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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEA
Tatiana Coelho Palhano
LEITURA E DESLEITURA
NA OBRA DE LYGIA BOJUNGA
FORTALEZA- CEA
2009
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1
UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEA
Tatiana Coelho Palhano
LEITURA E DESLEITURA
NA OBRA DE LYGIA BOJUNGA
Dissertação de Mestrado apresentada
ao Curso de Pós-Graduação em Letras,
da Universidade Federal do Ceará,
como exigência parcial para obtenção
do título de mestre.
Orientadora: Profa. Dra. Odalice de
Castro Silva
FORTALEZA- CEARÁ
2009
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2
“Lecturis salutem
Ficha Catalográfica elaborada por
Telma Regina Abreu Camboim Bibliotecária CRB-3/593
Biblioteca de Ciências Humanas UFC
P188l Palhano, Tatiana Coelho.
Leitura e desleitura na obra de Lygia Bojunga / por Tatiana Coelho Palhano.
2009.
140 f. : il. ; 31 cm.
Cópia de computador (printout(s)).
Dissertação(Mestrado) Universidade Federal do Ceará, Centro de
Humanidades, Programa de Pós-Graduação em Letras, Fortaleza(CE),
01/06/2009.
Orientação: Profª. Drª. Odalice de Castro Silva.
Inclui bibliografia.
1-NUNES,LYGIA BOJUNGA,1932- CRÍTICA E INTERPRETAÇÃO.2- NUNES,LYGIA
BOJUNGA,1932- LIVROS E LEITURA.3-INFLUÊNCIA(LITERÁRIA,ARTÍSTICA,ETC.).
I- Silva, Odalice de Castro, orientador. II- Universidade Federal do Ceará. Programa de Pós-
Graduação em Letras.III- Título.
CDD(22ª ed.) 808.899282
58/09
3
TATIANA COELHO PALHANO
LEITURA E DESLEITURA NA OBRA DE LYGIA BOJUNGA
Esta dissertação foi julgada adequada à
obtenção do título de Mestre em Letras e
aprovada em sua forma final pelo curso de
Pós-Graduação em Letras da Universidade
Federal do Ceará.
Fortaleza, ______de ____________de _______.
COMISSÃO EXAMINADORA:
____________________________________________
Profa. Orientadora Dra. Odalice de Castro Silva
Universidade Federal do Ceará - UFC
____________________________________________
Profa. Dra. Ana Maria César Pompeu
Universidade Federal do Ceará - UFC
____________________________________________
Profa. Dra. Maria Valdênia da Silva
Universidade Estadual do Ceará - UECE
4
LIVRO: a troca
Pra mim, livro é vida; desde que eu era muito pequena os
livros me deram casa e comida.
Foi assim: eu brincava de construtora, livro era tijolo; em
pé, fazia parede, deitado, fazia degrau de escada; inclinado,
encostava num outro e fazia telhado.
E quando a casinha ficava pronta eu me espremia dentro
pra brincar de morar em livro.
De casa em casa eu fui descobrindo o mundo (de tanto
olhar pras paredes). Primeiro, olhando desenhos; depois,
decifrando palavras.
Fui crescendo; e derrubei telhados com a cabeça.
Mas fui pegando intimidade com as palavras. E quanto
mais íntimas a gente ficava, menos eu ia me lembrando de
consertar o telhado ou de construir novas casas. por causa
de uma razão: o livro agora alimentava a minha imaginação.
Todo dia a minha imaginação comia, comia e comia; e de
barriga assim toda cheia, me levava pra morar no mundo inteiro:
iglu, cabana, palácio, arranha-céu, era escolher e pronto, o
livro me dava.
Foi assim que, devagarinho, me habituei com essa troca tão
gostosa que no meu jeito de ver as coisas é a troca da
própria vida; quanto mais eu buscava no livro, mais ele me dava.
Mas como a gente tem mania de sempre querer mais, eu
cismei um dia de alargar a troca: comecei a fabricar tijolo pra
em algum lugar uma criança juntar com outros, e levantar a
casa onde ela vai morar.
(BOJUNGA, 2001, p. 07)
5
AGRADECIMENTOS
A Deus
pela saúde e disposição para o trabalho;
Aos meus pais, Eliezita e José,
pelo apoio;
À amiga Liduína
pelo incentivo nas horas difíceis;
À Professora Odalice
pela atenciosa e sempre humana orientação.
6
SINOPSE
O presente trabalho propõe-se a conhecer a leitora que por trás
da escritora Lygia Bojunga Nunes. Observando-a não apenas como
emissora de um texto, mas como destinatária deste; revelando, assim,
como se dá sua relação, enquanto leitora, com a obra literária.
Essa pesquisa divide-se em três capítulos, sendo que no primeiro
procuramos relacionar a escritora ao contexto social, histórico e político
do qual emergiu, bem como as condições nas quais desenvolveu sua
obra, em meados da década de 1970 até o presente momento.
no segundo capítulo, analisamos, à luz das influências da
tradição literária, suas impressões sobre obras, autores, personagens; e
o efeito que determinadas leituras lhe provocaram.
Para o último capítulo, reservamos o estudo dos recursos que
Lygia Bojunga utiliza dentro do sistema linguístico para dar valor estético
à sua criação, enfocando uma subjetividade rica e expressiva; revelando,
assim, o já inconfundível estilo Lygia Bojunga de escrever.
Para o desenvolvimento deste trabalho, buscamos fundamentação
teórica em autores, como: Nicolau Sevcenko (2001), Gilberto de Mello
Kujawski (1991), Harold Bloom (1995), Pierre Bourdieu (1996),
Dominique Maingueneau (2001) e Roland Barthes (1986). Esse
embasamento teórico foi desenvolvido dentro de uma metodologia de
base histórica, formal e comparatista. Logo, a justificação das
proposições presentes nessa pesquisa dá-se por intermédio de
exemplos retirados de trechos da produção literária da escritora Lygia
Bojunga Nunes, que totaliza o número de vinte e uma obras publicadas.
Palavras-chave: Leitura; Influência; Biblioteca pessoal.
7
ABSTRACT
The purpose of this work is to know the reader behind the writer
Lygia Bojunga Nunes. Observing her not only as a sender of a text, but
as its recipient; revealing, therefore, how she connects, as a reader, with
the literary work.
This research is divided into three chapters. In the first chapter we
try to connect the writer with the social, historical and political context
where she had her origins, as well as the conditions which she
developed her work in, from the early 1970s until the present moment.
In the second chapter we analyze, in light of the influences of the
literary tradition, her impressions of works, authors, characters; and the
reaction that she had to certain readings.
In the last chapter we have the study of the resources which Lygia
Bojunga makes use in the linguistic system to give her creation esthetic
value, bringing a rich and expressive subjectivity out; revealing,
therefore, the unmistakable Lygia Bojunga‘s way of writing.
To develop this work, we searched for theoretical basis in authors
like: Nicolau Sevcenko (2001), Gilberto de Mello Kujawski (1991), Harold
Bloom (1995), Pierre Bourdieu (1996), Dominique Maingueneau (2001) e
Roland Barthes (1986). This theoretical basis was developed in a
historical, formal and comparative based methodology. Therefore, the
justification of the propositions in this research is given through examples
extracted from Lygia Bojunga Nunes‘ works, twenty-one published works
altogether.
Key-words: Reading. Influence. Personal Library.
8
SUMÁRIO
DEDICATÓRIA............................................................................................................. I
AGRADECIMENTOS .................................................................................................II
SINOPSE ...................................................................................................................III
ABSTRACT ................................................................................................................IV
SÍNTESIS ....................................................................................................................V
INTRODUÇÃO ...........................................................................................................VI
1. O ESCRITOR E SEU CONTEXTO
1.1 A escritora em campo minado .........................................................................23
1.1.1 O escritor e seu espaço..........................................................................33
2. LYGIA BOJUNGA E SUAS LEITURAS
2.1 A descoberta da leitura ....................................................................................41
2.2 A biblioteca pessoal .........................................................................................43
2.2.1. O fio que conduz à biblioteca ................................................................50
2.3 A força dos antigos ..........................................................................................54
2.3.1 Vestígios de leitura ................................................................................56
3. A ESCRITA BOJUNGUIANA: A DESLEITURA
3.1. A descoberta da escrita...................................................................................75
3.2. O processo de criação: ―eu podia tudo‖..........................................................79
3.3. Os intertextos................................................................................................. 83
3.4. O estilo Lygia Bojunga de escrever ...............................................................88
3.5. Representações do real..................................................................................99
3.6 A fortuna crítica ............................................................................................109
3.6.1 Dos vinte 1: Lygia Bojunga por ela mesma .........................................112
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................ 116
5. ANEXOS
5.1 Obras publicadas ......................................................................................... 120
9
5.2 Os prêmios ...................................................................................................121
5.3 Publicações em outros idiomas ....................................................................124
5.4 Estudos sobre Lygia Bojunga e sua obra......................................................127
5.4.1 Dissertações de mestrado ...................................................................127
5.4.2 Teses de doutorado .............................................................................130
5.4.3 Livros publicados sobre Lygia Bojunga ................................................131
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
6.1. Corpus .........................................................................................................132
6.2. Fundamentação teórica ...............................................................................134
10
INTRODUÇÃO
O século XX foi um período marcado por grandes guerras e
intenso desenvolvimento científico-tecnológico; paradoxalmente, a esse
intenso estado de mudanças, constatou-se uma crise de consciência
generalizada, ocasionada pelas feridas sociais expostas por duas
guerras.
O progresso científico-tecnológico revelara, portanto, um nítido
atraso social. Movidos pela insatisfação social, os escritores tomaram
para si a função de agentes da consciência e do discurso desalienador.
Uma vez assumida essa posição crítica, os intelectuais passaram a ser
vistos como verdadeiras ameaças à manutenção do sistema em vigor.
E no Brasil, da década de 1970, não foi diferente. Em plena
vigência do regime militar, inúmeros intelectuais ousaram discordar da
ideologia dominante e ficaram sob a constante ameaça de terem suas
obras censuradas pelos órgãos fiscalizadores da ditadura.
O primeiro capítulo deste trabalho busca relacionar a escritora
Lygia Bojunga Nunes a esse contexto social, histórico e político;
expondo, da forma mais clara possível, as condições nas quais se
deram o início e o processo de afirmação de sua obra. Trata-se de
explorarmos todo esse contexto de tensão que a escritora encontrou
quando decidiu, em 1972, publicar Os colegas, seu primeiro livro;
entrando, definitivamente, para o campo literário.
Autores, como: Dominique Maingueneau (2001), Pierre Bourdieu
(1996), Gilberto de Mello Kujawski (1991) e Nicolau Sevcenko (2001)
nos darão a teoria necessária para o embasamento desse primeiro
capítulo.
11
no segundo, buscaremos conhecer a leitora Lygia Bojunga e
de que modo se deu a formação de sua biblioteca pessoal.
Abordaremos temas, como: leitura, influência, tradição e cânone;
analisaremos suas impressões sobre obras, autores, personagens, e as
reações que determinadas leituras lhe causaram. Daí, buscarmos nos
teóricos da Recepção, como: Hans Robert Jauss (1979) e Wolfgang Iser
(1979), as informações necessárias para descobrir como se dá a relação
da escritora, enquanto leitora, com a obra literária.
No último capítulo, nos propomos a responder os seguintes
questionamentos: De que forma surge um novo estilo, uma nova
linguagem, uma nova escritura? Que recursos linquísticos e discursivos
a escritora utiliza em sua produção literária de forma que esta adquira o
jeito todo peculiar e marcante do seu estilo? Nesse sentido, trataremos
de temas, como: estilo, escritura e linguagem, onde os teóricos Harold
Bloom (1991) e Roland Barthes (1986) nos darão o suporte necessário.
Para o desenvolvimento deste trabalho, seguiremos uma
metodologia de base histórica, que consideramos imprescindível a
inserção da escritora no seu contexto; formal, por trabalharmos com
critérios como: estilo, composição e escritura; e comparatista, uma vez
que promoveremos uma desleitura da obra bojunguiana, tendo em vista
determinados escritores e obras que a precederam e que foram
relevantes em seu processo de formação como escritora.
12
1. O ESCRITOR E SEU CONTEXTO
―Tal é, pois, a verdadeira e pura literatura:
um Eterno que dá a entender que é apenas um momento de História,
um momento histórico que, pelos aspectos ocultos que revela,
remete de súbito ao homem eterno
(SARTRE, 1993, p. 28).
Se pudéssemos numa palavra resumir nossa percepção da
sociedade dos tempos modernos, nenhuma palavra a expressaria tão
adequadamente, quanto: velocidade.
Não é à toa que a expressão ―correria do dia a dia‖ tornou-se um
jargão mais que usual. Também, não é ou não foi arbitrário o uso da
imagem de uma montanha-russa pelo historiador Nicolau Sevcenko, em
A corrida para o século XXI (2001), para representar as experiências
mais marcantes vividas pela sociedade ocidental dos tempos modernos,
entendida na complexa trajetória do século XX.
A imagem de uma montanha-russa encarnaria, portanto, a
velocidade com a qual as mudanças ocorrem, bem como, sua
intensidade. Outro fator que não pode ser deixado de lado é a reação
causada nas pessoas que partilham dessa experiência. A velocidade
das mudanças está expressa nessa afirmação de Nicolau Sevcenko:
A aceleração das inovações tecnológicas se agora numa
escala multiplicadora, uma autêntica reação em cadeia, de
modo que em curtos intervalos de tempo o conjunto do
aparato tecnológico vigente passa por saltos qualitativos em
que a ampliação, a condensação e a miniaturização de seus
13
potenciais reconfiguram completamente o universo de
possibilidades e expectativas, tornando-se cada vez mais
imprevisível, irresistível e incompreensível (SEVCENKO, 2001,
p. 16-17).
É nesse universo do imprevisível e do incompreensível, que
Nicolau Sevcenko ressalta a importância da crítica contra o que ele
chama de Síndrome do Loop, ou seja, os efeitos tecnológicos tendem
a submeter o homem a uma anuência passiva, cega e irrefletida.
Anuência, tal qual expressa num conto, intitulado ―Apólogo
brasileiro sem véu de alegoria‖, por Antônio Alcântara Machado (1901-
1935), no qual se narra o episódio inusitado de um trem que parte da
cidade de Maguari rumo a Belém, e no decorrer da viagem, ocorre uma
rebelião, motivada pela falta de luz nos vagões; ironicamente, o líder da
rebelião é um cego. A primeira reação do leitor, diante do procedimento
do cego, é de estranheza. E somos levados à inevitável pergunta: Por
que um cego iria queixar-se do fato de não haver luz? Nesse conto, o
caráter alegórico, diferentemente do que preconiza o título, propõe a
discussão do grau de consciência social das pessoas; e, nesse sentido,
leva o leitor à seguinte reflexão: o homem submetido a inúmeras e
intensas transformações técnico-científicas tornou-se tão passivo diante
dessas ocorrências, que na ausência das mesmas, ele permanece com
a mesma postura de passividade. Esse compasso acelerado do
desenvolvimento acabou criando uma ditadura, a ditadura do apelo
visual. De acordo com Nicolau Sevcenko:
Nessas grandes metrópoles em rápido crescimento, todos
vieram de algum outro lugar; portanto, praticamente ninguém
conhece ninguém, cada qual tem uma história à parte, e são
tantos e estão todos o tempo todo tão ocupados, que a forma
prática de identificar e conhecer os outros é a mais rápida e
direta: pela maneira que se vestem, pelos objetos simbólicos
14
que exibem, pelo modo e pelo tom com que falam, pelo seu
jeito de se comportar (SEVCENKO, 2001, p.64).
Portanto, a visão será o sentido responsável por orientar e
interpretar essa rapidez de fluxos e sinais. Essa supervalorização da
visão será acentuada e intensificada pela difusão das técnicas
publicitárias.
Sobre essa hipertrofia da visão, vale lembrar o documentário
―Janela da alma‖, do diretor Walter Carvalho (2002). Nele, o escritor
português José Saramago (1922- ) fala justamente do processo de
alienação, massificação e perda da individualidade, pelas quais o
homem dos tempos modernos está passando.
O excesso de informações, imagens e sons produz nesse homem,
de acordo com o documentário, a sensação de perda da sensibilidade e,
consequentemente, da sua consciência pessoal.
Esse excesso pode ser visualizado também no romance Ensaio
sobre a cegueira (1995), de José Saramago. Nele, o autor imagina uma
onda de cegueira branca que se espalha por toda uma cidade. José
Saramago, segundo Eduardo Calbucci, em Saramago: um roteiro para
os romances (1999), cria uma onda de cegueira branca, sendo o branco,
a condensação de todas as cores que formam o arco-íris, ou seja, o
branco como concentração total da luz, criando o prenúncio de toda a
parábola que o romance irá desenvolver.
Estes sinais permitem ao leitor perceber a metáfora dessa
epidemia de cegueira, que é mostrar que, na realidade, nós estamos
cegos. O excesso de imagens, cores, informações e sons, nos causa
uma perda de foco e faz com que nos tornemos os cegos de Saramago:
―Cegos que veem, cegos que, vendo, não veem‖ (SARAMAGO, 1995, p.
310). Conforme a afirmação de Eduardo Calbucci: ―A parábola dessa
15
estranha cegueira branca aponta para a certeza de que as pessoas não
vivem na escuridão, mas sim num ―mar de leite‖; porque uma coisa é
não deixarem que você veja nada e outra é obrigarem que você olhe
tudo‖ (CALBUCCI, 1999, p. 89). A reflexão de Eduardo Calbucci dialoga
com a expressão ditadura do apelo visual‖, utilizada por Nicolau
Sevcenko. Uma ditadura que submete o homem a inúmeras perdas,
como da sua individualidade e consciência pessoal; perdas impostas ao
homem como preço a pagar pela modernidade.
, todavia, sutil diferença entre a visão e o olhar. Segundo
Eduardo Calbucci, a diferença entre visão e olhar está no fato daquela
ser dispersiva e desorientar o pensamento e esse ser seletivo, isto é, a
visão capta todo o excesso de imagens a que o indivíduo está suscetível,
já o olhar prende-se apenas ao que interessa.
Nicolau Sevcenko, ao relatar o caso dos artistas que deram início
à Arte Moderna, irá ressaltar o domínio sutil da capacidade do olhar, ao
citar Pablo Picasso (1881- 1973), o músico Erik Satie (1866- 1925), o
poeta Apollinaire (1880- 1918) e o dramaturgo Alfred Jarry (1873- 1907).
Esse grupo gostava de compartilhar as novidades do momento, como o
cinema e os parques de diversões:
Diga-se de passagem que, em fins do século XIX, quando
essas formas de entretenimento surgiram, eram destinadas
especificamente às classes trabalhadoras, as pessoas mais
abastadas as consideravam formas grosseiras, vulgares,
coletivas e estúpidas de diversão, apropriadas apenas para
crianças sem acesso à educação e para criaturas ignorantes
em geral, sem condições de usufruir das belas-artes
(SEVCENKO, 2001, p. 70).
O que, então, levaria um grupo de artistas cultos a se interessar
por formas de diversão destinadas ao gosto popular? O que esses
16
artistas poderiam encontrar de valoroso nos pastelões cinematográficos
ou trenzinhos expressos?
De acordo com o historiador, ―o que encantava os artistas eram
truques de corte e montagens que o cinema permitia (...) e as
experiências extremas de deslocamento e aceleração‖ que um parque
de diversões poderia oferecer (SEVCENKO, 2001, p.70).
Portanto, aquele grupo de artistas tinha uma visão além dos
demais, um olhar apurado que o ajudou a levar essas experiências para
suas obras de arte. Essas inovações tecnológicas integraram-se à vida
desses artistas, marcando-os de forma indelével, pelo fato de suas
obras tanto apreenderem quanto refletirem esses efeitos.
De acordo com imagens da memória do designer francês
Raymond Loewy, nascido em 1893, e citadas por Nicolau Sevcenko:
Aos catorze anos, em Paris, onde nasci, eu tinha visto o
nascimento do telefone, do avião, do automóvel, das
aplicações domésticas da eletricidade, do fonógrafo, do
cinema, do rádio, dos elevadores, dos refrigerantes, do raio x,
da radioatividade e, não menos importante, da anestesia
(LOEWY. Apud SEVCENKO, 2001, p. 68).
Esse trecho das memórias de Loewy remete ao que Gilberto de
Mello Kujawski, em A crise do século XX (1991), irá denominar ―choque
tecnológico‖, ocorrido pela irrupção quase que simultânea dessas
inovações e que foram colocadas ao alcance de um grande número de
pessoas, inclusive do proletariado. Apesar do progresso científico e
tecnológico pelo qual tem passado o homem moderno, Kujawski
acredita que o século XX conheceu uma grande crise: ―A crise do século
XX não é primariamente, crise dos fundamentos da ciência, ou da
política, ou da economia, ou do que for, e sim crise dos fundamentos da
vida humana‖ (KUJAWSKI, 1991, p.34).
17
O desenvolvimento científico-tecnológico estava em pleno
progresso, mas a Primeira Grande Guerra acabou por expor à
sociedade as feridas sociais que até então estavam encobertas pelo
manto falacioso do ―progresso‖. E o orgulho pelo desenvolvimento
material foi substituído pela vergonha do atraso social, passando a
sociedade a cobrar medidas mais enérgicas de assistência social.
É possível perceber que a crise da modernidade nasceu com o
descrédito do progresso moral, uma vez que aquela trouxera à tona a
situação de exploração e insatisfação pelas quais passavam inúmeros
países, revelando, assim, uma tensão entre forças de interesses
opostos.
Segundo Dominique Maingueneau, em O contexto da obra literária
(2001), o responsável por dar representação a essas ―contradições do
mundo histórico real‖ será, justamente, o escritor através de sua obra.
Este utiliza a Literatura como meio de fazer chegar à sociedade a
consciência das disputas sociais e políticas que, historicamente, vêm
sendo travadas. O escritor e sua obra assumem a difícil posição de
porta-vozes de uma consciência crítica. Seria a ―consciência infeliz‖,
expressão usada por Jean-Paul Sartre, em Que é a Literatura? (1993),
para definir o papel do escritor diante da sociedade, uma vez que ―o
escritor lhe apresenta a sua imagem e a intima a assumi-la ou, então, a
transformar-se. E de qualquer modo ela muda, perde o equilíbrio que a
ignorância lhe proporcionava, oscila entre a vergonha e o cinismo...‖
(SARTRE, 1993, p. 65). Trata-se, exatamente, da insatisfação da
sociedade com o tão sonhado progresso que mostrou-se efetivo em
questões materiais, mas revelou-se atrasado e insatisfatório em termos
sociais.
A análise de Gilberto de Mello corrobora o pensamento de Antonio
Candido, em Direito à Literatura, segundo o qual se pode dizer que os
18
mesmos meios que permitem o progresso podem provocar a
degradação da maioria‖; e acrescenta: ―todos sabemos que a nossa
época é profundamente bárbara, embora se trate de uma barbárie ligada
ao máximo de civilização‖ (CANDIDO, 1995, p. 170). Nesta afirmação,
Antonio Candido reafirma a ideia de que o progresso científico-
tecnológico não foi acompanhado pelo progresso moral da humanidade.
Vale ressaltar que o conceito de modernidade definido por Gilberto
de Mello Kujawski esestritamente ligado à noção de enriquecimento,
não no sentido econômico do termo, ―mas primária e essencialmente,
como enriquecimento vital; ou seja, está no leque de possibilidades que
se abre ao homem moderno, fazendo com que este dependa de suas
próprias decisões:
A modernidade o enriquecimento coloca em questão todo o
repertório das crenças tradicionais, não se oferecendo como
instância segura para o pensamento, os sentimentos e a
conduta do homem‖. A pletora de possibilidades, de distintos
modos de ser ao seu alcance, obriga-o a decidir por si que
idéias, que sentimentos e ações deve adotar. O enriquecimento
desperta em cada homem sua individualidade adormecida.
Modernidade implica individualidade (KUJAWSKI, 1991, p. 20).
Podemos concluir com isso que acontecimentos como a Primeira
Grande Guerra e a Revolução Russa geraram, em boa parte do mundo,
uma crise de consciência generalizada, expressão usada por Maria
Helena Capelato em O Estado Novo: o que trouxe de novo?(2003).
que, de acordo com Kujawski, se ocorre um processo de decadência,
não razão para restringi-lo à Europa, quando o mundo inteiro sofre
suas consequências (KUJAWSKI, 1991, p.97). Essa crise de
consciência acaba por revelar uma enorme preocupação com as
questões sociais, e uma cobrança por parte da sociedade para que a
política volte seus interesses às classes populares.
19
Segundo Maria Helena Capelato, surgiram inúmeras críticas ao
sistema liberal, visto como incapaz de solucionar os problemas sociais,
por sua política parlamentar de cunho individualista:
Nesses últimos anos (Década de 30) manifestou-se na Europa,
e em outras partes do mundo, uma crise do liberalismo. (...)
Apesar de apresentar características próprias, o Estado Novo
brasileiro teve inegável inspiração européia. Um traço comum
foi a crítica à liberal democracia e a proposta de organização
de um estado forte e autoritário encarregado de gerar as
mudanças necessárias para promover o progresso dentro da
ordem (CAPELATO. Apud FERREIRA, 2003, p. 109-110).
Vemo-nos mais uma vez às voltas com o termo progresso, porém,
esse aparece aqui citado através de um novo conceito, não mais ligado
a uma modernidade individualista, mas em busca de uma modernidade
com preocupações sociais. Uma vez que a Primeira Guerra revelou que
o progresso econômico camuflava um atraso moral; e a Revolução
Russa ameaçou as estruturas do liberalismo econômico e forçou o
mundo a olhar pelo bem estar social, caso o liberalismo não quisesse
perder seu status quo.
Nesse clima, instaurou-se no Brasil dos anos de 1930, o Estado
Novo que como afirma Capelato: ―... definiu-se pelo autoritarismo graças
ao intenso controle político, social e cultural e pelo cerceamento das
liberdades em muitos planos, houve repressão e violência extrema nos
atos de tortura‖ (CAPELATO. Apud FERREIRA, 2003, p.113).
Mônica Pimenta Velloso, em Os Intelectuais e a política cultural do
Estado Novo (2003), refere-se à relação entre os intelectuais e o
sistema de poder: A relação dos intelectuais com o sistema de poder
tem sido extremamente imbricada e complexa, uma vez que, ao longo
20
da história, eles frequentemente se atribuíram a função de agentes da
consciência e do discurso‖ (VELOSO. Apud FERREIRA, 2003, p. 147).
Daí a importância de relacionar o escritor ao contexto do qual
emergiu, bem como as condições nas quais desenvolveu sua obra.
Trata-se, pois, de atentarmos mais uma vez para o papel dos
intelectuais em relação à sociedade, que seria o de gerar uma
consciência crítico-reflexiva da realidade para os indivíduos. Ao tomar
para si tal missão, os escritores não se restringem apenas ao âmbito
estético da Literatura, mas expandem-se para o minado campo da
Política. Levados pelas preocupações sociais, esses escritores
encontrarão fortes obstáculos por parte das elites conservadoras e
receosas de verem ameaçadas suas posições neste campo.
Esse cenário de repressão e violência mostra-nos o papel e
atuação dos intelectuais, já que, como afirmara Antonio Candido, a
―Literatura confirma e nega, propõe e denuncia, apoia e combate,
fornecendo a possibilidade de vivermos dialeticamente os problemas.
Antonio Candido nos fala de uma literatura sancionada e de uma
proscrita, ou seja, ―a que os poderes sugerem e a que nasce dos
movimentos de negação do estado de coisas predominantes‖
(CANDIDO, 1995, p. 175). Ou seja, o escritorintelectual durante o
Estado Novo foi chamado a fazer uma literatura sancionada, a qual
deveria fazer irradiar a ideologia governista. A literatura proscrita coube
àqueles que ousaram discordar do regime e, por isso, sofreram severa
repressão.
No âmbito desta discussão, segundo Nadine Habert, em A década
de 70:
Quando a década de 70 começou, vivia-se no Brasil o período
mais duro da ditadura militar implantada em 1964. Eram os
anos do governo do general Garrastazu Médici (1969-74). A
censura estava institucionalizada, a tortura aos presos
políticos corria solta (HABERT, 1992, p. 07).
21
Seria considerado preso político qualquer pessoa que pusesse em
risco ou ameaçasse a manutenção do regime militar. Daí, o fato de
durante a vigência da ditadura no Brasil, terem ocorrido prisão e/ ou
exílio de inúmeros intelectuais da época. Também a censura foi um dos
meios utilizados para conter qualquer tentativa de romper com a ordem
estabelecida.
Com o clima de ameaça instaurado pela ditadura militar, o campo
intelectual e artístico brasileiro, que segundo Nadine Habert, contava
com ―compositores como Caetano Veloso, Gilberto Gil, Chico Buarque,
Geraldo Vandré; autores e diretores de teatro como José Celso e
Augusto Boal; cineastas como Gláuber Rocha; professores e cientistas
como Florestan Fernandes, entre outros(HABERT, 1992, p. 30), ficou
sob a mira da segurança nacional; ou seja, os intelectuais passaram a
pisar em campo minado, ficando sob a constante ameaça de terem suas
obras artísticas mutiladas total ou parcialmente pela censura.
Na Literatura, em particular no campo da poesia, grupos de poetas
editavam seus próprios trabalhos em pequenas tiragens que eram
vendidas de mão em mão devido ao conteúdo político que continham.
Segundo Alfredo Bosi, em História concisa da literatura brasileira,
essa poética exprimia-se na lírica dita ―marginal, abertamente anárquica,
satírica, paródica, de cadências coloquiais, e aparentemente,
antiliterárias‖ (BOSI, 2002, p. 487).
A poesia marginal foi, portanto, representada por poetas que
desejavam expressar-se livremente na época do regime militar, como:
Ana Cristina César (1952- 1983); Ricardo Carvalho Duarte, o Chacal
(1951- ); Antônio Carlos Brito, o Cacaso (1944- 1987); e Paulo Leminski
(1944- 1989). Outros poetas veteranos, como Ferreira Gullar (1930- ) e
José Paulo Paes (1926- 1998), que estrearam na década de 1950,
22
também haviam incorporado aos seus discursos poéticos o tom de
protesto.
O cenário literário nacional que se configurava em meados da
década de 1970, época em que Lygia Bojunga inicia sua carreira como
escritora, exibe-nos uma gama de escritores que, em vista do repressivo
controle cultural imposto pelo Estado, tentavam como podiam, publicar
suas obras cujos temas políticos e sociais demonstravam engajamento
e resistência à ditadura, como: Pega ele, silêncio (1968) e Zero (1979),
de Ignácio de Loyola Brandão (1936- ). Este último romance ilustra
traços significativos da prosa de ficção produzida durante o regime
militar:
O homenzinho girava com fúria a manivela do magneto, fala, fala,
fala, conta, comunista filhodaputa, conta dos aparelhos, me
os endereços, e os endereços dos padres, aqueles padres de
merda, bichas (...). Fale, conta merdinhadebosta, e eu,
frgsthfhtrygrufjutih jur itid narerad mertrdstr frsgrtuiok jlo
(BRANDÃO, 1979, p. 268).
O livro expõe de forma bastante clara o tratamento dado aos ditos
―subversivos‖, ao mesmo tempo em que aborda a repressão da
linguagem imposta pela censura. Essa obra foi apreendida, e pôde
ser publicada no Brasil em 1979. Data de 1976, a famosa obra de
denúncia e protesto O que é isso, companheiro?, de Fernando Gabeira
(1941- ).
Outro autor, que também representa as contradições vividas
nesse período da História brasileira, é Rubem Fonseca (1925- ). Em
1975, ele publica sua coletânea de contos ―Feliz Ano Novo‖, obra
imediatamente censurada pelos órgãos de fiscalização do Estado por
expor a imensa contradição entre o ―milagre econômico‖ e as difíceis
23
condições de vida em que estava mergulhada a maior parte do povo
brasileiro.
A escrita feminina também se fez presente e atuante no cenário
nacional: Clarice Lispector (1920- 1977), Nélida Piñón (1937- ), Ana
Maria Machado (1942- ), Rachel de Queiroz (1910- 2003), Marina
Colasanti (1937- ), Zélia Gattai (1916- 2008), entre outras, produziram
em meio às conturbações inerentes ao período.
Portanto, nesse contexto de repressão política, silêncio forçado e
censura, a ditadura impôs um clima pesado à população brasileira;
denominados por muitos, como ―anos de chumbo‖, dada a força militar
usada contra os que tentaram opor-se à vigência do regime. Nessas
condições histórico-sociais deu-se o início e o processo de afirmação da
obra da escritora Lygia Bojunga Nunes, que produzirá uma obra
consciente da tensão vivida no período.
1.1 A escritora em campo minado
―Os generais não leem livros destinados às crianças‖
Lygia Bojunga
A epígrafe acima alude ao período em que o Brasil era governado
pelos militares. Nosso país viveu sob o regime militar durante vinte
anos, de 1964 a 1984. Será, portanto, em plena vigência do regime
militar, sob o comando do General Emílio Garrastazu Médici, que a
escritora Lygia Bojunga Nunes, então com a idade de 40 anos, irá
publicar sua primeira obra literária, Os colegas, em 1972.
24
O título deste subcapítulo A escritora em campo minado sugere a
relação da escritora com o contexto histórico do qual emergiu, bem
como as condições nas quais desenvolveu sua obra. Vale ressaltar, que
essa noção de ―contexto‖, segundo Dominique Maingueneau, em O
Contexto da obra literária (2001), não é somente a sociedade
considerada em sua globalidade, mas em primeiro lugar, o campo
literário, que obedece a regras específicas (...). É nesse campo que se
travam realmente as relações entre o escritor e a sociedade, o escritor e
sua obra, a obra e a sociedade‖ (MAINGUENEAU, 2001, p. 27-30).
Já de acordo com Pierre Bourdieu, em As regras da Arte, no
campo literário encontram-se traços característicos do funcionamento
dos campos político e econômico, e de maneira mais geral, de todos os
campos relações de força, capital, estratégias, interesses‖
(BOURDIEU, 1996, p.233).
Trata-se de uma abordagem muito mais ampla e eficaz, que tenta
superar a tradicional oposição entre forma, presa a elementos internos;
e contexto que remete a elementos externos à obra, ou melhor, entre
defensores de formatos textuais consagrados e aqueles engajados por
um discurso de denúncia e crítica. Pierre Bourdieu nos esclarece a
noção dialética de campo:
O processo pelo qual as obras são levadas é produto da luta
entre aqueles que, em razão da posição dominante
(temporariamente) que ocupam no campo (em virtude de seu
capital específico), tendem à conservação, ou seja, à defesa da
rotina da rotinização, do banal e da banalização, em uma
palavra, da ordem simbólica estabelecida, e aqueles que estão
inclinados à ruptura herética, à critica das formas estabelecidas,
à subversão dos modelos em vigor (BOURDIEU, 1996, p.234).
Essa figura herética, através de uma postura de resistência, será
capaz de romper com as normas estabelecidas. E, por dar à sociedade
25
consciência de si mesma, o escritor será visto como nocivo; uma vez
que vive confrontando-se com os que estão na posição de dominantes,
representados pela arte acomodada. O campo literário, portanto, existe
pela tensão constante entre dois polos antagônicos: os que dominam o
campo econômico e político, representados pela arte comportada; e os
que se apresentam na categoria de autônomos, representantes da arte
que discute seu tempo. A arte burguesa estaria voltada às sujeições do
grande público e do mercado, os adeptos da autonomia da arte não
teriam seu interesse no lucro, mas sim no comprometimento com a
sociedade e com a qualidade cultural do objeto artístico.
Segundo Pierre Bourdieu, o campo literário vive dessa tensão,
desse ―confronto ambivalente entre o mundo burguês e as
reivindicações daqueles que eram chamados os artistas e que viviam
simbolicamente às margens da sociedade; uma vez que a mesma não
os excluía nem incluía (BOURDIEU, 1996, p.33).
Portanto, o ―marginal‖ indica a posição que este ocupa no campo,
através do modo como gere sua inserção nesse campo. Ele participa do
campo, está inserido nele, mas torna problemática sua inserção, sua
posição nele. Ele ocupa um lugar nesse campo, lugar conquistado por
ele, pela força da sua marginalidade, não se trata de um lugar que lhe
fora designado. residem as ambíguas situações paratópicas do
escritor.
Ele ocupa, portanto, um não-lugar; e é, justamente, por escapar ao
convencionado pelas linhas conservadoras do campo, que a figura
desse escritor torna-se essencial à sociedade, revelando o paradoxo da
sua posição. Caso o escritor deixe-se absorver pelas classes
dominantes, ocupando o lugar no meio privilegiado, em lugar de manter-
se às margens, produzirá uma literatura sancionada, e sua condição,
antes conflituosa e crítica, torna-se passiva e ineficaz.
26
É dentro dessa noção de campo, discutida por Pierre Bourdieu e
utilizada por Dominique Maingueneau que pretendemos inserir a
escritora Lygia Bojunga, a fim de descobrirmos sua posição no campo
literário brasileiro no século XX, para conhecermos as condições nas
quais cresceu, tornou-se editora, e foi legitimada e reconhecida como
escritora.
Nascida em 1932, na cidade de Pelotas, no Rio Grande do Sul,
aos oito anos de idade muda-se com a família para o Rio de Janeiro.
Aos dezenove anos, descobre sua paixão pelo teatro, ao ser escolhida
para encenar a peça inicial do Teatro Duse, criado por Paschoal Carlos
Magno. Lygia Bojunga Nunes é contratada para compor a companhia
profissional Os Artistas Unidos. Lá, entra em contato com divas do teatro
brasileiro como: Fernanda Montenegro, Henriette Morineau e Laura
Suarez. Sua experiência no teatro deu-lhe a oportunidade de viajar e
conhecer várias cidades pelo interior do país, e de ver de perto a
situação em que vivia o povo brasileiro. Aos vinte e um anos, por
ocasião de seu casamento, abandona o teatro e passa a trabalhar para
o rádio e a televisão. Vivendo sob o olhar implacável da censura, Lygia
Bojunga dá início à sua produção literária em 1972.
O contexto brasileiro, durante a década de 1970, apresenta traços
próprios: a economia brasileira, aparentemente, cresceu; daí a
expressão ―milagre‖ muito propagada pelo governo Médici. Mas, de
acordo com Nadine Habert, em A década de 70, essa milagrosa
expansão da economia brasileira fazia-se à custa do empobrecimento
da população: ―Em pleno ―milagre econômico‖, 52,2% dos assalariados
recebiam menos de um salário mínimo‖ (HABERT, 1992, p. 17); e do
silêncio imposto às classes trabalhadoras:
―mais do que nunca o
movimento operário estava desarticulado e os trabalhadores submetidos
a um pesado controle nos locais de trabalho‖
(Ibid. p. 35).
27
A repressão política também atingia o Congresso: desfigurado
pelo bipartidarismo forçado, e pelas sucessivas cassações de
parlamentares oposicionistas, tornou-se órgão meramente homologador
das decisões do Executivo‖. A censura atingia os meios de
comunicação: o combate à subversão passou a justificar a total
liberdade de ação desta máquina repressiva, espalhando o terror sobre
a sociedade‖ (HABERT, 1992, p.26-27).
Portanto, aos que ousavam opor-se ao regime, aconteciam
ameaças, prisões, torturas e até mortes. Muitos foram os intelectuais
que buscaram o exílio voluntário em outros países. Aos que ficaram,
restava a tentativa de burlar a censura:
No que diz respeito à produção cultural, várias foram as
formas de resistência que autores críticos usaram para se
contrapor à política e ideologia do regime e para fazer chegar
ao público suas mensagens, driblando a tesoura e o camburão
num jogo de gato-e-rato. Entrelinhas, duplos sentidos,
trocadilhos, mensagens cifradas: para bom entendedor meia
palavra tinha de bastar (HABERT, 1992, p. 38).
Numa época em que a censura estava institucionalizada e que a
liberdade de pensamento era cerceada, Lygia Bojunga Nunes publicará
obras em que aparecem pavões com pensamentos costurados. Quando
os movimentos sociais estavam completamente desarticulados e as
poucas resistências que ainda restavam resumiam-se a pequenos
grupos em portas de fábrica, a escritora nos apresentará personagens
que demonstram a força do trabalho coletivo e o valor da democracia.
Lygia Bojunga publica Os colegas em 1972, obra através da qual a
escritora irá indicar sua posição política no campo literário, uma vez que
essa obra ressalta a união do coletivo e o valor da liberdade. A
publicação dessa obra revela o discurso de luta e oposição à situação
28
instaurada no país. Sob esse ponto de vista, a escritora e sua obra
ocupam no campo literário uma posição questionadora e de crítica da
ordem estabelecida. Essa posição permanecerá inabalável e será
sempre reforçada em suas publicações posteriores até os dias atuais.
Em Os colegas (1998)
1
, teríamos uma espécie de alegoria do
contexto histórico, político e social da época, como também podemos lê-
lo como uma metanarrativa que expõe a situação do escritor dentro do
campo literário. Segundo o artigo publicado na revista da Universidade
Federal de Goiás, por Larissa Cruvinel e intitulado ―A literatura infantil e
o romance de formação‖, as ―personagens isoladas e socialmente
marginalizadas se unem para enfrentar as dificuldades de cada um e do
meio (...). Os colegas estão unidos por sua situação de deslocados no
meio social‖ (CRUVINEL, 2003, p. 04). Tal qual é a posição paratópica
do escritor e de todos aqueles que escapam às linhas conservadoras da
ordem estabelecida, pois, tiram sua força de sua dita marginalidade.
A partir dessa obra, Lygia Bojunga fundamenta sua oposição aos
dominantes, que naquela época, especificamente, compunha-se da
união entre militares e a classe burguesa. É o que nos esclarece Nadine
Harbert, em A década de 70:
Os militares, associados aos interesses da grande burguesia
nacional e internacional, incentivados e respaldados pelo
governo norte-americano, justificaram o golpe como ―defesa da
ordem e das instituições contra o perigo comunista (...). O golpe
foi uma reação das classes dominantes ao crescimento dos
movimentos sociais mesmo tendo estes, caráter
predominantemente nacional-reformista (HABERT, 1992, p.08).
Assim, ao publicar Os colegas (1998), uma crítica ao regime em
vigor e uma exaltação à vida às margens das fronteiras sociais, Lygia
1
Ano da edição utilizada.
29
Bojunga legitima sua posição como artista no lado oposto aos
dominantes.
Nesse mesmo ano, a escritora recebe o prêmio INL (Instituto
Nacional do Livro) pela obra Os Colegas; no ano seguinte, a obra é
contemplada com o Prêmio Jabuti; e, em 1974, entra para a lista de
Honra - IBBY (International Board on Books for Young People).
Inicia-se a partir daí o reconhecimento nacional e internacional de
Lygia Bojunga como escritora. Ao longo de sua carreira, serão mais de
trinta prêmios. Em 1982, a escritora é laureada, com o Prêmio Hans
Christian Andersen, pelo conjunto da obra. Nessa época, já se somavam
a Os colegas: Angélica (2001a), A bolsa Amarela (2001b), Corda bamba
(2001d) e O sofá estampado (1999).
Trata-se, pois, de um reconhecimento institucionalizado, já que
provém de academias e críticos de arte. Mas, a legitimação de Lygia
Bojunga não se deu apenas entre seus pares, deu-se sobretudo pelo
reconhecimento do público, uma vez que suas obras já foram traduzidas
para mais de dezenove idiomas. Sua consagração veio no ano de 2004
quando recebeu o maior prêmio internacional jamais instituído em prol
da Literatura para crianças e jovens, criado pelo governo da Suécia, o
Astrid Lindgren Memorial Award ALMA
2
.
A motivação do júri para escolher Lygia Bojunga fundamenta-se em
características presentes desde a publicação de sua primeira obra Os
colegas: ―De uma forma profundamente original, ela mescla ludismo,
beleza poética e humor irreal com crítica à sociedade, um amor à
liberdade e uma forte empatia pela criança vulnerável‖
3
2
Por ocasião deste prêmio, a escritora recebeu cinco milhões de coroas (aproximadamente, USD
675.000 ou 530.000 euros).
3
Motivação do júri. Disponível em: <http://www.casalygiabojunga.com.br>. Acesso em: 11 dez.2008.
30
A escritora, dessa forma, alcança tanto o reconhecimento interno,
o que Pierre Bourdieu denominaria de O princípio de hierarquização
interna, em As regras da Arte (1999), isto é, um grau de consagração
específica, conhecido e reconhecido por seus pares, mas além do êxito
interno, obteve também o êxito temporal, seria o Princípio de
hierarquização externa medido por índices de sucesso comercial ou de
notoriedade social, o que, segundo Pierre Bourdieu, seriam campos
opostos e excludentes.
O sucesso temporal, transnacional, de Lygia Bojunga é exposto
pelas inúmeras traduções de suas obras, algumas foram adaptadas
para o teatro, como Fazendo Ana Paz (2002b), encenada no Jardim
Botânico do Rio de Janeiro; Corda bamba (2001d) encenada na
Alemanha e Holanda e filmada pela TV sueca. Essa obra também foi
integrada no Concurso Vestibular da UFAC (Universidade Federal do
Acre, em 2006); e A casa da madrinha (2001c) representada na França.
Questionada sobre a utilização de suas obras literárias em
Concursos, Lygia Bojunga desabafa: ―Se minha escrita é objeto de
provas, eu não gosto: eu identifico provas com ansiedade e
chateação (pra mim, dia de prova foi sempre dia-que-não-acabava-
nunca) e eu fico aflita de pensar que o meu texto pode estar
acarretando pra ALGUÉM a ansiedade e a chateação que me faziam tão
infeliz no meu tempo de estudante‖ (BOJUNGA. Apud SANDRONI, 1987,
p. 173).
Lygia Bojunga, portanto, rompe com a visão de que o sucesso
temporal seria sinônimo de baixa qualidade da obra literária. Uma vez
que este estaria sujeito à demanda do mercado e do público. O que não
se pode negar é que esse eixo temporal trouxe à escritora uma sanção
econômica, é a própria Lygia Bojunga que vai nos esclarecer sua
relação com o dinheiro:
31
O livro tem me dado tanto desde que - aos 7 anos Monteiro
Lobato fez de mim uma leitora apaixonada! E, pela vida afora,
em noite de insônia, em dia de dor, em hora de paz e prazer de
viver, era eu olhar pro lado e ... estava Ele. Mas, feito coisa
que tanto companheirismo o bastava, o livro vai e resolve
comparecer todo fim de mês para pagar minhas contas. É ou
não é para eu me sentir devedora? Pra querer dar o troco?
4
E o troco foi dado. Com o dinheiro do Prêmio ALMA, a escritora
criou a Fundação Cultural Casa Lygia Bojunga, destinada a desenvolver
projetos ligados à leitura. E fundou também a Editora Casa Lygia
Bojunga. A fundação não vive de doações nem de patrocínios, é fruto
exclusivo do prêmio e dos lucros da editora.
Ao fundar uma editora, Lygia Bojunga passa a ocupar uma posição
dominante no campo literário; o que, teoricamente, se contrapõe à sua
posição como escritora, já que envolve interesses opostos. Uma vez que
o campo editorial está voltado aos interesses do mercado, onde o êxito
econômico é alcançado publicando-se obras feitas para o grande
público, visando ao sucesso comercial. A escritora nos revela como
tenta conciliar essas duas posições tão contraditórias:
A princípio tentei conciliar as tarefas de editora. Mas logo
compreendi que, pra tocar pra frente o projeto da Casa, eu tinha
que empurrar a escritora para segundo plano e fazer ela se
contentar com as sobras do tempo e da dedicação consumidos
pela editora (BOJUNGA, 2006c, p.253).
O depoimento acima, retirado de uma de suas cartas ao leitor, nos
esclarece o quanto as posições que Lygia Bojunga passou a assumir no
campo literário são contraditórias e excludentes.
4
Depoimento de Lygia Bojunga. Disponível em: <http://www.casalygiabojunga.com.br>. Acesso em:
04 dez.2008.
32
Podemos tomar como exemplo sua decisão de publicar todas as
suas obras com o mesmo formato, utilizando o mesmo papel e o
mesmo design gráfico. Ao abrir mão dos recursos visuais que atraem e
chamam a atenção das crianças, a Lygia Bojunga-editora foi criticada
por tomar uma atitude anticomercial. Nesse momento, a Lygia Bojunga-
escritora defende-se, afirmando que essa decisão foi tomada pelo fato
dela não saber, especificamente, a que público sua obra destina-se:
... poucas vezes eu sei se o que escrevo é mais pra criança, é
mais pra adolescente, ou mais pra adulto. (...) em outras
palavras: procurei dirigir aqueles dois livros
5
para o chamado
mundo infantil. Mas, a partir do meu terceiro livro, meu processo
criativo foi se modificando e não tardou a se transformar de tal
maneira, que nunca mais consegui distinguir na minha escrita
uma intenção genuína de ―querer alcançar‖ esse ou aquele
público, essa ou aquela faixa etária. (BOJUNGA, 2007, p.15).
Nessa afirmação, podemos percebê-la dividida entre as funções de
editora e a de escritora. Mas, para a manutenção da qualidade literária
de suas obras, seu lado escritora predomina na maioria de suas
decisões. A prova está na crítica comum que se faz ouvir sobre sua
editora, de que esta utilizaria critérios ‗na contramão, para produzir e
distribuir seus livros.
Tomemos a expressão na contramão como anticomercial.
Apesar de ser uma editora administrada por uma escritora, a Casa Lygia
Bojunga firmou-se no mercado editorial e completou quatro anos em
2008.
5
A escritora refere-se às obras: Os colegas (1972) e Angélica (1975).
33
1.1.1 O escritor e seu espaço
As mudanças de posição dentro do campo literário definem a
trajetória social do escritor, compreendida no valor social dos
acontecimentos biográficos, como bem enumera Pierre Bourdieu: ―As
sanções positivas ou negativas, sucessos ou fracassos, encorajamentos
ou advertências, consagração ou exclusão‖, ou seja, a verdade objetiva
da posição que o escritor ocupa (BOURDIEU, 1996, p.293).
Vale ressaltar, dentro da trajetória biográfica de Lygia Bojunga, a
importância dos deslocamentos que a escritora realizou e ainda realiza,
para sua afirmação como escritora e para composição dos cenários de
suas obras.
Podemos constatar três importantes deslocamentos decisivos em
sua vida, dentre outros igualmente significativos: o primeiro, foi o
deslocamento feito com a família do Rio Grande do Sul para o Rio de
Janeiro, a fim de fixar moradia. A residência num polo cultural como a
cidade do Rio de Janeiro irá influenciar definitivamente a vida da menina
Lygia, devido ao acesso fácil a inúmeros eventos culturais de que a
cidade dispõe.
O segundo deslocamento também relevante tratou-se das viagens
feitas pela escritora pelo interior do país, com o projeto As
mambembadas, excursões que proporcionaram à escritora conhecer de
perto as condições de vida do povo brasileiro.
O terceiro marcante deslocamento trata-se da segunda moradia
adotada por Lygia Bojunga por ocasião do seu casamento. Em 1982,
muda-se para a Inglaterra; lá, a escritora montará um estúdio, o ―Crow's
Nest. Ao dividir-se, periodicamente, entre o Brasil e a Inglaterra, a
escritora revelará uma descoberta só percebida quando a distância e a
34
ausência da cultura pátria se fizeram sentir: Foi que eu compreendi
por inteiro que o escritor é cidadão da sua ngua; comecei então a
alternar o meu tempo de Rio; mas não ouvir a minha língua foi ficando
uma penalidade cada vez maior‖.
6
O amor à língua é perceptível nos discursos e recursos linguísticos
utilizados pela escritora em suas obras. A curta distância entre a
linguagem oral e escrita promove uma qualidade estética singular às
obras da escritora, determinando um estilo inconfundível.
Os espaços oriundos dos deslocamentos efetuados pela escritora
vão servir de cenário para efetivamente todas as suas obras ficcionais.
A cidade do Rio de Janeiro aparece em: Os colegas (1998), A casa da
Madrinha (2001c), Corda Bamba (2001d), O sofá estampado (1999),
Tchau (2006a), Nós três (2002a), Fazendo Ana Paz (2002b), Paisagem
(2002c), Seis Vezes Lucas (1997), O abraço (2004), A cama (1999),
Retratos de Carolina (2005b) e Aula de Inglês (2006b). Sua terra natal
está em Fazendo Ana Paz (2002b); e Londres aparece, pela primeira
vez em Retratos de Carolina (2005b), e logo em seguida, em Aula de
Inglês (2006b). Somam-se a esses três espaços fundamentais, as
inúmeras experiências de deslocamentos para recebimento de prêmios
e honrarias, como a viagem a Estocolmo, Suécia, em 2004, em virtude
do prêmio ALMA; ou em Oslo, na Noruega, onde a escritora encontrou a
imagem que ilustraria a capa de sua obra Tchau (2006a):
Uma vez na terra de Munch, não escondi o interesse que eu
sentia pelo pintor (...). Procurei A solitária.(...). Ali estava a
imagem criada pela mão de um pintor, me revelando, em outra
linguagem, o mesmo que a minha mão de escritora tinha
procurado pintar nos meus contos (...). Fui invadida pela
lembrança forte da Rebeca, da Mãe, da Escritora e do Barco
(BOJUNGA, 2006a, p.11).
6
Depoimento de Lygia Bojunga. Disponível em: <http://www.casalygiabojunga.com.br>. Acesso em:
11 dez. 2008.
35
As experiências de deslocamento estão, de uma forma ou de
outra, presentes em suas obras; no entanto, todas recriadas pela ágil
pena bojunguiana. Essas experiências de deslocamento, ou os
movimentos paratópicos, para Dominique Maingueneau, operam
importantes contribuições à temática, às decisões por determinadas
personagens, situações, enquanto proporcionam o enriquecimento
necessário à maturidade cultural da autora.
36
―Eu percorro cada página no meu ritmo de leitora. Allegro. Andante.
Allegro vivace” (BOJUNGA, 2001, p.21).
37
2. LYGIA BOJUNGA E SUAS LEITURAS
"Eu leitora, crio com minha imaginação
todo o universo que vem cifrado nesses
sinaizinhos chamados letras".
(BOJUNGA, 2001e, p.21)
Através da epígrafe acima, é possível perceber que Lygia Bojunga
vê o papel do leitor, não como mero receptor da mensagem de um texto,
mas como sujeito ativo e essencial na efetivação de uma obra literária.
Essa linha de pensamento que confere ao leitor um papel decisivo
na fruição de uma obra literária está ligada aos teóricos da Estética da
Recepção, que teve em Hans Robert Jauss, um de seus principais
idealizadores.
Regina Zilberman, em Estética da Recepção e História da
Literatura, conceitua: ―a estética da recepção apresenta-se como uma
teoria em que a investigação muda de foco: do texto enquanto estrutura
imutável, ele passa para o leitor, o terceiro estado‖, conforme Jauss o
designa, seguidamente marginalizado, porém não menos importante,
que é condição da vitalidade da literatura enquanto instituição social
(ZILBERMAN, 1989, p. 10-11). Ou seja, essa mudança de foco não
exclui a figura do autor, mas ao leitor o reconhecimento do seu papel
dentro de uma abordagem literária.
No texto A Estética da Recepção: colocações gerais", Jauss irá
traçar todo um panorama histórico, a fim de classificar dentro de moldes
38
mais atuais, as funções estéticas: Poíesis, aisthesis e katharsis;
partindo de uma abordagem diacrônica da História da Arte, Jauss revela
a dura tarefa da hermenêutica literária:
Diferençar metodicamente os dois modos de recepção. Ou seja,
de um lado aclarar o processo atual em que se concretizam o
efeito e o significado do texto para o leitor contemporâneo e, de
outro, reconstruir o processo histórico pelo qual o texto é sempre
recebido e interpretado diferentemente, por leitores de tempos
diversos (JAUSS. Apud LIMA, 1979, p. 46).
De acordo com o exposto acima, podemos depreender que o
efeito estaria dessa forma ligado à função poiesis, ou seja, à experiência
da atividade produtiva: ―Designamos por poiesis, compreendida no
sentido aristotélico da faculdade poética, o prazer ante a obra que nós
mesmos realizamos. A aisthesis e a katharsis estariam condicionadas,
respectivamente, à atividade receptiva e comunicativa. A aisthesis
corresponderia, assim a ―recepção prazerosa do objeto estético‖
(Chlovski) ou ―uma contemplação desinteressada da plenitude do
objeto‖. Já a katharsis seria aquele ―prazer dos afetos, capaz de
conduzir o ouvinte ou expectador à transformação‖ (JAUSS. Apud LIMA,
1979, p. 79).
Para tanto, Jauss buscou na história do efeito", de George
Gadamer (1961), os subsídios e pressupostos metodológicos
necessários e fundamentais para a efetivação da sua teoria da recepção,
conforme confessa: Meus ensaios de um novo método histórico da
literatura e da arte, que partiram da primazia hermenêutica da recepção,
foram antecipados pelo estruturalismo de Praga, que desenvolvera o
formalismo russo (JAUSS. Apud LIMA, 1979, p. 48).
Essa busca pela historicidade do texto literário permite a Jauss
resgatar a importância da recepção e interpretação de uma obra em
39
diferentes momentos da História. Porém, será com seu colega,
Wolfgang Iser, que a interação texto-leitor terá o máximo de evidência.
Segundo Regina Zilberman, em Estética da Recepção e História da
Literatura (1989), o leitor será convertido em peça essencial da obra.
Descrevendo a obra literária como uma estrutura de comunicação que a
partir de processos de transformação conduzirá o leitor a uma
constituição de sentido, Wolfgang Iser, em A interação do texto com o
leitor (1979), discorrerá sobre o processo da leitura de um texto e seu
efeito sobre o leitor. Essa relação dual, texto-leitor, será descrita como
interação. Na tentativa de demonstrar como se constitui essa interação,
Iser lançará mão do conceito de perspectivação da realidade, isto é, o
leitor adquire, ainda que momentaneamente, a perspectiva das
personagens e explora experiências desconhecidas.
Jauss propõe uma inversão metodológica na abordagem dos fatos
artísticos: sugere que o foco deve recair sobre o leitor ou a recepção, e
não exclusivamente sobre o autor e a produção. Seu conceito de leitor
baseia-se em duas categorias: a de horizonte de expectativa, misto dos
códigos vigentes e da soma de experiências sociais acumuladas; e a de
emancipação, entendida como a finalidade e efeito alcançado pela arte,
que libera seu destinatário das percepções usuais e confere-lhe nova
visão da realidade (JAUSS. Apud LIMA, 1979, p.49).
Essa função emancipadora da obra literária oferece ao leitor a
possibilidade de mudança. O leitor assume, portanto, o status do leitor-
construtor; uma vez que se deslocará dentro do espaço textual entre
múltiplas possibilidades desde a de narrador, passando pelas
personagens a até mesmo a de leitor fictício. Essa experiência em
perspectivas diversas a esse leitor a possibilidade de transformação,
não mais apenas no espaço textual, mas para a extensão do real. Daí,
40
Lygia Bojunga, ao identificar-se como leitora e assumir sua função de
criadora, revelar-se como co-autora do texto, efetivamente.
Sua epígrafe expõe que seus conceitos literários inserem-se sob
os auspícios dos preceitos defendidos pelos teóricos da recepção. Vale
observar que a Estética da Recepção tem como marco inaugural a
Conferência proferida por Hans Robert Jauss na Universidade de
Constança, na Alemanha, no ano de 1967; e Lygia Bojunga inicia sua
produção literária no início da década de 1970. É provável, pois, que
esse movimento tenha influenciado o modo de criação da escritora,
que a presença da interação com o leitor está tão marcadamente
presente em sua obra. Essa posição de co-autor da obra põe o leitor
diante de uma das três funções estéticas expostas por Jauss. A
concretização de cada uma destas funções: poíesis, aisthesis e
katharsis dependerá diretamente das reações do leitor.
Nas palavras de Regina Zilberman, em Estética da Recepção e
História da Literatura:
O primeiro plano é o da poíesis e corresponde ao prazer de se
sentir co-autor da obra (...). Atribuindo a ela (aisthesis) a
finalidade de renovar a percepção, que sempre foi uma das
funções da arte descobrir novos modos de experiência na
realidade mutável ou propor alternativas a ela (...). Katharsis
como a concretização de um processo de identificação que leva
o espectador a assumir novas normas de comportamento social,
numa retomada de ideias expostas anteriormente (ZILBERMAN,
1989, p.59-57).
Essa citação refere-se, portanto, aos possíveis efeitos que uma
obra de arte é capaz de provocar no espectador; e em se tratando de
obra literária, no leitor. Daí, a arte ter sido diversas vezes, tomada como
subversiva, que pode levar o leitor a sair da passividade e assumir
uma postura mais ativa e participativa.
41
2.1 A descoberta da leitura
Conhecer o leitor que em cada escritor seria, em linhas gerais,
o objetivo de quem opta por investigar as bibliotecas pessoais. Para que
tal abordagem seja possível faz-se necessário voltarmos nossa atenção
ao conceito de influência, ou para os conflitos entre a leitura dos mestres
e os jovens candidatos a escritores.
Segundo Sandra Nitrini, em Literatura Comparada, uma das
acepções de Influência seria o resultado artístico autônomo de uma
relação de contato (...), cujo resultado é uma modificação da forma
mentis e da visão artística e ideológica do receptor (NITRINI, 1997,
p.127). Baseando-nos neste conceito, é que partiremos para averiguar
que obras e que escritores foram relevantes no processo de formação
de Lygia Bojunga como leitora. Assim, será possível, posteriormente,
analisarmos a influência exercida por um desses autores ou obras,
contribuindo, assim, para seu surgimento como escritora.
Portanto, tem-se a oportunidade de observar Lygia Bojunga, não
como emissora de um texto, mas como destinatária deste; suas
impressões sobre obras, autores, personagens; e o efeito que a leitura
de um determinado texto é capaz de provocar. Pretende-se, pois,
revelar como se a relação da escritora, enquanto leitora, com a obra
literária.
A menina Lygia Bojunga iniciou-se no mundo da leitura com as
histórias em quadrinhos. Aos sete anos ganhou de um tio um livro de
histórias infantis que foi direto para o armário e que tempos depois,
devido à insistência do tio, foi retirado do armário e, finalmente, lido:
42
Tirei o livro do armário, tirei a poeira do livro, tirei a coragem não sei de
onde, e comecei a ler (BOJUNGA, 2001e, p.12). Era Reinações de
Narizinho, de Monteiro Lobato. Obra que, segundo a própria leitora, fez
acordar a sua imaginação e tornou-se o seu primeiro grande caso de
amor. O primeiro, de um total de seis. A importância dessa obra na
formação leitora de Lygia Bojunga é de caráter indiscutível. Seu efeito
fora devastador, pois a lançara ao mundo da imaginação, mundo ainda
não experimentado por ela, enquanto leitora de gibis: Esse livro sacudiu
a minha imaginação. E ela tinha acordado. Agora... ela queria imaginar
(BOJUNGA, 2001e, p.13).
Monteiro Lobato, segundo Lygia Bojunga, em Livro: um encontro
(2001e), se tornara leitura obrigatória durante toda a sua infância, e sua
identificação com a personagem Emília fora imediata:
... e aquela gente toda do sítio do Pica-pau Amarelo começou a
virar a minha gente. Muito especialmente uma boneca de pano
chamada Emília, que fazia e dizia tudo que vinha na cabeça dela.
A Emília me deslumbrava! nossa, como é que ela teve coragem
de dizer isso? ah, eu vou fazer isso também!
(BOJUNGA, 2001e, p.13).
A menina Lygia Bojunga habitou, por boa parte de sua infância, o
lúdico mundo lobatiano. A utilização do pronome possessivo minha, na
citação acima, deixa claro esse sentimento de posse; Lygia pertencia
àquele mundo encantado.
O prazer da leitura da ficção lobatiana proporcionou à leitora uma
pluralidade de experiências e emoções necessárias a um ser em
processo de formação. E ela conclui: Eu li; eu experimentei eles todos
(uma porção de Lobatos); eu curti (BOJUNGA, 2001e, p.13).
43
Clássico da Literatura Infantil Brasileira, Monteiro Lobato lançou
sementes inovadoras, quando, em 1921, publicou A menina do
Narizinho Arrebitado. De acordo com Laura Sandroni, em De Lobato a
Bojunga: as reinações renovadas (1987), o autor irá estilhaçar as linhas
que defendiam uma missão pedagógica para a Literatura Infantil.
Segundo Regina Zilberman, em A Literatura Infantil na Escola
(2003), Lobato recusa a posição passiva da criança, fazendo com que
esta adquira uma consciência crítica.
Ricardo Piglia, em O último leitor, ratifica esse discurso: A
literatura faz isso: dá ao leitor um nome e uma história, retira-o da
prática múltipla e anônima, torna-o visível num contexto preciso, faz com
que passe a ser parte integrante de uma narração específica (PIGLIA,
2006, p.25). Eis, portanto, a nossa certeza de que o mundo fictício não é
construído apenas por quem o escreve, mas, primordialmente, por quem
o lê.
2.2 A biblioteca pessoal
Quando o leitor passa a ler a plêiade de seus antecessores, isso
não o obriga a ser, necessariamente, influenciado por todos. Segundo
Sandra Nitrini, em Literatura Comparada, as tradições supõem o
conhecimento, por parte dos escritores, de seus antepassados. Tais
coordenadas não apenas regulam a composição de uma obra, como
também se fazem presentes no processo de leitura. (NITRINI, 1997, p.
138).
44
A leitura, portanto, dos clássicos literários não implica,
necessariamente, em influência dos autores antigos sobre o jovem leitor.
Tratar-se-ia apenas de uma vitalização das tradições. Como assegura
Sandra Nitrini, explicando as diferenças entre tradição e influência:
Mallarmé e Rimbaud foram um alimento essencial para o jovem André
Breton. Mas se um romance recente nos lembra Homero, estamos às
voltas com um conjunto comum de premissas e tradições culturais, mais
do que um te à tête de uma influência (NITRINI, 1997, p.138).
Conclui-se da citação acima que o leitor não é influenciado por
tudo que lê; e dentro das inúmeras obras que compõem sua biblioteca
pessoal, apenas algumas, efetivamente, exercerão e modificarão a sua
forma mentis.
A leitora Lygia Bojunga, após a experiência com as obras
lobatianas, e estando sua imaginação acordada, definitivamente, passou
a preencher sua biblioteca pessoal com seguidas leituras: Eu não parei
mais de ler. Gostava. Não gostava. Gostava mais. Gostava menos.
Namorava um livro daqui. Flertava com outro de (BOJUNGA, 2001e,
p.14). A leitora relata, nesta citação, seu grau de envolvimento com as
obras lidas; estabelecendo uma espécie de escala crescente de acordo
com o seu grau de identificação com a obra. Para isso, utiliza termos,
como: ―flertar, ―namorar, ―casar‖ e, o nível mais intenso de
envolvimento com um autor e/ou obra, seria ter um caso de amor.
Seu primeiro caso de amor, nos foi revelado: trata-se da obra
Reinações de Narizinho (1921), de Monteiro Lobato (1842-1948).
Na adolescência, a leitora Lygia Bojunga apaixonou-se
novamente por dois clássicos da Literatura mundial: Dostoiévski (1821-
1881) e Edgar Allan Poe (1809-1849). Daquele, leu Os irmãos
Karamazov, Recordações da Casa dos Mortos, Humilhados e Ofendidos,
Crime e Castigo. E deste, toda sua coletânea de contos. Dentre as
45
obras citadas uma de Dostoiévski, em especial, causou um efeito
arrebatador na leitora, ou melhor, não foi a obra em si, mas uma
personagem por quem a leitora se apaixonou. Temos na experiência de
Lygia Bojunga, um exemplo vivo do que tanto defendiam os teóricos da
Estética da Recepção: Crime e Castigo. Esse livro foi para mim o
exemplo perfeito do quanto nós, leitores, podemos nos envolver
emocionalmente com um personagem literário (BOJUNGA, 2001e,
p.15).
Quando Harold Bloom, em Como e por que ler, afirma que ler
bem é um dos grandes prazeres da solidão (BLOOM, 2001, p.15), tem-
se a vaga impressão de que a solidão seria a causa que levaria um
dado leitor a procurar a leitura. Lygia nos relata uma experiência inversa
dessa visão, ou seja, a leitura como motivo para buscar a solidão:
E pela primeira vez, em dez anos de leitora, eu tive a noção
(ainda meio vaga) da inquietação que pega a gente quando se
está assim em estado de amor por um livro: aquela coisa aflita
de estar sempre procurando um jeito de ficar sozinha com ele,
só a gente e o livro (BOJUNGA, 2001e, p.15).
A leitora Lygia Bojunga nos demonstra as múltiplas possibilidades
de relação do leitor com aquilo que o escritor produz. O leitor pode,
portanto, interagir emocionalmente com uma personagem, ou mesmo
com a obra completa de um determinado escritor.
Edgar Allan Poe e sua coletânea de contos serão o terceiro caso
de amor de Lygia Bojunga: Eu respirava o Poe me angustiando; me
engasgando até (BOJUNGA, 2001e, p.16). A leitora sente-se atraída
por toda aquela atmosfera fantasticamente opressiva, elaborada pelo
escritor.
Mas, as prateleiras da biblioteca pessoal da leitora Lygia Bojunga
46
não foram preenchidas apenas por obras de autores masculinos; a
escrita feminina fez-se presente com Clarice Lispector (1920-1977),
Cecília Meireles (1901-1964), Jane Austen (1775-1817) e Katherine
Mansfield (1888-1923), escritoras que contavam com a admiração,
encantamento e até mesmo com certa afinidade da jovem Lygia Bojunga.
A leitura desses clássicos foi refinando o gosto de Lygia pela leitura e
tornando a leitora cada vez mais exigente. À medida que ia conhecendo
mais as obras, a leitora Lygia Bojunga foi se dando conta do seu papel
dentro daquele espaço literário:
E foi pensando nisso, me conscientizando disso, que eu dei pra
reclamar um pouco de gente que escreve livro: Tá, tudo bem,
você escreveu um bocado de texto, mas...e as entrelinhas? E as
pausas? Os espaços em branco? As ambiguidades? Sou eu que
fico enchendo aquilo tudo, não é? Eu: leitora. (BOJUNGA, 2001e,
p. 21).
Lygia Bojunga questiona, nesta citação, a ausência dos vazios do
texto. Pois são estes que possibilitam a participação do leitor na
realização da obra. Sobre esses vazios, Wolfgang Iser, no texto ―A
interação do texto com o leitor‖, explica que são eles que jogam o leitor
dentro dos acontecimentos e o provocam a tomar como pensado o que
não for dito. E ressalta:
Daí decorre um processo dinâmico, pois o que foi dito parece
realmente falar quando cala sobre o que censura. Como, no
entanto, o calado é a implicação do dito, é por ele que o dito
ganha seu contorno. Como o calado adquire vida pela
representação do leitor, o dito passa a apresentar um fundo que,
agora, é muito mais significado do que permitiria supor a
descrição do dito (ISER. Apud LIMA, 1979, p.90).
47
Esses espaços em branco aos quais Lygia Bojunga se refere,
indicam os segmentos do texto a serem interligados, preenchidos, a fim
de serem projetados como imagens construídas pelo leitor.
Portanto, pode-se inferir que quanto maior o número de espaços
vazios, maior será a participação do leitor na projeção desses espaços.
Daí, o fato de a leitora questionar e reclamar a presença deles. Ela
deseja ter uma maior e mais efetiva participação na realização da obra.
Podemos tomar uma obra sem espaços vazios como um monólogo
onde o autor fala, cabendo ao leitor a função de apenas ouvir, numa
postura de completa passividade.
Jean-Paul Sartre, em Que é a Literatura?, chama esses ―espaços
brancos‖ de silêncios: ―aquilo que o autor não diz‖ (SARTRE, 1993, p.
38). Seria o inexprimível, o que não é dado pelo autor e que só se
realiza na presença do leitor.
Consciente de seu papel como leitora, Lygia Bojunga chega a
ironizar os excessos de ―não-ditos‖ que cobram uma subjetividade
excessiva do leitor: ―Olha, francamente, eu acho que você tá abusando
da gente: agora é tanta entrelinha pra encher nos livros que você
escreve, que não tem mais imaginação que conta‖ (BOJUNGA,
2001e, p.21).
Nesta citação, a leitora Lygia Bojunga afirma, de forma bem
humorada, que a vivacidade da interpretação e a subjetividade leitora
respondem, na mesma proporção, aos estímulos provocados pela
quantidade de espaços vazios propostos pelo autor; e arremata: ―Eu sou
leitora, logo, eu participo intimamente desse jogo maravilhoso que é o
livro; eu sou leitora, logo, eu crio‖ (BOJUNGA, 2001e, p.22).
Outra informação relevante, que temos a respeito de Lygia
Bojunga, trata-se da sua relação com a obra Cartas a um Poeta (2008),
do escritor Rainer Maria Rilke (1875-1926). Esta obra foi seu quinto caso
48
de amor, uma vez que o seu quarto caso nunca fora revelado, por tratar-
-se, segundo a própria leitora, de um caso vergonhoso em sua vida. Nas
referências que fez a este escritor e obra anônimos, revelou que este
produzia suas obras dentro de um formato padrão, utilizando sempre os
mesmos ingredientes tão apreciados pelo gosto popular. E, assim, feito
receita de bolo, Lygia o descreve:
A tal receita não tinha mesmo nada de original: um tanto de
romantismo (era o ingrediente básico), um tanto de violência,
outro de erotismo (mas parece que ele tinha dificuldade de
encontrar esse ingrediente na forma pura e então acabava
sempre usando um quebra-galho, um tal de pornô), e ele
salpicava suspense, misturava de um jeito meio dele; e servia
sem nem dar tempo de ir ao forno. (BOJUNGA, 2001e, p.18).
A leitora nos mostra, na descrição acima, quais os ingredientes
que entram na composição de um best seller; e assim, de receita em
receita, ela fora lendo todas as obras publicadas pelo famoso autor.
Mas, retornemos a Cartas a um Poeta, de Rilke, que despertou em
Lygia Bojunga a vontade de escrever e lhe revelou que o ―escritor é
aquilo que ele escreve‖, ou seja, para se conhecer bem um escritor, não
se deve buscá-lo em biografias, mas sim nas obras que produziu: ―Pra
mim, Cartas a um Poeta era o Rilke, e o Rilke era Cartas a um poeta
(BOJUNGA, 2001e, p. 22). Essa sensação que a leitora Lygia Bojunga
afirma ter quando a obra de determinado escritor, revela-lhe e a nós,
a impressão de ter sido criada junto com ele, pelo simples fato de passar
a conhecê-lo intimamente.
Essa intimidade, alcançada pela leitora, será estendida a outros
escritores, como: Machado de Assis (1839-1908), Charles Dickens
(1812-1870), Gustave Flaubert (1821-1880), Eça de Queiroz (1845-1900)
49
e Manuel Bandeira (1886-1968). Todos citados em sua obra Livro: um
encontro (2001e).
Nesta mesma obra, a leitora revelará o seu sexto caso de amor,
Fernando Pessoa (1888-1935); mas nos adverte de que não devemos
tomá-lo como o último, ela ainda estaria apta a novos casos. Sobre seu
encontro com a Obra Poética de Fernando Pessoa, ela narra: ―Eu lia, e
me amarrava. E lia mais, e me encantava. E lia me ligando cada vez
mais na riqueza da língua portuguesa que o Fernando Pessoa usava‖
(Ibid. p.28). A leitora nos relata que dezessete anos depois desse
primeiro contato, ela voltaria a Fernando Pessoa; e qual não fora sua
surpresa quando sentira novamente as mesmas sensações das
primeiras leituras. Como se tudo tivesse ficado retido na obra, à espera
de um momento oportuno, como uma releitura, para vir à tona.
Essa sensação provocada por uma obra literária, faz Lygia
Bojunga refletir sobre um aspecto relevante do livro: ―Ele continua a ser
depositário de toda aquela emoção do passado (...). Ele espera pela
gente. Feito coisa que ele sabe que o caso com a nossa imaginação vai
ser tão mágico, tão sem limite, que vale a pena mesmo esperar‖
(BOJUNGA, 2001e, p.29).
Lentamente, Monteiro Lobato, Dostoiévski, Edgar Allan Poe,
Cecília Meireles, Carlos Drummond de Andrade, Machado de Assis,
Jane Austen, Fernando Pessoa, Clarice Lispector, Charles Dickens,
Rainer Maria Rilke foram ocupando as prateleiras da biblioteca pessoal
7
de Lygia Bojunga. A leitura dessas obras e muitos desses clássicos da
Literatura Universal têm uma importância primordial no processo e no
refinamento do gosto pela leitura de Lygia Bojunga.
7
Em entrevista exclusiva (12 Jan 2009), a escritora Lygia Bojunga também citou o escritor
Milton Hatoum (1952- ), como referência de boa literatura. Nas prateleiras de sua biblioteca
pessoal foi possível ler nomes, como: Ariano Suassuna (1927- ) e Cora Coralina (1889-
1985).
50
Muitas dessas obras presentes na biblioteca da leitora Lygia
Bojunga podem, eventualmente, aparecer em suas produções literárias;
refletindo, justamente, tradições culturais absorvidas nos processos de
leitura, mas apenas algumas poucas se tornarão efetivo alimento para o
seu crescimento como escritora. O contato da leitora com essas obras
será percebido, posteriormente, quando Lygia mudar de posição, e
assumir seu papel de escritora. E, então, nos será permitido ouvir por
entre as páginas de suas histórias, as vozes desses escritores que,
efetivamente, marcaram sua experiência com o livro.
2.2.1 O fio que conduz à biblioteca
―É do presente que parte o chamado ao
qual a lembrança responde‖
Henri Bergson
Livro: um encontro (2001e), de Lygia Bojunga, integra juntamente
com Fazendo Ana Paz (2002b) e Paisagem (2002c), a famosa Trilogia
do Livro, pois abordam juntos a relação autor-leitor e todo o processo de
criação de uma obra literária.
Nosso maior interesse em Livro: um encontro está nas importantes
informações que ele nos oferece sobre o processo de formação leitora
de Lygia Bojunga, uma vez que é a própria escritora que vai nos
revelando autores, obras e personagens favoritos.
51
Esse rastreamento das leituras de Lygia Bojunga foi feito em todas
as vinte e uma obras publicadas pela escritora, porém, em apenas três
dessas obras foi possível nos depararmos com a escritora revelando,
claramente, essas informações. Ocorre que das vinte e uma obras
publicadas por Lygia Bojunga até o momento, apenas em Livro, um
encontro (2001e), Feito à mão (2002a) e o Rio e eu (2005a) identifica-se
certa tendência autobiográfica.
Entenda-se por autobiografia o que propõe Philippe Lejeune, em O
pacto autobiográfico: ―Narração retrospectiva em prosa que uma pessoa
real faz de sua própria existência, pondo o acento sobre sua vida
individual, e em particular sobre a história de sua personalidade‖
(LEJEUNE. Apud GARCIA, 2006, p.38).
Portanto, para que exista autobiografia é preciso que a identidade
do autor, do narrador e da personagem sejam coincidentes. É o que
ocorre com as três obras às quais nos referimos.
Outro ponto relevante trata do lugar e da função desses textos
autobiográficos no conjunto da obra da escritora. Lygia Bojunga, numa
afirmação análoga ao que é defendido por Philippe Lejeune, afirmara
em Livro: um encontro (2001e), que o escritor é aquilo que ele escreve.
Numa carta ao leitor, intitulada ―Pra você que me lê‖, em Feito à mão
(2001f), e que mais parece um capítulo à parte, dada a quantidade de
páginas superar o número de trinta, Lygia Bojunga reafirma: ―E assim,
um dia desses, quando você entrar numa livraria qualquer, é possível
que você encontre o Feito à mão por lá. É também possível que você
saia da livraria me abraçando (ele sou eu, não é?) (BOJUNGA, 2001f,
p.38).
Com Philippe Lejeune, podemos aproximar o posicionamento
colocado por Lygia Bojunga à teoria dos espaços autobiográficos.
Segundo o teórico, ―o leitor é assim convidado a ler os romances, não
52
somente como ficção, mas também como fantasmas reveladores de um
indivíduo‖. Isso é possível, porque se acredita que o romance seria mais
verdadeiro, mais profundo e mais autêntico que a autobiografia, ou seja,
se quisermos realmente conhecer um escritor não deveríamos, em tese,
determo-nos somente em sua biografia; pois, neste caso, só saberíamos
dele aquilo que ele se dispôs a nos contar. Devemos, pois, ler toda sua
produção literária, pois será lá que, efetivamente, o encontraremos.
8
De acordo com Ecléa Bosi, em Memória e Sociedade, ―a memória
aparece como força subjetiva ao mesmo tempo profunda e ativa, latente
e penetrante, oculta e invasora‖ (BOSI, 1994, p.09). Vejamos que,
embora poética, a definição de Lygia Bojunga sobre o uso da memória
assemelha-se à de Ecléa Bosi:
Às vezes, numa noite de insônia, num embalo de rede, numa
viagem de trem, eu gosto de dar linha pra minha memória.
pra ficar vendo até onde é que ela vai. Aqui e ali dou um puxão
na linha, pra ver se a memória volteia bonito pra mais e mais
longe. E uma vez, num desses puxões, a minha memória
chegou o mais longe que eu já consegui fazer ela voar: eu me vi
aos quatro anos. (BOJUNGA, 2001f, p.43).
Numa dessas voltas ao passado, em Feito à mão (2001f), a
escritora relembra o episódio de suas viagens pelo interior do Brasil,
onde encenava sua obra Livro: um encontro (2001e). Este projeto
recebeu o nome de Mambembadas. Ao relatar o que a influenciou, Lygia
Bojunga nos revela uma informação importante:
Chamei de Mambembadas essas viagens que eu fiz pelo Brasil,
quando estudei a história do teatro, de saída eu simpatizei com
8
Sugerimos o uso da expressão Trilogia Autobiográfica para as obras: Livro: um encontro (2001e),
Feito à mão (2001f) e O Rio e eu (2005a) por serem recortes de momentos significativos da vida de
Lygia Bojunga.
53
os atores mambembes; e uma das peças que eu mais gostei de
ver em cena foi, justo, O Mambembe, de Artur Azevedo, onde
ele retrata a vida desses atores que se embrenham pelo país
adentro, levando de cidade em cidade o seu modesto fazer
teatral. (BOJUNGA, 2001e, p.94).
E assim, sua memória nos leva a conhecer mais um escritor da
sua biblioteca pessoal, Artur Azevedo (1855- 1908). Outros dois serão
revelados na terceira obra da Trilogia autobiográfica, O Rio e eu (2005a).
Lembrando de sua juventude e de sua paixão pelo teatro, Lygia irá
relatar-nos o dia em que participou de uma seleção de atores para o
Teatro Duse. Os candidatos deveriam representar dois trechos de duas
obras literárias: ―Fui direto na estante pegar o Lorca
9
(García Lorca foi
sempre um dos meus poetas mais amados). Meu dedo folheou
rapidinho o livro até encontrar A las cinco de la tarde (...). Eu sabia
que a outra poesia ia ser a Nega Fulô, do Jorge
10
.‖ (BOJUNGA, 2005a,
p.62-63).
Dessa forma, o fio que leva a escritora a rememorar seu passado
nos conduz às estantes de sua biblioteca, lançando um feixe de luz nos
estreitos caminhos que nos levam a traçar um mapa de suas leituras.
Através de imagens figurativas, como um fio que puxa suas
lembranças das profundidades de sua mente, Lygia Bojunga vai nos
contando fatos vividos que expressam toda sua relação com o mundo e
consigo mesma, traçando, para seus leitores, um mapa da sua formação
e experiência de vida.
O caminho, percorrido do presente ao passado, segue trilhas
proustianas, pois sempre um lugar, uma pessoa ou um
acontecimento que desencadeiam ou despertam suas lembranças,
outrora adormecidas e esquecidas.
9
Federico García Lorca (1898 1936).
10
Jorge Mateus de Lima (1893 1953).
54
2.3 A força dos antigos
Lygia Bojunga publicou até o momento vinte e uma obras literárias.
Dentro dessa extensa coletânea há, sem dúvida, inúmeras relações
intertextuais, como citações, alusões bibliográficas e referências que vão
desde o Romantismo alemão às tendências contemporâneas.
Estabelecer aproximações e diferenças entre os textos de Lygia
Bojunga e os desses escritores será nosso foco neste tópico, ―A força
dos antigos‖, numa menção às questões de influência e apropriação.
Sandra Nitrini, em Literatura Comparada, cita Paul Valéry (1871-
1945) e sua compreensão do que seriam os estudos sobre Influência: ―O
estudo de influências é a pesquisa de semelhanças escondidas,
consiste no contato misterioso de dois espíritos ou na dívida de um autor
para com outro‖ (NITRINI, 1997, p.133). Paul Valéry ainda detectou
outros três tipos de influência: ―a influência exercida sobre a posteridade,
que determina em grande parte o valor da própria obra emissora seria a
chamada Fortuna Crítica; a influência que o autor exerce sobre si
mesmo; e a influência por reação, ou seja, a recusa da influência. (Ibid.
p.133). Essa recusa da influência é justamente o tema de estudo de
Harold Bloom, em A angústia da Influência (1991). Nesta obra, Bloom
afirma que recusar uma influência é um meio de sofrê-la. Os caminhos
da compreensão da ―força dos antigos‖ atravessam ―semelhanças
escondidas‖, ―contato misterioso‖, ou sofrimento, através da recusa de
aceitá-los ou de enfrentá-los, edipianamente, ou não:
Ibsen detestava, mais talvez que qualquer outro, a influência,
sobretudo porque seu autêntico precursor foi Shakespeare,
muito mais que Goethe. Esse horror à contaminação por
Shakespeare felizmente encontrou sua melhor expressão
55
ibseniana nas múltiplas formas que o dramaturgo norueguês
descobriu para fugir de Shakespeare. (BLOOM, 1991, p.25).
Entendemos que a influência é um fato, aceitá-la ou recusá-la vai
depender do temperamento e personalidade de cada poeta ou escritor.
Nesse embate, o poeta sucessor busca desviar-se das influências de
seu precursor, esse desvio gera o novo na criação; e, daí, nasce a
originalidade.
Harold Bloom afirma que ―o poema forte é a angústia realizada‖
(BLOOM, 1991, p.23), ou seja, a angústia do predecessor, tomada pela
sensação de endividamento deste com aquele que o antecedeu, seria a
força motriz para que o jovem escritor busque superar seu mestre; pois
dessa relação conflituosa entre precursor e sucessor é que surgiriam as
grandes obras.
Enquanto Harold Bloom emprega as noções de endividamento e
conflito do antecessor em relação ao seu precursor; Jorge Luis Borges
(1899- 1986) desloca esse ângulo de observação ao afirmar que cada
escritor cria seus precursores, abalando completamente antigas noções
de dívida. De acordo com a visão borgiana da influência, se os poetas
precursores estão presentes nas obras de seus sucessores, estão
unicamente, porque seus sucessores os trouxeram, dando-lhes luz e
vida.
A produção literária de Lygia Bojunga está cheia de vida; e
inúmeras vozes ressoam em cada um dos seus textos. A influência é
fato e pode gerar conflitos, mas a escritora não nos parece atormentada.
Através de suas entrevistas, é possível perceber uma escritora que
soube lidar com esses conflitos de influência.
É possível que Lygia Bojunga possua uma visão borgiana em
relação aos escritores que a antecederam, que sempre reconhece e
56
exalta a importância que muitos deles tiveram em seu processo de
formação enquanto leitora.
O fato de a escritora não recusar a influência dos antigos não a
impede de tentar superá-los para consolidar um estilo próprio e singular.
Reconhecer a força de seus antecessores é o primeiro passo na
tentativa de conquistar sua autonomia.
2.3.1 Vestígios de leitura
As obras citadas, até o momento neste trabalho, foram retiradas
das três produções autobiográficas
11
de Lygia Bojunga, portanto, são
autores e livros que chegam ao nosso conhecimento porque a escritora
assim o quis. A partir de agora, no entanto, as obras, autores e
personagens que nos forem apresentados serão resultado de um
trabalho de rastreamento intertextual.
Entenda-se intertextualidade como o conceito defendido por Julia
Kristeva, em 1966, a partir de estudos sobre dialogismo de Mikhail
Bakhtine (CARVALHAL,2003, p.73). Segundo Kristeva, intertextualidade
seria a propriedade do texto literário, que se constrói como mosaico de
citações, como absorção e transformação de outro texto.
Portanto, um texto seria composto de vários outros textos, numa
espécie de ―diálogo de várias escrituras‖. Tânia Carvalhal, em O próprio
e o alheio, expõe-nos a importância das investigações intertextuais e as
define como: ―sinônimo das relações que um texto mantém com um
11
Livro, um encontro (1988), Feito à mão (1996) e O Rio e eu (1999).
57
corpus textual pré ou coexistente‖ (CARVALHAL, 2003, p.74); seriam os
intertextos ―conjunto de textos que se pode aproximar daquele que
temos sob os olhos, o conjunto de textos que encontramos na memória
de uma dada passagem‖ (Idem, p.75).
E o texto que temos sob nossos olhos é a obra completa,
composta de vinte e um livros da escritora Lygia Bojunga. A primeira
citação de um texto e seu autor na obra de Lygia Bojunga aparece em
1980, com a publicação de O sofá estampado; lá, a professora do tatu
Vítor anuncia que o objeto de estudo dos alunos naquele dia se a
poesia da escritora Cecília Meireles (1901- 1964) e pede a Vítor que
recite ―O último andar‖. O poema começa a ser recitado: ―No último
andar é mais bonito/ do último andar se vê o mar/ É lá que quero morar‖.
(BOJUNGA, 1999, p.22); mas a timidez de Vítor o impede de terminar,
um engasgo seguido de uma tosse prolongada o interrompem de vez.
Em Fazendo Ana Paz (2002b), uma passagem do texto que
tomamos como referência os poemas ―Mulher ao espelho‖ e ―O retrato‖,
de Cecília Meireles. Seguem-se os poemas na íntegra para que se
possa perceber que tipo de relação se estabelece entre eles e o texto
bojunguiano:
58
A mulher diante do espelho dá-se conta das mudanças que o
tempo operou não só em sua aparência como também em sua alma. Em
―O retrato‖, a voz poética igualmente se dá conta da transformação
ocorrida, ao contemplar em um retrato de sua juventude, todo o viço e
jovialidade que outrora estamparam seu rosto.
Esses poemas encerram questões que tratam da fugacidade e
efemeridade do ser humano diante da vida. A mulher diante do espelho
contempla sua imagem presente, a mulher em ―O Retrato‖ contempla
Mulher ao espelho
Cecília Meireles
Hoje que seja esta ou aquela,
pouco me importa.
Quero apenas parecer bela,
pois, seja qual for, estou morta.
Já fui loura, fui morena,
já fui Margarida e Beatriz.
Já fui Maria e Madalena.
Só pude ser como quis.
Que mal faz, esta cor fingida
do meu cabelo, e do meu rosto,
se tudo tinta: o mundo, a vida,
o contentamento, o desgosto?
Por fora, serei como queira
a moda, que me vai matando.
Que me levem pele e caveira
ao nada, não me importa quando.
Mas quem viu, tão dilacerados,
olhos, braços e sonhos seus
e morreu pelos seus pecados,
falará com Deus.
Falará coberta de luzes,
do alto penteado ao rubro artelho.
Porque uns expiram sobre cruzes,
outros, buscando-se no espelho.
O Retrato
Cecília Meireles
Eu não tinha este rosto de hoje,
Assim calmo, assim triste, assim magro,
Nem estes olhos tão vazios,
Nem o lábio amargo.
Eu não tinha estas mãos sem força,
Tão paradas e frias e mortas;
Eu não tinha este coração que nem se
mostra
Eu não dei por esta mudança,
Tão simples, tão certa, tão fácil:
- Em que espelho ficou perdida
A minha face?
MEIRELES, Cecília. Flor de poemas. Rio de
Janeiro: Ed. Record, 1998.
59
sua imagem passada; em ambas tristeza e descontentamento por se
sentirem devastadas pelas ações do tempo. A mulher em ―O retrato‖
acaba por indagar-se: ―Em que espelho ficou perdida a minha face?‖.
Nesse trecho de Fazendo Ana Paz (2002b), Lygia Bojunga
estabelecerá uma espécie de diálogo entre a personagem Ana Paz e o
espelho que está diante dela, e este não deixará perguntas sem
respostas:
Com essa vista meio ruim que eu tenho agora eu quis ver
bem de perto o que o espelho tava me mostrando. Nossa! não
era nenhuma maravilha. Mas pareceu que ele não estava se
incomodando. Olhei bem. É, ele parecia contente da gente estar
ali se encontrando. E aí ele fez questão de me contar tudo que
ele tava achando de mim. Tintim por tintim. Demorou, é claro.
Cada mancha, cada sinal, cada ruga, a minha história tá toda na
minha cara, e ele quis ir me contando cada capítulo dela, sem
pressa nenhuma-nenhuma. Me contou até que eu tinha fio de
cabelo preto, ! o que que esse fio ainda anda fazendo aqui?.
(BOJUNGA, 2002b, p.30-31).
A personagem Ana Paz também tem a oportunidade de
contemplar-se diante do espelho. Sua idade não é tão jovem pelo que
se pode perceber; porém, o encontro com o espelho e com a ―verdade‖,
faz-se menos dolorido. Percebe-se que a personagem bojunguiana
encara a chegada da velhice
12
de uma forma mais otimista que as
personagens cecilianas.
em 2006, Lygia Bojunga publica Sapato de Salto, nesta nova
obra, a escritora vai tratar de questões como o abuso sexual de
menores, a prostituição e o homossexualismo. Personagens como
12
Essa valorização do velho ou da velhice é temática recorrente na obra de Lygia Bojunga. Em
Angélica (2001a), o elefante Canarinho tem que aprender a lidar com seus primeiros sinais de velhice.
Em A bolsa amarela (2001c), o avô de Lorelai é ativo e estuda, o que faz a personagem afirmar: ―Ele
é velho por fora. O pensamento dele sempre novo‖ (BOJUNGA, 2001c, p. 99). Em O sofá
estampado (1999), temos a avó de Vítor, ativa e participante na luta em favor da preservação do meio
ambiente.
60
Sabrina, Andrea Doria, tia Inês e Dona Gracinha vão preencher, com
seus dramas e histórias de vida, esse novo espaço criado por Lygia
Bojunga. Segundo a própria escritora, em entrevista publicada pelo site
do Banco do Brasil (2006)
13
, essa obra estaria voltada para um público
mais adulto ou ―para adolescentes que tenham bastante intimidade
com os livros‖, por tratar-se de histórias de personagens que lidam com
permanentes conflitos sexuais, amorosos e familiares.
A obra esrepleta de cenas fortes como o relato do suicídio da
mãe da pequena Sabrina. A cena nos remete à forma como a escritora
inglesa Virgínia Woolf (1882- 1941) pôs fim à sua vida:
-Você disse que eu tenho mãe.
-Tem não: teve.
-Que fim ela levou?
-Afundou no rio.
Sabrina parou de estalo. Olhou pra tia Inês:
-Se afogou??
-A tia Inês fez que sim:
-Abraçada com uma pedrona.
-Com quem?
-Com uma pedra grande. O olho da Sabrina cresceu. Pra
afundar mais depressa - a tia explicou.
(BOJUNGA, 2006c, p.40).
Trata-se de uma referência a um fato biográfico da vida de uma
escritora que Lygia Bojunga admira; e que recriou para uma de suas
personagens.
Outra referência presente nesta mesma obra, assemelha-se à
Crônica de uma morte anunciada (1981), de Gabriel García Márquez
(1928- ); o narrador, logo no início da narrativa, anuncia a morte do
jovem Santiago Nasar e quem é seu assassino: ―No dia em que o
13
Disponível em: <http://www.bb.com.br>. Acesso em: 03 Nov 2006.
61
matariam, Santiago Nasar levantou-se às 5h 30m da manhã para
esperar o navio que chegava do bispo ‖ (MÁRQUEZ, 1981, p. 09).
Ambas as narrativas aproximam-se pelo fato de o narrador
anunciar com antecedência a morte de uma das personagens. O que as
diferencia seria o fato de que em Crônica de uma morte anunciada,
todas as outras personagens saberem que Santiago Nasar irá morrer.
em Sapato de salto (2006c), o narrador anuncia o assassino, mas
apenas o leitor toma conhecimento do fato, nada podendo fazer para
evitar a fatalidade. Em Sapato de Salto, o episódio da morte da tia Inês,
inicia-se assim:
O assassino entrou, sentou e perguntou pela tia Inês (...).
Quando (Tia Inês) deu de cara com o Assassino, parou num
susto. Ficaram se encarando. (...) num gesto rápido, o Assassino
agarrou a mão que segurava a arma, desviou ela pra tia Inês e,
de dedo comandando o gatilho, disparou uma, duas, três vezes.
(BOJUNGA, 2006c, p.140).
O suspense presente nessas narrativas, não está no fato de se
descobrir quem é ou são os assassinos, uma vez que estes foram
revelados. Trata-se, pois, de descobrir como e em que momento se dará
a tragédia anunciada: ―Os homens que o matariam tinham dormido nos
assentos, apertando no regaço as facas embrulhadas em jornal
(MÁRQUEZ, 1981, p.25).
Resta ao leitor acompanhar passo a passo os últimos momentos
de vida da personagem-vítima, nada podendo fazer para modificar o
desfecho; cabendo-nos, apenas, aceitar resignados tal fatalidade.
Obras como essas, trabalham no leitor, uma importante função da
Literatura, a ―educação para o fado‖, expressão usada pelo escritor
italiano Umberto Eco (1932- ), em artigo publicado no jornal Folha de
São Paulo:
62
Creio que a educação para o fado e para a morte é uma das
principais funções da literatura. (...) O leitor deve aceitar essa
frustração e, por meio dela, sentir o tremor ante o Destino. (...) A
beleza de Guerra e Paz está em que a agonia do príncipe
Andrea termine com a morte, por mais que essa morte nos
desagrade. (ECO, 2001, p.12-14).
Trata-se, portanto, de permitir ao leitor a experiência de
impossibilidade da mudança, por mais que essa experiência nos
contrarie.
Outra referência trata do homossexualismo abordado na relação
das personagens Joel e Andrea Doria; e exposto com uma citação de O
retrato de Dorian Gray (2000), de Oscar Wilde (1854- 1900), pela
personagem Joel:
O Joel se aproximou com ar displicente, livro na mão. Sentou
muito mais junto do Andrea Doria do que era preciso sentar;
abriu muito mais aberto o livro do que era necessário abrir,
ajeitou com exagero os óculos que não era preciso ajeitar, e leu
em voz alta: Anos atrás, quando eu era um garoto, disse Dorian
Gray amassando uma flor em sua mão, você me conheceu, me
adulou e me induziu a ser vaidoso da minha beleza. (BOJUNGA,
2006c, p.189).
Nessa cena de leitura, podemos tomar por analogia a sedução de
Dorian Gray por Lord Henry, como a mesma de Andrea Doria por Joel. A
semelhança entre os nomes Dorian e Doria não deve ser ignorada, pois
os nomes remetem a uma situação comum vivida por personagens,
ambos jovens e seduzidos por homens mais experientes.
14
Igualmente de 2006, é Aula de Inglês, nela aparece a última
citação explícita de uma de suas personagens. Trata-se do momento em
14
Em entrevista exclusiva (12 Jan 2009), a escritora Lygia Bojunga revelou não ter atentado para a
semelhança dos nomes das personagens: Doria e Dorian.
63
que a personagem Teresa Cristina é presenteada por seu Professor de
Inglês com um livro:
-Ganhei este livro quando tinha a sua idade (...).
Ela leu em voz alta:
-Cartas a um jovem poeta. Rainer Maria Rilke.
- Estas cartas alimentaram muito não o jovem poeta para
quem o Rilke escreveu, mas milhares de outros jovens, de todas
as idades, pelo mundo afora. (BOJUNGA, 2006b, p.131).
Nesta última afirmação do Professor, podemos incluir também a
própria Lygia Bojunga, que Cartas a um jovem poeta, lido em sua
juventude, despertara-lhe do mesmo modo o desejo de tornar-se poeta:
―Eu hoje me pergunto se o meu grande envolvimento com as Cartas foi
porque eu me identifiquei com a apologia da solidão que o Rilke faz
nesse livro, ou se foi por andar alimentando um desejo de ser poeta
também‖ (BOJUNGA, 2001, p. 22).
Dentre os inúmeros temas sobre os quais Rilke discorre em suas
cartas, em uma correspondência datada de 17 de fevereiro de 1903,
Rilke aconselha Franz Kappus
15
a voltar-se para si mesmo, caso este
realmente desejasse descobrir sua natureza artística: ―Pois o criador
tem que ser um mundo para si mesmo e encontrar tudo em si mesmo‖
(RILKE, 2008, p. 27).
Trata-se, pois, da apologia da solidão a qual Lygia Bojunga se
refere, uma vez que através do isolamento e de um olhar voltado
para dentro de si mesmo, seria possível ampliar, suficientemente, a
solidão que habita no homem, e transformá-la em morada definitiva. A
solidão seria, pois, a morada do poeta.
15
Leitor de Rilke e aspirante a poeta. Trocou correspondência com Rilke de 1903 a 1908. Três anos
após a morte de Rilke, Franz Kappuz decidiu publicar o conteúdo das cartas por considerá-las
pertinentes à humanidade.
64
Corda bamba, premiadíssima obra de Lygia Bojunga, publicada
em 1979; encenada no Brasil, Alemanha e Holanda e também filmada
pela TV sueca, trata da história da personagem Maria. Nesta narrativa
há um trecho que nos leva imediatamente ao conto ―Fita verde no
cabelo‖, de João Guimarães Rosa (1908- 1967): ―Viu Maria sentar na
cadeira e tirar uma fita verde do bolso; o cabelo dela era comprido, ela
amarrou ele bem, fazendo um rabo de cavalo‖ (BOJUNGA, 2001d, p.42).
A semelhança entre os dois textos está no fato de que as
personagens, além de muito jovens, precisarem enfrentar seus medos,
dentre eles, a morte:
Demorou, para dar com a avó em casa, que assim lhe
respondeu, quando ela, toque, toque, bateu:
Quem é?
Sou eu… e Fita-Verde descansou a voz. Sou sua linda
netinha, com cesto e pote, com a fita verde no cabelo, que a
mamãe me mandou.
Vai, a avó, difícil, disse: Puxa o ferrolho de pau da porta,
entra e abre. Deus te abençoe.
Fita-Verde assim fez, e entrou e olhou.
A avó estava na cama, rebuçada e só. Devia, para falar
agagado e fraco e rouco, assim, de ter apanhado um ruim defluxo.
Dizendo: Depõe o pote e o cesto na arca, e vem para perto de
mim, enquanto é tempo.
Mas agora Fita-Verde se espantava, além de entristecer-se
de ver que perdera em caminho sua grande fita verde no cabelo
atada; e estava suada, com enorme fome de almoço. Ela
perguntou:
Vovozinha, que braços tão magros, os seus, e que mãos
tão trementes!
65
É porque não vou poder nunca mais te abraçar, minha
neta… – a avó murmurou.
Vovozinha, mas que lábios, aí, tão arroxeados!
É porque não vou nunca mais poder te beijar, minha
neta… – a avó suspirou.
Vovozinha, e que olhos tão fundos e parados, nesse rosto
encovado, pálido?
É porque não estou te vendo, nunca mais, minha
netinha… – a avó ainda gemeu.
Fita-Verde mais se assustou, como se fosse ter juízo pela
primeira vez. Gritou: Vovozinha, eu tenho medo do Lobo!…
Mas a avó não estava mais lá, sendo que demasiado
ausente, a não ser pelo frio, triste e tão repentino corpo.
ROSA, João Guimarães. Ave, palavra. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1988.
O narrador do conto nos relata que a menina, ao sair de casa,
amarrara uma fita verde inventada no cabelo. Podemos tomar essa fita
verde‖ com um objeto simbólico que marca o momento em que a
menina viaja para dentro de si e de sua imaginação. Durante seu
deslocamento até a casa da avó, a menina sente-se, apesar de sozinha,
feliz e segura. Não o que temer: ―Daí, que, indo, no atravessar o
bosque, viu só os lenhadores, que por lá lenhavam; mas o lobo nenhum,
desconhecido nem peludo‖. Porém, na chegada à casa da avó, a
menina percebe que perdera a fita verde; estava de volta à realidade e
aos seus medos. E o penúltimo parágrafo revela seu confronto com o
medo maior, a morte, representada pela forte afirmação: -Vovozinha, eu
tenho medo do lobo!
Em busca de também enfrentar seus medos e lidar com a morte
de seus pais, é que a personagem Maria, ―de fita verde no cabelo‖,
fugirá todas as noites, para o oitavo andar do prédio vizinho,
equilibrando-se apenas numa corda.
66
As duas personagens tomam a mesma atitude diante do
enfrentamento de seus medos, quando o mundo real torna-se
demasiado doloroso e inseguro, apegam-se à imaginação que as lança
num mundo interior, onde os medos não alcançam.
As referências ao escritor mineiro não param por aí, em uma carta
ao leitor, Pra você que me lê, publicada na obra Tchau, a escritora
afirma: ―Quantas vezes se disse, não é mesmo, que inspiração é
sinônimo de trabalho, e mais trabalho, e mais trabalho‖ (BOJUNGA,
2006a, p. 13). Este discurso, sobre o fazer literário, nos remete
diretamente a Guimarães Rosa, o autor questionado sobre o seu gênio
criativo revela que este seria fruto de muito trabalho: ―Genialidade,
sei...Eu diria: trabalho, trabalho e trabalho‖.
16
Trata-se, portanto, de dois escritores que encaram o processo de
criação de uma obra literária de forma semelhante, ou seja, tomam o
trabalho como fonte da criação, estando a riqueza literária diretamente
relacionada ao trabalho exigido em sua elaboração.
Sabemos que a intertextualidade ocorre no diálogo de um texto
com outro, mas o que dizer de uma obra que recupera não apenas um
autor ou obra do passado, mas sim, todo um movimento literário? Que
dizer de uma escritora que, em pleno século XXI, produz uma obra
literária levando em conta inúmeras características fundamentais do
Romantismo alemão?
Em Nós três (2002a), vamos encontrar acontecimentos que
abordam temas, como: Amor, Morte, Sonho e Reflexão.Temáticas que
expõem uma concepção de mundo ligada ao romantismo. Essa
afirmação é ratificada através da ação e do discurso das próprias
personagens.
16
Entrevista concedida a Günter Lorentz, em Gênova, janeiro de 1965. Integra a coletânea
organizada por Eduardo Coutinho, publicada pela Ed. Civilização brasileira, 1991.
67
As circunstâncias de um encontro inesperado, o desenrolar do
conto e seu desfecho apresentam elementos que guardam relação com
o romance Heinrich Von Ofterdingen, do escritor alemão Novalis (1772-
1801). Esse escritor foi um dos mais importantes representantes do
romantismo alemão em finais do século XVIII, e o criador da Flor azul,
um dos símbolos mais duráveis do movimento romântico.
Nesse romance, a personagem principal Heinrich, um poeta
medieval, após sonhar com uma flor azul, sai pelo mundo em busca de
encontrá-la. Essa flor azul, símbolo do romantismo, passou a
representar, segundo Karin Volobuef, em Frestas e arestas: a prosa de
ficção na Alemanha e no Brasil, a perene insatisfação imanente ao
romantismo alemão: ―... a flor azul, entretanto, é aquilo que todos
procuram, mesmo sem o saber, quer o chamemos de Deus, eternidade,
amor, eu ou tu‖ (Huch, 1951, p. 283. Apud VOLOBUEF, Karin, 1999,
p.46).
A escritora Lygia Bojunga inicia Nós três com a seguinte cena: ―A
Rafaela sai de casa e vem beirando a salina... Entra no coqueiral. Pára.
De tanto coqueiro assim junto, dentro está meio escuro, vai ver é
melhor voltar? Mas o olho longe a Flor Azul‖
(BOJUNGA, 2002a, p. 09). Após o encontro da menina com a flor azul,
segue-se o relato de uma lenda por um velho pescador que consertava
sua rede de pesca na praia:
Contou que a Morte andava a cavalo (...). Aonde ela passava o
vento grande levantava (...). Contou que no coqueiral tinha uma
folhagem rasteira que dava uma flor azul. A flor era grande e
bonita: guardava dentro dela o Amor. Contou que a Morte
adorava essa flor, quando via ela de longe gritava pro cavalo,
não pisa naquela flor que ela é minha! E o cavalo não pisava.
(BOJUNGA, 2002a, p. 09).
68
Vale ressaltar que durante o predomínio da estética classicista, os
contos, mitos e lendas tiveram seu valor bastante diminuído; foi com o
movimento romântico que essas narrativas foram valorizadas. De
acordo com Karin Volobuef: ―O manifesto interesse dos românticos pelo
conto de fadas é uma reação ao furor racionalista do período iluminista
que, no intuito de banir da face da terra as crendices e superstições,
execrara toda forma de magia, em consequência também o conto de
fadas‖ (VOLOBUEF, 1999, p.52). A figura do velho contando a história
da Morte e da Flor azul para a menina pode ser interpretada por nós,
leitores, como um resgate daquela antiga tradição de se transmitir
oralmente os contos às crianças: ―Quando falamos em contos de fadas
popular, referimo-nos às narrativas de cunho mágico ou encantado, que
durante séculos foram transmitidas oralmente pelos camponeses
europeus nas horas de lazer ou durante a realização de trabalhos
manuais‖ (Ibid. p.52).
Rafaela colhe a flor após enfrentar uma forte ventania. A flor azul,
portanto, estaria materializando o Amor; porém, podemos interpretar o
acontecimento como um presságio muito ruim, que a menina colhe a
flor preferida da Morte. O leitor é, com isso, alertado de que a morte
ronda o conto. Rafaela encontra na praia um desconhecido chamado
Davi e com ele faz amizade, essa amizade será selada com a flor azul a
ele ofertada pela menina.
Nos moldes dos heróis românticos alemães, Davi (anagrama de
vida) essempre viajando e não consegue mais adaptar-se à rotina
cotidiana, pois anseia sempre por novos e diferentes horizontes: ―Não é
dormência não, é um jeito de dizer que o queria andar, ir pra estrada
de novo, mudar! De tanto viver feito cigano eu tinha habituado e
comecei a achar muito chato ficar sempre no mesmo lugar‖ (BOJUNGA,
2002a, p. 14).
69
Karin Volobeuf afirma que a alma romântica é ―por demais inquieta
para ter sucesso em adaptar-se a um estilo de vida mais doméstico‖
(VOLOBUEF, 1999, p.134). Davi vai, então, viver uma paixão com
Mariana, amiga de Rafaela, e durante algum tempo tudo irá transcorrer
tranquilamente e em perfeita harmonia. E embora a paz e o sossego da
vida doméstica lhe pareçam atraentes, ele não se contenta com essa
felicidade doméstica: ―Não, eu quero te dizer...que eu tenho mesmo que
ir embora. Uma hora dessas. Pode ser uma hora que você esteja
dormindo ou...sei lá...‖ (BOJUNGA, 2002a, p. 42).
Através de uma imagem bastante forte, narrada pela voz da
personagem Davi, acompanhamos uma metáfora do que seria sua
relação com Mariana, e aí temos mais um prenúncio de fatalidade:
O passarinho ficou preso na teia; se enredou, se enrolou. A
aranha foi rapidinho pra perto dele, e foi fazendo mais teia e foi
fazendo mais fio e foi passando o fio pra cá, pra lá, pra cima, pra
baixo, enredando o passarinho, enredando, enrolando,
enrolando, e ele já não mexia a asa e ele já não puxava a pata e
ele já não abria o bico, e ela sem parar, sem descansar, fazendo
ele cada vez mais prisioneiro, mais prisioneiro. (BOJUNGA,
2002a, p. 40).
O trabalho laborioso da aranha permite que os leitores apreendam
certa crueldade em paralisar o passarinho, tido como exemplo de
movimento e de liberdade. O pequeno pássaro é fatalmente preso na
bem constituída teia. Karin Volobeuf, acerca da alma dos românticos,
nos relata que esta é estabelecida pelo movimento: ―Suas palavras-
chave são liberdade e transformação, não paz ou sossego‖ (VOLOBUEF,
1999, p.132).
No desfecho do conto, Davi é morto por Mariana que não aceita a
partida do seu amado; e, nesse momento, há um perceptível domínio do
onírico, pois a menina Rafaela vai lidar com seus medos, com sua
70
tentativa de compreender o que aconteceu e sua vontade de reencontrar
Davi. O sonho será a ponte que permitirá esse acesso, esse contato
cortado tão trágica e repentinamente:
Quando o medo dormiu, ela se levantou e partiu pro fundo do
mar pra ir buscar o Davi (...), a Mariana tinha chegado primeiro e
estava levantando a teia pro Davi se libertar (...). A Mariana se
ajoelhou e ofereceu uma flor pro Davi. Era a Flor Azul. A Rafaela
quis gritar; que a voz não saía. Foi correr; mas o não
levantou. (Por que será que estava tudo acontecendo em
câmera lenta?). (BOJUNGA, 2002a, p. 69).
Através do sonho, a menina viajará para dentro de si mesma. Essa
viagem terá como objetivo, segundo os preceitos românticos alemães,
―dirigir seu olhar para seu próprio íntimo‖ e com isso vencer os conflitos
que perturbam seu espírito. uma outra personagem bojunguiana,
citada nesse capítulo, que também possui essa atitude intimista. É o
caso da menina Maria, em Corda bamba (2001d).
Sobre a presença do sonho em sua obra, Lygia Bojunga nos
esclarece em entrevista concedida a Laura Sandroni:
E acho que os sonhos- sempre tão presentes na minha escrita
(e no meu sono)- traduzem o gosto e/ ou a necessidade que eu
sinto de namorar com o inconsciente (quem sabe até uma
tentativa disfarçada de captar um pouquinho do mistério tão
atraente que ainda envolve esse nosso departamento).
(BOJUNGA. Apud SANDRONI, 1987, p. 172).
O desfecho do livro dá-se da seguinte forma: As férias acabam; o
pai de Rafaela vai buscá-la; o corpo de Davi fora jogado ao mar por
Mariana; algum tempo depois é Mariana quem pega seu barco e some
na imensidão do mar azul.
71
Em 2004, em virtude do prêmio ALMA (Astrid Lindgren Memorial
Award), suscitou-se uma possível semelhança entre a obra de Lygia
Bojunga e a obra da escritora Astrid Lindgren (1907- 2002). Segundo o
júri o que aproximaria Lygia Bojunga da escritora sueca seria a
concretização das fantasias de felicidade‖.
17
Após a leitura das vinte e uma obras de Lygia Bojunga e de Píppi
Meialonga (2001), da escritora sueca, podemos perceber que o ponto de
convergência entre as duas escritoras está, justamente, na profunda
preocupação com a criança em situação de abandono. Porém, a forma
como cada escritora irá abordar esse tema será bastante divergente. A
medida do equilíbrio estaria na quantidade de realismo presente em
suas respectivas obras: enquanto em Lygia Bojunga esse realismo está
fortemente exposto; em Astrid Lindgren, ele encontra-se sutilmente
diluído. Ocorre que as personagens de Astrid Lindgren vivem imersas na
chamada ―fantasia de felicidade‖, e ao leitor é dado perceber a real
situação que se esconde sob essa fantasia:
No jardim havia uma casa velha, e na casa morava Píppi
Meialonga. Píppi tinha nove anos e morava completamente
sozinha. A menina não tinha pai nem mãe (...). A roupa que ela
estava usando era muito engraçada. A própria Píppi é que tinha
feito. No começo, ela pretendia fazer um vestido azul, que o
pano azul era muito pequeno, não dava para fazer o vestido (...).
Suas pernas compridas e magricelas estavam cobertas por um
par de meias compridas, uma marrom, outra preta. Além disso,
ela estava usando uns sapatos pretos com exatamente o dobro
do tamanho dos seus pés. (LINDGREN, 2001, p. 07).
Apesar das visíveis carências materiais pelas quais passa a
personagem, a autora não deixa transparecer, em momento algum, uma
atmosfera que não seja a de alegria, brincadeiras e aventuras
fantásticas.
17
Prêmio da Literatura em Memória de Astrid Lindgren 2004. Disponível em: <http:/www.alma.se>
Acesso em: 17 mar. 2007.
72
Já as personagens bojunguianas são descritas com acentuado
realismo, dando ao leitor a possibilidade de perceber quando a
personagem ultrapassa a tênue fronteira entre a fantasia e a realidade.
Poderíamos até afirmar que as personagens de Lygia Bojunga têm o
pensamento voltado para o mundo da fantasia, sem tirar os pés do
mundo real. É o que ocorre com personagens como Alexandre, de A
casa da madrinha: ―A situação continuava apertada, domingo Alexandre
ia pra praia: era dia de vender amendoim. (...) Alexandre saiu da escola.
Foi vender sorvete. Era mais pesado de carregar, mas pagava mais‖
(BOJUNGA, 2001c, p. 40-41).
Nesse trecho, a escritora expõe o trabalho infantil, alternativa
comum que as famílias mais carentes encontram de terem um reforço
no orçamento; às vezes essa é a única fonte de renda da maioria
dessas famílias. O trabalho infantil ainda traz sérias consequências à
criança, como a perda da infância e a evasão escolar, expondo ainda
mais esse menor a uma situação de marginalidade.
Através da menina Sabrina, personagem de Sapato de salto
(2006c), Lygia Bojunga irá denunciar a agressão contra a criança, o
abuso sexual e a prostituição infantil:
Entrou uma noite no quarto dela e se instalou na cama com jeito
de quem está inventando uma nova brincadeira. Quando a
Sabrina foi gritar de susto, ele tapou o grito com um beijo. E
depois cochichou: - Esse vai ser o nosso maior segredo, viu?
(BOJUNGA, 2006c, p. 20).
As personagens de Lygia Bojunga vivem situações bastante
realistas, porém a autora nunca deixa que se perca a esperança de dias
melhores, por piores que possam parecer as situações enfrentadas.
73
Por essa intensa preocupação com as crianças e com a contínua
denúncia da violação dos direitos inerentes a elas, é que Lygia Bojunga
tornou-se, reconhecidamente, uma referência em nossa literatura.
Através de um jeito todo peculiar e bem marcante, a escritora impôs seu
estilo, tornando-se leitura obrigatória para pesquisadores e outros
escritores. A escritura de Lygia Bojunga será o assunto do nosso
próximo capítulo.
74
―Eu, leitora, crio com a minha imaginação todo o universo que vem
cifrado nesses sinaizinhos chamados letras‖ (BOJUNGA, 2001, p. 21).
75
3. A ESCRITA BOJUNGUIANA: A DESLEITURA
―Eu confundo as palavras livro e livre:
me acontece muito querer dizer uma e sair a outra‖
(BOJUNGA, 2001, p. 55)
3.1 A descoberta da escrita
Poucos escritores revelam a seu público leitor como se deram
seus primeiros contatos com a escrita. Geralmente, revelam apenas
suas preferências enquanto leitores. Que obras ou autores leram
quando jovens. Será que o exercício com esses sinaizinhos gráficos não
importa ou não é relevante o suficiente para ser registrado em suas
biografias? Não seria, pois, a leitura o começo da escrita e a escrita o
resultado da leitura?
Por acreditar nesta proposição é que buscamos revelar neste
tópico intitulado ―A descoberta da escrita‖, como o exercício da escrita
tornou-se uma atividade prazerosa para Lygia Bojunga desde a mais
tenra idade:
Quando a minha mãe comprou o caderno da caligrafia que a
professora tinha pedido eu logo gostei da cara dele. (...) Então
foi assim, caligrafando, que eu recolhi o prazer da borracha
esfregando o papel, do lápis roçando a mão, do olho seguindo
os sinais que eu imprimia no caderno, brincando aqui de pingar
um i, ali de engordar um o. (BOJUNGA, 2001, p. 36).
76
A escritora relembra nesse trecho a gratificante sensação que o
exercício de caligrafia lhe dava; e a aprendizagem das letras tornara-se
uma doce brincadeira. Desse primeiro contato com a grafia, Lygia
Bojunga intitulou-se artesã da escrita, uma vez que cada letrinha era
trabalhada com o máximo de esmero que a menina poderia ter.
na adolescência, foram os diários que ocuparam boa parte do
tempo da jovem Lygia. O exercício de registrar no papel, tudo o que lhe
acontecia durante o dia, deu-lhe uma intimidade maior com a escrita:
Era uma escrita apressada, de letra virada garrancho, toda
esquecida dos exercícios de caligrafia de quando eu era criança.
Era um registro compulsório de tudo que me acontecia, emoção,
dúvida, tristeza, expectativa, estava tudo . (BOJUNGA, 2001, p.
37).
A prática dos diários deixou-lhe um hábito que ainda hoje a
escritora Lygia Bojunga cultiva: ―Me habituei. E até hoje, mesmo para
escrever uma carta, meu primeiro movimento é me isolar e fechar a
porta‖ (BOJUNGA, 2001, p. 37). Esse isolamento remete à imagem que
Roland Barthes, em O grau zero da escritura, faz do escritor- artesão
―que se fecha num lugar lendário, como um operário na oficina, e
desbasta, pole e engasta sua forma, exatamente como um lapidário
extrai a arte da matéria, passando neste trabalho horas regulares de
solidão e esforço‖ (BARTHES, 1974, p. 152). A escritora revela que
foram quase três anos de escrever diários.
Quando passou a escrever profissionalmente, foi para o rádio e a
televisão: ―E foi meu começo de escrever-para-ser-paga‖ (BOJUNGA,
2001, p. 40). Com essa afirmação, a escritora confirma que escrevia
porque precisava de dinheiro, e para isso precisava adaptar-se às
exigências do mercado. É nessa época que ela teve de habituar-se ao
77
uso do dicionário, pois precisava entregar seus scripts sem erros
ortográficos.
E o dicionário que, até então, não fazia parte da sua vida, passou
a ser de uso obrigatório na sua profissão. Mas era uma relação pessoa -
objeto ainda muito fria:
Abrir, eu abria; mas curtir- quem diz?
Muito grosso!
Um exagero de papel!
Uma montanha de palavras desabando em cima da gente!
Uma letrinha super miúda de tanto quererem espremer mais
quer-dizer-isso e mais quer-dizer-aquilo!
Então, era tirar a dúvida se tinha dois ss mesmo, ou se era
um s em vez de z, e pronto, eu fechava ele logo
(BOJUNGA, 2001, p. 41).
Apenas quando Lygia Bojunga começa a escrever livros é que
essa relação transformar-se-á, a ponto de a escritora afirmar que se
questionada sobre qual livro levaria para uma ilha deserta, sem titubear,
responderia: um dicionário.
Segundo Roland Barthes, em O grau zero da escritura (1974) o
dicionário seria uma espécie de caixa de Pandora por constituir-se num
―objeto inesperado de onde escapam todas as virtualidades da
linguagem‖; ou seja, no dicionário, a palavra estaria reduzida a uma
espécie de estado zero, mas ―prenhe de todas as especificações
passadas e futuras‖.
Essa visão do uso do dicionário como algo que vai além do uso
ortográfico nos remete à crônica ―O livro da solidão‖, de Cecília Meireles,
publicada em 1948. Na crônica, a narradora também indaga que livro
levaria para uma ilha deserta; e chega à conclusão de que o dicionário
seria o mais indicado, uma vez que este seria o mais poético dos livros‖.
78
A defesa que Cecília Meireles e Lygia Bojunga fazem ao dicionário
torna-se, antes de tudo, uma defesa da própria palavra na sua condição
de elemento da criação literária.
Vale ressaltar que quando Lygia Bojunga começa a escrever livros,
a ideia ―escrever-para-ser-paga‖ deixa de valer: ―Foi quando eu
comecei a fazer livro que escrever se tornou de novo compulsório e
introcável‖ (BOJUNGA, 2001, p. 40). A escritora expõe nesta afirmação
que a troca, escrita por dinheiro, vigorou enquanto trabalhara para o
rádio e a televisão. Quando os livros entram em sua vida, a relação que
passa a prevalecer é a da escrita por prazer. E confirma isto, fazendo
uso da expressão ―de novo compulsório‖, como uma referência aos
diários escritos durante sua adolescência; e ―introcável‖, revelando que
sua escrita já não era mais moeda de troca.
No meio dessas mudanças de posicionamento, Lygia Bojunga
percebe que a possibilidade do uso do dicionário vai além da correção
de erros ortográficos:
...foi nesse encontro com a Literatura que eu comecei a ter
curiosidade de ler um verbete inteiro, e de querer experimentar
os caminhos que o dicionário me mostrava, conferindo uma
palavra com outra, (...) pra então ir descobrindo que porção de
caras cada uma tinha. (BOJUNGA, 2001, p. 41).
É o que também alega Leila Perrone-Moisés, em Flores da
escrivaninha: ―O próprio dicionário, que se supõe provido das mais
honestas intenções, parece levar-nos, sorrateiramente, a infinitos
desvios‖ (PERRONE-MOISÉS, 1990, p. 13). Isso implica dizer que a
escritora via-se com autonomia necessária para dar aos vocábulos
novas e diversas significações; estendendo, assim, as possibilidades de
uso desses termos. Trata-se, pois, de alimentar a palavra com
79
movimento, sonoridade e frescor a ponto desta elevar-se poética e
expressivamente.
O dicionário, que antes aprisionava a escritora, entre o certo e o
errado, passou a ser um mundo de possibilidades. Uma liberdade que a
escritora sempre almejara, mas que descobriu quando começou a
escrever livros. Esse novo contato com o dicionário irá desvendar à
escritora toda a riqueza de nossa língua e as múltiplas oportunidades de
uso para as palavras. Lygia Bojunga saberá aproveitar toda essa
potencialidade linguística e fará disso uma das características mais
marcantes de sua obra.
3.2 O processo de criação: ―eu podia tudo‖
Quando Lygia Bojunga começou a escrever livros, deu seu grito
de liberdade. Pois, até então, tivera uma escrita podada, delimitada;
fosse cobrindo as linhas tracejadas dos exercícios de caligrafia, fosse
nos registros de seus diários, ou nos scripts encomendados pelo rádio e
pela televisão:
Eu estava o condicionada a comprimir os meus personagens
em tantas falas, tantas laudas, sabendo que era deixar eles
se mostrarem mais um bocadinho que vinha o verbo
arrepiante: CORTA! Que eu fiquei cheia de dedos pra fazer uso
da liberdade que eu sentia o tempo todo me rondando. A
liberdade de fazer uma cena, um parágrafo, um capítulo do jeito
que a minha imaginação pedia e não do jeito que esperavam de
mim. (BOJUNGA, 2001, p. 54).
80
Como ―poder tudo‖, limitada pelo grito de ―corta!‖? Como conciliar
os cortes e a liberdade almejada por Lygia? Escrever livros passou a
representar para a escritora Lygia Bojunga uma enorme aventura interior,
tanto na criação de pessoas, bichos, coisas ou lugares: ―Querendo eu
botava barco dentro do livro. Eu botava bicho. E ainda por cima fazia ele
falar (...). Puxa, eu podia tudo‖ (BOJUNGA, 2001, p. 54). Escrever livros
é, para a autora, um exercício de liberdade, pois desde a composição de
personagens, elaboração de enredos e criação de espaços no processo
construção do discurso, a escritora encontra campo para dar asas à
imaginação e vida às suas histórias.
No segundo capítulo desta pesquisa, fizemos referência aos
estudos de Philippe Lejeune acerca das obras autobiográficas. Naquela
oportunidade, comentamos a afirmação do teórico de que o leitor é
convidado a ler os romances, não somente como ficção, mas também
como fantasmas reveladores de um indivíduo. E, para confirmarmos
essa afirmação de Philippe Lejeune, retiramos um trecho da obra Livro,
um encontro (2001) em que a escritora revela como se dera o processo
de criação do tatu Vítor, de O sofá estampado (1999): ―A unha do Vítor
ia fazer o que eu vivia querendo fazer: inventar uma cavação pra
descobrir os meus pedaços mais fundos...‖ (BOJUNGA, 2001, p. 44).
A escritora, portanto, faz uso de uma narrativa em terceira
pessoa para aprofundar o conhecimento de si mesma. E, apesar de, ao
nível da enunciação, o sujeito da enunciação e o sujeito do enunciado
serem diferentes, a existência da possibilidade de uma narrativa
autobiográfica na terceira pessoa fica aparente. Philippe Lejeune, em O
pacto autobiográfico (2006), confirma essa possibilidade de estrutura
narrativa e justifica esse procedimento como um meio encontrado pelo
autor de manter uma distância pudica de episódios de sua vida.
81
Trata-se de uma aventura interior em busca do autoconhecimento.
Vítor, numa primeira versão da obra, era um menino; mas, de acordo
com a escritora, era uma personagem sem vida, oca. E que ganhou
vida quando se tornou um tatu.
Lygia Bojunga considera o processo de escrita algo tão envolvente
que chegou a revelar que um dia sentira vontade de passar esse
envolvimento para uma personagem. Sabemos que as obras Livro, um
encontro (2001); Fazendo Ana Paz (2002b) e Paisagem (2002c) são
conhecidas como a Trilogia do Livro, uma vez que a autora trata de
questões relativas ao processo de criação de uma obra literária e expõe
seu envolvimento com a escrita. Porém, agora estamos diante do desejo
da escritora de passar esse envolvimento para uma de suas
personagens.
Lygia Bojunga mostra que realizou esse desejo no conto A troca
e a tarefa‖, de Tchau (2006a). No conto, a personagem principal tem
que conviver com o ciúme que sente da irmã mais velha. É quando
decide tornar-se escritora para transformar em palavras as angústias
que sente, e assume: ―Achei tão bom poder transformar o que eu sentia
em história, que eu resolvi que era assim que eu queria viver:
transformando. Foi por isso que eu me virei em escritora‖ (BOJUNGA,
2006a, p.100).
Embora Lygia Bojunga tenha se referido a este conto em
particular, sabemos que há, em outras de suas obras, personagens que
mantêm esse envolvimento com a escrita. São personagens-escritores:
Angélica, que escreve uma peça de teatro; e sobre a arte de escrever,
questiona-se: Por que é que quando a gente pensa as coisas são tão
fáceis, e na hora de escrever elas ficam tão difíceis? (BOJUNGA,
2001a, p. 54); e a personagem Raquel, de A bolsa amarela: ―É o
seguinte: eu resolvi que vou ser escritora, sabe? E escritora tem que
82
viver inventando gente, endereço, telefone, casa, rua, um mundo de
coisas‖ (BOJUNGA, 2001b, p. 17); em Aula de inglês (2006b) temos o
escritor profissional Octavio Ignacio, como signos indicadores da relação
entre vida e criação literária.
Há, a nosso ver, a possibilidade de a escritora ter-se feito
personagem; pistas que nos levam a crer nesta possibilidade. Em
Dos vinte 1 (2007), a escritora confessa: ―Teve livro em que me intrometi
tanto, que até virei personagem também‖(BOJUNGA, 2007, p. 06).
Acreditamos tratar-se de tia Elisa, de Seis Vezes Lucas (1997): ―No sítio
da tia Elisa, perto de Friburgo. Num sítio, imagina! Sem telefone, sem
televisão, sem nada! Você sabe como a tia Elisa gosta de se isolar‖
(BOJUNGA, 1997, p. 86). O que nos faz levantar essa suspeita?
Enumeramos, a seguir, alguns traços indicativos: tia Elisa mora num
sítio perto de Friburgo, o sítio não tem energia e o acesso a ele é muito
difícil. um rio que passa perto do sítio, onde o pequeno Lucas se
banha. Tia Elisa comprara uma chave de ferro em um mercado no
México, uma chave que não abria porta alguma, apenas servia de
enfeite para o sítio.
Agora, vamos aos fatos: a escritora Lygia Bojunga possui um sítio
perto de Friburgo, nele não energia (por opção da proprietária), o
acesso a ele, em épocas de chuva, é interrompido. A escritora sempre
vai até quando deseja se isolar um pouco, e há um pequeno braço de
rio que passa dentro de sua propriedade.
O narrador de Seis Vezes Lucas informa que o menino acabou
―fazendo uma boa liga perto‖, ou seja, amizades. O sítio da escritora
Lygia Bojunga chama-se Boa Liga. Em Feito à mão (2001f) um relato
de uma viagem da escritora a um mercado no México. Coincidência ou
não, como não suspeitar de que a escritora fez-se personagem de uma
de suas histórias? Uma vez que não é vedado a um autor participar de
83
suas próprias criações; tomemos como exemplo o cineasta Alfred
Hitchcock que, em alguns de seus filmes, aparecia em cena.
A Arte, tanto no Cinema quanto na Literatura, abre as portas da
liberdade e da imaginação. E, de tanto criar personagens, não poderia
um escritor desejar tornar-se um deles? Talvez, haja quem tenha
resistido, mas achamos que na obra de Lygia Bojunga muitas pistas
para o leitor jogar com a escrita ficcional e os depoimentos pessoais da
escritora.
3.3 Os intertextos
No subcapítulo denominado ―A força dos antigos‖, buscamos
identificar as relações intertextuais presentes na obra da escritora Lygia
Bojunga. As obras citadas em ―A força dos antigos‖, neste trabalho,
referem-se àqueles autores e/ ou obras que, efetivamente, influenciaram
a escritora durante seu processo de formação enquanto leitora.
este tópico, intitulado ―Os intertextos‖, faz-se necessário para
investigarmos a intertextualidade da escritora dentro de sua própria obra.
Daí, a necessidade de retomada parcial do assunto, não mais sob a
influência da leitura, mas sob o signo da escritura. Essa mudança de
foco justifica o deslocamento, ou seja, a divisão do assunto em duas
partes: a primeira apresentada em ―A força dos antigos‖ e a segunda
parte que ora se inicia.
Tânia Carvalhal, em O próprio e o alheio, nos lembra que a
―intertextualidade nos permite entender que ler um texto é lançá-lo num
espaço interdiscursivo e na relação de vários códigos, que são
84
constituídos pelo diálogo entre textos e leitura‖ (CARVALHAL, 2003, p.
76).
Portanto, uma vez que problematizamos algumas das leituras da
escritora, resta-nos investigar os traços referenciais de suas obras em
sua própria produção
18
.
Lygia Bojunga inicia sua carreira literária, em 1972, com a
publicação de Os colegas; e, em 1976, com A bolsa amarela, surge uma
primeira referência intertextual. A personagem Raquel alimenta algumas
vontades, entre elas, a vontade de crescer: ―Acho que é a vontade de
crescer de uma vez e deixar de ser criança‖ (p. 11). Essa vontade de
crescer logo, também é o desejo da personagem Porco, de Angélica
(1975): ―Pois é isso: ele era um porquinho. (...) Que pressa que ele tinha
de crescer!‖ (p.08). Essa angústia de crescer, comum às duas
personagens, é relatada logo no início das respectivas histórias e no
desenrolar de cada uma delas. Tanto Raquel quanto Porco irão buscar
meios de resolver esse conflito interior da melhor forma possível.
Outra alusão intertextual está em A bolsa amarela (1976), nela a
personagem Raquel afirma que esperava uma resposta de André até
que: ―Uma tarde deu uma ventania danada. A janela do quarto estava
aberta, entrou folha de árvore, poeira, e um papel todo escrito com a
letra do André‖ (p.15). Cena semelhante a esta aparecerá em 1992, em
Paisagem, através da narração da menina do Lado:
O vento abriu o caderno justinho na página que você escreveu
(...). E ele resolveu arrancar ela do caderno pra ele (...). Até
que um dia, sabe, o vento nem reparou que a janela do meu
quarto tava toda aberta e entrou. Ele e a folha do teu caderno.
(p.43).
18
Exclusivamente neste tópico, será utilizado o ano de publicação da obra para que o leitor possa
acompanhar, cronologicamente, as relações intertextuais.
85
Apesar de narradas de formas diferentes, as cenas repetem-se:
uma folha escrita que chega ao quarto de uma das personagens, pela
janela, trazida pelo vento.
Em A casa da madrinha, de 1978, uma referência de A bolsa
amarela (1976). Cansado da vida difícil que levava, o garoto Alexandre
resolve partir em busca da casa de sua madrinha. Durante a viagem,
arranja como amigo e companheiro, um pavão. Esse pavão tinha o
pensamento ―pingado‖ (na Escola Osarta de Pensamento onde estivera,
colocaram-lhe um filtro na cabeça, desde então seus pensamentos
saíam em pequenas quantidades como pingos). Nessa escola também
estivera o galo Terrível, de A bolsa amarela (1976).
O galo Terrível teve seus pensamentos costurados porque não
pensava de acordo com o que seus donos desejavam:
O jeito é fazer o Terrível pensar do jeito que a gente quer que
ele pense.
Mas que jeito? Bolaram, bolaram, e acabaram resolvendo que o
jeito era costurar o pensamento do Terrível (...).
-Vamos costurar com uma linha bem forte pra não rebenta‖
(p.85).
O pavão, de A casa da madrinha (1978), teve seu pensamento
atrasado, pois defendia aquilo em que ele acreditava e não aceitava ser
comandado por seus cinco donos:
O pessoal da Osarta tinha ouvido falar numa operação que
fizeram num galo de briga: costuraram o pensamento dele,
deixaram de fora um pedacinho que pensava o que os donos do
galo achavam legal; o resto todo sumiu dentro da costura. (p. 26).
A crítica, presente nas duas obras, remete ao período em que o
Brasil era governado sob a linha dura do regime militar. Basta
86
atentarmos para a data de publicação das obras, plena vigência da
Ditadura. Daí, a liberdade de pensamento cerceada aos que, de alguma
forma, fizessem oposição ao regime. Sob a vigilância cerrada do
Governo, os artista e intelectuais da época precisavam usar as
entrelinhas para burlar a censura e, assim, publicarem suas obras. Os
órgãos de fiscalização do Governo não percebiam o que as histórias de
pavões, galos de briga e carretéis de linha poderiam conter.
Em O sofá estampado, de 1980, aparecem referências a duas
obras: Os colegas (1972) e A casa da madrinha (1978). A primeira
referência trata-se de quando Pôzinha (um hipopótamo fêmea) estava
presa no zoológico e num dia de chuva, sentindo-se deprimida, lembrou:
―contaram que anos atrás um urso de voz tão fininha que até
chamavam ele de Voz de Cristal tinha feito uma fuga espetacular‖ (p.
73). Trata-se de Ursíssimo Voz de Cristal, personagem de Os colegas
(1972): ―Ursíssimo porque era enorme. Voz de Cristal porque tinha uma
voz fininha que nem agulha‖ (p.14). O relato da fuga do urso não fora
detalhado em nenhuma das duas histórias, embora Voz de Cristal
explique, em Os colegas, que sua fuga do Jardim Zoológico deu-se por
sua curiosidade de conhecer o mundo.
A segunda referência, presente em O sofá estampado (1980),
remete à obra A casa da madrinha (1978). Enquanto Pôzinha sente
vontade de fugir do Zoológico, relembra os comentários dos outros
bichos: ―...e falaram também de um pavão bonito toda vida, que um dia
tinha sumido sabe-deus-pra-onde‖ (p.73). É em A casa da madrinha
(1978) que o leitor poderá saber como se deu o sumiço do pavão: ―Há
muitos anos que Seu Joca era vigia do Jardim Zoológico (...). Nunca
tinha roubado um tostão e agora- ia roubar um pavão? Roubou.‖ (p.61).
É com exemplos como esses, que se tem a impressão de que a
obra da escritora Lygia Bojunga seja um livro só. E a resposta àquela
87
pergunta que surge em determinada obra irá aparecer numa outra. Feito
quando estamos a ler um livro e apressamos as páginas para
encontrarmos a resposta no capítulo seguinte.
Em O meu amigo pintor, de 1987, o narrador-personagem Cláudio
conta o encontro, em sonho, que tivera com Dona Clarice, a Pintura e a
Política: ―Quanto mais elas riam mais iam se espremendo uma na outra.
Pareciam até uma só ali sentadas no sofá. Que era estampado‖ (p. 40).
Embora a citação não seja tão explícita quanto nos exemplos
anteriores, a referência a O sofá estampado (1980) não pode ser
ignorada pelo leitor mais atento. Pois, que necessidade haveria, então,
de se esclarecer que o sofá em que estavam sentadas as três distintas
damas era estampado?
Por fim, em A cama, publicada em 1999, a personagem Petúnia
tenta escrever uma carta para Tobias; depois de diversas tentativas, a
menina confessa: ―Contar uma história falando sai mais fácil que contar
escrevendo‖ (p.101). A conclusão a que chegou Petúnia faz-nos lembrar
Angélica tentando escrever sua peça de teatro, e sentindo a mesma
dificuldade que Petúnia: ―Por que é que quando a gente pensa as coisas
são tão fáceis, e na hora de escrever elas ficam tão difíceis?‖ (p.54). Em
ambas as situações, as personagens veem-se diante das dificuldades
que envolvem o processo de criação.
Há, na obra de Lygia Bojunga, inúmeros outros elementos
recorrentes. quem possa achá-los de cunho intertextual, mas
optamos por abordá-los no tópico seguinte, como elementos dos níveis
linguístico e temático.
88
3.4 O jeito Lygia Bojunga de escrever
O que é estilo? Se consultarmos um dicionário encontraremos,
dentre outras definições: ―a maneira própria de um escritor expressar
seu pensamento.
19
Essa maneira própria seria, justamente, o que
diferenciaria um escritor de outros.
em Introdução à Estilística, Nilce SantAnna Martins conceitua
estilo como ―o aspecto do enunciado que resulta de uma escolha dos
meios de expressão, determinada pela natureza e pelas intuições do
indivíduo que fala ou escreve‖ (MARTINS, 1991, p. 2).
Harold Bloom, em O mapa da desleitura (1995), traça caminhos
na tentativa de explicar quando se a superação de um poeta por
outro, ou seja, quando um jovem poeta consegue superar a angústia
internalizada que sente por um poeta que o antecedeu. Assim, quando
esse jovem poeta demonstra talento suficiente para combater as
angústias de seu endividamento, ele se torna um poeta forte.
um poeta forte o suficiente consegue absorver seu precursor e
superá-lo. Essa superação significa a consolidação de um estilo próprio
e inconfundível. É perfeitamente possível que a voz do poeta morto
faça-se ouvir na obra do poeta forte, mas segundo Harold Bloom, nunca
por mera imitação.
Todavia, como conceitos não nos dão a dimensão exata do
que seria estilo, buscamos a definição de um elemento essencial nesse
contexto de escrituras. Pois, se um escritor consegue superar suas
influências e firmar seu estilo, isso se fará sentir quando essa obra
chegar às mãos do leitor. É com o leitor que a obra literária se realiza,
19
ROCHA, 1996, p. 258.
89
portanto, ninguém melhor que um leitor para nos ajudar a entender o
que seria estilo:
...essa coisa de escritor criar um personagem e fazer a gente
acreditar nele feito coisa que toda a vida a gente conheceu o
cara (...). É fazer esse personagem inventado virar um espelho
pra gente (...). É o jeito que um escritor descobre pra passar isso
pra gente dum jeito que é só dele, e quando um dia a gente afina
com o jeito dum escritor inventar, com o jeito que é o jeito dele
escrever, nesse dia a gente vira Leitor dele.
(BOJUNGA, 2002c, p. 50).
Na voz do leitor Lourenço, personagem de Paisagem, temos uma
visão didática do que seria o estilo de um escritor. Esse jeito singular de
se expressar, de construir suas histórias; um jeito particular de escrever
que nos faz reconhecer um texto seu em qualquer lugar: ―Eu sou Leitor
do fulano, isso quer dizer que eu conheço o fulano, então ninguém
precisa me dizer esse livro é do fulano ou da beltrana porque é
começar a ler o livro que eu sei que é do fulano ou da beltrana‖
(BOJUNGA, 2002c, p. 50).
Em busca dessas marcas tão pessoais que compõem a obra de
um escritor, é que vamos investigar que elementos estão presentes na
obra da escritora Lygia Bojunga, que demonstram o alcance de um
estilo diferente e comprovam a luta pela superação das influências que
recebera.
Laura Sandroni, em De Lobato a Bojunga (1987), ressalta que
uma das características linguísticas da obra de Lygia Bojunga que
mantém uma nítida inspiração lobatiana seria o uso de composições
inusitadas, como:
galo-tomador-de-conta-de-galinha
(A bolsa amarela, p. 51)
90
Tinha um pacote cor-de-burro-quando-foge
(A casa da madrinha, p. 38)
A apropriação de alguns traços lobatianos, na obra de Lygia
Bojunga, reforça a ideia borgiana de que ―os mortos poderosos retornam,
mas retornam, com nossas cores, e falando com nossas vozes‖
(BORGES. Apud BLOOM, 1991, p. 192). Os artistas criam seus
precursores; algo semelhante à relação Bojunga- Lobato, uma vez que a
escritora sempre ressaltou a importância e a influência de Monteiro
Lobato em sua vida. À obra lobatiana a escritora deve o fato de ter tido
sua imaginação despertada. Esse endividamento é resgatado a cada
vez que um leitor relembra esse precursor em alguma passagem de
alguma obra de Lygia Bojunga.
Uma das tendências da literatura contemporânea é a presença
cada vez maior da oralidade em textos escritos. Essa seria uma forma
encontrada pelo autor de se aproximar ainda mais do leitor. Lygia
Bojunga saberá transpor para sua escritura, com estilo e graça,
elementos e estruturas típicos da prosa falada.
É possível enumerar, como marcas dessa oralidade, certos
recursos utilizados pela escritora: o discurso informal, marca o tom de à
vontade predominante na obra da escritora. Esse discurso elaborado em
forma de conversa seria semelhante a um solilóquio, forma narrativa
destinada ao teatro, mas com uso na narrativa romanesca. É o que nos
esclarece cia Matos, em seu ensaio intitulado ―A coloquialidade como
estratégia de sedução no texto literário‖
20
; no solilóquio, o tom
conversacional se estabelece numa espécie de face a face bilateral
encenada e quando a narradora/ autora voz a algum personagem,
ela o faz sem qualquer aviso ou sinal gráfico, como se imitasse a voz
20
Disponível em: <http://www.filologia.org.br>. Acesso em: 21 abril 2007.
91
dos mesmos e até a sua própria voz em diálogo com outrem (MATOS,
2005, p. 01):
Quando a Ana Paz chegou perto ele pegou ela num abraço
apertado, Ana Paz, me promete uma coisa, que é, pai, que? Me
promete que tu nunca vais esquecer da Carranca, mas pai, o
que que acontecendo? (...) Mas `pera aí, eu fiz essa cena
antes, que história é essa?. (BOJUNGA, 2002b, p. 33).
Percebe-se que, durante o diálogo entre as duas personagens,
Ana Paz e seu pai, a narradora interfere no discurso, tecendo
comentários a respeito da narrativa. Esses comentários dirigem-se a um
leitor fictício cuja função encarnamos imediatamente. Assim, o leitor é
constantemente chamado a ser interlocutor na história.
Outro recurso que a escritora utiliza para tornar seus textos ainda
mais comunicativos é a criação de neologismos:
E ele tinha que brigar até eles desdizerem tudo (Angélica, p.44)
...e ficar desminhocando no sol
(A casa da madrinha, p. 66)
...hora de fazer a minha mexeção de palavras
(Livro, p. 42)
vira-lata/ vira- latice/ vira- latando
(A casa da madrinha, p. 65)
Os neologismos refletem a flexibilidade da nossa língua e a
criatividade da autora, uma vez que essas criações dão mais vivacidade
ao texto e o atualizam.
A escritora não tem medo de experimentar; e transforma palavras
compostas em verbos e expressões inteiras em palavras compostas:
92
Timorato só tinha feito uma coisa na vida: vira-latar.
(Seis Vezes Lucas, p. 40)
A tal Dona Rosa fazia cara-de-não-escutou; a mãe fazia olho-de-
fala-mais-alto.
(O sofá estampado, p. 25)
Aspectos da fala, como duração e intensidade, são representados
pela repetição de fonemas:
Soziiiiinha? (A cama, p. 20).
Some da minha frente jáááááá! (Sapato de salto, p.138).
Percebe-se que até o nível fônico das palavras é trabalhado pela
autora. É a língua falada adaptada à grafia no papel.
A escritora utiliza-se também de expressões que tentam dar
gestualidade à língua:
E podia ser uma cidade existente. Desse tamanhinho assim
(Retratos de Carolina, p. 175).
Um livro grosso assim (Livro, p. 11).
Segundo Lúcia Matos, em seu ensaio sobre coloquialidade, esse
recurso receberia o nome de iconocidade gestual.
Na tentativa de dar mais expressividade à escrita, Lygia Bojunga
faz uso de figuras de linguagem:
Comparações:
E gente comendo, e garçom pra e pra lá, e tão gostoso de
olhar: assim, feito quando a gente olha pra um aquário.
(―O bife e a pipoca‖, p. 60)
A essas alturas ele torrou no inferno igualzinho feito o frango
que a minha mãe esqueceu no forno.
(O meu amigo pintor, p. 14)
93
As comparações são simples e corriqueiras; e feitas através de
palavras ou expressões, como: feito e que nem utilizadas com a função
de conjunções comparativas.
Metáforas:
E disse que no dia que eu botasse a chave da casa no bolso, o
medo não ganhava mais de mim.
(A casa da madrinha, p. 94)
A chave da casa representa a imaginação que permitirá à
personagem Alexandre enfrentar os desafios da vida futura.
Toda a obra de Lygia Bojunga possui uma riqueza metafórica
bastante expressiva. Não podemos deixar de citar: a personagem
Raquel e sua bolsa amarela, onde ela guarda todas as suas vontades;
Vítor e suas cavações no sofá estampado; Maria e seu equilibrismo na
corda bamba, etc.
Metonímias:
Um chinelo de salto entrou sorrateiro na faixa de luz. Parou. (...)
Até que, pelas tantas, o chinelo desgrudou do chão. E a tira
de luz se apagou. (Sapato de salto, p. 23)
Outros processos expressivos são introduzidos pelas seguintes
figuras de pensamento:
Hipérboles: para dar maior ênfase à expressão.
O Augusto falou que eu tinha que ir andando toda a vida (A casa
da madrinha, p. 16)
94
...a gente ficou te esperando toda a vida (Nós três, p. 36)
Reticências: suspendendo o pensamento, a fim de que o leitor o
complete.
E aí...aí eu não vi nem senti mais nada... Mas dentro de mim
tudo se complicou... Eu nunca fui bem-formada pra isso, não
é? ... com o Andrea Doria foi aquela luta... (Sapato de salto, p.
146)
Gradação: para dar ao leitor uma ideia de ordem decrescente
(anticlímax).
Passei de contentíssima pra contente só (...)
Passei de contente pra chateada (...)
A chateação aumentou (...)
Aí eu passei pra superchateada
(A bolsa amarela, p. 51-52)
Eufemismo: com a finalidade de amenizar a ideia de morte.
-Você nunca vai deixar de viajar, não?
- No dia que eu morrer.
- E trabalhar? Você vai parar?
- Vou sim: no dia que eu largar de viajar.
A Vó do Vítor largou de trabalhar no mês de Abril.
(O sofá estampado, p. 43)
Prosopopeia: atribuindo características de seres animados a
objetos e sentimentos.
A cama olhava chover (A cama, p. 170).
Minha aflição voltou correndo (A bolsa amarela, p. 66).
95
A escritora também brinca com expressões que causam cacofonia,
vício de linguagem que consiste na junção de duas palavras, formando
uma terceira de sentido inconveniente à erudição:
...fica o esquisito quando você diz: ―Ei, Rei!‖ Parece que você
tá dizendo que errou (A bolsa amarela, p. 38).
A musicalidade também faz parte da obra de Lygia Bojunga. A
escritora joga com a sonoridade das palavras a fim de dar um
andamento mais melodioso ao texto:
Ele é uma flor: me ajuda a entrar e sair do elevador
(Nós três, p. 16)
...tudo que é novidade, modernidade e barulhidade.
(O Rio e eu, p. 65)
Criação, para Lygia Bojunga, também implica desvio. Nesse
sentido, a escritora rompe com a norma culta,
21
com o objetivo de dar à
sua escritura o tom da coloquialidade:
Achei melhor trazer ele de volta pra você desnascer.
(Angélica, p. 77)
Teu avô tá estudando?
- .
(Angélica, p. 99)
Existem algumas expressões que são características da escritora.
Essas expressões são recorrentes e percorrem toda a obra, inferindo à
escrita bojunguiana uma marca registrada. São elas:
21
Em entrevista exclusiva (12 Jan 2009), a escritora nos relatou um episódio em que tivera uma de
suas obras completamente ―corrigida‖ por um revisor, este retirara todos os ―erros‖ da obra. A
escritora negou-se a autorizar a publicação. A obra foi publicada quando o texto voltou à versão
original.
96
Toda vida/ toda a vida:
E daí eu fiquei lá esperando toda vida
(Os colegas, p. 18)
coisa que era difícil toda vida de fazer
(Corda Bamba, p. 17)
...a terra sempre molhada cheirava bom toda a vida
(O sofá estampado, p. 21)
Um choro alto toda a vida
(O meu amigo pintor, p. 25)
O Pai olhando pra ele igualzinho feito toda vida ele olhou
(Retratos de Carolina, p. 43)
...a dona Gracinha deu pra ficar triste toda a vida (Sapato de
salto, p. 193)
O olhar que ri:
E aí o olho riu contente (O sofá estampado, p. 105)
O olho dela riu pra ele (Seis Vezes Lucas, p. 58)
era riso que tinha no olho dele? (A cama, p. 158)
No olhar um risinho irônico (Sapato de salto, p. 62)
Laralalalalalá:
Laralalalalala, o menino começou a cantarolar
(Tchau, p. 123)
Lalaralalalalá. Ela vai cantarolando baixinho e com força (Nós
três, p. 10)
Os movimentos que fazia se ajustavam na melodia que ela
cantava, ou melhor, que ela laralalava
(Sapato de salto, p. 47)
97
Tremidinho e/ou tremido:
...respondeu com voz tremidinha (Os colegas, p. 47)
Suspirou meio tremido (Corda Bamba, p. 101)
(Suspirou tremidinho) (A casa da madrinha, p. 13)
O Inventor suspirou tremidinho e baixou a voz
(O sofá estampado, p. 21)
que se perceber a estreita relação de algumas personagens
bojunguianas com a Natureza, a qual influencia diretamente o humor e/
ou o ânimo das personagens:
Eu também sou assim, quando chove desanimo, tenho
vontade de suspirar. (Os colegas, p. 16).
A escuridão se adensa lá fora. Dentro de Carolina também.
(Retratos de Carolina, p. 152).
...depois que desatou a chover desse jeito: o astral dele deve ter
despencado. (Aula de inglês, p. 111).
Algumas personagens também têm uma ligação mais intrínseca
com alguns objetos, como se esses objetos fossem uma extensão delas
mesmas:
O resto todo da sala foi arrumado pra combinar com o sofá. (...)
mais a Dalva também. Porque o sofá estampado não é ele e
pronto: é ele, e a Dalva.
(O sofá estampado, p.09)
...o Vítor não cansava de procurar no couro da mala as rugas
que ele via na cara da Vó; pra ele as duas foram virando uma .
(O sofá estampado, p. 42)
98
O Pai notou, na superfície da escrivaninha, uma mancha no
couro que ele não se lembrava ter visto antes. Olha as manchas
que tem no braço (sol? Idade?), comparando as manchas que
estão na pele e as que estão no couro.
(Retratos de Carolina, p. 88)
Podemos concluir, neste tópico, que Lygia Bojunga trabalha com
as palavras em vários níveis, desde o plano fônico, passando pelo
morfossintático, pelo semântico e pelo estilístico, dando à sua escritura
um caráter todo peculiar. Não é à toa que, desde criança, considerava-
se uma artesã da escrita. Cabe aqui o uso da expressão barthesiana
―valor-trabalho‖ em lugar de ―valor-gênio‖, que a escritora Lygia
Bojunga participa do rol de escritores que tomam a elaboração da obra
literária não como um momento de iluminação, ou seja, quando as
ideias vão brotando quase que espontaneamente, mas daqueles cuja
qualidade literária nasce após intenso trabalho intelectual. Roland
Barthes arremata: ―A escritura será salva não em virtude de sua
destinação, mas graças ao trabalho que tiver custado‖ (BARTHES, 1974,
p. 152). São, portanto, escritores que se dedicam ao minucioso
processo de construção da obra de arte.
Resta-nos percorrer os caminhos temáticos da produção literária
da escritora. Sabemos que seus escritos possuem um misto de
realidade e fantasia, e o fato de saber dosar essa mistura tem valido à
escritora inúmeros prêmios.
99
3.5 Representações do real
Em sua aula inaugural de Semiologia literária no Collège de
France, em janeiro de 1977, o crítico Roland Barthes (1915- 1980) fez
importantes considerações sobre a Literatura. Entre essas
considerações estaria a força de representação que a Literatura possui.
Tomemos como representação a categoria mímesis, que segundo Leila
Perrone-Moisés, em Flores da escrivaninha: ―supõe uma visão do real e
uma determinada imitação que, mesmo sendo transformação, tem o
mundo como ponto de partida‖ (PERRONE-MOISÉS, 1990, p. 110).
Mas, de acordo com Roland Barthes, o real não pode ser
representável, somente demonstrável, pois se torna impossível fazer
coincidir uma ordem pluridimensional (o real) e uma ordem
unidimensional (a linguagem). Barthes assegura que é justamente a
essa impossibilidade que a Literatura não quer se render jamais; e
afiança:
A literatura é categoricamente realista, na medida em que ela
sempre tem o real por objeto; e direi agora, sem me
contradizer, porque emprego a palavra em sua acepção
familiar, que ela é também obstinadamente: irrealista; ela
acredita sensato o desejo do impossível. (BARTHES, 1980,
p.23).
Leila Perrone-Moisés reafirma a compreensão barthesiana ao
escrever: ―A literatura não pode substituir o mundo, nem ao menos
representá-lo fielmente. Pode apenas evocá-lo, aludir a ele através de
um pacto que implica a perda do real concreto‖ (PERRONE-
MOISÉS,1990, p. 105).Trata-se de perceber um possível fracasso da
100
linguagem, uma vez que a Literatura parte de um real que não consegue
representar. O fato é que temos em Roland Barthes um dos baluartes a
problematizar a representação; para ele, a obra ―realista‖ é tanto mais
verossímil de acordo com o efeito do real que esta produz no leitor.
O certo é que desde o século XVII, com a tendência artística do
Classicismo francês aos tempos modernos, a questão da representação
vem constantemente sofrendo modificações. Se nos detivermos um
pouco no século do reinado de Luís XIV, perceberemos que nas
tragédias de Racine (1639-1699) predominava o mais severo isolamento
das personagens. Sobre esta limitação do realismo, Erich Auerbach, em
Mímesis: a representação da realidade na literatura ocidental, nos fala:
O fato de nenhuma palavra comum, nenhuma designação
corrente para algum objeto cotidiano ser permitida, é
conhecido através da violenta polêmica dos românticos contra
este estilo, dentro do qual, o mais enérgico e espirituoso
ataque provavelmente vem de Victor Hugo. (AUERBACH,
1998, p.342).
O Classicismo foi alvo de ataque por parte dos românticos devido
ao excessivo isolamento e segregação que impôs às suas personagens.
Nenhuma ou mínima referência às expressões que dão aos textos o
efeito do real era exposta em suas obras: ―Acerca do povo fala-se
raramente (...) indicações sobre o dia-a-dia, sobre comer ou beber
faltam quase por completo‖ (AUERBACH, 1998, p. 342). Ou seja, a ação
realiza-se desligada de suas ramificações, o enraizamento histórico,
social, econômico e regional do acontecimento pode ser expresso
com insinuações muito gerais‖ (Ibid. p. 345). Podemos, no entanto,
considerar a arte de Molière (1622- 1673), contemporâneo a Racine,
como o máximo de realismo que poderia ser apreciado, pois, nas
101
comédias do primeiro, foram introduzidas personagens que pertenciam
ao povo.
E por essa atitude, Molière foi acusado por críticos da época, como
Boileau
22
, de ter misturado o estilo médio (comédia de costumes ou de
sociedade) e o baixo (farsa popular). Com isso, Molière subverteu
abertamente o princípio classicista da indispensabilidade das regras
23
.
Apesar desta inovação, a comédia de Molière continuava a apresentar
limitações:
Molière está mais inclinado a franquear a entrada do nível
estilístico médio ao grotesco do que ao elemento sério e
inteiramente realista da vida econômico-política. (AUERBACH,
1998, p.330).
A problemática econômico-financeira era, desde a antiguidade
grega, tema das comédias. Aos poucos o movimento romântico dará
novo impulso à representação do real, mesmo com suas limitações.
Dentre as contribuições desse movimento, e guardadas as diferenças
entre o Romantismo europeu e o brasileiro, podemos citar: descrição do
espaço físico sob uma perspectiva mimética; retrato dos tipos humanos
e seus costumes com o intuito de fortalecer o sentimento nacionalista; a
paisagem local era desenhada com riqueza de detalhes; valorização dos
linguajares regionais como maneira de autoafirmação.
Portanto, no que se referem ao teor realista, nossos romances
românticos expandiram a questão da representatividade. Antonio
Candido se reportará à presença desse pequeno realismo, como
miudamente sensível às questões sociais no Brasil. Será, no entanto,
durante o Realismo que esta representação atingirá o máximo de sua
22
Crítico e poeta francês (1636- 1711).
23
Esse princípio criticava abertamente a mistura dos gêneros e valorizava a pureza do estilo.
102
expressão. Segundo Luciana Stegagno-Picchio, em História da
Literatura brasileira, o Realismo buscou: a verdade expressiva; a pintura
fiel das situações; personagens concretas; a objetividade da descrição e
a recusa do autor em expressar um juízo seu. A escritora informa: ―A
minuciosidade da descrição torna mais lento o ritmo narrativo, rejeitando,
no próprio plano da expressão a síntese poética para refugiar-se na
escolha analítica de palavras quotidianas, simples, naturais‖
(STEGAGNO- PICCHIO, 2004, p. 251). Lançavam-se, naquele momento,
as sementes do realismo cotidiano contemporâneo. Sobre certa
transição do social em nome do interesse pelo homem, Karin Volobuef
24
detalha:
À medida que se acirravam os problemas dos centros
urbanos- como questões trabalhistas do proletariado e
dificuldades surgidas por causa da grande concentração
populacional, ao mesmo tempo em que se vinha aproximando
a sociedade de massas-, o interesse pelo indivíduo foi
cedendo à preocupação com o social (tendência essa que
será revertida no século XX pela volta do subjetivismo no
romance moderno. (VOLOBUEF, 1999, p.423).
Nesta citação, a autora faz referência à passagem do movimento
romântico para uma tendência mais realista e, posteriormente, deste
para um movimento mais intimista. A volta ao subjetivismo no romance
moderno seria o que poderíamos classificar como a crise da
representação no século XX, uma vez que a fragmentação do sujeito
impossibilita a visão burguesa do homem do século XIX. Com isso, o
romance estaria caminhando para uma representação antirrealista, uma
vez que o homem do mundo moderno está cada vez mais voltado para
dentro de si, resultado de seu desencantamento com o mundo.
24
Autora de Frestas e arestas: a prosa de ficção do Romantismo na Alemanha e no Brasil (1999).
103
Diante das transformações na história da linguagem romanesca, o
conceito de representação do real vai adaptando-se às necessidades e
aspirações de cada época, como nas crises da pós-modernidade pelas
quais estaríamos sendo atravessados.
Essas crises seriam resultado de inúmeros fatores combinados,
entre eles o descrédito da humanidade em relação ao progresso, como
ressalta Gilberto de Mello Kujawski:
Como a vida humana se constitui, imediatamente, como
cotidianeidade, a origem da crise deve ser investigada na quebra
dos padrões da vida cotidiana. É na ruptura do cotidiano, na
deteriorização dos moldes em que vazamos a vivência do dia-a-
dia, que experimentamos a crise de forma primária e imediata.
(KUJAWSKI, 1991, p. 34-35).
Segundo Kujawski, os principais elementos constitutivos do
cotidiano seriam: habitar, trabalhar, passear, comer e conversar. Esses
elementos seriam os articuladores e responsáveis pela sensação de
estarmos no mundo, uma vez que indicam nossa familiaridade com o
que nos cerca, com o ―contorno, abreviatura do mundo, aquela porção
do mundo que alcançamos de imediato‖ (Ibid. p. 36).
A escritura de Lygia Bojunga foca exatamente esse contorno,
construindo e reconstruindo histórias segundo dados do cotidiano e este
como representação de um macrouniverso. Através de experiências
habituais, os leitores de sua obra vão aprendendo a pisar cada vez com
mais consciência nesses solos conhecidos e ansiando por dimensões
maiores. E se, historicamente, o germe da crise corrói estruturas
elementares, a obra de Lygia Bojunga é uma das que contribuem e
colaboram para a conservação e manutenção de referências essenciais
à vida humana, como as que Kujawski destaca acima.
104
Lygia Bojunga insere-se, predominantemente, no Realismo
25
cotidiano com rápidas passagens pela linha do maravilhoso, através de
um realismo cotidiano, baseado em situações comuns na vida do dia-a-
dia.
Habitar:
―A habitação é essencial à vida humana‖ afirma Gilberto de Mello
Kujawski, desde os primórdios da humanidade, quando o homem deixou
de ser nômade e fixou moradia, tornando-se, em sua maioria, sedentário.
Ele radicou-se nas terras em que plantava e vivia. Sua ligação ao solo
em que habitava passou a ser inerente à sua condição humana. Fixar
moradia passou a significar que o homem não mais precisaria vagar ao
sabor das intempéries, sem descanso e sem destino. Daí, até os dias de
hoje, as pessoas julgam como sonho realizado a aquisição da casa
própria:
Naquela noite inauguraram o barraco feito com folhas de zinco e
caixotes velhos. Até que ficou muito caprichado: o telhado com
boa inclinação e nenhum furo no zinco; as paredes e a porta
feitas com pedaços de caixotes muito bem pregados (...).
Ficaram um tempo enorme admirando a nova casa por dentro e
por fora. Depois foram dormir felizes da vida. (BOJUNGA, 1998,
p. 22).
Em Os colegas, de Lygia Bojunga, podemos perceber a alegria e
a satisfação pela recém construção do imóvel. Não importam às
25
De acordo com Nelly Novaes Coelho, em Literatura infantil (2000), há cinco linhas ou tendências na
literatura infanto-juvenil contemporânea, são elas: Linha do realismo cotidiano, Linha do maravilhoso,
Linha do enigma ou intriga policialesca, Linha da narrativa por imagens e a Linha dos jogos
linguísticos.
105
personagens as precárias condições da nova habitação, mas sim o fato
de ter, finalmente, um lugar para morar.
Trabalhar
Desde sua primeira publicação em 1972, com Os colegas, a
escritora preocupa-se em compor em sua obra, com realismo, as
questões de ordem sócio-econômicas, e suas personagens saírem em
busca de um trabalho ou profissão:
Foi por causa de tudo isso que os quatro passaram o domingo
todinho confabulando e pelas tantas resolveram: Não
ficar sem trabalhar. (BOJUNGA, 1998, p.82).
A escritora aproveita o tema para tratar da escolha acertada
da profissão, a insatisfação no trabalho e o prazer em se fazer algo de
que se gosta, questões vitais para a felicidade ou para a infelicidade:
Napoleão Gonçalves era um sapo (...). Napoleão começou a
trabalhar em casa; como gostava muito de trabalhar com
madeira, resolveu ser marceneiro. (Angélica, p.93)
...uma das coisas que ele achava que pra ser feliz a gente
precisa trabalhar nas coisas que a gente gosta.
(Angélica, p.92)
...o João toca clarinete; o que o João queria mesmo é fazer
parte de uma orquestra, mas em vez disso ele trabalha num
banco. (Paisagem, p. 11).
O pessoal aqui em casa até que se vira: meu pai e minha mãe
trabalham, meu irmão tirando faculdade, minha irmã mais
velha também trabalha. (A bolsa amarela, p. 13).
Apesar da industrialização, segundo Gilberto de Mello, em A crise
do século XX (1991), ter sido responsável pela perda do caráter
106
artesanal da literatura, a produção literária de Lygia Bojunga exalta e
valoriza o trabalho de invenção e criação artesanais:
Meu olho vai esmiuçar a mão do artesão: criando. O artesão é
um bordador. (BOJUNGA, 2001f, p. 109).
E até acabei uma máquina que eu vinha inventando mais
de trinta anos, - O olho do Vítor se espantou. O Inventor achou
graça: - Parece muito tempo, não é? Mas quando a gente tá
inventando, o tempo passa assim- estalou o dedo. (BOJUNGA,
1999, p. 104).
Leila Perrone-Moisés, em Flores da escrivaninha, diz serem
sinônimos tanto a palavra criação quanto invenção: ―Inventar é também
a criação de uma coisa nova (...). Inventar é usar o engenho humano, é
interferir localizadamente no conjunto dos artefatos de que o homem
dispõe para tornar sua vida mais rica e mais interessante‖ (PERRONE-
MOISÉS, 1990, p. 101). O processo de criação é tema de grande
interesse na obra de Lygia Bojunga. A chamada Trilogia do Livro trata,
especificamente, dessas questões.
Passear:
―Passear é apropriar-se biograficamente da cidade, do lugar‖
(KUJAWSKI, 1991, p. 49). Com essa afirmação, Gilberto de Mello
Kujawski assinala a importância de se conhecer o contorno em que
vivemos. Não se trata de passar pela rua, mas de passear nela; olhá-la,
percebê-la, notar-lhe os detalhes, conhecer sua história:
Eu te percorria, te esmiuçava (...). Desvendar uma tua outra rua,
descobrir um teu outro canto escondido, revisitar um teu bairro
distante (...). Quantas vezes eu pegava a praia (...) e vinha
andando na calma a Constante Ramos, me impregnando de
maresia. (BOJUNGA, 2005a, p. 36-37).
107
Em O Rio e eu (2005a), Lygia Bojunga declara seu amor pela
cidade do Rio de Janeiro; e o faz descrevendo suas sensações e
impressões dos lugares mais marcantes pelos quais andou, e que, de
alguma forma, haviam marcado sua vida.
Comer:
Há, na obra de Lygia Bojunga, inúmeras cenas que se reportam a
esses momentos, em que a comida é posta à mesa. Algumas vezes,
com toda a família reunida para celebrar um banquete; em outras, o
jantar dos mais simples, mas não menos apetitoso:
Tem almoço na casa da tia Brunilda. Bacalhoada. Eu adoro
comer, tem um prato que eu não aguento: bacalhau.
(BOJUNGA, 2001b, p. 61).
A empregada serviu uma tigelinha pra cada um. O Tuca viu todo
mundo começando a comer. Será que o almoço era aquilo e
pronto? (BOJUNGA, 2006a, p. 62).
A companhia do bife mudava muito:
Com arroz
Com salada
Com aspargos
Com ovo em cima
A cor do bife mudava um pouco:
Ao ponto
Mal passado
Bem passado. (BOJUNGA, 2006a, p. 60).
Segundo Gilberto de Mello Kujawski, a vivência culinária contribui
para a absorção do homem no cotidiano, que remonta à tradição
108
desde o início dos tempos; pois, a ―cozinha está ligada ao sossego, à
estabilidade, à radicação do homem na terra‖ (KUJAWSKI, 1991, p.52).
Portanto, nada mais habitual que a alimentação.
Conversar:
A linguagem da modernidade é semelhante à televisiva: ―cheia de
bruscas descontinuidades e cortes inesperados‖ (KUJAWSKI, 1991, p.
48). Essa fragmentação não refletiria a vida como a reconstruímos, isto
é, como uma narrativa. E, com o efeito do tempo em nossa vida, a
pressa, as notícias, tudo nos chega muito diluído. E o ato de conversar
acaba se perdendo ou sendo suprimido, dentre as muitas tarefas que
temos que cumprir, no decorrer do dia. A fim de resgatar o tom de
conversa entre interlocutores, é que a obra de Lygia Bojunga guarda a
coloquialidade da língua falada:
No meu livro Feito à mão escrevi uma introdução chamada ―Pra
você que me lê‖, foi um jeito que procurei pra ir estreitando mais
e mais essa relação pra mim tão gostosa: a que eu tenho com
você que me lê. (BOJUNGA, 2006a, p. 07).
Aqui venho de novo conversar contigo, neste espaço que é
nosso, pra te contar que... (BOJUNGA, 2006b, p. 213).
Portanto, basta ao leitor ler a primeira página de uma das obras da
escritora para ser convidado a participar da conversa que se dará,
que essa busca pela oralidade tem a finalidade de justamente aproximar
ainda mais o leitor.
Além da abordagem do cotidiano que a escritora dá às suas obras,
é importante ressaltar que o realismo em sua escritura também é obtido
109
através da inclusão de temas delicados, da crítica e de denúncia social.
Lygia Bojunga trabalha questões, como: o suicídio, em O meu amigo
pintor (1995); a separação de pais, em Seis vezes Lucas (1997); um
assassinato, em Nós três (2002a); o estupro, em O abraço (2004); a
perda dos pais, em Corda Bamba (2001d); o abuso sexual contra
menores, a prostituição infantil e o homossexualismo, em Sapato de
salto (2006c). São, portanto, questões que participam da nossa
realidade social e com as quais temos que conviver diariamente.
3.6 A fortuna crítica
Nossa pesquisa esteve envolvida com elementos que estão no
plano intratextual de uma obra literária. Neste tópico, no entanto, serão
abordados especificamente elementos que se prendem ao plano de
expectativas extratextuais.
Para isso, voltamos nosso olhar novamente para os estudos da
Estética da Recepção, já que sua teoria de comunicação literária baseia-
se na relação entre: o autor, a obra e o leitor, tendo como pressuposto
metodológico o foco na figura do leitor.
Roland Barthes, em O rumor da língua, afirma em seu ensaio
intitulado ―A morte do autor‖, datado de 1968, que a ―unidade do texto
não está em sua origem, mas no seu destino‖ (BARTHES, 2004, p.64).
Ou seja, é o leitor que irá desvendar o texto e que tentará preencher
seus espaços vazios. Essa afirmação é ratificada por Jean-Paul Sartre,
em Que é a Literatura?:
110
O ato criador é apenas um momento incompleto e abstrato da
produção de uma obra; se o escritor existisse sozinho, poderia
escrever quanto quisesse, e a obra enquanto objeto jamais viria
à luz: lhe restaria abandonar a pena ou cair no desespero.
Mas a operação de escrever implica a de ler (...). É o esforço
conjugado do autor com o leitor que fará surgir esse objeto
concreto (...). existe arte por e para outrem. (SARTRE, 1993,
p. 37).
Sartre defende nitidamente o valor do leitor para a completa
realização da obra literária. Neste sentido, devemos diferenciar dois
tipos de leitores: o leitor ―ativo‖, cuja leitura de determinados autores e/
ou obras pode vir a influenciar a sua própria produção. Trata-se,
portanto, de um leitor-escritor. Tomemos como exemplo o estudo
realizado no capítulo Lygia Bojunga e suas leituras‖, que, naquela
oportunidade, a escritora fora analisada sob a perspectiva de uma
leitora-ativa. Daí, todo o estudo intertextual feito com o intuito de
descobrirmos as possíveis fontes que incentivaram a criação literária da
escritora.
O segundo tipo de leitor ou leitor ―passivo‖ es associado ao
público em geral. Um público que pode tomar a obra literária apenas
pela fruição estética que esta lhe causa.
Sandra Nitrini, em Literatura comparada, conceitua Fortuna Crítica
como sendo: ―o conjunto dos testemunhos que manifestam as
qualidades de uma obra(NITRINI, 1997, p. 169). Como testemunhos,
podemos citar: prêmios, traduções, adaptações etc. Para Paul Valéry, a
influência exercida sobre a posteridade, determina em grande parte o
valor da própria obra emissora‖ (VALÉRY. Apud NITRINI, 1997, p. 133).
Deduzimos que o conceito de Fortuna Crítica está diretamente
relacionado ao de sucesso e influência do escritor e de sua obra.
111
Se até o momento, vínhamos estudando a escritora Lygia
Bojunga, interpretando possíveis fontes das quais ela recebera alguma
influência, agora, faremos o inverso; vamos investigar a obra da
escritora como fonte, isto é, influenciando outros leitores ativos, tal como
sugere o discurso de Tarcísio Padilha, da Academia Brasileira de Letras,
na sessão solene de recepção à escritora Ana Maria Machado:
Vós vos valeis de uma metáfora bem ajustada à escrita como
ato de tecer, de fiar, de bordar. E aqui avulta a intertextualidade
de que lançais mão, como é o caso de Bisa Bia Bisa Bel, em que
há patente inspiração de A bolsa amarela, de Lygia Bojunga
26
.
O trecho do discurso de Tarcísio Padilha enfoca a obra de Lygia
Bojunga como fonte de inspiração para a escritora Ana Maria Machado,
esta enquanto leitora ativa.
o sucesso da obra de Lygia Bojunga atesta-se através de mais
de trinta prêmios a ela conferidos. Dentre eles, destaca-se o ALMA,
maior prêmio internacional instituído à Literatura infanto-juvenil.
27
Algumas das vinte e uma obras publicadas por Lygia Bojunga, até o ano
de 2007, já foram traduzidas para mais de dezenove idiomas, entre eles:
o alemão, o espanhol, o francês, o inglês e o sueco.
A escritora também teve algumas de suas obras adaptadas ao
teatro e encenadas tanto no Brasil quanto no exterior: Fazendo Ana Paz
foi encenada no Jardim Botânico do Rio de Janeiro; Corda Bamba, na
Suécia e A casa da madrinha, na França.
Meu amigo pintor
28
virou animação premiada no Festival
venezuelano Manuel Trujillo Duaran, em 2005, e é possível encontrá-lo
26
RIO DE JANEIRO. Academia Brasileira de Letras. Discurso de Tarcísio Padilha, 2003.
27
A relação dos prêmios está, cronologicamente, ordenada nos Anexos desta pesquisa.
28
Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=4SmMY5TBHTM >. Acesso em: 09 fev 2009.
112
em um site de vídeos da internet, assim como: A casa da madrinha,
29
exposto em vídeo pelos alunos do Colégio Tupy, em agosto de 2008 e
Tchau,
30
animação produzida pelos alunos do Ensino Fundamental da
Escola Dr. Celso Gama, em Santo André, São Paulo (2007).
Como produção acadêmica, contam-se mais de trinta
dissertações de mestrado, mais de dez teses de doutorado e alguns
livros publicados sobre a narrativa de Lygia Bojunga. (Ver Anexos).
A escritora e sua obra têm percorrido não o Brasil, mas
também o estrangeiro. E, cada vez que a autora é chamada a receber
um prêmio em algum lugar, trata-se de um reconhecimento não só
acadêmico, mas de seu público leitor. Esse reconhecimento atesta a
superação de possível angústia da influência sofrida nas lutas por sua
autonomia artística e premia a consolidação do estilo Lygia Bojunga de
escrever.
3.6.1 Dos vinte 1: Lygia Bojunga por ela mesma
Quando Lygia Bojunga lançou Dos vinte 1 (2007)
31
, contendo uma
seleção de trechos de cada um de seus vinte livros, até agora
publicados, algumas questões foram suscitadas: O que a levara a
publicar essa coletânea? Que critérios ela utilizara para escolher cada
trecho? Que olhar lançara sobre sua própria obra? Tínhamos, pois, uma
escritora lendo a si mesma; daí, a surgirem alguns questionamentos foi
29
Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=ean1h5yPHAI>. Acesso em: 09 fev 2009.
30
Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=_ZMlYxytGCg >. Acesso em: 09 fev 2009.
31
Em entrevista exclusiva (12 Jan 2009), a escritora revelou que já uma nova obra literária em
andamento.
113
inevitável. A primeira questão levada em consideração foi: tratava-se de
uma leitora ideal?
Harold Bloom, em A angústia da influência, afirma que ―os poetas,
quando já se tornaram fortes, não leem a poesia de X, pois os realmente
fortes podem ler a si mesmos‖ (BLOOM, 1991, p. 69). Ou seja, o
crítico considera perfeitamente salutar a leitura de um escritor por ele
mesmo. A ideia de o escritor como leitor ideal embasa-se no fato de que
este seria capaz de iluminar os espaços vazios de um texto, uma vez
que esses espaços de não-ditos foram abertos por ele mesmo.
Jean-Paul Sartre, em Que é a Literatura?, rebate essa linha de
pensamento ao asseverar que ―o escritor não pode ler o que escreveu‖,
pelo simples fato de que escrever significaria projetar a feitura da obra à
sua vontade, enquanto ler seria fazer previsões e conjecturas, que o
leitor comum não tem conhecimento, quando inicia uma leitura, do que
está por vir. Sobre o ato da releitura de uma obra por seu autor, Jean-
Paul Sartre comenta:
Quando as palavras se formam sob a pena, o autor as vê, sem
dúvida, mas não da mesma maneira que o leitor, pois já as
conhece antes de escrever, seu olhar não tem a função de
despertar com leve toque as palavras adormecidas que
aguardam ser lidas, mas sim de controlar o traçado dos signos.
(SARTRE, 1993, p. 36).
De acordo com essa afirmação, entende-se que cabe a um leitor
que não seja o próprio autor do texto a tarefa de ―despertar com leve
toque as palavras adormecidas‖.
Ao lançar sua coletânea de trechos favoritos, Lygia Bojunga
revela, no ―Pra você que me lê‖ que optou por publicar Dos vinte 1 (2007)
porque sempre em entrevistas, encontros e congressos era questionada
114
sobre que personagens mais gostava, que partes do livro sentira mais
prazer em escrever,
32
etc. O critério utilizado por ela foi: ―uma procura,
subjetiva, por preferências e satisfações‖ (BOJUNGA, 2007, p. 10).
Inicialmente, a escritora tentou seguir uma linha de isenção, mas
percebeu que tal tentativa seria irrealizável; daí, decidiu escolher dentre
todos os capítulos, de cada um de seus vinte livros, aquele que de
repente lhe arrancasse uma ―risada imprevista, ou provocasse uma
súbita emoção‖ (BOJUNGA, 2007, p. 13). Ou seja, Lygia Bojunga
procurou exatamente colocar-se na função de leitora, e assim, sofrer os
efeitos que a leitura lhe fosse capaz de provocar.
Contrariando, desse modo, a visão sartreana de que um escritor
pode avaliar o efeito que sua obra produzirá nos outros, mas não pode
senti-lo, Lygia Bojunga declara: ―Eu não queria, de jeito nenhum, sujeitar
minha seleção a temas, faixas etárias, ausência ou presença disso ou
daquilo. Queria um critério bem solto: gostei? me divertiu? me
interessou? me comoveu?‖ (BOJUNGA, 2007, p. 14). Desta forma, a
escritora releu toda a sua obra e permitiu ao seu público leitor conhecê-
la ainda mais; pois, Dos vinte 1(2007) é um indispensável caminho para
aqueles que desejam desvendar as preferências da escritora em relação
a sua própria obra.
Não é este o critério dos leitores sem obrigação de produzirem
textos críticos, resenhas, serem submetidos a provas, exames e
avaliações que tomam o texto poético como objeto de aferição de
conhecimento? O critério adotado por Lygia Bojunga, baseado no gosto,
no divertimento, no interesse, na comoção, resgata uma das funções da
arte poética horaciana: a fruição.
32
Em entrevista exclusiva (12 Jan 2009), a escritora nos revelou que a sua personagem mais odiada
é Maria Cecília Mendonça de Melo, avó da personagem Maria, de Corda Bamba (2001d).
115
Este critério conduz os leitores a descobertas maravilhosas
proporcionadas pelo nível estético da obra literária, realizado pelo estilo
e pela escritura, ambos marcados pelo compromisso com a linguagem,
com seu povo, com seu tempo, com a vida.
Vale ressaltar a diferença que entre estilo e escritura, como
bem assevera Roland Barthes, em O grau zero da escritura (1974). O
estilo, para o crítico francês, seria uma espécie de automatismo obtido
através do corpo e do passado do escritor; já, a escritura seria a relação
entre sua criação e a sociedade, ― a linguagem literária transformada por
sua destinação social‖ (BARTHES, 1974, p. 124). Ou seja, a escritura é
tida como a moral da linguagem, uma vez que por via dela o escritor
manifesta seu engajamento na sociedade em que vive.
É possível concluir, então, que a escritora Lygia Bojunga não
submete sua escrita a uma convenção ou a um público, mas utiliza sua
escritura com liberdade para problematizar sua relação e posição crítica
dentro de um contexto histórico e social.
116
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Concluir significa terminar, acabar, ajustar definitivamente; mas a
única intenção que não temos aqui é a de dar esse assunto como
acabado. Seria pretensão de nossa parte achar que exaurimos todo o
cabedal de possibilidades de discussões desta pesquisa.
Esperamos, sim, que esse trabalho de pesquisa possa contribuir
para outros estudos congêneres; e que as considerações que
apresentaremos a seguir suscitem novas pesquisas, uma vez que
alguns aspectos relevantes da obra de Lygia Bojunga foram abordados.
Buscamos dar um tom informal a esse estudo, guardando o rigor
da pesquisa, como deferência e respeito à obra da autora. E, adotando
um processo dialógico, discutimos questões relevantes sobre a posição
da autora dentro de seu contexto histórico, social e político. Através de
noções como a de ―campo‖, utilizada por Pierre Bourdieu e a de
―paratopia‖, empregada por Dominique Maingueneau, problematizamos
a posição da escritora Lygia Bojunga.
Revimos em que condições a escritora deu início à sua produção
literária, como ela produziu seus escritos em relação ao campo literário
em que estava inserida. E chegamos à confirmação de que Lygia
Bojunga fundamentou sua obra numa posição questionadora e crítica
em relação à ordem estabelecida. Jean-Paul Sartre, em Que é a
Literatura?, apregoava que ―a arte não perde nada com o
engajamento‖ (SARTRE, 1993, p. 23). Pelo contrário, ganha a
possibilidade de conscientizar criticamente o leitor.
A escrita bojunguiana não é alienada em relação ao contexto ao
qual pertence, mas as críticas vêm à tona na justeza das entrelinhas,
117
segundo Leila Perrone-Moisés: ―A simples denúncia, pela linguagem, do
que vai mal no mundo, não tem a eficácia conseguida pelo trabalho da
forma na literatura. Os artifícios do escritor revelam, ao mesmo tempo, o
que falta no mundo e aquilo que nele deveria estar‖ (PERRONE-
MOISÉS, 1990, p. 107). Isso significa dizer que, embora engajada, a
narrativa de Lygia Bojunga não é panfletária nem explícita, mas constrói-
se através de metáforas poéticas que conferem ao texto rico potencial
semântico. Suas publicações, portanto, revelam um discurso de luta e
oposição às situações adversas encontradas no país.
No segundo capítulo, examinamos algumas leituras realizadas por
Lygia Bojunga, que lhe foram relevantes e modificaram sua forma
mentis. Confirmamos fontes anunciadas pela própria escritora, como:
Monteiro Lobato, Dostoievski, Edgar Allan Poe, Rainer Maria Rilke,
Fernando Pessoa; e outras que identificamos, como os autores
românticos alemães. Nesse sentido, estabelecemos aproximações e
diferenças entre os textos bojunguianos e seus precursores, e foi-nos
possível conhecer um pouco mais da Lygia Bojunga- leitora, as obras
que a influenciaram, e como essa leitora ativa conseguiu,
posteriormente, converter a noção de ―endividamento‖, em relação aos
seus precursores, em superação e consolidação de um estilo próprio.
No último capítulo, procuramos analisar a escritura bojunguiana
sob vários aspectos, dentre eles o da linguagem, como instrumento de
subversão e contestação que se realizam também no momento em que
a linguagem se desvia da norma culta; ou, segundo Sandra Nitrini, em
Literatura comparada, ―ao quebrar as leis da linguagem censurada pela
gramática e pela semântica, realiza como que uma contestação social e
política‖ (NITRINI, 1997, p. 159). Com isso, Lygia Bojunga subverte o
estabelecido, ao utilizar recursos expressivos que aproximam sua obra
do leitor. Daí, a presença da língua falada como recurso estilístico.
118
A oralidade faz-se pedra fundamental em um texto que busca um
diálogo mais direto com seu tempo. A presença da coloquialidade nas
narrativas, embora aparentemente represente circunstâncias individuais
ou particularidades culturais (brasileiras), atinge temáticas universais,
uma vez que ―o cotidiano reflete toda uma cosmovisão trocada em
miúdos‖ (KUJAWSKI, 1991, p. 42).
Essa abordagem colabora para a inserção e reconhecimento do
homem no contexto em que vive, permitindo-lhe projetar-se em
dimensões maiores. Para isso, a escritora lança mão de recursos que
exploram ao máximo as potencialidades de nossa língua, numa
operação de linguagem inovadora através de recursos que atestam um
jeito próprio de escrever, em estilo consolidado e reconhecido por seu
público leitor e pela crítica literária, segundo Roland Barthes,uma
―linguagem autárquica‖, em O grau zero da escritura (1974), ou seja,
seriam imagens, fluxos verbais, léxicos que nascem do corpo e do
passado do escritor e tornam-se pouco a pouco os próprios
automatismos de sua arte.
Cada obra de Lygia Bojunga corresponde a uma parte de um
grande livro, no qual o universal mascara-se em bolsas amarelas,
cavações de túneis, fitas verdes e cordas bambas; o livro-síntese, livro
essencial à vida, composto de vinte e um capítulos.
119
Lutei bastante, sim. Mas, em alguns aspectos, fui muito favorecida‖.
120
5. ANEXOS
5.1 Obras da autora
Os colegas
1972
Angélica
1975
A bolsa amarela
1976
A casa da madrinha
1978
Corda bamba
1979
O sofá estampado
1980
Tchau
1984
O meu amigo pintor
1987
Nós três
1987
Livro, um encontro
1988
Fazendo Ana Paz
1991
Paisagem
1992
Seis vezes Lucas
1995
O abraço
1995
Feito à mão
1996
A cama
1999
O Rio e eu
1999
Retratos de Carolina
2002
Aula de inglês
2006
Sapato de salto
2006
Dos vinte 1
2007
121
5.2 Prêmios
1972
Prêmio INL (Instituto Nacional do Livro) Os colegas
Ed. José Olympio;
1973
Prêmio Jabuti Os colegas Ed. José Olympio;
1974
Lista de Honra International Board on Books for Young
People (IBBY) Os colegas Ed. José Olympio;
1975
O Melhor para a Criança FNLIJ Angélica Ed. AGIR;
1976
O Melhor para a Criança FNLIJ Os colegas Ed.
AGIR;
1978
O Melhor para o Jovem FNLIJ A casa da madrinha
Ed. AGIR;
1978
Lista de Honra IBBY Os colegas Ed. AGIR;
1979
Altamente Recomendável para o Jovem FNLIJ Corda
bamba Ed. AGIR;
1980
Altamente Recomendável para tradução nos países-
membros da Organização Internacional para o Livro
Infantil e juvenil, por sua obra;
1980
Grande Prêmio APCA (Críticos Autorais) O sofá
estampado Ed. José Olympio;
1980
O Melhor para o Jovem FNLIJ O sofá estampado
Ed. José Olympio;
1982
Prêmio HANS CHRISTIAN ANDERSEN IBBY (pelo
conjunto de sua obra) o mais tradicional prêmio
internacional de literatura para crianças e jovens;
1982
Prêmio Bienal Banco Noroeste de Literatura Infantil e
Juvenil O sofá estampado Ed. José Olympio;
1985
Prêmio literário O Flautista de Hamelin A casa da
madrinha Ed. AGIR outorgado pela cidade de
Hamelin, Alemanha;
122
1985
Prêmio Os Melhores para a Juventude A casa da
madrinha Ed. AGIR concedido pelo Senado de
Berlim;
1985
Prêmio Molière (Teatro) O Pintor Ed. AGIR;
1985
O Melhor para o Jovem FNLIJ Tchau Ed. AGIR;
1986
Prêmio Mambembe de Teatro: O Pintor Ed. AGIR;
1987
Seleção dos melhores livros da Biblioteca Internacional
da Juventude de Munique Tchau Ed. AGIR;
1990
Altamente Recomendável para o Jovem FNLIJ Nós
Três Ed. AGIR;
1992
Altamente Recomendável para o Jovem FNLIJ
Fazendo Ana Paz Ed. AGIR;
1992
Altamente Recomendável para o Jovem FNLIJ
Paisagem Ed. AGIR;
1993
Prêmio Jabuti Câmara Brasileira do Livro (CBL)
Fazendo Ana Paz Ed. AGIR;
1993
Prêmio White Ravens Fazendo Ana Paz Ed. AGIR;
1996
Prêmio Orígenes Lessa Hors Concours FNLIJ O
abraço Ed. AGIR;
1996
Prêmio Orígenes Lessa Hors Concours FNLIJ Seis
vezes Lucas Ed. AGIR;
1996
Altamente Recomendável FNLIJ O abraço Ed.
AGIR;
1996
Altamente Recomendável FNLIJ Seis vezes Lucas
Ed. AGIR;
1997
Prêmio Jabuti Câmara Brasileira do Livro (CBL) Seis
vezes Lucas Ed. AGIR;
1997
UBE (União Brasileira de Escritores) Prêmio Adolfo
Aizen O abraço Ed. AGIR;
1999
Altamente Recomendável FNLIJ O Rio e eu Ed.
Salamandra;
123
1999
Prêmio Orígenes Lessa Hors Concours O Melhor
para o Jovem FNLIJ A cama Ed. AGIR;
2000
Prêmio Júlia Lopes de Almeida Hors Concours União
Brasileira de Escritores UBE A cama Ed. AGIR;
2002
Altamente Recomendável para o Jovem FNLIJ
Retratos de Carolina Ed. Casa Lygia Bojunga;
2004
ALMA Astrid Lindgren Memorial Award (pelo conjunto
de sua obra);
2004
Prêmio FAZ DIFERENÇA (personalidade literária do ano)
- O GLOBO
2007
Altamente Recomendável para o Jovem FNLIJ Aula
de inglês Ed. Casa Lygia Bojunga;
2007
Altamente Recomendável para o Jovem FNLIJ
Sapato de salto Ed. Casa Lygia Bojunga.
124
5.3 Publicações em outros idiomas
Obras em alemão
Die Freunde Aus dem brasilianischen Portug. Von Karin Schreiner. Mit
Zeichn. von Sabine Barth. Ravensburg: Ravensburger Buchverlag. (Lizenz
des Verl. Dressler, Hamburg), 1994 (Os Colegas, 1972)
Angelika Aus dem brasilianischen Portug. von Karin Schreiner. Mit Zeichn.
von Sabine Barth. Ravensburg: Ravensburger Buchverlag. (Lizenz des Verl.
Dressler, Hamburg), 1994 (Angélica, 1975)
Die gelbe Tasche Aus dem brasilianischen Portug. von Karin Schreiner. Mit
Zeichn. von Reinhard Michl. Ravensburg: Maier. (Lizenz des Dressler-Verlag),
Hamburg, 1992 (A Bolsa Amarela, 1976)
Das Haus der Tante Aus dem brasilian. Portug. von Karin Schreiner. Mit
Zeichn. von Reinhard Michl. Ravensburg: Maier. (Lizenz des Dressler-Verl.,
Hamburg), 1993 (A Casa da Madrinha, 1978)
Maria auf dem Seil Aus dem brasilianisch Portug. von Karin Schreiner.
Ravensburg: Maier. (Lizenzausg. des Dressler-Verl., Hamburg), 1992 (Corda
Bamba, l979)
Das geblümte Sofa Dt. von Karin Schreiner. Hamburg: Dressler, 1984 (O
Sofá Estampado, 1980)
Tschau : 4 Erzählungen Dt. von Karin Schreiner. Hamburg: Dressler, 1986
(Tchau, 1984)
125
Mein Freund, der Maler Aus dem brasilianischen Portug. von Karin
Schreiner. Ravensburg: Maier. (Lizenz des Dressler-Verl., Hamburg), 1993 (O
Meu Amigo Pintor, 1987)
Wir drei Dt. von Karin Schreiner. Hamburg: Dressler, 1988 (Nós Três, 1987)
Obras em espanhol
Los amigos Ilustr. de Ródez. Trad. de Irene Vasco. Bogotá: Grupo Ed.
Norma Infantil-Juvenil, 2001
La bolsa amarilla Ilustr. de Esperanza Vallejo. Trad. de Elkin Obregón.
Barcelona: Grupo Ed. Norma, 1997
Cuerda floja Trad. de Elkin Obregón. Ilustr. de Alejandro Ortiz. Barcelona:
Grupo Ed. Norma, 1998
Chao! Trad. de Irene Vasco. Ilustr. de Ivar Da Coll. Bogotá: Grupo Ed.
Norma, 2001
Mi amigo el pintor Trad. de María del Mar Ravassa. Ilustr. de Mónica Meira.
Bogotá: Ed. Norma, 1989
Seis veces Lucas Ilustr. de Alejandro Ortiz. Trad. de Elkin Obregón.
Barcelona: Grupo Ed. Norma, 1999
Los compañeros. Trad. de Mirian Lopes Moura. Barcelona, Ed. Juventud,
1984.
Els Companys. Trad. Manuel de Seabra. Barcelona, ed. Joventud, 1985.
La casa de la madriña. Trad. Mário Merlino. Madri, Ed. Alfaguara, 1983.
Adéu, Barcelona: Aliorna, 1987
126
Obras em francês
La maison de la marraine Paris: Messidor/La Farandole, 1982 (A Casa da
Madrinha, 1978)
La sacoche jaune Flammarion-Pere Castor, 1983 (A Bolsa Amarela, 1976)
La fille du cirque Flammarion, 1999 (Corda Bamba, l979)
Obras em inglês
The Companions Translated by Ellen Watson. Illustrated by Larry Wilkes. 1st
ed. New York: Farrar Straus Giroux, 1989 (Os Colegas, 1972)
My friend the painter Translated by Giovanni Pontiero. 1st ed. San Diego :
Harcourt Brace Jovanovich, 1991 (O Meu Amigo Pintor, 1987)
Obras em sueco
Alexander och påfågeln Översättning: Kajsa Pehrsson. Stockholm: Gidlund,
1983 (A Casa da Madrinha, l978)
Den gula väskan Översättning: Karin Rosencrantz-Bergdahl. Stockholm:
Rabén&Sjögren, 1984 (A Bolsa Amarela, 1976)
Kompisarna Översättning: Bo Ivander. Illustrationer av Sabine Barth.
Bromma: Opal, 1986 (Os Colegas, 1972)
Maria slak lina Översättning: Bo Ivander. Omslag och illustrationer:
Reinhard Michl. Bromma: Opal, 1986 (Corda Bamba, l979)
Min vän målaren Översättning: Bo Ivander. Bromma: Opal, 1987 (O Meu
Amigo Pintor, 1987)
Den blommiga soffan Översättning: Maj Herranz. Illustrationer av Sabine
Barth. Bromma: Opal, 1989 (O Sofá Estampado, 1980)
127
5.4 Publicações sobre Lygia Bojunga
5.4.1 Dissertações de mestrado
ANO DISSERTAÇÃO DE MESTRADO AUTOR (A) INSTITUIÇÃO
1981
Literatura infantil sul-rio-
grandense: a fantasia e o domínio
do real.
MAGALHÃES, Maria do
Socorro Rios.
PUC-RS
1984
O espaço imaginário em A bolsa
amarela de Lygia Bojunga Nunes.
VIEIRA, Deolinda da
Costa.
UFF
1984
A crise do discurso utilitário:
contribuição para o estudo da
literatura brasileira para crianças e
jovens.
PEROTTI, Edmir.
USP
1985
Lygia Bojunga: as reinações
renovadas
SANDRONI, Laura.
UFRJ
1985
A escola e o contexto social na
obra de Lygia Bojunga Nunes.
XAVIER, Suzana Uchoa.
PUC-RS
1988
Aspectos estéticos na literatura
infanto-juvenil de Lygia Bojunga
Nunes.
NARDES, Laura Battisti.
UnB
1988
Lygia Bojunga e a renovação da
literatura infantil brasileira
ASFORA, Margaret.
UFPB
1988
A inventividade e a transgressão
nas obras de Lobato e Lygia:
confrontos.
CAGNETI, Sueli.
UFSC
1992
A atividade imagética do leitor em
Corda bamba de Lygia Bojunga
Nunes.
VALE, Luiza.
PUC-RS
1994
O IMAGINÁRIO: fonte de
descoberta do sujeito.
LEMOS, Cláudia de
Souza.
UFRJ
1994
O olhar estampado no sofá: uma
leitura semiótica da visualidade
inscrita nO sofá estampado.
KHALIL, Marisa Martins.
UNESP
1995
Eu conto, tu lês, nós construímos-
SOARES, Henrique
PUC-RS
128
o narrador e o leitor em
Lygia Bojunga Nunes.
Silvestre.
1995
Literatura infantil: elemento
dinamizador no processo
educativo da criança.
SILVA, Odette Faustino.
UNESP
1996
A busca do desejo em Corda
bamba, de Lygia Bojunga Nunes.
LOPES, Kátia Crivellaro.
UFSM
1998
A representação da criança na
linguagem literária de Lygia
Bojunga Nunes.
REGO, Zilá Letícia
Goulart.
PUC-RS
1999
Pelas veredas do símbolo: uma
leitura de Lygia Bojunga Nunes.
PAVANI, Cinara Ferreira.
PUC-RS
1999
Literatura bojunguiana: (re)
construção do imaginário infantil.
FERREIRA, Hugo
Monteiro.
UFPE
2000
O imaginário na ficção de Lygia
Bojunga Nunes: tradição
pedagógica ou reinvenção do
gênero.
SOUZA, Débora
Aparecida.
UFMG
2000
Uma pedagogia do sentimento:
leitura da obra de Lygia Bojunga
Nunes.
BRITO, Raimunda Maria.
UFC
2001
A travessia de Maria: uma
experiência de leitura de Corda
bamba de Lygia Bojunga Nunes.
PAULI, Alice Atsuko.
UNESP
2001
Lygia Bojunga Nunes em três
tempos: o processo de sua
criação.
VASCONCELOS, Maria
Luíza.
UFG
2001
Mulheres guerreiras: um estudo
comparativo entre Débora, a
profetisa juíza; Guiomar, a
donzela-guerreira e Raquel, a
menina da bolsa amarela.
MARQUART, Rosa
Walda.
USP
2001
Um olhar sobre a construção do
leitor infantil.
TOCHETTO, Zelinda
Macari.
UNESP
2002
A metáfora da morte na construção
da fala da mulher: uma leitura
estilística da obra de Lygia
QUINTANA, Carmen
Lúcia.
UERJ
129
Bojunga Nunes.
2002
A literatura infanto- juvenil
brasileira vai muito bem, obrigada.
SOUZA, Glória Pimentel.
UFRJ
2002
A literatura infantil na sociedade de
consumo.
PEREIRA, Jaquelânia
Aristides.
UFC
2002
A casa da madrinha: uma chave
para as portas da imaginação e da
criação.
HERNANDES, Maria
Celinei.
UFMS
2003
A representação da mulher na
literatura para crianças: um estudo
de obras de Júlia Lopes, Ana
Maria Machado, Lygia Bojunga e
Marina Colasanti.
LEROY, Luciana Faria.
UFRJ
2004
A ficção de Mott e de Bojunga:
leituras de professores e alunos
das primeiras séries do Ensino
Fundamental.
SILVA, Eliseu Marcelino.
UNESP
2004
O bildungsroman e o processo de
aprendizagem em obras de Lygia
Bojunga Nunes.
CRUVINEL, Larissa.
UFG
2004
A simbologia das cores em obras
infanto- juvenis de Lygia Bojunga
Nunes.
ALMEIDA, Maria Albanisa.
UFPB
2004
A criação literária em Retratos de
Carolina, de Lygia Bojunga.
SOUZA, Sônia.
PUC-RS
2005
Os colegas, de Lygia Bojunga
Nunes: um estudo da recepção no
Ensino Fundamental.
FEBA, Berta Lúcia.
UEM
2006
Lygia Bojunga: as marcas da
oralidade na prosa falada.
BRITO, Aline Gonçalves
de.
UERJ
2007
Lygia Bojunga e a trilogia do livro:
processo criativo e relações com o
leitor.
YURGEL, Patrícia.
UFRS
2008
Lygia Bojunga: a recepção de
Corda bamba por crianças e
adolescentes.
SCHUBERT, Fernanda
Boldrin.
UEM
130
5.4.2 Teses de doutorado
ANO TESE DE DOUTORADO AUTOR (A) INSTITUIÇÃO
1994
Monteiro Lobato, Clarice
Lispector, Lygia Bojunga Nunes:
o estético em diálogo na
literatura infanto- juvenil.
MENSDES, Maria dos
Prazeres Santos.
PUC-SP
1994
Viagem da busca: do objetivo
transcendente ao objetivo
imanente das novelas de
cavalaria- a literatura juvenil no
Brasil e em Portugal.
CAGNETI, Sueli de Souza.
USP
1996
O feminino na literatura infantil e
juvenil brasileira: poder, desejo,
memória e os casos Edy Lima,
Lygia Bojunga e Marina
Colasanti.
RICHE, Rosa Maria Cuba.
UFRJ
1996
Da casa real a casa sonhada: o
universo alegórico de Lygia
Bojunga Nunes.
SILVA, Rosa Maria
Graciotto.
UNESP
1996
A literatura infantil gaúcha: uma
história possível.
MARCHI, Diana Maria.
PUC-RS
2000
Uma estética da formação: vinte
anos de literatura juvenil
brasileira premiada (1978- 1997).
CECCANTINI, João Luis
Cardoso.
UNESP
2001
Articuladores textuais na
literatura infanto-juvenil (e, mas,
aí, então).
SANTOS, Leonor Wernek
dos.
UFRJ
2002
A vivência e a invenção no
cotidiano em Rosa, minha irmã
Rosa (Alice Vieira) e O sofá
estampado (Lygia Bojunga).
PAPES, Cleide da Costa e
Silva.
USP
2003
O processo de criação literária
em Lygia Bojunga Nunes: leitura
e escrita postas em jogo pela
ficção.
AIRES, Eliana Gabriel.
UNESP
2006
Trocando tarefas: meu caso de
amor de leitora com a obra de
Lygia Bojunga.
RAMALHO, D. do P.
UNESP
2006
Escrever para armazenar o
tempo: morte e arte na obra de
Lygia Bojunga.
LOTTERMANN, C.
UFPA
131
5.4.3 Livros publicados sobre Lygia Bojunga
ANO TÍTULO AUTOR (A) EDITORA
1986
O texto sedutor na literatura
infantil.
PERROTTI, Edmir.
Ícone
1987
De Lobato a Bojunga: as
reinações renovadas.
SANDRONI, Laura.
Agir
2000
A literatura infantil gaúcha: uma
história possível.
MARCHI, Diana Maria.
UFRS
2002
Nas malhas da rede narrativa:
estudos sobre Lygia Bojunga
Nunes.
SILVA, Vera Maria
Tietzmann.
Cânone
Editorial
132
6. BIBLIOGRAFIA
6.1 Corpus
BOJUNGA, Lygia. Os colegas. 41. ed. Rio de Janeiro: José Olympio,
1998.
________, Lygia. Angélica. 21. ed. Rio de Janeiro: Agir, 2001a.
________, Lygia. A bolsa amarela. 32. ed. Rio de Janeiro: Agir, 2001b.
________, Lygia. A casa da madrinha. 18. ed. Rio de Janeiro: Agir,
2001c.
________, Lygia. Corda Bamba. 21. ed. Rio de Janeiro: Agir, 2001d.
________, Lygia. O sofá estampado. 25. ed. Rio de Janeiro: José
Olympio, 1999.
________, Lygia. Tchau. 17. ed. Rio de Janeiro: Casa Lygia Bojunga,
2006a.
________, Lygia. O meu amigo pintor. 12. ed. Rio de Janeiro: José
Olympio, 1995.
________, Lygia. Nós três. 3. Ed. Rio de Janeiro: Agir, 2002a.
________, Lygia. Livro: um encontro com Lygia Bojunga. 4. Ed. Rio de
Janeiro: Agir, 2001.
________, Lygia. Fazendo Ana Paz. 4. ed. Rio de Janeiro: Agir, 2002b.
________, Lygia. Paisagem. 4. ed. Rio de Janeiro: Agir, 2002c.
133
________, Lygia. Seis vezes Lucas. 2. ed. Rio de Janeiro: Agir, 1997.
________, Lygia. O abraço. 4. ed. Rio de Janeiro: Agir, 2004.
________, Lygia. Feito à mão. 2. ed. Rio de Janeiro: Agir, 2001f.
________, Lygia. A cama. Rio de Janeiro: Agir, 1999.
________, Lygia. O Rio e eu. 2. ed. Rio de Janeiro: Casa Lygia Bojunga,
2005a.
________, Lygia. Retratos de Carolina. 1. ed. Rio de Janeiro: Casa
Lygia Bojunga, 2005b.
________, Lygia. Aula de Inglês. Rio de Janeiro: Casa Lygia Bojunga,
2006b.
_______, Lygia. Sapato de salto. Rio de Janeiro: Casa Lygia Bojunga,
2006c.
_______, Lygia. Dos vinte um. Rio de Janeiro: Casa Lygia Bojunga,
2007.
______, Lygia. Uma história de amor com os livros. Entrevista concedida
à Simone Noronha. Rio de Janeiro, 2006. Disponível em:
http://www.macae.rj.gov.br. Acesso em: 04 out.2006. (entrevista).
______, Lygia. Paiol de histórias. Entrevista concedida ao Banco do
Brasil. Rio de Janeiro, 2006. Disponível em: http://www.bancodobrasil.br.
Acesso em: 03 nov. 2006. (entrevista).
134
6.2 Fundamentação teórica
AUERBACH, Erich. ―O Santarrão‖. In: _____. Mímesis: a representação
da realidade na Literatura Ocidental. São Paulo: Ed. Perspectiva, 1998.
BARTHES, Roland. Aula. São Paulo: Editora Cultrix,1980.
______, Roland. O rumor da língua. Trad. Mário Laranjeira. São Paulo:
Martins Fontes, 2004.
______, Roland. Novos ensaios críticos: o grau zero da escritura. Trad.
Anne Arnichand e Álvaro Lorencini. São Paulo: Editora Cultrix, 1974.
BLOOM, Harold. A angústia da influência. Trad. Marcos Santarrita. Rio
de Janeiro: Imago, 1991.
______, Harold. Um mapa da desleitura. Trad. Thelma Médici Nóbrega.
Rio de Janeiro: Imago, 1995.
______, Harold. Como e porque ler. Trad. José Roberto O´Shea. Rio de
Janeiro: Objetiva, 2001.
BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. São Paulo: Cultrix,
2002.
BOSI, Ecléa. Memória e Sociedade: lembranças. 3. Ed. São Paulo: Cia
das Letras, 1994.
135
BOURDIEU, Pierre. As regras da arte. Trad. Maria Lúcia Machado. São
Paulo: Companhia das Letras, 1996.
BRANDÃO, Ignácio Loyola. Zero. Rio de Janeiro: Codecri, 1979.
CALBUCCI, Eduardo. Saramago, um roteiro para os romances. São
Paulo: Ateliê Editorial, 1999.
CANDIDO, Antonio. ―O Direito à literatura‖. In:_____. Vários Escritos.
São Paulo: Duas Cidades, 1995.
________, Antonio. ―Crítica e sociologia‖. In:______. Literatura e
sociedade. São Paulo: Ed. 34, 2002.
________, Antonio. ―Introdução‖. In:______. Formação da Literatura
Brasileira. 7. ed. Belo Horizonte, Rio de Janeiro: Ed. Itatiaia, 1993, 2v.
CARVALHAL, Tânia Franco. ―Intertextualidade: a migração de um
conceito‖. In:_____. O próprio e o alheio. Ensaios de literatura
comparada. São Leopoldo: Ed. UNISINOS, 2003.
COELHO, Nelly Novaes. Literatura infantil: Teoria, análise, didática. 1.
ed. São Paulo: Moderna, 2000.
CRUVINEL, Larissa. A literatura infantil e o romance de formação: um
estudo da obra de Lygia Bojunga Nunes. Revista da UFG (Universidade
Federal de Goiás) Vol.5. No. 2, dez 2003.
136
DOSTOIÉVSKI, Fiódor. Crime e castigo. Trad. Luiz Cláudio de Castro.
São Paulo: Ed. Publifolha, 1998.
ECO, Umberto. ―A literatura contra o efêmero. FOLHA DE SÃO PAULO:
mais! 18 fev. 2001. P. 12-14.
FERREIRA, Jorge, DELGADO, Lucilia de Almeida Neves (org). O tempo
nacional estatismo: do início da década de 1930 ao apogeu do Estado
Novo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.
FIORIN, Luiz José, BARROS, Diana Luz Pessoa de (org). Dialogismo,
polifonia, intertextualidade: em torno de Mikhail Bakhtin. São Paulo.
EDUSP, 1999.
GARCIA, Celina Fontenele. Poética do memorialismo: diálogos com
Philippe Lejeune. Fortaleza: 7 Sóis, 2006.
HABERT, Nadine. A década de 70: apogeu e crise da ditadura militar
brasileira. São Paulo: Editora Ática, 1992.
HOBSBAWM, Eric. Era dos extremos: o breve século XX, 1914 1991.
Trad. Marcos Santarrita. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
JAGUARIBE, Hélio. Brasil, século XXI. Estud. Av., São Paulo, v.14, n.38,
2000.
JARDIM, João, CARVALHO, Walter. Janela da alma. Brasil, 2002.
(documentário).
137
JOUVE, Vicent. ―O vivido da leitura‖. In:_____. A leitura. Trad. Brigitte
Hervot. São Paulo: UNESP, 2002.
LEOPOLDI, Maria Antonieta P. Dossiê Brasil: anos 90. Revista de
Sociologia e Política. Curitiba nº 18, p. 7 9, Jun. 2002.
LIMA, Luiz Costa. A literatura e o leitor. Rio de Janeiro. Ed Paz e Terra,
1979.
LINDGREN, Astrid. Píppi Meialonga. Trad. Maria de Machado. São
Paulo: companhia das Letras, 2001.
LOBATO, Monteiro. Reinações de narizinho. 39. ed. São Paulo: Ed.
Brasiliense, 1986.
LOBO, Luiza. ―Leitor‖. In: JOBIM, José Luis (org). Palavras da crítica.
Rio de Janeiro: Imago, 1992.
MAINGUENEAU, Dominique. ―Introdução‖; ―A paratopia do escritor‖.
In:______. O contexto da obra literária: enunciação, escritor, sociedade.
Trad. Marina Appenzeller. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
MANGUEL, Alberto. ―O autor como leitor‖. In:_____. Uma história da
leitura. Trad. Pedro Maia Soares. São Paulo: Companhia das Letras,
1997.
MÁRQUEZ, Gabriel García. Crônica de uma morte anunciada. Trad.
Remy Gorga Filho. Rio de Janeiro. 7. ed. Ed. Record, 1981.
138
MARTINS, Nilce SantAnna. Introdução à Estilística. São Paulo. Martins
Fontes, 1991.
MATOS, Maria Lúcia Lopes. A coloquialidade como estratégia de
sedução no texto literário‖. UERJ, 2005. Disponível em:
HTTP://www.filologia.org.br. Acesso em: 21 abril 2007.
MEIRELES, Cecília. Flor de poemas. Rio de Janeiro. Ed. Record, 1998.
NITRINI, Sandra. Literatura comparada. História, teoria e crítica. São
Paulo: EDUSP, 1997.
PERRONE-MOISÉS, Leila. Flores da escrivaninha: ensaios. São Paulo:
Companhia das Letras, 1990.
PIGLIA, Ricardo. O último leitor. Trad. Heloisa Jahn. São Paulo:
Companhia das Letras, 2006.
RAMOS, Graciliano. Infância. Livraria Martins. Rio de Janeiro. 1945.
RILKE, Rainer Maria. Cartas a um poeta. Trad. Pedro Süssekind. Porto
Alegre: L&PM, 2008.
ROCHA, Ruth. Minidicionário. São Paulo: Scipione, 1996.
RODRIGUES, Marly. A década de 80: Brasil, quando a multidão voltou
às praças. São Paulo: Editora Ática, 1992.
139
ROSA, João Guimarães. ―Fita verde no cabelo‖. In: _____. Ave, palavra.
Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1988.
______, João Guimarães. Entrevista concedida a Günter Lorentz.
Gênova, 1965. (Entrevista).
SANDRONI, Laura. De Lobato a Bojunga: as reinações renovadas. Rio
de Janeiro: Agir, 1987.
SANTAELLA, Lucia. ―Texto‖. In: JOBIM, José Luis (Org). Palavras da
crítica. Rio de Janeiro: Imago, 1993.
SARAMAGO, José. Ensaio sobre a cegueira: romance. São Paulo.
Companhia das Letras, 1995.
SARTRE, Jean-Paul. Que é a literatura? Trad. Carlos Felipe Moisés.
São Paulo. Ed. Ática, 1993.
SEVCENKO, Nicolau. A corrida para o século XXI: no loop da montanha
russa. São Paulo: Campanha das Letras, 2001.
STEGAGNO-PICCHIO, Luciana. História da literatura brasileira. Rio de
Janeiro: Nova Aguilar, 2004.
KUJAWSKI, Gilberto de Mello. A crise do século XX. 2. Ed. São Paulo:
Ática, 1991.
VOLOBUEF, Karin. Frestas e arestas: a prosa de ficção do romantismo
na Alemanha e no Brasil. São Paulo, UNESP, 1999.
140
WILDE, Oscar. The Picture of Dorian Gray. New York: Oxford University
Press, 2000.
ZILBERMAN, Regina. Estética da recepção e história da literatura. São
Paulo: Ed. Ática, 1989.
______, Regina. A literatura infantil na escola. São Paulo: Global, 2003.
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