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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
Lucia Helena Marques Carrasco
DIZER E EXPERIENCIAR O SER/ESTAR PROFESSOR:
FORMAÇÃO INICIAL DO PROFESSOR DE MATEMÁTICA
Tese de Doutorado
Porto Alegre
2010
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1
Lucia Helena Marques Carrasco
DIZER E EXPERIENCIAR O SER/ESTAR PROFESSOR:
FORMAÇÃO INICIAL DO PROFESSOR DE MATEMÁTICA
Tese apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Educação da Faculdade de
Educação da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul, como requisito parcial para
obtenção do título de Doutora em Educação.
Orientadora:
Profª Drª Merion Campos Bordas
Linha de Pesquisa: Universidade: Teoria
e Prática
Porto Alegre
2010
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2
Dedico esta tese aos meus queridos pais, por
terem me ensinado a acreditar nos meus
projetos e a sempre lutar por eles.
3
AGRADECIMENTOS
Manifesto aqui meu agradecimento a todos que, de alguma forma, estiveram
ao meu lado durante a fase de produção desta tese.
À minha estimada orientadora, Merion Campos Bordas, por todo incentivo e
apoio dedicados, pelas críticas, correções e sugestões feitas e, principalmente, pela
liberdade de pensamento que me proporcionou.
Aos meus queridos alunos nas disciplinas de Laboratório de Prática de
Ensino-Aprendizagem em Matemática, por terem sido os principais inspiradores na
produção desta pesquisa.
Aos professores Beatriz Daudt Fischer, Helena Noronha Cury e Samuel
Edmundo Lopez Bello, membros da banca de qualificação, pelas valiosas
contribuições apresentadas.
Ao amigo Samuel Bello, pelas conversas informais no Bar do Antonio, durante
a fase de maior conflito teórico pela qual passei.
Ao amigo Miguel Beck, pelas longas divagações intelectuais que muito me
fizeram pensar e pela ajuda técnica durante o ano de 2009.
Às queridas irmãs e amigas Maria Elaine e Dulcinea pelo apoio constante,
tanto técnico como afetivo.
Ao Roberto, companheiro incansável, pelo carinho e incentivo e, em especial,
pela transcrição dos vídeos e apoio técnico na fase final da estruturação dessa tese.
Ao Felipe e ao Henrique, meus amados filhos, pela paciência, durante um
tempo que, para eles, foi demasiado longo, e pelo carinho e cuidado que sempre me
dedicaram.
4
RESUMO
Esta Tese situa-se no campo de pesquisa acerca da formação inicial do professor de
matemática, detendo-se na investigação das estratégias produtivas das Práticas de
Ensino nesse processo formativo. As Práticas de Ensino são entendidas como as
experiências dos licenciandos orientadas para estudos relativos aos processos de
ensino-aprendizagem de matemática, elaboração de propostas pedagógicas,
imersão em espaços formais de ensino, em particular através da prática da docência
e para análise das próprias experiências. Fundamentado teórica e
metodologicamente em Foucault e partindo do pressuposto de que nas disciplinas
de Laboratório de Prática de Ensino-Aprendizagem em Matemática do curso de
Licenciatura em Matemática da UFRGS desenvolvem-se práticas discursivas
relevantes para produção do futuro professor de matemática, o estudo toma como
objetivo central a investigação dos modos como se constitui e como se diz, neste
espaço, o “ser professor” ou o “estar professor” dos licenciandos e da professora
orientadora. A investigação ocorre no âmbito das disciplinas de Laboratório
ministradas pela autora da tese nos últimos cinco anos, de modo a colocar em foco
não apenas discursos emitidos por alunos, mas também aqueles que caracterizam a
trajetória profissional da própria pesquisadora. Através da construção de estratégias
metodológicas centradas em procedimentos descritivo-analíticos, são abordadas as
condições históricas que os professores aplicam a si mesmos de modo a se
tornarem objetos de saber. Utilizando os registros, obtidos por filmagens, de
experiências ocorridas nos Laboratórios, o examinadas as formas de
racionalidade que têm estado presentes nos tipos de saberes e nas técnicas de
governo ou dominação que prevalecem, ou seja, são examinadas as relações
entre saber e poder. Dos resultados da pesquisa, destaca-se que as práticas de
ensino analisadas funcionam como dispositivos de produção de sujeitos/professores,
que as orientações ministradas funcionam como dispositivos de governo e que o
“ver-se e o analisar-se”, possibilitado pelo uso de determinadas tecnologias, entre
elas os vídeos e os relatórios de avaliação, funcionam como dispositivo de governo
de si, na produção do professor-verdade aqueles que se organizam e operam
através da sujeição a uma verdade pré-determinada e do professor-experiência
aqueles que exercitam a indisciplina do pensamento, não se submetendo à ordem
das verdades estabelecidas. Assim, as práticas do Laboratório são analisadas,
tendo em vista a recorrência de práticas discursivas, de relações entre os sujeitos e
de relações dos sujeitos consigo mesmo, não para encontrar o comum, o familiar e
sim para buscar a raridade, aquilo que nosso saber provavelmente não imagina e o
que nossos olhos naturalmente não veem, de modo a considerar que aquilo que
existe poderia não existir mais e o que somos hoje não ser mais o que é.
Palavras-chave: Formação de Professores. Práticas de Ensino. Experiência.
Verdade. Dispositivo de Governo. Poder. Saber.
CARRASCO, Lucia Helena Marques. Dizer e experienciar o ser/estar professor: formação inicial
do professor de matemática – Porto Alegre, 2010. 200 f. + Anexos. Tese (Doutorado em Educação)
Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Faculdade de Educação. Programa de Pós-Graduação
em Educação. Porto Alegre. 2010.
5
ABSTRACT
The present dissertation is inserted in the area of the mathematics teacher initial
formation. It is focused on the investigation of effective strategies of Teaching
Practice along such on going formation. In this work, Teaching Practices are
understood as the bachelors' experiences made into studies related to math
teaching-learning processes, pedagogical proposal elaboration, immersion in formal
teaching environment, mainly through the teachers' practice and the analyses of their
own experiences. Such dissertation has Foucault as the theoretical foundation;
based on the assumption that the subjects (at the Math Teaching-Learning Practice
Laboratory, inserted in the Math Course at UFRGS) developed relevant discursive
practices to the future math teacher. The main object of the present dissertation is to
investigate the ways of constitution, as it is said on the following pages, “to be a
teacher as a whole” or “to be a teacher just for the moment” of students and
professors. The investigation was done in the subjects taught at the Math Laboratory
by the present author through the past five years. Being so, the focus would not only
be based on students' discourses but also by the characterization of the professional
course of the researcher herself. Through the building of methodological strategies
focused on descriptive-analytical procedures, historical teaching conditions, that
teachers apply on themselves, are approached in order to become the objects of
knowledge. Registers obtained through video camera recordings at the Math
Laboratory during classes are used to analyze the ways rationale are presented
among knowledge types and governance techniques that prevail along the research
duration of time. In other words, it all means the relation between power and
knowledge. Highlighted from the research results are that teaching practices work as
subject/teacher production devices that applied together with advising practices work
as governing devices when “one sees oneself” and “one analyses oneself”. Videos
and evaluation reports made this conclusion possibly reached. Both videos and
evaluations work as governing devices in the production of the professor-truth (those
who organize themselves and operate through some truth already established) and
the teacher-experience (those who practice the nondisciplinary thought, not
submitting to already established truths). Being so, Laboratory practices are analyzed
upon the reassurance of discursive practices, between the relationship of subjects
and the relationship among themselves, not to find the ordinary nor the familiar but to
search for rarity, something that our knowledge has probably not even though and
our eyes cannot naturally see. For what exists in the present could no longer exist
and what we are today could no longer be.
Keywords: Teacher Formation. Teaching Practice. Experience. Truth. Governing
Device. Power. Knowledge.
CARRASCO, Lucia Helena Marques. Telling and experiencing the being a teacher: initial
formation of mathematics teacher Porto Alegre, 2010. 200 pages. + Attachments. Dissertation
(PhD in Education) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Education College. Education Post-
Graduation Program. Porto Alegre, 2010.
6
SUMÁRIO
1 UMA BREVE INTRODUÇÃO 7
2 DAS IDEIAS QUE VENHO RUMINANDO E DO MEU MODO DE DIZÊ-LAS 10
2.1 ESCRUTINANDO A ATUALIDADE: AINDA TEMOS TEMPO? 15
2.2 OS PILARES DA RACIONALIDADE ILUMINISTA, NÃO TÃO SÓLIDOS
ASSIM 24
2.3 REAÇÕES E DESCONTINUIDADES: O ANÚNCIO DE UMA PÓS-
MODERNIDADE? 31
3 DO LUGAR DE ONDE FALO 37
3.1 MATEMÁTICA E EDUCAÇÃO MATEMÁTICA NO BRASIL 41
3.2 CURRÍCULO E REFORMAS CURRICULARES 53
3.3 FORMAÇÃO INICIAL DO PROFESSOR DE MATEMÁTICA 63
3.4 PRÁTICAS DE ENSINO NA FORMAÇÃO DO PROFESSOR DE
MATEMÁTICA 75
4 DA CONSTITUIÇÃO DO PROBLEMA DE PESQUISA 85
4.1 UMA LEITURA E UMA ESCRITA DE COISAS QUE VIVI E PRODUZI 85
4.2 O ENUNCIADO DO PROBLEMA: UM JOGO LINGUÍSTICO NECESSÁRIO 94
4.3 AS PRIMEIRAS TENTATIVAS DE COLOCAÇÃO DO PROBLEMA 97
4.4 A OPÇÃO PELA PERSPECTIVA FOUCAULTIANA 100
5 DA ORGANIZAÇÃO DE MINHA CAIXA DE FERRAMENTAS 104
5.1 TEORIA DE MICHEL FOUCAULT: RECORTANDO CONCEITOS 106
5.2 EXPERIÊNCIA: UM CONCEITO A SER REFINADO 113
6 DE UM FINAL QUE PODERIA SER O COMEÇO 117
6.1 CAMINHOS E ENTENDIMENTOS DA PESQUISA 118
6.2 ANTES DA PROFESSORA/ORIENTADORA SILENCIAR 125
6.3 LABORATÓRIO DE PRÁTICA DE ENSINO-APRENDIZAGEM EM
MATEMÁTICA 132
6.4 UMA DESCRIÇÃO ANALÍTICA POSSÍVEL 147
6.5 DEPOIS DA METAMORFOSE 176
7 REFERÊNCIAS 177
ANEXOS 195
7
1 UMA BREVE INTRODUÇÃO
Certa noite, depois de um dia, ou melhor, de vários dias de trabalho
intelectual intensivo na produção desta tese, acordei no meio da madrugada
pensando, ou talvez delirando, a respeito do texto. Para ser mais exata, estava
escrevendo parágrafos inteiros como tantas vezes tenho feito durante o sono ou a
vigília e, desta vez, eles se ajustavam à introdução da tese. Comecei lembrando
uma poesia que havia lido num romance de Hermann Hesse e citado, uma parte, na
minha dissertação de mestrado. Transcrevo abaixo essa poesia, embora, naquele
momento, tenha lembrado apenas de algumas estrofes.
DEGRAUS
Assim como as flores murchas e a juventude
Dão lugar à velhice, assim floresce
Cada período de vida, e a sabedoria e a virtude,
Cada um a seu tempo, pois não podem
Durar eternamente. O coração,
A cada chamado da vida deve estar
Pronto para a partida e um novo início,
Para corajosamente e sem tristeza,
Entregar-se a outros, novos compromissos.
Em todo o começo reside um encanto
Que nos protege e ajuda a viver.
Os espaços, um a um, devíamos
Com jovialidade percorrer,
Sem nos deixar prender a nenhum deles
Qual uma pátria;
O Espírito Universal não quer atar-nos
Nem nos quer encerrar, mas sim
Elevar-nos degrau por degrau, nos ampliando o ser.
Se nos sentimos bem aclimatados
Num círculo de vida e habituados,
Nos ameaça o sono; e só quem de contínuo
8
Está pronto a partir e a viajar,
Se furtará à paralisação do costumeiro.
Mesmo a hora da morte talvez nos envie
Novos espaços recenados
O apelo da vida que nos chama não tem fim...
Sus, coração, despede-te e haure saúde!
(HESSE,1973, p.363-364)
O título, por si só já era bem sugestivo, mas também se sobressaiam algumas
estrofes, em particular “elevar-nos degrau por degrau, nos ampliando o ser”. Das
minhas elucubrações noturnas ficou registrado certo incômodo que essas frases me
causaram. Fiquei imaginando uma longa escada, sempre em ascensão, e alguém
subindo claro, eu estava observando do da escada. Mas, por que não poderia
estar alguém descendo? Não! Essa imagem de elevar-nos ou subir degraus para
ampliar o ser ou atingir a perfeição não se ajusta à minha visão atual de mundo, de
vida, de existência... Importante acrescentar: não estou dizendo que Hermann Hesse
quis dizer isso. Na verdade, nem penso em interpretar o que o autor quis dizer. Mas
a questão é que eu pensava, metaforicamente, dessa forma quando escrevi minha
dissertação. Eu estava afinada com as ideias de progresso, desenvolvimento e
igualdade social, equilíbrio ecológico, avanço da ciência e da tecnologia para o bem
da humanidade, educação de qualidade para todos e por afora. Realmente eu
acreditava e pregava as utopias! E agora, após quase vinte anos, estou a enxergar o
mundo com outros óculos (até porque com o passar do tempo vai aumentando o
grau da lente).
E foi assim que, naquela madrugada, se juntou à poesia de Hermann Hesse
uma das criações de Escher obra “Relativity”, produzida em 1953, em que três
planos se cruzam perpendicularmente, mostrando escadas com pessoas em
movimento
1
.
1
Informação disponível em http://en.wikpedia.org/wiki/M._C._Escher
9
Relativity, litografia M.C.Escher, 1953.
As escadas subiam e desciam, na minha memória, pareciam se entrecruzar e,
às vezes, se espelhar. Pessoas subiam, outras desciam (ou seriam a mesma
pessoa?) e pareciam não ir a lugar algum. Não se sabia onde começava e onde
terminaria a caminhada. De onde se vinha, para onde levaria. O movimento era
ritmado, cadenciado, e as várias escadas, sendo vistas todas ao mesmo tempo, me
sugeriam várias coisas acontecendo simultaneamente. Outras paisagens poderiam
ser vistas ao redor, outras pessoas por transitavam, mas os degraus agiam como
ímã para quem neles pisasse. Estar num labirinto escuro talvez fosse mais
animador!
10
2 DAS IDEIAS QUE VENHO RUMINANDO E DO MEU MODO DE DIZÊ-LAS
Passei anos a desempenhar certa prática, certo trabalho, a subir e descer os
mesmos degraus e, de repente, percebo que me acostumei com o cenário, com o
ritmo, com alguns desgastes ou irregularidades do caminho; tudo se tornou familiar,
nada mais me surpreende; sei como meus alunos vão se comportar, como vão
responder aos meus encaminhamentos e também sei qual a melhor forma de
ensinar-lhes a matemática que precisam aprender ou aprofundar para serem
competentes professores, bem como de propor-lhes reflexões relativas à educação
matemática que ainda precisam desenvolver para se tornarem, além de
competentes, também sábios e sensíveis professores.
Poderia, portanto, escrever uma tese expondo (ou defendendo) o caminho (ou
pelo menos um caminho) para formar “bons professores de matemática”. No
entanto, apesar de tantas vezes ter vivenciado situações profissionais semelhantes,
envolvendo alunos de licenciatura em matemática e, de certo modo, ter chegado
bem perto de compreender o “essencial” e o “familiar” nessas experiências, eu
resolvo, no âmbito desta tese, me afastar, fugir desta compreensão, rejeitando a
busca e a análise de qualquer regularidade ou essência.
Inspirada por dois filósofos – Nietzsche e Foucault – passo a pesquisar
exatamente o contrário, não o comum, o familiar, mas a raridade, aquilo que nosso
saber provavelmente não imagina e o que nossos olhos naturalmente não veem.
Passo a olhar minha prática com outros olhos, de outro lugar e na busca de um
objeto raro, de uma forma rara, algo que ainda não vi, mas que tem de estar lá para
ser visto, lido e descrito. De fato, não estou buscando algo que esteja aquém ou
além da experiência vivida, algo que não tenha forma ou realidade. O que passo a
buscar é algo que sempre esteve presente na experiência vivida, busco uma certa
prática que, no entanto, se “oculta” por detrás de práticas rotineiras, práticas
naturais, consideradas como normais.
Destacando as palavras de Garcia acerca do pensamento de Foulcault,
reforço a opção teórica que acabo de expor:
O trabalho intelectual tem sentido se possibilita o despreender-se de si
mesmo e o dissipar das familiaridades; se interroga as evidências e os
hábitos; se questiona as maneiras de pensar e de fazer que temos como
11
normais, anormais, críticas, conscientes, ingênuas, alienadas, etc. [...] as
condições nas quais nossas verdades e realidades foram estabelecidas
(GARCIA, 2002, p.177-178).
Pode parecer contraditório que, após “uma vida” de idas e vindas, de subidas
e descidas, tratando especificamente de “conhecer” o processo de formação de
professores de matemática
2
eu decida, justamente, questionar as condições nas
quais minhas verdades foram, ou melhor, vêm sendo estabelecidas, no lugar de
apresentá-las, de defendê-las. Sem dúvida estou escolhendo um caminho mais
difícil, exatamente por ser menos trivial. Como destaca Nietzsche (2005a), de modo
geral, diz-se que são as coisas habituais, familiares que não nos espantam e, dessa
forma, pode parecer que tornar uma coisa familiar, habitual facilitaria o
conhecimento dessa coisa. Ora, a isso Nietzsche (2005a, p.203) chama de erro e
acrescenta: “[...] o habitual é o mais difícil de ‘conhecer’, quer dizer, de considerar
como um problema, como uma coisa desconhecida, distante, exterior a nós
mesmos.”
Colocar minha experiência profissional em questão é, portanto, um grande
desafio. o estou apenas formulando um problema que emerge de minha trajetória
de professora; estou colocando como questão um aspecto da minha própria
trajetória como formadora de professores de matemática. Para ser mais clara,
apresento a seguir o problema que vem sendo pesquisado para atender às
exigências desta tese (mas que, sem dúvida, não se esgota com a redação da
mesma) e, paralelamente, apresento elementos da minha história profissional
necessários para esclarecer em que contexto tal problema foi formulado.
Quando ingressei no programa de doutorado, optei por pesquisar “algo”
relativo a esse vasto campo de experiência profissional. Considerei que, apesar de
ouvir meus alunos falarem de suas inquietações, dúvidas e opiniões e de ler longos
relatórios e memoriais sobre as práticas que desenvolvem, ainda tinha muito a
refletir sobre o que eles expressam de seus próprios processos de formação e do
que eles consideram “ser professor de matemática”. Estava, portanto, atenta ao que
meu aluno dizia durante seu processo de formação inicial; ao que ele fazia em suas
primeiras experiências de prática de ensino e como fazia; aos saberes que
mobilizava durante essa ação pedagógica; às formas como ocorria minha
2
Refiro-me, especialmente, às práticas pedagógicas que tenho orientado em disciplinas que
antecedem os estágios formais do curso de Licenciatura em Matemática da UFRGS.
12
intervenção e às formas como desenvolvíamos a análise da experiência. E foi,
dentro desse contexto, que tentei formular minha questão de pesquisa.
Contudo, a formulação dessa questão foi o maior problema que enfrentei. Não
tinha dúvidas quanto ao espaço de investigação (as disciplinas de Laboratório de
Prática de Ensino-Aprendizagem em Matemática do curso de Licenciatura em
Matemática da UFRGS) e quanto aos personagens envolvidos (meus alunos e eu -
professora/orientadora). No entanto, minha transição por diferentes referenciais
teóricos provocou variações profundas na forma de perguntar e de investigar. Assim,
a formalização/constituição da questão de pesquisa resultou de um processo
relativamente complexo que procuro abordar mais detalhadamente no capítulo 4.
A partir do confronto com diversos autores, em especial Michel Foucault,
novas perspectivas de investigação foram surgindo. Um dos questionamentos
explicitados por esse autor: “[...] qual é esse tipo de poder capaz de produzir
discursos de verdade que são, numa sociedade como a nossa, dotados de efeitos
tão potentes?” (FOUCAULT, 1999, p.28) levaram-me, por exemplo, a pensar que no
espaço de uma disciplina como Laboratório de Prática de Ensino e Aprendizagem
em Matemática desenvolvem-se práticas discursivas relevantes para produção do
futuro professor de matemática. Assim, comecei a construir uma questão de
pesquisa, tomando como objetivo central o reconhecimento de novas ou diferentes
maneiras de “ser” professor, ou melhor, de “estar” professor, que vêm se
constituindo nesse espaço e, consequentemente, a compreensão de como os
discursos constituem esses modo de ser/estar
3
professor.
Os problemas a serem investigados acabaram sendo explicitados da seguinte
forma no projeto de pesquisa que defendi:
De que maneira os discursos que emergem no espaço do Laboratório de
Prática de Ensino em Matemática constituem os diferentes modos de
“ser/estar professor” dos licenciandos? E, quais efeitos de poder e verdade
constituem-se, através das práticas de ensino
4
, no espaço do Laboratório de
Prática de Ensino?
3
Utilizo a expressão ser/estar de forma indistinta, mesmo reconhecendo que o “ser” evoca uma ideia
de totalidade, de transcendência, enquanto que o “estar” passa a ideia de imediatismo, de algo em
tempo presente. O objetivo de ligar as duas palavras é justamente quebrar essa ideia do “ser”.
4
Práticas de Ensino são aqui entendidas como as experiências dos licenciandos orientadas para
estudos relativos aos processos de ensino-aprendizagem de matemática, elaboração de propostas
pedagógicas, imersão em espaços formais de ensino, em particular através da prática da docência e
para análise das próprias experiências.
13
Na continuidade de meus estudos, tomando contato com a ideia de
governamentalidade
5
, em Foucault, intensifiquei meus questionamentos a respeito
da “formação” do professor de matemática. Destaco, em particular, uma citação de
Ó (2009): “[...] que entender os fenômenos a partir do conjunto das práticas, quer
dizer, em todo o tipo de relações que vão estabelecendo uma maneira de fazer
orientada para objectivos comuns e regulada por uma reflexão contínua sobre os
resultados obtidos” (p.102), sinalizando, em parte, os referenciais que me remeteram
à formulação de uma nova questão de pesquisa:
Quais dispositivos operam no espaço do Laboratório de Prática de
Ensino-Aprendizagem de Matemática (e de que forma operam), de modo a
constituir e a fazer dizer o ser/estar professor de matemática, dos licenciandos
e da professora orientadora?
Gostaria de acrescentar que optei por falar da “história da minha questão de
pesquisa” porque acho que a mudança de paradigma teórico pela qual passei
desorganizou não apenas minhas ideias como meus discursos, e escrever/expressar
essa transição tem contribuído muito para que eu me instale dentro deste novo
mundo e, talvez, tudo isso possa ser interessante e curioso para quem venha a ler
este trabalho.
Retomando, para finalizar, à questão de Foucault citada anteriormente: “[...]
qual é esse tipo de poder capaz de produzir discursos de verdade que são, numa
sociedade como a nossa, dotados de efeitos tão potentes?” destaco, fundamentada
nas ideias desse autor, que a constituição do corpo social se a partir de múltiplas
relações de poder; relações essas que funcionam através da produção e da
circulação do discurso verdadeiro. Mais precisamente: “[...] Somos submetidos pelo
poder à produção da verdade e podemos exercer o poder mediante a produção
da verdade.” (FOUCAULT, 1999, p. 28-29).
Ainda poderia dizer, relativo à minha atuação como professora universitária,
que, ao ocupar esse lugar de “formadora”, sou coagida, induzida a encontrar e a
dizer a verdade. A instituição, os alunos, eu mesma, todos cobramos uma produção
5
A opção de seguir esse caminho surge por orientação do professor Samuel Edmundo López Bello
em Parecer apresentado na Defesa do Projeto de Tese.
14
de verdades. Ao proferir minhas falas, escrever meus textos, fazer minhas escolhas,
conduzir meus alunos, inevitavelmente tenho que confessar a verdade. E, da mesma
forma que sou submetida a produzi-la e proferi-la, também sou submetida a essa
mesma verdade, pois “a verdade é a norma” (FOUCAULT, 1999, p.29).
Faria sentido perguntar se isso é bom ou ruim, ou se é possível escapar
desses discursos? “[...] Afinal de contas, somos julgados, condenados, classificados,
obrigados a tarefas, destinados a uma certa maneira de viver ou a uma certa
maneira de morrer, em função de discursos verdadeiros, que trazem consigo efeitos
específicos de poder.” (FOUCAULT, 1999, p.29). Talvez nos baste, simplesmente,
entender, dominar estes discursos!
Assim, sem ignorar minha “formação” matemática – lógica, dedutiva, técnica –
tentarei explicitar de que forma venho procedendo na produção desta tese.
colocando em foco o(s) problema(s), a(s) pergunta(s);
escrevendo um pouco em torno dessa ideia;
recorrendo aos autores que provocam a dúvida, o desejo;
e, amarrando citações e analisando discursos, tenho tentado me deslocar
para além de mim mesma, escrevendo algo que até então não pensara.
Sem perder de vista minha(s) pergunta(s), procuro fazer articulações e
formulações que expressem minhas próprias ideias no momento e na forma como
estão sendo geradas, supondo “que o mundo esteja a me procurar e não eu a
procurar o mundo” (informação verbal)
6
. Além disso, escolho como fundamentação
teórica autores que me provoquem a pensar algo diferente, a observar detalhes
antes não vistos, mas que, na maioria das vezes, não oferecem nenhuma base
segura ou rígida na qual possa me apoiar.
A seguir realizo uma primeira imersão teórica, expondo um mundo (de ideias)
que muito me fascina e que constitui uma espécie de cenário, onde estamos
inseridos (meus alunos, eu e tantos outros) nos dias de hoje.
6
Seminário avançado: A gênese da escola e da pedagogia moderna (séculos XVI-XIX), proferido pelo
professor Jorge Ramos do Ó, na UFRGS, em 2009.
15
2.1 ESCRUTINANDO A ATUALIDADE: AINDA TEMOS TEMPO?
Nessa humanidade central e centralizada,
efeito e instrumento de complexas relações
de poder, corpos e forças submetidos por
múltiplos dispositivos de “encarceramento”,
objetos para discursos que são eles mesmos
elementos dessa tragédia, temos que ouvir o
ronco surdo da batalha.
(FOUCAULT, 1987a, p.254)
Qual batalha? A da preservação do planeta? A dos complexos conflitos
internacionais? A da luta diária pela sobrevivência? Revel (2006) responde muito
bem a essa questão quando se refere a esse “rugido da batalha” como sendo aquele
“[...] que se produz sob a superfície das coisas, e que, a qualquer momento rompe
as linhas, desloca as relações, e que permite à potência da vida se organizar cada
vez mais em novas formas, e com novas práticas.” (p. 62).
Sim, realmente um paradoxo se insinua nessa reflexão inicial! Estamos diante
de uma complexidade planetária e de dentro emerge uma potência criativa? Isso
parece inusitado, mas também animador! Espero poder aprofundar esse tema ao
longo desta tese.
Disse que tenho estado a ruminar ideias e, naturalmente, usei essa expressão
por tê-la lido em um livro de Nietzsche, mas, confesso, não sei qual foi. Entre
tantas coisas, venho ruminando muito a respeito deste mundo no qual vivemos; a
respeito de como tenho me movimentado neste mundo, onde, inclusive, educo filhos
e alunos e, principalmente, de como posso me posicionar teoricamente, aqui, neste
espaço de produção intelectual no qual estou irremediavelmente mergulhada.
Começo me perguntando: de que lugar estou, ou melhor, estamos “olhando”
nossa atualidade, nossa urbanidade, nossa sociedade ocidental? fiz referência às
diferentes posições que posso, ou melhor, que podemos assumir quando nos
confrontamos com um objeto de análise ao falar dos “degraus” na Introdução,
sinalizando pelo menos duas possibilidades de “olhar” a longa escada, ou seja, “a
subir” e “a descer”. Neste sentido, agrego uma frase de Nietzsche (2005a): “Espero,
contudo, que estejamos hoje longe da ridícula pretensão de decretar que o nosso
caminho é o único de onde se tem o direito de possuir uma perspectiva.” (p.227).
16
Minha perspectiva... É óbvio que, na escritura desta tese, terei de me
posicionar. No entanto, farei o possível para utilizar-me dos caminhos e,
consequentemente, das perspectivas de outros, enquanto construo e elucido a
minha própria perspectiva.
Digo isso com a intenção de discorrer acerca do documentário produzido
por Wim Wenders, em 1989: Notebook on cities and clothes, que foi lançado em
DVD, em 2007, pela Europa Filmes, com o título: Identidade de nós mesmos. Nesse
filme, o diretor apresenta o trabalho do estilista japonês Yohji Yamamoto, discutindo
a moda e traduzindo as experiências relatadas de forma tal que o processo de
criação do estilista vai sendo exposto. Entremeado às questões próprias do
entrevistado, o cineasta “estabelece uma relação entre a fotografia, o cinema e o
vídeo resgatando temas como o desenvolvimento das imagens eletrônicas,
identidade e transformações dos espaços.” (CARVALHO; MATSUZAWA, 2008, p.1).
Uma característica marcante do filme é que o cineasta não apenas se coloca
por detrás das câmeras, mas também assume um papel, um personagem, fazendo-
se presente em todas as cenas do filme. Transcreverei a seguir algumas falas nas
quais as vozes dos dois (estilista e cineasta) se misturam. Meu objetivo,
naturalmente, não é tratar de moda e, neste momento, não pretendo tratar da
utilização de imagens em deo (posteriormente isso irá me interessar). Busco
apenas ruminar um pouco acerca de questões da atualidade, particularmente as que
se referem à compressão espaço e tempo na qual vivemos. Talvez esteja sendo
precipitada em afirmar que ocorre essa compressão. Na verdade, estou evocando
algumas lembranças de leituras recentes e seria interessante fundamentar essa
afirmativa antes de qualquer outra coisa.
Izquierdo (1998) nos fala no “tempo largo” de antigamente, referindo-se às
nações europeias como Espanha, Itália e Portugal onde a “arte do diálogo” era
cultivada por pessoas que se reuniam, especificamente para conversar, nos pátios
ou vastas salas das casas que atualmente vêm sendo substituídas por prédios de
apartamentos. Izquierdo observa que a esse “largo tempo” correspondia também um
“largo espaço”, ambos comportando muitas coisas, muitos movimentos. O autor
expressa, ainda, que é um preconceito de nossos dias dizer que antigamente as
coisas eram mais lentas. Por mais que se corresse e se fizesse muitas coisas os
“largos tempo e espaço” diluíam tudo isso. Hoje, ao contrário, vivemos apressados,
17
sem tempo para conversar ou sentar num bar para tomar um cafezinho, porque
sempre temos muitas coisas a fazer.
James Gleick escreve um livro voltado especificamente para a discussão
(apresentando uma infinidade de exemplos) das condições de aceleração e de
estresse da vida moderna. Ele centraliza sua abordagem em “o desafio de lidar com
o tempo” (parte do subtítulo do livro) e, portanto, contribui muito para a temática que
estou abordando. Destaco dessa obra: “Estamos correndo. Estamos com pressa. A
vida do século que ora termina caracteriza-se por uma compressão do tempo.”
(GLEICK, 2000, p.16). Mais adiante o autor comenta acerca de nossa dificuldade em
lidar com um possível tempo “de sobra”. Neste caso, pegamos um celular para falar
com alguém, ou seja, daríamos um jeito de preencher a lacuna, de não ficar sem
fazer nada. Ele diz: “As atividades entram correndo para preencher o vazio e
nunca houve tantas atividades interessantes disponíveis.” (idem, p.207).
David Harvey, em sua obra clássica “Condição pós-moderna”, aborda de
diferentes formas e em diferentes lugares o tema da compressão do tempo e do
espaço, destacando que esta compressão interfere diretamente na forma como
representamos o mundo para nós mesmos. O autor justifica o uso dessa expressão
por observar “[...] que a história do capitalismo tem se caracterizado pela aceleração
do ritmo da vida, ao mesmo tempo em que venceu as barreiras espaciais em tal
grau que por vezes o mundo parece encolher sobre s.” (HARVEY, 1998, p.219).
Assim, muitas são as ligações apresentadas entre a acumulação do capital e
as manifestações culturais que vão surgindo na sociedade, incluindo o uso
desenfreado de novas tecnologias, a volatilidade da moda e a descartabilidade das
coisas. Além de tratar dessas evidências sociais, o autor também descreve aspectos
determinantes dessa história, expondo a forma como se constituiu o pensamento
iluminista relativo ao espaço e ao tempo. Destaco abaixo um argumento desse
autor, complementando a breve fundamentação teórica a que me propus acerca da
compressão espaço-tempo:
A revolução renascentista dos conceitos de espaço e de tempo assentou os
alicerces conceituais em muitos aspectos para o projeto do Iluminismo.
Aquilo que muitos encaram hoje como a primeira grande manifestação do
pensamento moderno considerava o domínio da natureza uma condição
necessária da emancipação humana. Sendo o espaço um “fato” da
natureza, a conquista e organização racional do espaço se tornou parte
integrante do projeto modernizador. A diferença, desta vez, era que o
espaço e o tempo tinham de ser organizados não para refletir a glória de
18
Deus, mas para celebrar e facilitar a libertação do “Homem” como indivíduo
livre e ativo, dotado de consciência e vontade. (HARVEY, 1998, p.227)
Parece que voltei um pouco no tempo! Estava a falar dos dias de hoje, da
corrida em que vivemos e do consumo exacerbado que operamos sobre as coisas,
inclusive sobre o próprio tempo, e acabei me reportando às bases do Iluminismo e
da Modernidade. Mas isso era inevitável! É sabido que “Os pensadores iluministas
procuravam uma sociedade melhor.” (HARVEY, 1998, p.234) e que através de seus
projetos desenvolveram a racionalização do tempo e do espaço. Projetos de
urbanização, de desenvolvimento tecnológico, de avanço científico, de capitalização
de bens, de globalização planetária, entre tantos outros, todos nos levando às
condições atuais, que, evidentemente, não correspondem ao equilíbrio social e bem-
estar individual almejado. E hoje, como estão esses projetos? Penso que continuam
em alta, mas sucumbiram as utopias que os acompanhavam, ou seja, os sonhos
que começaram a ser sonhados (segundo sir Thomas More) no século XVI, “[...]
desde o tempo em que as rotinas antigas e aparentemente eternas começaram a se
desintegrar; em que hábitos antigos e convenções começaram a mostrar sua idade
e os rituais, sua debilidade; em que a violência se tornou frequente.” (BAUMAN,
2007, p.100).
Atualmente parece ocorrer uma suspensão do tempo. Já não importa o ontem
e menos ainda o futuro. Vive-se intensamente o presente porque o futuro é efêmero,
incerto e, portanto, não vale o esforço de projetá-lo. Considerando o que diz
Maffesoli (2003): “É importante descobrir o ritmo social de uma determinada época.”
(p.98), e, no escrutínio da atualidade, “[...] o tempo enquanto sucessão racional de
acontecimentos previsíveis é substituído pela relatividade da duração, talvez seria
melhor dizer durações, tributárias da experiência da pessoa e da comunidade.”
(p.106).
Após este desvio, no tempo e no espaço do meu texto, retomo o que dizia
acerca do filme “Identidade de nós mesmos”. Comentava que o cineasta participa do
filme como personagem e que, portanto, sua fala se mistura com a do estilista
entrevistado. Abaixo, transcrevo falas dos dois que, no filme, não ocorrerem em
sequência, mas interligadas contribuem na discussão que aqui desenvolvo.
Wim Wenders - Com o tempo, comecei a ver um certo paradoxo no trabalho de Yohji: o que
ele cria é necessariamente efêmero, vítima do consumo imediato e voraz que é a regra do
19
seu jogo. Afinal, a moda lida com o aqui e o agora, só lida com o hoje, não com o ontem. Ao
mesmo tempo, Yohji se inspira nas fotografias de outra época e nas roupas de trabalho de
quando todos viviam num ritmo diferente. Então, parecia-me que Yohji se expressava em
duas linguagens simultaneamente, que ele tocava dois instrumentos ao mesmo tempo: o
fluido e o sólido, o efêmero e o permanente, o fugaz e o estável.
Yohji - Assim, quando voltei para Tóquio, para o Japão e comecei a ajudar na oficina da
minha mãe que fazia vestidos para as mulheres do bairro eu só estava interessado em fazer
algo à mão. É tão legal se concentrar em algo e esquecer o passar do tempo. Da manhã até
a noite, você se esquece de tudo porque está concentrado em costurar, cortar, fazer tudo.
Eu não tinha nenhuma dúvida. Era tudo tão simples para mim. Você recebia um pedido da
cliente cortava o modelo, fazia uma prova. Levava pelo menos duas ou três semanas para
concluir um vestido. E era legal para mim porque eu já tinha estudado o corpo da mulher e o
problema da textura, do tecido.
Yohji expressa claramente o incômodo que lhe causa, nos dias de hoje, as
pessoas consumirem moda da mesma forma que consomem tudo o mais:
vorazmente. É com saudosismo que ele se lembra do passado e olha as fotografias
de pessoas de outra época. Wenders observa nisso um paradoxo, dada a
contradição com as regras do jogo que o estilista, inevitavelmente, tem que jogar. O
tempo – mais largo, mais comprimido – demarca essa contradição.
Ressalto essas falas para fazer uma analogia com situações que ocorrem
repetidas vezes nas minhas aulas de Laboratório de Prática de Ensino-
Aprendizagem em Matemática. Meus alunos e eu “corremos muito” para dar conta
das tarefas relacionadas com as práticas e, diante da impossibilidade de realizarmos
determinadas coisas, alegamos que foi por “falta de tempo”. Destaco abaixo textos
escritos por alunas/os para exemplificar essas situações e também outras
concepções relativas ao tempo na escola:
Esses probleminhas que ocorreram ao longo da prática estão relacionados com uma
questão muito importante: o tempo. Esse tema deveria ser debatido mais profundamente
durante as nossas aulas de prática, pois é um elemento que atrapalha nossos perfeitos
planejamentos, pois é ele que não deixa a aula seguir como foi planejada. Mas vou ser mais
certa, pois não é ele o culpado, mas também os alunos que não entendem e ficam
pedindo para explicar de novo, e de novo, e de novo... Bom, é claro que não estou falando
sério, pois os alunos não são culpados de nada, eles não têm culpa de não entenderem,
mas vou ser sincera eles têm culpa quando atrapalham a aula, quando não prestam atenção
e depois falam que não entenderam. Esse foi um problema que não aconteceu com
freqüência em nossas aulas, bem pelo contrário, os alunos participavam bastante e queriam
sempre saber mais.
(RE
7
1
, 2009)
7
RE – sigla para expressar Registro Escrito. A numeração indica a ordem de apresentação no texto.
20
Praticamente todos os momentos foram importantes, talvez tenha faltado um pouco mais de
tempo em sala de aula (ministrando ela) com os alunos. [...] o estado em que os alunos
chegam ao ano, falta de base, em matemática, foi o que mais atrasou o andamento da
aula e isso me fez pensar em como lecionar de uma maneira diferente, tive de sair da
linguagem algébrica e usar uma linguagem mais próxima da realidade deles.
(RE
2
, 2008)
Em uma turma sempre haverá aqueles que aprendem tudo bem rápido, e também aqueles
que são mais lentos. O professor não deve esquecer-se de nenhum deles. O planejamento
e a execução da aula deve se basear na media da turma, mas uma atenção especial aos
mais lentos e aos mais rápidos é importantíssima. Aos mais lentos precisamos dedicar
reforços, e aos mais rápidos devemos “encher” de tarefa.
(RE
3
, 2008)
Um único fato que talvez tenha nos prejudicado foi o curto tempo que dispúnhamos para
realizar as explicações e resolver os exercícios, fazendo com que muitas vezes eu
finalizasse a aula sem concluir o planejamento.
(RE
4
, 2005)
Fico a me perguntar se vinte ou trinta anos atrás nós professores também
reclamávamos de não ter tempo para desenvolver o plano de aula ou de os alunos
terem dificuldades e perguntarem demais. Particularmente, lembro de ter
desenvolvido muitos projetos de prática de ensino quando ministrava disciplinas que
nem mesmo priorizavam isso em suas súmulas e lembro de ter conversado muitas
vezes com meus alunos acerca dos planejamentos das aulas. Hoje, na maioria das
vezes, fazemos isso por email, por que não temos tempo de nos encontrar
pessoalmente. Será que também nós, professores, estamos vivendo uma
experiência paradoxal, da mesma forma que Yohji? Por um lado nos inspiramos nos
“velhos” professores e nos modelos de aulas e escolas de um passado não muito
longínquo, mas por outro lado não encontramos alunos e estruturas escolares que
se ajustem a esses referenciais, dada a efemeridade dos objetos de consumo
atuais, inclusive o próprio conhecimento?
Mas, que sentido tem ficar perguntando este tipo de coisas? Adianta ficar
comparando nossa humanidade atual com a do passado? Com que finalidade se faz
um escrutínio ou um inventário do passado e da própria atualidade? Nietzsche talvez
respondesse essas questões dizendo, simplesmente, que “Nada mudou, porque é a
mesma vida reactiva, a mesma escravatura, que triunfava à sombra dos valores
divinos e que triunfa agora pelos valores humanos.” (DELEUZE, 2007, p.29) e,
fazendo referência ao seu conceito de niilismo, acrescentaria que tudo isso ainda é
preferível, pois “[...] a vontade de nada, por seu turno, volta-se contra as forças
21
reactivas, torna-se a vontade de negar a própria vida reactiva e inspira ao homem o
desejo de se destruir activamente.” (id., ibid., p.30).
Não posso perder a oportunidade de destacar também uma possível resposta
de Foucault às minhas perguntas, considerando que ele disse em vários momentos
que sempre investigou as relações entre acontecimentos discursivos porque queria
se concentrar “[...] no que nos acontece hoje, no que somos, no que é nossa
sociedade.” (FOUCAULT, 2006b, p.258). Diante da questão kantiana Was ist
Aufklärung?”, Foucault (2008a) se posiciona com expressivo interesse,
desenvolvendo estudos histórico-filosóficos que focalizam aspectos da nossa
atualidade. No entanto, critica formas de análise, dramáticas ou teatrais, que
poderiam propor “[...] que esse momento em que vivemos é, no oco da noite, aquele
da maior perdição ou, ao contrário, aquele em que o sol triunfa [...]” (FOUCAULT,
2008a, p.325). O que Foucault busca em suas análises é investigar as formas de
racionalidade e as condições históricas que o sujeito humano aplica sobre si mesmo,
de modo a se tornar, ele próprio, objeto de saber. Essas formas de racionalidade se
fazem presentes nos tipos de saberes e nas técnicas de governo ou de dominação
que prevalecem numa determinada época, mas não são, em situação alguma, a
própria razão, de maneira que o reconhecimento de transformações em alguma
forma de racionalidade não pode ser confundido com a clássica expressão
“derrocada da razão”.
Sinto-me contemplada em relação às perguntas que enunciei acima, mas
ainda destaco mais uma contribuição de Foucault, por considerá-la uma alternativa
otimista para quem deseja compreender a atualidade.
O que eu gostaria também de dizer, a propósito dessa função do
diagnóstico sobre o que é a atualidade, é que ela não consiste
simplesmente em caracterizar o que somos, mas, seguindo as linhas de
vulnerabilidade da atualidade, em conseguir apreender por onde e como
isso que existe hoje poderia não ser mais o que é. E é nesse sentido que a
descrição deve sempre ser feita de acordo com essa espécie de fratura
virtual, que abre um espaço de liberdade, entendido como espaço de
liberdade concreta, ou seja, de transformação possível. (FOUCAULT,
2008a, p.325).
Talvez eu devesse encerrar esta seção aqui, mas lamentaria profundamente
não agregar alguns outros autores que, sem dúvida, têm muito a me provocar e
fazer pensar. Saraiva e Veiga-Neto, por exemplo, defendem o repensar as práticas e
22
teorias educacionais a partir do entendimento de como o mundo vêm se constituindo
e de como vêm se alterando as formas de governar (os outros e a si mesmo). Dentre
os comentários apresentados pelos autores, destaco o que se relaciona com as
transformações da noção de tempo:
[...] A escola que hoje conhecemos, apesar das muitas transformações,
ainda mantém um forte vínculo com a escola disciplinar da Modernidade
sólida. [...] Ela não foi pensada para ser uma escola de prazer, uma escola
para atender os desejos imediatos das crianças. [...] O único prazer
admissível era o prazer de aprender aquilo que estava sendo ensinado. A
escola da Modernidade sólida pensava no longo prazo, em uma
temporalidade linear e contínua.
Nos últimos anos, com a progressiva entrada, na escola, das pedagogias
psicológicas, ativas e outras congêneres, assistimos a uma reorganização
da temporalidade. [...] as teorias e as metodologias que vêm orientando o
trabalho pedagógico na atualidade, cada vez buscam mais a satisfação
imediata. Isso pode ser percebido na importância hoje concedida ao
interesse dos alunos. (SARAIVA e VEIGA–NETO, 2009, p.198).
Esse argumento é bastante elucidativo para que se entenda a fala dos meus
alunos relativa à falta de tempo para ensinarem a matemática prevista. Penso que o
modelo de aula de Matemática que vigora nos dias de hoje ainda é muito
semelhante ao da escola disciplinar da Modernidade. Mas nossas crianças e jovens
têm experimentado outras formas de aprender, outras práticas educacionais, sem
falar dos novos estímulos e dispositivos que operam sobre os mesmos fora do
espaço escolar. Talvez esse descompasso o seja tão acentuado nas aulas de
História ou Literatura, mas a matemática a ser ensinada ainda é a mesma há tantas
décadas e tudo é considerado tão importante. Como fazer para ajustar um conteúdo
tão denso e rigidamente encadeado aos novos tempos, tão fluidos e flexíveis?
Pressinto que seja necessário mais uma “parada” na discussão que acabo de
engendrar para esclarecer o que seja Modernidade e, particularmente, escola
disciplinar da Modernidade. Sei que utilizei esses termos anteriormente e que o texto
prescinde maiores explicações, mas fazê-las aqui, tomando como referência a
perspectiva foucaultiana, irá facilitar a escritura das próximas seções.
Foucault trata a “Modernidade” a partir de vários referenciais e dando-lhe
diferentes sentidos, que vão desde a questão da cronologia, ou seja, do período
histórico que compreende, até a análise da modernidade como uma atitude,
passando é claro por caracterizações que m por base as formas de exercício do
poder. (CASTRO, 2009).
23
Quanto ao período histórico, pode-se dizer que se "[...] situa no meio século,
grosseiramente dividido, que engloba a Revolução e que vai de 1770/1780 a
1830/1840, a constituição dos discursos e das práticas que fundam a
‘modernidade’.” (CHARTIER, 2002, p.143), discursos e práticas que se estendem
até hoje.
Quanto à atitude, Foucault (2008b) quer dizer “[...] um modo de relação que
concerne à atualidade; uma escolha voluntária que é feita por alguns; enfim, uma
maneira de pensar e de sentir, uma maneira também de agir e de se conduzir.”
(p.341-342).
Quanto às questões de poder, explicitamente vê-se que a modernidade “[...] é
equivalente à época da normalização, ou seja, à época de um poder que se exerce
como disciplina sobre os indivíduos e como biopolítica sobre as populações.”
(CASTRO, 2009, p.301). A disciplinação dos indivíduos visa à capacitação dos
mesmos, em termos de produtividade, eficácia e utilidade. Nesse sentido
desenvolvem-se procedimentos e técnicas apropriadas para controlar, vigiar e
conduzir comportamentos. A biopolítica, por sua vez, tem por objeto a população, o
homem como ser biológico e opera através da busca de equilíbrio e regulação dos
fenômenos de massa.
Assim, ligada ao projeto da modernidade destaca-se a formação da
sociedade disciplinar, com todos os seus aparatos de controle, assujeitamento e
normalização dos indivíduos. A escola, entre tantas outras instituições, utiliza-se
destes aparatos e, opera brilhantemente, através do regramento das atividades dos
alunos, no controle dos corpos e do tempo.
Gondra (2009) destaca, acerca do poder disciplinar (como foi tratado por
Foucault), dois aspectos que considero relevantes nesta discussão: “[...] tende a ser
uma apropriação exaustiva do corpo, dos gestos, do tempo, do comportamento do
indivíduo. [...] é contínuo, estando perpetuamente sobre o olhar de alguém ou na
situação de ser olhado.” (p.172). Penso que essa descrição se ajusta perfeitamente
à escola disciplinar da modernidade.
Chartier (2002) indica o século XVIII como o catalisador dessa sociedade
disciplinar, situando as tecnologias de vigilância como essenciais na organização e
controle da sociedade. Por outro lado, este autor retrata a fragilidade dos
procedimentos utilizados, destacando “[...] um ‘verso’ na história dos dispositivos
24
disciplinares um verso tramado de resistências, de desvios, de ilegalismos.”
(p.144). Consequentemente, o jogo que se trava “[...] entre os procedimentos de
assujeitamento e os comportamentos dos ‘assujeitados’ tem sempre a forma de um
confronto, e não aquela de uma sujeição. É nesse confronto que ‘se deve ouvir o
rugir da batalha’.” (id., ibid., p.144).
Assim começamos a escrutinar a atualidade! Identificando esse rugido na
superfície das coisas, como potência de vida, que se organiza com novas formas.
Sempre a busca pelo novo, o não visto, o não pensado, o outro de mim.
É preciso tentar fazer a análise de nós mesmos como seres historicamente
determinados, até certo ponto, pela Aufklärung. O que implica uma série de
pesquisas históricas [que] seriam orientadas na direção dos “limites atuais
do necessário”: ou seja, na direção do que não é, ou não é mais,
indispensável para a constituição de nós mesmos como sujeitos autônomos.
(FOUCAULT, 2008b, p.345).
É provável que não saibamos mais quais são os “limites atuais do
necessário”. Mesmo após essa reflexão sobre o tempo e a aceleração do mundo de
hoje, ou melhor, do mundo ocidental de hoje, como reconhecer esse limite, se tudo o
que fazemos nos parece extremamente necessário? Pensando na possibilidade de
nos constituirmos sujeitos autônomos e livres escolhi, para finalizar, uma citação que
vêm provocando, cada vez que a leio, uma vontade intensa de mudar e de
“saborear” cada momento da vida.
Na sociedade tecnológica, usamos, vendemos e compramos tempo. Na
vida africana, uma pessoa cria, produz e faz tempo “tanto tempo quanto
quiser”. É possível, na sociedade tecnológica, desperdiçar tempo. Assim, os
ocidentais, enxergando um africano aparentemente ocioso através das
lentes erradas, são incapazes de ver o que significa o tempo ali: “Os que
estão sentados na verdade não estão desperdiçando tempo, mas ou
esperando-o ou no processo de ‘produzi-lo’”. (GLEICK, 2000, p.210).
2.2 OS PILARES DA RACIONALIDADE ILUMINISTA, NÃO TÃO SÓLIDOS ASSIM...
os próprios matemáticos e seus
discípulos, os cientistas naturais, que
sentiam em suas almas tão pouco disso tudo
quanto os corredores de bicicleta, que pisam
no pedal e nada veem do mundo senão a
25
roda traseira do concorrente diante deles,
viviam na ignorância desses perigos.
(MUSIL, 1989, p.31).
Inicio também esta seção perguntando a que perigos o autor estaria se
referindo? Ao ler os parágrafos que antecedem esta citação, percebo que ele se
refere à derrocada da cultura européia, aos gases venenosos e aos pilotos de
guerra; mas acredito que posso generalizar, falando de todos os perigos que tão
bem conhecemos nos dias de hoje: catástrofes registradas continuamente pela
mídia e previsões apocalípticas discursos que circulam em todos os lugares e por
todos os meios sobre riscos à humanidade e ao ecossistema como um todo.
Robert Musil começou a escrever o romance “O homem sem qualidades”
provavelmente em 1919, sendo o primeiro volume publicado em 1930. A narrativa
se estende em novas publicações e é definitivamente interrompida em 1942, com
a morte do autor. Conforme a Nota à edição brasileira, apesar das dificuldades de
revisão e tradução, a obra foi reconhecida e valorizada pelo público em geral,
principalmente a partir da sua edição de 1952, quando ocorre a efetiva redescoberta
de Musil. Seu personagem Ulrich vai conhecer o vazio de um mundo e, ao mesmo
tempo, mostrar possibilidades múltiplas de se viver neste mundo. Como e por que
ele recebe a alcunha de homem sem qualidades, talvez se explique nesta frase: “E
como a posse de qualidades pressupõe certa alegria por serem reais, podemos
entrever como uma pessoa que não tenha senso de realidade nem em relação a ela
própria pode sentir-se de repente um homem sem qualidades.” (MUSIL, 1989, p.15).
Na tentativa de compreender melhor este personagem, encontrei uma
passagem na qual um marido ciumento faz uma descrição, diria perfeita, do seu
possível rival. Transcrevo o texto na íntegra, porque acredito que ele diz muito de
nós mesmos, homens e mulheres que fomos (e continuamos a ser) constituídos
numa época de grandes mudanças, instabilidade, incertezas e, paralelamente,
grandes promessas de progresso e sucesso, tanto social como individual.
Pense um pouco em como ele é: sempre sabe o que deve fazer; sabe olhar
nos olhos de uma mulher; sabe refletir bastante sobre qualquer coisa a
qualquer momento; sabe lutar boxe. É talentoso, cheio de vontade,
despreconceituoso, corajoso, resistente, destemido, prudente. Não quero
examinar isso em detalhes, acho que ele tem todas essas qualidades. Mas
também não as tem! Elas fizeram dele aquilo que ele é, e determinaram seu
26
caminho, mas não lhes pertencem. Quando fica zangado, alguma coisa nele
ri. Quando estriste, rumina alguma coisa. Quando algo o comove, ele o
rejeita. Qualquer má ão lhe parecerá boa em algum aspecto. É um
possível contexto que vai determinar o que ele pensa de um assunto. Para
ele, nada é lido. Tudo é mutável, parte de um todo, de incontáveis todos,
que provavelmente fazem parte de um supertodo, mas que ele
absolutamente não conhece. Assim, todas as respostas dele são respostas
parciais, cada um de seus sentimentos é apenas um ponto de vista, e para
ele não importa o que a coisa é, e sim um secundário, “como é”. (MUSIL,
1989, p.48).
Que homem é este que consegue ter tantas qualidades e ao mesmo tempo,
não tê-las? Com certeza não é o tipo de homem bem-sucedido do início do século
passado, alguém que goza de prestígio social por ocupar cargo de decisão, de
poder e por reter o conhecimento certo das coisas. O homem descrito acima não se
parece com um executivo, um governante ou um cientista. E, de fato, Ulrich não se
enquadra nesses padrões. Ainda assim, ele faz três tentativas de se tornar um
homem de qualidades, sendo uma delas a mais importante a de se tornar um
Matemático. Optou por dedicar-se justamente a essa ciência que, apesar de causar
tantos dissabores à maioria das pessoas, incontestavelmente, penetrou em todos os
campos de suas vidas. Musil ainda é mais duro e diz que a matemática entrou na
vida das pessoas como um demônio e arruinou as suas almas, visto que ela “[...] é a
fonte de uma inteligência perversa que faz do homem senhor da terra mas escravo
da máquina.” (MUSIL, 1989, p.30). Ele ainda ressalta que características humanas,
tais como: atenção excessiva aos detalhes e indiferença com o todo, frieza de
coração, crueldade, cobiça, violência, entre outras, são resultantes “[...] dos
prejuízos que um aguçado pensamento lógico traz à alma!” (id., ibid., p.31). No
entanto, Ulrich não percebia essas coisas, ele via a ciência de modo diferente e,
apaixonado, a sentia superior, forte, magnífica.
No início do culo XVII, Descartes se debruçara sobre a matemática em
busca de subsídios que pudessem contribuir para o alcance de seu projeto pessoal.
Qual projeto? Encontrar o “[...] verdadeiro método para alcançar o conhecimento de
todas as coisas das quais o meu espírito fosse capaz.” (DESCARTES, 2002, p.31).
Analisando os limites e os defeitos apresentados pela lógica, análise dos geômetras
e álgebra, o filósofo buscou utilizar-se das vantagens dessas três áreas de
conhecimento para ir além, construindo um método isento de obscuridades. Assim
procedendo, Descartes acabou por eleger apenas quatro procedimentos lógicos
27
suficientes ao seu projeto, mas que deveriam ser observados continuamente. São
eles:
[...] nunca aceitar como verdadeira nenhuma coisa que eu não conhecesse
evidentemente como tal [...] dividir cada uma das dificuldades que devesse
examinar em tantas partes quanto possível e necessário para resolvê-las
[...] conduzir por ordem os meus pensamentos, iniciando pelos objetos mais
simples e mais fáceis de conhecer, para chegar, aos poucos,
gradativamente, ao conhecimento dos mais compostos [...] fazer, para cada
caso, enumerações tão completas e revisões tão gerais, que eu tivesse a
certeza de não ter omitido nada. (DESCARTES, 2002, p.31-32).
É evidente que o tipo de raciocínio utilizado pelos geômetras clássicos, que
conduzia às demonstrações e, consequentemente, às verdades, era o inspirador do
pensamento de Descartes. O passo seguinte foi o de corrigir os defeitos da análise
geométrica e da álgebra através da observação dos preceitos que ele escolhera,
legando-nos, através desse trabalho, as bases para o desenvolvimento da geometria
analítica. Mas, sua intenção era ainda mais ousada. Reconhecendo que, ao usar
esses preceitos, sua razão agia da melhor forma possível (talvez perto da perfeição),
ele estava convencido de que esse seria o caminho para que as outras ciências
também pudessem superar suas dificuldades. Naturalmente não pretendia examinar
todas as ciências em seus detalhes (ele próprio dissera isso). Daí seu
empreendimento filosófico de definir regras metodológicas que servissem como
guia, para que todo o conhecimento pudesse ser fundamentado em bases
universalmente válidas. Como diz Pimenta (2000), a respeito das intenções de
Descartes com esse projeto idealista, “[...] os diversos campos do saber podem ser
integrados através da mediação de um método, desde que este seja obtido pelo
puro exercício de uma razão isenta de preconceitos.” (p.32).
Um pensamento forte, de objetividade e clareza marcantes, que mostrava o
caminho para se alcançar o conhecimento verdadeiro, evidentemente encontrou
adeptos ao seu redor e marcou o início de uma nova visão de mundo, de um novo
paradigma. Descartes foi o herói entre os filósofos do Iluminismo francês e, pode-se
ainda dizer, é o pai da filosofia moderna. Segundo Gaukroger:
Embora não tenha existido nenhuma escola estritamente cartesiana após
sua morte, é de chamar a atenção que, mesmo em áreas em que ele pouco
ou nada disse, seu nome e suas idéias tenham sido evocados; praticamente
qualquer um que se considerasse um inovador na França da segunda
metade do século XVII, por exemplo, oriundo de praticamente qualquer
28
área, invocava de algum modo o cartesianismo. (GAUKROGER, 1999,
p.23).
Para uma compreensão maior do pensamento cartesiano, seria necessário
esclarecer a razão de sua abordagem cética sobre o problema do conhecimento,
colocando a dúvida como ponto de partida e, como, em função disso, surgiu sua
primeira grande certeza, premissa de sua própria filosofia: penso, logo existo.
Também seria importante analisar cada uma das regras por ele enunciadas para
bem conduzir o raciocínio e estudar suas contribuições teóricas em áreas como a
matemática, a física, entre outras. Penso que o mais relevante seria contextualizar
historicamente seu pensamento, pois, como coloca Gaukroger (1999), ao escrever a
biografia intelectual de Descartes, existe uma longa distância entre a cultura em que
ele viveu e a nossa; para transpô-la, Gaukroger desenvolve uma grande pesquisa,
estabelecendo a relação entre o desenvolvimento pessoal do filósofo e o meio
intelectual e cultural em que o mesmo viveu.
Evocar o cartesianismo no âmbito desta tese tem, no entanto, outro objetivo:
destacar o lugar da Matemática dentro do paradigma que guiou (e ainda guia) a
modernidade e buscar um ponto de referência histórico para entender o que ocorre
em nossa sociedade atual.
Naturalmente entre os séculos XVII e XXI aconteceram muitas outras coisas
que poderiam ser destacadas, mas a contribuição de Descartes na constituição do
homem de hoje é inegável. Talvez isso fique mais evidente através da análise de um
texto como o que segue:
[...] adquiri algumas noções gerais de física e, ao começar a experimentá-
las em diversas dificuldades particulares, observei até onde podem conduzir
e quanto diferem dos princípios que até hoje temos utilizado. [...] Pois essas
noções me fizeram ver que é possível chegar a conhecimentos muito úteis
para a vida [...] e poderíamos empregá-los igualmente a todos os usos para
os quais são próprios, e desse modo nos tornar como que senhores e
possuidores da natureza. E isso é desejável não tendo em vista a
invenção de uma infinidade de artifícios que nos permitiriam gozar, sem
nenhum trabalho, dos frutos da terra e de todas as comodidades que nela
se encontram, mas sobretudo a conservação da saúde, que é, sem dúvida,
o primeiro bem e o fundamento de todos os outros bens desta vida.
(DESCARTES, 2002, p.60).
Não seria este discurso aceitável a um cientista moderno ou a um político em
campanha? Estaria ele ainda em uso, neste início do século XXI? Em parte sim, mas
uma grande diferença: cada vez esse discurso convence menos. A Ciência vem
29
perdendo sua supremacia e suas promessas de progresso e bem-estar coletivo
não causam os mesmos efeitos. De fato, hoje vivemos numa aldeia global e, da
mesma forma como estamos abertos à informação e aos benefícios da ciência e da
tecnologia, também estamos abertos à violência e às misérias sociais. Diante da
instabilidade e da insegurança características dos dias de hoje, acredito que o
homem pós-moderno (como vem sendo chamado) ou, como diz Hall (2002), o que
vive nesta “modernidade tardia”, deve estar se perguntando se fizemos as
escolhas certas.
De uma forma um tanto precipitada talvez, começo a estabelecer alguma
relação entre modernidade e pós-modernidade, relação que, segundo Santos
(2005), é um tanto contraditória, visto que o processo de transição entre as duas
comporta momentos de ruptura e momentos de continuidade. Portanto, sem querer
determinar quando uma termina e a outra começa, detenho-me na temática apenas
visando compreender melhor quais as possibilidades de investigação que descortina
um educador/pesquisador neste momento de transição paradigmática.
A ciência moderna herdou a atitude cartesiana de sempre desconfiar do
conhecimento evidente e de investigar os fenômenos naturais com o maior rigor
possível, mas não lhe foi imposto nenhum tipo de compromisso ou limite. Agindo
livremente sobre a natureza e utilizando métodos ou modelos matemáticos rigorosos
e essencialmente quantitativos, os cientistas vêm, principalmente nesses últimos três
séculos, realizando suas experimentações e suas análises. As consequências desse
descompromisso são evidentes e, como alerta Santos (2005), isso tudo poderia
resultar na ruptura do ser humano com a natureza.
Esse modelo de racionalidade, que desde o século XVII presidia as ciências
naturais, vai estender-se ao domínio das ciências sociais emergentes, no século
XIX, constituindo-se assim, no modelo global de racionalidade científica. Apesar de
seu prestígio, no entanto, terá que defender-se, continuamente, das formas de
conhecimento próprias ao senso comum e dos estudos humanísticos como história,
filosofia, literatura, entre outros. Em relação às ciências sociais, pode-se dizer que
nelas sempre competiram duas vertentes: a que foi citada, ou seja, submeter
essas ciências aos princípios epistemológicos e metodológicos utilizados para o
estudo da natureza e uma segunda vertente, que cada vez se impõe mais, em que o
30
estudo da sociedade possui estatuto próprio, específico às particularidades do ser
humano. (SANTOS, 2002).
Nos parâmetros da racionalidade moderna, a ciência pode construir a
objetividade, ou seja, pode converter uma realidade em objeto do conhecimento e
esgotá-lo teoricamente, o que equivale a dominá-lo. Assim, o objeto do
conhecimento torna-se objeto dominável e o sujeito do conhecimento realiza o seu
exercício do poder (CHAUÍ, 1990). De modo geral, foi se consolidando uma
mentalidade científica capaz de projetar sobre a própria ciência uma imagem de
neutralidade, objetividade e racionalidade, além de mitificar os seus resultados.
Capaz também de propagar a ideia de que graças aos progressos da ciência e da
tecnologia o homem torna-se tão poderoso que pode modelar o futuro.
De acordo com Chauí, as noções de progresso, desenvolvimento e crise são
formas pelas quais a ideologia neutraliza a força da história. A história contém o
imprevisível e a transformação; com a noção de progresso, pressupõe-se que exista
desde o início o germe, e que a história é a “[...] explicitação de algo idêntico que vai
apenas crescendo com o correr do tempo.” (CHAUÍ, 1990, p.29). A ideia de
desenvolvimento também escamoteia a história, pois coloca uma forma e “[...]
pressupõe um ponto fixo, idêntico e perfeito, que é ponto terminal de alguma
realidade e ao qual ela deverá chegar normativamente.” (id., ibid., p.29). A noção de
crise é considerada como desordem, desarmonia, que precisa ser restaurada e o
acontecimento, ou seja, a historicidade, é entendido como um engano, um acidente.
Dessa forma, “[...] a história de uma sociedade passa a ser regida por algo que ela
deve realizar a qualquer preço. Passa-se da história ao destino.” (id., ibid., p.30).
Ambicioso projeto da modernidade! Mas parece estar sucumbindo junto com
as promessas de progresso, equilíbrio social, justiça, paz – a promessa de um futuro
ideal.
A crise da racionalidade científica iniciou-se com Einstein e a mecânica
quântica, sendo reforçada pelas investigações de Gödel sobre as limitações dos
sistemas lógicos e pelo desenvolvimento teórico nos domínios da química,
microfísica e biologia nas últimas cadas. Essa crise, além de profunda, é
irreversível, e tudo indica que, após o colapso sofrido pelas bases em que se
assenta esse paradigma dominante, será necessário que se promova uma intensa
reflexão epistemológica acerca do conhecimento científico. Reflexão que deverá ser
31
empreendida pelos próprios cientistas-filósofos ao problematizarem suas práticas, só
que agora levando em conta as questões que eram deixadas especificamente aos
sociólogos, ou seja, aquelas referidas às condições sociais, aos contextos culturais e
aos modelos organizacionais nos quais se desenvolve a investigação científica
(SANTOS, 1995; 2002).
2.3 REAÇÕES E DESCONTINUIDADES: O ANÚNCIO DE UMA S-
MODERNIDADE
Por mais importante que seja conhecer os
verdadeiros motivos que fizeram a
humanidade agir até hoje, talvez seja mais
importante, para quem procura o
conhecimento, saber quais são aqueles em
que o homem pode acreditar, aqueles que a
sua imaginação talvez considere a alavanca
de seus atos. (NIETZSCHE, 2005a, p.58).
Parece-me conveniente retomar algumas das características mais gerais da
modernidade que, de alguma forma, contribuem para a crise instalada:
fragmentação de saberes, construção de discursos universais e totalizantes, relação
entre ideologia e ciência, mecanização da sociedade. Poderia ainda acrescentar o
que Bauman (1999) chama de a busca da ordem, ordem esta que nos pouparia do
acaso e nos mostraria como ir adiante, no caminho certo, na direção do progresso.
Relacionado a essa ordem também estaria o sonho de pureza, que, segundo
Bauman (1998), nada mais é que a possibilidade de criarmos o mundo transparente,
retratado nas utopias, onde não estranhos, nem sujeira, e nada está fora do
lugar.
Qual o próximo passo a ser dado, então? Apresentar alguma alternativa ao
projeto da modernidade? Teria a pós-modernidade formulado tal projeto? Esse não
parece ser o bom caminho, até porque, como coloca Harvey (1998), talvez a única
certeza relativa a esse tema, (expressa pelos teóricos, de modo geral) é de “[...] que
o “pós-modernismo” representa alguma espécie de reação ao “modernismo” ou de
afastamento dele. Como o sentido de modernismo também é muito confuso, a
32
reação ou afastamento conhecido como “pós-modernismo” o é duplamente.” (p.19).
O autor, no entanto, assinala um ponto que considero essencial nesta discussão e
que aparenta corresponder às ideias de Santos sobre a importância de os próprios
cientistas-filósofos analisarem a crise da racionalidade científica. Ao comentar o
trabalho de Rorty (que redescobre o pragmatismo na filosofia), de Kuhn e
Feyerabend (que apresenta mudanças de ênfases na filosofia da ciência) e de
Foucault (em relação à descontinuidade na história) ou, ainda, ao enfatizar os novos
desenvolvimentos da matemática no campo da indeterminação (geometria dos
fractais, teoria da catástrofe e do caos) e o reconhecimento da dignidade do outro,
retomado em áreas como ética, política e antropologia, Harvey assinala o que de
comum em todos esses exemplos: a “rejeição das metanarrativas”. Essas são
entendidas como “[...] interpretações teóricas de larga escala pretensamente de
aplicação universal.” (id., ibid., p.19).
O pós-modernismo assinala a morte dessas “metanarrativas”, cuja função
terrorrista secreta era fundamentar e legitimar a ilusão de uma história
humana “universal”. Estamos agora no processo de despertar do pesadelo
da modernidade, com sua razão manipuladora e seu fetiche da totalidade,
para o pluralismo retornado do pós-moderno, essa gama heterogênea de
estilos de vida e jogos de linguagem que renunciou ao impulso nostálgico
de totalizar e legitimar a si mesmo... A ciência e a filosofia devem
abandonar suas grandiosas reivindicações metafísicas e ver a si mesmas,
mais modestamente, como apenas outro conjunto de narrativas.
(EAGLETON apud HARVEY, 1998, p.19-20).
Com o fim das metanarrativas acaba também a opressão causada pelas teorias
ou argumentos explicativos e totalizantes que pretendiam dar conta da
complexidade dos fenômenos sociais. Assim, como diz Silva (1999a), “[...] o
adeus às metanarrativas o constitui necessariamente uma despedida
dolorosa. Ela significa apenas que nossas teorizações precisam ser mais
refinadas, mais atentas aos detalhes locais e específicos”. (p.257). Acredito que
essa seja uma importante chave para o enfrentamento da nova situação, posto
que teremos de criar novas formas de pensar e sentir os problemas sociais.
No sentido de elucidar um pouco mais as alternativas de um (ou do) projetos-
moderno, transcrevo uma definição que, de certo modo, sintetiza o que foi
exposto:
[...] pós-modernismo é definido por idéias mais gerais sobre a
caracterização social, econômica e cultural de nossa época (a “condição
33
pós-moderna”) e por uma negação daqueles pressupostos epistemológicos
que são descritos como tendo caracterizado a análise e o pensamento
modernos (a crença na Razão e no Progresso e no poder emancipatório da
Ciência, uma concepção “realista” do conhecimento e da linguagem, a
confiança nas metanarrativas). (SILVA, 1993, p.123).
Avançando na discussão desse tema, retomo uma reflexão proposta
anteriormente, neste capítulo, quando apresentei Ulrich, o personagem de Musil,
uma personalidade complexa, que parecia não estar ajustada ao seu tempo, início
do século XX. Para melhor entendê-lo, recorro à distinção apresentada por Hall
(2002) entre três concepções de identidade, correspondentes ao sujeito do
Iluminismo, ao sujeito sociológico e ao sujeito pós-moderno. O primeiro está
baseado “[...] numa concepção da pessoa humana como um indivíduo totalmente
centrado, unificado, dotado das capacidades de razão, de consciência e de ação.
[...] O centro essencial do eu era a identidade de uma pessoa.” (id., ibid., p.10-11). O
segundo reflete a complexidade do mundo moderno e pressupõe que “[...] a
identidade é formada na “interação” entre o eu e a sociedade.” (id., ibid., p.11). Por
último, o sujeito pós-moderno é conceitualizado como “[...] não tendo uma identidade
fixa, essencial ou permanente. [...] O sujeito assume identidades diferentes em
diferentes momentos, identidades que não são unificadas ao redor de um ‘eu’
coerente.” (id., ibid., p.12-13).
No estudo sobre as identidades e assumindo a perspectiva histórica, Hall
(2002, p.46) mostra como o “[...] ‘sujeito’ do Iluminismo, visto como tendo uma
identidade fixa e estável, foi descentrado, resultando nas identidades abertas,
contraditórias, inacabadas, fragmentadas do sujeito pós-moderno.” Esse sujeito
descentrado de alguma maneira me faz lembrar Ulrich: um homem simpático,
sedutor que, justamente por não se enquadrar em nenhuma classificação, acaba
livre para se mover e se adaptar a diferentes situações. Um homem pós-moderno,
um homem capaz de sobreviver à crise da modernidade!
Por outro lado, o que representará para a nossa sociedade a constituição de
sujeitos flexíveis e descentrados, se considerarmos, como explicita Bauman (2007,
p.10) que a flexibilidade é “[...] a prontidão em mudar repentinamente de táticas e de
estilo, abandonar compromissos e lealdades sem arrependimentos e buscar
oportunidades mais de acordo com sua disponibilidade atual do que com as próprias
preferências.”?
34
Flexibilidade, volatilidade e efemeridade são marcas preponderantes em tudo
o que ocorre ou se desenvolve na sociedade atual. Nessa perspectiva, o nível de
exigência para adaptação às mudanças é muito grande e as possibilidades de
organização e planejamento quase não existem. Todos procuram viver o momento
presente com o máximo de prazer; buscam estar com os outros, mas isso não
significa afeição ou apego; submetem-se ao mercado de consumo, vestindo e
despindo identidades; em síntese, “[...] jogam com suas máscaras plurais no interior
de todas essas “tribos” características da pós-modernidade.” (MAFFESOLI, 2007,
p.20). Ora, tudo isso parece evidenciar uma nova crise social e existencial.
Santos (2002), em seu livro “A crítica da razão indolente: contra o desperdício
da experiência”, faz um alerta muito importante a respeito das crises que vivemos.
Segundo o autor, na atualidade, prevalece a “razão indolente” ou “razão preguiçosa”,
visto que, perante o imprevisível e/ou a fatalidade eminente é mais cômodo pensar
que “[...] se o futuro é necessário e o que tiver de acontecer acontece
independentemente do que fizermos, é preferível não fazer nada, não cuidar de
nada e gozar apenas o prazer do momento.” (SANTOS, 2002, p.42). No entanto,
essa solução é potencialmente uma grande armadilha, pois, como reforça o autor,
ao referir-se a este período de transição paradigmática pelo qual passamos, “[...] os
limites da experiência fundada na razão indolente são particularmente grandes,
sendo correspondentemente maior o desperdício da experiência.” (id., ibid., p.42).
Não posso deixar de me regozijar com a sugestão de Maffesoli (2007) no
sentido de que, para pensarmos toda “[...] essa efervescência, talvez devamos voltar
aos autores intempestivos, poetas, filósofos ou pensadores anômicos.” (p.30).
Naturalmente, dentro deste contexto, referir-se a Nietzsche torna-se uma imposição.
Mas, o que poderíamos encontrar em Nietzsche? Alguma certeza, alguma verdade?
Conforme nos lembra Parmeggiani (2002), seu pensamento está impregnado pela
busca de verdades, sim, porém inseguras, paradoxais e problemáticas. Em
Nietzsche, a busca de terra firme sempre será contraposta pelo jogar-se ao mar
aberto. Também não lhe faltam argumentos para demonstrar espanto diante das
descobertas da ciência, como se nesta citação: “Estamos o persuadidos da
incerteza e da loucura dos nossos juízos e da eterna transformação das leis e das
idéias humanas que ficamos estupefatos de ver como os resultados da ciência
permanecem firmes!” (NIETZSCHE, 2005a, p.59, grifo do autor).
35
Nietzsche coloca em dúvida todo empreendimento racional para se chegar ao
conhecimento e rejeita veementemente o conceito iluminista da verdade. Ainda
assim, ele consegue, como diz Pimenta (2000), converter o impetuoso desejo de se
ter alguma certeza, alguma coisa de sólido, numa vigorosa aptidão e coragem para
a criação. Muitas outras ideias de Nietzsche poderiam ainda ser exploradas, no
entanto, penso que para a discussão que está sendo desenvolvida sobre o sujeito
pós-moderno, o termo filosófico utilizado em sua obra “A vontade de poder”
niilismo – pode trazer alguma contribuição.
Mesmo tendo vivido no culo XIX, Nietzsche faz referência a um homem
moderno que é muito semelhante ao de hoje, quando diz, por exemplo, que o
homem “[...] desmereceu, ante seus próprios olhos, infinitamente em dignidade.”
(NIETZSCHE, 1901, p. 94). Na mesma ótica, ele fala do niilismo, ou seja, a vontade
do nada, ou ainda, de um niilismo mais radical, a convicção da absoluta
insustentabilidade da existência. Tomando suas próprias palavras: “Vede que surge
a contradição entre o mundo que veneramos e o mundo que vivemos, que somos.
Resta-nos: ou suprimimos nossa veneração ou suprimimo-nos. O segundo caso é o
niilismo.” (id., ibdi., p. 91).
Nosso personagem Ulrich talvez tenha conhecido a “vontade do nada”,
quando fracassa em sua terceira tentativa de se tornar um homem de qualidade.
Vejamos como Musil descreve este momento:
Por fim, Ulrich ainda descobriu que também na ciência parecia um homem
que escalou uma montanha após a outra sem avistar seu objetivo. Possuía
fragmentos de uma nova maneira de pensar e sentir, mas a nova visão,
inicialmente tão forte, perdera-se em detalhes cada vez mais abundantes; e
se ele acreditara estar bebendo da fonte da vida, esgotara agora todas as
suas expectativas. (MUSIL, 1989, p.35).
Resta-nos, portanto, perguntar se o niilismo é uma característica do mundo
pós-moderno. Homens, mulheres, jovens, crianças, transeuntes das grandes
cidades, apressados, preocupados, movimentando-se para qual lugar, com ou sem
objetivo. Quem são esses sujeitos? Quais são seus valores? Que valor eles dão aos
seus valores? Que qualidades eles têm? Ou seriam, como Ulrich, pessoas sem
qualidades?
Antes de encerrar este tema, apenas mais uma questão que me inquieta: qual
é a contribuição de Michel Foucault no âmbito da problemática aqui discutida?
36
Posso adiantar que as possíveis respostas serão discutidas mais adiante neste
texto. Neste momento, limito-me a deixar em destaque algumas perguntas
formuladas pelo próprio Foucault no curso que desenvolveu no Collège de France,
entre 1980 e 1981, sobre o tema “Subjetividade e verdade”:
[...] como um sujeito foi estabelecido, em diferentes momentos e em
diferentes contextos institucionais, como objeto de conhecimento possível,
desejável ou até mesmo indispensável? Como a experiência que se pode
fazer de si mesmo e o saber que se pode fazer de si mesmo, e o saber que
deles formamos, foram organizados através de alguns esquemas? Como
esses esquemas foram definidos, valorizados, recomendados, impostos?
(FOUCAULT, 1997, p.109).
37
3 DO LUGAR DE ONDE FALO
Depois de ler Umberto Eco, tratando do tema “como se faz uma tese”, e de
refletir a respeito das orientações por ele sugeridas para redigi-la, sinto necessidade
de “dar uma parada” e pensar no compromisso que tenho ao produzir este texto,
dados o lugar de onde falo e o alcance que podem ter as coisas que falo. Segundo
esse autor:
[...] elaborar uma tese é como exercitar a memória. Temo-la boa quando
velhos se a exercitarmos desde a meninice. [...] Por certo, se o caso for
aprimorar a memória, é melhor aprender coisas que nos interessam ou nos
sirvam: mas, por vezes, mesmo aprender coisas inúteis constitui bom
exercício. Analogamente, embora seja melhor fazer uma tese sobre um
tema que nos agrade, ele é secundário com respeito ao método de trabalho
e à experiência daí advinda. (ECO, 2005, p.5)
De fato, este é um trabalho muito sério, de grande responsabilidade e seria
lamentável se fosse realizado apenas para atender a uma exigência acadêmica. Por
isso, apoiada no pensamento do autor, reitero que escolhi abordar e investigar um
tema que muito me agrada e que está intensamente atrelado às minhas atividades
profissionais como formadora de professores de matemática. Em relação ao método
utilizado na pesquisa e à(s) experiência(s) desta advinda(s), espero que sua
possível relevância fique evidenciada ao longo da redação desta tese. E, quanto às
coisas inúteis que possam aqui ser (ou estar sendo) ditas, tenho certeza de que
foram e continuam sendo necessárias no processo de reflexão e análise que venho
realizando, além, é claro, de manterem minha memória em constante exercício.
Trabalho exclusivamente com os licenciandos em matemática da UFRGS
quinze anos e tenho tido oportunidade de acompanhá-los, durante todo esse tempo,
como orientadora nas suas primeiras práticas como professores. Assim, escolhi
desenvolver a pesquisa, enfocando o processo de formação pedagógica a que o
submetidos meus próprios alunos, por acreditar que, após tantos anos de
comprometimento com essa formação, adquiri condições de rever, perscrutar e
repensar minhas próprias práticas. Naturalmente, também acredito que possa deixar
alguma contribuição teórica dentro do campo da formação de professores, em
especial, de professores de matemática.
38
Tenho estado em contato com alunos “calouros” nas disciplinas Fundamentos
da Matemática e Geometria; com alunos de e anos nas disciplinas Ensino-
Aprendizagem de Matemática
8
(I, II, III) e Laboratórios de Prática de Ensino-
Aprendizagem em Matemática (I, II, III); e tenho tido oportunidade de reencontrar
alguns alunos, quando estão em final de curso, na disciplina de História da
Matemática. Além disso, oriento diretamente alguns alunos monitores ou que
recebem bolsas de extensão sob minha responsabilidade.
Desse largo e intenso relacionamento estabelecido com os licenciandos, têm
surgido muitos desafios, dúvidas e questionamentos. Ocorrem interessantes
discussões acerca de teorias e pesquisas, tanto matemáticas como pedagógicas, e
acerca das experiências de prática de ensino que desenvolvemos. Surgem muitos
campos teóricos a investigar e muitas questões a serem respondidas. Em particular,
uma dessas questões talvez nunca tenha sido suficientemente explicitada com (ou
para) os alunos, mas tem me incomodado constantemente (inclusive no que se
refere à sua própria formulação): que professor de matemática está sendo formado?
Relendo os documentários
9
das aulas de Ensino-Aprendizagem de
Matemática I, ocorridas no segundo semestre de 1998, identifiquei uma questão que
havia provocado muita polêmica em aula: “Ser professor de Matemática: foi a melhor
escolha?” E, no editorial daquele documentário, deixei registrado o que segue: Nós
nem sabemos direito o que é esta Matemática que ensinamos ou iremos ensinar.
Apenas descobrimos um dia, dentro da escola, que gostávamos desta manipulação
simbólica, deste ‘jogo’, e escolhemos ser professores ‘disto. Mas, afinal, professores
de quê nós iremos ser?
Principalmente com os calouros, costumo conversar sobre os motivos que os
levaram a escolher este curso, sobre suas expectativas e suas pretensões futuras,
indagando, inclusive, se pretendem exercer a profissão de professor. Quase sempre
eles justificam a escolha fazendo referência a seu bom desempenho em matemática
quando estavam na escola. Quanto às expectativas, são vagas, demonstrando seu
desconhecimento sobre o que será tratado no curso. Na verdade, o que aprenderam
8
As disciplinas de Ensino-Aprendizagem de Matemática fazem parte do currículo em extinção e foram
oferecidas pela última vez no semestre 2007/1.
9
Esta foi uma atividade combinada com a turma, no início do semestre. Todas as semanas, um ou
dois alunos tinham o compromisso de elaborar o documentário das aulas transcorridas e, antes de
ser reproduzido para os demais colegas, eu lia o documentário, fazia alguma sugestão e escrevia o
editorial.
39
na escola, geralmente, não passa do reconhecimento de algoritmos e modelos
algébricos que são utilizados em exercícios puramente matemáticos. No sentido de
uma busca dos significados (ou, simplesmente, das possibilidades abertas pela
teoria em estudo), de uma contextualização histórica e/ou da aplicação de conceitos
a outras áreas de conhecimento pouco se tem avançado no Ensino Fundamental e
Médio; daí supor (suposição que, admito, tem me acompanhado muito tempo)
que nossos alunos possam ter escolhido esta área, não por conhecerem o “objeto”
de que ela trata e quererem aprofundar esse conhecimento, mas sim por sentirem
atração e afinidade com o “jogo” lógico e objetivo ao qual acaba sendo reduzida a
própria matemática.
Essa incompreensão (ainda sinto-se compelida a fazer esse tipo de análise!)
sobre o que é e o que não é matemática, sobre os seus limites, ou seja, do que ela
trata e, consequentemente, do que pode falar e, também, sobre a própria linguagem
em que é expressa com a mesma intensidade como, segundo Guillen (1987),
causa um pavor patológico e humilhação confusa na maioria das pessoas talvez
represente um desafio e um estímulo aos nossos alunos a se afirmarem como
sujeitos incomuns, especiais. No entanto, essa mesma incompreensão pode se
tornar insustentável, vindo, talvez, a constituir uma das explicações para a grande
evasão de alunos (em torno de 50%) que ainda se evidencia no curso de
Licenciatura em Matemática da UFRGS, apesar dessa ter diminuído sensivelmente
nos últimos anos.
Ainda assim, muitos prosseguem seus estudos e, desde o início do curso,
começam a ter contato com questões pedagógicas e com a realidade escolar em
disciplinas oferecidas seja pelo Instituto de Matemática, seja pela Faculdade de
Educação. Como professora, acompanho e oriento suas primeiras experiências em
sala de aula através das propostas que desenvolvo nas disciplinas de Laboratório de
Prática de Ensino-Aprendizagem em Matemática. No currículo da Licenciatura em
Matemática, que entrou em processo de extinção em 2005, ocorriam três
Laboratórios
10
de quatro créditos cada um a partir do segundo ano. No currículo
10
Como farei referência às disciplinas de Ensino-Aprendizagem de Matemática e Laboratório de
Prática de Ensino-Aprendizagem em Matemática em muitos momentos ao longo do texto e várias
mudanças ocorreram nos nomes destas disciplinas, desde que foram incluídas na grade curricular do
curso de Licenciatura em Matemática, opto por tratá-las informalmente como disciplinas de Ensino-
Aprendizagem e de Laboratório, exceto quando for necessário especificar devidamente o seu nome.
40
novo, os Laboratórios começam a ocorrer a partir do terceiro semestre no curso
diurno e a partir do quarto semestre no curso noturno, cada um deles tendo
aumentado sua carga horária para oito créditos
11
.
Meus objetivos nos Laboratórios têm sido o de estudar, junto com os
licenciandos, os conteúdos matemáticos definidos nas súmulas das disciplinas, de
forma a podermos discutir e organizar propostas de ensino-aprendizagem relativas a
esses conteúdos. Numa segunda fase, encaminho os licenciandos a desenvolverem
tais propostas em turmas de alunos do Ensino Fundamental e/ou do Ensino Médio.
De modo geral, todas as intenções e proposições contidas nos Planos de
Ensino dos Laboratórios são apresentadas aos alunos no início do semestre antes
de serem postas em prática. Normalmente, coloco em discussão o plano e abro a
possibilidade de fazermos alterações. Ainda assim, esse documento não costuma
causar grande impacto, sendo aceito sem contestações, para logo em seguida ser
esquecido. Na prática, o encaminhamento de atividades que proponho não difere
muito do planejado, mas a descrição das experiências ocorridas (registradas nos
relatórios dos alunos e, agora, ao escrever esta tese) evidencia, sem dúvida,
expressivas diferenças. Diferença essa que observo também, constantemente,
quando leio os planos de aula de meus alunos e, depois, os comentários sobre o
que aconteceu na aula. Faço essa observação porque, neste trabalho de pesquisa,
estou particularmente interessada nos discursos emitidos no âmbito das disciplinas
de Laboratório, seja através de textos escritos (formais ou informais) ou através de
pronunciamentos orais (transcritos literalmente).
Do lugar de onde falo?! Comecei falando a partir de meu lugar de professora
e pesquisadora, no espaço dos Laboratórios. Para quais outros lugares posso me
deslocar? Quais vozes falar? Quais lugares discursivos assumir? Antes de
responder essas perguntas – se de fato isso for relevante – permito-me retomar uma
questão foucaultiana citada no capítulo anterior: [...] como um sujeito foi
estabelecido, em diferentes momentos e em diferentes contextos institucionais,
como objeto de conhecimento possível, desejável ou até mesmo indispensável?
(FOUCAULT, 1997, p.109). Analogamente, pergunto: como nos constituímos, meus
alunos e eu, objetos de conhecimento possível e, talvez, desejável? Ainda
11
Esta mudança na carga horária se justifica pela inclusão, nas súmulas, dos conteúdos que eram
trabalhados nas disciplinas de Ensino-Aprendizagem.
41
recorrendo ao que foi dito no capítulo anterior, ressalto o caminho utilizado por
Foucault diante dessa questão: investigação das formas de racionalidade que um
sujeito aplica sobre si mesmo, de modo a se tornar objeto de saber, e das condições
históricas em que isso ocorre.
Assim, retomo meu lugar de protagonista, mas, desta vez, situando minha
condição atual dentro de um contexto histórico mais amplo.
Brasileira. Nascida no Rio Grande do Sul. Formada nas áreas de Matemática
e Educação, tendo estudado exclusivamente em escolas públicas. Professora de
uma Universidade Federal. Essas credenciais são suficientes para me identificar,
para indicar meu lugar neste mundo? Provavelmente não, mas contribuem para que
eu decida sobre o quê falar a seguir.
3.1 MATEMÁTICA E EDUCAÇÃO MATEMÁTICA NO BRASIL
Este herói anônimo vem de muito longe. É o
murmúrio das sociedades. De todo o tempo,
anterior aos textos. Nem os espera. Zomba
deles. Mas, nas representações escritas, vai
progredindo. Os projetores abandonaram os
atores donos de nomes próprios e de
brasões sociais para voltar-se para o coro
dos figurantes amontoados dos lados, e
depois fixar-se enfim na multidão do público.
(CERTEAU, 2002, p.57).
Certeau está interessado na narrativa de práticas do cotidiano, particulares,
anônimas, por isso fala do deslocamento dos projetores. Certamente, meu foco, ao
propor uma narrativa histórica, também está nos figurantes neste caso, o simples
professor de matemática. No entanto, iniciarei minha narrativa demarcando
acontecimentos notáveis da história do Brasil que compõem, de certa forma, a
trajetória desse professor. Sinto necessidade de fazer essa retrospectiva, talvez
correndo o risco de perder o foco, mas tenho certeza de que meu herói anônimo não
deixará de emitir seu murmúrio.
42
Como ocorreu a entrada do Brasil no mundo moderno? (Escolho começar
nesse ponto, mantendo certa coerência com a discussão desenvolvida no capítulo
anterior). Wehling (2004) destaca em seu texto algumas fases dessa incorporação.
Vou enumerá-las conforme o autor: a primeira “[...] nos culos XVI-XVII, quando se
iniciou e consolidou o processo colonizador.” (p.45); a segunda, quando, por volta da
“[...] metade do século XVIII, chegam ao Brasil os reflexos do Iluminismo.” (p.46); a
terceira ocorreu “[...] sob o clima liberal e romântico da primeira metade do século
XIX.” (p.46); e uma quarta fase “[...] após a década de 1920, acentuando-se no pós-
guerra [através do] esforço para retirar o Brasil da condição de país ‘atrasado’ [...] ou
‘subdesenvolvido’.” (p.46). Esse enquadramento ou classificação fundamenta-se no
referencial escolhido para analisar a modernidade. Nesse caso, segundo Wehling,
estão sendo utilizadas as etapas: modernidade renascentista, modernidade
ilustrada, modernidade liberal, modernidade do século XX.
A passagem de uma filosofia e de práticas medievais para uma tendência
racional e empírica de analisar e estar no mundo sinaliza essa entrada na
modernidade. No Brasil se destaca, nessa passagem, a influência dos jesuítas,
ministrando um ensino que “[...] dava consistência ao projeto de ‘uniformização das
consciências’ com base num fundamento comum cristão e clássico.” (WEHLING,
2004, p.49).
Após a Reforma Pombalina, por volta de 1770, o Estado brasileiro instala as
“aulas régias”, contratando professores concursados em diversas áreas, em
substituição aos colégios jesuítas. Esta reforma, no entanto, fundada nos princípios
da Universidade de Coimbra, acaba por priorizar o ensino das disciplinas de ciências
exatas e naturais e das áreas do direito e economia. Agregado a isso vinha a
preferência por autores como Bacon, Descartes, Galileu e Newton e a temeridade
(inclusive proibição) de outros como Voltaire, Montesquieu e Rousseau (WEHLING,
2004; GAUER, 2004).
Nesse período, mais especificamente entre os séculos XVIII e XIX, em todos
os campos de atividade humana, buscava-se fundamentação a partir de princípios
matemáticos, visando com isso a enquadrar os resultados obtidos dentro dos
padrões científicos, conforme exigência e valorização da época. Muitos brasileiros,
provocados por essas mudanças, foram para o exterior desenvolver seus estudos,
sendo que a maioria foi para a própria Universidade de Coimbra.
43
Gauer (2004), contrariando a opinião de muitos historiadores que consideram
o ensino em Portugal “atrasado” para essa época, afirma que os reformistas
portugueses seguiam “[...] o modelo do pensamento do século, tal como ocorreu nas
demais universidades européias que à época realizaram reformas no ensino, [...].
(p.146).
O primado da razão e, consequentemente, a valorização da Educação,
através da qual os filhos da nobreza poderiam se tornar homens ilustres,
caracterizam assim, a fase da modernidade ilustrada. Dessa forma:
O século XIX dará substrato histórico à utopia pombalina. [...] Quer pelo tom
do discurso político, quer pelo teor do pensamento pedagógico expresso em
periódicos da época, quer pelo próprio conteúdo dos manuais e compêndios
escolares, o rosto do Marquês ilumina a história da educação portuguesa na
trajetória do século XIX; sendo também referência necessária para o estudo
da história da educação brasileira relativa aos períodos imediatamente
anterior e posterior à nossa Independência. (BOTO, 2004, p.175-76).
Após essa pequena introdução histórica, pretendia dar um salto para o início
do século XX, por ocasião da criação das Universidades no Brasil, mas talvez seja
interessante “dar uma parada” em meados do século XIX para comentar acerca da
predominância do pensamento francês que desencadeou entre os intelectuais
brasileiros o interesse pelo Positivismo.
Destacando a influência de Augusto Comte, pode-se dizer que uma nova
ideologia se infiltrou em todos os setores da sociedade, em especial na Educação,
caracterizada por uma orientação educacional mais técnica e por uma
hierarquização do conhecimento que ia da matemática e das ciências empíricas às
ciências sociais.
A influência dessa filosofia acabou se tornando bastante expressiva no que se
refere ao ensino de matemática no Brasil. Várias pesquisas históricas vêm sendo
desenvolvidas nesta área. Em particular, destaco os trabalhos de Ubiratan
D’Ambrósio, Clóvis Pereira da Silva e Circe Mary Silva da Silva.
D’Ambrosio (1992), por exemplo, ao analisar a ciência moderna no período de
transição do culo XIX para o XX, indica a excelência alcançada pela matemática
perante os demais campos de saber. Comparando a influência de Comte junto aos
intelectuais europeus e aos da América Latina, D’Ambrosio destaca que nos novos
países “[...] as ideias de Augusto Comte se mostraram atrativas para a nova
intelectualidade [...] que deveria justificar sua ascensão ao poder.” (ibid., p.49),
44
quando a elite intelectual francesa, por exemplo, estava preparada para substituir
as elites aristocráticas, sem recorrer ao dogmatismo imposto pelo positivismo de
Comte.
Clóvis Pereira da Silva apresenta sua tese de doutorado, em 1989, intitulada
“Uma história social do desenvolvimento da matemática superior no Brasil: de 1810
a 1920”, e entendo que esse trabalho constitui uma das fontes mais completas
acerca do tema que aqui abordo. Desse autor, destaco um questionamento, relativo
ao ensino e à pesquisa da matemática no Brasil, do século XIX ao início do século
XX : “Por que [...] não incorporaram e não se adaptaram às novas teorias e novas
técnicas matemáticas desenvolvidas e ensinadas nas Escolas e Universidades
européias?” (SILVA, 1992, p.65). Sua resposta a essa questão rende uma análise
cuidadosa da influência de Augusto Comte sobre cientistas (inclusive matemáticos)
brasileiros da época. Ressalto um dos argumentos:
Comte dissera, dentre outras coisas, que a ciência se esgotara com a
construção da Mecânica Celeste. Que a Matemática estava acabada,
pronta. Que os fundamentos das Ciências estavam consolidados. [...]
Com isto, entendemos que, para Comte, não fazia sentido estudar
geometrias não euclidianas, funções analíticas, funções elíticas, funções
descontínuas, as emergentes teoria dos números e teoria dos grupos,
cálculo das probabilidades, para citarmos apenas algumas das novas
teorias e novas técnicas matemáticas desenvolvidas a partir da década de
1830. (SILVA, 1992, p.69).
Interessante acrescentar, também a partir do trabalho de Silva (1992), que,
apesar de os matemáticos, assim como outros intelectuais, terem se mantido
informados, desde o início do século XIX, acerca do conhecimento científico
produzido na Europa e nos EUA., no período de 1870 a 1920 a influência de Comte
funcionou de forma tão paralisante que as novas técnicas e teorias passaram a ser
desconhecidas dos mesmos. Ainda assim, alguns matemáticos se destacaram no
rompimento com o Apostolado Positivista, sobressaindo-se, entre eles, Otto de
Alencar, que publicou trabalhos importantes ligados às teorias emergentes e,
inclusive, encontrou erros de matemática na obra de Comte.
Outro nome expressivo da história da matemática do final do culo XIX foi
Benjamin Constant dada sua importância como professor de matemática da
Escola Militar do Rio de Janeiro e sua afinidade com as ideias de Comte. Também
Benjamin Constant encontrou erros (não os mesmos que Otto de Alencar) na obra
45
de Conte, o que talvez indique não ter sido ele um positivista tão ortodoxo. Sua
intervenção, no entanto, foi bastante abrangente dentro da problemática que se
desenvolvia na época, relativa à educação, visto que “[...] levantou críticas severas
quanto aos programas de ensino, aos currículos, ao livro didático e principalmente
aos exames.” (SILVA, 2001a, p.97).
A história das nossas bases intelectuais, tendo em vista prioritariamente a
constituição do matemático e/ou do professor de matemática brasileiro, a história do
positivismo de Comte, a história da educação matemática..., naturalmente tudo isso
é relevante para entendermos quem somos nós hoje, mas preciso ter em mente o
limite de espaço e de tempo que disponho para tratar tal assunto. Por isso a falta de
aprofundamento, a superficialidade, a alusão rápida a um acontecimento.
Positivismo, uma doutrina longa e complexa que se desenvolveu na França,
combinada com o racionalismo, iniciado por Descartes e fixado pelo Iluminismo; na
Inglaterra, ligado ao empirismo e pragmatismo; na Alemanha, surge como
cientificismo; na Itália, fundamentado no naturalismo renascentista, influenciando,
em particular, na pedagogia (GOMES, 2003). Sem dúvida, vem dessa doutrina a
concepção de ciência como instrumento de controle da natureza em busca de
progresso e desenvolvimento social. E, assim, o contato, em particular, com o
positivismo de Comte “[...] produziu uma sensação de satisfação nos intelectuais
brasileiros a ele ligados, pois denotava uma maior proximidade da cultura européia,
tomada passivamente como modelo de adiantamento cultural e científico.” (id., ibid.,
p.278).
Críticas ao positivismo, ao cientificismo, ao empirismo? Basicamente toda
filosofia da ciência desenvolvida no século XX entra nesse debate e muitos são os
pensadores que contestam os princípios dessas doutrinas. Mas, e os defensores,
ainda existem, onde estão?
Na matemática, poderia se discutir a influência de três correntes filosóficas:
logicismo, intuicionismo e formalismo, que, no final do século XIX, polemizavam a
respeito do surgimento das geometrias o euclidianas e das contradições teóricas
verificadas na lógica e na teoria de conjuntos, na busca dos fundamentos da
matemática. O formalismo, corrente que melhor correspondeu às expectativas da
época, nasceu do êxito alcançado pelo método axiomático e, investiu na adaptação
da matemática ao processamento mecânico, através do encadeamento lógico de
46
sistemas simbólicos. A crítica ao formalismo matemático também ocorreu,
fundamentada em argumentos apresentados por filósofos da ciência, conforme
mencionado. Lakatos, apoiado nas ideias de Popper e Polya, apresentou a crítica
mais contundente, rejeitando a possibilidade de identificar a matemática com sua
abstração axiomática formal e mostrando que, como toda ciência natural, ela á
falível, refutável e se desenvolve por caminhos bem diferentes do revelado pela
demonstração (CARRASCO, 1998, 2005).
Aproveito para ressaltar que a influência da filosofia formalista foi
determinante, na década de 60, para o surgimento do Movimento da Matemática
Moderna. Esse movimento, de dimensões internacionais, repercutiu intensamente
nos países “em desenvolvimento”, devido às intenções políticas de manter os
mesmos atualizados e beneficiados pelo que “de melhor” ocorria no mundo.
Interessante observar, como comenta Búrigo (1989, p.76), as conotações que
tinham a palavra “moderno” na caracterização deste movimento: “[...] atualizar o
ensino adequando-o às exigências de uma sociedade em acelerado progresso
técnico [e] às pesquisas mais recentes no campo da psicologia e da didática [...]”.
Naturalmente, a autora não deixou de fazer referência à promessa de um ensino
eficaz e de boa qualidade que o projeto de modernidade colocava em substituição
às propostas tradicionais. Búrigo também esclarece que a expressão “matemática
moderna” referia-se à evolução dessa disciplina desde o século XIX e compreendia,
em particular, quatro aspectos:
[...] as novas descobertas e o surgimento de novas disciplinas no interior da
matemática, a discussão em torno dos fundamentos da matemática, a
concepção “estruturada” da disciplina como tinha sido construída pelo grupo
Bourbaki e as contribuições do desenvolvimento da matemática para o
desenvolvimento de novos campos do conhecimento, como estatística e as
ciências da computação. De conjunto, o que se enfatizava era a matemática
universitária, a matemática de valor acadêmico: (ibid., p.81).
E assim, observo que essa pequena digressão histórica, inevitavelmente teria
de acabar dentro dos muros da universidade (brasileira). É evidente que o ensino
superior não começa com a universidade e diversos empreendimentos ocorreram
nesse sentido desde o início do século XIX deixei implícitos alguns deles. Mas
faço agora referência às nossas primeiras universidades: do Rio de Janeiro, criada
em 1920; Federal de Minas Gerais, em 1927; de São Paulo, em 1934; e Federal do
Rio Grande do Sul, também em 1934.
47
O governo federal determina nessa época os cursos que deveriam compor a
universidade e, através da reforma de 1931, são definidos os requisitos para se
alcançar uma cátedra, incluindo concurso de provas teóricas e de títulos. Nas
constituições brasileiras de 1934 e de 1946 é mantida a força da cátedra, pondo em
destaque seu caráter vitalício, irremovível e de liberdade de ação. Na década de 50,
muitas universidades estaduais são federalizadas, sendo a USP uma das exceções.
As subseqüentes mudanças na área da Educação Superior do país ocorrem
como consequência direta do golpe militar de 1964: de uma parte com a reforma
universitária instituída por via do Decreto-lei 53, de 18.11.1966 e documentos
complementares
12
, que fixa os princípios e normas de organização para as
universidades federais; de outra parte, por via da Lei 5.540, de 28/11/1968, que fixa
as normas de organização e funcionamento do ensino superior e sua articulação
com a escola média
13
. Esse conjunto de determinações legais altera a organização
estrutural das universidades públicas. Ao mesmo tempo em que se criam unidades
universitárias Faculdade, Escola ou Instituto instalam-se as sub-unidades
denominadas Departamentos para efeitos de organização administrativa e didático-
científica e de distribuição de pessoal. Estabelece-se o princípio da
indissociabilidade ensino-pesquisa, conforme Art. da Lei 5.540; essa mesma Lei
determina a competência do Conselho Federal de Educação (atual CNE) para fixar o
currículo mínimo e a duração mínima dos cursos de graduação. É extinta a cátedra
universitária, passando a vigorar o regime jurídico do pessoal docente de nível
superior das IES públicas. (BRASIL, MEC/INEP, 1969).
Em termos de estrutura organizacional e de estatuto dos docentes, poucas
mudanças são registradas nas instituições universitárias. Contudo, destaca-se a
presença de políticas públicas de regulação e controle do ensino superior.
Estabelecidas desde 1995, elas conduzem à implementação dos processos de
avaliação de cursos, iniciados com a criação do Exame Nacional de Cursos (Lei
Federal 9.131/95), mais conhecido como PROVÃO, que é o primeiro passo para
instituição do Sistema de Avaliação da Educação Superior, regulamentado pelo
Decreto 3.860, de 9 de julho de 2001. A política de avaliação tem sua
12
Lei nº 4.881-A , de 06/12/1965- Estatuto do Magistério Superior; Decreto-lei nº 252, de 28/02/1967,
que complementa normas do Decreto-lei 53, caracterizando a nova estrutura das universidades; Lei
nº 5.539, de 27/11/1968 que modifica dispositivos da Lei 4.881-A.
13
Esta Lei, complementada pelo Decreto-lei 464, de 11/2/1969, altera substancialmente a Lei
4.024, de 29/12/1961, que fixara a Diretrizes e Bases da Educação Nacional.
48
continuidade assegurada através da instituição do Sistema Nacional de Avaliação da
Educação Superior - SINAES ( Lei nº 10.861, de 14 de abril de 2004) cujo objetivo é
assegurar o processo nacional de avaliação de IES; Cursos de Graduação e
Desempenho Acadêmico de Estudantes (ENADE). (BRASIL, MEC/INEP, 1969).
A mudança mais impactante na área de formação de professores verifica-se
no terreno didático-pedagógico, a partir da aprovação da Lei 9.394/1996, a nova
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e a consequente aprovação, pela
Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação, das Diretrizes
Curriculares Nacionais específicas a cada curso de graduação e a posterior
definição do caráter e organização dos Cursos de Licenciatura, através da
aprovação das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores
para a Educação Básica (Resolução CNE/CP 1/2002 e Resolução CNE/CP 2/2002).
(BRASIL, MEC/INEP, 1969).
Hoje a universidade brasileira parece ajustada a todas essas políticas, fato
que se evidencia através de um discurso cada vez mais técnico e formal e através
da promoção de estratégias administrativas que dêem visibilidade às constantes
reformas operadas no campo da gestão e no campo pedagógico, assim como aos
resultados obtidos nos processos avaliativos a que são submetidos regularmente
professores, alunos e a instituição como um todo.
Por outro lado, evidências de que a universidade brasileira também
começa a ser reconhecida internacionalmente, tanto no que se refere ao
reconhecimento da produção de pesquisa, como no envolvimento e intercâmbio com
professores/pesquisadores de todos os países. E isso envolve, sem margem de
dúvida, os profissionais que trabalham nos Institutos de Matemática.
Chego assim à questão da formação de professores de matemática, tarefa
que esteve sob a responsabilidade de Escolas de Engenharia, de Escolas
Militares e também de Faculdades de Filosofia, mas que, atualmente, é tarefa
exclusiva dos Departamentos de Matemática da Universidade. Caberia, portanto,
perguntar o que pensam os matemáticos hoje a respeito dessa tarefa, dessa
responsabilidade que carregam. Pergunta, no mínimo, indelicada, portanto não deve
ser feita! Talvez seja mais sensato perguntar como tem sido a produção dos
matemáticos desde meados do século XX.
49
Retomando a via histórica, destaco duas informações complementares: “O
estudo da matemática permaneceu associado às escolas de engenharia e às
academias militares até 1934, quando foram criadas as faculdades de filosofia.”
(SILVA, 1994, p.39) e “Os primeiros cursos de formação de professores foram
criados no Brasil pela USP, em 1934. A partir dessa data até a década de 70, as
licenciaturas eram oferecidas nas Faculdades de Filosofia.” (CURY, 2001, p.11).
Devido ao distanciamento que havia entre matemáticos puros e aplicados e os
próprios licenciandos é de supor-se que a produção dos primeiros não levasse em
conta, na época, questões relativas ao ensino e à aprendizagem de matemática. No
entanto, após a reforma de 68, com os cursos de licenciatura lotados nos seus
respectivos Institutos, rompe-se tal distanciamento e começa um redirecionamento
nas intenções de pesquisa. o se pode esquecer, no entanto, o interesse já
bastante arraigado na pesquisa teórica e na formação do bacharel em matemática,
além, é claro, do investimento crescente em cursos de mestrado e doutorado na
área. Nessa direção, cabe ainda citar a criação, em 1952, no Rio de Janeiro do
Instituto de Matemática Pura e Aplicada (IMPA).
Pretendo abordar alguns pontos relativos à criação desse Instituto por
entender sua importância, crescente até os dias de hoje, para a comunidade de
matemáticos. Conforme Silva (2004), inicialmente houve dificuldades para viabilizar
tal projeto, visto que a finalidade de tal instituto não diferia daquilo que se fazia
dentro da Universidade, ainda assim, ele foi criado, e foi um dos primeiros a estar
“[...] vinculado ao Conselho Nacional de Pesquisas (CNPq), que estava diretamente
subordinado à Presidência da República.” (ibid., p.39). O CNPq, por sua vez, fora
criado em 1951, constituindo-se, desde então “[...] num divisor de águas. [ou seja] É
possível falar da ciência, no País, antes e depois do Conselho.” (idib., p.39).
O IMPA, sem dúvida, fomentou a pesquisa e contribuiu expressivamente para
projetar os matemáticos brasileiros internacionalmente. No entanto, “[...] nos seus
primeiros vinte anos, praticamente sobressaíram as linhas de pesquisas da
matemática pura, com um destaque especial, a partir de 1960, para as pesquisas
em Sistemas Dinâmicos.” (SILVA, 2004, p.43). Nas últimas décadas a produção
desse Instituto foi ainda maior, de modo que ele “[...] conseguiu firmar-se como
centro de pós-graduação e pesquisa [...], tornando-se uma referência internacional
nas pesquisas em Sistemas Dinâmicos.” (ibid., p. 66).
50
Em pesquisa realizada por Clóvis Pereira da Silva, relativa a “Mestrados e
Doutorados em Matemática obtidos no Brasil entre 1942 e 1999”, fica evidente a
participação do IMPA na formação de inúmeros pesquisadores. rias outras
Universidades são citadas nessa pesquisa, indicando os matemáticos formados,
seus orientadores e o título das respectivas dissertações ou teses defendidas. Do
levantamento realizado pelo autor são identificadas as seguintes subáreas de
pesquisa, acompanhadas com o número de teses defendidas: Análise Matemática
(46), Sistemas Dinâmicos (12), Geometria (10), Álgebra (8), Lógica Matemática (5),
Topologia (4) e Equações Diferenciais (3). (SILVA, 2003).
Considero importante acrescentar que, dentre os matemáticos identificados
na pesquisa citada acima, muitos vieram, posteriormente, a dedicar atenção e a
desenvolver estudos e investigações em campos teóricos relacionados ao ensino de
matemática ou, como é mais conhecida hoje, à área de educação matemática.
Assim, para encerrar esta retrospectiva histórica, passo a me fixar no campo
específico da Educação Matemática, desde o seu surgimento como área autônoma,
pretensamente independente da comunidade de matemáticos puros. Valho-me, para
tal, de declarações do professor Ubiratan D’Ambrosio, que sempre ocupou lugar
marcante como representante do Brasil na luta pela legitimidade e valorização dessa
área de conhecimento. Em entrevista publicada na Educação Matemática em
Revista – SBEM, diz ele:
Das inquietações com a expansão do ensino da Matemática e com a
qualidade adicionada a esse esforço a partir do início da década de 50 é
que surge a moderna Educação Matemática, logo transformada em um
grande movimento internacional balizado pelos Congressos Internacionais
de Educação Matemática (ICME). (D’AMBROSIO, 1999, p.7).
Quanto à participação brasileira nesses Congressos, ele esclarece:
Internacionalmente, a partir da III CIAEM [Comissão Interamericana de
Educação Matemática], em Bahia Blanca, em 1972, e do ICME 3, em
Karlsruhe, em 1976, a presença do Brasil tem sido crescente e destacada.
No ICME 8, realizado em Sevilha, o Brasil teve o maior número de
participantes e de trabalhos apresentados depois da Espanha, país sede, e
dos Estados Unidos. (D’AMBROSIO, 1999, p.8).
Considerando a trajetória já percorrida pela universidade brasileira, assim
como a prolongada discussão relativa à formação de professores, em particular os
51
de matemática, penso que a constituição da área de Educação Matemática no Brasil
é bastante recente. Para analisar melhor o contexto atual em que se situa essa
problemática, seria interessante investigar a estrutura dos primeiros cursos de
formação de professores de matemática, quando ainda eram oferecidos pelas
Faculdades de Filosofia, e, da mesma forma, a estrutura dos cursos após a
transferência para os Institutos de Matemática. Sabe-se que os currículos desses
cursos obedeciam à lógica da divisão das disciplinas: as de conteúdos específicos,
ministradas por profissionais formados nesta área (durante algum tempo, inclusive
engenheiros), priorizavam abordagens estritamente matemáticas; enquanto as
disciplinas de caráter pedagógico, a cargo de Departamentos ou Faculdades de
Educação, tinham reduzida (ou nenhuma) interseção com a matemática. Mais
recentemente, tem ocorrido, em termos de organização curricular, aparente
superação desta dicotomia entre as abordagens especificamente matemáticas e as
pedagógicas, o que o significa que, na prática, a articulação entre as duas áreas
esteja de fato ocorrendo.
Em Fiorentini; Lorenzato (2006) o primeiro capítulo intitulado “Breve História
da Educação Matemática Brasileira Enquanto Campo Profissional e Científico”
apresenta detalhes sobre os contextos sociais nos quais surgiram os primeiros
sinais da Educação Matemática no Brasil, os caminhos de investigação
empreendidos, trabalhos produzidos na área, centros de investigação mais
reconhecidos, entre outros. Desse texto, destaco algumas informações.
- No início dos anos 90, retornaram ao Brasil mais de vinte educadores
matemáticos que cursaram doutorado no exterior em áreas de investigação tais
como “[...] didática da matemática; história, filosofia, epistemologia e psicologia da
EM; currículo escolar; resolução de problemas; formação de professores; ensino de
geometria; álgebra e pensamento algébrico; etnomatemática; informática educativa
etc.” (ibid, p.35).
- Em 1997, foi aprovada a constituição de um GT (Grupo de Trabalho) pela
ANPEd (Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação). Esse
GT reuniu, entre os anos de 1998 e 2001, 48 trabalhos científicos, que apresentaram
8 focos temáticos (resultado obtido por Fiorentini em trabalho de pesquisa).
estudos sobre o professor de matemática [...]
estudos cognitivos e metacognitivos [...]
52
estudos sobre o ensino de matemática na universidade [...]
estudos sobre as tendências em EM [...]
estudos que utilizam a metodologia da engenharia didática [...]
estudos sobre EM e políticas educacionais públicas [...]
estudos sobre a produção de significados em atividades matemáticas [...]
estudos sobre a matemática em contexto não-escolar
(FIORENTINI; LORENZATO, 2006, p.35-36).
- Desde os anos 90, novas linhas de investigação vêm surgindo. Dentre elas,
os autores destacam:
informática e ensino de matemática;
ensino de álgebra e pensamento algébrico;
ensino de geometria e pensamento geométrico;
educação estatística;
didática e epistemologia em matemática;
análise da comunicação e do discurso do professor e alunos em sala de
aula;
estudo dos processos interativos em sala de aula;
psicoanálise e educação matemática;
desenvolvimento profissional de professores de matemática;
saberes docentes sobre a prática pedagógica em matemática
(FIORENTINI; LORENZATO, 2006, p.36).
Apesar da curta existência da área de Educação Matemática no Brasil, é
possível constatar a diversidade de campos de investigação que a mesma comporta
e, como consequência, a vasta literatura produzida. Além disso, nas últimas duas
décadas várias instituições brasileiras passaram a oferecer cursos de s-
graduação nessa área, destacando-se a pioneira na estruturação de cursos de
mestrado e de doutorado, Universidade Estadual Paulista (UNESP) Campus de
Rio Claro.
Longa história, vários heróis, mas não esqueci meu herói anônimo, nem
mesmo a questão que vem me motivando: como nos constituímos (nós professores
de matemática) o que somos hoje? Talvez a resposta esteja disponível no longo
texto que acabo de escrever, mas sempre algo a acrescentar. O artigo de Dias
(2002) parece conter esse “algo”, talvez por dizer coisas que eu não teria coragem
de dizer. Dias faz uma comparação entre “A disputa atual pela jurisdição do ensino
da matemática” (ibid., p.206), empreendida por matemáticos e educadores
matemáticos, e a contestação publicada, em 1930, pelo engenheiro Luiz de Barros
Freire ao artigo escrito por Stuyvaert, professor de matemática na Bélgica.
53
Stuyvaert teria criticado a crença “[...] segundo a qual, mais do que em
qualquer outra ciência, é essencial ter bossa para compreender a matemática, isto é,
é necessário ter uma aptidão especial, natural e inata, para compreendê-la.” (DIAS,
2002, p.195). Tudo indica que os argumentos desse professor belga foram bastante
provocativos a ponto de Freire, em sua contestação, dizer que A bossa das
mathematicas é um facto não creio haver um legítimo professor de mathematicas
que, de boa fé, a ponha em duvida, [...]” (id., ibid., p.196). Dias apresenta vários
argumentos desta interessante discussão, mas vou direto para a “disputa” atual:
Situam-se novamente em posições opostas partidários de um ponto de vista
“pedagógico” e de um ponto de vista “matemático” sobre o ensino da
matemática. A diferença é que, agora, os representantes desses dois
pontos de vista não o mais indivíduos, mas grupos de profissionais que
competem entre si por uma jurisdição de saber, pela hegemonia na esfera
do ensino da matemática nos níveis fundamental e médio. De um lado,
estão os educadores matemáticos, reunidos na Sociedade Brasileira de
Educação Matemática, do outro lado estão os matemáticos, reunidos na
Sociedade Brasileira de Matemática. Os primeiros estão a reivindicar o
reconhecimento social das suas competências e a legitimação institucional
dos seus pontos de vista para a solução dos problemas do ensino da
matemática nos níveis fundamental e médio, incluindo a formação dos
professores nas licenciaturas; os segundos estão a defender a sua
hegemonia nessa jurisdição profissional. (DIAS, 2002, p. 206).
Não pretendo tomar partido nessa disputa (de que adiantaria fazer isso!), mas
posso alertar que a história da constituição do meu herói anônimo não terá fim, visto
que uma polêmica dessa natureza o jogará de um lado para outro indefinidamente.
Bastaria analisar, por exemplo, a organização curricular dos cursos de licenciatura e
as reformas curriculares que vêm sendo propostas. superamos o modelo “três
mais um”, mas novos indícios podem mostrar que a disputa continua a se refletir.
3.2 CURRÍCULO E REFORMAS CURRICULARES
Mais precisamente, eles nem sequer sabem
que não sabem (tal é o sentido de “impor-
se”), assim como um chofer que não que
não vê, se a chuva vem juntar-se à noite;
pois, nesse caso, não somente não nada
além do alcance de seus faróis, mas, além
disso, não mais distingue nitidamente a linha
54
terminal da zona disso, de tal modo que não
mais até onde vê, e que corre demais
para um limite que ignora. (VEYNE, 1998,
p.254).
Gostaria de partir dessa citação para apontar certa falta de percepção dos
limites e, ao mesmo tempo, certa sensação de plenitude racional, eu diria, própria
dos educadores, em particular, dos educadores matemáticos. Falta de percepção
dos limites, porque lidam (lidamos) com uma densidade de fatores complexos e,
muitas vezes, imperceptíveis e plenitude, porque, ainda assim, se fixam nas suas
certezas, nas explicações “reveladas” por suas próprias racionalidades. Da mesma
forma, penso o significado do currículo. Mais do que um documento que tenta dar
conta das orientações relativas ao “o quê” deve ser ensinado nas escolas e ao
“como” fazê-lo, vejo o currículo como um caminho (muitas vezes obscuro) que deve
ser percorrido, mas também o vejo como sendo o próprio percurso, a própria
caminhada. E, devido a essa pluralidade de significados, fico sem saber qual o lugar
do educador. É ele que determina o currículo, ou o currículo que o determina?
Revendo, por exemplo, as certezas do educador matemático, é impossível
não relacioná-las às concepções vigentes sobre matemática. Assim como
Skovsmose (2001, p.129), entendo “[...] a ideologia da certeza como uma estrutura
geral e fundamental de interpretação para um número crescente de questões que
transformam a matemática em uma ‘linguagem de poder’ [...]” e, ainda apoiada
nesse autor, ressalto que a noção de matemática, como um sistema puro, perfeito e
superior aos próprios seres humanos tem interferido profundamente na estruturação
dos currículos de matemática, seja dos cursos de formação básica, seja dos cursos
de formação de professores dessa área.
Destaco que a questão relativa a currículo e mudanças curriculares está
sendo colocada em discussão, porque existe consenso de que o projeto educacional
vigente não tem sido satisfatório. Isso pode ser claramente percebido no relato
abaixo:
A formação inicial de professores recebe com freqüência comentários muito
críticos de diversos setores. Os professores universitários das áreas de
especialidade consideram que os jovens professores não saem
devidamente preparados nas matérias que irão ensinar. Os professores da
área de educação lamentam que tudo o que ensinam acaba por ser
55
“varrido” pelo conservadorismo da prática de ensino. Os novos professores
lamentam que nada do que aprendem na formação inicial lhes serviu para
alguma coisa e que na prática profissional aprenderam o que é
importante. Os professores já em serviço também acham, muitas vezes, que
os jovens professores não vêm devidamente preparados no que seria mais
necessário. Na sociedade em geral, parece existir uma grande desconfiança
em relação à qualidade da formação inicial de professores. (PONTE, 2002,
p.4).
Muito embora o relato acima não se refira somente à formação em
matemática, ainda assim, ele se ajusta com intensidade a esta área e “convida” a
uma reflexão sobre as propostas de formação que estão em vigor.
Reduzindo o currículo à sua dimensão prescritiva, ou seja, determinar o que
deve ser ensinado, são evidentes as dificuldades em operar mudanças curriculares.
Cito como exemplo, as dificuldades em fazer alterações na carga horária ou nos
programas de matemática do ensino fundamental e dio, devido a rigidez
estabelecida em relação aos conteúdos oferecidos (todos de incontestável
relevância) e ao encadeamento inalterável dos mesmos. Em relação à formação de
professores nessa área, a discussão sobre os conteúdos do currículo costuma
expandir-se um pouco mais. Apesar de se fazer referência ao forte academicismo e
ênfase excessiva em conteúdos de matemática pura, ainda assim abre-se amplo
espaço para discutir a formação no âmbito pedagógico. Por outro lado, as
dificuldades também se expandem. Além do fator relativo ao “conservadorismo” dos
conteúdos matemáticos imprescindíveis à formação, inserem-se na problemática os
fatores relativos à inter-relação entre conteúdos especificamente matemáticos e
conteúdos pedagógicos. Vários autores tratam dessa temática, procurando
apresentar sugestões de encaminhamento que, indiretamente, representam
proposições para mudanças curriculares.
Em Moreira; David (2005), por exemplo, o tema é analisado a partir do
reconhecimento da diferença entre a matemática que se desenvolve nas escolas e a
matemática acadêmica. Como dizem os autores, a distinção é estratégica, pois
permite contrastar os significados atribuídos ao conhecimento científico e ao
conhecimento mais prático, mais ajustado à escola básica, no entanto, ocorre uma
“[...] hipervalorização da Matemática Acadêmica no processo de formação [...]”
(p.102), que conduz o futuro professor a desvalorizar (ou, pelo menos,
desconsiderar) a prática e a cultura escolar. Os autores, utilizando-se do conceito de
56
“transposição didática”, apresentam, nessa obra, uma abordagem relativa aos
conjuntos numéricos, associando os saberes acadêmicos sobre o assunto com a
prática docente na escola básica.
D’Ambrosio (1998) explica a formação inadequada dos licenciandos como
resultante da incapacidade dos formadores de conhecer seu aluno e da
obsolescência dos conteúdos ensinados nos cursos. Ele defende, como alternativa
de superação dos problemas, que os conhecimentos trabalhados sejam dinâmicos e
práticos a ponto de qualificar quem aprende a se tornar um consumidor inteligente,
consciente ao tomar decisões e motivado para atuar profissionalmente.
Seguindo nesta direção (das sugestões sobre o que é relevante num
programa de formação de professores), destaco a contribuição de Blanco (2003), ao
propor uma discussão sobre os fundamentos para se definir um curiculum do curso
de licenciatura em matemática. Após a análise de vários estudos sobre o tema, essa
pesquisadora sintetiza suas idéias apresentando, entre seus argumentos, a seguinte
pergunta: “O que deve conhecer o professor de matemática?” (p.71), à qual
responde: “[...] conhecimento de matemática; conhecimento sobre a aprendizagem
das noções matemáticas; conhecimento do processo instrutivo.” (p.74).
De forma análoga, Pires (2000) situa a deficiência dos currículos dos cursos
de Licenciatura em Matemática e advoga que eles deveriam desenvolver uma série
de competências. Entre elas, destaco:
[...] capacidade de atuar com base numa visão abrangente do papel social
do educador; [...] capacidade de compreender, criticar e utilizar novas idéias
e novas tecnologias; [...] capacidade de analisar e selecionar material
didático e elaborar propostas alternativas para a sala de aula; [...]
capacidade de compreender a Matemática com base numa visão histórica e
crítica, tanto no estado atual como nas várias fases de sua evolução; [...]
capacidade de relacionar vários campos da Matemática para elaborar
modelos, resolver problemas e interpretar dados. (PIRES, 2000, p.11-12).
Dirigindo-se à formação de professores em geral, Severino (2006) apresenta
uma proposta que inclui componentes de cunho mais filosófico nos programas de
formação, servindo como referenciais na elaboração de uma síntese antropológica.
Assim, com o objetivo de garantir a implementação e o desenvolvimento de três
perspectivas existenciais, identificadas pelo autor, os componentes curriculares e as
práticas metodológicas “[...] devem abranger pelo menos três núcleos disciplinares
57
mediadores: o núcleo dos conteúdos específicos, o núcleo dos componentes
pedagógicos e o núcleo dos componentes antropológicos.” (p.43).
Segundo Bordas (1992), o ponto central do currículo, aquele no qual a maioria
dos pesquisadores se debruça, consiste justamente na definição dos conteúdos e
dos saberes que devem ser administrados pelas escolas. Conforme a autora:
Observa-se que, de uma fase de absoluto não questionamento sobre o teor
e a função das disciplinas ensinadas nas escolas, em seus diferentes
níveis, passa-se, nos últimos anos, a acirrado debate, discutindo-se seus
pressupostos e métodos de construção, assim como as interpretações que
lhe são, tradicionalmente, atribuídas. (ibid., p.14).
Ampla discussão, inesgotável, para ser mais exata, que se iniciou no final do
século XIX, nos Estados Unidos, quando um grupo expressivo de educadores
começou a discutir e sistematizar os problemas relativos ao processo educativo
(MOREIRA; SILVA, 2006) e que, provavelmente, permanecerá, pelo menos
enquanto existirem as instituições de ensino.
Apesar disso, como diz Bordas (1994), referindo-se à discussão desenvolvida
sobre teorias do currículo, “[...] embora frutífera para a academia, não resultou nos
anos oitenta como agora nos noventa, em aportes concretos, que auxiliem o
professor a repensar e a redimensionar sua prática de sala de aula.” (p.547). Penso
que essa situação também não se alterou nestes primeiros anos do século XXI.
Muitas são as teorizações sobre a distância entre os conteúdos acadêmicos e os
conteúdos da escola ou sobre a distância entre as metodologias propostas nas
Universidades e as práticas viáveis na Escola e, por afora, teorias sobre teorias,
aumentando cada vez mais o fosso entre a teoria e a prática no campo educacional.
Qual seria o caminho (ou caminhos) para superação desse problema?
Reformas curriculares! Sem dúvida, elas fazem parte da pauta do dia,
continuamente, seja em âmbito governamental, institucional ou dos atores mais
diretamente ligados ao processo de ensino e de aprendizagem. A discussão pode
ser estendida, mas não sem antes formular e tentar responder a pergunta: O que é
Currículo?
Pergunta difícil de responder, pois o entendimento sobre currículo, seja na
perspectiva das teorias do currículo, ou da sociologia do currículo ou, ainda, do
movimento de renovação curricular pode ser alcançado a partir de uma
contextualização histórica e social. Em outras palavras, qualquer definição que
58
possa ser aqui destacada terá de ser situada historicamente. Por exemplo, Silva
(1999b) cita uma definição, do livro de Bobbitt, escrito em 1918, em que “[...]
currículo é supostamente isso: a especificação precisa de objetivos, procedimentos
e métodos para a obtenção de resultados que possam ser precisamente
mensurados.” (p.12). Silva chama a atenção para o aspecto de certeza, de precisão,
contido nesta definição, ou seja, Bobbitt descobre e descreve o que
verdadeiramente é o currículo. Situando esse exemplo dentro de uma noção
tradicional de “teoria”, Silva expõe outra noção possível, na qual o que Bobbitt diz
ser currículo passa efetivamente a ser o currículo. Esta última noção (fundamentada
na perspectiva pós-estruturalista
14
) entende a “teoria” como um processo circular:
“[...] ela descreve como uma descoberta algo que ela própria criou. Ela primeiro cria
e depois descobre, mas, por um artifício retórico, aquilo que ela cria acaba
aparecendo como uma descoberta.” (id., ibid., p.12). Dentro da perspectiva
tradicional, ocorre uma correspondência entre realidade e teoria, ou seja, esta é uma
representação, uma imagem da realidade. Na perspectiva pós-estruturalista, não faz
sentido falar em teoria, mas sim em discurso, pois aquilo que for dito sobre
determinado objeto acaba se constituindo uma realidade, ou seja, a teoria (o
discurso) não descreve ou descobre, ela inventa, cria o próprio objeto.
Apesar dessa problemática “criada” em torno da própria noção de teoria,
ainda assim procede a pesquisa sobre o significado de currículo, ou melhor, sobre
os discursos que vêm sendo construídos a partir e acerca deste conceito. Sem
dúvida, essa é a realidade que interessa ao educador/pesquisador, sem perder de
vista que “[...] no curso dessa ‘corrida’ que é o currículo acabamos por nos tornar o
que somos.” (SILVA, 1999b, p.15).
Destaco de Sacristán (2000) “[...] que a análise do currículo é uma condição
para conhecer e analisar o que é a escola como instituição cultural e de socialização
em termos reais e concretos.” (p.17). Assim, vê-se que um currículo está
impregnado de valores e significados políticos, culturais e sociais e, como tal, propõe
um desafio aos educadores: investigar os vínculos entre os emaranhados de uma
organização curricular e a realidade social, ou ainda, entre as práticas realizadas no
contexto escolar do qual faz parte e as construções sociais por elas desencadeadas.
14
Em Silva (1993) vê-se que os termos pós-estruturalismo e pós-modernidade o citados
indistintamente, após algumas considerações sobre a dificuldade de estabelecer a devida
diferenciação entre eles.
59
Na obra apresentada por Popkewitz (1991), sobre currículo, recorto o
seguinte fragmento:
La política curricular no es uma política de fuerza bruta o de poder. Es la
forma de hacer que en la escuela dominen las ideas y la sensibilidad de
unos grupos determinados de la sociedad, el nível de discusión que existe
en cualquier momento sobre esta hegemonía, y la forma en que estos
debates y esas luchas se incorporan e influyen en la pedagogia. (ibid.,
p.83).
Outra maneira de expressar a dimensão social e política do currículo pode ser
lida em (MOREIRA; SILVA, 2006):
O currículo está implicado em relações de poder, o currículo transmite
visões sociais particulares e interessadas, o currículo produz identidades
individuais e sociais particulares. O currículo não é um elemento
transcendente e atemporal – ele tem uma história, vinculada a formas
específicas e contingentes de organização da sociedade e da educação.
(id., ibid., p.8).
Em Popkewitz (1999) a discussão sobre currículo é retomada, dentro de uma
perspectiva evidentemente pós-estruturalista. Apresento abaixo um fragmento do
seu texto, com o objetivo de compará-lo com os anteriores:
O currículo (ou eu poderia usar o conceito mais amplo de pedagogia) existe
no interior de uma instituição chamada escola, que é uma invenção
relativamente recente da sociedade ocidental. [...] O currículo, pois, pode
ser visto como uma invenção da modernidade, a qual envolve formas de
conhecimento cujas funções consistem em regular e disciplinar o indivíduo.
[...] O currículo é uma imposição do conhecimento do eu” e do mundo que
propicia ordem e disciplina aos indivíduos. (id., ibid., p.186).
E, para encerrar esta sequência de citações, destaco de Silva (1999b):
Em suma, depois das teorias críticas e pós-críticas, não podemos mais
olhar para o currículo com a mesma inocência de antes. O currículo tem
significados que vão muito além daqueles aos quais as teorias tradicionais
nos confinaram. O currículo é lugar, espaço, território. O currículo é relação
de poder. O currículo é trajetória, viagem, percurso. O currículo é
autobiografia, nossa vida, curriculum vitae: no currículo se forja nossa
identidade. O currículo é texto, discurso, documento. O currículo é
documento de identidade. (ibid., p.50).
Seria muito interessante comparar analiticamente esses fragmentos de
discursos, avaliando as realidades que constituem e a força de poder que detêm.
60
Mais uma vez lanço um desafio, uma proposta de reflexão, da qual não posso dar
conta neste momento. Sendo assim, retomo um ponto do estudo interrompido
pouco, com o qual pretendo encerrar esta seção: as reformas curriculares.
Buscando investigar a relação entre as teorizações sobre currículos e as
reformas curriculares, partilho com Moreira (2000) algumas perguntas por ele
enunciadas: “Pode-se dizer que as teorias do currículo influenciam as reformas?
Quais as mais influentes? Que teorias norteiam as teorias que enfatizam flexibilidade
e integração curricular?” (p.129).
Moreira responde que é evidente a presença das teorias do currículo nas
reformas e que as teorias críticas (principalmente as centradas na pedagogia dos
conteúdos e na educação popular) são as mais influentes. Sacristán (2000) também
contribui na discussão, quando diz que as reformas curriculares têm implícitas uma
lógica e uma pretensão de adequar os currículos às finalidades da instituição escolar
lógica que pressupõe o poder das reformas de qualificar o ensino e a
aprendizagem e garantir o equilíbrio social.
Essas colocações estão muito coerentes com os sonhos e projetos da
modernidade e, portanto, devem ser avaliadas tendo em vista os limites e as
incoerências que carregam. Para exemplificar esses limites e apontar os riscos
advindos de possíveis projetos de reforma curricular, desenvolvo, a seguir, um
pequeno relato dos resultados das investigações de Popkewitz (apresentados na
obra “Lutando em defesa da alma”) sobre um programa alternativo, desenvolvido
nos Estados Unidos, desde 1990, para a formação de professores.
Tendo sido convidado a avaliar o programa Teach For America em seu
primeiro ano de implementação, Popkewitz e três alunos graduandos realizaram um
estudo que, segundo suas próprias palavras, foi “[...] guiado pelo que chamei de
epistemologia social, que encara o conhecimento como uma prática social.”
(POPKEWITZ, 2001, p.143) e utilizaram métodos etnográficos para investigar não a
forma como ocorreu o recrutamento das pessoas dentro do programa TFA, e sim
“[...] as regras do ‘raciocínio’ com as quais os membros do programa foram
transformados em professores.” (ibid., p.144).
O programa contou com o apoio das empresas, do governo, da mídia e de
diversos cidadãos americanos que se comprometeram, durante dois anos, com a
61
educação de crianças de cor (crianças que não são classificadas oficialmente como
“brancas”).
O autor, referindo-se ao seu próprio modo de pensar a formação de
professores, declara que sentia um desconforto com seu modo de refletir sobre o
conceito de “socialização” e de “poder”. Ele sentia que suas antigas bases
conceituais o levariam a escrever mais uma obra sobre as dificuldades,
conhecidas, que atingem as escolas rurais e urbanas, e sobre a busca dos
responsáveis pelos fracassos e injustiças.
A partir da interação com os grupos de professores e alunos do TFA o autor
observa que as linguagens que expressam o cuidado (a ajuda) com as crianças
incorporam formas de compreensão e raciocínio sobre as mesmas e, dessa forma, o
próprio raciocínio torna-se o problema a ser investigado.
Fundamentando-se na teoria social pós-moderna, ele diz compreender que a
própria organização da estrutura escolar já seleciona o conteúdo (ou matérias)
escolar e indica aquilo que os professores devem ver, pensar e sentir sobre as
crianças. Resta-lhe, portanto, investigar como o raciocínio que os professores
desenvolvem sobre a infância relaciona-se com questões sobre disciplina, currículo,
aprendizagem, entre outras.
Assim, o foco da pesquisa desloca-se das questões tradicionais sobre o que
caracteriza o sucesso ou o fracasso escolar para questões relativas aos “[...]
sistemas de raciocínio incorporados nas maneiras como nos referimos ao sucesso e
ao fracasso.” (POPKEWITZ, 2001, p.10). Maneiras estas (ou, simplesmente,
discursos) que “produzem” as crianças da escola urbano/rural como “diferentes”.
Quando Popkewitz fala em discursos que diferenciam e distinguem as
crianças, ele está se referindo à comparação que ocorre com “outras” crianças, que
nunca aparecem nos discursos, mas que estão presentes, implicitamente,
possibilitando a classificação da criança urbano/rural sempre abaixo da “média”.
Dessa forma, os discursos pedagógicos explicitam as “normas” dessas crianças
ausentes e situam as capacidades e o ser da criança urbano/rural em um lugar fora
da razão e dos padrões. A normalização pressupõe um sistema de raciocínio que
define o que está dentro ou fora das normas de competência. Mas a análise não se
encerra aqui. Um novo aspecto é ressaltado: as mesmas normas que desqualificam
a criança urbano/rural o responsáveis por uma mudança de foco. Aspectos
62
negativos são reimaginados como positivos e, dessa forma, as crianças podem ser
incluídas dentro dos padrões de normalidade.
Essa transformação dos negativos em positivos soa, de início, forçada. Mas
[…] as normas negativas tornam-se invertidas como as supostas rotas de
salvação para a criança. As próprias normas que iriam confiná-las como
sendo sem “inteligência”, funcionam como valores para dirigir o ensino bem-
sucedido. (POPKEWITZ, 2001, p.50).
Esse discurso encontra seu lugar na concepção tradicional de que a escola,
através de ações apropriadas e bem planejadas, pode resgatar as crianças de suas
condições inferiores, seja no campo social, econômico e/ou cultural.
“Lutando em defesa da alma” mostra como um discurso pedagógico pode
escancarar as sensibilidades da criança à supervisão e correção. De fato,
compreendendo como se constituem as ideias e as práticas que fogem à
normalidade, é possível produzir meios de conduzir e moldar a conduta da criança
(ou de um jovem, ou de um adulto).
Popkewitz, nessa obra, deixa-nos a pensar sobre a forma como falamos de
nós mesmos e dos nossos alunos, sobre as “verdades” que dizemos de nós e dos
outros. Em consequência, surge a dúvida sobre o papel político que nos cabe dentro
do campo educacional em que estamos inseridos. Após a leitura da obra, parece
ingênuo acreditar que basta tomarmos consciência dos problemas relativos ao
nosso campo de atuação e dos dispositivos que os sustentam para que os
possamos controlar. Mais do que isso, fica a evidência de que s professores
estamos assujeitados a um (ou a vários) discurso e, podemos, inclusive, ser os
“inventores” dos problemas que queremos solucionar.
Não estariam exatamente estes pressupostos (verdades que constituem,
discursos que assujeitam, normas que identificam...) nas bases e nas práticas das
reformas curriculares? Volto a colocar a pergunta: quais teorias vêm sustentando as
reformas curriculares, em particular, as que são propostas para os cursos de
formação de professores?
Foucault (1999) argumenta que a nossa sociedade pode ser entendida como
uma “sociedade de normalização” que é possível explicá-la, não mais pela
supremacia dos procedimentos da lei ou do poder soberano, mas sim pelo poder
“disciplinar”, de onde se originam os discursos das “normas”, (poder este
63
devidamente retratado por Popkewitz, na análise das práticas discursivas que
construíram a urbanidade/ruralidade da criança).
A sociedade atual exige cada vez mais que as pessoas e as instituições
sejam ágeis, criativas e produzam conhecimento. Por outro lado, cabe o
questionamento sobre os processos de produção de verdades e sobre as múltiplas
sujeições que ocorrem no interior desta “sociedade da normalização”.
Hoje são apresentados novos parâmetros para definir o sucesso, novas
tecnologias para facilitar o acesso ao conhecimento, novas “normas” para distinguir
e classificar as pessoas, novos discursos de verdades que se constroem no interior
do corpo social. Em função desse quadro, cabe retomar a pergunta formulada por
Foucault (1999) “[...] qual é esse tipo de poder capaz de produzir discursos de
verdade que são, numa sociedade como a nossa, dotados de efeitos tão potentes”
(p.28).
Talvez seja o momento de repensar e reavaliar o que Hargreaves (2004)
identifica como sendo o modelo de escola visado pelas reformas educacionais
escolas competitivas, pouco espaço de reflexão, muitas provas e exames
padronizados, impulso à privatização, ênfase em processos seletivos e
discriminatórios com a intenção de não nos rendermos a um processo de
assujeitamento.
Ou seria uma ilusão, uma utopia (nos velhos padrões da modernidade)
buscar alternativas para que a nossa humanidade não fique à mercê de processos
de monitoramento/normalização que, mesmo o explicitados, o dotados de
incontestáveis efeitos de poder?
1.3 FORMAÇÃO INICIAL DO PROFESSOR DE MATEMÁTICA
uma idade em que se ensina o que se
sabe; mas vem em seguida outra, em que se
ensina o que não se sabe: isso se chama
pesquisar. Vem talvez agora a idade de uma
outra experiência, a de desaprender, de
deixar trabalhar o remanejamento
imprevisível que o esquecimento impõe à
sedimentação dos saberes, das culturas, das
64
crenças que atravessamos. Essa
experiência tem, creio eu, um nome ilustre e
fora de moda, que ousarei tomar aqui sem
complexo, na própria encruzilhada de sua
etimologia: Sapientia: nenhum poder, um
pouco de saber, um pouco de sabedoria, e o
máximo de sabor possível. (BARTHES,
2007, p.45).
O esquecimento era sobre isto que Barthes refletia quando emitiu tão belo
pensamento. As coisas que ele disse me envolvem profundamente, mas confesso
que sinto uma enorme dificuldade em compreender a relação que ele estabeleceu
entre o esquecimento e a “força de toda vida viva” (ibid., p.45). Talvez seja porque
(se fosse preciso) me identificaria na fase em que se ensina o que não se sabe.
Pesquisar sobre a formação de professores de matemática tem sido o meu
grande desafio. E por que o faço? Para depois ensinar como se faz? Ou, para, mais
pretensiosamente, formar melhores professores? Perguntas cruéis! Não as deveria
formular! Mas é inevitável, como se, depois de tantos anos trabalhando como
“formadora de professores”, tivesse aumentado ainda mais meu compromisso com
essa atividade. Agora não mais um simples fazer, mas o “pesquisar”, para, quem
sabe um dia, viver a experiência do “desaprender”.
No segundo capítulo, abordo o tema da formação do homem pós-moderno.
Talvez, agora, possa falar em “formação do professor de matemática pós-moderno”.
Prefiro, contudo, falar em “constituição” em vez de “formação”, porque esta última
palavra uma ideia de algo estático, pré-determinado, enquanto que a primeira
contempla a mobilidade, o processo. Segundo Larrosa (2003) formar pressupõe
conduzir o homem a “conformar-se” a um modelo pré-existente do que seja “ser
humano”. Em função disso, esse autor propõe pensar uma formação não prescritiva,
sem que se antecipe um modelo normativo, projeto ou itinerário. Acredito que,
colocados esses parâmetros, ficará mais fácil discorrer sobre este tema, desde o
lugar de leitora de pesquisas realizadas por colegas de profissão, até o de
sistematizadora das ideias afins com o problema que discuto no âmbito desta tese.
Começo por situar o tema num âmbito mais geral, ainda que restrito aos
limites do espaço universitário. Nesse sentido é importante considerar que vivemos
“[...] um momento em que ocorrem mudanças profundas tanto na estrutura do ensino
65
na universidade como em sua posição e sentido social.” (ZABALZA, 2004, p.19).
Particularmente, as universidades federais brasileiras têm passado por diversas
transformações em sua estrutura e organização, que envolvem desde a distribuição
de verbas e reestruturação das práticas de pesquisa, ensino e extensão, afatos
mais específicos, como os cursos serem submetidos a novas orientações
curriculares, o que, sem dúvida, provoca alterações em várias dimensões. Santos
(2005) ao discutir o tema, destaca ser cada vez maior o apelo à prática, em
detrimento da teoria; isso se explica pelas exigências causadas pelo
desenvolvimento tecnológico, pelas transformações da ciência em força produtiva e
pela necessidade de a universidade se envolver com os problemas sociais e
políticos (saindo de sua clássica torre de marfim).
Como ressalta Zabalza (2004), “[...] a universidade constitui-se como um
cenário complexo e multidimensional, no qual incidem e se entrecruzam influências
dos mais diversos tipos.” (p.10) e, quando fala em dimensões, está se referindo aos
elementos internos, como o próprio contexto universitário, os conteúdos, os
professores e os alunos e, também, a elementos externos ao mundo universitário,
como as políticas de educação superior, o mercado de trabalho, os avanços da
ciência e a própria cultura. Zabalza também vincula o sentido da formação
profissional ao crescimento e ao aperfeiçoamento pessoal. Segundo o autor, a
formação,
[...] assim como os demais processos de intervenção pedagógica, faz parte
do que Foucault denominava a “tecnologia do Eu”, ou seja, os processos
deliberados que visam influenciar, direta ou indiretamente, as pessoas no
que tange ao processo de construir a si mesmas. A qualidade dessa
influência vem condicionada tanto pelo conteúdo da intervenção formativa
como pela forma como esse processo ocorre. (ZABALZA, 2004, p.39).
Destaco essa contribuição de Zabalza por ver nela a sinalização de novas
possibilidades de abordar o fenômeno da constituição do professor. Também
Larrosa (1999) faz menção ao trabalho de importantes teóricos, entre eles Foucault,
por mostrarem novos modos de pensar em um determinado campo e,
principalmente, por fornecerem matéria ao que pensar. Justamente Larrosa (1999),
baseado no conceito de Foucault sobre tecnologias do eu, apresenta ferramentas
teóricas que possibilitam pensar as relações pedagógicas, ou melhor, sugere
(utilizando as próprias palavras do autor) “[...] uma perspectiva teórica, numa clave
66
foucaultiana, para a análise das práticas pedagógicas que constroem e medeiam a
relação do sujeito consigo mesmo.” (p.37). Para tanto, ele coloca a condição de que
essas práticas pedagógicas não se fixem apenas em algo exterior que deva ser
aprendido, mas viabilizem ao educando uma relação reflexiva consigo mesmo.
Larrosa também destaca o que chama de duas inércias marcantes no campo
pedagógico:
[a] crença de que é uma “idéia de homem e um projeto de realização
humana” o que fundamenta a compreensão da idéia de educação e o
planejamento das práticas educativas [e a] crença arraigada de que as
práticas educativas são meras “mediadoras”, onde se dispõem os “recursos”
para o “desenvolvimento” dos indivíduos. (LARROSA, 1999, p.37).
Em oposição à última crença, Larrosa apresenta o argumento de que a
própria pedagogia é uma operação constitutiva, produtora de pessoas. Esse
argumento pode ser lido diretamente em Foucault:
Podemos denominar pedagogía a la transmisión de una verdad que tiene
por función dotar a un sujeto cualquiera de actitudes, de capacidades, de
saberes que antes no poseía y que deberá poseer al final de la relación
pedagógica. (FOUCAULT, 1987b, p.101).
As práticas educativas, entendidas como dispositivos de produção de sujeitos,
fazem parte dos procedimentos externos que concorrem para a constituição do
sujeito pedagógico. Além disso, como destaca Larrosa (1999), “[...] a partir de 1976
começa a introduzir-se na obra de Foucault um certo deslocamento que poderíamos
caracterizar, não sem precauções, como um deslocamento em direção à
interioridade do sujeito.” (p.52), de modo que o sujeito pedagógico também começa
a ser analisado sob o ponto de vista da “subjetivação”, ou seja, do ponto de vista da
relação que estabelece consigo mesmo, por meio de determinadas técnicas (as
tecnologias do eu).
Apresento essa pequena introdução teórica para dizer do meu interesse de
pensar e abordar “discursos” relativos à formação inicial do professor de matemática
(tanto o que se diz relativo à formação quanto o que se diz e faz no processo de
formação) na perspectiva de suas estratégias produtivas, ou seja, perguntando de
que forma eles produzem esse professor importante conhecer o que os
pesquisadores têm feito nesse sentido). Também para expressar meu interesse por
67
indícios de relações desse sujeito (aspirante a professor de matemática) consigo
mesmo; possíveis exercícios de “técnicas de si”. Das pesquisas realizadas nesse
campo, destaco Bampi e Medeiros:
Bampi (1999a), ao apresentar os resultados obtidos em sua dissertação de
mestrado sobre os efeitos de verdade e poder dos discursos emergentes na área de
Educação Matemática, identifica, a partir da perspectiva foucaultiana duas unidades
de análise: saber totalizante e poder libertador, estabelecidas pela Educação
Matemática, com relação à constituição da Matemática na ordem dos saberes.
Como diz Bampi, ao comentar seus resultados:
Em um primeiro momento, ocupei-me com a vontade de totalização dos
saberes que vêm sendo movimentados pela Educação Matemática, nas
duas últimas décadas do discurso educacional contemporâneo, estatuindo-
se em favor de um conhecimento que inclui outros campos de saber, de um
conhecimento cultural, natural, essencial, holístico, de um conhecimento
total. [...]
O segundo resultado de minha análise foi constituído pelo que denominei
“Matemática Cidadã”. Neste momento, ocupei-me com a vontade de
cidadania da Educação Matemática, exercida na promessa de um saber
que contribui para a liberdade do sujeito, para um ideal de paz e a felicidade
da humanidade, para a produção de um cidadão crítico, consciente de seus
direitos e deveres, possibilitando-o ver mais longe e assim transformar a
realidade. (BAMPI, 1999b, p.116).
Bampi (1999b) finaliza sua obra referindo-se ao poder que o discurso da
Educação Matemática tem de superar os limites da “[...] Matemática
descontextualizada distanciada da realidade, do contexto sócio-cultural e do
cotidiano do aluno [...]” (p.103), revelando a “[...] evolução cultural da humanidade
[...]” (p.103) e nos libertando “[...] de nossas verdades universais.” (p.104). Para a
autora, esse discurso produz efeitos de verdade conduzindo a uma leitura particular
de liberdade e de cidadania, de tal forma que a própria Educação Matemática
desenvolve cnicas de regulação para controlar o que é dito e como é dito acerca
desses temas.
Em sua tese de doutorado, Bampi (2003), também apoiada na perspectiva
foucaultiana, demonstra “[...] como a Etnomatemática
15
, enquanto dispositivo de
governo multicultural, operacionaliza-se por meio do exercício [...] de tecnologias do
15
A Etnomatemática é um programa de pesquisa que “[...] teve sua origem na busca de entender o fazer e o saber
matemático de culturas marginalizadas.” (D’Ambrosio, 2004, p.44). A expressão etnomatemática foi criada por
Ubiratan D’Ambrosio em meados da década de 70 e, desde então, este campo de pesquisa se expandiu
internacionalmente.
68
multiculturalismo, (re)atualizando modos de governo multiculturais específicos.”
(p.8). Analisando o discurso da Etnomatemática, Bampi mostra que as identidades e
as diferenças ressaltadas nesse discurso não têm existência prévia ou natural, mas
são, na verdade, criações da própria Etnomatemática. Assim, a autora expõe a
forma como o dispositivo estudado atua, através de processos de subjetivação,
criando identidades etnomatematizadas configuradas por um “[...] eu reflexivo,
sentimental, cidadão e livre [...]” (id., ibid., p.167).
Destaco outra tese de doutorado, Fonseca (2005), onde o discurso currricular
matemático é examinado tendo em vista seu poder em determinar identidades
particulares e em estruturar formas específicas de pensar o que é matemática. A
autora analisa especificamente os discursos que compõem os currículos vigentes no
movimento da matemática moderna e os discursos presentes nos Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCNs) em termos dos efeitos causados pelos mesmos nas
escolas. Das conclusões da autora, destaco: “O currículo matemático e suas formas
de apresentação, historicamente datadas, são, como toda representação, uma
prática discursiva, uma forma enunciativa que narra os objetos dos quais fala e ao
narrá-los, ao documentá-los, os constitui.” (FONSECA, 2005, p.170).
Gostaria de assinalar que nos estudos citados, a meu ver, o pesquisador
“olhou” o contexto em questão “de fora”, ou melhor, analisou os discursos de
determinado campo produtivo, sem necessariamente, ocupar o lugar de sujeito
desses discursos. Talvez isso tenha favorecido a execução da pesquisa, tendo em
vista o referencial teórico escolhido. No entanto, observo que a análise de práticas
discursivas em termos de suas estratégias de produção também tem sido
desenvolvida por pesquisadores a partir da crítica operada dentro de seus próprios
campos teóricos e de atuação. Talvez a perspectiva e as intenções da análise sejam
outras, mas ainda assim observo o que poderia ser entendido por Foucault como
uma atitude de “resistência
16
”. Destaco, por exemplo, que Baldino (1999) expõe sua
pesquisa-ação desenvolvida no âmbito da formação de professores, dirigida pelas
perguntas: “[...] como reduzir o quadro geral de fracasso do ensino da Matemática?
[e] qual o papel das rotinas de sala de aula na permanência desse fracasso?”
(p.222). Baldino inicia seu artigo ressaltando a ênfase dada a mudanças (diversas)
nos discursos que ecoam na área de educação matemática. Segundo o autor:
16
“A possibilidade de resistência, para Foucault, não é essencialmente da ordem da denúncia moral ou da
reivindicação de um direito determinado, mas da ordem estratégica e da luta.” (Castro, 2009, p.387).
69
Levando em conta a preocupação geral com a Educação Matemática no
mundo todo e os investimentos feitos nessa área, uma conclusão se torna
inevitável: o ensino da matemática é uma atividade humana assombrada
pelo fracasso. Na esperança de exorcizar o fracasso as pesquisas apostam
na mudança: mudança da escola, da sala de aula, mudança do aluno,
mudança do professor... [...] Essa palavra tem sido usada com alto grau de
polissemia. (BALDINO, 1999, p.221)
Na continuidade, o pesquisador alerta que, apesar da emergência desse
discurso sobre “mudanças”, ainda assim os alunos continuam a fracassar na sua
aprendizagem em matemática e os professores continuam a fracassar no ensino,
colocando em dúvida a eficácia das pesquisas sustentadas na idéia de mudança.
Não apenas constatando o fato, mas também se posicionando em relação a ele,
Baldino acrescenta: “Cabe então fazer a hipótese de que tanto o discurso quanto o
esforço por mudança sejam apenas um álibi para a permanência do fracasso, este
sim, necessário para que apareça, como justa contrapartida, o sucesso de poucos.”
(ibid., p.221-222).
Da mesma forma, em Monteiro (2004), também observo a análise de
determinados discursos, na perspectiva de suas estratégias produtivas. Nesse caso,
estão em questão os discursos emergentes no campo educacional, que articulam
saber escolar e saber cotidiano. Conforme a autora:
No campo da Educação Matemática, muitas pesquisas têm defendido a
necessidade de articular o saber escolar e o saber cotidiano, considerando
esse caminho ora como motivador, ora possibilitando um ensino com
significado, ou ainda por entender ser necessário legitimar o conhecimento
cotidiano.
Nos PCNs (Parâmetros Curriculares Nacionais), esta conexão entre
conhecimento escolar e cotidiano é pontuada em diversos momentos [...] e,
numa das passagens do documento, esta articulação é indicada como algo
próprio da Etnomatemática [...] (ibid., p.432)
Assim, Monteiro (2004) relata que, tendo em vista esse discurso veiculado
nos PCNs, desenvolveu, no período de 1999 a 2000, uma pesquisa que investigava
as perspectivas que poderiam ser assumidas em relação à Etnomatemática e a
compreensão que determinado grupo de professoras tinha da mesma. Corroborando
a hipótese sinalizada, foi constatado “[...] que os professores pesquisados
entendiam a Etnomatemática como uma metodologia capaz de relacionar o saber do
cotidiano com o saber escolar, e que por essa razão poderia ser um instrumento de
motivação para as aulas de matemática.” (ibid., p.433). Dentro da discussão que
70
prossegue, a autora critica o direcionamento conceitual produzido pelos PCNs
(classificando-o, inclusive, como equivocado) e expande o entendimento e as
possibilidades da proposta da Etnomatemática.
Ainda dentro do campo da Etnomatemática, cito a tese de Bello (2000), na
qual foi analisada “[...] uma experiência de formação docente desenvolvida junto a
professores de nível fundamental de ensino da comunidade rural do distrito
educativo de Mizque (Cochabamba-Bolívia) [...]” (p.27). Chamo a atenção para o
envolvimento e cuidado que esse pesquisador teve de assumir ao encaminhar sua
proposta de curso enquanto criava condições de investigação convenientes.
Naturalmente teve de discutir e assumir concepções relativas ao programa de
pesquisa em que estava inserido, o que não o impediu de questionar as condições
de existência do mesmo, de forma clara e coerente. Nesse sentido, destaco uma
pergunta lançada pelo pesquisador: “[...] o discurso da Etnomatemática poderia [...]
ser identificado como [...] uma prática que se desenvolve dentro de uma estrutura
social vigente e que, portanto, também sujeita às condições que determinam essa
estrutura?” (ibid., p.188-189). Penso que a resposta a esta questão tinha sido
apresentada um pouco antes:
Assim, se por um lado, associou-se à matemática a idéia de cultura, de
práticas, de tradições, por outro, deixou-se perceber que é a matemática
enquanto corpo estruturado de conhecimentos socialmente legítimo que
faz a leitura dessas práticas ou tradições. (BELLO, 2000, p.187).
As temáticas exploradas por esses pesquisadores se inserem no campo da
Educação Matemática e, atualmente, se proliferam através de marcantes discursos
(como dizem os autores citados), que atingem diretamente os licenciandos de
matemática, durante sua formação inicial. Dessa forma, a análise desses (e de
tantos outros) discursos se constitui uma possibilidade (talvez uma tarefa) para os
formadores de professores. A seguir, comento um trabalho que resulta de uma
análise de discursos, a partir do referencial foucaultiano, dentro de um contexto de
formação (curso PEAD Pedagogia à Distância) no qual a pesquisadora atua como
tutora. Apresento assim uma análise feita por alguém completamente inserida no
contexto estudado, alguém que, de alguma forma, interfere na própria produção dos
sujeitos envolvidos.
71
Santos (2009) mostra que as alunas-professoras do curso PEAD são
submetidas a determinadas práticas discursivas que vão constituindo os seus modos
de se pensarem e de serem professoras que ensinam matemática. Concentrando
sua análise no material publicado no Portfólio de Aprendizagens, a pesquisadora
procura expor alguns pressupostos pedagógicos que mostrem o jogo de verdade
expresso pelo curso. De sua análise, destaco:
No quarto semestre de curso, foi oferecida a disciplina denominada
“Representações do Mundo pela Matemática” e, como tutora licenciada em
matemática, acompanhei as alunas e li seus registros. Nestes, minhas
impressões iniciais [...] confundiram-se e multiplicaram-se. Confundiram-se
porque havia uma miscelânea de saberes que engendravam tais registros.
E multiplicaram-se porque o saber matemático e suas “potentes” vertentes
educacionais fabricaram diferentes “olhares” educacionais e modos de
pensar/ser professor de matemática da educação infantil e séries iniciais.
Uma hipótese: posturas éticas, subjetivas e identitárias estavam sendo
constituídas por meio desses registros. (ibid., p.18)
D
estaco ainda uma pesquisa que, por referir-se ao espaço de formação
acadêmica onde atuo e no qual investigo, me oferece relevantes informações.
Carneiro (1999), focando especialmente o curso de Licenciatura em
Matemática da UFRGS e apoiando-se nos conceitos e na metodologia sugerida por
Foucault, analisa documentos e declarações relativas ao curso em estudo com o
objetivo de “[...] escrutinar os sujeitos instituídos pelas práticas/discursos em
análise.” (p.6). A discussão desenvolvida nesse trabalho se estende às questões
sobre limites e possibilidades da formação inicial do professor de matemática,
abrangendo as dimensões das políticas universitárias e da Didática da Matemática
como campo de investigação, entre outras. Sobre o tema que venho estudando, a
pesquisadora traz algumas contribuições importantes:
No quadro discursivo da área de Educação Matemática, no Brasil, estão
sendo produzidos novos enunciados, nos quais o objeto “formação de
professores” é relacionado com: um projeto; um perfil profissional;
conteúdos e metodologias adequadas; cursos com eixos nas práticas e
vivências; orientação pedagógica proporcionada por docentes da área de
Matemática; questões pedagógicas específicas dos conteúdos
matemáticos; preocupações com questões sociais; pesquisa articulada com
ensino; centralização da figura do aluno; transformação do ensino de
Matemática. [...] Além disso, na transversalidade desses discursos, emerge
a Educação Matemática como produtora de conhecimento e geradora de
mudanças. A comunidade que se constitui e se posiciona nesse campo
produz e põe a circular discursos próprios, que constituem uma teorização
em relação circular com a prática, cujo objeto é formação de professores de
72
Matemática, com a positividade de gerar inovações e rupturas com o
estabelecido. (CARNEIRO, 1999, p.270).
Especificamente em relação ao curso de Licenciatura em Matemática da
UFRGS, Carneiro o refere como um caso típico, em que mudanças e rupturas se
processam, “[...] o novo emerge do estabelecido, a inovação convive com a tradição,
mas os sinais da ruptura estão presentes e a própria ruptura é objeto dos discursos.”
(ibid., p.271).
Esta exposição, relativa à análise de discursos da (ou na) educação
matemática, o se encerra tão facilmente. Naturalmente tive de escolher alguns
(poucos) trabalhos para ilustrarem esse campo de pesquisa, ainda assim suficientes
para desencadearem algumas reflexões. Num primeiro momento, parece-me que
pensar a formação de professores a partir do entendimento de que as práticas
educativas funcionam como dispositivos de produção de sujeitos nos coloca num
outro lugar, não mais o de propositor e defensor de projetos, mas o de observador e
avaliador das próprias ações. No entanto, fica difícil ocupar esse lugar, sem
desanimar frente à tarefa de “constituir professores”, sem cair num niilismo completo.
Por outro lado existe a possibilidade de exercermos a crítica e tentarmos reverter
uma situação inconveniente. Nos dois casos percebo ter deixado explícito que a
prática discursiva analisada é submetida a uma avaliação e a um juízo de valor. No
entanto, não penso que uma análise segundo a perspectiva foucaultiana subentenda
tais pressupostos e, inclusive, destaco que os pesquisadores citados, que seguiram
tal perspectiva, não procederam dessa forma. Ainda assim, não consigo, tão
facilmente, evitar minhas contradições e, de forma mais objetiva, sintetizo-as através
de alguns questionamentos: A partir do referencial foucaultiano, como expressar a
análise feita? Convém apresentar propostas alternativas? Cabe ao pesquisador
“criticar” as estratégias produtivas em vigor? De que forma?
Silva (2002), no Prefácio da obra de Garcia (2002), elogia a habilidade da
autora em manejar certos conceitos foucaultianos, explicando que a autora analisa
“[...] algumas das vertentes das pedagogias críticas que dominaram a cena da
teorização e da prática educacionais nas últimas décadas do culo XX.” (p.11), não
com o objetivo de criticar essas pedagogias ou classificá-las como melhor ou pior
que outras, nem com intenção de propor alguma outra que fosse superiora ou mais
73
avançada. Como diz Silva: “Cair nessa tentação significaria permanecer no mesmo
campo das teorizações sob análise.” (ibid., p.11).
Fiquei assim a interrogar-me: como Garcia (2002) pode analisar os discursos
das pedagogias críticas em termos de suas implicações nos processos de
subjetivação de indivíduos, sem cair na própria armadilha da crítica? Procurando
compreender melhor a pesquisa de Garcia, destaco um trecho da obra:
[...] a experiência da docência crítica ou de uma educação crítica pode ser
analisada através do estudo dos saberes que a ela se referem, dos
sistemas de poder e de normas (leis, regulamentos...) que regulam sua
prática, e dos modos pelos quais os indivíduos se reconhecem a si mesmos
como sujeitos educados críticos ou educadores críticos. É este último
aspecto que me interessa explorar, quando considero que a experiência de
aprendizagem proporcionada pelas pedagogias críticas, o ser e o agir como
educador crítico, supõe tanto a aprendizagem de uma certa moralidade da
conduta crítica, quanto um certo trabalho ético do indivíduo sobre si mesmo.
(id., ibid., p.26-27).
Comento, a seguir, o artigo de Gallo (2006), porque percebo uma diferença de
posicionamento, tendo como referência o que foi dito acerca do trabalho de Garcia.
Esse autor, analisando currículos do ensino médio, identifica discursos reincidentes
que defendem uma formação humanista, como superação de um ensino cnico e
instrumental. Frente a isso, Gallo se posiciona, dizendo que “[...] é preciso refinar os
argumentos, e não assumir acriticamente posições que não saem do ‘senso
comum’.” (ibid., p.248). Tal posição despertou minha atenção, devido aos
referenciais teóricos utilizados pelo autor em sua argumentação. Ele recorre a uma
contextualização histórica do humanismo, como um movimento filosófico que
ofereceu as bases para o Iluminismo do século XVIII e o positivismo do século XIX;
recorre à crítica desenvolvida por Nietzsche ao humanismo, na qual está posto que,
ao colocar o homem no lugar de Deus, foi demarcado o início da modernidade;
destaca a posição de Heidegger, para o qual não faz sentido falar em humanismo,
visto que não mais sentido falar na essência do homem moderno (o que
significaria “[...] negar o próprio humano no homem.” (id., ibid., p.251)); e, como
seria de esperar, acrescenta que: “Falar em humanismo é reforçar a imagem
moderna de homem que, segundo Foucault, está já desgastada.” (ibid., p.252).
Assim, alertando a respeito do jogo de interesses universalizantes que se escondem
por detrás do discurso humanista no ensino, o autor se posiciona contrário à
utilização do mesmo, apresentando, na continuidade de seu texto, alternativas para
74
utilização de disciplinas como Sociologia e Filosofia, sem entrar nesse jogo
discursivo. Destaco uma conclusão do próprio autor:
Mas, ainda mais importante do que garantir a presença da Filosofia e da
Sociologia, estaríamos investindo em um currículo que nos coloca para
além das armadilhas modernas do humanismo, da ilusão de uma
universalidade, para apostar na potência do pensamento contra a opinião.
Uma luta que poderemos vencer com investimento coletivo de desejo e
forças, construindo novas possibilidades de pensamento e de ação.
(GALLO, 2006, p.256).
Não há dúvidas que os “recortes” feitos acima são muito sintéticos e evasivos
(espero não ter sido infiel às idéias dos autores), mas foi a forma que encontrei de
expor a problemática que irá se intensificar, em breve, quando terei de apresentar a
análise das experiências que desenvolvi com meus alunos de Laboratório. Por isso,
aproveito este lugar (nesta seção) para assumir uma posição teórica, ainda que
prévia, sobre o assunto.
Esta posição se fundamenta na definição de “crítica” apresentada por
Foucault, na Conferência proferida em 27 de maio de 1978
17
. Nessa conferência,
que Foucault intitula “O que é a crítica?”, ele situa inicialmente o momento histórico
(séculos XV XVI) em que no ocidente desenvolve-se uma “[...] maneira de pensar,
de dizer, de agir igualmente, uma certa relação com o que existe, com o que se
sabe, o que se faz, uma relação com a sociedade, com a cultura, uma relação com
os outros também, e que se poderia chamar, digamos, de atitude crítica.” (p.1-2).
Foucault alerta para o estranhamento que pode causar sua indicação de “atitude
crítica” como algo específico da civilização moderna e, na sequência, ele expõe uma
análise histórica desta “atitude crítica”. Parte de uma exposição acerca da “arte de
governar” para chegar à questão de "como não ser governado?" e, mais
especificamente, “como não ser governado assim”. (ibid., p.3).
Fonseca (2008) ao comentar as formas históricas da atitude crítica, conforme
fora apresentado por Foucault nessa conferência, expõe algo que coloco agora em
destaque para retomar no próximo capítulo:
17
Qu'est-ce que la critique? Critique et Aufklärung. Bulletin de la Société française de philosophie,
Vol. 82, nº2, pp. 35 - 63, avr/juin 1990 (Conferência proferida em 27 de maio de 1978). Tradução de
GabrielaLafetá Borges e revisão de wanderson flor do nascimento. (site:
espaço michel foucault
www.filoesco.unb.br/foucault).
75
[...] uma terceira forma [...] seria aquela relativa à arte de governar
associada ao domínio do conhecimento, no que concerne ao dogmatismo
da verdade que se formula como verdade pelo simples fato de decorrer de
uma autoridade. Nesse contexto, a crítica se expressará pela decisão de
somente se aceitar como verdade aquilo a respeito do que se pode
encontrar, em si mesmo e não por meio de uma autoridade qualquer
razões suficientes para ser admitido como verdadeiro. (ibid.,p.246).
Essa terceira forma é muito expressiva para todos nós, pesquisadores do
século XX-XXI, que ocupamos intensamente o lugar discursivo das teorias críticas,
sejam pedagógicas, políticas, sociais ... Talvez seja fácil, portanto, em função de
toda nossa “experiência crítica”, saber quando uma verdade decorre de uma
autoridade, no entanto, há uma dúvida que, confessemos, sempre nos acompanhou:
como encontrar em nós mesmos” razões para admitirmos algo como verdadeiro? O
que significa o “si mesmo” que aparece na citação acima?
3.4 PRÁTICAS DE ENSINO NA FORMAÇÃO DO PROFESSOR DE MATEMÁTICA
Certamente, existem outros meios de se
encontrar a si mesmo, de escapar do
aturdimento no qual nos colocamos
habitualmente, como envoltos numa nuvem
sombria, mas o conheço coisa melhor do
que lembrar dos nossos mestres e
educadores. (Nietzsche, 2003, p.142).
Falar de práticas de ensino me faz lembrar alguns comentários dos meus
alunos acerca de seus “antigos” professores, no sentido de que estes tenham
servido como inspiradores quando eles (meus alunos) se depararam pelas primeiras
vezes com classes de alunos. Por isso escolho essa citação de Nietzsche para
iniciar esta seção. Particularmente, também penso que lembrar os meus mestres e
educadores diz muito de mim mesma sei o quanto eles foram importantes na
constituição do meu “ser professora”.
Formação de professores, mesmo que, em particular, os de matemática,
consiste num campo de pesquisa vasto e profundamente investigado. No entanto,
tendo como foco as práticas de ensino e os estágios de docência, dentro do
76
processo de formação, é possível dizer que o número de pesquisas desenvolvidas é
bastante reduzido. É importante ressaltar que estou me referindo às práticas de
ensino e aos estágios em termos de sua natureza institucional e estratégias
formativas, pois, indiretamente, essas áreas (ou disciplinas) têm sido contempladas
através da investigação de questões relativas aos processos de ensino-
aprendizagem, às metodologias de ensino, às tecnologias educacionais, entre
outras.
No âmbito das pesquisas que, indiretamente, interferem nas atividades de
práticas de ensino, destaco algumas que vêm sendo desenvolvidas.
- No campo da informática: Penteado (1999) argumenta acerca da
importância de o licenciando utilizar o computador de diferentes formas, discutindo
“[...] criticamente questões relacionadas com as transformações influenciadas pela
Informática, sobretudo nos estilos de conhecimento e nos padrões de interação
social.” (ibid., p.311). Maior detalhamento a respeito dessa questão e de outras
ligadas à utilização de novas tecnologias pode ser encontrado em (PENTEADO,
1999; 2000); (BORBA; PENTEADO, 2001); (CLÁUDIO; CUNHA, 2001); (BASSO,
2003).
- Em outros dois campos, até certo ponto interligados: História da Matemática
e Etnomatemática. Em relação ao primeiro, saliento a interrogação feita por uma
pesquisadora da área: “Quais são as funções particulares da História da Matemática
como uma disciplina ou atividade componente de um currículo de Matemática,
visando à formação de professores?” (SILVA, 2001b, p.129). Essa pergunta pode,
perfeitamente, ser respondida por diversos trabalhos de pesquisa já elaborados,
sendo o da própria autora citada um deles. Ainda acrescento o trabalho de Miguel
(1993), que explicita claramente a relação entre a história da matemática e a
educação matemática, inclusive apresentando uma proposta histórico-pedagógica
para o estudo dos números irracionais. Esse tipo de abordagem, diferenciada da
forma tradicional como os conteúdos vêm sendo tratados, abriu novas perspectivas
de pesquisa.
- No campo da Etnomatemática, são muitas as pesquisas que repercutem
diretamente na formação do professor de matemática, abarcando concepções e
abordagens diferentes e, por vezes, até contraditórias, conforme foi citado na
seção anterior. Destaco apenas algumas, que reconheço terem ligação com meu
77
objeto de estudo: (D’AMBROSIO, 1990; 1996; 1998; 2004); (BELLO, 2000; 2004);
(MONTEIRO, 2001; 2004); (KNIJNIK, 2004).
- Outros dois campos vêm sendo amplamente desenvolvidos, desde a década
de 80, envolvendo resolução de problemas e modelagem matemática. A análise de
diversas experiências de prática de ensino, dentro dessas modalidades, tem sido
expressiva no âmbito da formação pedagógica do licenciando. Na maioria das vezes
propões estratégias de ensino e apresentam dimensões ltiplas da apropriação do
conhecimento matemático. Dada a amplitude de trabalhos fundamentados nessa
metodologia, opto apenas por evocar uma ideia de Bassanezzi, um dos mais
prestigiados pesquisadores neste campo:
[...] quando se procura refletir sobre uma porção da realidade, na tentativa
de explicar, de entender, ou de agir sobre ela, o processo usual é
selecionar, no sistema, argumentos ou parâmetros considerados essenciais
e formalizá-los através de um sistema artificial: o modelo [...] um conjunto de
símbolos e relações matemáticas que representam de alguma forma o
objeto estudado. [...] o processo dinâmico utilizado para a obtenção e teste
de Modelos Matemáticos é denominado Modelagem Matemática. Desta
forma, modelagem matemática consiste essencialmente na arte de
transformar problemas da realidade em problemas matemáticos e resolve-
los, interpretando suas soluções na linguagem do mundo real.
(BASSANEZZI, apud MONTEIRO; POMPEU Jr., 2001, p.71-72)
Descrevo, a seguir, mais detalhadamente, alguns trabalhos de pesquisas que
tratam as práticas de ensino em matemática como estratégias ou como espaços de
formação de professores (no âmbito dos Estágios de Docência
18
, outras disciplinas
pedagógicas, atividades complementares de pesquisa e/ou de extensão, etc). Ainda
tomarei como referência três enfoques: as estratégias mais utilizadas nessa
formação; os problemas mais marcantes que emergem das práticas de formação e o
que se poderia chamar de “alternativas de encaminhamento” aos problemas. Faço-
o, particularmente, com o objetivo de elucidar as discussões (os discursos)
produzidas acerca deste tema, buscando indícios das verdades (ou regimes de
verdades) aí contidos.
Começo citando o grupo GEPFPM (Grupo de Estudo e Pesquisa sobre
Formação de Professores que Ensinam Matemática) da FE/Unicamp, constituído por
18
Refiro-me aqui às disciplinas de formação pedagógica que designam os estágios obrigatórios dos cursos de
Licenciatura. Em Bello (2007, p.208), vê-se uma definição ampliada para tal termo, incluindo as [...] práticas e
atividades de ensino que têm por objetivo a inserção de futuros professores não apenas na prática docente, mas
na sua imersão no contexto profissional, constituindo-se em um espaço de formação.”
78
professores da instituição e alunos de pós-graduação desde 1999. Várias
publicações foram feitas por esse grupo. Entre elas: (FIORENTINI, 2003);
(FIORENTINI; NACARATO, 2005); (NACARATO; PAIVA, 2006).
Apesar de o grupo centralizar suas experiências e pesquisas na formação
continuada de professores, a maioria dos trabalhos tem envolvido alunos da
licenciatura, e acaba repercutindo, também, na formação inicial do professor de
matemática. Comentarei, a seguir, alguns trabalhos desenvolvidos por
pesquisadores ligados ao grupo GEPFPM.
Guérios (2005) expõe as características de um trabalho colaborativo, que se
desenvolve no Laboratório de Ensino e Aprendizagem de Matemática e Ciências
Físicas e Biológicas da UFPR e que agrega, coletivamente, professores
universitários, professores das escolas e alunos da licenciatura.
Esse tipo de espaço vem sendo muito utilizado atualmente para promoção de
estudos, produção de narrativas, comunicação de experiências e reflexão
compartilhada, com o objetivo de compreender os professores e os futuros
professores em seus processos de formação e desenvolvimento profissional.
Segundo Guérios (2005): “Trata-se de um processo em que os professores se vão
constituindo em pensamento, construindo saberes e compondo suas ações. E,
assim, constituem-se como sujeitos únicos e singulares.” (ibid, p.149). Outro artigo,
também escrito por participantes do GEPFPM (MISKULIN et al., 2005), traz um
levantamento e comentários sobre várias outras pesquisas que se situam nesta
perspectiva de trabalho (coletivo e colaborativo). Dessa forma, observa-se que uma
mesma proposta de encaminhamento pode gerar diferentes experiências com
diferentes resultados.
Jaramillo (2003) relata a sua pesquisa de doutorado (em andamento na
época), que “[...] faz menção à (re)constituição do ideário de futuros professores de
matemática, num contexto de investigação sobre a prática pedagógica.” (ibid, p. 87).
Sua investigação se desenvolve nas disciplinas de prática de ensino e de estágios
do curso de licenciatura em matemática (noturna) da Unicamp. O objetivo da
pesquisadora é discutir o desenvolvimento de processos metacognitivos nos
licenciandos e, como conclusão provisória, ela coloca:
[...] os instrumentos de mediação que vêm sendo usados na prática de
ensino objeto deste estudo contribuem significativamente na geração de
79
um pensamento consciente dos formandos sobre seu próprio ideário acerca
do conhecimento matemático, de seu ensino, de sua aprendizagem e de
sua avaliação. E, por sua vez, esse pensamento consciente está permitindo
a ruptura, nos futuros professores, de alguns paradigmas clássicos sobre o
que é ser professor de matemática (e de como se chega a ser um professor
de matemática). (ibid, p.116).
Ferreira (2003), através de um balanço de 25 anos (de 1975 a 2000) da
pesquisa brasileira sobre formação de professores de matemática (ao todo foram
112 dissertações/teses analisadas), constata, entre outras coisas, que, nas últimas
duas cadas, foi muito evidente o interesse e preocupação com a investigação dos
programas das licenciaturas. Dentre as disciplinas mais visadas, a autora destaca as
práticas de ensino e os estágios e, ainda, as disciplinas matemáticas e as
pedagógicas, no que se refere à relação entre elas. A autora também destaca que
todos os trabalhos com esse enfoque “[...] apontam deficiências no processo de
formação inicial e apresentam alguma perspectiva para sua melhoria. As pesquisas
apontam a reflexão, o trabalho colaborativo e uma relação mais equilibrada e
harmoniosa entre teoria e prática.” (ibid, p.32).
Gonçalves e Fiorentini (2005), em artigo produzido conjuntamente, também
partem desse balanço de vinte e cinco anos de pesquisa para explorar outro ponto
relevante e curioso: dos cento e doze estudos analisados, “[...] apenas quatro tinham
como foco de investigação a formação, o pensamento e a prática de formadores de
professores de matemática.” (ibid, p.68). Dessa forma, segundo os autores, fica
identificada uma lacuna na pesquisa e um problema no processo de formação, visto
que os próprios professores formadores reconhecem ter construído seus saberes
sobre a prática docente exclusivamente a partir das experiências que vivenciam,
devido à falta de reflexão e teorização sobre esse tema. Como sugestão, os autores
desse artigo propõem a organização de grupos de professores (educadores
matemáticos e pedagogos), dentro da universidade, para refletirem sobre suas
práticas de ensino.
O artigo de Brito e Alves (2006) versa sobre o tema da “[...] construção e re-
significação de saberes docentes por parte de licenciandos em matemática [...]”
(ibid, p.27). Essas pesquisadoras organizaram, em 2004, a disciplina de Didática da
Matemática do curso de Licenciatura em Matemática da UFRN de modo a
possibilitar a reflexão, por parte dos alunos, sobre suas próprias concepções de
matemática, ensino e aprendizagem. As pesquisadoras acreditavam que, por esse
80
caminho, o licenciando poderia alterar suas concepções, construindo saberes
docentes importantes para sua prática como docente. Destaco o que as autoras
colocam como conclusão.
Após a análise, concluímos que tais situações colaboram para a
reelaboração dos saberes docentes pelos futuros professores porém, para a
reelaboração dos saberes curriculares, seria necessária a vivência em
situações de sala de aula e algum tempo de docência. [...] Assim,
concluímos que diferentes situações didáticas, tais como escrita de texto
sobre suas concepções, pesquisa sobre o conhecimento matemático
utilizado em situações extra-escolares, elaboração de planos de aula, leitura
e discussão de textos, observação de episódios de aula gravados em vídeo
e análise de livros didáticos têm potencialidades para a formação de
saberes e podem contribuir para uma formação inicial que objetive a
profissionalização docente. Porém, os potenciais de tais situações são
delimitados pelo tipo de envolvimento que os futuros professores
apresentam com relação a elas, pelos conhecimentos que os licenciandos
já possuem ao vivenciá-las e pela possibilidade ou não de vivenciar a
prática pedagógica. (BRITO; ALVES, 2006, p.40).
Por último, comento o trabalho de Fiorentini e Castro (2003) que descreve um
estudo de caso, desenvolvido com o objetivo de analisar “[...] como o futuro
professor de matemática se constitui profissionalmente em saberes, em ações e
significados quando entra em contato com a prática escolar durante as atividades
de prática de ensino e estágio supervisionado.” (ibid, p.122). Nas conclusões, os
autores ressaltam que, entre as evidências apresentadas pelo licenciando a respeito
de sua formação, aparecem as ressignificações das experiências, saberes e
modelos internalizados ao longo de sua vida de estudante. Ainda ressaltam que os
saberes da docência são efetivamente compreendidos e ressignificados durante a
realização do trabalho pedagógico, indicando assim a importância desse para a
formação do professor. Os autores destacam a relevância das novas diretrizes
curriculares propostas pelo MEC; que recomendam o estabelecimento de estreita
parceria entre a universidade e a escola e a ampliação, nos cursos de licenciatura,
da carga horária de prática de ensino (para 400 horas) e de estágio supervisionado
(também para 400 horas). Por outro lado, alertam para o fato de que as diretrizes
não indicam devidamente como devem ser as formas de acompanhamento e
mediação dessas práticas, abrindo a possibilidade de que as mesmas não sejam
devidamente orientadas.
Também pesquisadores do IM-UFRJ têm se dedicado à investigação de
determinadas ações que influenciam na formação do professor. Tais ações têm em
81
vista “[...] a complementação curricular dos licenciandos através da sua participação
no Projeto Fundão (PF); o envolvimento dos licenciandos em mini-investigações em
sala de aula; e a modernização do currículo da Licenciatura.” (SANTOS-WAGNER;
NASSER; TINOCO, 1997, p.37). Cabe esclarecer que o Projeto Fundão agrega
professores da universidade, professores de escola e licenciandos e tem por objetivo
o aprimoramento teórico da equipe através de estudos e investigação sobre temas
relacionados à Educação Matemática.
Retomo ainda, uma pesquisa citada na seção anterior, desenvolvida na
UNESP, Campus de Rio Claro, SP, relatada em Baldino (1999). O trabalho consistiu
em interpretar relatórios e narrativas de alunos-professores que faziam a disciplina
de Prática de Ensino da Licenciatura em Matemática da UNESP. Como essa
disciplina funcionava vinculada ao Grupo de Pesquisa-Ação em Educação
Matemática (GPA), os alunos, cujos relatos foram analisados, juntaram-se
voluntariamente ao grupo e participaram do trabalho de análise. O objetivo dessa
interpretação era “[...] informar aos alunos-professores o grau de acolhimento de
seus discursos reflexionantes enquanto interpretados por um dos coordenadores do
GPA.” (ibid., p.229). Como esses alunos integravam o grupo, tiveram de participar
da “acolhida de seus próprios discursos”, tendo assim a “[...] oportunidade de rever,
modificar, aprofundar esses discursos e, consequentemente, rever suas práticas e
seus valores.” (ibid., p.229). Em síntese, o que se esperava desses alunos era um
compromisso com a “mudança”, e a ação dos pesquisadores ocorreu, não a partir
dos desempenhos e conhecimentos dos alunos, mas sim a partir do que eles diziam.
Especificamente na UFRGS, muitos projetos de pesquisa e extensão vêm
sendo desenvolvidos por profissionais que orientam as práticas de ensino nas
disciplinas de Laboratório (lotados no IM Instituto de Matemática) e de Estágios de
Docência (lotados na FACED Faculdade de Educação). Preferi, no entanto, não
fazer o levantamento desses trabalhos, neste momento, por entender que isso
poderia interferir na análise que venho desenvolvendo a respeito das estratégias
produtivas ocorridas nas minhas turmas de Laboratório. Isso porque não quero
correr o risco de deslizar para uma análise do tipo comparativa. No entanto,
considero relevante citar um artigo, no qual o professor Samuel Bello apresenta uma
discussão a respeito dos estágios de docência, em termos da produção de saberes
e de práticas pedagógicas; bem como uma dissertação de mestrado, orientada por
82
esse professor dentro do programa de Pós-graduação em Educação da UFRGS, na
qual são analisadas práticas de ensino de futuros professores de matemática, a
partir da perspectiva foucaultiana.
Em Bello (2007), vê-se, por exemplo, que os licenciandos de matemática
(alunos da UFRGS que participaram de uma pesquisa coordenada por Bello),
quando questionados sobre as dificuldades que têm no exercício da docência,
indicaram não ter conhecimento “[...] de processos teórico-metodológicos
relacionados à seleção e organização dos conteúdos a ensinar e da forma de como
lidar com a diversidade e as diferenças dos alunos do ponto de vista cognitivo,
sócio-cultural e, inclusive, comportamental.” (p.214). Coube, portanto, aos
pesquisadores investigarem o que vem sendo proposto nos cursos de formação
inicial, ou seja, qual a ênfase teórica da organização curricular desse curso. Bello
(2007) destaca a fala de um aluno entrevistado, muito esclarecedora nesse contexto,
e que transcrevo abaixo:
“Durante a faculdade temos muitas cadeiras que tratam da Matemática no
nível de terceiro grau. E poucas que discutem a Matemática do Ensino
Médio e Fundamental. Acredito que deveríamos ter cadeiras que discutam a
abordagem e forma de trabalhar de alguns conteúdos, que aparentemente
não tem utilidade na vida do aluno”. (ibid., p.215).
Vários outros aspectos da formação de professores, no âmbito dos estágios,
são explorados por Bello (2007), tendo em vista a análise dos discursos dos alunos.
Dentre eles ressalto as possibilidades desencadeadas pelo uso do vídeo, através da
filmagem de aulas ministradas pelos estagiários e da análise feita, inicialmente, pelo
próprio estagiário, e depois, coletivamente, com a presença dos colegas e do
orientador da prática de ensino. Pretendo retomar os resultados dessa experiência
no capítulo 7, considerando que também utilizei o vídeo nas minhas aulas de
Laboratório e que já antecipo convergência com Bello em muitos pontos de análise.
Comento, para finalizar, a dissertação de Lenzi (2008), por constituir um
trabalho de pesquisa com objetivos e fundamentação teórica semelhantes aos que
utilizo na realização desta tese. Explicitando, Lenzi realiza um estudo com
estagiários, seus orientandos, do curso de Licenciatura em Matemática da UFRGS,
investigando mecanismos discursivos, presentes na Universidade e nas escolas
onde os mesmos desenvolveram suas práticas pedagógicas, que possam ter
funcionado como regulador dessas práticas. Segundo as palavras da autora: “A
83
investigação aponta que as práticas pedagógicas produzidas pelos licenciandos,
nessa etapa de suas vidas, são constituídas por discursos, produzidos a partir de
saberes e experiências vivenciados por eles.” (p.7). É importante destacar que a
pesquisadora apresenta um pressuposto teórico que, tudo indica, será confirmado
com sua pesquisa:
Entendo que o professor aqui em questão está em fase de formação
pedagógica inicial, portanto, essas práticas, produzidas neste momento de
suas vidas, não trazem somente os elementos do “saber fazer didático
construído ao longo da experiência”, e sim, outros elementos, como os
saberes acadêmicos e as verdades de um discurso acadêmico que será
confrontado na escola com as verdades e as práticas pedagógicas
produzidas naqueles espaços. (ibid., p.22).
Após a análise dos discursos Lenzi constata a reincidência em torno dos
temas (discursos de verdade): “[...] de uma educação Matemática diferente, da
inovação no ensino, da preocupação com o currículo [...]” (ibid., p.92), discursos
esses que, segundo a autora, regulam as falas dos alunos/professores e subjetivam
a identidade dos mesmos.
Para encerrar esta seção, transcrevo algumas das palavras de conclusão,
escritas por Lenzi:
Ao buscar mecanismos que regulam a fabricação e execução das práticas
pedagógicas dos licenciandos [...] no espaço institucional da escola
compreendi, com Foucault, que nas relações sociais, quaisquer que sejam
elas, existem relações de poder e, ao atuarmos nelas, tentamos dirigir a
conduta do outro. Para que haja uma relação de poder é necessário que
haja liberdade e isso pode significar viver constantemente no limite. As
relações de poder são móveis, cambiáveis e jamais estão pré-
determinadas, pois, ao mesmo tempo em que exercemos poder também
podemos estar sendo interpelados por ele. Com isso, entendo que
aspectos positivos nessas relações, pois onde poder resistência e,
portanto, possibilidades de produzirmos e fazermos “coisas”, mobilizar-nos.
(LENZI, 2008, p.93).
Mas, não posso encerrar sem antes lembrar que me propus a comentar
alguns trabalhos que vem sendo produzidos por colegas, com o objetivo de buscar
indícios de verdades aí contidos. E, o que percebo ao final deste estudo é que todos
os trabalhos citados, inclusive o de Lenzi, podem ser analisados em termos de suas
estratégias produtivas, operando através de discursos reguladores, processos de
subjetivação e relações de poder, ou seja, todas as pesquisas citadas comportam
84
“discursos de verdade” relativos às temáticas “ser professor de matemática” e
“práticas de ensino na formação desse professor” que, inevitavelmente, acabam por
produzir professores de matemática de uma forma determinada, em função de uma
norma. Isso me fez lembrar uma frase de Nietzsche (2005b, p.52): “Se alguém quer
parecer algo, por muito tempo e obstinadamente, afinal lhe será difícil ser outra
coisa.”
Apenas mais uma questão: ao ler a frase de Lenzi “entendo que há aspectos
positivos nessas relações”, fiquei pensando se caberia perguntar se aspectos
negativos em todos estes discursos (produtivos) relativos às práticas de ensino?
85
4 DA CONSTITUIÇÃO DO PROBLEMA DE PESQUISA
Digo “constituição” do problema, pois sua explicitação passou por vários
ajustes, transformações e interferências que nada mais são do que o reflexo de
minha própria caminhada como pesquisadora. Esta situação “obriga-me”, dando
continuidade ao que foi anunciando anteriormente, a falar de algumas experiências
de vida, enfatizando as de formação profissional, que impulsionaram minhas
intenções na direção do problema a ser pesquisado.
Apropriando-me das palavras de Fischer (2005),
Penso que a leitura e a escrita acadêmica precisariam, talvez, ter um pouco
o caráter de experiência, de modo que nós, escreventes e leitores,
pudéssemos nessa aventura fazer o exercício de pensar, estar
simultaneamente dentro e fora de nós mesmos, de viver efetivamente
experiências, no sentido de que as coisas que vivemos e produzimos nos
abram ao que não somos nós mesmos, vivendo algo que é ao mesmo
tempo atividade e passividade [...] (FISCHER, 2005, p.127).
4.1 UMA LEITURA E UMA ESCRITA DE COISAS QUE VIVI E PRODUZI
O cronista que narra os acontecimentos,
sem distinguir entre os grandes e os
pequenos, leva em conta a verdade de que
nada do que um dia aconteceu pode ser
considerado perdido para a história.
(BENJAMIN, 1987, p.223).
Histórias de uma professora! Como o evocar lembranças das minhas
histórias? Muito jovem, escolhi ser professora de matemática, pois, apesar de haver
cursado o magistério (Curso Normal médio) e ter lecionado durante seis anos nas
séries iniciais (passando por classes de a 4ª séries), logo percebi que tinha maior
afinidade com crianças maiores e com adolescentes. Assim, desconsiderei
completamente a possibilidade de fazer Pedagogia e optei por um curso de
licenciatura, que pretendia continuar na profissão docente. A área de matemática
foi escolhida por evocar experiências bem sucedidas na minha até então pequena
86
caminhada escolar, justamente onde tantos fracassavam. Além disso, era uma
grande ousadia sair do Magistério e ingressar direto num curso superior de
Matemática. Mas os desafios, naquela época, me atraíam. Ou teria sido uma
escolha insensata e autopunitiva?
Logo após concluir a Licenciatura em Matemática, na Universidade de Rio
Grande, ingressei no mestrado em Matemática Pura, na UFRGS. Uma das razões
que me levaram a essa decisão foi a constatação de minhas limitações teóricas no
campo da Didática. Durante o último semestre como licencianda, fui contratada para
lecionar essa disciplina no curso de Habilitação Magistério em nível médio; pude,
então, perceber que meu conhecimento sobre ensino e aprendizagem de
matemática era muito restrito, fundamentado, quase que exclusivamente, em minha
experiência como aluna de ensino fundamental e médio e como professora de
crianças das séries iniciais. Na universidade, estive aprendendo teorias mais
avançadas e até compreendendo com maior profundidade os conhecimentos
básicos da área, mas, no campo das metodologias de ensino, das alternativas
pedagógicas e das dificuldades de aprendizagem dos alunos, pouca coisa estava
sendo acrescentada. Lembro, em particular, do momento em que apresentava para
minhas alunas de magistério algumas formas de abordagem do assunto “operações
com frações”. Expliquei as regras e alguns porquês teóricos e sugeri o uso de
figuras geométricas (o retângulo em especial) divididas em partes iguais para
justificar os resultados. Na verdade, esse recurso funcionava só para adição e
subtração; nos casos da multiplicação e da divisão, acabávamos enfatizando as
regras. Mas tudo isso eu sabia; desde que fizera o meu Curso Normal, tinha
utilizado tais todos com meus alunos e havia constatado que a aprendizagem
desse assunto apresentava complexidades que não se resolviam apenas com
regras e exercícios. Enquanto desenvolvia essa aula, percebi claramente que minha
formação inicial em matemática não era suficiente para atender minhas próprias
expectativas. E, na busca de aprofundamento teórico, acabei encontrando como
alternativa o mestrado em matemática pura oferecido pelo Instituto de Matemática
da UFRGS.
Teorias abstratas e modelos inimagináveis, cada vez mais distantes do que
parecia ser o real ou, pelo menos, a minha realidade. Não, esse não foi um caminho
adequado para qualificar meu trabalho como professora de matemática. E, mais
87
uma vez tive clareza daquilo que não queria: ser uma pesquisadora em matemática
pura. Nos anos seguintes comecei novos contatos, dessa vez com profissionais da
área da Educação. Trabalhei como bolsista em projetos de pesquisa cujos objetivos
centravam-se na investigação do raciocínio das crianças, durante a apropriação de
conceitos elementares de matemática; desenvolvi estudos e pesquisas apoiados na
epistemologia piagetiana; apreendi um discurso novo e, a partir de tudo isso,
comecei a reconhecer outras possibilidades de práticas, inclusive outras opções
profissionais.
Ao me submeter à seleção de mestrado em Educação Matemática na
UNESP
19
RC, não estava tão interessada no ensino de frações, mas começava
a ficar fascinada com outras dimensões do conhecimento e com as alternativas que
surgiam cada vez que ultrapassava meus limites teóricos. Foram três anos no
estado de São Paulo, tomando contato com outras visões de mundo, com outros
saberes e com pesquisadores que diziam coisas diferentes, provocativas,
instigadoras. Fundamentei minha dissertação na análise de uma experiência
desenvolvida com crianças que participavam de um clubinho de matemática na
UNICAMP
20
, organizado para que as mesmas brincassem com jogos de estratégias.
Estaria inicialmente interessada em defender a utilização de jogos no ensino de
matemática? É difícil e, provavelmente, irrelevante buscar a origem de uma ideia,
até porque eram muitos os discursos circulantes sobre esse tema e a tal ideia
original poderia nem ser minha! Mas, o fato é que acabei criticando (no texto final
para obtenção do título de mestre) esse uso dos jogos e desenvolvendo uma
abordagem mais filosófica sobre o tema, abordagem essa que, geralmente, não era
atrativa aos professores para os quais expus meu trabalho posteriormente. Afinal,
havia (e ainda há) grande expectativa em aprender novas cnicas e recursos que
pudessem facilitar o ensino de matemática. Além disso, haviam se popularizado
as esperanças de que os tais jogos pedagógicos pudessem representar a salvação
metodológica tão procurada.
O ingresso na Universidade de Rio Grande, como docente, ocorreu mesmo
antes de ter defendido a dissertação. Período de muito trabalho, muita instabilidade
teórica e abundante vontade de aprender. Não, não cometi engano não: era vontade
de aprender muito mais do que ensinar. Acho que nessa ocasião nem pensava
19
Universidade Estadual Paulista – Campus Rio Claro
20
Universidade Estadual de Campinas
88
mais sobre as frações, afinal não tinha muita certeza de que isso teria alguma
importância para as crianças e, menos certeza ainda, de que haveria algum método
extraordinário para tratar o assunto.
Estava sendo implementada na FURG
21
, no final da década de 80, uma
mudança curricular na Licenciatura em Matemática que previa a abertura de vagas
para profissionais da área de Educação Matemática. Mudanças semelhantes
estavam ocorrendo em todas as universidades devido à ênfase que vinha sendo
dada, através de discursos acadêmicos e de orientações legais, à formação
pedagógica dos licenciandos. Portanto, minha contratação atendia a essa prioridade
e, em consequência, fui designada para ministrar, quase que exclusivamente,
disciplinas do curso de licenciatura em matemática, o que não era comum para os
demais professores do meu departamento, que costumavam ministrar disciplinas de
matemática oferecidas para outros cursos. Essa particularidade vai prevalecer
também após minha transferência para a UFRGS, cinco anos depois, devido às
mesmas razões apresentadas. Apenas quero reforçar (pois disse algo a
respeito antes) que, durante esses vinte anos como professora universitária, além
das disciplinas de natureza pedagógica, tenho ministrado outras, de conteúdos
considerados propriamente matemáticos, tais como geometria, cálculo, álgebra,
fundamentos e, com maior frequência, história da matemática.
Sobre essa última cabe uma pequena “história”. Ao realizar meu concurso
para ingresso na FURG, desenvolvi uma prova didática que versava sobre a
perspectiva histórica do teorema de Euler relativo aos poliedros convexos. Naquela
ocasião, eu estudava a obra de Inre Lakatos intitulada “A lógica do descobrimento
matemático: provas e refutações”, que contém uma bela e original discussão
filosófica sobre a história do processo de formalização desse conhecido teorema.
Em função da apresentação dessa aula e por intermédio de comentários feitos pelos
professores componentes da banca do concurso, acabei sendo identificada como
alguém que sabia história da matemática e isso resolvia um grande problema do
Departamento: ter quem substituísse a única professora que ministrava essa
disciplina e que estava em vias de se aposentar. Na UFRGS, a situação não foi
muito diferente. Também acabei assumindo essa disciplina logo ao chegar, pois o
professor titular da mesma estava perto de se aposentar e grande número de alunos
21
Fundação Universidade Federal de Rio Grande
89
requisitou minha presença o mais rápido possível. Durante todos esses anos de
trabalho, sempre tive a preferência na “escolha” da História da Matemática, apesar
de, mais recentemente, dois ou três colegas também demonstrarem interesse em
ministrá-la. Mas o curioso sobre tudo isto é que eu sabia muito pouco dessa área de
conhecimento e o meu interesse na obra de Lakatos era muito mais pela discussão
filosófica ali contida do que pelos aspectos da história. De qualquer forma, não tive
muita escolha e hoje, mesmo sabedora das grandes limitações teóricas que ainda
apresento, sinto-me plenamente satisfeita com os estudos e trabalhos que
desenvolvi para “dar conta” dessa disciplina, envolvendo desde as particularidades
da matemática, enquanto linguagem e área de conhecimento autônoma (se isso é
possível!), até o estabelecimento de relações entre ela e demais áreas de
conhecimento.
Teria tantas outras coisas a acrescentar, mas é preciso focalizar as
experiências de formadora que foram mais relevantes para a colocação do problema
investigado. Essas dizem respeito à minha intervenção como orientadora de práticas
de ensino e como provocadora nas discussões que realizamos (meus alunos e eu)
acerca dos processos de ensino e de aprendizagem da matemática.
O contexto a ser analisado evoca lembranças de muitas turmas, uma em
particular, que pude acompanhar integralmente durante todo o curso isso em Rio
Grande, de 1991 a 1995. Era a primeira turma do currículo novo e tive muito contato
com os estudantes, ministrando, entre outras, as disciplinas de Geometria (oito
créditos semanais durante um ano), Ensino de Matemática (também anual) e
História da Matemática (semestral), todas ainda muito presentes na minha memória.
Especialmente no Ensino de Matemática, lemos e discutimos muitos textos (procurei
colocar os alunos em contato com a literatura mais recente da área de Educação
Matemática); exploramos jogos de estratégias, analisando as relações desses com o
ensino-aprendizagem de matemática na ocasião era meu objeto de estudo para
elaboração da dissertação de mestrado; investigamos (em trabalho de pesquisa com
alunos de uma turma de série) como as crianças constroem conceitos
matemáticos sicos, apoiados nos estudos piagetianos, conforme eu mesma
pesquisara alguns anos antes. Realizamos várias experiências em escolas da rede
pública, no âmbito de pesquisas participativas, que abrangeram desde visitas para
reconhecimento dos espaços físicos e estrutura das escolas até a participação no
90
processo de ensino-aprendizagem, como ministrantes de aulas ou através de apoio
aos alunos durante a execução de trabalhos propostos pela professora regente da
turma. Tais experiências, em aulas subsequentes foram discutidas e analisadas.
Essas são algumas das situações que recordo, mas não saberia mais dizer a que
conclusões e/ou questionamentos chegamos e tampouco saberia avaliar o “efeito”
dessas práticas na formação daqueles jovens.
Novas turmas, novas mudanças curriculares e também novas estratégias de
trabalho. Na UFRGS, as disciplinas que tratavam dos temas relativos ao processo
de ensino-aprendizagem de matemática, desde 1996, quando comecei a ministrá-
las, sofreram diversas alterações, tanto no nome, como na súmula e programa e
correspondem as identificadas disciplinas de Laboratório e de Ensino-
Aprendizagem. Minha grande preocupação sempre foi a de garantir um espaço,
nessas disciplinas, para realização de práticas em escolas, mesmo quando as
turmas atendidas eram muito grandes (em torno de 30 alunos). Essa o era uma
preocupação apenas minha. rios colegas, também responsáveis pela formação
pedagógica dos licenciandos, partilhavam da opinião de que a relação entre teoria e
prática não deveria ser experienciada apenas durante os estágios. Assim, com o
passar dos anos, várias proposições e avaliações (expressas por professores do
grupo de educação matemática do DMPA/UFRGS) relacionadas à questão das
práticas de ensino, agregadas a algumas exigências legais, foram produzindo
mudanças curriculares que garantiram tempos e espaços cada vez maiores para a
realização de práticas pedagógicas. Hoje, tais mudanças se refletem, por exemplo,
na ampliação da carga horária dos Laboratórios, conforme foi comentado. Tal
ampliação pode ser compreendida (se isso for importante!) a partir de vários
acontecimentos, sendo que um deles é bastante evidente: a exigência legal,
colocada pela Resolução CNE/CP 1, de 18 de fevereiro de 2002, de que as
licenciaturas apresentassem 400 horas de prática de ensino e 400 horas de
estágios.
Aprofundar conceitos e teorias; resolver problemas; discutir dificuldades dos
alunos; analisar estruturas escolares; estudar alternativas metodológicas;
desenvolver propostas de ensino; implementar e avaliar essas propostas, entre
outros, têm sido os conteúdos e experiências que venho partilhando com meus
alunos. Talvez tenha havido alteração, continuamente, nos focos teóricos, nos
91
assuntos abordados, nas fontes utilizadas, mas não lembro de ter, durante muito
tempo, suspeitado da eficiência do método: teoria reflexão prática reflexão
teoria, ou algo assim. No entanto, tem sido impossível, durante o tempo em que
venho trabalhando na elaboração desta tese, não me interrogar a respeito do que
tem sido essa atividade de formação e de como tudo isso vem ocorrendo no interior
da Universidade e das escolas na visão de cada um de nós envolvidos no processo.
Inicialmente, identifiquei quatro campos distintos, passíveis de serem
analisados, que englobariam as práticas ocorridas nas minhas turmas de Ensino-
Aprendizagem e nas de Laboratório, diferenciando as do curso diurno e as do curso
noturno. Sem dúvida, seria um campo muito vasto para análise, por isso resolvi
centrar-me nas experiências vividas com alunos do noturno, nas disciplinas de
Laboratório ministradas em 2008 e 2009, período em que minhas intenções de
investigação estavam bem mais definidas. Ainda assim não evitei a referência ao
trabalho desenvolvido em outras turmas.
Sempre que iniciávamos as aulas de Laboratório ou de Ensino-
Aprendizagem, provocava os alunos a falarem de suas experiências como
professores (tenham elas ocorrido em outros Laboratórios, como atividade
profissional ou informalmente). Também procurava identificar quais trabalhos e
estudos eles haviam realizado nas disciplinas de Ensino-Aprendizagem. A partir
dessas referências e, levando em conta as possibilidades do grupo, propunha então
o plano de ensino, totalmente aberto a alterações
22
. De modo geral, precisávamos
reservar um tempo para planejamento e organização de materiais antes de
começarmos as práticas de ensino. As alternativas para a realização das práticas e
os contatos com as escolas ficavam sob a minha responsabilidade, com exceção de
alguns casos em que, por interesse pessoal, o próprio licenciando fez o primeiro
contato. Destaco ainda que os planos de ensino da disciplina foram específicos com
relação aos compromissos que estaríamos assumindo com outras instituições de
ensino e com outros estudantes e também com relação às produções que seriam
avaliadas, desde o planejamento das aulas até a elaboração dos relatórios e
memórias. É importante esclarecer que, formalmente, as práticas realizadas nessas
disciplinas não podem ser caracterizadas como estágios acadêmicos, de modo que
sempre precisei reivindicar, junto às instituições de ensino, um espaço para meus
22
Nos últimos anos tornou-se exigência do Departamento de Matemática a publicação dos planos de ensino em
período anterior ao início das aulas, de modo que as alterações não são mais possíveis.
92
alunos atuarem como monitores (geralmente dois ou três alunos juntos), uma vez
por semana (sem preencher a carga horária de matemática) e com a presença
constante do professor de classe. Na maioria das vezes, as coisas não funcionavam
bem assim, pois o professor regente permitia que os monitores planejassem todas
as aulas da semana, mesmo que ministrassem apenas uma ou duas. Nas vezes em
que o professor se envolvia com o planejamento e participava mais intensamente
das aulas, tínhamos um grande acréscimo de qualidade do trabalho. Sem vida
eles tinham muito a ensinar aos licenciandos!
As práticas docentes realizadas em escolas ocorreram com maior frequência
nas turmas do curso diurno, devido à disponibilidade dos alunos. Os alunos do
noturno geralmente trabalham o dia todo, não podendo se submeter às
possibilidades de horário que as escolas oferecem. Alguns conseguiam se adaptar à
oferta e tudo transcorria como foi descrito anteriormente, outros desenvolviam suas
práticas em escolas de curso noturno em função disso ficavam restritos a turmas
de Ensino Médio ou turmas de EJA. Essa segunda alternativa era viável
principalmente quando quatro horas/aula de Laboratório ficavam centradas na
mesma noite. Mas, como nem sempre era possível acomodar os alunos (em média
turmas de quinze) dentro dessas modalidades, comecei (desde 1999) a oferecer
cursos de extensão sobre conteúdos de matemática que fossem de interesse dos
alunos de Ensino dio ou das pessoas que se preparam para concursos e, desta
forma, consegui organizar, dentro da própria Universidade, em horário conveniente
para os licenciandos, um espaço para a realização das práticas.
No próprio horário das aulas ou em horário extra, estudávamos os conteúdos
e as estratégias metodológicas, tendo em vista a organização dos planos de
trabalho. Sempre fui muito exigente com relação aos planos de aula. Os grupos
tinham que se reunir comigo, antes da aula, para mostrar o plano e discutir as
intenções ali contidas. Geralmente eles precisavam fazer correções e novas
pesquisas. Mas, o mais interessante, é que, durante nossos encontros, surgiam
ideias brilhantes, eles podiam expressar suas dúvidas e, de modo geral, saíam mais
confiantes para pôr em prática o planejado. Com o passar dos anos as coisas foram
mudando. Cada vez aumentava mais o número de alunos que justificavam a
ausência nas reuniões de planejamento, o que me obrigava a reservar o tempo das
nossas aulas para fazer isso que, neste caso, eu tinha que me dividir entre os
93
vários grupos e acabava não conseguindo interagir adequadamente com todos.
Além disso, acabei me rendendo à Internet e autorizando os alunos a enviarem seus
planos de aula por e-mail, de forma que nossa comunicação foi se tornando quase
que exclusivamente virtual.
Nos últimos anos, os encontros presenciais com meus alunos, antes da
prática, foram ficando cada vez mais raros. Nas primeiras semanas, utilizando o
horário reservado para a disciplina, definimos as condições para o trabalho,
estudamos os temas que serão explorados (seja nas turmas de ensino regular, seja
nos cursos de extensão) e começamos o planejamento das aulas. À medida que as
práticas efetivamente iniciam, a comunicação virtual atinge seu ponto máximo.
Muitas horas na frente do computador, lendo os planos que eles enviam
geralmente contém várias cópias de textos matemáticos de livros e da Internet e
corrigindo uma vastidão de detalhes teóricos. Tento fazer mais questionamentos e
provocações do que propriamente correções. Tento propor uma maior reflexão sobre
os conteúdos e algumas sugestões que qualifiquem as estratégias metodológicas.
Longos e-mails, cuidadosamente escritos, mas fico, saudosamente, lembrando do
tempo em que discutíamos estas coisas pessoalmente. O que considero mais
inquietante e, talvez, o mais grave é que as respostas dos alunos são sempre muito
sucintas, demonstrando concordância às minhas intervenções e, raramente, dando
continuidade ao assunto ou apresentando algum tipo de réplica. Estaria isso
significando que não tenho sido suficientemente provocativa, ou que eles acolhem
pacificamente as minhas sugestões, ou que, após extraírem o que de fato é
relevante no meu texto, o resto é simplesmente ignorado? O fato é que nem sempre
tenho oportunidade de assistir às aulas que planejamos e, desta forma, fico sem
saber o “efeito” da minha orientação.
Nos dois últimos anos, ministrei Laboratórios de oito créditos e a situação foi
um pouco diferente. Tivemos condições de organizar os planos de ensino e discutir
as práticas, continuamente, nas próprias aulas. No entanto, por não fazer parte da
grade curricular desses alunos as extintas disciplinas de Ensino-Aprendizagem,
precisávamos realizar, com maior cuidado, a revisão e o aprofundamento teórico dos
conteúdos que antes constavam nelas e, agora, constam nas súmulas dos
Laboratórios. É preciso admitir que não conseguimos dar conta de tudo isso e que a
94
prioridade acabou sendo dada às práticas e, consequentemente, aos conteúdos
correspondentes às necessidades que essas práticas nos colocavam.
Para concluir esta longa explanação sobre minhas atividades como
orientadora, acrescento apenas que, no final de cada semestre letivo, depois de
realizada a intervenção prática, costumamos ter dois ou três encontros de quatro
horas cada, para relatar e avaliar os resultados do trabalho. São encontros muito
agradáveis, muito informais, onde todos se sentem aliviados por terem completado a
tarefa. Geralmente agradeço e parabenizo a todos pela responsabilidade, seriedade
e dedicação que expressaram e faço comentários gerais sobre a experiência vivida.
Eles, por sua vez, contam detalhes, comentam fatos mais inusitados, descrevem as
características das escolas e dos alunos, falam das dificuldades do grupo, das
coisas que aprenderam e da satisfação por terem sido professores “de fato”. Além
da exposição oral, os licenciandos entregam o relatório da prática (do grupo) e o
memorial (individual). O conceito que atribuo a cada um resulta da análise de todas
as produções ao longo do semestre e, posso dizer, considero a discussão e a
execução da avaliação a tarefa mais difícil e inquietante de todo nosso trabalho.
4.2 O ENUNCIADO DO PROBLEMA: UM JOGO LINGUÍSTICO NECESSÁRIO
Penso que o maior perigo para a Pedagogia
de hoje está na arrogância dos que sabem,
na soberba dos proprietários de certezas, na
boa consciência dos moralistas de toda
espécie, na tranqüilidade dos que sabem
o que dizer ou o que se deve fazer e na
segurança dos especialistas em respostas e
soluções. Penso, também, que agora o
urgente é recolocar as perguntas,
reencontrar as dúvidas e mobilizar as
inquietudes. (LARROSA, 2003, p.8).
Recolocar as perguntas! Esse pode ser um grande problema (isso não
significa que seja uma coisa ruim), porque cada vez que a pergunta é recolocada,
ela se mostra diferente, “parece” ser outra e, assim, nunca se chega às respostas,
95
dada a proliferação de perguntas. De certo modo, é assim que tenho lidado com as
inquietudes e com as dúvidas inerentes ao meu campo profissional, principalmente
nessa fase de investigação na qual me encontro. Pensando as estratégias que
utilizei, as que venho utilizando e as que poderia utilizar, abro um mundo de
possibilidades. E assim, começou o afunilamento na direção de “uma pergunta” de
pesquisa, uma questão relativa ao espaço dos Laboratórios que fosse tão
provocativa a ponto de abalar qualquer certeza ou segurança que se insinuasse.
Poderiam ser questões relativas às metodologias de ensino, aos saberes e
conhecimentos, às estruturas curriculares, à realidade escolar...
Agregado a tudo isso, estavam os velhos problemas, explicitados por
professores de Laboratórios e orientadores dos estágios: os licenciandos preparam
aulas medíocres, sem criatividade, sem metodologias inovadoras; têm dificuldade
para escrever planos e relatórios; não dominam adequadamente o conteúdo; não
conseguem uma boa interação com os alunos e etc. Por outro lado, de muitos
licenciandos ouvia-se a reclamação de que chegavam aos estágios sem saber como
se aula e, principalmente, como lidar com os alunos de ensino fundamental e
médio.
Interessante, cada vez temos maior carga horária para desenvolver práticas
de ensino, mas isso não parece garantir a qualidade da formação pedagógica dos
licenciandos! Essa é uma constatação que formulei há muito tempo.
Sendo assim, o que poderia fazer, no âmbito de uma pesquisa, levando em
conta todas estas experiências como educadora e orientadora de práticas de ensino,
e valendo-me da análise dos discursos dos alunos, materializados através dos
pronunciamentos gravados e dos documentos escritos? Talvez o quadro acima,
muito tempo pintado, mas nem por isso menos instigador, contenha a chave para a
formulação do “problema” de pesquisa; ou seriam várias chaves, todas abrindo uma
mesma porta?
E assim, qual pergunta colocar? A primeira, que formulei quando participei da
seleção para doutorado? As seguintes, que expressavam meu ajuste às novas
teorias que vinha estudando? A que defendi em meu projeto de pesquisa, quando
buscava coerência com a perspectiva foucaultiana, linha teórica que correspondeu
às minhas expectativas teóricas? Ou as que formulei depois disso, que não foram
nada mais que novos ajustes a novos discursos?
96
Para o processo de elaboração de um trabalho acadêmico como este,
bastaria colocar a última pergunta e desenvolver, a seguir, uma fundamentação
teórica compatível com a mesma. Ou seria o contrário? Primeiro apresentar a
fundamentação teórica e depois a pergunta? Bom, fazendo uma analogia com o que
muitos pensam e dizem ser o caminho de produção do conhecimento matemático,
seria preciso apresentar o teorema ou proposição (a tese) a ser demonstrado,
previamente situado dentro de uma determinada teoria. Considerando os axiomas
(verdades incontestáveis) que, por direito, todas as teorias possuem, seria
apresentada uma prova do teorema, como resultado de arranjos entre os axiomas,
outros teoremas comprovados e alguns artifícios de linguagem, incluindo aqui a
própria utilização de definições conhecidas ou criação de outras, conforme a
necessidade.
No entanto, esse caminho não serviu para o encaminhamento da minha
pesquisa (talvez pudesse ter apresentado os resultados por essa via), visto que a
questão a ser investigada não esteve objetivamente definida desde o início do
processo e também os pressupostos teóricos o foram previamente estabelecidos.
Quanto aos axiomas, ainda tenho profundas vidas sobre o que seriam verdades
no campo das ciências sociais e humanas. Além disso, nem mesmo concordo que o
conhecimento matemático se desenvolva da forma como foi exposta acima. Esse
roteiro pode servir para o processo de formalização da teoria, mas apresenta uma
falha que considero insustentável: esconde a pergunta, a questão desestabilizadora
que impulsionou o pesquisador, passando a ideia de que o teorema (a tese) cai do
céu pronto e bem definido. Além de tudo, considero ingênuo comparar, de forma tão
simplista, o trabalho de produção, ou melhor, de formalização do conhecimento
matemático com a enunciação de um problema de pesquisa no campo das ciências
humanas.
Assim, volto ao ponto inicial, relativo à apresentação do problema a ser
investigado, agora explicando porque escolhi escrever um texto que expõe os
desvios ocorridos durante a caminhada. Pretendo que a formalização desta tese
revele, ou melhor, esteja a revelar o apenas os argumentos que possam ser
defendidos, mas também as contradições, mudanças de ênfase, dificuldades de
ajustes teóricos, em síntese, constitua-se num discurso atravessado por uma
diversidade de outros discursos.
97
Naturalmente é preciso considerar, conforme disse Foucault na sua aula
inaugural no Collège de France, em 1970, que “[...] não se tem o direito de dizer
tudo, que não se pode falar de tudo em qualquer circunstância, que qualquer um,
enfim, não pode falar de qualquer coisa.” (FOUCAULT, 2006a, p.9). E isto vale
principalmente para aquilo que se diz e produz dentro da academia. Também não se
pode ignorar a hipótese por ele apresentada nessa aula:
[...] suponho que em toda sociedade a produção do discurso é ao mesmo
tempo controlada, selecionada, organizada e redistribuída por certo número
de procedimentos que têm por função conjurar seus poderes e perigos,
dominar seu acontecimento aleatório, esquivar sua pesada e temível
materialidade. (FOUCAULT, 2006a, p.8-9).
Ainda assim, é preciso seguir adiante, correndo riscos e aceitando a
“existência transitória” conferida a cada discurso. E, neste sentido, farei uma
pequena trajetória sobre as variações lingüísticas pelas quais passou o enunciado
da questão investigada.
4.3 AS PRIMEIRAS TENTATIVAS DE COLOCAÇÃO DO PROBLEMA
Penso que precisamos, com urgência,
aprender novos caminhos interrogativos
pelos quais possamos exercitar outras e
mais instigantes e criativas maneiras de
perguntar. (FISCHER, 2002, p.53).
A citação de Fischer fala de maneiras instigantes e criativas de perguntar,
mas como iremos reconhecê-las. Seria o caso de um orientador de pesquisa ter uma
carta de “boas” perguntas para distribuir aos seus orientandos? Ainda assim, o
quanto e até quando essas perguntas seriam instigantes? Fischer previra
dificuldades desta natureza, por isso sugere que duvidemos, ainda que
modestamente, “[...] das perguntas mais simples que a sociedade se faz, que nós
vimos nos fazendo, no caso, sobre os temas e problemas que escolhemos para
nossas pesquisas em Educação.” (ibid., p.55). A autora ainda alerta sobre os riscos
98
de formularmos perguntas que podem simplesmente repetir o que foi feito. Talvez
esse risco ainda seja maior para os pesquisadores que investigam o seu próprio
campo de trabalho.
Depois de várias experiências de orientação a licenciandos, em suas
primeiras práticas docentes, provocando-os, antes e ao final, a refletir sobre o que
significa ensinar e aprender, avaliando-os e desafiando-os a se autossuperar,
cheguei a pensar que faltaria entender melhor como eles pensam, ou seja, como
eles “amarram” o conhecimento às suas experiências anteriores, construindo suas
próprias concepções sobre educação, ensino, aprendizagem, etc. e, principalmente,
como eles se tornam professores. Em síntese, estava interessada em investigar
como se a construção da identidade do professor de matemática durante sua
fase de formação inicial. Nesse sentido, bastaria “dar voz” aos meus alunos,
deixando-os falar espontaneamente ou propondo questionamentos que estivessem
adequados aos objetivos da investigação e, acima de tudo, teria de aprender a ouvi-
los.
Segundo voa (1998), os professores estão integrados a uma cultura
profissional impregnada de normas, valores e princípios de ação (e penso que os
licenciandos também) que os homogeneíza. No entanto, Nóvoa prefere tratar a
questão da identidade do professor pelo lado da diversidade sem perder de vista a
vida de cada professor. Ele enfatiza que:
A forma como cada um de nós constrói a sua identidade profissional define
modos distintos de ser professor, marcados pela definição de ideais
educativos próprios, pela adoção de métodos e práticas que colam melhor
com a nossa maneira de ser, pela escolha de estilos pessoais de reflexão
sobre a ação. É por isso que, em vez de identidade, prefiro falar de
processo identitário, um processo único e complexo graças ao qual cada um
de nós se apropria do sentido da sua história pessoal e profissional.
(NÓVOA, 1998, p.28).
O processo de investigação, então, evocaria estratégias que possibilitassem a
uma pessoa apropriar-se do sentido da sua história pessoal e profissional. E quais
seriam essas estratégias? Pensamento reflexivo, tomada de consciência, busca de
significados, entre outras. Estratégias viáveis, sim, que representam a base de
muitos projetos de pesquisa no campo da educação e que constituem ações
marcantes na história das ciências sociais.
99
A perspectiva parecia fascinante. Mas, durante a fase de aprofundamento
teórico que antecedeu à produção do projeto, algumas dúvidas se insinuaram mais
claramente. Pesquisar a identidade do professor, ou o processo identitário, como
fazer isso? Que identidade é essa? Estaria buscando as representações de
educação, ensino, aprendizagem, matemática expressas individualmente pelos
licenciandos/as? Representações que poderiam “revelar” uma convergência para
uma identidade comum? Não, com certeza, eu iria buscar as diferenças, a
comprovação de que as identidades não são unificadas. Mas, de que forma essas
representações expressariam a identidade do meu aluno? E, como seriam
entendidas essas representações? Como projeções, na consciência humana, de
fenômenos que ocorreram no mundo externo? Como definidora do modo de ser das
coisas e do conhecimento? Como expressão de uma realidade que está além e fora
da própria linguagem e dos signos? Ou, simplesmente, como uma construção
linguística e discursiva, constituidora da própria realidade?
Mas esse não era o único caminho possível. Lendo Charlot, vislumbrei a
possibilidade de investigar as relações que meus alunos estabelecem com o saber.
Poderia me deter, especificamente, na relação que cada um estabelece com o saber
pedagógico, ou melhor, com os saberes diretamente relacionados com a prática do
professor. Caberia perguntar quais conteúdos e conceitos são relevantes nesta
formação e que sentido, que ecos, despertam no aluno. Seria inevitável analisar os
espaços e atividades normatizados a que estaria submetido o aluno, pois é através
deles que poderia ocorrer sua formação específica. E, apesar de ser a Universidade
o palco da pesquisa, não poderia perder de vista toda bagagem de teorias e
experiências que fazem parte de sua história pessoal.
Charlot (2001) diz que: “Entrar em um saber é entrar em certas formas de
relação com o saber, em certas formas de relação com o mundo, com os outros e
consigo mesmo. existe saber em uma certa relação com o saber.” (ibid., p.21).
Essa afirmação abre amplos espaços para a investigação do que se supõe ser o
caminho para a apropriação de um saber e do como seria essa apropriação.
Tendo em vista o contexto da pesquisa, tratar-se-ia de tomar como foco as
primeiras experiências de prática de ensino realizadas pelos licenciandos,
acompanhadas das interrogações: Por que agem desta ou daquela maneira, quando
realizam suas práticas? Que saberes mobilizam durante a ação pedagógica? De que
100
forma e a partir de que fontes, ocorre essa mobilização? Questões entrelaçadas
umas às outras, que poderiam ser orientadas pela definição: investigar as formas
como meus alunos estabelecem suas relações com o saber, implica a análise das
relações que eles estabelecem consigo mesmos, com os outros (incluindo colegas,
alunos e orientadora), com as instituições de ensino, com o conhecimento
pedagógico e com a própria matemática.
Esta orientação fundamenta-se na definição explicitada por Charlot:
[...] a relação com o saber é o conjunto das relações que um sujeito mantém
com um objeto, um conteúdo de pensamento”, uma atividade, uma relação
interpessoal, um lugar, uma pessoa, uma situação, uma ocasião, uma
obrigação, etc., ligados de uma certa maneira com o aprender e o saber; e,
por isso mesmo, é também relação com a linguagem, relação com o tempo,
relação com a ação no mundo e sobre o mundo, relação com os outros e
relação consigo mesmo enquanto mais ou menos capaz de aprender tal
coisa, em tal situação. (CHARLOT, 2000, p.81).
Apoiada nessa perspectiva teórica seria imprescindível considerar, para fins
de análise, aspectos psicológicos como motivação, desejo, vontade de aprender;
didáticos, que contemplariam as condições de transmissão de um saber e as
condições de aprendizagem do mesmo; e sociológicos, pois envolveria o que
Charlot denomina relações de saber, ou seja, a pressuposição de que a A relação
com o saber se constrói em relações sociais de saber.” (ibid., p.86).
As alternativas para colocação do problema não se restringem as duas
citadas. Várias outras formas foram pensadas, vários enunciados foram formulados;
contudo a tentativa de retomá-los não traria novos acréscimos, visto a convergência
teórica que começa a se evidenciar.
4.4 A OPÇÃO PELA PERSPECTIVA FOUCAULTIANA
Gostaria de ter atrás de mim [...] uma voz
que dissesse: “É preciso continuar, eu não
posso continuar, é preciso continuar, é
preciso pronunciar palavras enquanto as há,
é preciso dizê-las até que elas me
encontrem, até que me digam – estranho
castigo, estranha falta, é preciso continuar
[...]”. (FOUCAULT, 2006a, p.6).
101
À medida que fui permeando a obra de Foucault, experimentei profundas
sensações de insegurança e inconsistência teóricas. não conseguia expressar
minhas ideias usando a linguagem que me era familiar e tampouco usando a
linguagem peculiar ao paradigma gerado, ou pelo menos, inspirado por essa obra.
Tal situação evoca a lembrança de uma experiência vivida durante meu mestrado
em Rio Claro, quando fui aluna do professor Mario Tourasse Teixeira. No primeiro
dia de aula, ao iniciarmos a disciplina de Geometria, ele nos disse algo assim:
“vocês podem falar o que quiserem, não vale dizer chavões”. Durante um tempo
bem razoável, todos nós (alunos daquela turma) não dizíamos nada, ou quase nada.
Senti, particularmente, um enorme bloqueio para me expressar. Antes de falar algo,
revisitava mentalmente todo o texto para confirmar se não havia algum chavão. Em
função disso, não tinha mais clareza se uma determinada ideia era minha ou se
era de senso comum, repetida e vulgarizada. Agora, estudando e me apropriando
da linguagem própria à teoria foucaultiana, tenho passado por situações muito
semelhantes. Talvez isso ocorra, inclusive, porque toda linguagem, depois que a
gente se apropria dela, torna-se chavão. A questão é que não saberia dizer, neste
momento, se minhas ideias mudaram. No entanto, com certeza, venho mudando a
maneira de expressá-las. Da mesma forma, acredito que após a produção deste
texto, ele próprio poderá me dizer mais coisas e/ou coisas diferentes daquilo que
penso estar dizendo.
Retomo as “primeiras tentativas de colocação do problema” para esclarecer
que optei por abandonar a intenção de interpretar os primeiros passos do meu aluno
no processo de construção de sua “identidade profissional”; abandonei igualmente a
intenção de investigar as “relações com o saber” que ele estabelece consigo mesmo
e com o mundo, durante sua fase de formação inicial. Assim agindo, desviei-me da
busca de identidades únicas, individuais, que expressassem a essência, o “eu”
interior de cada aluno, ou, contrariamente, uma identidade coletiva, que
representasse de forma totalitária o professor de matemática. Também me desviei
de colocar em destaque os aspectos psicológicos e subjetivos (no sentido de buscar
origens e causas para determinados fatos) que seriam inevitáveis na perspectiva
das “relações com o saber”. Acrescento, no entanto, que essas ênfases não foram
tão radicalmente excluídas durante a fase de realização da pesquisa. Foi impossível
não considerar durante a análise dos dados as “relações com o saber” que
102
apareceram “explícitas” nos próprios discursos meus e dos alunos; tampouco pude
abandonar o conceito de identidade, tão fortemente evocado nos discursos
educacionais. Mas, retomando a questão da formalização do problema, posso dizer
que os pressupostos apontados foram outros e que os termos do enunciado
tornaram-se objetivamente diferentes.
Partindo do pressuposto de que, no espaço dos Laboratórios, desenvolvem-
se práticas discursivas relevantes para produção do futuro professor de matemática,
explicitei, no projeto de pesquisa defendido acerca de dois anos, minha intenção de
investigar as novas ou diferentes maneiras de “ser professor”, ou melhor, de “estar
professor”, que vêm se constituindo neste espaço e, principalmente, a compreensão
de como os discursos constituem esses modo de ser/estar professor.
O problema a ser investigado comportava, portanto, duas perguntas
relevantes para o alcance do objetivo explicitado.
De que maneira os discursos que emergem no espaço do Laboratório de
Prática de Ensino em Matemática constituem os diferentes modos de
“ser/estar professor” dos licenciandos?
Quais efeitos de poder e verdade constituem-se, através das práticas de
ensino, no espaço do Laboratório de Prática de Ensino?
Posteriormente, refletindo sobre um dos pareceres emitidos pela banca
examinadora do projeto, entendi que a pesquisa poderia enfatizar a relação entre
poder e saber que ocorre no âmbito dos Laboratórios e, desta forma, os dois
problemas seriam condensados em um só:
De que maneira os efeitos de poder e verdade dos discursos que
emergem no espaço do Laboratório de Prática de Ensino-Aprendizagem em
Matemática constituem os diferentes modos de ser/estar professor de
matemática?
Mas também poderia enfatizar a relação do sujeito consigo mesmo, de forma
que uma segunda questão surgiu como possibilidade:
103
Em que práticas do Laboratório de Prática de Ensino-Aprendizagem de
Matemática os alunos e a professora orientadora são objetivados de modo a se
perceberem, se reconhecerem e se dizerem professores de matemática?
No entanto, o mesmo parecer já mencionado também sugere que as análises
das relações de poder possam ser feitas baseadas nos conceitos de governo e
governamentalidade. Nesse sentido, o saber e o poder não seriam apenas
entendidos como efeitos das práticas discursivas, mas seriam redimensionados em
relação ao sujeito (licenciando). Tal perspectiva orienta a pesquisa para uma análise
filosófico-histórica das práticas de subjetivação. Seguindo por esta via, optei por
centralizar a investigação nos dispositivos
23
que operam no interior dos Laboratórios.
Assim, a pergunta de pesquisa ficou:
Quais dispositivos operam no espaço do Laboratório de Prática de
Ensino-Aprendizagem de Matemática (e de que forma operam), de modo a
constituir e a fazer dizer o ser/estar professor de matemática, dos licenciandos
e da professora orientadora?
23
“1) O dispositivo é a rede de relações que podem ser estabelecidas entre elementos heterogêneos:
discursos, instituições, arquitetura, regramento, leis, medidas administrativas, enunciados científicos,
proposições filosóficas, morais, filantrópicas, o dito e o não dito. 2) O dispositivo estabelece a
natureza do nexo que pode existir entre esses elementos heterogêneos.” (CASTRO, 2009, p.124).
104
5 DA ORGANIZAÇÃO DE MINHA CAIXA DE FERRAMENTAS
O contexto acadêmico atual tem se mostrado muito abrangente em relação ao
papel e à posição que uma teoria ocupa na produção de uma pesquisa. Os
paradigmas da modernidade demarcaram a Teoria como um edifício rígido,
resistente, capaz de dar as bases e os fundamentos para se proceder às
investigações. No entanto, os modos de pensar, de dizer e de fazer as coisas, nos
dias de hoje, não suportam mais o enquadramento em uma teoria inflexível. Poderia
também ser dito que, tendo como referência o pensamento pós-moderno, é natural a
negação de explicações totalizantes e universais. Mas, ainda é possível ser mais
contundente quanto a essa questão, assumindo que:
Uma teoria é exatamente como uma caixa de ferramentas. Nada a ver com
o significante... É preciso que isso sirva, é preciso que isso funcione. E não
para si mesmo. Se não há pessoas para dela se servirem, a começar pelo
próprio teórico que cessa então de ser teórico, é porque ela o vale nada,
ou porque o momento ainda não chegou. (DELEUZE
24
, 2006, p.39).
O status, conquistado pelos intelectuais, de donos da verdade, de retentores
do saber, encontra-se muito abalado. Outros discursos, outros saberes são
produzidos e são suficientes para que as pessoas se movimentem e resolvam suas
coisas, mesmo que esses saberes sejam barrados por certas instâncias de poder.
Como afirma Foucault, não é mais papel do intelectual “[...] dizer a verdade muda de
todos; é antes o de lutar contra as formas de poder ali onde ele é, ao mesmo tempo,
o objeto e o instrumento disso: na ordem do ‘saber’, da ‘verdade’, da ‘consciência’,
do ‘discurso’.” (FOUCAULT, 2006d, p.39). Assim, ao contrário de propor uma
sistemática que coloca tudo no seu devido lugar, o papel da teoria é o de analisar os
mecanismos de poder, buscando os elos de ligação e as extensões atingidas por
tais mecanismos. (id., 2006e).
Esclareço, portanto, que foi a partir do entendimento de que a teoria serve
como uma caixa de ferramentas ao pesquisador, que escolhi fundamentar esta tese
24
Texto extraído de: Os Intelectuais e o Poder entrevista com G. Deleuze; 4 de março de 1972. In:
FOUCAULT, Michel. Estratégia, poder-saber. Ditos e Escritos IV.
105
na teoria foucaultiana. O próprio Foucault sempre demonstrou desagrado às
tentativas de enquadramento da sua obra na perspectiva de uma Teoria sistemática
e totalitária. Quanto à perspectiva da caixa de ferramentas o autor explica:
- que se trata de construir não um sistema, mas um instrumento: uma lógica
própria às relações de poder e às lutas que se engajam em torno deles;
- que essa pesquisa pode se fazer aos poucos, a partir de uma reflexão
(necessariamente histórica em algumas de suas dimensões) sobre
situações dadas. (FOUCAULT, 2006e, p.251).
Também considero elucidativo um dialogo estabelecido entre um estudante e
Foucault, em 1978:
Estudante: O senhor deu a entender que a tarefa do intelectual, hoje, era a
de elaborar ferramentas e técnicas de análise, compreender os diferentes
modos segundo os quais o poder se manifesta. [...] O senhor não pode
antecipar o uso que se poderia fazer de suas ferramentas e de suas
análises? O senhor pensa em alguns modos de utilização que não
aprovaria? (FOUCAULT, 2006b, p.264-265).
Foucault: Não, não posso antecipar nada. O que posso dizer é que acho
que devemos ser muito modestos no que concerne ao eventual uso político
do que dizemos e fazemos. [...] não podemos saber, de modo certo, se o
que dizemos é revolucionário ou não. Esta, creio eu, é a primeira coisa que
devemos reconhecer. [no entanto] Qualquer um que tente fazer qualquer
coisa elaborar uma análise, por exemplo, ou formular uma teoria deve
ter uma idéia clara da maneira como ele quer que sua análise ou sua teoria
sejam utilizadas [...] Não se podem fabricar ferramentas para o importa o
quê; é preciso fabricá-las para um fim preciso, mas saber que serão, talvez,
ferramentas para outros fins. (ibid., p.265-266).
Para encerrar esta pequena introdução do capítulo, ainda destaco:
O ideal não é fabricar ferramentas, mas construir bombas, porque, uma vez
utilizadas as bombas que construímos, ninguém mais poderá se servir
delas. E devo acrescentar que meu sonho, meu sonho pessoal, não é
exatamente o de construir bombas, pois não gosto de matar pessoas. Mas
gostaria de escrever livros-bombas, quer dizer, livros que sejam úteis
precisamente no momento em que alguém os escreve ou os lê. [...] Depois
da explosão, se poderia lembrar às pessoas que esses livros produziram
um belíssimo fogo de artifício. Mais tarde, os historiadores e outros
especialistas poderiam dizer que tal ou tal livro foi tão útil quanto uma
bomba, e tão belo quanto um fogo de artifício. (FOUCAULT, 2006b, p.266).
106
5.1 TEORIA DE MICHEL FOUCAULT: RECORTANDO CONCEITOS
Os conceitos não nos esperam inteiramente
feitos, como corpos celestes. Não há céu
para os conceitos. Eles devem ser
inventados, fabricados ou antes criados, e
não seriam nada sem a assinatura daqueles
que os criam. [...] e é dos conceitos que o
filósofo deve desconfiar mais, desde que ele
mesmo não os criou [...] (DELEUZE, Guilles
e GUATTARI, Félix, 1997, p.13-14).
Deleuze e Guattari, ao expressarem tal pensamento fazem referência ao que
Nietzsche dissera sobre o mesmo tema, ou seja, os autores reforçam o discurso do
filósofo, relativo à criação de conceitos. Sem dúvida, um pensamento pouco
confortável para pesquisadores que buscam nos conceitos de uma teoria seu “porto
seguro”.
A teoria foucaultiana, a meu ver, não apresenta conceitos simples e
facilitadores, além de banir muitos bastante naturalizados no meio acadêmico;
como, por exemplo, os de “natureza humana” e “história da Humanidade”, conforme
destaca Veiga-Neto (2007). Além disso, como alerta Veiga-Neto (2007, p.19), para
uma utilização do referencial teórico foucaultiano “[...] não devemos partir de
conceitos, nem devemos nos preocupar em chegar a conceitos estáveis e seguros
em nossas pesquisas, já que acreditar que eles tenham tais propriedades é acreditar
que a própria linguagem possa ser estável e segura [...]. Como sugestão, o autor
propõe que perguntemos e examinemos a respeito do modo como as coisas
funcionam, sempre pensando que elas possam funcionar de outra forma.
Ainda assim, desenvolvo esta seção para elucidar “conceitos foucaultianos”,
mas dentro do entendimento de que tais conceitos são criações assinadas por
Foucault, que estão à disposição para serem recortados, não por fora, mantendo-os
intactos, mas por dentro, por dissecamento, para que possam me servir na produção
deste trabalho de pesquisa, mas, se isso não for possível agora, que fiquem
guardados nas próximas páginas, “à mão” para situações futuras.
107
1. Começo por explicar o significado da expressão práticas discursivas,
devido à relevância e à recorrência da mesma. Essas práticas não se referem à
atividade de um sujeito nem à competência do mesmo para expressar uma ideia,
tampouco equivalem ao “discurso”. A expressão é utilizada para enfatizar a
existência de regras a que está submetido o sujeito, quando emite um discurso
(VEIGA-NETO, 2007). Em Foucault, “prática discursiva” é apresentada como “[...] um
conjunto de regras anônimas, históricas, sempre determinadas no tempo e no
espaço, que definiram, em uma dada época e para uma determinada área social,
econômica, geográfica ou lingüística, as condições de exercício da função
enunciativa.” (FOUCAULT, 1986, p.136). Ou ainda:
As práticas discursivas caracterizam-se pelo recorte de um campo de
projetos, pela definição de uma perspectiva legítima para o sujeito de
conhecimento, pela fixação de normas para a elaboração de conceitos e
teorias. Cada uma delas supõe, então, um jogo de prescrições que
determinam exclusões e escolhas. (FOUCAULT, 1997, p.11).
Da exposição apresentada emerge outra vida. O que Foucault entende por
discurso? Para responder, recorro às suas próprias palavras: “[...] discurso é
constituído por um conjunto de sequências de signos, enquanto enunciados, isto é,
enquanto lhes podemos atribuir modalidades particulares de existência.”
(FOUCAULT, 1986, p.124). Observo que essa definição também invoca uma
investigação sobre o significado de enunciado, sobre o qual destaco:
[...] não é, pois, uma unidade elementar que viria somar-se ou misturar-se
às unidades descritas pela gramática ou pela gica. Não pode ser isolado
como uma frase, uma proposição ou um ato de formulação. Descrever um
enunciado (...) significa (...) definir as condições nas quais se realizou a
função que deu a uma série de signos (...) uma existência, e uma existência
específica. (FOUCAULT, 1986, p.125).
2. Aproveito para explicitar o conceito de práticas que inclui o de práticas
discursivas e amplia para novos campos conceituais.
Foucault atribui às investigações acerca das práticas que nos constituem
historicamente três características que definem e delimitam o que ele entende por
práticas. (CASTRO, 2009). A primeira: “homogeneidade”, indica que as
investigações ocupam-se daquilo que os homens fazem e da maneira em que o
108
fazem “[...] mais precisamente ainda, de ‘as formas de racionalidade que organizam
as maneiras de fazer’.” (ibid., p.337). A segunda: “sistematicidade”, indica que as
investigações consideram o domínio das práticas, sistematicamente, ou seja,
atendendo, em termos de suas especificidades e de seus entrelaçamentos, “[...] o
eixo do saber (as práticas discursivas), do poder (as relações com os outros) e da
ética (as relações do sujeito consigo mesmo) [...]” (ibid., p.337). A terceira:
“generalidade”, refere-se ao caráter recorrente das práticas investigadas.
Castro (2009) sintetiza essas três características, dizendo que as “práticas”
são entendidas por Foucault como “[...] a racionalidade ou a regularidade que
organiza o que os homens fazem [...], que têm um caráter sistemático (saber, poder,
ética) e geral (recorrente) e, por isso, constituem uma “experiência” ou um
“pensamento”. (p.338).
Experiência Foucault (1994, p.10) define como sendo “[...] a correlação,
numa cultura, entre campos de saber, tipos de normatividade e formas de
subjetividade.” e pensamento Foucault entende como “[...] o que instaura, em
diferentes formas possíveis, o jogo do verdadeiro e do falso e que, por
consequência, constitui o ser humano como sujeito do conhecimento [...]”
(FOUCAULT, 1994, apud CASTRO, 2009, p.338).
3. Dispositivo é um conceito que se impõe aqui, ligado ao de práticas,
precisamente porque ele surge na teoria de Foucault “[...] ante a necessidade de
incluir as práticas não discursivas (as relações de poder) entre as condições de
possibilidade da formação dos saberes.” (CASTRO, 2009, p.337). Os dispositivos,
portanto, “[...] integram as práticas discursivas e as práticas não discursivas.” (ibid.,
p.337).
Aproveito para retomar a definição de dispositivo apresentada no capítulo 2:
“1) O dispositivo é a rede de relações que podem ser estabelecidas entre
elementos heterogêneos: discursos, instituições, arquitetura, regramento,
leis, medidas administrativas, enunciados científicos, proposições
filosóficas, morais, filantrópicas, o dito e o não dito. 2) O dispositivo
estabelece a natureza do nexo que pode existir entre esses elementos
heterogêneos.” (CASTRO, 2009, p.124).
109
O dispositivo é o objeto da descrição genealógica, portanto entra na análise
do poder, descrevendo as mudanças em si mesmas e analisando a relação entre o
discursivo e o não discursivo. (CASTRO, 2009).
Inevitavelmente, sinto a necessidade de buscar uma definição de genealogia
e acabo por escolher várias frases que a traduzem, mas, talvez, não a definam:
Veiga-Neto (2007) diz ter ido ao encontro de palavras do próprio Foucault
para dizer que “[...] a genealogia é uma ‘atividade’, uma ‘maneira de entender’, um
‘modo de ver as coisas’ ou uma ‘perspectiva de trabalho’.” (p.64).
Na genealogia, assim como na arqueologia, os discursos “[...] são lidos e
analisados, mas isso é feito [na genealogia] de modo a mantê-los em constante
tensão com práticas de poder.” (ibid., p.59).
Aproveitando a referência, destaco que arqueologia “[...] designa o tema
geral de uma descrição que interroga o já-dito no nível de sua existência: da função
enunciativa que nele se exerce, da formação discursiva a que pertence, do sistema
geral de arquivo de que faz parte.” (FOUCAULT, 1986, p.151).
Para entender o conceito de arquivo, por outro lado, é preciso considerar, na
densidade das práticas discursivas, a existência de sistemas de enunciados,
entendidos como acontecimentos, de onde se extrai as condições e o domínio de
aparecimento, e como coisas, dada sua possibilidade e seu campo de utilização.
Esses sistemas de enunciados, Foucault chama de arquivo. (FOUCAULT, 1986,
p.148).
Retomando o conceito de genealogia, encerro com a ideia de que a mesma
“[...] o se propõe a fazer uma outra interpretação mas, sim, uma descrição da
história das muitas interpretações que nos são contadas e que nos têm sido
impostas.” (VEIGA-NETO, 2007, p.60). Muitas outras ideias poderiam ser
acrescentadas, mas, como diz Castro (2009), para uma maior compreensão deste
conceito seria preciso detalhar a concepção de Foucault acerca de poder e de
governo.
4. Foucault expressa em vários lugares de sua obra que seu objeto de
interesse, de pesquisa, sempre foi a ligação entre o saber e o poder, indicando que,
à medida que somos submetidos a discursos, a modelos, é preciso que nos
perguntemos sobre esses efeitos de poder. Assim, o essencial de sua obra, segundo
110
suas próprias palavras, foi investigar a “[...] história dos mecanismos de poder e da
maneira como eles se engrenaram.” (FOUCAULT, 2006f, p.227). Uma definição de
poder talvez não seja possível, neste momento, dada a amplitude do tema, por isso
me restrinjo a duas observações.
A primeira consiste em elucidar as perguntas, sugeridas por Foucault quando
se investiga como funciona o poder:
[...] a) que sistemas de diferenciação permitem que uns atuem sobre outros
[...] b) que objetivos se perseguem [...] c) que modalidades instrumentais se
utilizam [...] d) que formas de institucionalização estão implicadas [...] e) que
tipo de racionalidade está em jogo [...] (CASTRO, 2009, p.326).
Abri aqui um espaço para dizer que racionalidade é “[...] o modo der ser do
pensamento, para resolver os problemas sociais em determinada época histórica.”
(TRAVERSINI; BELLO, 2009, p.150).
A segunda observação contradiz uma opinião relativamente comum de que o
poder é alguma coisa negativa.
O que faz com que o poder se mantenha e que seja aceito é simplesmente
que ele não pesa como uma força que diz não, mas que de fato ele
permeia, produz coisas, induz ao prazer, forma saber, produz discurso.
Deve-se considerá-lo como uma rede produtiva que atravessa todo o corpo
social muito mais do que uma instância negativa que tem por função
reprimir. (FOUCAULT, 1998, p. 8).
Por saber, Foucault entende “[...] o conjunto dos elementos (objetos, tipos de
formulação, conceitos e escolhas teóricas) formado a partir de uma única e mesma
positividade, no campo de uma formação discursiva unitária.” (FOUCAULT, 1994
apud CASTRO, 2009, p.394), e por positividade, “[...] o regime discursivo ao qual
pertencem as condições de exercício da função enunciativa.” (CASTRO, 2009, 336).
5. Um conceito de grande relevância para esta pesquisa é o de governo.
Escolho duas citações para explicá-lo:
[...] forma de atividade que tem por objetivo moldar, guiar ou afetar a
conduta de alguma pessoa ou de grupos de pessoas, incluindo o governo
de si próprio. [...] A pedagogia enquanto discurso e tecnologia está
implicada no governo da subjetividade. (GARCIA, 2002, p.23-24).
Pode-se dizer que o governo é uma arte de jogar. Como arte, o governo
inventa, molda, esculpe e fabrica seus objetos a seu modo. Como arte de
111
jogar, o governo faz com seus sujeitos acreditem que são e continuarão
sendo sujeitos de suas próprias ações. Como jogo, o governo não consente,
nem coage, não liberta, nem domina. Mas, fica nos interstícios do consenso
e da coerção, da liberdade e da dominação. (BAMPI, 2003, p.10).
É importante reforçar que o poder é um tipo particular de relações entre os
homens, de modo que uns podem determinar a conduta de outros, no entanto, o
poder não age de maneira coercitiva, esse seria o caso de uma dominação, de uma
violência. Assim, a liberdade do indivíduo é mantida, por mais limitada que seja, e o
poder, por sua vez, pode sujeitá-lo ao governo.
Pode-se, também, pensar em termos de governamento, “[...] tomado no
sentido de ‘dirigir as condutas’ de indivíduos ou pequenos grupos humanos [...]”
(VEIGA-NETO, 2007, p.123) ou em termos da governamentalidade, o que abre
novas possibilidades para a análise do presente. Foucault descreve esse último
termo como:
[...] conjunto constituído pelas instituições, procedimentos, análises e
reflexões, cálculos e táticas que permitem exercer essa forma bem
específica, bem complexa, de poder, que tem como alvo principal a
população, como forma mais importante de saber, a economia política,
como instrumento técnico essencial, os dispositivos de segurança.
(FOUCAULT, 2006g, p. 303).
6. As representações, em Foucault, são entendidas como construções
linguísticas e discursivas, constituidoras da própria realidade.
Contrariando a concepção de que o sujeito “[...] cria suas próprias
representações das coisas e elabora todo um sistema correlativo de noções que
capta e fixa o aspecto fenomênico da realidade.” (KOSIK, 1976, p.10), a posição
foucaultiana é de que “[...] não existe uma realidade para além e fora da linguagem e
dos signos de que a linguagem é formada.” (SILVA, 1993, p.127). o existe algo
oculto ou por trás da representação, algo que possa conduzir a uma essência ou à
“coisa em si”. O que existe é um vazio essencial e “[...] a representação pode se dar
como pura representação [...] (FOUCAULT, 1985, p.31).
Como consequência desta premissa, a suposição de que se possa
reconhecer a “verdade” por detrás da ideologia cai por terra: “Todos os discursos
constroem a realidade, instauram a verdade, instituem “regimes de verdade”, têm
efeitos de verdade.” (SILVA, 1993, p.127).
112
7. A verdade não existe sem o poder ou fora do poder. Ela está “[...]
circularmente ligada a sistemas de poder, que a produzem e apoiam, e a efeitos de
poder que ela induz e que a reproduzem. “Regime” da verdade.” (Foucault, 1998,
p.14).
Cada sociedade tem seu regime de verdade, sua ‘política geral’ de verdade:
isto é, os tipos de discurso que ela acolhe e faz funcionar como verdadeiros;
os mecanismos e as instâncias que permitem distinguir os enunciados
verdadeiros dos falsos, a maneira como se sanciona uns e outros; as
técnicas e os procedimentos que são valorizados para a obtenção da
verdade; o estatuto que têm o encargo de dizer o que funciona como
verdadeiro. (FOUCAULT, 1998, p.12).
8. Falar em subjetividade pressupõe “[...] pensar o sujeito como um objeto
historicamente constituído sobre a base de determinações que lhe são exteriores.”
(REVEL, 2005, p84). fiz referência a esse foco teórico quando destaquei algumas
perguntas formuladas pelo próprio Foucault, entre elas: “[...] como um sujeito foi
estabelecido, em diferentes momentos e em diferentes contextos institucionais,
como objeto de conhecimento possível, desejável ou até mesmo indispensável?”
(FOUCAULT, 1997, p.109).
Pensando, por outro lado, nos múltiplos processos que produzem certas
formas de subjetividade, ou melhor, certos modos de existência, chegamos ao
conceito de subjetivação. Ou seja, a subjetivação:
[...] dá-se antes por um conjunto de regras facultativas que são oferecidas
como modelos, por um conjunto de práticas, técnicas e exercícios nos quais
o indivíduo oferece-se a si próprio como objeto de conhecimento e cuidado
a fim de transformar o seu próprio modo de ser e conduzir-se. [...] é, em
síntese, um processo prático que fornece os vocabulários e os meios pelos
quais os indivíduos podem se narrar e se conduzir a si mesmos segundo
certas normas. (GARCIA, 2002, p.28-29).
9. O sujeito se constitui não “[...] sobre o fundo de uma identidade psicológica,
mas por meio de práticas que podem ser de poder ou de conhecimento, ou ainda
por técnicas de si.” (REVEL, 2005, p.85).
As técnicas de si ou tecnologias do eu implicam “[...] a reflexão sobre os
modos de vida, sobre a eleição da existência, sobre a maneira de regular a conduta,
113
de fixar para si mesmo os fins e os meios.” (FOUCAULT, 1994 apud CASTRO, 2009,
p.413).
A ética é um dos conceitos essenciais de Foucault e compreende essas
relações do sujeito consigo mesmo. “O termo ética refere-se a todo [...] domínio da
constituição de si mesmo como sujeito moral.” (CASTRO, 2009, 156). E a moral, por
sua vez, comporta os códigos de comportamento e as formas de subjetivação.
(FOUCAULT, 1994).
10. Por último, gostaria de assinalar o “novo conceito de liberdade” que surge
nesta teoria. Para Foucault, liberdade é a capacidade que temos de alterar o
processo de subjetivação a que somos submetidos, mudando as práticas discursivas
em que somos constituídos. É a possibilidade de exercitarmos a atitude-limite na
direção dessa mudança. Entenda-se “atitude-limite” como a atitude “[...] de se
colocar sempre nas fronteiras para tentar ultrapassá-las, ir adiante dos limites que
elas parecem impor a nós.” (VEIGA-NETO, 2007, p.27).
No sentido de esclarecer a ideia de atitude-limite, desta vez no
estabelecimento de uma relação com o que foi discutido no final da seção 3.3,
relativo à crítica moderna, trago mais uma citação:
De acordo com Foucault, o fio que pode nos reatar a essa interrogação
crítica que se enraíza na modernidade e que problematiza de uma só vez a
relação ao presente, o modo de ser histórico e a constituição de si mesmo
como sujeito autônomo, não é a fidelidade a uma doutrina, é sobretudo a
reativação permanente de uma atitude. Essa atitude, o filósofo caracterizou
como uma atitude-limite, onde é necessário estar nas fronteiras. Ela
libertará, da contingência que nos fez ser o que nós somos, a possibilidade
de não mais ser, fazer ou pensar o que nós somos, fazemos e pensamos.
Ela procura relançar tão longe e tão abrangente quanto possível o trabalho
indefinido da liberdade. (MARTINS, 2009, p.60).
5.2 EXPERIÊNCIA: UM CONCEITO A SER REFINADO
A nossa sala de agora também será assim no
mundo vindouro; onde hoje dormem nossas
crianças, também dormirão no mundo
vindouro. O que neste mundo trazemos sobre
o corpo, também vestiremos no mundo
vindouro. Tudo será como é aqui – só um
114
pouquinho diferente. Assim pensa a fantasia.
É apenas um u que ela estende até a
distância. Tudo podia ficar como estava, mas
o véu flutua, e imperceptivelmente sob ele
tudo se desloca. (BENJAMIN, 1987, p.258).
É sobre esse imperceptível flutuar do véu que pretendo falar nesta seção. E
sob o véu tudo se desloca! A sala não estará como antes, nem nossas roupas, nem
mesmo nossas crianças. É assim que quero tratar a experiência, como algo que se
desloca sob o véu, no qual nada permanece estático, nada pode ser previsto; no
qual, como diz Larrosa (2003), se pode escutar o não dito, ler o não lido e ir além de
si mesmo. Essa experiência pressupõe uma consciência contrária à “consciência
solidamente instalada” indicada por Skliar (2003, p. 215), “[...] segundo a qual se os
outros fossem, ou fizessem ou pensassem, como nós queremos... o mundo seria
melhor [...] uma prática que, como Nietzsche nos ensinou, é própria de homens
pequenos...”.
A questão da possibilidade ou impossibilidade da experiência atinge
patamares ainda mais complexos e Larrosa (2002) analisa alguns fatores que
concorrem para tal. Dentre eles, destaco que a experiência é cada vez mais rara por
falta de tempo e por excesso de opinião. A questão do tempo, apresentada pelo
autor, converge com a exposição feita na seção 2.1. Em relação ao fator “opinião”,
Larrosa destaca que o sujeito moderno é “[...] fabricado e manipulado pelos aparatos
da informação e da opinião, um sujeito incapaz de experiência.” (id., 2002, p.22).
Refere-se, inclusive, a essa fabricação como o dispositivo do saber e da
aprendizagem, obviamente o dispositivo que impede a experiência. Penso que seja
relevante destacar as próprias palavras de Larrosa(2002):
Em nossa arrogância, passamos a vida opinando sobre qualquer coisa
sobre que nos sentimos informados. E se alguém não tem opinião, se o
tem uma posição própria sobre o que se passa, se não tem um julgamento
preparado sobre qualquer coisa que se lhe apresente, sente-se em falso,
como se lhe faltasse algo essencial. E pensa que tem de ter uma opinião.
Depois da informação, vem a opinião. No entanto, a obsessão pela opinião
também anula nossas possibilidades de experiência, também faz com que
nada nos aconteça. (ibid., p.22).
Lembrando também o que disse Foucault acerca da sociedade panóptica em
que vivemos, com suas estruturas de vigilância e de disciplinamento marcantes, na
115
qual acabamos aprisionados a algumas concepções de nós mesmos, fica muito
difícil falar em experiência. A não ser, é claro, que nos unamos ao próprio pensador
citado, na investigação e na exposição dos sistemas que nos aprisionam.
Não posso deixar de aproveitar o espaço desta seção para falar do professor
Foucault. Ele próprio tratou sua prática docente como uma experiência e, ao tentar
defini-la, assim o fez: “Eu me considero mais como um artesão fabricando um objeto
e oferecendo-o à consumação do que como um mestre fazendo trabalhar seus
escravos.” (FOUCAULT, 2006h, p.23). Assim expressou, depois de comparar
aulas/conferências, onde ele situa seu trabalho, com aulas/ seminários. Preparar
uma conferência, para Foucault, é como fabricar um sapato: trabalho e revela
certa forma e certo conteúdo de saber; depois disso é preciso mostrá-lo ao público,
que terá liberdade de usá-lo da forma que quiser. em uma aula/seminário o
envolvimento dos alunos é bem maior; formam-se grupos de trabalho, discutem-se
as idéias do professor e ocorre a experimentação de métodos. Foucault questiona
se o nível de deformação a que são submetidos os estudantes, nesse segundo
caso, não seria bem maior que no caso das conferências, mas explica também em
que dimensão ele entende essa última.
Não quero defender a conferência a qualquer preço, mas me pergunto se
ela não tem, para dizer a verdade, uma espécie de honestidade bruta,
desde que ela precise o que ela é: o a proclamação de uma verdade,
mas a apresentação, em estágio experimental, de um trabalho que tem
suas hipóteses, seus métodos, deixando assim o campo livre à crítica e às
objeções; o estudante é livre para revelar suas imperícias. (FOUCAULT,
2006h, p.22).
Desenvolvo a seguir, mais objetivamente, o conceito de “experiência”,
segundo Foucault, retomando o que foi apresentado na seção anterior, ou seja, que
o termo é definido em termos da correlação entre três eixos: da formação de
saberes, dos sistemas de poder normatizadores e das formas pelas quais os
indivíduos o subjetivados. (FOUCAULT, 1994). Dito de outra maneira, na
constituição de uma experiência, estão imbricados três elementos fundamentais:
“[...] um jogo de verdade, relações de poder, formas de relação consigo mesmo e
com os outros.” (CASTRO, 2009, p.162).
Há uma ideia presente na correlação ou no imbricamento indicados, que
consiste em “[...] arrancar o sujeito de si próprio, de fazer com que não seja mais ele
próprio ou que seja levado a seu aniquilamento ou à sua dissolução. É uma
116
empreitada de dessubjetivação.” (FOUCAULT, 2010, p.291). Essa ideia é entendida
como uma “experiência limite” e coloca o sujeito o mais próximo possível da
impossibilidade.
Foucault tem sido dito por muitos autores como alguém que fez da sua vida
essa “experiência limite”, alguém que operou deslocamentos constantes no próprio
pensamento sempre se permitindo novas certezas, novas verdades e novas
questões. Devido a essa sua irreverência discursiva e à falta de sistematização de
sua obra, foi por muitos criticado e por muitos inquirido. Em resposta a um desses
questionamentos ele disse o que segue.
Não penso jamais a mesma coisa pela razão de que meus livros são, para
mim, experiências, em um sentido que gostaria o mais pleno possível. Uma
experiência é qualquer coisa de que se sai transformado. Se eu tivesse de
escrever um livro para comunicar o que já penso, antes de começar a
escrevê-lo, não teria jamais a coragem de empreendê-lo. Só o escrevo
porque não sei, ainda, exatamente o que pensar sobre essa coisa em que
tanto gostaria de pensar. [...] Sou um experimentador, e não um teórico.
Chamo de teórico aquele que constrói um sistema global, seja de dedução,
seja de análise, e o aplica de maneira uniforme a campos diferentes. Não é
o meu caso. Sou um experimentador no sentido em que escrevo para
mudar a mim mesmo e não mais pensar na mesma coisa de antes.
(FOUCAULT, 2010, p.289-290).
A ideia de uma escrita que transforma conduz Foucault a contrapor o que ele
chama de livro experiência, relativo ao descrito acima, com livro verdade ou livro
demonstração. Gondra; Kohan (2006) exploram esse tema, realçando o sentido da
escrita desse pensador e também expandindo os paralelos entre verdade e
experiência na direção da filosofia, dos colóquios, dos cotidianos, da educação e de
tantas práticas quanto se quiser pensar. Segundo os autores: “A oposição se em
todos os casos entre um pensar que legitima e outro que desacralisa; entre um que
consagra o já pensado e outro que busca pensar de outro modo.” (ibid., p.25).
Para encerrar esta exposição, dos conceitos que quero ter à mão, acrescento
um tipo de experiência que é entendida como “[...] ético-moral do sujeito em sua
própria verdade [...]”. (SOUSA FILHO, 2008, p.21). Consiste na “[...] liberdade do
cuidado de si [...]” (ibid., p.21). É um cuidado que visa uma estética da existência,
uma arte de viver e, na dimensão da ética, exigem técnicas, técnicas de
subjetivação.
117
6 DE UM FINAL QUE PODERIA SER O COMEÇO
Quando um percurso é feito sem muitas
previsões, sem antecipar o lugar de destino,
aberto ao que possa encontrar no caminho, a
viagem leva consigo contingências, riscos. A
ousadia é perigosa. A experiência também.
Foucault viajava dessa maneira, sem antecipar o
lugar de destino, no pensamento e na vida.
(GONDRA E KOHAN, 2006, p.21).
Ouso atribuir esse tom irreverente e também cativante à experiência que tem
sido para mim a produção desta tese. Um percurso sem roteiro a ser seguido, sem
previsões rígidas quanto às bases teóricas, sem um objetivo muito claro a ser
atingido, sem um lugar de destino. Eu penso ter compreendido a experiência de
“estar sempre começando”!
Meus referenciais teóricos (minha caixa de ferramentas) passaram por
mudanças radicais, refletindo as alterações que foram marcando minhas
experiências pessoais. À medida que fui me aproximando do pensamento de
Foucault e de Nietzsche, meu modo de perceber o mundo ao meu redor e de me
expressar nele (destaco minhas vivências como professora) foram mudando
visivelmente (aos meus olhos e aos de outros). Neste percurso de produção da tese
minha questão/problema foi sendo reconduzida, reformulada; minhas intervenções,
como professora, nas disciplinas de Laboratório foram se alterando e a própria
análise dos dados de pesquisa foi resultado desta falta de previsibilidade. Não tendo
uma metodologia definida, fui construindo caminhos próprios, um percurso
totalmente desconhecido, muitos riscos, o perigo de não terminar, de não fazer
sentido, de não ser consistente, de não ser aprovada dentro da comunidade
acadêmica. Mas, posso afirmar que, apesar de toda instabilidade e insegurança,
resultantes deste “jogar-se” no desconhecido, eu escolheria novamente essa
experiência, essa aventura, abdicando de um método firme e consistente a guiar
toda a minha trajetória.
Nos primeiros semestres dos últimos dois anos (2008/1 e 2009/1) desenvolvi
as disciplinas de Laboratório mais interessada no percurso, no caminho, do que no
fim, nos objetivos a serem alcançados. Como pesquisadora, estava interessada no
118
que os alunos e eu mesma tínhamos a dizer de certo modo “afrouxei” minha
posição de formadora (prescritiva, orientadora) priorizando a de pesquisadora
(ouvinte e provocadora). Aos poucos, fui perdendo de vista as finalidades da
disciplina, as metas, os objetivos (aqueles que são indicados nos planos de ensino).
Por outro lado, penso ter estado mais flexível, permitindo que meus alunos vivessem
a experiência de organizar e executar as práticas de ensino de forma mais “livre”,
mais ousada, sem tantas precondições, predeterminações.
Gondra e Kohan (2006) dizem que o pensamento de Foucault contém a cada
momento “[...] princípios de transformação, formas específicas de problematização,
que obedecem à lógica de uma ‘experiência’ marcada pelo grande tema do ‘limite’,
do se ‘desprender de si mesmo’, do ‘se tornar outro do que se é’.” (ibid,, p.14).
Destacam também que uma obra (um ensaio, por exemplo) constitui-se de ações
praticadas em diferentes campos, articuladas entre si. Assim, por sugestão desses
autores, um pesquisador precisa “[...] considerar sua produção fora do ângulo obtuso
da cronologia, no esforço de identificar o igual ou o que seria completamente
distinto.” (ibid,, p.14), para que se tornem possíveis os “[...] desprendimentos de si
praticados ao longo de uma complexa história de vida.” (ibid,, p.14).
6.1 CAMINHOS E ENTENDIMENTOS DA PESQUISA
Um dia, falamos do estilo e de como ele podia
apresentar uma dificuldade enorme. O estilo
podia se tornar uma prisão, uma sala de
espelhos, onde você consegue se espelhar
e se imitar. Yohji conhecia bem esse problema.
Claro que caíra nessa armadilha. “Escapei
dela”, ele disse; quando aprendeu a aceitar o
seu estilo. “De repente, a prisão se abrira”, ele
disse. Isso, para mim, é um autor: alguém que,
para começar, tem algo a dizer, que sabe se
expressar com sua própria voz e que
finalmente encontra em si a força e a insolência
necessária para se tornar o guardião de sua
prisão e não continuar prisioneiro.
(WENDERS, 1989)
119
Nova ousadia, a de pensar em estilo justo durante a produção de um trabalho
acadêmico no qual, creio, estarei eternamente me instalando, sempre como um
estrangeiro. Sinto-me prisioneira, sim, de regras de redação, de bases teóricas que
me fascinam, mas com as quais ainda tenho muito de me familiarizar, de conceitos
que ainda teimam em preservar seu status, de procedimentos e técnicas que guiam
minhas ações e decisões prisioneira de meu próprio problema, de minha própria
história. Mas é fundamental superar esses estranhamentos e buscar a liberdade de
que fala Wenders. O lugar de autor, de quem tem algo a dizer, uma voz para narrar,
um estilo a definir tudo isso parece pretensioso demais; de qualquer forma, talvez
seja o único caminho para se assumir a condição de guardião da própria prisão.
Destarte, utilizo-me deste espaço para trazer uma descrição mais formal do
contexto em que a pesquisa se situou. Pretendo explicitar os caminhos percorridos
até chegar a este momento de escrita da tese. Espero poder dizer quais m sido
minhas alternativas metodológicas, ou melhor, quais foram as estratégias utilizadas
durante a fase de investigação e quais têm sido os procedimentos escolhidos para
proceder à análise dos dados e à própria redação deste trabalho.
Como foi dito, escolhi a perspectiva foucaultiana como base teórica para
fundamentar meu trabalho, de modo que, do ponto de vista metodológico, tenho de
utilizar as ferramentas que essa perspectiva disponibiliza. No entanto, como diz
Veiga-Neto (2007), “[...] a rigor, não existe algum método foucaultiano, a menos que
se tome a palavra ‘método’ num sentido bem mais livre do que os sentidos que lhe
deu o pensamento moderno.” (ibid., p.17). Naturalmente, é dessa forma que entendo
a questão do método.
Avalio inicialmente a pertinência do problema de pesquisa que formulei.
Transcrevo o mesmo para facilitar a análise: quais dispositivos operam no espaço do
Laboratório de Prática de Ensino-Aprendizagem de Matemática (e de que forma
operam), de modo a constituir e a fazer dizer o ser/estar professor de matemática,
dos licenciandos e da professora orientadora?
O texto indica que alguns (ou algum) dispositivos operam nesse espaço e
pergunta quais são eles e, principalmente, “como” eles operam. Portanto a análise
tem de ser feita em termos das relações de poder que se estabelecem nesse espaço
(no âmbito do discursivo e do não discursivo), de modo a constituir o “ser/estar
120
professor” dos sujeitos envolvidos e de modo a fazer dizer o “ser/estar professor”
desses sujeitos.
Percebe-se que não está em questão o significado ou uma possível
categorização do ser/estar professor de matemática. Dito de outra forma, o foco do
problema é o “como” ou o “de que modo” os alunos e a professora do Laboratório
foram “conduzidos” (por outrem ou por si mesmos) a dizer sobre os seus próprios
“ser/estar” professores de matemática.
Valendo-me do relato apresentado por knijnik; Wanderer; 0liveira (2005) sobre
uma “experiência de si” realizada por alunos do Curso de Pedagogia relativa ao
processo de avaliação do estágio docente na área de Matemática, explicito algumas
possibilidades de análise dos discursos. Do relato, cabe destacar:
Os excertos acima dizem bem de como as discussões sobre o estágio que
haviam realizado se constituíram em tecnologias do eu, fabricaram modos
de ser professora de matemática, modos que, para além da aquisição de
novos procedimentos pedagógicos específicos para a área da educação
matemática, subjetivaram as estudantes, contribuindo para constituir um
“novo sujeito-professor” [...].
Assim é que este novo sujeito-professor, tendo sido engendrado nas
discussões coletivas, nas narrações que ali foram produzidas, aprende
neste processo o que pode ser dito por um professor, como dizê-lo, o que
vale como certo e errado na educação matemática, os comportamentos
desejáveis para se tornar um bom professor de matemática”. (KNIJNIK;
WANDERER; OLIVEIRA, 2005, p. 64-65).
O texto acima se ajusta a diversos discursos que me são familiares (assunto
tratado no capítulo 3) e indica algumas unidades de análise que poderiam ter sido
requisitadas para minha pesquisa, como por exemplo: “modos de ser professor(a)”,
“o que vale como certo na Educação Matemática”, “o que vale como errado na
Educação Matemática”, “comportamentos desejáveis para um ‘bom professor’ de
Matemática”. Acrescento a essas, outras possíveis unidades de análise: “modos de
‘ver-se’ professor”, “modos de ‘dizer-se’ professor’, “dispositivos de controle”,
“dispositivos de regulação”. Assim, entendo ser necessária a definição de unidades
de análise específicas que direcionem a leitura dos dados de pesquisa. Ou seria o
contrário: os dados conduzem à definição das unidades de análise? Acredito que
isso possa ser decidido numa próxima seção.
Ao questionar-me sobre os efeitos de poder e verdade que se constituem no
espaço dos Laboratórios, propus-me a analisar os discursos que emergem nesse
espaço em termos de sua positividade, ou seja, em relação àquilo que dizem e
121
produzem num determinado tempo e local, e não em termos de poder absoluto e/ou
verdade transcendental. Acrescento a isso, que as possibilidades de pesquisa
também apontam para novas dimensões, em especial para o estudo das formas de
governo, em que técnicas são inventadas para moldar a conduta de si e dos outros.
Nesse sentido, os efeitos de poder do discurso/saber relativo à formação de
professores nos Laboratórios estão baseados nos conceitos foucaultianos de
governo e governamentalidade.
De modo geral os caminhos investigativos ligados ao problema envolvem:
ideia de ver-se, de observar a si mesmo;
discursos relativos à formação de professores;
questões sobre “tecnologias do eu e conseqüente análise de práticas
pedagógicas que produzem relação do sujeito consigo mesmo;
noções de disciplinamento e regulação dos indivíduos;
noção de governo/governamentalidade.
Mais objetivamente os aspectos a serem analisados compreendem:
instituições, procedimentos, diretrizes, currículos, súmulas...;
o governo dos outros e de si, através de uma série de saberes (em particular
sobre a formação de professores);
formas de racionalidade e de instrumentalização e procedimentos técnicos.
Mesmo considerando que não existe um método foucaultiano (apesar de a
arqueologia, a genealogia e as tecnologias do eu serem ferramentas metodológicas
adequadas para o trabalho de investigação), o próprio Foucault explicita quatro
princípios, decorrentes de determinadas exigências de método, norteadores da
análise de discursos. Citarei, detalhadamente, cada um deles, para que sirvam como
norteadores durante a análise dos discursos que pretendo realizar:
[...] princípio de inversão: onde, segundo a tradição, cremos reconhecer a
fonte dos discursos, o princípio de sua expansão e de sua continuidade, [...],
é preciso reconhecer, ao contrário, o jogo negativo de um recorte e de uma
rarefação do discurso [...]
princípio de descontinuidade: o fato de haver sistemas de rarefação não
quer dizer que por baixo deles e para além deles reine um grande discurso
ilimitado, contínuo e silencioso que fosse por eles reprimido e recalcado [...].
122
Os discursos devem ser tratados como práticas descontínuas, que se
cruzam por vezes, mas também se ignoram ou se excluem [...]
princípio de especificidade: não transformar o discurso em um jogo de
significações prévias; não imaginar que o mundo nos apresenta uma face
legível que teríamos de decifrar apenas [...]. Deve-se conceber o discurso
como uma violência que fazemos às coisas, como uma prática que lhes
impomos em todo o caso; e é nesta prática que os acontecimentos do
discurso encontram o princípio de sua regularidade [...]
[princípio] da exterioridade: o passar do discurso para o seu núcleo
interior e escondido [...], mas, a partir do próprio discurso, de sua aparição e
de sua regularidade, passar às suas condições externas de possibilidade,
àquilo que lugar à série aleatória desses acontecimentos e fixa suas
fronteiras. (FOUCAULT, 2006a, p.51-53).
O que está proposto, através desses princípios, é a substituição das noções
tradicionais de “criação”, “unidade”, “originalidade” e “significação”, respectivamente,
pelas noções de “acontecimento”, “série”, “regularidade e “possibilidade”.
(FOUCAULT, 2006a).
Em relação às questões sobre poder, que também são objeto de meu
interesse nesta pesquisa, saliento de Gore (1995) que, apesar de Foucault ter
escrito um ensaio intitulado “O Sujeito e o Poder”, ele não esclareceu como os
pesquisadores devem proceder, em termos práticos, no exame de relações de
poder, de forma que a metodologia, para tal, tem de ser inventada. A contribuição
maior da autora consiste, no entanto, na indicação de “[...] práticas específicas
envolvidas no funcionamento das relações de poder – vigilância, normalização,
exclusão, distribuição, classificação, individualização, totalização, regulação.”
(GORE, 1995, p.140). Além disso, ela ressalta a vinculação existente entre o saber e
as relações de poder, bem como a importância do exercício do poder na relação do
sujeito com o próprio eu.
Outro aspecto que considero essencial para proceder à análise dos dados, se
expressa na pergunta: de que sujeito falar? Fischer (1995), tratando especificamente
desse tema, coloca:
O discurso analisado não será manifestação de um sujeito, mas um lugar de
sua dispersão e de sua descontinuidade, que o sujeito da linguagem não
é um sujeito em si, idealizado, essencial, origem inarredável do sentido: ele
é ao mesmo tempo falante e falado, porque através dele outros ditos se
dizem. (FISCHER, 1995, p.23).
Como diz Fischer (1995), o importante, dentro da análise do discurso, é
determinar qual a posição que um sujeito deve ocupar para ser objeto desse
123
discurso. Assim, o discurso é concebido através de uma pluralidade de vozes, ou
seja, diversos indivíduos podem ocupar o lugar de falantes e sua análise consiste
em por em evidência a função atribuída ao mesmo, uma vez que “essa coisa” foi dita
em determinado momento. Entendendo o discurso como uma série de
acontecimentos, é importante estabelecer as relações que ocorrem entre esses e
outros acontecimentos que pertencem ao mesmo sistema discursivo. (Foucault,
2006a).
A análise dos dispositivos que funcionam no espaço dos Laboratórios
pressupõe uma atitude metodológica que ainda precisa ser explicitada. Consiste na
investigação das condições históricas e das formas de racionalidade que tornaram
possível o Laboratório (analisado) ser do modo como é. Entendendo as práticas do
Laboratório como a realidade que interessa, a investigação recai sobre maneiras de
pensar, técnicas, programas, diretrizes, objetivos, instrumentos, esforços racionais...,
tudo o que constitui essa realidade e que, portanto, atuam em sua gênese e no seu
modo de operar. (Foucault, 2006c). Nesse sentido inclui-se o entendimento da
relação entre saber e poder, não com o objetivo de defini-los ou descrevê-los, mas
em termos do quanto um depende do outro, de quais os elos de ligação entre eles. É
nesse nível, portanto, que se pode colocar a questão da “crítica” em Foucault. o
no sentido de rejeitar as práticas sociais (no caso em questão, as práticas
pedagógicas) de governamento a que se está submetido, mas no sentido de
interrogar a verdade dos efeitos de poder e o poder dos discursos de verdade.
Em última instância, enfatizo como objeto de investigação as “tecnologias do
eu” ou os dispositivos “do governo de si” que operam nos Laboratórios em função
das práticas pedagógicas instauradas. Esse seria o caminho para entender como
os indivíduos, imersos no espaço do Laboratório saem da condição de “objetos” para
uma posição de “sujeitos”, ou seja, uma posição onde possam construir e modificar
a experiência que tem de si mesmos.
Tendo feito algumas considerações acerca das opções assumidas em termos
de caminhos metodológicos, dedico-me, a seguir, a uma descrição mais operacional
dos procedimentos que foram utilizados nesta pesquisa. Talvez eu devesse ter
começado por esse assunto, mas o movimento natural do texto me conduziu por
outras vias, sempre enfocando a própria história da produção desta tese.
124
Onde busquei os enunciados a serem analisados? Nas vozes que foram
gravadas, nos textos que foram lidos e escritos, nos documentos que foram
pesquisados, em síntese, nos próprios discursos que produziram o Laboratório como
objeto de análise. Quem é o sujeito que enunciou? Alunas(os) que cursaram essas
disciplinas, a professora que as ministrou e tantos outros, invisíveis, que, em algum
momento, ocuparam o lugar dos discursos.
Diante da volumosa quantidade de materiais (textos) que tive em mãos para
realizar a análise (foi possível retomar documentos de alunos, produzidos desde
2005/1, bem como os vídeos editados nesse período), precisei, sem dúvida,
construir uma estratégia para o reconhecimento e tratamento dos dados. Primeiro fiz
uma leitura de todo material para me familiarizar com o mesmo. No caso das
filmagens, inicialmente apenas as assisti, sem fazer qualquer transcrição. Numa
segunda etapa, procedi conforme orientação de Minayo (1994), ordenando e
classificando todo o material. Finalmente, comecei a seleção de textos escritos e a
transcrição de gravações ou falas registradas nas filmagens, mas isso somente
quando meu objeto de análise estava bem definido. Para ser mais precisa, isso
ocorreu depois da Defesa do Projeto de Tese com a redefinição da questão a ser
investigada. Em decorrência dessa alteração, ampliei a coleta de material para
análise, desta vez envolvendo minhas turmas de Laboratório de 2008/1 e 2009/1.
Com essas turmas utilizei recursos de filmagem para registrar situações
ocorridas desde a fase de organização das práticas e simulação de aulas até a
apresentação dos seminários finais, incluindo o registro de aulas ministradas pelos
licenciandos. Também tive a oportunidade de explorar os vídeos, discutindo acerca
dos desempenhos observáveis e acerca das concepções de ensino e de
aprendizagem que tínhamos na ocasião em que realizamos o trabalho. Assim,
devido à mudança de direção da pesquisa e à objetividade com que conduzi a
investigação junto às duas turmas mencionadas, optei por restringir a análise às
mesmas.
Nessa ocasião, as disciplinas de Laboratório estavam restritas ao novo
currículo da licenciatura, compreendendo, portanto, oito horas de aulas semanais.
Assim, conseguimos dedicar mais tempo aos seminários e à análise dos vídeos que
haviam sido produzidos ao longo do semestre. Elaborei questionários específicos
para a análise e a discussão sobre o uso do deo em aulas de Laboratório foi bem
125
ampla, principalmente com a turma de 2009/1. As respostas obtidas através dos
questionários, assim como os próprios questionários, constituíram material
importante na análise das estratégias de governo. Também os relatórios finais,
exigidos dos alunos para fins de avaliação na disciplina, consistiram material de
análise. Essa prática tem sido comum quando ministro as disciplinas de Laboratório.
Dessa forma, não apenas os discursos produzidos nos relatórios são de interesse da
pesquisa, quanto à própria prática de condução aí expressa.
Cabe ainda reforçar que, dentro da perspectiva teórica escolhida, a
metodologia foi construída ao longo da investigação. Como não pretendia apresentar
uma interpretação ou formalização de discursos ou falas, tive de construir um
método de análise de discursos que considerasse as condições em que certos
enunciados tornaram-se possíveis e outros não. Nesse sentido, foram desenvolvidos
os capítulos 2, 3 e 4 da tese, tendo por objetivo uma contextualização histórica das
práticas discursivas atuais, ou seja, procurando interseções entre acontecimentos
atuais e o que sabemos de nossa história. Assim, acredito que todo o esforço de
análise e síntese que realizei, visando essencialmente a uma maior compreensão do
processo de constituição de sujeitos (professores de matemática) operado no
espaço dos Laboratórios, pode ser expandido, de modo a possibilitar outras leituras
dos discursos, em termos de suas estratégias produtivas e dos contextos históricos
e formas de racionalidade que os tornaram possíveis.
6.2 ANTES DA PROFESSORA/ORIENTADORA SILENCIAR
Então olhei para eles como se fossem uma
espécie de equipe de filmagem e Yohji fosse
um diretor, fazendo um filme sem fim. Suas
imagens não eram para ser mostradas na
tela. Quando você se senta para ver o filme
dele, você se vê, em vez disso, diante
daquela tela muito particular, que qualquer
espelho que reflete sua imagem pode se
tornar. Conseguir olhar para a sua imagem no
espelho, de modo a reconhecer e mais
prontamente aceitar seu corpo, sua
aparência, sua história, em resumo, você
mesmo. Esse me parece ser o roteiro em
aberto... (WEWNDERS, 1989).
126
Difícil olhar para o filme de uma vida, de sua própria vida, sem julgar, sem
avaliar, sem tentar explicar o porquê das coisas (assim fomos constituídos dentro
dos referenciais da modernidade). Aqui, no âmbito dessa tese, assumi que não
existe a coisa em si; a representação é a própria realidade, portanto não faz mais
sentido falar em representação. Analisar uma experiência não significa buscar suas
origens, suas causas, suas razões de ser. Simplesmente, a apresentação, a
descrição da experiência é o caminho da análise. Acrescento, para quebrar, quem
sabe, minha própria síntese, a seguinte frase de Maffesoli (2007, p.25) “Se existe
uma exigência do pensamento, talvez a única, por sinal, seja a coerência. [...]”. Um
roteiro em aberto, onde fatos são colocados, na frente do espelho, para serem vistos
de vários ângulos, desnudando uma história, um corpo, uma vida, não tem nada por
detrás, oculto, escondido, tudo está à vista. Como lidar com um real tão límpido, tão
direto, se não for mantendo uma profunda coerência do pensamento pensamento
esse que não para de ruminar, ruminar, revendo tudo a todo instante?
Muitas têm sido as experiências evocadas e ruminadas no âmbito da
pesquisa que gerou esta tese, mas escolho iniciar a narrativa, contando como a
câmera digital se fez presente.
Como expus anteriormente, meu objeto de investigação estava definido
desde que ingressei no programa de doutorado, no entanto, até direcionar a atenção
para as disciplinas de Laboratório, transcorreram alguns acontecimentos. De
qualquer forma, desde 2005, meus alunos passaram a ser olhados de outra forma,
diria que eles foram “objetivados”.
Assim, comecei muito cedo a gravar algumas discussões que ocorriam nas
aulas (das várias disciplinas que ministrava) e, logo em seguida, pedi permissão
para filmar algumas conversas, seminários, ensaios e aulas que os alunos
ministravam. Sempre assumi o compromisso de manter esses registros em total
privacidade, utilizando-os apenas para fins de pesquisa ou em nossas próprias
aulas. As câmeras (primeiro uma de VHS, depois uma digital) passaram a fazer
parte das minhas aulas. Os alunos, no início, estranhavam um pouco, mas logo se
desligavam e a presença delas acabou se naturalizando. Quanto ao aproveitamento
do recurso, pensei que seria para registrar dados, que depois iriam ser analisados;
não podia imaginar que os vídeos viriam a se transformar em dispositivos de poder
em nossas mãos.
127
Com as turmas de 2008/1 e 2009/1 ampliei muito as alternativas de utilização
das imagens produzidas em vídeo. Até então havia feito as filmagens, tendo em
vista meu interesse de pesquisadora, ou seja, registrando experiências de práticas
de ensino desenvolvidas pelos alunos. Esperava observá-los “atuando” como
professores em busca de particularidades ou regularidades que expusessem
diferentes formas de meu aluno ser/estar professor de matemática. Isto começou em
2005, inclusive com turmas de Ensino-Aprendizagem, mas logo percebi que estava
subutilizando os vídeos. Dentre as tentativas de melhor aproveitar esses registros
(ainda nesta fase inicial) destaco: a projeção de algumas cenas (no mínimo, uma de
cada aluno) nas próprias aulas, com o objetivo de analisarmos a situação em foco; a
solicitação de que, após assistirem seus próprios vídeos, os alunos explorassem, na
apresentação dos seminários finais, alguma cena filmada; a produção, seja de forma
oral (por ocasião dos seminários) ou escrita (nos relatórios em grupo e/ou
individuais) de uma análise da “experiência de serem filmados”. Saliento que para as
primeiras turmas não foram entregues cópias das filmagens, pois eram utilizadas
fitas de VHS para gravação o que dificultava muito a reprodução ou a conversão em
DVD. Assim, os alunos assistiram algumas das aulas que haviam ministrado, nas
fitas originais, no final do semestre, não dispondo, com certeza, de muito tempo para
reflexão.
Mais recentemente, nas últimas turmas que acompanhei, a exploração do
vídeo alcançou outras dimensões. As aulas ministradas pelos alunos da turma
2008/1 (tanto as simulações feitas na própria universidade, como as aulas
ministradas em escolas) foram integralmente filmadas. Logo após, os alunos
receberam cópias da filmagem e tiveram de responder algumas perguntas que
apresentei previamente, com o objetivo de discutir a experiência filmada e a própria
utilização do vídeo. Também nos relatórios e seminários finais, promovidos pelos
alunos, a análise das aulas filmadas e a discussão quanto às possibilidades do
vídeo na disciplina de Laboratório foram retomadas.
Com a turma de 2009/1 posso considerar que, comparado às experiências
anteriores, o aproveitamento desse recurso alcançou níveis bem superiores (até
porque, durante esse semestre, contei com a presença de um professor convidado,
Miguel Melendo Beck, durante as aulas e durante a organização técnica do
trabalho). A rapidez na entrega das cópias dos vídeos aos alunos viabilizou as
128
análises sobre as aulas quase que imediatamente à filmagem; foi possível, por
exemplo, que cada licenciando aprofundasse teoricamente o assunto que escolheu
para apresentar aos colegas, a partir dos comentários e provocações registradas no
vídeo; foi mantida a estratégia de perguntas e respostas, sendo que, desta vez,
ocorreu em duas etapas, uma após as aulas “de ensaio”, na universidade, e outra
após as aulas nas escolas. Conseguimos, assim, realizar uma boa exploração dos
vídeos nos relatórios e seminários finais. Além dessas utilizações, por ter filmado
integralmente todas as aulas de Laboratório, expandi as possibilidades de pesquisar
e descrever analiticamente os dispositivos de governo aplicados pela orientadora da
disciplina e pelos próprios alunos.
Após tantas turmas de Ensino-Aprendizagem e Laboratório, acabei por
compor uma vasta coleção de documentos: propostas de ensino, relatórios das
práticas, memoriais, documentários, textos sobre questões mais subjetivas, síntese
de discussões em grupos, resenhas de textos, entre outros materiais produzidos por
meus alunos. Também incluo, nessa coleção, as fitas de vídeo. O mais interessante
é que fui guardando todo esse material tal qual um colecionador, que sente prazer
por ver sua coleção aumentando em volume, mas a quem fica cada vez mais difícil
reexaminá-la nos detalhes. E dizer que fiz, na ocasião em que recebi os textos, uma
leitura tão rápida, devido à sobrecarga de outros trabalhos a realizar, e que não
houve, muitas vezes, oportunidades adequadas para discutir com os próprios
autores os textos produzidos. Quanto às gravações e filmagens, mal conseguimos
assistir juntos algumas cenas, à exceção das duas últimas turmas. Tamanho
investimento e esforço para tão pouco aproveitamento e, além disso, ainda tenho
muitas dúvidas quanto à melhor forma de explorar as produções escritas dos alunos
e de utilizar os deos no processo de formação dos mesmos (perdoem o
desabafo!).
Quando me deparei com o material que havia coletado (textos de alunos e
vídeos), não apenas nos anos de 2008 e 2009, mas ao longo de cinco anos, percebi
que não fazia sentido analisá-los segundo uma linha cronológica, buscando
regularidades, similaridades ou diferenças. Cada situação (fora do contexto em que
ocorreu) passava a constituir-se uma “realidade” (dada sua discursividade) não mais
demarcada em tempo e espaço, mas sim uma realidade própria dos Laboratórios
129
analisados, a expressão de uma posição discursiva, ocupada pelos sujeitos que
compõem esses Laboratórios.
Ao iniciar a análise, percebi a complexidade de minha própria história e,
assim, busquei investigar os desprendimentos que pratiquei ao longo desse período.
Busquei empreender uma experiência marcada pelo “limite” de me deslocar de mim
mesma, olhando minha própria história de outro lugar, como “um outro” que, ainda
assim, era eu.
Percebo cada vez mais que, ao ocupar o lugar de professora/escritora desta
tese, acabei contando em detalhes tudo o que aconteceu e acontece nos
Laboratórios, como se tentasse explicar minhas próprias ações, meus discursos,
como se pudesse justificar porque agi desta ou daquela forma, querendo dizer das
minhas intenções, meus motivos, minhas dificuldades, minhas interpretações..., mas
tentei fazer isso, o tempo todo, à distância, apenas descrevendo os fatos, sem me
posicionar, como se isso fosse possível.
Nietzsche sabia muito bem que não se pode fixar um método seguro nem
uma via direta para chegar à verdade sobre si mesmo: não um caminho
traçado de antemão que bastasse segui-lo, sem desviar-se, para se chegar
a ser o que se é. O itinerário que leve a um “si mesmo” está para ser
inventado, de uma maneira sempre singular, e não se pode evitar nem as
incertezas nem os desvios sinuosos. De outra parte, não há um eu real e
escondido a ser descoberto. Atrás de um véu, sempre outro véu; atrás
de uma máscara, outra máscara; atrás de uma pele, outra pele. O eu que
importa é aquele que existe sempre mais além daquele que se toma
habitualmente pelo próprio eu: não espara ser descoberto, mas para ser
inventado; não está para ser realizado, mas para ser conquistado; não es
para ser explorado, mas para ser criado. (LARROSA, 2003, p.9).
Investigando minhas próprias turmas de Laboratório acabei assumindo o lugar
de professora/investigadora. Muitas vezes percebi que estava mais interessada no
meu próprio pensamento e nos meus desejos do que nos interesses dos alunos.
Mesmo quando os deixava expor suas idéias, falar de suas necessidades, isso
atendia mais às minhas intenções de investigadora que precisava fazê-los falar, do
que a pretensos objetivos pedagógicos de atendê-los ou auxiliá-los em algum tipo de
aprendizagem.
Por outro lado, meus alunos também estiveram “livres” para fazer o que
queriam com as idéias expostas, com as orientações recebidas e com as discussões
teóricas desenvolvidas. Destaco, como exemplo, uma situação experenciada no
Laboratório de 2009/1 quando, após a apresentação de um conceito de geometria,
130
pelos alunos, solicitei que o plano de aula (abordagem escrita do assunto) fosse
refeito, aprofundado, em função da discussão ocorrida durante a apresentação.
Minha intenção, como investigadora, era saber como eles iriam proceder no sentido
de atender a essa tarefa, como iriam agregar as contribuições teóricas, o quanto
iriam aprofundar... Apesar da importância de que tais conceitos fossem retomados,
essa não era mais de interesse do investigador, portanto cada aluno ficou “livre”
para realizar tal tarefa com mais ou menos completude.
Em algumas situações, durante as aulas, percebi que ao apresentar aos
alunos um argumento teórico, minhas considerações sobre um texto ou mesmo ao
expor minhas ideias acabava por passar por uma reorganização conceitual, por uma
rearticulação, estabelecendo relações ainda não pensadas. Como diz Noguera
(2009), referindo-se ao momento em que Foucault procedia suas atividades de
ensino, mais especificamente, em que fazia, diante de alunos do Collège de France,
suas apresentações públicas, ali ocorria um dos momentos da própria investigação à
qual Foucault se dedicava. O momento da exposição (do ensino) e, particularmente,
da fase de preparação do curso era entendido como propício à organização
conceitual do professor, mais ainda, como momento “[...] de producción de
conceptos, de nociones que a la vez que sirven para explicar al auditório, ofrecen al
proprio profesor/investigador la possibilidad de apreciar nuevas articulaciones que la
lectura anterior no habia logrado mostrar.” (p.24).
Minhas experiências de Laboratório, ainda assim, estiveram mais voltadas à
condução dos alunos às práticas de ensino do que à apreciação de novas
articulações conceituais. Mesmo quando nos projetávamos em articulações relativas
ao conteúdo matemático ou relativas ao campo da pedagogia, o fazíamos movidos
pela emergência das práticas. Com relação às turmas analisadas, ficou evidente que
tudo conduzia os licenciandos a “praticarem” mais e mais o “ser professor”. Da
mesma forma, foi ficando cada vez mais acentuada a necessidade deles “falarem” a
respeito de suas práticas e acerca de “o que é ser professor”.
Comecei querendo que eles falassem para saber o que eles pensavam e o
que sabiam, mas, com o passar do tempo, fui percebendo que, quanto mais os
alunos falam de si e de suas práticas, mais fácil fica de “corrigir” os equívocos de
compreensão e de procedimentos que eles cometem. Dessa forma ficava mais fácil
conduzi-los. Também observei que, quando a prática pedagógica proposta é bem
131
determinada, bem estruturada (por exemplo, cursos de extensão e aulas de reforço
em escolas ou na universidade), fica mais fácil orientar e “controlar”, para que as
coisas “deem certo”. Na escola, em classes normais, entram muitas variáveis e o
aluno/professor pode ficar fora do controle do orientador.
Sei que, ao dizer isso passo a ideia de que o assujeitamento é “em si” algo
negativo e que não é nesses termos que a perspectiva foucaultiana se expressa.
Mas vejamos, a partir da lógica do terceiro excluído, um enunciado ou é verdadeiro
ou é falso, não pode ser as duas coisas ao mesmo tempo no entanto, muitas
vezes, ao usar essa lógica acaba-se provando que o enunciado é, de fato, falso.
Traduzindo para a questão da análise de discursos, isso significa que, se um
discurso não pode ser classificado como positivo ou negativo, mas também (pela
lógica indicada) não pode ser ao mesmo tempo positivo e negativo, então cairemos
numa contradição e, nesse caso, fica provado que o enunciado é de fato negativo
(ou falso). Isso é somente uma digressão filosófica. Não penso que seja um
argumento para discordar do pensamento foucaultiano e nietzscheano acerca da
dualidade falso/verdadeiro, negativo/positivo, certo/errado...
Por outro lado, considerando que é impossível não conduzir, o exercer o
governo em uma disciplina como Laboratório, percebo a necessidade da criação de
uma estratégia de governo, que possibilite a todos os envolvidos movimentarem-se
dentro de seus espaços de liberdade. Em síntese, continuar o trabalho, só que
agora, tendo em vista a eficiência das estratégias de produção dos discursos
pedagógicos, buscando achar um “ponto de fuga”, um ponto limite entre o
assujeitamento e a liberdade. Assim, o próximo passo seria investigar as condições
de possibilidade dessa alternativa. Mas antes disso proponho uma “parada”.
Uma pausa para que a professora/orientadora dos Laboratórios silencie,
conforme foi anunciado no título desta seção, pois somente dessa forma a
pesquisadora poderá concluir esta tese. É impossível para a primeira fazer a análise
das práticas discursivas operadas nos Laboratórios, considerando que ela teria de
fazê-lo apoiada nas mesmas regras que dão aos discursos analisados sua condição
de existência. E isso é impossível! Pretendo esclarecer esse enunciado na seção
6.4.
132
6.3 LABORATÓRIO DE PRÁTICA DE ENSINO-APRENDIZAGEM EM MATEMÁTICA
Tudo está solidamente amarrado no interior
de um espaço escolar: um quadro “mostra” a
forma de um cachimbo; e um texto escrito
por um zeloso professor primário mostra que
é bem de um cachimbo que se trata. Não
vemos o dedo indicador do mestre, mas ele
reina em todos os lugares, assim como sua
voz, que está articulando claramente: “isto é
um cachimbo”. (FOUCAULT, 2007, p.35).
Confesso que pensei muito se deveria manter essa citação depois de
escrevê-la. Tudo pareceria normal e tranquilo se Foucault não descrevesse, na
continuidade do texto, a confusão e o balbuciar do professor diante dos alunos, ao
explicar-lhes que
[...] “isto não é um cachimbo, mas o desenho de um cachimbo”, “isto não é
um cachimbo, mas uma frase dizendo que é um cachimbo”, “a frase: ‘isto
não é um cachimbo’, não é um cachimbo”; “na frase: ‘isto não é um
cachimbo’, isto não é um cachimbo: este quadro, esta frase escrita, este
desenho de um cachimbo, tudo isto não é um cachimbo”. (ibid., p.35).
E assim, a pequena obra de Foucault “Isto não é um cachimbo” tira-me do
ritmo que vinha empreendendo na descrição (ou, na narração?) das condições
históricas que me colocaram nesta posição discursiva, para jogar-me num
emaranhado de representações e de enunciados acerca do cachimbo. De qualquer
forma, mantive a citação, apesar da aparente desconexão com o tema a ser tratado,
porque ela me fez pensar acerca do “espaço do Laboratório” que, conforme foi
indicado, constitui o campo no qual a investigação procedeu (ou vem procedendo?).
Procedeu, se pensar que esse espaço “existiu” em 2008/1 e 2009/1, quando fixei,
nas minhas turmas de Laboratório, as condições de coleta de material que seriam
analisadas posteriormente. Vem procedendo, se pensar que esse espaço é sempre
atual, continuando a “existir” em função não apenas dos discursos registrados em
2008 e 2009, como também através das práticas discursivas e não discursivas que
se sucedem enquanto ele se mantém objeto de análise. No entanto, observando
133
melhor, percebo que o conflito que o “cachimbo” me causou é de outra natureza. O
incômodo é supor a “existênciado espaço do Laboratório, como se ele tivesse uma
existência em si, uma existência natural. A representação do Laboratório, aquilo que
se diz ou se escreve, ou se desenha, isto é a realidade. Não existe uma realidade
aquém do discurso, onde nada ainda havia sido dito. No caso do cachimbo: “Por
mais que seja o depósito, sobre [...] um quadro, de [...] uma fina poeira de giz, ele
não ‘reenvia’ como uma flecha ou um indicador apontado a um certo cachimbo que
se encontra mais longe ou alhures; ele é um cachimbo.” (FOUCAULT, 2007, 20-21).
Muito interessante, me parece, a discussão exposta por Veyne (1998), acerca
da existência ou não da loucura (objeto da análise foucaultiana), salientando que,
para Foucault, a matéria loucura “[...] existe realmente, mas não como loucura;
ser louco materialmente é, precisamente, não o ser ainda. É preciso que um homem
seja objetivado como louco para que o referente pré-discursivo apareça, [...], como
matéria de loucura [...] (ibid., p.267). Veyne comenta também nessa obra, ter
mostrado seus escritos a Foucault e ter estabelecido com ele uma conversa a
respeito da acusação que lhe era conferida na época de ter dito que “a loucura não
existe”, ao que Foucault respondera nunca ter escrito isso, mas que poderia tê-lo
feito, visto que, ao contrário da fenomenologia (para a qual a loucura não é uma
coisa, mas existe), para ele a “loucura não existe”, mas nem por isso ela deixa de
ser algo.
Assim, a partir desse enunciado, posso dizer, analogamente, que o
“Laboratório” não existe, mas que, ainda assim, ele não deixa de ser algo. No
entanto, fica a dúvida de como esse “algo” pode ser tratado. A seguir, utilizo-me de
uma citação na qual vejo indicada uma possível resposta à minha indagação:
[...] Foucault resolveu a dificuldade mediante uma filosofia nietzschiana do
primado da relação: as coisas só existem por relação, [...], e a determinação
dessa relação é sua própria explicação. Enfim, tudo é histórico, tudo
depende de tudo (e não unicamente das relações de produção), nada existe
transistoricamente, e explicar um pretenso objeto consiste em mostrar de
que contexto histórico ele depende. A única diferença entre essa concepção
e o marxismo é, em suma, que o marxismo tem uma idéia ingênua da
causalidade (uma coisa depende de uma outra, a fumaça depende do fogo);
ora, a noção de causa determinante, única, é pré-científica. (VEYNE, 1998,
p.284).
Outra ideia, mais ou menos vigente, é a de que através da experiência
originária pode-se acessar a verdade sobre as coisas, ou seja, que a partir de uma
134
intimidade com o mundo, seja possível falar dele, nomeá-lo, conhecer sua verdade.
Desta forma, o discurso seria a leitura do mundo, a manifestação do sentido das
coisas. Não posso deixar de lembrar Galileu, ao referir-se à supremacia da
linguagem matemática na escritura do livro aberto que é a natureza, restando ao
homem aprender essa linguagem para proceder à leitura.
Ora, segundo Foucault, ao contrário, a análise de discursos, evidencia o
desfazer-se de laços entre as palavras e as coisas, fazendo aparecer um conjunto
de regras próprias da prática discursiva (FOUCAULT, 1986). Assim, os discursos
entendidos “[...] como práticas que formam sistematicamente os objetos de que
falam [...] são feitos de signos; mas o que fazem é mais que utilizar esses signos
para designar coisas [...]. É esse ‘mais’ que é preciso fazer aparecer e que é preciso
descrever.” (ibid., p.56).
Por outro lado, como consta no capítulo 5 seção 5.1, a modalidade
específica de existência de um conjunto de sequências de signos constitui o
enunciado. Assim, para compreender-se um discurso, é necessário investigar o
sistema de formação que apóia um conjunto de enunciados. Para tal, surge uma
possibilidade descritiva (ibid., 1986).
Vê-se, em particular, que a análise dos enunciados não pretende ser uma
descrição total, exaustiva da “linguagemou de “o que foi dito”. [...] Ela [...]
constitui uma outra maneira de abordar os performances verbais, de
dissociar sua complexidade, de isolar os termos que se entrecruzam e de
demarcar as diversas regularidades a que obedecem. [...] não se tenta
reencontrar uma totalidade perdida, nem ressuscitar [...] a plenitude da
expressão viva, a riqueza do verbo, a unidade profunda do Logos. A análise
dos enunciados corresponde a um nível específico de descrição.
(FOUCAULT, 1986, p.125).
A descrição dos enunciados só pode ocorrer a partir das coisas ditas ou
escritas, na busca de elementos singulares que tornem possível a existência dessas
coisas e que as ofereçam à observação, à leitura e a usos e transformações
possíveis. A descrição dos enunciados ou a análise enunciativa é, portanto, uma
análise histórica, mas que não opera através da interpretação (FOUCAULT, 1986).
Para realizá-la, deve-se perguntar às coisas ditas “[...] de que modo existem, o que
significa para elas o fato de se terem manifestado, de terem deixado rastros e,
talvez, de permanecerem para uma reutilização eventual; o que é para elas o fato de
terem aparecido – e nenhuma outra em seu lugar.” (ibid., p.126).
135
Tendo em vista a perspectiva apresentada, pretendo a seguir desenvolver
uma descrição analítica acerca das disciplinas de Laboratório de Prática de Ensino-
Aprendizagem em Matemática do Curso de Licenciatura em Matemática da UFRGS.
Dito de outra forma, pretendo descrever coisas que foram ditas e escritas sobre os
Laboratórios, não de forma interpretativa, mas de forma a ressaltar os sistemas de
formação desse discurso.
Atualmente as disciplinas de Laboratório de Prática de Ensino-Aprendizagem
em Matemática I, II e III são oferecidas no curso de Licenciatura em Matemática,
respectivamente, nos 3º, 4º e 5º semestres, com carga horária de 08 créditos
semanais cada (ANEXO A) e no curso de Licenciatura em Matemática Noturna nos
4º, 5º e 6º semestres (ANEXO B).
O quadro de súmulas dessas disciplinas (ANEXO C), em vigor desde 2005,
indicam particularidades como: nome da disciplina, código, carga horária, semestres
em que será oferecida, pré-requisitos e a própria súmula.
Antes de 2005 constavam nas grades curriculares do curso, como
obrigatórias, disciplinas de Laboratório com formatos diferentes das citadas acima.
Para fins de análise, destaquei as diferentes súmulas que foram utilizadas desde
1984, quando foi ministrado o primeiro Laboratório do curso, indicando seu período
de vigência (ANEXO D).
Uma primeira leitura desses dados indica que ocorreram algumas alterações
na estrutura formal dessas disciplinas. As alterações referem-se ao número de
créditos (seis nos períodos 1984-1994 e 1996-1999, quatro em 1995 e no período e
2000-2004 e oito créditos de 2005 ahoje), à quantidade de Laboratórios (dois no
período de 1985 a 1999 e três no período de 2000 até hoje), além do nome da
disciplina, texto das súmulas e pré-requisitos indicados. Da relação entre número de
créditos e número de disciplinas observa-se que de 1985 a 2004 os Laboratórios
dispuseram de, no máximo, 12 créditos ao todo dentro da grade curricular e de 2005
até hoje eles dispõem de 24 créditos. Considero essa diferença expressiva, mas os
enunciados presentes nas súmulas talvez não sejam suficientes para compor um
quadro descritivo da mesma, de modo que se necessário, para tal, investigar
outros textos relativos ao assunto.
Outra observação possível é que os nomes e códigos foram alterados toda
cada vez que as disciplinas sofreram mudanças em sua estrutura (exceto no caso
136
da carga horária). Isso ocorreu, sem dúvida, para atender a exigências legais. Os
textos das súmulas apresentam poucas alterações. Algumas de ordem técnica,
como Ensino de I e II Graus para Ensino Fundamental e Médio, obviamente
explicadas por mudanças na linguagem utilizada em documentos legais da época.
Outras mudanças, no entanto, exigem um maior detalhamento analítico e para tal
considero necessário evocar outros campos discursivos ligados ao campo em
estudo. Da mesma forma, proponho que a análise das mudanças de pré-requisitos
seja feita a partir das novas relações que serão investigadas.
As disciplinas de Ensino-Aprendizagem de Matemática fizeram parceria direta
com os Laboratórios (de 1984 a 2004) por atenderem, ambas, às expectativas de
formação pedagógica dos alunos do curso. Isso fica evidenciado no quadro de
equivalência das disciplinas, organizado em função da mudança de currículo
ocorrida em 2005 (ANEXO E).
As relações entre as disciplinas de Ensino-Aprendizagem e Laboratório
também se mostram através dos textos das mulas, dos pré-requisitos e da carga
horária total atribuída à formação pedagógica. As mudanças nas disciplinas de
Ensino-Aprendizagem foram menos expressivas que as do Laboratório, de modo
que foi possível condensar em dois blocos as mulas criadas, de 1984 a2004
(ANEXO F), ano em que essas disciplinas foram extintas do currículo.
Durante longo tempo (no mínimo quinze anos
25
) o curso de Licenciatura em
Matemática da UFRGS teve, em sua grade curricular, quatro disciplinas de Ensino-
Aprendizagem de Matemática Elementar, com quatro horas/aula semanais cada e
durante outros cinco anos, teve três disciplinas de Ensino-Aprendizagem de
Matemática, também com quatro créditos cada.
Em relação às súmulas, observo que no primeiro bloco havia indicação de
conteúdos matemáticos e também de conteúdos didático/pedagógicos, tais como:
etapas operatórias de inteligência, funções do professor de matemática, objetivos e
estratégias para o ensino-aprendizagem da matemática, resolução de problemas. Já
no segundo bloco, as súmulas apenas indicam os conteúdos matemáticos a serem
abordados.
Analisando os pré-requisitos do primeiro bloco, destaco que a relação
mais acentuada de exigência ocorre entre as próprias disciplinas de Ensino-
25
Os dados que disponho não indicam o ano de criação dessas disciplinas.
137
Aprendizagem, enquanto que no segundo bloco, elas não são mais pré-requisitos
umas para as outras e as exigências recaem em disciplinas de conteúdo específico,
por exemplo, Aritmética, Matemática Combinatória e Computador na Matemática
Elementar I como pré-requisitos para Ensino-Aprendizagem I.
Retomando a análise relativa aos Laboratórios, agora se torna possível o
estabelecimento de novas relações. No caso da carga horária que o curso
disponibiliza para as duas disciplinas juntas, resulta em 28 créditos, no período de
1985 a 1999 (exceção a 1995) e 24 créditos, no período de 2000 a 2004, lembrando
ainda que a partir de 2005, os Laboratórios sozinhos continuam a dispor dos 24
créditos o que indica não ter havido perdas expressivas na carga horária
disponibilizada para as disciplinas, desde que as duas sejam vistas de forma
indiferenciada.
Outra relação a ser assinalada é a que se mostra através dos pré-requisitos.
Nas súmulas do período de 1985 a 1999 não consta nenhuma vinculação entre as
disciplinas de Laboratório e as de Ensino-Aprendizagem e mesmo as disciplinas de
conteúdo matemático, o que parece indicar que os Laboratórios tinham por função
exclusiva viabilizar aos alunos experiências de ensino, ou melhor, “de ensinar”
(mesmo no ano de 1999, apesar das mudanças de disciplinas, observo que esta
característica se manteve). No período de 2000 a 2004, por outro lado, destaco uma
relação de dependência, no sentido de que era preciso cursar Ensino-Aprendizagem
I para depois cursar o Laboratório I, e assim sucessivamente. Juntando isso ao fato
de que o Ensino-Aprendizagem focalizava conteúdos matemáticos e tinha como pré-
requisitos disciplinas específicas da matemática, é possível estabelecer uma
sequência de práticas que visa à condução dos licenciandos ao Laboratório, já
preparados, em termos de competências matemáticas, para a realização das
práticas de ensino. De forma que, a organização da disciplina previa preparação,
execução e avaliação de experiências de prática de ensino (atentando para as
diferenças de focos teóricos de cada um dos Laboratórios) sem que fosse
necessária propor o estudo (ou aprofundamento) dos conteúdos que seriam
abordados nas práticas.
As súmulas dos Laboratórios ministrados a partir de 2005 trazem uma
evidente novidade, sem dúvida reflexo da “junção” dos Laboratórios com os Ensino-
Aprendizagens. Explicitam os conteúdos matemáticos que devem ser abordados
138
(não indicando em que nível o assunto deve ser tratado) e repetem, em parte, o que
aparecia em súmulas anteriores, relativo a questões pedagógicas. Transcrevo a
seguir a súmula do Laboratório I para facilitar a análise: “Números naturais, inteiros,
racionais. Incomensurabilidade e números irracionais. Preparação, execução e
avaliação de experiências de práticas de ensino nesses conteúdos especificados.” A
última frase refere-se às práticas comuns dos Laboratórios de criar as condições
adequadas para que conteúdos pré-determinados sejam ensinados. Seria isso?
Diferentemente das súmulas anteriores não está explicitado que essas práticas
devam acontecer em escolas de Ensino Fundamental e Médio ou junto a alunos
desses níveis. Assim, abrem-se diversas possibilidades para ocorrência de
experiências de práticas de ensino, ainda que se entenda práticas de ensino” como
“práticas de docência”. Por outro lado, a enumeração de conteúdos no início do texto
indica que os mesmos serão tratados não apenas como “conteúdos a serem
ensinados”, pois isso está dito na última frase, de modo que também se espera
um tratamento “mais matemático” ou “mais didático”, ou ambos os tratamentos.
Apenas mais um detalhe: nos pré-requisitos do Laboratório I constam, por exemplo,
as disciplinas de Fundamentos de Matemática I e Fundamentos de Aritmética, cujas
súmulas
26
contemplam os conteúdos matemáticos em questão. Sendo assim,
suponho que o tratamento esperado “desses conteúdos” no Laboratório seja o de
natureza didático/pedagógico.
Esta longa análise das súmulas, aparentemente dizendo o óbvio, poderá ser
ressignificada no confronto com outros discursos acerca da inserção dos
Laboratórios no curso de formação de professores de matemática da UFRGS.
Destaco inicialmente partes do Projeto Pedagógico dos Cursos de
Licenciatura em Matemática (projeto completo, ANEXO G).
O Curso de Matemática da Universidade Federal do Rio Grande do Sul
(UFRGS) foi criado em 1936, no âmbito da então Faculdade de Filosofia,
com duas habilitações: Bacharelado em Matemática e Licenciatura em
Matemática. [...] O diploma de licenciado era então outorgado àqueles
estudantes que, tendo concluído o curso de Bacharelado, cursavam um ano
adicional de disciplinas de Didática. Em 1970, como decorrência da reforma
universitária de 1968, a oferta de ambas as habilitações passou a ser
encargo do Instituto de Matemática da UFRGS (IM), até então dedicado
exclusivamente à pesquisa. (PPC - IM/UFRGS, 2010)
27
26
No site do DMPA/UFRGS http://www.mat.ufrgs.br/~comgradmat/ – estão disponíveis as súmulas
de todas as disciplinas oferecidas no curso de Licenciatura em Matemática.
27
http://www.mat.ufrgs.br/~comgradmat/
139
Este relato está em consonância com outras narrativas acerca do quadro
nacional de instalação dos cursos de ensino superior e, mais especificamente, dos
encaminhamentos ocorridos em termos da organização dos cursos de licenciatura,
principalmente após a reforma de 68; assunto abordado no capítulo 3, seção 3.1.
Em 1993 foi implementado um novo currículo do curso de Licenciatura,
superando a estrutura tradicional “três-um”- três anos dedicados à formação
matemática e um ano dedicado à formação didático-pedagógica. O novo
currículo foi proposto tendo como referência um perfil delineado de
professor de Matemática, de modo que “o aluno tivesse oportunidade de
vivenciar situações diretamente relacionadas com esse perfil e que a
iniciação à docência permeasse todo o curso (PAIUFRGS, 1995). A
organização curricular foi estruturada segundo os critérios:
“- integrar, ao longo dos quatro anos de formação, as disciplinas das áreas
pedagógica e matemática;
“- iniciar o trabalho de formação a partir do vel em que se encontra o
aluno, retomando-se ao longo do primeiro ano conteúdos da escola
secundária;
“- distribuir equilibradamente os créditos entre disciplinas de caráter
matemático e caráter pedagógico.” (PAIUFRGS, 1995).
No novo currículo, também foi incorporada a perspectiva da inovação do
ensino de Matemática com recursos da tecnologia, inicialmente através de
duas disciplinas e posteriormente nas práticas pedagógicas desenvolvidas
ao longo do curso (Idem, 1995). (PPC - IM/UFRGS, 2010).
Neste trecho do projeto vê-se a emergência de mudanças curriculares
decorrentes da pressão operada por um discurso pedagógico inovador, propositor
das novas tecnologias, incentivador de práticas de docência e centrado na idéia de
equilíbrio entre as áreas de formação específica e de formação pedagógica,
presentes nos cursos de licenciatura. Um discurso que se fazia presente, nesta
época, no âmbito da comunidade de educadores matemáticos.
Em 2000, os currículos sofreram novas alterações em atendimento à
exigência de um mínimo de 300 horas de prática de ensino, estabelecida
pela nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei 9.394/96). Nessas
alterações, foram preservados os princípios motivadores da reformulação
curricular anterior e modificadas a súmula e carga horária de um conjunto
de disciplinas, em decorrência de avaliação interna do currículo
implementado desde 1993. (PPC - IM/UFRGS, 2010).
A determinação da carga horária destinada às práticas de ensino, nos cursos
de licenciatura, torna-se uma questão legal, propulsora de novas reformas
curriculares. No caso do curso de licenciatura em matemática da UFRGS, as
modificações realizadas em 2000 para adaptação às exigências da lei foram ínfimas,
segundo a informação acima. No caso das disciplinas de Ensino-Aprendizagem e de
Laboratório foi observado que a carga horária total das duas se manteve
140
inalterado (apesar da extinção de um Ensino-Aprendizagem e a criação de um
Laboratório) e as súmulas foram ajustadas de modo a articular e vincular os dois
blocos de disciplinas. Desta forma, a carga horária dedicada à categoria “prática de
ensino”, no curso em análise, chega a 360 horas, contemplando o previsto em lei.
A narrativa histórica do curso tem sido habitual em diversos documentos
28
analisados, entre eles, o Projeto Pedagógico do Curso, de onde retirei os dados
acima; o Relatório de Avaliação Interna do curso, produzidos em 1995, por
solicitação do Programa de Avaliação Institucional de UFRGS (PAIUFRGS) e os
Relatórios de Avaliação Interna, produzidos em 2005, 2006 e 2008, sob a
coordenação da Comissão de Graduação em Matemática (COMGRAD-MAT), no
âmbito dos processos de avaliação institucional do Instituto de Matemática e da
Universidade. Essa narrativa histórica aparece nos documentos citados, em alguns
aspectos, um tanto diferenciada, como se passasse por uma atualização ou “ajuste
discursivo”. Como consta no último relatório citado:
O último processo de avaliação interna havia sido realizado em 1995, numa
fase inicial de implementação do projeto pedagógico do curso de
Licenciatura e de criação do novo curso de Licenciatura em Matemática
Noturna. O documento produzido em 2005 inclui, portanto, considerações
sobre a evolução dos cursos nesse período de dez anos. [...] O presente
documento é uma atualização daquele produzido em 2005. Não se pretende
retomar toda a discussão ali realizada sobre a evolução dos cursos desde
1995, mas, tendo um breve histórico como pano de fundo, apontar
persistências e mudanças em relação ao quadro descrito naquele texto.
(IM/UFRGS, 2006, p.62).
Digo “ajuste discursivo” por supor que, neste intervalo de aproximadamente
dez anos, a forma de dizer as coisas em documentos formais tenha se alterado em
função dos processos de assujeitamento a que fomos submetidos nesse período.
Destaco, como exemplo desse possível ajuste, parte das retrospectivas
históricas apresentadas nos relatórios de 1995 e de 2006.
O ano de 1990 é um marco para o curso de Licenciatura em Matemática. A
partir daí esse curso passa a ser independente do bacharelado, com um
novo currículo. Esse currículo foi avaliado e modificado em 1992.
O ano de 1992 é aquele onde começa a se articular um grupo de
professores dedicados à renovação da licenciatura. A partir do
(re)conhecimento das dificuldades do aluno ingressante e de um
levantamento das condições críticas do curso manifestadas em altos índices
de evasão e de reprovação, baixo número de diplomados e insatisfação
28
Os documentos citados estão disponíveis para consulta na COMGRAD/MAT do IM/UFRGS.
141
generalizada entre os estudantes, são elaborados objetivos atualizados
para o curso e delineadas estratégias de ação conjunta. Começa a
estruturação da área de Educação Matemática no DMPA. [...]
Em 1995/2 inicia-se o curso de Licenciatura noturno em Matemática, com a
divisão dos ingressantes de 95 em 45 estudantes para cada turno. Em
1995/2 o número de alunos será 324. [...]
Com vistas a este histórico, centramos a auto-avaliação do curso nos
períodos de 1990/1 a 1995/1, ou seja nos cinco anos em que o curso existe
de forma independente dentro do Departamento. (IM/UFRGS, 1995, p.3).
Na trajetória mais recente do curso, devem ser destacados: o ano de 1990,
quando foram ofertadas, pela primeira vez, vagas distintas para os cursos
de Bacharelado e Licenciatura no Concurso Vestibular; o ano de 1993,
quando foi implementado um novo currículo para o curso de Licenciatura,
baseado em projeto pedagógico próprio; e o ano de 1995, quando foi criado
o curso de Licenciatura em Matemática Noturno. Em 1995, no âmbito do
Programa de Avaliação Institucional da UFRGS, o curso foi objeto de
avaliação interna, sucedida de avaliação externa.
O Relatório de Avaliação Interna considerou, naquele momento, que o
processo de reconstrução do curso iniciado em 1990 havia sido,
fundamentalmente, bem sucedido. O curso havia adquirido uma identidade
própria, assentada num projeto pedagógico consistente e orientado para a
formação de professores do ensino fundamental e médio. (IM/UFRGS,
2006, p.62-63).
As diferenças que observo nesses dois textos não se referem a discordâncias
ou mudanças de foco. Ambos os discursos tratam do mesmo objeto, mas foram
construídos em contextos históricos relativamente distintos e regidos por formas de
racionalidade também distintas. Diria que o primeiro se apóia num tipo de
racionalidade mais emocional, mais “apaixonada”, numa época em que o discurso
da pedagogia crítica, com base no pensamento reflexivo e nas práticas inovadoras,
estava em “alta”. O segundo, apoiado numa racionalidade mais técnica, mais
objetiva, consegue descrever os fatos sem envolver o(s) sujeito(s) supostamente
presentes nas ações narradas e sem interpretar ou posicionar-se sobre o tema.
Talvez um tipo de racionalidade mais apta a adaptar-se aos condicionantes formais
e legais que proliferavam na época. Mais recentemente, no relatório de 2008, essa
objetividade fica ainda mais evidente, como indica o texto: “O presente documento
tem como referência aqueles produzidos em 2005 e 2006 e, por isso, não pretende
abordar o período anterior a 2005, mas apontar mudanças e permanências ocorridas
no período mais recente.” (p.1) Assim, o documento não inicia com uma
retrospectiva histórica, conforme foi feito nos anteriores, abordando de imediato a
questão do projeto pedagógico dos cursos de licenciatura.
Além da retrospectiva histórica, busquei nos dois documentos o que diziam
sobre o tema “perfil do professor de matemática”. No relatório de 1995 aparece:
142
“Definimos, inicialmente, o perfil do professor de Matemática para os dias de hoje:”
(p.4) e, na sequência, uma lista de características e competências. No relatório de
2006, com a mesma neutralidade já indicada acima aparece:
Os currículos dos cursos de Licenciatura são a expressão de projeto
pedagógico formulado, inicialmente, em 1992 e modificado em 2004, de
modo a incorporar as experiências realizadas nesse período e as
normatizações estabelecidas pelo Conselho Nacional de Educação e pelo
Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão da UFRGS. (IM/UFRGS, 2006,
p.64).
Na continuidade, esse relatório indica o perfil do professor e os objetivos do
curso, mas sempre fazendo referência ao texto do projeto pedagógico. No relatório
de 2008 a lógica do texto é a mesma primeiro destaca a procedência do projeto
pedagógico e depois, recorta desse, o perfil do profissional que se pretende formar.
Transcrevo abaixo essa parte do relatório:
O projeto pedagógico dos cursos, apresentado e aprovado em 2004, teve
sua redação revisada em 2007 pela Comissão de Graduação em
Matemática e aprovada pela Câmara de Graduação do CEPE. O projeto
está publicado na página eletrônica da COMGRAD-MAT. (IM/UFRGS, 2008,
p. 1-2).
Apesar da referência feita a uma redação revisada em 2007, é importante
destacar que o texto relativo ao perfil do professor a ser formado não sofreu
nenhuma alteração, de modo que o texto abaixo já atravessou quase duas décadas.
Definimos o perfil do profissional que se espera formar neste curso a partir
do perfil que está expresso no Projeto Pedagógico do Curso de Licenciatura
em Matemática, formulado em 1992. O professor formado no Curso de
Licenciatura em Matemática deve:
“- apresentar um bom domínio de conteúdos matemáticos;
“- apresentar um bom domínio de teorias de ensino aprendizagem e saber
adequá-las ao conteúdo específico;
“- apresentar um bom domínio da tecnologia informática como ferramenta
para a aprendizagem da Matemática;
“- ser um pesquisador dentro da sala de aula, capacitado a entender as
diferentes estratégias desenvolvidas pelos alunos no processo de
aprendizagem e as variáveis didáticas envolvidas no processo;
“- ser agente de transformação dentro de sua escola, questionando os
programas e as seqüências de ensino vigentes;
“- estar em permanente contato com pesquisas e experiências na área de
Educação Matemática, realimentando permanentemente a dinâmica do
ensinar e do aprender.” (PAIUFRGS, 1995, p. 4). (PPC - IM/UFRGS, 2010).
143
No relatório de 2006 aparece outro enunciado sobre o tema, que se junta ao
anterior para complementar a ideia (registrada no Projeto Pedagógico) do que se
espera do professor egresso.
O profissional que se pretende formar é um: professor com sólido
conhecimento matemático; professor prático-reflexivo, aquele que produz
“conhecimento pedagógico dos conteúdos; professor para o futuro, com
domínio da tecnologia; professor-pesquisador em sala de aula; professor
agente transformador da realidade da escola e co-responsável pela
qualidade do ensino. Esse perfil orienta as diferentes estratégias de
formação que vão perpassar todo trabalho docente e o próprio currículo.
(PPC - IM/UFRGS, 2010).
Faço essas considerações por entender que dentro desse contexto, de
práticas discursivas (lembrando que as mesmas nos reportam à existência de regras
a que está submetido o sujeito, quando emite um discurso), dirigidas a dizer algo
rígido, estático, que parece conter uma verdade incontestável, decorrem outras
evidências, outras verdades (efeitos de verdade), outros discursos, que podem ser
entendidos como subproduto dessas práticas discursivas e que, obviamente,
seguem as mesmas regras de formação. Dizendo de outra forma: os múltiplos
discursos que se sucedem nos relatórios de avaliação, ressaltando os projetos de
pesquisa e extensão desenvolvidos, a ampliação da infra-estrutura do curso, as
reformas curriculares processadas, entre outros, fazem parte da mesma rede
discursiva. Pensando especificamente nos discursos relativos ao Laboratório, para
retomar meu objetivo nesta seção, entendo que é preciso vê-los, ouvi-los tendo em
vista as práticas discursivas sinalizadas. Uma análise desse tipo, no entanto, é muito
imprevisível, por compor-se de entrelaçamentos e de inquéritos que crescem na
mesma medida da atualidade do discurso. Por isso vou colocar-me um limite, ainda
que provocada a continuar.
As disciplinas de Laboratório são entendidas e narradas, ao longo dos últimos
vinte anos, cada vez mais em função da sua adequabilidade às mudanças
curriculares propostas. Por que afirmo isso? constatei anteriormente que, por
ocasião da implementação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 1996, a
carga horária destinada aos Laboratórios (e aos Ensino-Aprendizagens, juntos)
ultrapassava à exigida em lei. Situação semelhante volta a ocorrer quando, em 2001
e 2002, entram novas orientações curriculares. Em 2005 se efetivam expressivas
mudanças nas grades curriculares dos cursos de licenciatura, devido às Diretrizes
144
Curriculares Nacionais para a Formação de Professores para a Educação Básica
apresentadas nas Resoluções CNE/CP 1/2002 e CNE/CP 2/2002 e as
determinações do Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão da UFRGS (CEPE) em
sua Resolução 04/2004. Transcrevo a seguir, do projeto pedagógico do curso
(ANEXO G), o conteúdo dessas resoluções, de modo a facilitar a indicação dos
pontos em que os Laboratórios se inserem.
a) a Resolução CNE/CP 1/2002, publicada no DOU de 04/03/2002, que
institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de
Professores da Educação Básica, em nível superior, curso de Licenciatura,
de graduação plena”, e que enfatiza a necessidade de programas de
formação que integrem, desde os primeiros anos de curso, a aquisição de
competências pedagógicas e competências em área específica de
conhecimento;
b) a Resolução CNE/CP 2/2002, publicada no DOU de 04/03/2002, que
institui a duração e a carga horária dos cursos de Licenciatura, de
graduação plena, de formação de professores da Educação Básica em nível
superior”, estabelecendo uma integralização mínima de 2800 horas de
formação, com a seguinte distribuição:
- 1800 horas para conteúdos curriculares de natureza científico-cultural;
- 400 horas de prática pedagógica como componente curricular, ao longo do
curso;
- 400 horas de estágio curricular supervisionado, a partir da segunda
metade do curso;
- 200 horas para outras formas de atividades acadêmico-científica culturais.
2. as exigências estabelecidas pelo Conselho de Ensino, Pesquisa e
Extensão da UFRGS em sua Resolução 04/2004, que reforça a importância
da indissociabilidade entre formação da especialidade e a formação
pedagógica pela introdução, desde as etapas iniciais do curso, de
disciplinas de práticas pedagógicas”, assim como a inclusão da pesquisa
como eixo articulador entre a construção do conhecimento específico e a
prática pedagógicae institui, como obrigatório nos cursos de Licenciatura,
o Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) como registro de reflexão que
integre a construção teórica com as experiências adquiridas ao longo das
práticas pedagógicas e do estágio obrigatório.” (PPC - IM/UFRGS, 2010).
Ênfase na “aquisição de competências pedagógicas” (Resolução CNE/CP
1/2002), “400 horas de prática pedagógica como componente curricular, ao longo do
curso”, (Resolução CNE/CP 1/2002) e “indissociabilidade entre formação da
especialidade e a formação pedagógica pela introdução, desde as etapas iniciais do
curso, de disciplinas de práticas pedagógicas” (Resolução UFRGS 04/2004), todos
estes itens contemplados pelas disciplinas de Laboratório. Naturalmente, foram
feitos alguns ajustes para que se chegasse ao modelo imposto por lei, sendo que o
mais evidente refere-se à extinção das disciplinas de Ensino-Aprendizagem e
ampliação da carga horária dos Laboratórios. Mas, não menos importante é a ênfase
145
imposta aos Laboratórios de, cada vez mais, funcionarem como “espaço” de prática
pedagógica.
Dizer que os Laboratórios, da forma como vinham operando, atenderam
quase de imediato às exigências da lei pode parecer algo “banal”, diria até “normal”.
No entanto, estas resoluções o foram em geral tão facilmente atendidas, o que
indica terem sido os Laboratórios do Curso de Licenciatura em Matemática da
UFRGS projetos bem “avançados” na época em que foram criados. Para
exemplificar a dificuldade que representou o atendimento das resoluções citadas,
destaco um depoimento de Rosa (2006):
Nesse contexto, o Grupo de Trabalho constituído no Fórum de Formação
para discutir composições curriculares que levassem em conta as 400 horas
de práticas e 400 horas de estágio supervisionado, previstas nas DCNFP
(2001), aponta algumas possibilidades. Nesse campo de possibilidades, o
GT propõe que em cada disciplina do currículo de formação profissional do
educador, desde o início do curso, haja horas de atividades práticas. (ibid.,
p.191).
Além disso, dizer que os Laboratórios foram um projeto “avançado” para sua
época é mais do que uma simples dedução. Discursos de professores do Curso de
Licenciatura em Matemática da UFGRS, em suas teses de doutorado, mostram que
de fato os Laboratórios eram vistos e ditos como “inovadores”. Segundo Basso
(2003)
29
, referindo-se às ações ocorridas em 1985:
Não se tratava mais de apenas modificar a seriação das disciplinas que
compunham o currículo de um licenciando. Era necessário reestruturar tanto
a carga horária das disciplinas de Matemática quanto as de cunho
pedagógico e, mais importante, introduzir novos conhecimentos no
currículo.
As transformações significativas não ocorreriam tanto no aspecto da prática
de ensino, ainda congelada nos eternos 6 créditos, mas com a introdução
de:
uma disciplina de Laboratório de Matemática (6 créditos) na qual
eram produzidas aulas experimentais e as mesmas eram colocadas em
prática pelos licenciandos. Estes, por sua vez, tinham como alunos,
adolescentes que cursavam o ano do grau. Tal disciplina estava ao
encargo do Departamento de Matemática Pura e Aplicada. É importante
registrar que a criação desta disciplina, de alguma forma representou um
resgate histórico pois na décadas de 60 e 70 experiências semelhantes
foram realizadas na extinta disciplina Fundamentos de Matemática
Elementar, sob a responsabilidade da professora Joana Bender.
(ibid.).
29
http://aprender.lec.ufrgs.br/tese_m/html/02_capitulo1.htm
146
Também em Carneiro (1999) ocorre uma alusão à “novidade” que
representavam algumas disciplinas do currículo, entre elas os Laboratórios.
A mudança na Licenciatura em Matemática da UFRGS não se deu de forma
tão abrupta como parece a partir de 1990, tudo mudou! nem tem em
nível teórico seu componente fundamental. Este curso já apresenta algo
novo, com relação aos outros, desde 1985, quando os estudantes do último
ano passam a cursar disciplinas de Didática e Prática de Ensino específicas
para a Matemática, [...]; também, neste ano, começam a ser oferecidas,
desde o semestre, as disciplinas de Ensino Aprendizagem e Laboratório
de Ensino, ambas ministradas por docentes do DMPA, dispondo-se a tratar
as questões pedagógicas específicas da Matemática. Inicia-se, ali, a
influência da Educação Matemática sobre o currículo. (ibid., p.210).
Para concluir, quero ressaltar que meu objetivo nesta seção foi descrever
condições históricas do surgimento do Laboratório como objeto discursivo. Fiz um
esforço nesse sentido, mesmo sabendo que muitas relações ainda poderiam ser
estabelecidas no sentido de “desvelar” as regras de formação das práticas
discursivas em análise. Reforço que é preciso que certas práticas sejam objetivadas
como Laboratório para que o mesmo se constitua em algo” e, como tal, passível de
estudo e de análise. Assim, evoco de minha coleção de trabalhos e registros dos
alunos, um texto no qual o Laboratório, no meu entendimento, mais uma vez é
objetivado e avaliado.
RE
6
(2005) - As experiências de ensino-aprendizagem que vivenciei na disciplina MAT01040
LABORATÓRIO DE ENSINO DE MATEMÁTICA I foram muito importantes para a minha
formação. O planejamento, a implementação e a avaliação da prática no Ensino
Fundamental foi de extrema validade e proveito, considerando o ótimo desempenho da
professora da disciplina de Laboratório I, como supervisora desta atividade. É importante
que seja destacada a atitude da referida professora quanto à abertura ao diálogo com os
alunos, compreensão e disponibilidade para dar sugestões e fornecer material de apoio para
a melhoria e o aperfeiçoamento dos trabalhos e atividades realizadas pelos alunos.
As atividades inerentes à prática de ensino foram muito importantes para o conhecimento da
realidade de uma Escola Pública Estadual. O bom relacionamento interpessoal com os
alunos da turma 62 e com a professora de Matemática da referida turma, favoreceu a
comunicação e o clima de simpatia e harmonia com os mesmos.
O estudo, reflexão e discussão dos conceitos matemáticos sobre números inteiros e
racionais oportunizaram o enriquecimento das ações pedagógicas em sala de aula.
O contato direto em sala de aula com alunos da faixa etária da sexta série do Ensino
Fundamental foi uma experiência significativa para colher elementos de reflexão quanto à
necessidade de equilibrar os aspectos cognitivos e afetivos que estão presentes nas
situações de ensino e de aprendizagem.
Os resultados dos testes da avaliação aplicados aos alunos da turma 62 comprovam que
houve pouco tempo para a construção dos conhecimentos dos alunos em relação ao
número de conteúdos propostos. As opiniões e comentários feitos pelos alunos da turma 62,
quanto ao desempenho docente dos professores-alunos da UFRGS foram satisfatórios.
147
6.4 UMA DESCRIÇÃO ANALÍTICA POSSÍVEL
Os jovens amam o que é interessante e
peculiar, não importa a onde seja
verdadeiro ou falso. Espíritos mais maduros
amam na verdade aquilo que nela é
interessante e peculiar. Por fim, cabeças
totalmente amadurecidas amam a verdade
também onde ela parece ingênua e simples
e é enfadonha para o homem comum,
porque notaram que a verdade costuma
dizer com ar de simplicidade o que tem de
mais alto em espírito. (NIETZSCHE, 2005, p.
257-258).
Nietzsche disse que os espíritos livres não existem, mas que ainda assim ele
gosta de pensar que possam vir a existir, por isso escreve sobre eles e para eles.
Estaria Nietzsche pensando em espíritos livres quando falou dessas cabeças
amadurecidas? Espero que não. Espero que o humano, demasiadamente humano,
também possa amar a verdade, mesmo que ela pareça simples e ingênua.
Por falar em verdade, estava certo dia folheando o livro de Fischer (2005)
quando me deparei com a seguinte frase:
Cabe dizer que, enquanto pesquisadora analisando tempos que também
vivi –, tive algumas vezes o impulso de mergulhar em meu próprio arquivo,
tentando descrevê-lo. Mas acabei também concluindo pela impossibilidade
do gesto, pois como descrever nosso próprio arquivo, se “é do interior de
suas regras que falamos”? (Foucault, 1987, p.150). (FISCHER, 2005, p. 31).
Logo percebi a verdade contida. Estivera trabalhando nesta tese por tanto
tempo e, apesar de “rodear” constantemente os dados coletados (trabalhos de
alunos e transcrições dos vídeos), sentia dificuldade em começar a descrição
analítica que os envolvia. Após a leitura desta frase fui buscar em Foucault maiores
esclarecimentos. Relativo ao tema da arqueologia ele diz:
É evidente que não se pode descrever exaustivamente o arquivo de uma
sociedade, de uma cultura ou de uma civilização; nem mesmo, sem dúvida,
o arquivo de toda uma época. Por outro lado, não nos é possível descrever
nosso próprio arquivo, que é no interior de suas regras que falamos, já
148
que é ele que ao que podemos dizer e a ele próprio, objeto de nosso
discurso seus modos de aparecimento, suas formas de existência e de
coexistência, seu sistema de acúmulo, de historicidade e de
desaparecimento. (FOUCAULT, 1986, p.151).
Custei um pouco a aceitar o que parecia uma verdade simples e aingênua.
A professora/orientadora dos Laboratórios não poderia descrever analiticamente os
fragmentos de discursos coletados, porque seria do interior das regras de formação
desses discursos que ela estaria a se pronunciar. Seria uma tentativa de descrever o
seu próprio arquivo. Talvez isso explique porque, conforme expressou na seção 6.1,
ela esteve sempre a narrar a experiência do Laboratório. Pode-se dizer que a
professora esteve submetida aos mesmos regimes de verdade e aos mesmos
processos de produção de sujeitos que funcionam no espaço do Laboratório, entre
eles o de fazer cada sujeito narrar o seu próprio “ser/estar professor”.
Assim, a pesquisadora (sempre ao lado” da professora, mas procurando, em
diversas situações, manter um distanciamento discursivo) foi quem descreveu, ao
longo desta tese, as condições de existência do Laboratório enquanto objeto
discursivo, as formas de racionalidade presentes na sua história e os dispositivos de
governo que o regulam.
Nesta fase final do trabalho, depois de ouvidos os personagens centrais do
Laboratório, é preciso acrescentar que os registros das aulas, através das filmagens,
tornaram possível a inclusão dos discursos da professora na descrição analítica que
segue. Assim, os textos escritos por alunos e professora e as falas transcritas foram
os objetos de análise utilizados.
O reconhecimento dos efeitos produtivos desses discursos conduziu a três
campos de análise, nos quais o Laboratório foi entendido como:
- espaço de circulação do discurso da pedagogia moderna;
- espaço de produção de tecnologias de governo;
- espaço de produção do professor verdade e do professor experiência.
No primeiro campo, são identificados os discursos relativos às práticas de
ensino e de aprendizagem, às rotinas da escola, aos fazeres dos professores, às
concepções sobre educação, ensino, matemática..., enfim, discursos pedagógicos
que circulam na comunidade de educadores matemáticos e que são constituidores
dos professores dessa área.
149
O segundo campo analisado compreende os discursos mais voltados às
questões de poder e às formas de assujeitamento utilizadas pelo mesmo.
Basicamente são descritos os dispositivos, as tecnologias, utilizadas em práticas de
governo dos outros e de governo de si mesmos.
O terceiro campo propõe o reconhecimento da distinção entre professor
verdade e professor experiência, no âmbito das práticas discursivas do Laboratório.
O primeiro é entendido como aquele que se organiza e opera através da sujeição a
uma verdade pré-determinada e o segundo como aquele que exercita a indisciplina
do pensamento, não se submetendo à ordem das verdades estabelecidas.
Primeiro Campo – Dispositivos de produção de sujeitos/professores
Trata da constituição do professor de matemática e dos discursos da
pedagogia produzindo o “ser/estar” professor, explicitados pelo que dizem os alunos
sobre “como deve ser um professor de matemática”.
RE
7
- Inicialmente convém reafirmar algumas crenças e premissas pessoais sobre a
educação. Assim, numa abordagem bem generalista, acredito que em uma sala de aula
sempre temos que perseguir a multiplicação da educação nos diversos planos: individual, do
grupo, do professor, extensivo a familiares e amigos. Acima de tudo isso tem que nos trazer
prazer, ser divertido. Sempre com a máxima interação possível.
RE
8
- Conhecendo o poder da Matemática na evolução do raciocínio, bem como da sua
capacidade em potencializar a atividade cerebral, ser professor de Matemática hoje é ajudar
a transformar a realidade do aprendizado da Matemática. Ser professor de Matemática
também é participar da construção de alternativas de aprendizado que tragam resultados
mais positivos e níveis de satisfação mais elevados a todos os partícipes da sociedade
escolar.
RE
9
- Acredito que uma aula de matemática deve trazer questões práticas, o que para mim
seriam as aplicações da matemática no mundo em que vivemos, mostrar ao nosso aluno
que a matemática que ele na aula é utilizada incessantemente em vário lugares. No
entanto, as questões práticas não devem ser as únicas privilegiadas neste processo, como
vínhamos dizendo em nossos encontros “Um pouco de mecanização não faz mal a
ninguém”. E também a resolução de desafios matemáticos não deve ser deixada de lado,
pois tais desafios denotam raciocínios mais complexos e estimulam por vezes a curiosidade
de nosso aluno.
RE
10
- O professor deve ser o orientador dos alunos na busca do conhecimento, instigando e
despertando a curiosidade dos alunos para que eles próprios busquem seus conceitos. O
conteúdo poderia ser introduzido através de um contexto histórico de como ele surgiu, pois é
aí que podemos despertar a verdadeira curiosidade e a necessidade de descobrir o “porquê”
das coisas. A história da matemática nos abre um leque de perguntas e problemas curiosos,
150
independente do conteúdo a ser apresentado, onde podemos averiguar o espírito
investigativo dos alunos na busca do conhecimento.
RE
11
- A maneira mais prática de se dar uma aula e se obter um maior retorno são feitos
através de exercícios variados. Quanto maior for a dificuldade e mais compreensão se exigir
do aluno, mais certeza podemos ter de estarmos no caminho certo. Uma aula bem
preparada e bem transmitida fará com que o aluno se sinta a vontade para esclarecer suas
dúvidas e, numa matéria considerada difícil como a matemática, isto pode ser considerado
um prêmio.
RE
12
- Ser educador em matemática significa fazer um intercâmbio entre uma ferramenta
lógica e o ser humano, ressaltando que as pessoas precisam da matemática no cotidiano e
que tal ferramenta pode ser adaptada para uma maneira mais humana, de modo que
pessoas até mesmo com pouco conhecimento matemático, possam compreendê-la e utilizá-
la.
RE
13
- No momento do planejamento , temos que refletir qual a maneira mais clara de se
enfocar um assunto, que se mostre de onde as coisas saem mas, ao mesmo tempo, sem
tornar fatigante e principalmente fazer relações com o cotidiano. Acredito que ser
professsor de Matemática é uma tarefa que exige muita responsabilidade, temos que ter
competência tanto no conhecimento matemático quanto na capacidade de criar maneiras de
explicar o conteúdo, estabelecer uma interatividade aluno/professor.
RE
14
- O educador-orientador deve sempre manter em sala de aula este diálogo sobre a
importância, a aplicação fora da escola e a história de cada assunto ensinado. Além disso,
um plano de ensino deve ser bem elaborado com atividades e jogos criativos. Dessa forma
a mecanização matemática será mais amena e certamente atrairá muito mais os alunos.
RE
15
- Finalmente, com a experiência adquirida nesta disciplina, através da montagem do
material, do planejamento, do plano de aula, do material de apoio criado e das atuações em
sala de aula, poderemos obter uma excelente base par nossa futura atuação como
educadores, bem como a criação de uma identidade própria que facilite a transmissão de
conhecimento a nossos alunos aprendizes.
RE
16
- A disciplina de Laboratório acrescentou muito no processo de aprender a ensinar
matemática. A confecção dos planos de aula, a seleção dos exercícios, a interação com os
alunos e com os colegas, as observações das aulas dadas, as improvisações e muitos
outros fatos cooperaram para isto.
RE
17
- Considero muito produtivo os trabalhos realizados pela disciplina de Laboratório.
Verdadeiramente foi um teste de campo importante e essencial na formação do futuro
professor de Matemática. Nela pude praticar quase todas as atividades inerentes a
licenciatura (exceção de aplicação e correção de testes). Também foi possível ter uma troca
de experiências com os demais alunos da disciplina de Laboratório, enriquecendo ainda
mais a bagagem individual construída ao longo da realização dos trabalhos práticos.
RE
18
- Durante todo o semestre nós estudamos e discutimos formas de como ensinar,
buscando maneiras para melhorar o processo de ensino-aprendizagem e para mim o
trabalho de campo foi a oportunidade para pôr em prática o resultado dos quatro semestres
de estudos na Universidade.
RE
19
- Aprendi com essa disciplina que ser professor implica em também ser pesquisador, já
que precisamos estar sempre prestando atenção no aluno. Avaliando, não apenas no
sentido de ele ter uma nota, mas também no acompanhamento do progresso que o aluno
151
está tendo. Penso que essa avaliação é fundamental. que disso depende o sucesso do
professor.
RE
20
- Diferentemente do outro laboratório que cursei anteriormente que o foco estava sob
as diferentes abordagens do conteúdo neste o foco estava sob como o aluno vê o professor.
Desta forma a professora Lúcia trouxe a seguinte proposta para a turma de laboratório.
Durante o semestre e principalmente durante as situações de aula, nós alunos seriamos
filmados na situação de professores. Este foi mais subjetivo mais voltado ao
desenvolvimento de nossas próprias estratégias. Durante o semestre aconteceram várias
provocações para que pudéssemos nos reavaliar e reinventar.
O discurso da pedagogia se expressa, como todo discurso institucionalizado,
por uma linguagem demarcada por automatismos. O fenômeno educativo é tratado
em termos de seus efeitos no mundo, efeitos de fabricação de indivíduos e de certas
formas de subjetividade. A ética que sustenta o ensino institucionalizado sugere a
repetição, ou seja, a permanência do modelo, a manutenção do sistema operante. A
disciplina de Laboratório, por sua vez, cumpre eficientemente seu papel institucional,
“produzindo” sujeitos capazes de operar, dentro das normas sociais, a função
pedagógica.
Segundo Campo – Dispositivos de governo
São descritas, neste campo, como formas de governo que operam no espaço
dos Laboratórios, algumas técnicas de condução dos alunos a determinadas
práticas, estratégias de assujeitamento e práticas de regulação e disciplinamento.
A descrição é norteada pela questão: quais relações de poder se estabelecem
no âmbito dos Laboratórios? Relações entre professor e licenciandos, entre
licenciandos e alunos das escolas, dos licenciandos entre si, e tantas outras.
Relações analisadas tendo em vista a constituição do modo de o licenciando “ver-
se” professor ou “estar” professor e tendo em vista os elos de ligação entre o poder
e o saber atuantes/circulantes, produtores de efeitos de subjetivação.
Muitas outras questões se ajustam ao tema do governo: que sistemas de
diferenciação permitem que uns atuem sobre outros? Que modalidades
instrumentais se utilizam (palavras, registros)? Que formas de institucionalização
estão implicadas? Que tipo de racionalidade está em jogo? E ainda: seriam o
currículo e as reformas curriculares, orientadoras do funcionamento dos
Laboratórios, dispositivos de governo?
152
Retoma-se, tendo em vista todas essas questões, a descrição de enunciados
presentes nos discursos dos alunos.
RE
21
- Logo nas primeiras aulas eu me senti professor, identifiquei que naquele momento eu
“estava sendo professor”, atribui isto ao fato de que realmente eu detinha mais
conhecimento que a turma em relação ao conteúdo da aula proposta e também ao fato de
que tinha maior maturidade e conhecimento para conduzir a proposta de aula. Ser professor
é deter um bom conhecimento sobre o assunto a ser proposto e possuir condições de
conduzir um grupo de pessoas de forma que o conhecimento se de quanto à proposta e
objetivos da aula.
RE
22
- Posso resumir o aprendizado que tive nesta etapa da seguinte forma: em uma
condução de grande interação o professor deve estar muito bem qualificado no domínio dos
conteúdos matemáticos e também das ciências, profissões e práticas da vida que utilizam
os assuntos matemáticos em questão.
RE
23
- Sabemos que boa parte do aprendizado está diretamente ligada ao aluno, ao
empenho do aluno, do quanto o aluno quer aprender sobre determinado assunto. Mas o
professor tem um papel fundamental para esse aprendizado, já que ele é o responsável pelo
encaminhamento do aluno. Encaminhar aqui o significa guiar, pelo menos não em todo o
momento, mas quer dizer apontar os distintos caminhos possíveis.
RE
24
- Os alunos para qual foram ministradas as aulas pertencem a uma classe de pessoas
que dispõe de pouquíssimo tempo para estudar em virtudes dos problemas sociais a que
são submetidos e por estarem também ocupados em trabalhar durante todo o período
diurno e chegam cansados para as aulas. Trabalhar nestas condições requer grandes
esforços dos profissionais de ensino envolvidos. Os métodos envolvidos no tratamento com
essas pessoas devem ser mais dinâmicos e instigantes para que os alunos não esmoreçam
ou se entediem.
RE
25
- A turma tinha alguns problemas de disciplina. Foi extremamente difícil para o grupo
manter a ordem e prender a atenção dos alunos. Felizmente a professora regente da turma
assistiu a todas as aulas dadas pelo grupo, fato que é positivo porque, em determinadas
situações, sua intervenção foi imprescindível para manter a ordem na sala de aula. Esta
característica, todavia não pode ser alterada, pelo menos no âmbito dos Laboratórios.
Futuramente no estágio, quando assumirmos uma turma por um período mais longo, certas
atitudes em aula poderão ser objeto de uma combinação prévia com os alunos e
seguramente minimizados.
RE
26
- Uma aula de matemática precisa extrair de cada aluno toda sua capacidade de
raciocínio, de pensamento intuitivo que cada um de nós possui, de forma com que estas
idéias, muitas vezes esquecidas em nossas mentes, possam fluir, através da prática de
problemas, questões lógicas e etc... É preciso explorar a beleza da matemática e sua
importância para todos, o que muitas vezes não se faz visível. A Aritmética, a Álgebra e a
Geometria se fazem muito importantes em suas aplicações, podendo-se trabalhar todos os
feitos do homem que foram apoiados na matemática, demonstrando que em cada tijolo
acimentado esta ciência está presente.
RE
27
- Algo que reputo como negativo para o grupo é que, como a maioria de nós não tem
prática em dar aula, seria preciso mais treino, mais prática em como se comportar na sala
de aula, em frente aos alunos, para que não se fique encabulado ou tímido, o que prejudica
a aula.
153
RE
28
- É necessário que se motive o educando a ler matemática, tentando descobrir como
determinado teorema funciona ou como desenvolver uma questão para se chegar a uma
determinada fórmula. O educador deve evitar a forma mecânica como tradicionalmente se
ensina matemática, procurando desenvolver passo a passo com seus alunos o raciocínio
matemático.
RE
29
- O ensino dessa ciência se tornaria mais interessante para o aluno se este
conseguisse entender e não simplesmente aceitar os teoremas. No início das atividades do
semestre, a turma da disciplina de Laboratório II resumiu toda a matéria e simulou
apresentações nas quais a metodologia era criticada e comentada pelos colegas. Este
procedimento nos permitiu revisar as apresentações e nos deu uma oportunidade de
relembrar conceitos aperfeiçoar a técnica de docência.
- Orientações da professora regente como dispositivos de governo.
Partindo do entendimento de que as orientações da professora da disciplina
funcionaram como dispositivo de governo são destacados textos e falas de alunos,
além de documentos e textos informais da professora.
São evidentes as intenções de conduzir, governar e regular, da professora
regente, conforme consta no Plano de Ensino da disciplina (texto completo
ANEXO H), de onde se destaca:
Visando a preparação das propostas de ensino, deverá ocorrer uma fase de aproximação
entre os alunos da disciplina e os professores e alunos das escolas onde se desenvolverão
as práticas. Na continuidade do processo de planejamento e implementação das propostas
de ensino-aprendizagem serão mantidos os encontros semanais com a professora da
disciplina, possibilitando o trabalho de orientação e avaliação das práticas. O planejamento
incluirá a sistematização dos objetivos e das atividades e materiais previstos. Nesta fase os
alunos deverão evidenciar coerência entre os objetivos e as estratégias didáticas,
justificando suas opções a partir dos subsídios teóricos e análises críticas desenvolvidos
anteriormente. A avaliação das práticas prevê a consideração das aprendizagens (e
dificuldades) evidenciadas pelos alunos das escolas, a atuação de cada licenciando, sua
interação com os colegas, alunos e professores e a necessidade de reformulação do
planejamento.
Ao longo do semestre, cada aluno produzirá um relatório do trabalho realizado ao longo do
semestre, incluindo as tarefas realizadas, devidamente comentadas, e uma análise das
aprendizagens vivenciadas na disciplina. Além desse relatório individual, cada grupo
produzirá um relatório crítico-descritivo, documentando e avaliando o planejamento e a
implementação das propostas de ensino-aprendizagem. Estes relatórios serão divulgados,
na forma de seminário, para os demais colegas da disciplina.
Destaca-se, também, parte dos documentos que orientam a análise das
filmagens (ANEXO I) e a produção de relatório ao final do semestre letivo (ANEXOJ).
154
Questões relacionadas ao vídeo da 1ª Aula
1. Organizar um texto sobre o tema abordado em sua aula, de forma que todos os conceitos
envolvidos sejam revisados e aprofundados. Este texto será entregue aos seus colegas de
Laboratório II.
2. Responder a questão: Como poderia descrever minha atuação durante a aula-simulação?
O que posso dizer sobre “ser” ou “estar” professor naquele momento?
Obs.: Esta questão deve ser respondida antes e depois de você assistir ao vídeo.
3. Depois de assistir ao vídeo responda mais uma questão: houve diferença de percepções
e avaliações sobre seu desempenho como professor após assistir a filmagem da aula? Você
considera importante este registro dentro do processo de formação de professores?
Perguntas que podem orientar o relatório individual (relacionadas aos vídeos gravados):
1. Quais os momentos mais relevantes ocorridos nesta prática de ensino? Justifique:
2. Quais os momentos em que você se reconheceu professor? Justifique:
3. O que significa ser professor de matemática?
4. Quais momentos você gostaria de refazer, ou melhor, fazer de forma diferente? Por quê?
5. Quais as suas sugestões a um orientador de prática de ensino?
Orientações sobre os relatórios a serem apresentados no final do semestre
O relatório deve permitir a quem o reconstruir a experiência desenvolvida pelo
grupo. É um documento que poderá ser consultado por colegas interessados no
planejamento de outras atividades. É importante que vocês saibam que as professoras das
turmas onde desenvolvemos nosso trabalho poderão receber uma cópia do relatório.
O relatório individual é um documento pessoal e deve expressar a vivência e a
reflexão de cada um de vocês. Deve evidenciar as aprendizagens relativas a planejamento,
interação com os alunos, modo como os alunos aprendem, efeitos de diferentes abordagens
e outras reflexões. É um documento interno à disciplina. É o lugar adequado para cada um
expressar suas dúvidas e descobertas, as considerações teóricas que vem desenvolvendo a
partir da reflexão sobre as práticas de ensino e as sugestões para uma próxima experiência.
Este relatório deve expressar a avaliação individual e uma análise do papel de cada um
dentro do processo de ensino-aprendizagem do qual todos nós participamos.
Cabem nos dois documentos, também, avaliações sobre a disciplina de Laboratório e
o modo como as atividades foram propostas e acompanhadas pela professora.
Seguem alguns e-mails com conversas/orientações entre professora e alunos:
Data: Sun, 04 May 2008 22:15:05 -0300 [04-05-2008 22:15:05 BRT]
De: Lucia Helena M. Carrasco lucia[email protected]
Assunto: Re: Plano de Aula 05mai
Anexo(s): CARAÇA Medir.doc 23 KB
Comparando com a primeira versão do plano é evidente que conseguistes um ótimo
resultado e clareza de idéias.
Ainda assim fiz a leitura do teu texto e percebi que, talvez, não tenhas lido o texto do Caraça
(sobre Medidas) que enviei. Por isso estou te enviando novamente. De qualquer forma,
apenas alerto para um procedimento que pretendes utilizar - dividindo o quadrado em
quadrados menores, dizendo que cada quadradinho seria uma unidade de área e só depois
falando em 1 centímetro quadrado. Agindo desta forma parece que todo lado do quadrado é
um número inteiro. Acho que a ordem deve ser inversa: primeiro deves apresentar um
quadrado que será a unidade de área (pode ser o centímetro quadrado ou não) e depois irás
155
verificar quantas vezes esta unidade cabe no quadrado maior (ver Caraça). Isto pode gerar
um resultado racional o que não significa problema algum.
Outra observação: O teu plano segue o padrão combinado - objetivos, procedimentos (onde
entram todas as atividades que serão realizadas durante a aula), critérios de avaliação e
anexos (listas, exemplos, definições...). Apenas não consta a atividade de problematização
inicial. Pode ser uma conversa sobre unidades padrão de medidas ou um problema
envolvendo a medição da sala de aula (por exemplo) com a unidade metro quadrado.
Gostei do detalhamento apresentado no plano. Acho que todos poderiam seguir este
exemplo. Bom trabalho nesta primeira aula.
Lucia
Citando ......
Como combinado estou lhes enviando o plano de ensino para a aula da próxima segunda-
feira dia 05/05/2008.
Data: Mon, 19 May 2008 19:25:52 -0300 [19-05-2008 19:25:52 BRT]
De: Lucia Helena M. Carrasco lucia[email protected]
Assunto: Re: RES: Radiano
Sugiro que o título seja simplesmente Medida de Arco. Alerto também que deves cuidar os
exemplos sobre comprimento de arco. Seria interessante ressaltar para os alunos que o
maior arco (ou seja, a própria circunf.) mede 2 pi radianos. Portanto o exemplo de 5 rad está
legal, mas o valor não deve exceder muito senão entramos em arcos côngruos. Acho que
ficou bom o texto, apesar deste último exemplo ser um tanto complicado de explicar. Bom
trabalho amanhã,
Lucia
Citando ......
Segue com correções.
-----Mensagem original-----
De: Lucia Helena M. Carrasco [mailto:luciahmc@mat.ufrgs.br]
Enviada em: segunda-feira, 19 de maio de 2008 14:52
Assunto: Re: Radiano
Peço que coloques um título nesta página que, suponho, seentregue aos alunos. O final
do texto precisa ser repensado. Sua observação sobre medida de arco NÂO ser a mesma
coisa que comprimento de arco está correta, mas no final você conclui que os dois são
iguais. Isto não te parece estranho? Gostaria de conversar contigo por telefone, para
explicar este assunto. Tentarei ligar mais tarde.
Apenas adianto que o comprimento do arco é três vezes o do raio e este último é dado em
medida de comprimento, logo o primeiro também será em medida de comprimento e não em
medida de arco (radiano).
Outra observação: a regra de três utilizada serve para mostrar que a medida do arco é 3
rad, conforme foi discutido na aula anterior e, ainda, podemos simplesmente falar em
medida de arco, sem dizer que PORTANTO queremos o ângulo central que subtende esse
arco. Neste problema, em particular, nem seria necessário falar em ângulo (mas está correta
sua explicação sobre o mesmo). Aguardo contato para maiores esclarecimentos,
Lucia
Citando ......
156
Professora
Segue, explicacao sobre radianos, cfe combinado. Por favor, analise e me devolva com
correcoes que julgares necessarias. Pretendo entregar aos alunos na terca feira, jah que
amanha nao poderei ir na escola (previamente combinado com os colegas).
Data: Wed, 15 Apr 2009 23:39:15 -0300 [15-04-2009 23:39:15 BRT]
De: Lucia Helena M. Carrasco lucia[email protected]
Assunto: Re: Plano aula II
É bom que tenhamos uma segunda de "folga", assim poderemos respirar um pouco e
avaliar melhor o que fazer nas próximas aulas. Nos encontramos sexta, a partir das 18h. Bj,
Lucia
Citando ......
Oi professora!
Aqui é a ....., a aula foi boa. Não chegamos a entrar em circunferencia trigonometrica,
focamos a transformação de graus em radianos, tendo antes conceituado cada uma dessas
unidades, nossos alunos tem certa dificuldade em trabalhar com "regra de tres simples" e
com frações, tem isso em vista fizemos mais exercicios e procuramos ajudar os grupos de
forma individual. Na segunda que não aula na escola, na outra segunda, dia 27, vamos
fazer uma pequena avaliação-prova.
Conversamos melhor na sexta.
Abraços
Citando "Lucia Helena M. Carrasco" <luciah[email protected]>:
O plano está revisado e aprovado para execução. Apenas algumas observações:
Considero um pouco confusa a idéia de ?enrolar? a reta para explicar o radiano. Acho que
basta explicar a definição, destacando que não podemos confundir medida de arco com
comprimento de arco - estes são conceitos bem diferentes. Talvez vocês possam
acrescentar que, se por exemplo pudéssemos ?cortar? a circunferência em determinados
pontos e em seguida ?alinhar? segundo um segmento de reta, ao medirmos o
comprimento desse segmento (com uma régua) obteríamos como resultados o
comprimento do arco.
Na segunda parte da aula vocês relembram que uma volta completa tem 2pi rad. Ao
tratarem deste assunto sugiro que retomem a própria definição do pi, ou seja, que expliquem
que ele surge como razão entre o perímetro e o diâmetro da circunferência. Considerando,
depois, que estamos falando em raio unitário vai ficar mais fácil entender o 2 pi rad.
Na terceira parte vocês dizem (entre outras coisas) que? Como a circunferência
trigonométrica tem raio unitário, a medida de qualquer arco, em radianos, é numericamente
igual ao comprimento desse arco?.
Mesmo que isto pareça obvio considerando o que foi explicado antes, alerto que, para os
alunos, não será tão simples. Sugiro que novamente vocês expliquem a relação entre
medida de arco e comprimento de arco, destacando o caso do raio unitário.
Entrem em contato comigo se tiverem alguma dúvida. Estarei atenta ao email até o final da
manhã. Bom trabalho hoje à tarde. Bjs,
Lucia
Citando ......
Oi professora Lúcia.
Como combinado estou enviando o plano da colega para a aula de
segunda feira.
Att,
157
Data: Mon, 04 May 2009 21:45:53 -0300 [04-05-2009 21:45:53 BRT]
De: Lucia Helena M. Carrasco lucia[email protected]
Assunto: Re: Plano
Acho que seria uma ótima idéia eles se fincarem com os percevejos. O Miguel gostou
também!!! Dêem apenas quatro percevejos para cada dois alunos. Assim a chance de
tragédia diminui um pouco. Amanha cedo nos vemos. Bjs,
Lucia
Citando ......
amanhã mandaremos a folha com as definições revisadas...a idéia dos pecevejos é pra
distribuir entre os alunos?? se for, será que eles não podem se machucar com os
percevejos???
Att, .......
--- Em dom, 3/5/09, Lucia Helena M. Carrasco <[email protected]frgs.br> escreveu:
De: Lucia Helena M. Carrasco <luciahmc@mat.ufrgs.br>
Assunto: Re: Plano
Data: Domingo, 3 de Maio de 2009, 22:15
........
Seguem algumas observações sobre as definições que vocês pretendem explorar. Se
concordarem com elas peço que façam algumas alterações na folha que será entregue aos
alunos. Também sugiro que levem palitos de picolé e percevejos para montarem quadrados,
losangos e triângulos equiláteros. para mostrar que figuras de lados iguais podem ter
angulos retos ou não e que o triangulo é o único polígono rígido.
Nas definições de Retângulo, Quadrado e Losango não é preciso dizer que os lados opostos
são paralelos. Basta fazer referência aos ângulos e lados e o paralelismo deve ser mostrado
como consequência. No caso do Paralelogramo é necessário usar o paralelismo para
definir.
Em relação à definição de TRAPÉZIO ISOSCELES – Um quadrilátero é um trapézio
isósceles se, e somente se, possui dois lados paralelos e seus dois outros lados são
congruentes. Considero desnecessário dizer que possui dois lados paralelos, pois já foi dito
que é um Trapézio.
No entanto é importante (e suficiente) dizer que os "dois lados não paralelos são
congruentes".
Também sugiro que vocês levem material concreto que possa ser usado para montar
Tangrams com os alunos. Pode acontecer algum problema com o uso dos computadores
(pode até faltar energia elétrica!) e é preciso ter um esquema 2 já montado.
Irei visitá-los nesta terça. Até,
Lucia
Citando .......
Aqui vai o plano...desculpe-nos a demora...a verdade é que nos esquecemos e acabamos
nos atrapalhando... com nossas desculpas,
Para completar, evocam-se novamente os discursos dos alunos.
RE
30
- Nesta mesma aula nos apresentamos. Na realidade, houveram duas apresentações:
uma mais informal, com questões mais pessoais, um momento mais descontraído, para que
pudéssemos nos conhecer melhor e assim formar um grupo unido, com afinidades,
amizades. Esta primeira apresentação foi longe das câmeras, para que se pudesse ficar
158
mais tranquilos em falar. Num segundo momento houve uma apresentação mais formal,
sobre o motivo que nos fez escolher o curso de Licenciatura em Matemática e nossas
expectativas. [...] Na disciplina, um dos primeiros momentos de prática de ensino foi uma
aula-simulação, em que escolhemos um assunto para preparar uma aula e apresentar aos
colegas. Este foi um primeiro momento para nos acostumarmos com a atividade de dar aula.
[...] O momento de fazer o relatório em grupo e apresentação de seminário também ajuda na
reflexão de nossa prática. Este é o momento de pensarmos como foram as aulas e decidir o
que merece ser repassado aos outros, o que tem mais significado e pode contribuir para
nossa formação como professores.
RE
31
- Achei muito boa a idéia de termos um espaço de tempo pré-determinado para
ministrar uma aula que se encaixasse nos conteúdos que seriam posteriormente
trabalhados nas escolas. Primeiro porque esta aula simulada daria-nos a oportunidade de
planejar, e executar o plano, sem termos qualquer compromisso com entidades externas à
UFRGS. Segundo, porque tínhamos que estudar geometria para elaborar a aula, de modo
que o conteúdo ali trabalhado pudesse ajudar a outros colegas, ou a nós mesmos, nos
futuros planejamentos. Por fim, tínhamos a imposição do tempo, como se fosse uma aula
normal. Tempo que foi, de longe, o maior inimigo das nossas aulas práticas na escola.
RE
32
- A primeira atividade foi um ensaio de aula, onde cada aluno do laboratório daria uma
aula para os colegas. Este primeira atividade teve como objetivo problematizar algumas
situações comuns em sala de aula e o mais interessante dar a oportunidade para nos alunos
nos observar na situação de professores. A segunda atividade documentada com este
objetivo foi a aula dada na parte prática da disciplina. Este parte já é mais completa para
análise, pois além de observar o exercício do ensino, podemos verificar as reações dos
alunos, como recebem e percebem o que falamos.
RE
33
- A dinâmica que utilizamos para a troca de informações entre os componentes do
grupo, a Internet, foi útil por permitir realizarmos o trabalho sem nos encontrarmos, mas foi
também, por várias vezes, motivo de apreensão tudo ficava para a última hora. Muitas
foram as correrias para conseguir preparar o material em tempo hábil. Mas tudo valeu a
pena.
RE
34
- Ao final das aulas tivemos os seminários onde todos os grupos fizeram
apresentações detalhando o trabalho nas suas escolas e compartilhando suas impressões
sobre suas práticas. Acredito que esse fechamento foi um complemento para a nossa
aprendizagem dentro da disciplina. Durante o semestre tivemos nossa experiência com a
nossa turma e soubemos de todas as dificuldades, acertos e pontos a melhorar e com os
seminários pudemos apresentar essas questões para os demais colegas, além de ter um
conhecimento de como foram seus trabalhos de prática.
RE
35
- Depois houve a gravação do mini-curso ocorrido em sala de aula. Cada aluno tinha
que falar sobre um assunto de matemática dentro do esquematizado em aula. O assunto
que “caiu” para mim foi “Aplicações em trigonometria”. Para inovar um pouco, eu falei sobre
o cálculo da circunferência da Terra feita por Eratóstenes. Eu, particularmente falando, achei
péssimo a minha atuação como professor, principalmente quando eu assisti ao meu deo
(Já que a professora gravou os vídeos e passou para mídia de DVD). É que na verdade
faltou domínio de conteúdo da minha parte, já que o assunto era novo para mim. O que
aprendi foi o fato de preparar um plano mais consistente e me preparar melhor para falar do
assunto.
RE
36
- A professora gravou duas aulas minha. As duas na turma 332. A primeira aula que
ela gravou foi muito engraçada. Vou explicar melhor; Nesta turma tinha um aluno chamado
André que fazia o maior agito, largava piadinhas durante as aulas e o pessoal achava a
159
maior graça, quando a Lúcia foi fazer as filmagens na aula, este aluno se transformou,
passou a aula inteira praticamente em silêncio e, até fez algumas perguntas pertinentes.
Para mim isto foi bom, pelo fato de eu conseguir conduzir melhor a aula e, como eu estava
em observação, facilitou um pouco a minha vida.
RE
37
- Em relação às intervenções da professora Lúcia, eu fico um pouco inseguro quando
estas ocorrem nas práticas de ensino. Eu penso que posso perder a autoridade em sala de
aula e até perder o respeito pelos alunos, se eu falar um absurdo em aula, então eu
concordo. Mas não vejo mal nenhum quando as intervenções ocorrem em mini-cursos,
porque eu penso que o momento é este para o aprendizado e crescimento profissional como
professor.
RE
38
- Está cada vez mais difícil aplicarmos as metodologias de ensino propostas nas
disciplinas de laboratório. É difícil encontrar escolas públicas que disponibilizam recursos
para as aulas de geometria e professores dispostos a dar maior liberdade aos estagiários de
ensino-aprendizagem. Geralmente condicionam os estagiários a trabalhar com o conteúdo
no mesmo “passo e ritmo” em que trabalham. Caso assim ocorreu em nosso grupo na
escola, onde a professora regente vetou o rigor matemático nas demonstrações usadas na
geometria, limitando-nos a demonstrações simples e a utilização de algumas definições sem
demonstrar.
RE
39
- Os nossos encontros semanais com a professora Lucia Helena Carrasco foram
sempre muito produtivos, com certeza a professora colaborou muito pelo nosso sucesso em
sala de aula. Foi dado a nós uma “abertura” de ação. A professora sempre contribuiu
conosco sugerindo atividades que os alunos entenderiam melhor o conteúdo, mostrou-nos
pontos que poderiam ser mudados no plano e na nossa ação. O que eu penso que muito
acrescentou em nosso trabalho foi as sugestões de bibliografia a serem utilizadas, textos
para aprimorarmos o nosso conhecimento matemático
.
RE
40
- Como não tínhamos muita experiência em sala de aula foi muito importante o apoio
que tivemos da professora Lúcia, pois ela nos conduzia ao melhor caminho para realizar o
planejamento e com essa transmissão de experiência, nos últimos planos nem
necessitamos mais de tanto auxilio, pois havíamos nos adaptados a realizar aquele tipo
de planejamento.
RE
41
- Sugiro aos professores desta disciplina que sempre nos tragam coisas novas, coisas
que andam circulando em Educação Matemática, novas tecnologias, novas metodologias.
Que não nos dêem respostas, que sempre nos tragam mais perguntas e que nos estimulem
a nunca desistir de lutar para que o ensino melhore e se supere e que acreditem nisso
(gostei do que a professora disse na aula logo após as apresentações sobre esse assunto).
RE
42
- Uma sugestão que faço para uma possível continuidade das filmagens aplicadas às
aulas de Laboratório é uma atuação quase que anônima da pessoa que está filmando, um
clima de câmera escondida. Escrevo isto, pois, particularmente, fiquei um pouco receoso
quando fui filmado durante a prática na escola e na aula-simulação, momentos que estava
por vezes nervoso e bastante preocupado em conseguir conduzir a aula e transmitir o
conteúdo.
160
- O “ver-se” e o “dizer-se” como dispositivos de governo de si.
Também dentro deste segundo campo de análise, faz-se a descrição dos
discursos potencializados pelo uso das tecnologias vídeo/formação e relatos de
experiências, ambas funcionando com o objetivo de os sujeitos (alunos) construírem
e modificarem a experiência que têm de si mesmos. Nesse sentido, as técnicas de si
ou tecnologias do eu são entendidas como dispositivos de governo de si.
Seguem fragmentos de discursos dos alunos, em resposta às questões
propostas pela professora para análise do material produzido em vídeo e às
orientações para redação dos relatórios das práticas de ensino.
No primeiro fragmento observa-se certo estranhamento diante da imagem
refletida. o segundo fragmento mostra uma ampla aceitação do recurso e um
desejo de naturalizá-lo.
RE
43
- Nossa! Como é estranho ser aluno/expectador de si mesmo. É muito diferente do
que parece ser. Quando estou dando a aula tenho uma visão muito distinta do que está
acontecendo, ou de como estou me saindo, ou da forma que pareço estar, do que quando
olhei no vídeo. Tem certeza que aquele sou eu? Mas gostei do que vi.
RE
44
- O que foi feito não tem volta, não temos como voltar no tempo, mas se houvesse tal
possibilidade seriam poucas as minhas mudanças.[...] Não vejo problema nenhum na
filmagem, aliás, para nós, é melhor sermos filmados. Melhor seria se pudéssemos rever
todas nossas aulas. Pois o filme revela muita coisa que passam despercebidas.
A seguir, o foco da observação refere-se a questões comportamentais:
atitudes, vícios de linguagem, estados emocionais visíveis.
RE
45
- Através do vídeo pude fazer uma auto-análise e constatei alguns aspectos que
precisarão ser trabalhados, como o nervosismo, a comunicação, maior domínio de conteúdo
e o dinamismo. A insegurança e o nervosismo fazem parte do iniciado em qualquer
profissão, ainda mais quando se é jovem e uns são mais inseguros que outros. Com o
tempo e a experiência espero que isso se supere. A comunicação clara não é meu forte,
mas acredito que com um bom trabalho fonoaudiólogo isso pode ser concertado.
RE
46
- Após as aulas ministradas, verifiquei que em muitos momentos fiquei de costas para
a turma escrevendo no quadro e muito preocupado com a folha que tinha na mão onde
estava o conteúdo. Pretendo da próxima vez o usar tanto a folha e procurar olhar mais
para os alunos durante a explicação no quadro. Desconfio que agi desta maneira, por
inexperiência, timidez e nervosismo.
RE
47
- Na minha percepção achava que tinha ido pior, mas parece que consegui disfarçar
bem meu nervosismo, com exceção nos momentos em que houve as intervenções da
161
professora Lúcia, em que eu não soube o que dizer, ou mesmo falei baixo e meio
atrapalhado. Fiquei realmente satisfeito com a minha apresentação, não de um modo
definitivo, mas no sentido de que fui melhor do que o esperado.
RE
48
- Apesar de ter entrado bastantes vezes na sala de aula, às vezes acho que deixo a
insegurança falar mais alto do que minha capacidade de ensinar. Ao analisar o vídeo,
observei que consegui falar de forma clara sobre o conteúdo e pude notar que na maioria
dos momentos não deixei este sentimento se sobrepor ao domínio da matéria, o que me
permitiu ensinar ao grupo de uma forma que me felicitou bastante.
RE
49
- Gostei muito do método de formação de professores utilizando a câmera de vídeo.
Desde o princípio, acreditava que o processo traria grandes resultados. Ao me ver, pude
identificar alguns vícios de linguagem e aprimorar novas formas de abordagens dos
conteúdos. Podemos citar o “né e o “certo” como exemplos, são duas palavras que falo
muito. Ainda sigo falando, é mais forte do que eu, mas, cada vez que repito, me policio para
mudar.
RE
50
- Revendo as aulas que foram filmadas, percebi que sempre que parava de falar e
escutava uma pergunta dos alunos ou uma intervenção da professora, ficava
“chacoalhando” um giz na mão direita, o que certamente deve ter chamado a atenção dos
alunos.
RE
51
- A produção de vídeos em disciplinas de prática de ensino pode, sim, ajudar a
desenvolvermos qualidades e a evitarmos certos vícios de comportamento. Essa busca pelo
auto-aperfeiçoamento deve ser constante, pois estamos em contínua evolução.
RE
52
- Até esse momento da graduação nunca tinha me visto dando aula, gostei bastante e
acredito que esse vídeo me ajudará, e muito, na formação do meu ser professor de
matemática e de como ser professor de matemática. Mas porque acredito nessa ajuda?
Com o vídeo pude observar vícios de linguagem, maneiras de me expressar, observei
também que é preciso prestar muita atenção no que os alunos falam durante a aula, pois
por diversas vezes o os escutei e assim perdi participações importantes para a
construção do conhecimento de cada um.
Muitos comentários são feitos acerca da questão do conteúdo ministrado ou
da metodologia utilizada nas aulas:
RE
53
- Após assistir o deo percebi que de fato faltou uma melhor definição dos elementos
da geometria e não apenas de uma melhor definição de perímetro, pois o trabalho do seu
conceito trouxe algumas relações com outros elementos da geometria, como por exemplo a
definição de figura (polígono) de apenas o seu contorno ou também o seu preenchimento. O
vídeo me permitiu perceber também a necessidade de alguma atividade ou material para
que os alunos possam trabalhar com este novo assunto, esta “aula” foi muito expositiva, e,
apesar de instigar os alunos” com questões, considero que isso não tenha sido suficiente
(ou pode ser apenas uma impressão, pois as pessoas que assistiam a “aula” dominavam
este conteúdo, o que poderia dificultar nas dúvidas e sugestões).
RE
54
- Re-estudar o conteúdo aumenta o domínio e ajuda na clareza. E por fim, é preciso
ser mais dinâmico e ter maior clareza com meus objetivos em sala de aula, que no meu
162
caso acredito serem frutos da minha insegurança provocada talvez pela falta de prática ou
experiência nesta área.
RE
55
- Com o primeiro vídeo, aula apresentada aos meus colegas, pude identificar alguns
equívocos em minha aula, como o fato de não colocar nome nos eixos cartesianos e fazer
desenhos sem régua e compasso. Com essa identificação, pude aprimorar as aulas que dei,
posteriormente, no colégio Padre Réus.
RE
56
- O que foi feito não tem volta, não temos como voltar no tempo, mas se houvesse tal
possibilidade seriam poucas as minhas mudanças. Relacionada principalmente aos
desenhos no quadro, alguns não ficaram perfeitos. Isso ocorreu principalmente pela rapidez
que precisei desenhar. Aprendi que após o desenho devo dar uns passos para trás para
verificar se o desenho ficou como eu gostaria. que se estamos muito perto não
conseguimos fazer tal verificação. Erros desse tipo ocorreram somente na primeira aula.
Isso não quer dizer que achei errado isso, mas com certeza foi o que mais me chamou a
atenção.
RE
57
- Depois de ver a aula, percebi que o uso de material concreto é bastante indicado. Um
jogo de pega vareta seria o suficiente para mostrar as variações de ângulos possíveis entre
retas, o que foi a base da minha aula. Também seria interessante por mostrar como é bem
mais difícil encontrar, de maneira aleatória, representações de retas paralelas ou
perpendiculares na natureza, no nosso caso o jogo de pega varetas. Outra situação que
percebi ser um equívoco, depois da intervenção de colegas e da professora, foi a tentativa
de demonstrar por absurdo que, no plano, não existem duas perpendiculares a uma mesma
reta passando por um mesmo ponto. Provavelmente não seria uma abordagem de fácil
compreensão por alunos do ensino médio.
RE
58
- Depois de ver o deo tive uma idéia mais clara de como foi minha aula; acredito que
seja importante usar esse recurso, nossa memória às vezes nos engana. Confirmei meu
sentimento de que poderia ter feito muito melhor. Acredito que poderia ter me dedicado mais
a preparação dessa aula. Poderia ter aproveitado melhor os materiais concretos. Depois
descobri outras abordagens possíveis e aprendi mais sobre os poliedros platônicos,
incluindo coisas novas e muito interessantes.
O texto abaixo evidencia uma longa argumentação em defesa da utilização do
vídeo, mas sempre a partir de argumentos genéricos. É dito, por exemplo, que o
vídeo contribui para que observemos os momentos em que os alunos não
entenderam, no entanto, não é dito se isso aconteceu (e como aconteceu) em sua
própria aula.
RE
59
- Depois de me assistir no video, percebi que não devo ser tão pessimista e achar que
tudo vai dar errado. Gostei de minha aula e observando-me pude notar o que poderia ter
sido melhor e, assim, poderei mudar meu modo para um diferente, em que meus alunos
possam aproveitar mais minhas aulas e, realmente, entender a explicação formal. Antes de
me ver, pensava que minha aula não tivesse sido boa, mas gostei dela. Todo professor
deveria ter o direito de assistir-se apresentando uma aula em seu processo de formação.
Aprende-se muito com esse registro. Pode-se observar os erros e acertos, decidindo-se,
163
assim, o melhor caminho a ser tomado para suas futuras aulas. Em que momento os alunos
não entenderam? De que maneira a explicação foi mais aceita? O que poderia mudar para
uma melhor compreensão da matéria por parte dos alunos? Essas são perguntas que
podem ser explicadas e resolvidas através dos registros de nossas aulas, que sem os
vídeos, ficariam mais difíceis de serem resolvidas. Durante minha aula-simulação e de meus
colegas, a professora e os outros colegas posicionaram-se como alunos e faziam perguntas
como tais, o que achei muito saudável, pois se explicamos algo que o era tão claro como
parecia, com as perguntas, ficava visível o que faltou abordar. O recurso do vídeo é ótimo.
Destaca-se também uma fala que destoa das demais. Importante esclarecer
que este aluno, não tão jovem quanto à maioria, utiliza como parâmetros de
avaliação da experiência de docência as práticas do “seu tempo” de aluno de
escolas de ensino médio.
RE
60
- Sinceramente não gostei da minha presença em aula. Realmente assistir o vídeo foi
um impacto nada agradável. A imagem me trouxe à lembrança alguns professores que tive
na minha longa trajetória de aluno. Com certeza, daqui para frente, vou mudar minha atitude
na sala de aula. Muita coisa mudou na sala de aula desde minha época de estudante até os
dias de hoje. Na minha juventude o professor era mais respeitado pelos alunos. Não havia
baderna na sala de aula. Um aluno problema podia ser encaminhado para a direção da
escola que, por sua vez, entrava em contato com os pais. Os alunos sabiam que haveria
punição e que sua vida se transformaria num inferno. Este ambiente propiciava um ambiente
silencioso na sala de aula e a disciplina era rigorosa. Hoje, decorridos mais de 40 anos, o
que se vê nas escolas é um ambiente extremamente hostil e uma bagunça generalizada. Os
conceitos construtivistas aumentaram sobremaneira a permissividade e tolheram a
capacidade do professor de manter a ordem. Existe um torpor, uma apatia generalizada que
impede qualquer tipo de iniciativa de mudar o “status quo” instalado.
Em termos da avaliação do recurso (considerado, principalmente, em termos
das possibilidades de provocar a autoavaliação) e sugestões para a utilização do
mesmo, destaca-se:
RE
61
- Para mim a professora deve manter esta proposta nos próximos semestres, pois
garanto que é um trabalho muito original e inteligente, uma vez que permite olharmos nossa
própria aula e desenvolvermos um poder de criticidade que até hoje não havíamos
trabalhado nas disciplinas.
RE
62
- Assistir aos vídeos me fez pensar no meu modo de ser professora. Acredito que a
produção de vídeos nas disciplinas de Laboratório são importantes para a formação,
possibilitando verificar tudo que ocorreu na aula, pois nem sempre a memória registra tudo,
muitas coisas acabam se perdendo, ou se modificando de acordo com o que gostaríamos
que tivesse ocorrido. No vídeo, temos uma visão diferente de como foi a aula, nos vemos de
forma semelhante de como os alunos nos vêem, e dessa foram podemos observar melhor
qual a visão do alunos e o que pode ser modificado.
164
RE
63
- Considero muito importante a produção de vídeos nas disciplinas de laboratório, pois
contribui de forma “diferente” das outras disciplinas, trazendo ferramentas que possibilitam
ao aluno-professor em formação realizar uma autoanálise e uma autocrítica sobre sua
atuação como professor. Permite, até mesmo, que o aluno possa decidir seu futuro, se é
aquilo mesmo que ele quer para o seu futuro profissional. Uma sugestão que eu faço para
uma possível continuidade das filmagens aplicadas às aulas de Laboratório é uma atuação
quase que anônima da pessoa que está filmando, um clima de câmera escondida. Escrevo
isto, pois, particularmente, fiquei um pouco receoso quando fui filmado durante a prática na
escola e na aula-simulação, momentos que estava por vezes nervoso e bastante
preocupado em conseguir conduzir a aula e transmitir o conteúdo.
RE
64
- No restante, o sentimento permanece o mesmo de antes de olhar o vídeo. Gostei de
dar esta aula, me senti seguro até certo ponto, continuando com o sentimento de que é essa
a profissão que seguirei, procurando sempre me aperfeiçoar, inovar, ensinar e aprender.
RE
65
- Encerrando este memorial, pelo menos por enquanto, digo que a minha avaliação, do
trabalho desenvolvido nesses últimos meses, é positiva. A professora cia soube conduzir
bem a disciplina, inclusive sendo bastante flexível com o programa, e acredito que a turma
trabalhou bem também. Os obstáculos foram ultrapassados, as dúvidas e o receio ficaram
para trás. Ficamos agora com a lembrança da disciplina, que moldou mais uma fração do
professor que existe em cada um de nós. Agora é rever nossos conceitos e avaliar as ideias
que surgiram para, no futuro, trabalhá-las da melhor maneira possível. Pois que venha o
próximo semestre, com mais um laboratório, e que traga de volta a câmera, que de
intimidadora passou a “colega” de turma, daquelas que nos ajudam em diversos momentos.
Por enquanto é isso, férias, descanso e lazer, para voltar renovado no próximo semestre.
RE
66
- Não me ocorreram diferenças, pois após encerrar a minha aula eu havia percebido
alguns erros, como ficar de frente para o quadro muito tempo e fazer confusão de letras
durante os exemplos. Não acredito que seja importante esse registro, acho que o melhore
retorno de um professor é o seu aluno, o interesse, a atenção nas aulas, os resultados
obtidos, essa é uma boa forma de avaliar a atuação de um professor durante toda a sua
carreira.
RE
67
- Realmente mudei minha opinião sobre os aspectos que considero importantes para
um professor: postura, método de abordagem, tato com os alunos. O vídeo foi bastante útil
nesse sentido e acho, sim, que a utilização deste método de ensino-aprendizagem é
importante para a formação de educadores, tendo em vista que passamos a ser alunos de
nós mesmos. Ver-me na função de professor foi algo muito interessante, mas também foi
bem estranho. É como se ali estivesse outra pessoa, uma versão bem diferente do que eu
esperava ver. Aconteceu o que a professora Lucia “previu” logo na primeira aula deste
semestre, que a gente ia se surpreender até com a nossa voz quando víssemos o vídeo.
Agora visualizo outras formas de lecionar, de chamar a atenção do aluno. Ver como ficaria
uma aula de determinada matéria é algo realmente bom, que, na pior das hipóteses, pelo
menos nos mostra como não abordar determinado assunto.
RE
68
- O fato de sabermos que estas aulas simuladas seriam filmadas ainda me inquietava
um pouco. Eu, assim como grande parte dos colegas com quem tive a oportunidade de
conversar sobre isso, me preocupei não em dar uma aula da melhor maneira possível,
como acabei me preocupando também com a minha postura entre o quadro negro e a
turma. Aqui entra uma simbologia interessante: o professor, que efetivamente fica entre a
lousa e o aluno, pode servir tanto para aproximar um do outro, como uma ponte, quanto
para afastar os dois, como um muro, justamente o que me preocupava. Foi que veio o
estalo: mas eu não deveria, enquanto professor, me preocupar sempre com o modo de me
165
dirigir aos alunos, de escrever na lousa, enfim, de me portar na sala de aula? A resposta
veio do vídeo, que me possibilitou ser professor de mim mesmo: sim! Esta preocupação
deve ser constante, e deve se tornar um hábito, como parte do planejamento da aula.
RE
69
- Particularmente gostei do foco escolhido pela professora Lucia. Comparo este
trabalho que a professora propôs como a atividade de um músico, em constante teste e
gravações aapresentar seu produto final. Além de mostrar exatamente como o aluno nos
vê. É comum refletimos e pensarmos sobre o que fazemos, mas com este momento
gravado temos mais oportunidades para reparar em coisas que não percebemos no
momento “ao vivo” da aula.
Terceiro Campo – Produção do professor verdade e do professor experiência
Gondra e Kohan (2006) partem da distinção feita por Foucault entre livro
verdade e livro experiência e propõem, analogamente, uma educação-verdade e
uma educação-experiência.
A educação-verdade é “[...] o governo dos ‘que sabem’, a organização,
estruturação e legitimação dos saberes e dos métodos para transmiti-los, o reino da
razão explicadora [...]. (ibid., p.24-25). Ela “[...] almeja a disciplina dos corpos, dos
saberes e do pensamento e sua sujeição a uma verdade pré-determinada [...]”.
(ibid., p. 25).
A educação como experiência, por outro lado, é “[...] sua indisciplina, em
particular a indisciplina do pensamento para não pensar o que que pensar e, ao
contrário, pensar o que a ordem e a hierarquia das verdades estabelecidas não
permitiriam pensar.” (ibid., p.25).
A partir desse entendimento, chega-se ao terceiro campo descritivo, proposto
por esta pesquisa. Refere-se aos excertos de discursos de alunos nos quais se o
professor verdade e o professor experiência. Retoma-se que o primeiro é entendido
como aquele que se organiza e opera através da sujeição a uma verdade pré-
determinada e o segundo como aquele que exercita a indisciplina do pensamento,
não se submetendo à ordem das verdades estabelecidas.
- Discursos de professor verdade
RE
70
- Devemos explanar aos alunos a importância do saber tanto para sua vida acadêmica
como pessoal, mostrando como se faz fundamental o conhecimento para a realização de
nossas metas nos dias atuais. Conhecendo melhor a ciência, entendemos melhor o mundo
em que vivemos, aprimoramos nossas idéias e desenvolvemos nosso raciocínio com as
pessoas, com o lazer.
166
RE
71
- Um professor deve se reconhecer como tal em todos os momentos, mas sempre
ficam alguns inesquecíveis. No meu caso posso afirmar que me senti professor, no
momento do tira dúvidas. Onde pude perceber evolução nos alunos. Nesses momentos
consegui verificar e avaliar os alunos. O momento da avaliação é o momento mais
importante da aula, pois se avaliarmos errado, nós podemos terminar um assunto sem que
os alunos tenham compreendido.
RE
72
- Realmente é desafiador pensar em uma aula diferente, frente às exigências de um
mercado, onde os professores tem sua autonomia barrada pelo bem-estar do aluno, onde
escolas demitem mestres para satisfazer os pais. Mas não é impossível. Uma aula de
matemática deve partir sempre do nível de conhecimento onde se encontram os alunos, ou
pelo menos, a maioria deles. Revisar conceitos esquecidos, utilizar jogos e atividade
pedagógicas nas aulas são alguns meios de tornar o ensino da matemática algo próximo do
aluno. Avaliar o aluno e reavaliar-se quando necessário. O jovem gosta do desafio, é
cômodo, mas nada desafiador resolver um problema cuja resposta está na simples
aplicação de um algoritmo. Os momentos mais relevantes da prática, foram aqueles em que:
tudo deu certo, de maneira convencional ou não, e o conhecimento pôde ser transmitido ou
trocado e foi possível ver nos olhos dos alunos entendimento do conteúdo explorado.
RE
73
- Infelizmente o ensino escolar vem sendo banalizado pelo desinteresse de alunos nas
aulas, e a matemática, talvez, seja a disciplina que mais sofre com isso. Culpa somente dos
mestres? – ou da conjuntura atual da sociedade, que visa apenas os resultados. As aulas do
ensino médio estão virando “cursinhos” pré-vestibulares, o que dificulta o trabalho daquele
professor que deseja inovar.
RE
74
- Os textos que foram trabalhados em aula também contribuíram para o
desenvolvimento da disciplina. Fiquei particularmente interessado pelo texto Os Dez
Mandamentos do Professor, de Leandro Karnal, onde nos é apresentada uma sucessão de
idéias para nos tornar bons professores. Claro que não existe fórmula, nem receita, de como
formar um bom professor. Cada indivíduo tem suas qualidades e seus defeitos, sendo
praticamente impossível fechar um currículo ou montar um conjunto de ações que culminem
na criação do professor ideal. O leque de métodos de ensino-aprendizagem é muito extenso
e não deve ser excludente, pelo contrário, deve ser o mais flexível possível. O indivíduo que
está na posição de aluno deve ter a possibilidade de criar seus próprios métodos de estudo,
e não se restringir ao que o professor fala em aula.
RE
75
- O método utilizado pelo professor em sala de aula também era Pitágoras. O professor
resolvia todos os exercícios por Pitágoras. Não acho que ele esteja errado em mostrar as
relações pitagóricas, mas sim em abrir mão das fórmulas que também são importantes nos
nossos dias. Na sociedade que vivemos, a economia de tempo, energia e a precisão de
resultados são focos de todos empreendedores. A Google ficou milionária por nos trazer
todas as informações em segundos. As formulas nos trazem essa economia e precisão (por
efetuar menos cálculos). Não devemos abrir mão delas, nos prender exclusivamente a elas
é o verdadeiro erro. Repito, é de extrema importância conhecer as relações de Pitágoras
nas formulas da Geometria plana, entretanto, é preciso estabelecer bem os objetivos. Por
exemplo, se tivéssemos a seguinte questão: uma empresa quer embalar seu protudo em
embalagens com formato de tetraedro com 1dm de aresta. Encontre o volume dessa
embalagem em litros. O objetivo dessa questão é o resultado, a fórmula é a melhor opção.
Agora observemos esse outro exemplo: mostre as relações de Pitágoras que existem na
formula do volume do Tetraedro. Nesse caso, temos um objetivo completamente diferente.
Acredito que a melhor opção para o professor era reservar a primeira questão da prova para
fazer alguma dedução de fórmula -sem consulta obviamente- e utilizar para as outras
questões o caminho mais rápido, o caminho de melhor compreensão do estudantes, o
caminho mais simples.
167
RE
76
- Nossas aulas também foram regadas com muita história, o que deixou os alunos
muito empolgados, eles gostavam bastante de saber das histórias, dos fatos relacionados
com a matemática. Em minha opinião, os alunos aprendem mais quando tem um fato
histórico relacionado ao conteúdo que estão estudando, pois assim conseguem lincar o
conteúdo com algo relacionado a um fato real. Assim, pode-se acabar com as perguntas do
tipo: para que estudar isso? Isso não serve para nada? Quando vou usar essas coisas?
Bom, com esses fatos históricos mostra-se que essas “coisas” existem porque alguém teve
a necessidade de estudá-las, de conhecê-las, de decifrá-las, enfim, de descobri-las.
RE
77
- Falando das práticas em geral, eu não fui um professor inovador, não sei se o
conteúdo não inspirou muito ou eu não estava inspirado, mas devido ao cronograma, as
exigências que concluísse o conteúdo, eu acabei não fazendo muita coisa diferente. O
método que eu usei para mudar um pouco a rotina de dar aula consistiu em explanar o
conteúdo, explicando a teoria, construindo os polígonos para depois dar o exemplo. Na hora
de dar o exemplo, em vez de resolver, eu pedia para os alunos resolver em torno de cinco
minutos, e enquanto isso acompanhava a resolução do mesmo, logo após eu resolvia no
quadro. Este método serviu para que os alunos refletissem e exercitasse o raciocínio sobre
o assunto proposto. Claro que, este método não ia ser eficiente com todos os alunos, tanto é
que não foi, mas privilegia os esforçados e os interessados em aprender.
- Discursos do professor experiência
RE
78
- Pude me enxergar como educadora, justamente nos momentos de improviso, quando
a matéria, como estava no plano, não foi entendida e uma explicação alternativa teve que
ser eficiente. Neste momento percebo explicações que antes não havia pensado ou
estudado.
RE
79
- Em um momento tentei passar aos alunos algum tipo de raciocínio no qual eles
poderiam resolver qualquer problema de geometria sem decorar fórmulas: apenas usando
Pitágoras. Meu intuito era instrumentalizá-los para que estivessem em condições de
encontrar elementos altura, apótema, área, perímetro, etc. de maneira lógica, sem
decoreba. Infelizmente não fui bem sucedido porque a memorização é uma metodologia que
estava arraigada e eles simplesmente não aceitaram minha estratégia.
RE
80
- Tenho medo de entrar querendo que seja diferente e no final acabar sendo igual.
Uma mudança se faz necessária. Infelizmente quem pode fazer essa mudança não quer
que ela aconteça. Mas sei que se ficar parado, eu posso acabar sendo atropelado pela
grande ‘multidão’ de acomodados. Também sei que sozinho nada poderei fazer. O ensino
precisa de uma ‘revolução’ urgente. Existem as diferentes teorias do currículo que poderiam
auxiliar. Não escolhendo uma, mas fazendo uma mistura entre elas pegando o que é bom
de cada uma, mas quem pode determinar o que é bom. O que para mim é bom para outros
pode não ser.
RE
81
- Nesta prática eu gostaria de refazer muitas coisas. Se nós acreditamos que uma aula
com elevada interação pode trazer resultados melhores, temos que nos preparar para as
incertezas decorrentes da participação, questionamentos, instigações, provocações,
brincadeiras diretas, indiretas, maldades, novas e antigas verdades. Assim, se eu for refazer
uma aula onde pretendo combinar as áreas de figuras planas e paredes a serem pintadas
nas nossas casas, cabe estudar mais sobre os termos utilizados pelos pintores e suas
relações com a ciência.
168
RE
82
- Devido ao fato de estarmos com os alunos “reais, é importante vermos/conhecermos
o modo como tratamos os alunos, vendo o vídeo é possível analisar a forma como lidamos
com as relações de poder dentro de uma sala de aula, a forma como nos posicionamos
frente aos conhecimentos que os alunos têm, visto que em nossas aulas trabalhávamos
muito com a idéia de debater os assuntos, abrindo bastante espaço para que os alunos
pudessem opinar e dar exemplos relacionados aos conteúdos trabalhados.
RE
83
- na primeira aula a professora Lúcia nos apresentou sua proposta de trabalho, e se
apresentou para aqueles que não a conheciam (meu caso), sendo que de cara fui
surpreendido pela sua câmera, tão pequena e intimidadora. Como seríamos nós mesmos no
ambiente da sala de aula se a qualquer momento poderíamos ser filmados? Este foi meu
primeiro pensamento, imaginando estar diante do Big Brother, de George Orwell, aquele que
tudo vê. Mas este impacto inicial foi logo se desfazendo, com as apresentações de cada
integrante da turma. De certa forma é interessante ver como, às vezes, conhecemos muito
pouco nossos colegas.
RE
84
- Outra observação importante que deve ser feita é em relação à participação da turma
no decorrer das aulas. Em grande parte do tempo os alunos não respondiam nossas
perguntas, o que nos deixava também na dúvida se estavam entendendo ou não a matéria.
Às vezes era um silêncio até constrangedor, em minha opinião. Felizmente alguns alunos
sempre participavam, mesmo que timidamente. Mas a maior participação dos alunos foi nas
aulas que envolveram atividades concretas. Nossa primeira aula deste tipo foi com o jogo
Poliminós, onde iniciamos os conceitos de área. Posso afirmar que toda a turma gostou da
idéia, sendo que ao final do período alguns alunos pediram que fizéssemos uma segunda
aula com o jogo. Devo ressaltar que a aula com o Poliminós não era nossa aula inicialmente
prevista, mas um “plano B, pois nossa idéia era dar aula no laboratório de informática
utilizando para isso o software Régua e Compasso. Devido a alguns problemas no
laboratório, acabamos tendo que desenvolver esse “plano B”, que deu muito certo afinal. A
outra atividade foi na nossa última aula, onde trabalhamos a confecção da planta baixa de
uma casa. Aqui também foi bem perceptível a dedicação dos alunos em desenhar a planta
de uma casa que eles imaginavam ser ideal. E apesar das dificuldades em assimilar a
escala da planta, os alunos tiveram um bom desempenho nesse trabalho.
RE
85
- Diferentemente da experiência de Laboratório I, na qual o nosso trabalho era um
reforço do assunto de frações para alunos de séria do ensino fundamental e ano do
ensino médio, e que trabalhávamos bastante em pequenos grupos, cada um orientando um
grupo, esta experiência de Laboratório II foi uma aula na qual cada um de nós trabalhava
pra o grande grupo de alunos. Considero que isso foi muito interessante, foi a minha
primeira experiência a frente de uma sala de aula, considero que foi minha primeira
experiência lecionando, não que trabalhando em pequenos grupos, e até mesmo em aulas
particulares, não caracterize uma relação de ensino-aprendizagem, mas sim que esta
situação de estar à frente de uma turma com 26 alunos condiz muito mais com a realidade
que encontraremos futuramente como professores de matemática quando já formados.
RE
86
- Acredito que “todos” os alunos gostaram muito das aulas que planejamos, pois foram
aulas diferentes das que eles estavam habituados a assistir. Os alunos participavam muito
das nossas aulas, debatiam entre eles, perguntavam muito sobre conceitos, definições, com
isso acredito que esses alunos aprenderam com interação, enfim, de um modo mais
dinâmico. Mas sei que isso não é uma realidade em todas as escolas, no entanto pode-se
mudar isso, e foi o que os meus colegas fizeram em suas turmas, tentaram fazer uma
interação entre aluno, professor e conteúdo.
169
- O exercício de liberdade no “ser/estar” professor de matemática
RE
87
- Através dessa pratica, conhecemos um pouco mais sobre o que é ser professor.
Conhecemos o desafio de tentar incentivar aos alunos ao estudo da Matemática. Estas
práticas não nos prepararam de modo decisivo, acredito que um professor nunca se torna
acabado e finalizado, mas deve estar sempre em constante transformação, em constante
aprendizado. Como consta na conclusão do nosso relatório final “Ser professor é estar
sempre em formação, pois é uma profissão que trabalha com vidas, com outros seres
humanos, com pensamentos, e estes são livres, acompanhando as mudanças que o tempo,
a cultura e a própria sociedade nos impõe.”
RE
88
- O que fica de tudo que foi descrito acima é a experiência. A cada momento em que
entramos na sala de aula como professores, estamos mais perto de sê-lo. Para mim, que só
tive a oportunidade de ministrar aulas em turmas regulares nos dois laboratórios de prática
que cursei até agora, esta vivência foi muito construtiva. Ser professor de matemática é meu
objetivo ao final do curso, e o mais importante para atingi-lo é poder selecionar, dentre todas
as teorias que vimos nas cadeiras de educação e nas outras cadeiras de matemática, as
que mais se assemelham ao nosso pensamento, para pôr em prática o que foi estudado. Só
assim temos um retorno acerca dessas teorias, o que nos leva a adquirir a tão falada
experiência.
Encerra-se aqui a primeira etapa de descrição da experiência do Laboratório,
enfatizando, como favorece o assunto que acaba de ser tratado, a liberdade do
cuidado de si, como uma prática possível e desejada em processos de formação
pedagógica como o que encontra-se em estudo.
A seguir serão apresentados excertos de discursos de alunos de Laboratório,
das turmas 2008/1 e 2009/2, bem como da professora regente e do professor
convidado a participar do trabalho em 2009/1, obtidos dos registros das filmagens
realizadas ao longo desses dois semestres. Tendo em vista, conforme consta na
seção 1 deste capítulo, que o discurso é concebido através de uma pluralidade de
vozes e que diversos indivíduos podem ocupar o lugar de falantes, colocando em
evidência a função atribuída ao próprio discurso, uma vez que “essa coisafoi dita
em determinado momento, fez-se a opção de apresentar os excertos de discursos
através da simulação de uma aula.
Dessa forma, cria-se uma turma hipotética e registra-se, detalhadamente, o
diálogo que se estabelece na última aula do semestre letivo. Estão presentes a essa
aula a professora regente, Lucia Carrasco, o professor convidado, Miguel Beck, e o
grupo de alunos, os quais serão identificados por letras do alfabeto grego.
Importante esclarecer que os textos apresentados abaixo correspondem diretamente
às falas das pessoas presentes, sendo que aos alunos hipotéticos serão designadas
falas dos alunos “reais” das turmas em estudo.
170
Aula do dia X do semestre 20XX/1 encerramento da disciplina de Laboratório do
Curso de Licenciatura Noturno – Sala 314 do Anexo I da Reitoria.
Profa. Lucia O seminário é uma dinâmica que vocês vão desenvolver relacionando e
refletindo a própria experiência de prática de ensino que foi realizada nas escolas. Cada
quatro de vocês vai ficar comprometido com uma [hora] de trabalho e vocês vão ter que
fazer essas três horas de trabalho ser bem aproveitadas. Essa experiência de vocês no
laboratório, como é que ela foi tratada, o que vocês aprenderam, como é que vocês
analisaram a experiência que tiveram na escola. No final do trabalho do laboratório, teve
alguma coisa que chamou a atenção, talvez alguma coisa que aconteceu ou alguma coisa
que não aconteceu.
Alfa - A escola eu achei bem limpa, bem cuidada, bastante segurança. No primeiro dia que
cheguei a porta estava chaveada, não contava com isso, e além disso, na mesinha, no
corredor em frente a porta, tinha um sargento da brigada sentado dentro. Uma única vez,
ficamos sozinhos com a turma e daí eu notei uma coisa interessante, os alunos se
comportaram, eles pararam de conversar, pararam de fazer bagunça, ficaram quietos na
aula, prestando atenção, fizeram perguntas, ficou irreconhecível a turma. Eu descobri que
eles faziam bagunça pra aparecer na frente da professora regente, eu não precisei fazer
nenhuma intervenção, simplesmente eu comecei a aula e eles ficaram quietos e assistiram a
aula tranquilos.
Profa. Lucia Agora, o que nós teremos em pauta são coisas do tipo assim: nós tivemos
contato com ensino de geometria, tivemos oportunidade de estar dentro de determinadas
instituições de ensino bem diferentes, com evasão enorme, os alunos com dificuldades
enormes ... Então, teremos a oportunidade, neste seminário, nestas discussões, de pensar
como trabalhar nestes diferentes contextos.
Alfa - Em primeiro lugar, a quantidade de matéria por aula no ensino médio é muito menor,
então a gente planeja uma aula e diz: olha, isso aqui pra gente dar em dois períodos,
chega faz a metade só. Inclusive naquela última aula que a senhora estava presente, eu
não consegui nem terminar o plano, faltava duas falas da diagonal, ela disse: não, para,
para, isso é matéria demais.
Beta - Eu acho que..., tu planeja uma aula, tu senti... não, eles vão entender. Foi o que eu
senti, tu chega lá e não é bem assim, as vezes não dá pra ti fazer, tu tinha um planejamento
pra passar, um exemplo e aquele exemplo não funcionou pra eles, a coisa não sai assim
conforme o planejamento.
Gama - A gente também não deu aulas perfeitas, a gente também tem muitos erros, temos
muita coisa pra corrigir, algumas a gente conseguiu corrigir na hora, a gente admite, a turma
rendia muito mais quando a gente trazia a aula impressa, a gente sempre buscou
desenvolver o raciocínio com eles e eles iam juntos, mas na hora de fazer sozinho eles
tinham um pouco de dificuldade, faltou um pouco mais de tempo também pra gente
trabalhar mais direto com eles, ter um tempo pra tu chegar, indo de classe em classe, não é
assim é assado.
Beta - Eles aprendem sim e participavam muito da aula retornando muitos conceitos que a
gente tinha dado no início e que eram muito importantes, talvez se a gente tivesse tido mais
tempo, faltou a gente poder fazer exercícios com eles.
Gama- Nós fizemos duas perguntas pra eles: o que eles tinham achado da nossa aula e se
tinham sugestões, foi no ensino médio. [um respondeu] Para estagiários até que não foi mal,
171
poderiam na hora de explicar ter pensado mais como aluno, como se vocês estivessem no
nosso lugar e dando uma explicação mais simples.
Profa. Lucia - Quando ele se refere a essa explicação mais simples o que ocorreu a vocês?
Gama - É tentar simplificar ao máximo.
Delta - Eles queriam uma explicação mais parecida com o da professora deles.
Profa. Lucia - [do tipo] É assim que se faz.
Delta - É exatamente isso que eles queriam, é assim que se faz. Um outro que tenho aqui...
[pede] mais exemplos, assim podemos seguir o modelo e fica mais fácil de entender.
Gama - Uma coisa que acontecia sempre é que a gente passava um exercício e ia fazer
com eles e todos eles não fazem o exercício, porque a gente pede a resposta e a gente
voltava e fazia no quadro, o primeiro junto com toda a turma.
Profa. Lucia - O modelo!
Gama – É, o modelo, exatamente isso.
Profa. Lucia - Eu pergunto o seguinte: vocês tiveram, vamos dizer, um elemento dificultador
que é o tempo de relacionamento com os alunos. O que eu quero dizer com isso? Em
relação ao conteúdo que vocês ministraram, que possibilidade haveria de desenvolver uma
aula, dentro do conteúdo que vocês abordaram, que não fosse puramente expositiva, que
alternativa teórica vocês teriam?
Épsilon - Eu acho que no momento que tu põe o exercício no quadro, eu acho que a
construção tem que partir da fórmula, porque se não tu complica e o pessoal não tá no nível,
a gente conseguiu perceber, o pessoal não ta no nível pra conseguir sair daqui.
Profa. Lucia - Eu não concordo contigo, pensa bem, nesse momento eles tão fazendo uma
prova sobre esse assunto e precisam de duas, três ou cinco fórmulas, mas esses alunos
vão para o vestibular ou para um concurso e vão precisar ter todo o conhecimento de
matemática à mão, na hora de uma prova. Eu insisto em dizer, se ele não tem essa
facilidade de decorar fórmulas, como é que ele vai lembrar na prova de vestibular todas
essas fórmulas.
Allfa - Existe esse impasse, eu tenho duas alternativas, a primeira alternativa é o seguinte:
mostrar para os alunos a dedução da fórmula, deduzir a fórmula e aglutinar os conteúdos
para mostrar as semelhanças, como a professora falou, e isso faz com que o aluno aprenda
a raciocinar, ele cria esse hábito de enxergar fora da caixinha, como o caso do trapézio – eu
não sei a área, mas se eu cortar aqui eu tenho dois triângulos, aí eu matei a charada, isso é
olhar por fora o problema, a outra, a segunda alternativa é fórmula, exercício, aí tu mecaniza
e o aluno sabe que tem que decorar as fórmulas, se ele não decorar ele ta perdido, porque
ele não tem a menor condição de raciocinar nada, ele pega pronto já o produto e aplica.
Sigma - A gente construiu, a gente simplesmente não atirou a fórmula lá, agora a fórmula é
essa aqui, a gente construiu passo a passo, no final tinha uma fórmula, claro, só que sempre
construindo e os alunos rejeitaram essa construção.
Alfa - Foi um caminho intermediário o que nós encontramos. Entre duas escolhas que é a
da faculdade, nossa licenciatura, onde existe um rigorismo absoluto matemático e tudo tem
172
que ser demonstrado e na escola essa, onde a professora não demonstra nada, ela coloca a
fórmula no quadro - a área lateral do prisma é isso aqui.
Profa. Lucia - Esse é um dos momentos da gente mostrar o que é uma demonstração
matemática formal, mas sem abrir mão de demonstrações intuitivas, de mostrações,
experiências que ajudariam o aluno a refazer esses processos de construção de
conhecimento.
Teta - Acho que na verdade a gente ta fazendo isso aqui, ao recortar, a gente ta coletando
evidências, a gente ta vendo que, quanto será que a soma dos ângulos, vamos pegar
vários triângulos e tentar ver, ver com um transferidor, fazer recorte, ta parecendo que
sempre cento e oitenta, mas como é que a gente vai ter certeza assim sempre, que não tem
um triângulo maluco que não dá cento e oitenta, aí tem aquele outro raciocínio.
Capa - Eles tinham liberdade de fazer o preenchimento das figuras e fazer suas próprias
deduções porque eles estavam operando com frações e estavam vendo as relações entre
as várias figuras, ali tinham diversos polígonos regulares ou não, eles tinham que fazer a
relação com os dados, as áreas, polígonos e eles tinham liberdade.
Profa. Lucia - Dentro dessas experiências que vocês desenvolveram, vocês pensaram ou
provocaram, o que se chamaria de desenvolvimento da intuição de um aluno, nós lidamos
quase o tempo todo com intuições geométricas, o que vocês acham?
Sigma - Depende do teu objetivo, vou até buscar o exemplo do nosso caso do apótema,
pelo que eu vi nas provas eles sabiam calcular o apótema, a gente não deu uma fórmula, a
gente mostrou pra eles como é que eles encontravam o apótema através das relações
trigonométricas no triângulo e eles conseguiam.
Prof. Miguel - Deixa eu ver se entendi, vocês mostraram como calcular o apótema, vocês
deduziram a fórmula, abriram, fizeram Pitágoras, tudo mais. Vocês podem ter percebido que
nos últimos meses eu tenho passado por uma transformação filosófica, não sei se isso é
porque eu estava na escola ou por causa do laboratório, mas, pra mim, tem uma linha muito
tênue entre tu dizer que eles realmente conseguiram intuir, como calcular o apótema, e eles
repetirem o processo, o qual, vocês fizeram pra chegar no apótema. O quanto a
demonstração não virou só um processo pra eles ou se auxiliou na intuição do que seria
apótema, conceito de apótema e como chegaram até ela. Eu, na verdade, não tenho essa
resposta.
Profa. Lucia - Vocês tem que começar a se dar conta que ninguém vai trazer nenhuma
verdade, nenhum autor vai dizer o que é ou o que deixa de ser, cada autor vai fazer
argumentações a partir dos seus parâmetros, dos seus paradigmas teóricos e vocês vão
levar alguns anos pra poder entender qual é a linha teórica com que vocês afinam, enquanto
isso vocês vão ficar que nem papagaio, repete um autor aqui, repete um autor ali, não
sabem muito bem se os dois tão falando a mesma coisa. Neste momento, quero que vocês
percebam, nada aqui é neutro, nada aqui é verdadeiro no sentido puro do termo.
Prof. Miguel - Quando fiz uma pré-prova [com meus alunos], das oito questões da prova,
seis eu coloquei no quadro, pra eles fazerem a prova no outro dia, a média deu quatro e
pouco, cinco, alguns fizeram outros não, foi bem variado, não tem uma tendência com grau
de confiança.
Profa. Lucia - O que está acontecendo com os nossos métodos, parece que não
funcionam, por mais que a gente faça diferente. Expliquem: o que acontece que os alunos
não conseguem aprender? O que vocês acham?
173
Lambda - Na minha terceira aula, pensei num círculo... procurei levar um material de apoio,
eu tentei fazer assim de cartolina pra mostrar a área do círculo, botar um polígono dentro do
círculo, mas não deu muito certo o jeito que eu construí, o material não ficou tão do jeito que
eu gostaria que ficasse, mas ainda assim deu pra apresentar a idéia, fui contando com eles,
ficou bem legal. Não teve um aproveitamento cem por centro como era a expectativa, em
compensação eu gostei que eles ficaram bem felizes da gente trazer uma coisa diferente
pra eles, que não era anotar no quadro a fórmula e mostrar, a gente trouxe uma coisa
mais concreta, mostrar mesmo com o material de apoio. Noutra aula, como eu tinha comigo
bastante sólidos, seria uma oportunidade de mostrar. Eu levei eles comigo, eu ia aproveitar
pra mostrar pra eles as pirâmides, eu não tinha intenção de trabalhar as fórmulas, de chegar
à conclusão nenhuma mas, depois, o professor, o método dele qual é, dar a fórmula e coisa
e tal, eu pensei que eles fossem visualizar a fórmula com maior dificuldade, se eu puder
pelo menos mostrar pra eles, quando eles forem ver, aquilo desde o início, ter manuseado e
aí é associar as fórmulas vou poder pelo menos ajudar mais um pouco eles, aí foi essa a
minha idéia. Depois o professor ficou espantado, disseram pra ele ..., eu apresentei pra
eles.
Profa. Lucia - Afinal, o que é dar aula? O que é ser um bom professor?
Zeta - Atingir as expectativas de uma pessoa que conseguiu ter um esclarecimento, aquilo
que a gente julga como ideal pra sociedade, por exemplo: se tu é um bom professor, alguém
te rotula dessa forma, tu é um bom professor, se tu ganhou esse rótulo no teu serviço, é
porque o teu serviço foi convincente e o bom serviço é quando você consegue superar as
expectativas.
Prof. Miguel - O mundo na sala de aula, a explicação do tédio, boa parte se deve ao fato de
trancafiar uma criança, com energia quase atômica, dentro de uma sala de aula. Então, com
todo esse mundo dinâmico que tem a nossa volta, um mundo cheio de informações, e se
coloca os alunos no ambiente de escola, um ambiente parado, artificial, monótono. É claro
que eles vão ficar com tédio. Então, uma saída possível é trazer esse mundo que está
fora pra dentro da sala de aula, então fazer as conexões, é a música, é fazer pesquisa na
internet, mas no intuito de pesquisar e não de trazer informação. Tem o sujeito
informação que sabe de tudo, mas não tem opinião, é aquele cara que se liga em dez
canais ao mesmo tempo, são nossos alunos, eles têm muita informação.
Omega - Eu acho que a matemática tinha tudo pra ter essa relação com as outras
disciplinas, a gente olha pra todos os lugares, a gente enxerga os meros, que, por
outro lado, isso não acontece, isso é mais difícil de acontecer, se tu olhar as relações entre
as matérias, a matemática é a que está mais isolada, é a que está mais atrás nessa corrida
em direção a interdisciplinaridade. Eu acho que é um pouco complicado fazer isso, mas é
necessário. Tu chega na sala de aula com uma ideia desse tipo e te depara com um aluno
que tem há vários anos uma outra idéia de matemática, daí tu chega naquele momento e
quer mostrar uma coisa um pouco diferente, daí aquele choque e ele não entende
mais nada. Então, isso acaba frustrando, então é difícil, por isso que o professor chega com
uma ideia, vou revolucionar agora e, quando vê, não acontece nada, porque tu tens que
pegar o aluno desde o início, não adianta você chegar do nada, numa turma do segundo
ano, agora vamos lá, é assim, pêra aí, só um pouquinho, cadê a fórmula, cadê, isso
professor é complicado. Mas é necessário, eu acho.
Após essa longa exposição de fragmentos de discursos seria preciso
estabelecer alguns pontos gerais de análise. Não, não creio ser esse o caminho
174
para concluir um trabalho inspirado em Foucault. Como já foi dito em alguns lugares
desta tese, a descrição dos discursos, enquanto “acontecimentos”, constitui a
análise. Assim, não saberia comentar o que está dito. Qualquer tentativa nesse
sentido poderia me conduzir a uma interpretação, portanto, seria um desvio de rota.
Fazendo uma revisão completa do trabalho, percebo que as condições
históricas do como nos tornamos o que somos (professores e alunos de matemática)
foram apresentadas nos capítulos 2 e 3; a ênfase nos discursos que nos produzem –
discursos da pedagogia, da matemática pura, da educação matemática, entre tantos
outros acontece no capítulo 3; a “história do problema de pesquisa”, colocando em
evidência a transição teórica da pesquisadora, ocorre no capítulo 4 e, por último, nos
capítulos 5 e 6 se expõe a parte mais prática do trabalho de pesquisa. Feito esse
detalhamento, talvez pudesse sugerir uma leitura da tese “em outra ordem”, mais de
acordo com os padrões acadêmicos, mas, não acho necessário sugeri-la.
Tendo em vista a conclusão deste trabalho, escolhi por em evidência a
câmera de vídeo instalada no espaço dos Laboratórios analisados. Quero salientar
que esta prática não é original. Muitas são as estratégias pedagógicas de formação
que se utilizam de filmagens, conhecidas inclusive pelo nome vídeo/formação.
Destaco Bello (2007a; 2007b) por conter detalhamento de pesquisas, realizadas
pelo próprio autor, relativas ao uso do vídeo com alunos da Licenciatura em
Matemática da UFRGS, em situações de estágios de docência. Entendo que as
análises apresentadas nesta tese, acerca da estratégia vídeo/formação, se
aproximam, em muitos aspectos, das apreciações de Bello sobre o tema.
Assim, na forma de conclusão, estabeleço que as práticas de ensino
desenvolvidas nos Laboratórios analisados são efetivas no alcance dos objetivos de
formação pedagógica anunciados, ou seja, contribuem na “produção” do professor
desejado; que as orientações das práticas funcionam como dispositivos de governo,
conduzindo “eficientemente” os alunos ao cumprimento de tarefas de capacitação
docente e que a estratégia de conduzir os alunos a “verem-se” e “dizerem-se”
professores de matemática funciona como dispositivo de governo de si,
proporcionando aos alunos e professores o exercício de técnicas de subjetivação.
O vídeo, sem dúvida, foi marcante nesta experiência de pesquisa e mostrou-
se um recurso muito eficiente. Mais do que isso, um recurso que transcende as
condições normais de análise. Por que digo isso? Penso que o deo nos trai e
175
expõe mais de nós mesmos do que nos permitiríamos. Se contássemos apenas com
nossa memória para realizar a reflexão de uma experiência vivida é provável que
“alguns detalhes” fossem relegados ao esquecimento (alguns alunos comentaram
sobre isso), mas o vídeo nos mostra tudo, nos faz rever o vivido nos colocando de
fora, como mero espectador. Passamos a nos ver como pia, como personagem,
como uma virtualidade. E, neste sentido, cabe perguntar: o que é o real, aquilo que
vivemos e lembramos e pensamos acerca do vivido ou aquilo que está passando,
detalhadamente, na tela de um monitor ou de uma TV?
O que é o real? Talvez meu aluno não se coloque esse questionamento, mas
é provável que ele pense, reflita, sobre o acontecimento vivido, seja na aula, quando
realiza a experiência, seja através do vídeo, quando assiste o filme. E foi ao pensar
no “acontecimento” que lembrei o que tinha lido em PELBART (2007).
Os fatos comuns são ordenados no tempo, dispostos em sua sequência
como numa fila. Ali eles têm seus antecedentes e suas consequências que
se agrupam apertados, pisam os calcanhares uns dos outros, sem parar, e
sem qualquer lacuna. Isto tem a sua importância para qualquer narrativa
cuja alma seja continuidade e sucessão.
Mas o que fazer com os acontecimentos, que não têm seu próprio lugar no
tempo, os acontecimentos que chegaram tarde demais, quando todo o
tempo foi distribuído, dividido, desmontado, e que agora ficaram numa
fria, não alinhados, suspensos no ar, sem lar, errantes? [...]
O leitor ouviu falar sobre as faixas paralelas do tempo no tempo de dois
trilhos? Sim, existem os tais braços laterais do tempo, é verdade que um
pouco ilegais e problemáticos, mas quem carrega um tal contrabando como
nós, os tais acontecimentos extranumerários que não podem ser
enfileirados, não deve ser exigente demais. Tentemos então superar num
dos pontos da história um desses braços laterais, um desvio cego, e
empurrar para ele esses eventos ilegais. Não tenham medo. Tudo isso vai
acontecer imperceptivelmente [...] (BRUNO SCHULZ, 1994 apud PELBART,
2007, p.93-94).
Fiquei pensando que o registro da aula em vídeo poderia representar um
acontecimento que não tem um lugar próprio no tempo. Afinal os alunos vivem a
experiência da prática, escrevem sobre ela, comentam o que foi relevante (o
que a memória autoriza) então, como lidar com a nova experiência: a de rever cada
detalhe do vivido, em tempo idêntico ao do vivido, mas estando fora do lugar e
do tempo, estando do lado de fora de si mesmo. Será que essa experiência
“merece” um novo tempo da vida dos alunos e dos professores? Onde fica o limite
entre o processo de subjetivação desencadeado pelo vídeo/formação e a liberdade
dos sujeitos envolvidos?
176
6.5 DEPOIS DA METAMORFOSE
Mas Gregor não tinha a menor intenção de causar medo a
ninguém, muito menos à irmã. Simplesmente havia começado
a girar o corpo para voltar ao seu quarto e isso de qualquer
modo chamava a atenção, uma vez que, em consequência do
seu estado enfermiço precisava, na difícil manobra, ajudar com
a cabeça, que ele levantava várias vezes e batia contra o chão.
Parou e olhou em torno. Sua boa intenção parecia ter sido
reconhecida; tinha sido apenas um susto momentâneo. Agora
todos o fitavam silenciosos e tristes. A mãe jazia na sua
cadeira com as pernas esticadas e coladas uma à outra, os
olhos quase fechados de esgotamento; o pai e a irmã estavam
sentados lado a lado, a irmã havia colocado a mão em volta do
pescoço do pai. (KAFKA, 1990, p.79).
Sinto-me profundamente identificada com Gregor, na sua experiência de
metamorfosear-se em um grande inseto. Estranhamentos, tristezas, aflições, vindos
das pessoas ao meu redor, levam-me a ter de me olhar. Algo mudou? Não me
reconhecem mais! Não me reconheço mais!
A experiência de ter pesquisado meu próprio “arquivo”, de ter-me “visto”
demais, de ter-me “escutado” demais e de ter sido demasiadamente escrutinada por
outros, sem dúvida, abalou qualquer identidade que pudera ter um dia. o me
reconheço mais e tenho receio de impor essa “nova forma” às pessoas. Tenho medo
de não me ajustar mais ao mundo em que sempre vivi, sinto-me insegura até mesmo
para dar minhas aulas de Laboratório. Lembro do professor Mario dizendo “só não
vale dizer chavões”. E agora, que fico todo tempo observando o que falo, analisando
como sou e como me tornei o que sou, observando em quais relações de poder
estou inserida... e, faço isso, sempre espreitando uma brecha, um ponto de fuga,
onde eu possa fixar minha existência como uma experiência criativa, como uma obra
de arte.
Como viver depois da metamorfose, como aprender a “estar” no mundo feito
um inseto, estranho aos outros, mas ainda assim eu? O outro de mim mesmo. Um
outro de mim mesmo.
177
7 REFERÊNCIAS
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sintomal de relatórios In: BICUDO, Maria Aparecida V. (org.). Pesquisa em
educação matemática: concepções e perspectivas. São Paulo: Editora UNESP,
1999. P. 221-245.
BAMPI, Lizete Regina. Efeitos de poder e verdade do discurso da educação
matemática. Educação & Realidade, Porto Alegre, v. 24, n. 1, p. 115-143, jan/jun.
1999a.
_____. O discurso da educação matemática: um sonho da razão. Porto Alegre:
UFRGS, 1999. 119 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Programa de Pós-
Graduação em Educação, Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio
Grande do Sul, Porto Alegre, 1999b.
_____. Governo etnomatemático: tecnologias do multiculturalismo. Porto Alegre:
UFRGS, 2003. 199 f. Tese (Doutorado em Educação) – Programa de Pós-
Graduação em Educação, Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio
Grande do Sul, Porto Alegre, 2003.
BARTHES, Roland. Aula: aula inaugural da cadeira de semiologia literária do
Colégio de França, pronunciada dia 7 de janeiro de 1977. Tradução e posfácio de
Leyla-Perrone Moisés. São Paulo: Cultrix, 2007.
BASSO, Marcos Vinicius de Azevedo. Espaços de Aprendizagem em Rede: novas
orientações na formação de Professores de Matemática. Porto Alegre: UFRGS,
2003. Tese (Doutorado em Informática na Educação) – Programa de Pós-
Graduação em Informática na Educação, Universidade Federal do Rio Grande do
Sul, Porto Alegre, 2003. Disponível em:
<http://aprender.lec.ufrgs.br/tese_m/html/02_capitulo1.htm> Acesso em 20 abr.2010.
BAUMAN, Zygmunt. O mal-estar da pós-modernidade. Tradução Mauro Gama,
Cláudia Martinelli. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1998.
_____. Modernidade e ambivalência. Tradução Marcus Penchel. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar Ed., 1999.
_____. Tempos líquidos. Tradução Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar Ed., 2007.
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http://www.intercom.org.br/papers/regionais/sudeste2008/resumos/ R9-0379-1.pdf
http://aprender.lec.ufrgs.br/tese_m/html/02_capitulo1.htm
195
ANEXOS
196
ANEXO A – GRADE CURRICULAR: LICENCIATURA EM MATEMÁTICA
197
ANEXO B – GRADE CURRICULAR: LICENCIATURA EM MATEMÁTICA NOTURNA
198
ANEXO C – SÚMULAS DE LABORATÓRIOS DE 2005 A 2010
De 2005 até hoje
30
01070 Laboratório de Prática de Ensino-Aprendizagem em Matemática I
Créditos/horas-aula - 08/120
Súmula: Números naturais, inteiros, racionais. Incomensurabilidade e números irracionais.
Preparação, execução e avaliação de experiências de práticas de ensino nesses conteúdos
especificados.
Cursos - Licenciatura em Matematica
Licenciatura em Matemática - Noturno
Etapa - 3ª e 5ª
Pré-Requisitos
MAT01061 Fundamentos de Matemática I e
MAT01063 Fundamentos de Aritmética e
EDU02032 Tendências em Educação Matemática
01071 Laboratório de Prática de Ensino-Aprendizagem em Matemática II
Créditos/horas-aula - 08/120
Súmula: Geometria sintética no plano e no espaço. Medidas: comprimentos, áreas e
volumes. Geometria Analítica. Transformações geométricas. Preparação, execução e
avaliação de experiências de prática de ensino nesses conteúdos especificados.
Cursos - Licenciatura em Matemática – Diurno
Licenciatura em Matemática – Noturno
Etapa - 4ª e 6ª
Pré-Requisitos
MAT01345 Geometria II e
MAT01035 Geometria Analítica B e
EDU02032 Tendências em Educação Matemática
01072 Laboratório de Prática de Ensino-Aprendizagem em Matemática III
Créditos/horas-aula - 08/120
Súmula: Números reais e complexos. Funções algébricas elementares. Funções
trigonométricas. Funções exponenciais e logarítmicas. Seqüências numéricas e
progressões. Análise Combinatória e Probabilidade. Preparação, execução e avaliação de
experiências de prática de ensino nesses conteúdos especificados.
Cursos - Licenciatura em Matemática – Diurno
Licenciatura em Matemática – Noturno
Etapa 5ª e 7ª
Pré-Requisitos
MAT01064 Álgebra I e
MAT01066 Combinatória I e
EDU02032 Tendências em Educação Matemática e
MAT01353 Cálculo e Geometria Analítica I – A
30
Informação obtida em http://www.mat.ufrgs.br/~comgradmat/
199
ANEXO D – SÚMULAS DE LABORATÓRIOS DE 1985 A 1999
De 1985 até 1998
MAT01196 – Laboratório de Ensino da Matemática Elementar I (06/04)
Súmula: Seleção, preparação, montagem, execução e avaliação de experiências de ensino
de tópicos de Matemática para alunos de Primeiro e Segundo Grau.
Pré-requisito(s): CRE00070
Curso: 032.00 e 033.00
MAT01197 – Laboratório de Ensino da Matemática Elementar II (06/04)
Súmula: Seleção, preparação, montagem, execução e avaliação de experiências de ensino
de tópicos de Matemática do I e II grau. Utilização de instrumentos de ensino de
Matemática.
Pré-requisitos: MAT01196
Curso: 032.00 e 033.00
Observações:
- A disciplina MAT01196 foi oferecida aos licenciandos de matemática, pela primeira vez em
1984, como disciplina opcional de 06 créditos, e foi ministrada pela professora Gelsa Knijnik.
A partir de 1985, ela passou a fazer parte do grupo de disciplinas obrigatórias do curso.
31
- De 1985 a 1994 e de 1996 a 1998 as disciplinas contavam 06 créditos; em 1995 elas
contavam 04 créditos; a partir de 1996 as disciplinas voltaram a contar 06 créditos.
- A partir de 1996, devido à criação da Licenciatura em Matemática Noturno, as disciplinas
passaram a ser oferecidas para os Cursos indicados: 032.00 e 033.00.
1999
MAT01033 – Laboratório de Ensino de Matemática Elementar A (06/04)
Súmula: Planejamento, implementação e avaliação de práticas pedagógicas junto a escolas
de ensino fundamental na área de matemática
Pré-requisito(s): CRE00070
Curso: 032.00 e 033.00
MAT01034 – Laboratório de Ensino de Matemática Elementar B (06/04)
Súmula: Planejamento, implementação e avaliação de práticas pedagógicas junto a escolas
de ensino médio na área de matemática
Pré-requisitos: MAT01033
Curso: 032.00 e 033.00
31
Essa informação foi obtida oralmente, em conversa com colega do DMPA/UFRGS.
200
De 2000 até 2004 (de 2005 a 2007/1 estiveram em extinção)
MAT01040 - Laboratório de Prática de Ensino de Matemática I (04/04)
Súmula: Seleção, preparação, montagem, execução e avaliação de experiências de prática
de ensino de tópicos de aritmética e contagem para alunos dos ensinos Fundamental e
Médio.
Pré-requisito(s): MAT01038
Cursos: 032.00; 033.00
MAT01042 - Laboratório de Prática de Ensino de Matemática II (04/04)
Súmula: Seleção, preparação, montagem, execução e avaliação de experiências de prática
de ensino de tópicos de Geometria para alunos dos ensinos Fundamental e Médio.
Pré-requisito(s): MAT01039
Cursos: 032.00; 033.00
MAT01044 - Laboratório de Prática de Ensino de Matemática III (04/04)
Súmula: Seleção, preparação, montagem, execução e avaliação de experiências de prática
de ensino de tópicos de variáveis e funções para alunos dos ensinos Fundamental e Médio.
Pré-requisito(s): MAT01041
Cursos: 032.00; 033.00
ANEXO E – QUADRO DE EQUIVALÊNCIA DE DISCIPLINAS
Liberada
Liberadora(s)
MAT01070
LABORATÓRIO DE PRÁTICA DE ENSINO-APRENDIZAGEM EM
MATEMÁTICA I
ENSINO-APRENDIZAGEM DE MATEMÁTICA I
e LABORATÓRIO DE PRÁTICA DE ENSINO DE
MATEMÁTICA I
MAT01071
LABORATÓRIO DE PRÁTICA DE ENSINO-APRENDIZAGEM EM
MATEMÁTICA II
ENSINO-APRENDIZAGEM DE MATEMÁTICA II
e LABORATÓRIO DE PRÁTICA DE ENSINO DE
MATEMÁTICA II
MAT01072
LABORATÓRIO DE PRÁTICA DE ENSINO-APRENDIZAGEM EM
MATEMÁTICA III
ENSINO-APRENDIZAGEM DE MATEMÁTICA III
e LABORATÓRIO DE PRÁTICA DE ENSINO DE
MATEMÁTICA III
201
ANEXO F - SÚMULAS DE ENSINO-APRENDIZAGEM DE 1984 ATÉ 2004
De 1984 até 1999
MAT01192 – Ensino-Apendizagem de Matemática Elementar I (04/04)
Súmulas: Etapas operatórias de inteligência e aprendizagem da Matemática. Funções do professor
de Matemática e a pesquisa no ensino-aprendizagem da Matemática. Objetivos e estratégias para o
ensino-aprendizagem da Matemática, conexões com a Matemática do III Grau, estudo e construção
de material instrucional, análise de programas, projetos e livros-texto para noção de números naturais
e inteiros, e operações com os mesmos; equações e inequações algébricas, geometria intuitiva.
Resolução de problemas, estimativas e aproximações. Estudo crítico da lógica das proposições e
teoria intuitiva dos conjuntos.
Pré-requisitos: MAT01344 e MAT01345 Curso: 032.00 e 033.00
MAT01193 – Ensino-Apendizagem de Matemática Elementar II (04/04)
Súmulas: Objetivos e estratégias para o ensino-aprendizagem da Matemática, conexões com a
Matemática do III Grau, estudo e construção de material instrucional, análise de programas, projetos
e livros-texto para: noção de números racionais e operações com os mesmos, frações decimais e
ordinárias; proporções e percentagem; noção de números reais e operações com os mesmos;
álgebra no ensino de I grau (operações algébricas); geometria plana demonstrativa; sistemas de
medida. Resolução de problemas, estimativas e aproximações.
Pré-requisitos: MAT01192 e MAT01340 Curso: 032.00 e 033.00
MAT01194 – Ensino-Apendizagem de Matemática Elementar III (04/04)
Súmulas: Objetivos e estratégias para o ensino-aprendizagem da Matemática, conexões com a
Matemática do II Grau, estudo e construção de material instrucional, análise de programas, projetos e
livros-texto para: funções, gráficos e fórmulas; funções trigonométricas, logarítmica e exponencial,
seus cálculos e aplicações; progressões, Geometria Analítica. Resolução de problemas, estimativas e
aproximações.
Pré-requisitos: MAT01193 Curso: 032.00 e 033.00
MAT01195 – Ensino-Apendizagem de Matemática Elementar IV (04/04)
Súmulas: Objetivos e estratégias para o ensino-aprendizagem da Matemática, conexões com a
Matemática do II Grau, estudo e construção de material instrucional, análise de programas, projetos e
livros-texto para: noção de números complexos e operações com os mesmos; Teoria das Equações;
Combinatória e probabilidades; Geometria Espacial. Resolução de problemas, estimativas e
aproximações.
Pré-requisitos: MAT01194 Curso: 032.00 e 033.00
De 2000 até 2004
MAT01038 - Ensino-Aprendizagem de Matemática I (04/04)
Súmula: Números naturais, operações e propriedades. Problemas de divisibilidade e congruência no
conjunto dos inteiros. Razões. Números racionais, operações e propriedades. Números relativos.
Índices de taxas de variação. A incomensurabilidade e os números irracionais. Problemas de
contagem, análise combinatória e probabilidade discreta.
Pré-requisito(s): MAT01340; MAT01037 e MAT01343 Cursos: 032.00; 033.00
MAT01039 – Ensino-Aprendizagem de Matemática II (04/04)
Súmula: Geometria sintética. Figuras planas e sólidos. Medidas: comprimentos, áreas, volumes,
ângulos no plano e no espaço. Semelhanças e congruências. Relações métricas no triângulo e no
círculo. Geometria analítica. Transformações geométricas. Lugares geométricos.
Pré-requisito(s): MAT01035 e MAT01345 Cursos: 032.00; 033.00
MAT01041 – Ensino-Aprendizagem de Matemática III (04/04)
Súmula: Números reais e continuidade. Equações, inequações e sistemas. Números complexos.
Sequências e progressões. Logaritmos. Crescimento linear e exponencial. Funções trigonométricas
circulares e modelos com periodicidade.
Pré-requisito(s): MAT01344 e MAT01353 Cursos: 032.00; 033.00
202
ANEXO G – PROJETO PEDAGÓGICO DOS CURSOS DE LICENCIATURA EM
MATEMÁTICA E LICENCIATURA EM MATEMÁTICA NOTURNA
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
INSTITUTO DE MATEMÁTICA
PROJETO PEDAGÓGICO DOS CURSOS DE
LICENCIATURA EM MATEMÁTICA
E LICENCIATURA EM MATEMÁTICA - NOTURNA
Julho de 2004
INTRODUÇÃO
O Curso de Matemática da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) foi
criado em 1936, no âmbito da então Faculdade de Filosofia, com duas habilitações:
Bacharelado em Matemática e Licenciatura em Matemática. Foi autorizado a funcionar em
1942, através do Decreto nº 9.706, e obteve reconhecimento em 1944 através do Decreto nº
17.400 (PAIUFRGS, 1996). O diploma de licenciado era então outorgado àqueles estudantes
que, tendo concluído o curso de Bacharelado, cursavam um ano adicional de disciplinas de
Didática. Em 1970, como decorrência da reforma universitária de 1968, a oferta de ambas as
habilitações passou a ser encargo do Instituto de Matemática da UFRGS (IM), até então
dedicado exclusivamente à pesquisa.
Em 1978, foi criado no IM o Programa de Pós-Graduação em Matemática, com um
curso de Mestrado em Matemática Pura. Em 1988, foi instituída uma nova ênfase no curso
de Matemática, o Bacharelado em Matemática Aplicada e Computacional (PAIUFRGS, 1996).
No final dos anos 80, encontram-se registros das primeiras ações vinculando ensino com
pesquisa e articuladas com a área de Educação Matemática.
Em 1990 foram ofertadas, pela primeira vez, vagas distintas para os cursos de
Bacharelado e Licenciatura em Matemática no Concurso Vestibular da UFRGS. O curso de
Licenciatura passou a contar com um representante na Comissão de Graduação em
Matemática.
Em 1993 foi implementado um novo currículo do curso de Licenciatura, superando a
estrutura tradicional “três-um” - três anos dedicados à formação matemática e um ano
dedicado à formação didático-pedagógica. O novo currículo foi proposto tendo como
referência um perfil delineado de professor de Matemática, de modo que “o aluno tivesse
oportunidade de vivenciar situações diretamente relacionadas com” esse perfil e que a
iniciação à docência permeasse todo o curso (PAIUFRGS, 1995). A organização curricular foi
estruturada segundo os critérios:
“- integrar, ao longo dos quatro anos de formação, as disciplinas das áreas
pedagógica e matemática;
“- iniciar o trabalho de formação a partir do nível em que se encontra o aluno,
retomando-se ao longo do primeiro ano conteúdos da escola secundária;
“- distribuir equilibradamente os créditos entre disciplinas de caráter matemático e
caráter pedagógico.” (PAIUFRGS, 1995).
203
No novo currículo, também foi incorporada a perspectiva da inovação do ensino de
Matemática com recursos da tecnologia, inicialmente através de duas disciplinas e
posteriormente nas práticas pedagógicas desenvolvidas ao longo do curso (Idem, 1995).
Em 1995 foi criado o curso de Licenciatura em Matemática Noturna, atendendo a
uma demanda social de graduação de alunos trabalhadores, com as mesmas disciplinas do
curso diurno, distribuídas ao longo de cinco anos de formação.
Em 2000, os currículos sofreram novas alterações em atendimento à exigência de um
mínimo de 300 horas de prática de ensino, estabelecida pela nova Lei de Diretrizes e Bases
da Educação (Lei 9.394/96). Nessas alterações, foram preservados os princípios
motivadores da reformulação curricular anterior e modificadas a mula e carga horária de
um conjunto de disciplinas, em decorrência de avaliação interna do currículo implementado
desde 1993.
A implementação dos novos currículos dos cursos de Licenciatura foi acompanhada
de um conjunto de iniciativas relativas à qualificação do corpo docente e à melhoria das
condições de infra-estrutura dos cursos que se refletem nas práticas integradas de ensino,
pesquisa e extensão, bem como na articulação entre a formação inicial e continuada
deprofessores.
Em primeiro lugar, deve-se destacar a qualificação, em nível de Doutorado, do corpo
docente atuante nos cursos de Licenciatura em Matemática e Licenciatura em Matemática-
Noturna.
No DMPA, responsável pela oferta de disciplinas que correspondem a cerca de 70%
da carga horária dos cursos, a qualificação dos docentes desenvolveu-se em dois sentidos.
Numa primeira vertente, prosseguiu o esforço de formação e o recrutamento de doutores
na área da Matemática, iniciado nos anos 70. Na segunda vertente, um grupo de docentes
dedicados aos cursos de Licenciatura buscou a continuidade de sua formação nas áreas da
Educação, da Educação Matemática e da Informática Educativa. Nesse mesmo período
tornaram-se sistemáticas, no âmbito do IM, as atividades de pesquisa e extensão voltadas
especificamente para as questões de ensino e de formação de professores de Matemática. A
área de Educação Matemática adquiriu identidade e espaço próprio no IM, com presença
permanente nas Comissões de Pesquisa e Extensão. Em 1996, o DMPA realizou pela primeira
vez um concurso docente voltado para essa área.
No Departamento de Ensino e Currículo (DEC) da Faculdade de Educação (FE),
responsável por um conjunto de disciplinas que inclui os estágios curriculares, consolidou-se
também um grupo de docentes dedicado ao curso de Licenciatura em Matemática, com
formação em nível de doutorado nas áreas da Educação e da Educação Matemática.
A constituição de um grupo de docentes com formação nas áreas da Educação,
Educação Matemática e Informática Educativa reflete-se na produção de trabalhos que
dizem respeito à formação de professores e ao ensino de matemática. Dentre esses
trabalhos, cabe destacar as dissertações e teses de autoria dos docentes que atuam no
curso, elencadas no Anexo I deste documento.
Na continuidade desses trabalhos, diferentes projetos de pesquisa vêm sendo
desenvolvidos a partir de questões de ensino e aprendizagem de Matemática, envolvendo
alunos dos cursos de Licenciatura e tendo como objeto de análise e campo de
204
implementação a sala de aula, articulando a pesquisa e a prática docente na formação de
professores.
Entre esses projetos de pesquisa, podem ser destacados:
- o Projeto “Professores de Matemática: formação e iniciação à docência”, subprojeto
da Pesquisa Novas Políticas e Novas Práticas Curriculares em Formação de Professores
(Fórum das Licenciaturas da UFRGS - Convênio PROGRAD-UFRGS-FINEP) desenvolvido em
1996-1997;
- o Projeto “GPA - Grupo de Pesquisa Ação em Educação Matemática da UFRGS”
(convênio PROADE-FAPERGS), desenvolvido no período 2000 a 2002, que envolveu um
número significativo de professores da rede e de alunos do Curso de Licenciatura, em ações
docentes conjuntas, que se constituíram como resposta a questões-problema da área de
ensino;
- o Projeto “O Computador na Aprendizagem de Matemática Elementar”, iniciado em
1995 e em desenvolvimento até hoje, articulando ensino, pesquisa, formação de professores
e uso de tecnologia informática e servindo de apoio para as disciplinas do Curso de
Licenciatura que aliam Informática com Ensino de Matemática;
- o Projeto de Pesquisa “Construção dos números reais e discussões sobre
trigonometria e funções trigonométricas”, desenvolvido desde 2002, que parte de uma das
principais problemáticas da formação de professores - “qual é o conhecimento específico de
Matemática que deve ser construído em nível superior e que é essencial ao professor do
nível básico?” -, tem como campo de ação a sala de aula do Curso de Licenciatura e se
propõe a produzir material didático;
- o Projeto Fábrica Virtual - Produção de Módulos Educacionais Digitais - Matemática,
dentro do Projeto RIVED (Red Internacional Virtual de Educación), desenvolvido no MEC pela
Secretaria de Educação a Distância (SEED) em parceria com a Secretaria de Ensino Médio e
Tecnológico (SEMTEC), constituindo-se em uma iniciativa para criação de material didático
digital com intuito de otimizar o processo de ensino das ciências da natureza e da
matemática no ensino médio presencial, com financiamento da UNESCO;
- o projeto “Um Ambiente de Apoio à Pedagogia de Projetos de Aprendizagem”
realizado pela Fundação de Apoio à Universidade Federal do Rio Grande do Sul (FAURGS) e
com financiamento da FINEP - Financiadora de Estudos e Projetos, do Ministério da Ciência e
Tecnologia.
também licenciandos vinculados a projetos de pesquisa em Matemática Pura e
Aplicada: “Construção dos Números Reais e discussões sobre Trigonometria e as Funções
Trigonométricas”; “Equações de Evolução Não Lineares Advecção-Difusão, Navier-Stokes e
Outras Equações”; “Equações Semilineares Elípticas”; “Estimação em
ProcessosFracionariamente Integrados Multivariados”; “Geometria Algébrica I”; “Geometria
das Curvas Planas”; “Grupos Finitos de Reflexões”.
No que tange à infra-estrutura dos cursos, cabe destacar a constituição, em 1994, do
Laboratório de Informática do curso de Licenciatura, com recursos do Programa de Apoio à
Qualidade de Ensino de Graduação da UFRGS, e mantido com recursos do IM. Em 2001, foi
ampliado com recursos da FAPERGS o Laboratório de Ensino de Matemática, também
instalado no IM e projetado para realização de experiências de ensino. O Laboratório teve
205
sua capacidade ampliada para 50 alunos, ocupando área de 100m2, e foi dotado de espaço
para reuniões. Foram comprados televisão, filmadora, vídeo, computador, impressora e
recursos para exposições multi-mídia. Desde 2002, está em andamento o Projeto
Laboratório de Matemática: um espaço para práticas didáticas e atividades culturais.
No âmbito da Faculdade de Educação, um importante avanço em termos de
infraestrutura foi a constituição do Laboratório de Informática do Ensino Superior (LIES), que
possibilita aos licenciandos o acesso amplo e gratuito à Internet, ao correio eletrônico e
cumpre as funções de suporte tecnológico às suas atividades de produção acadêmica, tais
como digitação, formatação e impressão de textos e também serve aos professores como
apoio às aulas. Outro importante recurso à disposição de professores e alunos é a Central de
Produções da Faculdade de Educação, que produz material de ensino para alunos e
professores da UFRGS e de outras instituições. Para isso conta com: acervo de programas e
filmes em vídeo na área da educação; o Setor de Arte, o que oferece suporte gráfico para o
ensino, a pesquisa e a extensão, desde a elaboração de lâminas, cartazes, painéis a a
produção de ilustrações e finalização de arte para publicações; o Setor de Vídeo que está
aparelhado para produções de vídeos, desde o roteiro a montagens na ilha de edição, com
inclusão de efeitos; o Setor de Editoração Eletrônica.
Na perspectiva da inovação do ensino de Matemática com recursos da tecnologia,
foram criados sítios que possibilitam a divulgação da produção dos professores e estudantes
dos cursos de Licenciatura, que inclui recursos didáticos. Em 1998, foi criado o sítio
http://mathematikos.psico.ufrgs.br , que serve de suporte virtual para disciplinas dos cursos
de Licenciatura. Em 2000, foi criado o sítio http://www.edumatec.ufrgs.br, produção do
Projeto Educação Matemática e Tecnologia Informática, implementada com recursos do
Projeto Produção de Material Didático, financiado pelas Pró-Reitoria de Pesquisa e de
Graduação da UFRGS. Este sítio, até o ano de 2002, funcionou como material de apoio para
uma disciplina dos cursos de Licenciatura. No ano de 2003, com apoio da Secretaria de
Educação à Distância da UFRGS (SEAD), o projeto foi reestruturado para oferta de Educação
a Distância (Projeto Educação Matemática e Tecnologia Informática: uma experiência em
Educação a Distância), com uma primeira experiência em andamento desde outubro de
2003. Em 2001 foi criado o sítio http://matematicao.psico.ufrgs.br, também contando com
recursos do Projeto Produção de Material Didático, financiado pelas Pró-Reitoria de Pesquisa
e de Graduação da UFRGS e SEAD, e sendo produzido integralmente por estudantes da
Licenciatura que, por sua vez, o utilizam em trabalhos práticos com alunos do Ensino
Fundamental. Como expressão institucional do trabalho desenvolvido, o IM é um dos
núcleos da SEAD e um dos Institutos fundadores e membros permanentes do Centro
Interdisciplinar em Novas Tecnologias na Educação (CINTED), criado em 2001.
As atividades de extensão estão integradas à formação dos licenciandos de forma
sistemática nas disciplinas de Laboratório de Prática de Ensino de Matemática. No âmbito
dessas disciplinas, os licenciandos desenvolvem experiências de ensino-aprendizagem junto
a diferentes grupos de alunos: experimentos localizados em torno de tópicos específicos
implementados na sala de aula regular ou no ambiente do Laboratório de Ensino da
Matemática (IM-UFRGS), com alunos de nível fundamental e médio; intervenções em turmas
de ensino fundamental ou médio, na modalidade regular ou EJA; parceria permanente com
o Colégio de Aplicação da UFRGS, na forma de assessoria ao Projeto Amora e oficinas de
ensino; cursos de extensão para alunos ou egressos do ensino médio, nas áreas da
Geometria, da Análise Combinatória e Probabilidade, dos Números Reais e das Funções.
206
Outros projetos de extensão têm propiciado também a interação dos estudantes dos
cursos com grupos das comunidades interna e externa à UFRGS.
Durante o ano de 2003, 40 licenciandos dos cursos diurno e noturno participaram,
como bolsistas, do Programa ECSIC - Escola, Conectividade e Sociedade da Informação,
atuando em 25 escolas da Rede Municipal de Ensino de Porto Alegre. Este programa é
desenvolvido em parceria com a Prefeitura de Porto Alegre e financiado pelo BNDES - Banco
Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social. A partir dele, pretende-se disseminar os
modelos ou protótipos de inovação curricular desenvolvidos e testados pelo Laboratório de
Estudos Cognitivos da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em função das
“necessidades de transformação do modelo de Escola da Sociedade Industrial para um novo
modelo: o da Escola que vai formar o cidadão da Sociedade da Informação e da Sociedade
do Conhecimento” (PROJETO ECSIC, 2001, p. 35). Atualmente, 20 estudantes dos cursos de
Licenciatura em Matemática participam desse Programa, interagindo com estudantes do
ensino fundamental em 15 escolas do Município de Porto Alegre.
Desde 2003, licenciandos vêm atuando no Programa Pró-Cálculo, nos cursos de Pré-
Cálculo oferecidos aos calouros da UFRGS e no acompanhamento das “turmas especiais” de
Cálculo I, oferecidas aos alunos com duas ou mais reprovações na disciplina.
As diretrizes para formação inicial e continuada de professores mais recentes indicam
a articulação entre investigação e prática, ao longo desse processo de formação.
Nos últimos dez anos, o IM tem realizado atividades de extensão voltadas para a
formação continuada de professores que integram tratamento de conteúdos matemáticos,
desenvolvimento de competências práticas e oportunidade para pesquisa em Educação
Matemática. Podem ser citadas as seguintes iniciativas de formação continuada:
- a seqüência de três Oficinas de Matemática para professores e licenciandos,
atividades de extensão desenvolvidas em 1992, 1993 e 1995;
- os quatro Cursos Pró-Ciências oferecidos para professores de Matemática e que
contaram com recursos do Ministério da Educação (MEC) e da Fundação de Apoio à Pesquisa
do Estado do Rio Grande do Sul (FAPERGS), nos anos de 1996, 1997, 1998/99 e 2003 (no
último caso, através de convênio com a Secretaria da Educação do Estado);
- a seqüência de quatro Cursos para Professores de Ensino Médio, realizados em
convênio com Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Projeto Instituto do Milênio), em
janeiro e julho de 2002, em janeiro e julho de 2003 e em janeiro e julho de 2004.
Em 2002, um grupo de docentes deu início ao estudo dos caminhos para a criação de
um novo Programa de Pós-Graduação no IM - o PPG-Ensino de Matemática, vinculado ao
oferecimento de um Mestrado especialmente destinado para os professores em exercício na
rede de escolas do nível fundamental, médio e técnico. Em 2004 foi criado e cadastrado,
junto ao CNPq, o Grupo de Pesquisa em Ensino de Matemática da UFRGS e apresenta-se a
proposta de criação de um Programa de Pós-Graduação em Ensino de Matemática e de um
Mestrado Profissionalizante para professores de Matemática em exercício, aprovado nas
instâncias da UFRGS.
207
PROPOSTA
As mudanças implementadas nos cursos de Licenciatura em Matemática a partir de
1993, consolidadas na última década, estão em consonância com as orientações
estabelecidas pelas atuais Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores
da Educação Básica emanadas pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) e colocam os
cursos em condições privilegiadas para o atendimento às suas determinações. A proposta
que ora apresentamos, a ser implementada em 2005, adapta a organização institucional e
curricular dos cursos de Licenciatura em Matemática e de Licenciatura em Matemática-
Noturna da UFRGS às exigências dessas Diretrizes e às da Resolução 2/2002 do CNE, bem
como às determinações do Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão da UFRGS (CEPE) em
sua Resolução 04/2004, assinada em 28/04/2004.
As alterações curriculares propostas, com implementação prevista para 2005/01,
visam, sobretudo, atender:
1. as exigências estabelecidas pelo CNE e pelo Ministério da Educação:
a) a Resolução CNE/CP 1/2002, publicada no DOU de 04/03/2002, que institui as
Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica, em
nível superior, curso de Licenciatura, de graduação plena”, e que enfatiza a necessidade de
programas de formação que integrem, desde os primeiros anos de curso, a aquisição de
competências pedagógicas e competências em área específica de conhecimento;
b) a Resolução CNE/CP 2/2002, publicada no DOU de 04/03/2002, que institui a
duração e a carga horária dos cursos de Licenciatura, de graduação plena, de formação de
professores da Educação Básica em nível superior”, estabelecendo uma integralização
mínima de 2800 horas de formação, com a seguinte distribuição:
- 1800 horas para conteúdos curriculares de natureza científico-cultural;
- 400 horas de prática pedagógica como componente curricular, ao longo do curso;
- 400 horas de estágio curricular supervisionado, a partir da segunda metade do
curso;
- 200 horas para outras formas de atividades acadêmico-científica culturais.
2. as exigências estabelecidas pelo Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão da
UFRGS em sua Resolução 04/2004, que reforça a importância da indissociabilidade entre
formação da especialidade e a formação pedagógica pela introdução, desde as etapas
iniciais do curso, de disciplinas de práticas pedagógicas”, assim como “a inclusão da pesquisa
como eixo articulador entre a construção do conhecimento específico e a prática
pedagógica” e institui, como obrigatório nos cursos de Licenciatura, o Trabalho de Conclusão
de Curso (TCC) como registro de reflexão que integre a construção teórica com as
experiências adquiridas ao longo das práticas pedagógicas e do estágio obrigatório.
Estes esclarecimentos justificam as grades curriculares e a distribuição de carga
horária propostas para os cursos de Licenciatura em Matemática e Licenciatura em
Matemática- Noturna, detalhadas a seguir.
208
PERFIL DO LICENCIANDO - COMPETÊNCIAS E HABILIDADES
Definimos o perfil do profissional que se espera formar neste curso a partir do perfil
que está expresso no Projeto Pedagógico do Curso de Licenciatura em Matemática,
formulado em 1992. O professor formado no Curso de Licenciatura em Matemática deve:
“- apresentar um bom domínio de conteúdos matemáticos;
“- apresentar um bom domínio de teorias de ensino aprendizagem e saber adequálas
ao conteúdo específico;
“- apresentar um bom domínio da tecnologia informática como ferramenta para a
aprendizagem da Matemática;
“- ser um pesquisador dentro da sala de aula, capacitado a entender as diferentes
estratégias desenvolvidas pelos alunos no processo de aprendizagem e as variáveis didáticas
envolvidas no processo;
“- ser agente de transformação dentro de sua escola, questionando os programas e
as seqüências de ensino vigentes;
“- estar em permanente contato com pesquisas e experiências na área de Educação
Matemática, realimentando permanentemente a dinâmica do ensinar e do aprender.”
(PAIUFRGS, 1995, p. 4).
O profissional que se pretende formar é um: professor com sólido conhecimento
matemático; professor prático-reflexivo, aquele que produz “conhecimento pedagógico dos
conteúdos; professor para o futuro, com domínio da tecnologia; professor-pesquisador em
sala de aula; professor agente transformador da realidade da escola e co-responsável pela
qualidade do ensino. Esse perfil orienta as diferentes estratégias de formação que vão
perpassar todo trabalho docente e o próprio currículo.
Os objetivos específicos do Curso de Licenciatura consistem no desenvolvimento de
ações que contribuam para desenvolver:
a) conhecimento dos conteúdos da Matemática básica, com bom nível de abstração,
estabelecendo relações dos conteúdos entre si e dos conteúdos com as outras áreas da
ciência e do cotidiano;
b) conhecimento de teorias de aprendizagem e de cognição, sabendo adequá-las ao
conteúdo específico;
c) competência no uso da tecnologia informática para ensino e aprendizagem da
Matemática;
d) competências para desenvolver pesquisa na da sala de aula, tomando o aluno
como sujeito da aprendizagem, buscando entenderas diferentes estratégias desenvolvidas
no processo de aprendizagem e buscando identificar as diferentes variáveis didáticas
envolvidas no processo;
e) competência para se tornar agente de transformação dentro de sua escola,
questionando os programas e as seqüências de ensino vigentes e multiplicando a formação
recebida;
209
f) competência para buscar a atualização permanente nas áreas de Ensino de
Matemática e Educação Matemática, estando em contato com pesquisas e experiências
novas para realimentar permanentemente a dinâmica do ensinar e do aprender.
DESENHO CURRICULAR
Os cursos de Licenciatura em Matemática oferecem anualmente 90 vagas, sendo 45
no curso Licenciatura em Matemática (diurno, com ingresso no primeiro semestre) e 45 no
curso Licenciatura em Matemática – Noturna (com ingresso no segundo semestre do ano).
Os currículos dos cursos oferecem uma formação básica em Matemática, além de
enfatizar as disciplinas de formação prática-pedagógica, em parceria com a Faculdade de
Educação. Todas as disciplinas que integram o currículo são de caráter obrigatório.
Caracterizadas por sua natureza científico-cultural, o primeiro conjunto de disciplinas
que compõe o currículo está formado por dois grupos.
No primeiro grupo de disciplinas de natureza científico-cultural temos as seguintes
disciplinas oferecidas pela Faculdade de Educação, cada uma delas com carga horária de 30
horas, totalizando 300 horas: Organização da escola básica, Psicologia da Educação I, História
da Educação: história da escolarização brasileira e processos pedagógicos, Tendências em
Educação Matemática, Psicologia da Educação II, Filosofia da Educação, Teoria do currículo,
Organização curricular, planejamento e avaliação, Intervenção pedagógica, Psicologia da
Educação: temas contemporâneos.
O segundo grupo de disciplinas de natureza científico-cultural é composto por
disciplinas sob a responsabilidade do Instituto de Matemática e Instituto de Física,
totalizando 1560 horas. As disciplinas Cálculo e Geometria Analítica I-A, Cálculo Geometria
Analítica II-A, Física Geral I e Física Geral II têm cada uma carga horária de 90 horas. As
demais disciplinas têm cada uma carga horária de 60 horas: Fundamentos de Matemática I,
Geometria I, Geometria Analítica B, Computador na Matemática Elementar, Fundamentos
de Matemática II, Geometria II, Fundamentos de Aritmética, Álgebra I, Álgebra Linear I - A,
Combinatória I, Álgebra II, Combinatória II, Aplicações da Matemática, Probabilidade e
Estatística, História da Matemática, Análise Real I, Análise Real II, Pesquisa em Educação
Matemática e uma disciplina de caráter alternativo-obrigatório. O Trabalho de Conclusão de
Curso completa este conjunto de disciplinas de natureza científico-cultural, estando sob a
responsabilidade da COMGRAD-MAT.
Um segundo conjunto de disciplinas é caracterizado por sua natureza prática. Inclui
as seguintes disciplinas oferecidas pelo Instituto de Matemática, que totalizam 420 horas:
Laboratório de Prática de ensino-aprendizagem em Matemática I, Laboratório de Prática de
ensino-aprendizagem em Matemática II e Laboratório de prática de ensino-aprendizagem
em Matemática III, com 120 horas cada e Educação Matemática e Tecnologia, com 60 horas.
Inclui também as disciplinas oferecidas pela Faculdade de Educação que caracterizam o
estágio curricular supervisionado e que totalizam 420 horas: Estágio em Educação
Matemática I, com 60 horas, Estágio em Educação Matemática II e Estágio em Educação
Matemática III, cada uma delas com carga horária 180 horas.
210
Complementando as 2700 horas correspondentes às disciplinas listadas acima, as
200 horas de atividades acadêmico-científico-culturais, regidas pela Resolução 38/2002 do
CEPE/UFRGS, a serem regulamentadas, no âmbito dos cursos de Licenciatura em
Matemática, pela Comissão de Graduação em Matemática.
Na presente proposta foi mantido e aprofundado o espírito de integração e
articulação entre as diferentes vertentes que compõem o espectro da formação de um
futuro professor de Matemática, presentes na última adaptação curricular realizada nos
cursos de Licenciatura em Matemática, e aqui representadas pelas disciplinas dos Institutos
de Matemática e Física e da Faculdade de Educação.
INTEGRALIZAÇÃO CURRICULAR
A integralização curricular é obtida por meio de créditos atribuídos às disciplinas em
que o aluno lograr aprovação. Cada crédito corresponde a quinze horas de carga horária.
O currículo do curso de Licenciatura em Matemática (diurno) é estruturado em
etapas semestrais, enquanto que o curso de Licenciatura em Matemática - Noturna tem as
mesmas disciplinas, distribuídas em 10 etapas semestrais.
A duração mínima é de 6 semestres para o curso de Licenciatura em Matemática e de
8 semestres para o curso de Licenciatura em Matemática Noturna. A duração máxima
desses cursos é de 16 e 20 semestres, respectivamente.
O total de créditos para ambos os cursos é 180. Além dos 180 créditos, o currículo
contempla um total de 200 horas correspondentes às Atividades acadêmico-
científicoculturais, o que totaliza 2900 horas de carga horária em cada curso.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Conselho Pleno. Resolução CNE/CP n° 1, de 18
de fevereiro de 2002. Institui Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de
Professores da Educação Básica, em nível superior, curso de licenciatura, de graduação
plena. Brasília: 2002.
BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Conselho Pleno. Resolução CNE/CP n° 2, de 19
de fevereiro de 2002. Institui a duração e a carga horária dos cursos de licenciatura, de
graduação plena, de formação de professores da Educação Básica em nível superior.
Brasília: 2002.
PROGRAMA DE AVALIAÇÃO INSTITUCIONAL DA UFRGS (PAIUFRGS). Núcleo de
Avaliação da Unidade – Instituto de Matemática. Relatório de Avaliação Interna. Curso de
Licenciatura em Matemática. Porto Alegre: IM/UFRGS, 1995.
PROGRAMA DE AVALIAÇÃO INSTITUCIONAL DA UFRGS (PAIUFRGS). Núcleo de
Avaliação da Unidade – Instituto de Matemática. Relatório de Avaliação Interna. Curso de
Bacharelado em Matemática. Porto Alegre: IM/UFRGS, 1996.
PROJETO ESCOLA, CONECTIVIDADE E SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO. Porto Alegre:
2001. Disponível em <http://ecsic.lec.ufrgs.br/index.php/Projeto_ECSIC>
UFRGS. Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (CEPE). Resolução nº 4, de 28 de
janeiro de 2004. Regulamenta as Diretrizes para o Plano Pedagógico das Licenciaturas da
UFRGS. Porto Alegre: 2004.
211
ANEXO H – PLANOS DE ENSINO 2008/1 e 2009/1
32
Objetivos:
Tendo em vista, prioritariamente, a formação pedagógica do licenciando, propõe-se:
estudo e discussão acerca dos objetivos e propostas curriculares para o ensino de
geometria nos Ensinos Fundamental e Médio;
revisão dos conceitos relativos à geometria plana, espacial e analítica, tendo em vista os
processos de ensino e de aprendizagem dos mesmos;
leitura e análise de resultados de pesquisas e produções relevantes sobre a temática do
ensino e da aprendizagem de geometria;
estudo dos problemas cognitivos, sócio-culturais e didáticos implicados no ensino e na
aprendizagem dos diferentes conceitos e das diferentes formas de explicitação da
geometria euclidiana;
análise crítica de livros, materiais didáticos e metodologias utilizados no ensino de
geometria;
discussão relativa às questões éticas envolvidas na ação pedagógica do professor e
sensibilização para os interesses e valores individuais dos alunos.
estudo e preparação de propostas de ensino-aprendizagem de geometria plana, espacial
e analítica;
implementação das propostas elaboradas, em turmas de Ensinos Fundamental e Médio
da rede pública, sob a orientação e supervisão da professora desta disciplina;
avaliação das práticas de ensino desenvolvidas, tendo em vista as manifestações dos
alunos da rede e o posicionamento crítico dos licenciandos e da professora/orientadora;
32
Os dois planos de ensino, o de 2008/1 e o de 2009/1, apresentam poucas diferenças, por isso optei
por anexar apenas um deles.
Código MAT
Nome
01071
Laboratório de Prática de Ensino-Aprendizagem de
Matemática II
Créditos/horas-
aula
Súmula
08 / 120
Geometria sintética no plano e no espaço. Medidas: comprimento, áreas
e volumes. Geometria analítica. Transformações geométricas.
Preparação, execução e avaliação de experiências de prática de ensino
nesses conteúdos especificados.
Semestre
2008-1
Cursos
Licenciatura em Matemática – Diurno
Licenciatura em Matemática – Noturno
Etapa
Pré-Requisitos
MAT01345 Geometria II
MAT01035 Geometria Analítica B
EDU02032 Tendências em Educação
Matemática
Professor Responsável
Lucia Helena Marques Carrasco
212
consolidação de atitudes de participação, comprometimento, pesquisa, organização,
flexibilidade, crítica e auto-crítica no desenrolar das atividades práticas.
Metodologia e Experiências de Aprendizagem:
O programa será desenvolvido através de:
aulas expositivo-dialogadas;
leitura e discussão de textos;
produção de resenhas comentadas de textos previamente selecionados;
resolução de problemas relacionados à temática em estudo;
análise de propostas curriculares, materiais didáticos, relatos de experiências e
propostas de ensino-aprendizagem de geometria;
preparação de propostas de ensino-aprendizagem de geometria, por grupos de dois ou
três alunos, que serão implementadas e avaliadas junto a alunos dos Ensinos
Fundamental e/ou Médio;
seminários de discussão de textos lidos e produzidos pelos alunos;
elaboração de relatórios das práticas de ensino desenvolvidas;
seminários de relato e avaliação das práticas de ensino.
Visando a preparação das propostas de ensino, deverá ocorrer uma fase de aproximação
entre os alunos da disciplina e os professores e alunos das escolas onde se desenvolverão as
práticas. Na continuidade do processo de planejamento e implementação das propostas de
ensino-aprendizagem serão mantidos os encontros semanais com a professora da disciplina,
possibilitando o trabalho de orientação e avaliação das práticas. O planejamento incluirá a
sistematização dos objetivos e das atividades e materiais previstos. Nesta fase os alunos
deverão evidenciar coerência entre os objetivos e as estratégias didáticas, justificando suas
opções a partir dos subsídios teóricos e análises críticas desenvolvidos anteriormente. A
avaliação das práticas prevê a consideração das aprendizagens (e dificuldades) evidenciadas
pelos alunos das escolas, a atuação de cada licenciando, sua interação com os colegas,
alunos e professores e a necessidade de reformulação do planejamento.
Ao longo do semestre, cada aluno produzirá um relatório do trabalho realizado ao longo do
semestre, incluindo as tarefas realizadas, devidamente comentadas, e uma análise das
aprendizagens vivenciadas na disciplina. Além desse relatório individual, cada grupo
produzirá um relatório crítico-descritivo, documentando e avaliando o planejamento e a
implementação das propostas de ensino-aprendizagem. Estes relatórios serão divulgados, na
forma de seminário, para os demais colegas da disciplina.
Conteúdo Programático:
1. Planejamento, execução e avaliação de experiências de prática de ensino de tópicos de:
- Geometria Plana
- Geometria Espacial
- Geometria Analítica
- Medidas: comprimentos, áreas e volumes
- Transformações geométricas.
213
2. Objetivos do ensino de Geometria segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais e as
Normas para o currículo e a avaliação em matemática escolar.
3. Livros e materiais didáticos.
4. Propostas alternativas de ensino-aprendizagem de Geometria.
5. Integração de conceitos relativos à Aritmética e Geometria voltados para os Ensinos
Fundamental e Médio.
6. Dificuldades de aprendizagem de conceitos relativos à Geometria.
7. Pesquisa, criação, produção e adaptação de alternativas para promover o ensino e a
aprendizagem de conceitos relativos à Geometria.
8. Apropriação de recursos tecnológicos computacionais e materiais concretos para o ensino
e a aprendizagem de conceitos relativos à Geometria.
Cronograma de Atividades:
Aula 1: quinta-feira, 06 de março: Apresentação da proposta de trabalho e do Plano de
Ensino.
Aula 2: sexta-feira, 07 de março: Geometria plana.
Aula 3: quinta-feira, 13 de março: Geometria espacial.
Aula 4: sexta-feira, 14 de março: Geometria analítica.
Aula 5: quinta-feira, 20 de março: Medidas: comprimentos, áreas e volumes
Aula 6: quinta-feira, 27 de março: Transformações geométricas.
Aula 7: sexta-feira, 28 de março: Objetivos do ensino de Geometria segundo os Parâmetros
Curriculares Nacionais e as Normas para o currículo e a avaliação em matemática escolar.
Aula 8: quinta-feira, 03 de abril: Análise de livros e materiais didáticos.
Aula 9: sexta-feira, 04 de abril: Análise de propostas alternativas de ensino-aprendizagem de
Geometria.
Aula 10: quinta-feira, 10 de abril: Integração de conceitos relativos à Aritmética e Geometria
voltados para os Ensinos Fundamental e Médio.
Aula 11: sexta-feira, 11 de abril: Dificuldades de aprendizagem de conceitos relativos à
Geometria.
Aula 12: quinta-feira, 17 de abril: Alternativas metodológicas para promover o ensino e a
aprendizagem de conceitos relativos à Geometria.
Aula 13: sexta-feira, 18 de abril: Análise de recursos tecnológicos computacionais e materiais
concretos para o ensino e a aprendizagem de conceitos relativos à Geometria.
Aula 14: quinta-feira: 24 de abril: Planejamento de prática de ensino.
Aula 15: sexta-feira, 25 de abril: Planejamento de prática de ensino.
Aula 16: sexta-feira, 02 de maio: Planejamento de prática de ensino.
Aula 17: quinta-feira, 08 de maio: Práticas de ensino-aprendizagem.
Aula 18: sexta-feira, 09 de maio: Avaliação e planejamento de prática de ensino.
Aula 19: quinta-feira, 15 de maio: Práticas de ensino-aprendizagem.
Aula 20: sexta-feira, 16 de maio: Avaliação e planejamento de prática de ensino.
Aula 21: sexta-feira, 23 de maio: Avaliação e planejamento de prática de ensino.
Aula 22: quinta-feira, 29 de maio: Práticas de ensino-aprendizagem.
Aula 23: sexta-feira, 30 de maio: Avaliação e planejamento de prática de ensino.
Aula 24: quinta-feira, 05 de junho: Práticas de ensino-aprendizagem.
Aula 25: sexta-feira, 06 de junho: Avaliação e planejamento de prática de ensino.
Aula 26: quinta-feira, 12 de junho: Práticas de ensino-aprendizagem.
214
Aula 27: sexta-feira, 13 de junho: Avaliação e planejamento de prática de ensino.
Aula 28: quinta-feira, 19 de junho: Seminário de avaliação das práticas de ensino.
Aula 29: sexta-feira, 20 de junho: Seminário de avaliação das práticas de ensino.
Aula 30: quinta-feira, 26 de junho: Seminário de avaliação das práticas de ensino.
Aula 31: sexta-feira, 27 de junho: Seminário: conexões entre a teoria e a prática.
Aula 32: quinta-feira, 03 de julho: Avaliação do trabalho desenvolvido na disciplina.
Critérios de Avaliação:
A avaliação levará em consideração o desempenho global do aluno, destacando-se:
1. Participação nas discussões promovidas em aula, incluindo a produção de resenhas e
demais tarefas propostas.
2. Planejamento (em grupo) de propostas de ensino-aprendizagem.
3. Realização da prática de ensino em escolas da rede pública.
4. Produção e apresentação de relatórios individual e em grupo.
Para obtenção do conceito final A, o aluno deve obter conceito A em cada um dos itens; para
obtenção do conceito B, o aluno deve obter conceito B ou superior em cada um dos
itens; para obtenção do conceito C o aluno deve obter conceito C ou superior em cada
item.
No item 1, os critérios para atribuição de conceito são:
- presença participativa;
- compromisso com horários e cronogramas estabelecidos;
- compreensão e criticidade na leitura e comentários dos textos propostos;
- estabelecimento de conexões entre textos, vivências e questões pertinentes à disciplina.
No item 2, os critérios para atribuição de conceito são:
- freqüência, pontualidade e comprometimento com o planejamento das propostas;
- qualidade da participação no grupo, expressando clareza, coerência, organização,
criticidade e criatividade;
- busca de aprofundamento teórico que qualifique a produção do grupo.
No item 3, os critérios para atribuição de conceito são:
- freqüência e pontualidade às aulas práticas;
- comprometimento com o planejamento construído pelo grupo;
- apresentação antecipada (em data que será combinada com a professora da disciplina)
dos planos de aulas e materiais didáticos que serão utilizados nas aulas;
- conhecimento dos conteúdos desenvolvidos;
- comprometimento com a aprendizagem dos alunos;
- cumprimento dos compromissos assumidos junto aos alunos das escolas;
- busca de novas alternativas para construção de conhecimentos em Matemática;
- perspectiva de trabalho que propicie a participação dos alunos durante a aula;
- aulas desenvolvidas de forma dinâmica, clara e organizada;
- reflexividade e criticidade na avaliação e nas reformulações do planejamento.
No item 4, os critérios para atribuição de conceito são:
- consistência, acuidade e clareza na redação dos relatórios;
- estabelecimento de conexões entre o conjunto de tarefas realizadas na disciplina;
- registros de trabalhos dos alunos dos Ensinos Fundamental e Médio;
- análise dos registros dos alunos do ponto de vista da aprendizagem realizada;
- relevância e profundidade das observações e reflexões sobre as práticas;
215
- dinamicidade e organização na apresentação oral dos resultados das práticas.
Será também observada a exigência regimental da freqüência mínima a 75% dos encontros,
para obtenção dos conceitos A, B, C ou D.
Atividades de Recuperação:
Serão oportunizadas as seguintes atividades de recuperação:
- reelaboração de resenhas e demais tarefas propostas, quando forem consideradas
insuficientes, sendo dado uma semana de prazo para entrega deste trabalho.
- reelaboração do relatório, se for considerado insuficiente e tiver sido entregue na data
agendada.
A recuperação da participação em seminários, bem como no planejamento e implementação
das práticas de ensino, deverá ocorrer no decurso dessas atividades, com orientação da
professora e desde que o(a) aluno(a) tenha sido freqüente em cada uma das atividades.
Bibliografia Básica:
1. BRASIL. MEC. Parâmetros e Referências Curriculares Nacionais 5ª a 8ª séries.
http://www.mec.gov.br/sef/estrut2/pcn/pdf/matematica.pdf
2. BRASIL. MEC. Parâmetros e Referências Curriculares Nacionais Ensino Médio. Ciências
da Natureza, Matemática e suas Tecnologias.
http://www.mec.gov.br/seb/pdf/CienciasNatureza.pdf
3. NATIONAL COUNCIL OF TEACHERS OF MATHEMATICS (NCTM). Normas para o currículo e
a avaliação em matemática escolar. Lisboa, APM, 1991.
4. Lindquist, M. M. e Shulte, A. P. (org.). Aprendendo e ensinando geometria. São Paulo:
Atual, 1994.
Bibliografia Complementar:
1. Avaliações da Educação Básica - SAEB. http://www.inep.gov.br/basica/saeb/
2. Bello, Samuel E.L. Trabalho com projetos, ação pedagógica e interdisciplinaridade:
desafios a serem superados. In: Filipouski, Ana M. R., et al. (orgs.). Teorias e fazeres na
escola em mudança. Porto Alegre: Editora da UFRGS/ Núcleo de Integração Universidade
& Escola da PROREXT/UFRGS, 2005, P.42-52.
3. Biembengut, Maria Salete & Hein, Nelson. Modelagem matemática no ensino. São
Paulo: Contexto, 2000.
4. Búrigo, Elisabete Z. Para que ensinar e aprender Geometria no Ensino Fundamental? Um
exercício de reflexão sobre o currículo. In: Filipouski, Ana M. R., et al. (orgs.). Teorias e
fazeres na escola em mudança. Porto Alegre: Editora da UFRGS/ Núcleo de Integração
Universidade & Escola da PROREXT/UFRGS, 2005, P.243-252.
5. Carrasco, Lucia H. M. Conhecimento matemático: uma construção ao alcance de todos.
In: Filipouski, Ana M. R., et al. (orgs.). Teorias e fazeres na escola em mudança. Porto
Alegre: Editora da UFRGS/ Núcleo de Integração Universidade & Escola da
PROREXT/UFRGS, 2005, P.253-268.
6.
Courant, Richard e Robbins, Herbert. O que é matemática? Rio de Janeiro: Editora
Ciência Moderna Ltda., 2000.
216
7. Eves, Howard. Geometria. picos de história da matemática para uso em sala de aula,
São Paulo: Atual,1992.
8. Exame Nacional do Ensino Médio - ENEM. http://www.inep.gov.br/basica/enem/
9. Fagundes, L. Sato, L. Maçada, D. Aprendizes do futuro: as inovações começaram!
Coleção: Informática para a mudança na Educação. MEC/PROINFO, 1999.
http:// mathematikos.psico.ufrgs.br/textos/aprender.pdf.
10. Fonseca, Maria da C. F. R., et al. O ensino de geometria na escola fundamental: três
questões para a formação do professor dos ciclos iniciais. Belo Horizonte: Autêntica,
2001.
11. Gaspar, Maria T. e Mauro, Suzeli. Explorando a geometria através da história da
matemática e da etnomatemática. Coleção História da Matemática para Professores
SBHMat, 2003.
12. Krulik, Stephen e Reys, Robert E. A resolução de problemas na matemática escolar. São
Paulo: Atual, 1997.
13. Lakatos, Imre. A lógica do descobrimento matemático: provas e refutações. Rio de
Janeiro: Zahar, 1978.
14. Lima, Elon L. Medida e forma em geometria: comprimento, área, volume e semelhança.
Rio de Janeiro: Sociedade Brasileira de Matemática, 1991.
15. Lima, Elon L. Meu professor de matemática e outras histórias. Rio de Janeiro: Sociedade
Brasileira de Matemática, 1991.
16. Lima, Elon L. et al. A Matemática do Ensino Médio. Vol.2. Rio de Janeiro: Sociedade
Brasileira de Matemática, 1999.
17. Lorenzoni, Claudia A. C. de A. O ângulo na geometria elementar: diferentes concepções
ao longo do tempo. Coleção História da Matemática para Professores – SBHMat, 2003.
18. Magdalena, B. e outros. Projeto Amora 2000 Colégio de Aplicação. Universidade
Federal do Rio Grande do Sul, 1999.
http://mathematikos.psico.ufrgs.br/textos/projeto_amora2000.pdf
19. Monteiro, Alexandriana & Ponpeu Jr, Geraldo. A matemática e os temas transversais.
São Paulo: Moderna, 2001.
20. Morey, Bernadete. Geometria e trigonometria na Índia e nos países árabes. Coleção
História da Matemática para Professores – SBHMat, 2003.
21. Polya, G. A arte de resolver problemas. Rio de Janeiro: Interciência, 1978.
22. Radice, Lucio L. A matemática de Pitágoras a Newton. Lisboa: Edições 70, 1985.
23. Serres, Michel. As origens da geometria. Lisboa: Terramar, 1997.
24. Strathern, Paul. Pitágoras e seu teorema em 90 minutos. Rio de Janeiro: Zahar Ed., 1998.
Periódicos
BOLEMA – Boletim de Educação Matemática. Rio Claro: UNESP - Universidade Estadual
Paulista, Departamento de Matemática.
Educação Matemática em Revista Sociedade Brasileira de Educação Matemática SBEM
RS.
Revista Brasileira de História da Matemática Sociedade Brasileira de História da
Matemática – SBHMat – Rio Claro.
Revista do Professor de Matemática – Sociedade Brasileira de Matemática.
Outros itens poderão ser adicionados à bibliografia complementar, de acordo com as
necessidades identificadas no planejamento e reflexão sobre as práticas.
217
ANEXO I – QUESTÕES DE ORIENTAÇÃO PARA ANÁLISE DOS VÍDEOS
Laboratório de Prática de Ensino-Aprendizagem de Matemática II – 2009/1
Questões relacionadas ao vídeo da Aula, desenvolvida junto aos colegas de
turma:
1. Organizar um texto sobre o tema abordado em sua aula, de forma que todos os
conceitos envolvidos sejam revisados e aprofundados. Este texto será entregue aos
seus colegas de Laboratório II.
2. Responder a questão: Como poderia descrever minha atuação durante a aula-
simulação? O que posso dizer sobre “ser” ou “estar” professor naquele momento?
Obs.: Esta questão deve ser respondida antes e depois de você assistir ao vídeo.
3. Depois de assistir ao vídeo responda mais uma questão: houve diferença de
percepções e avaliações sobre seu desempenho como professor após assistir a
filmagem da aula? Você considera importante este registro dentro do processo de
formação de professores?
Perguntas que podem orientar o relatório individual (relacionadas aos deos
gravados):
1. Quais os momentos mais relevantes ocorridos nesta prática de ensino? Justifique:
2. Quais os momentos em que você se reconheceu professor? Justifique:
3. O que significa ser professor de matemática?
4. Quais momentos você gostaria de refazer, ou melhor, fazer de forma diferente?
Por quê?
5. Quais as suas sugestões a um orientador de prática de ensino?
218
ANEXO J – ORIENTAÇÕES PARA ELABORAÇÃO DE RELATÓRIOS
Orientações sobre os relatórios a serem apresentados no final do semestre
O relatório, em grupo, sobre a prática de ensino deve apresentar, de forma
detalhada:
planos de aula, onde constam objetivos, critérios de avaliação, metodologia de ensino,
descrição das atividades realizadas em cada encontro, materiais utilizados, etc;
comentários (que expressem o trabalho reflexivo dos componentes do grupo,) sobre a
participação dos alunos, a avaliação da proposta desenvolvida e da aprendizagem dos
alunos (destacar as dificuldades dos alunos), o envolvimento do professor da turma, etc;
considerações sobre os momentos que antecederam o contato com os alunos, a fase de
preparação das aulas (como o grupo se organizou para isto), o período em que assistiram
às primeiras aulas (ênfase no trabalho de observação), os dados relativos à escola e ao
grupo de alunos (obtidos através de observações, entrevistas, fotos...), etc;
avaliação crítica do trabalho realizado pelo grupo, e do trabalho de cada um, dentro do
grupo, ao longo do processo de ensino-aprendizagem ocorrido.
O relatório deve permitir a quem o reconstruir a experiência desenvolvida pelo
grupo. É um documento que poderá ser consultado por colegas interessados no
planejamento de outras atividades. Também é um documento que comprova o
desenvolvimento da atividade junto às instâncias da Universidade e das escolas onde
atuamos. É importante que vocês saibam que as professoras das turmas onde
desenvolvemos nosso trabalho poderão receber uma cópia do relatório.
O relatório individual é um documento pessoal e deve expressar a vivência e a
reflexão de cada um de vocês. Deve evidenciar as aprendizagens relativas a planejamento,
interação com os alunos, modo como os alunos aprendem, efeitos de diferentes abordagens
e outras reflexões. É um documento interno à disciplina. É o lugar adequado para cada um
expressar suas dúvidas e descobertas, as considerações teóricas que vem desenvolvendo a
partir da reflexão sobre as práticas de ensino e as sugestões para uma próxima experiência.
Este relatório deve expressar a avaliação individual e uma análise do papel de cada um
dentro do processo de ensino-aprendizagem do qual todos nós participamos.
Cabem nos dois documentos, também, avaliações sobre a disciplina de Laboratório e
o modo como as atividades foram propostas e acompanhadas pela professora.
Destaca-se que para facilitar e garantir a realização dos Relatórios é importante que,
desde o início dos trabalhos, cada um de vocês organize um diário de campo, onde devem
constar registros detalhados dos eventos de sala de aula e, também, de outros fatos
relacionados com o trabalho da prática de ensino.
219
ANEXO K – TERMO DE CONSENTIMENTO INFORMADO
Eu ___________________________________________________________________, portador de
RG __________________________, autorizo por meio desse instrumento a Professora Lucia Helena
Marques Carrasco a utilizar meus relatórios e minhas imagens registradas em vídeos, que foram
produzidos durante o primeiro semestre de 2008, na disciplina de Laboratório de Prática de Ensino-
Aprendizagem em Matemática II, para uso exclusivo de seu trabalho de pesquisa intitulado:
“Formação Inicial: diferentes maneiras de ser/estar professor de matemática”.
Declaro que possuo ciência dos objetivos dessa pesquisa e que concordo com os fins a que se
propõe.
____________________, _____ de__________ de _______
__________________________________________________
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