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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
INCLUSÃO ESCOLAR E A
EDUCAÇÃO PARA TODOS
Iolanda Montano dos Santos
Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em
Educação da Faculdade de Educação da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul (PPGEdu/FACED/
UFRGS), como requisito parcial para obtenção do título
de Doutora em Educação.
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Porto Alegre, RS - Brasil
JANEIRO DE 2010
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Livros Grátis
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À minha família,
Tadeu, Vicente, Pedro e Matheus.
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Agradecimentos
Ao professor Alfredo Veiga-Neto e aos colegas do Grupo de Orientação Carlos, Dora, Maria
Renata, Roberta e Viviane e demais colegas que participaram da minha caminhada,
contribuindo para as reflexões e análises aqui desenvolvidas. A este grupo de estudo com
quem aprendi o significado de ser pesquisadora.
Ao corpo docente da Linha de Pesquisa “Estudos Culturais em Educação” pela oportunidade
que me foi dada de participar de discussões valiosas e desafiadoras.
Aos secretários do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFRGS.
Às professoras Elí Fabris, Madalena Klein, Maria Lúcia Wortmann e Maria Luíza Xavier pela
leitura cuidadosa e contribuições fundamentais para a realização desta Tese.
Ao Grupo de Pesquisa e Estudo em Inclusão GEPI/UNISINOS coordenado pela
professora Maura Corcini Lopes pelas contribuições teóricas e discussões compartilhadas.
À Direção e colegas da Escola Estadual de Ensino Fundamental Visconde de Pelotas por
torna-se um campo de pesquisa e pelas trocas de experiências.
Às Faculdades Integradas São Judas Tadeu pela oportunidade e confiança depositados
em
mim.
Aos meus pais pelos ensinamentos de vida.
Ao Tadeu e meus filhos Vicente, Pedro e Matheus pela compreensão a apoio que recebi para
continuar nessa caminhada.
De que valeria a obstinação do saber se ele assegurasse apenas
a aquisição dos conhecimentos e não, de certa maneira, e tanto
quanto possível o descaminho daquele que conhece? Existem
momentos na vida onde a questão sobre o saber se se pode
pensar diferentemente do que se pensa, e perceber
diferentemente do que se vê, é indispensável para continuar a
olhar ou a refletir. (Foucault, 1998, p.13)
Resumo
Esta Tese tem o objetivo de problematizar como a inclusão escolar, como um processo
político-educacional, se intensifica na sociedade atual. Discuto como a inclusão escolar está
implicada na inclusão social em termos de cidadania, de participação e de acesso a diferentes
espaços sociais. O problema central aqui tratado é a discussão de que na atualidade não é
suficiente integrar os sujeitos, mas é preciso incluí-los na vida escolar e social da sua
comunidade. Utilizo os conceitos de governamentalidade, governamento, biopoder e norma
para compreender algumas práticas de inclusão escolar e social e suas estratégias a partir das
noções desenvolvidas por Michel Foucault. A investigação foi construída a partir de dois
eixos: os significados de inclusão e o governamento dos sujeitos. Para realizar o trabalho,
tomei como material de pesquisa alguns documentos internacionais e nacionais, assim como
alguns artigos de revistas nacionais direcionadas a educadores. O modo como vi e interagi
com os materiais levaram-me a organizá-los pela ordem da regulamentação e pela ordem da
regulação. O primeiro eixo tem por finalidade verificar quais os significados e os usos que
têm sido atribuídos à inclusão escolar. Analiso as rupturas e as continuidades provocadas
pelos discursos inclusivos, mostrando suas implicações com a própria constituição da
sociedade contemporânea. No segundo eixo proposto, problematizo as noções de
regulamentação e de regulação como formas de prevenção do risco social. Penso que a
inclusão escolar e social estão diretamente envolvidas com a produção de sujeitos mais
autônomos e autoregulados, ou seja, com a produção de formas de viver na
Contemporaneidade.
Palavras chave: inclusão escolar – inclusão social – Foucault – educação para todos
Abstract
This Dissertation aims to problematize how school inclusion, as a political-educational
process, becomes intensified in the current society. I discuss the way school inclusion is
intertwined with social inclusion in terms of citizenship, participation, and access to different
social spaces. The main issue of this Dissertation is the discussion that, currently, it is not
enough to integrate subjects, but it is necessary to include them in the school and social life of
their community. Based on the ideas developed by Michel Foucault, I make use of the
concepts of governmentality, governance, bio-power, and norm, in order to understand some
practices of school and social inclusion and their strategies. The investigation was constructed
from two axes: the meanings of inclusion and the governance of the subjects. To do the work,
I used as research material some international and national documents, as well as some
articles from national journals directed toward educators. The way I approached and
interacted with the material led me to organize them by two main concepts: rulemaking and
regulation. The first axis aims to verify which meanings and uses have been attributed to
school inclusion. I analyze the ruptures and continuities provoked by inclusive discourses,
showing their implications in the constitution of contemporary society. On the second axis
proposed, I problematize the notions of rulemaking and regulation as ways to prevent social
risk. I believe that school and social inclusion are directly involved with the production of
more autonomous and self-regulated subjects, that is, with the production of ways of living in
Contemporaneity.
Keywords: school inclusion – social inclusion – Foucault – education for all
Lista de Figuras
Figura 1 - Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica ...183
Figura 2 - Evolução do Total de Matrículas na Educação Especial ........................186
Figura 3 - Distribuição do total de matrículas em Educação Especial ....................186
Figura 4 - Distribuição das novas matrículas em Educação Especial.....................187
Figura 5 – Evolução de matrículas classes especiais/comuns ...............................188
Figura 6 – Evolução de matrículas na Educação Especial .....................................188
Lista de Quadros
Quadro 1 - Legislação...............................................................................................32
Quadro 2 – Outros documentos................................................................................34
Quadro 3 – Relação dos periódicos que compõe parte do material de pesquisa......38
Quadro 4 - Categorias de análise..............................................................................39
Quadro 5 – Liberalismo e neoliberalismo..................................................................52
Quadro 6 – Integração e inclusão ...........................................................................136
Quadro 7 - Inclusão.................................................................................................138
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO...................................................................................10
CONVERSAÇÕES I: PARA INICIAR A CONVERSA..............................13
1. Sobre a experiência e o sentido da conversação................................14
CONVERSAÇÕES II: SOBRE OS CAMINHOS DA PESQUISA.............18
1. Constituindo o objeto de pesquisa: as primeiras aproximações......19
2. A inclusão como tema e objeto .......................................................22
3. As lentes teórico-metodológicas .....................................................25
4. Descrevendo os modos da investigação.........................................31
CONVERSAÇÕES III: SOBRE OS DISCURSOS DA EDUCAÇÃO,
CIDADANIA E INCLUSÃO ......................................................................41
1. A modernidade e a busca da ordem em todas as coisas................42
2. Governamentalidade liberal e neoliberal.........................................45
3. Os discursos da educação moderna e a escola para todos............57
4. Educação e Cidadania....................................................................69
5. As práticas de inclusão e uma nova ordem social...........................79
CONVERSAÇÕES IV: SOBRE OS DISCURSOS DA SEGREGAÇÃO E
DA INCLUSÃO........................................................................................90
1. Breve histórico da Educação Especial............................................91
2. A produção da infância deficiente .................................................100
3. A normalização como um processo de in/exclusão.......................104
4. A Sociedade moderna e o poder sobre a vida..............................111
5. Para além do biológico..................................................................115
CONVERSAÇÕES V: SOBRE OS SIGNIFICADOS E OS USOS DA
INCLUSÃO ESCOLAR..........................................................................122
1. A inclusão como invenção.............................................................123
2. O paradigma da inclusão ..............................................................128
3. Integração e Inclusão....................................................................132
CONVERSAÇÕES VI: SOBRE O GOVERNAMENTO DOS SUJEITOS E
OS DISCURSOS DA INCLUSÃO..........................................................140
1. Gestão e a escola inclusiva e de qualidade..................................142
2. A parceria da escola-comunidade.................................................150
3. Inclusão e participação..................................................................160
4. Diferença, diversidade e identidade..............................................167
5. Escola especial ou escola comum? ..............................................172
6. A estatística como prática de governamento ................................182
7. Quando todos aprendem com a diferença....................................193
PARA FINALIZAR A CONVERSA.........................................................206
Referências ...........................................................................................211
Anexos .................................................................................................222
APRESENTAÇÃO
Esta Tese trata de problematizar e analisar como a inclusão escolar, como um processo
político-educacional, se intensifica na sociedade atual. A partir de tal objetivo, minha intenção
é mostrar como a inclusão escolar está implicada na inclusão social em termos de direitos
humanos, de cidadania, de participação, de acesso a diferentes espaços sociais, colocando as
escolas num contexto mais amplo a globalização de sistemas educacionais, reunindo
recursos da comunidade para garantir o atendimento às necessidades educacionais especiais
de seus estudantes.
Nesta discussão, a questão da gestão, da parceria comunidade-escola, da participação,
da diferença, da diversidade e da estatística assumem uma relevância no sentido de sua
articulação direta nos processos inclusivos. A inclusão escolar está sendo problematizada
como uma suposta forma de incluir socialmente os sujeitos que enfrentam as exclusões e as
discriminações advindas das diversas deficiências, bem como das diferenças sociais,
econômicas, culturais, físicas, etc.
Portanto, esta Tese tem como problema central a discussão de que não se trata mais de
integrar apenas os sujeitos, mas de incluí-los na vida escolar e social da sua comunidade.
Assim, este estudo partiu do entendimento de que a inclusão escolar, como uma estratégia,
estaria implicada diretamente com a “nova” ordem social neoliberal e sua decorrente
fragmentação social. Nessa “nova” ordem social, parece que se criam as condições de
possibilidade para dar-se uma visibilidade às comunidades e gerenciar os sujeitos, tornando-
os autônomos e empresários de si mesmos.
Para desenvolver essas questões, organizei esta Tese em seis capítulos que chamei de
Conversações.
O primeiro capítulo, intitulado Conversações I Para iniciar a conversa... discuto
um pouco sobre a experiência e o sentido da conversação, para mostrar a articulação entre o
Mestrado e o Doutorado com as minhas experiências na escola.
O segundo capítulo, Conversações II Sobre os caminhos da pesquisa está dividido
em quatro seções. Neste capítulo, apresento o meu tema e objeto de pesquisa. Trago algumas
sínteses de cenas escolares para mostrar que elas, também, serviram de ponto de partida para
problematizar a inclusão. Apresento as lentes teórico-metodológicas que nortearam esta
investigação e descrevo os seus procedimentos.
O terceiro capítulo, Conversações III Sobre os discursos da educação, cidadania e
inclusão divide-se em cinco seções. Neste capítulo, comento acerca da Modernidade e da
Inclusão escolar e a educação para todos
11
escola moderna para entender melhor a inclusão e a gestão como importantes estratégias no
mundo atual. Para tanto, discuto a governamentalidade liberal e neoliberal como práticas
políticas que se orientam e se regulam por princípios e métodos de uma racionalização de
governo. Amplio a discussão, problematizando a educação como a esfera que tem como meta
a equidade de oportunidades para todos, tornando, assim, os sujeitos cidadãos.
O quarto capítulo, Conversações IV Sobre os discursos da segregação e inclusão ,
que se subdivide em cinco seções, discuto a emergência da inclusão. Apresento um breve
histórico da educação especial, examinando a questão sobre a produção da infância deficiente
articulada ao discurso da infância considerada em perigo. Procuro mostrar, também, a
normalização associada ao processo de inclusão e exclusão que de certa forma controla e
regula a população considerada especial.
O quinto capítulo, Conversações V Sobre os significados da inclusão escolar se
divide em três seções. Nele apresento alguns discursos relacionados ao movimento de
integração e de inclusão como forma de inserção do aluno com deficiência no espaço escolar.
Problematizo a noção de inclusão como uma invenção e a ideia de paradigma como uma
construção histórica e conceitual sobre as pessoas com deficiência.
E, no último capítulo, Conversações VI Sobre o governamento dos sujeitos nos
discursos da inclusão - apresento o Projeto de Formação Docente Educar na Diversidade e
problematizo a gestão escolar articulada ao princípio da inclusão. A escola inclusiva parece
que se gesta como um mecanismo de reforma política, na medida em que tem o objetivo de
reconfigurar a estrutura e a cultura do espaço escolar. Em tal discussão, tratar da parceria
comunidade-escola se fez necessário. Procuro ampliar essa discussão problematizando a
inclusão como um discurso que celebra a igualdade, a autonomia e a participação. A partir da
ideia de que todos aprendem com a diferença, discuto a utilização dos termos deficiência,
diferença, diversidade e identidade quando se trata de nomear esses outros especiais. Analiso
algumas articulações e implicações entre a educação especial e o que se tem chamado de
inclusão das pessoas com necessidades educacionais especiais. Para melhor entender os
chamados movimentos inclusivos, discuto a noção de estatística como uma tecnologia e
prática de governamento, como uma forma de analisar as condutas dos homens (das crianças e
jovens considerados deficientes). Finalizo o capítulo, discutindo a aprendizagem como uma
estratégia de prevenção do risco social. Nessa lógica, a aprendizagem tem ganhado uma
significação especial. A aprendizagem dos sujeitos e as organizações, ao adotarem ações
contra os prováveis riscos sociais, estariam otimizando a educação e o desenvolvimento da
sociedade.
Inclusão escolar e a educação para todos
12
Na parte final desta Tese que chamei Para “finalizar” a conversa, retomo brevemente
a discussão feita ao longo da Tese, e aponto algumas questões que considerei importantes
porque se entrecruzam e se atravessam nos discursos sobre a inclusão escolar e social.
CONVERSAÇÕES I: PARA INICIAR A CONVERSA...
A experiência, a possibilidade de que algo nos aconteça
ou nos toque, requer um gesto de interrupção [...] requer
parar para pensar, parar para olhar, parar para escutar,
pensar mais devagar, olhar mais devagar, e escutar mais
devagar; parar para sentir, sentir mais devagar, demorar-
se nos detalhes, suspender a opinião, suspender o juízo,
suspender a vontade, suspender o automatismo da ação,
cultivar a atenção e a delicadeza, abrir os olhos e os
ouvidos, falar sobre o que nos acontece, aprender a
lentidão, escutar aos outros, cultivar a arte do encontro,
calar muito, ter paciência e dar-se tempo e espaço.
(Larrosa, 2002, p.24)
1. Sobre a experiência e o sentido da conversação
Por que reunir textos, histórias, experiências que se
estendem por mais de vinte anos? “Certas conversações
duram tanto tempo”, que parece que “cada um de nós
encontra-se incessantemente em conversações consigo
mesmo”. (Deleuze, 1992, p.7)
Escrever uma Tese requer tempo, silêncio, concentração e muita leitura. Nesse gesto
ensimesmado que é ao mesmo tempo difícil e solitário, somos também tomados por muita
inquietação. Escrever, como diz Larrosa (1998), é um ir e vir incessante e agitado entre a
mesa de trabalho e a estante de livros; passamos de um livro a outro; escrevemos e
reescrevemos o texto; nos distraímos entre um assunto e outro; atropelamos as palavras,
falamos em voz alta, conversamos conosco mesmos. Mas, ao retomarmos a finalidade do
estudo, voltamos novamente para o texto. O “tempo da escrita de uma Tese” é um tempo de
demora, distração, apropriação e reapropriação constante daquilo que se quer pesquisar.
É um tempo de desafio que “requer um gesto de interrupção [...] requer parar para
pensar, pensar mais devagar” (Larrosa, 2002, p.24). Nesse sentido, este curso de Doutorado
apresenta-se para mim como um outro e importante momento acadêmico; como um outro
espaço de formação que requer um outro espaço de conversação. Parafraseando o autor,
requer falar, pensar sobre o que nos acontece (e aconteceu), requer outros momentos de
reflexão e escuta. Penso que a experiência como professora e pesquisadora tem me levado a
tais reflexões, bem como a dar continuidade aos meus estudos.
Assim, entrar na conversa, é o convite que faço aos meus leitores. E esse convite é no
sentido de estabelecer uma conversa e não um diálogo ou um debate, pois, pode-se dialogar
ou debater com qualquer um, mas não se pode conversar com qualquer um (Larrosa, 2003).
Em uma conversa afinada, não existe a última palavra ou um acordo final, mas, sim, dúvidas,
interrogações, questionamentos. Esse, parece ser o valor de uma conversa, ou seja, o fato de
se poder conversar com o outro, não para concluir ou terminar a conversa, mas para pensar de
uma outra maneira mais precisa, sensível e elaborada. Para Larrosa (2003, p.213), a “arte da
conversa consiste em sustentar a tensão entre as difereas” provocadas por uma discussão,
por um encontro. Encontro esse que ao ser sustentado pelo princípio da singularidade da
diferença, acaba possibilitando a criação de um novo espaço; um espaço para que as nossas
dúvidas e perplexidades também apareçam. Por isso, este estudo que tem como tema a
Inclusão escolar e a educação para todos
15
inclusão, não discute algumas questões sobre a inclusão escolar e inclusão social, mas,
sobretudo, procura conversar sobre tais questões.
Aqui, vale uma ressalva. As discussões também podem ser entendidas como espaços
criados para as incertezas, pois não têm o objetivo de confirmar uma verdade ou definir algum
saber. Diferentemente, disso, seria tratar esta Tese como um diálogo
1
, procurando estabelecer
um sistema de verdades com a intenção de comunicar e transmitir algo, definindo o que é
mesmo inclusão ou dizendo como se faz a verdadeira inclusão.
Com relação ao diálogo, Corazza e Silva (2003, p.11-12) escrevem o seguinte:
“Suspeitar das ideias de diálogo e de ação comunicativa. Suspeitar, sobretudo, da obrigação
do diálogo. A ação comunicativa representa a restauração do sujeito consciente e soberano
[...]. Proclamar o direito à improbabilidade e à impossibilidade da comunicação”. Em outras
palavras, suspeitar do diálogo como uma forma que tem a busca, a expressão e a comunicação
da verdade. O dicionário Houaiss (2001) apresenta o seguinte significado: diálogo “do latim
dialogus é a fala em que interação entre dois ou mais indivíduos”. E, ainda, pode ser
entendido, como troca de ideias, conceitos, opiniões, objetivando a solução e harmonia de
problemas. A principal diferença a ser ressaltada entre o diálogo e a conversa, como gêneros
discursivos, é que o diálogo tem em sua objetividade um compromisso em comunicar e
definir uma verdade, e a conversa, por seu caráter aberto e incerto, cria a possibilidade de
questionamentos e dúvidas. Mas, para entender melhor tal diferença, vale a citação de
Larrosa
(2003, p.212)
:
[...] em uma conversa, não existe nunca a última palavra... por isso uma
conversa pode manter as dúvidas até o final, porém cada vez mais precisas,
mais elaboradas, mais inteligentes... por isso uma conversa pode manter as
diferenças até o final,
porém cada vez mais afinadas, mais sensíveis, mais conscientes de si
mesmas... por isso uma conversa não termina, simplesmente se interrompe...
e muda para outra coisa...
1
Ao tratar do tema “diálogo”, Larrosa (1998, p.149) argumenta que: “[...] em lugar de nos fixarmos no
hipotético sistema de verdades que o diálogo trataria de transmitir, e considerarmos a forma diálogo e a sua
necessidade interna como a forma privilegiada da investigação e do ensino, como a forma do logos pedagógico
enfim, logo nos daremos conta de que não é possível separar sua dimensão poética de sua dimensão filosófico-
científica. A estrutura do logos pedagógico que aparece na forma diálogo contém um núcleo filosófico
doutrinário (o conteúdo a transmitir) que se apresentaria no marco concreto de uma cena que reproduziria as
características de uma conversação entre diferentes interlocutores (o contexto empírico da transmissão) e que
incluiria, apenas para efeitos expositivos e didáticos, ilustrações literárias (o método da transmissão)”. Mas,
levando adiante tal ideia, esse autor conclui que “cada diálogo constitui-se numa interminável introdução a um
saber que não se transmite. O saber ao qual o diálogo introduz não é o referente imediato da conversação, mas
outra coisa que poderíamos chamar de disponibilidade e rigor, abertura e autoexigência” (Larrosa, 1998, p.151).
Um projeto que tem como saber tão somente a busca e a transmissão da verdade.
Inclusão escolar e a educação para todos
16
Como diz Larrosa (2003, p.212), “uma conversa é algo no que se entra e, ao entrar
nela, transitamos entre o sabível e não sabível. [...] nela, pode-se ir aonde não havia sido
previsto [...], pode-se chegar a dizer o que não sabia dizer”. De certa forma, a conversa acaba
sendo mais um elemento “nômade” pela forma como atribui sentido às palavras.
Dar sentido ao que somos e ao que nos acontece tem a ver com as palavras, com o
modo como nos colocamos diante de nós mesmos, diante dos outros e diante do mundo em
que vivemos; tem a ver com o modo como pensamos e agimos em relação a tudo isso. Em
suma, “de como correlacionamos as palavras e as coisas, do modo como nomeamos o que
vemos ou o que sentimos e de como vemos ou sentimos o que nomeamos” (Larrosa, 2002,
p.21). Esse autor nos ajuda a pensar a educação a partir do par experiência/sentido. Ao
explorar essas palavras, Larrosa (2002, p.21) tem a convicção de que elas “produzem sentido,
criam realidades e, às vezes, funcionam como potentes mecanismos de subjetivação”. Isso
está diretamente implicado com a noção de que pensamos com as palavras e não com o
pensamento as palavras determinam nosso pensamento. E ainda, “pensar não é somente
‘raciocinar’ ou ‘calcular’ ou ‘argumentar’ como nos tem ensinado algumas vezes, mas é
sobretudo dar sentido ao que somos e ao que nos acontece” (Larrosa, 2002, p.21).
Esse autor, refere-se às máquinas óticas e às máquinas discursivas como máquinas que
determinam uma espécie de topologia da subjetividade: aquilo que a pessoa pode ver em si
mesma e como, ao nomear o que vê, pode traçar seus limites e seus contornos. Mas a
consciência e a autoconsciência humana não implicam apenas uma topologia do eu, mas toda
uma construção da identidade pessoal que está articulada temporalmente. Na medida em que a
memória e a recordação podem ser consideradas como “uma operação ativa na qual a
subjetividade se articula temporalmente, a recordação não é apenas a presença do passado”
(Larrosa, 1999, p.68). Assim, a recordação “não é uma pista, ou um rastro, que podemos olhar
e ordenar como se observa e se ordena um álbum de fotografias. A recordação implica
imaginação e composição, implica um certo sentido do que somos, implica habilidade
narrativa”
2
(Larrosa, 1999, p.68). Segundo esse mesmo autor:
2
Segundo Larrosa (1999), as metáforas da memória relacionadas com a etimologia de “narrar” e de contar”
podem ajudar a clarificar as imagens que lhe estão associadas. Narrare significa algo assim como arrastar para
a frente, e deriva também de gnarus que é, ao mesmo tempo, o que sabe e o que viu. E o que viu é o que
significa a expressão grega istor da qual vem história e historiador” (Larrosa, 1999, p.68). No entendimento
desse autor, existe uma associação entre o ver e o saber e a imagem do falar como representar o visto. “O que
narra é o que leva para frente, apresentando-o de novo, o que viu e do qual conserva um rastro em sua memória.
O narrador é que expressa, no sentido de exteriorizar, o rastro que aquilo que viu deixou em sua memória. Por
outro lado, contar, vem de computare, literalmente calcular e derivado de putare que tem o duplo sentido de
enumerar, literalmente ordenar numericamente, e de conferir uma conta. Contar uma história é enumerar,
ordenar os rastros que conservam o que se viu” (Larrosa, 1999, p.68).
Inclusão escolar e a educação para todos
17
[...] é contando histórias, nossas próprias histórias, o que nos acontece e o
sentido que damos ao que nos acontece, que nos damos a nós próprios uma
identidade no tempo. [...] O eu, então, não é uma unidade psíquica, de
caráter substantivo, suscetível de temporalização ao contar com o rastro do
passado no armazém da memória. O que ocorre, antes, é que o eu da
autoconsciência temporal é algo que está significativamente constituído na
narração. (Larrosa, 1999, p.69)
Com essa citação, é possível pensar a história, a experiência como construções sociais
constituídas no interior de um sistema de referência e como modo de discurso que “já está
estruturada e pré-existe ao eu que se conta a si mesmo. Cada pessoa se encontra imersa em
estruturas narrativas que lhe pré-existem e em função das quais constrói e organiza de um
modo particular sua experiência, impõe-lhe um significado” (Larrosa, 1999, p.70).
Assim, ao contar e recordar um pouco a minha história é que fui dando outros sentidos
às minhas experiências como professora e acadêmica. E, foi no entrecruzamento dos estudos
realizados no Mestrado com as minhas experiências na escola, que vi a possibilidade de poder
continuar a discussão, a conversação... Continuar a conversa no curso de Doutorado,
investigando o tema da inclusão escolar.
CONVERSAÇÕES II: SOBRE OS CAMINHOS DA PESQUISA
[...] uma investigação que não busca terrenos firmes, senão
areias movediças, fragmentos, omissões e incoerências que
haviam sido deixados de fora pela história tradicional. [...] na
genealogia os discursos também são analisados, mas isso é
feito de modo a mantê-los em constante tensão com práticas de
poder. (Veiga-Neto, 2003a, p.69-71)
1. Constituindo o objeto de pesquisa: as primeiras aproximações
Posso dizer que o meu tema de pesquisa atual começou a constituir-se a partir da
discussão sobre Educação e Saúde, com a qual me envolvi durante o curso de Mestrado
3
. Ao
problematizar meu tema de pesquisa, no Mestrado, pretendi colocar em questão o habitual,
aquilo que é o mais difícil de ver como problemático porque se converteu em hábito para nós,
em costume, em identidade” (Larrosa, 2000, p.331). Ou seja, naquele estudo, problematizei
algumas campanhas de saúde realizadas na escola, discutindo o caráter curativo/ terapêutico
da Pedagogia. Parece que o maior desafio foi tentar desnaturalizar aquilo que se tornou
habitual no cotidiano escolar, dando àquele objeto de investigação um lugar numa nova rede
de significação.
Nesse sentido, para que a interlocução se estabeleça de forma que os leitores possam
ter um melhor entendimento sobre o que e a partir do que estou falando, é que retomo de
forma resumida a discussão sobre as campanhas de saúde escolar, realizada na investigação
do curso de Mestrado.
A questão da Educação em Saúde assumiu para mim uma grande visibilidade pela
constante e crescente preocupação com a saúde do escolar. As minhas indagações e dúvidas
giravam em torno do por que a escola se envolve tanto com as questões de saúde dos seus
alunos e o quanto esse trabalho de “cuidar a criança prejudica o verdadeiro trabalho
pedagógico” da escola. Essa foi a principal questão que se colocou para mim no Mestrado, ou
seja, foi a partir de tal inquietação que as Campanhas de Saúde na Escola tornaram-se um
objeto a ser problematizado.
Para desenvolver a pesquisa de Mestrado, analisei algumas das relações entre
educação e saúde na escola, isto é, as práticas de higiene, de cuidado e de cura, através dos
discursos evidenciados em algumas campanhas de prevenção à doença e de promoção da
saúde escolar. Procurei mostrar também como as Campanhas de Saúde entraram em operação
para o controle dos corpos infantis, cuja finalidade é normalizar e governar tais corpos. O
Programa Nacional de Saúde Escolar (PNSE) caracterizou-se como uma proposta nacional
abrangente, tratando da saúde escolar de forma universal e marcando assim não a intenção
de intervir, mas as condutas a governar. Ou seja, mostrar à escola os modos como ela deve
trabalhar para educar e conduzir os alunos, professores e familiares sobre a promoção da
saúde e prevenção da cegueira e da surdez.
3
Santos (2004).
Inclusão escolar e a educação para todos
20
Enfim, o que pretendi na investigação do curso de Mestrado foi discutir tal Programa
como um dispositivo de governamento que, a partir de algumas conexões entre saber e poder,
se constituiu no interior de uma trama discursiva sobre saúde, tendo como alvo principal o
corpo, na fase que se convencionou nomear de infância, e seus processos de desenvolvimento
físico, intelectual, moral e afetivo.
A partir de tal discussão, problematizando especialmente as campanhas de deficiência
visual e auditiva, é que os discursos pró-inclusão pareceram-me relevantes. Destaco, por
exemplo, duas questões que considerei importantes e que, de certa forma, estão relacionadas
com o meu atual tema de pesquisa. Uma delas refere-se ao vínculo que o Programa Nacional
de Saúde Escolar estabeleceu entre rendimento escolar e saúde das crianças, ressaltando o
quanto uma deficiência pode afetar diretamente a aprendizagem e até comprometer a auto-
estima do aluno. O Programa apresentou também algumas informações acerca da Educação
Especial como uma forma de promover e divulgar as políticas de inclusão. A outra questão
diz respeito à importância das parcerias entre o Governo e a sociedade como garantia para
solucionar os problemas sociais. As parcerias sendo entendidas, aqui, como “a melhor receita”
para enfrentar as dificuldades de diferentes ordens e diminuir as desigualdades sociais. A
ideia da construção de um Brasil solidário
4
, que trabalha para ser cada vez mais igual, seria
um exemplo de cidadania e de como a comunidade deveria trabalhar para resolver seus
próprios problemas educacionais e sociais.
De certa forma, repensar tal temática levou-me a ressignificar alguns entendimentos a
respeito do que se tem chamado de inclusão escolar
5
e de inclusão social, do que se tem
chamado de Educação Inclusiva. E, ainda, do que se tem chamado de gestão compartilhada no
contexto escolar. Enfim, questionar tais aspectos que estão diretamente associados com a
educação escolar e a sociedade.
Nesse sentido, este estudo partiu do entendimento de que as políticas de inclusão
procuram enfatizar que o êxito da inclusão social do deficiente depende do êxito da sua
inclusão escolar. Associado a isso, está também a ideia da inclusão escolar como um processo
que se refere tanto à aprendizagem quanto à participação de todos os estudantes considerados
vulneráveis ou excluídos, sejam eles deficientes, rotulados como incapazes ou apresentando
alguma necessidade educacional especial. Talvez, se possa dizer que o que se apresenta como
4
Tal ideia refere-se à Campanha Nacional de Reabilitação Visual Olho no Olho (Brasil, 2002).
5
Apesar de os documentos enfatizarem o termo “educação inclusiva”, optei pelo uso do termo “inclusão
escolar”.
Inclusão escolar e a educação para todos
21
“novo” na noção de inclusão são os conceitos de comunidade e participação
6
. Na conexão
desses dois conceitos com o processo de inclusão, aparece a ideia de que não basta que os
alunos com necessidades educacionais especiais estejam integrados às escolas comuns, eles
devem participar plenamente da vida escolar e social da sua comunidade. No atual contexto,
parece que é o compartilhamento da gestão na escola que vai caracterizar uma gestão
participativa capaz de olhar e atender as necessidades dos alunos no processo de ensino e
aprendizagem mais amplo. Ou seja, aquele que além de construir conhecimentos também
estaria se preparando para a vida pessoal e profissional, e exercendo plenamente sua
cidadania. Com isso, pode-se dizer que a chamada educação inclusiva está sendo vista como
um meio privilegiado para alcançar a inclusão social.
Portanto, é importante deixar claro que esta investigação tem como objetivo discutir
como a inclusão escolar, como um processo político-educacional, se intensifica na sociedade
atual. A partir de tal objetivo, minha intenção é mostrar como a inclusão escolar remete à
inclusão social em termos de direitos humanos, de cidadania, de participação, de acesso a
diferentes espaços sociais, colocando as escolas num contexto mais amplo – da globalização –
de sistemas educacionais, reunindo, assim, recursos da comunidade para garantir o
atendimento às necessidades educacionais especiais de seus estudantes. E é nessa lógica que a
questão da gestão assume uma relevância na discussão sobre inclusão, ou seja, a gestão tem
uma implicação direta nos processos inclusivos. A inclusão escolar está sendo
problematizada, aqui, como uma suposta forma de incluir socialmente os sujeitos que
enfrentam as exclusões e as discriminações advindas das distintas formas de deficiências e,
também pelas diferenças sociais, econômicas, culturais, físicas, etc.
Nesse sentido, tratar a inclusão escolar como uma prática relevante na atualidade,
significa colocar em jogo uma série de questões seus deslocamentos, suas rupturas, suas
continuidades. Assim, pensar em tais desafios que esse tema me coloca, significa também
pensar nos cuidados que eu devo ter ao examiná-lo. Essas são algumas questões e
problematizações que procuro desenvolver e analisar nesta investigação
6
Tais conceitos serão discutidos em Conversações V, seção intitulada A parceria comunidade-escola.
2. A inclusão como tema e objeto
Cena 1: uma entrevista
A inclusão do aluno com necessidades educacionais especiais (NEEs), na
classe comum de ensino, tem gerado muita polêmica na escola. Mas, é
importante dizer que diante de tal polêmica, as questões conceituais
referentes à integração, inclusão, diversidade e diferença entram na pauta
das discussões da escola. Nesse sentido, muito mais do que se colocar a
favor ou contra, é problematizar, junto ao grupo de professores, o
significado da inclusão de todos na classe comum, assim como de que
forma a escola irá trabalhar pedagogicamente e quais estratégias seo
utilizadas para melhor atender esses alunos considerados deficientes. Esse
tema acaba por ampliar a discussão na escola, no sentido de que deve
retomar a reflexão e até a reformulação do seu Projeto Político-
Pedagógico. Essa escola, a partir do trabalho já existente com classes
especiais e com o funcionamento das salas de recursos, vem se inserindo
nesse contexto da inclusão. Os alunos oriundos da classe especial vão
sendo encaminhados às classes comuns ao mesmo tempo em que
continuam recebendo apoio do professor da sala de recursos, assim como
os professores responsáveis por essas turmas de inclusão. Tal interação
acontece, principalmente, nas reuniões pedagógicas, nos encontros de
formação e conselhos de classe. Nessa direção, a escola tem ampliado seus
espaços de aprendizagem no turno inverso das aulas regulares: sala de
recursos, laboratórios de aprendizagem, de matemática e de informática
(um projeto a ser implantado). O Projeto de Saúde Escolar, com as
temáticas sobre drogadição, sexualidade (gravidez na adolescência,
doenças sexualmente transmissíveis, etc.) e doenças como o câncer (câncer
de mama), tem sido desenvolvido na escola através de diferentes parcerias.
Com isso, surgem novos desafios mudanças no Regimento, no Projeto
Político-Pedagógico, nos Planos de Estudo e Plano Global da escola, assim
como nos Planos de Trabalho dos professores. Em tal discussão, insere-se
também a proposta do Ensino Fundamental de 9 anos, incluindo as
crianças de 6 anos no 1º ano, como uma classe de alfabetizão com ênfase
no aspecto lúdico de ensino e aprendizagem. O grupo de professores tem
procurado desenvolver um trabalho a partir da Pedagogia de Projetos,
entendendo que essa proposta estaria contemplando outras possibilidades
de aprendizagem, desenvolvendo assim as potencialidades das crianças.
Ao comentar sobre tal realidade, não quero dizer que as dificuldades não
existam, elas se apresentam constantemente, seja pela arquitetura da
escola, seja pela organização dos ambientes de aprendizagem, seja pelas
intervenções individuais que o professor deve fazer. Mas, o mais
importante é que o serviço de supervisão da escola movimente o grupo de
professores para a permanente discussão; o trabalho do educador/do
professor se caracteriza por ser um processo em constante construção. Isso
significa resistência, significa desafio. (fonte: a autora)
Então, como disse anteriormente, foi no entrecruzamento dos estudos do Mestrado
com as minhas experiências na escola, que o tema da inclusão escolar tornou-se um
importante objeto a ser investigado. Assim, posso dizer que foi a partir dos meus “achados”
Inclusão escolar e a educação para todos
23
de pesquisa no Mestrado, juntamente com as minhas experiências como professora e
supervisora da escola, e da própria proliferação discursiva que o tema da inclusão nos suscita
a pensar, que resolvi pesquisar tal temática. As cenas escolares que acompanham a escrita,
desta Tese, mostram também como o meu problema de pesquisa foi sendo construído a partir
das minhas inquietações e desconfianças, enquanto profissional e acadêmica da área da
Educação.
A cena que apresento acima foi criada por mim. É possível identificar nela um tema
tão discutido atualmente, ou seja, o tema da inclusão escolar. Tal cena representa uma síntese
de um cotidiano escolar que considero instigante e desafiador. Ela faz parte de um conjunto
de cenas escolares que uso para abrir as discussões de alguns capítulos de análise desta Tese.
Na construção dessas cenas me foi possível pensar também a partir de que momento se
começa a falar em inclusão e o quanto ela tornou-se central na educação escolarizada.
Minha intenção ao iniciar esta seção com uma cena escolar, é mostrar que existe a
possibilidade de se dizer muitas coisas sobre a inclusão escolar e de significá-la das mais
variadas formas. Posso dizer também que essa cena nos remete aos atuais debates,
preocupações e dificuldades das escolas que estão envolvidas com o processo de inclusão. E,
ainda, posso dizer que os pontos-chave que estão no centro de tais debates, referem-se à
organização do currículo (escolhas metodológicas); a formação do professor (especialização e
capacitação); ao acesso e permanência do aluno considerado especial na escola comum; a
gestão participativa; entre outros.
As sínteses das cenas da escola que apresento em alguns capítulos desta Tese, são
justamente aquelas que fizeram (e ainda fazem) sentido para mim. Tais cenas foram criadas a
partir das minhas vivências e experiências em diferentes escolas nas quais exerci as funções
de professora da Educação Infantil e anos iniciais do Ensino Fundamental, e supervisora da
rede estadual de ensino de Porto Alegre. Ainda, é importante dizer que tais cenas formam um
conjunto diverso de narrativas: registro de observações, práticas na sala de aula, conversas
informais, entrevistas. Enfim, elas representam uma síntese de muitas lembranças e memórias
vividas em minha experiência como professora e supervisora. Posso dizer que as sínteses das
seis cenas escolares que criei a partir dessas vivências, serviram como um exercício prévio;
como um modo de começar a pensar e a problematizar a inclusão escolar não como uma
verdade, mas como uma invenção.
Assumi o desafio de desenvolver este trabalho de pesquisa, com a temática da inclusão
escolar, não pelo fato de estar trabalhando no serviço de supervisão de uma escola estadual
de Porto Alegre, que oferece à comunidade escolar a modalidade de Educação Especial e
Inclusão escolar e a educação para todos
24
apoio na Sala de Recursos, mas também porque acabei me engajando nos movimentos da
escola, com as práticas desses professores, articulando e acompanhando os projetos dessa
instituição. Essa escola regular atende também alunos da Educação Especial (classe especial
com alunos deficientes mentais moderados), alunos com necessidades educacionais especiais
(os ditos alunos de inclusão) no Ensino Fundamental, na Educação Infantil e na Educação de
Jovens e Adultos. Devo adiantar que o campo da Educação Especial não é a minha área de
formação/ especialização, mas estar envolvida e, por que não dizer, entusiasmada, com esse
novo desafio é que me fez pensar nessa relação entre a prática profissional e a prática da
pesquisa como extremamente produtiva e positiva. Questionamentos, inquietações,
desconfianças, reticências, são muitas. Como disse, anteriormente, tais inquietações também
foram determinando a escolha por essa temática de pesquisa.
Portanto, este estudo apresenta, a partir do referencial teórico pós-estruturalista, as
minhas problematizações e análises sobre a inclusão escolar; entendimentos que são datados,
localizados e interessados e, por isso, comprometidos com a posição daquilo que penso,
conheço e falo, mais especificamente com a posição de professora e pesquisadora.
O problema que nortea as discussões desta Tese, é que não se trata mais de integrar
apenas os sujeitos, mas incluí-los na vida escolar e social da sua comunidade. Com base em
algumas leituras e discussões, este estudo partiu do entendimento de que a inclusão escolar,
como uma estratégia, estaria implicada diretamente com a “nova” ordem social neoliberal e
sua decorrente fragmentação social, dando visibilidade às comunidades como uma forma de
gerenciar os sujeitos, tornando-os autônomos e empresários de si mesmos.
3. As lentes teórico-metodológicas
Nesta seção, passo a apresentar as lentes teórico-metodológicas desta pesquisa. A
partir da perspectiva pós-estruturalista, estabeleci algumas aproximações com o pensamento
de Michel Foucault, entre outros autores, para dar outros sentidos a tantas falas, práticas e
discursos sobre a inclusão escolar e sobre a inclusão social. Com isso, quero dizer que não
pretendo saber o que é mesmo inclusão e muito menos procurar o seu verdadeiro sentido.
Ao trazer algumas questões, é importante dizer que este estudo não apontou a melhor
forma de promover a inclusão escolar ou social, e muito menos denunciar suas possíveis
falhas no currículo ou na sociedade. Também o apresentou uma nova proposta política ou
pedagógica para a organização curricular e didática do campo que se convencionou chamar
Educação Inclusiva. Mas, conforme anunciei, esta investigação procurou discutir como a
inclusão escolar como um processo político-educacional que se intensifica na sociedade atual.
Sendo assim, a questão da inclusão escolar e social não será discutida dentro dos
registros das metanarrativas da Modernidade que têm nas categorias iluministas no
transcendentalismo, na totalidade, na razão a explicação para os nossos problemas sociais,
educacionais. Também não busquei lamentar por algo que ela deveria ser, e nem prescrever
alternativas para essa chamada inclusão escolar e inclusão social, mas pensar que tais
metanarrativas “não são adequadas para explicar o que se está vivendo hoje, com os novos
arranjos econômicos, sociais, políticos e culturais e as novas distribuições de forças que daí
decorrem” (Veiga-Neto, 2000a, p.183).
Aqui é importante também salientar que utilizo a noção de inclusão como uma
estratégia, na medida em que constitui modos de ação sobre determinada ação possível. Uma
estratégia
7
que tem como principal objetivo a gestão do risco social, que busca introduzir
todos dentro do jogo econômico, fazendo com que cada um possa tomar para si a
responsabilidade de prover suas necessidades, as suas aprendizagens. A inclusão pode ser
entendida como um modo de regular as condutas do sujeito, fazendo com que ninguém mais
se veja como dependente. Governam-se as ações dos sujeitos para que se possa minimizar a
ação do governo estatal. Nesse sentido, é que as ações que são distribuídas
microscopicamente pelo tecido social podem ser chamadas de práticas de governamento
8
.
7
Estou tomando estratégia a partir de uma noção foucaultiana, caracterizada como sendo “mecanismos
utilizados nas relações de poder” (Castro, 2004, p.120).
8
Na perspectiva a qual este estudo se insere, é importante fazer a distinção entre os termos governamento e
governo. O termo governamento (Português) é tradução da palavra gouvernement,
fazendo distinção a gouverne,
Inclusão escolar e a educação para todos
26
Neste estudo, busquei compreender algumas práticas de inclusão escolar e social e
suas estratégias a partir das noções de Michel Foucault. Recorri a algumas contribuições desse
autor que me ajudaram a entender o papel da educação nas mudanças do mundo atual. Isso
significa que tomei como principais ferramentas analíticas, os conceitos de
governamentalidade, governamento, biopoder e norma (Foucault 1999, 2002, 2005, 2008,
2008a). Nesse exercício de análise, utilizo tais conceitos de modo a entrelaçá-los numa rede
discursiva sobre inclusão escolar e social. Assim, a governamentalidade será utilizada para
entender a estatística como uma tecnologia e prática de governamento, ou seja, para analisar
como se conduz as condutas dos homens (das crianças e jovens considerados deficientes). A
prática da gestão do risco social como uma racionalidade política contemporânea, tem como
foco de ações tanto as coletividades quanto as individualidades. Tal racionalidade implica
conduzir condutas individuais e coletivas, fazendo com que cada um se responsabilize em
prover suas necessidades, contribuindo com a melhoria dos índices de saúde, educação e
desenvolvimento do país, visando diminuir a dependência do Estado e atingir as metas de um
desenvolvimento sustentável para a nação. Nesse sentido, é útil trazer a norma como
ferramenta para mostrar o individual e o coletivo operando simultaneamente a norma pode
tanto se aplicar a um corpo que ser disciplinar quanto a uma população que ser quer
regulamentar. É a dupla realidade da norma como regra de conduta e como regularidade
funcional, que faz dela um operador tão útil para o biopoder. Trata-se, portanto, de mostrar o
biopoder como um tipo de ação sobre os corpos, sobre a gestão da vida e de seus processos
cuja ênfase não recai tanto sobre a imposição de respeito às regras, mas sobre a produção de
comportamentos, subjetividades e identidades ser normal/ anormal/, capaz/ incapaz,
incluído/ excluído.
Este trabalho foi desenvolvido numa abordagem que se propõe fazer o caminho das
problematizações, ou seja, num tipo de análise que se distancia das verdades únicas e crenças
que hoje vem sendo aceitas no campo da educação e da inclusão. E dentro de tal abordagem,
esta investigação tem como pano de fundo a inclusão como constructo histórico
ressignificado no contexto político e educacional.
ou seja, diferenciando a instância do Estado (a instância que governa) do ato ou ação de governar. “Sua
ambiguidade manifesta-se a cada momento em que ela aparece, exigindo que o leitor decida de que governo se
está falando” (Veiga-Neto, 2002c, p.21). Para Foucault (1999a), não se trata de pensar o poder e a ação política
como algo que possa se distribuir, no Estado, a partir de um centro de irradiação, mas se trata de pensar a ação
sendo distribuída microscopicamente pelo tecido social; por isso, parece ser mais adequado falarmos em
“práticas de governamento” (Veiga-Neto, 2002c, p.21). Dessa forma, para diferenciar a qual governo estou me
referindo, adoto o termo governamento sempre que me referir à ação de governar.
Inclusão escolar e a educação para todos
27
Segundo Marshall (2008), a problematização pode ser considerada como uma
abordagem possível de pesquisa educacional. A noção de problematização de Foucault não se
propõe a oferecer soluções, mas nos convida a pensar num “caminho para frente” [ou num
outro caminho], “uma abordagem que é diferente do ideológico e do polêmico, e que se
coloca a uma distância deles” (Marshall, 2008, p.30).
Michel Foucault utilizou nos últimos anos dos seus estudos o termo “problematização”
para definir sua pesquisa. Tal termo caracteriza um tipo de análise que foi gerada a partir dos
temas da descontinuidade e da diferença. Por “problematização” ele entende “o conjunto de
práticas discursivas ou não-discursivas que faz algo entrar no jogo do verdadeiro e do falso e
o constitui como objeto para o pensamento” (Revel, 2004, p.81). O filósofo recorreu à noção
de problematização para fazer uma distinção entre a história do pensamento, a história das
ideias e a história das mentalidades. Resumidamente, pode-se dizer que
[...] a história das ideias se interessa pela análise dos sistemas de
representações que subjazem, ao mesmo tempo, aos discursos e aos
comportamentos e que a história das mentalidades se interessa pela análise
das atitudes e dos esquemas de comportamento, a história do pensamento se
interessa pela maneira com que se constituem problemas para o pensamento
e pelas estratégias que são desenvolvidas para lhes dar resposta. (Revel,
2004, p.82)
Contudo, ao fazer a história do pensamento existe a possibilidade de serem dadas
várias respostas a um mesmo conjunto de dificuldades. Portanto, o estudo dos modos de
problematização é uma forma singular de analisar, historicamente, questões de alcance geral
(Revel, 2004).
Ainda, é importante salientar que o termo “problematização” implica duas
consequências: a primeira, refere-se ao exercício crítico do pensamento que se opõe à ideia de
uma busca da “solução”. Pois, a tarefa da filosofia não é resolver pela clareza de distinção
(ser-não-ser) e nem apresentar soluções, mas “problematizar” e reconhecer os problemas.
Assim, nas palavras de Revel (2004, p.83) “a problematização é a prática da filosofia que
corresponde a uma ontologia da diferença, ou seja, ao reconhecimento da descontinuidade
como fundamento de ser”.
Seguindo essa direção, vale a explicação sobre os dois tipos de “usos” que se pode
fazer do pensamento foucaultiano para a educação:
[...] Tanto se pode trazer para as nossas pesquisas e práticas educacionais os
conceitos que o filósofo construiu a seu modo e para dar conta de suas
investigações –, [...] quanto se pode assumir a perspectiva foucaultiana como
um “fundo” sobre o qual pensamos nossas investigações e desenvolvemos
nossas práticas educativas. No primeiro caso, costuma-se falar em aplicação
Inclusão escolar e a educação para todos
28
da analítica foucaultiana “sobre” temas educacionais; isso significa tomar
aqueles conceitos desenvolvidos por Foucault como ferramentas para o
trabalho investigativo. No segundo, fala-se em “repensar” a educação; isso
significa tomar uma vez mais o pensamento possível em educação, mas
agora a partir de outra perspectiva. (Gallo e Veiga-Neto, 2007, p.20)
De certa maneira, esta pesquisa, ao se ocupar com alguns conceitos foucaultianos
como ferramentas analíticas, parece ter ficado mais próxima desse primeiro “tipo de usos”.
Considerei essa forma como uma das possibilidades para levar adiante esta investigação,
assim como para discutir “as certezas prontas dos dogmatismos” e “as certezas prontas das
‘novidades’” (Gallo e Veiga-Neto, 2007, p.21), tão presentes nos discursos sobre a inclusão
escolar e social.
Os cursos realizados por Foucault, no Collège de France, intitulados Segurança,
território e população (1978-1979) e Nascimento da biopolítica (1979-1980), foram um
instrumento importante para a construção desta pesquisa, cujo interesse é a discussão sobre os
mecanismos de poder que constituem a biopolítica. Em outras palavras, todo um conjunto de
práticas de governamento que tem como objetivo maior à promoção da vida da população
como incluir os deficientes, os vulneráveis sociais e economicamente, enfim aqueles
considerados em situação de risco social. Alguns conceitos trabalhados nesses cursos como,
por exemplo, governamentalidade, governamento, biopoder e norma foram incorporados na
minha pesquisa e passaram a direcionar os caminhos desta investigação. Tais estudos situam-
se no âmbito das discussões sobre a biopolítica e têm como eixo central o tema do governo
(Fonseca, 2006).
As políticas de inclusão escolar, independente de seu caráter humanista e progressista,
“funcionam como um poderoso e efetivo dispositivo biopolítico a serviço da segurança da
população”. Ou, mais especificamente, “a inclusão escolar tem em seu horizonte a diminuição
do risco social” (Veiga-Neto e Lopes, 2007, p.949).
Associado a isso, é importante dizer que procurei lançar um olhar sobre a
materialidade dos discursos da inclusão escolar, ou seja, sua materialidade no plano das
práticas discursivas e não discursivas, de modo a mantê-los em constante tensão com práticas
de poder. Com isso, procurei dar alguma visibilidade ao funcionamento de tais práticas, bem
como estabelecer algumas relações entre elas e seus enunciados. Dessa forma, este estudo
seguirá uma direção que se dá fora da racionalidade dos próprios discursos sobre inclusão. Ou
seja, os discursos devem ser lidos e analisados como veículos transmissores de práticas de
poder. Portanto, esta investigação não apresentou uma outra interpretação das coisas que são
ditas sobre a inclusão escolar e social, mas procurou fazer uma descrição das muitas
Inclusão escolar e a educação para todos
29
interpretações que são contadas e que têm sido aceitas como verdades. Com isso, ela tenta
desnaturalizar alguns enunciados que mais parecem descobertas, quando não passam de meras
invenções. Dada essa especificidade, é que a palavra inclusão, neste estudo, está sendo
entendida como uma invenção.
E para problematizar essa discussão, procurei fazer uma leitura “monumental” dos
materiais/ documentos no sentido de estabelecer suas condições de existência, a sua
produtividade e suas correlações com outros eventos. Tal análise refere-se a uma leitura que
[...] procura estabelecer as relações entre esses enunciados e aquilo que eles
descrevem, para, a partir daí, compreender a que poder(es) os enunciados
ativam e colocam em circulação. O que importa, para Foucault, é ler o texto
no seu volume e externalidade (monumental) e não na sua linearidade
(documental); trata-se de uma análise [que toma] os discursos na dimensão
de sua exterioridade. (Veiga-Neto, 2003, p.125)
Desse modo, considerando o discurso como prática que constitui os objetos dos quais
fala, é importante tomar os materiais/ documentos oficiais como monumentos e não como
documentos. Nas palavras de Foucault (1986, p.7), “o documento, pois, não é mais, para a
história, essa matéria inerte através da qual ela tenta reconstituir o que os homens fizeram ou
disseram, o que é passado e o que deixa rastros: ela procura definir, no próprio tecido
documental, unidades, conjuntos, séries, relações”. É importante salientar que “em nossos
dias, a história é o que transforma os documentos em monumentos(Foucault, 1986, p.8). A
história não deve tratar o documento como signo que deve ser interpretado para que se desvele
através dele a verdade que o habita e, portanto, deve ser decifrada. A história pretende
trabalhar e elaborar o documento, no sentido de que ela o organiza, recorta, distribui, ordena,
define unidades, descreve relações (Machado, 1982).
Por conseguinte, para realizar a análise desses materiais, será preciso, de certa
maneira, entrar na sua lógica, conhecer sua gramática para apreender os significados que entre
nós e eles, circulam no momento em que lemos tais textos. É importante dizer que nesse tipo
de análise os significados não estão ocultos e, por isso, não é preciso desvelar algo que se
encontra escondido. É preciso, sim, esmiuçar as relações entre imagens, textos, tendências
sociais e produtos numa cultura. Assim sendo, essa discussão deve se entendida para além da
ideia de que os discursos sempre estão soltos num determinado tempo e num determinado
lugar. O que é preciso entender, é que os discursos sobre a inclusão escolar e social são
histórias construídas e moldadas pela vontade de poder e saber de seus sujeitos. Portanto, o
que mais interessa é tomar o texto “menos por aquilo que o compõe por dentro, e mais pelos
contatos de superfície que ele mantém com aquilo que o cerca de modo a conseguirmos
Inclusão escolar e a educação para todos
30
mapear o regime de verdade que o acolhe e que, ao mesmo tempo, ele sustenta, reforça,
justifica e vida” (Veiga-Neto, 2001b, p.57). Para Foucault, o poder está sempre intrincado
em qualquer relação:
[...] Ele é imanente a qualquer relação simplesmente porque em qualquer
relação sempre existe um diferencial entre aquilo de que uma parte é capaz
(de ser, ter ou fazer) “aquiloutro” de que a outra parte é capaz (de ser, ter ou
fazer). Assim, o poder deve ser compreendido e analisado em movimento.
Deve ser analisado nos movimentos que acontecem ao longo das malhas da
rede social, em cujo nós se situam os indivíduos que, ao mesmo tempo em
que se submetem ao poder, são capazes de exercê-lo. (Veiga-Neto, 2006,
p.24)
Seguindo essa direção, os materiais analisados nesta investigação, formaram um
conjunto de textos associados a várias práticas sociais que constituem os sujeitos, no sentido
de pensar sobre seus “enunciados e questioná-los para desnaturalizá-los”, como foi sugerido
por Lenoir (apud Wortmann, 1998, p.267). Dentro dessa abordagem, as ferramentas analíticas
(governamentalidade, governamento, biopoder e norma) das quais passei a me utilizar
constituíram um importante instrumento para problematizar e ampliar a discussão sobre a
inclusão (escolar e social) como uma estratégia, que tem como principal objetivo a gestão do
risco social.
4. Descrevendo os modos da investigação
Nas primeiras seções deste capítulo, apresentei minhas aproximações, interesses,
inquietações com este tema de pesquisa, e sob que perspectiva ele foi tratado. Aqui, me ocupo
um pouco mais em apresentar os caminhos percorridos para a realização desta investigação,
mostrando os processos de construção e algumas possibilidades de análises desenvolvidas por
mim.
Estar no campo
9
, no próprio campo da escola possibilitou-me fazer, de uma forma
bastante direta, algumas escolhas tanto no que se refere ao tema da inclusão escolar e social
quanto aos materiais a serem utilizadas na análise desta pesquisa. Com isso quero dizer que
pelo fato de estar e atuar no campo da escola, e envolvida com o seu próprio trabalho
pedagógico, me foi facilitado o acesso e manuseio de muitos dos documentos que
posteriormente vieram a fazer parte do corpus desta pesquisa. Muitos dos materiais (revistas,
legislações, etc.) que as escolas públicas recebem passam diretamente pelo serviço de
supervisão escolar. Assim, ao ler e manusear os materiais, que são enviados gratuitamente ou
acessados pela Internet, foi possível fazer algumas escolhas e também refletir a respeito dessa
realidade da então chamada escola inclusiva.
Optei em analisar, conforme os Quadros 1 e 2 que apresento a seguir, alguns
documentos internacionais e documentos nacionais elaborados pelo Ministério da Educação,
Secretaria de Educação Especial, Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão e demais leis,
assim como alguns programas e artigos de revistas nacionais. Tais materiais têm circulação
dirigida e distribuição gratuita, principalmente em instituições educacionais. Estas revistas,
por exemplo, atingem tanto o âmbito local quanto nacional. Entendo que analisar tais
materiais seria uma forma de mostrar o que está sendo dito e legitimado como verdadeiro no
campo da inclusão escolar e social. Os sujeitos que falam sobre a inclusão escolar e social em
tais documentos são especialistas e pesquisadores, e nesse sentido, acabam representando e
ocupando uma posição de destaque devido ao seu caráter científico. O modo como vi e
9
Faço aqui uma breve referência sobre o conceito de campo utilizado por Bourdieu. Para esse sociólogo, o
conceito de campo é “para se referir a certos espaços de posições sociais nos quais determinado tipo de bem é
produzido, consumido e classificado. [...] No interior desses setores ou campos da realidade social, os indivíduos
envolvidos passam, então, a lutar pelo controle da produção e, sobretudo, pelo direito de legitimamente
classificarem e hierarquizarem os bens produzidos” (Nogueira, 2006, p.36). Se tomarmos o campo escolar como
exemplo, talvez se possa dizer que se disputa constantemente a definição de quem são os indivíduos e os
documentos ou materiais (revistas, livros, legislações, resoluções, etc.) legitimamente autorizados a classificar e
a hierarquizar os produtos escolares.
Inclusão escolar e a educação para todos
32
interagi com os materiais levaram-me a organizá-los da seguinte forma: da ordem da
regulamentação e da ordem da regulação.
Da ordem da regulamentação, das normas disciplinares (deve ser feito), são os
materiais referentes à legislação que trazem implícita certa obrigatoriedade, uma imposição
(Quadro 1). São documentos oficiais que se caracterizam por formar um “conjunto de
disposições governamentais que contém normas para execução de uma lei, decreto, etc.”. Esse
conjunto de regras “que prescreve o que deve ser feito”, é destinado a “qualquer instituição ou
corpo coletivo” (Houaiss, 2001). Em outras palavras, regulamentar significa planejar a priori
as condutas dos sujeitos aos quais esses documentos se destinam.
Quadro 1 - Legislação
Conferência Mundial sobre Educação para Todos: satisfação das necessidades básicas
de aprendizagem: Jomtien/Tailâdia, 1990.
Declaração Mundial sobre Educação para Todos: plano de ação para satisfazer as
necessidades básicas de aprendizagem: Jomtien/Tailândia, 1991.
Declaração de Salamanca e linha de ação sobre necessidades educativas especiais:
Salamanca, 1994.
Foro Mundial de Educação para Todos: Dakar, 2000.
Decreto 3.956, de 8 de outubro de 2001. Promulga a Convenção Interamericana
para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas
Portadoras de Deficiência: Guatemala, 2001.
Política Nacional de Educação Especial: Brasília, 1994.
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, LDB 9.394, de 20 de dezembro de
1996.
Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica: Brasília, 2001.
•Comitê Nacional de Educação em Direitos Humanos. Plano Nacional de Educação em
Direitos Humanos. Brasília: Secretaria Especial dos Direitos Humanos, Ministério da
Educação, Ministério da Justiça, UNESCO, 2006.
Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva:
Brasília, 2008.
No caso da Educação Especial como modalidade de educação escolar, ela está definida
nas Diretrizes Nacionais para a Educação Básica que regulamenta a garantia do direito de
Inclusão escolar e a educação para todos
33
acesso e permanência dos alunos com necessidades educacionais especiais, e orienta a
inclusão em classes comuns do sistema regular de ensino.
É importante mostrar aqui como Ewald (1993, p.141) refere-se à noção de
regulamento:
[...] o regulamento interessa-se pelo que de mais sutil na conduta ou no
comportamento. Ele distingue, diferencia, individualiza, hierarquiza. Impõe
gestos, atitudes, hábitos. Impõe o constrangimento contínuo e minucioso
destas prescrições ao longo da existência. Normaliza e moraliza, ao mesmo
tempo.
É interessante notar que os documentos oficiais (legislações) acabam operando como
instrumentos para um novo ordenamento da educação e da sociedade.
Da ordem da regulação, da auto-regulação (pode ser feito, da própria relevância do
tema de pesquisa) é o conjunto de documentos elaborados pelas Secretarias de Educação
Especial do Ministério de Educação (Quadro 2). Fazem parte ainda desse conjunto, as revistas
que tratam da Educação Especial e Gestão, tendo como foco principal o tema da integração,
da inclusão e da gestão educacional. As matérias divulgadas, nestes veículos, não expressam
necessariamente uma posição do Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed), da
Secretaria Estadual de Educação Especial (SEESP) ou das instituições parceiras. Os artigos
assinados expressam as opiniões de seus respectivos autores, e a SEESP e o Consed os editam
por julgar que eles contêm importantes elementos para motivar e promover a reflexão e
debate de todos aqueles que estão envolvidos no processo sócio-educacional. O significado da
palavra regulação pode ser entendido como “o ato ou efeito de regular(se) (Houaiss, 2001).
Embora esses documentos sejam considerados oficiais, eles não trazem em si uma
obrigatoriedade. Nesses documentos, a lógica inscrita é de regular as condutas a posteriori, ou
seja, colocar as regras do jogo em funcionamento, fazendo com que as pessoas sejam
seduzidas e conduzidas por tais regras.
Dentro dessa ordem, tais documentos enfatizam a importância da divulgação, adesão,
implementação e apoio para as instituições educacionais. Nesse sentido, dentro de uma lógica
da regulação, o monitoramento e o controle durante o processo de implementação (do projeto
de construção de sistemas educacionais inclusivos) parecem ser fundamentais para combater a
exclusão educacional e promover a inclusão social de todos. Também a regulação desse
processo tem sido considerada como preventiva, sendo a informação e o conhecimento
elementos imprescindíveis para lidar com prováveis riscos e falhas de controle durante a
implementação de um projeto, mais especificamente, o projeto brasileiro de Educação
Inclusiva. Projeto esse que tem como foco principal formar professores “para responder à
Inclusão escolar e a educação para todos
34
diversidade de estilos e ritmos de aprendizagem de seus estudantes” (Brasil, 2005, p.7). Mais
adiante, apresento com mais detalhes parte dos materiais desta pesquisa.
Quadro 2 – Outros documentos
Programa Ética e Cidadania: construindo valores na escola e na sociedade Exclusão e Inclusão
social. Módulo 4 – Inclusão Social. Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2007.
Saberes e práticas da inclusão: recomendações para a construção de escolas inclusivas Ministério
da Educação, Secretaria de Educação Especial, 2006a.
Saberes e práticas da inclusão: avaliação para identificação das necessidades educacionais
especiais / Ministério da Educação, Secretaria de Educação Especial, 2006b.
Material de Formação Docente: Educar na diversidade/ Ministério da Educação, Secretaria de
Educação Especial, 2005.
Programa Educação Inclusiva: direito à diversidade. Atendimento Educacional Especializado:
aspectos legais e orientões pedagógicas. Brasília, 2007.
Programa Educação Inclusiva: direito à diversidade. A hora e a vez da família em uma sociedade
inclusiva. Cartilha. Brasília, 2007.
Manual Turma do Bairro na Classe A integração do aluno com deficiência na rede de ensino (3
volumes) – Secretaria de Educação Especial do Ministério da Educação e do Desporto – Brasil em
Ação, 1995.
Projeto Escola Viva Garantindo o acesso e permanência de todos os alunos na escola Alunos
com necessidades educacionais especiais / Ministério da Educação, Secretaria de Educação
Especial, 2000.
O Acesso de Alunos com Deficiência às Escolas e Classes Comuns da Rede Regular /
Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, 2004.
Saberes e Práticas da Inclusão. Recomendações para a construção de escolas inclusivas. Brasília:
MEC, Secretaria de Educação Especial, 2006.
INTEGRAÇÃO: Revista/ Ministério da Educação e do Desporto/ Secretaria de Educação Especial.
Brasília: Secretaria de Educação Especial, 1995-2001.
INCLUSÃO: Revista da Educação Especial/ Secretaria de Educação Especial. Brasília: Secretaria
de Educação Especial, 2005-2007.
GESTÃO EM REDE. Revista /Projeto Renageste – Rede Nacional de Referência em Gestão
Educacional do CONSED - Conselho Nacional de Secretários de Educação. Curitiba, 2006-2007.
Diante da quantidade de materiais selecionados e a recorrência de determinados tipos
de enunciados, desenvolvi minha análise entrelaçando alguns dos excertos/fragmentos
retirados dos materiais que apresentei nos Quadros 1 e 2, com as questões que me propus
Inclusão escolar e a educação para todos
35
discutir nesta Tese. Apresento a seguir somente aqueles materiais que talvez os leitores não
tenham acesso em bibliotecas como, por exemplo, as revistas (algumas edições) e alguns
materiais impressos como o Programa Educar na Diversidade, entre outros. Em relação aos
documentos oficiais nacionais e internacionais, legislações, parti do pressuposto de que o
havia necessidade de apresentá-los e nem colocá-los em anexo, devido sua ampla divulgação
e acesso.
A seguir, apresento a síntese de alguns materiais analisados nesta pesquisa. Referente
à campanha promovida pela Divisão de Ensino Especial da Fundação Educacional do Distrito
Federal (FEDF) Turma do Bairro na Classe (Anexo B1), divulgada em 1995, o Ministério
da Educação e do Desporto/ MEC teve como objetivo principal ampliar a oferta de educação
às pessoas com deficiência, em parceria com os municípios, assumindo o compromisso de
garantir os direitos de cidadania expressos pela Constituição. Dessa forma, desenvolveu um
trabalho de sensibilização e envolvimento da comunidade escolar e da sociedade em geral
pela integração do aluno com deficiência na rede regular de ensino. As peças da campanha de
integração do aluno com deficiência na rede de ensino foram divulgadas pelo rádio, TV,
jornais e revistas nacionais com a participação de artistas tidos como embaixadores do
UNICEF no Brasil. Em tal campanha a sociedade foi convidada a participar do trabalho como
forma de garantir educação aos alunos com deficiência nas escolas brasileiras. Nesse sentido,
foram elaborados três manuais como o objetivo de facilitar o início desse processo de
integração. O primeiro manual – Iniciando nossa conversa enfoca aspectos iniciais da
integração. O segundo manual Novos conceitos, novas emoções tem por objetivo ajudar a
preparar os alunos e os pais a compreenderem melhor as capacidades e necessidades das
pessoas com deficiência. E o terceiro Com os pés no cotidiano indica algumas formas de
como detectar sinais de prováveis deficiências e favorecer o processo ensino e aprendizagem,
considerando as diferenças e as deficiências dos alunos. Por questões relacionadas aos
interesses desta pesquisa, apenas o segundo e o terceiro manual foram analisados.
O Programa Educação Inclusiva: Direito à diversidade – Documento Orientador
(Anexo B2), criado em 2003, é um dos programas desenvolvidos pelo MEC, por meio da
SEESP. O objetivo de tal programa é dar continuidade à política de educação inclusiva nos
municípios brasileiros e apoiar a formação de gestores e educadores para atuar como
multiplicadores no processo de transformação do sistema educacional em sistema educacional
inclusivo. Os profissionais indicados pelas secretarias estaduais e municipais de educação,
repassam os conhecimentos para os municípios-pólo e para os municípios de sua área de
abrangência, criando-se, assim, uma rede de formação continuada.
Inclusão escolar e a educação para todos
36
Nessa mesma linha de ação, o Ministério da Educação com o Programa Educação
inclusiva: direito à diversidade (Anexo B3), implantado no segundo semestre do ano de 2003,
pressupõe a transformação do ensino regular e da educação especial. A implementação de
diretrizes e ações possibilitaria a reorganização dos serviços de Atendimento Educacional
Especializado (Brasil 2007) oferecidos aos alunos com deficiência, visando à
complementação da sua formação e não a substituição do ensino regular. Com esse objetivo, a
Secretaria de Educação Especial e a Secretaria de Educação a Distância promoveram o curso
de Aperfeiçoamento de Professores para o Atendimento Educacional Especializado, realizado
em uma ação conjunta com a Universidade Federal do Ceará. O foco do curso incide na
organização dos sistemas de ensino, orientando o Atendimento Educacional Especializado nas
salas de recursos multifuncionais em turno oposto ao frequentado nas turmas comuns. Tal
curso é desenvolvido na modalidade a distância, com ênfase nas áreas da deficiência física,
sensorial e mental. O curso tem como objetivo oferecer fundamentos básicos para os
professores que atuam nas escolas públicas e garantir o apoio aos 144 municípios-pólo para a
implementação da educação inclusiva.
O Projeto Educar na Diversidade - Material de Formação Docente (Anexo B4),
disseminado nacionalmente, está inserido no Programa Nacional Educação Inclusiva: direito
à diversidade. Este Projeto de formação docente, ajuda a consolidar a política nacional de
educação inclusiva através da formação de educadores das escolas dos municípios-pólo em
várias as regiões do país. Iniciado em 2005, o projeto é realizado numa ão conjunta entre o
governo federal, estadual e municipal e desenvolve ações de formação de 15.000 docentes nas
escolas que aderiram ao projeto. Tal Projeto considera que com a expansão da formação
docente se estaria contribuindo para aumentar as oportunidades de acesso, permanência e
participação educacional e social de todas as crianças, jovens e adultos com ou sem
deficiência, e que enfrentam barreiras para a participação e aprendizagem. Dessa forma,
reconhece a importância fundamental do papel do docente no desenvolvimento de sistemas
educacionais inclusivos. Nessa ação, a Secretaria de Educação Especial do Ministério da
Educação do Brasil, coordenou o Projeto Educar na Diversidade nos Países do Mercosul, que
envolveu os Ministérios da Educação da Argentina, Chile, Paraguai e Uruguai e vinte e cinco
escolas distribuídas igualmente nestes países (cinco em cada país). Um dos principais
produtos, deste projeto, foi a publicação do material de Formação Docente Educar na
Diversidade, que hoje tem sido visto como o elemento-chave na implementação do projeto
brasileiro de formação de professores preparados para responder à diversidade de estilos e
ritmos de aprendizagem de seus estudantes.
Inclusão escolar e a educação para todos
37
O Programa Ética e Cidadania: construindo valores na escola e na sociedade (Anexo
B5) tem como objetivo aprofundar ações educativas que levem à formação ética e moral da
comunidade escolar. Trata-se de três kits temáticos, cada um composto de quatro módulos,
um livro com artigos de especialistas e um CD-ROM com o conteúdo dos três kits e do livro.
As temáticas dos kits são a Exclusão e Inclusão Social, o Fortalecimento do Protagonismo
Juvenil e as Relações Étnico-raciais e de Gênero. Para dar continuidade à implementação do
Programa em todo o país, além da distribuição dos materiais, o Ministério da Educação
realizou dez seminários regionais, visando discutir a forma de como trabalhar com o material.
Esses seminários tiveram a participação dos Coordenadores de Ensino Fundamental e Médio
das secretarias de educação, assim como os diretores e coordenadores do Fórum Escolar de
Ética e Cidadania das escolas. Tanto os materiais quanto a programação dos seminários, estão
disponíveis na página eletrônica do Programa onde a escola poderealizar a sua adesão, por
meio de inscrição on line. Sendo assim, para aderir e inscrever-se ao Programa, a escola
deverá constituir o seu Fórum Escolar de Ética e Cidadania, composto por membros da
comunidade escolar que serão responsáveis pela implementação do programa Ética e
Cidadania.
A Revista Integração (Anexo B6) é uma publicação trimestral da Secretaria de
Educação Especial do Ministério da Educação e do Desporto. Algumas edições tiveram uma
tiragem de 20.000 exemplares. Ela tem uma circulação dirigida e as matérias publicadas por
esta revista podem ser reproduzidas, desde que citada a fonte. Os artigos assinados expressam
as opiniões de seus respectivos autores que são especialistas e professores da área
educacional. Os artigos publicados referem-se, especificamente, à temática da integração e
inclusão com formas de inserção da pessoa com deficiência ou necessidades educacionais
especiais na escola. A revista aborda diversas temáticas como, por exemplo, “criatividade”,
“informática”, deficiência na pré-escola”, “a pessoa com Síndrome de Down”, entre outros. A
revista tem como uma das características a relação entre texto e imagem. A capa é um
exemplo dessa produção gráfica, mostrando sempre crianças com ou sem deficiência sentadas
em círculo, reunidas, brincando ou trabalhando em atividades didático-pedagógicas.
A Revista Inclusão (Anexo B7) é uma publicação semestral da Secretaria de Educação
Especial do Ministério da Educação. Algumas edições tiveram, por exemplo, a tiragem de
40.000 exemplares. Ela apresenta muitas semelhantes com a Revista Integração, conforme
descrevi acima. Mas é importante ressaltar que a Revista Inclusão tem como objetivo ampliar
e disseminar conhecimentos técnicos e científicos, bem como estimular o intercâmbio de
experiências entre os diversos profissionais que atuam no processo de inclusão educacional e
Inclusão escolar e a educação para todos
38
atendimento às necessidades educacionais especiais dos alunos. Ela es organizada em
seções que trazem entrevistas, artigos, resenhas, informes e opiniões, oferecendo aos leitores
informações que são vistas como enriquecedoras para a prática pedagógica. Os artigos
assinados expressam as opiniões de seus respectivos autores e, não necessariamente, as da
SEESP, que os edita por julgar que eles contêm elementos de reflexão e debate.
E, por fim, a Revista Gestão em Rede (Anexo B8) que é um veículo de comunicação
do Projeto Renageste (Rede Nacional de Referência em Gestão Educacional do Consed
Conselho Nacional de Secretários de Educação). Algumas edições tiveram a tiragem de
80.000 exemplares. É de distribuição gratuita e também as matérias divulgadas não expressam
necessariamente uma posição do Consed, das secretarias estaduais de Educação ou das
instituições parceiras. A revista publica oito edições por ano, que correspondem aos meses de
atividades letivas na escola, além da publicação de edições especiais sobre o Prêmio Nacional
de Referência em Gestão Escolar e encartes sobre temáticas diversas. Segundo o editorial da
revista, ela é considerada um veículo no qual o profissional de educação encontrará
informações, análises, reflexões e notícias sobre o universo da escola pública brasileira, com
foco especial na gestão democrática e participativa. Com isso, seu interesse é pela busca
permanente da qualidade do processo de ensino e aprendizagem. Assim, por acreditar na
importância da gestão educacional e por ser um veículo de comunicação, ela mobiliza a
comunidade de gestores e divulga informações sobre tal tema.
A título de exemplo, apresento a relação de periódicos que fizeram parte do material
de pesquisa que foi composto por 115 artigos publicados nos três periódicos escolhidos. O
Quadro 3 apresenta tais dados.
Quadro 3 – Relação dos periódicos que compõe parte do material de pesquisa
Periódicos Ano
Inicial
de Edições
Analisadas
de Artigos
Analisados
Revista Integração 1989
08
38
Revista Gestão em
Rede
1997
14
49
Revista Inclusão 2005
05
28
Total:
115
A leitura dos materiais foi fundamental para a construção das categorias. As categorias
foram pensadas e ampliadas numa leitura que possibilitou uma superposição dos fragmentos
do Quadro 1 com os fragmentos do Quadro 2. Desse modo, após realizar a leitura dos
Inclusão escolar e a educação para todos
39
materiais, organizei uma Planilha que denominei de categorias de análise e relacionei os
excertos com as categorias selecionadas. Para melhor organizar o material, construí uma
Planilha com três colunas: excerto, eixo e referência. A análise foi desenvolvida a partir de
dois eixos: os significados da inclusão e o governamento dos sujeitos. A partir dos eixos e
categorias selecionados e classificados, fui compondo e aglutinando a Tese em capítulos e
seções. Muitos fragmentos não aparecem no texto, dado a recorrência. Assim, alguns
fragmentos foram reclassificados, outros foram abandonados. É possível observar a
elaboração das análises a partir do Capítulo III. Dessa forma, o Quadro 4 mostra apenas os
eixos e categorias classificados. Ao tomar as categorias como uma rede, quero dizer, também,
que elas não serão discutidas no texto de forma linear. Nessa forma de organizar, relacionei os
fragmentos extraídos dos materiais com o quadro teórico estabelecido, mostrando, como
disse, um entrelaçamento das narrativas com os significados, práticas e modos de pensar a
inclusão escolar e social.
Quadro 4 - Categorias de análise
Eixos Categorias
Os significados de
inclusão
Invenção
Paradigma
Integração e Inclusão
O governamento dos
sujeitos
Inclusão escolar e social
Cidadania
Gestão
Capital humano e social
Família - Comunidade -
Participação
Diferença Diversidade -
Deficiência
Estatística - Risco social
Aprendizagem -
Desenvolvimento
Considerando a forma de organizar este trabalho, tomo as categorias “não como uma
forma de classificação dos enunciados, mas como uma maneira de lidar com a topologia dos
discursos” (Saraiva, 2006, p.145). “As categorias formam uma rede, com infinitas conexões,
Inclusão escolar e a educação para todos
40
intersecções, superposições” (Saraiva, 2006, p.150), que poderão ser percebidas ao longo da
leitura desses capítulos de análise.
Ao discutir o primeiro eixo os significados da inclusão examino quais os
significados e os usos que têm sido atribuídos à inclusão escolar. Analiso suas rupturas e
continuidades provocadas pelos discursos inclusivos, mostrando suas implicações com a
própria constituição da sociedade contemporânea.
Minha segunda questão o governamento dos sujeitos problematizo a noção de
regulamentação e regulação como prevenção do risco social, questionando se com a inclusão
escolar e social não estaríamos regulando e produzindo modos de ser mais autônomos e auto-
regulados.
É nesse tipo de abordagem que procurei tramar minha pesquisa entrelaçando
categorias e fragmentos que me pareceram pertinentes para análise. É um processo que não
tem fim e que pode ser tramado de infinitas formas, mas é preciso estabelecer alguns
contornos e alguns limites para tais análises. Nos capítulos de análise, apresento a forma
como esse processo foi construído, deixando meu corpus “falar mais”.
CONVERSAÇÕES III: SOBRE OS DISCURSOS DA
EDUCAÇÃO, CIDADANIA E INCLUSÃO
[...] suponho que em toda a sociedade a produção do discurso é
ao mesmo tempo controlada, selecionada, organizada e
redistribuída por certo mero de procedimentos que têm por
função conjurar seus poderes e perigos, dominar seu
acontecimento aleatório, esquivar sua pesada e temível
materialidade. (Foucault, 1996, p.9)
1. A modernidade e a busca da ordem em todas as coisas
Bauman (1998) analisa o Estado Moderno como uma instituição que soube o que a
ordem devia parecer, e que teve força e arrogância não apenas para proclamar que todos os
outros estados de coisas são a desordem e o caos, como também para obrigá-los a viver sob a
condição da ordem. Em outras palavras, foi o Estado Moderno que legislou a ordem para a
existência e definiu a ordem como a clareza de aglutinar divisões, classificações, distribuições
e fronteiras. A ordem como obsessão surgiu como reflexão sobre as práticas ordenadoras. Ou,
como observou Collins (apud Bauman, 1998, p.13) a consciência moderna “surge como a
qualidade de perceber ordem nas coisas”.
A Modernidade com seu esforço em localizar uma essência por trás da aparência e
uma verdade obscurecida, mostrou a densidade da suas fundações iluministas (razão,
progresso, desenvolvimento, educação, crescimento econômico, etc.). Ao mesmo tempo em
que governos progressistas acreditavam na importância da educação para a promoção de uma
condição racional e moderna, a ciência educacional, apostava numa educação científica que
transformaria o capital humano (Jones, 1999). Transformar os recursos humanos era vital em
tal contexto, pois a educação deveria investir nas crianças e jovens para torná-los cidadãos
úteis e produtivos. Tal transformação se daria através de estágios de desenvolvimento pelo
“progresso desenvolvimentista da natureza infantil” (Jones, 1999, p.113).
Assim, considerando o projeto educacional moderno como um projeto civilizador,
pode-se dizer que as narrativas sobre a infância moderna foram influenciadas pelos discursos
dos moralistas, dos reformadores e dos ideólogos sociais, vindos de muitos “lugares” (do
campo da Medicina, da Pedagogia, da Psicologia, do Direito; das campanhas de moralização,
escolarização, de higienização, etc.), cujo objetivo era institucionalizar essa infância
considerada selvagem, anormal, descuidada. Dessa forma, tais narrativas também
constituíram uma das condições de possibilidade para o estabelecimento de políticas sociais
para a educação e saúde na infância, enfim, da população (Bujes, 2002).
Diante das infinitas promessas da Modernidade, podemos dizer que o saber científico
foi construído numa busca de ordenação do mundo. De certa forma, “as diversas ciências ou
as várias disciplinas constituem-se em esforços de construção de uma ordem do mundo no
nível do saber” (Gallo, 2006, p.257). E, tal ordenação está diretamente implicada com os
mecanismos de poder. Segundo esse mesmo autor, a disciplina,
[...] que se tornou sinônimo de campo de saber tanto na epistemologia
quanto na estrutura curricular do saber escolar, apresenta uma ambiguidade
Inclusão escolar e a educação para todos
43
conceitual muito interessante: invoca em si tanto o campo de saber
propriamente dito quanto um mecanismo político de controle, de um certo
exercício do poder. Disciplinarizar é tanto organizar/ classificar as ciências
quanto domesticar os corpos e as vontades. (Gallo, 2006, p. 257)
O que se pode denominar de processo civilizatório, seria exatamente a criação de um
conjunto de saberes e práticas dirigido à educação das pessoas.
Assim, viver em sociedade
seria a forma de preparar o homem para tornar-se civil e atingir a maioridade, superando um
suposto estado bruto e de ignorância que a humanidade esteve submetida durante tantos
séculos. A própria noção de sociedade civil traz implícita a questão da ambiguidade do mundo
moderno, pois ao tentar passar a ideia de que o homem deve viver a sua liberdade de maneira
intensa, ao mesmo tempo, efetua sobre ele uma constante ação de governo. Trata-se de formar
o homem-cidadão
10
segundo modelos sociais de comportamento, tornando-o produtivo,
integrado e com plenas capacidades de trabalho (Cambi, 1999). Em outras palavras, formar
um homem social ativo e útil para a sociedade, que sob o aspecto da eficiência, da
competência, da produção e de uma ação de governo, seria a garantia para a sua salvação,
progresso e desenvolvimento econômico e social.
É nesse sentido que a Modernidade na perspectiva da educação pode ser entendida
como um processo de constituição de uma “sociedade educativa”. Nas palavras de Noguera
(2009, p.20) uma “sociedade educativa” seria
[...] uma sociedade onde pela primeira vez na história, se pensou que a
educação de todos e de cada um era a condição necessária para a salvação, o
progresso ou o desenvolvimento econômico e social; uma sociedade na qual
era preciso ensinar tudo a todos ou onde cada um deveria aprender, não
durante a sua passagem pela família ou pela escola, mas durante toda a sua
vida; uma sociedade na qual não foi suficiente aprender, mas aprender a
aprender; uma sociedade, enfim, na qual o indivíduo, o sujeito, na medida
em que requereu uma ampla e especializada educação como condição para
a sua “humanização” constituiu-se como Homo educabilis.
Diante da constituição de uma sociedade educativa, é possível pensar no discurso da
inclusão escolar, em tempos atuais, que enfatiza as potencialidades e a socialização de todos
os educandos. Uma das máximas do discurso da inclusão é que “todos aprendem quando as
crianças com deficiência vão à escola junto com as outras”. Tal máxima insere-se no discurso
da escola única, da “escola de todos e para todos”, que sob a ficção da unidade e da igualdade,
segundo Alvarez-Uría (1996a, p.131), estão relacionados “a diferentes redes de socialização,
diferentes modos de educação”. Parece que as preocupações com os desajustes e alterações
10
Discuto a questão da cidadania na seção intitulada Educação e cidadania.
Inclusão escolar e a educação para todos
44
comportamentais das crianças e jovens estiveram sempre presentes na escola (pública), quase
desde a sua institucionalização.
Para continuar comentando acerca da Modernidade e da escola moderna e para pensar
algumas estratégias de governamento tão presentes na Contemporaneidade a inclusão como
gestão do risco social é que discuto, na próxima seção, a governamentalidade liberal e
neoliberal.
2. Governamentalidade liberal e neoliberal
Em nome de que, por que, a partir de que critérios, em
função de quais obscuros ou manifestos interesses podem
determinadas pessoas, ou um determinado coletivo,
governar as condutas de seus semelhantes? (Alvarez-Uría,
1996, p.92)
Na Aula de 1º de fevereiro de 1978, ministrada no curso Segurança, território e
população, Foucault vai tratar especificamente do problema do governo “como ser
governado, por quem, até que ponto, com que fim, por que métodos” (Foucault, 2008, p. 119).
Com isso, Foucault salienta que o problema do governo fica no ponto de cruzamento de dois
movimentos: o movimento de concentração estatal e o movimento de dispersão e de
dissidência religiosa. Em outras palavras, esse autor procura mostrar como o Estado foi sendo
pouco a pouco governamentalizado. “O que de importante para nossa modernidade, isto é,
para a nossa atualidade, não é portanto a estatização da sociedade, mas o que eu chamaria de
‘governamentalização’ do Estado” (Foucault, 2008, p.144-145). Nessa aula, Foucault
apresenta o significado da palavra governamentalidade, mostrando três elementos
constitutivos desse conceito. Esse autor diz o seguinte:
[...] governamentalidade é o conjunto constituído pelas instituições, os
procedimentos, análises e reflexões, os cálculos e as táticas que permitem
exercer essa forma bem específica, embora muito complexa, de poder que
tem por alvo principal a população, por principal forma de saber a economia
política e por instrumento técnico essencial os dispositivos de segurança. [...]
a tendência, a linha de força que, em todo o Ocidente, não parou de
conduzir, e desde muito, para a preeminência desse tipo de poder que
podemos chamar de “governo” sobre todos os outros soberania, disciplina
– e que trouxe, por um lado, o desenvolvimento de toda uma série de
aparelhos específicos de governo [e, por outro lado], o desenvolvimento de
toda uma série de saberes. [...] o resultado do processo pelo qual o Estado de
justiça da Idade Média, que nos séculos XV e XVI se tornou o estado
administrativo, viu-se pouco a pouco “governamentalizado”. (Foucault,
2008, p.143-144)
A governamentalidade “está dirigida a assegurar a correta distribuição das ‘coisas’,
arranjadas de forma a levar a um fim conveniente para cada uma das coisas que devem ser
governadas (Marshall, 1999, p.29)”. Mas, o que seria governar “coisas”?
Foucault (2008) se detém um pouco na palavra “coisas” para diferenciar o objeto de
poder referente ao governo e à soberania. E para estabelecer tal diferença, esse autor utiliza-se
do texto de La Perrière, datado de 1555, para balizar alguns conceitos sobre a arte de
governar. Em Maquiavel, as representações que são dadas ao Príncipe mostram que ele é
Inclusão escolar e a educação para todos
46
único em seu principado, e que assume uma posição de exterioridade e de transcendência em
relação a esse principado. Diferentemente, no texto de La Perrière, antimaquiavélico, se
que o governante, a prática do governo são, de um lado práticas ltiplas, que muitas
pessoas governam: o pai de família, o pedagogo e o professor na relação com as crianças, etc.
Por outro lado, todos esses governos são interiores à própria sociedade ou ao Estado, pois é no
interior do Estado que o pai de família vai governar sua família, que professor vai governar
suas crianças. “Portanto, há, ao mesmo tempo, pluralidade de formas de governo e imanência
das práticas de governo em relação ao Estado” (Foucault, 2006, p. 286). Tal multiplicidade e
imanência de práticas se opõem à singularidade transcendente do Príncipe de Maquiavel.
Em Maquiavel, o alvo do poder, é: o território e as pessoas que moram nesse território.
Explicando melhor: “o objetivo do exercício do poder seo de manter, reforçar e proteger
esse principado, entendido não como o conjunto constituído pelos súditos e território, mas
como a relação do Príncipe com o que ele possui” (o território que ele herdou ou adquiriu, os
súditos que ocupam esse território) (Foucault, 2006, p.285). Nesse sentido, Maquiavel retoma
um princípio jurídico que caracterizava a soberania no direito público, da idade Média ao
século XVI: “as coisas” são o território e os súditos que nele habitam. Assim, o território é “o
elemento fundamental tanto do principado de Maquiavel como da soberania jurídica do
soberano” (Foucault, 2008, p.128).
Entretanto, no texto de La Perrière, a definição do governo não se refere ao território,
mas a “coisas”. Na forma de Estado liberal, o governo não se aplica ao território, mas “à
complexa unidade dos homens em todas as suas relações e em seus vínculos com a
propriedade e a cultura em seus mais amplos sentidos, incluído acidentes e desastres tais
como a fome e a guerra” (Marshall, 1999, 29). Para dar conta de tal forma de governar, será
preciso uma nova forma de racionalidade do Estado.
[...] Enquanto que a velha definição de soberania insistia no direito público,
nas teses do bem comum sistematicamente reiteradas pelos juristas, pondo a
ênfase no território ao qual estavam amarrados todos os homens , tratar-
se-ia agora de governar dispondo as coisas, de converter uma miríade de
finalidades particulares num mesmo propósito de governo. [...] teríamos
agora as táticas em permanente correção. E táticas porque exatamente o fim
do governo está nas coisas que dirige. (Ó, 2009, p.102)
Portanto, trabalhar sobre as táticas implica codificar o conjunto das relações sociais
que supostamente deveriam sofrer intervenção, sob a ação racionalizadora, reguladora e
regulamentadora do Estado. Tais ações implicam “não apenas procedimentos, análises,
reflexões e formas de cálculos, mas também instituições as mais variadas” (Ó, 2009, p.102).
Inclusão escolar e a educação para todos
47
Foucault (2008), ao tratar da arte de governar – “governar uma casa”, “governar
almas”, “governar crianças”, governar uma província”, governar um convento”, governar
uma família” lembra que essas observações têm importantes implicações políticas
(Foucault, 2008). Dentre essas formas de governo que se entrecruzam no interior da
sociedade, no interior do Estado, há uma forma particular de governo que vai se aplicar a todo
o Estado. Em suas análises, salienta que três tipos de governo e cada um pertence a uma
forma de ciência particular: “o governo de si mesmo, que pertence à moral; a arte de governar
uma família como convém, que pertence à economia; e a ‘ciência de bem governar’ o Estado,
que pertence à política” (Foucualt, 2008, p.125).
Resumidamente, pode-se dizer que, no sentido de uma continuidade ascendente,
“quem quiser ser capaz de governar o Estado primeiro precisa saber governar a si mesmo;
depois, num outro nível, governar sua família, seu bem, seu domínio; por fim, chegará a
governar o Estado” (Foucault, 2008, p.125). O inverso disso, é o que Foucault (2008) chama
de continuidade descendente, “quando um Estado é bem governado, os pais de família sabem
bem governar sua família, suas riquezas, seus bens, sua propriedade, e os indivíduos, também,
se dirigem como convém” (Foucault, 2008, p.126). Esse autor chama de linha descendente o
fato do bom governo do Estado repercutir até na conduta dos indivíduos ou na gestão das
famílias. Temos um novo modelo, chamado de “polícia”, entendido como “o cálculo e a
técnica que possibilitarão estabelecer uma relação móvel, mas apesar de tudo estável e
controlável, entre a ordem interna do Estado e o crescimento das suas forças” (Foucault, 2008,
p.421).
Pode-se dizer que o propósito central da polícia era a informação sobre os níveis de
prosperidade do reino e dos que nele habitavam. [...] o que interessa compreender é que esta
foi a via de identificação que o estado encontrou para tocar diretamente na existência
individual dos cidadãos” (Ó, 2009, p.102). Portanto, trata-se do problema da intervenção
permanente do Estado.
Nessa visão, os indivíduos tornar-se-ão instrumentos aos fins do Estado. A justiça, o
bem-estar e a saúde são importantes para os indivíduos porque, de certa forma, eles aumentam
a força do Estado. Assim, para governar será necessário um conhecimento político sobre os
indivíduos: suas inclinações, habilidades e capacidades.
Diante de um novo elemento em cena – a população – pode-se dizer que até o advento
da problemática da população, “a arte de governarpodia ser pensada a partir do modelo da
família, isso é, a partir da economia entendida como gestão da família” (Foucault, 2002,
p.288). A partir do momento em que a população aparece como irredutível à família, essa
Inclusão escolar e a educação para todos
48
passa para um plano secundário em relação à população, portanto, não sendo mais tomada
como modelo, mas como segmento. Segundo Foucault (2002), esse deslocamento da família
do nível de modelo para o nível de instrumentalização parece fundamental. É a partir da
metade do século XVIII, no contexto europeu, que a família aparece nessa dimensão
instrumental em relação à população, como demonstram, por exemplo, as campanhas contra a
mortalidade, as campanhas relativas à educação, as campanhas relativas à vacinação, entre
outros, cuja finalidade é regular a população.
Portanto, “é a população, muito mais que o poder do soberano, que aparece como o
fim e o instrumento do governo: sujeito de necessidades, de aspirações, mas também objeto
nas mãos do governo” (Foucault, 2008, p.140). Enfim, a população será “o objeto que o
governo deverá levar em conta nas suas observações, em seu saber, para chegar efetivamente
a governar de maneira racional e refletida” (idem, ibidem). De certa forma, a economia
política se constituiu “a partir do momento em que, entre os diferentes elementos da riqueza,
apareceu um novo sujeito, que era população” (Foucault, 2008, p.140). Assim, será nessa rede
múltipla e contínua de relações entre a população, o território e a riqueza que se constituirá a
ciência chamada “economia política”, bem como um tipo de intervenção característico do
governo, que será a intervenção no campo da economia e da população.
De acordo com Foucault (2002, p.292), o Estado governamentalizado utiliza-se de
“táticas de governo que permitem definir a cada instante o que deve ou não competir ao
Estado, o que é público ou privado, o que é ou não estatal”. Em relação à
governamentalização do Estado, Foucault (2002, p.292) diz o seguinte:
[...] Desde o século XVIII, vivemos na era da governamentalidade. (...) a
governamentalização do Estado foi o fenômeno que permitiu ao Estado
sobreviver. Se o estado é hoje o que é, é graças a esta governamentalidade,
ao mesmo tempo interior e exterior ao Estado. São táticas de governo que
permitem definir a cada instante o que deve ou não competir ao Estado, o
que é público ou privado, o que é ou não estatal, etc.; portanto, o Estado em
sua sobrevivência e em seus limites, deve ser compreendido a partir das
táticas gerais de governamentalidade.
De maneira geral, é possível apontar que as formas de economia de poder no Ocidente
foram o Estado de justiça, nascido numa territorialidade feudal e que corresponderia a uma
sociedade de lei; o Estado administrativo que corresponde a uma sociedade de regulamentos e
de disciplinas; e por fim, um Estado de governo que corresponde à massa da população (com
seu volume, densidade e território). Tal Estado de governo, que tem como objeto a população
e no saber econômico seu instrumento principal, “corresponderia a uma sociedade controlada
pelos dispositivos de segurança” (Foucault, 2008, p. 146). Foucault, dando continuidade a
Inclusão escolar e a educação para todos
49
suas pesquisas, irá mostrar em outras aulas do curso Segurança, território e população,
ministrado no Collège de France, que essa governamentalidade nasceu a partir de três pontos
de apoio: a pastoral cristã, a nova técnica diplomático-militar e a “polícia”.
Nesse quadro geral, é que se pode dizer que a escola moderna aconteceu na
combinação de duas superfícies de emergência. De um lado, o advento da Razão de Estado,
com um conjunto de novos saberes: inicialmente, a Estatística, a Economia e a Demografia;
depois, a Saúde Pública; e, posteriormente, toda a “área psi” (a Psiquiatria, a Psicologia, a
Psicanálise e a Psicopedagogia) (Veiga- Neto, 2000a). Esses novos saberes foram cruciais
como estratégias de governamento, ou seja, “a maneira de dirigir a conduta dos indivíduos ou
dos grupos: governo das crianças, das almas, das comunidades, das famílias, dos doentes”
(Foucault, 1995, p.244). De outro lado, o deslocamento das práticas pastorais do âmbito
religioso para o âmbito civil e do âmbito do indivíduo para o âmbito da população.
Portanto, é no contato dessas duas superfícies que se estabelece “o jogo da cidade
totalizador, jogado na população – e o jogo do pastor – individualizador, jogado no indivíduo”
(Veiga-Neto, 2000a, p.185). Segundo esse autor, o papel da disciplina foi fundamental para o
jogo do pastor. Para o jogo da cidade, os novos saberes foram cruciais para um bom governo
do Estado. E, é nesta superfície, do jogo da cidade, que se configura o liberalismo. Para que se
faça um bom governo, é preciso que se faça uma economia de governo. Em outras palavras,
“para governar mais, é preciso governar menos” (Veiga-Neto, 2000a, p.186). A crítica
dirigida ao Estado foi para mostrar o quanto seria irracional governar demais.
É importante enfatizar que os estudos e análises políticas que Foucault desenvolveu
mostraram que o liberalismo, constitutivo da Modernidade, corresponde à máxima
governamentalização do Estado, assim como está diretamente implicado com o problema de
conciliar a liberdade de mercado com o exercício ilimitado da soberania. Assim, percebe-se a
especificidade do liberalismo por sua máxima economia interna. Com a lógica do liberalismo,
pode-se entender “a sociedade como um todo que deve ser harmônico pela combinação
complementar de seus indivíduos, cada um funcionando como um átomo indivisível, centrado
e estável, que é, em si mesmo e ao mesmo tempo, réu e juiz, ovelha e pastor” (Veiga-Neto,
2000a, p.187). Dessa maneira, o liberalismo ocupa-se do “governo da sociedade”; uma
sociedade formada por um sujeito cidadão, com diretos e deveres; por um sujeito-parceiro.
De maneira breve, é importante fazer alguns comentários acerca do desenvolvimento
do liberalismo. A partir da segunda metade do século XX, Foucault destaca dois tipos de
racionalidade governamental: o liberalismo alemão ou ordoliberalismo e o liberalismo norte-
americano.
Inclusão escolar e a educação para todos
50
Para os ordoliberais, “o mercado era definido como um princípio de regulação
econômica indispensável à formação dos preços e, por conseguinte, ao desenvolvimento
conforme o processo econômico” (Foucault, 2008a, p.330). Assim, empreende uma
desnaturalização das relações econômicas e sociais, entendendo que uma economia de
mercado deveria ser organizada no interior de quadros institucionais ou jurídicos e que
pudesse oferecer tanto as garantias e as limitações da lei quanto assegurar que a liberdade dos
processos econômicos não implicasse em distorção social (Veiga-Neto, 2000a)
O liberalismo teve nos Estados Unidos, durante a Guerra da Independência, um papel
relativamente análogo ao desempenhado mais tarde pelo neoliberalismo na Alemanha em
1948. O liberalismo entrou no jogo como princípio fundador e legitimador do Estado
(Foucault, 2008a). O liberalismo foi o elemento recorrente de todas as discussões políticas dos
Estados Unidos. Enquanto na Europa os elementos recorrentes do debate político no século
XIX foram a unidade da nação, a independência e o estado de direito, nos Estados Unidos foi
o liberalismo.
As políticas intervencionistas, os programas econômicos ou sociais se manifestaram a
partir dos meados do século XX, como um elemento amenizante, em que se preocupava
introduzir objetivos que poderiam ser qualificados de socializantes, que se tentava assentar no
interior das bases de um Estado imperialista e militar. A crítica desse não liberalismo pode
encontrar um duplo alcance. À direita, em nome de uma tradição liberal histórica e
economicamente hostil a tudo o que poderia parecer socialista e a esquerda, na medida em
que se tratava de levar adiante não a crítica, senão a luta cotidiana contra o
desenvolvimento de um Estado imperialista e militar (Foucault, 2008a).
Pode-se dizer que o neoliberalismo norteamericano não é como o é na França e nem
como na Alemanha uma mera eleição econômica e política formada e formulada pelos
governos ou no meio governamental. Um dos traços do neoliberalismo norteamericano é o
fato de o Estado não se autolimitar mediante o liberalismo, é a exigência de um liberalismo
que se converte em fundador de Estado.
Na América do Norte, o liberalismo “é toda uma
maneira de ser e pensar. É um tipo de relação entre governantes e governados, muito mais que
uma técnica de governantes em relação aos governados” (Foucault, 2008a, p.301). Enquanto
na França o questionamento dos indivíduos com respeito ao estado gira em torno do problema
do serviço e o serviço blico, nos Estados Unidos, o questionamento entre os indivíduos e o
governo adota melhor a aparência do problema das liberdades. Na atualidade, o
neoliberalismo norteamericano não se apresenta e nem totalmente como uma alternativa
política. Trata de uma reivindicação global, multiforme, ambígua, com alcance na direita e na
Inclusão escolar e a educação para todos
51
esquerda. O neoliberalismo é entendido como estilo geral de pensamento, análises e
imaginação, e não como uma alternativa técnica de governo.
Com o neoliberalismo parece ocorrer uma reinscrição de técnicas e formas de saberes,
competências, expertises que são úteis tanto para a expansão das formas mais avançadas do
capitalismo, quanto para o governo do Estado. Tal reinscrição consiste em transformar o
Estado numa grande empresa, pois o objetivo é que esse Estado se torne muito mais
econômico, rápido, produtivo e lucrativo. O Estado, sob essa nova lógica, deve se ocupar
com algumas atividades consideradas “essenciais”, como a Educação e a Saúde,
encarregando-se de, no máximo, regulá-las ou provê-las (Veiga-Neto, 2000a). Tal lógica nos
leva a entender a governamentalidade máxima, no neoliberalismo.
Percebeu-se que além do incremento dos mercados consumidores, era preciso produzir
de maneira diferente; o que no caso significou “uma crescente diversificação e intensificação
nas demandas para que os ciclos de produção consumo lucro se acelerassem e, como
conseqüência, aumentasse a acumulação” (Veiga-Neto, 2000a, p.195). Parece que a novidade
está na diversificação. Nesse quadro, é que se estabelece o neoliberalismo. O consumidor não
tem em sua natureza um a priori econômico, mas é alguém que pode e deve ser levado a se
comportar dessa ou daquela maneira no mundo da economia. Na lógica neoliberal, bom
consumidor é aquele que acredita que é livre para fazer suas escolhas.
No neoliberalismo, a invenção de novas táticas e novos dispositivos possibilita
também uma maximização da liberdade individual. Trata-se, agora, de um “governo dos
sujeitos”; um sujeito-cliente que, por ter sua capacidade de escolha aumentada, “é capaz de
participar competindo livremente e que é suficientemente competente para competir melhor
fazendo suas próprias escolhas e aquisições” (Veiga-Neto, 2000a, p.199).
Ainda que possa parecer um tanto esquemática, apresento o Quadro 5 para ilustrar
uma possível simetria entre o liberalismo e o neoliberalismo. Tal quadro é um resumo das
idéias retiradas do texto Educação e governamentalidade neoliberal: novos dispositivos,
novas subjetividades (Veiga-Neto, 2000a). Como qualquer quadro-resumo, ele se constitui
numa simplificação esquemática; por isso não dever ser lido como se houvesse uma separação
rígida entre as colunas.
Inclusão escolar e a educação para todos
52
Quadro 5 – Liberalismo e neoliberalismo
LIBERALISMO NEOLIBERALISMO
Máxima governamentalização do
Estado “para governar mais, é preciso
governar menos”
Governamentalidade máxima
maximização da liberdade individual
Governo da sociedade: sujeito cidadão/
sujeito-parceiro
Governo dos sujeitos: sujeito-cliente/
capacidade de escolha
Sujeito moderno pensado com uma
identidade fixa, única, estável
Sujeito pós-moderno pensado como
uma identidade flexível, fragmentada
Capitalismo da produção (tradicional) Capitalismo de mercado (avançado)
Lógica do mercado (subordinação
da vida)
Economia máxima
Lógica da empresa (o social se
subordina ao econômico)
Mercado consumidor - diversificação do
mercado
Regulação econômica e política do
Estado
Estímulo à autonomia individual e à
associatividade em instâncias não-
Estatais
Governamento e auto-governamento
(cada um é réu e juiz, ovelha e pastor);
escolarização de massas a escola
como uma maquinaria de confinamento
disciplinar
Novas tecnologias de governo
Sujeição e subjetivação (cada um é alvo
e “experto”) Escolarização de massas – a
escola como empresa
Numa perspectiva foucaultiana, é importante dizer que tanto o liberalismo quanto o
neoliberalismo se constituem como práticas, como uma “maneira de fazer” política, que se
orientam e se regulam por princípios e métodos de uma racionalização de governo.
A seguir, ressalto pelo menos dois elementos centrais da concepção neoliberal
norteamericana, propostos Foucault (2008a): o conceito de Homo œconomicus e de capital
humano.
A redefinição do Homo œconomicus como empresário de si mesmo aparece no
neoliberalismo como o retorno ao Homo œconomicus, mas com um deslocamento
considerável porque na concepção clássica o Homo œconomicus é o homem do intercâmbio,
um dos sócios no processo de intercâmbio. Essa noção implica uma análise de sua essência,
uma decomposição de seus comportamentos e maneiras de atuar em termos de utilidade que
se referem a uma problemática das necessidades, que a partir dessas poderá caracterizar-se
ou fundar-se uma utilidade que introduzirá o processo de intercâmbio.
Segundo Foucault (2008a), o que caracteriza a concepção clássica do Homo
œconomicus é a noção de sócio de intercâmbio, teoria da utilidade a partir de uma
Inclusão escolar e a educação para todos
53
problemática das necessidades. O objeto das análises neoliberais será substituir em todo
momento o Homo œconomicus sócio de intercâmbio por um Homo œconomicus sócio de si
mesmo, que é seu próprio capital, seu próprio produtor, a fonte de seus ingressos. No
neoliberalismo o Homo œconomicus não é um sócio de intercâmbio. É um empresário de si
mesmo.
O homem do consumo não é um dos objetivos do intercâmbio. Na medida em que
consome, o homem do consumo é um produtor. Ele produz sua própria satisfação. O consumo
deve considerar-se como uma atividade de empresa pela qual o indivíduo, precisamente sobre
a base de um capital determinado do qual dispõe, produzirá algo que vai ser a sua própria
satisfação.
Na medida em que é produtor por um lado e consumidor por outro, está de algum
modo dividido com respeito a si mesmo, todas as análises sociológicas de uma sociedade de
consumo não se sustentam e não valem nada em comparação com o que seria uma análise do
consumo nos termos neoliberais da atividade de produção. Há, portanto, uma mudança
completa na concepção do Homo œconomicus, mesmo quando haja um retorno à ideia deste
como ponto de análise da atividade econômica (Foucault, 2008a).
O Homo œconomicus neoliberal é o homem da empresa e da produção a empresa, a
pessoa jurídica, se torna o agente econômico fundamental. Assim, para os neoliberais, o
investimento educacional deve ser entendido como algo muito mais amplo e numeroso do que
um aprendizado escolar ou um aprendizado profissional. Esse investimento é o que vai formar
uma “competência-máquina” e considerar todos os elementos que entram na constituição de
um capital humano. Esse autor, destaca os seguintes elementos que constituem a formação do
capital humano: o tempo que os pais dedicam aos seus filhos fora das atividades escolares; o
número de horas que uma mãe de família passa ao lado do filho, quando ele ainda está no
berço; as horas efetivas que o pai e a mãe consagra ao seu filho. Tudo isso, determinará se
essa criança será mais ou menos adaptável na escola e na sociedade. Em outras palavras, o
tempo de criação e afeto dedicado pelos pais a seus filhos, pode ser “analisado em termos de
investimento capaz de constituir um capital humano” (Foucault, 2008a, p.315).
Portanto, será o tempo dedicado, os cuidados proporcionados, o nível de cultura dos
pais, o conjunto de estímulos culturais recebidos por uma criança, que irá constituir os
elementos capazes de formar um capital humano. Ou seja, o que importa é como essa criança
é cuidada e protegida. E será no seu ambiente familiar (e escolar) que a vida poderá ser
calculada, quantificada e medida em termos de possibilidades de investimento em capital
humano.
Inclusão escolar e a educação para todos
54
De maneira resumida, pode-se dizer que o que vai produzir capital humano no
ambiente da criança, se os cuidados médicos e as atividades relativas a sua saúde que
criarão as condições de possibilidade para que esse capital humano possa ser melhorado,
conservado e utilizado pelo maior tempo possível. Enfim, será necessário repensar os
problemas da proteção da saúde, os problemas da higiene pública como elementos capazes ou
não de melhorar o capital humano (Foucault, 2008a).
Articulado a essa questão do capital humano, surge uma outra discussão importante a
ser feita, que é sobre capital social, que desenvolvo no VI Capítulo desta Tese. É importante
deixar claro que a constituição do capital humano não é somente um problema econômico,
mas também político e social, pois é em termos de crescimento, de acumulação e de melhoria,
que se coloca o problema político e social do capital humano (Foucault, 2008a). A partir de
sua análise histórica, esse autor, salienta que uma política de crescimento não estará associada
somente ao problema do investimento material do capital físico e do número de trabalhadores,
mas estará centrada na “modificação do nível e da forma do investimento em capital
humano”.
Nas palavras de Costa (2009), o sociólogo Lopez-Ruiz refere-se à noção de capital
humano como um conjunto de habilidades, capacidades e destrezas que:
[...] em função do avanço do capitalismo, deve se tornar valor de roca. Para
isso acontecer, esses atributos humanos precisam, de certa forma, ser
abstraídos das pessoas concretas que os detêm, das pessoas concretas nas
quais existem, e se articular (alinhar) em função de um fim externo a elas.
Argumentaremos, portanto, que “humano”, um conjunto de capacidades,
destrezas e aptidões próprias dos homens, adquire valor de mercado e se
apresenta como forma de capital entendido como uma soma de valores de
troca que serve de base real a uma empresa capitalista. (Costa apud Lopez-
Ruiz, 2009, p.175)
Nesses termos, a estreita relação da teoria do Capital Humano com a educação, está
na importância que a primeira atribui à segunda, no sentido desta última funcionar como
investimento cuja acumulação permitiria não o aumento da produtividade do indivíduo-
trabalhador, mas também a maximização crescente de seus rendimentos ao longo da vida”
(Costa, 2009, p.177).
O excerto abaixo mostra a importância que tem sido dada à escola como um espaço de
formação e desenvolvimento dos recursos humanos.
Inclusão escolar e a educação para todos
55
O trabalho coletivo e diversificado é compatível com a vocação da escola
de formar as novas gerações. É nos bancos escolares que aprendemos a
viver entre os nossos pares, a dividir as responsabilidades e repartir as
tarefas. O exercício dessas ações desenvolve a cooperação, o sentido de se
trabalhar e produzir em grupo, o reconhecimento da diversidade dos
talentos humanos e a valorização do trabalho de cada pessoa para a
obtenção de metas comuns de um mesmo grupo. (Brasil, 2000, p.35)
Parece que é nessa direção que seguem as orientações em relação às políticas
econômicas, sociais e educacionais dos países considerados desenvolvidos, assim como dos
países do terceiro mundo. Nos países do terceiro mundo (de economia não desenvolvida),
também se discute em termos de uma insuficiência no investimento do seu capital humano.
Repensar tal investimento, tem sido a ênfase de uma proposta política neoliberal que se
pretende inclusiva, reorganizando o sistema social.
[...] valorizar o capital humano contribui com o Índice de
Desenvolvimento Humano. Na elaboração de Políticas Públicas que
trabalhem concomitantemente o Projeto Político e o Projeto Social no
intuito de melhorar a qualidade de vida. (Brasil, 2008)
As Metas do Milênio e a Educação para o desenvolvimento sustentável na América
Latina e no Caribe pressupõe que uma reorganização no sistema social promoveria uma
qualificação constante nas escolas regulares, ao mesmo tempo que estaria vinculando-as aos
programas sociais. De certa forma, isso estaria possibilitando a inclusão educacional e
socioeconômica de forma mais rápida, eficaz e econômica.
[...] no momento em que se promove uma qualificação constante, melhora-
se a autoestima e o ambiente coletivo. Estimula-se a ética, o conviver,
criam-se novos mercados e oportunidades de trabalho. A educação pode e
deve contribuir muito nesse processo. O gerenciamento educacional torna-
se fundamental para elaborar estratégias e planos capazes de promover o
desenvolvimento sustentável e educacional. Aponta a educação [inclusiva]
como uma questão estratégica para alcançar as metas e os recursos
financeiros imprescindíveis para o desenvolvimento sustentável, parte das
necessidades individuais, contribuindo com a evolução social. (Brasil,
2008)
No curso do século XX e XXI, a educação tornou-se uma questão de “eficiência
nacional”, assim como houve uma preocupação nacional em torno da formação e organização
da comunidade. Nessa visão, fica evidente que a educação assume uma centralidade nas
questões de desenvolvimento e produtividade nacional, moldando fortemente as percepções
governamentais da educação, tanto nas economias em desenvolvimento quanto nas
Inclusão escolar e a educação para todos
56
desenvolvidas (Jones, 1999). Assim, investir em educação é considerado como algo
compensatório.
3. Os discursos da educação moderna e a escola para todos
A educação moderna baseada numa multiplicidade de discursos e práticas tem como
pressupostos a própria Modernidade “a iluminista na capacidade da razão para iluminar,
transformar e melhorar a natureza e a sociedade” (Deacon e Parker, 1999, p.98). Nessa ordem,
desde o século XVIII, o sujeito é concebido como unitário, racional, autônomo e
autoconscientemente engajado numa busca pela verdade e pela realidade que pode ser
descoberta. Parece que sobre essa fundação, o discurso educacional foi baseado em algumas
convicções: a transformação social como um dos objetivos políticos; o status científico ou
ideológico do conhecimento; a eficácia dos métodos de instrução; a autoridade autocrática ou
democrática do professor; a autonomia concedida aos alunos e o encorajamento à participação
(Deacon e Parker, 1999).
Na Modernidade, a educação foi delineada e organizada a partir de postulados de
pontos de chegada, de metas desejadas e de ideais a serem atingidos. Assim, o seu fim último,
ao traçar e dirigir estratégias, meios e ações parece que foi alcançar o aperfeiçoamento da
humanidade através da formação e da instrução. Ou, dominar toda selvageria como
supostamente imaginavam os reformadores da época. Assim, para atingir a maioridade um
ideal educativo deverá ter em seu horizonte o desenvolvimento moral dos indivíduos. Esses
ideais funcionam como utopias que permitem “estabelecer juízos acerca dos fenômenos que
se aproximam e se afastam dos objetivos desejados” (Narodowski, 2001, p.25).
E para discutir essas questões, nesta seção, recorro às contribuições de Comenius,
Rousseau e Kant para comentar, por exemplo, o ideal da “educação para todos”, da “escola
para todos” como princípios fundados no progresso e na universalização da educação.
Considerando alguns estudos feitos por Comenius (2002) e Rousseau (2004) sobre Educação
e a escola moderna, pode-se pensar que na escola temos um tempo e um espaço para se
aprender, e que essas categorias espaço-temporais estão marcadas pela ordenação, pelo
disciplinamento e pela regulação do pensamento e do comportamento dos sujeitos.
Nesse sentido, é possível lembrar o ideal comeniano com o seu princípio “escola para
todos”, quando diz que com “os anos da infância e da primeira educação depende todo o resto
da vida, se os espíritos não forem, desde o princípio, suficientemente preparados para as
circunstâncias de toda a vida, não haverá mais nada a fazer” (Comenius, 2002, p.100).
Ressalta também que “as deficiências e os excessos podem ser mais bem supridos em idade
tenra” (Comenius, 2002, p.121). Mas, ao mesmo tempo, diz que é possível educar e formar
toda a juventude com um método único e idêntico. Esse pedagogo também enfatiza que “a
Inclusão escolar e a educação para todos
58
própria diversidade dos engenhos outra coisa não é senão excesso ou deficiência de harmonia
natural, assim como as doenças do corpo são excesso de umidade ou de secura, de calor ou de
frio” (Comenius, 2002, p.120).
Em relação à diversidade dos engenhos, esse autor explica que alguns são agudos,
outros obtusos; alguns são flexíveis e condescendentes, outros duros e obstinados; alguns
ávidos de estudos literários, outros felizes com ocupações mecânicas. Segundo Comenius
(2002, p.117-119), como esses três pares, o engenho pode ser ampliado em seis espécies:
I: os engenhos agudos, ávidos de saber, condescendentes, os únicos, em
relação a todos os outros, aptos de fato aos estudos (...). No entanto, é
preciso cautela, para que o se entreguem com excessiva avidez e assim
declinem ou se tornem estéreis antes do tempo.
II: os engenhos agudos, sim, mas lentos e não obstante plasmáveis. Estes
só precisam de estímulos adequados.
III: os engenhos agudos, sequiosos de saber, mas orgulhosos e
obstinados. Costumam ser muito odiados na escola, e a maioria os considera
irrecuperáveis; no entanto, transformam-se em grandes homens se educados
corretamente.
IV: os engenhos condescendentes e sequiosos de saber, mas tardos e
obtusos. Estes podem seguir as pegadas do que lhes vão à frente: para que
sejam bem sucedidos é preciso ter generosidade para com sua fraqueza (...),
tolerando-os sempre com muita benevolência, dando-lhes apoio, confiança,
entusiasmando-os para que não percam o ânimo (...) e, uma vez aprendido
algo, dificilmente esquecem: por isso, não cabe afastá-los das escolas.
V: alguns não obtusos como indolentes e preguiçosos. Estes também,
desde que não sejam obstinados, podem ser corrigidos. É mister, porém,
grande prudência e paciência.
VI: Finalmente, os idiotas, que também, m natureza deformada e má:
destes, a maior parte se perde. Todavia, visto que na natureza se encontra um
antídoto para cada mal, e, por exemplo, com um enxerto oportuno pode-se
tornar frutífera uma planta estéril, não se deve perder a esperança, mas
procurar pelo menos vencer e afastar sua obstinação. Se isso não for
possível, então que se abandone essa madeira nodosa e torcida (...). Engenho
assim degenerado, ademais, encontra-se um em mil, e esse também é um
importante testemunho da bondade divina.
Ao propor tais espécies, Comenius (2002) mostra a importância da escola e o quanto é
sua função trabalhar para que todas as crianças e jovens consigam se sair bem e com uma
educação correta. De tal modo que todos sejam educados com os mesmos preceitos e
exemplos enquanto precisarem de orientação. O mestre deverá supervisionar cada ação de
seus educandos para que tudo ocorra de modo racional e ordenado.
No projeto comeniano, o ensino está destinado a “todos”, ou seja, a “todas as idades” e
de ambos os sexos sem discriminação. Isso significa que cada idade tem a sua correspondente
etapa escolar, conforme o princípio de sequenciação e ordem racional da Natureza. As
Inclusão escolar e a educação para todos
59
implicações disso representam uma ruptura importante para a época em questão, assim como
o alcance de tais ideias em discursos posteriores como, por exemplo, os atuais discursos sobre
inclusão escolar e social.
Comenius é a favor da escola comum na qual todas as classes sociais sejam educadas.
Todos devem ser confiados à escola
[...] não os filhos dos ricos ou das pessoas mais importantes, mas todos
em igualdade, de estirpe nobre ou comum, ricos ou pobres, meninos e
meninas, em todas as cidades, aldeias, povoados, vilarejos. [...] nem deve ser
obstáculo que alguns pareçam por natureza imbecis ou estúpidos: isso
mostra ainda mais a urgência e a importância de educar o espírito de todos.
Nem é possível encontrar uma inteligência tão infeliz que o tenha algum
corretivo por meio da educação. Ninguém deve ser excluído, a não ser
aqueles a quem Deus negou sentidos ou inteligência. (Comenius, 2002, p.89-
90-91)
É nesse empreendimento educacional para incluir todos, que o pedagogo propõe a
maquinaria de escolaridade universal. Com isso, “a utopia da sabedoria e do dever baseado na
igualdade deve ser o fio condutor das ações dos educadores; isto é, deve-se educar a ‘todos’”
(Narodowski, 2001, p.28). A concretização de tal empreendimento educar a Humanidade
concebendo a relação entre o homem e a realidade – “cristaliza-se num princípio fundamental:
‘a ordem em tudo’” (Narodowski, 2001, p.30).
Quando Comenius faz referência ao sistema escolar generalizado, parece que deixa
claro a importância da inclusão de “todos” como uma forma de colocar “ordem em tudo”,
restabelecendo assim as manifestações dos excessos e defeitos da natureza do sujeito. No
discurso pedagógico comeniano, “a noção de diferença manifesta-se em torno da
educabilidade dos sujeitos” (Narodowski, 2001, p.84). A educabilidade é o ponto de partida
para a educação e pelo qual é estabelecido os parâmetros para a construção da identidade do
homem normal. Um método de ensino único e homogeneizador, é o que reparará as
diferenças presentes nos sujeitos e tornará os educandos aptos a seguirem seu curso natural.
Comenius não se atém na diferença em si, mas no próprio curso do desenvolvimento humano.
Em síntese, o ideal perseguido por Comenius se apresenta como uma proposta contra
as instituições segmentadas, desorganizadas, desequilibradas e seus processos que
reproduzem essa lógica irracional. Portanto, para esse pedagogo, foi necessário encontrar um
outro método que pudesse dar conta de alguns princípios como a simultaneidade, a graduação
e a universalidade. E em sua obra aparece um dos traços característicos da Modernidade
pedagógica, que é a normatização dos fins da escolarização. Com isso, se o discurso
pedagógico comeniano é necessariamente utópico no que concerne ao ponto de chegada, é
Inclusão escolar e a educação para todos
60
fundacional no que concerne ao ponto de partida, já que delimita um espaço discursivo
próprio, no qual o início e o final são inteiramente manipuláveis pelo Pedagogo. E, para se
chegar a tal ponto, Comenius (2002, p.109) diz que “(...) as escolas podem se reformadas e
melhoradas”, assim como “(...) o remédio mais propício para os vícios do entendimento
humano será um Método tal que os excessos e defeitos do espírito se compensem e se
ordenem...”. Segundo Narodowski (2001), isso demonstra como a utopia, como um fim a ser
alcançado, serve de motor aos esforços educacionais em sua própria busca.
Ainda no que se refere às questões da organização do espaço e tempo escolar, pode-se
pensar a escola moderna como o lugar onde se coloca em ação um conjunto de estratégias de
organização e esquadrinhamento que, de certa forma, define os tempos e espaços dos sujeitos
num processo de individualização, permitindo assim um maior controle e governamento da
população (escolar). Para Comenius (2002), é preciso que a escola seja organizada de forma
que todos aprendam tudo ao mesmo tempo, isso é, que a escola tenha um ensino
homogeneizante e um método didático que garanta uma ordenada e racional esquematização
das ações educativas, e melhore assim a atividade escolar.
Tal estrutura escolar tem na generalização e na universalização “um novo ponto de
chegada, uma verdadeira Utopia” (Narodowski, 2001, p.32). Em síntese, as duas utopias
apontadas pelo ideal comeniano referem-se à utopia da sabedoria e a utopia da “ordem em
tudo”. Trata-se de duas utopias que funcionam dentro de uma mesma lógica, que se
desenvolvem dentro de um mesmo discurso. Ou seja, a distribuição dos saberes e a
metodologia se complementam, uma necessita da outra para seu real desenvolvimento. De
acordo com as utopias referidas, “formar” o homem implica fazê-lo de maneira que os
resultados sejam atingidos; que haja igualdade e liberdade no que se refere à posse do saber e
se sua transmissão e distribuição estiverem dispostas ordenadamente. Enfim, que o projeto
educativo possa intervir na formação de todas as crianças e que nenhum aluno fique fora do
alcance da disciplina escolar. Sendo assim, será a instituição escolar que, regida por uma
ordem, fará com que os homens sejam formados como homens (Narodowski, 2001).
Em síntese, a pedagogia comeniana está diretamente implicada nessas duas utopias.
Comenius é um dos filósofos que pensa e reflete sobre o futuro da Humanidade. Ele acredita
que para modificar Humanidade será necessário pôr em funcionamento um método racional,
geral, controlado. Só assim será possível educar a população.
Um outro exemplo que Comenius (2002) nos apresentou refere-se ao lugar que o
professor ocuparia na questão da disciplina escolar, isso é, a responsabilidade pela
manutenção da ordem sobre o corpo infantil era do professor e não do aluno. E mais, se
Inclusão escolar e a educação para todos
61
ocorresse algum desajuste ou algum tipo de indisciplina, seria o professor considerado
responsável por tais situações. Dessa forma, o que ficaria evidente seriam os seus erros na
aplicação do método, sendo essa a causa das situações inesperadas e prejudiciais. Mas, ainda
nessa mesma lógica, cabe também à direção das escolas a responsabilidade pela disciplina,
pôr em funcionamento uma série de regras e normas; enfim, estar comprometida com os fins
da educação.
Para Comenius (2002), a instrução, costumes honestos e piedade consistem na
excelência do homem, porque elas constituem a base da vida presente e futura; as outras
(saúde, força, beleza, riqueza, dignidade, amizade, sucesso, longevidade) não passam de
acréscimos exteriores da vida. Tal educação deveria iniciar-se dogmática e caberia ao
professor ser a figura modelar a que o aluno deveria imitar.
Rousseau, considerado, por alguns autores, o “pai da pedagogia contemporânea”,
encerra, um processo que havia começado com a Didática Magna de Comenius e que, de
certa forma, teve continuidade no pensamento sobre educação de outros filósofos. O filósofo
francês operou uma “revolução copernicana” em relação à compreensão da educação.
Esse filósofo (1973) propõe uma educação cujo objetivo é a formação do homem com
base numa moral ditada pela natureza e não pela intervenção divina. Esse mesmo filósofo nos
fala da necessidade de se educar os homens comuns e das imagens de uma natureza associada
à cultura dos homens. Rousseau (1973, p.29) argumenta que “a educação natural deve tornar
um homem adaptável a todas as condições humanas”.
Para que o projeto educacional rousseauniano se concretize, será necessário articular
pelo menos duas questões: a educabilidade do ser humano e a sua autonomia. Portanto, não
basta criar escolas, colocar um professor numa sala de aula com um grupo de alunos, ensinar
a ler, escrever e fazer cálculos para se ter uma “verdadeira” educação. O mais importante é
que com a educação seja possível a construção de “um homem novo, natural e equilibrado, do
qual Emílio é o modelo” (Cambi, 1999, p.343).
Na chamada educação negativa de Rousseau, “o papel do educador é proteger o seu
aluno das influências da sociedade e dos julgamentos dos outros para que possa desenvolver
em si e por si a capacidade de pensar e julgar. A educação dos homens é aquela que faz de
cada homem um cidadão” (Streck, 2004, p.35). Nas palavras desse autor, “o ensinar e o
aprender precisam, agora, ser explicados em termos acessíveis a uma cultura que não é mais
definida a partir de dogmas e conceitos teológicos” (Streck, 2004, p.26). Na base disso, é
necessário encontrar nos próprios direitos do homem e da mulher algum valor que garanta a
vida em sociedade. “A idéia de dignidade humana, que subjaz a ideia à formulação dos
Inclusão escolar e a educação para todos
62
direitos humanos modernos, substitui a idéia de honra” (Streck, 2004, p.27). No pensamento
rousseauniano, tal compreensão da pessoa e da educação acaba colocando a criança como
centro do processo de aprendizagem. Trata-se, portanto, de não mais organizar o
conhecimento de forma a se adaptar melhor à mente da criança, como era enfatizado em
Comenius, mas, sim colocar a criança como critério e como medida da sua própria
aprendizagem.
Nesse sentido, o aprender e o ensinar devem acontecer na natureza. A aprendizagem
deve ocorrer em contato com as “coisas”, deve ser “indireta”. Para Rousseau, o homem é
educado pela natureza, pelas coisas e pelos homens. Uma educação considerada correta
“exige a valorização da natureza e das coisas e a eliminação da influência dos homens. Assim,
às coisas é solicitado o papel de exercer uma coerção sobre os instintos e a liberdade infantil,
de criar limites à sua expressão e de elaborar sua regulamentação precisa” (Cambi, 1999,
p.351-352).
Na sua proposta pedagógica, Rousseau defende a educação da criança; com ele
emerge, em parte, o conceito moderno de infância que conhecemos hoje, com vistas a
proporcionar à criança condições para que busque um futuro melhor na vida em sociedade.
Sustenta também a noção contrária àquela que identificava na criança um adulto em
miniatura, uma vez que prega a necessidade de se respeitar as suas fases de desenvolvimento,
inclusive no que diz respeito ao seu esforço físico. Afinal, diz Rousseau (1973, p.75): “[...] a
infância tem maneiras de ver, de pensar, de sentir, que lhe são próprias, nada menos sensato
do que querer substituí-las pelas nossas”.
Temos em Rousseau uma outra questão a ser abordada: a autonomia. A noção de
autonomia é entendida como algo para além do pensamento, ou seja, ela diz respeito à vida
cotidiana, desde a satisfação das necessidades básicas à escolha da profissão; cada um deve
tornar-se cada vez mais independente do outro. Para compreendermos melhor a noção de
autonomia em Rousseau, é necessário abordar três ideias centrais da sua teoria: indivíduo,
liberdade e igualdade.
A ideia de indivíduo foi construída a partir da própria história de vida do filósofo. Ele
ressalta que o homem, por natureza, não é um ser social. Rousseau considera que
compreender a si mesmo, “é mais do que compartilhar a história de sua vida. Sua intenção é
chegar mais perto do que seria a essência de cada indivíduo, fazendo de si mesmo o objeto de
contemplação. A socialidade entra com a civilização e com a depravação do homem” (Streck,
2004, p.30). Com isso, Rousseau sinaliza “que sua preocupação é com a educação enquanto
um processo que ocorre no indivíduo e com o indivíduo” (Streck, 2004, p.31).
Inclusão escolar e a educação para todos
63
Em relação a ideia de liberdade, Rousseau parte do princípio de que ninguém pode
dispor da liberdade do outro, nem mesmo nós podemos dispor livremente da nossa. Na
vontade geral, estão reunidas todas as vontades individuais e será essa mesma vontade geral,
por sua vez, que garantirá a liberdade individual. Renunciar a liberdade seria renunciar à
condição de homem. Por conseguinte, qualquer tipo de escravidão é considerada ilegítima
(Streck, 2004).
Nas análises de Streck (2004), o contrato social está associado à educação. As duas
obras, Emílio e O contrato social, e toda educação do Emílio é conduzida para que ele possa,
no fim, viver numa sociedade regida pelo contrato. Dentro do pensamento rouseauniano, a
autonomia não pode ser confundida com falta de responsabilidade pelo todo. Pois, a partir da
vontade geral, forma-se um “‘corpo moral e coletivo’ que origem ao Estado. Quanto aos
membros, eles serão cidadãos e o seu conjunto formará o povo. Autonomia e cidadania andam
juntas no pensamento de Rousseau” (Streck, 2004, p.33).
A igualdade é outro tema que está implicado na discussão da autonomia, ou seja, a
igualdade é condição para que a liberdade se realize de fato. Rousseau apresenta dois tipos de
desigualdade: uma natural ou física, que tem a ver com diferenças de idade, saúde, etc. Essa
está fora do controle do homem, e no discurso atual é tratada como diferença. A outra, é a
desigualdade moral ou política que deriva de privilégios estabelecidos por convenções.
A ideia de propriedade é vista por Rousseau como fator principal para a criação das
desigualdades. No estado de natureza, a desigualdade praticamente não existe e que ela se
desenvolveu a partir do estabelecimento da propriedade e das leis. Essas, por sua vez,
passaram a garantir a propriedade e a legitimar as desigualdades (Streck, 2004). Contudo, “a
autonomia não pode dar origem nem legitimar a desigualdade, uma vez que o contrato social
garante condições iguais a todos” (Streck, 2004, p.33), garante os próprios direitos do
indivíduo.
Com a expressão paidéia moderna”, Rousseau refere-se a uma nova sociedade na
qual a educação das crianças deverá ser uma responsabilidade pública. Nesse sentido, para
Rousseau, a sociedade como um todo se torna um contexto pedagógico. “O contrato social
não tem condições de vigorar se não houver cidadãos preparados, capazes de sentir com o
outro, de julgar e de agir com autonomia” (Streck, 2004, p.92). Assim, pode-se perceber que
Rousseau posiciona-se a favor de uma escola igual para todos. Em suas considerações ele
reforça que todos, sendo iguais pela constituição do Estado, devem ser educados juntos e da
mesma maneira, e se não for possível oferecer uma educação pública gratuita que ao menos se
ofereça uma educação a um preço que os pobres possam pagar (Streck, 2004). Sugere, ainda,
Inclusão escolar e a educação para todos
64
que o Estado “ofereça bolsas no intuito de possibilitar o acesso de todos à educação pública”
(idem, p.93).
Ao mesmo tempo em que defende a universalização da educação escolar, Rousseau
critica a escola e levanta duas questões. Uma delas, é para o indivíduo que corre o risco de se
perder na massa. “A democracia requer pessoas que saibam pensar por si, a nova economia
exige pessoas criativas e empreendedoras, a família nuclear não pode prescindir do afeto”
(Streck, 2004, p.93). A outra questão, “é para a ampliação do leque das agências educativas
(idem, ibidem). Nessa visão, o papel pedagógico da comunidade é reforçado e a mãe se torna
a educadora por excelência de toda a comunidade à beira da perdição (Streck, 2004).
De certa forma, podemos dizer que as contribuições do Emílio de Rousseau
influenciaram a visão iluminista de Kant. Trata-se de pensar numa educação corretamente
ordenada que recuperaria a natureza verdadeira do homem e criaria em todo o indivíduo a
capacidade latente para a liberdade moral” (Jones, 1999, p.113). A gica desse movimento
estava sustentada no propósito de que toda a educação poderia ser resumida no conceito de
moralidade.
Com Kant, como veremos, “será o sujeito moral que será posto no centro dessa
renovação pedagógica, colhendo nele o fator-chave da humanidade e da sua educação”
(Cambi, 1999, p.339)
Kant em seu livro Sobre a pedagogia nos convida a pensar sobre o principal objetivo
da educação. Para esse filósofo, a educação tem como objetivo desenvolver, em cada
indivíduo, toda a perfeição de que ele seja capaz. O termo “perfeição” refere-se ao
desenvolvimento harmônico de todas as faculdades humanas, como um ideal supremo, ou
seja, levar ao mais alto grau possível todos os poderes que estão nos indivíduos, realizando-os
completamente sem que uns prejudiquem os outros. Nas palavras do filósofo: “talvez a
educação se torne sempre melhor e cada uma das gerações futuras um passo a mais em
direção ao aperfeiçoamento da humanidade, uma vez que o grande segredo da perfeição da
natureza humana se esconde no próprio problema da educação” (Kant, 2002, p.16).
Para Kant, os princípios da disciplina e da ordem é que possibilitam aos indivíduos as
condições necessárias para o seu próprio desenvolvimento moral, à sua maioridade e ao
exercício da liberdade. O filósofo afirma que é a disciplina que impede ao homem desviar-se
do seu destino, desviar-se da humanidade, pois ela ao conter as inclinações animais do
indivíduo, estaria fazendo com que esses avancem em direção à perfeição humana.
Kant ao lembrar Comenius, (2002, p.24) salientou sobre a importância da função do
diretor de escola como organizador do espaço escolar.
Inclusão escolar e a educação para todos
65
[...] A direção das escolas deveria, portanto, depender da decisão de pessoas
competentes e ilustradas. Toda cultura começa pelas pessoas privadas e
depois, a partir destas, se difunde. A natureza humana pode aproximar-se
pouco a pouco do seu fim apenas através dos esforços das pessoas dotadas
de generosas inclinações, as quais se interessam pelo bem da sociedade e
estão aptas para conceber como possível um estado de coisas melhor no
futuro.
Como diz Kant (2002, p.16): “quem não tem cultura de nenhuma espécie é um bruto;
quem não tem disciplina ou educação é um selvagem. A falta de disciplina é um mal pior que
a falta de cultura, pois esta pode ser remediada mais tarde, ao passo de que não se pode abolir
o estado selvagem e corrigir um defeito de disciplina”.
O plano para universalizar e tornar científica a educação foi um projeto iluminista.
Esse projeto fundado no pensamento de Kant, que propôs que “o iluminismo era a
autolibertação do homem de sua auto-imposta tutelagem” (Jones, 1999, p.112), teve como
entusiastas alguns filantropos dos séculos XIX e XX. Tal empreendimento possibilitou que
filantropos, igrejas e governos progressistas investissem em esquemas para transformar as
pessoas em cidadãos moral e politicamente úteis. Nessa visão iluminista de progresso,
democracia, educação e crescimento econômico, a modernização e o desenvolvimento foram
as promessas desse grande projeto.
Tal idéia nos remete para o que Kant (2002, p.11) diz sobre o homem: “o homem é a
única criatura que precisa ser educada. Por educação entende-se o cuidado de sua infância (a
conservação, o trato), a disciplina e a instrução com a formação”. E ainda: “o homem pode ser
ou treinado, disciplinado, instruído, mecanicamente, ou ser em verdade ilustrado” (Kant,
2002, p.27).
Segundo Jones (1999, p.112), esse projeto de modernização e desenvolvimento “foi
facilitado ainda mais, no curso do século XIX, pelas emergentes disciplinas da Psicologia, da
Sociologia e da Ciência Política”, que estabeleceram metodologias mais racionais e
verificáveis, apropriados à Modernidade. Tal plano de desenvolvimento político e progresso
econômico através da instrução racional, tem como influência o esquema utilitário traçado por
Jeremy Bentham.
[...] Embora organizações religiosas, pessoas e sociedades filantropas
tivessem, anteriormente, mostrado interesse na instrução moral dos pobres,
foi Bentham quem, primeiramente propôs essa instrução sobre uma base
científica, apropriada para criar cidadãos úteis que contribuíssem para uma
sociedade democrática liberal que facilitasse “a maior felicidade do maior
número de pessoas”. (Jones,1999, p.112)
Inclusão escolar e a educação para todos
66
Nessa visão seletiva, a aprendizagem considerada útil ocorria num espaço organizado
a sala de aula –, e extremamente competitivo. Num espaço de observação permanente,
baseado por um sistema de recompensas e punições, “as lições eram curtas e a pedagogia
“inquiridora” (exigindo recitação e respostas) ou matética (exigindo aprendizagem mecânica)
e seguida por exame” (Jones, 1999, p.112).
Em relação aos aparatos disciplinares, Foucault (1999, p.165) refere-se ao panóptico
11
como um dispositivo para “tornar visíveis” as pessoas que capturam (crianças) e para “tornar
eficazes” os processos que realizam (aprender). Desse modo, pode-se supor que um dos
efeitos importantes do panóptico seja o de induzir, por exemplo, na criança um estado
consciente e permanente de visibilidade que assegura o funcionamento automático do poder.
E ainda: “O panoptismo é capaz de reformar a moral, preservar a saúde, revigorar a indústria,
difundir a instrução, aliviar os encargos públicos... tudo isso com uma simples ideia de
arquitetura” (Foucault, 1999, p.171).
A partir de tais fundamentos, um método considerado correto de educação poderia ser
cientificamente estabelecido por meio das ciências humanas da Psicologia e da Sociologia e
das ciências médicas que inculcassem hábitos de saúde na população (Jones,1999). Tais
ciências estariam criando as condições de possibilidade para que a criança se tornasse um
cidadão útil através de estágios de desenvolvimento. Esse desenvolvimento da natureza
infantil de inspiração rousseauniana adquiriu força nos experimentos pedagógicos de
Pestalozzi e tornou-se regularizado e cientificizado no pensamento pedagógico de Herbart,
Spencer, Froebel, Dewey, Montessori e Macmillan, em que pesem suas diferenças. Nessa
pedagogia do desenvolvimento que, tinha como objetivo um ensino eficiente e científico, era
central o papel do “bom” professor “tanto como um modelo a ser imitado quanto como um
facilitador da aprendizagem através do fazer” (Jones, 1999, p.114).
Melhorar a eficiência na docência assim como melhorar a eficiência das escolas, no
sentido de dar uma educação útil para seus educandos, era o objetivo principal dessa educação
progressivista. De certa maneira, a criação de uma metodologia de ensino cientificamente
objetificável foi possível a partir de um conjunto de estudos e dados sociométricos e um
11
Foucault (1999, p.171) explica tal dispositivo da seguinte forma: “O Panóptico de Bentham é a figura
arquitetural dessa composição. O princípio é conhecido: na periferia uma construção em anel; no centro, uma
torre; esta é vazada de largas janelas que se abrem sobre a face interna do anel; a construção periférica é dividida
em celas, cada uma atravessando toda a espessura da construção; elas m duas janelas, uma para o interior,
correspondendo às janelas da torre; outra, que dá para o exterior, permite que a luz atravesse a cela de lado a
lado. [...] Cada ator está sozinho, perfeitamente individualizado e constantemente visível. O dispositivo
panóptico organiza unidades espaciais que permitem ver sem parar e reconhecer imediatamente. [...] Cada um é
visto, mas não vê; objeto de uma informação, nunca sujeito numa comunicação”.
Inclusão escolar e a educação para todos
67
conhecimento progressivo do crescimento emocional e intelectual das crianças. Sobre tal
programação e vigilância do chamado desenvolvimento infantil, Varela (1996) argumenta que
os alunos têm cada vez mais um menor controle sobre sua própria aprendizagem, pois cabe
aos mestres e aos especialistas, conhecerem os progressos ou retrocessos que realizam. Nesse
sentido, sofrem um intenso processo de expropriação que “constitui a outra face da
intensificação de um estatuto de minoria que, além dos cânticos à criatividade, à liberação e à
autonomia, supõe dependência e subordinação cada vez maiores” (Varela, 1996, p.51).
O psicopoder (característico das pedagogias psicológicas) baseia-se em tecnologias
cuja aplicação implica uma relação que torna os alunos tanto mais dependentes e
manipuláveis quanto mais liberados eles se acreditam; e Varela (1996, p.53) completa:
“aprender a aprender é, em última instância, aprender a escutar-se [e a ver-se] através dos
outros”. Essa autora considera que as pedagogias psicológicas são caracterizadas por um
controle interior cada vez mais forte, uma vez que se baseia em normas cientificamente
marcadas pelos estágios do desenvolvimento infantil.
Como expressa Walkerdine (apud Varela, 1996, p.51), as estratégias pedagógicas
destinadas a um desenvolvimento sem coações desta suposta “criança natural e universal
implicavam uma constante programação e vigilância do que se considerava o
desenvolvimento correto”. Diante dessa questão, pode-se dizer que essa criança foi vigiada e
controlada muito mais do que nas “velhas pedagogias”, porque não apenas se requerem dela
as respostas corretas, mas também agora era necessário que o assim chamado verdadeiro
mecanismo de desenvolvimento fosse controlado. Walkerdine (1998, p.145) diz que:
[...] as práticas pedagógicas estão totalmente saturadas com a noção de uma
sequência normalizada de desenvolvimento da criança, de forma que aquelas
práticas ajudam a produzir a criança como o objeto de seu olhar. Os aparatos
e mecanismos da escolarização envolvidos nessa produção vão desde a
arquitetura da escola e o arranjo das carteiras da sala de aula até os materiais
curriculares e as técnicas de avaliação.
Por volta do início do século XX, os colégios da Europa e da América do Norte
estavam treinando os professores numa pedagogia do desenvolvimento apropriada a cada
estágio do desenvolvimento racional da criança. Essa ciência do desenvolvimento possibilitou
ao professor (eficente) traçar uma ordem de desenvolvimento no processo de aprendizagem,
criando-se assim as condições para que ele pudesse “prever as ocorrências em sala de aula e
antecipar a conexão entre estímulo e resposta” (Jones, 1999, p.114). Nessa visão de ensino
eficiente, a ciência educacional possibilitava ao professor adequadamente treinado um poder
de diagnóstico e interpretação para que melhor cumprisse com a sua missão de educar (educar
Inclusão escolar e a educação para todos
68
as emoções, educar a imaginação através do jogo, trabalhar novos conceitos, ensinar saúde,
etc.). Tal ideia de ensino eficiente e científico parece que coloca em jogo não apenas o
desenvolvimento racional dos indivíduos, mas também a promessa de uma ordem social. A
escola torna-se o centro de interesse para todos os envolvidos no trabalho de melhoria social e
implicada diretamente com a formação do cidadão.
4. Educação e Cidadania
Desde as primeiras comunidades, fossem elas sedentárias
ou nômades, o status da cidadania esteve associado, na
prática e na teoria, com a lei, com o alfabetismo e com a
tecnologia; em suma, com as armadilhas da civilização.
Desde as primeiras concepções gregas, passando pelo
pertencimento augustiniano à Cidade de Deus, ao projeto
iluminista de uma pedagogia civilizadora universal, os
sujeitos humanos têm sido formados e moldados como
cidadãos. Ser cidadão significa ser simultaneamente livre
e sujeitado. (Deacon e Parker, 1998, p.138)
Como havia anunciado, é interessante retomar o conceito de cidadania nas sociedades
ocidentais, mesmo que de uma maneira breve, para entendermos alguns sentidos atribuídos a
tal conceito. Nas palavras dos autores da epígrafe acima, ser cidadão livre e autônomo,
significa ao mesmo tempo ser sujeitado aos padrões sociais e culturais vigentes de uma época.
Nesse sentido, parece que o status que lhe foi conferido esteve sempre associado com as
armadilhas da civilização. Ou, com a própria ambiguidade do mundo moderno.
A escola tem sido vista cada vez mais por diversos segmentos da população como o
antídoto contra todos os males causados pela pobreza, marginalidade, doença. O êxito escolar
é também percebido como uma maior garantia contra o “desenraizamento”, ou seja, contra a
perda de sociabilidade junto à ausência de trabalho. Para os partidários da renovação
pedagógica, “educar para paz, contra o sexismo, em defesa dos recursos naturais e
fomentando o amor à natureza se converteu num objetivo prioritário” (Castel apud Alvarez-
Uría, 1996a, p.132).
Parece que a grande preocupação da escola secom a formação do cidadão, uma vez
que ela é considerada como a instituição moderna capaz de assegurar a passagem do espaço
privado para o público, a socialização política e a construção de identidades. Leia-se: sujeitos
modernos conscientes por possuir uma razão (Giovine, 1998)
12
.
Segundo Meyer (1998, p.7), o conceito de cidadania pode nos remeter a uma dupla
matriz histórica: “a de uma prática política cujo referencial antigo é a pólis grega e a de um
ato político de declaração de direitos, cujo referencial moderno é a Revolução Francesa”.
Portanto, cidadania está relacionada, ao mesmo tempo, à existência de um conjunto de
direitos e ao exercício desses direitos. Essa autora ainda nos aponta que a cidadania, a partir
12
As fontes em outras línguas apresentadas nesta Tese, são traduções minhas.
Inclusão escolar e a educação para todos
70
da perspectiva do liberalismo que se instala com a Revolução Francesa, de forma gradativa,
tanto na Europa quanto na América do Norte, calcado nos princípios da liberdade, igualdade,
fraternidade e propriedade, de certa forma, legitimou o cidadão, nas sociedades liberais, pelo
seu poder de posse. Parece que o liberalismo além de suprimir as desigualdades sociais e
políticas, também as reforçou ao mascará-las sob os princípios da liberdade e da igualdade de
direitos, “o que podemos reconhecer facilmente, hoje, quando confrontados com o fato de que
mulheres, não-brancos, pobres, analfabetos, etc..., não eram, nessas sociedades, tratadas nem
como livres, nem como iguais” (Meyer, 1998, p.7).
Historicamente, podemos dizer que os “pobres”, por exemplo, foram privados dos seus
direitos básicos da cidadania e tratados como pessoas inferiores. Nos Estados Unidos, os
primeiros sistemas de assistência aos pobres estavam baseados numa tentativa de separar os
pobres considerados “merecedores” dos pobres “não-merecedores”. Tais sistemas acabavam
produzindo também a ideia de que os pobres eram culpados por seus próprios destinos
(Apple, 1996). Aqui, vale as palavras de Lew’s (apud Apple, 1996, p.110-111):
[...] As leis do século XIX, sobre a pobreza que estiveram em vigor na
Inglaterra e em parte dos Estados Unidos, Canadá e Austrália, objetivavam
distinguir claramente entre o pobre e o indigente. [...] O que o sistema de
fornecimento de Bem-Estar Social do século XIX objetivava era
efetivamente segregar o/ a indigente do mercado, encarcerando-o/ a em uma
casa de trabalho onde os homens eram privados do direito do voto (se é que
eles de fato o tinham, dado o limitado sistema de direitos então existente) e
onde esse trabalho, tal como oferecido (frequentemente quebrar pedras, para
os homens, e colher juta para as mulheres), não afetaria o mercado de
trabalho local.
Com o argumento de que a cidadania se desenvolveu dentro do fenômeno, também
histórico, a que chamamos de Estado-nação e que data da Revolução Francesa, de 1789, pode-
se supor que “a construção da cidadania tem a ver com a relação das pessoas com o Estado e
com a nação” (Carvalho, 2008, p.12).
Parece que o fenômeno da cidadania percorreu um longo caminho histórico (desde o
século XVIII) até tornar-se objeto de luta de múltiplos segmentos e grupos sociais que dela
estavam excluídos. Conforme as análises de Hardt e Negri
13
(2003, p.113), “a mudança
13
Esses autores estabelecem uma distinção interessante entre os conceitos de povo e multidão: “Deve-se
observar que o conceito de povo é muito diferente do conceito de multidão. [...] O povo é algo uno, que tem uma
vontade, e a quem uma ação pode ser atribuída; nada disso pode ser dito da multidão. O povo manda em todos os
governos. [...] o rei é o povo. A multidão é uma multiplicidade, um plano de singularidades, um conjunto aberto
de relações, que não é nem homogênea nem idêntica a si mesma, e mantém uma relação indistinta e inclusiva
com os que estão fora dela. Em contraste, o povo tende à identidade e homogeneidade internamente, ao mesmo
tempo que estabelece suas diferenças em relação ao que dele está fora e excluído. Enquanto a multidão é uma
relação inconclusiva, o povo é uma síntese constituída e preparada para a soberania. O povo oferece uma
Inclusão escolar e a educação para todos
71
sofrida pela população, com súditos passando a cidadãos, foi um indício da mudança de um
papel passivo para um papel ativo”. A nação funciona como se fosse uma força ativa, como
forma geradora de relações sociais e políticas. Ela é geralmente sentida como uma concepção
coletiva, uma criação ativa da comunidade de cidadãos.
A sociedade moderna se forma a partir de novas pautas de regulação social que se
estrutura num processo de constituição e consolidação dos estados nacionais, de um estado
que se apresenta como mediador, garantindo, assim, os interesses individuais (Giovine, 1998).
Nesse contexto, aparece um problema a ser resolvido, ou seja, como ampliar a
cidadania às camadas sociais mais baixas e, ainda, como responder aos protestos de tais
classes frente aos ideais de igualdade, de fraternidade tão proclamados pelos pensadores
liberais da Revolução Francesa (Giovine, 1998).
De algum modo, a cidadania se constitui como um dos conceitos básicos do Estado
Liberal, que através do seu status se concede direitos e obrigações aos indivíduos. Assim,
podemos dizer que a cidadania “se baseia em um princípio de igualdade básica, num primeiro
momento individual, depois política e social em virtude da extensão dos direitos respectivos,
porém se encontra em uma tenção constante com as desigualdades das classes sociais que é
inerente ao modo de produção capitalista” (Giovine, 1998, p.59).
Conforme essa mesma autora, um outro elemento importante está relacionado à
definição de cidadania. Ou seja, a incorporação da população a um núcleo cultural comum.
Tal tarefa coube aos estados nacionais, que através de instituições especializadas, nas quais se
forma o “homem público” que deve ser capaz de subordinar seus interesses e afetos pelos
interesses da nação. A partir de tal ideia é que os estados adotaram “‘políticas estatais de
nacionalização’ – um único idioma, símbolos pátrios, uma história ‘oficial’ – que aumentaram
a homogeneidade cultural” (Giovine, 1998, p.59).
A escola será, então, a instituição encarregada de transmitir essa cultura civilizatória
homogênea. Assim, a educação sistemática se constitui em um dos direitos sociais
fundamentais” (Giovine, 1998, p.59), apagando as diferenças dos indivíduos e criando um
cidadão que o estado moderno necessita um cidadão civilizado, único, homogêneo, culto e
letrado.
Portanto, como diz essa autora, o acesso à cidadania não implica somente a garantia de
direitos civis, políticos e sociais, mas também um processo de identificação nacional. E é esse
“processo que sentido e orientação ao desenvolvimento e expansão dos sistemas
vontade e uma ação únicas, independentes das diversas vontades e ões da multidão, e geralmente em conflito
com elas. Toda nação precisa fazer da multidão um povo” (Hardt e Negri, 2003, p.120).
Inclusão escolar e a educação para todos
72
educativos modernos” (Giovine, 1998, p.59), cuja função não é a socialização das novas
gerações, mas o governo e a regulação moral dos sujeitos. Poder-se-ia agregar, aí, os
discursos atuais da integração e da inclusão.
A expressão governo e regulação nos remetem a dois sentidos: governo-regulação e
autogoverno-autoregulação (Foucault, 2008a). Com tais sentidos, a ampliação de cidadania se
constitui num campo da “governamentalidade do sistema político e a escola em um dos
principais mecanismos de controle da sociedade moderna” (Giovine, 1998, p.360).
Dessa forma, a escola vai se legitimando e orientando-se através da crença de uma
cidadania culta que no decorrer do século XX, se amplia com a conquista dos direitos sociais.
Com o status concedido à cidadania, a intenção foi de “diminuir as desigualdades de classe e
propor uma maior participação social e econômica” (Giovine, 1998, p. 60). Com isso, “o
princípio de igualdade social se baseia no movimento de universalização e na idéia de
‘solidariedade nacional’ garantida pelo estado através da segurança nacional” (Giovine, 1998,
p.61).
Referindo-se aos estudos de Marshall, Gentili (2000) distingue três dimensões da
cidadania: a civil, a política e a social. “O culo XVIII foi o cenário no qual se criaram as
condições necessárias para o desenvolvimento da cidadania civil” (Gentili, 2000, p.145). Ou
seja, a doutrina dos direitos naturais e a consagração dos direitos humanos é que permitiram a
consolidação da dimensão civil (direito à liberdade de expressão, de pensamento e de
religião). É a partir desse contexto, que a cidadania moderna ganhará força num conjunto de
instituições que supostamente garantirá sua efetivação. Em relação aos direitos políticos, foi
no século XIX que tais direitos se desenvolveram, especialmente o direito à participação
política. E ao que diz respeito à cidadania social, no século XX foram criadas as condições
que possibilitariam “a extensão da cidadania para a esfera social mediante o desenvolvimento
dos direitos sociais e econômicos (o direito à educação, ao bem-estar, à saúde, ao trabalho,
etc.)” (Gentili, 2000, p.145).
Segundo esse autor, a cidadania seria a forma de assegurar que os indivíduos sejam
tratados como membros de uma sociedade de iguais. A forma de assegurar tal condição seria
consentir aos indivíduos um número cada vez maior de direitos de cidadania. Com isso, pode-
se estabelecer uma certa relação entre cidadania e posse de direitos: ser cidadão significa ser
detentor de uma série de direitos. Consequentemente, com a extensão dos direitos para esferas
cada vez mais amplas da sociedade, acaba-se ampliando a cidadania a setores cada vez mais
amplos da população (Gentili, 2000).
Inclusão escolar e a educação para todos
73
Nessa abordagem, e como condição legal, a cidadania se concede (o indivíduo se torna
cidadão na medida em que lhe são atribuídos direitos de diversos tipos). Mas, pensada como
prática desejável, como aspiração de uma vida emancipatória, “a cidadania se constrói
socialmente como um espaço de valores, de ões e de instituições comuns que integram os
indivíduos, permitindo seu mútuo reconhecimento como membros de uma comunidade”
(Gentili, 2000, p.147).
Assim, a elaboração e a legitimação de direitos constitui uma importante dimensão
política, social e econômica, mesmo que tal ideal não tenha sido uma garantia para
transformar o ser humano em cidadão. Se garantisse, não estaríamos, ainda hoje, tão
envolvidos no debate por uma educação que forme cidadãos.
Na análise histórica de muitos autores, o direito como uma construção histórica e
social é fruto das lutas daqueles considerados excluídos dos processos educativos, dos bens e
serviços públicos, etc. Tal exclusão, que se traduz em condições desiguais de acesso e
permanência aos diferentes serviços, aprofundaria a injustiça social. Exercer o seu poder
político seria a maneira de capacitar o sujeito a fazer frente a tal injustiça social, fazendo com
que suas necessidades sejam respeitadas e atendidas.
Como referi na terceira seção deste Capítulo, no final do século XX, a escola moderna
com o seu ideal de cidadania entra em crise, assim como os pressupostos da sociedade
moderna. São muitos os fatores (políticos, econômicos e culturais) que colocaram em crise o
funcionamento da sociedade moderna, implicando, assim, novas pautas de regulação social.
Entre eles, Giovine (1998, p.62) cita os seguintes:
Modificações na economia capitalista – globalizada – que reorganizam o
processo de produção e do trabalho (passagem do modelo taylorista-
fordista ao pós-fordista) [
14
];
Revolução tecnológica produzida pelas novas tecnologias de informação
e de comunicação;
14
Conforme Leão (1998, p.46), “O taylorismo caracteriza-se pela prescrição de tarefas simples, rotineiras e
previsíveis a serem executadas pelos/as trabalhadores/as, que permanecem presos aos seus postos de trabalho. A
produção assim concebida não exige grandes requisitos de qualificação profissional e, conseqüentemente, pode
conviver com uma educação básica rudimentar. A preparação para o trabalho dá-se em treinamento rápidos,
sendo que o/a trabalhador/a aprimorará a sua capacidade pela repetição ininterrupta dos mesmos movimentos”.
Em relação ao neofordismo e ao pós-fordismo é possível destacar alguns elementos que os diferenciam [...] “o
neofordismo pode ser caracterizado como a criação de uma maior flexibilidade de mercado, através de uma
redução dos custos sociais e da diminuição do poder dos sindicatos, da privatização dos serviços públicos e do
Estado do Bem-estar, bem como em termos da celebração do individualismo competitivo; e o pós-fordismo,
pode ser definido em termos do desenvolvimento do estado como um negociante estratégico a moldar a direção
da economia nacional, através de um investimento em setores econômicos cruciais no desenvolvimento do
capital humano” ´(Ball (1998, p.125). Questões que foram discutidas por mim na seção “Governamentalidade
liberal e neoliberal”.
Inclusão escolar e a educação para todos
74
Transformações demográficas nas sociedades avançadas que alteram sua
homogeneidade cultural;
Proliferação de novos sujeitos sociais, emergentes das transformações
das estruturas familiares e das práticas sexuais, de uma maior
consciência ecológica e da luta pelo reconhecimento de identidades
culturais minoritárias.
Diante de tal cenário mundial e de novas pautas de regulação social, é importante
ressaltar duas questões. Primeira, os estados nacionais parecem que acabaram perdendo sua
força como os principais organizadores da sociedade e constituidores de identidade, ao ceder
lugar para o local, regional ou mundial. Isso o implica um desaparecimento dos estados-
nação, mas um enfraquecimento de suas funções de regulação, de produção e reprodução de
identidades (Giovine, 1998). Portanto, a concepção moderna de cidadania estaria se
enfraquecendo porque se enfraquece tanto o estado como espaço público único ordenador
da cultura política de uma nação quanto a ideia da formação de um sujeito homogêneo,
único, essencial. Com isso, começa-se desconfiar dos ideais iluministas da escola moderna.
A partir do entendimento de que o estado comunidade nacional deve fracionar-se
em comunidades menores, locais e, por sua vez, ser absorvido por comunidades regionais ou
globais, começa-se a pensar num novo papel do estado na formação do cidadão, uma vez que
as identidades se transformam, se pluralizam perdendo seu caráter estável e homogêneo
(Giovine, 1998).
E, a segunda, refere-se a complexificação e reconstrução da questão da cidadania.
Nesse sentido, deve-se colocar um novo vínculo entre cidadania e escola, concebendo a
reforma educativa não só como um mecanismo formal para responder as transformações,
senão como parte do processo de “transformação político-culturais que redefinem as pautas de
governo e regulação moral dos sujeitos” (lealdade, solidariedade social, etc.) (Giovine, 1998,
p.63).
Essa mesma autora, refere-se aos estudos de alguns autores para mostrar duas
correntes no atual debate sobre a cidadania. A primeira corrente, “sustenta que a nova
cidadania se define no mercado pela capacidade ou competência das pessoas incorporar-se a
eles; portanto, o princípio fundamental da democracia é assegurar a liberdade privada,
sobretudo a do consumidor” (Giovine, 1998, p.63). Por conseguinte, caberá à escola o papel
de formar consumidores, legitimando as tendências à individualização, à privatização e ao
pluralismo cultural. A partir dessa posição, as escolas são tratadas como qualquer outra
mercadoria ou serviço que devem competir entre si e a produtividade se medirá em termos de
qualidade educativa. A segunda, “se baseia no respeito à diversidade, no pluralismo cultural
Inclusão escolar e a educação para todos
75
no espaço público, defendendo uma democracia que garantisse uma cidadania inclusiva e
igual” (Giovine, 1998, p.63). Assim, a tarefa da escola é a de proporcionar as condições
necessárias para uma vida democrática baseada na tolerância e na responsabilidade do
cidadão.
Considerando tais correntes, pode-se dizer que o projeto neoliberal supõe uma nova
racionalidade cujo princípio é a liberdade de escolha: a liberdade econômica é uma condição
necessária para a liberdade política” (Giovine, 1998, p.64). Decorre daí, que o sistema político
deve ser tratado simetricamente ao sistema econômico, pois ambos são considerados
“mercados” e cujos interesses individuais devem ser perseguidos. Essa nova racionalidade
implica tanto uma continuidade quanto uma descontinuidade com a Modernidade.
“Continuidade em relação a alguns aspectos da cultura e política individualista própria do
liberalismo do século passado” (Giovine, 1998, p.64). E descontinuidade porque reconfigura
valores, crenças do projeto moderno, apelando para um novo vocabulário cujos termos chaves
seriam a privatização, descentralização, eficiência, competitividade e a educação para todos.
Nos atuais discursos das reformas educativas, a inclusão escolar e social aparece como
um importante movimento capaz de reconstruir uma moderna cidadania que já não se sustenta
na concepção de cidadania letrada baseada numa visão de que todos os indivíduos são
tratados de forma igual, garantindo os direitos dos cidadãos, senão nas capacidades e
competências que adquirem para competir num mundo desigualmente globalizado (Giovine,
1998).
O Brasil não ficou fora desse contexto mundial. Pode-se dizer que a questão da
desigualdade social e econômica, levou o governo brasileiro a tomar algumas medidas,
através, por exemplo, das políticas educacionais dos anos 90 (século XX), para responder as
novas tendências e desafios do mundo contemporâneo.
A sociedade brasileira apresenta uma realidade social e econômica bastante desigual,
na qual poucos segmentos são incorporados à sociedade de informação e muitos outros se
encontram às margens dela. Nesse sentido, alguns governos propuseram modificações no
sistema educativo baseadas em princípios como integração, inclusão, eficiência e gestão que
permitiriam uma melhor qualidade de suas funções, serviços e resultados. Essa parece que foi
a forma encontrada para formar cidadãos responsáveis e participativos. Essa parece ser a
grande preocupação atual.
Aqui, interessa destacar a redefinição do papel do estado no que diz respeito às
políticas educacionais. Em outras palavras, um sistema educativo afinado e coordenado pelo
Ministério da Educação/ Secretaria de Educação Básica (Brasil) que assume para si o controle
Inclusão escolar e a educação para todos
76
da qualidade da educação, através da elaboração de um currículo comum e a articulação da
capacitação de profissionais e de projetos especiais, assim como a liberação de verbas para
seu funcionamento.
Em tal contexto, as políticas postas em ação na metade dos anos 1990, afinadas com a
descentralização nas iniciativas governamentais e com certas proposições legais, “vão se
dirigir para a redução dos gastos públicos, para o recuo do estado nos direitos sociais e para a
maior afirmação da descentralização” (Cury, 2005, p.9).
[...] A gestão democrática compõe com o financiamento suficiente dos
recursos, com o crescimento da capacidade cognitiva dos estudantes, com a
qualidade dos professores, a busca de uma construção coletiva do pleno
desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua
qualificação para o trabalho. (Cury, 2005, p.10)
De algum modo, pode-se dizer que a descentralização da gestão político-educacional
mascara as relações de poder no campo escolar, pois, neste caso, o Ministério de Educação
“se constitui como ator central na construção do controle escolar que condiciona e relativiza o
processo de descentralização” (Giovine, 1998, p.66). Ao mesmo tempo em que descentraliza
a direção, centraliza as estratégias de governo, regulação e controle.
A seguir, apresento o Programa Ética e Cidadania construindo: valores na escola
Inclusão e exclusão social Módulo 1 Ética, como um exemplo de gestão que assume um
caráter descentralizador,
não-linear e não-hierárquico.
[...] O programa é descentralizado porque cada escola participante tem
liberdade de seguir, dentre os inúmeros caminhos possíveis, aquele que
considerar mais adequado à sua realidade. Dessa maneira, o material
enviado pelo Ministério da Educação não define as formas de atuação e
desenvolvimento do programa em cada comunidade, trazendo apenas
referências e sugestões de possíveis caminhos a serem trilhados.
A característica de não-linearidade aparece na própria estrutura dos
materiais e recursos didáticos enviados às escolas. Apesar de haver uma
nítida interrelação entre os quatro módulos que sustentam o programa, tais
materiais e recursos estão organizados de forma independente e
identificados por cores diferentes. Isso significa que não existe uma ordem
específica para seu desenvolvimento.
[...] O programa não é hierárquico porque nele não está presente a ideia de
pré-requisitos. Não existe uma melhor sequência de desenvolvimento das
atividades dentro de cada unidade de trabalho, nem de execução dos
módulos apresentados. Sua ordem de apresentação é aleatória, não
indicando de forma alguma que alguns dos temas devem preceder outros.
(Brasil, 2007, p.8-9)
Inclusão escolar e a educação para todos
77
Tal processo de descentralização-centralização implica em novas regras de um jogo
estabelecido pelo projeto neoliberal, que baseado na eficiência e na competência
redimensionam o cenário educativo para normalizá-lo e racionalizá-lo (Giovine, 1998).
O fragmento a seguir é um bom exemplo para pensarmos em tais estratégias de
governo:
[...] O Programa Ética e Cidadania pretende criar as condições necessárias
para que valores de ética, democracia, justiça e cidadania sejam
incorporados no cotidiano das salas de aula. Para isso, propõe a criação de
Fóruns Escolares de Ética e de Cidadania nas escolas, nos municípios e
nos estados; e buscará instrumentalizar a ação dos profissionais da
educação envolvidos em sua implementação nas escolas participantes por
meio de recursos didáticos e materiais pedagógicos, adequados. (Brasil,
2007, p.4)
Não é difícil perceber que em tal tarefa a escola desempenhará um papel muito
importante. Eis alguns fragmentos de tal documento:
[...] Aprender a ser cidadão e cidadã é, entre outras coisas, aprender a agir
com respeito, solidariedade, responsabilidade, justiça, não-violência;
aprender a usar o diálogo nas mais diferentes situações e comprometer-se
com o que acontece na vida da comunidade do país. Esses valores e essas
atitudes precisam ser aprendidos e desenvolvidos pelos estudantes e,
portanto, podem e devem ser ensinados na escola. (Brasil, 2007, p.4)
[...] Aprender a lidar com as diferenças, na perspectiva de uma sociedade
que se pretende democrática e inclusiva e que traz para os espaços
políticos e públicos tal preocupação, é o desafio que ronda o imaginário
dos (as) profissionais da educação preocupados com a construção de uma
escola de qualidade, que cumpra com seus objetivos de formação de
cidadania e de preparação dos estudantes para a vida em sociedade.
(Brasil, 2007b, p.6)
E, ainda, esse mesmo documento salienta que para os estudantes incorporarem os
princípios éticos na escola, é necessário pensar em dois aspectos:
[...] - que os princípios se expressem em situações reais, nas quais o (a)s
estudantes possam ter experiências e conviver com a sua prática;
- que haja um desenvolvimento da sua capacidade de autonomia moral,
isto é, da capacidade de analisar e eleger valores para si, consciente e
livremente. (Brasil, 2007, p.4)
Nessa nova ordem social, requer-se um sujeito competitivo, flexível, adaptável e capaz
de solucionar problemas de forma rápida e competente. Assim, na esfera da educação o que
parece estar em seu horizonte seria a equidade e a igualdade de oportunidades para todos.
Inclusão escolar e a educação para todos
78
Expandir oportunidades, tornando os sujeitos cidadãos, tem sido a bandeira de luta de muitos
Governos.
5. As práticas de inclusão e uma nova ordem social
Caos, desordem e anarquia anunciam a infinidade de
possibilidades e o caráter ilimitado da inclusão. A ordem
representa os limites e a finitude. Num espaço ordenado
(ordeiro), nem tudo pode acontecer. (Bauman, 2005, p.42)
A escola guarda relações de imanência com a sociedade. Para tornar possível o
governamento da população é necessário sujeitos que saibam e se deixem governar. Alcançar
a perfeição, regulando sua conduta (sujeição dos corpos e mentes), disciplinando,
subjetivando é a tarefa atribuída, principalmente, à escola moderna. Assim, é preciso admitir
que o que está no centro da concepção moderna de educação escolarizada não são apenas os
ideais iluministas, mas também o “preço a pagar” por tentar alcançar tais ideais. Contudo,
essa tarefa não conseguiu ser cumprida de forma plena pela escola moderna. Não por uma
suposta incompetência, mas por sua própria insuficiência. E talvez seja isso que, em tempos
atuais, faça com que se fale tanto sobre a suposta “crise
15
na escola”. Essa noção de crise gera
um sentimento de incapacidade e de mal-estar generalizado, junto com a sensação de
endividamento por não se ter conseguido cumprir e honrar os princípios e ideais da escola
moderna. Isso faz com que continue a busca incansável de atingir sempre a perfeição. Por
isso, a busca insistente de incluir todos cada vez mais.
Atualmente, como já devo ter deixado claro, toda uma discussão ética nos debate
sobre a inclusão. Pode-se dizer que no Brasil, em consonância com o movimento mundial de
Educação para Todos
16
, o tema da inclusão tem sido uma das preocupações recentes que faz
parte da pauta das políticas públicas. Os argumentos de tais discussões giram em torno de
uma reflexão sobre a inclusão como um processo urgente e necessário para termos uma
“verdadeira” educação de qualidade, uma vez que ela tem uma implicação direta com o
desenvolvimento e o investimento no capital humano. Tal discussão, no meu entendimento,
15
Segundo Bauman (2000, p.148-149), o que hoje chamamos de “crise” não é apenas o que se poderia chamar
de um estado de indecisão, mas antes e acima de tudo de um estado com acentuada impossibilidade de decisão.
De certa forma, isso nos leva a pensar a “crise” como um estado permanente de incertezas, que “não tem decisão
possível”; “que o aspecto assustador do mundo contemporâneo é que, quanto mais inteligentes tendem ser as
ações, mais elas se acrescentam ao caos”.
16
Lembrando, trata-se dos seguintes movimentos: Conferência Mundial sobre Educação para Todos: satisfação
das necessidades básicas de aprendizagem, realizada em 1990, em Jomtien, Tailândia, promovida pelo Banco
Mundial, Organização das Nações Unidas para Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), Fundo das Nações
Unidas para a Infância (UNICEF) e Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), que
aprovou a Declaração Mundial sobre Educação para Todos (1991); Conferência Mundial sobre Necessidades
Educacionais Especiais: acesso e qualidade, que produziu a Declaração de Salamanca promovida, em 1994,
pelo governo da Espanha e a UNESCO; Foro Mundial de Educação para Todos realizada, em 2000, em Dakar.
Inclusão escolar e a educação para todos
80
refere-se à suposta possibilidade de que com “a inclusão de todos”, em tempos de constantes
mudanças, a educação se efetive de fato, garantindo o acesso de todos na escola e uma maior
qualidade da educação para cada um e para todas as pessoas na sociedade.
Nesse debate, parece que em nome da inclusão muitos interesses, opiniões,
posicionamentos políticos, assim como disputas por significados ganham destaque.
A construção de uma sociedade democrática, na qual todos conquistariam sua
cidadania
17
, na qual a diversidade seria respeitada e haveria aceitação e reconhecimento
político das diferenças, teve como princípio a inclusão. Num contexto mundial, esse
movimento passa a ser denominado de inclusão social processo fundamental para o
desenvolvimento e manutenção do estado democrático (Mendes, 2006). Parece que estamos
diante do paradigma da inclusão, que se globaliza e se torna “palavra de ordem”.
[...] Em paralelo e integrado aos processos de democratização da sociedade
brasileira, são inegáveis os avanços que vêm sendo obtidos no caminho da
inclusão de todas as pessoas nas escolas. Desde os movimentos políticos e
sociais que lutam para que 100% de nossas crianças ingressem e concluam
a educação básica, passando pelos movimentos inclusivos que defendem o
acesso das pessoas com deficiência na escola, até alcançar movimentos
sociais que lutam pelo direito a uma educação de qualidade para grupos
étnico-raciais diferentes, o Brasil vem galgando espaços significativos na
melhoria das condições de acesso à educação. (Brasil, 2007a, p.6)
Nas minhas incursões pelo material que elegi para compor o corpus desta pesquisa,
percebi que aquilo que está na pauta das políticas de inclusão escolar é uma grande discussão
sobre as vantagens e desvantagens em reunir, nos diferentes espaços sociais e educacionais, os
normais com os anormais. Em suma, nesse discurso, parece que a preocupação vai na direção
de saber o que fazer com os anormais, com os deficientes e, mais especificamente, com as
pessoas com “necessidades educacionais especiais”. Parece-me que o excerto acima ilustra
muito bem tal preocupação.
Mas, além disso, é importante dizer que nos discursos das políticas de inclusão, é
comum tratar a diferença como diversidade. Com isso, parecem ignorar a diferença, reduzindo
seu potencial a algo variável. O diferente passa a ser entendido como um estranho, um não-
desejado, um portador de uma deficiência que os outros, ditos normais, não possuem. Nessa
lógica, o diferente é aquele que carrega consigo uma marca qualquer, e como tal é visto como
único. Desse modo, ao mesmo tempo que tais políticas defendem a inclusão dos diferentes,
elas também reforçam as noções de normalidade e anormalidade, fazem circular normas e
17
Para um estudo mais aprofundado sobre a cidadania no Brasil, ver Carvalho (2008).
Inclusão escolar e a educação para todos
81
saberes especializados e, com isso, podem gerar exclusão (Veiga-Neto; Lopes, 2007). Discuto
tais questões sobre normalidade e anormalidade, de forma mais detalhada, no Capítulo IV
Sobre os discursos da segregação e inclusão.
Nessa mesma direção, podemos encontrar nos documentos referentes ao Programa
Ética e Cidadaniaconstruindo valores na escola e na sociedade, Inclusão e exclusão social
Módulo 4 Inclusão Social, alguns discursos que focam a inclusão social e a exclusão
como uma luta a ser travada para se atingir o verdadeiro processo de democratização.
[...] As diferenças representam grandes oportunidades de aprendizado. As
diferenças oferecem um recurso grátis, abundante e removível... o que é
importante nas pessoas e nas escolas é o que é diferente, não o que é
igual. (Brasil, 2007a, p.6)
E, ainda é importante destacar no livro Ética e Cidadania (2007) mais um fragmento
sobre a inclusão social:
[...] a total inclusão de todos os membros da humanidade, de quaisquer
raças, religiões, nacionalidades, classes socioeconômicas, culturas ou
capacidades, em ambientes de aprendizagem e comunidade, pode facilitar
o desenvolvimento do respeito mútuo, do apoio mútuo e do
aproveitamento dessas diferenças para melhorar nossa sociedade. É
durante seus anos de formação que as crianças adquirem o entendimento
das diferenças, o respeito e o apoio mútuos em ambientes educacionais que
promovem e celebram a diversidade humana. (Araújo, 2007, p.16-17)
Na esteira disso, é que, por exemplo, a revista Gestão em Rede (2006), na seção Fala,
gestor!, expõe algumas opiniões e posicionamentos sobre a inclusão social.
[...] hoje todo o tipo de inclusão social é politicamente correto. Essa idéia
humaniza as instituições e abre novas perspectivas sociais e
comportamentais. Note-se as políticas de cotas nas universidades, a
valorização das empresas que têm ou investem em projetos sociais, as
ONGs e todas as instituições sem fim lucrativos. No âmbito da educação, a
inclusão sempre ocupou um lugar privilegiado, (....) sempre permitiu que
esse tema fosse cotidiana e constantemente trabalhado. Essa possibilidade
da educação, que é digna, humana e necessária, não tira as dificuldades
reais do acolhimento do diferente, ou seja, a real e concreta INCLUO.
(Malheiros, 2006, p.21-22)
As mudanças que o Programa Ética e Cidadania construindo valores na escola e na
sociedade – enfatizam estão relacionadas com o próprio processo de democratização, que teve
dois momentos importantes a considerar: o primeiro momento diz respeito ao acesso de todos
na escola e, o segundo, com o movimento pela inclusão, refere-se à “conquista da qualidade
Inclusão escolar e a educação para todos
82
da educação para cada um e para todas as pessoas, de forma a consolidar a inclusão e a
igualdade de oportunidades para todos os seres humanos” (Brasil, 2007, p.7).
Dessa forma, parece que a luta pela melhoria das condições de acesso e qualidade da
educação produz alguns impasses para o mundo atual e para a educação escolarizada.
[...] a resistência em mudar o paradigma que sustenta um perfil excludente
de educação, em que as categorizaçõesdas pessoas por suas diferenças
sociais, econômicas, psíquicas, físicas, culturais, religiosas, raciais,
ideológicas e de gênero reforçam conflitos e violências físicas e
simbólicas, e tornam-se entraves para a constituição da inclusão
educacional. (Brasil, 2007a, p.6)
Aquilo que é considerado luta ou o impasse sobre a consolidação da inclusão e a
igualdade de oportunidades para todos os seres humanos, está diretamente implicada com a
lógica do Império que salienta a pluralidade e a multiplicidade como elementos importantes
para que tal inclusão aconteça.
[...] A escola precisa mudar e não os alunos e as alunas. Ela precisa ser
ressignificada de acordo com o paradigma de ética, cidadania e democracia
que sustenta os movimentos inclusivos. Tais mudanças, concomitantes
àquelas porque passa a sociedade em geral, supõem uma abertura à
pluralidade e à diversidade das pessoas que convivem nos espaços
educativos, dirigindo o foco dos conteúdos, dos métodos e das relações
humanas para a aprendizagem dos estudantes e não apenas para o ensino
de temáticas descontextualizadas da sociedade contemporânea e de suas
vidas. (Brasil, 2007a, p.6)
Conforme consta no livro sobre Ética e Cidadana (2007), um dos objetivos
prioritários da educação nos dias atuais, seria a construção de sociedades e de escolas
inclusivas abertas às diferenças e à igualdade de oportunidades para todas as pessoas sem
exceção.
[...] o trabalho com as diversas formas de deficiências e uma ampla
discussão sobre as exclusões geradas pelas diferenças social, econômica,
psíquica, física, cultural, racial, de gênero e ideológica, devem ser foco de
ação das escolas. Buscar estratégias que se traduzam em melhores
condições de vida para a população, na igualdade de oportunidades para
todos os seres humanos e na construção de valores éticos socialmente
desejáveis por parte dos membros das comunidades escolares é uma
maneira de enfrentar essas exclusões e um bom caminho para um trabalho
que visa à democracia e à cidadania. (Araújo, 2007, p.17)
Inclusão escolar e a educação para todos
83
Pode-se derivar daí, como deixei claro no início desta Tese, que a inclusão escolar está
diretamente implicada com a inclusão social “a educação inclusiva é um aspecto da
sociedade inclusiva” (Brasil, 2005, p. 69).
É a partir deste ponto que posso estabelecer relações entre globalização e política
educacional, abordando especificamente, as políticas de inclusão.
Nessa gica, o Império é entendido como “o centro que sustenta a globalização de
malhas de produção e atira sua rede de amplo alcance para tentar envolver todas as relações
de poder dentro de uma ordem mundial” (Hardt; Negri, 2003, p.37).
Não há como ignorar que a globalização tem influenciado todos os aspectos das nossas
vidas. Para as teorias pós-modernas, a globalização é entendida como uma característica
marcante de nossos tempos. Ball (1998) utiliza as palavras de Giddens para dizer que a
globalização não é um fenômeno que existe apenas lá fora. Ela se refere tanto à emergência de
sistemas mundiais quanto às transformações na própria vida cotidiana. A globalização invade
os contextos locais, mas não os destrói; ao contrário, novas formas de identidade cultural e de
autoexpressão local estão, de forma causal, vinculadas com os processos globalizantes” (Ball,
1998, p.121). Também podemos dizer que a globalização envolve a disseminação de novas
tecnologias que produzem um impacto enorme sobre a economia, o meio político, a
sociedade, a cultura, a educação e a experiência individual” (Keller, 2004, p.199). Mas, é
importante salientar que mesmo que o termo globalização seja usado como uma palavra-
chave para especificar processos políticos, ideológicos, ele é aberto a diferentes usos e
significados.
Aqui, parece ficar claro a existência de pelo menos dois elementos fundamentais do
Império que são a globalização e a hierarquização. Talvez se possa dizer que o que justifica o
seu não-lugar e a sua flexibilidade e flutuações de poder, sejam exatamente essas dimensões
de globalização e hierarquização.
[...] Para alguns, a globalização significa a ocidentalização do mundo,
enquanto para outros ela envolve um disfarce para a ascensão do
capitalismo. Certas pessoas consideram que a globalização produz maior
homogeneidade, enquanto outras acham que ela gera diversidade e
heterogeneidade, por meio da crescente hibridização. Para os empresários,
a globalização é uma estratégia para aumentar os lucros e o poder da
empresa; para o governo, ela é frequentemente empregada para promover
um aumento no poder estatal, enquanto muitas organizações sociais não-
governamentais enxergam a globalização como uma alavanca para
produzir bens sociais positivos, como a ação ambientalista, a
democratização e o empoderamento de grupos desempoderados, por meio
de novas tecnologias e da mídia. (Kellner, 2004, p.193)
Inclusão escolar e a educação para todos
84
Outros autores definem a globalização como “a intensificação de relações sociais
mundiais que ligam comunidades distantes, de modo que os acontecimentos locais são
moldados por eventos que ocorrem a muitas milhas de distância e vice-versa” (Morrow e
Torres, 2004, p.28). Segundo esses autores, Held sugere entre outras coisas que a globalização
“é o produto do surgimento de uma economia global, da expansão de elos transnacionais entre
unidades econômicas, criando outras formas de tomada de decisão coletiva” (idem; ibidem).
Uma característica central desse processo de globalização é a sua tendência a obscurecer os
limites nacionais, alterar solidariedades dentro dos estados e entre eles, e afetar
profundamente a constituição de identidades nacionais e de grupos de interesse (Morrow e
Torres, 2004).
A título de ilustração, faço alguns comentários sobre os usos que se tem feito a
respeito dos significados sobre globalização. A divisão entre o sentido humanista e o sentido
econômico é válida apenas para fazermos algumas reflexões, pois este estudo tem como
pressuposto que ambos os sentidos fazem parte da mesma racionalidade.
Se, por um lado, existe uma fluidez que caracteriza o termo globalização, por outro,
existe, a possibilidade de pensarmos em pelo menos dois significados para seu uso: um no
sentido humanista e o outro, no sentido economicista. Resumidamente, pode-se dizer que “a
globalização no sentido humanista, ou seja, que prime pela igualdade de valores entre seres
humanos e pelo respeito à diversidade e pluralidade de sua experiência, não constitui
novidade” (Santos, 1998, p.441). Essa autora salienta, a partir de alguns estudos, o quanto a
cultura letrada, por exemplo, servia a função de disciplinar, uniformizar e homogeneizar,
limitando as representações individuais e relativizando as interpretações de acordo com
códigos previamente definidos e padronizados. Com o avanço das telecomunicações e
tecnologia de informação, e a consolidação de uma nova ética baseada numa conscientização
ecossistêmica, outras vias de comunicação (além da escrita) são incorporadas na vida dos
indivíduos, cujos mecanismos constituem uma rede no qual “o homem eletrônico volta a
encontrar-se numa aldeia tribal de escala planetária” (Miller apud Santos, 1998, p.443). A
própria ideia de “aldeia global” caracteriza uma perspectiva humanista que enfatiza aspectos
como igualdade de valores e direitos entre seres humanos, bem como o reconhecimento e
respeito às diferenças e diversidade. Isso traz implicações diretas para a educação tanto no que
se refere à organização social quanto no que se refere à organização do currículo – a educação
como arena para transformação humana (Santos, 1998).
Numa perspectiva humanista, a inclusão é entendida como uma forma de romper com
‘práticas e relações sociais discriminatórias, ao longo de um processo de mudanças cotidianas
Inclusão escolar e a educação para todos
85
de atitudes de uns em relação a outros” (Santos, 1998, p.448). É dentro dessa ética
ecossistêmica que a igualdade de valores e direitos se reafirma. É dentro dessa mesma ética
que a possibilidade de aprender deve atingir a todos indiscriminadamente.
Ainda em decorrência dessa ética, seria enfatizado que “todos precisamos de todos, de
uma forma ou de outra, e este precisar independe de nossas habilidades, capacidades.
Precisamos uns dos outros pelo simples fato de que vivemos em sociedade” (Santos, 1998,
p.448-449). Dessa forma, as pessoas com deficiências poderiam ser incluídas em diversos
espaços sociais. Com isso, tal interdependência nos remeteria a uma situação de
sensibilização (de respeito mútuo) em relação ao outro considerado deficiente ou diferente.
Isso vale tanto para o professor quanto para o próprio aluno considerado excluído. Decorre daí
que a escola estaria empenhada em rever suas práticas pedagógicas como uma forma de
atender os diferentes ritmos e características da sua comunidade escolar. O perfil de um
profissional preparado para lidar com as diversidades, faz parte dessa perspectiva humanista.
Incluir todos na escola seria uma maneira de assegurar que o conhecimento será socializado;
seria uma maneira de garantir que as potencialidades do “outro” será desenvolvida.
Nas palavras de Stoer e Cortesão (2004), a proposta seria pensar a cidadania articulada
à educação intercultural. A educação intercultural é o reconhecimento da passagem de cultura
para a multicultura, assim como a afirmação de que a nossa sociedade não condiz mais com a
homogeneidade cultural. Isso implica que o sistema educacional terá de reconhecer a
diversidade como uma fonte de riqueza para o convívio social (Stoer e Cortesão, 2004). Em
outras palavras, reconhecer a inclusão como uma importante estratégia tanto para convívio
social quanto para aprendizagem de todos.
Em relação ao sentido economicista, talvez se possa dizer que uma outra
interpretação dos aspectos enfatizados pela globalização humanista. Ainda que tais aspectos
humanistas continuem sendo os mesmos, o parâmetro economicista tenderá a transformar as
práticas sociais. Assim, “temos as mesmas bandeiras (igualdade de valores e direitos,
reconhecimento e respeito às diferenças), mas, priorizamos o econômico” (Santos, 1998,
p.444). Numa perspectiva economicista, tudo o que foi colocado acima recebe um tratamento
mais econômico. Ou seja, o cidadão é transformado em produtor/ consumidor. Por isso,
investe-se cada vez mais no cidadão independente de suas deficiências. O que importa é que
ele se torne um consumidor – de produtos, de ideias, de informação.
Para Morrow e Torres (2004, p.29), que fazem uso dos estudos de Castells, a
economia informacional é diferente da economia mundial que surgiu no século XVI:
Inclusão escolar e a educação para todos
86
[...] Uma economia global é algo diferente: ela é uma economia que possui a
capacidade de operar como uma unidade em tempo real e em escala
planetária. Enquanto o modo capitalista de produção caracteriza-se por sua
expansão incansável, sempre tentando superar os limites de tempo e espaço.
[...] Ela é informacional e global porque, dentro das novas condições
históricas, a produtividade é gerada e a competição ocorre através de uma
rede global de interação [...] com base na nova infraestrutura proporcionada
pelas tecnologias da informática e das comunicações.
Com base nessas ideias, “o processo de globalização, incluindo o advento da
sociedade de informação e as crises do fordismo e do Estado de bem-estar social” (Stoer e
Cortesão, 2004, p.170), tornou-se urgente renegociar o contrato social que foi estabelecido no
pós Segunda Guerra Mundial. Isto quer dizer que os princípios de homogeneidade e
assimilação cultural não sustentaram nem a sociedade industrial considerada como intocável,
e nem o Estado-nação como uma invenção de governo democrático. Portanto, novas formas
de governar requerem novas formas de cidadania – cidadãos-consumidores.
Diante do mundo de mercado da mídia e da publicidade que procura atingir os
diferentes públicos invadindo suas intimidades e desejos, parece que o interesse principal na
Contemporaneidade é a produção de sujeitos consumidores. Sobre essa relação do consumo
com as novas tecnologias, Bauman (2001), nos ajuda a compreender esses novos processos de
subjetivação ao abordar a questão das identidades:
[...] Em vista da volatilidade e instabilidade intrínsecas de todas ou quase
todas as identidades, é a capacidade de “ir às compras” no supermercado das
identidades, o grau de liberdade genuína ou supostamente genuína de
selecionar a própria identidade e mantê-la enquanto desejado, que se torna o
verdadeiro caminho para a realização de fantasias de identidade. Com essa
capacidade, somos livres para fazer e desfazer identidades à vontade. Ou
assim parece. (Bauman, 2001, p.98)
Considerando tais argumentos, pode-se perceber que com a flexibilização e a
mobilização parece que aumentam a nossa a capacidade de aproveitar as oportunidades
oferecidas pelo mercado. Tal excesso de oportunidade para consumir (novas e diferentes
escolhas), refere-se não tanto a uma “emancipação”, mas a uma “redistribuição de liberdades”
(Bauman, 200, p.106).
Segundo Hardt e Negri (2003), deve-se evitar definir a transição para o Império em
termos negativos, quando se diz, por exemplo, que o novo paradigma é definido pelo declínio
dos Estados-nação soberanos, pela desregulamentação dos mercados internacionais, etc. Os
autores afirmam que “o novo paradigma é ao mesmo tempo sistema e hierarquia, construção
centralizada de normas e produção de legitimidade de grande alcance, espalhada sobre o
Inclusão escolar e a educação para todos
87
espaço social” (Hardt e Negri, 2003, p.31). O novo paradigma parece que funciona de
forma positiva
18
.
Enquanto “a globalização aumenta o poder de empresas e governos, ela também pode
empoderar grupos e indivíduos que anteriormente eram excluídos do diálogo e do terreno
democrático das lutas políticas” (Kellner, 2004, p.196). Esses efeitos da globalização
considerados positivos possibilitam um maior acesso à educação para indivíduos vistos como
excluídos da cultura e do conhecimento. De certa forma, “o papel das novas tecnologias nos
movimentos sociais, na luta política e na vida cotidiana força a pedagogia crítica a repensar a
educação e a alfabetização em uma nova era globalizada e tecnológica, e força os movimentos
sociais a reconsiderarem suas estratégias e objetivos políticos” (Kellner, 2004, p.196).
É importante referir dois pontos centrais para se pensar o Império como um novo
paradigma. O primeiro ponto refere-se aos fios do Império que dizem respeito à informação, à
violência e à economia. E, o segundo ponto é o imperativo triplo do Império que consiste em
três momentos – inclusivo, diferencial e gerencial. De forma bastante sucinta apresento alguns
desses pontos centrais discutidos pelos autores (Hardt e Negri, 2003).
A inclusão como o primeiro momento do Império, trabalha com a ideia de que todos
são bem-vindos dentro de suas fronteiras, independentemente de raça, religião, cor, gênero,
orientação sexual, etc. Nesse processo, aceita todos e é indiferente a tais diferenças.
Entretanto, com a inclusão universal, consegue pôr de lado as “diferenças que sejam
inflexíveis ou inadministráveis, e que podem dar origem a conflito social” (Hardt; Negri,
2003, p.217). Os autores afirmam que “pôr de lado as diferenças significa tirar o potencial das
diversas subjetividades constituintes” (Hardt e Negri, 2003, p.218). Nesse espaço público
supostamente neutro de poder é que se estabelece e se legitima uma noção universal de direito
que forma o âmago do Império. Ainda, Hardt e Negri (2003, p.218) acrescentam que no
momento inclusivo
[...] o Império é uma máquina de integração universal [...] convidando todo
mundo para entrar pacificamente em seus domínios. O Império não reforça
suas fronteiras para afastar os outros; de preferência, puxa-os para dentro de
sua ordem pacífica [...] Com limites e diferenças suprimidas ou postas de
lado, o Império é uma de espaço liso pelo qual deslizam subjetividades sem
resistência ou conflito substanciais.
18
Utilizo o termo positivo/ positividade não para determinar uma origem ou uma finalidade do discurso na sua
totalidade, mas para determinar “as formas específicas de acumulação discursiva. A positividade de um saber é o
regime discursivo ao qual pertencem as condições de exercício da função enunciativa” (Castro, 2009, p.336).
Inclusão escolar e a educação para todos
88
O segundo momento, denominado de diferencial, “envolve a afirmação das diferenças
aceitas dentro do domínio imperial. Na perspectiva cultural as diferenças são festejadas. São
diferenças não conflituosas, de uma espécie que se pode deixar de lado quando necessário. O
Império prospera nos circuitos de movimento e mistura” (Hardt e Negri, 2003, p.218-219).
Administrar as diferenças é uma estratégia utilizada pelo Império para que mantendo
as diferenças dos indivíduos possa diminuir os riscos sociais. Esses autores destacam que
“contingência, mobilidade e flexibilidade são o verdadeiro poder do Império. A solução
imperial não será negar ou atenuar essas diferenças, mas, de preferência, afirmá-las e ordená-
las num efetivo aparelho de comando” (Hardt e Negri, 2003, p.220). Nesse sentido, “o
Império não cria divisões, mas reconhece as diferenças existentes ou potenciais, festeja-as e
administra-as dentro de uma economia geral de comando” (Hardt e Negri, 2003, p.220). De
acordo com esses autores, o segundo momento de controle imperial deve ser seguido pelo
gerenciamento dessas diferenças, pois o Império prospera nos circuitos de movimento e
mistura procurando manter as diferenças (Hardt e Negri, 2003). Assim, em nome da inclusão,
gerencia-se a vida dos sujeitos.
É a partir desse argumento, que vale pensar o problema da escassez
19
como
insuficiência e não como falta (Foucault, 2008), articulando-o com a noção de gestão escolar
(competência pedagógica e competência gerencial). Aqui, é interessante problematizar a
inclusão como uma estratégia que procura gerenciar a diferença, a deficiência, ou seja, a
gestão da inclusão na escola como estratégia de controle de risco social, garantindo acesso,
permanência e aprendizagem da população escolar com necessidades educacionais especiais.
Dessa forma, a escola estaria responsabilizando-se pela busca de soluções para os problemas
de ensino (repetência, evasão, não-aprendizagem). Tal articulação parece-me possível, no
sentido de pensar sobre o funcionamento da instituição escolar que é ao mesmo tempo mais
intensivo e extensivo. Supondo que as instituições estejam sucumbindo e, isso não quer dizer
que estejam arruinadas, parece que elas funcionam e trabalham tanto melhor quanto mais
sucumbem. Assim, a escola ao utilizar-se de suas competências pedagógica e gerencial,
estaria de forma eficiente e eficaz, alavancando diferentes projetos educacionais. E isso,
também permite e possibilita a “entrada” do que se tem chamado das forças mais novas e
19
A noção de escassez pode ser entendida como possibilidade para garantir, assegurar circulações, produções e
competências. O exemplo apresentado por Foucault (2008, p.40) é importante para entendermos tal noção: “a
escassez alimentar, que não é exatamente a fome, é ‘a insuficiência atual da quantidade de cereais necessária
para fazer uma nação subsistir’. Ou seja, a escassez alimentar é um estado de raridade de gêneros que tem a
propriedade de gerar um processo que a traz de volta e que tende, se não houver outro mecanismo que venha
detê-la, a prolongá-la e acentuá-la. É um estado de raridade, de fato, que faz os preços subirem”.
Inclusão escolar e a educação para todos
89
talvez mais importantes da sociedade civil ONGs e parcerias em geral. Essas diferentes
instâncias sociais têm sido úteis para que os Governos se desobriguem, pelo menos em parte,
do custeio e controle sociais.
Com isso, meu interesse foi mostrar que nessa lógica imperial, a dita inclusão
universal está sendo pensada fora dos binarismos modernos. Essa nova capacidade de pensar
parece que está associada ao pensamento de pluralidade e de multiplicidade que estariam
criando condições para que “as diferenças atuem através de fronteiras(Hardt e Negri, 2003,
p.160).
De certa forma, isso provoca modificações nos modos de subjetivação dos sujeitos e
maior desterritorialização dos processos identitários que, segundo Veiga-Neto (2002, p.178),
“são da ordem da cultura e da geometria” por justamente “se tratar de demarcações e
posições” dos sujeitos no espaço.
Diante de tais configurações, é importante mostrar que a vida social contemporânea
pode ser caracterizada por processos de reorganização do tempo e do espaço “associados à
expansão de mecanismos de desencaixe mecanismos que deslocam as relações sociais de
seus lugares específicos, recombinando-os através de grandes distâncias no tempo e no
espaço” (Giddens, 2002, p.10). Tal reorganização do tempo e do espaço enquanto radicaliza e
globaliza traços institucionais da Modernidade, também atua na transformação do conteúdo e
natureza da vida social (escolar) cotidiana.
Ao final dessa seção, ressalto o argumento principal desta Tese: o quanto as políticas
de inclusão procuram expandir, intensificar e celebrar o acesso de todos não só na escola, mas
em qualquer outro espaço social. Nesse sentido, não basta argumentar a favor ou contra a
inclusão escolar e muito menos considerá-la como sendo politicamente correta. E não se trata,
também, de entender a inclusão como um lugar de chegada, mas, talvez, pensá-la como uma
invenção que busca uma outra ordem social para estruturar a sociedade e a escola.
No capítulo que segue, problematizo os discursos da segregação e da inclusão para
pensar as múltiplas relações de poder que constituem a sociedade e a escola, uma vez que elas
podem funcionar com uma produção e circulação do que é considerado como discurso
verdadeiro.
CONVERSAÇÕES IV: SOBRE OS DISCURSOS DA
SEGREGAÇÃO E DA INCLUSÃO
Cena 2: um caso com diagnóstico de Transtornos de Déficit de Atenção e
Hiperatividade (TDAH)
Talvez tenha sido o primeiro caso de inclusão de alunos com necessidades
educacionais especiais (NEEs) na turma de 1ª. série, dessa escola de
Ensino Fundamental. O desafio de trabalhar com a aluna com NEEs, na
classe comum de ensino, provocou nos professores da escola um estado de
alerta e de muita preocupação, devido às atitudes comportamentais de tal
aluna desatenção, hiperatividade e impulsividade. Mais tarde, até um
diagnóstico de debilidade foi pensado pelo grupo de professores da escola
pelas características apresentadas pela aluna. Entre tais características:
as físicas (olhar distante, caminhar e correr com dificuldade, comer
objetos não-comestíveis, obesidade) as sociais e afetivas (não participava
das atividades em grupo; isolava-se num canto da sala de aula fazendo
outra atividade qualquer; não se relacionava com os demais colegas e
professora; apresentava uma atitude temperamental, rebelde e explosiva)
e as cognitivas (não mostrava interesse pelas atividades de leitura e
escrita; a escrita repetitiva de determinada letra do alfabeto (a letra A)
era constante em seus trabalhos e desenhos assim como gostava de entoar
determinada cantiga-de-roda de forma também repetitiva). Situava-se
qual uma borderline, no limite da normalidade para a anormalidade.
(fonte: a autora)
1. Breve histórico da Educação Especial
Se poucos atingem a sumidade das ciências, apesar de
muitos, com até certo ponto o conseguem com fadiga,
ansiedade, mal-estar e vertigem, depois de tropeçarem e
caírem muitas vezes, isso não significa que haja coisas
inacessíveis para o engenho humano, mas apenas degraus
mal dispostos, curtos, gastos, desastrosos, ou seja, um
método intrincado. Outrossim, é certo que se pode
conduzir qualquer pessoa a qualquer altura, dispondo de
degraus bem feitos, íntegros, sólidos, seguros. (Comenius,
2002, p.115)
Nesta seção, ao apresentar um breve histórico faço alguns comentários para mostrar a
alteridade deficiente em diferentes tempos. Em outras palavras, mostrar as padronizações e
disposições que foram sendo estabelecidas por diferentes critérios em diferentes momentos
históricos. Meu interesse ao mapear o campo da Educação Especial, é discutir a produção da
infância deficiente, especial, como uma construção histórica. Ou seja, uma descrição da
história das muitas interpretações que são contadas e que nos tem sido apresentadas como
verdades, ao tentar classificar os débeis, retardados, enfim os considerados deficientes,
anormais. Em diferentes momentos históricos, o meio social procurou identificar e marcar
aqueles indivíduos que não se enquadravam nos padrões de normalidade. Poderia explorar a
figura de várias deficiências como figuras da anormalidade (o surdo, o cego, o deficiente
físico, o deficiente mental, etc.), mas como o meu interesse de pesquisa não está focado para
uma deficiência específica, apenas utilizo alguns exemplos para discutir o campo da anomalia
como uma forma de problematizar as tantas tentativas produzidas para melhorar e corrigir
aqueles que representam um risco para a sociedade.
Para desenvolver tais questões, recorro a autores como, por exemplo, Misés (1977),
Benvenuto (2006), Foucault (2005), Bauman (1998, 2001) para mostrar alguns deslocamentos
que a cultura clássica sofreu a partir do século XVII. Tal deslocamento mostra a passagem de
uma representação medieval da loucura (a figura da “naus dos loucos”) considerada como o
lugar imaginário para uma representação da loucura como uma separação entre a razão e a
desrazão.
Em Os anormais, Foucault apresentou alguns elementos que lhe permitiram
estabelecer o estatuto jurídico-biológico do anormal. Um exemplo: “Para além dos loucos,
selvagens e os imbecis, a figura do surdo foi utilizada, até o século XIX, para interrogar as
fronteiras entre o homem e a besta” (Benvenuto, 2006, p.230).
Inclusão escolar e a educação para todos
92
Conforme alguns estudos, pode-se perceber que desde a Antiguidade medidas
extremas foram tomadas em relação ao considerado retardado ou anormal. Isto é, “o retardado
aparece ora como depositário do mal, fonte de repulsa, de medo, objeto de maldição, ora
como o beneficiário de uma proteção particular, o detentor de poderes fora do comum”
(Misés, 1977, p.13).
No Egito os retardados eram divinizados, enquanto as cidades gregas os faziam
desaparecer. Em A República de Platão aparece de forma muito clara a preocupação com a
elevada perfeição do indivíduo: “Para os filhos dos indivíduos inferiores e mesmo os dos
grupos que tenham alguma deformidade, serão levados à paradeiro desconhecido e secreto”
(Platão, 1997, p. 163). De certa forma, através de uma supervisão eugênica das relações
reprodutoras se teria um maior controle da população:
[...] não basta educar uma criança de forma adequada; ela deve nascer de
forma adequada, de pais selecionados e saudáveis: a educação deve começar
antes do nascimento. Os filhos nascidos de uniões não autorizadas, ou
deformados, devem ser abandonados, e deve-se deixar que morram. (Platão
apud Durant, 1996, p.58)
E, ainda, Platão enfatiza que “a sociedade eugênica deve ser protegida tanto da doença
e da deteriorização interna quanto dos inimigos externos” (Durant, 1996, p.59). Esse mesmo
autor, salienta que o Estado justo proposto por Platão refere-se à sociedade perfeita na qual
“cada classe e cada unidade estivesse fazendo o trabalho ao qual sua natureza e sua aptidão
melhor se adaptassem; aquela em que nenhuma classe ou indivíduo iria interferir nos outros,
mas todos iriam cooperar na diferença para produzir um todo eficiente e harmonioso”
(Durant, 1996, p.60).
Segundo os ensinamentos de Sêneca (apud Misès, 1977, p.13), tanto os animais
quanto as crianças recém-nascidos mal constituídos eram asfixiados: “[...] mesmo as crianças,
se forem débeis ou anormais, nós as afogamos; não se trata de ódio, mas de razão que nos
convida a separar das partes sãs aquelas que podem corrompê-las”.
[...] Na Antiguidade clássica, em Esparta, Atenas e Roma, as crianças que
nasciam disformes eram “expostas”. Esta prática consistia em levar as
crianças a um lugar secreto fora da cidade para deixá-las morrer ou afogar-
se. As deformidades eram percebidas através de signos exteriores do corpo -
pernas tortas, dedos a mais nas mãos, pés disformes. (Benvenuto, 2006,
p.231)
Nas palavras dessa autora, Delcourt diz que “se elas eram expostas é porque davam
medo: eram signos da cólera dos deuses e eram, também, a razão (dessa cólera)”. Em Esparta
Inclusão escolar e a educação para todos
93
as crianças consideradas pouco resistentes eram também assassinadas; elas eram propriedades
do Estado.
Em Roma é possível perceber uma certa ambivalência em relação a um novo princípio
adotado, qual seja: o da tutela e da curatela. Tal princípio aparece na Lei das XII Tábuas que
igualmente ordena o desaparecimento das crianças mal constituídas ou vistas como
monstruosas o mais cedo possível. “A autoridade civil ou religiosa se encarregava da tarefa,
se os pais demorassem a executá-la” (Misès, 1977, p.14). Conforme esse autor, a
complexidade se apresenta a partir da possibilidade dessa criança ser morta ou apenas ser
submetida a um ritual de purificação.
Conforme Canguilhem, na Idade Média “vê-se aos loucos viverem em sociedade com
os sãos e os monstros, com os normais” (apud Benvenuto, 2006, p.232). No espaço medieval
parece que foi possível pensar nas misturas: misturar os retardados com os loucos, assim
como reuni-los aos criminosos e aos possuídos pelo demônio. Nessa mesma operação, a
rejeição era marcada pela culpabilidade e acompanhada de justificações.
Foucault (2001a) descreve o espaço medieval como um conjunto hierarquizado de
lugares: lugares sagrados e lugares profanos, lugares protegidos e lugares abertos e sem
defesa, lugares urbanos e lugares rurais (onde acontece a “vida real” dos homens). Além
desses lugares, havia para a teoria cosmológica, os lugares supracelestes que eram
considerados opostos ao lugar celeste. O lugar celeste, por sua vez, se opunha ao lugar
terrestre; havia também os lugares onde as coisas se encontravam colocadas porque elas
tinham sido violentamente deslocadas, e depois os lugares, pelo contrário, onde as coisas
encontravam sua localização e seu repouso naturais. De modo que, toda essa hierarquização,
essa oposição e esse entrecruzamento de lugares era o que se poderia chamar de espaço
medieval: espaço de localização. Segundo Foucault (2001a, p.412), “[...] o lugar da Idade
Média se encontrava aí de uma certa maneira dissolvido, o lugar de uma coisa não era mais do
que um ponto em seu movimento, exatamente como o repouso de uma coisa não passava do
seu movimento infinitamente ralentado”
Santo Agostinho (354-430) foi um dos filósofos que evocou sobre o tema da culpa.
Ele procurou desenvolver a idéia segundo a qual as crianças idiotas não fazem senão expiar as
faltas dos pais. Ao referir-se a essas crianças retardadas, ele diz que elas são às vezes tão
repelentes que não têm mais espírito do que o gado” (apud Misès, 1977, p.14).
Com Santo Tomás de Aquino, seis séculos mais tarde, vê-se afirmar uma outra
concepção, ou seja, a imbecilidade não mais como pecado mas como purificação. O filósofo
diz o seguinte: “A imbecilidade é uma perda de fineza do espírito e uma fraqueza da
Inclusão escolar e a educação para todos
94
inteligência. A imbecilidade, que é uma espécie de demência natural, não é absolutamente um
pecado” (apud Misès, 177, p.15).
A partir do século XII, é importante lembrar a influência das heresias que atribuíam à
ideia de uma “demonização” do homem, reforçando a noção do pecado e do mal como origem
da loucura e da possessão. Parece que o sentido dado à Inquisição como uma prática da Igreja
Católica para “arrancar o demônio” do corpo da pessoa era justificado pela ”purificação pelas
chamas”. Segundo esse raciocínio, se poderia explicar também a existência de cegos, mudos,
paralíticos, loucos e leprosos como instrumentos de Deus para alertar os homens e mulheres
sobre comportamentos considerados adequados ou para salientar a importância da caridade.
Vê-se surgir, no final da Idade Média, as Irmandades de Caridade, mais conhecidas por Santas
Casas de Misericórdia que estavam baseadas nessa concepção de ajuda aos necessitados,
fundadas pelo ideário cristão (Bianchetti, 2003).
Misès (1997) aponta que ao longo da era cristã e até nossos dias, tais manifestações
cruéis de rejeição misturam-se a sentimentos de culpabilidade e a projetos de reparação
(proteção, piedade, supervalorização, assistencialismo).
Nesse sentido, Foucault (2005, p.87) argumenta que a loucura começa a vizinhar-se
com o pecado, e é talvez aí que se estabelecerá, por séculos, esse parentesco entre o desatino e
a culpabilidade que o alienado experimenta hoje, como sendo um destino, e que o médico
descobre como verdade da natureza”.
A partir de tais considerações, pode-se perceber uma mudança de paradigma do campo
da filosofia para o campo da teologia, de uma dicotomia que deixa de ser corpo-mente e passa
a ser corpo-alma. A alma passa a merecer toda atenção e cuidado, assim como o corpo
mereceu certa atenção quando foi entendido como “templo da alma”. Isso nos ajuda a
entender a ascese, os jejuns, a abstinência, a autoflagelação e também a fogueira da inquisição
como forma de purificação dos pecados de corpo-carne, bem como perceber que com o
moralismo cristão/ católico, a diferença passa a ser sinônimo de pecado.
Em Vigiar e Punir, Foucault (1999) refere-se à alma como:
[...] o elemento onde se articulam os efeitos de um certo tipo de poder e a
referência de um saber, a engrenagem pela qual as relações de poder dão
lugar a um saber possível, e o saber reconduz e reforça os efeitos de poder.
[...] A alma, efeito e instrumento de uma anatomia política; a alma, prisão do
corpo. (Foucault, 1999, p.28-29)
A partir disso, pode-se dizer que a mitologia, a bruxaria, as crenças sobrenaturais
dominaram e afetaram a visão da deficiência, decorrendo daí certos julgamentos morais,
perseguições, encarceramentos, etc. Enfim, meios claramente demonstrativos de valores de
Inclusão escolar e a educação para todos
95
ordem e de controle social (Fonseca, 1991). Parece que a saída para esses indivíduos
considerados loucos, anormais, seria a segregação, que representavam um perigo para si e
para a sociedade.
Michel Foucault (apud Bauman, 1998) lembra que os loucos eram, nos primórdios da
Idade Moderna, arrebanhados pelas autoridades citadinas, amontoados dentro de “naus dos
loucos” e jogados ao mar; os loucos representavam “uma obscura desordem”, um caos
movediço [...] que se opõe à estabilidade adulta e luminosa da mente”; e o mar representava a
água, que “leva deste mundo, mas faz mais: purifica” (Bauman, 1998, p.13). A intervenção
humana não suja a natureza e, ao mesmo tempo, a torna imunda: “ela insere na natureza a
própria distinção entre pureza e imundice, cria a própria possibilidade de uma determinada
parte do mundo natural ser limpa ou suja” (Bauman, 1998, p.14). A partir desse entendimento,
esse autor explica que:
[...] A pureza como uma visão das coisas colocadas em lugares diferentes
dos que elas ocupariam, se não fossem levadas a se mudar para outro lugar,
impulsionadas, arrastadas ou incitadas; uma visão de ordem, isto é, de uma
situação em que cada coisa se acha em seu justo lugar e em nenhum outro. O
oposto da pureza o sujo, o imundo, os agentes poluidores são coisas fora
do lugar. Não são as supostas e assim chamadas características intrínsecas
das coisas que as transformam em sujas, mas tão somente sua localização e,
mais precisamente, sua localização na ordem de coisas idealizadas pelos que
procuram a pureza. (Bauman, 1998, p.14)
Fazendo um salto na história, passa-se a perceber algumas modificações que se
estabelecem pelos movimentos humanitários que se prolongam até os dias de hoje. Dá-se ao
dito “retardado” o direito à cidadania. Tal dimensão humanitária é reconhecida aos
deficientes, criando, de certa forma, as condições de possibilidade para a sua educação.
Muitos são os exemplos que mostram a contrariedade que o “aspecto deficiência” provocou
nas leis jurídicas. As tentativas eugenistas de proibição do casamento entre pessoas com
alguma deformidade ou deficiência; a política de exterminação dos deficientes (mentais,
surdos) sob o regime nazista e as práticas de esterilização de mulheres deficientes ou
anormais, são alguns dos vários exemplos que revelam a insuficiência do estatuto jurídico do
deficiente, apesar dos considerados avanços obtidos pela Revolução Francesa relativos ao
acesso dos deficientes à cidadania (Benvenuto, 2006).
Com a teoria da degenerescência, Platter (apud Misès, 1977) esboça estudos
interessantes sobre os retardados, definindo a imbecilidade congênita. Platter parece adiantar a
ideia de que com o exercício intelectual pode-se evitar o agravamento da imbecilidade. Em
sua teoria da degenerescência afirma que:
Inclusão escolar e a educação para todos
96
[...] Por seus pais, alguns, entre os imbecis, recebem um caráter hereditário e
são causas internas que são então responsáveis pela imbecilidade; daí
decorre muitas vezes que como os homens ativos e inteligentes concebem
seres semelhantes a eles, assim também os improdutivos concebem crianças
de espírito embotado. É porque desde a mais tenra idade elas são marcadas
por tais sinais e porque os receberam de tais pais, que podemos facilmente
estabelecer uma relação de causalidade. (Platter apud Misès, 1977, p.18)
Percebe-se aí que a ênfase teológica começa a deslocar-se para uma ênfase organicista.
Entretanto, é no século XIX que se iniciam “os primeiros estudos científicos da deficiência,
mais inclinados naturalmente para a deficiência mental do que para outras deficiências”
(Fonseca, 1991, p.10). Neste período, vale salientar os estudos de Esquirol (1722-1840), Pinel
(1754-1826), Fodéré (1764-1835), Itard (1774-1838), Morel (1809-1837), Séguin (1812-
1880), Down (1828-1896), entre outros. Nesse conjunto de estudos, é importante referir os
trabalhos de Binet e Simon, por um lado, e de Freud, por outro, que vieram a contribuir dando
uma nova visão à problemática da deficiência. De um lado a criação do conceito de idade
mental; e de outro, o nascimento da psicanálise como técnica terapêutica. Tais aspectos
trouxeram novos entendimentos “à compreensão e à educação da criança deficiente”
(Fonseca, 1991, p.10).
Alguns estudiosos consideram que os grandes avanços na compreensão das
perturbações do desenvolvimento, especialmente do desenvolvimento cognitivo, ocorreram
no século XIX, com a Psiquiatria. Foram os psiquiatras franceses Domonique Esquirol (1845)
e Philipe Pinel (1806) que estabeleceram a distinção entre o caráter transitório da doença
mental e o caráter permanente dos déficits cognitivos da DM (deficiência mental).
Binet, em 1904, critica a confusão ou a indeterminação na maneira como é feita a
avaliação intelectual. Nesse sentido, Binet e Simon criam uma série de provas chamadas
“escalas métricas da inteligência”, que servem de instrumento de avaliação da inteligência; o
resultado é chamado inicialmente de “idade mental”. Essa medida, que se referia às
performances de acordo com a idade do sujeito, mais tarde recebeu o nome de “quociente de
inteligência” (QI). O “famoso” QI passou a ser a medida que por muito tempo foi utilizada de
forma abusiva, devido seu suposto caráter científico. As “Escalas de Binet” se originaram na
França quando, em 1904, o ministro de educação francês reuniu médicos, cientistas e
professores com o objetivo de estabelecer um método para resolver o problema da
escolarização de crianças consideradas mentalmente retardadas (Freitas, 2005).
Nesse contexto, a criança média foi entendida como uma ficção, que corresponderia
ao tipo de criança desta sociedade; não o modelo, o original de que tais crianças reais seriam
cópias mais ou menos conformes, mas antes a sua referência comum (Ewald, 1993, p.95).
Inclusão escolar e a educação para todos
97
Como diz o autor, a noção de homem médio se refere a “um novo juízo sobre os indivíduos, o
único, aliás, que seria cientificamente possível”. Aqui, vale a citação do autor:
[...] Com a teoria do homem médio, Quetelet não faz mais do que propor um
modo de individualização dos indivíduos, já não a partir de si próprios,
daquilo que seria a sua natureza ou que deveria ser o seu ideal, mas a partir
do grupo ao qual pertence. A teoria do homem médio, não é senão o
instrumento que vai permitir referenciar uma população, uma coletividade e
os indivíduos que a compõem, já não em relação a algo que lhes seria
exterior, (...) mas em relação a si mesma. (Ewald, 1993, p.95)
Conforme Wong (2008), o astrônomo e estatístico belga Quetelet foi uma figura
fundamental na formação do desenvolvimento da criança. Para Quetelet, como leis que
governam o céu e as sociedades humanas, leis que governam os variados poderes
humanos/ individuais. O pensamento estatístico foi a chave para descobrir tais leis que regem
o desenvolvimento da criança, relacionadas aos aspectos de sua maturação, suas
aprendizagens (Wong, 2008). Ele usou dados de vários estudos antropométricos para
descobrir o que seria uma pessoa média em vários pontos de seu desenvolvimento.
[...] as características do “o homem médio” poderiam ser considerados um
“tipo de perfeição” de um grupo em uma determinada época. [...] Os valores
médios, como normas, não são meros construtos. Eles têm efeitos reais sobre
a vida das pessoas: normal conota saudável, anormal sugere desvio. As
pessoas são motivadas, então, a moldarem-se de acordo com tais normas.
(Wong, 2008, p.92)
Assim as características do homem médio serviriam como um padrão pelo qual se
mediria o desenvolvimento dos indivíduos, bem como representariam o estado normal e
saudável do indivíduo de uma população.
Nessa sinopse histórica, faltou referir os períodos das e Grandes Guerras (pós-
guerra), que vieram imprimir novos dados ao problema da deficiência com o estudo da
neurologia e da patologia (Fonseca, 1991).
Dentro desse quadro de estudos sobre a deficiência, ressalto, por exemplo, as
contribuições de Itard, Séguin e Montessori que na busca de ultrapassar condições
psicológicas, mentais e até físicas não favoráveis ao desenvolvimento intelectual da criança,
propuseram, através de suas pesquisas e experimentos, métodos para educar indivíduos
considerados deficientes. Nessa busca de ultrapassar barreiras, o marco inicial será a
descoberta e a tentativa de integração de Vitor, o “selvagem de Aveyron”, à sociedade
francesa no início do século XIX. Enquanto que para Pinel, na perspectiva médico-
organicista, Vitor não passava de um idiota, para Itard, na perspectiva pedagógica, Vitor podia
ser educado.
Inclusão escolar e a educação para todos
98
Itard é considerado, desde o início do século XIX, um dos responsáveis pela expansão
do poder médico. Como aponta Benvenuto (2006), o clamor dos pronunciamentos médicos
era no sentido de enquadrar a sociedade toda, a fim de fazê-la viver segundo a norma. Essas
seriam as condições de possibilidade que inscreveram, numa mesma perspectiva, tanto o
passado quanto a atualidade.
O processo de educação de Vitor (avanços, retrocessos e fracassos) tarefa assumida
por Itard, pode ser encontrado nos relatórios realizados por esse pesquisador. Segundo
Pessotti (apud Bianchetti, 2003), tanto Itard quanto Séguin são considerados precursores da
teoria psicogenética, que procuraram desenvolver um método que fosse aplicável não aos
idiotas, mas a qualquer outra deficiência. É a partir de tais estudos que se pode pensar que as
pesquisas de Itard estabeleceram as bases para a revolução da Educação Especial. Suas
descobertas fundamentaram as propostas de vários estudiosos quanto para àqueles que
trabalham com indivíduos considerados deficientes mentais, por exemplo. Dentro de tais
fundamentos, começa-se a dar visibilidade a determinadas ações preventivas e corretivas
sobre esse indivíduo considerado deficiente ou anormal. Portanto, a educabilidade dos
indivíduos, dadas as suas deficiências, e mesmo não enquadrando-se aos padrões de
normalidade, deve acontecer de maneira que eles possam ser integrados à escola e à
sociedade.
Assim, será o ensino especializado, as estratégias ortopédicas (prevenção e correção)
aplicadas desde o início do século XIX, que por sinal não cessaram de aperfeiçoar-se durante
um século, que tornará às instituições educativas para os deficientes um espaço policial, onde
a criança será submetida a uma rigorosa organização do espaço e tempo escolar. “Ao mesmo
tempo, começa a ser aplicada uma política de prevenção de doença e de perversões morais”
(Benvenuto, 2006, p.240) de que a criança deficiente era (é) supostamente portadora.
No início do século XX, a críticas feitas às instituições de classes especializadas
revelam a incapacidade destas de satisfazer as necessidades dos deficientes, especialmente
dos deficientes mentais, uma vez que as considerações técnicas e reparadoras ampliadas pela
Psicometria dão lugar aos saberes de ordem demográfica e eugênica. Os estudiosos da época
denunciam o caráter hereditário da deficiência mental e a importância de identificar e tratar o
mais cedo possível. A segregação em colônias, como tratamento a ser aplicado, parece ter
sido um método ideal e satisfatório (Misès, 1977).
Nessa abordagem, que assume a deficiência como um perigo, torna-se indispensável
que a sociedade crie leis que assegurem que esses incapazes não propagarão a sua espécie.
Por exemplo: “Todo deficiente mental, e sobretudo o imbecil leve é um criminoso em
Inclusão escolar e a educação para todos
99
potencial, que não tem necessidade de um ambiente favorável para desenvolver e exprimir
suas tendências criminosas” (Fernald apud Misès, 1977, p. 20). O sentimento que
predominava era de que a sociedade se encontrava em constante perigo ao conviver com o
deficiente mental, com o anormal.
Talvez se possa dizer que por muito tempo não se questionou a etiologia orgânica, a
ideia do déficit e sua significação, assim como o lugar que é dado à criança na família e na
escola. Assim, a deficiência mental, por exemplo, pouco tempo deixou de pertencer ao
quadro do retardamento ou da debilidade. Conforme Misès (1997), a partir de uma abordagem
psicanalítica, é que as perturbações mentais da criança ganharam novos contornos e
entendimentos.
A partir de tais comentários sobre o que hoje se chama de deficiência mental, por
exemplo, pode-se ter alguma noção sobre o significado da abordagem científica e das
tentativas de educação, que ao mesmo tempo foram sustentadas por atitudes humanitárias e
assistencialistas. As atitudes redentoras, assim como as afirmações de violência do
movimento de limpeza étnica para exorcizar “o mal” (os assassinatos dos retardados pelos
nazistas), marcam de certa forma tal ambivalência. Parece que por um longo período, não foi
permitido ao deficiente situar-se como sujeito participante de seu contexto social.
Num contexto em que a culpabilidade se desloca e infiltra-se nos muitos discursos
técnicos e corretivos sobre a deficiência, assumindo uma posição digamos assim, mais
humanitária, é que pode-se perceber, como disse, o caráter ambivalente de tal posição.
Associa-se a isso, a noção do que é considerado o politicamente correto, pois não é mais de
bom-tom manifestar uma atitude caridosa em relação à deficiência. Tal atitude caridosa ou
assistencialista estaria revelando as condições inferiores do outro, humilhando e excluindo
esse outro que chamamos de deficiente, especial. E é nesse discurso, mais recente, que o
interesse pela inclusão dos alunos considerados deficientes assume outras proporções. Ou
seja, o novo tom dado à inclusão na Contemporaneidade estaria voltado mais à celebração e à
proliferação das diferenças e a novas formas de condução das condutas, sustentando, assim, a
ideia do sujeito empresário de si.
2. A produção da infância deficiente
Continuando tal discussão, pode-se dizer que historicamente, alguns estudos
mostraram que a educação das pessoas com deficiência constituiu-se de forma segregada e
excludente. Ela surgiu com caráter assistencialista e terapêutico pela preocupação dos
religiosos e filantropos da Europa. Mais tarde, nos Estados Unidos e Canadá, surgiram os
primeiros programas para promover atenção e cuidados básicos de saúde, alimentação,
moradia e educação dessa parcela da população, até então marginalizada e abandonada pela
sociedade.
Os estudos de Mendes (2006) mostram que por um longo tempo o cuidado com essas
crianças foi meramente custodial, e a institucionalização em asilos e manicômios foi a
principal resposta social para tratamento dos considerados desviantes. O tratamento
segregador dado a tais crianças estava baseado na crença de que os desviantes/deficientes
seriam mais bem cuidados e protegidos se confinados em ambientes separados. Esses
precursores, como Itard e Séguin, conforme citei anteriormente, desenvolveram seus trabalhos
em bases tutoriais, sendo eles próprios os professores desses pequenos selvagens.
É nesse contexto que a Educação Especial, marcada pelos discursos médicos e
pedagógicos, começa, na Europa, a partir do século XIX, a desafiar os conceitos vigentes da
época, na medida em que começam a acreditar nas potencialidades dos indivíduos até então
considerados ineducáveis.
Na segunda metade do século XIX e início do culo XX, as escolas especiais
proliferaram por toda a Europa e Estados Unidos. A Educação Especial surgiu sob o enfoque
médico e clínico, com o método de
ensino para crianças com deficiência mental, criado pela
médica Maria Montessori. Tal método, inspirado na rotina diária e na ação funcional,
fundamenta-se na estimulação sensório-perceptiva e auto-aprendizagem, assim como utiliza-
se de diferentes materiais didáticos como: blocos, cubos e barras em madeira, objetos variados
e coloridos, material de encaixe e seriação, letras grandes em lixa e outros. O método
Montessori foi amplamente difundido e até hoje é utilizado, inclusive no Brasil, na educação
de crianças tanto deficientes quanto para aquelas consideradas normais.
Na Europa e Estados Unidos, em meados do século XX, surgem as associações de pais
de pessoas com deficiência física e mental. No Brasil, são criadas a Pestalozzi e a Associação
de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAES), destinadas à implantação de programas de
reabilitação e Educação Especial. O objetivo de tais instituições era educar, formar e moldar
essa criança incompleta e dependente, considerada débil. A capacidade de ser moldada é a
Inclusão escolar e a educação para todos
101
grande característica da infância. De certa forma, é tal estado de dependência e incompletude
que justifica a sua tutela.
Alvarez-Uría (1996) procura mostrar como a família e a escola como espaços de
normalização e controle social, acabam substituindo a prisão e o manicômio. E é nesse
sentido que “a infância passa a ser o alvo principal dos mecanismos de normalização”
(Alvarez-Uría, 1996, p.103). Nessa gica, a escola passa a criar categorias definindo uma
tipologia, assim como estabelecendo lugares para esses sujeitos. Esse autor marca duas
situações importantes para se pensar a infância anormal e delinquente. Primeira situação: “o
atraso no ritmo de aprendizagem de uma série de crianças foi atribuído a problemas de
inteligência, alterações psíquicas” (Alvarez-Uría, 1996, p.103). Esse grupo de crianças não-
adaptadas e atrasadas no seu desempenho escolar foi considerado anormal. Segunda situação:
o desinteresse pela escola e pelo estudo por parte de um grupo de crianças, oriundas de classes
populares, acabou por definir tal grupo como crianças delinquentes.
Para essas crianças e jovens considerados anormais e delinquentes, foram criados,
então, instituições de controle. Foucault (1999), em Vigiar e Punir, vai analisar instituições
como, por exemplo, a prisão e o manicômio como espaços importantes para manter a ordem
social, pois na falta de tais espaços parece que seria impossível a produção dos sujeitos
“normais”, dos sujeitos adaptados. Em suma, são espaços de defesa da sociedade. Suas
análises estão baseadas a partir do desenvolvimento dos poderes disciplinares, mecânicas das
sujeições exercidas pelas disciplinas que contribuem para criar ao mesmo tempo o que
denominou uma sociedade de normalização. As instituições como a prisão e o manicômio
criam ficções para a manutenção da ordem estabelecida, ou seja, a ficção da liberdade e a
ficção da racionalidade do sistema. A função desses espaços é produzir ficções, entendidos
como espaços de poder que operam como laboratórios sociais – são
espaços de observação, de
experimentação e de tratamento de sujeitos que se caracterizam por sua periculosidade social.
Segundo Alvarez-Uría (1996), é importante salientar que com o funcionamento das
pedagogias corretivas, mas, principalmente das pedagogias psicológicas, começa-se a
perceber uma renovação no campo da pedagogia atingindo diretamente as instituições
escolares. Esse autor aponta que “através da infância desviada se produz uma miniaturização
da lógica psiquiátrica e criminológica como um prolongamento e transformação desse
paradigma” (Alvarez-Uría, 1996, p. 104). Com isso, produz-se uma certa “flexibilização dos
códigos, uma ampliação das respectivas populações e um afrouxamento das velhas estruturas
materiais de isolamento, tratamento e proteção dos socialmente perigosos” (Alvarez-Uría,
1996, p.104).
Inclusão escolar e a educação para todos
102
De acordo com esse mesmo autor, Castel tem mostrado que “as novas instâncias de
controle e de normalização, mais flexíveis e eficazes, que funcionam a partir da psicologia,
estão em vias de assumir os fins que cumpria a instituição totalitária” (Alvarez-Uría, 1996,
p.104).
Parece-me que é na esteira disso que Varela (apud Alvarez-Uría, 1996, p.105) se
refere à Educação Especial como um campo que “começou ocupando, em um primeiro
momento, uma posição secundária e marginal em relação à pedagogia da infância, mas que
terminou por triunfar e por transformar todo o âmbito da pedagogia escolar”. Pois, como diz
Alvarez-Uría (1996, p.105), “historicamente a infância anormal aparece como o elo perdido
entre as grandes patologias do século XIX e a atual extensão do psicocontrole [psicopoder]”.
As análises foucaultianas salientam que foi no desenrolar do século XVIII que os saberes do
campo psi tornaram-se saberes tanto médicos como análise e tratamento das anomalias de
comportamento –, quanto judiciários – como regramento e controle sobre a boa conduta
social.
Pode-se dizer que, no contexto europeu, o processo de institucionalização da escola
especial iniciou- se em 1908, com a fundação do Instituto Psiquiátrico-Pedagógico para
crianças e jovens anormais, psicopatas (Alvarez-Uría, 1996). É importante salientar que a
escola se institui como um espaço civilizador, como um programa regeneracionista,
funcionando como uma peça fundamental na construção de uma ordem social civilizada. Pois,
como assinala Binet (apud Alvarez-Uría, 1996, p.108), “as classes populares e miseráveis não
apresentam unicamente sinais de degeneração física. A degeneração física vem acompanhada
de degeneração intelectual e moral”.
Junto a essa discussão, Muel (1991) ressalta que o movimento em favor da infância
anormal esteve amplamente articulado ao movimento que se refere à “infância em perigo” (a
higiene contra os maus cuidados, a moral contra a corrupção da rua, a instituição reformatória
contra a debilidade dos pais e da delinquência)”. Essa autora destaca que a instituição
reformatória “busca a elevação moral das crianças que, devido a múltiplas circunstâncias,
estariam chamadas a converterem-se em maus sujeitos” (Muel, 1991, p.128). A educação dos
anormais pode ser resumida na seguinte frase: “dar a esses enfermos a capacidade de fazer um
trabalho cujo produto compense seus gastos” ou “máximo de educação prática e o mínimo de
instrução escolar” (Muel, 1991, p.125).
A autora também salienta que “essas instituições reformatórias (beneficência,
prevenção médico-pedagógica), cujos fins são distintos, apresentam numerosos traços comuns
que permitem delimitar as funções sociais desse conjunto institucional” (Muel, 1991, p.128).
Inclusão escolar e a educação para todos
103
Desse modo, a autora destaca que “os especialistas da infância anormal foram com frequência
propagandistas das sociedades de patronato, referindo-se também que as crianças foram as
mesmas socialmente e que apenas trocaram-se os nomes de ‘correção moral’ para ‘ortopedia
mental’” (Muel, 1991 p.128).
No campo da infância anormal, aparece também um outro tema referente à infância
que é a família. Proteger a criança desses pais considerados desnaturados, irresponsáveis
pelos cuidados dos seus filhos, parece ter sido o objetivo de tais instituições de caridade. Em
relação a isso, Muel (1991, p.130) diz o seguinte: “o mal chegou a tal ponto que foi preciso,
há dois anos, criar uma lei para suprimir a autoridade paterna àqueles pais desnaturados que a
desonram e se servem dela unicamente para atormentar as instituições de caridade”.
Muel (1991) argumenta que o tema dos anormais está associado em praticamente
todos os discursos ao tema da “seguridade” (sobre a vida). O que parece ser importante é que,
de certa maneira, se assegura o futuro das crianças para assegurar a própria sociedade dos
males que, por ventura, essas crianças, se não cuidadas e tratadas, possam vir a causar. Tais
saberes tanto médicos quanto judiciários podem ser vistos como capazes de avaliar e evitar o
duplo risco que cada um corre: o risco de ser um anormal e o risco de conviver com um
anormal. No caso da criança considerada anormal (deficiente, especial), essa autora nos
aponta o discurso médico-pedagógico como um discurso que “retoma as categorias
psiquiátricas dos antepassados (transtornos profundos) e serve-se destas, como ponto de
partida, para definir os transtornos menos profundos (os “atrasados” e os “instáveis”)” (Muel,
1991, p.136). Nesse sentido, tal discurso reforça o pensamento predominante nas ações
escolares centradas no caráter natural das aptidões e das inaptidões.
Considero importante o comentário que a autora faz acerca da natureza das
capacidades e das carências intelectuais dos atrasados, uma vez que relaciona a hierarquia das
matérias (conteúdos) ensinadas na escola com a aprendizagem e a origem social das crianças.
E isto parece que exigiu (e exige) uma prática escolar bastante comum, ou seja: estabelecer
quais matérias são mais nobres aprender e quais são menos nobres aprender (Muel, 1991).
Os estudos realizados pela autora, enfatizam que “a classificação dos especialistas do
campo médico-pedagógico convergem com as da escola, reforçando, mediante a contribuição
de um aparato científico de medição, a ideologia dos dons naturais” (Muel, 1991, p.142).
Mediante tal contribuição é que a escola acaba classificando os sujeitos em capazes e
incapazes, em incluídos e excluídos.
3. A normalização como um processo de in/exclusão
Bauman (1999) mostra que na sociedade moderna, e sob a égide do Estado Moderno, a
aniquilação cultural e física dos estranhos e do diferente foi uma destruição criativa,
demolindo, mas construindo ao mesmo tempo, mutilando, mas corrigindo... Sob a pressão do
anseio da moderna constituição da ordem, os estranhos viveram, por assim dizer, num estado
de extinção contida. Por definição, os estranhos eram uma anomalia a ser retificada.
No entendimento desse autor, classificar significa “separar, segregar, dar ao mundo
uma estrutura: manipular suas possibilidades, tornar alguns eventos mais prováveis que
outros, comportar-se como se os eventos não fossem casuais ou limitar ou eliminar sua
causalidade” (Bauman, 1999, p.9). Nessa concepção, a linguagem esforça-se em sustentar a
ordem e negar ou suprimir o acaso e a contingência. E, ainda, nas palavras desse autor, um
mundo ordeiro é considerado um mundo no qual “a gente sabe como ir adiante” (Bauman,
1999, p.10).
Pode-se dizer, assim, que o arcabouço central tanto do intelecto quanto da prática
moderna é a oposição – mais precisamente, a dicotomia. A dicotomia pode ser pensada como:
[...] um exercício de poder e que cria uma ilusão de simetria. A falsa simetria
dos resultados encobre a assimetria de poder que é a sua causa. O segundo
membro não passa do outro do primeiro, o lado oposto (degradado,
suprimido, exilado) do primeiro e sua criação. Assim, a anormalidade é o
outro da normalidade, o desvio é o outro do cumprimento da lei, a doença é
o outro da saúde, a insanidade é o outro da razão, etc. Um lado depende do
outro, mas a dependência não é simétrica. O segundo lado depende do
primeiro para seu planejado e forçado isolamento. O primeiro depende do
segundo para sua auto-afirmação. (Bauman, 1999, p.22)
Com base nesses argumentos, vale salientar que o interesse pela pureza e o associado
interesse pela inclusão dos alunos considerados deficientes, anormais têm uma relação mais
do que acidental com a fragilidade da ordem. A ordem significa um meio regular e estável
para os nossos atos; um mundo em que as probabilidades dos acontecimentos não estejam ao
acaso, mas arrumadas numa hierarquia estrita de modo que certos acontecimentos sejam
altamente prováveis, outros menos prováveis, alguns virtualmente impossíveis (Bauman,
1998). Esse autor faz uma interessante discussão quando associa inicialmente o projeto
moderno aos processos de liquefação e de derretimento dos sólidos, não para construir um
mundo livre, mas para substituir os sólidos existentes (deficientes e defeituosos) por outros
(melhorados e talvez perfeitos) (Bauman, 2001).
Inclusão escolar e a educação para todos
105
Aqui, vale trazer o exemplo de algumas crianças ou jovens em situação de não-
aprendizagem. Tal exemplo se refere aos alunos considerados incapazes de aprender ou, por
não conseguirem um determinado aproveitamento satisfatório, passam a ser considerados
inaptos. Uma vez que o critério da pureza é a aptidão de participar do jogo (de aprender, de
ser produtivo), os deixados fora como um problema, como a sujeira que precisa ser removida,
são aprendizes falhos pessoas incapazes de responder às solicitações da instituição escolar
porque lhes faltam os recursos requeridos, porque são tidas como pessoas incapazes de ser
indivíduos autônomos e competentes. Portanto, são eles os impuros, que não se ajustam ao
novo esquema da pureza, eles são os objetos fora do lugar.
De certa forma, tal argumento está diretamente associado a uma idéia tão proclamada
nas políticas de inclusão, ou seja, a noção de que “para compreendermos as coisas temos de
agrupar todos”. Parece que é na convivência com o outro que existe a oportunidade de
melhorar condições daqueles considerados menos aptos, deficientes, etc. Nesse ideal
harmônico, a Modernidade, como uma forte tentativa de “dar conta de tudo, cobrir tudo”,
estaria ao mesmo tempo anulando a diferença e mantendo a desigualdade. Dessa forma,
estaria reduzindo tudo ao “mesmo”.
Aqui, seria importante pensar a inclusão como uma operação de ordenamento que fixa
quem somos nós e quem são os outros, assim como procura capturar os perigosos, os
estranhos. Ao me aproximar desse outro, acabo estabelecendo algum saber sobre ele.
Seguindo esse raciocínio, é interessante apontar para uma das análises de Foucault
(2001) sobre os processos de inclusão e exclusão dos indivíduos, na Idade Média, através de
medidas tomadas em relação aos leprosos e aos doentes da peste: os primeiros eram os
excluídos e os segundos eram os incluídos. Sobre os leprosos, o filósofo francês afirma que “a
exclusão da lepra era uma prática que comportava uma divisão rigorosa, um distanciamento,
uma regra de não-contato entre um indivíduo (ou um grupo de indivíduos) e outro” (Foucault,
2001, p.54). Em outras palavras, significava colocar tais indivíduos fora dos muros da cidade
implicando, de certa forma, uma desqualificação tanto moral quanto jurídica e política dos
indivíduos, assim, excluídos e expulsos. Então, esses, exilados em um lugar confuso, iriam
misturar sua lepra à lepra dos outros.
Segundo Foucault (2001), parece que o modelo de exclusão, que expulsa os indivíduos
leprosos, cujo objetivo era purificar a comunidade, acabou desaparecendo, no final do século
XVII e início do século XVIII. Em compensação, outro modelo foi reativado. Tal modelo,
segundo esse autor, é quase tão antigo quanto o da exclusão do leproso. É o problema da peste
e do policiamento da cidade empesteada. Mas, cabe aqui ressaltar que a prática relativa à
Inclusão escolar e a educação para todos
106
peste era muito diferente da prática relativa à lepra. Pois o território relativo à peste não era
território confuso para o qual se repelia a população da qual a cidade devia purificar. Tal
território era objeto de uma análise sutil e detalhada, de um policiamento minucioso.
Enquanto a exclusão é o afastamento e o desconhecimento, a inclusão, cujo modelo
inicial é o controle da população vítima de peste na Idade Média, é o modelo do
conhecimento e do exame. Conforme Foucault (2001), a cidade em estado de peste era
dividida em distritos, quarteirões, bairros e ruas que eram isolados e vigiados. E tudo o que
era assim observado devia ser registrado, de forma permanente, por essa espécie de exame
visual e, igualmente, pela transcrição de todas as informações em registros.
A partir de então, pode-se ver que não se trata de uma espécie de demarcação maciça
entre dois tipos, dois grupos de população, isto é, a que é pura e a que é impura, a que tem
lepra e a que não tem. Trata-se, ao contrário, de uma série de diferenças sutis e
constantemente observadas entre os indivíduos que estão doentes e os que não estão. No caso
da peste, trata-se de uma tentativa para maximizar a saúde, a vida, a longevidade, a força dos
indivíduos. O mais importante é produzir uma população sadia. Foucault (2001) aponta para a
questão da individualização e, por conseguinte, para uma economia das relações de poder, que
chega a atingir o grão fino da individualidade, ou seja, o momento da peste é o momento do
policiamento exaustivo de uma população por um poder político, cujas ramificações capilares
atingem sem cessar o próprio indivíduo, seu tempo, seu hábitat, sua localização, seu corpo.
Atualmente, o que se pode dizer, a partir dos estudos foucaultianos, é que o
posicionamento substituiu a extensão, que substituía a localização. Nesse entendimento, o
posicionamento é definido pelas relações de vizinhança entre pontos ou elementos, ou, ainda,
podem-se descrevê-las como séries, organogramas, grades, etc. Como diz esse autor, estamos
vivendo em uma época em que “o espaço se oferece a nós sob a forma de relações de
posicionamentos” (Foucault, 2001a, p.413).
De certa forma, é interessante perceber como foi acontecendo a distribuição desses
espaços e lugares a partir da concepção de normal e anormal como forma de controle e
regulação da população escolar considerada deficiente, especial. Com relação a isso, vale
salientar sobre a curiosa heterotopia
20
para problematizar a escola, enfim, a sala de aula, como
20
Uso heterotopia, neste texto, no sentido que Foucault (2001a, p.415) emprega: (...) “espécie de lugares que
estão fora de todos os lugares, embora elas sejam efetivamente localizáveis”. Esses lugares, segundo esse autor,
são denominados de heterotopias, por serem diferentes de todos os posicionamentos que eles refletem e dos
quais eles falam.
Inclusão escolar e a educação para todos
107
espaços de inclusão que devem “caber todos”, independentemente de suas capacidades
cognitivas, físicas, etc.
Conforme referi, Michel Foucault (2001), em Os Anormais, chama a atenção para a
substituição do modelo da lepra pelo modelo da peste. Tais modelos correspondem a um
processo histórico importante que foi denominado de tecnologias de poder. Passou-se de uma
tecnologia de poder que expulsa, que exclui, que bane, que marginaliza a uma tecnologia de
poder que é um poder positivo, um poder que fabrica, que observa, que sabe e que multiplica
a partir de seus próprios efeitos. Pensar nos processos de inclusão e exclusão dos grupos ou
indivíduos (escolares), como uma forma de exercício de poder, significa trazê-los para dentro
da cidade (da escola, da sala de aula) para que sejam normalizados, disciplinados e
classificados não necessariamente nessa ordem –, e criando os assim chamados direitos e
deveres específicos para esse sujeito. De um modo geral, esse processo é o que Foucault
chama de processo de normalização através da inclusão.
Nessa direção, a noção de poder em Foucault permite pensar em dois deslocamentos.
O primeiro diz respeito ao espaço ocupado pelo Estado como o ponto focal a partir do qual
emana todo o poder, pois, para Foucault (1997, p.89), “o poder está em toda parte; não porque
englobe tudo e sim porque provém de todos os lugares”. Tal perspectiva é importante para
analisar o Estado incorporando uma analítica do poder que extravasa a pura noção repressiva.
E, exatamente nesse ponto está o segundo deslocamento que é o da própria ressignificação da
noção: o filósofo propõe ver o poder como produtor de verdades, de conhecimento, com
positividade, ao contrário da tradição de ver o poder como sinônimo de sanção negativa. Isso
significa dizer que tais relações “aprofundam-se dentro da sociedade, que não se localizam
nas relações do Estado com os cidadãos ou na fronteira das classes e que não se contentam em
reproduzir ao vel dos indivíduos, dos grupos, dos gestos e dos comportamentos, a forma
geral da lei ou do governo” (Foucault, 1999, p.26). Ainda, sobre o poder, esse autor completa
dizendo que:
[...] temos antes que admitir que o poder produz saber (e não simplesmente
favorecendo-o porque o serve ou aplicando-o porque útil); que poder e saber
estão diretamente implicados; que não relação de poder sem constituição
correlata de um campo de saber, nem saber que suponha e não constitua ao
mesmo tempo relações de poder. (Foucault, 1999, p.27)
Associada à questão do poder, vale ressaltar a dupla realidade da norma. Ou seja, de
um lado: norma como regra de conduta, como oposição à irregularidade e à desordem; de
outro lado: norma como regularidade funcional, como oposição ao patológico e à doença. E é
essa dupla realidade da norma que faz dela um operador tão útil para o biopoder. Ela se
Inclusão escolar e a educação para todos
108
coloca, ao mesmo tempo, sobre um corpo individual e sobre um corpo coletivo do qual esse
corpo individual faz parte e ao qual contribui para dar sentido. Assim, a norma pode ser
entendida como:
[...] uma medida que simultaneamente individualiza, permite individualizar
incessantemente, e ao mesmo tempo torna comparável; como um princípio
de comparação, de comparabilidade, de medida comum, que se institui na
pura referência de grupo a si próprio, a partir do momento em que se
relaciona consigo mesmo; como o resultado de um conjunto de operações
que institui e sentido a polaridades cujos pólos guardam sempre uma
relação assimétrica entre si. (Ewald, 1993, p.86)
Esse autor esclarece que “a norma designa uma medida que serve para apreciar o que é
conforme à regra e o que dela se distingue, mas esta já não se encontra ligada a idéia de
rectidão; a sua referência não é seu esquadro” (Ewald, 1993, p.79). Assim, “a norma toma
agora o seu valor de jogo das operações entre o normal e o anormal ou entre o normal e o
patológico” (Ewald, 1993, p.79). Nesse sentido, o vocabulário da norma se amplia
consideravelmente: norma não se refere apenas ao normal, mas à normalidade, ao
normativo e à normalização.
Na obra Foucault, a Norma e o Direito, Ewald (1993) indica que embora Foucault
tenha estudado vários domínios da ordem normativa, ele não foi um filósofo da norma.
Porém, ao estudar as relações sujeito-verdade, verificou um certo entrecruzamento entre estas
(normas) e as práticas normativas. Assim, Foucault analisa três práticas normativas: as
disciplinas, a segurança e a normalização técnica. Sobre essa questão, seguem algumas
considerações.
É importante salientar que a norma, no âmbito das instituições disciplinares (como,
por exemplo, a escola), assim como individualiza também homogeneíza seu espaço social de
forma que procura potencializar a utilidade dos indivíduos (aprendizagem, produção de
comportamentos, etc.).
Em Vigiar e Punir, Michel Foucault (1999) descreve como aconteceu o deslocamento
(a passagem) da sociedade soberana da época clássica para a sociedade disciplinar moderna.
O que acontece nessa época é uma inversão da função da sociedade de disciplina-bloqueio
para a disciplina-mecanismo; sua função de controle e repressão se desloca para uma função
de produtividade e positividade, ou seja, produção de corpos dóceis, potencializando a
utilidade dos indivíduos. A difusão das disciplinas permite, assim, o surgimento de uma
sociedade de comunicação. De acordo com Foucault (apud Ewald, 1993, p.83), a norma, ou o
normativo é,
Inclusão escolar e a educação para todos
109
[...] ao mesmo tempo aquilo que permite a transformação da disciplina-
bloqueio em disciplina-mecanismo, a matriz que transforma o negativo em
positivo, e vai possibilitar a generalização disciplinar como aquilo que se
institui em virtude dessa transformação. A norma é precisamente aquilo pelo
qual e mediante o qual a sociedade comunica consigo própria a partir do
momento em que se torna disciplinar. A norma articula as instituições
disciplinares de produção e saber, de riqueza, de finança, torna-as
interdisciplinares, homogeneíza o espaço social, se é que não unifica.
A norma é o elemento que vai circular entre o disciplinar e o regulamentador; que vai
aplicar-se ao corpo e à população; que permite a um tempo controlar a ordem disciplinar
do corpo e os acontecimentos aleatórios de uma multiplicidade biológica. Portanto, a norma é
o que pode tanto se aplicar a um corpo que se quer disciplinar quanto a uma população que se
quer regulamentar. Enquanto as disciplinas têm uma abrangência local, agem num nível
microfísico, a segurança destina-se a gerir populações, passando para um nível biopolítico.
Foucault (1997a) ressalta que a população, esse novo personagem, estará presente na
passagem da disciplina a uma outra economia de poder, as seguranças. Mas, esse autor
salienta também que tanto a disciplina quanto os mecanismos de segurança são diferentes
faces da normalização. Trata-se, portanto, de marcar as novas ênfases da normalização.
A disciplina normaliza, pois analisa, decompõe os indivíduos, os lugares, o tempo.
Segundo Fonseca (2000, p.227), normaliza porque “classifica os termos decompostos,
estabelece sequências e ordenações entre eles, fixa procedimentos de adestramento e de
controle e, a partir daí, estabelece uma separação entre o normal e o anormal”.
No final do século XVIII, surge um novo tipo poder que Foucault chamou de
biopoder. Não se trata da substituição de um poder por outro, mas sim de uma outra ênfase.
Ou seja, trata-se de um poder que se aplica à vida dos indivíduos tomados como espécie. Se o
poder disciplinar fazia uma anátomo-política do corpo, o biopoder faz uma biopolítica da
espécie humana. Pode-se considerar a população, conforme já referi, como uma nova
problemática que se cria para dar conta de uma dimensão coletiva que se destina ao controle
da própria espécie humana, por isso, trata-se de uma biopolítica. Disso ocorre um duplo
objetivo: controlar a população e prever seu risco. E é nesse sentido que se faz necessário
investir política e ativamente sobre o corpo múltiplo, com a força do biopoder e mediante a
regulamentação (Veiga-Neto, 2003).
Conforme as análises de Ewald (1993), o risco abrange toda a população: ninguém
está fora do risco, ninguém está fora da norma. A segurança
21
produz uma responsabilidade
21
Para Ewald (1993, p.96), “a segurança não é apenas a operação que, mediante prestações mínimas e graças aos
lucros da mutualidade, permite compensar as perdas que podem atingir um ou outro indivíduo”. O que
Inclusão escolar e a educação para todos
110
coletiva, uma idéia de justiça pelo compartilhamento da responsabilidade, onde cada um deve
dar uma contribuição individual. O risco torna iguais os indivíduos ao colocá-los dentro de
uma mesma categoria, porém desiguala, pois cada um tem uma probabilidade de risco
própria. O risco unifica uma população e identifica os indivíduos.
Ewald (1993) salienta ainda que na relação segurança-Estado, a segurança não é
apenas uma instituição do Estado Moderno, mas um fator produtivo, mantendo com ele uma
relação de imanência. O Estado Moderno é um estado concebido como uma vasta segurança.
A sociedade disciplinar é simultaneamente a sociedade seguracional: o papel da disciplina em
relação ao controle dos indivíduos, em relação a um micropoder, é assumido pela segurança
no controle da população, relacionando-se com a biopolítica. A segurança pode ser
considerada como uma tecnologia de risco, um esquema de racionalidade, uma maneira de
ordenar os acontecimentos.
Fonseca (2000), a partir das análises foucaultianas, aponta que as noções de poder
disciplinar, de biopoder e de artes de governar, fundadas de certa maneira na normalização,
supõem um certo tipo de ação sobre os corpos, sobre a gestão da vida e de seus processos cuja
ênfase não recai tanto sobre a imposição de respeito às regras, mas sobre a produção de
comportamentos e a fabricação de subjetividades, de identidades.
Nessa série de estudos de
Foucault, parece despontar algumas das implicações entre o direito e a norma no que se
poderia chamar de uma nova normalização. Trata-se de mostrar como se pode pensar a
sociedade moderna enquanto objeto central de um conjunto de estratégias políticas que atuam
sobre a vida, seus processos e suas regulações: a biopolítica.
Na seção que segue, faço um breve comentário acerca das análises sobre poder,
desenvolvidas por Foucault.
caracteriza a segurança é o fato de permitir efetuar tal repartição não sob a forma de um socorro ou de uma
caridade, mas segundo uma regra de justiça, uma regra de direito.
4. A Sociedade moderna e o poder sobre a vida
Em suas pesquisas, Foucault nos mostra que os poderes não estão localizados em
nenhum ponto específico da estrutura social. Eles funcionam como uma rede de mecanismos
a que nada ou ninguém escapa, não existindo exterior, limites ou fronteiras. É daí que surge a
noção de que o poder não é algo que se detém como uma coisa, como uma propriedade, que
se possui ou não. Para esse autor, não existe, de um lado, os que têm o poder e, de outro,
aqueles que não têm poder. O principal de sua análise, foi mostrar o caráter relacional do
poder. Nessa perspectiva, poder não existe, o que existem são práticas ou relações de poder. O
que significa dizer que o poder é algo que se exerce, que se efetua, e que funciona como uma
máquina social que não está localizada em um lugar exclusivo, mas se dissemina por toda a
estrutura social (Foucault, 2002). Assim, para Michel Foucault, o poder está sempre intricado
em qualquer relação:
[...] Ele é imanente a qualquer relação simplesmente porque em qualquer
relação sempre existe um diferencial entre aquilo de que uma parte é capaz
(de ser, ter ou fazer) e “aquiloutro” de que a outra parte é capaz (de ser, ter
ou fazer). Assim, o poder deve ser compreendido e analisado em
movimento. Deve ser analisado nos movimentos que acontecem ao longo
das malhas da rede social, em cujos nós se situam os indivíduos que, ao
mesmo tempo em que se submetem ao poder, são capazes de exercê-lo.
(Veiga-Neto, 2006, p.24)
Nas análises históricas sobre os poderes, Foucault nos apresenta três modelos de
exercício de poder: o de soberania, o disciplinar e o biopoder. Tais poderes não se excluem,
mas se complementam. Tanto que as tecnologias disciplinares são construídas no âmbito da
soberania, como uma forma de sujeitar o corpo do indivíduo, tornando-o dócil e manipulável.
Resumidamente, pode-se dizer que na teoria clássica da soberania, o direito de vida e
de morte era um de seus elementos fundamentais. Em tal lógica, o fato do soberano ter direito
de vida e de morte sobre seus súditos, significa que ele pode fazer morrer e deixar viver tais
súditos. Aqui, a vida e morte não são fenômenos naturais e nem “se localizariam fora do
campo do poder político” (Foucault, 2005, p.286). Em relação à vida e à morte, o súdito é
neutro, e é por causa do soberano que o súdito tem o direito de estar vivo ou morto. Assim, o
“efeito do poder soberano sobre a vida se exerce a partir do momento em que o soberano
pode matar” (Foucault, 2005, p.286). Portanto, o direito de soberania é o de fazer morrer ou
deixar viver.
Como afirma Foucault (2005, p.292), a teoria do direito “só conhecia o indivíduo e a
sociedade: o indivíduo contratante e o corpo social que fora constituído pelo contrato
Inclusão escolar e a educação para todos
112
voluntário ou implícito dos indivíduos. As disciplinas lidavam praticamente com o indivíduo
e com seu corpo”.
O conjunto de procedimentos que caracteriza o poder disciplinar, tais como
adestramento, ampliação das aptidões e forças, crescimento da utilidade e docilidade, etc.,
configura uma anátomo-política do corpo humano. Mas o que parece caracterizar o poder
disciplinar é o fato de ele dividir o corpo em partes e o treinar com o objetivo de fazer as
partes e o todo funcionarem de forma mais eficiente. Isso acontece de uma forma sutil e
contínua, numa rede de micropoderes, incluindo o uso do espaço, do tempo e das práticas
cotidianas.
Diante da verticalidade do poder “soberano”, caracterizada por uma lógica do deixar
viver, fazer morrer, a violência era utilizada como uma prática exemplar a fim de manter sob
controle determinada população considerada indesejável, anormal. Tal poder refere-se ao
direito de “dispor” da vida de seus súditos; podia retirar-lhes a vida uma vez que lhes tinha
“dado” a mesma. Foucault (1997c) nos mostra um importante deslocamento dos mecanismos
de poder, isto é, de um poder “potência de morte” (de poder matar ou não) para um poder
“potência de vida” (um poder gerador). Tal “potência de vida” ou poder produtivo, que
Foucault (1997c) chama de biopoder, produz forças, as faz crescer, as ordena (ao contrário de
barrá-las, dobrá-las, destruí-las); poder que garante, mantém e desenvolve a vida do “corpo
social” (e somente do soberano).
Segundo Veyne (1998, p.241), o relevante em tais práticas de violência não é a falta de
humanitarismo, “mas sim que essa inocência na atrocidade era legítima. Legal e organizada
pelos poderes públicos o soberano, garantia do estado de sociedade contra o estado de
natureza, era o próprio organizador desses assassinatos em plena praça pública” e, os arbitrava
e os precedia caso fosse necessário. Esse autor argumenta que posteriormente à Antiguidade,
“o poder não mais mata para divertir” (Veyne, 1998, p.242). Isso se justifica pelo fato de que
é no poder político que se oculta a explicação para a supressão dos sacrifícios humanos o
medo político prevaleceu sobre a atração e não no humanitarismo ou na religião como
afirmam alguns estudiosos.
É no final do século XVIII que se instala um novo direito, que é o direito de fazer
viver e de deixar morrer. No plano do contrato social, quando os indivíduos se reúnem para
constituir um soberano, eles o fazem por necessidade ou perigo e para proteger a vida. Por
conseguinte, a vida não deve ficar fora do contrato, na medida em que ela é o motivo
fundamental do contrato. Isso “mostra que o problema da vida começa a problematizar-se no
campo do pensamento político” (Foucault, 2005, p.288).
Inclusão escolar e a educação para todos
113
Assim, é importante destacar que um novo direito começa a instalar-se a partir da
segunda metade do século XVIII, uma outra tecnologia de poder, que não a disciplinar. Uma
tecnologia de poder que não exclui a técnica disciplinar, mas a integra, a embute; uma nova
tecnologia que se instala e se dirige à multiplicidade dos homens na medida em que ela forma
uma massa global afetada por processos que são próprios da vida o nascimento, a morte, a
produção, a doença, etc. (Foucault, 2005). Portanto, a ênfase não está mais na anátomo-
política do corpo humano, mas na biopolítica da espécie humana.
O interessante aqui é perceber que o biopoder não se opõe ao poder disciplinar, mas,
ao contrário, é complementar a ele, ou seja, tanto o biopoder quanto o poder disciplinar são
tecnologias de poder complementares. Se o poder disciplinar é uma tecnologia centrada no
corpo e, portanto, um mecanismo de individualização, o biopoder aparece como uma
tecnologia exercida sobre a vida, sobre a espécie, e não sobre o indivíduo, constituindo-se
num mecanismo de massificação. Da mesma forma que a tecnologia do poder disciplinar tem
como objeto a sujeição do corpo do indivíduo, tornando-o dócil e manipulável, a tecnologia
do biopoder é exercida sobre um corpo, mas não um corpo individual, e sim coletivo a
população.
Nessa nova tecnologia de poder, não é exatamente com a sociedade que se lida e nem
com o indivíduo-corpo, mas com um novo corpo um corpo múltiplo com inúmeras cabeças
e numerável.
Temos, assim, um novo elemento em cena: a população. Esse novo corpo político,
distinto do corpo individual e do corpo social, a um tempo instituído por e objeto sobre o
qual o biopoder se exerce, é a população (Foucault 1999a). “A biopolítica lida com a
população, e a população como problema político, como problema a um tempo científico e
político, como problema biológico e como problema de poder (...)” (Foucault, 2005, p.292-
293).
Em Ditos e Escritos, volume III, Foucault apresenta a noção de biopolítica defendendo
a seguinte hipótese:
[...] com o capitalismo, não passamos de uma medicina coletiva para uma
medicina particular, senão que foi justamente o contrário que aconteceu; o
capitalismo que se desenvolveu no final do século XVIII e no início do
século XIX antes de mais nada socializou um primeiro objeto, o corpo, em
função da força produtiva, da força de trabalho. O controle da sociedade
sobre os indivíduos não se faz somente pela consciência ou pela ideologia,
mas no corpo e pelo corpo. Para a sociedade capitalista, é o biopolítico que
importava antes de mais nada, a biologia, o somático, o corporal. O corpo é
uma realidade biopolítica; a medicina é uma estratégia biopolítica. [...] É
certo que o corpo humano foi reconhecido política e socialmente como uma
Inclusão escolar e a educação para todos
114
força de trabalho. No entanto, parece característico da própria medicina
ocidental que, no início, o poder médico não tenha se preocupado com o
corpo humano enquanto força de trabalho. A medicina não se interessava
pelo corpo do proleteriado, pelo corpo humano, como instrumento de
trabalho. Isso não foi o caso antes da segunda metade do século XIX, quando
apareceu o problema do corpo, da saúde e do nível da força produtiva dos
indivíduos. (Foucault, 2001, p.210)
A dimensão focada no corpo-espécie que caracteriza o biopoder – nascimentos e
mortalidade, saúde, longevidade é um processo também de intervenção e controle regulador
que configura uma biopolítica da população. Portanto, a biopolítica é uma estratégia ao
mesmo tempo de proteção e de maximalização desta força: a vida dos indivíduos começará, a
partir daí, a valer muito, não em nome de uma pretensa filantropia, mas porque ela é
essencialmente força de trabalho. A vida vale porque é útil; mas ela é útil porque é, ao
mesmo tempo, sã e dócil, ou seja, medicalizada e disciplinarizada.
Segundo Foucault (2005), em qualquer sociedade as múltiplas relações de poder
constituem o corpo social; elas não podem funcionar sem uma produção e circulação do que é
considerado como discurso verdadeiro. Nesse sentido, somos submetidos pelo poder à
produção da verdade e podemos exercer o poder mediante a produção da verdade “a
verdade é a norma” (Foucault, 2005, p.29). De uma maneira geral, pode-se dizer que o
problema central de Foucault (2005, p.28) era estudar o “como do poder”, ou seja, “qual é
esse tipo de poder capaz de produzir discursos de verdade que são, numa sociedade como a
nossa, dotados de efeitos tão potentes”?
5. Para além do biológico
Se o sonho moderno levou-nos a pensar numa natureza humana homogênea ou trouxe-
nos a ilusão de pensar que o homem poderia ser entendido completamente a partir de certos
determinismos (psicológicos, biológicos, econômicos), dos quais poderiam ser derivadas
certas leis universais de desenvolvimento (do indivíduo), a atualidade nos tem interpelado a
considerar a alteridade (Skliar e Souza, 2000). Com isso, parece que se coloca em suspeita “os
laços entre o saber que tecemos sobre o outro e o tipo de poder que esse saber quer ter
sobre ele” (Skliar e Souza, 2000, p.261). O fragmento abaixo, retirado da revista Inclusão
(2007), nos remete a tal ideia.
É importante aprender a compartilhar e a partilhar os diferentes tipos de
saberes na busca de condições mais adequadas ao desenvolvimento das
potencialidades presentes da pessoa surdocega. (Farias e Maia, 2007, p.26-
29)
A Contemporaneidade tem sido marcada pela construção de estratégias de regulação e
controle da alteridade. Dessa forma, têm-se produzido diferentes saberes sobre o outro, como
uma forma de sujeitá-lo a verdades constituídas como, por exemplo, o outro deficiente. Parece
que o anseio das teorias totalizadoras/ unificadoras é fixar e estabilizar as identidades
22
- a
demonização do outro e a sua invenção;
a lógica binária; etc
(Skliar e Souza, 2000). Mas cabe
lembrar que mesmo que a tendência da identidade seja para a fixação, a identidade está
sempre escapando. Assim, como a fixação é apenas uma tendência, ela acaba tornando-se
uma impossibilidade (Silva, 2000).
Segundo Veiga-Neto (2000b), uma das tarefas a que se dedicou a biologia humana nos
últimos dois séculos foi classificar e ordenar nossos diferentes atributos e características
físicas, químicas, psicológicas, etc. –, determinando, assim, quem é normal e quem é anormal.
Ou como diz
Foucault (1999, p.493), a biologia ao fazer uma projeção do homem, procura apagar
qualquer sinal ou marca de uma suposta anormalidade:
22
As narrativas apresentadas são exemplos claros de tal anseio: a demonização do outro, quer dizer a ausência de
diferenças ao se pensar a cultura; a delimitação e limitação das suas perturbações; a sua invenção, para que os
outros dependam das traduções “oficiais”; a permanente e perversa localização do lado do fora e do lado do
dentro dos discursos e práticas institucionais estabelecidas, vigiando permanentemente as fronteiras; a sua
oposição a totalidades da normalidade através da lógica binária; sua imersão no estereótipo; a sua produção e
utilização, para assegurar e garantir as identidades fixas, centradas, homogêneas, estáveis (Skliar e Souza, 2000,
p.261).
Inclusão escolar e a educação para todos
116
[...] é na superfície de projeção da biologia que o homem aparece como um
ser que tem funções – que recebe estímulos (fisiológicos, mas também
sociais, inter-humanos, culturais), que responde a eles, que se adapta, evolui,
submete-se às exigências do meio, harmoniza-se com as modificações que
ele impõe, busca apagar os desequilíbrios, age segundo regularidades, tem,
em suma, condições de existência e a possibilidade de encontrar normas
médias de ajustamento que lhe permitem exercer suas funções.
No caso específico da deficiência, parece que ela foi reduzida ao traço biológico a
partir de categorias clínicas, decorrentes da influência hegemônica secular da área médica na
educação especial. Tal traço biológico pode ser observado no excerto abaixo, retirado da
revista Inclusão (2006):
(...) a influência do pensamento clínico significou a edificação de um
sistema educacional paralelo ao sistema de educação formal das crianças
ditas normais. Se, por um lado, a dicotomia decorrente do modelo médico
acentuou o fosso entre os conceitos de doença e saúde, normalidade e
anormalidade, por outro, constatamos a construção, ao longo do século
XIX e XX, de um sistema paralelo de atendimento terapêutico-pedagógico
das crianças com deficiência. A mesma lógica da normatividade, presente
no modelo clínico, em que a pessoa com deficiência ou com algum
distúrbio é vista como incompleta, alimenta o fluxo de fragmentação social
entre a escola ou instituição regular e a escola ou instituição especial.
(Beyer, 2006, p.9-10)
Para colocar essa questão de outro modo, ou seja, questionar se é legítimo ser a
deficiência objetivada a partir da dimensão biológica, é necessário, como diz Skliar (2000),
inverter aquilo que foi construído como regime de verdade. É preciso entender o discurso da
deficiência para então perceber que o objeto desse discurso não é o atributo individual (a
pessoa que está em uma cadeira de rodas ou que tem uma marca no corpo), “se não os
processos sociais, históricos, econômicos e culturais que regulam e controlam a forma acerca
de como são pensados e inventados os corpos e as mentes dos outros” (Skliar, 2000, p.267).
Portanto, trata-se de pensar a deficiência ou os defeitos em nosso corpo não simplesmente
como uma questão biológica, mas como uma questão cultural.
De certa maneira, é interessante perceber como foi acontecendo a distribuição de
espaços e lugares, assim como a definição de posições para cada sujeito, a partir de
classificações, normalizações, como forma de imprimir um modelo de sujeito natural,
necessário e universal. Silva (2000, p.83) esclarece que a normalização é um processo sutil de
poder que elege arbitrariamente uma identidade específica “como parâmetro em relação à
qual as outras identidades são avaliadas e hierarquizadas”.
Esse sujeito normal (ideal) se
estabelece na relação criada com o seu outro que é considerado anormal, deficiente: “a
Inclusão escolar e a educação para todos
117
alteridade resulta de uma produção histórica e linguística, da invenção desses outros que não
somos, em aparência, nós mesmos. Porém, que utilizamos para poder ser nós mesmos” (Skliar
e Souza, 2000, p.264).
Esses autores salientam que a lógica da norma é a adequação do objeto sobre o qual
se aplica um conjunto prévio de pressupostos, assumidos como ‘verdadeiros’ em determinado
momento” (Skliar e Souza, 2000, p.268). A norma é entendida como uma medida que
individualiza e ao mesmo tempo torna comparável, “se institui na pura referência de grupo a
si próprio, a partir do momento em que se relaciona consigo mesmo” (Ewald, 1993, p.86).
Um bom exemplo disso é a metáfora da sociedade como um organismo vivo que permite
relacionar seu funcionamento àquele do próprio corpo humano isto é, a organização social
pode ser vista a partir também das normas médicas/ fisiológicas.
[...] A regulação social tende, portanto, para a regulação orgânica e a imita,
mas nem por isto deixa de ser composta mecanicamente. [...] Mas basta que
um indivíduo questione as necessidades e as normas dessa sociedade e as
conteste sinal de que essas necessidades e essas normas não o as de toda
a sociedade para que se perceba até que ponto a necessidade social não é
imanente, até que ponto a norma social não é interna, até que ponto, afinal
das contas, a sociedade, sede de dissidências contidas ou antagonismos
latentes, está longe de se colocar como um todo. (Canguilhem, 1995, p.228-
229)
Nesse sentido, é possível pensar que os sujeitos incluídos na educação especial foram
narrados e construídos pelos profissionais que trabalham com eles como objetos de estudo
dentro de um discurso de controle e regulação. Tal prática, “medicalizada e orientada para o
cuidado e tratamento uma ortopedia dos corpos e mentes –, serviu ao seu propósito
institucional de fronteira de inclusão/ exclusão” (Skliar e Souza, 2000, p.268).
Considerando a deficiência como uma questão cultural, em que os valores e as normas
praticadas formam parte de um discurso historicamente construído, a deficiência não é
simplesmente um objeto, um fato natural (Skliar e Souza, 2000). “Esse discurso não afeta
somente as pessoas com deficiência: regula também as vidas das pessoas consideradas
normais. Deficiência e normalidade formam parte de um mesmo sistema de representações e
de significações políticas” (Skliar e Souza, 2000, p.269).
A educação especial, por exemplo, utiliza-se dos binarismos (perfeito/imperfeito;
normalidade/anormalidade; completude/incompletude, etc.) como elementos centrais para
categorizar a identidade de seus sujeitos. Numa visão iluminista, os discursos e as práticas
pedagógicas acabam homogeneizando e naturalizando os sujeitos da educação especial,
valendo-se, assim, “de representações sobre aquilo que está faltando em seus corpos, em suas
Inclusão escolar e a educação para todos
118
mentes e em sua linguagem” (Skliar e Souza, 2000, p.269). Tomando como exemplo a criança
com Síndrome de Down, vale o fragmento extraído da revista Inclusão (2006).
A possibilidade de realização de cirurgia facial em pessoas com a
síndrome é, atualmente, uma realidade. O objetivo de tais cirurgias é
retirar a prega epicântica (de pele) existente entre os olhos, amenizando ou
eliminando, com isso, as características faciais que evidenciam a presença
da síndrome. Considerando o fato de existirem estereótipos e
características físicas que influenciam a qualidade da relação da pessoa
com ndrome de Down e as pessoas em geral, é provável que possamos
reconhecer os benefícios extraídos de tais práticas, que visam “endireitar”,
restituir alguma estética perdida. (Alves, 2006, p.34)
Mesmo que na atualidade a educação especial tenha cedido espaço a algumas
representações sociais das identidades dos sujeitos deficientes, esses são percebidos como um
conjunto de sujeitos homogêneos, centrados, localizados na mesma discursividade – ser
deficiente físico, ser deficiente visual é “a raiz do significado identitário, a fonte única de
caracterização” (Skliar e Souza, 2000, p.269).
A partir de tais argumentos, o discurso e a prática da deficiência ocultam, com sua
aparente cientificidade e neutralidade, o problema da identidade e da alteridade e a questão da
complexidade do outro. Esse discurso, como referi, condizente com o projeto hegemônico
da normalidade, tende a mascarar a questão política da diferença, reduzindo-a à diversidade.
Portanto, “as normas e valores sobre os corpos e mentes completos, auto-suficientes,
disciplinados e belos, constituem a base dos discursos, das práticas e da organização das
instituições especiais e se reproduzem e voltam a se produzir nas escolas regulares” (Skliar e
Souza, 2000, p.270).
Disso decorre toda uma rede de sentidos que acaba definindo determinados padrões de
beleza e normalidade em detrimento de outros. Se um padrão de corpo e beleza valorizado
e desejado socialmente, tal fato parece que aumenta o fosso entre a nossa realidade, nossa
aparência física e esse desejo pela perfeição. Talvez a forma encontrada para que muitas
pessoas se sintam incluídas tanto na escola quanto em outros espaços sociais, seja a
eliminação ou a redução das marcas físicas, como bem mostra o exemplo acima, que
evidenciam a presença de uma deficiência ou de uma imperfeição nos seus corpos. A
aproximação dos deficientes com aqueles considerados normais é um movimento que a
inclusão vem fazendo, cujo objetivo é incluir todos no mesmo espaço social ou escolar.
Diante das divergências que o processo de inclusão tem provocado em tempos atuais,
os discursos dominantes mostram uma certa intenção ao reduzir esse complexo processo a
uma experiência escolar, à
proximidade física das diferenças com aqueles chamados normais,
Inclusão escolar e a educação para todos
119
no contexto da sala de aula. “A aparente oposição entre escola especial e escola comum
somente remete a um aspecto, que é o da localização melhor ou pior dos deficientes nos
sistemas de ensino oficiais ou não oficiais” (Skliar e Souza, 2000, p.273).
Entretanto, parece que não se faz outros questionamentos sobre os sistemas de
escolarização, deixando de fora da discussão sobre inclusão alguns aspectos importantes
como: redução de custos
23
; problemas de gestão; desobrigação do Estado em relação à
educação especial; argumentos que fundamentam as propostas de inclusão; e por último, as
políticas de significados e as representações que constituem a proposta de inclusão.
Em relação a esses dois últimos aspectos, faço uma breve referência. O primeiro
aspecto aponta para a ideia de inclusão no sistema comum de educação que está diretamente
implicada com o compromisso mundial de “educação para todos”.
A Conferência Mundial sobre Educação para Todos, realizada em Jomtien (Tailândia
em 1990) afirma que:
[...] a educação é um direito fundamental de todos, mulheres e homens, de
todas as idades, no mundo inteiro; entendendo que a educação pode
contribuir para conquistar um mundo mais seguro,mais sadio, mais
próspero e ambientalmente mais puro, que, ao mesmo tempo, favoreça o
progresso social, econômico e cultural, a tolerância e a cooperação
internacional. (Brasil, 1990)
E, ainda, o enfoque abrangente da Conferência Mundial sobre Necessidades
Educativas Especiais”, desenvolvida em Salamanca (Espanha em 1994), compreende o
seguinte:
[...] universalizar o acesso à educação e promover a equidade; concentrar a
atenção na aprendizagem; ampliar os meios e o raio de ação da educação
básica; propiciar um ambiente adequado à aprendizagem; fortalecer as
alianças. (Brasil, 1994)
O recente relatório do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), chamado de
Situação da Infância e da Adolescência Brasileira, mostra alguns dados alarmantes da
realidade brasileira: “trinta e um mil gaúchos entre sete a quatorze anos estão fora da escola.
No Brasil, o número chega a 686 mil” (ZH, 2009, p.28). As razões que fazem crianças e
adolescentes deixarem a escola, foram chamadas pelo Unicef de Os sete erros”: problemas
23
De acordo com os estudos de Skliar e Souza (2000, p.273), “o custo de uma criança deficiente, para o sistema
público de educação, é infinitamente maior que o de uma criança sem deficiências. Isso constitui um argumento
de peso, junto com o chamado fracasso quantitativo da escola especial que, na verdade, pode ser melhor
compreendido como o fracasso do modelo da deficiência –, como para entender porque muitos dos organismos
internacionais sustentam enfaticamente a ideia da inclusão nos termos estritamente econômicos”.
Inclusão escolar e a educação para todos
120
na alfabetização, distância e transporte, deficiência e problemas psicológicos, uso de drogas,
gravidez, negligência na família e trabalho infantil. A título de exemplo, um dos aspectos
considerados problemáticos pelo relatório, refere-se às questões relacionados à deficiência:
[...] Dos 680 mil brasileiros de sete a 14 anos fora da escola, 147 mil são
crianças com deficiências físicas ou mentais. Às vezes, falta uma cadeira de
rodas para ela frequentar as aulas. Em outros casos, o problema é a falta de
preparo do estabelecimento para atender esse tipo de aluno. Os conselhos
tutelares também detectam com frequência crianças com disfunções não-
diagnosticadas, como bipolaridade ou déficit de atenção. (ZH, 2009, p.28)
Todavia, a crítica feita ao discurso de inclusão e seus sistemas de educação mostra que
eles não estariam dando conta dos compromissos assumidos com a Educação para Todos
(1990). Contudo, a inclusão, além de ser celebrada, é caracterizada como “uma fronteira
institucional, uma estratégia de controle sobre a ‘desordem’ que produzem os excluídos”
(Skliar e Souza, 2000, p. 272). E o segundo aspecto refere-se aos significados e as
representações que são produzidos nos discursos de inclusão. Tais aspectos podem ser
analisados tanto nas publicidades midiáticas que estimulam a integração e a inclusão das
pessoas com deficiência em diversos contextos sociais, quanto nas próprias revistas da
Educação Especial.
Na edição do jornal Zero Hora do dia 12 de janeiro de 2007, o anúncio
escandalosamente feliz
24
, mostra uma adolescente de 13 anos, com Síndrome de Down, que
ao praticar exercícios, consegue uma melhora significativa na sua coordenação motora e
capacidade de expressão e flexibilidade.
Em relação a revista da Educação Especial Inclusão, vale comentar um dos seus
artigos que traz a experiência arte inclusão com alunos surdos. O objetivo desse projeto é
sensibilizar a comunidade para o processo de inclusão sociocultural.
[...] Tomou-se, enquanto desafio, a exposição de um grupo de surdos a
variados ritmos, apresentando-lhes músicas com temas representativos da
cultura local, no sentido de lhes proporcionar a construção de um conceito
cultural que parecia não existir, mas, acreditando que as pessoas possuem
potenciais imensuráveis, tínhamos a certeza de que o grupo muito poderia
beneficiar-se dessa experiência. (Quixaba, 2006a, p.43)
Assim, tanto o reconhecimento da comunidade pelo potencial do grupo quanto a sua
própria participação em diferentes espaços sociais, possibilita a divulgação da cultura surda e
a conquista do respeito pelo talento e não pela piedade (Alves, 2006).
24
No Capítulo VI Sobre o governamento dos sujeitos nos discursos da inclusão apresento outros exemplos e
desenvolvo melhor, tais questões.
Inclusão escolar e a educação para todos
121
Uma questão se coloca: seria possível pensar tal prática considerada inclusiva como
uma experiência sistemática de in/exclusão?
Nessa linha de raciocínio, é preciso entender, também, que tais verdades são
construções do nosso tempo e que, por seu caráter provisório, devem ser colocadas em
suspeita. Como educadores temos mais essa tarefa: tentar compreender um pouco mais sobre
o nosso tempo, sobre as certezas e verdades construídas que acabam conformando e
subjetivando nossas crianças e jovens. Considero que, a partir de tais argumentos, temos
elementos suficientes para pensarmos na importância de mantermos uma prática
diferencialista em relação ao atual projeto de inclusão escolar. Esse parece ser o nosso desafio
– considerar o outro na sua própria alteridade.
CONVERSAÇÕES V: SOBRE OS SIGNIFICADOS E OS
USOS DA INCLUSÃO ESCOLAR
Cena 3: a inclusão dos professores
Os professores também querem ser incluídos nesse processo de inclusão
de alunos com necessidades educacionais especiais. “Se pelo menos eu
soubesse como ensinar estas crianças... Se pelo menos eu conseguisse
atender estas crianças individualmente... Se pelo menos eu tivesse tempo
de preparar um material especial, diferente...” (fonte: a autora).
1. A inclusão como invenção
[...] a noção de inclusão total, não é uma proposta, e sim
uma utopia. Como toda a utopia, tem um valor simbólico
importante e um investimento afetivo que deve ser
alimentado. A sociedade inclusiva é a sociedade ideal, a
que todos almejamos. A sociedade inclusiva é a utopia do
mundo perfeito [...] de cada um de acordo com suas
possibilidades, para cada um de acordo com suas
necessidades. (Glat, 1998, p.27)
Nas minhas primeiras incursões pelo material de pesquisa, o qual apresentei na seção
As lentes teórico-metodológicas, pude perceber alguns desafios que de início se colocaram
para mim. Um deles é o quanto esse assunto tem sido abordado de forma extensiva por
diferentes autores e por diferentes perspectivas; e o outro desafio, diz respeito às mudanças de
foco que esse tema tem sofrido. Em outras palavras, uma vez que os paradigmas vão sendo
revistos, o movimento da inclusão também vai apresentando rupturas e continuidades, como,
por exemplo, seus termos-chave, suas ênfases, suas abordagens, seus significados.
A palavra inclusão do “latim inclusionis, significa encerramento, prisão; é o ato ou
efeito de incluir. Do latim includere, incluir, tem como significado encerrar, pôr dentro de;
juntar(-se); inserir(-se)” (Houaiss, 2001).
No entanto, mesmo que a inclusão, no contexto escolar, nos remeta a idéia de juntar,
inserir, ela vai assumindo também outros significados. As expressões que apresento mostram
como a inclusão escolar vem sendo definida por diferentes enunciados. Nos materiais desta
pesquisa, principalmente nas revistas Integração e Inclusão, encontrei algumas expressões
que circulam em diferentes espaços escolares, dando um sentido à inclusão como algo
hegemônico e universal (não problemático). Eis, alguns exemplos:
“inclusão como desafio”; “o esforço da inclusão”; “a verdadeira inclusão”;
“inclusão como direito”; “o enigma da inclusão”; “inclusão como
paradigma”; “inclusão no coração”; “inclusão como realidade ou como
ilusão”; “inclusão como a grande virada”; “inclusão como utopia”;
“inclusão como metáfora de caleidoscópio”.
A ideia de inclusão como “a grande virada” ou “a hora da virada”, por exemplo,
caracteriza muito bem tal construção discursiva que embute novos valores, prioridades e
disposições.
Inclusão escolar e a educação para todos
124
[...] A construção primeira para que a inclusão deixe de ser uma ameaça ao
que hoje a escola defende e adota habitualmente como prática pedagógica
é abandonar tudo o que a leva a tolerar as pessoas com deficiência, nas
turmas comuns, por meio de arranjos criados para manter as aparências de
‘bem intencionada’, sempre atribuindo a esses alunos o fracasso, a
incapacidade de acompanhar o ensino comum. (Mantoan, 2005, p.28)
Isso nos remete a pensar também o quanto o termo inclusão é escorregadio, no sentido
de que seria mais prudente falar em inclusões, e não em inclusão. Em relação aos vocábulos
integração e inclusão, mesmo que tenham significados semelhantes, eles estão sendo
empregados para expressar diferentes situações de inserção.
[...] não como traçar linhas descontínuas entre o projeto da integração
escolar e o projeto da educação inclusiva. [...] Pode-se pensar, antes, numa
linha histórica contínua em que encontramos faixas de transição entre uma
educação que, de integradora, passa a ser inclusiva. (Beyer, 2006, p.277)
Mas, volto a discutir esses dois movimentos integração e inclusão na última seção
deste capítulo.
A proliferação discursiva sobre o movimento da inclusão nos uma exata noção
como esse campo vem sendo delimitado e definido por diferentes enunciados; enunciados
esses entrelaçados por uma cultura, visão de mundo e linguagem. Portanto, trata-se de lembrar
que “ao nascermos mergulhados no mundo da cultura, tomamos a linguagem como um
recurso natural e de modo não problematizado, ignorando, assim, as regras segundo as quais
os discursos se formam e se articulam” (Veiga-Neto, 1996, p.29).
A palavra inclusão nos remete a múltiplos significados. Atribuir esse ou aquele
significado à palavra inclusão é uma forma de inventar uma interpretação para ela. E sua força
está na produção e circulação das narrativas de diferentes grupos sociais, e seu significado
está determinado pelos diferentes usos que dela se faz (Veiga-Neto; Lopes, 2007).
Uma possível contribuição dada pela obra do segundo Wittgenstein (1979), que nos
permite pensar a inclusão como invenção produzida na/ pela linguagem, insere-se na chamada
“virada linguística”. Com isso, Wittgenstein inverte as nossas considerações acerca das
verdades que foram tão bem assentadas nos quadros categoriais.
Seguindo essa linha de raciocínio, Popkewitz (1999, p.195) salienta que a linguagem
não se refere apenas a palavras e afirmações. “As regras e padrões pelos quais a fala é
construída são produzidos em instituições sociais, enquanto as práticas sociais moldam e
modelam aquilo que é considerado verdadeiro e falso. Nos sistemas de linguagem estão
Inclusão escolar e a educação para todos
125
embutidos valores, prioridades e disposições que são elementos ativos na construção do
mundo”.
É interessante sublinhar que a questão da virada lingüística se “constitui exatamente na
mudança para um novo entendimento sobre o papel da linguagem, a saber, de que os
enunciados têm suas regras próprias, de modo que não temos, sobre os discursos, o controle
que pensávamos ter” (Veiga-Neto, 1996, p.29). O importante não é saber se existe uma
realidade mesmo, mas, saber como se pensa tal realidade. Esse autor diz ainda que “o que se
pensa é instituído pelo discurso que, longe de nos informar uma verdade sobre a realidade ou
colocar essa realidade em toda a sua espessura, o máximo que pode fazer é colocá-la como
uma re-presença, ou seja, representá-la” (Veiga-Neto, 1996, p.28).
Como explicou Foucault (1991, p.58), “o discurso não é um lugar no qual a
subjetividade irrompe; é um espaço de posições-de-sujeito e de funções-de-sujeito
diferenciadas”. Para esse autor, o importante é relacionar o discurso “ao campo prático no
qual ele é desdobrado” (idem, p.61). Em suma, para Foucault (apud Veiga-Neto, 2003, p.120)
“as palavras e seus sentidos se estabelecem sempre discursivamente”. Os discursos não estão
ancorados em nenhum lugar, como se estivessem no centro de um poder estatal, “mas se
distribuem pelo tecido social, de modo a marcar o pensamento de cada época, em cada lugar,
e, a partir daí, construir subjetividades” (Veiga-Neto, 2003, p.120). A noção de que os
discursos não são nem falsos nem verdadeiros, está associada à questão de que o que vai
estabelecer o que pode ser dito e o que não pode ser dito, são os procedimentos que regulam,
controlam, selecionam, organizam e distribuem tais discursos (Veiga-Neto, 2003). É
importante ressaltar que:
[...] isso é assim não por falta de precisão daquilo que se enuncia, ou porque
a verdade muda com o tempo, ou porque a verdade é regional. Isso é assim
porque os discursos definem regimes de verdade que balizam e separam o
verdadeiro de seu contrário. Desse modo, os discursos não descobrem
verdades, senão as inventam. (Veiga-Neto, 2003, p.122)
Segundo Condé (2004, p.144), “contrariamente ao conceito de categoria, que na
tradição buscou a igualdade, o universal, etc., as semelhanças de família enfatizam a
diferença, a não-essência, a semelhança que, no entanto, não impede a possibilidade de uma
racionalidade entre formas de vida diferentes”. Esse autor ressalta que tal racionalidade não se
constitui num modelo de esquema conceitual” ou “categorias”, pois esses modelos “foram
construídos a partir de uma perspectiva idealista (como em Kant, em que as categorias estão
baseadas em um a priori de caráter transcendental) ou realista (em que o esquema categorial
se constitui a partir da dimensão empírica, fisiológica, behaviorista)” (Condé, 2004, p.144).
Inclusão escolar e a educação para todos
126
Para Condé (2004, p.142), “o que permite a comunicação entre formas de vida
diferentes, a saber, sua racionalidade, é a possibilidade do compartilhamento de ‘semelhanças
de família’ entre os modos de vida e as gramáticas de diferentes formas de vida”. Dito de
outro modo, é o sistema de referência, por meio do qual compreendemos uma forma de vida
diferente, que nos possibilita compartilhar características semelhantes com ela. O excerto
abaixo nos ajuda a entender melhor o conceito de “semelhanças de família”:
[...] para Wittgenstein, “se um leão pudesse falar não poderíamos entendê-
lo”, na medida em que nossas diferentes formas de vida, para além de alguns
aspectos biológicos semelhantes, nada têm em comum. Em outras palavras,
ainda que ocupemos o mesmo mundo, o mesmo espaço e tempo, etc.,
reagimos de forma muito diferente, isto é, não possuímos “semelhanças de
família” significativas nesse modo de reagir. Por outro lado, uma forma de
vida, ainda que possa compartilhar muitas características com outras formas
de vida humana, apenas possui semelhanças de família com elas, sem ser
totalmente idêntica às mesmas. (Condé, 2004, p.143)
Assim, vale dizer que “a constituição de uma racionalidade inspirada no segundo
Wittgenstein não se faz a partir de um lugar privilegiado de um tipo de sujeito transcendental,
nem de categorias a priori do entendimento” (Condé, 2004, p.146). Parece que a principal
contribuição de Wittgenstein “é estabelecer a autonomia da gramática sem se isolar em
categorias a priori (idealismo) e, partindo das interações pragmáticas, possibilitar a
constituição de um modelo inovador de racionalidade” (Condé, 2004, p.146).
Na abordagem wittgensteiniana da gramática, “a racionalidade emerge no uso, nos
jogos de linguagem, isto é, nas relações pragmáticas que constituem o sujeito na
intersubjetividade” (Condé, 2004, p.146). Nessa abordagem “o sistema de referência de nosso
conhecimento é dado como uma construção social em uma forma de vida” (Condé, 2004
p.146). Em tal sistema de referência “o próprio sujeito é produto da gramática” (Condé, 2004,
p.147). Esse autor utiliza as contribuições do segundo Wittgenstein para salientar que “a
linguagem emerge de uma prática social, sendo impossível pensá-la fora desses parâmetros e
presa aos limites internos de uma consciência” (Condé, 2004, p.147). Lembrando que em tal
lógica, o “sujeito pragmático” opõe-se ao “sujeito transcendental”.
É, ainda, importante dizer que para o segundo Wittgenstein, as proposições não
formam o aspecto mais importante da constituição da linguagem, assim como a representação
também não é sua função mais importante. Nessa concepção, é a gramática e os jogos de
linguagem que se apresentam como proposta para “romper com estruturas representacionais
como sujeito/ predicado ou argumento/ função” (Condé, 2004, p.148). Na citação abaixo, esse
autor explica melhor:
Inclusão escolar e a educação para todos
127
[...] A gramática gera as regras (que foram constituídas nos usos) que se
tornam a referência que nos diz o que está correto ou não. A gramática não é
apenas um sistema linguístico, porém, mais do que isso, engendra a
racionalidade de uma forma de vida. E todas as nossas convicções, certezas e
erros são constituídos no interior desse sistema gramatical. (Condé, 2004,
p.148)
Com isso, pode-se entender que “o jogo de linguagem envolve um campo muito mais
amplo” (Condé, 2004, p.148), ou seja, uma dimensão social, uma prática social.
Na próxima seção, desenvolvo a idéia de inclusão como paradigma por se tratar de um
enunciado recorrente nos materiais desta investigação e pela própria força que adquiriu nos
discursos educacionais.
2. O paradigma da inclusão
Inclusão: o paradigma do século 21.[...] O mundo
caminha para a construção de uma sociedade cada vez
mais inclusiva. (Sassaki, 2005, p.19-20)
Nesta seção, discuto um pouco sobre os cuidados e perigos que corremos ao utilizar a
palavra paradigma quando nos referirmos à inclusão escolar. Pode-se dizer que, nas últimas
décadas, a palavra paradigma
25
adquiriu uma força notável nos discursos educacionais
referentes aos movimentos inclusivos. Faz-se, assim, necessário entender como o paradigma
da inclusão se movimenta, analisando seus aspectos históricos e conceituais e as
representações construídas da pessoa com deficiência.
Podemos dizer que o surgimento do paradigma da inclusão deu-se a partir da
organização não-governamental denominada Disabled Peoples’ Internacional, criada por
líderes com deficiência que definiram o conceito de equiparação de oportunidades, em 1981.
O projeto de inclusão tem sido definido não como um movimento passageiro ou como
um mero modismo, mas como um sinalizador de uma nova época na educação de crianças
com necessidades especiais, em vários países do mundo.
[...] A reflexão em torno dos seus contornos históricos, como movimento
cujas origens remontam às primeiras experiências da integração escolar na
Dinamarca, aponta para a crescente consolidação de tal movimento
histórico. [...] De um conceito equivocado sobre a educabilidade dessas
crianças, com o predomínio de categorias clínicas, decorrentes da
influência hegemônica secular da área da médica na educação especial,
passamos a assistir a um processo crescente de ressignificação de
conceitos fundamentais. (Beyer, 2006, p.9)
Pensar em alguns sentidos que se pode dar a paradigma (o paradigma da inclusão) e o
por quê da sua força nas últimas décadas, implica discuti-la a partir de dois sentidos que
apresento a seguir: o sociológico e o metafísico. No sentido sociológico, paradigma é
entendido “como um conjunto de realizações científicas socialmente aceitas”; e no “sentido
metafísico, paradigma como princípio organizador que governa a própria percepção que
25
De maneira rápida, apresento a etimologia de paradigma. Do latim paradigma, atis que vem do grego
parádeigma, atos, com as acepções de modelo” e “exemplo”, do verbo paradeíknumi (“pôr em relação”, em
paralelo”, “mostrar”). Este verbo forma-se da combinação do prefixo para (“ao longo de”) com o verbo
deikununai (mostrar), em que a raiz indo-européia deik indica “mostrar”, “apontar” e está presente em muitas
palavras na ngua portuguesa, como dígito, dizer, dicionário, indicar, indexar, judiciário (Veiga-Neto, 2002a,
p.39). Para aprofundar o entendimento a respeito da polissemia de paradigma, ver Kuhn (1976); Veiga-Neto
(2002a).
Inclusão escolar e a educação para todos
129
construímos sobre o mundo” (Veiga-Neto, 2002a, p.42). Nesse quadro, dificilmente o
paradigma é entendido como uma construção social, dado que “seu conteúdo é visto como o
resultado de descobertas de ‘coisas’ que são naturalmente próprias do mundo em que
vivemos”. Portanto, parece que todos acabam assumindo o paradigma como uma plataforma
não problemática, ampliando somente seu conteúdo de verdade (Veiga-Neto, 2002a).
[...] O paradigma da inclusão remete a pensar as questões do acesso e da
qualidade na educação, chamando atenção dos sistemas de ensino para a
necessidade de uma nova organização dos espaços educacionais a partir de
uma visão abrangente do currículo, com vistas à eliminação das barreiras
que dificultam ou impedem a participação e a aprendizagem de todos na
escola. Nesse sentido, a política de educação inclusiva pressupõe o
desenvolvimento de ações estruturadas para atender as especificidades de
cada aluno no processo educacional, dentre elas, a ampliação da oferta de
recursos e serviços que assegurem condições de acessibilidade às pessoas
com necessidades educacionais especiais. (Comitê Editorial, 2006, p.3)
Aqui cabe uma rápida explicação em relação ao uso que faço da palavra paradigma.
Neste estudo, adoto a palavra paradigma no seu “sentido fraco” (Veiga-Neto, 2002a, p.43).
No caso da
escola, quando falo em inclusão, não estou falando sobre uma “coisa” que
estava aí, à espera daquilo que tenho a dizer sobre ela. Mas falo a partir de uma rede
discursiva precedente que, antes, a havia colocado no mundo na medida em que havia
atribuído determinados sentidos a ela. Uma acepção contrária a essa, seria tratar a inclusão
como um paradigma a partir do estruturalismo kuhniano, adotando, assim, seu “sentido forte”.
Explicando melhor: para Kuhn, em seu sentido mais estrito, qualquer paradigma é sempre
hegemônico. Com isso, Veiga-Neto (2002a, p.41) acrescenta que:
[...] dois paradigmas diferentes, num mesmo campo, não coexistem, o que
equivale a dizer que, num determinado campo e num determinado momento,
existe e funciona um paradigma. Isso significa que quaisquer dois
paradigmas, por mais próximos que pareçam estar, são incomensuráveis
entre si.
E, ainda, segundo esse autor:
[...] O paradigma funciona como uma imagem de fundo, qual uma imagem
de um quebra-cabeça, a partir da qual se e se compreende aquilo que se
pode ver e compreender do mundo. Não somos livres para ver e
compreender qualquer coisa, de qualquer maneira, senão a partir dos
‘esquemas’ dados por um paradigma. (Veiga-Neto, 2002a, p.40)
Tomando tal entendimento, é que uso a palavra paradigma para referir-me a uma
particular visão de inclusão, segundo o qual mostro determinados significados e sentidos
atribuídos à inclusão escolar que, por meio de um dado sistema de referência, me possibilita
Inclusão escolar e a educação para todos
130
compartilhar características, traçar algumas familiaridades e discutir alguns entendimentos a
respeito do que se tem chamado de inclusão escolar. Nesse sentido, é necessário “explicar
onde se está, de onde se fala, quais instrumentos se adotam” (Veiga-Neto, 2002a, p.45). Isso é
importante “na medida em que uma mesma palavra pode assumir sentidos diferentes, de
paradigma para paradigma, e até mesmo de teoria para teoria, dentro de um mesmo
paradigma” (Veiga-Neto, 2002a, p.45). Nesse sentido, ao falar em inclusão escolar e inclusão
social, é preciso mapear o paradigma em que estou me movimentando para que meus leitores
saibam de onde estou e de onde falo, saibam quais são as peças que formam este quebra-
cabeça.
Segundo Lopes e Veiga-Neto (2007, p.21-22) não existe entendimento a partir de
“lugar-nenhum”, isso é,
[...] não é possível qualquer (tipo de) pensamento e conhecimento que não
esteja sempre comprometido com a posição daquele que pensa, conhece e
fala; é impossível pensar, conhecer e falar independentemente de
agenciamentos, interesses, valores e forças sociais. [...] O pensamento e o
conhecimento não espelham, numa mente, uma suposta realidade que estaria
fora e independente dessa mente; ao contrário, toda forma de pensamento e
conhecimento é, necessariamente, uma relação entre mente e coisa.
Nas palavras desses autores “só pode ser pensado aquilo sobre o que temos algo a
dizer”. Nesse sentido, parece que existe a possibilidade de se dizer muitas coisas sobre, por
exemplo, o que é inclusão escolar, o que é inclusão social, considerando que isso “não
significa que todas as coisas ditas tenham a mesma força, que a elas se atribua um mesmo
valor. E também não significa que se possa dizer qualquer coisa” (Lopes; Veiga-Neto, 2007,
p.23-28).
Por isso a necessidade de uma revisão conceitual e os significados que o movimento
da inclusão vem ganhando.
A revisão conceitual que o movimento da educação inclusiva provocou, tem sido
compreendida a partir de duas dimensões: a dimensão individual e a dimensão institucional.
Na dimensão individual, a criança com necessidades especiais não é vista como “uma
criança ontologicamente deficiente, porém uma criança como todas as demais, com
particularidades na sua aprendizagem” (Beyer, 2006, p.9).
Em relação à dimensão institucional, pode-se dizer que a influência do pensamento
clínico significou a edificação de um sistema educacional paralelo ao sistema de educação
formal da ditas crianças normais. Em suma: “ao lado das escolas comuns, criaram-se as
escolas especiais, ao lado dos espaços sociais abertos, vimos espaços sociais demarcados e
Inclusão escolar e a educação para todos
131
controlados serem erigidos, tais como as instituições psiquiátricas, os asilos e instituições
especiais” (Beyer, 2006, p.9).
Nesse sentido, a inclusão parece que se tornou um processo mundial irreversível
,
na
medida em que procura adequar os sistemas sociais gerais da sociedade de modo que sejam
eliminados os fatores que excluíam certas pessoas e que as mantinham afastadas do seu meio.
O conceito de equiparação de oportunidades é definido como:
[...] o processo mediante o qual os sistemas gerais da sociedade, tais como
o meio físico, a habitação e o transporte, os serviços sociais e de saúde, as
oportunidades de educação e de trabalho, e a vida cultural e social,
incluídas as instalações esportivas e de recreação, são feitos acessíveis para
todos. Isto inclui a remoção de barreiras que impedem a plena participação
das pessoas deficientes em todas estas áreas, permitindo-lhes assim
alcançar uma qualidade de vida igual à de outras pessoas. (Sassaki, 2005,
p.20 -21).
Na seção que segue, examino com mais detalhes as duas dimensões da educação
inclusiva, bem como os movimentos de integração e inclusão escolar.
3. Integração e Inclusão
Integração e inclusão. Essas palavras parecem nortear a grande maioria dos programas
destinados a atender as pessoas com necessidades educativas especiais
26
, sejam elas
deficientes físicos, mentais, sindrômicos, entre outros. A ideia principal de tais movimentos é
a de que com um apoio especial todas essas pessoas são capazes de desenvolver algum tipo de
atividade, podendo, de certa forma, ocupar diversos espaços na sociedade.
Conforme vários estudos têm mostrado, a Educação Especial no Brasil, a partir do
século XIX, acompanhou o modelo europeu. Nessa direção, algumas iniciativas foram
tomadas em relação à educação dos indivíduos considerados especiais ou deficientes em
instituições residenciais e hospitais. Portanto, tal prática educacional dava-se fora do sistema
de educação geral que aos poucos iria constituindo-se no país. No Rio de Janeiro, em 1854,
foi criada a primeira escola especial brasileira chamada Imperial Instituto de Meninos Cegos,
que sob a influência européia propagou o modelo de escola residencial para todo o país. Em
1857 foi fundado também no Rio de Janeiro, o Imperial Instituto dos Surdos-Mudos. Em
1957, cem após sua fundação, esta passaria a denominar-se Instituto Nacional de Educação de
Surdos – INES (Mazzotta, 1996).
Mendes (2006), ao analisar a realidade do Brasil, utiliza-se de vários autores para
apontar que a escassez de serviços e o descaso do poder público, na década de 1950,
impulsionaram os movimentos comunitários, implantando redes e escolas especiais privadas
filantrópicas para tais crianças que sempre estiveram excluídas da escola comum.
A citação a seguir trata exatamente disso, ou seja, do principal objetivo do movimento
pela integração – integrar todos aqueles considerados excluídos da escola regular:
Muitas deficiências podem ser evitadas por meio da prevenção de
acidentes, medidas de segurança, vacinação, exames precoces etc, mas não
se pode impedir a existência de todas as deficiências. Sempre existirão
pessoas portadoras de deficiência. É importante estarmos preparados para
oferecer a elas oportunidades iguais e a possibilidade de integração na
sociedade. (Brasil, 1995, p.31)
26
Segundo Carvalho (2006), o conceito de necessidades educativas especiais começou a ser usado após o
Relatório de Warnock. Relatório ou Informe Warnock é um documento que foi publicado, em 1978, por Mary
Warnock, do Departamento de Educação e Ciência, da Inglaterra. A repercussão nacional e internacional deste
documento acabou influenciando diversos textos legais, inclusive a nossa Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (LDB/1996).
Inclusão escolar e a educação para todos
133
A integração escolar foi considerada um movimento que procurou questionar e romper
com a segregação e o isolamento em que se encontravam as pessoas com deficiência nos
centros de educação especial. Inicialmente, as classes especiais foram consolidadas dentro de
um centro escolar, e, mais tarde, à assistência dos alunos com deficiências, em tempo parcial,
foi estabelecido na classe regular. A integração do aluno com necessidades educacionais
especiais na classe regular aconteceria mediante comprovação de dificuldades comuns de
aprendizagem.
No contexto da integração, a forma como os alunos foram considerados “especiais”
estava (e está) baseada numa visão de educação especial que interpreta as dificuldades de
aprendizagem a partir do déficit do aluno. Isso certamente, na opinião de várias vozes,
promove injustiça e trava os chamados progressos neste campo. Muitos autores manifestam
sua insatisfação pela trajetória da integração. A crítica feita era em relação à ineficácia da
educação especial, cuja reforma tornava-se urgente para que a educação geral e especial se
constituísse num recurso de maior alcance para todos os alunos.
[...] Eles questionam o tratamento dado aos alunos com necessidades
educacionais especiais nos sistema de ensino em muitos países. Os
sistemas de ensino, imersos em um modelo médico de avaliação, seguiam
considerando as dificuldades de aprendizagem como conseqüência do
déficit do aluno, evitando questionamentos, tais como: por que fracassam
as escolas na hora de educar determinados alunos? (Sánchez, 2005, p.8)
Na opinião de Sánchez (2005), mesmo que esses alunos estivessem escolarizados nas
classes regulares, pouco se conhece sobre o processo de ensino e aprendizagem que era
proposto nestas classes. Em suas pesquisas, foi constatado que um aluno mesmo estando
integrado, e frequentando a sala de apoio ou à sala regular, não interagia com seus colegas.
[...] Em ambos os casos, o programa de trabalho seguido pelos alunos com
necessidades educacionais especiais diferenciava-se bastante do
desenvolvido pelo grupo da classe regular, e a comunicação entre o
professor de classe comum e o de apoio era escassa. (Sánchez, 2005, p.15)
Aqui, vale dizer que a escola regular, dita de todos, parece que se reveste de
padronizações engessantes, que quando coladas no modelo do regular
27
, acabam não
27
Segundo Santos (2007c, p.28), “o regular existe nas minúcias do dia-a-dia. Ele pode ser claramente percebido
quando se tem uma atitude crítica e atenta para a compreensão da realidade. O regular se manifesta no jeito de
repassar os conteúdos escolares; na sistematização fragmentada nos caderno dos alunos e das alunas; na
organização do tempo, padronizando os horários de aulas iguais para todos as idades; no enfileiramento de
carteiras, no espaço das salas de aula, limitando a criatividades; na invariância das possibilidades”.
Inclusão escolar e a educação para todos
134
respeitando as diferenças existentes no espaço escolar. Assim, o regular como uma categoria
imutável e universal, passa a ser um padrão único inquestionável.
[...] A escola regular busca, muitas vezes, anular as diferenças, padronizar
e modelizar, excluindo, assim, quem não cabe em seus parâmetros.
Significa a instauração de critérios que dividem e compartimentam,
gerando dualidades que evidenciam tipos estanques. O regular diz respeito
a alguns, mas o perigo mora exatamente aí, que a escola é de todos.
(Santos, 2007, p.28)
Isso, parece que denuncia a inflexibilidade do modelo regular, e a escola o vai
reproduzindo, de forma mecânica, como um padrão, um modelo a ser seguido e copiado. É
preciso também dizer que o regular instalado, sinaliza uma busca permanente da
homogeneidade, em detrimento da heterogeneidade e das diferenças humanas.
O conceito de integração tem sido vinculado à práticas de exclusão, pois era a pessoa
com deficiência que deveria integrar-se na comunidade escolar e de forma ativa.
[...] A responsabilidade é colocada sobre o que é diferente; a ênfase recai
sobre o aluno com deficiência, já que este deve integrar-se à cultura
dominante. Portanto, existe uma grande exigência para quem não pode
compartilhar os sistemas de valores dominantes. (Sánchez, 2005, p.15)
O movimento de inclusão tem gerado algumas polêmicas acerca de uma suposta
ruptura com os pressupostos da integração escolar. O debate gira em torno da possibilidade ou
não de se estabelecer alguma aproximação entre os dois movimentos. Mas, mesmo que exista
ou não laços contínuos entre ambos, a inclusão funde suas raízes no movimento da integração
escolar e no Regular Education Iniciative(REI). Esse movimento que aparece nos Estados
Unidos tinha como objetivo a inclusão na escola comum das crianças com alguma deficiência.
A proposta de tal movimento era de unificar a educação especial e a regular, num único
sistema educativo.
O REI luta pela reestruturação da educação especial, pelo desaparecimento
da educação compensatória e pela recuperação em que tantos alunos
estavam imersos simplesmente por pertencer a um grupo étnico
minoritário. [...] todos os alunos, sem exceção, devem estar escolarizados
na classe de ensino regular, e receber uma educação eficaz nessas classes.
As separações por causa da língua, do gênero, ou do grupo étnico
minoritário deveriam ser mínimas e requerer reflexões. (Sánchez, 2005,
p.8)
Inclusão escolar e a educação para todos
135
Ao longo das cadas de 1960 e 1970, houve um replanejamento dos serviços
educacionais. Tal mudança de foco, baseada no princípio da normalização
28
tinha como
pressuposto a ideia de que toda a pessoa com deficiência teria direito de experienciar um
padrão de vida comum a sua cultura, “e que a todos indistintamente deveriam ser fornecidas
oportunidades iguais de participação em todas as mesmas atividades partilhadas por grupos de
idades equivalentes” (Mendes, 2006, p.389). Mas vale lembrar que, segundo estudo dessa
autora, o termo “inclusão” aparece de forma mais focalizada nos Estados Unidos, por volta de
1990, em substituição ao termo “integração”. E, sob tal bandeira deve-se incluir os alunos
com dificuldades ou deficiências nas classes comuns da escola regular. As noções de
integração e de inclusão têm sido empregadas para diferenciar maneiras diferentes de
inserção:
[...] A não-diferenciação entre os significados específicos dos processos de
integração e inclusão escolar reforça ainda mais a vigência do paradigma
tradicional de serviços e muitos continuam a mantê-lo, embora estejam
defendendo a integração! Ocorre que os dois vocábulos integração e
inclusão conquanto tenham significados semelhantes, estão sendo
empregados para expressar situações de inserção diferentes e têm por
detrás de si posicionamentos divergentes para a consecução de suas metas.
(Mantoan, 1998, p.30)
De acordo com Mantoan (1998), o vocábulo ‘integração’ deve ser abandonado, pois
parece que ele não sustenta e legitima o atual paradigma da inclusão. Segundo essa autora,
seriam duas as formas de inserir o aluno deficiente na escola, ou seja, pela integração ou pela
inclusão.
A integração escolar, cuja metáfora é o sistema de cascata, é a forma
condicional de inserção que depende do aluno, ou seja, do nível de sua
capacidade de adaptação às opções do sistema escolar: sala regular, classe
especial, ou mesmo instituições especializadas. A meta da inclusão é,
desde o início, não deixar ninguém de fora do sistema escolar, que terá de
se adaptar às particularidades de todos os alunos para concretizar a sua
metáfora – o calidoscópio. (Mantoan, 1998, p.31-32)
28
De acordo com Mendes (2006, p.389) “o princípio da normalização teve sua origem nos países escandinavos,
com Bank-Mikkelsen (1969) e Nirje (1969), que questionaram o abuso das instituições residenciais e das
limitações que esse tipo de serviço sobrepunha em termos de estilo vida”. Tal princípio que foi amplamente
difundido também na América do Norte e Europa, teve como influência a proposta de Wolfensberger (1972),
“que operacionalizou o conceito de ‘normalização dos estilos de vida’ para ‘normalização de serviços’, partindo
do pressuposto de que ambientes adequados seriam aqueles vivenciados pelos indivíduos coetâneos considerados
normais” (Wolfensberger apud Mendes, 2006, p.389).
Inclusão escolar e a educação para todos
136
O Quadro 6 mostra um comparativo apresentado por Sánchez (2005, p.17), mostra
como os conceitos de integração e inclusão vêm sendo utilizados entre nós.
Quadro 6 – Integração e inclusão
INTEGRAÇÃO INCLUSÃO
Competição Cooperação/
solidariedade
Seleção Respeito às diferenças
Individualidade Comunidade
Preconceitos Valorização das
diferenças
Visão individualizada Melhora para todos
Modelo técnico-racional Pesquisa reflexiva
Nesse quadro, a inclusão tem sido entendida como um marco mais amplo e centrado
nos direitos humanos. Resumidamente, pode-se dizer três coisas sobre a noção de inclusão:
primeiro, ela surge como uma alternativa à integração. Em segundo lugar, como uma tentativa
de ressignificar o enfoque individualista-deficitário e o seu caráter médico, considerando as
potencialidades de cada um e de todos. E, por último, como uma afirmação de que todos os
alunos com ou sem deficiência recebam uma educação de qualidade, nas classes comuns do
sistema regular de ensino.
Tais argumentos estão amparados na Política Nacional de Educação Especial na
perspectiva da Educação Inclusiva (2008), que a partir da Convenção sobre Direitos das
Pessoas com Deficiência, aprovada pela ONU em 2006, da qual o Brasil é
signatário,”estabelece que os Estados Parte devem assegurar um sistema de educação
inclusiva em todos os veis de ensino, em ambientes que maximizem o desenvolvimento
acadêmico e social compatível com a meta de inclusão plena” (Brasil, 2008). Nesse sentido,
adota medidas para garantir que:
a) As pessoas com deficiência não sejam excluídas do sistema educacional
geral sob alegação de deficiência e que as crianças com deficiência não
sejam excluídas do ensino fundamental gratuito e compulsório, sob
alegação de deficiência;
b) As pessoas com deficiência possam ter acesso ao ensino fundamental
inclusivo, de qualidade e gratuito, em igualdade de condições com as
demais pessoas na comunidade em que vivem (Art.24). (Brasil, 2008)
Inclusão escolar e a educação para todos
137
Assim, numa sociedade considerada plural e desigual, diz-se que a inclusão aborda as
diferentes situações que levam à exclusão social e escolar de muitos alunos. Por conseguinte,
faz referência não aos alunos com necessidades educacionais especiais, mas também a
todos os alunos da escola. Mesmo que esse conceito sofra modificações, seria interessante
considerá-lo como um momento que sofre alguns deslocamentos. Principalmente, quando
afirma que não basta que os alunos com necessidades educacionais especiais estejam
integrados às escolas comuns, eles devem participar plenamente da vida escolar e social dessa
comunidade escolar. Essa concepção de inclusão compreende dois conceitos básicos: o de
comunidade e o de participação
29
.
[...] A Política Nacional de Educação Inclusiva tem como objetivo
assegurar a inclusão escolar de alunos com deficiência, transtornos globais
do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação, orientando os
sistemas de ensino para garantir: acesso ao ensino regular, com
participação, aprendizagem e continuidade nos níveis mais elevados do
ensino; transversalidade da modalidade de educação especial desde a
educação infantil até a educação superior; oferta do atendimento
educacional especializado; formação de professores para o atendimento
educacional e demais profissionais da educação para a inclusão;
participação da família e da comunidade; acessibilidade arquitetônica, nos
transportes, nos mobiliários, nas comunicações e informação; e articulação
intersetorial na implementação das políticas públicas. (Brasil, 2008)
A inclusão defende uma educação eficaz para todos, sustentada na ideia de que as
escolas, enquanto comunidades educativas, devem satisfazer as necessidades de todos os
alunos, independentemente de ter ou não alguma deficiência. Por isso, a importância dos
sistemas de ensino considerarem os quatro princípios aprender a conhecer, aprender a
fazer, aprender a viver juntos, aprender a ser –, com a finalidade de que cada pessoa da
sociedade receba uma educação válida no plano do cognitivo e prático. Portanto, “trata-se de
estabelecer os alicerces para que a escola possa educar com êxito a diversidade de seu alunado
e colaborar com a erradicação da ampla desigualdade e injustiça social” (Sánchez, 2005,
p.11).
É desse modo, que a educação inclusiva enfatiza a necessidade de avançar para outras
formas de atuação, em contraposições às práticas que têm caracterizado a integração escolar.
Alguns autores têm argumentado que educar as crianças com deficiência no marco da
educação geral, seria uma forma de romper com o paradigma da escola tradicional e obrigar a
pensar em novas formas de ensinar.
29
Tais conceitos serão examinados, mais detalhadamente, no Capítulo VI.
Inclusão escolar e a educação para todos
138
[...] a educação inclusiva dever ser entendida como uma tentativa a mais de
atender as dificuldades de aprendizagem de qualquer aluno no sistema
educacional e como um meio de assegurar que os alunos, que apresentem
alguma deficiência, tenham os mesmos direitos que os outros, ou seja, os
mesmos direitos dos seus colegas escolarizados em uma escola regular.
(Sánchez, 2005, p.11)
Nesse contexto, alguns autores têm apresentado seus modos de ver a inclusão. Ou seja,
conceituar inclusão (inclusão é, inclusão não é) parece que passou a ser uma forma de
categorizar tal noção. O Quadro 7, apresentado por
Mrech (1998, p.39),
é um bom exemplo
para problematizarmos tais noções.
Quadro 7 - Inclusão
INCLUSÃO É: INCLUSÃO NÃO É:
atender aos estudantes portadores de
necessidades especiais nas
vizinhanças da sua residência;
levar crianças às classes comuns sem
o acompanhamento do professor
especializado;
propiciar a ampliação do acesso
desses alunos às classes comuns;
propiciar aos professores da classe
comum um suporte técnico;
ignorar as necessidades específicas
da criança;
perceber que as crianças podem
aprender juntas, embora tendo
objetivos e processos diferentes;
fazer as crianças seguirem um
processo único de desenvolvimento,
ao mesmo tempo e para todas as
idades;
levar os professores a estabelecer
formas criativas de atuação com as
crianças portadoras de deficiência;
extinguir o atendimento de educação
especial antes do tempo;
propiciar um atendimento integrado
ao professor de classe comum.
esperar que os professores de classe
regular ensinem as crianças
portadoras de necessidades especiais
sem um suporte técnico.
Esse quadro nos mostra um conjunto de estratégias que são criadas para dar conta de
uma nova tarefa atribuída à escola regular, ou seja, atender a todos os alunos
independentemente de suas deficiências ou necessidades educacionais especiais, afirmando
seu compromisso com a Educação para Todos. Tudo isso parece que justifica o empenho do
Governo, os esforços dos educadores e a luta da sociedade pela integração e inclusão escolar
do deficiente. Tal empenho diz respeito à criação de mecanismos que assegurem tanto aos
deficientes quanto à população em geral, seus direitos de cidadania e uma educação de
Inclusão escolar e a educação para todos
139
qualidade para todos
30
. Por meio da mobilização social, bem como da exigência pela
sociedade do respeito a seus direitos, é que se a luta pela democratização do ensino da
educação especial.
[...] A educação inclusiva se caracteriza como um novo princípio
educacional, cujo conceito fundamental defende a heterogeneidade na
classe escolar; [...] muito importante para o fomento das aprendizagens
recíprocas, é fundamental que a pedagogia se dilate ante as diferenças do
alunado. (Beyer, 2006a, p.277)
Assim, é importante ressaltar, que o que parece estar na base do movimento inclusivo,
seja na área da Educação Especial, seja na então chamada educação inclusiva, é uma luta
maior pela educação de todos. Dentro dessa nova ordem social, a bandeira humanista e
democrática defendida pelos órgãos governamentais enfatiza a igualdade de valores e direitos
entre os seres humanos como garantia de uma sociedade mais justa. Com essa ideia, é
possível dizer que o movimento inclusivo tem como objetivo aumentar cada vez mais a
participação de todos os alunos no currículo escolar e reduzir tanto a exclusão escolar quanto
a exclusão social.
[...] As definições do público alvo devem ser contextualizadas e não se
esgotam na mera categorização e especificações atribuídas a um quadro de
deficiência, transtornos, distúrbios e aptidões. Considera-se que as pessoas
se modificam continuamente transformando o contexto no qual se inserem.
Esse dinamismo exige uma atuação pedagógica voltada para alterar a
situação de exclusão, enfatizando a importância de ambientes heterogêneos
que promovam a aprendizagem de todos os alunos. (Brasil, 2008)
Acredita-se que a inclusão de todos seria uma forma de proporcionar às pessoas,
independentemente de suas diferenças e características individuais, uma “real” participação
em todos os espaços sociais. Tendo em vista tal significado, é possível aproximá-lo daquilo
que tem marcado as iniciativas governamentais e oficiais relativas à inclusão de todos. A
inclusão escolar como uma proposta amplamente difundida pelas políticas educacionais,
parece que tem sido tomada como um alvo a ser alcançado, sem que se proceda a uma análise
detalhada dessa concepção e suas importantes implicações no contexto educacional.
30
Isso tem haver com as novas formas de governamento, como desenvolvi na seção Governamentalidade
liberal e neoliberal, do capítulo III.
CONVERSAÇÕES VI: SOBRE O GOVERNAMENTO DOS
SUJEITOS E OS DISCURSOS DA INCLUSÃO
Cena 4: inclusão e exclusão
A professora dos anos finais do Ensino Fundamental (de 5ª a séries) diz
que, para ela, a inclusão de alunos com NEEs na sala regular de ensino
mais exclui do que inclui. “São muitos alunos em cada turma e o professor
aula em diversas turmas e séries. Fica quase impossível atendê-los
individualmente” (fonte: a autora).
Inclusão escolar e a educação para todos
141
Cena 5: reagrupando uma turma de 1ª série.
Inicialmente essa turma de série funcionava numa pequena sala. Pode-
se dizer até que com pouca iluminação e ventilação. Era a antiga sala do
almoxarifado da escola. Era um grupo pequeno de seis alunos. Alguns
poderiam ser considerados hiperativos, desatentos por não conseguirem
manter a atenção e a concentração nas atividades da cartilha,
apresentavam dificuldade na leitura e na escrita, repetentes; outros, com
alguma deficiência física. O grupo já estava classificado como um grupo
especial, um grupo que necessitava de um trabalho diferenciado devido às
dificuldades de aprendizagem que apresentavam, e as várias repetências.
Nessa nova turma, a nova professora, com experiência na Educação
Infantil, iria reiniciar o trabalho de alfabetização enfocando o aspecto
lúdico, pois algumas dessas crianças não haviam frequentado a Pré-
escola. Aos poucos, o grupo foi crescendo em números de alunos
mantendo-se o grupo inicial, ingressaram novos alunos na classe (alunos
de outras turmas de série da escola que necessitavam de reforço de
aprendizagem; alunos novos que ingressaram na escola). A turma ganhou
uma sala de aula maior, mais iluminada, com mesas e cadeiras
individuais. Os alunos das outras 1ª séries que frequentavam as aulas com
essa turma permaneciam ali até o momento em que atingissem os objetivos
conforme a avaliação da sua professora. Tão logo apresentassem
progressos na sua aprendizagem ou resolvessem suas dúvidas, eles
retornavam para suas turmas de origem. Ao mesmo tempo em que tal
turma era um grupo especial, pelas dificuldades de aprendizagem que
apresentavam, funcionava também como uma classe de reforço e apoio
pedagógico funcionava como um lugar de passagem para muitas
crianças (fonte: a autora).
Cena 6: a passagem da escola especial para a escola regular de ensino.
Esse exemplo é o caso de dois alunos deficientes mentais educáveis que
foram transferidos da Escola Especial para Escola Regular de Ensino e
ingressaram na Classe Especial dessa escola regular. O período de
adaptação desses alunos na nova escola aconteceu de forma gradativa,
pensando-se na possibilidade de que, caso esses alunos o conseguissem
se adaptar, pudessem retornar para a Escola Especial. Tal período de
adaptação iniciou-se após a visita dos pais, alunos e professora à escola
onde iriam começar a freqüentar. Segundo a professora da Escola
Especial, a vinda desses alunos para a Classe Especial, na Escola Regular
de Ensino, pode representar uma mudança importante nas vidas dessas
crianças. O mais significativo dessa passagem seria a ruptura de
determinados padrões estereotipados, uma vez que tais alunos, deficientes
mentais leves, não são considerados doentes, mas apresentam “atrasos de
aprendizagem”. A passagem da Escola Especial para a Escola Regular
significaria a oportunidade desses alunos se desenvolverem tanto nos
aspectos sociais quanto nos aspectos escolares. A convivência e interação
nesses ambientes educativos, dariam também visibilidade às capacidades
e potencialidades para a aprendizagem desses estudantes (fonte: a
autora).
1. Gestão e a escola inclusiva e de qualidade
Atualmente, pode-se perceber a importância que tem sido dada às políticas públicas e
o quanto elas têm sido disseminadas num contexto mundial. Nas últimas décadas, tem-se
testemunhado a universalização da educação básica na América Latina e a consequente
expansão das redes públicas de ensino. Nesse novo panorama educacional, a formação
docente para a inclusão constitui um os maiores desafios para construir sistemas educacionais
inclusivos que constituem o meio eficaz para combater a exclusão educacional e promover a
inclusão social de todo(a)s. A Secretaria de Educação Especial do Ministério da Educação do
Brasil, reconhecendo a importância fundamental do papel do docente no desenvolvimento de
sistemas educacionais inclusivos, coordenou o Projeto Educar na Diversidade nos Países do
Mercosul, que envolveu os Ministérios da Educação da Argentina, Chile, Paraguai e Uruguai
e vinte e cinco escolas distribuídas igualmente nestes países (cinco em cada país). A
construção e a publicação do material de Formação Docente Educar na Diversidade é visto
como um elemento chave na implementação do projeto brasileiro de formação de professores
como uma forma de responder à diversidade de estilos e ritmos de aprendizagem de seus
estudantes.
[...] Refletindo o movimento mundial de desenvolvimento de sistemas
educacionais inclusivos, os países integrantes do MERCOSUL Brasil,
Chile, Argentina, Paraguai e Uruguai têm realizado esforços para
aumentar o acesso de crianças, jovens e adultos à educação básica de
qualidade. Apesar disso, persiste a desigualdade de oportunidades tanto na
distribuição como na qualidade da oferta educacional entre os diferentes
estratos sociais, entre a zona rural e a zona urbana e entre as escolas
publicas e privadas. Da mesma forma, continuam existindo grupos sociais
excluídos educacionalmente, segregados ou recebendo educação de
qualidade inferior, como acontece com frequencia na educação de pessoas
com deficiência, membros de populações nativas ou das comunidades
quilombolas brasileiras. Quanto à questão de gênero, embora não haja
diferenças no que se refere ao acesso à educação, estas ocorrem em termos
de índice de permanência e de resultados escolares, que em alguns países
afeta as meninas e, em outros, aos meninos. (Brasil, 2005, p.11-17)
O Projeto Formação Docente Educar na Diversidade (2005), como exemplo de um
material educacional produzido e desenvolvido na América Latina e Caribe, foi financiado
pela Organização dos Estados Americanos (OEA) e contou com o assessoramento cnico do
Escritório Regional de Educação para a América Latina e Caribe, da UNESCO (UNESCO/
Santiago, Chile).
Inclusão escolar e a educação para todos
143
Os princípios que embasaram tais reformas educacionais latino-americanas estão
associados a uma política internacional que se diz incentivadora da qualidade e da equidade
do setor educacional mundial. Então, em consonância com o movimento da Educação para
Todos, na Conferência Mundial de Jomtien, 1990 e, posteriormente com Foro Mundial de
Educação para Todos em Dakar, 2000, e a Ação da Conferência Mundial sobre Necessidades
Educacionais Especiais: Acesso e Qualidade, Salamanca, 1994, o projeto brasileiro elaborou
os seguintes objetivos:
Transformar o ambiente escolar em um espaço acolhedor para todos, no
qual o processo de aprendizagem seja colaborativo, contínuo, valorize e
responda às diferenças humanas. (Brasil, 2005, p.12)
No âmbito deste projeto e alinhado com o princípio da inclusão, os gestores da escola
devem ser preparados para consolidar um projeto político-pedagógico que supostamente
estaria comprometido com a educação de qualidade para todos. Nesse sentido, tal projeto tem
como meta preparar o docente para intervir pedagogicamente na ação educativa de seus
educandos.
[...] prepara o docente para entender, desenvolver e usar metodologias de
ensino a partir das quais os conteúdos curriculares são abordados de forma
diferenciadas com a finalidade de responder aos diversos estilos e ritmos
de aprendizagem dos estudantes e prepara o gestor(a) para apoiar o
desenvolvimento docente na promoção do sucesso escolar de todo(a)s na
escola. (Brasil, 2005, p.12)
O excerto a seguir mostra a preocupação de tal política voltada para a educação de
todos:
Estamos construindo escolas que matriculem e acolham todas as crianças
da comunidade indiscriminadamente incluindo aquelas que são pessoas
com algum tipo de deficiência e exigem uma propostas pedagógica que
responda as necessidades educacionais especiais de todo(a)s os estudantes.
Um maior nível de equidade no contexto educacional implica avançar em
direção à criação de escolas que promovam a educação na diversidade,
entendida como recurso para a melhoria da qualidade educacional e fonte
enriquecimento humano. (Brasil, 2005, p.12)
No caso brasileiro, mais especificamente, o objetivo do Projeto Educar na
Diversidade é apoiar o desenvolvimento e avanço de práticas de ensino inclusivas nas
escolas
das várias regiões do país. Tal projeto tem os seguintes objetivos:
Inclusão escolar e a educação para todos
144
Desenvolver escolas para TODOS através do desenvolvimento de
culturas, políticas e práticas escolares inclusivas a fim de combater a
exclusão educacional e social e responder à diversidade de estilos e
ritmos de aprendizagens existentes nas escolas brasileiras;
Formar e acompanhar docentes de 144 municípios-pólo para o uso de
metodologias de ensino inclusivas nas salas de aula das escolas da rede
regular de ensino;
Preparar gestores, equipe de apoio e a comunidade escolar em geral,
incluindo os familiares, para apoiar o desenvolvimento docente para a
promoção da inclusão;
Formar rede de intercâmbio e disseminação de experiências inclusivas
bem sucedidas a fim de fomentar o engajamento de novos educadores
no processo de transformação do sistema educacional brasileiro.
(Brasil, 2005, p.12)
Esse documento destaca que tanto o princípio da inclusão quanto da equidade (respeito
e valorização da diversidade) dizem respeito a todos os âmbitos da vida escolar. Nesse
contexto, a liderança e a gestão escolar desempenham um papel essencial para a escola tornar-
se inclusiva. Assim, diz-se que o gestor escolar deverá ser capacitado para articular as
representações e ações que os diversos segmentos da organização escolar desenvolvem na
comunidade escolar. Portanto, a gestão escolar reflete o estilo das relações sociais, o qual se
reflete sobre como as pessoas agem em função da sua percepção pessoal do contexto. É
possível também pensar no conceito de gestão relacionado ao tema da aprendizagem. Nessa
visão, a aprendizagem é entendida como:
[...] contínua, a geração de valores, a visão compartilhada, as interações e
as representações comuns e individuais sobre o contexto escolar, que
perpassam e subsidiam os processos de mudanças educacionais. (Brasil,
20005, p.117)
De certa forma, pode-se dizer que tais aspectos são também comuns no universo da
gestão de mudanças em sistemas educacionais.
O termo “gestão” envolve tanto atividades de planejamento quanto de
gestão, tarefas que envolvem as equipes dirigentes para realizarem uma
série de operações de ajuste, tais como conseguir a viabilidade política do
projeto, adequar as necessidades de implementação do plano aos recursos
disponíveis, conhecer as atribuições do pessoal e organizar os recursos
humanos a fim de levar o plano adiante e cumprir as metas fixadas. (Brasil,
2005, p.121)
Inclusão escolar e a educação para todos
145
Podemos ver ainda hoje, pelo menos em parte, tal ideal comeniano a ser perseguido
pelas escolas brasileiras marcadas por diferentes formas de inclusão e gestão escolar. A
Edição especial da revista, ciclo 2007/2008, Gestão em Rede, nos mostra a realidade da escola
de Ensino Fundamental (5ª a série), município de Brasília, que ao buscar a participação de
todos parece que garante bons resultados, tornando a escola eficaz.
Organização e planejamento são o forte desta escola.
Inúmeras ações desenvolvidas por professores e funcionários comprovam
o compromisso ético e solidário no Centro de Ensino Fundamental
Polivalente, em Brasília (DF), em torno do compromisso com a
aprendizagem dos alunos (...). Nossa finalidade básica é despertar no aluno
a convicção do valor de sua existência, cultivar sua utopia e motivá-lo a
buscar uma ação transformadora pessoal e social, a partir do saber
adquirido (...). Procura-se cada vez mais a maior participação de todos.
Esse foi, e ainda é, o maior desfio: envolver corações e mentes, por um fim
comum! (Gestão em Rede, 2007/2008, p.43-44)
Nesta mesma edição, também é mostrado como a escola de Ensino Fundamental
Ensino Médio e Educação de Jovens e Adultos, município de São José de Ribamar/ MA,
garante sucesso e realizações no ensino, trabalhando com diferentes formas de inclusão.
[...] Atividades e projetos de inclusão são a linha mestra da escola. [...]
para tornar o fazer pedagógico cada vez mais significativo, a escola
desenvolveu, em horário integral, um projeto na sala de recursos especiais
para reduzir as distorções ocasionadas pela dificuldade de aprendizagem e
para detectar casos especiais. [...] O aluno diagnosticado recebe uma
atenção diferenciada e participa de atividades lúdicas, senso-motoriais,
pesquisas, jogos interativos, para assim, poder superar as dificuldades.
(Gestão em Rede, 2007/2008, p.49)
E, ainda, o diretor da Escola Quitéria Wanderley Simões, de Venturosa, PE, motivado
pelo reconhecimento alcançado na participação do Prêmio Nacional de Referência Gestão
Escolar em 2006, explica como funciona o projeto de gestão democrática:
Inclusão escolar e a educação para todos
146
Uma escola em permanente esforço para melhorar seu desempenho
O que todas as escolas almejam, a boa qualidade de ensino, está
intimamente ligada ao compromisso coletivo, por meio do cumprimento de
metas que são consideradas prioritárias: assim buscamos em nossa escola,
entendê-la como espaço cultural, propiciando a vivência de múltiplas
aprendizagens; estamos implementando projetos específicos por séries e
componentes curriculares, integrando-os aos espaços educativos além da
sala de aula, o que torna a aprendizagem mais prazerosa e significativa;
procuramos garantir as condições favoráveis ao bom funcionamento das
atividades escolares, aumentando os níveis de aproveitamento e
permanência do aluno na escola e eliminando gradativamente a repetência
e a evasão escolar; além de incentivar as mudanças e atualizações da
prática pedagógica. (Gestão em Rede, 2007/2008, p.57-58)
No âmbito geral da escola inclusiva, a prática da liderança na gestão escolar tem sido
considerada necessária, pois o trabalho dos gestores escolares se assenta na sua capacidade de
liderança. Ou seja, influenciar a atuação das pessoas, para a efetivação dos objetivos
educacionais da escola e superação das limitações naturais de toda organização social.
[...] Pela liderança o gestor mobiliza, orienta e coordena o trabalho de
pessoas para aplicarem o melhor de si na realização de ações de caráter
sócio-cultural voltadas para a melhoria da qualidade do ensino e da
aprendizagem; ela se assenta sobre uma atitude proativa e pelo entusiasmo
e expectativas do gestor em sua capacidade de influenciar essa atuação e
seus resultados. (Lück, 2007, p.12)
Nesse sentido, liderança e gestão se sobrepõem e se complementam. Para essa autora,
a liderança tem sido compreendida como fator crucial para desenvolver a qualidade da escola
e melhorar a aprendizagem dos alunos. Portanto, a equipe de gestão escolar constitui uma
equipe de liderança, com atuação efetiva à medida que focaliza sua atuação em processos
específicos e resultados.
Liderança é o processo de influência, desempenhado no âmbito da gestão
de pessoas e de processos sociais, no sentido de mobilização de seu talento
e esforços, orientado por uma visão clara e abrangente da organização em
que se situa e objetivos que deva realizar, com a perspectiva da melhoria
contínua da própria organização e seus processos. (Lück, 2007, p.18)
É importante dizer que a organização da escola e de seu processo de gestão assume
diferentes modos de atuação, conforme a concepção que se tenha das finalidades sociais e
políticas do processo educativo. Assim, por exemplo, falar em gestão sem liderança não é
gestão, é administração.
Inclusão escolar e a educação para todos
147
A Gestão Escolar consiste no processo de mobilização e orientação do
talento e esforço coletivos presentes na escola, em associação com a
organização de recursos e processos para que esta instituição desempenhe
de forma efetiva seu papel social e realize seus objetivos educacionais de
formação dos seus alunos e promoção de aprendizagens significativas”.
(Lück, 2007, p.18)
[...] Os administradores locais e os diretores de escolas podem dar uma
grande contribuição para que as escolas respondam mais a crianças com
necessidades educacionais especiais, desde que a elas seja dada a
autoridade necessária e adequada capacitação. (Eles administradores e
diretores) devem ser convidados a desenvolver uma administração com
procedimentos mais flexíveis, a remanejar recursos pedagógicos, a
diversificar as opções educativas, a facilitar a mútua ajuda entre crianças, a
oferecer apoio a alunos que estejam experimentando dificuldades, e
estabelecer relações com pais e comunidade. (Brasil, 2006a, p.35)
Portanto, uma gestão escolar bem sucedida depende de um envolvimento ativo e
criativo dos todos os sujeitos envolvidos, bem como da colaboração efetiva e de trabalho em
grupo, para atender às necessidades dos alunos (Brasil, 2006a)
Segundo Ball (2001), nos últimos vinte anos a gestão tem sido um mecanismo de
reforma política, na medida em que tem reconfigurado a estrutura e a cultura do serviço
público. Ela introduz novas orientações, afetando as escolhas sobre as políticas sociais e
educacionais que são feitas nas diferentes instituições. Por isso, ela tem sido considerada
como um novo modelo que emana uma força transformadora nas ações dos sujeitos
implicados.
Esse mesmo autor, ressalta que “o gestor é o heroi cultural do novo paradigma. [...] A
gestão funciona de dentro para fora” (Ball, 2001, p.108). O trabalho do gestor, através do seu
gerenciamento, é permitir um maior leque de comportamentos (solidários, responsáveis,
comprometidos) dos trabalhadores, tornando-os públicos.
Dentro de uma cultura empresarial, os gestores procuram delinear, normalizar e
instrumentalizar a conduta das pessoas de forma a atingirem os fins desejados.
[...] De um lado, [...] as responsabilidades de gestão são delegadas e as
iniciativas e a resolução de problemas são supervalorizadas. Por outro lado,
são colocadas em prática novas formas de vigilância e automonitoramento
como, por exemplo, sistemas de avaliação, determinação de objetivos,
comparação de resultados. (Ball, 2001, p.109)
A partir de tal referencial, o contexto educacional contemporâneo parece que vem
construindo, de forma gradual, um significativo grau de autonomia e liderança. Diante de um
processo de tomada de decisões supostamente estabelecido por um coletivo, a escola tem sido
Inclusão escolar e a educação para todos
148
anunciada como um lugar de superação de uma gestão pública baseada na concepção
autoritária. Daí depreende-se que as escolas passam a ser vistas como espaço de construção
social, valorizando o papel dos sujeitos e o contexto social e histórico da sua ação educativa.
Nas palavras de Schnecknberg (2007, p.14), “a autonomia como princípio de gestão,
oferece ao sujeito oportunidade de participar do processo de tomada de decisão. Trata-se da
condição dele escolher o modo de agir ou resolver os problemas junto aos seus pares”. Desse
modo, a autonomia da escola não está dirigida a um determinado sujeito, mas a uma ação que
se capilariza entre os sujeitos que compõem a gestão das escolas, por seus diferentes modos
de exercer o poder junto aos seus pares.
[...] A autonomia o é a autonomia dos professores, ou a autonomia dos
pais, ou a autonomia dos gestores. A autonomia, neste caso, é o resultado
do equilíbrio de forças, numa determinada escola, entre diferentes
detentores de influência (externa e interna), dos quais se destacam: o
governo e os seus representantes, os professores, os alunos, os pais e
outros membros da sociedade local. (Schnecknberg, 2007, p.16)
Em tal contexto, a autonomia expressa uma unidade social que é a instituição escolar e
não preexistente à ação social. É na relação dinâmica entre o diretor e a participação dos
sujeitos envolvidos, passando pelo processo de escolha e pela atuação do educador, que este
deverá liderar o processo da gestão escolar em busca de objetivos comuns (Schnecknberg,
2007).
[...] Gestores capazes estabelecem interligações entre a escola e a
comunidade, de modo a superar a tendência ao isolamento em si dos
ambientes escolares. Boas escolas são abertas à comunidade, convidando
seus membros a participar como voluntários do processo escolar e levando
os alunos a participar das problemáticas de sua cidade, emprestando, desse
modo, ao currículo, um sentido de realidade, tal como deve ser. (Lück,
2007, p.15)
Dentro desse quadro, é dado destaque à participação e ao envolvimento das pessoas no
processo educativo, exigindo, por parte do gestor uma atitude de liderança e confiança. Isso
quer dizer que o gestor deverá ser competente na função de estabelecer parcerias entre a
escola e a comunidade, superando práticas de caráter eventual, assistencialista ou deslocada
do projeto pedagógico da escola.
Isso nos remete à questão das competências que, de certa forma, está vinculada às
questões da teoria do capital humano e da noção de empreendedorismo. A partir dessa
compreensão, um sujeito em permanente processo de aprendizagem estaria ele próprio
Inclusão escolar e a educação para todos
149
tornando-se empresário de si mesmo, colocando-se num processo de gerir seu próprio capital
humano “na formação do professor, nos processos de aprendizagem dos alunos (aprender a
aprender), na montagem dos programas curriculares, nas formas de avaliação e na educação”
(Costa, 2009, p.182). Estamos diante de uma sociedade que valoriza um sujeito-aprendente
autônomo e que incentiva a busca permanente do seu autoaperfeiçoamento.
2. A parceria da escola-comunidade
Como havia referido, a noção de inclusão compreende dois conceitos básicos: o de
comunidade e o de participação. Nesse modo de entender, a educação inclusiva se propõe a
ampliar a participação de todos os alunos no currículo escolar e a reduzir a exclusão escolar e
social. Aqui, meu interesse é discutir com mais detalhe alguns entendimentos sobre a noção
de comunidade e sua parceria com a escola e a família
31
.
A aliança entre escola e família colocou em evidência muitos aspectos da vida das
crianças no interior da escola, ou seja, suas manifestações, necessidades e desejos foram
escrutinados, tomando-as como objeto de suas práticas como uma forma de torná-las uma
população adulta viável e preparadas para o trabalho. Parece que tudo foi tomado como
campo de intervenção e de produção de verdades sobre a infância. Nessa discussão, é
interessante referir que escola moderna sempre procurou fazer parcerias e alianças com a
comunidade, com a família. Em relação a tal parceria que a escola deveria fazer com a
família, Narodowski (2001, p.52-53) diz que:
[...] Consequentemente, a educação escolar só pode se desenvolver, de modo
harmonioso, sob o acordo tácito entre pais e professores acerca das
responsabilidades que correspondem a cada um, dentro dessa divisão de
funções. É preciso que os pais cedam —a partir de um contrato implícito que
aceita a legitimidade do saber dos professoresseus direitos sobre o corpo
de seus filhos. Para Comenius, é fundamental a transferência do corpo
infantil, da esfera da família para a esfera do educador, na escola, se é que
“todos têm de saber tudo”; de outra maneira, não poderia ser levada a cabo a
generalização do ensino dentro do macroprojeto escolar. A aliança escola-
família entra no discurso comeniano garantindo o cumprimento do ideal
pansófico em todas as suas possibilidades. Uma aliança entre a escola e a
família fica delimitada por esse esquema de pensamento, sem o qual a
escolaridade das crianças não seria possível.
Atualmente a política e a prática educacional evocam fortemente o termo comunidade
para mostrar o quanto às escolas deveriam se mobilizar para integrarem-se às comunidades
das quais fazem parte. É uma palavra-chave quando tratamos de inclusão escolar e inclusão
social.
Em tempos de uma individualização exacerbada, a constituição de comunidades é de
certa forma um paradoxo por dois motivos. Primeiro, porque a vida em comunidade
pressupõe um jogo curioso entre “liberdade individual” e “interesses coletivos”. E segundo,
31
Para um estudo mais detalhado sobre a aliança família-escola, ver Klaus (2004).
Inclusão escolar e a educação para todos
151
“porque comunidade pressupõe compromissos mútuos, compartilhamento, heterogeneidade,
negociação, presença do Outro diferente de mim” (Klaus, 2004, p.122).
A partir de tal argumento, pode-se fazer uma breve discussão a respeito das ideias de
John Dewey, filósofo americano considerado como um educador progressista. Dentre os
vários temas que esse filósofo desenvolveu, está o tema da valorização da “vida da criança”
no âmbito escolar que devem estar voltados para os seus interesses e suas necessidades.
[...] A escola deve, portanto, mudar seu próprio “centro de gravidade” que,
tradicionalmente, era colocado fora da criança” e deve agora ser formado
pelas características fundamentais da natureza infantil. (Cambi, 1999, p.550)
Nas palavras de Cambi (1999), Dewey destaca a forma progressiva que a educação
deve assumir, “os seus vínculos com o ‘desenvolvimento social’ e as finalidades específicas
que devem orientar todo processo formativo, o do ‘desenvolvimento natural’ do sujeito e o da
sua ‘eficiência social’(Cambi, 1999, p.550), estabelecendo, assim, o seu elo íntimo com a
cultura e a sociedade.
[...] A escola, de fato, não deve apenas adequar-se às transformações
ocorridas no âmbito social, mas deve promover na sociedade um incremento
progressivo de democracia, isto é, de capacidade por parte dos indivíduos de
participar como protagonistas da vida social e de inserir-se nela com uma
mentalidade capaz de dialogar com os outros e de colaborar em objetivos
comuns livremente escolhidos. À escola, portanto, é confiado o papel de
transformar até politicamente a face da sociedade, de torná-la cada vez
menos repressiva e autoritária e de desenvolver os momentos de participação
e de colaboração. (Cambi, 1999, p.551)
Na visão de Dewey, a comunidade se baseava na ideia de reconhecer elementos de
atributos comuns que pudessem sustentar ações e decisões coletivas que importassem para
todos e tivessem interesses comuns para todos. Assim, mesmo diante de uma sociedade mais
abrangente, os sujeitos deveriam estar preparados para aprender a tolerar a diversidade e as
diferenças existentes. Esse educador entendia que conviver na diversidade era algo possível
por acreditar na força da razão para persuadir os cidadãos de suas responsabilidades sociais,
bem como na força do ideal de nação e do espírito democrático instalado no espaço público.
Dentro da sua visão de a “Grande Comunidade”, o desafio para Dewey era
ressignificar a noção de “comunidade”, principalmente em contextos onde a proximidade, a
homogeneidade e a familiaridade não existiam mais. Para ele, a “Grande Comunidade”
significava a concepção de cidadania dentro do Estado-nação moderno. Em sua visão de
democracia, Dewey argumentou que os cidadãos são simultaneamente parte de dois tipos de
comunidade. Uma que estaria baseada em modos de pensar semelhantes, às quais os membros
prestam algum tipo de obediência. E, a outra, baseada em obrigações cívicas e um senso de
Inclusão escolar e a educação para todos
152
interesse comum, com as quais os membros mantêm um tipo diferente de lealdade (Burbules,
2004). Dewey afirma que é “pela forma como as democracias administram a comunicação
dentro e entre esses grupos [...] que a vitalidade e a autogestão de um público democrático
podem ser mantidas” (Burbules, 2004, p.210).
Diferentemente dessa visão, está a concepção de Arendt que entende que o espaço
público é fundamentalmente identificado com a pluralidade, e não com atributos comuns.
Burbules (2004) e Arendt (2008) referem que as comunidades, muito mais que uma Grande
Comunidade com atributos comuns, são sempre imaginadas ou constituídas historicamente.
Portanto, elas são reais em seus efeitos sobre as pessoas.
[...] O ideal de comunidade... expressa um desejo pela fusão entre os
sujeitos, o que, na prática, funciona de maneira a excluir aqueles com quem
o grupo não se identifica. O ideal de comunidade nega e reprime a diferença
social, o fato de que a sociedade organizada não pode ser compreendida
como uma unidade em que todos os participantes compartilhem de uma
experiência comum e de valores comuns. Ao privilegiar as relações mais
diretas, o ideal de comunidade nega a diferença na forma do distanciamento
temporal e espacial que caracteriza os processos sociais. (Young apud
Burbules, 2004, p.210)
Nas palavras de Burbules (2004), Young defende, como alternativa ao ideal de
comunidade, um ideal de vida de cidade. Ela salienta que a vida da cidade remete a relações
sociais de diferença sem exclusão, pois os diferentes grupos habitam a cidade lado a lado,
interagindo nos mesmos espaços. A propósito desse argumento, Weeks comenta que o mais
forte sentido de comunidade costuma vir de grupos que percebem as premissas de sua
existência coletiva ameaçadas e por isso
[...] constroem uma comunidade de identidade que lhes uma sensação de
resistência e poder. Incapazes de controlar as relações sociais em que se
acham envolvidas, as pessoas encolhem o mundo para adaptá-los ao
tamanho de suas comunidades e agem politicamente a partir dessa base. O
resultado é com frequência um particularismo obsessivo como modo de
enfrentar e/ ou lidar com a contingência. (Bauman, 2003, p.91-92)
Nas análises de Bauman (2003), a comunidade dos sonhos é entendida como uma
“comunidade” de semelhantes na mente e no comportamento; é uma comunidade “do
mesmo”. Para esse autor, em tempos atuais, parece que existem duas autoridades capazes
de conferir segurança: “a autoridade dos expertos, pessoas que sabem e que tem competência
suficiente para liderar opiniões, e a autoridade do número que seria composta por aquelas
pessoas ditas menos competentes. A natureza da primeira autoridade faz dos considerados
leigos “um mercado natural para a ‘explosão do aconselhamento’. A natureza da segunda
autoridade os leva a sonhar com a comunidade e forma à comunidade de seus sonhos”.
Inclusão escolar e a educação para todos
153
Essa comunidade dos sonhos é uma extrapolação das lutas pela identidade que povoam suas
vidas (Bauman, 2003, p.61). Ainda, nas palavras desse mesmo autor:
[...] A ‘comunidade’, cujos usos principais são confirmar, pelo poder do
número, a propriedade da escolha e emprestar parte de sua gravidade à
identidade a que confere aprovação social’, deve possuir os mesmos traços.
Deve ser e permanecer flexível, nunca ultrapassando o nível ‘até nova
ordem’ e ‘enquanto for satisfatório’. (Bauman, 2003, p.62)
Esse mesmo autor fala de dois tipos de comunidades: as comunidades estéticas que
são mais flexíveis e mantêm “vínculos sem consequências”; e as comunidades éticas que são
tecidas de compromissos a longo prazo e de “compartilhamento fraterno”.
A comunidade denominada de estética, apresenta como característica comum “a
natureza superficial e transitória dos laços que surgem entre seus participantes. Os laços são
descartáveis e pouco duradouros. [...] esses laços podem ser desmanchados, eles provocam
poucas inconveniências e não são temidos” (Bauman, 2003, p.67).
Em outra direção, a comunidade ética tece entre seus membros uma rede de
responsabilidades, sustentando compromissos a longo prazo. Nessa comunidade, tecida a
partir de compromissos a longo prazo, de direitos garantidos e obrigações inabaláveis, se
estaria prevendo planejamentos e projetos futuros. “E os compromissos que tornariam ética a
comunidade seriam do tipo do ‘compartilhamento fraterno’, reafirmando o direito de todos a
um seguro comunitário contra os erros e desventuras que são os riscos inseparáveis da vida
individual” (Bauman, 2003, p.68).
Em suma, o que os indivíduos estariam vendo em tal comunidade seria uma provável
garantia de certeza, segurança e proteção. Tais qualidades seriam aquelas que mais fazem
falta aos indivíduos, isso é, “nos afazeres da vida e que não podem obter quando isolados e
dependendo dos recursos escassos de que dispõem em privado” (Bauman, 2003, p.68). Na
opinião desse autor, esses dois modelos de comunidades, e que são muito diferentes, “muitas
vezes são misturados e confundidos no ‘discurso comunitário’ hoje em moda”.
Por razões que penso ter deixado claras, o movimento inclusivo tem como
característica esse forte discurso comunitário. Ao apresentá-lo como um dilema a ser
resolvido, por exemplo, denota esse caráter confuso e misturado de uma comunidade
inclusiva que ao mesmo em que prima pela felicidade, tolerância e acolhimento do outro,
também o descarta e o exclui.
Vejamos o que podemos observar nos discursos da inclusão referentes às comunidades
escolares.
Inclusão escolar e a educação para todos
154
Uma gestão participativa pode funcionar. Essa é a opinião de vários gestores que
entendem que um trabalho de qualidade realmente acontece quando a gestão é democrática e
aberta a opiniões e sugestões.
[...] Ouvir os pais, os funcionários, os alunos, e dividir responsabilidades
são fatores essenciais para se fazer um bom trabalho. (...) uma grande
equipe gestora, que unida faz da escola um lugar gostoso de se trabalhar e
aprender. (Gabler, 2007, p.8- 9)
Nessa visão, a inclusão é concebida como uma forma de vida, uma maneira de viver
juntos, baseada na crença de que cada indivíduo é valorizado e pertencente ao grupo. Isso, de
certa forma, fará com que todos os alunos sintam-se incluídos. Aqui, a inclusão é
compreendida como uma atitude, um sistema de valores, de crenças, não uma ação nem um
conjunto de ações. Centra-se, pois, em apoiar as qualidades e as necessidades de cada aluno,
possibilitando com que todos os alunos na comunidade escolar sintam bem-vindos e seguros,
e alcancem êxitos.
Os diretores dos centros escolares deverão cuidar, especialmente, de
fomentar atitudes positivas na comunidade escolar e propiciar eficaz
cooperação entre professores e pessoal de apoio. As modalidades
adequadas de apoio e a exata função dos diversos participantes no processo
educacional deverão ser decididas por meio de consulta e negociações.
Toda escola deve ser uma comunidade coletivamente responsável pelo
êxito ou fracasso de cada aluno. O corpo docente, e não cada professor,
individualmente, deverá partilhar a responsabilidade pela educação de
crianças com necessidades especiais. Pais e voluntários deverão ser
convidados a assumir participação ativa no trabalho da escola. Professores,
no entanto, possuem um papel fundamental enquanto administradores do
processo educacional, apoiando as crianças através do uso de recursos
didáticos disponíveis, tanto dentro como fora da sala de aula. (Brasil,
2006a, p.37)
Assim, ao reunir todos os segmentos da escola e representantes da comunidade local, o
Conselho Escolar, por exemplo, torna-se uma instância privilegiada para garantir a
valorização e a integração do saber do aluno e do patrimônio cultural da comunidade escolar
(Gabler, 2007). Imbuídos de um forte sentimento de cooperação e participação, a comunidade
escolar parece que se torna aquele lugar seguro e solidário.
[...] A sensação de pertencimento, o estabelecimento de um lugar a ser
ocupado no interior da comunidade gera, de certa forma, uma sensação de
segurança. Tal segurança é sempre provisória, pois num mundo em
permanente mudança, onde o que vem contando cada vez mais é a
mobilidade como poder, as comunidades precisam se reconfigurar
permanentemente. (Klaus, 2004, p.146)
Inclusão escolar e a educação para todos
155
Nesse contexto, como referi anteriormente, é importante entender que a família torna-
se também um instrumento privilegiado, na medida em que, quando se quiser obter alguma
coisa dos alunos —como, por exemplo, aos comportamentos em seus diferentes aspectos
(hábitos e atitudes voltados para uma educação melhor e de qualidade) —, é a família que se
deve chamar. É interessante observar que tanto a família quanto a comunidade tornam-se
instrumentos privilegiados da população:
[...] a comunidade como nova espacialização de governo passa a ser um
instrumento privilegiado no governamento da população. [...] A segurança
que antes era encontrada (ou imaginava-se que era) no todo social com seus
lugares bem claros e definidos —lugar da família, lugar da escola— é
buscada agora em comunidades autogovernáveis. Essa hibridização dos
lugares sociais que se no neoliberalismo faz com que o que era papel da
família e da escola estenda-se também a outros espaços sociais. Muitas
tarefas deslocam-se e uma tentativa permanente de responsabilização dos
pais pela educação das crianças. Porém, como muitas questões transcendem
o espaço da família e como a própria família vem passando por inúmeras
transformações, é preciso compartilhar responsabilidades para melhor
gerenciar os riscos sociais. (Klaus, 2004, p.148) (Grifos da autora)
Nessa proposta, o acompanhamento da família na escola é tido como fundamental para
que a aprendizagem de seus filhos tenha mais sucesso. À família cabe participar de forma
atuante, intensa e permanente, monitoramento inclusive o rendimento escolar de seus filhos.
[...] Com o acompanhamento da família, o aluno adotou uma postura
crítica e participativa que melhorou a aprendizagem e o compromisso nas
atividades propostas pela escola. Para melhorar os resultados considerados
insuficientes, a cada semestre, os professores se reúnem e discutem sobre o
desempenho dos alunos e, juntos, elaboram estratégias de estudos de
recuperação, enfatizando os conteúdos que apresentam maior dificuldade.
(Gestão em Rede, 2007, p.4)
O Governo Federal, procurando orientar a família e professores, através de prescrições
e aconselhamentos, elaborou alguns materiais contendo diversas perguntas e informações
relativas às necessidades especiais de seus filhos e alunos com deficiência. Cartilhas e
manuais contendo perguntas e informações de linguagem fácil, correta e atraente ensinariam
às crianças, professores e familiares as formas e os modos para tratar melhor esse problema
que é de todos. De caráter informativo, esses textos se articulariam de modo a responder
algumas perguntas do tipo: o que é? O que se deve fazer? O que se deve evitar?
Inclusão escolar e a educação para todos
156
[...] Atenção, pais! Procurem discutir em família todos os assuntos
relativos à educação de seus filhos, incluindo aquele que possui uma
deficiência. Convide toda a família para participar das reuniões e demais
oportunidades que a escola ou a instituição de reabilitação oferecer. Muitas
vezes, as instituições organizam grupos de pais e de irmãos. Estes são
momentos muito ricos para criar e fortalecer os vínculos entre familiares e
entre aqueles que têm uma experiência de vida semelhante. Não ficar
isolado, depende de cada um. (Paula, 2007, p.30)
E, ainda, é aconselhado aos pais alguns caminhos para a superação das dificuldades:
[...] No dia-a-dia,a família tema oportunidade para adquirir conhecimentos
e informação relevantes, para apoiar e favorecer o desenvolvimento social,
pessoal e educacional de seu filho com deficiência. Tal aprendizagem é
fundamental para a tomada de decisões. Para tanto, exige paciência,
otimismo, confiança e a certeza de que qualquer mudança, para ser
alcançada, precisa do esforço conjunto de pessoas unidas por um mesmo
objetivo. (Paula, 2007, p.31)
Referente à campanha de sensibilização sobre o movimento pela Integração do aluno
com deficiência na rede de ensinoTurma do Bairro na Classe, divulgada em 1995, cujo
objetivo era mostrar as particularidades dos alunos considerados portadores de necessidades
especiais (PNE) para a sociedade em geral, vale destacar o segundo manual Novos
conceitos, novas emoções que trata de ajudar e preparar os alunos e os pais a
compreenderem melhor as capacidades e necessidades das pessoas com deficiência, assim
como uma forma de fortalecer os laços entre a família e a escola.
[...] Conversando com os pais. Da mesma forma que é fundamental
preparar os alunos para abrir espaço e receber seus colegas com
deficiência, também é muito importante sensibilizar e envolver seus pais,
para compreenderem, aceitarem e colaborarem para que essa mudança se
concretize com vantagens para todos. [...] A criação dos grupos de pais
tem sido uma ação bastante positiva no sentido de fortalecer as relações da
escola com a família, e de produzir famílias participantes e cooperativas no
processo de desenvolvimento dos alunos. (Brasil, 1995, p.11).
Segundo Popkewitz, Olsson e Petersson (2009, p.85), “a comunidade é um lugar
discursivo para conectar relações íntimas e capacidades interiores da criança e da família às
imagens e às narrativas de um pertencimento coletivo e doméstico” (grifo dos autores). A
ideia de comunidade escolar como uma “estrutura de participação”, traz a tona “os ideais de
uma democracia ao produzir representações ainda maiores daqueles que estão diretamente
envolvidos na escolarização, na saúde pública [...]” (Popkewitz, Olsson e Petersson, 2009,
p.86). Esses mesmos autores, ainda, dizem que:
Inclusão escolar e a educação para todos
157
[...] A comunidade representa um tema redentor no envolvimento e no
empoderamento, no qual a resolução de problemas produz uma cidadania
responsável. As redes de comunicação são meios que propiciam a harmonia,
ou seja, fazemos a paz na medida em que falamos com o outro e nos
reconciliamos com o outro ao dizer a “verdade” sobre nós mesmos.
(Popkewitz, Olsson e Petersson, 2009, p.86)
Nesse processo, todos devem participar – governo, comunidade, pais, dirigentes e
profissionais da educação. De alguma forma, todos são considerados importantes para
alcançar êxito em tal trabalho social. É assim que o colégio, da capital de Sergipe, Aracajú, é
reconhecido por sua atuação na formação de cidadãos, por seus projetos educacionais de
ensino e aprendizagem. O fragmento abaixo, edição especial da revista Gestão em Rede, ciclo
2007/2008, ao apontar as escolas referências em gestão escolar, exemplifica o sucesso de tal
escola:
Diante da realidade social de sua clientela, o Colégio Senador José, mais
do que nunca é responsável pela promoção do desenvolvimento do cidadão
(...). Assim, para atuar em sua comunidade, na tentativa de atender às
necessidades de escolaridade na formação de cidadãos e preparação para o
mercado de trabalho, o colégio busca oferecer uma educação igualitária,
em que todos tenham o máximo possível de aprendizagem, em que o aluno
não seja um mero expectador e sim, sujeito ativo; e o professor seja
educador, formador e transformador, transmitindo conhecimentos e
ajudando os alunos no desenvolvimento de pesquisas escolares, dando a
eles condições de criar seus próprios conhecimentos e não apenas
reproduzi-los. (Gestão em Rede, 2007/2008, p.72)
Nesse contexto, diz-se que a construção de uma sociedade inclusiva se efetivará
mediante a participação de todos.
[...] é o meio mais efetivo de combater as atitudes discriminatórias, criando
comunidades acolhedoras, construindo uma sociedade inclusiva e
alcançando a educação para todos, além disso proporciona uma educação
eficaz para a maioria das crianças, melhora a eficácia e, por fim, a relação
custo-benefício de todo o sistema educativo. (UNESCO, Declaração de
Salamanca, 1994, XI)
“Escola é ponto de mediação entre comunidade e sociedade”, e é nesse ponto de
interseção que se encontra a figura do professor-mediador. Ao professor é dado um destaque
especial nessa missão:
[...] você professor é o alicerce da construção de uma sociedade
democrática que possibilita a educação para todos. (Brasil 1995, p.6)
Inclusão escolar e a educação para todos
158
A partir de tal lógica, pode-se chegar à ideia de que a educação tem um implicação
direta com o desenvolvimento do capital social. Articulado a questão do capital humano,
conforme comentei em outra seção, é que a discussão sobre capital social torna-se importante.
A este respeito, é interessante sublinhar também a atenção que é dada “para as formas com as
quais o entorno pode desenvolver os meios e os apoios para propiciar o pleno
desenvolvimento e a inclusão” (Brasil, 1997, p.9).
Nas análises de Bourdieu, o capital social refere-se ao conjunto das relações sociais
(amizades, laços de parentesco, contatos profissionais, etc.) mantidas por um indivíduo”
(nogueira, 2006, p.51). E, ainda, esse autor destaca que:
[...] os indivíduos podem se beneficiar dessas relações para adquirir
benefícios materiais (um empréstimo, uma bolsa de estudo ou uma indicação
para um emprego, por exemplo). O volume de capital social de um indivíduo
seria definido em função da amplitude de seus contatos sociais e,
principalmente, da qualidade desses contatos, ou seja, da posição social
(volume de capital econômico, cultural, social e simbólico) das pessoas com
quem ele se relaciona. (Nogueira, 2006, p.51)
Segundo Coleman e Hoffer (1987), “o capital social se refere às instituições, relações e
normas que confirmam a qualidade e quantidades das interações sociais de uma sociedade”.
Muitos estudos tem mostrado que a coesão social é um fator crítico para as sociedades
prosperarem economicamente e para que o desenvolvimento seja sustentável. Assim, o capital
social não é somente a união das instituições que configuram uma sociedade, mas também a
matéria que as mantém juntas.
Como referem esses autores, a noção de capital social refere-se a um recurso que flui
livremente pelas redes de relacionamentos pessoais que se estabelece em uma comunidade,
seja familiar, escolar, etc. Baseado nesse argumento, as escolas serão mais eficientes se os
pais e os cidadãos participarem de forma efetiva das atividades escolares da sua comunidade.
[...] As escolas são mais eficientes quando os pais e os cidadãos locais se
envolvem em suas atividades. Os professores estão mais comprometidos,
os estudantes alcançam melhores resultados nos exames e usam melhor as
instalações das escolas naquelas comunidades nas quais os pais e cidadãos
se interessam pelo bem-estar educativo das crianças. (Coleman e Hoffer
1987, et al)
É corrente a ideia de que ampliar a participação das pessoas que atuam na escola e fora
dela, a respeito de seu papel, seria uma condição fundamental para a melhoria do
desenvolvimento dos estudantes. Nessa proposta educativa, lê-se que os gestores também
Inclusão escolar e a educação para todos
159
deveriam envolver as pessoas nos processos sócioeducacionais da escola e na sua relação com
a comunidade.
Trata-se de entender que nesse contexto, atual, “certas normas são instituídas não
com a finalidade de posicionar os sujeitos dentro de uma rede de saberes” (Lopes, 2009,
p.155), mas de criar o interesse de todos permanecer no jogo econômico. Ou seja, todos
devem se manter em redes sociais e de mercado, permanecendo no jogo, permanecendo
incluído. Essa seria uma das condições de participação, tornando, assim, as pessoas alvos
fáceis das ações do Estado. Tais ações “visam a conduzir as condutas humanas dentro de um
jogo com regras definidas” (Lopes, 2009, p.156), no interior dos mais variados grupos sociais
escolas, clubes, associações, grupos de trabalho, etc. (Lopes, 2009). Assim, o
neoliberalismo como “conjunto de práticas que constituem formas de vida, cada vez mais
conduzidas para princípios de mercado e de autorreflexão” (Lopes, 2009, p.154), acaba
sustentando os processos de ensino e de aprendizagem como algo que deve ser permanente na
sociedade atual.
3. Inclusão e participação
É importante refletir sobre o direito de todo ser humano
decidir a melhor maneira de viver e conviver com o outro.
Reconhecendo a diversidade como algo natural, torna-se
imprescindível para os profissionais da saúde maior
conscientização de seu papel para a inclusão social.
(Pavão e Pinto, 2007, p.30-31)
Diante das narrativas que hoje vêm circulando nas mais diversas instâncias, o
princípio da inclusão social parece estar diretamente articulado com a manutenção do estado
democrático, garantindo, assim, aos sujeitos uma suposta conquista de sua cidadania, o
respeito pela diversidade e a aceitação e reconhecimento político das diferenças. Nessa
direção, quando se discute a política de inclusão social, dois elementos aparecem como
centrais: os direitos humanos e a justiça social. Essa concepção está baseada no direito ao
desenvolvimento, no direito à participação plena na vida comunitária, no direito de ser
diferente, no direito a uma vida digna. Em outras palavras, os princípios de tal política de
inclusão social referem-se ao direito das pessoas, com deficiência, de serem consideradas
membros ativos da sociedade, ao direito de tomar decisões e de obter o necessário apoio de
suas famílias (Malbrán, 1997).
Pode-se, assim, observar uma certa mudança nos modos de definir e organizar a escola
para aqueles alunos considerados deficientes de um modelo centrado nas dificuldades ou
déficit a um modelo centrado nas habilidades e capacidades da pessoa; da ênfase nas
dificuldades intrínsecas ao acento na interrelação entre sujeito e ambiente. A este respeito, é
interessante sublinhar a atenção que é dada “para as formas com as quais o entorno pode
desenvolver os meios e os apoios para propiciar o pleno desenvolvimento e a inclusão”
(Malbrán, 1997, p.9).
[...] Processo de incremento da participação dos alunos nas culturas, nos
currículos e comunidades de suas escolas locais e da redução da sua
exclusão dos mesmos, sem esquecer que a educação abarca muitos
processos que se desenvolvem fora das escolas [...] Processo sem fim, em
vez de um simples contínuo dentro da educação geral. (Brasil, 2005, p. 12)
Considerando tais preocupações, parece que se amplia o número e o tipo de
profissionais envolvidos com a saúde e a educação. Profissionais de diferentes áreas são
convocados a compartilhar, agora, responsabilidades médicos, psicólogos, fonoaudiólogos,
professores, juízes, líderes de associações comunitárias, entre outros.
Inclusão escolar e a educação para todos
161
A ênfase na inclusão e na participação deve ser vista não somente como um reflexo do
restabelecimento da democracia no Brasil nos anos 80, mas também como parte de uma rede
internacional na qual agências como a Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Fundo das
Nações Unidas para a Infância (UNICEF) disseminam tendências na área da saúde que
precisam ser reconhecidas por países ligados à network (Gastaldo, 1997).
Segundo Lopes (2009, p. 166), “multiplicidade se torna uma estratégia interessante
para que o neoliberalismo possa se firmar como forma de organização e de distribuição de
recursos e de formas de vida”. É importante dizer também que “a multiplicidade toma formas
e proporções distintas, adentra movimentos e é desejada por aqueles tidos como em situações
de risco” (idem, ibidem) por serem considerados ameaçadores para determinado padrão de
normalidade. Na Contemporaneidade, a inclusão passou a ser uma das formas encontradas
para garantir que o indivíduo atinja uma condição econômica, social e cultural educação e
saúde favorável. Fazer tal investimento, seria uma forma de promover mudanças sociais a
curto e a médio prazos.
Na esteira disso, pode-se perceber que na Contemporaneidade os investimentos na
produtividade do corpo aperfeiçoam-se e acumulam-se: exige-se participação constante,
preocupação com a saúde e perfeição corporal. Com isso, talvez não devamos nos admirar
com esta interessante indagação de Foucault: “De que corpo necessita a sociedade atual?
Como resposta à revolta do corpo, encontramos um novo investimento que não tem mais a
forma de controle-repressão, mas de controle-estimulação: Fique nu... mas seja magro, bonito,
bronzeado!” (Foucault, 2002, p.147)
Nas sociedades modernas, a sexualidade e o corpo ganharam uma evidente
centralidade, pois celebram-se e vigiam-se os corpos. Supõe-se que eles se constituem na
referência que, por fim, ancora a identidade. Talvez por isso, espera-se que eles (os corpos)
sejam inequívocos, evidentes por si. Mas eles escapam e não se deixam fixar. Os corpos são
significados pela cultura e são, continuamente, por ela alterados. Eles são históricos e
inconstantes, suas necessidades e desejos mudam. Eles se alteram “com a passagem do tempo,
com a doença, com mudanças nos hábitos alimentares e de vida, com possibilidades distintas
de prazer ou com novas formas de intervenção médica e tecnológica” (Louro, 1999, p.14).
Alguns discursos da mídia, por exemplo, tem enfatizado tais progressos dos sujeitos
considerados deficientes. Nesse sentido, a educação escolarizada continua a ser considerada
como uma das maiores responsáveis por uma construção social mais igualitária e justa (saúde,
direitos humanos, autonomia), assegurando ao educando uma formação para o exercício da
cidadania.
Inclusão escolar e a educação para todos
162
Como isso se poderia depreender que a transformação de uma sociedade e um mundo
intolerante e temeroso para um mundo que acolhe e encara a diversidade como algo natural,
seria a ação educativa que responderia de maneira mais eficaz à diversidade de todos as
pessoas.
Nesse sentido, alguns autores afirmam que a deficiência como incapacidade física,
mental e sensorial não implica, necessariamente, dificuldades de aprendizagem. Vale
mencionar que nesses espaços sociais mais flexíveis, a integração e interação dos corpos
parecem ser as metas principais da maioria dos programas destinados a atender as pessoas
com necessidades educacionais especiais, sejam elas deficientes físicos, mentais, sindrômicos.
A idéia principal de tais programas é que, com um apoio especial, todas essas pessoas são
capazes de desenvolver algum tipo de atividade, podendo, de certo modo, ocupar diversos
espaços na sociedade.
O aprender a viver na sociedade e na escola parece que vem acompanhado da
proclamação de que conviver com a diversidade é o que justamente fará esquecer as
diferenças e, dessa forma, tornar o mundo menos desigual. Fazer a inclusão para que a
convivência se estabeleça, não nos espaços escolares, como também em outros espaços
sociais, proclamando uma celebração à igualdade, tem sido o discurso politicamente correto e
também celebrado pela mídia.
É importante fazer alguns esclarecimentos em relação aos conceitos de diversidade e
diferença, tão usados nos discursos das políticas públicas. Nesses discursos, faz-se uma
redução da diferença na diversidade. A diversidade sendo, entendida, como uma marca no
corpo deficiência física, altura, falta de visão, de audição, etc. – reduz o potencial da
diferença a algo variável. Sendo assim, a diferença passa a ocupar o lugar do desvio, do não-
desejado, do incomum. Portanto, a redução da diferença na diversidade acaba banalizando “o
potencial político da diferença, não creditando nela a força que ela possui para romper com o
instituído e com a ordem dada” (Lopes, 2007, p.21).
É interessante destacar também que ao tratar a questão da inclusão pela lógica da
diferença
32
, significa redimensionar tal noção. Dito de outra maneira, “significa pensar a
diferença dentro de um campo político, no qual experiências culturais e comunitárias e
práticas sociais são colocadas como integrantes da produção dessas diferenças” (Lopes, 2007,
p.20). Nessa linha de raciocínio, todos os incluídos “têm o que dizer, o que propor e com o
que discordar” (Lopes, 2007, p.23). Diferente disso, é entender a inclusão como “um processo
32
Na seção Diferença, diversidade e identidade, deste capítulo, exploro mais estas noções.
Inclusão escolar e a educação para todos
163
tenso e de embate cotidiano por direitos de participação e manifestação”, perdendo, assim,
“seu sentido e força política” (Lopes, 2007, p.23).
Alguns anúncios de jornais e revistas vêm enfatizando progressos dos sujeitos
considerados deficientes, ao mesmo tempo em que celebram a inclusão da criança e do jovem
ditos anormais/ deficientes na sociedade, procurando mostrar a capacidade de superação
desses sujeitos diante das adversidades/ deficiências. Entende-se a saúde como perfeição,
pois a idéia implícita é a de que somente um corpo saudável teria condições de aprender e de
participar, enfim de incluir-se em diferentes espaços sociais.
O que estamos vivenciando, e ao que assistimos diariamente, parece que vai ao
encontro da pretensa necessidade de exaltação da diferença, acompanhada de práticas que
podem ser percebidas em diferentes narrativas dos próprios deficientes mentais e sindrômicos,
assim como de seus familiares. Ser “radicalmente especiais” parece ser entendido,
principalmente pela mídia, como exemplo para os demais sujeitos considerados normais. A
exemplo disso, os considerados especiais “surpreendentemente em pé” (adolescente, 14
anos, com Síndrome de Down, que aprendeu a surfar); “energicamente aquática
(adolescente, 12 anos, com Síndrome de Down, aprendeu a jogar frescobol e a nadar);
“escandalosamente feliz” (adolescente, 13 anos, com Síndrome de Down, pratica exercícios e
teve melhora na sua coordenação e capacidade de expressão/flexibilidade) –, ao superarem as
próprias limitações, estariam estimulando os demais e fazendo com que haja cada vez menos
espaço para o preconceito (ZH, 2007, p.36).
Superar as próprias limitações, manter uma atitude positiva diante de uma deficiência
adquirida parece ser a forma encontrada para se levar a vida adiante com plena satisfação. A
mídia tem ressaltado a capacidade dessas pessoas ao enfrentarem as adversidades e como, ao
superá-las, conseguem sair delas fortalecidas e até transformadas.
Conforme Larrosa (1999, p.44), tanto as práticas pedagógicas quanto as práticas
terapêuticas seriam “espaços institucionalizados onde a verdadeira natureza da pessoa pode
desenvolver-se e/ ou recuperar-se”. A auto-estima, o autocontrole, a autonomia, a
autoregulação, etc. seriam formas de relação do sujeito consigo mesmo, como uma forma de
relação reflexiva da pessoa consigo mesma. Isso criaria a idéia de que, ao se ter certa
consciência de si, assim como ao se fazerem certas coisas consigo mesmo, estar-se-ia
definindo “o ser mesmo do humano” (Larrosa, 1999, p.39).
Inclusão escolar e a educação para todos
164
[..] não é uma questão individual, mas o sinal visível de uma rede de
relações e experiências que ensinam às pessoas o domínio, a arte de vencer
obstáculos, amor, coragem, moral e esperança. (Brasil, 2005, p.235)
Tal discurso parece enfatizar não apenas a tolerância, a adversidade, mas,
principalmente, a capacidade de construção sobre a adversidade. Vale destacar alguns fatores
decisivos para desenvolver tal capacidade: o estilo de criação e a maneira como se conduz o
processo educacional no cotidiano escolar e da sala de aula. Segundo alguns autores, existem
quatro fatores positivos que constituem passos importantes para desenvolver a capacidade de
superação. São eles:
[...] “eu tenho”, associada a apoio; “eu sou” e “eu estou”, que envolve o
fortalecimento intrapsíquico; e “eu posso”, que remete à aquisição de
qualidades sociais (interpessoais e instrumentais) para a solução de
conflitos. (Brasil, 2005, p.235)
Nesse sentido, o que os discursos parecem enfatizar não é apenas a tolerância à
adversidade, mas, principalmente, a capacidade de construção dos sujeitos sobre si mesmos.
Parece que a obsessão pelo cuidado com o corpo e a procura por estilos de vida considerados
mais saudáveis é o que estaria possibilitando a entrada de tais sujeitos no mundo dos normais.
De alguma maneira, os considerados anormais, sindrômicos, etc. estariam sentindo-se
socialmente incluídos.
Quando a participação é dinâmica, parece que o “estar junto” vem acompanhado de
uma extrema felicidade. Como Fabris e Lopes (
2000, p.5)
apontam:
[...] A felicidade dos diferentes depende de sua entrada no mundo dos
normais. É preciso torná-los o mesmo, ainda que isso signifique excluído em
um momento seguinte. Dentro dessa lógica moderna é preciso incluir para
melhor conhecê-los e assim, em outros argumentos, para ter justificativas,
politicamente corretas, para dizer de seu não lugar junto dos normais.
Parece que tanto a educação inclusiva quanto o movimento de integração, ressaltam o
princípio da felicidade, da auto-estima apontando seu caráter interativo e dinâmico como
forma das crianças com necessidades educacionais especiais se desenvolverem melhor na
escola, social e cognitivamente. Para que tais aspectos se desenvolvam, alguns autores
constatam nas crianças a presença de alguma figura de amor incondicional, mesmo que essa
figura seja temporária (Brasil, 2005). Os fragmentos abaixo exemplificam tal ideia.
Inclusão escolar e a educação para todos
165
EU TENHO...
... pessoas próximas nas quais confio e que me amam incondicionalmente.
... pessoas que impõem limites para que eu aprenda a evitar perigos e
problemas.
... pessoas que me mostram por meio de sua conduta, a maneira correta de
proceder e tratam de que eu aprenda a evoluir por mim mesmo.
... pessoas que me ajudam quando estou doente ou em perigo, ou quando
preciso aprender. (Brasil, 2005, p.235)
EU SOU...
... uma pessoa pela qual os outros sentem apreço e carinho.
... respeitoso comigo mesmo e com o próximo.
... feliz quando faço algo bom para os outros e demonstro meu afeto.
(Brasil, 2005, p.235)
EU ESTOU...
... disposto a responsabilizar-me por meus atos.
... certo de que tudo sairá bem. (Brasil, 2005, p.235)
EU POSSO...
... falar sobre coisas que me assustam e me inquietam.
... buscar uma maneira de resolver problemas.
... encontrar alguém que me ajude quando preciso.
... controlar-me quando tenho vontade de fazer algo perigoso ou que não é
bom. (Brasil, 2005, p.235)
Talvez os fragmentos apresentados acima, possam evidenciar a regulação e a
conformação dos sujeitos tanto na escola quanto em outro espaço social. Conforme Rose
(1998, p.39), “(...) as inscrições psicológicas da individualidade permitem que o governo
opere sobre a subjetividade”. Esse autor salienta, ainda, que a subjetividade calculável torna
“as pessoas sujeitas a que façam com elas e que façam coisas a elas próprias em nome de
suas capacidades subjetivas” (Rose, 1998, p.39).
Seguindo esse raciocínio, ser especial pode ser entendido como “a possibilidade de ter
uma existência construída sobre marcadores que afirmam a produtividade da diferença, a
presença imperiosa do ser sobre o si” (Lopes; Veiga-Neto, 2006, p.91). É importante referir
que esse ser não nos remete a uma essência, mas a subjetividades construídas e conjugadas a
partir do outro. Dito de outra forma, polarizar marcas em positivas e negativas pode significar
uma simplificação que sinaliza quem são os incluídos e quem são os excluídos. Esses autores
argumentam que:
[...] Assim como tais marcas definem a lista de sujeitos aceitos no grupo dos
incluídos, elas definem também os sujeitos que o podem pertencer a tal
grupo. A invenção de fronteiras imateriais mantém uma geografia
segregacionista que se realimenta dos padrões sociais usados como
marcadores para sinalizar quem são os autorizados a freqüentar ou o grupo
Inclusão escolar e a educação para todos
166
dos amigos/ incluídos ou o grupo dos excluídos. (Lopes; Veiga-Neto, 2006,
p.84)
Dessa forma, é importante enfatizar que os sujeitos que pertencem a uma mesma
cultura compartilham seus significados, e com isso estão implicados nos processos de
construção de identidade e de diferenciação. Nessa perspectiva, conforme a discussão de
Souza (2000), é possível pensar no corpo-identidade como efeito material dos micropoderes
existentes nas práticas discursivas da cultura, que ordenam e regulam nos corpos os gestos, o
comportamento e as maneiras como as pessoas vêem a si e aos outros. Assim, tanto a
sociedade quanto a escola, através dos processos de reconhecimento de identificação e
diferenciação, constroem os contornos demarcadores das fronteiras entre aqueles que
representam o dito normal/ saudável e aqueles que representam o dito anormal/ deficiente. Os
indivíduos ao serem classificados, hierarquizados e diferenciados uns em relação aos outros,
identificam-se em função de uma certa normalidade, ao mesmo tempo que são por ela
assujeitados (Fischer, 1998). Talvez se possa dizer que nesse processo de assujeitamento,
quando internalizamos como nossos certos padrões de comportamento, quando aprendemos a
cuidar de nós mesmos, é que somos levados a uma incansável “busca pela perfeição”.
4. Diferença, diversidade e identidade
[...] A existência da diferença existe independentemente
da autorização, da aceitação, do respeito ou da permissão
outorgada da normalidade. (Skliar, 2003, p.98)
O “direito de ser diferente” parece ser o imperativo proclamado pelas políticas
educacionais. A construção de uma sociedade democrática onde todos conquistariam sua
cidadania, onde a diversidade seria respeitada e haveria aceitação e reconhecimento político
das diferenças teve como princípio a inclusão.
Diante de tal contexto, em que a máxima é a inclusão das diferenças, “o corpo passou
ser o grande lugar da identidade pessoal” (Fischer, 1998, p.432). É fácil ver em muitas
imagens das revistas as múltiplas possibilidades de corrigir deformidades e desvios dos
nossos corpos. As informações sobre tais possibilidades vêm acompanhadas de explicações
dadas por diferentes especialistas da área da saúde, etc. Considerando esse quadro, não é
difícil de entender o quanto nos questionamos sobre a nossa normalidade e anormalidade o
medo de ser anormal, o medo de ser diferente. Em outras palavras, nos identificamos em
função de uma certa normalidade, e por ela somos assujeitados.
Levando adiante tal ideia, é possível pensar na dificuldade que temos em lidar com as
diferenças e o quanto é difícil aprender com o outro, com aquele que é diferente de mim. Isso
tem uma implicação direta com a ideia de que a diferença é algo que nos perturba. Como diz
Ferré (2001, p.198), “a diferença altera a tranquilidade dos demais, nada há de tão perturbador
como aquilo que a cada um lembra seus próprios defeitos, suas próprias limitações (...)”. A
crescente tentativa de estabelecer um corpo padronizado/ normal, conformado por um
conjunto de discursos e práticas, faz com que tal operação pareça natural e desejada, servindo
assim para o bem-estar de todos (Santos, 2007).
Nessa forma de pensar, os discursos formam sistematicamente os objetos de que
falam, moldando “nossas maneiras de constituir o mundo, de compreendê-lo e de falar sobre
ele” (Veiga-Neto, 2003, p.112).
Burbules (2003), analisando as implicações entre os conceitos de diferença e
diversidade presentes nos discursos educacionais de seu país, afirma que existe uma tensão
entre homogeneidade e diversidade, o que tem sido uma característica constante da educação
moderna. Tal tensão divide-se, por um lado, entre “o desejo de usar a educação para tornar as
pessoas mais parecidas” e, por outro, “o desejo de atender às diferentes necessidades e formas
Inclusão escolar e a educação para todos
168
de aprender, às diferentes orientações culturais (...) representadas pela diversificada população
de alunos das escolas públicas” (Burbules, 2003, p.161).
No contexto brasileiro, pode-se perceber certa preferência pelo uso do termo
diversidade nos discursos que falam da escola inclusiva, principalmente naqueles
relacionados a políticas públicas, marcando a importância do convívio com o outro aquele
que é diferente de mim –, pelas suas maneiras de ser, falar, aprender, andar, etc. O encarte a
seguir, produzido pelo Ministério da Saúde/ PNDE, amplamente divulgado nas escolas
brasileiras, além de ressaltar o significado da inclusão, mostra tal preferência pelo uso dos
termos diferença e diversidade.
Todos juntos, aprendendo com as diferenças!
pensou se todas as pessoas fossem iguais? Que tédio! Aprendemos a
descobrir e valorizar a diversidade convivendo com pessoas diferentes. É
graças à maneira de ser, pensar e agir de cada um que o mundo fica mais
interessante. Mas existem diferenças que a sociedade não entende. Há
pessoas que andam de um jeito diferente... ...falam de um jeito diferente...
... não enxergam como todo mundo. Outras, ainda, aprendem em ritmo
mais lento! TODAS as pessoas têm contribuições para dar, se TODAS
tiverem a mesma oportunidade de aprender e conviver. (Brasil. Encarte,
s/d.)
De certa forma, pode-se dizer que o conceito de diferença presente nos discursos que
falam da escola inclusiva acaba reduzindo a diferença à diversidade.
Associada a isso, está
também a clássica afirmação de que somos todos diferentes. Lopes (2007, p.20), em outra
direção, argumenta da seguinte forma;
[...] A diferença pressupõe uma materialidade que acaba em si mesma; em
outras palavras, pressupõe algo negativo que o sujeito porta e que necessita
ser corrigido/normalizado. (...) a diferença passa necessariamente a ocupar o
lugar do desvio, do não-desejado, do incomum e do exótico. (...). Tanto a
escola frisa o lugar do indesejado que acaba definindo o padrão desejável
que servirá de referencial e de modelo de comparação entre aqueles ditos
“normais” e aqueles ditos “anormais”.
Sendo assim, a diversidade, entendida como uma marca visível no corpo cor dos
cabelos, altura, falta de visão, deficiência, etc. –, reduz o potencial da diferença a algo
variável, de densidade e probabilidades calculáveis (Burbules, 2003). No mesmo sentido,
“não creditando nela a força que ela possui para romper com o instituído e com a ordem dada”
(Lopes, 2007, p.21).
A partir de tais considerações, é possível pensar que os conceitos ocupam diferentes
espaços discursivos, isto é, o conceito de diferença – ainda que venha sendo pensado como tal
Inclusão escolar e a educação para todos
169
não é sinônimo de diversidade, assim como diferença não é o oposto de igualdade. É
importante deixar claro que não se trata de conceitos opostos, “mas de conceitos distintos que
não servem para serem colocados como opostos quando, por exemplo, pensamos em ‘incluir
para igualar’” (Lopes, 2007, p.20).
Num registro em que o tema de inclusão/ exclusão social tem estado no centro dos
debates políticos educacionais, a política de Estado para a inclusão tem levado os governos e
as instituições sociais a adotarem como princípio o direito à igualdade, à equidade e à
diferença, cujo objetivo seria construir políticas sociais mais inclusivas. Em nome de uma
educação para todos, se tem dado um especial destaque à valorização da diferença e ao
respeito por ela. O que parece importante considerar é o que é diferente e não o que é igual. E
nesse crescente debate, vêm à tona as discussões sobre a natureza das diferenças entre os
homens em oposição à ideia humanista de igualdade universal. Pode-se dizer que é em tal
cenário de tensão que têm emergido as discussões sobre as diferenças e as igualdades.
Segundo Veiga-Neto (2000, p.221) “não se deve pensar no diferencialismo e no
igualitarismo como dois pólos opostos (...) é muito difícil, senão impossível, marcar uma
diferença que não carregue, consigo, um juízo de valor”. Portanto, não basta dizer que somos
progressistas e que aceitamos as diferenças. Parece que o mais importante é termos uma
atitude de vigilância e um “cuidadoso exercício de crítica e autocrítica no sentido de manter
uma prática diferencialista sem cair no diferencialismo das direitas conservadoras” (idem,
p.222). Aqui, vale esclarecer que para a direita conservadora, a diferença conecta-se ao
valor, de modo que ser diferente implica ser desigual, e para a esquerda progressista, podemos
ser diferentes e, ainda assim sermos iguais” (Veiga-Neto, 2000, p. 216). Ainda, vale dizer que
na continuidade dessas discussões alguns autores vêm dando um certo refinamento para tais
conceitos, no sentido de entender que diferente não é o mesmo que desigual; que o contrário
de igual é desigual; e que o contrário de diferente tem sido referido como o mesmo (Veiga-
Neto, 2000)
33
.
Segundo Skliar (2003), a questão de nomear o outro com diferentes termos constitui-
se em mais um debate para denominar a alteridade. Ou seja, trata-se muito mais de pensarmos
as oposições binárias entre os pares; trata-se de novas e velhas concepções que servem para
traçar novas fronteiras de in/exclusão, referentes ao estar dentro, ao estar fora normalidade/
anormalidade; eficiência/ deficiência; inclusão/ exclusão. Como diz esse autor, a nossa
33
Para uma discussão mais aprofundada acerca do diferencialismo e igualitarismo, ver (entre outros) Pierucci
(1999), Skliar e Souza (2000), Veiga-Neto (2000).
Inclusão escolar e a educação para todos
170
identidade é reforçada pela alteridade do outro. Assim, o louco confirma e reforça a nossa
razão; o deficiente, a nossa normalidade, etc.
Dessa forma, pode-se dizer que a oposição, mais especificamente, a dicotomia, é a
estrutura central tanto do intelecto quanto da prática moderna. Conforme refiro em outra
seção, dicotomia é pensada como “um exercício de poder e que cria a ilusão de simetria. O
segundo lado depende do primeiro para seu planejado e forçado isolamento. O primeiro
depende do segundo para sua auto-afirmação” (Bauman, 1999, p.22). Assim como “a
definição da identidade depende da diferença, a definição do normal depende da definição do
anormal” (Silva, 2000, p.84).
Seguindo outra linha de raciocínio, Scott se refere à diversidade como “uma
pluralidade de identidades e é vista como uma condição da existência humana e não como o
efeito de um enunciado da diferença que constitui as hierarquias e as assimetrias de poder
(Scott apud Skliar, 2003, p.98). Em relação aos significados sobre as diferenças, o autor
afirma:
[...] As diferenças não são uma obviedade cultural nem uma marca de
“pluralidade”; as diferenças se constroem histórica, social e politicamente;
não podem caracterizar-se como totalidades fixas, essenciais e inalteráveis;
as diferenças são sempre diferenças; não devem ser entendidas como um
estado não desejável, impróprio, de algo que cedo ou tarde voltará à
normalidade; as diferenças dentro de uma cultura devem ser definidas como
diferenças políticas e não simplesmente como diferenças formais, textuais ou
lingüísticas; as diferenças, ainda que vistas como totalidades ou colocadas
em relação com outras diferenças, não são facilmente permeáveis nem
perdem de vista suas próprias fronteiras; a existência de diferenças existe
independentemente da autorização, da aceitação, do respeito ou da permissão
outorgada da normalidade. (Skliar, 2003, p.98)
Feito tais esclarecimentos, cabe salientar que tanto a identidade quanto a diferença
estão diretamente associadas às relações de poder. A noção de poder em Foucault (1999, p.27)
permite-nos pensar que poder e saber estão diretamente implicados; que não relação de
poder sem constituição correlata de um campo de saber, nem saber que suponha e não
constitua ao mesmo tempo relações de poder”. Dessa forma, o poder de definir a identidade e
de marcar a diferença implica em relações mais amplas de poder (Silva, 2000).
É interessante pensar o quanto o discurso de uma sociedade considerada “plural e
democrática”, na qual todos possam participar com alegria e sem levar em conta as diferenças
de classe, gênero, raça, idade, etc., acaba reforçando um ideal de humanidade universal e não-
localizada. Nesse discurso, que tem por ideal uma cultura unificada, parece que “somos todos
Inclusão escolar e a educação para todos
171
iguais”. E a escola, nós sabemos, é a instituição que está encarregada de transmitir os
princípios de justiça, igualdade, cidadania.
A partir de tais considerações, é possível pensar que os conceitos ocupam diferentes
espaços discursivos, isto é, o conceito de diferença não substitui o de diversidade assim como
o de deficiência não substitui o de necessidades educativas especiais.
5.
Escola especial ou escola comum?
pouco tempo, conforme explicitei, o lugar que estava reservado aos alunos
considerados deficientes físicos, mentais ou sensoriais era a escola especial, exclusiva para
atender as suas deficiências. A partir da cada de 1970, muitos fatores como os movimentos
comunitários levaram à mobilização do poder público, mas foi principalmente em
“decorrência da ampliação do acesso à escola para a população em geral, da produção do
fracasso escolar e da consequente implantação das classes especiais nas escolas básicas
públicas” (Mendes, 2006, p.397), que a institucionalização da Educação Especial surge no
país como resposta a essa questão de exclusão dos especiais, dos deficientes.
Atualmente, de acordo com as Diretrizes e Bases da Educação Nacional Lei nº
9.394/96 (Brasil, 1996), tais escolas especiais deveriam voltar-se somente aos alunos cuja
adaptação não tenha sido possível nas escolas comuns. A cena 6 (seis) de abertura desta
seção, trata exatamente disso, ou seja, do principal objetivo do movimento pela inclusão
incluir todos aqueles que estiveram excluídos da escola comum.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos (Brasil, 1948) e as Diretrizes e Bases
da Educação Nacional Lei 9.394/96 (Brasil, 1996)– consubstanciada aos movimentos
mundiais, vieram também a afirmar que a educação é um direito de todos e que as pessoas
com necessidades especiais devem ter atendimento educacional “preferencialmente na rede
regular de ensino”.
Vejamos o que nos dizem tais documentos oficiais:
Artigo I – Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos.
São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às
outras com espírito de fraternidade.
Declaração Universal dos Direitos Humanos (Brasil, 1948)
Art. . O dever do Estado com a educação escolar pública será efetivado
mediante a garantia de: [...]
III atendimento educacional especializado gratuito aos educando com
necessidades especiais, preferencialmente na rede regular de ensino; [...]
Art. 58º. Entende-se por educação especial, para os efeitos desta Lei, a
modalidade de educação escolar, oferecida preferencialmente na rede
regular de ensino, para educando portadores de necessidades especiais.
LDBEN – Lei nº 9.394 (Brasil, 1996)
Inclusão escolar e a educação para todos
173
Dessa forma, o atendimento educacional especializado “aos portadores de deficiência”
estaria garantido. É importante registrar que a legislação, ao mesmo tempo em que ampara a
possibilidade de acesso à escola comum, não define obrigatoriamente e até admite a
possibilidade de escolarização que não seja na escola regular. Sobre a Educação Especial, a
Resolução CNE/CEB nº de 11/02/2001 resolve o seguinte
:
Art. Por educação especial, modalidade da educação escolar, entende-se
um processo educacional definido por uma proposta pedagógica que
assegure recursos e serviços educacionais especiais, organizados
institucionalmente para apoiar, complementar, suplementar e, em alguns
casos, substituir os serviços educacionais comuns, de modo a garantir a
educação escolar e promover o desenvolvimento das potencialidades dos
educandos que apresentam necessidades educativas especiais, em todas as
etapas e modalidades da educação básica.
Art. Como modalidade da Educação Básica, a educação especial
considerará as situações singulares, os perfis dos educandos, as
características biopsicossociais dos alunos e suas faixas etárias e se pautará
em princípios éticos, políticos e estéticos de modo a assegurar: convênios
ou parcerias para garantir o atendimento às necessidades educacionais
especiais de seus alunos, observados os princípios da educação inclusiva.
(Brasil, 2001)
Percebe-se, nessa Resolução, a importância dada à Educação Especial, uma vez que
cabe aos sistemas de ensino fazer com que tal modalidade tenha condições (recursos
humanos, materiais e financeiros) para viabilizar e sustentar o processo de construção da
educação inclusiva.
Parece que a grande discussão gira em torno, nos diferentes espaços sociais e
educacionais, sobre as vantagens e desvantagens em reunir os normais com os anormais. Em
suma, nesse discurso, parece que a preocupação vai na direção de saber o que fazer com os
anormais, com os deficientes e, mais especificamente, com as pessoas com “necessidades
educacionais especiais”. Poderíamos pensar num deslocamento do modelo de Educação
Especial? Quais as condições que tornariam esse processo possível? Que movimentos
estariam dando condições para que essa passagem da escola especial para a escola regular
aconteça?
O que procuro mostrar são algumas articulações e implicações entre Educação
Especial e a inclusão das pessoas com necessidades educacionais especiais, como campos que
se constituem em espaços de normalização, disciplinarização e regulação social. Talvez seja
interessante problematizar o modelo de Educação Especial, mostrando um certo deslocamento
nos significados sobre a educação de pessoas com necessidades educacionais especiais. Na
Inclusão escolar e a educação para todos
174
esteira disso, é que vale perguntar: diante dos novos arranjos econômicos, sociais, políticos e
culturais da sociedade atual, que posição e espaço esse sujeito estaria ocupando na escola?
Então, como mencionei anteriormente, o discurso da educação inclusiva toma vulto na
Educação Especial, a partir da década de 1990 com a realização da Conferência Mundial
sobre Educação Para Todos (1990) e com a Declaração de Salamanca (1994). Tais
movimentos são considerados marcos mundiais na difusão da educação inclusiva.
Artigo 3 [...]
5. [...] É preciso tomar medidas que garantam a igualdade de acesso à
educação aos portadores de todo e qualquer tipo de deficiência, como parte
integrante do sistema educativo.
Declaração Mundial sobre Educação para Todos (1990)
Sobre os princípios, Políticas e Práticas na Área das Necessidades
Educativas Especiais
2. Acreditamos e proclamamos que:
[..]aqueles com necessidades educacionais especiais devem ter acesso à
escola regular, que deveria acomodá-los dentro de uma Pedagogia centrada
na criança, capaz de satisfazer a tais necessidades, escolas regulares que
possuam tal orientação inclusiva constituem meios mais eficazes de
combater atitudes discriminatórias criando-se comunidades acolhedoras,
construindo uma sociedade inclusiva e alcançando educação para todos;
além disso, tais escolas proveem uma educação efetiva à maioria das
crianças e aprimoram a eficiência e, em última instância, o custo da
eficácia de todo o sistema educacional.
Declaração de Salamanca (1994)
Alguns autores apontam que o termo educação inclusiva emergiu também no início da
década de 1990, e mesmo que tivesse implicações políticas com o termo inclusão, seu foco
era mais voltado para a escola do que na sala de aula (Mendes, 2006).
[...] A “educação inclusivapressupunha a colocação de todos os estudantes
como membros de uma classe comum, mas deixava abertas as oportunidades
para estudantes serem ensinados em outros ambientes na escola e na
comunidade. A retirada da criança da classe comum seria possível nos casos
em que seus planos educacionais individualizados previssem que seria
improvável derivar benefícios educacionais da participação exclusiva na
classe comum. (Mendes, 2003, p.394)
Segundo essa mesma autora, é a partir de tal evidência que aparecem na literatura duas
posições tidas como extremistas, de um lado a proposta de inclusão total, e de outro lado, a
proposta da educação inclusiva. Os adeptos da inclusão total defendem a colocação de todos
os estudantes, independentemente do grau e tipo de incapacidade, na classe comum,
Inclusão escolar e a educação para todos
175
eliminando o atual modelo de serviços de apoio de ensino especial. Já os adeptos da educação
inclusiva, consideram que a colocação de tais estudantes deveria ser na classe comum, mas
admitem a possibilidade de serviços de apoio, bem como em ambientes diferenciados (salas
de recursos, classes especiais, escolas especiais) (Mendes, 2003).
Nesse contexto e sob o princípio de “integração escolar”, que sofreu duras críticas por
não ter cumprido seu objetivo principal, ou seja, integrar todos na escola comum, a partir da
década de 1990, emerge o discurso em defesa da “educação inclusiva”. A partir disso, parece
que se começa a discutir sobre o conceito de educação inclusiva, assim como as diferentes
denominações que utilizamos para nos referir aos outros sujeitos deficientes, com
deficiência, portadores de necessidades educacionais especiais, alunos especiais, etc. A
Resolução CNE/CEB 2 de 11 de setembro de 2001, Art.5, esclarece a abrangência da
expressão necessidades educacionais especiais
.
Se considera como educando com necessidades especiais todos os que,
durante o processo educacional apresentarem dificuldades de
aprendizagem vinculadas, ou não, a uma causa orgânica específica; os que
apresentam dificuldades de comunicação e sinalização diferenciadas dos
demais alunos e os de altas habilidades. (Brasil, 2006b, p.34)
Cabe, ainda, apontar alguns pontos-chaves que os documentos apresentam e que
considero importante marcar, para uma melhor compreensão sobre a inclusão. Então, sob o
enfoque da Educação Inclusiva, apresento algumas ênfases que vale a pena referir: das
necessidades educacionais básicas às necessidades educacionais especiais; da escola
especial ao movimento da integração; da integração escolar à educação inclusiva. E, em
relação ao novo papel da Educação Especial, os sistemas educacionais inclusivos ressaltam a
transversalidade da Educação Especial, assim como sua transição para um serviço de apoio
educacional especializado.
O documento Educar na diversidade, por exemplo, apresenta a importância de tais
ênfases para o movimento da educação inclusiva:
A mudança de paradigma acerca das necessidades educacionais, ao lado
dos avanços sociais obtidos no campo dos direitos humanos, nestes últimos
anos, levou à revisão da educação especial, introduzindo-se modificações
nas políticas e nos sistemas educacionais, tendentes à inclusão desses
alunos à educação comum na maioria dos países da região. Hoje é possível
observar que muitos países se encontram em processo de transição para
essa mudança, o qual se reflete na coexistência de diversos enfoques e
modalidades de abordagem da educação para estudantes que requerem
uma atenção especial. (Brasil, 2005, p.62)
Inclusão escolar e a educação para todos
176
Vejamos, mais detalhadamente tais ênfases que a Educação Inclusiva procura destacar.
Em relação às necessidades educacionais básicas às necessidades educacionais
especiais, pode-se dizer que o conceito de diversidade tem uma implicação direta à Educação
Inclusiva, pois evidencia que:
[...] cada educando possui uma maneira própria e específica de absorver
experiências e adquirir conhecimento, embora todas as crianças
apresentem necessidades básicas comuns de aprendizagem, as quais são
expressas no histórico escolar e obedecem as diretrizes gerais de
desempenho acadêmico. (Brasil, 2005, p.60)
Portanto, isso pode nos remeter ao entendimento de que todos os alunos podem
apresentar certas necessidades educacionais individuais e que elas podem ocorrer nos mais
diversos momentos de escolarização. E, ainda, isso quer dizer que as diferenças individuais
aptidões, motivações, estilos de aprendizagem, interesses e experiências de vida
acabam
influenciando os processos de aprendizagem desses alunos,
que são únicos para cada pessoa.
[...] Muitas das crianças que enfrentam barreiras para aprender e participar
na vida escolar são capazes de superá-las rapidamente sempre que suas
necessidades são levadas em conta e ajuda compatível é oferecida. A
origem das dificuldades do educando pode estar situada no âmbito das
diferenças pessoais, culturais, sociais ou lingüísticas, ou, ainda, no fato da
escola não considerá-las. (Brasil, 2005, p.61)
Nesse sentido, tal documento afirma que o importante é refletir sobre o descompasso
que existe entre a cultura escolar e a cultura destas comunidades que, de certa forma, provoca
um impacto no rendimento desses alunos, refletindo tanto no seu baixo desempenho
educacional quanto no abandono escolar.
[...] os diversos grupos sociais, étnicos e culturais dispõem de normas,
valores, crenças e comportamentos distintos que, em geral, não fazem
parte da cultura das escolas. [...] existem alunos que, para ter acesso à
escola e alcançar bom desempenho em sua aprendizagem precisam de
medidas e recursos diferentes daqueles usualmente oferecidos pela escola à
maioria. Trata-se, no caso, dos alunos(as) que apresentam necessidades
educacionais especiais, sejam estas transitórias ou permanentes. (Brasil,
2005, p.61)
Nesse enfoque, das necessidades educacionais básicas às necessidades educacionais
especiais, diz-se que o relevante é o “avanço” que ela representa em relação às respostas
tradicionais do modelo clínico ou da abordagem compensatória que são geralmente utilizadas
no atendimento aos alunos que enfrentam barreiras de aprendizagem nas escolas. Portanto, a
Inclusão escolar e a educação para todos
177
partir de tal enfoque e com a definição de necessidades educacionais especiais, alguns
deslocamentos têm sido apresentados:
[...] a definição de necessidades educacionais especiais desloca, portanto, o
foco de atenção do problema no aluno(a) para o contexto educacional,
ressaltando o fato de que as decisões sobre currículo adotadas pelas
escolas, bem como as atividades de aprendizagem propostas, a
metodologia utilizada e o relacionamento estabelecido entre a comunidade
escolar e seus aluno(a)s, exercem fortíssima influência na aprendizagem.
(Brasil, 2005, p.62)
Por conseguinte, o papel da escola parece ser determinante nos resultados das
aprendizagens, pois dependendo da qualidade da resposta educacional, ela teria como meta
minimizar ou compensar as dificuldades apresentadas pelos alunos (Brasil, 2005).
No que se refere ao enfoque da escola especial ao movimento da integração, pode-se
dizer que a educação especial se desenvolveu de maneira desigual em diferentes países da
América Latina, de acordo com a disponibilidade de recursos públicos ou de iniciativas da
sociedade civil. Contudo, e mesmo sendo um movimento recente no continente latino
americano, a educação especial tem seguido um modelo padronizado, isto é, a educação é
oferecida em escolas especiais segregadas do sistema de ensino regular ou em classes
especiais separadas das classes comuns. Assim, os serviços educacionais da educação especial
caracterizam-se da seguinte forma:
[...] Nos dois tipos de serviços educacionais o atendimento ao aluno(a) se
a partir da distribuição dos educando segundo suas necessidades
educacionais especiais se prevê que o ensino seja realizado por
professor(a) especializado por área de deficiência, pressupondo um
currículo que é [seja] diferente para cada área. (Brasil, 2005, p.62)
Mas inúmeros estudos têm evidenciado que o modelo da educação especial não
cumpriu com o propósito de formar pessoas capazes de progredir de maneira autônoma na
vida, integrando–se na sociedade e exercendo um papel ativo. Tal realidade tem sido
entendida a partir da ideia de que a segregação e o isolamento social dos alunos não
favorecem o desenvolvimento para a vida regular e para o exercício da cidadania. Entretanto,
a existência de escolas especiais tem feito com que muitos alunos que fracassam na escola
comum em consequência de um modelo homogeneizante, acabem sendo encaminhados a
escolas ou classes especiais (Brasil, 2005).
Inclusão escolar e a educação para todos
178
[...] a concepção e os fundamentos da educação das pessoas com
deficiência vem se modificando, entre outros fatores, em consequência do
movimento mundial em favor da integração deste grupo social. O resultado
de tal mudança foi que ao longo dos últimos vinte anos, a maioria dos
países do continente vem dando maior ênfase à perspectiva da integração
escolar, gerando políticas e programas voltados para este objetivo. [...] o
processo de integração desses estudantes ao sistema educacional comum
tem produzido mudanças positivas tanto na escolarização quanto na escola
que os acolhe. (Brasil, 2005, p.62)
De certa forma, isso mostra o quanto a convivência escolar com crianças com
deficiências tem sido celebrada como uma atitude positiva frente às diferenças individuais e o
enriquecimento das práticas docentes na sala de aula. Acredita-se que a integração, também,
promoveu uma maior colaboração entre os docentes do ensino especial e regular, condição
essa que potencializa a criação de redes de apoio por parte das escolas. Mesmo diante das
propostas de modificações que a educação especial tem feito, a integração do aluno com
deficiência não tem conseguido transformar a cultura escolar do modo como foi idealizado,
ou seja, as escolas dizem ter dificuldades para responder à diversidade de características e
necessidades de cada aluno, assim como erradicar práticas de discriminação e segregação.
Conforme consta nos documentos oficiais, a integração é:
um processo dinâmico de participação das pessoas num contexto
relacional, legitimando sua interação nos grupos sociais. A integração
implica em reciprocidade. E sob o enfoque escolar é o processo gradual e
dinâmico que pode tomar distintas formas de acordo com as necessidades e
habilidades dos alunos. (Brasil, 1994a, p.18)
Contudo, dentro dessa abordagem, são apontadas algumas fragilidades que acabam
impedindo a “verdadeira” educação inclusiva à diversidade. Blanco (Brasil, 2005, p.63),
destaca as seguintes fragilidades:
A integração tem sido centralizada basicamente no coletivo de
aluno(a)s com necessidades educacionais especiais derivadas de
deficiências, aos quais se concedem as facilidades necessárias ao
acesso e à permanência.
O enfoque da educação especial tem sido deslocado para a escola
comum, no qual é alheio à cultura destas e reforça a ideia de que a
questão da educação das crianças e dos jovens com necessidades
educacionais especiais precisa ser abordada por professore(a)s
especializados.
Inclusão escolar e a educação para todos
179
Os processos de integração têm se centrado mais na atenção
individualizada aos estudantes integrados, do que em transformar os
processos educacionais e a organização das escolas e as aulas, de
forma a beneficiar todos na sala de aula.
Provisão de recursos adicionais apenas para as crianças integradas. Em
grande parte de países, a integração se encontra associada à alocação
de recursos humanos e materiais especializados para crianças e para
adolescentes e jovens com deficiência.
Maior ênfase no processo de socialização e integração. Em muitas
experiências de integração privilegia-se mais a integração física e
social do que a integração educacional propriamente dita, o que tem
levado a uma maior atenção ao desenvolvimento das capacidades
relacionadas com a socialização do que às aprendizagens curriculares,
limitando, assim, as oportunidades educacionais desses alunos.
Diante das atuais demandas político-educacionais, as críticas feitas ao movimento de
integração vão na direção de rever o papel da escola. Resumidamente, pode-se dizer que
muitas escolas que abrem suas portas à integração de alunos com deficiência, acabam
discriminando e excluindo alunos sem deficiência, e que a responsabilidade da educação
desses alunos com deficiência são delegadas a profissionais de apoio, deixando de ser
assumida pelos docentes das classes regulares. Outra fragilidade apresentada refere-se ao
currículo, as estratégias de ensino e aos procedimentos de avaliação que são adaptados às
necessidades dos alunos que estão integrados, mas que não se faz o mesmo com os demais
alunos que também apresentam dificuldades de aprendizagem e, que precisariam também de
um apoio para superar ou compensar suas dificuldades.
E, o último enfoque da integração escolar à educação inclusiva é considerado um
momento importante, no qual dizem ser um avanço no processo de inserção de pessoas com
necessidades educacionais especiais nas escolas comuns.
[...] A educação inclusiva não constitui uma nova expressão para designar
a integração dos aluno(a)s com necessidades educacionais especiais. O
conceito de inclusão é mais amplo que o de integração porque enfatiza o
papel da escola comum na sua tarefa de atender à totalidade dos alunos. A
inclusão constitui um enfoque inovador para identificar e abordar as
dificuldades educacionais que emergem durante o processo ensino-
aprendizagem. (Brasil, 2005, p.63)
Isso explica a inclusão como princípio que deve orientar as ações dirigidas à superação
das práticas de ensino tradicionais que consideram as limitações dos alunos para explicar as
dificuldades de aprendizagem, criando, assim, barreiras ao sucesso escolar. Como deve ter
ficado claro, a educação inclusiva tem sido compreendida como um avanço no que diz
Inclusão escolar e a educação para todos
180
respeito ao processo de inserção de pessoas com necessidades educacionais especiais nas
escolas comuns, pois o seu propósito seria facilitar a transição dos estudantes com
deficiências da escola especial à escola comum, assim como oferecer suporte ao processo de
aprendizagem na rede de ensino regular. Através da eliminação de barreiras que impedem a
aprendizagem e a participação de muitos alunos, a educação inclusiva estaria contribuindo
para assegurar que as diferenças culturais, socioeconômicas, individuais e de gênero não se
transformem em desigualdades educacionais e, assim, em desigualdades sociais (Brasil,
2005). O próprio Programa da educação inclusiva tem como meta aumentar a participação dos
alunos e reduzir a exclusão cultural, curricular e comunitária nas escolas locais. O quadro
abaixo apresenta, resumidamente, as características de tal Programa:
A inclusão implica reestruturar a cultura, as políticas e as práticas dos
centros educacionais, para que possam atender à diversidade dos
alunos de suas respectivas localidades.
A inclusão se refere à aprendizagem e à participação de todos os
estudantes vulneráveis que se encontram sujeitos à exclusão, não
somente aqueles com deficiência ou rotulados como apresentando
necessidades educacionais especiais.
A inclusão visa à melhoria das escolas, tanto em relação ao corpo
docente como aos alunos.
A preocupação em superar as barreiras antepostas ao acesso e, em
especial, à participação do aluno, pode servir para revelar as limitações
de caráter mais geral da instituição de ensino, quando do atendimento
à diversidade dos alunos.
Todos os estudantes têm direito à educação nas suas localidades.
A diversidade não pode ser considerada um problema a resolver, mas,
sim, uma riqueza para auxiliar na aprendizagem de todos.
A inclusão diz respeito ao esforço mútuo de relacionamento entre
estabelecimentos de ensino e suas comunidades.
A educação inclusiva é um aspecto da sociedade inclusiva. (Brasil,
2005, p.64)
Nesse sentido, a educação inclusiva deve assegurar participação e aprendizagem de
qualidade para todos os alunos, exigindo não o desenvolvimento da escola como um todo,
mas, também, a sua melhoria deve traduzir as mudanças ocorridas na maneira de conduzir o
processo de ensino e aprendizagem na sala de aula.
[...] o resultado educacional é o que definitivamente expressa a qualidade
da educação e a capacidade que a escola tem (ou o) de potencializar ao
máximo a aprendizagem de todos e de cada um dos alunos(as). (Brasil,
2005, p.65)
Inclusão escolar e a educação para todos
181
Nessa abordagem, tanto a escola quanto a sala de aula e os processos educacionais que
envolvem professores e alunos, constituem o contexto que explica em grande parte o êxito ou
o fracasso escolar dos alunos. A educação inclusiva defende a passagem da educação
segregada para um sistema inclusivo supondo sua centralidade na aprendizagem da criança.
Em outras palavras, é vista como um modo de avançar na forma como apóia, atende e acolhe
as qualidades e necessidades de cada um e de todos os alunos na comunidade escolar.
De modo geral, pode-se dizer que o debate sobre a inclusão escolar no Brasil tem sido
caracterizado pela luta do acesso e permanência das pessoas com deficiência, direcionado
para aumentar as matrículas nas classes comuns das escolas públicas do ensino regular. O
movimento da inclusão tem tomado para si o efeito positivo do aumento das matrículas nessas
classes comuns gerado pelas estatísticas.
6. A estatística como prática de governamento
[...]36% implementaram ações de inclusão de alunos com
necessidades educacionais especiais nas classes comuns
em escolas regulares; 32% relataram que houve
desmistificação de preconceitos; 20% investiram na
formação continuada de professores de educação especial
e 20% na construção de salas para o atendimento
pedagógico de alunos com necessidades educacionais
especiais. (Guimarães e Osório, 2007, p.40)
A epígrafe acima mostra os dados referentes a uma pesquisa
34
realizada em 26 (vinte
seis) unidades federativas do Brasil, que, por meio de um questionário encaminhado a todas
as secretarias estaduais de educação e do Distrito Federal, apresentam os resultados do
processo de atendimento educacional à pessoa com deficiência no período compreendido de
1994 e 2004.
As informações levantadas evidenciam elementos importantes sobre as ações postas
em prática após Salamanca
35
, ou, como referem esses autores, “o impacto da citada
Declaração nas políticas governamentais no âmbito das redes estaduais de ensino”
(Guimarães e Osório, 2007, p.40).
Em relação aos impactos da Conferência Mundial de Salamanca, os gestores de
educação especial informaram o seguinte:
[...] 44% responderam que ela possibilitou a reflexão e revisão das práticas
sociais e educacionais; 40% a sensibilização da comunidade; 32% o
empreendimento de esforços para o acesso à educação/ reestruturação das
escolas e dos currículos; 32% a desmistificação de preconceitos; 24% a
mobilização da comunidade; 24% a organização de grupos de pessoas com
necessidades educacionais especiais na busca de seus direitos/ grupos
sociais mais ampliados/ consciência dos direitos. (Guimarães e Osório,
2007, p.40)
De certa forma, os resultados da pesquisa, citada como exemplo, indicam que a
problemática da inclusão se insere numa dinâmica da prática social e cultural, reproduzindo
preconceitos, tanto na ordem coletiva quanto individual.
34
Para um estudo mais detalhado dessa pesquisa, ver o Relatório Impactos da Declaração de Salamanca nos
Estados Brasileiros: dez anos de aprovação, implantação e implementação (Osório. et al., 2005).
35
Lembrando: Em 1994, foi realizada a Conferência Mundial sobre Necessidades Educacionais Especiais:
acesso e qualidade, promovido pelo governo da Espanha e pela UNESCO, produzindo a Declaração de
Salamanca (Brasil, 1997). Tal conferência é tida como o mais importante marco mundial na difusão da educação
inclusiva. A partir desse movimento, ganham destaque algumas práticas inclusivas em muito países, inclusive no
Brasil (Mendes, 2003).
Inclusão escolar e a educação para todos
183
Nessa perspectiva, o discurso oficial estabelece a normalização, as regras e posturas
consideradas “legais” e “normais”. Assim, “o indivíduo, por ser sujeitado, tende a incorporar
o discurso como seu, defendendo ou argumentando, justificando a ação desenvolvida junto ao
objeto da sujeição” (Guimarães e Osório, 2007, p.40).
Nesse sentido, as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica,
ao definirem a Educação Especial/1996 como uma modalidade da educação escolar que deve
atravessar todas as etapas e níveis de ensino, também regulamentam a garantia do direito de
acesso e permanência dos alunos com necessidades educacionais especiais e orientam para a
inclusão em classes comuns do sistema regular de ensino (Brasil, 2006b). Em tal documento,
parece que o aluno considerado deficiente ou especial é percebido de uma outra maneira. Em
outras palavras, a ênfase de tal percepção desloca-se “do aluno com defeito para situar-se na
resposta educativa da escola, sem que isso represente negação da problemática vivida pelo
educando” (Brasil, 2006b, p.33).
Aqui, é válido salientar o seguinte em relação à transição da escola especial para a
escola comum:
No novo papel, então, a escola especial passa a ter valor fundamental para
desempenhar as funções de apoio e assessoramento aos processos de
inclusão de aluno(a)s com necessidades educacionais especiais, incluindo
aqueles com deficiências. Além disso, na nova função o serviço
especializado deve também oferecer apoio ao professor(a) com o objetivo
de apoiar o desenvolvimento de estratégias efetivas à diversidade. (Brasil,
2005, p.168)
Em relação à transversalidade da Educação Especial, o Parecer CNE/CEB 17/2001
(Brasil, 2006a, p.4), a Figura 1 mostra como se deve entender e ofertar os serviços de tal
educação. Em outras palavras, a Educação Especial deve ser parte integrante do sistema
educacional brasileiro, em todos os níveis de educação e ensino.
Figura 1 - Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica
(Brasil, 2006a, p.4)
Inclusão escolar e a educação para todos
184
No contexto brasileiro, as evidências apontadas por alguns dados estatísticos mostram
uma certa concentração de esforços para atender as necessidades educacionais de inúmeros
alunos até então privados do direito de acesso, ingresso, permanência e sucesso na escola
básica. Os dados obtidos pelo MEC/INEP, através do Censo Escolar, mostram o movimento
de matrículas que aconteceu entre 2002 a 2005. Penso ser interessante para esta investigação
utilizar alguns dados como objeto de análise para mapear a realidade brasileira, no sentido de
mostrar os movimentos das políticas de inclusão. A partir dos dados que apresento até aqui,
inúmeras questões podem ser analisadas e problematizadas. Nesse sentido, nesta seção,
apresento algumas análises estatísticas para mostrar os movimentos das políticas de
inclusão
36
.
O diagnóstico da educação especial é feito através do Censo Escolar/ MEC/INEP,
realizado anualmente em todas as escolas de educação básica, possibilitando o
acompanhamento dos indicadores da educação especial, ou seja:
[...] acesso à educação básica, matrícula na rede pública, ingresso nas
classes comuns, oferta do atendimento educacional especializado,
acessibilidade nos prédios escolares, municípios com matrícula de alunos
com necessidades educacionais especiais, escolas com acesso ao ensino
regular e formação docente para o atendimento às necessidades
educacionais especiais dos alunos. (Brasil, 2008a, p.12)
Além desses indicadores que compõe o âmbito da educação especial, o Censo Escolar/
MEC/INEP coleta outros dados referentes ao número geral de matrículas, são eles:
[...] à oferta da matrícula nas escolas públicas, escolas privadas e privadas
sem fins lucrativos; às matrículas em classes especiais, escola especial e
classes comuns de ensino regular; ao número de alunos do ensino regular
com atendimento educacional especializado; às matrículas, conforme os
tipos de deficiência, transtornos do desenvolvimento e altas
habilidades/superdotação; à infraestrutura das escolas quanto à
acessibilidade arquitetônica, à sala de recursos ou aos equipamentos
específicos; e à formação dos professores que atuam no atendimento
educacional especializado. (Brasil, 2008a, p.12-13)
36
Conforme a Secretaria de Educação Especial, Coordenação Geral de Planejamento/MEC, os Números da
Educação Especial no Brasil (2006) informam, através do Censo Escolar, o seguinte: a Evolução da Política de
Atendimento na Educação Especial por regiões brasileiras (Centro-Oeste, Nordeste, Norte, Sudeste, e Sul); a
Matrícula na Educação Básica por Etapa/Modalidade de Ensino no ano de 2005; a Matrícula na Educação
Especial por Etapa/Modalidade no ano de 2005; o Fluxo de Alunos com N.E.E por Etapa/Modalidade de Ensino
e Tipo de Atendimento no ano 2004-2005; a Evolução de Municípios com Matrículas na Educação Especial; a
Evolução de Estabelecimentos com Educação Especial; a Evolução de Estabelecimentos Inclusivos com
Educação Especial no ano 2002-2005; a Evolução de Funções Docentes na Educação Especial no ano de 2002-
2005.
Inclusão escolar e a educação para todos
185
De acordo com as Diretrizes da Política Nacional de Educação Especial na perspectiva
da Educação Inclusiva (Brasil, 2008a), a partir de 2004 são efetivadas mudanças no
instrumento de pesquisa do Censo, que passa a registrar a série ou ciclo escolar dos alunos
identificados no campo da educação especial. Assim, com essa nova estratégia de registro,
monitora-se o percurso escolar dos alunos. Em 2007, o Censo Escolar apresentou uma nova
forma de registrar a realidade escolar. Isso é, o Censo escolar foi transformado em um sistema
de informações on-line, o Censo web, que qualifica o processo de manipulação e tratamento
das informações, permitindo, assim, atualizar os dados dentro do mesmo ano escolar. Além
disso, possibilita o cruzamento com outros bancos de dados, tais como os das áreas da saúde,
assistência e previdência social. Diante de um universo de pesquisa que se amplia, agregam-se
informações individualizadas dos alunos, das turmas, dos professores e da escola. Passa-se,
portanto, a mapear e a monitorar de forma intensa e contínua o sistema educacional.
Percebe-se, assim, algumas estratégias de governamento colocadas em ação uma vez
que para bem governar é preciso:
[...] dispor de meios, prever as táticas, pôr em ação as estratégias que nos
levem à consecução de certos fins o que deve ser ressaltado é que o conjunto
de práticas, de rotinas e de rituais institucionais, quando orientado por alguns
princípios ou metas e balizado por um processo de reflexão, torna tais
atividades governamentais, como nos explicou Foucault, pois as conecta
com vários procedimentos e aparatos cuja finalidade é a de garantir que elas
obtenham certos efeitos [...]. (Bujes, 2002a, p.79)
Nesta Tese, apresento, como exemplo, os seguintes dados que foram encontrados no
site do MEC, referentes a 1998-2005. As Figuras 2 e 3 mostram a evolução de matrículas da
Educação Especial no Brasil. Tais indicadores nos permitem ver que, a partir do número de
matrículas ofertadas, o alunado recebeu algum tipo de atendimento especializado. Conforme a
figura 2, na Educação Especial houve um crescimento de matrículas de 42,7% entre 2002 e
2005. Em relação às matrículas em Escolas Regulares/Classes Comuns, os dados oficiais
apontam ainda que, em 2003, 62% das novas matrículas foram inclusivas; em 2004, houve
um aumento para 80% e em 2005, chegou a 91%.
Alguns estudos têm mostrado que o fortalecimento da instituição especializada deu-se,
possivelmente, a partir da reestruturação das bases legais, marcada, principalmente, pela
promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei nº5.692/71. É
importante lembrar que em tais instituições, a ênfase dada era para um atendimento
assistencial e terapêutico ao invés de educacional e escolar.
É importante dizer que, com algumas transformações do sistema educacional, pode ser
observado um aumento significativo das matrículas dos alunos com necessidades
Inclusão escolar e a educação para todos
186
educacionais especiais nas classes comuns do ensino regular. A atual legislação (LDB/1996),
como já referi, salienta sobre o atendimento educacional especializado gratuito aos educandos
com necessidades especiais e que seja preferencialmente na rede regular de ensino. Na Figura
4 podemos observar, claramente, tal aumento de matrículas.
337.326
374.699
382.215
404.743
448.601
504.039
566.753
640.317
0
100.000
200.000
300.000
400.000
500.000
600.000
700.000
800.000
1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005
Figura 2 - Evolução do Total de Matrículas na Educação Especial (Brasil, 2007)
293.403
87%
311.354
83%
300.520
79%
323.399
80%
337.897
75%
358.898
71%
371.383
66%
378.074
59%
43.923
13%
63.345
17%
81.695
21%
262.243
41%
195.370
34%
145.141
29%
110.704
25%
81.344
20%
0
100.000
200.000
300.000
400.000
500.000
600.000
700.000
1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005
Em Escolas
Regulares/
Classes Comuns
Em Escolas
Exclusivamente
Especializadas/
Classes Especiais
Figura 3 - Distribuição do total de matrículas em Educação Especial (Brasil, 2007)
Inclusão escolar e a educação para todos
187
6.691
12.485
21.001
66.873
91%
50.229
80%
34.437
62%
0
10.000
20.000
30.000
40.000
50.000
60.000
70.000
80.000
2003 2004 2005
Em Escolas Regulares/Classes Comuns
Em Escolas Exclusivamente
Especializadas/Classes Especiais
Figura 4 - Distribuição das novas matrículas em Educação Especial (Brasil, 2007)
Nesse sentido, é importante destacar o seguinte: o crescimento total do número de
matrículas (crescimento de 90% entre 1998 e 2005), a progressiva passagem da escola
especial para escola regular (em 1998, 87% estavam em classes especiais, contra 59% em
2005, as mudanças são mais acentuadas a partir de 2002), a aceleração das novas matrículas
em direção à escola regular (das novas matrículas de 2003 apenas 62% estavam em classes
especiais, contra 91% em 2005).
Em relação a esses dados, fica evidente que um crescimento do número de
matrículas de alunos com necessidades educacionais especiais, o que tem sido considerado
como parâmetro para análise de avanço do processo de inclusão ao mesmo tempo em que se
apresenta de forma problemática, pois nem todos professores aceitam alunos com deficiência
em sua turma e, ainda, alguns só aceitam porque é uma determinação legal.
[...] Em estudo, 80% dos professores aceitam alunos com deficiência em
sua turma apenas porque é determinação “superior”. (Guimarães e Osório,
2007, p.40)
Os gráficos das Figuras 5 e 6 mostram a evolução de matrícula na educação especial
entre 1998 a 2006. A Figura 5 apresenta a evolução de matrículas ocorridas em escolas
especializadas e classes especiais e as matrículas ocorridas em escolas regulares. A partir
dados apresentados pelo Censo Escolar, a evolução das matrículas entre 1998 a 2006,
expressou um crescimento de 107%. Em relação ao ingresso em classes comuns do ensino
regular, verifica-se um crescimento de 640%, passando de 43.923 alunos em 1998 para
325.316 alunos em 2006. O gráfico a seguir mostra tal crescimento.
Inclusão escolar e a educação para todos
188
Figura 5 – Evolução de matrículas classes especiais/comuns (Brasil, 2006)
Figura 6 – Evolução de matrículas na Educação Especial na Rede Pública
e Privada (Brasil, 2006)
Quanto à distribuição dessas matrículas nas esferas pública e privada, a Figura 6,
apresenta acima, registra em 1998 que 53,2% doa alunos estão matriculados na rede pública e
46,8% dos alunos estão nas escolas privadas, instituições especializadas e filantrópicas. Mas,
com a intensificação das ações políticas da educação e de outros movimentos comunitários,
evidencia-se nesse mesmo período, um crescimento de 146% das matrículas nas escolas
públicas, que alcançaram 63% dos alunos matriculados em 2006.
Inclusão escolar e a educação para todos
189
Podemos entender a estatística como um saber-poder que fornece verdades sobre a
população; como um elemento que tem sua forma, a sua importância e o seu discurso próprio,
mas, que também está conectada à vontade de produzir verdades e à implicação nas relações
de poder sobre a vida —seja da população, seja do individuo tomado separadamente. Nessa
perspectiva, “os saberes estatísticos, permitem que a população se torne mensurável,
calculável, pensável em uma racionalidade governamental, oferecendo os instrumentos
necessários para se elaborar estratégias e mecanismos de ação para a intervenção nos
fenômenos próprios da população” (Santos, 2001, p.67). A Estatística, com suas técnicas e
saberes, estaria implicada diretamente com o governamento na medida em que:
[...] para se governar uma população é necessário isolá-la como um setor da
realidade, identificar certas características e processos próprios dela, fazer
com que seus traços se tornem observáveis, dizíveis, escrevíveis, explicá-los
de acordo com certos esquemas explicativos. O [governamento] depende,
pois, de verdades que encarnam aquilo que deve ser governado, que o
tornam pensável, calculável e praticável. (Rose, 1998, p.37)
É nesse contexto que os saberes estatísticos, ao informar dados referentes ao número
de matrículas; à oferta da matrícula nas escolas públicas, escolas privadas; às matrículas em
classes especiais, escola especial e classes comuns de ensino regular; ao número de alunos do
ensino regular com atendimento especializado; às matrículas, conforme tipos de deficiência,
etc, tornam a população calculável, mensurável e analisável.
Segundo Popkewitz e Lindblad (2008, p.4), “os números fornecem uma maneira de
raciocinar a respeito da relação entre fenômenos sociais e educacionais. Os números definem
trajetórias para sinalizar progressos ou identificar locais potenciais de intervenção por meio de
políticas de estado”.
Contudo, os números representados nos gráficos não são apenas descrições de divisões
e relações sociais a partir das quais se pode racionar a respeito dos problemas educacionais.
Em outras palavras, governar envolve “uma correlação constante entre uma individualização
crescente e a construção de uma totalidade que permite que nos reconheçamos como
pertencendo a uma sociedade” (Popkewitz e Lindblad, 2008, p. 4).
As estatísticas com suas funções práticas dos números, dizem respeito a um
empreendimento sofisticado e que se estende à vida social em todos os seus aspectos,
infiltrando-se no funcionamento da sociedade. Nas palavras de Popkewitz e Lindblad, a
credibilidade nas estatísticas está relacionada a seu potencial para governar o funcionamento
de governos democráticos em nível estadual, interestadual e global.
Inclusão escolar e a educação para todos
190
[...] Nas democracias, as estatísticas são vistas como uma tecnologia que
diminui o medo de poder irrestrito e contribui à liberdade ao manter uma
regra de lei impessoal, uma redução da complexidade e classificação
meramente técnicas para aplicar os princípios democráticos de equidade e
justiça, de modo a considerar a pobreza ou a integração social e econômica.
(Popkewitz e Lindblad, 2008, p.4)
De certa maneira, os saberes estatísticos possibilitam manipular e dar um outro
tratamento às informações recebidas sobre os alunos, as turmas, os professores e as escolas.
Com tais realidades identificadas e mapeadas, é possível governar de forma calculável e
contínua, propondo ações e movimentos em prol de determinadas verdades o chamamento
às famílias dos deficientes, aos professores como os grandes responsáveis pela educação
inclusiva, etc. Considero que o fragmento a seguir é um bom exemplo, para pensarmos tais
ações.
O importante é que a família esteja sempre pronta a garantir-lhe o acesso à
escola, ciente de suas responsabilidades nesse papel. Deixar de mandar
uma criança à escola pode significar solução imediata mas, a longo prazo,
as consequências podem ser danosas. Tenha coragem e faça sua parte, para
que esse processo de transição entre escolas que excluem e escolas que
incluem seja o menos longo possível. (Brasil. 2004, p.50)
O recado dado aos pais ou responsáveis de crianças e adolescentes com ou sem
deficiência ou qualquer outra necessidade especial, diz o seguinte:
A proposta educacional inclusiva é aquela que considera TODAS as
crianças e TODOS os adolescentes como titulares do direito à educação,
sem discriminações. Uma escola que permita uma convivência com essa
consciência da diversidade, possibilitará um preparo para a cidadania e um
desenvolvimento humano muito maior para TODOS. (Brasil, 2004, p.50-
51)
Para se construir uma sociedade inclusiva é fundamental que as famílias
tenham autonomia para cuidar das questões relacionadas às necessidades
especiais de seus filhos. Em uma sociedade inclusiva, as famílias de
pessoas com deficiência devem estar presentes em todos os momentos.
Participar das decisões, fazer valer os seus direitos e lutar por melhores
condições de vida para todos. (Paula e Costa, 2007, p.7)
E, aos professores é dito o seguinte:
Professores, vocês são a peça essencial em todo o processo de garantia
desse direito fundamental de TODAS as nossas crianças e adolescentes.
(Brasil, 2004 p.52)
A quem se dirige o movimento da inclusão? Pode-se perceber que, nesse processo de
transição, é feito um apelo que se dirige tanto aos familiares ou responsáveis quanto aos
Inclusão escolar e a educação para todos
191
professores de crianças e adolescentes com deficiência. E, parece que o recado dado,
principalmente aos pais, é para que todos eles fiquem atentos “à qual escola que inclui” e “à
qual escola que exclui”. Ou seja, os pais e/ ou responsáveis são convocados a agilizar esse
processo de transição, na qual só trará benefícios para todos na sociedade.
Nesse panorama, os números, os índices e as taxas ocupam uma posição de
centralidade nas ações governamentais no âmbito da política, da educação e da economia, a
ponto de gerarem normas, estratégias e ações (programas, campanhas) para dirigir,
administrar e otimizar as condutas individuais e coletivas (Traversini e Bello, 2009). Esses
autores, ainda, argumentam que:
[...] Conduzir, regular e normalizar uma população não requer unicamente a
extração de saberes sobre ela [...] Além disso, uma necessidade de se
produzirem registros sobre essa população, para propor, para acompanhar e
para avaliar intervenções, quantificando os seus aspectos mais característicos
e de interesse, formulando saberes para depois disponibilizá-los aos
governos e à sociedade. Os saberes construídos por diferentes instituições
experts, com base em dados coletados, em registros, em comparações,
subsidiam decisões administrativas para manter e otimizar as características
desejáveis da população. (Traversine e Bello, 2009, p.136)
O Censo Escolar revela que as estatísticas servem de referência para definir problemas
educacionais e programas futuros como, por exemplo, o Programa Nacional Educação
Inclusiva: direito à diversidade iniciado em 2005, que foi referido, cujo projeto foi
realizado numa ação conjunta entre o governo federal, estadual e municipal que
desenvolveram ações de formação de quinze mil docentes nas escolas que aderiram ao
projeto.
Diante desse cenário, poderíamos pensar na possibilidade de um desmantelamento das
escolas especiais privadas e até públicas, devido aos dados que parecem indicar tal
possibilidade. Isto é, eles nos mostram um crescimento significativo no número de matrículas
nas escolas públicas regulares. Os dados mostram que mais recentemente o número de
matrículas em classes especiais tende a uma drástica redução. Numa primeira análise, poder-
se-ia dizer que os propósitos da universalização da educação estariam sendo cumpridos,
através das políticas de inclusão. Mas, vale a pena ficarmos alerta para o fato de que a
inclusão, confundida com a idéia de inclusão total, estaria a serviço de uma dita democracia.
E, consequentemente, no contexto brasileiro, isso poderia justificar o fechamento de
programas e serviços como, por exemplo, das classes especiais das escolas públicas por,
também, onerarem os cofres públicos. O paradoxo disso tudo é que essa seria uma forma de
Inclusão escolar e a educação para todos
192
escamotear a retirada do poder público de cena, reduzindo a ação do Estado na educação de
crianças e jovens com necessidades educacionais especiais.
É preciso perguntarmos-nos se, a partir de tais tentativas de homogeneização, não
estaríamos dando maior visibilidade às diferenças e, com isso, acentuando as categorias dos
deficientes, dos anormais, assim como fixando rótulos de “especiais” e “incluídos”. Nessa
operação, parece-me produtivo e necessário problematizar como as políticas de inclusão
estariam discutindo a integração, a interação social desses sujeitos, por exemplo, na escola e
nas classes de ensino regular. E, ainda, como os sistemas de ensino estariam assegurando aos
alunos com necessidades educacionais especiais currículos, métodos, técnicas, recursos
educativos e organizações específicas para atender às suas necessidades, assim como oferecer
uma terminalidade específica, professores com especialização adequada, Educação Especial
para o trabalho e acesso aos benefícios dos programas sociais. Atualmente, essas parecem ser
algumas das preocupações que se apresentam, quando falamos da inclusão de pessoas com
necessidades educacionais especiais na escola.
Seguindo esse raciocínio, o que parece estar em movimento seria uma vontade de
saber, sempre ativada por uma vontade de poder que incluem variadas estratégias como, por
exemplo, distribuição diferencial de recursos orçamentários, discursos panfletários, manuais
didáticos, entre outros (Veiga-Neto, 2001). Parece que ao se falar em inclusão se estaria
considerando também que a educação escolarizada continua sendo uma das maiores
responsáveis por uma construção social mais “igualitária e justa(saúde, direitos humanos,
crescimento econômico, entre outros), assegurando ao educando uma formação para o
exercício da cidadania. Penso que é a partir desse contexto que se pode problematizar a
inclusão na sociedade atual como uma forma de promoção e exaltação de todos os diferentes
(aqueles que a Modernidade chamou de “anormais”, “deficientes”).
7. Quando todos aprendem com a diferença
Inclusão. Todos aprendem quando as crianças com
deficiência vão à escola junto com as outras. Deficiência
mental O tempo de cada um. Comparar não é o melhor
meio de perceber os vários ritmos e jeitos de os jovens se
desenvolveram. (Nova Escola, 2006, p.24)
Nesta seção, poderia levantar várias questões sobre a inclusão escolar, mas, como o
meu estudo situa-se no campo das problematizações e indagações sobre os modos, as formas
pelas quais, ou os comos da inclusão das pessoas com necessidades educacionais especiais, as
questões que apresento são externalistas: como aparece essa noção de “necessidades
educacionais especiais”? Por que se constrói essa categoria “necessidades educacionais
especiais”? Tal construção não estaria ligada a novas ressignificações sobre a deficiência,
assim como sobre a educação?
Nesta seção, relaciono alguns conceitos para problematizar a noção de necessidades
educacionais especiais (NEEs), associada ao discurso da deficiência, como uma construção
social e cultural, para discutir a aprendizagem como uma estratégia de prevenção ao risco
social
Diante das problematizações e análises que procurei apresentar até aqui, é preciso
ressaltar que esse movimento de incluir as crianças com necessidades educacionais especiais
na escola comum não é uma ideia totalmente nova, pois já estava presente desde o movimento
pela integração escolar. A integração do aluno com deficiência na rede de ensino como, por
exemplo, o projeto intitulado A turma do bairro na classe, foi um movimento realizado pelo
Ministério de Educação e do Desporto/MEC (s/d), empenhado em ampliar a oferta de
educação às pessoas com deficiência, em parceria com os municípios, tornando realidade os
direitos de cidadania garantidos pela Constituição. O propósito era assegurar o direito de
todos, inclusive das pessoas consideradas deficientes:
é importante estarmos preparados para oferecer a elas oportunidades iguais
e a possibilidade de integração na sociedade. (Brasil, 1995, vol.1, p.31)
Tal movimento, como salientei anteriormente, entendia que o problema estava
centrado no aluno, enfatizando que um dos fatores causais da dificuldade de aprendizagem
seriam os procedimentos pedagógicos, que nem sempre atendiam às necessidades individuais
dos alunos. E, ainda, parece ficar evidente a importância dada para a relação professor-aluno:
Inclusão escolar e a educação para todos
194
a forma pela qual o professor se relaciona com seus alunos, também pode
auxiliar ou prejudicar o processo de aprendizagem. É mais fácil aprender
quando o afeto permeia o processo. (Brasil, 1995a, vol.3, p.25)
Com o movimento pela inclusão, parece que a educação inclusiva toma outros rumos.
Isso é, ao mesmo tempo em que a inclusão estabelece que conviver na diversidade faz parte
da realidade dos seres humanos, reconhece que a escola acentua as desigualdades devido às
diferenças pessoais, sociais, culturais e políticas, estabelecendo-se assim a necessidade de
reformas nos currículos, nas formas de avaliação, na formação de professores e na promoção
de uma política educacional de qualidade para todas as crianças. Relacionado a isso, vale
observar os princípios aos quais se refere a Declaração de Salamanca (1994, p.17-18).
a todas as crianças (...) com deficiência e bem dotadas, crianças que vivem
nas ruas e que trabalham, crianças de populações distantes ou que são
nômades; crianças de minorias lingüísticas, étnicas ou culturais e crianças
de outros grupos ou zonas desfavorecidos ou marginalizados.
Aqui, parecem ficar claros alguns deslocamentos que começam a acontecer na
Educação Especial em relação à organização educacional e escolar. Com o movimento pela
inclusão intensifica-se a ideia de romper com o mito de que convivemos com duas educações:
uma regular e a outra, especial. Acrescente-se a isso, a ruptura entre os paradigmas de modelo
de deficiência e de modelo de inclusão escolar, a construção de novas arquiteturas escolares, a
participação das comunidades, familiares e organizações não-governamentais nas decisões
pedagógicas, discussão sobre a didática e possíveis mudanças no currículo escolar. Pode-se
dizer que em decorrência da mudança de paradigmas (reducionista-organicista para um
paradigma interacionista), amplia-se o alunado da Educação Especial (Carvalho, 2006).
Considerando que a Educação Especial, sob o enfoque do modelo clínico-terapêutico,
tem sido entendida como a educação de pessoas com deficiência mental, auditiva, visual,
motora, física, múltipla ou decorrente de distúrbios invasivos do desenvolvimento, além das
pessoas superdotadas, ela apresenta-se como uma modalidade que atende alunos “desviantes”,
com algumas alterações orgânicas (estruturais ou funcionais). Nesse sentido, são percebidos
como “enfermos e incapazes”, confundindo-se patologia com deficiência. De certa forma,
suas limitações são vistas como impeditivas de uma vida normal” em sociedade (Carvalho,
2006).
Inclusão escolar e a educação para todos
195
Alguns autores afirmam que a deficiência como incapacidade física, mental, sensorial
não implica, necessariamente, dificuldades de aprendizagem. Mas, vejamos o que dizem os
documentos oficiais.
[...] Acreditamos que a aprendizagem da administração das relações sociais
e interpessoais, no contexto da diversidade, é fator essencial para a
construção de uma sociedade democrática, e acreditamos, também, que a
escola tem papel fundamental no desenvolvimento dessa competência.
(Brasil, 2000, p.5)
[...] A aprendizagem como o centro das atividades escolares e o sucesso
dos alunos como a meta da escola são condições básicas para se caminhar
na direção de escolas acolhedoras (de sermos receptivos aos níveis
diferentes). Afinal, as escolas existem para formar as novas gerações e não
apenas alguns de seus futuros membros, os mais privilegiados. (Brasil,
2000, p.34)
Mudar a escola... colocar a aprendizagem no centro das atividades escolares, esse
parece ser o grande desfio proposto pelo movimento da inclusão.
[...] a- colocando a aprendizagem como o eixo das escolas, porque a escola
foi feita para fazer com que todos os alunos aprendam; b- garantindo
tempo e condições para que todos possam aprender de acordo com o perfil
de cada um e reprovando a repetência; c- garantindo o atendimento
educacional especializado...; d- abrindo espaço para que a cooperação, o
diálogo, a solidariedade, a criatividade e espírito crítico seja exercitados...
pois são habilidades mínimas para o exercício da verdadeira cidadania; e-
estimulando, formando continuamente e valorizando o professor, que é o
responsável pela tarefa fundamental da escola a aprendizagem do aluno.
(Brasil, 2000, p.31)
Conforme define a LDB/1996, e sob o enfoque interacionista, a Educação Especial
ultrapassa a concepção de atendimentos especializados, tal como vinha sendo a sua marca nos
últimos tempos, e volta-se para a formação do indivíduo, com vistas ao exercício da
cidadania. Na esteira disso, ampliando o que escrevi, os discursos oficiais salientam que a
expressão necessidades educacionais especiais
Inclusão escolar e a educação para todos
196
pode ser utilizada para referir-se a crianças e jovens cujas necessidades
decorram de sua elevada capacidade ou de suas dificuldades para aprender.
Está associada, portanto, a dificuldade de aprendizagem, não
necessariamente vinculada à deficiência(s). (...) O que se pretende resgatar
com essa expressão é o seu caráter de funcionalidade, ou seja, o que
qualquer aluno pode requerer do sistema educativo quando freqüenta a
escola. Isso requer uma análise que busque verificar o que ocorre quando
se transforma as necessidades especiais de uma criança numa criança com
necessidades especiais. Com freqüência, necessitar de atenção especial na
escola pode repercutir no risco de tornar-se uma pessoa com necessidades
especiais. Não se trata de um mero jogo de palavras ou de conceitos.
Falar em necessidades educacionais especiais, portanto, deixa de ser
pensar nas dificuldades específicas dos alunos e passa a significar o que a
escola pode fazer para dar respostas às suas necessidades, de um modo
geral, bem como aos que apresentam necessidades específicas muito
diferentes dos demais. (Brasil, 2006a, p.42)
Em relação ao conceito de necessidades educacionais especiais, como mencionei, e
que teve origem no Relatório de Warnock (Grã-Bretanha, 1979), acrescento o seguinte:
(...) nenhuma criança deve ser considerada ineducável, e que a finalidade
da educação é a mesma para todos, por ser um bem a que todos têm o
mesmo direito.
(...) a meta da educação é propiciar uma formação que assegure a qualquer
pessoa dirigir sua própria vida e a ter acesso ao mercado de trabalho.
(Brasil, 2005, p.61)
Alguns autores partem em defesa da expressão necessidades educacionais especiais,
dizendo que
:
[...] Desejamos apontar uma abordagem mais positiva para o que adotamos o
conceito de necessidades educacionais especiais, não como nomenclatura
aplicada a uma determinada deficiência que se supõe que uma criança possa
ter, mas em relação a tudo o que lhe diz: tanto suas habilidades quanto suas
inabilidades – na verdade todos os fatores que imprimem uma direção no seu
progresso educativo. (Norwich apud Carvalho, 2006, p.41)
É importante dizer que tal discurso procura enfatizar que incluir os alunos com
necessidades educacionais especiais não significa simplesmente matriculá-los nas classes
comuns, ignorando suas necessidades específicas. Mas, é importante dizer que tanto a escola
quanto o professor devem estar preparados para receberem esses alunos e dar a eles o apoio
pedagógico necessário. Coerente com esse pressuposto, o Conselho Nacional de Educação
determinou que a partir do ano de 2001 as escolas deveriam começar a se preparar para a
inclusão.
Inclusão escolar e a educação para todos
197
Conforme documento organizado pela Secretaria de Educação Especial, Educar na
Diversidade, a questão central da “aula inclusiva” é:
a capacidade que o docente tem de organizar as situações de ensino de
modo a tornar possível personalizar as experiências comuns de
aprendizagem, ou seja, chegar ao maior nível possível de interação entre os
estudantes e participação de todos nas atividades propostas, sem perder de
vista as necessidades concretas de cada um e em particular daqueles com
maior risco de exclusão em termos de aprendizagem e participação
(Blanco, 1999). Na prática inclusiva o modo como se organiza o ensino é
determinante para que todos os aluno(a)s construam aprendizagens
significativas e participem o máximo possível das atividades de sala de
aula. A experiência demonstra que quanto mais flexível e ajustado for o
ensino às diferenças individuais dos aluno(a)s, maiores serão as
possibilidades dos aluno(a)s aprenderem e participarem das atividades
juntos com seus companheiros. (Brasil, 2005, p.175)
Aqui, aparece bem a noção sobre uma certa flexibilização curricular como estratégia
para responder aos diferentes estilos de aprendizagem do aluno, que o discurso da inclusão
tanto propaga. Em outras palavras, tal estratégia seria uma forma de
atender as necessidades educacionais especiais do aluno quanto ao que
deve aprender, como e quando, e qual a melhor forma de organizar o
ensino para que todos saiam beneficiados. (Brasil, 2005, p.177)
Segundo Lopes (2007, p. 26-27), “o processo de inclusão pressupõe que as diferenças
tenham espaço dentro do currículo escolar”, assim como o professor seja aquele “capaz de
orientar e guiar a criança para um tipo de racionalidade social [e afetiva]”. Nessa direção, vale
trazer como exemplo o que o documento sobre Educar na Diversidade (2005) salienta, ao
referir-se à análise dos resultados da avaliação individual do aluno:
Desenvolvimento emocional
Apresenta ansiedade e não acredita que pode realizar as tarefas (baixo
nível de expectativas). Devido à sua insegurança e baixa auto-estima, tende
a estabelecer relações de dependência, em especial com os adultos e
sempre requer atenção e aprovação constante. Reage bem ante alguma
mudança de direção e as solicitações de adultos, esforçando-se em atender
e superar eventuais dificuldades.
Desenvolvimento social
Possui baixo nível de autonomia pessoal, além de falta de iniciativa para
relacionar-se com adultos e colegas, embora este problema não tenha sido
mencionado na entrevista com os pais. Sua professora informa que o aluno
custa adaptar-se à situação da classe e, que não progrediu muito no último
período. Continua mostrando-se inibido. (Brasil, 2005, p.244)
Inclusão escolar e a educação para todos
198
Gostaria de ressaltar também que a argumentação apresentada até aqui tem por
objetivo repensar as práticas de inclusão no espaço escolar na medida em que parece ocupar-
se com a missão de reformar os modos, elevar moralmente e civilizar os sujeitos, enfim,
torná-los aptos e produtivos. Escolarizar para moralizar, essa seria a máxima subjacente. Na
esteira disso, também considero importante discutir como algumas práticas de inclusão
oportunizam, aos sujeitos, leituras de si e do seu contexto, regulando e produzindo modos de
ser com relação à infância considerada deficiente ou especial como uma das formas de
inclusão e exclusão não na escola, mas também em outros espaços sociais. A pertinência
desse argumento está no fato de que, a partir da compreensão histórica da Educação Especial
no contexto brasileiro, pode-se localizar a sua constituição no interior de processos e
contextos sociais, políticos e culturais, assim como entender algumas práticas como sendo
contingentes, arbitrárias e até excludentes.
Para alguns autores, para atuar pedagogicamente sobre/com esses sujeitos é preciso
conhecer “o que eles têm” que tipo de síndrome apresentam, qual deficiência os
caracterizam, se são psicóticos ou autistas, se são paralisados cerebrais, ou se encaixam-se em
outro conjunto de sintomas que a ciência tenta explicar. Eis aqui outro ponto de grande
discussão no meio educacional.
[...] A inclusão não prevê a utilização de práticas de ensino escolar
específicas para esta ou aquela deficiência, mas sim recursos, ferramentas
que podem auxiliar os processos de ensino e aprendizagem. Os alunos
aprendem até o limite em que conseguem chegar, se o ensino for de
qualidade, isto é, se o professor considerar as possibilidades de
desenvolvimento de cada aluno e explorar sua capacidade de aprender. O
grande desafio da inclusão propor atividades abertas, nas quais cada
aluno se envolve na medida de seus interesses e necessidades, seja para
construir uma idéia, resolver um problema ou realizar uma tarefa. Desafio
a ser enfrentado pelas escolas regulares tradicionais, cujo modelo é
baseado na transmissão dos conhecimentos. (Brasil, 2000, p.35)
Como apontei, a legislação brasileira (LDB/1996) diz que são considerados alunos
com necessidades educacionais especiais os deficientes físico, mental e múltiplos (deficiência
mental associada à deficiência física), os autistas, os surdos, os deficientes visuais e os
superdotados (altas habilidades). Também ressalta que as escolas, preferencialmente, devem
oferecer algumas opções para o atendimento desses alunos. É preciso incluir, ainda, nas
escolas de ensino regular, as chamadas classes especiais e as salas de recursos que
complementam o atendimento educacional de sala de aula com equipamentos e recursos
pedagógicos. Para o atendimento desses serviços (classe especial e sala de recursos) a
Inclusão escolar e a educação para todos
199
legislação, coloca como uma das condições que esse professor tenha como formação
profissional o curso de habilitação em Educação Especial.
A partir de tais argumentos, o que parece estar em jogo é a própria representação do
aprender como condição de possibilidade para a inclusão desse aluno especial na classe
comum de ensino. A partir da máxima criança saudável aprende melhor ideia baseada nas
campanhas de saúde escolar –, talvez se possa pensar em novos deslocamentos. De certa
forma, é uma provocação que faço diante dos discursos circulantes que a mídia vem
celebrando sobre a inclusão da criança e do jovem ditos deficientes na sociedade. Aqui, a
saúde está sendo entendida como perfeição, pois o que estaria implícito em tal ideia é que
somente um corpo e uma mente sãos teriam condições de aprender ou estariam aptos a
aprender. Tal provocação é no sentido de mostrar o quanto essa máxima vai na contramão dos
discursos da inclusão tão proclamados no espaço escolar, ao mesmo tempo em que vai
sofrendo outros atravessamentos discursivos que circulam fora da escola. Tais discursos têm
como objetivo ressaltar a socialização e a integração dessas pessoas com necessidades
educacionais especiais em diferentes espaços sociais.
Parece que fica evidente a força com que o discurso da inclusão das pessoas com
necessidades educacionais especiais, interpela tanto a escola quanto os diferentes espaços da
sociedade
,
considerando a aprendizagem como uma estratégia de prevenção.
Pensar nos casos de fracasso escolar de algumas crianças, quando as estratégias
pedagógicas são consideradas insuficientes, muitas vezes tem levado a escola e ao grupo de
professores a se perguntarem sobre a não-aprendizagem ou incapacidades de tais crianças.
Diante de possível atraso escolar, a primeira atitude dos pais ou dos professores é encaminhar
a criança para fazer testes, avaliações com especialistas (psicólogos, psiquiatras e
neurologistas). A partir do diagnóstico desses especialistas e com o laudo médico em mãos, é
que tais crianças serão direcionadas para diferentes atendimentos e escolas conforme as
orientações médicas e psicológicas.
Talvez se possa dizer que essa seria uma primeira atitude, principalmente da escola,
para tentar classificar os sujeitos pela norma, medindo seus desvios, seus déficits e,
posicionando-os no espaço escolar como aprendentes e não-aprendentes, inaptos, especiais
37
.
Vial (apud Freitas, 2005), ao se referir às tentativas de amalgamar o conhecimento
médico com o conhecimento pedagógico, destaca o quanto esse amalgamento produziu a
transformação de crianças problemáticas em alunos problemáticos. Tais alunos, cada vez
37
Sugiro, para um estudo mais detalhado, ver a Dissertação de Mestrado Dificuldades de aprendizagem: o
estado de corrigibilidade na escola para todos (Arnold, 2006).
Inclusão escolar e a educação para todos
200
mais, foram percebidos socialmente como anormais escolares. É importante dizer que as
experiências dos médicos franceses serviram de base para as intervenções educacionais,
inclusive na história da escolarização de crianças brasileiras
38
, cujo contexto desafiou a noção
de normalidade.
É válido trazer tais questões, para pensarmos sobre como as crianças são percebidas e
tratadas hoje, especialmente em suas aprendizagens. Como diz Wong (2008, p.94): “Quem
não gostaria que seus filhos fossem saudáveis e normais”?
Na esteira disso, é que as práticas educacionais foram tomando um rumo no sentido de
adaptá-las (pelo menos essa seria a intenção pedagógica) à ordem de desenvolvimento natural
das habilidades das crianças e seus interesses. O currículo deverá estar baseado no estímulo e
habilidades, conforme o desenvolvimento adequado. Como refere Wong (2008), tais práticas
e atitudes cotidianas fortificam o conceito de desenvolvimento em nossa cultura ocidental.
Dentro dessa abordagem, as contribuições das ideias de Piaget e de Vygotsky foram
consideradas importantes na elaboração de um pensamento construtivista no campo
educacional para pensar a maturação das crianças para aprender. De maneira geral, a proposta
de Piaget configura-se numa teoria construtivista do desenvolvimento cognitivo humano. Vale
ressaltar alguns conceitos-chave de sua teoria: a assimilação, a acomodação e a equilibração,
assim como os períodos de desenvolvimento mental.
39
Segundo Carretero (1997), a ideia
central do legado de Piaget é de que a inteligência atravessa fases qualitativamente distintas e
não somente quantitativamente. Esse autor ressalta que tal posição poderia estar
fundamentada no pensamento de Rousseau “que sustentou em sua obra Emílio, que a pessoa
humana passava por fases cujas características próprias se diferenciavam muito das seguintes
e das anteriores” (Carretero, 1997, p.12). Ou seja, o que está implícito nessa ideia de Piaget é
que “a diferença entre um estágio e outro não é problema de acumulação de requisitos, mas,
sim, o fato de existir uma estrutura completamente diferente, que serve para ordenar a
38
As intervenções do médico Manoel Bonfim, na história da escolarização de crianças brasileiras, estavam
relacionadas à defesa da criança em relação à indiferença das elites e aos seus estudos na área da psicologia
experimental para defender a criança das acepções de normalidade trazidas pelos testes de inteligência. Bonfim
tornou-se um observador da criança e um estudioso da dificuldade no aprendizado escolar. A formação
intelectual de Bonfim se deu na França no laboratório de Alfred Binet. Sua trajetória associou-se à defesa dos
testes de raciocínio como instrumental adequado para a formação de classes de aula homogêneas (Freitas, 2005).
39
Para Piaget, a construção do conhecimento acontece mediante vários processos, entre os quais se destacam os
de “assimilação (o indivíduo incorpora a nova informação, tornando-a parte de seu conhecimento, ainda que isto
não queira dizer, necessariamente, que a integre com a informação que já possui), acomodação (a pessoa
transforma a informação que já tinha em função da nova) e equilibração (é o resultado final da interação entre os
processos de assimilação e acomodação que se produz quando se tenha alcançado um equilíbrio entre as
discrepâncias que surgem entre a informação nova que assimilamos e a informação que tínhamos e a qual nos
acomodamos)” (Carretero, 1997, p.25).
Inclusão escolar e a educação para todos
201
realidade de maneira também muito diferente” (Carretero, 1997, p.12). Um exemplo que pode
sustentar tal ideia seria pensar que uma criança de sete anos, que está no estágio das operações
concretas, conhece a realidade e resolve os problemas que esta lhe propõe de maneira
qualitativamente distinta da de uma criança de doze anos, que está no estágio das operações
formais.
Em se tratando de Vygotsky, o conceito de zona de desenvolvimento proximal
40
é
considerado essencial em sua obra. Este conceito parte de ideia de que o que um indivíduo
pode aprender não depende só de sua atividade individual. Para Carretero (1997), a concepção
vygotskyana sobre as relações entre desenvolvimento cognitivo e aprendizagem diferem da
concepção piagetiana. Enquanto Piaget sustenta que o que uma criança pode aprender está
determinado pelo seu nível de desenvolvimento cognitivo, Vygotsky pensa que é este último
que está condicionado pela aprendizagem. De certa forma, fica evidente nessa concepção a
influência permanente da aprendizagem na maneira através da qual se produz o
desenvolvimento cognitivo. Um exemplo relacionado a isso é o fato de um aluno ter mais
oportunidades de aprender que outro. Tal aluno ao adquirir mais informação, alcançará
também um melhor desenvolvimento cognitivo. Nesse sentido, parece que Vygotsky dá
ênfase aos processos vinculados à aprendizagem em geral e à aprendizagem escolar em
particular (Carretero, 1997). Dentro dessa abordagem, parece que cabe ao educando a sua
aprendizagem.
[...] cabe ao educando individualizador a sua aprendizagem e isso ocorre
quando o ambiente escolar e as atividades e intervenções do professor o
liberam, o emancipam, dando-lhe espaço para pensar, decidir e realizar
suas tarefas, segundo seus interesses e possibilidades. o ensino
individualizado, adaptado pelo professor, rompe com essa lógica
emancipadora e implica em escolhas e intervenções do professor que passa
a controlar de fora o processo de aprendizagem. [...] Intervenção do
professor deve ser direcionada para desequilibrar, apresentar desafios e
apoiar o aluno nas suas descobertas, sem lhe tirar a condução do seu
próprio processo educativo. (Brasil, 2000, p.34-35)
Alguns teóricos cognitivistas, entre eles Piaget e Ausubel, focalizam o indivíduo como
unidade de análise. Já Vygotsky é considerado um teórico que enfatiza a interação social. A
sua unidade de análise não é nem o indivíduo nem o contexto, mas a interação entre eles.
40
O conceito de zona de desenvolvimento proximal proposto por Vygotsky refere-se a “a distância entre o nível
real de desenvolvimento, determinado pela capacidade de resolver independentemente um problema, e o nível de
desenvolvimento potencial, determinado através da resolução de um problema sob a orientação de um adulto ou
da colaboração de um colega mais capaz... O estado do desenvolvimento mental de uma criança pode
determinar-se unicamente se se leva em conta uma classificação de seus dois níveis: do nível real do
desenvolvimento e da zona de desenvolvimento potencial” (apud Carretero, 1997, p.14).
Inclusão escolar e a educação para todos
202
Portanto, na concepção vygotskyana, “a interação social é o veículo fundamental para a
transmissão dinâmica (de inter para intrapessoal) do conhecimento social, histórica e
culturalmente construído” (Moreira, 1999, p.112). Nessa direção, tais pesquisas têm mostrado
a importância da interação social para a aprendizagem, como, por exemplo, o quanto o aluno
aprende de forma mais eficaz quando o faz num ambiente de interação com seus colegas,
através de estratégias de caráter social que estimulam e favorecem a aprendizagem: as
discussões em grupos e o poder da argumentação entre diferentes alunos que possuem
distintos graus de conhecimento sobre um determinado tema (Carretero, 1997).
[...] O professor estará atento à singularidade das vozes que compõem a
turma, promovendo a exposição das ideias e contrapondo-as todo tempo,
provocando posições críticas e enfrentamentos próprios de um ensino
democrático. (...) investindo nas diferenças e na riqueza de um ambiente
que confronta significados, desejos e experiências, o professor garante a
liberdade e a diversidade das opiniões dos alunos. Ele deverá propiciar
oportunidades para o aluno aprender a partir do que sabe e chegar até onde
for capaz de progredir. (Brasil, 2000, p.44)
Outra importante contribuição e que está correlacionada aos pressupostos piagetianos
e vygotskianos é a teoria da modificabilidade estrutural de Feuerstein, cuja experiência
demonstra a capacidade de aprender a aprender, isto é, a possibilidade de modificação
permanente que se opera no indivíduo. Segundo Fonseca
41
(1995), entendendo o processo de
ensino e aprendizagem como uma construção ativa e dinâmica, as crianças com histórias de
insucesso escolar (repetência escolar e privação sócio-cultural), com intervenções
pedagógicas adequadas, podem adquirir informação e desbloqueiar as suas dificuldades, e
podem, também, modificar cognitivamente o seu potencial dinâmico de aprendizagem.
Na esteira disso, é importante dizer que é com tais práticas de classificação e de
ordenamento que a escola procura diferenciar os que aprendem dos que não aprendem;
construindo saberes sobre esses sujeitos, ela os posiciona como normais e anormais. E, ainda,
o quanto o conhecimento do desenvolvimento sobre as crianças acabaram mudando a maneira
pela qual pensamos sobre elas e fazemos coisas para elas.
Nas palavras de Wong (2008, p.94), as crianças agora são vistas como indivíduos que
se desenvolvem de acordo com as normas físicas e psicológicas e esse conhecimento acabou
gerando alguns impactos sobre os pais. Agora, criar os filhos não seria mais uma questão de
41
Para esse autor, “a aprendizagem não pode ser vista como mera acumulação de conhecimentos ou aquisições,
mas como uma construção ativa e uma transformação das idéias, uma modificabilidade cognitiva estrutural, um
processamento da informação mais diversificado, transcendente e plástico, consubstanciando a função de
facilitação e de mediatização intencional do professor” (Fonseca, 1995, p.82).
Inclusão escolar e a educação para todos
203
instinto ou cumprir regras irrefletidas, mas as mães devem ser “aquele tipo certo de mães” que
conhecendo a fundo seus filhos, sabem como encaminhá-los até a idade adulta. Não
esquecendo que o crescimento das crianças é governado por normas de desenvolvimento, elas
e outros cuidadores e educadores devem guiar o comportamento das crianças. Enfim, em tal
operação é que se criariam às condições de possibilidade para moldar essas crianças para
serem os cidadãos do futuro, e assim diminuir o risco social, diminuir o risco de ser excluído
da escola.
Nesse desafio, vê-se muitas instituições desenvolverem ações que envolvam os alunos,
a gestão escolar e a comunidade local com o objetivo de facilitar a inserção deles numa
dinâmica capaz de resgatar valores e princípios básicos liberdade de expressão, autonomia,
responsabilidade, honestidade, solidariedade, justiça, alegria, entusiasmo, amizade,
valorização do próximo, criatividade, compromisso com a transformação social, democracia
participativa e agilidade nas problematizações.
Essa é a realidade de uma escola brasileira localizada no município de Palmas/ TO,
que com seu projeto Ética e Cidadania: resgatando valores no ambiente escolar, foi
escolhida, entre 102 escolas, para concorrer ao prêmio do MEC.
[...] A escola não mais o aluno como alguém a ser moldado, a ser
preenchido de saber, mas como um ser em construção, que também muito
tem a dizer e a fazer no processo educativo. [...] trabalhar este projeto
permitiu um novo olhar sobre o papel da escola, uma reflexão sobre o que
pode e o que deve ser feito diante de um cenário de vulnerabilidade social,
em que as desigualdades e o não-acesso a bens e equipamentos
desencadeiam comportamentos de violência no ambiente escolar. (Silva,
2007, p.15-17)
Além disso, tal escola considerou importante que o acolhimento dos alunos de suas
diferenças, potencialidades e dificuldades foram fundamentais para o sucesso de tal projeto.
No movimento pela inclusão, o foco centra-se nos estudantes com necessidades educacionais
especiais em risco de exclusão.
Inclusão escolar e a educação para todos
204
[...] Em consonância com o movimento da Educação para Todos, o projeto
Educar na Diversidade tem como foco principal os estudantes com
necessidades educacionais especiais, ou seja, os alunos que estão
constantemente sob o risco de serem excluídos do processo de ensino e
aprendizagem. A ação de formação docente envolve, portanto, a oferta de
subsídios teóricos e práticos sobre a educação inclusiva e, durante as
oficinas de formação, os professores são preparados para ensinar de forma
mais ativa e participativa. Em uma escola inclusiva, os estudantes têm voz
e são ouvidos, apóiam os colegas e são apoiados no processo de
aprendizagem, realizam tarefas na classe através do trabalho colaborativo
e, juntos, compartilham o que aprenderam entre si e entre os membros da
comunidade escolar. (Brasil, 2005, p.12)
Portanto, o conhecimento educacional tem a tarefa de produzir esse assim chamado
sujeito que melhora por iniciativa própria, representando um modelo que ativa o capital
humano (Weber, 2008, p.121). Num novo entendimento em que o sujeito deve ser um
“empreendedor de seu próprio desenvolvimento”, dentro de um conceito de aprender a vida
toda, “o sujeito se torna o sujeito que busca melhorar autonomamente e que tem de se
emancipar e desenvolver-se de maneira consciente” (Weber, 2008, p.122).
Nesse sentido, a aprendizagem tem significação especial e mais abrangente. O
desempenho de cada indivíduo é importante para um resultado geral de sucesso; o
desempenho de cada sujeito de uma rede se torna importante e é objeto de otimização. Assim,
como diz Weber (2008, p.126) “o princípio orientador é o indivíduo auto-organizado, aberto à
rede e à aprendizagem”. E, esse mesmo autor continua dizendo que tal indivíduo é um:
[...] jogador com um novo tipo de razão. Os indivíduos e as organizações que
estão prontos para desenvolver esse tipo de espírito são aqueles que
participam de um novo tipo de jogo depois de tomaram sua decisão. E são os
indivíduos e as organizações que permitem a todos nós fazer o lucro ser
utilizado por todos, o que significa levar para casa o que é seu, [...] enquanto
o mundo muda rapidamente. (Lynch e Kordis apud Weber, 2008, p.126)
Nesse novo tipo de relação, a aprendizagem dos sujeitos e as organizações podem
adotar uma ação terapêutica contra os prováveis riscos, baseada em uma racionalidade de
prevenção (Weber, 2008). Segundo esse autor, a prevenção ao definir os tipos de riscos
presume que eles piorem se nenhuma intervenção ocorrer. Quando ocorre uma intervenção
oportuna, acredita-se que os riscos diminuirão. Assim, “em estratégias preventivas, medidas
são estabelecidas e conceitualizadas como auxílio’” (Weber, 2008, p.127), levando em
consideração os interesses e necessidades daqueles que, em situação de risco, foram afetados.
[...] A prevenção se desenvolve sob a forma de interação que busca delimitar
o incalculável e impedir possíveis males por meio de medidas sociais e por
uma prática de segurança. [...] Também a regulação do processo, o
Inclusão escolar e a educação para todos
205
monitoramento e o controle são preventivos, durante todo os processo. Eles
funcionam como feedbacks constantes, com o processamento permanente de
informação e com o conhecimento otimizado, a fim de lidar com os riscos
crescentes e da falta de controle. (Weber, 2008, p.127)
Nas análises de Weber (2008, p. 113), o risco tem de ser calculado mesmo quando não
pode ser limitado e previsível. Dentro dessa lógica, é que a sociedade tornou-se uma
“sociedade de risco (Beck, 1986). Numa sociedade de risco as ameaças sociais,
educacionais, políticas, produzidas historicamente, acabam dissolvendo os sistemas de
segurança existentes no estado de bem-estar, até porque, atualmente, os problemas sociais
são tratados em termos de risco: saúde, higiene, inadaptação, incapacidade para aprender,
deficiência, deliquência, entre outros.
[...] A categoria de risco refere-se à vida dos sujeitos e sua identidade, à
mudança institucional, às estratégias do estado-nação, bem como ao
desenvolvimento global. Toda estratégia de ação transforma-se em um
projeto arriscado que sustenta poderes criativos tanto quanto a possibilidade
de falha. (Weber, 2008, p.113-114)
Desse ponto de vista, o risco está em todos os lugares, em todos os momentos da vida
dos sujeitos; identifica-se o risco nas organizações, nas instituições escolares e nas famílias.
Na sociedade contemporânea a proteção máxima e a segurança tornaram-se um direito para a
maioria da população, dando origem a instituições que se encarregam da saúde, da educação,
das incapacidades da idade, das deficiências físicas, mentais, entre outras. Com isso, vemos a
intensificação de uma sociedade que tem sido chamada de sociedade securitária, que assegura,
de alguma forma, o direito à educação, à cidadania, à saúde, à segurança de seus membros nos
diferentes espaços sociais (Castel, 2005).
PARA FINALIZAR A CONVERSA...
De um modo geral, esses foram alguns dos questionamentos apontados por mim para
desenvolver esta Tese. O caminho de pesquisa que segui não se define por ser um caminho
seguro e escorado em certezas, porque não tive a pretensão de defender e nem de buscar
verdades absolutas, mas utilizar algumas possibilidades mais produtivas, algumas ferramentas
úteis para discutir outros entendimentos acerca de minhas investigações. O meu maior desafio
foi ao sustentar uma conversação, pensar em novas descrições e não apenas descrever com
precisão aquilo que está (e foi) dito como verdade absoluta. Quero assinalar também a
provisoriedade deste estudo na medida em que ele apontou apenas algumas possibilidades de
análise. Talvez, apresentar tal análise “(...) como um objeto de pensamento e questioná-lo em
relação a seu significado, suas condições e suas metas” (Foucault apud Marshall, 2008, p.30).
Desse modo, retomo, brevemente, algumas questões que considerei relevantes para finalizar
esta conversa.
O imperativo da inclusão ao nascer sob o amparo de alguns movimentos mundiais
realizados na década de 1990, do século XX, parece que defendeu a prevalência de um único
sistema educativo para todos, implementando ações com o objetivo de fazer a educação
chegar aos alunos em contextos regulares e não segregados. Assim, o compromisso com a
inclusão tomou força a partir da Declaração de Salamanca, resultado da “Conferência
Mundial sobre igualdade de oportunidades: acesso e qualidade”, evento realizado em
Salamanca, Espanha, em junho de 1994. Esse evento foi promovido pela Unesco. Nessa
ocasião, foi elaborada e aprovada a “Declaração de Salamanca e Linhas de Ação sobre
Necessidades Educacionais Especiais”, documento que reafirma as propostas da “Conferência
Mundial de Educação para Todos” (Jomtien, 1990).
O princípio fundamental desta Linha de Ação é o acolhimento que as escolas devem
dar a todas as crianças independentemente de suas condições físicas, intelectuais, sociais,
culturais, econômicas, etc. Esse princípio baseia-se no fato de que todas as diferenças
humanas são consideradas normais e que a aprendizagem deve ajustar-se às necessidades de
cada criança, e não cada criança se adaptar aos supostos princípios do processo educativo, tão
preconizado pelo movimento de integração.
Isso parece que tem alimentado o surgimento e a defesa da chamada Educação
Inclusiva, que de um lado coloca em xeque a noção existente sobre as necessidades
educacionais especiais, e de outro, faz uma crítica às práticas da educação tradicional. É na
esteira disso, que a Educação Especial adquiriu uma nova significação.
Inclusão escolar e a educação para todos
207
Por conseguinte, a inclusão defende uma educação eficaz para todos, sustentada numa
prática escolar que deve satisfazer as necessidades de todos os alunos, sejam quais forem as
suas características ou deficiências. É dessa forma, que o conceito de inclusão procura abordar
as diferentes situações que levam a exclusão social e educativa de muitos alunos. A inclusão
defende que não basta que os alunos com necessidades educacionais especiais estejam
integrados às escolas comuns, eles devem participar da vida escolar e social dessa
comunidade escolar. Isto quer dizer que as escolas devem estar preparadas para acolher e
educar todos os alunos e não somente os considerados “educáveis”. Nesse sentido, a inclusão
assume que a convivência e a aprendizagem em grupo é a melhor forma de beneficiar a todos,
não somente aqueles rotulados como incapazes.
É importante lembrar que, dentro dessa perspectiva, a noção de inclusão compreende
dois conceitos básicos: o de comunidade e o de participação. Esses dois conceitos
caracterizam-se por sua conexão com os processos de inclusão e o caráter de processo
atribuído a ela. Ou seja, a educação inclusiva ao se propor a aumentar a participação de todos
os alunos no currículo escolar, acabaria reduzindo a exclusão escolar e social. Diz-se que a
partir da criação de comunidades acolhedoras, estar-se-ia proporcionando além de uma
educação eficaz para todos, uma melhora na eficácia e na relação custo-efetivo do sistema
educacional.
Para entender a inclusão como participação, é preciso rever a noção de pertencimento,
visto que a escola é considerada uma comunidade acolhedora em que participam todos os
alunos. Assim, a escola é o locus que se ocupa da educação de todos os alunos, cada um
aprendendo na medida de suas possibilidades, porém é preciso que todos participem dos
processos que animam a vida escolar. Com isso, a escola deve cuidar para que ninguém seja
excluído, ocupando-se dos alunos com necessidades especiais, dos grupos étnicos ou
linguísticos minoritários ou dos alunos em situação de risco. Nesse sentido, acredita-se que a
inclusão está envolvida com a criação de uma sociedade mais justa, pois ela refere-se tanto ao
terreno educativo quanto ao terreno social. A participação no mercado de trabalho, como fim
da inclusão, traz implícita a ideia de inclusão social. Portanto, parece que a inclusão tem sido
vista como uma nova forma de conceber a sociedade, que entende o pluralismo não como
uma maneira de exercer o direito de ser diferente isolando-se, mas como uma maneira de
ressignificar a noção de compartilhar e pertencer.
É corrente a ideia de que a inclusão escolar compõe com o financiamento e os recursos
econômicos, com as potencialidades cognitivas dos alunos, com a participação de toda
comunidade escolar, com a diversidade dos estudantes, com a qualidade dos professores, a
Inclusão escolar e a educação para todos
208
afirmação do compromisso pela criação de uma sociedade mais justa, pelo desejo de criar um
sistema educacional mais equitativo.
De certa forma, todas as questões discutidas, nesta Tese, levaram-me a pensar sobre o
papel da escola na atualidade. A partir de tal inquietação, o que se parece exigir é que além de
o professor ser cuidadoso, responsável e cumpridor de seus deveres, cabe a ele também dar
conta de outras competências, tais como a flexibilidade, a eficiência, a inclusão, a mobilidade,
etc., como sendo a garantia de um ensino mais prático, econômico, útil e eficaz. Nesse
contexto, parece que a ênfase está em se pensar um currículo por competência ou na própria
formação dos professores – a competência e a habilidade de incluir todos no espaço escolar.
Num contexto neoliberal caracterizado por um “mercado de trabalho seletivo, mutável
e flexível, exige-se um novo perfil de trabalhador, capaz de refletir sobre o seu fazer,
adaptável a novas situações e habilidades” (Leão, 1998, p.47). Melhorar as habilidades dos
professores e alunos, é o foco central das políticas educacionais, no qual o domínio de
competências básicas parece ser fundamental.
[...] os sistemas educacionais são chamados a se qualificarem e a se
flexibilizarem. As escolas tornam-se unidades de capacitação, cuja qualidade
depende de sua eficácia em formar esse novo trabalhador e de um professor
que seja um profissional qualificado, apto a lidar com esse novo perfil de
aluno. (Leão, 1998, p.47)
Nesse contexto, vê-se que as políticas educacionais colocam como prioridade o
investimento na qualidade da Educação Básica. Aqui, é possível pensar no deslocamento de
uma fase expansionista para uma fase de qualificação. Ou seja, a ênfase estaria muito mais
para a melhoria do contexto da aprendizagem a sala de aula, o livro didático, o
aprimoramento técnico do professor, etc, - do que a expansão da escola a ampliação da rede
de escolas, investimentos em infraestruturas, expansão de ofertas de vagas. “Escola de
qualidade” é o critério estipulado para a obtenção de financiamento por parte do Banco
Mundial
42
. Nessa lógica, a formação do professor apresenta-se como a medida principal para
tornar tal projeto possível melhorar as habilidades do professor em técnicas de sala de aula.
Nesse conjunto de ações, as prioridades seriam a capacitação permanente do professor, a
avaliação desse processo e a mudança do comportamento do professor em sala de aula (Leão,
1998). De acordo com o diagnóstico da Educação Básica elaborado pelo Banco Mundial,
42
Segundo Leão (1998, p.47), “há uma adequação quase cega aos ditames do Banco Mundial, no caso das
políticas educacionais de alguns Estados brasileiros e da própria União. De acordo com o Banco mundial, a
educação brasileira tem sido marcada por um ensino de baixa qualidade e por taxas de evasão e repetência.
Segundo o seu diagnóstico, os principais problemas são: a falta de livros didáticos e outros materiais, a prática
pedagógica inapropriada e a baixa qualidade da gestão”.
Inclusão escolar e a educação para todos
209
[...] a formação permanente de professores/as apresenta-se como uma das
medidas principais do receituário neoliberal para a solução dos problemas
educacionais. A receita obedece à estratégia de responsabilizar os
professores/as e a sua formação pelos fracassos da escola pública. (Leão,
1998, p.47-48)
Na medida em que a escola “é uma dessas instituições que lidam socialmente com a
produção e reprodução do saber, os mecanismos de legitimação pela performance influenciam
as suas formas de funcionamento. A escola passa a ser autogerenciada, tendo que prestar
contas do seu desempenho final”. (Macedo, 2002, p.131)
43
. A partir dessa noção de
performatividade, a relação da escola e do aprendiz com o saber é subvertida no sentido de
que a “veracidade do saber é substituída por sua utilidade, o que, num contexto dominado pela
mercantilização, significa perguntar se tal saber é passível de ser comercializado” (Macedo,
2002, p.132). Trata-se de um mecanismo de controle indireto que, além de intervir, prescrever
e controlar a realização de cada tarefa, estabelece competências e cobra o seu
desenvolvimento.
Melhorar suas performances. A criança já é colocada como referente da história
contada por aqueles que a cercam e em relação à qual ela terá mais tarde de se deslocar,
mostrando diversas competências: saber-fazer, saber-viver, saber-escutar, saber-aprender.
Trata-se de pensarmos sobre a questão do vínculo social como um jogo de linguagem que
acaba posicionando a criança como um sujeito em desenvolvimento. Com isso, se estaria
permitindo “‘boas’ performances a respeito de vários objetos de discursos: a se conhecer,
decidir, avaliar, transformar...” (Lyotard, 2006, p.36).
Para Lyotard (2006), a noção de performatividade implica a de sistema com
estabilidade, porque repousa sobre o princípio de uma relação sempre calculável, que
emprega julgamentos, comparações e exposição como forma de controle, atrito, mudança. O
desempenho tanto dos indivíduos quanto das organizações, funcionam “como medida de
produtividade ou resultado, ou exposição de ‘qualidade’, ou ‘momentos’ de produção ou
inspeção. Ele significa a qualidade e o valor de um indivíduo ou organização num campo de
avaliação” (Ball, 2001, p.109).
Como diz Lyotard (2006, p. 81), “traça-se uma equação entre riqueza, eficiência e
verdade”. Diante do “imperativo da melhoria das performances (e de realização de
produtos), o controle no campo da avaliação tornou-se crucial.
43
Sobre o tema currículo, competência e formação de professores, sugiro ver Macedo (2002).
Inclusão escolar e a educação para todos
210
É fato que cada vez mais operamos num complexo leque de cifras, indicadores de
desempenho, comparações e competições. No seu conjunto, a gestão (e a inclusão), o mercado
e a performatividade apresentam implicações de várias ordens nas relações interpessoais e
funcionais das escolas e diferentes instituições. Dentre os inúmeros aspectos implicados à
performatividade, cito alguns: aumento do ritmo e intensificação do trabalho; aumento do
trabalho burocrático, sistemas de manutenção e produção de relatórios; aumento da vigilância
sobre o trabalho docente e sobre os produtos finais da educação; gerenciamento da equipe
docente, cuja preocupação é a abrangência do currículo, controle da sala de aula, necessidades
dos alunos e manutenção dos registros (Ball, 2001).
Talvez caiba a pergunta: Estaríamos vivendo em descompasso entre a atuação do
professor ou especialista e as “novas” situações que se colocam na Contemporaneidade? E
ainda, seria a gestão uma nova forma de intervir e controlar tanto a aprendizagem dos alunos
quanto o funcionamento e a organização da escola?
É pensando nesse contexto educacional e encontrando nos pensadores ancorados na
crítica pós-estruturalista, que foi possível considerar outras implicações para analisar a
inclusão escolar e social. De certa forma, pode-se dizer que o enfraquecimento das fundações
iluministas se deu devido à ênfase de uma outra perspectiva que estaria “implicada no
gerenciamento prático de problemas sociais” (Jones, 1999, p.115). A partir dessa perspectiva,
pode-se continuar discutindo o atual paradigma da inclusão como uma rede discursiva que
parece enfatizar novas estruturas e funções da inclusão escolar e social, e também da gestão
educacional. Tal rede estaria implicada em novas configurações reguladoras das políticas
educacionais. Foi isso que me mobilizou até aqui. Apesar de ter percorrido diversos pontos da
vasta rede na qual a inclusão produz e é produzida, penso que este desenho permitiu que eu
problematizasse a inclusão para além do espaço escolar. A relação de imanência entre
inclusão escolar e inclusão social, ou, entre escola e sociedade fica clara ao longo do trabalho.
Enfim, este estudo poderia seguir adiante, mas para o objetivo a que me propus, é
suficiente parar aqui. Aqui, finalizo minha conversação.
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ZERO HORA. Por que 31 mil estão fora da aula. Porto Alegre, 16 jun. de 2009. Quadro
Geral: Educação, p.28.
ANEXO B1
A INTEGRAÇÃO DO ALUNO COM DEFICIÊNCIA NA REDE DE ENSINO
A TURMA DO BAIRRO NA CLASSE
MANUAL 1: INICIANDO NOSSA CONVERSA
ANEXO B2
PROGRAMA EDUCAÇÃO INCLUSIVA: DIREITO À DIVERSIDADE
DOCUMENTO ORIENTADOR
ANEXO B3
PROGRAMA EDUCAÇÃO INCLUSIVA: DIREITO À DIVERSIDADE
APERFEIÇOAMENTO DE PROFESSORES PARA O ATENDIMENTO
EDUCACIONAL ESPECIALIZADO
ANEXO B4
PROJETO EDUCAR NA DIVERSIDADE
MATERIAL DE FORMAÇÃO DOCENTE
ANEXO B5
PROGRAMA ÉTICA E CIDADANIA: CONSTRUINDO VALORES NA ESCOLA E
NA SOCIEDADE
OFÍCIO CIRCULAR
KIT I - INCLUSÃO E EXCLUSÃO SOCIAL
MÓDULO 4 - INCLUSÃO SOCIAL
ANEXO B6
REVISTA INTEGRAÇÃO
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E DESPORTO/ SECRETARIA DE EDUCAÇÃO
ESPECIAL
ANEXO B7
INCLUSÃO
REVISTA DA EDUCAÇÃO ESPECIAL
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO/ SECRETARIA DE EDUCAÇÃO ESPECIAL
ANEXO B8
REVISTA GESTÃO EM REDE
REDE NACIONAL DE REFERÊNCIA EM GESTÃO EDUCACIONAL DO CONSED
– CONSELHO NACIONAL DE SECRETÁRIOS DE EDUCAÇÃO
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