Download PDF
ads:
1
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
Dalva Valente Guimarães Gutierres
A MUNICIPALIZAÇÃO DO ENSINO NO MUNICÍPIO DE ALTAMIRA/PA E SUAS
IMPLICAÇÕES PARA A DEMOCRATIZAÇÃO EDUCACIONAL
Porto Alegre
2010
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
2
Dalva Valente Guimarães Gutierres
A MUNICIPALIZAÇÃO DO ENSINO NO MUNICÍPIO DE ALTAMIRA/PA E SUAS
IMPLICAÇÕES PARA A DEMOCRATIZAÇÃO EDUCACIONAL
Tese apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Educação da Faculdade de
Educação da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul, como requisito para obtenção
do título de Doutora em Educação.
Orientação:
Profa. Dra. Vera Maria Vidal Peroni
Linha de Pesquisa: Políticas Públicas e Gestão
de Processos Educacionais
Porto Alegre
2010
ads:
3
DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP)
__________________________________________________________________________________
G984m Gutierres, Dalva Valente Guimarães
A municipalização do ensino no município de Altamira/PA e suas implicações para a
democratização educacional / Dalva Valente Guimarães Gutierres; orientadora: Vera
Maria Vidal Peroni. Porto Alegre, 2010.
367 f.
+ Anexos.
Tese (Doutorado) Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Faculdade de
Educação. Programa de Pós-Graduação em Educação, 2010, Porto Alegre, BR-RS.
1. Democratização do ensino. 2. Municipalização do ensino. 3. Ensino fundamental.
4. Altamira (PA). Políticas públicas. Gestão da educação.
I. Peroni, Vera Maria Vidal. II. Título.
CDU – 37.014.5(811.5)
__________________________________________________________________________________
Bibliotecária Neliana Schirmer Antunes Menezes – CRB 10/939 neliana.menezes@ufrgs.br
4
Dalva Valente Guimarães Gutierres
A MUNICIPALIZAÇÃO DO ENSINO NO MUNICÍPIO DE ALTAMIRA/PA E SUAS
IMPLICAÇÕES PARA A DEMOCRATIZAÇÃO EDUCACIONAL
Tese apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Educação da Faculdade de
Educação da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul, como requisito para obtenção
do título de Doutora em Educação.
Orientação:
Profa. Dra. Vera Maria Vidal Peroni
Aprovada em 25 fev. 2010.
________________________________________________________________________
Profa. Dra. Vera Maria Vidal Peroni – Orientadora
________________________________________________________________________
Profa. Dra. Nalú Farenzena – UFRGS
________________________________________________________________________
Profa. Dra. Terezinha Fátima Andrade Monteiro dos Santos – UFPA
________________________________________________________________________
Profa. Dra. Theresa Maria de Freitas Adrião – UNESP
________________________________________________________________________
Profa. Dra. Flávia Obino Corrêa Werle – UNISINOS
5
Dedicatória
Aos meus queridos pais Raimundo e Maria, que com
seus exemplos de vida, cedo me ensinaram a persistir e
a ter esperança, sempre!
6
A
GRADECIMENTOS
Uma obra que se conclui é apenas mais um passo no nosso permanente processo de
construção e reconstrução como sujeitos históricos. Cada desafio superado tem, portanto, sua
importância e significado especial, e a concretização do sonho de cursar o doutorado em uma
universidade pública como a UFRGS é para mim ao mesmo tempo motivo de muita alegria e
gratidão para com as inúmeras pessoas e entidades que contribuíram para a realização desse
sonho, dentre as quais dirijo agradecimento especial:
A Deus, pelo maravilhoso dom da vida;
Aos meus queridos pais, Raimundo e Maria, que me possibilitaram a experiência do
amor incondicional sempre;
Às minhas amadas e lindas filhas Damiana e Daniela que não hesitaram em atravessar
o Brasil e me acompanhar durante a estada no RS, cujas presenças fizeram mais calorosos os
dias de frio;
Ao Rubens, companheiro escolhido, pelo afeto especial traduzido durante todo o
período de escrita desta tese em compreensão e espera;
Aos meus irmãos (Manoel, Flávio, Regina, Cláudio, Raimundo Nonato e Luiz
Antonio) que junto comigo viveram as expectativas da conquista, em especial ao Luiz
Antonio (Leno), sempre disposto a ouvir e a incentivar;
À querida professora Drª Vera Maria Vidal Peroni, pela rigorosidade teórica
conduzida com delicadeza, sensibilidade e amizade durante todo o processo de orientação da
Tese;
Aos colegas e amigos do coletivo de orientação pelos momentos de discussão
solidária, compartilhamento de ideias e sugestões na elaboração teórico-metodológica deste
estudo: Otília Susin, Marilda Costa, Lúcia Camini, Liane Helo, Daniela Pires, Juliana
Lumertz, Alexandre Rossi, Raquel Caetano, Josiane Ramos, Luciani Paz, Lúcia Hugo
Laurence e Romir Rodrigues;
Aos colegas de curso da pós-graduação da FACED (especialmente à Rosa Mosna,
Danise Vivian, Isabela Camini, Cleusa, Helena Biling, Silvia Cristófoli, Jaqueline Villafuerte,
e Jorge Bonatto) pela agradável convivência e amizade;
À equipe de professores da Faculdade de Educação da UFRGS pelo paciente
compartilhamento de seus conhecimentos. Em especial aos professores: Vera Maria Vidal
7
Peroni, Nalú Farenzena, Maria Beatriz Luce, Augusto Nibaldo Triviños, Jorge Alberto Rosa
Ribeiro e Carmem Lúcia Bezerra Machado.
Aos professores da banca de qualificação Carlos Roberto Jamil Cury, Thereza Maria
de Freitas Adrião e Nalú Farenzena pelos desafios propostos;
À querida amiga e interlocutora Rosana Gemaque e demais componentes do
GEFIN/UFPA pelo acesso ao banco de dados do grupo;
Ao professor Marcelino Pinto pelas contribuições para a análise e interpretação de
dados financeiros;
À amiga Irlanda Miléo da UFPA de Altamira pelo acolhimento, pela interlocução e
pela colaboração na coleta de dados;
À querida orientadora do mestrado professora Drª Terezinha Fátima Andrade
Monteiro dos Santos pelo incentivo e aceite em participar da banca de defesa da Tese;
À professora Flávia Obino Corrêa Werle pela sua disponibilidade em participar de
momento tão especial em minha vida, a defesa da Tese;
A todos os professores, gestores e sindicalistas de Altamira que disponibilizaram seus
preciosos tempos concedendo entrevistas para essa pesquisa;
À equipe gestora da Secretaria Municipal de Educação de Altamira pela autorização
para realizar a pesquisa e o acesso a informações educacionais;
À Secretaria de Administração e Finanças de Altamira e ao Tribunal de Contas dos
Municípios do Pará pelo acesso a informações financeiras sobre Altamira;
À Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul
especialmente ao Programa de Pós Graduação do Núcleo de Política e Gestão de Processos
Educacionais pelo acolhimento e pela cordialidade de seus profissionais;
Ao Instituto de Ciências da Educação da Universidade Federal do Pará pela liberação
das atividades profissionais possibilitando dedicação integral ao curso;
À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior CAPES pela
concessão de bolsa de incentivo sem a qual o estudo seria inviável;
A todos, sou eternamente grata.
8
E
PÍGRAFE
Rio Xingu, entrada da aldeia indígena Assurini.
Fonte: Arquivo da Secretaria Municipal de Altamira-Pa.
O capitalismo é – em sua análise final – incompatível
com a democracia, se por “democracia” entendemos tal
como o indica sua significação literal, o poder popular
ou o governo do povo. Não existe um capitalismo
governado pelo poder popular no qual o desejo das
pessoas seja privilegiado aos dos imperativos do ganho
e da acumulação e no qual os requisitos da
maximização do benefício não ditem as condições
mais básicas de vida. O capitalismo é estruturalmente
antitético em relação à democracia, em princípio, pela
razão histórica mais óbvia: não existiu nunca uma
sociedade capitalista na qual não tenha sido atribuído
à riqueza um acesso privilegiado ao poder. (....) Toda
prática humana que possa ser convertida em
mercadoria deixa de ser acessível ao poder
democrático.
Ellen Meiksins Wood, 2006, p. 382
9
RESUMO
Este estudo analisa a municipalização do ensino no município de Altamira-Pa e suas
implicações para a democratização educacional de 1996 a 2006. A concepção de
democratização utilizada no trabalho baseou-se em Ellen Meiksins Wood para quem a
democracia supõe a indissociabilidade entre o econômico e o político, sob pena de configurar-
se apenas como democracia formal. A democratização da educação foi analisada em sua
materialidade antes e depois da municipalização do ensino em Altamira, a partir dos seguintes
eixos: acesso à educação e à apropriação do conhecimento, financiamento da educação
municipal, valorização dos trabalhadores em educação e gestão educacional. O estudo constou
de análise documental e pesquisa de campo in loco onde foram desenvolvidas entrevistas
semiestruturadas com gestores educacionais, professores, sindicato de professores e
conselheiros educacionais. O estudo demonstrou que a municipalização do ensino em
Altamira, ocorrido em 1998, afetou a democratização da educação provocando avanços e
recuos à materialidade das ações educacionais. O acesso ao conhecimento foi ampliado, mas a
distorção idade-série continua e, em 2006, representava 33,2% no ensino fundamental. Houve
aumento das receitas educacionais de 95,5%, o que não repercutiu em aumento salarial para
os professores, diminuído em -1,8% e tampouco impactou em um gasto-aluno compatível
com o custo-aluno qualidade inicial-CAQI. Os professores ‘municipalizados’ foram excluídos
da rede pública de ensino com o processo de ‘desmunicipalização’. A implementação de
Plano de Carreira para o Magistério e de dois concursos públicos é muito relevante. A
política de gestão educacional foi redimensionada pela parceria com o Instituto Ayrton Senna
com base na pedagogia do sucesso, que substitui o Plano Municipal de Educação por planos
de metas elaborados sem discussão ampliada, prescindindo do Conselho Municipal de
Educação que, desde 2001, não vem funcionando. Em alguns aspectos, a democratização
educacional em Altamira continua formal na qual a participação política é apenas aparente,
preponderando o fosso da desigualdade social e econômica. A democratização conforme se
entende neste trabalho é incompatível com os valores e as práticas presentes na sociedade
capitalista, onde sempre encontrará limites para ser realizada.
Palavras-chave: Democratização do ensino. Municipalização do ensino. Ensino
fundamental. Altamira (PA). Políticas públicas. Gestão da educação.
___________________________________________________________________________________________
GUTIERRES, Dalva Valente Guimarães. A Municipalização do Ensino no Município de Altamira/PA e suas
Implicações Para a Democratização Educacional. Porto Alegre, 2010. 367 f. + Anexos. Tese (Doutorado em
Educação) Programa de Pós-Graduação em Educação, Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio
Grande do Sul, Porto Alegre, 2010.
10
ABSTRACT
This study analyses the municipalization of education in the city of Altamira - Pa
(Brazil) and its implications to the democratization of education from 1996 to 2006. The
conception of democratization applied in the study was based on Ellen Meiksins Wood,
according to whom democracy supposes indissociability of the economical and the political
aspects, because otherwise it would be only a formal democracy. The democratization of
education was analysed concerning its materiality before and after the municipalization of
teaching in Altamira, on the basis of the following major points: access to education and
appropriation of knowledge, municipal education financing, value given to the education
workers and educational administration. The study consisted of a documental analysis and
field research in loco, where some semi-structured interviews were developed with
educational administrators, teachers, educational counselors and teachers’ labor unions. The
study demonstrated that the municipalization of education in Altamira in 1998 affected the
democratization of education, provoking advances and retreats in the educational actions’
materiality. There was greater access to knowledge, but the age-grade distortion continued,
and in 2006 it reached 33.2% in Primary Education students. There was an increase in the
education revenues of 95.5%, which did not result in a salary increase for the teachers it
decreased in -1.8% - and neither changed what is expended per student into a compatible cost
per student/initial quality. The ‘municipalized’ teachers were excluded from the public service
in the process of ‘demunicipalization’. The implementation of a Career Plan and two public
examinations for teachers was irrelevant. The education administration policy was modified
by the partnership with Ayrton Senna Institute, based on the Pedagogy of Success, which
substituted the Municipal Educational Plan for target plans elaborated without a wide
discussion, dispensing the Municipal Council of Education, which has not been functioning
since 2001. In some aspects, the democratization of education in Altamira continues to be
formal according to whom the political participation is only apparent, and what prevails is the
gap of social and economic inequality. Democratization, as it is understood in this study, is
incompatible with the values and practices present in the capitalist society, where it will
always find limits to its accomplishment.
Keywords: Democratization of education. Municipalization of education. Fundamental
teaching. Altamira (PA). Public policy. Management education.
___________________________________________________________________________________________
GUTIERRES, Dalva Valente Guimarães. A Municipalização do Ensino no Município de Altamira/PA e suas
Implicações Para a Democratização Educacional. Porto Alegre, 2010. 367 f. + Anexos. Tese (Doutorado em
Educação) Programa de Pós-Graduação em Educação, Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio
Grande do Sul, Porto Alegre, 2010.
11
RESUMEN
El presente estudio analisa la municipalización de la enseñanza en la municipalidad de
Altamira (Pa) y sus implicaciones para la democratización educacional de 1996 hasta 2006. El
concepto de democratización aquí utilizado está anclado en Ellen Meiksins Wood, para quien
la democracia supone la indisociabilidad entre lo económico y lo político, sob pena de
configurarse solamente como democracia formal. La democratización de la educación fue
analisada en su materialidad antes y depués de la municipalización de la enseñanza en
Altamira, desde los ejes siguientes: aceso a la educación y apropriación del conocimiento,
financiación de la educación municipal, valoración de los trabajadores de educación y gestión
educacional. El estudio constó de análisis documental y pesquisa de campo in loco, donde han
sido desarrolladas entrevistas semiestructuradas con gestores educacionais, profesores,
sindicato de profesores y consejeros educacionais. El estudio demonstró que la
municipalización de la enseñanza en Altamira, ocurrida en 1998, afectó la democratización de
la educación, provocando avanzos y retrocesos en la materialidad de las acciones
educacionais. El aceso al conocimiento fue ampliado, pero la distorción idade-nivel escolar
sigue vigente y en 2006 representava 33,2% en la enseñanza fundamental. Hubo un
incremento de los ingresos educacionales en 95,5%, lo que no ha repercutido en aumento
salarial a los profesores, disminuido en -1,8%, ni tampoco impactó en un gasto-alumno
compatible con el custo-alumno calidad inicial (CAQI). Los profesores ‘municipalizados’
fueron excluidos de la red pública de enseñanza con el proceso de ‘desmunicipalización’. La
implementación de de un Plan de Carrera para el Magisterio y de dos concursos públicos es
de extrema relevancia. La política de gestión educacional ha sido redimensionada gracias a la
asociación con el Instituto Ayrton Senna, enbasada en la pedagogia del éxito, que substitui el
Plan Municipal de Educación por planes de metas elaborados sin una discussión amplia,
prescindiendo del Consejo Municipal de Educación que, desde 2001, no está más en
actividad. Bajo algunos aspectos, la democratización educacional en Altamira sigue formal
siendo la participación política apenas aparente, preponderando el foso de la desigualdad
social y económica. La democratización conforme se entiende aquí es incompatible con los
valores y prácticas presentes en la sociedad capitalista, donde siempre encontrará límites para
ser llevada a cabo.
Palabras clave: Democratización educacional. Municipalización de la enseñanza. La
enseñanza fundamental. Altamira (PA). Política blica. Gestión de La
educación.
___________________________________________________________________________________________
GUTIERRES, Dalva Valente Guimarães. A Municipalização do Ensino no Município de Altamira/PA e suas
Implicações Para a Democratização Educacional. Porto Alegre, 2010. 367 f. + Anexos. Tese (Doutorado em
Educação) Programa de Pós-Graduação em Educação, Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio
Grande do Sul, Porto Alegre, 2010.
12
LISTA DE TABELAS
Tabela 01
Brasil
:
Valor Legal e Valor Decretado para o FUNDEF 1997 a
2006 (Valor nominal)............................................................................
56
Tabela 02 – Brasil: Percentual Total e por esfera de Governo do Investimento
Público Direto em Educação em Relação ao PIB. 2000 – 2007........... 59
Tabela 03 – Brasil: Matrículas no Ensino Fundamental por Dependência
Administrativa - 1996-2006..................................................................
137
Tabela 04 – Brasil: Matrículas no Ensino Fundamental por Região e
Dependência Administrativa Estadual e Municipal – 1996/2006.........
138
Tabela 05 – Região Norte: Matrículas no Ensino Fundamental por Estado e
Dependência Administrativa Estadual e Municipal – 2006..................
139
Tabela 06 – Brasil: Matrículas no Ensino Fundamental por Estado da Federação
nas Dependências Estadual e Municipal – 2006................................... 140
Tabela 07 – Pará: Mesorregiões segundo o Número de Municípios, População e
Área. ..................................................................................................... 142
Tabela 08 – Pará: Evolução do PIB e PIB Per Capita
1996/2006............................................................................................. 143
Tabela 09 – Pará: PIB e PIB Per Capita Valores comparativos
2002/2006............................................................................................. 144
Tabela 10 – Pará: Matrículas na Educação Básica por Dependência
Administrativa -1996/2006................................................................... 154
Tabela 11 – Pará: Matrículas no Ensino Fundamental por Dependência
Administrativa-1996/2006.................................................................... 155
Tabela 12 – Pará: Matrículas na Educação Infantil por Dependência
Administrativa - 1996/2006.................................................................. 155
Tabela 13 – Pará: Matrículas na educação de Jovens e Adultos – 1996/2006......... 156
Tabela 14 – Pará: Matrículas na Educação Especial – 1996/ 2006.......................... 157
Tabela 15 – Pará: Nº de Municípios que Municipalizaram o Ensino Fundamental
– 1997 a 2006........................................................................................ 158
Tabela 16 – Pará: de Municípios, Escolas, Alunos e Servidores–
1997/2006............................................................................................. 159
Tabela 17
Altamira: Evolução do Contingente Populacional -1996/2007............ 164
Tabela 18
Altamira: Evolução do PIB e PIB Per Capita 1997/2004 (Valor
Nominal) .............................................................................................. 167
Tabela 19 – Altamira: PIB e PIB Per Capita em relação ao Pará e ao Brasil
Valores comparativos 2002/2005......................................................... 167
Tabela 20 – Altamira: Receitas Próprias e Receitas de Outras Fontes– 1996/2006 168
Tabela 21 – Altamira: Indicadores Socioeconômicos – 2000.................................. 169
Tabela 22 – Altamira: Educação Básica por Dependência Administrativa – 2006.. 175
Tabela 23 – Altamira: Nº de alunos por Rede nos municípios de jurisdição da 10ª
URE antes da Municipalização – 1997................................................. 192
13
Tabela 24 – Altamira: Municipalização do Ensino nos municípios sob a
jurisdição da 10ª URE........................................................................... 200
Tabela 25 – Altamira: Diagnóstico do Ensino Fundamental – 2000........................ 210
Tabela 26 – Altamira: Matrículas na Educação Infantil por Dependência
Administrativa de 1996/2006................................................................
225
Tabela 27 – Altamira: Matrículas da Educação Infantil, por Tipo de Ensino e
Dependência Administrativa – 1996/2006............................................
225
Tabela 28 – Altamira: Taxa de Escolarização Bruta e Líquida em Educação
Infantil................................................................................................... 227
Tabela 29 – Altamira: Matrículas no Ensino Fundamental por Dependência
Administrativa 1996/2006.................................................................... 228
Tabela 30
Altamira: Taxa de Escolarização Bruta e quida no Ensino
Fundamental..........................................................................................
229
Tabela 31 – Altamira: Taxa de Aprovação, de Abandono e de Distorção Idade-
Série no Ensino Fundamental da Rede Municipal de 1996 – 2006...... 230
Tabela 32 – Altamira: Matrículas na Educação Especial por Dependência
Administrativa 1996/2006.................................................................... 231
Tabela 33 – Altamira: IDEB de 2005 e 2007 em relação ao Brasil e ao Pará.......... 233
Tabela 34 – Altamira: Despesas por Funções de Governo (Valor Real).................. 236
Tabela 35
Altamira: Impostos próprios e Transferidos – 1996/2006.................... 237
Tabela 36 – Altamira: Origem das Receitas da Função Educação - 1997-2006
(Valor Real) ......................................................................................... 238
Tabela 37
Altamira: Contribuição para o FUNDEF e total de Recursos
Devolvidos ao Município entre 1999 e 2006........................................ 239
Tabela 38 – Altamira: Assistência Financeira Automática da União/FNDE. 1997
– 2006....................................................................................................
240
Tabela 39
Altamira: valores de repasses do PDDE 1997 a 2006 para UEX e
PMA...................................................................................................... 242
Tabela 40 – Altamira: Despesas da Função Educação/Cultura, por Programa
(1997-2006) ..........................................................................................
244
Tabela 41 – Altamira: Gasto-Aluno na Educação Infantil, Ensino Fundamental e
EJA – 1997-2006.................................................................................. 246
Tabela 42 – Altamira: Despesas da Função Educação Segundo a Categoria
Econômica – 1996-2004....................................................................... 248
Tabela 43 – Altamira: Percentual de Despesas aplicada em Educação - 1997-
2006.......................................................................................................
250
Tabela 44 – Altamira: Salário Base e Gratificações dos Professores da rede
municipal Zona Urbana e Rural Jan/1998 a Mar/2000 (valor
nominal) ............................................................................................... 260
Tabela 45 – Altamira: Professores da Rede Municipal Segundo o Nível de
Formação – 1996 a 2007....................................................................... 269
Tabela 46 – Altamira: Salário Base dos Professores da rede municipal com
Jornada de Trabalho de 100 Horas/mês Zona Urbana e Rural 1998
– 2006 (valor real) ................................................................................
271
14
Tabela 47 – Altamira: Diferença de Pagamento por Componente Salarial
SEDUC e PMA – 2001......................................................................... 285
Tabela 48 – Altamira: Diferença de Pagamento por Componente Salarial
SEDUC e PMA – 2002......................................................................... 286
Tabela 49 – Altamira: Folha Salarial dos professores municipalizados emitida
pela SEDUC e Folha paga pela PMA– Jan/Dez. – 2001...................... 287
Tabela 50 – Altamira: Folha Salarial dos professores municipalizados emitida
pela SEDUC e Folha paga pela PMA– Jan/Dez. – 2002...................... 288
Tabela 51– Altamira: Salário Base dos Professores Municipalizados e dos
pertencentes à Rede Municipal 100 Horas/mês Zona Urbana
2003.......................................................................................................
290
Tabela 52 – Altamira: de Escolas com Conselho e sem Conselho de 1999 a
2006.......................................................................................................
309
15
LISTA DE QUADROS
Quadro 01: Sujeitos Entrevistados e Número de Entrevistas................................. 31
Quadro 02:
Altamira
Secretárias de Educação e Prefeitos Municipais de 1996
a 2006....................................................................................................
175
Quadro 03: Altamira – Municipalização – Fases a serem seguidas pela SEDUC... 181
Quadro 04: Responsabilidades da SEDUC no Convênio de Municipalização........ 182
Quadro 05: Responsabilidades da SEAD no processo de Municipalização............ 183
Quadro 06: Responsabilidades do IPASEP no processo de Municipalização......... 183
Quadro 07: Responsabilidades da Prefeitura de Altamira no processo de
Municipalização.................................................................................... 184
Quadro 08: Metas do Programa Escola Campeã..................................................... 212
Quadro 09: Responsabilidades da Prefeitura de Altamira no Convênio/IAS
2001..................................................................................................... 212
Quadro 10: Das responsabilidades do Instituto Ayrton Senna e da Fundação
Banco do Brasil – Convênio/IAS – 2001..............................................
214
Quadro 11: Estratégias indispensáveis ao PROGRAMA........................................ 215
Quadro 12: Objetivos da Rede Vencer.................................................................... 218
Quadro 13: Indicadores e Metas da Rede Vencer.................................................... 219
Quadro 14: Responsabilidades da Prefeitura em Relação à Rede Vencer............... 219
Quadro 15: Das Responsabilidades do Instituto Ayrton Senna............................... 220
Quadro 16: Altamira – Formação dos Professores desmunicipalizados – 2006...... 294
Quadro 17: Altamira Situação funcional dos professores desmunicipalizados
2006.......................................................................................................
295
Quadro 18: Funções Gratificadas em Educação – 1997.......................................... 313
16
LISTA DE SIGLAS
ABE – Associação Brasileira de Educação
ADCT – Ato das Disposições Constitucionais Transitórias
ADP – Ação Democrática Parlamentar
AIB – Associação Integralista Brasileira
ANDE – Associação Nacional de Educação
ANDES – Associação Nacional de Docentes do Ensino Superior
ANFOPE – Associação Nacional pela Formação dos Profissionais de Educação
ANL – Aliança Nacional Libertadora
ANPAE – Associação Nacional de Políticas e Administração da Educação
ANPED – Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação
ASPLAN – Assessoria de Planejamento
BID – Banco Interamericano de Desenvolvimento
BIRD – Banco Interamericano de Reconstrução e Desenvolvimento
BRALF – Programa Brasil Alfabetizado
CACS – Conselho de Acompanhamento e Controle Social
CCLF – Centro de Cultura Luiz Freire
CEB – Câmara de Educação Básica
CEDECA – Centro de Defesa da Criança
CEDES – Centro de Estudos, Educação e Sociedade
CGT – Central Geral dos Trabalhadores
CIMI – Conselho Indigenista Missionário
CLT – Consolidação das Leis do Trabalho
CME – Conselho Municipal de Educação
CMAE – Conselho Municipal de Alimentação Escolar
CEE – Conselho Estadual de Educação
CNTE – Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação
CODES – Coordenação de Descentralização
CONSED – Conselho Nacional dos Secretários Estaduais de Educação
CONTAG – Confederação Nacional dos Trabalhadores da Agricultura
CPB – Confederação dos Professores do Brasil
CPPB – Confederação dos Professores Primários do Brasil
17
CRUB – Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras
DEM – Democratas
DEN – Diretoria de Ensino
DOE – Diário Oficial do Estado
DOI-CODI – Destacamento de Operações de Informações e Centro de Operações de Defesa
Interna
DRU – Desvinculação de Receitas da União
EC – Emenda Constitucional
EDURURAL – Programa de Expansão e Melhoria da Educação no Meio Rural
EJA – Educação de Jovens e Adultos
FAPESP – Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo
FASUBRA – Federação das Associações de Servidores das Universidades Brasileiras
FEF – Fundo de Estabilização Fiscal
FENOE – Federação Nacional de Orientadores Educacionais
FEPPEP – Federação Estadual dos Professores Públicos do Pará
FETAGRI – Federação dos Trabalhadores em Agricultura
FPE – Fundo de Participação dos Estados
FPM – Fundo de Participação dos Municípios
FUNAI – Fundação Nacional do Índio
FUNDEB Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização
dos Profissionais da Educação
FUNDEF Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de
Valorização do Magistério
GEFIN – Grupo de Estudos em Gestão e Financiamento da Educação
IAS – Instituto Ayrton Senna
IBAD – Instituto Brasileiro de Ação Democrática
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
ICMS – Imposto sobre Circulação de Mercadoria e Serviços
IDEB – Índice de Desenvolvimento da Educação Brasileira
IDH – Índice de Desenvolvimento Humano
INCRA – Instituto de Colonização e Reforma Agrária
INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
IPASEP – Instituto de Previdência e Assistência dos Servidores Públicos
IPI – Impostos sobre Produtos Industrializados
18
IPI Ex – Impostos sobre Produtos Industrializados Exportados
IPVA – Imposto sobre Veículos Automotores
ISES – Institutos Superiores de Educação
ITCMD – Imposto de Transição Causa Mortis e Doação
ITR – Imposto Territorial Rural
LAGE – Laboratório de Gestão Escolar Democrática
LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação
LOM – Lei Orgânica Municipal
MARE – Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado
MDXT – Movimento para o Desenvolvimento da Transamazônica e Xingu
MEB – Movimento Brasileiro de Educação
MEC – Ministério da Educação
MIEIB – Movimento Interfóruns de Educação Infantil do Brasil
MST – Movimento dos Sem Terra
NEBA – Necessidades Básicas de Aprendizagem
NEPGE – Núcleo de Estudos de Política e Gestão e Gestão da Educação
NPM – New Public Management
OAB – Ordem dos Advogados do Brasil
OCDE – Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico
ONG – Organização Não-Governamental
ONU – Organização das Nações Unidas
PACS – Programa de Alimentação para Creches
PAT – Programa de Alimentação do Trabalhador
PDDE – Programa Dinheiro Direto na Escola
PDRAE – Plano Diretor de Reforma do Aparelho do Estado
PEJA – Programa de Apoio aos Sistemas de Ensino Para Educação de Jovens e Adultos
PETI – Programa para a Erradicação do Trabalho Infantil
PIB – Produto Interno Bruto
PMDB – Partido do Movimento Democrático Brasileiro
PNAC – Programa Nacional de Alimentação para Creches
PNAE – Programa Nacional de Alimentação Escolar
PNAI – Programa Nacional de Alimentação do Indígena
PNAQ – Programa Nacional de Merenda Escolar para Quilombolas
PNATE – Programa Nacional de Transporte Escolar
19
PNBE – Programa Nacional Biblioteca na Escola
PNLD – Programa Nacional do Livro Didático
PNTE – Programa Nacional de Transporte Escolar
PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
POLONORDESTE – Programa de Desenvolvimento de Áreas Integradas do Nordeste
PROMUNICÍPIO – Programa de Coordenação e Assistência Técnica ao Ensino Municipal
PRONASEC – Programa de Ações Sócio-Educativas e Culturais para o Meio Rural
PEJA – Programa de Apoio aos Sistemas de Ensino para a Educação de Jovens e Adultos.
PROEJA – Programa de Apoio à Educação de Jovens e Adultos.
PNLD – Programa Nacional do Livro Didático
PNBE – Programa Nacional Biblioteca da Escola
PT – Partido dos Trabalhadores
PTN – Partido Trabalhista Nacional
PUA – Pacto de Unidade e Ação
SALTE – (Plano) Saúde, Alimentação, Transporte e Energia
SBPC – Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência
SEAD – Secretaria de Administração
SEAF – Sociedade de Estudos e Atividades Filosóficas
SEDUC – Secretaria Estadual de Educação
SEFA – Secretaria de Fazenda
SEMEC – Secretaria Municipal de Educação
SENAC – Serviço Nacional do Comércio
SENAI – Serviço Nacional da Indústria
SEPOF – Secretaria de Orçamento e Finanças do Estado do Pará
SIASI – Sistema Instituto Ayrton Senna de Informação
SINTEPP – Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Pará
SNI – Serviço Nacional de Informação
SOME – Sistema Modular de Ensino
TCM – Tribunal de Contas dos Municípios
UBES – União Brasileira dos Estudantes Secundaristas
UDN – União Democrática Nacional
UEPA – Universidade Estadual do Pará
UFPA – Universidade Federal do Pará
UFRGS – Universidade Federal do Rio Grande do Sul
20
UNCME – União Nacional de Conselhos Municipais de Educação
UNDIME – União dos Dirigentes Municipais de Educação
UNE – União Nacional dos Estudantes
UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
UNICAMP – Universidade de Campinas
UNICEF – Fundo das Nações Unidas para a Infância
URE – Unidade Regional de Educação
USP – Universidade de São Paulo
21
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO 23
2 FUNDAMENTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS: definindo os conceitos e eixos de
análise ...................................................................................................................................... 33
2.1 DEMOCRACIA E DEMOCRATIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO ......................................... 37
2.2 EIXOS DE MATERIALIZAÇÃO DA DEMOCRATIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO:
SITUANDO A DISCUSSÃO HISTÓRICO-CONCEITUAL ................................................. 42
2.2.1 O acesso à educação, a permanência e a democratização do conhecimento como
direito ....................................................................................................................................... 43
2.2.2 O financiamento da Educação Básica no Brasil ......................................................... 52
2.2.3 A valorização dos profissionais da educação ............................................................. 61
2.2.4 A gestão democrática da educação............................................................................... 69
3 A POLÍTICA DE DESCENTRALIZAÇÃO VIA MUNICIPALIZAÇÃO E A
DEMOCRATIZAÇÃO EDUCACIONAL NO BRASIL: IDAS E VINDAS .................... 80
3.1 ANTECEDENTES HISTÓRICOS DA MUNICIPALIZAÇÃO DO ENSINO NO
BRASIL E A DEMOCRATIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO ........................................................ 80
3.2 A CRISE DO CAPITAL E SUAS IMPLICAÇÕES PARA A REDEFINIÇÃO DO
PAPEL DO ESTADO E DA POLÍTICA DE DESCENTRALIZAÇÃO VIA
MUNICIPALIZAÇÃO EDUCACIONAL NA DÉCADA DE 1990 ..................................... 116
3.2.1 A política de descentralização proposta pela Reforma do Estado ......................... 126
3.2.2 A Política de Municipalização Educacional no Brasil na década de 1990 ............. 132
4 A MUNICIPALIZAÇÃO DO ENSINO NO ESTADO DO PARÁ E NO MUNICÍPIO
DE ALTAMIRA .................................................................................................................. 142
4.1 QUEM VAI AO PARÁ PAROU: TOMOU AÇAÍ FICOU ............................................. 142
4.2 ASPECTOS GERAIS DA POLÍTICA EDUCACIONAL DO PARÁ E A POLÍTICA DE
MUNICIPALIZAÇÃO .......................................................................................................... 145
4.3 ALTAMIRA, A PRINCESINHA DO XINGU: ASPECTOS HISTÓRICO-
GEOGRÁFICOS, SOCIOECONÔMICOS, POLÍTICOS E EDUCACIONAIS ................... 160
4.3.1 A Política educacional da rede Municipal de Educação em Altamira .................. 172
4.4. O PROCESSO DE MUNICIPALIZAÇÃO DO ENSINO FUNDAMENTAL EM
ALTAMIRA ........................................................................................................................... 176
4.4.1 O sistema Estadual de Educação antes da municipalização em Altamira ............ 190
4.4.2 O sistema Estadual de Educação após a municipalização do ensino em Altamira 198
22
4.4.3 As relações entre a rede Municipal e a Rede Estadual no Município de Altamira 202
4.5 – A PARCERIA ENTRE A PREFEITURA DE ALTAMIRA E O INSTITUTO AYRTON
SENNA: DA ESCOLA CAMPEÃ À REDE VENCER ........................................................ 205
4.5.1 Programa Escola Campeã: novos rumos para a educação em Altamira .............. 207
4.5.2 Rede Vencer em Altamira e a Interconexão em tempo real ................................... 216
5 A MUNICIPALIZAÇÃO E A DEMOCRATIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO EM
ALTAMIRA ......................................................................................................................... 224
5.1 A MUNICIPALIZAÇÃO DO ENSINO E SUAS IMPLICAÇÕES PARA A
DEMOCRATIZAÇÃO DO ACESSO À ESCOLA E AO CONHECIMENTO .................... 224
5.1.1 A democratização pelo acesso e permanência na escola ......................................... 224
5.1.2 A democratização da educação pela apropriação do conhecimento ....................... 232
5.2 A MUNICIPALIZAÇÃO E SUAS IMPLICAÇÕES PARA O FINANCIAMENTO E A
DEMOCRATIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO ............................................................................ 235
5.2.1 Bases legais da manutenção do ensino em Altamira ................................................ 235
5.2.2 A educação é prioridade financeira em Altamira? ................................................. 236
5.2.3 As Receitas da Educação em Altamira ...................................................................... 237
5.2.4 Onde são gastos os recursos da Educação em Altamira? ....................................... 243
5.2.5 O gasto-aluno em Altamira e o Custo-aluno Qualidade Inicial – CAQI ................ 245
5.3 A MUNICIPALIZAÇÃO E SUAS IMPLICAÇÕES PARA A VALORIZAÇÃO DOS
PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO .................................................................................... 251
5.3.1 A valorização dos profissionais da educação da rede municipal antes da
municipalização .................................................................................................................... 252
5.3.2 A valorização dos profissionais da rede municipal após a municipalização ......... 258
5.3.3 A valorização dos professores oriundos da rede estadual ou ‘municipalizados’ ... 273
5.4 A MUNICIPALIZAÇÃO E SUAS IMPLICAÇÕES PARA A DEMOCRATIZAÇÃO DA
GESTÃO EDUCACIONAL .................................................................................................. 296
5.4.1 Os Conselhos como mecanismos de democratização................................................ 298
5.4.2 A Escolha de Dirigentes Escolares ............................................................................ 312
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................ 318
REFERÊNCIAS .................................................................................................................. 343
ANEXOS
23
1. INTRODUÇÃO
A municipalização do ensino fundamental no Brasil foi fortemente impulsionada pela
descentralização financeira propiciada pela Emenda Constitucional 14/96
1
, que criou o
Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do
Magistério – FUNDEF
2
, uma vez que a Lei 9.424/96, que regulamentou o FUNDEF, vinculou
a distribuição de recursos entre governos estaduais e municipais proporcionalmente ao
número de matrículas oferecidas no ensino fundamental. A possibilidade de municipalização
do ensino fundamental constava no §9º do Art.3º da referida lei que previa a possibilidade da
celebração de convênios entre Estados e Municípios para transferência de alunos, materiais e
recursos do Fundo de acordo com o número de matrículas que o Estado ou o Município
viessem a assumir por meio de tais convênios. No Estado do Pará
3
, essas possibilidades
abertas pela legislação do FUNDEF deram margem a que o governador Almir Gabriel do
PSDB enviasse projeto de lei à Assembleia Legislativa pleiteando a antecipação do FUNDEF
a partir de 1997, o que de fato se confirmou com a Lei estadual 6.044/97, induzindo a um
processo de municipalização sem precedentes na história do Estado.
Ancorado nas possibilidades financeiras propiciadas pelo FUNDEF, o governo
estadual intensificou a política de municipalização do ensino fundamental iniciada desde o
final da década de 1980
4
e lançada pelo governo estadual em 1996 por meio do Projeto de
Municipalização da Educação, que tinha como um de seus subprojetos a Proposta de
Municipalização do Ensino Fundamental
5
, o que resultou na adesão de 70,6% dos municípios
1
Essa Emenda Constitucional alterou os Arts. 34, 208, 211 e 212 da Constituição Federal e deu nova redação ao
Art. 60 do ADCT, que responsabilizava o Poder Público (União, Estados e Municípios) pelo ensino fundamental
e a erradicação do analfabetismo mediante a aplicação de pelo menos 50% de suas receitas de impostos para esse
fim. A partir da Emenda 14, esse percentual passou a ser de 60% para Estados e Municípios e de 30% para a
União, o que minimizou ainda mais a responsabilidade da União com o ensino e sobrecarregou Estados e
Municípios.
2
O FUNDEF era descrito na Lei que o regulamentava (Lei 9.424/96) como um fundo de natureza contábil no
âmbito de cada Estado e do Distrito Federal que tinha por finalidade vincular 15% da receita de impostos de
Estados e Municípios ao Ensino fundamental.
3
O Pará foi o único Estado da Federação a antecipar o FUNDEF.
4
A municipalização do Ensino Fundamental e da Educação Infantil no Pará foi prevista na Constituição Estadual
de 1989, mas só se materializou decisivamente após o FUNDEF.
5
Esta proposta foi publicada pela Secretaria de Estado de Educação do Pará em 1996 como parte da Série Planos
e Projetos Educacionais, com o título: “Municipalização do Ensino Fundamental no Estado do Pará”, e serviu de
referência para as prefeituras.
24
paraenses até o ano de 2006. Neste mesmo período de minha trajetória profissional
6
, assumi a
Secretaria Municipal de Educação do Município de Barcarena
7
(de 1997 a 2000), situação que
me oportunizou participar da diretoria estadual da União Nacional dos Dirigentes Municipais
de Educação (UNDIME)
8
e me defrontar com as peculiaridades da política de
municipalização do ensino no Pará. Esta, certamente, foi uma das principais razões que me
instigou a aprofundar estudos sobre o tema.
Minha primeira incursão neste assunto se deu nos estudos do mestrado concluído em
2005, quando dissertei sobre “A política de Municipalização do ensino fundamental no Estado
do Pará e suas relações com a Reforma do Estado”. Se, por um lado, os resultados desse
estudo contribuíram para a reflexão sobre as bases de sustentação teórica da municipalização;
por outro, suscitaram novos questionamentos relacionados à perspectiva de democratização
educacional nos Municípios que aderiram à proposta de municipalização por ser este um dos
alicerces de tal proposta. Instigava-me verificar a correlação entre a municipalização e a
democratização da educação. Esta entendida no sentido amplo do termo: como possibilidade
de acesso do aluno à escola garantindo-lhe a apropriação do conhecimento; existência de
financiamento compatível com uma educação de qualidade; relações democráticas no âmbito
da gestão educacional e valorização dos profissionais da educação.
Assim, no doutorado, optei por dar continuidade ao estudo do tema da
municipalização tendo como lócus de pesquisa o Município de Altamira
9
, o qual pertence à
mesorregião do Sudoeste paraense e à Região Xingu com população, em 2007, estimada pelo
IBGE em 92.105 habitantes. A escolha do Município baseou-se primeiramente no fato desse
município possuir as matriculas do ensino fundamental e infantil totalmente municipalizadas
por adesão do prefeito à política de municipalização oriunda do governo do Estado por meio
de Convênio de 02/03/1998; em seguida, me chamou a atenção o fato de ter sido esse o único
6
Iniciei carreira no magistério em 1983 como professora do ensino básico na rede estadual e na rede municipal
em Barcarena, onde fui professora de a 8ª série e diretora de escola. Atualmente sou docente exclusiva da
Universidade Federal do Pará – campus de Belém.
7
O Município de Barcarena pertence à Mesorregião Metropolitana de Belém, limitando-se ao Norte com a Baía
do Guajará e com o município de Belém; ao Sul com os municípios de Moju e Abaetetuba; a Leste com a Baía
do Guajará e com o município de Acará e, a Oeste, com a Baía do Marajó. A população de 2007 calculada pelo
IBGE era de 89.909 habitantes distribuídos em 1.316,3 km², ficando a aproximadamente 40 km em linha reta de
Belém (SEPOF, 2007).
8
Cumpri dois mandatos na função de tesoureira da UNDIME estadual. O primeiro de abril de 1997 a abril de
1999, e o segundo de maio de 1999 a maio de 2001.
9
Altamira fica a aproximadamente 800 km de distancia da capital do Estado por via rodoviária e possui área
territorial de 161.455,9 km² o que lhe possibilita ser o maior município do mundo em extensão.
25
município paraense cujo prefeito municipal
10
ousou quebrar as regras do convênio de
municipalização celebrado com o governo estadual com base no argumento da autonomia
municipal conquistada pela Constituição de 1988. Analisar as implicações desses e de outros
acontecimentos suscitados pela municipalização do ensino em Altamira para a
democratização da educação constitui-se um grande desafio.
No meu entendimento, muitos são os fatores que concorrem para que a
democratização da educação pública ocorra, mas certamente ela não será possível sem a
ampliação do acesso de crianças e jovens à escola e sua permanência com garantia de
apropriação do conhecimento, sem a democratização da gestão educacional, sem uma política
de valorização dos trabalhadores na educação e sem financiamento compatível com a
educação que se quer de qualidade. Tendo em vista este pressuposto, o conceito de
democratização da educação é entendido neste trabalho como possibilidade de acesso de
todas as crianças e todos os jovens à escola, sua permanência com apropriação do
conhecimento, participação dos segmentos sociais na gestão educacional e escolar, existência
de recursos financeiros suficientes para o atendimento educacional com qualidade e
implementação de políticas de valorização dos trabalhadores em educação.
Como consequência à escolha do conceito de democratização educacional adotado
nesta tese definiu-se quatro eixos de análise:
a) O acesso, compreendendo a permanência e a apropriação do conhecimento;
b) O financiamento da educação;
c) A valorização dos trabalhadores em educação;
d) A democratização da gestão educacional.
A questão central desta pesquisa é se a municipalização contribuiu para a
democratização da educação no Município de Altamira. Assim sendo, a fim de responder a
esse questionamento, e, considerando as indicações metodológicas e os eixos de análise,
outras questões foram postas: o que significa democratizar a educação e quais as reais
possibilidades de democratização educacional na sociedade capitalista? Quais as relações
entre as políticas de descentralização educacional, particularmente as de municipalização,
com o projeto societário hegemônico construído historicamente no Brasil e no mundo? Como
se deu o processo de municipalização do ensino fundamental e infantil no Estado do Pará e
10
Trata-se do prefeito Domingos Juvenil pertencente ao PMDB, que exerceu o cargo de prefeito em Altamira
por duas vezes. A primeira na década de 1980, nomeado pelo Governo do Estado, e a segunda eleito em 1999
para gerir o Município de 2001 a 2004.
26
em Altamira? A municipalização contribuiu para a democratização do acesso à educação
básica implicando em permanência e apropriação de conhecimentos pelos alunos? Houve
aumento dos recursos para a educação básica em Altamira após a municipalização? Esses
recursos são suficientes para a oferta de educação de qualidade? A municipalização propiciou
a viabilização de uma política de valorização do magistério? Quais as implicações da
municipalização para a gestão educacional em Altamira?
Em função desses questionamentos, o objetivo geral da pesquisa é analisar a política
de municipalização do ensino e suas possíveis implicações para a democratização da
educação no município de Altamira, desdobrando-se nos seguintes objetivos específicos:
Analisar as políticas de descentralização educacional via municipalização no Brasil
explicitando suas contradições e relações com o projeto societário hegemônico;
Evidenciar a materialização da política de municipalização educacional no Estado do
Pará e em Altamira por meio da análise do processo de municipalização e de seus
desdobramentos para a democratização da educação;
Avaliar o acesso de crianças e jovens à educação a partir do entendimento de que esse
compreende a permanência e a apropriação do conhecimento, antes e depois da
municipalização;
Analisar a política de financiamento da educação em Altamira a partir da perspectiva
que dimensiona o montante de recursos aplicados em educação antes e depois da
municipalização, utilizando como parâmetro para a democratização da educação o
Custo-Aluno-Qualidade-Inicial – CAQI;
Analisar a política desenvolvida em relação aos trabalhadores em educação no
município de Altamira, avaliando a possibilidade da valorização desses trabalhadores
antes de depois da municipalização;
Analisar a política de gestão implementada pela rede municipal antes e depois da
municipalização.
Os eixos centrais da pesquisa foram analisados em sua materialidade antes e depois da
municipalização do ensino em Altamira, dando-se ênfase aos aspectos qualitativos, sem,
contudo, deixar de evidenciar seus aspectos quantitativos, especialmente quando se tratou da
questão financeira. Correlacionar a municipalização com todos esses eixos de análise visando
dimensionar à democratização da educação em Altamira não foi tarefa simples. O esforço de
síntese para que se pudesse alcançar um mínimo de objetividade e centralidade do tema na
27
exposição dos resultados da pesquisa consumiu grande parte do tempo, uma vez que os eixos
comportam indicadores variados e que se inter-relacionam com outros não contemplados
nesta tese. Assim, temas importantes e de igual peso na democratização da educação tais
como: a política curricular, a elaboração, a execução e a avaliação do projeto pedagógico da
escola, a relação escola comunidade, por exemplo, não foram abordados por opção
metodológica diante da impossibilidade de execução de estudo de tamanha abrangência.
A pesquisa teve como recorte histórico os anos situados entre 1996 a 2006, período
em que, no Estado do Pará, se desenvolveu de forma mais intensa a municipalização do
ensino fundamental como efeito da antecipação da implantação do FUNDEF (viabilizador
da municipalização) em 1997 e foi desenvolvida basicamente em duas fases não
necessariamente alternadas ou excludentes. A primeira de caráter bibliográfico-documental
teve como finalidade o aprofundamento teórico acerca do tema por meio de estudos e
pesquisas produzidos sobre a municipalização, a democratização da educação e os eixos de
análise anunciados. Foram consultados e analisados documentos municipais que têm relação
com o tema tais como: Lei Orgânica do Município de Altamira, Termo de Convênio de
Municipalização, Leis municipais de Criação de Conselhos de Controle Social, Instrumentos
de Parceria entre a prefeitura e o Instituto Ayrton Senna, Leis de Criação de Plano de
Carreira, dentre outros. A segunda fase consistiu em pesquisa de campo desenvolvida no
município de Altamira onde foram desenvolvidas entrevistas, visitas e observação in loco. A
distância de Altamira em relação à capital se por um lado dificultou o acesso ao município
11
e
em alguns aspectos a coleta de informações, por outro, facilitou a minha permanência no
município em temporadas que se alternaram ao longo dos quatro anos de realização da
pesquisa, possibilitando coletar e corrigir informações.
a) O acesso, a permanência e a apropriação do conhecimento
A democratização do acesso à educação foi dimensionada pela identificação do
quantitativo de alunos por dependência administrativa no município de Altamira, antes e
depois da municipalização, incluindo tanto os estudantes de matrícula regular na educação
básica, quanto de segmentos normalmente excluídos, tais como os portadores de necessidades
educativas especiais ou trabalhadores que não tiveram acesso à escolarização básica, ou seja,
aqueles que são atendidos pelas modalidades de educação especial e educação de Jovens e
11
O acesso por via terrestre é feito por meio da Rodovia Transamazônica, mas, devido às condições precárias de
conservação dessa rodovia, o trajeto implica em mais de 18 horas de viagem. Outra forma de chegar ao
município é por via aérea, o que se faz em aproximadamente 45 minutos de viagem.
28
Adultos, respectivamente, numa série histórica compreendida entre 1996 e 2006. Tal
periodicidade justifica-se a fim de verificar o grau de expansão das matrículas e a tendência
de municipalização das mesmas antes da adesão do município à proposta de municipalização.
Os índices de aprovação, evasão e repetência compreendidos no mesmo período foram
também verificados, a fim de se avaliar as implicações da municipalização para o acesso e
para a apropriação do conhecimento. Mesmo considerando-se que a apropriação do
conhecimento é de difícil mensuração e extrapola a mera aprovação
12
, que a educação
comporta a assimilação de valores e princípios, e esses “elementos nem sempre são passíveis
de medição pelos tipos de testes e provas disponíveis, aferidores de conhecimentos” (PARO,
2001, p.38), optou-se neste trabalho por considerar os indicadores oficiais de rendimento
escolar. Tais indicadores tiveram como fonte: o Censo Escolar do INEP e o Índice de
Desenvolvimento da Educação Básica IDEB. Verificaram-se também a taxa bruta e liquida
de atendimento no ensino fundamental e na educação infantil, com o fim de dimensionar a
evolução do atendimento destas etapas de prioridade municipal na perspectiva de sua
democratização, especialmente do ensino fundamental, direito público subjetivo de cada
cidadão.
b) O financiamento da educação
O financiamento da educação municipal em Altamira foi verificado mediante a
avaliação dos montantes aplicados em educação pelo município considerando as informações
referentes às receitas de impostos, de convênios, do salário educação e complementação do
FUNDEF de 1996 a 2006. As informações financeiras foram obtidas no Tribunal de Contas
dos Municípios do Pará – TCM, na Secretaria de Finanças do Município de Altamira e por via
eletrônica em sites oficiais tais como o da Secretaria de Estado de Planejamento, Orçamento e
Finanças SEPOF (www.sepof.gov.pa), o do Portal Transparência da CGU
(http://www.portaltransparencia/gov/br) e o oficial do MEC/FNDE
(http://www.fnde.gov.br/pls/simad/internet_fnde.liberacoes_result_pc). Os valores foram
atualizados conforme o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo IPCA
13
,
calculado pelo IBGE, com base em 30/06/2008.
12
Considero que a educação vai além da aprovação escolar e se manifesta por meio da assimilação de valores e
preferências, incorporação de comportamentos, hábitos e posturas, desenvolvimento de habilidades e aptidões,
adoção de crenças e convicções. Na medida em que esses comportamentos se manifestam na postura de cada um
pelos seus projetos de emancipação e inserção social, só são passíveis de verificação em longo prazo.
13
O IPCA, bem como outros índices de correção e atualização econômica, encontra-se no site
HTTP://savounet.com.br/easycalc/correcao.asp. Para o IPCA, o IBGE utiliza como base de indexação os preços
29
Entretanto, o acesso a alguns Balanços não foi possível, tais como os Balanços de 1996
e de 1998, e nem mesmo foram encontrados na Câmara Municipal de Altamira, apontada pelo
TCM como último recurso a recorrer. Outro aspecto a ressaltar é quanto à fidedignidade dos
dados. Ainda que a pesquisa tenha priorizado os Balanços Anuais como fonte, muitos
apresentavam valores que estavam sendo contestados pelo TCM e se encontravam ainda em
diligência. Ademais, os valores relativos aos repasses automáticos da União e outros convênios
não constavam em alguns balanços. Particularmente o balanço de 1997 foi de difícil leitura
dada a dificuldade de orientações acerca da inserção do FUNDEF como experiência que vinha
sendo vivenciada no país apenas pelo Pará naquele ano.
Para efeito de análise foram consideradas as despesas municipais por Função de
Governo, a fim de verificar a posição ocupada pela Função Educação. A análise das despesas
por Programa permitiu reconhecer quais programas são de fato priorizados pelo governo do
município, bem como o cumprimento ou não do mínimo de 25% de gasto com MDE previsto
constitucionalmente. Especial atenção foi dada para a verificação da participação do FUNDEF
nas despesas com a educação. Verificou-se ainda o valor do gasto-aluno-ano com o objetivo de
dimensioná-lo em relação ao valor do Custo Aluno-Qualidade Inicial CAQI, que, no
entendimento de vários estudiosos representa o primeiro patamar rumo à democratização da
educação considerando o seu aspecto financeiro.
c) A valorização dos trabalhadores em educação
A análise do eixo valorização dos trabalhadores em educação levou em conta os
seguintes indicadores: a existência ou não de um plano de carreira, a política de formação
inicial e continuada, a política salarial docente e a forma de provimento de professores. Tais
indicadores foram avaliados em relação aos professores da rede municipal e em relação aos
municipalizados (oriundos da rede estadual), antes e depois da municipalização. Importa
esclarecer que os termos trabalhadores em educação e profissionais da educação são
utilizados no trabalho como sinônimos. Contudo, não tive acesso a todos os dados relativos
aos professores da rede municipal, principalmente os relativos à situação funcional e à
formação antes da municipalização, inexistentes na SEMEC. Possivelmente a ausência de tais
dados esteja relacionada à grande rotatividade de professores contratados temporariamente,
que não existia concurso público antes da municipalização e pelo fato de ter havido mudança
de local de funcionamento da SEMEC, o que pode ter contribuído para o extravio das
ao consumidor referentes a produtos comerciais, prestação de serviços e aluguéis, de 01 a 30 do mês de
referência.
30
informações funcionais dos professores. Diversos documentos jurídicos envolvendo a
situação funcional dos professores municipalizados foram acessados no acervo do SINTEPP.
d) A gestão educacional
A gestão aqui discutida se refere à política de gestão educacional adotada ou elaborada
e executada pela rede municipal com repercussões na escola. A análise da gestão a partir da
perspectiva de democratização educacional implicou primeiramente na identificação da
concepção de gestão da educação assumida pelo município expressa na Lei Orgânica
municipal, nas leis municipais e em documentos institucionais. Tal verificação visou
identificar as possíveis intencionalidades de gestão democrática da educação municipal, uma
vez que a Constituição Federal de 1988, em seu Art. 206, inciso VI, institui como um dos
princípios do ensino público a gestão democrática.
Os indicadores utilizados para dimensionar a perspectiva de gestão democrática foram
os seguintes: a existência e o funcionamento de Conselho Municipal de Educação, de
Conselhos Escolares e de Conselhos de Controle Social e a forma de provimento do diretor
escolar. A escolha de tais indicadores amparou-se na premissa de que, embora a mera
existência de tais indicadores não constitua a garantia de que a democratização da gestão
educacional de fato aconteça (MENDONÇA, 2000; PARO 1997), por meio deles se tem um
mínimo de condições objetivas que propiciem avaliar a existência de mecanismos em que se
possa manifestar a correlação de forças presente no município e o afloramento dos conflitos e
das contradições sociais. Como espaços mediadores da participação popular na elaboração e
avaliação das políticas públicas da educação municipal, os Conselhos podem representar
espaços de luta pela hegemonia da classe trabalhadora.
Confrontaram-se as informações antes e depois da municipalização a fim de verificar
as possíveis alterações na forma de organização educacional e, conseqüentemente, nas
relações de poder na gestão da educação no município de Altamira. As informações acerca da
gestão da educação foram coletadas na Secretaria Municipal de Educação de Altamira
SEMEC, no SINTEPP e junto aos professores, por meio de fontes documentais e entrevistas
semiestruturadas.
Para este trabalho foram utilizadas como fonte de informações entrevistas realizadas
junto a 33 sujeitos
14
que vivenciaram a educação antes e depois da municipalização,
14
Algumas destas entrevistas foram acessadas junto ao banco de dados do Grupo de Estudos em Gestão e
Financiamento da Educação – GEFIN-UFPA, por intermédio de sua coordenadora, professora Drª Rosana Maria
de Oliveira Gemaque, a quem agradeço.
31
totalizando 32 entrevistas, devidamente gravadas. A diferenciação entre os sujeitos foi feita
pela utilização das letras do alfabeto. Alguns deles foram entrevistados mais de uma vez como
as Secretárias municipais de educação (1997- 2000 e 2005-2008), a Coordenadora do
Programa da Rede Vencer (2005-2008) e o Presidente do SINTEPP (2005-2008). O quadro
abaixo identifica os informantes e o quantitativo de entrevistas:
QUADRO
01:
SUJEITOS
ENTREVISTADOS
E
NÚMERO
DE
ENTREVISTAS
Quantidade
de Sujeitos
Sujeitos Entrevistados
Número de
Entrevistas
03
Secretária Municipal de Educação (A, B, C) 05
01
Chefe do Departamento de Ensino/Coordenadora do
Programa Rede Vencer
03
01
Presidente do Conselho de Controle Social do
FUNDEFF
01
01
Membro do Conselho Municipal da Alimentação Escolar 01
01
Membro do Conselho de Controle Social do FUNDEF 01
01
Coordenadora do Programa Escola Campeã 01
01
Coordenador do Programa Gestão Nota 10 02
06
Professores da Rede Municipal (A, B, C, D, E, F)* 02
04
Professores Municipalizados (A, B, C, D) 02
03
Diretor da 10ª Unidade Regional de Educação – Altamira
– SEDUC (A, B, C)
03
03
Presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Educação
– SINTEPP (A, B, C)
03
02
Coordenador da Regional Xingu do SINTEPP (A, B) 02
01
Coordenadora da Educação Municipal Indígena 01
01
Coordenadora da Educação do Meio Rural 01
02
Coordenador do Programa de Correção de Fluxo (A, B) 02
01
Secretário Municipal de Administração 01
01
Ex-Assessor de Planejamento da Secretaria Estadual de
Educação
01
33
32
Nota 1*: Nas entrevistas realizadas com os professores, utilizou-se a técnica de entrevista em
grupo.
O primeiro capítulo corresponde a essa apresentação situando o tema e o objeto de
pesquisa bem como seus objetivos, eixos de análise e indicadores.
No segundo, são trabalhadas as indicações teórico-metodológicas que fundamentam a
pesquisa. A partir desta perspectiva, são detalhados os conceitos de democracia e
democratização e os eixos teóricos de análise por meio das quais se dimensionou a
democratização educacional no município de Altamira, explicitados a partir da sua dimensão
histórico-conceitual. Foram trabalhados os seguintes eixos: o acesso à educação, a
32
permanência e a democratização do conhecimento como direito de cidadania; a política de
financiamento da Educação básica no Brasil; a valorização dos profissionais da educação e a
gestão democrática da educação.
O terceiro capítulo recupera historicamente os arranjos político-institucionais
centralizadores e descentralizadores do Estado brasileiro explicitando suas relações e
contradições com o projeto social capitalista hegemônico e suas implicações para a
responsabilidade de oferta educacional pelos entes federativos (União, Estados e Municípios)
e para a democratização da educação. Enfoca-se ainda o contexto das mudanças
internacionais da década de 1990 e suas implicações para a política educacional, e mais
especificamente para a política de descentralização via municipalização. A política de
municipalização educacional é analisada como parte do movimento de redefinição do papel
do Estado no provimento das políticas educacionais no contexto da crise do capitalismo.
O quarto capítulo analisa a política de municipalização do ensino no estado do Pará e
no município de Altamira além de sua materialização pelo redimensionamento das matrículas
e da celebração de convênio de municipalização. A partir da análise de aspectos histórico-
geográficos, socioeconômicos, políticos e educacionais, procura-se situar o processo de
municipalização da educação no Pará e em Altamira, destacando-se os elementos centrais
dessa política e os aspectos de sua materialização. Como um dos principais fatores da
mudança no padrão de gestão educacional após a municipalização em Altamira, a parceria
com o Instituto Ayrton Senna é também descrita e contextualizada nesta parte do trabalho.
O quinto e último capítulo enfoca a municipalização do ensino no município de
Altamira e suas implicações para a democratização da educação. Nesta perspectiva são
apresentados os estudos a respeito dos eixos: democratização do acesso e do conhecimento;
financiamento da educação; valorização dos profissionais da educação e democratização da
gestão educacional, com base nos indicadores previstos para cada eixo de análise.
Nas considerações finais, retoma-se a pergunta de pesquisa procurando fazer uma
reflexão a respeito dos resultados alcançados pela investigação, relacionando-os ao referencial
teórico que embasam a concepção de democratização da educação adotada neste trabalho,
bem como ao contexto histórico atual.
33
2. FUNDAMENTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS: definindo os conceitos e eixos de
análise
A intenção desse capítulo é explicitar as bases teórico-metodológicas a partir das quais
se busca compreender e explicar as implicações da política de municipalização para a
democratização da educação no município de Altamira.
Parte-se, para isso, do principio de que a realidade é um conjunto infinito de
fenômenos materiais e espirituais
15
que estão em constante transformação e em movimento,
interconectados e interagindo dialeticamente.
A complexidade das relações entre os
fenômenos se manifesta a partir de um processo que os supõe ao mesmo tempo ligados e
isolados, portanto portadores de autonomia apenas relativa. A ligação é uma relação entre os
fenômenos ou objetos na qual a modificação de um supõe certa transformação do outro.
Nesse
sentido, a municipalização do ensino enquanto fenômeno material social é permeado por uma
ampla teia de relações, e a análise de tal fenômeno implica a consideração dessa condição de
autonomia apenas relativa. Como produto de relações econômicas, políticas e sociais somente
para efeito de estudo, o objeto pôde ser isolado.
A interdependência entre os conceitos e os fenômenos da realidade é enfatizada por
Lukács (1979) na clássica obra sobre A ontologia do ser social”, referindo-se à
historicidade do ser em sua totalidade, no complexo de suas partes, suas conexões e
transformações. Nesta o autor defende a necessidade de uma abordagem histórico-crítica da
realidade com base em uma visão ontológica dos acontecimentos. O aspecto ontológico (do
grego, on, ontos, ser em geral – estudo do ser)
seria, portanto, fundamental como método para
a compreensão da realidade, pois conforme Lukács (1979) “quando se afirma que a
objetividade é uma propriedade primário-ontológica de todo ente, afirma-se em conseqüência
que o ente originário é sempre uma totalidade dinâmica, uma unidade de complexidade e
processualidade” (LUKÁCS, 1979, p.36) e, portanto, um ser em constante processo de
construção e reconstrução. E é dessa forma que tentei compreender a municipalização do
ensino: como um processo dinâmico em constante transformação.
15
De acordo com Triviños (2001), a realidade é o que está dentro e fora de nossa consciência e é constituída
pelos fenômenos materiais (realidade objetiva) e pelos fenômenos espirituais ou ideais (realidade subjetiva). Os
primeiros podem ser entendidos como qualquer fenômeno físico, biológico, social, educacional, entre outros; os
segundos referem-se a manifestações humanas tais como uma percepção, um pensamento, uma fantasia, um
sonho ao dormir, um sentimento.
34
E é essa dinamicidade que se precisa considerar na busca da apreensão do aspecto
concreto do fenômeno tendo em vista a sua totalidade. Na pesquisa de um objeto, segundo
Trivinõs (2006), é necessário que se leve em conta suas correlações; sua origem e seu
desenvolvimento, evidenciando a contraditoriedade de suas relações para só então vê-lo
emergir a partir de outras dimensões muito mais rico do que antes
.
Esse movimento é assim
explicitado:
a categoria de totalidade para o método materialista dialético é uma
totalidade concreta, é um todo espiritual, ideal. É uma reprodução mental do
fenômeno concreto sensível não como ele se oferece numa primeira
instância, mas como emerge depois de haver sido relacionado com outros
fenômenos (econômicos, políticos, culturais, sociais) e de haver estudado
seu desenvolvimento através de suas contradições. Esta concepção de
totalidade do materialismo dialético baseia-se na relação dialética do todo
com as partes no sentido que um fenômeno abstratamente,
artificialmente, pode ser isolado e explicado em si mesmo, alheio às
circunstancias que o produziram ou nas quais está inserido’ (TRIVINÕS,
2006, p.188)
Isso significa que a compreensão do objeto de estudo requer a necessidade de
considerar as suas interligações com os aspectos políticos, econômicos, sociais e culturais que
o engendraram e que o constituíram como tal, para compreendê-lo a partir da perspectiva da
totalidade de suas relações.
A compreensão da historicidade de todos os fenômenos da realidade implica refletir
sobre as condições em que o homem se relaciona com a natureza e se constitui como ser
social. A explicitação dessa relação encontra em Marx a seguinte explicação: na sua relação
com a natureza, o homem é compreendido como ser genérico que opera sobre o mundo, sobre
os outros homens e sobre si mesmo enquanto espécie que busca sua sobrevivência, não apenas
segundo necessidades urgentes, mas também tendo em vista necessidades mediatas. Ao
construir a natureza, o homem constrói e transforma a si mesmo como parte dessa natureza
pela sua capacidade reflexiva, consciente. Diferentemente de outros animais, o homem
constrói o mundo objetivo por meio de uma atividade social prática e consciente: o trabalho.
A humanização da natureza não se daria a partir do nada nem apenas das ideias, mas pela
produção de seu trabalho.
A atividade vital consciente distingue imediatamente o homem da atividade
vital animal. (...) É certo que também o animal produz. (...) Porém produz
35
unicamente o que necessita imediatamente para si ou para sua prole; produz
unilateralmente, enquanto que o homem produz universalmente; produz
unicamente por mandato da necessidade física imediata, enquanto que o
homem produz inclusive livre da necessidade física e produz realmente
liberado dela; o animal se produz apenas a si mesmo, enquanto que o
homem reproduz a natureza inteira; o produto do animal pertence
imediatamente a seu corpo físico, enquanto que o homem se defronta
livremente com seu produto. (...) por isso precisamente é apenas na
elaboração do mundo objetivo onde o homem se afirma realmente como um
ser genérico. Esta produção é sua vida genérica ativa. Mediante ela a
natureza aparece como obra sua e sua realidade (MARX, 1982, p. 111-2).
Essa noção de produção explica o caráter social e histórico do homem, ou seja, as
relações do homem com a natureza e consigo mesmo só são possíveis pela relação com outros
homens e são construídas historicamente, isto é, não são imutáveis. Ao buscar a satisfação de
suas necessidades mediante o trabalho, o homem transforma a natureza, produz conhecimento
e transforma-se a si mesmo. Mesmo quando a produção é individual, não se esgota o seu
caráter social pela própria natureza social do homem, pois, conforme Marx:
Mesmo quando eu atuo cientificamente etc. em uma atividade que eu
mesmo o posso levar a cabo em comunidade imediata com outros,
também sou social, porque atuo enquanto homem. Não apenas o material de
minha atividade (como a língua, por meio da qual opera o pensador) me é
dado como produto social, mas minha própria existência é atividade social,
porque o que eu faço, faço-o para a sociedade e com consciência de ser um
ente social (MARX, 1982, p. 146).
Estas relações sociais não se dão no vazio, mas em determinados contextos e
condições materiais presentes na realidade que as condicionam. Assim, de acordo com Marx
(1989), a base da sociedade, da sua formação, das suas instituições e regras de funcionamento,
das suas ideias e valores são as condições materiais. Em outras palavras, as condições
concretas pelas quais o homem produz e reproduz sua vida tendem a condicionar suas ideias,
seus valores e suas relações sociais e políticas como afirma o autor:
Na produção social da sua existência, os homens estabelecem relações
determinadas, necessárias, independentes de sua vontade, relações de
produção que correspondem a um determinado grau de desenvolvimento
das forças produtivas materiais. O conjunto dessas relações de produção
constitui a estrutura econômica da sociedade, a base concreta sobre a qual
36
se eleva uma superestrutura jurídica e política e a qual correspondem
determinadas formas de consciência social. O modo de produção da vida
material condiciona o desenvolvimento da vida social, política e intelectual
em geral. Não é a consciência dos homens que determina o seu ser, mas é o
seu ser social que, inversamente, determina a sua consciência (MARX,
1989, p. 28-29).
Nesta perspectiva, os fenômenos constituem-se, fundam-se e transformam-se a partir
de múltiplas determinações contidas em uma totalidade concreta, entendida como totalidade
de relações e não como uma mera soma ou justaposição de partes ou de conjunto de variáveis.
Para Marx, “O concreto é concreto por ser a síntese de muitas determinações, logo, unidade
da diversidade” (MARX, 1989, p.229). Assim, se a totalidade é concreta, e se o concreto é
síntese de múltiplas determinações, como síntese deve conter as determinações do todo
reordenadas.
Assim, as políticas educacionais, tais como a municipalização do ensino fundamental,
devem ser pensadas como parte de um projeto social mais amplo, construído pela sociedade e
materializado por meio da “ação do Estado” (AZEVEDO, 1997). Metodologicamente
procura-se articular a análise dessa totalidade levando em conta o conjunto de mediações e
determinações nacionais e internacionais que vêm concorrendo para a emergência de
políticas de descentralização da gestão via municipalização.
Mas sendo o real em si a expressão de um movimento de transformação e de
desenvolvimento constante que encerra contradições a busca de apreensão da realidade do
município de Altamira implicou a necessidade de evidenciar tais contradições e antagonismos
que vêm permeando o movimento histórico do desenvolvimento da municipalização em suas
especificidades internas e circunstâncias atuais do município pesquisado.
Em síntese, no estudo sobre a política de municipalização do ensino fundamental e de
suas implicações para a democratização da educação no município de Altamira, levou-se em
consideração que o conhecimento é determinado pela matéria
16
; que os fenômenos materiais e
espirituais são interdependentes entre si; e que a história, a transformação da sociedade,
ocorre em meio a processos que expressam as contradições, os antagonismos e os conflitos
sociais e econômicos próprios da sociedade de classes de nossa contemporaneidade.
Considerando-se esses pressupostos, importa esclarecer alguns conceitos e os eixos
principais abordados na pesquisa.
16
A matéria “é uma categoria filosófica para designar a realidade objetiva, que é dada ao homem nas suas
sensações, que é copiada, fotografada, refletida pelas nossas sensações, existindo independente delas (Lênin, V.
1982, apud Triviños, 2006, p.114)”.
37
2.1 DEMOCRACIA E DEMOCRATIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO: FUNDAMENTOS
TEÓRICOS CONCEITUAIS
“A democracia é ao mesmo tempo meio e fim, posto que sua
realização (uma mediação) consubstancia-se na própria realização
da liberdade, não como apenas uma palavra, mas como algo
concreto que é a própria realização do homem em sua especificidade
histórica” (Vitor Paro, 2001, p.18)
A análise da municipalização e de suas implicações para a democratização da
educação requer o aprofundamento da compreensão sobre o que se entende por democracia e
assim melhor esclarecer a concepção de democratização da educação defendida neste
trabalho. O conceito de democracia não é de fácil definição visto que, por encerrar
concepções de classes sociais em disputa pela hegemonia econômica e política, torna-se uma
discussão controvertida.
A ideia original grega de democracia, segundo Ellen Meiksins Wood (2007), encontra-
se em Aristóteles que a concebia como uma “constituição na qual os nascidos livres e pobres
controlam o governo – sendo ao mesmo tempo uma maioria” (WOOD, 2007, p. 384). Mais do
que o critério numérico, para Aristóteles o que distinguia a democracia da oligarquia era o
critério social – nobreza e pobreza.
Tal definição pelo critério social de participação provocou extensas discussões sobre o
direito de participação política, incluindo as pessoas que precisassem trabalhar para viver, e
como ideia, dividiu historicamente os setores democráticos e os antidemocráticos. No caso da
Grécia antiga, onde os atenienses democráticos consideravam que “um dos princípios
primordiais da democracia se sustentava na capacidade e no direito de tais pessoas
[trabalhadores] de realizarem julgamentos políticos e de falarem sobre eles em assembléias
públicas” (WOOD, 2007, 385) tal concepção se traduziu na ideia de igualdade de expressão à
qual deram o nome de isegoria. Essa concepção sintetizava as principais características da
democracia ateniense: “a ênfase em uma cidadania ativa; e seu enfoque sobre a distribuição
do poder de classe” (WOOD, 2007, p. 385). O poder de participação grego ia além da
participação política, mas se traduzia também em participação econômica por meio da
exploração de impostos e rendas, ou seja, não havia separação entre o econômico e o político.
38
O sentido de distribuição de participação de forma igualitária entre trabalhadores, ricos e
pobres fez com que a democracia fosse rejeitada pelas classes detentoras de poder econômico
por longo tempo.
Com as lutas populares por maior participação política e econômica diante das
mudanças materiais engendradas pelo capitalismo, as classes dominantes tiveram que adaptar-
se às novas condições, tanto política como ideologicamente. Desta forma, “repentinamente,
todos eram democráticos” (WOOD, 2007, p.385).
No entanto, no sistema capitalista, a democracia muda substancialmente passando a
ser restrita ao campo político sem maiores consequências para o campo social e econômico
ou, como denomina Wood (2007), uma democracia “formal”, confinada a uma esfera
puramente política e jurídica sem destruir os alicerces do poder de classe. Diferentemente do
que ocorria na democracia ateniense em que a democracia era econômica e, ao mesmo tempo,
política, o desenvolvimento do capitalismo separou estas duas esferas na medida em que “a
capacidade de exploração dos capitalistas não depende diretamente de seu poder político ou
militar” (WOOD, 2007, p.386). Esta separação entre o econômico e o político no capitalismo
opera pelas seguintes razões, segundo WOOD (2007):
A esfera política concebida como o espaço no qual as pessoas se comportam
no seu caráter de cidadão antes que como trabalhadores ou capitalistas
está separada do âmbito econômico. As pessoas podem exercitar seus
direitos como cidadãos sem afetar muito o poder do capital no âmbito
econômico. Ainda em sociedades capitalistas com uma forte tradição
intervencionista do Estado, os poderes de exploração do capital costumam
ficar intactos pela ampliação dos direitos políticos (WOOD, 2007, p. 387).
Isso significa dizer que o capitalismo “tem a capacidade de fazer uma distribuição
universal de bens políticos sem colocar em risco suas relações constitutivas, suas coerções e
desigualdades” (WOOD, 2006, p.21). Como sistema de acumulação de lucro, segundo Ellen
Meiksins Wood (2006), “o capitalismo tornou possível conceber uma ‘democracia formal’,
uma forma de igualdade civil coexistente com desigualdade social capaz de deixar intocadas
as relações econômicas entre ‘elite’ e a ‘multidão trabalhadora’” (WOOD, 2006, p.184), o que
a rigor o torna incompatível com a democracia no sentido substancial da palavra, uma vez que
“a igualdade política na democracia capitalista não somente coexiste com a desigualdade
socioeconômica, mas a deixa fundamentalmente intacta” (WOOD, 2006, p.184). Neste caso,
39
as relações de classe entre capital e trabalho não se alteram e resistem à igualdade jurídica e
ao sufrágio universal.
De fato, em função das lutas populares hoje, embora nas sociedades capitalistas
democráticas todos os cidadãos tenham o direito de escolher seus governantes, e, por mais
que em termos políticos sejam considerados iguais, a grande maioria vive em situação de
extrema desigualdade social e econômica. A sua condição de expropriada dos meios de
produção necessitando vender sua força de trabalho para sobreviver não é alterada pelo
simples fato de poder votar.
A democracia hegemônica nas sociedades capitalistas é, por conseguinte, a
Democracia Liberal representativa, que se caracteriza como: “um método ou arranjo para
chegar a decisões políticas e administrativas; um conjunto de regras para formação do
governo representativo através do voto” (LUCE; MEDEIROS, 2006, p. 16). Neste tipo de
democracia, “o eleitorado é homogeneizado e o centro do debate são as normas do processo
democrático reduzido às eleições de elites políticas” (LUCE; MEDEIROS, p. 16).
Para Wood (2006), a “democracia representativa” foi uma típica invenção americana
que se afasta radicalmente da ideia de isegoria presente na democracia ateniense, segundo a
qual todos tinham igualmente liberdade e igualdade de expressão. Diferentemente da
concepção atual que compreende esse termo como ausência de interferência no direito de
expressar opiniões, a ideia grega de igualdade de expressão sintetiza as principais
características da democracia ateniense centrada em uma cidadania ativa, onde o poder de
classe era mais igualitário. Assim, ao formular o princípio da democracia representativa, o
antidemocrata Alexander Hamilton, partiu da premissa de que os trabalhadores ou ‘pessoas
inferiores’ eram incapazes de falar por sua classe, e por isso deveriam “buscar em seus
superiores sociais a sua própria voz política” (WOOD, 2006, p. 186). Desse modo, mais do
que implantar ou ampliar a participação popular, a democracia representativa serviria para
evitá-la ou contorná-la, que seus idealizadores “não somente concebiam a representação
como uma forma de distanciar o povo da política” (WOOD, 2006, p.188), mas advogavam-na
também porque ela favorecia as classes proprietárias, como afirma Ellen Wood (2006):
O efeito foi a mudança do foco da ‘democracia’, que passou do exercício
ativo do poder popular para o gozo passivo das salvaguardas e dos direitos
constitucionais e processuais, e do poder coletivo das classes subordinadas
para a privacidade e o isolamento do cidadão individual. Mais e mais o
40
conceito de democracia passou a ser identificado com ‘liberalismo’.
(WOOD, 2006, p.196)
Neste caso, “passou a existir uma esfera política separada na qual a condição ‘extra-
econômica’ política, econômica ou militar não tinha implicações diretas para o poder
econômico, o poder de apropriação, de exploração e distribuição” (WOOD, 2006, p.201) onde
impera a liberdade do mercado que é visto como “uma esfera de liberdade, de escolha, até
mesmo por aqueles que sentem necessidade de regulá-lo” e onde a própria democracia é
confundida com mercado livre.
E nisso parece residir a grande façanha do capitalismo: a coexistência da democracia
formal e do liberalismo. Ou seja, um regime que embora professe, e, em tese apóie a expansão
da democracia, tem o desafio de impedir que as escolhas democráticas transcendam a
formalidade do voto e promovam a sua autodestruição, como se pode inferir pelo que afirma
Wood (2006):
A democracia formal” e a identificação da democracia com liberalismo
teriam sido impossíveis na prática, e literalmente impensáveis em teoria, em
qualquer outro contexto que não as relações sociais específicas do
capitalismo. Tais relações sociais resultariam tanto no avanço da democracia
quanto na sua estrita inibição, e o maior desafio ao capitalismo seria a
extensão da democracia além de seus atuais limites extremamente reduzidos.
É nesse ponto que “democracia” se torna sinônimo de socialismo. (WOOD,
2006, p.21)
A democracia plena implicaria, portanto, a superação do capitalismo. A abordagem da
democracia nos marcos de sociedades capitalistas como a brasileira implica em considerar a
luta de classes típica desse modelo econômico, isto é, a intermitente luta de uma classe
expropriada dos meios de produção (que são os reais produtores de riqueza) contra seus
expropriadores, os proprietários dos meios de produção. Este fato traz importantes
implicações para a análise do conceito de democracia como possibilidade de viabilizar a
igualdade substantiva entre as pessoas, pois o sistema capitalista em que vivemos divide os
homens entre os que exercem funções de execução e aqueles que se encarregam do controle
da produção, como afirma Mészáros (2006):
Sob o sistema do capital estruturado de maneira antagonista, a verdadeira
questão é a seguinte: qual é a classe dos indivíduos que realmente produzem
a “riqueza da nação” e qual a que se apropria dos benefícios dessa produção;
ou, em termos mais precisos, que classe de indivíduos deve ser confinada à
41
função subordinada de execução e que indivíduos particulares exercem a
função do controle como “personificações do capital” (MÉSZÁROS,
2006, p. 68, itálicos no original).
A luta antagônica entre as classes sociais típicas do modo de produção capitalista tem
resultado em vantagens para as classes detentoras do poder econômico. Dessa forma, “o
conceito de democracia em uma sociedade sob a hegemonia do capitalismo não pode ser visto
em abstrato” (PERONI, 2008, p. 4), pois afinal “é o capitalismo que torna possível uma forma
de democracia em que a igualdade formal de direitos políticos tem efeito mínimo sobre as
desigualdades ou sobre as relações de dominação e de exploração em outras esferas”
(WOOD, 2006. p. 193).
Ao pensar a democracia a partir do pressuposto da impossibilidade de separação entre
o econômico e o político, considera-se que uma sociedade verdadeiramente democrática é
aquela na qual ocorre real participação de todos os indivíduos nos mecanismos de controle
das decisões” somada à “real participação deles nos rendimentos da produção” (VIEIRA,
1992, p.13). E isso significa dizer que não basta o acesso à democracia formal de direitos
políticos, mas a conquista da igualdade de condições econômicas. Assim, a situação de
subordinação da classe trabalhadora lhe impõe necessidade de luta constante para ampliar sua
participação em todos os âmbitos nas sociedades capitalistas a fim de atingir a sua
emancipação como classe, o que requer capacidade de organização política em busca da
hegemonia, como afirma Wood (2006, p. 33): "
a relação entre os apropriadores e produtores se
baseia na força relativa das classes, e isso é em grande parte determinado pela organização interna e
pelas forças políticas com que cada uma entra na luta de classes".
Um fator estrategicamente
central nessa luta pela emancipação da classe trabalhadora rumo a uma nova sociedade é a
apropriação do conhecimento via educação formal, pois, conforme Paro (2005):
A educação se revela como fator de transformação social, também em seu
caráter intrínseco de apropriação do saber historicamente acumulado, na
medida em que, através dela, a classe revolucionária se apodera da ciência,
da tecnologia, da filosofia, da arte, enfim, de todas as conquistas culturais
realizadas pela humanidade em seu desenvolvimento histórico e que hoje se
concentram nas mãos da minoria dominante. Esse saber, ao ser apropriado
pela classe dominada, serve como elemento de sua afirmação e emancipação
cultural na luta pela desarticulação do poder capitalista e pela organização de
uma nova ordem social. (PARO, 2005, p. 105).
42
A democratização do conhecimento assume, portanto, uma dimensão de compromisso
social com a emancipação socioeconômica das classes menos favorecidas e requer todo o
esforço de luta pela viabilização de uma educação pública democrática e de qualidade.
Entende-se que a ampliação do acesso de crianças e jovens à escola e ao conhecimento, o
financiamento compatível com uma educação de qualidade, a valorização dos trabalhadores
da educação e a democratização da gestão educacional são formas de dar materialidade à
democratização da educação, razão por que constituem os eixos de análise desta pesquisa.
Considerando que o conceito de democracia em uma sociedade sob a hegemonia do
capitalismo não pode ser visto em abstrato, mas no movimento histórico que encerra a
correlação de forças entre classes com interesses antagônicos, os eixos de análise serão
abordados a seguir a partir de um enfoque histórico-conceitual, sendo eles: o acesso, a
permanência e a apropriação do conhecimento como direito; o financiamento da educação; a
valorização dos trabalhadores em educação e a gestão democrática da educação.
2.2 EIXOS DE MATERIALIZAÇÃO DA DEMOCRATIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO:
SITUANDO A DISCUSSÃO HISTÓRICO-CONCEITUAL
Como visto no item anterior, o conceito de democracia, em uma sociedade sob a
hegemonia do capitalismo como a que vivemos atualmente, não pode ser visto em abstrato,
mas no seu movimento histórico e de correlação de forças entre as classes que o compõem.
Tampouco se pode abstrair do conceito de democracia a indissociabilidade entre o político e o
econômico. Com base nestes pressupostos, os eixos de análise que ajudam a compreender a
materialização da democratização da educação no município de Altamira serão abordados a
partir de um enfoque histórico-conceitual, sendo eles: o acesso à educação, a permanência e a
apropriação do conhecimento como direito; o financiamento da educação; a valorização dos
trabalhadores em educação e a gestão democrática da educação.
43
2.2.1 O acesso à educação, a permanência e a democratização do conhecimento como
direito
“Sustentar a “qualidade” contra a quantidade significa,
precisamente, apenas isto: manter intactas determinadas condições
de vida social, nas quais alguns são pura quantidade, outros pura
qualidade” (Gramsci, 1978, p.50)
A educação é hoje reconhecida como uma das mais importantes dimensões da
cidadania e dos direitos humanos, sendo que hoje em dia praticamente todas as cartas de
direitos no mundo identificam o direito à educação como parte dos direitos humanos.
Isso tanto é verdade que o estudo realizado por Machado & Oliveira (2001) com base
nos dois documentos mais simbólicos sobre os direitos humanos no mundo (a Declaração dos
Direitos do Homem e do Cidadão consubstanciada após a Revolução Francesa de 1789 e a
Declaração Universal dos Direitos Humanos, da Organização das Nações Unidas (ONU) de
1948
17
) demonstra que entre a aprovação de um e outro, houve a ampliação do
reconhecimento dos direitos humanos. A partir disso, o problema fundamental hoje em
relação à educação, assim como em relação aos demais direitos humanos consensualmente
reconhecidos, não é tanto de justificá-los, mas o de fazer com que de fato se concretizem.
O direito de acesso à educação como um dos direitos sociais é um dos princípios
elementares da noção de cidadania. O clássico estudo de Thomas Humphrey Marshall (1967),
Cidadania, Classe Social e Status, constitui uma das mais importantes referências históricas
quando se trata o tema. Para Marshall a cidadania teria se desenvolvido na Inglaterra numa
ordem sequencial e lógica. Primeiro vieram os direitos civis, no século XVIII, depois, no
século XIX, surgiram os direitos políticos e, por último, os direitos sociais, conquistados no
século XX. Os direitos civis são definidos por ele nestes termos:
O elemento civil é composto dos direitos necessários à liberdade individual
liberdade de ir e vir, liberdade de imprensa, pensamento e fé, o direito à
propriedade e de concluir contratos válidos e o direito à justiça. Este último
difere dos outros porque é o direito de defender e afirmar todos os direitos
17
O Art. 26 deste documento afirma: “Todos têm o direito à educação. A educação deve ser gratuita, ao menos
nos estágios elementar e fundamental. A educação elementar deve ser compulsória” (ONU, 1948)
http://www.onu-brasil.org.br/documentos_direitoshumanos.php. Acesso em maio de 2008.
44
em termos de igualdade com os outros e pelo devido encaminhamento
processual (MARSHALL, 1967, p. 63).
Em relação aos direitos políticos Marshall afirma que:
Por elemento político se deve entender o direito de participação no exercício
do poder político, como um membro de um organismo investido da
autoridade política ou como um eleitor dos membros de tal organismo. As
instituições correspondentes são o parlamento e conselhos do Governo local.
(MARSHALL, 1967, p. 63).
E, finalmente, quanto ao conceito de direitos sociais, ele considera que:
O elemento social se refere a tudo o que vai desde o direito a um mínimo de
bem estar econômico e segurança ao direito de participar, por completo, na
herança social e levar a vida de um ser civilizado de acordo com os padrões
que prevalecem na sociedade. As instituições mais intimamente ligadas com
ele são o sistema educacional e os serviços sociais (MARSHALL, 1967, p.
63-4)
A análise de Carvalho (2003) a respeito do trabalho de Marshall sugere que embora o
ideal de cidadania plena como ponto de chegada seja semelhante na tradição ocidental, os
caminhos são distintos e nem sempre seguem linha reta, contestando a ideia de sequência na
conquista dos direitos. Para ele, pode haver também desvios e retrocessos não previstos por
Marshall e o percurso inglês foi apenas um entre outros. Assim, países como a França, a
Alemanha, os Estados Unidos e mesmo o Brasil tiveram trajetórias diferenciadas no processo
de conquista dos direitos de cidadania. Mas a cidadania plena só é possível mediante a
garantia efetiva dos direitos civis, dos direitos políticos e dos direitos sociais (CURY, 2002;
CARVALHO, 2003). E, se todos são importantes para a democratização e para a
materialização da cidadania, os direitos sociais, dentre eles a educação, se destacam como
aqueles que permitem a participação na riqueza coletiva como afirma Carvalho (2003):
Se os direitos civis garantem a vida em sociedade, se os direitos políticos
garantem a participação no governo da sociedade, os direitos sociais
garantem a participação na riqueza coletiva. Eles incluem o direito à
educação, ao trabalho, ao salário justo, à saúde, à aposentadoria. (...) Os
direitos sociais permitem às sociedades politicamente organizadas reduzir os
excessos de desigualdades produzidos pelo capitalismo e garantir um
mínimo de bem-estar para todos. A ideia central em que se baseiam é a da
justiça social. (CARVALHO, 2003, p.10).
45
Como direito social, a educação tem se configurado historicamente como pré-requisito
para a expansão dos outros direitos, que a “a ausência de uma população educada tem sido
sempre um dos principais obstáculos à construção da cidadania civil e política”
(CARVALHO, 2003, p.11). É consensual, neste ponto, a necessidade da educação.
De acordo com Cury (2002), a aparente concessão do direito à educação pelas classes
dirigentes europeias do século XIX, representadas por Inglaterra, França e Alemanha por
meio de reformas educativas, conviveu pacificamente com as ideias liberais da época. A ação
intervencionista do Estado era ponto pacífico entre os liberalistas e mesmo teóricos do estado
liberal como Adam Smith e Stuart Mill justificavam a intervenção estatal no provimento da
educação primária por reconhecerem-na como de interesse geral. Certamente o equilíbrio
social era conveniente para essas classes, pois, segundo Cury:
Na verdade, para as classes dirigentes, colocar o Estado como provedor de
determinados bens próprios da cidadania, como a educação primária e a
assistência social, representava a necessidade da passagem progressiva da
autoproteção contra calamidades e incertezas para a solução coletiva de
problemas sociais. Para contar com as classes populares no sentido da
solução de muitos problemas, não era mais possível nem deixar de satisfazer
algumas de suas exigências e nem ser um privilégio, o que, a rigor, era
direito de todos e não só de uma minoria. (CURY, 2002, p. 253)
Os direitos sociais nessa época tal como hoje são parte do esforço de obtenção do
consenso para governar
18
. Esse talvez seja o ponto essencial que tem dado suporte para que o
capitalismo possa perdurar e se reconfigurar a cada crise: a capacidade que esse sistema tem
de contar com o consentimento ativo dos explorados. O fato é que as reformas, no sentido de
atender aos anseios da população, significavam a possibilidade de apaziguar pelo menos parte
dos problemas e assim obter apoio da população.
José Murilo de Carvalho (2003), Evaldo Vieira (1983, 1992, 2004) e Jamil Cury
(2002) são unânimes em afirmar que a conquista dos direitos de cidadania foi mediada pela
correlação de forças das lutas sociais. Para Evaldo Vieira, as políticas sociais sempre
18
Para Gramsci (1989) o Estado é entendido como um conjunto de atividades teóricas e práticas com as quais a
classe dirigente justifica e mantém não somente a sua dominação, mas também consegue obter o consenso ativo
dos governados.
46
estiveram associadas às pressões populares, mas são atendidas de acordo com os interesses
das camadas dirigentes, como afirma:
Não tem havido, pois, política social desligada dos reclamos populares. Em
geral, o Estado acaba assumindo alguns destes reclamos, ao longo de sua
existência histórica. Os direitos sociais significam antes de mais nada a
consagração jurídica da reivindicação dos trabalhadores. Não significam a
consagração de todas as reivindicações populares, e sim a consagração
daquilo que é aceitável para o grupo dirigente do momento (VIEIRA, 1992,
p. 23).
Muitas dessas lutas foram produtos de processos sociais protagonizados pelos
segmentos da classe trabalhadora, que percebiam, a partir da conquista de direitos sociais,
particularmente o direito à educação, um meio de participação na vida econômica, social e
política, já que historicamente continuavam marginalizadas de possibilidades de inserção
social.
A função de diminuição das desigualdades sociais mediante execução de políticas
sociais pelo Estado é vista com restrições por Evaldo Vieira (1983), que o Estado, como
executor de políticas sociais, não é neutro, e neste caso, a política social é apenas mais uma
das estratégias no sentido de promover o desenvolvimento econômico e o favorecimento da
ampliação do capital, contribuindo muito pouco para a diminuição das desigualdades sociais.
Assim, ao analisar as políticas sociais desenvolvidas no Brasil de 1951 a 1978, Evaldo Vieira
afirma que “é possível evidenciar-se a atuação do Estado no sentido de incentivar e ampliar o
capitalismo monopolista no Brasil” (p. 10), sendo somente por meio de muita luta e pressão
popular sobre o poder estatal que a política social se materializa como direito, como expõe
nas conclusões de seu estudo:
De 1951 a 1954, a política social constituiu estratégia de mobilização e de
controle das populações carentes por parte dos governos federais (...) a
política social, de qualquer maneira representou um conjunto de direitos da
população perante o Estado. Devido às lutas sociais e às pressões sobre o
poder estatal, a política social irrompe como limite de concessão do
capitalismo, tomando a forma dos direitos sociais e do bem–estar social. (...)
de 1964 em diante, a política social antes figurou como investimento ou
encargo, a ser pago por quem já recolhe tributos. (VIEIRA, 1983, p. 232)
47
As políticas sociais, portanto, além de associada aos interesses dos trabalhadores,
passam pelo crivo do capital. Os programas e as diretrizes relacionados com a política social,
quando aparecem, “revelam somente pretensões de uma política social. Quase sempre não se
concretizam, apenas se transformam em programas e diretrizes para serem exibidos à
sociedade, sem intervenção nela, porque não têm função de intervir” (VIEIRA, 2004, p. 194,
itálico meu) e, nestas condições, a democracia brasileira é apenas formal, tal como informa
Wood (2006).
Não são poucas as lutas implementadas no Brasil por iniciativa popular, especialmente
para reivindicar políticas sociais voltadas para a democratização da educação. Ao longo do
século XX, destacam-se: a luta dos educadores
expressa no Manifesto dos Pioneiros da
Educação em 1932; as campanhas por educação de base na década de 1940; o Fórum
Nacional da Educação por ocasião da constituinte de 1988 e da aprovação da LDB,
congregando rias entidades e, atualmente, a Campanha Nacional pelo Direito à Educação,
que reúne diversas entidades
19
. Estes últimos vêm se mobilizando pela efetivação dos direitos
educacionais garantidos por lei para que todos os cidadãos tenham direito a uma educação
pública e de qualidade.
Para Azanha (1987), a democratização da educação só é possível mediante a expansão
do ensino para toda a sociedade, cuja realização supõe intencionalidade política, como afirma:
A ampliação de oportunidades decorre de uma intenção política e é nestes
termos que deve ser examinada qualquer que seja o significado que se
atribua, atualmente ao termo ‘democracia’, não se poderia limitar a sua
aplicação a uma parcela da sociedade... Não se democratiza o ensino,
reservando-o para uns poucos sob pretextos pedagógicos. A democratização
da educação é irrealizável intramuros, na cidadela pedagógica; ela é um
processo exterior à escola, que toma a educação como uma variável social e
não como uma simples variável pedagógica (AZANHA, 1987, p. 41).
19
O site dessa entidade (http://www.campanhaeducacao.org.br/) informa que ela foi fundada em 1999 e
congrega mais de 200, sendo coordenada por um comitê constituído pelas seguintes entidades: Ação Educativa,
Action Aid Brasil, Centro de Defesa da Criança e do Adolescente do Ceará CEDECA; Centro de Cultura Luiz
Freire/Pernambuco CCLF; Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação CNTE, Fundação
Abrinq pelos Direitos da Criança e do Adolescente, Movimento Interfóruns de Educação Infantil do Brasil
MIEIB, Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra MST, União Nacional dos Dirigentes Municipais de
Educação UNDIME, União Nacional dos Conselhos Municipais de Educação UNCME. Acesso em
novembro de 2008.
48
A democratização da educação para toda a sociedade deve constituir, portanto, a
principal meta de qualquer Estado ou governo que se quer democrático. Em se tratando de
educação escolar, diz respeito à possibilidade de oferta de condições de acesso e de
permanência do aluno na escola com garantia da apropriação do conhecimento. Uma das
manifestações possíveis da vontade política de um povo em relação à democratização do
direito à educação são os mecanismos legais.
No Brasil, o direito à Educação é consagrado na Constituição Federal de 1988, como
parte dos direitos sociais que, pela primeira vez, são declarados em uma carta constitucional
brasileira, constando no artigo 6º, onde se lê: “São direitos sociais a educação, a saúde, o
trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à
infância, a assistência aos desamparados na forma desta Constituição” (SENADO, 2004, p.
72).
A educação é considerada como direito de todos e dever do Estado e da família no
artigo 205 da Constituição Federal. Além disso, o artigo 206 especifica como um dos
princípios do ensino a “gratuidade do ensino público nos estabelecimentos oficiais"
(SENADO, p.218) o que amplia para todos os estabelecimentos públicos a gratuidade. Essa
amplitude da gratuidade nos termos na Constituição Federal foi considerada inovadora por
Romualdo Oliveira em artigo publicado em 2005
20
que envolvia o ensino médio, cuja
gratuidade nas Constituições anteriores era considerada exceção.
O Direito à Educação é detalhado no Art. 208, onde consta de que forma o Estado vai
garantir o cumprimento de seu dever para com a Educação nos seguintes termos:
Art. 208. O dever do Estado para com a educação será efetivado mediante a
garantia de:
I - ensino fundamental, obrigatório e gratuito, assegurada, inclusive sua
oferta gratuita para todos os que a ele não tiveram acesso na idade própria
(Redação dada pela E. C. nº 14/96).
II - progressiva universalização do ensino médio gratuito. (Redação dada
pela E. C. nº 14/96).
III - atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência,
preferencialmente na rede regular de ensino.
20
Trata-se de artigo intitulado “O direito à educação na Constituição Federal de 1988 e seu re-estabelecimento
pelo sistema de justiça” publicado on-line em 2005, com base na Tese de Doutorado do autor intitulada
“Educação e Cidadania: o Direito à Educação na Constituição de 1988 da República Federativa do Brasil”, na
USP em 1995.
49
IV - educação infantil, em creche e pré-escola às crianças até 5 (cinco) anos
de idade. (Redação dada pela E. C. nº 53/06).
V - acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação
artística, segundo a capacidade de cada um.
VI - oferta de ensino noturno regular, adequada às condições do educando.
VII - atendimento ao educando, no ensino fundamental, através de
programas suplementares de material didático escolar, transporte,
alimentação e assistência à saúde (OLIVEIRA &ADRIÃO, 2007, ANEXO
A, p. 132).
O inciso I avança em relação à Constituição anterior que restringia esse atendimento à
faixa etária de 7 a 14 anos, ampliando a obrigação de oferta do ensino fundamental “para
aqueles não tiveram acesso na idade própria”, o que certamente trouxe consequências
positivas para a democratização do acesso. A obrigatoriedade do início do ensino fundamental
aos seis anos, e o aumento de seu tempo de duração de oito para nove anos pela Lei nº 11.114
de 16/12 de 2005, também enseja a democratização do ensino fundamental pela ampliação do
tempo de usufruto desse direito.
A progressiva universalização do ensino médio gratuito é previsto no inciso II e
espera-se que com a introdução deste nível da educação básica na política de financiamento
do FUNDEB se estabeleçam possibilidades para sua democratização.
O inciso III prea inclusão das crianças com necessidades educativas especiais ao
afirmar que as crianças devem ser atendidas preferencialmente na rede regular de ensino e não
somente em classes separadas, o que, por um lado, contribui com a noção de democratização
do direito de compartilhamento dos espaços por todos, mas, por outro, implica o
redimensionamento da política de formação de professores e de adequação dos espaços para
que essa medida possa ter sucesso.
O inciso IV, sem dúvida, foi um dos que mais teve implicações para o direito à
educação no sentido de possibilitar a democratização do acesso. Por meio dele, abre-se a
possibilidade para que a Educação Infantil possa ser considerada pela primeira vez na
legislação como parte da Educação Básica na LDB, destituindo-se de seu caráter quase que
exclusivamente assistencial com base na noção de privação ou carência cultural que fazia dela
educação compensatória, como vinha sendo desenvolvida. Assim, as obrigações do Estado
para com a Educação Infantil são ampliadas, o que demanda a necessidade de políticas para o
seu atendimento. Contraditoriamente, tal não foi o caso da política de financiamento
50
desenvolvida de 1996 a 2006 por meio do FUNDEF, que a manteve excluída e dificultou sua
expansão. Com a sua inclusão no FUNDEB, a expectativa é que a Educação Infantil possa ser
ampliada.
O inciso V condiciona o acesso aos níveis mais elevados de ensino à capacidade de
cada um. Mas não se pode esquecer que o afloramento dessas capacidades está associado às
condições concretas de vida dos sujeitos, sob pena de se ter uma visão abstrata da igualdade
de acesso à educação.
No inciso VI é prevista a oferta de ensino noturno regular, adequada às condições do
educando. Dirigido à clientela potencial de milhões de trabalhadores ainda marginalizados da
educação, constitui importante avanço na possibilidade de concretizar a democratização
educacional.
O inciso VII trata da necessidade de atendimento ao educando do ensino fundamental
por meio de programas suplementares de material didático, transporte, alimentação e
assistência à saúde. De acordo com Oliveira (2005), nos textos constitucionais anteriores, esta
prescrição era remetida para a parte de assistência ao estudante e neste “incorpora-se ao rol de
deveres do Estado relativos à garantia do Direito à Educação, pois, para parcelas significativas
do alunado, tais serviços são pré-requisitos para a frequência à escola” (OLIVEIRA, 2005, p.
5). No entanto, isso acontece em relação aos livros didáticos e em alguns programas de
apoio didático.
Para reforçar e detalhar ainda mais o sentido e a importância do direito à educação, o
artigo 280 da Constituição Federal traz ainda mais três parágrafos transcritos a seguir:
§ 1º O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo.
§ O não-oferecimento do ensino obrigatório pelo poder público ou sua
oferta irregular importa responsabilidade da autoridade competente.
§ Compete ao poder público recensear os educados do ensino
fundamental, fazer-lhes a chamada e zelar, junto com os pais ou
responsáveis, pela frequência à escola. (SENADO, 2004, p. 219).
A figura jurídica do direito público subjetivo é analisada por Clarice Seixas Duarte
(2004) que situa o seu desenvolvimento conceitual na Alemanha do final do século XIX. A
fim de melhor precisar essa terminologia, ela assim a define:
51
Trata-se de uma capacidade reconhecida ao indivíduo em decorrência de sua
posição especial como membro da comunidade, que se materializa no poder
de colocar em movimento normas jurídicas no interesse individual. Em
outras palavras, o direito público subjetivo confere ao indivíduo a
possibilidade de transformar a norma geral e abstrata num determinado
ordenamento jurídico em algo que possua como próprio. A maneira de fazê-
lo é acionando as normas jurídicas (direito objetivo) e transformando em seu
direito (direito subjetivo). (DUARTE, 2004, p. 113, itálico no original).
Como direito público subjetivo, o ensino fundamental pode ser objeto de exigência por
qualquer pessoa, sendo que “quem não tiver tido acesso a esta etapa da escolaridade pode
recorrer à justiça e exigir sua vaga” (CURY, 2002, p. 259) no ensino fundamental
independentemente de idade. Cabe, portanto, ao Estado garanti-lo, que “qualquer jovem,
adulto ou idoso tem esse direito e pode exigi-lo a qualquer momento perante as autoridades
competentes” (CURY, 2002 p. 259), podendo inclusive responsabilizar criminalmente a
autoridade competente que se negue a fazê-lo, tal como o previsto no § 2º da CF.
Entendido dessa maneira, o direito público subjetivo e o dever do Estado em
proporcionar o ensino fundamental forçam para que as instâncias do poder público procedam
à chamada escolar no início de cada ano e zelem junto às famílias para que as crianças
frequentem as aulas.
O cumprimento do direito de acesso à Educação constitui um dos principais
mecanismos para que se possa viabilizar a democratização da educação. O acesso à educação
compreende não apenas a matrícula do aluno em uma escola, mas a permanência e a
apropriação do conhecimento trabalhado na escola.
A apropriação do conhecimento é de difícil mensuração por extrapolar a mera
aprovação, que a educação comporta a assimilação de valores e princípios. Neste sentido
considero importante levar em conta as considerações de Oliveira e Araújo (2005) a respeito
do tema:
parece que o grande desafio do atual momento histórico, no que diz respeito
ao direito à educação, é fazer com que ele seja, além de garantido e efetivado
por meio de medidas de universalização do acesso e da permanência, uma
experiência enriquecedora do ponto de vista humano, político e social, e
que consubstancie, de fato, um projeto de emancipação e inserção social
(OLIVEIRA; ARAÚJO, 2005, p.18 negrito meu).
52
O grande desafio é fazer da educação uma experiência que extrapole o ritual das
provas, das aulas e das preocupações com posições nos rankings e com o mercado de
trabalho. É ter a expectativa que a partir da educação se possa entender e redimensionar
valores, mas, sobretudo, vivê-los. Mas não quaisquer valores, mas aqueles comprometidos
com a emancipação social, que consideram a necessidade de todos e não unicamente de
alguns. E isso requer que a luta pela democratização do conhecimento seja constante,
sobretudo junto àqueles historicamente marginalizados.
Para democratizar o ensino no sentido de garantir o acesso e a apropriação do
conhecimento, não se pode prescindir de recursos, uma vez que os meios materiais são
fundamentais para que a educação seja viabilizada. É com esse propósito que o estudo sobre a
democratização da educação em Altamira requer que se conheça o financiamento da
educação, visto no próximo tópico.
2.2.2 O financiamento da Educação Básica no Brasil
Se você acha que a educação é cara, experimente ficar sem ela
(autor desconhecido)
O financiamento da educação
21
constitui importante fator a ser analisado quando se
considera a democratização da educação, pois os recursos financeiros são fundamentais para
que o poder público possa garantir condições de acesso, permanência e apropriação do
conhecimento pelo aluno. Na verdade, a disponibilidade de recursos é que vai propiciar meios
para a concretização da valorização dos professores, para a expansão da rede e, enfim, para a
oferta de uma educação democrática e de qualidade. Dessa forma, é por meio do
“financiamento que se materializam as reais prioridades [educacionais] e não nos discursos”
(PERONI, 2003, p.110). O conceito de financiamento da educação envolve a definição das
condições materiais e de recursos para a formulação, implantação e avaliação das políticas
educacionais e dos programas e das ações a elas relacionados.
21
Considerando o período focalizado por esta pesquisa, de 1996 a 2006, se dará especial ênfase ao
financiamento da educação vigente nesse período.
53
A política de financiamento da educação, no período de 1996 a 2006, tem seus
fundamentos na Constituição de 1988, incluindo a Emenda Constitucional nº 14/96, e na LDB
9.394/96. Atualmente se incluem as mudanças que ocorreram com a aprovação da Emenda
Constitucional nº 53 que criou o FUNDEB.
De acordo com o Art. 212 da Constituição Federal de 1988 e com o Art. 69 da LDB,
cabe à União a aplicação de no mínimo 18% e, aos Estados e Municípios, pelo menos 25% de
suas respectivas receitas de impostos em Manutenção e Desenvolvimento do Ensino (MDE)
22
sendo que a LDB prevê a possibilidade de ampliação desses percentuais por meio das
Constituições Estaduais e das Leis Orgânicas dos municípios.
É importante destacar que os impostos não representam a totalidade dos recursos
tributários
23
; estes, segundo o Código Tributário Nacional – CTN
24
, além dos impostos,
incluem as taxas
25
e contribuições de melhorias
26
sobre as quais não incide nenhum percentual
para a educação. No entanto, a receita de impostos
27
e o salário educação são as principais
fontes financiadoras da educação, uma vez que “representam em termos de volume de
recursos e de regularidade a receita que tem financiado a expansão e a qualificação da
educação pública no país” (FARENZENA, 2006, p. 82).
Quanto ao quantitativo e à forma como se distribui a arrecadação desses impostos,
segundo Ademar Pereira (1995), “a carga tributária brasileira não é maior em relação às
nações desenvolvidas, porém é injusta, mal distribuída” (PEREIRA, 1995, p. 17), pois
penaliza as classes assalariadas e os “menos aquinhoados que contribuem com mais de 20%
22
A expressão “manutenção e desenvolvimento do ensino (MDE)” tem um sentido técnico-jurídico específico e
não se confunde com a expressão educação ou educação e cultura como função contábil. Deste modo, as
despesas com MDE são regulamentadas no art. 70 e 71 da LDB de modo a esclarecer o que é considerado e o
que não é considerado MDE. As despesas de MDE são definidas como aquelas referentes aos gastos com
remuneração e aperfeiçoamento docente e dos profissionais da educação; aquisição, manutenção, construção e
conservação de instalações e equipamentos necessários ao ensino, uso e manutenção de bens e serviços
vinculados ao ensino, entre outros.
23
O art. do CTN define tributo como “a prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se
possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade
administrativa plenamente vinculada” (BRASIL, 1966).
24
O Sistema Tributário Nacional é também denominado digo Tributário Nacional (CTN) e foi criado pelo
Ato Complementar nº 36 de 13/03/1967 e regulamentado pela Lei nº 5. 172 de 25 de outubro de 1966.
Disponível em http://www.receita.fazenda.gov.br/legislacao/codtributnaci/ctn.htm. Acesso em 12 de janeiro de
2009.
25
O art. 77 do CTN define que “as taxas têm como fato gerador o exercício regular do poder de polícia, ou a
utilização efetiva ou potencial de serviço público específico e divisível, prestado ao contribuinte ou posto à sua
disposição” (BRASIL, 1966).
26
No art. 81 do CTN consta que a contribuição de melhoria “é instituída para fazer face ao custo de obras
públicas de que decorra valorização imobiliária, tendo como limite total a despesa realizada e como limite
individual o acréscimo de valor que da obra resultar para cada imóvel beneficiado” (BRASIL, 1966).
27
De acordo com o art. 16, da Lei 5.172/66, imposto é o “tributo cuja obrigação tem por fato gerador uma
situação independente de qualquer atividade estatal específica relativa ao contribuinte” (BRASIL, 1966).
54
de seus rendimentos em impostos indiretos
28
(PEREIRA, 1995, p.17) via consumo de
produtos básicos.
A penalização do trabalho por meio da cobrança de impostos indiretos é também
evidenciada por Marcelino Pinto (2000), que atribui a essa característica o alto índice de
desigualdade social e econômica como afirma:
Se aos impostos somarmos as contribuições sociais (que também em sua
maioria, são tributos indiretos), vamos atingir um patamar superior a 90% do
bolo fiscal de tributos indiretos. Com certeza, um dos sistemas mais
regressivos do mundo, corolário natural do fato de ser também o país que
tem a pior distribuição de renda do mundo. (...) no Brasil, os 20% mais ricos
detêm uma renda 32 vezes maior que os 20% mais pobres. (...) o caráter
regressivo desse tipo de tributo reside no fato de que, ao comprar um dado
produto que tenha um tributo embutido no seu preço, o pobre e o rico pagam
o mesmo valor, embora possuam rendas e capacidades contributivas
distintas. (PINTO, 2000, p. 24-5)
Além de penalizar a produção e o consumo, o sistema tributário tende a beneficiar o
capital de diversas maneiras, seja pela não tributação de rendimentos diretos, seja pela
renúncia fiscal ou tributária, o que implica diminuição de recursos para a educação. Esse
tratamento diferenciado dispensado ao capital é evidenciado por Ademar Pereira nos
seguintes termos:
Enquanto a produção e o consumo são amplamente taxados, estudo da
Secretaria da Receita Federal revela que nossa tributação sobre rendimentos
de capital foi da ordem de 8,2% de 84 a 91. Em países como os Estados
Unidos, Canadá e Japão esse índice, no mesmo período, girou em torno de
40%! (...) o IGF Imposto sobre Grandes Fortunas instituído pela
Constituição de 1988, até hoje não foi regulamentado. (...) Um tema
atualmente bastante discutido é a renúncia tributária. Ela ocorre quando o
Poder Público abre mão de impostos para determinados setores, isentando-os
ou reduzindo-lhes as alíquotas, seja por motivos de ordem econômica ou
política. (PEREIRA, 1995, p.17-18)
28
Segundo Ademar Pereira (1995), o imposto direto é aquele que guarda estreita vinculação com a renda ou o
patrimônio de quem paga, enquanto que o imposto indireto é todo aquele que vem embutido no preço de um
serviço ou mercadoria que se adquire, incidindo sobre todos os consumidores independentemente de suas posses.
55
A desigualdade na cobrança de impostos penaliza a classe trabalhadora, pois mesmo
sendo os maiores contribuintes de impostos indiretos e os usuários potenciais da escola
pública, os trabalhadores e seus filhos nem sempre têm acesso a essa instituição. É
importante, portanto, que nos apropriemos do conhecimento sobre as receitas para a educação,
fator determinante para a garantia desse direito.
As fontes de recursos para a educação de acordo com o Art. 68 da LDB de 1996 são as
receitas provenientes de impostos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios; as receitas de transferências constitucionais e outras transferências; as receitas do
Salário Educação e de outras contribuições sociais e as de incentivos fiscais e outros recursos
previstos em lei. Os impostos (próprios e de transferência) são a principal fonte de recursos
para a educação (ver Anexos I, II e III). É importante destacar que a maior parte dos
municípios brasileiros tem pouca capacidade de arrecadação de recursos próprios, sendo que
as receitas transferidas pela União advinda do Fundo de Participação dos Municípios – FPM e
as oriundas do ICMS repassados pelo Estado constituem as suas maiores fontes de receita
(TRISTÃO, 2003).
O Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do
Magistério FUNDEF também foi um importante mecanismo de redefinição do
financiamento da educação de 1997 a 2006
29
, tendo sido substituído pelo FUNDEB a partir de
2007. Ambos os fundos caracterizam-se como de natureza contábil
30
no âmbito de cada
Estado
31
. A maior inovação do FUNDEF consistiu na subvinculação de 15% dos recursos
para Manutenção e Desenvolvimento do Ensino MDE obrigatoriamente ao ensino
fundamental, provocando um processo nunca visto de municipalização do ensino fundamental
no país, conforme Marcelino Pinto (2007)
Se no período de 1991 a 1996 as matrículas municipais respondiam por
cerca de 37% do total da rede pública, com a entrada em vigor, a partir de
1997, do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental
29
O FUNDEF foi instituído pela E.C. 14/96 e regulamentado pela Lei 9.424/96 e pelo Decreto 2.264/97
sendo implementado nacionalmente a partir de 1998.
30
A natureza contábil é pelo fato de não apresentarem personalidade jurídica e tampouco constituir-se em órgão
administrativo ou gestor de recursos, mas sim um sistema de contas bancárias individuais abertas em cada
Estado, no Distrito Federal e nos Municípios, com o fim específico de receber os recursos oriundos de tais
fundos.
31
Os recursos do FUNDEF eram contabilizados a partir do depósito de 15% dos impostos do Estado e dos
municípios de sua circunscrição, isto é, no Brasil havia 27 fundos que retratavam a condição financeira de cada
Estado, não havendo possibilidade de interconexão entre eles.
56
e Valorização do Magistério (FUNDEF), nota-se um progressivo aumento da
participação da rede municipal, que chega em 2006 atendendo 52% das
matrículas públicas. (...) Constata-se que em todas as regiões a
municipalização avançou, de tal forma que a rede municipal, que, em 1991,
era responsável por 35% das matrículas públicas do ensino fundamental (um
patamar que remonta à década de 1950), passou a responder por 60% das
matrículas em 2006 (PINTO, 2007, p.878).
No Estado do Pará, o grande índice de municipalização do ensino fundamental vem
sendo apontado como uma das principais consequências do FUNDEF (GEMAQUE, 2004;
GUTIERRES, 2005), antecipado pela Lei 6.044/97 e que, no seu Art. 5º, possibilitava “a
celebração de Convênios entre o Estado e os Municípios, para transferência de alunos,
recursos, materiais e encargos financeiros”, definindo as bases legais da municipalização.
Duas críticas merecem especial destaque em relação ao FUNDEF: a primeira, o fato
do valor aluno/ano ter sido sistematicamente fixado levando em conta o recurso disponível e
não os custos para se ter um ensino de qualidade (PINTO, 2007; ARELARO 2007;
GEMAQUE, 2004); a segunda, o não repasse da complementação da União conforme o
previsto na lei de regulamentação do FUNDEF, o que, segundo Arelaro (2007), resultou em
um débito de cerca de 25 bilhões por parte da União junto a Estados e Municípios durante a
vigência do fundo. Com base no site do MEC e de valores estimados ano a ano por Arelaro
(2007), a tabela 1 abaixo demonstra o déficit da União referente ao período de 1997 a 2006,
considerando o previsto pela Lei 9.424/96 em relação aos valores do FUNDEF:
TABELA 01: Brasil: Valor Legal e Valor Decretado para o FUNDEF – 1997 a 2006
(Valor nominal)
Ano
Valor legal*
Valor
decretado*
Diferença
Absoluta
Percentual
1997
300,00
300,00
-
-
1998
399,47
315,00
84,47
21,1%
1999
451,81
315,00
136,81
30,2%
2000
532,53
333,00
199,53
37,4%
2001
613,85
363,00
250,85
40,8%
2002
706,35
418,00
288,35
40,8%
2003
786,16
462,00
324,16
41,2%
2004
864,00
564,63
299,37
34,6%
2005
935,15
620,56
314,59
33,6%
2006
1.182,80
682,60
500,20
57,7%
Fonte: MEC e Arelaro (2007).
Nota 1*: O valor considerado é o relativo à 1ª a 4ª do ensino fundamental.
57
Diante do não cumprimento legal dos repasses, segundo Gemaque (2004), em 1999,
alguns setores da sociedade brasileira moveram Ação Cível Pública contra a União visando
não apenas coibir a “ilegalidade praticada” (p. 75), mas que a União se abstivesse de definir o
valor aluno ano nos anos subsequentes. Em 2002 o Estado da Bahia também impetrou Ação
Cível Individual pleiteando que a devolvesse as diferenças de complementação e fosse
condenada por danos morais coletivos. Em ambos os casos, não se obteve sucesso.
Em 2006, após quase dez anos de controvérsias acerca das fontes de contribuição e
abrangência de cobertura de matrículas, o FUNDEB foi criado pela E. C. nº. 53 de 24/12/2006
e regulamentado pela Lei 11.494 de 20/06/2007, com a previsão de 14 anos de duração, de
2007 a 2020. Diferentemente do FUNDEF que focalizava apenas o ensino fundamental e a
educação especial, o FUNDEB abrange toda a Educação Básica (Infantil, Fundamental,
Ensino Médio) dos alunos matriculados regularmente ou nas modalidades de Educação de
Jovens e Adultos (EJA) e Educação Especial.
Os recursos que constituem o FUNDEB são basicamente os mesmos que constituíam
o FUNDEF, ou seja, são oriundos da contribuição de Estados, DF e Municípios
32
. Além disso,
o percentual de contribuição que com o FUNDEF era de 15% sobre esses impostos aumentou
para 20% com o FUNDEB, que foi previsto para acontecer de forma gradativa
33
até a
totalidade das matrículas da educação básica
34
em 2009.
Outra importante fonte de financiamento para o ensino básico
35
é a contribuição social
do Salário Educação
36
recolhida pelas empresas, calculada com base na alíquota de 2,5%
sobre o total de remunerações pagas ou creditadas, a qualquer título, aos segurados
32
Fundo de Participação dos Estados FPE, o Fundo de Participação dos Municípios FPM, o Imposto sobre
Circulação de Mercadorias e Serviços ICMS, o Imposto sobre produtos Industrializados, proporcional às
Exportações – IPI-Exp. Desoneração das Exportações (Lei Complementar 87/1996 – Lei Kandir). A diferença
é que foram acrescidos mais três impostos na base da contribuição: Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e
Doações – ITCMD, Imposto sobre Propriedade Veículos Automotores – IPVA e Quota Parte de Imposto
Territorial Rural devida aos Municípios – ITR.
33
Assim, para o grupo de impostos que já compunham o FUNDEF, o aumento se deu da seguinte forma: 16,66%
no 1º ano (2007); 18,33% no ano (2008); 20% no ano (2009). Para o grupo de novos impostos, a proporção
foi de 6,66% em 2007; 13,33% em 2008 e 20% em 2009.
34
De acordo com a lei de regulamentação do FUNDEB, apenas o ensino fundamental e a educação especial
foram contemplados desde o primeiro ano. As demais etapas do ensino básico e modalidades de ensino
(Educação Infantil, Ensino Médio, EJA) foram atendidas gradativamente: no 1º ano (2007), 1/3; no ano
(2008), 2/3, e 3º ano (2009), 100%.
35
Os recursos do Salário Educação atualmente devem ser divididos por toda a educação básica, pois a E.C
53/2006, que criou o FUNDEB, assim o definiu no § 5º do Art. 212.
36
O Salário Educação foi criado pela Lei 4.440 de 27/10/1964 (Melchior, 1987) e sofreu diversas
modificações desde essa data. Está previsto no art. 212, § , da Constituição Federal, inicialmente modificado
pela EC 14 e regulamentado pela Lei 9.424/96 com modificações impostas pelas Leis 9.766/98 e Lei
10.832/2003 e pelo Decreto 6.003/2006. Em dezembro de 2006, foi novamente alterado pela E.C 53 e
regulamentado pela Lei nº 11.457/2007, base de sua execução atual.
58
empregados. O valor é dividido em duas cotas: 1/3 para o governo federal e 2/3 para Estados
e Distrito Federal.
Até 1998 a quota estadual era dividida de forma difusa entre os municípios, pois não
havia critérios claros para essa repartição, o que veio a ocorrer a partir da Lei Federal
9.766 de 18/12/1998. No Pará tal distribuição foi regulamentada pela Lei estadual nº. 6.239 de
09/08/1999. Por força da Lei 10.832 de 29 de Dezembro de 2003, “o MEC gerencia em
torno de 40% dos recursos e os estados e municípios ficam com os demais 60%”
(FARENZENA, 2006, p.86) do salário educação, critério que permanece atualmente.
A cota federal do salário educação vem sendo gerenciada pelo FNDE
37
e aplicada em
um conjunto de programas e projetos promovidos pela União a partir de três tipos de ação: a
direta, a automática e a voluntária (CRUZ, 2009). A assistência direta é aquela na qual o
próprio FNDE executa a aquisição e a distribuição de produtos, como é o caso do Programa
Nacional do Livro Didático (PNLD) e do Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE). A
assistência financeira automática ocorre sem a necessidade de convênios, contrato ou ajustes
mediante depósito em conta corrente específica aberta pelo beneficiário, “embora sempre
exija algum tipo de ação do pleiteante, mesmo que simplificada, como a adesão ou
atualização de cadastro para que o recurso seja repassado” (CRUZ, 2009, p. 216). Exemplo
desse tipo de ação são os recursos repassados para o Programa Dinheiro Direto na Escola
(PDDE)
38
, o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), Programa de Alimentação
para Creches (PNAC), Programa Nacional de Alimentação do Indígena (PNAI), Programa
Nacional de Programa de Apoio aos Sistemas de Ensino para a Educação de Jovens e Adultos
(PEJA)
39
e o Programa Nacional de Apoio ao Transporte Escolar (PNATE)
40
. A assistência
voluntária decorre de convênio para financiamento de projetos educacionais por meio da
37
O Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação – FNDE é uma autarquia federal vinculada ao Ministério
da Educação (MEC), “criado em 21 de novembro de 1968 por meio da Lei nº 5.537 e do Decreto nº 872 de 15 de
dezembro de 1969. O FNDE tem por objetivo captar recursos financeiros para o desenvolvimento de programas
destinados à educação, em especial à universalização do ensino fundamental” (CRUZ, 2009, p. 201).
38
O PDDE foi criado em 1995 por meio da Resolução 12 de 10 de maio de 1995 (recebendo inicialmente o
nome de PMDE Programa de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental) Importantes reflexões
sobre esse programa podem ser acessadas em publicação do INEP sobre pesquisa intitulada “Programa Dinheiro
Direto na Escola: uma proposta de redefinição do papel do Estado na Educação? (2003-2005)” que congregou os
Estado de São Paulo, Piauí, Pará, Mato Grosso do Sul e Rio Grande do Sul cujos resultados foram publicados
pelo INEP em 2006 sob a coordenação das professoras Drª Vera Maria Vidal Peroni e Drª Thereza Adrião.
39
De acordo com Cruz (2009) a transferência de recursos para financiamento da EJA pela União inicia em 2001
quando, por meio da MP 2.178-36 de 2001 institui-se o Programa Recomeço, com o intuito de compensar
Estados e Municípios pela exclusão da EJA do FUNDEF. O Recomeço não era universal e dirigia-se apenas a
municípios com IDH menor ou igual a 0, 500. Em 2004 é alterado pela MP 173/2004 e passa a ter caráter
universal independentemente do IDH de cada município.
40
O PNATE foi instituído pela MP 173/2004 sob a responsabilidade do FNDE posteriormente referendado
pela Lei 10.880/2004 com o objetivo de oferecer transporte escolar aos alunos do ensino fundamental público
residentes em área rural, por meio de assistência financeira por parte da União a Estados, DF e Municípios.
59
apresentação de Planos de Trabalhos Anuais – PTAs, elaborados a partir de critérios definidos
anualmente pelo Conselho Deliberativo do FNDE visando a atender as diferentes etapas e
modalidades da educação básica.
Outra questão de grande relevância, quando se trata do financiamento educacional, é
quanto ao volume de recursos disponíveis, considerado insuficiente para que se viabilize uma
educação de qualidade, tal como a que vem sendo historicamente pleiteada. Para Marcelino
Pinto (2000), por exemplo, essa situação fica evidente na própria composição do bolo fiscal
brasileiro formada por um número de impostos relativamente baixo (cerca de doze) em
relação à quantidade de cerca de cinquenta itens referentes às contribuições sociais, que, salvo
o salário educação, não incidem sobre a educação. O bolo fiscal brasileiro em relação ao PIB,
no período de 1995 a 1997, segundo ele, representava apenas 26% do PIB enquanto que a
receita de impostos, de onde efetivamente vem a maioria dos recursos para o ensino no Brasil,
era “de apenas 15,5% do PIB” (PINTO, 2000, p. 24) o que demonstra que o potencial de
financiamento das políticas para a educação em relação ao PIB, baseado quase que
exclusivamente em imposto, tende a ser baixo.
Pesquisa
41
realizada pelo MEC/INEP esclarece melhor a situação no Brasil.
Analisando o investimento público direto
42
por esfera de governo em relação ao PIB de 2000 a
2007, os dados do MEC demonstram percentuais baixos, como se pode conferir abaixo.
TABELA 02: Brasil – Percentual Total e por esfera de Governo do Investimento
Público Direto em Educação em Relação ao PIB. 2000 – 2007.
Ano
Federal
Estadual
Municipal
Total
2000
0,7
1,7
1,5
3,9
2001
0,8
1,7
1,6
4,0
2002
0,7
1,8
1,6
4,1
2003
0,7
1,6
1,6
3,9
2004
0,6
1,6
1,6
3,9
2005
0,7
1,6
1,7
3,9
2006
0,7
1,9
1,8
4,4
2007
0,8
1,9
1,8
4,6
Fonte: INEP/MEC.
41
Os resultados da pesquisa encontram-se no site de consulta financeira do MEC/INEP
http://www.inep.gov.br/estatisticas/gastoseducacao/indicadores_financeiros/P.T.D._dependencia_administrativa.
htm,
42
Segundo o site do MEC, os investimentos diretos excluem os gastos com aposentadorias, pensões, bolsas de
estudos, apoio estudantil, despesas com juros, amortizações e encargos da dívida da área educacional. Delas
fazem parte os gastos com pessoal ativo, encargos sociais, outras despesas correntes, despesas de capital e
Pesquisa e Desenvolvimento (P&D).
60
Observa-se que de 2000 a 2007, sequer se chegou a 5% do PIB em gastos diretos,
contrariando o proposto no Plano Nacional oriundo da sociedade civil, que previa o aumento
gradativo dos percentuais do PIB a serem gastos em educação até o percentual de 10% do PIB
em 2011, o que dificilmente poderá vir a acontecer dado o cenário da crise econômica global
vigente, pois a maior ou menor disponibilidade da receita de impostos em cada esfera de
governo “fica sempre condicionada às flutuações da economia nacional, regional e local e das
políticas fiscais levadas a cabo pelos governos” (FARENZENA, 2006, p.83).
Um exemplo de política fiscal que alterou significativamente a receita para a educação
até 2009 foi a Desvinculação dos Recursos da União – DRU
43
ao restringir a base de
incidência dos percentuais nimos para a educação. A DRU correspondia à “liberação de
20% do total de receitas da união, possibilitando sua aplicação em finalidades diversas
daquelas estabelecidas nas vinculações constitucionais legais” (XIMENES, 2009, p.13-4) e
vinha sendo utilizado pelo governo federal desde 1994. Até 2000, a desvinculação atingiu
todas as receitas educacionais inclusive o salário educação. Este mecanismo de desvinculação,
ao mesmo tempo em que aumentou a concentração de recursos na União, diminuiu os
recursos para a educação nos últimos anos, que por meio dele o governo retirou “cerca de
R$7,5 bilhões por ano da educação” (PINTO, 2009, p.60). Embora tenha sido sucessivamente
referendada pelo Congresso, a utilização da DRU era inconstitucional, pois reduzia a
amplitude da garantia constitucional do financiamento para a educação ao permitir que as
receitas vinculadas à educação previstas no Art. 212, § 1º entrassem indiretamente na conta da
desvinculação feita pelo governo federal, conforme Ximenes (2009). Foi somente em
novembro de 2009, por meio da Emenda Constitucional 59 que a DRU deverá ser extinta
gradativamente até 2011.
Outra forma de dar materialidade à democratização da educação e para a qual os
recursos financeiros, embora não determinantes, são fundamentais, é a valorização dos
trabalhadores da educação, explicitado a seguir.
43
A desvinculação que originou a DRU foi criada inicialmente com o nome de Fundo Social de Emergência
FSE pela EC de Revisão nº 1 de 1994 e destinava-se a desvincular “vinte por cento do produto da arrecadação de
todos os impostos e contribuições da União”. Aprovada como transitória, foi prorrogada diversas vezes. Até
1997, foi prorrogada pela EC 10 de 1996 com o nome de Fundo de Estabilização Fiscal FEF sendo também
em 1998 pela EC 17 até 1999. Em 2000, a EC 27 prorroga a desvinculação até 2003 com o nome de
Desvinculação de Recursos da União - DRU. A EC 42 de dezembro de 2003 referendou a continuidade da
DRU até 12/2007. Para compensar a extinção da CPMF neste mesmo ano, o governo ganha em 20/12/2007 a
aprovação da EC 56 prorrogando a vigência da DRU até 2011. Em novembro de 2009, aprova-se a extinção
gradativa de DRU em relação aos recursos da educação.
61
2.2.3 A valorização dos trabalhadores em educação
A valorização dos profissionais da educação constitui um dos principais desafios na
perspectiva de implementação da democratização da educação na medida em que sem
professor qualificado, bem remunerado e sem boas condições de trabalho, não se poderá
garantir educação de boa qualidade para todos.
Mas o que vem a ser a valorização docente? Este não é um termo de fácil definição,
pois envolve dimensões que vão além da questão salarial, embora esta seja de muita
importância. Vários estudiosos
44
têm se ocupado em clarificar o conceito de valorização do
professor por meio de estudos que contemplam diversos aspectos que podem contribuir para a
valorização dos profissionais do magistério. Dentre esses aspectos destacam-se: condições
salariais dignas, formação inicial adequada para o exercício da função, formação continuada,
Plano de Carreira que permita progressão e incentivos na carreira, acesso à cultura, condições
adequadas de trabalho (tempo para planejamento de aulas, acesso a bibliotecas, internet,
equipamentos didáticos entre outros). Embora não haja divergência quanto à existência de
todos esses fatores para que haja a valorização do profissional, alguns autores tendem a
enfatizar um ou outro aspecto; todavia, todos são unânimes em um ponto: no reconhecimento
de que a valorização do professor é de fundamental importância para a melhoria da educação
e sua democratização.
Como principal órgão de representação sindical dos professores da Educação Básica, a
Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação CNTE
45
, defende que “carreira,
piso salarial profissional, políticas de formação inicial e continuada são indispensáveis e
determinantes na orientação e na consistência da qualidade da educação” (CNTE, 1997, p.15).
Considerando os vários estudos existentes sobre o tema considera-se que a valorização dos
profissionais da educação supõe formação inicial e continuada, salário digno, Plano de
Carreira e condições adequadas de trabalho.
44
Dentre outros, destacam-se: Iria Brzezinski (1987, 1994, 1996, 1997, 2000), Maria Angela Aguiar (1994,
1997, 1999), Antonio Nóvoa (1991), Mariano Enguita (1991) Bernadete Gatti (1992, 1996) Helena Costa Lopes
de Freitas (1992, 1999, 2007), Acácia Kuenzer (1998), Olgaíses Maués (2003) e João Monlevade (2000).
45
Segundo o site do CNTE (http://www.cnte.org.br), essa entidade possui 36 entidades filiadas, sendo que 34
são constituídas como Sindicato e duas delas adotam a nomenclatura de Associação (APEOC/CE) e Federação
(FETEMS/MS). Em 23 delas, os filiados assumem a condição de trabalhadores da educação quando se
autodenominam “Sindicato dos Trabalhadores da Educação”.
62
Os professores nem sempre foram desvalorizados, sendo tal processo historicamente
construído
46
. Nas últimas décadas, a explosão das matrículas no país associada à
desproporcionalidade dos recursos para a educação levou o professor não só a assumir
múltiplas jornadas de trabalho como também resultou no rebaixamento salarial dos
profissionais da educação ocorrendo um processo de “proletarização do magistério”
(MOLEVADE, 2000).
A necessidade de uma política de valorização dos professores que contemple de forma
articulada e com prioridade a formação inicial e continuada, boas condições de trabalho,
salário e carreira “faz parte das utopias e dos ideários de todos os educadores e das lutas pela
educação pública nos últimos 30 anos” (FREITAS, 2007, p.1.204). Assim, a partir do começo
da década de 80, a nova composição social do magistério e sua baixa remuneração
impulsionaram os professores a participar das lutas sindicais ao lado de outros trabalhadores
pelo fim do arrocho salarial e pela redemocratização da sociedade em todo o Brasil. Por meio
do Fórum Nacional da Educação na Constituinte em Defesa do Ensino blico e Gratuito
47
,
os professores atuaram ativamente por ocasião do processo constituinte de 1988 e na
elaboração da LDB visando à sua valorização.
Em consequência dessas lutas, a valorização do profissional da educação foi inscrita
como um dos oito princípios garantidos na Constituição Federal de 1988 no Art. 206
transcrito abaixo:
Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:
V valorização dos profissionais do ensino, garantindo, na forma da lei,
plano de carreira para o magistério público, com piso salarial profissional e
ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos,
assegurado regime jurídico único para todas as instituições mantidas pela
União. (CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS, SENADO, 2004, p. 218)
48
46
Para maior aprofundamento do assunto, consultar Monlevade (2000).
47
O Fórum foi composto pelas seguintes entidades: ANDE (Associação Nacional de Educação), ANDES
(Associação de Docentes do Ensino Superior), ANPAE (Associação Nacional de Política e Administração da
Educação), ANPEd (Associação Nacional de s-Graduação e Pesquisa em Educação), CPB (Confederação dos
Professores do Brasil, atual CNTE), CEDES (Centro de Estudos Educação e Sociedade), CGT (Central Geral
dos Trabalhadores), FASUBRA (Federação das Associações de Servidores das Universidades Brasileiras), OAB
(Ordem dos Advogados do Brasil), SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência), SEAF (Sociedade
de Estudos e Atividades Filosóficas), UBES (União Brasileira de Estudantes Secundaristas), UNE (União
Nacional dos Estudantes), FENOE (Federação Nacional de Orientadores Educacionais) (PERONI, 2003).
48
Esse artigo sofreu modificações pela E.C. nº 19 e E.C. nº 53. Atualmente o inciso V consta com a seguinte
redação: “valorização dos profissionais da educação escolar, garantidos planos de carreira, com ingresso
exclusivamente por concurso público de provas e títulos, aos das redes públicas” (BRASIL, 2009).
63
A Lei de Diretrizes e Bases (Lei 9.394 de 20 de 12/1996), retomando o texto
constitucional, dispõe em seu Art. 3º, Inciso VII, a “valorização do profissional da educação
escolar”. Mais especificamente no Art. 67 determina que os sistemas de ensino devam
assegurar estatutos e Planos de Carreira para os profissionais da educação com base em
princípios que podem contribuir para a sua valorização, nestes termos:
Art. 67 Os sistemas de ensino promoverão a valorização dos profissionais
da educação, assegurando-lhes, inclusive nos termos dos estatutos e dos
planos de carreira do magistério público:
I – Ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos;
II Aperfeiçoamento profissional continuado, inclusive com licenciamento
periódico remunerado para esse fim;
III – Piso salarial profissional;
IV – Progressão funcional baseada na titulação ou habilitação, e na avaliação
de desempenho;
V – Período reservado a estudos, planejamento e avaliação, incluído na carga
de trabalho;
VI – Condições adequadas de trabalho.
A formação dos profissionais do ensino básico é contemplada na LDB nos Artigos 61,
62 e 64. O Art. 61 enfatiza os fundamentos da formação, ressaltando no inciso I “a associação
entre teorias e práticas, inclusive mediante a capacitação em serviço” e, no inciso II, o
“aproveitamento da formação e experiências anteriores em instituições de ensino e outras
atividades”. O Art. 62 define a formação de ensino superior como requisito para a atuação
docente no ensino básico, admitindo-se como formação mínima para o exercício do
magistério nas séries iniciais e educação infantil a formação em nível médio na modalidade
Normal. A formação para atuação em atividades técnicas é definida no Art. 64 que será feita
em cursos de graduação em pedagogia ou em cursos de pós-graduação.
A Resolução 3/97 do CNE referendou estas mesmas exigências mínimas de
formação para o exercício da docência no magistério público e definiu quem são os
profissionais de educação integrantes da carreira do magistério: “profissionais que exercem
atividades de docência e os que oferecem suporte pedagógico direto a tais atividades,
incluídas as de direção ou administração escolar, planejamento, inspeção, supervisão e
orientação educacional” (BRASIL, 1997).
Se a partir desses marcos legais a garantia de plano de carreira, piso salarial e ingresso
exclusivo por concurso público, formação inicial e continuada passaram a fazer parte da
64
política de valorização dos professores, sua materialização não tem sido fácil. Com o
adiamento indefinido do prazo para a elaboração dos Planos de Carreira, poucos municípios
brasileiros se preocuparam em elaborar e implementar tais planos (FREITAS, 2002).
Importa retomar, mesmo que sinteticamente, os acontecimentos políticos nacionais e
internacionais da década de 1990 que sinalizaram os rumos da valorização dos profissionais
da educação no Brasil.
No início da década de 1990 destaca-se a Conferência Mundial de Educação de
Jomtien (1990)
49
que serviu de referência para um projeto educacional internacional
sintetizado na “Declaração Mundial sobre Educação Para Todos”, que especifica e se propõe
a garantir a satisfação das Necessidades Básicas de Aprendizagem (NEBA)
50
com
significativa influência de organismos internacionais tais como o Banco Mundial e a
UNESCO (SHIROMA, et all 2002; DE TOMASI, WARDE & HADDAD (orgs) 2000;
MAUÉS 2003).
Em decorrência da Conferência de Jomtien, no Brasil é elaborado o “Plano Decenal de
Educação Para Todos” em 1993 e, com vistas a subsidiar tal Plano, foi realizada a “Semana
Nacional de Educação Para Todos” de 10 a 14 de maio de 1993 por meio da qual se
sistematizou um documento denominado “Compromisso Nacional de Educação para Todos”.
Como documento de subsídios para discussão e formulação do referido Plano Decenal, o
“Compromisso Nacional de Educação para Todos” contemplava sete itens voltados para
intenções de melhoria: do planejamento educacional, da aplicação de recursos financeiros, da
qualidade do ensino, da gestão da educação nos sistemas de ensino e nas escolas, da
valorização do magistério e formulação de estratégias para o acompanhamento do Plano
Decenal. O item 5 de tal documento propunha: “Valorizar social e profissionalmente o
magistério, por meio de programas de formação permanente, plano de Carreira e outros
benefícios que estimulem a melhoria do trabalho docente e da gestão escolar”(BRASIL -
MEC, 1993, p.84).
49
A Conferência Mundial de educação para Todos (realizada de 5 a 9 de março de 1990), realizada em Jomtien,
na Tailândia, foi convocada pela UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a
Cultura), UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a Infância), PNUD (Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento) e Banco Mundial. Dela participaram governos, agências internacionais, organismos não
governamentais, associações profissionais e personalidades destacadas na educação, com participação de 155
países, incluindo o Brasil.
50
As necessidades básicas de aprendizagem, segundo o documento, compreendem tanto os instrumentos
essenciais de aprendizagem quanto o conteúdo de que precisam os seres humanos para sobreviver, desenvolver
plenamente suas capacidades, viver e trabalhar com dignidade, participar plenamente do desenvolvimento,
aprimorar a qualidade de sua vida, tomar decisões com informações suficientes e continuar a aprender.
65
O “Comitê Consultivo do Plano Decenal” e o “Fórum Permanente de Valorização do
Magistério e de Qualidade da Educação Básica
51
foram os responsáveis pelo
encaminhamento das discussões a respeito do Plano Decenal de Educação. O rum foi
constituído por representantes dos três níveis de Poder Público (União, Estados e Municípios)
e das entidades representativas da sociedade civil com responsabilidade no processo
educacional e teve suma importância nesse período, seja por incluir demandas da
representação docente, seja pela redação de dois importantes documentos que têm relação
com a valorização do magistério: o texto relativo à profissionalização do magistério, que
integra o Acordo Nacional aprovado na “Conferência de Educação para Todos”, realizada em
setembro de 1994, e o texto do “Pacto pela Valorização do Magistério e Qualidade da
Educação”, assinado em outubro do mesmo ano.
A Profissionalização do Magistério era um dos Programas Emergenciais
52
proposto
pelo Acordo Nacional de Educação assinado pelas entidades e tinha como fundamento a
premissa de que “só o reconhecimento da importância social e política dos agentes de
educação há de permitir a superação dos problemas existentes e a construção de novos
patamares de cidadania, democratização e desenvolvimento” (MEC, 1994, p. 22).
Nesse sentido, reconhecia-se a necessidade da adoção de uma política de valorização
dos professores estreitamente relacionada “à formação, à atualização, às condições de trabalho
e à remuneração docente” (MEC, 1994, p. 22). O documento indicava ainda a possibilidade
imprescindível da “implantação de um piso salarial profissional nacional do magistério de, no
mínimo, R$ 300,00 (trezentos reais) com garantia de seu poder aquisitivo em de julho de
1994” (MEC, 1994, p. 22) para 40 horas semanais, sendo este um compromisso das três
instâncias de governo.
Os signatários do Acordo se comprometiam em indicar os mecanismos de implantação
do piso salarial nacional, do novo regime de trabalho e dos Planos de Carreira, dos montantes
necessários para a viabilização do piso, além da articulação das diversas instâncias
governamentais. Com base nesse Acordo, as entidades estabeleceram o “Pacto pela
Valorização do Magistério e Qualidade da Educação”, assinado em 19 de outubro de 1994,
com a intenção de indicar os postulados que deveriam balizar as ações “das diferentes
instâncias e segmentos para, no âmbito de suas responsabilidades constitucionais, construírem
51
A representação do poder público no Fórum era a seguinte: União um representante do MEC; Estados um
representante do CONSED; Municípios um representante da UNDIME. Da sociedade civil: Um representante
do CRUB; um representante da CNTE; um representante do Fórum dos Conselhos Estaduais de Educação.
52
Os outros dois, segundo o documento, eram as Necessidades Básicas de Aprendizagem e o Regime de
Colaboração.
66
de forma integrada e compartilhada as condições necessárias à adequada formação do
professor e ao competente exercício do magistério” (MEC, 1994, p.3).
Neste Acordo foi estabelecido um calendário para dar concretização aos demais
firmados no Pacto com relação ao piso salarial nacional, montantes financeiros, regime de
trabalho docente, tendo como limite para o desencadeamento prático de tais ações o mês de
outubro de 1995. A mudança de governo, em 1996, modificou os rumos da política de
valorização, e os reflexos da crise do capital no Brasil mudaram o rumo dessa história. Assim,
segundo a CNTE,
tanto o Piso Salarial Profissional Nacional quanto os demais acordos foram
revogados durante o primeiro ano do governo Fernando Henrique Cardoso,
sob a tutela do então ministro da Educação, Paulo Renato de Sousa. Dentre
as principais políticas extintas, o Plano Decenal de Educação, o Acordo
Nacional de Educação para Todos e o Pacto pela Valorização do Magistério
(CNTE, 2007, p.8).
Em um contexto econômico no qual os salários dos professores em 1996 variavam de
R$ 20,00 a R$ 2.000,00 para o mesmo serviço (MONLEVADE, 2000), o governo passa para
o Congresso a ideia da redistribuição de recursos por meio da política de fundos fazendo
aprovar a Emenda Constitucional nº. 14 em setembro de 1996 antes mesmo da LDB, criando
oficialmente o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de
Valorização do Magistério (FUNDEF) e modificando em vários pontos o que ficara
estabelecido como acordo durante a formalização do Pacto.
De acordo com as premissas governamentais, amplamente divulgadas pela dia, um
dos principais objetivos do FUNDEF era criar condições para que se desenvolvessem
políticas de valorização do magistério, assegurando remuneração condigna para os
professores do ensino fundamental público. Nesse sentido, a Lei 9.424/96, que
regulamentou o FUNDEF, estabelecia que Estados, Distrito Federal e Municípios deveriam
dispor de novo Plano de Carreira e Remuneração do magistério, no prazo de seis meses a
partir de sua aprovação (até 30 de junho de 1997), de acordo com diretrizes emanadas do
Conselho Nacional de Educação, as quais foram fixadas pela Resolução 3/97-CEB/MEC.
Tal prazo foi considerado inexequível, pois a homologação das diretrizes ocorreu somente em
outubro de 1997 quando ocorreu a sua publicação no Diário Oficial da União, e a própria
implantação do FUNDEF só foi generalizada nacionalmente a partir de 1998.
67
Em relação à política salarial, a Resolução 3/97 converteu o piso mínimo de R$
300,00 pleiteado pelas diversas entidades por ocasião do Pacto, inclusive pelo CNTE, em
salário médio de R$ 300,00 em seu Art. 7º, equivalente ao mesmo valor do custo aluno anual
referente aos anos de 1997 e 1998 e negou a ideia de Piso Nacional Profissional
53
. Mas quem
são estes profissionais no Brasil e como está se implementando a política de valorização tão
duramente conquistada? Quais as suas condições hoje?
O estudo mais recente a respeito da situação dos professores no Brasil realizado pelo
INEP em 2007
54
ajuda a traçar o perfil deste profissional. De acordo com esse estudo, havia
quase dois milhões de professores (1.882.961) em exercício na educação básica pública em
2007, o que faz dessa categoria uma das maiores do Brasil e uma das mais democráticas
segundo o critério de oportunidade e facilidade de emprego
55
.
O perfil desses profissionais é predominantemente feminino na educação infantil e no
ensino fundamental e vai se modificando à medida que se caminha para o ensino médio e o
profissional. Assim, enquanto na educação infantil mais de 97,% dos professores são do sexo
feminino e 3% do masculino; na educação profissional, a situação se inverte, mas permanece
quase equilibrada, sendo 46,6% de mulheres e 53,3% de homens (INEP, 2007).
Quanto à formação, 68,4% dos professores da Educação Básica possuem formação
superior, sendo que destes, 90% ou 1.160.811 cursaram uma licenciatura. No entanto, ainda
restam 6,8% docentes “leigos” ou que não possuem habilitação mínima para o magistério, o
que corresponde a 119.323 professores em todo o país (INEP, 2007).
Existe ainda uma nítida diferença no perfil do professor em relação às suas condições
de trabalho de acordo com a etapa do ensino básico ou a modalidade em que trabalha. Assim,
na educação infantil (creche e pré-escola), mais de 80% dos docentes trabalham em apenas
uma escola e atendem até duas turmas. No ensino fundamental, aparecem diferenças entre os
professores de anos iniciais (1ª a 4ª) e os dos anos finais (5ª a 8ª). Cerca de 70% dos
professores dos anos iniciais atuam em apenas uma turma e são multidisciplinares (73%),
enquanto 43% dos professores dos anos finais atuam em mais de cinco turmas, porém com
uma única disciplina (60%) (INEP, 2007). Observa-se, portanto, que o perfil de atuação do
53
Essa ideia não morreu como perspectiva e foi retomada no governo Lula com a aprovação da Lei nº 11.738 de
16/07/2008 que estabeleceu o piso salarial nacional para os profissionais do magistério na base de R$ 950,00
para 40 horas semanais.
54
O “Estudo exploratório sobre o Professor Brasileiro”, produzido pelo Instituto Nacional de Estudos e
Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, INEP/MEC por meio do sistema Educacenso implantado em 2007,
individualizou a coleta de dados do Censo Escolar da Educação Básica e demonstrou em alguns aspectos o
perfil desses professores. O texto está disponível no endereço http://www.inep.gov.br/
55
Pela legislação atual, qualquer profissional hoje pode ser professor, bastando para isso pequenos acréscimos
em sua formação.
68
professor é muito influenciado pelo desenho curricular do ensino fundamental. Os professores
das séries iniciais tendem a atender os mesmos alunos em diversas matérias tendo por isso
maiores possibilidades de conhecer o seu espaço de trabalho e seus alunos, o que não
acontece com os das séries finais, pela diversidade de alunos, turmas e escolas que atende. Em
relação aos salários
56
, um professor de educação infantil recebia em 2003 em média
R$423,00; o de a 4ª, R$462,00; o de a 8ª, R$600,00 e o do ensino médio, R$866,00,
portanto salários considerados baixos em relação a outras profissões, o que constantemente se
coloca como motivo de desânimo para o exercício dessa profissão. A diferença de
remuneração existente entre o salário de um professor da educação infantil e o de um juiz, por
exemplo, em 2003, era de vinte vezes, conforme o próprio INEP (2003). As assimetrias de
desenvolvimento entre as regiões brasileiras e até mesmo entre Estados e municípios provoca
grande diferenciação salarial entre os professores. Assim, um professor da Região Sudeste
chega a ganhar duas vezes a mais que seu colega da Região Norte ou da Região Nordeste.
Pesquisa realizada pelo CNTE
57
, publicada em 2003, também contribui para que se
possa delinear o perfil do professor no Brasil e suas aspirações, sintetizado por Rodolfo
Ferreira (2003):
Mais da metade (53, 1%) tem entre 40 e 59 anos de idade. A maioria exerce
a função 15 anos em média e se aposentará ao longo da década. Nada
menos que 48,3% não dispõem de computador, quase 60% não cultivam o
hábito de leitura, e 31,6% não vão a teatro ou cinema. Na outra ponta, cresce
o desinteresse pela educação. O desapreço fica claro no aumento da idade
dos mestres. Os mais jovens abandonaram a profissão ou buscaram outro
mercado de trabalho. Rapazes e moças que cursam letras, matemática,
história, geografia, não pretendem entrar em sala de aula. Pensam qualificar-
se para ingressar em outra carreira mediante concurso público ou seleção da
iniciativa privada (FERREIRA, 2003, p.5).
O estudo revela que a maioria dos profissionais tem pouco acesso a atividades
culturais, lê pouco, e quase a metade não possui computador, uma das ferramentas que
56
O relatório produzido pelo INEP em 2007 a respeito do professor não abordou a questão salarial. Os dados
foram retirados do estudo: “Estatísticas dos Professores no Brasil”, produzido pelo Instituto Nacional de Estudos
e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP/MEC) em 2003, com base em dados do Censo Escolar, Censo
da Educação Superior, Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (SAEB) e Pesquisa Nacional por
Amostra de Domicílios (PNAD/IBGE). O texto está disponível no endereço
http://www.inep.gov.br/estatisticas/professor2003/
e apresenta informações consideráveis sobre a situação do
docente brasileiro.
57
O Relatório de tal pesquisa encontra-se no site do CNTE: http://www.cnte.org.br
69
poderia ajudá-lo em sua profissão. A perspectiva de ser professor pelos mais jovens, mesmo
aqueles que cursam as licenciaturas é desanimadora diante das condições salariais e do
desprestígio da carreira.
Em vista das condições atuais, a valorização dos profissionais da educação continua
sendo pauta constante da luta dos educadores em todo o país e constitui um dos principais
desafios na perspectiva de implementação da democratização da educação na medida em que
sem professor qualificado, bem remunerado e sem boas condições de trabalho não se poderá
garantir educação de boa qualidade para todos. Verificar em que medida a municipalização
implicou ou não em mudanças na política de valorização em Altamira é importante para
dimensionar a democratização da educação naquele município. Outro aspecto fundamental
para dimensionar e democratização da educação são as relações de poder no sistema e na
escola, ou seja, a gestão democrática, discutida a seguir.
2.2.4 A Gestão democrática da educação
“A educação, como mediação para a formação do homem histórico,
envolve necessariamente relações humanas entre seres cuja condição
de sujeito precisa ser permanentemente afirmada, posto que é tal
condição que os caracteriza como seres históricos”. (Vitor Henrique
Paro, 2007, p. 112)
O pequeno fragmento extraído de uma das obras de Vitor Paro nos leva a refletir sobre
a essencialidade da gestão democrática como forma de reafirmar a condição de sujeito
histórico que cada ser humano traz em si. E isso supõe o compartilhamento do poder nas
relações educacionais, o acesso a informações qualificadas, a participação nas tomadas de
decisão, o diálogo, enfim, possibilidades concretas da emergência do ser como sujeito. A
democratização da educação não pode ocorrer sem que a gestão do sistema e das unidades
educacionais seja compartilhada, democrática. Esse tópico trata do conceito de gestão
democrática na educação, da luta histórica pela sua institucionalização em lei e das mudanças
na política educacional que vem redefinindo as formas de participação na gestão pública em
função da Reforma do Estado.
70
A gestão pública é entendida como a materialização prática das políticas emanadas das
intenções do Poder Público caracterizando-se como uma “tarefa complexa e cheia de
meandros” por ser “arena de interesses contraditórios e conflituosos” (VIEIRA, 2007, p.59).
Nesta perspectiva, a gestão pública “é integrada por três dimensões: o valor público, as
condições de implementação e as condições políticas” (VIEIRA, 2007, p.56). Enquanto na
dimensão dos valores estão implícitas as intencionalidades políticas, nas condições de
implementação está a base material onde ocorre a gestão (recursos materiais e financeiros).
Porém, estas não são suficientes para que a gestão se concretize, necessitando de condições
políticas favoráveis uma vez que a gestão “não se no vazio, mas em condições históricas
determinadas” (PARO, 2005, p.13), pois a correlação de forças presentes é determinante no
processo. Isso significa dizer que qualquer proposta de gestão não pode deixar de considerar o
contexto, as necessidades decorrentes desse contexto e as condições objetivas para sua
efetivação. A administração educacional, em seu sentido mais geral, é concebida por Vitor
Paro (2005) como mediação, ou seja, como a “utilização racional de recursos para a
realização de fins determinados” (p. 18), o que supõe que a gestão não é neutra, e, no caso da
escola, estará sempre comprometida com a formação de um determinado tipo de homem. Em
síntese, no processo de gestão, as intenções (dimensão dos valores) precisam ser viáveis
(condições de implementação) e aceitáveis (condições políticas).
O aspecto político da gestão envolve assimetrias de poder só passíveis de serem
minimizadas pela gestão democrática, que muito mais que compartilhamento de tarefas, supõe
divisão de poder, de respeito mútuo pela condição de sujeito de todos os que participam do
processo. A noção de gestão educacional democrática associa o ensino público à democracia,
o que quer dizer que “aí está implicada uma noção de participação na gestio rei publicae
(CURY, 1997, p.201). De acordo com Cury (1997), o termo gestão é derivado de gestio, que,
por sua vez, vem de gerere (trazer em si, produzir) e induz a pensar que a gestão não é o
ato de administrar um bem alheio, fora de si, “mas algo que se traz em si, porque nele está
contido. E o conteúdo desse bem é a própria capacidade de participação, sinal maior da
democracia” (CURY, 1997, p.201). Considera-se assim que o caráter público da gestão é
potencializado duas vezes. Uma pela própria expressão de seu significado implícito
etimologicamente, como algo que faz parte de quem participa; outra por se tratar o ensino de
um serviço público, o que daria significado mais real ao termo república, como algo que o
pode prescindir da participação do povo, porque do próprio povo, “o que (re)duplica o seu
caráter público (re/pública)”(CURY, 1997, p. 201). Desse modo, a participação torna-se
71
imprescindível para que se tenha de fato a democracia, constituindo-se em um de seus
requisitos principais. Para Juan Bordenave (1992),
A participação não é um conteúdo que se possa transmitir, mas uma
mentalidade e um comportamento com ele coerente. Também não é uma
destreza que se possa adquirir pelo mero treinamento. A participação é uma
vivência coletiva e não individual, de modo que somente se pode aprender
na práxis grupal. Parece que só se aprende a participar, participando (p.74).
Ainda que a participação não seja algo que se possa ensinar, porque se constrói na
prática com o constante exercício da vivência coletiva, tal como assinala Bordenave, “a
verdadeira educação deve ser necessariamente democrática, posto que, por seu caráter
histórico, supõe a relação entre sujeitos autônomos (cidadãos)” (PARO, 2001, p.11) que
trocam experiências, vivências, que estabelecem diálogo e conjuntamente constroem o
conhecimento e se reconstroem. Diante das posturas autoritárias e hierárquicas assimiladas da
teoria clássica da administração pelos diretores de escola na década de 1970 (PARO 2005;
ADRIÃO 2006), em meados de 1980, a gestão democrática surge como uma resposta que
visava “romper com a separação entre concepção e execução, entre o pensar e o fazer, entre
teoria e prática” (VEIGA, 1997, p.18) opondo-se à fragmentação do trabalho pedagógico e
das práticas educacionais.
Como a democracia não ocorre espontaneamente, mas pela prática política, isso
implica na necessidade de criar condições para que a participação ocorra no âmbito
educacional. No caso da gestão educacional, a necessidade de democratização é duplamente
justificada por Paro (2001) com base nos seguintes argumentos:
Por um lado, porque se situa no campo das relações sociais, onde se torna
ilegítimo o tipo de relação que não seja de cooperação entre os envolvidos;
Por outro porque a característica essencial da gestão é a mediação para a
concretização de fins; sendo o seu fim a educação e tendo esta um necessário
componente democrático, é preciso que exista a coerência entre o objetivo e
a mediação que lhe possibilita a realização, posto que fins democráticos não
podem ser alcançados de forma autoritária (PARO, 2001, p. 32).
Pensada a partir dessa concepção, a gestão educacional não poderia, portanto deixar de
ser democrática. E se assim não o fosse, como justificar a dicotomia entre conteúdo e método,
72
ou ainda: como seria possível educar para a vida social e cidadã, que requer a adoção de
princípios como cooperação e solidariedade, alimentando uma prática autoritária e de
exaltação da competição no trato das relações sociais? Seria de grande incoerência com a
educação e puro contrassenso.
Se hoje a gestão educacional democrática como principio é consensual, constando
inclusive em lei, tal situação foi possível mediante um processo de luta que se acentuou na
década de 1980, quando a classe trabalhadora e as organizações docentes
58
passaram a
reivindicar além da democratização do acesso à escola, a democratização das relações no
interior da escola por meio da implementação de mecanismos como conselhos escolares
59
,
eleição direta para diretores, planejamento participativo entre outros. Os documentos
propostos pela Confederação dos Professores do Brasil CPB, na década de 80, revelam
essas intenções de democratização, segundo Cunha (1991):
A necessidade de a educação atender aos interesses da maioria da população;
os governos destinarem maiores recursos para a educação; o ensino público e
gratuito serem valorizados; os professores terem maior participação nas
decisões educacionais, inclusive pela eleição dos diretores de escola e pela
representação nos conselhos federais e estaduais de educação (CUNHA, 1991,
p.74).
A partir de 1982, com as primeiras eleições para governadores estaduais da oposição
(PMDB), o regime militar perde força política e as primeiras experiências de gestão
educacional democráticas despontam. Concomitante a essas experiências isoladas, o Estado
militar começa a sofrer pressão das organizações políticas, sindicatos e das massas populares
pelo direito de escolher o Presidente da República. A Campanha das ‘Diretas Já’ anunciava a
perspectiva de um novo projeto de Estado orientado por valores democráticos surgidos do
clamor da sociedade por participação. Além disso, reivindicava-se a adoção de procedimentos
mais transparentes na gestão pública com “maior participação e democratização das várias
58
Uma das iniciativas das mais expressivas de organização dos professores é a criação do Centro de Professores
do Estado do Rio Grande do Sul CPERS, criado em 1946 com cerca de 70 mil sócios e 110 funcionários
(CUNHA, 1991), que teve grande expressão na década de 80. No Pará desponta a criação da Federação Paraense
dos Profissionais da Educação Pública do Pará FEPPEP, atual Sindicato dos Trabalhadores em Educação
Pública do Estado do Pará – SINTEPP.
59
Algumas experiências de colegiados escolares já vinham ocorrendo antes da Constituição de 1988 nos Estados
de Minas Gerais e São Paulo em 1977; no Distrito Federal em 1979; em Porto Alegre em 1985 (MENDONÇA,
2000)
73
esferas da sociedade brasileira, incluindo-se a organização do próprio Estado” (ADRIÃO;
CAMARGO, 2007, p.63).
Assim, temas como participação, democracia e cidadania passaram a ser constantes
nas pautas de reivindicações populares em favor da adoção de práticas voltadas para o
fortalecimento e para a garantia da presença da sociedade civil nos processo decisórios da
administração pública. Buscava-se democratizar as relações de poder por meio da criação de
mecanismos que oportunizassem a elaboração, o acompanhamento, o controle da
implementação de políticas públicas, especialmente as educacionais. A resposta a essas
reivindicações se consubstanciou por meio da institucionalização de direitos na Constituição
Federal de 1988, atribuindo à sociedade possibilidades mais concretas de compartilhar a
riqueza socialmente construída, como afirma Francisco de Oliveira (1999):
Toda a reivindicação anterior ganhou foros de direito, na letra da Carta
Maior. O direito ao trabalho, o direito à autoorganização (os assalariados
haviam criado esse direito ao criarem as centrais sindicais, proibidas
legalmente até então), o direito à saúde, o direito à educação, o direito da
criança e do adolescente, o direito à terra, o direito ao habeas-corpus (a
talvez mais antiga negação do corpo na formação da sociedade brasileira), o
direito ao habeas-data (talvez a outra mais antiga negação, a da fala, a do
discurso), o direito a uma velhice digna e respeitada, enfim, todas as
reivindicações que significam política como processo mediante a qual se põe
em xeque a repartição da riqueza apenas entre os que são proprietários,
ganhou uma forma, talvez a mais acabada que as condições históricas
permitiam (p. 65, itálicos no original).
A democratização da gestão do Estado se deu por intermédio do aumento da
participação da população em suas instâncias e se explicita no texto constitucional por meio
de dois procedimentos básicos: “o acesso à informação e à participação de representantes de
setores específicos em órgãos da administração pública” (ADRIÃO; CAMARGO, 2007,
p.65).
Em relação à educação, o princípio
60
de gestão democrática do ensino, incorporado à
Constituição Federal de 1988 no Art.206, inciso VI, define a gestão democrática do ensino
público, na forma da lei”, constituindo hoje um direito; todavia, segundo Adrião e Camargo
(2007) isso não se deu sem conflitos entre diferentes setores. Um deles, o Fórum Nacional em
60
Segundo Adrião e Camargo (2007), o termo ‘princípio’ é empregado para designar, na norma jurídica escrita,
os postulados básicos e fundamentais presentes em todo Estado de direito, a partir dos quais devem decorrer as
demais orientações legais.
74
Defesa da Escola Pública, pleiteava a extensão desse princípio também para as escolas
privadas, sob o argumento de que a população usuária (pais, alunos, comunidade local) tinha
direito de “participar da definição das políticas educacionais às quais estariam sujeitos”
(ADRIÃO; CAMARGO, 2007, p. 66). Seus componentes entendiam que formar cidadãos
para uma sociedade participativa e igualitária pressupunha “vivências democráticas no
cotidiano escolar, traduzidas na presença de mecanismos participativos na gestão na própria
escola e nos sistemas de ensino” (ADRIÃO; CAMARGO, 2007, p. 66). No entanto, saiu
vitoriosa a posição dos setores ligados aos interesses privados do campo educacional
61
, cujo
entendimento de participação se resumia “à possibilidade de famílias e educadores
colaborarem com direções e/ou mantenedoras dos estabelecimentos de ensino” (ADRIÃO;
CAMARGO, 2007, p. 66), o que demonstra as diferentes concepções de participação da
época.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação detalha o que diz a Constituição e define no
Art. 3, inciso VIII, que a gestão democrática se fará “na forma desta lei e da legislação dos
sistemas de ensino”. Os seus artigos 14 e 15 expressam em linhas gerais os princípios e as
estratégias de gestão democrática a serem assegurados pelos sistemas de ensino:
Art. 14. Os sistemas de ensino definirão as normas da gestão democrática
do ensino público na educação básica, de acordo com suas peculiaridades e
conforme os seguintes princípios:
I participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto
pedagógico da escola;
II – participação das comunidades escolar e local em conselhos escolares ou
equivalentes;
Art. 15. Os sistemas de ensino assegurarão às unidades escolares públicas
de educação básica que os integram progressivos graus de autonomia
pedagógica e administrativa e de gestão financeira, observadas as normas
gerais de direito financeiro público.
A LDB delega a regulamentação da gestão democrática do ensino público na educação
básica aos sistemas de ensino, que definirão formas de sua operacionalização de acordo com
suas especificidades, propiciando condições para a participação dos profissionais na
elaboração do projeto pedagógico e em conselhos escolares. No entanto, a legislação silenciou
61
Estes eram constituídos pelo empresariado educacional e por representantes das escolas confessionais, que,
conforme Adrião & Camargo (2007), foram representados durante o processo constituinte pelo grupo de
parlamentares conhecido como “Centrão”.
75
em relação à escolha dos dirigentes das escolas, pois ficou a cargo de cada sistema de ensino
definir formas de operacionalizar a escolha.
Nos argumentos de Werle (2003), o Conselho Escolar constitui-se em um espaço
fundamental para a efetivação do processo de “participação e de respeito à liberdade dos
demais” (p.48), devendo se constituir com a participação de representantes de todos os
segmentos da comunidade escolar (pais, professores, alunos e funcionários). No entanto,
estudos realizados por Terezinha Santos (2008) sobre o tema revelam a dificuldade dos
membros do conselho escolar em se manterem isentos de cooptação e manipulação por parte
das direções de escola. Para Luce e Farenzena (2006), o escopo da gestão democrática como
princípio posto na Constituição de 1988 vai além da gestão das escolas, mas abrange também
os sistemas municipais de ensino consubstanciando as “relações interinstitucionais e entre
Estado e sociedade” (p.13) por meio do fomento de relações democráticas entre secretarias de
educação e os respectivos conselhos, outros órgãos do governo ou diretamente com a
sociedade organizada.
Com a crise do capital desencadeada a partir de 1973, as políticas sociais passam a ser
alvo da contenção de gastos, como parte dos procedimentos que visavam ao reequilíbrio e à
volta aos antigos patamares de rendimento do capital. Nesse sentido, propalava-se que os
problemas educacionais “não decorriam da falta de recursos, mas da falta de competência na
sua administração” (AZEVEDO, 2002, p. 62) que precisava ser modernizada. As reformas
pleiteadas em nome da modernização da gestão adotavam modelos que buscavam “introjetar
na esfera pública as noções de eficiência, produtividade e racionalidade inerentes à lógica
capitalista” (OLIVEIRA, 2000, p. 331), indicando como referência o setor privado. que se
destacar, porém, que este não era um movimento isolado, fazendo parte das estratégias
mundiais do capital para recompor suas perdas com a crise e, nesse sentido, inúmeras
tentativas de reforma da gestão pública vinham ocorrendo nos países membros da OCDE
(Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico)
62
. Estas tentativas de
reforma tinham como base o gerencialismo ou Nova Gerência Pública (New Public
Management NPM), cujos elementos conceituais, embora não sejam novos, trouxe “à baila
uma visão mais econômica e gerencial da administração governamental” (ORMOND;
LOFLLER, 1999, p. 84) com “ênfase na gerência de contratos, na introdução de mecanismos
de mercado no setor público e a vinculação da remuneração com o desempenho” (ORMOND;
LOFLLER, 1999, p.85).
62
Tais como Estados Unidos, Reino Unido, Austrália, Islândia, Dinamarca e Suécia.
76
Tal concepção de gestão por resultados aponta como positiva a delegação de
autoridade “no interior das agencias públicas e/ou entre Ministérios/Departamentos e agências
executoras, e/ou entre o governo central e os veis inferiores de governo, o mercado e o
terceiro setor (ORMOND; LOFLLER, 1999, p. 87) a partir da premissa de que a
flexibilidade gerencial, em função da descentralização administrativa, tende a reduzir os
custos e aumentar a eficiência. Assim, a responsabilização dos agentes públicos ou
accountabillity
63
de forma puramente instrumental, centrada em resultados é muito enfatizada
pela Nova Gerência Pública.
Essas propostas de modificação dos paradigmas de gestão pública encontram
ressonância na Reforma do Estado iniciada em 1995 com forte impacto nas políticas de gestão
educacional da década de 1990. A Reforma do Estado propunha a passagem da administração
pública baseada em princípios racionais-burocráticos
64
para a denominada gestão gerencial. A
diferença básica entre a gestão pública burocrática e a gerencial, segundo a proposta de
Reforma, está na forma de controle que deixa de basear-se nos processos para se concentrar
nos resultados. A concepção de gestão gerencial é explicitada por Fernando Henrique Cardoso
nas páginas introdutórias do PDRAE:
É preciso, agora, dar um salto adiante no sentido de uma administração
pública que chamaria de ‘gerencial’, baseada em conceitos atuais de
administração e eficiência, voltada para o controle de resultados e
descentralizada para poder chegar ao cidadão, que numa sociedade
democrática, é quem dá legitimidade às instituições, e que, portanto, se
torna “cliente privilegiado” dos serviços prestados pelo Estado. (PDRAE
1995, p.10, itálico meu).
Já não se trata mais de um cidadão de direitos, como pretendia a Constituição de 1988,
mas de um cidadão-cliente consumidor de serviços públicos. Para Vera Peroni (2003), isso
tem implicações para a ampliação e garantia da efetividade de direitos na medida em que:
63
Segundo Anna Maria Campos (1987) o fato deste termo não ter tradução para o português é significativo e
pode revelar a histórica dificuldade que o cidadão tem de exercer o controle efetivo das ões governamentais
como ação de cidadania organizada coletivamente.
64
Os princípios orientadores da administração pública burocrática, segundo Weber (1991), são: a) a liberdade
pessoal do funcionário, que obedece às obrigações do cargo; b) nomeação (e não eleição); c) competências
funcionais fixas; d) contrato a partir de seleção para verificar qualificação profissional; e) remuneração com
salários fixos em dinheiro; f) exercício do cargo como profissão única ou principal; g) perspectiva de carreira; h)
não apropriação dos cargos; i) submissão a sistema de disciplina e controle do serviço, ou seja, hierarquia
funcional, impessoalidade, formalismo, em síntese, poder racional legal.
77
na proposta de reforma do Estado, o cidadão é adjetivado, é o cidadão-
cliente, o que portanto, de acordo com as leis de mercado, o inclui todos
os cidadãos, pois os clientes dos serviços do Estado serão apenas os
contemplados pelo núcleo estratégico do Estado e por atividades exclusivas.
As políticas sociais não serão contempladas, pois são consideradas, pelo
Mare, serviços não-exclusivos do Estado e, assim sendo, de propriedade
pública-não estatal (PERONI, 2003, p.43).
De fato, a nova configuração do Estado proposta pela Reforma passa a comportar três
diferentes setores
65
e para cada setor corresponde um tipo de gestão com diferentes
abrangências e consequência para a democratização dos direitos. Assim, no Núcleo
estratégico, onde o governo se apresenta em seu sentido lato ou mais amplo, o essencial é a
correção das decisões tomadas e que elas venham a ter efetividade
66
, aspecto considerado
mais importante que a eficiência, sendo por isso “mais adequado que haja um misto de
administração pública burocrática e gerencial” (PDRAE, 1995, p. 53-4).
No setor de Atividades Exclusivas e de Serviços não-exclusivos, a gestão se rege pelo
princípio da eficiência, ou seja, “a busca de uma relação ótima entre a qualidade e custo dos
serviços colocados à disposição do público” (PDRAE, 1995, p. 54), razão por que concluem
que a gestão “deve ser necessariamente gerencial” (PDRAE, p. 54), inspirada na
administração de empresas.
Em função da nova concepção de gestão, o documento propõe que as estruturas
estatais sejam descentralizadas e redesenhadas com o objetivo de gerar resultados. Trata-se de
um novo paradigma, como explicita o documento:
O paradigma gerencial contemporâneo, fundamentado nos princípios da
confiança e da descentralização da decisão, exige formas flexíveis de
gestão, horizontalização de estruturas, descentralizações de funções,
incentivos à criatividade. Contrapõe-se à ideologia do formalismo e do rigor
técnico da burocracia tradicional. À avaliação sistemática, à recompensa
pelo desempenho, e à capacitação permanente, que eram características
da boa administração burocrática, acrescentam-se os princípios da
65
Compõem essa divisão: a) Núcleo estratégico corresponde ao setor que define as leis e as políticas públicas
e cobra o seu cumprimento, onde as decisões estratégicas são tomadas (Poderes Legislativo e Judiciário,
Ministério Público, Presidência da República e Ministérios); b) Atividades Exclusivas Representam o poder
extroverso do Estado (regulamentação, fiscalização, fomento), ou seja, serviços de execução exclusiva do Estado
(cobrança e fiscalização de impostos, a polícia, a previdência social básica, o subsidio à educação sica, o
serviço de emissão de passaporte, etc.); c) Serviços não exclusivos correspondem ao setor onde o estado atua
simultaneamente com outras organizações públicas não-estatais (universidades, hospitais, centros de pesquisa,
museus).
66
A efetividade, neste caso, é entendida como “a capacidade de ver obedecidas e implementadas as decisões
tomadas” (PDRAE, 1995, p. 54).
78
orientação para o cidadão cliente, do controle por resultados, e da
competição administrada (PDRAE, p. 23 negrito meu).
O novo paradigma da gestão gerencial apoia-se nas seguintes estratégias, segundo o
PDRAE: definição precisa dos objetivos que o administrador público deverá atingir em sua
unidade; garantia de autonomia do administrador na gestão dos recursos humanos, materiais e
financeiros; controle ou cobrança a posteriori dos resultados; competição administrada no
interior do próprio Estado e descentralização da estrutura organizacional, reduzindo-se os
níveis hierárquicos. Em consequência dessa proposta, as políticas de gestão no Brasil dos
anos 90 trouxeram como eixos “a flexibilização e desregulamentação da gestão pública”
(OLIVEIRA, 2002, p. 127), reduzindo mediações. A municipalização do ensino fundamental
e a descentralização administrativa, financeira e pedagógica para as escolas possibilitadas pela
implantação do FUNDEF e pelo PDDE, respectivamente, são exemplo de políticas que
procuram reduzir mediações. O fato de operarem com o conceito de descentralização não quer
dizer que estas iniciativas necessariamente resultem em maior democratização, pois embora
se tenham legitimado ideologicamente a partir de “uma dupla equação: quanto mais
descentralização, mais proximidade, quanto mais proximidade, mais democracia”
(AZEVEDO, 2002, p. 55). Trata-se de uma lógica de descentralização “economicista-
instrumental”, que “se alinha e se subordina aos reordenamentos do processo de acumulação
capitalista (...), de acordo com as estratégias políticas e financeiras que os grupos
hegemônicos passaram a impor ao mundo” (AZEVEDO, 2002, p. 55) após a crise capitalista.
Interessa ainda destacar que houve uma apropriação do discurso das classes
trabalhadoras pelos órgãos oficiais, que, ao se apropriarem do vocabulário inerente à
democratização educacional requerida pelos movimentos sociais da década de 1980, o
esvaziaram de sentido e conteúdo. Segundo José Clóvis de Azevedo (1999):
o discurso oficial apropriou-se da linguagem e de vocábulos identificados
com os movimentos populares ligados às lutas pela democratização da
educação. Assim, temas como a descentralização, participação e autonomia
foram apropriados pelo oficialismo, que lhe conferiu outro significado, outro
conteúdo. Não mais o conteúdo de exercício de poder dos usuários na
definição de políticas, na participação da cidadania, no tipo de formação
desenvolvido pela escola, mas a “autonomia”, a “descentralização” e a
“participação” para transferir a sustentação da escola aos usuários,
desonerando o Estado dos investimentos na escola pública (AZEVEDO,
1999, p.27-8).
79
Chegamos ao início do novo século repetindo expressões que expressam o desejo de
democratização da educação, mas que não mais condizem com as intenções dos “fazedores de
políticas”. Por outro lado, novas expressões de cunho “mercadológico” passam a fazer parte
do cotidiano das escolas como: produtividade, controle, vantagens comparativas,
competitividade, gerenciamento de resultados, performance (desempenho), ranking, dentre
outras.
A democratização das relações de poder no sistema e nas escolas na perspectiva da
emancipação dos sujeitos é de fundamental importância para que haja a democratização da
educação, o que faz deste um dos eixos de análise imprescindíveis para avaliar a
municipalização e suas implicações para a democratização da educação em Altamira.
Entretanto, a municipalização não é uma ideia nova no Brasil e faz parte de
sucessivos movimentos de centralização e descentralização do Estado brasileiro. Na
perspectiva de desvendar esse movimento, o próximo capítulo enfoca as raízes históricas da
municipalização no Brasil, procurando identificar suas implicações para a democratização da
educação.
80
3 A POLÍTICA DE DESCENTRALIZAÇÃO VIA MUNICIPALIZAÇÃO E A
DEMOCRATIZAÇÃO EDUCACIONAL NO BRASIL: IDAS E VINDAS
A descentralização da educação via municipalização do ensino fundamental teve seu
ápice na década de 1990, contudo, como toda política educacional, resulta da correlação de
forças políticas e econômicas e do movimento histórico que a engendrou. Nesta perspectiva, o
presente capítulo busca refletir sobre os arranjos político-institucionais centralizadores e
descentralizadores do Estado brasileiro em seu processo de organização, com o objetivo de
evidenciar a gênese histórica da municipalização da educação, bem como identificar os
avanços e recuos da democratização associados a esses arranjos. A primeira parte situa os
aspectos históricos que antecederam a municipalização no Brasil, e a segunda focaliza a
década de 1990.
3.1 ANTECEDENTES HISTÓRICOS DA MUNICIPALIZAÇÃO DO ENSINO NO
BRASIL E A DEMOCRATIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO
A organização municipal encontra suas raízes históricas no Brasil Colônia. A história
da colonização brasileira é marcada pelo extermínio de milhões de indígenas pela ação
europeia que lhes trouxe doenças, escravização e morte, visto que a colonização portuguesa
tinha claros objetivos comerciais. O modelo econômico monocultor de base escravista
adotado, ao exigir vultosas quantias financeiras e mão-de-obra abundante favoreceu o
distanciamento entre os donos de engenho e os outros habitantes, tornando nítida a divisão
social de classe mediante a exploração da mão de obra indígena e negra.
Para melhor controlar e explorar, o primeiro passo da metrópole portuguesa foi
descentralizar o imenso território em capitanias hereditárias
67
no início da colonização, e a
administração colonial passa a ter no município o terceiro elo da administração e a base da
pirâmide do poder, depois do Vice-Rei e do Capitão-Geral. As ordenações Afonsinas,
Manuelinas e as Filipinas regulam essa unidade de governo, nascida de preocupações fiscais
67
Segundo Raimundo Faoro (1997), a capitania se compunha de dois institutos: o público e o patrimonial. As
atribuições públicas dos donatários podiam ser revogadas, “sem quebra da ou da palavra régia, dado que o
direito português, no século XVI, entendia ser privativo do rei o poder de gerir a administração do reino. O lado
patrimonial da capitania, este sim, era vitalício e hereditário, inviolável ao próprio rei”, que poderia retomá-
los mediante “compra, renúncia dos proprietários, ou justo confisco” (FAORO, 1997, p.145).
81
do soberano e da necessidade de defesa contra invasões estrangeiras. Administrativamente, o
município nessa época contava com uma relativa autonomia, tolerada e até mesmo estimulada
pela Coroa, desde que não deixasse de cumprir os desígnios do soberano, pois “as receitas
públicas valiam bem algumas migalhas de liberdade” (FAORO, 1997, p.147). Os municípios
assumiam, dessa forma, o papel de “defensores institucionais”, para resguardar os interesses
régios “contra o indígena, o estrangeiro e o fazendeiro que, com base na sesmaria, pretendesse
ares de potentado” (FAORO, 1997, p.147). Essa era a principal função dos municípios nesse
primeiro momento, uma vez que a centralização era o meio adequado para o domínio do novo
mundo, como afirma Faoro (1997):
O município, como as capitanias e o governo geral, obedecia, no molde de
outorga de poder público, ao quadro da monarquia centralizada do século
XVI, gerida pelo estamento cada vez mais burocrático. A expansão das
forças locais seria muitas vezes tolerada como transação, provisoriamente,
com o retorno à ordem tradicional, como estrutura permanente de governo.
A cadeia político-jurídico-administrativa criava, na verdade, tensões com a
corrente local (local e não municipal), num conflito vivo durante quatro
séculos (FAORO, 1997, p.148).
O município era, portanto, uma extensão do Poder Real, administrado pela Câmara do
Senado ou Câmara municipal.
De acordo com Victor Nunes Leal (1997), as Câmaras podiam ser instaladas em
localidades que tivessem pelo menos a categoria de vila e eram administradas por dois Juízes
Ordinários servindo alternadamente, um Juiz de Fora
68
e vereadores, além de um procurador,
um tesoureiro e um escrivão. Esse conjunto de oficiais “incumbiam-se, no limite de suas
atribuições, de todos os assuntos de ordem local, não importando que fossem de natureza
administrativa, policial ou judiciária” (LEAL, 1997, p.81), ou seja, a clássica divisão de
poderes hoje existentes era enfeixada em uma única instituição: a Câmara municipal.
Em função dessas diversas atribuições exercidas, segundo Leal (1997) as Câmaras
congregaram, por longo tempo, um imenso poder, não raro “às margens dos textos legais e
muitas vezes contra eles” (LEAL, 1997, p.84). Eram muitas as usurpações praticadas pelos
onipotentes senhores rurais muitas vezes com o assentimento da Coroa ao sancionar as ações
da Câmara Municipal. O funcionamento das Câmaras de São Luís e de Belém é um bom
68
Segundo nota de Leal (1997), “Juiz de Fora era o Magistrado imposto pelo Rei a qualquer lugar, sob o
pretexto de que administra melhor a justiça aos Povos do que os Juízes Ordinários ou do lugar em razão de suas
paixões e ódios” (LEAL, p.311).
82
exemplo dessa situação apontado por Leal (1997), referindo-se a um texto produzido por João
Francisco Lisboa, que descreve sobre o imenso poder político que se arrogam os senados
69
das duas cidades, aqui reproduzido por se reportar às raízes do autoritarismo dos governos
municipais hoje ainda presentes nos municípios da Região Norte, objeto desse trabalho.
Do exame e estudo dos seus arquivos, das memórias do tempo, e das leis e
cartas régias consta que os mesmos senados, com direito ou sem ele,
taxavam o preço do jornal dos índios, e mais trabalhadores livres em geral,
aos artefatos dos ofícios mecânicos, à carne, sal, farinha, aguardente, ao
pano e fio de algodão, aos medicamentos, e ainda às próprias manufaturas do
reino. Regulavam o curso e valor da moeda da terra, proviam tributos,
deliberavam sobre entradas, descimentos, missões, a paz, a guerra com os
índios, e sobre a criação de arraiais e povoações. Prendiam e punham a ferro
funcionários e particulares, faziam alianças políticas entre si, chamavam
finalmente à sua presença, e chegavam a nomear e suspender governadores e
capitães. Esta vasta jurisdição exerciam-na por si nos casos de somenos
importância; nos mais graves, porém, convocavam as chamadas juntas
gerais, nas quais se deliberava à pluralidade de votos da nobreza, milícia e
clero (LEAL, 1997, p.85-6).
No entanto, Raimundo Faoro (1997) discorda da interpretação de que as Câmaras ou
seus componentes tivessem tamanho poder e atribui fatos como o ocorrido em Belém e no
Maranhão como momentos pontuais, não representativos da realidade colonial. Para esse
autor, o caráter político das Câmaras era cerceado pelo controle burocrático advindo da
metrópole, não permitindo tamanha autonomia, como afirma:
A descrição de João Francisco Lisboa, colhida de um efêmero momento da
colônia, não traça um fiel retrato do município brasileiro, nos primeiros
séculos de sua formação. O estudo das fontes desacredita: as câmaras nunca
passaram de corporações administrativas, sem a fantasiosa prerrogativa de
colaborar na vontade da política colonial. A lei de organização municipal de
de outubro de 1828, ao assegurar a tutela do governo provincial e geral
sobre as câmaras, fixando-lhes o caráter puramente administrativo,
reconheceu uma realidade tradicional, apesar do renascimento primaveril nos
dias de independência (FAORO, 1997, p. 187).
69
Importa esclarece que o título “Senado da Câmara” era uma “alta dignidade” com que se distinguiam os que
exerciam a função de vereadores, mas que isso não significava qualquer diferenciação da estrutura da mara
Municipal.
83
Controvérsias à parte, a expressão “renascimento primaveril, nos dias de
independência” admitido por Faoro, denuncia que pelo menos em um ponto concordância
entre os dois: houve um tempo em que as Câmaras municipais tiveram maior autonomia,
quando vivem seu momento áureo. Com a Lei de Organização Municipal de 1828, as
Câmaras perdem poder e transformam-se em “departamentos administrativos da capitania,
meros cumpridores de determinações superiores” (FAORO, 1997, p.186).
Para Murilo de Carvalho (1996), o Brasil do período colonial poderia ser resumido em
três pontos: a) um poder metropolitano frágil, que, por ser incapaz de exercer uma
administração centralizada, recorria à cooperação do poder privado e à descentralização
política e administrativa; b) um poder privado forte, mas oligárquico, centrado principalmente
na grande propriedade da terra e de escravos; c) uma colônia representada por um conjunto de
capitanias fragilmente unidas entre si, para as quais o poder do vice-rei era quase nominal.
Depois de três culos de colonização (1500-1822), os portugueses tinham construído
um país enorme, dotado de unidade territorial, linguística, cultural e religiosa, mas tinham
também “deixado uma população analfabeta, uma sociedade escravocrata, uma economia
monocultora e latifundiária, um Estado absolutista. À época da independência, não havia
cidadãos brasileiros, nem pátria brasileira” (CARVALHO, 2003, p.18).
Após a emancipação de Portugal em 1822, o território brasileiro, para fins políticos e
administrativos, passou a ser dividido em Províncias, que contavam com um Presidente
nomeado pelo Imperador. O governo das cidades e vilas continuava sendo atribuído às
Câmaras Municipais que tinham a responsabilidade de administrar economicamente a cidade.
O Estado brasileiro passou a ser regido pela Monarquia Constitucional que reconhecia
quatro poderes descritos na Constituição de 1824: O Poder Legislativo, o Moderador, o
Executivo e o Judicial. O Poder Legislativo era composto pela Câmara dos Deputados e pelo
Senado, o qual era representado por membros vitalícios, eleitos em lista tríplice e escolhidos
pelo Imperador enquanto os deputados eram eleitos temporariamente. O Poder Moderador era
delegado privativamente ao Imperador facultando-lhe, dentre outras atribuições, nomear os
Senadores, conceder anistia, dissolver a Câmara dos Deputados, suspender os magistrados,
aprovar e suspender as Resoluções dos Conselhos Provinciais. Na execução dessas
atribuições, o Imperador contava com um Conselho de Estado de caráter vitalício nomeado
por ele mesmo. O Poder Judicial compunha-se por Juízes e Jurados passíveis de ser
suspensos e transferidos pelo Imperador embora declarados independentes e vitalícios.
A história da administração da Província do Pará registra que os resultados sociais
pífios após a Independência brasileira e a excessiva centralização do governo da província
84
ocasionaram grandes frustrações e, em consequência, sucessivas pressões populares lideradas
por Eduardo Angelim, os irmãos Francisco Pedro e Antonio Vinagre, Clemente Malcher e
Vicente Ferreira Lavor. Essas pressões resultaram na revolta popular conhecida como a
Cabanagem (iniciada em 1835 e dizimada em 1840) considerada como a mais violenta e
dramática de todo o Império como afirma Carvalho (2003):
Os rebeldes eram na maioria índios, chamados ‘tapuios’, negros e mestiços.
A capital da província, Belém, foi tomada, e boa parte da população branca,
cerca de 5 mil pessoas, formada de comerciantes e proprietários brasileiros e
portugueses, refugiou-se, junto com o presidente, em navios de guerra
estrangeiros. A província caiu nas mãos dos rebeldes, que a proclamaram
independente, sob o comando de um extraordinário líder de 21 anos
chamado Eduardo Angelim. A luta continuou até 1840 e foi a mais sangrenta
da história do Brasil. (...) Calculou-se o número total de mortos em 30 mil,
divididos igualmente entre os dois campos em luta. Esse número
representava 20% da população da província. Foi a maior carnificina da
história do Brasil independente (CARVALHO, 2003, p.69).
A resistência e a capacidade de sonhar com uma sociedade mais justa do movimento
Cabano inspirou o projeto educacional do primeiro governo de esquerda
70
eleito depois de
161 anos decorridos da revolução Cabana em Belém do Pará.
As diversas nuances da centralização e da descentralização nesse período vão se
manifestar de acordo com a condição de cada lugar e com os aspectos que mais interessam à
metrópole. Assim, a centralização e o máximo detalhamento de controle sobre a economia,
por exemplo, contrastavam com a descentralização ou quase descaso pela educação, relegada
primeiro aos jesuítas, depois às empobrecidas Câmaras Municipais das Províncias.
A necessidade de escolarização das massas na Colônia era mínima, que o regime
escravocrata vigente formalmente até 1888 e a adoção de uma política econômica agro-
exportadora, baseada na monocultura
71
, não requeriam qualificação e diversificação da mão-
de-obra. Só a elite (os futuros dirigentes do país) tinha acesso à educação, que ocorria no país
no nível básico de forma individualizada, isto é, ministrada em aulas individuais por
70
Trata-se do governo de Edmilson Rodrigues (1996 – 2004) do PT, eleito para dois mandatos consecutivos para
a Prefeitura Municipal de Belém, que escolheu o nome “Escola Cabana” para o projeto educacional municipal.
71
Além do úcar, importa lembrar que era presente na colônia a agricultura do tabaco, do algodão, do anil, da
mandioca, embora no primeiro momento a produção e a exportação se concentrassem na produção de açúcar,
base da economia da época.
85
preceptores ou pelos jesuítas e fora do país no nível superior, geralmente em Coimbra
72
. Não
se pensava em educação de massas, em democratizar a educação.
Embora a educação brasileira ficasse a cargo dos jesuítas
73
, o poder estatal se fazia
presente, “já que a Igreja Católica era uma parte da burocracia do Estado” (CUNHA, 2000,
p.66) por meio do regime de padroado
74
. No entanto, em relação ao financiamento,
Monlevade (2000) assinala que a Companhia de Jesus conseguiu se desligar do financiamento
público real graças a um esquema de autofinanciamento que incluía diversas propriedades,
que foram confiscadas após a sua expulsão de Portugal e das Colônias por Sebastião de
Carvalho e Melo (o Marquês de Pombal) em 1759:
No inventário dos confiscos dos colégios em 1759-1760, de Santa Catarina
ao Pará, arrolaram-se bibliotecas com mais de vinte mil volumes,
observatórios astronômicos, laboratórios de ciências físicas e biológicas,
prédios que até hoje estão de pé, igrejas monumentais (...). Uma das
fazendas que sustentava o Colégio do Rio de Janeiro, que ainda hoje existe
no Bairro de Santa Cruz, tinha mais de mil escravos que moravam em 250
senzalas e em seus pastos mais de 10.000 cabeças de gado dos jesuítas e
outras tantas dos servos (MONLEVADE, 2000, p.17 – 18).
O fato é que “a ação educativa religiosa, desenvolvida tanto no púlpito quanto nas
escolas, cimentava a ordem social estruturada na crença da organicidade dos estamentos e no
direito divino do poder monárquico” (CUNHA, 2000, p.66). Ao mesmo tempo em que servia
aos imperativos da fé, a Igreja atuava como um braço do Estado, pelo menos no plano
ideológico.
Em substituição à ação dos jesuítas, foram criadas as aulas régias de caráter estatal,
que funcionavam de forma dispersa geograficamente e tinha os professores nomeados
diretamente pelo Imperador. As aulas limitavam-se às primeiras letras (latim, grego, filosofia,
72
Conforme Murilo de Carvalho (1980), entre 1772 e 1872, 1.242 estudantes brasileiros matricularam-se em
Coimbra, o que influenciou na construção e sedimentação de laços de amizade entre destacadas figuras políticas
do Brasil, tais como o Visconde de Uruguai e o Marquês do Paraná. Além dessa universidade, a Real Academia
de Marinha e o Colégio dos Nobres foram importantes para a formação da elite brasileira, considerada por ele
como uma ilha de letrados.
73
Cunha (2000) demonstra que, em meados do século XVIII, os jesuítas mantinham no Brasil 25 residências, 36
missões e 17 colégios e seminários maiores, além de um número não determinado de seminários menores e
“escolas de ler e escrever”.
74
O regime de padroado é descrito por Cunha (2000) como uma série de poderes transferidos pelo Papa ao
Estado Português como forma de recompensa pela luta da aristocracia lusitana contra os mouros no Século XIII,
tais como a cobrança de dízimos, a nomeação de bispos, a formação e o suprimento de sacerdotes, por exemplo.
O Estado, por sua vez, encarregava-se da proteção e da manutenção da Igreja. O padroado consistia, portanto,
em uma forma de integração administrativa entre Igreja e Estado.
86
geografia, gramática, retórica, matemática) e deveriam ser custeadas por um imposto criado
para esse fim, o subsídio literário cobrado pelas Câmaras Municipais do abate de animais nos
açougues, da produção de vinho e da destilação da cachaça. O sistema das aulas régias
funcionou precariamente, seja porque os professores não permaneciam na função pelos baixos
salários, seja porque o subsídio literário não era cobrado regularmente. Logo após a
introdução desse sistema, o que se tinha, segundo Carvalho (1980), eram quarenta e quatro
aulas régias para uma população de 1.500.000 pessoas, “um número ridiculamente pequeno
frente às necessidades da colônia” (p.55). A descentralização das aulas régias não resultou em
democratização da educação, que estava ausente das intenções e da prática.
É somente a partir do período Imperial
75
, após a independência do Brasil de Portugal
em 1822, que vai prevalecer a ideia de que a instrução das classes inferiores era tarefa
fundamental do Estado brasileiro e até mesmo “condição mesma para a existência desse
Estado e da nação” (FARIA FILHO, 2000, p. 137). O modelo de Estado nacional-liberal
pleiteado na época requeria sujeitos soberanos, capazes de participação em todos os processos
políticos, o que tornava necessária a presença de um “sistema educacional para assegurar
através das oportunidades educacionais oferecidas a todos, o processo de
autodesenvolvimento do indivíduo, preparando-o e conduzindo-o à efetiva participação
política” (NOGUEIRA, 1999, p. 67). As iniciativas em torno de um projeto educacional
estatal tinham então como intenção criar condições para uma “participação controlada na
definição dos destinos do país”, isto é, criar possibilidades de “dotar o Estado de condições de
governo” (FARIA FILHO, 2000, p 137) ou de governabilidade diante de um país cuja
população tinha interesses tão díspares. De um lado, os europeus e latifundiários locais que
viam o Brasil apenas como possibilidade de enriquecimento fácil; de outro, a grande
população escrava e nativa, na sua maioria destituída de condições mínimas de exercício de
cidadania.
O processo de nacionalização no Brasil se diferenciou da experiência clássica da
Europa
76
, uma sociedade de conotação liberal burguesa consolidada. Aqui “a viabilidade
75
Segundo Murilo de Carvalho (2003), a escolha de uma solução monárquica em vez de republicana deveu-se à
convicção da elite de que a figura de um rei poderia manter a ordem social e a união das províncias que
formavam a antiga colônia. O exemplo do que acontecera e ainda acontecia na ex-colônia espanhola assustava a
elite que queria evitar a fragmentação da ex-colônia em vários países pequenos e fracos e sonhava com a
construção de um grande império.
76
Ramirez e Boli (1999) demonstram a associação entre a origem dos sistemas de educação pública na Europa
dos Séculos XVII e XIX e o esforço político de construção do Estado-Nação. Ao se comprometerem em
regulamentar, financiar e gerir a educação de massas, os Estados europeus esperavam construir uma política
nacional unificada e capaz de suscitar a identificação dos indivíduos com os objetivos da nação.
87
histórica da ruptura com a Metrópole fez a idealização da forma nacional-estatal preceder as
condições materiais de formação de mercado e da burguesia nacional” (NOGUEIRA, 1999, p.
67). Mas isso não impediu que a nova sociedade, que emergia da ex-colônia, exigisse como
parte da caracterização de seu próprio perfil a criação de um aparelho estatal que
correspondesse às necessidades institucionais identificadas no modelo de Estado-nacional
liberal. No entanto, a Constituição Imperial de 1824 – embora tenha garantido a gratuidade da
instrução primária a todos os cidadãos não assegurou nem “a definição de uma política de
financiamento do ensino primário e secundário” nem a consequente “alocação específica de
recursos para a instrução pública no orçamento do Estado” (NOGUEIRA, 1999, p. 76).
As conclusões de um estudo – realizado por Antonio Chizzotti (2001) – sobre o
processo constituinte de 1823 denunciam a ausência de um projeto para a instrução pública na
época. “Não foram propostas diretrizes, nem traçadas orientações, contentando-se com uma
proposição pífia de motivar alguém, mediante premiação a elaborar um tratado de educação
para a mocidade” (p.43), segundo as palavras do autor. Em relação à definição de
competências na oferta do ensino elementar, Chizzotti (2001) observa que apenas o
constituinte Andrada Machado propõe maior autonomia às províncias pela ampliação de suas
competências, sendo uma delas a de “promover a educação da mocidade”. Mas o projeto não
vingou; “só 11 anos mais tarde, o Ato Adicional viria referendar uma primeira tentativa de
descentralização da instrução pública no Brasil” (CHIZZOTTI, 2001, p. 37), pois a introdução
do projeto de criação do ensino superior, naquela ocasião, suplantou as discussões em prol da
expansão do ensino elementar. A única regulamentação vigente continuava privilegiando a
oferta educacional pela iniciativa privada, como afirma Chizzotti:
Atropelado pelo projeto de criação de universidades, o projeto de um plano
geral de educação ou de um tratado de educação ficou relegado a um
segundo nível, sem qualquer diretriz da constituinte. O único dispositivo
legal para a instrução primária foi uma lei que ampliava as possibilidades da
educação privada, inspirada em lei de 20 de setembro de 1823, idêntica,
exarada pelas liberais das Cortes Constituintes de Portugal, ali votada em 28
de junho de 1821. A lei permitia a todo cidadão abrir escola elementar, sem
os trâmites legais de autorização prévia e sem licença e exame do requerente.
(CHIZZOTTI, 2001, p. 43-4)
88
A educação elementar ficou para segundo plano nas discussões, e os debates sobre a
implantação do ensino superior não passaram de meras discussões. Chizzotti define nestes
termos sua avaliação a respeito dos trabalhos da constituinte de 1823:
A Constituinte de 1823, com todos os arrazoados patrióticos e exultantes, em
seis meses de trabalho produziu mais discursos veementes e oradores
esfuziantes sobre a instrução, que diretrizes fundamentais para a educação
nacional. A educação básica ficou absolutamente relegada à iniciativa
privada até o Ato Adicional de 1834, e a criação da universidade foi mais um
motivo de emulação entre deputados provinciais, que proposta efetiva para a
criação de estudos superiores no Brasil (CHIZZOTTI, 2001, p.50).
Ainda que a instrução pública estivesse predominantemente a cargo da iniciativa
privada até o Ato Adicional de 1834 e a constituinte não tivesse privilegiado uma discussão
mais consistente sobre o assunto, “havia a intenção de promover a gratuidade da instrução
pública” (CURY, HORTA & FÁVERO, 2001, p. 7), aspecto considerado fundamental para a
consolidação dos objetivos de criação da identidade nacional. Nesta perspectiva, em 1827, a
Comissão de Instrução Pública
77
apresentava projeto de lei sobre a gratuidade da instrução
primária que foi aprovado em 15 de outubro de 1827 e se transformou em lei, que
determinava a criação de “escolas de primeiras letras” em todas as cidades, vilas e lugarejos
mais populosos do país. Entretanto, segundo Nilton Sucupira (2001), os efeitos dessa lei
resultaram num estrondoso fracasso, pois embora a lei definisse que os professores seriam
qualificados na capital da Província e admitidos mediante exame em caráter vitalício, com
salário máximo anual de quinhentos mil-réis –, na prática, isso não aconteceu. Para corroborar
essa afirmação, Sucupira (2001) se vale do relatório a respeito da instrução pública do
Visconde de Macaé de 1848, então Ministro do Império, que identificava as possíveis causas
do triste quadro educacional da época: “1) a falta de qualificação dos mestres; 2) o profundo
descontentamento em que vive o professorado, resultante da falta de recompensa pecuniária
suficiente; 3) a deficiência de métodos convenientes aplicados a este gênero de ensino; 4) a
precariedade das instalações escolares” (SUCUPIRA, 2001, p.59). A intenção de
fortalecimento de uma política cultural voltada para a construção da nação brasileira e do
Estado Nacional não se concretizava na prática.
77
A Comissão de Instrução Pública substitui a Comissão de Educação da Câmara dos Deputados após a sua
dissolução pelo Imperador.
89
A criação de escolas de “primeiras letras” em todos os lugares propugnada pela lei de
1827 é referendada pelo Ato Adicional de 1834, mas “tal encargo ficou sob a
responsabilidade das províncias” (CURY, HORTA & FÁVERO, 1996, p. 7), o que veio a
gerar muita polêmica nos anos seguintes por parte de juristas, políticos
78
e educadores que
defendiam maior presença do Governo Central na organização da educação e nas condições
de provimento escolar devido à escassez de recursos, à instabilidade e à fragmentação
administrativa e legislativa que se tinha nas Províncias
79
. Nessa perspectiva, o cerne das
discussões “estava em saber se a competência conferida às assembleias provinciais, em
matéria de educação, era privativa” (SUCUPIRA, 2001, p.61-2), ou se era permitido ao
governo central também intervir. Essa polêmica em torno da definição da responsabilidade em
relação à instrução blica suscitada durante o Império e à interpretação do caráter
inconstitucional de intervenção do Governo Central é assim resumida por Sônia Nogueira:
No período da Regência, registram-se posições favoráveis à competência
concorrente Governo Central e Províncias; no entanto, parece ter
predominado ao longo do Império a interpretação da competência privativa,
reforçando-se a análise de que a criação de escolas pelo Governo Central, à
exceção daquelas situadas no Município Neutro, seria inconstitucional
(NOGUEIRA, 1999, p.70).
A inconstitucionalidade de atuação do Governo Central com base na interpretação do
§ do Art. 10 da Constituição do Ato Adicional de 1834, segundo a autora, teria alimentado
a omissão do Governo Central em relação à instrução pública durante todo o Império
80
.
Assim, a interpretação de que a lei “proibia qualquer intervenção do governo central no
âmbito do ensino elementar, até mesmo a ajuda financeira,” (PAIVA, 1990, p. 8) deixou as
províncias entregues a sua própria sorte, que “nada foi feito de concreto no sentido de
78
Segundo Sônia Nogueira (1999), dentre os que questionavam a competência privativa das províncias em
oferecer a instrução pública e seus problemas destacaram-se Luiz Pedreira do Couto Ferraz (1854), Paulino José
Soares de Sousa (1869), João Alfredo Corrêa de Oliveira (1871), Carlos Leôncio de Carvalho (1878), Manoel
Pinto de Souza Dantas (1882) e Rodolpho Epiphanio de Souza Dantas (1882).
79
Para Faria Filho (2000), a diversidade dos atos legais e a de suas orientações ocorriam em consequência da
alta rotatividade dos presidentes de província em seus cargos e da fragilidade das Assembleias Provinciais. A
Província Mineira, por exemplo, teria sido governada, em dia, por mais de dois presidentes por ano. Além do
mais, cada administrador que passava pelo cargo queria mostrar as “reformas dos serviços de instrução” como
grandes feitos. Não muito diferente de hoje.
80
Talvez tenha sido por isso que a última fala de D. Pedro II, em 3 de maio de 1889, foi no sentido de propor a
organização de um amplo sistema nacional de instrução pública e a criação de um Ministério da Instrução,
conforme Paiva (1990).
90
tornar real e efetiva a participação do governo central no esforço de universalização da
educação primária em todo o país, ainda que fosse a título de ação supletiva” (SUCUPIRA,
2001, p.65). Essa atitude do governo central trouxe como consequência um quadro
educacional caracterizado pela extrema precariedade dos serviços provinciais de educação
além de reduzida democratização dos serviços educacionais.
Dados levantados por Monlevade (2000) dão conta de que, em 1886, “tinha 248.396
alunos para uma população total de quase 14 milhões de habitantes: um índice de menos de
2%” (p.29) de alunos que tinham acesso à educação. Por isso, entende-se que a interpretação
de Sucupira (2001) diante do descaso em relação à universalização da educação básica e à
prioridade dada ao ensino superior das elites elucida que essa política era parte das estratégias
de manutenção do poder oligárquico dos grandes proprietários rurais.
Numa sociedade patriarcal, escravagista como a brasileira do Império, num
Estado patrimonialista dominado pelas grandes oligarquias do patriciado
rural, as classes dirigentes não se sensibilizavam com o imperativo
democrático da universalização da educação básica. Para elas, o mais
importante era uma escola superior destinada a preparar as elites políticas e
quadros profissionais de vel superior em estreita consonância com a
ideologia política e social do Estado, de modo a garantir a construção da
ordem, a estabilidade das instituições monárquicas, e a preservação do
regime oligárquico (SUCUPIRA, 2001, p.67)
De fato, a democratização da educação não estava na agenda de uma sociedade
econômica e socialmente tão dicotômica como a do Brasil ao longo do período Colonial e
Imperial. A prioridade era manter a ordem oligárquica, pois não interessava mudar tal estado
de coisas e sim educar aqueles que pudessem alcançar os objetivos de manutenção da ordem.
Sendo assim, apenas os poucos privilegiados destinados a essa tarefa recebiam educação.
Comparando-se ao Império, a situação econômica e social brasileira não se modifica
muito durante a Primeira República, permanecendo o Brasil com uma economia primário-
exportadora, dependente, permeada pelo fortalecimento do coronelismo baseado na política
dos governadores, cuja expressão mais popular ficou conhecida como política do “café com
leite”
81
. Vitor Nunes Leal (1997) define o termo coronelismo como “um compromisso, uma
troca de proveitos entre o poder público, progressivamente fortalecido, e a decadente
81
A expressão se deve ao controle da política nacional por São Paulo e Minas Gerais grandes produtores de café
e de leite respectivamente, que se revezaram no poder presidencial até 1930, quando Getúlio Vargas, do Rio
Grande do Sul, se torna presidente.
91
influência social dos chefes locais, notadamente dos senhores de terra” (LEAL, 1997, p. 40).
Desse compromisso fundamental, resultariam as características secundárias do sistema
“coronelista”, como o mandonismo, o filhotismo, o falseamento do voto e a desorganização
dos serviços públicos locais a fim de atender os imperativos do apadrinhamento. Coronel era,
desde o Império, o posto mais alto na hierarquia da Guarda Nacional, a pessoa mais poderosa
do município. Quando a Guarda perdeu sua natureza militar, restou-lhe o poder político de
seus chefes e assim continuou fazendo a distinção dos poderosos.
A Constituição de 1981ao instituir a eleição para governador do Estado e suprimir o
critério de renda do eleitor, embora tenha mantido o critério de exclusão de analfabetos e de
mulheres –, facilitou o aumento da participação da população nas eleições. Isso favoreceu o
fortalecimento do poder local e da figura do coronel, que viveu seu momento áureo por toda a
Primeira República. Assim, o coronelismo se manifestava por meio da aliança desses chefes
locais com os governos dos Estados e desses com o presidente da República, principalmente
garantindo resultados favoráveis a eleições de candidatos da situação, definidos pelo governo
central, por meio do chamado ‘voto de cabresto’. Sobre esse assunto, Faoro (1997) afirma:
A dinâmica do regime, eletivos os cargos, sobretudo o cargo de governador,
leva a deslocar o eixo decisório para os Estados, incólumes os grandes, cada
dia mais, a interferência do centro, garantindo-se e fortalecendo-se este com
o aliciamento dos pequenos, num movimento que culmina na política dos
governadores. Dentro de tal seqüência é que se afirma o coronelismo, num
casamento, cujo regime de bens e relações pessoais será necessário
determinar, com as oligarquias estaduais (FAORO, 1997, p. 621).
Por ser um período de transição do regime escravista, recém-terminado em 1888, tanto
no plano social quanto no político-econômico, manteve-se durante toda a Primeira República
uma brutal segregação social. No plano político, embora houvesse a mudança de regime de
Monarquia Constitucional para República Constitucionalista adotando como modelo de
Estado o federalismo
82
, não grandes novidades, pois as elites continuavam no poder, como
atesta Carvalho (2003):
82
Para Arretche (2002), Estados Federativos são formas particulares de governo, divididos verticalmente de tal
modo que diferentes níveis de governo têm autoridade sobre uma população e território, pois cada governo local
– cuja legislação pode variar conforme definir a Constituição – está resguardado pelo princípio da soberania.
92
Do ponto de vista da representação política, a Primeira República (1889-
1930) não significou grande mudança. Ela introduziu a federação de acordo
com o modelo dos Estados Unidos. Os presidentes dos estados (antigas
províncias) passam a ser eleitos pela população. A descentralização tinha o
efeito positivo de aproximar o governo da população. A descentralização
facilitou a formão de sólidas oligarquias estaduais, apoiadas em partidos
únicos, também estaduais. Nos casos de maior êxito, essas oligarquias
conseguiram envolver todos os mandões locais, bloqueando qualquer
tentativa de oposição política. A aliança das oligarquias dos grandes estados,
sobretudo de São Paulo e Minas Gerais, permitiu que mantivessem o
controle da política nacional até 1930 (CARVALHO, 2003, p.41).
A partir da República, as vinte antigas províncias passaram a ser denominadas de
Estados e o Rio de Janeiro, antigo município neutro, é elevado à condição de Distrito Federal,
capital da União. A descentralização estava se consolidando pelas novas prerrogativas e
atribuições dos Estados previstas na Constituição Republicana de 24 de fevereiro de 1891.
Uma novidade nesse sentido foi a menção explícita ao Município na Constituição que,
apesar de figurar em apenas um artigo, o 168, ocupou um tulo específico, o de número três.
Talvez tentando preservar o poder das oligarquias locais, o artigo se refere justamente à
preservação da autonomia municipal nestes termos: “Art. 68. Os Estados organizar-se-ão de
forma que fique assegurada a autonomia dos municípios, em tudo quanto respeite ao seu
peculiar interesse”. (SENADO, 2001, p.95).
Ao comentar esse dispositivo constitucional, Victor Nunes Leal (1997) observa que
por não se ter definido no texto constitucional o conceito correspondente a ‘peculiar interesse
dos municípios’ essa definição ficou para o legislador estadual, que, a partir dos interesses
políticos locais, discriminaria a competência municipal. No entanto, enquanto em alguns
Estados havia um controle sobre a vida dos municípios usando-se as prerrogativas da
legalidade; em outros, isso era feito visando à conveniência do governo estadual. Assim,
“com tais expedientes podiam os governadores dos Estados tutelar as municipalidades, com
vistas ao interesse político da concentração do poder na órbita estadual” (LEAL, 1997, p. 99-
100). Por outro lado, os próprios chefes dos municípios eram unânimes em apoiar os
governos, seja porque esse apoio facilitava alguns melhoramentos no município seja porque
queriam evitar interferências arbitrárias. Além disso, as soluções políticas encontradas para
fazer valer a autonomia municipal, a partir da simbiose propiciada pelas práticas
‘coronelistas’, extrapolavam o mero recurso da lei explícita, como se pode constatar pelo que
afirma Leal.
93
A falta de autonomia legal do município nunca chegou a ser sentida como
problema crucial, porque sempre foi compensada uma extensa autonomia
extralegal, concedida pelo governo do Estado ao partido de sua preferência.
Esta contraprestação estadual no compromisso ‘coronelista’ explica, em
grande parte, o apoio que os legisladores estaduais – homens em sua maioria
do interior sempre deram aos projetos de lei atrofiadoras do município.
Com tais medidas, só os adversários ficavam realmente prejudicados: de
uma parte, a corrente legal governista sempre obteria do Estado o que
reputasse indispensável e, de outra, quanto maior a dependência da comuna,
tanto maiores as probabilidades de vitória da facção situacionista nas
próprias eleições municipais (LEAL, 1997, p.281).
Era a manifestação política do coronelismo e do compadrio que beneficiava os amigos
e correligionários e sentenciava os inimigos.
Durante a vigência da Constituição de 1891, não se chegou a uniformizar a
denominação do órgão deliberativo da administração municipal, matéria de competência
estadual, o que resultou em diferentes denominações em cada estado: Intendência, Conselho,
Câmara, Prefeitura, agência executiva, superintendência. No Estado do Pará, a primeira
Constituição Estadual de 1891 no Art. 56, define que “O município será autônomo e
independente na gestão de seus negócios, uma vez que não infrinja as leis federais e as do
Estado” (ASSEMBLEIA LEGISLATIVA, 1891, p.555). O exercício do poder municipal é
então atribuído a um Conselho Municipal composto por quatro a oito ‘vogaes’ de acordo com
a população municipal e por um Intendente, que presidia o Conselho como chefe executivo do
município. Quanto ao processo de escolha dos executivos municipais, ao prevalecer a ideia de
que ficaria a critério das assembleias estaduais a definição do que se entendia por “peculiar
interesse” dos municípios, os Estados trataram de restringir o princípio da eletividade da
administração local, como se pode inferir pelo que afirma Leal (1997):
Alguns [Estados] excetuaram apenas os municípios das capitais, cujos
prefeitos passaram a ser nomeados; outros estenderam o princípio da
nomeação do prefeito àqueles em que houvesse estâncias hidrominerais ou
obras e serviços de responsabilidade do Estado; outros, finalmente, não
hesitaram em tornar todos os prefeitos de livre nomeação do governo
estadual. (LEAL, 1997, p. 142).
No plano legal, a democratização dos direitos civis avançou, pois o Art. 68 delegava
“autonomia municipal em tudo quanto respeite o seu peculiar interesse”, mas na materialidade
94
dos fatos a eletividade de seu executivo parecia não pertencer ao peculiar interesse municipal,
pois não era considerada.
Analisando o alvorecer da República e o processo constituinte de 1891 Cury (2001)
constata que a partir daí “o país passava a contar com uma nova ordem jurídica contemplando
o liberalismo, o federalismo, a divisão de poderes, os direitos civis, a ampliação dos direitos
políticos e o laicismo” (CURY, 2001, p.76-5), porém nada havia para explicitar direitos
sociais. Na avaliação desse autor, “a Constituinte avançou no sentido da defesa da plenitude
dos direitos civis, ampliou um pouco os direitos políticos e omitiu-se ante (ou mesmo negou)
os direitos sociais” (CURY, 2001, p.79).
Como um dos principais direitos sociais, a educação primária continuava a o
constituir preocupação do governo central na Primeira República. Na verdade, os
“constituintes não se sentiam encorajados a centralizar o único setor que era
constitucionalmente descentralizado” (PAIVA, 1998, p.8), e a República tinha sido
proclamada contra a centralização. Um dos principais defensores da descentralização na
época, Antonio Cândido de Tavares Bastos (1996), em sua clássica obra “A Província”,
defendia a ideia de que o federalismo estava associado à liberdade e de que o centralismo ao
despotismo. Em função dessa concepção, grande parte dos parlamentares tinha dificuldade de
se contrapor a medidas que tolhessem a ‘autonomia’ das províncias, princípio considerado
básico para os que defendiam o federalismo. No entanto, a descentralização defendida por
liberais e positivistas não tinha o mesmo significado. Conforme Cury (2001), isso influenciou
a política educacional da época.
A política educacional republicana oscila entre a vertente liberal, federativa
com descentralização administrativa e unidade política centralizada; a
vertente positivista, ultrafederalista com descentralização administrativa e
política; e a vertente autoritária na qual o papel intervencionista do Estado
acopla centralização política com pouca descentralização administrativa
(CURY, 2001, p.85).
Em função dessa correlação de forças políticas e entendimentos diversos, a
Constituição de 1891 suprime a obrigatoriedade da instrução pública, contrariando o que
previa a de 1824. Esse fato é interpretado por Cury (2001) como compatível com os
princípios liberais de “Estado Mínimo” subjacentes à Constituição de 1891. Assim, a
oportunidade educacional será vista nesse documento como demanda individual e não como
95
direito coletivo em função dos “efeitos de um liberalismo excludente e pouco democrático”
(
CURY
, 2001, p.80) presente em todo o processo constituinte. O Estado Republicano nascia
excludente, concentrando seus esforços na manutenção dos privilégios de alguns.
Pela nova Constituição Republicana o encargo com a instrução pública primária se
manteve “como tarefa de Estados e Municípios, o ensino secundário ficou a cargo dos
Estados, mas poderia também ser mantido pela união e pela iniciativa privada”. (CURY,
2001, p.78). Na prática, porém, Romanelli (1987) denuncia que a União continuava mantendo
o ensino superior e secundário no país e os Estados se incumbiam do ensino primário e do
profissional (normal para moças e técnico para rapazes). Tal como no Império, continuou a
vigorar um sistema dual de ensino que além de refletir a dualidade de classe social,
“representava ainda, no fundo, a continuação dos antagonismos em torno da centralização e
descentralização do poder” (p. 42) em que a União se incumbia do ensino destinado às elites e
o Estado do ensino dos desvalidos. A descentralização que ocorreu neste período reafirmou a
ação do Estado como principal promotor do ensino primário, iniciando um ciclo que levou à
estadualização dessa etapa do ensino. Ao município cabia apenas uma atuação em caráter
complementar, como afirma Monlevade (2000).
A transformação das Províncias em Estados da Federação Republicana em
1889, e a Constituição que dava contornos mais nítidos tanto à capacidade de
eles tributarem como o dever de gerirem sistemas estaduais de instrução
pública, confirmam a tendência que caracterizará setenta anos do século XX:
a ‘estadualização’ do ensino primário” (...) Embora os Municípios não
fossem proibidos de abrir escolas, as estatísticas que demonstram a presença
de redes municipais desde o Império as caracterizam como de caráter
nitidamente suplementar. Os Municípios, com exceção das capitais, eram
uma entidade pública com poucos recursos disponíveis, além de instância
administrativa e política ainda quase insensível para responder às demandas
de educação da população ou de emprego para ‘correligionários(as)’
(MONLEVADE, 2000, p.36 – 37).
Considerando essa dualidade do sistema educacional brasileiro, a República tentou
várias Reformas sem êxito para dar conta dos problemas mais graves da educação, expondo o
confronto das teses centralizadoras e descentralizadoras conforme os discursos liberais ou
positivistas da época. Nesse movimento, a Reforma Epitácio Pessoa (1901) caracterizava-se
pelo excesso de centralização enquanto a Reforma Rivadávia Corrêa (1911) pretendia
desoficialização e descentralização facultando total liberdade de ensino e autonomia aos
96
estabelecimentos, suprimindo o caráter oficial do ensino, o que, na avaliação de Otaíza
Romanelli (1987), trouxe resultados desastrosos. Como expoentes das tendências
centralizadoras, a Reforma Carlos Maximiliano (1915) regulamentou o ingresso nas escolas
superiores e a Reforma Rocha Vaz (1925) tentou instituir normas regulamentadoras para o
ensino “tendo o mérito de estabelecer, pela primeira vez, um acordo entre a União e os
Estados a fim de promover a educação primária.” (ROMANELLI, 1987, p. 43). No entanto,
essas Reformas “limitaram-se quase que exclusivamente ao Distrito Federal, que as
apresentava como ‘modelo’ aos Estados, sem, contudo, obrigá-los a adotá-las”
(ROMANELLI, 1987, p.131), o que resultava em sistemas estaduais sem articulação com o
sistema central.
O fracasso dessas reformas produziu a descentralização do ensino sem que houvesse
uma diretriz nacional, uma política educacional nacional, pois, paralelamente a elas,
materializavam-se várias experiências estaduais localizadas, com características próprias,
como tentativa de dar organicidade local à educação. Inspirados pelo “entusiasmo pela
educação” e pelo “otimismo pedagógico”
83
, vários intelectuais
84
procuraram dar consistência
à educação nesses lugares, através da implementação de Reformas (BOMENY, 2001). A
disparidade regional
85
entre os Estados brasileiros, consequência do liberalismo político e
econômico da época, teve profunda repercussão na organização da educação em cada Estado.
Para Romanelli (1987), ao colocar o sistema à mercê das circunstâncias político-econômicas
locais, “o federalismo acabou por aprofundar a distância que existia entre os sistemas
escolares estaduais” (p.43) na medida em que os Estados que tinham maior poder econômico
e político estavam em condições de melhor organizar e equipar o seu sistema de ensino, pois
tinham prontamente suas reivindicações acatadas junto ao poder público federal enquanto os
Estados e municípios mais pobres e destituídos de poder político ficavam à mercê de sua
própria sorte.
83
Ao analisar a educação da época, Jorge Nagle, em tese de 1966, popularizou esses termos que expressavam as
reivindicações por expansão do número de escolas e mudanças no tradicionalismo de conteúdos e métodos
educacionais respectivamente.
84
Como exemplo de intelectuais envolvidos pode-se citar Anísio Teixeira na Bahia (1925), Fernando de
Azevedo no Distrito Federal (1928), Lourenço Filho no Ceará (1923), Francisco Campos em Minas Gerais
(1927), Sampaio Dória em São Paulo (1920) Carneiro Leão em Pernambuco (1930) e Bezerra de Menezes no
Rio Grande do Norte (1925).
85
Joseph Love (1993) afirma ser o regionalismo uma das características do regime federativo. Nele, os atores
regionais aceitam a existência do Estado-nação, mas buscam o favoritismo econômico e político, sem o risco de
por em perigo o regime. No caso brasileiro, das 20 unidades federadas existentes durante a Primeira República,
três delas (São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul) definem bem o significado do regionalismo pela
posição de destaque político e econômico durante a Primeira República. Os três juntos concentravam mais da
metade do PIB nacional de 1920 e mais da metade dos eleitores, o que significava grande poder diante do
governo federal, permitindo-lhes forças policiais e militares suficientes inclusive para impedir a intervenção
armada do governo federal.
97
Se durante a República Velha a economia era muito dependente dos produtos
agrícolas para exportação café, algodão, cacau e borracha e da importação de produtos
manufaturados, entre 1930 e 1945 o esforço econômico é no sentido de substituir as
importações pelo incentivo à industrialização nacional. Do ponto de vista político, além do
movimento sindical, a Segunda Guerra Mundial também despertou entre militares a
preocupação com a defesa nacional, cujo movimento de maior expressão foi o “tenentismo”
86
.
A criação do Partido Comunista do Brasil em 1922 também causou apreensão nas oligarquias
e nos empresários industriais.
Esses fatores externos e internos abalaram o governo das oligarquias regionais
87
na
última década da Primeira República. Em outubro de 1930, no entanto, o governo do
presidente Washington Luis, símbolo da crise de desenvolvimento econômico e cultural que
havia no período, foi derrubado. Basicamente dois grupos pleiteavam mudanças e estavam
por trás da queda do presidente: o primeiro era composto por militares superiores, uma
parcela de plantadores de café, descontentes com a política econômica do governo e parte da
elite política de oposição interessada no poder; o segundo grupo, por aqueles que
comandaram ou participaram do movimento de deposição do presidente (os tenentes) e
dividia-se em uma corrente mais moderada, preocupada com mudanças constitucionais, e em
uma outra mais aguerrida e radical que pleiteava reformas mais profundas, um governo mais
centralizado e nacionalista.
Murilo de Carvalho (2003) nos dá a tônica desse momento.
Todos os reformistas estavam de acordo em um ponto: a crítica ao
federalismo oligárquico. Federalismo e oligarquia eram por eles
considerados irmãos gêmeos, pois era o federalismo que alimentava as
oligarquias, que lhes abria amplo campo de ação e lhes fornecia os
instrumentos de poder. Desenvolveu-se nos círculos reformistas a convicção
de que era necessário fortalecer novamente o poder central como condição
86
O tenentismo foi um movimento revoltoso de jovens oficiais militares que iniciou no Rio de Janeiro em 1922
(e também eclodiu em São Paulo em 1924) cujos membros uniram-se a outros militares do sul do país formando
a coluna Prestes nome adotado em função de um de seus líderes, o capitão Luis Carlos Prestes. Segundo
Carvalho (2003), embora o tenentismo não tivesse características propriamente democráticas, foi uma poderosa
força de oposição.
87
De acordo com a política do café-com-leite vigente, como Washington Luis representava os paulistas, o
futuro presidente seria mineiro e não paulista tal como intentava o presidente ao apoiar Júlio Prestes. Nessa
situação, Antonio Carlos de Andrada, governador de Minas Gerais e ‘natural’ candidato à presidência, abriu mão
de sua candidatura e apoiou Getúlio Vargas do Rio Grande do Sul para presidente, e João Pessoa da Paraíba,
para vice. A derrota de Getúlio, que alegava fraude eleitoral, e o assassinato de João Pessoa na Paraíba,
desencadeou a Revolução de 30 e a deposição de Washington Luis.
98
para implantar as mudanças que se faziam necessárias (CARVALHO, 2003,
p.93).
Os reformadores insistiam para que o governo central retomasse o seu papel de
organizador da nação, visto que a sociedade estava desarticulada e não tinha centro de
referência. Eles atribuíam essa tarefa ao Estado, cujo governo liderado por Getúlio Vargas ao
longo dos quinze anos subsequentes se encarregava de fazê-lo (1930-1945)
88
.
No campo educacional, em 1924, reuniu-se no Rio de Janeiro um grupo de
intelectuais brasileiros
89
que resolveu criar uma entidade que congregou os debates em torno
da educação: a Associação Brasileira de Educação (ABE)
90
. Caracterizada como um fórum
de debate livre e qualificado, essa entidade funcionou como forte veículo de disseminação da
crença na escolarização, considerada um “instrumento de correção do processo evolutivo e
como uma força propulsora do progresso da sociedade brasileira” (NAGLE, 1974, p.125),
expressando o otimismo e o entusiasmo pedagógico da época. A posição crítica e combativa
ao governo permitiu à ABE assumir um papel de protagonismo histórico no debate
educacional ancorada na premissa de que após um século de independência brasileira havia
necessidade de “transformar habitantes em povo” (NAGLE, 1974, p. 123). A essa posição se
alinharam educadores que defendiam as ideias da “Escola Nova
91
”, corrente de pensamento
então vigente nos Estados Unidos e na Europa. A ABE realizou três Conferências Nacionais
de Educação
92
onde a tese da centralização ou nacionalização da política cultural e de
organização do ensino em seus diferentes níveis foi uma das preocupações centrais.
Outro movimento de grande expressão para a discussão das teses descentralizadoras e
centralizadoras foi o Manifesto dos Pioneiros da Educação. Os signatários do manifesto
defendiam que a organização da educação brasileira, sob os princípios do Estado Nacional,
88
Carvalho (2003) caracteriza esse período como a era dos direitos sociais, por meio da legislação trabalhista e
previdenciária e sindical.
89
Faziam parte desse grupo original, segundo Romanelli (1987): Heitor Lira, José Augusto, Antonio Carneiro
Leão, Venâncio Filho, Everardo Backeuser, Edgar Sussekind de Mendonça e Delgado de Carvalho.
90
A ABE representou, segundo Nagle (1974), a primeira e mais ampla forma de institucionalizar a discussão dos
problemas da escolarização em âmbito nacional e congregou educadores, políticos, intelectuais e jornalistas.
91
A Escola Nova (ou escolanovismo) do norte-americano John Dewey parte de uma nova concepção de infância.
Se antes a criança era vista como um ser passivo, um receptáculo de conhecimentos, ela passa a ser concebida
como ser ativo, centro do processo educativo, logo deve ser respeitada nos seus interesses e em suas
necessidades de acordo com seu desenvolvimento. Dessa nova visão derivam mudanças no papel do educador,
no currículo, nos métodos e nas técnicas de ensinar bem como no ambiente físico das escolas (GHIRALDELLI
Jr, 2003).
92
A I Conferência, segundo Nagle (1974), realizou-se em Curitiba de 20 a 27 de dezembro de 1927; a segunda,
em Belo Horizonte de 4 a 11 de novembro de 1928; e a terceira, em São Paulo de 7 a 15 de setembro de 1929.
99
não implicaria necessariamente em centralismo e uniformidade, mas multiplicidade
coordenada, conforme se constata no seguinte trecho do referido Manifesto, extraído da obra
de Ghiraldelli Jr. (2000):
A organização da educação brasileira unitária sobre a base e os princípios
do Estado, no espírito da verdadeira communidade popular no cuidado da
unidade nacional, não implica um centralismo estéril e odioso, ao qual se
oppõem as condições geographicas do paíz e a necessidade de adaptação
crescente da escola aos interesses e às exigências regionaes. Unidade não
significa uniformidade. A unidade pressupõe multiplicidade. Por menos que
pareça à primeira vista, não é, pois, na centralização, mas na applicação da
doutrina federativa e descentralizadora, que teremos que buscar o meio de
levar a cabo, em toda a República, uma obra methódica e coordenada, de
accôrdo com um plano commum, de completa efficiência, tanto em
intensidade como em extensão (GHIRALDELLI Jr., 2000, p.65).
A concretização da doutrina federativa pleiteada pelo Movimento dos Pioneiros estava
relacionada à possibilidade de articulação entre as esferas governamentais, especialmente
entre os próprios Estados que vinham realizando
reformas desarticuladamente, uma vez que
não contavam com uma política nacional que as coordenasse. O propósito era que houvesse
um atendimento educacional que, além de manter a unidade por meio de um plano comum
coordenado centralmente, também considerasse as diferenças regionais, definindo e
resguardando o papel de cada ente federativo. Na concepção de Paiva (1990), a
descentralização como ideal dos escolanovistas no futuro poderia até assumir a forma de
municipalização, pois, segundo afirma: “o ideal de um sistema radicalmente descentralizado
aparece já entre os renovadores e os educadores liberais que, com o modelo anglo-saxão na
cabeça, sempre tiveram a municipalização como uma meta para o futuro distante” (PAIVA,
1990, p.9). Na verdade, o que se pleiteava era a unidade na diversidade, tese tão cara ao
federalismo, mas que, em relação à educação, o funcionava. Cada Estado tinha suas regras,
e havia pouca organicidade entre elas.
O fato é que a mobilização por educação nas décadas de 20 e 30 teve significativas
repercussões nas décadas posteriores, chamando à União a responsabilidade não apenas para
com a coordenação da política educacional nacional, mas também para com a democratização
do direito de acesso. Esse conjunto de fatores políticos favoreceu, portanto, que se
inscrevessem na Constituição de 1934 alguns princípios básicos relativos ao papel diretor da
100
União e dos Estados nos artigos 150 e 151 respectivamente. O Art. 150 refere-se à fixação do
Plano Nacional de Educação e ao exercício da ação supletiva como competência da União,
além de estabelecer a gratuidade e obrigatoriedade de frequência do ensino primário. É
também definida como competência privativa da União “traçar
as diretrizes da educação
nacional” (Art. 5º). O Art. 151 significa a vitória da descentralização coordenada, pleiteada no
Manifesto de 1932, ao definir: “Compete aos Estados e ao
Distrito Federal organizar e manter
sistemas
nos Territórios respectivos, respeitadas as diretrizes estabelecidas pela
União”
(SENADO, 1994, p. 169).
A política de financiamento da educação aparece, pela primeira vez, em uma Carta
Constitucional definindo de forma clara quotas de impostos para o financiamento e a
manutenção do ensino pela União, pelos Estados, Distrito Federal e pelos Municípios como se
observa no texto legal da CF de 1934:
Art. 156. A União e os Municípios aplicarão nunca menos de dez por cento,
e os Estados e o Distrito Federal nunca menos de vinte por cento, da renda
resultante dos impostos, na manutenção e no desenvolvimento dos sistemas
educativos. (SENADO, 1994, p. 169).
A Constituição Brasileira de 1934 reservou à organização dos Municípios o Artigo 13
que, se por um lado definiu que a escolha dos prefeitos não constituía prerrogativa exclusiva
dos governadores, tampouco poderia ser feita diretamente pelo povo, mas pela via indireta dos
vereadores da Câmara Municipal, como se pode constatar:
Art. 13. Os Municípios serão organizados de forma que lhes fique
assegurada a autonomia em tudo quanto respeite ao seu peculiar interesse, e
especialmente:
I – a eletividade do prefeito e dos vereadores da Câmara Municipal, podendo
aquele ser eleito por esta;
II a decretação dos seus impostos e taxas, e a arrecadação e aplicação das
suas rendas;
III – a organização dos serviços de sua competência.
§ O prefeito poderá ser de nomeação do Governo do Estado no
Município da capital e nas estâncias hidrominerais. (SENADO, 1994, p.
122-23).
101
A primeira fase do governo de Getúlio Vargas é marcada pela reorganização
administrativa da educação visando a centralizar a gestão pela ação de Francisco Campos
(adepto de uma das correntes da Escola Nova que defendia as ideias centralizadoras) à frente
do Ministério dos Negócios da Educação e Saúde Pública, criado em 1931. A Reforma
Francisco Campos foi então efetivada por meio de Decretos
93
que tinham por objetivo dar
uma estrutura orgânica ao ensino secundário, comercial e superior em todo o território
nacional e criar o Conselho Nacional de Educação. A novidade dessa reforma é que ela
estabelece a equiparação do ensino privado ao público ao tornar desnecessária a exigência de
exame oficial pelos alunos oriundos do setor privado para ingresso ao superior. Essa “política
de regulação e fiscalização do ensino secundário estendida tanto às escolas públicas como às
particulares” (ROCHA, 2001, p.137) favoreceu o aparecimento de um grande empresariado
da educação secundária a partir de 1930, inibindo a expansão desse nível de ensino pelo setor
público.
A avaliação de Romanelli é de que a Reforma refletia a sociedade do momento, na
qual o jogo político “oscilava entre a necessidade de inovar e organizar a vida social, em
novas bases, e a velha ordem, com a qual ainda se encontrava seriamente comprometida”
(ROMANELLI, 1987, p.142), daí a preocupação com o ensino das elites (secundário e
superior) e a marginalização do ensino primário e normal, destinado às camadas menos
aquinhoadas.
Após a constitucionalização do país, a luta política recrudesceu. Formaram-se dois
grandes grupos políticos: um à esquerda e outro à direita.
O primeiro, chamado
Aliança
Nacional Libertadora (ANL), sob a orientação da Terceira Internacional, era liderado por Luis
Carlos Prestes; o segundo, chamado Ação Integralista Brasileira (AIB) e de orientação
fascista, tinha como líder Plínio Salgado. Estes grupos refletiam nacionalmente as
divergências ideológicas no plano internacional entre comunismo e fascismo. Ambos atraíam
setores da classe média urbana e das forças armadas que se sentiam prejudicados pela
influência das oligarquias rurais. A posição anticomunista da AIB atraiu também o apoio da
igreja católica. Em 1935, a ANL avalia equivocadamente a situação do país ao julgar ser
93
Os Decretos que compunham a Reforma Francisco Campos foram os seguintes: Decreto nº 19.850 de
11/04/1931 cria o Conselho Nacional de Educação; o Decreto 19.851 de 11/04/1931 dispõe sobre a
organização do ensino superior no Brasil e adota o regime universitário; Decreto 19.852 de 11/04/1931
dispõe sobre a organização da Universidade do Rio de Janeiro; decreto nº 19.890 de 18/04/1931 – dispõe sobre a
organização do ensino secundário; decreto 20.158 de 30/06/1931 organiza o ensino comercial, regulamenta
a profissão de contador e outras providências; Decreto 21.241 de 14/04/1932 consolida as disposições
sobre a organização do ensino secundário. (ROMANELLI, 1987).
102
possível uma revolução popular, facilmente massacrada pelo governo. Com o apoio de parte
de generais do Exército e utilizando a tentativa de revolução de 1935 como um dos pretextos,
Vargas põe fim ao regime constitucional em 1937.
Fechado o congresso e de posse de uma
Constituição que lhe dava poderes excepcionais, Vargas inicia um período de pesada
centralização política. A situação da época quanto às relações entre União e Estados a partir
daí é assim descrita por Souza:
Vargas fechou o Congresso Nacional e as assembleias estaduais e substitui
os governadores eleitos por interventores. (...) Um dos atos mais simbólicos
de Vargas contra os interesses regionais foi queimar todas as bandeiras
estaduais em praça pública. Os governos subnacionais perderam receitas
para a esfera federal, mas a mais importante medida foi delegar ao governo
federal a competência para legislar sobre as relações fiscais externas e entre
os estados (SOUSA, 2005, p.108).
Pelo ato simbólico da queima das bandeiras dos Estados, Vargas desconsiderou o
federalismo implantado em 1891 e, em dezembro de 1937, ele suprimiu todos os partidos
políticos. Durante o Estado Novo, o governo caracterizou-se pela pesada centralização da
gestão que teve profunda repercussão na política educacional, especialmente durante a longa
gestão do Ministro Gustavo Capanema de 1934 a 1945. Com a primazia do Poder executivo
sobre os outros poderes e a suspensão das liberdades civis, o debate educacional foi
silenciado. A nova Constituição em 1937 definiu o perfil da política educacional a partir do
projeto nacionalista de governo demarcando o lugar e a finalidade da educação e da escola. A
escola era considerada o “lugar da ordenação moral e cívica, de obediência, de adestramento,
da formação da cidadania e da força de trabalho necessárias à modernização administrada” e a
finalidade educacional “submissa aos desígnios do Estado” (SHIROMA et. all., 2000, p.26)
daquele momento que visava combater a subversão ideológica. Para isso, a educação
profissional recebe destaque no governo, nos termos do § do Art. 129 da Constituição de
37:
O ensino pré-vocacional e profissional destinado às classes menos
favorecidas é, em matéria de educação, o primeiro dever do Estado. Cumpre-
lhe dar execução a esse dever, fundando institutos de ensino profissional, e
103
subsidiando os de iniciativa dos Estados, dos Municípios e dos indivíduos ou
associações particulares e profissionais. (SENADO, 2001, p.103).
O ensino profissional, como prioridade do governo, era incentivado a ser também
ofertado pelas indústrias e pelos sindicatos econômicos por meio de escolas de aprendizes
para os filhos dos seus operários e para os seus associados. A dualidade de classe na educação
agora era explícita, pois a educação profissional focalizava uma clientela específica: as classes
menos favorecidas. A educação moral e cívica, a educação física e o ensino de trabalhos
manuais passam a ser componentes curriculares obrigatórios nas escolas primárias, normais e
secundárias em função da mentalidade nacionalista da época.
Quanto ao ensino primário, este continuava a ser obrigatório e gratuito, mas o Art. 130
ressalvava que a gratuidade não excluía “o dever de solidariedade dos menos para com os
mais necessitados; assim, por ocasião da matrícula, será exigida aos que não alegarem, ou
notoriamente
não puderem alegar escassez de recursos, uma contribuição módica e mensal
para a caixa escolar”. (
SENADO, 2001,
p. 103). Esse
quase
descompromisso com o
financiamento público da educação é não apenas pela cobrança dessas contribuições na
escola, mas principalmente pela supressão da vinculação de impostos presentes na
Constituição anterior, de 1934, e pelo papel coadjuvante do poder público, chamado apenas a
complementar a ação da iniciativa privada como expressa o Art. 129:
À infância e à juventude, a que faltarem os recursos necessários à educação
em instituições particulares, é dever da Nação, dos Estados e Municípios
assegurar, pela fundação de instituições públicas de ensino em todos os seus
graus, a possibilidade de receber uma educação adequada às suas faculdades,
aptidões e tendências vocacionais. (SENADO, 2001, p.103).
Com base nestes princípios constitucionais e na política educacional adotada, criou-se
uma série de Leis nacionais chamadas de Leis Orgânicas
94
que passaram a reger a educação
94
As Leis Orgânicas foram editadas de 1942 a 1946 por meio de uma série de Decretos Leis que
contemplaram principalmente o ensino profissional. Foram eles: Decreto Lei 4.048, de 22 de janeiro de 1942,
Lei Orgânica do Ensino industrial; Decreto Lei 4.073, de 30 de janeiro de 1942, cria o Serviço Nacional de
Aprendizagem (SENAI); Decreto Lei 4.244, de 09 de abril de 1942 Lei Orgânica do Ensino Secundário;
Decreto Lei 6.141, de 28 de dezembro de 1943 Lei Orgânica do Ensino Comercial; Decretos Leis 8.529 e
8.530, de 02 de janeiro de 1946 Lei Orgânica do Ensino Primário e Normal, respectivamente; Decretos Leis
8.621 e 8.622, de 10 de janeiro de 1946, cria o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (SENAC); Decreto
– Leis 9.613, de 20 de agosto de 1946 – Lei Orgânica do Ensino Agrícola.
104
nacional do ensino primário ao médio. Apesar da importância que dizia atribuir ao ensino
primário, o ministério de Gustavo Capanema considerava que esta era matéria da alçada dos
estados e municípios sobre os quais o governo federal deveria ter ingerência indireta”
(SCHWARTZMAN, BOMENY & COSTA, 1984, p.189), razão por que dirigiu sua atenção
principalmente ao ensino secundário e ao profissional. No entendimento do governo, o
sistema educacional deveria corresponder à divisão econômico-social do trabalho, e a
educação deveria servir ao desenvolvimento de habilidades e mentalidades compatíveis com
os papéis atribuídos às diversas classes ou categorias sociais a serviço da nação. Aos futuros
dirigentes (elite da elite), destinava-se o secundário
95
e o superior, e às classes menos
favorecidas, tal como expressava a Constituição, a educação profissional.
Um dos marcos pela democratização do país foi sem dúvida o “Manifesto ao Povo
Mineiro” de 24/10/1943. Romualdo Portela de Oliveira (2001) assinala que esta teria sido a
primeira manifestação pública de descontentamento dos setores liberais de oposição ao Estado
Novo, por meio da qual advogados, professores e literatos defendiam a democratização do
país. No início de 1945, em meio a um conturbado processo que envolvia saída às ruas,
protestos estudantis organizados no Rio de Janeiro e no Recife (por meio da sua entidade
recém-criada, a União Nacional dos Estudantes (UNE), somaram-se às vozes dos que se
tornavam hostis ao governo.
É importante destacar que os vários conflitos políticos que antecederam a queda do
Estado Novo passam a expressar-se por meio de partidos políticos
96
, restabelecidos a partir de
1945. Com a eleição do general Eurico Gaspar Dutra (1945-1950) e a posse em janeiro de
1946, inicia-se uma nova perspectiva de tratamento da situação econômica: a ideia de
planejamento do desenvolvimento em nível nacional com o Plano SALTE (Saúde,
Alimentação, Transporte, Energia). Depois disso, o Plano
Lafer do Governo Getúlio, posto
em prática a partir de 1951, o Plano de Metas de Kubitschek, o Plano Trienal
de João Goulart
e
os Planos de Desenvolvimento dos governos militares materializam a possibilidade de
intervenção do Estado na economia que ficou conhecido como política desenvolvimentista – a
nossa versão tupiniquim do Estado de bem estar social, visando a equilibrar as desigualdades
sociais propiciadas pelo capitalismo excludente.
95
O ensino secundário tinha um conteúdo humanístico e era sujeito a procedimentos rígidos em relação ao
controle da qualidade, sendo o único que dava acesso à universidade. Caso o aluno não fosse aprovado no exame
de admissão ao secundário, teria que contentar-se com os cursos profissionais de acesso mais imediato ao mundo
do trabalho.
96
Havia doze partidos nacionais. Os principais eram a União Democrática Nacional (UDN) que representava a
oposição ao Estado Novo; o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e o Partido Social Democrático (PSD), ambos
criados por Getúlio Vargas, apoiavam o governo.
105
A Constituição de 1946 foi promulgada em 18 de setembro de 1946 e expressava o
formato liberal-democrático
97
do Estado da época e, por meio dela, o Brasil é novamente
reafirmado como República Federativa, restabelecendo-se a descentralização administrativa
mediante as atribuições da União, dos Estados e dos municípios.
Romualdo Oliveira (2001) também reconhece que, apesar das limitações textuais da
Constituição de 1946, considerando-se uma série de questões fundamentais para a construção
de uma sociedade democrática, foi sob a
vigência de tal Lei “que vivemos quase vinte anos de
democracia” (p. 164). O período democrático abrangeu os governos de Getúlio Vargas (1951
1954), de Juscelino Kubitschek (1956-1960), de Jânio Quadros (1961) e de João Goulart
(1961-1964).
Em relação à organização e gestão da oferta educacional, houve muita polêmica no
período, sendo que a principal delas era se cabia ao município ter ou não um sistema
educacional autônomo em relação ao Estado e à União. De acordo com Romualdo Oliveira
(2001), houve quem defendesse a municipalização, a estadualização e até mesmo a
federalização do ensino. O maior defensor das teses municipalistas foi o constituinte Ataliba
Nogueira (PSD SP), cujos argumentos em defesa da municipalização ressaltavam a
dificuldade de adaptação de professores da cidade às escolas do campo e a dificuldade de
compatibilizar calendários escolares decretados na capital com as peculiaridades do meio
agrícola, como se observa no fragmento do discurso do parlamentar, citado por Oliveira:
ninguém melhor do que o município entende dos assuntos municipais. No
particular da instrução pública, ele é quem deve escolher a professorinha do
lugarejo afastado, para o qual a moça bonita que frequentou uma escola
normal e aprendeu coisas difíceis não quer ir, fugindo do meio da gente
humilde e pobre donde talvez tenha saído em busca de cidade mais
adiantada. O horário escolar é ou não um assunto de que o Município
entende? Não é ele que sabe em que época devem cair as férias escolares;
quando os pais precisam dos filhos para auxiliá-los na colheita do café, no
amanho da terra ou em outros trabalhos pertinentes à agricultura? No
entanto, os horários e as férias escolares são decretados na capital dos
Estados. (NOGUEIRA, apud OLIVEIRA, 2001, p. 185).
97
Para Romanelli (1987), o liberalismo presente no perfil da Constituição de 1946 difere da filosofia liberal da
política econômica europeia dos séculos XVII e XIX, do laissez – faire e laissez passer. Ao assegurar direitos
e liberdades individuais sob os auspícios do Estado, a Constituição distancia-se de tal filosofia e alinha-se mais
às doutrinas sociais do século XX.
106
A defesa a respeito do sistema estadual era feita por Gustavo Capanema, ex-ministro
do governo Vargas e agora constituinte, que, em sua argumentação, evocava a Constituição de
1934 e definia a atribuição de criação de sistemas educacionais como tarefa exclusiva dos
Estados. Essa medida visava ao óbvio: evitar a multiplicidade de sistemas educativos dentro
da cada Estado que dificilmente seriam ordenáveis e harmonizáveis, razão por que o
parlamentar defendia a continuidade da centralização da gestão do ensino pelos Estados.
Como defensor da extrema centralização, a federalização do ensino, o constituinte
Altamirando Requião alegava insuficiência de requisitos materiais, morais, técnicos e
culturais dos entes sub-nacionais.
Diante dos vários posicionamentos, os Constituintes aprovam a possibilidade de
atendimento do ensino primário tanto pela União quanto pelos Estados, “facultando-o aos
municípios, desde que estes não constituam sistema autônomo em relação ao do respectivo
Estado” (OLIVEIRA, 2001, p.186). A restrição ao município se fez pela sua ausência no texto
constitucional, como se pode inferir no texto constitucional de 1946:
Art. 166 O ensino dos diferentes ramos será ministrado pelos poderes e é
livre à iniciativa particular, respeitadas as leis que o regulem.
Art. 170 A União organizará o sistema federal do ensino e o dos
Territórios.
§ Único. O sistema federal de ensino terá caráter supletivo, estendendo-se a
todo o País nos estritos limites das deficiências locais.
Art. 171 Os Estados e o Distrito Federal organizarão os seus sistemas de
ensino. (SENADO, 2001, p. 108 -109).
Embora os Estados pudessem criar sistemas, estes deveriam seguir as diretrizes
nacionais da educação, previstas como atribuição privativa da União no Art. 5º, item XV,
letra ‘d’, o que estava bem de acordo com o que propugnavam os Pioneiros da Educação no
Manifesto de 1932.
Quanto às condições de democratização do acesso ao ensino primário, ainda que a
Carta de 1946 tenha reafirmado o princípio da gratuidade para todos nesse nível, as fases
subsequentes seriam garantidas pelo Estado somente para aqueles que provassem falta ou
insuficiência de recursos, sendo, portanto, menos ampla que a de 1934, que previa a extensão
da gratuidade também aos adultos. A relação público-privada tornou-se assim o centro do
debate durante o processo constituinte de 1946, o que segundo Romualdo Oliveira (2001),
107
prejudicou discussões que dessem conta da formulação de diretrizes mais amplas para a
educação, como afirma:
Resumidamente pode-se afirmar que o debate em 1946 privilegiou o debate
público privado, e mais especificamente, o da relação Estado Igreja e
seus desdobramentos na esfera educacional. Isto se deu em detrimento de
uma reflexão mais abrangente que localizasse claramente os nossos
principais problemas educacionais e formulasse as diretrizes para sua
resolução, postergando-se, tal definição para o momento seguinte, quando da
discussão da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e do Plano
nacional de Educação, que seriam aprovados mais de quinze anos depois de
promulgada a Constituição (OLIVEIRA, 2001, p.187).
Em 1948, o Ministro da Educação do governo Gaspar Dutra, Clemente Mariani,
encaminha à Câmara Federal projeto de Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(LDB) elaborado por uma comissão de educadores presidida pelo professor Lourenço Filho.
Durante os treze anos de trâmite da LDB, o debate
98
foi em torno dos que defendiam a
subvenção do governo à escola privada e àqueles que defendiam o ensino público, gratuito e
laico, fruto da conjuntura política da época que comportava correntes conservadoras e
progressistas. As primeiras defendiam a educação como privilégio de classe, e as segundas
eram a favor da democratização do ensino. O conservadorismo oligárquico teve como aliado a
burguesia comercial nascente, o que, segundo Florestan Fernandes, resultou numa aliança de
pólos que se repeliam, mas que se uniam contra a democracia para não perder seus
privilégios, como afirma:
A aliança dessas forças constitui um episódio curioso e talvez curto, pois
ambas se repelem mutuamente, em virtude de suas polarizações econômicas,
sociais e políticas. (...) O que as une, de maneira eficaz, são a incompreensão
e o temor da democracia. Ambas o encaram como ‘valor’ nem a ordem
social democrática, nem os seus requisitos dinâmicos, entre os quais
sobreleva a educação popular. Para ambas, a desigualdade econômica,
política e social é uma condição natural, que não precisa ser combatida e
muito menos compensada pela distribuição equitativa da instrução. Elas não
vêem no ‘estado democrático’ senão uma fachada, conveniente para arranjos
que renovem antigos privilégios ou fomentem outros novos, porventura
ainda mais desumanos (FERNANDES, 1966, p. 436).
98
É importante assinalar que o longo debate da época em torno da educação era favorecido pelo período de
relativa estabilidade política e crescimento econômico sob o governo de Juscelino Kubitschek (1956-1960).
108
Nessa conjuntura de correlação de força que espelhavam as contradições presentes em
uma mesma classe social, a Lei 4.024 foi finalmente aprovada em 20 de dezembro de 1961,
“gerando uma situação de fato que reproduziria a estrutura de classes, assim como a ideologia
ambivalente que refletia os interesses de duas frações distintas” (FREITAG, 2005, p.123) ao
dar continuidade ao anacronismo da dualidade da oferta de ensino propedêutico e profissional.
Embora a obrigatoriedade da educação primária tenha sido reafirmada na LDB de 1961 ficou
praticamente anulada no Art. 30, ao isentar os alunos dessa obrigatoriedade e do direito ao
ensino nos seguintes casos:
Art. 30. § Único Constituem casos de isenção [da obrigatoriedade], além
de outros previstos em lei: a) Comprovado estado de pobreza do pai ou
responsável; b)Insuficiência de escolas; c)Matrículas encerradas; d)Doença
ou anomalia grave da criança
A democratização da educação foi bastante abalada com esse dispositivo da lei, pois a
discriminação social oficializava-se ao excluir da escola a criança pobre, mas também as que
necessitassem de atendimento especializado por serem portadoras de algum tipo de anomalia.
Em compensação, isentava o Estado de sua obrigação com o ensino mediante a justificativa
de insuficiência de escolas e de encerramento das matrículas. Poderia se argumentar que, em
compensação, em relação ao financiamento do ensino, a LDB era alvissareira ao definir o
aumento do percentual de impostos da União do mínimo de 10% para 12% das receitas de
impostos, mas não se pode esquecer que tal aumento trazia em si outra contradição em relação
à democratização do ensino público: a extensão do financiamento à escola particular nos
seguintes termos da Lei:
Art. 95 A União dispensará sua cooperação financeira ao ensino sob a
forma de: a) subvenção, de acordo com as leis especiais em vigor; b)
financiamento a estabelecimentos mantidos pelos Estados, municípios e
particulares, para a compra, construção ou reforma de prédios escolares e
respectivas instalações e equipamentos, de acordo com as leis especiais em
vigor (grifo meu).
109
A descentralização preconizada pela lei 4.02/61 se restringiu ao âmbito estadual com a
possibilidade de criar Conselhos estaduais que tinham, entre outras atribuições, poder de
definir os montantes financeiros a serem repassados aos particulares em forma de bolsa de
estudos, bem como poder de credenciar e autorizar escolas particulares, e serviu de atrativo
para que os representantes ligados ao setor privado tivessem grande interesse na composição
desses conselhos. O município continuava atuando de forma complementar, sem a
possibilidade de criar sistema.
A eleição de Jânio Quadros por um pequeno partido (PTN) em 1960, seguida de sua
renúncia em 1961, no mesmo ano da posse, e da dificuldade dos militares em aceitar a posse
do vice João Goulart (PSD/PTB) por associá-lo aos ideais comunistas, resultou na adoção do
sistema parlamentarista como solução para a crise política instalada. Após uma série de
primeiros ministros, em janeiro de 1963, foi convocado um plebiscito cujo resultado define a
volta do sistema presidencialista, e o governo João Goulart assume a presidência.
Se por um lado há um avanço dos movimentos sociais de esquerda, há também avanço
das organizações civis e militares de direita, polarizando cada vez mais as lutas. O esquema
sindical oriundo do Estado Novo se reconfigura assumindo lideranças mais à esquerda, sendo
alguns deles membros do Partido Comunista e os trabalhadores começam a criar organizações
unificadas nacionalmente
99
. A própria Igreja Católica
100
começa a abandonar sua tradicional
posição política reacionária e investia no movimento estudantil, no movimento operário e
camponês, na educação de base” (CARVALHO, 2003, p. 138).
A direita (civil e militar) também começou a preparar-se para o confronto com a
esquerda criando organizações
101
sob o bordão do anticomunismo, unindo-se a outras mais
antigas como as associações comerciais e industriais, as associações de proprietários rurais,
parte da Igreja Católica e a Escola Superior de Guerra (ESG). Esses acontecimentos, somados
à oposição dos governadores dos maiores e mais importantes Estados (Minas Gerais, São
Paulo, Rio de Janeiro), levaram à derrocada de João Goulart, abrindo caminho para que os
militares iniciassem um longo período de centralização do poder.
99
O Comando Geral dos Trabalhadores (CGT) e o Pacto de Unidade e Ação (PUA) antes não permitidos pela
Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) bem como as Ligas Camponesas e a Frente Parlamentar Nacionalista
(FPN), um pacto interpartidário entre parlamentares esquerdistas, liderado por Leonel Brizola, deputado federal
pelo PTB e a União Nacional de Estudantes são exemplo dessas organizações.
100
A Igreja atuava por meio da Ação Popular (AP), um dos desdobramentos da Juventude Universitária Católica
(JUC).
101
Algumas delas eram: o Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPES), financiado por empresários nacionais
e estrangeiros; o Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD) que apoiava parlamentares de oposição ao
governo; e a Ação Democrática Parlamentar (ADP), composta por deputados conservadores.
110
No ano de 1964, a democracia sofre um grande revés com o golpe militar. Do ponto de
vista político, os mais de vinte anos (1964 1985) de governo militar
102
foram de intenso
autoritarismo e supremacia do governo central. Os direitos civis e políticos são suprimidos
por meio de Atos Institucionais, e a estratégia de aposentadoria compulsória de funcionários
públicos civis e militares é uma das formas de calar as vozes que contestavam. Muitos
sindicatos e a UNE foram invadidos militarmente, e seus líderes, presos ou exilados.
O AI – 2 de 27 outubro de 1965 aboliu as eleições diretas para presidente, concedeu ao
presidente autoridade para dissolver o parlamento, intervir nos Estados e dissolveu os partidos
criando o bi-partidarismo: a Aliança Renovadora Nacional (ARENA) e outro, de “oposição
consentida, o Movimento Democrático Brasileiro MDB” (HORTA, 2001, p.205), impondo
a censura. Mas o mais violento de todos foi o AI 5, que atingiu radicalmente direitos
políticos e civis e suspendeu o habeas corpus. Foram criados órgãos de inteligência nacionais
como o Serviço Nacional de Informações (SNI) e a Polícia Federal. O Exército também criou
agências especiais de repressão que foram chamadas Destacamento de Operações de
Informações e Centro de Operações de Defesa Interna, conhecidas pela sigla DOI-CODI. A
democracia formal presente nos discursos militares obrigou a continuidade das funções
legislativas, mantendo-se o Congresso funcionando, embora esvaziado de poder. As eleições
parlamentares permaneceram, mas as eleições para governadores foram suprimidas.
Se, por um lado, houve crescimento da economia e da população empregada que
“passou de 22,7 milhões em 1960 para 42,3 milhões em 1980” particularmente das
mulheres que “cresceu 184%” (CARVALHO, 2003, p.170) –, houve também aumento da
desigualdade social. O chamado milagre econômico não conseguia se traduzir em
democratização da riqueza. Contudo, a desigualdade não era evidente na época e mais
tarde foi desmistificada por especialistas que revelaram que, enquanto os pobres diminuíam
seu poder aquisitivo, os ricos concentravam mais riquezas
103
, aumentando o fosso social entre
102
O Regime militar pode ser dividido em três fases: a primeira de 1964 a 1968 compreende o domínio da facção
mais liberal das forças armadas, representada pelo governo do general Castelo Branco oriundo da Escola
Superior de Guerra; a segunda vai de 1968 a 1974 e representa os anos mais sombrios em relação aos direitos
civis e políticos, quando os militares da chamada ‘linha dura’ assumem o poder (Costa e Silva, Junta Militar
composta pelos Ministros da Guerra, Marinha e Aviação e Emílio Garrastazu Médici); o terceiro inicia em 1974
com o general Ernesto Geisel e termina com a eleição indireta de Tancredo Neves em 1985, após o governo do
último general, João Batista de Figueiredo, fase considerada de abertura.
103
Murilo de Carvalho (2003) conta de que em 1960 os 10% mais ricos ganhavam 39,6% da renda, ao passo
que, em 1980, sua participação subira para 50,9%. A concentração era ainda maior ainda no topo da pirâmide,
pois em 1960, se o 1% mais rico ganhava 11,9% da renda total; em 1980, passou a ganhar 16,9%.
111
eles. Tratava-se da materialização da Teoria do Capital Humano
104
cujas especificidades
teórico-econômicas são identificadas por Gaudêncio Frigotto (1993) nos seguintes termos:
De acordo com a visão neoclássica, para um país sair do estágio tradicional
ou pré-capitalista, necessita de crescentes taxas de acumulação seguidas, em
médio prazo, pelo aumento necessário da desigualdade social. A longo
prazo, com o fortalecimento da economia, haveria naturalmente uma
redistribuição. O crescimento atingido determinaria níveis mínimos de
desemprego, a produtividade aumentaria e haveria uma crescente
transferência dos níveis de baixa renda do setor tradicional para os setores
modernos, produzindo salários mais elevados (FRIGOTTO, 1993, p. 39).
Essa teoria econômica baseada no ‘crescimento do bolo’ para posterior divisão, na
materialidade dos fatos revelou-se apenas concentradora de renda, pois o aumento dos níveis
de pobreza na época foi sempre crescente, revelando a impotência dos militares em promover
a democratização dos bens econômicos. O favorecimento ao capital se traduziu também na
legislação da época, pois segundo Horta (2001), a Constituição de 1967 apresentava
contraditório caráter: “centralizador, sob o ponto de vista político; liberal e privatizante, sob o
ponto de vista econômico” (HORTA, 2001, p. 203), adaptando o modelo político autoritário
ao novo perfil econômico concentrador de renda. Isso repercutia também na política
educacional, pois ao analisar a educação no processo constituinte de 1967, José Silvério Baía
Horta (2001) conclui que o MEC estava perfeitamente alinhado à Teoria do Capital Humano
O Ministério da Educação consegue impor ao projeto modificações
relacionadas à organização e funcionamento do ensino e afirmar a gratuidade
do ensino primário (também defendida pelos tecnocratas). Sairá porém
derrotado em dois pontos, considerados essenciais pelo Ministério do
Planejamento para a implantação de uma política educacional orientada pela
ótica do capital: a limitação dos recursos públicos destinados à educação e a
104
A respeito dessa teoria, Frigotto (1993) nos oferece a seguinte explicação: “O conceito de capital humano
ou, mais extensivamente, de recursos humanos busca traduzir o montante de investimentos que uma nação faz
ou os indivíduos fazem, na expectativa de retornos adicionais futuros. Do ponto de vista macro-econômico, o
investimento no “fator humano” passa a significar um dos determinantes básicos para o aumento da
produtividade e elemento de superação do atraso econômico. Do ponto de vista microeconômico, constitui-se no
fator explicativo das diferenças individuais de produtividade e de renda e, conseqüentemente, de mobilidade
social (p.41).
O desenvolvimento conceitual dessa teoria foi aprofundada por T. Schultz, (prêmio Nobel de
Economia em 1979).
112
gradativa privatização do ensino de grau médio e superior, pela
generalização do mecanismo de bolsas de estudo. Tal derrota é facilitada
pelos congressistas, que defendem a proposta do Ministério da Educação à
luz da teoria do “capital humano”, cara aos tecnocratas do Ministério do
Planejamento (HORTA, 2001, p. 239).
O conceito de capital humano associado à educação segundo Frigoto (1993) “busca
traduzir o montante de investimentos que uma nação faz ou os indivíduos fazem, na
expectativa de retornos adicionais futuros” (p.41). Assim, segundo esse autor, duas são as
conseqüências esperadas do investimento no ‘fator humano’: do ponto de vista
macroeconômico, o aumento da produtividade e a superação do atraso econômico e “do ponto
de vista microeconômico, constitui-se no fator explicativo das diferenças individuais de
produtividade e de renda e, conseqüentemente, de mobilidade social” (FRIGOTO, 1993, p.41)
Essa visão econômica vai repercutir sobremaneira no perfil da educação primária e
secundária, resultando na Lei 5.692/71, que reformou a Lei 4.024/61, fixando novas
diretrizes e bases para o ensino de e graus, privilegiando o ensino profissionalizante
compulsório no grau sem maiores debates. O sentido da Municipalização do Ensino
imposta durante o regime militar (1964-1985) caracterizou-se pela concentração das decisões
na esfera federal e a descentralização da execução, na medida em que a legislação educacional
da época
105
enfatiza a gradativa passagem do ensino de 1º grau para a esfera municipal.
Entretanto, embora incluísse formalmente o município entre os responsáveis pela
administração do ensino de Grau, este não contou com suficiente suporte técnico nem
financeiro por parte da União
106
para por em prática as diretrizes definidas. Assim, a
municipalização ensejada, sobretudo na década de 70, sobrecarregou os municípios com
tarefas administrativas burocratizadas
107
e controladas pelo poder central, baseadas no
105
A Lei 5.692/71 (que reformou a Lei 4.024/61, a qual tratava das Diretrizes e Bases da Educação
Nacional), em seu Art. 58, parágrafo único, enfatiza a gradativa passagem do ensino de grau para a esfera
municipal e prevê a existência de conselhos municipais “nos municípios onde haja condições para tanto” no Art.
71.
106
É apenas a partir de 1983, com a Emenda Constitucional nº 24/83, (Emenda Calmon) que se define a
aplicação de percentuais financeiros na manutenção do ensino, contemplando-se o município, pela qual a União
passa obrigatoriamente a aplicar no mínimo 13% de sua receita tributária em educação, e os Estados, Distrito
Federal e Municípios, no mínimo, 25% dessas mesmas receitas.
107
O excesso de burocracia ou burocratismo é prejudicial ao bom funcionamento de uma organização, o que não
ocorre quando bem utilizada. A administração pública burocrática surgiu na segunda metade do século XIX
como forma de combater a corrupção e o nepotismo patrimonialista tendo como princípios orientadores do seu
desenvolvimento: a) a liberdade pessoal do funcionário, que obedece às obrigações do cargo; b) nomeação (e não
eleição); c) competências funcionais fixas; d) contrato a partir de seleção para verificar qualificação profissional;
e) remuneração com salários fixos em dinheiro; f) exercício do cargo como profissão única ou principal; g)
perspectiva de carreira; h) não apropriação dos cargos; i) submissão a sistema de disciplina e controle do serviço,
ou seja, a hierarquia funcional, a impessoalidade, o formalismo, em síntese, o poder racional legal. A burocracia
113
discurso da racionalidade administrativa e da eficiência. Em alguns Estados, passou a ocorrer
um início de desconcentração administrativa, entendida como delegação de execução de
tarefas, mas não como possibilidade de redistribuição de poder e de autonomia administrativa.
(BOTH, 1997)
A situação de desigualdade e pobreza regionais, gerada pelo modelo econômico
implantado pelos militares, ensejou a implantação de uma série de programas e projetos
desencadeados pelo Governo para tentar atenuar essa situação em curto prazo visando
acalmar os ânimos populares. Na área da educação municipal, destaca-se o Programa de
Coordenação e Assistência Técnica ao Ensino Municipal PROMUNICÍPIO, cuja finalidade
era buscar solucionar os problemas do ensino de grau, mediante ações articuladas entre o
Estado e Municípios, repercutindo no processo de municipalização no Nordeste conforme
Rosar (2001) e Gil e Arelaro (2004). Essas iniciativas de cunho assistencialista correspondem
à tentativa dos militares de ganhar certa hegemonia para continuar no poder, o que logo foi
frustrada pelo acirramento das contradições do período agravadas pelo crescimento da dívida
pública, o que resultou no processo de abertura, como afirma Peroni (2003):
Como a ditadura precisava de bases sociais, apelou mais uma vez para o
clientelismo para uma política social assistencialista. Contudo, as
contradições acirraram-se, pois nesse período de autoritarismo, o quadro
social de desigualdade, de classe e regional, agravou-se. As dívidas internas
e externas cresceram muito, e a crise tornou-se insustentável. Foi em meio a
esse caos que se iniciou o período de abertura, que mais uma vez, foi
pactuado pelas frações da classe dominante (PERONI, 2003, p. 43).
Com o pacto das frações da classe dominante que permitiu a abertura e a mudança de
regime a partir de 1985, nasce a “Nova República”, que traz em si a marca da ambiguidade e
da incoerência por ser fruto dessa conciliação conservadora ainda distante da democracia
almejada pelos brasileiros nas lutas populares manifestadas ao longo da cada de 1980. Uma
dessas lutas foi representada pelo Fórum Nacional da Educação na Constituinte em Defesa do
Ensino Público e Gratuito que na visão de Cunha (1991,) “representou a plataforma mais
avançada até então formulada no país” (CUNHA, 1991, p. 433) por ser capaz de mobilizar e
tem em Max Weber seu principal teórico, para quem “O tipo mais puro de dominação legal é aquele que se
exerce por meio de um quadro administrativo burocrático” (Weber, 1991, p. 144).
114
propor a síntese das reivindicações específicas de entidades sindicais, pesquisadores e de
intelectuais a serem consideradas na nova Constituição.
Destaca-se na época a criação da União dos Dirigentes Municipais de Educação
UNDIME, sob a tutela do MEC a partir do incentivo ao processo de Municipalização do
ensino de Grau. A UNDIME, de início favorável à municipalização, propôs as seguintes
condições para tal: a descentralização e acompanhamento da alocação dos recursos; a
construção de uma escola unitária que contemple as desigualdades regionais; a inserção de
uma política de efetiva valorização do magistério; a delimitação das competências das três
esferas do poder público (federal, estadual, municipal); a ampla reformulação tributária; a
reestruturação dos órgãos municipais de educação e a criação de Conselhos Municipais de
Educação (NEVES, 2002). Essas condições estabelecidas naturalmente foram consideradas
fora das possibilidades políticas do momento, que eram de descentralização apenas aparente.
Ao longo dos anos 80, recuperaram-se as bases do Estado Federativo
108
mediante a
retomada das eleições diretas para todos os níveis de governo e da descentralização fiscal
preconizada na Constituição de 1988, que instituíam marcos decisivos para o processo de
descentralização das políticas sociais. No artigo 18 da Carta Magna, por exemplo, define-se
que “A organização político administrativa da República Federativa do Brasil compreende a
União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos”
109
, estabelecendo
nos artigos subsequentes suas respectivas competências e as bases da soberania nacional,
caracterizando o federalismo brasileiro como do tipo cooperativo. Celina Sousa (2005), ao se
referir ao modelo do federalismo cooperativo brasileiro, assinala as dificuldades práticas de
sua concretização, argumentando que apesar de a Constituição prover vários mecanismos que
sinalizam no sentido do federalismo cooperativo, tais como as competências concorrentes, “o
federalismo brasileiro tende a ser altamente competitivo e sem canais institucionais de
intermediação de interesses e de negociação de conflitos” (SOUSA, 2005, p.114), o que
facilita o aparecimento de posições regionalistas.
Diferentemente de outras federações, a brasileira é um sistema de três níveis (triplo
federalismo) porque incorporou o município, o que a coloca numa condição singular no
cenário internacional. Como entes jurídicos, com recursos e responsabilidades definidas, os
108
Para Arretche (2002), Estados Federativos são formas particulares de governo, divididos verticalmente, de tal
modo que diferentes níveis de governo têm autoridade sobre uma população e território, pois cada governo local
cuja legislação pode variar, conforme assim o definir a Constituição está resguardada pelo princípio da
soberania.
109
A federação brasileira foi criada a partir das 20 províncias herdadas do sistema unitário, contando hoje com
26 estados, o Distrito Federal e 5.561 municípios, distribuídos em cinco regiões. Existe um consenso entre os
estudiosos do assunto de que as heterogeneidades econômicas entre as regiões constituem-se no principal
problema do federalismo brasileiro (SOUSA, 2005).
115
Municípios passam a ter a possibilidade de constituir o seu sistema próprio de ensino e atuar
numa relação de igualdade em relação aos outros entes federados
110
. No entanto, Celina Sousa
(1998) adverte que “a razão de ser do federalismo brasileiro sempre foi e, continua sendo,
uma forma de acomodação das demandas das elites com objetivos conflitantes, bem como um
meio para amortecer as enormes disparidades regionais” (SOUSA, 2005, p.574) evidenciadas
pelos altos índices de pobreza das regiões Norte e Nordeste do Brasil.
A Constituição Federal de 1988, com relação à educação, estabeleceu como
competência privativa da União legislar sobre “diretrizes e bases da educação nacional” (Art.
22, inciso XXIV); contudo, estabeleceu também como sendo competência comum da União,
dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios “proporcionar os meios de acesso à cultura,
à educação e à ciência” (Art. 23, inciso V). Tal dispositivo foi reforçado no capítulo destinado
à educação, à cultura e ao desporto, inclusive com maior detalhamento. O Art. 211 fixou as
atribuições de cada esfera de governo:
Art. 211. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios
organizarão em regime de colaboração seus sistemas de ensino.
§ A União organizará o sistema federal de ensino e o dos Territórios,
financiará as instituições de ensino públicas federais e exercerá, em matéria
educacional, função redistributiva e supletiva, de forma a garantir
equalização de oportunidades educacionais e padrão mínimo de qualidade de
ensino, mediante assistência técnica e financeira aos Estados, ao Distrito
Federal e aos Municípios
§ Os Municípios atuarão prioritariamente no ensino fundamental e na
educação infantil.
§ 3º Os Estados e o Distrito Federal atuarão prioritariamente no ensino
fundamental e médio.
§ 4º Na organização de seus sistemas de ensino, os Estados e os Municípios
definirão formas de colaboração, de modo a assegurar a universalização do
ensino obrigatório (SENADO, 2004).
Os municípios ganham centralidade com a Constituição Federal de 1988 pela
possibilidade de organizar o seu sistema de ensino. Essas novas possibilidades desencadeadas
110
A soberania nos Estados Federativos, segundo Arretche (2002), significa que estes são atores políticos
autônomos entre si, com capacidade para implementar (pelo menos) algumas de suas próprias políticas. A
condição de soberania dos governos locais deriva do voto popular, da autonomia de suas bases fiscais e, em
muitos casos, de uma força militar própria.
116
pela legislação brasileira são sintetizadas por Waldir Bedê (1993) um dos fundadores da
UNDIME nos seguintes termos:
Até a Constituição de 1988, o ensino municipal era considerado um
‘subsistema’, que se atrelava ao sistema estadual. O Estado repartia com o
Município a responsabilidade pelo ensino fundamental público numa relação
em que o Município desempenhava um papel suplementar, praticamente
excluído das decisões normativas. Agora, a missão do Município, na área do
Ensino Fundamental, é bem mais ampla: compete-lhe planejar, organizar e
gerir um sistema de Ensino. E isso implica na criação ou reorganização de
uma estrutura administrativa e gerencial e na produção de normas jurídicas,
de âmbito local, para atuar sobre sua rede de ensino, a qual, ao que tudo
indica, estará em permanente e acelerado ritmo de expansão de demanda
(BEDÊ, 1993, p.37).
De fato, pela primeira vez os municípios encontram-se diante de diversas
possibilidades e de maiores responsabilidades. Vários estudiosos desse período associavam a
municipalização com a democratização pela possibilidade de se ampliar a participação pela
proximidade do poder local. No entanto, mudanças conjunturais de âmbito internacional
deram novos significados à democratização pleiteada durante a década de 1980.
Para melhor entender a natureza dessas transformações e suas implicações para as
políticas educacionais e particularmente para a política de municipalização na década de
1990, o próximo tópico vai detalhá-las em seus aspectos gerais.
3.2 A CRISE DO CAPITAL E SUAS IMPLICAÇÕES PARA A REDEFINIÇÃO DO
PAPEL DO ESTADO E DA POLÍTICA DE DESCENTRALIZAÇÃO VIA
MUNICIPALIZAÇÃO EDUCACIONAL NA DÉCADA DE 1990
O Brasil nos anos de 1990, as políticas educacionais do período são fortemente
influenciados pelo cenário de transformações que vinha se formando internacionalmente
desde a década de 1970 quando o capitalismo começa a dar sinais de esgotamento e entra
em crise de amplas proporções, caracterizada por Antunes (2001, 2003, 2005), Harvey (2003)
e Peroni (2003; 2006) como uma crise estrutural. Tal crise tem fortes repercussões no papel
117
do Estado que, desde o pós-guerra, vinha assumindo o papel de controle dos ciclos
econômicos como Estado de bem-estar social
111
.
Os traços mais evidentes da crise do capital segundo Antunes (1991) se manifestaram
na queda da taxa de lucros em função do aumento do preço da força de trabalho resultante das
lutas sociais e operárias ocorridas em décadas anteriores; do esgotamento do modelo
taylorista/fordista
112
de produção; da hipertrofia da esfera financeira que ganhava relativa
autonomia em relação aos capitais produtivos ocasionada pela maior concentração de capitais
oriundos de fusões entre empresas monopolistas e oligopolistas, colocando em crise o Estado
de bem estar social.
Para Mészáros (2002), a crise é a manifestação do “espectro da incontrolabilidade
total” do capital, quando se evidencia o auge de sua incapacidade civilizatória e sua face mais
destrutiva possível
113
. Segundo ele, a incontrolabilidade do capital resulta dos defeitos
estruturais do controle
114
, inerentes ao sistema capitalista que, por estarem na base estrutural
da relação dicotômica entre capital-trabalho, não podem ser remediados de forma radical sob
pena de comprometer a sobrevivência de tal sistema.
É, portanto, em meio ao cenário de crise, de desemprego e de degradação crescente na
relação metabólica entre homens e natureza, que a base a lógica societal do capitalismo
excludente “prioriza a produção de mercadorias e destrói o meio ambiente em escala global
(ANTUNES, 2001, p. 35). No final século XX, o capitalismo tenta se rearticular utilizando-se
de certas estratégias que vão ter profundas repercussões na crise do Estado de bem-estar
social, afetando diversos países, entre eles o Brasil.
As estratégias utilizadas pelo capitalismo para vencer a crise, segundo Peroni (2006),
são: a Reestruturação Produtiva, a Globalização, o Neoliberalismo e a Terceira Via. Tais
111
O “Estado de bem-estar social”, ou “Welfare State”, de John Maynard Keynes, tinha o papel de controlar os
ciclos econômicos combinando políticas fiscais e monetárias. As políticas eram direcionadas ao investimento
público, principalmente para os setores vinculados ao crescimento da produção e do consumo em massa e
tinham, ainda, o objetivo de garantir o pleno emprego. O salário era complementado pelos governos através da
seguridade social, assistência médica, educação, habitação. O Estado acabava exercendo também o papel de
regular direta ou indiretamente os acordos salariais e os direitos dos trabalhadores na produção” (PERONI, 2003,
p. 22). No Brasil, o Welfare State assume o perfil de Estado desenvolvimentista.
112
O que distingue o modelo fordista do taylorista na visão de Harvey (2003) é que Henry Ford, ao racionalizar a
tecnologia e a divisão do trabalho preconizada por Taylor por meio da adoção da linha de montagem, reconhecia
explicitamente que o incremento da produção massificada deveria repercutir em consumo de massas.
113
A destrutividade do capitalismo se expressa de várias maneiras: quando descarta, desemprega, torna precária
ou supérflua uma parcela da força humana mundial que trabalha, expondo os seres humanos às mais cruéis
situações de miséria.
114
Os defeitos estruturais de controle do capital, segundo Mészáros (2002), estão enraizados na “ausência de
unidade” entre a produção e seu controle, entre a produção e o consumo e entre a produção e a circulação. De
fato, o sistema capitalista, pela sua própria natureza excludente, não é capaz de socializar o controle, o consumo
e a circulação das mercadorias para todos em escala global. Se assim o fizer, deixa de ser capitalismo.
118
estratégias têm implicado inúmeras “transformações na produção da vida material objetiva e
subjetiva” que vêm ocorrendo na “esfera do Estado, da produção, do mercado e também no
âmbito ideológico-político-cultural” (PERONI, 2006, p. 11). Mediante essas estratégias, o
capital visa não apenas reestruturar seu ciclo reprodutivo, mas também preservar seus
fundamentos essenciais como modo de produção hegemônico, como afirma Antunes (2005):
O quadro crítico, a partir dos anos 70, expresso de modo contingente como
crise do padrão de acumulação taylorista/fordista, era expressão de uma
crise estrutural do capital que se estendeu até os dias atuais e fez com que,
entre tantas outras conseqüências, o capital implementasse um vastíssimo
processo de reestruturação, visando recuperar o seu ciclo reprodutivo e,
ao mesmo tempo, repor seu projeto de dominação societal (ANTUNES,
2005, negritos meus, p.47)
Para melhor compreender de que forma essas estratégias repercutiram nas políticas
educacionais, particularmente nos desdobramentos ou implicações das políticas de
descentralização educacional implementadas nos anos de 1990, tais como a municipalização
do ensino, é importante entendê-las analisando suas principais características e visualizando
como se manifestam no movimento do real.
A reestruturação produtiva pressupõe a intensificação das transformações no processo
produtivo, e essa foi uma das respostas à crise do capital e à crise de acumulação iniciada em
1973 que, com base no avanço tecnológico e no toyotismo
115
, inaugura uma nova fase que
Harvey (2003) denominou de “acumulação flexível” porque “se apoia na flexibilidade dos
processos, dos mercados de trabalho, dos produtos e padrões de consumo” (HARVEY, 2003,
p.140), opondo-se à rigidez fordista. Este novo modelo se caracteriza pelo “surgimento de
setores de produção inteiramente novos, novas maneiras de fornecimento de serviços
financeiros, novos mercados e, sobretudo, taxas altamente intensificadas de inovação
comercial, tecnológica e organizacional”. (HARVEY, 2003, p. 140)
A produção fabril flexibilizada e informatizada, a desconcentração e a
desterritorialização do espaço físico produtivo típicos dessa nova fase de acumulação
resultaram em diminuição do operariado manual, estável e especializado do fordismo e na
expansão de inúmeras formas de subproletarização do trabalho, caracterizado como precário,
115
O Toyotismo, segundo Antunes (2005), é uma forma de organização do trabalho na fábrica Toyota no Japão
pós-45 e tem as seguintes características: produção vinculada à demanda; processo de produção flexível
possibilitando a um mesmo operário operar várias máquinas ou exercer várias funções; trabalho em equipe;
instauração do just in time e do kambam que asseguram o estoque mínimo e o controle da qualidade. A produção
em geral é horizontalizada, ou seja, grande parte da produção é terceirizada ou subcontratada para deixar as
empresas mais ‘enxutas’ ou ‘leves’.
119
parcial, temporário, subcontratado, part-time. Impõe-se, assim, uma política de regimes de
contratos de trabalhos mais flexíveis trabalho em tempo parcial, regime de contratação
temporária, deslocamento de horário ou de local de trabalho (ANTUNES, 2005).
Com a reestruturação produtiva, a classe trabalhadora fragmentou-se, heterogeneizou-
se e complexificou-se, mas, ainda assim, segundo Antunes (2003), não corre o risco de
desaparecer ou de se tornar uma categoria irrelevante para a análise do mundo
contemporâneo, pois o capital pode até diminuir o trabalho vivo e aumentar o trabalho morto,
“mas não consegue produzir riqueza eliminando até o último trabalhador vivo (...) pois [é] a
potência constituinte do trabalho vivo que interagindo com a potência constituída do trabalho
morto que cria a riqueza do capital” (ANTUNES, 2003, p. 21). Ou seja, o capital pode até
precarizar e subutilizar a mão-de-obra do trabalhador, porém jamais pode prescindir dela. O
desenvolvimento tecnológico, por mais sofisticado que seja, não substitui a capacidade
intelectual do homem. A reestruturação produtiva imprime uma nova dinâmica ao estágio
atual do capitalismo e contagia a sociedade com a invasão ideológica dos valores empresariais
e mercadológicos.
Outra estratégia utilizada pelo capital para sair da crise é a globalização. Segundo
Chesnais (1996), o termo globalização é insuficiente para designar o processo de
internacionalização do capital atual, preferindo denominá-lo de mundialização do capital por
se tratar de um regime de acumulação mundial predominantemente financeiro, no qual o
capital portador de juro está localizado no centro das relações econômicas e sociais”
(CHESNAIS, 2005, p.35). A ‘mundialização do capital’ tal como se apresenta no final do
século XX é, pois, “a capacidade de todo grupo oligopolista, voltado para produção
manufatureira ou para as principais atividades de serviços, de adotar por conta própria, um
enfoque e conduta ‘globais’ (...) incluindo-se a esfera financeira” (CHESNAIS, 1996, p. 17),
configurando, deste modo, um espaço conectado mundialmente em tempo real que opera 24
horas por dia. Desta forma, a configuração geopolítica dos mercados, assim como sua
interconexão internacional, é assegurada pelos operadores e investidores financeiros
116
, cujos
julgamentos “decidirão a participação de tal país na rede, em graus que diferem de um
compartimento a outro (câmbios, obrigações, ações etc)” (CHESNAIS, 1996, p.45) definindo
desta maneira o país que quebra e o país que estabiliza.
116
Chesnais (2005) identifica como investidores institucionais, organismos tais como: fundos de pensão, fundos
coletivos de aplicação, sociedades de seguro, bancos que administram sociedades de investimento que teriam
feito da centralização dos lucros não reinvestidos das empresas e das famílias (planos de previdência privados,
poupança salarial) um trampolim para acumulação financeira de grandes dimensões.
120
Essa nova lógica econômica é descrita por Chesnais (2005) como a capacidade
adquirida pelo dinheiro de ganhar “liquidez” no mercado, ou seja, é o momento em que o
‘capitalismo patrimonial’, entendido como “entesouramento estéril, representado pelo ‘pé-de-
meia’, cede lugar ao mercado financeiro, dotado da capacidade mágica de transformar o
dinheiro em valor que ‘produz’” (CHESNAIS, 2005, p. 50). O capital ganha capacidade de
autorreprodução mediante juros, dispensando a mediação das relações de trabalho e da
produção de mercadorias. Entretanto, embora a mundialização financeira tenha quebrado
barreiras de comunicação entre os países, não é um todo homogêneo, pois tende a
marginalizar principalmente os países descapitalizados, o que contraria a ideologia da
globalização da forma como é propagada pelo capitalismo que passa a ideia de um mercado
livre e que possibilita a integração de novas nações. Assim, a democracia liberal pregada
pelos países ricos, especialmente pelos Estados Unidos, é válida desde que não ultrapasse ou
fira os seus interesses comerciais como primeira potência econômica mundial.
Na verdade, trata-se de uma realidade que se configura como a “formação de
oligopólios e megacorporações mediante a fusão ou alianças entre grandes empresas”
(FRIGOTO, 2001, p. 36) ou, no dizer de Harvey (2003), “na formação de conglomerado e
corretores financeiros de extraordinário poder global” (HARVEY, 2003, p. 152). Esse
processo inclui principalmente o grupo dos oito países mais ricos
117
que se reúnem
periodicamente para tratar de proteger seus interesses em âmbito global alertando assim que a
concorrência livre existe até certo ponto. Como consequência dessa nova lógica perversa de
acumulação capitalista, a falência de empresas fabris ou o não interesse na abertura de novas
indústrias produz o desemprego em massa (ou ‘desemprego estrutural’) trazendo danosas
consequências sociais, e a diminuição dos recursos para as políticas sociais, dentre elas a
educação.
Outra estratégia para minimizar a crise capitalista que trouxe consequências para as
políticas sociais e educacionais dos anos de 1990 é o neoliberalismo
118
. Reginaldo Moraes
(2000) identifica três grandes escolas do pensamento neoliberal: a ‘escola austríaca’ liderada
117
O grupo dos oito países na verdade é formado pelos sete mais ricos (Estados Unidos, Japão, Alemanha,
França, Reino Unido Canadá, Itália) e mais a Rússia, convidada a compor o grupo devido a sua importância
geopolítica. O Fórum Econômico Mundial realizado em Davos na Suíça, todos os anos, é emblemático nesse
sentido.
118
Para Moraes (2000), o neoliberalismo não fez mais do que revisar argumentos que foram forjados pelo
liberalismo clássico desde o século XVIII pelos iluministas escoceses e pelos liberais conservadores de meados
do século XIX, que negavam a política do estado mercantilista e os regulamentos impostos pelas corporações ao
mundo socioeconômico. Atualmente se assemelha a esse comportamento liberal clássico quando centra sua
maior preocupação no desmantelamento do Estado keynesiano e dos sindicatos e nega qualquer forma de
intervenção à liberdade de mercado.
121
por Frederich von Hayek, considerado por ele como o patrono do pensamento neoliberal
contemporâneo; a ‘escola de Chicago’, representada por Theodore W. Shultz, Gary Becker e
principalmente Milton Friedman; e a ‘escola de Virgínia’ ou Public Choice, capitaneada por
James M. Buchanan. Essas escolas difundem narrativas que tentam não apenas explicar, mas
apresentar soluções para a crise dos anos de 1970, unificando-se em duas correntes para esse
fim: “o fundamentalismo de mercado com sua crença (paradoxal) nas virtudes criadoras da
destruição das tradições e o conservadorismo, por sua vez defensor exatamente das
tradições e da autoridade estabelecida” (MORAES, 2002, p.15). Pelas semelhanças
ideológicas dessas duas correntes, convencionou-se atribuir-lhes o nome de ‘Nova Direita’.
É assim que um processo de ajuste global na economia mundial denominado
‘Consenso de Washington’
119
começa a tomar curso por meio de um novo rearranjo da
hierarquia das relações econômicas e políticas internacionais As principais reformas
estruturais propostas por meio do “Consenso” teriam as seguintes diretrizes de acordo com
Maria Clara Couto Soares (2000): equilíbrio orçamentário, mediante a redução dos gastos
públicos; abertura comercial, devido à redução das tarifas de importação e eliminação das
barreiras tarifárias; liberalização financeira, por meio de reformulações das normas que
restringem o ingresso de capital estrangeiro; desregulamentação dos mercados domésticos,
devido à eliminação dos instrumentos de intervenção do Estado, como controle de preços,
incentivos, etc.; privatização das empresas e dos serviços públicos. As propostas do Consenso
de Washington convergem para dois objetivos básicos: por um lado, a drástica redução do
Estado e a corrosão do conceito de Nação; por outro, o máximo de abertura à importação de
bens e a entrada de capitais de risco (BATISTA, 2005).
Os neoliberais concebem que “não é o capitalismo que está em crise, mas o Estado”
(PERONI, 2006, p.11)
.
Para eles, as sociedades do mundo capitalista foram desviadas do
processo natural evolutivo de suas instituições e deveriam retomar seu desenvolvimento
realizando um ajuste estrutural cujas bases teriam o mercado como regulador das relações
entre os homens e como mantenedor do equilíbrio entre demanda e oferta e não mais o
Estado, que se agigantou e se tornou refém da promoção de políticas públicas prometidas por
políticos sujeitos à pressão popular. Para os neoliberais, quando os políticos cedem à pressão
popular por políticas sociais advinda das urnas, estariam fazendo distribuição de rendas
119
A origem desse termo está relacionada ao seguinte fato: Em novembro de 1989, reuniram-se na capital dos
EUA funcionários do governo norte-americano e dos organismos internacionais ali sediados FMI, BM e BID –
e convocados pelo Institute for International Economics. O encontro, com o título Latin American Adjustment:
How Much Has Happened?”, tinha o objetivo de avaliar as reformas econômicas empreendidas na América
Latina, e as conclusões dessa reunião ficaram conhecidas como “Washington Consensus”. (BATISTA, 1994)
122
alheias, sendo que o próprio processo democrático é visto como distribuição de renda na
medida em que “o cidadão, através do voto, decide sobre os bens que não são seus, gerando
conflitos com os proprietários” (PERONI, 2003, p. 27). Essa lógica distributiva do sistema
leva os leva a concluir que “a democracia faz um verdadeiro saque à propriedade alheia”
(PERONI, 2003, p. 27). Para os neoliberais, a democracia ilimitada leva à economia dirigida,
ao planejamento com o objetivo de distribuição de rendas e, enfim, ao Estado totalitário que
seria incompatível com o liberalismo do mercado. Mas diante da impossibilidade de suprimir
totalmente os mecanismos democráticos tais como o voto e os partidos típicos do regime
liberal, os teóricos neoliberais propõem estabelecer limites constitucionais que restrinjam o
seu impacto “via privatização e desregulamentação” (PERONI, 2006, p. 14) das instituições
estatais esvaziando assim os efeitos da pressão popular. A estratégia é, portanto, reformar ou
diminuir a atuação do Estado para superar os efeitos da crise do capital.
A solução apresentada pelos teóricos neoliberais é simples: “manter um Estado forte,
sim, em sua capacidade de romper o poder dos sindicatos e no controle do dinheiro, mas
parco em todos os gastos sociais e nas intervenções econômicas” (ANDERSON, 2008, p.11),
ou seja, um “Estado máximo para o capital e mínimo para as políticas sociais” (PERONI,
2003, p.51). Assim, as alterações propostas no papel do estado para com as políticas sociais
seguem as prescrições de “racionalizar recursos e esvaziar o papel das instituições” (PERONI,
2006, p.14). Em relação ao mercado, o Estado deverá salvaguardar os direitos de propriedade
e de competição na media em que é chamado a regular as atividades do capital corporativo no
interesse da nação, atrair capitais financeiros ou até mesmo impedir a fuga de grandes
investidores, portanto um Estado que deve preservar os interesses privados. Segundo essa
perspectiva, o cidadão é aquele que é capaz de consumir mediante compra uma política social
no jogo competitivo do mercado reconceituando-se a noção de cidadania a partir de uma
“revalorização da ação do indivíduo enquanto proprietário que elege, opta, compete para ter
acesso a (comprar) um conjunto de propriedades-mercadorias de diferentes tipos, sendo a
educação uma delas” (GENTILI, 1998, p. 19-20).
A materialização das ideias neoliberais como primeiras experiências governamentais
aconteceram no Chile em 1973, na Inglaterra em 1979 com Margareth Thatcher, nos Estados
Unidos em 1980 com Ronald Reagan, na Alemanha em 1982 e, na Dinamarca, a partir de
1983. A partir daí quase todos os governos dos países da Europa Ocidental e da América do
Norte se renderam às ideias neoliberais em 1980, conforme Anderson (2008).
123
A quarta estratégia utilizada para dirimir os efeitos da crise capitalista é a Terceira
Via
120
. Sua origem está relacionada à tentativa de Tony Blair imprimir ao New Labor
121
um
maior distanciamento frente ao conteúdo trabalhista e socialista presente em seus estatutos
partidários, distanciando-o dos sindicatos. A partir de 1994, o New Labour “procura um
caminho alternativo, dado pela preservação de um traço social-democrático associado a
elementos básicos do neoliberalismo” (ANTUNES, 2005, p. 96). Substituem-se a retórica
socialista e a prática trabalhista e reformista anteriores, defensoras de uma economia
estatizada e mista pela defesa da economia de mercado.
O NL que emergiu vitorioso no processo eleitoral de 1997, despojado de
vínculos com o seu passado reformista-trabalhista, converteu-se no New
Labour pós-Thatcher, ‘moderno’, defensor vigoroso da ‘economia de
mercado’, da flexibilização do trabalho, das desregulamentações, da
‘economia globalizada e moderna’, enfim, de tudo o que foi
fundamentalmente estruturado durante a fase clássica do neoliberalismo
(ANTUNES, 2005, p. 97).
Esta viria a ser a marca do que se convencionou chamar de Terceira Via. Na visão de
Antunes (2005), essa estratégia visa dar continuidade ao que é essencial do processo iniciado
pelo governo de Margareth Thatcher ancorado no neoliberalismo, visando a adaptação inglesa
à nova configuração do capitalismo mundial. Assim, ainda que o governo de Tony Blair
tivesse assinado o capítulo social presente na Carta da União Europeia, vinha reiterando
sistematicamente seu compromisso em preservar a legislação que flexibilizava e
desregulamentava o mercado de trabalho, preservando dessa forma a herança essencial da era
Thatcher, como afirma:
A vitória eleitoral do NL de Tony Blair, no início de 1997, apesar de
canalizar um enorme descontentamento social e político, trazia em seu
conteúdo programático a preservação do essencial do projeto neoliberal. Não
120
De acordo com Lúcia Neves (2005), as ideias da Terceira Via de um projeto para além da esquerda e da
direita vêm sendo debatidas entre os governantes em reuniões periódicas denominadas de “Cúpula da
Governança Progressiva” e envolvem diversos países. Até 2004 foram realizadas quatro reuniões: em 1999 em
Florença, em 2000 em Berlim, em 2002 em Estocolmo e, em 2003, em Londres. Até 2002, participou dessas
reuniões o governo Fernando Henrique Cardoso e, em 2003, o governo Lula da Silva.
121
O New Labour é a expressão político-parlamentar do movimento operário inglês, anteriormente chamado de
Labour Party. Até 1979, o Labour esteve no governo 11 dos 15 anos anteriores, o que lhe assegurou, segundo
Antunes (2005), uma importante influência nos negócios do Estado, sustentado pelo consenso pós-guerra do
pleno emprego e do Welfare State. Seu braço sindical aglutina-se em torno do TUC (Trades Union Congress),
que, durante os anos 90, diminuiu sua influência nas bases trabalhistas, porém após o governo conservador de
Thatcher retorna ao poder com Tony Blair, convertendo-se em New Labour em 1994.
124
haveria revisão das privatizações; a flexibilização (e precarização) do
trabalho seria preservada e em alguns casos intensificada; os sindicatos
manter-se-iam restringidos em sua ação; o ideário da modernidade’,
‘empregabilidade’, ‘competitividade’, entre outros, continuaria a sua carreira
ascensional e dominante (ANTUNES, 2005, p. 97).
No entanto, para Antony Giddens (2007) a Terceira Via consiste em uma alternativa
tanto à social democracia do velho estilo quanto ao neoliberalismo, pois, “Os neoliberais
querem encolher o Estado, os social-democratas têm sido ávidos por expandi-lo. A Terceira
Via afirma que é necessário reconstruí-lo” (GIDDENS, 2007, p.80). Para ele a Terceira Via
seria uma nova forma dos partidos de centro-esquerda responderem às mudanças
122
trazidas
pela modernização do final do século, propiciadas pela globalização, pela emergência da
economia do conhecimento e pelas profundas mudanças na vida cotidiana das pessoas.
Para se chegar à nova configuração de Estado proposto pela Terceira Via seria preciso
reformá-lo, constituindo-se esta uma de suas prioridades. Para essa linha de pensamento,
deve-se evitar “a tradicional estratégia esquerdista de confiar mais e mais tarefas às mãos do
estado”, pois um “Estado sobrecarregado e burocrático não é apenas pouco propenso a prestar
bons serviços públicos, é também disfuncional para a prosperidade econômica
(GIDDENS, 2007, p. 23, negrito meu). A Reforma teria como meta, portanto, “tornar o
governo e as agências estatais transparentes, voltadas ao consumidor e ágeis” (GIDDENS,
2007, p. 23). Verifica-se, deste modo, que uma das principais preocupações que alicerçaram a
Reforma do Estado proposta pela Terceira Via é a mudança de paradigma em relação ao
Estado e ao cidadão. De garantidor de direitos, o Estado passa a ser um ágil fornecedor de
serviços a um cidadão não mais sujeito de direitos, mas cidadão-cliente, consumidor de
serviços.
O novo perfil de Estado proposto pela Terceira Via remete à possibilidade da
realização de parceria com a sociedade civil para a promoção e execução de políticas sociais.
Essa é a visão de uma sociedade civil empreendedora, engajada e competente para a execução
de tais serviços, como expressa Giddens (2007):
O empreendedorismo civil é qualidade de uma sociedade civil modernizada.
Ele é necessário para que os grupos cívicos produzam estratégias criativas e
122
Essas mudanças apontadas por Giddens (2007) trouxeram significativas repercussões no plano político,
segundo ele. Seja pelo desaparecimento de parte do que chama da classe operária do ‘colarinho azul’ e a
emergência do que denomina ‘trabalhadores simbólicos’, seja pelas mudanças na vida cotidiana das pessoas
calcada no individualismo fomentado por novos costumes associados à modernização da vida como a internet, o
mercado de trabalho feminino, a relação entre os sexos.
125
enérgicas para ajudar na lida com problemas sociais. O governo pode
oferecer apoio financeiro ou proporcionar outros recursos a tais iniciativas. E
lucrará por sua vez, que projetos colaborativos entre o governo e grupos
da sociedade civil exigirão que tais grupos sejam engajados, determinados e
competentes (GIDDENS, 2007, p.26).
A descentralização de políticas sociais para execução pela sociedade civil por meio de
parcerias é vista como possibilidade de obtenção de lucro por parte do Estado, já que, na visão
de Giddens, a sociedade civil é competente, engajada e, sobretudo empreendedora. Esta é uma
forma sutil de dizer que o setor público é incompetente e perdulário.
A renovação do aparelho estatal proposto pela Terceira Via apresenta uma estreita
vinculação com a concepção individualista das relações sociais, uma vez que “cada indivíduo
vai abrir o seu caminho e as transformações vão se dar na esfera pessoal e não societária”
(PERONI, 2006, p.15). Os direitos incondicionais próprios da social-democracia do ‘velho-
estilo’ são substituídos pela premissa de que ‘não direitos sem responsabilidades’. E isto
coloca em ação a realização de um novo pacto social pautado no envolvimento das
organizações da sociedade civil, na solução de seus próprios problemas em parceria com o
Estado ou com as empresas, como afirma Giddens:
O novo contrato ressalta os direitos e as responsabilidades dos cidadãos. As
pessoas não devem se limitar a receber da sociedade, mas se voltar para ela
também. (...) O governo deve manter um papel regulamentador em muitos
contextos, mas tanto quanto possível deve se tornar um facilitador,
proporcionando recursos para que os cidadãos assumam a responsabilidade
pelas consequências de seus atos (GIDDENS, 2001, p. 167).
Indivíduos são agregados à chamada “sociedade civil ativa” que parece ter uma força
própria, sendo portadora de um elevado grau de autonomia e independência atuando como um
novo agente do processo histórico. Temas antigos como ‘cidadania’, ‘igualdade’,
‘participação’, ‘democracia’, e outros mais novos como ‘empreendedorismo’, ‘voluntariado’,
‘responsabilidade’, dentre tantos outros, são tratados pela Terceira Via de forma despolitizada
sob o argumento da harmonia social que paira acima das classes.
126
O neoliberalismo e a terceira via comungam do diagnóstico de que o responsável pela
emergência da crise do final do século passado é o Estado, que gastou mais do que deveria em
políticas sociais, gerando déficit fiscal. No entanto, a estratégia de superação de tal crise
apresentada por ambos é diferenciada. Para os neoliberais, a alternativa seria a privatização
dos serviços públicos pelo repasse de sua execução ao mercado; para os teóricos da Terceira
Via, a solução estaria no Terceiro Setor
123
. As políticas sociais passariam a ser executadas
pela sociedade civil ou terceiro setor mediante parcerias. Assim, “diferentemente da teoria
neoliberal para quem a democracia é prejudicial ao livre andamento do mercado e chega a ser
chamada de totalitária (Hayek), a proposta da Terceira Via é a democratização da democracia
que pressupõe um Estado democrático” (PERONI, 2007, p. 18) fomentado por essa
proximidade e envolvimento da sociedade civil na execução de políticas sociais. No entanto, é
preciso destacar que, embora utilizem estratégias diferenciadas, tanto o neoliberalismo quanto
a Terceira Via pretendem “racionalizar recursos e diminuir os gastos do Estado com as
políticas sociais e diminuir o papel das instituições públicas” (PERONI, 2007, p. 18), e,
portanto ambos são funcionais ao capitalismo.
É em meio a essas estratégias de recomposição do capital que no Brasil são redefinidas
as funções do Estado por meio da Reforma do Estado, com importantes implicações para a
descentralização da educação via municipalização do ensino. Para melhor apreender as
modificações pleiteadas pela Reforma, ela será detalhada em seus principais aspectos no item
seguinte.
3.2.1 A política de descentralização proposta pela Reforma do Estado no Brasil e suas
repercussões na política educacional
O conjunto de estratégias utilizadas pelo capitalismo para sair da crise, discutido
anteriormente, repercutiu no Brasil na década de 1990, onde a crise se manifestava entre
outros aspectos pela alta dívida interna e externa
124
, pela queda na produção da indústria e na
123
Para maior aprofundamento do assunto ver Peroni (2006; 2007; 2008; 2009 ).
124
De acordo com Peroni (2003), o valor da dívida brasileira no início do Plano Real em 1994 era de 61 bilhões
ek, em julho de 1998, era de 304 bilhões. A vida externa de 159.256 milhões em 1995 passa para 212.441
em março de 1998, o que evidencia a velocidade de aumento dos valores.
127
agricultura nacionais
125
. Neste contexto, a legitimidade do Estado como provedor das políticas
públicas passa a ser questionada, pois o Estado passa a ser visto como burocrático, ineficiente,
perdulário e pouco ágil.
A Reforma do Estado no Brasil é então compreendida como parte do discurso da
modernização do Estado para que o país seja capaz de enfrentar a competitividade
internacional trazendo a ideia de descentralização da administração pública. É interessante
perceber que quando os membros do governo refletiram sobre as causas da crise que assolava
a maior parte dos países é na figura do próprio Estado que se concentra a culpa e não na
insaciabilidade do capital por lucros, como se pode inferir no texto do Plano Diretor de
Reforma do Aparelho do Estado (PDRAE):
A crise do Estado teve início nos anos 70, mas nos anos 80 se tornou
evidente. Paralelamente ao descontrole fiscal, diversos países passaram a
apresentar redução nas taxas de crescimento econômico, aumento de
desemprego e elevados índices de inflação. Após várias tentativas de
explicação, tornou-se claro, afinal, que a causa da desaceleração econômica
nos países desenvolvidos e dos graves desequilíbrios na América Latina e no
Leste Europeu era a crise do Estado (PDRAE, 1995, p.14).
Tal como os neoliberais e os teóricos da Terceira Via, os ideólogos da Reforma do
estado brasileiro
126
não atribuem a crise do Estado ao capital, mas ao próprio Estado. Como
resposta “adequada” à crise do modo de intervenção estatal, o governo brasileiro apresenta, no
início da década de 1990, a proposta de Reforma do Estado como uma das principais
estratégias para combater a crise fiscal, tendo para isso criado inclusive um órgão específico,
o Ministério da Administração e Reforma do Estado (MARE) responsável pela elaboração
do Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (PDRAE), cujo ministro era Luis Carlos
Bresser Pereira.
A Reforma do Estado
127
envolve aspectos políticos, econômicos e administrativos e
apresenta como metas: a) o ajustamento fiscal duradouro; b) reformas econômicas orientadas
125
A indústria nacional brasileira de 1994 a 1997 perdeu um mercado de 17,7 bilhões de dólares e 450 postos de
trabalho, acumulando um déficit de 7 bilhões de dólares em 1996, além de que, na agricultura, de 1993 a 1997,
apenas a soja aumentou a produção em 20%. Os demais produtos como o milho o arroz, o feijão e o trigo
tiveram queda que variaram de -5,8% a -22, 3%, segundo dados demonstrados por Peroni (2003).
126
Um dos teóricos de maior destaque como idealizador da Reforma do Estado brasileiro na cada de 1990 foi
Luis Carlos Bresser Pereira.
127
A definição dos conceitos de Reforma do Estado e Reforma do Aparelho do Estado guardam algumas
especificidades em função da amplitude dos termos. Segundo o PDRAE, a Reforma do Estado é um projeto
128
para o mercado, que, acompanhadas de uma política industrial e tecnológica, garantam a
concorrência interna e criem as condições para o enfrentamento da competição internacional;
c) a reforma da previdência social; d) a inovação dos instrumentos de política social,
proporcionando maior abrangência e promovendo melhor qualidade para os serviços sociais;
e) a reforma do Aparelho do Estado, com vistas a aumentar a governança”, ou seja, sua
capacidade de implementar eficientemente as políticas públicas (PDRAE, 1995, p. 16).
O Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (PDRAE) propõe a passagem da
administração pública baseada em princípios racionais-burocráticos para a gestão gerencial
pautada na visão de cidadão cliente, de controle por resultados e de competitividade. A
descentralização via municipalização do ensino fundamental constitui uma das expressões
desse novo tipo de gestão, como parte da política de descentralização intergovernamental de
políticas sociais, sinalizada no documento ao propor:
Nessa nova perspectiva, busca-se o fortalecimento das funções de
regulação e de coordenação do Estado, particularmente no nível federal,
e a progressiva descentralização vertical, para os níveis estadual e
municipal, das funções executivas no campo da prestação de serviços
sociais e de infraestrutura (PDRAE, 1995, p.18, negrito meu).
Com a descentralização prevista, o objetivo seria tornar a administração pública mais
flexível e eficiente, reduzir o seu custo e propiciar mais qualidade ao serviço público. A
descentralização neste contexto é considerada como “um instrumento de modernização
gerencial da gestão pública, pela crença nas suas possibilidades de promover a eficácia e a
eficiência dos serviços concernentes” (AZEVEDO, 2002, p. 54).
Os propositores da Reforma do Estado argumentam que, embora a Constituição de
1988 tenha assegurado a possibilidade da descentralização da execução de serviços sociais e
de infraestrutura por Estados e Município, estes continuariam a assumir uma postura de
dependência em relação à União. Para a modificação dessa postura de dependência,
amplo que diz respeito às várias áreas do governo e ao conjunto da sociedade brasileira, enquanto que a Reforma
do Aparelho do Estado tem um escopo mais restrito e se dirige à administração pública. O Estado é mais
abrangente porque, além de compreender o Aparelho de Estado, é entendido como sendo a administração pública
em seu sentido amplo envolvendo a estrutura organizacional do Estado em seus três Poderes Executivo,
Legislativo e Judiciário e três níveis União, Estados-membros e Municípios, abarcando também o sistema
constitucional-legal, que regula a população nos limites do território.
129
considerada como um traço cultural os teóricos do MARE propõem a adoção da mentalidade
gerencial na gestão pública.
A legislação que rege as relações de trabalho é vista pelos idealizadores do plano
como protecionista e inibidora do “espírito empreendedor” por não estimular a competência,
que ficaria sacrificada pela estabilidade do servidor e pela impossibilidade de se viabilizar o
recrutamento de pessoal de forma flexível, pois o Regime Jurídico Único e a Constituição de
1988 teriam restringido a capacidade operacional do governo, tornando a administração de
pessoal rígida e ineficiente. O documento ressalta ainda a tendência de gastos crescentes com
pessoal pela União, enfatizando aqueles com os inativos. Para os autores do Plano, “o sistema
previdenciário público é hoje, do ponto de vista social, um sistema injusto e desequilibrado”
(PDRAE, 1995, p. 41) porque pagaria uma aposentadoria ao servidor blico acima daquela
recebida no setor privado. Os problemas decorrentes da gestão de recursos humanos que
dificultavam o desenvolvimento da gestão moderna e eficiente foram assim sintetizados:
a inexistência tanto de uma política de remuneração adequada (dada a
restrição fiscal do estado) como de uma estrutura de cargos e salários
compatíveis com as funções exercidas, e a rigidez excessiva do processo de
contratação e demissão do servidor (agravada a partir da criação do Regime
Jurídico Único), (...) terminam por inibir o desenvolvimento de uma
administração pública moderna, com ênfase nos aspectos gerenciais e na
busca de resultados (PDRAE, 1995, p.46).
Em função deste diagnóstico, um dos quatro processos básicos da Reforma diz
respeito à delimitação das funções do Estado “reduzindo o seu tamanho em termos
principalmente de pessoal através de programas de privatização, terceirização e publicização”
(PEREIRA, 1998, p. 60). Estes programas são definidos por Bresser Pereira (1998) da
seguinte maneira:
A privatização é um processo de transformar uma empresa estatal em
privada. Publicização, de transformar uma organização estatal em uma
organização de direito privado, mas pública o-estatal. Terceirização é o
processo de transferir para o setor privado serviços auxiliares ou de apoio
(BRESSER
PEREIRA, 1998,
p. 61).
130
A privatização de instituições estatais (e suas várias nuances) utilizada como
estratégia pela Reforma do Estado, segundo Francisco de Oliveira (1999), passou uma ideia
falsa de privatização do público. Segundo ele, historicamente as instituições privadas sempre
se beneficiaram do fundo público, especialmente durante “o intenso processo de acumulação
[capitalista] alavancado pelo regime militar” (OLIVEIRA, 1999, p.66). Nesse período, o
desenvolvimento do capital era “articulado financeiramente pelo Estado (...) e, na maior parte
dos casos, como capital estatal produtivo isto é, o papel do Estado subsidiando a formação
de capital e, ao mesmo tempo, através das empresas estatais, constituindo a nova rede de
relações industriais” (OLIVEIRA, 1999, p. 67). Assim, a privatização do público tende a
gerar uma falsa consciência em relação à necessidade do público pelo privado, fazendo crer
que o capital pode prescindir da ajuda do fundo público, cujo crescimento vem
sistematicamente sendo subsidiado pelo Estado, como afirma Francisco de Oliveira (1999):
A privatização do público é uma falsa consciência de desnecessidade do
público. Ela se objetiva pela chamada falência do Estado, pelo mecanismo
da vida pública interna, onde as formas aparentes são as de que o privado,
as burguesias emprestam ao Estado: logo, o Estado, nesta aparência, somente
se sustenta como uma extensão do privado. O processo real é o inverso: a
riqueza pública, em forma de fundo, sustenta a reprodutibilidade do valor da
riqueza, do capital privado (OLIVEIRA, 1999, p.68).
Assim, ao longo do tempo, a promiscuidade entre o público e o privado
atuou no
sentido de “borrar, subjetivamente as barreiras e fronteiras entre o público e o privado, ou
mais radicalmente, atua no sentido de que tudo é privado” (OLIVEIRA, 1999, p.68),
alterando a racionalidade estatal que passa a ser, subliminarmente, uma racionalidade privada.
É tendo em vista essa nova racionalidade que prima pelos valores mercantis, que as políticas
sociais antes atendidas diretamente pelo Estado, a partir da Reforma do Estado, passam a ser
atendidas por Organizações Sociais do Terceiro Setor por meio de “parcerias” regulamentadas
em legislação
128
específica, constituindo, deste modo, outra forma de descentralização do
Estado.
128
Não por acaso em 1997 é criado o ‘Programa Nacional de Publicização’ pela Medida Provisória 1.591 de
09/10/1997. Em 1998, é aprovada a Lei 9.637 de 15/05/1998 regulamentando as Organizações Sociais (OS) e,
em 1999, a Lei 9.790 de 23/03/99, dispondo sobre as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público
(OSCIP), é posteriormente regulamentada pelo Decreto 3.100 de 30 de junho do mesmo ano. Recentemente a
Lei Federal 11.079 de 30/12/2004 instituiu normas para a contratação de parceria entre o setor privado e
administração pública a ela, seguindo-se diversas regulamentações complementares.
131
Essa nova forma de alteração no papel do Estado em relação ao provimento das
políticas sociais é entendida como parte da lógica neoliberal e da Terceira Via que busca a
transferência de responsabilidade por tal provimento para a sociedade civil, seja por meio da
privatização de setores do Estado, seja pela mudança de sua lógica de gestão sem que se altere
a sua propriedade (ADRIÃO; PERONI, 2005). Segundo Adrião e Peroni (2005), diante da
especificidade da natureza dos serviços sociais, seria difícil para os neoliberais a imposição da
concorrência perfeita tal qual a prescrita pelo liberalismo clássico, sendo mais adequado,
neste caso, a utilização de um “choque de mercado no interior do Estado”, segundo a gica
do quase-mercado. O quase-mercado é compreendido como “uma proposição adequada
àquelas organizações que, embora não pudessem integrar o mercado, disputariam nele e,
segundo suas características, vantagens adicionais como condição para o aumento de sua
eficiência” (ADRIÃO; PERONI, 2005, p. 140). Na verdade, a Terceira Via ao propor tais
parcerias não pretende literalmente privatizar o público pela venda de prédios ou similares,
mas implantar uma nova lógica de gestão no espaço público baseada em princípios de
mercado configurando-s como uma forma mais sofisticada de privatização do público
129
.
A
lógica a presidir a política educacional nos anos de 1990 esteve ancorada na sociabilidade
mercadológica e contribuiu para a alteração do sentido da concepção de cidadania e de direito
social como direito incondicional.
Sobre a política educacional na década de 1990, o estudo de Peroni (2003) constatou
que havia (e ainda há) um movimento de tensão entre centralização e descentralização nas
reformas implementadas pelo governo federal associado à lógica descentralizadora proposta
pela Reforma do Estado que redefiniu as funções do Estado no provimento das políticas
educacionais. Se, por um lado, no financiamento se tinha uma política de descentralização
implementada a partir do FUNDEF, por outro, havia uma política de centralização
representada pelo controle mediante políticas de avaliação e de adoção de Parâmetros
Curriculares Nacionais. Além disso, a estratégia de descentralização associada ao FUNDEF
associava-se à racionalização de recursos uma vez que com a implementação desse fundo a
União diminui sua contribuição financeira para a manutenção do ensino fundamental,
onerando Estados e Municípios, ou seja, o governo descentralizou responsabilidades, mas não
recursos na mesma proporção:
129
Sobre a relação público/privado no contexto da Terceira Via e suas implicações para a educação ver Peroni
(2007, 2008, 2009).
132
Ao analisarmos os projetos de política educacional, constatamos que, por um
lado, o governo federal, com essas reformas, vem se desobrigando do
financiamento das políticas educacionais, mas por outro lado, ele objetiva
centralizar as diretrizes, principalmente mediante parâmetros curriculares
nacionais e avaliação das instituições de ensino. (...) Destacamos ainda que,
com o FUNDEF, o governo federal propõe uma descentralização de
responsabilidades e não de recursos; pois, com a emenda constitucional que
propôs o Fundef, esse governo diminuiu sua contribuição financeira para o
ensino fundamental, tendo-se como referência aquela prevista na
Constituição, antes da emenda (PERONI, 2003, p.180).
Como parte do binômio centralização/descentralização das políticas educacionais dos
anos de 1990, a descentralização via municipalização é concebida neste trabalho como
transferência de poder entre níveis de governo. Isto porque não se pode afirmar que seja uma
política a qual promova necessariamente a descentralização no sentido de democratização do
poder, uma vez que historicamente os arranjos descentralizadores do Estado brasileiro tem
resultado em um poder local muito mais concentrador do poder do que propriamente
democrático. Se a municipalização vai resultar em maior democratização das relações de
poder e na participação dos trabalhadores nos rendimentos da produção, é um problema a ser
verificado em cada formação social específica. O tópico a seguir ajudará a aprofundar esse
debate sobre a municipalização no Brasil e sua materialização como política a partir das novas
orientações de descentralização do Estado na década de 1990.
3.2.2 A Política de municipalização educacional no Brasil na década de 1990
A expressão “municipalização do ensino”, quando relacionada ao ensino fundamental,
pode ser entendida de duas maneiras: a primeira “como a iniciativa, no âmbito do poder
municipal, de expandir suas redes de ensino, ampliando o nível de atendimento por parte
desta esfera da administração pública” (OLIVEIRA, 1997, p.174), o que ocorre quando o
município se incumbe da maioria ou da totalidade da demanda por matrículas nessa etapa da
educação básica, seja pela não oferta de matrículas pela rede estadual, seja por acordo desta
com a rede municipal. A outra maneira ocorre “com o processo de transferência de rede de
ensino de um nível da Administração Pública para outro, geralmente do estadual, para o
município” (OLIVEIRA, 1997, p.174), processo que vem ocorrendo no Brasil depois da
criação do FUNDEF, e de modo especial no Estado do Pará.
133
A municipalização tem sido indicada por vários estudiosos do assunto
130
como
portadora de um conjunto de vantagens tais como: possibilidade de diminuir a burocratização
da gestão, maior flexibilidade curricular, gestão mais democrática por possibilitar maior
controle social por parte dos usuários dos serviços educacionais atribuída à proximidade entre
eles e os gestores das políticas educacionais. Contudo não consenso quanto a essa
premissa, pois para outros autores
131
a descentralização quando representada pela
municipalização pode vir mascarada, não passando na prática de desconcentração de mando,
alterando-se apenas a esfera administrativa responsável pela gestão do ensino e mantendo-se a
concentração e a centralização das decisões no executivo municipal. Conforme as
circunstâncias, a maior proximidade da população em relação ao poder público municipal, em
comparação com o estadual ou federal, tanto pode proporcionar oportunidades para a
ocorrência de uma gestão mais democrática quanto para uma gestão subordinada às
oligarquias locais.
Descentralização, municipalização e democratização não são, portanto, termos
sinônimos, podendo haver um processo de centralização de poder ainda mais acirrado em
alguns casos, pois, dependendo da configuração da correlação de forças locais, da maior ou
menor organização e participação da sociedade local, a municipalização pode até mesmo
facilitar a centralização da gestão na figura do gestor municipal (OLIVEIRA, 2003;
PEIXOTO, 1999).
Para Cleiton de Oliveira (1999) a municipalização propiciada pelo FUNDEF e
assumida pelos prefeitos na década de 1990 sem levar em consideração os limites da
capacidade de gestão educacional nos municípios, podem propiciar a implantação da gica
empresarial na gestão pública mediante parcerias das prefeituras com o setor privado como
afirma:
Essa indução à municipalização não considera a questão dos recursos
humanos em condições de gerir, com sucesso, um sistema de ensino. [Os
prefeitos] poderão construir prédios e assenhorar-se de próprios estaduais,
poderão alocar professores, diretores, funcionários e poderão equipar os
estabelecimentos de ensino. Porém, entendemos que gerir a educação
municipal seja mais que isso. É bem provável que parte deles [municípios]
venha a cair nas mãos de escritórios de assessoria, nas mãos de editoras, nas
130
Alguns deles são: José Eustáquio Romão (1988, 1992, 1993), Moacir Gadotti (1992, 1993) e Genuíno
Bordignon (1993, 2000).
131
Maria do Carmo Peixoto (1999) e Romualdo Oliveira (2003) se alinham com essa tese.
134
mãos de sistema de comunicação, nas mãos de empresas particulares
(OLIVEIRA, 1999, p. 33).
Resultados do processo de municipalização implantado na Região Nordeste desde a
década de 1970
132
analisados por Juca Gil e Lisete Arelaro (2004), apontaram que a
municipalização não vem correspondendo às expectativas, pois não resultou em ampliação da
participação popular na elaboração de políticas, não diminuiu a ação corrupta dos políticos e
tampouco propiciou melhoria no quadro educacional de maneira geral, conforme avaliação
dos autores:
Também não foram encontrados índices educacionais que apontem uma
qualidade superior de seu ensino; seus profissionais não ganham melhor ou
têm melhores condições de trabalho. Nada indica que seus sistemas de
ensino sejam menos burocráticos e mais eficientes do que os de realidades
mais “centralizadas” no Brasil. Os nordestinos não são mais alfabetizados
ou têm seu acesso aos diversos veis educacionais mais ampliados do
que em outros cantos; ao contrário, sofrem com os piores índices nacionais
do setor (GIL; ARELARO, 2004, p.22).
Diversos autores (AZANHA, 1995; BOTH, 1997; NASCIMENTO, 1987, PINTO
2002; ROMÃO 1992) têm chamado atenção para o fato de que a discussão sobre ser contra ou
a favor da municipalização se torna inócua, se não estiver fundamentada em um projeto
educacional que vise à expansão do atendimento escolar e à melhoria da qualidade do ensino.
Esses autores questionam: “como fazer para transformar a escola pública que temos numa
escola qualitativamente diferente da que existe agora?(NASCIMENTO, 1987, p.99); como
pode a municipalização contribuir para uma efetiva melhoria da escola pública de 1
o
grau?”
(AZANHA, 1995, p.110). E Romão argumenta: “O que importa, e devemos repeti-lo até a
exaustão, é uma escola pública, gratuita, de boa qualidade e universalizada. Este é o princípio
primeiro e fundamental de qualquer alteração no sistema educacional” (ROMÃO, 1992 p.65-
6).
Vários estudos vêm sendo produzidos sobre a municipalização do ensino nas últimas
décadas. Cleiton de Oliveira & Teixeira (2001) se preocuparam em examinar a produção de
132
No ano de 1975, segundo os autores, 55% das matrículas já estavam “municipalizadas” no Nordeste, cujo
processo de municipalização foi desencadeado pelo PROMUNICÍPIO.
135
conhecimentos sobre a municipalização do ensino e a gestão municipal associados à matriz
conceitual da descentralização no período de 1991 a 1997 concluindo que preponderam os
estudos avaliativos de projetos/programas, sendo que as décadas de 50, 80 e 90 do século
passado foram os momentos em que mais se discutiu a descentralização via municipalização.
Souza & Faria (2005) coordenaram a pesquisa “Mapa Estadual das Reformas Educacionais
Pós LDB 9.394/96: leituras, posicionamentos e ações das Secretarias Municipais de
Educação do Rio de Janeiro” e organizaram significativo levantamento documental expresso
em trezentas e cinquenta e cinco (355) obras (teses, dissertações, artigos, livros, trabalhos em
eventos), analisadas de 1996 a 2002 em torno do tema: Política, Gestão e Financiamento de
Sistemas Municipais Públicos de Educação no Brasil. Dividido em quatro categorias
temáticas, os autores apresentaram os seguintes quantitativos e percentuais de obras
publicadas, por categoria: Educação Municipal Pública e Legislação (46-13%),
Financiamento da Educação Municipal Pública (110- 31%), Gestão de Sistemas Municipais
Públicos de Educação (98 27%) e Políticas Públicas para a Educação Municipal (101
28,4%). A partir dessa pesquisa, observa-se o quanto a temática da municipalização vem
despertando o interesse de pesquisadores em todo o Brasil, embora a Região Norte e,
particularmente, o Estado do Pará seja pouco contemplado com estudos, pois 68,7% das
produções são oriundas da Região Sudeste; 15% da Região Centro-Oeste; 6,8% da Região
Sul; 9% da Região Nordeste e apenas 0,3% da Região Norte.
Maria de Fátima Félix Rosar (1995) em tese de doutorado sobre o tema da
municipalização defende a ideia de que a descentralização que vem se dando na maioria dos
países da América Latina faz parte do processo de globalização econômica que tem como
uma de suas consequências a desconstrução ou a fragmentação dos Estados Nacionais e de
seus sistemas educacionais. Em conjunto com Miriam Santos de Sousa (1999), realiza
pesquisa no Maranhão (Bacabal, Caxias, Codó, Imperatriz, Nina Rodrigues e Pinheiro) com o
objetivo de investigar a política educacional implementada no Estado. Os resultados
evidenciaram que “os recursos transferidos pelo FNDE aos municípios constituíam-se
efetivamente como a principal fonte para o desenvolvimento da educação local” (ROSAR;
SOUSA, 1999, p.117) e, que apesar de transcorridos cerca de 23 anos do início do processo
de municipalização do ensino no Estado do Maranhão, persistem graves problemas estruturais
nas redes analisadas.
Sônia Giubilei (2001) também apresenta importante contribuição ao estudo da
municipalização no Brasil ao coordenar e desenvolver a pesquisa integrada denominada
“Descentralização, Municipalização e Políticas Educativas” como uma das ações do
136
Laboratório de Gestão Educacional (LAGE) da UNICAMP, envolvendo oito subprojetos
133
e
vários pesquisadores que analisaram dez municípios paulistas (Americana, Campinas,
Indaiatuba, Leme, Limeira, Paulínia, Piracicaba, Santa Cruz da Conceição, Santo Antonio do
Pinhal e São Paulo) em relação à gestão do ensino, financiamento, participação e controle
social, com financiamento da FAPESP. A pesquisa teve como objetivo a análise do processo
de municipalização, considerando os seus aspectos político-sociais, legais, administrativos e
pedagógicos. Os resultados obtidos pelo grupo foram publicados pela Ed. Alínea, em 2001, na
obra intitulada: “Descentralização, municipalização e políticas educativas”. O estudo
desenvolvido por Flávia Obino Werle (2006) e equipe sobre Sistema Municipal de Ensino e
Regime de Colaboração, a partir do Projeto de Pesquisa intitulado “Mapa dos Sistemas de
Ensino do Rio Grande do Sul”, pode contribuir para aprofundamento do tema sobre a
municipalização com foco central no regime de colaboração entre as instâncias estaduais e
municipais. No Pará destacam-se os estudos que vêm sendo realizados pelo GEFIN/UFPA
134
e mais especificamente sobre a gestão e o financiamento da educação em municípios que
aderiram à municipalização. Particularmente sobre o município de Altamira destacam-se as
dissertações de Edinéia Bandeira Ribeiro (2007) e Irlanda Miléo (2007). A primeira analisa os
efeitos da municipalização para a gestão educacional com ênfase no processo; a segunda
problematiza as definições institucionais e as práticas efetivadas pela Secretaria de Educação
do Município de Altamira para o fortalecimento do poder local.
A municipalização como tendência de descentralização da gestão educacional se
inscreve na LDB 9.394/96 pela possibilidade de atuação municipal na educação expressa
nos Artigos 11, 18 e 87. Tais dispositivos definem os princípios orientadores da Gestão
Municipal em educação abrindo a possibilidade de criação de Sistema Educacional próprio
pelos municípios. Mas é com a Emenda Constitucional 14/96 que a Municipalização do
Ensino Fundamental se torna possível por meio da criação do Fundo de Manutenção e
Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério FUNDEF cujas
receitas eram distribuídas em cada Estado entre governo estadual e governos municipais
133
Dentre outros subprojetos associados a essa pesquisa, destacam-se os desenvolvidos por Ismael Bravo (2001)
- que explorou o tema "Integração e participação da comunidade no processo de municipalização em
Indaiatuba”, o de Cleiton de Oliveira e Pedro Ganzeli (2001) - que analisou o processo de municipalização do
ensino fundamental de primeira a quarta série, em Piracicaba (SP), no período de 1996 a 2000, e o de Adelina
Martins e Alfredo Sérgio Ribas dos Santos (2001) - que focalizou “O financiamento da municipalização do
ensino no município de São Paulo”.
134
Em 2008 o GEFIN/UFPA completou 10 anos de existência e ao longo desse período tem elaborado pesquisas
locais envolvendo municípios paraenses e participado ativamente de pesquisas nacionais sobre políticas de
gestão e financiamento educacional.
137
proporcionalmente ao mero de matrículas ofertadas. Ao comparar os dados de matrículas
do ensino fundamental na série histórica de 1996 a 2006 no Brasil, observa-se que de fato
um significativo aumento do atendimento dessa etapa da educação básica pelas redes
municipais e um decréscimo pelas redes estaduais como se pode constatar na Tabela 03:
TABELA 03. Brasil – Matrículas no Ensino Fundamental por Dependência
Administrativa - 1996-2006
Anos
Total Federal % Estadual % Municipal % Privada %
1996 33.131.270
33.564 0,10 18.468.772 55,7 10.921.037 32,9 3.707.897 11,1
1997 34.229.388
30.569 0,08 18.098.544 52,8 12.436.528 36,3 3.663.747 10,7
1998 35.792.554
29.181 0,08 17.266.355 48,2 15.113.669 42,2 3.383.349 9,4
1999 36.059.742
28.571 0,07 16.589.455 46,0 16.164.369 44,8 3.377.347 9,3
2000 36.717.948
27.810 0,07 15.806.726 43,0 16.694.171 45,4 3.189.241 8,6
2001 35.298.089
27.416 0,07 14.917.534 42,2 17.144.853 48,5 3.208.286 9,0
2002 35.150.362
26.422 0,07 14.236.020 40,5 17.653.143 50,2 3.234.777 9,2
2003 34.438.749
25.997 0,07 13.272.739 38,5 17.863.888 51,8 3.276.125 9,5
2004 34.012.245
24.633 0,07 12.695.732 37,3 17.960.400 52,8 1.718.908 5,0
2005 33.534.561
25.728 0,07 12.145.494 36,2 17.986.570 53,6 3.376.769 10,0
2006 33.282.663
25.031 0,07 11.825.112 35,5 17.964.543 53,9 3.467.977 10,4
Fonte: INEP/MEC
Em 1996, as redes municipais no Brasil eram responsáveis por 32,9% do conjunto das
matrículas enquanto que as redes estaduais se ocupavam da maioria das matrículas com
55,7%. No ano de 2006, a situação é praticamente inversa: as redes municipais atendem
53,9%, e as redes estaduais detêm apenas 35,5% das matrículas do ensino fundamental.
Contudo, a redefinição do atendimento não significou necessariamente aumento de
matrículas, pois, ao longo de quase uma década de FUNDEF, as matrículas no ensino
fundamental tiveram um aumento considerado irrisório, de apenas 0,45%.
A tendência de municipalização das matrículas do ensino fundamental, em âmbito
nacional, em quase todas as regiões
135
(a exceção é a Região Centro-Oeste), é definida
principalmente em função dos percentuais apresentados pelas regiões Norte (59,1%) e
Nordeste (69,3%) como se pode observar na Tabela 04:
135
Vários estudos (PINTO 2002; OLIVEIRA 1999; GEMAQUE, 2004; GUTIERRES, 2005) apontam a criação
do FUNDEF como uma medida indutora da Municipalização do ensino fundamental em várias regiões
brasileiras a partir de 1998.
138
TABELA 04. Brasil – Matrículas no Ensino Fundamental por Região e Dependência
Administrativa Estadual e Municipal – 1996/2006
REGIÃO ANO TOTAL ESTADUAL % MUNICIPAL %
Norte
1996 2.820.531
1.730.116 61,3 926.204 32,8
2006 3.356.716
1.189.626 35,4 1.986.663 59,1
Nordeste
1996 10.475.469 4.146.532
39,5 4.947.896 47,2
2006 10.887.853
2.288.033 21,0 7.547.810 69,3
Sudeste
1996 12.958.674
8.637.822 66,6 2.803.312 21,6
2006 12.344.341
5.259.964 42,6 5.479.832 44,3
Sul
1996 4.475.774
2.443.879 54,5 1.626.723 36,3
2006 4.256.747
1.946.199 45,7 1.961.781 46,0
Centro-Oeste
1996 2.400.822
1.510.423 62,9 616.902 25,6
2006 2.437.006
1.141.290 46,8 988.457 40,5
Total
1996 33.131.270
18.468.772 55,7 10.921.037 32,9
2006 33.282.663
11.825.112 35,5 17.964.543 53,9
Fonte: INEP/MEC
Se em 2006 a quase totalidade das regiões apresenta a maior parte das matrículas do
ensino fundamental atendidas pelas redes municipais, em 1996, a situação era inversa: a
maioria tinha as redes estaduais protagonizando esse atendimento. A exceção era apenas a
Região Nordeste, cuja taxa de atendimento pelas redes municipais em 1996 era de 47,2%.
A própria Região Norte, em 2006 maciçamente municipalizada, em 1996 apresentava a maior
parte das matriculas (61,3%) do ensino fundamental atendidas pelas redes estaduais. As
Regiões Sul e Sudeste atualmente demonstram equilíbrio no atendimento ao ensino
fundamental, quase equiparado entre as redes estaduais e municipais com tendência à
municipalização. O ano 2000 demarca o momento em que as redes municipais se tornam
majoritárias no atendimento ao ensino fundamental, refletindo a implantação nacional do
FUNDEF ocorrida em 1998. No entanto, na Região Norte, não se pode atribuir esse aumento
de matriculas nas redes municipais somente ao FUNDEF, pois os demais Estados também o
fizeram e a maioria deles apresenta altas taxas de estadualização no ensino fundamental como
se pode observar nos dados da tabela 05:
139
TABELA 05 – Região Norte – Matrículas no Ensino Fundamental por Estado e
Dependência Administrativa Estadual e Municipal – 2006
REGIÃO
NORTE
TOTAL ESTADUAL % MUNICIPAL %
Acre
155.829
90.812 51,8 58.027 37,2
Amazonas
799.989
317.006 39,6 436.879 54,6
Amapá
139.736
94.926 67,9 35.351 25,2
Pará
1.589.453
337.530 21,2 1.170.052 73,6
Rondônia
311.163
148.364 47,6 144.107 46,3
Roraima
85.127
62.895 73,8 18.650 21,9
Tocantins
275.423
138.093 50,1 123.597 44,8
Total
3.356.716
1.189.626 35,3 1.986.663 59,1
Fonte: INEP/MEC
O índice de municipalização do ensino fundamental apresentado pela Região Norte é
de 59,1%. Contudo, em cinco Estados (Amapá, Roraima, Rondônia, Acre e Tocantins) que
representam 71,4% dos sete que compõem a Região, o atendimento do ensino fundamental é
predominantemente estadual como se pode constatar na Tabela 03. Nos Estados do Amapá,
de Roraima
136
e de Tocantins
137
, provavelmente porque somente a partir do final da década de
1980 tenham passado para a condição de Estados, a gestão e a organização da educação em
nível local é muito recente, daí a rede estadual ser preponderante no atendimento do ensino.
Os dois primeiros passaram por outro processo de descentralização: da rede federal para a
estadual, o mesmo processo pelo qual também passaram os Estados do Acre
138
e de
Rondônia
139
, antes Territórios Federais. O Pará e o Amazonas são os responsáveis pela
tendência de municipalização da Região por serem os mais populosos e os únicos a apresentar
taxas elevadas de municipalização: 73,6 e 54,6% respectivamente. No caso do Pará, pela
política de municipalização desenvolvida pelo governo estadual. Mas como a municipalização
se manifesta nos Estados da Federação como um todo? A Tabela 06 ajuda a visualizar:
136
Os Territórios do Amapá e de Roraima foram criados pelo Decreto Lei nº 5.812 de 13/09 de 1943 no governo
de Getúlio Vargas, transformados em Estados por meio da Constituição Federal de 1988 (Art. 14 do ADCT) e
instalados como Estados em 1990, com a posse dos primeiros governadores eleitos.
137
O Estado de Tocantins foi criado pela Constituição Federal de 1988 (Art. 13 do ADCT), desmembrado do
Estado de Goiás e, só a partir de 1º de Janeiro de 1989, é instalado como tal.
138
Conforme o site do governo acreano, o Acre tornou-se Território brasileiro em 1903 por meio do Tratado de
Petrópolis que pôs fim à disputa pelo território com a Bolívia. Por meio da Lei 4.070 de 16 de junho de 1962, o
governo de João Goulart o transforma em Estado: http:// www.ac.gov.br. Acesso em novembro de 2007.
139
O Território Federal de Rondônia foi criado pelo Decreto Lei 5. 812 de 13/09 de 1943 com o nome de
Território Federal do Guaporé. Em 1956 passa a chamar-se Território Federal de Rondônia, sendo
posteriormente transformado em Estado pela Lei Federal 41 de 22 de Dezembro de 1981.
http://www.rondonia.ro.gov.br. Acesso em novembro de 2007.
140
TABELA 06: Brasil – Matrículas no Ensino Fundamental por Estado da
Federação nas Dependências Estadual e Municipal – 2006
ESTADOS TOTAL ESTADUAL
% MUNICIPAL %
Acre
155.829
90.812
58,2 58.027
37,2
Alagoas
706.862
156.196
22,0
503.304
71,2
Amapá
139.736
94.926
67,9 35.351
25,2
Amazonas
799.985
317.006
39,6
436.879
54,6
Bahia
2.879.669
539.606
18,7 2.125.277
73,8
Ceará
1.696.204
188.937
11,1
1.291.480
76,1
Espírito Santo
560.219
148.015
26,4 349.687
62,4
Goiás
1.032.596
402.652
38,9
483.465
46,8
Maranhão
1.498.743
245.162
16,3 1.161.256
77,5
Mato Grosso
578.788
263.918
45,5
277.852
48,0
Mato Grosso do Sul
433.044
168.684
38,9 227.140
52,4
Minas Gerais
3.343.922
1.650.303
49,3
1.432.699
42,8
Pará
1.589.453
337.530
21,2 1.170.052
73,6
Paraíba
775.045
250.290
32,2 450.138
58,0
Paraná
1.659.903
760.016
45,7 761.278
45,8
Pernambuco
1.679.485
461.664
27,4
982.305
58,4
Piauí
668.217
138.325
20,7 474.075
70,9
Rio de Janeiro
2.425.991
515.661
21,2
1.448.184
59,7
Rio Grande do Norte
588.241
182.558
31,0 328.514
55,8
Rio Grande do Sul
1.645.652
748.501
45,4
761.960
46,3
Rondônia
311.163
148.364
47,6 144.107
46,3
Roraima
85.127
62.895
73,8
18.650
21,9
Santa Catarina
951.192
437.682
46,0 438.543
46,1
São Paulo
6.014.209
2.945.985
48,9
2.249.262
37,3
Sergipe
395.387
125.295
31,6 231.461
58,5
Tocantins
275.423
138.093
50,1
123.597
44,8
Fonte: INEP/MEC Nota 1: No Distrito Federal a categoria municipal não se aplica, e o
atendimento ao ensino fundamental é estadual em sua quase totalidade, motivo por que foi
excluído da Tabela.
Os Estados com maiores índices de municipalização encontram-se na Região Nordeste
e Norte: Maranhão (77,5%), Ceará (76,1%), Bahia (73,8%), Pará (73,6%), Alagoas (71,2%) e
Piauí (70,4%) cujas altas taxas Maria de Fátima Félix Rosar e Miriam Sousa (1999) atribuem
esse aos programas desenvolvidos nesse rumo pelos governos militares na década de 1980.
No caso do Pará, a alta taxa de municipalização é fruto da política específica de
municipalização que já vinha sendo desenvolvida bem antes do FUNDEF, mas intensificou-se
com esse fundo. Destacam-se como os que apresentam maiores índices de estadualização do
ensino fundamental os estados de Roraima (73,8%), Amapá (67,9%), Pernambuco (58,4%)
Acre (58,2%) e Tocantins (50,1%). Mas em estados com forte tradição de estadualização
141
como Minas Gerais, São Paulo, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná e Mato Grosso,
embora de maneira discreta, a municipalização das matrículas do ensino fundamental
constitui uma tendência.
A municipalização do ensino fundamental no estado do Pará se intensificou a partir de
1997, embora viesse se processando como política governamental algum tempo. O
próximo capitulo trata um pouco mais sobre esse assunto e sobre o processo de
municipalização em Altamira.
142
4 A MUNICIPALIZAÇÃO DO ENSINO NO ESTADO DO PARÁ E NO MUNICÍPIO
DE ALTAMIRA
Este capítulo tem o objetivo de situar historicamente o contexto e o processo de
municipalização do ensino no Estado do Pará e no Município de Altamira, uma vez que uma
política educacional não se no abstrato, mas expressa as condições objetivas que lhes são
próprias.
4.1 QUEM VAI AO PARÁ PAROU: TOMOU AÇAÍ FICOU...
O nome “Pará”
140
origina-se da língua indígena tupi-guarani e significa “rio-mar”
devido à vastidão de seus rios amazônicos. A divisão política do Estado do Pará comporta
cento e quarenta e três municípios
141
, organizados em seis Mesorregiões e vinte e duas
Microrregiões. De acordo com a quantidade populacional e o espaço geográfico que ocupam,
na composição do Estado, essas Mesorregiões paraenses apresentam os seguintes índices
relativos, conforme tabela abaixo:
TABELA 07: Pará – Mesorregiões segundo o Número de Municípios, População e Área.
Mesorregiões
Nº de
Municípios
Índice de
Participação sobre
população do Estado
(%)*
Índice de Participação
sobre Área Territorial do
Estado (%)
1 – Baixo Amazonas
14 10,2
27,3
2 – Mara
16 6,1
8,3
3 – Metropolitana de
Belém
11 33,7
0,5
4 – Nordeste Paraense
49 24,0
6,7
5 – Sudoeste Paraense
14 6,9
33,7
6 – Sudeste Paraense
39 19,3
24,0
Total 143 100,0
100,0
Fonte: SEPOF e Plano de Defesa Social.
Nota 1: * Os índices populacionais são referentes ao ano de 2003.
140
No início da colonização pelos portugueses recebeu o nome de Feliz Lusitânia, depois foi substituído pelo
nome Grão-Pará (grande rio), passando finalmente para Pará.
141
Após a CF de 1988, foram criados cinquenta e seis novos municípios. Atualmente está em tramitação, mas já
aprovado pelo TSE em agosto de 2009, a criação do 144º município paraense, Mojdos Campos. Tal fato é
previsto na EC 57/2008 que permite a criação de municípios que tinham sido referendados em plebiscitos
até 31/12/2006, como é o caso do novo município.
143
Com uma área de 1.247.702,70 km², o Pará ocupa 32,38% da área de 3.852.967,70
km² pertencente à Região Norte e 14,65% dos 8.514.204,90 da região brasileira. Por ser o
estado mais populoso da Região Norte com 7.065.573 habitantes, o Pará detém 48% da
população regional e 3,6% da brasileira, com 5,66% de densidade demográfica
(SEPOF/IBGE, 2007). A dinâmica da distribuição populacional paraense aponta tendência à
urbanização com 4.949.502 habitantes na zona urbana e 2.116.071 na zona rural. O Estado do
Pará possui um Índice de Desenvolvimento Humano (IDH
142
) geral de 0,720 e encontra-se no
20º lugar em relação aos 27 estados da Federação
143
.
A economia paraense é predominantemente baseada no setor serviços. Na perspectiva
de avaliar a evolução econômica na década em que se desenvolve a presente pesquisa (1996 a
2006), o PIB e o PIB per capita referente a esse período será visto a seguir:
TABELA 08: Pará – Evolução do PIB e PIB Per Capita – 1996/2006
ANO PIB PIB PER
CAPITA
% PARTIC. PIB/
Brasil
1996 13.555
2.416
1,78
1997
14.717 2.513
1,69
1998
15.572
2.605
1,70
1999
16.674 2.710
1,71
2000
19.914
3.015
1,72
2001
21.748 3.393
1,81
2002
25.653
3.918
1,90
2003
29.755 4.448
1,90
2004
35.563
5.192
1,94
2005
39.150 5.617
1,82
2006 44.376
6.241
1,87
Fonte: SEPOF e IBGE. Nota 1: Os números do PIB são em milhões e,
até 2001, são em valores nominais. De 2006 a 2005 tanto PIB quanto
PIB per capita foram atualizados pelo SEPOF a preços correntes com
base em 2002.
142
O IDH reflete as condições de educação (medida por uma combinação da taxa de alfabetização de adultos e a
taxa combinada de matrícula nos ensinos fundamental, médio e superior), saúde (reflete, entre outras coisas, as
condições de saúde da população, medida pela esperança de vida ao nascer)
e renda (medida pelo poder de
compra da população, baseado no PIB per capita ajustado ao custo de vida local para torná-lo comparável,
através da metodologia conhecida como paridade do poder de compra (PPC)
da população). Sua variação é de
zero a um, sendo os valores mais baixos correlacionados a pior condição de vida humana.
143
Desdobrados os itens que compõem o IDH, temos a seguinte situação: Renda: 0,609 - 23º lugar; Educação -
Acesso ao Conhecimento: 0,815 - 17º lugar; Longevidade - Acesso à Saúde e Sobrevivência: 0,718 - 19º lugar
entre os estados brasileiros.
144
A composição do PIB em 2006 derivou de recursos oriundos de atividades de Serviços
(57,4%)
144
, Indústria (33,3%)
145
e Agropecuária (9,2%). O PIB paraense, em relação ao
brasileiro, é pouco significativo, pois de 1996 a 2006 nunca alcançou 2% do nacional.
Considerando os valores atualizados a preços correntes de 2002 a 2006, pode-se inferir que,
nesse período, embora tenha havido crescimento em termos relativos de 72,3% e em termos
absolutos acréscimo de quase vinte bilhões na economia, isso pouco impactou no percentual
de contribuição para o PIB nacional que continuou abaixo de 2%. É importante também situar
o Pará em relação ao restante do Brasil e à Região Norte.
TABELA 09: Pará – PIB e PIB Per capita – Valores comparativos 2002/2006
2002 2006
PIB Ranking
no Brasil
PIB Per
Capita
PIB Ranking
no Brasil
PIB Per
Capita
Brasil
1.477.822 100 8.378 2.369.797 100 12.688
Região Norte
69.310 - 5.050 120.014 - 7.989
Pará
25.659 22 3.918 44.376 13 6.241
Fonte: SEPOF/2007.
Nota 1: Valores a preços correntes com base em 2002 indexados pela SEPOF.
Em 2006 o Pará ocupava a 13º posição em termos de PIB
146
e a 22ª posição em termos
de PIB per capita considerando-se os 27 estados brasileiros
147
. Paradoxalmente, mesmo
ocupando o primeiro lugar em PIB entre os estados da Região Norte, em relação ao PIB per
capita, o Pará era o último dos sete estados em 2006. Importa destacar que em toda a Região
nenhum estado conseguiu ultrapassar o PIB per capita brasileiro, pois o maior valor
pertencente ao Estado do Amazonas foi de apenas R$11.829,00.
Embora tenha havido um crescimento de 59,2% no PIB per capita no Estado do Pará
entre 2002 a 2006, que passou de R$3.918,00 para R$6.241,00, isso não foi suficiente para
que se modificasse a sua condição sempre abaixo do valor da Região Norte e muito abaixo do
valor nacional. Se, em 2002, o PIB per capita paraense representava apenas 46,7% do PIB per
capita brasileiro; em 2006, representava 49,18% desse valor. Nestas condições, o cidadão
144
As principais atividades de serviços são referentes aos serviços públicos (17,9%) e comércio (12,10%).
145
As principais atividades industriais são: Indústria de Transformação (41,38), Extração Mineral (22,5%) e
Construção Civil (19,4).
146
Dados do SEPOF baseados no IBGE em relação a 2006 apontam São Paulo como o primeiro colocado
contribuindo com 33,87% do PIB brasileiro, ao passo que o Estado de Roraima ocupa a 2posição com 0,15%
de contribuição.
147
O Distrito Federal se destaca com o PIB per capita de valor mais alto entre os entes federados (R$37.600,00),
e o Piauí apresenta o de valor mais baixo (R$4.213,00).
145
paraense do ponto de vista econômico não chega a valer a metade do cidadão brasileiro, o que
tem se refletido em todo tipo de problemas sociais. Além disso, a maior parte dos recursos
está concentrada na mão de poucos
148
.
A Amazônia e, especialmente o Estado do Pará, tem sido palco de constantes tensões
sociais seja pelo controle de recursos naturais terra, água, floresta, minérios seja
especificamente pela posse de terras, o que tem resultado em sangrentos conflitos agrários
149
.
Em função da grande dimensão territorial e da ausência de políticas públicas em alguns
municípios, desde 1992 um movimento por nova divisão geopolítica do Estado, criando-se
dois novos Estados: o Estado de Carajás, o do Tapajós
150
e um Território Federal na Ilha do
Marajó. Mas tal movimento separatista vem encontrando resistência por parte de
parlamentares, populares e de segmentos da mídia que concebem que essa mudança pode
alijar o Estado de suas principais fontes de beleza e de riqueza.
Importa ressaltar que a grande dimensão territorial do Estado por vezes dificulta de
fato o planejamento e a execução de políticas públicas, dentre elas a educação, e este vem
sendo um dos motivos a estimular a política de descentralização da gestão do ensino
fundamental via municipalização, vista a seguir.
4.2 ASPECTOS GERAIS DA POLÍTICA EDUCACIONAL DO PARÁ E A POLÍTICA DE
MUNICIPALIZAÇÃO
O Sistema Estadual de Educação do Pará foi criado em 1998 pela Lei 6.170 de 15 de
dezembro daquele ano, embora a Secretaria Estadual de Educação (SEDUC) exista desde
1951
151
e compreende as instituições de educação básica e superior mantidas pelo Poder
148
Conforme dados do IBGE/Censo 2000, os 10% mais ricos do Estado concentram 51,03% da renda gerada no
Estado, o que demonstra a alta concentração de renda existente e a consequente desigualdade social.
149
O estudo de Marín (2002) sobre os conflitos de terra no Pará apresenta que, de 1964 a 1985, houve 1.106
mortes decorrentes desses conflitos no país, nos quais milhares de famílias têm entrado em confronto com
jagunços, pistoleiros, grileiros e com agentes do aparato do Estado A Comissão da Pastoral da Terra (CTP), em
reportagem à revista Época de fevereiro de 2005, avalia que nos últimos vinte anos o Pará foi o campeão
nacional de mortes.
150
A criação do Estado de Carajás foi proposta ao Congresso Nacional em 1992 pelo deputado Giovani Queiroz
do PDT/PA que pleiteava a aglutinação de 39 municípios do sul e sudeste do Pará, incluindo Tucuruí e a Serra
dos Carajás, a maior província mineral do planeta. O Estado de Tapajós foi proposto pelo deputado Mozarildo
Cavalcante do PTB/RO e supõe 25 municípios do Oeste do Pará incluindo Santarém e Alter do Chão. Ambas as
propostas estão em trâmite.
151
De acordo com o site da SEDUC, esta Secretaria foi criada em agosto de 1951 através da Lei nº 400.
146
Público Estadual, a SEDUC, o Conselho Estadual de Educação (CEE)
152
, as instituições de
ensino fundamental e médio mantidas pela iniciativa privada e todas aquelas vinculadas ao
Poder Público Municipal onde não houver sistema próprio legalmente criado.
A Política de municipalização do ensino fundamental no Estado do Pará começou a
ser implementada no Estado a partir de 1995 como uma das diretrizes contidas no Plano
Estadual (1995/1999) do governo Almir Gabriel (PSDB). Em 1996, o governo lançou o
“Projeto de Municipalização da Educação”, cujas ações se diversificavam por meio de vários
subprojetos: merenda escolar, livro didático e ensino fundamental. Este último subprojeto,
intitulado “Municipalização do Ensino Fundamental no Estado do Pará”, tinha o objetivo de
transferir matrículas, prédios, professores e funcionários estaduais do ensino fundamental e da
pré-escola para a gestão das redes municipais.
A proposta previa que:
Com a unificação das redes estadual e municipal das escolas com pré-escola
e turmas de a série, as matrículas e o planejamento escolar como um
todo, além dos procedimentos ligados à melhoria da qualidade do ensino e
suas relações com o desenvolvimento do Pará, poderão ser planejados com
mais eficiência porque este conjunto de escolas estará sob a jurisdição da
prefeitura e não mais partilhada entre Estado e Município; a
descompressão administrativa resultará numa liberação de energia no
campo da qualidade. (PROPOSTA DE MUNICIPALIZAÇÃO DO
ENSINO FUNDAMENTAL NO ESTADO DO PARÁ, 1996, página de
apresentação, negrito meu).
O argumento utilizado pelo governo do Estado para justificar a municipalização era de
que tanto a Constituição Estadual de 1989 quanto a Emenda Constitucional 14/96 e a Lei
de Diretrizes e Bases da Educação de 1996 estabeleciam que a responsabilidade por essa
etapa da Educação Básica era de prioridade dos municípios.
De fato, ainda que a Constituição do Estado do Pará, promulgada em 5 de outubro de
1989, definisse que “os Municípios atuarão prioritariamente no Ensino Fundamental e na
Educação Infantil, e o Estado atuará prioritariamente no Ensino Fundamental e Médio” (§1º
Art.274), e que, portanto, o ensino fundamental fosse de competência concorrente, a referida
Lei limitava a expansão da rede estadual ao deliberar como
“obrigatória a prioridade
municipal na organização de novas escolas”(§ Art. 174). Esse dispositivo constitucional
152
O Conselho Estadual de Educação foi criado em 1963, pela Lei 2.840 de 18/07/63, e teve suas competências
redefinidas pela Lei 6.170/98, que criou o Sistema Estadual de Educação.
147
expressava de forma muito clara a opção política pela municipalização do ensino fundamental
como política de Estado. Com base nele, o governo do Estado passa a considerar a
municipalização como obrigatória, como foi expressa na publicação que trazia as orientações
básicas sobre a Municipalização do Ensino Fundamental publicada em 1996:
em termos práticos, significa esta medida constitucional a obrigatoriedade da
implantação do processo de municipalização do Ensino Fundamental, como
forma de organização, gerenciamento e desenvolvimento dessa faixa de
ensino. Isto se reforça ainda mais quando a própria Constituição Estadual
define também como obrigação do município a prioridade na organização de
novas escolas. (Municipalização do Ensino Fundamental, 1996, p.10 - 11).
Essa progressiva responsabilização do município pelo ensino fundamental era também
definida no inciso II do Art. 280 da Constituição Estadual, que tratava da organização do
ensino público a ser atendido pela rede estadual e pelas redes municipais, em regime de
colaboração. O § deste mesmo artigo definia ainda as competências de atendimento dessas
redes.
§ 1º A responsabilidade progressiva referida no inciso II far-se-á a partir das
primeiras séries do ensino fundamental e, na medida que os municípios
assumam as escolas fundamentais, o Estado será obrigado a,
concomitantemente, expandir o ensino médio através da criação de
escolas técnicas, agrícolas ou industriais e de escolas de formação de
professores para o primeiro grau, priorizando, em qualquer caso, o interior
do Estado (PARÁ, 1989, p.87, negrito meu).
Estavam postas as condições para que se legitimasse o discurso da legalidade e até
mesmo da obrigatoriedade da municipalização do ensino fundamental, amplamente divulgado
na mídia. Obviamente que essa interpretação de obrigatoriedade” da municipalização era um
equívoco, pois a própria Constituição de 1988 preserva a responsabilidade comum de estados
e municípios no atendimento dessa etapa do ensino básico, quando, por exemplo, no Art. 211,
§ 4º, deixa claro que estados e municípios definirão formas de colaboração que permitam
assegurar a universalização do ensino obrigatório, ideia reforçada pelo Art. 10, inciso II da
LDB, conforme se pode observar:
148
Art. 10 – Os Estados incumbir-se-ão de:
(...)
II Definir com os Municípios, formas de colaboração na oferta do ensino
fundamental, as quais devem assegurar a distribuição proporcional das
responsabilidades, de acordo com a população a ser atendida e os recursos
financeiros disponíveis em cada uma dessas esferas do Poder Público
(BRASIL, 1996).
A proposta de Municipalização do Ensino Fundamental pelo governo do Estado do
Pará toma como pressupostos para a melhoria da gestão os seguintes argumentos: Melhoria
do Planejamento visando à universalização do atendimento ao ensino fundamental;
proximidade da gestão local, que facilitaria a resolução dos problemas educacionais
(especialmente das escolas rurais); maior aproximação do governo com a sociedade;
possibilidade de maior adequação do Currículo às especificidades do contexto municipal;
maior racionalidade de recursos materiais e financeiros; divisão de responsabilidades pela
oferta do ensino básico, cabendo ao município a prioridade no atendimento ao ensino
fundamental e educação infantil, e ao Estado, o ensino médio (SEDUC, 1996).
Embora condicionada à adesão dos municípios, a proposta tinha como meta
universalizar a Municipalização do ensino fundamental nos 143 municípios até o final do ano
de 2002
153
e pressupunha quatro etapas. A primeira etapa era descrita na Cartilha que
orientava a proposta de Municipalização como um momento de apresentação e discussão do
Projeto, ou seja, quando se deveria realizar um Fórum sobre a municipalização no próprio
município.
A segunda etapa compreendia uma série de providências que antecediam a
municipalização após a adesão da prefeitura, tais como: reorganização interna das escolas
estaduais das zonas urbana e rural quanto à documentação escolar; processo de regularização
da escola; conferência de alunos; reajuste de turmas; levantamento da situação patrimonial
(física e dos equipamentos de imobiliários da escola); diagnóstico da situação pedagógica da
escola; levantamento da situação funcional dos servidores efetivos e temporários, enfim, um
assessoramento técnico-pedagógico visando a preparar as escolas da rede estadual para serem
transferidas para a rede municipal.
Na terceira etapa, o documento previa análises dos instrumentos legais da
municipalização pela Prefeitura e Secretaria Municipal de Educação e a assinatura do Termo
de Convênio. A partir desse ato, aconteceria a cessão, em comodato, de imóveis, móveis e
153
Essa meta não foi alcançada, restando ainda hoje (setembro de 2009) 42 municípios que não aderiram à
municipalização.
149
equipamentos da rede estadual para a municipal. A quarta etapa consistia no repasse dos
recursos do FUNDEF para a prefeitura municipal, referentes aos alunos antes matriculados na
rede estadual. Assim, embora desde 1989 fosse prevista como política na Constituição
Estadual, a municipalização se tornou possível com a implantação do FUNDEF
(LOUREIRO 1999; GEMAQUE, 2004).
A Lei 9.424/96, que regulamentou esse fundo, previu a sua implantação automática
a partir de de janeiro de 1998 em todo o Brasil, mas deixou aberta a possibilidade de
antecipação pelos estados que assim o desejassem, mediante lei de âmbito estadual. Com base
nessa possibilidade e com o argumento de que “a SEDUC receberia cento e vinte milhões de
reais que seriam destinados à melhoria do Ensino Fundamental das redes estadual e
municipal, possibilitando aumento dos salários dos professores em todo o Estado”
(GEMAQUE, 2004, p.114), o governo do Estado do Pará enviou à Assembleia Legislativa do
Pará a Mensagem 10/97-GG, datada de 19 de fevereiro de 1997, por meio da qual
encaminha o Projeto de Lei
154
que solicitou a antecipação da criação do FUNDEF no Estado,
a ser apreciado em regime de urgência. A Lei foi aprovada com o 6.044/97, em 16 de abril
de 97, o que possibilitou ao Estado implantar o FUNDEF a partir de julho de 1997.
As vantagens de tal antecipação considerando a situação econômica específica do Pará
foram descritas pelo assessor de Planejamento da SEDUC da época em entrevista para essa
pesquisa:
E em 1995 nós começamos a participar de reuniões do CONSED [Conselho Nacional
de Secretários Estaduais de Educação] nós tomamos conhecimento de duas
questões básicas na questão do FUNDEF. Primeiro, que ele representava uma
melhor distribuição dos recursos entre Município e Estado e segundo, que o Estado
do Pará, não era beneficiado com mais recursos como o era duplamente (...)
nos
outros Estados ou a rede estadual ganhava e as redes municipais perdiam ou se
dava o inverso. No Pará era o contrário: tanto o Estado quanto os municípios
ganhavam (...). Em um total de 143 municípios você tinha aproximadamente de 12 a
20 municípios que perdiam recursos e em torno de 123 que ganhavam recursos
adicionais. (...) No fundo tudo tinha um denominador comum: necessidade de mais
recursos. Nós vimos que o FUNDEF ia garantir um volume expressivo de recursos
para o Estado. (Assessor de Planejamento – SEDUC)
O assessor da SEDUC reconhecia como de grande vantagem econômica a antecipação
do FUNDEF diante do aporte significativo de recursos que poderia advir como
complementação da União, pois os cálculos realizados pelos técnicos do governo estadual
154
O Projeto de Lei tramitou com o nº 18/97.
150
apontavam, em 1996, o gasto médio-aluno em todo o estado de R$ 202,00, sendo R$ 168,00 a
média das redes municipais, e R$ 224,47 a média da rede estadual. Segundo a legislação do
FUNDEF, o mínimo a ser aplicado em 1997 seria de R$300,00, o que garantia
complementação para o Estado de maneira quase geral.
Contudo, o governo estadual minimizava as consequências do mecanismo de
redistribuição intraestadual para alguns municípios que redistribuiriam recursos, o que
provocou discussões acirradas no processo de aprovação da Lei de antecipação do FUNDEF
na Assembleia Legislativa do Estado do Pará ALEPA, onde se polarizava o discurso entre
os Deputados Estaduais que se posicionavam contra a antecipação (Deputados ligados ao PT)
e os demais partidos, a favor do da antecipação apresentada pelo governo estadual. Esses
debates revelavam também “a preocupação com os efeitos indutores do FUNDEF à
municipalização do ensino fundamental” e os problemas dela decorrentes, considerando que
“as condições infraestruturais da maioria dos municípios paraenses” (GEMAQUE, 2004, p.
120) eram pouco favoráveis.
A polêmica a respeito dos efeitos da antecipação do FUNDEF para os municípios que
redistribuíam recursos para a composição do fundo ganha contornos mais nítidos pela
exposição do Secretário de Educação de Belém
155
, um dos municípios que redistribuíam
recursos, em Reunião Especial ocorrida em março de 1997, para debater a Municipalização do
Ensino
156
no Pará:
O governo manda em caráter de urgência a esta Assembleia para ser aprovada a
vigência do FUNDEF imediatamente. Vejamos as consequências: temos 120 milhões
que viriam do MEC, mas não é bem assim, porque no geral, se embutiu o dinheiro
de 24 municípios, que foi redistribuído. Então, nem todo dinheiro vem novo, também
é dinheiro velho. Esses 24 municípios representam 50% da população que será
penalizada (...). Pergunto: os membros da municipalidade abrem mão do que
conquistaram? (...) Ora, nós não achamos justo que as pessoas que pagam imposto
em Belém, em Barcarena, em Tucuruí, em qualquer dos 24 municípios, abram o
de um direito conquistado, de um dever do Estado, para que o MEC fique de
santinho. (...) E se nós, a SEDUC, a SEMEC, as Prefeituras, nos uníssemos para
pressionar o MEC a liberar recursos para quem não tem, ao invés de tirar de quem
tem, talvez fosse mais justo. (...) Eu quero, como secretário, investir na qualidade,
não sou contra que se mais, o que eu não concordo é que se socialize a
miséria, isso que está errado. O governo do Estado antecipando o fundo, vai fazer
aceno com o chapéu alheio. Assim é fácil fazer política (Secretário Municipal de
Belém).
155
No Município de Belém, estava iniciando-se o primeiro mandato (1997-2000) do prefeito Edmilson
Rodrigues do PT, que posteriormente foi reeleito para o segundo mandato (2001-2004).
156
A Reunião Especial para debater a Municipalização ocorreu na ALEPA em 20/03/1997 e contou com diversas
autoridades estaduais, municipais e representantes de entidades ligadas à educação por requerimento do
deputado Zé Carlos do PT.
151
O secretário questionava o que definia como comportamento omisso da União diante
do pouco investimento efetivo no Estado, beneficiando-se da política de redistribuição
intraestadual de recursos, para propagandear um benefício do qual não era autor, contando
com a colaboração do governo estadual porque antecipava tal situação. Ele argumentava que,
embora fossem poucos os municípios que tinham um valor acima da média nacional no Pará,
eles eram bastante populosos, o que acabava por penalizar cerca de 50% da população. Por
fim, avaliava que a antecipação do FUNDEF implicaria alterações no orçamento da rede
municipal de Belém e nas atividades que estavam programadas, o que deixava a SEMEC
numa situação muito difícil, fosse pela diminuição de recursos via FUNDEF, fosse diante da
perspectiva de assumir mais matrículas via municipalização do ensino fundamental e, ainda
assim, perder recursos.
Queria dizer que é uma decisão muito difícil o que a Assembleia vai colocar em
nossas mãos se ela aprovar esse fundo. Primeiro, é difícil de explicar porque escolas
não vão ser mais construídas; segundo, explicar porque não podemos mais ampliar a
pré-escola; terceiro, porque não se vai poder ajustar o salário dos servidores; e em
quarto lugar, eu não sei o que é pior, se perder doze milhões de reais ou assumir
quarenta mil alunos e perder também. (Secretário Municipal de Belém)
Coroando a polêmica e os arrazoados de ambas as partes, e enfim, todo o debate na
Assembleia Legislativa durante os primeiros meses de 1997, nove propostas de emenda são
apresentadas pelos Deputados sugerindo alterações no Projeto de Lei nº 18/96. São elas:
Emenda 1: Garantia de que qualquer membro do poder legislativo
apresentasse proposta de lei referente ao Plano de Carreira e remuneração do
Magistério, caso o executivo não o implantasse no prazo previsto em lei;
Emenda nº 2: Inclusão do Pré-escolar na distribuição dos recursos do fundo;
Emenda nº 3: Inclusão do Ensino Supletivo na distribuição dos recursos;
Emenda 4: Inclusão de representantes dos Trabalhadores em Educação
Pública do Estado do Pará (SINTEPP) na composição do Conselho de
acompanhamento e Controle Social do FUNDEF;
Emenda 5: Compatibilização do texto do projeto de lei com o Regime
Jurídico Único dos Servidores Públicos Civis do Estado do Pará, no que se
refere à remuneração dos professores em efetivo exercício do magistério;
Emenda 6: Inclusão de representante da União Brasileira de Estudantes
Secundaristas (UBES) para compor o Conselho de acompanhamento e
Controle Social do FUNDEF;
Emenda 7: Garantia da manutenção dos valores do gasto aluno/ano em
municípios que investiam valores iguais ou superiores ao mínimo anual
fixados em lei;
152
Emenda 8: Proposição de nova redação para o parágrafo que trata da
distribuição de recursos, de modo a assegurar o valor do gasto-aluno
superior ao mínimo em lugares que isto ocorria antes da instituição do
fundo;
Emenda 9: Substituir o termo “sete” por “nove” o número de entidades
que compõem o CACS, considerando o SINTEPP e a UBES (GEMAQUE,
2004, p. 121).
Das nove propostas, apenas três (as de 4, 6 e 9) foram incorporadas pela Lei de
antecipação do FUNDEF, sendo que as outras foram rejeitadas pelo relator que as considerou
inconstitucionais. Apesar das contestações dos deputados de oposição e de lideranças da
educação, a lei foi aprovada, segundo Gemaque (2004), em uma sessão bastante conturbada
que teria sido “interrompida diversas vezes em função do tumulto na galeria e da troca de
ofensas entre os parlamentares, com palavras, gritos e gestos” (GEMAQUE, 2004, p.121),
dando-se a partir daí início à implantação do FUNDEF.
O processo de implantação do FUNDEF pela Secretaria Estadual de Educação se deu
um pouco na base do ensaio e erro já que, embora delineado teoricamente na Lei, apresentava
diversos pontos obscuros. O próprio MEC ainda apresentava muitas dúvidas quanto aos
aspectos práticos da implantação, como afirma um dos responsáveis pelo processo no Pará,
assessor da SEDUC:
Aprovamos [a Lei estadual 6.044/97, que antecipava o FUNDEF] não me lembro
se quarta ou quinta-feira, numa determinada semana quando foi segunda-feira a
equipe do Estado desembarcou no MEC. Chegamos e dissemos: a Lei [Lei
9.424/96, de regulamentação do FUNDEF] diz que o Estado que aprovar na sua
Assembleia uma lei estadual dizendo que implementa o FUNDEF, a partir daí o
FUNDEF começa. Está aqui a nossa lei. E o ministro ficou sem saber o que fazer
porque, em tese, se esperava que iniciasse em 1998, e isso foi em abril de 1997.
O Secretário Paes Loureiro [titular da SEDUC] disse pro ministro [Paulo Renato]: - O
nosso Estado meteu a cara, nós tivemos a nossa Assembleia Legislativa toda
quebrada, nós tivemos uma oposição cerrada... nós não podemos simplesmente
voltar pro Estado e dizer: foi uma brincadeira... E o que aconteceu a partir de então?
Uns quinze dias depois a equipe do Pará em peso foi para o FNDE, e nós passamos
um mês montando passo a passo como o FUNDEF ia ser implementado. Isso foi
maio, junho de 1997. (Assessor da SEDUC)
O FUNDEF foi decisivo para que ocorresse a municipalização do ensino no Pará,
visto que a proposta havia sido lançada publicamente um ano, em agosto de 1996, e
como política vinha sinalizada na Constituição Estadual de 1989 até então não havia sido
153
realizado nenhum convênio nesse sentido, como ensejava a proposta e foi saudado como o
‘gancho’ exato que possibilitaria tais convênios como afirma o assessor da SEDUC:
Quando foi, se eu não me engano, de julho de 1997, o FUNDEF começou a
funcionar. Aí nos dissemos: nós temos ‘gancho’ pra fazer a municipalização do
ensino fundamental. Nós tínhamos o gancho exato. Se cada aluno valia trezentos
reais, a gente dizia: a conversão aqui no valor é a seguinte: todo aluno
municipalizado, o prefeito leva R$300,00. E os R$300,00 seriam os mesmos que a
SEDUC teria para garantir o mínimo considerado para garantir um ensino de
qualidade para o aluno da rede estadual, e passaria para a rede municipal (Assessor
da SEDUC).
Este parece ter sido o principal argumento para convencer os prefeitos a fazer
convênios de municipalização. O Secretário de Educação de Belém, na Reunião Especial na
Assembleia Legislativa dava pistas de como a proposta era feita em relação a Belém:
A SEDUC me diz o seguinte: você não precisa perder onze milhões. Você pode
receber R$300,00 por aluno, [recebendo os] alunos que estão em escolas
construídas, as escolas estaduais. É verdade. E isso significa ter 82.967 alunos no
total, 42.200 alunos novos. Em vez de gastar R$825,00 [como a prefeitura gastava
antes do FUNDEF], eu divido o bolo com todos e gasto menos com todos (Secretário
de Educação de Belém).
Com base nesse e outros depoimentos do Secretário pode-se inferir que o motivo
financeiro talvez tenha sido a razão principal por que Belém (e a maioria dos municípios da
região metropolitana) até a presente data [dezembro de 2009] não tenham assinado o convênio
de municipalização do ensino. Mas isso não impediu que ocorresse um processo de
municipalização do ensino sem precedentes no Pará na cada de 1990, como se pode
conferir na Tabela 10:
154
TABELA 10. Pará – Matrículas na Educação Básica por Dependência
Administrativa -1996/2006
ANOS TOTAL
FEDERAL
ESTADUAL % MUNICIPAL
%
PRIVADA
1996
1.996.019
9.510
1.142.536 57,2
713.928
35,7
130.045
1997
2.188.673
13.517 1.213.639 55,4
817.692 37,3 143.825
1998
2.196.643
6.213
947.194 43,1
1.124.390
51,1
118.846
1999
2.301.353
11.378 943.906 40,9
1.221.792 53,0 124.277
2000
2.318.090
10.484
829.284 35,7
1.357.125
58,5
121.197
2001
2.414.730
10.316 811.540 33,5
1.453.890 60,1 138.984
2002
2.466.377
9.888
802.599 32,5
1.519.229
61,5
134.661
2003
2.493.644
8.384 801.196 32,1
1.562.108 62,6 121.957
2004
2.521.532
3.042
795.601 31,5
1.595.684
63,2
127.205
2005
2.576.206
5.706 797.229 30,9
1.621.891 62,9 151.379
2006
2.569.777
7.057
791.204 30,7
1.613.080
62,7
158.436
Fonte: INEP/MEC. Nota: A educação básica considerada envolve a educação infantil o ensino
fundamental e o médio. É excluída a modalidade de EJA e a de Educação Especial.
Em 1996, a participação percentual das redes municipais no conjunto das matrículas
de todo o Estado era de 35,7%, passando a 62,7%, em 2006, aumentando em 899.152
matrículas, e, portanto, elevando o seu atendimento em 126% no período. Em compensação, a
matrícula na rede estadual que, em 1996, correspondia a 57,5% do total, reduziu-se para
30,7% em 2006, o que equivale a uma diminuição de 351.332 matrículas na educação básica.
Mas no geral, considerando todas as redes houve um aumento de apenas 28,7% nas matrículas
de educação básica nos dez anos analisados.
A redefinição de competências no atendimento é mais acentuada ainda quando se trata
do ensino fundamental, objeto principal da política de municipalização no Estado. Em 1996, a
rede estadual era responsável por 57,5% do total e, em 2006, essa passa a se responsabilizar
por apenas 21,2% como demonstra a Tabela 11:
155
TABELA 11. Pará – Matrículas no Ensino Fundamental por Dependência
Administrativa-1996/2006
ANOS
TOTAL
FEDERAL
ESTADUAL
% MUNICIPAL
%
PRIVADA
1996
1.369.430
4.534
788.288
57,5
505.127
36,8
71.481
1997
1.475.856
4.579
816.692
55,3 577.333
39,1 77.252
1998
1.585.239
4.072
601.452
37,9
916.713
57,8
63.002
1999
1.614.743
3.848
561.310
34,7 986.275
61,0 63.310
2000
1.606.537
3.825
451.382
28,0
1.089.490
67,8
61.840
2001
1.609.733
3.771
421.938
26,2 1.116.199
69,3 67.825
2002
1.623.105
3.426
409.710
25,2
1.114.917
68,6
65.052
2003
1.624.301
3.326
388.698
23,9 1.170.294
72,0 61.986
2004
1.614.942
1.907
365.884
22,6
1.184.001
73,3
63.150
2005
1.606.493 3.165 354.450 22,0 1.174.887 73,1 73.991
2006
1.589.453
2.651
337.530
21,2
1.170.052
73,6
79.220
Fonte: INEP/MEC
As redes municipais que, em 1996, eram responsáveis por 36,8% do atendimento; em
2006, passam a atender 73,6%. Em termos gerais, houve um crescimento de 16% nas
matrículas do ensino fundamental, o que, em números absolutos, equivale a 220.023 novas
matrículas. Mais do que aumento, o que aconteceu foi uma redefinição das competências de
atendimento ou “uma municipalização na marra” nos termos de Neves (1999, p.138), pois as
responsáveis por esse aumento foram as redes municipais.
A Educação Infantil, como área prioritária de atuação dos municípios, constitui a etapa
mais municipalizada, como se podem conferir os números na Tabela 12:
TABELA 12. Pará – Matrículas na Educação Infantil por Dependência
Administrativa - 1996/2006
ANOS
TOTAL
FEDERAL
ESTADUAL
% MUNICIPAL
%
PRIVADA
1996
318.196 283 102.757
32,2
180.391
56,6
34.765
1997
341.560 923 97.470
28,5
204.949
60,0
38.225
1998
233.417
799 48.464
20,7
151.741
65,0
32.413
1999
241.685 802 38.955
16,1
165.303
68,4
36.625
2000
241.391 798 30.081
12,4
174.341
72,2
36.171
2001
267.392 704 26.218
9,8
197.903
74,0
42.597
2002
264.352
593 13.037
4,9
210.070
79,4
40.652
2003
252.471
455 7.383
2,9
213.300
84,4
31.329
2004
252.462 287 6.126
2,4
219.479
86,9
32.570
2005
288.356 222 2.570 0,8 243.568 84,4 41.996
2006
288.121
183 1.402
0,4
246.366
85,5
40.170
Fonte: INEP/MEC
156
As redes municipais respondiam por 56,5% (180.391) das matrículas em 1996; em
2006, passam a atender 85,5% (246.366) do total, expandindo em 36,6% (65.975) o seu
atendimento. A rede estadual diminuiu em 98,6% a sua oferta de vagas, passando de 102.757
(32,2% do total) em 1996 para 1.402 (0,4%) em 2006, deixando de ofertar 101.355 vagas.
Estes 0,4% de matrículas atendidas pela rede estadual em 2006 limitavam-se à pré-escola
(1.402 vagas) em cinco municípios: Ananindeua, Belém, Benevides, Bom Jesus do Tocantins
e Santa Maria do Pará.
Observa-se que a municipalização na educação infantil se deu pela expansão do
atendimento pelas redes municipais e pelo retraimento da rede estadual, e, com a
municipalização, o atendimento em educação infantil diminui, pois 30.075 matrículas de 1996
a 2006 deixaram de ser ofertadas, o que corresponde a 9,4% de diminuição das matrículas. É
importante ainda destacar que em 40 municípios (27,9%), até 2006, nunca houve atendimento
em creche, seja de caráter público, seja privado. Em outros dez municípios (6,9%), apenas
atuava a rede privada, portanto, em 50 municípios paraenses (34,9%) até 2006 nunca tinha
existido oferta pública de matrículas em creche.
Ainda que apenas 101 municípios tivessem aderido formalmente à política de
municipalização proposta pelo governo estadual, em 138 a educação infantil estava totalmente
municipalizada, ou seja, havia um movimento de municipalização compulsório pelo não
atendimento da rede estadual. Tal situação certamente está relacionada à definição de
competências posta pela Constituição de 1998.
A Educação de Jovens e Adultos também sofreu os reflexos da municipalização, como
se pode conferir na Tabela 13:
TABELA 13: Pará – Matrículas na educação de Jovens e Adultos – 1996/2006
ANOS TOTAL
FEDERAL
ESTADUAL % MUNICIPAL
%
PRIVADA
1996
136.111
0
107.097
78,6
24.653
18,1 3.664
1997
158.400
991
120.642 76,1 31.692 20,0 5.075
1998
172.502
0
116.444
67,5
53.534
31,0 2.524
1999
194.581
767
122.142 62,7 67.754 34,8 3.918
2000
195.313
0
104.489
53,4
88.686
45,4 2.138
2001
238.143
503
98.676 41,4 135.071 56,7 3.893
2002
261.602
377
98.676
37,7
159.969
61,1 2.580
2003
276.237
0
100.462 36,3 173.973 62,9 1.802
2004
294.470
0
103.221
35,0
187.586
63,7 1.663
2005
304.576 185
103.606 34,0 198.458 65,1 2.327
2006
307.016
203
109.702
35,7
193.499
63,0 3.612
Fonte: INEP/MEC
Nota 1: A matrícula de 1996 não consta no Censo do INEP. O resultado desse ano é uma
média entre a matrícula de 1995 da SEDUC e 1997.
157
Houve expansão de 125,5% no atendimento a essa modalidade de ensino durante o
período de 1996 a 2006, passando de 136.111 matrículas para 307.016 respectivamente.
Embora em termos absolutos a rede estadual tenha aumentado em 2,4% o número de
matrículas, observa-se que essa mesma rede, em termos relativos, diminui em 42,9% o seu
atendimento, pois, se em 1996 esse percentual correspondia a 78,6% das matrículas
(107.097), em 2006 passa a corresponder a 35,7% (109.702). A expansão se deve, sobretudo,
à ampliação da oferta pelas redes municipais, que, em termos relativos, aumentou em 45% e,
em termos absolutos, a 684,8% o seu atendimento, passando de 24.653 para 193.499
matrículas em EJA no período.
Com a municipalização, a Educação Especial também vem diminuindo as matrículas.
De 1996 a 2006, houve queda de 7,8%. Se tomarmos o ano de 1997 como base, o percentual
de queda aumenta para 32,3%. A Tabela 14 demonstra o atendimento por dependência
administrativa no período, ressaltando que, no âmbito federal, não há atendimento.
TABELA 14: Pará – Matrículas na Educação Especial – 1996/ 2006
ANOS
TOTAL
ESTADUAL
%
MUNICIPAL
%
PRIVADA
1996
9.609
8.102
84,3
929
9,6
581
1997
13.098
10.619
81,0 1.319 10,0 1.160
1998
12.670
10.377
81,9
1.440
11,3
853
1999
11.390
8.248
79,4 2.102 18,4 1.040
2000
10.380
5.825
56,1
3.333
32,1
1.222
2001
9.947
4.698
47,2 3.547 35,6 1.702
2002
9.391
3.793
40,3
3.513
37,4
2.085
2003
9.008
3.700
41,0 3.138 34,8 2.170
2004
9.389
3.544
37,7
3.115
33,1
2.730
2005
9.429 3.163
33,5 2.851 30,2 3.414
2006
8.856
2.547
28,7
2.868
32,3
3.441
Fonte: INEP/MEC
Em 1996, a rede estadual responsabilizava-se por 84,3% das matrículas em educação
especial, em 2006, por 28,7%, reduzindo, portanto, em 55,6% esse atendimento em termos
relativos. Em termos absolutos, isso significou uma diminuição de 5.555 matrículas,
correspondendo a 68,5% de diminuição. Em compensação, a rede municipal, responsável por
9,6%, passa a responsabilizar-se por 32,3%, aumentando em 22,7% o seu atendimento. Em
158
termos absolutos isso significou um aumento de 1.939 matrículas correspondendo a 108,7%
de aumento.
Os números relativos à municipalização até 2006 expressam que 70,6% dos 143
municípios paraenses tiveram Termos de Convênio de Municipalização assinados por seus
respectivos prefeitos (sendo que os anos de 1997 e 1998 foram os de maior incidência,
coincidentemente os anos de implantação do FUNDEF), como se pode verificar na Tabela 15.
TABELA 15: Pará – Nº de Municípios que Municipalizaram o Ensino Fundamental –
1997 a 2006
ANO
1ª A 4ª 1ª A 8ª A 8ª TOTAL
1997
4 27 0 31
1998
2 27 2 30
1999
0 6 0 6
2000
0 17 0 17
2001
0 5 1 5
2002
0 1 0 1
2003
0 4 0 4
2004
0 1 0 1
2005
2 2 0 4
2006
1 0 0 1
Total
9* 93** 3*** 101****
Fonte: Coordenação de Municipalização – SEDUC/PA.
Nota: (*) Até 2006, permaneciam apenas 8 municípios municipalizados de a 4ª série. Nota: (**)
A soma representa os municípios que posteriormente municipalizaram de a 8ª série. Nota: (***)
A municipalização de a foi complementar à da a série não restando nenhum município com
apenas essa etapa municipalizada. Nota: (****) Embora o número de municípios cujos prefeitos
formalizaram Termo de Convênio para a Municipalização do atendimento do ensino fundamental seja
de cem (100), esse número sobe para cento e um (101), considerando-se que o município de Cumaru
do Norte já foi criado com o ensino fundamental municipalizado desde 1996.
Vale ressaltar que, em 2006, restavam apenas oito municípios
157
com municipalização
parcial do ensino fundamental (1ª a série), os demais o fizeram de a série. Embora
tenham ocorrido convênios específicos para o atendimento de a rie
158
, não havia até
2006 nenhum município cuja rede municipal atendesse apenas a essa etapa, pois esses
convênios foram feitos de forma a complementar a primeira etapa (de 1ª a série) já realizada
anteriormente. Em síntese: de 1997 a 2006, em cento e um municípios, o ensino fundamental
157
Os municípios eram: Abaetetuba, Soure, Irituia, Bujaru, Curuçá, Limoeiro do Ajuru, São Domingos do
Araguaia e Vigia;
158
Alguns municípios optaram por fazer a municipalização em etapas como os municípios de Canaã dos Carajás,
Pau D’Arco e Sapucaia.
159
foi municipalizado, sendo que em noventa e três a municipalização foi integral (1ª a série) e,
em oito, foi parcial (1ª a 4ª).
A definição de parceria entre o Estado e municípios, segundo a Constituição Estadual, é
reforçada pelo estabelecimento de um regime de colaboração para o atendimento ao ensino
público, visando, entre outros pontos, à responsabilidade progressiva do município pelo
atendimento em creches, pré-escolas e ensino fundamental, começando pela educação infantil e
primeiro ciclo do ensino fundamental. No entanto, em vários municípios, o convênio abrangeu
todo o ensino fundamental, a educação infantil, a educação especial e a EJA. Os Convênios de
Municipalização realizados nos anos de 1997 e 1998 restringiram-se a municipalizar o ensino
fundamental, e depois a EJA e a Educação Especial, mas a partir de 1999, passaram a fazê-
lo de uma só vez, descumprindo a proposta inicial de gradatividade do processo.
Dados coletados junto à CODES/SEDUC de 1997 a 2006 demonstram que foram
repassadas quase duas mil escolas, quinhentos mil alunos e oito mil servidores da rede estadual
para as redes municipais, como demonstra a Tabela 16:
TABELA 16: Pará – Nº de Municípios, Escolas, Alunos e Servidores
– 1997/2006
ANO
NÚMERO DE
MUNICÍPIOS
NÚMERO
DE
ESCOLAS
NÚMERO
DE ALUNOS
NÚMERO DE
SERVIDORES
1997
31 583 115.248 1.866
1998
30 493 157.552 1.970
1999
6 167 41.777 629
2000
17 411 108.291 2.181
2001
5 110 39.370 636
2002
1 13 1.870 114
2003
4 15 10.972 97
2004
1 19 7.312 241
2005
4 * * *
2006
1 * * *
Total 100 1.811 482.392 7.734
Fonte: CODES/SEDUC. Nota 1(*): Os dados referentes aos anos de 2005 e 2006
não foram disponibilizados pela CODES.
Não dúvida de que os argumentos que colocam em evidência a dispersão
geográfica como obstáculo à boa gestão vêm encontrando boa aceitação pelos gestores
municipais, cujo contato com a SEDUC na capital sempre foi dispendioso e difícil, como é o
caso dos municípios do Sul e Sudeste do Pará, que dependem de avião ou da Rodovia
160
Transamazônica para chegar até Belém. De 2003 a 2006, a política de municipalização
ganhou o nome de “Programa Progressivo de Municipalização do Ensino Fundamental do
Estado do Pará”, durante o governo de Simão Jatene (PSDB). Com a vitória da governadora
Ana Júlia do PT, a partir de 2007, a municipalização está sendo reavaliada a partir das
discussões desencadeadas para a elaboração do novo Plano Estadual de Educação em
consonância com o Plano Nacional de Educação.
Mas como a política de municipalização teria se materializado no município de
Altamira? Essa questão será vista no item a seguir.
4.3 ALTAMIRA, A PRINCESINHA DO XINGU: ASPECTOS HISTÓRICO-
GEOGRÁFICOS, SOCIOECONÔMICOS, POLÍTICOS E EDUCACIONAIS
Fonte: IDESP, adaptado pela autora
Em tempos de aquecimento global, a Amazônia mais do que nunca vem despertando o
interesse e a curiosidade científica mundial por se constituir o maior reservatório de
biodiversidade do planeta e representar a possibilidade de amenização da poluição ambiental e
do calor excessivo, sendo por isso considerada de forma quase generalizada como o ‘pulmão
do mundo’. Vista como um lugar impenetrável e perigoso devido à densidade de suas florestas
ALTAMIRA
161
quentes e úmidas, à infinidade de rios e ilhas ao longo de distâncias quase sempre em centenas
de quilômetros por terra ou água, a Amazônia encerra uma profusão de lendas
159
que ganham
força no imaginário popular. O esforço empreendido neste tópico do trabalho tem o objetivo de
desmistificar a visão sobre a Amazônia a partir da análise do Município de Altamira o maior
município do mundo em extensão territorial, no coração da Amazônia.
A origem da ocupação do Município de Altamira é desconhecida pelos historiadores,
mas indícios históricos a relacionam com a chegada das antigas missões dos jesuítas da
Companhia de Jesus à região do Xingu. Após a expulsão dos jesuítas em 1759, a missão
capuchinha dos frades Ludovico e Carmelo de Mazzarino, em 1868, com a ajuda dos índios
das tribos Tacuúba, Penes e Jurunas, Achipaias, Curiarias, Araras e Carajás, fundaram a Vila
de Altamira
160
. Pelo rápido desenvolvimento dessa Vila, o governador do Estado, João
Antonio Luiz Coelho elevou-a à categoria de Município pelo Decreto Legislativo 1.234 de
seis de novembro de 1911, dando-lhe inicialmente o nome de Município de Xingu
161
e
posteriormente Altamira. Ainda que tenha desmembrado parte de seu território para formar os
municípios de Senador José Porfírio e São Félix do Xingu em 1961 e em 1991, e tenha
novamente perdido parte de sua extensão para formar os municípios de Brasil Novo e Vitória
do Xingu, o Município de Altamira, continua com o status de maior município do mundo em
extensão, com uma área territorial de 161.445,90 km² (IBGE/SEPOF, 2007). Altamira possui
uma vasta zona rural, dividida em áreas de colonização, áreas de conservação, áreas devolutas
e áreas indígenas
162
, onde vivem as seguintes etnias: a Xipaya na aldeia Tukumã, a Araweté
do Igarapé Ipixuna na aldeia Ipixuna, a Arara na aldeia Laranjal, a Kayapó na aldeia Kararaô,
a Assurini do Xingu na aldeia com o mesmo nome e a Kuruaya na aldeia Cajueiro
(FUNAI/Regional de Altamira, 2004).
159
A lenda da Cobra Grande ou Boiúna a hibernar embaixo da cidade; a do boto, um peixe que se transforma em
um belo rapaz em trajes brancos que seduz as moças; a lenda que trata de uma índia que se apaixonou pela Lua
(Jaci) e afogou-se em seus reflexos nas águas de um rio ou igarapé transformando-se na flor símbolo da
Amazônia, a Vitória Régia; a lenda da Iara, uma linda sereia que faz uso do canto para seduzir os homens e os
levar para o fundo do mar, entre outras.
160
Contam os primeiros moradores que possivelmente o nome Altamira faz referência ao local onde começou a
ser povoada a cidade, cujo relevo era mais elevado, de onde se podia ter uma mira mais alta sobre todo o
povoado, ou alta mira. Atualmente o lugar mais povoado fica em uma área de baixo relevo, semelhante a um
vale.
161
O Município de Xingu englobava Altamira, Porto de Moz e Souzel. Posteriormente as duas últimas
localidades foram desmembradas e, a partir daí, o município passou a adotar o nome de Altamira.
162
São as 12 áreas indígenas na Região do Xingu: Arara; Araweté do Igarapé Ipixuna; Arara-Cachoeira
Seca/Iriri; Curuá; Kararao; Koatinemo; Apyterewa; Apyterewa/Parakanã; Pakisamba; Trincheira Bakajá e
Trincheira Bakajá Xikrin e Xipaya. Destas, seis localizam-se predominantemente em Altamira (FUNAI, 2005).
162
O Município de Altamira faz parte da Região Xingu e localiza-se a cerca de 700 km da
capital do Estado. Sua sede Altamira encontra-se à margem esquerda do Rio Xingu
163
,
pouco acima da Grande Volta do rio, entre os igarapés Ambé e Panelas, local considerado
privilegiado por ser um ponto de convergência de rios e das rodovias Transamazônica (BR
230) e Ernesto Acioly (PA-415). O município pertence à Microrregião de Altamira
164
e
limita-se ao Norte com o Município de Vitória do Xingu, Brasil Novo, Medicilândia, Uruará,
Placas e Rurópolis; a Leste, com os municípios de Senador José Porfírio, São Félix do Xingu
e Vitória do Xingu; ao Sul, com o Estado do Mato Grosso e, a Oeste, com Trairão, Itaituba e
Novo Progresso (IBGE/ SEPOF, 2006).
Pelo potencial hidrográfico do rio Xingu, Altamira tem sido alvo de debates nacionais
e internacionais que envolvem a instalação de hidrelétricas. Em 1988, o governo Federal
cogitava instalar o Complexo Hidrelétrico de Kararaô por meio do qual a Eletronorte
planejava instalar cinco hidrelétricas, sendo a primeira a de Kararaô que causou forte reação
dos movimentos sociais, indígenas e ambientalistas. Um dos momentos que exemplifica bem
a intensidade dessa reação, de acordo com o Instituto Socioambiental
165
, foi o I Encontro dos
Povos Indígenas do Xingu realizado em Altamira, em fevereiro de 1989, com cerca de três
mil participantes (dentre os quais seiscentos e cinquenta eram índios). Este foi um momento
histórico que marcou o descontentamento indígena, seja porque as decisões nacionais que
afetavam a comunidade indígena vinham sendo tomadas sem a participação de suas
representações, seja porque a política de construção de barragens no rio Xingu traria danos
para o ambiente natural. Naquela ocasião repercutiu mundialmente o gesto-símbolo do
descontentamento indígena feito pela índia Kaiapó Tuíra que deslizou a mina de seu facão
no rosto do engenheiro da Eletronorte, José Antonio Muniz Lopes. Diante das fortes reações,
o governo recuou temporariamente na intenção de construção de barragens no Rio Xingu.
Atualmente, o mesmo projeto volta à tona com o nome de Belo Monte e tem suscitado
posicionamentos bem diferenciados entre os diversos segmentos sociais. De 19 a 23 de maio
de 2008, a Prelazia do Xingu
166
promoveu o “Encontro Xingu Vivo Para Sempre”
167
com o
163
O rio Xingu destaca-se como o mais importante do município e foi, durante longo tempo, a sua principal via
de comunicação e transporte. Em de seus afluentes, o rio Iriri se destaca pela rara beleza de suas cachoeiras.
164
Além de Altamira, os outros municípios que compõem essa Microrregião são os seguintes: Anapu, Brasil
Novo, Vitória do Xingu, Medicilância, Pacajá, Senador José Porfírio e Uruará.
165
Acessado no site www.socioambiental.org em maio de 2007.
166
A Prelazia do Xingu é uma circunscrição eclesiástica da Igreja Católica brasileira vinculada à CNBB. Foi
criada no ano de 1934 quando, por meio de Bula Papal, desmembrou-se da Arquidiocese de Belém do Pará e das
então Prelazias de Santarém e de Conceição do Araguaia, confiada à Congregação dos Missionários do
Preciosíssimo Sangue de Cristo. É formada por seis regiões pastorais: Alto, Médio e Baixo Xingu; Região
Transamazônica Leste e Oeste e Região de Altamira e desde 1981 tem como Bispo D. Erwin Krautler.
163
apoio de mais de cinquenta entidades e com a presença de 24 etnias, tendo como um dos
objetivos o debate sobre Belo Monte, e desta vez o protesto indígena que teve como alvo o
engenheiro Paulo Rezende da Eletronorte
168
foi mais do que simbólico, acabando por ferir-lhe
o braço. O fato é que a região, nas duas últimas décadas, tem vivido em constante tensão em
função da possibilidade de construção da Usina Belo Monte. Os ânimos andam acirrados
entre índios ligados ao Conselho Indigenista Missionário CIMI Norte, ambientalistas
ligados a várias Organizações não-governamentais (ONGs), organizações sociais e
empresariais, trabalhadores rurais igrejas ligadas à Prelazia do Xingu, madeireiros e
políticos
169
. As entidades que são contra a construção de Belo Monte mostram como exemplo
negativo dessa política o desastre ecológico propiciado pela construção da Hidrelétrica de
Tucuruí (PA) e de Balbina (AM) na década de 1970 que desalojou comunidades, inundou
áreas significativas de florestas e destruiu a fauna e a flora da região, enquanto que as que são
favoráveis articulam com o governo a construção urgente de Belo Monte sonhando com o
desenvolvimento prometido.
É interessante observar que, com a Hidrelétrica de Tucuruí, o governo prometia como
contrapartida a extensão da energia elétrica para a população amazônica, mas esta veio se
beneficiar de energia gerada por Tucuruí em 1998, com o projeto Tramoeste
170
, quase trinta
anos depois. É a partir deste ano que muitas dessas cidades, que ficam ao longo das
margens da Rodovia Transamazônica e do Rio Xingu, passaram a ter energia elétrica durante
todo o dia. É o que as entidades pró-Xingu temem que aconteça novamente com a construção
da Hidrelétrica de Belo Monte: que os benefícios prometidos não cheguem à população local,
e, mesmo que isso aconteça, não se sabe até que ponto compensa a perda de imensas áreas
que podem vir a ser inundadas comprometendo irremediavelmente as riquezas naturais e a
vida das pessoas dessa parte da Amazônia.
167
Este encontro em Altamira resultou na “Carta Xingu Vivo para Sempre” que expressou o descontentamento
das entidades presentes e pode ser acessada no site http://www.amazonia.org.br/
168
Segundo D. Erwin Krautler em artigo publicado (site http://www.socialismo.org.br/portal/identidades-
racismo/203-artigo/464-os-povos-indigenas-do-xingu-e-a-hidreletrica-belo-monte. Acesso em março de 2009) o
incidente foi casual, não havendo nenhuma intenção de homicídio por parte dos indígenas, pois, se assim o fosse,
não teriam atingido o engenheiro apenas no braço.
169
Dentre essas organizações destacam-se a Fundação Viver, Produzir e Preservar, o Movimento pelo
Desenvolvimento da Transamazônica e Xingu (MDTX), a Federação dos Trabalhadores de Agricultura
Transamazônica (FETAGRI/REGIONAL), a Confederação de Trabalhadores na Agricultura (CONTAG), o
Comitê Xingu vivo para sempre, sendo alguns contra e outros a favor da instalação da Usina de Belo Monte,
revezando-se em passeatas e manifestações.
170
O Sistema de Transmissão do Oeste do Pará (Tramoeste) objetivava levar a energia de Tucuruí para 13
municípios da região da Transamazônica, a outros do Baixo Amazonas e a Oeste do Pará. A primeira etapa foi
inaugurada em junho de 1998 e beneficiou Altamira, que até então racionava diariamente até 18 horas de
energia.
164
Segundo o último Censo realizado pelo IBGE em 2007, a população de Altamira
naquele ano era de 86.888 habitantes, evidenciando crescimento de 10,2% em relação ao ano
de 1996, como pode ser observado na Tabela 17.
TABELA 17: Altamira - Evolução do Contingente Populacional -1996/2007
ANO
POPULAÇÃO
RES.ALTAMIRA
URBANIZAÇÃO
(%)
(%)
S/TOTAL
DO PARÁ
DENSIDADE
DEMOGRÁFICA
1996
78.782 68,84 1,4 0,49
1997
81.432 - 1,4 0,50
1998
83.665 - 1,5 0,52
1999
85.901 - 1,5 0,53
2000
77.439 80,44 1,3 0,48
2001
78.760 - 1,2 0,49
2002
79.776 - 1,2 0,50
2003
80.861 - 1,2 0,50
2004
83.322 - 1,2 0,52
2005
84.398 - 1,2 0,53
2006
85.691 - 1,2 0,53
2007
86.888 - 1,2 0,54
Fonte: IBGE, SEPOF.
As informações constantes no quadro acima revelam que se trata de um município de
porte médio e em processo crescente de urbanização, tendo em vista que, em 2000, a taxa de
urbanização correspondeu a 80,44% enquanto que, em 1996, esta taxa era de 68,84%. Ainda
assim, observa-se que o município apresenta baixa densidade demográfica, correspondendo a
menos de um habitante por km
2
. O crescimento populacional verificado de 1996 a 2007 é
bastante lento e equilibrado. O pico de maior crescimento do município se deu com a
construção da Rodovia Transamazônica (BR – 230) na década de 1970
171
, quando houve uma
explosão demográfica de 15.428 habitantes a 45.058 na década seguinte. Esse processo foi
fomentado pelo Programa de Integração Nacional – PIN
172
(UMBUZEIRO, 2004).
Em 2000, segundo dados da SEPOF/IBGE, a população de Altamira se autodeclarou
da seguinte forma: 27,8% consideravam-se brancos; 3,9%, pretos; 0,19%, amarelos; 1,6%,
índios, e 64,6%, pardos. Quanto à religião, 65,9% declararam-se católicos; 18%, evangélicos,
171
A Rodovia Transamazônica ou BR 230 foi construída de 1971 a 1973 no governo militar com o intuito de
interligar a Amazônia às outras regiões do país e povoá-la.
172
O Projeto de Integração Nacional – PIN era um dos projetos de colonização criados pelo INCRA por meio da
Lei 1.106/70 e tinha como principais objetivos a construção da Rodovia Transamazônica (BR 230) e o
assentamento de 100 mil famílias de agricultores ao longo da rodovia.
165
e 10%, sem religião. Destaca-se na região a atuação expressiva da Igreja Católica que procura
auxiliar nos movimentos sociais por meio da Prelazia do Xingu
173
nas lutas contra exploração
madeireira, na defesa dos povos da floresta, na preservação ambiental seja por meio de sua
rede de escolas, seja pela promoção dos mais variados runs de discussão dos problemas
sociais locais.
Em todo o município 59,9% da população é empregada embora 61,8% destes atuem
sem carteira assinada e apenas 26,1% sejam formalmente amparados pela lei trabalhista. As
atividades de trabalho mais comuns são a agricultura, a pecuária, a silvicultura, a exploração
florestal e a pesca que juntas respondem por 24,7% das atividades disponíveis. O comércio
assimila 19% da população, e as atividades públicas como educação, saúde e administração
pública respondem por 12% dos empregos disponíveis.
A extração madeireira, na maioria das vezes, tem sido realizada de maneira ilegal, por
meio de grilagem de terras indígenas ou de áreas de preservação ambiental. A “Terra do
Meio”
174
, uma das reservas ambientais em Altamira, tem sido vítima de sucessivas investidas
neste sentido, denunciadas nos estudo de Rocha e Barbosa (2003), que dão conta que somente
em 2002 foram apreendidos pelo IBAMA e Polícia Federal um total de 20.000 de mogno
oriundos da região. O desrespeito com as áreas de proteção ambiental e reservas indígenas por
parte dos grileiros tem ocasionado conflitos na região que têm vitimado os que defendem a
reforma agrária, as causas ambientais, os sindicalistas e os pequenos agricultores. Alguns
casos ganham repercussão nacional e internacional, tal como o da Irmã Doroty Stang, morta
em fevereiro de 2005, a mando de fazendeiros de Anapu, município da mesma microrregião
de Altamira. Não é o caso da grande maioria dos que tombam na luta, que permanecem no
anonimato, vítimas de uma situação social injusta na qual os que matam permanecem
impunes, mas não sem que haja denúncias exaustivas desses conflitos, quase sempre sem que
uma resposta chegue a tempo de se evitar as tragédias.
Exemplo de uma dessas denúncias é a carta emitida em 30 de julho de 2002
175
e
assinada por diversas entidades sociais, igrejas, universidade, cooperativas de trabalhadores
rurais, sindicatos e comunidades indígenas às autoridades públicas federais e estaduais
173
Dom Erwin Krautler, Bispo da Prelazia do Xingu, recebeu inúmeras ameaças de morte e escapou de alguns
atentados. Vive atualmente o tempo todo escoltado por policiais por denunciar as injustiças locais como a
emasculação de menores ocorrida em Altamira na década de 1990, as potenciais consequências da construção da
Hidrelétrica de Belo Monte, o trabalho infantil e o escravo, o desrespeito a terras indígenas.
174
A “Terra do Meio” constitui uma área de reserva ambiental com 8,3 milhões de hectares, localizada entre o
Rio Xingu e o Rio Iriri e tem sido objeto de grandes polêmicas quanto a sua existência como tal, principalmente
por parte de empresários e fazendeiros.
175
Carta disponível no site www.amazônia.org.br. Acesso em junho de 2007.
166
denunciando a violência no Pará. Os signatários da carta solicitavam das autoridades oficiais a
elaboração de um plano de segurança para famílias de trabalhadores/as rurais e líderes que
atuavam em 03 (três) regiões conflituosas do Oeste do Estado do Pará: Anapu, Porto de Moz
e Castelo dos Sonhos (Altamira). A carta denunciava que nesta região o crime organizado
teria a participação de autoridades municipais, policiais civis e militares, fraudadores da
extinta SUDAM, madeireiros e grileiros de terras públicas que agiam como um poder paralelo
na região usando a força e medidas judiciais para proteger seus interesses. Os assinantes da
carta denunciavam grandes derrubadas de floresta primária, trabalho escravo e grilagem de
terras, o assassinato de sindicalistas da região e pediam as seguintes providências: a) uma
fiscalização ágil e independente nos locais de exploração ilegal de madeira; b) punição de
pistoleiros e mandantes de crimes no campo; c) reversão de terras da União ocupadas
ilegalmente por fazendeiros e por grileiros; d) demarcação de terras ocupadas por
trabalhadores; e) criação de Reservas Extrativistas e Unidades de Conservação pleiteadas por
Movimentos Sociais da Região; f) garantia de um processo de colonização que tivesse como
base o uso sustentável das florestas da Bacia do Xingu, condição para que ribeirinhos,
agricultores e indígenas tivessem uma vida digna. Grande parte desses pleitos continua ainda
hoje como pauta de luta na Região.
No que diz respeito ao Produto Interno Bruto
176
e ao PIB per capita
177
, os dados da
Tabela 18 mostram que o primeiro apresentou crescimento da ordem de 152,7%, de 1997 a
2005, e o segundo também foi ampliado no período em 147%, embora em proporções
inferiores ao crescimento do primeiro, devido ao crescimento populacional no período que foi
de 5,8%. Os dados informam também oscilações nos valores do PIB no período de 1997 a
2005, como se pode conferir abaixo:
176
O PIB dos municípios paraenses é gerado a partir de uma metodologia elaborada pelo IBGE em convênio
com órgãos de Estatística e Secretarias de Planejamento Estaduais. No caso do PIB de 2004, esta é a mais nova
edição de estudos dessa natureza elaborados pela Secretaria de Planejamento, Orçamento e Finanças (SEPOF)
vinculada à Secretaria Especial de Estado de Gestão, divulgada em 2007. O PIB leva em consideração o Valor
Adicionado (VA) das principais atividades econômicas desenvolvidas no Estado: Agropecuária, Indústria e
Serviços.
177
Segundo o IBGE, o PIB per capita é calculado a partir da divisão do quociente do valor do PIB pela
população residente no município no ano de referência.
167
TABELA 18: Altamira – Evolução do PIB e PIB Per Capita – 1997/2004 (Valor Nominal)
ANO PIB RANKING
NO EST.
PIB PER
CAPITA
RANKING
NO EST.
% PARTIC. PIB/
ESTADO
1997
149.517,42 15 1.836,10 63 1,02
1998
168.788,72 14 2.237,06 52 1,08
1999
302.968,26 10 3.930,37 23 1,82
2000
202.817,33 14 2.589,86 49 1,07
2001
224.153,01 15 2.817,83 50 1,03
2002
306.194,82 15 3.789,73 42 1,20
2003
323.054,92 14 3.945,28 44 1,11
2004
377.952,64 14 4.536,05 47 1,11
2005
368.243,00 15 4.363,00 34 -
Fonte: IBGE/SEPOF
O Município de Altamira apresentava participação na economia do Estado
relativamente significativa em 2005 destacando-se como um dos trinta municípios
considerados mais ricos do Estado na 14ª posição em PIB (embora representasse apenas a
media de 1,1% do PIB estadual, o que não deixa de revelar a pobreza extrema dos demais
municípios). As atividades econômicas mais representativas no município eram: o setor de
serviços (43,7%) e o agropecuário (40,13%)
178
. O setor industrial era pouco desenvolvido
naquele ano de 2005 e representava apenas 16,16% das atividades. Na verdade, a produção
econômica mais acentuada concentra-se nos municípios da região metropolitana de Belém
cujo valor do PIB representa 39,90% do PIB estadual sendo que somente o PIB de Belém
representa 23,81% (SEPOF, 2006). Em relação ao PIB per capta, ocupava a 34ª posição
dentre os 143 municípios. Para melhor situar a situação de Altamira quanto ao PIB e ao PIB
per capita em relação ao Pará e ao restante do Brasil as informações da tabela 19 auxiliarão:
TABELA 19: Altamira – PIB e PIB Per capita em relação ao
Pará e ao Brasil – Valores comparativos 2002/2005
2002 2005
PIB
PIB
Per Capita
PIB
PIB
Per Capita
Brasil
1.477.822 8.378 2.147.239 11.658
Pará
25.659 3.918 44.376 6.241
Altamira
306 3.789 377 4.363
Fonte: SEPOF/2007.
Nota 1: Valores a preços correntes com base em 2002, indexados pela SEPOF.
O PIB está calculado em milhões, e o PIB per capita, em mil.
178
Altamira está entre os seis municípios do estado que mais se destacam no setor agropecuário (criação de
bovinos, suínos, frangos e o plantio de soja e arroz). Mas as atividades extrativistas para exportação (madeira,
castanha-do-pará) ainda são bastante significativas na economia da região
168
E em relação ao PIB per capita brasileiro, o PIB per capita de Altamira representa
apenas 37,4%, portanto bem abaixo da metade do nacional, e apenas 69,9% do PIB per capita
estadual, o que revela a carência econômica do município em relação aos outros entes da
federação. Outra informação importante para analisar a situação socioeconômica do
Município de Altamira diz respeito à evolução da receita orçamentária executada no período,
conforme pode ser observado na Tabela 20:
TABELA 20: Altamira: Receitas Próprias e Receitas de Outras
Fontes– 1996/2006
ANO
TOTAL
RECEITA
PRÓPRIA
RECEITAS DE
OUTRAS
FONTES
1997
35.498.613
1.646.912
33.851.698
1999
46.921.721
3.540.714 43.381.006
2000
56.432.718
2.206.508
54.226.140
2001
61.808.050
6.245.449 55.562.600
2002
57.352.436
9.014.376
60.915.412
2003
62.083.685
8.859.378 53.224.307
2004
62.886.960
7.767.571
55.119.389
2005
66.954.835
8.982.376 57.972.459
2006
79.850.591
11.682.212
68.168.378
Fonte:
Balanço de 1997 a 2006 do Município de Altamira.
Nota 1: A Receita Própria resulta da soma da Receita Tributária, da Receita Patrimonial e Outras Receitas
Correntes. Nota 2: A Receita de Outras Fontes refere-se às Transferências Correntes, Transferências de Capital e
Receitas de Convênios. Nota 3: Não foi possível localizar o balanço de 1996 e de 1998. Nota 4: Valores reais,
atualizados pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo – IPCA (IBGE) de 30 de junho de 2008.
De 1997 a 2006, o crescimento da receita orçamentária executada em Altamira foi de
124,9%, passando de R$35.498.613,00 para R$ 79.850.591,00, o que, em termos absolutos,
representa um aumento financeiro de R$ 44.351.978,00. Os valores referentes à receita
própria também aumentaram significativamente ao longo do período, alcançando 609,7%
enquanto que as receitas de transferência aumentaram em menor proporção, em 101,3%. Não
obstante, ainda que tenha havido um grande crescimento na arrecadação de recursos próprios,
se considerarmos o volume desses recursos em relação aos transferidos, podemos inferir que,
tal qual a maioria dos municípios brasileiros, Altamira é muito dependente de recursos
transferidos do Estado e da União, pois, se em 1997 estes representavam 95,3% do total, em
2006, ainda continuavam representando 85,3%, portanto a maioria dos recursos disponíveis.
169
Com a intenção de problematizar o que representam os valores da receita orçamentária
para a população residente em Altamira, assim como a distribuição do PIB e seus impactos no
desenvolvimento da população e na sua qualidade de vida, é interessante analisarmos alguns
indicadores socioeconômicos desse município, a partir dos dados apresentados na Tabela 21.
TABELA 21: Altamira: Indicadores Socioeconômicos – 2000
Indicadores
Altamira
Pará
Brasil
IDH M
0,737
0,720
0,747
Analfabetos c/ + de 15 anos
14,7%
16,77%
13,63%
Taxa de Mortalidade Infantil
27,6 p/mil
47,9 p/mil
33,1 p/mil
Fonte: Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil, 2000.
O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de Altamira referente ao ano de 2000 é
de 0,737, ocupando uma posição entre os municípios de médio desenvolvimento (considerados
entre 0,5 e 0,8 na escala de desenvolvimento, segundo a classificação do Programa Nacional
das Nações Unidas para o Desenvolvimento PNUD) e não difere muito do IDH do Estado e
da média brasileira. Em relação a outros municípios do Brasil, Altamira ocupa a 2.234ª posição
em IDH, sendo que 2.233 municípios (40,5%) estão em situação melhor que a dele e 3.273
municípios (59,5%) estão em situação igual ou pior. No Estado do Pará, o Município de
Altamira ocupa a 14ª posição, situação considerada boa, que apenas 13 municípios (9,1%)
estão em situação melhor, e 129 (90,9%) estão em situação pior ou igual.
Em relação à taxa de analfabetos com mais de quinze anos, as informações revelam
que o Município de Altamira possui uma taxa inferior à do Estado e superior à do país, mas
bastante expressiva em seus 14,7% de analfabetismo de jovens e adultos. A taxa da população
sem instrução ou com menos de um ano de estudos é de 15,9%; e com até três anos, 25%, o
que revela que boa parte dos habitantes convive em situação de analfabetismo funcional.
Apenas 1,2 % da população têm mais de quinze anos de estudo, o que demonstra a fragilidade
do acesso à educação em Altamira (SEPOF, 2007). A taxa de mortalidade infantil, embora
fique abaixo da média do Estado e do país, revela que a cada mil crianças que nascem quase
vinte e oito morrem em Altamira. Esses indicadores nos levam a inferir que se trata de um
município mediano em relação ao Estado se considerarmos o IDH e as taxas de
analfabetismo, mas, em termos de mortalidade infantil, o valor apresentado o posiciona
abaixo da média do Estado e do país.
170
Quanto ao rendimento mensal da população ocupada, 27,7% recebe até um salário
mínimo, e apenas 1,6%, mais de 20 salários mínimos (SEPOF, 2005). Os indicadores de
vulnerabilidade familiar do PNUD para 2000 também acusam a existência de uma taxa elevada
de crianças (47,4%) oriundas de famílias que ganham renda inferior a meio salário mínimo. E
essa situação certamente vai se refletir na situação educacional dessas crianças. O acesso à
comunicação ainda é bastante precário, pois a aquisição de uma linha telefônica só foi possível
para apenas 11,2% da população, e somente 2,9% possuía computador em casa em 2000
(PNUD, 2000). Por se tratar de uma cidade longe da capital, a conexão com a Internet nem
sempre é possível a qualquer hora.
Por longo período o município de Altamira foi considerado como Zona de Segurança
Nacional (1971 a 1988), e várias mudanças estruturais aconteceram no município
179
. Na área
educacional, houve a implantação da primeira grande escola pública destinada ao Ensino de 2º
Grau, denominada Escola Polivalente de Altamira; o Projeto Rondon, implantado pela
Universidade de Viçosa MG, que posteriormente contribuiu para a implantação de um
Núcleo da Universidade Federal do Pará – UFPA em Altamira.
É importante resgatar sinteticamente a situação política brasileira que desencadeou
mudanças políticas em Altamira ao considerá-lo como Zona de Segurança Nacional. Com o
Regime Militar e com base no Decreto–Lei 1.164/71 de de abril de 1971 que declarava
como “indispensáveis à segurança e ao desenvolvimento nacionais” as “terras devolutas
situadas na faixa de cem quilômetros de largura em cada eixo de rodovias na Amazônia
Legal”, Altamira passou a ser considerada como Zona de Segurança Nacional em função da
construção da Transamazônica – (BR-230) iniciada naquela década.
Vale ressaltar que nessa época o governo federal implantou o Programa de Integração
Nacional/PIN, instituído no ano de 1970 e iniciado a partir de 1971. Este programa tinha
como objetivo desenvolver a Amazônia através de um grande programa denominado
Programa de Colonização e Reforma Agrária, e esse seria comandado pelo INCRA. Para tal,
traziam-se trabalhadores rurais sem-terra de toda parte do Brasil, mas principalmente da
Região Nordeste. O núcleo organizacional do Programa concentrava-se na Rodovia
Transamazônica e, justamente por isso, os trechos Marabá-Altamira e Altamira-Itaituba foram
179
Dentre essas mudanças destacam-se a implantação de energia elétrica por meio da CELPA, a construção do
Centro Comunitário com quadras de Esporte e Piscinas, a implantação do SESI e do SENAI, a aquisição do
Hospital São Rafael pelo Ministério da Saúde, a criação do 51º BIS, a construção do cais em frente à cidade, a
construção de um novo aeroporto, a criação da primeira retransmissora de TV de propriedade da Prefeitura
Municipal (início da construção de um estádio de futebol).
171
priorizados com planejamentos e investimentos especiais, pois nestes trechos seriam
construídas as Agrovilas
180
.
Como Zona de Segurança Nacional, Altamira passa a ter os prefeitos nomeados
181
por
um período de dezesseis anos, de 1971 a 1988.
As mudanças implantadas pelos militares
propiciaram a criação da rede estadual de educação por meio dos programas de povoamento
implantados na região. Assim, a rede estadual de educação ganhava amplitude na região quase
na mesma proporção em que se rasgava a floresta com a construção da Transamazônica
182
.
Sobre a simultaneidade desse processo, uma das professoras da região
183
relata a partir de sua
atuação na década de 1970:
Naquela época nós atuávamos na região toda, nós fazíamos a coordenação
pedagógica. A estrada ia sendo construída né, as máquinas chegando, construindo e
imediatamente o INCRA vinha para o assentamento dos agricultores nessa faixa de
estrada que estava sendo construída. (...) As máquinas chegavam, construíam e logo
após a SEDUC chegava com a sua atuação, e eu era uma funcionária da SEDUC.
Então eu costumo sempre dizer isto que, na Transamazônica, a nossa atuação como
educadora chegava logo após as máquinas (Ex-diretora da URE).
É nessa época que também se cria e instala a Unidade Regional de Educação URE
para coordenar a educação da rede estadual dos municípios que faziam parte da Região de
Altamira. Para melhor conhecer como está organizada a educação municipal em Altamira, o
próximo item tratará da política educacional da rede municipal.
180
Estas constituíam um conjunto de lotes urbanos com igual número de casas, com cerca de 100 hectares
destinados aos colonos que seriam assentados no local e exerceriam seu trabalho na lavoura.
181
Os prefeitos nomeados foram: Raimundo Eloy Coutinho, Cláudio Filomeno, Domingos Juvenil Nunes de
Sousa, Edmilson Moraes Veras, Edson Sousa Batista, Anfrísio da Costa Nunes e Antonio Bentes de Figueiredo
Neto.
182
Para maior aprofundamento sobre os programas de desenvolvimento da Amazônia e suas implicações para a
educação no período ver Santos (1986) na obra: Educação e trabalho nos planos nacionais de desenvolvimento
no período de 1970/1980: um estudo introdutório sobre a realidade da SUDAM. Dissertação de Mestrado Rio
de Janeiro, FGV, 1986.
183
A professora Ducila Nascimento foi entrevistada em dois momentos: o primeiro na condição de ex-diretora da
10ª URE de Altamira e o segundo na condição de atual coordenadora da Rede Vencer. Como educadora de
destaque na região, mereceu por parte da SEDUC a homenagem de ter seu nome em uma das escolas do ensino
médio no município.
172
4.3.1. A Política educacional da rede Municipal de Educação em Altamira
A organização da educação municipal sob a responsabilidade da Prefeitura de
Altamira remonta ao período dos Interventores nomeados por Magalhães Barata na década de
1930
184
, como afirma Umbuzeiro (2004) ao referir-se às condições administrativas da época:
Foi um período difícil para essas administrações levarem avante os negócios
públicos, pela falta de verbas, contando apenas com poucos recursos
municipais, sem condições para conservar alguns serviços, como a Usina de
Eletricidade, inaugurada em 1925 e que desapareceu, inservível, na década
de 40. Pom, outros, como a limpeza pública, sempre foram mantidos,
assim como as escolas da Zona Rural (UMBUZEIRO, 2004, p.40).
A estrutura organizacional da educação municipal foi modificada em 1960, no
governo do prefeito José Burlamaqui de Miranda quando o serviço público passou a ser
estruturado em Secretarias, criando-se a Secretaria de Educação e Saúde, o
Grupo Escolar
Porfírio Neto
185
, a Biblioteca e Arquivo Público entre outras obras.
Em 1974, durante o regime
Militar, o prefeito nomeado Cláudio Filomeno transforma a Secretaria de Educação e Saúde
em Departamento de Educação, Saúde e Assistência Social – DESAS. Com os prefeitos
eleitos a partir de meados da década de 1980, a educação municipal volta a ser gerida por um
órgão com o status de Secretaria por meio da Lei 098 de 25/09/1986, que cria a Secretaria
de Educação, Cultura e Desportos (UMBUZEIRO, 2004).
As bases para a organização educacional e cultural do município, após a Constituição
de 1988, constam na Lei Orgânica do Município (LOM), promulgada em 30 de Abril de
1990
186
. Vale destacar que a LOM de Altamira é extremamente econômica no que diz respeito
à educação, dedicando-lhe apenas um capítulo com três artigos no total. Um desses artigos é
dedicado na íntegra à educação privada. Para melhor compreensão do conjunto, os artigos
foram transcritos abaixo:
184
A primeira escola rural municipal foi construída no governo de Frizan Nunes no final da década de 1960 e
se chamava Pe. Eurico (UMBUZEIRO, 2004).
185
Embora o Grupo Escolar Porfírio Neto tenha sido construído pela Prefeitura, pertencia à rede estadual.
186
Esta lei está em vigor desde a sua promulgação, com poucas alterações.
173
Art. 194 A educação, direito de todos, é dever do Município e se baseará
nos princípios da democracia, do respeito dos direitos humanos e na
liberdade de expressão, objetivando o desenvolvimento integral da pessoa,
seu preparo para o exercício consciente da cidadania e sua qualificação para
o trabalho competindo-lhe:
I – Elaborar diretrizes para a política educacional;
II – Criar mecanismos que favoreçam acesso e permanência nas escolas para
qualquer pessoa, independentemente de cor, raça, religião, etc;
III – Garantir ensino público e gratuito a todas as crianças e adolescentes em
situação de risco que estejam fora do sistema regular de ensino ou em
defasagem idade-série.
Art. 195 O dever do município com a educação será efetivado mediante a
garantia de:
I Ensino Fundamental obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ela
não tiveram acesso na idade própria;
II – Progressiva extensão da gratuidade ao ensino médio;
Art. 196 – O ensino é livre à iniciativa privada, atendidas as seguintes
condições:
I – Cumprimento das normas gerais da educação nacional;
II Autorização e avaliação de qualidade pelos órgãos competentes (LOM,
1990, p.39-40).
Observa-se que na LOM de Altamira praticamente estão repetidos os mesmos
princípios constantes na CF. O artigo 194 define a educação como direito de todos e dever do
Município, tendo como princípios a democracia, o respeito aos direitos humanos e a liberdade
de expressão e, como objetivo, o desenvolvimento integral da pessoa, seu preparo para o
exercício consciente da cidadania e sua qualificação para o trabalho. A LOM atribui ao poder
municipal a possibilidade de elaborar diretrizes para a política educacional, criar mecanismos
que favoreçam o acesso e a permanência nas escolas para qualquer pessoa, independentemente
de raça, cor ou religião, e garantir o ensino público e gratuito.
Entretanto, o tulo que trata da educação é omisso em relação à educação infantil
(creche e pré-escola)
187
, atribuição prioritária do município, bem como em relação à educação
especial. Em compensação, o município compromete-se com a garantia da progressiva
universalização do ensino médio, competência prioritária do Estado. A partir de 1997, por
meio da Lei nº 1.374/97 de 05 de maio de 1997
188
, a Secretaria Municipal de Educação passa a
ser denominada Secretaria Municipal de Educação, Cultura, Turismo e Desporto (SEMEC)
187
Menção à educação pré-escolar é feita somente no item 16 do Art. , que trata das competências municipais
de modo geral, que expressa: “manter programas de educação pré-escolar e de ensino fundamental com a
cooperação técnica e financeira da União e do Estado” (LOM, 1990, p. 7).
188
Essa Lei dispunha sobre a reorganização administrativa da Prefeitura Municipal de Altamira e foi aprovada
no governo do prefeito Claudomiro Gomes da Silva.
174
com a competência de: “traçar políticas e diretrizes; estabelecer metas e normas; executar
planos, programas, projetos e ações relativas à educação, cultura, turismo e desportos”
(ALTAMIRA, 1997, p.8)
Embora o organograma da SEMEC, de acordo com a Legislação Municipal
189
,
corresponda a uma estrutura determinada, em função de adaptações administrativas vem
funcionando com o seguinte desenho institucional:
Fonte: Secretaria Municipal de Educação de Altamira
A Secretaria Municipal de Educação, Cultura e Desporto (SEMEC) não possui prédio
próprio e funciona em nove salas adaptadas nas edificações do ginásio de Esportes da cidade,
em alas à esquerda e à direita de quem entra. As salas comportam as coordenadorias, o
gabinete da secretária, as chefias de divisão e as superintendências. Os gestores municipais e
os titulares da Secretaria Municipal de Educação Cultura, Turismo e Desporto que tiveram a
incumbência de levar a efeito os objetivos educacionais durante o período deste estudo foram
os seguintes:
189
O organograma da SEMEC, formalmente instituído pela Lei 1.500 de 28 de abril de 2003, que alterou a
Lei nº 1.374/97 de 05 de maio de 1997, foi adaptado em função da parceria com o IAS que será tratada em outra
parte deste trabalho.
175
QUADRO 02: ALTAMIRA: SECRETÁRIAS DE EDUCAÇÃO E PREFEITOS MUNICIPAIS
DE 1996 A 2006
Secretário (a) Municipal
Prefeito Municipal
Partido
Período
Rosineide Fimo
Maurício Bastazini
PMDB
1993 – 1996
Maria das Neves Azevedo
Claudomiro Gomes
PSDB
1997 – 2000
Ronete da Costa Pereira
Domingos Juvenil
PMDB
2000 – 2004
Márcia de O. Cabral Vasconcelos
Nilceia Alves de Moura Oliveira
Odileida Mª de Sousa Sampaio
PSDB
2005 – 2008
Fonte: Prefeitura Municipal de Altamira
As escolas municipais integram o Sistema Estadual de Educação do Estado do Pará,
visto que o Sistema Municipal de Educação ainda não foi criado, embora o município tenha
municipalizado todo o ensino fundamental em 1998 e tenha-se criado o Conselho Municipal
de Educação pela Lei Municipal nº 657/95.
No ano final desta pesquisa a SEMEC administrava uma rede de 97 escolas de
educação básica, sendo 31 na zona urbana, e as demais, na zona rural quase todas concentradas
administrativamente em núcleos ou pólos
190
, sendo 13 escolas indígenas
191
. Dos 32.347 alunos
residentes no município, a rede municipal atendia 24.527 alunos na educação infantil, ensino
fundamental, EJA e Educação Especial, como se pode visualizar na Tabela abaixo:
TABELA 22: Altamira – Educação Básica por Dependência Administrativa – 2006
DEPENDÊNCIA
ADMINISTRATIVA
ED.
INFANTIL
ENSINO
FUNDAMENTAL
ENSINO
MÉDIO
EJA EDUCAÇÃO
ESPECIAL
TOTAL
Estadual
0
0 5.082
0
0
5.082
Municipal
2.971 18.897 0 2.610
49 24.527
Particular
812
1.388 309
0
229
2.738
Total 3.783
20.285 5.391
2.610
278
32.347
Fonte: MEC/INEP – Censo Escolar – 2006.
Nota 1: Compunham os alunos da Educação Infantil 417 atendidos em Creche e 2.554 na Pré-escola.
A rede municipal atendia a 75,8% das matrículas totais contra 15,7% da rede estadual,
e 8,4% rede privada. Tal expansão da rede municipal se deve à política de municipalização do
ensino fundamental e infantil assumida a partir do ano de 1998. Assim, enquanto a rede
estadual responsabilizava-se pelo atendimento exclusivo dos 5.082 alunos do ensino médio, a
190
Os Pólos e o de escolas são os seguintes: Nova Vida (dez), Bom Jesus da Lapa (sete), Artur Pessoa
(quatro), Princesa do Xingu (quatro), Oneide Tavares (seis) e Sol Nascente (onze), restando oito escolas rurais
não-nucleadas.
191
Dentre as escolas indígenas destacam-se as seguintes: EMEF Ipixuna na aldeia Ipixuna que atende o povo
indígena Araweté; EMEF Cachoeira Seca na aldeia do mesmo nome, que atende o povo Arara; EMEF Patukre
na aldeia Kararaô, que atende o povo Kayapó-kararaô; a EMEF Koatinemo na aldeia Assurini, que atende o
povo Assurini do Xingu e Arara, e a EMEF Curuá, na aldeia Cajueiro, que atende o povo Curuaia e Xipaia.
176
rede municipal arcava com todas as matrículas públicas na educação infantil, no ensino
fundamental, EJA e educação especial.
Vale ressaltar que, ainda que se tenha uma Divisão de Educação Indígena e treze
escolas na rede que atendem a essa modalidade, a partir de 2005 começa a ser planejado
tratamento específico ao indígena, que até este ano o projeto pedagógico, a formação dos
professores, o currículo e a metodologia de ensino eram as mesmas das demais escolas do
campo de 1ª à 4ª séries – com pequenas variações no calendário escolar. Ainda assim, não há o
ensino da língua materna, fator essencial para a preservação da cultura e da identidade
indígena, tal como prevê a legislação brasileira. As turmas geralmente são multisseriadas
192
e,
em algumas aldeias, o professor reside na própria comunidade indígena, vindo à sede do
município apenas semestralmente.
Em linhas gerais, dois acontecimentos foram marcantes na educação municipal nos
últimos anos com importantes implicações para a política da educação municipal: a
municipalização do ensino fundamental, ocorrida em 1998, e a parceria com o Instituto Ayrton
Senna assumida a partir de 2001. Por constituir a temática central deste trabalho, a política de
municipalização do ensino será aprofundada no tópico a seguir.
4.4 O PROCESSO DE MUNICIPALIZAÇÃO DO ENSINO FUNDAMENTAL EM
ALTAMIRA
Em 1998 o prefeito Claudomiro Gomes (1997-2000) do PSDB adere à política de
municipalização do ensino fundamental, lançada em 1996 pelo governo de Almir Gabriel, e
assina o Convênio de Cooperação Técnica com o Estado por meio do qual a rede municipal
passa a atender todo o ensino fundamental e a educação infantil. Em 1999, por meio de termos
aditivos ao Convênio, também municipaliza a Educação Indígena, a Educação Especial e a
Educação de Jovens e Adultos (EJA).
O Convênio de Municipalização de 002/98-SEDUC, publicado no D. O. E. de nº
28.671, de 11 de março de 1998, é identificado da seguinte maneira:
192
As escolas multisseriadas são escolas que geralmente contam com uma única turma onde estudam crianças de
diferentes séries e faixas etárias atendidas por um professor.
177
Termo de Convênio de Cooperação Técnica, que entre si celebram o Governo
do Estado do Pará através da Secretaria de Estado de Educação, Secretaria de
Estado de Administração, Instituto de Previdência e Assistência dos
Servidores do Estado do Pará e a Prefeitura Municipal de Altamira (Convênio
N° 002/98-SEDUC).
Observa-se que, além da Secretaria de Estado de Educação, participavam como parte
do governo estadual a Secretaria de Estado de Administração (SEAD) e o Instituto de
Previdência e Assistência dos Servidores do Estado do Pará (IPASEP) e todos terão a sua
quota de atribuições. As justificativas para a celebração do Convênio 002/98 constantes em
seu preâmbulo apoiaram-se nos seguintes argumentos:
Considerando a urgente necessidade de melhoria da qualidade da
educação no Estado;
Considerando que para isso se torna necessária a cooperação e o
planejamento mútuo do sistema educacional, integrando Estado e
Município;
Considerando que essa cooperação exige a implantação de uma estrutura
adequada e o envolvimento da comunidade em geral;
Considerando as diretrizes definidas pelas Constituições Federal e Estadual
em vigor que obriga os Estados e Municípios a organizar em regime de
colaboração mútua seus sistemas de ensino;
Considerando a criação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do
Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério, através da Emenda
Constitucional 14/96, da Lei Federal 9.424 de 24/12/96 e da Lei
Estadual 6.044 de 16/04/97, que disciplinam o estabelecimento de
convênios para transferência de alunos, recursos humanos, materiais e
encargos financeiros entre Estado e Municípios, com vistas à melhoria da
qualidade da educação;
Considerando a necessidade de municipalização do ensino fundamental no
Estado do Pará, para propiciar ao município a gestão gradativa do ensino
nas faixas do pré-escolar, e do Grau (menor ou total) e ao Estado a
priorização do Ensino Médio;
Resolvem os partícipes, de comum acordo, e na melhor forma de direito
celebrar o presente Convênio de Cooperação Técnica, para a implementação
da municipalização do ensino fundamental no município de Altamira,
garantindo a transferência dos alunos matriculados no pré-escolar e no
ensino fundamental nas escolas que serão municipalizadas por conta deste
Convênio, bem como dos recursos humanos lotados nestas escolas e dos
respectivos encargos financeiros que correrão por conta dos recursos do
Fundo pertencentes ao Governo do Estado (PARÁ, 1998, p. 2, negritos
meus)
178
Um dos objetivos da municipalização, conforme o convênio era a melhoria da
qualidade da educação que o governo estadual acreditava possível com a descentralização da
gestão via municipalização. No entanto, pouco antes desse processo a SEDUC tinha elaborado
um diagnostico da educação no Pará de 1989 a 1995
193
que dava conta da ineficiência das
redes municipais na gestão de suas redes, sintetizadas nas seguintes conclusões do estudo: “Em
resumo: constata-se que os municípios paraenses, em sua grande maioria, evidenciam elevado
insucesso escolar. Manter o aluno na escola tem sido um problema estrutural” (SEDUC, 1996,
p. 88). Neste caso, por que municipalizar se os municípios eram mais suscetíveis à gestão
ineficiente, que resultava na falta de qualidade do ensino? Um dos mentores da política de
municipalização, o professor Sérgio Bacuri, na condição de ex-assessor da SEDUC e
questionado a respeito dessa questão, argumenta:
A gente entendia o seguinte: as escolas de modo em geral tinham problemas de
infraestrutura, principalmente as escolas da zona rural como um todo e para isso
precisavam de recursos. Mais recursos para melhorar todas as escolas, para
construir escolas mais condizentes, com salas de aula mais apropriadas, aquela
coisa toda. O outro problema era o problema dos professores leigos, ou seja, a
qualidade do ensino não melhorava porque grande parte eram professores leigos
(...). O professor leigo você tinha que fazer capacitação com base no que estava
no FUNDEF e você resolvia o problema dos professores leigos (...) você destinava
para a capacitação não mais nos moldes do projeto Gavião, mas pegando UNAMA,
Federal e isso se resolveria com recursos. E tinha o problema da gestão. Então você
tinha que fazer capacitação para a pessoa ser gestora, e também evidentemente
precisava de recursos. (...) Olha, nós entendemos o seguinte: com o FUNDEF você
tinha recursos para conseguir viabilizar tudo isso que seria necessário para garantir
uma qualidade de ensino mais adequada, ou seja, havia no FUNDEF a salvação da
educação (Ex-Assessor de Planejamento da SEDUC).
A questão da qualidade, conforme o assessor da SEDUC era uma questão de recursos
que poderiam resolver todos os problemas: infraestrutura, capacitação de professores, falta de
gestão. O FUNDEF era utilizado pelo governo como mote para a resolução de todos os
problemas educacionais, era considerado a salvação da Educação. E isto tinha direta relação
com a municipalização, afinal, ela implicava o repasse de alunos da rede estadual para a
municipal, base do calculo monetário, unidade de valor para repasse de recursos pelo
FUNDEF, o que estimulava muitos prefeitos a aderir ao Convênio.
193
Essa avaliação foi publicada em 1996 com o título Diagnóstico Educacional do Pará 1989 1995pela
SEDUC.
179
A necessidade de municipalização também era justificada pela própria ineficiência
burocrática da SEDUC na época, que a tornava inadministrável, como esclarece ainda o ex-
assessor:
Só pra você ter uma ideia, a gente nunca tinha o número exato de quantas escolas a
SEDUC tinha. Se você pegasse por um lado o setor financeiro da SEDUC, ele dava
um quantitativo; se você perguntasse pro setor de recursos humanos ele dava outro
quantitativo, se perguntasse pra área de ensino era outro quantitativo; se
perguntasse na área de planejamento com base no censo escolar era outro
quantitativo (...) A gente sabia que jamais a gente teria condições de administrar esse
catatau de ensino, com um universo de escolas que a gente nem sabia quantas
escolas tinham, sequer conseguia chegar lá. Você tinha exemplo que às vezes um
processo de um professor do interior de um município que dizia: olha, estou doente,
preciso fazer uma cirurgia e preciso tirar uma licença. Quando chegava na mesa do
Secretário para finalmente autorizar, esse processo já estava dois anos correndo,
ou seja, a pessoa já tinha feito a operação, tinha resolvido o seu problema, ou
tinha morrido. O processo continuava andando, e a gente tinha a percepção de que
jamais a gente conseguiria, iria conseguir melhorar a qualidade de ensino nessa
situação. Foi quando nós pensamos numa proposta de municipalização do ensino
fundamental ( Ex-Assessor de Planejamento da SEDUC).
O regime de colaboração entre os sistemas de ensino federal, estadual e municipal está
de fato previsto tanto na Constituição Federal quanto na Estadual. É preciso destacar,
entretanto, que a legislação brasileira estabelece a necessidade de definição de Regime de
colaboração e não necessariamente de municipalização do ensino. A LDB é também muito
clara quanto a esse tema estabelecendo o regime de colaboração no Art. 8º. Na Constituição do
Estado do Pará, promulgada em 5 de outubro de 1989, é definido que “os Municípios atuarão
prioritariamente no Ensino Fundamental e na Educação Infantil, e o Estado atuará
prioritariamente no Ensino Fundamental e Médio” (§1º Art.274). Portanto, a oferta de ensino
fundamental deve ser co-responsabilidade dos municípios e do Estado. No Parágrafo único do
Art. 279, fica estabelecido que “o Estado prestará assistência técnica e financeira aos
municípios na organização dos seus respectivos sistemas de ensino”, ou seja, a colaboração do
Estado para os municípios nesse processo demanda assistência técnica e financeira; todavia, o
Convênio de Municipalização se restringe apenas à cooperação técnica.
A LDB, apesar da intenção explícita de limitar a assistência técnica e financeira da
União ao ensino obrigatório (fundamental), também não estabelece que a oferta do ensino
fundamental seja de competência exclusiva dos municípios, conforme o Art. 9º, 10 e 11 que
tratam da competência de cada esfera de governo. Conforme ressaltado, a municipalização
180
na prática não ficou restrita ao ensino fundamental e infantil, mas também englobou
posteriormente a EJA e a Educação Especial. Entretanto, a previsão de valores a serem
repassados ao município se limitava aos recursos do FUNDEF, conforme estabelecido na
Cláusula Terceira do Convênio nos seguintes termos:
DO VALOR A partir de março de 1998, o Município fará jus ao valor
definido anualmente pelo Presidente da República para o Fundo de
Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do
Magistério por aluno do ensino fundamental registrado no Censo Educacional
no ano anterior, transferido à respectiva rede de ensino, sendo, no ano de
1998, o valor mensal de R$ 26,25 (vinte e seis reais e vinte e cinco centavos)
por aluno, estimado da seguinte forma: R$ 18,29 (Dezoito reais e vinte e nove
centavos) oriundos de recursos do Governo Estadual e R$ 7,96 (Sete reais e
noventa e seis centavos) de recursos complementares do Governo Federal
(PARÁ, 1998, p.3).
O valor a que se refere a Cláusula Terceira do Convênio de Municipalização diz
respeito aos R$ 315,00 anuais mínimos previstos pelo FUNDEF por aluno nacionalmente
relativos ao ano de 1998, que, dividido por 12 meses, resulta R$ 26,25 mensais. No Pará, o
total de recursos oriundos dos governos estadual e municipais dividido em âmbito estadual
entre as redes municipais e a rede estadual de acordo com o número de alunos do ensino
fundamental previa um valor-aluno mensal de R$18,29. Para chegar aos R$ 26,25 previstos
nacionalmente, esse valor seria complementado pela União que contribuiria com R$7,96. Estes
eram os valores calculados para o caso de Altamira e seriam repassados ao município tão logo
se efetivasse o Convênio. Num primeiro momento, como os alunos estavam computados no
Censo Educacional da rede estadual, o governo se comprometia em repassar ao município o
valor equivalente ao número de alunos transferidos. O acréscimo de alunos decorrente desse
Convênio teve um grande impacto no total de recursos para a educação a partir de 1998, e esse
aspecto será discutido posteriormente.
Em relação às responsabilidades gerais das partes envolvidas, competia à Secretaria
Executiva de Educação do Estado (SEDUC), conforme a Cláusula do Convênio:
disponibilizar para a Prefeitura Municipal os servidores estaduais, obedecendo às seguintes
fases e condições sintetizadas no quadro abaixo:
181
QUADRO 03- ALTAMIRA: MUNICIPALIZAÇÃO – FASES A SEREM SEGUIDAS
PELA SEDUC
Fase de Transição
Na
primeira Fase
, (até 90 dias após a assinatura do
Convênio), a SEDUC deveria efetuar o pagamento dos
servidores efetivos, permanentes e temporários, sob a
gestão municipal. O pagamento dos professores que
atuam no ensino fundamental será deduzido do
montante dos recursos do FUNDEF e transferido ao
município. O pagamento dos professores que atuassem
na pré-
escola seria efetivado com recursos do Estado.
Ao término desta fase, os servidores estaduais
contratados envolvidos na municipalização terão seus
vínculos contratuais transferidos à Prefeitura Municipal.
Fase Pós- Transição
Na
segunda Fase
(até que os alunos fossem
computados na rede municipal/Censo Educacional), a
SEDUC continuaria pagando os servidores efetivos e
funções permanentes, sob a gestão do município.
Fase de Finalização
Na
última Fase
(alunos computados na rede municipal
pelo Censo Educacional), a SEDUC encaminharia à
Prefeitura a folha de pagamento e os contracheques
dos servidores estaduais integrantes do Convênio até
que a mesma se estruture para processá-los. Também
encaminharia por meio de ofício os servidores que
ficariam sob a gerência da administração municipal.
Fonte
: Fonte: Governo do Pará, Convênio nº 002/98, 1998, p.6,7.
Pelas informações coletadas junto à SEMEC e à Unidade Regional de Educação
Estadual de Altamira, é possível afirmar que até 2000 houve o cumprimento de todas as três
fases descritas no convênio. O Relatório da SEMEC relativo ao ano de 2000, que trata sobre o
FUNDEF, é bem explícito quanto ao desenvolvimento das fases da municipalização
vivenciadas pelo município onde consta:
Desse convênio já vivenciamos suas fases:
Fase: Diagnose da realidade do município, sobretudo das escolas a serem
municipalizadas. A SEDUC efetuou o pagamento dos servidores efetivos,
em funções permanentes e temporários, através da dedução do montante dos
recursos destinados ao município;
Fase: À SEDUC coube efetuar o pagamento dos servidores ocupantes de
cargos e funções permanentes sob a gestão administrativa do Município de
Altamira, uma vez que os alunos matriculados estavam computados no Censo
Estadual;
3ª Fase: (Alunos computados pelo Censo Escolar, na rede municipal) –
Através de um Termo Aditivo, assinado entre SEDUC e Prefeitura Municipal
de Altamira, foi autorizado o bito automático dos valores correspondente à
folha de pagamento dos servidores municipalizados. A SEDUC, portanto,
182
calculava os vencimentos, gerava folha de pagamento, elaborava os
contracheques, e a Prefeitura efetivava o pagamento. A partir de 2000, foi
assinado outro Termo Aditivo, anexado ao Convênio original, com as
seguintes alterações:
A manutenção e a emissão de folha de pagamento serão feitas pela SEDUC,
porém sem a elaboração de contracheques dos servidores cedidos para o
Município;
A Prefeitura de Altamira, então, gera os contracheques, efetiva o pagamento
dos servidores, a saber: 132 docentes e 95 servidores administrativos
(SEMEC, 2000, p. 2-3).
O Convênio previa ainda como parte das obrigações da SEDUC, entre outras as
seguintes:
QUADRO 04: RESPONSABILIDADES DA SEDUC NO CONVÊNIO DE
MUNICIPALIZAÇÃO
2
Das Responsabilidades da SEDUC
a)
Prestar assessoramento técnico, pedagógico e administrativo à SEMEC de
Altamira;
b)
Acompanhar
e supervisionar, através de suas Diretorias, Assessorias e
Unidades Regionais de Educação (URE’s), a
fiel execução do objeto do
Convênio;
c)
Fornecer à Prefeitura a tabela salarial praticada no Estado, atualizando a
informação sempre que houver alteração;
d)
Manter o controle das informações funcionais dos servidores;
e)
Fornecer à SEMEC cópia da ficha funcional
dos servidores, para
conhecimento e acompanhamento, mantendo este cadastro atualizado;
f)
Analisar os processos disciplinares que envolvam servidores estaduais e
aplicar as penalidades legais;
g)
Efetuar a manutenção da folha de pagamento dos servidores integra
ntes do
convênio, de acordo com as informações prestadas pela SEMEC.
Fonte: Governo do Pará, Convênio nº 002/98, 1998, p.7,8.
Dentre os compromissos assumidos com a municipalização, o assessoramento técnico
por parte da SEDUC aos municípios e os direitos adquiridos pelos professores parece que
foram as pautas que mais ficaram prejudicadas, como será visto adiante. O Convênio também
envolvia outro órgão estadual: A Secretaria de Estado de Administração (SEAD), que tinha
como atribuições principais no convênio:
183
QUADRO 05: RESPONSABILIDADES DA SEAD NO PROCESSO DE
MUNICIPALIZAÇÃO
2
Das Responsabilidades da SEAD
a) Elaborar a folha de pagamento dos servidores integrantes deste convênio,
discriminando as parcelas remuneratórias e os descontos previdenciários e
assistências relativas à pensão, pecúlio, assistência médica, empréstimos, com base
na manutenção efetivada pela SEDUC, até que a Prefeitura se estruture para
processar a folha e emitir os contracheques no próprio município;
b) Efetivar o pagamento da remuneração dos servidores ocupantes dos cargos
efetivos e funções permanentes integrantes deste Convênio, quando de sua
passagem para inatividade.
Fonte: Governo do Pará, Convênio nº 002/98, 1998, p. 9.
As atribuições da SEAD se relacionam à discriminação da remuneração, ao pagamento
de pensão, a empréstimos, a pecúlio, à assistência médica e à aposentadoria conforme a
política funcional dos servidores estaduais. A SEAD também cumpriu o seu papel efetuando o
que lhe competia no convênio de municipalização de Altamira.
O Instituto de Previdência e Assistência dos Servidores do Estado do Pará (IPASEP)
era o terceiro parceiro como parte do governo estadual e a ele competia:
QUADRO 06: RESPONSABILIDADES DO IPASEP NO PROCESSO DE
MUNICIPALIZAÇÃO
2
Das Respons
abilidades do IPASEP
a)
Assegurar aos servidores estaduais que ficarão sob a gerência administrativa do
município, acesso aos benefícios, serviços previdenciários e assistenciais
prestados pelo IPASEP na forma da Lei;
b)
Proceder através de seu serviço de perícia, a avaliação da capacidade
laborativa dos servidores estaduais, que ficarão sob a gerência administrativa
do município.
Fonte: Governo do Pará, Convênio nº 002/98, 1998, p. 9.
Os termos do convênio deixavam claro que os funcionários continuariam tendo acesso
aos serviços médicos do Instituto Estadual e, se precisassem de afastamento temporário de
suas funções por motivo de doença, a perícia seria feita por meio desse Instituto, que teria
condições de autorizar ou não a licença médica ou a aposentadoria por invalidez.
Finalmente, à
Prefeitura de Altamira se reservavam as seguintes atribuições:
184
QUADRO 07: RESPONSABILIDADES DA PREFEITURA DE ALTAMIRA NO
PROCESSO DE MUNICIPALIZAÇÃO
2
Das Responsabilidades da Prefeitura
a) Garantir a continuidade do Ensino Fundamental das escolas municipalizadas, sem
prejuízo do período letivo;
b) Assegurar aos servidores efetivos e permanentes os direitos e deveres previstos nos
termos da Legislação Estadual em vigor;
c) Lotar prioritariamente os professores estaduais efetivos e permanentes com carga
horária máxima disponível na grade curricular, permanecendo nessa condição enquanto
perdurar o processo de municipalização
d) Garantir a lotação dos servidores que ocupavam função gratificada de Diretor, Vice-
Diretor e Secretário, de acordo com sua habilitação;
e) Remunerar os servidores estaduais, efetivando o pagamento no prazo máximo de 72
horas após a data de recebimento dos recursos repassados pelo Estado ou pelo
FUNDEF;
f) Garantir o fiel cumprimento dos valores salariais e percentuais de vantagens
praticados no Estado, quando da efetivação do pagamento da remuneração;
g) Responsabilizar-se pelo ônus decorrente de afastamentos do servidor estadual a
serviço do município, bem como pagamento de serviços extraordinários;
h) Efetuar todos os descontos previdenciários e assistenciais relativos à pensão,
pecúlio, assistência médica extra, empréstimos financeiros e imobiliários;
i) Garantir a inclusão dos professores estaduais nos programas de habilitação e
capacitação de recursos humanos promovidos pela Prefeitura;
j) Garantir a matrícula na rede municipal de alunos oriundos das escolas conveniadas
com o Estado, quando não houver celebração de um novo convênio com a Prefeitura
Municipal;
l) A remoção do servidor estadual no âmbito do próprio Município é uma prerrogativa do
gestor municipal, cabendo somente notificar à SEDUC a movimentação efetivada. A
remoção para outro município é permitida apenas quando houver manifestação formal
entre as prefeituras, desde que estejam com o ensino fundamental municipalizado e que
haja a anuência expressa do servidor e um parecer técnico da SEDUC
Fonte: Governo do Pará, Convênio nº 002/98, 1998, p. 10-13.
No que diz respeito à devolução do Servidor, o convênio vedava taxativamente a sua
volta à Secretaria Estadual, como previa a Cláusula 11ª ao determinar: “
Fica vedado o retorno do
servidor estadual, cujas atividades foram repassadas ao Município pelo processo de municipalização,
extinguindo-se a atividade somente com a aposentadoria, exoneração, demissão, dispensa e morte”
(PARÁ, 1998, p. 14)
194
.
Por fim, quanto ao prazo de vigência do convênio, ficou estabelecido o interstício de 5
anos. Para que se chegasse à municipalização, segundo o que previa a proposta, era necessário
todo um processo de preparação e organização da rede estadual, diagnóstico das condições do
194
Esta certamente foi a cláusula que mais ficou comprometida com o desenrolar do processo, pois o governo
estadual não foi capaz de fazê-la ser cumprida, como veremos adiante.
185
município, esclarecimento da comunidade e adesão política à proposta. O depoimento da
Secretária de Educação, à época da municipalização, revela um pouco dessa história:
as reflexões sobre a municipalização não foram feitas assim aleatórias. Eu acho que
ela teve um histórico. Inclusive porque... houve assim... como... houve um trabalho,
houve também, uma caminhada, tanto nos movimentos sociais, e hoje eu digo de
uma forma mais específica na área de educação, do próprio SINTEPP, da própria
universidade, como também da própria SEDUC com o seu modelo que tinha pra
implantar naquela época, com todas as lacunas e falhas, mas as coisas não foram
feitas assim soltas. O que eu quero dizer com isso? (...) Quer dizer, que era o grande
sonho da municipalização, primeiro era a democratização do poder. Quem é que não
falava disso? Desde Gadotti até os grandes teóricos nacionais e internacionais,
enfim, houve, tinha essa febre. Essa reflexão era assim muito visível naquela época:
vamos democratizar o poder, porque a sociedade vai acompanhar e a sociedade
organizada vai determinar, e o que eu acho que seria um dos motivos fortes
(Secretária de Educação A)
O depoimento revela, num primeiro momento, a predisposição de articular a
municipalização à democratização da gestão, à democratização do poder de decisão como um
dos motivos fortes para municipalizar, contudo, logo em seguida, a secretária Municipal da
época passa a analisar essa questão no contexto das afinidades partidárias entre governo
federal, estadual e governos municipais, revelando com mais nitidez e realismo a articulação
partidária em torno do projeto de municipalização que era não apenas um projeto local, mas
sobretudo, um projeto incentivado pelo governo federal com a criação do FUNDEF:
Deixa eu te dizer como é que foi... A municipalização, nossa!!... Foi uma aventura...
Através de convênios... Naquela época municipalizou Altamira, Brasil Novo e
Medicilândia eu acho, aqui nessa região. Sabe, eu acho que o pacote veio pra
porque tinha toda uma questão política das prefeituras e claro que eu não sou
ingênua (..)Tava tudo na mão do PSDB o Fernando Henrique [Presidente da
República], o Paulo Renato [Ministro da Educação] também estava no auge de toda
uma estrutura nova pra educação e como o Dr. Almir era e é ainda do PSDB, então o
bruxo veio direto de Brasília. Na verdade ideologicamente o que aconteceu? Atingiu a
nós primeiro, como o governo federal faz hoje [2007]. Então nós vamos buscar os
nossos Estados onde o governo é do PSDB e é que a gente vai implantar esse
projeto. Como o governo de era PSDB, o de também, o que é que o Almir
Gabriel disse? Eu vou buscar os meus prefeitos do PSDB! (Secretária de Educação
A).
186
Fica claro que o fato do prefeito, o governador e o presidente pertencerem ao mesmo
partido facilitou a adesão e a disposição política para a municipalização em Altamira. Quanto
ao processo de municipalização, a Secretária afirma que:
foi feita por passos a nossa municipalização. (...) a municipalização ocorreu com suas
fases distintas: primeiro foi feita uma diagnose da realidade do município, sobretudo
das escolas a serem municipalizadas, (...) se fez vários seminários. Inclusive eles [o
SINTEPP, sindicato de professores] nunca deixaram de participar das discussões
conosco, nunca. (Secretária Municipal de Educação A)
E a Secretária Municipal de Educação à época da municipalização relata mais algumas
peculiaridades daquele momento em relação às mudanças ocorridas:
A própria estrutura da SEMEC enquanto, até eu tenho esse quadro que eu posso te
mostrar, houve toda uma... A criação da própria diretoria de ensino, com toda uma
proposta de trabalho. Inclusive nós tivemos toda uma relação, assim muito
interessante, com o SINTEPP, apesar de que eles sempre foram do contra, apesar
de que eles nunca acolheram nenhuma proposta da SEMEC, mas nunca nós
deixamos de sentar e dialogar, nem de brigar também, por que não? (....) Eu me
lembro que nós implantamos o projeto modular com 7 pólos de a 8 ª série que
envolveu escolas municipalizadas da zona rural, nós tivemos transporte escolar, nós
tivemos até bicicletas pra alunos, em comunidades mais distantes da zona rural, nós
oferecemos. Nós fizemos um projeto com 17 bicicletas e nós oferecemos pra uma
comunidade lá no Gaviãozinho que fica a 18 km de Altamira. (Secretária A)
A partir desses trechos do depoimento da Secretária de Educação à época da
municipalização, podem-se extrair algumas informações sobre o início desse processo, que
segundo ela não se deu de forma aleatória, mas havia toda uma articulação em torno da ideia
que associava a municipalização à possibilidade de democratizar a educação nos municípios
sendo este um forte motivo para municipalizar o ensino. No entanto, fica também claro no seu
depoimento que as motivações oriundas das afinidades partidárias foram determinantes nesse
processo. Para ela, o sindicato de professores participou das discussões iniciais a respeito da
municipalização, embora essa relação fosse conflituosa. O Presidente do Sindicato dos
professores da época, afirma que esteve presente à reunião que informou sobre a
municipalização, mas lamenta o modo como se deu o processo, o pouco tempo disponível para
discussão e a não-participação popular na tomada de decisão a esse respeito, como expressa:
187
Foi um momento muito doloroso porque a maneira como foi implantada a
municipalização... Ela causou um choque profundo em consequência de que a
SEDUC ela preparou um seminário, convidou os prefeitos da Regional e no final do
seminário ela apresentou já o Convênio de Cooperação Técnica já para que os
prefeitos assinassem pra municipalização. Alguns prefeitos recuaram, mas outros e
principalmente o de Altamira que foi um dos primeiros municípios a realizar a
municipalização. Não houve uma discussão aprofundada do objetivo, dentro do
contexto do que seria essa municipalização. Então no primeiro momento (o sindicato,
nós estávamos presentes inclusive fizemos parte da mesa) estávamos presentes, o
sindicato solicitou um tempo pra discutir com a categoria, mas nós não fomos ouvidos
naquele momento. Até porque essa implantação da municipalização, ela veio de cima
para baixo. (Presidente do SINTEPP A).
Embora o sindicalista informe que o município de Altamira foi um dos primeiros a
aderir à municipalização
195
, tal informação não encontra confirmação nos documentos da
época. Ainda assim, por meio desse depoimento infere-se que não havia esclarecimentos
suficientes sobre o processo da municipalização entre as lideranças sindicais e tampouco
maiores discussões com amplitude de participação. Dentre os professores e servidores que
passariam a ser cedidos para o governo municipal após a municipalização, apenas alguns
tomaram conhecimento da nova situação que os aguardava, mas sem muita clareza sobre
como isso iria acontecer de fato. É importante verificar nos depoimentos desses “professores
municipalizados” a forma como se deu o processo inicial de municipalização e como essa
novidade foi recebida por eles:
Se falava que ia acontecer, mas nunca se chegou pra gente, né, pra dizer. Nunca se
convidou os professores pra dizer o que seria o processo de municipalizão, quando
aconteceria e porque aconteceria. se falava: em tal ano vai acontecer o processo
de municipalização, mas nunca nem o Sindicato, nem as direções, nem a URE nos
convidou a falar sobre como ia acontecer esse processo. (Professor C)
A gente tinha algumas falas do sindicato, de qualquer forma, a gente falava sobre
isso, mas a gente nunca teve assim uma discussão assim bem sistematizada, mas a
gente algumas vezes conversou a respeito da municipalização. A gente tinha mais ou
menos uma ideia de como ia acontecer. Mas isso através do sindicato, porque na
SEDUC e SEMEC ninguém sabia de nada. (Professor D)
195
Os dados da presente pesquisa revelam que o município de Altamira foi o último da região a assinar o
Convênio de municipalização em 1998; os demais o fizeram em 1997. É possível que nesta reunião mencionada
pelo sindicalista tenha havido a adesão simbólica à municipalização por todos os municípios da Região do Xingu
e não propriamente a assinatura do Convênio.
188
Bom eu vi assim, quando foi o governo do Claudomiro, de repente assim, estavam
implantando a municipalização em todos os municípios do Pará, Altamira parece
assim que foi o primeiro que implantou a municipalização e implantou tudo de uma
vez, porque era um processo gradativo, primeiro de a série, depois de a 8ª.
Aqui não. Foi numa porrada só, de a 8ª. Municipalizou. Mas nós sempre tivemos
um atrás com isso. A gente, nós sabíamos que não era uma coisa boa assim,
porque isso a gente já tinha estudado na universidade (...), e eu sabia que tinha sido
um desastre total. (Professor C)
Pelo menos eu pensava assim, e muitos colegas, também: que seria bom porque
tudo ia ficar aqui mais perto da gente, não precisa ir pra Belém nada, ia ser
municipalizado, tudo ia ser melhor. (Professor D)
Essa era a mensagem que a SEDUC passava pra gente, e a SEMEC, também. Mas
que nós sabíamos que não era bem assim, porque nós nhamos o
conhecimento de como funcionava o estilo municipal mesmo. Então, se o Município
não dava conta direito das escolas que tinha, que eram poucas e era de a
série, ele não dava conta direito, professor era mal pago, era tudo desorganizado, era
uma bagunça total, imaginem quando implantassem todo o Fundamental, de até a
8ª, como seria? Então isso era uma interrogação que nós tínhamos na cabeça: como
seria isso? E mesmo a gente sabendo dessa história de que tudo ia ficar mais fácil
porque ia ficar mais perto da gente. A gente sabe que quanto mais perto da gente
pior é pra gente, porque a gente vê a rede municipal como funciona, todo mundo que
dentro insatisfeito, reclamando. Porque é muita cobrança e pouco
investimento. (Professor C)
Observa-se, por esses depoimentos, que os professores estavam pouco informados
sobre o processo. Para alguns, as informações que chegavam até eles eram vagas e vinham do
sindicato. As informações que a SEMEC e a SEDUC repassavam não chegavam a todos eles.
Para os professores, o fato de se ter municipalizado todo o ensino fundamental de forma rápida
e o conhecimento das experiências em outros lugares fazia com que eles duvidassem dos
possíveis benefícios da municipalização.
Além disso, por conhecerem o estilo de trabalho desenvolvido no meio local, também
duvidavam da capacidade da SEMEC de trazer melhorias para a educação, fosse pela
precariedade com que esse órgão vinha atuando com uma rede menor, de a 4ª série, fosse
pelas manifestações de insatisfação dos que trabalhavam na rede. A preocupação era de que
talvez não fosse verdadeira a assertiva de que quanto mais perto o núcleo gestor, melhor. Na
verdade, talvez fosse pior, pois o que eles percebiam era muita cobrança, mas também muita
precariedade.
189
De acordo com a SEDUC, o diagnóstico deveria servir para avaliar as condições da
rede estadual, mas também avaliar as condições do município de assumir as novas matrículas e
os encargos delas decorrentes. Questionada se a SEMEC tinha condições estruturais para
municipalizar o ensino fundamental integralmente, a Secretária afirma:
Não tinha porque quando nós pegamos a SEMEC também na verdade, não se tinha
nada no município. Na verdade se pegou nas coisas tudo fragmentada. É tanto que o
primeiro concurso público foi realizado na época do Claudomiro [o prefeito da época].
Na verdade o próprio quadro técnico da SEMEC se definiu conosco. Na verdade tudo
pra nós foi novo, nova a municipalização, foi novo o FUNDEF, foi nova uma gestão
diferenciada. Na verdade de administrar, porque até então eu tava entregue a tudo
que era de prejuízo por , pra nós. Até alunos fantasmas eu fui chamada pelo
INEP, por exemplo, na SEDUC pra dar conta de alunos dos anos anteriores, coisas
que a gente nunca comentou até porque ainda se respeita algumas situações ainda
nessa cidade. Então não tinha condições, mas teve, essa é a verdade (Secretária
Municipal de Educação A).
É importante esse depoimento da Secretária não apenas porque revela a falta de
condições estruturais do município para assumir a municipalização, mas porque, de certa
forma, coloca em dúvida a validade da proposta do diagnóstico da SEDUC no município como
pré-requisito para municipalizar. Segundo os técnicos da SEDUC, o diagnóstico era importante
para avaliar as condições apresentadas pela SEMEC de assumir o aumento de matrículas e
todas as atividades administrativas e pedagógicas decorrentes desse aumento, sendo este um
pré-requisito para a municipalização. No entanto, como não existiam essas condições no
município de Altamira, conforme revela a Secretária, e mesmo assim a municipalização foi
efetivada, questiona-se se de fato o resultado do diagnóstico constitui pré-requisito para
municipalizar o ensino.
O fato é que a assinatura do convênio foi feita em 1998 e, segundo a SEDUC, resultou
no repasse de vinte e nove (29) escolas, de duzentos e trinta e três servidores (233) entre
professores, agentes administrativos e de apoio e de dez mil e setecentos e quarenta e quatro
(10.744) alunos de a série da SEDUC para a gestão municipal (SEDUC/CODES, 2005).
Mas, de acordo com o Decreto Municipal nº 356/98, as escolas estaduais e conveniadas
assumidas pelo município a partir de 1998 foram em número de 24 conforme consta no quadro
do anexo nº IV deste trabalho.
As Escolas particulares em Regime de Convênio anteriormente tinham vínculo com
o Estado. Na verdade, o que aconteceu após a municipalização, segundo informações obtidas
190
junto à SEMEC, é que houve uma redefinição do número de escolas de acordo com as
necessidades do município. Algumas foram aglutinadas; outras, desativadas, o que resultou
nas 24 escolas que passaram a ser geridas pela Secretaria Municipal de Educação. Acrescidas
às 97 de sua rede, a SEMEC passou a atender 121 escolas. Naquele momento, logo após a
municipalização, a SEDUC ficou com apenas 6 escolas de ensino médio, sendo 3 estaduais e
3 conveniadas e atualmente tem 8 escolas. É importante aprofundar um pouco mais sobre as
relações entre a rede municipal e a rede estadual na perspectiva de melhor compreender o
processo de municipalização e suas relações com a democratização da educação em Altamira.
4.4.1 O sistema Estadual de educação antes da municipalização do ensino em Altamira
Embora o estudo da rede estadual não constitua objeto principal deste estudo, entende-
se que não há como compreender a municipalização e suas implicações para a democratização
da educação na rede municipal sem analisar as suas relações com a gestão da rede estadual.
Interessa avaliar as condições concretas da gestão e do funcionamento da rede estadual antes e
depois da municipalização do ensino fundamental de Altamira na perspectiva de verificar os
fatores que levaram os responsáveis pelas duas redes (estadual e municipal) a acatar de forma
consensual a municipalização do ensino. Em um primeiro momento, adentrarei alguns
elementos da organização, da estruturação e da forma do atendimento realizado pelo órgão
que coordenava a educação estadual no município, a Unidade Regional de Educação (URE).
Num segundo momento, analisarei esses elementos após a municipalização destacando as
relações entre as duas redes.
A organização de escolas públicas estaduais no Município de Altamira ganhou mais
nitidez a partir do governador Magalhães Barata em 1930, quando as escolas foram unificadas
em um Grupo Escolar. Na década de 1960, este Grupo Escolar ganhou um prédio novo e a
denominação de “Porfírio Neto”. Por ocasião do governo de Frisan Nunes, no início da
década 1970 foram construídas pelo governo do Estado Alacid Nunes as Escolas de Grau
Deodoro da Fonseca e Antonio Gondin Lins (UMBUZEIRO, 2004). A educação estadual em
Altamira é coordenada por uma Unidade Regional de Educação, descentralizada da SEDUC,
a 10ª URE
196
. De acordo com o Decreto Estadual 6.069 de 09 de maio de 1989, são
196
As URES foram criadas pela Lei 4.398 de 14 de junho de 1972 e regulamentadas pelo Decreto nº 8.169 de 14
de novembro de 1972, tendo recebido inicialmente o nome de Divisões Regionais. A Lei nº 4.780 de 19 de junho
191
competências das UREs “programar, coordenar, orientar, executar, controlar e avaliar as
atividades da Secretaria, em sua área de circunscrição de acordo com as normas, atribuições e
delegações estabelecidas pelo órgão central” (PARÁ, 1989).
Os vários diretores que ao longo da existência da 10ª URE por passaram, com
tempo de permanência muito variado
197
, tinham a atribuição de coordenar a educação nos oito
municípios de sua circunscrição, dando-lhes assessoramento e acompanhamento pedagógico e
administrativo. É importante lembrar que o assessoramento administrativo e pedagógico
sempre foi feito em condições precárias, especialmente nos seus primeiros anos de
funcionamento, pois a URE não dispunha de transporte para realizar essa atribuição, como se
pode constatar no depoimento de uma das ex-diretoras:
Isso era muito difícil porque na época a URE não dispunha de transporte, então nós
usávamos sempre o transporte que nos era cedido ou pelo DNER ou pelo INCRA,
pela EMATER. Em cada aglomerado que eram chamados de ‘agrovilas’ tinha uma
escola, que seria responsável pelas escolas do entorno e eram chamadas de escola-
sede, né? Havia diretor, havia coordenadores né, que também faziam esse
atendimento às escolas daquele entorno, daquele aglomerado maior (Ex-Diretora da
12ª URE).
Até meados de 1990, a URE de Altamira abrangia a coordenação de sete municípios e
supervisionava o atendimento de 31.368 alunos nos sete municípios, como consta no Quadro
VI em anexo. Em 1997, ano da municipalização, na maioria dos municípios da região o
quadro de atendimento pela 10ª URE era o seguinte:
de 1978, regulamentada pelo Decreto nº 6.069 de 09 de maio de 1979 definiu-lhes o nome de Unidades
Regionais de Educação. A URE de Altamira inicialmente foi designada como 12ª URE e, a partir de 1990,
passou a ser considerada como 10ª URE.
197
Foi possível recuperar, nos arquivos da URE, alguns de seus titulares de 1994 a 2009, cujos nomes constam
no Quadro V, anexo a este trabalho.
192
Tabela 23 – Altamira: Nº de alunos por Rede nos municípios de jurisdição da 10ª
URE antes da Municipalização – 1997.
Município
Rede Estadual
Rede Municipal
Total
01
Altamira
8.181
10.073
18.254
02
Anapu
1.556
776
2.332
03
Brasil Novo
2.263
559
2.822
04
Porto de Moz
622
6.655
7.277
05
Medicilândia
4.953
748
5.701
06
Senador José Porfírio
910
2.823
3.733
07
Uruará
5.667
1.573
7.240
08
Vitória do Xingu
1.141
1.148
2.289
Total
25.293
24.355
49.648
Fonte: SEDUC/INEP/MEC.
Em 1997 antes da adesão formal à municipalização a 10ª URE coordenava 50.9% das
matrículas do total de 49.648 em 1997. Contudo, a municipalização já estava bastante
avançada em pelo menos três municípios: Altamira, que se responsabilizava por 55,1% do
total de 18.254 matrículas; Uruará, onde 75,6% das matrículas eram de responsabilidade da
rede municipal, e Porto de Moz, onde a quase totalidade (91,4%) do atendimento estava sob o
encargo do executivo municipal. Ainda assim, no computo geral, a SEDUC ainda tinha a
maioria do atendimento e o fazia com muita dificuldade, pois havia grande precariedade
infraestrutural e de normatização do funcionamento das URE’s, fato que não se restringia à
região de Altamira, mas abrangia todo o Estado do Pará como é destacado no diagnóstico da
situação educacional evidenciado por ocasião da elaboração do Plano Estadual de Educação
1995/1999 do Estado do Pará:
Falta de elementos legais, normativos e de instrumentos outros
indispensáveis à descentralização regional das ações e à autonomia das
escolas, como manuais de procedimentos administrativos, Regimentos
Escolares adequados à realidade do Estado, Conselhos Escolares, portarias,
etc. Face à inexistência ou à exigüidade desses instrumentos, as decisões e
ações que poderiam se efetivar a nível local acodem ao nível central em
busca de decisão, congestionando o sistema e provocando insatisfação.
Acresce a isso o fato de que as URE’S Unidades Regionais de Educação,
através das quais se deveriam viabilizar boa parte das ações de
descentralização, não se encontram equipadas para tal, não dispondo, com
frequência de telefone, fax, viatura, copiadora, etc. (PARÁ, 1995, p.29).
193
Criadas com o objetivo de descentralizar as ações da SEDUC, as URE’s apresentavam
problemas crônicos de funcionamento em razão dos poucos recursos materiais e humanos que
dispunham para funcionar. Por causa dessa situação, suas ações vinham sendo muito
limitadas, restringindo-se ao município em que estavam sediadas, deixando de fazer visitas
sistemáticas aos outros municípios da região ou apenas servindo de entreposto das decisões
que continuavam sendo tomadas em Belém, onde os processos se arrastavam por meses e até
anos.
A SEDUC, em Belém, por sua vez, como órgão central, também não estava
suficientemente equipada para dar conta do acúmulo de processos pela falta de um sistema
geral de protocolo informatizado e ágil que permitisse na época
198
, segundo o Plano Estadual,
“localizar e informar o público com segurança e rapidez sobre os 12.000 processos que, em
média, se formam na SEDUC mensalmente” (PARÁ, 1995, p. 29).
Desta forma, como uma das diretrizes para a melhoria da gestão educação educacional
no Pará, o Plano previa “descentralizar praticamente todos os processos administrativos,
financeiros, e até mesmo pedagógicos, transferindo para a órbita das Unidades Regionais de
Ensino (URE’s) e das Escolas-sedes decisões administrativas que estão totalmente
concentradas no Órgão-sede” (PARÁ, 1995, p. 37). Em Altamira, havia muita dificuldade de
resolver certos problemas cuja resolução dependia de decisões que se concentravam na
SEDUC Central, como afirma um dos diretores entrevistados da 10ª URE - Altamira:
Uma questão que é pra resolver dentro de um dia passa 40 ou 50 dias. Por exemplo,
caiu um raio no transformador da escola, a URE deveria ter recursos pra mandar
fazer de imediato. o que é que acontece? A escola comunica à URE; a URE, por
sua vez, comunica à SEDUC. E esse processo tramita até chegar no financeiro e
demora um ano. E aí então a escola pode ficar no escuro (Ex-Diretor da URE).
Para tentar amenizar a situação da falta de coordenação nos municípios pela SEDUC
via URE’s, sua estrutura foi redefinida em 1996. Segundo o Relatório Anual de Gestão da
SEDUC de 1996, a Portaria 593/96-GS reduziu de 20 para 18
199
o número de URE’s e
substituiu a figura de Escola-pólo pela ampliação das Escolas-sedes
200
, responsabilizadas por
coordenar a rede municipal em cada município que deveria atuar em conexão com as URE’s.
198
Atualmente (novembro de 2009) a SEDUC já possui um sistema administrativo interligado em rede, mas que
ainda não funciona adequadamente.
199
A partir de 2002, as URE’s voltam a ser em número de 20, incluindo-se a 19ª URE –- Belém e a 20ª URE
Região das Ilhas.
200
As Escolas-pólos funcionavam em alguns municípios da região, enquanto que as Escolas-sedes estavam
localizadas por município.
194
Acreditava-se que, a partir dessa reestruturação, as URE’s pudessem cumprir a sua função de
órgão de gestão educacional regional e não apenas restrito ao município em que estava
sediada, como consta no relatório: “De agora em diante, as URE’s terão verdadeiramente,
como área de abrangência, o espaço regional, e não mais como ocorria antes, em que existiam
URE’s que se restringiam a apenas um município” (SEDUC, 1997, p.17).
A resolução de problemas administrativos e pedagógicos pela 10ª URE de Altamira
era feita de forma parcial, dadas as limitadas condições estruturais, financeiras e de recursos
humanos. No ano de 1996, apenas metade das URE’s eram informatizadas, e todas
precisavam de veículos para locomoção aos municípios que coordenavam. É ilustrativa desta
situação a licitação para aquisição de 18 veículos a serem cedidos para as URE’s, como se
constata no Relatório de Gestão da SEDUC:
A SEDUC (...) abriu licitação para aquisição de 18 veículos que serão
cedidos às URE’s para o desenvolvimento do Projeto de Municipalização do
Ensino Fundamental e para utilização nas suas atividades de
acompanhamento e assessoramento junto às escolas localizadas no espaço
regional de sua abrangência (SEDUC, 1997, p. 18).
Importa destacar que a municipalização do ensino fundamental foi o principal fator a
determinar a necessidade de compra desses novos veículos para as URE’s paraenses muito
necessitadas de tais meios de transporte. A SEDUC tinha interesse em municipalizar as
escolas estaduais, e isso exigia a presença de seus técnicos de Belém em cada município para
fazer, in loco, o reordenamento das escolas estaduais para, assim, passá-las para a gestão
municipal. Parece irônico: a estruturação das URE’s com o transporte funcional foi
viabilizado não apenas pela necessidade do desempenho das funções locais e regionais, mas,
sobretudo, por necessidade do órgão central; todavia, o que é mais paradoxal é que isso não
ocorreu enquanto a URE precisava estar acompanhando as escolas nos municípios, mas sim
para viabilizar o repasse de encargos aos municípios.
A professora Ducilla Almeida do Nascimento, ex-diretora da 10ª URE em Altamira,
revela com certa nostalgia as mudanças ocorridas na educação ao longo de mais de trinta anos
como educadora no município – alguns coordenando a educação estadual:
195
Eu participei da construção, da estruturação da primeira escola a funcionar na
Transamazônica. Fui à primeira missa que foi celebrada na Transamazônica. Então
tem toda uma história que foi construída na Transamazônica. E a gente tinha atuação
em todos esses municípios que eu falei anteriormente. E na época de diretora da
URE, nós fizemos, nós construímos muitas coisas juntos. Na época nós implantamos
o curso de Ciências Humanas, nós implantamos o curso de Enfermagem aqui em
Altamira, nós trouxemos o Departamento de Inspeção Escolar para Altamira. É toda
uma história que foi construída nesse município (Ex-Diretora da URE).
A URE de Altamira, apesar da insuficiente cota de recursos financeiros para sua
manutenção, parece ter sido bastante dinâmica antes da municipalização pelo que se pode
inferir do depoimento da ex-diretora. No período (1994 a 1998), várias ações foram
descentralizadas, dentre elas: as atividades de inspeção para fins de autorização e
reconhecimento de cursos e escolas junto ao Conselho Estadual de Educação (CEE), que eram
de responsabilidade do Departamento de Inspeção e Documentação Escolar (DIDE) sediado
em Belém; o Sistema de Organização Modular de Ensino (SOME)
201
; a Educação
semipresencial de Jovens e Adultos em que o aluno trabalhador tinha acompanhamento
personalizado por meio de módulos instrucionais e apoio de professores que ficavam a sua
disposição na própria 10ª URE onde foi implantado um Núcleo de Atendimento
Personalizado (NAES), tal como o existente em Belém. Além disso, a 10ª URE era também
responsável pelo Projeto Logos, posteriormente Projeto Gavião
202
, que visava à capacitação
de professores leigos em parceria com as prefeituras. Sobre o desenvolvimento do Projeto, a
ex-diretora da URE assim se reporta:
201
O Sistema de Organização Modular de Ensino (SOME) é uma estratégia de oferta de ensino médio
organizada em módulos por disciplina ou grupo de disciplina. Assim, o professor de uma determinada disciplina
atende vários municípios, alternando com outros professores. Em 1996 o SOME também foi descentralizado em
quatro pólos de atendimento, sendo que Altamira passou a ser um deles (SEDUC, 1997).
202
O Projeto Logos I e II possibilitava aos professores que tinham o grau como era denominado na época,
concluírem o grau em Magistério, eliminando as disciplinas por módulos. O Projeto Gavião I tinha o objetivo
de capacitar professores leigos que não possuíssem o ensino fundamental, e o Gavião II objetivava oferecer a
habilitação em magistério. Vale ressaltar que o Projeto Logos I e II foi substituído pelo Gavião, tendo este sido
aprovado pelo Conselho Estadual de Educação – Resolução nº. 379/84.
196
Na época se implantou o Projeto Gavião no nível de ensino fundamental, e a gente
saía mobilizando as filhas dos agricultores né, pra elas fazerem esses cursos.
houve a época do curso fundamental, depois a época do curso magistério né, a nível
médio. Então eram assim, atividades muito ricas. A gente acompanhou a formação
desses profissionais que hoje são profissionais de destaque aqui na nossa região.
(...) o que me chamou atenção naquela mesa é que nós tínhamos quatro Secretários
de Educação saídos do Projeto Gavião e que hoje estão com nível superior. Isso pra
gente é realmente uma coisa fantástica. (Ex-diretora da URE)
A professora se refere a um evento educacional ocorrido em Altamira, do qual faziam
parte diversas autoridades educacionais da região, a maioria delas oriundas do Projeto Gavião.
Esse Projeto foi muito importante em um determinado momento não apenas nesta região, mas
em todo o Estado do Papor dar condições de qualificação profissional de nível médio aos
professores num período em que não havia escolas de formação de professores em quase
todos os municípios. Mesmo quando existiam, as escolas não eram frequentadas pelos
professores leigos da zona rural, pois não podiam afastar-se por períodos prolongados de suas
funções. Nesse sentido, o Projeto Gavião foi muito oportuno e supriu essa necessidade, pois
funcionava em períodos de férias, quando os professores vinham à cidade, permanecendo pelo
período de estudo. Foi esse o momento em que também se diversificaram as modalidades de
ensino médio no município, tal como afirma a ex-diretora, a partir da vinda de outros cursos.
Antes da municipalização havia momentos em que se discutia e se tratava a educação
como projeto municipal e regional em fóruns promovidos com esse fim como relatam alguns
entrevistados:
No nosso município nós tínhamos a associação dos secretários de educação do
município. Naquela época, tínhamos aqui fóruns belíssimos que determinavam
inclusive o nosso projeto de educação pra Altamira e o Xingu, e tudo foi por terra.
(Secretária de Educação A)
Nós tínhamos o Fórum Regional de Educação à época, então nós vivíamos numa
constante discussão, debate sobre esse tema. Tinha representante da Secretaria de
Educação dos vários municípios né, dos oito, tinha representante do sindicato dos
trabalhadores da educação, tinha representantes de várias entidades, então essas
entidades se reuniam e elegiam a coordenação daquele fórum por dois anos. (...) Eu
vi inúmeras vezes as instituições governamentais e não-governamentais juntos
discutindo as questões educacionais da região. (...) e nós tínhamos em mente que
deveria ter um plano de educação para essa região. Mesmo cada município com a
sua característica, com a sua diversidade, mas deveria ter, dadas as características
da Região da Transamazônica. E essa coisa foi se perdendo, e cada município foi
assumindo a sua municipalidade em nível de educação, da saúde, do transporte.
Então é preciso a gente resgatar isso. Alguns municípios eles realmente cresceram
não é? E outros têm muito mais dificuldade isoladamente e isso pra gente na região
não é uma coisa boa. (Ex-diretora da URE)
197
De certa forma, a URE compunha com os Secretários municipais da região uma
espécie de colegiado informal que discutia os problemas comuns da região. Contudo com o
tempo, por conta da municipalização, os municípios foram assumindo a situação de
isolamento descrita pela ex-diretora da URE. Essa hipótese é confirmada pelo que afirma a
ex-diretora quando perguntada a respeito das possíveis causas do isolamento em que hoje os
municípios se encontram. Além da falta de liderança apontada pela diretora, outro fator,
segundo ela, emerge como força desarticuladora da entidade organizada pelos educadores da
região no sentido de promover um plano educacional em longo prazo: a questão partidária.
Além disso, a participação democrática era vista com reservas por alguns, fazendo com que
tais reuniões se limitassem a discutir problemas emergenciais ao invés de questões
estratégicas para a região. Problemas que poderiam advir com a implantação do FUNDEF e
da municipalização eram temas discutidos, mas o grupo, em função dos problemas
partidários, não conseguiu levar adiante as discussões dificultando e impedindo o
acompanhamento desses processos, como esclarece o ex-diretor:
Porque aqui na Transamazônica nós temos uma dificuldade grande de liderança,
uma coisa que precisa ser reconstruída, não é? E os municípios também foram
assumindo... Acho que também é muito... a questão partidária... tem entrado pelo
meio também, porque essa questão de participação democrática não é muito bem
vista por alguns não é?. Então essa coisa foi se esvaziando realmente, e as
secretarias foram assumindo. Até porque, com a municipalização, o município foi
assumindo. E aquele foco, que era o foco da discussão... aí, quando o município
assumiu parece que perdeu não é? Perdeu o norte, e o norte da discussão era a
municipalização, o FUNDEF. À medida que essas coisas ficaram postas, parece
que se perdeu o norte não é? Não se voltou para o acompanhamento dessas
questões, que deveria ter continuado, o acompanhamento da municipalização, o
acompanhamento do FUNDEF. (Ex-Diretora da URE)
Quando se trata de avaliar as condições políticas, vale ressaltar que os Diretores da
URE tinham um forte componente político, pois geralmente quem decidia pela nomeação dos
diretores do órgão era o deputado da região com a anuência do prefeito. Assim, o mandato do
diretor não tinha um tempo determinado em razão de que sua permanência no cargo era muito
susceptível a essas influências políticas do momento, caracterizando-se, portanto, mais como
uma escolha política do que propriamente técnica, embora esta também fosse levada em
consideração. O isolamento entre as redes desponta como uma das conseqüências da
municipalização e que afetou a possibilidade de continuidade de um projeto de educação
198
regional. Os efeitos da municipalização sobre a rede estadual continuará sendo examinado a
seguir.
4.4.2 O sistema Estadual de Educação após a municipalização do ensino em Altamira
Analisando o período imediatamente anterior à municipalização do ensino
fundamental ocorrido na região e em Altamira, observou-se que as URE’s, no Pará e mais
especificamente em Altamira, não vinham cumprindo o seu papel de descentralizar as ações
de maneira satisfatória, evidenciando o fracasso do que previam as ações planejadas para o
período de 1995-1998 em relação às URE’s. A situação de centralização das decisões
continuava a motivar uma das diretrizes gerais do Plano Estadual de Educação 1999-2003
para que a melhoria da educação continuasse sendo a “descentralização das atividades
administrativas, financeiras e as de apoio pedagógico desenvolvidas no prédio-sede da
Secretaria, transferindo-as para as Unidades Regionais de Educação URE’s” (PARÁ, 1999,
p.28).
No entanto, para que tal intento viesse a acontecer em Altamira, faltavam condições
objetivas e ainda faltam. Exemplo disso são as instalações físicas da 10ª URE que, desde o
começo de seu funcionamento no final da década de 1970, têm como sede o antigo Grupo
Escolar Porfírio Neto, próximo às margens do rio Xingu, em frente à cidade, com
pouquíssimas modificações no prédio original. Se sua localização é uma das mais agradáveis
da cidade, o mesmo não se pode dizer do prédio, que é a própria imagem da decadência
203
.
Por serem escassos os recursos para a manutenção das escolas estaduais – e na
tentativa de dar cumprimento a suas atribuições –, muitas vezes quando se defronta com
situações problemáticas emergenciais, a 10ª URE busca soluções junto à Prefeitura local a
título de colaboração, mas nem sempre o prefeito atende a essas solicitações atribuindo à
SEDUC a obrigação com sua rede de escolas, como informa um dos ex-diretores
entrevistados:
203
Essa situação se manifesta pelos jardins internos tomados por ervas daninhas, calçadas apresentando
rachaduras, paredes infiltradas, pintura descascada, construção antiga clamando por revitalização, salas
cheirando a mofo devido à umidade que apresenta o interior do prédio.
199
Então, pela proximidade que a gente tem com o gestor, muitas vezes a gente
consegue, mas, em outras situações, não. Por exemplo, nesse momento nós
estamos com três salas de aula sem nenhuma lâmpada. A diretora foi requisitar ao
prefeito, e ele disse que não era responsabilidade dele, que era da SEDUC. Se ligou
pra SEDUC, e a SEDUC ficou de repassar o recurso. A gente sabe que pra gerar o
recurso tem que tramitar o processo; e isso vai demorar o quê? De uns quinze a vinte
dias pra que venha a ser liberado esse recurso. (Ex-diretor da URE)
Essa dificuldade em resolver os problemas operacionais das escolas de forma mais
rápida, foi um forte argumento para justificar a necessidade de municipalização do ensino na
região. É importante levar em consideração também o relato de uma das ex-diretoras da URE
que evidencia as dificuldades decorrentes da distância entre o município e a capital e as
possíveis facilidades propiciadas pela proximidade da gestão educacional advindas da
municipalização, o que certamente foi outro motivo para que a proposta ganhasse adeptos
nessa região.
Nós achávamos, e a SEDUC achava que era realmente importante, a
municipalização porque é uma região muito difícil, de difícil acesso, geograficamente
grandiosa, não é? Porque se houvesse a municipalização... Porque os municípios já
estavam criados, já estavam com as suas prefeituras, né? Com as suas comarcas, os
municípios estavam instalados, e essa administração próxima ficaria muito mais
fácil na resolução dos seus problemas do que a gente ter que realmente buscar as
decisões na capital do Estado porque pra gente era muito complicado isto. Que
nós estamos a 800 km da capital, estradas com difícil acesso, na época de inverno
não se trafega praticamente na Transamazônica, e isso dificultava pra gente né?
porque as decisões todas estavam na capital e nós víamos por esse prisma se as
decisões ficassem mais próximas dos problemas não é, seria mais fácil de serem
resolvidos. (Ex-diretora da URE)
Com a municipalização do ensino fundamental de 1ª a 8ª série em todos os municípios
da região ocorrida em 1997 e em 1998, a 10ª URE diminuiu drasticamente o número de
escolas, servidores e alunos sob sua jurisdição, que foram repassadas para a gestão dos
municípios, como demonstra a tabela abaixo:
200
Tabela 24 Altamira – Municipalização do Ensino nos municípios sob a jurisdição da 10ª URE.
Município
Nº e data do
Convênio
Nº de
escolas
Nº de
Servidores
Nº de
Alunos
01
Altamira
002/98 – 02/03/1998
29
233
10.744
02
Anapu
025/97 – 16/12/1997
29
26
2.332
03
Brasil Novo
007/97 – 16/12/1997
34
37
2.301
04
Porto de Moz
006/97 – 16/12/1997
00
24
938
05
Medicilândia
010/97 – 16/12/1997
58
156
4.958
06
Senador José Porfírio
005/97 – 16/12/1997
01
15
1.779
07
Uruará
012/97 – 16/12/1997
69
80
6.292
08
Vitória do Xingu
024/97 – 16/12/1997
14
34
1.384
Total
234
709
30.728
Fonte: CODES/SEDUC, 2004.
Nota 1: Em 1996, o município de Pacajá passou para outra jurisdição, e foram acrescentados os municípios de
Porto de Moz, antes ligado à microrregião de Almeirim e o de Anapu, município criado, pela Lei Estadual
5.929 de 28/12/1995.
A 10ª URE intermediou o processo de municipalização que resultou no repasse de 234
escolas, 709 servidores entre professores e pessoal administrativo e de apoio e 30.728 alunos
em toda a região. As ações ficaram restritas a praticamente dois municípios: Altamira e
Anapu; o primeiro por ser o único onde havia o ensino médio, e o segundo por ter
permanecido com alguns alunos do ensino fundamental. Ainda que os municípios de Uruará,
Medicilândia e Brasil Novo apresentassem quantidade maior de Escolas, sendo 69, 58 e 34
respectivamente, foi em Altamira e Medicilândia que se concentrou a maior quantidade de
funcionários.
As redes municipais de educação de Altamira e Uruará receberam o maior número de
alunos da rede estadual. É importante destacar que em Porto de Moz não havia nenhuma
escola estadual a ser repassada para a rede municipal, e neste aspecto a municipalização já era
um fato. Esta situação demonstra a grande heterogeneidade do atendimento da rede estadual
nos municípios da região por diversos motivos, sejam de ordem econômica, geográfica ou
política.
A municipalização ocorreu de forma quase simultânea em toda a Região, tendo sido
assinado o Termo de Convênio em data única em sete dos oito municípios da região. O fato
da quase totalidade (a exceção é o município de Medicilândia) dos municípios estarem
congregados a mesma associação a Associação dos Municípios das Rodovias
Transamazônica, Santarém-Cuiabá e Região Oeste do Pará (AMUT)
204
certamente
204
De acordo com o site da AMUT, a entidade foi fundada em 26 de julho de 1989 com o objetivo de promover
a integração administrativa dos municípios e a articulação dos interesses regionais como uma entidade acima dos
interesses políticos (HTTP://www.amut.org.br).
201
contribuiu para isso. A municipalização do ensino fundamental na região funcionou como
fator de esvaziamento da atuação da 10ª URE. Assim, em 1998, após a municipalização, a 10ª
URE resumia-se a coordenar apenas 4% do contingente de 49.828 alunos matriculados na
rede estadual da região, o que equivalia a 2.037 alunos em apenas dois municípios: Altamira –
único município onde havia o ensino médio
205
– e Anapu
206
(ver Anexo VII).
Nos anos subsequentes, na medida em que se implantava o ensino médio na região, a
10ª URE foi aumentando seu atendimento e, no ano de 2007 (ver Anexo VIII) atendia a 16
207
escolas estaduais e conveniadas da região que somavam 10.357 alunos, o que não representa
nem a metade dos 25.293 alunos que coordenava antes da municipalização em 1997.
Além do emperramento da máquina administrativa na resolução dos problemas
operacionais, o repasse das escolas para a rede municipal teve como um dos principais
motivos a dificuldade de acesso que tinha a SEDUC às escolas da zona rural o que até hoje
não se faz sem grande dificuldade devido à grande extensão territorial do município. A atual
Secretária Municipal de Educação, que foi uma das coordenadoras da rede estadual na fase
inicial de funcionamento da URE, ao avaliar as mudanças após a municipalização, expõe
essas dificuldades e o abandono da zona rural nos seguintes termos:
Quando era centralizado em Belém (...) a zona rural ficava muito deixada, uma zona
rural muito extensa, nós temos aqui unidades escolares que ficam a 1.000 km, 1.200
km, como é o caso do distrito de Castelo de Sonhos e Cachoeira da Serra na Gleba
Assurini. Aqui nós temos uma dificuldade imensa de acesso, temos escolas que ficam
a dias de viagem. Assim, considerando essas dificuldades de acesso né... Então é
complicado... mas, nesse sentido, a municipalização veio a favorecer. (Secretária
Municipal de Educação C)
A vantagem da proximidade para a gestão das escolas municipais propiciadas pela
municipalização é um fato, principalmente considerando-se a gestão das escolas indígenas
cujo acesso se faz com muito dispêndio de recursos e de tempo
208
, pois sua localização não se
restringe à Altamira, mas a toda região do Xingu.
205
É somente a partir de 1999 que a rede estadual implanta o ensino médio na maioria dos municípios da região.
A exceção foi apenas no município de Anapu, onde o ensino médio só começou a funcionar a partir de 2001.
206
Os alunos passavam gradativamente para o Censo Municipal, de modo que ainda constavam na rede estadual
de Anapu.
207
Em relação à Altamira, após nove anos decorridos de municipalização, das trinta e duas escolas que eram
atendidas pela URE restaram apenas oito escolas, sendo quatro estaduais e quatro em regime de convênio (ver
Anexo XIX)
208
escolas indígenas em que o tempo de acesso por barco no inverno é de 16 horas e, no verão, de 24 horas
pela seca dos rios, tais como a Escola Arara no Rio Iriri e a Kwatinemo no Rio Xingu, importando em centenas
202
Um dos objetivos da municipalização era a integração das redes a fim de melhorar a
qualidade do ensino. Neste estudo, visa-se analisar as implicações da municipalização para a
democratização da educação. A partir desta perspectiva é importante compreender as relações
entre as duas redes após a municipalização, visto a seguir.
4.4.3 As relações entre a rede Municipal e a Rede Estadual no Município de Altamira
após a municipalização
A partir da municipalização, as relações da 10ª URE com a Prefeitura Municipal e
com a SEMEC que se apresentavam como de relativa cooperação ou colaboração em muitos
trabalhos desenvolvidos conjuntamente parecem ter arrefecido. Algumas parcerias como o
Projeto Gavião, por exemplo, passaram para a coordenação da rede municipal. Outras
parcerias, tais como o Sistema Modular de Ensino (SOME), são levadas com muito custo,
que ambas as redes ficam dimensionando as respectivas atribuições. Não se discute mais
conjuntamente os problemas educacionais, não se traça a política educacional de forma a
possibilitar um projeto educacional municipal ou regional, como relata um dos ex-diretores da
10ª URE:
Então cada um faz o seu trabalho isoladamente. A SEDUC implementa o seu, as
SEMECs ou SEMEDs implementam os delas e com isso a gente tem um
distanciamento. Nós falamos... assim... a cooperação, a participação, a coletividade.
Mas isso na prática não acontece porque os gestores não têm essa visão de futuro,
têm visão de imediato (...). Então, por exemplo, se a SEDUC representada pela URE
ela precisa de um veículo ou de um transporte fluvial pra alocar um livro didático fazer
uma reunião pedagógica... (pra isso a gente recebe apoio da SEMEC e do governo
municipal). Mas quando se refere à questão da discussão em si do projeto de
educação para a região ou para o município, a gente encontra determinadas
barreiras porque os gestores, os prefeitos no caso, eles acham que se você pelo
coletivo... o que é uma situação até hilária, é de esquerda, é vermelho. (Ex-diretor da
URE)
A situação de isolamento foi certamente agravada pela municipalização que, se por um
lado facilitou a resolução dos problemas em nível local; por outro, dicotomizou ainda mais as
de litros de combustível. Em outras escolas, o acesso por via aérea consome de 2 a 3 horas de voo como a
Apyterewa, Bakajá e Tukamã, segundo a SEMEC.
203
relações entre os órgãos gestores. De acordo com o entrevistado, muita dificuldade da 10ª
URE como órgão regional participar da coordenação da política educacional, encontrar
condições de acesso junto aos municípios hoje municipalizados e principalmente discutir
questões de gestão financeira.
Porque veja só, uma questão é você tentar participar, tentar conduzir, e a outra é
você tentar e ser barrado. Qualquer um dos municípios que você como gestor de
URE, que é municipalizado, e você chegar e opinar pra melhoria, com certeza eles
vão entender como interferência. E isso dificulta, dificulta muito (...) como é que
funciona? Aqui é a URE e o que é que a URE acompanha das escolas
municipalizadas e municipais? É autorizar professor, é verificar documentação
escolar, isso é o que faz regularmente. Mas quando chega na questão de gerir o
recurso, que é pra você saber aonde é que é implementado, aonde é empregado, a
gente não tem acesso. (Ex-diretor da URE)
Vale ressaltar que desde 1988 as Unidades Regionais de Educação (URE’s) são
mantidas com recursos do Fundo Rotativo
209
que inicialmente eram repassados
bimestralmente e que, a partir de 2000, tornaram-se semestrais (SEDUC, 2001), mas que são
considerados insuficientes para a sua manutenção. Com a implantação do ensino médio em
sete municípios da região e a expansão dessa etapa em Altamira, o Estado retoma
parcialmente algumas das escolas anteriormente repassadas para a rede municipal via
municipalização. A partir daí, novos problemas foram gerados, principalmente os de
convivência funcional entre a rede estadual e a municipal no interior de uma mesma escola,
quase sempre permeada por relações conflituosas, como afirma o diretor da URE em
entrevista realizada em 2007:
Hoje, nos municípios, nós podemos até enumerar: em Anapu, Brasil Novo,
Medicilândia, Altamira, Uruará, Senador José Porfírio, Vitória do Xingu e Porto de
Moz algumas escolas ainda funcionam em duas modalidades. A modalidade do
Ensino Fundamental é gerenciada pela prefeitura, e o Ensino Médio é gerenciado
pelo Estado (...). Então, quando o prefeito é afinado com o governo do Estado, as
coisas até que caminham, agora quando o governo do Estado defende um princípio
ideológico e o governo do município defende outro, quem sofre as consequências é a
escola, porque o diretor do Ensino Fundamental não se afina com o diretor do Ensino
Médio. (Ex-diretor da URE)
209
O Fundo Rotativo constitui-se em um mecanismo Orçamentário-Financeiro criado pela SEDUC no
Semestre de 1988 com o objetivo de dar apoio financeiro às escolas e URE’s, com repasse bimestral até 1995,
baseado no número de salas de aula. No caso das URE’S, esse valor correspondia a R$ 3.000,00. A partir de
2000, o Fundo Rotativo é repassado semestralmente, e a base de cálculo passa a ser o número de alunos,
adotando-se o valor de R$ 2,00 para alunos do ensino fundamental e R$ 4,00 para os do ensino Médio. (SEDUC,
2001)
204
Essa situação gera alguns problemas na convivência diária na escola, além de algumas
situações inusitadas do ponto de vista administrativo, tais como as que o diretor enumera
abaixo, as quais busca resolver, porém nem sempre com sucesso:
Nós conseguimos, ao assumir a Unidade Regional, aproximar os diretores do Ensino
Fundamental e do Médio. Apesar dessa aproximação e dessa convivência amigável,
a gente tem barreiras fortíssimas dentro da própria escola. Quando as duas direções
discutem, encaminham [os problemas] via Conselho Escolar, funciona. Agora quando
fica a cargo da gestão de cada uma das modalidades de ensino, realmente não
funciona. (...) posso dar um exemplo aqui mesmo de Altamira que é o da Escola
Dairce Pedrosa. A parte que é ocupada pelo Ensino Fundamental os quadros todos
são magnéticos, a outra parte que é ocupado pelo Ensino Médio, você viu, os
quadros são esburacados, as salas sem carteira. É complicado, muito complicado.
(Ex-diretor da URE)
A Secretária Municipal de Educação de Altamira, por sua vez, alega que não tem
havido a preocupação da rede estadual com a manutenção do ensino médio. Mesmo após a
implantação do ensino médio a partir de 1999, o Estado não se preocupou em construir novos
prédios, tendo apenas retomado parte dos prédios antes repassados à gestão municipal via
municipalização. Além das instalações, utilizaria ainda o transporte escolar e pessoal
administrativo e de apoio em algumas escolas, como afirma a Secretária Municipal:
O Estado não pode fazer uma escola e usa a estrutura física toda do município.
Escola, instalação física vamos dizer, e pessoal. Ele não tem diretor de escola de
ensino médio em cada rincão aqui que tem ensino médio no interior do município.
(Secretária Municipal de Educação C)
Podemos afirmar, portanto, que a municipalização do ensino afetou a política de
descentralização da SEDUC, pois, apesar da rede municipal fazer parte do sistema estadual de
educação, não um estreitamento nas relações. Na verdade duas políticas em curso: a da
rede estadual e a da rede municipal. Mas como seria essa nova feição da rede municipal após
a municipalização? Antes de adentrarmos esta discussão é importante destacar a parceria com
o Instituto Ayrton Senna como um dos fatores a influenciar a política educacional da rede
municipal de Altamira após a municipalização do ensino, visto no item a seguir.
205
4.5 A PARCERIA ENTRE A PREFEITURA DE ALTAMIRA E O INSTITUTO AYRTON
SENNA: DA ESCOLA CAMPEÃ À REDE VENCER
Embora o presente trabalho não tenha o objetivo de aprofundar a análise da parceria
entre a prefeitura municipal de Altamira e o Instituto Ayrton Senna, por considerá-la como
uma das prováveis consequências da municipalização do ensino, e que propiciou significativas
modificações na gestão da educação municipal, é importante explicitá-la.
O Instituto Ayrton Senna (IAS)
210
foi criado em 1994 e tem como premissa que a
transformação do país será possível a partir da co-responsabilidade dos três setores que
compõem a sociedade: os organismos governamentais, as empresas e as organizações da
sociedade civil. Esta atuação conjunta e em escala, segundo o IAS, tem como foco o
desenvolvimento de políticas que favoreçam o desenvolvimento de crianças e adolescentes.
A proposta pedagógica de intervenção do Instituto ancora-se na “substituição da
pedagogia da repetência pela pedagogia do sucesso” (OLIVEIRA, 2004, p.12), exposta com
minúcias pelo seu ideólogo principal, João Batista Araújo e Oliveira
211
. Analisando as
consequências da evasão e da repetência para o fluxo escolar, João Oliveira afirma que a
repetência gera custos adicionais para os governos na medida em que, “a cada ano o governo,
no Brasil, desperdiça 40% de tudo o que gasta” com o ensino fundamental, causando
“prejuízos vultosos à economia” (OLIVEIRA, 2004, p.31). Além disso, “uma força de
trabalho com menor nível de escolaridade ganha menos, produz menos e, dessa forma, afeta a
produtividade das empresas e do país” (OLIVEIRA, 2004, p.32), o que o leva a concluir que a
relação custo-benefício do investimento em políticas de correção de fluxo seria bastante
benéfica para a economia. Observa-se que a questão não é colocada em termos de se garantir
a educação da criança como direito de cidadania, mas como forma de garantir a produtividade
das empresas. Todavia, a associação entre qualificação formal e inserção no mercado de
trabalho parece não se concretizar de forma tão mecânica em tempos de minimização dos
210
Os idealizadores do Instituto Ayrton Senna foram pessoas ligadas à própria família do piloto Ayrton Senna,
que, após a sua morte em maio de 1994, providenciaram meios para fundar o Instituto em novembro do mesmo
ano como uma organização não-governamental, sem fins lucrativos. Desde então, o IAS vem sendo presidido
pela irmã do piloto, Viviane Senna. http://senna.globo.com/institutoayrtonsenna/ . Acesso em fevereiro de 2009.
211
Segundo informações biográficas constantes no livro “A Pedagogia do Sucesso”, o autor, professor João
Batista Araújo e Oliveira, foi o idealizador do Programa de Aceleração da Aprendizagem e pertenceu aos
quadros da Organização Internacional do Trabalho, em Genebra, e do Banco Mundial em Washington. No Brasil
foi diretor do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), Secretário Executivo do Ministério da
Educação e do Desporto (MEC) e consultor do IAS.
206
custos e precarização do trabalho, quando os níveis abusivos de desemprego
212
de milhares de
profissionais qualificados no inicio deste século expressam a exclusão social típica do modelo
capitalista.
Com o objetivo de inserir socialmente crianças e adolescentes, o IAS criou vários
Programas e projetos de intervenção educacional congregados atualmente na Rede Vencer,
dentre os quais:
a) o Programa de Correção de Fluxo Escolar, que se desdobra em dois projetos específicos: o
Programa Acelera Brasil
213
e o Se Liga
214
; ambos com o objetivo de corrigir o fluxo escolar,
diminuindo assim os índices de distorção idade-série;
b) o Programa Circuito Campeão
215
que objetiva acompanhar e monitorar as primeiras séries
regulares e a alfabetização;
c) o Programa Gestão Nota 10
216
, que busca a eficiência e a eficácia da gestão.
As ações desenvolvidas pela Rede Vencer por meio de seus Programas e Projetos até
o ano de 2008 resultaram nos seguintes números: 9.473.209 crianças e jovens atendidos;
468.473 professores capacitados de acordo com as metodologias dos respectivos programas e
um investimento de 183,4 milhões em 25 estados e 1.372 municípios
217
.
212
Sobre a questão da precarização do trabalho ver Antunes (2001; 2005).
213
O Programa Acelera Brasil é o mais antigo, criado em 1997. Objetiva combater a distorção idade–série e,
segundo o site do Instituto, é adotado como política pública em seis estados brasileiros: Goiás, Pernambuco,
Tocantins, Paraíba, Sergipe e Mato Grosso, tendo beneficiado até 2008, 298.216 crianças e adolescentes em 319
municípios. http://senna.globo.com/institutoayrtonsenna/. Acesso em fevereiro de 2009.
214
O Programa Se Liga foi implantado a partir de 2001 e visa dar suporte à alfabetização de crianças com
distorção idade-série. Esse beneficiou até o ano de 2008, 331.897 crianças em 403 municípios. Seis estados
adotam-no como política pública: Goiás, Pernambuco, Tocantins, Paraíba, Sergipe e Mato Grosso.
http://senna.globo.com/institutoayrtonsenna/ Acesso em fevereiro de 2009.
215
O Programa Circuito Campeão tem o objetivo de gerenciar a aprendizagem nas quatro primeiras séries do
ensino fundamental, visando a evitar o analfabetismo, a evasão, a repetência a partir das metodologias utilizadas
pelos programas Se Liga e Acelera Brasil. São cinco os Estados que o adotam como política: Goiás,
Pernambuco, Tocantins, Paraíba e Mato Grosso e mais 585 municípios.
http://senna.globo.com/institutoayrtonsenna/. Acesso em 03 de fevereiro de 2009.
216
O Programa Gestão Nota 10 é apontado como de fundamental importância para tornar a gestão eficiente e
eficaz de 2001 a 2004 recebeu o nome de Escola Campeã.
217
Os dados foram capturados de em http://senna.globo.com/institutoayrtonsenna/. Acesso em 03 de fevereiro de
2009).
207
4.5.1 O Programa Escola Campeã: novos rumos para a educação em Altamira
O município de Altamira foi um dos 52 a firmar parceria com o IAS no ano de 2001.
Por intermédio do Prefeito Domingos Juvenil PMDB (2001-2004), esta primeira fase
executou o Programa Escola Campeã no período de 2001 a 2004. Tal Programa se propunha a
“fortalecer as ferramentas de gestão escolar e municipal” na perspectiva do sucesso dos alunos
e, depois de auferidos os resultados, disseminar a outros municípios a tecnologia empregada,
como se infere no documento de apresentação do Programa editado pelo IAS:
O Programa Escola Campeã também quer mostrar que essas novas práticas
podem funcionar em qualquer município do Brasil. Por isso, a estratégia é
utilizar os resultados alcançados nas 52 prefeituras como evidência de que é
possível administrar o ensino fundamental com qualidade, eficiência, e,
sobretudo, com equidade. As metodologias e práticas que se mostrarem
eficazes ao longo do desenvolvimento do Programa Escola Campeã serão
sistematizadas, sob forma de tecnologia social, e disseminada aos municípios
interessados (IAS, 2000, p. 1, mimeo.).
A Secretária de Educação de Altamira da época em que se iniciou a parceria revela
como se deram os primeiros contatos:
Esse processo aconteceu da seguinte forma: A todos os gestores eleitos [em 2000]
foi feito uma carta-convite pelo Instituto. Altamira como é um município pólo, foi feito
esse chamamento, que teria uma reunião em Brasília em novembro. Ele [o prefeito]
compareceu e foi feito esse convite para que Altamira participasse desse programa
do Instituto Ayrton Senna. (Secretária de Educação B)
Esse primeiro contato da gestão municipal com o Instituto Ayrton Senna (IAS) se deu
no dia 27/11/2000 em Brasília, quando o Sr. Domingos Juvenil, recém-eleito prefeito
municipal, participou, a convite do IAS, do Seminário de Gestão Municipal e Escolar,
promovido pelo Instituto. Na ocasião lhe foi solicitado alguns documentos como condição para
a possível seleção: a) Carta de Adesão e Compromisso ao Programa, na qual o prefeito deveria
manifestar compromisso com a orientação do Programa; b) documento que expressasse a
concordância do prefeito em escolher o Secretário Municipal de Educação e o Gerente do
208
Programa de Gestão de acordo com o Perfil definido pelo IAS; c) Diagnóstico da Educação no
município; d) Elenco de três atividades viáveis para 2001. Importa destacar ainda que o
prefeito concordou com as condicionalidades advindas do IAS para que se desse a parceria.
Assim, em 05 de dezembro de 2000, o prefeito Domingos Juvenil envia ao IAS o rol de
documentos solicitados, e esses foram acessados, salvo o diagnóstico da educação municipal.
O primeiro deles confirmava a adesão às orientações do Programa nestes termos:
Com a honra dos cumprimentos e tendo em vista o tratado no Seminário de
Gestão Municipal e Escolar, realizado no dia 27.11.2000, em Brasília-DF,
vimos na qualidade de Prefeito Eleito deste Município manifestar nossa
adesão e compromisso com a orientação do Programa de gestão Municipal e
Escolar, produto da aliança social estratégica entre Fundação BB, IAS, com
apoio das fundações LEM e Pitágoras (Carta de Adesão e Compromisso,
2000).
O prefeito também expressava em cartas separadas sua concordância em escolher o
Secretário Municipal de Educação e o Gerente do Programa de Gestão levando em conta as
características que compunham o perfil exigido pelo IAS. A exigência comum era de que os
escolhidos para ambos os cargos apresentassem: Escolaridade e cultura compatível com o
cargo; respeitabilidade entre os munícipes, conhecimentos de informática, além de qualidades
especificadas conforme carta do prefeito endereçada ao IAS.
Em relação ao Secretário Municipal, as características específicas para tal escolha
foram pactuadas nestes termos:
vimos, na qualidade de Prefeito Eleito deste Município informar que o
Secretário de Educação deverá preencher os seguintes requisitos básicos:
1 Capacidade para administrar e planejar ações a curto, a médio e a longo
prazos;
2 – Liderança e capacidade para envolver e motivar a comunidade escolar na
busca dos objetivos da educação como um todo;
----
6– Que seja efetivamente o representante e executor das políticas
educacionais definidas pelo Prefeito (Carta A do Prefeito eleito de Altamira
para o IAS, 2000).
Para o cargo de Gerente do Programa, as qualidades específicas eram as seguintes
conforme a carta:
1 – capacidade administrativa e postura para gerenciar o Programa;
2 Liderança e capacidade para coordenar, envolver e motivar a
comunidade escolar na busca dos objetivos do Programa;
----
209
6 Comunicação clara e objetiva e capacidade de saber ouvir (Carta B do
Prefeito eleito de Altamira para o IAS, 2000).
Embora não tenha apontado propriamente nomes, o IAS teve relativa influência na
composição do quadro gestor da educação municipal em Altamira a partir de 2001, na medida
em que definiu o perfil dos gestores que considerava aptos a promover a modernização da
gestão no município. Assim, características como: cultura compatível com o cargo, afinidade
com informática, liderança e capacidade de envolvimento e de motivação eram características
desejáveis tanto no Secretário Municipal de Educação quanto no gestor do Programa. No caso
do Secretário, além de bom administrador com visão de curto, médio e longo prazos, exigia-se
que fosse efetivamente o representante e executor “das políticas educacionais definidas pelo
Prefeito”, o que revela desde o começo a visão pouco democrática do programa quando, por
meio dessa expressão, exclui o coletivo de participação ao definir as políticas educacionais
locais.
A “postura para gerenciar”, a “comunicação clara e objetiva” e a “capacidade de saber
ouvir” são características específicas exigidas para o Gestor do Programa. Estas tendem a fazer
dele um excelente ‘intermediário’ de informações e ordens, pois devia ser exímio comunicador
e motivador, mas, sobretudo, devia sabe ouvir para que pudesse bem repassar.
O quarto documento expressava o compromisso com três atividades a serem
viabilizadas em 2001:
vimos... declinar três atividades que consideramos viável implementar no
primeiro ano do programa (...):
1 Diminuição da defasagem escolar, implantando aceleração da
aprendizagem e procedendo:
1.1 – Aquisição de material didático pedagógico;
1.2 – Capacitação de professores;
1.3 – Assessoramento técnico-pedagógico;
1.4 – Atenção e acompanhamento contínuo do aluno;
2 – Capacitação de Dirigentes Escolares;
2.1 – Aquisição de material técnico pedagógico e
2.2 – Formação continuada dos dirigentes;
3 Diminuição da taxa de abandono e elevação dos índices de
aproveitamento do conteúdo escolar (Carta C do Prefeito eleito de Altamira
para o IAS, 2000).
210
Do conjunto de documentos enviados, constava o diagnóstico da educação municipal
em 2000, e ainda que não tenha sido possível o acesso à cópia do documento enviado,
informações a esse respeito constam em dois outros documentos: no Programa de Gestão
Municipal e Escolar “Escola Campeã” de 2001 e no Relatório de Execução do referido
Programa editado em 2004. De acordo com o primeiro documento, o diagnóstico do ano de
2000 revela a seguinte situação, conforme quadro abaixo:
TABELA 25 – Altamira: Diagnóstico do Ensino Fundamental – 2000
%
1ª a 4ª Série
5ª a 8ª Série
Total
Aprovação
64
76
67
Evasão
15
12
14
Distorção Idade/Série
69
82
73
Reprovação
20
12
17
Fonte: Relatório do Programa de Gestão Municipal e Escolar “Escola Campeã” de
2004.
Nota 1: Quadro elaborado pela autora.
Nota 2: O diagnóstico não coincide com o do INEP para o ano 2000, constante neste
estudo.
De fato, o que chama a atenção é a elevada taxa de distorção idade-série na época,
com 82% dos alunos de a série nesta situação, ou seja, a grande maioria dos alunos
matriculados apresentava idade avançada para a série em curso; os índices consideráveis de
evasão (14%) e reprovação (17%) eram também preocupantes. O segundo documento traz os
principais aspectos problemáticos para o processo de gestão da educação municipal, tal como
vinha ocorrendo até então. Esses aspectos negativos foram largamente utilizados pelo gestor
municipal como argumentos para a celebração do Convênio de Parceria com o IAS:
Principais situações problemáticas detectadas:
a) Ausência de uma política coesa (programa e/ou projeto que norteasse
ações, enquanto política educacional);
b) Ausência de um banco de dados precisos;
c) Os encaminhamentos da SEMEC para as escolas davam-se de forma
aleatória, conforme necessidades imediatas surgidas cotidianamente e sem
normalização oficial pela Secretaria;
d) Ausência de procedimentos para correção da defasagem idade-série e para
analfabetismo existente de 2ª a 4ª séries.
e) Ausência de um Plano Anual de Trabalho, fundamentando um diagnóstico
preciso e estabelecimento de metas e ações;
f) A escolha de diretores feita apenas considerando indicação direta da
SEMEC e /ou Prefeitura;
211
g) Ausência de avaliação externa do desempenho acadêmico dos alunos;
h) Ausência de avaliação do desempenho funcional dos servidores da
educação;
i) Rede física apresentava necessidades urgentes de ampliação, reformas
para adequações e melhorias;
j) Demonstrativo de dados/resultados do ano de 2000: Matrícula no ensino
fundamental: 16.606. Aprovação: 67%; Reprovação: 17%; Abandono: 14%.
(RELATÓRIO FINAL DO MUNICÍPIO DE ALTAMIRA PROGRAMA
ESCOLA CAMPEÃ-2001 A 2004).
Após o detalhamento dessa situação mediante o envio de toda essa documentação, em
20 de Dezembro de 2000, o prefeito recebeu a resposta assinada pela Presidente do Instituto
Ayrton Senna, Viviane Senna, e pela presidente da Fundação Banco do Brasil, Heloisa Helena
Silva de Oliveira, com o seguinte teor:
Caro Prefeito:
O Instituto Ayrton Senna e a Fundação Banco do Brasil têm a satisfação de
comunicar a V. Exª que o seu município foi selecionado para participar do
Programa de Gestão Municipal e Escolar, que será desenvolvido em 4 anos,
num esforço conjunto para fortalecimento da gestão municipal da educação.
O programa que tem como objetivo a melhoria da qualidade do ensino
fundamental, o aumento da equidade social e a melhoria da eficiência na
aplicação de recursos públicos contará com a liderança, a competência e o
comprometimento de V. Exª para enfrentar o novo desafio que é prover o
ensino de qualidade para todos (Carta A do IAS e FBB para o Prefeito Eleito
de Altamira, 2000).
Outra carta com a mesma data encaminhava a minuta do Termo de Parceria para
apreciação e acréscimos, assinatura e envio até 10/01/2001. Interessante que nesta se
esclarece o motivo da seleção do município quando se afirma no seguinte trecho: “este
resultado baseou-se na análise dos documentos enviados, na sua manifestação de interesse e
de vontade política em desenvolver ações que visem à melhoria da qualidade do ensino
fundamental no município” (Carta B do IAS e FBB para o Prefeito Eleito de Altamira, 2000).
A parceria com o IAS era uma das únicas políticas dadas como certa, mesmo antes da
posse do prefeito que se deu em primeiro de janeiro de 2001. Assim, no dia quinze de janeiro,
é assinado o Termo de Parceria que tinha, de um lado, o Instituto Ayrton Senna e a Fundação
Banco do Brasil, considerados como ‘Aliados Estratégicos’ e, de outro, a Prefeitura Municipal
de Altamira, tendo em vista “propiciar a eficiência na aplicação de recursos públicos e a
melhoria da qualidade do ensino fundamental” (TERMO DE PARCERIA, 2001, p. 5).
212
Os objetivos da parceria são estratégicos: dirigem-se especificamente à gestão dos
recursos públicos e à qualidade do ensino fundamental, mas por que não à gestão dos recursos
da educação infantil – etapa de prioridade exclusiva de atendimento pelo município? Seria pela
inexistência do FUNDEF para tal atendimento?
O Termo de Parceria indicava as responsabilidades de cada um dos PARCEIROS para
que o PROGRAMA fosse implementado e apresentava como metas:
QUADRO 08: METAS DO PROGRAMA ESCOLA CAMPEÃ
1
Metas
(I) estruturação da Secretaria Municipal de Educação para gerenciamento de uma
rede de escolas autônomas e integradas;
(II) articulação e otimização das redes de ensino, tanto em nível municipal como
quando possível, em nível estadual, com a integração entre escolas urbanas e rurais;
(III) viabilização da autonomia das escolas, através do fornecimento de recursos
necessários e suficientes;
(IV) implementação de políticas de correção de fluxo escolar para o ensino
fundamental;
(V) manutenção de programas regulares de triagem e alfabetização para novos
alunos;
(VI) implementação e manutenção de sistema de avaliação para evidenciar a
melhoria do desempenho escolar dos alunos
Fonte: Termo de Parceria, 2001, Cláusula 1.2, p.2-3.
Em relação a essas metas, destacam-se a estruturação da secretaria para o
gerenciamento de uma rede de escolas autônomas e integradas, a correção de fluxo no ensino
fundamental, a alfabetização e a avaliação do desempenho dos alunos. Parece de difícil
possibilidade concretizar a otimização da rede estadual de ensino pretendida pela Parceria,
visto que esta era restrita à rede municipal. Para a consecução dessas metas, tanto a Prefeitura
de Altamira quanto os Aliados Estratégicos tinham suas atribuições, sistematizadas nos
quadros a seguir:
QUADRO 09: RESPONSABILIDADES DA PREFEITURA DE ALTAMIRA NO
CONVÊNIO/IAS – 2001
2
Das Responsabilidades da Prefeitura
a) Desenvolver uma política prioritária em educação, centrada no ensino
fundamental e na promoção da autonomia e integração das escolas da rede pública
municipal;
b) Elaborar Plano Municipal de Educação que esteja em consonância com os
princípios indicados na cláusula 1.2 e com o PROGRAMA;
c) Promover e/ou dar início à reforma legislativa necessária para a autonomia das
escolas que compõem a rede pública municipal;
213
d) Designar um profissional da área da educação, que tenha conhecimentos básicos
em gestão de recursos para que possa ser capacitado por empresa que os ALIADOS
ESTRATÉGICOS vierem a contratar com essa finalidade;
e) Disponibilizar os recursos humanos e físicos necessários para a implementação
do PROGRAMA, inclusive, mas não exclusivamente para a capacitação e a
avaliação serem realizadas por empresas contratadas pelos ALIADOS
ESTRATÉGICOS para este fim;
f) Disponibilizar os equipamentos tecnológicos que viabilizem a comunicação e o
gerenciamento do PROGRAMA, especialmente entre a PREFEITURA, as escolas
envolvidas, o IAS e as empresas e/ ou consultores que os ALIADOS
ESTRATÉGICOS vierem a contratar diretamente para a completa implementação do
PROGRAMA;
g) Promover a avaliação interna do PROGRAMA, enviando aos ALIADOS
ESTRATÉGICOS, até o mês de outubro de 2001, um relatório pormenorizado
contendo as atividades realizadas, as expectativas, os resultados, as necessidades
que não foram alcançadas e as sugestões para serem implementadas no ano
seguinte.
Fonte: Termo de Parceria, 2001, Cláusula 2, p.3
De acordo com o Termo de Parceria, uma das principais responsabilidades da
Prefeitura era a focalização de suas ações no ensino fundamental e na autonomia da escola,
desconsiderando a Educação Infantil como uma das prioridades constitucionais da atuação
municipal. O próprio Plano Municipal de Educação vinha de antemão definido conforme as
metas previstas na cláusula 1.2, ou seja, deixava-se pouca margem de atuação fora do previsto
pela política educacional proposta pelo IAS, uma das razões prováveis para que a partir daí a
SEMEC passasse a não mais ouvir o coletivo que compunha o CME, que, deste período em
diante, parou de funcionar. Afora isso, a prefeitura deveria arcar com recursos humanos,
físicos e tecnológicos para viabilizar a parceria. O item 8.8 das disposições gerais deixa bem
claro que as relações estabelecidas entre os aliados e a prefeitura não resultariam em vínculo
empregatício, cabendo unicamente à prefeitura arcar com os custos de pessoal decorrentes da
parceria, como se pode conferir abaixo:
8.8. Fica expressamente estipulado que não se estabelece qualquer relação de
emprego entre quaisquer dos ALIADOS ESTRATÉGICOS e os empregados
da PREFEITURA, responsabilizando-se a PREFEITURA pelo pagamento
de todos os salários, contribuições, adicionais e quaisquer outros encargos
incidentes sobre pessoal que será disponibilizado para a implementação do
PROGRAMA.
(TERMO DE PARCERIA, 2001, p. 8).
214
Ressalta-se que os profissionais disponibilizados pela prefeitura seriam capacitados por
empresas a serem contratadas pelo IAS. Além de proceder à avaliação interna seguida de
relatório para o IAS, a Prefeitura deveria ainda possibilitar meios para que a avaliação externa
contratada pelo IAS pudesse acontecer. E quais esses meios? Principalmente os financeiros.
Mas quanto às responsabilidades dos Aliados Estratégicos? O quadro a seguir as
sintetiza:
QUADRO 10: DAS RESPONSABILIDADES DO INSTITUTO AYRTON SENNA E DA
FUNDAÇÃO BANCO DO BRASIL CONVÊNIO IAS/2001
3
Das responsabilidades dos ALIADOS ESTRATÉGICOS:
a) Permitir à PREFEITURA o acesso irrestrito aos materiais que vierem a ser
produzidos ou que existem relativos à metodologia desenvolvida no PROGRAMA,
através da formalização do contrato de licença de uso específico, a ser elaborado
entre os PARCEIROS;
b) Viabilizar à PREFEITURA o acesso a materiais que sejam de titularidade de
quaisquer dos ALIADOS ESTRATÉGICOS e que se relacionem à educação com
qualidade, através da formalização do contrato de licença de uso específico, a ser
celebrado entre a PREFEITURA e o ALIADO ESTRATÉGICO titular dos direitos
sobre os materiais;
c) Promover a capacitação de funcionários indicados pela PREFEITURA, para
participação no PROGRAMA; e
d) promover a avaliação externa dos resultados do PROGRAMA, disponibilizando à
PREFEITURA os resultados da referida avaliação, quando concluídos.
Fonte: Termo de Parceria, 2001, Cláusula 3, p.4
As responsabilidades dos Aliados Estratégicos são basicamente três: disponibilizar à
SEMEC a utilização de material didático mediante contrato de licença de uso específico;
promover a capacitação de funcionários e a avaliação externa. Considerando que tanto a
capacitação quanto a avaliação externa são executadas por empresas contratadas, na prática os
Aliados Estratégicos funcionavam apenas como intermediários, cabendo-lhes apenas escolher
e contratar as empresas que forneceriam tais serviços, e competia à Prefeitura arcar com os
custos desses serviços.
Para dar conta do objetivo a que se propunham, os parceiros reconheciam como
indispensável assegurar o cumprimento das seguintes estratégias:
215
QUADRO 11: ESTRATÉGIAS INDISPENSÁVEIS AO PROGRAMA
4
Estratégias indispensáveis ao PROGRAMA:
a) Manter um programa de triagem dos novos alunos que vierem a ingressar em sua
rede de ensino;
b) Rever e otimizar os mecanismos de repasse de recursos e serviços de apoio às
escolas;
c) Promover a alfabetização de alunos da rede de ensino público que se encontrem
defasados;
d) Promover a alfabetização de alunos da primeira série, na faixa etária própria; e,
e) Promover a regularização de fluxo de primeira à quarta série e de quinta a oitava
series (TERMO DE PARCERIA, 2001, p. 5).
Fonte: Termo de Parceria, 2001, Cláusula 4.
As estratégias eleitas referiam-se a ações de natureza pedagógica e administrativo-
financeira contemplando basicamente dois eixos: a autonomia financeira das escolas e a
regularização do fluxo escolar. A vigência desse primeiro Termo de Parceria foi prevista
inicialmente até 31/12/2001, com aditivo até 2004.
Contrariando o que prevê o Art. 70 da Constituição Federal em relação aos atos da
administração pública que devem primar pela transparência pela prestação de contas de todos
os seus atos, o item 6.2 da Cláusula 6 limitava a possibilidade de divulgação não apenas do
programa, mas até mesmo do Termo de Parceria, como se pode inferir no caput do documento
de parceria:
6.2 Convencionam os PARCEIROS que os ALIADOS ESTRATÉGICOS
deverão aprovar previamente e por escrito toda e qualquer divulgação que a
PREFEITURA pretender realizar do presente instrumento ou das atividades
do PROGRAMA.
(TERMO DE PARCERIA, 2001, p. 5).
Finalmente, a Cláusula 9 definia o foro da Comarca de São Paulo para dirimir qualquer
controvérsia originada a partir do Instrumento de Parceria conforme expressava: “As partes
elegem o foro da Comarca de São Paulo, por mais privilegiado que outro seja, para dirimir as
controvérsias originadas do presente INSTRUMENTO” (
TERMO DE PARCERIA, 2001,
p.8).
Após a assinatura do Convênio de Parceria, as primeiras ações visavam à capacitação
dos dirigentes educacionais. A Secretária de Educação da época relata como se deu esse
primeiro momento:
216
nós entramos no programa no primeiro momento, que foi em Janeiro, quando fui
convidada para ser secretária. Assumi e passei dezesseis dias em Belo Horizonte
fazendo capacitação pra conhecer o que realmente era o programa, e o que vinha
trazer de bom, e o que a gente podia fazer nesse período; fomos e levamos alguns
dados que eles tinham em mãos lá, eles tinham o número de alunos, os alunos
defasados, a idade de alunos que estavam fora da escola. Então, eles tinham um
mapeamento do município de Altamira para que a gente pudesse participar do
programa. (Secretária de Educação B)
O depoimento da Secretária revela o grau de interferência do IAS, uma entidade
privada, na gestão pública, e a fragilidade de autonomia do município, cuja Secretária de
Educação antes de assumir busca ‘aprender’ a forma ‘correta’ de gerir o município, portando
informações que, para a sua surpresa, eram de domínio da entidade privada. Essa
fragilidade de autonomia da gestão municipal certamente facilitou a entrada do IAS e a
sedimentação da parceria. As implicações desse programa para a educação municipal será
vista ao longo desse trabalho. Importa destacar que esta primeira fase foi concluída em 2004,
coincidindo com o final da gestão do prefeito Domingos Juvenil. A parceria foi restabelecida
em 2005 com a nova gestão municipal e será vista a seguir.
4.5.2 A Rede Vencer em Altamira e a interconexão em tempo real
A segunda fase da parceria inicia em 09 de maio de 2005 quando é assinado novo
“Instrumento Particular de Parceria”, na gestão da Prefeita Odileida Maria de Souza Sampaio –
PSDB (2005-2008). Por meio dele, a SEMEC institui no município a Rede Vencer e passa a
operar com três programas: Programa de Correção de Fluxo Escolar, o qual se desdobra em
dois projetos específicos: o Acelera Brasil e o Se Liga, ambos com o objetivo de diminuir os
índices de distorção idade-série no ensino fundamental; o Programa de Gestão, que passou a
chamar-se Gestão Nota 10; o Programa Circuito Campeão visando ao acompanhamento das
turmas regulares do ensino fundamental.
A atual Coordenadora Municipal do Programa da Rede Vencer é quem explica como
isso se deu no município:
217
No final da administração passada, vieram os técnicos do Instituto aqui em Altamira
pra recolocar a disposição do Instituto em continuar trabalhando com o município,
com a prefeita eleita, né, a prefeita Odileida, e se colocando a disposição em tudo e
fazendo o convite ao município para permanecer com essa atividade. E ela, ouvindo
os técnicos da própria Secretaria de Educação à época e à equipe que ela havia
feito o convite para que trabalhasse com ela na administração que iria se iniciar
achou por bem, dadas as inúmeras vantagens e benefícios né, que poderia trazer à
comunidade altamirense que ia manter este Termo de Adesão das atividades do
Instituto Ayrton Senna (Coordenadora da Rede Vencer).
Ampliam-se dessa maneira as ações do Instituto no município que levam a SEMEC a
mudar sua estrutura organizacional de maneira a adequar-se às mudanças requeridas pela
parceria com o IAS
218
; uma delas é a implantação do Sistema Ayrton Senna de Informação
(SIASI), que congrega e acompanha as informações em tempo real. Desse modo, adapta-se
internamente a Lei e cria-se um novo organograma para a rede. A figura do Coordenador da
Rede Vencer se fundiu e sobrepujou a do antes Coordenador de Ensino, as Divisões de
Gerência de Programas ganham destaque com a implantação da Coordenação do Circuito
Campeão, da Coordenação de Gestão e da Coordenação de Correção de Fluxo suplantando os
antes Diretores de Divisão. Essa nova estrutura envolve uma nova visão e concepção de
política educacional, como afirma a Secretária Municipal de Educação:
É um programa que nós temos como política pública. Nós temos avaliação externa.
Duas vezes por ano nós temos avaliação dos nossos alunos. (Secretária de
Educação – 2)
De acordo com o Instrumento de Parceria, a Rede Vencer tem como objetivo promover
a melhoria da aprendizagem e do gerenciamento de sistemas educacionais. A diferença entre o
Programa Escola Campeã e a Rede Vencer parece estar na dimensão, na abrangência de ação
de cada um. No primeiro, o IAS contentava-se em prestar consultoria; na segunda, induz à
adoção de seus princípios como política pública pelo município, como se pode inferir pelo
preâmbulo do documento de parceria:
218
As adaptações no organograma da SEMEC, vistas em outra parte desse trabalho, são consequências das
mudanças requeridas pela parceria.
218
b) Considerando a identidade entre os objetivos da REDE e os da
PREFEITURA e a intenção desta PREFEITURA em adotar os princípios
da REDE como política pública para o seu sistema público educacional,
com vistas à criação e à manutenção das condições favoráveis ao
desenvolvimento integral das crianças e adolescentes matriculados nas
escolas de referida rede pública de ensino (INSTRUMENTO
PARTICULAR DE PARCERIA, 2005, p. 1, negrito meu).
O entendimento de que os princípios da Rede Vencer tinham a máxima identidade com
os da Prefeitura municipal era a tal ponto que em Altamira foram transformados na política
educacional para toda a rede municipal como detalha um dos os gestores do programa no
âmbito da rede municipal de ensino:
O antigo programa Escola Campeã durou até 2005, quando o IAS, após avaliar toda
dinâmica da implantação em Altamira, definiu que se precisava reestruturar a
proposta porque o programa não dava conta da dimensão da política dos municípios
e, com isso, ele resolveu colocar outras tecnologias, e não trabalhar mais com
consultorias, mas sim com os municípios construindo suas próprias políticas. A partir
de 2005 foi feita essa reestruturação e com isso veio a Rede Vencer trazendo para os
municípios essas tecnologias proporcionando que eles formassem suas propostas
pedagógicas e educacionais. (Coordenador do Programa Gestão Nota 10)
A adoção dos princípios da Rede Vencer pela SEMEC de Altamira transformando-os
em política da rede municipal significa a materialização da racionalidade gerencial típica da
gestão empresarial na gestão pública proposta pelos teóricos da Reforma do Estado da década
de 1990. Os objetivos da Rede Vencer deixam bem clara a intencionalidade de
institucionalização das práticas gerenciais na educação, como se pode conferir:
QUADRO 12: OBJETIVOS DA REDE VENCER
1
Objetivos da REDE VENCER
(I) Institucionalizar práticas gerenciais no cotidiano escolar que proporcionem a
substituição da “cultura do fracasso” pela cultura do sucesso;
(II) Instituir o planejamento da prática pedagógica a partir da avaliação do processo
ensino aprendizagem;
(III) Capacitar equipes da Secretaria e das unidades escolares para que todos
desempenhem suas funções e atribuições com foco em resultados e metas,
assumindo as respectivas responsabilidades pelo resultado da aprendizagem de cada
um dos alunos; e,
(IV) gerar oportunidade de desenvolvimento profissional para as equipes escolares, de
forma a viabilizar a ampliação de conhecimentos, especialmente no campo da leitura,
da escrita e da matemática, bases para a aprendizagem de todas as áreas do
conhecimento humano. (INSTRUMENTO PARTICULAR DE PARCERIA, 2005, p. 2-3)
Fonte: Instrumento Particular de Parceria, 2005, p.2.
219
O modelo de gestão gerencial, conforme já se discutiu antes, é baseado em resultados e
estes passam a ser buscados com mais objetividade como parte do Termo de Parceria. No caso
da SEMEC de Altamira esses resultados esperados são expressos nos seguintes indicadores e
metas:
QUADRO 13: INDICADORES E METAS DA REDE VENCER
INDICADORES METAS
1 – Dias letivos 1 – 200 dias letivos/800 horas aula
2 – Frequência de professores 2 – 98% de frequência
3 – Frequência de alunos 3 – 98% de frequência
4 – Reprovação por faltas 4 – 2% de reprovação
5 – Índice de aprovação 5 – 95% de aprovação
6 – Correção de Fluxo 6 – 5% de distorção Idade/série
7 – Alfabetização na 1ª Série 7 – 95% dos alunos alfabetizados
Fonte: Instrumento Particular de Parceria, 2005, p. 3.
Para a consecução dessas metas os parceiros devem cumprir determinadas
responsabilidades e as da Prefeitura Municipal são arroladas em vinte itens, dos quais destaco
os que dizem respeito à questão de recursos humanos, técnicos e financeiros:
QUADRO 14: RESPONSABILIDADES DA PREFEITURA EM RELAÇÃO À REDE
VENCER
Das Responsabilidades da Prefeitura
h) garantir os recursos humanos necessários, comprometidos com os resultados e
alcance das metas da REDE, designando equipes de profissionais, sob regime de
dedicação exclusiva, que possuam competência para o desempenho das atribuições
que viabilizem a realização das ações da REDE junto à Secretaria de Educação e
nas unidades escolares;
i) garantir a infraestrutura física necessária para a execução das ações da REDE,
com a disponibilização de espaço específico para o trabalho dos profissionais e
demais materiais que viabilizem as ações da REDE, tais como equipamentos de
informática, meios de comunicação à distancia (telefone, fax e internet rápida) e
demais que se fizerem necessários;
j) Viabilizar às suas expensas a utilização do sistema gerencial informatizado
denominado SIASI – Sistema Instituto Ayrton Senna de Informações;
l) Garantir o provimento diário de merenda e transporte escolar aos alunos da rede
pública de ensino fundamental, bem como de todos os recursos necessários ao
funcionamento das respectivas escolas;
m) Assumir todos os encargos, ônus, alvarás, licenças e autorizações de toda
natureza, que se tornem exigíveis para a execução integral das ações da rede;
n) Responsabilizar-se pelo pagamento de todos os impostos, taxas e contribuições
fiscais, previdenciárias e trabalhistas, acidentes de trabalho ou parafiscais, que
incidam ou venham a incidir sobre o presente, devendo exibir toda documentação
comprobatória do cumprimento dessas obrigações, quando exigido pelo IAS e/ ou
220
pelas autoridades competentes;
o) Responsabilizar-se integralmente por todos os encargos e controvérsias
trabalhistas porventura suscitadas por seus empregados, servidores concursados,
coordenadores, supervisores, prepostos, prestadores de serviço e/ou demais
envolvidos com as ações da REDE, comprometendo-se a apresentar as defesas
cabíveis e adotar as medidas necessárias para a salvaguarda dos interesses do IAS,
caso as referidas controvérsias os envolvam indevidamente, arcando integralmente,
inclusive, com os ônus e eventuais condenações que advierem das mesmas;
p) Assumir inteira e total responsabilidade pela aplicação de recursos próprios ou
captação de recursos de terceiros para a completa execução das ações da REDE.
Fonte: Instrumento Particular de Parceria, 2005, p. 3 - 5.
Conforme o documento cabe à prefeitura Municipal de Altamira a manutenção das
ações integrais decorrentes da “Parceria”. Recursos materiais, humanos, equipamentos,
despesas trabalhistas, pagamento de taxas para funcionamento da rede municipal de ensino,
são reconhecidamente despesas da prefeitura independentemente da parceria, no entanto, a
prefeitura também assume todos os prejuízos de eventuais condenações jurídicas resultantes de
controvérsias geradas a partir da parceria. Por serem tais consequências resultantes de uma
parceria, não deveriam ser compartilhadas conjuntamente? A corroborar com a diferença entre
ônus e bônus, cabe ao IAS tão somente administrar o bônus do “fornecimento” das tecnologias
e a contratação de serviços de assessoramento técnico que podem, a seu critério, ser
presenciais ou à distância, como se pode inferir no documento.
QUADRO 15: DAS RESPONSABILIDADES DO INSTITUTO AYRTON SENNA
Das
Responsabilidades do IAS
a) Permitir à PREFEITURA o acesso aos materiais que vierem a ser produzidos ou
que já existem relativos às tecnologias desenvolvidas pelo IAS e utilizadas pela
REDE, que o IAS julgar necessários às ações da REDE previstas neste instrumento;
b) Fornecer apoio técnico, através da agência técnica que vier a contratar, a qual, a
exclusivo critério do IAS, poderá realizar capacitações presenciais, acompanhamento
direto (“in loco”) e/ ou indiretos (“à distancia”) das ações da REDE, e;
c) contratar a agência externa para a avaliação dos resultados das ações da REDE e
cumprimento dos objetivos e das metas previstos bem como a avaliação da
aprendizagem de alunos da Rede Pública Municipal.
Fonte: Instrumento Particular de Parceria, 2005, p. 6.
Não obstante, o Coordenador do Programa Gestão Nota 10 considera praticamente
inexistentes as despesas com o IAS, e essas seriam tão irrisórias se fossem apreciados os
221
benefícios trazidos pelo Programa que sequer são consideradas por ele como pagamento, mas
como contribuição ao IAS.
Não existe pagamento direto, existem contribuições com determinadas tecnologias
que são colocadas à disposição. O município não recebe recursos em espécie, vamos
dizer assim, e sim com tecnologias. E o que são essas tecn
ologias? É um programa
de gestão escolar todo estruturado, é um programa de correção de fluxo escolar todo
estruturado, é um programa de acompanhamento das séries regulares todo
estruturado, é um programa de informatização de dados, que para o município a
responsabilidade seria apenas de implementar dentro das propostas do IAS
(Coordenador do Gestão Nota 10)
O fato de o município alterar toda a sua política de atendimento com implicações
financeiras no seu todo não são perceptíveis para os entrevistados que consideram que a
parceria não trouxe implicações ou alterações em relação às despesas municipais de praxe. Na
avaliação deles, os custos seriam os mesmos porque são inerentes à competência da prefeitura.
A despesa sistemática e mais “visível” com a parceria seria a manutenção do Sistema de
Informação Ayrton Senna de Informações (SIASI), para onde convergem todas as informações
a respeito da educação municipal por meio do qual o IAS faz o monitoramento da política
educacional. O Coordenador do Programa Gestão Nota 10 descreve o SIASI nos seguintes
termos:
O IAS possui um sistema de informação que é o SIASI “Sistema de Informação
Ayrton Senna”, nesse sentido o instituto solicita de outras instituições ou de outros
órgãos que faça a elaboração de programas. Então o município tem que contribuir
mensalmente para manter o sistema, e é pago uma taxa para manutenção desse
sistema que coleta as informações para os relatórios. (Coordenador do Programa
Gestão Nota 10)
Não entanto, segundo o Coordenador do Programa Correção de Fluxo, a manutenção
mensal é atualizada a cada ano e vem aumentando sistematicamente: de R$ 400,00, no início
da implantação do SIASI em 2005, hoje alcança em torno de R$ 1.000,00, como assegura:
O município paga um valor mensal para a alimentação do sistema, e então o sistema
é alimentado diariamente, mensalmente e anualmente. No início dos últimos quatro
anos, o valor mensal desse software era muito pequeno, era irrisório. Agora, a partir
222
de 2009, com a reestruturação do SIASI, o instituto passa a apresentar uma nova
proposta para o município, em torno de 900, 1000 reais. Mas antes era em torno de
menos que 400 reais mensais. (Coordenador do Programa Correção de Fluxo A)
De acordo com os Planos de Metas Anuais da SEMEC, os recursos para as ações
decorrentes da parceria até 2006 vieram basicamente do FUNDEF. A partir de 2007, a
principal fonte de financiamento tem sido o FUNDEB e o Salário Educação como afirmam os
entrevistados:
Os
materiais, os livros é o Salário Educação. E o salário dos professores é o
FUNDEB. (Coordenador do Programa Correção de Fluxo A)
Os recursos vêm do FUNDEB, porque é da política do município a disponibilidade de
fazer a formação dos coordenadores dos programas deslocando para outros
municípios ou até mesmo para São Paulo, que ora é financiado pelo IAS ora pelo
município. A formação dos professores e diretores que é feita dentro de Altamira é o
próprio município que arca com as despesas. (Coordenador do Programa Gestão
Nota 10).
Quanto ao processo de aquisição de tais materiais, estes parecem seguir os mesmos
procedimentos de execução orçamentária dos demais recursos da prefeitura gastos com
manutenção do ensino, como afirma o atual Coordenador do Programa Correção de Fluxo:
Então a cada ano nós fazemos u
m orçamento do que a gente vai utilizar naquele ano
e é colocado nos recursos da prefeitura da área da educação, então o município
acaba arcando com isso. Antes havia financiamento e hoje o município arca sozinho
com isso. (Coordenador do Programa Correção de Fluxo)
Cabe ressaltar, no entanto, que o fornecimento de alguns materiais é feito de forma
exclusiva por empresas definidas pelo IAS, o que, na avaliação do Coordenador do Programa,
representa a contrapartida do município na parceria:
E uma editora, que é a editora Global, que é de São Paulo, ela que fornece, de forma
exclusiva, os módulos, caixa-literatura, tudo aquilo que a gente utiliza da parceria
com o SE LIGA. Então a partir daí o município compra, adquire através da compra.
Eles têm exclusividade, então a gente recebe o material direto deles que eles
atualizam a cada ano. Inclusive esse ano a gente tem material atualizado com a nova
ortografia e tudo, né, então é assim que essa parceria acontece hoje, não no sentido
de recursos e material, mas consultoria e tudo. O município de contrapartida tem que
comprar o material indicado pelo IAS. (Coordenador do Programa Correção de Fluxo)
223
O acesso a um dos orçamentos enviados à SEMEC pela Editora Global para atender
solicitação relativa ao Programa Correção de Fluxo em relação a materiais didáticos permitiu
constatar que a exclusividade de fornecimento é bem explícita e fundamentada. O fornecedor
destaca o entendimento anterior com o IAS a respeito dos preços e a dispensa de licitação pela
sua condição de portadora de direitos autorais exclusivos, conforme o reproduzido abaixo:
Os preços aqui mencionados foram anteriormente firmados com o Instituto
Ayrton Senna.(...) Importante salientar que a Global Editora é detentora
com exclusividade dos direitos destas publicações. Portanto, anexa estamos
encaminhando carta de exclusividade para que V.Sa. possa emitir a nota de
empenho sem necessidade do procedimento de licitação pública, conforme
assegura a Lei 8.666-93 (Casos de dispensa ou inexigibilidade de licitação)
(Orçamento da Editora Global, 2009, negritos no original).
Na concepção do atual Coordenador do Programa Gestão Nota 10, o fato do IAS o
financiar as ações não diminui o mérito do instituto, pois considera que a contribuição do IAS
pode ser até mais valiosa que o financiamento:
O município não recebe recursos em espécie vamos dizer assim, e sim com
tecnologias. Talvez isso seja mais valioso do que o dinheiro.
(Coordenador do
Programa Gestão Nota 10)
Dentre os programas que compõem a Rede Vencer em Altamira destaca-se o
Programa Gestão Nota 10, criado com o objetivo de responder ao problema da ineficiência
das redes públicas de ensino, cuja tradução seria evidente no grande número de analfabetos,
de repetência, de abandono e de distorção idade-série. O diagnóstico do IAS é de que as redes
públicas de ensino não estariam preparadas para enfrentar os problemas educacionais sendo
necessário investir no fortalecimento das lideranças e das equipes de trabalho das secretarias
de educação e das escolas para que fossem capazes de atuar com eficiência e eficácia.
A meta era melhorar a gestão das secretarias e das escolas que passam a ter como
base de ação “indicadores e metas gerenciais, capacitação dos profissionais em serviço e
informação em tempo real” (http://senna.globo.com/institutoayrtonsenna/). Deste modo, o
IAS certamente provocou mudanças na política educacional da rede municipal após a
municipalização, desencadeando uma série de mudanças na estruturação e nas ações da rede.
Contudo quais as implicações da municipalização para a valorização do professor, para a
democratização da gestão, do acesso e para o financiamento? O próximo capítulo especificará
essas mudanças.
224
5 A MUNICIPALIZAÇÃO E A DEMOCRATIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO EM
ALTAMIRA
O conceito de democratização da educação adotado por este trabalho supõe a
possibilidade de acesso de todas as crianças e jovens à escola bem como a apropriação do
conhecimento historicamente produzido; a existência de recursos financeiros suficientes para
o atendimento educacional com qualidade; a implementação de política de valorização dos
trabalhadores em educação e a participação dos segmentos sociais na gestão educacional e
escolar. Este capítulo visa a demonstrar as implicações da municipalização educacional com
base nestes eixos de análise.
5.1 A MUNICIPALIZAÇÃO DO ENSINO E SUAS IMPLICAÇÕES PARA A
DEMOCRATIZAÇÃO DO ACESSO À EDUCAÇÃO EM ALTAMIRA
Uma das mais importantes formas de democratização da educação ocorre pela
materialização do direito de acesso à escola e ao conhecimento historicamente produzido.
Neste item se pretende demonstrar os resultados do estudo a respeito das implicações da
municipalização para a democratização da educação em Altamira a partir da análise do
quantitativo de matrículas, das taxas de escolarização e da avaliação da apropriação do
conhecimento de crianças e jovens.
5. 1.1 – A democratização da educação pelo acesso e pela permanência na escola
A oferta de Educação Infantil pública em Altamira atualmente está sob a
responsabilidade total da rede municipal tal como preconiza a Constituição Federal de 1988,
embora até 1996 tal atendimento fosse dividido entre rede estadual e municipal. A política de
municipalização do ensino assumida a partir de 1998 redefiniu a dinâmica da oferta de
matrículas nessa etapa da educação básica por dependência administrativa como se pode
inferir na tabela a seguir que retrata a situação de 1996 a 2006:
225
TABELA 26: Altamira – Matrículas na Educação Infantil por Dependência
Administrativa de 1996/2006.
Ano
Total
Estadual
%
Municipal
%
Privada
%
1996
1.742
348
19,9
399
22,9
995
57,2
1997
1.975
482
24,4
671
34,0
822
41,6
1998
2.086
640
30,6
690
33,1
756
36,3
1999
1.626
164
10,0
801
49,3
661
40,7
2000
2.016
0
0
1.355
67,2
661
32,8
2001
2.469
0
0
1.686
68,2
783
31,8
2002
2.421
0
0
1.649
68,1
772
31,9
2003
2.730
0
0
1.900
69,5
830
30,5
2004
2.511
0
0
1.768
70,4
743
29,6
2005
4.014
0
0
3.166
78,8
848
21,2
2006
3.783
0
0
2.971
78,5
812
21,5
Fonte: INEP/MEC – ASPLAN/SEDUC.
Até 1998 o setor privado foi o principal responsável pelo atendimento da educação
Infantil em Altamira em função da atuação das Missionárias do Preciosíssimo Sangue
pertencentes à Prelazia do Xingu vinculadas à Igreja Católica. Assim, em 1996, enquanto a
rede privada se responsabilizava por 57,1% do total de matrículas nesta etapa da Educação
Básica, a rede municipal atendia 22,9%, e a rede estadual, a 19,9% do total. A partir de 1999 a
rede municipal passa a responsabilizar-se pela maior parte das matrículas de Educação
Infantil sendo que, em 2006, contava com 78,5% das matrículas. Ou seja, a municipalização
da Educação Infantil pública foi totalmente concluída a partir de 2000. É importante também
observarmos o atendimento às matrículas da Educação Infantil por tipo de ensino e
dependência administrativa, conforme apresentado na Tabela nº 27.
TABELA 27: Altamira. Matrículas da Educação Infantil, por Tipo de Ensino e
Dependência Administrativa – 1996/2006
Creches
Classes de
Alfabetização
Pré-Escolar
Ano
Mun.
Priv.
Total
Est.
Mun.
Priv.
Total
Est.
Mun.
Priv.
Total
Total geral
1996
0
0
0
282
0
331
613
66
399
664
1.129
1.742
1997
0
0
0
396
110
292
798
86
561
530
1.177
1.975
1998
0
0
0
611
118
186
915
29
572
570
1.171
2.086
1999
164
0
164
164
117
208
489
0
684
453
973
1.626
2000
277
0
277
0
226
221
447
0
852
440
1.292
2.016
2001
236
0
236
0
350
258
608
0
1.100
525
1.625
2.469
2002
239
0
239
0
771
221
992
0
639
551
1.190
2.421
2003
219
14
233
0
0
0
0
0
1.681
816
2.497
2.730
2004
264
84
348
0
0
0
0
0
1.504
659
2.163
2.511
2005
347
122
469
0
0
0
0
0
2.819
726
3.545
4.014
2006
417
131
548
0
0
0
0
0
2.554
681
3.235
3.783
Fonte: INEP/MEC –ASPLAN/SEDUC
226
O atendimento em Educação Infantil em Altamira até 2002 comportou três tipos:
Creche, Pré-escola e Alfabetização. O atendimento em creche vem ocorrendo desde 1999
majoritariamente pela rede municipal que o divide com o setor privado. Em 2006, as
matrículas em creche representavam apenas 11,0% do total de matrículas da Educação
Infantil, sendo que 76% do atendimento era realizado pela rede municipal. Ainda que a LDB
nº 9.394/96 tenha incorporado as creches ao sistema educacional desde 1996, só muito
recentemente as creches começaram a receber tratamento pedagógico específico pela
SEMEC, visto que ficavam sob a gestão da Secretaria de Assistência Social onde o aspecto
assistencial predominava.
As classes de alfabetização
219
existiram na rede estadual de Altamira até 1999 e, na
rede municipal, até 2002, quando foram extintas, caracterizando-se como etapa intermediária
entre a educação infantil e o ensino fundamental destinada às crianças que não tiveram acesso
à pré-escola na idade apropriada, pois geralmente se destinavam a crianças com mais de 6
anos ocupando em média 35% das matrículas destinadas à Educação Infantil.
A maior oferta de Educação Infantil sempre se concentrou na educação Pré-Escolar de
4 a 6 anos, que, em 1996, representava 64,8% do total e, em 2006, representava 85,5% do
atendimento. Mas se em 1996 o setor privado era majoritário no atendimento com 58,8% das
matrículas nessa etapa da Educação Infantil; em 2006, a situação se inverte, pois a rede
municipal passa a ser majoritária no atendimento com 78,9% das matrículas, sendo o restante
(21,1%) atendido pelo setor privado.
Ao longo da cada analisada (1996 a 2006) houve um crescimento de 117,1% na
oferta de matrículas globais em Educação Infantil ocasionadas pela ampliação de 644,6% do
atendimento pela rede municipal. De responsável por 22,9% do total do atendimento em
1996, a rede municipal passa a responsabilizar-se por 78,5% das matrículas em 2006, sendo
os percentuais restantes (21,5%) pertencentes à rede privada. Mas a municipalização teria
contribuído para democratizar o acesso à educação infantil ao maior número de crianças
possível? Considerando a população na faixa etária de 0 a 6 anos ao longo do período e o
atendimento desta faixa etária, verifica-se que ainda persiste um grande déficit de atendimento
219
As classes de alfabetização eram etapas da escolarização que se caracterizavam pelo aprendizado das
primeiras noções da leitura, da escrita e do cálculo e se destinavam a crianças que, por não terem tido acesso à
creche e à pré-escola tinham necessidade dessa introdução. A manutenção dessas classes foi muito comum na
região Norte e Nordeste até o advento do FUNDEF, quando por razões, sobretudo econômicas, passam a fazer
parte do ensino fundamental, como primeira série.
227
pelo poder público. O lculo da Taxa de Escolarização Bruta
220
e da Taxa de Escolarização
Líquida
221
em Educação Infantil constante na tabela abaixo evidencia tal déficit:
TABELA 28: Altamira: Taxa de Escolarização Bruta e Líquida em Educação
Infantil
Ano
População
de 0 a 6
anos
Matrícula
Total na
Educação
Infantil
Taxa de
escolarização
Bruta
%
Matrícula na
Educação
Infantil de 3 a
6 anos
Taxa de
Escolarização
Líquida
%
1996
12.942
1.742
13,4
*
*
1997
13.378 1.975
14,7
*
*
1998
13.774 2.086
15,4
*
*
1999
14.112 1.626
11,5
1.556 11,0
2000
13.016
2.016
15,4
1.571 12,0
2001
13.238 2.469 18,6 2.346 17,7
2002
13.409 2.421 18,0 2.397 17,8
2003
13.591 2.730 19,8 2.221 16,3
2004
13.772
2.511
18,2
2.254 16,3
2005
14.186 4.014 28,2 3.464 24,4
2006
14.396
3.783
26,2
3.668 25,4
Fonte: MEC/INEP/ EDUDATABRASIL. DATASUS.
Nota 1: As matrículas de Educação Infantil por idade de 1996 a 1998 não se encontram
disponíveis no site do MEC.
A municipalização da Educação Infantil ampliou o atendimento da educação infantil
em 117,1%, mas a universalização do atendimento está ainda muito distante, pois a taxa de
escolarização bruta ao longo da cada evidencia que o máximo que se conseguiu atender do
contingente de potenciais usuários (alunos de 0 a 6 anos) foi 28,2% em 2005. Ainda que a
taxa de escolarização bruta tenha aumentado em 95,5% ao longo da década, a grande maioria
das crianças dessa faixa etária não vem tendo acesso à matrícula na Educação Infantil. A taxa
de escolarização líquida evidencia que a grande maioria dos alunos da Educação Infantil
situa-se na faixa etária de 0 a 6 anos. O aumento de 644,6% de matrículas na Educação
Infantil pela rede municipal também não foi suficiente para diminuir significativamente o
déficit de atendimento, que, em 1996, era de 86,6% e, em 2006, continuava bastante avançado
na base de 73,8%, que do total de 14.396 crianças de 0 a 6 anos apenas 3.783 foram
220
A Taxa de Escolarização Bruta corresponde ao percentual da população matriculada em determinado nível de
ensino, independente da idade, em relação à população total que se encontra na faixa etária recomendada para
esse nível de ensino.
221
A Taxa de Escolarização Líquida corresponde ao percentual da população de determinada faixa etária que se
encontra matriculada no nível de ensino recomendado a essa faixa etária.
228
atendidas. Em síntese, a municipalização propiciou relativo crescimento do atendimento à
educação infantil verificado ao longo da década, mas a democratização do acesso à grande
maioria de crianças altamirenses a essa etapa da educação básica continua como pauta de luta
a ser concretizada.
A democratização do acesso ao ensino fundamental pela rede municipal foi verificada
em relação às outras dependências administrativas a fim de dimensionar a universalização
dessa etapa da educação básica no município de Altamira como um todo. Como direito
público subjetivo e principal alvo do FUNDEF, o ensino fundamental teve suas matrículas
redimensionadas a partir da política de municipalização em Altamira, cuja dinâmica por
dependência administrativa de 1996 a 2006 será vista a seguir:
TABELA 29: Altamira – Matrículas no Ensino Fundamental por Dependência
Administrativa 1996/2006.
Ano
Total
Estadual
%
Municipal
%
Privada
%
1996
19.542
9.046
46,3
8.720
44,7
1.776
9,0
1997
19.744
8.181
41,4
10.073
51,0
1.490
7,5
1998
16.538
1.539
9,3
14.196
85,8
803
4,8
1999
18.114
2.109
11,6
15.017
83,0
988
5,4
2000
17.902
41
0,2
16.606
92,7
1.118
6.2
2001
18.392
0
0
16.898
91,9
1.380
8,1
2002
18.881
0
0
17.549
93,0
1.332
7,0
2003
18.562
0
0
17.176
92,5
1.386
7,5
2004
19.535
0
0
18.214
93,2
1.321
6,8
2005
18.966
0
0
17.537
92,5
1.429
7,5
2006
20.285
0
0
18.897
93,2
1.388
6,8
Fonte: INEP/MEC – ASPLAN/SEDUC.
Em 1996, o atendimento ao ensino fundamental se fazia de forma compartilhada entre
a rede estadual, responsável por 46,3% das matrículas, e pela rede municipal responsável por
44,7%. A adesão à política de municipalização em 1998 trouxe como consequência a
municipalização de 100% do atendimento público ao ensino fundamental. Assim, em 2006, a
rede municipal era responsável por 93,2 % da totalidade do ensino fundamental, sendo o
restante atendido pela rede privada. Se, por um lado, a municipalização do ensino
fundamental resultou na ampliação do atendimento pela rede municipal em 116,7% (o
atendimento em 1996 era de 8.720 alunos e em 2006 passou para 18.897); por outro, o
trouxe impacto significativo no aumento de matrículas da rede pública como um todo, que foi
de apenas 6,3% ao longo da década, havendo na prática apenas a transferência de atendimento
229
de uma rede para outra. Em alguns períodos a municipalização ocasionou até mesmo a
diminuição das matrículas públicas no ensino fundamental, como é o caso do ano de 1998
que, em relação a 1996, teve uma queda de 15,4%.
Para avaliar se a municipalização democratizou o ensino fundamental, as crianças
pertencentes à faixa etária de 7 a 14 anos a Taxa de Escolarização Bruta e a Taxa de
Escolarização Líquida também foram verificadas, como demonstram as informações da tabela
abaixo:
TABELA 30: Altamira: Taxa de Escolarização Bruta e Líquida no Ensino
Fundamental
Ano
População
de 7 a 14
anos
Matrícula
Total no
Ensino
Fundamental
Taxa de
escolarização
Bruta
%
Matrícula no
Ensino
Fundamental
de 7 a 14
anos
Taxa de
Escolarização
Líquida
%
1996
15.198 19.542
128,5
15.500
101,9
1997
15.709 19.744
125,6
*
*
1998
16.139 16.538
102,4
*
*
1999
16.572 18.114
109,3
14.660 88,4
2000
14.618 17.902
122,4
14.274 97,6
2001
14.867 18.392 123,7 14.632 98,4
2002
15.059 18.881 125,3 15.063 100,0
2003
15.264 18.562 121,6 15.589 102,1
2004
15.468 19.535
126,2
16.012 103,5
2005
15.983 18.966 118,9 16.277 102,1
2006
16.169 20.285
125,4
16.537 102,2
Fonte: MEC/INEP/ DATASUS. Nota 1: As matrículas no ensino fundamental por idade
em 1997 e 1998 não se encontram disponíveis no site do MEC.
Considerando que em 1996 o índice populacional na faixa etária de 7 a 14 anos era de
15.198 habitantes (DATASUS, 2009), e a matrícula geral no ensino fundamental no
município como um todo era de 19.542, verifica-se uma taxa bruta de escolarização na base
de 128,5%, ou seja, avaliado o atendimento independente de idade verifica-se que as
matrículas oferecidas e preenchidas não se ocupam apenas dos que estão na faixa etária
correspondente. Para melhor precisar esse dado, a taxa de matrícula líquida que avalia o
percentual de alunos no ensino fundamental na faixa correspondente em relação à população
total foi também apurada. Verifica-se, portanto, que a matrícula de alunos na faixa etária
correspondente ao ensino fundamental (7 a 14 anos) foi universalizada desde o ano de 2002;
230
todavia, a democratização do acesso ainda não se fez por completo, pois não ocorreu a
apropriação do conhecimento por parte de muitos alunos a ponto de lhes permitir a progressão
regular. As informações constantes na Tabela 31 nos oferecem pistas sobre a situação dos
alunos do ensino fundamental da rede municipal de Altamira a esse respeito.
TABELA 31: Altamira - Taxa de Aprovação, de Abandono e de Distorção
Idade-Série no Ensino Fundamental da Rede Municipal de 1996 – 2006.
Ano
Aprovação
%
Reprovação
%
Abandono
%
Distorção
Idade-Série
%
1996
50,7
33,0
16,3
*
1997
86,5
4,9
8,6
*
1998
67,3
16,2
16,5
*
1999
67,8
18,3
13,9
57,1
2000
64,7
20,7
14,6
59,5
2001
73,0
18,2
8,8
53,3
2002
78,7
8,3
13,0
50,7
2003
80,6
11,5
7,9
45,4
2004
75,6
15,8
8,6
36,8
2005
77,2
15,5
7,3
35,6
2006
78,0
15,5
6,5
33,2
Fonte: SEDUC/ASPLAN – 1996 a 1998. INEP/MEC – 1999 a 2006.
Observa-se que antes da municipalização em 1996 o índice de aprovação no ensino
fundamental da rede municipal era de apenas 50,7% de alunos promovidos para a rie
subsequente, portanto a rede apresentava altos índices de repetência (33%) e abandono
(16,3%). Após a municipalização de 1999 a 2006, os índices de aprovação alcançaram a
média de 74,4% e, ao longo da década, apresentaram crescimento de 53,8%, sendo que em
2006 se tinha 78% de alunos do ensino fundamental aprovados no final do ano. Em
consequência diminuíram os índices de reprovação em 99,5% ao longo da década, que de
33% em 1996 caíram para 15,5% em 2006. Os índices de abandono também diminuíram em
60,1%, passando de 16,1% em 1996 para 6,5% em 2006. Esses resultados foram
determinantes para que os índices de distorção idade-série também diminuíssem em 41,8%,
pois de 57,1% em 1999 baixaram para 33,2% em 2006. Embora esses fatores sejam de
grande importância e evidenciem a ampliação da apropriação do conhecimento pelos alunos,
não se pode deixar de considerar que ainda existem 33,2% de distorção idade-série índice
considerado elevado. O que se pode inferir diante desses resultados?
231
Se tal situação fosse analisada apenas considerando a perspectiva dos teóricos da
gestão gerencial típica do novo paradigma de gestão dos anos de 1990, se chegaria à
conclusão de que o Estado já teria garantido a democratização do acesso. O problema seria de
gestão, já que, a rigor, o número de matrículas disponibilizado tem sido mais que suficiente,
extrapolando o número de potenciais usuários. Embora não se possa negar a importância da
gestão para a democratização do conhecimento, em se tratando de educação, as explicações
não são simples e requerem que se considerem o contexto e as condições socioeconômicas em
que essa educação é desenvolvida. Segundo o PNUD (2000), 47,4% das crianças de Altamira
são oriundas de famílias que ganham renda inferior a meio salário mínimo. Este certamente é
um dos fatores que tem bastante influência nos problemas que resultam no alto índice de
distorção idade x série no ensino fundamental, pois nestas condições dificilmente a criança
apresenta disposição de frequência às aulas por lhe faltar o mínimo de condições materiais
para desenvolver-se de forma saudável. Com fome e desconforto é difícil aprender.
A democratização do acesso também foi verificada para aqueles que apresentam
necessidades especiais. A Educação Especial em Altamira é atendida em escolas do ensino
regular, em classes chamadas especiais e destina-se ao atendimento de crianças que
apresentam déficit cognitivo ocasionado por deficiências físicas ou mentais. As matrículas
durante o período de 1996 a 2006 em função dos problemas ocorridos com a municipalização
tiveram grandes oscilações como se pode observar na Tabela nº 32:
TABELA 32: Altamira – Matrículas na Educação Especial por
Dependência Administrativa 1996/2006.
Ano
Total
Estadual
Municipal
Privada
1996
91
91
0
0
1997
154
136
18
0
1998
121
121
0
0
1999
147
10
53
84
2000
60
0
35
25
2001
90
0
36
54
2002
107
0
29
78
2003
137
110
27
0
2004
157
138
19
0
2005
217
0
21
196
2006
278
0
49
229
Fonte: INEP/MEC – ASPLAN/SEDUC.
232
A Educação Especial até o ano de 1998 foi majoritariamente estadual, sendo que a
partir de 1999 essa modalidade de ensino foi municipalizada. A Educação Especial é a
modalidade que mais reflete os problemas decorrentes da municipalização do ensino, pois
com a devolução dos professores estaduais para a SEDUC a partir de 2003, a rede estadual
volta a atender a essa modalidade. Com a aposentadoria de alguns professores estaduais e a
cedência de outros para servir na APAE a partir de 2005, a rede estadual deixa de atender
novamente a Educação Especial, cujo atendimento público passa a ser exclusivamente
municipal. O atendimento público da Educação Especial em 2006 era pouco expressivo e
representava apenas 17,6% do total, sendo a maior parte das matrículas (82,3%) atendidas
pelo setor privado. A democratização do atendimento público dessa modalidade assume uma
forma indireta, que, embora receba recursos e conte com funcionários públicos para seu
funcionamento como entidade filantrópica, a APAE continua sendo uma entidade privada.
A Educação de Jovens e Adultos (EJA) passa a existir no município como ensino
presencial a partir de 1998 pela rede municipal. Por se tratar de um tipo de educação que
evidencia o atraso escolar, o ideal seria que não existisse. Contudo, a sua importância reside
na possibilidade de oportunizar à classe trabalhadora, historicamente excluída da escola pela
sua condição de classe, o acesso ao ensino formal.
Ao longo do período a EJA atendeu quantitativos de alunos que variaram de no
máximo 3.624 em 1998 ao mínimo anual de 2.538 em 2005. De 1998 para 2006, houve um
decréscimo de 27,9% das matrículas efetuadas nesta modalidade, o que provavelmente se
deve à sua exclusão da política de financiamento propiciada pelo FUNDEF, influenciando
decisivamente na democratização do acesso a essa modalidade de ensino pelos excluídos de
condições favoráveis de acesso ao ensino na infância. Contudo, como se afirmou ao longo
desse trabalho, não basta matricular e manter a criança na escola é preciso que crianças e os
jovens se apropriem do conhecimento. O próximo item trata dessa questão.
5.1.2 A democratização da educação pela apropriação do conhecimento
A apropriação do conhecimento foi verificada a partir dos dados evidenciados pelo
Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB
222
) divulgados para os anos de 2005 e
222
O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) foi criado pelo MEC como indicador que mede a
qualidade em educação a partir das médias de desempenho nas avaliações do SAEB e Prova Brasil. A fixação da
233
2007. A ampliação da apropriação do conhecimento pelos alunos do ensino fundamental em
Altamira se manifestou pelos índices crescentes alcançados no IDEB como se demonstra na
tabela abaixo:
TABELA 33: Altamira: IDEB de 2005 e 2007 em relação ao Brasil e ao Pará
IDEB 2005/2007
Brasil
Pará
Altamira
Ensino Fundamental
1ª a 4ª
5ª a 8ª
1ª a 4ª
5ª a 8ª
1ª a 4ª
5ª a 8ª
Observado em 2005
3,8
3,5
2,8
3,1
3,3
3,6
Observado em 2007
4,2
3,8
2,8
2,9
4,3
4,0
Projeção para 2007
3,9
3,5
2,8
3,2
3,4
3,6
Projeção para 2021
6,0
5,5
5.1
5,2
5,6
5,6
Fonte: INEP/MEC.
Em 2005, o IDEB observado nos anos iniciais (1ª a 4ª) em Altamira foi de 3,3 e, em
2007, foi de 4,3, bem acima da média de 2,8 observado no Estado do Pará para os anos de
2005 e 2007. Considerando que a média nacional do IDEB em 2005 era de 3,8 e, em 2007,
4,2, o IDEB de Altamira ultrapassou a média nacional em 2007.
Em relação às series finais (5ª a 8ª) também se verificou em Altamira aumento do
IDEB de 3,6 em 2005 para 4,0 em 2007. Em ambos os anos o IDEB de Altamira foi acima
das médias estaduais (que em 2005 era de 3,1 e em 2007 era de 2,9) e da média nacional (em
2005 era 3,5 e em 2007, 3,8).
O aumento do índice de aprendizagem manifestado pelo IDEB possibilitou que
Altamira fosse escolhida pelo UNICEF como uma das trinta e sete cidades selecionadas para
compor a pesquisa “Redes de Aprendizagem: boas práticas de municípios que garantem o
direito de aprender”
223
. A secretária municipal de educação em entrevista publicada na
mídia
224
atribui os bons resultados às “parcerias com outras organizações, como, por exemplo,
com o Instituto Ayrton Senna, que fornece tecnologias educacionais e subsídios à
formação continuada de gestores escolares e professores”, destacando a prática de avaliações
externas periódicas que permitem que se conheçam os resultados e se programem ações em
função dos mesmos. Contudo, não se pode desconsiderar a multiplicidade de fatores que
média seis a ser alcançada como meta em 2021 considerou o resultado obtido pelos 20 países da Organização
para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) mais bem colocados do mundo (MEC, 2007)
223
A pesquisa contemplou 37 redes municipais de ensino de 15 estados, nas cinco regiões do país, selecionadas
principalmente a partir do IDEB. O estudo é um trabalho do Fundo das Nações Unidas para a Infância
(UNICEF), da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (UNDIME) e do Ministério da Educação,
por meio do INEP. Foi lançado no 3º Fórum Extraordinário dos Dirigentes Municipais de Educação, em Brasília,
no dia 25 de março de 2008, e encontra-se integralmente no site do UNICEF.
224
As declarações encontram-se no site http://www.todospelaeducacao.org.br
234
podem ter contribuído para esses resultados obtidos no IDEB, inclusive o acréscimo de
recursos ocorrido com a municipalização do ensino, que proporcionou à rede municipal
maiores possibilidades de financiamento das ações pedagógicas.
Mas como já destacado anteriormente, a educação no sentido de aprendizagem vai
além da aprovação escolar supondo a assimilação de valores, comportamentos, hábitos e
posturas, além do desenvolvimento de habilidades e aptidões. Estes, somente passíveis de
verificação em longo prazo, e, portanto, de difícil mensuração por meio de testes avaliativos
da natureza do IDEB. Desta forma, questionam-se os limites do IDEB como meio de traduzir
a avaliação da aprendizagem do aluno e a qualidade do ensino. Além disso, a política de
avaliação tende a construir parâmetros avaliativos sem considerar as contribuições discutidas
em nível local a esse respeito. Neste aspecto torna-se relevante considerar o que diz Peroni
(2009) em estudo sobre a política de avaliação externa atual:
Observamos a incoerência entre propor a construção participativa do Projeto
Político Pedagógico da escola e em muitos casos formas participativas de
construção das políticas educacionais em sistemas públicos, como tantos
sistemas municipais e estaduais que através das constituintes construíram
suas políticas e a proposta de avaliação externa, que ignora totalmente esses
processos e as especificidades democraticamente construídas. E define
externamente se é ou não de qualidade segundo parâmetros ditos neutros,
sem vínculo com a realidade social ou a proposta educacional (PERONI,
2009, p. 12).
De fato muita incoerência entre a construção coletiva da proposta pedagógica da
escola ou do município e a suposta neutralidade dos parâmetros qualitativos construídos
externamente. Afinal, se a luta é por gestão democrática, porque não considerar as
especificidades discutidas sobre qualidade pela comunidade local?
Os resultados obtidos pela ampliação da democratização do acesso à escola e ao
conhecimento são animadores, no entanto os índices de distorção idade-série continuam
elevados e, no ano de 2006 representavam 33,2% dos alunos. O analfabetismo de 10 a 15 anos
ainda é de 10,1% e entre os acima de 15 anos alcança 14,7% da população dessa faixa etária.
Além disso, a taxa de analfabetismo funcional apontada pela SEPOF chegava a 25% dos
habitantes. Esses dados demonstram que, embora tenha ocorrido avanço na democratização
do acesso ao conhecimento, a exclusão persiste. Quais as dificuldades para que se viabilize a
democratização do acesso a todos? Certamente a desigualdade social e econômica propiciada
pelo capitalismo excludente é um dos fatores principais para o processo de marginalização de
grande parte das crianças e jovens de Altamira. Neste caso, um dos fatores essenciais para a
235
democratização de acesso à educação é a existência de recursos suficientes para qualificar a
educação. O financiamento educacional será apresentado a seguir.
5.2 A MUNICIPALIZAÇÃO E SUAS IMPLICAÇÕES PARA O FINANCIAMENTO DA
EDUCAÇÃO EM ALTAMIRA
A municipalização alterou significativamente o número de alunos na rede municipal, e
isso certamente trouxe implicações para o financiamento da educação, considerando que, a
partir de 1997, a política de financiamento do ensino fundamental propiciada pelo FUNDEF
tinha como base o número de alunos atendidos pela rede. Antes, porém de adentrar a análise
dos dados financeiros educacionais de Altamira, é importante destacar o arcabouço legal
relativo à manutenção do ensino no município.
5.2.1 Bases legais da manutenção do ensino em Altamira
A Lei Orgânica do Município (LOM), promulgada em 30 de abril de 1990, apesar de
nada mencionar a respeito dos percentuais para a manutenção do ensino, compromete-se com a
manutenção e a garantia do ensino no Art. 9º, inciso 16 onde se lê: “Ao Município de Altamira
compete: manter programas de pré-escola e de ensino fundamental, com a cooperação técnica
da União e do Estado”. O Art. 195 define que o dever do Município com a educação será
efetivado mediante a garantia de Ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os
que não tiveram acesso a ela na idade própria e progressiva extensão da obrigatoriedade ao
ensino médio.
Observa-se, portanto, que o município, mesmo não se referindo ao valor mínimo
estabelecido nas Constituições Federal, Estadual e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação
(LDB 9.394/96), subtende-se o seu compromisso com o dever de viabilizar a educação
nestas bases. Há que se observar a omissão em relação à Educação Especial, à EJA e à Creche,
talvez porque na época da aprovação da lei este atendimento ainda não estivesse
municipalizado. No entanto, é importante ressaltar que a LOM se refere ao ensino médio que
nunca foi atendido pela rede e tampouco é de sua competência tal atendimento.
Feitas essas observações, comecemos por analisar como a prioridade à educação
expressa pela legislação e pelos governos se materializou em termos financeiros no município
de Altamira de 1996 a 2006.
236
5.2.2 A educação é prioridade financeira em Altamira?
Evidência da prioridade ou não da educação pode ser observada pelo lugar que ocupa a
Função Educação no conjunto das outras atividades ou Funções de Governo
225
. Neste sentido,
a Tabela 34 se refere às despesas realizadas pelo município em todas as funções
governamentais, no período 1997 a 2006
226
com o objetivo de situar a posição ocupada pela
Função Educação e Cultura em relação às outras funções.
TABELA 34: Município de Altamira – Despesas por Funções de Governo (Valor Real)
FUNÇÕES DE
GOVERNO
1997 1999 2000 2001 2003 2004 2006
Legislativo
* 2.876.280 2.618.378 2.234.620 2.048.945 2.031.684 2.071.569
Adm./Planej.
3.163.992 * * * * * *
Sec. Administração
e Finanças
* 5.408.960 4.481.452 3.686.416 * * *
Secretaria de
Administração
* * * * 1.951.695 1.575.244 2.466.882
Secretaria de
Finanças
3.657.179 * * * 867.480 2.074.058 2.174.196
Instituto de Prev.
Social
* * 1.261.385 1.105.310 1.193.107 1.303.111 1.431.027
Saúde/ Saneamento
7.435.425 10.907.608 14.672.694 15.735.021 15.740.179 13.358.619 23.978.940
Educação/Cultura
6.729.500 13.932.695 15.397.488 17.236.427 18.613.092 21.549.426 23.444.250
Gabinete do
Prefeito
2.144.518 2.325.898 2.056.723 1.410.033 1.733.579 2.148.010 1.886.538
Sec. Obras, Viação
e Infraestrutura
5.848.397 8.278.335 8.326.063 13.781.451 13.918.255 26.498.720 12.747.124
Sec. de Trabalho e
Promoção Social
2.960.161 2.559.923 2.561.758 1.745.362 1.839.988 1.771.091 3.770.765
Agricultura
2.312.628 1.569.784 949.968 1.615.571 663.965 1.292.943 2.074.110
Procuradoria
Municipal
178.866 276.129 152.456 193.180 140.268 199.974 230.616
Meio Ambiente e
Turismo
* * * * 510.876 552.533 326.601
Fundação de
Telecomunicações
* * 1.744 * * * 409.707
Total
34.430.667 48.135.612 52.480.109 58.743.391 59.221.429 74.355.413 77.012.325
Fonte: *Informação não constante no Balanço. Nota 1: De 1999 a 2002, as Secretarias de Administração,
Finanças e Planejamento foram sucessivamente agregadas e desagregadas refletindo a dificuldade de separar
assuntos tão afins.
Nota 2: Nos anos de 2000 e 2001, os valores referentes ao Gabinete do Prefeito estão inclusos na pasta da
Administração e Planejamento.
Nota 3: Não foi possível acesso aos balanços dos anos de 1996 e de 1998.
Nota 4: Valores reais, atualizados pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo IPCA (IBGE) de
30 de junho de 2008.
225
As Funções de Governo são agrupadas de acordo com a Classificação Funcional-Programática que define a
despesa em cada órgão/unidade segundo as ações de governo nas diversas áreas de atuação do município. Esta
classificação é padronizada nacionalmente por portaria expedida pelo Ministério do Orçamento e Gestão e
envolve Funções, Programas, subprogramas, projetos, atividades e seus respectivos códigos.
226
A tabela completa (com exceção dos anos de 1996 e 1998) encontra-se no anexo X
237
Observa-se que as maiores despesas foram efetivadas na Função Educação e Cultura, a
qual ocupou a primeira posição em relação ao total das despesas executadas, com exceção do
ano inicial e final da série, cuja preponderância foi da Função Saúde e Saneamento. Com base
nessas informações é possível afirmar que Educação e Cultura apresentam-se como a principal
Função de Governo em termos de despesas realizadas no Município de Altamira,
possivelmente por dois motivos: primeiro por se tratar de receita vinculada
constitucionalmente e segundo pela municipalização do ensino fundamental ocorrida a partir
de 1998, o que aumentou significativamente o número de alunos na rede municipal. A
consequência desse processo é o acréscimo de recursos via complementação do FUNDEF.
Para melhor avaliar tal hipótese, vejamos a seguir a origem do total das Receitas da Função
Educação.
5.2.3 Receitas da Educação em Altamira
A principal fonte de receitas para a educação diz respeito às receitas originárias de
25% dos impostos próprios e impostos transferidos. As receitas de impostos são
obrigatoriamente destinadas à Manutenção e ao Desenvolvimento do Ensino (MDE) motivo
por que são denominadas de receitas vinculadas. Os valores destas receitas pertencentes à
Altamira de 1997 a 2006 podem ser observados na Tabela 35:
TABELA 35: Altamira – Impostos próprios e Transferidos – 1996/2006
ANO
TOTAL DE
IMPOSTOS
IMPOSTOS
PRÓPRIOS
IMPOSTOS
TRANSFERIDOS
1997
28.122.289
1.022.652
27.099.637
1999
30.041.311
1.651.268
28.390.043
2000
31.746.550
1.119.478
30.627.072
2001
36.334.770
1.965.514
34.369.256
2002
40.576.625
2.958.096
37.618.529
2003
39.639.186
2.530.984
37.108.202
2004
47.955.816
3.381.898
44.573.918
2005
45.633.223
3.784.343
41.848.880
2006
48.129.713
4.965.909
43.163.804
Fonte: Balanços Gerais dos Municípios de 2007 a 2006.
Nota 1: Não tive acesso ao balanço de 1998. Nota: 2 Valores reais, atualizados pelo Índice
Nacional de Preços ao Consumidor Amplo – IPCA (IBGE) de 30 de junho de 2008.
238
As informações acima demonstram que, de 1997 a 2006, a receita decorrente de
impostos apresentou crescimento de 71,1%, o que repercutiu favoravelmente na receita da
educação. Quanto à receita própria, observa-se que o crescimento foi de 385,8%, mas com
oscilações para menos em 2000 e 2003, voltando a crescer em 2004, o que denota esforço do
município neste sentido, no entanto, ainda assim, a contribuição desse tipo de receita na
composição do rendimento total de impostos é considerada pequena em Altamira, variando de
3,2% (1997) a 10,3% (2006).
Quanto às receitas de impostos transferidas, os dados mostram que o crescimento
evidenciado no período foi de 89,7%, sendo inferior ao da receita própria; todavia, a
participação desse tipo de receita na totalidade do que foi arrecadado no período correspondeu,
em média, a 93,3%, evidenciando sua importância para o financiamento da educação nesse
município. Além dos 25% sobre o total de impostos consideradas receitas vinculadas, a Tabela
36 a seguir mostra os valores referente às demais receitas não-vinculadas: a receita de
assistência automática da União via FNDE e de Convênios, a complementação do FUNDEF e
o Salário Educação, para que se possa dimensionar o quantitativo das receitas da educação no
período entre 1997 e 2006.
TABELA 36. Altamira – Origem das Receitas da Função Educação - 1997-2006 (Valor Real)
Receita Vinculada
Receitas não-vinculadas aos 25%
Total
ANO
Impostos
25 %
(A)
FNDE e
Convênios
Complem.
FUNDEF
Salário
Educação
Total
(B)
A + B
1997
28.122.289 7.030.572 754.336 * * 754.336 7.784.908
1999
30.041.311
7.510.327 1.240.498 4.490.771 136.314 5.867.583 13.377.910
2000
31.746.550 7.936.637 1.150.704 4.570.504 434.630 6.155.838 14.092.475
2001
36.334.770 9.083.692 2.155.088 5.072.966 320.744 7.548.798 16.632.490
2002
40.576.625 10.144.156 2.303.065 3.216.306 424.156 5.943.527 16.087.683
2003
39.639.186 9.909.796 2.070.074 4.003.465 376.956 6.450.495 16.360.291
2004
47.955.816 11.988.954 1.424.251 7.301.985 375.922 9.102.158 21.091.112
2005
45.633.223 11.408.305 1.785.531 8.839.258 534.181 11.157.970 22.566.257
2006
48.129.713 12.032.428 2.016.411 9.176.173 603.041 11.795.625 23.828.053
Fonte: Balanços Gerais do Município de Altamira, TCM
Nota 1: Não foi possível identificar no balanço de 1997 os valores da complementação do FUNDEF. Nota 2: O
Salário Educação começa a ser redistribuído em cotas municipais a partir de agosto de 1999. Nota 3: Valores
corrigidos a preço de junho de 2008 (IPCA – IBGE).
O total de receitas para educação engloba as receitas vinculadas (os 25% de receitas de
impostos) e as receitas não-vinculadas (as receitas de transferência automática da União via
FNDE e demais convênios, a complementação do Estado e da União para o FUNDEF e o
Salário Educação).
239
A receita total da educação, considerando a receita vinculada e a não-vinculada, foi
ampliada em 206,1 % no decorrer de 1997 a 2006, passando de R$7.748.908,00 para
R$23.828.053,00. Todavia, não se pode presumir que esse aumento seja decorrente apenas da
ampliação das receitas de impostos e transferências que, embora tenham aumentado 71,1% ao
longo do período estudado, vêm diminuindo o percentual de participação na composição geral
da receita ao longo da rie histórica, pois se em 1997 os impostos representavam 90,31% do
total da receita; em 2006, representam pouco mais da metade, ou seja, 50,49%.
Tampouco se pode atribuir esse aumento às receitas de assistência automática da
União via FNDE e demais convênios, que, embora tenham aumentado 62,5% de 1997 a 2006,
contribuíram em média com 8,5% do total das receitas com variação mínima de 6,7% (2004)
à máxima de 14,3% (2002). O próprio salário-educação, ainda que tenha contribuído para o
aumento das receitas educacionais devido à regularidade dos repasses a partir de 1999, na
verdade representa muito pouco no total da receita, variando de 1% a 2,5% do total a cada
ano e representando em média 2,11% ao longo da série histórica. A complementação do
FUNDEF parece ter sido, portanto, o fator determinante em tal aumento, pois em média
representou 32,8% do total da receita ao longo do período com variação mínima de 19,9% em
2002 e máxima de 39,16% em 2005.
Para melhor dimensionar o volume de recursos na dinâmica do FUNDEF em
Altamira, a tabela abaixo demonstra os valores referentes à contribuição de 15% dos
impostos retidos do município à conta do FUNDEF, e os mesmos valores devolvidos
acrescidos da complementação do Estado e da União.
TABELA 37: Altamira – Contribuição para o FUNDEF e total de
Recursos Devolvidos ao Município entre 1999 e 2006
ANOS
Contribuição do
Município
ao FUNDEF
Repasse anual do
FUNDEF (Devolução)
Diferença Positiva
1999
3.897.694
9.288.409
5.390.715
2000
4.388.135
9.825.677
5.437.542
2001
4.990.900
10.812.592
5.821.692
2002
5.841.423
9.877.543
4.036.120
2003
6.876.297
11.262.078
4.385.781
2004
4.238.597
12.352.538
8.113.941
2005
4.813.798
13.763.390
8.949.592
2006
4.949.315
16.033.470
11.084.155
Fonte: Balanços Anuais do Município de Altamira.
Nota 1: Valores corrigidos a preço de junho de 2008 (IPCA – IBGE).
240
As informações revelam que o município teve os 15% dos impostos que já lhes
pertenciam pelo menos duplicados em todos os anos mediante o mecanismo de redistribuição
propiciado pelo FUNDEF e, certamente, a entrada de recursos externos foi importante nesse
sentido. Porém, se por um lado a complementação do FUNDEF é importante para o
município porque representa um recurso novo advindo do Estado e da União; por outro,
expõe a fragilidade financeira do município, sua extrema dependência em relação aos outros
entes federados. No ano de 2005, por exemplo, a complementação representava 39,1% do
total da receita total da Educação, ou seja, quase a metade.
Pode-se concluir que houve um aumento significativo nas receitas no período em
função principalmente da complementação do FUNDEF, mas considerando que a política de
Fundos é sempre temporária
227
, até quando se poderá manter a rede, caso mudem as regras do
jogo?
Os valores referentes ao FNDE e a Convênios correspondem a duas modalidades de
repasse: à assistência financeira automática da União e às transferências voluntárias por meio
de Plano de Trabalho Anual (PTA). Em relação à primeira modalidade, Altamira contou com
os seguintes Programas: Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE), Programa Nacional de
Alimentação Escolar (PNAE), Programa Nacional de Alimentação do Indígena (PNAI),
Programa de Alimentação para Creches (PNAC), Programa Nacional de Apoio ao Transporte
Escolar (PNATE) e Programa de Apoio aos Sistemas de Ensino para a Educação de Jovens e
Adultos (PEJA), cujas receitas encontram-se discriminadas de 1997 a 2006 na tabela abaixo:
TABELA 38: Altamira – Assistência Financeira Automática da União/FNDE. 1997 –
2006
Fonte: http://www.fnde.gov.br/pls/simad/internet_fnde.liberacoes_result_pc e SEMEC/Altamira.
Nota 1: Valores reais, atualizados pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo
(IPCA)/(IBGE) de 30 de junho de 2008. Tabela elaborada pela autora.
227
O FUNDEF vigorou de 1997 a 2006, e o FUNDEB tem o limite fixado de 2007 a 2020.
Ano
PDDE
PNAE
PNAI
PNAC
PNAT
PEJA
Total
1997
228.406
311.160
-
-
-
-
539.566
1999
306.284
828.926
-
-
-
-
1.135.210
2000
310.366
795.432
-
10.991
-
-
1.116.789
2001
300.880
733.046
-
4.401
-
1.116.761
2.155.088
2002
304.448
696.687
-
2.772
-
1.299.158
2.303.065
2003
258.399
631.689
22.096
8.380
-
1.149.510
2.070.074
2004
258.267
500.895
62.318
10.556
43.443
548.772
1.424.251
2005
233.084
737.716
82.227
14.767
74.382
643.355
1.785.531
2006
241.393
892.304
80.563
18.118
98.142
580.610
1.911.130
241
O PNAE se destaca por ser o programa do governo federal de maior permanência e
visibilidade em termos de recursos. Mesmo com per capitas que variaram de R$0,13 a
R$0,22 durante o período de 1997 a 2006, os valores do Programa da Merenda Escolar
apresentaram um crescimento de 186,76%, passando de R$311.160,00 anuais em 1997 para
R$892.304,00
anuais em 2006
.
Ainda que desde 1999 houvesse o recebimento de cotas de merenda escolar para a
Educação Infantil sob o nome de Merenda Solidária, este repasse vem se consolidar como
programa específico a partir de 2003 com a criação do Programa de Alimentação para
Creches (PNAC)
228
. De 2003 a 2006, houve um crescimento de 64,8% dos recursos do
PENAC. A partir do mês de outubro de 2003, data em que foi criado nacionalmente o
Programa Nacional de Alimentação do Indígena (PNAI), com quota diferenciada a cada ano
(R$0,26 em 2003; R$0,34 em 2004 e 2005 e R$0,44 em 2006), a Prefeitura de Altamira
também começa a receber recursos para a alimentação escolar indígena. De 2004 a 2006 os
valores do PNAI tiveram um crescimento de 225,8%.
Recursos significativos também começaram a fazer parte das receitas de Altamira a
partir de 2001
229
oriundos do projeto Recomeço para financiar a Educação de Jovens e
Adultos. Mas, ao contrário dos outros repasses automáticos que tiveram crescimento, os
recursos para EJA decresceram 48% ao longo do período em razão de mudanças no perfil do
Programa a partir de 2004 que passa a compor o programa Fazendo Escola e modifica os
critérios de repasse de recursos
230
.
A gestão do PDDE no Município de Altamira concentra-se basicamente em dois
espaços. O primeiro compreende a Secretaria Municipal de Educação, que é responsável pelo
recebimento e pela execução dos recursos do PDDE das escolas que não instituíram UEx,
pelo cadastramento de novas UEx, pela orientação sobre a dinâmica de funcionamento dos
conselhos, pelo acompanhamento e recebimento da prestação de contas das UEx de sua rede.
O segundo refere-se às próprias UEx, que executam e prestam contas dos recursos junto à
SEMEC. O volume de recursos recebidos oriundos do PDDE de 1997 a 2006 teve um
aumento considerado pequeno, de 5,6%, o que em termos absolutos significou apenas
R$12.790,79.
Em Altamira, o PDDE começou a ser executado de forma descentralizada em 1997
por meio de Conselhos Escolares (CE) e Associação de Pais e Mestres (APM) que se
228
O PNAC é criado pela Resolução 35/2003 que estabelece R$ 0,18 (dezoito centavos) para as creches e
R$0,13 (treze centavos) para a pré-escola.
229
De acordo com a MP nº 2.178-36 de 2001, o valor aluno ano em 2001 era de R$230,00.
230
Para aprofundamento sobre as mudanças a partir do Programa Fazendo Escola, consultar Cruz (2009).
242
constituíram como Unidades Executoras (UEXs). Para melhor compreender a dinâmica de
repasses de recursos do PDDE desde o início do Programa, o quadro abaixo demonstra: o
percentual dos valores recebidos por escolas que contavam com UEX na forma de CE ou
APM e que, portanto, recebiam recursos diretamente e o de escolas que recebiam recursos via
Prefeitura Municipal por não contarem com UEX além do total geral em valores reais
incluindo as duas modalidades de repasses.
TABELA 39: Altamira – valores de repasses do PDDE 1997 a 2006 para
UEX e PMA.
Ano
% Valores via
CE e APM
% Valores via
PMA
Total
1997
50,6
49,4
228.406,00
1998
*
*
250.193,00
1999
76,5
23,5
306.284,00
2000
80
20
310.366,00
2001
78
22
300.880,00
2002
83
17
304.448,00
2003
86
14
258.399,00
2004
88
12
258.267,00
2005
85
15
233.084,00
2006
91
9
241.393,00
Fonte: FNDE/MEC e SEMEC/Altamira.
Nota 1: Quadro elaborado pela autora. Nota 2: Valores reais, atualizados
pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo – IPCA (IBGE) de
30 de junho de
2008.
Altamira vem gradativamente descentralizando
231
a execução dos recursos do PDDE
para as próprias escolas ou para escolas pólos
232
na zona rural. O percentual do montante de
recursos geridos de modo descentralizado também aumentou bastante de modo que, em 2006,
restavam 9% de recursos geridos pela prefeitura, e 91% dos recursos eram executados
diretamente pelas escolas. Somados os repasses totais de todas as transferências automáticas
da União, verificou-se que de 1997 a 2006 houve um aumento de 71,7% nestes repasses, mas
eles são pouco representativos em termos globais.
A cidade de Altamira contou também com recursos advindos da assistência voluntária
da União e do Estado, por meio de convênios de1997 a 2006 (ver Anexo X). São poucos os
231
Em 1999 eram 28 UEXs e, em 2006, esse número passou para 47.
232
As escolas pólos congregam um grupo de escolas menores na zona rural. Algumas vêm constituindo unidades
executoras que servem de apoio às outras.
243
convênios com o Estado no período analisado, seja porque estão geralmente ausentes nos
balanços, seja porque com a municipalização do ensino fundamental o governo do Estado
praticamente se ausentou de Altamira em relação a essa etapa do ensino.
O maior número de convênios foi feito com o governo federal, mas se deu de forma
esparsa a ponto de, nos anos de 2001 a 2005, não haver nenhum convênio de assistência
voluntária que beneficiasse diretamente a rede municipal, mantendo-se, porém, os programas
de transferência automática. Os convênios com o MEC se dirigiram principalmente ao ensino
fundamental, contemplando a aquisição de Kits Tecnológicos (TV, Vídeo-cassete, antena
parabólica) e a aceleração da aprendizagem em 1997, formação continuada, entre outros.
Embora não tenham sido muitos, os recursos de convênio certamente ajudam o
município a viabilizar a melhoria da educação. No que se refere às verbas de convênios, estas
já vêm definidas em que se pode empregar. E as demais como são empregadas? Os gastos têm
contribuído para a democratização da educação? Isto será visto a seguir.
5.2.4 Onde são gastos os recursos da Educação em Altamira?
As receitas são definidas ano a ano com base nas receitas próprias, transferidas e já se
sabe que aumentaram no período da pesquisa. Mas como vinham sendo empregadas? Como
se vinha dando a execução do orçamento educacional no período?
A próxima tabela vai nos ajudar a localizar os gastos por Programa que é um nível
mais detalhado da Classificação Funcional Programática que trata as despesas do ponto de
vista dos objetivos e das áreas de atuação do governo referente à Função Educação, ou seja,
vai nos mostrar onde se efetuaram mais gastos: se no ensino fundamental, educação infantil,
na gestão, na EJA, etc.
244
TABELA 40: Altamira. - Despesas da Função Educação/Cultura, por Programa (1997-2006)
Programas 1997 1999 2000 2001 2003 2004 2005 2006
Adm. Geral
1.911.271 2.384.583 2.811.597 4.527.439 2.464.049 4.257.313 2.869.635 3.300.684
Ed. Infantil
3.913 1.115.521 1.217.009 998.476 578.175 916.566 1.491.371 2.054.370
E. Fund.
4.299.524 9.288.744 10.118.070 10.699.072 15.170.790 14.530.505 13.811.608 15.857.434
EJA
- - - 113.521 79.126 814.100 1.037.416 692.614
En. Médio
2.589 - - 3.403 - * 5.415 1.416
En. Superior
57.302 84.207 15.813 17.720 - 20.287 9.935 1.634
Ed.Fís./Desp.
180.222 5.160 440.309 78.082 76.377 35.714 120.972 202.533
Ass.
Educando
274.679 827.777 754.335 745.600 53.764 95.047 850.887 1.147.626
Ed. Especial
- 8.392 - - 732 - 69.159
Atividades
Artísticas
- 218.312 40.354 53.114 - 243.427 562.266 116.779
Outros
633.413
Total 6.729.500 13.932.696 15.397.487 17.236.427 18.422.281 21.547.104 20.759.505 23.444.249
Fonte: Balanços Gerais do Município de Altamira, exceto os anos de 1998 e 2002.
Nota: Valores reais, atualizados pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo – IPCA (IBGE) de 30 de
junho de 2008.
As informações mostram que dentre os Programas da Função Educação, o ensino
fundamental é o que se destaca com maior quantitativo de recursos, o que não causa nenhuma
surpresa, seja devido à vinculação constitucional de 60% dos impostos a essa etapa da
educação básica propiciada pela criação do FUNDEF, seja devido à focalização do salário
educação no ensino fundamental e pela maioria das transferências automáticas do FNDE e
demais convênios.
De 1997 a 2006, houve crescimento de 268,8% nos gastos com o ensino fundamental,
que de R$4.299.524,00 em 1997 passaram para R$15.857.434,00 em 2006. A participação
percentual do ensino fundamental no conjunto das despesas correspondeu à media de 68% com
variações de 62% (mínima) em 2001 a 82,3% (máxima) verificada em 2003.
Quanto às despesas com a educação infantil, ainda que tenham obtido um crescimento
espetacular de 1997 a 2006 (de R$3.913,00 em 1997 passou a R$2.054.370,00 em 2006)
corresponderam à média de 4,5% do total (com variação mínima de 0,05% em 1997 e máxima
de 8,7% em 2006). Como explicar tão reduzida quantidade de recursos aplicada em Educação
Infantil em 1997, quando existiam 671 alunos na pré-escola e alfabetização? A razão para tão
pouco investimento parece residir no fato da educação infantil ter sido excluída do FUNDEF e
boa parte de seus custos operacionais também estarem ligadas a convênios ligados à Secretaria
de Trabalho e Promoção Social, portanto, contabilizados não como educação, mas como
assistência.
O programa Administração Geral tem sido bastante significativo e correspondeu à
média de 19,08% do total de gastos na década, sendo que o maior percentual ocorreu no ano
245
de 1997 e foi de 28,40%, e o menor, em 2003, correspondeu a 13,38%. Embora seus valores
em termos relativos tenham decrescido (já que em 1997 representavam 28,40% do total das
despesas e, em 2006, 14,0%), em termos absolutos o programa Administração Geral obteve
um crescimento de 72,6% (de R$1.911.271,00 em 1997 para R$3.300.684,00 em 2006).
Os gastos com ensino médio se referem à parceria da prefeitura municipal com o
Estado, em apoio ao Sistema Modular de Ensino (SOME) para a oferta de ensino médio em
etapas na zona rural do município, por meio de transporte, alimentação e alojamento aos
professores do SOME. Nos anos em que há registro (apenas nos balanços de 1997, 2001, 2005
e 2006), os gastos com esse programa não chegam a 1% do total, conquanto o SOME não
tenha sofrido interrupções no período.
É interessante constatar que as despesas com a Educação de Jovens e Adultos também
não refletem as receitas das transferências automáticas do Governo Federal. Por exemplo, no
ano de 2001, verificou-se a transferência (R$ 1.116.761,00) referente ao Programa Recomeço
e, no balanço, foram registrados gastos com EJA bem inferiores a esse valor, no total de
R$113.521,00. O mesmo parece acontecer com as despesas referentes ao Programa Assistência
ao Estudante onde deveriam constar os valores referentes ao PNAE, PNAI, PNAC e PNATE,
mas que não os reflete quantitativamente.
Importa ainda chamar a atenção para as despesas com o Programa Ensino Superior
principalmente entre 2005 e 2006. Embora a prefeitura tenha realizado a formação inicial de
professores em convênio com a UFPA a partir de 1998, essa despesa não aparece como
despesa em ensino superior, possivelmente porque até 2001 a Lei 9424/96 permitia que
fossem contabilizadas como despesa referente aos 60% do FUNDEF gastos com a valorização
do magistério, ou seja, como parte das despesas com ensino fundamental.
Destaque-se a ausência de programa que dimensione os gastos com educação
indígena, municipalizada em 2003. Mas como esses gastos têm repercutido em maior
democratização da educação? O tópico a seguir apresenta algumas pistas.
5.2.5 O gasto-aluno em Altamira e o Custo-aluno Qualidade Inicial – CAQI
Comparando-se os gastos efetuados por programa e o número de matrículas efetuadas
por nível e modalidades da educação básica, procurou-se chegar ao gasto-aluno-ano. Não
obstante, como se pode observar na Tabela 41 que trata dos gastos por programa, os gastos
246
com educação especial são muito esparsos e os com educação Indígena (apesar de ter sido
municipalizada a partir de 2003) sequer são considerados como um programa à parte, motivo
por que estas modalidades não foram consideradas para efeito de cálculo do gasto-aluno.
Objetivou-se verificar a evolução do gasto antes e depois da municipalização da Educação
Infantil, do Ensino Fundamental e da EJA, apresentados a seguir:
TABELA 41: Altamira: Gasto-Aluno na Educação Infantil,
Ensino Fundamental e EJA – 1997-2006
Anos
Educação
Infantil
Ensino
Fundamental
Educação de
Jovens e Adultos
1997
5,83
426,83
*
1999
1.751,20
618,54
*
2000
630,57
559,36
*
2001
592,21
598,77
358,00
2002
473,36
662,01
589,40
2003
304,30
883,25
397,48
2004
518,41
797,76
269,39
2005
471,05
758,29
408,75
2006
691,47
904,22
265,36
Fonte: Balanços Gerais do Município de Altamira, TCM
Nota 1: Para os anos de 2001 a 2003, consideraram-se os recursos do
Projeto Recomeço e do PROEJA.
Nota 2: Valores reais, atualizados pelo Índice Nacional de Preços ao
Consumidor Amplo – IPCA (IBGE) de 30 de junho de 2008.
Como explicar gasto-aluno-ano tão reduzido em Educação Infantil em 1997? Esse é
um dos motivos por que parte das despesas era financiada por convênios celebrados via
Secretaria de Trabalho e Promoção Social, portanto não computados como educação. Apesar
de a Educação Infantil ter sido incluída pela primeira vez como parte da Educação Básica a
partir de 1997 (LDB 9.394/96), não fazia jus aos recursos do recém-aprovado FUNDEF, o
que de certa forma estimulava a continuidade do atendimento da criança pequena pela
Secretaria do Trabalho e Promoção Social. Além disso, parte da matrícula em Educação
Infantil até 2000 em Altamira pertencia às classes de alfabetização
233
, sendo provavelmente
custeadas como ensino fundamental, com recursos do FUNDEF.
233
As classes de alfabetização correspondiam a uma fase de transição entre a Educação Infantil e o Ensino
Fundamental. Por essa característica ambígua, muitos gestores municipais nas discussões da UNDIME das
Regiões Norte e Nordeste, onde era mais comum esse tipo de classes, entendiam que elas deveriam ser
financiadas pelo FUNDEF. Essa foi uma forte razão para a implantação do ensino fundamental de 9 anos,
adotada como política alguns anos depois.
247
Com a municipalização em 1998, o município se reestrutura um pouco mais para tal
atendimento, e isso se refletiu nos gastos com Educação Infantil, pois em 1999 foi o ano em
que se observou o maior volume de gastos aluno-ano, que foi de R$1.751,00. Após esse
período, o gasto-aluno se estabilizou. O mínimo foi R$304,30 em 2003, e o máximo foi
R$691,40 em 2006, apresentando a média de R$482,90 durante o período
234
.
O gasto-aluno-ano com o ensino fundamental durante o período aumentou 112%,
passando de R$426,83 (1997) antes da municipalização para R$904,22 após a
municipalização (2006). Nos oito anos subsequentes à municipalização, a média de gasto
aluno no ensino fundamental foi de R$772,00. Assim, considerando-se o Custo Aluno
Qualidade Inicial (CAQI)
235
avaliado em R$ 1.618,00, o gasto aluno do ensino fundamental
em Altamira, tanto antes como depois da municipalização, ainda está longe de oferecer
condições de qualidade. A média verificada ao longo da cada não chegou sequer à metade
de tal custo, representando apenas 47,7% do CAQI. Embora haja uma grande concentração
de recursos no ensino fundamental, o número de matrículas tem sido proporcional a esse
volume de recursos.
Deste modo, conquanto houvesse atendimento de EJA desde 1998, até 2000 são
ausentes nos balanços quaisquer referência à despesa com EJA, presumindo-se que neste
período suas despesas tenham sido incluídas no Programa de Ensino Fundamental. Tal
inclusão, se verdadeira, implica diminuição ainda maior do gasto-aluno do ensino
fundamental, pois representa a inserção de mais de três mil alunos a cada ano. É somente a
partir de 2001 que a EJA passa a receber o apoio do Programa Recomeço, posteriormente
PROEJA. Em alguns anos, os recursos referentes a esse programa não são registrados nos
balanços. Contudo, para o cálculo do gasto-aluno com EJA, esses recursos são considerados,
resultando na média de R$381,00 do gasto-aluno de 2001 a 2006, não chegando a 1/3 do
CAQI.
Ainda que tenha havido um crescimento bastante acentuado no gasto-aluno do ensino
fundamental após a municipalização em Altamira, verifica-se que o mesmo foi insuficiente
em relação ao Custo Aluno Qualidade Inicial – CAQI, não alcançando sequer a metade deste.
Do ponto de vista financeiro há, portanto, uma democratização que apresenta limite para a
oferta de condições de qualidade na educação.
234
Os anos de 1997 e 1999 foram considerados atípicos pela discrepância verificada nos gastos em educação
infantil, motivo por que foram excluídos do cálculo da média, que se restringiu ao período de 2000 a 2006.
235
De acordo com Pinto (2006), o conceito de Custo Aluno Qualidade Inicial (CAQI) foi construído
considerando uma escola que contenha os insumos básicos e necessários para se garantir um mínimo de
condições de qualidade, na perspectiva de que as metas aumentem e novas exigências se incorporem à noção de
qualidade inicial.
248
Se a leitura do balanço financeiro anual das contas municipais pelo cidadão comum
pelas características que normalmente apresenta traz certa dificuldade, o que dizer quando
tais documentos apresentam ausências de registro ou de complementos explicativos sobre os
recursos? Essa situação ocorre corriqueiramente não apenas em Altamira ao não registrar os
valores de convênios nos balanços anuais em alguns anos, mas também em vários municípios
dificultando a fiscalização dos recursos públicos pelo cidadão, como denuncia Davies (2001).
Por constituir-se em um dos principais requisitos para a democratização da gestão pública, a
transparência das informações sobre as contas públicas é muito importante.
Outro aspecto importante a ser analisado nas despesas da educação considerando a
perspectiva de democratização da educação diz respeito à classificação segundo a natureza das
despesas pelo tipo de bens e serviços que estão sendo adquiridos
236
. Tal análise busca
evidenciar até que ponto o poder público tem apenas mantido ou também adquirido bens
móveis e imóveis que permitam a expansão e a qualificação do ensino. A tabela a seguir
mostrará a situação de Altamira em relação aos gastos segundo a natureza das despesas:
despesas correntes e de capital, bem como os gastos com pessoal.
TABELA 42: Altamira - Despesas da Função Educação Segundo a Categoria
Econômica – 1996-2004.
Ano
Despesa
Total
Despesas
Correntes
% S/
Total
Despesas
Capital
% S/
Total
Despesas
Pessoal
% S/
Desp.
Corrente
1997
6.729.500
6.533.783
97,0
195.717
3,0
4.705.398
69,9
1999
13.932.696
13.281.752
95,3
650.944
4,7
8.471.703
60,8
2000
15.397.487
13.759.149
89,4
1.638.338
10,6
9.786.771
63,5
2001
17.236.427
14.521.368
84,2
2.715.059
15,8
12.875.209
74,7
2002
17.584.010
14.397.922
81,9
3.186.088
18,1
10.501.653
59,7
2003
18.613.093
13.864.382
74,4
4.748.711
25,6
9.831.095
52,8
2004
21.549.425
15.610.884
72,4
5.938.541
27,6
11.472.516
53,2
2005
20.759.505
19.045.314
91,7
1.714.191
8,3
14.157.319
68,2
2006
23.444.249
21.484.317
91,6
1.959.932
8,4
15.711.820
67,0
Fonte: Balanços Gerais do Município de Altamira, TCM.
Nota: Valores reais, atualizados pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo – IPCA (IBGE)
de 30 de junho de 2008
.
As despesas correntes aglutinaram, sem dúvida, os maiores valores, os quais
corresponderam à média percentual de 86,4% no período de 1997 a 2006, com destaque para o
236
De acordo com a Lei 4.320/64, que institui normas para a elaboração de orçamentos, do ponto de vista
econômico, as despesas podem ser classificadas em despesas correntes e de capital. As primeiras referem-se ao
conjunto de gastos referentes a pagamento de pessoal, material de consumo, pagamento de terceiros e encargos,
entre outras, e as segundas dizem respeito aos investimentos em obras e instalações, equipamento e material
permanente, aquisição de imóveis.
249
ano de 1997 cujo percentual foi de 97% dos recursos. Isso quer dizer que antes da
municipalização havia poucos recursos para capital ou investimento (apenas 3%). De 2000 a
2006, um aumento considerável nos recursos para investimentos que ficou em média 19%
do total, coincidindo com a fase áurea após a municipalização e o FUNDEF. Este foi também
o momento em que muito foi gasto com pessoal, chegando-se a comprometer 74,7% dos
recursos das despesas correntes (ano de 2001). Vale ressaltar que a Lei Complementar 101
de 4 de maio de 2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal) limitava o gasto com pessoal nos
municípios em até 60% das receitas correntes líquidas
237
, conforme o seguinte trecho da Lei:
Art. 19: para fins do disposto no caput do art. 169 da Constituição, a despesa
com pessoal em cada período de apuração e em cada ente da federação não
poderá exceder os percentuais da receita corrente líquida a seguir
discriminados:
I – União: 50% (cinquenta por cento)
II – Estados: 60% (sessenta por cento)
III – Municípios: 60% (sessenta por cento) (BRASIL, 2000).
Tal dispositivo legal serviu como um dos argumentos para o rebaixamento da folha dos
professores municipalizados pelo prefeito Domingos Juvenil; todavia, a lei determina o limite
de 60% dos gastos de pessoal sobre a receita corrente líquida considerando todas as funções do
governo em seu conjunto, e certamente a folha da educação isoladamente não chegou a
comprometer a prestação de contas da prefeitura. Isso fica claro no processo 200203795-00
referente ao parecer do TCM sobre a prestação de contas do exercício financeiro de 2001 da
Prefeitura Municipal de Altamira (Informação 005/2003). Tal documento demonstrava que
foram gastos com pessoal apenas 33,68% do total das receitas correntes daquele ano,
concluindo que “as despesas com pessoal mantiveram-se dentro dos limites estabelecidos nos
Art. 19 e 20 da LRF” (PARÁ-TCM, 2003, p. 19).
Em Altamira, como em grande parte dos municípios paraenses, os gastos em educação
se concentram em despesas de custeio ou despesas correntes em detrimento de investimento
em construção, compra de equipamentos e material permanente. Dentre os gastos, o referente a
237
De acordo com a Lei nº 101, as receitas correntes líquidas correspondem ao somatório das receitas tributárias,
de contribuições, patrimoniais, industriais, agropecuárias, de serviços, transferências correntes e outras receitas
correntes.
250
despesas com pessoal foi sempre acima de 50% dos referentes a despesas correntes. Ou seja,
os recursos estão servindo mais para manter do que propriamente desenvolver a educação.
Na análise das despesas, considerando-se a democratização da educação, é importante
também verificar se o Art. 212 da CF que prevê o gasto do valor mínimo equivalente a 25%
dos impostos com manutenção e desenvolvimento do ensino (MDE) vem sendo cumprido.
Para tal, foi adotado o seguinte procedimento: evidenciou-se a receita total da educação
considerando as receitas vinculadas (25% dos impostos) e as receitas não-vinculadas (FNDE,
Convênios, Complementação do FUNDEF e Salário Educação). Das despesas totais em
Educação, excetuaram-se as despesas com cultura e os valores referentes às receitas não-
vinculadas. O restante atribui-se a gastos efetivos com MDE relativos às receitas vinculadas
avaliando-se se os percentuais são ou não compatíveis com o que estabelece a CF. A fim de
evidenciar tal operação, a tabela a seguir demonstra as receitas e despesas e o percentual de
gastos com educação em Altamira de 1997 a 2006.
TABELA 43. Altamira – Percentual de Despesas aplicada em Educação - 1997-2006
ANOS
Receita
Total de
Educação
(A+B)
Receita
Vinculada
(A)
Receitas
não-
Vinculadas
(B)
Despesas
com
Educação
Despesa
com MDE
% de
despesa
com
MDE
1997
7.784.908
7.030.572
754.336
6.549.278
5.794.942
20,6
1999
13.377.910
7.510.327
5.867.583
13.709.224
7.841.641
26,1
2000
14.092.475
7.936.637
6.155.838
14.916.824
8.760.986
27,5
2001
16.632.490
9.083.692
7.548.798
17.105.231
9.556.433
26,3
2002
16.087.683
10.144.156
5.943.527
16.875.576
10.932.049
26,9
2003
16.360.291
9.909.796
6.450.495
18.345.904
11.895.409
30,0
2004
21.091.112
11.988.954
9.102.158
20.634.550
11.532.392
24,0
2005
22.566.257
11.408.305
11.157.970
20.076.267
8.918.297
19,5
2006
23.828.053
12.032.428
11.795.625
23.124.937
11.329.312
23,5
Fonte: Balanços Gerais do Município de Altamira, TCM.
Nota 1: A receita total da educação corresponde aos valores da receita vinculada (25% dos
impostos) somadas às não-vinculadas. Nota 2: Das Despesas com Educação excetuaram-se as
referentes à Cultura. Nota 3: As despesas com MDE devem corresponder ao valor mínimo de 25%
dos impostos neste quadro equivalente à coluna representada por B. Nota 4: Valores reais,
atualizados pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo IPCA (IBGE) de 30 de junho
de 2008.
Segundo a metodologia utilizada, o percentual mínimo de 25% da receita de imposto
em quatro dos nove anos não foi cumprido
238
. Merecem observações os anos de 1997 e 2005.
O primeiro pela novidade imposta pelo FUNDEF. Neste ano, pela desorientação dos
238
Importa ressaltar as dificuldades mencionadas na introdução desse trabalho para se chegar aos dados
financeiros, de modo que o quadro é apenas aproximativo.
251
contadores, todos os repasses do FUNDEF aparecem no Balanço como impostos, não se
evidenciando repasses de complementação da União, o que certamente influenciou no baixo
índice de aplicação, que considero, portanto, irreal. Quanto ao ano de 2005, este requer um
exame mais aprofundado. Os demais se aproximam dos 25%.
Não se pode negar que com a municipalização do ensino houve aumento significativo
de recursos para a MDE na base de 95,5% de 1997 a 2006. De um modo geral, poderia se
afirmar que tal disponibilidade de recursos permitiria melhorar substancialmente a educação e
expandir esse direito a mais crianças e jovens. No entanto, tal aumento foi justamente em
consequência do maior número de alunos assumidos pela municipalização por constituir-se
em base de referência de repasses financeiros segundo a política do FUNDEF. Na prática, tal
situação equivale a um jogo de soma zero, onde mais alunos implicam mais recursos, mas
também, na mesma proporção, o aumento de despesas. O aumento de recursos propiciados
pela municipalização e pelo FUNDEF teria implicado a valorização dos profissionais da
educação? É o que será avaliado a seguir.
5.3 A MUNICIPALIZAÇÃO E SUAS IMPLICAÇÕES PARA A VALORIZAÇÃO DO
MAGISTÉRIO EM ALTAMIRA
Não é possível analisar as implicações da municipalização para a política de
valorização do magistério na perspectiva de dimensionar a democratização da educação sem
que se tenham claras as condições dos professores da rede municipal antes e depois da
municipalização. Isso implica reconhecer a especificidade da vida funcional dos professores e
questionar as condições funcionais desses servidores na perspectiva de sua valorização. Eram
concursados, contratados, estáveis? Sua formação inicial era compatível com o exercício do
magistério? Havia Plano de Carreira, e este era implementado? Recebiam salários
compatíveis com suas funções? Contavam com política de formação inicial e continuada?
Mas é importante destacar que antes da municipalização do ensino fundamental em
Altamira a SEMEC contava com um total de 662 funcionários sendo 418 do magistério e 244
administrativos. Com a municipalização ocorrida em março de 1998, houve um acréscimo de
252
227 novos servidores, oriundos da rede estadual
239
, totalizando 889 servidores. Isso significa
que, após a municipalização, a SEMEC passou a contar com duas orientações de carreira:
uma para os professores da rede municipal e outra para os professores oriundos da rede
estadual ou ‘municipalizados’. Nesse sentido, o presente tópico tem como objetivo analisar a
situação dos professores municipais e ‘municipalizados’ antes e depois da municipalização,
pois não é possível dimensionar a democratização da educação sem que se tenha clara a
situação dos professores de ambas as redes.
5.3.1 A política de valorização dos professores da rede municipal antes da
municipalização
A ausência de Plano de Carreira traduzia a timidez da política de valorização do
magistério existente antes da municipalização, tanto que a política salarial não contemplava
gratificações diferenciação por local de trabalho (zona urbana ou rural, classes multisseriadas
ou educação especial). Quanto à formação inicial, a grande maioria dos professores possuía
apenas o magistério ou Normal, adquirido por meio do Projeto Gavião que contemplava a
formação em magistério do professor de a série, iniciativa de maior sucesso a esse
respeito na época.
Com o FUNDEF, a prefeitura ofereceu a formação inicial de nível superior para 50
professores da rede em convênio com a UFPA. Cursos de formação continuada tais como
curso de formação para professores de educação de jovens e adultos, de alfabetização e
oficinas pedagógicas também eram promovidos pela SEMEC. Ainda que essas iniciativas de
fossem insuficientes para contemplar todos os professores da rede, o se pode negar a
importância das mesmas. No entanto, apenas em 1998, após muita luta, os professores
conseguem a realização do primeiro concurso blico para os professores, que até então o
ingresso no magistério se dava por contrato temporário. A política de valorização do
magistério é relatada pela Secretária Municipal da época:
239
Conforme Relatório da SEMED de 1998, este número de funcionários inicialmente era de 233 servidores e
diminuiu em seguida para 227 (132 professores e 95 administrativos e de apoio) em função da aposentadoria e
transferência de alguns.
253
A primeira coisa foi o próprio concurso público para regularizar a vida dessas
criaturas que estavam todos assim... de água a baixo. (...) Além do concurso público,
nós tivemos a tabela de salários, nós tivemos reunião para professores, seminário.
Depois em parceria com a própria universidade, nós arrumamos a vida de todo
aquele povo que eram leigos, então nós oferecemos o curso de magistério, em
Castelo do Sonhos, que naquele tempo era chamado Projeto Gavião. (...)
foi extinta a
figura do professor leigo aqui no município, aí nós partimos para o curso de nível
superior: Nós fizemos um convênio com a universidade, foram 50 vagas na área de
pedagogia, fizemos a oferta desse curso. Eram as turmas do FUNDEF. (Secretária
de Educação A)
A valorização da educação, conforme a Secretária, se consubstanciou pela realização
de concurso público, pela definição de tabela salarial e pela existência da formação inicial
para professores em nível médio e superior mediante o Projeto Gavião e à parceria com a
UFPA para qualificação de professores leigos da rede municipal.
Em 1997, os professores conseguiram a aprovação de um Estatuto e Plano de Carreira
para o Magistério local, conforme a Lei 1.378 de 27 de junho de 1997. O atual presidente
do SINTEPP de Altamira relata que até então os trabalhadores da educação não tinham um
Plano de Carreira, sendo conduzidos pelo Regime Jurídico Único do Município. Segundo ele,
A partir da LDB em 1996, que trouxe a exigência da elaboração de Plano de Carreira
e em seguida a Resolução 3 que determinava que colocava as Diretrizes para os
Planos de Carreira, o SINTEPP, não de Altamira, como em nível regional,
encampou uma luta. Tirou como bandeira de luta, como prioridade a criação desse
Plano de Carreira. (PRESIDENTE DO SINTEPP ALTAMIRA 3)
A Resolução 3/97 não deve ter tido alguma influência para que o executivo
acelerasse a elaboração deste primeiro Plano de Carreira de Altamira, pois só viria a ser
aprovada em 08 de outubro de 1997 e publicada no Diário Oficial da União em 13/10/97,
portanto bem depois de aprovado o Plano de Carreira em junho. Ainda que eu não
desconsidere a luta e o empenho dos professores para tal aprovação, o que motivou o
executivo a enviar para a aprovação da Câmara Municipal o Plano de Carreira pode ter sido a
Lei Estadual 6.044/97 que antecipou o FUNDEF no Pará e indicava a necessidade de
elaboração de Planos de Carreira como parte da habilitação imediata das prefeituras para a
implantação do referido fundo. Nesse sentido, é bem sintomática a data de aprovação da Lei
do Plano de Carreira: 27 de junho de 1997, na mesma data em que também foi aprovada a Lei
1.380/97 que dispunha sobre a criação do Conselho do FUNDEF e que provavelmente
254
também se votava o crédito adicional
240
de R$1.308.000,00 (Hum milhão, trezentos e oito mil
reais) previstos para o FUNDEF naquele ano. No entanto, embora a municipalização tenha
ocorrido em Altamira em março de 1998, esse processo já havia sido iniciado mais tempo,
desde o ano de 1996 quando houve o lançamento da política de municipalização pelo governo
do estado. A antecipação do FUNDEF no Pará no ano de 1997 foi um passo decisivo para que
os municípios municipalizassem o ensino e também criassem Plano de Carreira para os
professores.
Assim, a Lei do Plano de Carreira foi aprovada e logo após sua aprovação foi feita
uma publicação especial pela prefeitura em forma de um livreto, cuja capa mostrava uma
gravura com o desenho de uma professora em traje verde e amarelo, em um cenário
semelhante a uma sala de aula, contendo uma mesa de professor e, sobre ela, um globo e um
‘quadro-negro’ de cor cinza que continha os dizeres “É assim que se faz!”, para o qual a
professora apontava com uma das mãos.
É interessante adentrarmos a análise desta imagem porque ela revela o pico
entusiasmo de início de governo. A frase no quadro negro, que é cinza, expressa bem essa
disposição em relação ao Plano de Carreira dos professores. Para deixar mais clara a sua
intencionalidade e o seu entusiasmo, o executivo municipal fez constar na publicação a
seguinte mensagem:
Meus colegas professores:
Neste início do governo Altamira Para Todos, demos um grande
passo para organizar o nosso município: realizamos o concurso público. E é
com satisfação que agora recebo vocês educadores para o quadro
permanente desta Prefeitura que, como outros servidores concursados,
passam a ter seus direitos assegurados. Tenho certeza de que a história deste
governo está sendo feita com seriedade e respeito a seus munícipes.
A Lei 1.378 que sancionei em 97 sobre o Grupo Magistério tem,
entre outros objetivos incentivar a profissionalização e a valorização dos
educadores, assegurando-lhes uma remuneração digna. Este é um caminho
para que, neste novo tempo que Altamira está vivenciando, a Educação seja
decisiva na construção de uma economia próspera, de uma sociedade
participativa e na redução das desigualdades sociais.
Quero deixar a minha mensagem de boa sorte e confiança em cada
um de vocês no desempenho da árdua e gratificante tarefa de construir,
através da Educação, uma Altamira melhor para todos.
Muito Obrigado!
Claudomiro Gomes da Silva
Prefeito de Altamira (ALTAMIRA, 1997).
240
Não tive acesso à Lei que regulamentou a entrada desse crédito, mas somente ao Projeto de Lei 014/97 do
executivo que se deu em 25/06/97. Considerando a data da entrada do Projeto de Lei, tudo leva a crer que ela foi
aprovada em conjunto com as outras, pois o prazo máximo para a habilitação dos municípios para implantação
do FUNDEF posto pela lei estadual do Fundo era até 30/06/97.
255
A mensagem transmite um sentimento de alegria e a perspectiva de dias melhores para
o magistério local, visto que o prefeito era filho de Altamira, conhecia bem a situação dos
professores locais porque também um deles como licenciado em Letras e ex-coordenador do
Campus da Universidade Federal do Pará em Altamira prometia empenho pela causa dos
professores. No entanto, a seriedade e o respeito do Executivo pelos munícipes e em especial
pelos educadores são contestados pela coordenação do Sindicato de professores, que também
publicou a Lei do Plano de Carreira do Magistério em 1999 e, no preâmbulo dessa publicação,
relata os conflitos entre a Prefeitura e o SINTEPP durante o processo de aprovação da Lei,
transcrita a seguir:
Em maio de 1997, o SINTEPP/Altamira foi convidado pelo prefeito a dar
sua contribuição na Elaboração do Plano de Carreira. (...) Após leitura e
ampla discussão, a categoria propôs alterações que garantissem melhoria da
qualidade do ensino e a valorização do Magistério.
No entanto, apesar de ter se comprometido em aceitar as propostas do
sindicato, o prefeito enviou à Câmara Municipal de Altamira um projeto de
Plano de Carreira que não contemplava nossas emendas e, em 27 de junho
de 1997, os vereadores governistas aprovaram a Lei. Entendemos que o
texto aprovado é mais uma medida da política do governo neoliberal para
viabilizar seu projeto de municipalização do ensino fundamental do que
verdadeiramente uma preocupação com a valorização do Magistério.
(SINTEPP – ALTAMIRA, 1999)
A associação da Lei do Plano de Carreira com a municipalização feita pelo SINTEPP
nesta publicação de 1999 foi possível porque nestas alturas a municipalização em Altamira
havia acontecido e estava mais clara a relação entre o FUNDEF, a municipalização e as
medidas preparatórias associadas a esses acontecimentos. Tal relação era mais difícil de fazer
logo após a aprovação da Lei, em 1997, principalmente porque a aprovação do Plano de
Carreira coincidiu com o início de um novo governo e com a vigência de uma nova LDB que
vinha sendo pauta de discussão do sindicato muito tempo. O fato é que a Lei 1.378 de
27 de junho de 1997 trouxe a real possibilidade de sistematizar a carreira docente até então
inexistente. A Lei constava de 130 Artigos, que detalhavam a estrutura do Magistério da
Educação Básica com bastante minúcia. Adentrarei aqui apenas alguns de seus aspectos
relevantes para a análise da Valorização do Magistério.
O Art. 16 tratava do Grupo Ocupacional do Magistério, que se enquadrava em duas
Categorias: a Categoria Funcional de Educação Básica, composta pela Carreira da Docência
256
da Educação Básica, e a Categoria Funcional de Especialistas em Educação Básica, composta
pelos que exercessem as funções de Orientação, Inspeção Escolar Administração ou
Supervisão educacional. Os cargos de professor comportavam Professor I e II que se
subdividiam em classes e níveis (ver Anexo XI).
Os professores pertencentes ao cargo de Professor I faziam parte do primeiro nível da
carreira, que tinham a formação considerada mínima para ser professor segundo a LDB, que
era a formação em Magistério de nível médio. Dividiam-se em Classe A e Classe B. Cada
Classe supunha dois níveis, segundo a formação e consequente área de atuação do professor.
É interessante destacar que apenas com essa habilitação o professor era considerado apto a
atender a Educação Especial. Com Estudos Adicionais ou mesmo curso de Aperfeiçoamento
de 240hs, ela poderia dar aulas até a 6ª Série do ensino fundamental.
O Cargo de Professor II também se dividia nas Classes A e B, mas apresentava três
níveis de acordo com a habilitação e área de atuação docente (ver anexo XII). Para adentrar o
Cargo de Professor II, o professor teria que ter cursado pelo menos a Licenciatura Curta,
tornando-se assim habilitado a ministrar aulas em todo o ensino fundamental e na Educação
Especial. A jornada de trabalho do professor compreendia uma carga horária máxima (280
horas mensais para o Professor II de a série) e a mínima (4 horas semanais para o
professor de a série). A composição da jornada englobava regência efetiva em sala de
aula e hora-atividade. Esta era definida no Art. 63 da Lei 1.378/97 nos seguintes termos:
§ - A hora atividade é o tempo do professor destinado à participação em
reuniões pedagógicas, preparação de aula, correção de trabalhos e provas,
pesquisas, atendimento aos pais e alunos e outras atividades relacionadas ao
exercício da docência extraclasse.
§ - O tempo destinado à hora atividade corresponde a 20% da jornada do
professor. (ALTAMIRA, 1997, p. 10)
A hora atividade, portanto, fazia parte da carga horária do professor, mas destinava-se
a atividades extraclasses. A Categoria Funcional de Especialistas da Educação Básica,
compreendida pelos Cargos de Administrador Escolar, Supervisão Escolar, Inspeção Escolar
e Orientação Educacional
241
, era organizada de forma semelhante à da Categoria de Professor
241
Os Cargos de Administração Escolar, Supervisão Escolar, Inspeção Escolar e Orientação Educacional II,
continham duas Classes (A e B) subdivididas em três níveis (I, II e III)
257
e previa-se como formação mínima a Licenciatura em Pedagogia e o topo da Carreira o
Doutorado.
O quadro de pessoal da educação básica compreendia ainda a subdivisão em Quadro
Permanente e Quadro em Extinção
242
. Os professores pertencentes ao Quadro em Extinção
eram estimulados a buscar sua qualificação, que, segundo o Plano, deveria acontecer até 2002
intensificando a procura pelo Curso de Magistério oferecido pelo Projeto Gavião.
Além da definição da estruturação da carreira, a Lei regimentava ainda vários outros
assuntos de interesse do servidor. As gratificações estipuladas aos professores contemplavam,
além da titularidade (40%), a regência de classe (20%) e o tempo de serviço. Outras
gratificações se davam pela diferenciação do atendimento. Os professores da zona rural, da
educação indígena das turmas multisseriadas e da Educação Especial faziam jus a
gratificações que variavam de 10% a 50% conforme os artigos 89, 90 e 91 desse primeiro
Estatuto do magistério:
Art. 89 – Ao servidor do Magistério da Educação Básica serão concedidas as
gratificações:
I – Pela docência na zona rural (20%);
II – Pelo trabalho na área indígena (20%);
III – Pelo trabalho com turmas multisseriadas (10%);
IV – Pelo trabalho em Educação Especial (50%).
Art. 90 – A gratificação de escolaridade, no percentual de 40% (quarenta por
cento), conforme Lei Orgânica do Município, será concedida ao titular de
cargo, para cujo exercício a lei exija habilitação correspondente à conclusão
do grau universitário, calculada sobre o vencimento base.
Art. 91 – O servidor da carreira de docência que encontrar-se em regência de
classe receberá a gratificação de 20% (vinte por cento) do vencimento
correspondente a sua carga horária. (ALTAMIRA, 1997, p 13)
O Regime Jurídico Único dos servidores do Município de Altamira em seu Art. 85
mencionava a existência de adicionais por tempo de serviço que seriam acrescidos em caráter
definitivo ao vencimento do servidor, embora não definisse percentuais
243
. A fixação de
242
O Quadro Permanente era integrado pelos cargos de provimento efetivo enquanto que o Quadro em Extinção
representava os cargos e funções cujos ocupantes eram considerados leigos por não possuírem habilitação
específica para o exercício da atividade docente (ALTAMIRA, 1997, p. 5).
243
A Lei nº 1.460/2000 alterou alguns artigos da Lei 1.378/97 e, em seu Art. 89, § 2º, definia o percentual de 1%
sobre o salário base, por ano de efetivo exercício, a título de gratificação por tempo de serviço.
258
percentuais e interstício só veio a acontecer em 2000 com a Lei 1.460/2000, que estipulou 1%
anualmente sobre o salário base.
Quanto à implantação do Plano de Carreira, a Lei 1.378/97 definia o seguinte:
Art. 117 A implantação e o funcionamento desta Lei na nova sistemática
obedecerão a critérios a serem estabelecidos por ato do Chefe do Poder
Executivo;
Art. 119 A implantação será processada pelas Secretarias Municipais de
Administração e Finanças da Educação, Cultura, Turismo e Desporto
mediante comissão que será constituída de três (03) membros de cada órgão,
fiscalizada pelo Conselho Municipal de Educação;
§ Dentro do prazo de cento e oitenta (180) dias a contar da publicação
desta Lei, serão providenciados todos os atos a serem regulamentados pelo
Chefe do Poder Executivo, necessários à execução do processo de
implantação. (ALTAMIRA, 1997, p 15)
A perspectiva posta pelo Plano era de que dentro do prazo de seis meses todas as
providências para a implantação do mesmo seriam tomadas, e o plano posto em execução.
Considerando que o Plano foi aprovado no final de junho de 97, as condições concretas para
sua execução só estarão dadas a partir de 1998, após a municipalização.
Para melhor dimensionar a democratização de educação após a municipalização
considerando a questão da valorização do magistério dos professores da rede municipal, a
política de valorização sinalizada com a aprovação do Plano de Carreira em 1997 será mais
detalhada a seguir.
5.3.2 A política de Valorização dos professores da rede municipal depois da
municipalização
O entusiasmo inicial do executivo parece ter se perdido no decorrer do processo, pois
a valorização do magistério parece não ter se concretizado. O depoimento do presidente do
259
SINTEPP a esse respeito, mais especificamente sobre a implementação do Plano de Carreira,
é revelador de certo descaso da administração em relação ao que estava prescrito na lei:
Nós tiramos como bandeira de luta a criação de um Plano de Carreira que viesse
realmente valorizar o magistério. (...) e esse Plano de Carreira foi aprovado, embora
não cumprido pela administração. Criamos a primeira Lei que regia o magistério em
Altamira, nós conseguimos desvincular a Educação do Regime Jurídico Único. Mas
apenas nesse período de quatro anos, de 97 a 2000. O Plano de Carreira foi
aprovado, mas infelizmente, não saiu do papel. Nós não conseguimos implementá-lo
de fato. (Coordenador do SINTEPP C)
muito tempo o Sindicato lutava para que os professores tivessem um estatuto
específico; todavia, não é possível concordar plenamente com a posição do presidente do
SINTEPP quando afirma que o executivo ignorou totalmente o que estava prescrito no Plano
de Carreira, pois os dados da pesquisa demonstram que a partir de 1998 algumas medidas
foram implantadas, tal como as relativas às gratificações previstas pelo Plano. Por outro lado,
ainda que a Lei previsse que “nenhum servidor do magistério da Educação Básica receberá, a
título de vencimento, importância inferior ao salário mínimo” (ALTAMIRA, LEI nº.1.378, §
do Art. 83, p. 23)
244
, nem todos os professores conquistaram ganhos reais equiparados ao
salário mínimo nacional. Este era o caso do Professor I, com formação em magistério,
atuando na zona urbana e na zona rural, que somente com as gratificações alcançava o
mínimo nacional
245
, o que na prática significava que apenas pelo acréscimo de gratificações
se chegava ao salário mínimo vigente. Considerando que as gratificações não são salário, mas
acréscimos, o salário-base para estes professores sempre esteve abaixo do salário mínimo da
época. As informações da tabela 44 demonstram essa situação, mas também a incorporação
do pagamento das gratificações relativas à hora atividade, à regência de classe, ao nível
superior, ao ensino na zona rural e ao ensino em classes multisseriadas de 1998 a 2000.
244
De acordo com a Lei 1.378/97, o vencimento é a retribuição pecuniária mensal devida ao servidor do
magistério correspondente ao cargo, acrescido das vantagens pecuniárias específicas do cargo.
245
Considerando que em 2000 o salário mínimo era de R$151,00, o professor I recebia R$146,00, portanto,
abaixo do mínimo. Somente com as gratificações alcançava valor de R$204,40 se trabalhasse na zona urbana, e
R$248,20 se trabalhasse no campo.
260
TABELA 44 – Altamira – Salário Base e Gratificações dos Professores da rede municipal
Zona Urbana e Rural Jan/1998 a Mar/2000 (valor nominal)
Cargos
Salário
Base
100
horas
Hora
Atividade
Regência
de Classe
Docência
Zona Rural
Multissérie
Nível
Superior
Total
Professor I Z. Urbana
146,00
29,20
29,20
0,00
0,00
0,00
204,40
Professor I Z. Rural
146,00 29,20 29,20 29,20 14,6 0,00 248,20
Professor II Z. Urbana
168,00
33,6
33,6
0,00
0,00
67,00
302,40
Professor II Z. Rural
168,00 33,6 33,6 33,6 16,8 67,00 352,80
Fonte: Secretaria Municipal de Administração de Altamira.
As informações constantes na tabela acima demonstram a incorporação da
nomenclatura Professor I e II da zona urbana e rural e de gratificações sobre o salário-base
correspondente a 100 horas. Tais gratificações correspondiam a 20% de hora atividade, 20%
de regência de Classe, 20% para docência na Zona Rural, 10% para docência em classe
multisseriada e 40% de nível superior, o que denota cumprimento do Estatuto e Plano de
Carreira aprovado em 1997. Logo após a municipalização, muitas prefeituras paraenses
ganharam relativa estabilidade na política salarial para os professores, inclusive Altamira. Ao
final do ano, os recursos não pagos aos professores como salário relativos ao mínimo de 60%
do FUNDEF eram distribuídos em forma de abono.
Após dois anos de municipalização, a Lei nº. 1.378/97 é modificada pela Lei 1.460
de agosto de 2000. Mas qual o motivo de se redimensionar o Plano de Carreiras dos
professores de Altamira? Quais as novas demandas colocadas pela municipalização e pela
política educacional nacional daquele momento que ensejou modificações no Plano de 1997?
Uma das hipóteses para tal modificação ancora-se no fato de que o primeiro Plano de
Carreira de 1997 foi aprovado antes da Resolução nº 3/10/97 do MEC. Esta definia as
Diretrizes para os Planos de Carreira a serem elaborados em todos os municípios brasileiros
de acordo com o conceito de valorização do magistério proposta para o ensino fundamental
decorrente da Lei 9.424/96 que regulamentou o FUNDEF. Mas quais seriam as novas
orientações trazidas por essas diretrizes? Para melhor esclarecer o que pensavam os
propositores do MEC, utilizei um dos textos divulgados no Guia de Consulta
246
do Programa
de Apoio aos Secretários Municipais de Educação PRASEM II, implementado pelo MEC
246
A edição final deste documento, segundo os editores, adicionou as contribuições dos secretários municipais
participantes do seminário piloto do PRASEM II realizado em Natal, Rio Grande do Norte, de 08 a 11 de março
de 1999.
261
em parceria com o FUNDESCOLA, UNDIME e UNESCO em 1999 cujo tema é o “Plano de
Carreira e Remuneração do Magistério”.
Os argumentos utilizados eram no sentido de que os Planos de Carreira anteriores à
Lei 9.424/96 apresentavam características que se tornavam incompatíveis com a qualidade do
ensino, tais como: a) a remuneração dos professores e especialistas era fixada de acordo com
a sua qualificação “sem distinção de graus escolares em que atuem”. A esse respeito, o MEC
argumentava que a progressão vertical mediante qualificação, além de ser automática, gerava
uma distância muito grande entre “a remuneração inicial dos habilitados em nível médio e
superior, em alguns casos, a mais de 100%” (PRASEM, 1999, p.220), gerando distorções
salariais; b) os antigos Planos caracterizavam-se por excessiva valorização do tempo de
serviço “gerando aumento do vencimento profissional”, por ser este o “critério predominante”
para a progressão horizontal na carreira (PRASEM, 1999, p.220); c) caracterizavam-se estes
Planos pela “ausência ou insuficiência de valorização do desempenho profissional”
(PRASEM, 1999, p.221). A remuneração do professor, segundo o MEC, era muito
influenciada pelo tempo de serviço, e poucos planos consideravam a avaliação de
desempenho como condição para progressão, o que gerava acomodação. A proposta era de
que se desse maior ênfase à valorização do desempenho do professor e aos índices de
qualidade da escola, como se pode inferir pelo fragmento abaixo:
A situação objetiva para o exercício da atividade profissional do magistério,
caracterizada por condições de trabalho precárias e remuneração em
processo de desvalorização constante, soma-se a uma estrutura de carreira
que, na maioria dos casos, não estimula a profissionalização e a melhoria do
desempenho. Pior ou melhor qualidade do trabalho não repercutem na
vida funcional do professor, na medida em que não geram variação na
remuneração nem representam riscos de perda do emprego ou cargo
público. Essa realidade concorre para um processo de acomodação e apatia
de parcela do magistério, de resto, fenômeno comum a grande parte dos
servidores, tendo como consequência a baixa qualidade do ensino público.
(PRASEM, 1999, p. 221, negrito meu)
A partir desses argumentos, o MEC recomendava a elaboração de Planos de Carreira
que tivessem como base uma nova concepção de carreira, capaz de articular
“profissionalização do magistério com melhoria da qualidade da escola blica” (PRASEM,
1999, p.221). Na avaliação do MEC, a grande maioria dos Planos existentes no país, mesmo
aqueles já elaborados na vigência das Leis 9.394/96 e 9.424/96, não expressavam essa
262
nova concepção de carreira, sendo por isso considerados “novos no tempo, mas velhos em
conteúdo”. O argumento era de que de 1996 a 1998 a Constituição Federal tinha incorporado
três grandes Reformas por meio de Emendas Constitucionais
247
, e os Planos de Carreira
precisavam adaptar-se a elas.
Uma das mudanças ressaltadas pelo MEC era em relação ao Regime Jurídico Único
(artigo 39 da Carta de 1988), que, a partir da Emenda Constitucional 19/98, foi alterado,
dando-se margem a que os novos Planos de Carreira pudessem adotar o regime estatutário e o
celetista. Essas modificações pleiteadas pelo MEC respondiam aos ventos neoliberais de
precarização e flexibilização do trabalho próprios da reestruturação produtiva que vinha
acontecendo na fábrica de que nos fala Ricardo Antunes (2001, 2003, 2005). Esses ventos
agora chegavam à gestão pública abalando a estabilidade do funcionalismo público. Não se
leva em consideração os direitos do profissional nem a condição ou o limite humano do
trabalhador, mas o quanto ele é capaz de produzir. Se não o for, descarta-se.
Além da nova legislação em vigor, o MEC ressaltava a importância de se levar em
conta especialmente os Artigos 7º, 9º e 10
248
da Lei nº 9.424/96 que regulamentou o FUNDEF
e a Resolução 3 de 08 de Outubro de 1997 do CNE, que fixava diretrizes para os novos
Planos de Carreira do Magistério. No entanto, a concepção de valorização enfatizada na
Resolução 3 era menos a valorização do trabalhador-professor, e mais a valorização do seu
desempenho como profissional, como se pode constatar no inciso VI do Art. 6º:
Art. 6º: Além do que dispõe o Artigo 67 da Lei 9.394/96, os novos planos
de carreira e remuneração do magistério deverão ser formulados com a
observância do seguinte:
...
VI Constituirão incentivos de progressão por qualificação de trabalho à
docente:
a) Dedicação exclusiva ao cargo no sistema de ensino;
b) O desempenho no trabalho, mediante avaliação segundo
parâmetros de qualidade do exercício profissional, a serem definidos em
cada sistema;
c) A qualificação em instituições credenciadas;
d) O tempo de serviço na função docente;
247
As reformas referidas são: a educacional por meio da Emenda 14/96 que criou o FUNDEF; a Reforma
Administrativa por meio da Emenda nº 19/98 e a Reforma da Previdência pela Emenda nº 20/98.
248
O Art. assegurava que pelo menos 60% dos recursos do FUNDEF deveriam ser aplicados na remuneração
do magistério e, nos primeiros cinco anos, também na capacitação de professores. O Art.9º definia o prazo de
seis meses a partir da aprovação da Lei para que se elaborassem novos Planos de Carreira, recomendava a
previsão de capacitação para professores leigos e definia prazo de cinco anos para a sua extinção na rede. O Art.
10 destacava a necessidade de esses novos Planos de Carreira serem elaborados de acordo com as Diretrizes do
Conselho Nacional de Educação.
263
Avaliações periódicas de aferição de conhecimentos na área curricular
em que o professor exerça a docência e de conhecimentos pedagógicos
(Resolução nº 3 de 1997, grifos meus).
É com base nesse novo arcabouço legal que a Lei Municipal 1.460/2000
reconfigura a anterior sem revogá-la totalmente. Dentre outras modificações, a nova lei define
que a carreira do magistério abrange o ensino fundamental e a Educação Infantil (Art. 95,
§3º), o que não acontecia na lei anterior na qual definia regras inclusive para atuação
profissional no ensino médio, etapa não atendida pela rede municipal.
Outra importante modificação que claramente vem atender a nova configuração da
política educacional nacional traçada a partir da Resolução nº 3/97 foi em relação aos critérios
para a promoção na carreira que introduz a noção de avaliação anual de desempenho como
pré-requisito para tal promoção nestes termos:
Art. 110: Promoção é a passagem do titular de cargo da carreira de uma
classe para outra imediatamente superior
§1º - A promoção decorrerá de avaliação que considerará o desempenho, a
qualificação em instituições credenciadas, os conhecimentos do profissional
da educação e o tempo de exercício em docência no ensino público
municipal. (ALTAMIRA, 2000, p. 21
)
Outros dispositivos alteram a jornada de trabalho bem como os critérios para
gratificação e adicionais, estabelecendo-se:
Jornada de trabalho parcial de 20 horas semanais e jornada máxima de 40
horas semanais (Art. 46 e 63);
Gratificação de 20% para zona rural de fácil acesso e 25% para difícil
acesso (Art. 89, § 1º, I);
Gratificação de 20% para docentes de turmas de Educação Especial (Art.
89, § 1º, IV);
Adicional por dedicação exclusiva aos professores do Projeto Modular de
50% do salário base (Art. 89, §2º);
Adicional por tempo de serviço de 1% ao ano (Art. 89, §2º).
A jornada máxima que antes era de 280 passa a ser de 200 horas; introduz-se 5% de
gratificação a mais para escolas da zona rural consideradas de difícil acesso; diminui-se a
264
gratificação para a docência na educação especial de 50% para 20%; introduz-se a
gratificação para professores do regime modular em 50% sobre o salário base e estipula-se o
percentual de 1% ao ano de adicional por tempo de serviço. Nesse aspecto, houve alguns
avanços como o aumento para o adicional de difícil acesso e a gratificação para os professores
do ensino modular que permaneciam na zona rural por quase todo o período de aulas. Houve
também retrocesso como a diminuição da gratificação de docência na Educação Especial.
A estrutura do novo Plano de Carreira previa os cargos de Professor I, Professor II e
Pedagogo.
O cargo de Professor I passa a contar com três níveis (ver Anexo XIII), e o de
Professor II (ver Anexo XIV) a contar com dois níveis de carreira alterando-se ainda as
exigências de habilitação mínima. Para ingresso no magistério, é colocado como critério
mínimo o curso Médio Normal, presumindo-se a extinção de professores leigos. Contudo, os
que ingressassem apenas com essa qualificação estariam em um nível considerado como
situação especial. O Professor II passa a contar, portanto, com apenas dois níveis de carreira e
destina-se à atuação no ensino fundamental de 5ª a 8ª série.
Outra novidade que respondia às exigências de flexibilização do trabalho docente
contribuindo para a sua precarização era quanto à exigência nima para ingresso na carreira
de Professor II que passa a admitir não apenas licenciados, mas qualquer outro graduado,
como expressa o § 4º do Art. 95:
§ 4º – Constitui requisito para o ingresso na carreira a formação mínima:
I – Em nível médio, na modalidade normal para o cargo de professor I;
II – Em nível superior, em curso de Licenciatura Plena ou outra Graduação
correspondente à área do conhecimento específico do currículo, com
formação pedagógica, nos termos legais para o cargo de Professor II.
(ALTAMIRA, 2000, p. 20, grifos meus)
A partir de 2001 a Prefeitura Municipal de Altamira estabelece Convênio com o
Instituto Ayrton Senna e passa a implementar o Programa Escola Campeã que diz ter como
principais objetivos o aprimoramento da qualidade do ensino e a melhoria da eficiência na
aplicação dos recursos públicos. A partir dessa perspectiva, propunha 22 indicadores de
gestão para a rede municipal, e um deles destacava a valorização do professor a partir de um
Plano de Carreira com as seguintes características:
265
a) Plano economicamente eficiente incluindo salários o mais elevado
possível para iniciantes, minimiza ou elimina aumentos salariais para
titulação adicional e tempo de serviço e cria incentivos relacionados com
o desempenho do professor ou da escola;
b) Plano contempla salários atrativos no início de carreira;
c) Plano contempla estágio probatório devidamente supervisionado e
avaliado como condição para efetivação;
d) Plano contempla possibilidade de incentivos para atividades prioritárias
da Secretaria (como, por exemplo, zona rural ou alfabetização);
e) Plano prevê pagamento por nível de atuação (1-4 e 5-8, etc) e não por
nível de formação;
f) Plano assegura que horário de trabalho de professores de 1-4 permita-
lhes assistir a turmas durante todo o período letivo. (Indicadores de
Gestão do Programa Escola Campeã, 2001).
Possivelmente atendendo a essa nova realidade específica do município a partir de
novos parâmetros de gestão fomentados pela parceria com o IAS, em 2005, decorridos sete
anos após a municipalização, a Câmara Municipal de Altamira aprova novo Plano de Carreira
por meio da Lei nº 1.553 de 09 de junho.
É importante enfatizar que esta é a primeira Lei Municipal a explicitar os princípios
educacionais adotados pela educação municipal definindo com clareza a opção pela
democratização da educação a partir de dez princípios enumerados no caput do Art. 2º:
Art. - Para os fins desta lei é obrigatória a observância dos seguintes
princípios:
I igualdade de condições de acesso e permanência nas escolas
municipais;
II – liberdade de aprendizado, ensino, pesquisa e divulgação da cultura
regional, do pensamento, da arte e do saber;
III – respeito à liberdade e à tolerância;
IV – coexistência de instituições públicas e privadas de ensino;
V – gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais;
VI – valorização do profissional da educação escolar;
VII – valorização de padrão de qualidade;
VIII – valorização da experiência extraescolar;
IX – vinculação entre a educação escolar, o trabalho e as práticas sociais;
X gestão democrática do ensino público nos termos da legislação
vigente. (ALTAMIRA, 2005, p.17, grifo meu)
Como se pode observar, dentre os princípios educacionais, encontram-se aqueles que
compõem os quatro eixos de análise adotados nessa pesquisa. Em princípio, poderia se chegar
266
à conclusão de que este é o Plano de carreira mais comprometido com a valorização do
professor e não apenas com o resultado de seu trabalho. Quando examinado mais atentamente,
o Plano começa a exibir evidências do compromisso com a gestão por resultados preconizada
pelo IAS cuja característica mais marcante é a competitividade e a premiação pelo alcance de
metas. O Art. 56 que especifica um dos princípios gerais da Carreira do Magistério municipal
anunciados no Capítulo I do Título IV é exemplar dessa visão gerencial propugnada como
uma das recomendações do IAS naquele momento histórico:
Art. 56: Propiciar aos servidores do Magistério Público Municipal o
autoaperfeiçoamento profissional, incentivando a criatividade, premiando
a competência técnica e motivando para o comprometimento destes com
os resultados do ensino. (ALTAMIRA, 2005, p. 21, grifos meus)
A aferição dessa competência técnica e os critérios para a premiação do
autoaperfeiçoamento e, enfim, do desempenho por resultados, são bastante detalhadas ao
longo do capítulo VI, onde se definem os fatores para a promoção do servidor na carreira
nestes termos:
Art. 65 ...
§1º – Promoção Horizontal corresponde ao deslocamento do servidor de uma
classe para outra dentro de um mesmo vel, pela combinação dos seguintes
fatores:
I Interstício baseado em efetivo exercício de docência e/ou funções de
suporte pedagógico;
II – Desempenho profissional;
a) Considera-se desempenho profissional a avaliação de desempenho no
trabalho, na respectiva área de atuação, realizada anualmente, mediante
parâmetro do exercício profissional a serem definidas em Instrução
Normativa regulamentada pela Comissão de Gestão.
III – Atualização profissional
a) Consideram-se cursos de Atualização e Aperfeiçoamento no respectivo
campo de atuação os realizados pela Secretaria Municipal de Educação,
Cultura e Desporto e/ou instituição educacional reconhecida legalmente;
b) Quando se tratar de curso de formação continuada, serão computados aqueles
cuja carga horária tiver no mínimo 30 horas de duração.
c) Os cursos de formação continuada, para efeito da promoção horizontal,
deverão totalizar uma carga horária de 180 horas, desde que cursados no
intervalo de 02 (dois) anos (ALTAMIRA, 2005, p. 21).
267
A avaliação é determinada para ser executada anualmente cujos parâmetros serão
definidos pela comissão de Gestão. E quem compõe essa comissão? Segundo o Artigo 69 da
mesma Lei, a comissão é presidida pelo Secretário Municipal de Educação, composta por
mais dois representantes da Secretaria de Administração e Finanças, dois representantes da
Secretaria de Educação, dois representantes do sindicato da categoria, dois representantes do
Conselho Municipal de Educação e dois representantes do Conselho de Controle Social do
FUNDEF, sendo um titular e um suplente. Poderia até ser paritária se o CME existisse. Como
só existe na lei, a comissão está francamente favorável ao governo.
Os cursos de formação continuada podem ser ministrados em serviço pela própria
Secretaria de Educação, seguindo uma das principais premissas da economia de mercado que
tem no “saber utilitário” um de seus pilares, considerando que nesta visão “tempo é dinheiro”.
O Art. 66 e seu § Único define o quantitativo da pontuação e os percentuais de cada
fator da avaliação, determinando:
Art. 66: cumprido o interstício estabelecido, serão promovidos os integrantes
do Quadro Magistério que somarem 85% (oitenta e cinco por cento) da
pontuação estabelecida.
Parágrafo Único: A pontuação para a promoção horizontal será determinada
da seguinte forma:
I 50% (cinquenta por cento) da pontuação total atribuída à avaliação de
desempenho profissional;
II 50% (cinquenta por cento) de atualização profissional. (ALTAMIRA,
2005, p. 21).
Ora, se considerarmos as recomendações propostas pela Resolução 3/97 e pelo
Instituto Ayrton Senna, que sugerem explicitamente menor ênfase ao fator tempo de serviço,
este Plano de Carreira não apenas cumpriu tais recomendações, como anulou o tempo de
serviço como fator de progressão na carreira, uma vez que metade da pontuação se baseia no
desempenho; e a outra metade, na formação continuada. O que sobrou para tempo de serviço?
E se o servidor não alcançar a meta de desempenho? Questionado a esse respeito, o
coordenador do SINTEPP, um dos componentes da Comissão, assim se pronuncia:
268
Olha, a avaliação de desempenho nós acompanhamos. Esta avaliação acontece
2 vezes por ano, no final do semestre e no final do semestre. Existe a
comissão de gestão do Plano de Carreira, e essa comissão é responsável por
elaborar os critérios dessa avaliação e hoje nós temos esses critérios
elaborados. Então hoje você conclui dois anos de serviço, você vai passar para a
classe seguinte, incorporando 2,02% no salário base desse servidor. Para que
possa alcançar esses 2,02% tem alguns critérios. O primeiro é o tempo de serviço
de 2 anos, outro critério é ter um bom desempenho na escola, na sua função (...)
outro quesito é a formação continuada, ou seja, durante esses 2 anos, este
professor obrigatoriamente tem que acumular no mínimo 180 horas de formação
continuada, isso pode acontecer no âmbito da escola, pode acontecer dentro do
curso de pós graduação, enfim, tem que apresentar, somar no final das
avaliações 180 horas de formação continuada. Mas se ele não somar, não
preencher todos os quesitos, ele vai ficar congelado na carreira no que diz respeito
à progressão. (SINTEPP C)
A partir do depoimento do representante dos professores e da naturalidade com que
afirma que caso o docente não alcance o mínimo desejável vai “ficar congelado” na carreira,
pode-se inferir que a avaliação é aceita consensualmente pela categoria. Além disso, na
concepção do professor, o tempo de serviço é levado em consideração na avaliação,
contrariando o explícito na lei que determina a exclusão desse item ao atribuir 50% da
pontuação ao desempenho e 50% à formação continuada.
O consenso em torno da ideia de avaliação tomando como critério a qualificação é
também evidente em outro trecho expresso de entrevista realizada com o coordenador do
sindicato:
E eu acho que isso [a avaliação] é interessante porque obriga o professor a se
qualificar, infelizmente nesse país... Às vezes na educação nós temos problemas
pela falta de preocupação da qualificação profissional (...) porque a gente estava
sempre falando, o magistério modalidade normal, está com os dias contados, o
professor que não tiver nível superior pode um dia perder sua carga horária ou ser
rebaixado e ir para o administrativo. (...) porque ao mesmo tempo em que a gente
coloca os critérios, também está colocado que a administração precisa oferecer
condições de trabalho para que esse professor apresente resultado. (SINTEPP C)
Como se pode observar, a pressão pela qualificação profissional em nível superior
vinha até mesmo do sindicato, fazendo com que o professor tivesse que recorrer a qualquer
curso, mesmo aqueles de qualidade duvidosa. Em função disso, proliferaram em Altamira
universidades e faculdades à distância, ainda que houvesse um campus da UFPA, mas
que, pela exigência de um vestibular mais concorrido, acabava sendo preterido pelos
professores.
269
A pressão pela busca de qualificação profissional resultou no aumento do número
de professores na rede municipal com nível superior. Para melhor dimensionar os
resultados da busca de formação de professores em Altamira no período da pesquisa, a
Tabela nº 45 vai nos auxiliar.
TABELA 45: Altamira – Professores da Rede Municipal Segundo o Nível de
Formação – 1996 a 2007
Ano
TOTAL
Ensino
Fundamental
%
Ensino
Médio
%
Ensino
Superior
%
1996
*
*
*
*
*
1997
*
*
*
*
*
1998
*
*
*
*
*
1999
439
0
*
351
79,9
88
12,0
2000
481
0
*
365
76,3
116
23,7
2001
594
3
0,5
431
72,9
160
27,0
2002
602
2
0,3
430
71,4
170
28,2
2003
617
2
0,3
405
65,6
210
34,0
2004
602
2
0,3
396
65,7
204
33,9
2007
770
2
0,2
374
48,5
394
51,1
Fonte: Secretaria Municipal de Educação.
Nota1: (*) dados inexistentes. Nota 2: os dados relativos ao ano de 2006 foram substituídos
pelos de 2007 organizados para o PAAR, considerando a maior rigorosidade na sua apuração.
A situação em relação à formação de 1999 a 2007 apresentou um crescimento
significativo do índice de professores com o curso superior na base de 347,7%. No entanto, tal
crescimento impactou em pouco mais da metade dos professores existentes na rede (51,1% do
total) com nível superior equivalendo a 394; e dentre estes, restavam 31 que não possuíam
licenciatura, mas apenas graduação. Dos 770 professores da rede municipal em 2007, 48,5%
ou 374 professores possuíam apenas o ensino de nível médio dos quais 40 sem o magistério, o
que afinal, constituía uma situação quase equilibrada.
E apesar da comissão e da própria lei atribuir à SEMEC a incumbência de oferecer a
formação continuada dos professores, isso nem sempre vinha acontecendo. Tal situação, além
de onerar ainda mais a condição salarial dos professores por terem que financiar os custos
dessa formação, também sacrificava o seu pouco tempo disponível para a família ou para
lazer, como expressa o coordenador do sindicato:
270
Infelizmente, embora na própria portaria esteja expresso que a administração deve
oferecer a formação continuada, nós não estamos vendo a prefeitura se preocupar
em oferecer cursos de qualificação para os nossos professores. Eles saem no
sábado, no domingo, nos feriados pra fazer, pra ter a sua qualificação,
especialização, enfim sem ter mais o seu tempo de lazer
(...). Os professores de
Altamira na sua maioria são formados em nível superior, mas por que correram atrás,
de forma pessoal. A sua formação não é dádiva e nem esforço da administração, mas
tudo que vier, digamos assim, de resultado satisfatório, isso é mérito da gestão, não
mérito dos trabalhadores que estão ali. (SINTEPP, C)
Os professores se ressentem, por um lado, da falta de reconhecimento por parte da
gestão municipal da educação por estarem buscando com esforços próprios a sua qualificação
ficando a administração com os méritos dos bons índices de formação inicial dos
professores da rede. Por outro lado, a gestora da educação municipal desse período avalia
como satisfatória a política de valorização do magistério que vinha sendo implementada
enumerando os feitos da gestão nesse sentido:
O primeiro ano [2005] foi um grande desafio que eu acredito que, se a equipe não
tivesse a experiência que tem de longos anos, a coisa realmente não teria sido
satisfatória. (...) Fizemos todas as atividades programadas, as avaliações externas
aconteceram, houve o concurso público, houve a aprovação do Plano de Cargos,
então, foram avanços significativos. Fizemos o curso de gestores
,
um curso de oito
módulos e fizemos um curso com nossos coordenadores. Foram feitos três
seminários com os professores... quatro, porque culminamos com a EJA, onde houve
toda a apresentação da Rede Vencer, como funciona e as alterações ocorridas na
questão física da SEMEC, que foi toda modificada. Hoje nós temos computadores
novos, todos em rede para fazer o trabalho, os equipamentos. (SECRETÁRIA DE
EDUCÃO C).
Não se pode negar que a SEMEC vem oferecendo alguns cursos de formação
continuada em função da necessidade imposta pela parceria com o IAS, bem como
modernizando e informatizando a rede. No entanto, a visão que o sindicato tem a respeito do
desenvolvimento da política de valorização do professor que vem sendo implementada pelo
município a partir dessa parceria denota a sua insatisfação pela insuficiente inserção dos
professores no processo, pois eles se limitam a executar suas atribuições na perspectiva do
alcance dos resultados, como explica o coordenador do Sindicato dos professores:
É uma política de resultados, não está se discutindo com a comunidade, os
professores não são inseridos no processo, as coisas vêm de cima pra baixo e a
única tarefa do professor ali é executar e no final do ano apresentar resultado
271
satisfatório aos olhos da SEMEC. (...) os professores estão ali trabalhando, são os
garimpeiros, os operários. E as condições de trabalho não são oferecidas. Nós temos
problemas gravíssimos aqui nas escolas por falta de material didático, falta de livros
didáticos, falta de materiais mínimos para que o professor possa dar uma aula com
um mínimo de qualidade. (...) dentro dessa proposta da Escola Campeã ou Rede
Vencer que não valoriza o trabalhador, o trabalhador é um mero operário que não é
reconhecido e não é valorizado, isso é o que nós não aceitamos e queremos discutir
esse modelo de educação imposta pela SEMED.
(SINTEPP, C)
As condições de trabalho precárias, a pouca participação na elaboração da política de
valorização, a quase ausência de formação inicial e continuada após a municipalização nos
leva a concluir que a valorização do professor, se não ausente, vem se dando no mínimo
muito parcialmente, o que tem resultado em insatisfação por parte dos professores. Mas em
relação à política salarial desses, tendo em vista os dois planos aprovados após a
municipalização, como se teria desenvolvido no período?
A tabela seguinte registra as modificações salariais de 1998 a 2006, deste modo,
podemos ter uma visão do desenvolvimento da política de valorização do professor após a
municipalização:
TABELA 46– Altamira – Salário Base dos Professores da rede municipal com Jornada de
Trabalho de 100 Horas/mês – Zona Urbana e Rural 1998 – 2006 (valor real)
Cargos
Magistério
Remuneração
jan/98
a
mar/00
abr/00
a
abr/03
mai/03
a
abr/04
mai/04
a
abr/05
mai/05
a
mar/06
abr/06
a
mar/07
%
Professor I
Zona
Urbana
Sal. Base 279,60 282,62 232,21 246,59 250,93 274,52 -1,8
Total 391,57 395,67 325,10 345,23 351,30 386,73 -1,2
Professor I
Zona Rural
Sal. Base 279,60 282,62 232,21 246,59 250,93 274,52 -1,8
Total 475,48 480,46 394,76 419,21 426,58 470,39 -1,0
Professor II
Zona
Urbana
Sal. Base 321,84 326,24 268,33 284,62 289,53 319,18 -0,6
Total 579,31 586,18 483,00 522,63 521,16 574,53 -0,8
Professor II
Zona Rural
Sal. Base 321,84 326,24 268,33 284,62 289,53 319,18 -0,6
Total 675,87 685,10 563,50 597,71 608,01 670,29 -0,7
Fonte: Secretaria Municipal de Administração de Altamira.
Nota1: Valores reais, atualizados pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo IPCA (IBGE) de
30 de junho de 2008.
Observa-se que, de 1998 a 2006, o salário de todos os professores diminuiu de 0,6 a
1,8%. Da municipalização ocorrida em 1998 até o início de 2003, houve um aumento de
apenas 1%. Em maio de 2003, o salário sofre uma queda significativa na base de 21%. Nos
anos subsequentes à perda, o salário vai se recompondo, mas não o suficiente para que
pudesse haver crescimento, de modo que, ao comparar o salário de 1998 em relação ao de
272
2006, todos apresentam déficit. Por outro lado, após 1998, as gratificações passaram a fazer
parte da remuneração dos professores da rede, conforme o que se vinha aprovado nos Planos
de Carreira.
A grande questão é saber: a municipalização serviu para a democratização da
educação mediante a construção de uma política de valorização do professor mais autônoma e
justa? Em relação à autonomia da construção da política de valorização do professor, observa-
se que o município avançou em alguns aspectos, mas é preciso discutir a natureza deste
‘avanço’. Segundo Barroso (2006), muito embora não se possa confundir autonomia com
independência, a autonomia “está etimologicamente ligada à ideia de autogoverno, isto é, à
faculdade que os indivíduos (ou as organizações) têm de se regerem por regras próprias”
(BARROSO, 2006, p.16). Nesse sentido, o problema está na forma como se está forjando essa
autonomia, e se podemos mesmo falar de autonomia, dadas as condições objetivas em que
vem se dando essa construção, senão, vejamos:
Em 1997 é aprovado o primeiro Plano de Carreira do Magistério por meio da Lei
1.378/97, que parece ter servido apenas para cumprir pré-requisitos para implantação do
FUNDEF. A própria abrangência do Plano de Carreira do Magistério proposto denotava a
pouca conectividade dos munícipes com a educação municipal ao considerar e regimentar a
atuação de professores da educação profissional e do ensino médio professores que não
pertenciam a sua área de competência.
Ao municipalizar em 1998, e após dois anos se defrontando com uma rede mais
ampliada, com problemas de toda ordem, alguns inclusive gerados pela própria incongruência
da legislação do Plano de Carreira aprovada em 1997, se aprova modificações nessa Lei
propondo-se bases mais realistas para a carreira do magistério mediante a Lei 1.460/00. O
primeiro sintoma da mudança de visão, da experimentação de um pouco mais de autonomia a
respeito da educação municipal ocorre pela tomada de consciência de que o município era
responsável pelo atendimento apenas da educação infantil e do ensino fundamental, não lhe
cabendo, portanto, regimentar a carreira de professores que o município não tinha em seu
quadro funcional.
Por fim, em 2005, se tem uma nova proposta de Plano de Carreira (Lei nº 1.553) que
parece se adequar ainda mais à realidade da política educacional municipal daquele momento.
A ironia neste caso é que essa política não foi construída pelos sujeitos locais, não foi fruto do
embate das ideias desses sujeitos e tampouco considerou a situação objetiva deles. Na
verdade, a política educacional do município passava a ser pautada nas orientações do
Instituto Ayrton Senna (IAS) de quem o município vinha sendo parceiro na elaboração da
273
política de gestão da educação desde 2001, cujas ideias eram acatadas. E neste caso, a gestão
por resultados, mote central da política do IAS, é contemplada no novo Plano de Carreira
aprovado. O detalhamento minucioso da promoção do professor considerando unicamente a
avaliação de desempenho e a formação continuada em serviço em detrimento do tempo de
serviço do professor é exemplo muito evidente da assimilação dessa política.
Será que se pode mesmo falar em autonomia, em democratização da educação quando
se exclui o professor da elaboração da política transformando-o em mero executor do trabalho
pensado por outros? Nesse caso, a construção da política de valorização do professor em
Altamira pressupõe uma autonomia que vem sendo forjada de fora para dentro, o que não se
pode conceber como autonomia no sentido etimológico da palavra, mas no máximo como
uma nova forma de colonização, uma pseudoautonomia.
Considerando que as consequências da municipalização para a valorização dos
professores atingem também os professores oriundos da rede estadual, no próximo tópico será
vista a situação desses professores municipalizados.
5.3.3 A valorização dos professores oriundos da rede estadual ou ‘municipalizados’
Com a municipalização ocorrida em março de 1998, 227 servidores da rede estadual
passaram para a gestão da rede municipal. Conforme o convênio de municipalização, tais
professores preservavam os seus direitos adquiridos como funcionários do quadro permanente
da SEDUC, cabendo ao gestor municipal “Assegurar aos servidores efetivos e permanentes os
direitos e deveres previstos nos termos da Legislação Estadual em vigor” (Convênio de
Cooperação Técnica/1998 Cláusula nona - 4.2). A prefeitura devia ainda “Garantir o fiel
cumprimento dos valores salariais e percentuais de vantagens praticados no Estado, quando
houve a efetivação do pagamento da remuneração (Convênio de Cooperação Técnica/1998
Cláusula nona – 4.10.1).
Os direitos dos servidores estaduais eram garantidos basicamente em dois documentos
que sintetizavam a política de valorização dos professores da rede estadual: o Regime Jurídico
Único do Estado RJU, previsto pela Lei 5.810/94, e o Estatuto do Magistério Público do
Estado do Pará, segundo a Lei 5.351/1986. Dentre outras questões, o primeiro documento
definia alguns direitos para o servidor público estadual, dentre os quais o adicional por tempo
274
de serviço e a gratificação de escolarização superior na base de 80% sobre o vencimento,
como previstos nas leis:
Art. 31 – O adicional por tempo de serviço será devido por triênios de
efetivo exercício, até o máximo de doze
§1º Os adicionais serão calculados sobre a remuneração do cargo nas
seguintes proporções:
(...)
§2º O servidor fará jus ao adicional a partir do mês em completar triênio,
independente de solicitação
Art. 40 A gratificação de escolaridade, calculado sobre o vencimento, será
devida nas seguintes proporções:
III – na quantia correspondente a 80% (oitenta por cento), ao titular de cargo
para cujo exercício a Lei exija habilitação correspondente à conclusão do
grau universitário.
O Estatuto do Magistério Público prevê ainda outras vantagens como as constantes em
seu Art. 30:
Art.30 – Além do vencimento do cargo, o servidor do magistério poderá
perceber as seguintes vantagens:
I – Salário-família;
II – Gratificações:
De titulares;
De magistério;
De adicional por tempo de serviço;
De pró-labore;
Pelo exercício de função.
III – Diárias
IV – Ajuda de Custo
V – Outras previstas em Lei (PARÁ, 1997, p.9).
O § do Art. 51 do Estatuto previa ainda a gratificação de 20% a título de regência
de classe. Com base nessa legislação, o Convênio de Cooperação Técnica que viabilizou a
municipalização fez constar em suas cláusulas, como se constatou anteriormente, a garantia
por parte das partes convenentes de que esses direitos conquistados seriam mantidos, ou seja,
o servidor estadual era apenas cedido para a gestão municipal.
E o que se pode considerar ao analisar as implicações da municipalização para a
valorização desses professores ‘municipalizados’? Até o final de 2000, os professores de
ambas as carreiras não sentiram grandes modificações em relação às suas condições
275
funcionais, pois o executivo municipal seguiu todas as etapas previstas pela municipalização
no que diz respeito aos servidores municipalizados, garantindo o pagamento de seus salários,
tal como o que era calculado pela SEDUC. Na verdade, os professores entrevistados alegaram
até mesmo desconhecer durante todo esse tempo os termos do Convênio de Municipalização,
pois isso não lhes parecia necessário, que quase tudo fluía bem, salvo algumas vezes logo
de início, quando a situação funcional era pouco clara, como afirma uma das professoras
entrevistadas:
porque até então a gente ficou municipalizado e não sabia se pertencia ao Estado ou
se ficava no Município, ficava na dúvida... (professora A)
A necessidade de conhecer melhor os termos do Convênio surgiu quando emergiram
problemas com a mudança de gestor. Problemas decorrentes de redução de carga horária,
lotação pulverizada em diversas escolas, não pagamento de direitos e vantagens dos
professores municipalizados são relatados como parte das ações do novo governante em
relação aos professores, como se pode perceber em suas declarações:
Porque a cia era uma pessoa que não se calava sabe, ela falava. E eles para
puni-la, deixaram ela sem carga horária. pensou uma funcionária de 23 anos de
trabalho, ficar sem carga horária? Todo mundo lotado e ela não lotada. Sem carga
horária. Há bom ela ir lá brigar dentro da SEMEC, lotaram ela em cinco escolas. Uma
bem distante da outra. E pior: ela dava dois tempos de aulas numa escola daqui e
tinha que sair correndo pra outra, lá, não sei onde, pra dar o tempo, digamos
assim. Ou seja, ela tinha e aulas numa escola e a não sei pra onde. Tem
sentido uma coisa dessas? (Professora C).
no Governo do Claudomiro eu acho que não teve problemas. Pelo menos eu não me
lembro se teve problemas. Agora o problema foi no Governo do Juvenil porque daí
vetaram licenças. Ninguém podia mais tirar licença, nem faltar na escola, nem
adoecer. (Professora C)
E quando se tentava aumentar a carga horária eles diziam simplesmente: estão
congelados. Estão congelados e não têm direito. Que política é essa? (Professora D)
276
Teve problemas assim: você tinha direito às suas férias, você não recebia. Os seus
15 dias você tem direito, a gente não via. A gente não recebia de jeito nenhum.
Auxílio doença: eu fiquei 18 meses. A primeira parcela, os primeiros seis meses eu
recebi. Na segunda já foi cortada. (Professora A)
Fica evidente a tentativa de controle político e ideológico pelo poder governamental
local e pela irracionalidade na lotação dos professores que, além de prejudicial ao ensino,
afetou até mesmo a capacidade física e emocional dos professores. As cláusulas do convênio
que garantiam os direitos adquiridos dos professores começaram a ser desrespeitadas.
Contudo, sem dúvida, o que mais afetou a todos foi a redução dos salários implementada a
partir de maio de 2001 pelo governo do Prefeito Domingos Juvenil (2001-2004)
249
. O novo
gestor municipal passou a descumprir de forma escabrosa as cláusulas do convênio de
municipalização firmado com a SEDUC em 1998, reduzindo o vencimento base e as vantagens
dos professores municipalizados. A Secretária Municipal da gestão anterior relata o fato:
Em janeiro de 2000, foi assinado um termo aditivo que foi anexado ao convênio, onde
dizia que a manutenção e a emissão da folha de pagamento seria feita pela SEDUC, mas
sem a elaboração dos contracheques, que passava a ser [incumbência] do município. Foi
que o Prefeito que entrou depois de nós bagunçou tudo e fez da Municipalização a
maior tirania que uma pessoa humana podia fazer com outros seres humanos. Foi tirana
a relação que ocorreu, foi desastroso, isso me custa até hoje, de ver colegas meus que
foram assim penalizados e que até hoje o trauma muito grande em suas vidas. Com
certeza, porque mexeram no bolso, mexeram no salário e houve muita gente da SEDUC
que se empenhou com a gente, teve gente que quis nos ajudar, mas o poder pesou mais.
(Secretária 1)
Em entrevista, o Diretor da 10ª Unidade Regional de Ensino URE que representa a
SEDUC em Altamira coloca o problema nestes termos:
Com o fim do governo do Valdomiro Gomes iniciou o governo do Dr. Domingos
Juvenil e, a partir desse momento, ao assumir o governo, ele quebra todas as regras
do Convênio de Cooperação Técnica. A partir daí é que o professor começa a sofrer
situações críticas, o salário baixa porque a Folha SPIM que vinha da SEDUC não era
obedecida pelo pagamento para os professores. E é que começa um grande
249
O ex-prefeito de Altamira Domingos Juvenil é, desde 2007, Deputado Estadual e presidente da Assembleia
Legislativa do Estado do Pará pelo PMDB, coligado no Estado com o PT. Encaminhei ofício para que ele me
concedesse uma entrevista no primeiro semestre de 2008, e a Assessoria de Imprensa do seu Gabinete solicitou as
questões e se comprometeu em realizar a entrevista. Dias após me informou que ele não tinha interesse em prestar
as informações.
277
movimento do SINTEPP já como presidente o professor Lourival a discutir essa
situação. E eles não tinham a quem clamar, porque eles ligavam direto pra SEDUC, e
a SEDUC dizia que era responsabilidade do município, iam pro município, pro
prefeito, e o prefeito dizia que era responsabilidade do Estado. (Diretor da 10ª URE)
Se a ambiguidade da situação funcional até tinha deixado os professores
desnorteados diante do processo, agora se defrontavam com o seu lado mais perverso: a
diminuição de seus salários e a dificuldade de ver resolvida a sua situação, pois ninguém
queria assumir o ônus político de tal situação. Vejamos como os professores receberam essas
mudanças.
Bom eu acho que ficou assim: quando municipalizou teve a primeira fase, a segunda
e a terceira fase. (...) Vieram uns técnicos de Belém pra conversar com a gente. Foi
até lá no Gondim [escola], eles conversaram, que começaram a explicar (...). Mas até
não tinha tido redução no nosso salário. Enquanto não mexe no salário da gente
parece que tudo tá ok. quando houve essa redução, aí pronto, o nosso
contracheque era feito aqui em Altamira, tem a folha mecanizada e a gente não mais
essa folha, acabou nossa vida. Porque começou: as nossas dívidas, ninguém
podia mais pagar, porque o nosso salário reduziu. E isso durou o quê? No meu caso
foram 86 meses com essa redução. (Professora A)
De fato o imbróglio entre a prefeitura municipal e o governo estadual a partir de maio
de 2001 gerou resultados desastrosos para a educação local, pois um processo longo e doloroso
começou para os professores municipalizados, que tentaram em vão resolver a situação. É
preciso destacar, portanto, que, embora o problema de redução dos salários atingisse todos os
professores, inclusive os da própria rede municipal, eram, sobretudo, os professores
municipalizados os mais atingidos.
Além dos sucessivos pedidos de audiência feitos ao prefeito municipal pelo
SINTEPP/subsede Altamira, sindicato que os representa, os professores também denunciaram
o fato por meio dessa entidade a diversos órgãos que deram origem a um penoso processo
judicial eivado de idas e vindas, que passo a relatar com o objetivo de melhor elucidar a luta
dos professores em prol da valorização do magistério e das dificuldades de gestão da política
de valorização dos docentes após a municipalização.
Ao mesmo tempo em que denunciava a situação à SEDUC por meio dos Ofícios nº 051
de 21 de 06/2001 e 248 de 27/06/2001, o SINTEPP impetrou Mandado de Segurança Coletivo
com pedido de Liminar junto ao Tribunal de Justiça do Estado do Pará (TJE) via Comarca de
278
Altamira contra o Prefeito municipal, datado de 25 de junho de 2001
250
, solicitando que fosse
restabelecido o pagamento regular dos professores, tal como o feito em abril de 2001. Assim,
solicitavam que fossem
imediatamente cessados os efeitos do ato ilegal praticado, determinando ao
mesmo tempo sejam imediatamente restabelecidos os vencimentos e
vantagens de todos os servidores pertencentes à categoria Educação Pública
de Altamira (drasticamente reduzidos a partir de maio passado) aos seus
valores e percentuais anteriores ao ato (abril do corrente ano) até que seja
apreciado o mérito da ação (SINTEPP, 2001).
O Mandado de Segurança Coletivo com Pedido de Liminar deu origem ao processo nº
2001800170 – 4, cuja decisão dada pelo juiz, Dr.Jakson José Sodré Ferraz, não se fez esperar e
data de 28/06/2001. Em um documento de três páginas, o juiz referendava a justeza da
argumentação dos impetrantes, do qual reproduzo alguns enxertos:
foi suprimida parcela do vencimento básico dos Servidores em Educação, o
que, em tese, tão-só poderia ser permitido se houvesse lei específica nesse
sentido e sempre respeitado por absoluto o direito adquirido daqueles
servidores que incorporaram parcelas que têm natureza de vantagens
pessoais, o que faz com que o ato morresse no ato do nascedouro por
flagrante inconstitucionalidade;
Não foi, outrossim, observado as injunções constitucionais decorrentes do
Art. 37, Inciso X e XV, inclusive o princípio de que: os subsídios e os
vencimentos dos ocupantes de cargos e empregos públicos são irredutíveis...”
As parcelas reduzidas não são parcelas variáveis como, por exemplo, horas
extras, as quais podem ser reduzidas por livre alvedrio do Gestor Municipal
sem qualquer arranhão à Constituição Federal, mas sim parcelas fixas que
compõem o vencimento dos servidores em Educação (TJE – PA, COMARCA
DE ALTAMIRA, 2001, fl.96).
E finalizava o juiz:
Em face do exposto, CONCEDO A LIMINAR pleiteada na petição inicial,
razão pela qual ORDENO ao Prefeito Municipal de Altamira que:
a) Sejam restabelecidos os salários dos Servidores da Categoria da Educação
Pública de Altamira, ora substituídos, com equivalência ao mês de abril de
2001; e
250
O pedido de liminar constava de um documento de 11 páginas ao qual se teve acesso onde, por meio de seus
advogados, o SINTEPP expunha em detalhes a situação dos professores e contestava o tratamento dado pelo
prefeito. Com base nas Leis Federais, Estaduais e Municipais que garantiam o direito dos servidores, o sindicato
reivindicava solução para o problema.
279
b) sejam as diferenças pagas a menor, restituídas, em folha suplementar, no
prazo de 10 (dez) dias a contar da intimação.
Em se atrasando o cumprimento da alínea ‘b’ acima, COMINO multa
pecuniária à Autoridade Coatora no valor de R$100.000,00 (cem mil reais)
por dia de atraso a ser paga pessoalmente pelo Impetrado, a qual reverterá em
favor do Sindicato Impetrante, sem prejuízo da responsabilidade penal e
político-administrativa, bem assim pedido de intervenção por
descumprimento da ordem judicial. (TJE–PA, COMARCA DE ALTAMIRA,
2001, fl.96).
Baseado na legislação e na documentação fornecida pelo sindicato, o juiz concede a
liminar a favor dos professores determinando ao prefeito pagamento dos vencimentos devidos
em folha complementar no prazo máximo de dez dias sob pena de aplicação de multa diária de
R$100.000,00 (cem mil reais) por dia de atraso e aplicação de penalidades judiciais. Esgotado
o prazo definido pelo juiz sem que houvesse resposta do Executivo Municipal, o SINTEPP
emite nova petição à Comarca de Altamira, datada de 23 de Julho de 2001, por meio da qual
deu ciência ao juiz do não cumprimento da liminar, bem como solicitou que o magistrado
desse curso às penalidades previstas para o descumprimento, ou seja, o pagamento da multa
estipulada e a cobrança de responsabilidade penal.
Concomitantemente, a Prefeitura Municipal de Altamira por meio de seus advogados
recorriam à Presidência do Tribunal de Justiça do Estado do Pará (TJE) com ‘Pedido de
Suspensão de Liminar’. A decisão da Desembargadora Climenie Bernadette de Araújo Pontes
é endereçada ao juiz da Comarca de Altamira, Dr.Jakson José Sodré Ferraz, por meio do
Ofício 367 de 25 de julho de 2001, da Secretaria do Gabinete da Presidência. O documento
de duas páginas trazia uma primeira parte onde a desembargadora retoma os motivos alegados
pelo prefeito para o pedido de suspensão da liminar proferida pelo juiz da Comarca de
Altamira, segundo os quais o cumprimento da liminar traria graves prejuízos ao município,
conforme se pode constatar em um dos trechos do documento:
o cumprimento da liminar acarretará grave lesão à ordem e à economia
públicas do município, repercutindo em sua folha de pagamento e implicando
em atrasos no pagamento dos próprios servidores e fornecedores e na
continuidade de obras públicas e programas sociais mantidos com recursos
próprios. (TJE –PA, GABINETE DA PRESIDÊNCIA, 2001, fl.218).
280
Embora reconhecesse a plausibilidade de alguns dos argumentos que motivaram a
concessão da liminar pelo seu colega, a desembargadora contra-argumentava em favor das
razões alegadas pela Prefeitura Municipal concordando que haveria ameaça de lesão à ordem e
à economia pública caso a liminar fosse cumprida. Desta maneira, defere o pedido de
suspensão da liminar, tornando-a sem efeito, como se constata no documento:
Contudo, sem ultrapassar os limites da competência desta Presidência em
casos dessa natureza, mas atentando às leis de regência da matéria, aos
princípios norteadores do MS e aos fins e aos fortes argumentos da
requerente, é que vislumbro presente a ameaça de lesão à ordem e à
economia pública do município em caso de manutenção da referida liminar,
sobretudo na parte referente à imposição de multa pecuniária de
R$100.000,00 (cem mil reais) por dia, em caso de descumprimento da
determinação de pagamento de atrasados, o que escapa ao âmbito do MS.
Isto posto, defiro o pedido de suspender a liminar reconhecendo que o
cumprimento da mesma poderá comprometer a continuidade dos serviços
voltados ao interesse coletivo.
Publique-se (TJE–PA, GABINETE DA PRESIDÊNCIA, 2001, fl.218).
Assim, ainda que abatidos com a decisão judicial, os professores não desanimaram e
continuaram a lutar pela regularização de seus salários. O Jornal do SINTEPP, central em
Belém, era um dos instrumentos utilizados para sensibilizar a população paraense sobre a
questão vivenciada em Altamira, que, em sua edição de Agosto/Setembro de 2001, denunciava
esses acontecimentos da seguinte forma:
Professores e funcionários da Altamira realizaram uma greve em junho.
Motivo: o prefeito Domingos Juvenil (do mesmo PMDB de Jáder Barbalho)
baixou decreto reduzindo o salário base de R$180,00 para R$150,00. Cortou
também as gratificações, retirou o salário família, gratificações do FUNDEF e
o adicional por tempo de serviço. De maio a setembro as perdas atingem
cerca de 60%. Funcionários que ganhavam, em abril, R$838,00, estão
ganhando R$404,00. O SINTEPP conseguiu liminar determinando o
restabelecimento dos salários aos níveis anteriores. A justiça chegou a
ameaçar o prefeito, estabelecendo multa diária no caso de não cumprimento.
Mas Domingos Juvenil vem conseguindo derrubar as liminares junto ao TJE
em Belém. (SINTEPP, 2001, p.1)
281
Após esse primeiro round, o Ministério Público é acionado a dar o seu parecer a
respeito do caso, o qual é exarado no dia 28 de setembro de 2001, de cujo teor destaco também
alguns fragmentos, pelo fato de esclarecerem algumas questões importantes do caso:
Os motivo que ensejam o presente litígio se prendem aos fatos de que os
servidores públicos pertencentes à categoria da Educação Pública do
Município de Altamira tiveram redução em seus vencimentos e vantagens,
alegando ainda que seus contracheques foram detidos, e tal depreciação
alcançou tanto os funcionários municipais e estaduais (cedidos face o
processo de municipalização ao Ensino Fundamental).
(...)
O juiz acatou o pedido e concedeu a liminar ‘inaudita altera pars’ contra o
impetrado, objetivando o restabelecimento dos mesmos valores dos salários
dos servidores, determinando ao Prefeito Municipal de Altamira que
restabelecesse o quantum dos salários, em equivalência ao mês de abril p.p.
determinando ainda a notificação do impetrado e constituindo multa diária em
caso de descumprimento.
(...)
Ao prestar suas informações, o impetrado informou que as diferenças são
decorrentes a correção de equívocos provocados em virtude do aumento do
salário mínimo vigente concedido pelo Governo Federal que passou para R$
180,00 (cento e oitenta reais), cuja diferença, de maneira geral foi repassada
para todos os servidores, quando era devida apenas àqueles que percebiam o
valor equivalente ao salário mínimo.
(...)
Por outro lado, qualquer ingerência administrativa do gestor municipal deve
estar atrelada ao princípio da legalidade e transparência especialmente
quando os fatos se prendem ao campo educacional, cujos recursos financeiros
são lotados na verba do FUNDEF, do qual o município é mero administrador.
Diante do exposto e de tudo que dos autos consta, DECLINO PELA
CONCESSÃO DA SEGURANÇA PLEITEADA COMO FORMA DA
CONCRETIZAÇÃO DOS PRINCÍPIOS NORTEADORES DA JUSTIÇA.
(MINISTÉRIO PÚBLICO, 2001, fls. 1.136-37, maiúsculas no original).
Destaque-se no parecer do Ministério Público uma questão bem importante: o motivo
alegado pelo prefeito para o ‘rebaixamento’ dos salários. Segundo o executivo, houve um
‘equívoco’ de contabilidade da prefeitura quando considerou como indexador do salário de
todos os servidores o salário mínimo, o que deveria, segundo ele, servir de parâmetro apenas
para os que recebiam salário mínimo. Mas como justificar a retirada de outros direitos e
vantagens? Com base na insuficiência de argumentos que justificassem tal diminuição, a
promotora Maria de Nazaré dos Santos Corrêa, Promotora de Justiça do Ministério Público, foi
favorável à manutenção da liminar, como se constata nos trechos do parecer exposto
anteriormente.
282
Entretanto, após o parecer do Ministério Público, o Tribunal de Justiça do Estado do
Pará por meio da Comarca de Altamira prosseguimento ao processo e, em 09 de novembro
de 2001, o Juiz Erick Aguiar Peixoto
251
reavalia o conjunto que compunha o pleito de ambas
as partes e decide pela manutenção parcial da liminar como consta no documento:
Resultou patente, portanto, a violação a direito líquido e certo dos servidores
da categoria da Educação Pública do município de Altamira, assegurado
pelos princípios constitucionais da irredutibilidade de vencimentos (Art. 37,
inciso XV da Constituição Federal) e da irretroatividade da lei, devendo em
consequência, serem restabelecidas as parcelas do salário família retiradas
dos servidores públicos municipalizados, e ser restabelecida a gratificação de
regência de classe dos servidores municipais aos seus valores anteriores ao
ato impugnado, com equivalência ao mês de abril do corrente ano. Entretanto,
devem ser mantidos os vencimentos base dos servidores municipais e
estaduais cedidos com ônus para o município, sem o reajuste
inconstitucional ocorrido em abril do presente ano.
Pelo exposto, caracterizada a ofensa a dispositivos da Carta Política vigente,
CONCEDO parcialmente a SEGURANÇA pleiteada, para determinar o
restabelecimento imediato das parcelas do salário família retirados de vários
servidores municipalizados e gratificação de regência de classe dos servidores
municipais nos valores anteriormente ao ato atacado pela presente ação
mandamental, a partir da data da impetração, ressalvando-se o direito dos
beneficiários em pleitear as parcelas pretéritas através da via judicial
adequada (TJE, PA, COMARCA DE ALTAMIRA, 2001, fl.1.145, negrito
meu).
Diante da decisão do juiz, de se questionar a possibilidade do executivo municipal
interferir na política salarial dos professores municipalizados oriundos do Estado, o que
contraria frontalmente o disposto na Cláusula 4.10 do Convênio de municipalização. De
acordo com esse dispositivo, cabia à Prefeitura Municipal de Altamira assegurar aos servidores
oriundos da rede estadual os direitos e deveres previstos nos termos da Legislação Estadual em
vigor. Mais especificamente, contrariava a Cláusula 4.10.1 do Convênio, que determinava
como dever da Prefeitura “Garantir o fiel cumprimento dos valores salariais e percentuais de
vantagens praticados pelo Estado, quando da efetivação do pagamento da remuneração”.
251
No jornal do SINTEPP de janeiro de 2002, consta uma nota da correspondente Iolanda Lopes, na qual
esclarece que, segundo informações da coordenadora do SINTEPP em Altamira, Mônica Brito, o juiz Jackson
Sodré Ferraz, o primeiro juiz que deu ganho de causa aos professores, “teria sido afastado de Altamira depois de
um Mandado de Segurança movido pela prefeitura, alegando que o juiz mostrava passividade com a parte
impetrante”. Não tive acesso a tal mandado, mas o fato é que, em novembro de 2001, o juiz não mais respondia
pela Comarca de Altamira estando à frente do órgão na ocasião, o Juiz Erick Aguiar Peixoto.
283
Como o juiz podia respaldar a ação do executivo, se este estava contrariando o que havia
aceitado cumprir mediante o Convênio?
Esses são alguns dos argumentos que levaram o SINTEPP a propor recurso de apelação
em 17 de janeiro de 2002, contra a decisão jurídica, trazendo à tona o complexo entendimento
judicial dos limites e das possibilidades da autonomia (ou autotutela) da administração
municipal diante dos acordos celebrados com o governo do estado no Convênio de
Municipalização. Pela importância para a análise das consequências da municipalização do
ensino em Altamira, os fundamentos da discordância que embasam o recurso de apelação do
sindicato diante da decisão do TJE são abaixo reproduzidos:
Como se observa, a decisão apresenta-se totalmente incoerente em si mesma.
Visto que o próprio Juiz declara que a redução ocorrida é inconstitucional,
feita sem respaldo legal. Porém, em relação aos servidores cedidos pelo
Estado, o Juízo decidiu que o recorrido agiu corretamente, considerando que
o aumento dado pelo mesmo foi feito equivocadamente. Ocorre que, como
intensamente afirmado, o valor pago vem diretamente dos cofres da União e
do Estado. E o “espelho” (contendo os valores a ser pagos individualmente) é
enviado previamente ao município. Portanto, não cabe o argumento da
ilegalidade da indexação. Vale ressaltar que esse valor atinge a todos os
servidores do Estado. A ser mantida a referida decisão, ocorrerá uma
explícita violação da isonomia constitucional.
(...)
A própria sentença reconhece o direito de percepção do salário-família
apenas para os municipalizados. O benefício foi retirado também dos
servidores municipais, porém a sentença beneficiou apenas aqueles.
(...)
O reajuste do vencimento até o valor mínimo legal deu-se por ausência de lei
específica que reajusta os vencimentos dos servidores públicos e como estes,
por força do art. 39, § da CF, possuem direito a receberem vencimento
nunca inferior ao mínimo, inevitavelmente por força da própria Constituição
Federal, este terá automaticamente que ser corrigido, não se tratando,
portanto, neste caso, de vinculação e/ou indexação ao reajuste do vencimento
do servidor com o salário mínimo, mas tão somente de cumprimento à
determinação contida na própria Constituição Federal. E mesmo que o
pagamento fosse irregular, a prefeitura não poderia unilateralmente, sem
formalidade legal, anular um ato por meio da infundada teoria da autotutela.
Inclusive porque o ato era do Estado (SINTEPP, 2002, p.8-9, grifos meus).
O que parece patente é a dificuldade de se compatibilizar a autonomia de cada ente
federativo e a possibilidade de regime de colaboração entre eles. Assim, embora o prefeito de
Altamira fosse ciente de que os professores municipalizados’ eram regidos pelas normas
estaduais, entendia que eles deveriam subordinar-se à política salarial adotada pela prefeitura.
284
O juiz alegava a inconstitucionalidade da indexação com base no salário mínimo, mas o
governo estadual vinha fazendo isso. Estaria o governo do estado cometendo ato ilícito ou
inconstitucional por proceder dessa forma? Neste caso cabe também questionar sobre a
isonomia entre os entes federativos, pertencentes ao mesmo Estado.
Sem que nada se resolvesse, o SINTEPP continuou denunciando
252
a situação à
Inspetoria Regional do Tribunal de Contas dos Municípios, ao Ministério Público da Comarca
de Altamira, à Assembleia Legislativa Estadual, ao Ministério Público do Estado e à Câmara
Municipal de Altamira, à Procuradoria do Estado do Pará e ao governador do Estado Almir
Gabriel por meio de uma carta, datada de 25 de julho de 2002. Em todos os documentos o
SINTEPP denunciava a quebra do Convênio por parte da Prefeitura e expunha a situação de
desvantagem dos professores municipalizados. Basicamente o teor das denúncias contidas em
quase todos eles era de que o prefeito deixou de pagar 1/3 de férias desde o ano de 2001 e que,
a partir de maio do mesmo ano, teria reduzido não apenas o vencimento básico dos
professores, mas também as gratificações e vantagens do magistério.
A partir daí segue um processo lento, eivado de recursos de ambas as partes,
culminando na desmunicipalização dos professores a partir de 2003, como veremos mais
adiante.
Mas e quanto à SEDUC? Qual o seu papel diante da crise de amplas proporções para a
vida dos professores vinculados à rede estadual, suscitada pela municipalização em Altamira?
Talvez pela repercussão que a questão vinha ganhando a resposta da SEDUC aos apelos do
SINTEPP, feito em junho de 2001, veio somente em outubro daquele ano por meio do Ofício
532/01 de 19/10/2001 de sua Assessoria Jurídica endereçado ao Prefeito Municipal, que
trazia um comunicado nos seguintes termos:
Comunicamos a V. Ex.ª, que deverá efetuar o pagamento dos servidores
Municipalizados, referente ao salário família, hora atividade, triênio e a
gratificação do FUNDEF no prazo improrrogável de 72 (setenta e duas)
horas, conforme o Convênio nº002/98 celebrado com esta Secretaria
Executiva de Educação (SEDUC, 2001).
252
Os documentos que continha as denúncias eram os seguintes: Inspetoria Regional do Tribunal de Contas dos
Municípios: Ofício nº 024 de 17/04/2002; Ministério Público da Comarca de Altamira: Ofício nº 023 de
17/04/2002; Assembleia Legislativa Estadual, Ministério Público do Estado e Câmara Municipal de Altamira:
Documento nº 2002 de 02/05/2002; Procuradoria do Estado do Pará: Ofício nº 041 de 25 de junho de 2002.
285
No mesmo documento a Assessoria Jurídica da SEDUC condicionava o pagamento a
ser realizado dentro de 72 horas, sob pena de encaminhamento de denúncia ao Ministério
Público. Assim, diante da negativa do prefeito de Altamira em cumprir o que definia o
convênio de municipalização, em 03 de setembro de 2002, a Secretária Estadual de educação
denuncia a quebra do convênio a diversos órgãos
253
de controle externo solicitando auditoria
no município de Altamira para que se avaliasse a correta aplicação do FUNDEF.
Os resultados da apuração dessas denúncias
254
sintetizados em documento pela 5ª
Inspetoria Regional do TCM de Altamira demonstram que, durante o exercício de 2001 e
2002, de fato “foi efetuado irregularmente desconto na folha de pagamento dos servidores
municipalizados” na ordem de 25,34% e 32,03% respectivamente. Com base nas informações
deste documento constatou-se que os valores para pagamentos aos professores
municipalizados definidos pela SEDUC eram alterados pela prefeitura. A Tabela abaixo
demonstra essa alteração com base na comparação entre o que vinha previsto pela SEDUC
para ser pago a uma professora e o que era realmente pago pela PMA após a alteração.
TABELA 47 – Altamira: Diferença de Pagamento por Componente
Salarial – SEDUC e PMA – 2001
Componentes salariais dos
professores municipalizados
Valores
determinados
pela SEDUC
Valores
pagos pela
PMA
%
Redução
Vencimento
362,38
304,00
19,21
Pró-labore
86,97
72,96
19,21
Gratificação de Magistério
44,93
37,69
19,21
Ad. de Tempo de Serviço
148,28
124,39
19,21
Abono FUNDEF
80,00
0,0
100,0
Total
722,56
539,04
35,36
Fonte: Informação nº 01/2003 – 5ª Inspetoria Regional do TCM – Altamira.
O quadro demonstra os valores que vinham definidos pela SEDUC a ser pago pela
prefeitura de Altamira à professora ‘municipalizada’, que refazia esses cálculos igualando-os
aos valores que eram pagos aos professores da rede municipal. Essa operação trazia prejuízo
aos professores ‘municipalizados’ devido à redução de 35,36% de sua remuneração. Ou seja, a
prefeitura não aceitava que fosse preservada a política salarial dos professores estaduais
definida pela SEDUC. Observa-se a redução inclusive no salário base. Por outro lado, a
253
À Procuradoria Regional da República (Ofício 2.472/02), ao Tribunal de Contas do Estado TCE (Ofício
2.474/02) e ao Tribunal de Contas dos Municípios – TCM (Ofício nº 2.473/02).
254
A denúncia foi apurada e tramitou por meio do Processo 200208862-00, da Inspetoria Regional de
Altamira. Esse documento foi acessado junto aos arquivos do SINTEPP de Altamira.
286
retirada do abono do FUNDEF para esses professores municipalizados pelo executivo
municipal demonstra claramente a complexidade de gestão dos servidores estaduais em
separado. Isto porque os quantitativos financeiros dos recursos da prefeitura municipal não são
os mesmos da rede estadual, o que poderia resultar na possibilidade ou não de continuar
viabilizando o pagamento do abono, possível apenas quando houvesse superávit de recursos.
É importante destacar que a partir de abril de 2002 o salário dos professores da rede
estadual são novamente reajustados (ou indexados pelo salário mínimo) no Estado do Pará,
mas os professores ‘municipalizados’ de Altamira continuavam a receber o mesmo valor de
2001. A tulo de exemplo, o salário de um professor estadual cedido para a rede municipal de
Altamira determinado pela SEDUC passa a ser de R$ 793,49 (Setecentos e noventa e três reais
e quarenta e nove centavos), mas ele continuava a receber o mesmo valor de 2001, com déficit
de R$ 254,45 ou 39,44% no seu salário a cada mês, como se pode verificar a seguir:
TABELA 48 – Altamira: Diferença de Pagamento por Componente
Salarial – SEDUC e PMA – 2002
Componentes salariais de
um professor
municipalizado
Valores
determinados
pela SEDUC
Valores
pagos pela
PMA
%
Redução
Vencimento
402,38
304,00
24,37
Pró-labore
96,57
72,96
24,37
Gratificação de Magistério
49,89
37,69
24,37
Ad. de Tempo de Serviço
164,65
124,39
24,37
Abono FUNDEF
80,00
0,0
100,0
Total
793,49
539,04
39,44
Fonte: Informação nº 01/2003 – 5ª Inspetoria Regional do TCM – Altamira.
A SEDUC emitia a folha de pagamento, e a prefeitura a desconsiderava, elaborando
outra folha com valores semelhantes aos que eram pagos aos professores da rede municipal,
isto é, reduzia os salários dos professores ‘municipalizados’. O abono do FUNDEF que
vinham recebendo foi retirado, e o salário família foi também suprimido dos salários dos
professores de ambas as redes. Nos dois anos (2001 e 2002), a prefeitura deixou de pagar R$
543.904,00 relativos à diferença entre os R$ 2.698.928,00 calculados pela SEDUC, e os R$
2.155.024,00 efetivamente pagos pela Prefeitura. Visto mês a mês, o levantamento feito pela
Regional do TCM de Altamira demonstra que, em 2001, essa diferença foi de R$224.630,47
ou, em média, 22,3% incluindo o 13º salário, conforme a Tabela abaixo:
287
TABELA 49 – Altamira: Folha Salarial dos professores municipalizados
emitida pela SEDUC e Folha paga pela PMA– Jan/Dez. – 2001
Meses
Valor da Folha
determinada pela
SEDUC
Valor da Folha
paga pela
Prefeitura
Diferença
a menos
%
Janeiro
94.450,90
94.450,90
0,00
0,00
Fevereiro
107.489,78
107.489,78
0,00
0,00
Março
94.702,93
94.702,93
0,00
0,00
Abril
115.944,39
115.944,39
0,00
0,00
Maio
110.885,00
86.129,53
24.755,47
22,3
Junho
136.472,84
106.474,06
29.998,78
21,9
Julho
113.300,38
86.348,25
26.952,13
23,7
Agosto
112.584,17
85.781,62
26.802,55
23,8
Setembro
107.352,26
83.773,99
23.578,27
21,9
Outubro
107.496,02
84.062,95
23.433,07
21,7
Novembro
104.681,25
82.006,75
22.674,50
21,6
Dezembro
109.474,38
83.456,63
26.017,75
23,7
13º Salário
100.150,00
79.732,05
20.417,95
20,3
Total
1.414.984,30
1.190.353,83
224.630,47
22.3
Fonte: Informação nº 01/2003 – 5ª Inspetoria Regional do TCM – Altamira.
Observa-se que até abril de 2001 os valores calculados pela SEDUC são pagos pela
Prefeitura Municipal. É somente a partir de maio que a prefeitura começa a substituir a folha
calculada pela SEDUC elaborando outra com valores a menos. A diferença apresentada entre
as duas variava de 20,3% a 23,8% a menos, mês a mês, perfazendo a média de 22,3%,
considerando as nove folhas pagas no período. No ano de 2002, a prefeitura continua
reduzindo os salários dos professores municipalizados, incorporando ao pagamento apenas o
salário família conforme a determinação do juiz, visto anteriormente. Os valores mês a mês
são demonstrados na tabela 50:
288
TABELA 50 – Altamira: Folha Salarial dos professores municipalizados
emitida pela SEDUC e Folha paga pela PMA– Jan/Dez. – 2002
Meses
Valor da Folha
determinada
pela SEDUC
Valor da Folha
paga pela
Prefeitura
Diferença a
menos
%
Janeiro
105.760,00
80.916,89
24.834,11
23,4
Fevereiro
116.550,85
80.003,30
36.547,55
31,3
Março
105.876,85
78.603,65
27.273,20
25,7
Abril
111.725,91
79.394,73
32.331,18
28,9
Maio
110.267,61
78.063,57
32.204,04
29,2
Junho
133.839,48
98.082,91
35.756,57
26,7
Julho
108.550,96
78.173,99
30.376,99
27,9
Agosto
100.525,16
80.665,01
19.860,15
19,7
Setembro
100.023,13
78.691,08
21.332,05
21,3
Outubro
98.549,92
75.517,26
23.032,66
23,3
Novembro
96.213,02
72.314,46
23.898,56
24,8
Dezembro
96.061,02
84.244,18
11.816,84
12,3
Total
1.283.943,91
964.671.01
319.272,90
24,8
Fonte: Informação nº 01/2003 – 5ª Inspetoria Regional do TCM – Altamira.
A relatoria do Inspetor Regional do TCM de Altamira não apresenta o valor relativo ao
13º Salário de 2002. Ainda assim, constata-se que, durante o ano, houve o déficit de R$
319.272,90 no pagamento dos professores, ou seja, o equivalente ao percentual de 24,8% sobre
o total, com variação mínima de 12,3%, e máxima, de 29,9% mês a mês. Entretanto, esses
valores não significam que a SEDUC necessariamente estivesse pagando bem os seus
professores, pois, em 26 de março de 2002, os professores deflagraram greve estadual tendo
como um dos principais motivos a questão salarial. O Jornal do SINTEPP estadual de 22 de
abril de 2002 noticiava o fato nestes termos:
De acordo com a professora Mônica Brito, coordenadora do SINTEPP
Altamira, os professores aderiram à greve dia 26, quando foi deflagrada na
capital do Estado, Belém, com o objetivo de unir forças para fortalecer o
movimento e alcançar metas. Porém, os professores estaduais de Altamira
participam de forma parcial com atividades de informação aos alunos e
comunidade, inclusive se reunindo para discutir os motivos da greve. Além
dos baixos salários, outros motivos da greve, segundo a coordenadora, são as
precárias condições de trabalho, o fracasso do processo de municipalização,
a perda de horas extras e a despreocupação do Governo com a educação e a
classe dos professores (JORNAL DO SINTEPP, ABRIL DE 2002, grifos
meus)
289
Se o salário pago pelo Estado era considerado baixo pela categoria e motivo de
mobilização para uma greve de amplas proporções tendo conseguido adesão em quase todo o
Estado, o que dizer então diante dos salários municipais muito mais baixos que os da rede
estadual? E ainda, como os professores municipalizados poderiam conviver com o fato de
terem rebaixado o seu salário? Essa problemática do nivelamento dos salários colocava outro
problema em pauta: a polêmica quanto ao direito do prefeito quebrar o Convênio de
municipalização, pois já tinham se passado quase dois anos, e nada havia acontecido, e apenas
os professores estavam sofrendo prejuízos. Uma das professoras entrevistadas expressa o seu
entendimento acerca dos motivos argumentados pelo prefeito para tal diminuição:
Essa questão do salário ninguém nunca entendeu realmente como funcionava, como
era gerado. Por quê? Nós sabemos que nosso salário é do FUNDEF. Não é do
FUNDEF que vem? Mas aí nós não sabíamos se esse dinheiro vinha diretamente do
MEC para a conta da Prefeitura ou se ele vinha do MEC pra SEDUC e depois
passava pra cá. Porque daí quando o Juvenil começou a reduzir nosso salário, ele
dizia que nosso salário era gerado aqui em Altamira, com os impostos daqui e que
não podia acontecer de a mesma categoria ter dois tipos de salário. Porque o pessoal
da Prefeitura Municipal tinha um salário bem menor do que o nosso. E nós tínhamos
um salário bem maior. Aí era essa a questão que ele colocava: que uma categoria
não podia ter dois tipos de salário. Então pra equiparar ele reduziu o nosso salário.
Que no mês de maio de 2001, quando veio o aumento do salário mínimo, que o
nosso salário teria um reajuste maior, foi que ele cortou 40% do nosso salário,
dizendo que não podia acontecer isso. (Professora C)
Os termos em que foi assinado o Convênio de Municipalização são claros em relação à
situação funcional dos professores. Ao prefeito cabia apenas a gestão do trabalho do professor
e não a alteração de seus direitos salariais conquistados como professores vinculados ao
regime jurídico único dos funcionários públicos estaduais. A seguir, a título de comparação, a
Tabela 51 demonstra a diferença salarial entre os professores municipalizados, vinculados
funcionalmente à SEDUC, mas sob a gestão da prefeitura e o salário dos professores da rede
municipal no ano de 2003.
290
TABELA 51– Altamira - Salário Base dos Professores Municipalizados e dos pertencentes à
Rede Municipal – 100 Horas/mês – Zona Urbana – 2003 (Valor Nominal)
REDE ESTADUAL
(MUNICIPALIZADOS)
REDE MUNICIPAL
Componentes
Salariais
PROFESSOR
C/Magistério
PROFESSOR
C/Licenciatura
Componentes
salariais
PROFESSOR
C/ Magistério
PROFESSOR
C/Licenciatura
Vencimento
Base
242,00 244,00
Vencimento
Base
180,00 208,00
Gratificação de
Magist. (10%)
30,01 51,73
Hora Atividade
(20%)
36,00 41,60
Tempo de
Serviço
99,03 245,71
Regência de
Classe (20%)
36,00 41,60
Nível Superior
(80%)
- 195,20
Nível Superior
(40%)
- 83,20
Abono do
FUNDEF
50,00 51,00
Abono do
FUNDEF
0,00
0,00
Total 421.04 787,64 Total 252,00 374,4
Fonte: 10ª URE/SEDUC – Altamira; Prefeitura de Altamira – SEMAD.
Nota: O “professor municipalizado” é aquele oriundo da rede estadual que, com a municipalização, fica sob a
gestão do município, mas permanece juridicamente ligado ao Estado.
A diferença salarial entre os professores da rede estadual e da rede municipal é bastante
acentuada desde o vencimento básico. Para a mesma carga horária de 100 horas, um professor
estadual com magistério, no ano de 2003, deveria receber R$ 421,04, e um da rede municipal,
R$ 252, 00 uma diferença de 40% a menos paga pela rede municipal. Essa diferença é ainda
maior entre a categoria de professores com licenciatura plena pertencentes às duas redes, que é
de 47,5% a mais, paga pela rede estadual. Essas diferenças salariais provocaram a indisposição
da prefeitura em honrar o compromisso assumido pela municipalização, como demonstrado
anteriormente, provocando uma situação política delicada entre o governo estadual e
municipal.
O clima de animosidade entre o governador Almir Gabriel e o prefeito Domingos
Juvenil gerado pelo imbróglio dos salários dos professores foi acirrado quando houve a visita
do governador ao município, em 7 de setembro de 2002, em campanha para Simão Jatene
(PSDB) ao governo estadual. Na ocasião, o governador prometeu tomar medidas jurídicas para
resolver o caso dos professores municipalizados já que, segundo ele, o Estado repassava
“integralmente os valores dos salários dos educadores, e o prefeito sem ter o direito mete a
mão nesse dinheiro e repassa somente o que acha que os professores devem ganhar” (Dicas &
Fatos – Regional, 20 de Setembro de 2002, p.2).
O mesmo jornal local informa que, na semana seguinte, dia 10/09, o Subsecretário de
Educação do Estado, Sérgio Cancela, e sua equipe estiveram no município e reuniram na 10ª
URE os professores municipalizados. A equipe constatou que 170 professores municipalizados
291
estavam sendo lesados pela prefeitura em seus vencimentos, “dos quais 95 professores
entregaram para a comissão seus contracheques emitidos pelo município, e 75 professores não
entregaram com medo de represálias do prefeito” (Dicas & Fatos Regional, 20 de Setembro
de 2002, p. 2). Nessa ocasião, cogitou-se pela primeira vez a possibilidade de
desmunicipalização. Importa destacar que o clima ficou mais açodado em virtude das eleições
que se aproximavam.
O prefeito Domingos Juvenil, por meio do canal de TV (retransmissora do SBT, de sua
propriedade) e de rádio locais, revida as acusações contra o governador dizendo que o mesmo
mentiu e que estava emocionalmente desequilibrado. Essa querela vai se arrastar por mais dois
longos anos, quando os professores cansados começaram a perceber que a única forma de
resolver a regularização de seus salários seria voltar para a SEDUC, efetivando a
desmunicipalização mencionada na reunião que tiveram com o subsecretário.
Com a concretização da desmunicipalização, outro problema de cunho administrativo
estava posto: onde trabalhariam os professores do ensino fundamental? Sem formação
superior, não poderiam atuar no ensino médio. Além disso, com a municipalização, as escolas,
os alunos e os recursos financeiros tinham sido repassados para a gestão da rede municipal. O
Coordenador da URE explica como se deu essa situação.
O Dr. Almir Gabriel veio aqui em Altamira, e nós sentamos com ele, e ele prometeu
que ia fazer essa desmunicipalização. Promessa cumprida. que nós
imaginávamos como e onde nós vamos colocar esses professores se eles não têm
nível superior? É que a responsabilidade da URE é o Ensino Médio, como e onde nós
vamos colocar esses professores pra não perder as suas vantagens? Mas aconteceu,
os professores voltaram para o Estado, eles ficaram, foram lotados em cargos
administrativos, e a perda foi muito maior ainda. Isso foi um choque. E tivemos uma
saída, pensamos, imaginamos: como a Educação Especial em Altamira não foi
municipalizada, nós começamos então a remover esses professores para a Escola
Despertar para a Vida. Aí temos lotado na URE, lotados nas escolas e dos 112 temos
ainda 16 professores (...). Agora vejam só! O recurso do FUNDEF continuou sendo
repassado para o município sem nenhuma alteração. O que aconteceu? Houve a
desmunicipalização somente dos professores. Os alunos e os prédios da SEDUC
continuaram sendo da gerência da prefeitura. (Diretor da 10ª URE-SEDUC)
É interessante destacar como ocorreu esse processo. Primeiro, dos duzentos e setenta e
sete (277) funcionários municipalizados em 1998, o Relatório Analítico da SEDUC Altamira
de 2003 demonstra que neste ano restavam cento e doze (112) professores e trinta e sete (37)
292
funcionários administrativos e de apoio servindo na rede municipal, portanto, 149. Os demais
funcionários (128) tinham sido aposentados, concursados ou efetivados pela SEDUC no
ensino médio. Dos 112 professores, noventa e seis pertenciam às Classes PA-A (33) e AD-1
(63), que são professores com magistério, mas sem o nível superior, o que de fato criou uma
situação bastante peculiar em relação à lotação deles.
O que fazer com os professores sem a devida qualificação para assumir turmas no
ensino médio se o Estado só possuía essa possibilidade, tendo repassado todo o ensino
fundamental e infantil para o município? Onde iriam trabalhar os professores se não havia
mais alunos e escolas, uma vez que estes permaneceram com o governo municipal e apenas os
professores e alguns servidores estavam de volta à rede estadual? E por mais estranho que
possa parecer, a pedido deles mesmos, diante da situação que se encontravam. Com a palavra
os sem-escola e sem-alunos:
Mas olha o que aconteceu com essa desmunicipalização dos funcionários: teve um
dia que foi uma alegria pra nós, o diretor da URE veio com um papelzinho pra
nós assinarmos e tal aquele papel, de que a gente ia ficar lá, mas não íamos perder
nada. o FUNDEF, porque a gente não estava em sala de aula. Aí todo mundo
assinou aquele papel lá. Teve gente que chorou e foi e contestou se a gente não
estava se prejudicando. A gente lia e sabia que estava se prejudicando, mas o diretor
dizia: de jeito nenhum, vocês vão ganhar dinheiro. Olha, isso aí vai baixar o
FUNDEF. Vai voltar tudo que vocês tinham de direito. A gente lia e dizia: “mas não
certo”. “Tá certo sim”. todo mundo assinou. A nossa sentença... Na mesma hora
tiraram tudo de lá. Veio só o basicozinho. Veio a mesma coisa que estava na
Prefeitura. (Professora A)
Porque éramos todos professores de sala de aula e viemos todos como agentes
administrativos. Aí saíram as gratificações todas. (Professora C)
Nós ficamos um ano trabalhando em sala de aula, no caso, nós que viemos de 2004.
que trabalhando e batalhando. Até que nós conseguimos mudar o código e ser
lotadas como professoras. voltaram as gratificações. Recebemos a metade do
retroativo e agora estamos batalhando pelo resto. Mas agora normalizou.
(Professora B)
Eu mesma ficava na outra escola à noite e de dia ia pra SEDUC. O diretor nem
olhava mais pra minha cara e eu lá. Olha, tinha dia que eu chorava na SEDUC, eu
ficava nervosa, eu não sabia mais como resolver a minha situação. E foi assim que foi
resolvido. E todo mundo também pra resolver isso. Foi muita pressão. (Professora
D)
293
É relevante salientar que, conquanto o Convênio de Municipalização do ensino em
Altamira tenha definido na Cláusula 11ª a impossibilidade da volta do servidor à SEDUC, não
pôde, contudo, garantir que eventuais descumprimentos por uma das partes viessem suscitar
no próprio servidor a necessidade de pleitear essa volta, com o empenho da própria SEDUC,
pela sua impotência em resolver o problema. Parte dos limites legais da SEDUC é expressa no
teor do ofício 723 de 10 de junho de 2003, assinado pelo Secretário de Executivo de
Educação em exercício, Sr. Luiz Sérgio Guimarães Cancela, e endereçado aos advogados do
SINTEPP como se pode observar:
informamos a Vossa Senhoria que esta Secretaria, por restrição legal, não
dispõe de prerrogativas para ingressar em juízo contra o Município de
Altamira, todavia esclarecemos que as medidas necessárias estão sendo
adotadas no que diz respeito ao que é de direito, de todas as ações
necessárias para dar regularidade ao cumprimento firmado, bem como
assegurar o cumprimento dos direitos dos servidores públicos estaduais
cedidos à Prefeitura de Altamira.
Outrossim, encaminhamos a Vossa Senhoria cópia do Acórdão 33966, de
06.05.2003, onde o Tribunal de Contas do Estado, mediante denúncia
formulada pela SEDUC quanto às irregularidade ocorridas na execução do
Convênio 002/98, celebrado com a prefeitura Municipal de Altamira no
valor de 519.071,48, referente ao repasse de recursos de origem federal,
decidiu que não compete àquela corte apreciação da denúncia, decidindo
pelo arquivamento da denúncia e conhecimento ao egrégio Tribunal de
Contas da União (SEDUC, 2003)
Limites legais interpunham-se à ação da SEDUC em juízo contra o Município de
Altamira. Tais dificuldades associam-se ao cumprimento do pacto federativo previsto pela
Constituição Federal de 1998 que preserva a autonomia municipal. Contudo é importante
lembrar que é previsto também que o federalismo brasileiro deve ser cooperativo. E este
parece ter sido o ponto de maior fragilidade do convênio de municipalização: a dificuldade de
fazer valer o pacto federativo em bases cooperativas como prevê a Constituição diante da
adversidade partidária entre prefeito e governador.
Os conselheiros do Tribunal de Contas do Estado isentaram-se perante a situação dos
professores de Altamira, porque alegavam que não lhes cabia fiscalizar recursos de origem
federal, como consideravam que fosse o FUNDEF. Sabe-se, no entanto, que no Pará como
em todo o Brasil a composição do FUNDEF conta com muito pouco de complementação da
União. Mesmo assim, os conselheiros do TCE arquivaram o processo diante dessa situação
294
política complicada, dando apenas a conhecer o fato ao TCU, que provavelmente, por ater-se
a mais de 5.500 municípios, terá poucas possibilidades de avaliar a situação de Altamira.
Enquanto isso, quem, além do SINTEPP, se importava com o que foi subtraído dos
professores? Este é um dos motivos por que a municipalização dos servidores em Altamira foi
aos poucos definhando, até chegar a um processo de desmunicipalização compulsória, sem
que se vislumbrasse alternativa para os professores.
Em 2006 o quadro restante de professores desmunicipalizados, segundo a 10ª URE,
era de 57 servidores, sendo 03 serventes e 54 professores. Quanto à formação, a maioria
(64,8%) não era habilitada para atuar no ensino médio por possuírem apenas o magistério,
licenciatura incompleta, médio incompleto ou ausência de formação específica para o
magistério, como mostra o quadro abaixo:
QUADRO 16 – ALTAMIRA: FORMAÇÃO DOS
PROFESSORES DESMUNICIPALIZADOS – 2006
Habilitação
Quantidade
Magistério
22
Licenciatura em Pedagogia
12
Outras Licenciaturas
06
Nível superior s/licenciatura
01
Licenciatura incompleta
09
Licenciatura Curta
01
Leigo
03
Total
54
Fonte: Arquivos da 10ª URE – Altamira.
Dos que possuíam habilitação em nível superior, alguns estavam exercendo suas
funções nas escolas de ensino médio, em sala de aula (18%) ou na 10ª URE (9,2%). A maioria
ou foi lotada na Escola Despertar para a Vida (29,6%), coordenada pela Associação de Pais e
Amigos de Excepcionais APAE, ou aguardavam aposentadoria (18,5%). Havia ainda alguns
que continuavam de licença saúde ou de licença especial (16,6%) e apenas um caso de pedido
de transferência para outro município, como demonstrado no quadro a seguir:
295
QUADRO 17 – ALTAMIRA: SITUAÇÃO FUNCIONAL DOS
PROFESSORES DESMUNICIPALIZADOS – 2006
Situação funcional dos professores
Quantidade
Lotados em Escola estadual
13
255
Lotados em Escola conveniada (APAE)
16
Lotados na 10ª URE
05
Aguardando Aposentadoria
10
Licença Saúde
07
Licença Especial
02
Em processo de transferência
01
Total
54
Fonte: Arquivos da 10ª URE – Altamira.
Os professores municipalizados vão pouco a pouco sendo engolidos pelo tempo como
uma espécie em extinção. Para 16 desses professores a alternativa foi a atividade na APAE,
que, apesar de não ter fins lucrativos, não pertence à rede municipal nem à estadual. Para estes,
a consequência da municipalização não foi apenas a desvalorização profissional, mas resultou
em exclusão da rede pública de ensino.
A valorização do professor ‘municipalizado’ foi aviltada ao extremo e revelou-se um
fracasso. Por não considerar o convênio de municipalização, a Prefeitura de Altamira
desencadeou uma série de problemas para os professores ‘municipalizados’, os quais
passaram a gastar suas energias apenas para garantir a normalidade de seu trabalho e
recuperar o direito aos seus vencimentos. Assim, enquanto a categoria fazia greve em todo o
Estado em 2002 por aumento salarial, os professores ‘municipalizados’ em Altamira queriam
garantir pelo menos o salário que vinham recebendo do Estado. após muita resistência e
com grande sofrimento conseguiram voltar a receber o que lhes era devido, porém não mais
como professores municipalizados. Eles tiveram de voltar à rede estadual, restando na justiça
vários processos para recuperar parte de seus vencimentos subtraídos à época que foram
‘municipalizados’. Para esses professores, a municipalização trouxe dor e sofrimento e
ficou longe do que se poderia chamar de valorização profissional.
Por outro lado, ao longo de todo o processo de municipalização, os docentes
mostraram resistência e fizeram valer o seu direito de livre associação como profissionais do
magistério, expressando sua posição diante das consequências da municipalização em
Altamira por meio do Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Pará
255
Três professoras encontravam-se adaptadas em funções administrativas nas secretarias das escolas.
296
SINTEPP/Altamira. O direito à livre associação, um dos aspectos da valorização do
magistério, antes e depois da municipalização, se manifestou nessas lutas e foi fundamental
para que os professores retomassem a normalidade de seus vencimentos. Importa destacar
como fator decisivo nesse aspecto a visão classista e independente que tem assumido o
sindicato diante de governos e de partidos como se pode inferir considerando o depoimento
do Coordenador do SINTEPP
Hoje o SINTEPP é o maior sindicato aqui da região Transamazônica e Altamira. (...) O
SINTEPP tem se colocado na posição de independência, ou seja, nós sempre
fizemos a separação de que sindicato é sindicato, e governo é governo, partido é
partido. (...) Hoje, o SINTEPP ele tem credibilidade diante da sociedade. Quando a
gente vai pras ruas com as nossas manifestações, e nas greves, a sociedade tem nos
apoiado, então isso pra nós é muito importante. (...) A política Sindical hoje no Brasil
está difícil, mas estamos na luta. A luta continua e nós não vamos desistir por que
acreditamos que só vamos ter conquistas a partir das lutas e não há motivo pra gente
parar, porque há muito que conquistar ainda. (SINTEPP, C)
A disposição de continuar lutando diante das dificuldades que se apresentam evidencia
que a municipalização trouxe a convicção de que a unificação da categoria nas lutas é muito
importante para que as conquistas se viabilizem. Pode-se concluir, portanto, que a
materialização dos princípios de valorização dos profissionais da educação consagrados na
Legislação Brasileira representa um grande desafio, objeto de luta dos educadores brasileiros
de todo o país, especialmente em Altamira, corroborando o que Vieira (1983) afirmava em
relação às políticas sociais no contexto do capitalismo: só serão viabilizadas mediante muita
pressão e luta da classe trabalhadora.
Outro aspecto importante quando se trata de avaliar a democratização da educação são
as relações de poder na gestão educacional, o que será visto em seguida.
5.4 A POLÍTICA DE MUNICIPALIZAÇÃO E SUAS IMPLICAÇÕES PARA A
DEMOCRATIZAÇÃO DA GESTÃO EDUCACIONAL
A democratização da educação está intrinsecamente associada à luta histórica pela
democratização das relações de poder na gestão educacional. Este tópico se ocupa de analisar
297
essa questão no Município de Altamira a partir dos seguintes indicadores: existência de
Conselhos, forma de provimento do diretor escolar e forma de elaboração do Plano Municipal
de Educação. Inicialmente trata da política de gestão na legislação educacional de Altamira e
do Pará e posteriormente se aborda a materialização dos indicadores.
A Lei Orgânica do Município de Altamira (LOM) expressa que a educação é baseada
nos princípios de “democracia, no respeito aos direitos humanos e na liberdade de expressão”
(Art. 194, LOM, 1990, p.39). Apesar disso, o texto legal é limitado quando se trata de prever
mecanismos que permitam viabilizar a gestão democrática tais como conselho escolar,
conselho municipal ou eleição de diretores
256
. Destaque-se que a rede municipal faz parte do
sistema estadual de educação, uma vez que a rede municipal não constituiu sistema próprio e
nesse aspecto deve seguir a normatização estadual. E o que prescreve a legislação estadual a
respeito do tema?
A participação na gestão educacional é assegurada na Constituição Estadual de 1989
em seus artigos 273 e 278 que definem o direito de organização autônoma dos diversos
segmentos da comunidade escolar em Conselhos Municipais de Educação e Conselhos
Escolares, bem como a eleição de diretores, nos seguintes termos:
Art. 273: As instituições educacionais de qualquer natureza ministrarão o
ensino com base nos princípios estabelecidos na Constituição Federal e mais
os seguintes:
(...)
VI direito de organização autônoma dos diversos segmentos da
comunidade escolar
Art. 278 (...)
§ 3º: São órgãos normativos e fiscalizadores do sistema estadual da educação
nos termos da lei:
I – O Conselho Estadual de Educação (...)
II – Os Conselhos Municipais de Educação, regulados em leis municipais;
III Os Conselhos Escolares que são órgãos de acompanhamento, controle,
fiscalização e avaliação do sistema de ensino, em vel de cada
estabelecimento escolar público ou naqueles que do poder blico recebam
auxílios financeiros ou bolsas, constituindo-se crime de responsabilidade os
atos que importem em embaraço ou impedimento de organização ou regular
funcionamento desses colegiados, observado o seguinte:
a) Os Conselhos terão seu funcionamento regulado em lei e serão
constituídos pelo diretor da escola, pela representação equitativa eleita
dos especialistas em educação, professores, alunos que tenham no
256
A Lei Municipal nº 1.553, de 09 de junho de 2005 explicita dez princípios educacionais associados à
democratização da educação enumerados no caput do Art. 2º. Por ter sido aprovada somente no ano anterior ao
final dessa pesquisa, pouco se pode inferir de seus resultados práticos.
298
mínimo doze anos, pais de alunos, funcionários não docentes e
comunidades onde se insere a escola;
b) Fica o poder executivo obrigado a nomear o diretor da escola dentre os
integrantes de lista tríplice encaminhada pelo Conselho Escolar.
Em 1991 os Conselhos Escolares são regulamentados pela Lei Complementar 091
de 27/02/91 com mais detalhamento. Tal era a base legal para que ocorressem iniciativas de
democratização do poder na gestão educacional antes da municipalização em Altamira: criação
de conselhos escolares, criação de Conselho Municipal de Educação e eleição de diretores que
seria coordenada pelo Conselho escolar, o qual seria nomeado a partir de lista tríplice.
5.4.1 Os Conselhos como mecanismos de democratização da gestão educacional
Em Altamira, a criação de conselhos como mecanismo de democratização da gestão
ocorreu antes da municipalização e serão analisados a seguir.
a) O Conselho Municipal de Educação
O Conselho Municipal de Educação de Altamira (CME) foi o primeiro conselho a ser
criado em âmbito municipal, pela Lei Municipal 657/95. Como órgão deliberativo e
fiscalizador da administração das Políticas de Educação no Município de Altamira, entre
outras atribuições tem que participar do planejamento educacional municipal, fiscalizar os
recursos educacionais, supervisionar o cumprimento da legislação educacional, acompanhar o
Censo Escolar e zelar pela universalização e qualidade educacional no âmbito municipal como
previsto na Lei:
I Participar dos procedimentos normativos necessários ao efetivo
gerenciamento do Sistema Municipal de Educação, principalmente relativo
a planejamento, informação e avaliação;
II Avaliar, propor emendas para o Plano Municipal de Educação,
elaborado pelo Poder Executivo, bem como o de aplicação dos recursos
públicos destinados à manutenção e ao desenvolvimento da educação
pública municipal;
III Supervisionar o cumprimento dos dispositivos legais em matéria de
educação, em particular as aplicações financeiras orçamentárias nos mínimos
previstos em Lei;
299
IV – Analisar e decidir sobre os pleitos originados dos Conselhos escolares;
V – Estabelecer normas para instalação e funcionamento de entidades e
iniciativas educacionais, em qualquer nível e tipo em área de jurisdição do
Município de Altamira, observando a legislação vigente;
VI Acompanhar o levantamento anual da população escolar e fiscalizar o
cumprimento do preceito constitucional da universalização quantitativa e
qualitativa da educação;
VII – Elaborar seu Regimento Interno e as normas de funcionamento.
É relevante destacar que, embora a lei se reporte a Sistema Municipal de Educação, a
rede municipal não assume essa condição de Sistema Municipal, o que certamente
possibilitaria mais condições de autonomia da educação municipal após a municipalização do
ensino. Continuando a atuar apenas como rede municipal e não como sistema, municipalizou-
se o fazer, não a possibilidade de decisão. Questionada a respeito dos motivos da não criação
do sistema municipal, a Secretária Municipal de Educação aponta como um dos entraves a
dificuldade de convivência democrática, o que também sempre impediu e impede o bom
funcionamento do Conselho Municipal de Educação, segundo ela:
Ele [o município de Altamira] segue o [sistema] do Estado. Mas nós estamos em
processo de organização. [A dificuldade] é justamente o exercício da democracia.
Nós ainda temos aquela questão da ingerência política que toda cidade tem,
principalmente em ano eleitoral, é uma loucura. E nós queremos que realmente o
Conselho, os conselheiros saibam o que estão fazendo. Daí a nossa preocupação
em não queimar etapa. (...) A nossa dificuldade em relação ao exercício da
democracia eu acho que é justamente por isso. As ingerências ocorrem justamente
porque nós não temos um órgão com capacidade de deliberar, de fiscalizar, de
representar realmente a educação no Município. (...) Coloco como muito importante.
Apesar de que, como eu digo, o trânsito, a assistência do Governo do Estado, o
trânsito que nós temos com os representantes da SEDUC aqui, isso tudo nos ajuda
muito, mas eu acho que nós podemos melhorar. Se nós tivermos o nosso sistema,
nós vamos ter mais agilidade, vamos ter mais coerência, vamos poder trabalhar com
mais autonomia. (Secretária de Educação B)
Percebe-se na fala da Secretária, que as razões tanto para a inexistência do Sistema
Municipal de educação quanto para as dificuldades de funcionamento do CME se referem a
motivos de ordem política, a dificuldades de conviver com os conflitos advindos do confronto
de interesses e posturas diante dos problemas que surgem na educação. Contraditoriamente,
apesar da pouca credibilidade conferida ao Conselho e à própria Secretaria de Educação como
instituições capazes de liderar o processo que culminaria na implementação de políticas na
300
área educacional local, a gestora atribui à criação do Sistema a possibilidade da conquista de
alguma autonomia.
Quanto à estrutura e ao funcionamento do CME, a lei prevê no Art. que o Conselho
seja formado por doze membros, sendo 06 (seis) representantes dos “prestadores de serviços”
em educação entre os quais se inclui o Secretário Municipal de Educação, todos indicados
pelo Executivo Municipal: 01 (um) representante dos conselhos escolares ou Associações de
pais e Alunos; 02 (dois) representantes dos “prestadores de serviços” em educação, sendo um
da esfera federal e outro da esfera estadual; 01 (um) representante do Conselho Tutelar da
Criança e do Adolescente; 01 (um) representante das escolas particulares e 01 (um)
representante do sindicato dos trabalhadores em educação.
Quando se leva em consideração a análise da democratização das relações de poder na
gestão da educação, é importante observar que o cargo de Presidente do CME não é de livre
escolha dos conselheiros, mas sim um cargo que deve ser “nomeado pelo Poder Executivo” (§
Único do Art.5º da Lei 657/95). A duração do mandato dos conselheiros municipais é prevista
para três anos, porém, a qualquer tempo, o órgão ou a entidade pode propor a substituição dos
seus representantes mediante a ausência a três reuniões consecutivas ou a cinco intercaladas
“ou ainda por conduta incompatível com a função de conselheiro” (Art. 7º, III), cuja definição
de “conduta incompatível com a função” fica a critério do plenário do Conselho. Os
dispositivos legais constantes na lei que criou o Conselho em Altamira mostram-se pouco
avançados considerando o papel do CME como um dos mecanismos de democratização da
gestão da educação municipal. Por induzir a maioria de seus membros à representação
governamental, desconsiderando a paridade recomendável nesse tipo de Conselho e ao
restringir o direito de escolha de seu presidente, a legislação incorre em parcialidade nesse
sentido.
O Regimento Interno de Conselho Municipal de Altamira data de 13 de dezembro de
1997 e regulamenta as atribuições de cada uma de suas várias secções definidas na lei e no
próprio regimento: do Plenário, da Presidência, das Comissões (Educação Infantil, Ensino
Fundamental e Ensino Médio) e dos dois órgãos Auxiliares: Secretaria e Consultoria Técnica.
O razoável funcionamento do Conselho Municipal antes da municipalização é confirmado pelo
representante do SINTEPP, que o concebe como um órgão onde se discutiam as políticas
educacionais, mas que incomodava a gestão que, segundo ele, não tinha interesse em
compartilhar o poder:
301
De 1996 a 2000, esse Conselho funcionou razoavelmente com a participação da
sociedade, com a participação da Igreja, dos movimentos sociais, enfim, era um
conselho que levava a demanda da sociedade para a administração. Era um
Conselho que discutia as políticas educacionais necessárias para o município. Mas
ao mesmo tempo, era um Conselho que incomodava a gestão. Era um conselho que
incomodava porque estava dividindo poderes. (Ex-Presidente do SINTEPP - Altamira)
No entanto, o CME nunca contou com o mínimo suporte infraestrutural para seu
funcionamento. Não tinha lugar certo e qualquer equipamento que lhes permitisse algum
conforto. Embora reconheça a participação ativa do CME, a Secretária de Educação da época
reconhece as limitações e a precariedade do funcionamento do órgão, como afirma:
A questão do próprio projeto de educação pro município: como nós tínhamos aqui o
grande projeto de educação pro Xingu, então eles sempre estavam participando.
Também não dava pra fazer milagre, isso fazia parte do processo. Teve coisa que
nunca funcionou, por exemplo, que foi ter um local pra eles. Era sempre uma briga,
era ter uma sede pra esse Conselho, era ter uma máquina, era ter um computador,
era ter toda essa estrutura montada. O que nós esperávamos era que o governo
seguinte fizesse acontecer tudo isso que estava de antemão no papel e que tinha
toda uma regularização inclusive oficial. (Secretária de Educação A)
A esperança era que o próximo prefeito equipasse o conselho, o que não aconteceu.
Pelo contrário, o CME funcionou precariamente durante certo tempo e, com a mudança do
gestor, foi desativado. A esse respeito assim se pronuncia uma das professoras entrevistadas:
E esse conselho nasceu, pelo menos eu não sei como. sei que algumas pessoas
faziam parte desse conse
lho, mas ninguém viu esse conselho trabalhar e depois o
Conselho sumiu, desapareceu que ninguém nunca mais se ouviu falar. Justamente
por isso: porque não é de interesse do gestor municipal de prestar satisfação. Por isso
que existe um Conselho Municipal.
Porque todo mundo sabe que o Conselho
Municipal é participativo, todos os segmentos da sociedade vão estar dentro desse
conselho. E a nossa parte, que é a parte do sindicato, dos professores ia cobrar. Ia
cobrar do gestor, ia cobrar da Secretária, e isso e
les não querem. E outra coisa
também: precisa ter acesso às coisas, né? [Acesso] a dados, às finanças, a um
bocado de coisas, e isso pra eles é o terror. Eles não querem de jeito nenhum que a
gente saiba de nada. (Professora A)
302
Dois aspectos chamam a atenção na fala da professora: a pouca visibilidade do CME
junto à comunidade e a clareza de que o papel do conselho é de forçar a participação e a
democratização de informações, pouco socializadas pelo poder público. A posição do
segmento de professores é de constante insistência pela reativação do CME e, segundo o
coordenador do SINTEPP, não têm sido poucas as reuniões e audiências junto à SEMEC sem
que uma resposta efetiva ocorra, como relata:
um dos pontos que a gente coloca é a implementação do Conselho
Municipal de
Educação e infelizmente a secretaria de educação nos enrola, enrola, enrola, e diz
que vai discutir, e até hoje nunca passou de apenas discussões. São várias as
reuniões que a gente tem feito junto com a SEMEC para discutir a implementação,
p
orque a lei do CME já existe, mas não é de interesse da administração fazer
funcionar. (Coordenador do SINTEPP)
De fato, em várias entrevistas concedidas, os gestores da SEMEC afirmam que estão
sendo feitos estudos preparatórios para a reativação do CME de Altamira, cuja lei de criação
na opinião deles deveria passar por uma reformulação. A Coordenadora da Rede Vencer, em
Altamira, refere-se nestes termos:
A gente ainda não conseguiu reativar o Conselho Municipal de Educação, apesar das
inúmeras invest
idas. Mas nós não estamos satisfeitos com isso e nem tampouco isso
nos paralisou. É nossa meta deixarmos o CME funcionando. Ainda ontem nós
passamos um dia de estudo reelaborando toda a estruturação do Conselho Municipal
de Educação, que hoje não se ajusta
mais ao que nós estamos vivendo. Então, qual é
a nossa intenção? Mandarmos no mais tardar até a quinzena de agosto [de 2008]
para a Câmara para ser visto a questão do Projeto de Lei que reestrutura o nosso
Conselho Municipal de Educação. Nós não vamos
encerrar essa administração sem
deixar esse trabalho realizado. (Coordenadora da Rede Vencer de Altamira).
Apesar de afirmação de que até o final de 2008 o conselho seria reestruturado, até o
final de 2009 não havia sido aprovada nova lei com modificações a esse respeito. Instado a
respeito dos possíveis motivos para a desativação do CME, o Coordenador do SINTEPP
afirma:
303
E o CME foi destituído, e a gente não conseguiu fazer nada, não tinha com que forçar
o governo a reativar esse Conselho. (...) Nós
defendemos a questão da gestão
democrática, a democratização das relações aonde todos temos o direito de opinar,
de participar, e isso não ocorre mais em Altamira, pois a administração se recusa em
puxar os fóruns de debate principalmente depois que foi im
plementado aqui em
Altamira o Instituto Ayrton Senna.
(Coordenador do SINTEPP).
Um dos motivos para o estado de letargia do CME e para a demorada discussão sobre a
reformulação da lei que o regulamenta deve-se, segundo o sindicalista, à mudança do perfil da
gestão com a implantação do IAS em Altamira. De fato, quando se firmou o convênio com o
IAS, a democratização das decisões foi sendo restringida pelo próprio estilo de gestão
implantado. Isso fica claro quando se toma como exemplo a elaboração do Plano Municipal de
Educação. Ao invés de elaborar o Plano Municipal de Educação de forma participativa,
ampliada, os gestores da SEMEC substituíram essa prática pelo Plano de Metas discutido
apenas com alguns setores internos da SEMEC. A comunidade externa não foi mais chamada
para discutir, pois as metas já vinham pré-definidas segundo a metodologia proposta pelo IAS,
como se constatou no item que trata da análise do termo de parceria com o IAS neste trabalho.
Isso tem deixado pouca margem de atuação por parte da comunidade. Por conseguinte, os
gestores municipais da educação não sentem necessidade da existência do CME, pois as
discussões poderiam apontar alternativas não compatíveis com o plano de metas pré-
estabelecido. Esse fato corrobora a tese do sindicato de professores de que a parceria com o
IAS tem sido uma das mais prováveis razões para que os gestores da SEMEC continuem tão
refratários a ativar o CME apenas renovando continuamente a promessa de sua reativação.
Outro importante espaço de participação no sentido de democratizar o poder de decisões é o
Conselho de Alimentação Escolar, que veremos a seguir.
b) O Conselho Municipal de Alimentação Escolar – CMAE
Ainda que o CMAE não esteja diretamente relacionado à municipalização do ensino, já
que o PNAE teve seu próprio processo de municipalização, entende-se que é importante sua
análise para a democratização da educação, pois envolve a possibilidade de participação
popular no controle de um importante programa de apoio educacional.
304
A Prefeitura de Altamira assumiu a municipalização do atendimento da merenda
escolar da sua rede em 1996 criando o seu CMAE por meio da Lei nº 654 de 06 de Dezembro
de 1995. De acordo com o Art. 2º desta lei, o CMAE tinha como competência “a fiscalização e
o controle da aplicação dos recursos destinados à Merenda Escolar e à elaboração de seu
Regimento interno” (ALTAMIRA, 1995, p. 1). Sua composição era em número de dez
membros, sendo paritária entre representantes do Poder Público e da Sociedade Civil como o
previsto no Artigo 4º, transcrito a seguir:
Art. O Conselho ora criado é constituído de representantes dos órgãos
da administração municipal, dos professores, dos pais de alunos, de
trabalhadores, bem como de representantes de outros segmentos da
sociedade local em número de 10 (dez), sendo (05) cinco do Poder Público e
(05) da Sociedade Civil, a saber: PODER PÚBLICO Secretaria de Saúde;
Secretaria de Administração; Consultor Jurídico; Secretaria de Agricultura;
Secretaria de Educação. SOCIEDADE CIVIL Pais de alunos, Sindicato
dos Trabalhadores Rurais, Lions; Associação dos Professores, Associação de
Moradores (ALTAMIRA, 1995, p.1)
No primeiro momento de atuação do CMAE, havia paridade entre os membros do
CMAE mas também uma preocupação muito grande com a participação dos produtores e
fornecedores. O controle popular era muito restrito e havia dificuldade para o
acompanhamento do Programa de Merenda Escolar, seja pela inexistência de condições para
deslocamento até as escolas da zona rural, seja pela pouca disponibilidade de tempo de seus
membros.
A partir de 2001, o Conselho Municipal de Alimentação escolar passa por
modificação pela Lei 1.474 de 17 de maio. As atribuições do CEMAE foram
redimensionadas como preceituava o Art. 2º da referida lei:
Art. 2º
Compete ao Conselho Municipal de Alimentação escolar:
I Acompanhar a aplicação dos recursos federais transferidos à conta do
PNAE;
II Zelar pela qualidade dos produtos, em todos os níveis, desde a
aquisição até a distribuição, observando sempre as boas práticas higiênicas e
sanitárias;
III Receber, analisar e remeter ao FNDE, com parecer conclusivo, as
prestações de contas do PNAE encaminhada pelo Município. (ALTAMIRA,
Lei nº 1.474, de 17 de maio de 2001).
305
O Conselho ganha a atribuição de analisar e dar parecer conclusivo sobre as contas,
ampliando seu poder. Contudo, ao mesmo tempo, com a parceria realizada com o IAS,
adotou-se a política de autonomia da escola baseada no tripé autonomia pedagógica (Portaria
nº 14/2003), autonomia administrativa (Portaria nº 15/2003) e autonomia financeira (Instrução
Normativa 01/2003). Em consequência dessa política, os recursos do PNAE foram
descentralizados para a escola que passou a executá-los. Em função da pulverização dos
recursos para as escolas, a participação e o controle popular foram enfraquecidos, pois se
tornava difícil acompanhar todas as escolas da rede.
Com a mudança do governo municipal em 2005, alguns aspectos da política de
autonomia são redimensionados. A descentralização dos recursos da merenda para as escolas
foi suspensa voltando a ser a execução do PNAE centralizada na SEMEC, segundo as razões
descritas pela Coordenadora da Rede Vencer:
se esse percentual fosse repassado às escolas, dificilmente elas teriam condições de
ofertar uma alimentação de qualidade, mesmo com contrapartida da prefeitura, que é
superior ao que o MEC repassa. Então, optou-se nesse primeiro momento para
centralizar no sentido de fazer com que maior quantidade de gêneros chegasse às
escolas, e com maior qualidade. Foi bem nesse aspecto, até que se reestruture outra
forma desse atendimento a ser feito através da escola. (Coordenadora da Rede
Vencer)
O fato de a merenda voltar a ser gerida centralmente pela SEMEC parece não ter
contribuído para a melhoria da participação popular no controle social do PNAE, pois
atualmente tanto o CMAE como os demais conselhos continuam atuando de forma limitada,
assumindo posições meramente burocráticas, pelo que afirma a atual Secretária de Educação
do município:
É uma participação ainda tímida, em função do tempo das pessoas, porque as
reuniões do conselho devem ocorrer em determinado tempo. (...) as reuniões são de
análise das prestações de contas no caso do Fundef; de cardápios no caso do
conselho da alimentação escolar. E os conselheiros, todos têm a atribuição de
conselheiros e outra atividade para garantir o sustento da família; então, a atividade
do conselho não é priorizada. (Secretária de Educação C)
306
Pelo exposto, pode-se concluir que, enquanto a municipalização da merenda escolar
tinha como um dos seus objetivos a participação da sociedade no controle de sua execução, tal
participação vem se dando de forma muito parcial, pois o CMAE parece limitar-se somente
aprovar cardápios em detrimento de sua função fiscalizadora e de controle dos recursos
públicos. A municipalização da merenda por si não tem facilitado a participação, e
tampouco a mera criação do conselho tem facilitado a democratização da gestão desse
programa.
Outro conselho de grande importância para a análise da democratização educacional é
o Conselho do FUNDEF, visto a seguir.
c) O Conselho Municipal de Controle Social do FUNDEF
Com implantação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino
Fundamental e de Valorização do Magistério FUNDEF, a partir de julho de 1997, no Pará,
também houve a necessidade de se implantar o Conselho Municipal de Acompanhamento e
Controle Social do FUNDEF – CACS. Em Altamira, esse conselho foi criado pela Lei
Municipal nº 1.380 de 27 de junho de 1997. O Art. 2º dessa lei definia os seus componentes:
Art. 2º
O Conselho será constituído por 05 membros, sendo:
01 representante do Conselho Municipal de Educação;
01 representante da Secretaria Municipal de Educação;
01 representante dos professores e dos diretores das escolas públicas do
ensino fundamental;
01 representante de pais e alunos;
01 representante dos servidores das escolas públicas do ensino fundamental
(ALTAMIRA, 1997, p. 1).
As atribuições do Conselho do FUNDEF eram previstas no Artigo 3º e eram as
seguintes:
I Acompanhar e controlar a repartição, transferência e aplicação dos
recursos do Fundo;
307
II – Supervisionar a realização do Censo Educacional anual;
III Examinar os registros contábeis e demonstrativos gerenciais mensais e
atualizados relativos aos recursos repassados ou retidos à conta do Fundo
(ALTAMIRA, 1997, p.1).
Durante o funcionamento do CACS do FUNDEF
257
, havia vários problemas a dificultar
a participação. O primeiro deles era quanto à obtenção de informações sobre o repasse e a
execução dos recursos financeiros junto ao executivo, amparado em uma lei pouco específica
sobre o assunto. Isso dificultava a fiscalização da aplicação dos recursos, como relata um
professor e ex-membro do CACS do FUNDEF:
o conseguimos acompanhar efetivamente em 100% a aplicação dos recursos. Em
primeiro lugar porque a legislação era muito falha. A primeira lei do FUNDEF ela tem
uma vacância enorme, que dava toda liberdade para a administração, inclusive até
para negar as informações para o Conselho. (Ex-membro do CACS FUNDEF -
Altamira)
O Coordenador do SINTEPP, membro do CACS do FUNDEF na época, relata casos de
cooptação de alguns membros pelo poder executivo, o que minava todo um trabalho na busca
de participação isenta de compromissos, como relata:
Infelizmente a nossa dificuldade é encontrar pessoas que possam fazer esse trabalho
de acompanhamento de forma séria. A gente elege os representantes de pai e às
vezes de professores, de alunos que agora é do FUNDEB. As p
essoas demonstram
toda boa vontade, mas no percurso dos trabalhos vão sendo eliminadas, vão sendo
cooptadas pela gestão e acabam não fazendo o trabalho de fiscalização e passando
pro lado da administração e dificultando. (...) Às vezes a gente conseguia
formar um
Conselho, e queria que esse conselho pudesse funcionar de forma independente,
autônoma, mas tínhamos o problema da cooptação dos conselheiros. Isso é muito
forte até hoje no município de Altamira. (Ex-membro do CACS FUNDEF - Altamira)
257
O CACS do FUNDEF funcionou de 1997 a 2006, sendo depois substituído pelo CACS do FUNDEB.
308
O problema da cooptação de conselheiros relatada pelo representante do SINTEPP
resultava sempre em maioria a favor do governo no CACS. Essa maioria sempre impediu que
as denúncias contra o prefeito em relação ao FUNDEF fossem feitas pelo conselho, pois a
votação nunca alcançava quorum. Contudo, isso não o isentou de ser interpelado em juízo por
ação de representação de seus membros, mesmo que de forma isolada, como relata o ex-
conselheiro:
Quase todas as denúncias feitas no Ministério Público Federal, Tribunal de Contas
dos Municípios, CGU, TCU não foram do Conselho. As denúncias foram de membros
do Conselho insatisfeitos com os pareceres em que eles eram voto vencido. O
conselho sempre foi e é dirigido por um representante do governo. O SINTEPP
sempre foi voto vencido dentro dos Conselhos. Mas a gente tinha aquela liberdade,
tinha aquela prerrogativa de fazer a denúncia por fora e foi que a gente conseguiu
fazer com que houvesse várias auditorias no município de Altamira. (Ex-membro do
CACS FUNDEF – Altamira)
Isso evidencia a importância da existência de fóruns coletivos de discussões e da
isenção de seus membros. É difícil a democratização da gestão educacional em um ambiente
de medo e repressão. Considerando a prerrogativa de órgão fiscalizador e de
acompanhamento de recursos, é no mínimo estranho que o presidente do CACS seja
representante do governo, pois por coerência à natureza deste órgão, tal posto deveria ser de
prerrogativa de membros da sociedade civil.
Os conselhos escolares também podem constituir-se em espaços privilegiados de
democratização da educação. Embora a pesquisa não tenha tido como objetivo verificar o
funcionamento do Conselho Escolar no seu cotidiano, importa considerar alguns aspectos da
política desenvolvida pelo município na perspectiva do funcionamento desses órgãos, tendo
em vista a democratização da gestão no espaço escolar.
d) Os Conselhos Escolares
O funcionamento de Conselho Escolar foi, no Estado do Pará, regulamentado pela Lei
Estadual nº. 06/91 que entrou em vigor em 27 de fevereiro de 1991. Em Altamira, o
309
funcionamento de conselhos escolares é sinalizado no Art. da Lei 657/95 de 1995, que
trata do Conselho Municipal de Educação.
Os dados empíricos coletados junto à SEMEC dão conta da existência de Conselhos
escolares desde o ano de 1997, quando 50,6% dos recursos do PDDE foram recebidos via
Conselhos. Conquanto não tenha sido possível precisar o número de escolas que contavam
com esse tipo de órgão coletivo, sua existência antes da municipalização do ensino é também
confirmada pela Secretária Municipal de educação à época da municipalização, que assim se
reporta:
Quando nós entregamos a prefeitura para o prefeito Domingos Juvenil, tinha
condições (...) Nós tínhamos o Conselho do FUNDEF, o Conselho da Merenda
Escolar, o Conselho Municipal, enfim nós tínhamos o Conselho de Direitos, o
Conselho Tutelar, todos os conselhos que as leis naquele momento exigiam. (...)
Então os conselhos existiam. Cada escola tinha sua unidade executora, ou seja, o
seu Conselho Escolar. Então na verdade nós tivemos toda uma preocupação com
essa estruturação também. (Secretária de Educação A)
A existência de CE parece não estar associada à municipalização do ensino, mas à
implantação do Programa Dinheiro Direto na Escola PDDE que colocava como exigência a
criação de conselhos para repasse de recursos. Assim, gradativamente se vai implantando os
conselhos escolares na rede municipal e, de 1999 a 2006, o quantitativo de escolas que os
possuem são os seguintes:
TABELA 52 – Altamira: Nº de Escolas com Conselho e sem Conselho
de 1999 a 2006.
Ano
Escolas com Conselho
Escolar
Escolas sem Conselho
Escolar
1999
24
55
2000
25
50
2001
26
49
2002
30
46
2003
32
43
2004
34
36
2005
35
55
2006
44
32
Fonte: MEC/FNDE e SEMEC/Altamira.
310
De 1999 a 2006, o número de escolas com conselho escolares aumentou em 83,3%
Altamira. Se a mera existência de conselhos escolares não é suficiente para dimensionar a
democratização das relações de poder na escola, como assinala Paro (2005), isso é um bom
indício neste sentido. Entretanto, os conselhos escolares em Altamira parece terem se
restringido a gerir os recursos do PDDE, segundo o presidente do sindicato:
O conselho escolar é uma entidade fundamental no processo de reivindicação... se
trabalhasse efetivamente... o problema é que da forma que foram criados os
conselhos, não foram pensados como organização para acompanhar a educação. O
conselho foi criado apenas para receber o dinheiro direto na escola, depois que acaba
[o dinheiro], acaba a participação. Nós precisamos mudar isso, e isso só muda a partir
do diálogo, da participação. (Presidente do SINTEPP)
A pouca importância dada ao funcionamento de conselhos por parte da gestão
municipal, segundo o presidente do SINTEPP, se aprofundou principalmente a partir de 2001,
quando os conselhos foram quase todos extintos, como relata:
No período de 2001 a 2004, da gestão do Domingos Juvenil, a primeira medida que o
prefeito toma é extinguir todos os conselhos da época. Os conselhos escolares foram
praticamente todos extintos. Assim, aqueles que participavam, as escolas em que nós
tínhamos conseguido a gestão democrática, a eleição direta de diretor, foram todos
cancelados e substituídos os diretores. (Diretor do SINTEPP/Altamira)
De fato o período mais crítico para a existência dos conselhos escolares foi de 2001 a
2004, mas após essa fase eles foram reativados. A atual Coordenadora da Rede Vencer da
SEMEC afirma que, a partir de 2005, os conselheiros receberam formação, e seu nível de
participação passou a ser bastante satisfatório. Segundo ela, a participação do CE atualmente é
qualificada indo além do mero gerenciamento de recursos, pois eles interferem nos rumos do
projeto pedagógico da escola, como afirma:
Na administração de 2001 a 2004 esses conselhos eles praticamente arrefeceram,
foram amordaçados e ficaram no seu cantinho, né? Nós conseguimos reavivar os
Conselhos Escolares, realizamos inclusive um curso de formação continuada para
conselheiros escolares. E com isso a gente reativou os conselhos que existiam no
nome, para receber e gerenciar os recursos do PDDE. E hoje nós temos
Conselhos que são realmente atuantes. Eles participam de toda construção da
proposta pedagógica das escolas, eles acompanham tudo o que acontece na escola.
(Coordenadora da Rede Vencer)
311
Esse nível de participação é contestado pelo presidente do sindicato que não atribui
tanta possibilidade de inserção dos conselhos no cotidiano da escola. Para ele, o padrão de
gestão que vem sendo assumido pela SEMEC, principalmente após a parceria com o IAS, tem
contribuído sobremaneira para a não democratização do poder no interior da escola, que
permanece enfeixado nas mãos de alguns, como veementemente afirma:
Não houve, e não democratização no interior da escola, por que eu não vejo. E
acho que o problema está na forma da gestão, na forma que o governo está
conduzindo o processo. (...) por que os interesses do governo não são os mesmos
interesses dos trabalhadores, principalmente depois que foi implementado aqui em
Altamira o IAS, que é totalmente oposto àquilo que nós aprendemos ao longo dos
anos nos movimentos sociais, no que diz respeito à gestão democrática e à
participação do povo. Nunca houve a democratização que a gente discute e defende.
Os Conselhos Escolares são formados, infelizmente, a critério da direção da escola.
(Coordenador do SINTEPP)
Por influenciarem na escolha dos representantes do CE, os diretores de escola,
segundo o professor, acabam fragilizando ainda mais o CE e comprometendo a legitimidade
de representação dos conselheiros. Assim, a categoria dos pais, por exemplo, pouco procura a
escola. Nas raras vezes vão à escola, os pais o fazem para cumprir uma obrigação. Na
concepção do Coordenador do SINTEPP, isso corresponde a uma forma de participação
passiva em forma de ritual e não corresponde à inserção dos pais como sujeitos de decisões
dos destinos da escola tal como concebe a gestora da SEMEC, como afirma:
A escola não é preparada para a comunidade. Nas reuniões de pais e mestres, por
exemplo, os pais vão apenas cumprir um ritual ali chamado pela direção da escola,
para dar os recados, puxar as orelhas dos pais que não acompanham os filhos em
casa, enfim, mais não convidam os pais a participarem efetivamente da vida na
escola. (Coordenador do SINTEPP)
Não se trata de saber quem tem ou não tem razão na polêmica da participação da
comunidade na escola via conselho escolar, mesmo porque essa pesquisa não tinha a
pretensão de abordar essa problemática no interior da escola. Contudo, a discordância entre o
representante dos professores e o da SEMEC em relação à participação propiciada pelos
Conselhos Escolares no interior da escola deixa claro as contradições típicas de sociedade de
312
classes que marginaliza, oprime e dificulta a participação do povo nas decisões que lhe
dizem respeito.
Diante da verificação da política de implementação de Conselhos pela SEMEC, e da
forma como vem fazendo, conclui-se que a municipalização do ensino em Altamira fragilizou
a capacidade dessas organizações participarem das decisões. Ainda que tenha aumentado o
número de conselhos, a existência de Leis de Criação de Conselhos e o seu funcionamento na
rede seria um aspecto bastante positivo na perspectiva da democratização da gestão. Contudo,
quando se avalia as condições gerais de funcionamento (ou de não funcionamento como é o
caso do CME), não se pode chegar à mesma conclusão. A cooptação de conselheiros, a
sonegação de informações, a escolha de representantes a partir de cartas marcadas e, enfim, o
boicote ao funcionamento do CME por mais de oito anos são razões suficientes para se
afirmar que a municipalização abriu a possibilidade de ampliar a participação, mas não foi
capaz de fortalecer esses espaços de democratização de decisões. Pelas condições históricas
de relações sociais permeadas de longa data pelo patrimonialismo, pelo clientelismo e pelo
autoritarismo, como descrito por Faoro (1997) e Leal (1997), mesmo onde aparentemente
existe um conselho em funcionamento, as relações têm sido contaminadas por essas práticas.
A democracia continua formal, tal como definida por Ellen Wood (2005), na qual a
participação é apenas superficial e aparente.
5.4.2 A Escolha de Dirigentes Escolares
A forma de provimento dos Diretores de Escola constitui importante fator na avaliação
da democratização da gestão. Deste modo, diretores e vice-diretores, antes da municipalização
do ensino em Altamira, faziam parte da categoria Função Gratificada, cuja indicação, jornada
de trabalho e exoneração dependia do Executivo Municipal (Art. 39, § 1º). A esse respeito, a
Lei nº 1.374/97, que tratava da organização administrativa da Prefeitura Municipal, definia:
Art. 39 As Funções Gratificadas referem-se a uma vantagem acessória ao
vencimento e destinam-se ao atendimento das atividades de direção e
assistência intermediária, sendo estruturados em DAI 1, DAI 2; DAI 3
e DAI – 4.
313
Parágrafo A designação e a dispensa de Funções Gratificadas poderão
ocorrer por indicação do Secretário Municipal de Educação e por ato do
Secretário de Administração e Finanças desde que aprovado pelo Chefe do
Executivo Municipal. (ALTAMIRA, 1997, p.10)
Em 1997, o quadro era composto pelos seguintes cargos diretor, vice-diretor,
supervisor e secretário de escola –, considerados como pertencentes ao quadro de Funções
Gratificadas, de livre nomeação e exoneração do Executivo:
QUADRO 18: FUNÇÕES GRATIFICADAS EM EDUCAÇÃO – 1997
Função Gratificada
Código
Quantitativo
Valor Salarial
Diretor de Escola
DAI – 4
17
450,00
Vice-Diretor de Escola
DAI – 3
05
320,00
Supervisor de Escola
DAI – 2
19
280,00
Secretário de Escola
DAI – 1
18
150,00
Fonte: Lei Municipal nº 1.374 de 05 de maio de 1997.
A especificação dos quantitativos na lei ideia do quadro administrativo das escolas
antes da municipalização e de sua forma de provimento: 17 diretores, 05 vice-diretores, 19
supervisores e 18 secretários de escola, ou seja, 59 cargos a serem nomeados, sem a
participação da comunidade escolar nessa escolha. No entanto, a Lei 1.378 de 27 de junho
de 1997, que dispunha sobre o Estatuto e o Plano de Carreiras do Magistério, dava um
encaminhamento diferente ao tema, pois o Art. 58 previa a escolha de diretores pela
comunidade escolar e o encaminhamento de lista tríplice com os nomes que deveriam ser
nomeados pelo executivo, como consta na lei:
Art. 58 Os nomes que constituirão a lista tríplice para a escolha do diretor e
vice-diretor das Unidades Escolares serão apontados pela comunidade
escolar, na qual está inserida a escola.
Parágrafo Único O Conselho Escolar encaminhará lista tríplice ao chefe do
poder executivo que escolherá o diretor e vice-diretor dentre um dos nomes
que a integram. (ALTAMIRA, 1997, p.9)
314
A lei previa ainda que poderia habilitar-se a ser diretor o pessoal do quadro
permanente do magistério, preferencialmente com formação em pedagogia e habilitação em
Administração Escolar, podendo porém ser admitido os que tivessem apenas o magistério em
nível médio. É importante destacar também a possibilidade da gestão democrática aberta pela
lei, visto que a gestão deveria ser desenvolvida em conjunto com o Conselho Escolar, como
prescrevia o Art. 62:
Art. 62 O Diretor e o Vice-diretor dos estabelecimentos de ensino,
conjuntamente com o Conselho Escolar, terão as seguintes incumbências:
I – Elaborar e executar a proposta pedagógica da escola;
II – Assegurar o cumprimento dos dias letivos e horas-aulas estabelecidas;
III – Zelar pelo cumprimento do Plano de Trabalho de cada docente;
IV – Prover meios para recuperação dos alunos de menor rendimento;
V – Articular-se com as famílias e a comunidade, criando processos de
integração da sociedade com a escola;
VI Informar aos pais ou responsáveis sobre a freqüência e o rendimento
dos alunos, bem como a execução de sua proposta pedagógica;
VII – O diretor da unidade de ensino deverá apresentar à comunidade escolar
prestação de contas e avaliação do processo pedagógico e administrativo
semestralmente. (ALTAMIRA, 1997, p. 9, grifo meu)
É importante destacar que Altamira vinculava-se (e ainda vincula-se) ao Sistema
Estadual de Educação. Neste caso, é de se supor que pelas normas vigentes do sistema estadual
à época (e ainda hoje) a escolha dos diretores se desse necessariamente por eleição da
comunidade escolar e encaminhamento de lista tríplice dos mais votados para que o Executivo
nomeasse o diretor dentre os que compunham a lista. Contudo, o que prevaleceu foi a livre
nomeação propugnada pela Lei 1.374/97 que tratava os diretores como Função Gratificada,
legitimando uma prática ainda muito comum nos municípios paraenses: dar espaço para o
apadrinhamento, para o filhotismo e o compadrio, tal qual falava Faoro (1997).
A questão da ingerência política que permeia a situação educacional no município e
que atrapalha a convivência democrática tem estreita relação com essas nomeações expressas
de forma muito clara pela Secretária Municipal de Educação antes da Municipalização do
ensino fundamental no município. Ao ser questionada a respeito das maiores dificuldades da
gestão à época, a Secretária informa:
315
A questão era a política. A mais difícil é a questão política. Até porque se fosse
política de verdade ela funcionaria com dignidade, mas ela não funciona porque ela
não existe. Então quem atrapalha todos esses processos é a questão política. Porque
esse povo faz umas alianças tão vulgares e tão medíocres que eles se limitam a tirar,
por exemplo, uma pessoa técnica, que precisa, né? Numa equipe você tem que ter
uma pessoa da área técnica, mas tem que ser competente. Você tem que ter uma
pessoa da área administrativa, mas tem que ser competente. Você tem que ter uma
da área pedagógica, mas tem que ser competente. Isso não acontece na composição
das equipes porque geralmente os prefeitos já vêm com os afilhados deles, já vem as
alianças que eles fizeram, e isso assim é cruel; isso assim é desastroso, é iníquo, é
injusto e é desumano ainda. (Secretária de Educação A)
A prática da nomeação de diretores de forma unilateral a partir de alianças partidárias é
ainda muito comum no interior do estado, e mesmo aqueles municípios que não possuem lei
específica a regimentar a questão não seguem o prescrito pela lei estadual que é de proceder a
escolha por eleição e lista tríplice
258
. Isso tem resultado em prejuízos para o bom
funcionamento da educação, pois, ao não levar em conta a capacidade política do diretor
escolar, essa prática ignora que o diretor é fundamentalmente um educador.
Após a municipalização em Altamira, e instituída a parceria com o IAS, uma das
recomendações do instituto era de que o município adotasse critérios técnicos para a escolha e
nomeação de diretores. Com base nessa sugestão, a SEMEC promoveu, em 2004, a escolha
técnica dos diretores de escola por meio de provas (Língua Portuguesa, Gestão Escolar,
Legislação Educacional) e entrevista, com base no Decreto 672 de 26/12/2003 do Prefeito
Municipal. O preâmbulo do Decreto justifica essa modalidade de escolha a partir dos seguintes
argumentos:
Considerando que é imperativo, para a melhoria da educação municipal, que
tenhamos diretores com comprovada capacidade técnica gerencial e detentor
de forte capacidade de liderança;
Considerando que as escolas municipais, dentro da nova diretriz gerencial de
governo, devem ser cada vez mais autônomas;
Considerando ainda que os líderes de cada unidade operacional, da rede de
educação municipal, serão responsabilizados pelos seus resultados... (Decreto
nº 672/03).
258
A própria lista tríplice constitui limite à democratização, pois com esse mecanismo não se tem garantia de que
o candidato mais votado pela comunidade assuma de fato o cargo para o qual foi eleito.
316
O decreto enfatizava, além da capacidade técnica gerencial, a existência de “forte
capacidade de liderança” e definia os seguintes critérios para os candidatos ao cargo: formação
superior (completa ou em curso) em pedagogia ou licenciatura; experiência mínima de dois
anos de magistério, domicílio em Altamira por no mínimo quatro anos, tempo integral e
dedicação exclusiva; tempo para aposentadoria superior a cinco anos.
No ato da posse, o diretor deveria assinar um Termo de Compromisso a ser monitorado
pelo superintendente escolar quanto a seu cumprimento. Caso desconsiderasse as diretrizes
gerais definidas pela administração e o compromisso assumido, o diretor seria dispensado.
Assim, de acordo com as diretrizes do IAS assimiladas pela SEMEC, esperava-se que o diretor
escolar fosse capaz de garantir a implementação da política educacional definida pela SEMEC;
implementar as autonomias administrativa e pedagógica e a gestão financeira da escola;
responsabilizar-se pelos resultados; gerenciar mensalmente o alcance das metas de
aprendizagem; registrar, analisar e consolidar dados referentes ao funcionamento da escola e
repassá-los ao superintendente escolar; avaliar o trabalho de professores e técnicos; liderar
membros da comunidade rumo ao alcance de metas entre outros.
Assim, no jogo de braço entre os critérios técnicos sugeridos pelo IAS para escolha de
diretores e os critérios político-partidários historicamente assimilados pelos mandatários do
poder, em nenhum momento as práticas patrimonialistas e clientelistas foram suplantadas em
Altamira, pois, além da prova de conhecimentos técnicos, os candidatos eram entrevistados
pelo prefeito ou assessores. E esse critério acabou prevalecendo sobre os demais que
compunham a avaliação e alterou significativamente a ‘neutralidade’ da escolha técnica
pretendida pelo IAS. Dessa forma, essa modalidade de escolha perdeu credibilidade e não
prosperou, predominando o critério político-partidário da indicação.
Em 2005, a nova administração municipal, mesmo que continue com a parceria com o
IAS, desconsiderou essa forma de provimento de diretores. E sem muitos preâmbulos, por
meio do Decreto nº 018 de 11/01/2005, restabeleceu a livre nomeação do Diretor dando
prosseguimento à velha prática clientelista da nomeação por critério político-partidário.
A política de educacional do município está pautada nos critérios de eficiência e
eficácia postos pela Fundação Ayrton Senna, cuja matriz acompanha os pressupostos da gestão
gerencial sobrando, portanto, pouco espaço para que se concretize uma gestão de cunho
participativo-democrático. Entretanto, é importante ressaltar que este novo paradigma proposto
pelo IAS ganhou espaço na rede pela fragilidade (ou ausência) de uma política educacional
construída coletivamente pelos sujeitos locais.
317
Em síntese: A ausência e a precariedade do funcionamento de mecanismos que
viabilizem a participação popular na gestão educacional do município de Altamira não apenas
contraria os princípios de democratização daquela presente na legislação educacional vigente,
mas nega ao cidadão um dos direitos mais elementares de cidadania: o direito à informação e à
participação naquilo que é público e, portanto, do povo. Por outro lado, é animador constatar a
resistência a essa situação por parte de alguns segmentos locais, tais como os representantes
sindicais dos professores, os quais insistem na construção de espaços que possibilitem maior
participação na gestão da educação municipal, exercitando assim a sua condição de sujeitos
históricos.
318
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O estudo tratou das implicações da municipalização para a democratização da
educação no município de Altamira, no Pará, a partir dos seguintes eixos de análise: a
democratização do acesso à educação, o financiamento da educação, a valorização dos
profissionais da educação e a gestão educacional. A fim de melhor evidenciar os resultados do
estudo, far-se-á inicialmente uma ntese dos dados acerca de cada um desses eixos que serão
posteriormente analisados em seu conjunto.
A pesquisa partiu de uma questão central: a municipalização do ensino fundamental
contribuiu para a democratização da educação no município de Altamira? Partiu-se do
princípio de que o conceito de democracia em uma sociedade sob a hegemonia do capitalismo
não pode ser visto em abstrato, pois é o capitalismo que torna possível uma forma de
democracia em que a igualdade formal de direitos políticos tem pouco efeito sobre as
desigualdades sociais e econômicas. Ao pensar a democracia a partir dessa perspectiva, levou-
se em conta a impossibilidade de separação entre o econômico e o político, ou seja, o
entendimento é de que a democratização implica em real participação de todos os indivíduos
nos mecanismos de controle das decisões somada a sua participação nos rendimentos da
produção. Isso significa dizer que não basta o acesso à democracia formal de direitos políticos
tal como assinala Wood, mas à igualdade de condições econômicas.
Assim sendo, ao longo da história da formação do Estado brasileiro, as classes
hegemônicas sempre conseguiram impor o seu projeto político e social, destituindo as classes
trabalhadoras da possibilidade de participação na produção. A colonização brasileira, marcada
pelo extermínio de milhões de indígenas pela ação europeia, lhes trouxe doenças,
escravização e morte. Após três séculos de colonização, surge um país cuja maioria é de
analfabetos e escravos, explorados por uma elite enriquecida. As revoltas populares em
diversas províncias sumariamente esmagadas pelo governo imperial ilustram o grau de
centralização do poder de mando na época. As oligarquias latifundiárias que se revezavam no
poder ao longo da Primeira República, sob a impunidade que lhes conferia o tulo de
‘coronel’, são também exemplos da hegemonia da classe proprietária dos meios de produção a
utilizar-se do Estado como meio de perpetuar o seu poder e facilitar suas práticas clientelistas
e patrimonialistas. O golpe militar de 1964 foi a máxima expressão de articulação e de poder
de dominação da classe hegemônica brasileira que durante vinte e um anos ceifou vidas e
319
interrompeu sonhos. Na década de 1980, as lutas populares pela ampliação da participação
resultaram em importantes conquistas na Constituição de 1988.
Com a crise do capital iniciada em 1973, várias estratégias passam a ser utilizadas
para a sua superação pelos capitalistas: a Reestruturação Produtiva, a Globalização, o
Neoliberalismo e a Terceira Via (PERONI, 2006). Tais estratégias têm provocado inúmeras
transformações na produção da vida material objetiva e subjetiva que vêm ocorrendo na tanto
na esfera do Estado, quanto da produção e do mercado na perspectiva de reestruturação do
ciclo reprodutivo do capital. O Estado é então redefinido em suas funções (PERONI, 2003),
passando a descentralizar o atendimento das políticas sociais a fim de tornar-se mais eficiente,
eficaz e permeável à participação da comunidade. A municipalização é uma dessas formas de
descentralização sugeridas pelo Plano Diretor do Aparelho do Estado no Brasil. Em meio a
essas mudanças estatais da década de 1990, a concepção de participação é modificada. No
caso da educação, de direito de cidadania, tal como se pleiteava na década de 1980, a
participação se limita ao controle do ‘produto’ da educação por meio da verificação dos
resultados das avaliações pelos cidadãos-clientes’ ou por meio do controle dos gastos
educacionais via conselhos de controle social. Tais práticas se alinham mais à concepção da
democracia liberal da supremacia do consumidor do que propriamente da democracia que
busque a igualdade substantiva de participação entre todos como direito de cidadania e
emancipação humana. Esse novo conceito de participação veiculado pelos estrategistas do
capital não visa a ampliar os direitos sociais tal qual o de 1980, mas é fruto de parcerias com a
sociedade civil para minimizar custos de execução das políticas sociais que, além de
focalizadas, passam a adotar a gestão empresarial como referência. Apesar da vantagem
econômica da participação que vem sendo induzida pelos estrategistas do capital, outra
vantagem é de cunho político, pois a descentralização tanto na forma de municipalização
quanto de parcerias supõe o fortalecimento da hegemonia
259
das classes detentoras do capital,
na medida em que amortece os conflitos locais e possibilita a construção de consensos.
Com base em tal concepção de democracia, o conceito de democratização da educação
adotado por este trabalho supõe a possibilidade de acesso de todas as crianças e jovens à
escola bem como a apropriação do conhecimento por esses alunos; a participação dos
segmentos sociais na gestão educacional e escolar, a existência de recursos financeiros
suficientes para o atendimento educacional com qualidade e a implementação de política de
259
Gramsci na hegemonia a capacidade de direção intelectual e moral em virtude da qual a classe dominante
ou aspirante ao domínio consegue ser aceita como dirigente legitima e assim obtém o consenso para governar.
320
valorização dos trabalhadores em educação. Entende-se, portanto, que não como se
pensar em democratização da educação se é negado às pessoas o direito de acesso ao
conhecimento produzido historicamente por meio da escola. Neste sentido, o direito de acesso
à educação compreende não apenas a matrícula do aluno em uma escola, mas a sua
permanência e a apropriação do conhecimento sistematizado trabalhado.
As etapas e modalidades trabalhadas, tendo em vista a análise do acesso, foram:
educação infantil, ensino fundamental, EJA e Educação Especial, por serem as atendidas pela
rede municipal de Altamira. Por ser considerado como direito público subjetivo na legislação
brasileira e constituir prioridade de atendimento por estados e municípios, o ensino
fundamental foi mais exaustivamente trabalhado na pesquisa. Deste modo, o acesso à
educação em Altamira foi dimensionado a partir dos seguintes indicadores: número de
matrículas, índices de rendimento do aluno (aprovação, reprovação, evasão, distorção idade-
série), taxa de matrícula bruta e líquida bem como o Índice de Desenvolvimento da Educação
Básica IDEB. Tais indicadores tiveram como fonte o Censo Educacional divulgado pelo
INEP de 1996 a 2006, o DATASUS e os arquivos da Secretaria Municipal de Educação de
Altamira.
Observou-se que, de imediato, a municipalização da educação infantil ocorrida em
1998 ocasionou uma diminuição brusca no atendimento a essa etapa da educação básica. No
entanto, ao longo da década analisada, houve um crescimento de 117,1% nas matrículas
globais em educação infantil ocasionadas pela ampliação em 644,6% do atendimento pela
rede municipal. De responsável por 22,9% do total do atendimento em 1996, a rede municipal
passa a responsabilizar-se por 78,5% das matrículas em 2006, sendo os percentuais restantes
pertencentes à rede privada. Ainda assim, considerando-se a população na faixa etária de 0 a 6
anos do ano de 2006, verifica-se que ainda persiste um grande déficit de atendimento pelo
poder público, já que a cobertura do atendimento representa apenas 26,2% do total
pertencente à faixa etária. Desta forma, se por um lado houve ampliação das matrículas; por
outro, a universalização do atendimento está ainda muito distante.
Mas quais as condições concretas que têm dificultado a democratização da educação
infantil em Altamira? Historicamente, a criança pequena não vem sendo tratada como
prioridade. Deste modo, ainda que se tenha aprovado o Estatuto da Criança e do Adolescente
como um importante sinalizador da garantia dos direitos da criança pequena na década de
1990, a garantia de seu cumprimento não ocorreu. Especialmente nesta década em que o
capital entra em crise, os investimentos em políticas sociais são contidos, e o atendimento
educacional passa a ser focalizado no ensino fundamental em detrimento de outras etapas do
321
ensino básico. O fato de a educação infantil ter sido excluída do financiamento pelo FUNDEF
certamente responde a essa demanda de focalização posta pelo capital.
Como a etapa da educação básica é considerada como direito público subjetivo, o
ensino fundamental é passível de exigência por qualquer cidadão em juízo. Isto posto,
considera-se que a meta de qualquer governo que se quer democrático deve ser a
universalização do ensino fundamental.
Contudo, uma questão ainda nos inquieta: a municipalização teria contribuído para
democratizar o acesso ao ensino fundamental em Altamira? Em 1996, o atendimento ao
ensino fundamental se fazia de forma compartilhada entre a rede estadual, responsável por
46,3% das matrículas e pela rede municipal responsável por 44,6%. Com a adesão à política
de municipalização em 1998, o município passa a atender todas as matrículas públicas e, em
2006, era responsável por 93,1 % da totalidade do ensino fundamental, sendo o restante
atendido pela rede privada, ou seja, houve municipalização máxima das matrículas, 100% do
atendimento público.
A municipalização do ensino fundamental resultou na ampliação do atendimento pela
rede municipal em 116,7% (o atendimento em 1996 era de 8.720 alunos e, em 2006, passou
para 18.897), mas não trouxe impacto significativo às matrículas da rede pública como um
todo, que aumentaram apenas 6,3%. Houve apenas a transferência de atendimento de uma
rede para a outra.
Considerando que, em 1996, o índice populacional na faixa etária de 7 a 14 anos era
de 15.198 habitantes (DATASUS, 2009), e a matrícula geral no ensino fundamental no
município como um todo era de 19.542, verifica-se que a taxa bruta de escolarização era de
128,5%. Ao longo da década, tanto a taxa de escolarização bruta evidencia a existência de
distorção idade-série quanto a taxa de escolarização líquida. Se todos os alunos tivessem
progressão regular, o ensino fundamental já teria sido universalizado desde 1996.
O que se pode inferir diante desses resultados? Se tal situação fosse analisada apenas
considerando a perspectiva dos teóricos da gestão gerencial pica do novo paradigma de
gestão dos anos de 1990, se chegaria à conclusão de que o Estado já teria garantido a
democratização do acesso. O problema seria de gestão, já que, a rigor, o número de matrículas
disponibilizado tem sido mais que suficiente, extrapolando o número de potenciais usuários.
Embora não se possa negar a importância da gestão para a democratização do conhecimento,
em se tratando de educação, as explicações não são simples e requerem que se considere o
contexto e as condições socioeconômicas em que essa educação é desenvolvida. Segundo o
PNUD (2000), 47,4% das crianças de Altamira são oriundas de famílias que ganham renda
322
inferior a meio salário mínimo. Este certamente é um dos fatores que tem bastante influência
nos problemas que resultam na distorção idade x série no ensino fundamental, pois nestas
condições, dificilmente, a criança apresenta disposição de frequência às aulas por lhe faltar o
mínimo de condições materiais para desenvolver-se de forma saudável. Com fome e
desconforto, é difícil aprender. Ademais, muitas são as crianças que por força das
circunstâncias muito cedo assumem atividades diversas que lhe permitam sobreviver,
deixando a escola em segundo plano.
O acesso à comunicação, tão apregoado na era da globalização’, se manifesta de
forma tímida em Altamira, onde em apenas 2,9% dos domicílios existe computador, e a via de
comunicação mais acessível para a camada desfavorecida é a rodovia Transamazônica (BR
230), quase sempre intransitável pela falta de manutenção.
A cidade é pouco industrializada, e 85,3% da arrecadação municipal em 2006 tinha
origem nas transferências governamentais. O PIB per capita do cidadão altamirense sempre
esteve abaixo do PIB nacional e, em 2005, representava apenas 37,4% ou menos do que a
metade deste, segundo a SEPOF. Dados do PNUD de 2000 demonstram que naquele ano
apenas 1,2% da população altamirense apresentava mais de quinze anos de estudos, o que
demonstra a pouca efetividade da democratização do acesso à escolarização pela população.
Além disso, toda a população indígena em idade escolar está impossibilitada de acesso ao
ensino fundamental completo, uma vez que nas treze escolas indígenas existentes esse ensino
contempla até a série e, mesmo assim, sem garantir currículo diferenciado e ensino
bilíngue, tal qual prevê a Constituição de 1988. Os povos indígenas de Altamira, mesmo
sendo brasileiros, são ao mesmo tempo estrangeiros em sua própria terra, pois não conseguem
acesso ao conhecimento sistematizado pela dificuldade de compreender a língua portuguesa e
de se fazer compreender na ngua de sua etnia. Nesse aspecto, a escola, apesar dos esforços
mais recentes no sentido de diferenciação curricular, pouco tem contribuído para o
fortalecimento e para a preservação da identidade dos povos indígenas da região do Xingu
pelo não respeito a sua cultura e linguagem. E essa é uma forma violenta de não
democratização do acesso à educação.
Ainda dentre os múltiplos aspectos que tendem a dificultar a democratização do acesso
à escola e à apropriação do conhecimento está o fato de o município possuir uma vasta zona
rural (Altamira apresenta território maior que muitos países, inclusive a França) com pouca
densidade demográfica, onde rios de navegação temporária são comuns. Assim, mesmo com a
existência do programa de transporte escolar, seus recursos tornam-se insuficientes diante das
323
distâncias geográficas entre a casa do aluno e a escola, inviabilizando dessa forma a garantia
do acesso e da permanência de todos na escola.
Não obstante, ao longo da década os índices de aprovação no ensino fundamental
aumentaram de 50,7%, em 1996, para 78,0% em 2006. A taxa de abandono escolar diminuiu
de 16,3% para 6,5% no mesmo período, revelando que com a municipalização a permanência
na escola passou a ser mais efetiva. Evidenciou-se também o aumento na democratização da
apropriação do conhecimento pelos alunos do ensino fundamental que se manifestou pelos
bons índices alcançados no IDEB. Deste modo, se em 2005 o IDEB observado nos anos
iniciais (1ª a 4ª) em Altamira foi de 3,3, em 2007, foi de 4,3, bem acima da média de 2,8
observado no Estado do Pará para os anos de 2005 e 2007. Considerando que a média
nacional do IDEB em 2005 era de 3,8 e, em 2007, 4,2, o IDEB de Altamira ultrapassou a
média nacional em 2007.
Em relação às series finais (5ª a 8ª) também se verificou em Altamira aumento do
IDEB de 3,6 em 2005 para 4,0 em 2007. Em ambos os anos o IDEB de Altamira foi acima
das médias estaduais (que em 2005 era de 3,1 e, em 2007, de 2,9) e da média nacional (em
2005 era 3,5 e em 2007, 3,8). Em que pesem os limites da política de avaliação implementada
pelo governo por meio do IDEB, tais resultados são animadores; todavia, os índices de
distorção idade-série continuam, pois no ano 2006 a rede municipal, segundo dados do INEP,
apresentava 33,2% dos alunos do ensino fundamental fora da faixa etária adequada a essa
etapa. Tal situação decorre das sucessivas vezes em que o aluno ou repete ou abandona a
escola ano a ano, cujos motivos na maior parte das vezes estão relacionados às suas limitadas
condições de sobrevivência. Além disso, considerando-se que a taxa de analfabetismo
funcional apontada pela SEPOF em 2000 chegava a 25% dos habitantes, infere-se que,
embora tenham ocorrido avanços na democratização do acesso ao conhecimento, a exclusão
persiste.
Entende-se que a solução para tal situação anacrônica vai além da escola. Na verdade,
suas raízes ancoram-se na expressiva desigualdade social e econômica presente em Altamira,
confirmando os limites da democracia liberal nos marcos da sociedade do tipo capitalista de
que nos falam Wood (2006), Vieira (1992) e Peroni (2003, 2008). Não se pode, contudo,
deixar de reconhecer os avanços verificados com a municipalização em Altamira em relação à
democratização da educação pelo acesso e pela apropriação do conhecimento, contudo o que
também fica patente é o limite da escola diante das desigualdades sociais. Assim, o acesso à
educação pode ser maior ou menor, a apropriação do conhecimento pode também variar para
menos ou para mais, mas as condições de desigualdade social e econômica, matriz dessas e de
324
outras desigualdades, prevalecem desafiando as medidas de caráter administrativo. Não por
incompetência dos gestores ou por vontade dos professores ou até mesmo por comodismo
dos alunos, mas porque é funcional ao capitalismo, com municipalização ou sem
municipalização da educação. A democratização da educação tende a demonstrar os seus
limites diante das desigualdades sociais e econômicas típicas da natureza excludente do
sistema capitalista. Na verdade, a democracia efetiva pode ser construída sob a igualdade
de condições socioeconômicas dos seres humanos.
O dimensionamento dos recursos aplicados à educação pública municipal em Altamira
constitui importante requisito a ser discutido, considerando-se a possibilidade de
democratização da riqueza por meio da garantia de uma educação de qualidade até mesmo
porque a concepção de democratização que embasa este trabalho pressupõe, além da
participação na tomada de decisões, a participação social nos rendimentos da produção. Uma
das formas de distribuição da riqueza produzida nos marcos da sociedade capitalista se faz,
portanto, por meio de políticas sociais.
O financiamento da educação constitui importante fator a ser analisado, pois os
recursos financeiros são fundamentais para que o poder público possa garantir condições de
acesso, permanência e apropriação do conhecimento pelo aluno. Na verdade, a
disponibilidade de recursos é que vai propiciar meios para a concretização da valorização dos
professores, para a expansão da rede e, enfim, para a promoção da qualidade em educação. Na
educação municipal, o financiamento é assegurado constitucionalmente pela aplicação de pelo
menos 25% das receitas de impostos próprios e transferidos, bem como pelas receitas do
salário educação e de convênios com o Estado e a União. Importa destacar que com o
FUNDEF (instituído no Pará a partir de 1997) a base de repasses financeiros passa a ser o
número de alunos matriculados no ensino fundamental.
As informações financeiras foram obtidas no Tribunal de Contas dos Municípios do
Pará – TCM, na Secretaria de Finanças do Município de Altamira e por via eletrônica em sites
oficiais
260
. Cabe registrar que não foi possível o acesso aos balanços de 1996 e, em 1998,
conforme justificativa mencionada no corpo deste trabalho, os valores foram atualizados
conforme o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo IPCA
261
, calculado pelo IBGE
260
Foram consultados os sites da Secretaria de Estado de Planejamento, Orçamento e Finanças – SEPOF
(www.sepof.gov.pa), Portal Transparência da CGU (http://www.portaltransparencia/gov/br) e o site oficial do
MEC/FNDE (http://www.fnde.gov.br/pls/simad/internet_fnde.liberacoes_result_pc).
261
O IPCA bem como outros índices de correção e atualização econômica encontra-se no site
http://www.savoynet.com.br/easycalc/correcao.asp. Para o IPCA, o IBGE utiliza como base de indexação os
preços ao consumidor referentes a produtos comerciais, prestação de serviços e aluguéis, de 01 a 30 do mês de
referência.
325
com base em 30/06/2008. Embora todo o esforço e cuidado tenha ocorrido para a obtenção da
máxima fidedignidade dos dados, os resultados aqui apresentados expressam a aproximação
possível com a realidade.
A primeira questão analisada em relação ao financiamento da educação foi quanto à
prioridade dada à Função Educação e Cultura, comparando o total do orçamento executado
pela referida função em relação a outras Funções de Governo ao longo do período de 1997 a
2006. O resultado de tal comparação demonstrou que, de 1997 a 2006, a Função Educação e
Cultura ocupou a primeira posição em relação ao total das despesas executadas, com exceção
dos anos de 1997 e de 2006, cuja primazia foi da Função Saúde e Saneamento. Além disso, os
gastos com educação obtiveram crescimento de 248,4%, passando de R$ 6.729.500,00 em
1997 para R$ 23.444.250,00 em 2006. A fim de verificar os motivos de tal crescimento e sua
possível relação com a municipalização do ensino, todas as fontes de receitas educacionais
foram estudadas considerando o período da pesquisa, chegando-se à seguinte conclusão:
a) A receita de impostos próprios e transferidos aumentou 71,1% ao longo do período
estudado. No entanto, sua participação na composição geral da receita vem diminuindo ao
longo da série histórica, pois se em 1997 representavam 90,31% do total da receita, em 2006
representam pouco mais da metade, ou seja, 50,49%;
b) Quanto às receitas de assistência financeira automática da União (FNDE)
262
,
embora tenham aumentado 62,5% de 1997 a 2006, contribuíram em média com apenas 8,5%
do total das receitas (apresentando variação mínima de 6,7% em 2004 e máxima de 14,3% em
2002). Portanto, não impactaram tanto no crescimento das receitas gerais da educação.
c) Em relação ao salário-educação, ainda que tenha contribuído para o aumento das
receitas educacionais pela regularidade dos repasses a partir de 1999, representou muito pouco
no total da receita, variando de 1% a 2,5% do total a cada ano e representando em média
2,11% ao longo da série histórica.
d) A complementação do FUNDEF certamente foi o fator determinante no aumento
das receitas, pois além do município receber de volta os 15% de sua contribuição ao fundo,
eles foram duplicados em todos os anos mediante o mecanismo de redistribuição propiciado
pelo FUNDEF na forma de complementação. No ano de 2005, por exemplo, a
262
Altamira contou com os seguintes Programas do FNDE: Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE),
Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), Programa Nacional de Alimentação do Indígena (PNAI),
Programa de Alimentação para Creches (PNAC), Programa Nacional de Apoio ao Transporte Escolar (PNATE)
e o Programa de Apoio aos Sistemas de Ensino para a Educação de Jovens e Adultos (PROEJA). Os recursos
advindos da assistência voluntária da União por meio de Plano de Trabalho Anual (PTA) e do Estado foram
esparsos durante o período.
326
complementação representava 39,1% do total da receita total da Educação, ou seja, quase a
metade. Porém, se por um lado a complementação do FUNDEF foi importante para o
município porque representava um recurso novo advindo do Estado e da União; por outro,
expunha a fragilidade financeira do município e sua extrema dependência em relação aos
outros entes federados.
A primazia da Função Educação e Cultura sobre as outras Funções de Governo
ocorreu basicamente por dois motivos: primeiro, por ser a única Função a contar com
percentual de vinculação de 25% dos impostos próprios e transferidos assegurado
constitucionalmente, o que não ocorre com as outras funções de governo; segundo, pela
municipalização do ensino fundamental ocorrida a partir de 1998, o que aumentou
significativamente o número de alunos na rede e, em consequência, trouxe acréscimo de
recursos via complementação do FUNDEF. Além disso, a partir de 1999, o município passa a
receber diretamente os recursos do Salário-Educação com base na Lei Estadual nº. 6.239 de
09/08/1999, cuja distribuição também era baseada no número de matrículas do ensino
fundamental. Constata-se, deste modo, que a municipalização produziu aumento das receitas
educacionais em Altamira pelo aumento de alunos na rede municipal base de repasse de
recursos pelo FUNDEF e de outros programas.
Mas como vinham sendo empregados esses recursos considerando-se a possibilidade de
democratizar a educação com qualidade para o maior número de crianças e jovens? Para obter
a resposta a esse questionamento, foram analisadas as despesas do ponto de vista dos objetivos
e áreas de atuação, isto é, por Programa.
O ensino fundamental foi o Programa em que se despendeu maior quantitativo de
recursos educacionais de 1997 a 2006, cuja participação percentual no conjunto das despesas
correspondeu à média de 68% ao longo da década com variação mínima de 62% (2001) e
máxima de 82,3% (2003). O crescimento das despesas com o ensino fundamental no período
foi de 268,8% (de R$4.299.524,00, em 1997, passou-se para R$15.857.434,00 em 2006). Tal
centralidade no gasto de recursos com esse programa corresponde à política de focalização do
ensino fundamental típica dos anos de 1990. Isso se traduziu financeiramente não apenas na
vinculação de 60% dos impostos ao ensino fundamental via política do FUNDEF, mas também
na maioria dos convênios e das transferências automáticas do FNDE (PDDE, PNAE, PNATE,
entre outros) que eram voltados para essa etapa.
Quanto às despesas com a educação infantil, ainda que tenha havido um crescimento
extraordinário durante a década (de R$3.913,00 em 1997 passou a R$2.054.370,00 em 2006), a
327
média de gastos foi modesta (4,5%), considerando que a educação infantil é a prioridade de
atendimento pela rede municipal. A razão para tão inexpressivo gasto relativo certamente
reside no fato de a educação infantil ter sido excluída do FUNDEF uma vez que boa parte de
seus custos operacionais continuavam vinculados à Secretaria de Trabalho e Promoção Social,
portanto, contabilizados não como educação, mas como assistência.
A despesa com o programa Administração Geral foi bastante significativa e
correspondeu à média de 19,08% do total de gastos na cada, sendo que o maior percentual
(28,40%) ocorreu no ano de 1997, e o menor, em 2003 (13,38%). Embora seus valores em
termos relativos tenham decrescido (já que em 1997 representavam 28,40% do total das
despesas e, em 2006, 14,0%), em termos absolutos o programa Administração Geral obteve
um crescimento de 72,6% (de R$1.911.271,00 em 1997 para R$3.300.684,00 em 2006). Tal
crescimento não foi suficiente, contudo, para se ter um prédio próprio para abrigar a
Secretaria Municipal de Educação, que continua funcionado precariamente nos espaços
anexos ao ginásio municipal de esporte.
Os gastos com Ensino Médio se referem ao apoio da prefeitura municipal à rede
estadual para a oferta de ensino médio em etapas na zona rural do município, por meio do
Sistema Modular de Ensino (SOME), com transporte, alimentação e alojamento aos
professores. Nos anos em que registro (apenas nos balanços de 1997, 2001, 2005 e 2006),
os gastos com esse programa não chegam a 1% do total, ainda que o SOME não tenha sofrido
interrupções no período. A Educação de Jovens e Adultos, por exemplo, apesar de ter iniciado
em 1998, somente em 2001 apresenta gastos especificados em 0,66% do total do gasto anual.
Até 2006 a média de gasto em EJA correspondeu a 2,8%, sendo o menor em 2003 (0,43%), e o
maior, em 2005 (5,0%).
É interessante constatar que as despesas com a Educação de Jovens e Adultos não
refletem as receitas das transferências automáticas do Governo Federal. No ano de 2001, por
exemplo, verificou-se a transferência de R$ 1.116.761,00 referente ao Programa Recomeço, e
no balanço são registrados gastos com EJA bem inferiores a esse valor no total de
R$113.521,00. O mesmo parece acontecer com as despesas referentes ao Programa Assistência
ao Estudante onde deveriam constar os valores relativos ao PNAE, PNAI, PNAC e PNATE.
Destaque-se a ausência de programa que dimensione os gastos com educação indígena,
municipalizada em 2003. A falta de referências a valores de convênios nos balanços anuais
comprometem a correta leitura da aplicação dos recursos públicos, dificultando a transparência
das informações – um dos principais requisitos para a democratização da gestão pública.
328
Verificou-se ainda o valor do gasto-aluno-ano com o fim de dimensioná-lo em relação
ao valor do Custo Aluno Qualidade Inicial (CAQI)
263
, este entendido como o primeiro
patamar rumo à democratização da educação de qualidade, considerando-se o seu aspecto
financeiro. Para obter tal valor considerou-s, portanto, o valor total despendido no programa
dividido pelo número de matrículas.
Como explicar o reduzido gasto-aluno anual em Educação Infantil em 1997 na base
de R$5,83? Tal valor não reflete todos os gastos efetivamente realizados nessa etapa do
ensino, pois parte significativa das despesas era financiada por convênios celebrados via
Secretaria de Trabalho e Promoção Social, órgão ao qual a educação infantil era vinculada,
mais como assistência do que propriamente como educação. Além disso, boa parte das
matrículas pertencentes às classes de alfabetização, muito provavelmente, foram custeadas
como ensino fundamental, com recurso do FUNDEF. A partir de 2000, o gasto-aluno-ano em
Educação Infantil se estabilizou observando-se o mínimo de R$304,30 (2003) e o máximo de
R$691,40 (2006), sendo, em média, R$482,90 durante o período
264
.
O gasto-aluno-ano com o ensino fundamental durante o período aumentou 112%,
passando de R$426,83 em 1997 para R$904,22 em 2006. Nos oito anos subsequentes à
municipalização, a média de gasto aluno no ensino fundamental foi de R$772,00.
Considerando o Custo Aluno Qualidade Inicial (CAQI) avaliado em R$ 1.618,00, o
gasto aluno do ensino fundamental em Altamira tanto antes como depois da municipalização
ainda se distancia do mínimo para a oferta de condições de qualidade. A média verificada ao
longo da década não chegou sequer à metade de tal custo, representando apenas 47,7%.
Embora houvesse maior concentração de recursos no ensino fundamental, o número de
matrículas foi proporcional ao volume de recursos, motivo por que não se tem um gasto-
aluno compatível com o CAQI.
O atendimento de EJA em Altamira pela rede municipal inicia em 1998, quando se
optou pela municipalização dessa modalidade. No entanto, até 2000 são ausentes nos
balanços quaisquer referências à despesa com EJA, presumindo-se que neste período suas
despesas tenham sido financiadas pelo FUNDEF, incluídas no Programa de Ensino
Fundamental. Tal inclusão, se verdadeira, provoca uma diminuição ainda maior do gasto-
263
De acordo com Pinto (2006), o conceito de Custo Aluno Qualidade Inicial (CAQI) foi construído
considerando uma escola que contenha os insumos básicos e necessários para se garantir um mínimo de
condições de qualidade na perspectiva de que as metas aumentem e novas exigências se incorporem à noção de
qualidade inicial.
264
Os anos de 1997 e 1999 foram considerados atípicos pela discrepância verificada nos gastos em educação
infantil, motivo por que foram excluídos do cálculo da média, que se restringiu ao período de 2000 a 2006.
329
aluno do ensino fundamental, pois representa a inserção de mais de três mil alunos a cada
ano. É somente a partir de 2001 que a EJA passa a receber o apoio do Programa Recomeço,
posteriormente PROEJA. Em alguns anos, os recursos referentes a esse programa não são
registrados nos balanços. Contudo, para o cálculo do gasto-aluno com EJA, esses recursos
são considerados, resultando na média de R$381,00 do gasto-aluno de 2001 a 2006, não
chegando a 1/3 do CAQI.
Ainda que tenha havido um crescimento bastante acentuado no gasto-aluno do ensino
fundamental após a municipalização, verifica-se que o mesmo foi insuficiente em relação ao
Custo Aluno Qualidade Inicial CAQI, não alcançando sequer a metade deste. Do ponto de
vista financeiro, há, portanto, uma democratização que apresenta limite para a oferta de
condições de qualidade na educação.
Se a leitura do balanço financeiro anual das contas municipais pelo cidadão comum,
pelas características que normalmente apresenta, traz certa dificuldade, o que dizer quando tais
documentos demonstram ausências de registro ou de complemento explicativo? E isso ocorre
corriqueiramente não apenas em Altamira, quando não se registram os valores de convênios
em alguns balanços anuais, mas em vários municípios país afora, dificultando a fiscalização
dos recursos públicos pelo cidadão. Por constituir-se em um dos principais requisitos para a
democratização da gestão pública, a transparência das informações sobre as contas públicas é
muito importante e deveria merecer toda a atenção dos gestores públicos.
No geral, os gastos em educação se concentraram em despesas de custeio ou despesas
correntes (86,4% no período de 1997 a 2006) em detrimento de investimento em capital
(média 19% do total de 2000 a 2006). Das despesas correntes, o gasto com pessoal é o que
mais se destaca, chegando a representar 74,7% em 2001 e, nos outros anos, sempre acima de
50%. Antes da municipalização os gastos com capital eram ínfimos, representando apenas 3%
do total. Embora os investimentos em despesas de capital tenham aumentado substancialmente
após a municipalização, a maior parte dos gastos continuou sendo em manutenção ou custeio
do patrimônio já existente.
Verificou-se ainda a aplicação mínima de 25% dos recursos em MDE. Dos nove anos
pesquisados, em cinco os percentuais foram cumpridos, dois apresentaram problemas para
apuração do MDE e, em três deles, os percentuais apenas se aproximaram. Não se pode
negar, portanto, que com a municipalização do ensino houve aumento significativo de
recursos para a MDE na base de 95,5% de 1997 a 2006. Poder-se-ia afirmar que tal aumento
de recursos permitiria não apenas expandir o acesso à educação a mais crianças e jovens, mas
também melhorar substancialmente a qualidade da educação. Contudo, tal aumento de
330
recursos se deu justamente em consequência do maior número de alunos assumidos pela
municipalização – base de referência de repasses financeiros segundo a política do FUNDEF.
Na prática, tal situação equivale a um jogo de soma zero, onde mais alunos produzem mais
recursos, mas também na mesma proporção, o aumento de despesas, dificultando a
democratização da educação em Altamira. Outro aspecto analisado e também bastante
importante para dimensionar a democratização da educação envolve a valorização dos
professores.
A valorização dos profissionais da educação constitui um dos principais desafios na
perspectiva de implementação da democratização da educação na medida em que sem
professor qualificado, bem remunerado e sem boas condições de trabalho não se poderá
garantir educação de boa qualidade para todos. Com base neste entendimento, a valorização
foi contemplada como um eixo do estudo com o objetivo de se verificar as implicações da
municipalização para o desenvolvimento da política de valorização dos profissionais da
educação em Altamira.
A luta dos educadores e de vários segmentos sociais diante do crescente processo de
desvalorização profissional dos educadores durante a década de 1980 resultou na inscrição do
princípio da valorização dos profissionais do ensino na Constituição Federal de 1988 (Art.
206, Inciso V), posteriormente regulamentado pela Lei 9.394 de 20 de 12/1996.
Com base nos vários estudos existentes sobre o tema e a legislação vigente,
considerou-se que a valorização dos profissionais da educação supõe a existência de política
de formação inicial e continuada, salário digno, Plano de Carreira e condições adequadas de
trabalho.
Nesta perspectiva, a análise da valorização do professor em Altamira levou em conta
os seguintes indicadores antes e depois da municipalização: a existência ou não de plano de
carreira, a política de formação inicial e continuada, a política salarial docente, a forma de
provimento de professores e as condições de trabalho. A pesquisa revelou, portanto, que antes
da municipalização do ensino fundamental em Altamira a rede municipal contava com um
total de 662 funcionários. A municipalização ocorrida em março de 1998 trouxe um
acréscimo de 227 novos servidores oriundos da rede estadual os ‘municipalizados’
265
. Esta
foi a primeira consequência da municipalização para a valorização dos trabalhadores em
educação em Altamira e que teve grandes implicações na democratização da educação: a
265
Os professores ‘municipalizados’ apresentavam uma situação funcional especial, pois embora exercessem
suas funções na rede municipal eram regidos funcionalmente por legislação estadual.
331
dificuldade de compatibilizar orientações de carreira distintas, a dos professores da rede
municipal e a dos professores ‘municipalizados’.
Segundo o convênio de municipalização, os professores da rede estadual eram apenas
cedidos ao município, preservando os seus direitos como funcionários regidos pelo RJU dos
servidores estaduais e Estatuto do Magistério Estadual. Tendo em vista, portanto, que a
municipalização afetou de maneira diferente os professores da rede municipal e os professores
‘municipalizados’, as conclusões serão apresentadas para cada segmento.
Antes da perspectiva de municipalização, não havia Plano de Carreira e nem concurso
público para ingresso de servidores na rede municipal de Altamira. O pagamento dos salários
não contemplava gratificações diferenciadas por local de trabalho (zona urbana ou rural,
classes multisseriadas ou educação especial). A iniciativa mais institucionalizada em relação à
valorização era quanto à formação inicial, por meio do Projeto Gavião
266
, que se ocupava da
formação dos professores em magistério de nível médio. Atribuiu-se à municipalização,
portanto, as significativas modificações na vida funcional dos educadores principalmente pela
implementação do Plano de Carreira e pela realização do primeiro concurso público em 1998.
Embora a municipalização só tenha ocorrido em Altamira em março de 1998, esse processo já
vinha sendo gestado desde o ano de 1996 quando o governo do estado adota a
municipalização como política e antecipa o FUNDEF em 1997. A intensa campanha
desenvolvida pelo governo associando a municipalização ao aumento de recursos via
FUNDEF resultou em que muitos prefeitos, ao se habilitarem para o FUNDEF, também o
faziam em relação à municipalização.
O entendimento era ainda mais facilitado se o prefeito fosse do mesmo partido do
governador (PSDB), como era o caso de Altamira. A simbiose entre o FUNDEF e a
municipalização era tão evidente que a Lei 1.378, que definiu o primeiro Plano de Carreira
dos trabalhadores da educação de Altamira, e a Lei 1.380, que dispunha sobre a criação do
Conselho do FUNDEF, foram aprovadas na mesma data: 27 de junho de 1997.
O sindicato da categoria afirma que embora o prefeito tenha solicitado a contribuição
dos professores, não as considerou no projeto de Lei enviado à Câmara. Ainda assim, o
primeiro Plano de Carreira garantiu algumas conquistas no sentido de valorização dos
profissionais tais como: gratificação de titularidade (40%), regência de classe (20%) e sobre o
tempo de serviço. Outras gratificações previstas consideravam a especificidade dos alunos
266
O Projeto Gavião I tinha como objetivo capacitar professores leigos que não possuíssem o ensino
fundamental, e o Gavião II objetivava oferecer a habilitação em magistério. Até a municipalização do ensino
fundamental em 1998 funcionou com a colaboração do governo do Estado.
332
atendidos e a localidade onde ocorria o ensino: zona rural (20%); educação indígena (20%);
turmas multisseriadas (10%); Educação Especial (50%). O Plano de Carreira de 1997 foi
colocado em prática apenas parcialmente, pois, ainda que prometesse que nenhum professor
receberia menos do que o salário mínimo, era somente mediante acréscimo de gratificações
que o professor nível I, com magistério, conseguia chegar a esse patamar.
Em 2000, o Plano de Carreira foi modificado pela Lei Municipal 1.460/2000 e
passou a associar a remuneração do professor ao seu desempenho e aos índices de qualidade
da escola. Tais mudanças estavam em sintonia com as diretrizes de carreira emanadas do
MEC por meio da Resolução 3 de 08/10/97 que davam ênfase à avaliação de desempenho
como condição para progressão em detrimento do tempo de serviço. Essas diretrizes de
carreira do professor, por sua vez, guardavam estreita relação com a reestruturação produtiva
do capital diante da crise de acumulação iniciada em 1973, resultando em precarização e
flexibilização em todos os setores do trabalho de que nos falam Ricardo Antunes (2001, 2003,
2005) e Harvey (2001). Na perspectiva de ajustar-se a esse momento particular do
capitalismo, o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (PDRAE) de 1995
questionava a estabilidade do servidor público presente na Constituição de 1988, vista como
protecionista e inibidora do “espírito empreendedor”, e propunha uma administração pública
flexível e moderna, com ênfase nos aspectos gerenciais e na busca de resultados. Como
desdobramentos do PDRAE e compondo o ‘pacote’ que visava a redefinir o papel do Estado
no atendimento das políticas sociais, o tripé reforma da Administração Pública (E.C nº 19/98),
Reforma Educacional (E.C 14/96) e Reforma da Previdência (E.C 20/98) tornaram a
administração pública mais flexível e ajustada à mentalidade empresarial. As recomendações
do MEC eram no sentido de que os planos de carreira levassem em conta essa legislação que
se esmera em compatibilizar a gestão pública, o financiamento educacional e a previdência ao
ajuste estrutural do capitalismo pós-crise.
Esse leque de mudanças em nível nacional trouxe mudanças significativas para os
professores de Altamira agravadas pela parceria realizada com o Instituto Ayrton Senna em
2001, que estimulou a implantação pela rede municipal da sistemática de gestão gerencial de
resultados. Em relação ao trabalho do professor, o IAS reforçou as propostas oriundas do
MEC colocando em prática a avaliação de desempenho e a mensuração de resultados e de
metas. Assim, entre os 22 indicadores de gestão para a rede municipal proposto pelo IAS
destacava-se o item valorização do professor que apontava a necessidade de Plano de Carreira
com características determinadas, dentre elas: a) a minimização ou eliminação de aumentos
salariais para titulação adicional e para tempo de serviço; b) a criação de incentivos
333
relacionados com o desempenho do professor ou da escola; c) pagamento por nível de atuação
e não por nível de formação.
Tais orientações do IAS alinhavam-se com as críticas elaboradas pelos teóricos da
Reforma do Estado que estimulavam a minimização dos gastos com serviços públicos e
repercutiram no terceiro Plano de Carreira dos professores da rede municipal de Altamira
aprovado por meio da Lei 1.553 de 09 de junho de 2005. O Artigo 56, por exemplo, define
o autoaperfeiçoamento profissional, a criatividade, a premiação pela competência técnica e o
compromisso do professor com os resultados do ensino como os objetivos principais do
Plano, redefinindo a concepção de valorização. Se antes, portanto, a valorização do professor
envolvia preocupações sobre suas condições de trabalho e de salário, a partir da parceria com
o IAS o desempenho, o autoaperfeiçoamento profissional e a produtividade do trabalho do
professor associado ao alcance de metas e resultados se transformam nos temas centrais.
Assim, a aferição da competência técnica e os critérios para a premiação do
autoaperfeiçoamento e do desempenho por resultados são bastante detalhadas no Plano e
constituem as bases para a progressão funcional. Desta forma, o tempo de serviço não é mais
considerado para a progressão horizontal, pois 50% da pontuação atribuem-se ao bom
desempenho, e 50%, à formação continuada, segundo o Art. 66 do plano
267
.
Quanto à política de formação inicial, a oferecida com mais regularidade continuava
sendo a formação em magistério pelo Projeto Gavião. A SEMEC promoveu apenas um curso
de nível superior em pedagogia para cinquenta professores, financiado pelo FUNDEF. Tal
política, no entanto, não teve continuidade, e hoje a maioria dos professores tem feito o
autoaperfeiçoamento por conta própria, buscando o curso superior possível, realizado à
distancia ou aos fins de semana. Esse esforço resultou em um crescimento significativo do
índice de professores com o curso superior na base de 347,7%. Esse aumento representa
pouco mais da metade dos 770 professores da rede (51,1% do total) com nível superior e
48,5% ou 374 professores com o ensino de nível médio (dos quais 40 sem o magistério) em
2007, o que, afinal, constituía uma situação quase equilibrada entre professores com os dois
níveis de formação.
A formação continuada, apesar do Plano de Careira atribuir à SEMEC a incumbência
de oferecê-la aos professores, nem sempre acontece. E quando ocorre, a formação tem sido
funcional às demandas colocadas pelo IAS. Por ser considerada como pré-requisito para a
267
Não se desconsidera a importância da formação profissional do professor e de sua competência naquilo que
faz, mas questiona-se a existência de tais medidas desvinculadas de iniciativas que viabilizem condições salariais
e de trabalho para a efetividade da valorização e democratização da educação que se entende neste trabalho.
334
progressão na carreira, a oferta insuficiente de formação continuada pela SEMEC vem
onerando os professores, que a procuram em outros espaços e às suas custas. Ao mesmo
tempo em que financiam os custos da formação continuada, os professores também sacrificam
o seu pouco tempo disponível para a família ou para lazer nos fins de semana. Mais grave
ainda é a situação dos professores da zona rural e dos professores da educação indígena.
Morando em casas anexas à escola ou em casas de moradores da localidade, permanecem por
meses sem poder vir à sede do município, pois a gratificação que recebem não é suficiente
para custear o seu deslocamento mensal até a cidade, muito oneroso. Muitos só o fazem com a
ajuda do transporte utilizado pela FUNAI ou pela FUNASA quando de suas visitas às aldeias.
Para estes professores, o preço de ter um emprego é o isolamento da família, dos amigos e
também de qualquer possibilidade de frequentar qualquer curso de formação ou atualização, e
alguns compensam estudando nos períodos reservados a férias. Mesmo os professores de
algumas escolas da zona urbana se ressentem da falta de materiais didáticos, equipamento e
mobiliários adequados para a realização de suas aulas.
Em relação aos salários, de 1998 a 2006 a remuneração de todos os professores
diminuiu de 0,6 a 1,8%. Logo após a municipalização, ainda que se tenha observado um
aumento significativo no volume de recursos em função do aumento do número de alunos, até
o início de 2003 os salários ficaram praticamente congelados, aumentando apenas 1%. Em
maio de 2003, o salário sofre uma queda significativa na base de 21%. Nos anos
subsequentes, a perda vai se recompondo, mas não o suficiente para que pudesse haver
crescimento, de modo que, ao comparar o salário de 1998 em relação ao de 2006, todos os
salários apresentam déficit, mesmo considerando o acréscimo das gratificações. Por outro
lado, após a municipalização, as gratificações passaram a fazer parte da remuneração dos
professores da rede, conforme o que vinha se aprovando nos Planos de Carreira.
Atualmente, os professores da rede municipal vivem tensos diante da pressão pelo
cumprimento de metas do IAS, pelo aumento do IDEB, pela conquista de pré-requisitos para
progressão e para realizar um curso superior. Essa situação de permanente tensão e
competitividade, segundo o sindicato, tem desencadeado muito estresse, adoecimento e casos
de depressão, o que contribui para intensificar e tornar precário ainda mais o trabalho docente.
Na escala de decisões que dizem respeito às políticas educacionais municipais e que afetam
diretamente as suas ações, o professor não é partícipe, mas um mero executor e, por isso, não
se sente valorizado. Nestas condições, fica difícil falar em valorização profissional.
Contudo, não se podem desconsiderar os avanços importantes para a valorização do
professor na perspectiva de democratização da educação ocorridos após a municipalização. A
335
existência de planos de carreira (ainda que com todas as limitações provenientes da
conjuntura econômica e política), a realização de dois concursos públicos no período e o
aumento de professores com curso superior são aspectos importantes e devem ser
reconhecidos. Por outro lado, as precárias condições de trabalho, a pouca participação dos
professores na elaboração da política educacional e os salários diminuídos ao longo da década
pesquisada permitem a afirmação de que, após a municipalização, a valorização do professor
da rede municipal vem se dando de forma muito parcial.
E o que se pode considerar ao analisar as implicações da municipalização para os
professores ‘municipalizados’? Com a municipalização ocorrida em março de 1998, 227
servidores da rede estadual passaram para a gestão da rede municipal. De acordo com o
Convênio de Municipalização, o servidor estadual era apenas cedido para a gestão municipal
e, portanto, seus direitos adquiridos como funcionários do quadro permanente da SEDUC
regidos pelo Estatuto do Magistério Público Estadual seriam preservados, cabendo ao gestor
municipal assegurá-los. Por terem carreira sedimentada há mais tempo na rede estadual, os
professores ‘municipalizados’ auferiam ganhos em média de 40% a mais do que o dos
professores da rede municipal.
Em linhas gerais, e considerando os indicadores propostos pela pesquisa, a política de
valorização para esses professores ocorreu de forma muito semelhante ao ocorrido com os da
rede municipal até o final de 2000. Contudo, a partir de 2001, quando muda a gestão
municipal, os professores ‘municipalizados’ começaram a ter problemas: carga horária
reduzida, licenças negadas, lotações pulverizadas, e o mais grave, salários diminuídos. De
fato, a pesquisa revelou que entre os anos de 2001 e 2004 o prefeito nivelou o salário dos
professores ‘municipalizados’ aos da rede municipal, que eram menores. A SEDUC emitia a
folha de pagamento, e a prefeitura a desconsiderava elaborando outra folha com valores
semelhantes aos que eram pagos aos professores da rede municipal. O abono do FUNDEF e o
salário família foram suprimidos. Inicia-se a partir daí um longo processo de disputa judicial
acionado pelo sindicato dos professores contra a prefeitura municipal junto ao Tribunal de
Contas dos Municípios, ao Tribunal de Justiça e ao Ministério Público para que se fizesse
prevalecer o acordo firmado no convênio de municipalização. Nos dois anos (2001 e 2002), a
prefeitura deixou de pagar aos professores municipalizados R$ 543.904,00 relativos à
diferença entre os R$ 2.698.928,00 calculados pela SEDUC e os R$ 2.155.024,00
efetivamente pagos pela Prefeitura. Com dívidas acumuladas, muitos desses professores
adoeceram física e emocionalmente e, durante mais de três anos, lutaram na justiça para que
seus salários voltassem à regularidade. Assim, uma sucessão de mandatos de segurança,
336
liminares, pareceres, suspensões de liminares e outras peças jurídicas tiveram curso e, por
meio delas, a justiça se revezava nos veredictos, sem que a situação fosse resolvida.
A queda de braço entre o prefeito e o governador teve como vítimas os professores,
que, cansados da longa espera, encontraram na ‘desmunicipalização’ a solução que lhes
permitiu a volta à rede estadual nos anos de 2003 e 2004. Sem nível superior, não podiam
atuar no ensino médio. Sem escolas e sem alunos do ensino fundamental, que permaneceram
municipalizados, alguns professores assumiram serviços administrativos na 10ª URE/SEDUC,
e outros foram remanejados para a APAE, entidade que, embora filantrópica, pertence ao
setor privado. Para estes, na APAE, a consequência da municipalização não foi apenas de
desvalorização profissional, mas resultou em exclusão da rede pública de ensino. Todos esses
professores continuam aguardando o resultado de processos para recuperar a parte dos
vencimentos que lhes foi sistematicamente subtraída à época em que foram
‘municipalizados’.
A municipalização trouxe muita dor e sofrimento para os professores
‘municipalizados’. A perda de identidade como professores que não sabiam se eram da rede
estadual ou da municipal deu lugar à perda de direitos, devido à exclusão da rede pública, às
humilhações sofridas ao longo do processo e ao sentimento de desamparo diante do Estado.
Durante o processo todo, ressalta-se a resistência dos professores por meio de seu sindicato e
da organização de suas lutas. Dessa forma mantiveram e conquistaram o direito de se fazer
ouvir, corroborando o que nos fala Evaldo Vieira (1992) e Francisco de Oliveira (1999) para
os quais as políticas sociais no Brasil sempre foram o resultado de muita luta e resistência da
classe trabalhadora.
Ao redefinir o atendimento às políticas sociais pelo Estado, uma de suas principais
estratégias utilizadas pelo capitalismo é a desvalorização do trabalho. No que diz respeito às
políticas educacionais, particularmente a política de municipalização da educação, a relação
capital x trabalho é permeada de contradições que vem resultando em desvantagem para o
trabalho. Assim, o processo de desvalorização dos professores é parte das consequências
dessas estratégias de rearticulação do capital para a recuperação das taxas de lucro neste
período particular do capitalismo. Tanto no segmento de professores da rede estadual quanto
no dos professores municipalizados, o que se verifica é a desconsideração de sua condição de
trabalhadores e de seres humanos.
O quarto eixo analisado foi a gestão educacional. Partiu-se do pressuposto de que uma
sociedade verdadeiramente democrática é aquela que possibilita a real participação de todos
nos mecanismos de controle das decisões e nos rendimentos da produção. Deste modo, as
337
políticas de gestão educacional têm sido historicamente funcionais aos interesses daqueles que
detêm o poder econômico. No entanto, a mobilização da sociedade na luta por direitos sociais
e econômicos tem forçado os governos a elaborarem políticas mais voltadas aos interesses dos
menos favorecidos. Particularmente na cada de 1980, as lutas populares pela
democratização do país envolveram a reivindicação por maior participação no interior das
escolas e na gestão dos sistemas educacionais, propondo-se a criação de mecanismos
facilitadores da participação na gestão. A aprovação do princípio da gestão democrática no
ensino público na Constituição Federal foi uma resposta a essas reivindicações.
No entanto, em consequência à crise do capital iniciada em 1973, redefini-se o papel
do Estado na década de 1990 (PERONI, 2003), resultando em significativas alterações no
atendimento das políticas sociais e em novos paradigmas de gestão educacional. As políticas
sociais passam a ser alvo da contenção de gastos como parte dos procedimentos que visavam
ao reequilíbrio e à volta aos antigos patamares de rendimento do capital. O entendimento era
de que os recursos para a educação eram suficientes, logo o problema era de gestão, pois essa
precisava ser modernizada e eficiente. A flexibilidade gerencial proposta pelo Plano Diretor
de Reforma do Aparelho do Estado (PDRAE), ancorada na gestão gerencial, tinha como
intuito atender a essa demanda do capital de redução de custos e aumento da eficiência na
gestão dos recursos públicos. A partir dessa perspectiva, as políticas que orientaram a gestão
na década de 1990 tiveram como eixos a flexibilização e desregulamentação da gestão pública
com ênfase na introdução de mecanismos de mercado no setor público. A descentralização
administrativa por meio da municipalização de serviços sociais é parte desse movimento pela
busca de diminuição de custos na gestão do setor público.
Entende-se, portanto, que não é coerente educar para a vida social e cidadã, que requer
a adoção de princípios como cooperação e solidariedade, alimentando práticas autoritárias e
de exaltação da competição no trato das relações sociais. Assim, pela própria especificidade
dos objetivos educacionais de emancipação dos sujeitos, a gestão educacional deve ser
democrática. Não obstante, a gestão educacional, como qualquer política pública, não é um
campo neutro e não se dá no vazio, mas em condições históricas determinadas, onde a
correlação de forças presentes é determinante no processo de educação de sujeitos para a
emancipação social. Assim, a análise da gestão educacional em Altamira levou em
consideração o contexto e a correlação de forças presentes pelas condições históricas deste
momento particular do capitalismo.
A descentralização via municipalização vinha sendo defendida desde a década de 1980
por vários estudiosos com base no argumento de que a proximidade da gestão traria maiores
338
possibilidades de democratização das decisões. O próprio documento de convênio da
municipalização do ensino em Altamira trazia como justificativa “o envolvimento da
comunidade em geral” no sentido de integração e participação no planejamento da educação
no município. Entende-se que para que haja participação é necessário a existência de
mecanismos ou espaços institucionalmente criados que possibilitem à comunidade o
compartilhamento das decisões. Com o objetivo de verificar as implicações da
municipalização para a democratização da gestão educacional em Altamira definiu-se os
seguintes indicadores: existência e funcionamento de conselhos vinculados à educação e a
forma de provimento do diretor escolar. Embora a mera existência de tais indicadores não
constitua a garantia de que a democratização da gestão educacional de fato aconteça por meio
deles se tem um mínimo de condições objetivas para avaliar a possibilidade de manifestação
da correlação de forças presente no município.
Verificou-se que antes da municipalização haviam sido criados os seguintes
conselhos: Conselho Municipal de Educação (CME) pela Lei Municipal 657/95 Conselho
Municipal de Alimentação Escolar por meio da Lei 654/1995, o Conselho Municipal de
Controle Social do FUNDEF pela Lei Municipal nº 1.380/97 e Conselhos Escolares em
algumas escolas desde 1997.
Embora a existência de conselhos criados legalmente seja um indício de possibilidade
de compartilhamento de decisões, as suas condições de funcionamento negam tais
possibilidades. A fragilidade da cultura da participação é tão grande que o Conselho
Municipal de Educação só funcionou nos primeiros anos após a sua criação e, ainda assim, de
forma precária. O conselho incomodava os gestores porque estes tinham dificuldade de
compartilhar informações e o poder de decisão com os conselheiros. Essa conclusão se pode
tirar pelo posicionamento da secretaria de educação do município quando atribui os
problemas de funcionamento do Conselho à dificuldade de convivência democrática e às
ingerências políticas.
Quanto aos conselhos de controle social do FUNDEF, da Merenda Escolar e os
Conselhos Escolares, verificou-se que a implementação desses Conselhos pela SEMEC vem
se dando de maneira apenas burocrática. A municipalização do ensino em Altamira fragilizou
a capacidade dessas organizações participarem das decisões, ainda que tenha aumentado o
número de conselhos, o que é um aspecto bastante positivo na perspectiva da democratização
da gestão. No entanto, quando se avaliam as condições gerais de funcionamento (ou de não
funcionamento como é o caso do CME), não se pode chegar à mesma conclusão. A cooptação
de conselheiros, a sonegação de informações, a escolha de representantes a partir de cartas
339
marcadas, e enfim, o boicote ao funcionamento do CME por mais de oito anos são razões
suficientes para se afirmar que a municipalização abriu a possibilidade de ampliar a
participação, mas não foi capaz de fortalecer esses espaços de participação. Pelas condições
históricas de relações sociais permeadas de longa data pelo patrimonialismo, pelo clientelismo
e pelo autoritarismo, como descrito por Faoro (1997) e Leal (1997), mesmo onde
aparentemente existe um conselho em funcionamento, as relações têm sido contaminadas por
essas práticas. A democracia continua formal, tal como definida por Ellen Wood (2005), na
qual a participação é apenas superficial e aparente. O mesmo parece vir acontecendo com o
processo de escolha de diretores.
Historicamente o Pará sempre adotou como forma de escolha de diretores a nomeação
pelo governador ou prefeito. Com a luta dos educadores que antecedeu a Constituição Estadual
de 1989, se fez aprovar a escolha de diretores por eleição. Entretanto, foi uma meia-vitória,
pois o resultado da eleição deveria ser encaminhado para nomeação mediante lista tríplice dos
mais votados. Como a maioria dos municípios, paraenses não criou o seu sistema de ensino e
consequentemente suas próprias regras para tal matéria, supõe-se que deveriam seguir o
previsto na carta estadual. Não é o que ocorreu. Em Altamira, por exemplo, a nomeação de
diretores ficou subordinada à Lei Municipal nº 1.374 de 05 de maio de 1997, que tratava sobre
a organização administrativa da Prefeitura Municipal de Altamira. De acordo com essa lei, os
diretores e vice-diretores faziam parte da categoria Função Gratificada, cuja indicação, jornada
de trabalho e exoneração dependia do Executivo Municipal (Art. 39, § 1º), configurando uma
das formas mais usuais de clientelismo, como nos lembra Paro (2005). Essa lei é importante
porque sinaliza a prática da indicação em exercício muito tempo, contrariando inclusive o
que dizia a Constituição Estadual de 1989, que previa a eleição por lista tríplice.
É somente com a aprovação da Lei 1.378 de 27 de junho de 1997, a qual dispunha
sobre o Estatuto e o Plano de Carreiras do Magistério, que se deu encaminhamento
compatível com a Constituição Estadual, ou seja, a escolha do diretor por eleição mediante
lista tríplice. Segundo o Coordenador do SINTEPP, este foi o período que houve mais
participação popular na escolha dos diretores, quando pelo menos por meio da lista tríplice a
comunidade pôde opinar, o que não significa dizer que a ingerência política em torno das
nomeações de cargos diretivos tenha terminado. A própria Secretária Municipal de Educação
desse período, quando avalia a gestão educacional da época, aponta como uma das principais
dificuldades a ingerência política na nomeação de cargos. Segundo ela, era difícil manter nos
cargos as pessoas realmente necessárias e qualificadas por que tinha que atender a demandas
340
de ordem política em função de alianças partidárias, situação que qualificou como de caráter
cruel, injusto e desumano.
Após a municipalização, a parceria com o IAS, instituída a partir de 2001, trouxe
novos encaminhamentos para o tema. Com base na modernização gerencial, o IAS pretendia
alterar os critérios de nomeação dos cargos educacionais passando do autoritarismo das
nomeações de diretores definidas por critérios político-partidários para escolha por critérios
técnicos. O IAS aspirava influenciar na política educacional e implantar um novo padrão de
gestão no município e, para isso, precisava contar com dirigentes educacionais que tivessem o
perfil que facilitasse essa tarefa. Aliás, a definição do perfil e dos critérios para a escolha do
Secretário Municipal e dos Coordenadores de Educação a serem empossados a partir de 2001
foram negociadas antes mesmo da posse do prefeito como uma das condições para o
estabelecimento da parceria. Essa condição, conforme a correspondência entre o prefeito e os
técnicos do IAS, foi plenamente aceita pelo prefeito. Contudo, em relação à escolha de
diretores, tais critérios técnicos foram aceitos com muita relutância pelo prefeito, pois
apenas no último ano de seu mandato foi colocado em prática com base no Decreto 672 de
26/12/2003 do Prefeito Municipal.
A escolha técnica se baseava em provas com conteúdos de legislação educacional e
conhecimentos gerais e enfatizava, além da capacidade técnica gerencial, a existência de “forte
capacidade de liderança”. Após a posse, o diretor deveria assumir a responsabilização pelas
metas a serem alcançadas pela escola assinando um Termo de Compromisso a ser monitorado
pelo superintendente escolar quanto a seu cumprimento. Caso não as cumprisse, ele seria
dispensado.
Verifica-se que a modificação nos critérios pleiteada pelo IAS não está
necessariamente associada à democratização da educação, mas à tendência de gestão
gerencialista com ênfase na gerência de contratos, na introdução de mecanismos de mercado
no setor blico e na vinculação da remuneração com o desempenho. Tal tendência tem a
accountability ou a responsabilização do gestor pelos resultados e pelas metas da gestão como
um de seus alicerces presentes também na concepção de gestão gerencial difundida pelo Plano
de Reforma do Aparelho de Estado idealizado por Bresser Pereira em 1995.
Em relação à parceria da prefeitura de Altamira com o IAS credenciada pelo
município a implantar um novo padrão de gestão, verifica-se o que Cleiton de Oliveira (1999)
vinha ‘profetizando’ em relação às possíveis consequências da municipalização em
municípios que não tivessem alcançado condições administrativas para tal: o risco de cair nas
mãos de empresas privadas.
Na disputa entre os critérios técnicos sugeridos pelo IAS para
341
escolha de diretores e os critérios político-partidários historicamente assimilados pelos
mandatários do poder, em nenhum momento as práticas patrimonialistas e clientelistas foram
suplantadas em Altamira, pois, além da prova de conhecimentos cnicos, os candidatos eram
entrevistados pelo prefeito ou assessores. Esse critério acabou prevalecendo sobre os demais
que compunham a avaliação e alterou significativamente a ‘neutralidade’ da escolha técnica
pretendida pelo IAS. Dessa forma, essa modalidade de escolha perdeu credibilidade e não
prosperou, predominando o critério político-partidário da indicação.
Em 2005, a nova administração municipal, ainda que tenha continuado com a parceria
com o IAS, desconsiderou a forma de provimento por meio de escolha técnica e por meio do
Decreto 018 de 11/01/2005 voltou a instituir a livre nomeação do Diretor, dando
prosseguimento à velha prática clientelista da nomeação unicamente por critério político-
partidário. A precariedade do funcionamento de mecanismos viabilizadores da participação
popular na gestão educacional do município de Altamira vem contrariando os princípios de
democratização da gestão pautada na emancipação humana e na consideração do homem como
sujeito por negar-lhe espaços de participação, principalmente pelo não funcionamento do CME
nos últimos nove anos.
Retomando o objetivo central da pesquisa que era analisar a política de
municipalização do ensino e suas possíveis implicações para a democratização da educação no
Município de Altamira, considera-se que em alguns aspectos a municipalização trouxe avanços
significativos materializados na ampliação do acesso ao ensino fundamental, no plano de
carreira para os professores, no aumento de recursos para financiamento da educação. Por
outro lado, com a municipalização também ficaram mais evidentes as fragilidades de gestão da
educação municipal, suas dificuldades de assumir o protagonismo de uma proposta
educacional, construída a partir dos anseios e das necessidades do coletivo local. Tal como
previa Cleiton de Oliveira (1999) em situações de municipalização sem a necessária reflexão a
esse respeito, as parcerias com o setor privado são uma tendência muito comum e refletem os
limites da municipalização em municípios que não apresentam ainda a necessária capacidade
administrativa de autonomia de gestão educacional. A parceria com o IAS em Altamira
demonstrou essa tendência. Paradoxalmente, neste caso, a municipalização que comportava os
anseios de alguns de finalmente verem materializada a participação na gestão local pela
proximidade do núcleo gestor revelou-se ineficaz na capacidade de promover a
democratização das relações de poder, sacrificada em nome da eficiência. Não custa lembrar
que a democracia não é apenas um meio, mas um fim em si mesma, pois quando vivenciada
implica em convivência dialógica, tolerância, solidariedade e humanização, fatores básicos
342
para a emancipação dos sujeitos. Especialmente na escola, lugar onde se constroem
subjetividades coletivas e não apenas mão-de-obra para o mercado, as relações democráticas,
mais do que necessárias, são indispensáveis. E embora a convivência de sujeitos coletivos seja
difícil, esse processo é de fundamental importância para a construção da sociedade
democrática que se almeja.
Importa considerar que a municipalização do ensino apresenta possibilidades e limites
para a democratização da educação. Dentre as possibilidades, o fato de permitir a maior
aproximação com a comunidade local e possibilitar pensar coletivamente um projeto de
educação voltado para as necessidades locais a partir da visão de conjunto sobre os problemas
locais; solução dos problemas educacionais com o conhecimento dos recursos disponíveis e
pleno acesso a eles; capacitação e autonomia da equipe gestora da educação local;
fortalecimento e institucionalização de espaços de participação coletiva e conhecimento da
realidade local. Mas estas mesmas possibilidades são ao mesmo tempo limites dependendo da
conjuntura política municipal. No caso de Altamira, o trabalho demonstrou que as
possibilidades postas pela municipalização propiciaram mudanças na educação municipal,
embora nem todas compatíveis com um projeto emancipatório, pois razões de ordem
conjuntural alteraram tais possibilidades, transformando-as em limites. Assim, tanto em
Altamira quanto em outros municípios paraenses onde são frágeis os mecanismos de
democratização e controle social e onde a própria organização da secretaria de educação é
muito recente, a municipalização faz pouca diferença, pois o poder só muda de mãos, dando-se
continuidade a práticas autoritárias, clientelistas e patrimonialistas que dificultam e até
impedem que a descentralização de fato implique em democratização.
Finalmente, a democratização da educação e da sociedade, conforme a concepção
adotada neste trabalho
(como compartilhamento pleno das decisões e da produção) é de difícil
compatibilização com os valores e práticas presentes na sociedade capitalista, excludente por
natureza, pela assimetria econômica, política e social. Mas ao mesmo tempo, constitui uma
esperança pela resistência dos que lutam para que tal estado de coisas se modifique, e se tenha
condições de vida para todos, viabilizando-se de fato a sociedade democrática. E isto
certamente implica muita luta e disposição para construir essa outra realidade possível, em
cujo processo todos são convidados a intervir como sujeitos históricos.
343
REFERÊNCIAS:
ADRIÃO, Theresa. Educação e produtividade: a reforma do ensino paulista e a
desobrigação do Estado. São Paulo: Xamã, 2006.
__________; CAMARGO, Rubens Barbosa de (Org). A Gestão Democrática na Constituição
Federal de 1988. In.: OLIVEIRA, R; ADRIÃO, T. Gestão, financiamento e direito à
educação: Análise da Constituição Federal e da LDB. Ed. São Paulo: Xamã, 2007. p. 63-
71.
ADRIÃO & PERONI (Org.) O público e o privado na educação: interfaces entre Estado e
sociedade. São Paulo: Xamã, 2005.
ANDERSON, Perry. Balanço do Neoliberalismo. In.: SADER, Emir & GENTILI, Pablo
(Org.). Pós-neoliberalismo: as políticas sociais e o Estado democrático. Ed. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 2008. p. 9-33.
ANTUNES, R. Os sentidos do trabalho: ensaios sobre a afirmação e a negação do trabalho.
7ª Ed. São Paulo: Boitempo editorial, 2005.
__________. Trabalho e precarização numa ordem neoliberal. In.: GENTILI, P. e
FRIGOTTO, G. (Orgs.) A cidadania negada: políticas de exclusão na educação e no
trabalho. 2ª Ed. São Paulo: Cortez: CLACSO, 2001. p. 35-47.
ARELARO, Lisete. FUNDEF: uma avaliação preliminar dos dez anos de sua implantação. 30ª
Reunião Anual da ANPED. Caxambu, MG, 2007. In.:
<www.anped.org.br/reunioes/30ra/trabalhos/GT05-3866--Int.pdf>. Acesso em: maio. 2009.
ARRETCHE, Marta. Relações federativas nas políticas sociais. Revista Educação e
Sociedade. Campinas, CEDES, v.23, n 80, p. 25-48, set. 2002.
AZANHA, J.M.P. Educação: alguns escritos. São Paulo: Nacional, 1987.
___________. Uma ideia sobre a municipalização do ensino. In: Educação: temas polêmicos.
São Paulo: Martins Fontes, 1995.
344
AZEVEDO, José Clóvis de. A democratização da escola no contexto da democratização do
Estado: a experiência de Porto Alegre. In: SILVA, Luis Heron da (org). Escola Cidadã:
teoria e prática. Petrópolis: Vozes, 1999. p. 12-29.
AZEVEDO, Janete Maria Lins de. A educação como política pública. Coleção Polêmicas do
Nosso Tempo, Campinas, SP: Autores Associados, v. 56, 1997.
___________. Implicações da nova lógica de ação do Estado para a educação municipal. In:
Educação e Sociedade, v.23, n. 80, p. 49-71, set. 2002.
BASTOS, Aureliano Cândido Tavares. A província: estudo sobre a descentralização no
Brasil. Ed. Fac-sim. Brasília: Senado Federal, 1996.
BATISTA, Paulo Nogueira. O consenso de Washington: a visão neoliberal dos problemas
latino-americanos. Caderno nº 7, São Paulo: Ed. Secretaria Operativa Consulta Popular,
2005.
BEDÊ, Waldyr Amaral. Estrutura e Funcionamento do Órgão Municipal de Educação. In:
GADOTTI, M.; ROMÃO, J. E. (orgs.) Município e educação. São Paulo: Cortez; Brasília:
Instituto Paulo Freire, 1993. p. 33-71.
BOMENY, Helena. Os intelectuais da educação. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.
BOTH, I. J. Municipalização da educação: uma contribuição para um novo paradigma de
gestão do ensino fundamental. Campinas, São Paulo: Papirus, 1997.
BORDIGNON, G. Democratização e descentralização da educação: políticas e práticas. In:
Revista Brasileira de Administração da Educação (ANPAE), Brasília, p. 71-86, 1993.
BORDENAVE. J. O que é participação. 7ª Ed. São Paulo: Editora brasiliense, 1992.
BRESSER PEREIRA. A reforma do Estado dos anos 90: lógica e mecanismos de controle. In:
Lua Nova. São Paulo: nº 45, CEDEC, p. 49-92, 1998.
BRESSER PEREIRA. Da administração pública burocrática à gerencial. In: PEREIRA,
Bresser; SPINK, Peter. Reforma do estado e administração blica gerencial. Ed. Rio
de Janeiro: Editora FGV, 2005. p. 237-270.
345
CAMPOS, Ana Maria. Accountability: quando poderemos traduzi-la para o português. In:
ENAP/FDRH. Estado e Administração pública: desafios atuais. Brasília, [impresso] p.143-
172.
CARVALHO, José Murilo de. A construção da ordem: a elite política imperial. Rio de
Janeiro: Campus, 1980.
____________ Federalismo y centralización em el Império brasileño: história y argumento.
In.: CARMAGNANI, Marcello (org.). Federalismos latinoamericanos:
México/Brasil/Argentina. México, El Colégio de México; Fondo de Cultura Econômica,
1996. p.51-80.
___________ Cidadania no Brasil: o longo caminho. Ed. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2003.
CHESNAIS, François. A mundialização do capital. São Paulo: Xamã, 1996.
__________. O capital portador de juros: acumulação, internacionalização, efeitos
econômicos e políticos. In.: CHESNAIS, François (org.). A finança mundializada. São
Paulo: Boitempo editorial, 2005. Introdução e cap. I, p. 25 – 67.
CHIZZOTTI, Antonio. A constituinte de 1823 e a educação. In: FÁVERO, Osmar (org.) A
educação nas constituintes brasileiras: 1823 1988. Ed. Campinas, SP: Ed. Autores
Associados, 2001. p. 31-54.
CUNHA, Luis Antonio. Educação, Estado e democracia no Brasil. São Paulo, SP: Cortez;
Niterói, RJ: Ed. da Universidade Federal Fluminense; Brasília, DF: FLACSO, 1991.
_________. O ensino de ofícios artesanais e manufatureiros no Brasil escravocrata. São
Paulo: Ed. UNESP; Brasília: FLACSO, 2000.
CURY, Carlos Roberto Jamil. O conselho Nacional de Educação e a gestão democrática. In.:
OLIVEIRA, D. A. (org.) Gestão democrática da educação: desafios contemporâneos.
Petrópolis: Vozes, 1997. p. 199-206.
__________. A educação e a primeira constituinte republicana. In.: FÁVERO, Osmar (Org.).
A educação nas constituintes brasileiras: 1823 - 1988. Ed. Campinas, SP: Ed. Autores
Associados, 2001. p. 69-80.
346
___________. Direito à educação: direito à igualdade, direito à diferença. Cadernos de
Pesquisa, São Paulo, n. 116, p. 245 – 265, jul.2002.
____________. Gestão democrática da educação: exigências e desafios. Revista Brasileira
de Política e Administração da Educação. Porto Alegre, v.18, n.2, p.163-174, jul/dez. 2002.
______________; HORTA, José Silvério Baía; FÁVERO, Osmar. A relação Educação-
Sociedade-Estado pela mediação jurídico constitucional. In: FÁVERO, Osmar (Org.) A
educação nas constituintes brasileiras: 1823 - 1988. ed. Campinas: Autores Associados,
2001. p. 5 -13.
CRUZ, Rosana Evangelista da. Pacto Federativo e financiamento da Educação: a função
supletiva e redistributiva da União o FNDE em destaque. São Paulo: USP, 2009. 434f. Tese
de Doutorado em Educação. Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009.
DAVIES, N. Tribunais de contas e educação: quem controla o fiscalizador dos recursos?
Brasília, Plano Editora, 2001.
DE TOMMASI, L.; HADDAD, S.; WARDE, M. J. (orgs.) O Banco Mundial e as políticas
educacionais. 3ª Ed. São Paulo: Cortez; Ação Educativa, 2000.
DUARTE, Clarice Seixas. Direito público subjetivo e políticas educacionais. São Paulo em
Perspectiva. São Paulo, 18 (2), p. 113-118, 2004.
FAORO, R. Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro. 12ª Ed. o
Paulo: Globo, 1997.
FARENZENA, Nalu. A política de financiamento da educação básica: rumos da legislação
brasileira. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2006.
FARIA FILHO, Luciano Mendes. Instrução elementar no século XIX. In: LOPES; Eliane
Marta Teixeira et. all (orgs.). 500 anos de educação no Brasil. Belo Horizonte: Autêntica,
2000. p. 135 - 150.
FAUSTO, Boris. História do Brasil. 4ª Ed. São Paulo: Editora da Universidade de São
Paulo, 1996.
347
FERNANDES, Florestan. Educação e sociedade no Brasil. São Paulo: Dominus Editora,
1966.
FREITAG, Bárbara. Escola, Estado & Sociedade. 7ª Ed. rev. – São Paulo: Centauro, 2005.
FREITAS, Helena Costa Lopes de. Formação de professores no Brasil: 10 anos de embates
entre projetos de formação. Educação e Sociedade, Campinas, v.23, n 80, p.137-168, set.
2002.
_________. A (nova) política de formação de professores: a prioridade postergada. Educação
e Sociedade, Campinas, v. 28, Número Especial, p. 1.203-1.230, 2007.
FRIGOTTO, Gaudêncio. A produtividade da escola improdutiva. Um (re)exame das
relações entre educação e estrutura econômico-social capitalista. Ed. São Paulo: Cortez,
1993.
_____________; CIAVATTA, M (orgs.). Teoria e educação no labirinto do capital. Ed.
Petrópolis, RJ: Vozes, 2001.
GADOTTI, M.; ROMÃO, J. E. (orgs.) Município e educação. SP: Cortez; Brasília: Instituto
Paulo Freire, 1993.
GEMAQUE, Rosana. M. O. Financiamento da educação: O FUNDEF na educação do
estado do Pará: feitos e fetiches. São Paulo: USP, 2004, 372 f. Tese de Doutorado em
Educação. Universidade de São Paulo, São Paulo, 2004.
GENTILI, Pablo. A falsificação do consenso: simulacro e imposição na reforma educacional
do neoliberalismo. Petrópolis, RJ: Vozes, 1998.
GHIRALDELLI Jr, Paulo. História da educação. 2ª Ed. São Paulo: Cortez, 2000.
_____________Filosofia e história da educação brasileira. São Paulo: Ed. Manole, 2003.
GIDDENS, Anthony. Nota Introdutória. In. GIDDENS, Anthony (Org.). O debate global
sobre a terceira via. São Paulo: Editora UNESP, 2007. p.17-46.
GIL, Juca & ARELARO, Lisete Regina Gomes. Contra a municipalização do ensino à
brasileira. In.: GIL, Juca (org.).Educação Municipal: experiências de políticas democráticas.
Ubatuba, SP: Estação Palavra, 2004. p.15-44.
348
GIUBILEI, Sonia (org.). Descentralização, Municipalização e Políticas educativas.
Campinas, SP: Editora Alínea, 2001.
GRAMSCI, Antonio. Maquiavel, a política e o estado moderno. Rio de Janeiro, RJ. Ed.
Civilização Brasileira, 7ª Edição. Tradução de Luiz Mário Gazzaneo, 1989.
GUTIERRES, D. V. G. A política de municipalização do ensino fundamental no Estado
do Pará e suas relações com a reforma do Estado. Belém: UFPA, 2005, 251f. Dissertação
de Mestrado – UFPA, Centro de Educação, Belém – PA, 2005.
HARVEY, David. Condição pós-moderna. 12ª ed. São Paulo: Ed. Loyola, 2003.
HORTA, José Silvério Baía. A Educação no congresso constituinte de 1966-67. In.:
FÁVERO, Osmar (Org.). A educação nas constituintes brasileiras: 1823 - 1988. 2ª Ed.
Campinas: Ed. Autores Associados, 201. p. 201-239.
LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, enxada e voto: o município e o regime representativo. 3ª
Ed. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1997.
LOUREIRO. J. de J. P. Descentralização, municipalização e FUNDEF no Pará. In.: VERA
Lúcia Cabral Costa (Org.). Descentralização da educação: Novas formas de coordenação e
financiamento. São Paulo: FUNDAP: Cortez, 1999. p. 122-140.
LOVE, Joseph L. Federalismo y regionalismo em Brasil, 1889-1937. In: CARMAGNANI,
Marcelo (coord.). Federalismos latinoamericanos: México/Brasil/Argentina. México, El
Colégio de México; Fondo de Cultura Econômica, 1996. p. 180-223.
LUCE, Maria Beatriz; FARENZENA, Nalú. Os conselhos municipais em educação,
descentralização e gestão democrática: discutindo algumas interseções. Porto Alegre:
FACED/UFRGS, 2006 (digitado).
LUCE, Maria Beatriz; MEDEIROS, Isabel Letícia. Gestão escolar democrática: concepções
e vivencias. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2006.
LUKÁCS, G. Ontologia do ser Social Os princípios ontológicos fundamentais de Marx.
São Paulo: Livraria Editora Ciências Humanas, 1979.
MACHADO, Lourdes Marcelino & OLIVEIRA, Romualdo Portela. Direito à educação e
legislação do ensino. In: WITTMANN, L.C. & GRACINDO, R.V.G. (Coord.). O estado da
349
arte em política e gestão da educação no Brasil – 1991/1997. Brasília, DF: ANPAE;
Campinas: Autores Associados, 2001. p. 51-70.
MARSHALL, Thomas Humphrey. Cidadania, classe social e status. Rio de Janeiro: Zahar,
1967.
MARX, K. Contribuição para a crítica da economia política. São Paulo: Edições
Mandacaru Ltda, 1989.
MAUÉS, Olgaíses Cabral. Reformas internacionais da educação e formação de professores.
Cadernos de Pesquisa. São Paulo: Fundação Carlos Chagas, n 118. p. 89-117, mar. 2003.
MENDONÇA, Erasto Fortes. A regra e o jogo: democracia e patrimonialismo na educação
brasileira. Campinas, SP: FE/UNICAMP; LaPPlanE; R.Vieira, 2000.
MÉSZÁROS, Istiván. Para além do capital. 2ª reimpressão. SP: Boitempo editorial, 2006.
MILÉO, Irlanda do Socorro de Oliveira. Poder local e a gestão da educação municipal
no contexto de Altamira-Pará. Belém: UFPA, 2007. 268f. Dissertação de Mestrado em
Educação. Universidade Federal do Pará, Belém, 2007.
MONLEVADE, João Antonio Cabral de. Valorização salarial dos professores: o papel do
piso salarial profissional nacional como instrumento de valorização dos professores de
Educação Básica Pública. Campinas, SP: [s.n.], 2000. Tese de Doutorado em Educação.
Campinas, SP: [s.n.], 2000.
MORAES, Reginaldo C. Reformas neoliberais e políticas públicas: hegemonia ideológica e
redefinição das relações estado-sociedade. In: Educação e Sociedade, Campinas, v. 23, n 80,
set., 2002. p.13-24
__________. As incomparáveis virtudes do mercado: políticas sociais e padrões de atuação do
Estado nos marcos do neoliberalismo. In: KRAWCZYK, Nora; CAMPOS, Maria Malta &
HADDAD, Sérgio. (Orgs.). O cenário educacional latino-americanono limiar do século
XXI: reformas em debate. Campinas, SP: Autores Associados, 2000. p. 13-42.
NASCIMENTO, J.C. Municipalização do ensino, debate e conjuntura. Cadernos de
Pesquisa. São Paulo (60), p. 48-50, 1987.
350
NAGLE, Jorge. Educação na primeira república. São Paulo: EPU, Ed. da Universidade de
São Paulo, 1974.
NEVES, L. Educação: um caminhar para o mesmo lugar. In: LESBAUPIN, Ivo.(Org.). O
desmonte da nação: balanço do governo FHC. Petrópolis: Vozes, 1999. p.133-152.
__________. Educação e política no Brasil de hoje. 3ª ed. São Paulo: Cortez, 2002.
NOGUEIRA, Sônia M de. A descentralização determinada pelo Ato Adicional de 1834 e suas
consequências para o desenvolvimento da educação no Império In: Ensaio: avaliação e
políticas públicas em educação. Rio de Janeiro, v. 7, n. 22, p. 65-82, jan./mar. 1999.
OLIVEIRA, Dalila Andrade (org.) Gestão democrática da educação: desafios
contemporâneos. Petrópolis: Vozes, 1997.
__________. Educação básica: gestão do trabalho e da pobreza. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000.
__________. Mudanças na organização e na gestão do trabalho na escola. In: OLIVEIRA,
Dalila Andrade e ROSAR, Maria de Fátima Félix. (org). Política e gestão da educação. Belo
Horizonte: Autêntica, 2002. p.125-143.
OLIVEIRA, Cleiton de. A municipalização do ensino brasileiro. In: Oliveira, C. de et al.
Municipalização do ensino no Brasil. Belo Horizonte: Autêntica, 1999. p.11-36.
__________; TEIXEIRA, L.H.G. Municipalização e gestão municipal. In: WITTMANN,
L.C. & GRACINDO, R.V.G.(Coord.). O estado da arte em política e gestão da educação
no Brasil 1991/1997. Brasília: DF, ANPAE; Campinas: Autores Associados, 2001. p.135-
150.
__________. A pesquisa sobre municipalização do ensino: algumas tendências. In:
OLIVEIRA, Dalila Andrade; ROSAR, Maria de Fátima Félix (orgs). Política e gestão da
educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2002. p.73-85.
OLIVEIRA, Francisco de. Privatização do público, destituição da fala e anulação da política:
o totalitarismo neoliberal. In: PAOLI, Maria C; OLIVEIRA, Francisco de (orgs.). Os sentidos
da democracia: políticas do dissenso e hegemonia global. Petrópolis, RJ; Brasília, DF:
NEDIC, 1999. p. 55-82.
351
OLIVEIRA, João Batista. A pedagogia do sucesso. 15ª Ed. São Paulo: Saraiva: Instituto
Ayrton Senna, 2004.
OLIVEIRA, Romualdo Portela de. A municipalização do ensino no Brasil. In: OLIVEIRA,
Dalila. (org.). Gestão democrática da educação. Petrópolis: Vozes, 1997. p.174-198.
__________. A municipalização cumpriu suas promessas de democratização da gestão
educacional? Um balanço crítico. Gestão em ação, Bahia, v 6, n 2, p.99-106, 2003.
__________. A educação na assembleia constituinte de 1946. In: FÁVERO, Osmar (org.). A
educação nas constituintes brasileiras 1823 1988. Ed. Campinas: Ed. Autores
Associados, 2001, p. 153-189.
__________. O direito à educação. In: OLIVEIRA, Romualdo Portela de; ADRIÃO, Thereza
(orgs.). Gestão, financiamento e direito à educação: análise da LDB e da Constituição
Federal. 3ª Ed. São Paulo: Xamã, 2007. p. 15-43.
__________. O direito à educação na Constituição Federal de 1988 e seu re-
estabelecimento pelo sistema de justiça. Disponível em:
<http://www.educacaoonline.pro.br.direto/direito_educacao.asp Capturado em 16/08/2005>.
Acesso em, fev. de 2008.
__________; ARAÚJO, G. Qualidade do ensino: uma nova dimensão da luta pelo direito à
educação. Revista Brasileira de Educação. Rio de Janeiro, n 28, p.5-23, 2005.
ORMOND, Derry; LÖFFLER, Elke. A Nova gerência pública: o que aproveitar e o que
rejeitar? In: Revista do Setor Público. Ano 50, nº 2, Abr-Jun. 1999.
PARO, Vítor Henrique. Gestão democrática da escola pública. São Paulo: Ática, 1997.
__________ Escritos sobre Educação. São Paulo: Xamã, 2001.
__________Administração escolar: introdução crítica. 13ª ed. São Paulo: Cortez, 2005.
__________Gestão escolar, democracia e qualidade do ensino. São Paulo: Ática, 2007.
PAIVA, Vanilda. Um século de educação na república. In: Proposições, Campinas: Unicamp,
nº 2, p. 7- 18, 1990.
352
PEIXOTO, M do C. L. Descentralização da educação no Brasil: uma abordagem preliminar.
In: OLIVEIRA, D. A. DUARTE, M. R. T. Política e trabalho na escola: administração dos
sistemas públicos de educação básica. Belo Horizonte: Autêntica, 1999. p. 101-112.
PEREIRA, Ademar Fogaça. Tributação: um enfoque diferente. In: Cidadania e Tributos.
São Paulo: Secretaria de Fazenda, 1995. p.21-28.
PERONI, Vera Maria Vidal. Política educacional e papel do estado no Brasil dos anos
1990. São Paulo: Xamã, 2003.
PERONI, Vera Maria Vidal. Mudanças na configuração do Estado e sua influência na política
educacional. In: PERONI, Vera; BAZZO Vera Lúcia; PEGORARO Ludimar et al. (orgs.).
Dilemas da educação brasileira em tempos de globalização neoliberal: entre o público e o
privado. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2006. p. 11-23.
PERONI, Vera Maria Vidal. Reforma do Estado e a tensão entre o público e o privado. In:
Revista SIMPE – RS, p. 11-33. Porto Alegre, 2007.
PERONI, Vera Maria Vidal. Políticas públicas e gestão da educação em tempos de
redefinição do papel do Estado. In: QUARTIERO, Elisa; SOMMER, Luis (orgs). Pesquisa,
Educação e Inserção social: olhares da região sul. Canoas: Ed. ULBRA, 2008. p. 475-487.
PERONI, Vera Maria Vidal. Avaliação institucional em tempos de redefinições no papel do
Estado. Revista Brasileira de Administração da Educação. 2009 (no prelo).
PINTO, José Marcelino de R. Os recursos para a educação no Brasil no contexto das
finanças públicas. Brasília, DF. Editora Plano, 2000.
___________. Financiamento da Educação no Brasil: um balanço do governo FHC (1995-
2002). In: Educação e Sociedade, Campinas, v.23, n 80, p.109-136, set. 2002.
___________. A política recente de fundos para o funcionamento da educação e seus efeitos
no pacto federativo. In: Educação e Sociedade, Campinas, v 28, n 100-Número Especial,
p.877-897, 2007.
__________. O governo Lula e a educação. In: Financiamento da Educação no governo
Lula: insumos para o debate. Campanha Nacional pelo Direito à Educação, p. 52-64, 2009.
353
RIBEIRO, Edinéia Bandeira. O programa de municipalização do ensino fundamental no
Estado do Pará e seus efeitos na gestão educacional do município de Altamira. Belém:
UFPA, 2007. 140f. Dissertação de Mestrado em Educação. Universidade Federal do Pará,
Belém, 2007.
ROMANELLI, Otaíza de Oliveira. História da educação no Brasil. (1930/1973). Ed.
Petrópolis: Ed. Vozes, 1987.
ROSAR, Maria de Fátima Félix. Globalização e Descentralização: o processo de
desconstrução do sistema educacional Brasileiro pela via da municipalização. Campinas:
UNICAMP, 348 f, Tese de Doutorado em Educação, Campinas: UNICAMP, 1995.
__________; SOUSA. A política de municipalização no estado do Maranhão: alguns aspectos
contraditórios. In: OLIVEIRA C. et, al. Municipalização do Ensino do Brasil. Belo
Horizonte: Autêntica, 1999. p. 91-121.
SANTOS, Terezinha Fátima Monteiro dos. Educação e trabalho nos planos nacionais de
desenvolvimento no período de 1970/1980: um estudo introdutório sobre a realidade da
SUDAM. Dissertação de Mestrado – Rio de Janeiro, FGV, 1986.
__________ Conversas impenitentes sobre a gestão da educação. Belém: EDUFPA, 2008.
SCHWARTZMAN, S; BOMENY & COSTA (orgs.). Tempos de Capanema. Rio de Janeiro:
Paz e Terra, 1984.
SHIROMA, Eneida Oto et. al. Política educacional. 2ª Ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2002.
SOUSA, Donaldo Bello de; FARIA, Lia Ciomar Macedo de. Política, gestão e
financiamento de sistemas municipais públicos de educação no Brasil: bibliografia
analítica (1996-2002). São Paulo: Xamã; Niterói: Intertexto, 2005.
SOUSA, Celina. Federalismo, desenho constitucional e instituições federativas no Brasil pós
– 1988. Revista de Sociologia e Política, Curitiba, n 24, p. 105-121, jun. 2005.
SOARES, Maria Clara Couto. Banco Mundial: políticas e reformas. In: HADDAD, S.; DE
TOMMASI, L.; WARDE, M. J. (orgs.). O Banco Mundial e as políticas educacionais.
Ed. São Paulo: Cortez; Ação Educativa. 2000. p.15-38.
354
SUCUPIRA, Newton. O Ato Adicional de 1834 e a descentralização da educação. In:
FÁVERO, Osmar (org.). A educação nas constituintes brasileiras: 1823 - 1988. Ed.
Campinas: Ed. Autores Associados, 2001. p. 55-80.
TRISTÃO, José Américo Martelli. A administração tributária dos municípios brasileiros:
uma avaliação do desempenho da arrecadação. Tese de Doutorado em Administração.
FGV/EAESP, São Paulo, 172 p, 2003.
<http://www.virtualbib.fgv.br/dspace/bitstream/handle/10438/2568/86620.pdf Acesso em
13/05/2009>.
TRIVIÑOS, Augusto Nibaldo Silva. Bases teórico-metodológicas da Pesquisa em Ciências
Sociais. Cadernos de Pesquisa Ritter dos Reis, Porto Alegre: Faculdades Integradas Ritter,
v. 4, nov, 2001.
_________. Introdução à Pesquisa em Ciencias Sociais: a pesquisa qualitativa em
educação. São Paulo: Atlas, 1987.
_________. Introdução ao Método Dialético na pesquisa em ciências sociais. Documento
preliminar de Trabalho. Programa de Pós-Graduação em Educação: UFRGS, 2006.
VIEIRA, Evaldo. Estado e miséria social no Brasil: de Getúlio a Geisel. São Paulo: Cortez,
1983.
_________. Democracia e Política Social. São Paulo: Autores Associados, 1992.
__________. Os direitos e a política social. São Paulo: Cortez, 2004.
WEBER, Max. Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Brasília,
DF: Editora Universidade de Brasília, 1991. 1 v.
WERLE, Flávia Obino Corrêa. Conselhos escolares: implicações na gestão da escola básica.
Rio de janeiro: DP&A, 2003.
_________(org.) Sistema municipal de ensino e regime de colaboração. Ijuí: Ed. Unijuí,
2006.
WOOD, Ellen Meiksins. Democracia contra o Capitalismo. Tradução de Paulo Sérgio
Castanheira. São Paulo: Boitempo, 2006.
355
_________. Estado, democracia e globalização. In.: BORON, A; AMADEO J; GONZALES,
S. (orgs). A teoria marxista hoje. CLACSO, São Paulo: Expressão Popular, 2007. p. 381-
393.
XIMENES, Salomão Barros. A execução orçamentária da educação no primeiro mandato do
governo Lula e suas perspectivas. In: Financiamento da Educação no governo Lula:
insumos para o debate. Campanha Nacional pelo Direito à Educação, p.8-32, 2009.
UMBUZEIRO, Ubirajara Marques. Altamira, sua história vai à escola. Altamira: [s.n], 2004.
Constituições e Emendas Constitucionais
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: 1891. Brasília: Senado Federal
e Ministério da Ciência e Tecnologia. Centro de Estudos Estratégicos, Coleção Constituições
Brasileiras, 2001. Vol. II.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: 1988. Brasília: Senado Federal
e Ministério da Ciência e Tecnologia. Centro de Estudos Estratégicos, Coleção Constituições
Brasileiras, 2004. Vol. VII.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: 1946. Brasília: Senado Federal
e Ministério da Ciência e Tecnologia. Centro de Estudos Estratégicos, Coleção Constituições
Brasileiras, 2001. Vol. V
PARÁ. Assembleia Legislativa. Constituição do Estado do Pará de 1989. Promulgada em
05 de outubro de 1989, Belém, Editora CEJUP, 1989.
BRASIL. Emenda Constitucional nº 14, de 12 de setembro de 1996. Modifica os Art. 34, 208,
211 e 212 da Constituição Federal e nova redação ao Art. 60 do Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias. Brasília: Publicada no D. O. U de 13 de setembro de1996.
BRASIL. Emenda Constitucional 19 de 04 de junho de 1998. Modifica o regime e dispõe
sobre princípios e normas da Administração Pública, servidores e agentes políticos, controle
356
de despesas e finanças públicas e custeio de atividades a cargo do Distrito Federal, e dá outras
providências.
Publicado no D.O.U. eletrônico (http://www.planalto.gov.br ) em 05.06.1998
BRASIL. Emenda Constitucional 20 de 15 de dezembro de 1998. Modifica o sistema de
previdência social, estabelece normas de transição e dá outras providências. Publicado no
D.O.U. eletrônico (http://www.planalto.gov.br ) em 16.12.1998
BRASIL. Emenda Constitucional 53, de 20 de Dezembro de 2006. Modifica os Art. 7º, 23,
30, 206, 208, 211 e 212 da Constituição Federal e nova redação ao Art. 60 do Ato das
Disposições Constitucionais Transitórias. Brasília: Publicada no D.O.U nº 243, de 20 de
dezembro de 2006.
BRASIL. Emenda Constitucional nº 57 de 18 de agosto de 2008. Acrescenta artigo ao Ato das
Disposições Constitucionais Transitórias para convalidar os atos de criação, fusão,
incorporação e desmembramento de Municípios.
Publicado no D.O.U. 18.12.2008 - edição
extra.
BRASIL. Emenda Constitucional 59 de 11 de novembro de 2009. Acrescenta § ao art.
76 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias para reduzir, anualmente, a partir do
exercício de 2009, o percentual da Desvinculação das Receitas da União incidente sobre os
recursos destinados à manutenção e desenvolvimento do ensino de que trata o art. 212 da
Constituição Federal, nova redação aos incisos I e VII do art. 208,
de forma a prever a
obrigatoriedade do ensino de quatro a dezessete anos e ampliar a abrangência dos programas
suplementares para todas as etapas da educação básica.
Publicado no D.O.U. de 12.11.2009.
Medidas Provisórias
BRASIL. Medida Provisória 1.979 -19, de 02 de junho de 2000. Dispõe sobre o repasse de
recursos financeiros do Programa Nacional de Alimentação Escolar, institui o Programa
Dinheiro Direto na Escola, e outras providências. Publicado no D.O.U. de 3 de junho de
2000. - Edição extra. Brasília, 2000.
357
Leis, Decretos, Resoluções, Portarias, Instruções Normativas
BRASIL. Presidência da República. Lei nº. 4.320, de 17 de março de 1964. Institui normas
gerais do direito financeiro para a elaboração e o controle dos orçamentos e balanços da
União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal. Brasília, 1964. Disponível em:
<http://www2.camara.gov.br>. Acesso em: 19 mar. 2008.
BRASIL.
Presidência da República
.
Lei 5.172, de 25 de Outubro de 1966. Dispõe sobre o
Sistema Tributário Nacional e Institui Normas Gerais de Direito Tributário Aplicáveis à
União, Estados e Municípios, denominado Código Tributário Nacional pelo Art. do Ato
Complementar nº 36 de 13/03/1967.
Publicado no D.O.U de 27 de outubro de 1966 e
retificado no D.O.U de 31.10.1966. Brasília, DF, 1966.
Disponível em:
<http://www.receita.fazenda.gov.br/legislacao/codtributnaci/ctn.htm>. Acesso em: 21 fev.
2009.
BRASIL. Presidência da República. Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as
Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Brasília: Publicada no D.O.U. 48, 23 de
dezembro de 1996.
BRASIL, Presidência da República.Lei 9.424, de 24 de dezembro de 1996. Dispõe sobre o
Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do
Magistério. Publicada no D.O.U 250, de 26/12/1996.
BRASIL. Presidência da República. Lei Complementar nº. 101, de 04 de maio de 2000.
Estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal e
outras providências. (Lei de Responsabilidade Fiscal). Publicada no D.O.U. de 5 de maio de
2000. Brasília, 2000. Disponível em: <http://www2.camara.gov.br>. Acesso em: 19 de mar.
2008.
BRASIL. Presidência da República. Lei 11.494 de 20 de junho de 2007. Regulamenta o
Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos
Profissionais da Educação - FUNDEB, de que trata o art. 60 do ADCT; altera a Lei n
o
10.195,
de 14 de fevereiro de 2001; revoga dispositivos das Leis n
os
9.424, de 24 de dezembro de
1996, 10.880, de 9 de junho de 2004, e 10.845, de 5 de março de 2004; e outras
providências. Publicada no D.O.U de 21/06/2007.
358
BRASIL. Conselho Nacional de Educação/CEB. Resolução 3 de 08 de outubro de 1997.
Fixa Diretrizes para os novos Planos de Carreira e Remuneração do Magistério dos Estados,
do Distrito Federal e dos Municípios. Publicada no D.O.U. de 13/10/1997.
PARÁ. Assembleia Legislativa. Lei nº 4.398, de 14 de julho de 1972. Dispõe sobre a
Reorganização Administrativa da Secretaria Estadual de Educação e outras providências.
Belém, 1972. Disponível em: <http://www.alepa.pa.gov.br/>. Acesso em: 15 jul. 2008.
PARÁ. Assembleia Legislativa. Decreto 8.169, de 14 de novembro de 1972. Aprova o
regulamento que organiza a Secretaria de Estado de Educação e Cultura. Belém, 1972
.
Disponível em: <http://www.alepa.pa.gov.br/>. Acesso em: 15 jul. 2008.
PARÁ. Assembleia Legislativa. Decreto 1.364, de 19 de janeiro de 1981. Dispõe sobre a
regulamentação dos Art. 12 e 72 da Lei 4.780, de 19 de junho de 1978 e estabelece
diretrizes para a implantação da Reforma Administrativa Estadual. Belém, 1981
Disponível
em: http://www.alepa.pa.gov.br/ Acesso em: 15 jul. 2008.
PARÁ. Assembleia Legislativa. Lei 5.351 de 21 de novembro de 1986 Dispõe sobre o
Estatuto do Magistério público estadual do Pará – regulamentado pelo Decreto 4.714/87 de
09/02/1987. Publicada no D.O.E em 28 de novembro de 1986. Disponível em:
<http://www.alepa.pa.gov.br/>. Acesso em: 15 maio de 2009.
PARÁ. Assembleia Legislativa. Lei Complementar 06/91 de 27 de fevereiro de 1991
Dispõe sobre o funcionamento do Conselho Escolar dos Estabelecimentos de Ensino de e
2º Graus da Rede Pública do Estado do Pará. Publicada no D.O.E nº 26.921 de 05/03/1991.
PARÁ. Assembleia Legislativa. Lei nº 5.810, de 24 de janeiro de 1994. Dispõe sobre o
Regime Jurídico Único dos Servidores Públicos Civis da Administração Direta, das
Autarquias e das Fundações Públicas do Estado do Pará. Belém, 1993. Publicada no D. O. E,
029871 de 27 de fevereiro de 2003, com alterações. Disponível em:
http://www.alepa.pa.gov.br/ Acesso em: 15 de fev. 2008.
PARÁ. Assembleia Legislativa. Lei 6.044, de 16 de abril de 1997. Cria o Fundo Estadual
de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério.
Belém, 1997. Publicada no D.O.E. de 18 de abril de 1997. Disponível em:
<http://www.alepa.pa.gov.br/>. Acesso em: 15 jul. 2008.
359
PARÁ. Assembleia Legislativa. Lei 6.170, de 15 de dezembro de 1998. Dispõe sobre o
regulamento do sistema estadual do ensino no Pará. Belém, 1998
.
Disponível em:
<http://www.alepa.pa.gov.br/>. Acesso em: 15 jul. 2008.
PARÁ. Assembleia Legislativa. Lei 6.239 de 09 de agosto de 1999 Dispõe sobre a
redistribuição da quota estadual do Salário-Educação destinado ao Estado do Pará. Publicado
no D.O.E 29.026 de 11/08/99 Disponível em: <http://www.alepa.pa.gov.br/>. Acesso em: 15
set. 2008.
ALTAMIRA. Câmara Municipal. Lei Orgânica do Município de Altamira. Aprovada na
Câmara Municipal de Altamira em 30 de abril de 1990.
ALTAMIRA. Câmara Municipal. Lei 654, de 06 de dezembro de 1995. Dispõe sobre a
criação do Conselho Municipal de Alimentação Escolar e dá outras providências.
ALTAMIRA. Câmara Municipal. Lei nº 657, de 18 de dezembro de 1995. Dispõe sobre a
criação do Conselho Municipal de Educação e dá outras providências.
ALTAMIRA. Câmara Municipal. Lei 1.380, de 27 de junho de 1997. Dispõe sobre a
criação do Conselho Municipal de Acompanhamento e Controle Social, do Fundo de
manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério.
ALTAMIRA. Câmara Municipal. Lei 1.374, de 05 de maio de 1997. Dispõe sobre a
Reorganização Administrativa da Prefeitura Municipal de Altamira e sua composição de
cargos comissionados e dá outras providências.
ALTAMIRA. Câmara Municipal. Lei 1.378, de 27 de junho de 1997. Dispõe sobre o
Estatuto e o Plano de Carreira e remuneração dos servidores do grupo Magistério da
Educação Básica do Município de Altamira.
ALTAMIRA. Câmara Municipal. Lei nº 1.460, de 25 de agosto de 2000. Dispõe sobre
alterações na Lei 1.378 de 27/06/1997 (Estatuto e o Plano de Carreira e remuneração dos
servidores do grupo Magistério da Educação Básica do Município de Altamira).
ALTAMIRA. Câmara Municipal. Lei 1.500, de 28 de abril de 2003. Altera a Lei 1.374/97
que dispõe sobre a organização administrativa da Prefeitura Municipal de Altamira.
360
ALTAMIRA. Câmara Municipal. Lei nº 1.553, de 09 de junho de 2005. Dispõe sobre o
Estatuto e o Plano de Carreira e Remuneração dos Servidores do Magistério público no
Município de Altamira.
ALTAMIRA. Prefeitura Municipal. Decreto 672, de 26 de dezembro de 2003. Dispõe
sobre o processo de provimento do cargo de diretor das escolas municipais do ensino
fundamental de Altamira.
ALTAMIRA. Prefeitura Municipal. Decreto 0018, de 11 de janeiro de 2005. Dispõe sobre
o processo de provimento do cargo de diretor das escolas municipais do ensino fundamental
de Altamira.
ALTAMIRA. Prefeitura Municipal. Decreto 356, de 06 de maio de 1998. Dispõe sobre a
Municipalização de Escolas e dá outras providências.
ALTAMIRA. Câmara Municipal. Projeto de Lei 014, de 13 de junho de 1997. Dispõe
sobre a abertura de Crédito Adicional Especial, com vistas à criação do Fundo de Manutenção
e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério.
ALTAMIRA. Secretaria Municipal de Educação (SEMEC). Instrução Normativa 01, de
13 de maio de 2002. Trata da autonomia financeira. Garante repasse de recursos para as
escolas municipais do Ensino Fundamental e Educação Infantil.
ALTAMIRA. Secretaria Municipal de Educação (SEMEC). Portaria 081/03 de 10 de
Outubro de 2003. Regulamenta o regime de nucleação das escolas rurais, da Rede Municipal
de Ensino.
ALTAMIRA. Secretaria Municipal de Educação (SEMEC). Instrução Normativa 02 de
25 de junho de 2003. Dispõe sobre os procedimentos para avaliação do Desempenho dos
servidores públicos vinculados à Secretaria Municipal de Educação. Anexo: Quadro de
Indicadores de Desempenho de Docentes, Diretores e Técnicos e Pessoal Administrativo e de
Apoio.
Planos, Relatórios, Correspondência e Informações Oficiais
361
BRASIL, Ministério da Educação e Cultura. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
educacionais. Censo Escolar de 1996 a 2004. Brasília, DF: INEP. Disponível em:
<www.inep.gov.br>. Acesso em: fev. 2005.
BRASIL, Presidência da República. Plano Diretor da Reforma do Estado. Brasília: MARE,
1995.
PARÁ, Secretaria Estadual de Educação (SEDUC). Plano Decenal de Educação para
Todos. SEDUC. Pará: Ed. CEJUP, 1994.
PARÁ, Secretaria de Estado de Educação (SEDUC). Plano estadual de educação
1995/1999. Belém: Governo do estado do Pará, 1995.
PARÁ, Secretaria de Estado de Educação (SEDUC). Plano estadual de educação
1999/2003. Belém: Governo do estado do Pará, SEDUC/ASPLAN, 1999.
PARÁ, Secretaria de Estado de Educação (SEDUC). Diagnóstico Educacional do Pará:
1989 – 1995. Série: Estatísticas Educacionais, nº 1. Belém, SEDUC/ASPLAN, Dez. 1996.
PARÁ, Secretaria de Estado de Educação. Municipalização do ensino fundamental no
Estado do Pará. Série: Planos e Projetos Educacionais, nº 2, versão atualizada. Belém,
SEDUC, 1996.
PARÁ, Secretaria de Estado de Educação (SEDUC). Relatório Anual 1996. Série: Relatórios
Educacionais, nº 2. Belém, SEDUC/ASPLAN, 1997.
PARÁ, Secretaria de Estado de Educação (SEDUC). Relatório da Política Educacional do
Pará: 1995 – 1998. Série: Relatórios Educacionais, nº 4. Belém, SEDUC, 1999.
PARÁ, Secretaria Executiva de Educação (SEDUC). Municipalização do ensino fundamental
de Altamira. Convênio de 002/98-SEDUC, publicado no D. O. E. 28.671, de 11 de
março de 1998.
PARÁ, Secretaria de Estado de Educação (SEDUC) Manual do Fundo Rotativo. 2. ed. 17f.
Belém: SEDUC, 2001.
PARÁ, Governo do Estado. MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARÁ. Mandado
de Segurança. Concessão de liminar. Datado de 28 de setembro de 2001.
362
PARÁ, Governo do Estado. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARÁ TJE.
Juízo de Direito da Vara vel da Comarca de Altamira. Decisão sobre Mandado de
Segurança Coletivo. Datado de 28 de junho de 2001.
PARÁ, Governo do Estado. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARÁ TJE.
Ofício 367, de 25 de julho de 2001 endereçado ao Juiz de Direito da Vara vel da
Comarca de Altamira.
PARÁ, Secretaria de Estado de Educação (SEDUC) Ofício nº 532, de 19 de Outubro de 2001
– endereçado ao Prefeito Municipal de Altamira. Solicita pagamento imediato dos professores
municipalizados.
PARÁ, Governo do Estado. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARÁ TJE.
Juízo de Direito da Vara vel da Comarca de Altamira. Decisão sobre Mandado de
Segurança Coletivo. Datado de 09 de novembro de 2001.
PARÁ, TRIBUNAL DE CONTAS DOS MUNICÍPIOS TCM, Inspetoria Regional de
Altamira. Apuração de Denúncia contra a Prefeitura Municipal de Altamira, referentes
à aplicação dos recursos do FUNDEF. Informação 01/2003/, INSP/TCM/PA de 15 de
abril de 2003.
PARÁ, Secretaria de Estado de Educação (SEDUC) Ofício 2.472, de 03 de Setembro de
2002 endereçado à Procuradoria Regional da República. Denúncia e solicitação de
providências pelo descumprimento do convênio de Municipalização.
PARÁ, Secretaria de Estado de Educação (SEDUC) Ofício 2.473, de 03 de Setembro de
2002 endereçado ao Tribunal de Contas dos Municípios TCM. Denúncia e solicitação de
providências pelo descumprimento do convênio de Municipalização.
PARÁ, Secretaria de Estado de Educação (SEDUC) Ofício 2.474, de 03 de Setembro de
2002 – endereçado ao Tribunal de Contas do Estado – TCE. Denúncia e solicitação de
providências pelo descumprimento do convênio de Municipalização.
PARÁ, Secretaria de Estado de Educação (SEDUC) Ofício 723, de 10 de junho de 2003
endereçado ao SINTEPP. Informa que a SEDUC não tem prerrogativa legal para ingressar em
juízo contra a Prefeitura de Altamira.
363
PARÁ, Governo do Estado. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARÁ TJE.
Acórdão 33.966. Informa decisão de arquivamento de irregularidades na execução do
Convênio 002/98 SEDUC/Altamira. Datado de 06 de maio de 2003.
PARÁ, Tribunal de Contas dos Municípios. Relatório de Prestação de Contas do Exercício
de 2001. Informação nº 005/2003.
PARÁ. Secretaria de Estado de Educação (SEDUC) Programa progressivo de
municipalização do ensino fundamental do Estado do Pará (2003 2006). Coordenação
de descentralização – CODES. Belém, 2003. (Documento digitado)
PARÁ, Secretaria de Estado de Educação (SEDUC) 10ª Unidade Regional de Educação
Altamira. Quadro demonstrativo de servidores municipalizados de Altamira para
lotação na rede estadual em 2004. Altamira, 2004. (Documento digitado)
PARÁ, Secretaria Executiva de Estado de Educação (SEDUC). Municipalização no Estado
do Pará: Operacionalização. Coordenação de descentralização – CODES. Belém, 2004.
(Texto digitado).
PARÁ, Secretaria Executiva de Educação (SEDUC), Coordenação de Descentralização
CODES. Mapa de Municipalização no Estado do Pará, 2005. (Texto digitado)
PARÁ, Secretaria Especial de Estado de Gestão, Secretaria Executiva de Estado de
Planejamento e Finanças. Produto Interno Bruto dos Municípios do Estado do Pará de
2004. Belém, PA: divulgado em 13 de dezembro de 2006. Disponível em:
<www.sepof.gov.pa>. Acesso em: jun. 2007.
ALTAMIRA. Secretaria Municipal de Educação (SEMEC). Relatório das Atividades
Desenvolvidas pela SEMEC no ano de 1997. Dezembro de 1997. (Documento digitado)
ALTAMIRA. Secretaria Municipal de Educação (SEMEC). Relatório das Atividades
Desenvolvidas pela SEMEC no ano de 1998. Dezembro de 1998. (Documento digitado)
ALTAMIRA. Secretaria Municipal de Educação (SEMEC). Relatório das Atividades
Desenvolvidas pela Divisão de Apoio ao Estudante (Merenda Escolar) no ano de 1998.
Dezembro de 1998. (Documento digitado)
364
ALTAMIRA. Carta de Adesão e Compromisso. Do prefeito municipal eleito ao Instituto
Ayrton Senna manifestando adesão à Parceria com o IAS. Datada de 05 de dezembro de 2000.
(Documento digitado)
ALTAMIRA. Carta A: Perfil do Secretário Municipal de Educação. Do prefeito
municipal eleito ao Instituto Ayrton Senna comunicando o aceite dos pré-requisitos sugerido
para escolha do Secretário Municipal de Educação. Datada de 05 de dezembro de 2000.
(Documento digitado)
ALTAMIRA. Carta B: Perfil do Gerente do Programa. Do prefeito municipal eleito ao
Instituto Ayrton Senna comunicando o aceite dos pré-requisitos sugerido para escolha do
Gerente do Programa Escola Campeã em Altamira. Datada de 05 de dezembro de 2000.
(Documento digitado).
ALTAMIRA. Carta C: Elenco de Atividades Viáveis em 2001. Do prefeito municipal eleito
ao Instituto Ayrton Senna especificando o compromisso de realizar três atividades viáveis no
primeiro ano da parceria. Datada de 05 de dezembro de 2000. (Documento digitado)
ALTAMIRA. Carta A do Instituto Ayrton Senna para o prefeito eleito de Altamira.
Comunica a seleção do município para compor a parceria com o IAS. Datada de 20 de
dezembro de 2000. (Documento digitado).
ALTAMIRA. Carta B do Instituto Ayrton Senna para o prefeito eleito de Altamira.
Encaminha Termo de Parceria. Datada de 20 de dezembro de 2000. (Documento digitado).
ALTAMIRA. Secretaria Municipal de Educação (SEMEC). Plano de Metas Municipal de
Educação – Programa de Gestão escola Campeã – 2001
ALTAMIRA. Secretaria Municipal de Educação (SEMEC). Plano de Metas Municipal de
Educação – Programa de Gestão escola Campeã – 2002
ALTAMIRA. Prefeitura Municipal. Relatório Final do Município de Altamira – Programa
Escola Campeã, 2001-2004. Altamira: SEMEC, 2005.
ALTAMIRA. Secretaria Municipal de Administração. Demonstrativo de Cargos e
Remuneração do Magistério 2000 a 2007. (Planilha digitada).
365
ALTAMIRA. Secretaria Municipal de Educação (SEMEC). Regimento Interno do
Conselho Municipal de Altamira. Aprovado pelo Conselho Municipal de Educação em 13
de Dezembro de 1997.
ALTAMIRA. Prefeitura Municipal. Instrumento Particular de Parceria entre a Prefeitura
Municipal de Altamira, a Fundação Banco do Brasil e o Instituto Ayrton Senna.
Assinado em 15 de janeiro de 2001.
ALTAMIRA. Prefeitura Municipal. Instrumento Particular de Parceria entre a Prefeitura
Municipal de Altamira e o Instituto Ayrton Senna. Assinado em 09 de maio de 2005.
SINDICATO dos Trabalhadores em Educação Pública do Pará SINTEPP/sub-sede
Altamira. Ofício 51, de 21 de junho de 2001 endereçado à Secretaria Executiva de
Educação do Estado. Denúncia e solicitação de providências pelo descumprimento do
convênio de Municipalização.
SINDICATO dos Trabalhadores em Educação Pública do Pará SINTEPP/sub-sede
Altamira. Mandado de Segurança coletivo com pedido de Liminar contra ato do Prefeito
Municipal de Altamira, endereçado ao TJE em 25 de junho de 2001.
SINDICATO dos Trabalhadores em Educação Pública do Pará SINTEPP/sub-sede
Altamira. Ofício 248 de 27 de junho de 2001 endereçado à Secretaria Executiva de
Educação do Estado. Denúncia e solicitação de providências pelo descumprimento do
convênio de Municipalização.
SINDICATO dos Trabalhadores em Educação Pública do Pará SINTEPP/sub-sede
Altamira. Requerimento ao TJE comunica o descumprimento de decisão judicial pelo
Prefeito Municipal de Altamira. Protocolado no TJE em 23 de julho de 2001.
SINDICATO dos Trabalhadores em Educação Pública do Pará SINTEPP/sub-sede
Altamira. Requerimento ao Juiz de Direito da Vara Cível da Comarca de Altamira
Trata de Recurso de APELAÇÃO. Datado de 17 de janeiro de 2002.
SINDICATO dos Trabalhadores em Educação Pública do Pará SINTEPP/sub-sede
Altamira. Ofício nº 023, de 17 de Abril de 2002 endereçado ao Ministério Público da
366
Comarca de Altamira. Denúncia e solicitação de providências pelo descumprimento do
convênio de Municipalização.
SINDICATO dos Trabalhadores em Educação Pública do Pará SINTEPP/sub-sede
Altamira. Ofício nº 024, de 17 de abril de 2002 – endereçado à Inspetoria Regional do
Tribunal de Contas dos Municípios. Denúncia e solicitação de providências pelo
descumprimento do convênio de Municipalização.
SINDICATO dos Trabalhadores em Educação Pública do Pará SINTEPP/sub-sede
Altamira. Ofício 041, de 25 de Junho de 2002 endereçado à Procuradoria do Estado do
Pará. Denúncia e solicitação de providências pelo descumprimento do convênio de
Municipalização.
SINDICATO dos Trabalhadores em Educação Pública do Pará SINTEPP/sub-sede
Altamira. Carta datada de 26 de Julho de 2002 endereçada ao Governador do Estado do
Pará. Denúncia e solicitação de providências pelo descumprimento do convênio de
Municipalização.
Periódicos e Boletins
CNTE – Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação – Cadernos de Educação. 1ª
Ed. Ano II, n 6. Agosto de 1997.
Guia de Consulta Programa de Apoio aos Secretários Municipais de Educação PRASEM
II. 2ª Ed./Organizado por Maristela Marques Rodrigues e Ana Catarina Braga. Brasília:
FUNDESCOLA/MEC, 1999.
EDUCADORES na luta contra redução de salário. Jornal do SINTEPP. Ago/Set. 2001.
GOVERNADOR chama Juvenil de ladrão. Dicas & Fatos. REGIONAL. 20 de Setembro de
2002, p.02.
Sites Institucionais consultados
367
http://www.prolei.inep.gov.br/
http://www.alepa.pa.gov.br/
http://www.receita.fazenda.gov.br/legislacao/codtributnaci/ctn.htm
http://www.inep.gov.br/estatisticas/gastoseducacao/
http://www2.camara.gov.br/.
http://www.sepof.gov.pa
http://www.campanhaeducacao.org.br/
http://www.inep.gov.br/
http://www.inep.gov.br/basica/censo/Escolar/Matricula/default.asp
http://www.inep.gov.br/estatisticas/gastoseducacao/indicadores_financeiros/P.T.D._dependen
cia_administrativa.htm,
http://www.inep.gov.br/estatisticas/professor2003/
http://www.amazônia.org.br
http://senna.globo.com/institutoayrtonsenna/
http://www.receita.fazenda.gov.br/legislacao/codtributnaci/ctn.htm
http://www.portaltransparencia/gov/br
http://www.famep.com.br
http://www.fnde.gov.br/pls/simad/internet_fnde.liberacoes_result_pc
http://www.savoynet.com.br/easycalc/correcao.asp
368
ANEXOS
ANEXO I
Brasil – Impostos Federais
Impostos da União (Art. 153-CF)
I. I.
– Imposto sobre Importação
I.Exp
. – Imposto sobre Exportação
I.R
– Imposto de Renda e proventos de qualquer natureza
I.R.R.F
Imposto de Renda Retido na Fonte.
I.P.I
– Imposto sobre Produtos Industrializados
IPI Exp.
Imposto sobre Produtos Industrializados
para Exportação ou Lei Kandir
I.O.F
– Impostos sobre Operações Financeiras
I.T.R
– Impostos sobre Propriedade Territorial Rural
I.G.F
– Impostos sobre Grandes Fortunas
Fonte: CF de 1988.
Nota 1: O IGF nunca foi regulamentado e nem cobrado.
ANEXO II
Brasil – Impostos Próprios Estaduais e do DF e Recebidos da União
Impostos Próprios % de Impostos Próprios
I.T.C.D – Imposto sobre Transmissão causa mortis 100%
I.C.M.S – Imposto sobre operações relativas à circulação de
mercadorias e sobre prestação de serviços de transporte interestadual e
intermunicipal e de comunicação
100%
I.P.V.A – Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores 100%
Impostos Recebidos da União % de Repasses da União
F.P.E – Fundo de Participação dos Estados 21,5% (do IPI e do I.R)
IPI. Exp. – Imposto sobre desoneração da Exportação
(L.C. nº 87/96 – Lei Kandir)
10%
I.R.R.F – Imposto de Renda Retido na Fonte de funcionários estaduais. 100%
IOF – Imposto sobre Operações Financeiras 30%
Fonte: Constituição Federal de 1988.
369
ANEXO III
Brasil – Impostos Municipais Próprios e Transferidos
Impostos Próprios
% dos Impostos
Próprios
I.P.T.U – Imposto sobre Propriedade Territorial Urbana 100%
I.T.B.I.
Imposto sobre Transmissão inter vivos a qualquer título, por natureza
ou cessão de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como
cessão de direitos a sua aquisição.
100%
I.S.S – Imposto Sobre Serviço de Qualquer Natureza 100%
Impostos Recebidos do Estado
% de Repasses do
Estado
I.P.V.A – Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores. 50%
I.C.M.S
Imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e
sobre prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de
comunicação
25%
IPI. Exp. – Imposto sobre desoneração da Exportação 25%
L.C. nº 87/96 – Lei Kandir
25%
Impostos Recebidos da União
% de Repasses da
União
I.T.R
– Imposto Territorial Rural 50%
FPM – Fundo de Participação dos Municípios
22,5% (do IPI e do
IR)
I.R.R.F
– Imposto de Renda Retido na Fonte de funcionários municipais
100%
IOF
Imposto sobre Operações Financeiras
70%
Fonte: Constituição Federal de 1988.
370
ANEXO IV
Escolas Municipalizadas em Altamira – 1998
Nome da Escola Local Série
01
Escola Estadual Deodoro da Fonseca Urbana 1ª a 8ª
02
Escola Estadual Profº. Antonio Gondim Lins Urbana 1ª a 8ª
03
Escola Estadual Dairce Pedrosa Torres Urbana 1ª a 8ª
04
Escola Estadual Saint Clair Passarinho Urbana 1ª a 8ª
05
Escola Estadual Dom Clemente Geiger Urbana 1ª a 8ª
06
Escola Estadual Rui Barbosa Urbana 1ª a 8ª
07
Escola Estadual Princesa do Xingu Rural 1ª a 8ª
08
Escola Estadual Ester de Figueiredo Ferraz Urbana 1ª a 8ª
09
Escola em Reg. de Convênio José de Alencar Urbana 1ª a 8ª
10
Escola em Reg. de Convênio Antonio Moreira de Sousa Urbana 1ª a 8ª
11
Escola Estadual La Salle Rural 1ª a 4ª
12
Escola Estadual Fraternidade Antonio Inácio de Lucena Urbana 1ª a 4ª
13
Escola Estadual Nair de Nazaré Lemos Urbana 1ª a 4ª
14
Escola Estadual Santo Antonio Rural 1ª a 4ª
15
Escola Estadual Rio Branco Rural 1ª a 4ª
16
Escola Estadual Pouso Alegre Rural a 4ª
17
Escola Estadual Paola Franssinete Rural 1ª a 4ª
18
Escola Estadual Duarte da Costa Rural 1ª a 4ª
19
Escola Estadual Oneide de Sousa Tavares Rural 1ª a 4ª
20
Escola Estadual José Buciolli Rural 1ª a 4ª
21
Escola Estadual São Francisco de Assis Urbana a
22
E. Batista em Regime de Convênio Raymundo M. Marinho Urbana 1ª a 4ª
23
Escola em Regime de Convênio Mirtes de Oliveira Urbana 1ª a 4ª
24
Escola de Educação Infantil Vovô Bezerra Urbana Pré-escolar
Fonte: Decreto nº 356/98 PM de Altamira.
ANEXO V
Altamira: Diretores da 10ª URE de 1994 a 2009
Nome da Escola Nº da Portaria Período
01
Rosemary L. Navarro de Almeida 1041/1994 – SEDUC 1994
02
Ducilla Almeida do Nascimento 4343/95 – SEDUC 1995/1997
03
Rosenira Pereira Soares 2286/98 – SEDUC 1998/2000
04
José Olivani Bezerra 11965/01 – SEDUC 2001/2006
05
Raimundo Pereira de Oliveira 1074/07 – SEDUC –PA 2007/2009
Fonte: Arquivos da 10ª URE – Altamira.
371
ANEXO VI
Altamira: Abrangência Regional da 10ª URE em1995
Município
Educação
Infantil
Ensino
Fundamental
Ensino
Médio
Total
Altamira
391 8.710 1.199 10.300
Brasil Novo
49 2.352 153 2.554
Medicilândia
300 5.054 164 5.518
Pacajá
27 4.221 40 4.288
Senador José Porfírio
115 1.583 39 1.737
Uruará
217 5.491 345 6.053
Vitória do Xingu
61 857 - 918
Total 1.160 28.268 1.940 31.368
Fonte: Diagnóstico Educacional do Pará – 1989 – 1995. SEDUC, 1996.
ANEXO VII
Altamira: Nº de alunos por Rede nos municípios de jurisdição da 10ª URE
após a Municipalização – 1998
Município Rede Estadual Rede Municipal Total
01
Altamira 1.539 14.196 15.735
02
Anapu 498* 2.276 2.774
03
Brasil Novo 0 2.904 2.904
04
Porto de Moz 0 7.151 7.151
05
Medicilândia 0 6.112 6.112
06
Senador José Porfírio 0 4.521 4.521
07
Uruará 0 8.110 8.110
08
Vitória do Xingu 0 2.521 2.521
Total 2.037 47.791 49.828
Fonte: SEDUC/INEP/MEC.
Nota:* Alunos pertencentes ao Ensino Fundamental.
ANEXO VIII
Altamira: Abrangência da 10ª URE – 2007
Município Nº de Escolas Matrículas
01
Altamira 08 5.397
02
Anapu 02 529
03 Brasil Novo 01 659
04 Porto de Moz 01 862
05 Medicilândia 01 752
06
Senador José Porfírio 01 424
07 Uruará 01 1.341
08
Vitória do Xingu 01 393
Total 16 10.357
Fonte: Censo Educacional. INEP/MEC 2007
372
ANEXO IX
Altamira: Nº de escolas da rede estadual e em Regime de Convênio com o
Estado após a municipalização – 2007
Nome da Escola Situação Ensino
01
Escola Anexa Nair de Nazaré Lemos Estadual Médio
02
Escola Profª. Ducilla Almeida do Nascimento Estadual Médio
03
Escola Dairce Pedrosa Torres Estadual Médio
04
Escola Polivalente Estadual Médio
05
Instituto Maria de Matias Regime de Convênio Médio
06
Instituto Técnico Educacional Getúlio Vargas Regime de Convênio Médio
07
Escola Nair de Nazaré Lemos Regime de Convênio Médio
08
Escola de Ed. Especial Despertar para a Vida Regime de Convênio Especial
Fonte: 10ª URE de Altamira
373
ANEXO X
Município de Altamira – Despesas por Funções de Governo (Valor Real)
FUNÇÕES DE
GOVERNO
1997 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006
Legislativo
* 2.876.280 2.618.378 2.234.620 * 2.048.945 2.031.684 2.285.966 2.071.569
Adm./Planej.
3.163.992 * * * * * * * *
Sec. Administração e
Finanças
* 5.408.960 4.481.452 3.686.416 * * * * *
Secretaria de
Administração
* * * * 2.781.736 1.951.695 1.575.244 3.069.236 2.466.882
Secretaria de Finanças
3.657.179 * * * 1.013.354 867.480 2.074.058 2.763.567 2.174.196
Instituto de Prev.
Social
* * 1.261.385 1.105.310 * 1.193.107 1.303.111 1.323.706 1.431.027
Saúde/ Saneamento
7.435.425 10.907.608 14.672.694 15.735.021 41.395 15.740.179 13.358.619 18.766.895 23.978.940
Educação/Cultura
6.729.500 13.932.695 15.397.488 17.236.427 17.584.011 18.613.092 21.549.426 20.759.505 23.444.250
Gabinete do Prefeito
2.144.518 2.325.898 2.056.723 1.410.033 1.809.213 1.733.579 2.148.010 1.757.403 1.886.538
Sec. Obras, Viação e
Infraestrutura
5.848.397 8.278.335 8.326.063 13.781.451 18.651.929 13.918.255 26.498.720 9.704.811 12.747.124
Sec. de Trabalho e
Promoção Social
2.960.161 2.559.923 2.561.758 1.745.362 2.300.203 1.839.988 1.771.091 3.087.051 3.770.765
Agricultura
2.312.628 1.569.784 949.968 1.615.571 1.756.052 663.965 1.292.943 1.489.388 2.074.110
Procuradoria
Municipal
178.866 276.129 152.456 193.180 147.095 140.268 199.974 232.979 230.616
Meio Ambiente e
Turismo
* * * * 468.543 510.876 552.533 202.348 326.601
Fundação de
Telecomunicações
* * 1.744 * 951 * * 587.358 409.707
Total
34.430.667 48.135.612 52.480.109 58.743.391 46.554.482 59.221.429 74.355.413 66.030.213 77.012.325
374
ANEXO XI
Altamira: Convênios com o FNDE e com o Estado de 1997 a 2006.
Nº do
Convênio
Objeto Valor Nominal Valor Real
Estado/1997
“Projeto Gavião” Capacitação de
Professores Leigos
3.052 6.078
301506 de
16/09/1997
PTA: dinamização de ações a fim de
suprimir o turno intermediário.
523.040 1.041.549
307416 de
16/08/1997
PTA: Manutenção e desenvolvimento do
ensino fundamental em escolas públicas
municipais municipalizadas. Kit
Tecnológico
104.800 208.692
362287 de
09/09/1999
PTA: Capacitação de docentes ou técnicos e
impressão de material didático para classes
de aceleração da aprendizagem.
50.236 93.308
375506 de
13/11/1999
PTA: Aquisição de óculos para alunos da
série – Campanha “Olho no Olho”.
6.450 11.980
406048 de
29/12/2000
PTA: Material didático/pedagógico e
formação continuada de professores.
19.440 33.915
511047 de
18/10/2004
PTA: Aquisição de veículo pela APAE para
transporte escolar de seus alunos.
30.000 36.805
573436 de
07/12/2006
PTA: Incentivo à política de inclusão de
alunos com necessidades educativas
especiais no ensino regular.
4.950 5.392
540168 de
25/02/2006
PTA: Apoio a ações que promovam o
aperfeiçoamento da qualidade do ensino
fundamental.
91.695 99.889
Fonte: http://www.cgu.gov.br/ConveniosLista.asp?UF=PA&Estado=PARA&Cod e SEMEC/Altamira.
Nota 1: Os valores referentes ao Convênio 301506 não aparecem no balanço daquele ano, motivo por que foi
excluído do cômputo geral de convênios, assim como o de 511047, por não beneficiar diretamente a rede
municipal, mas a APAE.
Nota 2: Valores reais atualizados pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo IPCA (IBGE) de 30
de junho de 2008. Quadro elaborado pela autora.
375
ANEXO XII
Altamira: Plano de Carreira do Professor I – 1997.
Cargo Professor I
Código
PMA – MAG – 101
Classe
A B
Nível
I II I II
Habilitação
Magistério
Magistério mais
Aperfeiçoamento
de 180hs.
Magistério mais
Estudos
Adicionais
Magistério mais
Aperfeiçoamento
de 240hs.
Área de
Atuação
1ª a 4ª Série e
Ed. Especial
1ª a 4ª Série e Ed.
Especial
1ª a 6ª Série e
Ed. Especial
1ª a 6ª Série e Ed.
Especial
Fonte: Lei Municipal 1.378/97
ANEXO XIII
Altamira: Plano de Carreira - Professor II – 1997
Cargo Professor II
Código PMA – MAG – 102
Classe A B
Nível I II III I II III
Hab.
Licenciatura
Curta
Aperfeiçoamento
de 240hs.
Licenciatura
Plena
Especialização
Mestrado Doutorado
Atuação
Ensino
Fundamental
e Educação
Especial
Ensino
Fundamental
e Educação
Especial
Ensino
Fundamenta
Ed. Especial
e Ensino
Médio
Ensino
Fundamental
Ed. Especial e
Ensino Médio
Ensino
Fundamental e
Ed. Especial e
Ensino Médio
Ensino
Fundamental
Ed. Especial e
Ensino Médio
Fonte: Lei Municipal 1.378/97
ANEXO XIV
Altamira: Plano de Carreira do Professor I – 2000.
Cargo Professor I
Código
PMA – MAG – 101
Classe
A
Nível Especial 1 2
Habilitação
Médio Normal
Licenciatura Plena ou
outra Graduação
pós-graduação de no
mínimo 360 horas
Área de Atuação
a 4ª Série e Ed.
Especial
a série e Edu.
Especial
a série e Edu.
Especial
Fonte: Lei nº 1.460 de 31/08/2000.
Nota1: A Lei 1.460 não especifica a área de atuação. Como a Lei anterior não foi revogada, mas
apenas modificada, mantive as mesmas áreas de atuação previstas anteriormente.
376
ANEXO XV
Altamira: Plano de Carreira do Professor II – 2000
Cargo Professor II
Código
PMA – MAG – 101
Classe
B
Nível
1 2
Habilitação
Licenciatura Plena ou outra
Graduação
Pós-graduação na área da
Educação de no mínimo 360
horas
Área de Atuação
5ª a 8ª Série 5ª a 8ª
Fonte: Lei nº 1.460 de 31/08/2000.
Nota1: A Lei 1.460 não especifica a área de atuação, mas por ter caráter apenas modificativo,
mantiveram-se as mesmas áreas de atuação previstas pela Lei anterior.
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo