Download PDF
ads:
AnaCristinaCaminhaVianaLopes
CALABAR,OELOGIODATRAIÇÃO:
UMNOVODRAMAHISTÓRICO
_____________________________________________
Dissertação apresentada ao Programa de Pós
Grad uação em Letras do Centro de
Humanidades da Universidade Federal do
Ceará,comopartedosrequisitosparaobtenção
dograudemestreemLetras,soborientaçãoda
ProfessoraDoutoraAngelaMariaRossasMota
deGutiérrez.
Fortaleza
2006
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
2
DissertaçãoapresentadaaoProgramadePósGraduaçãoemLetras–Mestradoem
LiteraturaBrasileiradaUniversidadeFederaldoCearáeaprovadapelaBanca
Examinadoraconstituídapelosseguintespr ofessores :
1º.Examinador(PresidentedaBanca):
Profa.Dra.AngelaMariaRossasMotadeGutiérrez
2º.Examinador:Prof.Dr.FranciscoRégisLopes Ramos
3º.Examinador:Profa.Dra.VeraLúciaAlbuquerquedeMoraes
Profa.Dra.Odalicede CastroSilva
CoordenadoradoP rogramadePósGraduaçãoemLetras
Mestradoem LiteraturaBrasileiraUFC
Fortaleza,10defevereirode2006.
ads:
3
Paraminhafamília
4
AGRADECIMENTOS
ADeus,pela oportunidadedecrescimento.
Aosmeuspais,emespecialàminhamãe,Sandra,
quemprimeirore velou meaobradeChicoBuarque.
Aomeuesposo,Max,peloapoioepeloauxílio.
Aminhaorientadora,Profa.Dra.AngelaGutiérrez,
peloprivilégiodesua competenteorientação
epeloincentivode “madri nha”.
AosprofessoresdaBancaExa minadoraProfa.Dra.Vera
LúciaAlbuquerquedeMoraes e
Prof.Dr.FranciscoRégisLopesRamos.
AosprofessoresdoMestradoemLetrasdaUFC.
ÀFUNCAP.
5
RESUMO
Apeçateatral
Calabar,OElogiodaTraição,
deChicoBuarqueeRuyGuerra,tempor
assunto o episódio histórico da Invasão Holandesa no Bras ilColônia do século XVII. A peça
focalizaocontroversopersonagemhistóricoCalabar,intrépidoguerreiroaliadodosportugueses,
que,em1632,pas saaapoiarosholandeses.Instigandooleitor/espectadorareverahistó riacom
outros olhos
, os autor es de
Calabar,
por meio de ir onia mordaz, desmistificam o conceito de
traição.Embor apertençaaogênerodramático,
Calabar,oelogiodatraição
identificasecomas
principais características do subgênero literário d e origem latinoamericana:o Novo Romance
Hisrico(NRH).
Estetrabalhovisarealizarumexercíciocomparativoeprospect ivo:a“transposição”do
modelo do NRH à obra
Calabar
, como possibilidade de inclusão desta peça em um modelo
possível de Novo Drama Histórico. Para tanto, foi dividido em três capítulo s.  No primeiro,
abo rda mos alguns aspectos teóricos e o percurso do subgênero literário “ficção histórica”
(incluindo romanceedrama)noRomantismo.Tecemos,ainda, consideraçõesrelativasaoNovo
RomanceHistóricoeàdr amaturgiabrasileiradoséculoXX.Porfim,e xpomos nossapropostade
adaptaçãodascaracterísticasdo NRHàpeça
Calabar
.Nosegundocapítulo,revisamosoepisódio
hisrico dasGuerrasHolandesasetratamosdaapropriaçãotemáticada InvasãoHolandesana
LiteraturaBrasileira.Noterceiro capítulo,realizamosoprocessode“transposição”,identificando
ascaracterísticasdoNRHem
Calabar,oelogiodatraição
.Entreelas:r eleit uracrítica,caráter
clicoeimprevisíveldahistória,ricaintertextualidade,paródia,ironiaemetaficção.
6
ABSTRACT
Theteatralplay
Calabar,oElogiodaTraição
,byChicoBuarqueandRuyGuerra,has
forsubjectthehistoricalepisodeoftheDutch InvasionintheBrazilColonyofcenturyXVII.The
play focus  the controversial historical character Calabar, intrepid warrior  allied to portuguese,
that, in1632, desert forthedutchside.Instigatingthereader/spectadorto review historywith
othereyes,theauthorsof
Calabar
,usinga mordacious irony,demystifythebetrayalconcept.
Althoughbelongstothedramaticalsor t,
Calabar,oElogioda Traição
isidentifiedwiththemain
characteristicsoft he literarysubgenusofLatin Americano rigin:theNewHistoricalRomance
(NHR).
Thisworkobjectivetorealizeacomparativeandprospectusexercise:totransposethe
model of the NHR to the
Calabar
work, as possibility of inclusion of this play in a possible
modeloftheNewHistoricalDrama.Forinsuchaway,theworkwasdividedinthreechapters.
Inthefirstone,weapproachsomet heoreticalaspectsandthepassageoftheliterarysubgenus
“histor icalfictio n”(includingromanceanddrama)intheRomantism.Weweavesomecomments
abo ut the NHR and the Brazilian drama of century XX. Finally, we display, our proposal of
adaptationoftheNHR’scharacteristicstothe
Calabar
play.Inthesecondchapter,werevisethe
historical episode of the Dutch Wars and deal wit h the thematic appropriation of the Dutch
Invasion in Brazilian Literature. In the thir d chapter, we realize the transposition process
identifyingtheNHR’scharacteristicsin
Calabar,OElogiodaTraição
.Betweenthem:critical
revision, cyclical and unexpected character of history, rich intertextuality, parody, irony and
metafiction.
7
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO. .................................................................................................. 9
I DOISGÊNEROS,DOISMOMENTOS:
OSCAMINHOSDAFICÇÃOHISTÓRICA ...............................................................14
1.FicçãoHistórica.....................................................................................14
1.1FicçãoHistóricanoRomantismo.........................................................17
1.2FicçãoHistóricanoRomantismoBrasileiro........................................24
1.3HibernaçãodaFicçãoHistórica.............. .............................................37
2.NovaFicçãoHis tórica................ ........................................................... 41
2.1NovoRomanceHistórico........................ .............................................42
2.2RetornoaoDramaHistórico........................ ......................................... 49
2.3EntrelacedosGêneros.................................. ........................................52
II LEGADODECALABAR:
OSCAMINHOSDAHISTÓRIAÀFICÇÃO..............................................................57
1.EraumavezumBrasilholandês............... .............................................57
1.1DeserçãodeCalabar.............................................................................62
1.2Gover nodeNassau ...............................................................................65
2.InvadindoaInvasão:avezdaFicção.. ................................................... 73
2.1A InvasãoHolandesanaLiteraturaBrasileira ......................................73
2.2NassaueCalabar...................................................................................75
8
III CALABARN ANOVAFICÇÃOHISTÓRICA ....................................................... 95
1.Dessacralizaçãodeversõeshistóricas:re contandoC alabar... ...................97
2.InvasãoouDitadura:aRodavivada Traição..........................................107
3.Matizesdeumaidentidadenacional ........................................................116
4.“Peças ”dapeça:ojogointerte xtualde
Calabar
.....................................121
5.Mathias,Nassau,Calabar...aficcionalizaçãodepersonagens
históricos ......................................................................................................136
6.
Conversasparalelas
:ametaficçãonotextode
Calabar
........................150
7.AironiadesmistificadoradeChicoBuarqueeRuyGuerra........... ..........157
UMNOVO DRAMAHISTÓRICO.....................................................................173
BIBLIOGRAFIA ..................................................................................................176
ANEXO S ..............................................................................................................183
9
INTRODUÇÃO
Comohomemdeteatro,poucosforamcapazes,como
ele,defundirharmoniosamentea maestriaartísticaea
consciênciasocial,completandoumperfildecidao
serenamentedestemidoeparticipante,semprenalinha
damelhororientaçãopolítica.
AntonioCandido
1
Muitos estudiosos já se debruçaram sobre a obra do compositor,
dramaturgo e escritor, Francisco Buarque de Hollanda, em suas diferentes
modalidades. Inúmeros  ensaios, artigos, dissertações de mestrado e teses de
doutoradoforamescritoscontemplandodesdeounivers odesuascançõespoemasà
ficçãomaisrecente.Munidodeumpropósitobemes pecífico,nossoestudotempor
objeto uma única obra de Chico Buarque: a peça teatral
Calabar, o elogio da
traição
,
2
de1973,escritaemparceriacomodiretordecinema,RuyGuerra,ainda
nãoestudadasoboânguloemqueaanalisamos.
Otextodramá ticode
Calabar
aborda, de maneira irreverente,o episódio
histórico da Invasão Holandesa no BrasilColônia do século XVII. Um dos
principais enfoques da peça diz respeito à polêmica figura de Calabar, guerreiro
1
CANDIDO.“Louvação”.In:FERNANDES.
ChicoBuarquedoBrasil
.RJ:Garamond:BibliotecaNacional,2004,
p.19.
2
A semelhança do subtítulo da peça com o
Elogio da Loucura
de Erasmo de Rotterdam não é simples
“coincidência”.Estareferênciaintertextualserámaiscomentadanocapítulotrêsdopresentetrabalho.
10
destemidoquedefendiaosportugueseseque,em1632,resolvemudardelado(por
razõesatéhojeincertas), passandoaapoiarosholandeses.
A peça visa questionar o conceito impreciso e vacilante da traição. De
formairônica,osautoresdesmistificamahistória oficial,expõemq uãonuepode
se afigurar, na realidade, a linha divisória entre o ser herói e o s er traidor.
Associado a essa abordagem crítica, es o uso, astuto e nada econômico, da
intertextualidadeedaparódia.
Sobreessedramahistóric o,escritonosanos maisrepressivosdaditadura
militar, levantamos algumas questões e reflexões re ferentes à relação sobremodo
antiga, entre literatura e hist ória, quando ambas, história e literatura, procurando
apreenderopassado,entrecruzam,inúmera svezes,oscaminhostrilhadosporca da
uma. Este entrecruzar de caminhos revelase, por vezes, consideravelmente
harmonioso, por outras, e xtremamente  conflituoso. Não obs tante os percalços,  o
diálogo entre as duas áreas do conhecimento humanista tende a ser, em geral,
produtivo.
Exemplo deste proveitoso diálogo, na literatura, é o subgênero literário
conhecido como romance histórico.  Criação ficcional amalgamada a fatos e
personagenshistór icos,oromancehistórico,influenciadopelastransformaçõesque
atingiramta ntooroma ncecomoahistória,adquire,porvoltadadécadade50do
11
séculoXX,umafeiçãomarcantementeinovadora.Tratasedaeclosão,naAmérica
Latina,doNovoRomanceHistórico.
Nãoobstantepertenceraogênerodramático,
Calabar,oelogiodatraição
vai ao encontro das características dessa nova modalidade da fião histórica.
Destarte,oobjetivodonossotrabalhoérealizarumatransposição”,ide ntificando
notextodeChicoB uarqueeRuyGuerraváriascaracterísticasdoNovoRomance
HistóricoeintentandochegaraumpossívelmodelodoNovoDramaHistórico”.
Paraarealização de nossa empresa, utilizamos, como referencialteórico,
textosdosseguintesestudiosos:AntônioRobertoEsteves,HeloísaCostaMiltone,
emes pecial,FernandoAinsaeSeymourMenton,emcujostrabalhosapresentam
se, de forma sistematizada, as diferentes características do Novo Roma nce
Histórico.
Oprimeirocapítulodo nosso trabalhoconsidera algunsaspectosteóricos
acerca do subgênero literário ficção histórica”, no qual incluímos o romance
histórico e o drama histórico. Em um primeiro momento, apresentamos origens,
finalidades, característicasepercursodessesubgênero naépoca do aparecimento
doromancee dodramahistóriconoRomantismo.Privilegiamos,natrajetóriado
romance histórico, o nasc imento do Novo Romance Histórico, detendonos,
principalmente,emcomoe quandosurgiueoque,essencialmente,caracterizao.
Em seguida, versamos também, ainda que brevemente, sobre a dramaturgia
12
brasileiradoséculoXX,atéoperíodoemquesurge
Calabar,oelogiodatraição
.
Por fim, em uma espécie de entrelace dos gêneros literários, expomos nossa
proposta de adaptação das características do Novo Romance Históricoà peça de
ChicoBuarqueeRuyGuerra.
Nos egundocapítulo,adentramosumpoucoouniversotemáticodaInvasão
HolandesaedafiguraenigmáticadeCalabar,com duploobjetivo:contextualização
histórica e observação de como a literatura tomou posse do assunto. Voltando,
portanto, ao tempo dos flamengos, revisamos, de forma concisa, esse episódio
histórico, destacando a deserção de C alabareogovernodeMauríciode Nassau.
Logo em seguida, tratamos da questão concernente à apropriação do tema da
Invasão Holandesa na Literatura Brasileira. Apesar de se revelar tão passível ao
aproveitamento ficcional, o tema não rendeu da forma que se poder ia esperar,
mostrandose,naverdade,curiosamenteescassonacriaçãoliterária.Encerramoso
capítulo comentando sucintamente algumas  obras de literatura que abordam a
temáticaempauta,emespecial,os romanceshistóricos:
OPríncipedeNassau
de
Paulo Setúbal e
Major Calabar
de João Felício dos  Santos, ambosconsiderados
comoromanceshistóricostradicionais.
Finalmente,noterceirocapítulo,chegamosaonúcleodenossad issertaç ão.
Desenvo lvemosaquio processodetransposição”,identifica ndoascaracterísticas
doNovoRomanceHistóriconotextodramáticodeChicoBuarquee RuyGue rra.A
13
cada instante, deparamonos, nesta peça, com alguma marca da nova ficção
histórica: releitura crítica,  caráter cíclico e i mprevisível da história, r ica
intertextualidadere unindotantotextoshistóricoscomoliterários ,paródia,sátira,
metaficção,entreoutros.Atravésdeumalinguagemrecheada deironiaehumor,os
autores atingem o difícil equilíbr io na criação de um texto crítico, reflexivo e,
simultaneamente,divertidoeprazeroso.
14
IDOISGÊNEROS,DOIS MOMENTOS:OSCAMINHOS
DAFICÇÃOHISTÓRICA
1. Ficção Histórica
3
Forasteiro. É essa a arguta imagem que Heloísa Costa Milton atribui ao
chamado roma nce histórico. De fato, que imagem melhor representa ria o papel
deste subgênero literárioqueinvade terrenos alheios,ainda que leveconsigo um
delicioso tempero?
EmseutextoOromancehistóricoeainvençãodossignosdahistória”,a
estudiosa Heloísa Milton formula imagens sobremodo perspicazes ao tratar das
intricadas relaçõesentre literatura e história. Aodesignaro romance históricode
forasteiro,aautoraexplicaquedotadodasprerrogativasquelheconfereaesfera
dainvençã oartísticaparaosatosdeapreensãoerecriaçãodossignos dahistória,
esse romance assume, de certo modo, algumas das tarefas reservadas à
historiografia, mas com tensões, intenções e resultados diferenciados.” (Milton,
1996,p.67). Assimtrabalhando,a ficção históricaterminaporcriaruma outra
3
Emnossaabordagemdotextohistóricoliterário,optamosporutilizaradenominação“ficçãohistórica”,umavez
quealgumasdasconsideraçõesaquitecidasreferemsetantoaogênerodramático(dramahistórico)quantoaogênero
narrativo(romancehistórico).Aocomentarpontosespecíficosdecadagênero,fazemosadevidadifer enciação.
15
morada”paraosfatoshistóricos,umamoradaúnicaondesealternamas
verdades
factualeficcional.
Não obstante essa singular capacidade de recriação dos “s ignos da
história”,aficçãohistóricapode apresentar,pelofatomesmo delidarcomverdades 
históricas,umaaparentelimitaçãonotocanteaoseucampodemanobra”,ouseja, 
aocaráterliteráriodaobra.Sobreesta possívelrestrição,He loísaMiltonesclarece:
A questãodizr espeitoàspossíveislimitaç õesadvindasdeumconteúdodadoa
priori, (...) e levado a cabo por protagonistas que se distinguem por uma
existência real num tempo passado. (...) Aparentemente esse conteúdo imporia
restriçõesàficção.(...)No entanto, emborabusquea suasubstânciapoéticana
história,ésempre novoeoriginalodestinoqueessaforma deromancedáaos
dadoscontidosnamemória.Suamissãoéreinventarossignosedizercomeles
outras coisas; é deflagrar toda uma zona menos transparente mas efetivamente
instaladanosentreditosdahistória. (MILTON,1996,p.69)
Na mesma linha, a investigadora portuguesa Ana Isabel Vasconcelos,
fundame ntandosenasidé ias does panholKurtSpang,elucida:
A utilização de determinado facto histórico na criação dramática leva a que se
queiraparticularizarerestringiroconteúdodeumaforma deproduçãoqueé,nasua
ess ência,tendencialmenteuniversal.Criaseassimumconflitoqu ea dvémdofacto
desepretender encaixara  particularidadedeumdeterminado momento oufigura
históricosnauniver salidadeinerenteaosassuntosficcionais.Istonãosignificaque
odramatenhaqueperderpotencialidadesestéticaspelofactodeut ilizarmateriais
históricos.Cabeaocriadordramáticosabertrabalharoselementosquelhechegam
dopassadonasuaexemplaridade,tornandoosuniversalmenteaplicáveis,logomais
condizentes coma sua utilização numa estrutura ficcional. Atarefado autor não
16
consiste,deformaalguma, emadulterar osdadosquea Históriaapurou,mas em
traba lhar esses acontecimentos por forma a destacar a ‘supraindividualidade’ do
factosingular. (VASCONCELOS,2001,p.4e5)
Com efeito, como podemos notar, a fião histórica não é, de maneira
alguma, um gê nero menor”. O fato de trabalhar com dados reais previamente
conhecidos nãodesva lorizaotrabalholiterário,que,aliás,nestesubgêneroliterário
apresentades afiosuplementaraoautor:co moconquistaroleitornaabor dagemde
umassuntosupostamentejáconhecido?
Bem, o fato é q ue a ficção histórica não apenas sobrevive até os nossos
dias,como,naverdade,floresceconsideravelmenteemespecialnaAméricaLatina.
Em
Calabar
,adentra mosouniversodeumaobradramáticaduplamenteassociada
à histór ia, pois se o enredo da peç a está relacionado ao momento histórico da
InvasãoHolandesa,suaescritaequaserepresentaçãoencontramseligadasaoutro
momento da nossa história,
aquele
do “amor reprimido”, do “grito contido”, do
sambanoescuro”.
4
Contudo,aindanãoéahoradeabordarmos
Calabar,oelogiodatraição
.
Emnossoturismotemporal”,expressãod e Pessotti (
Apud
Esteves, 1998,p.138),
ocuparnosemos, primeiramente,comosprimórdiosdaficçãohistóricanoBrasil
doRoma ntis mo.
4
HOLANDA.
Apesardevocê
.In:WERNECK.
ChicoBuarque– letraemúsica
.SP:CompanhiadasLetras,1989,p
92.
17
1.1FicçãoHistórica no Romantismo
Conforme escla rece Roberto Este ves em seu texto O Novo Romance
Histórico Brasileiro”,  os estudos atuais acerca do romance histórico apres entam
umacertaconvergêncianotocanteàsorigensdestesubgênero:estas ,narealidade,
confundemse com as  origens do próprio romance.
5
Assim, foi durante o
Romantismoqueeclodiuoromancehistórico,es pecialmenteapartirdapublicação
da obra
Ivanhoé
, de Walter Scott, em 1819. Numa época em que as nações
almejavam, sobretudo, a chamada identidade nacional, era de se esperar que a
literatura haurisse sua substância em fontes histó ricas. Desse modo, a fião
históricaemergeenvoltaem sentimentonacionalista.
Vejamos, a seguir, o que nos dizem alguns estudiosos acerca das
finalidades da ficção histórica.Se gundo RobertoEsteves, oprinc ipalobjetivodo
romancehistóricoeracriar,atravésdasínteseentreafantasiaearealidade”,uma
ilusão de realismo” e uma oportunidade de escapar de uma realidade que não
satisfaz ia.”(Esteves, 1998, p. 129). Heloísa Milton, por sua vez, assevera que o
romancehistóricoatuacomoveículoliterárioaserviçodaformaçãodasnaçõese
dosmovimentosdebuscadaidentidadeamericana, questõesquedizemrespeitoao
5
O romance, principalmente o romance histórico surgido no Roman tismo, corresponde, no modo narrativo, à
epopéiaclássicateorizadaporAristótelesapartirda
Ilíada
eda
Odisséia
deHomeroeretomadanoClassicismoeno
Arcadismo.
18
temadaorigemhistóricadocontinente.” (Milton,1996,p.71).JáSeymourMenton
afirma que la finalidad de la mayoría de estos novelistas fue contribuir a la
creación de una conciencia nacional familiarizando a sus lectores com los
personajesy lossucesos del pasado.” (Menton,1993,  p.36).Por seuturno, Ana
IsabelVasconcelosconsidera,emseutextosobreodramahistórico,queoobjetivo
deste subgêneroépor meio de referência a momentos anteriores e decisivos da
História nacional, ou mesmo da História de outros países, fazer compreender o
presente,àluzdessepassadomaisdistante.”(Vasconcelos,2001).
Fugadarealidade,buscadasor igens,da identidadenacional,compreensão
do presente à luz do passado, criação de uma consciênc ia nacional, todos esses
objetivos identificamse, como sabemos, com as bandeiras defendidas por esta
correnterevolucionáriadoséc uloXIX,oRomantismo,naqual“averdadeirapoesia
está na ha rmonia dos contrários”,comodizoescritor, românticopor excelência,
VictorHugo.
6
Na tentativa de caracterizarmos um pouco, e de forma relativa, a ficção
históricaromântica, servirnosemosaqui de algumas elucidações já feitasacerca
doassunto. Primeiramente,  no âmbito do romance, obser vemoso que nosdizem
algunsestudiosos. DeacordocomasconsideraçõestecidasporRobertoEsteves, o
6
HUGO.“PrefáciodeCromwell”.SP:Perspectiva,1988,p.42.
19
romance históricoteveseus parâmetros fixados peloescritor inglêsWalterScott.
Nolivro
LanuevanovelahistóricadelaAméricaLatina,
SeymourMentonressalta
que,alémdainfluênciadeScott,oro mancehistórico(maisespecificamenteo da
AméricaLatina)tambémtevecomoinspiraçãoascrônicascoloniaiseoteatrodo
SéculodeOuro(Menton,1993, p.35).Vejamosaseguir osdoisprincípiosbásicos
doromancehistórico,segundoScott:
1Aaçãodoromanceocorrenumpassadoanterioraopresentedoescritor,tendo
como pano de fundo u m ambiente histórico rigorosamente reconstruído, onde
figurashistóricasreaisajudamafixara época,agindoconformeamentalidadede
seutempo.(...)
2Sobreessepanodefundohistóricosituaseatramafictícia,compersonagens
efatoscriadospeloautor. Taisfatosepersonagens nã o existiramnarealidade,
maspoderiamterexistido,jáquesuacriaçãodeveobedeceràmaisestritaregra
deverossimilhança. (ESTEVES,1998,p.129).
Essaquestãodaaçãodoromanceocorrernumpassadoa nterioraopresente
doescritorconstitui,paramuitosest udiosos,umacaracter íst icaimprescindíveldo
romancehistórico,emborasempreexistamasexceções.Sobrees se ponto,Seymour
Menton colige,emseu livro citado, algumasdefiniçõesdosubgênero literário
em questão. Dentre essas definições, destacamos duas que nos parecem mais
consistentes.U madeautoriadopróprioautor:novelacuyaacciónseubicatota lo
por lo me nos predominanteme nte en el pasado, es decir, un pasado no
experimentadodirectamenteporelautor.”;outra,deAndersonImbert:Llamamos
20
‘novelashistóricas’alasquecuentanunaacciónocurridaenunépocaanteriorala
delnovelis ta”(Menton,1993,p.32e33).
Conformeo mode loscottianoanteriormenteexposto,oromancehist órico
compõese de dois planos: no primeiro, está a trama fictícia. Nesse plano,
geral mente,verificaseumepisódioamorosoqueconstitui,muitasvezes,onúcleo
do romance. E, no segundo plano, des envolvese a parte histórica. Segundo
Esteves,énessaparteque“devemestaroselementosprincipaisqueconfigurama
atmosferamoraldorelato.”.(Esteves,1998,p.129).
Sabemos que uma das principais conquistas do Romantismo foi o
desprendimentodospreceitosinflexíveisdaliteraturaclássica,entreesses,aregra
daunidadedetom.FixadaporHo rácio,aunidadedetompreconizava aseparação
rígida dos gêneros literários: cada tema com seus versos. Com o advento da
corrente romântica, a hibridização dos gêneros não apenas foi aceita como se
tornoumetaaser alcançadajáque,comoafirmaVictorHugo,tudonacriaçãonão
éhumanamentebelo,ofeioexisteaoladodobelo,odisformepertodogracioso,o
grotesco noreversodosublime,o malcomobem,asombracoma luz.”( Hugo,
1988,p.25). 
Deste modo,enquantonatradiçãoclássica primavasepeladivisão nítida
dos gêneros (epopéia, tragédia, comédia), no Romantismo sucedeu a imbricação
dosmesmos.Reunindoelementosdatragédiaedacomédia,consoanteelucidaV.
21
Hugo, emerge o gênero híbrido do drama.
7
O drama histórico” confund iase, a
princípio, comodramaromântico
8
, sendomuitasvezestomadoscomosinônimos
posto que muitas obras  do Romantismo trabalhavam temas históricos. Todavia,
logoosub gênerodramahistórico”consolidousecomoumacategoriaespecífica.
Acercadodramahistó rico,apresentemosalguns pontosassinaladospelaprofessora
AnaIsabelVasconcelosemseu texto“Odramahist órico:exigênciasoitocentistase
polêmicasatuais”.
Baseandose nas pesquisas do espanhol Kurt Spang, autor de
El Drama
Histórico
9
,
a autora expõe algumas questões referentes à estrutura do drama
histórico.Sobrearecriaçãodramáticadedadoshistóricos,elucidaaestudiosa:
Partindo de determinada situação histórica que se pretende drama tizar, o autor
faznos saltar para um ‘palco’ onde nos é pr oposta determinada ilusão da
realidade. As pessoas, indivíduos que foram reais, passam a um plano de
personagensconstruídas etudo seconsubstancia em situações dramáticas,mais
ou menos próximas dos aconteciment os tidos por históricos, mas sobretudo
significativasnoquadrodereferênciascriado.
(VASCONCELOS,2001,p.5e6)
7
Comoabalodafronteirasliterária s,osgên erostambémpassaramaseinfluenciarmutuament e.Odramaa cimade
quenosfala V.Hugo,emborasejamaisrelacionadoaomododramático,tambémseaplicaaomodonarrativono
sentidodet entarunirosdiversosaspectosdarealidade.Assimtambém,autilizaçãodamatériahistóricatornouse
umpontocom umaambososmodosliterários.
8
Tambémconhecidocomo“drama burguês” poissubstituía“personagensdahistóriagrecoromana por cidadãos
burgueses dotempo,divisadosnoseu
habit at
próprioenascondiçõespeculiaresàsuaclassesocial.” (MOISÉS,
1995,p.162)
9
SPANG.Kurt.
ElDramaHistórico TeoríayComentários
.Pamplona:EdicionesUniversidadedeNavarra,1998.
22
Noquedizrespeitoaotempoeaoespaç o,aestudiosafaladanecessidade
daabreviaçãodeambos,oque implica,inevitavelmente,emseleçãoeredução”
dosacontecimentos.Afirmaaautora:
Sem dúvida que as limitações dramáticas de tempo e espaço levam a que se
escolham determinadosepisódiosemdetr imentodeoutr os,oquepodetambém
revelar posicionamentos ideológicos, se tivermos em mente que uma seleção
nunca terá por base critérios aleatórios. Desta forma, o dramaturgo histórico
podeconcentrarsemaisnumouempoucosaspectosprincipaisrepresentativos,
criandoumaespéciedetotalidadeintensiva,enãoextensiva,tendosobretudoem
contaaeficáciadramática.
(VASCONCELOS,2001,p.6)
Lembremos ainda que, no Ro mantismo, os elementos tempo e espaço já
nãomaisobedecemàestruturaclássicadaregradastrêsunidades.
10
Comexceção
daunidadedeação,dece rtomodoatéhojepreservadanaliteraturadramática,
11
as
unidadesdetempoedeespaçodeixa ramdeexistir.Semdúvida,arupturacomo
modelo clássico, envolvendo elementos tão imbricados com a matéria histórica
como tempo e espaço, foi ess encial para o florescimento do drama histórico
romântico.
10
Em seu célebre “Prefácio” a
Cromwell,
Victor Hugo fala em apenas duas un idades: “Não se poder ia menos
facilmentearruinarapr etensaregradasduasunidades.Dizemosduasenãotrêsunidades,vistoqueaunidadede
açãooudeconjunto,aúnicaverdadeiraefundada,estáhámuitotempoforadecausa.”(HUGO,1988,p.46).
11
Informa ainda Massaud Moisés: “... a unidade de ação vem resistindo à total extinção, em virtude das
característicasintrínsecasdaartecênica.”(MOISÉS,1974,p.506).
23
Quanto aos personagens, a es tudiosa explica que existem três tipos: as
figuras históricas, as  personagens fictícias e as personagens funcionais (estas
desempenhandoapenaspapel marginal).Atítulodecotejamento,lembramos que
no ro mance histórico scott iano, gera lmente, o “papel de protagonista” era
preenchidoporpersonagensfictícios,enquantoqueasfigurashistóricasajudavam
a fixar a época”. Em seu texto,  Ana Vasconcelos não esclarece exatamenteessa
questãoquantoaodramahistórico,considera,porém,queaproporçãoentreestes
diferentes conjuntos de personagens varia consoante os autores e as épocas e
poderá refletir, em parte, a intenção de aproximação e autenticidade, ou, pelo
contrário, de relegar para segundo plano o aspecto histórico do drama.”.
(Vasconcelos,2001,p.6).
Além destes elementos, a autora comenta ainda a questão da ão e do
discurso. Notangenteàação, explica a estudiosaque ão e personagens são
aspectos integrantes de uma estrutura específica, uma forma que prédefine
deter minadoconteúdo,equepodemosdesignarpor‘conteúdodaformadramática’
”(Vasconcelos, 2001, p. 6). Quanto ao discurso, temos dois tipos: o dialógico
(também chamado de
réplicas
) e o não dialógico (que são as
didascálias
ou
indicações cênicas
). Tais observações, porém, não são exclusivas do drama
histórico.
24
1.2FicçãoHistórica no RomantismoBrasileiro
No Brasil, o Romantismo tornouse a expressão mesma do que
historicamenteaconteciano país,noséculoXIX:tra nsferênciadacorteportuguesa
paraoRiodeJaneiro,aberturadosportos,supressãodotráficonegreiro,criaçãoda
Imprensa Nacional, da Biblioteca Real, do Teatro gio de São João e das
instit uiçõesdeensinosuperior,surgimentoda vida urbanaedenovasprofissões,
ascensão de uma peque na burguesia, formação do público leitor (const ituído,
especialmente por mulheres e estudantes) e, princ ipalmente, procla mação da
Independênciapolíticaem1822.
Ainda que se tratasse de uma independência relativa,
12
o Brasil atingia, 
finalmente,suaautonomiapolítica.Essamesmaauto nomiapassouaseralmejada
na literatura. Assim, embora ainda com forte influência estrangeira, nascia, no
séculoXIX, anossaLiteraturaNacional.
Entreascaracteríst icasdoRomantismo,estavamoretornoaopassadoea
valorização das  raízes históricas. Deste modo, o romance histórico coadunavase
perfeitamenteaosanseiospatrióticose nacionalistasdonovopaís.NaEuropa,os
autoresromânticosbuscavam osmitosfundacionaiserespectivos heróisnoperíodo
daIdadeMédia;porsuavez,osautoresbrasileirosdirecionava mseparaoBrasil
Colonial, des tacando personagens da sociedade fidalga da época colonial,
12
AestruturasocialdoBrasilpermaneciabasicamenteamesma,apoiadanolatifúndioenotrabalhoescravo.
25
bandeirantes e aventureiros e, idealizando, especialmente, a figura do índio no
estilodo“bomselvagem”deRousseau.Tecendoesclarecimentos sobreoromance
românticobrasileiro,oprofessorSergiusGonzagadistingueoroma ncehistóricoda
seguinteforma:
Aexemplodosr omancesindianistas,dosquaisomuitopróximos,osromances
históricosapresentamcomocara cterísticas:aaçãolocalizadanopassadocolonial
e u ma intenção simbólica, pois devem, no pla no literio, representar
poet icamente(istoé, miticamente),asnossasorigensea  nossa formaçãocomo
povo. Porém, em geral, o relato histórico romântico (Walter Scott,  Alexandre
Dumas) tende a sublinhar apenas um conjunto de peripécias escassamente
verossímeis,deixa ndoosfatossociaiseconcretosdopassadoemsegu ndoplano.
(GONZAGA,2005,p.7)
13
Consideradoofundadordoromancenacional,JosédeAlencarétambémo
representantemáximodoromancehistóricotradicionalnoBrasil.Emseuprojeto
deumaliteraturanacional,nãofaltou afas ecorresponde nteaestesubgênero,como
podemos observar no trecho d o famoso prefácio de
Sonhos d´ Ouro
, Benção
Paterna”:
O segundo período é histórico: representa o consórcio do povo invasor com a
terra americana, que dele recebia a cultura, e lhe retribuía nos eflúvios de sua
naturezavirgemenasreverberaçõesdeumsoloesplêndido.Aoconchegodesta
pujantecriação,atêmp eraseapura,tomaalasafantasia,alinguagemseimpregna
de módulos mais suaves; formamse outros costumes, e uma existência nova,
pautadapordiversoclima, vaisurgindo.Éagestaçãolentadopovoamericano,
13
Textoeletrônico:(http://educaterra.terra.com.br/literatura/temadomes/indice.htm)
26
que devia sair da estirpe lusa, para continuar no novo mundo as gloriosas
tradiçõesdeseuprogenitor. Esseperíodocolonialterminoucomaindependência.
A elepertencem
O Guarani
e
As Minas de Prata
. Há aí muita e boa messea
colher para o nosso romanc e histórico; mas não exótico e raquítico como se
propôs a ensinálo, a nós b eócios, um escritor português.
14
(ALENCAR,
1958,p.697)
Acrescentamos ainda os romances publicados depois de
Sonhos d´Ouro:
Alfarrábios
, de 1873, que reúne
O Garatuja, O Ermio da Glória e Alma de
Lázaro
e
AGuerradosMascates
,tammde1873.Podemoslembrar,outrossim,o
casode
Iracema,
de1865,emboraindianista,essepoemaemprosatambé mpossui
seuargumentohistóricoacercadafundaçãodoCeará.
Nalinhadoromancehistórico,amelhorobradeAlencaré,semdúvida,o
romance
As Minas de Prata
. A publicação desse romance principia em 1862, a
14
É quase certo que Alencar tenhase referido, no caso, ao escritor Mendes Leal Júnior. A título de
curiosidade,vejamosacríticamordazdeAlencar,em seulivro
Comoeporquesouromancista
:“Nabela
introduçãoqueMendesLealescreveuaoseu
Calabar
,seextasiavaanteostesourosdapoes iabrasileira,
que elesupunhacompletamente desconhecidospa ras.
Etudoistooferecidoaoromancista,virgem,
intacto,paraescrever,paraanimar,parareviver
.Queeleodissesse,nãoháestranhar,poisaindahojeos
literatosportuguesesnãoconhecemdanossaliteratura,senãooqueselhesmandadeencomendacomum
ofertóriodemirraeincenso.Domaisnãoseocupam;unspôreconomia,outrospôrdesdém.OBrasilé
ummercadoparaseuslivrosenadamais.Nãosecompreende,porém,queumafolhabrasileira,comoera
o
Correio Mercantil
, anunciando a publicação do
Calabar
, insistisse na idéia de ser essa obra uma
primeiraliçãodoromancenacionaldadaaosescritoresbrasileiros,eoadvertissequedoisanosantes
um compatriota e seu exredator se havia estreado nessa província literia.
muito que o autor
pensavanatentativadecriarnoBrasilparaoBrasilumgênerodeliteraturaparaqueelepareceo
afeito e que lhe podefazer serviços reais’
.Qua ndo Mendes Leal escrevia emLisboa estas palavras, o
27
convite de Quintino Bocaiúva. Contudo, devido a questões circunstanciais como
problemas na impressão,a publicação finalsó ocorreem186566. Ahistória  do
romancepassaseem1609,períododaUniãoIbérica.Sãodessaépoca,ainvestida
dosbandeirantespaulistaseaconseqüenteexte nsãodoterritóriobrasileiro;as sim
como, a ligação feita entre o sul do Brasil e a região do Prata. Nesse período
tammocorre uma muda nça no focoda atividadeeconômica quese deslocada
agric ulturaparaamineração.Iniciaseabusca deriquezasminerais.É,portanto,a
partirdessemomentohistóricoqueAlencar constróioromance
AsMinasdePrata
.
Emseulivro
A perdadasilusões–oromancehistóricodeJosédeAlencar
,
Valeria De Marco realiza minucioso estudo acerca dos romances
O Guarani, As
Minas dePrata
e
AGuerradosMascates
.Sobreosegundo,afirmaaautoraqueas
açõesdo romancedesenrolamseem espaçosmúltiplosediversos: concentra mse
nas cidades de Salvador e do Rio de Jane iro,  dispersandose ainda na faixa
litorâneaentreessasduascidades,comalgumaspassage nstambé mnaEspanha.
Conforme elucida a estudiosa, todo o romance desenvolvese a partir de
trêsitineráriosdecaçaderiquezas”.Paracadaumdostrêstesouros, emergeum
grupo de perso nagens. O livro é repleto de aventuras, surpresas, reveses e um
emaranhado de ações envolvendo diversos  personagens. Segundo Valeria De
romanceamericanojánãoeraumanovidadeparanós;etinhan’
OGuarani
umex emplar,nãoarreadodos
primoresdo
Calabar
,porémincontestavelmentemaisbrasileiro.”(ALENCAR,1958)
28
Marco, o romance apresenta uma escala de valores, tudo nele é hierarquizado.
Nesse processo de hierarquização estão presentes, por um lado,  a famosa luta
arquet ípicaentreobeme o mal(muitocomumaosromances de Ale ncar)e, por
outro,o conhecimento,ainteligênciaeaperspicáciadospersonagens.EsclareceDe
Marco:
O romance caminha impulsionado por dois vetores de força de natureza
diferentes.Umdelesvainadireçãodoestabelecimentodajustiça,dorespeitoaos
compromissos e à palavra empenhada, aglutinando os virtuosos como Vaz
Caminha, Estácio e Dulce. (... ) O outro vetor é composto pela ambição epela
práticadafraude,doismóveisromanescospoderososquedesestabilizamaordem
eturvam atransparênciadas coisas. (...)O emaranhado narrativo nãosepresta
apenasaremeteraummomentoconflitivo,confusoeinstáveldaHistóriadopaís.
Põemsetambémemrelevoaquelesquepodemcompreendêlo.Provavelmente, a
istoseprestaofato de oromanceestruturarse explorando umafértil matriz:a
decifração.Elaétemaexplícitoeprocedimentodecomposição.(...)Tomandoas
lendas das riquezas americanas, Alencar esbanja imaginação par a multiplicar
jogos de decifração. (...) Por seu papel estruturador, tal procedimento projeta
marcasnodesenvolvimentodoenredoenaatuaçãodaspersonagens.E ntreestas,
há aquelas que podem e as que não podem cifrar e decifrar informações,
constituindo novo critério para outra escala de valores a ser consolidada pela
obra.Nestaescala,opatamaraserocupadoporcadapersonagemdefinese em
funçãodashabilidadesdemonstradasemsuaatividadecognitiva.
15
Valeria De Marco discorre ainda sobre a existência de três d iferentes
conflitosnotextodeAlencar.Oprimeiroseriaoconflitocultural”entrenativose
colonizadores. Sendooconflitodemaiorcomplexidade,sópodesercompreendido
15
MARCO.
Aperdadasilusões
.Campinas:UNICAMP,1993,p.107108.
29
econtadopelomaissábioeoniscientedanarrativa:onarrador.Ems egundolugar,
estaria o conflito de configuração política” de menor estatura”. Neste, os
acontecimentosquepoderiamsairdaHistória,são,naverdade,criadoserefletem
sempre a luta do bem e do mal. Sobre este conflito, assevera a estudiosa: O
romance não lhe enraizamento hist órico, na medida em q ue delega a
personagensconstruídascomoagentesdomalaemergênciadelutaspolíticase,em
necessária contrapartida, dá aos emissários do bem a tarefa de enfrentar os
malfe itores.”(Marco, 1993, p. 145).  Apenas dois personagens possuem o
conhecimento necessário para decifrar este conflito: Vaz Caminha (representante
dobem)eMo lina(representantedomal).Finalmente,oúltimoconflit oresideno
mundo amoroso, consoa nte afirma De Marco, no degrau inferior da esca la do
entendimento”.Jánestecaso,osúnicospersonagensquenãoconseguemdecifrá
lo, pelo menosaprinc ípio,sãoosenvolvidos:InêseEstácio.Noentanto,coma
ajudadeoutrospersonagens,oca salte ms eufinalfeliz.
SeguindoomodelodoromancehistóricoelaboradoporScott,aaçãod’
As
Minas dePrata,
comovimos,dáseemumpassadobemanterioraotempodeJosé
de Alencar. Observamos também dois p lanos distintos na obra. A trama é toda
fictícia.Aindaquepartindodeummomentohistórico,osfatos epersonagenssão
frutos da criatividade de Alenca r. Além disso, como foi visto acima, ainda
encontramosnoromanceumtípicocasodeamor.Esseéoplanoficcional.
30
O plano histórico do romance, por seu turno, funciona mais como um
cenárioondesedesenro lamasd iversasaventurasficcionais.Vejamos,aindauma
vez,oquenosdizValeriaDeM arco:
Podes efacilmenteperceberqueoromancedeixaemsegundoplanoalgunsdos
pilares de sustentação da capital do Brasil naqueles tempos: os engenhos de
açúcar, movidos pelo trabalho escravo dos negros africanos, e o grande
cont ingente de degredados que, durante o século XVI, eram trazidos por naus
portuguesas.Outrascondições daépocaencontramsedeformaesbatida,nãose
mostram como vetoresdoenredo nemtampoucocomoforçasdeterminantes da
História.ÉocasodeSamueleMolina.(.. .)Comcertoesforço,naconspiraçãodo
judeu, podese vis lumbra r a disputa entre os países europeus pelas terras de
aquémmar, rotas comer ciais, bem como o terror da perseguição religiosa na
PenínsulaIbérica.JáoPadreMolinasugerea lgunselementossobreanaturezada
aliança entre a Companhia de Jesus e os reis Filipes, ocupantes do trono de
Espanha. Onovo governa dor do Rio ea menção à espera das ordens Filipinas
nemchegamaremeteràorientaçãodapolíticaespanholanosentidodeexpulsar
do território brasileiro europeus  de outras nacionalidades. A escravização dos
indígenasaparecedepassagem;oconflitointensoentrecolonizadorese nativos,a
expulsão ea desagregaçãodas tribos constituem um passado que foi enterrado
comopajé.(Marco,1993,p.148149).
Outros autores do Romantismo brasileiro tamm s e enveredaram pelo
romance histórico sem, contudo, atingir o nível de Jos é de Alencar. Entre eles,
podemoscitar:Teixe irae Sousaque,segundo Alfredo Bosi,escreveuo primeiro
romance romântico bras ileiro,
O Filho do Pescador
(1843)
16
e cujo pioneirismo
talveztenhaatingidotambémoroma ncehistóricocomapublicaçãode
Gonzagaou
16
BOSI,1994,p.101.
31
A Con juração de Tiradentes
em 184851; Joaquim Manuel de Macedo, com
MulheresdeMantilha
,de1871,eBe rnardoGuimarãesquees creve u
Maurícioou
OsPau listasde S.Jod’ElRei
em1877.
Quantoaodra ma históricobrasileiro, voltemo nos, mais uma vez, para a
obrade JosédeAlencarquetambémpalmilhouocampodadramaturgiae escreveu
odramahistórico
OJesuíta
.
A propósito, fazse oportuno considerarmos aqui alguns  pontos
especificamente relacionados ao gênero dra mático no Brasil. De acordo com
Nelson Werneck Sodré, e m sua
História da Literatura Brasileira
, o teatro,
juntamente com o folhetim, desempenhou um papel essencial no advento do
RomantismonoBrasil:
Maispr óximodafreqüênciapopular ,maisacessívelàgeneralidade,opalcoéo
primeiro terreno da luta romântica. O teatro, franqueado a todos, tra nsferia ao
auditórioaparticipação.Eofolhetim,divulgadopelaimprensa,levaria acadaum
asementedotema edaformaromântica,interessandoagentemaisdistante,que
serevestianosdramasenosromances. (SODRÉ,2002,p.230)
Nãoobstantetalrelevância, muitosestudi osos assevera mq ueaprodução
de nossa literatura dramática encontrase muito aquém do nível atingido pelos
outros gêneros literários no país. Existe mes mo uma espécie de sentimento de
inferior idade.Pelomenos,éoquedemonstramasafirmaçõesdevárioscríticosno
decorrerdaHistóriadaLiteraturabrasileira.Citemosaqui,apretextodeilustração,
32
duasconsideraçõescolhidasporDéciodeAlmeidaPradoemseutexto
Evoluçãoda
LiteraturaDramática
:
Machado de Assis: “Se o teatro, como tablado, degenerou entre nós, o teatro
comoliteraturaéumafantasiadoespírito.oseargumentecommeiadúziade
tentativas, que constituemapenas uma exceção; o poeta dramático não é a inda
aquiumsacerdote,masumcrentedomomentoquetirousimplesmenteochapéu
aopassarpelaportadotemplo.Orouefoicaminho.”NoModernismo,Antônio
de Alcântara Machado: (...) O teatro brasileiro não tem tendências.  Nã o tem
nada.Nemestáprovadoqueexiste.” (PRADO, 1986,p.39)
As críticas dirigidas à dramaturgia nacional nã o abrangeram apenas as
obras e os autores,  até mesmo o público fo i repreendido. Imeras são as
reprovaçõesaomaugostodopúblicoque,comodizMachadodeAssis,àsobras
severas de arte” preferia a cantiga burlesca ou obscena, o cancã, a mágica
aparatosa,tudooquefalaaossentidoseaosinstintosinferiores”(Assis,1997,p.
808).Queo digaoconhecido artigoEm defesa”dodra maturgo,por vocaçãoe
profissão,ArturAzevedo.Ace rtaalturadotexto,Azevedodesabafa:Emresumo:
todas as vezes que tentei fazer teatro sério, em paga só recebicensuras, apodos ,
injust içasetudoissoaseco;aopassoque,enveredandopelabambochata,nãome
faltaramnuncaelogios,festas,aplausoseproventos”(
Apud
Prado, 1986,p.25).
Ouainda,comoafirmouDéciodeAlmeidaPrado:“Apóstrintaanosdedramalhão,
e dez anos de peças de tese, o povo queria descansar, rir, ver mulheres bonitas,
33
ouvircançõesmaliciosaseditospicantes,tudoenvoltonumenredocujaprincipal
exigênciaeranãodartrabalhoaocérebro.”(Prado,1986,p.22).
Oprópriointeresse da críticaemestudaraliteratura dramáticarevela se,
sobremodo, parco. Em um trabalho de resgate dos valores da comédia nacional,
Flávio Aguiar ressalta: Nossa literatura dramática virou uma primapobre dos
estudoscríticos,maltrapilhaechinfrim entreasgalasalheias.”(Aguiar,1984).
Exageros à parte, realmente, em outros gêneros como romance, conto e
poesia, nossa produção literária afigurase superior ao gênero dramático.
Entretanto, afirmações do tipo o teatro brasileiro não existe” são obviamente
equivocadas. Conforme elucida Sábato Magaldi, em
Panorama do teatro
brasileiro
, essa visão pessimista” acerca do teatro brasileiro tem o defeito de
desconhecer a perspectiva histór ica e s obretudo a situação do teatro em todo o
mundo”. Aforaos momentos gloriosos da dramaturgiaempaísescomoPortugal,
França,Inglaterra,Espanhaentreoutros,“adramaturgiasecoloca,geralmente,em
posição inferior à dos outros gê neros literários”. Enfim, afirma Magaldi que o
bomteatroéexceçãoemt odoomundo”.(Magaldi,2001,p.9e10).
Não poderíamos deixar de fazer este parêntese acerca da literatura
dramáticanaciona l,postoencontraremsetaisquestõespresentesempraticamente
todos os textos pesquisados s obre o assunto. Portanto, feitas as considerações
acima,retomemosnossas observaçõessobreJosédeAlencar.
34
Emsuaempresarelativamentecurtacomodramaturgo,Alencarteveseus
altose baixos.Algumasdesuaspeçasobtiverambastante sucessodepúblicocomo
RiodeJaneiro,VersoeReverso,ODemônioFamiliar
e
Mãe
.
17
Outrasnãotivera m
igualsucesso,comoécasode
AsAsasdeumAnjo
e
OCrédito
. Estasdiferentes
recepções das peças de Alencar, segundo os estudos de João Roberto Far ia, são
conseqüência mesmo das qualidades de cada peça. Mas o que nos interessa
destac ar, aqui, é o drama histórico
O Jesuíta
. Diferentemente das  outras peças
malogradasdeAlencar,ofracassodestatevecomocausafatorescirc unstanciase
extrínsecos aodrama,entreoutros:ofatodenão tersidorepresentadanaépocaem
que foi encomendada
18
, a hostilidade dos intelectuais brasileiros ao clero
conservadordevidoàQuestãodosBispos”eojácomentado
gosto
dopúblicoque
tinhapredileçãopelogê neroalegredascompanhiasestrangeiras.
19
Por parte da imprensa da época, Alencar recebeu críticas favoráveis e
desfavoráveis ao seudrama histórico. Os estudiosos atuais, como Flávio Aguiar,
RobertoFariaeciodeAlmeidaP rado,todavia,sãounânimesemconsiderar
O
Jesuíta
umdosmelhores textosdramáticosdeAlencar.Salientamosque,deacordo
17
AlencartambémgranjeouumaboarecepçãodessaspeçastantopeloConservatórioDramático,comopela
imprensa.
18
InformaFlávioAguiarnolivro
AComédiaNacionalnoTeatrodeJosédeAlencar
:“O
Jesuíta
foiescritocom
vistasàscomemoraçõesdaIndependênciade1861,para serrepresentadoporJoãoCaetano.Recusado,naépoca,
ficou14anosnagaveta,até1875,quandoveioàcena.”(AGUIAR,1984,p.171).
19
Emseulivro
JosédeAlencareoteatro,
RobertoFariarealizaumaanáliseminuciosasobreodrama
OJesuíta
,na
qualaborda,entreoutrospontos,asquestõesdoi nsucessodapeça(p.153167).
35
comasobservaçõesdospesquisadoresacimacitados,
OJesuít a
constituiumdrama
histórico romântico por excelência, como diz Décio de Almeida, escrito s ob
medida”. Enquanto os outros textos  dramáticos de Alencar seguem o estilo do
teatro realista(“dramasde casaca”, peças de tes e),
OJesuíta
caminhadeacordo
com os ditamesdoRomantismoaoconjugar,porexemplo,confor meVítor Hugo,o
trágicoaomico(aindaquepreva leçaotr ágico).
Além disso, aproximase do modelo scottiano de romance histórico:
primeiramente,respeitaaq uestãodo distanciamentotemporal.Se gundoesclarece
RobertoFaria,AlencardescartouotemadaIndepe ndênciapoissetratavade um
eventorecente einadequadoàmusaépica’”,direciona ndoseao nossopassado
colonial”. Ainda aqui,comentaoestudios o,queaescolhadoassuntonãofoifácil
para Alencar.Entreos vários episódios históricossuscitados pelo autor, estavao
dasGuerrasHolandesas,masaíhaviaumadúvidadequalseriaoheróiprincipal:o
português Fernandes Vieira o u o nativo Vidal de Negreiros? Ponto de licado.
Naquela época, o escritordeviaenaltecer o paíscom muita cautela, sem feriros
brios portugueses já que a platéia do Teatro São Pedro, e lucida Faria, era
portuguesa em sua maior parte”. Sem encontrar um fato histórico apropriado,
Alencar resolve,então,criar a figurado jesuíta revolucionário Samuel. Assevera
Faria que este personagem e seu plano arrojado de colonização e libertação do
36
paíssãosímbolosdaconstruçãodeumpaísemanc ipado(...)”(Faria,1987,p.160e
161).
Ver ificamostamm,nestedrama,adivisãodeplanos:fictícioehistórico.
OprotagonistaSamuelfoicriaçãodeAlencar,assimcomoospersonagens Estêvão
eConstança. O C ondede Bobadelaé personagemhistóricoe, ao mesmo tempo,
importantenatramajáqueéogovernadoreopaideC onstança.AlémdoConde,
segundo esclarece Flávio Aguiar, são históricos os seguintes personagens : José
Basílio,conhecidocomoBasíliodaGamae,“nomacrocosmodapeça,oMarquês
dePombaleGabrielMalagrida.”(Aguiar,1984,p.179).Alémdomais,comonão
poderiafaltaremumaobraromântica, des enrolasenod ramaumepisódioamoroso
queenvolveEstêvãoeConstança.Enfim,sobreestedrama,eisoquenosdiz,de
formasucintaepersp icaz,DéciodeAlmeidaPrado:
OJesuíta
estápara
Odemôniofamiliar
assimcomo
OGuarani
,ou
Asminasde
prata
,para
Senhora
.Éumbelodramahistórico,arquitetadoerealizadodeacordo
com todas as regras do gênero. Mantém a tensão de princípio a fim, vai de
expectativa em expectativa, de surpresa em surpresa, e entrelaça habilmente,
conformeapraxe,váriosdiferentesinteresses:umenredodeamor;umahistória
de segredosemistérios;umacausanobreepatrtica,aindependênciadoBrasil;
eumaidéiamoral,arelaçãoentreosmeioseosfins. (PRADO, 1986,p.21).
Todasestasobservaçõesqueaquicoligimosac ercad
´OJesuíta
deAlencar
servem para um fim: apresentar, em nosso trabalho, um exemplo de drama
histórico romântico. Como vimos, não há como negar que as características do
37
drama histórico romântico assemelhamse, sobremaneira, às características do
romancehistóricoromântico(outradicional).
20
1.3Hibernação da FicçãoHistórica
IntrinsecamenterelacionadaaosditamesdoRomantismo,aficção histórica
tradiciona lterásuaproduçãoreduzidaapósoaugedoperíodoromântico.Coma
emergência do Realismo, a criação literária toma outros rumos, o que,
inevitavelmente, atinge a fião histórica, tanto no gênero narrativo, quanto no
gênerodramático.
Seymour M enton já salienta a questão da incompatibilidade da ficção
históricacomoRealismo:Puestoqueelr ealismodelsigloXIXsedefineporsus
temasyproblemascontemporáneosypo relénfasisenlascostumbrespintoresca sy
elhablaregional, nosurgió ninguna novela históricarealista.” (Menton,1993, p.
36).Lembrandoquesemprese verificamasexceções, opróprioMentonpondera
que, no século XIX, o melhor narrador histórico latinoamericano foi Ricardo
Palma cujas obras,  publicadas entre 1872 e 1883, são consideradas realistas.
Recordemos ainda que essas considerações referemse mais à literatura latino
20
Alémd´
OJesuít a
deAlencar,citemosaqui,atítulodeilustração,outrosdramashistóricosescritosnoséc.XIX: 
MartinsPena:
D.Jode LiraouORepto
(1838);
D.LeonorTeles
(1839
VitizaouoNerodeEspanha
(1840)/
GonçalvesDias:
Patkull;BeatrizCenci;LeonordeMendonça
(todosde1843)/JoaquimNorberto:
AmadorBueno
ou A Fidelidade Paulistana
(18??)/  Agrário de Sousa Menezes:
Calabar
(1858)/  Paulo Eiró:
Sangue Limpo
(1861)/ CastroAlves:
GonzagaouarevoluçãodeMinas
(1867).
38
americana. Esteves, por exemplo, falanos acerca de
Salammbó,
de Flaubert,
romancehistóricoescritoem1862dentrod alinharealista.
21
No Brasil, já adentrando o século XX, deparamonos com parcas
manifestações do romance histórico, conforme nos elucida Luciana Stegagno
Picchio, e m sua
História da Literatura Brasileira
: ... Lindolfo Rocha chega ao
romance de costumes através da fileira  da ficção histórica indianista (
Iacina
,
1907).” (StegagnoPicchio, 1997, p. 390). A autora menciona também como
romanceshistó ricos,aindaqueindigestos”:
Pindorama
(1900)e
Sargent oPedro
(1902), ambos de Xavier Marques. (StegagnoPicchio, 1997, p. 391).
22
Estes
exemplos,noe ntanto,sãoexceções.Averdadeéqueaficçãohistór icaentrouem
umaespéciede
hibernação
.
O gênero dramático segue o mesmo caminho. No teatro, porém,
Romantismo e Realismo chegam a ser contemporâneos e concorrentes (mais ou
menoscomooSimbolismoeoParnasianismonapoes ia).Na rea lidade,aplatéiada
segunda metade do século XIX era disputada entre os românticos do teatro São
21
Apropósito,Estevesenfatiza opapelr enovadordeFlaubertnaconcepçãoderomancehistórico:“deslocamentoda
ação(paralugaresetemposdistanteseexóticos)associadoàideologia presentedaépocadeFlauber t,naqualsefala,
porexemplo,emreivindicaçõestrabalhistas”(ESTEVES,1998,p.130).
22
O grande destaque literário desse período é a obra
Os Sertões
(1902), de Euclides da Cunha. Não obstante
trabalhar o episódiohistórico da guerra de Canudos, a obraprimade Euclides da Cunha não seclassifica como
romancehistórico,sendo,portanto,umcasoaparte.
39
PedrodeAlcântaraeosrealistasdoG inásioDramático.
23
Nessadisp uta,atécerto
ponto salutar, entravam em cena os primeiros frutos do tea tro nacional. Porém,
simultaneamente, havia a concorrência de, como esclarece cio de Almeida,
outros gêneros de es petáculo, de natureza bem menos literária: o
vaudeville
, a
revista, o caféconcerto, a mágica (adaptação nacional da
feérie
) e a opereta.”
(Prado,1986,p.22). Em meio a toda essacompetição,odramahistóricosaiu
perdendo.Aospoucos,oRomantismofoientrandoemdeclínioejuntocomeleo
dramahistórico.
Opróprioteatrobrasileirodeformageral,enãosóohistórico,precipita
seemumlongodeclive.Primeiro,decaioteatrosérioperanteosnerosa legres.
Depois,atéestes, porseu turno, deixam de sertãoat rativosdiante de novidades
como o cinema, o rádio, o esporte, etc. Recorramos, mais uma vez, às palavras
elucidativasde DéciodeAlmeida:
Aondadet eatr omusicado,a oseretirar,depoisdetocadaaúltimavalsadaúltima
óperavienense,deixouonossoteatrodramáticomaispobreevaziodoque nunca,
sem público,semautores, e atésemator es de drama ou comédia. Cortadas as
amarras com a vanguarda literia da Europa, estabelecidas mal e mal pelo
Realismo,permanecemosàmargemdetodaarevoluçãoestéticadefinsdoséculo
XIXeprincípiosdeste.Stanislawski,GordonGraig,Copeau,sãoinfluênciasque
nãochegaramnemsequeraatravessarooceano. (PRADO,1986,p.30).
23
OsdramasrealistasnoBrasileram,narealidade,oschamados“drama sdecasaca:“peçasàsvezesdeespíritonão
tãoafastadododramalhãomasdeassuntoepersonagensinequivocamentemodernos.”(PRADO,1986,p.18).
40
Noiníciodoséc uloXX,opercursododramahistó ricotambé mseencontra
emes tadodehibernação.Eleaindaemitealgunssinaisdevidacomonosmostram
as infor mações  de Luciana StegagnoPicchio. Segundo a estudiosa, três dramas,
escritos na primeira década do século XX, podem ser classificados como
perte ncentesàpeçahistóricanacional”:
Secretáriod´elrei
(1904)e
DomJoVI
no Brasil
(1908), de Oliveira Li ma e
O contratador de diamantes
(1904), de
Afonso Arinos. Entretanto, não passam disso: parcos sinais. Para sair do estado
letár gico,serãonecessáriosaindaalgunsanos.
2.NovaFicçãoHistórica
Passada a febre romântica dos romance s históricos, afora algumas
publicaçõesaquie ali,aescritadestesub gêneroliterário,conformepudemosnotar,
foisetornando cada vez mais escassa. No entanto,q uase na década de 50 do
séculoXX,aficção históricavoltaaeclodir.Nãosetrata, porém,deumsimples
retorno.Nestedespertardoromancehistórico,encontramseimbricadasinúmeras
transformaçõesquec ulminamcomoaparecimentodeumnovosubgêneroliterário.
Vale ress altarmos que este modelo não surge da noite para o dia,
process andose, natura lmente, de forma gradual. Conforme as elucidações  de
Roberto Esteves, as modificações do romance histórico iniciamse já no próprio
Romantismo,comVictorHugo,porexemplo,queexaltaheróisreaisao mesmo
41
tempoemquepretendetirar,dopassadohistórico,liçõesmorais quepossamservir
paraopresente”.Inova,ainda,aoco locar asmassascoletivascomoprotagonistas
de seus romances”. Outro gra nde nome do ro mance histór ico, destacado por
Esteves,éLeãoTolstoi.Segundooes tudios o,“apartirde
Guerrae paz
,osdestinos
doromance históricojá nãoserão os mesmos”. Alémdisso, salie ntaa influência
das vanguardas do final do século XIX e primeiras décadas do século XX: A
mudança da concepção do romance, a partir das vanguardas (...), acaba, de uma
formaoudeoutra,marcandooromancehistórico”(Esteves,1998,p.130e131).
24
Finalmente, ressalta que, como o romance histórico também se vale do discurso
historiográfico, toda mudança epistemológica” deste, inevitavelmente, afetará
aquele.
2.1NovoRomanceHistórico
Nas palavras de Heloísa Costa Milton, o romance histórico de produto
tipicamente romântico” trans formase “em uma experiência nova, audaz e
contemporânea, no que se refere a inovações técnicas e estilísticas, ao
aproveitamentodosmateriaisdisponíveiseàspers pectivasteóricas”(M ilton,1996,
p. 70). Tratase do surgimento do chamado Novo Romance Histórico
25
que se
24
VernotaderodapéNo.21.
25
Tambémrepresentadopelasigla NRH
42
caracterizaporconstruir, a partirdo discurso histórico, um texto dessacraliza nte.
Asverdades”estabelecidaspelahistóriaoficialsãoquestionadas.Ahist óriasofre
uma releitura crít ica e as perspectivas quanto às  versões históricas são
multiplicadas. Existe uma preocupação maior com a palavra. Em especial,
verificamos, no texto, a presença da paródia, do humor e da ironia: recursos,
atra vés dos quais, o autor expõe uma visão crítica da história. Vejamos como
HeloísaCos taMiltoncaracterizaestenovosubgêneroliterário:
Emrealidade,asteseshistóricassãoali(noNRH)revistas,reviradas,parodiadas,
com a introdução de elementos estranhos aos domínios do romance histórico
tradicional:asátiraeohumorestruturais;ascategoriasdomágicoedofantástico
comoformasderepresentaçãodoseventoshistóricos; oerotismodesb ordante;o
realinhamento do mito e das conquistas de uma cultura marcadamente
multirracial. (MILTON,1996,p.75)
Oprimeiroes tudiosoautilizarotermoNovoRomanceHistó rico,conforme
nos esclarece Seymour Menton, foi o uruguaio Ángel Rama no prólogo de sua
antologia
Novísimos  narradores hispanoamericanos en marcha (19641980)
.
Desde então, o termo foi sendo empregado por outros ensaístas no decorrer dos
anos80atéque,em1991,aparec ejábemdelimitadonoartigoLanuevanovela
histórica” do est udioso Fernando Ainsa. Com base em estudos feitos acerca da
produção deste subgênero nos últimos anos, Ainsa elabora uma lista de dez
43
características que seriam responsáveis pela configuração do Novo Romance
Histórico.
26
De acordo com Menton, a data de nascimento” desta nova modalidade
literária não é muito precisa. Em 1949, Alejo Carpentier publica aquele que é
considerado como o primeiro no vo romance histórico:
El reino de este mundo
.
Contudo,sublinhaMenton,ésomenteem1974,ou,segundooutros,em1979,q ue
oNRHatingeafasedeseuapogeu.Asincertezasresultamdofatodeselevarem
conta o número de publicações. No período de 1949 até 1978, são publicados 
apenas cerca de doze novos roma nces históricos emtoda América Latina. E
dessasobras,oitoencontramsenoperíodode1974a1 978.Masessadisputade
datasnãoérelevante.ÉinegávelopioneirismodeCarpentier,aindaqueoaugedo
NRHtenhaseiniciadorealmenteem1974ou,segundoalguns,em 1979.
OpapelprecursordeCarpentierestá não só em
E l reinodeeste mundo
,
comoemseuscontosSemejantealanoche”de1952eElcaminodeSantiago”
de 1954, ambos fortemente marcados pelo caráter cíclico da histó ria”, uma das
marcas do NRH. Além disso, Carpentier publicou mais três novos romances
históricos:
Elsiglode lasluces
(1962),
Concierto barroco
(1974)e
Elarpay la
sombra
(1979)(Menton,1993,p.3840).
26
Algumasdessascaracterísticasseoapreciadasnocapítulo3destetrabalho.
44
ApresentadaporMenton,comoumadasposs íveis causasdosurgime ntodo
NRHnaAméricaLatina,estáacomemoraçãodos500anosde“ descobrimento”da
América.Ressaltaoestudioso,porém,quenãosetrataapenasde
relembrar
,mas
de propic iar una mayor conciencia de los lazos históricos compartidos por los
paíseslatinoamericanoscomouncuestionamientodelahistoriaoficial.”(Menton,
1993,p.49). 
Outrofatorquepodemosaventarcomopr opiciadordaeclosãodestanova
ficção histórica latinoamericana diz respeito ao epidio histórico das ditaduras
latinoamericanas.
Com o final da II Guerra Mundial, o mundo dividiase em blocos
capitalistasesocialistas,eraoperíododachamadaGuerraFria” .Afimdeevitara
possívelproliferaçãodosocialismonaAméricaLatina ebuscandotambémampliar
o mercado de consumo, os EUA criam, em 1961, um programa de apoio
econômicoeestratégicoaospaíseslatinoamericanosdenominadoAliançaparao
Progresso. Alémdisso, desenvolvema Doutrinada SegurançaNacionalensinada
pelo War College (escola de guerra norteamericana freqüentada pelos militares
latinoamericanos).Idéiasepartidosdeesquerdasãoencaradoscomoseme ntesdo
comunismoe,portanto,comoinimigos.Apartirdadécadade60,sãoinstaladasas
ditaduras militares nos países do Cone Sul: Brasil (19641984), Urugua i (1973
1984),Chile(19731989)eArgentina(19761983).Entreoutrasõesexecutadas
45
pelosregimesmilitares,estão:as upressãodaliberdadedemocrática,restriçãodos
poderesLegislativoeJudic iário,extinçãodospartidospolíticoseofechamentode
sindicatos e de organizações estudantis. De textos jornasticos a literários, tudo
passavapelaCensura.
Nãoestamosafirmandoquesetratedeumamerarelaçãodecausaeefeito,
comoseosubgêneroNRHtivessesurgidocomoconseqüê nciadasditaduras,não.
Afinal, a literatura não é simplesmente um reflexo da história ou da vida.
Entretanto, este triste incidente histórico produziu ine vitáveis repercussões na
literatura, em especial na ficção histórica. Servindose de fatos do passado
histórico,quantas alegoriasnãoforamcriadas,sejanoteatro,sejanoromance,com
ointuitodecr iticarosistemarepressordasditaduras ?
Imbuídodeumcaráteraltamentecríticoereflexivo,oNRHnãodeixade
ser também um exemplo de literatura de resistência”: resistência temática e
resistênc ia como forma imanente da escrita” e, aqui, utilizamos  os termos
elaboradosporAlfredoBosiemseulivro
LiteraturaeRes istência
.Deacordocom
oautor,achamada“literaturaderesistência”emergejustamentenope ríododopós
guerra.Naresistênciacomote madanarrativa”:aescritapassaraateramesma
substânciacognitivaeéticadalinguagemdecomunicação.(.. .)Aescritaficcional
teria passado a ser uma variante e, não raro, uma transcrição do discurs o
46
político.”
27
. Aqui, obviamente, em um grau maior de resistência política. Já na
resistênciacomoformaimane ntedaescrita”,Bosifalaacercadecertasobrasque
seriam resistentes, enquanto escrita, e não só, ou não principalmente, enquanto
tema”.Explica oautor:
Quemdizescritafalaemcategoriasformadorasdotextonarrativo,comoo
ponto
de vista
e a
estilização da linguagem
. Vejo nesses dois process os uma
interiorizaçãodotrabalhodonarrador.Aescritaresistente(aquelaoperaçãoqu e
escolheráafinaltemas,situações,personagens)decorredeum
apriori
ético,um
sentimentodobemedomal,umaintuiçãodoverdadeiroedofalso,quejásepôs
emtensãocomoestiloeamentalidadedominantes. (BOSI,2002,p.129130).
Comcerteza, hápontos de contato entre esta literatura de resistênciae o
NRH, tanto no plano temático posto que ambas rediscutem, de certo modo, o
discursodominante,comonoplanoforma l.Bosifalaemdiferentesmoda lidadesda
literatura resistente, entre elas, está aquela que se serve da sátira e da paródia,
recursocaracterizadordoNRH.
Entre os no mes representativos do Novo Romance Histórico latino
americano, encontramos grandes escritores como Carlos Fuentes, Augusto Roa
Bastos,ArturoArias,GabrielGarcíaMárq uez,SilvianoSantiago,SergioRamírez,
JorgeLuísBorges,MarioVargasLlosa,entreoutros.
Em seu estudo acerca do romance histórico brasileiro, Roberto Esteves
apresenta uma lista cons iderá vel de títulos brasileiros representativos deste
27
BOSI.
Literaturaeresistência
.SP:CiadasLetras,2002,p.126.
47
subgênero.Sãoelencados,aproximadamente,150 romanceshistóricospublicados
noBras il,noperíodode1949até1997.Essesdadosdemonstramaboaacolhidado
subgênero em nosso país, ainda que, consoante salienta Esteves, nos países de
línguaespanholaosnúmerostenhamsidoma iores.
NoestudodeSeymourMenton,queabrangeointervalode1949até1992,
encontramosareferênciaaoromance
Ocontinente,
deÉricoVeríssimo,tidocomo
umromancehistóricomaistradicional:
Talveslamássobresalientedelasnovelashistóricascriollistases
Ocontinente
(1949) del br asileño Erico Veríssimo, primer tomo de la trilogía bastante bien
conocida
Otempoeovento
,unaepopeyamonumentalquetraza lahistoriadel
Brasildesdelaépocacolonialhastalosañosde1940conlaperspectivadeRio
Gra ndedoSul.(MENTON,1993,p.38)
Sendo 1949, o mesmo ano de publicação de
El reino de este mundo,
de Alejo
Carpentier.
Apesarda notóriaprolife raçãodoromance históriconoBrasilapartirda
décadade50, onovoromancehistóricosóemerge,aqui,nosanos70.Deacordo
comosestudosdeMenton,opr imeiroNRHbrasileiroseria
Galvez,oimperador
do Acre,
de Márcio de Souza, publicado em 1976. Ao todo, sete romances
brasileiros são considerados, por Menton, como NRH, pelo menos até 1992.
28
28
MárcioSouza:
Galvez, oimperadordoAcre
(1976)
,MadMaria
(1980)e
Obrasileirovoador
(1986);Silviano
Santiago:
Em liberdade
(1981); João Ubaldo Ribeiro:
Viva o povo brasileiro
(1984); José J. Veiga:
Acasca da
serpente
(1989);HaroldoMaranhão:
Memorialdofim(AmortedeMachadodeAssis)
(1991).
48
Entretanto,RobertoEsteves,cujoestudoprivilegiaoNRHnoBrasil,ressaltaque,
na verdade, o primeiro NRH brasileiro surgiu em 1 975, com a publicação de
Catatau
,dePauloLeminski.AfirmaEsteves:
Embora não citado por Menton em seu livro, poderíamos apresentar
Catatau
,
romanceidéia,publicadopelopoetaparanaensePauloLeminskiem1975,como
opioneironamodalidadedoNovoRomanceHistóricoLatinoamericanoeditado
noBrasil, pois nele encontramos a maioria das características a presentadas por
MentoneAinsa comobásicasdonovosubgênero.(ESTEVES,1998,p.140)
2.2Retorno ao DramaHistó rico
Conforme dissemos anteriormente, nos primeiros anos do séc ulo XX, o
drama brasileiro achavas e em um profundo estado de hiber nação e precisaria
esperar ainda alguns anos para despertar. A espera termina na década de 20.
SegundoesclarececiodeAlmeidaPrad o,nessaépoca,oteatrobrasileirosevê
forçadoacaminharcomsuasprópriaspernasdevidoàsdificuldadesdevisitasdas
companhias de teatro estrangeiras ocasionadas pela Primeira Guerra Mundial.
Assim,teminícioumnovoperíodonanossadramaturgia.Noentanto,aindaque
voltado para temas nacionais, nosso teatro recomeça pelo mesmo caminho de
sempre,comodizDéciodeAlmeida,pelacomediazinhadecostumes,deâmbito
purame ntelocal,aexemplodeMartinsPena.”(Prado,1986,p.30).
49
Nosanos30,esseteatromicoentraemcrise,procurando”,naspalavras
de Prado, renovarse ocasionalmente”. É, nesse período, que reaparec em os
dramas históricos, como
A Marquesa de Santos
, de Viriato Cor reia e
Carlota
Joaquina
,deRaimundoMagalhãesJr.,segundoPrado,“ emmontagenscuidadase
faustosas, se nemsempre do mais apurado gosto”. Aqui, porém, os personagens
são,defato,históricos.Teríamosaindaoutrostextosdramáticos,peçasdefundo
histórico mas com personagens e enredos fictícios”, como
Ia Boneca
e
Sinhá
moça chorou
de Er nani Fornari, com estilo idêntico ao romântico, mas com a
desvanta gemdenãoseencontraremnoséculoXIX.EsclareceDéciodeAlmeida:
Referemsea um tipodesensibilidadequevemdo folhetime do romance para
mocinhasdoséculopassadoequesedirigesemosaberparaaatualtelenovela.”
(Prado,1986,p.32).
Aliteraturadramáticabrasileira, inegavelmenteretardatáriacomrelaçãoa
outros neros literários, só vem atingir o seu modernismo” quase vinte anos
depois da “Semana de 22”.
29
Com a chegada, na década de 40, de encenadores
europeus que fugiam da Segunda Guerra Mundia l, em especial do polonês
Ziembinski, a nossa dramaturgia realiza,  em poucos anos, uma espécie de
29
Nosanos30,OswalddeAndradeescreveutextosdramáticos:
Ohomemeocavalo
(1934),
Amorta
(1936)e
Orei
davela
(1937).Entretanto, naépoca,nãoencontrouquemtivessecoragemdeen cenálos.Somenteem1967,éque
JoséCelsoMartinezCorrêa(omesmopolêmicodiretorde
RodaViva
em68)realizaamontagemdapeça
Ore ida
vela
.Aindaassim,elucidaPrado,apeçaapresentouum“altíssimoteorexplosivoemseuagressivovanguardismo
políticoeestético”(PRADO,1986,p.33).
50
recapitulação das experiências estéticas estrangeiras. Contudo, essa atualizaç ão
teveumpreço,comoressaltaPrado:oteatrobrasileiroestavafinalmenteemdia
com a Europa, mas à custa, forçoso é confessar, de uma certa perda do caráter
nacional.”(Prado,1986,p.34).
Não obstante, em 195060 verificamos uma rea ção nacionalista”. Três
grandescentrosteatraisdespontamnopaís:emSãoPaulo,oTeat rodeArena;no
Rio de Janeiro, o Tablado e em Pernambuco, o Teatro do Estudante de
Pernambuc o.NogrupodoTeatrodeArena,vamosencontrartrabalhosenvolvendo
personagens da História do Brasil, conforme comenta Samira Campedelli, em
O
teatro do séc ulo XX
: o elenco do Teatro de Arena passou a oferecer uma
variedade de peças com assuntos brasileiros, em encenações que previam uma
leitura livre
. Assim, por exemplo,
Arena conta Zumbi, Arena conta Tiradentes,
Castro Alves pede pas sagem
, que traziam à tona temas do passado com
interpretaçõesmodernas. ”(Campedelli,19 95,p.42).
Apartirdeentão,nossoteatrocres ce,admiravelmente,comosurgimento
de grandes dramaturgos como, só para citar alguns: Ariano Suassuna,
Gianfrancesco Guarnieri, Augusto  Boal, DiasG omes e Nelson Rodrigues. Nossa
literatura dramática parecia, finalmente, ter encontrado seu caminho. Todavia,
estavaporvirumanuvemnegraqueseriaresponsáve lpelainterrupçãodestafase
51
próspera: a Ditadura Militar. Ve jamos o que nos diz, a respeito, Samira
Campedelli:
As portas começara m a se fechar em 1964, anomarco de um longo período
dominado pela censura, pela repressão e pelas perseguições políticas de toda
ordem. Fechase o Centro Popular de Cultura (CPC), da União Na cional dos
Estudantes (UNE), que buscava um teatro popular (sobre e para o povo).
Dissolvemseos partidospolíticoscomoAtoInstitucionalnº.2(AI2).Fechase, 
em1968,oCongressoNacional,comoAtoInstitucionalnº.5(AI5).Cerramse
as portaseas cortinas. Instalase um grandesilêncio no meio artístico. Grande
parte das peças não são liberadas pela censura, ou então ficam sem sentido,
tamanhooscortesques ofrem. (CAMPEDELLI,1995,p.44).
Aindaas sim,apesardetodososcontratempos,oteatrobrasileiro foi, nas
palavrasdeCampede lli,umaverdadeiratrincheiraderesistência”.Aclasseteatral
uniuseelutou“dentroeforadopalco”.ComosufocamentoimpostopelaCens ura,
aproduçãoartística(teatro,música,literatura)foiobrigadaautilizaralinguagem
metafórica,aalegoria.
2.3Entrelace dos gêneros
Éjustamentenessemeiohostil,ditatorial,quenasce
Calabar:oelogioda
traição
.E,aqui,falamosdotextodramático,dapeçaescrita,jáquearepresentação
da peça foi, arbitrariamente, proibida. Sobre o episód io, esclarece Humberto
Werneck:
52
Otexto,escritoemparceriacomRuyGuerra,eraousado efadadoà polêmica.
(...)ApeçafoisubmetidaàPolíciaFederal,quefezalgunscortesmasaliberou
paramaioresdedezoitoanos.(...)EstavaprevistoumensaioparaaCensuraque
não apareceu – forçando o a diamento da estréia. A 30 de outubro, o texto foi
avocadopara umreexame.Qua setrêsmes esdeindefiniçãosepassarama téodia
22dejaneirode1974,quandoogeneral Antônio Bandeira,daPolíciaFederal,
sem apresentar os motivos, proibiu não s ó a peça como o nome Calabar. De
quebra, proibiu quese divulgasse a  proib ição. (WERNECK, 1989, p. 135 e
136).
30
Ironicamente, a peça
traída
de Chico Buarque e Ruy Guerra explora a
relatividadedoconceitodatraição.OcupandosedasguerrasholandesasnoBrasil
do século XVII,
O elogio da traição
instiga o leitor/espectador a refletir acerca
daquele, como afirma Fernando de Barros em
Chico Buarque
, “que passou à
história como protótipo do traidor”: Calabar.
31
Composta de do is atos, a peça
perpass aoperíodoemqueCalabarjálutavaaoladodosholandesesatéomo mento
emqueMauríciodeNas saudeixaoBrasil.
Embora se trate de um texto dramático,
Calabar, o elogio da traição
identificase fortemente com as principais características do novo romance
histórico.Apartirdessaconstataç ão,realizamosumexercíc iocomparativoouuma
30
Apeçasófoiliber adaeencenadaem1980jánopeododachamadaaberturapolíticagradual.Curi osamente,sua
publicaçãonuncafoipr oibida.ACensura“tinhadessascoisas”:proibiaaletra,porexemplo,eliberavaamúsica.
Talvez a liberação da publicação de
Calabar
tenhase baseado n a prová vel diferença numér ica entre leitores e
espectadores. Quantos lêem uma peça teatral e quantos a assistem? Ainda assim,revelasenotável o n úmero de
ediçõesatingidopelotextodramáticodeChicoBuarqueeRuyGuerra:emmenosdetrintaanos,24edições.
31
SILVA.
ChicoBuarque
.SP:Publifolha,2004,p.74.
53
espéciedeadaptação”,quenospermiteumexe rcícioprospectivo:analisarapeça
Calabar,
atravésdascaracterísticas donovoromancehistórico,pretendendochegar
aomodelodo“NovoDrama Histórico”.
Dizemos“novodramahistórico”enãonovoteatrohistórico”umavezque
otermoteatro”abarcatammarepresentaçãocênicaoquenãoseráestudadono
nosso trabalho. Nosso objeto de estudo, s ervindose da terminologia de Vítor
Manuel, nãoé o textoteatral, masotextodramático. Cientesdequeo vocábulo
dra ma”,porseuturno,també mpossuiváriasacepções ,gostaríamosdeespecificar
aqui, em linhas gerais, o que se exclui e o que se privilegia na terminologia
adotada.
Descartemos,portanto,asseguintessignifi caçõesmuitoco munsdapalavra
drama : acontecimento terrível, ca tastrófico, comovente, ou exagero de qualquer
ordem”,assimcomoaacepçãoatual:peçateatralcaracterizadaporseriedade,ou
solenidade,emoposiçãoàcomédiaprop riamentedita”.(M oisés,1995,p.163).Em
seu
Dicionáriodetermosliterários
,MassaudMoisésapresentaoutrossignificados
da palavra em questão que, em importância secundária, podemos aco lher. Na
origemetimológicada pala vra,dramadesignavaação.Emsentido amplo, drama
correspondea qualquerpeça destinada a representarse”. No Romantismo,outra
conotaçãoédadaaotermoempauta:“peçahíbridaentrecômicaetrá gica”.
54
Concluindo,utilizamosovocábulodramanoseguintesentido:textoescrito
nomododramáticoenãonomodonarrativo,ouseja,emuma acepçãomaisampla,
no intuito de estabelecer um paralelo com o sub gênero já canonizado novo
romancehistórico”.Nocasodapeça
Calabar,
oter modramapodeabrangerainda
outros significados cumulativos, especialmente, o caráter híbrido, aci ma
mencionado. Ressaltemos ainda que ao afirmarmos ser
Calabar
um novo drama
histórico não excluímos outras possíveis classificações da peça como sátira
musical”,entreoutras.Aclassificaçãoaquiempregadaépertinenteàpropos tado
nossotrabalho.
Arespeitodaviabilidadedonosso“entre lace”,va leacentuar,comovimos
no item
Ficç ão Histórica no Romantismo Brasileiro
, q ue as características do
drama histórico tradicional em muito se assemelhavam às características do
romancehistóricotradicional.Ambosno rteavamsepelomodeloscottiano.Sendo
assim,nãoédeseestranharqueumdramahistórico escritona épocadaDitadura
Militar, anos 70, também se aproxime, temática e formalmente, do romance
históricoproduzidonomesmoperíodo.Sebematentarmos,
Calabar
nãosurge
no mesmo leito de nascimento do N ovo Romance Históric o  América Latina ,
comonomesmoperíodoemqueseiniciaoaugedo NRH – adécadade70.
Salientemos, porfim,oseguintecomentáriodeRobertoEsteves:“ograude
afastamento do No vo Romance Histórico com relação ao romance histórico
55
tradiciona lé variável”,sendoascaracterísticas listadasmeramente indicadoras.”
(Esteves, 1998,p. 135). Em outras palavras,para queumaobra sejaconsiderada
comoumexemplodoNRH,o udoNovoDramaHistórico”,nãoénecessárioque
contenha todas as  características listadas pelos estudiosos do NRH. No entanto,
algumas caracter ísticas parecemnos imprescindíveis nessa categorização, tais
como: a releitura crítica da história e a presença da escr ita paródica.
32
Assim, a
partir da observação dos estudos rea lizados ac erca do NRH, acreditamos que a
nova ficção histórica” caracterizase, principalmente, por refletir e questionar a
história,servindose,nestareflexão,dosrecursosdaintertextualidade,daparódiae
dohumor.
32
Emboranãoexatamentecoma smesmaspalavras,essasduascaracterísticasdoNRHestãopresentesnaslistasde 
FernandoAinsa,SeymourMentone,também,notextosobreromancehistóricodeHeloísaCostaMilton.
56
II LEGADODECALABAR: OSCAMINHOS
DAHISTÓRIAÀFICÇ ÃO
Acompanhamos a trajetória da ficção histór ica desde seu surgimento, no
Romantismo, até a sua transformação numa nova modalidade literária de ca ráte r
críticoe dessacralizante nasegunda metade do séculoXX.Antes,porém,de nos
lançarmosaoentrelacedosnerosem
Calabar,oelogiodatraição
,propostono
finaldocapítuloanterior,voltemosnossaatençãoparaoséculoXVIIerevisemos,
deformaconcisa,oepisódiohistóricodaInvasãoHolandesaeoimagináriodesse
período.
1. EraumavezumBrasilholandês...
EraaquelarepúblicaantesdachegadadosHolandeses,a maisdeliciosa,
próspera, abundante, e não sei se me adiantarei muito se disser a mais rica de
quantas ultramarinas o Reino de Portugal tem debaixo de sua coroa, e cetro. O
ouro,eaprataeramsemnúmero,equasenãoseestimava:oúcartantoquenão
haviaembarcações para o carregar, que com entrarem cada dia, e saírem de seu
porto grandes frotas de naus, navios e caravelas; e se andarem as embarcações
encontrandoumascomasoutras,emtalmaneira,queosPilotosfaziam mimose
regalos aossenhoresdeengenhose la vradores, para que lhedessemsuascaixas,
57
não se podia dar vazão ao muito que havia. As delícias de mantimentos, e de
licores,eramtodososqueseproduziamass imnoReino,comonasilhas.Ofauto
(sic),eaparatodascasaseraexcessivo,porquemuipobre,emiserávelsetinhao
quenãotinha(sic)oseuserviçodeprata.Osnaviosquevinhamdearribada,ou
furtadosaosdireitosdoPeru,alidescarregavamomelhorquetraziam.Asmul heres
andavam tão louçãs e tão custosas, que não se contentavam com tafetás,
chamalotes , veludos , e outras sedas, senão q ue arro javam as finas telas, e r icos
brocados;eera mtantasasiascomqueseadornavam,queparec iamchovidasem
suas cabeças, e gargantas as pérolas, rubis, esmeraldas, e diamantes. Os homens
nãohaviamadereçoscustososdeespadas,eadagas,evestidosdenovasinvenções,
com que se o ornassem os banquetes quotidianos, as escaramuças, e jogos de
canas, em cada festa se ordenavam, tudo eram delícias e não parecia esta terra
senãoumretratodoterrealparaíso.”(CALADO,1648,p.9e10)
33
.
Apassagemacima pertence ao livro
Valeroso Lucideno,
escritopor Frei
ManuelCaladodo Salvador.EmboracontemporâneodasGuerrasHolandesas,ou
talvezporissomesmo,olivro,aindaquerepletodedescrições,nãoémuito“digno
de confiança”, tanto no sentido de ser sobremodo parcial, como pelas alterações
feitas em alguns fatos históricos.
34
No entanto, filtrando os excessos, tratase de
33
Apud
BOXER,
OsHolandesesnoBrasil.
SP:Ed.Nacional, 1961,p.49e50.
34
DeacordocomBoxer,aescritado
ValerosoLucideno
parecetersidoinfluenciadapeloapreço(ou não)dofrade
aospersonagensdaépoca. Entreosfatosadulteradospelofrade, Boxer destacaa batalhaentreOquendoe Pater:
58
umafontevaliosanoestudodaInvasãoHolandesae,aindaquecomcuidado,suas
passagenstêmsidocitadasemváriosestudos sobreoassunto.
Indubitavelmente, háexagerosnadescriçãodePernambuco feitapor Frei
Manuel. Não obstante, Pernambuco prosperava cons idera velmente com o lucro
geradopelocultivodacanadeaçúcar.Desdeocomodacolonizaçãopor tuguesa,
a Ho landa detinha o papel de distribuidora do açúcar produzido no Brasil pelos
portugueses.Essaparceriafoiinterrompidaem1580,quandootronodePortugal
passouparaaCoroaespanhola.Sendorivaisdoshola ndeses,osespanhóisnãomais
permitiram que os flamengos lucrassem em comérc io com os portugueses.
Entretanto, os holandeses não queriam abrir mão do comércio tão vantajoso do
açúcar. Em 1621, foi cr iada a Companhia das Índias Ocidentais (empresa
comercial, militar e colonizadora) com o objetivo de recuperar o comé rcio de
açúcarnoBrasil.Iniciavamse asGuerrasHolandesas.
A primeira investida teve como alvo a Bahia. Em maio de 1624, os
holandesesatacarameocuparamacidadedeSalvador.Contudo,foramexpulsosno
ano seguinte pelas forças lusoespanholas. A nova tentativa de 1627, foi
acompanhadadenovofracasso.
“Pateraoverseunavioincendiadoprestesaafundar,‘enrolouocorpocomabandeiraeatirousenomar.Oespírito
briosodomarinh eiroinvictopreferiaooceanocomotúmuloaverseescravizadopeloinimigo’.Essahistóriafoi
inventadaporFr.ManuelCalado,queaescreveuem1645,edesmentidaexplicitamenteportestemunhasdevista.”.
SegundoBoxer,“Patertentousalvarsependurandose(sic)porumcaboàproa,masacabouporperderasforças,
caindonomareafogandose.(BOXER,1961,p.67e68)
59
Após saquearem alguns navios portugueses e galeões espanhóis, os
flamengosplanejaramoutrainvasãoaonordestebrasileiro,escolhendo,dessavez,
umlugarmenosprotegido:Pernambuco.
Onovoataqueocorreunod ia15defevereirode1630.Nodia3demarço,
os holandeses comemoravam a tomada de Olinda, Rec ife e da ilha de Antônio
Vaz.
35
Algunsmoradoressubmeteramselogoaosinvasores,outrosfugiramparao
interior.Apartirdaí,teveinícioumacampanhaderesistênciachefiadapor Mathias
de Albuquerque que estabeleceu seu quartelgeneral em local es trategicamente
privilegiado, o
Arraial do Bom Jesus
. Na estratégia de resistência aos invasores ,
foramorganizadasas“ca pitaniasdeemboscada”.
Nointervalode1630aabrilde1632aguerrasofreuumimpasse.Poisos
doisladoses tavamexaustos.ConformeafirmaohistoriadorCarlosBoxer,dirse
iaqueesteempateprometiaprolongarseindefinidamente,(...)quandoinesperado
acontecimentoveioalterarcompletamenteafacedascoisas”(Boxer,1961,p. 70).
1.1DeserçãodeCalabar
...EdizerqueummulatopernósticomudouorumodaHistória
36
A 20 de abril de 1632, um mulato de nome Domingos Fernandes Calabar
desertava das fileiras portuguesas, passandose para os holandeses. Não era o
35
Vermapanoanexo2.
36
GUERRA,HOLANDA.
Calabar, oelogiodatraição
.RJ:CivilizaçãoBrasileira,2000,p.37.
60
primeiroqueassimdesertava,possuindojáosholandesesems euserviçomuitas
centenas de negros, a maioria dos quais eram escra vosfugidos das plantações.
MasCalabarerapessoamuitomaisimportanteeinfluentedoquequalquerdeles.
Natural de Porto Calvo, conhecia palmo a palmo toda a região, havendo ele
própriosedist inguidonadefesadoarraial,ondeforaferido.Homemmuitoativo
e inteligente, nãopoderiam os holandesester achadomelhor guia e informante
paralhesindicarospontosfracosdoinimigo.Erafortecomoob oidoprovérbio,
correndo muitas históriassobrea  prodigiosaforçafísicadequedavaprovasna
perseguição do gado, afora outros indícios de grande resistência. Não se
conhecem as razões que o levaram a desertar, e os holandeses a princípio o
depositaram nele muita confiança; mas não tardou que ficasse provado pa ra
quant oeleprestava.
(BOXER,1961,p.70e71)
Com os conhecimentos  e as habilidades de Calabar, os holandeses
comaram a ganhar terreno. Além disso, os reforços da Companhia das Índias
Ocidentais eram sempre mais freqüentes, frente aos poucos reforços dos luso
espanhóis(jácommuitosproblemasparares olveremoutrascolô nias).Assim,com
aajudadeCalabar–quelogorecebeuapatentedemajor,osflamengostomarama
cidadedeIgaraçu(1632),umredutonoRioFormoso(1633), ailhadeItamaracá
(1633), o forte dos Reis Magos (1633) e o Pontal do Cabo de Santo Agostinho
(1634).
Quando lutava ao lado dos portugueses, co mentam os estudiosos, que
Calabar não era muito valorizado por ser mestiço. Logo após a deserção de
Calabar,ogeneralMathiasdeAlbuquerqueescreveuváriasvezesao,entãomajor
61
Calabar,pedindoqueesteretornasse paraolad odosportugueses,prometendo,para
tanto,perdãoehonrarias.Tudoemvão.
Entreos holandeses,C alabarganhouest imaerespeito.Obatismodoseu
filho com Bárbara, Domingos Fernandes Filho, demonstrou bem o prest ígio que
Calabar usufruía entre os flame ngos. Estavam presentes na Igreja Reformada do
Recife,nodia20desetembrode1634,oaltoconselheiroSe rvatiusCarpentier,o
coronel Sigismund von Schoppe, o coro nel polonês Chrestofle Arciszewski, o
almiranteJanCorneliszLichtharteu masenhoradaaltasociedadedoRecife.
No final de 1634 e início de 1635, os holandeses já detinham sob seu
domíniotodaafa ixacosteira,desdeoRioGrande(atualRioGrandedoNorte)até
oCabodeSantoAgostinho.Muitosmoradoresresolveramentraremacordocom
osinvasoresatémesmodevidoàsvantagensapresentadaspelosflamengos.Apósa
tomada da Paraíba, em janeiro de 1635, em troca de lealdade, os holandeses
ofereceram aos moradores de Pernambuco, entre outras coisas: a liberdade de
consciê ncia,a liberdadedeculto, a segurança da propriedade e a permissãopara
portede armas.
Com a capitulação do Arraial do Bo m Jesus, Mathias de Albuquerque
retirouseparaaregiãohojeconhecidacomooestadodeAla goas.Notranscurso,o
general teve  a oportunidade de capturar Calabar. Eis como Bo xer descreve o
episódio:
62
AúnicaestradapraticávelporcarrosdeboiatravessavaPortoCalvo,queestava
em poder do major Picard e de Ca labar, com 500 homens sob seu comando,
motivopeloqual Albuquerqueseviuforçadoaatacarapraça.Graçasàtraiçãode
um dos moradores do lugar, chamado Sebastião do Souto, que implicitamente
inspira va confiança aos holandeses, maspunha Albuquerquea par detodos os
seusmovimentos,podeoúltimoinvestircontraumaposiçãochavedasdefesas,
comp elindo desta maneira Picard a pedir paz. Fez este último alguns esforços
(estrênuos,segundodisseelepróprio,porémfracos,aacreditaremFreiManuel
doSalvador),paraobteragarantiadequeavidadeCalabarseriapoupada;mas
Albuquerqueap enasprometeuqueo‘mulato’devia‘ficaràmercêDelRei’.Viu
setodavia que isso nãopassou debreveremissão. Umtribunal militar decidiu
sumar iamente que Albuquerque com seus poderes de comandantechefe
representava a pessoa dorei, à vista doque foi Calabar  condenadoao garr ote,
sendoarrastadoeesquartejadocomotraidor.Asent ençafoicumpridaem22de
julho,aocairdanoite,epoucashorasapósosportuguesesevacuavamacidade,
prosseguindo a retirada para osul e leva ndo consigo cerca de 300 prisioneiros
holandeses.
(BOXER, 1961,p.84e85)
Doisdiasdepois,VonSchoppeeArciszewskireocuparamPortoC alvo
37
e
sepultaramosrestosmortaisdeCalabarcomtodasashonrasmilitares.Avingança
iminentefoidissuadidapelosolerteFreiManueldoSa lvador.
Em 1636, os diretores da Companhia das Índias Ocidentais decidiram
escolherumgovernadorgeralparaadministraraNovaHolanda”.Entraemce na,
então, um dos personagens mais notáveis e interessantes da histór ia do Brasil
Colônia:oCondeJoãoMauríciodeNa ssauSiegen.
37
Emjaneirode1636,PortoCalvofoinovamentetomadapeloslusoespanhóiscomandadosporDonLuísdeRojas.
63
1.2Gover no de Nassau(1637–1644)
Grandeimpérioeestreitamentalidadesãomauscompanheiros”
.
MauríciodeNassau
Boxer afirma que a Companhia “dificilmente poderia ter feito melhor
escolha”. Maurício de Nassau tanto era bo m comandante, como era um ót imo
administrador.Contaohistor iadorqueNassauapaixonousepeloBrasilassimque
aquichegouem23dejaneirode1637equedaípordiantesuaafeiçãopeloNovo
Mundotropicalnuncamais conheceudesfalecimentos.”
Semperder tempo,ocondedeNassaudeuprosseguimentoàs conquistas
dos neerlandeses. Primeiramente,  retomou, nos meses de fevere iro e março de
1637,adisputadacidadedePortoC alvoque,pela5ª.vez,mudavadedono”.Em
agosto desse mesmo ano, sob o comando do coronel Coen, os holandeses
conseguiram,nãosemdificuldade,tomarafortalezadeSãoJorgeemElmina.Três
meses depois, comandados pelo coronel Von Schoppe, os flamengos atacaram
Sergipe. Boxer comenta que a excessiva devastação desta capitania foi feita,
provavelmente,semaaprovaçãodeNass au.Jáemdezembrode1637,Maur íciode
Nassau ordenou a ocupação da capita nia do Ceará, a pedido, na verdade, dos
tapuias da região,co m quem os  holandeses trocava m favores.Soma ndo tudo,os
holandesesdetinham,nofinalde1637,quasemetadedasca pitanias doBras il.
64
No ano de 1640, um fato histórico acaboupropiciando o beneficiamento
das Províncias Unidas da Holanda: Portugal, finalmente, livravase do jugo da
Espanha.Anotíciadasubidade umreilusitanoaotronodePortugalfoimuitobem
recebidapelosholandeses,tantonoVelho,comonoNovoMundo.Afinal,decerto
modo,eracomoseaHo landativesseperdidouminimigoe ganhoumaliado,ao
mesmotempo, jáquea Espanha ficous endooinimigocomum. Alémd isso,paz
com Portugal significava lucro com o úcar. O conde de Nassau celebrou o
acontecimentocomfaustosasfestas.
Não obstante as comemorações, Maurício de Nassau não deixo u suas
conquistasdelado. Atréguade dezanos,entrePortugale asProvínciasUnidas,
assinadaemHaiaa12dejulhode1641,sófoiratificadanasconiasnodia3de
julhode1642.Nassauaproveitousedesselapsotemporal,depraticamenteumano,
pararealizarno vasconquistas.Enviou,assim,expe diçõesàÁfricaOcidental,com
ofitodeconquistarterritórioseconseguirmaisescravos.Emagostode1641,os
holandesesocuparamacidadede Luanda na África.Emoutubro, foramtomadas
BenguelaeasilhasdeSãoToméeAnoBom.Emfevereirode1642,os holandeses
encerraramsuasconquistasnaÁfricacomato madadeAxim.NaAmérica,Nassau
ocupou, por último, a cidade  de São Luís do Maranhão, em novembro de 1641.
Diantedisto,aoserratificadaatréguaentrePortugaleHolanda,emjulhode1642,
já tinham os holandeses, sob seu poder, sete capitanias, ou seja, metade das
65
capitanias brasileiras. Essas ações de Nassau, posteriormente, foram bastante
criticadaspelosportugueses,pois,adespeitodaescusalegal,nãoeradesconhecida
a trégua estabelecida entre Po rtugal e Holanda, que deveria terse estendido às
colônias antes mesmo da sua ratificação. Assim sendo, as conquistas de Nassau
foramconsideradastraiçoeiras.
Essas foram as  conquistas do general Maurício de Nassau. Até aqui, o
condedeNass aunadateriadeespecial,eraapenasum bomcomandante,paraos
holandeses evidentemente, já que chegou mesmoa desrespeitar, como apoio da
Companhia,umt rata dodepaz.OquenotabilizouNassaunãofoioseuladomilitar,
masograndeestadistaques etornou.
Apesardetervind oaoBrasilparagoverna rumacolôniaqueforainvadida
e compulsoriamente conquistada, Maurício de Nas sau empreendeu uma singular
administraçãoparasuaépoca.Vejamosoquenosdizo autorde
OsHolandesesno
Brasil
arespeitodealgumasbenfeitoriasrealizadasporNass au:
Dura nte os seus sete anos de governo, nunca poupou energias nem tampouco
dinheirodaCompanhia,emseuesforçoemproldode senvolvimentodacolônia.
Melhorou e ampliou o Recife de então, dotandoo de novas (e pavimentadas)
ruas,estradasepontes.Na adjacenteilhadeAntônioVaz,lançouosfunda mentos
de uma nova cidade a que deu o nome de Mauritia, ou Mauritsstad, cuja
localizaçãocorrespondeaocoraçãodamodernacidadedeRecife.Construiunela
duas espaçosas casas de campo, uma das quais provida de um b em sortido
aviário,alémdeumjardimzoológicoe outrobotânico,onde deuexpansãoaos
seus gostos, cultivando plantas frutíferas exóticas e transplantando árvores
66
tropicaisemlargaescala.Fundoutambémoprimeiroobservatórioastronômicoe
meteorológicodoNovoMundo,nelesendoguardadososregistrosrelativosaos
vent oseàschuvas.Tevemesmoemmenteafundaçãodeumauniversidade,que
seria freqüentada tanto pelos holandeses protestantes como pelos portugueses
católicos,projetoquetodavianuncafoi alémdopapel. (BOXER,1961,p. 157e
158).
Uma das maissábias atitudes de Nass aueraa suaexcepcional tolerância
religiosa. Nassau permitia a presença de padres, a realização de mis sas e outros
eventosreligiosos.Tolerava,igualmente,osjudeusquetammeramimportantes
nocomércio.SobreessaquestãoasseveraBoxer:
Umavezqueascrençasreligiosasdosnegrosedosameríndios(taiscomoeram)
estavam virtualmente foradainterferênciadasautoridades,podeseafirmar  que
duranteosanos degovernodeJoãoMaurícioaliberdadereligiosadequegozava
o Brasil neerlandês era maior do que a existente em qualquer outra parte do
mundoocidental.Sóissoeraoba stanteparafazêlomerecedordefamaerenome
duradouros. (BOXER,1961,p.173e174)
Entendia o perspicaz conde de Nas sau a necessidade e a importância de
conciliar e agradar o máximo possível os colonos da terra para conseguir
progresso.Taltarefanãodeviaserfácil.Sebematentar mos,oBrasilholandêsera
bastante heterogêneo. rias nacionalidades,  raças, religiões e, distintos estratos
sociais, ali se reuniam. Ainda assim, Maurício de Nassau alca nçou resultados
significativos. Entre suas medidas, esforçouse por pagar em dia os soldos dos
militares holandeses para que estes não tivessem desculpas para saquear os
67
moradores. E, em caso de infrações, os holandeses eram punidos. Elucida o
historiadorBoxer:Nomearamsejuízesregionaiseoficiaisdejustiçaparadecidir
sumariamentesobreospequenoscrimes.(...)Osportuguesesforamsubmetidosà
lei romanoholandesa, garantindoselhes porém igualdade de direitos com os
súditosdasProvínciasUnidas,ebemassimtratamentoequânimenoqueserefere
aos impostos.” (Boxer, 1961, p. 103). Além disso, foram criados conselhos
municipais e rurais para atender às petições  que fossem apresentadas pelos
habitantesdosdomínios hola ndeses. M auríc iode Nassauprovidencioutambéma
redução dos impostoseocréditoaos lavradores para quereconstruíss emosseus
engenhos. Enquanto muitas de s uas medidas eram malvistas pelos diretores da
Companhia, Nassau era sobremodo benquisto na colônia. Buscou ser diplomata,
procurandoterbonsre lacionamentoscomtodosossegmentossociaisdacolônia.
Boxer come nta que Nassau captara com êxito a confiança e a lealdade dos
ameríndios: João Maurício aceitava de bom grado que lhe dessem o título de
irmão,epossuíaumretratoemqueelepróprioaparecianomeiodeumgrupode
tapuias.Emverdade, mostravaterporelesamesmasimpatiaecompree nsãoque
seriadeesperarnumantropologistadoséculoXX.”(Boxer,1961,p.190).Nassau
só nãoabriumãodotrabalhoescravo. A expectativa de utilizarobraço livre do
homembranconãopassoudebrevepensamento,conformeexplicaBoxer,Nassau
afirmara,  por fim: ... não é possível realizar alguma coisa no Brasil s em
68
escravos...”(ApudBoxer,1961,p.117).Osnegros,porém,quelutassemaolado
doshola ndeses,recebiam cartadealforria.
Visionário,procurouincentivarapoliculturaparaqueacolôniasetornasse
autosuficiente,pelomenosquantoàalimentação.Amantedasartesedas ciências,
Nassau trouxeconsigoumseletogrupodecientistas,artistaseartíficesdosPaíses
Baixos. Entre estes, destacamos: o naturalista e astrônomo George Marcgrave, o
médicoecientistaDr.WillemPisoeospintoresAlbertEckhouteFransJanszPost. 
Acrescenta Boxer que Nassau também estimulava talentos locais qua ndo os
encontrava.
38
Apesardo lucrodoúcargeradoemseu governo,oPríncipedeNassau
(comogostavadeserchamado)
39
eramuitovaidosoeextremamentepród igotanto
comseudinheiro,comocomodaCompanhia.Destemodo,apesardaexcepcional
administração de Nassau e da sua popularidade, os diret ores da Companhia
38
Aapresentação,emnossotrabalho,dafigurahistóricadeMauríciodeNassauassinaladadetantasqualidadesé
conseqüênciam esmadosresultadosdenossapesquisa.Asbenfeitoriasdopríncipecomentadasnoslivrosdehistória
sãoverdadeiras,raramenteháregistrodealgumaobservaçãonegativasobreNassau.Éprovável,contudo,estarmos
diantedeumpersonagemhistóricomitificado,talvezporissoosdefeitosdocondedeNassauquasenãoaparecem.
Nesse ponto, as considerações de Capistrano de Abreu s urgem como exceção. No livro
Capítul os de história
colonial
,Capistranocomentaironicamentealgumasações“oport unistas”deNassau:“Emlimpezademãos(Nassau)
ficouinfinitamenteabaixodeMatiasdeAlbuquerque:estáprovadooseu conluioemcontrabandoscomGaspar Dias
Ferreira, que, como era natural, logrouo no ajuste das contas, feito em Holanda quando o príncipe já o
governava.”(ABREU.
Capítulosdehistóriacolonial:15001800
.Brasília:Ed.UniversidadedeBrasília,1982,p.
107).
39
Os holandeses já o chamavam de príncipe. Os moradores e p or tugueses incorporaram o tratamento.
Posteriormente,Nassautornasepríncipedefato,comoesclareceBoxer,pelasmãosdoimperadorFernandoIII.
69
resolvemretirálo docargoapós  a ratificação da trégua  comPortugal.Co nsidera
Boxerqueapartida deNassaufoisentidaelastimadapo rquasetodaacomunidade
dacolônia:holandeses,port ugueses,ricos,pobres,brancoseíndios;equeoprópr io
Nassautambém lamentoumuitoo fatode ter quedeixar a colôniae nãosó pela
perda de seu cargo: apesar de ser um estrangeiro, Nassau nutria uma sincera e
incomumafeiçãopeloBrasil.
Com a partida de Nass au, Recife já não s eria a mesma. A tendência
humanista e a preocupação coma colônia foramemboracom seugovernador. A
CompanhiadasÍndiasOcidentaiseraumasociedadefinanceiracujoúnicoobjetivo
eraolucro.Porconseguinte,comanovaadministraçãoholandesa,excluíramseo
crédito dos colonos, a igualdade de dire itos e os conselhos munic ipais.
Aumentaramse osimpostos, confiscaramse bensdoscolonosendividadosejánão
mais existia a liberdade religiosa. Além disso, a Companhia diminuiu os gastos
comos militares holandeses reduzindo o mero de soldados e a ração dos que
ficaram.Todasessasmedidasocasionaram,comoeradesees perar,arevoltados
colonos. Apartirde1645,irrompeuacha madaInsurreiçãoPer nambucanaqueem
1654conseguiu expulsar,demaneiradecisiva,os holandesesdoBrasil.
40
40
OshistoriadorescostumamdividirasGuerr asHolandesasemtrêsperíodos:InvasãoeConquistadePernambuco
(16301636);GovernodoPríncipeMauríciodeNassau(16371644);eInsurreiçãoeRestauraçãoPernambucana
70
2. InvadindoaInvasão:avezdaFicção
Efetuadonossobrevepasseiohistóricoaotempodosflamengos,vejamos,
agora, como a literatura
invadiu
o episódio histór ico da Invasão Holandesa,
especialmenteapolêmicageradaemtornodeCalabar, ecomoelaos recriou.
2.1AInvasãoHolandesanaLiteraturaBrasileira
Sem dúvida alguma, a Invasão Holandesa mexeu com as estruturas
administrativas, políticas e culturais da colônia. Podemos destacar, em especial,
dois pontos concernentes a este abalo gerado pela Invasão.  Primeirame nte, o
episódio deixou mais claro ainda o fato de que o Brasil tinha
dono
ou
donos
.
Alguns histor iadores, principalmente os que defendem o ponto de vista da
colonização portugues a, costumam associar às suas narrativas, sobre as guerras
holandesas, termos como: sentimento nativis ta”, nacionalismo”, patriotismo”,
filhosdePer nambuco”,bravosheróisdaresistência”,etc..Outros,enfatizambem
o fato de, naquela época, não existir ainda esse sentimento, essa consciência de
nação.Opiniãoquenosparece maisacer tada.Emdeterminado momentodapeça
Calabar, o elogio da traição
, o personagem Bárbara discute com Frei Manue l
(16451654).Algunsfalam emquatroperíodos aoincluírematentativadeinvasãoea recuperaçãoda Bahiaem
162425.
71
sobretra ição.Elea firma:Calabartraiu...”,aoqueBárbarareplica:Parasever
otraidorépreciso mostraracoisatraída.”. Emplenoaugedo poderioholandês,
estando o frade muito à vontade com os
invasores
, Bárbara simplesmente não
consegueveracoisatraída”.Ficaaquestão:oquehaviaparasertraído?Muitos
anos a inda passariam antes que emergisse realmente uma co nsciênc ia de nação.
Não podemos olvidar, porém, que a presença ho landesa na colônia tenha, em
alguns casos, suscitado questioname ntos, ou mesmo um certo sentimento
precursordenacionalismo”.
Umsegundo pontodiz respeitoà criação de lendas e mistériosem torno
dosholandeses.Aculturaestrangeiracomcertezadeixoumarcasnapopulaçãoda
época.Asavançadasobras de engenharia construídas pelosbatavos fascinarama
comunidade pernambucana que, basicamente, só conhecia enge nhos de úcar.
41
As diferenças culturais e as novidades tr azidas pelos ho landeses estimularam a
imaginação popular. No prefác io escrito para o livro
Tempo dos flamengos
de
GonsalvesdeMello,GilbertoFreyrecomentaesseaspectomaravilhosoo ulendário
dosflamengos:
“Coisadotempodosframengos”,dissememaisdeumhomemrústicodiantede
ruínasperdidasentreomatogulosamentetropical.Enã ofazmuitosanosque,nos
arredores de Leopoldina, surpreendi homens sisu dos em vastas e profundas
escavações”navãpesquisademaravilhosostesouros”dotempodosframengos.
41
Muitodoimagináriocriadoacercadosholandesesdeveuseà a dministraçãosingulardeMauríciodeNassau.
72
Otempodosframengoscontinuaigualnaimaginaçãodo nossopovoaotempo
dosmourosnaimaginaçãodosportugueses.ÀlegendaholandesanoBrasil,não
falta sequer o equivalente das mouras encantadas: a lenda da alamoa.
(MELLO,1987,p.17)
Os pontos, acima des tacados, por si só,  já constit uem rico mananc ial
literário.Enquantoumabordaquestõesdeidentidadenac ional,ooutroresvalapelo
mundodoestranhoedomaravilhoso.
2.2Nassau e Calabar
Alémdestespontos,pelomenos duas figurashistóricassobressaemseda
Invasão Holandesa a ponto de irem parar no texto literário como personagens
principais:JoãoMauríciodeNassau,pelafortepersonalidadeepelosatributos(já
expostos) concernentes ao seu insigne governo e Domingos Fernandes Calabar,
menospelassuasqualidadesdeguiaesoldadotãocarasaosholandeses,maispela
suaescolha;e,maisainda, pornãoses aberasrazõesdetalescolha.
“...Arespostaqueseesconde  nanévoadahistória”. Afrasepresenteno
artigo Por que, Calabar? O motivo da traição” do estudios o Frans Leonard
Schalkwijk, evidencia bem a perenidade da questão: por que Calabar mud ou de
lado?Passadosmaisde370anos,arespostacontinuadefatoperdidaentrebrumas.
Hipóteses?Sim,foramcriadasmuitashipóteses.Osmotivoslevantadosvariamde
73
patriotismo à fuga de crimes. Mas tudo não passa de especulação histór ica. O
professor Frans Schalkwijk empreende u, por exemplo, um interessante estudo
acercadaopçãodeCalabar.Emseutrabalho,Sc halkwijkrealizouvastapesq uisae
teveocuidadodeinvestigarfontesdeambososlados(portuguêseholandês).Após
uma rápida contextualização histórica, o autor apresenta diversos motivos que
poderia m ter le vado Calabar a desertar. Entre eles estaria a questão de honra.
Consideraoestudioso:
Umainterpretaçãobemmaisprováveléessaquestãodehonra;talvezdeglória,
masmuitomaisdereconhecimento,respeito,bomnome,dignidade.Vivendono
séculoXVII,porsermestiçoenãoportuguês‘desanguepuro’,Calabar,apesar
dassuasqualidades,decertaformaerauminferiorporcausadacordasuapele.
(...) E parece que até os holandeses sabiam da discriminação racial contra
Calabar. (...) O próprio governador de Pernambuco (16611664) escr eveu que
Calabarbuscaraentreosinimigos ‘aesperançaquelhe impediaentreosnossosa
vilezadonascimento.’(...)Poroutrolado,Calabardeveterobservadocomoos
holandeses tratavam melhor as pessoas de cor. E quem sabe Calabar também
fosseumtantoambiciosoepensassequepoderiafazercarreiradooutrolado,o
quenumcertosentidoaconteceu. (SCHALKWIJK,2000,p.7)
FransSchalkwijkasseveraq ueatéhojenãos esabe, verdadeiramente,qual
seriaomotivo,ouquaisseriamos motivos, datraição”deCalabar. Naopiniãodo
pesquisador, forças “centrípetas e centrífugas”, agindo de cada lado, teriam
concorridoparaadeserçãodeCalabarque,comcerteza,de vetertomadoadecisão
decasopensado,enãointempestivamente,aindaquepossaterexistidouma“ gota
74
água”. Finaliza:“Provavelmente,elefoimovidoporummistodemot ivos,tendo
o amor à s ua terra natal como Leit motiv. Porém, foi sempre uma motivação
mesclada.”(Schalkwijk,2000,p.9).
Conquanto interessante, esse estudo não deixa de ser mais uma opinião.
Conformeponderajudiciosame nteopró prioautor,nadasepodecomprovarjáque
os possíveis motivos da deserção não aparecem em nenhuma das fo ntes
encontradas. Portanto, permanece a dúvida. Não obstante, é justamente dessa
incertezaquepromole gadodeC alabar.Éapartirdaincertezaquepululamas
conjeturas, que se abrem as lacunas. Tais lac unas, inevitavelmente, atraem a
literatura que,porsuavez,proc ura preencheralgumas e abriro utras. Assim,das
diferenteshistórias,emergem diversos“Calabares”.
Entretanto, e mbora tão suscetíveis à apropriação literária, os temas da
Invasão Holandesa e do enigmático Calabar não apareceram tanto na literatura
brasileira como seria de se esperar. Pe lo menos, não até  a segunda metade do
século XIX, como nos informa Maria do Carmo Lanna Figueiredo no texto
Memórialiteráriadosho landesesnoBrasil”.
42
Noiníciodoart igoécolocadaessa
questão: por que a presença holandesa no Brasil” comparece apenas
espars amentenaliteraturadopaís”?Consideraaautora:Podesecompreendera
42
FIGUEIREDO,Niterói:
RevistaGragoa
, 1999.Esteartigodefendequeoviésmulticulturaldasociedade
brasileirateveiníciojánaépocadaColônia.Paratanto,servesedealgumasobrasliteráriasquetematizama
presençaholandesanoBrasil.
75
facetaàluzdaexigüidadedaproduçãoliteráriacolonialeàluzdodiletantis modos
autores de então. Tais motivos, no entanto, não dão contade explicar por queo
episódiocontinuaa serpoucofocalizadonaliteraturaposterior.”( Figueiredo,1999,
p. 61). De  fato, como explicar o escasso aproveitame nto literário desse tema a
partirdoRomantismo?Poderíamosindagar:atéquepontoa historiografiaoficial
nãoinfluenciouessaquestão?Afinal,aescolhadeumtemahistóriconãoégratuita.
FazseoportunolembrarmosaquiocuidadoqueJosédeAlencar teveaoselecionar
suamatériahistórica.Quandolhefoiencomendadoumdramahistó rico,otemadas
guerras holandesas afigurouselhe “complicado”. E, para sua desdita, o tema
escolhido também nã o foi feliz no final das contas.  Mas agora somos nós a
especular,deixemosaq uestãoemaberto.Ofatoéquesãorelativamentepoucasas
obrasliteráriasqueabordamapres ençahola ndesanoBrasileafiguradeCalabar.
Embora no século XX esse quadro tenhase modificado. Mas, enfim, sobre esta
parca produção literária vejamos aqui alguns exemplos, mais a título de caráter
informativo.
43
Como vimos com a estudiosa Maria do Carmo Figueiredo, o período
holandêsnãodespertouinteressenaincipienteliteraturacolonial.Afirma aautora:
Com raras exceções, como é o caso do Canto IX do
C aramuru
de Santa Rita
43
Nãotemosaquiapretensãoderealizarumvastoestudoencerrandotodasasobrasdaliteraturabrasileiraquefalam
sobreaInvasãoHolandesa.Nestecapítulo,estamosapenascomentandoaapropriaçãoliteráriadotemaemquestão.
Ouseja,adentrandoumpoucoo“ambiente”literáriodaInvasãoHolan desa.
76
Durão, via de regra as guerras holandesas comparecem na literatura apenas em
alusãopassageiraouemtópicodeenfadonhaspoesiasencomiásticas.”(Figueiredo,
1999,p.61).Geralmente,ostextosquefalamsobreoBrasilholandês”costumam
posicionarse a favor de u m dos lados. No cas o do Canto IX do
Caramuru
, a
propósito,podemosverc lara menteumposicionamentofavorávelaosportugueses.
Vejamos,porexemplo,aestrofedemeroX:
Oh, disse,honraimortaldonomeluso,
Coraçõesvalorosos,queemtalsorte
Fazeisdadocevidaomelhoruso,
Compra ndoaglória comainvictamorte!
Vedessemformaobatavoconfuso,
Davalorosaespadaexpostaaocorte:
Corraseàsarmas,que,seosnãovencemos,
Sem apátriavingarnãomorreremos.
Já no Romantismo, até onde sabemos, há somente uma obra para se
mencionar: o dra ma poético
Calabar,
do baiano Agrário de Souza Menezes. De
acordocomaestudiosaLucianaStegagnoPicchio,essedramahistórico,escritoem
1858, aborda essencialmente a questão da hierarquia racial. Sobre o personagem
Calabar,cons ideraaestudiosa:...afunçãodetraidorrebeldeéconfiada(estímulo
byroniano, mas também experiência localista) ao mulato, ao qual exatamente a
‘impureza’racialconfereemblematicamenteambigüidadepsicológica.”(Stegagno
Picchio,1997,p.236).Conformeasobser vaçõesdeMariadoCarmoFigueiredo,
77
nestaobra,nãorestamdúvidassobreatraiçãodeCalabar,somandoseaindauma
agravante,a justificativa”racista.
Doquetemosnotícia,aspróximasobrasrelativasàInvasãoHolandesasó
surgem já no séculoXX. Em1960, o escritor João Fecio dos Santos publica o
romancehistórico
MajorCalabar
.
44
Ahistóriapercorreosanosde1630 até1635.
Ouseja ,do iníciodaInvasão HolandesaemPernambucoà mortedeCalabarem
julho de 1635. Estão presentes na trama personagens fictícios e personagens
históricos do lado português e do lado holandês. Como indica o título, o
personagemprinc ipal éDomingosFernandesCalabar.
Nesseromance,Calabaréapresentadocomopersonagem,munidodebons
e maus propósitos. Primeiramente, encontramos o mulato lutando ao lado dos 
portugueses.Segueseoperíododeconflitoeamudançadelado.Entreosmotivos
quefizeramoCalabardesteromancedesertar,es tãomuitosdaquelesaventadospor
historiadores, todos hipotéticos. O processo de deserção iniciase com algumas
observações feitas pelo protagonista: “Os holandeses – havia que reconhecer
sabiamoquefaziam.Oistmomesmoestavamelhorandonoaterro...Secomtanta
44
Aliás,João Felício dosSantosdesenvolveu umaproduçãoliteráriaconsiderávelna linhadoroman ceh istórico:
JoAbade
(1958),
CristodeLama
(1964),
CarlotaJoaquina,arainhadevassa
(1968),
Ataíde,azulevermelho
(1969),
XicadaSilva
(1976)e
Aguerrilheira:romance davidadeAnitaGaribaldi
(1979).
78
dificuldadeaqueles homenserguiam uma cidade, o que não fariamempaz, com
auxílioaté...”(Santos,1960,p.66)
45
.
Emseguida,utilizandosepredominantementedodiscursoindiretolivre,o
autorrelatacomosurgiu aidéia”:
Aidéiaencostoudevagarinhocomoc oisaquenãoquisesseencostar:Eseelese
passasse?/Sentiuquesuaajudaestavafazendofaltadoladodelá.Imaginouse
defardaazul,dirigindoumatropabonitacontraoshomensdeDomMathias./O
mulatopercebianosholandesesumaforçanova,gigantesca,disciplinada.Cuspiu
pelafalhadedentesumazangadainfladadeorgulhoporsereconhecerca pazde
dirigirosinvasorescomprecisão./Pelomenos,Waerdenburchhaviadeapreciar
melhorsuasvalias. /Nãofaziamuitotempo...Nodiaemquesalvoudasfomesdo
mardoisportugueses,num mergulho bonito por baixo dos arrecifes do porto,
echegouemterratodocobertodelanhosdoscorais,ocomandantegeralfezfoi
prometerumarecompensaque sóficouna promessa./(...)/ Calabar,fervendono
desaforodeDom Mathias,subiua obarrancocomumadecisãomaluca apontando
na zamboada dos pensamentos. / O maior conhecedor de buraco de terra e de
bocademardePernambucofaloualtocomosedissessea spalavrasparaalguém
decabeçadura: P orquenãot entar outrasorte?Ondenãohámaisesperaanão
secometemerros!... (SANTOS, 1960,p.104e105).
Assim,naobradeJoãoFelíciodosSantos,duasrazões, emespecial,levam
Calabarades ertar.Primeiramente,acrença–ce rtaouerrada–dequeodomínio
holandêsa indaseria melhorparao Bras ildoqueoportuguêsouespanhol.Logo
quemudadelado,apósreceberapate ntedemajor,Calabarafirma:Comandante
Waerdenburch,nãovimaquiatrásdepatentes.Vimporqueestouconvencidoque
este é o caminho certo pa ra o futuro de minha terra.” (Santos, 1960, p. 115).
45
SANTOS,JoãoFelíciodos.
MajorCalabar
.SP:Círculodolivro,1960.
79
Contudo, mesclado a este motivo intencionalmente bom estava outro
o o
elevado
: orgulho. Fica claro no livro que Calabar era orgulhoso e vaidoso, que
gostavadepatentese, maisdoquepatentes,dereconhecimento,deadmiração.O
romance adota a suposição de que do lado dos portugueses, Calabar não era
valorizado.Apropósito,agotad´águadadecisãodeCalabar,nanarrativadeJoão
Felício, seria o fato do conde italiano Bagnuolo têlo insultado:  Guardate
negro!”/ (...) /Enãose atrevaa falarmediretamente!Iosonoumsuperiore.
Visto!”(Santos,1960,p.112).Poroutrolado,Calabarpensavanaperspectivade
sua va loração pelos flamengos. Com os seus conhecimentos,  como ele seria
apreciado. ..Aliás,Calabarhaviainclusiverecebidopropostasdosholandesespara
trocar de lado: Os bilhe tes eram recados bonitos de Waerdenburch e o último
delesofereciaao mamelucoa patente de major numdireto semtabela.” (Santos,
1960,p.107). 
Nalista de ro mances históricos, organizada por SeymourMenton,
Major
Calabar
encontrase na categoria dos romances históricos tidos  como mais
tradiciona is. De fato, ainda que não siga rigorosamente o modelo de Scott, o
romance de João Fecio dos Santos não pode ser considerado um exemplo do
Novo Romance Histórico, pelo fato mesmo de não apresentar as características
destesubgêneroliterário.
80
Olivronãoche gaatomarpartidoentreosladosdaguerra.Nesseromance,
nãoenxergamosemCalabar nem umpérfido traidor ne m um heróipatriota, mas
alguma coisa
entre esses dois extremos. Apesar da postura não partidá ria do
romance, não verifica mos ness a obra uma releitura dessacralizante, na qual os
artifíciosdaintertextualidade,daparódiaedaironiaconcorressemnorepensarda
História,comoveremosem
Calabar,oelogiodatraição
.
Outroromance histó ricoquetratade Calabar, aindaqueincidentalmente,
intitulase
O Príncipe de Nass au
. Bem anterior ao
Major Calabar
, o romance
escritoporPaulo Setúbal,foipublicadoem1926.
46
Atéondepodemosaveriguarna
nossapesquisa,
OPríncipedeNassau
éoprimeirotextoliteráriosobreaInvasão
Holandesa pub licado no século XX. Como o livro de João Fe lício dos Santos,
tammestesecompõedepersonagenseepisódioshistór icosefictícios.Poroutro
lado, o livro de Paulo Setúbal compreende, não o começo, mas o apogeu e o
declíniododomínioholandês,comonosesclareceoautornoprefácio:
Surpreendi,apenas,osbata vosnoaugedoseudomínio.(...)Passouseotempo,
propriamente, da conquista de Pernambuco e das capitanias adjacentes. Estão,
agora,osflamengosnoapogeu,solidificadosnaterranova.Esseapogeu,quefoi
46
O exemplar queconseguimosd´
O Príncipe de Nassau
já éda 8ª. ediçãode 1957. ComoFelíciodos Santos,
também Paulo Setúbal direcionou sua escrita para o romance histórico. Encaixados nesse subgênero estão:
A
Marquesade Santos
(1925)
,As maluquicesdoImperador
(1927)  (contoshistóricos)
, O Sonho das Esmeraldas
(1935) e
ORomancedePrata
(1935).
81
brilhante,earevoluçãopernambucana,quefoiépica,oosfundamentosdeste
livro. (SETÚBAL,1957,p.6)
47
Emoutrostermos,dogovernodeNa ssauatéaBatalhadeGuararapes(quandoos
holandesessão vencidose expulsos). 
Alguns aspectos do Príncipe, neste romance, identificamse nitidamente
comas descrições histó ricasda figura de Nassau.Astuto,altivo,bemhumorado,
empreendedor são algumas das qualidades que observamos no personagem.
Adicionemos, ainda, a afeição e admiração que o conde possuía pelo Brasil.
Vejamos,apropósito,ostrechosabaixo:
ApolíticadoPríncipe,des deoinício dogovernof ôraapolíticadeconciliação.
Eradeverseosfrutosdela!Qu eprodígio!
Lá em baixo, na ilha de Antônio Vaz, florescia, nova, os telhados ainda
vermelhos,aquelafamosaCidadeMaurícia,o assombrodaépoca, comoseubelo
Palácio de Friburgo, com as pontes de rijo tabuado, as grossas fortalezas,
roqueiras,asruelaspitorescamente ensombradas de árvores eregadas deáguas
cantantes.(...)
Maurício, da praia, contemplava, orgulhoso, o panorama sob erbo. Com um
sorriso, ocoraçãoinflamado,nãopoder eprimirse:
Comoistoébelo,CarlosTourlon!Comoéformosaestaterra!Éamaisformosa
terradomundo...  (SETÚBAL,1957,p.12e13).
A partir do título do livro, inferimos que Maurício de Nassau seja o
personagemprincipaldahistória.Contudo,nãoéexatamenteassim.OPríncipede
47
SETÚBAL,Paulo.
OPríncipedeNassau
.SP:Saraiva,1957.
82
Nassau, efetivamente, só se apresenta na trama como um príncipe figurativo:
usufruindoosdeleitesdeseuPalácio,promovendofestasecava lhadas,recebendo
amistosaeindistintamenteamigos,aliadoseinimigos”.
48
Oladodocomandante,
doestadista,daquelequetomadecisões,quasenãoaparece.
Sobressaemse, no romance, outros personagens históricos como André
Vidal de Negreiros, João Fernandes Vieira, Gaspar Dias Ferreira, D. Ana Pais,
Carlos Tourlon, o própr io Frei Manuel do Salvador, cuja personalidade, aliás,
afigurase,nesteromance,bemdiversadaqueencontramosem
Calabar
deChico
BuarqueeRuyGuerraeemtextoshistóricos.Alémdessespersonagens,aparecem
ainda os personagens R odrigo Mendanha e Carlota Haringue, cujo fictício
relacionamentoa morosocaminhamaiso umenos paralelo aos episódioshistóricos.
Observamos, ness e livro, uma tomada de posição pelos portugueses.
Fazemse presentes, no romance, de modo bem enfático, sentimentos de
nacionalidadeedepatriotismo.Essesentimentonacionalistainicial,porém,ainda
muito modesto, identificase com a colonização port uguesa. Como associar um
sentimentonacionalistapara comoBrasil,sendo,aomesmotempo,coniventeco m
apermanênc iadestecomo colôniadePortugal?Nanarrativaaparecemuitoafrase:
Fulano é brasileiro.”. Mas,  além de ser natural do Brasil, o que significava,
naquelaépoca,naquelecontexto,
serbrasileiro
?Aindanãoexistiaumanação,ne m
48
Entreoutros:AndréVidaldeNegr eiroseJoãoFernandesVieira.
83
mesmoumfortedesejodeindependência,comonocasodaInconfidênciaMine ira.
Oqueexistiaaquieraumpovoaindaemformaçãoemuitasdisputasporterrase
lucros.
A respeito de Calabar, encontramos uma referência já quase no final do
livro, no capítulo 17. Aqui o conceito sobre Calabar em muito se assemelha ao
presente no poema dramático de Agrário de Sousa Menezes, considerandos e a
traiçãodo  alagoano incontestável.Valea penaconferirmoso trechodoromance
concernenteaCalabar:
Estamoshojemu itobemvingados!
?
Sim,senhor!VingadosdatraiçãodeCa labar...
Quemulatoinfame,atalhouRodrigovivamente;aquele,sim,aqueleéquefoia
causadosnossosmales...
Éverdade,concordouVidal;senãofosseCalabar,hoje,certamente,nãohavia
flamengosnoBra sil.FoielequemdeuganhodecausaaosdeHolanda.Osbelgas
não conheciam a terra. Estavam sendo dizimados pelas nossas guerrilhas de
emb oscadas.Iaentr eelesgrandedesânimo.MaseisqueCalabarosconduzpelos
matos,mostralhesosatalhos,osesconderijos,aregiãoint eira ,palmoapalmo.Só
então,comaajudadomisevel,équeosinvasoresconquistaramdefinitivamente
oBrasil.Mas,Calabareraummestiço.Umfilhodenegroeíndia.
49
Tipoà toaa
quem Mathias de Albuquerque ameou de açoitar. Foi diante dessa ameaça,
temendoasurra,queocacodesertouparaosinvasores.Nãopodiahaveralmatão
inferior. Era uma esria. No entanto– é preciso dizer – Calabar desertoupor
49
Sobre a raça dos pais de Calabar encontramos muitasdivergências tanto em textosliterários, como em textos
históricos.Muitosdizemqueopaieraumportuguêsbranco.Sobreamãe,afirmamuns,queeranegra,outros,que
eraíndia.Calabarseria,portanto,oumulatooumameluco.Noromanceemquestão,sendofilhodenegroeíndia,
Calabarseriacafuzo.Outros,sugeremqueamãeeramestiçadenegrocomíndio.OcertoéqueCalabareramestiço.
84
simples assomo de vingança, sem receber uma só placa, sem se vender. Mas
Hoogstr aten?Umflamengo!Umbranco!Éumhomemdesses,vejalá,umoficial
graduado,quehojesevendepordezoitomilcruzados!Fra ncamente,meucaro,é
umatraiçãomaisvilqueatraiçãodeCalabar...
.
(SETÚBAL,1957,p.224e225)
Calabar era um traidor”, uma escória”, não podia haver alma tão
inferior”, mas,
pelo menos,
ele era um mestiço”.
Podia trair, era até esperado
.
Porém,umb ranco”?Umoficialgraduado”? !Conformepodemosverificar,neste
cotejamentoentre“ traidores”,procurasejustificaratraição”deCalabar,maisou
menoscomoem
Calabar
de1858,atra vésda“impureza”dosangue, comojáfrisou
StegagnoPicchio.
Os grandes heróis do romance são exatamente aqueles da historiografia
oficial:AndréVidaldeNegreirose JoãoFernandesVie ira.Alémde,a cadaum,ser
dedicado um capítulo, estão lá, ambos devidamente condecorados, no final do
romance:
AndréVidalpartiuparaPortugallevaraoReianotíciasuprema.JoãoFernandes,
pouco depois, também partia para lá. Receberam ambos, da munificência real,
assinaladasmercês.Fernandes VieirafoiagraciadocomaalcaidariadePinhele
ascomendasdeTorradaeSantaEugêniadaAla;foinomeadoCapitãoGeneralde
Angola egovernadordaParaíba.AndréVidalfoiagraciadocomacomendadeS.
Pedro do Sul, as alcaidarias de Marialva e de Moreira; foi nomeado Capitão
GeneraldoMaranhão,e,logodepois,CapitãoGeneraldePernambuco.
Talfoioepílogodosdoisgra ndesheróisdaguerraholandesa. (SETÚBAL,
1957,p.256)
85
FelipeCamarão(Pot i)e HenriqueDiastambémparticipamda históriade
PauloSetúbalcomoheróis”,masnãorecebem o mesmodestaquequeosoutros
dois,embora,historicame nte,tenhamparticipadomaisativamentedaslutascontra
a Invasão Holandesa, combatendo ao lado dos portugueses. Como sabemos, as
únicas  mercês” que eles alcançaram foram sunt uosos (e ilusórios) títulos.  Para
Camarão, os portugueses concederam o título de Governador e CapitãoMor de
TodososÍndiosdaCostadoBrasile,para HenriqueDias,otítulodeGovernador
dosPretos,CriouloseMulatosdePernambuco.Mas,afinaldecontas,eram
apenas
um
índio
eum
negro
...
OPríncipedeNassau
nãoestápresentenalistadosromanceshistóricosde
SeymourMenton.Nã otemosreceio,contudo,deconsiderálocomoumromance
históricotradicional.Nã ohánesseromanceintençãodesequestionarahistória;na
realidade,olivropretendeapresentar,nãoahistóriadespojadadeseusatavios”,
comonosdizoautor,masuma
históriasedutora
,naqualtenhalugaralenda,o
fatocurioso,aanedotainteressante,oepisódionovelesco”:
Sacudirumpoucoessaindiferença,contribuircomqualqueresforço,umgrão
deareiaqueseja,paraqueopovoseinteressepelasuahistória,eisoferrãoque
meaguilhoaapublicarestenovoromance.
OPríncipedeNassau
,assimcomoo
tracei, o tem outro intuito senãoo de por ao alcance de toda gente, com a
amenidadedequefuicapaz,umperíodoquaseselvagem,masinteressantíssimo,
quehámuitojásefoi.”
(SETÚBAL,1957,p.5)
86
Outro fatorquecontribuipara nossaclassificação tratase do episódiode
amor, já mencionado, entre os personagens C arlota e Rodrigo, típico do RHT
50
,
esserelaciona mentoamoroso,todavia,nãoficaemprimeiroplanonanarrativade
Setúbal;nivelase,naverdade ,aosfatoshistóricosexpostos.
Em1974,jánomesmoperíodode
Calabar,oelogiodatraição
,Calabar
emergenas
Poesias
deJorgedeLi ma.Eisopoemanaíntegra:
CALABAR
DOMINGOSFernandesCalabar
euteperdôo!
Tunãosabias
decertooquefazias
filhocafuz
desinháÂngeladoArraialdoBomJesus.
SetuvencessesCalabar!
Seemvezdep ortugueses,
holandeses!?
Aides!
Aidessemascoisasdeliciosas
queemsmoram:
redes,
rezas,
novenas,
procissões,
eessatristeza,Calabar,
eessaalegriadanada,quesesente,
subindo,balançando,aalmadagente.
Calabar,tunãosentiste
50
RHT:RomanceHistóricoTradicional
87
essaalegriagostosadesertriste!
51
Ver ificamos nesse poema, antes de tudo, um verdadeiro louvor à tão
singular melancolia portuguesa herdada pelos brasileiros. Neste elogio, fica a
confirmação do erro” de Calabar, seguida do perdão do poeta”.
Ele
não sabia.
Nãoimaginavaquesemosportuguesesnãosentiríamosaalegriagostosadeser
triste”.
DozeanosdepoisdeescritaapeçadeChico BuarqueeRuyGuerra, éavez
do escritor Lêdo Ivo retomar o tema de Calabar. Publica, em 1985, o poema
dramático
Calabar
.Co mumritmosemelhanteaopoema
MorteeVidaSeverina
de
João C abral de Melo Neto,
Calabar
de Lêdo I vo associa, na realidade, duas
temáticas:aquestãodoturismonoNordeste,naqualsefalasob reaexistênciade
umNordestemaquiado”eoutrorealísticoeadefesa”deC alabar.Nestepoema
tammseobservaumclaroposicionamento, sendoqueagoraafavordeCalabar.
Vejamos,arespeito,ostrechosabaixo:
52
51
LIMA,Jorgede.“Calabar”.In:
ObraCompleta
.RJ:JoAguilar,1958.(p.262)
52
IVO,Ledo.
Calabar:um poemadramático
.RJ:Record,1985.
OTURISTA
Aqu iestouparavisitar
otúmulodeCalabar.
Eletraiunossa Pátria
duranteaguerraholandesa
notempoemqueoBrasil
88
pertenciaaPortugal
quepertenciaaEspanha.
Pelomenosfoiassim
Queaprendinaescola.(p.14)
OESCREVENTE
Masoqu edizvosmicê
estrangeir odeS.Paulo,
sobreoMajor Calabar,
é tudo,menosverdade.
Malperguntando,pergunto
a quemtraiuCalabar?
a quepátriatraiaquele
quenãotempátrianenhuma
eésoprado emtodaparte
comoo ventoeaespuma?(p.15)
UMAVOZ
Calabarnãomora
nahistóriaescrita
dequalquer cartilha
queensinaomenino
a sermentiroso
desdepequenino.
Queensinaogaroto
a crescercommedo
deabriraboca.
Queensinaosilêncio
emlugardogrito,
aconselhaorecuo
emlugardoavanço,
garantequeocovar de
émelhorqueobravo.(p.31)
89
UMAVOZ
Calabarmoranotúmulo
secretodosguerrilheiros.
Moranacovaescondida
dosquemorreramquerendo
mudaraordemdomundo.
Seusrestos esquartejados
Estãodispersosnavala
Dosdesaparecidos
Que,embora pertençamàmorte,
Aindapertencemàvida, 
Vivosenterrados
Enterradosvivos.
(p.33).
Como podemos nota r, no poema de Lêdo Ivo, Calabar não é
considerado tra idor,  pelo contrário, ele estaria mais pxi mo da figura do
herói.Asrazõesdessavisãodefensivanãoestãoexplícitasnaobra.Épossível
inferir,porém,que,conformeopontode vistadopoema,nãosepodiafalar
em Pátria na época da Invasão e que valia a pena arriscar outra sorte.
Ressaltamos que este poema dramático não se caracteriza como um drama
histórico. Apesar de abordar o pers onagem histórico de Calabar, a ão do
textodeLêdoIvonãosepassanoperíododaInvasão(séc uloXVII),massim
nopresente(séculoXX).Areferênciaaoperíodoholandêse,emes pecial,a
Calabar iniciase a partir da curiosidade do turista de São Paulo que veio
conheceroNordes te.
90
Além das obras sumariamente aqui comentadas, deparamonos com
referênc ias aoutrasobrasquepos suemcomotemaaInvasãoHolandesa.Entre
estas: algumas se re ferem mais ao ppr io C alabar
53
; outras, ao conde
MauríciodeNassaueoutras,àsguerrasholandesas,sejacomotemaprincipal
ousecundário.
54
53
Nãoincluímosaquioromance
Calabar
deMendesLealJr.,de1859,porsetratardeautorportuguês.
54
Veranexo1
91
IIIC ALABARNANOVAFICÇÃOHISTÓRICA
Calabar é um assunto encerrado. Apenas um nome.
Umverbete.Equemdisserocontrário,atentacontra
a segurança do Estado e contra as suas razões. Por
isso o Estado deve usar do seu poder para o calar.
Porqueoqueimportaoéaverdadeintrínsecadas
coisas,masamaneiracomoelasvãosercontadasao
povo. 
55
Atentandocontraasrazões doEstado,da HistoriografiaOficialede
qualquersistemarepressor,ChicoBuarquedeHolandaeRuyGuerraretomam
o assunto Calabar” em pleno regime militar. O tema histórico da Invasão
Holandesa, tratado anteriormente em romances e dramas históricos,  sofre
evidente processode dessacralização notexto inovador de Chico Buarquee
RuyGuerra,
Calabar,oelogiodatraição
.
Analisando a Vertente Crítica” da obra de Chico Buarque, Adé lia
BezerradeMeneses considera:Hádesees tudarem
Calabar
atentativade
desmistificaçãodaHistóriadoBrasil–eumadessacralizaçãodaHistóriaem
geral–feitaatravésdasátira,porvezesimpiedosa.”.
56
Comefeito,
Calabar
57
55
GUERRA,HOLANDA,2000,p.106
56
MENESES,AdéliaB. de.
Desenho Mágico:poesiaepolíticaemChicoBuarque.
SP:Ateliê,2002,p.171.
57
A partir daqui, para efeito prático, sempre que empregarmoso ter mo
Calabar
estaremos nos referindo
especificamenteàpeçateatral
Calabar,oelogiodatraição
deChicoBuarqueeRuyGuerra.
92
éumtextopro vocativo,instigantee“malcomportado”,comobe madjetivou o
diretordapeça FernandoPeixoto.Nã osemumaboadosede humor,apeça
desmistifica valores e, em especial, põe em xeque o conceito abstrat o de
traição.
Se, como mostramos nocapítulo anterior,surgira mdiversosretratos
deCalabarnaliteratura:umCalabartraidor”,infame”,desanguemestiço,
conseqüentemente ,
impuro”; um Calabar que deserta por motivos de
patriotismo(supondoqueodo mínio holandêsfosse melhor)eorgulho(para
serrespeitado,admiradoeva lorizado);umC alabarquaseheróiq ue“nãomora
na histó ria escrita”, mas na cova es condida dos que morreram querendo
mudar a ordemdo mundo” (I vo, 1985, p. 33); que Calabar encontramos na
obradeChicoBuarqueeRuyGuerra?
Aresposta àpergunta acimacolocada,constitui,naverdade,ocoraç ão
mesmo de nossotrabalho. Aoquestionar as versões históricasjá instituídas,
Calabar
terminaporseaproximardeumanovamodalidadeliterária,comojá
aventamos no fina l do capítulo 1: o Novo Romance Hist órico latino
americano. Portanto, ultrapassando as fr onteiras dos gêneros literários, ou
seja, transpondo as ca racteríst icas do NRH ao drama,  vejamos porque
Calabar, O Elogio da Traiç ão
pode ser considerado um modelo do novo
dramahistórico”.
93
1. Dessacralizaçãodeversõeshistóricas:recontando Calabar
OtraidorsechamaCalabar.
Outrosterãolevadosegredos,
Outrosterãolevadopropinas,
Masessessabemseportar
Outrosterãosesujadoascalças,
Outrosterãodelatadoamigos,
Masessesvoltamprajantar.
(...)
OtraidorsechamaCalabar.
Claro,claro,claro,claro.
Omelhortraidoréoqueseescala,
Corpo prontoparaabala,
Se encurrala,seapunhala
Eseespetanumavala.
Se amarrotaenãoestala
Ecabedentrodamala,
Se despeja numavala
Enãosefalanasala.
58
Focalizando a figura histórica de Calabar, João Felício dos Santos,
como vimos, selecionou para o seu romance,
Major Calabar
, os  primeiros
anos da Invasão Holandesa. Já em
O Príncipe de Nassau
, Paulo Setúbal
elegeua culminânciae a decadênciado período holandês, destacando,deste
modo, o conde de Nass au e, princ ipalmente, a Insurreição Pernambucana
que, nas suas palavras, foiépica”. Os autores de
Calabar
, por sua vez,
58
GUERRA,HOLANDA,2000,p.53e54.
94
recortaram dois momentos das Guerras Holandesas: primeiramente,
enfatizandoo personage mde Calabar, a históriatranscorre noano de 1635;
em seguida, a peça contempla os anos de 1637 a 1644, abrangendo,
precisamente, o governo de Nassau. Esses dois mome ntos correspondem
respectivamenteao1º.e2º.atosdapeça.
Assim, de forma bem sucinta,  desenrolamse no primeiro ato: a
maquinaçãodaciladaaPortoCalvo,naqua lCalabarécapturado;odiálogo
entreocomandanteholandêseMathiasde Albuquerquesobreascláusulasda
rendição dos holandeses e a execução  de Calabar. No segundo ato, o
leitor/espectadorétransportado”àchegadasoleneedelirante(regadaaum
frevo ras gado”) de Maurício de Nassau. Seguemse algumas medidas do
Conde de Nassau como gove rnador do Brasil hola ndês; a notícia da
Restauração do trono português e as comemorações do fato; a morte de
SebastiãodeSouto,delatoreresponsá velpelamortedeCalabar, eapartidade
Nassau.
Esses acontecimentos, acima sinteticamente expostos, desdobra mse
em
Calabar
defo rmabastantesingular.Os fatoshistóricostemperadoscom
ironiamordaz revelamposturacríticaereflexivaeclaroq uestionamentosobre
atraição.Osautoresnãoseintimidaramemrecorreraoexpedientedaparód ia.
De instante em instante, notamos em
Calabar
a presença de trechos ou
95
referênc ias de outros textos literários ou históricos e todos esses fatores
coadunamseàs carac terísticasdoNRH.
Lançando mão, portanto, da lista de características do NRH
organizadaporFernandoAinsaejáaquimencionadanocap ítulo1,podemos
observar, desde logo, a presença de duas dessas características no texto
dramáticodeChicoBuarqueeRuyGuerra:
Onovoromancehistóricocaracterizaseporfazerumareleituracríticadahistória.
Areleiturapropostaimpugnaalegitimaçãoinstauradapelasversõesoficiaisdahistória.
Nesse sentido a literatura visa suprir as deficiências da historiografia tradicional,
conservadora e preconceituosa,  dando voz a tudo o que foi negado, silenciado ou
perseguidopelahistória. (
Apud
ESTEVES,1998,p.133)
A Histór ia, como produção humana que é, não se constrói
inocentemente. Não é a verdade que ela revela, mas po ntos verdadeiros
mergulhad os em pontos fictícios, frutos de memór ias; memórias, por seu
turno, fragmentadas, inventadas, esquecidas... Entretanto, nada disso é
novidade. Sobrea verdade,aliás,os historiadoressabemque nãoé possível
capturála pura. Conforme nos assevera Peter Burke, no texto A história
comomemóriasocial”:
Lembrar o passado e escrever sobr e ele já não parecem p oder ser
consideradas atividades inocentes. Nem as recordações nem as histórias
nos parecem objetivas. Em ambos os casos estamos a aprender a estar
atentosàseleçãoconscienteouinconscient e àinterpretaçãoeàdistorção.
(BURKE, 1992,p.236).
96
Não obstante, permanece ainda, em nossa cultura, uma história
prepote nte,detentorademuitas“verdades”e, sobremodo,parcial:falamosda
Históriaoficial.
59
Éessahistór iaquevairelatar,desdeosbancosdeescola,o
episódio da Invasão Holandesa no Brasil sob a óptica da colonização
portuguesa.Aqui,anarraçãodosfatoshistór icosassumeumaspectobipolar.
Doladodomal,es tãoosinvasores,osheregesholandeses, e,doladodobem:
portugueses,espanhóis,nativosdediferentesraças todoslutandojuntospara
defender o Brasil
. E, no meio de toda essa história,
um
traidor: Domingos
Ferna ndesCalabar.
60
Sabemos, co ntudo, que essa versão maniqueísta do passado não
corresponde à realidade, pelo contrário, são inúmeras as nuanças dos fatos
históricos. NaépocadaInvasão,longedesefalaremum paísindependente,o
Brasil era apenas uma colônia, ou colônia de uma quase colônia já que
Portugal, por sua vez, enco ntrava se sob o jugo da Espanha. Na verdade, a
questão concernente aos holandeses era uma questão de quem ficaria
colonizando o Brasil. A propósito, esclarece Fernando Peixoto, em uma
espéciedeprefácio:
59
Quando,emn ossoestudoacercadapeça
Calabar,
falamossobrea“dessacralizaçãodahistória”,referimo
nosàversãomaistradicionaleconservadoradahistóriaoficial.
60
Felizmente,verificaseatualmentemudançasignificativanoensinodeHistória.Oslivrosemanuaisdo
ensinofundamentaledoensinomédiojáapresentamcarátermaiscríticoemenosparcialacercadahistóriado
Brasil.
97
A batalha é travada em nome da libertação do pa ís e da defesa do
catolicismo.Naverdade étravadapelopoder, p elolucro.Aosbrasileiros
restava a possibilidade de escolher um lado ou outro. Os interesses
econômicos determinavam as opções. Traição era uma atitude cotidiana,
aliás implícita na própria colocação do problema: defender Portugal ou
defenderaHolandasignificavau matraãoaoBrasil. (PEIXOTO,2000,
p.18).
Podemosfalartambémemumconflitodeclasses.Comoshola ndeses,
criouseumamodestaclasseurbana,ossenhoresdeengenhojánãoeramos
únicos que possuíam capital. Portanto, muitos lutavam para que o próprio
sistemaecomicopermanecesse.Inúmeraseramasbandeiras”defendidas.
Entre holandeses e portugueses, os nativos escolhiam apoiar o que se lhes
mostrava mais conveniente e, assim, troc avase de lado constantemente. Na
peça, o personagem Sebas tião de Souto ilustra muito bem esse “hábito” da
época:
(...) Por que holandês? Não sei. Vai ver que eu gostei do colorido. (...)
Acheinormalmebandear,comtodoumbatalhãodeflamengos,prolado
dosportugueses,porqueestavampagandoemdia.Uma nodepois,quando
omesmobatalhãodesertoudevoltaprosholandeses,atrocodeperdãoede
soldodobrado,acheinormalvoltartambém.Torneiamudaroutrasvezes,
poracaso,porcarnedesol,pordívidadejogo,porquestãodemulher.
(GUERRA,HOLANDA,2000,p.64).
Apoiandoos portugueses , estavam o negro Henriq ue D ias e o índ io
FelipeCamarão.Na peça,questionaseaté queponto,não es tavam, porseu
98
turno, traindo suas origens, suas raças. Observemos, abaixo, as contendas 
entreBárbara,HenriqueDiaseCamarão:
DIAS. Escuta moça. Meuspais foram escravos e eu sofri na carne a
chibataeahumilhação.Masdissequeiavencerevenci.Edaqui
eusaiopraseguirvencendo,atéquenãosobreumholandêsnesta
terra de Deus. E quando a gu erra acabar, bem, aí serei um
homemrespeitado.
BÁRBARA. Senhorde muitosengenhosecomseusprópriosescravos.
DIAS. Porque não? A minhadinastia começa comigo mes mo.E lhe
garanto uma coisa: filho meu não vai conhecer chibata nem
humilhação.Meusfilhosvãoserquaseiguaisaosbrancos. (...)
CAMARÃO.Detodososladoséumaguerradebrancos.Masfoioportuguês
quemmedeuouniforme,omantimentoeoEvangelho.Edaqui
eusaiocomeleatéofim daguerra.
BÁRBARA. Eu seide índios quelutam a luta dos índios. A luta contra os
brancos.
CAMARÃO. Alutacontraotempo.Minharaçacomeçoua morrernodiaem
queoprimeirocivilizadobotouopénasAméricas.
GUERRA,HOLANDA, 2000,p.61e62.
Ficam patentesosmotivospelosquaisambososguerreiroscombatem,
nãosetrataaquidedefendernobrespendõescomo oamoràterraouaopovo.
DiaseCamarão,napeça,são movidospor razõesindividualistas.
Notrechodapeçaemqueocorreaexecuçã odeCalabar,umoficial
diz a seguinte sentença: Que seja morto de morte natural para sempre na
forca...portraidorealeivosoàsuaPátriaeaoseuR eieSenhor...eseucorpo
esquartejado,salgadoejogadoaosquatrocantos.. .”(Guerra,Holanda,2000,
99
p.55).Oquelevaoleitoraperguntarse:aquePátria,a queRei,aqueSenhor
Calabartraiu?
Oques econstataem
Calabar
éjustamenteess equestionamento,essa
rele ituracríticadahistória.Ap ropósito,emconsideraçõessobreessarevisão
histórica,LetíciaMalardponderaqueareconstruçãodovelhoéumafacade
dois gumes” (Malard, 19 96, p. 144). Na esteira da autora, Roberto Esteves
esclarece:
Podes e, também nessas reconstruções das utopias do passado, transmitir
uma idéia falsa do momento ficcionalizado.(.. .) Ao querer denunciar as
arbitrariedades cometidas ao longo de nossa história, podese estar
idealizandocertosp ersonagens ouacontecimentoshistóricos. (ESTEVES,
1998,p.140)
Este deslize nã o se verifica em
O elogio da traição
. Neste texto
dramático não se reabilita e nem se condena Calabar. C onforme afirmou
MariadoCarmoLannaFigueiredo:Nãoseráobjetodequestão,naobraem
pauta, o fato de Calabar ser o u não traidor, e sim o estreito limite que
une/separaatraiçãodoheroísmo.”( Figueiredo, 1999,p.65).Porconseguinte,
semrigorosamentetomarpartido,osautoresdestedrama históricoassumem
uma postura crítica. Contestam a versão divulgada pela história e, de certa
forma,dãovozàquelequefoi silenciado eperseguido.Entretanto,ressaltamos
quemesmoesta
voz
advémdeoutrasvozes. Napeça,Calabarnãotemvoz,na
verdade, como diz Figueiredo, ele não se personifica”. Calabar  existe por
100
intermédio dos outros personagens, em espec ial, através de Bárbara. Esta
estratégia, altamente perspicaz, sugere uma referência às perseguições e às
censurasqueosprópriosautoresdapeça,por seuturno,sofreramporpartedo
regimemilitar.Emumacons ideraçãobastantepertinente,osautoresdotexto
Chicosobaóticainternaciona l”afirmam:
O fato de Calabar nunca aparecer em cena reflete a mensagem de que,
historicamente, ele éinvisível’ no sentidodeficar ao la do daqueles que
têm sido ignorados p ela História. Ao mesmo tempo, ele representa os
desaparecidos, aqueles que, tendo lutado por ca usas progressistas, foram
rotulados como traidores e assassinados pelo regime. (GINWAY,
PERRONE,TARTARI,2004,p.221).
61
Calabar foi calado, silenciado em todos os sentidos. Relatam os
historiadoresquea rápidaexecuçãodo desertor nãose deveuapenas a uma
questão de vingança, mas também a um aspecto prático:evitar que Calabar
dissesse
alguma coisa comprometedora
já que os grandes culpados não
estava m na arraiamiúda” como teria afir mado o próprio Calabar na sua
confissãoaoFreiManueldoSalvador.Até mesmoasúltimaspalavrasantes
daexecução,direitotradicionaldetodocondenad oàmorte,foramproibidasa
Calabar. Além d isso, segundo nos informa a estudiosa Adélia Bezerra de
Meneses , os portugueses promulgaram um edito de
Damnatio memoriae
61
In:FERNANDES.
ChicoBuarquedo
Brasil.RJ:Garamond,2004.
101
(“execraçãodamemória”).Atravésdeste,onomedeCalabarfoiapagadodos
registroseproibidodeserpronunciado.
Nesse sentido, a canção Cala a boca, Bárbara” revelas e bastante
significativa:
Elesabedoscaminhos
Dessaminhaterra.
Nomeucorpos eescondeu,
Minhasmataspercorreu,
Osmeusrios,
Osmeusbraços.
Eleéomeuguerreiro
Noscolchõesdeterra.
Nasbandeira s,bonslençóis,
Nastrincheiras, quantosais,ai.
Ca laaboca,
Olhaofogo,
Ca laaboca,
Olhaarelva,
Ca laaboca,Bárbara.
Ca laaboca,Bárbara.
Elesabedoss egredos
Queninguémensina:
Ondeeuguardoomeuprazer,
Emquepântanosbeber
Asvazantes,
Ascorrentes.
Noscolchõesdeferro
Eleéomeuparceiro,
Nascampanhas, noscurrais,
Nasentranhas,quantosais,ai.
Calaaboca,
102
Olhaanoite,
Calaaboca,
Olhaofrio,
Calaaboca,Bárbara.
Calaaboca,Bárbara.
(GUERRA,HOLANDA,2000,p.32)
Napeça,Bárbaraéavozpossíve l”deCalabar.Nãoobstante,ma is
uma vez, deparamonos com o cerceame nto do discurso. Tanto notítulo da
canção, como no refrão, lá está a voz imperat iva: Cala a boca, Bárbara”.
Acercadetãodensacanção,aprofessoraAdéliaBezerradeMenesesrealizou
umaarguciosaanálise,desnudandojogosdelinguagemediferentes leituras.
Passemos apalavraà estudiosa:
Ela nunca o chama, nessa canção, pelo nome: Calabar é o ele a que se
refere.Noentanto,éessenomequeseforma,comespa ntosanitidez,como
umaconstelação,àf orçadarep etiçãoquaseobsessivadorefo:CALAa
bocaRba ra:CALABAR.AquiloqueBárbarasilenciaéoquereponta,
com força e realidade. Impõese uma técnica psicanatica: no não dito,
descobrirse o dito. Interdito porque foi interditado (por injunções da
censura) e interdito porque está dito entre as sílabas das palavras que
constituemorefo.(...)Oessencialéaparentementeomitido,maseleestá
lá,latejandonocoraçãododiscurso.Apar tirdaí,aprópriapalavraCalabar,
reinventada,passaacondensarem sio ‘Calaaboca’queestigmatizaapeça
eostemposqueageraram.
62
62
MENESES.
Figurasdofe mininonacançãodeChicoBuarque
.SP:AteliêEditorial,2001,p.124.
103
Além disso, a autora tamm explora as diferentes metáforas que a
cançãosuscita.Àimagemdater ra,sobrepõeseocorpofemininocomtodasas
suascurvasefendas.Sendoquea“ terra”dessaterra/mulher”referesetanto
ao local onde se vive, como à terra pátria, pela qual vale a pena lutar”.
Assim,aoteoreróticodacançãofundemseo carátertelúricoeopolítico.
2. InvasãoouDitadura:a RodavivadaTraição
Porqueéqueelefoipralá?
Eraummulatoalto,pêloruivo,sarará.
Guerreirocomoelenãoseimaissehaverá.
Ondepunhaoolho,punhaabala.
Lianasestrelasenovento.
Sabiadoscaminhosescondidos,
Sósabidosdosbichosdestaterra
Denomeesquisitodefalar.(...)
Eraummamelucolouco,pêlobrabo,pixaim,
Comdoisolhosclarosdeassustar.
Capitãoaqui,láfezsemajor.
Levouoseusaberparaosflamengos
Enemseisecobrouoqueeradecobrar.
Eulheofereciomeupero
Emouro,engenhosepatente
Sequisessevoltar.
E,afoito,orebelde,emlínguadeserpente,
Mandoumerecusar.
Comoumbichoesquisitodestasterras
Quepensadumjeitoimpossíveldepensar.
63
63
GUERRA,HOLANDA,2000,p.31e32.
104
Emseulivro
LanuevanovelahistóricadelaAméricaLatina:1979
1992
,SeymourMentontambémapresenta, porsuavez,u marelaçãode seis
características dist intivas do NRH. Vejamos o que expressa a primeira
característicadessarelação:
1. Lasubordinación,emdistint osgrados,delareproducciónmiméticade
ciertoperiodohistóricoalapresentacióndealgunasideasfilos óficas,
difundidasemloscuentosdeBorgesyaplicablesatodoslosperiodos
delpasado,delpresenteydelfuturo.(...)Lasideasquesedestacanson
laimposibilidaddeconocerlaverdadhistóricaolarealidad;elcarácter
clico de la historia y, paradójicamente, el carácter imprevisible de
ésta,oseaquelossucesosmásinespera dosymásasombrosospueden
ocurrir.(MENTON,1993,p.42).
As idéiasacimamencionadassão provenientes, portanto, dos  contos
deJ orgeLuísBorgeseseapresentamdeformaexplícita,aindaqueemcontos
repletosdeartimanhas.
O curto e denso conto
Tema do traidor e do herói
, por exemplo,
traba lhacomoimpedimentodes econheceraverdadehistórica”acerca do
herói irlandês Fergus Kilpatrick, misteriosamente assassinado. Traidor da
conspiraçãoporelemesmopresidida,Kilpatr ickarrependesedeseuatoetem
a oportunidade de se redimir planejando sua própria morte. A execução de
Kilpatrick termina por antecipara rebelião e ele entra para a história como
herói. Sua traição só é descoberta por um bisneto, Ryan, que, no final,
105
acoberta o achado. Assim, como no passado, a verdade ira história continua
desconhecida.Alémdisso,observamosaquestãodocarátercíclicodahistória
em vários níveis. Dentre eles, destacamos a intrigante semelhança existente
entre os fatos que antecedem o assassinato do conspirador com os que
precederam a morte do famoso Júlio César. Ambos teriam recebido, por
exemplo, uma carta, que não foi lida, alertando sobre a possibilidade do
assassinato.Vejamososeguintetrechodoconto:
OutrasfacetasdoenigmainquietamRyan.odecarátercíclico:parecem
repetiroucombinarfatosderemotasregiões,deremotasidades.(...)Esses
paralelismos(eoutros) dahistóriadeCésaredahistóriadeumconspirador
irlandês induzemRyanasuporumasecretaformadotempo,umdesenho
delinhasqueserepetem.(BORGES,1998,p.553).
Essas mesmas idéias vão estar presentes em contos e romances
históricosde outrosautorescomonaobradeCarpentier,segundonosinforma
Menton. Acreditamos encontrálas também no texto dramático de Chico
BuarqueeRuyGuerra,cont udo,diferentedoscontosdeBorges,
Calabar
não
asapresentadeformaexplícita.
Identificamos na peça a idéia da quase impossibilidade de se
conhecer a verdade histórica”, principalmente, através da polêmica q ue
envolveopersonagemhistóricodeCalabar.NodecorrerdaHistória,onome
Calabar” foi adquirindo caráter pejora tivo relativo à palavra traição. Essa
106
impregnação efetuouse de tal modo que Calabar quase se transformou em
sinônimo de traidor. A “ traição” do alagoano, entretanto, pas sa a ser
questionada.
Aesserespeito,MariadoCarmoLannaFigueiredoinformanosq ue,
em 1899, Getz de Carvalho escreve ump anfleto com o fitode, não apenas
absolverafiguradeCalabar,mas“ transfo rmáloemheróinacional”.Surgem
divergências entre os historiadores, segundo assinala a estudiosa: Até nas
biografias  que tratam do bras ileiro,  notase a dicotomia: enquanto Assis
Cintra,com
AreabilitaçãodeCalabar,
de1933,querprovarqueelenãofoi
um traidor, Alberto Rego Lins, em
O julgamento de Calabar
, de 1953,
defendeatesedesuacriminalidade.”(Figueiredo,1999,p.64).Atéosnossos
dias, não s e sabe realmente o que levou C alabar a passar para o lado dos
holandeses. Ainda hoje se discute a traição” desse guerrilheiro e ess a
discussão, como pudemos notar, ec oa nos textos literários. Como vimos, 
muitosconcordamcomacondenaçãodeCalabar,algunsp rocuramreabilitá
lo; outros, chegam mesmo a imaginálo como heró i. o obstante tantas
teorias,aincertezapermanece.
Outradúvidaasefrisardizrespeitoaodesenrolardosfatosnaépoca
da Invasão Holandesa. Não se sabia quem venceria a guerra. Muitos
apostaram nos holandeses. E mesmo esta hitese persistiu como uma
107
curiosidade histór ica. Ficou sempre o se”: e se a vitória final fosse dos
holandeses?Ess asquestõesemabertopare cemconvergirparaaidéiaexposta
acima: la imposibilidad de co nocer la verdad histórica”. Contudo, tais
indagações não se enco ntram precisamente no texto da peça, mas nas
entre linhas, no espaço do leitor. No caso do perso nagem Calabar de Chico
Buarque e Ruy Guerra, as incertezas permanecem justamente devido à sua
invisibilidade,oucomo vimos,àsuanãopersonificaçãonotextodramático.
Assim,comonahistória,ficamossemsaberporqueCalabarmudo udelado.
Restamnosaspalavrasetambémo
silêncio
dosoutros personagens.
Se bem atentarmos, tanto o tema da tr aição, como as incertezas 
relativasaofuturopresentesnoperíododasGuerrasHolandesas,semdúvida,
tamm permeiam o contexto temporal no qual o texto de
Calabar
foi
escrito.
64
A propósito, observa ndo esse ponto, Maria do Carmo Figueiredo
considera: O clima de intrigas,  traições e medo que envolve a peça será
aproveitado c omo imagem do conte xto histórico brasileiro de repressão
política dos governos militares da década de 70, de forma a mostrar que a
situação do passado tendia a se perpetuar, a se reproduzir no presente.”
64
OperíododaDitaduraMilitartambémseafiguravarepletodedúvidaseincertezas.Emlongoprazo,nãose
sabiamquantosanosaquelegovernorepressivoperduraria.E,emcurtoprazo,omedoassolavaatodosquese
mostrassem
inadaptáveis
ao sistema, servindose das palavras de Menton, “os acontecimentos mais
inesperadoseabsurdospodiamocorrer”.(Menton,1993,p.42)
108
(Figueiredo, 1999, p. 68). Voltamos, portanto, às idé ias da primeira
característica da lista de Menton, isto é, o caráter cíclico da história e,
paradoxalmente,seucaráte rimprevis ível”.
Em seu texto sobre Chico Buarque, Fernando de Barros rea liza
interessanteilaçãoenvolvendoosperíodoshistóricosdaInvasãoHolandesae
daDitaduraMilitar. Tec endoconsideraçõessobre
Calabar
,afirmaoautor:
Havia na peça uma relação evidente com o país dos militares, e, mais
ainda,umaanalogiaentreC alabareCarlosLamarca,ocapitãodoexército
que desertara em 1969 para int egrar a guerrilha armada. Líder da
Vanguarda Popular Revolucionár ia (VPR), Lamar ca seria morto p or
agentesdarepressãoemsetembrode71,encurraladonosertãodaBahia.
(...)
Calabar
foi finalmente liberada e encenada em 1980, já fora  do
cont extoqueamotivara.Ironicamente,afor macomoacensurasedeuem
1973 assemelhas e a uma traição ou a uma emboscada, temas da peça.
(SILVA,2004,p.74e75)
Comopodemosobservar,em
Calabar
,atreladoaoquestionamentodo
que seja  traição, está também o caráter cíclico da história, ou seja, certos
eventos,certasatitudesqueparec emrepetirsenahistória.
65
Aquestãomesmadosilênc ioopress ivoéumadelas. Vimos no item
65
Lembrandoquenãosetratade umamerarepetição.Algumasaçõesrepetemsemasemoutrocontexto,com
outraspessoase,portanto,compontosdistintos.
109
anter ior, como o silêncio foi imposto à figura de Calabar antes, durante e
depoisdesuamorte. Estemesmosilênciorepressivo, esta mesma interdição
estevepatentenoperíododoregimemilitar.Deacordo comEni Orlandi:“Jáé
bem conhecido o fato de que o poder se exerce acompanhado de um certo
silêncio.Éosilê nciodaopressão.”
66
.Apropósito,emseulivro
Asformasdo
silêncio
,Orlandi escreveumcapítuloespecíficosobreosilênc ioinfligidopela
censuradoBrasilditatorial.Segundoaautora,apartirdacensura,estabeleceu
se, no mesmo período, um Discurso da R esistência”. Em uma relação de
causa e efeito, esse discurso tornouse inevitável: os sentidos proibidos
‘transpiravam’po rnãoimportaquesigno‘inocente’.”(Orlandi,s.d.,p.118).
Dentre as diferentes manifestaç ões dessa resistê ncia, apontadas pela
estudiosa,estáaMúsicaPopularBrasileira,emespecial,ascançõesdeChico
Buarque.Assim,aresistênciasilenciosa”deChicoBuarque,jápresentena
suaobracomocompositor,perme iatambémsuadramatur gia.Em
Oelogioda
traição
, portanto,  o silêncio encontrase relacionado ao passado,
especialmente ao desertor Calabar,  e ao presente, ligado à Ditadura. As
referênc ias ao s ilêncio são muitas: Que Calabar seja executado ao so m de
tambores para que palavras perniciosas não sejam escutadas.” (p. 55) / O
Estado deve usar do seu poder para o ca lar.” (p. 106) / Se alguém o ouve
66
ORLANDI,EniP.
Asformasdosilêncio
.SP:Unicamp,s.d.,p.104.
110
falaras sim...”(p.48)/“Cuidado.Asparedestêmouvidos. ”(p.48)/“Enãose
falanasala.”(p.54)/Minhafortalezaédeumsilêncioinfame...”(p.99)/
Calaaboca!”(p.65)/Silêncio...”(p.107).Nãofoiporacasoqueapeçafoi
proibida.
Não obstante, em
Calabar,
mais perturbador do que o silêncio, é o
carátercíclicodatraição.Na épocadaInvasão,quemdeambososladosnão
dissimulou,ment iu,enfim,traiualguémoualgumacoisa? S obre Fernandes
Vieira, por exemplo, acatado como herói pelos portugueses, Fernando
Peixotocomenta:“Umdosprincipaisderesdaexp ulsão dosholandeses, João
Ferna ndes Vieira,  só assumirá esta postura política após o afastamento de
Nassau: no período nassoviano não só admira como colabora com os
holandeses.” (Peixoto, 2000, p. 21). Outro exemplo de deserção bastante
singular, diz respeito ao caso do jesuíta Manuel de Moraes. No início das
GuerrasHolandesas,opadre,comoCalabar,lutavaaoladodos portugueses.
ApósavitóriadosholandesesnaParaíba,em1634,ManueldeM oraismuda
de lado, inclusive de religião,  convertendose ao Calvinismo. Enviado aos
Países Baixos, tornase famoso pregador contra o catolicismo. Casase duas
vezes. o se sabe o motivo, mas o padre apóstata resolve mudar de lado
outravez.DeixaafamíliaholandesaeconsegueoperdãodoPapa.Voltaao
111
Brasilonde é pres o mas, defendendose habilmente,termina porretornarao
exércitodosinsurretosnaexpulsãodosholandeses.
DeacordocomFigueiredo,sertraidorou heróinaHist óriadepende
muito da posição de quem a conta, e geralmente quem a escreve s ão os
vencedores”(Figue iredo,1999, p.68). Comoosilê ncio,aquestãodatraição
presente no BrasilColônia também se manifesta no Brasil do século XX
numtempo”,comodiziaChicoBuarqueem
Vaipassar
:
(...)
Páginainfelizdanossahist ória
Passagemdesbotadadamemória
Dasnossasnovasgerações
Dormia
A nossapátriamãetãodistraída
semperceberqueerasubtraída
emtenebrosastransações.
67
(grifosnossos)
Napeç a,apósaexecuçãodeCalabar,SebastiãodeSoutoafirmaem
deter minadomomento:
67
Notexto“CarnavalizaçãonocancioneirodeChicoBuarque”,LucianaEleonoradeFreitas Caladochamaa
atenção para a 2ª. estrofe da canção
Vai passar
, diz a autora: “A alienaçãoe a passividade do povo o
conseqüênciasdeummesmocomportamentoquefazpartedomomentohistórico,atraição.Tratasedeum
povotraídoporumsistemadegovernoimperialistaquelheroubaasriquezassemqueeletenhaconsciência
disso. A idéia de traição é reforçada nas palavra s distraída’ e ‘subtraída’, de radical comum, as quais
aparecemnofinaldosversos,obedecendoàmesmamedida métrica.”(In:FERNANDES,2004,p.281).
112
Acheibemnormal queas grandes nações disputassem o mundo entre si,
quealiançassefizessemesedesmanc hassem,contantoqueosflorins,os
escudos, as libras e as pesetas continuassem dançando nos cofres da
nobreza,dosacionistas,dosagiotas,dosgrandessoberanosdessasnações.
Econtinuoachandonormalque,qualquerquesejaoresultadodetodasas
guerras, nolixo dessas guerras sobrem escravos e miseráveis,gente sem
juízoegentesemprincípios, subalternosdesleais, como eu,evisionários
comoele,naforca. (GUERRA,HOLANDA,2000,p.65)
Conforme podemos verificar, as reflexões de
O elogio da traição
configuramse, na rea lidade, como cíclicas  e atemporais uma vez que
ultrapassamoepisódiohistó ricodasGuerrasHolandesasemesmooperíodo
daDitaduraMilitar,noqualapeçafoiescrita.
3. Matizesde uma identidadenacional
Oh,musadomeufado,
Oh,minhamãegentil,
Tedeixo,consternado,
Noprimeiroabril.
Masosêtãoingrata,
Nãoesquecequemteamou
Eemtuadensamata
Se perdeueseencontrou.
Ai,estaterraaindavaicumprirseu ideal,
AindavaitornarseumimensoPortugal.
68
68
GUERRA,HOLANDA,2000,p.41
113
Oproblema da identidadenac ional, presente em
Calabar,
também
seencontrarelacionado às causas da proliferação do NRH. Para Seymour
Menton,“elfactormásimportanteenestimularlac reaciónylapublicaciónde
tantasnovelashistóricas enlostres últimoslustroshasidolaaproximacióndel
quinto centenario del des cubrimiento de América.” (Menton, 1993, p.48).
Sobreesseponto,RobertoEsteveselucida:
“Apreocupaçãocomaquestãodaidentidadenacionaltemsido,aolongo
dos anos, um tema recorrente nas várias literaturas latinoamericanas,
incluída a brasileira. Nos últimos anos, entretanto, tal preocupação tem
aparecidoassociadaàutilizaçãodahistóriacomomatériaficcionável:esta
é uma das mar cas principais do Novo Romance Histórico Latino
americano. A busca da identidade passa, eno, pela r eleitura da história
tradicional que aparece, muitas vezes, parodiada ou carnavalizada, numa
verdadeirasinfoniaondesenotam,concomitantemente,váriasvozes.”(...)
“A aproximação da efeméride (comemoração do V centenário de
descobrimento da América), ao aguçar a polêmica  sobre o sentido do
descobrimento e da colonização, também permitiu uma rediscussão da
questão da identidade nesses países (latinoamericanos). E os romanc es
históricosproliferaram.(...)Omotivododescobrimentoemsi,apareceem
poucas obras, mas o tema se estende por todo o período colonial,
discutindo o sentido da colonização e a formação do povo
brasileiro.”(ESTEVES,1998,p.144e148).
Em
C alabar
, a questão da identidade nacional manifestase em
diferentesníveis.Primeiramente,otextodramáticodeChicoBuarqueeRuy
Guerra já lida com este assunto só pelo fato de retomar um episódio da
114
HistóriadoBrasilColônia,especialmenteporsetratardapresençaholandesa
no Brasil. Já assinala a estudiosa Maria do Carmo Figueiredo: Por
problematizarasrelaçõesquesepassavam,naépoca,quaseque unicamente
entreBrasile Portugal,apresença holandesa nacolônia acabapor interferir
tammnummitoaceitoedivulgadodenossoimaginár io:aqueledaimagem
de um país harmônico, de uma só língua, um só rei, uma só religião.”
(Figueiredo,1999,p.60).Defato,apartirdaInvasãoHolandesa,achavamse,
no Brasil, pessoas de diversas nac ionalidades,  línguas e religiões, mesmo
porque o exército dos holandeses era composto ta mbém por franceses,
ingleses e alemães. Se acrescentarmos ainda os que já estavam aqui:
portugueses, es panhóis, indígenas e os negros trazidos como escravos da
África, chegaremos à composição de uma multiplicidade racial. E é
justamente desse complexo racial e cultural que se forma a identidade 
brasileira.
Emselevandomaisemcontaastrêspr incipaisraçasdeterminantesda
etnia nacional, encontramos na peça mais uma abordagem da ide ntidade
nacional. Nesse caso, a simbologia das três raças está as sociada à outra
conhecidaimagem,conformenosesclareceAdéliaBezerradeMeneses:Os
guerreiros Sebastião de Souto (português), Henrique Dias (negro) e Filipe
Camarão (índio), no momento mesmoda execução de Calabar, formam um
115
conjuntoquesugereaimagemdostrêsmacaquinhosdemarfim:eunã oouço,
eu não vejo, eu não falo”(Meneses, 2002, p. 171172). Eis o que falamos
omissos excompanheiros de Calabar, frenteà execução sem julgamento do
alagoano:
DIAS.Euacabeidechegar.Não vi nada.
CAMARÃO.Doqueéquevocêestáfalando?Eutambémo ouvi na da.
SOUTO.Eugostariadepoderdizeralgumacoisa,masnãoseioquê.
(GUERRA,HOLANDA,2000,p.58,grifosnossos)
Deparamonosaindacomotemadaidentidadenacionalnasreflexões
instigadas pela peça acerca  dos conceitos de pátria e de colonização.
Conforme salienta Adélia B. de Meneses: A peça
Calabar
permite a
discussão do nacional como valor não definido; ou como valor negativo.
Preocupase com a emergê ncia de uma identidade nacional em perspectiva
histórica. Em
Calabar
colocase a pergunta: o que é a pátria?” (Meneses,
2002, p. 170). Fica, portanto,a indagaçãosobre a existênciade umapátria
brasileira”noBrasilcolonialdoséc uloXVII.
Assim também, o leitor/espectador é levado a refletir s obre o
significadodoquesejapátria”noperíododoregimemilitar.Examinemos,a
propósito, a sentença da canção Fado Tropical”: Ai, es ta terra ainda vai
cumprirseuideal,/AindavaitornarseumimensoPortuga l.”Averdadeéque
emsefalandosobrePortugal,pretendese,narealidade,falarsobreoB rasil.
116
Detentoradeváriasinterpretações,aasserçãoacima,quenapeçaéproferida
porMathiasdeAlbuquerque(personagememconflitodeidentidadedividido
entrePortugaleBrasil),permiteumale itura correspondenteaopres ente.Neste
caso, porém, o termo ideal” carregase de um tom fortemente irônico e a
profecia”adquireumcarátercrítico.Afinal,tornar seumimensoPortugal”,
naquela época, significava seguir os passos de Portugal, ou seja,  continuar
com o s istema repressivo da Ditadura Militar. Ironicamente, em 1974,
derrubaseoregimemilitardoditadorMarceloCaetanoePortugalconseguea
suarede mocratização.
69
Umaveznessecontexto,afraseemquestãoabsorve
outro significado nada interessante para os militares do Brasil. A respeito
desse assunto, vejamos os comentários do próprio Chico Buarque na
transcriçãoabaixo:
Naépoca,Portugalaindavivia debaixodefascismo,oMarceloCaetano.. .e
...
Calabar
mexia umpoucocomesseproblema.Etinhaaquelacançãoque
dizia:“Ai,estaterraaindavaicumprirseuideal,/Aindavaitornarseum
imensoPortugal”eissoeraumaofensa, entende,aPortugaleaoBrasil...
Então,quer dizer,  eles vestiramacarapuça.MaistardeveioaRevolução
Portuguesa em 74, aí a  música já estava proibida e ficou mais proibida
ainda.PorqueoBrasiltornarseumimensoPortugalvirouumaafirmativa
muito subversiva, muit o perigosa. E é claroque a RevoluçãoPortuguesa
mex eumuitocomosbriosdasp essoasaquidoBrasil. OassuntoPortugal
69
Movimentoqueficouconhecidocomo“RevoluçãodosCravos”.
117
ficou sendo muito perigoso, muito delicado. Virou um tabu falar de
Portugal.
70
A fim de reconstruir, como diz Esteves, a identidade abalada pelo
momento de crise”,
Calabar
caminha sempre confrontando passado e
presente.Napeça,deacordocomFernandoPeixoto,opassadoérevistocom
alucidezdequemviveopresente:comaconsciênciadequemmergulhana
Históriaembuscadeumacompreensãodomundodehoje.”(Peixoto,2000,p.
19).
4.“Peças”dapeça:oj ogointertextualde
Calabar
... aterraemsiédemuitobonsares,assimfrescose
temperados,comoosdeEntreDouroeMinho(...).Águaso
muitainfindas.Eemtalmaneiraégraciosaque,querendoa
aproveitar,darseánelatudo;porbemdaságuasquetem.
71
Nessaterratãofecunda,
Mandioca,aipim,cará,
Abricóeaprópriabunda
Seplantar,comjeito,dá.
72
70
TranscriçãodeumtrechodeumaentrevistadeChicoBuarquefeitaem1978eadicionadaaodocumentário
VaiPassar
produzidopelaDirectv(2005).
71
CAMINHA,PeroVazde.
CartadoAchamentodoBrasil.
In:LUFT.
NovoManualdePortuguês
.SP:
Globo,1997,p.590.
72
GUERRA, HOLANDA, 2000, p. 34. A
Carta
de Ca minha, já parodiada por outros autores, entre eles
Oswald de Andrade e Francisco Carvalho, é resgatada também pelos criadores de
Calabar
. A pequena
118
TambémconstandonalistadeSeymourMenton,estáoutrama rcado
NRH:Laintertextualidad.”(Menton,1993,p.43).Em
Calabar,
apresença
desseprocessode“absorçãoetransformãodeoutrostextos”,comodizJulia
Kristeva,
73
éindiscutível.Bastaobservarmososubtítulodapeça,
OElogioda
Traição
, e já adentra mos o campo da intertextualidade.  De forma alguma
casual,aescolhadessesubtítuloinstalaumdiálogoimediatocomo
Elogioda
Loucura
de Erasmo de Rotterdam. Não se trata apenas de uma referência à
obrade Erasmoescritaem1509,masàprópriaatitudeirônicaeaudaciosado
filósofo renascentista,
74
que ele ge, para narradora de seu texto, a própria
deusa da Loucura”, tecelã de um impudente autoelogio”.
75
Assim, da
mesma forma que Erasmo de Rotterdam, os autores de
Calabar
incitam o
leitor/espectadoraenxergaromundosoboutrosprismas;asequestionaraté
que ponto o que é ditado e ens inado, é verdadeiro e correto. Alé m disso,
alguns trechos da obra de Erasmo estão literalmente presentes em
Calabar
,
como s e a Loucura” do filósofo holandês falasse através dopersonagem
paródiadeChicoBuarqueeRuyGuerraefetuaumaretomadairreverentedotextodoescrivãoportuguês.O
toquebrasileiroestápatentena expressão“comjeito” queremeteaofamoso “jeitinhobrasileiro”.
73
Apud
CARVALHAL.
LiteraturaComparada
.SP:Ática,2001,p.50.
74
Curiosamente, Erasmo de Rotterdam era protegido por Ana de Brosselen, Marquesa
de Nassau,
da
Holanda.
75
ROTTERDAN.Erasmode.
ElogiodaLoucura
.SP:MartinClaret,2004,p16.
119
Bárbara.Nofinaldoprimeiroato,po rexemplo,aviúvadeCalabard irigese
ao público e exclama: Nãopossodeixar nessemomento demanifestarum
grandedesprezo,nãoseisepelaingratidão,pelacovardiaoupelofingimento
dosmortais.”(Guerra,Ho landa,2000,p.69).Apartirdes saapropriação,cuja
únicaalteraçãodotextooriginaléoacréscimodapalavracovardia”,Chico
BuarqueeRuyGuerraatribuemnovossignificadosàspalavrasdeErasmono
momento em que estas expressam, na peça,  a revolta e a impotência de
Bárbara perante a execução de Calabar. Essa nova significação, entretanto,
nãoexcluitotalmenteaprimeira,qualseja,acríticaqueaLoucuradireciona
aoshomensporestesnuncalhereconheceremaimportânc ia.Ambasasobras
procuramre fletiracercadeconceitosnegativamenteestereotipa dos:loucurae
traição. Depende ndo da leitura pvia do leitor, o diálogo intertextual
perma nece.
Apropósito,AngelaGutiérrez,tecendoconsideraçõesacercadeoutra
apropriaçãodessetítulopeculiar(dessavezporVargasLlosaem
Elogiodela
madrasta
),comentaarespeitodaobradeErasmo:
O título original dessa obra,
Moriae Encomium
, já estabelece dubiedade
atra vés do jogo de palavras: elogio da loucura ou elogio de More
(transcrição latina do nome de Thomas M orus, em cuja casa Erasmo
iniciouolivro).(...)Parecelógicoelogiar aloucura?Nãoestar iainstituída
umacontradiçãodentrodoprópriotítulo?NotextodaobradeErasmo,no
entanto,aloucuraéidentificadacomas ementeeafontedavida,como
120
prazereainfância,comavelhice,comoimpulsoàsartes,comapaixãoe,
ainda,comoesquecimento.
76
Assimtambém,verificamosnapeçadeC hicoBuarqueeRuyGuerra
uma postura encomiástica à traição/loucura de Calabar. Falas diversas de
diferentespersonagens(incluindoini migos)promovemverdadeiroselogiosà
figura do guerrilheiro desertor, sendo que em alguns  ca sos o elogio só é
percebido no contexto da obra. Dissemos acima “traição/louc ura” pois a
traição”deCalabarétextualmentecomparadaàloucura:
BÁRBARA. Ah, agora está explicado. Você nunca entendeu a luta de
Calabar.Nempodiaentender,porquevocêestálouco.
SOUTO.Não,aminhaloucuraéalucidez.Loucoéquemfazperguntas
quenão poderesponder.Ouporquenãosabearesposta,ouporque opreço
da respostacertaéopreçodaprópriavida.Setemumlouconestahistória,
oseunomeéDomingosFernandesCalabar.
BÁRBARA. Basta!Vocêestáproibidodepronunciaresse nome!
SOUTO.Louco,sim!Calabareraumlouco!P orquedeumadúvidaelefez
umacerteza!
Ocaso de Mathiasde Albuquerque revelase muito interessante,ele
nutreverdadeiroódioaCalabar,masquandoaesteserefere,termina,decerta
forma, elogiandoo. E esse elogio sempre é feito através de textos
literariamente mais trabalhados (detalhe formal, mas relevante numa peça
76
GUTIÉRREZ,A.
VargasLlosaeoromancepossíveldaAméricaLatina
.Fortaleza:Ed.UFC,1996,p.112
113.
121
como esta em que quase tudo,
senão tudo
, é proposital). Vejamos, por
exemplo,apassagem abaixo:
MAT HIAS.Deixaeufalar.
Nemquesejasópelasderrotasquemefezamargar,
Oupeloaçúcarquemefezperder, 
Nemquesejainjustaaglória
Eaglóriabagatelas,
Nemquesejasóparadeixar
OmeunomenaHistória.
Commeusvermesemazelas,
EucondenoCalabar. (...)
Parasermaisdoqueeusou
NestasguerrasdeHolanda,
ParaqueMathiasdeAlbuquerquelembreumnome
Queimaisdoqueanda, 
Sómerestaaesperaadeumtraidor
Ligadoaomeudestino.
Sómerestaesperarea téquerer
Quetudofiefino.
Esemandomata rDomingosFernandesCalabaraindamoço
Éporqueusootino,
Umavezqueotutano
Deopodrenãomereceumoutroosso.
Esevocêsriremdemim,
Seeuforalvodechacotasechalaças,
Seforridículonajaquetadeveludo
Ounasceroulasdebrim,
Ébompensaremduasvezes,porque,aindamesmoassim,
ComaHolanda,aEspanhaetodaaintriga,
Eusouaquele quecuste oquecustar,
Acertaolaçoeteceofio
QueenforcaCalabar. (Guerra,Holanda,2000,p. 4950).
122
Notrechocomoumtodo,podemosverificarapresençadeumcerto
tomgra ndiloqüente,ousomesmoderimas,aindaquenãoemtodososversos.
Noentanto,sendoapeçaumtextodessacralizante,observamosajustaposição
de vocábulos s emanticamente mais nobres com outros tidos como mais
vulgares (“glória bagatelas” / História” / vermes e mazelas” / “destino” /
tino, tutano”), provavelmente denunciando, em um segundo plano, uma
ridiculizaçãododiscursodeMathiasdeAlbuquerque:nãoexatamentedoque
elefala,masdo
como
elefala.
Outramodalidadeintertextualpresentenotextodramáticode
Calabar
diz respeito às paródias. Em especial, a
adaptação
de alguns ditados
populares.Aliás,jáéconhecidanaobradeChicoBuarqueessadesconstrução
deprovérbios,como nacanção,de1972,
BomConselho
:
Ouçaumbomconselho
Queeulhedoudegraça
Inútildormirqueadornãopassa
Esperesentado
Ouvocêsecansa
Estáprovado,quemesperanuncaa lcança
Venha,meuamigo
Deixeesseregaço
Brinquecommeufogo
Venhasequeimar
Façacomoeudigo
Façacomoeufaço
Ajaduasvezesantesdepensar
Corroatrásdotempo
123
Vimdenãoseionde
Devagaréquenãosevailonge
Eusemeioovento
Naminhacidade
Voupraruaebeboatempestade
(Holanda,1989,p.99)
A propósito, tec endo comentários acerca do trabalho de Chico
Buarquecomapalavra,AdéliaBezerradeMenesesconsidera:
Esse artesão verba l quer buscar sua fonte na “boca do povo”, tentando
captáloatras dessapulsaçãoprofundadesuavida, que éafala.Daía
utilização o freqüente do lugar comum, dos ditos, dos pr ovérbios, das
frases feitas. No entanto, Chico não os utiliza passivamente, mas age
ludicamente: parodia, transgride, cria trocadilhos, frustra expectativas
montadas,osfazviver .(Meneses,2002,p.198).
Napeça,encontramosumprocedimentosimilar.Vejamosdoiscasos:
após a rendição de Porto Calvoe a entrega de Calabar, quatro personagens
debatemsobrequem deveriasertachadodetraidor:
MAT HIAS. (...)Evocê,queéquetáparadoaícomessacara?
SOUTO. SebastiãodeSouto,àssuasordens.
MAT HIAS. Ah,sim,jásei,vocêéotraidor.Parabéns,beloserviço,
rapaz.Vocêtemfuturo!
CAMARÃO.Àsaúdedonossotraidor!
FREI. Não.QuemtraiaHolandaprotestantenãotraioPapa.
CAMARÃO.Traidorquetraitraidortemcemanos delouvor. (p.48)
124
Umpoucomaisadia nte,nagina50,MathiasdeAlbuquerquepedeaofrade
quetomeaconfiss ãodeCalabar:
MAT HIAS. Antes ou depois da confissão, ou mesmo durante, procure
assegurarse de que ele não carrega para o túmulo alguma
informaçãodointeressegeral,queeurepresento.
FREI. Osegredodaconfissãoéinviolável,Governador!
MAT HIAS. E como tal se respeitado. A Deus, as coisas da alma, ao
Estadoasinformaçõesdeguerra. (p.50)
Nas citações acima transcritas, são explícitas as referências,
respectivamente: aoditadopopular“Ladrão queroubaladrãotemcemanosde
perdão”eàpassage mdoNovoTestamentoquediz:Daí,pois,aCésar,oque
é de César, e a Deus o que é de Deus.”. Ao reescrever esses adágios, os
autoresinstauramnapeça, maisumavez,ojogointertextual,aleituradupla.
Semelhanteaoefeitoderefraçãoereflexãodaluznovidro,
77
verificaseem
Calabar
uma superposição de textos: visualizamos, a um só tempo, o
provérbio
adaptado
eooriginale,comoresultadodessa simbiose,asátira.
Do mesmo modo, o próprio sistema repressivo do regime militar
apresentaseparodiadoem
Calabar
. Exemplodissoé a paródia do Decreto
77
Asobreposiçãodeima gens
125
Lei Nº.477de26defe vere iro de1969.Observemosalgunsincisosdoartigo
primeirododecretoemquestão :
Art 1
o
Comete infração disciplinar o professor, aluno, funcionário ou
empregado de estabelecimento de ensino público ou particular que:
IAlicieouinciteadeflagraçãodemovimentoquetenhaporfinalidadea
paralisaçãodeatividadeescolarouparticip enessemovimento;
III  Pratique atos destinados à organização de movimentos subversivos,
passeatas, desfiles ou comícios não autorizados, ou dele participe;
IV  Conduza ou realiza, confeccione, imprima, tenha em depósito,
distribuamaterialsubversivodequalquernatureza;
VI  Use dependência ou recinto escolar para fins de subversão ou para
praticaratocontrárioàmoralouàordempública.
Em outras palavras, estava proibida qualquer atividade política a
professores,estudantesefuncionários.Nopopular,comonosinformaAdélia
Bezerra,oDecretonº.477assumiuoseguintepreceito:trabalhadortrabalha,
professor leciona, estudante es tuda”. (Meneses,  2002, p. 19). C onfrontemos
agoraessepreceitocomaspalavrasdoConsult or,nadespedidadeNassauem
Calabar
:
ESCRIVÃO. Alteza,semepermiteexpressarmeusentimento...
CONSULTOR. S ilêncio...Escrivãonãosente.Deagoraemdiante,neste
Brasil,escrivãoescreve. Assimcomoestudanteestuda,
censor censura,atoratuaetc...etc...etc... (p.107)
126
Aparódia, nesse caso, constituiquase um anacronismo, obviamente
proposital, já que as categorias estudante”, “censor” e ator” pertenceria m
mais aocontextodaDitaduraMilitardoqueaoperíododoBrasilHolandêsno
séculoXVII.
78
Embora permanecendo no campo da intertextualidade, encontramos,
em
Calabar
,outracaracter ísticabemespecíficadoNRH,dessavezdarelação
deFernandoAinsa:Ahistoricidadedodiscursoficc ionalpodesertextuale
seus referentes documentarse minuciosamente, ou, pelo contrário, a
textualidade pode re vestirse das mo dalidades expressivas do historicismo a
partir da invenção mimética de textos historiográficos como crônicas e
relações.”(
Apud
Esteves,1998, p.133). 
Nocasodoromancehistóricotradicional,preva leceoficcionismo,ou
seja,osautoresgera lmenterealizamsuaspesquisasnasfonteshistóricasmas,
aoes creveroroma nce histórico,otextoemsiétodoficcionalaindaquese
fale de fatos  reais. Já a escr ita do novo romance histórico possui um leque
bem maior de possibilidades. Uma delas é a inserção de textos históricos
oficiaisnotextoliterário.Pormeiodeumaaudaciosaescrita,otextoliterário,
não se satisfazendo na apropriação de temas histór icos,  absor ve tamm
78
Por sinal, a releitura anacr ônica da história associada ao texto parodístico está presente em uma das
característicasdoNRHdalistadeFernandoAinsa.
127
trec hos de documentos históricos. Nesse processo, o autor desloca o texto
históricodoseucontextoeoincorporaàtramaficcional. É o que ocorreem
Calabar
. Concorrendo para a nossa assertiva, esclarece Maria  do Carmo
Figueiredo: Falas inteiras dos  ac tantes, como Mathias de Albuquerque e
Sebastião de So uto, são retiradas das fontes  históricas, muitas delas em sua
íntegra.Deumamaneirageral,aspersonagenssãocaracterizadasapartirdas
informaçõesdostextoscitados.”(Figueiredo,1999,p.62).
LogonocomeçododramahistóricodeChicoBuarqueeRuyGuerra,
por e xemplo, deparamonos com a descrição de Pernambuco feita por Frei
ManuelCaladodo Salvadoremseu livro
ValerosoLucideno
de1648.
79
Em
umsistemadedoisplanossimultâneos,alternamsealgunstrechosdofradee
oiníciodoenredodapeç acomMathiasdeAlbuquerque,escrivãoeBárba ra:
(faladeMathiasdeAlbuquerque)
FREI. Nesse tempo estava metido com os holandeses um mestiço mui
atrevidoeperigosochamadoCalabar.Conhecedordecaminhossingulares
ness esmatos, manguese várzeas,levouoinimigoporestaterraadentro,
rompendo o cerco lusitano, para desgraça e humilhação do comandante
MathiasdeAlbuquerque.EsseCalabarcarregavaconsigoumamameluca,
chamadaBárbara,eandavacomelaamancebado.
79
Apropósito,boapartedotextoemquestãojáseencontratranscritanopresentetrabalho:veroiníciodo
primeiroitemdocap.2 –“EraumavezumBrasilholandês”.
128
(canção
Calaaboca,Bárbara
)
(faladeBárbara)
FREI.Comosflamengos,entrounestaterradePernambucoopecado.Os
moradoresdelaforamseesquecendodeDeusederamentradaa osvícios,e
sucedeulhes o mesmo que aos que viveram no tempo de Noé, que os
afogaramaságuasdouniversaldilúvio,ecomoaSodomaeGomorra,que
foramabrasadascomofogodoscéus. (p. 32e33)
Tambémvamosencontrar,em
Calabar
,palavrasdopróprioMaurício
deNassau:
80
MORADOR.OqueéqueopríncipeachoudoBrasil?
NASSAU.
Undeplusbeauxpaysdumonde!
(p.73)
De fato, não é novidade algu ma a admiração que o Conde possuía
pelas belezas natura is do Brasil. A frase acima citada, s egundo nos elucida
Boxer,constanaprimeiracartadeNassau,de3defevere irode1 637,dirigida
aosdiretoresdaCompanhiadasÍndiasOcidentais.(Boxer,1961,p.98).Essa
apropriação de textos histór icos na peça, algumas vezes, como frisou
Figueiredo,éfeitaquaseque
ipsislitteris
,comopodemosnotar,aseguir,no
fragmentoretiradodoTestamentoPolíticodeMauríciodeNassau.
80
MuitosescritosdoCondedeNassauforamconservados,entrediscursos,cartaserelatórios,oma isfamoso
foi o seu “Testamento Político” de 6 de maio de 1644. Foi a partir da leitura desse texto e do livro
Os
HolandesesnoBrasil
deCarlosBoxerqueidentificamosapresençadetrechoshistóricosnapeça
Calabar
.
129
TrechodoTestamento:
Eucontinuoumhomemdearmas.Eumhumanista.Eessacombinaçãoé
difícil em qualquer século. E porque conquistei mas não fui cego no
exercíciodopoder,porquedasarmasedarepressãonãofiza minhaúltima
paixão, dizem agora que errei.A mesma Companhia que me trouxe, me
leva.
Trechodapeça
Calabar
:
(...)Eusouumhomemdearmas.Eum humanista. Eessa combinação é
difícilemqualquer século.Porqueconquistei,masnãofuiimplacávelno
exercício do poder, porque da repressão não fiz a minha última paixão,
porque não troquei todos esses horizontes em florins, dizem agora que
errei...Poucoimporta!(...)AmesmaCompanhiaquemetrouxe,meleva.
(p.108)
Outrasvezes,verificamospequenasalteraç õescomo,porexemplo,no
empregodesteoutrotrechodoTestamentodeNassau:
ConvémqueV.Sas.procuremangariaremanter,pormeiodefavoresede
dinheiro, alguns portugueses particularmente dispostos e dedicados para
com V.Sas. dos quaispossam vira saber emsegredo os preparativos do
inimigo,osseusnovosdesígnioseempresas.Essesportuguesesdevemser
dos mais importantes e honrados da terra, e lhes se recomendado, que
ext eriormente se mostrem como se fossem dos mais desafetos aos
holandeses par a não caírem em suspeição. Os mais próprios seriam os
padres,poissã oelesque detudotêmmelhorconhecimento.
Napeça,apassagemacimaseapresentareduzidaedivididanasfalas
dedoispersona gens:
130
CONSULTOR.Príncipe,seriainteressantequepussemoscontarcoma
intimidadedealgunsportugueses,paraque,atrocodealguns
favores,fiquemosemdiacomasinsídiasdo inimigo.
NASSAU. (
Para o
CONSULTOR
)
. E os mais próprios seriam os padres,
poissãoelesquem detudotêmmelhorconhecimento. (p77)
Outra fala não fictícia do personagem de Nassau está presente no
discursodesuachegadaaosmoradores,noiníciodosegundoato:
NASSAU. Como Governadorgeral de Pernambuco a minha maior
preocupação é fazer felizes seus moradores. (...) sejam portugueses,
holandesesoudaterra,ricosoupobres,protestantesoucatólicosromanos...
e até mesmo judeus. (...) Teremos os ouvidos atentos para remediar os
malesquesurgirem.Tragamaténósasvossasaflições,quetudofaremos
paraabrandálas.Quetodossepronunciem,semqualquerconstrangimento.
(p.74e76).
A título de comparação, veja mos o que nos diz Boxer: Afirmava
Maurício que a sua maior preocupação era fazer felizes seus moradores,
prometendolhesqueoseuconselho deveriadedicardoisdias da semanaàs
petiçõesque fossemapresentadasporelesàjustiça.” (Boxer,1961,p.103).
Sãonumerosos,em
Calabar
,osexemplosdessahistoricidadetextual,
limitemonos, todavia, em apresentar mais um concernente, a propósito, à
tolerânciareligiosadeNassau:
131
NASSAU. Frei Manoel!
81
Não se esqueça de que continuo ca lvinista
convicto.
CONSULTOR.Talveznãoosuficiente.
NASSAU.Comodisse?
CONSULTOR.Pelomenos hánaHolandacalvinistasbemmaisferrenhos
quenãovêemcombonsolhosc erta sliberalidadesqueandamacontecendo
poraqui...
(Parao
FREI
)
Certasintimidades...
FREI. O povo desta terra é católico romano e mui bio é o Príncipe
MaurícioempermitirqueselhespregueoEvangelho.
CONSULTOR.MasemAmsterdãháquemencarequalquertolerânciacom
oPapadocomoumc onchavocomaGrandeMeretrizdaBabilônia.
FREI.Senhor!
NASSAU.Eoquemaisdizem?
CONSULTOR.Tantasoutrascoisas.Souberamcomescândaloqueaquise
dáliberdadeaosjudeuscomoemnenhumaoutrapartedomundo.Eque,
aproveitandose disso, os cristãosnovos que fugiram da Inquis ição na
Europa, aqui se circuncidam em praça pública , ufanandose de se
declararemnovamentejudeus. (p.92)
Todaessaquestãoreligiosapresentenapeçaencontrasereferidaem
OsHolandesesno Brasil
.Nãoobstanteaextensão,valeapenatranscrevermos
aqui ostrechosdohistoriadorBoxer:
... A Companhia das Índias Ocidentais era essencialmente uma criação dos calvinistas
militantes,ousejadopartidoContraRemonstrante,queencaravaqualquertolerânciaparacomo
papadocomoumconchavocoma“Grande MeretrizdaBabilônia”.(...)Assolenespromessasfeitas
aosmoradoresdoBrasilem1624,1630e1635garantiamenfaticamenteaoscatólicosliberdadede
consciênciaeumcertograudeliberdadedeculto.Masessasconcess õesforamsempreolhadasde
esguelhapormuitoscalvinistaszelosos.(...)OpróprioJoãoMaurícioconvidouFr.Caladoamora r
81
Napeça,opri meironomedeFreiManueldoSalvadoraparecegrafadocomaletra‘o’:Manoel.Om esmo
nãosedácomasreferênciasqueencontramos,semprecomal etra‘u’:Manuel.
132
emseupalácio,equandoofradepolidamenteorecusou,opríncipeinsistiuparaquemorasseperto
deleeovisitassecomfreqüência,oque,defato,C aladopassouafazer.
82
(...)Atolerânciareligiosa
de João Maurício estendiase aos próprios judeus, embora fossem o ódio, a zombaria e o
menosprezoa osjudeusoúnicopontoemquepredica ntesefradesestavamdeacordo.(...)Entendia
o consistório que era obrigação de Maurício e de seu conselho sustar práticas não autorizadas,
atento o igual escândalo que provocavam entre protestantes e católicos. Só em Pernambuco,
clamavameles,gozamosjudeusdeliberdadeilimitada,aopassoqueemt odasasoutraspartesdo
mundoestavamsujeitosacertasrestrições. (BOXER,1961,p.169,170,172e173)
Importa salientarmos que essa absorção de textos históricos foi
realizada com muita destreza pelos a utores da peça. Comparando essa
assimilação textual a um jogo de quebracabeça, em
Calabar
, as linhas
divisórias dodesenho”desaparecemparadarlugaraumsótexto.
5.Mathias,Nassau,Calabar...aficci onalizaçãodepersonagenshistóricos
... Eu,MathiasdeAlbuquerque,Governador
dePernambuco,muitosavisosvostenho
feitoquenãovosfieisnessesmalditos
luteranosecalvinistas..
83 
.
... Eu,MauríciodeNassauSiegen,conde
holandêsdamuinobrecasadosOrange,
embarcoacaminhodePernambuco,
carregadodetítulos,armasidéias eum
82
OepisódiotambémestápresentenapeçadeChicoBuarqueeRu yGuerra.
83
GUERRA,HOLANDA,2000,p.30.
133
compromissocitocomosangue
derramadopordesconhecidos.
84 
Calabar
apresenta outrossim uma terceira característica do NRH
catalogadaporMenton,trataseda “ficcionalizacióndepersonajeshistóricosa
diferenciadelafórmuladeWalterScottdeprotagonistasfictícios.”(Menton,
1993,p.43). Noromancehistóricotradicional,deacordocomosprincípiosde
Scott, verificamos a presença de dois planos distintos, confor me vimos no
capítulo1:umambientehistóricoquefuncionacomopanodefundo”,onde
figuras históricas reais ajudam a fixar a época, agindo conforme a
mentalidade de seu tempo” e, no outro plano, a trama fictícia” cujos
personagensefatossãoinventados.Portanto,geralmente, osprotagonistasdo
RHTnãosãohistóricos,masfictíc ios.
Diferentemente, no Novo Romance Histórico observase uma fusão
do real com o ficcional. Os  personagens principais são os próprios
personagenshistóricos.Asfiguraseosfatoshistóricosnãofuncionamapenas
como pano de fundo”, constituem, na verdade, parte es sencial da trama
ficc ional, mesmoporque, comojá foi dito, o NRHtenciona sempre efetuar
umarevisãocríticadahistória.Sendoassim,osfatosepersonagenshistóricos
sãoimprescindíveisaoNRH.
84
GUERRA,HOLANDA,2000,p.71.
134
Destarte,em
Calabar
,são históricosospersonagens:Calabar,Mathias
de Albuquerque, Maurício de Nassau, Felipe Camarão, Henrique Dias,
Sebastião de Souto, rbara, companheira de Calabar, e Frei Manuel do
Salvador. Na peça, esses personagens misturamse a outros personagens,
conforme eluc idaMariadoCarmo,representativosdelugaressociais”,como
o oficial holandês, o agente da Companhia, o escrivão, moradores e a
prostitutaAnnadeAmsterdã,mesmonocasodestes,encontramosreferências
históricas.
O oficial holandês, por exemplo, que discute, com Mathias de
Albuquerque,ascláusulasdere ndiçãoapós oataquede PortoCalvo,poss ui
seucorrespondentehistórico:omajorPicard. Apesardosamplospoderesque
Maurício de Nassau detinha como Governadorgeral d o Brasil Holandês, a
Companhia das Índias Ocidentais cercavao de agentes que funcionavam
comoconselheirose
fiscais
.OprópriohistoriadorBoxerfalaarespeitodestes
consultores,comentandosobreaprestaçãodecontasdoPríncipeparacoma
Companhia,afirmaBoxerqueNassauignoravaostensivamenteosmembros
de seu conselho de finanças, com os quais ele raramente se dignava falar”.
(Boxer, 1961,  p. 210). Na peça, o agente da Companhia, Consultor”, está
sempre perseguindo Nassau: vigiando, procurando controlar as atitudes do
Príncipequecausavamprejuízos”àCompanhia(urbanização,emprést imos,
135
demasiada tolerância, etc.). Tal como se fosse uma anticonsciência”, um
grilofalante”àsavessas.
Já o escrivão e os moradores  são figurascomunsdaépoca.Oúnico
personagem individualizado e fictício é Anna de Amsterdã e mesmo aqui,
explica Fernando Peixoto, ela é uma síntese, em certo sentido, de tantas
prostitutasimportadasnosnaviosholandeses”(Peixo to,2000,p.19).
Contudo,apesardapeç aformarsedepersonagensefatoshistóricos, 
elanãoresultaemumasimplesreconstituiçãominuciosadaépocadaInvasão.
Os personagens de
Calabar
, embora p reservem algumas singularidades
históricas,nãodeixamdesertammrecr iaçõesliterárias.Diantedisto,vale a
pena tecermos algumas considerações ac erca dessas
recriações histórico
literárias
deChicoBuarqueeRuyGuerra.
Comando pelo coma ndante das tropas portuguesas, vamos
encontrar,emMathiasde Albuquerque, umpersonagemconflituoso.Depois
de recebe r a última resposta de Calabar ( na qual, o  alagoano reafirma sua
posiçãoaola dodoshola ndeses),Mathiasficaquaseobceca doemsevinga rd e
Calabar: Oferecilhe anistia, venc imentos atrasados , honras, mundos e
fundos,chameiodepatriota,chameiodegeneral...MasDeusnãopermitirá
queeumorrasemantesencararoCalabar!Efazêloengoliraúlt imaresposta
que me mandou!” (p. 37). Após inúmeras derrotas e já ciente da vinda de
136
outrooficialpara lhesubstituir,ogo vernadoragarraseàidéiade vingança,
paraele, últimafontedesatisfação:
Alegria,minhas mãos,alegria,
Queavingançaacabadeacenar
Comapromessadevoss odia,
Queéanoit edeCalabar.(...)
Minhasmãos, fazeijustiça
Comasvossasprópriasmãos!
Saciaivossacobiça
Nagargantadatraição.(p.38)
Nãoobstante,aocantar
FadoTropical
,M athiasrevelaseusembates
íntimos: embora filho  de p ortugueses e, portanto, ligado a Portugal; sua
afeiçãod irigese tambématerraondenasceu,Brasil.Sendoassim,aindaque
sedento de vingança, seus sentimentos são titubeantes mesmo em relação a
Calabar,afinal,brasileirocomoele.Vejamosacanção:
Oh,musadomeufado,
Oh,minhamãegentil,
Tedeixo,consternado,
Noprimeiroabril.
Masnãosêtãoingrata,
Nãoesquecequemteamou
Eemtuadensamata
Seperdeueseencontrou.
Ai,estaterraaindavaicumprirseuideal,
AindavaitornarseumimensoPortugal.
Sabe, no fundo eu sou um sentimental. Todos nós herdamos no sangue
lusitano uma boa dosagem de lir ismo. Além da sífilis, é claro. Mesmo
137
quandoasminhasmãosestãoocupadasemtorturar,esganar,trucidar,meu
coraçãofechaosolhose,sinceramente,chora.
Comavencasnacaatinga,
Alecrinsnocanavial,
Licoresna moringa,
Umvinhotropical.
Ealindamulata,
ComrendasdeAlentejo,
Dequem,numabravata,
Arrebatoumbeijo.
Ai,estaterraaindavaicumprirseuideal,
AindavaitornarseumimensoPortugal.
Meucoraçãotemumserenojeito
Easminhasmãosogolpe duroepresto
Detalmaneiraque,depoisdef eito,
Desencontrado,eumesmomecontesto.
Setragoasmãosdistantesdomeupeito,
Équehádistância entreintençãoegesto.
E,semeucoraçãonasmãosestreito,
Meassombraasúbita impressãodeincesto.
Quandomeencontronocalordaluta
Ostento aagudaempunhadora àproa,
Masomeupeitosedesabotoa.
E,seasentençaseanuncia,bruta,
Maisquedepressaamãocegaexecuta
Poisquesenãoocoraçãoperdoa.
Guitarrasesanfonas,
Jasmins,coqueiros,fontes,
Sardinhas,mandioca,
Numsuaveazulejo.
OrioAmazonas
Quecorretrásosmontes
E,numapororoca,
DeguanoTejo.
138
Ai,estaterraaindavaicumprirseuideal,
AindavaitornarseumimensoPortugal.
Ai,estaterraaindavaicumprirseuideal,
AindavaitornarseumImpérioColonial.
Aqui,Mathiasde Albuque rquedá vazãoaoss eusconflitos:elefala,
canta e recita. Os elementos típicos de Portugal confundemse com os do
Brasil(começandopelotítulodacançãoFadoTropical”).Indeciso,Mathias
parece querer fundir os dois pa íses. Entremeado na canção, o conflito do
militarmaterializasenaformadeumsoneto.Tudosemistura,naformaeno
conteúdo.Co mogovernadorecomandanteasõessãotomadas,todavia,há
distância entre intenção e gesto”. Dividido, Mathias permanece
desencontrado”.
OPrínc ipeMauríciodeNass auéopersonagemcentraldo2º.ato.
Empreendedor, diplomata, altivo, vaidoso, tolerante, visionário, mecênico,
carismático,as simahistóriaoregistra,assiméapresentadonapeça.Otexto
adquireumritmointensoedinâmico,desdeomomentoemqueNassauchega
ao Brasil. Nas dez primeiras páginas do segundo ato, as ações do Conde
sucedemse ininterruptamente. Como já foi comentado neste trabalho, em
especialnoca sodopersona gemempauta,muitosfatosefalassãoretirados
diretame ntedefonteshistóricas.Noentanto,amaneiraemqueseapresentam
139
na peça, geralmente, assume um aspecto ligado ao risível, seja de forma
irônicaoumesmocômica.
85
Quando não se expressa de forma ot imista e bemhumorada, o
PríncipedeNassautendeadiscursardemodoirônico,semprecomoobjetivo
decriticarosinteressesexclusivamenteexploratórios daCompanhia:
Escrivão! o diga à Companhia das Índias que ela se esqueceu da
remessa eque estamos hátrêsmesessemcomercarne.Digaapenasque
MauríciodeNassauintroduziuaculturadofumo,damandiocaedeoutras
plantasquenãoadiantacitarporqu eelesnãoconhecemmesmo.Digaque
háalgomaisdoquecanaparasecolher.Escrivão!DigaàCompanhiadas
ÍndiasOcidentaisqueamonoculturaéumatrasodevida!
Naverdade,podemosobservarumamudançacontínuanodiscursode
Nassauconformeodes enrolardosfatos.Assim,asprimeiras fa las doPríncipe
são contagiantes e entusiasmadas (começo do seu gover no). Em seguida,
assumem uma postura mais irônica e crítica (entraves gerados pela
Companhia).Finalmente,jáemsuadespedida,suasfalastornamsesolenes:
Adeus,terrasbrasileiras,ondetantoc obicei,remexienadaaprendi,além
dacertezade que só o homem faz a Históriado homem. Mas pobre do
orador que pretende falar para o futuro. (...) A palavra do homem de
consciênciasópodetra nsformaropassado,masopassado nãotemoutra
possibilidade de tr ansformação, que não seja o de ser contado de modo
diferente. (...) Vai, Maurício. S ó peço que de mim não guardem uma
imagemdeformada.Souoquefui efu i grande na mesquinhezdosmeus
85
Assuntomaiscomentadonofinaldestecapítulo.
140
interesses. (...) E se voscausa espanto que seja eu,Maurício deNassau,
queassimvosfala,forademinhanobreza,foradomeutempo,foradetoda
lógica, procurai arrancar dess e espanto a resposta que meus lábios o
sabemarticular.Adeus,terrasbrasílicas.Bomdia,umdia,Brasil.
Um tanto volúvel, o personagem Frei Manoel do Salvador procura
sempre s eajustar”ao ambiente, seja es teportuguês, espanholouholandês.
No primeiro ato, o frade participa do planejamento da emboscada a Porto
Calvo.Tendoacessoaosholandeses,ele,juntamentecomSebastiãodeSouto,
transmite as informações necessárias aos portugueses . Enquanto Portugal
encontrasesobojugodaEspanha,ofradeexclama:“VivaDom Felipe,reide
PortugaleEspanha!”(p.47).AssimquePortugalconsegueaRestauração,em
1640, o padre exc lama: Viva Dom João IV, rei de Portugal.” (p. 87). No
segundo ato, o frade aceita de bom gr ado morar numa casa construída
especialmente para ele, dentro das fortifica ções do palácio de Mauríc io de
Nassau. Tolera nte como era o Príncipe, não foi difícil para Frei Manoel
conviver com os novos governantes,  os hola ndeses. E m dete rminado
momentodapeça,porém,Bárbaraquestionaasatitudes dofrade:
BÁRBARA. Espera,Padre,érá pido.Sóqueroqueosenhormeresponda
umacoisa.Oqueéqueosenhor,Padre,estáfazendocomosholandeses?
FREI. Nãoseiporquelhehaviaderesponder...
BÁRBARA. Padre!OmeunomeéBárbara.
FREI. ABárbara...
BÁRBARA. Estoubonita?
141
FREI. Diferente.
BÁRBARA. Acertou.Diferente.EoPa dre,estáigual?
FREI. Sempreomesmo... ecomDeus.
BÁRBARA. Como é que osenhorfazparasersempreo mesmo, hein?
Quediabodemolejoéess equeosenhorarranjou?Comosportugueses,
depois com os holandeses, com os portugueses, outra vez com os
holandeses,maispareceumamaladiplomática...
FREI. Vocêestábêbada.
BÁRBARA. Eu sei... estou bêbada. O mundo é perfeito, e eu estou
bada.ECalabarmorto.
FREI. Porquemerecia.
BÁRBARA. É...porqueacreditavanoholandês...EagoraoPadreaícom
eles pra cima e pra baixo, bem alimentado e em paz com a sua
consciência... (p.104– 105).
ComoMathiasdeAlbuquerque,FelipeCamarãoeHenriqueDiassó
aparecem no primeiro ato da peça. Assim como a traição” de Calabar,
questionase, no texto dramático de Chico Buarque e Ruy Guerra, o
heroísmo” destes personagens históricos. A bravura de ambos é
incontestáve l.Mas, oqueinteressaaquiéarazão,oideal.Porquelutavam,
peloque,exatamente,lutavam?Em
Calabar
,quasetudosofreum processode
dessacralização, tambémCamarãoe Henrique Dias não são poupadosdesse
process o.Poderíamosmesmoa firmarq uenapeçanãoexistemheróis,existem
interesses,algunsaténobres,massempremescladoscomoutrosparticulares.
Semelhante a Frei Manoel do Salvador, Sebastião de Souto é um
personagem deveras inconstante. Especia lmente noprimeiroato, eletrocava
142
de lado, quase comoquem troca deroupa”. Nesse período,ele lutavasem
saberporque.Nãopensava,sóagia,oumelhor,sóobedeciaaquempagass e
melhor. Observemos o t recho posterior à exec ução de Calabar,  em que
BárbaradiscutecomSouto:
BÁRBARA. Escuta , Sebastiãode Souto, eu preciso entender uma coisa.
Vocênão écomandante,nãoestátodoespetado de medalha,  nãosenta à
mesadasautoridades,vocêéumsubalterno.Époucomaisqueummenino,
tem toda a vida pela frente. Então, me explica.Você que marchou com
Calabar,ouviuossonhosdele,quemotivoolevouatrairCalabar?
SOUTO. Motivo?Motivo,como?
BÁRBARA. Tem que haver um motivo muito forte. Mais que uma
recompensa,umahonraaomérito,umaambição...
SOUTO. Motivoforte?Eu? Eu nãotenhoum motivosequer para estar
nesta guerra. Quando eu me dei por gente, já era um praça do exército
holandêscombatendonaParaíba.Porqueholandês?os ei.Vaiverque
gostei docolorido. E sempre fiz o que viserfeito, semperguntar nada.
Saques, massa cres, emboscadas, sempre achei tudo normal na guerra,
mesmo porque não conheço outra oficina. (...) De repente eu era um
sargentoportuguês.Eacheiqueserianormalexecutar200índiostapuias
porque sendo aliados dos flamengos, eram hereges. Depois executamos
outros 120 índios, batizados, e eu achei muito normal. Combati
normalmente sob as ordens de chefes espanhóis, franceses, italianos,
polacos, alemães, que também achavam normal lutar pela bandeira que
pagassemais. (p.6364)
Nosegundoato,opers onagemjánãoémaisomesmo.Passadostrês
anos, as atitudes de Sebastião de Souto já não são impensadas. Deixou de
mudardelado,optandoporficardevezdoladodosportugueses.Nãoqueas
coisasagoraestivessemclaras,quee xistisseoladocertoeoladoerrado,não.
143
Tudoaindaestavaconfuso,masagora,pelome nos,Soutorefletia. Vejamosas
passagensaseguir:
SOUTO. ...agoraeuvejoqueoteuCalabarfoiumhomemetanto.Oa zar
é que ele não adivinhou onde é que ia parar a merda do sonho dele,
coitado...
BÁRBARA. Jáchega,rapaz.
SOUTO. Coitado mesmo. (...) Um bra sileiro gu iando o exército da
Holanda, que era um país muito distante, onde – diziam – vigorava a
justiçadohomem.Segundoessajustiça–diziam –ohomemvaliapeloseu
traba lhoenãoporcaprichodosdeuses,dorei,doP apa. Poisbem,Calabar
morr eu e o holandês se instalou aqui. Mas essa tal justiça, o holandês
esqueceunumaprateleira láemcimadoEquador.Trouxeramumpríncipe
que,infelizmente, comessesoldePernambuconatampadacabeça,variou
devez.Eagora,a divinhaquemestálá nobanquetedopríncipe?Opadre,a
donzelaeousineiroportuguês. (p.82)
SOUTO. ... Calabar servia ao holandês, por isso foi enforcado pelo
português.Euserviaoportuguês,porissosoucaçadopeloholandês.Agora
que os exércit os holandês eportuguês estão de mãos dadas e casamento
marcado,comoéquenósficamos,hein?Ficamosmalcomtodos,seremos
sempremalditos.Olha,seCalabarestivesse vivo,marchariacomigo,nã o
sei pra onde, mas marcharia. F ormaria comigo o exército dos tr ouxas, o
exércitodostra ídos,oexércitodoscornosdeguerra.Egritariacomigo:a
pazéfalsa! (p.96)
Para o  diretor Fernando Peixoto, Sebastiã o de Souto passa por um
process ocontraditóriodeenlouquecimento irracionale lúcido”.Eocmax
desse process o é justamente a sua morte. É interessante observarmos as
palavras finais do personagem antes  de morrer baleado por soldados
144
holandeses.Acena,segundoPeixoto,assumeumacertaconotaçãotrágico
grotesca”:
SOUTO.Aquieufico.Massealémdissofazeisquestãodesaberqualéa
minhatria,ficaisabendoquenãonascinailhanatantedeDelos,como
Ap olo, nem na espuma do agitado oceano, como Vênus. o. Eu nasci
mesmo foi na Baía da Traão, Paraíba, onde a natureza não tem
necessidade alguma da arte... E se morrosem poder trair no meu últim o
instante,aindaassi mnãomedesmereço,emorrometraindo,porquemorro
dizendoqueteamo,Bárbara. (p.99)
Bárbara é a amante e companheira de Calabar. As personage ns
femininasdeChico Buarqueco nstituemumdestaqueparticularemsuaobra,
sejanamúsicaounoteatro.Bárbaraéumadessasfigurasmarcantes,deforte
personalidade, ela se converte, na peça, na única possibilidade de voz de
Calabar. Ousada,  Bárbara discute com Henrique Dias, Felipe Camarão,
SebastiãodeSoutoeFreiManoel.Éaúnicaquelevantaavoz,quandotodos 
silenciam.Instigandoosoutrospersona gensdotexto,elaterminaporincitaro
leitor/espectadoraoquestionamento.Atentemosnofragmentoabaixo:
BÁRBARA.Vocêsotraíram! Todosvocês.
DIAS. Aguerratemtodososdireitos...
BÁRBARA. Não lhe deram nem a satisfação de morrer na guerra. Ele
morr eu na forca. Não foi ju lgado nem nada,  não pôde reagir, não teve
defesanem foicondenado.Foiexecutadoepontofinal.
SOUTO.Foi umacilada.Ciladatambémfazpartedaguerra.
145
BÁRBARA.Haviaumacordo.Todomundosabequefoifeitoumacordo
paraarendiçãodacidade.Todaacidadesabedisso!
CAMARÃO.Par ecequehouveumacontraordem, umdesacordo,nãosei.
BÁRBARA.O que houvefoiumassassinato!Umprisioneirodeguerra
mortoasanguefrio!Vocêssãosoldadosesabemdissomu itobem.Temaí
umcapitãomor osei de quê, um governadordas negas dele, mas não
temumhomempraabrirabocanumahoradessas.Nemdigoabriraboca
prasalvar avidadeninguém.Eudigoabrirabocapraresguardaraprópria
dignidade.Nãotemumhomemnesse exército! (p6061)
Sem rosto, sem fala. Obscuro, enigmático, indefinido, Calabar
constitui um caso à parte. Já dissemos que Calabar o se personifica na
peça.
86
AúnicacenaemqueCalabaraparece”éadesuaexecuçãoeainda
assim permaneceobscuro:
(Emclaroescuro, soldadostrazemumhomemparaaexecução.)
OFICIAL. ... Que seja morto de morte natural para sempre na forca...
(Rufos)
... por tr aidor e aleivoso à sua Pátria e ao seu Rei e Senhor...
(Rufos)
... eseu corpo esquartejado, salgado e jogado aosquatrocantos...
(Rufos)
... Para que sirva de exemp lo...
(Rufos)
. .. e a  sua casa seja
derrubadapedraporpedrae salgadooseuchãoparaqueneleocresçam
mais ervas daninhas...
(Rufos)
... E seus b ens confiscados e seus
descendentesdeclaradosinfamesaaquintageração...
(Rufos)
...paraque
nãoperduremnamemória. ..
(Rufos)
.(
Últimorufardetambormisturadoao
gritolancinantede
BÁRBARA.)(p.5556).
86
Comoelenã otemfala,nãoaparecenalistadeperson agensqueantecedeotextodramáticoetambémnão
precisadeatorpararepresentálo,nomáximo,umfigurante.Nãoobstante,Calabarépersonagemda peça:a
tramatecesuahistóriaeseunomedátítuloàpeça.
146
Mesmo aqui, com o artifício do claroescuro”, não é possível ver
com nitidezorostodoco ndenado.Esemrostonãoháidentificação, nãohá
identidade. Alguém, umq ualquer, morre e Calabar”vira apenas umnome,
umverbete”,comonodiálogoaseguir:
BÁRBARA. VocêconheceuCalabar?
ANA. Eu?Sódeouvirvocêfalar...
BÁRBARA.ConhecemaisalguémquetenhaconhecidoCalabar?Não.É
claro que não. Pois se Calabar nunca existiu... Pode perguntar por aí...
Alguém vaidizer que ouviu falardealguém,queouviufalardealguém,
que um dia viu uma alucinada gritando um nome parecido. Então fica
provadoqueCalabarnuncaexistiu, paradescansodetodos.(p.100)
6.
Conversasparalelas
:ametaficçãonotextode
Calabar
Queéqueoshistoriadoresvãodizer
demimseeuentregoC alabar?
87
Uma última carac terística da lista de Seymour Menton que
identificamosem
Calabar
,dizrespeitoà metaficcióno loscomentariosdel
narradorsobreelproce sodecreación.”(Menton,1993,p.43).Atéaquinossa
adaptação” transcorreusemmaioresproblemas, adespeito da diferença de
87
GUERRA,HOLANDA,2000,p.45
147
gêneros. Neste ponto, poré m, existe um pequeno impasse: por não ser um
romance,
Calabar
nãotem narrador. Sendo assim,a princípio, devidoa um
aspectoformal(referenteaogê nerodramático),estacaracterísticanãopoderia
serinvestigada napeçadeChicoBuarquee RuyGuerra.
Nãoobstante,oprópriogênerodramáticopossuiseusmeiospropícios
à metaficção. Entre estes, estão, por exemplo, os apartes, o prólogo e o
epílogo.Aqui,portanto,nãoonarrador(comos eriaemumromance),masum
personagem dirigese ao receptor (leitor ou espectador ) para tecer algumas
considerações acercadaprópriapeça.
O aparte”, como o nome já sugere, tratase de uma conversa à
parte, um comentário feito por umou mais personagens e direcionadoao
leitor/espectador. Os apartes podem ocorrer em qualquer parte do texto
dramático. Oprólogoeoepílogota mbém são, decertomodo,tiposdeapartes,
situandose o primeiro no início da peça e o segundo no final, como os 
própriosno mes jáindicam.
No caso de
Calabar
, esses recursos metaficcionais são sobremodo
interessantes. Os apartes da peça,  a prop ósito, estão sempre relacionados à
História.Emoutraspalavras,opersonagemretirase,porumbreveinstante,
doplanodaficçãocujomomentohistóricosedánoséculoXVII,paraoplano
148
darealidade,ass umindoaconsc iênciahistóricadoséculoXX.Esseprocesso,
noentanto,nãoétãoexplícito.Os apartes,naverdade,sãorápidosesutis.
Quando,porexemplo,MathiasdeAlbuquerquediscutecomooficial
holandês as condições de capit ulação, subitamente, ele para de falar pois,
estando com d isenteria, precisa urgentemente satisfazer suas necessidades.
Nessemomento,ooficialholandês,compreendendoperfeitamenteasituação
(umavezquepadecedomesmoma l), afirma:AHistóriapodeesperar.”(p.
46).Aquiosautoresdapeçabrincamcomahistória.Éadessacralizaçãoda
história,ouseja,aretiradadoca ráte rsagrado, sérioquegeralmenteenvolveos
personagens históricos,  principalmente, os comandantes. É muito difíc il
imaginar a situação acima descrita em uma obra da ficção histórica
tradiciona l...
Vejamosoutrosexemplosdeapartes :
FREI. Me parece que no partido tratado com o Holandês, Calabar foi
entregueàmercêd’ElRey.
MAT HIAS.
Sutilezashistóricas
,FreiManoel.(p.49,grifosnossos)
MAT HIAS. Nemquesejasópa radeixaromeunomena
História
.(p.49,
grifonosso)
LogoapósaexecuçãodeCalabar:
FREI.
Viremosagina
etra temosdenosmirarnoexemplodosgrandes
heróisdanossaPátria.(p.56,grifosnossos)
SOUTO.Minhahistóriaétãomedonha
edetãorepelentememória
149
quea
História
atétemvergonha
depôrmeunomena
História
.(p.57,grifosnossos)
Nadespedidade Nassau:
NASSAU. Eu sou Maurício de Nassau, o Brasileiro. (...) E daqui e m
diante,eufaloparaa
História
.(p.107,grifonosso)
NASSAU. ...Noslivros,assimqueroesereilembrado.Eassimserá, até
queoutrotipode
história
sejavividoeescrito,paridonumdiadenãosei
qualhorizonte.(p.109,grifonosso)
Inovadores, o prólogo” e o “epílogo” de
O Elogio da Traão
divergememalgunsaspectosformaiseconteudísticosdoprólogoedoepílogo
tradiciona is. Aqui, mais uma vez, os autores da peça fazem uso da
intertextualidade, comoveremosadiante.
Noprólogo,umpersonagemteceelucidaçõesacercadoenredoe,ao
mesmotempo,convida,o umelhor,intimaoespec tadoraprestaratençãona
peça. Em
Calabar
, essa função é atr ibuída a dois personagens: ao Frei
Manoel,cabemasconsideraçõessobreapeça(contextualização histórica);à
Bárbara,cabea funçãodechamaraatençãodo leitor/espec tador.Oprólogo
tradiciona l antecede a peça propriamente dita, no textode ChicoBuarque e
RuyGue rra,oenredonãoespera”oprólogo,esteéinseridonapeça;ou seja,
por meio de um sistema de dois planos simultâneos, intercala mse, em
Calabar
,intrigaeprólogo.
150
Assim,nasprimeirasginasde
Calabar
,após alguns esclarecimentos
sobreoenredoporpartedoFreiM anoel,operso nagemBárbaradepoisde
cantar
Calaaboca,Bárbara
–subitamente,encaraopúblicodizendo:
Seossenhoresquiserem saberporquemeapresentoassim,demaneira tão
extravagante,vãoficarsabendoemseguida,setiveremagentilezademe
prestar atenção. Não a atenção que costumam prestar aos bios, aos
oradores,aosgovernantes.Masaqueseprestaaoscharlatães,aosintrujões
eaosbobosderua. (p.33)
Novamente,
O elogio da traição
absorve trechos do
Elogio da
Loucura
.AmesmaatençãoreclamadapelaLoucura”,érequisitadanapeça
pelo personagem de Bárbara. Essa maneira nada convencional de chamar a
atenção dá margens a muitas leituras. Entre elas, observamos a questão
concernenteaotipodeatençãoqueopersonagemsolicita.Nãoaatençãoque
costumamos prestar aos sábios e governantes, uma atenção respeitos a,
reverentee
descuidada,
quesetratamd epessoasdetentorasdepoderede
autoridadeeque,porisso, acatamosmaisfac ilmente.Masaqueseprestaaos
charlatães,aos intrujões,aosbobosder ua.Esseoutrotipodecategoriachama,
natura lmente, a nossa ate nção; nesse caso, contudo, tratase de pessoas
destituídas de credibilidade. Aqui, a atenção é duplicada pois a qualquer
momentop odemosser ludibr iados.Obté mse,assim,umduploefeitopoiso
personagemnãosósuspendeporuminstanteocontratoficcional,como
avisa
aosespectadoresqueelespodemser enganados.
151
Assimtambém,oepílogode
Calabar
elaboraseapartirdotextode
Erasmo. Feitas algumas modificações, deparamonos, na realidade, com um
epílogoàsavessas”,eisaspalavrasdeBárbara:
Esperaisumepílogodoquevosfoiditoatéagora?Estoulendoemvossas
fisionomias. Ma s sois verdadeiramente tolos se imaginais que eu tenha
podidoreterdememóriatodaessamisturadepalavrasqu evosimpingi.A
históriaéumacolchaderetalhos.QueimportaoqueMathiascantou,oque
Dias arrotou, o que Nassau improvisou, o que Anna debochou, o que
Bárbaraesbravejou,oqueSoutopentelhou...Oqueimportaéoresto,queé
tudo, e o resto somos nós. Por isso, em lugar de epílogo, eu quero vos
oferecerumasentença,àguisadecharada:odeiooouvintedememória fiel
demais.
Por isso sede sãos, aplaudi, bebei, vivei, votai, traí, ó celebérrimos
iniciadosnosmistériosdatraão.(p.109)
Esteéo final debochadoeprovocador da peçade Chico Buarquee
RuyGuerra. Aocolocarnotextoq ueahistóriaéumacolchaderetalhos”,os
autoresestãoenfatizandoocaráterfluidoedinâmicodahistória,ouainda ,da
memória social”, nas pala vras de Peter Burke. Conforme afirmou Eni
Puccinelli, não há discurso sem sujeito nem sujeito sem ideologia”
(Puccine lli, s.d., p. 99). Portanto, encontramos também em
Calabar
, um
conjuntodevalores.Tratasedeumaideologiaderepulsaaosistemarepressor
daditaduramilitar,trabalhadanapeçademaneirainteligenteeperspicaz.Ao
delegarem ao leitor/espectador o direito de pensar, opinar, os autores estão
152
critica ndooregime militarqueprocurava, justamente,contro lare manipular
asinformaçõeseosj uízosdapop ulação.Afrase“odeiooouvinte dememória
fiel demais” sugere, precisamente, que os leitores ou espectadores não se
prendam por demais ao que lêem, vêem ou ouvem, mas que reflitam e
procuremassuasverdades.
Esse posicionamento vai ao encontro de algumas re flexões da
estudiosaMarialiaPaoli.EmseutextoMemória,HistóriaeCidadania:o
direitoaopassado”,Paoliaborda,de forma muitointeressante,aquestãoda
história“dosvencedores”e“dosvencidos”.Tecendoconsiderações acercadas
experiências silenciadas e/ou suprimidas da população, a autora afirma:
Trazêlas à luz deve também implicar não sacralizar a sua presença: uma
históriadosvencidos’nãopodeseraconstruçãodenovasmitologias,masa
produção de um direito ao passado que se faz como crítica e subversão
constantes das versões instituídas.” (Paoli, 1992, p. 27). Acreditamos que a
peça
Calabar
caminheexatamentenessadireção.Nãoverificamosnapeçao
desejo de substituição de uma verdade por outra. Ao contrário, observamos
um convite ao leitor/espectador  para que este assuma uma atit ude
questionadoraereflexiva.
153
7.AironiadesmistificadoradeChicoBuarqueeRuyGuerra
NãoexistepecadodoladodebaixodoEquador.
Vamosfazerumpecadosafadodebaixodomeucobertor.
Medeixaserteuescracho,capacho,teucacho,
Um riachodeamor,
Quandoéliçãodeesculacho,olhai,saidebaixo,
Queeusouprofessor.
88
Nãoobstantepossuirmomentosdeverdadeirolirismo,sensualidadee
tragicidade,
Calabar, O Elogio da Traição
apresentase repleto de ironia,
humor e comicidade.  E aqui, mais uma vez,  a obra dramática de Chico
BuarqueeRuyGuerraconfigurasecomoumnovodramahistórico.AIro nia,
ohumorsãoatributos própriosdoNRH.Vejamos,arespeito,oqueafirmaa
últimacaracterísticadoNRHdarelaçãofeitaporFernandoAinsa:
A utilização deliberadade arcaísmos, pastiches ou paródias associados a
um agudo sentido de humor pressupõe uma maior preocupação com a
linguagem,quesetransformanaferramentafundamentaldessenovotipo
de romance levando à dessacralizadora releitura do passado a que se
propõe. (
Apud
ESTEVES,1998,p.134)
Desde o início do nosso trabalho, vimos enfat izando o caráter
88
GUERRA,HOLANDA,2000,p.7273.
154
altamente dessacralizante do texto dramático de
Calabar
. Muitos recursos
foram empregados pelos autores nesse processo de dessacralização do
passado: o rebaixame nto de personagens históricos, a presença de jocosos
apartes (metaficção) e, especialmente, o trabalho com a paródia
(intertextualidade).Oexped iente,porém,quemaissesobressai nesseprocesso
é,semdúvida,ousodaironia,muitasvezes, associadoàcomicidade.
DeacordocomaestudiosaLéliaParreiraDuarte,aironiaexpressa’
muito mais do que diz”; ou seja, no uso da ironia o autor intensifica o
potencial de mentira”, de fingimento presente na literatura. Não obstante,
este procedimento explicita mais ainda o nãoditoquesequerdizer” do
autor. Ao utilizar a linguagem irônica, o autor dinamiza o texto tornandoo
interativo uma vezqueseduzo leitorà cumplicidade.Segundoaprofessora
LéliaDuarte,afiguradairo niacontémumaestruturacomunicativa,istoé,o
process o irônico só é efetivado quando há uma recepção que perceba a
duplicidadedesentidoeainve rsãoouadiferençaexiste nteentreamensagem
enviadaeapretendida”(Duarte,1994,p.55).Estudiososdaironia falamna
existência dediferentescategor iasdestafigura:ironiaverbal,iro niasocrática,
ironiaretór ica(quesefundamentanasocrática),entreoutras.Entretanto,para
onossotrabalho,importadestacarmosacategoriadairo niaromântica.
155
Omes mofingimentodaironiaretóricaencontrasepresentenaironia
romântica, sendo aqui mais amplo e complexo. O termo romântica” não
restringe esse tipo de ironia ao Romantismo. Embora tenha surgido neste
período,aironiaromânticaconstituiumapráticaliteráriabastantecomumna
literatura moderna. Observemos, a propósito, como a ironia romântica é
caracterizadapelaespecia listaLéliaParreiraDuarte:“Naironiaromânticanão
são apenas as narrativas como tais que são irônicas, mas é o sujeitoque as
enuncia que assume at itude ironica mente crítica em relação ao mundo, a si
próprioeaoquecria.” (Dua rte,1994,p. 65).
Ciente dos efeitos da ironia, Chico Buarque explora esse astucioso
recurso em boa parte de sua obra. Muitas de suas canções encontramse
marcadas pela ironia em diferentes gra us. Em canções como
Construção
,
Deus lhepague
,
Partidoalto
,
Omeuguri
,
Vaitrabalharvagabundo
,
Pedro
Pedreiro, Homenagem ao malandro,
entre muitas outras, observamos a
presençadaironia comorecursopropiciadordeumafinaeagudacríticasocial
que, infelizmente, continua atual. A título de ilustração, vejamos a canção
Deuslhepague
:
Poresse pãopracomer,poressechãopradormir
Acertidãopranascereaconcessãoprasorrir
Pormedeixarrespirar,pormedeixarexistir
Deuslhepague
156
Peloprazerdechorarepelo“estamosaí”
Pelapiadanobareofutebolpraaplaudir
Umcrimepracomentar eumsambapradistrair
Deuslhepague
Poressapraia,essasaia,pelasmulheresdaqui
Oamormalfeitodepressa,fazerabarbaepartir
Pelodomingoqueélindo,novela,missaegibi
Deuslhepague
Pelacachaçadegraçaqueagentetemqueengolir
Pelafumaça,desgraça,queagentetemquetossir
Pelosandaimes,pingentes,queagentetemquecair
Deuslhepague
Pormaisumdia,agonia,prasuportareassistir
Pelorangidodedentes,pelacidadeazunir
Epelogritodementequenosajudaafugir
Deuslhepague
Pelamulhercarpideirapranoslouvarecuspir
Epelasmoscasbicheirasanosbeijar ecobrir
Epelapazderra deiraqueenfimvainosredimir
Deuslhepague
89
Emseisestrofesdetrêsversoscomamesmarima,acançãoacimaé
trespassada de ironia do começo ao fim. A conhecida expressão “Deus lhe
pague”usadaemgeralcomoformadeagradecimentoemergecomore frãoda
89
HOLANDA.
Deusl hepague
.In:
ChicoBuarque– letraemúsica
.SP:CompanhiadasLetras,1989,p97.
157
cançãoesugere,porumlado,umagratidão”incomumavários elementosda
vidapos itivos”ene gativos, desdeonascimento(“Acertidãopranascer”)até
o momento da morte (“pela paz derradeira que enfim vai nos redimir”), 
abarcandofatoresvitais(“pormedeixarrespirar”,pores se pãopra comer”)e
fatores“supérfluos”(“pelapiadanobareofutebolpraaplaudir”) próprios do
brasileiro de ba ixa renda econômica, um pedreiro, por exemplo... (“pelos
andaimes,pingentes,queagentetemquecair”).
90
Poroutrolado,podeseler
emDeuslhepague”,nãoumagradecimento, masumdesejodequeooutro
seja
recompensado
com a
mesma moeda
, ou ainda, que colha conforme o
plantio.
Comonascanções,otomirônicodoautorde
Budapeste
permeiatoda
adra maturgiabuarqueana.Nocasode
RodaViva
e
Óperadomalandro
trata
sedeumaironiamaisaliadaaomico
91
como,aliás,estáexpcitonaprópria
classificaçãodaspeçasfeitapeloautor,sendoambas“comédiasmusicais”.Já
em
Gota água
, verificamos a presença de uma ironia mais sutil, mesmo
porqueessapeçaestámaispróximadatragédia.
Em
Calabar, O Elogio da Traição
, a ironia exerce um papel
fundame ntal. Como já foi dito, é principalmente através deste ardil, que os
90
Lembremosque
Deuslhepague
alémde pertenceraoLPde
Construção,
écantadalogoapós
Construção.
91
Cômico,aqui,nosentidoressaltadoporVladimirPropp:“ocômicoéoopostonãodoelevadooudoideal,
masdosério.”(PROPP.
ComicidadeeRiso
.SP:Ática,1992,p.173).
158
autores da peça atingem a dessacra lização (desco nstrução/construção) da
História. Assim, a ironia vai estar presente em todo o texto da peça em
diversos graus, nada escapa ao olhar satírico dos autores: desde decisões
cruciaisatéacura dedoençasvenéreascomoagonoria.Outrossim,emsuas
diferentesmanifes tações,aironiaassociaseacaracterísticasjácomentadasno
presentetexto.
92
Além da dessacralização histórica, a ironia, em
Calabar,
possui o
objetivodedesmistificarvaloresfalsamenteabraçados,tornandorelativo,po r
conseguinte, o conce ito de traição. No período colonial, conforme já foi
comentado,convivememPernambuco,pessoasdediferentesnacionalidades,
religiõeseraças. Na peça,ospersonagens estãoconstanteme ntedefendendo
bandeiras”, mas ainda que se falasse em defender a pátria, a religião,
predominavam, de fato, os interess es particulares. É precisame nte essa
simulaçãodeva loresqueoveioirônicodosautoresprocuradesmascarar.Se,
em alguns momentos,a ironiaemergealiada ao mico, talaliança, porém,
nãoexclui ocaráte rcrítico,aoinvésdisso, podemesmoreforçálo.
Logonocomeçodapeça,deparamonoscomodesesperodeMathias
de Albuquerque ao tentar reconquistar o apoio de Calabar. Na carta que
92
Otítulo,porexemplo,ligado,comovimos,àintertextualidade.Éonome“maldito”eexecradodeCalabar
queintitulaapeça,seguidodoaudacioso“ElogiodaTraição”.
159
endereça ao alagoano, Mathias inicia chamandoo simplesmentepelo nome.
Porém,lo gocorrigetratandooporcapitão”, postoimediatamentesubstituído
por major” – cargo que Calabar ocupava no lado dos holandeses. E m
seguida, reportase a Calabar como mestredecampo”. Ao final da carta,
afirma o governado r: E, quando voltardes aos serviços d´El Rey, honras e
bensvosserãodevolvidos,pecadosedívidasvosserãoperdoados.
(Encarao
torturadocomosedirigis seaCalabar.)
Tendesaminhapalavra...coronel.”
(Guerra,Holanda,2000,p.30e31,grifonosso).ConquantoCalabarvoltasse
para o lado dos portugueses, perdoavaselhe tudo. A ascensão de pate ntes, 
extraordinariamente rápida, q ue Mathias oferece a Calabar, desvaloriza, de
certomodo,aimportânciadasmes mas. Acadafrasecitadanacarta,Calabar
galgavaumnovoposto.
Vejamos,aseguir,o diálogoentreMathiasdeAlbuquerqueeooficial
holandês,apósaderrotadosholandeses emPortoCalvo:
HOLANDÊS. Um moment o...
(Apanha a bandeira)
Em nome da
CompanhiadasÍndiasOrientais...
MAT HIAS.Que é naverdadequemmandanaHolanda,confessa.Vocês
não têmumrei,masumaquadrilhadequitandeiros àtestadoEstadoeum
exércitodecaixeirosviajantes.
HOLANDÊS. Ah, foi bom falar nisso. Eu tenho aqui comigo algumas
açõesdaCompanhia.SeVossaExcelênciaseinteressar...
MAT HIAS.Comodisse?
HOLANDÊS. Cada ação está cotada a 3 mil florins. Eu posso lhe
confidenciar que a Companhia pretende investir 2 milhões e meio na
160
conquista do Brasil, sendo que a previsão de retirada é da ordem dos 8
milhõesdeflorinsanuais.Logofazendooscálculosrapidamente...
MAT HIAS.VossaExcelênciatemnoçãodoqueestamepropondo?
HOLANDÊS.Perfeitamente.VossaExcelênciaestarájogandonopareno
ímpar,novermelhoenopretoaomesmotempo.Vitoriosonaguerra,será
umheróicomdéficit.Emcasodederrota,ficar á simplesmente milionário.
MAT HIAS. SaibaVossa Excelência que eusouum general a serviçoda
CoroadePortugaleCastela!
HOLANDÊS.S im,masnãoimp orta.Somosumasociedadeanônimae não
alimentamospreconceitoalgum.
MAT HIAS.Ora,milionário...VossaExcelênciadisse...milionário?
(p.44– 45)
Nestetrechode
Calabar
,acríticaaosfalsosvaloreséinequívoca.No
colóquio, acima travado, entre pa lavras como Holanda, Portugal, Castela,
coroa, guerra, herói, a que mais se destacou para o português Mathias de
Albuquerque foi
milionário
. A propósito, muitos portugueses capitalistas
tornaramse,defato,acionistasdaCompanhiadasÍndiasOcidenta is.
Na mesma cena, um pouco mais adiante, os mesmos personagens
discutemacercadaentregadeCalabar:
HOLANDÊS. Que é que os historiadores vão dizer de mim se entrego
Calabar?
MAT HIAS.Queoentregouaumhomemdeumasópalavra.Aumfidalgo
português.Asminhasbarbascomopenhor.
(OholandêsfitaMathi asque,
imberbe,logoacrescenta)
Ficabonit o!Umdosmeusantepassadosfeziss o
nasÍndias...OAfonso.
HOLANDÊS.Ah,bom.
MAT HIAS. É difícil estar sempre inventando frases novas. No fim das
contas,opassadodeveservirparaalgumacoisa...Eentão? (p.45)
161
Nesta passagem, a ironia aparece mesclada à comicidade. Notamos,
primeiramente,apreocupaçãodoofic ialholandêscomasuaimagem.Ofato
deentregarCalabar,porsi,jácontrariavaaooficialpoisestavaperdendoum
soldadoinestimável.Entretanto,oquemaisimportavaparao holandêseraa
suareputação:Queéqueoshistor iadoresvãodizer?.. .”.Ficaevidenteaqui
comoos valores estão invertidos: em primeiro lugar a reputação do oficial,
depoisavidade Calabar.
Seguese,então,acomicidadedasrespostasdogovernadorportuguês.
De acordo co m Propp, a co micidade é inerente ao ser humano, apenas o
homem ri e s empre de algo humano. Segundo o estudioso, existem duas
condições necessáriasparaseatingiracomic idade:quemritemconvicções
morais”eorisonascedaobservaçãodealgunsdefeitosnomundoemqueo
homemviveeatua”.Portanto,geralmenteocômicoresultadealgumafalha.
Nocasoemapreço,aoresponderàperguntadoholandês,Mathiasde
Albuquerqueservese de umaparódia,minhasbarbas comopenhor”,ainda
ques embarbasparapenhorar... Omico,aqui,ligas eadoisfatores:afalta
de originalidade do português (defe ito não esperado em um personagem
histórico)eanãocorrespondênciaentrefalaeaçãojáqueelenãoestavacom
barba.NaúltimafaladeMathias,acimatranscrita,verificamosmaisumavez
aatuaçãodeumaironiamordaznafrase:“Nofimdascontas,opassadodeve
162
servir para alguma coisa...”. Embora sucinta, esta frase é carregada de
significação. Podemos perceber um questionamento acerca da histór ia, do
passado.Oquefazemosafinalcomonosso passado? Oquede veríamosfazer?
É possível aprender com os erros do pretérito? A questão tornase mais
pertinenteaindaquandoselevaemcontaocontextoditatorialemque
Calabar
foiescrita.
Umoutroexcerto,quesenosmostroutambémrelevantee milustrara
ironia dos autores na peça,  diz res peito à confissão de Mathias de
AlbuquerqueaoFreiManoel:
MAT HIAS.(...) Eu,Mathias,desangueenomeportuguês,masbrasileiro
pornascimentoeafeição,àsvezestenhopensadonestemeupaís.
FREI.QueDeusoperdoe.
MAT HIAS.Eemmeusdevaneios,imaginomecolocandooamoràterra
emquenasciacimadosinteressesdoreiquemegoverna.
FREI.QueDeusoperdoe.
MAT HIAS.Enessesdevaneiosminhaterranãosuportamaisastrevasea
opressãodeEspanhaePortugal.Aterrapulsa,blasfemaesedebate
dentrodomeupeito.Eparasuaredeão,parecequequa lquer
caminhoélegítimo.Atémesmouma aliançacomoshereges
holandeses...
FREI.Oh,Excelência!QueDeus... 
MAT HIAS.Meperdoe.Casocontrário, eunãoseriadignodeenforcarum
homem,brasileirocomoeu,mas tãoinsensatoquantomeus
devaneios. (...)
FREI. Deuscertamenteperdoa.Eameriadoshomensécurta.
(p.54– 55)
163
Novamente, deparamonos com a iro nia desmistificadora de Chico
Buarque e Ruy Guerra. Quem diria que o arquiinimigo” de Calabar
compartilhariadosmes mosanseiosdeste?Aqui,ainversãodevaloresreside
nofatodogeneralpedirperdãoporpensarnoBrasileporcolocaroamora
terraemquenasceu(Brasil)acimadosinteressesdoreidePortugal.Irônico
tamméosupostopartidotomadoporDeusnessahistóriatoda,quando,por
exemplo,ofradeafirma:Deuscertamenteperdoa”.Finalme nte,constatamos
umairo niaagudanafrase:Eamemóriadoshomensécurta”.Emespecial,
aqui no Brasil, onde é comum a crença na falta de memória histórica dos
brasileiros.
Em alguns mo mentos da peça, a ironia cede s eu espaço ao mico.
Sãoinstantesdepuraludicidadequeseinfiltramnoecléticotextode
Calabar
e,nessescasos, odiscursonãodialógico(didascálias)exercerelevantepapel.
Atentemos,porexemplo,naformacomoapeçaexpõeointeresseversátilde
Nassaupelasciências:
NASSAU.
(Dirigindose ao
ASTRÔNOMO,
compenetrado em sua
luneta)
Vaichover?
O
ASTRÔNOMO,
surpreso, larga a luneta, olha o u à maneira dos
pescadores,estendeamãocomapalmaparacima.
ASTRÔNOMO. Achoquenão,Príncipe... (p.80)
(...)
NASSAU. ...diga queacadadianasceumanovaobradearte,decifraseo
mistériodeumaciência,descobresea lgo...
164
MÉDICO.
(Entrando,àspressas).
Alteza!Alteza!
NASSAU. Oquef oiquedescobristehoje,doutor?
MÉDICO. Acuradagonorréia.
CONSULTOR. Ah,issoémagnífico.
NASSAU. Gostou, hein? Não lhe diss e?
(Para o médico)
Qual é a
rmula?
MÉDICO. Simples,meuPríncipe.Mastigandosefreqüentementeacanae
engolindos eosu co,semnenhumoutro medicamento,ficasecuradoem
oitodias.
CONSULTOR
tomaummaçodecanadasmãosdo
MÉDICO,NASSAU
tomaoutro,põemnabocaecomeçamamast igar.O
MÉDICO
ofereceao
FREI
que,discretaemaliciosamente,recusa.
NASSAU.
(Mastigando)
. Notável... Que seria de nós sem a canade
açúcar? (p.94)
Nopri meirocaso,oobjetodederrisãoresultada atitudeinesperadado
astrônomoquedispensaatecnologiatrazidadosPaísesBaixos(luneta)eage
comoospescadoreslocais.Nosegundo,omicomanifestase pormeiode
um defeito” no corpo físico. Conforme esclarece Vladimir Propp, a
comicidade está na correlação da natureza sica com a espiritual, quando
aquelapõeanuosdefeitosdesta.”(Propp,1992,p.46).Noconcernenteao
trec hoacimatranscrito,nãoapenasum,mastodosospersonagensenvolvidos
na cena (inclusive o frade) denunciam o estado enfermo” (sofrem de uma
doençavenérea).DeacordocomPropp,afalha”docorpore fleteafalhado
espírito,nocaso,agonorréianãodeixadeserumreflexodocomportamento
sexualdestespersonagens.
165
O mico também se materializa por meio do qüiproquó, como na
confuogeradaemtornodonomeSebastião”nodiálogoentreMathiasde
Albuquerqueeooficialholandês:
MAT HIAS.Foiuma belavitóriadascoresdePortugal.
HOLANDÊS.A serviço daEspanha.
MAT HIAS.AserviçodeDomSebastião!
HOLANDÊS.
(Levantandoserapidamente).
Sebastião?
MAT HIAS.DomSebastião!
HOLANDÊS.Aquelefilhodaputa...
(Sentase.)
MAT HIAS.
(Levantandose,indignado).
Dom Sebastião,oDesejado?O
quenãomorreuem AlcácerQuibir?
HOLANDÊS.S eiládavidadele.SóseiqueéSebastiãodeSouto.
MAT HIAS.Ah,bom.
(Sentase.)
Esse! (p.43)
Por fim, na peça histórica de
Calabar,
a ironia e a comicidade
apresentamsemuitoimbricadasaos própriosfatoshistóricos.Ness esentido,
destac amse, notexto,osepisódiosrelacionados a MauríciodeNassau.Éo
casodoseguintefragmentorecortadododis cursodeNassauaos moradores:
NASSAU. Em breve teremos aviários, jar dins botânicos e zoológicos,
orfanatos,hospitais,oprimeiroobs ervatórioastr onômicoemeteorológico
doNovoMundo,quemais...umauniversidade...
CONSULTOR.Príncipe,nãoexageremos...(...)
NASSAU. O que importa  équefiquebemclaroqueoestouaquiem
nome do Governo holandês, embora a Companhia das Índias me dê
poderes para tanto, mas sim representando os interesses de todos os
pequenosinvestidores(...)quecompraramessasaçõescomosuordos eu
rostoequeconstituemagrandemaioriadosacionários...
CONSULTOR.Príncipe,assimtambémjáédemais...
166
NASSAU. Infelizmente, essas guerrasincessantestêmarrebatadocoma
produção,exigindoinvestimentoscadavezmaioresnoaparatolico,ea
CompanhiadasÍndiasfechaobalançodosúltimos15anoscomumsaldo
devedor a seus acionistas da ordem de 18 milhões de florins, o que ao
câmbioatualdocruzado...vejamos,ocruzadoa400réis,quatrovezesoito
trintaedois, sobetrês...
(Atrapalhasecomosdedos)
CONSULTOR.Príncipe,essaexplicaçãomeparecedescabida.Eénotório
queosportuguesesnãoentendemdefinanças...(p.74– 75)
Aqui também verificamos uma inversão de valores: quanto mais
benefíciosoPríncipeprome tiaaosmoradores,maiseleeradesaprovadopelo
Consultor.Arremata ndo,observamosuma pequenabrincadeiracomasuposta
incapacidadedeentendimentodosportuguesesemassuntos de“finanças”.
Outros trechos da peç a gracejam com o fato verídico do Príncipe
batizarsuasobras como próprionome:
NASSAU. VamosampliaracidadedoRecifeeladrilharsuasruas.Ena
ilhadeAntônioVazergueremosumanovacidade,projetadaconformeos
maismodernosconceitosdeurbanismo,doloteamentoaotraçadoracional
de sua s avenidas, desde o embelezamento de seus parques a o
escoamentodeseusesgotos.Eaessanovaesuntuosacidadepermitome
daronomedeCidadeMaurícia.
MORADORES.Vivaele!Viva!Muitojusto!
NASSAU. EparaqueRecifeeMauríciaseunamnumasócidade,darei
inícioàconstruçãodeu mapontemagistralsobreoCapibaribe. (p.75)
(...)
NASSAU.
(Para o
CONSULTOR
)
. Pois se eu mal cheguei e já
reconquistei Porto Calvo! E desci até Penedo, onde construímos aquele
forte...oForte...Qualfoimesmoonomequevocêsugeriu, escrivão?
ESCRIVÃO. ForteMa urícia, Alteza.
167
NASSAU. É,ForteMaurícia... (p.79)
(...)
NASSAU. Peço ao Conselho de Estado Holandês que me mande os
refugiados de guerra alemães que, desterrados e bens confiscados, se
acolhem naHolanda...
(Interrompeseparaadmirarateladeumpintor)
Queéisso,jovem?
PINTOR. É um quadro futurista, meu Príncip e. Retrata a  futura Ponte
Maurícia...
NASSAU. PonteMaurícia?Quemfoiquedeuessenomeàponte?
PINTOR.Fuieu,Alt eza.Acheiquesoavabem...
NASSAU.Original...
ESCRIVÃO.Original... (p.79– 80)
(...)
NASSAU
dirigeseparaaponte.
NASSAU. Estápronta?
ENGENHEIRO.Provisoriamente,Alteza.Nãoestáláessascoisas...faltou
pedra.Emendamosumas“taubas”...
NASSAU. Masjádáparaatravessar?
ENGENHEIRO.Sim,Alteza.
NASSAU. Então,éponte.Espera. GravaadivisadeMauríciodeNa ssau
napedra da cabeceira  com as palavras
Qua patetorbis”
, vasta como o
univer so.Gostou,Oba? (p.90)
Na peça desmistificadora de Chico Buarque e RuyG uerra, sobejam
passagensdeironiaecomicidade,encerremos,pom,nossosexemploscomo
excertoquesesegue:
NASSAU. A Companhia não sabe que efetuamos, com sucesso, pela
primeiraveznaHistória,umtransplantedecoqueiro.Sabe?
CONSULTOR.Não,senhor.Enãolheinteressa.
NASSAU.Comotambémnãolheinteressasaberque,porfaltadevíveres,
atéosratosmorremdef omenosnossosarmazéns.(p.93)
168
No livro de Carlos Boxer, já citado em nosso trabalho, lemos no
capítulo três: Se as provisões escasseavam na Bahia, as coisas não iam
melhoremRecife,ondeMauríciobradavaqueatéosprópriosratosestavam
morrendo de fome nos armazéns.” (Boxe r, 1961, p. 129).  Como podemos
notar, o trecho da peça acima transcrito, lança  mão, simultaneamente, da
ironiaedaintertextualidade.Acríticaaqui,maisumavez,édirigidaàavidez
pecuniária da Companhia que, a fim de lucrar o máximo, procura sempre
gastaromínimo(reduzindo,porexemplo,araçãodosholandeses).
Dissimuladamente poderosos, os recursos da ironia e da comicidade
eclodem na peça de forma bastante apropriada. Qua l doce misturado no
reméd ioamargodacrítica,oriso,consoanteafirmaVladimirPropp, éuma
armadedestruição:eledes tróiafa lsaautoridadeeafalsagrandezadaqueles
que são s ubmetidos ao escárnio.” (Propp, 1992, p. 46). Portanto, na
dessacralização da história, é principalmente dessa arma intelectual q ue se
valem osautores“iniciadosnosmistériosdadesmistificação.”
93
93
senapeça:“...ócelerrimos
iniciadosnosmistérios
datraão”(p.109,grifosnossos).
169
UM NOVODRAMAHISTÓRICO
O tema, traição. O cenário, histórico. O discurso, eclético. O modo
dramático. O tom, irônico. O fruto: um novo drama histórico. Aos nossos 
olhos,
Calabar, O Elogio da Traição
emerge, ao lado dos novos romances
históricos, comogênerocorres pondentenocampodadramaturgia.
Conformede monstramosnodecorrerdonossotrabalho,apeçateatral
de Chico Buarque e Ruy Guerra apres enta algumas das principais
características do Novo Romance Histórico. A história sofre uma revisão
crítica,aversãooficialéquestionada.Osconceitosdocertoedoerrado,do
heróiedotraidoras sumemcaráterrelativizante.Osautoresprocuramdele gar
voz, na medida do possível (
era preciso driblar a Censura
), à parte
margina lizadadahistória.
Ver ificamos na peça a presença do caráter cíclico e imprevisível da
história,tantonoconcernenteaosilênciorepressor,quantoaoatodatraição,
ambos flagrantes na Invasão Holandesa e na Ditadura Militar. O tema da
identidadenacionalmanifestasenotextode
Calabar
atreladoàre flexãodos
conceitosdepátriaedecolonização.Daparódiadeprovérbiosàapropriação
detextoshistóricos,comooTestamentoPolíticodeMauríciodeNassau,ouso
170
abundante da intertextualidade atravessa a peça de Chico Buarque e Ruy
Guerradoinícioaofim.
Esgarçamse as fronteiras entre o histórico e o ficcional. Fatos
históricos misturamse a fatos fictícios na trama; personagens, quase todos
propositadamentehistóricos,são,porvezes ,sujeitosaumrebaixamentonada
comum à ficção histór ica tradicional. No processo de dessacralização da
história,pom,nadamaiseficazqueoempregodaironia,combinada,muitas
vezes, à comicidade. Através deste astucioso expedie nte, os autores de
Calabar
desmist ificam muitos dos  valore s apresentados, pelos pe rsonagens,
comosupostamentenobres.
Mesmo algumas especificidades de
Calabar
, próprias de um texto
dramático, aproximamse do tom dessacralizante e debochado comu m às
característicasdoNRH.Éocas odoplogo,doepílogoedosapartesdapeça,
comovimosnoitemsobremetaficção.ParaFernandoPeixoto,a“estruturade
Calabar
escapa às regras habit uais da dramat urgia bemcomportada. Existe
uma unidade que se ma nifesta justamente na descontinuidade quase
cinematográficadorelato.Cadacenaseexprimelivremente,independentedas 
demais, em termos de estrutura. Mas o todo conserva uma linha dramática
conseqüente,lógica,objetiva.”(p.22)
171
Nocomeçodoprimeiroato,notamostambémabrevepresençadeum
coro.Nasuafunçãoclássica,ocoroacompanhaahistóriadotextodramático
do começo ao fim e, semelhante a um narrador, tece comentários sobre  os
acontecimentosdapeça.Em
O Elogioda Traição
, ocoro faz umaaparição
muitocurta,talcomoseapeçaestivesseape nasaludindoaes terecursoenão
o empregando da forma tradicional. Também aqui, o te xto é marcado pela
ironia: Nessa guerra sem sentido/ Não há nacionalidade./ Só queremos
garant ido/ O direit o à propriedade. (...) A vitória não será vã/ Neste Brasil
Holandês/Temlugarproportuguês/EprobancodeAmsterdã”(p.3435).
Importa ressaltarmos que, ainda que se trate de um texto com teor
crítico,
Calabar
conservaaqueledeleite,aquele
estranhamento
dalinguagem
inerenteatodotextoliterário.Portanto,s emdeixar deladoaquestãodoprazer
estético, o texto dramático de Chico Buarque e Ruy Guerra dessacraliza a
história o ficial, desmistifica valores, convida o leitor/espectador ao
questionamento e ultrapassa as fronteiras circunstanciais de sua escrita ao
traba lharumconceitotãosinuosoeatemporalquantoodatraição.Destarte,
levandose em conta todas as cons idera ções feitas no presente trabalho,
podemos a firmar que
Calabar, O Elogio da Traição
constitui,
indubitavelmente,ummodelodoNovoDramaHistórico.
172
BIBLIOGRAFIA
ObrasdeChicoB uar que
Teatro
HOLLANDA,ChicoBuarquede.
RodaViva
.RiodeJaneiro:Ed.Sabiá,1968.
______&GUERRA,Ru y.
Calabar –OElogiodaTraição
. Rio de Janeiro:Civilização
Brasileira(24ª.ed.),2000. (1ª.Ed.– 1973/74)
______&PONTES,Paulo.
Gotad´Água
.RiodeJaneiro: CivilizaçãoBrasileira,1975.
______.
ÓperadoMalandro
.SãoPaulo:LivrariaCultura,1978.
Romances
HOLLANDA,ChicoBuarquede.
Estorvo
.SãoPaulo:CompanhiadasLetras,1991.
______.
Benjamim
.SãoPaulo:CompanhiadasLetras,1995.
______.
Budapeste
.SãoPaulo:CompanhiadasLetras,2003.
SobreChicoBuar que
CAVALCANTE,AnaMaryC.
ChicoEspecial
.Fo rtaleza,domingo,20dejunhode2004,
OPovo
,CadernoVida&Arte,p.112.
FONTES,MariaHelenaSansão.“Política, amo remarginalidade”.In:_____.
Semfantasia:
masculinofemininoemChicoBuarque
.RiodeJaneiro: Graphia,1999.
FERNANDES, Rinaldo de (org.).
Chico Buarque do Brasil
. Rio de Janeiro: Garamond,
2004.
MARTINS, Christian Alves.
Tempos de intolerância: Chico conta Calabar
. Uberlândia:
Fênix–RevistadeHistóriaeE studosCulturais(Vol.1/AnoI/no.1),Outubro/Novembro/
Dezembro2004 (ISSN1807 6971).
MENESES,AdéliaBezerrade.
Desenho Mágico:poesiaepolíticaemChicoBuarque.
São
Paulo:Ateliê,2002.(1ª.edição– 1982)
_____.
Figurasdofemininona cançãode ChicoBuarque.
SãoPaulo:Ateliê,2001.
173
SANT’ANNA,Affonso Romanode. “Noantiherói,a denúnciada realidade”.In:
Chico
Buarque: História da Música Popular Brasileira – Grandes Compositores
. São Paulo:
AbrilCultural,1982.
SILVA, AnalzidoVasconcelosda.
ApoéticadeChicoBuarque
.RiodeJaneiro:Sophos,
1974.
SILVA, Fernando  de Barros e.
Chico Buarque
. o Paulo: Publifolha, 2004. (Folha
exp lica)
SOUZA,Tárikde.Oquenãotemcensuranemnuncaterá”.In:
ChicoBuarque:História
daMúsicaPopularBrasileira–GrandesCompositores
.SãoPaulo:AbrilCultural, 1982.
WERNECK, Humberto.
Gol de Letras
:
Chico Buarque – letra e música
. São Paulo:
Companhiadas Letras,1989.
MIRANDA;ECHEVERRI A;MARCOS;ARBEXJR.; TRAJAN;FRENETTE; JOHNNY ;
WALTERFIRMO&SOUSA.“Chico–ocraquedesempre”(entrevista).
RevistaCaros
Amigos.
N.21,p.2230,dezembro /1998.
ZAPPA,Regina.
ChicoBuarque:otempoeoartista
.RiodeJaneiro:BibliotecaNacional,
2004.
LiteraturaDramática
AGUIAR, Flávio.
AComédiaNacionalnoTeatrodeJosédeAlencar
.SãoPaulo:Ática,
1984.
BENDER, Ivo C.
Comédia e Riso: uma poética do teatro cômico
. Porto Alegre:
EDIPUCRS,1995.
CAMPEDELLI, Samira Youssef.
Teatro brasileiro do culo XX
. o Pau lo: Scipione,
1995.
DORT,Bernard.
OTeatroeSuaRealidade
.SãoPaulo:Perspectiva,1977.
FARIA,JoãoRoberto.
JosédeAlencareo Teatro
.SãoPaulo:EDUSP Perspectiva,1987. 
_____.
OTeatroRealistanoBrasil
.SãoPaulo:EDUSP–Perspectiva,1993.
MAGALDI,Sábato.
Iniciaçãoaoteatro
.SãoPaulo:Ática,1998.
_____.
PanoramadoTeatroBrasileiro
.SãoPaulo:EfusãoEuropéiadoLivro ,1962.
174
PRADO, Décio  de Almeida. “Evolão da Literatura Dramática”. In:
A Literatura no
Brasil
(Org.AfrânioCoutinho)–Vol.VI.RiodeJaneiro:JoséOlympio, 1986.
ROSENFELD, Anatol.
O mito e o herói no moderno teatro brasileiro
. São Paulo:
Perspectiva,1996.
VERÍSSIMO,José.OTeatroeaLiteraturaDramática”.In:_____.
HistóriadaLiteratura
Brasileira
.RiodeJaneiro:1916.
STEGAGNOPICCHIO,Luciana.Oscaminhosdoteatro :nasceu mteatronacional”eO
teatroentreRealismoeCrepuscularismo”.In:_____.
HistóriadaLiteraturaBrasileira
.Rio
deJaneiro:NovaAguilar,1997.
Romance/DramaHistórico
BURKE, Peter. “A história como memó ria social”. In: _____.
O mundo como teatro.
EstudosdeAntropologiaHistórica
.Lisboa:DIFEL,1992.
ESTEVES, A. R. O Novo Romance Hisrico Brasileiro”. In: ANTUNES, L.Z. (Org.)
EstudosdeLiteraturaeLingüística.
Assis:Arte&Ciência,1988.p.123 – 157.
HARTOG, François. “A Arte da Narrat iva Hisrica”. In: BOUTIER, Jean e JÚLIA,
Dominique.
Passados recompostos: campos e canteiros da história
. RJ, Ed. UFRJ/ Ed.
FGV,1998.
HIMMELFARB,Gertrude.“Laliteraturacomohistoria”.In:_____.
LaIdeadelapobreza
.
México:Fo ndodeCulturaEconômica,1988.
MARCO, Valeria de.
A perda das ilusões: o romance histórico de José de Alencar
.
CampinasSP:UNICAMP,1993.
MALARD,Letícia.RomanceeHistória”.
RevistaBrasileiradeLiteraturaComparada
,n.
3,p.143 –149,1996.
MENDES,Oscar.Notaintrodutóriasobreosdramashistóricos”.In:
WilliamShakespeare
–ObrasCompletas
.RiodeJaneiro:NovaAguilar,1995.
MENTON,S.
LanuevanovelahistóricadelaAméricaLatina:19791992
.México:FCE,
1993.
MILTON,H.C.
Oromancehistóricoeainvençãodossignosdahistória
.In:CUNHAe
SOUSA(Org.)
Literaturacomparada:ensaios
.Salvador:EDUFBA,1996.
175
PAOLI,MariaCélia.Memória,HistóriaeCidadania:odir eito aopassado”.In:Secretária
Municipal de Cultur a/ Departamento do Patrimônio Histórico.
O direito à memória –
Patrimôniohistóricoecidadania
.SãoPaulo:DPH,1992.
PESAVENTO,SandraJatahy.“FronteirasdaFicção:diálogosdahistóriacomaliteratura”.
RevistadeHistóriadas Idéias
,PortoAlegre,vol.21,p.3357,2000.
SOUZA JÚNIOR, José Luiz Foureaxde. “O narrador, a literatura e a hisria: quest ões
críticas ”.
RevistaGragoa
,Niterói,n.6,p.127 142,1.sem.,1999.
STEGAGNOPICCHIO,Luciana.TeatroHistóricoe‘ReaçãoIdeasticoSimbolist a’”.In:
_____.
HistóriadaLiteraturaBrasileira
.RiodeJaneiro: NovaAguilar,1997.
VASCONCELOS, Ana Isabel. “O drama hisrico: exigências oitocentistas e polêmicas
atuais”. Actas do IV Congresso Internacional da Associação Portuguesa de Literatura
Comparada:EstudosLit erários/EstudosCulturais–UniversidadedeÉvora(vol.1),Maio
de2001.
VASCONCELOS,VâniaMariaFerreira.
ADonzelaGuerreiraeaDescosturaIrônicado
Novo Romance Histórico em Viva o Povo Brasileiro
. Fortaleza: UFC, 1998 ( Tese de
Mestrado).
Calabar/InvaoHolandesa
ABREU, João Capristrano de.
Capítulos de história colonial: 15001800
. Brasília: Ed.
UniversidadedeBrasília,1982.
BOXER,CarlosR.
OsHolandesesnoBrasil –16241654
.SãoPaulo:Ed.Nacional,1961.
FIGUEIREDO, Maria do Carmo Lanna. “Memória literária dos holandeses no Brasil”.
RevistaGragoa,
Niterói,n.6,1.sem.,1999, p. 5974.
IVO,Ledo.
Calabar:umpoemadramático
.RiodeJaneiro:Record,1985.
JOFFILY, Bernardo.
Atlas Histórico Istoé Brasil
. São Paulo: Empresa de Comunicação
TrêsEditorial,s.d.. 
LIMA,Jorgede.“Calabar”.In:_____.
ObraCompleta
.RiodeJaneiro:Ed.JoséAguilar,
1958.
MELLO, JoséAntônioGonsalvesde.
Tempodosflamengos
.Recife:FUNDAJ,1987.
SANTOS,João Felíciodos.
MajorCalabar
.SãoPaulo:CírculodoLivro,1960.
176
SETÚBAL,Paulo.
OPríncipedeNassau
:romancehisrico.SãoPaulo:Saraiva,1957.
SILVA,LeonardoDantas.“Calabar,nemheróinemtraido r”.
Planeta
.SãoPaulo:Ed.Três
Ltda,3defevereirode2005,p.5054.
BibliografiaTeóricaeGeral
ABREU, João Capistrano de.
Capítulos de história colonial: 15001800
. Brasília: Ed.
UniversidadedeBrasília,1982.
AGUIARESILVA,VítorManuelde.“Otextoliterário”.In:_____.
TeoriadaLiteratura
.
Coimbra:Almedina,1991.
ALENCAR, José de.
Obra completa
. Introdução de M. C.  Proença. Rio de Janeiro:
Aguillar,1958,4v.
ARISTÓTELES.
Apoéticaclássica
.SãoPaulo,1997.
ASSIS, Machado de. “Crítica” In: _____.
Obras Completas
(Vol. 3). Rio de Janeiro:
NovaAguilar,1997.
BERGSON,Henri.
ORiso
. SãoPaulo:MartinsFontes, 2004.
BORGES,JorgeLuis.“Otemadotraidoredoherói”.In:_____.
ObrasCompletas
I.São
Paulo:Globo,1998.
_____ . “História do Guerreiro e da Cat iva”. In: _____.
Obras Completas
I. São Paulo:
Globo,1998.
BOSI,Alfredo .
HistóriaConcisadaLiteraturaBrasileira
.SãoPaulo:Cultrix,1994.
_____.
LiteraturaeResistência
.SãoPaulo:CompanhiadasLetras,2002.
BOURGEOIS,André.
AIroniaRomântica
.In:DUARTE,L.P.(Org.)
Ironiaehumorna
literatura
.BeloHorizonte:FALE/UFMG,1994.
CANDIDO,Antonio.Literaturaesubdesenvolvimento”In:_____.
Aeducaçãopelanoite
eoutrosensaios
.SãoPaulo:Ática,1987.
_____.
LiteraturaComparada.
In:
Recortes
.SãoPaulo:SCHWARZ, 1993.
CARVALHAL,TâniaFranco.
LiteraturaComparada
.SãoPaulo:Ática,2001.
CASTRO, MariaJúlia Fonsecade.
A Ironiaeo Existencialismona Obra de Graciliano
Ramos
.Fortaleza:UFC,1998(TesedeMest rado).
177
DUARTE,LéliaParreira.
Ironia,humorefingimentoliterário
.In:_____
Ironiaehumorna
literatura
.BeloHorizonte:FALE/UFMG,1994.
GUTIÉ RREZ, Angela.
Vargas Llosa e o romance possível da América Latina
. Rio de
Janeiro :SetteLetras;Fortaleza:EUFC,1996.
HOLANDA, EdnaCarlosde Almeida.
Humor eerotismo emGabriela,CravoeCanela
.
Fortaleza:UFC,1997(TesedeMestrado).
HUGO, Vict or.
Do grotesco e do sublime
Tradução do “Prefácio de
Cromwell”
(tradutor a:CéliaBerretini).SãoPaulo:Perspect iva,1988.
KOTHE,FlávioR.
OHerói
.SãoPaulo:Ática,1987.
LUFT,CelsoPedro.
NovoManualdePortuguês
.SãoPaulo:Ed.Glo bo,1997.
MARTINEZ,Paulo .
HeróisVencidos
.SãoPaulo:Contexto,1996.
MELONETO.JoãoCabralde.
Autodofrade
.In:_____.
ObraCompleta
.RiodeJaneiro:
Ed.NovaAguilar,1999.
MOISÉS,Massaud.
Dicionáriodetermosliterário s
.SãoPaulo:Cultrix,1995.
ORLANDI,EniPuchinelli.
Asformasdosilêncio
.SãoPaulo:Ed.Unicamp,s.d..
ROLAND, Ana Maria.
Fronteiras da palavra, fronteiras da história
. Brasília:
UniversidadedeBrasília,1997.
ROTTERDAM,Erasmode.
ElogiodaLoucura
.SãoPaulo:MartinClaret,2004.
PROPP,Vladimir.
ComicidadeeRiso
.SãoPaulo:Ática,1992.
SANT’ANNA,AffonsoRomanode.
Paródia,pafrasee cia
. SãoPaulo:Ática,1985.
SANTIAGO, Silviano. “O entrelugar do discurso latinoamericano.” In: _____.
Uma
literaturanostrópicos:ensaiossobredependênciacultural
.SãoPaulo:Perspectiva,1978.
SODRÉ,NelsonWerneck.
HistóriadaLiteraturaBrasileira
.–10ª.ed.–RiodeJaneiro:
Graphia,2002.
SOUZA,EneidaMariade.“Onãolugardaliteratura”.In:_____.
LeiturasdoCiclo
.Belo
Horizonte:Ed.UFMG,1999.
VILLA,Marco Antonio.
A DitaduraMilitar
. In: _____.
SociedadeeHistória do Brasil
.
InstitutoTeotônioVilela,2002.
178
Textosemmeioeletr ônico(Internet)
DURÃO,SantaRita.“CantoIX”.In:
Caramuru
.LiteraturaBrasileira.Textosliteráriosem
meio eletrônico.  Núcleo de Pesqu isas em Informática, Literat ura e Lingüística. Apoio:
CNPq/UFSC/PRPG/FUNPESQUISA.( www.literaturabrasileira.ufsc.br)
GONZAGA, Sergius. “O romance romântico”. In:
Literatura Brasileira – tema do mês
(09/2005). (http://educaterra.terra.com.br/literatura/temadomes/indice.htm)
[SergiusGonzagaéprofessordeLiteraturaBrasileiraePanoramadaCulturaBrasileirano
cursodeLetrasdaUFRGS.]
NASSAU, Maurício de. “Testamento Político”. Ministério da Ciência e da Tecnologia.
RevistaParceriaseEstratégias.
(www.mct.gov.br/cee/revista/rev06.htm)
SCHALKWIJK, Frans Leonard. “Por que, Calabar? O motivo da traição. ” In:
Fides
Reformata
.Vol.05/Num.01,2000.
(www.mackenzie.com.br/teologia/fides/vol05/num01/Frans_Leonard.pdf)
[FransLeonardSchalkwijk,MinistrodaIgrejaReformadaHolandesa,commestradono
CalvinTheologicalSeminary,emGrandRapids,EstadosUnidos,edoutoradoemhisria
naUniversidadePresbiterianaMackenzie,emSãoPaulo.Éprofessorvisitante doCentro
PresbiterianodePósGraduaçãoAndrewJumper.]
DocumentáriosobreChico Buarque
VaiPassar
,produzidopelaDirectv,2005.
179
ANEXOS
180
ANEXO1 TABELA
ASSUNTO
GÊNERO
CALABAR NASSAU
INVASÃO
HOLANDESA
ROMANCE
HISTÓRICO
MajorCalabar
(1960)
OPríncipede
Nassau
(1957)
Nassau:sanguee
suornostrópicos
(1990)
94
Treliças:balase
gozosnacortede
Nassau
(1994)
95
ARainhados
rceresdaGrécia
(1976)
96
Vivaopovo
brasileiro
(1984)
97
DRAMA
(TEATRO)
OSonhodeCalabar
(1959)
98
Calabar,oelogioda
traição
(1973)
x
Caramuru
(1781)
DRAMAS
POÉTICOS(ou
PoemasDramáticos)
Calabar
(1858)
99
Calabar
(1985)
100
x  x 
POESIA
“Calabar”(1974)
101
“Mauríciode
Nassau”(s.d.)
102
x 
DESCONHECIDO
OuINDEFINIDO
Calabar
(1938)
103
x
Catatau
(1975)
104
94
Nassau:sangueesuornostrópicos
,deAssisBrasil
95
Treliças:balasegozosnacortedeNassau
,deVirgilioMoretzsohn
96
Arainha doscárce resda Grécia
,deOsmanLins
97
Vivaopovobrasileiro
,deJoãoUbaldoRibeiro
98
OsonhodeCal abar
,deGeirNufferdeCampos
99
Calabar
,deAgráriodeSousaMenezes
100
Calabar
,deLedoIvo
101
“Calabar”,de JorgedeLima
102
“MauríciodeNassau”,deHumbertodeCampos
103
Calabar
,deLuísdeAraújoMorais(pseudônimoRomeudeAvelar)
104
Catatau
,dePauloLeminski
181
ANEXO 2 – MAPA (Fonte: JOFFILY, Bernardo.
Atlas Histórico Istoé Brasil
. São
Paulo:Empr esadeComunicaçãoTrêsEditorial,s.d..,p.23)
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo