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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Lúcia H. Caetano
A CONSTRUÇÃO DISCURSIVA DA EMPRESA FELIZ NO
GUIA VOCÊ S/A EXAME
AS 150 MELHORES EMPRESAS PARA VOCÊ TRABALHAR
MESTRADO EM COMUNICAÇÃO E SEMIÓTICA
São Paulo
2010
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Lúcia H. Caetano
A CONSTRUÇÃO DISCURSIVA DA EMPRESA FELIZ NO
G
UIA VOCÊ S/A EXAME
A
S 150 MELHORES EMPRESAS PARA VOCÊ TRABALHAR
MESTRADO EM COMUNICAÇÃO E SEMIÓTICA
Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, como exigência
parcial para obtenção do título de Mestre em
Comunicação e Semiótica sob a orientação do Prof.
Doutor José Luiz Aidar Prado.
São Paulo
2010
iv
AUTORIZOAREPRODUÇÃOEDIVULGAÇÃOTOT ALOUPARCIALDESTETRABALHO,POR
QUALQUERMEIOCONVENCIONALOUELETRÔNICO,PARAFINSDEESTUDOEPESQUISA,
DESDEQUECITADAAFONTE.
v
Banca Examinadora
____________________________________________
____________________________________________
____________________________________________
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vi
vii
AGRADECIMENTOS
A elaboração deste trabalho contou com a ajuda e o
estímulo de muitas pessoas amigas e colegas, a quem
agradeço de coração.
Às minhas filhas, Laura e Luisa, agradeço pelo
incentivo constante.
Aos professores do COS, o conhecimento que
compartilharam comigo e o apoio que me deram.
E, principalmente ao professor José Luiz Aidar Prado,
meu orientador, que me incentivou e apoiou na
elaboração deste trabalho e me acolheu em seu grupo de
pesquisa.
viii
RESUMO
A construção discursiva da empresa feliz no Guia VOCÊ S/A – EXAME
Essa pesquisa visa examinar os contratos comunicativos construídos pelo enunciador do Guia
VOCÊ S/A EXAME – As 150 Melhores Empresas para Você Trabalhar. A partir dessa análise,
examinaremos o enunciatário que o Guia constrói, o agendamento temático e os correspondentes
enquadramentos, bem como as estratégias de visibilidade e os mapas cognitivos que buscam modalizar
os leitores para que construam a empresa de sucesso. Uma das questões daí decorrentes é: como o
enunciatário é modalizado a cumprir prescrições do enunciador, de modo a fazer com que sua empresa
seja classificada entre as melhores 150? Constrói-se a hipótese de que o Guia não é apenas uma
publicação para informar o público corporativo, mas parte de um processo para influenciar e
modalizar esse público para práticas diversas de gestão e de conduta empresarial. O contrato constrói,
assim, não somente o enunciador-que-informa, mas convoca o enunciatário para um processo de
transformação das empresas em certa direção, atuando como apelo à experiência, envolvendo todos no
processo de transformação empresarial rumo ao sucesso. Editado pela Editora Abril, o Guia mede, por
pesquisas anuais de clima organizacional, o nível de satisfação de empregados com as empresas
empregadoras; a participação é voluntária. Milhares de funcionários respondem à pesquisa que, desde
2006, é feita pela Fundação Instituto de Administração (FIA), da Faculdade de Economia e
Administração (FEA) da Universidade de São Paulo (USP). Anteriormente, era feita pelo Great Place
to Work Institute (GPTW), consultoria internacional. As empresas pesquisadas são visitadas por
repórteres, cujas opiniões também pesam na decisão de classificação. O Corpus são as seis mais
recentes edições, de 2003 a 2008: as três primeiras, com pesquisas GPTW, as três últimas, com
pesquisas FIA. Analisou-se públicos, discursos, anúncios, artigos, reportagens e editoriais, assim
como, quesitos pesquisados e índices. A metodologia de pesquisa baseia-se na análise discursiva tendo
como referência Diana Pessoa de Barros (Teoria Semiótica do Texto), J.L.A. Prado (“Regimes de
Visibilidade”), e Norman Fairclough (Discurso e Mudança Social) para a contextualização social. O
interesse pelo tema vem da prática profissional na área de comunicação corporativa. Até o momento,
não localizamos nenhum outro estudo sobre este objeto do ponto de vista da comunicação e semiótica.
Palavras-chave: cultura organizacional, comunicação corporativa; clima organizacional;
comunicação interna; felicidade corporativa; empresa feliz; Guia VOCÊ S/A EXAMEAs 150
Melhores Empresas para Você Trabalhar.
ix
ABSTRACT
The happy company’s discursive construction on the Guia VOCÊ S/A EXAME – As Melhores
Empresas para Você Trabalhar (Guide VOCÊ S/A EXAME – The Best Companies for you to Work).
This research aims to examine the communicational contracts constructed by the Guia VOCÊ S/A
EXAME – As 150 Melhores Empresas para Você trabalhar’s enunciator. Parting from this analysis
we will examine the receptor that the guide constructs, the agenda setting and corresponding
framework, as well as visibility strategies and cognitive maps that seek to modalize readers in order to
build a successful company. One of the questions we can extract is: how is the modalized receptor to
accomplish the enunciator’s precepts in a way that his company is classified amongst the 150 best? It
is formed the hypothesis that the Guia is not merely an informative publication directed to the
corporative public, but part of a process that influences and modalizes this public to diverse practices
of corporative management and conduct. The contract builds, therefore, not only the enunciator-who-
informs, but summons the receptor to a process of turning companies into a certain direction, acting as
an appeal to experience, and involving all in this process of corporative transformation towards
success. Edited by Editora Abril, the Guia measures, through annual organizational climate surveys,
the level of satisfaction amongst employees towards their employing company; participation is
voluntary. Thousands of employees answer the survey which, since 2006, has been administered by
the Institute of Administration, Foundation (FIA), from the University of São Paulo’s (USP) College
of Economy and Administration (FEA). Previously, it had been made by the Great Place to Work
Institute (GPTW), international consulting. The companies are visited by journalists whose opinions
also have an influence on the classification decision. The Corpus is composed by the six latest
editions, from 2003 to 2008: the three first ones having GPTW surveys, and the last ones, having FIA
surveys. Publics, discourses, announcements, articles, journalistic pieces and editorials, as well as the
researched topics and the grades given, have been analyzed. The research methodology is based on
discursive analysis, having Diana Pessoa de Barros (Teoria Semiótica do Texto), J.L.A. Prado
(“Regimes de Visibilidade”) e Norman Fairclough (A discourse and social change) as reference for
the social contextualization. The interest on the theme comes from professional practice in the area of
corporative communication. Until this moment we have found no other studies on this object from the
communication and semiotics point of view.
Keywords: organizational culture; corporative communication; organizational climate; internal
communication; corporative happiness; Guia VOCÊ S/A EXAMEAs 150 Melhores Empresas para
Você Trabalhar.
1
SUMÁRIO
AGRADECIMENTOS ...................................................................................................................... vii
RESUMO ........................................................................................................................................... viii
ABSTRACT ............................................................................................................................. ix
SUMÁRIO ................................................................................................................................. 1
INTRODUÇÃO ......................................................................................................................... 3
Objetivos e hipóteses ..................................................................................................................... 4
Corpus ........................................................................................................................................... 6
Atores ............................................................................................................................................ 8
— Parte I — ......................................................................................................................... 11
A PESQUISA ........................................................................................................................... 11
A Metodologia da Pesquisa do Guia ........................................................................................... 12
A Escolha das Finalistas .............................................................................................................. 14
Parceiros Metodológicos ............................................................................................................. 16
Great Place to Work (GPTW) ........................................................................................................... 16
Fundação Instituto de Administração (FIA) ...................................................................................... 19
O Ranking .................................................................................................................................... 21
Outros rankings ........................................................................................................................... 25
A Troca de Parceiros Metodológicos .......................................................................................... 27
A PUBLICAÇÃO E A PUBLICIDADE .................................................................................. 30
Conteúdo Jornalístico .................................................................................................................. 30
Blocos e Seções ........................................................................................................................... 31
2003 ........................................................................................................................................ 33
2004 ........................................................................................................................................ 35
2005 ........................................................................................................................................ 38
2006 ........................................................................................................................................ 40
2007 ........................................................................................................................................ 43
2008 ........................................................................................................................................ 46
Editoriais ..................................................................................................................................... 49
2
Ausências ..................................................................................................................................... 52
Conteúdo Gráfico ........................................................................................................................ 54
As Capas ........................................................................................................................................ 54
Identificação ...................................................................................................................................... 57
Conteúdo Comercial .................................................................................................................... 60
Os Anúncios ................................................................................................................................ 63
— Parte II — ........................................................................................................................ 68
O DISCURSO DO GUIA ........................................................................................................ 68
O critério jornalístico ................................................................................................................... 68
Cultura Organizacional e Co
municação Interna .......................................................................... 70
Identidade e Orgulho de Pertencer .................................................................................................... 75
Comunicação Interna ......................................................................................................................... 79
O Trabalho nas Melhores Empresas ............................................................................................ 80
Aprendizado Constante ..................................................................................................................... 85
Os Caminhos da Empresa Feliz ................................................................................................... 89
O enunciador ............................................................................................................................... 90
Educação e Disciplina ....................................................................................................................... 93
O Contrato ........................................................................................................................................ 94
O Sucesso ........................................................................................................................................ 98
Considerações finais .................................................................................................................. 101
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................................
105
Referências na internet .................................................................................................................... 106
3
INTRODUÇÃO
Desde 1997, o Grupo Editorial Abril, maior editora de revistas do Brasil e da América Latina,
publica, anualmente, o Guia As Melhores Empresas para Você Trabalhar, um ranking que
aponta o nível de satisfação de empregados com as empresas, nacionais ou multinacionais,
onde trabalham. O nível de satisfação é medido por pesquisas anuais de clima organizacional,
à qual respondem diretores e empregados das empresas. O Guia chega ao leitor-assinante
como uma publicação conjunta das revistas VOCÊ S/A e EXAME, as duas principais
publicações do núcleo de Negócios do Grupo Abril.
Cada pesquisa anual, da qual participam centenas de empresas e milhares de
funcionários, resulta na indicação das 150 empresas melhores para se trabalhar. Desde 2006, o
parceiro metodológico, responsável pelas pesquisas, é a Fundação Instituto de Administração
(FIA), vinculada à Faculdade de Economia e Administração (FEA) da Universidade de São
Paulo (USP). O parceiro anterior, de 1999 a 2005, era o Great Place to Work Institute
(GPTW), consultoria com sede nos Estados Unidos e escritórios afiliados em diversos países.
O primeiro parceiro foi o Hay Group (1997), o segundo foi a Hewitt Associates (1998),
ambos, empresas globais de consultoria de gestão de negócios.
A escolha final das empresas que integrarão o ranking a cada ano é feita na redação da
revista VOCÊ S/A, após a visita de repórteres às empresas classificadas para checar os dados e
informações revelados pela pesquisa e para “sentir o clima” da organização e assegurar à
publicação que os funcionários tiveram condições de isenção para responder aos
questionários. A visita do jornalista é decisiva para a inclusão ou exclusão de uma empresa no
ranking. A opinião do repórter pesa principalmente na escolha e definição da posição das dez
primeiras classificadas, assim como em casos de empate. Ou seja, a visibilidade da empresa
no Guia depende dos dados levantados pela pesquisa – critério científico – e da opinião do
jornalista encarregado da reportagem – critério jornalístico.
Ao longo de suas edições, o Guia modificou alguns de seus índices, seja pela mudança
de parceiro metodológico, seja para melhor sintonizar com as tendências do mercado. Desde
4
2006, os três principais índices são: Qualidade do Ambiente de Trabalho, Felicidade no
Trabalho e Gestão de Pessoas.
A cada edição, dezenas de reportagens mostram o envolvimento de funcionários e
diretores com as empresas onde trabalham. Por meio de narrativas do empenho de funcionários
e diretorias em garantir qualidade e inovação para a empresa, qualificação profissional,
remuneração, bem como, participação em trabalhos comunitários patrocinados pelas empresas,
projetos de responsabilidade social e proteção ao meio ambiente, as reportagens buscam
explicar para o leitor os motivos que colocaram essas empresas entre as melhores do Guia.
A participação na pesquisa é voluntária e exige tempo e dedicação da empresa e dos
funcionários para responderem aos questionários, levantarem e informarem dados de gestão e
receberem visitas de jornalistas. A elaboração do Guia, portanto, demanda troca de
informação entre a empresa, a editora e o parceiro metodológico considerando seus
conhecimentos e vivências das diversas realidades sociais, condições econômicas regionais,
culturas organizacionais e midiáticas.
As dez primeiras empresas colocadas ganham um troféu, as demais 140 classificadas,
um diploma, ambos entregues em uma solenidade onde são anunciadas as vencedoras. Ao
final da cerimônia, todos os presentes recebem, em primeira mão, a edição do Guia daquele
ano, que depois é distribuído aos assinantes das duas revistas. Não há nenhum outro prêmio.
Mas o número de empresas inscritas para participarem da pesquisa cresce ano a ano: em 2003,
foram 411; em 2004, 460; em 2005, 488; em 2006, 502; em 2007, 491; em 2008, 550.
Objetivos e hipóteses
Entender o que leva patrões e empregados a se unirem, a partir da mobilização e das
modalizações construídas pelo Guia, nessa tarefa de tornar a empresa reconhecida como a
Melhor para Trabalhar é o questionamento deste trabalho. Como são mostradas a união e
esforço de patrões e empregados nessas modalizações no Guia?
Para delimitar o exame das possibilidades partimos de uma constatação do próprio
Guia, de que não é mais suficiente “uma política de remuneração agressiva atrelada a um
generoso pacote de benefícios e bons salários” para manter o vínculo do empregado com a
empresa; o que o prende é o “sentimento de pertencimento àquela companhia”.
1
1
Mauro Silveira, Guia, 2001.
5
É por isso, segundo editorial da publicação, que as melhores empresas para trabalhar
priorizam o bom relacionamento com seus públicos internos, garantindo ambientes em que o
fluxo da informação é constante e transparente e oferecendo ferramentas de comunicação ágeis
para atingir a todos os funcionários. “Elas não se cansam de comunicar, comunicar, comunicar.
Assim, permitem que todos influenciem nas decisões que os afetam”, explica Maria Tereza
Gomes, diretora de redação da revista VOCÊ S/A, no editorial da edição de 2003.
Assim, esta pesquisa visa, para dar conta dos objetivos já mencionados, examinar os
contratos comunicativos construídos pelo enunciador do Guia VOCÊ S/A EXAME As 150
Melhores Empresas para Você Trabalhar e o enunciatário que o Guia constrói, o
agendamento temático e os correspondentes enquadramentos, bem como as estratégias de
visibilidade e os mapas cognitivos que buscam modalizar os leitores para que construam a
empresa de sucesso. A modalização principal é a do dever fazer: o que cada um deve realizar
em sua carreira e na empresa de modo a tornar a empresa a melhor? Como engajar a todos
num querer que os leve a fazer o que deve ser feito?
A hipótese que pretendíamos testar era a de que o Guia não seria apenas uma publicação
destinada a informar o público corporativo, mas, sim, parte de um processo que pretende
efetivamente influenciar e engajar esse público para práticas diversas de gestão e de conduta
empresarial. O Guia não se colocaria apenas como um enunciador-que-informa, mas como
enunciador que convoca a um processo de transformação das empresas em certa direção.
Examinar os contratos comunicativos construídos pelo Guia permitiria entender como o
enunciatário é modalizado a cumprir, a aceitar valores e prescrições de modo a fazer com que
sua empresa seja bem classificada no prêmio. Nesses contratos comunicacionais são
oferecidos aos leitores os mapas cognitivos e as modalizações que constituem as receitas de
como ser um funcionário eficaz e contribuir para tornar a empresa onde trabalha uma das
melhores do Brasil.
O Guia funcionaria, portanto, em nossa hipótese, como apelo à experiência, envolvendo
todos no processo de transformação empresarial rumo ao sucesso. Esse tema foi estudado já
na hipermídia do Grupo de Pesquisas em Mídia Impressa, ao qual pertencemos, denominada
“A invenção do Mesmo e do Outro na mídia semanal”.
2
2
Grupo de Pesquisas em Mídia Impressa que atua no Programa de Estudos Pós-graduados em Comunicação e Semiótica da
PUC-SP.
6
Mas será esse enunciatário, esse leitor imaginado pelo contrato de comunicação, quem
precisa ser guiado no sentido de levar a empresa à vitória? Qual a real efetividade desse
enunciatário no resultado do ranking e quanto ele contribui efetivamente para envolver a
todos na experiência da transformação quando sabemos que os leitores do Guia são os leitores
de EXAME e de VOCÊ S/A?
Quando falamos em experiência de transformação, seria o Guia o real enunciador? A
leitura do Guia seria de fato a principal força de modalização? Quanto o processo de
elaboração do Guia interfere nas narrativas de sucesso das empresas classificadas?
Conhecemos por experiência profissional o envolvimento dos Departamentos de
Recursos Humanos das empresas para o êxito do processo de pesquisa e para que todos
possam responder em tempo e corretamente aos questionários, assim como a área de
comunicação interna é um canal indispensável para facilitar o processo, na coleta das
informações, no estímulo à participação, no cumprimento de prazos, na devolução das
conclusões: comemoração, se a empresa for classificada, ou reflexão, se for desclassificada.
Essas duas áreas, Recursos Humanos e Comunicação Interna, são, portanto, fundamentais nas
estratégias das vencedoras para entrarem ou permanecerem no ranking.
Esse conhecimento trouxe questões sobre os papéis dos atores no processo de busca do
sucesso da empresa nesse ranking e sobre a possibilidade de que a modalização não se faça só
pelo Guia, que é uma publicação anual, mas seja sustentada pelas edições normais das revistas
VOCÊ S/A (mensal) e EXAME (quinzenal), idealizadoras e suportes da pesquisa e da publicação
do Guia e, ambas, membros do mesmo núcleo de negócios do Grupo Editorial Abril.
Corpus
Dada a extensão de catorze anos de publicação do Guia, período durante o qual houve
mudança de parceiros metodológicos, o corpus do trabalho concentrou-se nas seis mais
recentes edições do Guia
3
– 2003 a 2008 –, sendo que as pesquisas de clima organizacional
das edições referentes a 2003, 2004 e 2005, foram as últimas realizadas pelo GPTW, enquanto
as de 2006, 2007 e 2008 foram as três primeiras sob a responsabilidade da FIA. A partir de
2004, o ranking passou a classificar 150 empresas. A edição de 2003 é a única do período
analisado com 100 empresas classificadas.
3
A edição 2009 foi publicada durante a elaboração deste trabalho. A edição de 2010 será publicada em setembro.
7
Foram verificados os públicos aos quais o Guia se dirige, seus discursos, mapeados os
anúncios, o conjunto das empresas classificadas, os artigos, reportagens e editoriais. Também
foram analisados os quesitos medidos pelas pesquisas dos parceiros metodológicos e os
índices gerados posteriormente.
As análises discursivas foram balizadas pelas teorias e conceitos de Diana Pessoa de
Barros (Teoria Semiótica do Texto), J. L. A. Prado (“Regimes de Visibilidade e outros”) e
Norman Fairclough (Discurso e Mudança Social). Tais autores nos auxiliaram no esforço de
discutir as construções discursivas da empresa feliz no Guia, onde o funcionário da empresa
classificada – em qualquer nível –, é o Mesmo (Prado, 2007)
4
e aparece carregado de todos os
valores atribuídos ao que é reconhecido como da boa empresa para se trabalhar, e os demais
funcionários, das empresas que não participaram da pesquisa ou de empresas que se
desclassificaram, são o Outro, distantes dos valores próprios da boa empresa e, portanto, da
felicidade.
A semiótica procura explicar o que o texto, seu objeto, diz “e como faz para dizer o que
diz”. Diana Barros explica que é preciso considerar que o texto só existe “quando concebido
na dualidade que o define – objeto de significação e objeto de comunicação – e, dessa forma,
o estudo do texto com vistas à construção de seu ou de seus sentidos só pode ser entrevisto
como o exame tanto dos mecanismos internos quanto dos fatores contextuais ou sócio-
históricos de fabricação do sentido” (Barros, 2007, p.14). Fairclough, por sua vez, ao se
referir à indústria pós-fordista, afirma que os operários, atualmente, funcionam “como grupos
em relação flexível com um processo acelerado de mudanças” e não mais como indivíduos
em rotinas repetitivas.
Acrescente-se que as relações tradicionais empregado-firma são consideradas pelas
administrações como disfuncionais nesse contexto; portanto, elas têm tentado transformar a
cultura do local de trabalho – por exemplo, ao estabelecer instituições que posicionam os
empregados em uma relação mais participativa com a gerência, como nos “círculos de
qualidade”. Descrever tais mudanças como “culturais” não é apenas retórica: o objetivo é
estabelecer os novos valores culturais, operários que são ‘empreendedores’, automotivados e
(…) “autodirecionados”. Tais mudanças na organização e na cultura são, de modo
significativo, mudanças nas práticas discursivas. O uso linguístico está assumindo maior
importância como meio de produção e controle social no local de trabalho. Mais
especificamente, espera-se agora que os operários se envolvam em interações face a face com
o grupo, como falantes e ouvintes. (…) O resultado é que as identidades sociais das pessoas
como trabalhadores passam a ser definidas em termos que tradicionalmente não têm sido
consideradas como ocupacionais, mas pertencentes à esfera da vida privada”. (Fairclough,
1992, pp. 26-27)
4
Hipermídia e Grupo de Pesquisas já citados.
8
Para essa tarefa, as empresas têm na mídia uma parceira. “Nesse sentido, a mídia é
performativa para além dos objetivos informativos, cria mapas de expressão e de existência
para seus leitores, mapas cognitivos e axiológicos em que os leitores encontram formas de
ações propostas para aquisição de identidade e sucesso no mundo globalizado” (Prado,
2005a). Diante dessas constatações, entendemos que era importante discutir, ainda que
brevemente, a importância do critério jornalístico para a definição da lista das empresas
vencedoras. Sempre que se refere a esse critério, o Guia explica sua obrigação de “olhar nos
olhos” das pessoas dentro da empresa. Mas, entendemos que o contato com os funcionários
das empresas pré-classificadas têm objetivos outros, comerciais, inclusive, para essa visita.
Para entender o contexto sociocultural do mundo contemporâneo no qual as empresas
participantes do Guia se tornam empresas felizes, e o próprio Guia se insere, abordamos o
tema da cultura organizacional, seus conceitos e sua influência sobre o contingente de
funcionários, no sentido de criar a identidade com a empresa, e o papel da comunicação nesse
processo. A visão das relações de trabalho no mundo contemporâneo expressa no Guia a partir
das narrativas das empresas e de seus funcionários, também foi analisada.
Na primeira parte, nos concentramos em descrever pesquisa, metodologia, parceiros
metodológicos; os conteúdos do Guia, suas seções, rankings, reportagens, entrevistas, bem
como capa e identificação; e ainda os aspectos comerciais da publicação, anúncios e outras
atividades geradoras de receita. Na segunda parte, organizamos as discussões sobre o critério
jornalístico, a cultura organizacional, o trabalho nas organizações contemporâneas e, enfim, a
análise discursiva que permeia o Guia rumo à empresa feliz.
Atores
Cabe ainda nesta introdução, examinarmos os quatro atores principais que, em conjunto, no
caso das revistas VOCÊ S/A e EXAME, e, um sucedendo ao outro, no caso dos parceiros
metodológicos GPTW e FIA, têm publicado, o ranking das 150 Melhores Empresas para Você
Trabalhar no Brasil.
A revista VOCÊ S/A, em sua página eletrônica, voltada para o mercado publicitário,
descreve seu conteúdo e seus objetivos:
A melhor revista de gestão de carreira do país, VOCÊ S/A busca apresentar o ambiente de
trabalho real, seus personagens e suas histórias. Traz os bastidores das empresas e
informações do universo do leitor e busca ajudá-lo na carreira, dando subsídios para lidar
9
com os dilemas, desafios e oportunidades no trabalho. A revista VOCÊ S/A aborda o que é
mais atual em planejamento, desenvolvimento de carreira e finanças pessoais. Apresenta
dicas e orientações essenciais para quem quer crescer no mercado.
5
A revista EXAME, por sua vez, deixa claro a quem se dirige seu conteúdo e como
entende seu papel no cenário empresarial:
A maior e mais influente revista de negócios e economia do país, EXAME aborda temas,
tendências e análises indispensáveis às decisões de negócios e finanças. Seus leitores são
empresários, executivos, autoridades e profissionais de destaque que decidem os rumos da
economia do Brasil. É a solução para a comunicação e relacionamento de sua empresa com o
mundo corporativo.
6
Da parte dos institutos de pesquisas, o GPTW declara que sua missão “é construir uma
sociedade melhor ajudando empresas a transformar seu ambiente de trabalho”. E que “mais de
20 anos de pesquisa demonstraram que a confiança entre líderes e liderados é a principal
característica de um excelente local de trabalho”.
7
Enquanto a FIA afirma que seu objetivo:
“é que os relatórios sejam um instrumento legítimo e efetivo de mensuração do ambiente
organizacional das empresas participantes da pesquisa. Queremos com isso contribuir com as
suas decisões sobre gestão de pessoas. Ao mesmo tempo, expandir a comunidade das
melhores organizações para se trabalhar do Brasil e fomentar o debate entre elas. Assim, cria-
se uma rede de troca de conhecimento que resultará em benefícios para as pessoas, as
corporações e o país”.
8
Os objetivos e a missão de cada um estão explícitos: os institutos de pesquisa querem
contribuir para a melhoria dos ambientes de trabalho, e consequentemente, da sociedade e do
país; as revistas, levar seus leitores, grandes executivos ou médios e baixos escalões, a
crescerem em suas carreiras e a destacarem suas empresas no mundo corporativo.
Já o Guia VOCÊ S/A EXAME As Melhores Empresas para Você Trabalhar
produzido por esses atores, é, nas palavras do enunciador, o resultado da “maior pesquisa de
clima organizacional do Brasil”
9
e “referência em gestão de pessoas”
10
: publicação anual, no
5
www.publiabril.com.br
6
www.publiabril.com.br
7
www.greatplacetowork.com.br
8
www.fia.com.br
9
Editorial, 2009.
10
Editorial, 2008.
10
mesmo formato das revistas VOCÊ S/A e EXAME, de 200 a 300 páginas – boa parte das quais
de anúncios – , com reportagens sobre empresas diversas, de diferentes portes e faturamentos,
regiões, produtos e serviços, com os mais variados perfis de funcionários. Em suas páginas,
porém, essas empresas são igualadas pela confirmação de um mérito comum: terem sido
escolhidas como as melhores empresas para se trabalhar no Brasil. Ao longo deste trabalho
utilizaremos a expressão Guia para nos referirmos à publicação Guia VOCÊ S/A EXAME
As Melhores Empresas para Você Trabalhar.
O interesse pelo tema veio da prática profissional na área de comunicação corporativa.
Tenho acompanhado a trajetória do Guia assim como a movimentação das empresas para
garantir que os questionários sejam respondidos com o intuito de constar no ranking das
melhores.
Vale registrar ainda que, até o momento, não localizamos nenhum outro estudo sobre
este objeto, do ponto de vista da comunicação e da semiótica.
11
Parte I
A PESQUISA
A base do conteúdo jornalístico e editorial do Guia VOCÊ S/A EXAME – As 150 Melhores
Empresas para Você Trabalhar, a pesquisa de clima organizacional, é um instrumento voltado
a entender as características da dinâmica interna de uma determinada empresa e a aferir a
imagem que o público interno seus funcionários , tem dessa organização, num determinado
espaço de tempo. Diversos institutos de pesquisa e consultorias de gestão de empresas fazem
esse tipo de pesquisa, entre eles, o Great Place to Work Institute (GPTW) e a Fundação
Instituto de Administração (FIA), responsáveis pelas pesquisas das edições analisadas neste
trabalho.
Segundo Margarida Kunsch (2003, p. 295), a pesquisa de clima organizacional deve
medir o nível de satisfação dos empregados com: condições de trabalho, políticas de recursos
humanos, benefícios sociais, remuneração, segurança, estilo de tratamento gerencial e de
chefias, comunicação interna, assim como pontos fortes e pontos fracos no relacionamento da
organização com seus empregados. Em linhas gerais, é exatamente esse o escopo das
pesquisas que sustentam o Guia.
A pesquisa de clima organizacional é encomendada, em geral, pela área de Recursos
Humanos (RH) para seus planejamentos de médio prazo sobre remunerações e benefícios e
políticas diversas ou para localização de problemas que possam estar interferindo nos bons
resultados da empresa ou nas relações trabalhistas. As áreas de comunicação corporativa e de
comunicação interna também se utilizam dos resultados da pesquisa para seus planejamentos
de comunicação integrada e de relações públicas, implantação de ferramentas de comunicação
interna e prevenção de crises de imagem. Os resultados das pesquisas, normalmente, ficam
restritos a esses profissionais que utilizarão as informações diretamente em seus projetos e
planos e à presidência ou diretoria executiva. Eventualmente, resultados fora do esperado,
positiva ou negativamente, podem gerar campanhas de incentivo, de esclarecimentos, edições
12
extras de jornais internos ou murais ou outras ações de comunicação interna, de acordo com a
cultura organizacional de cada empresa.
Para realizar a pesquisa de clima organizacional, uma empresa, além dos recursos
financeiros, que não são modestos, dependendo do porte da empresa e da profundidade da
pesquisa, dedica significativos esforços e tempo das equipes para escolha de fornecedores,
alinhamento de interesses a serem pesquisados e aproveitamento dos resultados. Essas são
algumas das razões práticas porque esse tipo de pesquisa é realizado, em geral, a cada dois
anos. Além disso, se não for bem aproveitada e periodicamente repetida, todo esse esforço é
desperdiçado porque se perde a série histórica dos dados.
No caso em questão, essa lógica é diferente. A revista é que define as linhas gerais da
pesquisa, a periodicidade e escolhe o fornecedor, o parceiro metodológico, que não pode ser
contratado individualmente pelas empresas. As empresas são estimuladas a participar da
pesquisa pela revista VOCÊ S/A, uma das principais referências para os profissionais de RH
do Brasil, por meio de anúncios na própria VOCÊ S/A e na revista EXAME e por “e-mail
marketing”
11
. Dessa forma, a pesquisa não é da empresa, nem do instituto. A pesquisa é da
revista VOCÊ S/A, que fornece um sumário executivo do resultado para as classificadas.
Caso a empresa queira o detalhamento de seus próprios dados poderá comprar a pesquisa;
assim como, embora haja um acordo comercial, se o instituto de pesquisa não corresponder
às expectativas, pode ser trocado, como já ocorreu outras vezes, sem interrupção da
produção do Guia.
Dado o sucesso do modelo, é possível afirmarmos que a reputação e o prestígio das
revistas junto aos públicos formadores de opinião nas empresas, como diretores, gestores e
lideranças, são suficientes tanto para convencer as organizações empresariais a participarem
da pesquisa quanto para assegurar a qualidade do trabalho do parceiro metodológico.
A Metodologia da Pesquisa do Guia
A elaboração do Guia, que circula no mês de setembro, começa meses antes, com a
montagem da logística da pesquisa e da produção da publicação. O passo a passo pouco varia
de um ano para outro, mesmo com a adoção de novos procedimentos ou exigências. No
período estudado, não registramos nenhuma mudança radical nos processos de pesquisa e
11
Utilização do correio eletrônico para ações, de baixo custo, de marketing direto pelo envio de cartas promocionais,
boletins, convites e ofertas de produtos.
13
edição, dessa “verdadeira operação de guerra”, conforme o próprio Guia define o processo.
Os números, de fato, inspiram grandes metáforas: em 2003, foram respondidos noventa mil
questionários; em 2004, cento e vinte mil; em 2005, cento e trinta mil; em 2006, cento e vinte
e um mil; em 2007, cento e vinte e três mil; e em 2008, cento e quarenta e três mil. O
processo e o cronograma são parecidos nas seis edições. Para ficarmos com as informações
mais atualizadas, descreveremos o procedimento mais recente e chamaremos a atenção para
eventuais mudanças em relação aos anos anteriores.
Por meio de anúncios nas revistas VOCÊ S/A e EXAME, em fevereiro, e principalmente
pela página eletrônica do Guia na Internet, as empresas são informadas que já podem se
inscrever para participar da pesquisa. A inscrição é gratuita, feita diretamente na página
eletrônica e qualquer empresa pode participar, indicando se os funcionários responderão aos
questionários em papel ou pela Internet. A empresa pode ser nacional ou internacional e
precisa ter pelo menos cinco anos de atuação no mercado e mínimo de 199 funcionários para
a inscrição ser aceita. Não há limite máximo de funcionários. Na inscrição, a empresa assina o
Termo de Compromisso, documento com as regras do processo.
Em março, encerrado o prazo de inscrição, as empresas receberão dois questionários.
Dependendo da data de inscrição, cada empresa tem um prazo para respondê-los. O primeiro
questionário destina-se a área de Recursos Humanos e é onde a empresa declarará suas
“práticas para gerir pessoas”. Esse questionário desdobra-se em dois temas principais:
1 perfil socioeconômico da empresa: faturamento, níveis salariais, carteiras de benefícios,
admissões, demissões, alterações societárias, distribuição dos cargos de chefia,
mulheres em cargos de liderança etc.
2 cultura organizacional: informações sobre a Visão, Missão e Valores da empresa, ações
de comunicação interna, projetos sociais, políticas de reconhecimento, treinamento,
oportunidades de desenvolvimento etc.
Ao devolver esse questionário respondido, a empresa deve encaminhar ao instituto
todos os materiais que possam comprovar a efetiva realização das ações descritas no “Book
de Evidências”. Até 2007, enviar materiais comprobatórios das ações era opcional. Em 2008,
passou a ser obrigatório e não enviá-los causa desclassificação. O motivo mais provável para
essa decisão é evitar informações exageradas ou até falsas.
14
O segundo questionário é dirigido aos funcionários da empresa, que são
randomicamente escolhidos por meio de um dispositivo na página eletrônica da pesquisa. A
participação é voluntária e a empresa compromete-se a não interferir nas respostas e a garantir
ambiente de isenção para que o funcionário coloque suas verdadeiras opiniões. Se decidir
responder em papel, o funcionário recebe um envelope com as questões. Após respondê-las,
lacra o envelope, já endereçado para o instituto de pesquisa, sem que precise identificar-se, e o
coloca em qualquer caixa dos Correios. Dessa forma, a direção da empresa não tem contato
com as respostas, nem o funcionário tem qualquer ônus com o envio. Se responder pela
Internet, recebe uma senha para entrar diretamente na página da pesquisa.
De março a maio, após recebimento, checagem e processamento dos questionários
devolvidos, o instituto de pesquisa faz os cálculos e estabelece a nota mínima de aprovação
que a empresa pode receber de seu time de funcionários para que esteja apta a constar do
Guia, num total de até 100 pontos. Todas as empresas que atingirem a nota mínima estarão
pré-classificadas a ser uma das melhores empresas para trabalhar. Em 2008, a nota de corte foi
de 75,4. Do total de 550 empresas inscritas, 200 ficaram acima da nota mínima.
A Escolha das Finalistas
Finalizada essa etapa, os resultados da pesquisa são encaminhados para a redação. Os
meses de junho e julho são dedicados à fase de checagem jornalística dos resultados. Uma
equipe de 15 a 20 repórteres se desdobra para divide todas as pré-classificadas. Cada
repórter fica responsável por uma região e pela visita a todas as empresas pré-classificadas
nesse perímetro. “Além da avaliação em papel, também é feita uma verificação in loco do
que acontece nas companhias pré-classificadas. Olhar nos olhos das pessoas é um
indicador a mais para avaliar a felicidade no trabalho”.
12
A visita do repórter tem a
intenção de perceber o verdadeiro clima da empresa, captar se houve pressão sobre os
funcionários nas respostas aos questionários ou se a empresa mentiu ou exagerou ao
descrever suas vantagens.
A tarefa é grande porque, para atender a essas demandas, durante a visita, o repórter
deve checar as instalações, entrevistar os profissionais da área de recursos humanos e
participar de reuniões tanto com funcionários do nível gerencials e do nível operacional. Em
12
“Bastidores – Como é feita a pesquisa”, Guia, 2007.
15
2008, conforme informa o Guia, “essas visitas consumiram 880 horas”, ou seja, cada visita
durou menos de quatro horas e meia.
As percepções dos jornalistas, ao retornarem à redação no fim de julho, são cruzadas
com os dados das pesquisas num encontro chamado “reunião de consenso”, que dura o dia
todo. É nessa reunião que os jornalistas “batem o martelo” sobre quais são as 150
melhores empresas daquele ano. Há critérios de desempate como, por exemplo, prioridade
para a empresa com maior permanência no ranking. Se, entretanto, houver coincidência
em todos os quesitos, o critério final de desempate será o jornalístico, do qual trataremos
mais adiante. É gerado, então, pelo parceiro metodológico, o relatório técnico. Em julho e
agosto, o material editorial é elaborado – textos, fotos e ilustrações –, num total, em 2008,
de 225 páginas de reportagens. “A redação de VOCÊ S/A produz nesse tempo a média de
45 matérias por semana”. No fim de agosto, o Guia está pronto.
Na primeira semana de setembro, em evento que reúne mais de mil pessoas, entre
presidentes, principais executivos e diretores do Grupo Abril, das revistas e do parceiro
metodológico, são entregues os troféus para as dez empresas primeiras colocadas e os
diplomas para as 140 demais classificadas.
A festa é um momento de encontro corporativo, principalmente dos profissionais de
Recursos Humanos. Acompanhar os discursos dos vencedores, nesse evento, é ficar sabendo
dos esforços de cada um para que a sua empresa chegasse até ali. O ambiente é altamente
emotivo, com alegria e lágrimas. O público é majoritariamente formado pelos primeiros e
segundos escalões das empresas. Eventualmente, comparecem funcionários de nível
operacional, principalmente da primeira colocada. O evento tem sempre uma atração artística.
É voz corrente no mercado que, em muitas empresas, as áreas de RH, comunicação e
diretorias executivas -– e em alguns casos mais radicais, até o pessoal operacional, o chão de
fábrica –, têm seus bônus atrelados à conquista da classificação da empresa no Guia. Ter sua
empresa classificada no Guia vale também citação muito positiva no currículo dos
profissionais da área de RH e, eventualmente, promoções ou novas oportunidades de
emprego. As empresas de recolocação profissional têm no Guia um verdadeiro catálogo
desses profissionais e suas melhores práticas. Ainda de acordo com o mercado, é frequente
um profissional cuja empresa classificou-se no Guia num ano, já no ano seguinte estar
trabalhando em outra empresa, em melhores condições de remuneração.
16
Parceiros Metodológicos
Great Place to Work (GPTW)
Em 2003, o Guia traz o seguinte trecho sobre o parceiro metodológico com quem vinha
trabalhando nas cinco últimas edições. “Respeito, credibilidade, imparcialidade, orgulho e
camaradagem no mundo corporativo são os cinco valores que norteiam a pesquisa. A
metodologia foi desenvolvida nos anos 80, nos Estados Unidos, pelo consultor Robert
Levering, autor de vários livros sobre o tema. Sua empresa, o Great Place to Work Institute, é
consultora de EXAME no Brasil e em outros 24 países onde a mesma pesquisa é realizada.
Nos Estados Unidos, a revista Fortune publica em janeiro a lista anual elaborada por
Levering. Tanto lá quanto cá, a opinião dos funcionários coloca ou tira a empresa da lista. Sua
opinião, na média final, tem peso de 65% (o culture audit sobre práticas e políticas pesa 25%
e a visita, 10%).”
A apresentação dos resultados das pesquisas do GPTW, nas três edições estudadas, é
feita em dois blocos de informações: Ambiente de Trabalho e Perfil da Empresa. Em
Ambiente de Trabalho estão agrupados quesitos não mensuráveis, dimensionados
graficamente pela obtenção de estrelas, sendo cinco a quantidade máxima de pontos. Os
quesitos são:
• Credibilidade;
• Respeito;
• Imparcialidade;
• Orgulho;
• Camaradagem.
Nesse bloco concentram-se as respostas dos funcionários, suas percepções e seus
sentimentos em relação à empresa.
Em Perfil da Empresa, estão os quesitos mensuráveis, que permitem a descrição
gerencial da corporação e das oportunidades que oferece aos seus empregados:
• Benefícios;
• Remuneração;
17
• Ética e cidadania;
• Desenvolvimento profissional;
Equilíbrio entre trabalho e vida profissional.
As respostas satisfatórias a esses quesitos justificariam as opiniões dos funcionários no
bloco anterior.
Para apresentação no Guia os números de cada empresa são resumidos numa tabela que
descreve o que é oferecido por quesito, ao lado do texto jornalístico que conta a trajetória da
empresa. A tabela destaca o que mais motiva as pessoas a permanecerem na empresa entre
quatro opções:
• Desenvolvimento profissional
Equilíbrio entre vida pessoal e profissional,
Remuneração e benefícios
Estabilidade de emprego
O espaço para a crítica dos funcionários participantes é o tópico Vantagens e
Desvantagens que destaca qual é o ponto mais favorável e o mais desfavorável da empresa.
Em 2004, por exemplo, os funcionários da Brasil Center, operadora de telemarketing
consideraram a maior vantagem o fato de que: “As metas são transparentes e quem apresenta
os melhores resultados é reconhecido”. E como maior desvantagem a constatação de que “A
empresa está devendo uma participação nos resultados, uma exigência legal”. Essas opiniões
podem ter surgido nos questionários ou na conversa sigilosa com o jornalista.
As tabelas do GPTW não trazem notas: são relatórios do desempenho da empresa na
pesquisa. Na avaliação da qualidade das práticas da empresa, a opinião dos funcionários sobre
essas práticas pesa 75%. 10% das empresas com maiores notas ganha cinco estrelas. 10% com
mínimo, só uma. As estrelas são relativas, portanto, às outras empresas. O resultado final é
sempre comparativo. A tabela registra como última informação, o número de vezes que a
empresa esteve no Guia, reproduzindo o selo comemorativo de cada ano. Em 2003, o Guia
cita a participação do GPTW na “reunião de consenso”. Nos anos seguintes, não há mais
informações sobre esse ponto.
18
A última edição do Guia com pesquisa do GPTW foi publicada em 2005. Encerrado o
contrato com o Grupo Abril, já no ano seguinte, o instituto iniciou uma nova parceria, com a
revista Época, da Editora Globo, para fazer um ranking semelhante, chamado de “Prêmio 100
Melhores Empresas para se Trabalhar”.
19
Fundação Instituto de Administração (FIA)
No editorial de 2006, ao explicar a troca de parceiro metodológico, o texto diz que “isto está
sendo possível graças a dois dos maiores especialistas em gestão de pessoas do país. Os
professores Joel Dutra e André Fischer, da Fundação Instituto de Administração, ligada à
Universidade de São Paulo, têm um currículo de 20 anos em gestão de pessoas não apenas
como professores da mais importante universidade do país, mas também como pesquisadores
e consultores de empresas”. Nas três edições com pesquisa da FIA, não encontramos
referências diretas à instituição. A exposição dos novos consultores é maior nas páginas do
Guia, assim como é perceptível seu envolvimento na produção da publicação: suas opiniões
aparecem em diversas reportagens, entrevistas e seções, inclusive com fotos.
Os resultados das pesquisas da FIA são agrupados em três índices, que permitem chegar
à nota da empresa, numa escala de zero a cem. O principal é o Índice de Felicidade no
Trabalho formado pelo Índice de Qualidade do Ambiente de Trabalho (IQAT) com peso de
70%, pelo Índice de Qualidade na Gestão de Pessoas (IQGP), com peso de 25%, e pela nota
da visita do jornalista (5%).
O Índice de Qualidade do Ambiente de Trabalho mede a percepção dos funcionários em
relação a quatro categorias:
• Identidade;
• Satisfação e motivação;
Aprendizado e desenvolvimento;
• Liderança.
Esse é o bloco que concentra as respostas dos funcionários. Os resultados são
apresentados em porcentagens de aprovação. No caso da MASA, vencedora de 2006, por
exemplo, 97,3% dos funcionários disseram se identificar com a empresa; 94,7% estão satisfeitos
e motivados; 93,7% acreditam quem desenvolvimento, e 93,1% aprovam seus líderes.
O IQGP mede de zero a cem pontos, “a abrangência, o investimento e a modernidade
das políticas de recursos humanos da empresa”. É a média aritmética de seis categorias:
Remuneração e Benefícios;
• Carreira Profissional;
• Educação;
20
• Saúde;
• Integridade do Trabalhador;
Responsabilidade Social e Ambiental.
Esse é o bloco que retrata o que a empresa oferece além do exigido por lei. O elogio e a
crítica dos funcionários se traduzem nos Pontos Positivos e Pontos Negativos, como por
exemplo, em 2007, quando os funcionários do Unibanco consideraram como ponto positivo o
programa de qualidade de vida “Fique OK”, que oferece “auxílio nutricional, psicológico,
jurídico e assistência social”; e como ponto negativo “salários não compatíveis com as
funções e casos de diferença entre quem vem de fora e quem já é da casa”.
Na análise da FIA, o registro do total de vezes que a empresa esteve no Guia sobe para
o topo da tabela, coerente com a missão explícita na proposta da FIA de destacar os bons
exemplos.
21
No Guia os números aparecem resumidos numa tabela ao lado da reportagem sobre a
empresa. Na tabela de 2006, primeira da FIA, além dos índices, e seus indicadores, as
respostas a outras oito perguntas específicas são apresentadas em forma de gráficos de
porcentagem. A essas questões, os funcionários respondem se concordam total ou
parcialmente, são indiferentes ou se discordam parcial ou totalmente que:
Indicariam a empresa a parentes e amigos;
O chefe é um líder com credibilidade;
Aqui, dá para crescer na carreira;
O trabalho atual torna minha vida melhor;
Há preocupação com a qualidade de vida;
Todos se dão bem uns com os outros;
• Os stakeholders
13
têm tratamento equilibrado
O salário pago pela empresa é justo.
Nas edições seguintes, porém, esse detalhamento desaparece sem explicações e a tabela
passa a se deter apenas nos índices e indicadores.
Com a FIA, a grande mudança de metodologia, segundo o Guia, está na parte subjetiva:
“a redução do peso dado para satisfação e motivação – que pode ser entendida como um
retrato do momento atual do profissional – como parâmetro principal de relação das pessoas
com a empresa. A proposta da FIA é elevar, gradativamente, o peso das categorias
aprendizado e desenvolvimento na nota final de cada empresa. Esses quesitos têm mais a ver
com estímulo à inovação e autonomia para lidar com os desafios diários do que com
treinamentos formais ou uma liderança carismática.
O Ranking
Anualmente, como já vimos, dentre “As 150 Melhores Empresas para Você Trabalhar”, dez
formam o ranking das primeiras colocadas, o “Ranking das Vencedoras”. Até 2003, a
classificação entre as dez primeiras se dava pelos critérios de resultados da pesquisa e
13
Stakeholders: Funcionários, clientes, fornecedores, acionistas e outros públicos de interesse da empresa. Robert Reich, em
Supercapitalismo: Como o Capitalismo Tem Transformado os Negócios, a Democracia e o Cotidiano, diz que são “todas as
partes interessadas nas atividades e nos resultados da empresa – como os empregados, as comunidades e a sociedade em
geral” (Reich, 2008, p. 180).
22
jornalístico. Nesse ano foi instituído mais um critério: só poderiam se classificar entre as dez
primeiras aquelas que estiveram entre as 150 empresas do Guia, pelo menos três vezes nos
últimos cinco anos. O objetivo seria “premiar aquelas que desenvolvem trabalho consistente
de gestão de pessoas ao longo dos anos”.
Nos seis anos estudados neste trabalho, o total de 60 empresas vencedoras, distribuiu-se,
conforme a Tabela 1.
Tabela 1
As 10 Melhores
2003 2004 2005 2006 2007 2008
1 Magazine Luiza Todeschini Promon MASA MASA Volvo
2 Redecard Tigre Todeschini BV Financeira Albras Chemtech
3 Todeschini Landis+Gyr Credicard Serasa Serasa MASA
4 Marco Polo Magazine Luiza Randon Promon Landis+Gyr Caterpillar
5 McDonald´s Redecard Zanzini Landis+Gyr Volvo Landis+Gyr
6 Tigre Credicard Landis+Gyr Arcelor Arvin Meritor Laboratório Sabin
7 Natura Promon Serasa Eurofarma Promon ArcelorMittalBrasil
8 AES Sul Randon Magazine Luiza Fras-Le Chemtech Promon
9 Organon Zanzini Multibras (AM) Accor Caterpillar Albras
10 Bank Boston Belgo-Mineira DPaschoal Albras Hoken Serasa
Dadas as repetições de presença, o total de empresas classificadas entre as dez
primeiras, reduz-se a trinta: catorze classificaram-se apenas uma vez; as demais dezesseis, de
duas até cinco vezes.
A Tabela 7 apresenta, entretanto, trinta e três diferentes nomes de empresas porque a
Belgo-Mineira, décima colocada em 2004, é a mesma Arcelor, sexta colocada em 2006 –
resultante da aquisição da Belgo-Mineira por um grupo de Luxemburgo –, que por sua vez, é
a mesma Arcelor Mittal Brasil, sétima classificada em 2008, que surgiu após a compra da
Arcelor pela indiana Mittal Steel. Da mesma forma, a Multibrás Amazônia, nona colocada em
2005, foi comprada pela norte-americana Flextronics e passou a chamar-se MASA, sendo a
primeira colocada em 2006 e 2007 e a terceira em 2008.
Das trinta empresas classificadas pelas pesquisas do GPTW doze conseguiram manter-
se no Guia por dois ou mais anos consecutivos. Entre as trinta classificadas pelas pesquisas da
FIA, nove empresas permaneceram por dois ou três anos consecutivos, conforme tabela 8.
23
Das dezesseis empresas que se classificaram de duas a cinco vezes, apenas cinco –
Promon, Landis+Gyr, Serasa, Multibras/MASA e Belgo-Mineira/Arcelor Mittal Brasil –,
conseguiram entrar em rankings dos dois institutos. Entretanto nenhuma empresa conseguiu
permanecer entre as dez em todos os seis anos do período estudado.
Tabela 2 — Mostra as repetições de presença no Guia no período de 2003 a 2008.
EMPRESA GPTW FIA TOTAL
1 Promon 02 03 05
2 Landis+Gyr 02 03 05
3 Serasa 01 03 04
4 Multibras/MASA 01 03 04
5 Todeschini 03 - 03
6 Magazine Luiza 03 - 03
7 Belgo/Arcelor/Mittal 01 02 03
8 Albras - 03 03
9 Credicard 02 - 02
10 Randon 02 - 02
11 Redecard 02 - 02
12 Tigre 02 - 02
13 Zanzini 02 - 02
14 Caterpillar - 02 02
15 Chemtech - 02 02
16 Volvo - 02 02
Manter a presença constante no Guia, de fato, é uma conquista de poucas empresas. Na
edição de 2006, comemorativa dos dez anos do Guia, a reportagem “Uma história de longo
prazo” conta que das 980 empresas classificadas nos rankings gerais até então, 397 haviam
sido premiadas com a inclusão no Guia, 152 entraram uma única vez e 59 empresas eram as
“recordistas de presença” porque estiveram por cinco ou mais vezes na classificação geral. Ou
seja, nos primeiros dez anos, 6% do total de empresas classificadas conseguiram permanecer
no ranking geral por cinco ou mais vezes.
Das trinta efetivamente classificadas entre as dez primeiras no período estudado, a
presença de empresas de capital nacional cai gradativamente, até porque três delas, como já
vimos, foram adquiridas por capital estrangeiro: as duas já citadas e a Serasa. A distribuição
de capital, durante o período estudado, é a seguinte:
2003: seis brasileiras (entre as quais, a Belgo-Mineira); três norte-americanas e uma
holandesa;
2004: oito brasileiras; uma suíça e uma luxemburguesa (Belgo Arcelor);
24
2005: nove brasileiras; uma suíça;
2006: seis brasileiras; uma norte-americana; uma suíça; uma francesa e uma indiana
(ArcelorMittal Brasil);
2007: três brasileiras; duas norte-americanas (MASA tornou-se de capital norte-
americano); duas inglesas (a Serasa tornou-se de capital inglês); uma suíça; uma sueca;
e uma alemã.
2008: quatro brasileiras; uma sueca; uma alemã; uma norte-americana (MASA), uma
inglesa (Serasa); uma suíça; e uma indiana (Arcelor Mittal Brasil).
Em números absolutos do total de 60 classificadas, foram 23 empresas de capital
nacional e sete de capital estrangeiro nos rankings do GTPW; e onze de capital nacional e
dezenove de capital internacional, nos rankings da FIA. Retomando-se apenas as 30
empresas que efetivamente estiveram nos rankings por causa das repetições de presença,
vemos que a distribuição é equilibrada: 17 empresas de capital nacional (incluindo MASA,
Belgo e Serasa) e 15 de capital estrangeiro (também incluindo MASA, Arcelor Mittal e
Serasa).
A metodologia de um instituto acolheu mais as empresas brasileiras e a do outro, mais
as estrangeiras, por isso não surpreende o aparente equilíbrio. As empresas brasileiras tiveram
melhores posições com o GPTW, um instituto internacional, e as estrangeiras, com a FIA,
uma instituição brasileira.
O que surpreende, sim, é a classificação da Credicard – uma joint-venture
14
entre o
Banco Itaú e o Citibank –, em sexto lugar em 2004 e sua subida para o terceiro lugar em 2005,
quando já se anunciara ao mercado que a empresa seria dividida entre os dois bancos e,
portanto, deixaria de existir no ano seguinte. Na reportagem “Extraordinária. Mas com os dias
contados”, dedicada à empresa, o Guia não explica as razões que levaram a inclusão de uma
empresa nessas condições. Depois de descrever todos os cuidados que a direção da Credicard
teve com os funcionários no processo de encerramento da empresa, a reportagem diz apenas
que por isso “não é surpresa visitar a Credicard e encontrar funcionários tranquilos em relação
a seu futuro”
14
Joint-venture: Empreendimento conjunto com fins lucrativos formado por duas empresas que, entretanto, mantêm suas
respectivas personalidades jurídicas e que podem desfazê-lo com mútua concordância a qualquer momento. No Brasil, uma
das joint-ventures mais conhecidas foi a que uniu a Volkswagen e a Ford, criando a Auto-Latina, nos anos 90, já desfeita.
25
Tal velocidade de mudança numa amostra de apenas trinta empresas num período de
apenas seis anos indica a “impaciência do capital”, independentemente das qualidades da boa
empresa. Em “A corrosão do caráter”, Sennett aborda essa questão: “O economista Bennett
Harrison acredita que a origem dessa fome de mudança é o ‘capital impaciente’, o desejo de
rápido retorno; por exemplo, o período médio de tempo que os investidores seguram suas
ações nas bolsas britânicas e americanas caiu 60 por cento nos últimos quinze anos. O
mercado acredita que o rápido retorno é mais bem gerado pela rápida mudança institucional”
(1999, p. 22).
Outros rankings
Os resultados das pesquisas são desdobrados em diversos outros rankings. O Ranking por
Setor aparece em todas as seis edições e destaca as melhores empresas por setor de atividade
econômica. Essa classificação se referencia, embora não seja declarado, na revista EXAME,
que publica há mais de trinta anos o respeitado ranking das 500 Melhores e Maiores
Empresas, no qual a classificação por setor é muito valorizada.
26
Em 2003 o Guia lançou dois novos rankings: As 40 Melhores Empresas para a
Mulher Trabalhar e As 20 Melhores Empresas de 100 a 199 funcionários.
O ranking das Melhores Empresas para a Mulher Trabalhar é apresentado como
“ranking inédito no país e se torna, a partir deste ano, parte importante do Guia EXAME – As
Melhores Empresas para Você Trabalhar”. A participação requer da empresa um contingente
de mais de 35% de mulheres no quadro de funcionários e média de satisfação com o ambiente
de trabalho superior a 71%. Assim como no ranking principal, são apresentadas as dez
primeiras e em seguida as demais por ordem alfabética. Em 2004, o número de empresas
classificadas nesse ranking cresceu para 50. Esse ranking foi publicado pela última vez em
2007. A edição de 2008, não fez referência ao motivo do encerramento.
Tabela 3
Já o ranking das pequenas empresas (de 100 a 199 funcionários) tinha o objetivo declarado de
dar oportunidades às empresas que até então não podiam participar por não terem o número
mínimo de 200 funcionários. “Simples, mas eficientes” é o título da matéria que explica que
“As empresas com 100 a 199 funcionários provam que medidas simples podem revolucionar
o ambiente interno”. No ano seguinte, esse ranking sumiu sem explicações.
A partir de 2006, o Guia passou a dividir a publicação das reportagens das empresas
classificadas em três blocos, sem caráter de ranking: pequenas empresas, com até 500
funcionários; médias empresas, de 501 a 1.500 funcionários; e grandes empresas, acima de
1.501 funcionários.
Os sub-rankings variam de edição para edição. Ainda em 2003, as 100 empresas
classificadas foram agrupadas também em rankings pelo desempenho nos principais quesitos
da pesquisa do GPTW: Melhores em Desenvolvimento Profissional, Melhores em Equilíbrio
(vida pessoal e trabalho) e Melhores em Remuneração e Benefícios. As edições de 2004 e
2005 trouxeram também o sub-ranking dos Melhores Grupos para se Trabalhar.
As 10 Melhores para Mulheres
2003 2004 2005 2006 2007 2008
1 Natura Natura Natura S. Bernardo Saúd
e
Serasa ranking extinto
2 Redecard Magazine Luiza Serasa Landis+Gyr Landis+Gyr
3 Magazine Luiza Redecard Magazine Luiza BV Financeira Chemtech
4 McDonald´s Credicard Unimed (Vales) Serasa Accor
5
Credicard Accor ABN Amro Real Laboratório Sabi
n
Todeschini
6 O Boticário ABN Amro Real Accor Citigroup Unimed (Vales)
7
BankBoston Serasa Schering Plough Magazine Luiza Laboratório Sabin
8 Unimed (Vales) Orbitall Landis+Gyr ABN Amro Real Unimed (Missões)
9
RM Sistemas Bankboston S. Bernardo Saúd
e
Eurofarma Apsen
10 Herbarium Unimed (Vales) Marelli Móveis IBM Brasil S. Bernanrdo Saúde
27
Em 2006 houve vários sub-rankings ligados aos quesitos pesquisados pela FIA: As 10
Melhores em identidade; As 10 Melhores em Realização Profissional; As 10 Melhores em
Liderança; As 10 Melhores em Aprendizado e Desenvolvimento. A seção As Melhores em
Números apresentou um resumo de dados de interesse geral como: As Maiores
Empregadoras; As que têm Mais Executivos; As que mais retêm; Benefícios de primeira;
Onde a idade é mais alta; Onde eles são mais jovens; Quem são os presidentes; Quem
comanda o RH; A batalha dos sexos; De onde vem o capital; Acionista feliz.
A edição de 2007 trouxe as seguintes premiações especiais: Melhor em Cidadania
Empresarial; Melhor para Mulheres, para Executivos e em Liderança; Melhor em Saúde;
Melhor em Estratégia e Gestão; Melhor em Remuneração; Desafio RH do Ano; Melhor e
Maior Empregadora; Melhor em Desenvolvimento; Melhor em Diversidade. E ainda, em
forma de listas, os seguintes sub-rankings: Onde os funcionários sentem mais orgulho, Onde
os funcionários estão mais satisfeitos; Onde os funcionários aprendem mais; Onde os
funcionários aprovam mais os chefes; As melhores do setor de serviços financeiros, porque
esse setor foi o campeão na média do Índice de Felicidade no Trabalho nesse ano.
Em 2008, além das 10 Melhores e da classificação por setores, houve algumas
premiações especiais como Destaque: em Carreira; em Desenvolvimento e Liderança; em
Remuneração; em Estratégia e Gestão; em Saúde; em Cidadania Empresarial; em Desafio RH.
A seção “O Raio X das Vencedoras” apresenta as listas de diversos itens medidos pela
pesquisa como: As campeãs em contratação; As campeãs das promoções; As campeãs em
movimentação; Homens e mulheres na chefia; Onde o pessoal é mais novo; Onde o pessoal é
mais velho; E tem mais tempo de casa; Salário médio; Classificação por escolaridade dos
respondentes; Quem são os presidentes; Salários médios por setor.
A Troca de Parceiros Metodológicos
Em 2005, foi decidida a troca de parceiro metodológico. Saiu o GPTW, depois de oito anos de
parceria e chegou a FIA. O editorial de 2006, explicou assim a troca: “Em outubro do ano
passado, o Guia passou por um momento decisivo: avançar na metodologia que era usada
desde a primeira edição”. (…) “A questão não era apenas a de mudar por mudar. Era mudar
para evoluir.”
15
(…) “Quem se contenta com as conquistas do passado não estará presente no
pódio de amanhã”. (…) “Era preciso trazer para o Guia uma metodologia capaz de
15
Editorial, 2006, pag. 06.
28
acompanhar as decisivas transformações pelas quais a economia brasileira vem passando e, na
rasteira dela, a gestão de pessoas”.
A metodologia anterior, segundo o texto, fora desenvolvida para o mercado norte-
americano na década de 80. Os professores Joel Dutra e André Fisher, com mais de vinte anos
de experiência em gestão de pessoas pela FIA/USP e consultorias a empresas, traziam agora
um tema novo, “que impacta o sucesso das empresas”: a identidade.
Muito mais do que satisfação e motivação – que são produtos importantes no clima, mas
“compráveis” com um churrasco ou um aumento de salário –, a identidade mostra como as
empresas estão construindo o relacionamento de longo prazo com seus talentos… Um talento
com baixa identidade muda de emprego para ganhar uns trocados a mais. Um profissional
com alta identidade não se deixa seduzir facilmente.
16
Dos objetivos declarados pelos dois institutos, percebemos uma diferença de intenções:
ambos têm como primeiro objetivo avaliar a satisfação dos funcionários em relação às
empresas. Já como segundo objetivo, o GPTW se propõe a “delinear um panorama das
práticas e políticas de recursos humanos” enquanto a FIA quer apresentar as empresas que são
modelos para o mercado.
Na classificação das 10 Melhores Empresas percebe-se o efeito da troca de parceiros de
pesquisa. Além da origem do capital, já apontada, muda também o perfil das empresas. Nas
três edições com pesquisa do GPTW, as vencedoras eram majoritariamente médias empresas
familiares brasileiras como Todeschini, Magazine Luiza, Tigre e Natura. Na pesquisa FIA, é
mais forte a presença de subsidiárias de empresas multinacionais como Volvo, Arvin Meritor,
Caterpillar, Chemtech. Seria preciso analisar o desempenho da economia global nesse período
se quisermos encontrar outras explicações que justifiquem a mudança tão marcada entre um
ano e outro. Como nos mantivemos apenas no objeto de estudo, podemos creditar às
diferenças de visão de um parceiro para o outro, a mudança do perfil das vencedoras, sem
desprezar o fato de que as pesquisas, independente das convicções dos institutos, captam o
cenário empresarial global.
Também no ranking das melhores para mulheres, enquanto as reportagens de 2003 a
2005 valorizam os benefícios para as mulheres, principalmente as mães, como creche,
médico, as edições de 2006 e 2007 ressaltam que as melhores empresas para mulheres são
aquelas que tratam homens e mulheres igualmente, sem discriminação.
16
Id ibidem.
29
Nas edições com pesquisa FIA, há muitos destaques e premiações especiais, o que pode
refletir a intenção do instituto de apresentar os mais diferentes ângulos de referências ao
mundo empresarial brasileiro, como propõe sua filosofia. E é, ao mesmo tempo, uma
estratégia editorial de trazer para o destaque o maior número possível de empresas
participantes e assim enfrentar a concorrência da revista Época pela fidelização dessas
empresas.
30
A PUBLICAÇÃO E A PUBLICIDADE
Conteúdo Jornalístico
O Guia, publicação jornalística, anual, com número de páginas que variaram de 200 a 300 no
período estudado, é elaborado por uma equipe de 20 a 25 profissionais jornalistas entre
editores, repórteres, revisores, designers e fotógrafos. A maior parte dessa equipe, conforme
aponta a seção Expediente, exerce a mesma função na redação da revista mensal VOCÊ S/A.
Em 2008, por exemplo, dos 25 profissionais listados no Expediente do Guia, 15 eram também
da revista. Os demais eram colaboradores free-lancers.
17
O Expediente registra ainda a
coordenação técnica e a equipe de análise metodológica dos institutos de pesquisas.
O vínculo da publicação com o Núcleo de Negócios do Grupo Abril varia ao longo das
seis edições examinadas. Até 2003, o Expediente – seção em que se publicam também as
informações comerciais como tiragem e assinaturas –, informava que o Guia era uma edição
especial da revista EXAME, tendo como diretora de redação Maria Tereza Gomes, que
ocupava o mesmo cargo na revista VOCÊ S/A; em 2004 e 2005, o Expediente passa a
informar que o Guia é uma edição especial das revistas EXAME e VOCÊ S/A, nessa ordem,
permanecendo a mesma diretora de redação. Em 2006, ano de troca de parceiro metodológico,
mantém-se a informação da edição especial vinculada às duas revistas, mas o Expediente
apresenta apenas as informações sobre a equipe editorial de VOCÊ S/A, parecendo reforçar o
vínculo com essa revista. Na lateral, uma complementação, com o expediente da equipe
responsável pela elaboração do Guia. Em 2007 e 2008, permanece a informação de edição
especial com a inversão da ordem das revistas – Guia VOCÊ S/A EXAME –, repetindo-se a
apresentação da equipe editorial de VOCÊ S/A e a do Guia na lateral. Também essa troca
parece sinalizar maior responsabilidade de VOCÊ S/A que de EXAME na produção do Guia. A
informação sobre a tiragem não aparece em nenhuma das edições. O Guia é distribuído para
os assinantes das duas revistas e pode ser adquirido avulso em bancas de revistas. Não
conseguimos acesso aos dados oficiais de tiragem embora buscas na Internet tenham apontado
17
Free-Lancer. Profissional contratado em regime temporário.
31
tiragens variando nos últimos três anos entre 430 mil e 440 mil exemplares. A única
informação que obtivemos vinda do próprio Guia, no material de divulgação do Guia, diz
apenas que “em 2009 a tiragem atingiu mais de 400.000 exemplares e 1,2 milhão de leitores
da comunidade de negócios brasileiras”. O volume de impressão do Guia, porém, é maior
porque muitas empresas ao se classificarem, compram lotes da publicação para distribuir aos
funcionários.
Blocos e Seções
Nas seis edições examinadas há mudança de projetos editoriais que, entretanto, não causam
alterações significativas no conteúdo. O material jornalístico divide-se basicamente em duas
partes. A primeira, que ocupa aproximadamente um terço do total de páginas editoriais,
subdivide-se em um primeiro bloco mais fixo, ao longo das seis edições, em que se encontram
o Índice ou Sumário, o Editorial, e uma matéria principal, Balanço, que resume as principais
descobertas da pesquisa naquele ano.
O segundo bloco, Metodologia, é a porção mais dinâmica da publicação, embora sem
muita variação de conteúdo de um ano para outro, com artigo sobre a metodologia, que pode
se desdobrar em três ou quatro matérias menores, por quesito; outra matéria que explica como
usar o Guia, e ainda outra ilustrada com desenhos, que mostra o passo a passo da produção do
Guia, da pesquisa à cerimônia de lançamento. Nessa parte, em alguns anos houve matérias
não padronizadas como entrevistas com especialista estrangeiro, presidentes de empresas e
gerentes de RH; matéria sobre setor público; matéria sobre Geração Y. Também nessa porção
são apresentados os rankings secundários como Melhores Empresas para Mulheres, Melhores
por Setor, às vezes com as respectivas reportagens, às vezes com um único texto que engloba
todas as classificadas.
A segunda parte, que ocupa os outros dois terços das páginas editoriais, é dedicada às
reportagens sobre as 150 Melhores Empresas. Primeiro, sobre as dez vencedoras, por ordem
de classificação. As matérias, com fotos, são padronizadas com duas ou três páginas,
dependendo do ano. Além da fotografia e do texto, cada matéria traz a tabela com os números
da empresa e os resultados da pesquisa (conforme já apresentamos nas páginas 18, 19 e 21)
As demais 140 ganham uma página cada uma em todas as seis edições. A página traz uma
breve reportagem, que ocupa cerca de metade da página, e a mesma tabela, com os mesmos
tipos de dados e formato das vencedoras. A cada uma das 150 empresas classificadas é
32
dedicada uma reportagem, preparada a partir da visita do jornalista. As matérias são curtas,
quase reportagens-relatório, sobre as principais ações da empresa no ano relativo à pesquisa e
destacando os itens que lhe garantiram a inclusão. A leitura tende a ficar aborrecida porque há
muitas histórias parecidas e o texto não permite aprofundamento nem discussão dos temas
apresentados. Em algumas edições, não há sequer um título para chamar mais a atenção. A
intenção é mesmo mostrar os resultados, repetitivamente, como comprovação da eficácia da
fórmula do Guia para o sucesso.
O Sumário pode vir antes ou depois do editorial. É um dos poucos espaços em que aparecem
empresas não classificadas entre as dez primeiras, como no caso das quatro empresas mais
presentes no Guia, em 2003. As fotos deixam o Sumário mais festivo e o Guia
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mais convidativo à leitura. As edições de 2004 e 2007 trouxeram apenas o índice com nome e
página de exposição de cada empresa. Em 2005, última edição GPTW, há mais elaboração
visual, com fotos de três empresas: um casamento na Chubb; uma jovem e sorridente
executiva da Natura; um grupo de funcionários da melhor empresa do ano, a Promon.
Em 2006, a edição abre com Sumário que traz fotos da equipe da Masa, a campeã, e seu
presidente. Todos posando com o produto da empresa, telas de televisão; funcionários da
Promon, a empresa da década, numa mineradora de ouro; a equipe da Accenture; e a
reprodução de uma ilustração simulando arborismo entre prédios, com a legenda: as 150
empresas que são referências no mercado brasileiro, remetendo à comparação sobre a
dificuldade das empresas se manterem em equilíbrio com a produção e com a natureza. Já a
edição de 2008, traz fotografias feitas em ambientes abertos, com muito verde, que destacam
harmonia e qualidade de vida: funcionários da Dupont de diferentes gerações no jardim da
empresa e funcionários da Volvo em aula de ginástica.
Para que possamos ter uma visão mais organizada dos conteúdos ao longo das seis
edições, optamos por apresentar os conteúdos dos blocos Balanço e Metodologia e das
reportagens no resumo descritivo do conteúdo jornalístico, por ano, de cada edição. Na
sequência, analisaremos os Editoriais.
2003
A edição de 2003 é a sétima edição do Guia. No ranking, a renovação entre as 100 Melhores
foi de 40%. Dezoito empresas apareceram pela primeira vez. Das dez primeiras, seis estavam
no ranking de 2002: Magazine Luiza, Redecard, Todeschini, Marcopolo, McDonald’s e AES
Sul. As quatro novas integrantes foram: Tigre, Natura, Organon e BankBoston.
O editorial “O Guia Cresceu”, lembra a missão do Guia em destacar as empresas mais
eficientes na difícil tarefa de gerenciar pessoas. “Nessas organizações encontramos o
casamento perfeito entre a estratégia e sua aplicação. Entre o que a empresa planeja e o que as
pessoas percebem como benefício. Entre a visão do líder e a prática de seus executivos.”
Em Balanço Geral, o texto “A revolução do Talento” diz que as empresas estão
melhores a cada ano, mas ainda precisam superar contradições. Sobre o principal motivo que
os mantém na empresa, 40% dos funcionários dizem que é equilíbrio entre vida pessoal e
profissional, e 47% dos profissionais de RH acreditam que é o desenvolvimento profissional.
34
A matéria constata que há uma verdadeira revolução acontecendo nas empresas que
fazem parte deste Guia. Em sete anos são percebidos avanços importantes em aspectos como
comunicação interna, responsabilidade social, autonomia e reconhecimento (não
necessariamente financeiro) por bons resultados alcançados. De um lado percebe-se o
surgimento de organizações muito mais humanas. De outro, funcionários mais comprometidos
com o negócio”.
O quesito com maior queda, de 16 pontos, foi o que perguntou sobre a intenção de
permanecer na empresa até a aposentadoria. A média era de 88 pontos e caiu para 72.
Inversamente, a satisfação dos funcionários com a responsabilidade social das empresas pulou
de 73 pontos, em 2001, para 84. “Para eles é importante que a corporação não perca o foco
nos resultados, mas que também não abra mão de seu papel social, contribuindo para
melhorar as condições de vida da comunidade onde está inserida”.
O funcionário quer ser reconhecido por seu esforço em alcançar metas não
necessariamente com prêmios em dinheiro. “Há inúmeras companhias promovendo jantares
festivos, churrascadas, bailes e shows musicais, entre outras coisas, para comemorar os bons
resultados. Os funcionários aplaudem de pé.” A nota desse quesito foi de 82 pontos, com
crescimento de cinco pontos. Outra importante constatação é o crescimento da comunicação
interna. A média de 72 pontos, em 2000, subiu para 76. “A comunicação interna, quando bem
feita, estreita os laços de confiança da equipe na gestão e promove o seu comprometimento
com o sucesso do negócio”.
Em “Quem precisa do RH” a entrevista com o economista Fredy Kofman, criador do
metamanegement, discute a dificuldade de comunicação interna entre os líderes e suas equipes
e o baixo comprometimento das pessoas. Para ele, formar uma equipe de líderes é tarefa
obrigatória de toda corporação.
No bloco Metodologia, são descritos cada um dos novos quesitos criados nessa edição e
que gerarão estrelas nas avaliações. “E a conclusão, que não deixa de ser uma boa notícia, é
que a cada ano é mais difícil chegar à lista final. Não por falta de bons exemplos. Ao
contrário. Não existem corporações perfeitas, é verdade, mas o número de boas iniciativas é
cada vez maior.”
Dois novos rankings são iniciados. Melhores para Mulheres destaca práticas como
creches, não discriminação e mulheres em cargos executivos. A Natura é a campeã. Também
35
foram escolhidas as 20 melhores empresas com 100 a 199 funcionários. O texto “Simples,
mas eficientes”, explica que medidas simples podem revolucionar o ambiente interno numa
pequena empresa, um líder ruim, porém, pode prejudicar mais uma empresa pequena que uma
grande.
Nas reportagens sobre as dez campeãs: Magazine Luiza garante a participação dos
funcionários na gestão por meio do “Conselho de loja” e participação nos resultados; na
Redecard, há um “recheado” pacote de benefícios; na Todeschini, 30% dos funcionários
foram promovidos e os salários são 10% acima do mercado com participação nos resultados;
na Marcopolo, plano de carreira por competências e habilidades embora os funcionários
achem muito grande o volume de trabalho; no McDonald’s, premiação em dinheiro e
recrutamento interno; no Programa Tigre de Competitividade, funcionários decidem metas e
podem ganhar bônus de até mais três salários; na Natura, a valorização da qualidade de vida;
na AES Sul, trabalho em equipe, sem chefes; na Organom, gratificação por tempo de serviço,
participação nos resultados e bônus por esforços extras; e no BankBoston, décimo quarto
salário para todos e até três salários por metas individuais.
2004
Essa edição ampliou o ranking para 150 empresas classificadas e registrou o maior índice de
satisfação dos empregados na história do Guia, até então: 82%. O editorial “O Bem-Estar
Contamina” diz que oito em cada dez profissionais estão “felizes com o lugar onde gastam
36
seu tempo e talento”. Essa edição é um “retrato das organizações aperfeiçoando a arte de
gerenciar pessoas – e, assim, gerando mais valor também para o acionista”. Diz ainda que,
nesse ano, os chefes “estão descendo do pedestal”, e as equipes “aprovam a proximidade”,
mas que até nas melhores “a politicagem e o favoritismo ainda jogam névoa nas relações de
trabalho – e a equipe se ressente disso”.
Na matéria “Cenário 1 – O chefe desceu do pedestal” são mostrados três perfis de
chefias próximas dos funcionários: na Multibras AM, o presidente distribui panfletos sobre a
classificação no Guia; na NovoNordisk, o presidente joga futebol com funcionários e na Lilly,
o presidente, mensalmente, informa os dados da empresa, por telefone, a todos os
funcionários. “Nem só de líder carismático se faz uma empresa, mas que ajuda, ajuda.” A
acessibilidade dos líderes, do presidente ao gerente, mostrando abertura ao diálogo foi o item
que mais cresceu nos últimos cinco anos, de 74 para 92 pontos.
“Hoje o trabalho é mais intelectual do que braçal e isso faz com que surja, naturalmente,
a necessidade de maior diálogo, de mais debates e discussões.” (…) “Trancado em sua sala,
um líder dificilmente conseguirá o comprometimento das pessoas com os negócios da
empresa. Também terá problemas para mobilizar sua equipe em momentos de crise, motivá-
la, conquistar sua credibilidade e fazer da empresa um lugar especial onde os profissionais
sintam-se felizes e reconhecidos pelo trabalho que desempenham”.
A matéria “Cenário 2 – Não há empresa perfeita” discute as dificuldades que, mesmo as
melhores empresas, têm para acabar compoliticagens, chefes que favorecem uns em
detrimento de outros e baixo reconhecimento”, pontos críticos desde a primeira edição do
Guia. Em 2004, a segunda pior média da pesquisa, 62 pontos, está relacionada ao favoritismo,
“um assunto intimamente ligado às promoções – e aos chefes”. Outro ponto, também
relacionado à postura do chefe, é o envolvimento das pessoas, ou não, em decisões que afetam
suas atividades e o ambiente de trabalho. A média dessa questão foi de 69 pontos. Entre as
razões para permanecer na empresa, 48% dos funcionários consideraram como principal, o
desenvolvimento profissional.
O reconhecimento do resultado excepcional melhorou embora ainda deixe a desejar.
“Não se trata de mais dinheiro, mas de elogio, palavra amiga.” No box
18
“A voz da massa”, as
reclamações são listadas: promoções de quem não merece, favoritismo, participação nos
18
Box. Informações colocadas em destaque, num espaço demarcado graficamente dentro de uma reportagem.
37
lucros, politicagem, falta de reconhecimento especial e de envolvimento em decisões. E no
box “Em busca do equilíbrio”, a queixa unânime é que os funcionários estão esgotados com a
sobrecarga de trabalho, com mais problemas de saúde e adoecendo. As 10 melhores são as
que dão mais equilíbrio à vida pessoal.
No ranking especial As Melhores de Cada Setor, o vencedor é o setor farmacêutico, com
dezoito empresas classificadas.
Em “Renascendo das cinzas”, José Eugênio Farina, 80 anos, dono da Todeschini, conta
como reconstruiu a empresa após um incêndio. “Quando a comunhão dos propósitos é igual, a
empresa se torna uma verdadeira família. A comunhão é trabalharmos para realizar nossos
sonhos”, diz Farina. E, em “O dia em que o presidente chorou”, Murilo Passos, 57 anos,
presidente da Suzano Papel e Celulose, exemplo de liderança emotiva, fala sobre as dificuldades
do processo de fusão de duas empresas: Bahia Sul com Suzano, sob seu comando. “Um robô
não lidera pessoas. Líderes históricos como Alexandre, o Grande, se emocionavam!!!”.
Na matéria “Minoria Absoluta”, o Guia diz que de 150 classificadas, apenas duas
empresas têm presidente mulher: Magazine Luiza e Zanzini Móveis. O ranking das Melhores
para Mulheres destaca benefícios as mães e casos em que não há diferença por ser mulher. A
vencedora é a Natura, pelo segundo ano.
Se as 150 formassem uma única empresa, diz a matéria sobre o ranking principal, seria
grande, branca, de capital nacional, localizada no Sudeste, com maioria masculina e
presidente na idade de 50 anos. Nas reportagens, por ordem de classificação das dez
38
primeiras, o texto diz que a Todeschini é uma espécie de “paraíso corporativo” com bons
salários e recompensa pelo esforço dos funcionários; na Tigre há livre acesso aos líderes e o
“nepotismo” incentivado de pai para filho; na Landis+Gyr, a gestão de respeito aos
funcionários criou o almoxarifado self-service; e no Magazine Luiza os incentivos podem vir
em forma de cestas de café da manhã, certificados ou medalhas.
A Redecard tem programas de estágios para filhos de funcionários; e a Credicard, uma
equipe jovem, há dois anos sem presidente; na Promon, os funcionários são acionistas; e na
Randon, o excelente clima é uma dificuldade para o dono se aposentar; a Zanzini classificou-
se também entre as 100 melhores da América Latina; e a Belgo-Mineira investe na formação
dos funcionários e “capricha” nos benefícios.
2005
A edição trouxe três capas seguidas, com fotos dos presidentes das três primeiras colocadas:
Promon, Todeschini e Credicard.
O editorial “Empresa Saudável, pessoas nem tanto”, comemora a rentabilidade das
melhores empresas do Guia em relação às que participam do anuário Melhores e Maiores da
revista EXAME que cresceram 11,31% em 2004, enquanto a média das 150 melhores foi de
17,82% e das 10 vencedoras, 26,21%. “Não é uma surpresa. Já se tornou redundante dizer que
o investimento nas pessoas é um bom negócio.”
Mas, o texto conta que nem mesmo as empresas que se preocupam com o bom ambiente
estão isentas da sobrecarga de trabalho “que vem dizimando a saúde dos profissionais”.
Equilíbrio entre trabalho e vida pessoal foi o item que mais despencou. “Excesso de trabalho
só gera produtividade por um tempo. Depois se transforma em doenças, provocadas pelo
estresse prolongado, como depressão e síndrome do pânico.”
O índice médio de satisfação foi o mesmo do ano anterior, 81%, mas a distribuição por
número de funcionários mostrou que os funcionários das pequenas empresas são mais
“felizes” que os das grandes.
No bloco “O que há de novo”, a matéria “A sobrecarga é unanimidade” – que na
abertura apresenta o caso da Nokia que criou o programa corporativo Apagar as Luzes, que
desliga as luzes dos escritórios às 20 horas – conta que o “fantasma do excesso de trabalho
ronda os funcionários das 150 melhores. E eles dão o recado: estão com um olho no sucesso
39
da carreira e outro na agenda pessoal”. Em dois anos, o índice de satisfação com o quesito
equilíbrio de vida caiu oito e doze pontos, respectivamente. Quanto mais alto o posto, maior a
angústia em relação ao excesso de trabalho. A média de satisfação dos níveis hierárquicos
mais altos é de 72%, e dos pós-graduados, 68%. Empresas incorporam benefícios para
“desestressar” como ioga, ginástica laboral e check-up anual. O Guia recomenda, “a empresa
precisa ouvir as pessoas para reduzir a carga horária”.
Um glossário apresenta aos leitores as definições dos termos de recursos humanos mais
usados pelas empresas e no “Perfil do RH – A Alma das Melhores”, os diretores de RH das
dez campeãs. “Eles têm formações, idéias, trajetórias de carreira e cargos diferentes – e uma
coisa em comum: são a alma do departamento de recursos humanos das campeãs”.
Entrevista com o presidente da Promon, a vencedora, Luiz Ernesto Gemignani,
“Respeito em primeiro lugar”, destaca que a Promon pertence 100% aos funcionários e seu
presidente é eleito. Hoje 75% dos funcionários têm ações da companhia e o maior desafio é
fazer com que os profissionais não se vejam numa relação de emprego. “Gasto boa parte do
tempo conversando com as pessoas. (…) Aqui, o desafio de construir o futuro é partilhado
pelas pessoas – não depende de uma matriz ou de um dono”.
Em “Um toque feminino”, é apresentado o ranking das melhores para mulheres, agora
com cinquenta empresas, e a Natura é a vencedora. O texto diz que um em cada cinco cargos
de chefia dessas empresas é ocupado por uma mulher. Mas o foco delas agora não é só a
carreira, elas querem espaço para a realização pessoal, conciliar carreira com a vida familiar e
com os cuidados pessoais.
No ranking especial “As melhores de cada setor”, surge insatisfação dos funcionários do
setor químico e petroquímico, campeão do ano, com a parcialidade no tratamento das
promoções e nos aumentos de salários. Na classificação das campeãs há 32 novatas e entre as
dez primeiras, sete mantiveram-se em relação ao ranking anterior: Promon, Todeschini,
Credicard, Randon, Zanzini, Landis+GYR e Magazine Luiza.
As reportagens destacam a dedicação da Promon na “reinvenção do negócio” e na
distribuição de lucros; na Todeschini, a troca de comando de pai para filho e a demissão dos
“reclamões”; na Credicard, a história do fim da parceria entre os dois bancos proprietários
(Itaú e Citibank) e o encerramento da empresa; na Randon, o orgulho dos funcionários em
participar do Programa Florescer, a escola profissionalizante para crianças e adolescente.
40
A crise do setor moveleiro e a grande presença da família na direção da empresa são os
destaques na reportagem sobre a Zanzini Móveis; e o pacote de benefícios e gestão
participativa na Landis+Gyr; na Serasa, as diversas facilidades que a empresa oferece, como
clínica odontológica e manicure; no Magazine Luiza, a política de crescimento vertiginoso da
empresa e o Dia do Sossego; na Multibras AM, as características da personalidade do
presidente e facilidades como a sala de descanso; e na DPaschoal, o principal valor, o respeito
pelo ser humano.
2006
Essa é a maior das seis edições analisadas, com 300 páginas. É também a edição
comemorativa de uma década do Guia e a primeira produzida em parceria com a FIA. A
empresa vencedora é a MASA, antiga Multibras Amazônia.
A capa é a mais diferente entre as seis, usa fotografias de jovens sorridentes.
Internamente é a mais colorida das edições. Uma sequência de ilustrações estiliza a empresa
na figura de um prédio que é carregado por um homem ladeira acima, ou no qual o homem,
da mesma altura, se apoia, ou é transportado num barco, ou vira um foguete no qual o homem
se equilibra, ou se multiplica numa floresta de prédios.
O editorial “O desafio da próxima década” diz que a FIA trouxe o tema identidade para
a pesquisa, que “mostra como as empresas estão construindo o relacionamento de longo prazo
41
com seus talentos” e entendendo “o grau de aderência deles aos valores corporativos, aos
produtos e à visão estratégica da empresa”.
Na nova metodologia os quesitos liderança e aprendizagem e desenvolvimento
ganharam mais peso. Assim, a metodologia trará um novo nível de excelência para as
empresas brasileiras. A equipe do Guia também elevou sua excelência: “Elevamos a barra de
exigência das empresas, mas também a nossa. Não estamos presos ao passado. Estamos
construindo um novo futuro para a gestão de pessoas, para o Guia e para você, leitor. Que
venham os próximos 10 anos”, desafia a diretora de redação.
Na matéria “A Descoberta do Ano – Vamos discutir a relação”, apresenta-se um
“paradoxo corporativo”: um dos fatores que mais atrai os funcionários é a possibilidade de
aprendizado e desenvolvimento que eles veem nas empresas, mas as empresas têm
dificuldades em atendê-los nesse ponto. Essa foi a nota mais baixa do ano. “As melhores
empresas têm um bom casamento com seus funcionários, mas essa história só vai durar se
elas oferecerem oportunidade de aprendizado para eles”. Por outro lado, “as melhores têm
cuidado, conscientemente ou não, da transmissão de seus valores e de sua estratégia para o
negócio”. A categoria identidade foi a melhor avaliada: 82,14 e liderança, 80,74.
Descobriu-se também o “Orgulho de pertencer” porque, hoje, “as pessoas, quando
escolhem uma organização para trabalhar, estão mais informadas sobre o que ela faz e como
se relaciona com seus parceiros interna e externamente”, explica André Fischer, da FIA, e
prossegue “Ninguém admite mais uma empresa que não fala o que quer ser e não age
eticamente para chegar lá”. Nove em cada dez colaboradores concordam parcial ou totalmente
que “os produtos e serviços de nossa empresa são muito importantes para nossa sociedade”. A
cadeia virtuosa da identidade se completa com os quesitos: sinto que meu trabalho é
importante para a empresa ser bem-sucedida; a empresa entrega aos clientes o que promete
com alta qualidade; “tenho orgulho de dizer a parentes e amigos que trabalho aqui”.
Os chefes são especialmente mal pontuados no Guia 2006 sobre fazer avaliações
sinceras do desempenho do pessoal e oferecer ajuda. Se com o chefe a relação está ruim,
com os colegas está “gelada”. “Competição sadia estimula as pessoas, mas o clima de
cooperação e de solidariedade também deve fazer parte dos valores da empresa. A iniciativa
de mudar a cultura é dela. É ela que vai pinçar as pessoas no mercado, é ela que escolhe os
gestores”.
42
No bloco Metodologia, “Uma questão de crença” o texto diz que “quem tem identidade
acredita na estratégia e nos valores da empresa”. Assim, “concordar com os objetivos da
empresa, sentir-se participante das decisões e ter orgulho de trabalhar lá pode pesar mais na
satisfação do que um bom salário ou um chefe inspirador”. A matéria “Salário é Coadjuvante”
também afirma que “os maiores salários nem sempre garantem mais satisfação e motivação
do que um ambiente amistoso e de alta confiança”. Em “O novo papel do chefe”, a
constatação de que os líderes das melhores “transmitem credibilidade e respeito, mas dão
menos autonomia do que sua equipe gostaria”, e em “Sinal Amarelo”, o alerta de que “as
empresas pecam nos critérios de promoção e não cuidam como deveriam do aprendizado e do
desenvolvimento do funcionário. A culpa, porém, não é só das organizações”. O empregado
deve fazer sua parte. Há bons exemplos como os programas de “mentoring
19
” e “coaching
20
da Microsoft.
Luiz Ernesto Gemignani, da Promon e Ulisses Tapajós Neto, da Masa, a campeã de
2006, discutem cultura organizacional. “Na cultura americana o lema é conseguir resultados e
ponto final. Por isso, atualmente, meu papel, como presidente da Masa, é mostrar para o
grupo Flextronics, que nos comprou, que é possível conseguir resultados por meio de pessoas
felizes. Só assim a rentabilidade é sustentável porque as pessoas vão trabalhar cada dia mais
motivadas, criativas e satisfeitas.” Para Gemignani, “os americanos têm mesmo um
pensamento utilitário e só fazem o bem quando há algum resultado. Eu acredito que as
empresas precisam agir assim em detrimento do resultado. Porque isso é o certo, o correto, a
única coisa a fazer. As empresas são parte integrante da sociedade. E depois, é nas empresas
que as pessoas passam a maior parte de suas vidas. Então, a única saída é ser feliz no
trabalho”.
“A Hora e a Vez delas” trata do ranking das melhores para mulheres e informa que “não
discriminar é o que a maior parte das empresas do Guia diz fazer por suas funcionárias”. Na
São Bernardo Saúde, a vencedora, as mulheres têm auxílio estético para cirurgias plásticas.
A matéria “Tradição em boas práticas – Dez anos de Guia” mostra as vencedoras de
cada edição e destaca a Promon como a empresa da década por estar presente em todas as
edições. Em “Elas são referência”, o Guia mostra “por que as 150 são melhores para o
mercado e para a sua carreira também”.
19
Mentoring. Aconselhamento por uma profissional mais experiente.
20
Coaching. Treinamento e acompanhamento individuais.
43
Nas reportagens sobre as dez campeãs, o destaque para a figura forte do presidente da
Masa e os muitos benefícios que a empresa oferece; a BV Financeira tem os melhores salários
do mercado e não tem política específica para mulheres; na Serasa, o apoio a deficientes
físicos e um prefeito eleito para cuidar das áreas comuns; na Promon, o presidente envolvido
em comunicar valores da empresa; na Landis+Gyr, o programa Quero-Quero harmoniza os
anseios do empregado com os da empresa.
Na Arcelor Mittal, excelente política de remuneração e preservação ambiental; na
Eurofarma, a principal vantagem são as oportunidades de crescimento; na Fras-Le, saúde,
educação e crescimento profissional; na Accor, possibilidade de carreira em ritmo acelerado; e
na Albras, tratamento antiestresse e chefes que ainda abusam da autoridade.
2007
Nessa edição, o Guia consolida a metodologia da FIA e muda o projeto gráfico. Entre as dez
vencedoras, cinco estiveram no ranking anterior: Masa (bicampeã), Albras, Serasa,
Landis+Gyr e Promon.
No editorial “O melhor resultado”, Juliana De Mari, nova diretora de redação, conta que
desde a criação do Guia, “o mundo do trabalho mudou – e muito. As informações fluem cada
44
vez mais rapidamente de um lado para o outro, aumentando a velocidade da globalização dos
negócios. Aparelhos tecnológicos como celulares que recebem e-mails, aumentaram a
produtividade e invadiram a vida pessoal dos executivos. Nunca se trabalhou e se produziu
tanto quanto hoje no Brasil”.
Em “Balanço 2007 – Mais meritocracia” o texto diz que “com práticas mais
consistentes para avaliar, dar feedback e promover seu pessoal, as melhores empresas crescem
com o time”. Nesse ano, melhorou a percepção de avaliação de desempenho, há mais esforço
das organizações nos sistemas de meritocracia e os funcionários perceberam essa melhora
tanto em relação à avaliação de desempenho e promoções quanto em relacionamento com o
chefe. “A mudança foi identificada tecnicamente no Guia deste ano”.
O quesito Aprendizado e Desenvolvimento teve a melhor nota. O índice de Felicidade
no Trabalho cresceu para 76,79 pontos; 2,77 a mais que em 2006. O box “Transparência à
toda prova” traz as dicas para garantir a meritocracia: 1) Uma comunicação clara; 2) avaliação
de desempenho eficiente; 3) basear o feedback individual em fatos e números; 4) garantir que
o recrutamento interno funcione.
A matéria “Carreira – O profissional ideal para as melhores”, diz que para garantir seu
sucesso no mercado “as empresas do Guia precisam de profissionais versáteis e com visão
45
sistêmica”. O professor Joel Dutra comenta atitudes que complementam o perfil desse
profissional: ser ambicioso; pensar a carreira “fora da caixa”; saber o que é oportunidade;
aprender com o dia a dia.
Na seção Almanaque, um resumo dos principais números da edição. A matéria “Setor
Público – Modelo estatal” mostra o caso do Superior Tribunal de Justiça, primeiro órgão
público a se classificar no Guia. Uma matéria sobre “Gestão – Empresa complexa, gestão
exemplar” apresenta como quatro grandes empresas gerem seu pessoal, respondendo a dois
pontos: por que ela é complexa e como lida com a complexidade. O Bradesco trata seus 63
mil funcionários com transparência; na Braskem cada gestor responde por sua equipe em todo
o trabalho; a Accenture não subestima a comunicação clara e transparente mesmo com 42%
do pessoal pós-graduado; e o Magazine Luiza oferece políticas igualitárias aos seus mais de
dez mil colaboradores.
Na entrevista, “O papel do CEO”, o professor Joel Dutra, diz que a parceria entre o
presidente da empresa e a área de RH “dá retornos duráveis”. Para fugir do paternalismo, “a
grande dica é o respeito à individualidade dos profissionais na hora de pensar nos benefícios e
nas políticas de RH. Respeito é essencial para estimular o desenvolvimento das pessoas”.
Em “Cultura organizacional – O clima é problema seu”, o coordenador da FIA, André
Fischer, diz que o ambiente de trabalho é fruto do RH, dos gestores e dos funcionários e
incentiva os funcionários (leitores) a responderem a pesquisa de clima. “Agindo assim, você
vai ganhar consciência organizacional. Ponto para todos”.
Nas melhores por setor, Serviços Financeiros teve o maior índice de Felicidade. Nas
Melhores para Mulheres, o Guia conta em “Elas querem crescer…”, que apesar de flores e
manicures, o que as mulheres querem mesmo são oportunidades iguais. Em relação aos
rankings, a matéria “Elas estão mais maduras” diz que os índices que medem a percepção dos
funcionários e as práticas de gestão de pessoas nas empresas do Guia subiram três pontos,
nesse ano, chegando a 76,70. Nas grandes empresas a maior nota no índice de Qualidade na
Gestão de Pessoas, 66,76. Já o Índice de Qualidade no Ambiente de Trabalho é o menor. Nas
empresas médias, o meio termo: a percepção dos funcionários não é tão boa quanto nas
pequenas e as práticas de gestão ficam a dever em relação às grandes. O IQAT foi de 82,58. Já
nas pequenas os maiores Índices de Felicidade, 77,11, e de Identificação, 90,77. Mas, as
pequenas precisam profissionalizar a gestão. Esse índice teve 55,80.
46
As reportagens sobre as dez campeãs mostram que nos momentos difíceis, quando foi
comprada, a MASA valorizou mais as pessoas e hoje é benchmarking
21
da Flextronics em todo
o mundo; a Albras garante o entrosamento entre líderes e subordinados; a Serasa investe na
formação de seus líderes, pois são os pilares das diversas políticas da companhia; a Landis+Gyr
garante o bom ambiente e participação nos resultados; e a Volvo valoriza o comitê de ética que
esclarece dúvidas e recebe denúncias do descumprimento do manual de conduta.
Na Arvin Meritor, não há segredo, com comunicação para cima e para baixo; na
Promon, todos são donos; na Chemtech há oportunidades para trabalhar no exterior e as
carreiras são em Y; na Caterpillar, os destaques são o pacote de benefícios e oportunidades de
desenvolvimento; e a Hoken International Company assegura a boa comunicação e o
ambiente de acolhimento e integração.
2008
A edição de 2008 teve maior número de empresas inscritas, 550. Dentre as dez vencedoras,
apenas duas novas – Laboratórios Sabin e Arcelor Mittal Brasil – , as demais oito são: Volvo,
Chemtech, Masa, Caterpillar, Ladis+Gyr, Promon, Albrás e Serasa.
Na Carta do Editor, “Resultado consistente”, a missão do Guia de manter a liderança em
pesquisa de clima organizacional do país e ser referência em melhores práticas em gestão de
pessoas. O sucesso de inscrições e o número de questionários respondidos, 143.227, mostram que
as “classificadas estão aprimorando sua gestão de acordo com a estratégia do negócio, a realidade
regional e o público interno”. O texto assinado pelo novo editor, José Eduardo Costa, comemora a
chegada de 31 novatas e as notas finais maiores que do ano anterior, “isso comprova que tanto a
satisfação quanto as práticas das 150 são mais consistentes do que no passado”.
O texto “Balanço 2008 – Desenvolver para prosperar”, garante que “com práticas de gestão
mais sofisticadas, as 150 investem no desenvolvimento de seus times como forma de atrair, reter
talentos e ganhar espaço no mercado competitivo”. Com a economia favorável, gerando expansão
dos negócios, “as empresas estão vivendo um momento crítico na gestão de pessoas: há uma
carência de talentos no mercado”. O Índice de Qualidade no Ambiente de Trabalho subiu 0,5%
21
Benchmarking. Busca das melhores práticas. Um processo positivo e pró-ativo por meio do qual uma empresa
examina como outra realiza uma função específica a fim de melhorar como realizar a mesma ou uma função
semelhante.
47
mantendo-se em 83 pontos, quase no limite. Para o professor André Fischer, “uma nota maior do
que 83 em termos de relacionamento humano, só no primeiro dia de namoro”.
Na matéria “Geração Y – Eles têm sede quê?” a pesquisa indica que 45,3% dos
funcionários já são da Geração Y – aqueles nascidos após 1978 – e que buscam
desenvolvimento e empresas que pratiquem na vida real o que pregam no discurso. O texto traz
exemplos de como lidar com esse desafio. “Passamos a refletir sobre a forma de comunicação
com esse público. Procuramos ouvi-los mais formalmente”, diz Luiz Bueno, diretor de RH do
McDonald’s. O grande desafio do mundo corporativo para tratar com esse público é a
coerência. “Se não encontrar uma forma de alinhar o que prega e o que de fato coloca em
prática a empresa está fadada a morrer”, afirma uma consultora. Os jovens querem o equilíbrio
entre o trabalho e outras dimensões da vida. “Não posso dizer que ninguém tenha saído por não
se adequar à cultura da empresa”, diz a diretora de RH da DuPont, Ana Cristina Piovan.
Em “Novatas e veteranas – Bem-vindas ao time”, o Guia comemora a entrada de novas
empresas, “após cuidarem bem” da gestão de pessoas. Na Visa Vale, comunicação, educação e
treinamento foram as principais ferramentas utilizadas para garantir o comprometimento do
funcionário. Para a Vivo, fazer parte do Guia era um objetivo há três anos. Já no Banco
Votorantim, a estratégia é relativamente simples: fazer com que os funcionários se sintam sócios.
48
A “Velha guarda” apresenta as experiências de empresas mais constantes no Guia como
Dow, Promon, 3M e Magazine Luiza que ensinam que é preciso conhecer o funcionário e
estar próximo dele. “As expectativas e anseios de uma empresa de Manaus certamente não
são os mesmos daqueles que trabalham em São Paulo ou interior do Paraná.” No Magazine
Luiza, o modelo de gestão coloca as pessoas no centro, seguindo a filosofia de que
“funcionário feliz é sinônimo de cliente satisfeito e lucro garantido”.
“O Desafio de Crescer”, destaca a maior presença das empresas de porte médio (de 501
a 1.500 funcionários) no Guia. “Na busca pelos talentos, as empresas médias estão se saindo
bem e são uma ótima opção para quem quer subir na carreira”. As médias sofrem maiores
transformações como a abertura de capital, por exemplo. No caso da Tecnisa, após o IPO,
22
a
comunicação foi fundamental permitindo às equipes seguirem a mesma estratégia. A
reportagem também dá dicas ao profissional “se dar bem nas médias”: agilidade na tomada de
decisão, ser flexível e adaptável a mudanças e eficiente na comunicação.
Essa edição traz em destaque os vencedores dos principais quesitos. A CPFL, por
exemplo, foi premiada em Estratégia e Gestão. Para a empresa, vale tudo para manter
funcionários alinhados ao foco do negócio: reuniões, Internet, Intranet e palestras. Na
última página, o Guia apresenta também “5 bons motivos para participar” da pesquisa em
2009.
Quanto às dez campeãs, as reportagens contam que na Volvo o RH é o guardião das
condutas em geral; a Chemtec tem ferramentas oficiais de comunicação, mas, a mais
eficiente é a Rubião News, o e-mail do presidente; na Masa tudo é comunicado com
clareza e transparência pelos veículos internos e reuniões frequentes entre gestores e
equipes; na Caterpillar a estratégia é aberta para todos os funcionários e ideias que
reduzem custos são premiadas; na Landys+Gyr o importante é preservar a comunicação e a
transparência em todos os níveis; nos Laboratórios Sabin a preocupação é escolher e
preparar bem os líderes pois eles disseminarão a cultura da empresa; na Arcelor Mittal
Brasil, programa de sucessão para todas as posições gerenciais; a Promon, com práticas
inovadoras e consistentes está nas 12 edições do Guia; a Albras prepara os talentos
internamente na busca constante da inovação; e na Serasa, cultura sólida sustenta o bom
clima e mantém a equipe motivada.
22
IPO é a sigla em inglês de Initial Public Offering, para abertura de capital de empresas na Bolsa de Valores(Oferta Pública
Inicial)..
49
Editoriais
Nos veículos impressos, o editorial é identificado pelo leitor como o espaço em que são
registradas as linhas de conduta e o pensamento da publicação, assim como suas opiniões, ou
seja, do proprietário do veículo, o Grupo Abril, ou do jornalista responsável, o editor. No
editorial a publicação se posiciona em relação aos assuntos que aborda e os diversos pontos de
vista que apresenta ao leitor. Os seis editoriais examinados são cuidadosos na discussão dos
temas e pouco contundentes. A postura é de constatação dos problemas, até de alerta, mas não
de crítica aguda. Entre 2003 a 2006, os editoriais foram assinados por Maria Tereza Gomes,
em 2007, por Juliana de Mari e, em 2008, por José Eduardo Costa.
A intenção de guiar o leitor pelas histórias exemplares de empresas bem-sucedidas na
missão de ser uma das melhores empresas para trabalhar fica evidente nos editoriais que são
identificados pelo nome da seção “Carta do Editor”, em cinco das edições examinadas, e “Ao
Leitor”, na edição de 2007. Os títulos dos editoriais falam mais dos esforços e méritos do
Guia e suas pesquisas que das realidades e problemas encontrados, tratam mais dos sucessos
da publicação que dos problemas que afetam a vida dos funcionários das empresas.
50
A saída do GPTW não é formalmente comunicada, não há elogios, críticas ou
agradecimentos ao ex-parceiro. A chegada do novo parceiro, a FIA, é informada, em texto de
duas páginas. Nos editoriais das três edições com pesquisa do GPTW, em duas, percebe-se
tentativas de discutir temas mais sensíveis levantados pela pesquisa – “O Bem-Estar
Contamina” (2004); “Empresa Saudável, pessoas nem tanto” (2005). A edição de 2003 fala do
próprio Guia – “O Guia Cresceu”. Já nas edições com pesquisa da FIA, os editoriais ressaltam
a qualidade dos resultados das pesquisas – “O Melhor Resultado (2007); Resultado
Consistente” (2008) – e convocam as empresas a continuarem em seus esforços – “O Desafio
da Próxima Década” (2006).
A insistência em ressaltar a boa qualidade dos resultados nos editoriais mais recentes
pode ser explicada pela necessidade de garantir espaço no mercado de pesquisa de clima
organizacional e rankings, agora disputado com a Editora Globo, através da parceria do
GPTW com a revista Época. Ou seja, para fazer frente à concorrência é necessário destacar a
relevância da pesquisa e a legitimidade do Guia no cenário empresarial.
As empresas são tratadas, frequentemente, como se fossem pessoas – elas. A
personalização é explícita no editorial, que, por exemplo, num tom de conversa com o leitor,
compartilha as experiências e as práticas delas, as vencedoras. O editorial que melhor
expressa essa questão é o de 2003:
“O que as melhores empresas para trabalhar têm de especial? A resposta, que já mereceu
diversos livros e estudos poderia ser simples assim: 1) Elas têm uma crença genuína de que
as pessoas são imprescindíveis para o sucesso do negócio; 2) Elas não se cansam de
comunicar, comunicar e comunicar. Assim, permitem que todos influenciem nas decisões que
os afetam; 3) Elas conhecem a sua cultura. Isso determina sua fórmula de recrutamento e
recompensa. Os benefícios também são desenhados para satisfazer aquele público em
especial” (negritos da revista).
Ano após ano, os editoriais constatam os avanços. As classificadas estão aprimorando
sua gestão de acordo com a estratégia do negócio, a realidade regional e o público interno. O
êxito editorial do Guia é extensivo às empresas na forma de classificação entre as 150
melhores. O sucesso da entrada no ranking, segundo os editoriais, se deve ao seguimento dos
conselhos do Guia. O editorial 2007 é mais enfático que os demais ao insistir em que o nível
de desempenho financeiro das melhores empresas para trabalhar fica sempre acima da média
das empresas classificadas em outro ranking da mesma editora: Melhores e Maiores
51
Empresas, da revista EXAME, focado no desempenho financeiro das empresas, ou seja, ser
uma boa empresa para trabalhar também é lucrativo.
No editorial, o leitor é informado brevemente sobre novas regras de premiação, como
por exemplo, o novo critério para ficar entre as dez melhores de cada ano, coerente com a
certeza expressa pelos editores de que ser uma das melhores é um trabalho de longo prazo. O
leitor fica sabendo, também, das novas oportunidades de premiação como os novos rankings.
E os índices que tiveram melhores desempenhos. Por exemplo, em 2004, com 82% de
satisfação, o Guia alcançou a maior média de sua história, resultante de 120 mil questionários
respondidos: “retrato sem igual do ambiente corporativo brasileiro”. Esses números foram
superados nos anos seguintes.
Cabe ao editorial orientar as empresas quanto à dosagem de alguns itens apontados pela
pesquisa como em: “A ausência de equilíbrio entre trabalho e vida pessoal é o item que mais
despencou na avaliação dos funcionários. Trata-se de uma situação preocupante quando se
sabe que o excesso de trabalho só gera produtividade por um tempo. Depois se transforma em
doenças provocadas pelo estresse prolongado, como depressão e síndrome do pânico”. E
alerta: “nem as empresas que zelam pelo bom ambiente de trabalho estão isentas de
sobrecarga que vem dizimando a saúde dos profissionais”. (…) “A conta será cobrada em
breve – e talvez toda a rentabilidade citada acima não seja suficiente para quitá-la. A luz
amarela está acesa, senhores!”, ameaça.
23
Em outro ano, o editorial nos conta que “o mundo do trabalho mudou – e muito. As
informações fluem cada vez mais rapidamente de um lado para o outro, aumentando a
velocidade da globalização dos negócios. Nunca se trabalhou e se produziu tanto quanto hoje
no Brasil. Enquanto isso, com processos comoditizados, as empresas disputam sem parar as
melhores pessoas. A guerra por talentos, hoje, está fantasticamente acirrada”. E justifica: “…
as empresas sabem: é da qualidade do capital humano, da capacidade de um time criar, inovar,
acelerar, agir primeiro e melhor que vem a vantagem daquelas que conseguem manter seu
espaço, sua performance e seus valores em tempos de competitividade feroz”.
24
A agressividade da convocação para a “guerra por talentos” se justifica pela
“competitividade feroz” que não deixa escolha a não ser lutar. As armas utilizadas nessa
23
Editorial, Guia, 2005, p. 6
24
Guia, 2007, p. 10
52
guerra são um dos atributos que fazem a diferença entre uma empresa melhor e outra nem
tanto: a capacidade de entender a importância da valorização das pessoas, “da qualidade do
capital humano”, da “capacidade de um time criar”, “inovar”, “agir primeiro e melhor”. Essa
é a vantagem, e o mérito. Só as empresas que sabem gerir pessoas, nesse contexto, é que
conseguem manter seu espaço, sua performance e seus valores em tempos de
“competitividade feroz”.
Vale ressaltar ainda que, o uso do advérbio nunca é recorrente para reforçar a
importância do Guia como em “nunca se trabalhou tanto”. A não citação da fonte, porém, dá
força de evidência e verdade absoluta à afirmação do editorial. Esse recurso repete-se nas
matérias explicativas dos resultados como Metodologia e Balanço.
Ausências
A polêmica é a uma ausência notória nos editoriais, como se não houvesse problemas nas
empresas, em seu processo de melhoria dos resultados, mesmo quando há situações negativas,
como no caso “da sobrecarga que vem dizimando a saúde dos profissionais, especialmente os
que sentam no ar-condicionado dos escritórios”. O desfecho da frase é um tanto inesperado ao
ligar saúde dizimada com “sentados no escritório com ar-condicionado”. O impacto de “vem
dizimando a saúde dos profissionais”, perde-se com a informação de que se trata daqueles
funcionários que ficam sentados sob o ar-condicionado dos escritórios, aparentemente um
problema de fácil resolução.
O foco na saúde evita que se aprofunde a discussão sobre a sobrecarga presente em
todos os guias e que se reflete no ambiente de trabalho e, consequentemente, na nota das
empresas. Nas matérias, o assunto volta a ser tratado superficialmente, sem oferecer números,
casos objetivos ou nomes de pessoas e empresas. A referência ao “ar-condicionado dos
escritórios” é uma metáfora dirigida a executivos e ao pessoal mais qualificado, que
trabalham no conforto dos escritórios, mais comprometidos com os resultados imediatos.
As questões trabalhistas também estão ausentes. Mesmo quando se trata do
desequilíbrio entre trabalho e vida pessoal, por ter sido um dos itens de pior avaliação, o texto
apenas descreve em cores fortes as consequências como alerta aos “senhores”, sem deixar
claro se fala com os chefes, com os proprietários das empresas ou com os próprios
funcionários que não se cuidam. Não há referências à legislação que procura garantir esse
equilíbrio. O editorial também não fornece nenhuma pista da real situação no cenário
53
pesquisado: quantas empresas apresentaram o problema? Que porcentagem dos funcionários é
atingida em média? Que tipo de atividade é mais suscetível?
Não há perdedores ou derrotados O editorial, assim como todo o Guia, concentra-se nas
vencedoras, apresentando-as sempre como a “nata”, o “seleto grupo”, a “elite”. A crítica é
sempre leve, funciona mais como alerta ou conselho. Eventualmente cita problemas, mas sem
ligar o fato a alguma empresa. Não são sequer citados exemplos que levaram à
desclassificação de empresas, como se o simples fato de terem se inscrito para participar da
pesquisa já as tornasse boas empresas de se trabalhar.
No editorial de 2005, sob o título “Empresa Saudável, Pessoas nem tanto”, é perceptível
o cuidado em não causar polêmica, nem fazer acusações. O texto não se aprofunda em
nenhum dos temas, positivos ou negativos: nem no excesso de trabalho e suas consequências,
nem no alto índice de satisfação dos funcionários das pequenas empresas, que seriam um bom
exemplo a ser seguido por todas. Há cumprimentos às pequenas que conseguem ser felizes e
também às grandes empresas, porque essas “enfrentam dificuldades maiores”.
O editorial também não trata de questões importantes para a própria publicação. Nas edições de
2003, 2004 e 2005, quando ainda respondia pelas pesquisas, o GPTW passou quase
despercebido, praticamente não foi citado nos editoriais. Nos anos seguintes, com pesquisa FIA,
os editoriais não deram explicações sobre o fim de rankings, criados pelo ex-parceiro, como o
ranking das melhores empresas para mulheres e das empresas com até 199 empregados.
Ao destacar assuntos pontuais, os editoriais tendem a generalizar situações, como se o
problema ou a conquista de uma empresa fosse o problema ou a conquista de todas as
empresas naquele ano, ignorando que a pesquisa sente o pulso do momento e apresenta um
resultado médio. O efeito obtido com a generalização é de mostrar que tudo pode ser
resolvido, e se as empresas se esforçarem e cumprirem exatamente as sugestões serão
recompensadas com a presença no Guia, que traduz “um novo e melhor nível de excelência
para as empresas brasileiras”.
Vale ressaltar uma presença constante. A valorização da competência e dedicação da
equipe “de excelência” que elabora o Guia. A citação de números como total de questionários,
de entrevistas, de horas dedicadas, de quilômetros viajados, é um recurso muito utilizado para
confirmar a qualidade da equipe de jornalistas. Esse esforço é importante dado o critério
decisivo de desempate na classificação ser o jornalístico, ou seja, não pode haver dúvidas
54
quanto à qualificação desses profissionais para decidirem qual empresa é a melhor. A
proximidade da equipe de jornalistas com o leitor se dá no editorial, por fotos dos
profissionais, ilustrando a seção, identificando um a um, criando familiaridade entre a equipe
que visitou e a empresa que foi visitada.
Mesmo em relação à equipe, o editorial não trata de assuntos que o leitor pode perceber
pela simples leitura, como a troca da redatora-chefe. Num ano, ela está na foto, no ano
seguinte, há outro editor-chefe, sem qualquer explicação.
Conteúdo Gráfico
O projeto gráfico do Guia é refeito a cada ano. Como os blocos de matérias e reportagens são
bastante parecidos em todas as edições, o projeto gráfico é uma das opções para individualizar
cada edição. Traços, figuras geométricas, tabelas e gráficos são os principais recursos
utilizados para organizar as informações. As tabelas são divididas em blocos de acordo com
os quesitos que compõem cada índice. As cores são usadas para diferenciar cada bloco de
reportagem. Dada a proposta deste trabalho, não nos deteremos na análise do projeto gráfico,
mas apenas da capa e do selo comemorativo.
As Capas
As capas não destacam nem privilegiam o nome de nenhuma das empresas. A tipologia é
sempre reta, sem desenhos, e em maiúsculas. Exceto a edição de 2008, todas as demais
analisadas trazem a lista das dez primeiras empresas colocadas. A posição da lista varia: pode
vir numa das laterais, dentro do Zero do número 150, ou centralizada.
No pé das capas vem sempre uma ou duas chamadas para os destaques como “Novas
categorias”, “50 melhores para mulheres trabalhar”, numa única linha, exceto em 2008, com
três blocos de linhas. Essas chamadas usam tipologia pequena, bem menor que a utilizada nos
números. Não há manchetes. A expressão “As Melhores Empresas para Você Trabalhar” é
colocada como se fosse a chamada para a matéria de capa.
55
2003 2004
2005 2006
2007 2008
56
A única capa que traz fotos de pessoas é a de 2006. É a capa que mais foge ao padrão
gráfico das seis examinadas. Essa foi a primeira edição com pesquisa da FIA. O fundo simula
uma parede de pedra, onde está esculpida a expressão: 150 Melhores Empresas. Em cada
lado, dois jovens, um rapaz e uma moça, sorridentes, vestidos informalmente, mas com
elegância, para o trabalho. No topo, uma faixa dourada, traz a informação “Edição Especial”.
A correlação dos elementos cromáticos e topológicos é fundamental na composição das
capas do Guia, dada a ausência de fotos, manchetes ou outros recursos gráficos. Exceto a capa
de 2006, as demais, variam em duas cores além do preto e do branco: azul e dourado; azul e
prateado; azul e laranja; vermelho e laranja. O trabalho gráfico predomina, com os números –
100 ou 150 – em tipos grandes, tomando quase todo o espaço da página, sempre
centralizados. Na amostra de seis capas, quatro trazem o número 150 como o maior destaque:
metade ou mais do espaço da página. Essa distribuição topológica é respeitada inclusive na
edição de 2006. A aplicação do número varia, ora em fundo branco, ora vazado, ora em preto
chapado, ou em branco com sombreado.
A capa da edição 2008 traz, em azul claro, os nomes de todas as 150 classificadas, em
ordem alfabética, formando linhas de texto sobre fundo azul marinho. Essa solução coloca na
capa todas as empresas classificadas e não só as dez vencedoras. O número 150 é aplicado por
cima, vazado, na cor prata, sem comprometer a leitura dos nomes. Nessa capa foram
utilizadas minúsculas na inscrição “Melhores Empresas para Você Trabalhar”.
O logotipo da Editora Abril, branco e verde, tem sempre posição de visibilidade, sem a
preocupação de que combine com a arte ou com as cores da capa. Abaixo dos nomes EXAME
e VOCÊ S/A, vêm os endereços das revistas na Internet e o preço do exemplar. O selo de
identificação do Guia aparece em todas as edições.
A análise das seis capas mostra a preocupação da publicação em indicar o cuidado com
a neutralidade do ranking e com a objetividade da informação. A intenção é manter o foco nas
premiadas e atrair para a leitura dos demais assuntos, por meio de poucas chamadas. Mas, o
contraste das cores, a aplicação enorme do número 150, as letras em caixa alta apontam para
um simulacro de objetividade. Além do número 150, as palavras “Melhores”, “Empresas”,
“Você” e “Trabalhar” são as palavras que retêm a atenção do leitor.
“A capa é uma superfície de criação de contratos comunicativos com os leitores a partir
de estratégias que não conformam somente conteúdos, mas expressões ligadas a cores e
57
formas que se ligam aos afetos dos públicos, aos mundos simbólicos em que cores e figuras
têm funcionamento sensível”.
25
A capa não tem compromisso com a sedução do leitor, com o
convencimento, porque o leitor já é conhecido, ele já está ligado à publicação seja como
assinante das revistas seja como participante da pesquisa.
Para Ana Cláudia Oliveira, “a capa é um rosto” defronte do qual o leitor escolhe se
colocar. O leitor quer saber a opinião da mídia e a publicação, por isso mesmo, exerce sua
força de autoridade. Para Luciano Guimarães,
26
entre outras funções, “a cor ajuda a organizar
e a hierarquizar as informações”. Nas seis edições, em quatro predomina o uso do azul, do
claro ao marinho, chegando próximo ao roxo. As cores, porém, são aplicadas sem meios tons.
As outras duas edições têm predomínio do vermelho. Os tons dessa cor, porém, são amenos;
não é utilizado o vermelho vivo, politicamente identificado com a esquerda e, no Brasil,
fortemente identificado como a cor dos trabalhadores, e do Partido dos Trabalhadores. O
vermelho do Guia é mais clássico. Para essa cor, o Guia usa meios-tons, atenuando a
referência imediata às causas trabalhistas, que pode ser provocada pelo vermelho.
A ausência de imagens e a exiguidade de informações textuais como as chamadas para
reportagens forçam a abertura da revista. Os usos de cores básicas, a ausência de qualquer
excesso visual que possa levar o leitor a entendimentos fora do foco de interesse, sem
manchetes nem destaques, criam uma capa comprometida com a intenção de orientar,
conduzir, guiar o leitor por meio de modelos e ensinamentos, sem cair na receita fácil da
prescrição imediata. O contrato de comunicação está explícito na capa, mas sem os
imperativos do tipo “Faça Você mesmo!” ou “Trabalhe Você também na melhor Empresa!”,
ao contrário, chama o leitor para conhecer os resultados da pesquisa e se aprofundar no
conteúdo do Guia. O contrato se expressa pela indicação dos exemplos das dez Melhores, que
devem ser seguidos, assim como dos outros rankings que podem ser conquistados.
Identificação
Presente em todas as capas, e diferencial em relação a outros tipos de revista, a
identificação comemorativa do ranking é um selo retangular, vertical. Sua aplicação varia ao
longo das seis edições examinadas, mas não merece atenção na parte editorial; não há
referências ou citações ao selo nos textos.
25
Hipermídia O Mesmo e o Outro
26
Idem
58
Nas três primeiras edições (2003, 2004 e 2005), o selo é o mesmo, com o ano da edição
na base e a mesma cor da capa. No topo, em 2003, a inscrição “Guia EXAME”, em 2004 e
2005, “GUIA você s/a EXAME”. Na parte central do retângulo, uma faixa circular com a
inscrição “As Melhores Empresas para Você Trabalhar”. No meio desse círculo, o desenho
estilizado de um homem com um braço erguido, em posição de vitória, atrás dele um prédio
alto em perspectiva, numa figuração/tradução da empresa como um prédio. O conjunto
enfatiza a conquista e o homem à frente do prédio pode ser entendido como o conquistador,
mas o prédio mais alto e mais largo mostra uma empresa grande e forte. Ou seja, ser uma das
Melhores Empresas para Trabalhar é um esforço e uma conquista, conjuntos, de empresa e
funcionário e ambos crescem.
Em 2006, foi superposto ao selo, no alto, o número dez, referindo-se à décima edição do
Guia. Em 2007, o selo não aparece na capa nem nas matérias editoriais, só foi usado nos
anúncios. É uma nova versão, ainda retangular, dividida em três porções de espaços. A
intenção é clara de se diferenciar do selo anterior, ou do parceiro anterior. No topo, a inscrição
GUIA VOCÊ S/A. EXAME”; na base, ocupando quase um terço do espaço, a inscrição “AS
MELHORES EMPRESAS PARA VOCÊ TRABALHAR 2007
”. No meio, um grupo de três figuras
humanas: um homem com os dois braços abertos em sinal de vitória, mais atrás, à direita uma
mulher, à esquerda outro homem, ambos com apenas um braço levantado, em posição de
comemoração, porque carregam pastas de trabalho. As três figuras vestem-se formalmente.
Em 2008, o selo mudou completamente. A aplicação lembra mais um adesivo que um
selo, e mantém o formato retangular vertical. Os ângulos são arredondados, exceto o superior
esquerdo. O selo é vermelho vivo. Na porção central, em vermelho escuro, dois terços do
globo terrestre com as linhas dos paralelos e meridianos, marcadas em vermelho mais claro,
avançam no retângulo ocupando quase toda a largura. Do lado esquerdo, de fora do retângulo,
59
chegam quatro setas douradas, indicando o movimento de rotação do globo. No lado direito,
cinco estrelas douradas contornam o globo. Acima desse conjunto, a inscrição “GUIA você
Exame
” em branco e os caracteres “s/a”, em preto. Na parte de baixo, “AS MELHORES
EMPRESAS PARA VOCÊ TRABALHAR
”, em branco, e os caracteres 2008, em preto.
As cores, vermelho e dourado, e as cinco estrelas dão ao selo um ar festivo, quase
natalino, e intensificam a impressão de que se trata de uma premiação (como a da revista
concorrente). O uso de estrelas não é novo no Guia. A apresentação dos resultados do GPTW
era expressa visualmente em número de estrelas conquistadas. Essa decisão pode indicar a
intenção de reforçar o caráter de prêmio do Guia numa clara referência ao reconhecimento
que o mercado dá às categorias de serviços com a atribuição de estrelas ao nível de qualidade
desses serviços. Já a figura do globo terrestre, reforça o discurso de evolução que justificou a
troca de parceiros: saem figuras ingênuas de pessoas e prédios e entra o mundo globalizado.
Esse discurso é reforçado também pelo destaque em preto dado ao S/A (sociedade anônima)
do nome da revista VOCÊ S/A, referindo-se às organizações empresariais, enquanto as demais
inscrições aparecem em branco.
Na capa, visto isoladamente da publicação, o selo tem função secundária, quase
dispensável. Entretanto, sua principal aplicação é feita nos troféus e diplomas. O selo,
portanto, tangibiliza o prêmio, é uma comprovação da vitória, uma maneira de perenizar a
conquista, fisicamente, dentro das empresas, onde são expostos nas recepções e salas de
reuniões.
No interior do Guia, o selo é reproduzido em quase todos os anúncios, onde as empresas
alinham os selos de cada ano que estiveram no ranking. Também aparece nas tabelas que
acompanham as reportagens de cada empresa.
60
Cabe comentar ainda o apelo comercial do uso, na capa, da palavra Você que remete
à revista VOCÊ S/A, que como já vimos, é a principal publicação voltada para carreiras no
mundo corporativo, assim como o uso da palavra Melhores, reforça o vínculo com a
revista EXAME que há mais de trinta anos publica Melhores e Maiores de EXAME,
considerada pelo mercado como o mais importante ranking financeiro-econômico de
empresas do Brasil.
Conteúdo Comercial
Editar o Guia é um negócio publicitário. No período estudado, conforme a tabela, a
quantidade de páginas de anúncios variou de 16,25% a 22%, do total de páginas da
publicação, sendo que a média dos seis anos foi de 18,7%.
A produção do Guia demanda despesas com a logística da pesquisa, viagens dos
jornalistas e com a produção editorial, mas, ainda assim o resultado comercial é significativo
e a venda de anúncios uma boa fonte de receita.
Os anúncios ocupam os espaços mais valorizados da tabela publicitária. A maioria é
de uma página inteira, no lado impar, que são espaços mais caros. Percebe-se também
concentração de anúncios na primeira metade da publicação, igualmente, a mais cara. De 10%
a 15% dos anunciantes optam por anúncios em páginas duplas e há casos de anúncios de até
três páginas. Excetuando a primeira capa, todas as demais – inclusive as páginas internas da
capa e da contracapa –, em todas as seis edições examinadas, são ocupadas por anúncios.
Esses espaços são mais caros que as páginas normais. A área comercial do Guia parece não
ter dificuldade na venda dos melhores espaços publicitários.
Os anunciantes são as próprias empresas classificadas. Poucos anúncios são colocados
por empresas de fora do ranking. Um exemplo: em 2006, do total de 53,2 páginas de
anúncios, apenas quatro foram ocupadas por empresas não classificadas naquele ano. Esses
anunciantes, em geral, ocupam espaços menores – meia página, uma ou duas colunas de
páginas – e são empresas interessadas em fornecer produtos e serviços às vencedoras como
cartões de crédito, serviços bancários, planos de saúde, cursos, MBAs etc. e dirigem-se
principalmente às áreas de RH. Em duas edições há também anúncios do Great Place to Work
Institute (GPTW), apenas meia página.
O Grupo Abril, as revistas VOCÊ S/A e EXAME e outras publicações da casa também
ocupam espaços publicitários. No ano de 2006, por exemplo, sete páginas foram dedicadas a
61
esses anunciantes: duas para VOCÊ S/A, com anúncios referentes a evento do próprio Guia,
duas páginas para a revista EXAME e três para a revista INFO, publicação especializada em
informática, dirigida aos CIOs (Chief Information Officer), diretores de tecnologia das
empresas.
A edição de 2005 trouxe uma novidade: três capas internas, simulando a capa do Guia
como se fossem oficiais, dedicadas a cada uma das três primeiras colocadas no ranking. Cada
capa com a fotografia do presidente da empresa em destaque e chamadas para matérias
específicas da empresa: Promon, Todeschini e Credicard. O fundo dessas capas é o mesmo da
edição do Guia 2005, porém, a pose da fotografia, a tipologia e as cores lembram as capas da
revista EXAME.
A publicação não traz nenhuma informação sobre a produção dessas capas, mas a
aplicação dos padrões de capas do Guia e de EXAME indicam que a própria revista criou e
produziu os anúncios, evidentemente, com a concordância das três empresas. É possível
também que tenha negociado os espaços diretamente com as empresas, sem a
intermediação das agências de publicidade, o que, provavelmente, reduziu o custo para as
anunciantes, sem afetar as receitas da editora. Essa ação não se repetiu em nenhuma outra
62
edição. Esse artifício publicitário permite o “reprint customizado”
27
do Guia, com apenas
uma das capas, individualizando a publicação para cada uma das três empresas. E pode ter
mais um objetivo, além da arrecadação: o de reforçar os laços com os vencedores e
oferecer a eles, o que não teriam de outra forma: uma capa de EXAME, desejo da maioria
dos executivos.
A parceria metodológica é também um acordo comercial. Os anúncios e textos
jornalísticos não fazem referência, mas é sabido que após a publicação do Guia, as empresas
classificadas recebem um relatório resumido (sumário executivo) com as principais
conclusões da pesquisa que foram publicadas no Guia. Se tiverem interesse em obter todos os
dados colhidos pelo instituto, em detalhes, as empresas precisarão comprar a pesquisa, o que
acaba se tornando uma fonte de receita para o instituto.
Uma terceira fonte de recursos vem do Encontro das Melhores Empresas para Você
Trabalhar, um seminário que a revista VOCÊ S/A promove, em outubro, para apresentação dos
cases” das vencedoras e debates sobre “as melhores práticas de gestão de pessoas”. O
evento, em geral é dirigido aos profissionais de RH, comunicação corporativa e áreas afins. A
intenção é dar a esses profissionais a oportunidade de discutir diretamente com quem
implantou as melhores práticas nas empresas vencedoras. O Guia inclui o anúncio do evento,
assim, o leitor ao tomar conhecimento do resultado daquele ano já é também informado sobre
o Encontro. O único anúncio que explicita o custo das inscrições é o de 2005: R$ 882,00 por
participante ou R$ 784,00 para os assinantes de VOCÊ S/A e EXAME, em até três vezes, sem
juros. O texto sugere, ainda, que as empresas consultem o valor promocional para três ou mais
inscrições. O anúncio de 2003 informa que as empresas McDonald’s e Redecard patrocinam o
evento; em 2006 e 2007, a Bradesco Seguros e Previdência é a patrocinadora e, em 2008, não
há referências a patrocinador, mas, sim, a informação de “Vagas limitadas!” Em 2004 não
houve anúncio sobre o evento.
Embora não tenhamos nos concentrado em obter os resultados financeiros, podemos
deduzir que editar o Guia é um bom negócio, graças a essas três fontes de receita – anúncios,
pesquisa e eventos. Valendo o acordo de exclusividade da parceira de ambos os lados, revista
e instituto trabalham juntos num modelo de negócios que garante a realização da pesquisa e a
publicação do Guia.
27
Reimpressão
63
O Guia também gera receitas para outras publicações do Grupo Abril. Alguns
anunciantes repetem os mesmos anúncios nas edições regulares das revistas EXAME e VOCÊ
S/A, Veja e Info.
Os Anúncios
Os anúncios são celebrativos e compartilham com os leitores a alegria das empresas e de seus
funcionários por conquistarem a classificação no ranking, ou o agradecimento da empresa aos
seus funcionários, o reconhecimento pelo seu esforço em torná-la uma das melhores empresas
para trabalhar. O selo oficial comemorativo do ranking está reproduzido em quase todos os
anúncios.
Os anúncios dão o tom festivo à publicação e aproximam o leitor das empresas
mostrando seu interior, seus empregados, suas instalações, seus equipamentos,
complementando com essas figuras, a exiguidade de fotos produzidas pela publicação,
concentradas apenas no editorial, nas matérias de abertura e nas reportagens sobre as dez
primeiras colocadas.
A principal característica dos anúncios do Guia, e que os torna singulares, é que os
conteúdos são produzidos especialmente para a publicação e o próprio ranking é o conteúdo
de todos os anúncios. Os funcionários é que posam nas fotografias, em vez de modelos
profissionais. Os rostos sorridentes estão estampados em quase todos os anúncios, às vezes,
acompanhados pelo dono da empresa, ou pelo presidente. O crachá de identificação do
funcionário é um personagem bastante frequente nos anúncios.
Dessa forma, é possível saber mais das características, personalidade e identidade de
algumas empresas pelos anúncios, do que pelo conteúdo repetitivo das reportagens. Os textos
e fotos nos anúncios são mais espontâneos do que nas matérias. Os pequenos espaços para as
reportagens das empresas, com o grande volume de informações trazido pela pesquisa e pela
visita, obrigam o jornalista a selecionar e a padronizar os textos. Nos anúncios, cada empresa
destaca o que quer. Em geral, prevalecem as fotografias da euforia da vitória, da
comemoração ou as mensagens institucionais que destacam valores e princípios.
A classificação no ranking, a repetição da presença no Guia, a colocação entre as dez
primeiras, a participação em algum dos outros rankings, são destaques, tratados
personalizadamente, valorizados pela empresa-anunciante mais até que pelo texto jornalístico.
64
Como em 2007, no anúncio da Serasa, empresa que fornece informações de crédito: “Serasa.
A melhor empresa para trabalhar no setor financeiro. A melhor para os executivos
trabalharem. A melhor para as mulheres trabalharem. A melhor em liderança”.
Felicidade, paixão, orgulho são as principais formas das empresas se referirem ao fato
de estarem no ranking. Como a Cargill, do setor de agronegócios, em 2007: “Felicidade:
nossa principal matéria-prima. A Cargill sabe que transformar milhares de toneladas de
insumos para atender o consumidor final e a indústria alimentícia demanda uma matéria-
prima essencial: a felicidade de nossa equipe”. Ou ainda: “Serasa. Uma das melhores
empresas para trabalhar no Brasil. Porque, no fim das contas, o resultado mais importante é a
felicidade das pessoas”.
A figurativização da felicidade é forte nos anúncios por meio de fotos com pessoas
sorridentes e de textos declaratórios de felicidade.
As anunciantes destacam valores, missão, princípios, compromissos, e situam o leitor
em relação às suas atividades como a Serasa, em 2003: “Ética, responsabilidade social,
tecnologia e gente. 2000 pessoas que contribuem para a manutenção de meio milhão de
empregos vinculados ao processo de crédito. Pela quinta vez uma das melhores empresas para
trabalhar no Brasil. Agora também, uma das melhores para mulheres”.
Mesmo os raros anúncios de produtos ou serviços se referem ao ranking, como por
exemplo, em 2008, o anúncio de duas páginas da OMINT, empresa de planos de saúde não
65
classificada: “Ajudamos uma empresa a ser melhor para trabalhar. Até quando o colaborador
não pode ir trabalhar”. E numa linha fina: “Omint. O melhor plano de saúde para sua empresa
ser reconhecida como uma das melhores para se trabalhar”. O anúncio não traz fotografias,
apenas a logomarca da empresa.
Nos anúncios, a classificação é tratada como prêmio, como conquista. Em 2003, o
anúncio do Magazine Luiza, loja de departamentos do interior de São Paulo, primeira
colocada naquele ano, dirige-se ao presidente da República, Luis Inácio Lula da Silva, eleito
no ano anterior. Uma funcionária com a mão estendida oferece o boné com o logotipo da
empresa. E o texto diz: “Senhor Presidente, use com orgulho. Somos uma empresa cidadã,
que respeita as pessoas, reconhece os seus valores e que acaba de ser eleita pela revista
Exame, ‘A melhor empresa para se trabalhar no Brasil’. E a nossa conquista tem um sabor
especial: pela primeira vez uma empresa genuinamente brasileira ganha esse prêmio. É um
reconhecimento para quem investe no trabalho e acredita, acima de tudo, na importância das
pessoas para o desenvolvimento do país”.
A comparação da empresa com a família e seus valores também é frequente, como no
anúncio da Todeschini, fabricante de móveis, em 2003 com fotografia dos funcionários
comemorando com o dono da empresa:
Eles são o coração da nossa casa. De tanto trabalhar com a casa dos outros, a gente acabou
formando uma grande família. É assim que a Todeschini se sente. Uma empresa que passa
seus conhecimentos e divide suas conquistas e alegrias com todos que trabalham com ela. A
Todeschini sempre acreditou que investir no aprendizado e no bem-estar de seus
66
colaboradores e parceiros é o verdadeiro diferencial competitivo de uma organização. E o
retorno disso sempre foi muito grande. É um retorno de felicidade, de qualidade de vida, de
crescimento, de gente que leva o coração da nossa marca no peito e com muito orgulho.
A repetição da presença em vários anos cria um quase diálogo da anunciante com o
leitor: são dadas explicações, anunciadas vagas de emprego, enviados recados. Em 2005, o
anúncio da Copagaz, distribuidora de gás, brinca com a repetição de presença no Guia:
“Parece reprise. E é.”, numa reprodução da página de seu anúncio no Guia do ano anterior
Os agradecimentos também são constantes, como no mesmo anúncio da Copagaz:
“Melhor que trabalhar no que se gosta, é trabalhar com quem gosta da gente. Muito obrigado
aos nossos colaboradores que, pelo segundo ano consecutivo, elegem a Copagaz uma das
melhores empresas para se trabalhar no Brasil”.
O diálogo com o possível cliente ou com o novo funcionário pode aparecer também,
como no anúncio da Losango, empresa da área financeira, em 2007: “A Losango é uma das
melhores empresas para se trabalhar no Brasil. Para cumprimentar os funcionários, o e-mail é
este:
parabéns@losango.com.br. E este: podesepararumavagaqueeuton[email protected] para
enviar o currículo”.
Algumas empresas usam a publicidade até para explicar sua ausência, mesmo sem
explicar o motivo da ausência, como é o caso da Nestlé, em 2007. Após dez anos no Guia, a
empresa anunciou que:
67
A partir deste ano, a Nestlé resolveu ocupar um lugar de destaque na premiação: o de quem
aplaude. A Nestlé decidiu não participar do Prêmio e apenas aplaudir as empresas que, assim
como nós, acreditam que as pessoas são seu verdadeiro patrimônio. Mesmo porque, como
uma das únicas três empresas presentes nas últimas edições, a gente sabe como é importante
esse reconhecimento.
Não fosse pelo anúncio, o leitor continuaria desconhecendo a decisão da empresa de não
mais participar do Guia, embora mesmo com o anúncio não se saiba o porquê.
Os anunciantes percebem que as pessoas são antes de tudo consumidores de símbolos, em
vez de meros produtos. A propaganda como tal, assume o papel de intérprete de significados
culturais. Serve como uma ponte, mediando continuamente a própria história de vida do
indivíduo com histórias maiores que formam a cultura. Os consumidores têm acesso à cultura
e a seus vários significados em parte por meio de várias mensagens publicitárias dirigidas
para eles. A propaganda informa aos consumidores sobre a cultura e os orienta sobre quais
compras evocarão a conotação cultural e a experiência de vida adequadas. O capitalismo
avançado, então, já não diz mais respeito à manufatura de bens ou à execução de serviços, ou
mesmo à troca de informações, mas sim à criação de elaboradas produções culturais, diz
Jeremy Rifkin (Rifkin, 2001, p. 144).
No Guia, o anunciante é o próprio produto, assim como o consumidor-leitor-vencedor.
Ambos estão à venda nos anúncios, como exemplos de sucesso, de alegria, de felicidade.
Ambos são produtos à disposição de quem – empresa ou funcionário –, quiser “comprar” uma
trajetória vitoriosa. São suas próprias experiências de vida e cultura que estão expostas para
vender, no Guia e nas demais publicações onde os anúncios são publicados.
68
— Parte II —
O DISCURSO DO GUIA
Nesta segunda parte, antes da análise discursiva, procuramos organizar as discussões sobre
pontos que, em nossa opinião, influenciam a elaboração do Guia como o critério jornalístico
no processo de escolha das finalistas do Guia ou que dizem respeito mais diretamente às
empresas e às suas relações com os funcionários como a cultura organizacional – e construção
da identidade do funcionário com a empresa e seu orgulho de pertencer à organização – e as
relações de trabalho, propriamente ditas, nas organizações contemporâneas. Entendemos que
essas discussões são necessárias, porque, como já vimos na Introdução a este trabalho, “o
estudo do texto com vistas à construção de seu ou de seus sentidos só pode ser entrevisto
como o exame tanto dos mecanismos internos quanto dos fatores contextuais ou sócio-
históricos de fabricação do sentido” (Barros, 2007, p.14).
O critério jornalístico
Na descrição do processo de decisão do ranking final, repetimos a expressão “bater o
martelo”, utilizada em alguns textos do Guia para explicar que a escolha definitiva das 150
empresas classificadas é feita na redação, numa “reunião de consenso” dos jornalistas e que o
critério jornalístico também é o quesito de desempate. Deixamos claro que a metodologia da
pesquisa baseia-se em critérios científicos de medição de opinião, e que os organizadores
cercam-se de cuidados para assegurar a livre expressão da opinião dos funcionários das
empresas pesquisadas.
Cabe, então, entender o que representam a presença do jornalista na empresa e o critério
jornalístico na definição do ranking. Ter um jornalista em visita a uma fábrica ou escritório
não é um ato rotineiro, menos ainda o contato dele com funcionários de diversos escalões. Em
geral, sua presença se justificaria para entrevistar o presidente ou algum alto executivo.
Entendemos que o contato com os funcionários, o “olhar nos olhos”, defendido pelo editorial
69
da revista como um indicador importante para “sentir o clima”, pode ser também aquilo que
se chama popularmente de “faro jornalístico”. A forma como os funcionários transmitirão suas
emoções, seu comprometimento, sua satisfação com a empresa, sinalizarão para o jornalista as
narrativas e imagens que poderão interessar mais aos leitores.
Se do texto jornalístico espera-se, por definição, que esteja sempre comprometido com a
objetividade da informação, com a relevância do assunto para seu leitor em particular e para a
opinião pública em geral, que cumpra a função social de informar, é da natureza dos
processos de produção e edição editoriais priorizarem o inédito, os temas de maior interesse
do público leitor naquele momento, mesmo que incentivados por outras mídias ou
acontecimentos localizados, os fatos que possam gerar títulos fortes, o apelo visual das
fotografias. Para atrair ou prender a atenção do leitor e, assim, alcançar os resultados
comerciais desejados, a edição – ou o editor – trabalha sempre com a seleção e a
hierarquização de notícias, dos temas e materiais, com a inclusão de uns e exclusão de outros,
enfim, com escolhas carregadas de subjetividade – mesmo que preservada a suposta
objetividade do texto jornalístico.
Em Poder no Jornalismo, Mayra Rodrigues Gomes diz que na questão da seleção da
informação:
o critério de importância que serve de baliza para a escolha dos fatos a serem levados à
atenção pelo jornalismo, simula uma inocência que lhe é completamente estrangeira. (…)
Antes de qualquer seleção dada, perguntamo-nos sobre o que é importante e para quem o é.
A importância, assim como implica escolha, ou a escolha segundo o dado a ver de uma época
e lugar, serve de baliza para o que é apontado como a verdade do que é posto em visibilidade
(Gomes, 2003, p. 84).
Ora, se nem as empresas nem as revistas colocam em dúvida a lisura do processo ou a
competência dos pesquisadores ou a representatividade da amostragem, mas a escolha final
das empresas que integrarão o ranking se dá na redação, somente após a visita de repórteres
para “sentir o clima” da organização, a visita do jornalista, profissional treinado em “farejar” a
notícia, mesmo considerando-se a necessidade de checar as informações, se dá também no
sentido de avaliar as potencialidades de ineditismo e relevância das informações colhidas em
cada empresa para garantir repercussão e visibilidade para a publicação e direcionar os temas
para o público leitor, incentivando-o a práticas diversas de gestão e de conduta empresarial.
É por conta da visibilidade que as mídias assumem um papel crucial como disciplina e
controle, portanto como promotoras / mantenedoras de escalas de valores, como vigilantes.
Temos que pensá-las em seu duplo papel: aquele pelo qual expõem a todo momento os
70
conflitos é também aquele pelo qual definem a esfera de equilíbrio em que esses conflitos se
diluiriam. Enquanto mostram, as mídias disciplinam pela maneira do mostrar, enquanto
mostra ela controla pelo próprio mostrar. É em relação à disciplina que se diz que se não
passou pela mídia não há poder de reivindicação; é em relação a controle que se diz que se
não passou pela mídia não existe. (Gomes, 2003, p. 77)
O critério jornalístico ainda que minoritário na composição da nota de classificação
(5%) é fundamental na construção do Guia, não apenas pelo motivo óbvio de se tratar de uma
publicação jornalística, mas porque linguagem e visibilidade estabelecem padrões de conduta,
palavras de ordem e indicam a performance esperada para o enunciatário pretendido. Como
explica J. L. A. Prado.
A linguagem não é somente um meio em que palavras designam objetos e estados de coisas
no mundo por meio de representações mais ou menos adequadas segundo um método de
verificação da verdade por correspondência, mas também um meio em que coisas ditas
servem para os enunciadores/agentes fazerem coisas. Dizer é fazer (Prado, 2005).
Dessa forma, o simples contato contaminará positiva ou negativamente o julgamento do
repórter, a seleção jornalística.
A presença do jornalista na empresa tem ainda outro desdobramento, em nosso
entendimento, que é o de reforçar o vínculo da empresa com a publicação, que como já vimos,
é a verdadeira proprietária da pesquisa. Entendemos que a intenção dessa visita, é que a
participação no Guia fique marcada na vida da empresa e não seja facilmente esquecida, seja
uma experimentação para todos aqueles que pelas mais diversas formas participarem do fato:
seja respondendo aos questionários, seja participando das entrevistas, posando para fotos,
indo à cerimônia ou mesmo planejando e implantando as ações que levarão os funcionários a
explicitar sua satisfação e elevar a empresa ao pódio das 150 melhores.
Cultura Organizacional e Comunicação Interna
A falta de boa comunicação interna na empresa é apontada pelo Guia em diversas ocasiões e
definida como “um mal da organização”.
28
São comuns reportagens sobre empresas
classificadas que explicam a colocação graças à melhora da comunicação interna. E o Guia,
constantemente aborda a questão: “As Melhores Empresas priorizam o bom relacionamento
com seus públicos internos, garantindo ambientes onde o fluxo da informação é constante e
28
Guia, 2003.
71
transparente e oferecendo ferramentas de comunicações ágeis para atingir a todos os
funcionários”.
29
A área de comunicação interna é cada vez mais indispensável às companhias porque
responde pela disseminação, para o público interno, da cultura organizacional, conceito que
na última década, ganhou muito espaço no cenário empresarial brasileiro e no mundo.
Hoje, podemos dizer que a cultura organizacional como área temática da administração e dos
estudos organizacionais não é moda. (…) A cultura organizacional tem se beneficiado de
contribuições das mais diferentes ciências e áreas de conhecimento a começar pela
antropologia cultural, de quem tomou emprestados a sua lógica fundamental e alguns de seus
conceitos mais caros. (Freitas, 2007, p. 1)
Denys Cuche diz que o termo “cultura de empresa” não veio das ciências sociais e sim
“do mundo da empresa e obteve rapidamente um grande sucesso” (Cuche, 2002, p. 209). O
tema da cultura aplicado à empresa teria surgido, pela primeira vez, nos Estados Unidos, na
década de 1970, na tentativa de mobilizar os empregados contra a concorrência japonesa,
enfatizando a importância do fator humano na produção. Na década de 1980, em plena crise
econômica, foi utilizado também na França, principalmente por gerentes administrativos. A
instabilidade econômica provocara um abalo na confiança dos empregados e “o uso da noção
de cultura representava então para os dirigentes de empresa, um meio estratégico para tentar
obter dos trabalhadores sua identificação e sua adesão aos objetivos que eles haviam definido”
(idem, p. 210).
A fim de “obter dos assalariados comportamentos leais e eficazes” as direções das
empresas buscaram o discurso humanista, de forma a amenizar o “choque das mentalidades”
decorrentes das fusões e concentrações de empresas e a consequente degradação da imagem
que os assalariados tinham das instituições onde trabalhavam.
No discurso gerencial, tira-se partido da polissemia do termo “cultura” ainda que o sentido
antropológico predomine. (…) Pode-se ver claramente o benefício simbólico que as direções
das empresas obtiveram de tal noção. Para elas, a cultura da empresa não depende
diretamente dos assalariados, ela é, de certa forma, preexistente e se impõem a eles. Não
aderir à cultura da empresa é, de certo modo, excluir-se da organização. (…) A ideologia
subjacente é a da harmonia familiar, do consenso, da supressão das contradições.” (Cuche,
2002, pp. 211-212)
O conceito antropológico de cultura gerencial, porém, adota apenas aquilo que pode
servir aos seus objetivos, em outras palavras, trata-se de uma “manipulação ideológica do
29
Guia, 2003.
72
conceito etnológico de cultura, destinada a legitimar a organização do trabalho no interior
de cada empresa” (Cuche, 2002, p. 212). Do ponto de vista sociológico, que não utiliza o
conceito de “cultura de empresa”, as empresas são espaços de heterogeneidade social, de
culturas diversas trazidas por seus funcionários, “resultado das confrontações culturais entre
os diferentes grupos sociais que compõem a empresa. A cultura não existe fora dos
indivíduos que pertencem à empresa; ela não pode ser preexistente a eles; ela é construída
nas suas interações” (Idem, p. 213).
No Guia, reflexo do momento do cenário empresarial brasileiro da última década,
principalmente, é possível localizarmos, ainda que subliminarmente, as duas abordagens: a
antropológica, que sustenta o discurso do grupo, da comunidade, da família, todos com uma
mesma missão, sem barreiras sociais ou ideológicas; e a sociológica, que acolhe a diferença, a
diversidade de grupos que compõem a empresa e suas trajetórias de vida. Em ambos os casos,
trata-se de uma apropriação dos conceitos em favor do interesse da empresa.
A partir dos anos 1990, com a intensificação da atuação global das empresas e a
proliferação de consultores e teóricos da administração, passa a predominar o termo cultura
organizacional, que ultrapassou as fronteiras acadêmicas das escolas de administração e
popularizou-se por meio, principalmente, das publicações voltadas a executivos e influência
de consultorias.
Seu estudo foi rejuvenescido pelos frequentes processos de fusão e aquisição de empresas
vistos hoje, pelas novas formas de gestão de pessoas, pelos novos formatos organizacionais,
pela maior internacionalização de empresas, pela importância que tem sido dada aos estudos
organizacionais de cunho cross-cultural e intercultural, pela busca da sustentabilidade, pela
construção de um ambiente diverso e de relações de trabalho mais civilizadas” (Freitas, 2007,
p. XV).
A cultura organizacional dialoga com as práticas da empresa nas diversas áreas –
econômica, comercial, social, ambiental, jurídica, de marketing – e seus discursos
preexistentes e os reorganiza a partir de elementos que lhe garantem a aparência de
totalidade, de grupo. Esses elementos, segundo Maria Ester de Freitas, são: valores,
crenças, pressupostos, ritos, rituais, cerimônias, sagas, heróis, estórias, tabus, normas.
Cada elemento é organizado por ferramentas ou processos que facilitam a compreensão do
objetivo geral da cultura daquela organização como Carta de Valores e Princípios, Código
de Conduta, Código de Ética, eventos periódicos de celebração, treinamentos, participação
social.
73
Frequentemente, esses elementos fornecem uma interpretação ou uma mensagem para os
membros da organização a respeito do que se considera importante e válido. A linguagem é
funcionalizada, as mensagens e comportamentos convenientes são aplaudidos, recomendados
e aderidos, o conteúdo é naturalizado e espera-se que ele seja reproduzido entre os demais
membros ou aos novatos (Freitas, 2007, p. 15).
A reportagem sobre a Basf, na primeira inclusão da empresa no Guia, em 2006, com o
título “Fala, Garoto!” atribui à comunicação interna a classificação da empresa. A íntegra da
reportagem é a seguinte:
Comunicação. Este é o grande diferencial da Basf, empresa química de origem alemã, com
centros de produção na Bahia, Pernambuco, Rio de Janeiro e São Paulo, onde também fica a
sede administrativa da organização. Lá, existe o jornal impresso, com notícias diversas sobre
a empresa e seus funcionários. Tem portal de informações na intranet. Há um programa
chamado Falando de RH, por meio do qual os funcionários participam de workshops para
esclarecer os produtos e serviços da empresa no que diz respeito à gestão de pessoas.
Também foi criada uma série de fascículos, chamada Vida em Equilíbrio, com informações
sobre qualidade de vida. E um guia sobre diversidade, com dicas para ajudar os gestores a
lidar com as diferenças. Ah, sim! Ainda tem o Diálogo com o Colaborador – realizado uma
vez por ano, quando os líderes e sua equipe discutem possibilidades de desenvolvimento
profissional – e o Programa Feedbacktreinamento promovido em parceria com a Fundação
Dom Cabral e o Senac, para aprimorar o feedback no trabalho. Por causa disso, os
funcionários da Basf conhecem bem a empresa, falam com propriedade sobre os benefícios
oferecidos, a política de recrutamento interno e desenvolvimento profissional, a atuação
social e ambiental da organização. E estão satisfeitos, o que é o melhor! Como nem tudo é
perfeito, no entanto, alguns deles queixam-se da sobrecarga de trabalho e gostariam que o
número de bolsas de estudos fosse maior.
O que a reportagem chama de comunicação são os veículos de comunicação interna:
jornal impresso, intranet. À medida que são oferecidos novos exemplos, como workshops,
treinamentos, encontros com lideranças, o que temos não são mais ações de comunicação e
sim de alinhamento ou de reforço da cultura organizacional. É possível localizarmos
elementos da cultura organizacional da empresa, como alguns de seus valores, comparando a
reportagem com a declaração de Visão, Valores e Princípios, publicada na página eletrônica
da Basf Brasil
30
– onde está disponível para impressão em formato de bolso. Na abertura,
assinada pela Junta Diretiva Mundial da Basf, é explicada a função dos elementos:
A Visão da BASF descreve o caminho que a empresa trilhará nos próximos anos. Ela define
claramente os objetivos que pretendemos alcançar. Todas as decisões estratégicas baseiam-se
nessa visão. Os Valores da BASF descrevem a abordagem e a maneira pela qual nós
queremos trabalhar para alcançar os nossos objetivos. Juntos, nossa Visão e Valores formam
a base de sustentação para todas as nossas atividades e decisões. Eles servem tanto como
uma orientação quanto como uma diretriz para a liderança, e tamm definem a nossa cultura
30
www.basf.com.br
74
corporativa. Os Princípios da BASF declaram formalmente como queremos nos posicionar
frente às atividades do dia a dia. Como uma empresa que atua em nível global, nós devemos
nos adaptar continuamente a diferentes estruturas legais e condições culturais, nos
posicionando de forma a manter um alto padrão de desempenho e enaltecer ainda mais a
imagem da BASF.
Após a explicação, temos o texto do manual Visão, Valores e Princípios do Grupo Basf,
2004:
Nós somos “The Chemical Company”. Operamos com sucesso em todos os grandes
mercados. Nossos clientes percebem a BASF como sua parceira. Nossos produtos
inovadores, serviços e soluções inteligentes nos tornam o mais competente fornecedor na
indústria química mundial. Nós geramos um alto retorno sobre ativos. Nós buscamos o
desenvolvimento sustentável. Nós encaramos mudanças como oportunidades. Nós, os
colaboradores da BASF, juntos, asseguramos o nosso sucesso.
E os Valores da empresa: Desempenho Lucrativo Sustentável (O desempenho lucrativo
constante alinhado ao conceito do desenvolvimento sustentável é uma exigência fundamental
para todas as nossas atividades); Inovação para o Sucesso de nossos Clientes (Em parceria
com os nossos clientes, nós os ajudamos a serem ainda mais bem-sucedidos. Para tanto,
atuamos conjuntamente na descoberta de oportunidades de negócios e no desenvolvimento
de produtos, procedimentos e serviços, com alto nível científico e tecnológico); Segurança,
Saúde e Responsabilidade Ambiental (Nós atuamos de maneira responsável e apoiamos as
iniciativas do Programa Atuação Responsável®. Aspectos econômicos não são prioritários
em relação à segurança, saúde e proteção ambiental); Competência Pessoal e Profissional
(Nós formamos a melhor equipe na indústria por meio da diversidade de competências
pessoais e profissionais mundialmente. A competência intercultural é a nossa vantagem no
mercado global.); Respeito Mútuo e Diálogo Aberto (Nós tratamos todos de forma justa e
com respeito. Buscamos um diálogo aberto e de confiança dentro da nossa empresa, bem
como com os nossos parceiros de negócios e grupos relevantes da sociedade); Integridade
(Obedecemos a legislação e respeitamos as boas práticas de negócio nos países em que
operamos).
O conhecimento desses elementos da cultura organizacional da Basf facilita a
identificação, na reportagem, dos esforços da empresa para disseminação e reforço da cultura
organizacional, como é o caso do programa Falando de RH, “por meio do qual os
funcionários participam de workshops para esclarecer os produtos e serviços da empresa no
que diz respeito à gestão de pessoa”. Como agora conhecemos os Valores da empresa,
entendemos que essa ação se refere ao Valor “Segurança, Saúde e Responsabilidade
Ambiental”, pois se trata de uma indústria química com efetivos potenciais de risco para a
integridade física e a saúde de seus funcionários assim como para a segurança ambiental. Da
mesma forma, os fascículos Vida em Equilíbrio, que orientam para a qualidade de vida,
reforçam esse valor e mostram a preocupação da empresa com a saúde do funcionário, mas
sinalizam também que embora possa haver riscos para a saúde do funcionário na atividade
produtiva da empresa, ter uma vida saudável depende dos esforços pessoais dele.
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O guia sobre diversidade “com dicas para ajudar os gestores a lidar com a diferença”
reflete o Valor “Competência Pessoal e Profissional” cujo detalhamento no manual da
empresa é explícito: “Nós não toleramos, dentro do Grupo BASF, qualquer tipo de ação
discriminatória (seja por nacionalidade, gênero, religião ou qualquer outra característica
pessoal)”. Afinal, trata-se de uma empresa alemã, com fábricas em quatro estados brasileiros,
e em todo o mundo. Ou seja, conviver com as diferenças culturais, étnicas e religiosas dentro
de suas unidades de produção é condição sine qua non para assegurar a produtividade.
Identidade e Orgulho de Pertencer
O editorial de 2006, ao apresentar o novo parceiro metodológico diz que os professores, Joel
Dutra e André Fischer, “trouxeram para o Guia um tema que impacta dramaticamente o
sucesso das empresas: a identidade”, que passa a ser um dos principais quesitos para a
formação do Índice de Felicidade porque “muito mais do que satisfação e motivação – que
são produtos importantes no clima, mas ‘compráveis’ com um churrasco ou um aumento de
salário –, a identidade mostra como as empresas estão construindo o relacionamento de longo
prazo com seus talentos. Qual é o grau de aderência deles aos valores corporativos, aos
produtos e à visão estratégica da empresa? Um talento com baixa identidade muda de
emprego para ganhar uns trocados a mais. Um profissional com alta identidade não se deixa
seduzir facilmente”.
A questão da identidade é fundamental para a cultura organizacional. É preciso que o
funcionário sinta-se parte da empresa, coloque os interesses da empresa acima dos seus
próprios. Para conseguir isso, a empresa apoia-se na cultura, no sentido antropológico –
rompendo fronteiras, derrubando os muros que a separam do ambiente externo, cuidando de
seu pessoal além do que a lei exige, oferecendo oportunidades de aprendizagem e de
desenvolvimento pessoal – e, no sentido sociológico – assimilando e acolhendo as diferenças,
por meio da reprodução das cores e sabores locais, contemplando as crenças e saberes dos
funcionários. Em troca, espera um funcionário motivado, participativo, que se sinta dono do
negócio em vez de reclamar direitos ou organizar protestos, capaz de compreender as decisões
da organização, de entender seus motivos, mesmo aqueles que o afetem diretamente, como
“enxugamento de operações” e suas consequências (Sennett, 1999, p. 30).
Segundo Prado, as mudanças da cultura organizacional nas últimas décadas envolvem
uma “manipulação cultural” (Woods, 2000), que ele prefere chamar de discursivização, que
76
leva ao uso de rituais para celebrar o comprometimento com o processo de mudança nas
empresas e com os líderes da mudança. Ele cita Woods: “a ritualização de seminários,
reuniões e apresentações públicas ajudam a construir novos significados compartilhados e
reforçar a nova ordem”. Muitos desses rituais são meras cópias ou repetições de modelos pré-
elaborados e importados, principalmente dos EUA. Mas as empresas acabam encontrando
seus caminhos na confluência de culturas que recebem a partir de funcionários, fornecedores e
até das comunidades onde estão instaladas. Sem abrir mão de seus objetivos de negócios, pelo
contrário, para alcançá-los mais facilmente, as empresas procuram falar a “língua” local.
Nas reportagens sobre o Magazine Luiza, vencedora em 2003, percebe-se como a
empresa, que se preparava para dobrar de tamanho nos próximos anos, buscou criar a
identidade do funcionário com a organização a partir de suas próprias referências culturais. A
empresa move-se, entre os discursos do mercado, do lucro, da produtividade e os discursos da
família, da igreja, da política, misturando intencionalmente no seu dia a dia os contornos das
vidas pessoais e profissionais de seus funcionários, numa linguagem às vezes corporativa, às
vezes quase religiosa, ou traduzindo com criatividade os discursos de marketing, de gestão, de
qualificação de mão de obra para as referências culturais dos funcionários e clientes, pessoas
simples do interior.
Os benefícios e vantagens que os funcionários destacam no Magazine Luiza, segundo o
Guia, vão além da remuneração e dos benefícios trabalhistas, que são muitos. Essas vantagens
ilustram a cultura organizacional da rede – móvel, aberta ao casual, ao novo, ao que não
pertence ao sistema – e as diversas abordagens: familiar, política, econômico-financeira,
sociocultural, educacional. O trecho a seguir, é parte de uma reportagem do jornal The New
York Times sobre a rede de lojas que se tornoucase study” de administração na Harvard
Business School.
Rito da Comunhão. Todas as segundas-feiras às 7h45 em ponto, milhares de funcionários das
185 lojas do Magazine Luiza, no sul do Brasil, se preparam para começar a semana. De mãos
dadas, eles cantam os hinos nacional e da companhia, tão entusiasmados como fiéis em um
culto evangélico. Os novos funcionários se apresentam, sendo recebidos com saudações de
boas-vindas e aplausos do restante do grupo. Presentes são dados àqueles que comemoram
aniversários e a multidão canta novamente – desta vez o “Parabéns pra Você”. Finalmente,
todos baixam a cabeça em uma oração grupal antes de se dirigirem ao trabalho. Depois, é
hora de se acocorar. Os funcionários examinam as últimas estatísticas de vendas,
certificando-se de que estão no rumo certo para alcançar a meta mensal. As promoções de
marketing da semana são exibidas em apresentações de PowerPoint, e as reclamações dos
fregueses são divulgadas para que todos aprendam com elas. ‘Queremos ver as pessoas
felizes e trabalhando juntas como um grupo’, diz Luiza Helena Trajano Rodrigues, diretora-
executiva do Magazine Luiza, que é a idealizadora do ritual matinal da segunda-feira. (2004).
77
A descrição dos rituais do Magazine Luiza, dá sinais claros sobre o perfil do funcionário
que a empresa deseja e que sua cultura organizacional recomenda. Um funcionário que não se
adapte a esses rituais, certamente não se adaptará à empresa. André Gorz entende que no
mundo contemporâneo mais do que qualidades profissionais, a personalidade do funcionário é
parte integrante do seu trabalho.
Os conhecimentos técnicos e a competência profissional só têm valia quando combinados
com um estado de espírito, uma disponibilidade ilimitada aos ajustes, às mutações, aos
imprevistos, em suma, essa disposição de caráter que os anglo-saxões chamam de eagerness:
ardor no trabalho, vontade de servir, zelo. É a personalidade do candidato, sua atitude para
com o trabalho, sobretudo, que decide sua contratação (Gorz, 2004, p. 55).
No esforço de conseguir a adesão do funcionário, a organização está constantemente
aberta para um amplo espectro de ações, desde que, evidentemente, não se comprometam os
resultados. A empresa acolhe o impulso natural de participação e socialização do ser humano
e mantém seu funcionário sempre informado de tudo o que é rotineiro, mesmo na área
econômica, criando instâncias para ele participar das decisões ou sugira mudanças no que se
refere às suas funções e, mais ainda, considera como suas as crenças, princípios e convicções
dos funcionários. Dessa forma, a preocupação do indivíduo com o meio ambiente pode gerar
um programa de reciclagem e as dificuldades de relacionamento entre equipes podem criar
rituais de união. É principalmente na abertura da empresa para o que é extraordinário à sua
atividade produtiva que se pretende seduzir o funcionário, criando nele um sentimento de
identidade tão forte que o faça ter orgulho de pertencer àquela organização, se sinta melhor ali
que em qualquer outra empresa. Os laços do pertencimento vão além da remuneração, “O
salário é coadjuvante”, diz o Guia. “Para a maioria dos funcionários das 150 Melhores, o que
torna a sua empresa um bom lugar para trabalhar é principalmente a identificação com seus
valores e estratégia de negócio. Concordar com os objetivos da empresa, sentir-se participante
das decisões e ter orgulho de trabalhar lá pode pesar mais na satisfação do que um bom
salário”.
31
Entretanto, mesmo os mais bem informados funcionários, podem ser surpreendidos por
decisões empresariais que os afetam, até com demissão; as instâncias de decisão, mesmo as
mais democráticas, não permitem que ele dirija os negócios da empresa; suas sugestões serão
implantadas desde que tragam redução de custos; e mesmo o programa de reciclagem e os
31
Guia, 2006.
78
ritos de aproximação ou união das equipes trazem benefícios para a empresa, como melhor
reputação junto à comunidade ou ambientes internos mais tranquilos.
É da cultura organizacional apresentar necessidades e obrigações como prodigalidades e
benesses. “A necessidade imperiosa de reduzir o tempo de vida útil dos produtos, objetivando
aumentar a velocidade do ciclo reprodutivo do capital” (Antunes, 2002, p. 41) é tratada como
demanda por inovação; em decorrência, a reciclagem do funcionário para adaptar-se aos
novos produtos é tratada como oportunidade de aprendizagem e desenvolvimento. Assim, a
obrigatoriedade do cumprimento da legislação trabalhista que obriga as empresas a
concederem, para algumas funções, intervalos no turno de trabalho e locais adequados para
descanso, é apresentada como iniciativas antiestresse ou oportunidades de convívio e,
novamente, o programa de reciclagem, é apresentado como uma aspiração dos funcionários,
em função de suas preocupações legítimas com o meio ambiente, quando o verdadeiro motivo
é atender à legislação ambiental.
Para Mair (2005),
existe hoje um verdadeiro fetiche em torno da mudança e da adoção de estratégias
motivacionais que buscam tornar o espaço organizacional mais glamoroso do que ele poderia
ser; o trabalho é diferente do lazer, a empresa não é a família do empregado, as equipes não
são a solução para todos os problemas do mundo e o sentido da vida não consiste em
trabalhar mais. Existe nessa simplificação do mundo um engodo que se efetiva por meio de
um jogo pirotécnico de demonstrações diárias de comprometimento, motivação e
engajamento suscitadas pela cultura da empresa. Esses modismos mascaram que o trabalho
nem sempre é prazeroso, que as empresas são lugares de controle, que os funcionários são
colaboradores até a medida da conveniência organizacional. (Freitas, 2007)
A colaboração do funcionário é um fator fundamental para o sucesso das estratégias da
empresa. Evidentemente, bons salários, bônus e participação nos lucros, são fortes estímulos à
participação, e o Guia traz inúmeros exemplos de funcionários satisfeitos com suas
remunerações. Mas a contrapartida é significativa. Os rituais, treinamentos, eventos, em geral,
realizam-se fora da empresa, em hotéis ou locais próprios para eventos corporativos, às vezes
fora do país, o que exige deslocamento fora do horário de trabalho, pernoites, fins de semana,
distanciamento da família, sem que as tarefas normais das funções de cada um possam ser
relaxadas. Além disso, não basta estar presente, é preciso participar, compartilhar ideias,
dividir emoções, assumir desafios, enfrentar os medos e obter resultados. Freitas vê nas
culturas organizacionais, “o uso de um grande palco onde indivíduos podem desfilar o seu
narcisismo e ter seus reconhecimentos, mas onde podem também viver a busca do impossível,
79
pois nenhuma empresa pode amar ou responder aos sentimentos humanos, como elas querem
fazer crer que são capazes”. Para Gorz, a cultura organizacional pode responder à busca de
identidade e interação social, principalmente, do jovem trabalhador que:
pode encontrar na “cultura de empresa” e no “patriotismo de empresa” que lhe inculca a
firma um substituto à sociedade global, um refúgio contra o sentimento de insegurança. A
firma apresenta-lhe o tipo de conforto que oferecem as ordens monásticas, as seitas, as
comunidades de trabalho: ela pede que renuncie a tudo – a qualquer outra forma de
pertencimento, a seus interesses e até mesmo à sua vida pessoal, a sua personalidade – para
entregar-se de corpo e alma à empresa que, em troca, lhe dará uma identidade, um
pertencimento, uma personalidade, um trabalho do qual pode orgulhar-se; torna-se membro
de uma “grande família”. O laço que estabelece com a empresa e com o coletivo de trabalho
da empresa passa a ser o único elo social, absorve toda a sua energia, mobiliza toda a pessoa
do trabalhador e traz o risco, para ele, da perda total de si quando, pela excelência
indefinidamente crescente de seu desempenho, deixasse de merecer a confiança da firma, a
consideração de seus colegas (Gorz, 2004, p. 57).
Os parâmetros da cultura organizacional alinham e justificam todas as ações das
corporações. Do relacionamento com o funcionário à atuação globalizada, do apoio a projetos
sociais a ações de integração com as famílias dos funcionários, do lançamento de novos
produtos ao fechamento de fábricas, todas as ações e decisões têm abrigo nos códigos da
cultura organizacional, na Visão e nos Valores, porque o ponto de vista que prevalece é o da
companhia, daquilo que é bom para a organização e não necessariamente para o indivíduo que
nela trabalha, mesmo que ele se orgulhe muito disso e esteja disposto a dedicar muito de seu
talento, de seus princípios, de sua vida à empresa.
O trabalho é uma parte importante da vida e da construção de identidade social dos
indivíduos, mas é só isso o que ele é; uma parte. Considerar a parte como o todo é investir no
empobrecimento da vida e no risco de uma crise de identidade se uma demissão ocorrer
(Freitas, 2007, p. 95).
Comunicação Interna
A estratégia de gestão e a sistematização dos princípios e valores da cultura organizacional
são responsabilidades das instâncias de gestão – alta direção ou Recursos Humanos. A
viabilização dos processos de participação e a sustentação dos conteúdos relacionados aos
valores e princípios da empresa, porém, se dão por meio da área de comunicação interna que
reelabora os discursos da gestão e os traduz nas mensagens-chave que serão disseminadas
para toda a companhia, cria campanhas de incentivo ao cumprimento de metas e rituais de
comemoração dos resultados. Por esse motivo, é comum se tomar a comunicação interna pela
cultura organizacional. Inúmeras reportagens do Guia trazem exemplos de processos e
80
conquistas realizados graças à comunicação interna, quando o que de fato ocorreu foram
motivações visando os objetivos da gestão por meio da cultura organizacional.
Nas reportagens sobre as empresas no Guia, os depoimentos dos funcionários se
referem muito mais à comunicação que à cultura organizacional. Essa referência é abrangente,
incluindo de simples ações efetivamente comunicacionais a complexos processos de gestão. A
simples citação dessas referências é suficiente para se compreender a função estratégica dessa
área na cultura organizacional. No Guia, os funcionários relacionam à comunicação interna,
entre outras, as seguintes atribuições: informação, motivação, contato, feedback, avaliação
360 graus, conversa, relação chefia-subordinado, desativação da “rádio-peão”, aprimoramento
de pessoas, mudança de cultura, processo de transformação, ouvidoria, disseminação dos
códigos, assimilação de culturas, responsabilidade social, educação, cultura da agilidade,
cultura do abraço, código de conduta, capacitação de pessoas, desenvolvimento humano.
A supervalorização da comunicação interna pelos funcionários não é despropositada.
Enquanto as demais áreas têm suas funções técnicas ligadas a uma área de conhecimento
específico como o direito, ou vendas, ou operações, a comunicação interna é a mais explícita
das manifestações da cultura organizacional, e sua função técnica é disseminá-la. A
comunicação interna é a mediadora do discurso da empresa e assim resguarda a cultura
organizacional, mantendo-a convenientemente próxima ou distante do público interno, na
medida da necessidade.
O Trabalho nas Melhores Empresas
O conflito entre capital e trabalho não existe nas páginas do Guia. Nas melhores empresas, a
mediação entre patrões e empregados, segundo o discurso do Guia, é feita pela boa gestão das
pessoas, com transparência nas informações, persistência nos investimentos em treinamentos
e consistência na oferta de oportunidades. Assim, não há choques, nem conflitos de interesses,
só o bom relacionamento da empresa com seus colaboradores porque os problemas são
discutidos entre todos. O vocabulário sindicalista não aparece nas reportagens, artigos ou
editoriais. Greves, reivindicações trabalhistas, CLT, acidentes de trabalho, lesões por esforço
repetitivo, são temas invisíveis.
Evidentemente, a editora e o instituto de pesquisa estabelecem critérios de corte que não
classificam empresas com sérios problemas trabalhistas ou de gestão financeira. Mas, isso não
significa que entre as empresas incluídas no Guia e mesmo entre as dez primeiras não haja
81
problemas. A simples leitura do ponto negativo, ou da desvantagem, da empresa que acompanha
cada reportagem mostra problemas diversos, como: calor na linha de produção, favoritismo,
ausência de plano de carreira, carga de trabalho intensa, falta de vale alimentação etc. Entretanto,
é perceptível o cuidado de não utilizar termos que possam ligar o Guia a qualquer postura
reivindicatória ou crítica em termos de relações de trabalho. O problema é apresentado apenas
como um ponto negativo que necessita de melhoria, entre diversos pontos positivos.
O enunciador do Guia revela em todas as edições sua crença naquilo que considera as
modernas relações de trabalho, nas quais a relação empresa-empregado vai além da simples
remuneração pelos trabalhos prestados. Entre outros quesitos, o que caracteriza a moderna
empresa é seu entendimento de que as pessoas têm que crescer junto com a empresa e não
basta oferecer apenas remuneração e benefícios (o salário é coadjuvante), mas fazer diferença
em todos os aspectos de sua vida. É preciso envolver, formar e comprometer o funcionário
com o projeto da empresa, sua missão e seus valores. Assim, ganham relevância na relação
empresa-empregado quesitos como: aprendizado e desenvolvimento profissional, liderança,
cidadania, orgulho, equilíbrio entre vida pessoal e profissional. Em tal ambiente, processos
trabalhistas, movimentos sindicais e radicalismos políticos são histórias ultrapassadas como se
pertencessem a um Brasil antigo. Hoje, diz o enunciador: “o mundo do trabalho mudou – e
muito. As informações fluem cada vez mais rapidamente de um lado para o outro,
aumentando a velocidade da globalização dos negócios”. Na visão do Guia, o cenário está
dado e não há outra opção para patrões e empregados senão a via do comprometimento com
os bons resultados da empresa, que, como reza essa cartilha modalizadora, será bons para
ambos os lados.
Nos textos jornalísticos, quase não há registro da palavra “trabalhador”. Sempre que se
refere à pessoa ou profissional que trabalha numa empresa mediante salário, o Guia usa a
palavra funcionário. A palavra “empregado” também é pouco usada. Os termos mais comuns
são: talento, colaborador, profissional de nível operacional, profissional de nível gerencial,
pessoas, participante do time, membro da equipe. Da parte das empresas tamm há esse
cuidado – seja nos testemunhos das reportagens, seja nos anúncios –, as empresas utilizam
bastante as expressões associados e colaboradores. Assim também o termo remuneração é
usado preferencialmente a pagamento de salário, e resultados a lucro.
Esses cuidados marcam, pela ausência, a tônica do discurso do trabalho adotado pelo
guia. Embora seja uma publicação que tem na análise das condições de trabalho sua matéria-
82
prima, e sua própria razão de ser, e que extrai as informações sobre práticas, comportamentos,
dificuldades e resultados diretamente das pessoas assalariadas que vivenciam a realidade da
empresa, o Guia prefere usar os termos disseminados pelas organizações, criados por
consultorias – e assimilados pelas culturas organizacionais –, que preconizam amenizar ou
anular conflitos trazendo o funcionário para o projeto da empresa, cooptando-o para a parceria
com a corporação. Ao preferir os termos organizacionais, o Guia toma uma posição e opta por
reproduzir o discurso das corporações empresariais, assim como fazem VOCÊ S/A e EXAME,
e distanciar-se do discurso das organizações trabalhistas.
Essa opção não implica ignorar os problemas – que existem e inevitavelmente, serão
levantados pela pesquisa –, mas em abordá-los sempre pelo viés de contribuição para o
debate, de alerta, de indicação de que é preciso atenção, e, até, eventualmente, de tratá-lo
como uma boa oportunidade para rever processos ou convicções.
É o caso do excesso de trabalho, reclamação frequente em todas as edições analisadas e
que mereceu, inclusive, citação no editorial de 2005: “Trata-se de uma situação preocupante
quando se sabe que o excesso de trabalho só gera produtividade por um tempo. Depois se
transforma em doenças provocadas pelo estresse prolongado, como depressão e síndrome do
pânico. A conta será cobrada em breve – e talvez toda a rentabilidade (…) não seja suficiente
para quitá-la”.
O Guia apresenta a questão como um fato consumado e entende que a sobrecarga –
nunca horas extras – faça parte das modernas organizações, até porque as relações de trabalho,
como vimos, são diferenciadas. Mas alerta para que essa sobrecarga não seja tão pesada que
comprometa a produtividade. O Guia poderia defender, simplesmente, que as empresas
cumpram a legislação trabalhista. Quando aponta as sobrejornadas a intenção é discutir o
problema, trazê-lo ao conhecimento dos leitores, mostrar transparência, porém, o faz dentro
do discurso das organizações: não questiona se é legítimo, não remete à lei, ou seja, não trata
a sobrecarga como um desrespeito ao contrato de trabalho ou, em última instância, como
exploração do funcionário e, sim, como um ponto de melhoria. E cuida de esclarecer que é
importante melhorar porque há um limite de tolerância: a queda da produtividade e,
consequentemente, da rentabilidade.
Quanto às doenças citadas – depressão e síndrome do pânico – nenhuma palavra. Na
questão da saúde, um dos registros mais críticos se refere ao McDonald’s, em 2007:
83
“Para trabalhar aqui, tem que ter ketchup na veia”, brincam os atendentes da empresa
multinacional de fast-food. Para eles, a expressão pode ser levada ao pé da letra: sem direito
a vale-refeição, têm de comer lanches do McDonald’s diariamente. Gastrite e outros
problemas de estômago não são raros entre a turma mais jovem (Guia 2007, p. 142).
Em outro trecho, o Guia dá a visão do outro lado, a dos funcionários, sobre o tema do
excesso de trabalho. A matéria “A sobrecarga é unanimidade”, diz que “O fantasma do
excesso de trabalho ronda os funcionários das 150 Melhores. E eles dão o recado: estão com
um olho no sucesso da carreira e outro na agenda pessoal”. A reportagem cita o exemplo da
Nokia, que criou o programa corporativo “Apagar as Luzes, que desliga automaticamente
as luzes às 20 horas. “Há cinco anos na empresa, era raro o dia em que Gustavo escapava da
jornada de 12 a 14 horas. Hoje, (…) dez horas de trabalho são o suficiente para o executivo
de 35 anos”. E em seguida, uma curiosa justificativa: “Que fique claro: a meta dele nunca
foi a de trabalhar menos. O que ele almejava era aproveitar melhor o dia. Queria retomar
hábitos saudáveis na agenda; ter mais tempo para a família, praticar esportes e encontrar os
amigos”.
Por que o executivo não queria trabalhar menos? Qual é o problema de cumprir a
jornada regulamentar de oito horas diárias de trabalho? Fica a impressão de certa “proteção”
do texto ao funcionário, as justificativas de querer mais tempo com a família e amigos e de
cuidar da saúde são colocadas no resguardo de sua boa imagem de funcionário. São
argumentos aceitáveis para que ele não trabalhe tanto, sem parecer desinteressado pelo
trabalho, embora ainda assim continue trabalhando além do tempo regulamentar: agora, “dez
horas diárias são suficientes”.
O texto segue, no mesmo tom acrítico e até de elogio à empresa, apresentando os
motivos dessa situação: “Em grande parte, a sobrecarga de trabalho dele e de outros
funcionários da Nokia está sendo administrada graças ao incentivo da empresa”. Dessa forma,
o efeito que se tem é de que a sobrecarga é culpa do próprio funcionário que não consegue
resolver o problema e necessita da intervenção da empresa para organizar sua vida.
Esse tipo de apoio atende à maior demanda dos profissionais que responderam à pesquisa do
Guia (…) deste ano. Desde 2003, o Guia investiga o equilíbrio entre vida pessoal e
profissional versus o excesso de trabalho por meio de duas perguntas: “O tempo que dedico
ao meu trabalho é aquele que foi combinado com a empresa?” e “As pessoas são encorajadas
a equilibrar a vida profissional e pessoal?”. Desde então, este é o ano em que elas apresentam
as médias mais baixas. Do ano passado para cá, a satisfação em relação a esses quesitos caiu
oito e 12 pontos percentuais, respectivamente.
84
O que aconteceu? Não é segredo para ninguém. Mesmo nas melhores empresas para
trabalhar, a equação equipes enxutas, menos chefes, mais projetos e menos prazos tem
resultado negativo quando o assunto é qualidade, de vida. “Até a década de 90 tínhamos 30
níveis do topo à base e vivíamos o que chamo de o quadrado perfeito: você tinha o seu
horário, o seu chefe, a sua responsabilidade, a sua remuneração”, diz a professora Christina
de Paula Leite, do departamento de Administração Geral, Organização e Recursos Humanos
da Fundação Getúlio Vargas, de São Paulo. “Hoje, quando muito, são cinco níveis e vários
projetos ao mesmo tempo. Ou seja, o envolvimento – e a ansiedade – do profissional é
mesmo muito maior” (Guia 2005, p.11).
Os motivos da sobrecarga estão ditos: a redução de níveis hierárquicos e o aumento do
numero de projetos. Essa é a explicação técnica, sem questionamento. Sobre as causas, Sadi
Dal Rosso diz:
Próprio da segunda metade da década de 90, o fenômeno é determinado pela reestruturação
do trabalho nas empresas, que reagem dessa maneira ao acirramento da competição global,
pela ameaça de desemprego sobre aqueles que trabalham e pelas dificuldades que o
movimento dos trabalhadores tem sofrido para implementar uma política adequada de
controle de horas extras” (Dal Rosso, 2004, p. 56).
Entretanto, como já vimos, a cultura organizacional envolve o funcionário em seus ritos,
no sentido de mantê-lo constantemente comprometido com os resultados – que serão
reconhecidos por meio de bônus ou participações nos lucros –, de valorizar sua presença na
empresa e o investimento feito nele, para seu crescimento pessoal. Assim, ele se sente uma
peça importante da organização.
Os trabalhadores empregados pelas grandes empresas são uma pequena “elite”, não porque
tenham aptidões superiores, mas porque foram selecionados dentre uma massa de indivíduos
tão aptos quanto eles de modo a perpetuar a ética do trabalho em um contexto econômico em
que o trabalho perde objetivamente sua “centralidade”: a economia precisa cada vez menos
deles. A dedicação, o afinco e a identificação com o trabalho correm o risco de diminuir se
todos pudessem trabalhar menos. É mais vantajoso, economicamente, concentrar o pouco de
trabalho necessário em poucas pessoas imbuídas da sensação de serem uma elite privilegiada,
que considera a si mesma como merecedora desses privilégios pelo zelo que a distingue dos
“perdedores”. Nada, tecnicamente, impediria a empresa de repartir o trabalho entre um
número muito maior de pessoas trabalhando 20 horas por semana. Mas, então, essas pessoas
não desenvolveriam uma atitude “correta” com relação ao trabalho, que consiste em
considerar a si mesmos como pequenos empreendedores que valorizam seu capital saber.
(…) Quanto mais eles se identificam ao trabalho e aos sucessos de sua empresa, mais
contribuem para produzir e reproduzir as condições de sua própria sujeição, para
intensificar a concorrência entre as firmas e, portanto, para tornar mortífera a corrida ao
rendimento, mais pesadas as ameaças que pairam sobre o emprego de todos – o deles
inclusive –, mais irresistível a dominação do capital sobre os trabalhadores e sobre a
sociedade (Gorz, 2004, p. 57).
Esse sentimento de ser elite aparece com frequência no Guia, que qualifica as empresas
classificadas como “a elite’”, “a nata”, “o que há de melhor”. Evidentemente, esses
85
qualificativos se estendem aos funcionários, responsáveis finais pela inclusão da empresa no
Guia. E, talvez, justifiquem o “acanhamento” dos funcionários em admitir que preferem
trabalhar dez horas diárias, em vez de 12 a 14 horas, como no caso do funcionário da Nokia,
citado, que não tinha planos de trabalhar menos mas de aproveitar melhor o dia.
O tratamento elitista é reforçado implicitamente em relação àqueles que sobrevivem aos
momentos de “enxugamento das operações” ou “redução de custos”, entenda-se, demissões.
O Guia não foge de relatar tais situações, há várias narrativas de empresas que passaram por
isso, principalmente em anos de crise econômica ou em casos de fusões ou aquisições por
outra empresa. As causas são apresentadas ligeiramente como “porque a empresa foi
comprada”, “por causa da crise econômica”. A abordagem é sempre do gerenciamento
positivo do momento delicado. A explicação mais comum é que, no momento difícil, a
empresa foi transparente, conversou com os funcionários, mostrou os números, reforçou a
comunicação interna e obteve a compreensão e a colaboração de todos, porque havia um
trabalho consistente de relacionamento com os funcionários e persistência de investimento nas
pessoas. Algumas vezes são até citadas ações de apoio aos que foram demitidos.
Nesses momentos de crise, não há ânimos acirrados, nem cobranças, nem sofrimento.
Há compreensão e colaboração. Eventualmente, o texto faz referências ao “clima pesado” ou
“ambiente tenso”, mas tudo é resolvido com tranquilidade, sem reclamações. Um
gerenciamento tão eficiente de pessoas é o que torna essas empresas exemplos para as demais,
coloca-as na elite organizacional, assim como a seus funcionários, os sobreviventes, que
“crescem” com o aprendizado e “saem mais motivados” desse episódio.
Aprendizado Constante
Preste atenção ao diagnóstico a seguir. Ele aparece no seleto grupo das melhores empresas do
Guia mais ou menos assim: o funcionário sabe o que tem de fazer para crescer
profissionalmente, percebe que a empresa oferece atividades de treinamento para os
colaboradores, mas sente que não é reconhecido como gostaria pelo seu esforço no trabalho,
seja com avaliações sinceras vindas do chefe, seja com promoções de fato na carreira. Por
esse motivo, fica pouco estimulado a buscar novos conhecimentos fora da empresa e torna-se
razoavelmente descrente quanto às suas perspectivas de crescimento dentro da organização.
O resultado desse círculo vicioso é meio previsível. O profissional fica desmotivado – e não
rende como deveria – ou se acomoda no cargo, no papel de vítima (Guia 2006, p. 27).
O trecho é exemplar da maneira como o Guia entende a relação de trabalho nas
empresas. Se a empresa espera do funcionário que se dedique ao trabalho sem apegar-se a
regulamentações trabalhistas, a ela cabe motivá-lo, oferecer as ferramentas para que melhore
86
seu desempenho e garanta, assim, bônus e promoções, porque esse reconhecimento deve se
referenciar estritamente na capacidade e dedicação do funcionário, sem “favoritismo ou
politicagem”, como as pesquisas alertam com alguma frequência. Uma empresa que tolera
esse tipo de atitude por parte das chefias provoca desmotivação e acomodação dos
funcionários.
Para motivar os funcionários, as empresas mobilizam inúmeros especialistas e utilizam
as mais diferentes estratégias, de técnicas teatrais a educação formal ou continuada, do
desenvolvimento de diversos veículos de comunicação a constantes treinamentos, além de
viagens, reuniões, simulações de crise etc. Os funcionários são estimulados a trabalhar em
equipe, planejar suas metas, elaborar planilhas, medir resultados. Independente de suas
características pessoais ou das habilidades exigidas por sua atividade profissional, essas
tarefas pretendem que os funcionários estejam familiarizados com as mais diversas técnicas:
administrativas, de produção, de marketing, de conversação, de relacionamento pessoal, de
treinamento, financeiras. Ou seja, que dominem estratégias externas aos seus contextos
profissionais, aos seus cotidianos, e às vezes, às suas personalidades – mas, cujo domínio os
qualifica para crescerem na organização. O domínio desse ferramental é o que Norman
Fairclough chama de “tecnologias de discurso”:
Exemplos de tecnologias de discursos são entrevistas, ensino, aconselhamento e publicidade.
Ao denominá-las tecnologias do discurso, quero sugerir que na sociedade moderna elas têm
assumido e estão assumindo o caráter de técnicas transcontextuais que são consideradas
como recursos ou conjunto de instrumentos que podem ser usados para perseguir uma
variedade ampla de estratégias em muitos e diversos contextos. As tecnologias discursivas
são cada vez mais adotadas em locais institucionais específicos por agentes sociais
designados. Elas têm seus próprios tecnólogos especialistas: pesquisadores que cuidam de
sua eficiência, especialistas que trabalham em seu aperfeiçoamento à luz da pesquisa e da
mudança nas exigências institucionais e treinadores que transmitem as técnicas (Fairclough
1992, p. 264).
Assim motivados, os funcionários aceitam correr riscos, enfrentar desafios, estão
sempre prontos para inovar.
A análise das seis edições do Guia, porém, mostra que quando se trata de funcionários,
não há histórias pessoais, nem conquistas individuais. As conquistas são coletivas, resultado
do esforço conjunto, do trabalho em equipe. Mesmo no caso de presidentes ou proprietários
de empresas, cujas trajetórias são apresentadas de maneira individualizada, o resultado do
trabalho em equipe é muito valorizado. É ao esforço comum que se atribui o sucesso da
empresa.
87
Poucos incentivos são mais poderosos que a sociedade de um pequeno grupo engajado numa
tarefa comum, compartilhando os riscos da derrota e as recompensas potenciais da vitória. As
recompensas não são somente financeiras. Frequentemente o grupo compartilha também um
ideal. Querem deixar sua marca no mundo (Reich, 1994, p. 84)
Motivar a participação em grupo é também uma estratégia para garantir a manutenção
do conhecimento adquirido dentro da empresa, o que seria impossível se esse conhecimento
estivesse concentrado em apenas um funcionário e esse funcionário deixasse a empresa.
Assim também, a persistência no investimento em pessoas, no aprendizado constante, torna
mais forte os vínculos que mantêm o funcionário ligado à organização. Essa, por sua vez,
continua com o poder de desligá-lo quando quiser: se não estiver satisfeita com seu
desempenho individual, se houver alguma mudança acionária como fusão ou aquisição, se
precisar enxugar custos ou até mesmo se a função dele não for mais necessária, independente
dos sentimentos ou dos planos dele. Como relata Odair Furtado, no caso de um taxista que
aceitou entrar no Plano de Demissão Voluntária (PDV) da Volkswagen:
Com a indenização comprou o veículo para trabalhar na praça. Entretanto, todo o seu
discurso é ressentido. Se sente traído pela empresa. Diz que fez, pouco antes do acordo, curso
de especialização patrocinado pela própria empresa, na Alemanha, e que não se conforma
com a maneira como um operário tão especializado pode ser considerado “peça descartável”
pela empresa (Furtado et all, 2003, p. 33).
Podemos encontrar em Reich a explicação para essa situação:
Como as pessoas aprendem por meio da prática, o valor do que fazem aumenta à medida que
ganham experiência. Esse sistema não é autocorretivo, uma vez que aqueles que ganham
experiência primeiro perdem qualquer adicional de preço que impõem ao mercado, quando
outros o superam (Reich, 1997, p. 101).
Aprendizado e desenvolvimento são valorizados no Guia mais que a remuneração e os
benefícios, porque são oportunidades de crescimento profissional, até fora da empresa. Mais
uma vez o texto do McDonald’s é um bom exemplo: “O pessoal também diz que os salários
estão abaixo da média. Questões irrelevantes para quem ama trabalhar na rede. O nome
McDonald’s no currículo é garantia de emprego em qualquer companhia do ramo, dizem”.
O desenvolvimento auxilia o funcionário a ter mais autonomia para cuidar si e de sua
carreira sem precisar de chefe, a ter mais criatividade e inovar em projetos. “Quanto mais
inovação, mais aprendizado”, afirma o Guia, em diversas ocasiões. A inovação faz parte do
desenvolvimento, na visão do Guia. Quem se desenvolve profissionalmente consegue
88
enxergar oportunidades de inovação em produtos, serviços e processos. Uma das empresas
que ilustram bem o processo das relações de trabalho, aprendizado, desenvolvimento e
inovação é a Microsoft, empresa de informática, presente em todas as seis edições analisadas,
cuja atividade econômica implica constante renovação de seus produtos, com novas versões e
aplicativos a cada ano. A reportagem de o de 2008 é a que melhor traduz o envolvimento dos
funcionários e oportunidades oferecidas:
As pessoas na Microsoft, cuja sede no Brasil fica em São Paulo, falam uma linguagem
própria. Em poucos minutos de conversa com os funcionários é fácil ouvir algumas
dezenas de palavras em inglês. “Quando chegamos em casa e continuamos a falar essa
língua, a família estranha”, diz um dos funcionários. O melhor da corporação é a
possibilidade de criar e estabelecer projetos novos. Eles são aceitos com facilidade na
companhia. A consequência disso, no entanto, é a carga horária, que fica excessiva para
alguns. Mas o pessoal da organização americana de tecnologia parece achar que são eles –
e não a Microsoft – que impõem as horas a mais no escritório ao sugerir novidades demais.
Estranho? Talvez seja parte do sentimento de posse que eles têm em relação a seu trabalho:
se identificam com o perfil inovador da companhia e gostam de tocar o dia a dia no mesmo
tom. O plano de carreira da empresa merece destaque. Permite que as pessoas
experimentem outras áreas ao longo do tempo, indicando três setores em que gostariam de
trabalhar, sempre orientadas pelos seus chefes, com processo de avaliação de perfil e de
competências. As vagas abertas são todas anunciadas na intranet e cada um tem
responsabilidade pelo seu próprio plano de sucessão. O que a Microsoft poderia melhorar é
o envolvimento dos funcionários com suas ações de sustentabilidade, que ficam um pouco
à margem do grupo lá dentro.
Nas demais reportagens, de 2003 a 2007, sempre o mesmo tom eufórico que destaca a
dedicação dos funcionários, seu conhecimento dos objetivos da empresa e a utilização de
todos os recursos disponíveis para alcançar os objetivos. “A começar pelos tecnológicos:
laptop e celular, fornecidos pela empresa, são equipamentos obrigatórios de trabalho. A
agenda de cada um é compartilhada por todos no Outlook” (Guia 2006, p. 234). As
oportunidades podem ser promoção, trabalho no exterior, novas funções etc. Mas, mesmo
funcionários tão satisfeitos e estimulados têm reparos à sua relação com a empresa. A “carga
excessiva de trabalho”, a “falta de gente na equipe”, “desequilíbrio entre vida pessoal e
profissional”, “pressão por resultados”, “excesso de projetos”, são os pontos negativos
destacados nas seis edições.
Na página eletrônica da Microsoft Brasil,
32
a lista de Valores praticados pela empresa
fecha o círculo, mostrando que as narrativas dos funcionários coincidem com o que a empresa
espera de suas relações com seus empregados:
32
www.microsoft.com/brasil/corpinfo
89
Integridade e Honestidade; Paixão por clientes, parceiros e tecnologia; Abertura e respeito;
Disposição para assumir desafios e levá-los até o fim; Capacidade de autocrítica e
comprometimento com a evolução e a excelência pessoais; Responsabilidade de honrar
compromissos; Apresentar resultados e entregar qualidade a clientes, acionistas, parceiros e
colaboradores.
Os Caminhos da Empresa Feliz
A primeira questão que se coloca para o percurso gerativo de sentido do Guia é entender para
quem a publicação se dirige. Quem é o seu leitor? Quem é o enunciatário projetado?
O leitor do Guia pode ser qualquer funcionário da empresa, o presidente, o porteiro, o
gerente de recursos humanos, o fornecedor, o empregado terceirizado de qualquer setor de
atividade, em qualquer região do País ou, enfim, qualquer pessoa que se interesse pela
leitura. Não há um público leitor definido dentro de uma série de características que
delimitem um perfil como gênero, faixa etária, poder aquisitivo etc. O que caracteriza esse
leitorado é que está dividido em dois blocos distintos: o leitor que trabalha numa das 150
melhores empresas (eufórico) e o leitor que não trabalha numa das 150 melhores empresas
(disfórico), respectivamente, o Mesmo e o Outro, conforme os conceitos desenvolvidos por
pesquisa já referida. A publicação dirige-se igualmente a ambos os blocos de leitores: ao
primeiro, o Mesmo, convoca a comemorar, mas cuida de lembrá-lo, em todas as edições,
repetidamente, que deve zelar para manter-se no Guia; ao segundo, o Outro, convoca a
esforçar-se no sentido de vir a integrar o Guia, a querer estar no Guia. A relação com o
Outro, porém, é subliminar e se dá pelo destaque ao êxito do Mesmo. O Outro não aparece
nos textos, em nenhuma circunstância, não há narrativas nem citações, nem mesmo como
mau exemplo. O Outro ainda não mereceu estar no Guia ou, se esteve, não conseguiu
manter-se, não zelou por sua posição.
Quanto ao enunciatário, ou seja, o leitor previsto no texto a partir do contrato de
comunicação, localizamos a primeira indicação da resposta no nome da publicação que, além
de declarar sua condição de “guia”, aponta as 150 melhores empresas para “Você” trabalhar.
Esse é o ponto mais imperativo e também o de individualização mais marcante em toda a
publicação: a utilização do pronome “Você” que aponta diretamente para o leitor de quem o
Guia quer ter a atenção. Usar o tratamento “Você” no título evoca proximidade,
envolvimento, revela a intenção de aconselhar, influenciar positivamente na direção do que se
pretende.
90
Mas, quem é “Você”, se pelas narrativas examinadas sabemos que na melhor empresa
para se trabalhar os esforços e as conquistas são de todos? “Você” não é apenas um indivíduo
ou leitor em particular, nem um público homogêneo com um perfil característico. “Você”,
apesar do pronome tão específico, é a empresa. Ao longo das edições, “Você” e a empresa
formam uma entidade única, uma instituição, voltados para o mesmo objetivo de alcançar o
sucesso e ser feliz. Para guiar e orientar “Você”, o Guia personaliza a empresa que é
apresentada como um ser com vontades e desejos, qualidades e defeitos e, principalmente,
com poder de decisão, e que, portanto, pode decidir ser uma das melhores empresas para se
trabalhar. Basta “Você” querer ser e fazer.
Esse é o enunciatário, o leitor projetado no texto: a empresa que tem pessoas
comprometidas em fazer dela o melhor lugar para se trabalhar, “Você”, inclusive. Essa
projeção é possível porque, como temos visto, no Guia todos os funcionários formam a
empresa, todos são responsáveis por garantir sua classificação e todos são responsáveis pela
conquista, coletivamente. Nas empresas classificadas não aparecem, entre seus funcionários,
diferenças sociais, intelectuais, e mesmo as hierárquicas; elas não são obstáculos ao esforço
conjunto de cumprir a missão de todos, porque a empresa os coloca, a todos, em níveis de
igualdade de produção e de decisão. Esse é o papel da cultura organizacional, criar a
identidade do funcionário com a empresa, levá-lo a ter orgulho de pertencer àquela
organização, envolvê-lo em seu projeto, comprometê-lo com seus resultados. Nesse sentido, a
empresa-enunciatária não é só a empresa classificada, mas qualquer empresa que possa vir a
estar no Guia. E o leitor-enunciatário é aquele que quer fazer da sua empresa a melhor para se
trabalhar. Juntos, criam a empresa vencedora.
A estratégia de utilizar o pronome de tratamento no título da publicação permite atrair
individualmente o leitor, trazê-lo para o “seleto” grupo de melhores empresas. Mas, se esse
leitor pode ser pessoal ou institucional, ao chamá-lo de “Você”, o Guia quer provocá-lo e
convocá-lo à ação, apelar para que faça a experiência. Essa, porém, só se realizará se o leitor-
funcionário e a empresa estiverem juntos numa entidade única para cumprir a missão. Com
apenas um deles, o cumprimento da missão é impossível.
O enunciador
Quanto ao enunciador, entendemos que cabe questionar se o Guia seria o único, de fato. Para
responder a essa questão convém examinar, ainda que brevemente, as duas revistas às quais o
91
Guia se vincula. Para isso, utilizaremos as análises das duas publicações elaboradas no âmbito
do projeto de produção de hipermídia do Grupo de Pesquisas em Mídia Impressa, já citado, do
qual participamos.
33
A re vista EXAME é muito clara em seu contrato comunicacional: pretende influenciar
de fato a economia brasileira em direção ao que acredita serem as melhores soluções para o
País.
Voltamos e voltaremos ao assunto tantas vezes forem necessárias porque é isso que uma
publicação como EXAME, comprometida com a livre iniciativa e com o desenvolvimento da
economia e da sociedade deve fazer (…) Nosso retorno ao tema não deixa de ser uma
pregação para que o lado da luz não prevaleça sobre o das sombras. (…)Temos o privilégio
de publicar reportagens especiais que refletem os dois lados do capitalismo moderno”
(Exame, 2009, n. 296).
Por sua vez, a revista VOCÊ S/A tem seu contrato explícito no próprio slogan: “Seja seu
melhor investimento”. A revista modaliza seu conteúdo no sentido de ser um orientador para
jovens executivos que querem ser recrutados por grandes empresas. Em sua própria
definição, a revista destina-se a quem “quer fazer a diferença onde trabalha”, quem quer
crescer na companhia e está atento para entender o mundo dos negócios e preocupado com
sua formação. Seu leitor não reclama das situações difíceis, faz delas oportunidades; não
reclama do chefe, aprende com os próprios erros. No longo prazo, a revista promete que esse
leitor estará preparado para ser o CEO (Chief Executive Officer), ou o presidente de alguma
grande empresa ou ter seu próprio negócio. Até lá, a intenção da revista é ensiná-lo sobre os
temas da conjuntura econômica e do sucesso pessoal e lhe oferecer receitas o que auxiliem a
driblar o excesso de trabalho e o estresse ou galgar posições na empresa onde trabalha.
Com tais contratos comunicacionais em jogo, fica claro que a chancela das duas revistas
não é meramente operacional ou comercial. O Guia compartilha a enunciação com as revistas
VOCÊ S/A e EXAME, que assim fecham seus contratos comunicacionais com coerência:
EXAME dirige-se ao enunciatário “Você”-empresa, reforçando seu compromisso com a livre
iniciativa e com o desenvolvimento da economia e da sociedade; e VOCÊ S/A cumpre seu
papel de ajudar o “Você”-funcionário a fazer a diferença onde trabalha. Assim, cumpre-se
dupla enunciação, das duas revistas, baseadas em contratos preexistentes ao próprio Guia,
cuja enunciação, por sua vez, é parte dos regimes de visibilidade das duas revistas.
33
“A ecologia dos saberes e a reinvenção da mídia nas multiplicidades comunicacionais”, hipermídia em elaboração pelo
Grupo de Pesquisas em Mídia Impressa do Programa de Estudos Pós-Graduados – PUC-SP.
92
Para dar conta dessa tarefa, o Guia assume uma segunda função, a de narrador
comprometido com a construção de um percurso narrativo coerente e pleno de bons
exemplos. Nesse percurso, o sujeito da narrativa é a própria empresa. As visibilidades são
dadas a partir das narrativas das empresas, de seus esforços e conquistas, mesmo que seja por
meio de temas individuais como nas histórias de presidentes ou donos de empresas. As
narrativas podem se referir a qualquer pessoa dentro da empresa sem que isso se constitua em
histórias pessoais, porque essas narrativas apenas modalizam para o tema principal, o sucesso
em ser feliz onde se trabalha que, como já vimos, não é uma conquista individual.
A personalização do ente empresa reforça sua condição de sujeito da narrativa, ao
mesmo tempo em que a aproxima do leitor. Tratada em terceira pessoa do singular, ela, a
empresa, tem sentimentos e ansiedades com se fosse uma pessoa, preocupa-se, sente cansaço,
comunica-se, tornando-se conhecida e familiar ao leitor, sendo assim um bom exemplo a ser
seguido sem restrições ou questionamentos.
O enunciador-narrador é sabedor e ativo, que não apenas informa, mas descobre os
melhores exemplos, com o apoio de especialistas científica e metodologicamente aprovados,
com o auxílio dos quais alerta para os obstáculos e sinaliza para pontos de melhoria, apoiado
em sua própria experiência de mais de uma década como uma publicação de “referência em
gestão de pessoas”. O enunciador-narrador opera no sentido de mostrar que, para alcançar o
sucesso e a felicidade, cada empresa deve achar seu caminho, entre o que há de mais
inovador, moderno e ousado, mantendo-se constantemente aberta a mudanças e a novos
desafios. Isso porque o que era inovador há alguns anos, como o café da manhã com o
presidente, passa a ser uma ação corriqueira, incorporada ao dia a dia, e que não destaca uma
empresa à medida que vai sendo incorporada pelas demais. É preciso inovar sempre e assim
criar o círculo virtuoso que fará com que a empresa esteja sempre entre as melhores para suas
pessoas trabalharem e o Guia, em consequência, mantenha sua posição de referência em
gestão de pessoas.
Para melhor cumprir a própria missão, o enunciador-narrador não se restringe a buscar
as informações disponíveis – nas empresas por meio da pesquisa, e no mercado, por meio de
especialistas – organizá-las e publicá-las. Ele apresenta-se fisicamente a uma parte de seu
leitorado, o Mesmo, por meio dos questionários e, principalmente, da visita do jornalista. É
possível perceber pelos textos que essa presença cria laços de simpatia: “Funcionários
animados, satisfeitos e com o discurso da empresa na ponta da língua. Na Quero-Quero, rede
93
de lojas com sede em Santo Antonio, município do Rio Grande do Sul, quase na fronteira com
a Argentina, a motivação é visível” (Guia 2006, p.128). O texto continua no mesmo tom
enfático e animado, apresentando as realizações da empresa. Com tal proximidade, a
identificação do enunciador-narrador se dá antes com o funcionário dentro da empresa que
com os demais leitores. O enunciador-narrador, por outro lado, não emite sinais de quando
algum assunto possa ter desagradado o jornalista.
Educação e Disciplina
Como já sabemos, a base do conteúdo editorial do Guia é uma pesquisa, que pelas
características próprias dessa ferramenta, esquematiza dados coletados sobre condições já
existentes. Pela prática jornalística que pede o factual e imediato, a utilização das informações
coletadas pela pesquisa em edições normais de revistas, reduziria o material a poucas páginas,
mesmo que houvesse destaque, como comumente vemos nas revistas semanais. O formato de
edição especial de um guia, que compartilha a enunciação com outras duas publicações, como
acabamos de ver, demanda, portanto, um narrador, que sistematize as informações e conte as
histórias uma após a outra, que assuma o papel daquele que indica o caminho, que educa ou
sinaliza para a constante necessidade de atenção e disciplina.
Ora, a educação consiste em fazer com que verdades sejam incorporadas: por meio da
repetição. Por outro lado, o que se repete é a ordem da realidade desenhada, época e
circunstância, e não poderia ser de outra forma, ou seja, fora dessa realidade, a não ser no
enfrentamento dos processos de exclusão. (…) É nessa visada que a dinâmica jornalística
deve se encaixar. (…) “É tempo, portanto, de considerarmos a repetição das temáticas (…)
isso que passa como mera constatação da importância dos fatos. (…) É tempo de vermos essa
forma – quer ela se manifeste com frequência ou ressonância – na qual as notícias se
evolvem, como operação disciplinar (Gomes, 2003, p.102).
Desse ponto de vista, o Guia assume um terceiro papel: o de destinador-manipulador.
Está claro que a competência jornalística disponível no Grupo Abril garante a organização
das narrativas de forma a tornar mais atraente a leitura dos dados e a fazer do Guia um espaço
de encontro de narrativas diversas, selecionadas cientificamente, que de outra forma jamais se
encontrariam. Mas a repetição das discussões dos quesitos, das narrativas, dos personagens,
mesmo que com variações ano a ano, é intencional no sentido de não apenas informar o
público corporativo, mas de conduzi-lo a um processo de transformação em suas práticas
empresariais rumo ao sucesso do negócio e à felicidade da organização.
Esse entendimento do destinador-manipulador explica o projeto editorial que se
equilibra entre o formato de um guia, com suas características de indicador, neutro e objetivo
94
e o modelo de revista, com as características de veículo informativo e modalizador que
pretende influenciar a realidade do mercado e do sistema. Explica também a opção pelo
formato de negócio que como já vimos não se restringe à publicação anual como qualquer
publicação regular, mas se apresenta fisicamente na realização da pesquisa e na visita às
empresas, e comercialmente na venda de anúncios, levando a uma proximidade e
envolvimento com as fontes de informação que o método jornalístico não recomenda. É na
repetição da temática e de sua presença na empresa, ano após ano, que o Guia busca
convencer, ensinar, educar, disciplinar a empresa-enunciada.
A modalização, portanto, é feita por convencimento e sugestão, pela repetição de
exemplos e modelos, dos quesitos e itens indispensáveis para compor a melhor empresa. E o
Guia sabe que esse é um trabalho de longo prazo. Assim, em vez de afirmar nas matérias de
Metodologia e Balanço, que é mandatório a empresa oferecer um bom plano de saúde para
seus funcionários, ou um plano de previdência privada, ou alimentação satisfatória, o Guia
aponta a importância dessas ações através das notas recebidas pelos quesitos da pesquisa. Nas
reportagens sobre as empresas classificadas, porém, narra histórias de empresas que
ofereceram bons planos de saúde, ou de previdência privada, ou alimentação satisfatória e
deixaram seus funcionários felizes e conseguiram entrar no ranking. Os mesmos temas
surgirão em outras reportagens, em contextos ou ambientes ligeiramente diferentes, repetindo-
se como ingredientes fundamentais de receitas culinárias básicas que, entretanto, aceitam
variações de cores e sabores. Assim, os conteúdos das reportagens levam o leitor
constantemente a conhecer as narrativas de sucesso, os modelos que deram certo e os itens
indispensáveis à motivação e satisfação dos funcionários.
O Contrato
Diferentemente das revistas de beleza, por exemplo, que já na capa estabelecem o contrato de
comunicação prometendo corpos esculturais ou cabelos maravilhosos, o Guia não promete
transformações súbitas nem fornece explicitamente receitas e dicas do tipo “Faça você
mesmo”. O Guia quer dar exemplos, apontar questões e posicionar-se como o narrador-
sabedor, conhecedor do que se passa nas empresas porque realiza a “maior pesquisa de clima
organizacional do Brasil”, o que o transforma em “referência em gestão de pessoas”. A seu
modo, a capa do Guia também expressa o contrato de comunicação no cuidado em
demonstrar a neutralidade do ranking, em manter a objetividade da informação com o foco
nas premiadas, sem destacar nenhuma delas e pelo destaque ao número 150 e às palavras
95
“Melhores”, “Empresas”, “Você” e “Trabalhar”, sem apelos a sensualidades cromáticas ou
visuais, mas com a intenção, sim, de seduzir pela convocação ao trabalho de transformação
das empresas, e de orientar, conduzir, guiar o leitor através de modelos e ensinamentos, sem
cair nos artifícios da receita fácil do “Faça Você mesmo!”. O contrato de comunicação, mais
do que convida, incita, aconselha, convoca as empresas a alcançarem o sucesso entrando para
“esse seleto grupo das melhores empresas para se trabalhar no Brasil”. É para ajudá-las nesse
objetivo que o Guia monta “uma verdadeira operação de guerra”, a cada ano.
Os regimes de visibilidade do sucesso vêm modalizados pelos bons exemplos, de
comunicação interna, benefícios, proximidade, oportunidades e por alguns depoimentos de
executivos ou entrevistas de especialistas e por índices. Dessa forma, o Guia deixa explícito
que se uma empresa copiar os bons exemplos apresentados, seguir os conselhos dos
especialistas, souber reconhecer seus problemas e não tiver medo de mudar, nem poupar
esforços para isso, certamente conquistará um lugar entre as 150 melhores.
No esforço de ensinar e disciplinar, a agenda temática é repetitiva. As matérias iniciais
tratam, todos os anos, dos quesitos medidos pela pesquisa, que são essencialmente os
mesmos, e as reportagens falam sobre as estratégias, procedimentos e narrativas das empresas
classificadas pelo bom desempenho nesses quesitos. Essas estratégias podem ser a
proximidade com as chefias, chamar o presidente pelo primeiro nome ou abrir novos canais
de comunicação. Ou ainda, oferecer espaços de repouso ou massagens durante o expediente
ou benefícios como ações da companhia, participação nos lucros, trabalho no exterior. No
percurso narrativo uma empresa oferecer massagens antiestresse é tão importante quanto outra
oferecer participação nos lucros, porque cada empresa deve encontrar seu caminho. Pelo
efeito da generalização, a percepção é que todas oferecem massagens e participação nos
lucros. O bloco de 150 reportagens, ao final, apenas pontua os esforços particulares de cada
empresa porque não há espaço para detalhamento nem discussão dos empenhos e das
estratégias; são histórias, uma após a outra, gerando a percepção final de que todas as
empresas estão juntas num mesmo esforço, num movimento único rumo ao sucesso.
Nessa modalização para o sucesso, a palavra de ordem é “Faça a sua parte!” desdobrada
no percurso: “faça mudanças, dedique-se, apoie-se no conhecimento do Guia e entre no
ranking”. A melhor empresa para se trabalhar é construída a partir desse percurso: ao atender
a essa palavra de ordem a empresa vai ao pódio do reconhecimento e, por sua vez, torna-se
exemplo a outras empresas nos próximos anos.
96
O contrato é claro ao guiar o leitor através das recomendações para que “Conheça a
empresa da década”, “Saiba qual o perfil ideal para ser contratado pelas melhores”, entenda a
nova organização do Guia e as novas categorias e deixa explícito que está oferecendo
modelos e ensinamentos para que todos façam igual. Para isso, o leitor precisará percorrer
toda a publicação, conhecer as histórias, examinar os resultados. Todas as edições trazem o
passo-a-passo para participar da pesquisa e entrar no Guia, com explicações de cada fase. Na
página eletrônica do Guia, cada fase é ainda mais detalhada. Algumas edições trazem também
argumentos para essa participação. Em 2009, por exemplo, a matéria “5 Bons motivos para
participar” conclama: “Saiba porque é importante se inscrever no Guia”. Os argumentos são:
expertise, com metodologia totalmente brasileira; credibilidade, publicado por VOCÊ S/A e
EXAME, com chancela do Grupo Abril; apoio à gestão, pelo sumário executivo da pesquisa
que é um indicador de performance; atração de jovens de talento; e rentabilidade, porque as
melhores são mais rentáveis que as 500 maiores do país.
O Guia modaliza o processo a partir de dentro do próprio processo, colocando-se como
parte importante de alcance dos objetivos desejados pela empresa, assumindo explicitamente
essa função. Assim, quando as respostas aos questionários apontam mudanças para melhor, a
justificativa ou explicação da “descoberta” estaria no próprio Guia que constata num ano os
bons resultados de sua “pregação” do ano anterior. Mas, embora o Guia assuma essa
condição, os textos não trazem a comprovação de que no ano anterior esse assunto foi
trabalhado pelas empresas, mesmo quando um item abordado num ano teve melhor
desempenho no ano seguinte.
Os programas cognitivos encaminham para o sucesso da empresa como um dos
melhores locais para se trabalhar por meio de narrativas modalizadoras de superação e de
conquista. Entrar para o Guia, parece quase uma conquista esportiva, uma corrida de
obstáculos, que reúne todos, corredores e torcedores no mesmo esforço. “Como sabem os
melhores atletas – e as empresas já descobriram –, a evolução só acontece quando desafiamos
recordes anteriores” (Editorial, 2006). A modalização se dá também pela urgência e
excelência. “Como se sabe, políticas consistentes de gestão tomam tempo” (Editorial, 2003).
O percurso narrativo dramatiza, conta histórias, encarna personagens. Mas os editoriais nos
dão a pista. Sempre, o percurso problema-solução-resultado será percorrido com os
ensinamentos e exemplos de como fazer para que sua empresa seja classificada entre as
melhores, com imperativos de desafio, inovação e liderança.
97
A modalização através das reportagens equilibra-se entre os dois blocos de leitores: aos
de dentro (eufóricos), sinaliza a importância de persistir nos esforços para continuar no Guia
contando a trajetória de sua própria empresa, levando-o a reconhecer-se como indivíduo
naquele êxito; aos de fora (disfóricos), incentiva, estimula a mais esforços, entendendo as
narrativas de sucesso das empresas que entraram no Guia e assim colocando a sua também lá.
Trata-se de uma modalização do querer fazer (a mudança), ao o qual o enunciador incentiva, a
partir das narrativas euforizadoras das melhores empresas, e do poder ser e dever fazer (uma
das melhores, uma empresa de sucesso). Para o leitor eufórico, o funcionário da empresa
classificada, trata-se de uma condição de julgamento, pela qual, alguns serão premiados e
outros penalizados. Ele pode fazer e deve fazer. Para o leitor de fora, há um convite implícito,
um estímulo, quase uma sedução para que ele queira, de fato, entrar no ranking (querer fazer).
Os percursos passionais são vários. Cada matéria aponta um por que cada empresa
realiza uma narrativa. A passionalização se dá pela satisfação do dever cumprido, pela alegria
da premiação, pelo reconhecimento do esforço de todos, pela felicidade de integrar o Guia. Os
anúncios, pelas peculiaridades já apontadas, são carregados de passionalização e funcionam
como comprovação da efetividade da modalização do Guia no sentido do sucesso e da
felicidade. Mas pode surgir o medo, os sofrimentos e as dores da mudança. O medo merece
sempre atenção: as narrativas ensinam que o medo da mudança, do novo, não se justifica, há
formas simples e criativas de resolver problemas se “Você” estiver aberto a aprender e a ouvir.
No percurso passional para o sucesso da empresa, as figuras de alguns presidentes
funcionam como palavras de ordem, na qual todos os esforços se fecham no círculo virtuoso.
Das empresas que se repetem por vários anos no ranking, várias têm figuras fortes, criativas e
dedicadas na presidência, vistas como as “caras” da empresa. É assim com Luiz Ernesto
Gemignani, da Promon, Ulisses Tapajós, da MASA, Luiza Helena Trajano, do Magazine
Luiza, e José Eugênio Farina, da Todeschini. O Guia ressalta a importância dessas pessoas
para a permanência das respectivas empresas no ranking modalizando o perfil esperado de
presidente de uma boa empresa. O acompanhamento das edições mostra que essas são pessoas
com alto grau de comprometimento com a empresa e têm, reconhecidamente, personalidades
com fortes traços de organização e liderança. Gemignani é o que mais se sustenta no Guia,
presente em todas as edições e frequentemente no ranking das dez primeiras, sendo sétima em
2004, primeira em 2005, quarta em 2006, sétima em 2007, e oitava em 2008. Sua empresa,
porém, tem uma característica única, pertence a todos os funcionários, todos são acionistas, o
que por si só pode explicar a constante satisfação de todos. A Todeschini, de Farina, foi
98
terceira colocada em 2003, primeira em 2004 e segunda em 2005. Após sua aposentadoria, a
empresa não entrou mais no ranking. O Magazine Luiza foi primeiro lugar em 2003, quarto
em 2004, oitavo em 2005 e a partir de 2006, não entrou mais no ranking. Coincidentemente,
nesse ano, a rede iniciou sua expansão nacional, além do interior de São Paulo. Quanto a
Tapajós, as reportagens mostram que sua dedicação à empresa é total. Ele chega a declarar
que é casado com a empresa. Sua empresa foi nona em 2005, primeira em 2006 e em 2007,
terceira em 2008.
As trajetórias no ranking os qualificam como lideranças competentes em guiar suas
empresas ao sucesso. O destaque dado a esses presidentes sugere um modelo de perfil ideal de
executivo responsável por conduzir a empresa, quando, na verdade, a ausência de outros
exemplos confirma que são perfis exóticos e raros nas organizações, três ou quatro em
centenas de empresas pesquisadas. E mesmo esses não estão isentos de falhas, tanto que não
conseguem manter constantemente suas empresas no ranking e, às vezes, nem mesmo no
Guia.
O Sucesso
A figura central do Guia é a empresa bem-sucedida, que mereceu estar no ranking. E esse
merecimento veio do esforço que essa empresa – seu presidente, todos os escalões gerenciais,
todos os escalões operacionais, seus fornecedores, e até trabalhadores terceirizados – fez para
ser a melhor, seguindo os exemplos. É isso que faz com que aquelas que já eram boas fiquem
melhores, dando atenção aos alertas, ouvindo os conselhos do Guia, encarando seus
problemas porque a empresa não nasceu como a melhor para trabalhar, ensina o Guia. Essa
posição foi construída pelo esforço de todos.
Mas de quem é o sucesso, da empresa ou das pessoas? Nas empresas do Guia as pessoas
trabalham por paixão, por ambição profissional, por convicção, o fato de que todos trabalham
por dinheiro não é explícito. O salário é coadjuvante. Nesse ambiente tão emocionalizado, não
há dúvidas, o sucesso é da empresa, por isso é a narrativa da empresa que aparece no Guia. As
pessoas serão bem-sucedidas à medida que transformarem a sua empresa numa das melhores,
o que eventualmente, se refletirá em suas carreiras. Mas as pessoas se vão e as empresas
ficam.
Nas estratégias de visibilidade do sucesso, o Guia faz advertências para ensinar que ser
uma das melhores empresas para trabalhar exige tempo, dedicação e comprometimento.
99
“Ações pontuais melhoram o clima interno e podem colocar a empresa na lista por um ano ou
dois, mas essa presença será efêmera. Políticas consistentes de gestão tomam tempo”
(Editorial, 2003). Nas raras vezes a que se refere às empresas que não permanecem, o Guia é
crítico, porém compreensivo porque conhece as dificuldades que são colocadas para as
empresas se manterem no topo; ser uma das melhores é uma condição que precisa ser
confirmada a cada ano e será apenas uma glória passageira se não houver dedicação e
vigilância constantes por parte da empresa incluída. A prova disso, é que em uma década
(1996-2006), apenas quatro empresas entre centenas, conseguiram estar presentes em todas as
edições: Nestlé, Dow, McDonald’s e Promon. “Trata-se de uma notável capacidade de
compreender a importância das pessoas para o sucesso do negócio.”
São quatro casos de receitas bem aplicadas, que trouxeram bons resultados, nos quais é
forte a condição de identidade expressa pelo Guia. “Nessas organizações encontramos o
casamento perfeito entre estratégia e sua aplicação. Entre o que a empresa planeja e o que as
pessoas percebem como benefício. Entre a visão do líder e a prática de seus executivos”. Mais
uma vez, é importante destacar o processo, o esforço que as candidatas devem dedicar para
serem premiadas, para chegarem ao topo da felicidade no trabalho. E o Guia não deixa passar
essa oportunidade: “Nenhuma empresa é perfeita, mas, com certeza, as 150 formam a nata do
que há de melhor no país, atualmente”. Assim, o Guia não deixa dúvida quanto à sua posição:
o sucesso é da empresa, porque é dela a responsabilidade de manter-se no Guia. Dos quatro
exemplos felizes, dois anos depois, 2008, apenas duas empresas se mantinham no Guia: a
Dow e a Promon.
O contrato comunicativo fecha-se com as narrativas. A missão se cumpre com a
sequência proposta: as informações são colhidas por pesquisadores e confirmadas por
jornalistas do Guia (que sabem fazer); o Guia, portanto, é o sabedor que indica os mapas
cognitivos, os modelos bem-sucedidos, que divide seu conhecimento e experiência com as
empresas que desejam ser melhores (saber para fazer); qualquer empresa pode habilitar-se
para entrar no Guia (poder e querer fazer); uma vez no Guia, a empresa deve esforçar-se para
permanecer como um modelo (poder ser e dever fazer).
O Guia assume, assim que é e quer continuar sendo o exemplo, trazendo as boas
histórias das empresas bem-sucedidas. O Guia não se coloca como interferindo nas empresas,
sua posição explícita é de observador e narrador, colocado estrategicamente num ponto nodal
que resume sua missão: siga o bom exemplo dessas empresas e serás recompensado com o
100
sucesso. Mas o sucesso não chega facilmente, exige esforço, dedicação, visão de longo prazo,
compromisso, determinação. E o Guia é principal referência para ajudar uma empresa nessa
tarefa rumo ao sucesso.
Nesse sentido, o Guia funciona como apelo à experiência, envolvendo todos no
processo de transformação empresarial rumo ao sucesso. Sua estratégia é ao mesmo tempo
um convite e uma convocação à experiência. Mais que isso, é performativa.
Dizer é fazer. Eis o resumo da fórmula do performativo. (…) Quando determinado agente,
reconhecido publicamente como autorizado para uma ação, realiza-a, são provocadas
mudanças no mundo, na medida em que tal dizer é fazer. Quando o enunciador afirma ‘eu
prometo que farei X’ o próprio ato de dizê-lo realiza a promessa: esse é o exemplo clássico
do performativo (Prado, 2003).
Como temos procurado mostrar, o Guia vai muito além da função referencial,
informativa da mídia, de forma pragmática atua para construir mapas cognitivos que orientem
os leitores-enunciatários – individuais ou corporativos – para a ação da enunciação, colocando
para eles os valores da boa empresa, os mapas cognitivos da vitória, do sucesso, da felicidade,
dirigindo seu entendimento e modalizando suas atitudes, criando discursos, aproximando-se
fisicamente deles levando o envolvimento com o projeto a um ponto tal que os torna,
enunciadores e enunciatários, cúmplices naquilo que as revistas assumem: ser os melhores na
gestão de pessoas e influenciar de fato a economia brasileira em direção ao que acreditam ser
as melhores soluções para o País.
101
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Entender o que leva patrões e empregados a se unirem na tarefa de tornar a empresa
reconhecida como a Melhor para se Trabalhar e como o Guia modaliza essa união e esforço
conjuntos foi o questionamento inicial deste trabalho. Os diversos temas discutidos aqui não
nos permitem concluir que ocorra uma união, de fato, mas uma mobilização em direção a um
objetivo comum, a um estímulo dado pelo ambiente externo à empresa, uma necessidade
trazida por um agente estranho à rotina da organização. A união efetiva de patrões e
empregados, nos padrões tradicionais de mesas de negociações e acordos assinados,
esvaziaria a função do Guia, tornaria a publicação desnecessária, retiraria da publicação a
função de mediadora simbólica.
O capitalismo avançado, (…) já não diz mais respeito à manufatura de bens ou à execução de
serviços, ou mesmo à troca de informações, mas sim à criação de elaboradas produções
culturais (Rifkin, 2001, p.144).
Nesse contexto, as organizações empresariais são ambientes altamente semiotizados,
onde os interesses ultrapassam em muito a simples relação patrão-empregado tradicionais, e
são permeados pelas estratégias de assimilação de conceitos antropológicos e sociológicos
que as transformam em ‘elaboradas produções culturais’, voltadas “ao mundo da
comunicação: o novo nome da produção no capitalismo globalizado” (PRADO, 2006a). Esse
contexto, mais que a devoção à empresa e ao seu sucesso, explica a mobilização de centenas
de empresas e milhares de funcionários no processo de tornar a empresa não a melhor para
trabalhar, mas reconhecida pelo Guia como a melhor para trabalhar.
Diante dessa constatação, é fácil aceitarmos que o Guia não é uma revista, nem uma
publicação jornalística, nem mesmo um guia na acepção editorial do veículo que organiza
informações sobre um mesmo tema, como o guia turístico. O Guia é uma extensão da
enunciação das revistas EXAME e VOCÊ S/A, essas, sim, publicações jornalísticas, com
contratos comunicacionais claros e objetivos comerciais definidos.
Ironicamente, a empresa mais feliz, mais tempo presente no Guia e com várias presenças
no ranking das dez melhores, a Promon, não é uma empresa como todas as outras demais
organizações que participam da pesquisa: é uma empresa de propriedade dos funcionários.
102
Com o poderio jornalístico de que dispõem, as duas revistas poderiam preconizar suas
crenças independentemente da pesquisa. A opção pela pesquisa, porém, a inclusão de
parceiros é um esforço de legitimar o discurso através da “tecnologização” tematizada por
Fairclough. E, dessa forma, trazer para a publicação o sentido de verdade, de ciência, de
exatidão, embora a pesquisa não analise a totalidade das empresas do Brasil, não seja um
censo, só uma amostra, dentre algumas centenas de empresas, que voluntariamente se abriram
à participação. Assim, o primeiro corte na amostra é feito pelo próprio sistema empresarial. A
participação voluntária acontece por causa das pessoas/empresas, que querem atuar de alguma
forma, seja com objetivos mais ou menos nobres de conquistar bônus, relevância no mercado
ou de, simplesmente, ser um bom exemplo.
A trajetória da participação no Guia, entretanto, depende das empresas encontrarem as
pessoas certas. Somente aquelas que conseguirem juntar pessoas adequadas a práticas que
correspondam aos critérios do Guia serão boas o suficiente para entrar no Guia. Somente
aquelas empresas que não tiverem medo de se abrir para suas pessoas, inovando no
relacionamento, criando oportunidades de novas experiências nos níveis pessoal e
profissional, e, principalmente, recompensando financeiramente as pessoas pelo seu valor,
dividindo seu lucro, oferecendo benefícios à suas pessoas e suas famílias, entrarão no ranking
das vitoriosas.
A questão da remuneração e benefícios está presente em todas as edições, em todas as
reportagens, mas não é destacada pelo Guia como o motivo principal da retenção de pessoal.
O descontentamento com esse quesito e com o excesso de trabalho são os dois pontos
constantemente criticados pelos funcionários. Ou seja, o funcionário para ser feliz espera que
a empresa o remunere bem e garanta seu bem-estar. Exatamente o que pede a legislação. O
Guia é cuidadoso em não abraçar essa bandeira. Não critica, não confronta, aponta o
problema apoiado na pesquisa, colocando-se como caixa de ressonância do público interno,
uma voz que alerta a empresa para que não escorregue em suas boas práticas.
Garantir a motivação de seus funcionários é uma obrigação das empresas na opinião do
Guia, pois somente com pessoas motivadas a empresa atingirá seus resultados. Como
analisamos, porém, a motivação é a principal responsável pela sobrecarga de trabalho. “O
homem motivado é demasiado oprimido pela importância que tem de atribuir ao trabalho”
(Sennett, pag.126). Por outro lado, são funcionários motivados que conseguem garantir mais
espaços de participação, de sugestões, de inovação, mais bônus e participação nos resultados.
103
O Guia acredita na contribuição social da empresa e se coloca em linha com os
objetivos de EXAME, como uma espécie de mediador entre as forças da produção e do
trabalho no rumo de construir o bom capitalismo. Por isso estimula as empresas a desenvolver
pessoas, a preservar o meio ambiente, a cobrir as deficiências do Estado oferecendo educação
a seus funcionários.
Embora declare que: “Ninguém admite mais uma empresa que não fala o que quer ser e
que não age eticamente para chegar lá” (… ), o Guia evita a discussão sobre a relevância
social do que produzem as empresas classificadas: cigarro, pneu, medicamento, televisão,
cartão de crédito, plano de saúde, atendimento médico, investimentos financeiros, e ignora os
conflitos que alguma dessas atividades geram seja com consumidores, com o meio ambiente
ou até com princípios morais dos leitores. No caso da Souza Cruz, fabricante de cigarros, por
exemplo, a discussão sobre o valor social do produto é driblada pela descrição dos trabalhos
que a empresa desenvolve com a comunidade e com a geração de empregos.
A relevância da comunicação não pode ser menosprezada. Ao mesmo tempo em que
pretende disciplinar e alinhar o público interno com os valores e objetivos da empresa, a
comunicação permite dar vazão ao enorme potencial criativo e participativo do ser humano,
concentrado nas empresas e usado em favor dos objetivos do negócio.
Não se deve supor que as pessoas têm consciência das dimensões ideológicas de sua própria
prática. As ideologias construídas nas convenções podem ser mais ou menos naturalizadas e
automatizadas, e as pessoas podem achar difícil compreender que suas práticas normais
poderiam ter investimentos ideológicos específicos. Mesmo quando nossa prática pode ser
interpretada como de resistência, contribuindo para a mudança ideológica, não estamos
necessariamente conscientes dos detalhes de sua significação ideológica (Fairclough, 1999,
pag.120).
Não cabe aqui qualquer juízo de valor sobre as pessoas engajadas no esforço de fazer da
sua empresa a melhor para se trabalhar. O Índice de Felicidade no Trabalho, atualmente, o
principal do Guia, considera a qualidade do ambiente de trabalho através de identidade;
satisfação e motivação; aprendizado e desenvolvimento; liderança e a qualidade na gestão de
pessoas por meio de remuneração e benefícios; carreira profissional; educação; saúde;
integridade do trabalhador; responsabilidade social e ambiental. Sem dúvida, alguns desses
itens são fundamentais para o bem-estar de qualquer ser humano. Entretanto, o êxito em todos
esses quesitos depende exclusivamente de decisões da empresa. Alguns deles são partes
integrantes do mais básico dos contratos de trabalho, outros dependem de concessões da
104
empresa, outros ainda são meramente simbólicos. No balanço geral das análises, porém,
podemos dizer que não há empresa feliz. Há empresas e empregados temporariamente
satisfeitos, orgulhosos da conquista, comprometidos com resultados, alegres com a
classificação. Esses sentimentos, porém, serão facilmente superados no ano seguinte se a
empresa não se classificar no Guia. Ou a qualquer momento, se surgir uma oportunidade
melhor para o funcionário ou se a empresa deixar de corresponder às expectativas do
funcionário. Nesses casos, tudo o que dissemos sobre o orgulho de pertencer e a identidade
com a empresa, perdem o sentido.
A felicidade “não é um humor ou um estado de ânimo, por mais exaltados e duradouros
que sejam, mas o resultado de uma vida bem conduzida, ou seja, das escolhas e valores que
definem o nosso percurso. A felicidade, em suma, jamais será um estado final que se possa
adquirir e dele tomar posse de uma vez por todas” (Gianetti, 2002, pag. 177). Para o Guia,
entretanto, a felicidade pode ser encontrada no local de trabalho:
Reforçamos o compromisso de ser referência em ambiente organizacional no país e também
de apresentar um instrumento valioso para que profissionais de norte a sul se informem sobre
como e onde são praticadas as melhores iniciativas para que trabalhem satisfeitos e felizes
(Editorial, 2007).
===========
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