a energia, com a escuta na percepção dos impulsos internos e a consciência
do potencial de criação.
Para tanto, mais uma vez, a atenção aos impulsos internos na sua irradiação ao espaço
físico: o que te impulsiona por dentro no instante presente? Este impulso te leva para onde?
Em resposta a tais questões, os objetivos de direcionamento da voz no espaço eram físicos:
através da utilização dos véus, o corpo deveria levar e ser levado pela voz. A utilização dos
véus trouxe clareza aos movimentos, do impulso do corpo aos trajetos vocais pelo espaço. Tal
visualização do movimento ampliou as possibilidades de trajetos da voz no espaço e a
precisão da ação no seu fluxo no espaço-tempo. O véu, ao ser trabalhado como uma extensão
do corpo, trouxe uma precisão da ação do fluxo interno vocal ao fluxo da ação da palavra no
espaço-tempo:
148
“É muito bom explorar um objeto, você investigar as diferentes possibilidades que
uma mesma coisa lhe oferece é muito rico. Neste trabalho de descoberta, aos
poucos você vai se tornando tão íntimo daquele objeto, que ele acaba por se tornar
extensão do corpo do ator” (Deise).
A precisão da ação, durante o jogo, envolve desenvolver a atenção ao espaço-tempo da
ação, seu início, meio e fim, trabalhando a direção intencional de maneira objetiva, de
ocupação sonora no espaço na relação com os colegas e com o ambiente físico. Observei que,
entre os aspectos que davam clareza na ação, estavam: o direcionamento do foco no olhar, o
desenvolvimento da pausa entre o espaço-tempo de uma ação e outra e a conexão com a
comunicabilidade do para quem, para o que e para onde estava sendo direcionada a voz.
Com o estímulo físico do brincar com os véus, na busca de possibilidades criativas de
trajetos do som e da palavra no espaço, foram dinamizados os impulsos internos das energias
intencionais das ações, que, numa fase posterior do processo criativo, serviram de matriz
energética para a criação dos personagens:
“Nesse exercício utilizamos o véu para criar ações físicas ligadas ao nosso
imaginário infantil, a energia do brincar, como se esconder, voar (super herói),
girar, dormir, etc. Foi essa brincadeira com os véus, junto com a matriz que me deu
estímulos para criar meu ser da floresta, personagem que começamos a trabalhar
depois” (Lis).
“As ações criadas a partir do movimento dos véus estão associadas à matriz
estudada nos exercícios de contato com meu universo infantil. Percebi que as
imagens mais fortes para mim sempre estiveram ligadas aos elementos ar e água.
Embora a TV, a rua, músicas e teatros também exercessem forte influência, a
imaginação voava pelo sentido da liberdade, da fluidez destes elementos, o que me
estimula a reinterpretar os fatos e a criar novas imagens e sons” (Tatiane).
A partir de tais jogos corpóreos, chegamos ao seguinte princípio em relação à
ressonância como eixo integrador da ação física à vocal:
O trabalho de desvendar as ressonâncias da palavra no corpo possibilita a afinidade
harmônica da fisicalização do texto do ator através da dramaturgia sonora da sua
corporeidade. Os efeitos da ressonância vocal, do fluxo dos sons no corpo, trazem
concentração energética da ação física em relação com a ação vocal na medida em que a
palavra é trabalhada desde a corrente energética do som no espaço interno do corpo: as
freqüências vibratórias das ações vocais ressoam de acordo com a qualidade muscular e
respiratória dos impulsos da ação física. Nesta conexão, da vibração da voz em ressonância
com a vibração do corpo, as freqüências vibratórias dinamizadas ressoarão nas palavras.
149
Assim, para haver uma integração da ação física à ação vocal da palavra, faz-se necessário
desenvolver primeiramente o centramento no interior do corpo, conectando a atenção á
respiração e ás tonicidades musculares, para os fluxos do som pelos ressonadores e pela
coluna, nas dinâmicas do movimento. Para então, desde a concentração da ação no interior do
corpo, deixá-la fluir com precisão no espaço-tempo, direcionando objetivamente para quem,
ou para que se criará a ação comunicativa. Sendo que a palavra tem em si o potencial de
comunicabilidade de algo para alguém, o desenvolvimento da intencionalidade da voz
amplifica sua força energética a partir do direcionamento do para quem a palavra está sendo
irradiada. O princípio da pesquisa da palavra via sentidos do corpo, permite que a palavra
posta em cena componha-se de emanações sensíveis da vocalidade poética, ampliando as
potencialidades de desenvolvimento perceptivo do texto cênico, como um acontecimento
corpóreo.
4.3 A ressonância vocal na criação do personagem
Chegam de longe ruídos anônimos. Quem é que vem?
(Cobra Norato - Raul Bopp)
No decorrer desta pesquisa do processo de criação via a dramaturgia do corpo, para a
composição dos personagens começamos com a pesquisa da ação vocal em ressonância com a
ação física, com o acesso ao imaginário corpóreo e com a pesquisa da corporeidade das
palavras do texto, para, então, aos poucos, irem sendo desvelados os personagens ‘seres da
floresta’. As linhas condutoras, durante estes percursos, como vimos nos itens anteriores,
foram a respiração e a ressonância da voz como matrizes dinamizadoras da energia, as quais
foram compondo a subpartitura para a criação das ações físico-vocais do texto Cobra Norato.
No texto Cobra Norato, de Raul Bopp, a história se passava em uma floresta. O
trabalho neste contexto partiu de um processo interior, de buscar a floresta dentro de si, da
musicalidade que ressoa em cada corpo a partir desta poética. Na composição dos ‘seres da
floresta’, o processo não partiu de um estudo mental prévio sobre o personagem e suas
características, este foi surgindo através da descoberta de movimentos sonoros relacionados à
pesquisa da ressonância vocal como matriz geradora das ações. Assim, a corporeidade do
150
personagem nasceu antes de uma caracterização mental sobre quem é ele; isto propiciou que
os movimentos não fossem padronizados, mas que surgissem a partir das ressonâncias sonoras
com o imaginário corpóreo. Sobre a criação de personagens pelo ator:
Ou ele cria um personagem, e mais ou menos imita uma personalidade; ou ele usa
seu corpo de modo não-figurativo para esculpir uma substância e reconstruir uma
realidade que não é uma cópia escrava do objeto simbolizado (PAVIS
66
, 1993, apud
ROMANO, 2005, p. 46).
Na criação dos personagens ‘seres da floresta’, fizemos um retorno à natureza, mas
não de forma figurativa, imitadora de reprodução da realidade, mas sim através do contato
com a natureza dentro de si:
“Algo muito bom de ser tocado é o fato do ser da floresta não ser estereotipado.
Não colocamos previamente qual ser cada um seria. Achei isso ótimo, porque meu
trabalho de pesquisa não ficou fechado em uma coisa. Nos deixamos levar pelo que
nosso imaginário ia nos apresentando. O resultado foi que o meu ser da florestao
era nada que eu pudesse dizer que existisse, ou seja, que eu pudesse fazer uma
comparação com algo já concebido. Foi algo completamente novo, acho que reside
aí a riqueza do trabalho” (Deise).
Para a criação dos personagens ‘seres da floresta’, como vimos nos itens anteriores, o
processo partiu das descobertas das ações das palavras através dos fluxos e ressonâncias da
voz no corpo, inclusa, toda a pesquisa desvendada nos jogos anteriores, da matriz energética
da ludicidade do brincar como impulso da ação físico-vocal. Dentro de todos estes jogos de
improvisações, através dos ressonadores
67
ativados, íamos fazendo as colagens do texto
Cobra Norato.
As pesquisas sobre a ressonância vocal, a partir da descoberta dos pontos vibratórios
localizados no corpo, apresentaram um caminho de a voz vibrar a palavra, desde os fluxos
energéticos dos sons no corpo. O caminho seguiu pelas sensações sinestésicas geradas pelos
sons na flauta vocal interna, nos focos de ressonância, que a organização da palavra
possibilitou a partir disto. Neste sentido, a intenção vocal das palavras se configurou como
66
Patrice Pavis, Languages of the Stage: Essays in the semiology of the Theatre, Nova Iorque, Performing Arts
Journal Publications, 1993, p.160.
67
Na literatura teatral, vemos relatos da utilização dos ressonadores como matriz para o movimento no Grupo
Teatral LUME, conforme relata Renato Ferracini: “O trabalho com o texto dá-se pela sobreposição/colagem do
próprio texto na ação vocal previamente codificada ou em algum ressonador. O texto é sobreposto à
musicalidade, vibração, energia e intenção proposta pela matriz vocal ou ressonador. Esquece-se, a partir daí, o
caráter semântico do texto, não importando, nesse caso, o significado das palavras em si, mas sim a organicidade
das matrizes. Dessa forma, a intenção vocal de cada palavra pronunciada pelo ator será dada pela corporeidade e
fisicidade da matriz vocal ou do próprio ressonador, e não pelo contexto sígnico da palavra ou da situação
dramática proposta pelo texto” (FERRACINI, 2001, p. 240).
151
uma motivação energética e física, organizada pelos pontos de apoio dos focos de ressonância
da voz. A pesquisa da vocalidade dos ‘seres da floresta, através dos ressonadores, trouxe
novas imagens sonoras ao texto dos atores.
A seguir, serão exemplificadas algumas práticas de pesquisa das ações vocal-corpóreas
através dos focos de ressonância da voz:
4.3.1 Jogo vocal-corpóreo: Focos de ressonância na ação vocal
68
Objetivo: focos de ressonância como matriz para a composição da ação vocal dos
personagens (ser da floresta).
Foco: consciência de qual foco de ressonância sua voz está vibrando e quais são seus
apoios físicos-energéticos.
Descrição: os estudantes foram conduzidos a acionar os pontos específicos do corpo em
que vibrava a energia da ludicidade do brincar e desvendar ali os focos de ressonância
para a criação vocal dos seus personagens.
Comentários sobre a vivência do jogo:
No processo de criação vocal dos personagensseres da floresta’, através do recurso
de ressonância, pesquisou-se a abertura da flauta vocal interna em relação às organizações
corpóreas musculares, respiratórias e imagéticas desenvolvidas nos jogos anteriores.
Como foi visto no Capítulo 2, os focos de ressonância da voz possuem cada qual uma
compatibilidade de harmônicos, de freqüências vibratórias, de qualidades sonoras, de acordo
com a corporeidade. As mudanças nas qualidades sonoras através da corporeidade, das
tonicidades das musculaturas, dos apoios respiratórios, liberam a fonte glótica (pregas vocais)
para que possam vibrar em potencial, sem hipercinesias na sua musculatura intrínseca, que
porventura possam gerar o fechamento do canal. De forma que o trabalho com os focos de
ressonância pode propiciar a criação de determinadas qualidades vocais para os personagens:
“Percebi ao longo dos processos de pesquisa vocal que o encaixe da voz num ponto
de ressonância, a sua aparição no corpo da gente depende muito do grau de
68
Imagem do Jogo Vocal no DVD no link: Criação de Personagens
152
autoconhecimento, do quanto o corpo está aberto para que os sons se encaixem. Os
pontos de ressonância aguardam por si sós serem atingidos por algum estímulo
sonoro ou físico” (Eduardo).
“O encaixe que encontrei foi impressionante em alguns momentos, poucos, mas
quando rolavam dava uma sensação de plenitude, de afinação, coisa boa de ouvir.
Além de dar um suporte técnico pra possibilitar que eu voltasse a esses pontos de
ressonância sempre que quisesse” (Tarsila).
Observei que alguns atores conseguiam manter a mesma base de ressonância vocal, o
mesmo encaixe dos tons, outros não. Tudo dependia de como estava o corpo naquele dia, de
como estavam as tonicidades e os apoios das musculaturas, na transferência do peso na
qualidade dinâmica do corpo em movimento. Trata-se de uma organização corporal para a
focalização da voz. A percepção consciente sobre como está a sua musculatura naquele
momento do jogo abre espaço para a composição corpóreo-vocal do personagem para além de
condicionamentos musculares habituais. De maneira que, conforme a musculatura e os apoios
daquele dia, daquele momento em que está sendo realizada a ação física, será possível
determinada qualidade vocal. Há momentos em que a voz vai para um ou outro foco de
ressonância, é porque algo mudou na musculatura, seja abertura da cavidade oral, apoio
respiratório, apoios musculares, nas suas inter-relações entre si. A consciência, muscular e
respiratória, ajuda a marcar o caminho do fluxo do som no corpo.
Para o entendimento corpóreo sobre as organizações musculares para a ressonância da
voz, pesquisou-se a passagem de um foco de ressonância a outro, através da distribuição de
forças no corpo, dos apoios dos músculos em suas relações com os eixos de equilíbrio. Para
experimentarmos tais variações relacionadas às mudanças nas qualidades de ressonância,
desenvolvemos associações do ‘ser da floresta’ com um ‘animal’. Nesta relação entre estes
dois, vemos os relatos das alunas sobre a experiência sensória:
“Ao usar as imagens de um pássaro mexi com uma tendência que tenho de manter
minhas costas curvadas, criando gestos mais laterais e expansivos e explorando
também as mudanças rápidas de agudos e graves, já que gosto de compor pensando
em minha extensão vocal [...] Também procurei deixar minha pesquisa mais livre,
com bases que me permitiam brincar e retornar a elas a cada momento em sala”
(Tatiane).
“O meu ser da floresta é mais fluido, sensual, ondulante. Usa muito dos braços na
composição das ações físicas. O foco da ressonância era na testa, a fim de produzir
um agudo bem encaixado, mas não tão potente, mas macio, envolvente. Em alguns
momentos ele subia em intensidade e adquiria potência, quando entrava em contato
com algum outro ser, mas normalmente era mais mediano. O animal mantinha
basicamente a mesma estrutura corporal do ser da floresta, mas mudava o foco de
ressonância, que era mais no ventre, uns sons guturais, graves e fortes, que
surgiram de uma interação com a personagem de uma colega” (Tarsila).
153
As corporeidades do ‘ser da floresta’ e do ‘animal’ traziam significativas mudanças
na postura, equilíbrio corporal, tonicidades das musculaturas, que, ao se modificarem de
acordo com o personagem, exigia toda uma reorganização do corpo. Então, treinamos a
passagem de um personagem para o outro, com o intuito de estimular no corpo a compreensão
dos ajustes necessários para as mudanças nos focos de ressonância. Nestes fluxos, a mudança
do foco de vibração da voz trouxe flexibilidade e agilidade na composição das qualidades
sonoras dos ‘seres da floresta’.
Foi observado que, na pesquisa dos trajetos do som no corpo, os alunos, ao fazerem
vibrar diferentes áreas, dinamizavam energias e freqüências vibratórias com qualidades
sonoras diferentes. Todo caráter sonoro da voz se modificou e se coloriu na alternância entre
as regiões vibratórias e as tonalidades dinamizadas, o que proporcionou maior consciência de
como chegar aos focos de ressonância do ‘ser da floresta’.
Estas sensibilidades sinestésica e cinestésica apareceram também no momento de
interação entre os ‘seres da floresta’, em que observamos que a percepção sensível ao todo
sonoro que estava vibrando no ambiente influenciava a ampliação das tonalidades e,
consequentemente, dos focos de ressonância, como vemos no relato da aluna sobre o seu
processo de criação vocal:
“Na criação vocal do meu ser da floresta eu me inspirei no que surgia de
movimento. O animal começou também com uma voz aguda, porém mais agressiva
e imponente. Só que com a interação com o animal de Vitória, com uma voz super
grave, isso mudou. Acabou surgindo uma voz mais grave, gutural, e também
agressiva, que foi resultado de nosso contato. Achei muito mais interessante porque
experimentei dois focos de ressonância diferentes, um para o ser da floresta, outro
para o animal” (Tarsila).
Na continuação do processo criativo, quando os focos de ressonâncias e seus
respectivos apoios já estavam compreendidos pelo corpo, trabalhamos na transferência da
vibração do som à palavra. Os locais, focos de ressonância vocal, que eram dinamizados para
cada ‘ser da floresta’, deveriam receber agora a colocação da palavra.
De um modo geral, quando trabalhamos somente com a voz, os estudantes exploram
mais a potencialidade melódica do som, e, quando vamos para a fala do texto, retornam os
padrões habituais de melodia. Vejamos na percepção da aluna:
154
“Eu senti que quando estava experimentando com sons as qualidades produzidas
eram mais variadas, em termos de altura. Já quando passei para o texto, cai mais no
meu padrão de voz. Com a bocca chiusa e com as vogais é mais evidente a
vibração do som nas cavidades de ressonância do corpo, já quando se transfere para
fala articulada, sinto ser mais difícil perceber qual cavidade de ressonância está
sendo usada em cada momento” (Vitória).
Esta observação, da dificuldade de transpor as descobertas vocais sensitivas da
ressonância da voz na composição das ressonâncias das palavras, foi recorrente entre os
alunos. A proposta prática para resolver tal questão está nas descobertas dos ajustes
musculares dos fonemas, para que estes abram o caminho para acessar aquele foco de
ressonância criado com as vogais. Pois eis que, com a vogal, o som percorre o fluxo até o
ponto de encaixe, mas com a palavra sendo vocalizada, os fonemas alteram a cavidade oral e,
conseqüentemente, a epiglote, laringe, faringe, já que estes funcionam como filtros que
amortecem ou irradiam determinadas freqüências vibratórias.
As consoantes, que são caracterizadas fisiologicamente por uma obstrução no trato
vocal, são descritas, com freqüência, pelo ponto e modo de articulação, e como
sonoras ou surdas. [...] As consoantes compõe cerca de 62% dos sons da fala
corrente, enquanto as vogais constituem cerca de 38%. Isso significa que podemos
esperar a ocorrência de 1,5 consoantes em cada sílaba para cada vogal. [...] As
consoantes não são apenas mais limitantes que as vogais; são mais rápidas e são,
em grande parte, responsáveis pela natureza transitória da fala (ZEMLIN, 2000, p.
322).
Neste sentido, Boone (1996) cita que uma das variações possíveis da qualidade sonora
dos formantes da ressonância está relacionada à manipulação do tamanho da cavidade oral
durante os movimentos articulatórios. Zemlin (2000) constata que os parâmetros físicos são
influenciados por nossos articuladores, que são: o comprimento geral do trato vocal, a
localização de uma constrição ao longo do comprimento do trato vocal e o grau de constrição.
Assim, com o arredondamento ou protrusão dos lábios, a altura ou a posição da língua, ou as
mudanças na altura mandibular, podemos gerar vários comprimentos às diferentes seções do
tubo vocal e, conseqüentemente, dinamizar determinadas vibrações ressoantes.
Na relação dos focos de ressonância com as palavras, a repetição da qualidade de
ressonância encontrado na verbalização do texto está no desvendamento dos movimentos
internos da cavidade oral, através da pesquisa dos fonemas que aquele texto contém. Ao
trabalharmos a articulação dos órgãos fonoarticulatórios, ocorrerá a geração de novas
qualidades vocais, dependendo do tamanho e do formato da boca que serão configurados para
155
a dicção da personagem. Cada vogal, assim como cada consoante
69
gerará determinadas
aberturas na cavidade oral que propiciam o encaixe de determinados harmônicos. Na emissão
de vogais, o ápice da língua se desloca no interior do aparelho fonador tanto no eixo
horizontal como no eixo vertical: no eixo horizontal, a língua vem para frente ou recua para o
fundo da boca; no eixo vertical, a língua sobe ou desce. De tal forma que, o ápice da língua
pode assumir diversas posições enquanto faz seus deslocamentos e a vogal é definida por este
conjunto de parâmetros articulatórios que ressoam acusticamente determinados formantes.
Tanto a língua, quanto o palato, os lábios, os dentes, modelam o fluxo da voz, dando forma e
coloração às vogais.
Nas consoantes, o elemento plástico é valorizado. A dicção exata para a pronúncia dos
fonemas das palavras, traz o ajuste necessário para a passagem da ressonância vocal à
articulação da palavra. Observa-se que, quando no texto o ator explora a qualidade da
articulação das consoantes, registra-se na cavidade oral uma determinada abertura que
propicia o encaixe dos harmônicos. Assim, a consciência está na força formativa criadora da
atividade dos fonemas em relação com a ressonância da voz.
Cabe relembrar, mais uma vez, que todos estes aspectos minuciosos sobre a relação
entre as ressonâncias da voz e a articulação das palavras estão na rede de conexão entre todo o
corpo, a partir da organização dos eixos de equilíbrio, dos apoios musculares, dos apoios
respiratórios. Ao abrir o corpo por meio do fluxo da respiração e da organização da
musculatura, o encaixe da voz em espaços distintos do corpo, se conduzem por si sós. Ao se
tornar um veículo para o som, abre-se a flauta vocal interna para que os harmônicos ressoem
em potencial.
Na criação vocal, a pesquisa dos focos de ressonância da voz traz uma amplitude nas
qualidades energéticas a serem dadas de acordo com a corporeidade da ação física. A
vocalidade do personagem, ao ser pesquisado através dos encaixes dos focos de ressonância,
propicia qualidades vocais de harmônicos, sem gerar esforços musculares desnecessários nas
pregas vocais. Assim, determinados ajustes articulatórios (mandíbula, boca, língua, palato
mole e suas relações com os fonemas) propiciam que o efeito da ressonância atue em
69
As consoantes e seus pontos e modos de articulação: labiais plosivas: /p/ surda, /b/ sonora; nasais plosivas: /m/
sonora. Labiodentais fricativas: /f/ surda, /v/ sonora; alveolar: /t/ surda, /d/ sonora; alveolar fricativa: /s/ surda, /z/
sonora; alveolar nasal: /n/; líquida sonora: /l/; palatal: /j/ sonora, /r/ sonora; velar: /k/ surda, /g/ sonora.
(ZEMLIN, 2000, p. 323).
156
potencial na criação dos tons e sons da corporeidade do personagem. Ademais, a exatidão
articulatória, nos ajustes dos focos de ressonância, está aliada à precisão dos impulsos e dos
apoios corpóreos e da manipulação das qualidades das energias das ações do personagem.
No final deste jogo, os alunos foram estimulados a criar seqüências de movimentos do
material sonoro gerado nas improvisações, para registrar os caminhos do corpo, a percepção
dos apoios da musculatura e dos focos de ressonância, para através deste registro, poder
repetir a partitura criada. O ato de registrar os aspectos musculares e os apoios físicos dos
focos de ressonância, ajuda a encontrar e manter a voz do personagem, desde a matriz física e
energética, aliando espontaneidade e precisão.
Nesta relação entre a ação da ressonância vocal e a ação das palavras, percebemos que
a pesquisa do fluxo dos sons no espaço interno promove o transporte das palavras de locais
corpóreos conhecidos á locais ainda a serem ativados pela vibração sonora. Percebemos
também que, os novos locais do corpo acionados pela ação da palavra, ao gerarem novas
percepções de vibrações sonoras, estimulam o deslocamento do sistema habitual de
significação destas, fazendo-as vibrar de um modo diferente na consciência, ampliando-lhes o
espaço de imaginação e criação poética.
4.3.2 Jogo vocal-corpóreo: Composição da partitura a partir das matrizes físicas e
energéticas dos focos de ressonância
Objetivo: composição da partitura das ações do texto cênico a partir da matriz física e
energética dos focos de ressonância.
Foco: na base da matriz física e energética dos focos de ressonância e suas organizações
corpóreas nas ligações entre as ações.
Descrição:
Através dos registros do corpo, ativados pelos caminhos das palavras nos fluxos sonoros
pelo espaço interno, por suas vibrações nos focos de ressonâncias, unir as ações criadas,
até então, para compor a partitura do personagem “ser da floresta”.
157
Comentários:
A ação física é um elemento fixável que através de uma repetição dinâmica se
preenche e se justifica progressivamente, como já dizia Stanislavski
70
(1989). Assim foi
durante a criação das ações físicas das palavras do conto Cobra Norato, sua potência sonora
foi sendo desvelada progressivamente. Como vimos, neste processo os caminhos seguiram
desde a matriz dos ressonadores: como ativadores da matriz física via a vibração do som nos
focos dos ressonadores, bem como ativadores da matriz energética da ludicidade do brincar,
bases para a composição da subpartitura dos personagensseres da floresta’. Vejamos no
processo de criação da aluna:
“O meu personagem, ser da floresta, que estava sendo criado tinha como base a
matriz do brincar: esconder e a utilização do véu. Ele era uma mostro, ou bicho que
estava sempre debaixo do véu, se escondendo, fazendo formas diferentes, podia se
transformar em pedra, em árvore, etc. sempre se deslocando no espaço e se
modificando. A fala também ocorre toda por baixo fazendo formas com o rosto,
uma coisa meio animal, meio ser imaginário” (Lis).
A partitura vocal está intrinsecamente relacionada à partitura corpórea, permeadas pela
subpartitura, pelos apoios físicos e energéticos do ator:
“Através da minha partitura do voar nasceu meu ser da floresta meio gaivota. A
matriz é que foi determinante no surgimento dessa personagem. Os movimentos
que eu executava, a voz que eles traziam. Sempre surgia com muita sensação de
liberdade, fluência, movimento circular, quase uma dança” (Tarsila).
Nas ações físico-vocais das palavras, as ligações entre uma ação e outra, feita com
ajustes musculares adequados propiciam o fluxo da corrente de energia entre os movimentos.
As ligações entre as ações são denominadas por Burnier (2001) de ligamens, que são a
maneira como se operacionalizam as ligações entre as ações, são eles, em grande parte,
responsáveis pela organicidade, por criarem os canais que permitem que o fluxo de energia
circule. Nesta dinâmica, a atenção ao fluxo do som no espaço interno e seu deslocamento no
espaço cênico, propiciou com que a partitura fosse registrada pelos caminhos dos sons no
corpo. A partitura vocal está interligada á trajetória e energia do som que se desloca no
espaço, o movimento que move o texto, em corporeidade. Vejamos nas palavras do aluno
sobre sua composição:
70
A noção de partitura é em Stanislavski uma linha de ações contínuas que se caracteriza como uma trajetória
com início meio e fim, na qual objetivos e acontecimentos vão se desenrolando até chegar no superobjetivo da
personagem.
158
“A minha matriz do brincar era do super-herói, era energia que eu tinha no corpo,
eu tinha muito claro em minha mente a figura do guerreiro, do caçador. A cada
compasso que eu fazia, com saltos pra cima em zig –zag, despertava a vogal “A”, e
os braços puxavam a base abdominal do centro para cima (...) No texto havia duas
palavras que me chamaram muito a atenção: árvores e raízes. A raiz suga, traz pra
terra, daí o motivo do meu ser da floresta ter se transformado numa espécie de
aranha saltitante, que quer se desvincular da força que prende. Os cipós e galhos
eram cortados pela minha espada imaginária, que num raio vocal de energia o “A”
era focado numa linha reta e, conseqüentemente, os dois braços juntos
acompanhavam o movimento ascendente. Incrível que em nenhum momento eu
tive medo de enfrentar as surpresas do universo onírico” (Eduardo).
Assim, a partir das criações desvendadas por cada aluno nos jogos de improvisação, da
seleção dos ingredientes nascidos nestas experimentações, da articulação criativa das
descobertas, da escolha de seqüências de movimentos, foi-se constituindo a partitura
corpórea. Para o registro da partitura criada, buscávamos sempre a codificação pelos
caminhos do fluxo dos sons no corpo, pelas ressonâncias e vibrações da ação da palavra na
fisicidade da ação física. Também utilizamos anotações no papel, tais quais estes relatos que
estamos aqui lendo. Assim, foi-se registrando as composições que foram constituindo as
ações físico-vocais dos personagens, as quais, por terem seguido os caminhos do corpo,
geraram personagens não estereotipados, não consistindo eles na atualização de um real e de
um significado, mas sim, sendo experiência do potencial, pela atualização das percepções
corporais latentes. Vejamos este processo na percepção do aluno:
“Inspirei-me na idéia de raiz, de folhas ao vento, de plantas carnívoras, conforme
algumas indicações do texto. Havia duas sugestões: árvore (que é um tanto estático)
e bicho. Criei movimentos inspirados nestas duas idéias, conclui que não era nem
uma coisa, nem outra. Talvez aí eu estava na pista da idéia de um ser da floresta,
algo indefinido, porém definido, ambíguo. Explorei movimentos sinuosos no plano
baixo e sons bem graves, algo que sugerisse a idéia de sugar, comer, ter fome, de
barriga roncando – fiquei naquele espaço do imaginário onde o medo convive com
o encanto” (Altamar).
De tal forma que a ação físico-vocal da palavra tornou-se uma experiência da
potência do corpo em ação, sem necessitar significar algo, mas sim ser agente provocador de
ações vocais. Nesse sentido, os focos de vibração da voz nos ressonadores do corpo, como
matriz física e energética para a composição dos personagens, ao transportar a vibração da
palavra para locais desconhecidos, abriu terreno para a ação da palavra por sua vibração,
deslocando-a do campo semântico de representação de significados, para semear seu potencial
energético.
A criação via as descobertas do corpo, trouxe á tona os fatores sinestésicos do texto, a
sua qualidade vibratória, característica condizente com que Pavis (2003) fala sobre: o texto
159
impostado é sensível na sua qualidade vibratória, como se desenhasse no espaço-tempo a
trajetória de suas direções e de seus movimentos.
4.4 A ressonância vocal na composição da dramaturgia sonora
Neste item, desenvolveremos sobre os jogos corpóreo-vocais que serviram como mote
de pesquisa para a composição sonora grupal. Através das práticas de improvisações,
experimentamos combinar algumas seqüências aleatórias das frases de cada ‘ser da floresta’,
em um jogo de composição sonora.
“Árvores cumadres tecendo folhas”
(Cobra Norato, Raul Bopp)
Os jogos corpóreos de ressonância vocal trazem a ação da palavra para além da
ilustração sonora da situação cênica, pois atuam na sutileza das freqüências vibratórias do
som, o que gera um espaço a ser preenchido pelas sensações que o toque dos sons despertam
no corpo. Nesta sintonia, investigaremos o potencial da ressonância vocal na composição da
dramaturgia sonora da cena.
Sobre a dramaturgia sonora da cena, eis que na virada do século, a ruptura com a cena
textocentrista fez com que esta se articulasse de formas menos ilustrativas e mais
experimentais, em relação à encenação proposta. Na cena naturalista, a dramaturgia sonora
tinha como função representar o que propunha o texto dramático e, mais a fundo, representar
a realidade. Por exemplo, cita-se Stanislavski, para quem as sonoridades da cena e da fala
eram trabalhadas próximas ao natural, assim a música e a paisagem auditiva
71
eram realistas e
deviam ser justificadas pela ação da personagem. Com novas concepções sobre a dramaturgia
sonora para a cena, assinalava Antonin Artaud que as sonoridades podem agir diretamente e
profundamente sobre a sensibilidade dos espectadores. No seu entendimento, o texto era visto
por ele como um veículo para a materialidade sonora. Para além de uma imitação da natureza,
queria explorar a característica física da voz com o objetivo de atingir visceralmente o
71
Stanislavski “[...] só admitia uma intervenção realista da música: era preciso que esta fosse exigida pela ação
(a mocinha toca uma valsa de Chopin no piano, alguém passeia na rua cantando embaixo da janela, etc.) [...] Por
meio de sonoridades realistas (sons de grilos, rouxinóis, trens, sinos, batidas de relógios, etc.), procurava dar uma
atmosfera característica ao ambiente da cena e revelar a relação desta com o personagem (ROUBINE, 1998,
p.154).
160
espectador: “as palavras serão utilizadas num sentido encantatório, verdadeiramente mágico –
em função de sua forma, de suas emanações sensíveis, e não mais de seu significado
72
(ARTAUD, 1999, p.146). A dimensão sensível que envolve a materialidade sonora, desde os
aspectos energéticos, foi constatada por Grotowski, na sua fase da Arte como Veículo,
trabalhou “sobre ações ligadas aos antigos cantos vibratórios. Cantos que fazem passar de
uma energia vital a uma energia mais sutil” (GROTOWSKI em entrevista ao SESC/SP,
1996). A dimensão energética da cena é também enfatizada por Eugenio Barba (1936 –), “em
nível perceptivo parece que o ator trabalha com o corpo e com a voz. Na verdade, trabalha
sobre algo invisível, a energia” (BARBA, 1994, p.84). Para ele, o ator deve ser capaz de
irradiar energia
73
a ponto de, mesmo na “imobilidade” dos movimentos corpóreos, portar uma
qualidade energética que desperte a vida no espectador. Assinala que:
O que o teatro diz com palavras não é, no fundo, muito importante. O que conta é
revelar ações, é mostrar a superfície da ação e ao mesmo tempo seu interior, as
forças que estão agindo e que se opõem, o modo no qual a ação é dividida na sua
polaridade, os caminhos pelos quais se realiza e pelos quais padece. Permitir que o
espectador decifre uma história não significa fazê-lo descobrir o seu “verdadeiro
sentido”, mas sim criar as condições através das quais ele possa interrogar-se sobre
o sentido (BARBA, 1994, p. 138).
As sonoridades da cena são enfatizadas também pelo encenador Peter Brook (1925 –),
para quem as diversas línguas faladas por atores de variadas nacionalidades compõem uma
sonoridade para a cena mais pelos sons do que pela semântica. Bob Wilson (1941 –) também
experimenta o texto como matéria vocal e rítmica usada como elemento plástico, sem
pretensão semântica, como por exemplo, em The Golden Windows, conforme assinala PAVIS
(2003). A paisagem sonora pós-dramática de Wilson não constitui realidade alguma, pois
junta colagens de diálogos fragmentados, clichês descontextualizados e fluxos verbais
puramente formalistas, que produzem um espaço de associações na consciência do espectador
(LEHMANN, 2007). Assim, a dramaturgia sonora da cena está saindo da hegemonia da
linguagem verbal na composição, para vibrar como um evento acústico:
Percebendo o texto a partir de seus modos, distanciamo-nos da idéia do texto como
letra, para abordá-lo como evento acústico [...] Numa superfície de 360º,
constituída em diversos planos fixos e móveis, as esferas da voz e a palavra, do
desenho acústico e da música em performance estabelecem um complexo de
72
“Essa linguagem concreta, destinada aos sentidos, e independente da palavra, deve satisfazer antes de tudo aos
sentidos [...]. O valor concreto da entonação no teatro, sobre a faculdade que tem as palavras de criar, também
elas, uma música segundo o modo como são pronunciadas, independentemente do seu sentido concreto, e que
pode até ir contra esse sentido” (ARTAUD, 2006, p. 39).
73
“A palavra grega enérgheia quer dizer, justamente, estar pronto para a ação” (BARBA, 1994, p.94).
161
relações que reconhecemos como a dimensão acústica da cena (DAVINI, 2006, p.
309).
Com a abordagem da dimensão acústica da cena, o texto é trabalhado em sua
dimensão sonora, tendo como função mais do que a transmissão de informação via linguagem
verbal, mas sim instalar um espaço sonoro que preencha acusticamente, em diversos planos, a
platéia, tocando-a em sensações, por meio da materialidade sonora.
Nesta composição, a dramaturgia sonora constitui-se pela união de todos os sons
gerados, por suas qualidades de ruídos, intensidades, alturas, silêncios, freqüências
vibratórias. A dramaturgia sonora está na composição dos ritmos (a ordenação dos sons no
tempo), das melodias (a combinação de sons consecutivos) e das harmonias (a combinação de
sons simultâneos). Os jogos de ressonância vocal podem contribuir na composição da
dramaturgia sonora, por meio das energias contidas nas freqüências vibratórias, criando
ângulos e camadas de recepção, para as melodias e as harmonias da cena.
Para a composição das diversas camadas, ângulos e trajetos sonoros no espaço, o
princípio da ressonância vocal contribui para a prática de uma relação sonora que desenvolva-
a como um acontecimento corpóreo. A ressonância vocal institui no ar uma atmosfera sonora
- não se trata de uma atmosfera como um ‘clima’ ou tal qual a estética do realismo - mas
como o ar que preenche o ambiente de prana que se respira, inspira e que faz o elo entre o ser
e o ambiente, em que o espaço sonoro torna-se corpo e o corpo torna-se espaço sonoro,
trazendo á platéia a consciência de sua própria presença corpóreo-sonora.
A ressonância vocal, por suas freqüências vibratórias, constitui um campo energético
para a cena e traz a palavra para ser percebida de um modo novo, via sinestesias do som no
corpo. Assim, a dramaturgia sonora atua como um território a ser desvendado, e não como um
mapa fechado, deixando abertos espaços para o inapreensível do ponto de vista lógico,
provocando no imaginário de quem escuta a ampliação da consciência por meio da
sensibilidade da força vibratória da voz. Assim, através do jogo vocal poético criado pela
dramaturgia sonora da cena, a platéia, como participante do acontecimento, é convidada à
ampliação das suas percepções e consciências através da presença sensorial do som por entre
as palavras, os cantos e encantos da cena. É a platéia, então, tocada pelas sensações
provocadas pelas freqüências vibratórias, de forma que as suas percepções podem ir além do
162
entendimento somente conceitual mental das palavras, sentindo-as como um acontecimento
corpóreo, pela vibração sonora que ressoa em si.
A seguir serão exemplificados os jogos corpóreo-vocais realizados para desvendar a
composição grupal das ações sonoras, através da união das ações físico-vocais de cada ator,
para a criação de ambiências sonoras para as cenas.
4.4.1 Jogo vocal-corpóreo: composição de atmosferas sonoras através dos ritmos
74
Objetivo: composição de atmosferas sonoras através do ritmo
Foco: relacionamento rítmico entre os atores
Descrição: neste jogo, cada pessoa propõe um ritmo vocal, e, em uma roda, a composição
vai se formando. Os ritmos não são preestabelecidos; eles surgem de cada um, a partir da
sua dinâmica rítmica orgânica e da atenção ao ritmo proposto pelos colegas. Cada pessoa
mantém uma célula rítmica de som, e, na união de cada ritmo, forma-se uma teia
interconecta de ritmos. O jogo segue em dificuldade, de que cada vez que a roda se inicia,
cada um, que vai entrando novamente, troca seu ritmo por outro - dentro do que foi
estabelecido pelo colega anterior, e dentro do que já estava composto pela atmosfera
sonora da primeira rodada. Depois, o jogo continua nesta mesma dinâmica, porém, através
da exploração dos ritmos no movimento corpóreo, através da pesquisa de precisão nas
ações físicas e ações verbais. Na relação com a palavra, experimentamos criar uma
composição rítmica a partir de estalos de línguas feitos por cada um, dentro dos quais os
demais colegas deveriam dizer a frase. Em ordem crescente, um por um, os atores
iniciaram seu som com estalos de língua, acoplando seu ritmo a partir do ritmo anterior
estabelecido. Aqui, mais uma vez, a atenção auditiva foi essencial, pois a marcação dos
ritmos ocorreu pela escolha do próprio ritmo que cada ator quis manifestar. Assim, a partir
dos ritmos, cujo tempo-espaço cada um escolheu, foi sendo criada a composição rítmica
grupal. O som do estalo da língua estava completamente relacionado com o tempo do
movimento corpóreo. Durante o jogo, foi sendo cada vez mais requisitado o
desenvolvimento da precisão corpórea do tempo-ritmo da ação, de espaço-tempo bem
definidos. Em um segundo momento, um por um dos atores (na mesma seqüência de
entrada anterior), foram dizendo frases que escolheram sobre o imaginário, a partir do
74
Imagem do Jogo Vocal no DVD no link: Ritmos e em Atmosferas Sonoras
163
texto. As frases eram vocalizadas de acordo com o tempo-ritmo do estalo que continuava
ao fundo.
Comentários da vivência do jogo:
Neste jogo de improvisação rítmica, a propulsão do processo de criação partiu dos
ritmos orgânicos de cada ator, como propulsor para a composição rítmica geral da atmosfera
sonora. Trata-se de desenvolver o jogo rítmico a partir de uma escuta aos ritmos somáticos do
corpo: ritmos sanguíneos, cardíacos, respiratórios, ou ritmos psíquicos. O ritmo interno
influencia o ritmo externo. É o tempo-ritmo interno o propulsor da dinâmica sonora no
espaço. Neste sentido, constatamos que a atenção ao ritmo interno conduz ao movimento
espontâneo. A partir de uma conexão íntima com seus ritmos internos, os alunos foram
estimulados a criar sons, melodias rítmicas.
Percebemos que a força vibracional energética do corpo, em seu contato com a
intuição e a sensibilidade, conduz à expressividade do ritmo em sua organicidade. Ao
contrário, se há pretensão de controlar o ritmo com a predominância do racional mental, ele
pode cair no vazio da forma, conforme constatamos. Assim, trabalhamos em um primeiro
momento para que o ritmo composto fosse impulsionado pelo ritmo interno, desvendado nas
ações físicas de cada um, para que a fala não ficasse mecânica dentro da simetria do ritmo,
mas que, através da ação e reação, fluísse o movimento corpóreo-vocal. O ritmo traz a vida
em seu pulsar no momento presente. Deste modo, também constatamos que a sabedoria
corpórea se manifesta quando permitimos que a organicidade do corpo impulsione o ritmo,
para que a voz ressoe na freqüência vibratória da musicalidade individual.
Na seqüência do jogo, o brincar vocalmente a partir do ritmo do estalo de língua
proposto pelo colega exigiu dos atores muita atenção na precisão dos movimentos corpóreo-
vocais. O ritmo envolve estar atento aos tempos, ao tempo interno, ao tempo do colega na
fala, envolve uma dinâmica que ocorre no instante em que se faz a ação e a reação espontânea
e precisa. O trabalho com a precisão rítmica envolve a escuta de si, na relação entre o impulso
interno e a relação sonora com o outro:
“A maior parte do exercício eu lancei propostas baseadas no que o pessoal trazia
pra cena. Como éramos muitos, alguém precisava simplesmente se encaixar ao
invés de propor também. Esse é um grande aprendizado numa composição em
164
grupo, o jogar junto, conectado com o outro. Adorei minha composição com a
colega, fazíamos um contratempo em um ritmo rápido e entrecortado, compondo
uma super atmosfera com a galera” (Tarsila).
“Inicialmente a vontade era de fazer muitas vozes, mas tentei achar um caminho
mais simples, com poucos gestos e nuances de ritmos vocais, o que me fez alcançar
algo mais seguro e mais compartilhado com os outros, dando margem para alguns
improvisos e brincadeiras” (Tatiane).
“Foi basicamente ouvido e ritmo. Era a sensação de ouvir o colega e criar um ritmo
diferente do dele, porém que se encaixasse perfeitamente no dele. No final saiu um
som muito legal, parecia uma orquestra percussiva!” (Daniel).
No processo de ressonância do grupo, na união dos vários ritmos internos na relação
com o estímulo externo, foi necessária uma atenção bem concentrada no jogo, pois, muitas
vezes, os sons se desencontravam, para, logo adiante, se encontrarem, e, lá pelas tantas, se
desencontrarem e se encontrarem novamente. Para resolver tal questão, buscou-se o
desenvolvimento da simplicidade na mescla rítmica, para que se desenvolvesse primeiramente
o sentido da escuta do outro, e então se desencadeasse a ação e reação rítmica.
A simplicidade contém dentro de si o silêncio, que abre espaço para a escuta do que
acontece ao redor. Neste aprendizado interno, as pausas, são os locais do silêncio, da
respiração, da escuta das sensações que ecoam no corpo e no espaço. Na vocalidade, o
silêncio e a pausa contêm em si o momento para a energia se concretizar com sua força
vibracional e se reverberar no espaço. Na composição sonora com as palavras do texto cênico,
a escuta perpassa, por perceber entre as palavras, a energia vocal que reverbera dinamizando
intencionalidades.
No processo de criação rítmica em conjunto, a concentração nos movimentos dos sons
e dos silêncios aprimoram a precisão corpóreo-vocal do tempo-ritmo: da sua ação interior, na
relação com as ações dos colegas e na composição da cena como um todo. No processo de
criação corpórea da ação vocal da palavra, desenvolvemos sua composição rítmica através dos
ritmos da respiração, da sintonia ou da oposição rítmica entre ação interna e externa, da
aceleração e desaceleração da mesma ação, da variação rítmica em diferentes segmentos
corporais, dos ritmos vocais das sílabas tônicas das palavras em relação ás ênfases na ação
corpórea. Na composição grupal, as seqüências rítmicas do movimento do texto-som
provocam na sutileza de suas junções, os efeitos sonoros, assim, o jogo pode estabelecer:
contrastes de ritmos entre diferentes ações numa mesma cena, o contraponto de ritmos no
165
canto, ritmos corpóreos em sintonia ou invertidos em relação à música, bem como as nuanças
de variações rítmicas nas mudanças de cenas. Sobre a escuta do tempo da cena, diz a aluna:
“Estudar o tempo da cena é um dos grandes desafios do ator porque é necessário
pesquisar ritmos para nossas expressões, senão há perda da intencionalidade certa
ao contexto. O ator precisa ter um compromisso com a repetição como um
repertório acessado pelo seu corpo. Ao mesmo tempo em que cria tem que ser
capaz de registrar” (Tatiane).
Através da repetição da composição, que estávamos criando com as variações do
tempo-ritmo, foi necessária muita prática, para que o corpo abrisse a escuta sinestésica, da
relação subjetiva que se estabelece entre um sentido que evoca outro. O sentido do som
evocando o imaginário corpóreo: as imagens que surgem das sensações, que evoluem e se re-
criam a cada interação,
“Grande percussão coletiva. Durante este processo passamos a ativar o imaginário a
partir dos sons produzidos” (Tarsila).
O tempo rítmico cria a atmosfera que se quer desenvolver nas relações entre sons,
palavras e imagens geradas:
Sinto bater em cadência a pulsação da terra.
Grilos dão aviso, respondem lá adiante.
(Cobra Norato - Raul Bopp).
Na composição sonora em grupo, a ressonância traz como aprendizado a
comunicabilidade dos sons que fluem por entre trocas energéticas. O aprender a viver junto
depende do aprender a ser. Trata-se de um aprendizado mútuo, onde, na mescla rítmica,
compõe-se, em ressonância, campos harmônicos sonoros.
4.4.2 Jogo vocal-corpóreo: composição de atmosferas sonoras através das alturas vocais
Objetivos: composição grupal através da altura do som.
Foco: relacionamento vocal entre os atores com foco na altura vocal.
Descrição: aquecimento com vocalizes ao som do teclado e do violão. Após o
aquecimento, exploram-se as alturas sonoras, sem os instrumentos musicais. Começa o
jogo em dupla, onde cada estudante busca a afinação vocal com o colega, trabalhando o
mesmo tom, primeiro na mesma oitava, e depois uma oitava abaixo ou uma acima. A
atenção dos estudantes é direcionada para a produção da vibração energética dos tons, e
para o desvendar da sua extensão vocal, com a percepção da colocação de cada nota na
166
cavidade em que ela ressoa e amplifica. Depois de um tempo explorando a
compatibilidade de freqüências vibratórias em pé, parados, a pesquisa segue para a
composição com vogais, na dinâmica de movimento do “contato improvisação”. O
“contato improvisação” propicia um contato corpóreo com o colega, nos locais onde as
percepções cinestésicas da vibração dos sons estão vibrando no seu corpo na relação com
o colega com quem está jogando.
Comentários da vivência do jogo:
Neste jogo, a pesquisa estava relacionada ao canto. Escolhemos músicas inspiradas no
conto Cobra Norato, eram elas: Floresta, Imaginação Colorida, Gopala
75
. Todos estes cantos
eram a capella
76
, com arranjos de três vozes (barítono, mezzo-soprano e soprano).
Para desenvolver a afinação e a sensibilização da escuta para o canto a capella, como
prática inicial nós fizemos um aquecimento de, em dupla, buscar a ressonância das vozes pela
união das alturas dos tons. Experimentamos vocalizar a mesma nota, só que em oitavas
diferentes, para desenvolver, na união de freqüências vibratórias, a amplificação do som.
O princípio físico da ressonância nos mostra que, quando as duas vozes se encontram
no mesmo tom, tanto na mesma oitava, como em oitavas diferentes, ocorre a amplificação do
som. Vibrar no mesmo tom significa a união de vozes – entra-se em ressonância. A
ressonância acontece quando o mesmo tom é vocalizado. Duas freqüências vibratórias
ressoantes ampliam a onda vibratória. O mesmo tom pode ser vocalizado em várias oitavas,
dentro da escala musical tonal. A base da oitava significa que, ao dobrar-se a freqüência de
um som, este produz a mesma nota, o mesmo tom, só que numa escala superior. A freqüência
da nota “dó”, 256 Hz, ao vibrar em uma oitava acima, se torna 512 Hz. Outro exemplo: a
freqüência do /Lá/ fundamental é 440 Hz, o /Lá 4/ que representa uma oitava acima vai ser
880 Hz e o /Lá 2/, e o que representa uma oitava abaixo vai ser 220 Hz. Cabe ressaltar que,
a nota é um símbolo abstrato que representa um tom, que na verdade é um som.
Podemos tocar milhares de dós ou rés e eles serão todos diferentes. Nada pode ser
padronizado. Cada evento vibratório é único (NACHMANOVITCH, 1993, p. 64).
75
Imagem do Jogo Vocal no DVD no link: Canto Coral
76
Cappella – termo proveniente da Itália - refere-se à música vocal sem acompanhamento musical.
167
Experimentamos o desenvolvimento dos encaixes dos tons nos focos de ressonância
da voz por meio do contato íntimo do tom com sua vibração energética. Vivenciamos os tons,
tanto no canto quanto na fala. Esta foi uma prática recorrente durante todo o semestre,
normalmente terminávamos as aulas com algum canto.
Nesse jogo, através do canto, desenvolvemos a pesquisa de tons, de alturas e seus
diversos focos de ressonância. Para tanto, utilizamos, como aquecimento inicial, alguns
vocalizes com variações de alturas, a partir das melodias propostas pelo meu tocar o teclado
ou o violão, experimentando as diferentes sonoridades dos instrumentos musicais na
sensibilização auditiva, sinestésica e cinestésica, para a pesquisa do encaixe das alturas da
voz. Os vocalizes aquecem a musculatura das pregas vocais e proporciona o desenvolvimento
da sua elasticidade, o que gerará a ampliação da extensão vocal (de graves a agudos). O
aumento da extensão vocal com vocalizes no piano ou violão trabalha a passagem exata das
notas a partir do Sistema Musical Temperado, conforme vimos no item 3.1, o que proporciona
o desenvolvimento de determinados encaixes de colocação da voz no local de ressonância
exata para cada tom. Na seqüência deste jogo de canto, foi importante treinar os vocalizes
com os instrumentos musicais, dar a liberdade para o corpo trabalhar a extensão vocal a partir
de suas próprias subidas e descidas (de graves a agudos), com liberdade na suas passagens de
tons e subtons. Associado a este trabalho de tons (alturas) e encaixes nos focos de
ressonância, vale ressaltar que, mais do que a forma da colocação, importa a criação
energética através da irradiação sonora dos tons das freqüências vibratórias. Tendo estes
pontos sidos desenvolvidos pela consciência corpórea dos atores, trabalhamos, a partir da
dinâmica do canto, a capella, com arranjos de duas a três vozes (barítonos, mezzo-sopranos e
sopranos), em acordes de várias vozes, criando uma polifonia de movimentos melódicos
diferentes e também trabalhamos com canto em cânone
77
. Nas sensações da aluna:
“No canto, o tom normalmente estava confortável, menos na música “floresta”, mas
mesmo assim era um agudo que eu consegui alcançar muitas vezes. Sinto que a
respiração é o que ainda tenho muito a trabalhar. Em versos muito longos eu não
conseguia terminar o canto, e se fosse num tom muito agudo aí era pior ainda. Mas
melhorei bastante buscando lugares pra respirar dentro do verso. Não sinto muita
tensão ao cantar, os apoios musculares foram bem trabalhados. A ressonância,
como foi o foco principal do semestre, é o ponto onde experimentamos muito e que
também foi bem trabalhado. Essa consciência de ressonância ajuda muito
principalmente no encaixe das notas e sinto muito mais depois desse ano de
77
Cânone - forma de composição muito difundida pelos compositores do século XVI, e cujo tema, iniciado por
uma voz – o antecedente –, é rigorosa e continuamente imitado por outra(s) voz(es) – o(s) conseqüente(s) –, a
distância de um ou mais compassos, até o fim (DICIONÁRIO AURÉLIO).
168
trabalho do que antes. Consigo visualizar o encaixe das notas, chegar nelas e voltar
a elas quando necessário devido a essa consciência” (Tarsila).
No relato desta aluna, percebemos a importância dos apoios respiratórios para o
impulso do ar levar a voz para os focos de ressonância. Quando faltam os apoios respiratórios,
tais quais os vistos no item 3.2, o som não tem força para reverberar pelo fluxo na flauta vocal
interna, o que provoca a hipertonicidade, por compensação da falta de força, nas musculaturas
intrínsecas e extrínsecas da laringe. Em tons poéticos:
Há ecos que se escondem, aflições de falta de ar.
(Cobra Norato - Raul Bopp)
Após desvendar a extensão vocal através do canto individual, e de vocalizes em dupla,
partimos para a dinâmica de contato-improvisação, com o intuito de desenvolver os pontos de
contato corpóreos, cujos focos de ressonância estavam sendo dinamizados. O contato-
improvisação teve como objetivo libertar o corpo das tensões, durante o canto, trabalhando os
apoios e as transferências de pesos com a dupla, deixando com que o fluxo dos tons do canto
reverbere no corpo. Trata-se de, através das sensações dos tons dos sons no toque do corpo,
deixar fluir o movimento vocal em relação, ação e reação, produzida pelo encontro de sons
entre si e o colega:
“Me senti como forma humana viva, exatamente por compartilhar e sentir
intensamente. Quando se está junto não há como conter oposições, tensões,
alegrias, sintonias, tudo acontece no “agora” como forma concreta. Isso também é
fundamental para a descoberta dos pontos onde o grupo pode seguir junto,
encontrar sua ressonância” (Tatiane).
Compor em conjunto traz o aprendizado de interagir, agir e reagir, conforme as
ressonâncias ou dissonâncias entre as vozes. Ressonância aqui no sentido de sintonia entre o
campo energético que se pretende desenvolver através da composição dos tons, das alturas
vocais. Para tanto, nesta palheta de cores dos tons, torna-se necessário a atenção das vibrações
do som no contato com o colega, o que pode impulsionar a ampliação das potências de
extensão vocal e, conseqüentemente, do imaginário, a partir das propostas feitas na união com
as vozes, como vemos nas observações das alunas:
“Eu e minha colega experimentamos e desenvolvemos a capacidade de reagir aos
estímulos sonoros e corporais sugeridos pelo parceiro e isso enriquece o repertório
sonoro e de movimento de cada ator” (Vitória).
“Eu e meu colega pesquisamos muita coisa e o suporte da voz grave dele foi
maravilhoso pra eu me arriscar em agudos sem tanto estranhamento e também pra
169
trocarmos, o que fez com que eu buscasse explorar graves quase nunca explorados
anteriormente” (Tarsila).
A capacidade de reagir aos estímulos gerados pelo ambiente sonoro proporciona a
descoberta de novos tons e cores para a atmosfera sonora. Para tanto, faz-se necessária, como
foi constatado, a consciência sobre as sonoridades que cada um compõe nas atmosferas do
ambiente cênico. O corpo constitui um ambiente em fluxo de comunicação constante e
simultâneo consigo mesmo e com o ambiente externo. Nestas inter-relações, de composição
sonora da cena, cada elemento sonoro que surge, na composição das atmosferas sonoras,
contamina e interfere na dinâmica de movimento de cada um dos atores. O fluxo dos sons no
espaço cênico está relacionado aos ajustes que cada ator faz neste intercâmbio da pesquisa
interna e das relações externas.
4.4.3 Jogo vocal-corpóreo: Composição de atmosferas sonoras
Objetivo: composição de atmosferas sonoras para as cenas.
Foco: estar em relação sonora, com consciência em si e na relação grupal.
Descrição: neste jogo, trabalhamos as ações físicas geradas até então, desde os jogos de
improvisação inicial, descritos neste capítulo, até sua composição final das ações
individuais. Em um primeiro momento do jogo, na união das ações individuais com as
ações dos colegas, os atores são instigados a ouvirem a si mesmo, as suas ações físico-
vocais, para, em um segundo momento, escutar e criar juntamente com o colega, e, em um
terceiro momento, criarem atmosferas sonoras em grupo. Aqui, neste trabalho, criávamos
a atmosfera sonora da floresta. A partir do corpo-vocal de cada ator, formava-se um
corpo-som grupal, a partir do texto Cobra Norato:
Vou me estirar aqui para ouvir os barulhos de beira de mato e sentir a noite toda habitada de estrelas. Quem sabe
uma delas viu o rastro luminoso do canto do pássaro Uirapuru. O vento mudou de lugar. Uma voz atravessa a
floresta. Ah, é um sapo chamando chuva. E no fundo, uma lâmina rápida risca o mato. Trovãozinho já roncou:
vou. Deixa eu passar que vou para longe. O chão ressoa, silêncio não pode sair. Uma árvore telegrafou para a
outra psi psi psi. Sapos soletram as leis da floresta, o mato é um acompanhamento. Vozes se dissolvem
(Cobra Norato - Raul Bopp)
170
Comentários da vivência do jogo:
A partir das ações físico-vocais criadas para os personagens ‘seres da floresta’, fomos,
através dos sons da floresta interna, dos verdes campos de cada corpo-sonoro, compondo a
floresta externa. Desde a escuta interior, na união das vozes para a composição da atmosfera
sonora, cada integrante é responsável pela teia interconecta de sons que está ativamente
compondo. Assim, cabe o desenvolvimento do escutar a si, ao outro e da relação que se
estabelece. A vocalidade de cada um faz parte do grande todo que está sendo criado:
“Essa atmosfera que é criada a partir das vozes, vai abrangendo todo o espaço e
também o ator. Se ele permitir ser levado por esta atmosfera que é iniciada a partir
de um estímulo é muito possível conseguir que certas imagens sejam criadas”
(Deise).
Daqui fica o aprendizado de que, para criar em conjunto, é preciso estar aberto à
sensibilidade da escuta energética que se faz no instante da vibração dos sons e silêncios que
vibram entre as palavras, no processo de comunicação. Quando escutamos o outro e trocamos,
compartilha-se e cria-se com mais força energética a ludicidade do jogo vocal. Neste sentido,
quando o grupo focalizava sua energia na criação com intencionalidade, a massa energética da
atmosfera sonora passava a existir. Quando a ressonância acontecia, quando os campos de
energia sonora estavam interconectados, criava-se uma freqüência vibratória que produzia
sensações e impulsionava mais ainda o imaginário dos alunos a voar na floresta.
A partir da própria experimentação das atmosferas sonoras, as vibrações dos sons no
espaço foram gerando imagens. Focamos a atenção nisto, na potencialidade de vibração
sonora poética para criar a atmosfera sonora, o que nos levou ao imprevisível, a uma criação
de imagens sonoras nem um pouco realistas, ou naturalistas, ou convencionais:
“Os sons criados formavam uma variedade muito interessante de sons. Muitas
vezes eu achava que nem parecia mais uma floresta e sim um local especial onde
esses seres da floresta tão fantásticos moravam. Era como se eles cantassem para
que o mundo deles se descortinasse, era o convite deles ao publico de conhecerem
seu fantástico mundo” (Daniel).
A cada improvisação, a atmosfera e as imagens se desenvolviam cada vez mais. Com
o desenvolvimento das atenções auditivas, sinestésicas e cinestésicas, dentro dos sons criados,
abrem-se outros sons que podem ser ouvidos, produzindo novos segredos para a imaginação a
cada audição.
171
Assim, a floresta, como território imaginário, não se transformou em mapa fechado,
esteve sempre aberta ao fluir das relações entre as ações de cada ator na composição da rede
de conexões do ambiente sonoro. Mais do que criar ambientes fixos, de imagens fixas da
floresta, as improvisações fluíam no entre que se estabelecia nas relações sonoras. Á medida
que iam aumentando as conexões, novos territórios surgiam. De forma que a criação de
atmosferas sonoras propiciou a abertura ao desenvolvimento de múltiplas possibilidades de
imagens sobre o texto.
Direcionando a energia para o que se pretende criar artisticamente, constitui-se o
ambiente sonoro enquanto expansão da qualidade energética de ressonância da voz no espaço.
Em ressonância, a voz do ator vibra poeticamente, propondo imagens, e o espectador integra e
ressoa aquilo que lhe é próprio:
O belo da flor que reflete nos olhos do público e a alma da flor que nasce do
sentimento do ator, formam o verso e o reverso de uma mesma flor, que se
misturam sutilmente, refletindo a complexidade do termo (GIROUX, 1991, p. 107).
Dentro de uma pedagogia interacionista, de relações de si, consigo, com o outro, com
o coletivo, percebe-se o mundo vivo como uma rede de relações, que vibra em ressonâncias
ou dissonâncias. Neste jogo, mesmo os momentos em que houve dissonâncias, estas foram
bem-vindas, pois é na instabilidade, no espaço vazio do novo, que nos organizamos para a
evolução. Percebo que, quando há a compreensão da teia de energia invisível, quando há a
compreensão de cada um sobre a conexão na rede, há respeito ao ato de criação, no sentido de
que todos somos um e responsáveis pelo que criamos.
A partir de tais jogos corpóreos de ressonância vocal, chegamos ao seguinte princípio
em relação à criação de atmosferas sonoras para as cenas:
A vocalidade poética é mais do que a articulação do texto dramático e a comunicação
de informações somente por ordem da palavra; pois a ressonância da voz envolve o ambiente
em freqüências vibratórias, elevando o texto cênico à dimensão sensível e energética, tocando
o espectador pelas vibrações sonoras que em si ressoam.
172
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nesta tese, com foco pedagógico na formação do artista cênico, a pesquisa partiu da
busca pelo desenvolvimento da consciência corpóreo-vocal criativa, através das ressonâncias
do fluxo dos sons no corpo, para a criação da ação física da palavra, via a dramaturgia
corpórea. Para tanto, pesquisamos os efeitos da ressonância vocal por meio da prática de
jogos corpóreos, que se constituíram da união da técnica vocal, com a improvisação e o jogo
teatral, a fim de, através da ludicidade, ampliar a consciência criativa desde a conexão com a
sabedoria que habita o corpo.
A pesquisa prática dos jogos corpóreos de ressonância vocal esteve embasada em seus
princípios fisiológicos, interligados aos princípios energéticos, para que a partir deste
território, caminhos pudessem ser abertos para diversos procedimentos, pedagógicos ou de
composição estética. Os princípios fisiológicos associados aos energéticos, através da união
dos ensinamentos da ciência ocidental à oriental, trouxeram como aprendizado que o
desenvolvimento da consciência criativa se dá na totalidade do corpo em ação. Na união entre
estes ensinamentos, o princípio fisiológico e energético da ressonância vocal é de que as
freqüências vibratórias da voz, seus harmônicos, conduzidos pela respiração, em seus trajetos
pelo corpo, tocam regiões físicas (anatomofisiologia) e energéticas (chackras), ressoando em
determinados locais, de acordo com a compatibilidade de freqüência vibratória. Desde este
entendimento, pesquisamos na flauta vocal interna do corpo as alquimias para amplificar a
corrente energética, o prana respiratório e os harmônicos da voz, para a composição de
matizes tonais de cores tímbricas para a criação da ação vocal da palavra.
O desvelar deste processo de desenvolvimento do potencial criativo dos harmônicos
da voz foi uma jornada lúdica. Nas trilhas percorridas, guiadas pelas ressonâncias do som na
flauta vocal interna do corpo, o caminho iniciou-se com práticas para a afinação do ser a si,
no alinhamento com a sabedoria do corpo, através da escuta sensível da musicalidade que ali
vibra: dos ritmos da respiração, dos ritmos dos pensamentos, das batidas do coração, das
tonicidades musculares nas variações dos eixos de equilíbrio, das freqüências vibratórias
energéticas do corpo, dos harmônicos que ali ressoam, dos tons que ali se encaixam. Assim, a
afinação do corpo para a poética sonora envolveu: acordar as musculaturas do corpo (aliadas á
173
minúcia de aquecimentos das pregas vocais para dinamizá-las em seu potencial vibratório),
organizando os ajustes e apoios musculares na transferência de peso, a fim de abrir espaços no
canal da corrente energética do prana-respiração, condutores dos harmônicos vocais. Tratou-
se de preparar o corpo para uma resposta acústica máxima (aumento da qualidade dos
harmônicos vocais) com esforços musculares adequados na dinâmica do movimento.
Os objetivos físicos dos jogos, tais quais: o foco nos apoios respiratórios e nos apoios
musculares, na transferência de peso na variação dos eixos de equilíbrio, associados á
estímulos externos como, por exemplo, a escada, a parede e os véus, demonstraram ser um
excelente caminho para desenvolver a consciência pelo próprio corpo em ação: na busca de
soluções criativas, na libertação de condicionamentos, na abertura ao vazio - espaço gerador
de novas possibilidades criativas. Com os objetivos físicos o princípio pedagógico esteve
calcado na premissa de que o aprendizado se dá através do entendimento do próprio corpo em
ação sensório-motora, nas suas relações com o meio ambiente. Assim, os objetivos físicos dos
jogos corpóreos de ressonância vocal, na pesquisa das ações físicas das palavras ocorreu, não
por caminhos mentais de busca de significações, mas por caminhos corpóreo-sensório-
cognitivos. A ludicidade do jogo está na criatividade do corpo de sair do padrão habitual e
criar novas possibilidades de se movimentar. Neste sentido, o processo de preparação do
corpo já é um processo de criação, pela presença da consciência ampliada a cada respir-ação.
Os princípios da respiração, na conexão com a ressonância vocal, dinamizaram a
percepção do ar enquanto prana, condutor das ondas energéticas das freqüências vibratórias
dos harmônicos vocais. A fim de abrir os percursos da corrente energética do prana na flauta
vocal interna, trabalhamos a respiração na dinâmica do corpo, pesquisando, por meio dos
jogos: a respiração como suporte e impulso do movimento corpóreo e vocal (os apoios
corpóreo-respiratórios); a respiração aliada aos movimentos da coluna; a respiração na pausa
e na precisão do tempo-ritmo; o impulso respiratório nas ações físico-vocais e na projeção
vocal. Através das práticas respiratórias associadas às práticas de ressonância da voz,
pudemos experimentar o potencial do prana-som de elevarem a freqüência vibratória do
corpo, ampliando os sentidos, a percepção e a consciência criativa. O aprendizado é de que, a
cada inspiração e expiração, está a potencialidade de criar respir-ações no corpo e no
ambiente, potencializando energeticamente o sopro poético da palavra.
174
Nas vivências dos fluxos dos harmônicos e suas ressonâncias no corpo, percebemos o
potencial sinestésico do som, em seu princípio de ativar a corrente energética e ampliar a
freqüência vibratória do corpo. Através da sensibilização sinestésica associada à audição,
como geradores de consciência, aprendemos que a escuta envolve muito mais do que ouvir os
sons externos, mas sim, envolve: a escuta dos próprios sons internos do corpo (silenciando a
mente tagarela e dando espaço para a ação da intuição corpórea), a escuta dos sons dentro dos
sons (os harmônicos sonoros), a escuta das vibrações das palavras no corpo. Para então,
através deste centramento interno, ser ampliada a consciência da escuta dos silêncios e dos
sons que envolvem a interação comunicativa das ações das palavras, com vistas à composição
cênica.
Na dinâmica do movimento, com as vivências da ressonância vocal em relação às
variações dos eixos de equilíbrio, aprendemos sobre o princípio do fluxo dos harmônicos no
corpo, os quais reverberam e se encaixam nos locais do corpo aonde há compatibilidade de
freqüência vibratória, devido ao tamanho, formato e material de que é feito o espaço interno.
Assim, conforme estiverem as tonicidades das musculaturas, em relação aos apoios para a
transferência de peso, nas variações dos eixos de equilíbrio, bem como suas conexões com o
movimento da coluna e demais articulações do esqueleto, haverá uma ou outra qualidade
corpórea, que ressoará uma ou outra freqüência vibratória vocal.
Os jogos corpóreos de ressonância vocal com foco nas variações dos eixos de
equilíbrio trouxeram o aprendizado de que, o desequilíbrio do corpo, nas suas
desestabilizações, provoca-o a sair de padrões habituais de condicionamentos de movimentos,
instigando-o à busca de soluções criativas, a fim de uma nova organização, para a
reverberação dos harmônicos sonoros. A busca do próprio eixo interior é o centramento para
a consciência do movimento com vistas ao equilíbrio e a harmonia interna.
O som perpassa o corpo, criando uma corrente de energia de acordo com a dinâmica
do movimento, assim, através dos ajustes no trato vocal e dos apoios musculares do corpo,
basta deixar fluir livremente a corrente sonora, por onde quer que ela queira ir. Os sons se
conduzem por si sós, encaixando seus harmônicos nos locais onde há compatibilidade de
freqüência vibratória. Durante as vivências da ressonância vocal, observamos que os encaixes
dos sons em determinados locais já não estavam sendo premeditados racionalmente, mas,
através da abertura da flauta vocal interna, era o próprio som que conduzia seus harmônicos,
175
e que, quando o som se encaixa em ressonância, é como se a região corpórea, ao ser acordada
pelo som, soasse por si própria.
Com a ativação de novos pontos vibratórios no corpo, a reverberação em amplitude
dos harmônicos das freqüências vibratórias vocais abriu novas possibilidades de encaixe de
tons, ampliando, conseqüentemente, a extensão vocal (a capacidade de tons graves e agudos),
o que trouxe uma riqueza melódica à criação.
A ativação dos ressonadores trouxe, também, á vivência do corpo, o princípio da
ressonância na relação com a projeção vocal. Segundo tal princípio, o som gerado pelas
pregas vocais é amplificado nos locais do corpo onde há compatibilidade da freqüência
vibratória da voz com a freqüência vibratória da cavidade ressonadora. Por meio dos jogos
corpóreos, experimentamos, através de ajustes respiratórios e musculares, do trato vocal e da
articulação da cavidade oral, o encaixe dos harmônicos nas cavidades ressonadoras, a fim de
amplificar a intensidade da voz, sem esforços musculares desnecessários para projetar a voz.
Percebemos que, a projeção vocal, trabalhada a partir dos ressonadores, e daí constituindo o
campo energético, trazem uma qualidade na freqüência vibratória da ação da palavra. Assim,
vivenciamos a ativação da projeção vocal relacionadas a amplificação da intensidade, desde
os ressonadores fisiológicos ao campo energético do corpo, para, de acordo com a dinâmica
do movimento, irradiar suas freqüências vibratórias no ambiente. A partir do centramento no
aumento da intensidade através dos efeitos de ressonâncias dos harmônicos no corpo,
percebemos que a intenção, o foco e o direcionamento da voz, com precisão no fluxo no
espaço-tempo (foco direto ou indireto), potencializam a dinâmica criativa das freqüências
vibratórias dos harmônicos nos seus deslocamentos no espaço relacional lúdico e no espaço
acústico cênico. Percebemos que quando há consciência criativa da projeção vocal enquanto
ondas portadoras de energia, a comunicação ocorre em uma dimensão sensível. Projeção
vocal significa criar energias sonoras no ambiente, significa estar em relação, com
consciência criativa da ação, a partir do centro interior do corpo. A projeção vocal ocorre,
portanto, a partir do movimento interno na relação intencional que se estabelece com o outro,
com o espaço cênico e com a platéia.
Os jogos corpóreos de ressonância vocal demonstraram ser um excelente caminho para
o desenvolvimento da qualidade vocal nas ações físicas das palavras: o aumento da qualidade
dos harmônicos vocais potencializa o fluxo de energia que percorre o corpo, vivificando
176
energias para a ação físico-vocal da palavra. Assim, para desenvolver as relações da ação
física com a ação vocal da palavra, fizemos uma jornada ao interior do movimento, aos
ressonadores, como sementes sonoras, germinadores da freqüência vibratória da
expressividade da ação no espaço cênico. Nestes caminhos, a ressonância vocal demonstrou
ser um eixo integrador da açãosica à ação da palavra, pois à ela está relacionada o fluxo da
vibração da ação em seu percurso interno em relação às qualidades do movimento.
Os focos de vibração da voz nos ressonadores do corpo, como matriz física e
energética para a composição da ação da palavra, trouxe o aprendizado de que: as energias
físico-musculares dinamizadas na vibração sonora no corpo transportam a vibração da palavra
para locais desconhecidos, abrindo o terreno para a percepção da ação da palavra por suas
qualidades vibratórias, deslocando-a, desta forma, do campo semântico de representação de
significados, de padrões conceituais e de imagens mentais cristalizadas, fazendo-a vibrar de
um modo diferente na consciência corpórea, através das novas percepções de suas vibrações
sonoras. Através dos caminhos sonoros da palavra no corpo, entra-se num espaço energético
anterior ao simbólico conceitual, sem logo cristalizá-las aos conceitos fechados de
significações predefinidas por padrões habituais, o que amplia o espaço de imaginação e
criação poética. Assim, a pesquisa da palavra a partir da dramaturgia do corpo, por seus
fluxos de ressonância vocal, transporta as palavras de locais corpóreos conhecidos á locais
ainda a serem descobertos, em territórios abertos a múltiplas significações e vibrações, na sua
dimensão de acontecimento corpóreo.
De tal forma que, no processo de criação corpórea das palavras do texto, descobrimos
que o desvendar das possibilidades de fluxo sonoro das palavras no corpo amplia as
dinâmicas vocais das ações verbais do ator, pois possibilita a afinidade harmônica da
fisicalização da vocalidade do seu texto através da dramaturgia sonora da sua corporeidade. A
ressonância vocal, então, mostrou ser um caminho de criação via dramaturgia do corpo, pois é
no corpo, em uma dinâmica orgânica, que brota a ação física da palavra. Ademais, através dos
jogos corpóreos de ressonância vocal percebemos que com o fluxo dos sons no corpo, a
corrente de energia sonora tem o potencial de elevar a freqüência vibratória da consciência.
O princípio da ressonância vocal, na criação de atmosferas sonoras para as cenas,
mostrou-nos que o som preenche o ambiente cênico com suas freqüências vibratórias
energéticas, elevando o texto cênico à dimensão sensível. A voz e a fala são mais do que
177
ondas sonoras que se propagam no espaço, elas constroem o espaço energético, interferem no
espaço, provocando interações e ações perceptivas e corpóreas. Percebemos, portanto, que a
ação da palavra em cena tem como função mais do que a articulação do texto dramático, mais
do que o mero entendimento racional de determinadas informações: ela visa o estímulo da
própria criatividade e do imaginário corpóreo do receptor através das freqüências vibratórias
dos harmônicos contidos nas ações vocais, os quais atuam por seus potenciais de gerar efeitos
de ressonâncias no corpo. A palavra em cena estabelece encontros sonoros pelo toque de sua
presença sensorial, convidando a todos a um estado de percepção mais aprofundada da sua
própria consciência corpórea, das percepções e ressonâncias que ocorrem no acontecimento
sonoro.
A ação físico-vocal da palavra do texto cênico atua como um jogo acústico, guiado
pela audição sinestésica dos sons, em seu potencial de gerar consciências, e de abrir-se ao vôo
do imaginário poético como um acontecimento corpóreo:
Os poemas são pássaros que chegam / não se sabe de onde e pousam / no
livro que lês. / Quando fechas o livro, eles alçam vôo / como de um alçapão.
/ Eles não têm pouso nem porto; / alimentam-se um instante / em cada par de
mãos e partem. / E olhas então, essas tuas mãos vazias, / no maravilhado
espanto de saberes / que o alimento deles já estava em ti... (MÁRIO
QUINTANA)
Através das vivências dos jogos corpóreos de ressonância vocal, confirma-se a
hipótese de que, no processo de preparação-criação do artista cênico, a ativação do fluxo dos
harmônicos e suas ressonâncias no espaço interno ampliam a freqüência vibratória do corpo,
dinamizando a consciência criativa, na composição da ação físico-vocal das palavras, via a
dramaturgia do corpo.
Os jogos de corpo-voz, em seus aspectos pedagógicos, criam vivências que levam o
aluno a experimentar a sua criatividade, sendo, estes, portanto, mais do que exercícios físicos
a serem executados, pois as dinâmicas de improvisação, que permeiam os jogos, abrem
espaços para que o corpo busque soluções criativas. Os procedimentos dos jogos, então, ao
serem direcionados ao estímulo da criatividade, promovem a ampliação da sabedoria corpórea
para que, o ator, em suas atuações cênicas, esteja preparado para criar, via a dramaturgia do
seu corpo, dentro da singularidade de cada processo teatral de que participar.
178
Sobre a ludicidade dos jogos e sobre o desenvolvimento da consciência, percebemos
que o corpo-vocal, em seu processo de aprendizado e criação, percorre uma outra dimensão
do tempo, que não aquela linear do relógio, das horas, dos minutos, de um semestre, ou de um
ano letivo, e tampouco a lógica do imediatismo – tais tempos são atmosferas criadas pela
mente. A consciência, ao contrário, vibra em uma dimensão atemporal, na dimensão do tempo
interno do presente sempre eterno. A ludicidade acontece na sinceridade do jogador consigo
mesmo, na profundidade da entrega no instante presente em que se faz o jogo, na sua energia
de descoberta, na busca do desvendar das sementes criativas do corpo-sonoro para o florescer
pleno da criatividade poética. Os jogos possuem potencialidades que poderão ser ativadas ou
não por quem os vivencia. O conhecimento não se transfere; ele se cria, através da ação. Os
jogos podem ser uns sinos a soar no despertar, mas quem acorda é a pessoa; é seu próprio som
o despertador da consciência. Em um tom metafórico, a chave para abrir a consciência está
dentro de cada pessoa, quem está do lado de fora pode bater na porta para chamar a
consciência ao despertar, mas é só do lado de dentro que a porta se abre, é dentro de cada um
que estão as chaves a serem acionadas para a evolução da consciência criativa. O nosso corpo
é o próprio guia, as técnicas e os métodos são somente via de acesso à sabedoria de cada ser.
O verdadeiro mestre é a nossa consciência interior, nossa intuição, nossa conexão com a
sabedoria corpórea. Ao ser em totalidade, entra-se em ressonância com a harmonia da vida,
aprendendo a escutar os sons da natureza do próprio corpo-vocal, que, em seus tons e sons,
nos trazem o ensinamento sobre a biblioteca viva da própria natureza da sabedoria do corpo.
As práticas vocais na ação educativa trabalham em um rol mais amplo na formação do
indivíduo pela criatividade, ou seja, pela experiência do sensível através da criação corpóreo-
vocal com consciência criativa da palavra em ação. Por meio da prática vocal o artista cênico
é estimulado a desenvolver sua criatividade e sua imaginação, transformando suas visões do
mundo, para estar apto, no seu papel de agente criador, a inventar novas possibilidades para a
realidade, intervindo sócio-culturalmente, através das poéticas e estéticas de suas ações
artísticas.
Este trabalho aponta para aventuras em trilhas de desenvolvimento de jogos corpóreos
para o aprimoramento da consciência vocal criativa na formação do ator. A ressonância vocal
em sua essência pura é vibração, transcendendo as formas de descrição ou de conceituação, só
vivenciando-a para compreender seus efeitos de elevação da consciência criativa. De forma
que dentre vivências de silêncios e sons, continuam-se as alquimias da ludicidade, da poética
179
de ser e vibrar harmônicos sonoros e de desvendar o potencial de ressonância da vocalidade
poética na atuação teatral.
180
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190
ANEXOS
191
ANEXO 1
AQUECIMENTOS VOCAIS COM YOGA
VIRABHADRASANA
Desenvolvimento do Asana: O pé que está atrás fica girado para frente, num ângulo de 30
graus em relação ao da frente, que fica na linha da perna flexionada. Alinhe os calcanhares entre si
e eleve os arcos dos pés. Depois, flexione o joelho da frente. Aí, você vai sentir que a bacia vai
girar naturalmente 45 graus para trás, no lado da perna estendida para trás, em relação ao pé da
frente. Observe a contração e elevação do períneo, bem como a contração da cinta abdominal. A
coxa da frente fica paralela ao chão. A linha formada entre os ombros fica perpendicular à linha
das pernas. Certifique-se de que os quadris estejam paralelos ao chão. Observe a tração e o espaço
entre as cristas ilíacas e as axilas. O esterno fica elevado e para frente. O pescoço fica alongado e
relaxado. Os ombros ficam girados para trás e para baixo. Alternar, fazer dos dois lados.
Benefício para a saúde: Este asana é a postura do guerreiro. Trabalha intensamente a
estabilidade e o “aterramento / grounding”.
O Asana e o Aquecimento Vocal: Neste asana, trabalhamos a ativação da musculatura
do diafragma e musculatura abdominal através da vocalização do exercício “si, fu, chi,
pa” ou do “/s/ entrecortado”.
TRICONASANA
Desenvolvimento do Asana: em pé, afastar as pernas. Pé esquerdo virado para frente e o
direito para o lado. Abrir os braços formando um ângulo de 180º. Apoiar a mão direita na
perna. Alternar, fazer do outro lado.
Benefício para a saúde: alonga os músculos intercostais da costela, amplia a respiração.
192
O Asana e o Aquecimento Vocal: Este asana alonga os músculos dos pulmões e ativa os
eixos de alinhamento. Neste asana, só respiramos, expandindo os pulmões.
UTHITA PARSAVAKONASANA
Benefício para a saúde: alongamento da musculatura pulmonar, alinhamento postural
O Asana e o Aquecimento Vocal: neste asana, só respiramos, alongando as costelas e a
musculatura do pulmão, sentindo os pulmões se expandirem lateralmente.
ADHUMUKHA SVANASANA
Desenvolvimento do Asana: Em pé, afastar as pernas na linha do quadril. Descer o
tronco e apoiar as mãos no chão. Formar um triângulo com o corpo.
Benefício para a saúde: alongamento da coluna
O Asana e o Aquecimento Vocal: Integrado a este asana, vocalizamos a bocca chiusa,
como forma a desenvolver o som no tronco, até a cabeça.
COBRA
Desenvolvimento do Asana: De barriga para baixo, erguer o tronco com os braços.
Cabeça para trás.
Benefício para a saúde: Neste asana, aumenta-se a flexibilidade da coluna e o fluxo de
energia dos músculos abdominais e estimulam-se os órgãos da pélvis.
193
O Asana e o Aquecimento Vocal: Neste asana trabalhamos a abertura do canal vocal,
abrindo a boca e fazendo uma protusão da língua, de forma a abrir o espaço interno da
cavidade oral e trabalhar também a musculatura da língua, a qual está ligada à laringe.
USTRASANA
Benefício para a saúde: alonga a coluna, abre o chackra cardíaco, alonga a musculatura
do abdômen.
O Asana e o Aquecimento Vocal: este asana é feito com o vocalize /s,s,s/, de forma a
ativar o impulso diafragmático.
ARDRA-KURMASANA (“postura da criança”)
Desenvolvimento do Asana: Sentar sobre os pés, joelhos flexionados, testa no chão,
braços além da cabeça. Cotovelos pousados. Olhos fechados
Benefício para a saúde: Combate dores na coluna
O Asana e o Aquecimento Vocal: Este asana trabalha o alongamento da coluna. Neste,
utilizamos os vocalizes da bocca chiusa, para a vibração da voz das costas à cabeça, ou a
vibração de lábios ou língua, também trabalhando o trajeto do som na coluna, indo do
grave ao agudo.
194
MATSYASANA
Desenvolvimento do Asana: deitado, unir as pernas e estender os braços ao longo do
corpo. Tirar as costas do chão, sem levantar as pernas. Fica-se curvado como se formasse
um meio-círculo com o corpo. Apoiar-se no antebraço, que deverá ficar em contato com o
corpo. A cabeça fica para trás, apoiado o topo no chão.
Benefício para a saúde: abre o peito ativando o fluxo energético do chackra cardíaco.
O Asana e o Aquecimento Vocal: Neste asana acrescentamos o aquecimento da
musculatura orofacial: o exercício de colocar a língua para fora e expirar o ar pela boca.
Esta forma, além de trabalhar a tonicidade da musculatura da língua, abre o canal
energético do chackra cardíaco ao fluxo da expressividade do chackra laríngeo.
TORÇÃO
Desenvolvimento do Asana: Sentado, com as pernas unidas e estendidas à frente, passar
o pé direito sobre a perna esquerda, apoiando no solo, perto do joelho. Colocar a mão
direita no chão, atrás do corpo, e passar o cotovelo esquerdo para a frente do joelho
elevado. Usando o cotovelo esquerdo como alavanca, torcer o corpo e girar a cabeça para
a direita. Respirar ali por alguns instantes. Complementar para o outro lado.
Benefício para a saúde: Quando se executam exercícios de torção, estimulam-se os
nervos que passam pela medula espinhal. Assim, a condução dos impulsos nervosos
aumenta e nos revitaliza. Este movimento alivia bastante a tensão nos músculos das costas
e do pescoço.
O Asana e o Aquecimento Vocal: este asana promove o alongamento do pescoço e
tronco, abrindo o peito para o fluxo da energia do chackra cardíaco. Neste asana,
normalmente só respiramos.
Fonte: sobre yoga e asanas: KUPFER, Pedro. Yoga Prático. Ganapati, 2001.
195
ANEXO 2
Na Floresta (fragmentos do texto Cobra Norato de Raul Bopp)
Ser da Floresta 1:
Um dia eu hei de morar nas terras do Sem-fim
Vou andando caminhando caminhando
Procurando procurando
Me misturo no ventre do mato
na floresta cifrada
A sombra escondeu as árvores
Ah, é um sapo sozinho chamando chuva
Sapos beiçudos espiam no escuro
Me sumo sem rumo no fundo do mato
Ser da Floresta 2:
Sigo depressa machucando a areia
Erva-picão me arranhou
Caules gordos brincam de afundar na lama
Galhinhos fazem ‘psiu’
Deixa eu passar que vou pra longe
O vento mudou de lugar
Um berro atravessa a floresta
Chegam outras vozes
Tenho pressa, vou andando
Ser da Floresta 3:
Aqui é a escola das árvores
Estamos estudando geometria
Tenho que anunciar a lua, quando ela se levanta atrás do mato
Tenho que acordar as estrelas em noites de São João
Tenho que marcar as horas no fundo da relva.
Ser da Floresta 4:
Árvores cumadres passam a noite tecendo folhas em segredo
Vento-ventinho assoprou de fazer cócegas nos ramos
Desmanchou escrituras indecifradas
Escorrego por um labirinto com árvores prenhas sentadas no escuro
Desaba a chuva lavando a vegetação
Raízes com fome mordem o chão
Ser da Floresta 5:
Escuto sons:
No fundo, uma lâmina rápida risca o mato.
Trovãozinho já roncou: já vou
Vento saqueia as árvores folhudas
De braços para o ar
Sacode o mato grande
Nuvens negras se amontoam
Monstros acocorados tapam os horizontes beiçudos
Árvores encapuçadas soltam fantasmas
Com visagens do lá-se-vai
Floresta ventrícula brinca de cidade
Chegam de longe ruídos anônimos
- Quem é que vem?
196
Ai que estou perdido num fundo e mato espantado mal-acabado
Que me faça ouvir de novo a conversa dos rios
Que trazem vozes que vem de longe
Ser da Floresta 6:
A madrugada vem se mexendo atrás do mato
Clareia, os céus se espreguiçam
Arregaçam-se os horizontes
Acordam-se raízes com sono
Riozinho vai pra escola
Está estudando geografia
Àrvores acocoradas lavam galhos despenteados na correnteza
Gaivotas medem o céu
Horizontes riscados de verde me chamam
Ser da Floresta 7:
Vozes de dissolvem
Há gritos e ecos que se escondem
Aflições de falta de ar
Árvores corcundas com fome mastigando estalando
Entre roncos de ventres desatufados
Chô compadre, eu também já estou com fome
- Então deixe eu assoprar na barriga
Ser da Floresta 8:
Vou me estirar aqui para ouvir barulhos de beira de mato
E sentir a noite toda habitada de estrelas
Quem sabe uma delas com seus fios de prata
Viu o rasto luminoso do canto do pássaro
Dissolvem-se rumores distantes num fundo de floresta anônima
Sinto bater em cadência a pulsação da terra
Grilos dão aviso, respondem lá adiante
Sapos com dor-de-garganta estudam em voz alta
Ser da Floresta 9:
Céu parece uma geometria em ponto grande
Há tanta coisa que a gente não entende, compadre
O que haverá lá atrás das estrelas?
Bom se eu pudesse empurrar horizontes
Ver terras com florestas decotadas
Numa noite enfeitada de lua
Com cachos e estrelas
Ser da Floresta 10:
Ventinho penteia as folhas de embaúba.
Uma árvore telegrafou para outra: psi psi psi
Sapos soletram as leis da floresta
O mato é um acompanhamento
Desfiam-se as distâncias entre manchas de neblina
Parece que ainda ouço um soluço quebrando-se na noite
Abra-te vento
Preciso passar depressa antes que a lua afunde no mato
O chão ressoa
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