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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ- UFPI
PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E LETRAS- CCHL
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA DO BRASIL
JOÃO COSTA GOUVEIA NETO
AO SOM DE PIANOS, FLAUTAS E RABECAS...
ESTUDO DAS VIVÊNCIAS MUSICAIS DAS ELITES NA SÃO LUÍS DA
SEGUNDA METADE DO SÉCULO XIX.
TERESINA-PI
2010
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JOÃO COSTA GOUVEIA NETO
AO SOM DE PIANOS, FLAUTAS E RABECAS...
ESTUDO DAS VIVÊNCIAS MUSICAIS DAS ELITES NA SÃO LUÍS DA
SEGUNDA METADE DO SÉCULO XIX.
Dissertação apresentada à Coordenação do
Programa de Pós-Graduação em História do
Brasil, do Centro de Ciências Humanas e Letras
da Universidade Federal do Piauí, para a
obtenção do grau de Mestre em História do
Brasil.
Orientador: Prof. Dr. Edwar de Alencar Castelo
Branco.
TERESINA-PI
2010
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FICHA CATALOGRÁFICA
Serviço de Processamento Técnico da Universidade Federal do Piauí
Biblioteca Comunitária Jornalista Carlos Castello Branco
G719a GOUVEIA NETO, João Costa.
Ao som de pianos, flautas e rabecas... Estudo das vivências
musicais das elites na São Luís da segunda metade do século
XIX. João Costa Gouveia Neto._ Teresina: 2010.
168fls.
Dissertação (Mestrado em História do Brasil) Universidade
Federal do Piauí, 2010.
Orientador: Prof.° Dr.° Edwar de Alencar Castelo Branco.
1. Música Maranhão. 2. Modernidade. 3. Teatro
Vivências musicais. I. Título.
CDD: 780.9
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JOÃO COSTA GOUVEIA NETO
AO SOM DE PIANOS, FLAUTAS E RABECAS...
ESTUDO DAS VIVÊNCIAS MUSICAIS DAS ELITES NA SÃO LUÍS DA
SEGUNDA METADE DO SÉCULO XIX.
Dissertação apresentada à Coordenação do
Programa de Pós- Graduação em História do
Brasil, do Centro de Ciências Humanas e Letras da
Universidade Federal do Piauí, para a obtenção do
grau de Mestre em História do Brasil.
Este exemplar corresponde à redação
final da dissertação avaliada pela banca
examinadora em ___ junho de 2010.
BANCA EXAMINADORA
__________________________________________________
Prof. Dr. Edwar de Alencar Castelo Branco (Orientador)
Universidade Federal do Pia
__________________________________________________
Prof. Dr. Flávio Weinstein Teixeira (Examinador)
Universidade Federal de Pernambuco
__________________________________________________
Prof. Dr. João Berchmans de Carvalho Sobrinho (Examinador)
Universidade Federal do Pia
__________________________________________________
Prof. Dr. Pedro Vilarinho Castelo Branco (Suplente)
Universidade Federal do Pia
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Ao meu pai José Ribamar Fernandes Gouveia que me
ensinou a ser um homem decente e de caráter.
À minha mãe Liniete Costa Gouveia que me incentivou a
voar mais alto, e a ser forte e corajoso.
À minha irmã Amanda Costa Gouveia, pela admiração,
pelo incentivo e pelo amor incondicional dispensados a
mim.
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AGRADECIMENTOS
Desde o nascimento o ser humano precisa de outro igual a ele para ajudá-lo nessa
primeira empreitada para conquistar a vida. A partir do momento que isso se tornou inteligível
descobri que essa necessidade é inerente à condição humana e que, enquanto vivermos essa
necessidade nos acompanhará. Chegando a Teresina, a cada dia, essa certeza foi se tornando
mais e mais verdadeira. A SAUDADE de casa, dos amigos aumentava essa constatação.
Longe de casa constatei que a minha força vinha do Senhor Jesus, que me escolheu desde o
ventre de minha mãe Liniete Gouveia para ser levita em sua casa. Essa era a única certeza que
tinha em Teresina. Às vezes sentia as mesmas dúvidas que o povo hebreu passara ao
atravessar o deserto por quarenta anos. No entanto, em seguida Deus mostrava-me que o
estava só. Ele iria e estaria comigo onde quer que eu ande. Isso foi se cumprindo durante as
três vezes que fui à Teresina ainda no tempo da seleção para ingressar no mestrado. E Deus
sempre providenciava tudo.
Na última etapa da seleção, um dos professores que me arguia sobre o projeto, perguntou-me
como faria para manter-me em Teresina. Sem titubear respondi que situações sem
explicação plausível e que Eu confiava numa providência Divina. Assim, este trabalho é fruto
da capacitação que o Deus de Isaque, de Esaú, de Jacó, dos meus avós e de minha mãe
Liniete meu deu ao longo da vida, pois “Pelo que, nem o que planta é alguma coisa, nem o
que rega, mas Deus, que o crescimento” ( Coríntios 3:7). A Deus, toda Honra, toda
Glória e todo Louvor!
Nessa caminhada tão árdua que é cursar uma pós-graduação stricto sensu, Deus foi
providenciando tudo que eu precisei para poder escrever estes agradecimentos. Assim, quem
primeiro meu acolheu em Teresina foi Aurea Aires e sua família. Aurea é prima de minha avó
materna Adalzina Aires (Zizi) (In memorian) e foi em sua casa que me hospedei para fazer a
seleção do mestrado. Meu muito obrigado a Aurea, seu esposo Geraldo, e seus filhos Uelida e
Geraldo Filho.
em Teresina para iniciar as atividades do mestrado conheci algumas pessoas merecedoras
que seus nomes fiquem registrados pela singularidade e pela ajuda nesse processo de
adaptação e na concretização deste sonho em forma de palavras.
A primeira delas foi Rená, funcionário da Pousada Universitária, onde morei enquanto estive
em Teresina. Rená foi companheiro de conversas durante o café da madrugada. Ele acendia a
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chama do fogão porque o conseguia fazê-lo com o isqueiro. E ríamos na cozinha pelas
madrugadas escaldantes de Teresina. Obrigado Rená pelo cuidado e pela amizade.
Passados alguns dias Túlio Brasil se juntaria a mim e a Re no café da madrugada. Assim
como Eu, Túlio vinha do Maranhão estudar em Teresina, na UFPI. Com a convivência, que
nessas circunstâncias é muito intensa, nos tornamos amigos. Obrigado Túlio pela companhia e
pela generosidade.
Algum tempo depois, também por uma providência divina e proporcionada pela Pousada
Universitária, conheci a professora doutora Julia Simone Ferreira, para nós somente Julia.
Ela foi um anjo enviado por Deus a Teresina para ajudar-me a vencer as angústias e tristezas
que dilaceravam meu coração a ponto de pensar que não resistiria à separação da família e dos
amigos. Através da experiência adquirida nos anos em que morou fora do Brasil, Julia
ajudou-me a conviver com a saudade de Mamãe, Papai e Amanda. Tornamo-nos amigos.
Juliao se juntou a nós no café da madrugada, porque dormia cedo. Às 21h quando
estávamos conversando na sala da pousada Julia começava a cochilar. Ríamos... Até que ela
ia dormir exibindo sua camisola cor de rosa, por isso acordava antes de mim. Às 6h da manhã
estava Julia rindo na cozinha com Rená. Geralmente eles me acordavam com as risadas e
conversas feitas audivelmente. Mas dormia um pouco mais. Lá pelas 8h da manhã descia para
tomar o café, agora da manhã. Batia no quarto de Julia e seguíamos juntos para nossa
primeira conversa matinal. Julia passou três meses em Teresina, mais que suficientes para
conquistarmos a confiança um do outro. Sem a companhia e amizade de Julia provavelmente
estes agradecimentos também não seriam escritos. Obrigado Julia!
Na pousada também conheci e convivi com Bárbara Nery. Que figura sui generis! Como
ríamos juntos! Bárbara também fazia parte das conversas na madrugada agitada da Pousada
Universitária. Sua alegria, verdade nos sentimentos e sua história corajosa de vida me deram
força mesmo sem ela saber. Agora torno público e notório. Obrigado Bárbara.
Em Teresina tive a oportunidade de conhecer pessoas extremamente marcantes e impossíveis
de serem esquecidas. Além de Julia, Túlio, Rená, Bárbara, tive o prazer de conhecer e
conviver um pouco com a professora doutora Maria Angélica Freire de Carvalho, que apesar
de ser aqui apresentada com toda essa pompa merecida, geralmente dispensava essa
apresentação e era simplesmente Angélica. É difícil descrever aqui o quão importante e
singular foi a presença de Angélica em minha vida em Teresina. Nossa amizade aconteceu
naturalmente. A saudade descrita com tamanha verdade por Clarice Lispector, reapresentada
constantemente a mim por Angélica, pelo fato de dividirmos a saudade de casa, nos
aproximou. Além da saudade descobrimos que podíamos dialogar sobre vários assuntos das
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nossas áreas de estudo através de autores e livros lidos, e que ao longo das conversas íamos
descobrindo. Angélica é uma das mulheres de maior caráter e consciente da importância do
ser humano, independente do lugar social que a pessoa ocupe na sociedade, com quem
convivi. Com Angélica aprendi que cultura, conhecimento acadêmico, diplomas o valem
mais do que as pessoas. Que o importante nas relações humanas é o quanto você se doa sem
reservas para o outro e não espera nada em troca. Na convivência com Angélica aprendia
diariamente o poder e a importância que as palavras desempenham nas relações que
cultivamos na família, nas amizades, na universidade, no trabalho etc. Obrigado Angélica pela
oportunidade de sentir...
Estes agradecimentos também não seriam completos se os nomes de Seu Assunção, d. Naide,
Levi, Priscila e Sara ficassem de fora. Essa família foi uma grande benção dada por Deus a
mim em Teresina. Ainda lembro-me da primeira vez que os vi e mesmo depois da
convivência me impressiono com a alegria e o afeto que me receberam. Logo no primeiro dia
que fui à Igreja Presbiteriana Independente de Teresina onde os conheci, sentia a direção de
Deus em tudo. Dia feliz aquele! Logo naquele primeiro encontro seu Assunção convidou-me
para ficar em sua casa. Disso jamais esquecerei. No final de semana seguinte fui almoçar com
eles e parecia que nos conhecíamos muitos anos! Conversamos sem reservas sobre nossas
experiências de vida e na vida da igreja. Seu Assunção, d. Naide, Levi, Priscila e Sara me
passaram tanta confiança que pude ser eu mesmo: cheio de defeitos, intransigências, mas eles
sempre tiveram um olhar amoroso e acolhedor para comigo. As palavras não são suficientes
para expressar a gratidão que sinto por vocês. Muito Obrigado.
Parti para Teresina com objetivo de aperfeiçoar meus conhecimentos acadêmicos e sem muita
pretensão de fazer grandes amizades. No entanto, Deus providenciara tudo, inclusive os
outros alunos(as) com quem estudaria durante as cadeiras que cursaria no mestrado. Falo da
quinta turma do Mestrado em História da UFPI, da qual fiz parte e hoje relembro com
alegria e saudade. Lembro-me do nosso primeiro contato. Na ocasião todos queriam se
posicionar teoricamente e falar das pesquisas já adiantadas ou concluídas. Alguns já se
conheciam e se entreolhavam enquanto os de fora se apresentavam. Naquele dia analisávamo-
nos mutuamente, ouvíamos com atenção todas as palavras ditas como se aquele primeiro
contato fosse orientar o resto de nossa caminhada. Enganamo-nos. Passado aquele primeiro
momento colocamos de lado os teóricos ou tipos de fontes de nos separavam intelectualmente
e nos “entregamos” para novas experiências que futuras amizades nos proporcionariam.
Como éramos diferentes e ao mesmo tempo tão parecidos! Diferentes no jeito de falar, de
caminhar, de vestir, nos credos religiosos e ao mesmo tempo com o mesmo sonho de cursar
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um mestrado. Como nossas memórias não seguem uma ordem linear lembro-me agora do
seminário de Sônia Maria Carvalho, “batizada” por mim carinhosamente de Lady Sônia. Na
ocasião ela contou emocionada as palavras de um tio parabenizando-a por ter alcançado um
lugar que ninguém da família chegara. A emoção daquele momento reaflora... Emocionamo-
nos juntamente com Lady Sônia porque o sentimento era comum. Tratarei então de Lady
Sônia. Desde o primeiro dia que a vi percebi o porte e a elegância, como diriam os homens
do século XIX, visíveis até na sua maneira de sentar, de andar e principalmente de tratar com
as pessoas. Essa impressão tornou-se realidade na convivência com Sônia durante as aulas do
mestrado. Delicada, educada, atenciosa, meiga, todavia sem moralismos demasiados. Falar
em Sônia é lembrar também dos bolos de caixa! Do bolo de chocolate, esse não era de caixa,
que Sônia levou para mim em uma de nossas aulas. Do edredom que levei na viagem para
Recife. Da confraternização que nossa turma fez em sua casa. São pequenas coisas, no
entanto, extremamente significativas e que demonstraram a mulher adorável que é Lady
Sônia. Obrigado Sônia, pelo carinho e pela atenção.
Pessoa tão importante quanto Lady Sônia, é a querida Eliane Morais. Alô Eliane! Escrever
sobre Eliane é lembrar antes de tudo de emoção. Emoções que em algumas situações difíceis
enfrentadas nesta caminhada afloraram à superfície. Eliane também é sinônimo de
competência e dedicação aos estudos da memória histórica. Lembrar de Eliane significa falar
de companheirismo, cuidado, atenção dispensados a mim enquanto estive em Teresina. Não
sei direito em qual momento nos aproximamos. O certo é que os laços de amizade surgiram
nas conversas sobre os autores e livros estudados durante as aulas do mestrado, no tempo que
aguardavamos, em , na fila do Restaurante Universitário da UFPI, nos dias de feijoada e
nos desabafos sobre as angústias da dissertação. Esses laços tornaram-se fortes porque foram
fincados em terreno semeado com verdade. Eliane foi, provavelmente, a primeira pessoa que
me olhou com mais cuidado e descobriu, por trás daquela fortaleza que demonstrava, um
menino valente e saudoso de casa. Sempre dava um desconto quando me exasperava
demasiadamente com alguma coisa, enquanto os outros me recriminavam às escondidas.
Todavia, quando era necessário chamava-me à parte e dizia no que exagerara. Nem sempre
concordava! Risos... As amizades têm dessas coisas. Obrigado Eliane!
Tenho a impresão que o único nome que constará nos agradecimentos de todos os
componentes da quinta turma do mestrado em História da UFPI será o de Iara Conceição
Guerra de Miranda Moura. Guerreira, assim Iara pode ser qualificada, devido a sua história
pessoal de luta e de superação. Mas uma guerreira que não aprecia o sofrimento alheio,
mesmo de quem a machuca. De todos os aprovados na seleção Iara era, certamente, a mais
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empolgada com as novas expectativas que o mestrado nos apresentava. Iara foi a
representante da nossa turma no colegiado e quem nos deixava a par das decisões ali tomadas.
Além disso, foi minha procuradora e, por isso, escutou várias reclamações de D. Eliete,
secretária da Pós-Graduação, por minha causa. Resolveu para mim e por mim tudo que foi
necessário para que conseguisse fazer as matrículas, tirar carteira de estudante e participar dos
eventos. Por mais que disserte, aqui, sobre Iara estas linhas não serão suficientes para
demonstrar a imensa gratidão e o carinho que tenho por ela. Escrever sobre Iara é lembrar
incontestavelmente de alegria! Não lembro de Iara triste ou chateada por mais de dois
minutos. Uma das grandes características de Iara é a pressa para ser feliz. Além da mulher
bela é uma pesquisadora competente e desprovida de egoísmo. Ao realizar sua pesquisa não
deixava de pensar nos colegas, pois quando encontrava alguma notícia que ajudaria alguém
da nossa turma, não titubeava e fotografava. Eu, provavelmente, sou seu maior devedor.
Devedor da consideração e do carinho imensuráveis. Iara estará presente nas minhas
memórias afetivas durante o tempo de vida que Deus me conceder. Obrigado Iara.
A quinta turma do mestrado em História da UFPI não era composta somente por mulheres.
Além de mim, Reginaldo compunha a ala masculina. Reginaldo era o mais reservado de nós.
Essa discrição às vezes soturna dava a impressão de estar continuamente nos avaliando. O
mais inusitado foi descobrir a imensurabilidade do conhecimento e entendimento que
Reginaldo tinha sobre as teorias da história e suas vertentes nas demais ciências humanas e
sociais. Demorava a falar, todavia, quando instigado nos presenteava com belas explanações
sobre os teóricos mais complicados de entender, no entanto, as ideias desses estudiosos fluiam
com tanta facilidade pelos lábios de Reginaldo, nos deixando entusiasmados, impressionados
e, principalmente, temerosos sobre o que e como abordaríamos as temáticas propostas durante
as aulas. Depois das explanações de Reginaldo tudo o que falávamos parecia tão primário e
irrelevante! Após esses momentos Ele se transportava para um plano diferente do nosso e, ao
contrário de nós, que parávamos para ouví-lo, Ele parecia não dar importância aos nossos
comentários. Com o tempo percebi que a introspecção era uma das características de sua
personalidade e que não era por se considerar superior que agia dessa forma. Quando estava
disponível, situação em que não se encontrava com facilidade, brincava com Reginaldo
dizendo que ele era extremamente teórico e que seu projeto não tinha raízes. Ele ria
desconfiado. As oportunidades de conversa foram escassas, todavia, muito ricas. Essas
conversas geralmente aconteciam durante os intervalos das aulas do mestrado quando
sentávamos para lanchar, e Eu, geralmente falava, falava, falava e Reginaldo ouvia, ouvia,
ouvia... Não contribuimos intelectualmente para a melhoria do trabalho um do outro, pois a
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visão que utilizamos para analisar as sociedades e os homens e as mulheres que estudamos, é
completamente diferente, no entanto, em alguns momentos, compartilhamos ideias que me
enriqueceram como ser humano. O ruim disso é a impossibilidade de não poder regressar no
tempo e recuperar as oportunidades perdidas.
A maior lembrança e principal característica da nossa turma eram as risadas. Risadas estas,
geralmente provocadas por alguma ação ou palavra de Iara. Como ríamos! Ríamos das coisas
mais bobas às mais sérias, a ponto de alguns professores reclamarem. Assim, como esquecer
os babados de Iara e o contentamento que ela sentia ao transmití-los; o humor ácido de
Rodrigo; as desconfianças de Ari por ser da UESPI; os atrasos e cochilos de Jarbas durante as
aulas; os comentários desconcertantes de Regianny sobre os seminários dos colegas; o choque
de realidade que quis dar em Cícero; o desagrado de Lêda quando eu tentava conter Regianny
nos seus excessos de verdade; o sorriso irado de Gislane quando a chamava de Gislaine; a
preocupação de Eliane com a maneira como falaria comentando os seminários dos colegas; o
desligamento total de Gustavo sobre aos conflitos que aconteciam em sala e na coordenação;
os diálogos travados entre Reginaldo e Gustavo, ou entre Reginaldo e Rodrigo, ou pior ainda,
entre os três! Nessas ocasiões o restante da turma se calava e, geralmente, não acompanhava a
discussão. Lembrar também da implicânciatua entre mim e Lindalva, principalmente
quando me chamava de esfomeado por geralmente ser eu quem lembrava do horário do
intervalo; das brincadeiras com Mara em relação a proeminência dos nossos orientadores na
universidade; do espanto de Lindalva ao saber que Edwar me orientaria; das minhas
reclamações sobre o calor mesmo com ao ar-condicionado graduado no mais frio possível e
da surpresa que fizeram para mim no dia do meu aniversário. Enfim, de todos os colegas com
suas particularidades, qualidades e defeitos como são os seres humanos. Saudades!
Não posso deixar de agradecer ao professor doutor João Rênor Ferreira de Carvalho, pois se
ele não tivesse aceitado orientar meu trabalho, quando da divisão dos orientandos entre os
professores do Programa, estaria fora da seleção de 2008. Por conta de questões teóricas e de
cunho metodológico, analisados posteriormente, não foi possível que o professor João Rênor
continuasse a orientação do trabalho.
Assim, depois de algumas conversas, aproximação, empatia, simpatia e um requerimento
encaminhado ao Colegiado do Mestrado em História do Brasil da UFPI, tounou-se meu
orientador o professor doutor Edwar de Alencar Castelo Branco, atual vice-reitor da referida
IES. Minha relação com o professor Edwar foi construída durante as aulas do mestrado,
principalmente, penso eu, devido à coragem ao expor minhas ideias. Apesar de professor,
Edwar estava muito próximo de nós por causa da sua jovialidade. Geralmente, nos programas
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de pós-graduação, as pessoas perguntam quem é seu pai ou sua mãe, se referindo ao
orientador que os pós-graduandos recebem. Eu e Reginaldo brincávamos que Edwar estava
mais para um tio responsável, do que para um pai tradicional. Lembro-me da primeira vez
que vi o sorridente professor Edwar, no dia da entrevista da seleção do mestrado. Depois que
tivemos a primeira aula, ainda na incerteza de quem seria meu orientador, desejei que fosse
Ele. Isso não aconteceu de imediato, mas hoje tenho a satisfação de agradecer ao meu
orientador professor Edwar por ter aceitado me orientar e pela forma democrática como
fomos resolvendo nossas dissonâncias para que esta dissertação soasse bem. Os colegas
diziam que o professor Edwar me obrigaria a ler Foucault e aplicá-lo ao meu objeto de
estudo. Ao contrário, utilizei nesta dissertação os teóricos indicados no projeto e que
satisfizeram as exigências da escrita. Nada me foi imposto, mas o professor Edwar foi
pontuando as ideias sem sustentação e os pensamentos mal colocados, dando-me a
oportunidade de pensar sobre suas colocações. Reitero minha satisfação em-lo como
orientador. Obrigado professor Edwar.
Meus agradecimentos não estão situados espacialmente somente no Piauí. No Maranhão,
contei com as orações dos membros do Coro Eduardo Carlos Pereira da Primeira Igreja
Presbiteriana Independente de São Luís, do qual sou membro. Dentre esses irmãos e irmãs da
fé, uma em especial foi instrumento de Deus em dois momentos através de dois cadernos que
recebi de presente. Estou falando de D. Edenir Cotrim Guará, professora de música, ex-
regente do Coro citado e quem também me presenteou oito anos com os meus primeiros
livros de música. Ela quando ler estes agradecimentos entenderá o significado e a importância
que os dois cadernos representaram no tempo que estive em Teresina. Obrigado d. Edenir.
Três mulheres foram instrumentos de Deus para consolar e ouvir as aflições de Mamãe
enquanto eu estava em Teresina. São elas Ariadina Oliveira Amaral que constantemente
ligava para saber como estavam as coisas em casa e conversar com Mamãe; Andrea de Melo
Nogueira Duarte, grande amiga e que, também foi presente durante minha ausência e d.
Socorro Barros não só com as ligações telefônicas, mas também com suas orações. Obrigado.
No versículo 24, do capítulo 18, do livro de Provérbios, da Bíblia Sagrada diz que “há amigos
mais chegados que irmãos(as)”, Graça Prazeres tem essa qualificação. Conhecemos-nos na
graduação em História que cursamos na Universidade Federal do Maranhão. Lá se vão quase
oito anos! Enfrentamos momentos difíceis que nos afastaram, no entanto, entendemos que
não podemos ficar longe um do outro. Nesses dois anos dedicados ao mestrado Graça foi
presente. No primeiro momento através das palavras de coragem, conforto e alegria. No
segundo através do abrigo que me dava em Teresina, pois depois de muita insistência minha
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Graça fez a seleção do mestrado em História da UFPI e foi morar na capital do Piauí. Nossos
caminhos continuam ligados não no lado sentimental como no lado intelectual e
profissional. Graça não consta nestes agradecimentos somente por ter me abrigado em
Teresina durante o ano de 2009, mas pricipalmente pela amizade firmada na Rocha que é
Jesus Cristo. Querida, obrigado pela atenção, pelo carinho, pela cumplicidade e pela amizade
sincera.
A principal incentivadora, fora da minha família, para a continuidade dos meus estudos após a
graduação foi a professora doutora Maria da Glória Guimarães Correia, professora do
departamento de História da Universidade Federal do Maranhão, e minha orientadora na
monografia de conclusão do curso de História. A professora Glória foi quem leu e corrigiu o
projeto que submeti à seleção do mestrado. Foram três dias seguidos de leituras exaustivas
em sua casa e que ratificaram os laços de amizade firmados durante os trabalhos da
monografia. Por conta das circunstâncias, a professora Glória não pode compor a banca
examinadora deste trabalho, todavia, deixo registrada minha admiração pela profissional
competente e, principalmente, pela mulher de caráter e de sentimentos verdadeiros. Obrigado
professora Glória.
Finalmente tenho que agradecer às pessoas mais importantes da minha vida, minha e
Liniete Costa Gouveia, meu pai José Ribamar Fernandes Gouveia e minha irmã Amanda
Costa Gouveia, a jóia mais preciosa que temos em casa. Este trabalho tem sentido porque
vocês estão vivos para presenciar que o sonho agora é realidade. Um sonho a princípio meu,
mas que, é hoje realidade, porque vocês aceitaram sonhar junto comigo. Escrever para
vocês, sobre vocês, minha família é escrever sobre amor. Não qualquer tipo ou qualidade de
amor. O amor relatado na Bíblia em I Coríntios 13, o amor que tudo crê, tudo espera e tudo
suporta. O amor que compreende. Esse sentimento imensurável recebi em casa desde que
Mamãe contou a Papai que estava grávida de mim. Foi esse sentimento indelével que me
sustentou enquanto estive longe. Nesses dois anos, todas as vezes que viajei para Teresina ou
para algum congresso pelo Brasil sentia esse amor me envolver e proteger. Em Teresina
descobri que apesar de todas as divergências que tenho e sempre terei com Mamãe, Papai e
Amanda, o melhor lugar para estar é junto com eles. As conquistas, as alegrias e o
reconhecimento só valem à pena quando compartilhados com Mamãe, Papai e Amanda.
Obrigado por vocês terem omitido a existência das enfermidades que Mamãe e Amanda
passaram enquanto eu estive fora, a fim de não desviar minha atenção dos estudos do
mestrado. Por proibirem os amigos, que conversavam comigo pela internet, de me contar
sobre as aflições que vocês passavam em silêncio. Obrigado pelas tantas vezes em que liguei
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chorando para casa e vocês foram fortes para dar-me o consolo e a segurança necessários
naquele momento, mesmo estando com o coração dilacerado e também com vontade de
chorar. Os cutucões que Amanda dava em Mamãe ao perceber que eu chorava do outro lado
da linha e que Mamãe ia fraquejando. Assim, Mamãe respirava e dizia-me: confia no Senhor,
Ele jamais nos desamparou. Depois dessas ligações me sentia novamente apto para enfrentar
mais um dia de estudos e aulas na universidade. Obrigado a Papai por ficar sozinho em Viana
para que Mamãe acompanhasse Amanda em São Luís. Obrigado pelas lágrimas vertidas
depois que desligava o telefone. Assim, peço também perdão pelos sofrimentos emocionais
que causei a vocês durante a minha ausência. E, finalmente, escrever, dizer que os AMO. E
agradecer a Deus pelo privilégio de ser filho de Gouveia e Liniete, e irmão de Amanda.
OBRIGADO! OBRIGADO! OBRIGADO!
16
Sons e ruídos estão impregnados no nosso cotidiano de tal
forma que, na maioria das vezes, não tomamos
consciência deles. Eles nos acompanham diariamente,
como uma autêntica trilha sonora de nossas vidas,
manifestando-se sem distinção nas experiências
individuais ou coletivas. Isso ocorre porque a música, a
forma artística que trabalha com os sons e ritmos nos seus
diversos modos e gêneros, geralmente permite realizar as
mais variadas atividades sem exigir atenção centrada do
receptor, apresentando-se no nosso cotidiano de modo
permanente, às vezes de maneira quase imperceptível.
José Geraldo Vinci de Moraes.
17
18
RESUMO
Este trabalho tem como finalidade estudar as vivências musicais das elites de São Ls, capital
da província do Maranhão, nos idos da segunda metade do século XIX, a partir da ideia que a
música, de tendência européia, era considerada pelas elites ludovicenses sinônimo de
civilidade, elegância e refinamento. Para entender como essas ideias se processavam nos
homens e nas mulheres que vivenciaram aquele presente, os conceitos de gosto, de práticas e
de representação foram as ligaduras utilizadas para entender tão complexa sociedade. Os
jornais, os Códigos de Posturas Municipais e os Almanaks que circularam em São Luís, no
referido período histórico, deram a substância necessária e possibilitaram a aproximação dos
ludovicenses que compunham as elites que frequentavam o teatro, ofereciam saraus nos seus
casarões e utilizavam as vivências musicais para construir um comportamento elegante e
diferenciar-se dos estratos mais pobres da cidade. Assim, as vivências musicais são aqui
utilizadas como sinônimo de distinção social.
Palavras-Chave: Modernidade. Civilidade. Teatro. Vivências Musicais. Elites no Oitocentos
Maranhense.
19
ABSTRACT
This work aims to study the musical experiences of elites of São Ls, the capital of the
province of Maranhão, stymie the second half of the 19th century, from the idea that music,
European trend was considered élites ludovicenses synonymous with civility, elegance and
refinement. To understand how these ideas if processed in men and women who experienced
that present the concepts of taste, practice and representation were the ligatures used to
understand complex society. Newspapers, Municipal codes of Postures and Almanaks that
have circulated in São Luís, in that historical period, gave the substance needed and enabled
rapprochement of ludovicenses constituting elites that went the theatre offered song evening
in their casarões and used the musical experiences to build elegant behavior and differentiate
themselves from the poorest strata of the city. Thus, the musical experiences are used as
synonymous with social distinction.
Keywords: Modernity. Civility. Theatre. Musical Experiences. Elites in British Maranhão.
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SUMÁRIO
1 PRELÚDIO .......................................................................................................................... 21
2 PRIMEIRO MOVIMENTO - AS IDEIAS FRANCESAS E A CIDADE PORTUGUESA:
TENTATIVAS DE ASSIMILAÇÃO DOS IDEAIS DE CIVILIDADE ................................. 35
2.1 O contexto imperial brasileiro: leitura à primeira vista ...................................................... 35
2.2 A repercussão das leis imperiais na província do Maranhão.............................................. 41
2.3 Músicos negros: um mal necessário ................................................................................... 44
2.4 As posturas municipais e as tentativas de civilização da capital maranhense .................... 47
2.5 Os jornais e a disseminação das ideias de civilidade e modernidade ................................. 65
3 SEGUNDO MOVIMENTO - NO PALCO DO TEATRO: MÚSICA EM CENA ............... 71
3.1 A (re)abertura do Teatro São Luís ...................................................................................... 80
3.2 O Teatro São Luís e o Teatro Santa Isabel: o que se cantava aqui se ouvia lá....................86
3.3 O regulamento e a civilidade no Teatro São Luís .............................................................. 93
3.4 O Semanário Maranhense e a Flecha: o movimento teatral em perspectiva ..................... 97
3.5 Teatro São Luís: “O” palco dos(das) maranhenses .......................................................... 103
4 TERCEIRO MOVIMENTO OS MÚSICOS E AS VIVÊNCIAS MUSICAIS SOANDO
NA IMPRENSA MARANHENSE ........................................................................................ 117
4.1 A questão dos instrumentos .............................................................................................. 120
4.2 Partituras e professores(as) ............................................................................................... 126
4.3 Os irmãos Rayol: sons ao invés de letras ......................................................................... 139
4.4 Afinadores de pianos ........................................................................................................ 148
4.5 Os bailes: a música anuncia o início das danças .............................................................. 150
5 POSLÚDIO ......................................................................................................................... 160
RFERÊNCIAS ....................................................................................................................... 166
21
1 PRELÚDIO
As ruas permitiam aos sentidos experimentar as mais variadas e imensuráveis
sensações. Às vezes, cheiros que causavam arrepios e outras os mais sensíveis e harmônicos
sons que serviam para qualificar algum músico ou simplesmente emocionar um
despreocupado transeunte. Os vários cheiros e odores se misturavam aos perfumes adocicados
próprios para o clima frio europeu, que eram usados com o maior orgulho pelos
ludovicenses
1
. Do beco da Rua das Violas ouvia-se ao longe uma escrava oferecer seus
quitutes aos berros. Descendo correndo pela Rua do Sol, um moleque tentando fugir da
polícia após destratar alguma pessoa de notoriedade daquela sociedade, que não foi possível
determinar no momento do alvoroço. Depois de passado o susto e restabelecida a pulsação
normal do coração continuei a caminhada em direção ao Largo do Carmo. Um pouco antes de
chegar à praça, foi possível ouvir uns cantos que insistiam em fugir sorrateiramente pelas
aberturas das janelas laterais do teatro, parecia um coro ensaiando alguma ópera que, sem a
aprovação do maestro anunciam, para breve, espetáculo lírico na capital. Continuando a
caminhada em direção à Praia Grande, escolhendo como caminho para o destino a Rua do
Egito, com a aproximação da casa de número 27, era possível ouvir os arpejos e dedilhados ao
piano saindo por uma das janelas do sobrado que pertencia ao professor de música João Pedro
Ziegler.
Eu desejava seguir em frente a fim de chegar o mais breve possível ao destino, mas
meus sentidos e coração fizeram com que parasse por mais algum tempo em frente à casa do
maestro Ziegler na esperança de que, depois dos arpejos e dedilhados para aquecer as mãos,
uma sonata ou ária de uma ópera fosse executada. A espera deu resultado, pois alguns
minutos depois ganhavam a rua as primeiras notas da ópera Lucia di Lamemmoor, de
Donizete, uma das mais conhecidas partituras do repertório erudito. Ouvi os primeiros
compassos que, dada a bela execução, fizeram com que esquecesse a gravidade com que o sol
atingia os transeuntes naqueles dias de verão, atenuados pela brisa vinda do mar. Mas, apesar
da beleza da música e destreza com que a harmonia era executada, era necessário continuar a
caminhada.
***
1
Termo datado no século XIX para designar as pessoas que são naturais de São Luís, capital do Estado do
Maranhão, e que também pode ser sinônimo de são-luisenses.
22
Esse era, em linhas gerais, o ambiente da cidade de São Ls, capital da província do
Maranhão, onde as elites queriam a todo custo refinar seus hábitos através do
desenvolvimento de suas vivências musicais.
Este relato está embasado principalmente na leitura dos jornais que circulavam na
cidade de São Luís, capital da província do Maranhão, na segunda metade do século XIX, e
nas demais fontes consultadas durante a pesquisa. A partir das linhas seguintes, relatarei o
percurso realizado para chegar aos homens e mulheres que ouviam e sentiam as melodias que
ecoavam pela capital maranhense.
Ainda na graduação cursada na Universidade Federal do Maranhão, e depois das muitas
indagações que permeiam os últimos anos do curso de História, tais como, a necessidade de
escolher qual objeto utilizaria para entender os homens e as mulheres que viveram antes de
mim, quando tinha somente uma certeza: o lapso de tempo que estudaria a segunda metade
do século XIX. Em conversa com a professora Maria da Glória Correia, minha orientadora na
graduação, vi que a música, ou melhor, as vivências musicais que permearam minha vida
desde o nascimento, poderia ser o ponto de partida para o entendimento da sociedade
ludovicense no referido período.
Desde que comecei a pensar na monografia, queria trabalhar com as chamadas “fontes
primárias”, pois não entendia a pesquisa de outra forma, aliás, ainda não entendo. Seguindo
essa ideia, iniciei minhas pesquisas ainda no final de 2004, pelos jornais do Arquivo Público
do Estado do Maranhão. Nesses primeiros dias, ainda sem saber direito como proceder,
transcrevia as notícias como se o jornal fosse publicado em um único dia. Ao chegar a casa e
passado o primeiro surto de ansiedade ao analisar as fotos, me dava conta que precisava voltar
ao arquivo e rever os jornais consultados para colocar as notícias nos seus devidos lugares.
Apesar desses contratempos causados pela ansiedade, foi uma experiência de crescimento e
amadurecimento acadêmico.
Nesse tempo, o arquivo funcionava somente no horário vespertino. Pontualmente às 13
horas, estava esperando os funcionários iniciarem o expediente. Nesses primeiros dias, não
encontrei quase nada que fizesse alguma referência a vivências musicais, no entanto, o mundo
que encontrei ao refolhar as páginas do primeiro jornal era fascinante e abria tantas
possibilidades de estudo que não me importei com a falta de sons nas palavras dos seus
redatores. No Arquivo Público do Estado do Maranhão, manuseei o primeiro jornal do século
XIX, iniciando assim uma pesquisa que até o presente momento colho frutos preciosos. O
periódico chamava-se Publicador Maranhense, do ano de 1850.
23
As alguns dias indo ao Arquivo e encontrando poucas notícias, uma funcionária
informou-me que deveria ir à Biblioteca Benedito Leite, pois estava arquivada a maioria
dos jornais do século XIX. Assim o fiz. Passei então a pesquisar na hemeroteca da referida
biblioteca onde, por conta do grande e variado número de periódicos, encontrei, logo na
primeira visita, notícias sobre espetáculos teatrais, venda de instrumentos, professores de
música etc. O primeiro jornal que manuseei na Biblioteca Benedito Leite chamava-se O
Globo, de 1852, ano em que o Teatro São Luís, principal cenário de encenação das elites
ludovicenses no século XIX, reabria suas portas. Nessas visitas, gostaria de possuir dez mãos
para copiar mais pido, e cinco olhos para ler todas as notícias de uma página ao mesmo
tempo. Não os tinha, infelizmente. Por isso, percebi que as visitas precisariam ser diárias e
pelo maior tempo que pudesse dedicar-me a elas. Como iniciei as pesquisas três semestres
antes do último período de defesa da monografia, consegui analisar mais de vinte jornais que
davam conta de praticamente toda a segunda metade do século XIX.
Pesquisei em mais ou menos vinte e dois jornais de anos, temáticas, tendências e
filiações políticas diferentes, pois existiam os que seguiam as diretrizes governamentais e os
opositores; com regularidades diferentes, possibilitaram um contato mais aproximado daquela
realidade, tão diversa da que vivo e, principalmente, da que analiso e escrevo.
Consegui recolher farta documentação não só sobre notícias relacionadas à música,
músicos, cantores, bailes, festas religiosas, espetáculos líricos, mas também sobre a cidade
onde estes homens e mulheres transitavam e na qual os espetáculos eram realizados. Sabe-se
que um bom trabalho acadêmico precisa ter três estruturas fundamentais: empiria, teoria e
narrativa, cada uma delas tendo sua importância para o entendimento do período e da
sociedade estudada. No entanto, esse equilíbrio nem sempre acontece, visto que o historiador,
como os demais membros da raça humana, é dotado de subjetividade. Assim, um dos três
elementos citados como importantes na escrita acadêmica acaba aparecendo mais que os
outros.
Ao refolhar esta dissertação, o leitor chegará à conclusão que a empiria é, em alguns
momentos, a solista principal, pois “o historiador sem seus fatos não tem raízes e é inútil; os
fatos sem seu historiador são mortos e sem significados
2
. Assim, trabalho com ts tipos de
documentos: os jornais, os almanaques e os códigos de posturas municipais
3
.
2
CARR, Edward Hallet. Que é história? 3. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982. p. 65.
3
As notícias extraídas dos jornais e dos almanaques, assim como as leis, foram transcritas como constam nos
originais, isto é, em português da época.
24
O ano de 2004 findara e, em 2005, continuei pesquisando na Biblioteca Benedito Leite
quando descobri, por intermédio de uma amiga, o arquivo do Tribunal de Justiça do Estado do
Maranhão, nesse tempo instalado num prédio na Praia Grande, centro histórico de São Luís,
próximo à Escola de Música do Estado do Maranhão Lilah Lisboa de Araújo”. Assim, após
as aulas de harmonia e piano que cursava na época, me dirigia ao referido Arquivo a fim de
analisar os jornais que existiam e, a cada dia que chegava, um pedacinho não existia
mais, pois eles ficavam guardados em uma caixa sem nenhum cuidado. Os periódicos
encontrados eram das décadas de oitenta e noventa do século XIX e das primeiras do século
XX. Assim, no que diz respeito às fontes, elas superaram as expectativas e responderam
muitas das perguntas que circulavam na minha mente durante as pesquisas, e foram
suficientes para que esta escrita acontecesse, sendo que, para dar conta da imensa quantidade
de informações que elas oferecem, precisarei escrever outros trabalhos acadêmicos.
Depois de seguir as orientações dadas por Marc Bloch
4
para se realizar uma pesquisa
histórica, as dificuldades foram se dirimindo e as melodias ouvidas pelos(as) ludovicenses
tomaram maior intensidade e foram revelando seus acordes, às vezes melodiosos e
harmônicos, outras, desafinados e estridentes.
A fase de pesquisa fora encerrada”, pelo menos na teoria e, apartir de então, precisava
articular os fatos encontrados com uma narrativa envolvente, e a teoria, que seria a argamassa
da dissertação que começava a nascer. A partir daí, uma das dificuldades encontradas durante
a escrita foi a falta de trabalhos que versassem sobre a temática história e música e,
principalmente, tivessem um enfoque para as relações entre estas categorias do conhecimento
humanístico no século XIX. Comprovado isto, após pesquisar sobre o assunto nas mais
diferentes fontes bibliográficas, percebi que dialogaria com os historiadores e os músicos em
suas áreas específicas; primeiramente eles fariam participações solistas, os primeiros
analisando a sociedade e os homens que a compunham, e os segundos falando da música
enquanto entretenimento desses mesmos homens e mulheres. Feito isso, viria a etapa que,
aparentemente, seria a mais difícil: harmonizá-los e fazê-los soar bem, juntos. Ao contrário do
que se pensava, não o foi, pois a música “só pode existir na sociedade; não pode existir, como
também o o pode uma peça meramente numa página impressa, pois ambas pressupõem
executantes e ouvintes”
5
. Pela própria característica sonora da música, que dispensa
autorização para se apresentar a alguém, ela foi preenchendo os compassos onde as pausas
4
BLOCH, Marc. Apologia da história ou o ofício do historiador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.
5
RAYNOR apud MORAES, Jo Geraldo Vinci de. História e música: canção popular e conhecimento
histórico. Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 20, n. 39, 2000. p. 7.
25
eram as estrelas, dando colorido e movimento às ões dos homens e das mulheres que, na
segunda metade do século XIX, fizeram que a vida pulsasse em São Ls do Maranhão.
Os trabalhos de historiadores maranhenses sobre o século XIX existentes resultaram de
dissertações de mestrado e teses de doutoramento. Mesmo sendo profissionais que atuam no
Estado do Maranhão, mais especificamente em São Luís, ainda é muito difícil ter acesso a
esses trabalhos por falta de divulgação e por não estarem disponíveis nem nas bibliotecas das
instituições às quais estão veiculados os profissionais. Assim, provavelmente, pelo menos um
ou outro trabalho deve ter ficado fora desta escrita por conta desses fatores. Vale ressaltar que
me refiro a estudos que tratem de temáticas que convergem na direção desta pesquisa.
Ainda, é importante pontuar sobre os trabalhos que apresentam algum aspecto musical
da cultura maranhense, que alguns deles, por exemplo, não foram escritos por historiadores e
sim por profissionais de outros ramos das ciências humanas, e outros, apenas por curiosos e
amantes da pesquisa. Localizei quatro trabalhos que tratam de música, especificamente, a
saber: A sica no Maranhão
6
, Teatro no Maranhão
7
e A grande música do Maranhão
8
. O
primeiro deles consiste num pequeno guia de fontes, publicado pela Fundação Cultural do
Maranhão, que, embora traga poucas referências sobre a sica no século XIX, não tem por
isso sua importância diminuída. O segundo, de autoria de José Jansen, é antes de tudo uma
história do teatro da cidade desde a sua fundação até o final do século XIX. Mesmo sem tratar
especificamente de música, traz muitas referências sobre espetáculos musicais, orquestras,
maestros, cantores etc., apesar de seu autor o analisar a sociedade que reproduz e consome
essa música, tampouco a articule com o ideal de civilidade almejado pelas elites de São Luís
nesse período. Outra “dificuldade” encontrada no livro de José Jansen é o pouco cuidado que
o autor teve com as datas durante sua escrita fato que o causou maiores problemas
devido à vasta pesquisa empírica que realizei e, através de estudos comparativos, pude
delimitar temporalmente as companhias líricas que atuaram no Teatro São Luís que, na
descrição do referido autor, ficavam atemporais.
Com o sugestivo título A grande música do Maranhão, o terceiro trabalho é de autoria
de João Mohana. Antes de tudo, constitui um relato do caminho percorrido pelo autor em
viagens pelo interior do Maranhão e na capital, num esforço para recolher as partituras de
músicas escritas por compositores desconhecidos ou que caíram no esquecimento,
6
A música no Maranhão. Fundação Cultural do Maranhão, 1978.
7
JANSEN, José. Teatro no Maranhão. Rio de Janeiro: [s.n], 1974.
8
MOHANA, João. A grande música do Maranhão. 2. ed. São Luís: Edições SECMA, 1995.
26
“protagonistas anônimos da história”
9
, que, trazidos à cena, representam elementos
importantes para uma visão mais ampla sobre a música do Maranhão. Ao final do livro, faz
uma listagem com o nome das composições encontradas e o gênero a que pertenciam.
Por último, o Inventário do Acervo João Mohana: partituras
10
, que resultou do trabalho
A grande música do Maranhão, no qual as partituras foram catalogadas com mais cuidado e
divididas em duas partes: na primeira, as partituras estão listadas por autor e em ordem
alfabética, e na segunda estão classificadas de acordo com o gênero musical a que pertencem
(polca, valsa, schottish etc.).
No que diz respeito à sociedade maranhense, encontrei no trabalho de Rossini Corrêa,
Formação social do Maranhão: o presente de uma arqueologia
11
, uma análise sobre as
transformações políticas, econômicas e sociais pelas quais passa a referida sociedade, para
explicar o contexto em que foi gestada e disseminada a ideia de São Luís como “Atenas
brasileira”. Em outros termos, analisa como essa construção feita por intelectuais
maranhenses desenvolveu todo um imaginário acerca de uma singularidade que diferenciaria
não só São Luís, mas o Maranhão, das demais províncias do Império brasileiro.
Na mesma perspectiva de Rossini Corrêa, a historiadora Maria de Lourdes Lauande
Lacroix escreveu livro intitulado A fundação francesa de São Luís e seus mitos
12
. Neste
trabalho, a autora trata da sociedade ludovicense a partir do desejo dessa sociedade de se
equiparar aos parisienses, enfocando a revitalização, nos finais do século XIX, da
singularidade dos maranhenses, apoiados na fundação francesa de São Luís. A professora
Maria de Lourdes analisa ainda o ideal de civilidade disseminado pelas elites, mostrando a
vontade que elas tinham em se adaptar a esse ideal, através do uso de modas europeias, do
emprego de palavras francesas, dentre outros, e compara o que se passava em São Luís com
os modos e modas verificadas no Rio de Janeiro.
No campo historiográfico propriamente dito, cito estudo desenvolvido pela professora
Maria da Glória Guimarães Correia, fruto de sua dissertação de mestrado, publicada em 2006
na coleção de Teses e Dissertações do Departamento de História da Universidade Federal do
Maranhão, intitulado Nos fios da trama: quem é essa mulher? Cotidiano e trabalho do
9
Referência ao título do livro de VAINFAS, Ronaldo. Os protagonistas anônimos da história: micro-história.
Rio de Janeiro: Campus, 2002.
10
ARQUIVO PÚBLICO DO ESTADO DO MARANHÃO. Inventário do acervo João Mohana: partituras. São
Luís: Edições SECMA, 1997.
11
CORRÊA, Rossini. Formação social do Maranhão: o presente de uma arqueologia. São Luís: SIOGE, 1993.
12
LACROIX, Maria de Lourdes Lauande. A fundação francesa de São Luís e seus mitos. 2. ed. São Luís:
Lithograf, 2002.
27
operariado feminino em São Ls na virada do século XIX.
13
Nesse estudo, a professora
Maria da Glória trata da sociedade ludovicense através das notícias veiculadas nos jornais da
cidade, das ordenações estabelecidas pelos Códigos de Posturas Municipais e de entrevistas
realizadas com mulheres operárias de fábricas. Através dessas fontes, a autora analisa os
hábitos dessa sociedade, que queria a todo custo ser francesa, mas era intrinsecamente
portuguesa. Apesar de o título remeter principalmente às mulheres pobres, Maria da Glória
pinta um amplo painel com os vários aspectos que compunha a sociedade ludovicense naquele
presente, tais como: os casarões, as casas de palha, os relatos dos viajantes, as epidemias, as
festas realizadas pelos trabalhadores e as relações tecidas pelas mulheres que trabalhavam nas
fábricas que íam sendo implantadas em São Ls nos finais do século XIX.
Além desses trabalhos de estudiosos maranhenses, trabalharei com a bibliografia
nacional que envereda pelos tempos imperiais tais como: José Murilo de Carvalho,
14
Lilia
Moritz Schwarcz,
15
Maria de Fátima Silva Gouvêa,
16
Ricardo Salles
17
e Gilberto Freyre.
18
E
sobre a música, os trabalhos de: José Ramos Tinhorão,
19
Marcos Napolitano,
20
Eric J.
Hobsbawn,
21
André Cardoso,
22
Mario Cacciaglia,
23
Bruno Kiefer
24
e Vasco Mariz.
25
Nesse
aspecto, quero destacar três estudos de grande importância para os ornamentos da “partitura”
que construirei ao longo dos capítulos desta dissertação: A construção do gosto: música e
sociedade na corte do Rio de Janeiro 1808 -1821 de Maurício Monteiro,
26
estudo primoroso
sobre a influência da música na construção da civilidade e modernidade do Brasil no tempo de
13
CORREIA, Maria da Glória Guimarães. Nos fios da trama: quem é essa mulher? Cotidiano e trabalho do
operariado feminino em São Luís na virada do século XIX. São Luís: Edufma, 2006.
14
CARVALHO, José Murilo de. A construção da ordem: a elite imperial. Teatro de sombras: a potica imperial.
4. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008.
15
SCHWACZ, Lilia Moritz. As barbas do imperador: D. Pedro II, um monarca nos trópicos. São Paulo:
Companhia das Letras, 1998.
16
GOUVÊA, Maria de Fátima Silva. O império das províncias: Rio de Janeiro, 1822-1889. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2008.
17
SALLES, Ricardo. Nostalgia imperial: a formação da identidade nacional no Brasil do Segundo Reinado. Rio
de Janeiro: Topbooks, 1996.
18
FREYRE, Gilberto. Modos de homem & modas de mulher. Rio de Janeiro: Record, 1987; FREYRE, Gilberto.
Sobrados e mucambos: decadência do patriarcado rural e desenvolvimento do urbano. 14. ed. São Paulo: Global,
2003; FREYRE, Gilberto. Vida social no Brasil nos meados do século XIX. 4. ed. São Paulo: Global, 2008.
19
TINHORÃO, José Ramos. Pequena história da música popular: da modinha à canção de protesto. Petrópolis:
Vozes, 1974; TINHORÃO, José Ramos. História social da música popular brasileira. São Paulo: 34, 1998.
20
NAPOLITANO, Marcos. História & música. Belo Horizonte: Autêntica, 2005.
21
HOBSBAWN, Eric J. História social do jazz. 6. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2009.
22
CARDOSO, André. A música na corte de d. João VI: 1808-1821. São Paulo: Martins, 2008.
23
CACCIAGLIA, Mário. Pequena história do teatro no Brasil (quatro séculos de teatro no Brasil). Tradução
Carla de Queiroz. São Paulo: Edusp, 1986.
24
KIEFER, Bruno. História da música brasileira: dos primórdios ao início do séc. XX. Porto Alegre:
Movimento, 1977.
25
MARIZ, Vasco & PROVENÇAL, Lucien. La Ravadière e a França equinocial: os franceses no Maranhão
(1612-1615). Rio de Janeiro: Topbooks, 2007.
26
MONTEIRO, Maurício. A construção do gosto: música e sociedade na corte do Rio de Janeiro 1808-1821.
São Paulo: Ateliê, 2008.
28
D. João VI; os dois últimos estão destacados aqui porque tratam da música que aconteceu em
dois teatros do nordeste imperial brasileiro: Música e ópera no Santa Isabel: subsídio para a
história e o ensino da música no Recife, de José Amaro Santos da Silva
27
, e De La Traviata
ao Maxixe (variações estéticas da prática do teatro São João) de Maria Helena Franca
Neves.
28
Através desses dois últimos trabalhos pude cruzar várias informações que minhas
fontes relatavam com as dos referidos autores.
Tendo em vista que pretendo entender a complexidade da sociedade maranhense no
período delimitado, atentando para a coerência ou não entre os discursos e as práticas de suas
elites, a perspectiva teórica a partir da qual desenvolverei meu tema é a concebida pela
História Cultural, pois esta:
afasta-se sem vida de uma dependência demasiado estrita em relação a
uma história social fadada apenas ao estudo das lutas econômicas, mas
também faz retorno útil ao social, que dedica atenção às estratégias
simbólicas que determinam posições e que constroem, para cada classe,
grupo ou meio, um “ser-percebido” constitutivo de sua identidade.
29
É importante observar que, apesar das manifestações analisadas dizerem respeito mais
especificamente às elites, posso trabalhar com esse aporte teórico, pois “não recusa de modo
algum as expressões culturais das elites „letradas‟”
30
Ou ainda, como escreve a professora
Sandra Pesavento:
[...] a proposta da História Cultural seria, pois, decifrar a realidade do
passado por meio de suas representações, tentando chegar àquelas formas,
discursivas e imagéticas, pelas quais os homens expressaram a si próprios e
o mundo. [...] implica chegar até o reduto das sensibilidades e do
investimento de construção do real que não são os seus do presente.
31
27
SILVA, José Amaro Santos. Música e ópera no Santa Isabel: subsídio para a história e o ensino da música no
Recife. Recife: Universitária da UFPE, 2006.
28
NEVES, Maria Helena Franca. De la traviata ao maxixe: variações estéticas da prática do teatro São João.
Salvador: SCT, FUNCEB, EGBA, 2000.
29
CHARTIER, Roger. À beira da falésia: a história entre incertezas e inquietude. Porto Alegre: Universi-
dade/UFRGS, 2002, p. 73.
30
VAINFAS, 2002, p. 56-57.
31
PESAVENTO, Sandra. História & História Cultural. Belo Horizonte: Autêntica, 2003, p. 42.
29
Nessa perspectiva, não é possível falar em História Cultural desvinculada da empiria.
No entanto, apesar da variedade de fontes e da contribuição preciosa que os trabalhos citados
oferecem para a compreensão e principalmente organização das vivências musicais
encontradas durante a pesquisa, há compassos em que geralmente colocamos pausas para a
música continuar, mas ficam em silêncio, e que, para fazê-los soar novamente, as
compreensões conceituais e teóricas são de grande valia.
Para lidar com essa diversidade de ideias e sujeitos, utilizarei os conceitos relacionados
à História Cultural no que concerne ao que o ramo das teorias da história apregoa sobre a
união entre teoria e fontes, visto que não se entende a história sem estas últimas. Dentre os
teóricos que estão ligados a esta corrente do estudo da história, elegi as ideias de práticas,
representação, apropriação e cultura letrada de Roger Chartier. Para este estudo, a noção de
representação é de grande valia, porque permite cruzar as imagens que as elites tinham de si,
o modo de “„ser-percebido‟ constitutivo de sua identidade”
32
com seus hábitos e costumes, e
para reconstituir as contradições que marcavam seu cotidiano e ao mesmo tempo fazer um
contraponto com as vivências dos outros estratos sociais, pois:
as representações do mundo social assim construídas, embora aspirem à
universalidade de um diagnóstico fundado na razão, o sempre
determinadas pelos interesses de grupos que as forjam. Daí, para cada caso,
o necessário relacionamento dos discursos proferidos com a posição de
quem os utiliza.
33
Outra noção importante para Roger Chartier é a de apropriação, que caminha junto com
a de representação. Para o referido autor, apropriação tem como “objectivo uma história social
das interpretações, remetidas para as suas determinações fundamentais (que são sociais,
institucionais, culturais) e inscritas nas práticas específicas que as produzem”
34
.
Além das noções elaboradas por Roger Chartier, utilizarei o conceito de gosto proposto
por Pierre Bourdieu, a partir da leitura de seu livro A distinção: crítica social do julgamento,
publicado recentemente em português, e da tradução em espanhol La distinción: criterios y
bases sociales del gusto, publicada ainda na década de 1980. É importante salientar que o
estudei o esquema de Bourdieu como os cientistas sociais. Utilizo o seu conceito de gosto,
32
CHARTIER, 2002, p.73.
33
CHARTIER, Roger. A História Cultural: entre práticas e representações. Tradução Maria Manuela Galhardo.
Lisboa: Difel, 1990, p. 17
34
CHARTIER, 1990, p. 26.
30
pois um dos índices utilizados por Bourdieu em sua pesquisa de campo para realização do
livro citado é justamente o gosto musical. Assim, Bourdieu divide a construção do gosto em
três níveis, tais como:
o gosto legítimo ou seja, o gosto pelas obras legítimas representadas aqui
pelo Cravo bem temperado, a Arte da fuga, o Concerto para mão esquerda
[...]. Em seguida, reunindo, por outro lado, as obras menores das artes
maiores aqui, Rhapsody in Blue, Rapsódia húngara [...], o gosto médio é
mais frequente nas classes médias que nas classes populares ou nas frações
“intelectuais” da classe dominante. Por último, representado, aqui, pela
escolha de obras de música chamada “ligeira” ou de sica erudita
desvalorizada pela divulgação, tais como a música do Danúbio Azul, a
Traviata, a Arlésienne e, sobretudo, as canções desprovidas de qualquer tipo
de ambição ou de pretensão artísticas, tais como as de Mariano, Guétary ou
Petula Clark, o gosto “popular” encontra sua mais elevada frequência nas
classes populares e varia em razão inversa ao capital escolar [...]
35
.
É evidente que o esquema proposto por Bourdieu não é completamente fechado. Se a
questão da “relatividade” fosse aplicada aos trabalhos que lidam com a história do presente,
no que concerne a interações impossíveis de serem medidas, esse esquema não traria grandes
contribuições para o historiador. No entanto, para a sociedade do século XIX, que tinha como
padrão a música europeia, o esquema de Bourdieu serve como explicação, mas ainda com
uma ressalva. No século XIX, ainda o havia essa diferenciação entre a música erudita mais
ou menos conhecida, pois o que se cantava nos teatros ou nos saraus nas casas das famílias
mais abastadas era também apresentado pelas ruas através dos músicos e cantores que
executavam seus instrumentos de “ouvido”, fazendo com que, de uma forma ou de outra, os
pobres da cidade tivessem acesso à música europeia.
Para chegar a essa divisão, Bourdieu analisa o lugar social dos indivíduos na sociedade
francesa estudada e a importância que a família e a escola exerceram na construção do gosto,
constatando que o capital cultural dos pais e o contato com a música considerada erudita
desde a tenra idade fizeram diferença sobre os que não tiveram acesso na infância à
linguagem musical e/ou tiveram contato com esse tipo de música na escola ou na fase
adulta. Assim, para este estudo todas estas assertivas são de grande importância no
entendimento das elites ludovicenses da segunda metade do século XIX. E sobre a
importância da música, na afirmação dos indivíduos em sociedade, escreve Bourdieu:
35
BOURDIEU, Pierre. A distinção: crítica social do julgamento. São Paulo: Edusp; Porto Alegre: Zouk, 2008. p.
21.
31
[...] no existe nada que permita tanto a uno afirmar su “classe” como los
gustos en musica, nada por lo que se sea tan infaliblemente calificado, es sin
duda porque no existe prática más enclasante, dada la singularidad de las
condiciones de adquisición de las correspondientes disposiciones [...]. Ser
“insensible a la musica”, sin duda, [...]algo asi como uma forma
especialmente inconfesable de grosería materialista [...].
36
Assim, as vivências musicais são utilizadas neste estudo como um dos fatores de
distinção que as elites ludovicenses se valiam para estabelecer hierarquias sociais.
Outra questão não pode ser desprezada nos estudos que têm como temporalidade o
século XIX, é o desejo que as elites tinham de ser consideradas civilizadas. A sociedade
brasileira teve de passar de uma sociedade rural e sem refinamento diretamente para uma
sociedade urbana, calcada nos padrões de modernidade irradiados da Europa, mais
especificamente de Paris, capital da França. No entanto, as sociedades europeias foram
moldando-se ao longo de muitos séculos. Para entender como os hábitos, ditos civilizados,
esboçados no século XIX e que eram considerados pelos ludovicenses como os ideais a serem
seguidos foram assimilados por homens e mulheres, utilizarei as assertivas elaboradas por
Norbert Elias em seu livro O processo civilizador.
37
Neste trabalho, Elias estuda o processo
de civilização dos costumes considerados não civilizados e que devem ser extirpados da
forma de agir dos membros das elites, chamando a atenção para os cuidados que homens e
mulheres devem ter na vida da sociedade urbana.
Um ponto que deve ser destacado é o que entendo e chamo aqui de elites. Não pretendo
discutir o conceito-ideia-esquema ou como queiram chamar de elites, mas simplesmente
explicar como esta categoria é utilizada neste estudo. A primeira assertiva diz respeito à
utilização de elites” e não de “elite”. é notório que não existe somente um tipo de elite
como se pensava alguns anos atrás, principalmente quando se estabelecia como critério de
classificação se um indivíduo era ou não pertencente à elite, o nascimento e a posição política.
Com a ascensão da burguesia nos idos do século XIX e sua reivindicação aos postos políticos
e sociais através do poder econômico que detinha, esse critério começa a ser pensado como
um elemento de qualificação de pessoas ao grupo social de elite. No entanto, o caminho
36
BOURDIEU, Pierre. La Distinción: criterios y bases sociales del gusto. Madrid: Taurus, 1988, p. 16.
37
ELIAS, Norbert. O processo civilizador. Tradução de Ruy Jungman. 2. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1994.
v.1.
32
ainda seria longo para essa burguesia endinheirada e ávida por participar do círculo da elite e
ser aceita nos meios aristocráticos. Assim:
as elites são definidas pela detenção de um certo poder ou então como
produto de uma seleção social ou intelectual, e o estudo das elites seria um
meio para determinar “quais são os espaços e os mecanismos do poder nos
diferentes tipos de sociedade ou os princípios empregados para o acesso a
posições dominantes”.
38
Aentão, elite era sinônimo de aristocracia independente se as famílias tradicionais
ainda apresentassem ou não uma condição financeira equilibrada. Na verdade, o que contava
eram o prestígio e as relações sociais que as famílias detinham na prática. Outro grupo que é
gestado dentro dos estratos aristocráticos e depois burguês será a elite intelectual, formada
pelos filhos dos aristocratas que estudaram na Europa e pelos filhos dos burgueses que
estudaram nas faculdades de direito de Pernambuco e São Paulo e, a partir de então, suas
capitais se transformaram nos principais centros de discussão para os intelctuais brasileiros
39
.
até este ponto é possível estabelecer quatro categorias dentro da elite: os
aristocratas propriamente ditos, os políticos, os burgueses e os intelectuais; fato que justifica a
utilização de “elites” ao invés de elite”. No entanto, ainda é possível pensar em outra
categoria dentro das elites, que seria formada pelos artistas, grupo que pode ser denominado
de elite cultural. Este grupo é o mais heterogêneo, mas, para efeito deste estudo, trabalharei
especificamente com os músicos. Dentro do grupo de músicos devido ao tipo de fontes que
utilizo, chamo de elite cultural musical os que tinham conhecimentos de leitura musical,
harmonia, ritmo, instrumentação, enfim, dos conhecimentos tradicionais de música. É
importante salientar que em alguns casos esses músicos farão parte de outros grupos de elite
como aristocratas, burgueses e, em outros casos, o. Finalmente, a categoria elites é
entendida completamente desvinculada do esquema marxista e de sua explicação a partir das
lutas de classes e do materialismo histórico.
Assim, a dissertação está organizada em três capítulos que versam sobre o seguinte: no
primeiro, situarei a cidade de São Luís no contexto das ideias de modernidade que
fervilhavam naquele período nos altos círculos da sociedade imperial como um todo, tendo
38
CHARLE, 1994, p. 46 Apud HEINZ, Flávio M. (org.) Por outra história das elites. Rio de Janeiro: FGV,
2006, p. 8.
39
Cf. SILVA, JoAmaro Santos da. Música e ópera no Santa Isabel: subsídio para a história e o ensino da
música no Recife. Recife: EDUFPE, 2006. p.63.
33
como ponto de irradiação o Rio de Janeiro, onde estava situada a corte imperial. A partir
dessa contextualização, analisarei até que ponto o ideal francês de modernidade, civilidade e
refinamento entraram em choque com uma sociedade aristocrática, elitista, escravocrata e
iletrada, mas ao molde português, como era a de São Luís naquele período. O capítulo,
portanto, irá tratar não apenas da influência europeia sobre os costumes ludovicenses, algo
comum à maioria das cidades brasileiras do período, mas procurará também sublinhar o fato
de que ao invés da influência portuguesa, a eilte ludovicense escolheu conectar-se aos
modelos franceses.
No segundo capítulo, refletirei sobre o fato de que, do ponto de vista histórico, pode-se
afirmar que, para setores da sociedade ludovicense, nos meados do século XIX, o hábito de ir
ao teatro representava mais do que um gesto de consumo cultural. Tratava-se, na verdade, de
um recurso utilizado como instrumento de reforço do status social. Em face dos preceitos
sociais do período, frequentar um teatro era requisito para inserção no modelo europeu de
modernidade e civilidade. Para os objetivos deste capítulo, a frequência ao teatro em São Ls
será analisada não em termos da dramaturgia, propriamente, mas dos espetáculos de música
que eram então consumidos. Esta análise permitirá comparar o que, em termos musicais, se
ouvia em São Luís em relação àquilo que estava em voga na Europa.
O objetivo do terceiro capítulo não é fazer uma análise sobre a revitalização da Atenas
brasileira proposta pelos novos atenienses nas últimas décadas do século XIX, apesar de
entender que esse movimento de reafirmação da singularidade do maranhense refletiu na
busca dos divertimentos elegantes naquela segunda metade do século XIX. Não discutirei essa
ideia, ainda que nas páginas que compõem o referido capítulo a expressão “Atenas brasileira”
apareça vez por outra. Assim, pretendo fugir das elaborações já confirmadas ou, como diriam
os teóricos atuais, “naturalizadas”, que ligam a segunda metade do século XIX aos
intelectuais da literatura e trazer ao centro do palco do meu espetáculo o os declamadores
de poemas, mas os cantores, os instrumentistas, os regentes que alegravam os(as)
ludovicenses e faziam com que os(as) mais sonhadores esquecessem a cidade suja, suas casas
cheias de escravos e vivenciassem durante algumas horas o mundo tão almejado e tão distante
de ser alcançado no dia a dia. Neste capítulo, demonstrarei que as vivências musicais, na São
Ls dos meados do século XIX, colaboraram para construir, no interior dos grupos de elite,
novas sociabilidades, as quais, através da música, eram capazes de unir e igualar pessoas que
eram diferentes na prática cotidiana. A música tocada ao piano e cantada em francês ou
italiano funcionava como um mediador cultural, um catalisador, pois era através dela que
34
desconhecidos se conheceriam, diferentes se enamorariam, tristes se alegrariam, enfim, as
elites como um todo se identificariam como tais.
35
2 PRIMEIRO MOVIMENTO AS IDEIAS FRANCESAS E A CIDADE PORTUGUESA:
TENTATIVAS DE ASSIMILAÇÃO DOS IDEAIS DE CIVILIDADE
O nascer do sol em São Luís não tem a monotonia de certas regiões
equatoriais em que o despontar das manhãs, embora radioso, espalha
sempre a mesma coloração pelo horizonte afora. Na Ilha do Maranhão, as
auroras são policrômicas e caprichosa ...
40
2.1 O contexto imperial brasileiro: leitura à primeira vista
É início do terceiro quartel do século XIX. O império brasileiro caminha para vivenciar
transformações em suas bases estruturais mais importantes, tais como: a proibição do tráfico
negreiro, a estabilização das finanças públicas e certo progresso material; ao mesmo tempo,
continuava aprisionado a ideias arcaicas e obsoletas e que eram rechaçadas pelos intelectuais,
absorvidos pelo ideário de civilidade e modernidade que irradiava da Europa. No entanto,
os homens e as mulheres que vivenciaram aquele presente ainda percorreriam por toda a
segunda metade do século XIX, longo, árduo e complicado caminho ao estabelecimento,
pelos menos em termos de criação de leis, de uma sociedade mais “igualitária” e que
acolhesse as diversidades que constituiriam o povo brasileiro.
As principais províncias do império, em grande medida, trilhavam seus próprios
caminhos, mesmo e principalmente por estarem afastadas do Rio de Janeiro onde a corte
imperial foi instalada quando da vinda de D. João ao Brasil, pois:
Os anos de 1807 e 1808 assistiram à transferência da corte portuguesa para o
Rio de Janeiro. Pouco tempo depois, o Estado do Brasil teve seu status
institucional alterado para Reino Unido de Portugal e Algarves, bem como
D. João VI foi aclamado rei de Portugal na cidade do Rio de Janeiro. Em
menos de duas décadas, o Brasil havia vivenciado experiências
extraordinárias, que culminaram em sua emancipação política do império
português em 1822.
41
40
ABRANCHES, Dunshee de. A esfinge do Grajaú. 2. ed. São Luís: ALUMAR, 1993. p. 15.
41
GOUVÊA, Maria de Fátima Silva. O império das províncias. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008,
p.17.
36
A corte portuguesa não proporcionou apenas mudanças na estrutura política e
burocrática da colônia brasileira. As mudanças que a sociedade passaria a partir de então são
as de maior impacto e repercussão, pois a sociedade brasileira começaria a organizar-se a
partir dos moldes europeus e das demandas da burguesa comercial que ascendia socialmente,
visto que:
Além do incremento do comércio, a vinda da Corte portuguesa promoveu a
europeização [...] o que criou novas exigências para a “boa sociedade”. O
contato com a aristocracia portuguesa e a burguesia industrial europeia
obrigou essa camada a adotar costumes e valores europeus como forma de
igualar-se àqueles estratos e também para a obtenção de títulos
nobiliárquicos. Impôs também à “boa sociedade” a europeização da vida
social, o que incluía uma sociedade baseada nas festas particulares e nos
salões [...].
42
Passados alguns anos, o Brasil liberta-se da tutela da coroa porturguesa através dos
acontecimentos proporcionados pela volta de D. João VI para Portugal. Apesar disso, é
evidente que a independência do Brasil de Portugal, em 1822, em termos legais, não
significou grandes mudanças na sociedade brasileira, que começava a se estruturar como uma
organização burguesa aos moldes europeus. Outra questão importante é que nem todas as
províncias aderiram de imediato à independência do Brasil. A província do Ceará, do Piauí,
do Maranhão
43
e do Pará aderiram, respectivamente, à causa da independência em outubro de
1822, março de 1823, 28 de julho de 1823 e 15 de agosto de 1824.
As a independência, o Brasil entra num oceano de águas agitadas, proporcionadas
pelas revoltas que aconteciam no Maranhão, Pará, Bahia e Rio Grande do Sul, devido às
divergências entre os partidos políticos preocupados mais em resguardar seus cargos e
interesses particulares do que pensar em estratégias para resolver os conflitos e estabilizar a
sociedade, somadas às pressões externas para que o governo brasileiro extinguisse o tráfico
africano.
Esse período de grande instabilidade e “descontentamento” social durará até a metade
da cada de 1840, tempo no qual a jovem nação fincada na América do Sul começará a
trilhar um caminho mais estável, que culminou com a coroação do Príncipe Imperial, Pedro
42
RAINHO, Maria do Carmo Teixeira. A cidade e a moda: novas pretensões, novas distinções. Rio de Janeiro,
século XIX. Brasília: UnB, 2002, p. 53-54.
43
Cf. GALVES, Marcelo Cheche. São Luís de Portugal. Revista de História da Biblioteca Nacional, v. 38, p.
68-71, 2008.
37
de Alcântara, como Imperador do Brasil, e em 1841, com a criação do Ministério da
Conciliação arquitetado por Carneiro Leal, marquês do Paraná, pois “seu ministério englobou
antigos liberais Limpo de Abreu (Abaeté), Pedreira (Bom Retiro) e Paranhos (Rio Branco)
e conservadores de tradição Nabuco, e mais tarde Wanderley (Cotegipe) todos
convencidos da utilidade de uma aproximação”
44
, porquanto “é lugar-comum a ideia de que
os anos de 1848 a 1864 marcam, na formação do Brasil, uma era de paz e conformidade, e de
decoro nos negócios públicos”
45
.
Ao instalar-se no Rio de Janeiro, a corte portuguesa traz todo seu aparato burocrático,
visto que o sabia por quanto tempo ficaria no Brasil, e Portugal precisava administrar suas
demais colônias espalhadas pelo mundo. Após os acontecimentos políticos de 1822, grande
parte desse aparato burocrático estatal permanece no Brasil e as autoridades ministeriais não
terão grandes dificuldades para instituir sua legislação como nação independente. A partir de
então, o governo brasileiro ganha mais visibilidade no mundo europeu, agora não somente por
causa das matérias-primas de que dispunha, mas pela possibilidade de organização de uma
sociedade burguesa que geraria grandes dividendos aos países onde era possível verificar
um sistema industrial desenvolvido. A Inglaterra, principal aliada política e credora
econômica do império brasileiro, era a principal interessada na emancipação total do Brasil.
No período que sucede as revoltas populares, os olhares estarão voltados principalmente
para o Rio de Janeiro, onde estava instalada a burocracia imperial e, por isso, de onde partiam
as determinações da coroa.
Durante toda a história do império brasileiro, o Rio de Janeiro terá mais destaque e
muitas vezes preponderância ante as demais províncias do Brasil. Apesar da relativa
independência que as províncias gozavam na prática, principalmente pela distância da sede do
governo imperial. Em termos políticos, estavam sujeitas ao andamento e deliberação das
questões nacionais na corte, devido às peculiaridades da província do Rio de Janeiro, como
escreve Maria de Fátima Gouvêa:
A necessidade de ter um maior controle sobre as finanças provinciais
fluminenses inicialmente nos dois níveis, geral e provincial expressou
mais do que se pode supor acerca da natureza da dinâmica administrativa
provincial. [...] De todo modo, é fundamental salientar o status deveras
singular da província do Rio de Janeiro no governo do império do Brasil.
46
44
LIMA, Manuel de Oliveira. O império brasileiro: 1822-1889. Brasília: UnB, 1986, p. 40.
45
FREYRE, Gilberto. Vida social no Brasil nos meados do século XIX. 4. ed. São Paulo: Global, 2008, p. 59
46
GOUVÊA, 2008, p. 81-82.
38
O Rio de Janeiro tinha outra vantagem perante as demais cidades, pois quase todos os
presidentes de província para ela designados eram fluminenses e, na câmara e no senado do
império, havia um percentual representacional superior ao das outras províncias, mesmo no
tempo em que cidades do nordeste, como Recife e Salvador, tinham papel econômico igual ou
superior ao da capital da corte imperial.
Ao longo da conjuntura imperial, essa situação diferenciada e privilegiada da província
do Rio de Janeiro será contestada pelos demais presidentes de províncias do norte e nordeste
na Assembleia Geral. Durante essas reuniões, eles contestavam a grande concentração de
recursos financeiros na região centro-sul do país em detrimento da região norte-nordeste,
devido ao pagamento dos impostos gerais ao governo central e à ingerência e distribuição
desses recursos entre todas as províncias imperiais
47
.
A discussão em torno da concentração financeira no centro-sul do império, mais
especificamente nas províncias do Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais, é uma das
questões mais simples que os ministérios, que se formaram ao longo do império, terão de
resolver. Os embates que se travariam ao longo dos dois últimos quartéis do século XIX é que
serão significativos e promoverão mudanças radicais na ordem social brasileira.
Ao longo século XIX, e principalmente a partir do terceiro quartel deste século, o
mundo todo, em menor ou maior grau, estava envolto nos ideais de liberdade, igualdade e
fraternidade que eclodiram com a revolução francesa. Essas ideias que pululavam nas mentes
dos europeus, trazendo medo e insegurança para uns, e entusiasmo e coragem para outros,
começavam a circular também pelas terras do “novo mundo”, e as elites brasileiras tomavam
conhecimento por intermédio dos seus filhos que iam estudar no “velho mundo” e, de volta à
terra natal, traziam em sua bagagem intelectual todo esse ideário que será, de uma maneira ou
de outra, total ou parcialmente, adaptado às condições do Brasil e às necessidades dessas
elites, visto que Esta concepção de um novo Brasil, embora variasse muito segundo os seus
proponentes, apresentava um denominador comum: a reformulação do país conforme os
modelos políticos apresentados pelos republicanos norte-americanos e franceses”
48
.
Esses jovens que regressavam aos seus lares após longas temporadas em terras
europeias, envolvidos como estavam com as novidades e com os corações inflamados pelos
desejos de mudança, esqueciam-se de que suas fortunas estavam assentadas sobre bases
47
MELLO Apud GOUVÊA, 2008, p. 31.
48
NEEDELL, Jeffrey D. Belle époque tropical: sociedade e cultura de elite no Rio de Janeiro na virada do
século. Tradução de Celso Nogueira. São Paulo: Companhia das Letras, 1993, p. 23.
39
econômicas desiguais e escravistas. Ficavam meio que anestesiados, até serem instigados e
indagados sobre a dissonância entre suas práticas cotidianas e:
um bando de ideias novas esvoaçavam sobre nós de todos os pontos do
horizonte e a noção de atraso em relação as países capitalistas centrais tomou
conta da intelectualidade. Afinados com seu tempo, as ideias de evolução,
progresso e atraso e a crença no papel positivo e impulsionador da ciência
passaram a povoar a consciência destes intelectuais, que se lançaram à tarefa
de modernizar o país.
49
No entanto, esse ideário todo entrava em choque com a rudeza da realidade vivenciada
pelos brasileiros nas relações no dia a dia com seus iguais e, principalmente, com os
diferentes, apesar de serem trazidas numa linda embalagem pelos negociantes europeus que
arvoravam a bandeira do fim do tráfico africano e da libertação dos escravos no Brasil.
A partir de então, a temática que mais preocupará as elites intelectuais brasileiras
naquele momento será o fim da escravidão e a forma de realizá-la, beneficiando os interesses
das elites. Desde 7 de novembro de 1831, quando a primeira lei de proibição do tráfico foi
aprovada, esse debate já circulava por toda a sociedade brasileira. Seja nas salas dos que eram
contra a lei ou nas esquinas e tavernas onde os abolicionistas debatiam formas para tentar
forçar as autoridades a cumprir a lei editada em 1831. Os anos foram passando e os debates
continuaram na câmara, ora para revogar a lei, ora para tentar colocá-la em prática. Mas,
como é sabido, somente em 1850, com a aprovação da lei Euzébio de Queiroz, o tráfico é
totalmente proibido.
Essa segunda lei sobre a proibição do tráfico de escravos africanos, regulamentada em
outubro e novembro de 1850, foi uma pedra a menos no grande alicerce que fora construído
em torno da empresa do tráfico africano, e sua implementação na prática ainda remexeria em
estruturas sociais e principalmente econômicas, até então não colocadas em questão naquela
sociedade que nascera escravista, pois o “Estado imperial com sua característica aparente de
distanciamento da sociedade escravista concreta, por outro lado, era um componente chave da
hegemonia de classe desta sociedade”
50
.
É notório que, para essa lei ser aprovada, longo foi o caminho e grandes os debates em
torno das consequências dessa medida para a economia do país, dada a importância que o
49
SALLES, Ricardo. Nostalgia imperial: a formão da identidade nacional no Brasil do segundo reinado. Rio
de Janeiro: Topbooks, 1996, p. 20.
50
SALLES, 1996, p. 140.
40
tráfico africano exercia não para os grandes proprietários rurais que precisavam do braço
africano para trabalhar sua lavoura, quanto dos traficantes que ficariam sem sua fonte de
renda e deixariam, assim, de aplicar seus lucros nos bancos, na compra de utensílios de luxo
para se igualarem, pelo menos na aparência, aos homens pertencentes às elites, assim como o
governo imperial perderia os impostos pagos pelos traficantes, que eram considerados
comerciantes, por isso, “de fato, até 1850 não houve no Brasil qualquer corrente de opinião de
alguma importância que fosse abertamente contra o tráfico. Quase todos os políticos
reconheciam a obrigação moral e legal de terminá-lo, mas temiam as consequências
econômicas da medida”
51
.
Os setores conservadores das elites imperiais utilizavam esses argumentos para
justificar a continuidade do tráfico negreiro, no entanto, na prática, ao contrário do que
previam os senhores de escravos e principalmente os traficantes quanto ao futuro econômico
do império sem esse comércio, o que se verificou foi uma situação extremamente positiva e
que resultou em um processo de desenvolvimento em vários setores da sociedade imperial,
como escreve Lilia Schwarcz sobre as consequências da extinção do tráfico: “como se tratava
de uma atividade generalizada, quando foi encerrada, uma massa de recursos apareceu da
noite para o dia. Investiu-se muito na infraestrutura do país e acima de tudo nos transportes
ferroviários. [...] e começou a crescer o número de estabelecimentos de instrução
52
.
As contradições em torno da escravidão não eram tão visíveis no setor econômico
quanto na questão política e nos setores social e cultural da sociedade brasileira, visto que, no
que concerne à política, esta estava amarrada aos ditames do tráfico, pelo fato de a sociedade
brasileira ter-se constituído a partir de uma base escravista, plenamente justificada pelas
construções ideológicas, de que os negros nasceram para esse tipo de trabalho e somente eles
poderiam exercê-lo, como escreve Ricardo Salles:
No quadro do começo do século XIX, a inferioridade dos negros era mais
identificada com a ausência de elementos de uma cultura europeia nos povos
africanos do que com suas características biológicas e raciais. A escravidão
era vista como um fato das sociedades africanas e como resultado mesmo
desta ausência de civilização.
53
51
CARVALHO, José Murilo de. A construção da ordem: a elite potica imperial. Teatro de sombras: a potica
imperial. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008, p. 300.
52
SCHWACZ, Lilia Moritz. As barbas do imperador: D. Pedro II, um monarca nos trópicos. São Paulo,
Companhia das Letras, 1998, p.102.
53
SALLES, 1996, p. 89.
41
A sociedade brasileira do século XIX já estava acostumada à convivência com os
escravos, devido à dependência que os setores de elite apresentavam em relação a eles. No
entanto, essas contradições são mais evidentes no âmbito das ideias e dos divertimentos
sociais do que no setor econômico, visto que, como já dissera, era uma prática “legitimada”.
O ano de 1850 foi extremamente representativo no que diz respeito à aprovação de leis,
pois logo após a aprovação da lei que abolia o tráfico de africanos para o Brasil e estipulava o
prazo de seis meses para que os “comerciantes” que viviam desse negócio procurassem
ocupações lícitas, a lei 601, de 18 de setembro, conhecida como Lei de Terras, que tinha
como objetivo estimular a vinda de imigrantes europeus para o Brasil, foi aprovada, e também
foi consequência da proibição do tráfico, devido à preocupação com a falta de mão de obra a
ser utilizada nas lavouras que:
[...] era preocupação constante no Império como o indica o fato de ter sido a
questão mais referida nas Falas do Trono: em 56 Falas 34 a mencionaram. A
preocupação da elite de como estava o problema da escravidão e da
imigração é que determinava o interesse no estatuto da propriedade rural.
54
Esses debates tinham maior repercussão no sudeste do país, mais precisamente nas
províncias do Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais, devido à proximidade com o governo
central. No restante do país, essas novas determinações chegaram mais atenuadas do seu ardor
inicial e não resultaram em mudanças na ordem vigente.
2.2 A repercussão das leis imperiais na província do Maranhão
Durante todo o período imperial brasileiro, a maioria das províncias terá vida
independente no que tange à resolução dos problemas políticos, econômicos e sociais que elas
vivenciavam nas práticas cotidianas da população, apesar de fazer uma organização política
centralizada no Rio de Janeiro. No Maranhão, não será diferente. A corte imperial, instalada
no Rio de Janeiro, ficava muito longe das terras maranhenses, proporcionando aos políticos
que comandavam as decisões na província uma autonomia demasiada. Devido a essa distância
54
CARVALHO, 2008, p. 347.
42
espacial proporcionada pela dimensão continental do império, as decisões tomadas pelo poder
central nem sempre tinham o efeito esperado quando da aprovação das leis. Dada a
dificuldade no controle e fiscalização das províncias pelo governo central, muitas leis editadas
pelo imperador não saíram do papel.
A província do Maranhão fará parte das províncias onde a lei de terras não passará de
notícia quando da sua promulgação e durante todo o restante do século XIX. De acordo com
José Murilo de Carvalho, a legitimação e a revalidação das terras devolutas quase não
progrediram e, sem sombra de dúvidas, a Lei de Terras não pegou
55
. Assim, no Maranhão, as
ações efetivas para legalizar a posse da terra só ocorrerão a partir do final do século XIX e das
primeiras décadas do século XX, tanto que os moradores de regiões agrícolas do Maranhão se
referiam a terra como sendo liberta, em contraponto com o início da reorganização da lavoura:
[...] Em fins do século XIX, a abolição da escravatura e as alterações no
mercado internacional provocaram desagregação das formas de produção até
então estabelecidas e a decadência do sistema agro-exportador. As relações
de produção do latifúndio tiveram que ser reorganizadas um
parcelamento das grandes explorações e a penetração gradativa de áreas de
cultivo de produtos alimentares tais como arroz, mandioca e frutas.
56
Em São Luís, capital da província do Maranhão, a aprovação da lei de terras não
precipitou nenhum acontecimento de mudança ou reivindicação de seu cumprimento. O
Maranhão, na década de cinquenta do século XIX, como o restante do império brasileiro, era
dependente do mercado econômico internacional, dada a organização da economia através da
grande propriedade rural, escravista e monocultura, e como sua estrutura de produção era
organizada com base nas necessidades do mercado europeu, a divisão dos grandes latifúndios
não fazia parte das conversas dos senhores de terras.
Durante muito tempo, o algodão foi o principal produto exportador que a província
dispunha e, por conta da demanda por essa matéria-prima, impulsionada pelas indústrias da
Inglaterra que vivenciavam a segunda revolução industrial e a crise iniciada pela guerra civil
norte-americana, que principiou ainda na cada de 1840, fizeram com que os latifundiários
maranhenses não se preocupassem em cultivar outro produto.
55
Cf. CARVALHO, 2008, p. 346.
56
LUNA, Regina Celi Miranda Reis. A terra era liberta: um estudo da luta dos posseiros pela terra no vale do
Pindaré-Maranhão. São Luís: UFMA/Secretaria Educação MA, 1984, p. 3.
43
Tendo em vista essa articulação com o mercado internacional, os momentos de
felicidade econômica no Maranhão não duravam muito tempo, pois, com o fim da guerra civil
norte-americana, à proporção que os Estados Unidos foram recuperando sua economia interna
e aumentando sua produção, o Maranhão foi perdendo seu lugar no mercado externo, já que
não havia tecnologia suficiente para competir com eles. Após o decréscimo das exportações
do algodão, o açúcar, que estava sendo produzido na região da Ribeira do Itapecuru, desponta
como alternativa para a monotonia que estava passando a economia maranhense, haja vista
que:
Com a decadente lavoura do algodão, novo impulso econômico aconteceu
quando os agricultores se lançaram à intensificação da lavoura da cana-de-
açúcar, não obstante a venda de alguns escravos para São Paulo e Minas,
única maneira de obterem os recursos necessários à construção de engenhos
para o fabrico do açúcar. Nas décadas de cinquenta e sessenta, aquela
pequena parcela da sociedade maranhense de manter as aparências de seu
antigo bem-estar e de sua riqueza.
57
Apesar da construção de engenhos a partir do terceiro quartel do século XIX, o
Maranhão estará sempre à espreita de alguma crise política, social ou mesmo econômica que
rendesse dividendos favoráveis à sua balança comercial. A venda dos escravos que ainda
restavam será alternativa para os senhores de terra do Maranhão, que pensavam em
substituir a mão de obra do negro africano por imigrantes europeus, naqueles tempos de crise,
na qual, a imensa maioria da população apegava-se à instituição da escravidão como um
afogado a uma tábua de salvação. Os defensores do status quo ganharam novamente terreno
sobre os partidários da abolição, em razão da crise econômica”
58
.
Durante todo o século XIX, o Maranhão estará ao sabor das marés econômicas
internacionais, propiciado pela inclusão de São Ls no roteiro de escoamento e recebimento
do comércio, através da instalação de um cônsul inglês aqui. Em algumas circunstâncias, as
águas serão tranquilas e trarão importantes lucros, fazendo com que os produtores
maranhenses respirem aliviados por algum tempo, em outras, servirá apenas para pagar as
imensas despesas com a lavoura e quitar algumas dívidas.
57
LACROIX, Maria de Lourdes Lauande. A fundação francesa de São Luís e seus mitos. 2. ed. São Luís:
Lithograf, 2002, p. 66.
58
MÉRIAN, Jean-Yves. Aluísio Azevedo, vida e obra (1857-1913). Rio de Janeiro: espaço e tempo Banco
Sudameris Brasília, 1988, p. 152.
44
Por volta da segunda metade do século XIX, São Luís, capital da província do
Maranhão, era uma sociedade complexa e cheia de contrastes, em que as contradições eram
evidentes e afloravam no dia a dia dos ludovicenses, sendo estes ricos ou pobres. Sociedade
escravista como o restante do Brasil, São Ls tentava lidar com essa situação através de
práticas que camuflassem os verdadeiros costumes de sua população.
Assim como se verificava em outras províncias do império, as elites de São Ls
também lutavam para se ajustar e fazer com que a população assimilasse e adequasse seus
hábitos e práticas cotidianas aos ideais “vivenciados” e irradiados pela Europa, mais
especificamente, pela França, por ser considerada o modelo ideal de povo e cidade. E, no que
se refere ao Brasil, ao Rio de Janeiro, onde estava instalada a corte imperial.
Mas o eram somente os bitos da população que não estavam conforme a
implantação das ideias modernizadoras; a estrutura urbana da província, ainda muito precária,
criava um ambiente propício para a proliferação de grande quantidade de moléstias que
atacavam as populações e causavam intensa mortandade, devido à falta de serviços públicos,
como o necessário para o escoamento dos dejetos produzidos pelos habitantes da cidade,
coleta de lixo, água tratada, iluminação etc., haja vista o enorme contraste entre “uma cidade
pobre e de aparência humilde onde a sociedade copia os adornos de „cousas francesas‟ e os
requintes do luxo europeu”
59
.
2.3 Músicos negros: um mal necessário
Durante o século XIX, os africanos escravos, os mulatos e os africanos alforriados
representavam o principal componente das orquestras de música do império brasileiro.
Mesmo antes da chegada de D. João ao Brasil, em 1808, a grande maioria dos músicos que
havia na colônia eram mulatos ou escravos alforriados. Naquele início do século XIX, no
Brasil ainda colônia de Portugal, o músico era visto principalmente como um trabalhador e
geralmente era proveniente dos setores mais baixos da sociedade. Sociedade criada aos
moldes europeus, a brasileira seguiria, como em outros aspectos das vivências transplantadas
para o Brasil, a situação do músico europeu, em que:
59
RENAULT, Delso. Indústria, escravidão, sociedade: uma pesquisa historiográfica do Rio de Janeiro no
século XIX. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; Brasília: INL, 1976, p. 134.
45
A maior parte das pessoas que seguia uma carreira musical era de origem
não nobre, ou, em nossa terminologia, burguesa. Se quisessem ter êxito na
sociedade de corte, e encontrar oportunidades para desenvolver seus talentos
como músicos ou compositores, eram obrigadas, por sua posição inferior, a
adotar os padrões cortesãos de comportamento e de sentimento, não apenas
no gosto musical, mas no vestuário e em toda a sua caracterização enquanto
pessoas.
60
Norbert Elias refere-se a músicos livres e brancos que exerciam esse ofício e eram
discriminados nos círculos elitizados do mundo europeu. Na sociedade brasileira, criada para
ser igual à europeia, os músicos não terão tratamento melhor do que os do velho mundo, ainda
mais que a grande maioria era constituída, como dissera acima, de mulatos, e em algumas
situações relatadas pelos viajantes europeus, por vezes de escravos
61
, como presenciou Henry
Hoster em viagem pela província do Piauí, na cidade de Parnaíba, ao deparar-se com uma
banda de música composta pelos escravos de Simplício Dias da Silva, que eram educados em
Lisboa e no Rio de Janeiro
62
. Da mesma forma que Elias descreve a situação do músico da
Europa do início do século XIX, André Cardoso fala sobre a situação dos mulatos que
lidavam com a música na sociedade brasileira:
[...] os músicos profissionais em atividade, em praticamente todo o Brasil,
eram mulatos livres, frutos da miscigenação, em geral filhos de português e
de mãe negra ou mulata. Dentro da hierarquia social, esses mulatos
formavam uma classe que se colocava apenas acima dos escravos, e sua
dedicação às artes representava uma tentativa de aceitação e afirmação em
uma sociedade completamente dominada pelo elemento branco, português
ou já brasileiro.
63
Essa situação do músico como um “simples” trabalhador vai se transformando no
decorrer do século XIX, tendo como período de maior “mudança” nessa forma de ver o
músico o segundo reinado, mais precisamente a década de 1870, tempo em que o teatro era o
principal empregador desses profissionais, devido ao furor causado pela introdução da ópera
no império brasileiro. Essas “mudanças” ocasionadas na condição do músico no Brasil,
60
ELIAS, Nobert. Mozart, sociologia de um gênio. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1995, p. 20.
61
Cf. FREYRE, Gilberto. Sobrados e mucambos: decadência do patriarcado rural e desenvolvimento do urbano.
14. ed. rev. São Paulo: Global, 2003, p. 153.
62
KOSTER apud SCHWACZ, 1998, p. 263.
63
CARDOSO, André. A música na corte de D. João VI, 1808 -1821. São Paulo: Martins, 2008, p. 40.
46
direcionada por essa paixão operística, possibilitou aos músicos, que trabalhavam nos teatros,
a oportunidade de serem também professores particulares de música
64
.
O sistema escravista estendia seus tentáculos discriminatórios para todos os campos da
sociedade brasileira, ainda mais em casos como o de escravos ou de descendentes destes que
se destacavam não pela força e desempenho físico, mas pela inteligência e sensibilidade para
as artes em geral. Isso não era permitido pelas elites dominantes e conservadoras, fato
verificado até o final do século XIX, mesmo depois de extinta a escravidão.
Miriam Moreira Leite, citando Ida Pfeiffer em viagem pelo Brasil, comenta como os
escravos, mesmo sem terem acesso à educação formal, aprendiam ofícios que não dependiam
somente da força física, pois todos os trabalhos sujos e penosos da casa ou de fora são feitos
por negros, que aqui, em geral, representam a camada mais baixa. Contudo, muitos aprendem
ofícios e diversos se tornam muito beis em sua arte, a ponto de poder se comparar aos
europeus mais capazes
65
. Com todas essas discrepâncias entre os ideais de modernidade e
civilidade e a dura realidade brasileira, os homens e mulheres do Brasil imperial ainda
percorreriam toda a segunda metade do século XIX buscando alternativas para manter seus
privilégios e se ajustarem às novas demandas estabelecidas pelos ditames europeus.
Todavia, não obstante os esforços utilizados para suplantar a musicalidade dos escravos,
as elites urbanas não alcançaram sucesso no seu intuito, visto que a música fazia parte da
vivência dos homens e das mulheres vindos da África, fazendo com que os moradores da
cidade presenciassem a todo instante os sons pelos quais os cativos se expressavam, pois “os
escravos negros das cidades, de uma forma geral, sempre trabalharam cantando”
66
.
É importante lembrar que, a despeito de os escravos da cidade terem certo privilégio, no
que concerne a uma maior liberdade de locomoção, não perdiam sua condição estigmatizada e
desqualificada imposta pela escravidão numa sociedade que os via somente como um objeto a
ser utilizado para suprir suas necessidades físicas e materiais.
O fato de escravos e libertos serem reconhecidos pela inteligência o agradava em
nada a sociedade elitista organizada aos moldes da europeia. Como esses músicos
“passeavam” com mais facilidade pela sociedade imperial brasileira, acabavam assimilando as
tendências europeias, ainda mais que as elites queriam ouvir música como estava sendo feita
no velho mundo, pois “os músicos negros, com suas formas de interpretar o mundo europeu e
64
MAGALDI apud CARVALHO SOBRINHO, 2003, p. 58.
65
LEITE, riam Moreira. (org.). A condição feminina no Rio de Janeiro, século XIX: antologia de textos de viajantes
estrangeiros. São Paulo: HUCITEC; UnB; Brasília: INL, Fundação Nacional Pró-Memória, 1984, p. 74.
66
TINHORÃO, José Ramos. História social da música popular brasileira. São Paulo: 34, 1998, p. 158.
47
seu próprio mundo, de tanger instrumentos de sua cultura ou das dos outros”
67
, exerciam a
função de mediador cultural mesmo sem isso ter sido definido com clareza, visto que, “em
nossa inevitável subordinação ao passado, ficamos [portanto] pelo menos livres no sentido de
que, condenados sempre a conhecê-lo exclusivamente por meio de [seus] vestígios,
conseguimos todavia saber sobre ele muito mais do que julgara sensato nos dar a conhecer”
68
.
2.4 As posturas municipais e as tentativas de civilização da capital maranhense
Visando colocar em prática as ideias trazidas da Europa, as autoridades municipais de
São Luís sancionaram leis para controlar a população mais pobre, a fim de discipliná-la e
contê-la em seus excessos de “incivilidade”, na contramão dos padrões europeus. Essas leis
eram chamadas Códigos de Posturas e versavam sobre todos os aspectos da vida cotidiana
dessa população, tentando sempre disciplinar as ões praticadas não no espaço público,
como no privado, pois o interesse público deveria subjugar todas as práticas que porventura
estivessem na contramão do bom andamento da cidade.
O primeiro código de posturas elaborado pela câmara municipal de São Luís data de
1842. No entanto, escolhi trabalhar com os códigos de posturas sancionados em 1866 e em
1892, por estarem localizados em marcos temporais importantes para este estudo, fornecendo,
portanto, elementos para a comparação entre o ideal almejado e a assimilação ou o dessas
regras pela sociedade de São Luís, e também por estarem situados antes e depois dos dois
grandes acontecimentos que mudaram as estruturas da sociedade brasileira, que foram a
Abolição da Escravatura e a Proclamação da República.
Esses dois códigos foram determinações da câmara municipal de São Luís e, apesar de
se passarem 26 anos entre a decretação de um e outro, as preocupações das autoridades
continuam as mesmas, sugerindo que a sociedade de São Ls não conseguia, ou não se
submetia às regras e posturas contidas nos referidos códigos.
Os códigos de posturas são fontes riquíssimas que possibilitam a análise dos hábitos dos
ludovicenses e também permitem localizar as ões dos homens e das mulheres na cidade em
suas práticas mais costumeiras. Esses códigos versavam sobre temas públicos, como, por
67
MONTEIRO, Maurício. A construção do gosto: música e sociedade na corte do Rio de Janeiro 1808-1821.
São Paulo: Ateliê, 2008, p. 159.
68
BLOCH, Marc. Apologia da história, ou, o ofício do historiador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001, p. 78.
48
exemplo, desde a limpeza das ruas até hábitos privados, como “declamar” em alta voz nomes
indecorosos dentro das residências particulares.
Enquadrados em tulos que abrangiam todas as dimensões da vida urbana de São Luís,
os códigos representam para o historiador a possibilidade de conhecimento de hábitos
praticados pela população da cidade e que deveriam ser extirpados por ser considerados
incivilizados, ou seja, oferece a possibilidade de vislumbrar seus habitantes através de suas
práticas e hábitos cotidianos. Isto porque os códigos tratavam de assuntos os mais diversos
como: o linguajar das pessoas, a circulação dos escravos durante a noite e a circulação geral
da população após o toque de recolher, da venda e fabricação de fogos de artifício, da limpeza
das ruas etc.
O Código de Posturas de 1866
69
foi instituído pela lei 775 de 4 de julho de 1866,
quando Lafayette Rodrigues Pereira era o presidente da província do Maranhão. Dividia-se
em 4 títulos, assim distribuídos: Título I Regularidade e aformoseamento, com 65 artigos;
Título II Cômodo e seguridade, com 64 artigos; Título III Salubridade, com 54 artigos, e o
Título IV Disposições gerais, com 16 artigos.
o Código de Posturas de 1892
70
, lei 8, instituído no governo de Belfort Vieira, é
importante destacar, no que concerne a sua maior especificidade, que possui 5 títulos
divididos em 25 capítulos. Os títulos são: Disposições Preliminares com 8 artigos; Higiene e
Saúde Pública, dividido em 12 capítulos, com 103 artigos; Polícia, comodidade e segurança
pública, com 10 capítulos e 90 artigos; Aformoseamento e decoração da cidade, arrabaldes e
povoações, estradas e caminhos públicos do município; construção e reconstrução, com 2
capítulos e 27 artigos e, por último, as Disposições Gerais com 9 artigos. A seguir,
apresentarei o conteúdo dos artigos dos códigos.
Uma das grandes contradições da cidade de São Luís, completamente visível a olho nu,
eram os “portentosos casarões de dois andares, cantaria nas soleiras e portais, bandeiras e
gradis rendilhados” e as infinitas casas de palha nas praças públicas, como nos diz a
historiadora Maria da Glória Guimarães Correia ao tratar da São Luís de fazendeiros e
comerciantes
71
, e o mal-estar causado aos moradores desses sobrados ao abrir suas janelas e
se depararem com uma cena que os feria aos olhos, por isso a proibição, através do art. 60 do
69
PROVÍNCIA DO MARANHÃO. Código de Posturas da Câmara Municipal de São Luís de 1866. São Luís,
1866.
70
PROVÍNCIA DO MARANHÃO. Código de Posturas da Câmara Municipal de São Luís de 1892. PORTO,
Augusto (org). São Luís: Typ. do Diário do Maranhão, 1910.
71
Alusão à parte do título do segundo capítulo do livro da referida autora.
49
código de 1866, da construção de casas cobertas de palha dentro da cidade, mas também
cobrir novamente as que já o tiverem sido feitas com essa planta
72
.
A grande maioria dos casarões de São Luís foi construída a partir do final do século
XVIII e no decorrer do século XIX, e não fazia parte de nenhum projeto, pelo que se sabe,
organizado para melhoria das condições de moradia na cidade e, consequentemente, o seu
embelezamento, apesar de na prática esses casarões talvez fossem a única beleza que a cidade
apresentasse.
As ideias de modernização e embelezamento que estavam à disposição das elites
políticas e intelectuais de São Luís, pelo que é possível depreender pelo estudo dos jornais e
da própria cidade que ainda pode ser contemplada, não se verificaram na prática, a despeito de
as cidades terem sido, em todos os países, os cenários mais espetaculares da belle époque,
com intervenções urbanísticas que modernizaram ou renovaram suas feições, “expressando a
realização dos anseios e do desejo das elites em se mostrarem progressistas e afinadas com o
gosto europeu”
73
.
Não obstante essas ideias circularem em São Luís, a cidade o passou por
transformações em sua estrutura sica quando comparada a outras capitais de províncias do
império brasileiro como Fortaleza, Recife, Belém, Manaus, Rio de Janeiro, São Paulo nas
quais as mudanças visíveis eram as intervenções realizadas na estrutura e organização do
espaço urbano. Fortaleza, para citar exemplo de uma cidade do nordeste brasileiro, vivenciou
na prática mudanças na sua organização espacial, como a abertura de grandes avenidas,
praças, jardins, construção de palacetes, como escreve Sebastião Rogério Ponte ao historicizar
as transformações ocorridas na capital da província do Ceará na década de 1880:
Surgiu o Passeio Público no local, até então, da Praça dos Mártires, que foi
remodelada com implante de bancos, canteiros, café-bar, réplicas de
esculturas clássicas e 3 planos ou “avenidas” uma para o desfrute das
elites, a segunda para as classes médias e a terceira para os populares.
Localizado no perímetro central e com ampla vista para o mar, o Passeio
tornou-se de pronto a principal área de lazer e sociabilidade [...]
74
72
CORREIA, 2006, p. 28.
73
DAOU, Ana Maria. A belle époque amazônica. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000, p. 24.
74
PONTE, Sebastião Rogério. Fortaleza belle époque: reformas urbanas e controle social (1860-1930).
Fortaleza: Fundação Demócrito Rocha/Multigraf, 1993, p.35.
50
As mudanças que estavam se processando nas principais cidades brasileiras nos idos da
segunda metade do século XIX, faziam parte, como já dissera anteriormente, do desejo que as
elites brasileiras tinham de pelo menos parecerem modernas aos seus olhos e aos dos
visitantes estrangeiros. Vale lembrar que essa concepção de criação de espaços públicos
suntuosos, imponentes e amplos teve como grande modelo o prefeito de Paris, Georges
Eugène Haussmann, quando transformou a cidade em um grande teatro a céu aberto e
inaugurou um novo tipo de vida urbana, fazendo com que homens e mulheres da burguesia
legitimassem a utilização do espaço fora da casa, e que a nobreza passasse a tecer suas
sociabilidades nesses novos espaços sem “proteção”, onde novas formas de sociabilidade e de
expressão dos sentimentos, até então recolhidos, passam a ser permitidos, pois:
Para os amantes, como aqueles de “Os Olhos dos Pobres”, os bulevares
criaram uma nova cena primordial: um espaço privado, em público, onde
eles podiam dedicar-se à própria intimidade, sem estar fisicamente sós. [...]
Poderiam exibir seu amor diante do interminável desfile de estrangeiros do
bulevar de fato, em uma geração Paris se tornaria mundialmente famosa
por essa espécie de exibicionismo amoroso haurindo deles diferentes
formas de alegria.
75
Em São Luís, essas grandes avenidas não fizeram parte do cotidiano dos ludovicenses
que, ao contrário, continuaram transitando por ruas estreitas, becos. A cidade, pelo menos
durante o século XIX, não perderá suas ruas estreitas e não será incomodada em seu ritmo
tranquilo e pacato, incomodado por grandes obras de redefinição do espaço urbano. No
entanto, a existência de um grande número de casarões construídos na parte central da cidade,
conhecida como Praia Grande, dará aos ludovicenses daquele presente em questão, a
aparência de que a cidade, em termos arquitetônicos, estava adequada aos novos modelos de
cidade. Ao mesmo tempo, esses casarões serão a grande marca identificadora da ascendência
portuguesa de São Luís, como escreve Maria da Glória Guimarães Correia ao descre-los:
Um exemplo dessas novas necessidades de consumo pode ser verificado nos
sobradões que comerciantes e senhores de terras e escravos erigem na
cidade, dando origem a um conjunto arquitetônico marcado pela referência
portuguesa, onde estão presentes, dentre outros, os orientalismos por ela
75
BERMAN, Marshall. Tudo que é sólido desmancha no ar: a aventura da modernidade. São Paulo: Companhia
das Letras, 1997, p.147.
51
assimilados. Daí os arcos em ferradura do Marrocos, as telhas de pagode
chinês e os azulejos árabes, bem como árabes também os balcões e as
varandas.
76
Nos movimentos para a independência do Brasil, dentre as províncias imperiais, o
Maranhão foi uma das últimas a aderir à causa devido aos fortes laços de sangue que os
habitantes de São Luís detinham com Portugal e, principalmente, por ser a maioria de seus
comerciantes portugueses. Fato acrescido pela dificuldade de estabelecer contatos com a corte
imperial instalada no Rio de Janeiro, por causa da deficiente estrutura de transporte no
império, fatores que contribuíam para que as relações comerciais fossem mais rápidas e
vantajosas com a metrópole.
Com a aderência, como era denominada na época a adesão do Maranhão à
independência, em 28 de julho de 1823, tudo o que dizia respeito a Portugal e aos seus
costumes era rechaçado pela população de São Luís, a ponto de se criar toda uma construção
ideológica em torno do “ser maranhense” em detrimento do “ser lusitano”, porquanto
[...] A definição comunitária do “ser maranhense” foi instituída e legitimada
pelos sucessos culturais, possibilitados pelo crescimento econômico,
consagradores de um composto de escritores, os quais foram expressão
autêntica de uma estrutura social, a maranhense, a reconhecer-se como uma
totalidade, nos rebentos incomuns e originais, de si frutificados.
77
A partir dessa data e durante o restante do século XIX, o dia 28 de julho será
comemorado com empolgação igual ou superior ao 7 de setembro.Vinte e nove anos após a
adesão do Maranhão à causa da Independência do Brasil, o Publicador Maranhense anuncia
que acontecerá espetáculo no Teatro São Ls:
Devendo no dia 28 do Corrente, Anniversario da Adherencia a
Independencia nesta Provincia, Haver recita extraordinária no Theatro,
adverte-se a todos os Snrs assignantes de Camarotes e Cadeiras, que
mandem buscar os competentes cartões em casa do Camaroteiro João Jo
76
CORREIA, Maria da Glória Guimarães. Nos fios da trama: quem é essa mulher? Cotidiano e trabalho do
operariado feminino em São Luís na virada do século XIX. São Luís: Edufma, 2006. (Coleção de Teses e
Dissertações). p. 26.
77
CORRÊA, Rossini. Formação social do Maranhão: o presente de uma arqueologia. São Luís: SECMA, 1993,
p. 103.
52
da Silva até a véspera, porque no dia serão vendidos indistinctamente.
Maranhão 23 de Julho de 1852.
78
Apesar de essa quase aversão, pelo menos no campo das ideias, a tudo que se referia aos
hábitos e costumes dos portugueses, ficava restrita somente ao campo dos pensamentos, visto
que grande parte da população de São Luís era composta por portugueses ou por descendentes
destes através da miscigenação com o índio e com o negro. A conservação dos costumes
lusitanos pode ser verificada a partir da leitura do artigo 58 do Código de Posturas de 1866,
que proibia “assoalhar-se roupa às janellas, ruas e praças desta cidade. Aos contraventores a
multa de cinco mil réis, e o dobro nas reincidências”, e na prática acontecia o contrário, pois o
desrespeito ao código está noticiado no jornal, que diz: “Repparamos o costume usado em
uma casa a rua 28 de Julho, lava-se roupa e vem para as janelas para enxugar. Isto é impróprio
para uma cidade”
79
.
As autoridades governamentais da cidade queriam que a população adequasse seus
hábitos, enraizados em suas mentes, assim que as posturas eram sancionadas e publicadas
para o conhecimento delas. No entanto, como o próprio redator da denúncia citada acima diz
“era costume” a mudança de hábitos já arraigados nas pessoas, e considerados
incivilizados, é o resultado de um processo queo acontece da noite para o dia, “diz respeito
a algo que está em movimento constante, movendo-se incessantemente para a frente””
80
, e
que em algumas circunstâncias não são assimilados.
E, com o passar dos anos, esse costume persistia. É o código de 1892 que essa
informação. Fato que contrariava a pretensão dos ludovicenses em serem iguais aos europeus,
ou melhor, a eram, mas não iguais ao povo considerado mais civilizado da Europa, os
franceses, e sim aos portugueses, pois, São Luís, contrariando na prática o desejo da
singularidade francesa, era uma cidade eminentemente portuguesa, seus habitantes mostravam
bem sua ascendência europeia portuguesa, ao estender seus varais de roupas pelas ruas, numa
prática que até hoje persiste em terras de Portugal. E o referido código dizia, no art. 175, o
seguinte: “É igualmente prohibido corar, enser/gar ou estender roupas nas janellas, praças,
78
DEVENDO... Publicador Maranhense, São Luís, ano 11, n 1.288, sabbado, 24 jul. 1852.
79
REPPARAMOS... Jornal Para Todos. São Luís, 7 de ago. 1877.
80
ELIAS, Norbert. O processo civilizador. Tradução de Ruy Jungman. 2. ed, Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1994.
v.1, p. 24.
53
lar/gos, ruas e travessas, em armadilhas, cordas, ou/ no chão, salvo nos logares designados
pela Inten/dencia. Ao infractor a multa de 5$000”
81
.
Uma das grandes preocupações das autoridades municipais era a forma como a carne
era comercializada na cidade. Pelo artigo 131 do Código de Posturas de 1866, é possível
aventar que esta era vendida nos mais diversos lugares, inclusive pelas ruas, pois informa
sobre uma prática das pessoas encarregadas da distribuição da carne pela cidade, ao
determinar que: “Os quartos de carne, que forem tirados do matadouro público, só poderão ser
vendidos nos talhos designados pela câmara. Aos contraventores a multa de vinte mil réis e o
dobro nas reincidências”
82
.
Como São Ls não passara por reformas na sua estrutura física, e a população
aumentava com o passar dos dias, as ruas apresentavam todas as condições propícias não
para a proliferação de moléstias diversas, no entanto, eram consideradas perigosas não só pela
facilidade de difusão de epidemias como pela degradação moral, visto que eram os redutos
preferidos dos que apresentavam as “moléstias sociais”. E sobre a movimentação das ruas
escreve Gilberto Freyre citando La Salle ao relatar que:
[...] também os homens pouco saíam de casa. No Rio de Janeiro dessa época
talvez saíssem pouco: no Recife como em São Luís do Maranhão é tradição
que viviam quase a tarde inteira na rua. [...] Os burgueses de sobrado foram
naquelas cidades do norte do Brasil homens de praça ou de rua como,
outrora, os gregos, da ágora, ao contrário dos do Rio de Janeiro e da Bahia
que raramente deixavam o interior dos sobrados.
83
O balançar dos vestidos, das calças, das peças íntimas das mulheres e dos homens nos
varais estendidos pelas ruas da cidade de São Ls, por seus moradores, não causava nenhum
problema grave, além de algum constrangimento ao se deparar com uma ceroula caindo no
rosto de algum transeunte desatento. Outras questões que envolviam a própria sobrevivência
na cidade eram mais importantes e também estavam no auge das discussões das autoridades
municipais e da opinião pública expressa nos periódicos.
81
PROVÍNCIA DO MARANHÃO. Código de Posturas da Câmara Municipal de São Luís de 1892. PORTO,
Augusto (org). São Luís: Typ. do Diário do Maranhão, 1910.
82
PROVÍNCIA DO MARANHÃO. Código de Posturas da Câmara Municipal de São Luís de 1866. São Luís,
1866.
83
FREYRE, Gilberto. Sobrados e mucambos: decadência do patriarcado rural e desenvolvimento do urbano. 14ª
ed. rev. São Paulo: Global, 2003, p. 145.
54
A salubridade foi uma das grandes preocupações dos governantes da província do
Maranhão durante o século XIX. A falta de saneamento básico, ruas sem calçamento, água
sem tratamento, dejetos jogados nos rios, enfim, a cidade apresentava todas as condições para
que ela mesma se destruísse. As autoridades precisavam assumir posições claras e firmes
frente a tal estado de calamidade denunciada a todo instante pelos jornais que circulavam na
capital da província do Maranhão e pela Sociedade Philomática, pois, como:
[...] Conhecedores da moderna Ciência da Higiene; sabedores de que é
através dela que se dá combate a tudo que conspira contra a existência
humana; e sabedores também de que esse combate é possível com a
conjunção das forças públicas com as privadas, o poupavam as primeiras,
intimando-as a assumirem seu posto na luta.
84
Especificamente no Código de Posturas de 1892, a questão da higiene e da busca pela
salubridade da cidade é muito presente. Mais do que querer parecer civilizada, São Luís
queria estar livre das epidemias que tantos danos causavam à população mais pobre. É
importante lembrar que o século XX se aproxima, e com ele as ideias de modernidade se
tornam mais presentes entre os letrados menos tradicionalistas, e que queriam uma cidade
limpa, civilizada e moderna como a cidade modelo, Paris. O tulo II, Hygiene e Saúde
Pública” do referido código, continua chamando a atenção para o cuidado com a carne que era
oferecida à população e que eles pensavam ser a causadora das epidemias, que diz o seguinte:
Art. 16. É proibido expor a venda a carne/ de qualquer rez que chegue ao
Matadouro Publico, / morta ou moribunda, a juízo do medico da
muni/cipalidade, incubido desse serviço. Ao infrator/ a multa de 50$000 reis,
sendo a rez queimada ou en/terrada.
85
E não era à carne que as autoridades dispensavam atenção especial. O trabalho nos
matadouros também era regulado, para evitar que trabalhadores enfermos lidassem com o que
seria comercializado na cidade, como diz a postura:
84
CORREIA, 2006, p. 58.
85
PROVÍNCIA DO MARANHÃO. Código de Posturas da Câmara Municipal de São Luís de 1892. PORTO,
Augusto (org). São Luís: Typ. do Diário do Maranhão, 1910.
55
Art. 28. Não poderão ser empregados na con/ducção e preparo a venda de
carne de pessoas que/ sofram moléstias cutâneas ou contagiosas, e não/
forem vaccinadas. Pela infracção deste artigo será/ multado em 20$000
aquelle que empregar em seu serviço pessoas em taes condições.
Parágrafo único. O administrador do Matadouro Publi/co não consentirá, sob
qualquer pretexto a estada/ dessas pessoas no mesmo Matadouro e suas
depen/dências.
86
É importante observar, comparando os dois códigos, a reincidência de determinadas
práticas, pois, enquanto o de 1866 é constituído de 54 artigos versando sobre várias questões
concernentes à higiene, inclusive sobre a carne, o código de 1892 possui 35 artigos que tratam
especificamente desse produto alimentício, com o objetivo de evitar que a cidade fosse
assolada por moléstias causadas principalmente pela falta de higiene no trato e conservação
dessa carne. E essa é uma preocupação constante das autoridades e que está muito clara nas
medidas tomadas através da ratificação no código de 1892, das medidas de saneamento da
cidade, sendo essa preocupação reflexo das epidemias
87
pelas quais passou São Luís em anos
anteriores, como relatou o jornal A Sentinella:
Esta semana tem estado triste e luctuosa pela maneira terrível com que aqui
exagerão o cholera Reune-se frequentemente a comissão de hygiene
publica ... e nem isso obstou para que no dia 4 fosse attacado do mal, uma
pessoa no Lazareto. Da Ponta d‟Areia fizerão immediatamente signal para
esta cidade. O rumor foi grande na capital durante a noute, no seguinte dia
porem soubemos de accorrido, que vinha a ser, falta de água segundo nos
informou um amigo do Sr. Dr. Goes.
88
E caminhando pela cidade de homens e mulheres das elites, preocupados com a saúde
dos seus pares, e com a proliferação das moléstias entre seus diferentes, os códigos começam
a tratar do transporte na capital, tendo em vista também a salubridade da populão, como é
possível saber pelo art. 132, do código de posturas de 1892, que proibia aos carroceiros
empregarem em “seus serviços animaes extenuados, chagados, doentes ou famintos”, e a
condução “em carros de praça pessoas que sofram de moléstias contagiosas. O infractor em
86
PROVÍNCIA DO MARANHÃO. Código de Posturas da Câmara Municipal de São Luís de 1892. PORTO,
Augusto (org). São Luís: Typ. do Diário do Maranhão, 1910.
87
Cf. ALMEIDA, In: COSTA, 2004, p. 231-264; CORREIA, 2006, p.78 -80.
88
ESTA semana... A Sentinella, São Luís, 4ª série, n. 26, 7 de jul. 1855.
56
qualquer dos casos pagará a multa de 10$000”. Assim, ser civilizado significava afastar as
epidemias ao menos da capital da província do Maranhão.
Para que a cidade se prevenisse contra o aparecimento das epidemias era necessário um
amplo conjunto de medidas que deveriam ser tomadas ao mesmo tempo. Como as citadas
anteriormente, as ruas eram um dos ambientes mais propícios para a difusão das moléstias,
devido ao grande número de pessoas que circulavam por elas resolvendo seus negócios. Por
isso, o Código de Posturas de 1866, em seu artigo 102, no Título que trata do “Cômodo e
Seguridade”, versa sobre a limpeza das ruas, estabelecendo que:
Ninguém poderá lançar á rua cousa alguma que possa tornal-a immunda,
nem, prejudicar ou incommodar aos que nella estiverem. Aos contraventores
a multa de cinco mil reis, e nas reincidências dez; sendo o objeto lançado á
rua removido á custa dos contraventores. Se a pessoa, que incorrer nas penas
desta postura, não tiver meios de pagal-as, soffrerá então a de dous dias de
prisão.
89
No entanto, apesar da proibição, a população continuava jogando lixo nas ruas,
inclusive partindo da câmara municipal, o que mostra a imensa contradição e a distância que
existia entre o discurso e a prática, e principalmente a assimilação das medidas pela
população, como relata o Jornal para Todos, através de notícia que diz: “É costume atirar-se
com cascas de frutas das janellas da câmara municipal. dias um amigo nosso foi victima,
cahindo-lhe uma casca de banana sobre a cabeça”
90
. Vale ressaltar que, apesar de os códigos,
em essência, terem a intenção de disciplinar os modos da parte mais pobre da população da
cidade de São Luís, não é possível afirmar se foi um membro da câmara que jogou a casca. O
que salta aos olhos é a falta de uma fiscalização mais eficaz, chegando ao ponto das posturas
serem descumpridas a partir do prédio da mara municipal, onde provavelmente não
entravam esses desclassificados, assim é provável que a ação possa ter sido praticada por
algum membro das elites.
O Código de Posturas de 1866, como dissera anteriormente, proibia que a população
jogasse lixo nas ruas, mas os redatotes do Jornal para Todos pediam que as autoridades
tomassem providências no que diz respeito à limpeza de algumas ruas: “Convidão-se os Srs.
fiscaes a visitarem o chão vasio ou por outra o chão cheio de immundicias da rua de
89
PROVÍNCIA DO MARANHÃO. Código de Posturas da Câmara Municipal de São Luís de 1866. São Luís,
1866.
90
É COSTUME... Jornal Para Todos. São Luís, 7 ago. 1877.
57
Sant‟Antonio, canto da rua do Ribeirão. Garantimos não passar sem levar o lenço ao nariz,
se ainda tiver olfato”
91
.
No que tange à salubridade pública da capital da província do Maranhão nos dois
últimos quartéis do século XIX, a limpeza das ruas será alvo de constantes denúncias, como
as citadas anteriormente, principalmente, visando os interesses das elites dominantes em
detrimento do interesse e da melhoria das condições de salubridade da população da cidade
como um todo.
Outra preocupação das autoridades municipais era a questão da qualidade da água
ofertada à população da cidade. Os fiscais responsáveis pelas fontes públicas tinham muitas
dificuldades para impedir que os pobres e os escravos não tomassem banho nelas, a fim de
abastecer as suas próprias casas e as das elites. E sobre a água vendida na capital da província
do Maranhão, diz o Jornal para Todos que era “pessima principalmente a que vem do sitio do
Sr. Commendador Vasconcellos, que é bastante salobra”
92
.
As autoridades, respaldadas pelas elites, queriam que a população mais pobre de São
Ls se adequasse aos ideais de civilidade dos quais a França era o principal modelo. Porém,
falar em civilização ou sobre civilidade, ao referir-se aos mais diversos hábitos e costumes das
sociedades, é muito complexo, pois a aplicação de tais conceitos variam de país para país, e
principalmente de sociedade para sociedade, dada a complexidade das relações humanas, uma
vez que:
a civilização compreende, pois pelo menos dois estágios. Daí a tentação
experimentada por muitos autores, de distinguir as duas palavras, cultura e
civilização, de modo que uma se carregue da dignidade do espiritual e a
outra da trivialidade do material. Infelizmente, não se chegou a um acordo
quanto à distinção a ser estabelecida: ela variará conforme os países, ou num
mesmo país, conforme as épocas, os autores.
93
A despeito da necessidade de levar em conta as particularidades das sociedades e,
principalmente, da complexidade dos homens e das mulheres que as compõem ao enquadrá-
las como civilizadas ou não, é importante ratificar que, naquela segunda metade do século
91
CONVIDÃO-SE... Jornal Para Todos, São Luís, ano 2. n.3, 28 mar. 1878.
92
PESSIMA... Jornal Para Todos, São Luís, ano 2, n.3, 28 mar. 1878.
93
BRAUDEL, Fernand. Gramática das civilizações. Tradução de Antonio de Pádua Danesi, 3. Ed., São Paulo:
Martins Fontes, 2004, p. 27.
58
XIX, o modelo a ser seguido era o europeu e o francês, e não importava quais as formas e
caminhos necessários para alcançá-lo. Ser igual a Paris era o objetivo das elites ludovicenses.
O pesquisador que se baseia somente pela leitura dos jornais, sem ter conhecimento da
existência dos códigos de posturas, é levado a pensar na inexistência de leis que regulassem a
vida cotidiana da população de São Luís, pois os seus redatores a todo instante reclamavam
para que as autoridades tomassem as medidas devidas, a fim de controlar seus maus hábitos.
Porém, se ocupavam justamente em denunciar o que estava acontecendo pela cidade, porque
existiam as leis, no entanto, elas não eram cumpridas. Entretanto, ainda é possível andar um
pouco mais pela cidade e perceber outra infração das posturas, como relata o Jornal para
Todos, ao tratar do ajuntamento de pessoas após o toque de recolher:
No dia 21 ás 11 horas da noite, á rua da Paz, encontramos dous indivíduos
que tocavão flauta e violão, porem tocavam com tanta graça e gosto e tão
harmoniosos estavam os instrumentos que maquinalmente paramos para
ouvir. Pouco depois aproximou-se a patrulha, e houve quem por gracejo
lembrasse a postura municipal, respondeo ella que nem todas as ordens se
cumprião.
Nestas palavras revela o quanto extaziada estava a patrulha de ouvir tão
linda musica.
94
O anúncio relata que a patrulha deveria ter prendido os instrumentistas, pois havia
passado o horário permitido para circulação de pessoas pelas ruas, mas não deixa evidente
qual era a postura infringida pelos membros do corpo de polícia da capital. Os soldados
erraram, na medida em que também pararam para ouvir a música, quando deveriam tomar
providências, fazendo dispersar as pessoas e, até mesmo prender os que faziam parte daquele
ajuntamento. Os códigos de posturas apresentam duas alternativas para pensar qual seria a
postura que os soldados descumpriram. As posturas nas quais a patrulha podia ser enquadrada
eram as determinadas pelo art. 14 ou pelo art. 94, ambas do código de 1866, nas quais lemos,
respectivamente:
Todo o que der espectaculo de qualquer natureza que sejam, no theatro,
quando não for por contracto com o governo, nas ruas, praças, ou chãos
94
NO DIA... Jornal Para Todos. São Luís, 28 ago. 1877.
59
desta cidade sem licença da câmara, pagará de multa vinte mil reis, e o dobro
nas reincidências.
95
É prohibido fazer vozerias, alaridos e dar gritos nas ruas sem ser para pedir
socorro ou capturar algum criminoso. Aos contraventores a multa de quatro
mil reis e vinte quatro horas de prisão.
96
Há uma questão extremamente importante, para este estudo, exemplificada na ação da
patrulha em parar, ouvir e não punir as pessoas que tangiam seus instrumentos musicais
naquela madrugada. Trata-se do poder que a música tem em sensibilizar as pessoas e o livre
acesso a regiões das emoções humanas inatingíveis por palavras ou ações cronometradas. E
foi esse poder que fez a patrulha esquecer seu papel coercitivo e simplesmente parasse e
ouvisse, pois:
a música fala ao mesmo tempo ao horizonte da sociedade e ao vértice
subjetivo de cada um, sem se deixar reduzir às outras linguagens. Esse limiar
está fora e dentro da história. A música ensaia e antecipa aquelas
transformações que estão se dando, que vão se dar, ou que deveriam se dar,
na sociedade.
97
Assim é possível verificar os limites que são impostos ao historiador quando empreende
uma investigação em fontes de períodos mais distantes do seu presente. Isto não é de todo
importante, até porque, com o desenvolver da pesquisa, volta e meia, ao virar uma página de
um jornal para continuar a leitura de um anúncio que seria importantíssimo para reforçar uma
ideia pensada anteriormente, ela não existe mais. No entanto, ao trazer à luz essa incapacidade
de apreender totalmente o que homens e mulheres fizeram e, muito mais difícil, pensaram,
aproprio-me das assertivas de historiadores ao afirmarem que trabalham com a ideia de
representação como “processos de percepção, identificação, reconhecimento, classificação,
legitimação e exclusão”
98
, e ainda que:
95
PROVÍNCIA DO MARANHÃO. Código de Posturas da Câmara Municipal de São Luís de 1866. São Luís,
1866.
96
PROVÍNCIA DO MARANHÃO. Código de Posturas da Câmara Municipal de São Luís de 1866. São Luís,
1866.
97
WISNIK, José Miguel. O som e o sentido: uma outra história das músicas. 2. ed. o Paulo: Companhia das
Letras, 2007. p.13.
98
PESAVENTO, Sandra Jatahy. História & História Cultural. Belo Horizonte: Autêntica, 2003, p. 40.
60
Tais traços [registros, sinais]
99
são, por sua vez, indícios que se colocam no
lugar do acontecido, que se substituem a ele. São, por assim dizer,
representações do acontecido, e que o historiador visualiza como fontes ou
documentos para a sua pesquisa, porque os como registros de significado
para as questões que levanta. Estamos diante de representações do passado
que se constroem como fontes através do olhar do historiador. Mas não
esqueçamos que o historiador da cultura visa, por sua vez, a reconstruir com
as fontes as representações da vida elaboradas pelos homens no passado.
100
Através das falas das autoridades municipais, das leis, das nocias e dos anúncios
veiculados nos jornais de São Luís, é possível construir uma ideia sobre os ludovicenses e
seus bitos naquela segunda metade do século XIX, quando tentavam misturar-se de tal
forma modos de civilidade e modernidade, que terá a cidade como grande palco para esse
espetáculo encenado a céu aberto, afinal:
o urbano toma rosto e estabelece critérios de sociabilidade. [...] A
urbanização da segunda metade do século XIX tem um novo caráter: a forte
intervenção governamental que através, principalmente de melhoramentos
urbanos acentuados na área central da cidade tentaria transformar São
Luís num espaço mais organizado, num espaço “público”.
101
Dentre esses melhoramentos, a iluminação da cidade era fator extremamente relevante,
não do ponto de vista da claridade propriamente dita, mas principalmente a partir do
caráter símbolo que a ligava à civilidade, ao dia, em contraposição à barbárie, assemelhada à
noite, momento em que geralmente os elementos incivilizados utilizavam para exercer sua
sociabilidade e atentar contra a ordem pública vigente. Assim, a escuridão, além de ser um
empecilho para a ação da polícia em São Luís, era, para os que andavam na contramão das
leis, grande aliada. Todavia, uma cidade que pretendia ser civilizada não podia ter suas ruas,
becos e praças sem iluminação, pois esta era considerada um dos símbolos da modernidade.
Por conta disso, era protegida por lei, como especifica o código de 1866, no art. 105:
99
Palavras acrescentadas para melhor entendimento da citação, e o grifo também.
100
PESAVENTO, 2003, p. 42.
101
COSTA, Yuri Michael Pereira. Criminalidade escrava: fala da civilização e urro bárbaro na província do
Maranhão (1850-1888). In: COSTA, Wagner Cabral da. (org.) História do Maranhão: novos estudos. São Luís:
Edufma, 2004.
61
Todo aquelle que apagar algum dos lampiões da illuminação da cidade, sem
que para isto esteja authorisado, pagará de multa de dez mil reis e três dias
de prisão, e quando para este fim quebrar-se algum vidro ou causar-se outro
qualquer prejuízo ao lampeão, será então o infractor preso por oito dias,
além da multa de vinte mil réis, dando-se metade d‟ella ao denunciante.
102
De todas as questões apresentadas até aqui e que refletem a ideia de atraso na qual se
inseria a sociedade de São Ls, em relação aos ideais modernos de civilidade, o problema da
escravidão era um dos grandes exemplos, e evidenciava a grande distância que os brasileiros,
especialmente os maranhenses, ainda teriam de percorrer para mostrar-se civilizados, pelo
menos, na aparência. Apesar de grande parte da população conviver “tranquilamente” com a
escravidão, as práticas mais cruéis não eram toleradas em público, como estabelece o código
de posturas de 1866 no art. 99, ao proibir que os escravos andassem:
pelas ruas da cidade com gargalherias, grilhetas e outros instrumentos de
castigo e aquelles que assim forem encontrados, serão retidos por qualquer
dos fiscaes, que depois de tirar-lhes os mesmos instrumentos, os entregará
aos senhores, que pagarão a multa de dez mil réis, e o dobro nas
reincincias.
103
A despeito da proibição, o redator do jornal O País noticiava que essa prática ainda
podia ser vista em São Luís, como apresenta: “disseram-nos que dias viram um preto
conduzindo uma carroça com um ferro ao pescoço. Castigos dêstes, quando se dêm, devem
ser no interior das casas e não em público, pois é um fato que a civilização repele”
104
. Não
deviam ser vistas em “público”. Este era o lema das elites e dos redatores dos jornais que
davam visibilidade aos pensamentos, pois o problema o era a corrente que feria o pescoço
desse escravo, mas sim, o constrangimento causado pela ação às pessoas das elites que
porventura cruzassem com a carroça.
As elites viviam incomodadas e preocupadas com a movimentação dos negros pela
cidade, principalmente à noite. Os escravos urbanos possuíam uma liberdade diferente da
102
PROVÍNCIA DO MARANHÃO. Código de Posturas da Câmara Municipal de São Luís de 1866. São Luís,
1866.
103
PROVÍNCIA DO MARANHÃO. Código de Posturas da Câmara Municipal de São Luís de 1866. São Luís,
1866.
104
DISSERAM-NOS... O País, São Luís, 10 jan. 1865.
62
vivenciada no meio rural. Como tinham permissão para trabalhar oferecendo seus serviços
pelas ruas, sendo chamados escravos ao ganho, alguns até conseguiam comprar suas
alforrias. No entanto, eles não possuíam apenas autorização para trabalhar durante o dia. Em
lugares e dias determinados, eles podiam também exercer sua musicalidade e expressar sua
alegria e contentamento, mesmo em tempos de tristeza e maus-tratos, através dos seus cantos
e batuques. E, sobre esses batuques realizados pelos escravos, Lilia Schwacz cita a descrição
de Carl Seidler durante sua estada no Brasil:
Nos dias de festa também lhes [os escravos] é permitido de se entregarem
livremente a seus folguedos. Costumam então reunir-se em lugares a isso
destinados, perto das cidades, para esquecerem com a música e a dança as
penas e tristezas da semana [...] Não se pode esperar grande harmonia de
semelhante instrumental, mas os negros com ele sentem-se felizes, pois
durante essas horas têm a ilusão de serem independentes e livres.
105
No entanto, as autoridades não conseguiam ou não se importavam quando os escravos
ultrapassavam os seus limites e incomodavam o sono tranquilo dos moradores dos grandes
casarões da cidade, como informa o jornal A Nova Epocha:
Noticias e fatos diversos
Continuam os bailes de pretos, contra os quaes temos pronunciado
energicamente. Nestes últimos dias tem sido elles freqüentes! Se a policia
soffresse os incommodos que causão aos moradores das rua em que se fazem
taes bailes e observasse as indecências que em taes reuniões se praticão, por
certo que não concederia licença. Rogamos ao Sr. chefe de policia que faça
cessar tão grande immoralidade.
106
No mesmo jornal citado anteriormente, o incomodado com a barulheira causada pelos
cantos dos escravos e ainda mais por seus tambores, reitera sua denúncia no jornal pedindo
providências das autoridades municipais:
Noticias e fatos diversos
105
SCHWACZ, 1998, p. 277.
106
NOTICIAS e fatos diversos. A Nova Epocha, São Luís, ano 3, n. 124, quinta-feira, 8 jul. 1858.
63
Ha perto de dous mezes que os habitantes desta cidade são testemunhas, nos
domingos e dias Santos, de uma reunião numerosa de pretos mascarados que
percorrem até alta noite as ruas da capital: a isso dão o nome de chegança.
Não sabemos que distração pode offerecer um espectaculo tão indecente, de
que sai actores pretos escravos? Ninguem dirá que se deleita com vel-o e
aprecial-o. Pedimos ao Sr. Dr. chefe de policia, que por amor da moralidade
publica, não permitta que continue uma cousa tão immoral.
107
Finalmente, em setembro de 1858, o jornal A Nova Epocha publica o resultado das
reclamações contra os bailes dados pelos escravos durante as madrugadas na capital da
província do Maranhão:
Noticias e fatos diversos
Felizmente resolveo-se a policia prohibir o longo e immoral batuque de
pretos, conhecido pelo nome de chegança . Para que semelhante medida
fosse resolvida, foi necessário que os factos provassem sobejo a
inconveniência de tal concecção. Esperamos que a licção aproveite.
108
Sabe-se, no entanto, que os cantos realizados pelos escravos africanos e seus
descendestes nascidos no Brasil não eram simples ajuntamentos. Eram “estratégias”
utilizadas pelos escravos para enfrentar os dissabores da opressão. Assim, “entoar seus cantos,
dançar e tocar seus ritmos constituía uma forma de resistência do africano escravizado.
Apesar das proibições e dos castigos impostos, não pararam de promover suas
manifestações”
109
.
Assim como nas notícias transcritas sobre a ação da polícia, ou melhor, da não ação ante
o ajuntamento de pessoas circulando na rua após o horário permitido pelas autoridades e,
aparentemente, era de maneira ocasional que os músicos se encontravam e começavam a
dedilhar seus instrumentos na rua, foi preciso, como o próprio redator da notícia acima expõe,
que eles fossem incomodados para que tomassem providências.
Através da análise do Código de Posturas de 1866, no seu artigo 124, é possível
depreender que o relato do morador denunciando no jornal a dificuldade que tinha para
descansar à noite estava respaldado pela lei, pois o referido artigo diz que:
107
NOTICIAS e fatos diversos. A Nova Epocha, São Luís, ano 3, n. 130, quinta-feira, 12 ago. 1858.
108
NOTICIAS e fatos diversos. A Nova Epocha, São Luís, ano 3, , n. 133, quarta-feira, 1 set. 1858.
109
FONSECA, Aleilton. Enredo romântico, música ao fundo. Rio de Janeiro: Sette Letras, 1996, p.26.
64
os batuques e danças de pretos são prohibidos fora dos logares permitidos
pela authoridade competente. Aos contraventores, que serão os que fôrem
encontrados em flagrante infracção desta postura, a multa de cinco mil reis
por cada um que for encontrado, ou seis dias de prisão, quando não
satisfaçam á multa pecuniária.
110
Os jornais diariamente noticiavam as contradições nas ações do corpo de política de São
Ls, pelo fato de não terem um critério mais específico para colocar as leis em prática. Em
algumas situações, cumpriam as determinações legais prendendo pessoas sem ao menos ouvi-
las, em outras, simplesmente passavam ao largo como se nada acontecesse. O Jornal Para
Todos, citando notícias de outro jornal chamado Pacotilha, traz dois exemplos observados
pelo redator do jornal: Occupa-se a policia em cousas frívolas, não se pode cantar a noite
nem ao menos trazer um violão, é prohibido. No entanto pode-se andar armado de estoque e
rewolver”
111
. E a outra, que diz o seguinte: “Prendem-se diariamente, como suspeitos,
cidadãos impassíveis pelo único fato de serem encontrados na rua alta noite, e a polícia não vê
uma malta de negros e moleques que vivem constantemente a apupar, insultar e até espancar
os infelizes Cearenses, que entre nós vem se abrigar
112
”.
Os redatores do Jornal para Todos eram extremamente sagazes, pois ao relatar os fatos
acontecidos, principalmente durante as noites em São Luís, sempre utilizavam a notícia para
chamar a atenção para outro fato, como escrevem: “Conta-nos que à noite passada ia sendo
preso um individuo, só porque levava um violão na mão! Foi necessário mostrar que faltavam
nelle tres cordas, para não ser preso. É o caso de poder transitar pela cidade armas sem
fechos”
113
.
É possível reafirmar, pela análise dos códigos de posturas, que o faltavam medidas e
leis cujo objetivo principal era tornar São Luís uma cidade civilizada, moderna e com bons
hábitos. Contudo, essas medidas não eram muitas vezes seguidas, o que não quer dizer que as
pessoas fizessem o que queriam. Havia, sim, um consenso” entre quem mandava e os que
sofriam as sanções, em que aqueles faziam de conta que mandavam e estes faziam de conta
que obedeciam, pois:
110
PROVÍNCIA DO MARANHÃO. Código de Posturas da Câmara Municipal de São Luís de 1866. São Luís,
1866.
111
OCCUPA-SE... Jornal Para Todos, São Luís, ano 1, n. 27, 10 out. 1877.
112
PRENDEM-SE... Jornal Para Todos, São Luís, ano 1, n. 27, 10 out. 1877.
113
CONSTA-NOS... Jornal Para Todos, São Luís, ano 1, n. 21, 7 ago. 1877.
65
Como é bem sabido, às vezes é bem grande a distância que afasta a intenção
do gesto, do mesmo modo que a palavra nem sempre se concretiza em ato,
mas em finais da segunda metade do século XIX, o discurso oficial em torno
da cidade aponta para a preocupação de conciliar seu embelezamento com
melhorias nas condições de vida que oferece aos seus habitantes. Será, no
entanto, sempre tensa essa conciliação, pois não poucas vezes é denunciado
o privilegiamento da beleza em detrimento da bondade. [...]
114
Depreende-se disso que as medidas não atingiam o efeito esperado devido à falta de
consciência da necessidade de que essas leis fossem cumpridas, ou, simplesmente, a
população pobre não queria ajustar seus hábitos aos estipulados pelos códigos, não apenas
para que São Luís estivesse inserida no contexto de “cidade civilizada”, mas principalmente
visando à melhoria das condições de salubridade da urbe, a fim de que a população vivesse e
usufruísse, com segurança, o que a cidade tinha a oferecer aos homens e às mulheres daquele
presente.
2. 5 Os jornais e a disseminação das ideias de civilidade e modernidade
É evidente que a função do jornal era transmitir as informações à população da cidade,
mesmo sabendo que a grande maioria não dispunha do aparato principal para manuseá-lo, a
leitura. Os vários periódicos que circulavam pela cidade de São Luís abrangiam todos os
temas que os ludovicenses queriam estar inteirados naquele presente. Para as mulheres das
elites que eram preparadas para o casamento e, para tanto, precisavam de informações sobre
etiqueta, vestuário e sobre literatura, a imprensa oferecia o jornal A Marmota Maranhense,
que apresentava como subtítulo folha litterária e recreativa dedicada especialmente a esses
assuntos. Esse periódico, de nome extremamente sugestivo, visto que se diferenciava dos
demais pela leveza de seus artigos, veiculou um denominado “As Modas” que, apesar de ser
um pouco extenso, é bastante esclarecedor do assunto que ele se intitula e das “necessidades
dos estratos femininos das elites ludovicenses”:
114
CORREIA, 2006, p. 60.
66
Com licença, amáveis leitoras; queremos vos roubar algumas linhas, para
empregal-as comnosco; também queremos saber o que vai pelo mundo
fashionable a respeito de nossas modas. Assim com as vossas cinturas
perderam um pouco do seu cumprimento, as nossas casacas adquiriram o
gosto inglez, mais curtas, mas justas ao corpo e mais airosas. Não seria para
admirar que as modas dos homens continuassem no gosto das casacas e
calcas á polka, paletós-sacs, &c., tomando vulto a proporção que a sciencia
aerostatica vai fazendo progressos; mas aconteceu inteiramente o contrario:
os botões cresceram a ponto de viajarem de Madrid para Londres,
conduzindo até artilheria; e as casacas e as calças emmagreceram de uma
maneira espantosa! Nas casacas as cinturas subiram tres dedos, as abas o
curtas e estreitas, e os botões uma simples ordem de quadro. Os coletes já
não tem o eterno bico, e já muitos os beões de Paris querem abotoar o ultimo
botão, pretextando que é moda que tem sido respeitada por tempo nunca
visto nos annos do bom-tom. A respeito das calças é que se deu revolução
extraordinária total! Agora as calças são um pouco largas nas coxas, e do
joelho para baixo quase justas, com presilhas mui estreitas, presas
simplesmente por dous botões, são em tudo conformes ás que ultimamente
tem o J. Charles cortados á vista dos últimos figurinos francezes; assim
como as casacas para as quaes tem elle uma thesoura imcomparavel. Os
chapéos pouco alteração tem tido, depois da ultima moda: os últimos que
vimos são mais baixas, com a aba mais larga, e um pouco voltadas para
dentro. Eis o que de novo nas modas dos homens sobre as quaes voltaremos
ainda. C
115
Através desses jornais, as mulheres da sociedade ludovicense eram instruídas sobre
como se comportar perante os seus iguais, e esse artigo, apesar de na teoria se referir aos
trajes masculinos, era mais um forma de orientar as senhoras e moças casadoiras a organizar
não as suas casas, mas os seus futuros cônjuges. Outro ponto interessante sobre as modas
naquela segunda metade do século XIX diz respeito à articulação entre as várias esferas dos
divertimentos sociais, pois a calça masculina “à polka”, quer dizer, propícia para dançar
polka, já orientava os trajes para as noites de bailes.
Não eram somente os vestidos e as casacas que interessavam e enchiam os olhos das
elites de São Luís. Além desses utensílios e das matérias jornalísticas destinadas ao vestuário,
os produtos alimentícios também eram importados pelos comerciantes instalados na cidade e,
apesar do prejuízo que alguns comerciantes tinham com os produtos que estragavam durante a
travessia do atlântico, as elites esperavam ansiosas para usufruir as delícias proporcinadas
pelas inovações modernas:
115
C. As Modas... A Marmota Maranhense (Folha Litterária e Recreativa), São Luís, n. 27, 29 jan. 1851.
67
Na era da chamada “descoberta” do povo, o termo “cultura” tendia a referir-
se a arte, literatura e música, e não seria incorreto descrever os folcloristas
do século XIX como buscando equivalentes populares da música clássica, da
arte acadêmica e assim por diante. Hoje, contudo, seguindo o exemplo dos
antropólogos, os historiadores e outros usam o termo “cultura” muito mais
amplamente, para referir-se a quase tudo que pode ser aprendido em uma
sociedade como comer, beber, andar, falar, silenciar e assim por diante.
116
Assim, o Publicador Maranhense veiculava na sua seção de anúncios, os artigos
relacionados à alimentação que, além de servirem para suprir as necessidades fisiológicas,
tinham função social importante, pois distinguiam as pessoas que podiam adquiri-las, para
ostentá-los durante um jantar ou um sarau no qual era servido um chá, contribuindo para a
distinção mesmo entre seus iguais e, principalmente, dos demais estratos da sociedade
ludovicense. A notícia diz o seguinte:
Em Caza de Francisco Autrand, tem para vender os seguintes gêneros
chegados ultimamente do Havre de Grace: latas com Sardinhas Francezas
de diferentes tamanhos. Ditas com Ervilhas, carnes, aves, pastis Doce em
calda de diferentes fructas em garrafas branca. Amendoas em frasquinhos
de libra cada hum. Queijos da manufatura Sobralense com o formato de
inglez. Tudo chegado ultimamente.
117
As elites precisavam de artigos de luxo, hábitos, palavras, lugares que fossem comuns
aos seus pares, pois essa “cor comum”
118
que esses homens e mulheres apresentavam é o que
os distinguiriam dos demais estratos da população de São Luís. E sobre essa necessidade de
utilização dos produtos que faziam sucesso na Europa, escreve com muita propriedade Jean-
Yves Mérian:
O vestir era importante, indicava a que classe social cada um pertencia e era
símbolo de civilização da mesma forma que a linguagem. Obviamente, a
roupa europeia não era adaptada ao clima tropical do Maranhão, mas era
imprescindível. Tudo em proveniência da Europa tido como superior numa
sociedade mais próxima de Lisboa que do Rio de Janeiro. Até os
mantimentos vinham da Europa: vinho, cerveja, enlatados, manteiga, peixe
116
BURKE, Peter. Cultura popular na idade moderna. São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p. 21.
117
EM CASA... Publicador Maranhense, São Luís, n. 1005, 3 set. 1850.
118
BOUDIEU, Pierre. A distinção: crítica social do julgamento. São Paulo: EDUSP; Porto Alegre: Zouk, 2008.
(p. 240).
68
seco... Aquela sociedade vivia na o Luís de costas para a proncia que
originava sua riqueza.
119
Não obstante a oferta de artigos de luxo, que interessava à maioria dos homens e
mulheres pertencentes às elites, os maranhenses também tinha acesso aos novos pensamentos
a respeito do homem e da organização deste em sociedade. A partir dessa interação,
percebiam na prática cotidiana da população da capital da província do Maranhão grande
distância do almejado modelo de civilidade francês. Os redatores dos jornais geralmente eram
os intelectuais que estavam repensando a sociedade a partir do modelo europeu, sendo, desse
modo, a parte da sociedade letrada de São Luís naquela segunda metade do século XIX. Esses
homens tinham acesso aos acontecimentos pelos quais passava o velho mundo, e por isso,
reclamavam da grande disparidade entre São Luís e Paris.
Os que desejassem saber das deliberações das autoridades municipais recorriam
primeiramente ao Publicador Maranhense, denominado “folha official e diária”, de
propriedade de Ignácio José Ferreira, tendo como redator Franscisco Sotero dos Reis; se
não encontrassem o que procuravam, recorriam ao Diário do Maranhão, jornal dedicado ao
“commercio, lavoura e industria”, e redigido pelo Dr. Antonio Marques Rodrigues; O Globo,
jornal commercial do Maranhão; A , “jornal religioso e litterario”, como o próprio redator
escreve, era agente da Igreja Católica; O Eclesiástico, jornal religioso, redigido pelo cônego
Raymundo Alves dos Santos; O Paiz, “jornal catholico, litterario, commercial e noticioso”; A
Pacotilha, jornal da tarde; O Constitucional e o Correio d’Annuncios, denominados folhas
políticas, litterarias e commerciais; A Brisa, A Mocidade e A Primavera, jornais litterarios,
críticos e noticiosos; O Formigão, jornal critico e litterario; A Marmotinha, jornal jogo-
serio, litterario e recreativo; A Imprensa, jornal político e industrial; A Moderação, jornal
político de propriedade da viúva de Manoel Pereira Ramos; O Observador, jornal político de
propriedade de Fernando Mendes de Almeida; A Nova Epocha, jornal político; Porto Livre,
jornal político, commercial e noticioso; A Nação, jornal hebdomadário, tem por
programma defender os interesses do paiz; O Artista, jornal dedicado á industria e
principalmente ás artes”; e, talvez os mais representativos em relação aos assuntos culturais
da cidade eram os jornais A Flecha, o Semanário Maranhense e o Jornal Para Todos, este
último talvez fosse o que utilizasse o tom mais irônico e jocoso para denunciar as deficiências
da cidade e os maus hábitos da população, como pontua o próprio relator do jornal ao tratar
119
MÉRIAN, 1988, p. 15.
69
do receio das pessoas em terem suas intimidades estampadas em uma das edições do jornal,
como se escreve: “passamos na terça-feira ás 10 horas da noute pela rua Gomes de Souza, e
ouvimos dizer de uma casa, onde tinha um grupo de moças á porta << não facão bulha, olhem
o Jornal para Todos >>”
120
. Todos esses periódicos tiveram sua importância e relevância na
sociedade ludovicense do século XIX, por serem os jornais o meio mais utilizado para leitura
no século XIX.
E através de uma matéria publicada no jornal A Flecha é possível perceber a disparidade
entre essas ideias que circulavam na capital da província do Maranhão e as práticas cotidianas
da população, como escreve o redator da notícia:
Calculo Infalivel
Para calcularmos qual a distancia que separa o Maranhão de Paris, tomemos
por base o som. Como muita gente não ignora, o som percorre 340 metros
pouco mais ou menos por segundo no ar, na temperatura de 16 graós e sob a
pressão de 76 centimetros. É fácil, pois saber a distancia em questão, se
considerarmos que os Sinos de Corneville foram toados mais de tres
annos em Paris e só agora os ouvimos no Maranhão.
121
A influência exercida pelos jornais sobre os ludovicenses durante a segunda metade do
século XIX pode ser percebida nas crônicas dedicadas ao movimento no teatro São Luís, fato
que será explorado com maiores detalhes no próximo capítulo. Por hora, transcreverei uma
crônica publicada no jornal A Luta, na qual o redator, extremamente consciente do poder que
suas linhas tinham sobre as mentes dos maranhenses, escreveu: O nosso silencio para com a
companhia do maestro Francisco, o tem outra significação senão a vontade de deixar o
publico aprecial-a despedido completamente de qualquer prevenção, que as nossas palavras
podessem plantar-lhe no espírito [...]
122
.
A despeito de os jornais apresentarem nas primeiras páginas as temáticas às quais
dedicariam sua atenção, na prática, aparecia de tudo nessas ginas. É evidente que os jornais
dedicados aos assuntos culturais davam pouca atenção aos assuntos do comércio, por exemplo.
Outro ponto importante a ser destacado em relação aos jornais é que dada a dificuldade de
publicação naquela época, intelectuais utilizavam as suas colunas para expressar seus
pensamentos sobre os assuntos que envolviam a vida na cidade sem correr nenhum risco, “pois
120
PASSAMOS... Jornal Para Todos, São Luís, ano 1, n. 28, 19 out. 1877.
121
CALCULO infallivel. A Flecha, São Luís, n. 26, 16 dez. 1879, p. 207.
122
O NOSSO... A Luta, n. 51, 24 jan. 1892.
70
desde os anos de 1850 a imprensa gozava, no Brasil, de uma liberdade talvez única no mundo. A
utilizão de testas de ferro permitia a publicação de “comunicados” sobre qualquer assunto e
qualquer pessoa, sem correr qualquer risco perante a justiça”
123
. Um dos colaboradores dos
jornais A Flecha, O País, Diário do Maranhão, Pacotilha, foi Aluísio Azevedo, que escrevia
em defesa da abolição da escravatura e a favor da República.
Pelo que foi narrado até aqui, a cidade de São Ls ainda apresentava sérios problemas
de cunho urbanístico, de saneamento, de moradia a serem resolvidos pelos governantes da
capital da província do Maranhão e que eram constantemente denunciados nos jornais. Apesar
de todas essas dificuldades enfrentadas no dia a dia pelas elites, mesmo tendo alguns luxos em
suas moradias, ao abrirem suas janelas ou saírem pelas ruas para resolver alguma pendência,
deparavam-se com a disparidade entre o que conversavam durante as reuniões em seus
palácios e o que presenciavam ao circularem pelas ruas. Os intelectuais provenientes das
elites construíram à sombra de seus casarões a imagem de si e da cidade que queriam para
eles. Protegidos novamente pela tranquilidade e segurança de seus casarões coloniais, essas
elites, ao regressarem ao convívio da família, esqueciam-se do que presenciaram durante a
caminhada pela área central da cidade ao fechar as portas de suas casas e ouvirem o dedilhado
ao piano...
123
MÉRIAN, 1988, p. 104.
71
3 SEGUNDO MOVIMENTO NO PALCO DO TEATRO: MÚSICA EM CENA...
O theatro é uma consequência das faculdades intellectuaes do homem
social, cumpre que os seus sentidos se exercitem.
124
São Luís, capital da província do Maranhão, nos idos da segunda metade do século
XIX, estava imersa nas ideias de modernidade e civilidade que atravessavam o Atlântico nas
bagagens e nas mentes dos jovens que iam estudar na Europa. Envolvidos como estavam
nessas ideias de inovação, os filhos das elites queriam a todo custo construir nas províncias
pequenos nichos de sociabilidades à moda europeia.
Voltando às suas cidades de origem, esses jovens entravam em choque com uma
realidade completamente diferente da vivenciada em terras do velho mundo. A partir de então,
buscam alternativas para mudar essa situação pelo menos nos espaços onde teciam suas
sociabilidades e desenvolviam seus negócios, pois “homens e mulheres modernos precisam
aprender a aspirar à mudança: não apenas estar aptos a mudanças em sua vida pessoal e
social, mas ir efetivamente em busca das mudanças, procurá-las de maneira ativa, levando-as
adiante”
125
.
As elites ludovicenses, como as das demais províncias do império brasileiro, almejavam
a todo custo fazer com que seus iguais também buscassem ser ao menos parecidos com os
europeus, pois, muitas vezes, o que era mais importante no âmbito das relações sociais era
justamente a aparência. Essa cultura da aparência tinha como principal objetivo mostrar a
prosperidade das famílias, visto que:
É preciso que os vestidos de esposas e de filhas variem, de menos a mais
exuberantemente caros, e adornados como expressão, quer da constância de
status alto dos maridos e pais, quer como expressão de aumento de
prosperidade ou de ascensões socioeconômicas ou políticas ou na ocupação
de cargos ilustres dos mesmos maridos ou pais.
126
124
PHYSIOLOGIA do theatro. O Globo, São Luís, n. 120, 22 fev. 1853.
125
BERMAN, Marshall. Tudo que é sólido desmancha no ar: a aventura da modernidade. São Paulo:
Companhia das Letras, 1997. p.94.
126
FREYRE, Gilberto. Modos de homem & modas de mulher. Rio de Janeiro: Record, 1987, p. 31.
72
E, para forjar essa “nova pele” aos moldes europeus, os comerciantes anunciavam
regularmente nos jornais que circulavam na capital da província do Maranhão, os produtos de
luxo vindos da Europa e que eram os “últimos lançamentos”; como é possível ler no jornal
Publicador Maranhense
Souza & Irmão fazem publico que tem em sua loja na rua Formoza Nº 2
hum variável novo sortimento de Fazendas Francezas e Inglezas e vende
tuo por preço muito commodo por ter Loja nova, seda pura furta cores do
ultimo gosto de 900 a 1.600 rs, setim de macão puro de 2.880 a 3.840 rs,
mantas e challes de seda de cores e preços para Snra. e para homem de
2:560 a 3:840 rs, collarinhos de renda para meninos, velludo de cor para
quinzena a 2:880, franja de cores para dita, chitas do ultimo gosto, bonés
para meninos e chapeos para Snra, leques e luvas de seda [...] rendas de
seda de 400 a 1:600 rs, ditas d‟algodão, ditas de linho e ditas de seda [...].
Porisso peço a todos os respeitáveis Senhores e Senhoras que hajao de
comparecerem ou mandarem que elles lhe serão sumamente grato.
127
Apesar da oferta de artigos de luxo, que interessava à maioria dos homens e mulheres
pertencentes às elites, os maranhenses também tinham acesso aos novos pensamentos a
respeito do homem e da organização deste em sociedade. A partir dessa interação, percebiam
nas práticas cotidianas da população da capital da província do Maranhão grande distância do
almejado modelo de civilidade francês.
As roupas, alimentos, utensílios domésticos e os europeus que se instalavam em São
Ls, principalmente atuando no comércio, eram símbolos de uma civilidade que as elites
queriam a todo custo desenvolver pelo menos na aparência:
o gosto é o operador prático da transmutação das coisas em sinais distintos e
distintivos, das distribuições contínuas em oposições descontínuas; ele faz
com que as diferenças inscritas na ordem física dos corpos tenham acesso à
ordem simbólica das distinções significantes. Transforma práticas
objetivamente classificadas em que uma condição significa-se a si mesma
por seu intermédio em práticas classificadoras, ou seja, em expressão
simbólica da posição de classe, pelo fato de percebê-las em suas relações
mútuas e em função de esquemas sociais de classificação.
128
127
SOUZA & Irmão. Publicador Maranhense. São Luís, n. 1280, 7 jun. 1852.
128
BOURDIEU, Pierre. A distinção: crítica social do julgamento. São Paulo/ Porto Alegre: EDUSP/Zouk, 2008,
p.166.
73
Assim, os homens e as mulheres que utilizavam esses objetos para se afirmarem perante
os seus “iguais” e diferenciarem-se ainda mais dos seus “diferentes”, iam tecendo seus laços
afetivos, reafirmando suas posições políticas, desenvolvendo suas relações comerciais, e
buscando alternativas para se divertirem. Nos dois últimos quartéis do século XIX, esses
divertimentos eram principalmente as festas dedicadas aos santos no calendário litúrgico da
Igreja Católica Romana, as apresentações que aconteciam no Teatro São Luís, os bailes e os
saraus.
Um dos indicadores dessa civilidade almejada pelas elites dominantes seria, conforme
atestam as fontes, a cidade ser munida de um teatro, por ser este mbolo de refinamento e
diferenciação social. Possuir um teatro era um dos requisitos que uma cidade deveria
apresentar para ser considerada moderna, como escreve Marshall Berman, ao tratar das
transformações físicas pelas quais Paris passa a partir de 1850: “Os bulevares representam
apenas uma parte do amplo sistema de planejamento urbano, que incluía mercados centrais,
pontes, esgotos, fornecimento de água, a Ópera e outros monumentos culturais, uma ampla
rede de parques”
129
.
Essa “necessidade”, baseada numa mentalidade à moda europeia, que as cidades
deveriam ter seu teatro, fora apresentada pelo governo português ainda no século XVIII,
momento em que o marquês de Pombal, então primeiro ministro de D. José I, manda editar
alvará “aconselhando” seus súditos a terem um estabelecimento desse tipo, como diz o
decreto:
Por alvará de 17 de julho de 1771 aconselhou o governo da metrópole “o
estabelecimento dos teatros públicos bem regulados, pois que deles resultava
a todas as nações grande esplendor e utilidade, visto serem a escola, onde os
povos aprendem as máximas sãs da política, da moral, do amor da pátria, do
valor, do zelo e da fidelidade, com que devem ser aos soberanos”.
130
Tendo por base essa determinação da Coroa Portuguesa, o teatro da capital da província
do Maranhão, São Luís, começou a ser construído em 1815 por iniciativa particular do
português Eleutério Lopes da Silva Varela, associado a Estevão Gonçalves Braga, e
inaugurado quarenta e seis anos após a determinação do rei de Portugal:
129
BERMAN, 1997, p. 146.
130
MARQUES, César Augusto. Dicionário Histórico-geográfico da província do Maranhão. 3.ed. Rio de
Janeiro: Cia Editora Fon-Fon e Seleta, 1970. p.595.
74
Em 1817, muito adiantado em suas obras, foi este edifício aberto com o
nome de União, recordando assim a união do Brasil com Portugal formando
o Reino Unido. Foi no dia 1 de junho o primeiro espetáculo, representado
por uma Companhia que Varela foi contratar em Lisboa, obtendo nessa
ocasião do governo da metrópole o Aviso de 3 de setembro de 1817
concedendo a favor do teatro algumas loterias anuais [...].
131
No entanto, não foi somente a província do Maranhão que tentou seguir essa
determinação da metrópole portuguesa. É importante registrar que o primeiro teatro do
norte/nordeste foi erigido em Salvador, capital da província da Bahia, inaugurado em 1812 e
concluído em 1829, e denominado Real Teatro de São João, e em seguida o de São Luís,
denominado União, como dissera, inaugurado em 1817. Este é um dado a ser considerado,
pois cidades mais desenvolvidas, do eixo referido, terão teatros a partir da segunda metade
e final do século XIX, e também porque o Teatro continua imponente e podendo ser
contemplado por quem caminha pela Rua do Sol, no centro de São Luís.
Para ratificar a informação dada anteriormente, cito as datas de abertura dos teatros no
norte e nordeste do Brasil: Teatro Santa Isabel, em Recife, capital da província de
Pernambuco, inaugurado em 1850; Teatro da Paz em Belém, na província do Pará,
inaugurado em 1878; Teatro Amazonas, em Manaus, capital do Estado do Amazonas,
inaugurado em 1896; Teatro Carlos Gomes, localizado em Natal, capital do Estado do Rio
Grande do Norte, denominado posteriormente de Alberto Maranhão, abriu suas portas em
1898; Theatro 4 de Setembro, em Teresina, capital do Piauí, inaugurado em 1894, e o Teatro
José de Alencar, em Fortaleza, Ceará, inaugurado em 1910.
A importância que representava para uma cidade possuir um teatro como um de seus
recursos culturais atingiu indistintamente as diferentes regiões do Brasil, como relata Mario
Cacciaglia ao tratar dos teatros construídos no Brasil no século XIX:
A ópera lírica sempre foi gênero de grande sucesso no Brasil. Basta citar,
entre outros, os teatros municipais do Rio de Janeiro e de São Paulo e
aqueles esplêndidos templos, em nada inferiores aos teatros europeus, de que
quiseram dotar-se, cerca de um século, no auge de sua riqueza, as
longínquas capitais da borracha: Belém do Pará (Teatro da Paz) e Manaus
(Teatro Amazonas).
132
131
MARQUES, 1970, p.596.
132
CACCIAGLIA, Mário. Pequena história do teatro no Brasil (quatro séculos de teatro no Brasil). Tradução
Carla de Queiroz. São Paulo: Edusp, 1986.
75
É evidente que o teatro inaugurado em São Luís em 1817 não tem a grandiosidade de
alguns dos teatros construídos posteriormente, mesmo sendo rico em ornamentos em sua parte
interna, pois os recursos financeiros não foram suficientes para maiores luxos. No entanto, no
decorrer dos anos e das reformas que foram realizadas ao longo do século XIX, o Teatro será
ornamentado ao último gosto.
Desde a publicação do alvará de 17 de julho de 1771, pela coroa portuguesa, várias
tentativas foram arranjadas para a construção de um teatro na capital da província do
Maranhão, mas somente com a associação de Varela e Braga, que as ideias começaram a ser
transformadas em alicerces, paredes, portas, janelas e cadeiras.
Quando os empresários Varela e Braga fizeram a solicitação ao governo da província
para a construção do teatro, planejaram o edifício com a frente para a Rua da Paz. Após os
padres da Ordem Carmelita tomarem conhecimento dessa vontade dos empresários,
embargaram a obra por considerarem uma “construção antirreligiosa”, como relata o
Semanário Maranhense, ao fazer uma retrospectiva da história do Teatro, na época
rebatizado como São Luís:
O terreno foi aforado, a obra começada, devendo o theatro dar a frente para o
largo do Carmo, ficando cercado pelas ruas do Sol, e da Paz e pela travessa
do Sineiro, quando os Rvm
os
Carmelitas embargarão a obra, dando como
pretexto o ser ante-religioso elevar-se ao lado de um templo sagrado, como a
igreja de N. S.do Carmo, um templo profano como o theatro!
133
Árdua foi a batalha entre os padres carmelitas e os empresários, tendo como árbitro da
questão o padre José Antônio Ferreira Tesinho, que acabou condenando Varella e Braga a
edificarem o teatro com a frente para a Rua do Sol. Essa determinação de construir o teatro
com a frente para a Rua do Sol trouxe, ao longo dos anos, sérios problemas estruturais para a
população maranhense, visto que o Teatro geralmente ficava fechado.
133
O terreno... Semanário Maranhense, São Luís, n. 16, 15 dez. 1867
76
É importante lembrar que o recorte deste estudo começa em 1850 e que por isso os
primeiros anos após a inauguração do Teatro União, em 1817, não foram aqui
contemplados.
134
Assim, a partir de 1850, juntamente com as notícias de espetáculos, comemorações
cívicas, eram publicadas as denúncias sobre as condições físicas do prédio do Teatro e as
medidas que deveriam ser tomadas para saná-las, como a que relatou o Publicador
Maranhense:
PUBLICAÇÕES A PEDIDO
Finalmente fechou-se o theatro União d‟esta cidade pelo seu ruinozo estado!
Mil louvores ao Snr. chefe de policia que tal ordenou, por que a continuar da
maneira por que ia talvez mui breve fossemos victimas de um
desmoronamento, e ficássemos sepultados debaixo de suas ruínas, tendo de
prantear a morte de um Pai Irmão Amigo...
Não nos iludamos, o theatro ameaça desabar n‟um momento, visto que por
vezes ali tem acontecido; e quem for míope é que não verá claramente a
inclinação dos camarotes que é tão sensível que a grande falta de
divertimentos nesta cidade fazia com que o publico comparecesse ali e
arriscasse tão inconsideravelmente a sua existência.
E pois repetimos os nossos louvores a quem mandou fechar o theatro, porque
d‟est‟arte, nos livrou de tão eminente risco. Resta agora que se cure de
reparar convenientemente esse edifício para que possão continuar os
espectaculos; o que nunca poderá ser se não daqui a 3 ou 4 annos !!... Mas
daqui até lá em que nos divertiremos? ... Dicant Paduani.
135
Os maranhenses tinham consciência da importância do Teatro, no entanto, muitas vezes
foram impedidos de frequentá-lo devido ao estado precário do prédio, como relatou a notícia.
Mesmo sabendo que era necessário fechar o Teatro para que o edifício fosse reformado, o
redator do jornal expõe sua preocupação com o fato das pessoas ficarem sem diversão durante
a reforma. Pois, como relatam os jornais consultados
136
, era no interior desse edifício que os
espetáculos teatrais e musicais eram realizados, assim como também a maioria das
solenidades cívicas da província.
Apesar de o jornal noticiar o fechamento do Teatro em 1850, o Maranhão, leia-se São
Ls, não ficou sem entretenimento para os seus filhos e filhas mais diletos. A despeito de o
134
Para maiores informações sobre as récitas apresentadas e os artistas que passaram pelo Teatro, consultar Jo
Jansen no seu livro Teatro no Maranhão.
135
PADUANI, Dicant. Publicações a pedido. Publicador Maranhense, São Luís, n. 1004, 31 ago. 1850.
136
Os jornais analisados pertencem aos acervos da Biblioteca blica Benedito Leite, do Arquivo Público do
Estado do Maranhão e do Arquivo do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão.
77
Teatro São Luís ser o único lugar especificamente construído para ser dedicado às belas artes
que a província dispunha, mesmo antes da sua construção já existiam na cidade teatros
particulares amadores:
Assim é que, conforme registra César Marques, no correr do tempo,
surgiram alguns teatros improvisados de duração efêmera: o do Largo do
Palácio (atual Avenida Pedro II), outro em face do Quartel de Polícia (atual
Rua Herculano Parga), e um na Praça da Hortaliça (local onde está hoje o
Mercado Central). Tal como outros quadrantes do País, no Maranhão
também o colonizador luso não esqueceu a influência recebida na terra natal
que, sob o influxo do generalizado gosto pelo teatro, o teria levado a
apresentações de improvisados espetáculos com participação de amadores e
elencos ocasionais, mesmo antes desses teatrinhos.
137
Nem bem o Teatro União é fechado os jornais anunciavam espetáculo nos teatros
particulares. É importante dizer que esses espetáculos aconteciam mesmo antes do União
ser fechado, no entanto, o seu fechamento certamente alteraria a vida cultural da cidade,
fazendo com que todos os olhares fossem voltados para as apresentações dos teatros
particulares. Assim, o Publicador Maranhense anuncia espetáculo da Sociedade Recreio
Dramático: “No dia 7 de Setembro subirá a Scena em festejo do mesmo dia
ANNIVERSÁRIO DA INDEPENDENCIA DO IMPERIO DO BRASIL, a Comedia em 5
actos O SNR. DE DUMBIKY. E muy jocoza e aplaudida Farça O PAR DE FRANÇA.
Principiará ás 8 horas
138
”.
Rompe o ano de 1851 e as obras no edifício do Teatro continuavam a ser realizadas.
Enquanto isso, os espetáculos no Theatro Particular da Sociedade Recreio Dramático eram
anunciados regularmente nos jornais Publicador Maranhense e Correio D’Annuncios, como
veiculou o primeiro:
No dia 18 do corrente subirá a scena, por empreza de um representante, o
magnífico Drama em 5 actos, que se denomina: O Valido Sanguinario
1. Acto A mascara da hypocrisia; 2. A fuga inesperada; 3. Firmeza e
lealdade; 4. Apparição terrível; 5. A confissão.
Terminará o espectaculo com a mui jocoza Comedia original em um acto: O
Caixeiro da Teverna. Principiará as 8 horas.
139
137
JANSEN, José. Teatro no Maranhão. Rio de Janeiro, 1974, p.19-20.
138
NO DIA... Publicador Maranhense, São Luís, n.1004, 31 ago. 1850.
139
NO DIA... Publicador Maranhense, São Luís, n.1058, 13 jan. 1851.
78
E o Correio D’Annuncios comunicava: No dia 8 de Março subirá a scena o Drama em
5 actos que se denomina AS RUINAS DE HERMANSTEIN OU ASSEMBLEA DOS
CONDES-LIVRES. Terminará o espectaculo com a muito jocosa Farça: AS REGRAS DE
ECONOMIA. Principiará as 8 horas”
140
.
Assim, apesar dos temores de falta de divertimento prevista pelos redatores dos jornais
ao noticiarem o fechamento do Teatro União, na prática isso não aconteceu. Como é possível
depreender a partir das notícias citadas acima, durante todo o ano de 1851 anúncios de
espetáculos em teatros particulares. No entanto, esses edifícios não proporcionavam aos
ludovicenses se apresentarem com a pompa e circunstância que exigia o Teatro União. Nada
se comparava a assistir a um balé, uma ópera, ouvir uma sinfonia ou participar de uma
comemoração cívica tendo como palco o referido Teatro, pois este representava um espaço de
status e distinção social que proporcionava aos seus frequentadores oportunidades para serem
qualificados como modernos, cultos e civilizados.
Além desses teatros particulares que acabaram suprindo, em parte, a insaciabilidade dos
ludovicenses em matéria de espetáculos líricos, as festas dedicadas aos santos de devoção das
irmandades ou de algum setor da sociedade maranhense eram também bastante concorridas
tanto pelos mais abastados quanto pelos menos favorecidos econômica e socialmente.
Dentre as festas oferecidas aos santos pelos homens e mulheres que compunham a
sociedade ludovicense daquela segunda metade do século XIX, talvez a mais comentada e
maiores atenções recebesse das pessoas fosse a Festa de Nossa Senhora dos Remédios. Essa
comemoração era promovida sob os auspícios dos comerciantes, por serem eles devotos da
milagrosa santa. Provavelmente por isso fosse tão grandiosa e seus preparativos começassem
meses antes com a estimulação da sociedade através dos anúncios de roupas, lenços, chapéus,
bolsas para a referida festa.
O relato mais rico em detalhes até hoje conhecido foi o escrito por João Francisco
Lisboa sobre as comemorações realizadas na ermida dos Remédios no ano de 1851. O
comentário da festa foi realizado em forma de folhetim
141
e denominado Folhetim de Nossa
140
NO DIA... Correio D’Anúncios, São Luís, n. 12, 7 mar. 1851.
141
Do francês feuilleton (folha de livro), é uma narrativa seriada dentro dos gêneros prosa de ficção e romance.
Surgiu na França em 1836 e se difundiu no Brasil do segundo reinado. Era escrito de forma parcial e
sequenciada na parte inferior dos jornais. As novas aventuras dos personagens dos folhetins eram aguardadas
ansiosamente pelas leitoras(es).
79
Senhora dos Remédios, publicado em um jornal daquele ano, e editado em forma de livro no
século XX. Sobre os festejos comenta Lisboa:
O povo sem distinção de classe e condições, aflui logo ao anoitecer de todos
os pontos da cidade, e ocupa promiscuamente o Largo dos Remédios, uns de
pé, outros sentados em bancos e cadeiras, uns parados, outros passeando,
aqueles fumando, estes devorando doces, estes outros simplesmente
conversando, e alguns até engolfados em silenciosa e gozosa meditação.
Cada um segundo o seu capricho.
142
No entanto, apesar de essa festa ser realizada em um local público, os espaços e as
hierarquizações sociais continuavam mantidas como nas récitas apresentadas no Teatro
União, não obstante a igreja se constituir em um espaço mais neutro pelo fato de nela os
escravos poderem entrar, fato que não ocorre no teatro
143
. Isso pode ser constatado pela
descrição da parte interna da igreja: “Entremos na igreja. É pequenina, e está principalmente
atulhada de pretas e mulatas; as brancas, as senhoras, a gente do grande tom, essa ocupa as
tribunas, as janelas, e até os púlpitos que das salinhas assobradadas, que estão ao lado da
igreja, deitam para o interior dela [...]”
144
. Assim, entendo como Norberto Luiz Guarinello que
a festa:
envolve a participação concreta de um determinado coletivo, seja ele a
sociedade em seu conjunto, ou grupos dentro dela, com maior ou menor
expressão ou força legitimadora, distribuindo-se os participantes dentro de
uma determinada estrutura de produção e de consumo da festa, na qual
ocupam lugares distintos e específicos.
145
Dezesseis anos após esse relato feito por João Lisboa descrevendo a festa de Nossa
Senhora dos Remédios, o Semanário Maranhense publica uma crônica, na qual o redator
reconhece sem nenhum constrangimento que escrevia somente por questões de cunho
142
LISBOA, João Francisco. A festa de Nossa Senhora dos Remédios. São Luís: Legenda, 1992, p. 29.
143
CARVALHO SOBRINHO, 2003, p. 48.
144
LISBOA, 1992, p. 35.
145
GUARINELLO, Norberto Luiz. Festa, trabalho e cotidiano. In: JANCSÓ, István; KANTOR, Iris (orgs.).
Festa: cultura e sociabilidade na América Portuguesa. São Paulo: Hucitec: Universidade de São Paulo; Fapesp:
Imprensa Oficial, 2001. v. 2. p. 971.
80
empregatícios e profissionais, pois sabia que ninguém leria jornal com tanta movimentação no
Largo dos Remédios:
Esta chronica é para mim, pois duvido que algum leitor caia na asneira de
ler gazetas no dia da festa dos Remédios. Se não fosse a pontualidade do
compromisso, eu protestaria contra a sahida do Semanario no dia de hoje.
Ate o entregador da folha ha-de cavaquear com a tarefa, tão extemporânea e
fora de todas as graças! Como, porem, os leitores não se occuparão comigo;
eu, imaginando-me sosinho, faço da revista semanal uma espécie de
solilóquio, e consinto que a fantazia sacuda a poeira dourada de suas azas,
sobre esta narrativa impertinente. Dizer o que, da festa dos Remédios, se
todos nós somos personagens, na grande comedia-drama, cujo derradeiro
acto se representa hoje no aprazível arraial? Vi os leitores e leitoras do
Semanario tomando parte activa nos regosijos da festividade, e ainda hoje
espero vel-os no desenlace do novenario. Em todos os lugares eu vos vi! Nos
carros do Porto, nas cadeiras da praça, na barraca do Itier, e até mesmo na
igreja! Eu penso que os anjos da terra, soa muito mais seductores que os
anjos do ceo. Confesso o meo pecado, e não peço absolvição, porque não me
arrependo d‟elle: Estou inteiramente propenso ao pantheismo e adoro o
Creador do Universo, de preferência, perante uns olhos rbidos, e uma
face divina de mulher formosa! Todo mundo é assim e eu tive provas d‟isso
durante as noutes da novena dos Remedios, por quanto vi muito de
verdadeiro crente sem auxilio de ripancos e canaldulas, e eu mesmo dou
testemunho do facto, affirmando que orei, sem atinar com uma ave Maria.
Que festa deliciosa! Que lindos amores! E como se fica tão próximo do ceo
no meio d‟aquillo tudo! Esperemos o fim, para eterna glorificação da
magnífica festividade, que vae passar como todas as cousas boas...
Pietro de Castellamar.
146
Os festejos em homenagem à Virgem dos Remédios aconteciam no mês de outubro e os
ludovicenses ainda esperariam o restante daquele ano de 1851, até que as obras fossem
concluídas e os preparativos para a abertura do Teatro se iniciassem, e todas as atenções se
voltassem novamente para os espetáculos líricos.
3.1 A (re)abertura do Teatro São Luís
146
SOBRINHO, JoJoaquim M. Serra. ESTA crônica... Semanário Maranhense, São Luís, n. 7, 13 out. 1867.
Pietro de Castellamar ou Castellamare era o pseudônimo usado por José Joaquim M. Serra Sobrinho.
81
O Teatro União foi inaugurado na segunda década do século XIX, mas terá seu apogeu,
no que diz respeito à frequência de companhias líricas e artistas, apresentando-se em
concertos solo, durante os dois últimos quartéis do referido século, quando passa a pertencer à
província do Maranhão e é rebatizado de Teatro São Luís, como anuncia o jornal O
Progresso:
Chegou finalmente o dia 14 de março, tão ansiosamente suspirado pelos
amadores das Belas-Artes, que em torno do edifício do teatro estacavam,
sempre que passavam pela Rua do Sol, maldizendo do íntimo da alma a
lentidão da obra, a demora da chegada dos artistas mandados contratar em
Portugal, e por fim, a tardança do tempo em trazer-nos o dia 14 [...]. Chegou
finalmente esse tão desejado dia! E o nosso teatro, mais pomposo e mais
belo depois de crismado com o nome de São Luiz, abriu de par em par as
suas portas, no meio do geral aplauso de uma população sôfrega de o ver
ressurgir do a que o tinham desumanamente atirado. O concurso foi o
mais numeroso e o mais lúcido que se tem visto; os camarotes, as plateias, as
varandas e as torrinhas estavam apinhadas; a satisfação era geral. [...].
147
E a música voltou a soar no São Ls através da companhia lírica de Antonio Luís Miró,
que fora ensaiador de canto e primeiro pianista no Teatro São Carlos de Lisboa, vindo dar
nova vida à capital da província do Maranhão, através de “uma boa companhia dramática e
deu espetáculos até o ano seguinte [...]”
148
.
Teatro reaberto em 1852, São Luís voltou a ver e ouvir as belas melodias à moda
italiana de Donizetti e Verdi, pois, como os ludovicenses queriam vivenciar na província uma
vida aos moldes europeus, os espetáculos líricos também seguiriam essa determinação das
elites letradas. Essa presença da música italiana nos espetáculos líricos dados no Teatro São
Ls pode ser percebida através dos anúncios dos espetáculos e do repertório que seria
apresentado, nos quais os nomes das óperas e do compositor vinham expressos.
No entanto, após a reabertura do Teatro e, principalmente, depois que a notícia da
mudança do seu nome chegou ao conhecimento da população, algumas pessoas de
notoriedade naquela sociedade não ficaram satisfeitas com tal mudança. Fato que pode ser
explicado por ainda existir entre os ludovicenses um forte apego a Portugal, mesmo após a
independência, apego este explicitado no primeiro nome dado ao Teatro, agora tirado sem
consultar a “população”, ou melhor, as elites da cidade. Dentre os que expuseram esse
147
CHEGOU... O Progresso, São Luís, 20 mar. 1852.
148
MARQUES, 1970, p. 596.
82
descontentamento, está João Francisco Lisboa, intelectual renomado no Maranhão oitocentista
que externaliza sua estranheza em um folhetim publicado no jornal Publicador Maranhense,
no qual escreve:
Veja-se agora como á atrocidade do pensamento legislativo tem dignamente
correspondido às perfidias e asperezas da execução. Apossados uma vez dos
triunviros da auctoridade, não se sabe como, e nem porque modo, mudaram
o veneravel nome do nosso Theatro que da União que era, se ficou
chamando S. Luiz. Esta mudança parece ser resultado de um vasto plano que
muito combinado, e cuja chave o tempo nos poderá dar; mas nenhum
homem de tino tem deixado de notar com surpreza e indignação que certa
gente o data as suas cartas senão de S. Luiz, e que de São Luíz se vão
todos os dias chamando ora as huris, ora a bahia, e agora em fim o nosso
theatro, que tinha seu nome proprio, muito bem soante ao ouvido e á moral,
consagrado pelo tempo, e por nenhum caso merecedor de ser apagado por
um traço de penna dictatorial.
149
Apesar das reclamações de João Lisboa, nada será feito na prática para que o teatro
volte a ser denominado União. Assim, no jornal O Globo dos anos de 1852 e 1853, devido à
reabertura do Teatro São Luís, em praticamente todas as edições notícias relacionadas a
esse acontecimento. Nem sempre eram anúncios de espetáculos propriamente ditos, mas
alguma informação sobre venda de bilhetes, transferência do dia do espetáculo por causa das
chuvas ou doença de algum ator etc. E é o referido jornal que anuncia o espetáculo, com o
seguinte repertório:
THEATRO NACIONAL DE SÃO LUÍS
HOJE 3 DE ABRIL
(TERCEIRA RECITA DE ASSIGNATURA)
A PRIMEIRA REPRESENTAÇÃO DA COMEDIA EM 1 ACTO;
Huma Fidalga da corte de Napoleão
A comedia em um acto,
As Pequenas Miserias Da Vida Humana
A Opera Comica,
O BEIJO
O Sr. Lisboa cantará (em caracter) a ária da Opera de Donirretti
ROBERTO DEVEREUX
Ordem do Espectaculo
1º Huma Fidalga Ária 3º o Beijo 4º Pequenas Misérias
149
THETRO Nacional de São Luís. Publicador Maranhense, São Luís, ano 10, n. 1238, quinta-feira, 25 mar.
1852.
83
Principiará as 8 horas
150
E ainda no jornal O Globo foi veiculado o convite para apresentação da Ópera de Verdi:
Theatro Nacional de S. Luiz.
Domingo 23 de maio de 1852
(Nona recita de assignatura)
A primeira representação da comedia em 1 acto
Bernardo na Lua
A comedia em 2 actos: Pedro e Vicente
Aria da Opera de Verdi: Attila.
Pelo senhor Lisboa o dueto jocoso da opera cômica de paer.
O Mestre de Capella, pelo Sr. Assumpção e Sra. Miró.
Ordem do espectaculo:
1.º Prospero Depois do 1º acto a Aria de Attila.
2.º Acto do Prospero Duetto do Mestre de Capella.
Bernardo na Lua
Principiará as 8 horas.
151
Esses anúncios são importantes não só como registro de que houve espetáculo nas datas
anunciadas, pois, devido à euforia causada pela reabertura do Teatro, nos dias em que as
récitas eram canceladas os jornais anunciavam, “por justos motivos não haverá recita no
THEATRO DE S. LUIZ no dia 25 do corrente mez Maranhão 22 de julho de 1852
152
”.
Servem também para comprovar se o desejo de usufruir das modas europeias também era
refletido na programação do Teatro e, principalmente, para mostrar o tipo de música que os
diletantes ludovicenses ouviam, e como esses espetáculos eram organizados.
Quando se pensa em espetáculos teatrais, sejam eles de cunho operístico, ou meramente
musical, elege-se um repertório específico, como uma sinfonia, por exemplo, no caso de
concerto sinfônico, ou uma ópera, no caso de espetáculo lírico-dramático.
No entanto, nos anúncios encontrados nos jornais oitocentistas de São Luís, isso
ocorreu em eventos particulares, nos quais um cantor, em benefício próprio, apresenta, por
exemplo, peças de um determinado compositor. Geralmente, os espetáculos que eram
oferecidos ao público maranhense eram bastante diversificados, como é possível verificar
150
THEATRO Nacional de São Luís. O Globo, São Luís, n. 26, 3 abr. 1852.
151
THEATRO Nacional de São Luís. O Globo, São Luís, n. 40, 21 maio 1852.
152
THEATRO S. LUIZ. O Globo, São Luís, n. 58, 23 jul. 1852.
84
através dos anúncios citados anteriormente. Sobre essas programações ecléticas, escreve José
Jansen:
[...] Apresentava-se em uma noite: o drama, a comédia séria ou brejeira,
acompanhadas ou não de música e números de variedades; usava-se e
abusava-se de recursos violentos, recorria-se aos grandes lances dramáticos
que a cena comportasse como o punhal, “o veneno, o rapto de crianças, o
falso testemunho, tudo em maquinações tenebrosas”. Matava-se e gritava-se,
deixando o espectador em excitação e, não raro, em grimas levando-os
muitas vezes até a tomarem atitudes agressivas contra o vilão da peça, na
pessoa do artista. [...] A música, no caso, era um elemento suavizante e
portanto, de certo modo, explicava a predileção pelos vários gêneros,
conjuntamente.
153
As pessoas iam ao teatro para se divertir, por isso, não era interessante sair taciturno
após o espetáculo. Alegria era o que os empresários das companhias líricas queriam ver nos
semblantes dos espectadores na saída do teatro, pois isso lhes garantiria mais lucros, através
do retorno desses homens e mulheres ávidos para distraírem-se e tecerem suas sociabilidades,
nas próximas récitas. Isto pode ser verificado pela nota que publicou o Jornal para Todos:
“Desde pedimos ao Vicente que sempre adubando os seus espectaculos com algumas
comedias chistosas, do seu variado repertório”
154
. Mario Cacciaglia também fala sobre essa
estratégia usada pelos empresários do teatro em exibir sempre ao final do espetáculo um
número cênico mais alegre após o desfecho, às vezes, trágico do drama apresentado:
Para aliviar o ânimo dos espectadores emocionados e perturbados pelo
drama, que era o prato principal da noite, servia-se como sobremesa uma
farsa. No Brasil, essas farsas eram quase todas portuguesas e tinham curta
duração, exatamente o tempo necessário para arrancar algumas risadas dos
espectadores[...]
155
Tanto o drama quanto a comédia tinham a função de educar os homens e as mulheres
que ao teatro compareciam nas noites de espetáculo. O primeiro organiza sua trama a partir de
algum fato da realidade social, naquele momento ainda bastante influenciada pelas tendências
153
JANSEN, 1974, p. 53.
154
DESDE JÁ... Jornal para Todos, São Luís, ano 1, n. 31, 22 nov. 1877.
155
CACCIAGLIA, 1986, p. 47.
85
europeias, o segundo, procura educar através do castigo do riso
156
, fazendo com que os
espectadores visualizassem seus maus hábitos e assim, pelo constrangimento, procurassem
repará-los.
Os espetáculos que constavam na programação do Teatro São Luís seguiam essa
tendência irradiada, no Brasil, a partir dos palcos da corte imperial instalados do Rio de
Janeiro, como veiculou o jornal O Globo:
Quinta-feira 16 de septembro em beneficio dos Professores da Orchestra.
Representar-se-ha o Drama trágico, e apparatoso em 6 quadros: O Amor de
um padre ou A inquisição em Roma.
Depois do Drama representar-se-ha a jocosa farça: Os irmãos da almas.
N. B. No intervallo do 1º ao 2º quadro o Sr. Lisboa cantará pela primeira vez
uma Aria da Opera Gemma de Vergi No intervallo do ao 4º quadro o Sr.
Sergio Augusto Marinho executará umas variações de Flauta sobre hum
motivo da Opera Zanetta.
Os intervallos do Drama serão preenchidos com Simphonias escolhidas.
157
A ópera era incontestavelmente predominante nos programas da maioria dos teatros do
Brasil Imperial. Mas, devido ao grande desprendimento sico e, principalmente, intelectual
que os cantores, músicos e atores utilizavam nos meses de ensaio preparando o espetáculo,
após os vários dias de récitas, esses artistas precisavam de tempo para descansar e assim
iniciar novamente a rotina de estudo das partituras, dos textos e finalmente dos ensaios.
Durante esses dias, o público maranhense era presenteado com espetáculos de prestidigitação,
circenses e de força, como o que anunciou A Flecha:
Tiroteio Conjugal
Vão dar representações no S. Luiz dous esposos colossaes, que muito
promettem. Imaginem que ella é a mulher-fortaleza e elle o homem-canhão;
acrescentem que se chamam quase Batalha e que são marido e mulher, e
concluam d‟isto que renhidos combates vamos presenciar. Contam que este
moderno Hercules mata dous bois com um socco e que sua digna esposa
depois suspende-os os bois com o...
158
156
Cf. FLORES, Moacyr. O negro na dramaturgia brasileira: 1838-1888. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1995. p. 9.
157
QUINTA-FEIRA... O Globo, São Luís, n. 75, 21 set. 1852.
158
TIROTEIO conjugal. A Flecha, São Luís, 9ª série, n. 26, 16 deZ. 1879, p.207.
86
Nesses espetáculos, em que não se exigiam comportamentos exemplares e comedidos,
os ludovicenses aproveitavam para extravasar suas alegrias e descontrações, visto que os
espetáculos circenses e de prestidigitação traziam consigo implicatamente a ideia de fazer
os homens e as mulheres, presentes no teatro, rirem.
3.2 O Teatro São Luís e o Teatro Santa Isabel: o que se cantava aqui se ouvia lá...
São Luís, capital da província do Maranhão, não estava isolada das demais províncias
do Império, apesar da dificuldade do transporte entre as cidades naquele século XIX. Como as
ideias circulam mais rapidamente do que as pessoas e as coisas, mesmo que com dificuldades,
essa comunicação entre as províncias do nordeste imperial acontecia.
As companhias líricas que deram espetáculos no Teatro São Ls a partir da segunda
metade do século XIX, o tinham como destino primeiro nem último o Maranhão. Como o
translado dos artistas da Europa para o Brasil era extremamente dispendioso, esses
profissionais passavam às vezes vários anos longe de seus torrões gentis. Estas não são
conjecturas firmadas a partir de um dos artifícios utilizados pelo historiador, a “compreensão
com imaginação
159
. São sim, assertivas comprovadas a partir da bibliografia consultada e das
fontes analisadas.
Dentre as províncias que mantinham contatos com a maranhense estavam Bahia, Pará e
principalmente Pernambuco; contatos estes estabelecidos pelos estrangeiros donos das
companhias líricas que atuavam pelas terras do norte e nordeste do império brasileiro e
possibilitavam intercâmbios culturais entre as referidas províncias.
Dois trabalhos foram imprescindíveis para que estas felizes comparações fossem
estabelecidas: o estudo de Maria Helena Franca Neves intitulado De La Traviata ao maxixe
variações estéticas da prática do Teatro São João
160
, e o de José Amaro Santos da Silva, cujo
título é Música e ópera no Santa Isabel: subsídio para a história e o ensino da música no
Recife.
161
Esses dois trabalhos além de apresentarem em suas páginas personagens que
também fizeram parte da cena cultural do Teatro São Luís, também contribuíram para o
159
Cf. CARR, Edward Hallet. Que é história? 9. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2006. p.59.
160
NEVES, Maria Helena Franca. De la traviata ao maxixe: variações estéticas da prática do Teatro São João.
Salvador: SCT/ FUNCEB/ EGBA, 2000.
161
SILVA, José Amaro Santos. Música e ópera no Santa Isabel: subsídio para a história e o ensino da música no
Recife. Recife: Ed. Universitária da UFPE, 2006.
87
amadurecimento das ideias sobre o teatro, os artistas e os músicos na São Luís dos dois
últimos quartéis do século XIX.
Esses artistas-músicos já começaram a atuar em linhas anteriores deste estudo. O
primeiro deles chama-se Vicente, sobre o qual se refere o Jornal para Todos
162
, era o
empresário Vicente Pontes de Oliveira, responsável pelos espetáculos líricos no Teatro São
Ls no ano de 1877, e pelos indícios relatados nas fontes, possivelmente era o mesmo que
dera espetáculos anos antes no Teatro São João, em Salvador, capital da província da Bahia,
como informa Maria Helena Franca Neves:
O ator e empresário dramático Vicente Pontes de Oliveira foi o financiador
da rede de gás carbônico do S. João segundo cláusula de contrapartida do
contrato de ocupação de pauta de 1º de fevereiro de 1864, até 30 de junho de
1866, que assinou com o Presidente da Província, Manuel Maria do Amaral,
para apresentar sua companhia dramática no S. João.
163
Os jornais de São Luís anunciavam aos ludovicenses espetáculo que se realizaria no
Teatro São Luís, através da companhia do empresário Vicente, como noticiou o Diário do
Maranhão:
Theatro S. Luiz
Empresa ----- Vicente
Primeira e única representação do muito conceituado drama em 5 actos,
original francez de ALEXANDRE DUMAS FILHO A DAMA DAS
CAMÉLIAS.
Toma parte na representação toda a companhia, sendo os principais papeis
desempenhados pelos artistas --- MANUELA LUCCI, EUGENIO E
BAHIA.
AVISO
O drama --- ESTATUA DE CARNE, irá á scena no domingo 25 do corrente,
anniversario do juramento da Constituição do Império, sendo este o
penúltimo espectaculo da companhia para o qual recebem-se encommendas
desde já.
Começará ás 8 horas.
164
162
Consultar página 14, no parágrafo que inicia por “As pessoas que íam...”
163
NEVES, 2000, p. 115.
164
THEATRO São Luís. Diário do Maranhão, sábado, 17 jun. 1877.
88
Mas o foi somente esse empresário Vicente Pontes de Oliveira que esteve em São
Ls e em outras províncias do império brasileiro. Da corte, instalada na província do Rio de
Janeiro, também partiram atrizes que passaram algum tempo fazendo a alegria dos
maranhenses.
É incontestável a importância artística e cultural que exerceu o Rio de Janeiro durante
todo o tempo em que a monarquia fora o poder supremo do Brasil, pois “a corte se opõe à
província, arrogando-se o papel de informar os melhores hábitos de civilidade, tudo isso
aliado à importação dos bens culturais reificados nos produtos ingleses e franceses”
165
. E na
corte imperial existiu, durante a segunda metade do século XIX, um café-cantante à moda
parisiense, muito famoso em todo o Império por conta da alegria e dos belos atrativos do sexo
feminino, que se apresentava no palco do referido teatrinho. Esse café era o famoso Alcazar
Lyrique, fundado pelo francês Joseph Arnaud, e sobre tal estabelecimento escreve José
Ramos Tinhorão citando Joaquim Manuel de Macedo:
Nesse Alacazar Lyrique teatro de trocadilhos obscenos, dos cancãs e das
exibições de mulheres seminuas” [...] o programa da récita inaugural
anunciava entre as atrações, além do “vaudeville en um acte, de Marc
Michel e Labiche” intitulado “La Perle de la Cannebière”, pelo menos duas
cançonetas: “Adieux, M. Lamoureux”, chansonette par Mlle. Adeline e “Le
vieux braconier”, chansonette par M. Amédee.
166
Mario Cacciaglia faz uma descrição do Alcazar mais distanciada e mais “isenta”, em
comparação com a visão conservadora de Joaquim Manuel de Macedo. Escreve o primeiro:
“O Alcazar tornou-se o ponto de encontro de artistas, políticos, homens de cultura, além de,
naturalmente, lugar de perdição oficial do Rio de Janeiro[...]”
167
. Após o fechamento do
Alcazar, algumas dessas mulheres francesas que conseguiram estabilidade financeira voltaram
para Paris, outras ficaram no Rio de Janeiro e as demais se deslocaram para outras províncias
do Brasil. É o jornal A Flecha que relata a chegada de uma atriz francesa na capital da
província do Maranhão, para dar mais ânimo aos espetáculos dados no Teatro São Luís:
165
SCHWARCZ, 1998, p. 111.
166
TINHORÃO, 1998, p. 213.
167
CACCIAGLIA, 1986, p. 84.
89
De alguns pedaços destacados da companhia Vicente fez-se uma
associação,que agora espetáculos no S. Luiz. Juntaram-lhe, para
apimentar, uma franceza, com um contra-veneno Mr. Dufoux.
A franceza, que muita gente conheceo no Rio quando se chamava Theodora,
a, a, a, a, chama-se actualmente Mlle. Leonie, i, i, i, i, tem uma bôa porção
de brilhantes, quando falla abre a boca até ás orelhas e vae soffrendo uma
transformação nos cabellos que, com o clima, tem se feito amarellos.
Saudades do Deiró, ó, ó, ó, ó ...
No mais, é um exemplar, como quase todos os que para vem, das
mulheres do Alcazar. A mesma voz guttural nas conçonetas e os mesmos
meneios indecentes, que fazem a platéa applaudir e os paes de família
soltarem interjeições á ingleza.
168
Uma das personalidades mais importantes e representativas do poder que a música
exerce sobre as pessoas, a ponto de direcioná-las a situações e lugares nunca pensados e,
inapropriados para uma mulher no século XIX, foi representado na figura de Chiquinha
Gonzaga no Alcazar Lírico. No romance escrito por Dalva Lazaroni
169
, no qual uma neta de
Chiquinha Gonzaga recorda as conversas com a avó, esta conta como era o Alcazar e fala
sobre uma de suas apresentações nesse café-concerto:
No seu interior, o Alcazar apresentava uma decoração afrancesada. Vidros
biseauté em todas as paredes, entre colunas de mármore de Carrara. No meio
de cada espelho um delicado abajur, com cúpulas de linhão na cor pastel e
iluminados a gás. Um minibar, num dos mais privilegiados cantos do salão,
foi esculpido em jacarandá maciço [...]
170
E sobre uma apresentação precipitada pelos amigos de Chiquinha Gonzaga, sem que ela
tivesse conhecimento prévio, em umas das vezes que esteve no Alcazar, relata Dalva
Lazaroni:
Senhoras e senhores, o café Alcazar Lírico tem o prazer de anunciar as
presenças de dona Chiquinha Gonzaga, do senhor advogado Saldanha e do
flautista Joaquim da Silva Callado.
Os presentes não poupam aplausos. Alguns gritam, outros assobiam. E se
forma um coro, parecendo coisa ensaiada:
168
DE alguns... A Flecha, São Luís, n. 1, 5 mar. 1879, p. 6.
169
LAZARONI, Dalva. Chiquinha Gonzaga: sofri e chorei, tive muito amor. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
1999.
170
LAZARONI, 1999, p. 78.
90
Toca! toca! toca! [...]
s vamos apresentar, em primeira o, a mais recente composição de
dona Chiquinha.
O público aplaude e quem está nas mesas do lado de fora corre para o
interior da casa. [...] Chiquinha toca piano, Callado a acompanha na flauta.
[...].
171
Pelos palcos do São Luís o passaram somente francesas desbragadas e voluptuosas.
Por se apresentaram companhias líricas organizadas e que estavam acostumadas aos
ditames das músicas, das óperas e das operetas criadas por Offenbach
172
, e encenadas e
cantadas por franceses. O Semanário Maranhense anuncia a chegada de uma companhia
francesa na capital da província do Maranhão: Chegou o maestro Poppe. Temos na terça-
feira a estrea da companhia franceza. Les Bavards e Les pantins de Viollete são as peças da
estréia. Verdadeiros primores, essas duas operetas possuem lindos e originalíssimos pedaços
de música. Sendo bem desempenhados devem agradar muitíssimo
173
”.
O maestro Jules Poppe, também anunciado como dono da companhia francesa, que
apresentou espetáculo no Teatro São Luís, tinha dado récitas no Teatro Santa Isabel na
província do Recife. Ao que parece, o maestro Poppe esteve mais tempo em Recife do que em
São Ls, visto que, de acordo com José Amaro Silva, sua atuação fora marcante na Veneza
Brasileira:
e no mês de maio de 1867, chegou no Recife uma companhia francesa de
Vaudeville conhecida por Bouffes Parisienses, trazida pelo Sr. José Amat,
que era o novo empresário do Teatro Santa Isabel. Les Buffes Parisienses
tinha no seu elenco seu diretor Jean Charles Noury, Madame Guillemet
(soprano), Adelle Lenormand (soprano ligeiro), Mr. Julles Pope (maestro
diretor da orquestra), Evarist Ferrand (baixo cantante), Emílio Pelveil
(tenor), Noury (barítono), Emílio Claret (tenor), Ernest Tuet (barítono),
Leclec (baixo), Mr. Pelva (tenor).
174
Provavelmente, os artistas que davam espetáculos no Teatro Santa Isabel da capital da
província de Pernambuco continuavam vindo também à província do Maranhão. A partir do
171
Ibid., p. 86.
172
Compositor francês nascido na Alemanha, autor de uma vasta produção de operetas (1819-1880).
173
CHEGOU... Semanário Maranhense, São Luís, ano 1, n. 21, 19 jan. 1868.
174
SILVA, José Amaro Santos da. Música e ópera no Santa Isabel: subsídio para a história e o ensino da música
no Recife. Recife: Universitária da UFPE, 2006, p. 115. Ainda sobre o maestro Poppe conferir no mesmo autor
páginas 122 e 155.
91
trabalho de José Amaro S. da Silva
175
é possível fazer essa assertiva. Além das dançarinas
francesas citadas anteriormente, as senhoras Thierry e Carlota, também francesas, após
apresentarem-se em Recife divertirão os maranhenses:
Não nenhuma novidade musical, por isso que a semana finda foi toda
empregada em repetições de Orpheo as dansarinas, ultimamente chegadas do
Sul: As Senr
as
Thierry e Carlota estrearão hontem e reberão do publico o
mais lisongeiro acolhimento.
A Srª Carlota, apezar dos verdores da mocidade, tem uma reputação de
boa artista dançou nos theatros da P _____ Saint-Martin e da Gaité, em
Paris: nas de Hamburgo, Marselha e Argel, e finalmente colheo muitos
louros no Alcazar do Rio de Janeiro.
A Srª Thierry tem tido uma carreira muito mais extensa e mais assignalada
de triumphos. É dispensável a enumeração dos theatros onde tem
apparecido, uma vez que se saiba já haver ella sido contratada, como
primeira dansarina, no theatro Scala, em Milão.
O dansado em que ambas estreiarão foi bastante para revelar as preciocas
qualidades de cada uma d‟ellas. Verdadeira sylphide nos volteios aereos a
Srª Thierry executou passos difficillimos, com muita graça, grande firmeza e
agilidade nos movimentos.
A mocidade e belleza da Srª Carlota suppre o que falta para que ella possa
competir com a companheira. Tambem filha do ar, arrancou calorosas
ovações pela ligeiresa dos passos, e doces meneios do corpo.
Pietro de Castellamare
176
José Maria Ramonda ou Giuseppe Maria Ramonda é mais um dos personagens que
fazia a rota São Ls Recife na segunda metade do século XIX. Depois dos espetáculos
dados no Teatro São Luís, o referido cantor e empresário lírico deu espetáculos em Recife
com outros artistas do teatro lírico-dramático
177
.
O intercâmbio estabelecido indiretamente entre o Teatro São Luís e o Teatro Santa
Isabel através dos cantores que se apresentavam nos referidos palcos se deu durante quase
todas as décadas a partir de 1850, quando o teatro do Recife é fundado. Além das companhias
líricas que se revezavam nesses palcos, os artistas dessas companhias também se
apresentavam em concertos solo como o Barítono Orlandini: “O Concerto do BARITONO
ORLANDINI, cujo programma distribuido com os bilhetes d‟entrada, marcava para o dia 11
175
Cf. SILVA, 2006, p. 135.
176
SOBRINHO, José Joaquim M. Serra. Semanário Maranhense, São Luís, n. 30, domingo, 22 mar. 1868.
177
Cf. SILVA, 2006, p. 110.
92
do corrente, ficou tranferido para domingo 12, á pedido de grande numero de pessoas. Os
bilhetes acham-se á venda na loja dos Srs. Duchemim & Cª”
178
.
Mas não eram somente os artistas de companhias líricas que davam concertos solo nos
teatros de São Luís e Recife. Dentre esses, os Irmãos Franco se apresentaram tanto no São
Ls quanto no Santa Isabel no mesmo ano de 1867. Sobre os referidos músicos que atuavam
nos dois teatros escreve José Amaro:
Guiseppe Franco, violinista, e Agostinho Franco, harpista. Dupla de
napolitanos que esteve no teatro Santa Isabel no dia 12 de setembro de 1867.
Conhecidos como os irmãos Franco, essa dupla realizou um recital em meio
a representações dramáticas, dedicado ao Corpo Acadêmico e Comercial do
Recife. Após a apresentação, receberam dessa instituição uma medalha com
inscrições em alto relevo, sobressaindo-lhes os valores.
179
Passados quase dois meses, o Semanário Maranhense publicou notícia bem mais
detalhada sobre a atuação dos irmãos Franco e a impressão que os homens e mulheres da
sociedade ludovicense presentes na apresentação tiveram dos artistas:
Já o publico formou o seu juízo acerca do mérito dos irmãos Franco, sahindo
enthusiasmado do primeiro concerto dado por elles.
Os distinctos artistas não vivem da condescendência publica e nem ficão
restando coiza alguma a grande fama que lhes rodeia os nomes.
O violinista é de grande força e de muita execução. Recomenda-se tanto pela
ligeireza e valentia da arcada, como pela expressão e sentimento com que faz
vibrar as cordas rabeca. Variações dificillimas, sobre themas importantes,
forão cabalmente executadas pelo jovem violinista, e satisfactoriamente
acompanhadas pelo irmão harpista.
O Canto da floresta, com que terminou o primeiro concerto, é uma
composição magnífica, tão bem concebida como desempenhada.
O publico chamou a scena por diversas vezes os jovens artistas, e foi
caloroso na manifestação do seo apreço. O segundo concerto, sem duvida
alguma, será mais concorrido, pois o espectaculo é digno da attenção
publica.
A companhia dramática do Sr. Vicente Pontes de Oliveira
180
, começa a
segunda serie de representações com o drama Cloltilde conforme se acha
annunciado. De agora em diante ficarão as noutes mais divetidas do que
estavão, em quanto se conervava feichado o nosso velho S. Luiz.
178
O CONCERTO... O País, São Luís, n. 17, sexta-feira, 10 jul. 1863.
179
SILVA, 2006, p. 202.
180
Esta é a primeira vez que o empresário Vicente P. de Oliveira ocupa o Teatro São Luís com sua empresa
rica. Quando ele é citado nas páginas 14 e 15, as notícias referem-se à segunda vez que sua empresa dá récitas
no teatro, para alegria dos maranhenses.
93
PIETRO DE CASTELLAMARE
181
3.3 O regulamento e a civilidade no Teatro São Luís
Nos dois últimos quartéis do século XIX, o teatro lírico começa a ser disseminado por
toda a sociedade europeia, pois este século foi “considerado o século áureo do teatro lírico,
que se tornara uma diversão popular em quase toda a Europa, especialmente na Itália, Paris e
Alemanha. No Brasil, tornou-se uma paixão elitista”
182
. No entanto, essas elites ainda não
estavam acostumadas aos ditames desses eventos de grande gala. Desde o momento em que o
teatro fora aberto, algumas normas foram criadas para disciplinar os espectadores de acordo
com as necessidades vivenciadas no dia a dia das récitas dadas no São Ls. Como o teatro
passa a ser um dos espaços mais importantes para o desenvolvimento das sociabilidades
burguesas, possibilitando aos homens e, principalmente, às mulheres frequentarem juntas”,
no entanto, “separadas”, pelas convenções sociais, um espaço ainda desconhecido pela grande
maioria da população elitizada, que dirá a mais desvalida socialmente. Por isso, será
necessário dotar essa casa de espetáculos com regulamentos delimitando os espaços das
pessoas que a ela compareceriam.
No ano de 1852, um dia antes da reabertura do Teatro depois de uma grande reforma, o
jornal O Constitucional, na edição do dia 13 de março, publica o regulamento para a polícia
interna do Teatro, instituído por lei de 2 de setembro de 1851 e contendo onze artigos. Estes
versavam sobre a venda dos bilhetes para os espetáculos, os lugares que cada um deveria
ocupar dentro do edifício, sobre o acompanhamento de pessoas livres com seus escravos e o
comportamento durante as récitas.
O artigo primeiro dava as instruções aos interessados em assistir as récitas que, desde as
9 horas da manhã até às 8 horas da noite os bilhetes estavam à venda no salão do Teatro e os
bilhetes dos assinantes, por serem pagos adiantados, já estavam em mãos dos seus respectivos
donos. o artigo segundo ratifica a importância do ingresso, sem o qual ninguém poderá ter
acesso ao interior do São Luís, mesmo os que tinham seus camarotes.
O artigo terceiro talvez seja o mais representativo sobre a mentalidade das elites
ludovicenses naquele presente, no que diz respeito à escravidão do negro africano. Naquele
181
SOBRINHO, JoJoaquim M. Serra. O... Semanário Maranhense, São Luís, n. 10, domingo, 3 nov.
1867.
182
NEVES, 2000, p. 157.
94
ano, apesar de as ideias liberais circularem pelas províncias brasileiras, inclusive por São
Ls, o pensamento predominante nos círculos das elites era o que “considerava a escravidão
[...] de um ponto de vista mais pragmático, pois o progresso e sustentação do país dependiam
do regime de trabalho escravo”
183
. Assim, era proibida a entrada de escravos dentro do Teatro.
A presença deles seria dissonante durante os espetáculos. Adentrar no Teatro era como estar
em mundo completamente diferente do dia a dia e onde a escravidão causava constrangimento
aos presentes.
Outro aspecto importante que esse regulamento traz sobre as pessoas que passariam a
frequentar o Teatro, após a reabertura em 1852, era o comportamento inadequado nos
espetáculos líricos, como diz o artigo quarto do referido regulamento:
He licito das signaes de approvaçao ou desapprovação durante o espectaculo,
sem contudo se perturbar a ordem, e tranqüilidade por meio de voserias,
algasarras, ou assuadas. A comissão administrativa por si, ou aquelle
membro d‟ella que estiver encarregado da direção, e policia da casa
n‟aquella noite poderá impor silencio, ou mandar sahir do theatro o
perturbador, ou perturbadores.
184
Esse regulamento é também de grande importância na leitura de como estavam as ideias
das elites “ilustradas”, responsáveis por pensar as leis concernentes ao tratamento dado aos
escravos que, pelo artigo terceiro, eram proibidos de entrar até mesmo nos corredores do
Teatro. Apesar dessa regulamentação estabelecendo as ações permitidas dentro do prédio e
principalmente durante os espetáculos, a partir de 1852, vinte e um anos depois, o Diário
do Maranhão publica o seguinte:
Policia do theatro É uma casa em que apezar dos regulamentos, apezar de
estar n‟um camarote a policia, nas noites de espectaculo, o ha, como se
costuma dizer rei nem roque cada um faz o que quer. As famílias, que
nos intervallos vem tomar fresco ficam suffocadas pelo fumo de charutos e
cigarros apreciados com a maior sem-ceremonia pelos fumantes; alem de
enxovalharem os vestidos no cuspo que inunda o sobrado; deste ou d‟aquelle
camarote um menino deita os pés para fora da grade com o propósito de
provocar a platéa, esta não se faz esperar, grita, bate, e até insulta, é um
verdadeiro inferno, que todos ouvem, todos vêem quem é o provocador
menos a policia para lhe pôr cobra. No domingo um individuo alto, que
183
SALLES, 1996, p. 88.
184
Regulamento para a pocia interna do Teatro, art. 4º, O Constitucional, São Luís,13 mar. 1852.
95
parece tinha sacrificado a Bacco, entrava nos camarotes de chapeo na cabeça
sentava-se de costas viradas para a platea, esta, na forma do costume gritava
que atroava os ouvidos, até que o homem se retirou porque quis, ao passo
que a policia conversava tranquilla no seu camarote. Não sabemos se é do
regulamento do theatro andar-se descoberto no salão do mesmo, é porem de
boa educação assim proceder. Repugna ver magotes de moços ahi, nesse
lugar onde as famílias passeiam ou descançam, andarem de chapeo na
cabeça e as vezes com modos bem pouco commedidos, esquecendo-se de
que estão n‟uma sala embora seja no theatro. Felizmente a esta regra ha
ainda muitas e honrosas excepções. Não é raro ver no meio dos cubertos um
outro individuo, que não esquecendo a educação que lhe deram, e fiel aos
preceitos de civilidade, passeiam de chapeo na mão e com o commedimento
exigido n‟um lugar onde estão senhoras.
185
A notícia acima entra totalmente em choque com as determinações do regulamento de
1852, visto que os homens e as mulheres presentes nas noites de espetáculos se comportavam
como se estivessem em suas casas, esquecendo que o teatro era um espaço público, mas onde
havia regras para o bom andamento das récitas.
Os redatores dos jornais que se ocupavam em comentar o que de melhor e de pior
acontecia durante os espetáculos ricos foram relatando ao longo do tempo o comportamento
dos frequentadores do Teatro São Luís. o se pode afirmar que todos se comportassem mal
durante as récitas, no entanto, o que chamava mais a atenção era justamente o comportamento
inadequado da maioria dos espectadores que se encontrava no Teatro, como bem o mostra
uma severa reprimenda publicada no jornal A Flecha. Dirigindo-se à Illustrissima platéa
geral do S. Luiz”, escreveu o crítico:
Tu gosas de certa famasinha de entendedora, de illustrada, de rigorosa e de
não sei que mais; e entretanto és a primeira em desmentir a tua
famasinha.Corres ao teatro em massa, pressurosa, ávida ; enches os tresentos
logares litteralmente, amarras o teu batalhão de lenços com um cuidado
minucioso. Bem, tudo isto prova muito em teu favor. Para que, pois, ó
illustrissima platéa geral! Tu desabas n`um borborinho de riso picado de
notas de trompa desafinada nos lances mais patheticos e justamente quando
o resto dos espectadores sente desejo de chorar?
Tem um pouquinho de paciência; espera pela comedia final e riras então a
teu gosto.
Toma sentido, illustre paltéa, comporta-te, do contrario chamo-te uma coisa
muito feia.
Quando a geral ri, o paraíso e a quarta ordem fazem coro, conversam em alta
voz e interrompem o trabalho.
186
185
POLÍCIA do Theatro. Diário do Maranhão, São Luís, 16 set. 1873.
186
ILUSTRÍSSIMA platéia geral do São Luís. A Flecha, São Luís, ano 1, n.14, 5ª série, jul. 1879.
96
Um ponto importante a destacar é que, naquela segunda metade do século XIX, grande
parte da população de São Luís não era letrada. Essa situação não era verificada somente entre
os pobres da cidade, pois entre as elites econômicas existiam também pessoas que não
detinham o conhecimento da língua escrita, verificado principalmente entre as mulheres, a
quem durante muito tempo fora vedada a instrução. Fato que fica claro através da notícia
supra, visto que o eram somente os pobres que se comportavam mal e sim a quase todos os
presentes, estando nos camarotes ou no paraíso. Passados alguns anos, os redatores dos
jornais reclamavam contra a falta de conhecimento da maioria dos ludovicenses no que diz
respeito ao teatro lírico, como veiculou o jornal A Flecha:
A geração maranhense de hoje nada pode dizer respeito a teatro lyrico. Uns
teem no fundo da memória uma vaga recordação da ária final da Traviata,
ouvida entre dous cochillos no collo da mamá; outros apenas por tradição
sabem que a Remorini cantava ou que o Maringelli era bom pintor. D‟ahi
certo prurido que se nota nas melhores rodas, d‟ahi o desejo que a
assignatura aberta pelo Sr. Passini além... de assignatura. Por falta de
apoio publico não seja a duvida: a companhia pode vir com a certeza que
não vem debalde porque é esperada e adesejada. Resta saber se virá. Se
vier, quebra uma caveira de burro. Porque isto é uma verdade ainda o
conseguio vir ao Maranhão uma companhia depois de ter ido ao Pará. O
Vicente sempre vae promettendo voltar mas não volta: a companhia Boldrini
veio de desmantellada: a Emilia Adelaide foi aquella desgraça: o Sampaio
também vio fugirem as andorinhas. Ora eis ahi porque nos parece que a
companhia lyrica, assignada, esperada, desejada, nos deixará com agoa na
boca. Enfim, não sejamos propheta de máo agouro.
187
Nessa notícia, o redator deixa extravasar toda a sua subjetividade através da memória
dos anos felizes de espetáculos líricos no Teatro São Ls. Cita os nomes dos empresários das
companhias líricas e a vontade que eles retornem e façam com que as sensações trazidas
somente pela memória sejam vivenciadas novamente na prática.
Além das frações de elite que eram as primeiras a reservar seus camarotes e cadeiras, os
pobres também se esforçavam para ir ao teatro e, em algumas circunstâncias, os que
frequentavam a torrinha, também conhecida por paraíso, recebiam cortesias para assistir a um
espetáculo rico, como noticiou o Jornal para Todos, ao relatar as impressões de uma dessas
187
COMPANHIA lírica. A Flecha, São Luís, n. 43, v. 2, 3ª série, 12 ago. 1880.
97
pessoas que compareceram ao Teatro São Ls: “Um mulher de feira assistia a um
espectaculo grátis na Opera, ouvindo o côro, bradou: Olhem que canalhas! Como o
espectaculo é de graça estão cantando todos a um tempo para acabar mas depressa”
188
.
Essa notícia é muito significativa a partir da perspectiva de que não era interessante
estar num teatro, “que era muito grande e podia acomodar mais de seiscentos
espectadores”
189
, somente com alguns camarotes ocupados e parte da plateia. Os pobres eram
importantes o economicamente, mas também para dar mais alegria e encher o teatro.
Ainda sobre o mau comportamento da plateia, que não é possível depreender se o redator
fazia referência diretamente aos ocupantes da torrinha ou a todos os presentes, o redator da
coluna Flechadas, do jornal A Flecha, tece o seguinte comentário: “Não tem posição definida
a nossa platéa. Que pateie o desbragamento da francesa, faz muito bem, está no seu direito, e
até foi pouco. Mas também é de máo gosto applaudir os equívocos das commedias, pouco
fiscalisadas por quem se incumbe de examinal-as”
190
.
Nos jornais analisados não encontrei referências ao claque e aos apateadores, comuns
nos teatros do século XIX, e que serviam para ensinar às demais pessoas presentes nos
espetáculos a hora certa para aplaudir, tendo como introdutor dessa prática nos teatros
públicos da Bahia, da Corte e do Recife o empresário Clemente Mugnai. O claque “era uma
plateia paga para aplaudir ou apatear (vaiar, segundo prática surgida no começo do século, no
Ópera de Paris), para que o público soubesse aplaudir no momento indicado, a fim de não
interromper o espetáculo, aplaudindo nos lugares errados [...]
191
”.
Apesar de todas essas dificuldades para conseguir a concentração necessária a fim de
apreciar na medida certa os espetáculos líricos, existiam sim frações das elites que
compareciam ao teatro não apenas para verem e serem vistos, mas também para ouvir as belas
óperas apresentadas. É possível asseverar isso através das crônicas teatrais que eram
veiculadas nos jornais Semanário Maranhense e nas seções dedicadas ao Teatro no jornal A
Flecha.
3.4 O Semanário Maranhense e A Flecha: o movimento teatral em perspectiva
188
UMA mulher... Jornal Para Todos, São Luís, ano 2, n. 3, 28 mar. 1878.
189
CACCIAGLIA, 1986, p. 40-41.
190
NÃO tem... A Flecha, São Luís, ano 1, n. 2, mar. 1879, p. 14.
191
NEVES, 2000, p. 188.
98
Os jornais eram os principais meios de divulgação das ideias e também de tudo o que
acontecia na sociedade maranhense. O movimento cultural não passava despercebido,
principalmente no Semanário Maranhense e em A Flecha, pois o corpo editorial desses
periódicos era composto por homens que cultuavam as letras e eram pessoas notórias na
sociedade ludovicense e, talvez por isso, utilizavam pseudônimos para assinar suas colunas. O
Semanário Maranhense tinha como fundadores Gentil Homem de Almeida Braga, que
assinava Flávio Reimar, Celso Magalhães, Francisco Sotero dos Reis, que assinava
Nicodemus, F. G. Sabas da Costa, que assinava Golondron de Bivar, e José Joaquim M. Serra
Sobrinho, que assinava Pietro Castelamare. Como colaboradores, Antonio Marques
Rodrigues, que assinava Rufo Salero, Antonio Henriques Leal era Judial de Babel-Mandebe,
Caetano Cantanhede era Rufo Orloff, Francisco Dias Carneiro era Stephany Van Ritter,
Raimundo Filgueiras era Pedro Botelho, e Trajano Galvão de Carvalho era James Blumm
192
.
No jornal A Flecha escreviam Celso Magalhães e Manuel Bethencourt, que tiveram a
ideia de criação do jornal. Ao redor deles se uniram Paula Duarte, Eduardo Ribeiro, Agripino
Azevedo, João Afonso do Nascimento e Aluísio Azevedo, que escrevia com o pseudônimo
Pitrybi. Como essa era a elite pensante do Maranhão oitocentista, esses dois jornais se
diferenciavam dos demais na organização das matérias e nas veementes denúncias aos atos e
costumes que eles acreditavam destoar do ideal de modernidade, civilidade e refinamento.
O Semanário Maranhense possuía duas colunas dedicadas aos espetáculos realizados no
Teatro São Ls, denominadas Revista Theatral e Chronica Interna e, por conta disso, se
constitui como uma fonte de grande importância para a análise do movimento teatral na
capital da província do Maranhão. Assim, na coluna escrita por Joaquim Serra, as récitas, o
desempenho dos artistas e o comportamento da plateia eram presenças constantes. E desse
modo comentou o espetáculo dado pela companhia francesa do Sr. Noury:
A compahia franceza, levando a scena uma das mais applaudidas
composições do repertório da Opera-Comique, testemunhou o grande desejo
que tem de agradar ao publico maranhense. O Chalet, essa obra prima de
Adam, foi ouvida com justificado interesse, por isso que é uma opera rica de
inspiração, de harmonia e de sciencia muzical.[...] A sua execução em nosso
theatro correo como não era de se esperar, seja isto dito sem offensa dos
artistas. N‟estes casos a surpresa é que serve de elogio.
Pietro de Castellamare
193
192
JANSEN, 1974, p. 113.
193
SOBRINHO, José Joaquim M. Serra. A companhia... Semanário Maranhense, São Luís, n. 25, 16 fev. 1868.
99
Através das crônicas do Semanário Maranhense também é possível saber como estava a
cidade naquele presente, visto que o autor da coluna geralmente comentava fatos que
aconteciam depois da calçada do Teatro, prática que dificulta a decodificação das
informações, pois, ao resumi-las, existe o risco de perder o tom jocoso, irônico, emotivo, que
faz parte das escritas desses colunistas, e ao mesmo tempo não como transcrever crônicas
de quase duas páginas, dada a riqueza de detalhes; por isso cito apenas um pequeno trecho da
referida crônica:
O inverno
194
e o theatro estão rivalisando de zelo nas saudades da despedida.
Quazi que se não faz outra couza entre nós senão ver a chuvas e as
representações do S. Luiz. Como dois velhos, que são, o inverno e o theatro
converteram-se em duas crianças chorosas. O primeiro derrama tonéis de
lagrimas sem sal, que produzem rheumatismo; o segundo expreme uma
lagrimas salgadas de philantropia, que produzem dores de cabeça nos
recebedores de bilhetes [...].
F. Reinar
195
Por essa notícia é possível ainda verificar que esse foi um período de grande
movimentação no São Luís, visto que o redator compara a quantidade de chuva com as
apresentações líricas dadas no teatro da capital maranhense, e também como as chuvas têm
um período do ano em que são mais constantes, no teatro não será diferente. Em outros
momentos, os periódicos que circulavam na cidade comentarão a exiguidade dos espetáculos
líricos, como o fez o jornal A Nova Epocha: O nosso Theatro vai ainda de quando em
quando gemendo com concertos musicaes; e pelo beneficio, que se deu no sabbado a Srª
Condessa Maffei, a concorrência do público fez lembrar os dias felizes da Empreza”
196
.
Passados alguns anos, é o Semanário Maranhense que trata sobre a morosidade da
movimentação cultural na capital da província do Maranhão, principalmente no seu palco de
maior prestígio, o Teatro São Luís, devido à passividade da sociedade maranhense que,
contrariando a fama de anos anteriores, não lhe dava muita atenção:
194
Cf. LOPES, Raimundo. Uma região tropical. Rio de Janeiro: Fon-Fon e Seleta, 1970. p. 45.
195
REINAR, F. O inverno... Semanário Maranhense, São Luís, n. 42, 14 jun. 1868.
196
O nosso... A Nova Época, São Luís, ano 3, n. 106, 16 fev. 1858.
100
Esta chronica vae em forma de telegramma, e de telegramma choccho. A
semana foi muito estéril. Alphonse Karr diz que o publico é o único culpado
das semanas estéreis. Eu concordo com Alphonse Karr. Peço ao respeitável
publico, que obrigue esta terra a ficar menos monótona.
Quando Neptuno quer acalmar as ondas, derige-se aos ventos e não ao mar.
Eu quero semanas mais interessantes: derijo-me ao publico.
O que seria de mim se não fossem os irmãos Franco, fornecedores da única
noticia que achei para a chronica? Era capaz de não fazer nada. E era bem
feito.
Enfim os irmãos Franco dão hoje o primeiro concerto de harpa e violino. É
de presumir que já estejão tomados todos os bilhetes do nosso theatro.
A fama dos concertistas é immensa, e o programma do divertimento muito
variado.
O Semanário espera poder registrar o triumpho dos illustres artistas.
PIETRO DE CASTELLAMARE.
197
Assim como o Semanário Maranhense, o jornal A Flecha também separava uma coluna
dedicada somente para o comentário das apresentações dadas no Teatro São Luís, no entanto,
o tom que os redatores deste periódico usavam para descrever e julgar se a apresentação do
espetáculo fora boa, era mais direta e abrasiva que os do Semanário. Essa forma de comunicar
aos leitores que ainda não tiveram a oportunidade de assistir aos espetáculos variava no
conteúdo e na forma segundo a posição do órgão de imprensa em que se exprimiam as ideias,
e segundo a distância maior ou menor do crítico e de seu público ao polo burguês
198
, como é
possível ler na notícia:
THEATRO
Exigir do chronista alguma cousa sobre Os Milagres da Virgem apparecida
equivale a dizer-lhe: troque a penna por uma bengala e bordoada de cego.
Effetivamente e peça que tem atrahido ao S. Luiz em peso, nenhuma face
apresenta pela qual se torne digna de recommendação. Como obra teatral,
nada mais inútil, mais pernicioso, mais estúpido. r no palco cousas
sobrenaturaes, milagrinhos ridículos e inadmissíveis é fazer o povo ignorante
recuar muitas léguas nas trevas da ignorância e consideramos criminosos o
autor e o empresário que praticam semelhante attentado e cúmplices as
autoridades que o toleram. A parte milagrenta, os Milagres são uma estopada
indigesta que transporta para o Brazil, felizmente povoado depois de cheio o
Kalendario, os tempos felizes em que os santos appareciam e os cachorros
traziam lingüiças ao pescoço. A Flecha sente um pesar indescritível em não
conhecer de perto o feliz autor d‟essa monumental obra dramática.
Quizeramos abraçal-o por aquelle portentoso achado da santa pescada e pela
197
SOBRINHO, José Joaquim M. Serra. ESTA crônica... Semanário Maranhense, São Luís, n. 9, domingo, 27
out. 1867.
198
BOURDIEU, 2008, p. 219.
101
habilidade com que embrulhou o seu enredo de forma tal que será um
milagre comprehendel-o alguém.
199
Nessa notícia, o redator toca em um ponto importante que as elites buscavam
desenvolver entre os seus iguais e na sociedade como um todo, que era o ideal de civilidade.
O grande defeito do que o espetáculo apresenta aos espectadores é justamente incentivá-los à
ignorância e à perniciosidade inata nos mais desvalidos sociais, pois o “teatro foi o meio
utilizado para serem ensinados os valores humanos, os costumes de todos os povos, as
doutrinas do desenvolvimento, faculdades essenciais do homem; isso através dos textos
dramáticos e das criações líricas”
200
.
Outro ponto importante e que as crônicas dão indicação é que em São Ls, apesar da
maioria da sociedade viver à custa da fama de uns poucos homens e mulheres que se
destacavam nas letras, já existia na capital da província do Maranhão homens cultos e
conhecedores dos aspectos principais de afinação, de classificação vocal, e também dos
enredos das óperas. Este último dado talvez seja mais importante do que o conhecimento
musical, pois as óperas aqui encenadas ainda não tinham nem cinquenta anos de compostas e
esses críticos ainda jovens as conheciam, e os aspectos musicais propriamente ditos não
passavam despercebidos. O jornal A Flecha apresentou a seguinte nota sobre o trabalho vocal
dos artistas da companhia do Sr. Sampaio durante o espetáculo:
As artistas do grupo provisório eram nossos conhecidos, excepção do Sr.
Eduardo Alvares uma novidade, e o do Sr. Silva uma nulidade de faces
rubicundas e vícios de pronuncia. O Sr. Eduardo possue certas qualidades
boas que chamam a attenção boa presença, um todo sympathico, um metal
de voz doce e commovente principalmente quando chora, porque o choro é a
sua melhor habilidade artística. Desgraçadamente estas qualidades são
obscurecidas pelos senões seguintes: Uma fraqueza natural da larynge que
não lhe consente erguer a voz ao diapasão exigido nas scenas violentas, nos
transportes, nas exaltações e nas exclamações: um acanhamento que o
compromette toda a vez que é necessário o jogo rápido, largo, o movimento
desembaraçado: uma cantilena desagradável, uma toada uniforme no final de
cada phrase.
N‟estas condições e demais a mais contrascenando com collegas que o não
auxiliam, a primeira figura do grupo provisório do Sr. Sampaio fica abaixo
da espectativa.[...]
Binocolin
201
199
THEATRO. A Flecha, São Luís, v. 2, n. 46, 4ª série, 9 out. 1880.
200
SILVA, 2006, p. 53.
201
BINOCOLIN. As artistas... A Flecha, São Luís, v. 2, n. 44, 21 set. 1880, p.59.
102
O sr. Eduardo possui um grande defeito, de acordo com o redator na notícia, que é a
incapacidade de alcançar a nota na altura correta. Para um cantor, é um grande defeito sim,
pois seu instrumento são as pregas vocais, assim, se não consegue ao menos emitir as notas
corretamente, a “boa presença” certamente não compensará essa debilidade.
No tempo em que escrevem os redatores do jornal A Flecha, o teatro São Luís estava
sob a responsabilidade de A. R. Sampaio, empresário lírico que estreou no teatro em 1879.
Sobre o desempenho dos artistas na peça Jorge Montanhez, também apresentada pela
companhia do sr. Sampaio, escreve A Flecha:
[...] Ao Sr. Antonio não sabemos de que, e que desempenhou a parte de
Pedro, os nossos cumprimentos pela boa disposição que revelou para a
scena. Bôa comprehensão do personagem, entonação apropriada, gesto
soffrivel, tudo isto revelou no seu pequeno papel o Sr. Antonio, no grão
compatível com a sua pouca pratica. Desejamos que o novo actor tome esta
nossa opinião na sua verdadeira intenção como incentivo e não como
elogio.
A Flecha mais de uma vez tem tido ensejo de saudar os esforços de d.
Rosa da Silva. Da execução que a jovem actriz deu ao papel de Diana de
Rione transpareceu estudo, appliação, força de vontade e intelligencia.
Nutrimos uma esperança sincera de fazer um dia n„estas nossas chronicas
theatraes a consagração final do talento de d. Rosa como artista consumada.
[...]
Binocolini
202
Que o sr. Antonio tome a opinião do redator da notícia “como um incentivo e não como
elogio”, essa é a grande chave para o entendimento da maioria dos comentários escritos nas
colunas do jornal A Flecha. Para deixar os artistas conscientes de que no Maranhão não era
qualquer coisa que agradaria ao público presente no teatro, e que havia pessoas capazes de
julgá-los nos aspectos musicais, os redatores falavam minuciosamente sobre a atuação desses
artistas-músicos durante os espetáculos teatrais.
Assim, através das constantes notícias dadas não pelos jornais Semanário
Maranhense e A Flecha, mas pela maioria dos periódicos que circulavam em São Luís
naquele presente, os espetáculos, sendo eles bons ou ruins, que aconteciam na capital da
província do Maranhão, tinham como palco o Teatro São Luís, por ser a única casa de
202
BINOCOLINI. AO Sr. Antonio... A Flecha, São Luís, v. 2, n. 45, 30 set. 1880, p. 66.
103
espetáculos de grande porte que a cidade dispunha e, principalmente, porque para quase todos
que se faziam presentes nesses espetáculos, não importava o que estava sendo apresentado o
importante era estar no teatro, ser visto no teatro, e assim tecer suas sociabilidades, pois o
teatro “foi o grande salão da „alta sociedade‟, agregando aqueles que em outros momentos
estavam dispersos em seus clubes, suas atividades profissionais, nas associações marcadas por
interesses comerciais, por origem étnica ou por algum esporte”
203
.
3.5 Teatro São Luís: “O” palco dos(das) maranhenses
Todas as notícias, com exceção das do tempo em que o teatro estava fechado para as
reformas, citadas até aqui, têm em comum o fato de referirem-se a espetáculos apresentados
no Teatro São Luís. A partir dessa simples, mas a meu ver, importante premissa, avento a
ideia do São Luís ter sido crucial para a efetivação do gosto teatral e musical e,
principalmente, considerado pelos homens e mulheres que viveram naquele presente, como
sinônimo de refinamento, civilidade e modernidade que teoricamente a sociedade ludovicense
apresentaria, pois, como escreve Ana Maria Daou:
O ritual de ir ao teatro oferecia à elite uma oportunidade de reconhecer a si
mesma e aos comportamentos condizentes com as alterações por que a
cidade e a sociedade passavam. Os frequentadores do teatro ao conferirem os
gestos e trajes de cada um, nutriam a fantasia de civilização, de comunhão
dos benefícios desta modernidade.
204
Outra questão que ratifica a importância do teatro para a efetivação do movimento
artístico como um todo em São Luís foram os tipos de espetáculos que ali eram representados
pelas companhias líricas, que podiam montar espetáculos grandiosos, como geralmente são as
óperas, compostas de cenário, coro, orquestra e atores, e necessitava de espaço e locais
projetados de forma a facilitar as trocas de figurinos e de cenários, devido às novas tendências
do teatro moderno, pois “o „drama de casaca‟ realista, operava uma mudança radical, tanto na
203
DAOU, Ana Maria. A belle époque amazônica. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000. p. 52.
204
DAOU, 2000, p.54.
104
indumentária, como também, e, sobretudo, nas cenas que deviam reconstruir cuidadosamente
a atmosfera da ação”
205
.
As elites de São Ls queriam a todo custo se fazer presentes nos espetáculos líricos,
pois a ópera moderna era a última novidade vinda da Europa, e desse assunto os jornais tratam
constantemente nas crônicas que eram publicadas em suas páginas, nas quais ficavam
explícitas a importância que homens e mulheres davam ao teatro, visto que “os espaços físicos
das representações musicais são socialmente qualificados na sua relação com a distribuição no
espaço das classes sociais. É o entendimento de que as representações musicais, por mais
variadas que sejam [...] m relação com as diferentes posições distribuídas no campo
social”
206
.
Esse anseio, que era primeiramente o dos redatores das colunas, e por isso, ao analisá-
las, este dado não deve ser menosprezado, era estendido para os demais setores das elites a
quem representavam. No jornal A Moderação aparece mais um exemplo da importância que o
teatro representava para aquela sociedade e de como a escrita dos jornais reforçava a vaidade
de quem a eles tinham acesso:
Os nossos recreios.
É nossa firme convicção que o theatro bem dirigido, alem de ser lugar de
recreio; é ao mesmo tempo verdadeira eschola de moral; porque ahi vai-se
aprender praticamente a distinguir as boas e más acções. E ainda mais nos
fortalecemos deste nosso pensar, por vermos que no paiz vão passando os
theatros da propriedade particular para a do governo, que não tem deixado de
lhes ir dando todo o impulso. O Maranhão é por certo uma das províncias do
Brasil em que mais gosto se vê pelo theatro, o que prova que somos bastante
civilisados, e amantes do útil e agradável.
207
Maria Helena Franca Neves ao analisar as mudanças ocorridas na Bahia após a
construção do Teatro São João e a difusão da ópera como estilo musical dominante e feito
para agradar uma pequena parcela das pessoas que ali compareciam, escreve:
A história da ópera moderna, ou teatro lírico na Bahia, [ou em São Luís]
reflete a própria história cultural do século XIX, considerado o culo áureo
do teatro lírico, que se tornara uma diversão popular em quase toda a
205
CACCIAGLIA, 1986, p. 82
206
BOURDIEU, apud CARVALHO SOBRINHO, 2003, p. 19.
207
OS NOSSOS recreios. A Moderação, São Luís, n. 8, quarta-feira, 27 abr. 1859.
105
Europa, especialmente na Itália, Paris e Alemanha. No Brasil tornou-se uma
paixão elitista”.
208
Assim, com todas essas ideias circulando pela capital da província do Maranhão, os
empresários líricos nutriam os(as) ludovicenses anunciando nos jornais que circulavam na
cidade os espetáculos que teriam lugar no Teatro São Luís:
15ª Recita da Assignatura
Domingo 22 de maio de 1853
Depois da execução de uma agradável simphonia, pela Orchestra, subirá a
scena a muito interessante e jocoza Comedia em 3 actos, ornado de canto
(Opera Comica) composição do bem conhecido litterato, o Sr. Luiz Carlos
Martins Penna, author do Juiz de Paz da Roça, Dilettante, Inglez, Inglez
Maquinista etc.etc. que tem por titulo: O NOVIÇO.
Muzica arranjada e instrumentada pelo Sr. Sergio Augusto Marinho.
O nome do author da presente COMEDIA, é bastante para demonstrar o
quanto é ella interessante e jocoza, e a empreza abstem-se de dar ao Publico
a mais leve idéia della, para lhe não roubar o prazer da surpreza.
Terminará o expectaculo com a bem conhecida comedia em 1 acto O
INGLEZ MAQUINISTA.
Os bilhetes achão-se a venda como é costume.
Começará ás 7 horas e meia.
209
Mas não era qualquer tipo de ópera apresentada nos teatros do Brasil Imperial que
agradava aos membros das elites. De acordo com Maria de Lourdes Rabetti
210
, ao examinar a
presença da música italiana na formação do teatro brasileiro, diz que foi grande a influência
exercida pela música de cunho operístico vinda da Itália
211
. O Imperador e sua esposa foram
os principais incentivadores da ópera italiana e, por isso a “elite oficial, monárquica e
burguesa, com seus projetos e realizações espetaculares, por meio de mecenato direto e
favorecimentos, na Itália e no Brasil, garantiu a vinda de importantes companhias ricas e de
prosa italianas [...], com passagem obrigatória pela Corte do Rio de Janeiro”
212
.
208
NEVES, 2000, p. 157.
209
15ª RÉCITA da Assinatura. O Globo, São Luís, n. 145, 21 maio 1853.
210
RABETTI, Maria de Lourdes. Presença musical italiana na formação do teatro brasileiro. In: ArtCultura:
Revista de História, Cultura e Arte, v. 9, n. 15, 2007. Uberlândia: Universidade Federal de Uberlândia, Instituto
de História. (p. 61- 81).
211
Sobre o contexto histórico da Itália e a vinda dos artistas italianos para o Brasil, ver também NEVES, 2000, p.
159-160.
212
RABETTI, 2007, p. 71.
106
O Maranhão, mais especificamente São Luís, também seguia essa tendência nacional de
amor pela ópera italiana
213
. As companhias ricas italianas também cantavam suas óperas no
São Luís, como apresenta notícia o jornal O Observador acerca da estreia da empresa
Ramonda no palco do Teatro: “Quinta-feira, 4 de junho, estréia a nova Companhia Lírica
Italiana, da empresa Ramonda, com a representação de Hernani, ópera em 4 Atos, música do
maestro Verdi; as decorações são novas, pintadas expressamente pelos cenógrafos Monticelli
e Venere, segundo consta
214
”. E no Diário do Maranhão, foi veiculado o programa do
espetáculo dado pelo empresário Ramonda:
Representação extraordinária em beneficio da 1ª bailarina absoluta
VIRGINIA ROMAGNOLI.
Logo que principiar a tocar a orquestra aparecerá um novo pano de boca,
pintado pelos insignes cenógrafos Venere e Monticelli, em obséquio
particularmente à beneficiada, representando uma bela vista desta cidade.
ÓPERA TROVADOR.
Finalizando com célebre dueto do 3º Ato.
No fim do Ato terá lugar um novo passo a dois, a caráter, composto pela
beneficiada.
LES DEBERDEURS
No fim do 2º Ato a beneficiada dançará o passo a caráter
A INGLESA
Em seguida a Sra.Maffei em obsequio a mesma cantará a cavatina da ópera
TRAVIATA
Música célebre do M. Verdi.
No fim do 3º Ato a beneficiada dançará o passo a caráter
GITANA
Com uma nova vista pintada pelo bem conhecido cenógrafo o Sr. Venere,
em obsequio à mesma.
A beneficiada, penhorada extremosamente pelas tantas provas de
benignidade e simpatia que o publico maranhense lhe tem compartido,
espera neste dia ver coroado seus esforços, de que desde já ficará sumamente
agradecida.
Principiará às 8 horas.
215
A companhia lírica de Ramonda passou quase um ano promovendo espetáculos no
Teatro São Luís, e durante esse período os jornais noticiavam frequentemente o
contentamento que as apresentações causaram aos seus frequentadores, como escreve José
Jansen:
213
Cf. FONSECA, Aleilton. Enredo romântico, música ao fundo. Rio de Janeiro: Sette Letras, 1996, p. 44.
214
QUINTA-FEIRA... O Observador, São Luís, 31 maio 1857, p. 46.
215
REPRESENTAÇÃO extraordinária em beneficio da bailarina absoluta. Diário do Maranhão, o Luís, 6
nov. 1857, p.4
107
A ribalta do teatro acendia-se para noites que ficaram na crônica como das
mais belas daquela casa de espetáculos e, tratando-se de ópera italiana, os
cronistas, tomados de entusiasmo, passaram a mostrar seus conhecimentos,
usando e abusando das expressões italianas relativas à técnica do belo canto:
“volatas, “fioritura”, “gruppetto”, e “trinados”, passaram a ser vocábulos
usuais.
216
O Almanak do Maranhão para o ano de 1858 traz em suas páginas um relatório,
provavelmente feito e publicado a pedido do Sr. Ramonda, com todos os vencimentos
recebidos pelos artistas, músicos, funcionários do teatro, os preços das entradas e as óperas
que foram apresentadas pela companhia. Devido à quantidade de informações contidas na
notícia, é bem extensa, no entanto, é de primorosa importância justamente por conter
especificidades difíceis de serem encontradas sobre essas companhias líricas, como segue:
Theatro de S. Luiz
(Companhia Lyrica italianna 1857)
Empresario Jose Maria Ramonda, r. da Estrella, 47.
Nome Ord. Mensal
PrimadonaabsolutaCondeçadeMaffei 425$000
Prima dona mezzp soprano Angelina Remorini
150$000
Segunda dama Justina Gallo 100$000
Primo tenor absoluto Clemente Scanavino (rescindiu o contracto)
306$000
Primo tenor supplemento VicenteVanninetti 100$000
Segundo tenor Cesar Savio 100$000
Primeiro barytono absoluto José d‟Ippolito 180$000
Primeiro basso profundo Fortunato Dalla Costa 230$000
Buffo comico e basso comprimario João Rergamaschi
(rescindiu o contracto) 153$000
11 coristas percebendo mensalmente 220$000
Terceto de Bailarinos
Primeiros bailarinos absolutos
Virginia Romagnoli 185$000
Jose Cardella (rescindiu o contracto) 185$000
Primeira bailarina Josephina Manzini 153$000
Maestros ensaiadores e directores da orchestra
Innocencio Smoltz 300$000
Alberto Franchel (rescindiu contracto) 170$000
Maestro dos coros João Fasciolo 100$000
Orchestra
216
JANSEN, 1974, p. 72.
108
violino da opera Francisco Xavier Beckman, r. da Savedra, 14
70$000
violino do baile Luiz Scandolari
100$000
1º clarineta Francisco Antonio Colas, r. Grande 60$000
flauta Sergio Augusto Marinho, r. da Palma, 20
57$000
1º violloncello Antonio de Freitas Ribeiro, r. do Egipto 45$000
contra-basso Antonio Jo Fernandes Valença, Campo d‟Ourique
50$000
viola Ricardo José d‟Oliveira e Silva, r. Grande, 78
40$000
1º piston Carlos Antonio Colás, r. Grande 35$000
1º ophcleid Leocadio Ferreira de Souza, r. S. Antonio 40$000
1ª trompa Policarpo Joaquim de Lemos, r. dos Remedios 30$000
1º tromboni José Affonso Pereira, r. do Quebra Costa 35$000
Chefe dos segundos violinos Domingos Correa de Vasconcellos , r. da
Savedra 60$000
2º violino Antonio Pacifico da Cunha , praia Pequena 35$000
2º dito José Vicente da Costa Bastos, r. do Egypto 30$000
2º dito Joaquim Antonio de Lemos Paricá, r. das Violas 30$000
2º dito Antonio Raimundo Marinho, r. S. Antonio 30$000
2ª clarineta Bernardino do Rego Barros, r. de S. João, 2 30$000
2ª flauta Ezequiel Antonio Colás, r. de S. João 35$000
ophcleid Antonio Gonçalves da Silva, r. da Madre de Deus
30$000
2º trompa José Antonio de Miranda, r. do Sol. 35$000
2º tromboni Andre Soares Falcão, r. da Paz. 30$000
2º dito João Evangelista Belfort, travessa da Passagem 30$000
Timbales João Evangelista do Livramento, r. Direita 36$000
Mais 7 alumnos da casa dos Educandos 200$000
Ponto Domingos Tribuzy, r. da Paz, 8 70$000
Pintores scenographos
Luiz Monticelli 170$000
João Venere 170$000
Mestre Alfaiate Sabino Antonio dos Santos, Praça da Alegria 45$000
Modista Judith Romagnolli 60$000
Guarda roupa e fiel do theatro Januario Anselmo da Cruz, no edificio
70$000
Avisador e bilheiteiro Manoel Gonçalves da Silva, r. das Violas, 79
50$000
Porteiro da Caza José de Jesus Cruz, r. de S. João, 1
20$000
2 carapinas e 4 serventes 120$000
Porteiros
Da plateia superior Antonio José Xavier, praia de S. Antonio, 47
12$000
Da geral José de Jesus Meirelles, r. da Madre de Deos
12$000
Idem Mariano Gomes de Castro, praia de S. Antonio 12$000
Das varandas Joaquim Lopes Ferreira, Caminho Grande 8$000
Idem 6$400
Secretario da empreza Bernardino do Rego Barros, r. de S. João 2
30$000
Somma total dos empregados 76
109
Despeza total por mez, com os mesmos 5.085$000
Subsidio por 5 mezes 16:000$000
Ajuda de custo para viagens 4:000$00
Para 12 decorações 1:200$000
21:200$000
O Sr. Empresario trouxe também escripturada outra prima dona absoluta, s
Sra. Adelaide Larumbe que rescindiu o contracto sem estrear : - venda de
ordenado 370$rs em cada mez, e mais uma comprimaria, Sra Luiza
Larumbe, com o ordenado de 153$rs que também não chegou a estrear.
Mezes depois de trabalharem, rescindiram o contracto o tenor, o basso
bufo, o bailarino e o maestro Franchel.
Capacidade do Theatro
O Theatro tem 66 camarotes em 3 ordens, 11 de cada lado em cada uma das
ordens, e alem disso mais 16 torrinhas, 8 de cada lado. Na plateia 450
lugares, sendo 320 na geral e 130 na superior (cadeiras). Nas varandas ha
lugar para 300 pessoas. O palco tem 55 palmos de largura, 38 d‟altura e 100
de fundo.
Precos dos lugares
Os preços tem variado mas diversas empresas, ultimamente durante os
espectaculos lyricos forão estipulados do modo seguinte: Plateia superior 2$;
geral 1$;camarotes de 1ª ordem 7$, e de 12$, de 3ª 10$; torrinhas 2$500,
varandas 500rs.
Expectaculos da empreza lyrica
De Donizetti Gemma de Vergy, Elixir d‟amor, Lucia de Lammermoor,
Linda de Chamounix
De Verdi Hernani, Trovador, Nabucodonosor
De Bellini Norma, Sommambula, Beatriz de Tenda
De Rossini Barbeiro de Sevilha
Em todos estes espectaculos o empresario esmerou-se não se forrando a
despezas, por moltal-os com tanta propriedade, luxo e brilhantismo, quando
era de desejar no que diz respeito a vestuario como a scenario. Talvez que
em muitos theatros bons, onde o publico esteja afeito a operas italianas,
não se appresentem ellas em scena como aqui succedeu, graças ao empenho
que o Sr. José Maria Ramonda sempre fez por agradar o publico e cumprir
com o seu contracto.
217
Através dessa notícia é possível perceber a disparidade entre o vencimento da artista
principal da companhia e os demais cantores e músicos que compunham o elenco. Mas, para
exemplificar, tomarei como contraponto os vencimentos recebidos pelo regente da orquestra.
Na notícia em questão, o senhor Innocencio Smoltz recebia 300 mil réis de ordenado mensal,
enquanto a prima-dona, 425mil réis. Este é um dado curioso, quando se tem como referência a
importância que os regentes conquistaram ao longo do século XX e talvez por isso soe
estranha essa disparidade do século XIX, pois “historiador pertence à sua época e a ela se liga
pelas condições de existência humana”
218
. No entanto, no século XIX, os valores são outros, é
217
THEATRO de São Luís. Almanaque do Maranhão para o ano de 1858. São Luís: [s.n], 1858. p. 89-93.
218
CARR, 2006, p. 60
110
com esses que vou continuar operando aqui para analisar a importância da primeira atriz, visto
que o “regente era considerado um acessório da companhia, como o maquinista, o ponto, o
alfaiate, entre outros”
219
.
É importante fazer diferenciação entre o regente/maestro de bandas militares, fanfarras
do regente/maestro de orquestra de teatro devido à necessidade que o último precisa
apresentar, no que tange a um conhecimento maduro sobre leitura e interpretação da partitura
musical, principalmente nas de óperas, nas quais, geralmente, além da orquestra e dos
cantores solistas, a presença de um coro. No entanto, todas essas qualidades nem sempre
eram recompensadas com bons salários. O jornal A Flecha veiculou uma notícia sobre a
disparidade entre o salário do guarda do Teatro São Ls e o do regente da orquestra, como
segue:
Há cousas que não tem explicação: O Sr. Leocadio Rayol, como todos
sabem no Maranhão, é o único regente de orchestra de que o theatro São
Luiz pode lançar mão facilmente, o que sempre faz quando preciza; e todos
sabem tambem que o velho Januário é o guarda do theatro e que por isso
percebe um ordenado do governo, encarregando-se também do serviço
material da caixa nas noites de representação. Pois bem! o guarda do
theatro ganha por cada espectaculo, alem do supradito ordenado, a quantia
de trinta mil reis; ao passo que o maestro, que se esforça, que estudou, que
tem talento e que preenche magistralmente o seu cargo, ganha apenas vinte
mil reis, isto é dous terços do que o guarda.
Parece-nos irregular semelhante cousa, e por isso pedimos ao Sr. Sampaio
que procure estabelecer o equilibrio dando menos ao Sr. Januario e mais ao
Sr. Rayol.
220
Não dados concretos sobre a educação musical de Leocadio Rayol (1849 -1909)
221
,
mas, através dos comentários feitos pelo redator da notícia, é possível dizer, pensar que
possuía conhecimentos musicais maduros, pois, ao que parece, regia partituras com pouco
tempo de estudo. Posição que só músicos experientes têm condição de assumir de última hora.
Várias companhias líricas ocuparam o Teatro São Luís ao longo da segunda metade do
século XIX. Passados alguns anos que a companhia de José Maria Ramonda deu espetáculos
em São Luís, outra companhia italiana chega à capital da província do Maranhão trazendo
219
SILVA, 2006, p. 124-125.
220
HÁ cousas... A Flecha, São Luís, n. 15, 5ª série, 2 ago. 1879, p.118.
221
Cf. CARVALHO SOBRINHO, João Berchmans de. A música no Maranhão Imperial: um estudo sobre o
compositor Leocádio Rayol baseado em dois manuscritos do Inventário João Mohana. Em Pauta, Porto Alegre,
v. 15, nº 25, julho a dezembro 2004.
111
divertimento e alegria para os ludovicenses. Sobre a chegada da companhia rica de Pascoal,
Mário Muzella relata no Diário do Maranhão:
Chegaram hoje no vapor Bahia os seguintes artistas esperados pelo Sr.
Muzella, e que formam a companhia que vai trabalhar.
Avalli prima-dona.
Springer dita
Adelia Berio contralto
Dominici barítono
Bonora baixo
Arrighi tenor
Gonzales comprimário
Adélia dito
O primeiro espetáculo é como está anunciado, no próximo sábado com a
ópera Il Trovatore.
O guarda-roupa da companhia veio à entrega dos Srs. Manoel Loureiro &
Cia., negociantes desta praça.
222
As o primeiro mês que a companhia do Sr. Muzella chegou a São Luís, o Diário do
Maranhão anunciava o desempenho da companhia italiana:
Tanto anteontem como ontem foi cabal o desempenho da ópera de Verdi
Um ballo in moschera. [...] Muitas palmas de flores foram dedicadas ao
artista. Foi a ópera de melhor desempenho que a empresa tem conseguido
levar. As vistas do último Ato, pintadas pelo Sr. Cunha são de brilhante
efeito.
223
A década de oitenta chegou e, com ela, as agitações em torno da abolição da escravidão
se intensificam, porquanto o era mais apropriado para a sociedade imperial ostentar tal
título, pois na “ótica da corte, o mundo escravo, o mundo do trabalho, deveria ser transparente
e silencioso. No entanto, o contraste entre as pretensões civilizadoras da realeza [...] e a alta
densidade de escravos é flagrante”
224
, e a monarquia o possuía mais palavras que
refutassem os ideais de liberdade que ultrapassavam os limites das discussões dos anos
anteriores e caminhavam para a abolição se a coroa não se antecipasse aos acontecimentos.
222
CHEGARAM... Diário do Maranhão, São Luís, 22 ago. 1882.
223
TANTO... Diário do Maranhão, São Luís, 29 set. 1882.
224
SCHWARCZ, 1998, p. 116.
112
Mas, enquanto isso não acontecia, o Teatro São Luís continuava a oferecer aos
diletantes ludovicenses espetáculos líricos agora mais frequentemente de empresários
portugueses, pois a estrela principal da companhia que iria dar espetáculos em 1885 era
esperada desde 1880, como relatou A Flecha: “Por fim das contas não veio a Emilia Adelaide.
O Maranhão, a respeito de actrizes portuguezes tem sina de cachorro. Principalmente se são
Emilias. Por felicidade, d‟esta vez não estava nenhum jantar preparado na quinta do Caminho
Grande”
225
. Nesta data, relatada pelo jornal A Flecha, a dita atriz não veio, mas é o jornal
Pacotilha que dá notícia de espetáculo com a famigerada atriz:
Theatro S. Luiz
Companhia Dramática Portuguesa Dirigida pela Actriz Emilia Adelaide.
Domingo 4 de janeiro de 1885
Décima recita de assignatura
Grande novidade
Importante e magnífico espectaculo!
Subirá á scena, pela vez primeira n‟esta epocha, o muito desejado e sempre
applaudido drama de grande apparato, em 5 actos e 7 quadros do notável
escriptor francez D‟Ennery As duas orphãs.
Toma parte a eminente actriz Emilia Adelaide e o notável galan A. Boldrini
e toda a companhia.
Título dos quadros
O rapto As Duas orphãs
O banquete e o duello 6º A Sulpetriére
A pagina do Archivo Negro Abel e Caim
A pobre cega. 8º O reconhecimento
226
A partir da segunda metade do século XIX, mais especificamente em 1852, quando o
Teatro São Luís é reaberto, foram inúmeros os empresários que ocuparam o palco do Teatro
ao longo desses anos do referido século. Vários desencontros aconteceram entre os
empresários das companhias ricas e o governo da província do Maranhão. Por conta desses
problemas enfrentados pelo governo com os empresários, foi formada uma comissão para
dirigir o Teatro, que tinha o Sr. Juca Marques como chefe. Este deu início às suas atividades
na inspetoria do Teatro criando um novo Regimento que causou grande descontentamento não
no empresário responsável pelas récitas, assim como nos espectadores que ao Teatro
compareciam e como quem tem a faca e o queijo na mão parte por onde quer, o activissimo
225
POR fim... A Flecha, São Luís, ano 2, 2º v., 2ª série, n. 41, 23 jun. 1880, p.38.
226
THEATRO São Luís. Pacotilha, sexta-feira, 2 jan. 1885.
113
inspector do theatro lembrou-se de dar aos empresários mais trez porteiros, para por elles
serem pagos, além dos que faziam o serviço, desde que o theatro é theatro”
227
.
Outra mudança que fez o sr. Juca Marques, utilizando os novos porteiros por ele
nomeados, foi a exigência de que para ter acesso ao interior do Teatro São Luís era necessário
a apresentação dos bilhetes ao porteiro na chegada e durante os intervalos, se saíssem à rua
para comer alguma coisa, fumar um cigarro ou simplesmente “tomar uma fresca”, teriam de
apresentar novamente os bilhetes. Sobre essa determinação do inspetor do Teatro comenta o
redator do jornal A Federação:
Nos intervalos dos actos os espectadores vão gozar do ar livre, conversar
fora do edifício, e entram no theatro quando a orchestra já tem começado
a tocar. [...] Isto é um hábito inveterado, e que a ninguém prejudica, visto
que o espectaculo não soffre interrupção com isso. Agora quer o Sr Juca
privar os espectadores de algum tempo de recreio mais fora do theatro, e
forcal-os a que tratem de entrar mais cedo, calculando o tempo que há de ser
gasto nas differentes portas até chegarem ao lugar que tem de occupar. O
resultado não é difícil de imaginar. O publico não mudará os seus hábitos, e
os princípios dos actos hão de ser interrompidos com os passos dos
espectadores que entrarem mais demoradamente.
Eis as melhoras das reformas do Sr. Juca Marques.
Salve, Juca! Salve, Inspector!
228
Como é sabido, a abolição da escravidão no Brasil foi assinada pela Princesa Isabel em
13 de maio de 1888 e, ao que parece, apesar de muitos escravos terem sido vendidos para o
sudeste cafeeiro, quando o Maranhão passa pela recessão causada pela crise do algodão e
reorienta seus investimentos para o açúcar, a província como o restante do império brasileiro
era dependente do trabalho do africano escravo, como escreve Dunshee de Abranches:
A abolição do elemento servil lançara de vez a Província na mais sombria
miséria econômica. Passados os primeiros entusiasmos provocados pela
decretação da Lei Áurea, que, por mais de duas semanas, encheu de intenso
júbilo o povo maranhense, começaram logo s sentir-se os desequilíbrios
produzidos na vida de relação de uma sociedade organizada inteiramente
sobre o trabalho escravo e deste haurindo todos os recursos e todos os meios
de ação.
229
227
E como... A Federação, ano 1, n. 27, 21 jul. 1886.
228
NOS intervalos... A Federação, São Luís, ano 1, n. 27, 21 jul. 1886.
229
ABRANCHES, Dunshee de. A esfinge do Grajaú. 2. ed. São Luís: ALUMAR, 1993. p.32.
114
Contudo, apesar dessa situação decadente relatada por Dunshee de Abranches, no que
concerne ao movimento no Teatro São Luís no ano desse grande acontecimento, ao que
parece, os espetáculos continuaram seguindo a mesma direção dos últimos anos, e é o Diário
do Maranhão que anuncia o espetáculo:
Theatro S. Luiz
Grandioso acontecimento theatral.
Deslumbrante espectaculo de estrea da Grande Companhia Dramatica
Empreza e direcção da actriz brazileira APPOLLONIA. NOVIDADE
SURPREHENDENTE!
Quinta-feira, 31 de maio.
e única representação do sublime drama em 5 actos, original do laureado
autor portuguez, o Exm. Sr. Conselheiro M. Pinheiro Chagas HELENA
A mais preciosa jóia do Theatro Portuguez.
Distrinuição:
D. Helena.......................................................................................D. Apolonia
D. Pulcheria.........................................................................D. Maria Augusta
D. Catharina..............................................................................D. Manuela
Henrique de Mello........................................................................Sr. B. Lisbôa
Barão da Ribeira Negra......................................................................Sr. Abreu
O Visconde.....................................................................................Sr. Marques
Fortunato.......................................................................................Sr. C. Lisboa
Frederico Paes....................................................................................Sr. Mello
Leandro Borges............................................................................Sr. L. Ribeiro
Pedro, criado..............................................................................Sr. Carneiro
230
Pelas fontes analisadas é possível aventar que somente nas duas últimas décadas do
século XIX é que as companhias portuguesas apresentaram mais espetáculos do que as
companhias italianas e francesas no palco do Teatro São Luís. Fato que pode ser explicado
pelo surgimento de autores de peças brasileiros como os maranhenses Arthur Azevedo e
Coelho Neto, e também o surgimento do cinema, que começará a reorganizar o gosto e os
hábitos burgueses.
Nos últimos anos do século XIX, o Teatro São Luís foi ocupado pela companhia
dramática de Dias Braga que, pelos indícios, era português, como noticiou o Diário do
Maranhão:
230
THEATRO São Luís. Diário do Maranhão, São Luís, ano 19, n. 4418, 30 maio 1888.
115
Thetro S. Luiz
Grande Companhia Dramatica DIAS BRAGA
Fundada em 20 de novembro de 1883.
Orchestra dirigida pelo festejado maestro ANTONIO RAYOL.
Sabbado 16 de abril de 1898 Sabbado!
Sucesso Universal!
Drama de resistência, 525 representações, 1ª representação do grandioso
drama em 1 prologo, 5 actos e 8 quadros, extrahido do romance do mesmo
titulo do immortal escriptor francez ALEXANDRE DUMAS.
O CONCE DE MONTE CHRISTO
O papel de Edmundo Dantes e depois Conde de Monte Christo é uma
creação especial do artista Dias Braga [...]
No intervallo do e quadros a orchestra tocará debaixo da regência do
distincto maestro A. Rayol a polka brilhante Sou papa offerecido ao
actor Domingos Braga pelo distincto dr. José Vicente da Costa Basto como
prova de sympathia.
ATTENÇÃO
Prepara-se a grande revista que fez dois centenários no theatro Recreio do
Rio O BEDENGÓ.
Ás 8 ½ horas da noite.
231
A companhia de Dias Braga ficou responsável pelos divertimentos oferecidos pelo
Teatro São Luís até o início do século XX.
Assim, contrariando as construções feitas pelos historiadores que têm selecionado os
fatos ao longo do tempo e, através desse mecanismo, determinado os lugares onde, no período
imperial, teriam existido teatros e espetáculos líricos somente no Rio de Janeiro, São Paulo e
Minas Gerais, como escreve Mario Cacciaglia, sem cuidado e somente a partir da leitura do
dicionário de César Augusto Marques, o qual nem consta nas referências utilizadas pelo autor,
e diz que nada sabia das atividades do Teatro de São Ls, e “que não deviam ser de altíssimo
nível que em 1818, abrigou um espetáculo circense dado pela companhia equestre de um
certo Stanley
232
. Cacciaglia toma como padrão o ano de 1818, quando a atividade teatral
começava a se desenvolver na capital da província maranhense, e esquece que o auge do
teatro lírico-dramático em todo o mundo foi a segunda metade do século XIX.
O que fica explícito pelas inúmeras notícias veiculadas nos jornais oitocentistas de São
Ls, capital da província do Maranhão, é que durante toda a segunda metade do século XIX,
os ludovicenses tiveram acesso aos mais variados tipos de espetáculos líricos, nos quais eram
apresentados os dramas e óperas mais famosos na época. Aqui não está em cena a excelência
das encenações, mesmo os redatores dos jornais cobrando esse resultado dos artistas-músicos
das companhias, mas sim que os homens e as mulheres que frequentavam o Teatro São Luís
231
THEATRO São Luís. Diário do Maranhão, São Luís, n. 7385, sexta-feira, 15 abr. 1898.
232
CACCIAGLIA, 1986, p. 41.
116
tiveram a oportunidade de ouvir as melodias mais famosas de compositores como Verdi,
Donizete e Rossini.
117
4 TERCEIRO MOVIMENTO OS MÚSICOS E AS VIVÊNCIAS MUSICAIS SOANDO
NA IMPRENSA MARANHENSE
“A arte encontra-se em três níveis: no espírito do artista, no instrumento
que ele utiliza e na matéria que recebe sua forma de arte”.
233
Durante toda a história dos homens e das mulheres, sendo estes pobres ou ricos, existiu
uma busca por lugares, objetos, símbolos, formas de comportamento, tipos de leitura,
arquitetura, pintura que estivesse associada a seus hábitos e costumes e, assim, servisse para
identificá-los como membros de uma determinada comunidade. Dependendo do lugar e do
tempo no qual estes homens e mulheres estão inseridos, essas formas de identificação se
modificam, são readaptadas a fim de adequarem-se às necessidades dos seres humanos em
sociedade, e que só se consideram como tais a partir da convivência com seus pares.
Para a sociedade de elite ludovicense, nos dois últimos quartéis do século XIX não foi
diferente, pois “com a formação de uma camada social burguesa que passa a compor o poder
com os senhores territoriais e o consequente desenvolvimento da vida urbana se estabelece o
contexto da sociedade oficial, que se esmerava na imitação dos valores sociais e culturais
importados da Europa”.
234
Um dos requisitos para um membro das elites ser considerado culto e refinado era
possuir, além dos conhecimentos clásssicos adquiridos nas escolas de ensino regular, algum
conhecimento de artes ou algo do gênero que o diferenciaria dos demais de seu estrato social
e dos outros setores desprivilegiados da sociedade. Um desses conhecimentos, que nem
sempre era adquirido nas ditas escolas regulares, era a linguagem musical. A música, desde os
tempos mais antigos, serviu para diferenciar uns, e como instrumento de barganha para
outros. No século XIX ludovicense não será diferente. Aqui, talvez devido a distância da corte
e ao mesmo tempo à facilidade de contatos com a antiga metrópole portuguesa, a música e os
músicos eram tidos em alta estima. Mas sobre estes que utilizavam a música para sobreviver
tratarei adiante. Primeiramente falarei sobre a forma como as elites se utilizavam da música
para diferenciarem-se uns dos outros, e a sua importância no estabelecimento de contatos em
outros ambientes diversos do Teatro São Ls.
233
Dante, De monarchia, II, 2 apud PIFANO, Raquel Quinet. O estatuto social do artista na sociedade colonial
mineira. Lócus: Revista de História, Juiz de Fora, v. 4, n. 2, p. 121-130, 1998.
234
FONSECA, Aleilton. Enredo romântico, música ao fundo. Rio de Janeiro: Sette Letras, 1996. p. 12.
118
No século XIX, os membros das elites quando se dedicavam à música, era a linguagem
musical formal, que tem como símbolo a escrita em partitura, leitura rítmica e solfejo musical.
Esse aprendizado era qualificado como um ornamento que os filhos das elites apresentavam e
que os diferenciavam dos demais. Para as mulheres de elite, a música qualificava essa moça
casadoira, pois a “lição de piano é referida como uma obrigação de rotina, sendo atividade
contigua à de coser e bordar, cumprida sob o controle da família”
235
.
para os homens, além da herança e do nome de família tradicional que herdavam, a
música era uma forma de conquistar sua futura esposa sem precisar ter contato físico com ela,
devido ao cuidado quase carcerário que as famílias tinham com as moças, guardadas nos
grandes palacetes coloniais. Assim, “além de ser utilizada para „agradar as mulheres‟ com os
seus „corações ternos e doces‟, a música funcionava também como indicativo do grau de
sociabilidade e civilidade dos cortesãos”
236
. Dessa forma, a música deve ser entendida como
um fenômeno social e que tem implicações na sociedade onde é produzida e consumida.
O culto à prática musical foi difundido nas cortes imperiais, mas, ao longo do século
XVIII e principalmente XIX, passou a ser desenvolvida pelas famílias aristocráticas e pela
nascente classe burguesa em busca de status social. Esses homens conhecedores das letras e
agora das artes musicais foram os diletantes das sociedades imperiais. Na sociedade
ludovicense do culo XIX, os diletantes eram os intelectuais da geração denominada
atenienses, pois como a música era sinônimo de refinamento e os tais queriam ser iguais aos
gregos, as artes de Apolo não poderiam ser esquecidas.
No referido século, várias gerações de intelectuais se revezaram na idealização e
ratificação de uma singularidade almejada pelas elites de São Luís, que consistia em estender
o comportamento e o conhecimento de uma plêiade de homens cultos para toda a sociedade
ludovicense, passando a denominar São Luís “Atenas Brasileira”.
Hoje, é notório que a sociedade ludovicense não podia receber essa alcunha na segunda
metade do século XIX, visto que a maioria dos homens e das mulheres que a compunha era
analfabeta. No entanto, para os interesses deste estudo, esses diletantes eruditos foram os
incentivadores da cultura e dos bons modos na capital da província do Maranhão, e os jornais
foram o veículo de difusão dessas ideias de singularidade.
Não pretendo problematizar como essa construção foi pensada e repensada ao longo do
século XIX, mas é importante definí-la por ter sido uma tentativa de alguns maranhenses de
235
FONSECA, 1996, p. 75.
236
MONTEIRO, Maurício. A construção do gosto: música e sociedade na corte do Rio de Janeiro 1808-1821.
São Paulo: Ateliê, 2008, p. 86.
119
distinguirem-se não baseados nos padrões franceses de civilidade, mas também na
comparação de São Luís com Atenas, “comunidade do gênio, da inteligência e do
conhecimento”
237
. Assim, a tão propalada “Atenas Brasileira” foi:
[...] um produto histórico, resultante das atividades subestruturais
complementares dos senhores, administrando a organização do trabalho à
produção e circulação econômicas, e dos intelectuais, elaborando os
parágrafos determinantes da constituição de uma consciência oficial da
sociedade brasileira, contemporânea da emergência e estabelecimento do
Estado-Nacional, onde o Maranhão, orgulhoso e querendo ser mais
aristocrático, pretendia colocar-se como depositário prodigioso de uma
superioridade da terra e, sobretudo, do homem.
238
Rossini Corrêa divide os agentes da ideologia greco-timbirense em três gerações: a de
primeiro grau, que estudou na Europa, principalmente na Universidade de Coimbra, e foi
agente de mudança social, organizando respostas aos problemas da organização da cultura; a
geração de segundo grau teve sua formação acadêmica na Faculdade de Direito de Recife,
entrando em contanto com as ideias abolicionistas e republicanas; e a geração de terceiro grau
foi produto da derrocada material do Maranhão, utilizando as conquistas acadêmicas e
literárias para aumentar a autoestima em baixa por conta das dificuldades econômicas
239
.
É importante destacar que os maranhenses o se contentaram em ser iguais ao povo
considerado, no século XIX, o mais civilizado e elegante que existia no mundo europeu, os
franceses. Foram buscar suas raízes de singularidade na Grécia Antiga, berço de todo o
conhecimento desenvolvido ao longo do tempo pelos homens e pelas mulheres. Compreender
esse contexto é imprescindível para estabelecer o lugar social que as vivências musicais
assumiram para as elites ludovicenses nos idos do século XIX, assim como as adaptações que
precisaram ser realizadas pela falta de instrumentos apropriados ou de músicos experientes
que os executassem. Nessa perspectiva, analisei alguns indícios que aparecem nos jornais e
ratificam a existência na sociedade ludovicense de um gosto musical apurado e as condições
necessárias para que esse gosto fosse cultivado na própria capital da província.
237
CORRÊA, Rossini. Formação social do Maranhão: o presente de uma arqueologia. São Luís: SIOGE, 1993,
p. 111.
238
CORRÊA, 1993, p. 122.
239
CORRÊA, 1993, p. 197.
120
4.1 A questão dos instrumentos
O primeiro indício da existência, em alguns membros das elites ludovicenses, do gosto
musical, são os anúncios constantes de venda de instrumentos musicais nos jornais da cidade.
Não obstante a voz ser o instrumento musical por excelência dos homens e das mulheres, nem
todos possuem este instrumento vocal adequado para a prática musical. A partir do terceiro
quartel do século XIX, os instrumentos musicais fabricados com o intuito de acompanhar a
voz humana estão bem desenvolvidos e disseminados por todos os países do mundo. É
evidente que existia grande dificuldade no transporte desses instrumentos, ainda mais quando
se tratavam dos pianos, no entanto, mesmo depois de algum tempo de espera, eles acabavam
chegando aos seus destinatários. Nos jornais que circulavam pela cidade semanalmente ou
quinzenalmente, eram frequentes os anúncios de venda, aluguel de instrumentos musicais e
tudo o que fosse necessário para a sua boa utilização. Nesses periódicos eram oferecidos
instrumentos de vários grupos ou famílias, como: instrumentos de cordas, de sopro, de
percussão, de teclas
240
.
Apesar da existência, no século XIX, de uma grande variedade de instrumentos
musicais, os de maior ocorrência nos jornais da província maranhense eram os pianos e os
violões. Algumas possibilidades podem ser aventadas para a predominância de tais
instrumentos, como: no caso do piano, por ser o instrumento musical por excelência das
elites, visto que era símbolo o de refinamento como também de riqueza, devido ao seu
elevado preço e os altos custos com o transporte da Europa para o Brasil. A despeito da pouca
facilidade em adquirir um piano, nos periódicos da capital da província do Maranhão era
possível encontrar pianos à venda anunciados por particulares e não por lojas especializadas
no gênero. Aliás, é importante salientar que não havia em São Ls nenhuma organização
comercial especializada e dedicada somente à música. Os intrumentos musicais eram
oferecidos geralmente por livrarias, na melhor das hipóteses, e nos armazéns que vendiam
gêneros diversos, como veiculou o jornal a Moderação:
A Livraria da rua grande que pertence a Antonioo Moreira da Rocha,
mudou-se para a rua formosa, n. 2 apegado ao Sr. Olivier; e n‟ella existem a
venda, vindo pelo navio ultimamente chegado, os seguintes objectos:
240
Sobre as subdivisões dos instrumentos musicais Cf. BENNETT, Roy. Uma breve história da música. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar, 1986.
121
Altas de Delamare
Bordoes de piano
Cordas para violão e rabeca;
Muzicas de piano e canto,
Instrumentos,
Papel de todas as qualidades,
Dezenhod muito finos,
Tintas em caixinhas
Livros e muitas quinquilharias,
Alamires para afinar instrumentos,
Homeopatia em caixas e avulsas.
Tambem marca-se papel com o nome do comprador.
241
Antônio Pereira Ramos d‟Almeida fazia concorrência a Antônio Moreira da Rocha no
ramo comercial das livrarias, o que aumentavam as chances dos diletantes adquirirem na
própria província as partituras e/ou os instrumentos musicais que almejavam. O jornal A
Imprensa veiculou anúncio com os últimos ornamentos para casa e artigos referentes à
música:
Tapeçaria de bordados
Chegou para livraria e papelarua de Antonio Pereira Ramos d‟Almeida, bom
sortimento d‟estampas de tapeçaria e bordados de muito lindos gostos,
paizagens, figuras, passaros &&
Rabecas, Flautas e Clarinetas
Rabecas de muito boas qualidades finas e entrefinas, Flautas de luxo de 1
chave e bomba, ditas de ebano de 4 e 5 ditas, Clarinetas de buxi e ebano de
si e com 9 a 13 chaves, todos instrumentos escolhidos. Muzicas, grande
sortimento de methodos, para Piano, Violão, Rabeca, Flauta, e estudos,
fantazias, danças && as mais modernas.
242
Em contraponto ao piano estava o violão, considerado instrumento de baderneiro e
desocupado, mas que tinha a venda de cordas constantemente anunciada nos jornais da
cidade, como diz o anúncio a seguir:
Verdadeiras cordas para VIOLÃO
De seda e fita branca, Bordões de aço
Vendem
David, Rabello & C.
241
A LIVRARIA... A Moderação, São Luís, ano 3, n. 6, terça-feira, 12 abr. 1859.
242
TAPEÇARIA de bordados. A Imprensa, ano 5, n. 43, sábado, 1 jun. 1861.
122
Rua da Palma
Livraria Americana.
243
Os jornais, onde estão as principais referências deste estudo, através dos seus anúncios
traziam as ideias de mudança e progresso, assim como o gosto e a regras de civilidade
244
. Em
relação aos artigos relacionados à música não será diferente, a quantidade de anúncios de
venda de cordas para violão era superior aos demais artigos ligados à música. No entanto, os
anúncios de venda de violão não correspondem à quantidade de cordas que são oferecidas aos
maranhenses. Ainda assim, o jornal Publicador Maranhense veiculou notícia sobre a
Exposição Maranhense de 1872, na qual está escrito que no Maranhão a fabricação de violões
é importante, como segue:
A indústria da fabricação dos violões é relativamente importante no
Maranhão, exportando-se muitos deles ao interior da Província e às
províncias vizinhas.
De todos os fabricantes, um apresentou-se na Exposição, o Sr. Cláudio
Antonio de Oliveira que concorreu com um cavaquinho que nos pareceu
muito bem-feito.
Se não nos enganamos, temos passado em revista todos os expositores, salvo
um: o Sr. Fernando Antônio Corrêa que expôs um objeto do qual não nos
lembramos, pedindo-lhe desculpas por essa falta involuntária.
[...] Em resumo a Exposição Maranhense de 1872, sem ser mais concorrida
que a de 1871, apresenta sobre a Província uma vantagem importante, que é
o maior número de indústrias que foram representadas neste concurso de
trabalhadores [...].
245
Essa notícia levanta duas questões importantes não só para o desenvolvimento da
música no Maranhão, mas também em relação ao desenvolvimento das técnicas dos luthiers
em São Luís e da indústria como um todo. Interessante é que, nas fontes levantadas, este é o
único artigo que versa sobre indústria de violões. Talvez esse fato explique a grande
quantidade de cordas que eram oferecidas nos jornais ludovicenses.
Inversa era a quantidade de anúncios de pianos que apareciam nos jornais da capital da
província do Maranhão. Essa “quantidade” é analisada aqui partindo do pressuposto de que
um piano custava muito caro, pois vinha exclusivamente da Europa, o que encarecia ainda
243
VERDADEIRAS cordas para violão. Diário do Maranhão, São Luís, n. 7875, quinta-feira, 30 nov. 1899.
244
MONTEIRO, 2008, p. 76.
245
A INDÚSTRIA... Publicador Maranhense, São Luís, 8 fev. 1873.
123
mais o seu preço por conta do transporte. Todavia, ao longo da segunda metade do século
XIX, os anúncios de venda de pianos sempre aparecem nos jornais de São Ls.
Outro ponto que ratifica a ideia de que o número de anúncios de piano era grande,
levando-se em consideração o fabricante, o preço e o custo do transporte da Europa para a
América do Sul, é o fato de poucas pessoas terem conhecimentos musicais para executá-lo.
No entanto, por conta da simbologia que envolvia esse instrumento, por vezes era adquirido
como representação de refinamento, de distinção social e de poderio econômico da família,
que o apresentava em uma sala especialmente decorada e preparada para recebê-lo.
Nos jornais de São Luís não eram anunciados apenas pianos novos. Pessoas sicas, por
motivos que fogem ao conhecimento do pesquisador, colocavam seus pianos à venda, como
consta no anúncio que foi veiculado no jornal O Observador: “Vende-se um piano de
construção forte, mas usado, e por preço commodo: quem o pretender dirija-se á casa n 37 rua
do Sol desta Cidade”
246
.
Geralmente nesses anúncios de pianos usados vinha especificado “em bom estado”, ou
“com pouco uso”, mas não vinha expresso o valor do instrumento, dado que ajuda a pensar se
estava mesmo em bom estado, visto que os pianos eram instrumentos musicais de alto valor
econômico. O Diário do Maranhão assim anunciou: “Vende-se um baratíssimo na officina de
Cypriano Baptista rua do Sol 19 podendo ser examinado por pessoa habilitada ou quem
pretendel-o”
247
. Ainda no referido jornal aparece anúncio de usado: “Nªesta typographia se
informa quem precisa comprar um piano com algum uso porem bom”
248
.
Alguns desses anúncios de venda de piano trazem informações valiosas como o nome
do vendedor e a rua onde residia e, através dessas informações, algumas conjecturas podem
ser levantadas a respeito das condições de vida das elites ludovicenses, pois, dependendo do
lugar onde o anunciante residia, é possível ter uma ideia da sua condição social e econômica.
Essas indicações podem ser feitas a partir do anúncio seguinte:
D. Antonia Martins vende um piano-forte francez, do fabricante Alphonse
Blondel (de Pariz) sem uso quase nenhum, de vozes avelludadas e de
armario. Tem sete oitavas e é de madeira preta, com ornatos despolidos.
Quem o pretender pode examinal-o em casa de sua residencia, á rua Grande,
n. 69.
249
246
VENDE-SE... O Observador, São Luís, ano 8, n. 554, quinta-feira, 14 set. 1854.
247
VENDE-SE... Diário do Maranhão, São Luís, ano 28, n. 7191, sábado, 21 ago. 1897.
248
VENDE-SE... Diário do Maranhão, São Luís, ano 27, n. 676, quinta-feira, 12 mar. 1896.
249
PIANO-FORTE. O País, São Luís, ano 14, n. 140, sexta-feira, 15 set. 1876.
124
Através desse anúncio é possível aventar algumas hipóteses. O dona “D.” era um
qualificativo usado por senhoras que tinham uma posição na sociedade do Brasil Imperial. D.
Antonia
250
era uma senhora de posse, pois residia na Rua Grande, local onde habitavam as
elites na capital da província do Maranhão. Outra informação valiosa é que, provavelmente,
ela podia ser viúva, uma vez que mulheres da “boa sociedade” anunciavam alguma coisa
em jornais em benefício de causas beneficentes, visto que as suas vozes eram as dos maridos.
E a terceira informação é que o piano tinha sido pouco usado. Sobre esta última, é possível
inferir duas coisas: a citada senhora possuía outro piano, ou o precisava mais dele para dar
aulas. Provavelmente, necessitava de dinheiro, e este talvez fosse o único bem de valor que
possuía. Finalmente, ao anunciar em um jornal a venda do seu piano particular, mostra que a
sociedade ludovicense da segunda metade do século XIX já passava por mudanças, pois foi “a
própria vida na cidade que se encarregou do processo de exteriorização da mulher”
251
.
Além das expressões “pouco uso” e “bom estado”, utilizadas para qualificar os pianos
postos à venda, e que lhe diminuíam os preços, ainda havia os que serviriam para aprendizes,
pois um pianista concertista não compraria um piano com estas qualificações devido à falta de
alguns atributos essenciais de afinação e resposta da tecla ao toque que, provavelmente,
fossem mais irregulares nesses pianos. No entanto, instrumentos desse tipo eram oferecidos
nos jornais: Piano No escriptorio do „Diario‟ está um que se vende por preço commodo
para quem precisar de aprender”.
252
Assim como havia anúncios que apresentavam muitas informações sobre o
conhecimento de diversos aspectos das vivências das elites durante o século XIX, existiam
outros que deixavam dúvidas, como o que veiculou o jornal O Paiz: Albino Lopes Pastor
vende dous bons pianos, sendo um inglez e outro francez, com excellentes vozes preço muito
razoavel. Á rua de Nazareth, n. 34”
253
. A dúvida está na expressão “bons pianos”, pois um
piano usado pode ainda receber essa qualificação, assim como um novo, mas o de uma marca
regular também pode ser um “bom” instrumento musical.
Contudo, para atender aos anseios de refinamento, civilidade e modernidade das elites
ludovicenses, os comerciantes também anunciavam pianos novos vindos da Europa, uma vez
que eram os que faziam os olhos dos membros das elites brilharem de tanto contentamento. E
é o jornal O Paiz que veiculou esta notícia, para alegria dos amantes do referido instrumento:
250
É possível que esta D. Antônia Martins seja a mesma D. Antônia Gertrudes Martins que anuncia aulas de
piano em 1873 no Almanak do Maranhão.
251
Kátia Muricy apud RAINHO, Maria do Carmo Teixeira. A cidade e a moda: novas pretensões, novas
distinções, Rio de Janeiro, século XIX. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2002. p. 63.
252
PIANO. Diário do Maranhão, São Luís, ano 16, n. 3456, terça-feira, 3 mar. 1885.
253
PIANOS. O País, São Luís, n. 86, quarta-feira, 18 abr.1877.
125
“Candido Cezar da Silva Roza recebeu novos pianos de Hamburgo. Um destes pianos, cuja
caixa é de NOGUEIRA é primorosamente acabado, merece ser apreciado pelos
entendedores da arte, e collocado em alguma das sumptuosas salas desta bella cidade”
254
.
Interessante como essas notas direcionavam a informação a um determinado estrato da
sociedade ludovicense, indicativo de que os pianos deveriam ser colocados em salas
“sumptuosas”, isto quer dizer que, somente pessoas com grande poder aquisitivo
poderiam/deveriam adquiri-los, porquanto somente nos grandes casarões colossais existiam
salas com essas características.
Da família dos instrumentos de teclas não era somente o piano que era oferecido nos
periódicos da capital maranhense. O órgão, mais solene e não menos refinado que o piano,
aparecia nos anúncios também direcionado para quais lugares era mais apropriado, como
diz a notícia:
Duchemin & C.ª vendem:
Um orgão Harmonium proprio para sala ou para qualquer Igreja pequena
preco de 400$000.
PIANOS
Entre elles um grande de concerto, o melhor que ha nesta cidade e o mais
seguro.
Binoculos para theatro, muito superiores e por preços moderados.
Espelhos para salas.
Diversos tamanhos com caixilhos dourados.
255
Durante praticamente toda a segunda metade do século XIX, como ratifica o anúncio
supra, São Luís careceu de uma livraria, loja ou comércio onde os músicos ou aspirantes a
este ofício pudessem encontrar em um lugar o que necessitassem para os seus estudos.
Somente nos últimos anos do século XIX, através do anúncio seguinte, é que esta falta
começa a ser suprida, como diz a notícia: “Deposito de pianos e musica Grande sortimento
de pianos e todos os instrumentos de musica. Alberto Fred_& Comp. --- Pará”
256
.
Apesar da dualidade ordem/desordem representada, respectivamente, pelo piano e pelo
violão, os ludovicenses, independente dos estratos sociais onde estavam inseridos, tinham
acesso a outros tipos de instrumentos musicais. Dentre o universo dos instrumentos
254
PIANOS de Hamburgo... O País, São Luís, n. 56, quinta-feira, 12 maio 1864.
255
DUCHEMIN & C.ª vendem. O País, São Luís, n. 86, terça-feira, 26 jul. 1864.
256
DEPÓSITO... Diário do Maranhão, São Luís, n. 6363, terça-feira, 20 nov. 1894.
126
disponíveis na segunda metade do século XIX, a rabeca é um dos que também eram
anunciados nos jornais da cidade:
Despachado no 10 do corrente Rabecas muito superiores com caixas, arcos
para ditas igualmente superiores, resina e clina para as mesmos; tem a venda
na Livraria de Antonio Pareira Ramos de Almeida, largo de Palacio, casa
n.20. Vindo no vapor Parabé para a mesma Livraria: Arithmetica, Algebra e
Geometira por Christiano Benedito Ottoni; Cathecismos da doutrina christã,
aprovados pelo bispo do Rio de Janeiro.
Julho de 1858
257
.
Boa rabeca!!!
Vende-se na rua Grande n. 119 uma muito boa rabeca sem uso nenhum, com
methodo, por preço muito commodo.
258
É importante continuar pontuando a falta de um lugar dedicado especialmente aos
amantes da música. Com efeito, na notícia apresentada acima ainda aparecem outros objetos
oferecidos ao público em geral, juntamente com os instrumentos musicais. E, apesar dos
instrumentos que predominavam serem o piano e o violão, respectivamente, das elites e dos
populares, outros sons também eram ouvidos pelas casas e ruas da cidade, como veiculou o
jornal O Paiz: “Srs. Muzicos, ophcleids, pistons e clarinetes, quando precisarem, procurem no
armazem pegado a alfandega. MOREIRA DA SILVA, IRMÃO & C.ª”
259
.
Nos Almanaques do Maranhão, que também serviram de fonte para este trabalho, é
possível saber quais os outros instrumentos musicais existentes na capital maranhense,
embora não aparecessem anunciados nos jornais consultados. Nos almanaques aparecem
apenas os nomes de professores de outros instrumentos além do piano e do violão.
4.2 Partituras e professores(as)
Uma grande variedade de instrumentos musicais, mesmo em condições às vezes não tão
boas, podia ser encontrada em São Luís nos idos da segunda metade do século XIX. No
entanto, esses instrumentos não têm “vida” e o despertam emoções sozinhos. Para que os
257
DESPACHADO... A Moderação, São Luís, ano 2, n. 22, sábado, 31 jul. 1858.
258
BOA rabeca! O País, São Luís, n.84, segunda-feira, 14 jul. 1873.
259
SRS. MÚSICOS... O País, São Luís, n. 86, terça-feira, 26 jul. 1864.
127
martelos pressionem as cordas do piano, por exemplo, é necessário que uma pessoa aperte as
teclas e inicie a mecânica do instrumento.
Como os membros das elites utilizavam a música para diferenciarem-se dos seus iguais
e, principalmente, dos músicos populares que tocavam de ouvido, geralmente utilizavam a
partitura como principal elemento de orientação da peça musical. Por conta dessa necessidade
dos músicos com a formação chamada hoje de erudita, os anúncios de venda de partituras
eram constantes nos jornais. Logo nos primeiros anos da delimitação desta pesquisa, e ano em
que o Teatro São Luís é reaberto ao público maranhense, e talvez por conta desse grande
evento para o cenário cultural da capital da província do Maranhão, os jornais anunciavam as
músicas novas para o ano de 1852:
Na Livraria FRUCTUOSO
La Samaritaine Quad. Para Piano por Muzard. 1:200
A Pacotilha dita “ dito pelo Sr. Proença. 1:200
La Mosquée dita “ dito por Mr. De Lonqueville. 1:200
Macbeth dita “ dito pelo Snr. Ribas. 1:200
A Marmota dita “ dito pelo Sr. P.ra S.ª. 1:200
O Incendio do theatro de S. Pedro dita para dito pelo Snr Moura 1:200
Vieni! T‟effretta! Cavatina da opera Macbeth para canto e Piano. 1:800
Trionfai! Securi AL fine dita da dita para dito e dito. 1:200
Mon Coeur. Romance francez por d‟Arnaud para dito e dito. 640
La Reine de La moisson romance francez por d‟arnaud para dito e dito.
640
Marthe La Brune dito dito por Mr. Clapisson para dito dito. 640
Stava ad um olmo ântico romance italiano da Opera Anna La prio para
canto e piano. 640
O Cancionista Linda modinha para canto e piano pelo Snr. Ribas. 640
A Brazileira Valsas para Piano pela Exm.ª Srª D. J. de Magalhaes. 1:200
A barateza dos preços convida aos Amadores.
260
Apesar dessa falta de especialidade no que se refere a um local dedicado somente aos
artigos relacionados à música, os ludovicenses tinham a oportunidade de adquirir
instrumentos e partituras musicais através desses comerciantes e de particulares, alguns deles
músicos, que vendiam músicas, como anuncia o jornal A Imprensa
Em casa de Bernardino do Rego Barros, praia de Santo Antonio, n. 15, a
venda as seguintes Muzicas: Saudades de Napoles, Valsa composta e
260
NA LIVRARIA Frutuoso. Publicador Maranhense, São Luís, ano 10, n. 1273, sábado, 19 jun. 1852.
128
dedicada a S.M.I. D. Thereza Christina Maria, por Bartholomeu Bortolazzi.
Offerecida pessoalmente pelo author, e a mesma Augusta Senhora,
beniganamente se dignou a acceital-a. Recreio Militar, esta nova quadrilha
de muito bom gosto chegada a pouco do Rio de Janeiro. Polka Lundum
Moreninha, Tal qual como toca a banda dos educandos. O Sonho para piano
e muitas outras musicas de bom gosto.
261
Geralmente quem anunciava a venda de música nos jornais estava ligado ao mundo das
notas e dos sons. Bernardino do Rego Barros, que faz publicar anúncio de venda de partitura
em outra nota do jornal A Imprensa, torna público que “dá lições de Flauta e Clarineta por
casas particulares”
262
.
Além de Rego Barros, Antonio Luiz Miró, que foi regente da orquestra do Teatro São
Luiz e era compositor conhecido nas plagas ludovicenses, também vendia partituras em sua
residência e as reduzia da forma orquestral para qualquer instrumento solista, como estava
veiculado no jornal Correio d’Annuncios:
Antonio Luiz Miró compositor de música, e professor de Piano e canto
n‟esta Capital, annuncia: que na caza de sua residência na Rua Grande 59,
se acha á venda uma grande porção de música para Piano, a começar da mais
fácil athé a mais difícil, e para canto com acompanhamento de Piano; toda
ella ultimamente recebida da Europa, e escolhida da mais moderna, e d‟entre
os melhores auctores Francezes, Alemães, Italianos &c. Também tem grande
sortimento de musica para todos os gêneros para Banda Marcial: para grande
e pequena orchestra: para canto com accompanhamento de orchestra ou
Piano. Operas completas Francezas, Italianas e Portuguezas com
accompanhamentos de grande e pequena orchestra: musica Sacra de diversos
gêneros. Também tem uma collecção de 12 valsas, das quaes 6 são
composição sua original n‟esta capital, e se intitulam Nº1 A
SYMPATHIA 2 OS AMORES Nº3 O CIUME Nº4 A DESPEDIDA
Nº5 A SAUDADE Nº6 O REGRESSO; - as outras 6 são extrahidas de
algumas das suas Operas Romances em portuguez também de sua
composição &c. &c.
O annunciante se encarrega de reduzir para quaesquer instrumentos, ou sejão
a Solo ou conjunctamente, não qualquer das peças que se achão no seu
archivo, como outras quaesquer que para esse fim lhe forem apresentadas.
Encarrega-se, outro sim, de reduzir para Piano os accompanhamentos de
orchestra das peças de canto e vice-versa; como também de qualquer
composição em qualquer dos gêneros acima mencionados.
As pessoas que desejarem utilizar-se do seu préstimo, bem como de algum
dos objectos annunciados, e existentes no seu archivo; poderão ter a bondade
261
EM CASA... A Imprensa, São Luís, ano 5, n. 71, sábado, 7 set. 1861.
262
DÁ LIÇÕES... A Imprensa, São Luís, ano 5, n. 43, sábado, 1 jun. 1861.
129
de o procurar na dita caza de sua residência todas os dias athé as 9 horas da
manhã.
263
Esse anúncio de Antonio Miró informação do tipo de qualificação que tinha o
profissional de música que trabalhava em São Luís, pois, além de professor de piano e canto,
reduzia para piano o acompanhamento escrito para orquestra
264
. Este é um dado
importantíssimo, porquanto a escrita musical nem sempre vem atrelada à execução de um
instrumento. Durante toda a história da música ocidental, existiram compositores que o
necessariamente eram exímios instrumentistas. Miró possuía uma formação musical muito
sólida e completa, pela quantidade de serviços que oferecia ao público maranhense.
Todavia, o era somente o piano que era privilegiado com a existência de professores
para os que desejam se dedicar à técnica pianística. Os instrumentos de percussão também
podiam ser aprendidos por quem assim quisesse, como anunciava o jornal Porto Livre:
Aos Caixeiros amantes da musica
O abaixo assignado lecciona em casa do Sr. Domingos da Silva Sampaio,
rua do Giz Musica em instrumentos bellicos, - das 7 as 9 horas da noute,
sendo nas Segundas, Quartas e Sextas-feiras.
Aquellas pessoas que se quizerem utilizar do prestimo do mesmo, podem
procura-lo na dita casa as horas já indicadas. Leocadio Ferreira de Souza.
265
Ao mesmo tempo em que esses músicos anunciavam seus serviços de copista de
partituras, convém salientar que essas músicas anunciadas nos jornais são músicas somente
para quem tinha algum conhecimento de leitura musical, pois, naquela segunda metade do
século XIX, não havia os recursos sonoros de gravação, programas de execução de partituras
etc. Então, somente a família que tinha algum estudante ou “curioso” no campo musical podia
usufruir dessas novas músicas: “a música, enquanto escritura, notação da partitura, encerra
uma prescrição, rígida no caso das peças eruditas, para orientar a performance. Mas a
263
ANTÔNIO... Correio d’Anúncios, São Luís, ano 1, n. 41, terça-feira, 17 jun. 1851.
264
Nos tempos atuais, as universidades oferecem separadamente graduações em harmonia, instrumentação e
instrumento, apesar de todas as graduações tanto de licenciatura em música quanto de instrumento oferecerem
em seus currículos cadeiras de harmonia.
265
Aos caixeiros amantes da música. São Luís, ano 1, n.26, [1862]. A data da publicação do jornal estava
mutilada, mas a edição provavelmente é de 1862, ano em que começou a circular na capital da província do
Maranhão.
130
experiência musical só ocorre quando a música é interpretada
266
”. Assim, o jornal A Imprensa
anunciava:
Muzicas novas para piano
Com a inauguração da Estatua Equestre do Imperador D. Pedro I
Quadrilha, Valsa, Polck, Schotsch, Galoppe.
Para Flauta as mesmas acima
Hymno Brasileiro composto pelo D. Pedro I
Capricho do concerto sobre a filha do Regimento Reverié por A. Goria
Vende-se na Livraria do largo de Palacio, n.20.
267
O anúncio acima apenas uma vaga ideia do que se ouvia na década de 60 do século
XIX. havia possibilidade de saber o gênero das músicas, quanto aos os nomes, estes não
estavam expressos na notícia. Com o passar dos anos, e uma consequente especialização do
entendimento dos comerciantes no tocante a chamar a atenção do possível comprador, os
anúncios ficam mais explicativos e trazem mais informações para os estudiosos da música do
século XIX maranhense, como escreve o redator do jornal Diário do Maranhão:
Musicas para Piano
Flores Italianas
La Fille du Regiment Beatz di Tenda Lumbardi Belisario Le Barbier
de Sevilha Guilherme Tell Il Trovatore Um Ballo in Maschera
Lucrezia Borgia I Puritani Norma Nabudonosor Ernani Rigoletto
Ruy Blas Il Guarani.
C. Gomes Recitativo, ad ave Maria.
C. Gomes Duetto, Sento uma forza indomita.
Ascher La Traviata, Grande Caprice.
Ascher Lucrezia Borgia, Moreau de Concert
Ascher Sans Souci, Galope de Bravoure
Badargewska La Priére d‟Une Vierge.
F. Beyer La Sonambula
F. Beyer Um Ballo in Maschera
F. Beyer La Fille du Regiment
F. Beyer Mondolinata, Fantazie
H. Ravina E‟tudes Tres Faciles
Gottschalk Ojos Crioullos, Capriche Brillante
Gotteschalk Pasquinade, Capriche Brillante
O étra La Vaga, Suite deValses
A. Napoleão Il Trovatore, Grande Fantaisie
A. Napoleão Le Tourbillon
266
NAPOLITANO, Marcos. História & música. Belo Horizonte: Autêntica, 2005. p.83-84.
267
MÚSICAS novas para piano. A Imprensa, São Luís, ano 5, n. 103, sábado, 28 dez. 1861.
131
A. Napoleão Grande Capriche de Concert
Leybach Fantaisie Brillant, Norma
LeyBach Faust Fantaisie Elegante
LeyBach Sonambula, Fantaisie Brillante
LeyBach Fantaisie Sur un Théme Allemand.
H. Bertoni E‟tudes Célebres, Op.29.
H. Bertoni E‟tudes Célebres, Op. 100.
Receberão: João d‟Aguiar Almeida e Comp. A rua de Nazareth, canto do
Jardim.
268
Ainda na Livraria do Largo do Palácio, os ludovicenses podiam encontrar outras
músicas para alegrar os dias de festa em suas residências. A notícia a seguir também traz
poucas informações, porque não é possível saber quem eram os compositores das músicas. O
que dá a entender, como em toda notícia jornalística, é que na referida livraria havia partituras
à venda:
Musicas Novas
Moreninha, polk, londú, preco rs 600
O Imperial marinheiro 1$200
Garibaldi, quadrilha guerrense com todas as marcas 1$200
Lanceiros novos 1$200
Além d‟estas há muitas d‟outras qualidades; vendem-se na Livraria do Largo
de Palacio, 20.
269
As partituras estavam à venda, como relatam os jornais da capital maranhense, mas era
necessário que as pessoas soubessem executar algum instrumento para usufruir das sensações
que elas ofereceriam ao serem ouvidas, visto que a “partitura é apenas um mapa, um guia para
a experiência musical significativa, proporcionada pela interpretação e pela audição da
obra”
270
. Assim, os professores de música que residiam em São Luís colocavam à disposição
dos interessados os seus préstimos educacionais no campo musical.
Antes de tratar dos professores de música, é importante frisar que, de acordo com as
fontes pesquisadas, havia uma diferença entre o tipo de música e de compositor que era
ouvido no teatro e o que era executado pelos instrumentistas e estudantes de música nos bailes
e nos saraus familiares. Esse repertório, que podemos chamar de doméstico, era mais simples
268
MÚSICAS para piano. Diário do Maranhão, São Luís, ano 16, n. 3485, quinta-feira, 9 abr. 1885.
269
MÚSICAS novas. A Imprensa, São Luís, ano 6, n. 6, quarta-feira, 22 jan. 1862.
270
NAPOLITANO, 2005, p. 84.
132
e de aprendizado rápido. Já o repertório para o teatro era mais sofisticado e por isso exigia
mais estudo e uma orquestra com um mínimo de habilidade para executar as peças.
Por falta de profissionais com um pouco mais de experiência na execução instrumental,
foram os músicos estrangeiros, membros das companhias líricas europeias, que ensinaram as
primeiras melodias aos ludovicenses com aulas particulares em suas residências, ajudados
pelo fato das récitas não acontecerem todos os dias da semana e também porque as
companhias permaneciam vários meses nas capitais de província onde os espetáculos eram
apresentados, conforme fez publicar José Uguccioni:
tendo fixado sua residencia nesta capital, propoem-se a dar lições de Rabeca,
Piano e canto & tanto em sua casa, como pelas particulares, afiançando ao
respeitavel público que será incansavel em promover o adiantamento de seus
discipulos. As pessoas, pois, que se dignarem de o honrar com a sua
confiança, terão a bondade de dirigir-se a sua residencia na rua da Cruz caza
n.44.
271
Além de José Uguccioni, João Pedro Ziegler, após fixar residência em São Ls,
anuncia seus conhecimentos musicais para quem quizesse ingressar nas artes de Apolo:
João Pedro Ziegler, rabequista da Real mara de S. M. F. a Rainha de
Portugal, achando-se nesta cidade na qualidade de Director da Orchestra do
Theatro S. Luiz, offerece o seu préstimo para dar lições de Rebeca e Piano.
O mesmo tem para vender: Methodos de Canto, Piano, Rebeca, Contrabaixo
e Flauta; e também Variações, Peças extrahidas d‟operas, Quadrilhas, Valças
e outras muzicas para Flauta. Rua da Estrella n. 49.
272
Apesar de os jornais serem os principais meios de divulgação das notícias no século
XIX, os almanaques, publicados no início de cada ano, continham os nomes dos profissionais
que ofereciam seus serviços à sociedade ludovicense com seus respectivos endereços e
especialidades. Os profissionais da música também ofereciam seus serviços no referido
almanaque. Para o ano de 1858, o Almanaque do Maranhão cita os nomes dos músicos e
professores de música instrumental:
271
BELLAS ARTES. O Observador, São Luís, ano 7, n. 501, domingo, 19 fev. 1854.
272
JOÃO... O Constitucional, São Luís, 13 abr. 1852.
133
Andre Soares Falcão, tromboni, r. da Paz.
Antonio de Freitas Ribeiro, flauta, violão, rabeca e violoncello, dirige
orchestras para bailes e soirées, r. do Egypto, 23.
Antonio Gonçalves da Silva, ophcleid, r. da Madre de Deos.
Antonio Jo Fernandes Valença, rabeção e corneta de chaves, Campo
d‟Ourique.
Antonio Pacífico da Cunha, rabecca, praia Pequena.
Antonio Raymundo Marinho, rabeca, r. de St. Antonio, 35.
Berbardino do Rego Barros, clarineta, r. de S. João, 2.
Carlos Antonio Colás piston, r. Grande.
Condessa de Maffei, piano e canto, r. da Paz, 1.
Cesar Savio, piano e canto, r. da Estrella, 47.
Domingos Corrêa de Vasconcellos, rabecca, r. da Savedra.
Ezequiel Antonio Colás, flauta, r. de S. João
Francisco Antonio Colás, clarineta, dirige orchestra para baile, e festividades
religiosas, r. Grande.
Francisco Xavier Bekman, rabeca e violão, r. da Savedra, 14.
Innocencio Smoltz, piano, e dirige orchestras em theatro e festividades
religiosas, convento de S. Antonio
João Evangelista Belfort, rabecão e tromboni, travessa da Passagem.
João Evangelista do Livramento, timbales, violão e música, r. Direita, 18.
João Fasciolo, piano, r. de S:Anna.
João Pedro Ziegler, piano, canto e rabecca, r. do Egypto, 27.
Joaquim Antonio de Lemos Paricá, rabecca, r. das Violas.
José Affonso Pereira, tromboni, r. do Quebra Costa.
José Antonio de Miranda, trompa, r. do Sol.
José de Carvalho Estrella, rabecca, r. das Barrocas, 14.
José Vicente da Costa Bastos, rabecca, r. do Egypto.
Leocadio Ferreira de Souza, piston e ophcleid, dirige a Banda Militar do
de fuzileiros, r. de St. Antonio
Luiz Scandolari, rabbeca, r. Grande.
D. Maria José Guimarães, piano, r. da Palma, 34.
Polycarpo Joaquim de Lemos, trompa, r. dos Remédios.
Ricardo José d‟Oliveira e Silva, rabecca e vileta, r. Grande, 78.
Sérgio Augusto Marinho, flauta e dirige orchestras para bailes, reuniões e
bandas militares, r. da Palma, 20.
Vicente Ferrer Lyra
273
, piano e canto, r. da Palma, 47.
274
Não obstante a extensão deste anúncio, ele traz informações preciosas sobre os músicos
que atuavam em São Luís no ano de 1858. A primeira delas é o conhecimento de que havia
professores não de piano e violão, mas também de trombone, clarineta, ophcleid
275
etc.
Além dos seus nomes, é possível mapear onde moravam esses profissionais. Os que
273
De acordo com o Almanaque do Maranhão para o ano de 1858, ocupava também o cargo de organista da
Catedral da de São Luís. No entanto, o prof. Dr. João Berchmans durante sua pesquisa encontrou a lápide do
mesmo, na dita Catedral, datada de 1857.
274
MÚSICOS e professores de música instrumental e vocal. Almanaque Administrativo, Mercantil e Industrial
do Maranhão para o ano de 1858, São Luís, 1858, p. 117-118.
275
Espécie de saxofone.
134
morassem nas imediações da Praia Grande, coração da cidade e centro do comércio,
possivelmente suas condições financeiras o eram o ruins. Quanto mais afastados
estivessem da referida área, os aluguéis eram mais baratos e consequentemente a clientela
possuía menos recursos financeiros.
A nota apresenta dois extremos no que se refere ao lugar onde esses professores de
música estavam instalados e os instrumentos que ensinavam. Por exemplo, Antônio
Gonçalves da Silva ensinava ophcleid e morava na Rua da Madre de Deos, bairro popular e
reduto de boêmios e desocupados, e César Sávio ensinava piano e canto, e residia na rua da
Estrella, 47, onde estavam instalados os grandes comerciantes e, consequentemente, onde os
recursos financeiros eram mais abundantes.
Dentre os músicos da listagem do Almanak aparece o nome de uma mulher, Condessa
de Maffei, que ensinava piano e canto, e residia na Rua da Paz, nº 1. Esta senhora era atriz da
companhia lírica que dava espetáculos no Teatro São Ls. E é o jornal A Nova Epocha que
veiculou notícia sobre espetáculo em benefício dos artistas da Companhia Marinangeli, no
qual aparece o nome da dita professora:
Comunicado
O nosso Theatro vai ainda de quando em quando gemendo com concertos
musicaes; e pelo beneficio, que se deu no sabbado á Srª Condessa Maffei, a
concorrencia do publico dez lembrar os dias felizes da Empreza.
Todos sabem o triste desfecho d‟esta Empreza; que deixou os artistas sem
parte de seus estipendios ganhos com tantos sacrificios, e pontualidade no
cumprimento de seus contractos, vendo-se alguns sem meios de regressarem
á sua patria; em taes circunstancias forçoso era recorrer a um publico
hospitaleiro e benevolo; por isso o Sr. Scandelari, primeiro Violino director
da Orchestra segundo somos informados, obteve do Governo da Provincia a
concessão de um beneficio, que em breve deve ter lugar.
Excusado a recommendar agora protecção para o Sr. Scandelari a um
publico illustrado amador da musica, que sempre se tem mostrado protector
das bellas artes.
Para tal beneficio se prestam gratuitamente seus compatriotas, a Srª
Condessa Maffei, Vanineti, Dalla Costa, e a Srª Romagnelli, assim como a
orchestra do mesmo Theatro.
276
Outro ponto importantíssimo é a quantidade de músicos profissionais existentes em São
Ls na segunda metade do século XIX. Isso não quer dizer que todos esses músicos tinham
domínio dos conhecimentos teóricos musicais, pois não é necessário saber ler partitura para
276
COMUNICADO. A Nova Época, São Luís, ano 3, n. 106, terça-feira, 16 fev. 1858.
135
executar um instrumento de sopro, de cordas e para cantar, por exemplo. Em relação ao piano,
a probabilidade de uma pessoa executar esse instrumento sem leitura musical é muito
pequena, devido à necessidade de ler em duas claves
277
diferentes e da técnica exigida na
execução das peças musicais. Na lista dos professores de música acima, somente João
Evangelista do Livramento ensina teoria musical.
Importante ratificar que durante a pesquisa, o Almanak mais antigo ao qual tive acesso,
foi o de 1858, no entanto, isso não significa que esses músicos começaram a atuar somente
nesse ano. Pelas informações que outras fontes apresentam, os músicos citados já atuavam em
São Luís nos anos anteriores. O jornal A Sentinella anuncia um baile de máscaras no qual o sr.
Sérgio Marinho dirigiu a orchestra:
Domingo 22 do corrente, compararemos da forma que haviamos promettido
no Sam Luiz.
A Orchestra que foi dirigida pelo Sr. Sergio Marinho... tocou
excellentemente variadas peças, não mais bem executadas, como de
melhor escolha que as do primeiro Baile.
278
Dez anos após esta publicação do Almanak do Maranhão, no mesmo instrumento de
pesquisa não constam as listas das profissões. Mas o Almanak
279
informação de que o
organista da é Theodoro Guignard e que João Pedro Ziegler é o comandante do corpo de
Polícia da capital.
no ano de 1873, o Almanak traz a lista dos músicos e professores de música
instrumental e vocal, com um número mais reduzido desses profissonais e agora com três
professoras:
D. Antonia Gertrudes Martins, piano, r. Grande, 73.
Antonio de Freitas Ribeiro, violoncello, r. Formoza, 3.
Antonio Raymundo Marinho, rabeca, r. da Palma, 14.
Bernardino do Rego Barros, clarineta e flauta, r. de S. Antonio, 9.
Carlos Antonio Colás, trompa, r. de Sant‟Anna.
Dionisio de Oliveira e Silva, rabeca, r. Grande, 90.
277
No pentagrama musical é o símbolo que nome às notas. Atualmente, o pianista lê partituras nas claves de
Sol e Fá, respectivamente, executadas pelas mãos direita e esquerda, e quando indicadas pelo compositor
inversamente.
278
DOMINGO... A Sentinela, São Luís, 4ª série, n. 29, 28 jul. 1855.
279
Almanaque, Mercantil e Industrial do Maranhão para o ano de 1868, São Luís: Editor B. de Mattos, 1868,
p.60-61.
136
Ezequiel Antonio Colás, flauta, r. dos Remédios, 41.
Francisco de Seixas Dutra, ophcleide, piston e contrabasso, r. da Paz.
José de Carvalho Estrella, violino concertante, r. de S. João 45.
José Maria Bragança, piston, r. do Sol.
José Antonio de Miranda, trompa, r. dos Afogados, 155.
Lino Jose da Silva Guimarães, cantor, r. da Madre de Deus, 77.
Vicente Antonio de Miranda, r. dos barqueiros, 7.
Leocadio Ferreira de Souza, contrabasso, r. de S. Pantaleão, 64.
D. Maria G. Teixeira, piano e canto, r. de S. Antonio 26.
D. Libania Amelia dos Reis de Carvalho, piano, r. das Hortas.
280
Neste anúncio aparecem os nomes de três senhoras professoras de piano e é o dona (D.)
que as qualifica como tais. Dos dezesseis nomes de músicos citados acima, oito deles
constavam na lista de 1858. Os outros oito moram em regiões mais afastadas da região central
da cidade. Ao que parece, Theodoro Guignard ocupava o posto de organista da desde 1865
e ficará até 1879, é o que informa o Almanak do referido ano. E sobre a nomeação de
Guignard para o referido cargo, escreve o redator do jornal A : “Organista Mr. Theodoro
Guignard foi nomeado organista da Santa Cathedral desta cidade, e se acha em
exercicio”
281
.
Passados seis anos, o Almanak de 1879 publica a lista dos músicos que atuavam na
capital da província do Maranhão. Quase a metade dos profissionais era composta por
mulheres, como mandam anunciar os seguintes professores(as) de música instrumental e
vocal:
Leocadio Alexandrino dos Reis Raiol rabeca, encarrega-se de orchestras
para festividades religiosas e theatro, rua da Paz.
Leocadio Ferreira de Souza idem, rua de S. Pantaleão
Isidoro Lavrador da Serra flauta, rua do Alecrim.
João Evangelista do Livramento violão, r. de S. Pantaleão
João Pedro Ziegler piano, rua do Quebra Costa.
Theodoro Guignard piano
D. Antonia Gertrudes Martins piano, rua do Sol.
D. Emilia Moura dos Reis Carvalho piano, r. da Paz.
D. Margarida Pinelli da Costa, canoto e piano, c. Ourique.
D. Rachel Ziegler, piano, rua do Quebra Costa.
282
280
MÚSICOS e professores de música instrumental e vocal. Almanaque Administrativo do Maranhão para o
ano de 1873, São Luís: Editor João Candido de Moraes Rego, 1873, p. 203.
281
ORGANISTA. A Fé, São Luís, ano 1, n. 25, sábado, 19 ago. 1865.
282
PROFESSORES de música instrumental e vocal. Almanaque do Maranhão para o ano de 1879, São Luis,
1879, p.86.
137
Dessa lista alguns são conhecidos do público maranhense como Leocádio de Souza,
João Evangelista e João Ziegler. Theodoro Guignard era conhecido, mas não constava nas
listas anteriores, às quais tive acesso, como músico particular, apenas como organista da Sé, e
D. Antônia Martins, também presente nos anúncios anteriores. Novos na lista são Leocádio
Rayol, primogênito de uma prole de três irmãos também músicos, Antônio e Alexandre, dos
quais tratarei adiante. E as senhoras Emília e Libânia, que possivelmente pertençam aos ramos
Reis e Rayol da família de Leocádio. A prima-donna da Companhia Lírica do sr. José
Marinangelli, D. Margarida que, após a morte do seu njuge Melchior Sachero, na província
do Pará, onde davam espetáculos, retorna ao Maranhão e casa-se com o teatrólogo F.
Gaudêncio Sabas da Costa
283
e Rachel esposa de João Pedro Ziegler.
Ao que parece, com a aproximação da década de 1880, as mulheres começam a aparecer
com mais frequência anunciando suas especialidades musicais nos jornais da cidade. Essa
tendência deve-se em grande parte às melhorias da vida moderna e às ideias que começavam a
se disseminar entre as elites letradas do império brasileiro, fazendo com que os espaços
públicos também fossem ocupados pelas mulheres, geralmente exercendo carreiras ligadas ao
ensino, mas não isso, pois “as novas obrigações da mulher da boa sociedade” incluíam
então a promoção e a participação nas festas e nos salões, das quais muitas vezes dependia o
prestígio da família”.
284
Com a abolição da escravidão e a proclamação da República, as mudanças nas
estruturas sociais ficam ainda mais evidentes. Nos últimos anos do século XIX, encontrei dois
anúncios de professoras de música oferecendo seus conhecimentos aos ludovicenses, ambos
veiculados no Diário do Maranhão.
Mestra
Offerece-se ao respeitavel publico maranhense para ensinar piano, as linguas
franceza, allemã e ingleza, como tambem geographia, bordados e outras
materias, d. Joanna Nindel Hoyer, que brevemente tenciona mudar-se para
esta cidade, onde quinze annos leccionou em distinctas familias e
collegios e depois no Rio de Janeiro e Parnahyba com satisfação de todos,
como podem atestar muitas pessoas, que aqui existem e que a conheceram.
Mais informações pode-se obter do sr. João Frederico Hoyer, na rua
Grande.
285
283
JANSEN, José. Teatro no Maranhão. Rio de Janeiro, 1974. p. 87.
284
RAINHO, 2002, p. 63.
285
MESTRA. Diário do Maranhão, São Luís, ano 21, n.4989, segunda-feira, 28 abr. 1890.
138
Nesse anúncio determinadas assertivas que sugerem algumas conjecturas sobre o
andamento das possíveis mudanças nos pensamentos das elites ludovicenses na passagem do
século XIX para o XX, pois, apesar da senhora Joanna Hoyer anunciar que dava aulas
particulares em sua residência, as informações deviam ser obtidas com seu marido, sugerindo
que, assuntos financeiros ainda não eram tratados por mulheres. O homem era o provedor da
casa e a ele cabia lidar com as questões materiais. Além das artes, ensinava bordados”,
indicando que estava refinando uma futura rainha do lar.
O outro anúncio é mais significativo, porquanto expressa realmente que a professora de
música vivia de seus conhecimentos, como segue: “Almerinda Nogueira convenientemente
habilitada com exame prestado perante o conservatório de musica da capital federal, propõe-
se a ensinar musica e piano, podendo ser procurada á rua de Santa Ritta n.76 para ajuste
286
.
Almerinda está inserida nos novos ditames das sociedades modernas, nas quais os filhos e
fihas das elites não estudavam mais em casa e sim nos conservatórios musicais, apesar dessa
tendência ter sido consagrada no decorrer do século XX.
Apesar de esses anúncios serem extremamente significativos no que tange à inserção
das mulheres nas atividades profissionais, a maioria dos professores de música era formada de
homens, fato observado nas fontes consultadas, como é possível verificar em mais um
anúncio: Francisco do Rego Barros [que] lecciona musica instrumental. Rua dos afogados,
n.92”
287
.
Muitos foram os professores de música que habitaram ou passaram pela capital da
província maranhense. No entanto, o músico que conquistou maior notoriedade na sociedade
maranhense foi o tenor Antonio Rayol que, ainda jovem, funda um colégio dedicado à
referida arte, como diz o anúncio:
AULA DE MÚSICA
dirigida por
ANTONIO RAYOL
Continua a funcionar nas segundas e sextas-feiras.
5$000 reis mensaes, pagos adiantados.
RUA GRANDE N. 94.
Também copia-se toda e qualquer musica.
288
286
MÚSICA E PIANO. Diário do Maranhão, São Luís, n. 6305, terça-feira, 11 set. 1894.
287
AULA DE MÚSICA. Pacotilha, São Luís, n. 2, sábado, 3 jan. 1885.
288
AULA de música. Pacotilha, São Luís, 22 jan. 1883.
139
O texto supra indica que, apesar de não ter tido acesso a outras notícias anteriores sobre
as aulas de música ministradas por Antonio Rayol, elas existiam, conforme escreve o
redator, “continua”, deixando claro que somente queria lembrar à sociedade ludovicense que
o referido professor ainda lecionava música.
4.3 Os irmãos Rayol: sons ao invés de letras
Durante a segunda metade do século XIX, na constelação das artes não mecânicas, o
campo das letras foi o mais prolífico e destacado entre as elites imperiais, devido a sua
principal característica como fruto essencialmente do pensar. Naquele século XIX, tudo o que
fosse realizado com as mãos era depreciado pelas elites, que definiam trabalho manual como
sinônimo de escravidão e de pobreza. Por isso, só as artes que lidavam essencialmente com as
ideias, nas quais as mãos eram utilizadas apenas de forma delicada, eram consideradas dignas
das elites.
Dessa forma, a Literatura conquistou muitos compassos por conta do seu
enquadramento essencialmente no pensar e no sentir. Com o passar dos anos a música,
também considerada uma arte manual, que no Brasil desde os primórdios fora desenvolvida
por índios e negros, vai ganhando novos significados após a vinda da família real portuguesa
para o Brasil, em virtude da necessidade de músicos brancos para atuar no paço imperial, pois
uma corte ilustrada europeia não poderia ser servida essencialmente por escravos e mulatos
músicos.
A partir das mudanças que a instalação da corte portuguesa tratá à colônia brasileira, a
organização da música no Brasil ganhou avanços com a vinda de músicos europeus e a
formação de músicos brancos para atuar nas comemorações cívicas e nas festas realizadas por
D. João VI. Depois que o Brasil tornou-se uma nação independente e, principalmente, depois
da coroação de D. Pedro II como imperador do Brasil, as artes floresceram ainda mais,
inclusive a música, por conta do grande incentivo do imperador. Em 1848, o governo imperial
criou o Conservatório de Música, sediado no Museu Imperial e, em 1857, a Imperial
Academia de Música e Ópera Nacional, o que fez com que as artes musicais ganhassem mais
destaque e, por conseguinte, um espaço institucionalizado e elitizado.
140
Como todas as províncias do império seguiam os ditames da corte, essas novas
determinações nacionais também influenciaram as elites em São Luís. Assim, num ambiente
onde, mesmo com a mudança do status social da música, os filhos das elites e da burguesia,
ávida por aristocratizar-se, geralmente dedicavam-se às letras, os três filhos de Augusto César
dos Reis Rayol e Leocádia A. Belo Rayol escolheram a música não como arte
diferenciadora, mas como profissão.
Antônio Carlos dos Reis Rayol nasceu em 1855, segundo filho do consórcio entre
Augusto e Leocádia. Seus irmãos também eram músicos. Tinha Leocádio
289
como irmão mais
velho e Alexandre como irmão caçula. O primogênito foi regente da orquestra do Teatro São
Ls, rabequita e compositor. E sobre esse talento do primogênito da família Rayol escreve o
redator do Jornal para Todos, “o Sr. Leocádio Raiol compoz um bonito novenario, para a
proxima festa de Snata Filomena
290
. O mais moço era violoncelista e compositor
291
, mas não
se decidou com afinco ao instrumento. Antônio atuou na área da composição musical,
regência, mas foi como cantor lírico que mais se destacou.
Antônio provavelmente inicia seus estudos em São Luís e ali conseguiu adquirir
conhecimento suficiente para vencer um concurso no Rio de Janeiro em 1879, que selecionou
um tenor e cujo prêmio era uma bolsa de estudos na Europa, mais especificamente na Itália,
onde estudou dois anos e teve como professor de canto Alberto Giannini (1842-1903) e de
harmonia e composição Vicenzo Ferroni (1858-1934)
292
.
As esse período de estudos no velho mundo, Antônio Rayol conquistou grande
notoriedade em São Luís por conta dos progressos musicais que ele apresentou aos seus
conterrâneos, por isso suas aulas eram concorridas e seus alunos pertenciam aos estratos mais
favorecidos da sociedade ludovicense, pois, como informa o anúncio seguinte, podiam fazer
doações aos acometidos pelas epidemias de varíola que assolavam o Maranhão nesse tempo:
PUBLICAÇÕES A PEDIDO
Relação nominal dos alumnos da aula de música do professor Antonio Rayol
que contribuirão expontaneamente com a quantia de 1$400 rs. para socorrer-
se aos indigentes variolosos.
A. Raiol (professor da aula).................................................................... 2$000
289
Sobre a música religiosa de Leocádio Rayol Cf. CARVALHO SOBRINHO, 2003.
290
O SR. Leocadio... Jornal Para Todos, São Luís, ano 1, n. 19, 13 jul. 1877.
291
Nas partituras que constam no acervo João Mohana, guardadas no Arquivo blico do Estado do Maranhão,
quem mais se destaca em número de composições dentre os irmãos Rayol é Alexandre, que aparece com 76,
Leocádio com 19 e Antônio com 47.
292
Enciclopédia de Música Brasileira apud CARVALHO SOBRINHO, 2003, p. 90.
141
João G. da Silva.......................................................................................2$000
Arthur B. Costa Ferrª...............................................................................2$000
Domingos Côco Ribeiro..........................................................................1$000
D. Deoclecia R. de Souza........................................................................1$000
Agostinho Santos.....................................................................................1$000
Carlos A. Pereira...................................................................................500
C. Abreu......................................................................................................500
Thomé Lisboa..............................................................................................500
D.Anna L. F. Santos....................................................................................300
Luiz Santos..................................................................................................200
Antonio M. Ferreira.....................................................................................200
Alfredo Ferreira...........................................................................................200
Desta quantia deu-se ao exm. sr. governador do Bispado.......................8$400
E a commissão dos estudantes.................................................................3$000
Maranhão, 17 de janeiro de 1883.
293
Nessa relação aparecem apenas os nomes de duas mulheres, o que indica que, o
obstante as novas ideias que circulavam pela província maranhense, poucas mulheres ainda
frequentavam ambientes onde os homens eram maioria. Além dos anúncios das aulas de
música de Antônio Rayol, ele também anunciava suas composições nos jornais da cidade,
como a seguinte: “A Bisnaga Polk para piano propria para o carnaval, por Antonio Raiol.
Vende-se a 1$000 reis o exemplar. Rua grande n. 94”
294
.
Antônio tinha grandes amigos no jornal A Luta, periódico que circulava em São Ls na
década de 1890. Por conta dessa amizade, os redatores desse jornal veiculavam notícias sobre
o tenor maranhense quando este estava ausente do convívio dos seus conterrâneos em viagem
pela Europa.
É notório que, naquele século XIX, as pessoas não tinham as facilidades de
deslocamento que as inovações tecnológicas promovidas pela modernidade oferecem aos
homens e às mulheres atualmente. Eram longos itinerários em navios nem sempre confiáveis
e confortáveis. Itinerários esses que geralmente contornavam as principais capitais das
províncias do império brasileiro até seguir para a Europa, como noticia o redator do jornal A
Luta, sobre a atuação de Antônio na passagem pelo Ceará:
ANTONIO RAYOL
Retira-se para o sul da Republica o nosso distincto amigo Antonio Rayol,
uma das poucas glorias que possue o nosso Estado.
293
PUBLICAÇÕES a pedido. Pacotilha, ano 3, São Luís, 19 jan. 1883.
294
A BISNAGA. Pacotilha, São Luís, ano 3, sábado, 27 jan. 1883.
142
Depois de ter dado optimos concertos no Estado visinho e no nosso,
colhendo os mais elevadas ovações a que tem direito a sua bella voz de tenor
segue para o sul d‟onde partirá para a Itália a fim de receber mais alguma
educação artística.
295
Por conta das peculiaridades da época em questão, esses longos itinerários das viagens
proporcionavam aos homens e mulheres a possibilidade de estabelecerem intercâmbios
culturais e atuação dos profissionais embarcados nos portos onde os navios ancoravam.
Em 1891, Antônio Rayol deixa São Ls tendo como destino mais uma vez o continente
europeu. Mas, antes de chegar ao mundo considerado civilizado naquele presente, por conta
das circunstâncias do transporte e da necessidade de rearmazenamento de água potável,
limpeza da embarcação e desembarque e embarque de passageiros, Antônio deu concertos no
famoso Club Iracema, na província do Ceará. Sobre o referido concerto, é o mesmo jornal A
Luta que relata os sucessos do tenor maranhense nas “terras de Alencar”:
Com o applauso de que é digno, deu o nosso amigo Antonio Rayol, no
Ceará, um explendido concerto.
O Club Iracema offereceu seus vastos salões ao ilustre concertista prestando-
se a digna diretoria a coadjuvar o tenor maranhenses em suas justas
aspirações.
Antonio Rayol, não é um artista que supplica a queima do incenso, mas que
tem direito as palmas do applauso pelo seu mérito e dedicada vocação pela
arte que abraçou.
O que foi o concerto de Antonio Rayol no Club Iracema já podíamos
calcular um verdadeiro successo.
A imprensa da Fortaleza foi unânime na apreciação feita ao nosso amigo
mas trasladamos para o nosso periódico a sua noticia e apreciação feita pelo
O Libertador illustre paladino da imprensa da terra da luz:
Sabbado a noute o salão de honra do Club Iracema encheu-se da fina flor de
nossa sociedade, que foi assistir ao concerto do tenor brasileiro Antonio
Rayol.
O que de mais chick no bello sexo cearense e de mais selecto do sexo feio,
achava-se reunido no salão do Iracema, na anciedade de ouvir o distincto
tenor e os eximios amadores que prestaram-se gentilmente a auxilial-o.
A execução do programa satistfez amplamente a expectativa do publico, que
não regateou palmas; mas entretanto vamos destacar os trechos que mais
enthusiasmo despertaram.
A romanza Sentimental de Luzzi, foi cantada pelo Rayol com uma
delicadíssima expressão, impressionando dolorosamente o auditório a phrase
final em pianíssimo Miu madre mori!...
Mmes. F. Menescal e M. Luiza Jorge, na Tarantelle de Raff, em dous pianos,
revelaram ser possuidoras do difficil segredo desses instrumentos que nem
toda gente sabe vibrar ao mesmo tempo com arte e sentimento.
295
ANTÔNIO Rayol. A Luta, São Luís, n. 7, domingo, 5 abr. 1891.
143
A serenata de Braga, em surdina, para dous violinos, por Antonio Rayol e
Henrique Victor, deliciosamente executada, foi incontestavelmente uma das
notas mais adoráveis da parte instrumental do concerto.
Mlles Marieta Bastos, Maria e Angelica Mendes e Marietta Gondim
executaram a oito mãos uma marcha Meyerber, que terminou sob uma chuva
de palmas.
Terminou o concerto com a melodia da opera Il Vagabundo, cantada pelo
Rayol, com a pujança e a doçura de sua voz extensa, avelludada e rica de
nuances sonoras.
----
O distincto cavalheiro, o Sr. Alferes Luiz Furtado offereceu ao Rayol, em
seu nome e de diversos alumnos da Escola Militar, uma magnífico anel com
uma grande saphira e cercadura de brilhantes.
----
Depois, que se retiraram as famílias, a pedido de diversos cavalheiros que
ficaram para acompanhar Rayol até sua residência, cantou ele trechos do <<
Africana>>, a ária do acto do <<Trovador>> seguida do Madre infelice
em que deu cinco vezes o do peito, destacando-se o ultimo que Rayol
sustentou durante 30 segundos.
296
A notícia sobre a atuação de Antonio Rayol em Fortaleza, capital da província do Ceará,
está cheia de informações importantes sobre as comunicações no século XIX, pois, apesar da
dificuldade nos transportes, essas informações ainda circulavam com relativa rapidez para os
padrões da época. A nota também informa quem executava o piano em Fortaleza e quem
estava em evidência. Como o concerto fora realizado no clube mais famoso da referida
cidade, ali estavam presentes os instrumentistas mais conceituados, é o que a entender o
redator do jornal cearense.
Acabados os sons dos aplausos dos cearenses, Antônio Rayol segue viagem para o Rio
de Janeiro, agora capital da recém-criada República Brasileira, de onde partiu com destino à
Itália. E sobre a passagem do tenor maranhense entre os cariocas é o redator do jornal A Luta
que dá as informações:
Deve seguir hoje da capital Federal para Milão o nosso conterrâneo e amigo
Antonio Rayol.
É mais um luctador ousado que victorioso em pequenas pelejas, busca entrar
em nova e renhida batalha.
Que sejas coberto de loiros, como até agora tens sido, a humilde redacção da
<< Luta>>.
Eis o que encontramos a seu respeito na << Cidade do Rio>> de 15 de
Setembro:
296
ANTONIO Rayol. A Luta, São Luís, n. 12, quinta-feira, 7 maio 1891.
144
<< De volta de sua excursão pelo norte veio nos visitar o nosso estimado
amigo Antonio Rayol, distincto tenor maranhense.
Antonio Rayol esteve no Maranhão, sua terra natal, e no Ceará e Pará, onde
se fez ouvir sendo acolhido e applaudido com enthusiasmo.
Quando de volta á bordo do Brazil entre a Victoria e este porto, elle, reunido
as distintíssimas amadoras paraenses D. Elvira e Olympia Gomes, organisou
um magnífico concerto offerecido ao commandante P. H. Duarte, sendo
executados diverso trechos de bella musica.
No intervallo da 1ª para a 2ª parte os organizadores da festa dirigiram-se aos
passageiros pendindo um obulo para a Associação Protectora dos Naufragos
tendo sido obtida a quantia 120$740 que foi entregue ao respectivo
commandante para dar-lhe o destino conveniente.
Fez um brilhante discurso nesta occasião o Sr. Dr. Moreira Lima, lente da
faculdade de direito de S. Paulo.
A tripolação do Brazil agradeceu effusivamente ao tenor Rayol e suas
illustres compaheiras este acto de philantropia e offereceu aquelle por
intermédio do dr. Roberto Veloso, medico do paquete, uma medalha de
estranho preparada á bordo pelo 1º machinista, com a seguinte inscripção:
<< Ao tenor Rayol lembrança da tripulação do Brazil 10-9-91.
Tomaram parte no concerto diversos amadores que foram muito
applaudidos.
Rayol tenciona dar aqui nesta capital um concerto seguindo depois para a
Europa.
Damos as boas vindas ao illustre artista e desejamos-lhe completo triumpho
na brilhante carreira a que se destinou.
297
Se Antônio Rayol era ou não conhecido realmente por todo o norte, nordeste e na
capital federal, não há como precisar com certeza, pois, assim como hoje, existem colunas nos
jornais dedicadas exclusivamente a notícias dos leitores ou de quem possa pagar por um
anúncio, no século XIX não era diferente, ainda mais quando o motivo da notícia era amigo
dos redatores. Assim, sobre os comentários do redator do jornal só podemos fazer conjecturas
como estas...
Certo é que, nos primeiros anos da década de 1890, os conterrâneos de Antônio Rayol
não podiam reclamar da falta de informações sobre o tenor maranhense. Até mesmo pelo que
representava na província maranhense uma pessoa ir estudar na Europa. Era motivo de grande
orgulho e contribuía ainda mais para aumentar a notoriedade do cantor perante a sociedade
onde nascera.
Antônio Rayol viaja para a Europa e continua em contato com os redatores do jornal A
Luta. É graças a essas correspondências que hoje é possível saber as peculiaridades sobre a
vida do cantor que mais se destacou no século XIX maranhense. Como dissera anteriormente,
além de cantor, Antônio era também compositor, ofício que “confundia-se sempre com a
297
ANTONIO Rayol. A Luta, São Luís, n. 37, domingo, 18 out. 1891.
145
profissão de regente de orquestra, mestre de banda ou ainda intrumentista. Dessa forma, quase
todos os compositores [...] tinham sempre outra atividade musical, inclusive a de
professor”
298
. Ao que parece, esse período de estudos na Europa foi fértil para Antônio Rayol,
visto que, não muito tempo depois, o jornal A Luta publica notícia sobre as novas
composições do tenor maranhense:
Não erramos quando em tempo dissemos que o circulo em que Antonio
Rayol vivia era pequeno para dar expressão ao seu talento musical.
O nosso distincto coestadano acaba agora de confirmar a nova asserção,
firmando de um modo admirável a confiança que lhe depositamos como
gloria d‟este Estado na arte de Bellini.
Pelo ultimo paquete recebemos do illustre maranhense uma colecção de
composições suas escriptas, umas para piano forte, outras para canto e piano,
outras finalmente para órgão e trez vozes.
Não sabemos o que admirar em Antonio Rayol, si o encanto com que foi
escripto o seu pensamento, si a harmonia que ainda mais o realça.
A Romanza Senti! Para voz de barítono é uma explendida producção. É o
conjunto do pensamento italiano na poesia casando-se com a musica
delicada, suave, vibrada com uns tons um tanto a brasileira.
É magnífico!
A fantasia Capricio para piano forte e violino, é um trabalho de fôlego e para
poder ser convenientemente apreciado torna-se mister que seja executado
por um violinista de força e presentemente só temos n‟essa condicção o Sr.
Faustino Rabello.
Scherzando é uma interessante gavota offerecida ao dr. Barbosa de Godois.
O que é e o que vale Antonio Rayol n‟esse estylo musical por todos
sabemos, pois por muitas vezes temos apreciado o illustre maranhense
executando gavotas arrebatadoras, prenda de uma vivacidade franceza.
O Tantun Ergo veiu mais uma vez confirmar seus créditos nas musicas
sacras, cujo estyllo e gosto tem sido sempre admirados por todos.
Continue Rayol o seu curso de musica na terra das harmonias e inspirações e
volte para mais elevar o nome dos maranhenses as alturas que merece.
Para confundir seus adversários gratuitos basta o brilhantismo com que tem
se distinguido. É o que desejamos a tão illustre maranhense
299
.
Das músicas citadas acima, a Romanza Senti
300
tem letra escrita em italiano para voz
média e acompanhamento de piano como os famosos lieder à moda alemã. Essa notícia
também é importante como comparação histórica, pois algumas destas composições
298
SILVA, José Amaro Santos da. Música e ópera no Santa Isabel: subsídio para a história e o ensino da música
no Recife. Recife: Ed. Universitária da UFPE, 2006, p. 184.
299
ANTONIO Rayol. A Luta, São Luís, n. 47, 24 fev. 1892.
300
Esta composição faz parte do Acervo João Mohana. Ainda constam na lista de composições de Antonio Rayol
mais 43 partituras de gêneros musicais variados.
146
sobreviveram e podem ser consultadas pelos pesquisadores da música através do acervo João
Mohana guardado no Aquivo Público do Estado do Maranhão.
O jornal A Lutao apresentou mais informações sobre o tempo em que Antonio Rayol
esteve na Itália. A última notícia é essa que contém as suas composições, datada de 1892. Não
é possível saber quanto tempo permaneceu na Itália, se regressou e ficou mais algum tempo
em outra capital brasileira, ou se voltou logo para sua terra natal. A falta de fontes sobre o
tenor maranhense deixa uma lacuna neste estudo
301
. O certo é que, em 1897, o festejado tenor
maranhense Antonio Rayol participou de um concerto à memória de Carlos Gomes,
homenageado através de um retrato inaugurado no teatro São Luís, como diz a notícia:
Esteve muito concorrido por senhoras e cavalheiros, o concerto que ontem
de se realizou no salão nobre do teatro, promovido por uma comissão de
cavalheiros que tomaram a si a tarefa de ornar aquele salão com o retrato do
pranteado Carlos Gomes.
Em 3 partes foi dividido o programa executado, dando-lhe todo o brilho na
1ª e 3ª a distinta e jovem pianista maranhense Almerinda Nogueira.
Repetidos aplausos coroaram o final de todas as execuções, com que tanto
concorreu o artista De Mesmeris, que a pedido repetiu a segunda.
O Sr. Rayol colheu gerais demonstrações de apreço quando cantou a
romanza de barítono da ópera Um ballo in maschera.
A parte do concerto, que impressionou vivamente e foi calorosamente
aplaudida, foi a Fantasia para Flauta da ópera do imortal Carlos Gomes
Guarani executada pelo apreciado flautista maranhense Dr. Cláudio Serra,
que foi muito felicitado e cumpriementado.
Na ocasião em que foi colocado o retrato do imortal maestro, estiveram de
todos os assistentes, sendo executado o Hino Nacional pela banda de
música da Infantaria do Estado.
Foi uma bonita festa, muito modesta mas de grande valor, atento o elevado
fim, a boa vontade e dedicação demonstradas por todos os dignos
cavalheiros que tanto se esforçaram e por todas as pessoas que os
coadjuvaram.
302
Além de Antônio Rayol, a pianista Almerinda Nogueira apresentou seus conhecimentos
artísticos, que deve ter servido para ratificar nas mentes dos maranhenses a sua competência,
301
Como dissera, não tive a felicidade de encontrar mais fontes que tratam sobre a carreira artística de Antonio
Rayol, no entanto, no site www.patrimoniodahumanidade.com, uma página sobre as personalidades que
marcaram a história do Maranhão e, nela, consta uma pequena biografia de Antonio Rayol. Na referida
cronologia, no ano de 1894, Antonio teria ido ensinar violino e canto em Recife e também no Conservatório de
Música da Bahia, todavia não diz quando regressa ao Maranhão. Como o site não cita as referências e nem as
fontes de pesquisa, não há como precisar a “veracidade” dos dados ali apresentados.
302
ESTEVE... Diário do Maranhão, São Luís, 13 out. 1897.
147
assim como a técnica pianística necessária para ensinar aos filhos e filhas das elites
ludovicenses as artes do referido instrumento.
Em 1897, Antonio Rayol estava em São Luís. Dois anos depois, em 1899, manda
veicular notícia sobre as aulas em seu colégio de música: “COLLEGIO “RAYOL” Em 10
de janeiro do próximo anno, reabrirá este collegio as suas aulas nesta capital. Para qualquer
informação tem pessoa habilitada a prestar, a rua do Trapiche n. 30”
303
.
Como escreve José Amaro Silva, os músicos do século XIX exerciam as mais diversas
funções no campo musical. Assim, além de cantor lírico, compositor, professor, Antônio
Rayol também era regente de orquestra. A “dúvida” sobre o tempo que durou a estada de
Antônio na Europa vai se dirimindo a partir da leitura das fontes, pois, desde 1897, o referido
tenor estava em São Luís. Em 1898, o tenor maranhense aparece no programa do
espetáculo no Teatro São Luís no qual a orquestra estava sob sua batuta:
Theatro S. Luiz
Grande Companhia Dramatica DIAS BRAGA
Fundada em 20 de novembro de 1883
Orchestra dirigida pelo festejado maestro Antonio Rayol
Sabbado 16 de abril de 1898 Sabbado!
Successo Universal!
Drama de resistência, 525, representações; 1ª representação do grandioso
drama em 1 prologo, 5 actos e 8 quadros, extrahido do romance do mesmo
título do immortal escriptor francez ALEXANDRE DUMAS O Conde de
Monte Christo.
O papel de Edmundo Dantes e depois Conde de Monte Christo é uma
creação especial do artista DIAS BRAGA
Personagens
Edmundo Dantes (depois Conde de Monte Christo) ....... Dias Braga
Danglara (depois Barão) ...... E. Vieira
Morel (armador) ..... A. Marques
Caderousse.... Alfredo Silva
Fernando Mondengo (depois Conde de Morcef) .... Domingos Braga
Abbade Faria .... Antonio M.
Bestucio .... Mendonça
Alberto Visconde de Morcef ...... A. Bragança
Maximiliano Masel ..... F. Marzulo
Beauchamp jornalista ..... F. Marzulo
Marquez de Chateaubrum .... Ramos
Joaves joalheiro ..... Francisco
Noirtier (incognito) .... Balsemão
Gringole .... Arruda
Dantes (pae de Edmundo) .... Arruda
Conde de Villefort .... Affonso
Pamphilo taberneiro .... Ramos
303
COLÉGIO Rayol. Diário do Maranhão, São Luís, 7 dez. 1899.
148
Director das prisões .... Silvano
O médico das prisões .... Aprigio
1 carcereiro .... Caminha
1 carcereiro .... Pinto
Mercedes depois Condessa de Morcef .... Helena Cavalier
Julia Morel .... A Delorme
Gertrudes Caderousse .... Georgina V.
Marinheiros, gendarmes convidados de ambos os sexos, empregados da casa
Morel, contrabandistas, creados etc.
Titulos dos quadros
1º O dia fatal 2º O segredo do Abbade
3º O morto-vivo 4º O thesouro da ilha
5º A Estalagem 6º Os milhões do M. Christo
7º O espectro do passado 8º O premio da honra.
Mise-em-scene do notável artista
DIAS BRAGA
Scenarios novos e pintados expressamente para esta peça pelos distinctos
scenographos COLIVA CARRANCHINE.
Os machinismos a cargo do machinismo da empreza JOSÉ MINUTTI.
Adereços, pelo habil aderecista DOMINGOS VILLELA
NOTA No intervallo do e 3º quadros a orchestra tocará debaixo da
regencia do distincto maestro A. Rayol a polka brilhante Sou papa
offerecido ao acto Domingos Braga pelo distincto dr. JoVicente da Costa
Basto como prova de sympathia
ATTENÇÃO
Prepara-se a grande revista que fez dois centenarios no theatro Recreio do
Rio O BEDENGÓ.
Ás 8 ½ horas da noite
304
Essa notícia, além de tratar da atuação de Antonio Rayol como maestro, traz rias
informações sobre as divisões de tarefas entre os profissionais que trabalhavam na área
artística para organização de um espetáculo lírico que, como diz o anúncio, era de grandes
proporções, pelo menos no papel.
O certo é que, na segunda metade do século XIX, os(as) ludovicenses habitantes da
capital maranhense podiam aprender a tocar algum instrumento musical sem precisar se
deslocar para outras capitais provinciais.
4.4 Afinadores de pianos
304
THEATRO São Luís. Diário do Maranhão,o Luís, n. 7385, terça-feira, 15 abr. 1898.
149
Para todos os instrumentos anunciados nos jornais, precisava-se de profissionais que
cuidassem da sua conservação. No entanto, somente os afinadores de pianos colocavam seus
préstimos à disposição dos ludovicenses. A presença de afinadores nas páginas dos jornais
pode ser entendida dada a especialização que esse profissional deveria possuir e pela clientela
que precisava de seus préstimos. No jornal O Observador, João Evangelista do Livramento
“faz publico que se acha habilitado para afinar pianos; offerece portanto, o seu préstimo á
aquellas pessoas que o quizerem obzequiar com sua protecção. Pode ser procurado em sua
caza na rua de Sant‟Anna n.44, mística a que mora o Sr. Dr. Ferrão”
305
.
Nos Almanaques que saíam anualmente em São Ls, os afinadores e consertadores de
pianos anunciavam seus serviços aos proprietários dos referidos instrumentos, juntamente
com os professores. No ano de 1858, constavam no Almanak como afinadores e consertadores
de pianos e órgãos Antônio de Freitas Ribeiro, residente na rua do Egito, 23; Ayres da
Serra Burgos, que afina e conserta pianos, harmônicas, realejos, na rua da Cotovia; João
Evangelista do Nascimento, residente na rua Direita, 18; Joaquim Ferreira da Ponte, que
afina e conserta pianos, órgãos, acordeons e realejos, e fabrica pianos, na rua da Madre de
Deus, 20 e Mocambo
306
. O que mais chama a atenção é Joaquim da Ponte anunciar que
fabrica pianos, visto que somente no século XX é que fábricas de piano são instaladas no
Brasil, porém tiveram vida curta.
Na lista dos afinadores de pianos do ano de 1873 do Almanak
307
constavam os nomes
de Antônio de Freitas Ribeiro, agora residindo na Rua Formoza, 3; João Batista Ferreira
Pontes e Francisco Ferreira Pontes Júnior, pai e filho, morando, respectivamente, na Rua
Grande, nº 37 e na Rua dos Afogados, nº 72.
no ano de 1879, os afinadores de pianos que anunciam seus serviços no Almanak
308
não aparecem nos anos anteriores que foram analisados. São eles Faustino da Cruz Rabello,
residente no Beco dos Barbeiros, e José Firmino Ewerton Vieira, na Rua da Viração.
Nos anos finais do século XIX, encontrei três anúncios de afinadores de pianos em anos
diferentes, sendo que, possivelmente, dois deles se refere à mesma pessoa, e todos veiculados
no jornal Diário do Maranhão. O primeiro diz o seguinte: Pianos Na rua dos Remédios
junto à casa do sr. Pedro Souza Guimarães, tem pessoa habilitada para concertar toda e
qualquer qualidade, assim como afina-se por modico preço”
309
. E os outros dois versando o
305
ATTENÇÃO. O Observador, São Luís, ano 8, n. 408, quinta-feira, 6 jun. 1855.
306
Almanaque do Maranhão para o ano de 1858, São Luís, 1858, p.118.
307
Almanaque do Maranhão para o ano de 1873, São Luís: Editor João Candido de Moraes Rego, 1873, p.202.
308
Almanaque do Diário do Maranhão para o ano de 1879, São Luís: Typ. Do Frias, 1879, p.84.
309
PIANOS. Diário do Maranhão, São Luís, n. 6305, terça-feira, 11 set. 1894.
150
seguinte: “Pianos, harmonios etc, Na rua de são João, junto ao quartel do mesmo encontra-se
pessoa habilitada para concertar e afinar por modico preço, a qual pode ser procurada a
qualquer hora; assim como tem alguns pianos para alugar”
310
. E “Pianos Na rua de S. João
caza n, 57 afina-se e concerta-se, na mesma tem para alugar”
311
.
Não foi possível saber onde esses profissionais aprenderam esse ofício e nem se eram
brasileiros. Talvez num estudo posterior essa categoria profissional possa ser melhor estudada
e explique de modo mais completo a história das vivências musicais no Maranhão.
Assim, a presença desses profissionais anunciada nos jornais que circulavam na capital
da província maranhense indica a inserção de membros das elites nos novos ditames do gosto
civilizado, uma vez que o gosto é um dos determinantes e diferenciadores dos hábitos e dos
costumes e, através da existência na sociedade ludovicense desses profissionais, as elites da
capital maranhense se identificavam com as elites europeias
312
.
4.5 Os bailes: a música anuncia o início das danças...
Além dos espetáculos realizados no Teatro São Luís durante a segunda metade do
século XIX, outro divertimento muito apreciado pelas elites eram os bailes, tão concorridos
quanto os espetáculos teatrais e as festas realizadas em homenagem aos santos católicos.
Assim como os espetáculos dados no Teatro, os bailes eram ocasiões nas quais a etiqueta e a
civilidade eram exercitadas, pois esta última “tem como objetivo disciplinar o indivíduo, para
que ele manifeste nos gestos, nas posturas e nas atitudes o primado absoluto das formas da
vida social”
313
.
Asica executada nos salões onde os bailes de características ligeiras eram realizados,
foi de extrema importância para o desenvolvimento da música erudita no Brasil ao longo da
segunda metade do século XIX, e de grande relevância para o estudo da formação da
sociedade brasileira, pois essa “música não foi executada em soirées que incluíam a dança,
310
PIANOS... Diário do Maranhão, São Luís, ano 26, n. 6612, sábado, 14 set. 1895.
311
PIANOS. Diário do Maranhão, São Luís, n. 7180, quinta-feira, 12 maio 1897.
312
MONTEIRO, 2008, p. 70.
313
RAINHO, 2002, p. 99.
151
mas [...] as próprias partituras impressas para piano representam danças da época, embora às
vezes estilizadas ou abreviadas”
314
.
Sobre esses divertimentos elegantes os jornais ludovicenses anunciavam não só o
convite para os referidos bailes, assim como os comentários sobre a organização do evento, o
comportamento dos presentes e a atuação dos músicos, sem os quais essas reuniões de
homens e mulheres ávidos por alegrarem-se não seriam festas e perderiam a movimentação
proporcionada pelas danças. O jornal A Sentinella publicou anúncio de baile:
Theatro de S. Luiz
Grande Baile de Mascaras a fabor de Manoel Gonçalves da Silva.
Domingo 22 de julho de 1855
As 7 ½ horas da noite estarão abertas as portas da entrada, sendo a que
para o becco a de entrada geral e uma das da frente a de sahida.
As 8 ½ horas a muzica executará uma excellente symphonia, finda a qual se
dará com um pequeno intervallo, o signal de que vai começar o BAILE.
As quadrilhas terão o intervallo de 10 minutos de uma as outras, sendo estas
alternadas de 2 em 2 por uma Walsa ou Schottich
Preco das entradas
Camarotes de seis entradas 6$000
Entrada geral para os mascaras 1$500
Dita para as pessoas sem mascara 1$000
Torrinha com 5 entradas 2$000
Varandas 400
O regulamento apresentado pelo Illm. Sr. Dezembargador chefe de policia
determina a ordem que se deve seguir, é o memso que se publicou no
Publicador Maranhense de 15 de fevereiro do corrente anno.
315
Este anúncio convidava os ludovicenses para o baile. No mesmo jornal também foi
veiculado o que aconteceu no baile do dia 22 de agosto, como segue:
Caros leitores! Eis-nos de novo com a tarefa semanal, a que somos
condemnados. Estavamos com splum fulminante pelos desejados bailes de
marcaras, que são tantos, para esgotar as algibeiras aos amantes de celle
divertissement.
Domingo 22 do corrente, comparecemos da forma que haviamos promettido
no Sam Luiz...
314
BISPO, A. A. Brasil/Europa & Musicologia: aulas, conferências e discursos. [S.l.]: I.S.M.P.S./ I.B.E.M.,
1999 (Anais de Ciência Musical), p. 110.
315
THEATRO São Luís. A Sentinela, São Luís, 4ª série, n. 28, 20 jul. 1855.
152
A Orchestra que foi dirigda pelo Sr. Sérgio Marinho ... tocou
excellentemente variadas peças, não mais bem executadas, como de
melhor escolha que as do primeiro Baile;
Deleitamo-nos, muito alem do nosso usu al costume. Entre pouco mais de
dusentos mascaras muito houverão que se tornarão salientes e de gosto;
como um celebre leigo que la vimos.
Ó que penca de nariz,
Ninguem pode imaginar!
Que é difícil de pintar...
Com pincel, lapis ou giz!...
Era um daqueles religiosos da corte de D. Manoel de La Rosa, que atravez
do burel que vestia, deixava ver claramente a magica hypocrisia, com que
falava a todos. O Pescadinha era também um perfeito ratão, em quanto a
maior parte dos mascaras se occupavão em dansar, corria elle todos os
angulos e triangulos daquelle vasto sallão; a todos comprimentava
celebremente fasendo-nos recordar certo ginja d‟esta cidade com o paxaxe
muito bem, a continha prá xemana, 3 e 710 com 10 biule, xoi amanhã a
canôa..
Muito nos rimos com estas passagens, que aqui seria difficil contar.
Foi singular também um russo que la appareceu, com umas grandes bottas
capazes attravessar sem perigo o mar Azoff. O Chapeu crivado de boracos
attestava as passagens que havia dado a alguns centenares de ballas alliadas.
Não sabemos tão bem como pôde escapar do oculo de Lord Dundas, que
também lá vimos, com o seu chapeu armado, e fardão vermelho, e bordado
Ora Lord Dundas occupa um typo ratão até nos pequenos divertimentos
d‟esta terra...
Tivemos a honra de observarrmos de perto o celebre Coronel Coutinho, tam
celebre nos annaes da Federação Argentina.
Fora para nos muito saliente um mascara vestido côr de roza, que tinha por
par uma joven encantadora também mascarada e que dansava
magnificamente a Schotisk sentimo-nos perplexos... mas a censura de nossa
penna Não de perú, gallinha, ou gallo.
Perdoem a franqueza com que fallo.
O Mascara que trajava de Carrasco não teve mau gosto ... assim como a
celebre que por signal:
As cóstas trazia,
Uma grande liga,
P‟ra que se não diga
Que era mulher.
Que interessante figurinha! Era o prototypo fiel de uma titia de 40 annos.
Veremos agora que influencia terá o Baile no dia 28... para o qual também
nos aguardamos.
316
A primeira questão a observar é o lugar onde esse baile se realiza, o Teatro mais
importante da capital da província do Maranhão. Como se pode observar pelo exposto no
segundo movimento, os pobres também compareciam ao teatro. Não é possível saber com
certeza quais as estratégias que os menos favorecidos economicamente criavam para
conseguir comprar os ingresssos para os espetáculos, mas estavam. Nos bailes não seria
316
CAROS... A Sentinela, São Luís, 4ª série, n. 29, 28 jul. 1855.
153
diferente. Imagino que nessas ocasiões os distanciamentos entre os ricos e os pobres eram
menores devido à própria natureza que o baile assume, e isso se verifica pelos tipos, acerto
ponto caricatos, citados na notícia sobre os acontecimentos, e pela necessidade de um par
quando as danças começavam.
Esse é um ponto importantíssimo no que tange aos bailes a dança. Os homens e as
mulheres que a eles compareciam íam com esse desejo, dançar. Por isso, a presença da música
era imprescindível. No entanto, vale lembrar, que na sociedade elitista do século XIX existia
todo um protocolo para essas danças acontecerem, porquanto eram nessas ocasiões que os
rapazes se aproximavam das moças. Apesar desse contato que a dança proporcionava entre
casais durante o baile, não dava o direito ao rapaz de maiores liberdades com a dama,
conforme adverte o manual de civilidade:
A apresentação de uma senhora por occasião de um baile é para o único fim
de dançar, e não dá jus ao cavalheiro, que lhe for apresentado, a ser recebido
por essa senhora em sua casa. As relações assim entaboladas, terminam
sempre com o baile. Se por casualidade vos encontrardes com uma senhora,
com quem tiverdes dançado, não deveis dirigir-lhe a palavra: o mais que
podeis fazer é tirar-lhe o chapêo; e isto mesmo o fareis quando a
distancia, em que d‟ella vos achardes, fôr tal que não passes evitar o
aproximar-vos desta senhora.
317
Na notícia anterior, após terminar os comentários sobre os presentes que mais se
destacaram no baile, o redator anunciava o próximo do dia 28 de julho, aniversário da
adesão do Maranhão à independência do Brasil. Sobre os acontecimentos desse ajuntamento
de homens e mulheres em busca de divertimento escreve o redator:
Em resumo e ao correr da penna, começaremos, pelo masqué no dia 28 como
haviamos promettido, não faltemos, ao S. Luiz, a concorrencia foi nunerosa
havendo muitos mascaras de gosto e distincção uma linda jovem mascarada
de vestido branco, grinalda de flores envolta em seus lindos cabellos cauzou-
nos sensações diabolicas!!... dançava elegantemente... aceite ela os nossos
agradecimentos pelo aperto de mão que nos deu!... O digno professor Sergio
Marinho esmerou-se na escolha das excellentes peças que tocou, com que
muito nos distrahiu. Notamos muita irregularidade nas contradanças nestes
ultimos bailes, por não haver um mestre salla que dirija os mascaras ao lugar
que lhe compete, toda a vez que isto acontecer termos de ver divergencias
317
Manual de civilidade, 1867, p.91-92 apud MORAES, 2004, p.33.
154
por causa de lugares. A illuminação a chineza não nos surprehendeo, por ser
á mesma que vimos no tivoly.
318
O Teatro São Luís era o grande palco dos maranhenses, mas não era somente em seus
salões que os bailes se realizavam. As sociedades culturais privadas também organizavam
bailes. E nesses lugares os pobres não tinham acesso livre” como no teatro. As informações
encontradas sobre essas celebrações de alegria coletiva o trazem especificidades sobre o
baile e nem o preço das entradas. No entanto, muda-se o lugar, mas o vestuário dos bailes
continuava sendo o mais elegante e refinado que os homens e as mulheres podiam apresentar,
visto que os bailes eram considerados as reuniões mais solenes da sociedade, de modo que os
cavalheiros deviam comparecer a eles “com luvas brancas novas, gravata branca, colete
branco, meia de seda e calça comprida ou pelo menos bota de polimento”
319
. As luvas
simbolizavam requinte e elegância, mostrada na forma como eram colocadas ou retiradas por
homens e mulheres, pois as luvas francesas passaram a requinte ortodoxo no trajo
feminino”
320
. E sobre o estado de asseio das luvas instruía o manual de civilidade:
No tocante a luvas, lenços de assoar e calçado, fazei que tudo seja da melhor
e mais fina qualidade; porque, como deveis saber, sempre se julga
desfavoravelmente da eduacação de um cavalheiro, que se apresenta de luvas
pouco asseadas, lenço amarrotado e ordinário, e botas ou sapatos menos
limpos.
321
No ano de 1855, o jornal no qual os bailes são anunciados e comentados é o A
Sentinella, por isso a presença constante desse periódico nestas linhas. Sobre o baile oferecido
pela sociedade Recreio Commercial veiculou o referido jornal:
No dia 7, tivemos o praser de assitir ao baile Recreio Commercial; tudo alli
esteve bello e encantador.
318
EM RESUMO... A Sentinela, São Luís, 4ª serie, n. 30, 4 ago. 1855.
319
ROQUETE, J. I. Código do Bom-Tom, ou, Regras da civilidade e de bem viver no século XIX. São Paulo:
Companhia das Letras, 1997, p.158 159.
320
FREYRE, 1987, p. 131.
321
Manual de civilidade, 1867, p.83 apud MORAES, Darlen Cristina Sousa de. Novo manual de civilidade ou
regras para qualquer pessoa poder frequentar a boa sociedade: um breve comentário. 2004. Trabalho de
conclusão de curso (Graduação) Curso de Licenciatura Plena em História, Universidade Federal do Maranhão,
São Luís, 2004. f. 32.
155
A musica era excellente, e bem dirigida, assim como o foi todo o baile...
As flores animadas, percorrião as salas, elegantemente vestidas e com
aquelles singelos admans e doçuras que só a penna de Mr. Alexandre Dumas
foi concedido descever minuciosamente. s porem, que gosavamos dos
odôres que exalavão, a inflitrarem-se docemente em todos os corações.
Julgamo-nos transplantados ao formoso templo de Venus, - sorvendo os
magicos surrizos das Graças E deste completo extasis eis a resumida
censura.
322
Assim como a sociedade Recreio Commercial, existiam outras que atuavam na capital
maranhense promovendo divertimentos paralelamente às atividades realizadas no Teatro São
Ls ou para suprir a falta de espetáculos no mesmo, como já foi exposto no segundo
movimento. A sociedade Recreativa Militar também mandava anunciar seus bailes:
A Sociedade Recreativa Militar dá hoje o seu 12º Baile.
nos ia passando desapercebido o Tivoly a concorrencia, como da vez
passada, não foi grande.
É para lastimar que sendo este, o único divertimento que temos, não seja
bem concorrido pelas maranhenses. Estamos porem inclinados a crer, que
Domingo 2 de setembro a affluencia seja maior.
323
Além da sociedade Recreio Commercial e da Recreativa Militar, a sociedade Club
Maranhense também anunciava seus bailes para alegria dos(das) ludovicenses, como escreveu
o redator do jornal A Moderação:
Club Maranhense No dia 29 terá lugar o segundo baile d‟esta sociedade. O
empresario tem se mostrado incansavel em agradar aos seus socios, e cremos
que desta vez não haverão queixas acerca da colocação da muzica nem do
acanhamento do local, porquanto estão ellas removidos.
324
Duas questões importantes aparecem na notícia acima: a música e o espaço onde o
baile seria realizado. A música era o elemento mais importante, pois sem ela não haveria
dança e, consequentemente, divertimento. O baile é um “ambiente elegante, festivo e solene
322
NO DIA... A Sentinela, São Luís, 4ª série, n. 27, 14 jul. 1855.
323
A SOCIEDADE... A Sentinela, São Luís, 4ª serie, n. 33, 25 ago. 1855.
324
CLUB Maranhense. A Moderação, São Luís, ano 1, n. 13, sábado, 29 maio 1858.
156
(...). É o espaço para a ostentação da posição social e da riqueza, onde se cultivam as relações
convencionais e as etiquetas de salão”
325
, talvez seja por esse motivo que os organizadores
pedem desculpas à sociedade ludovicense presente naquele local. Por isso, quando os
promotores de bailes os anunciavam nos jornais, faziam questão de frisar a elegância e
organização do salão onde o divertimento aconteceria:
Club Philarmonico Maranhense, o pianista.
No dia 20 abre esta bella e recreativa empreza as suas portas ao folguedo da
boa sociedade maranhense. O Sr. Almeida não poupou esforços para tornar
ainda mais aprasiveis e confortables os seus salões de baile, que merecem ser
concorridos para poder o empresario sustental-os com lusimento. Consta-nos
que melhorou o serviço, que será mais abundante este anno.
326
Mas o eram somente sociedades organizadas que realizavam bailes na capital
maranhense. As datas festivas também eram motivos para que bailes fossem realizados. De
acordo com o Almanaque do Maranhão do ano de 1858, os dias de grande gala eram os
seguintes:
14 de Março Natalício de S. M. a Imperatriz
25 de Março Dia em que foi jurada a Constituição do Império
28 de Julho Adherencia do Maranhão a Causa da Independencia e do
Imperio
29 de Julho Natalício de S. A. a Serenissima Princeza Imperial D. Isabel
7 de Setembro Dia em que foi proclamada a Independência do Brasil
2 de Dezembro Natalício de S. M. I. o Senhor D. Pedro II.
327
Assim, essas datas eram pretextos para que os ludovicenses organizassem bailes para
comemorá-las. No jornal A Moderação foi veiculada notícia sobre o baile do dia 2 de
dezembro de 1858:
Baile da Guarda Nacional Houve na noite de 2 do corrente um baile dado
pelo Srs offciaes da guarda nacional á S. M. o Imperador do Brazil. Na
325
FONSECA, 1996, p. 114.
326
CLUB Filarmônico Maranhense, o pianista. A Imprensa, São Luís, ano 3, n. 61, quarta-feira, 10 ago. 1859.
327
DIAS de grande gala. Almanaque do Maranhão para o ano de 1858, São Luís, 1858, p.31.
157
opinião de todos foi este baile um dos mais esplendidos que se tem dado
n‟esta provincia, pelo excessivo luxo com que fora decorada a casa da
sociedade Club Maranhense pela concurrencia de familias, enthusiasmo,
ordem e respeito. Terminou pelas 3 horas da madrugada.
328
Ainda sobre os acontecimentos do baile em comemoração ao aniversário do Imperador
Pedro II, o jornal O Século também apresentou em uma de suas páginas comentários do baile:
O baile de 2 de Dezembro
No dia 2 do corrente teve lugar no Club Maranhense um esplendido baile,
dado pela officialidade da guarda nacional para festejar o Anniversario de S.
M. I. o Senhor D. Pedro 2º.
A casa estava perfeitamente ornada, tendo á porta duas bandas marciaes, que
constantemente executavão lindas e escolhidas peças de musicas.
Os convidados que subirão ao numero de 800 foi acreme da sociedade
maranhense. Principiarão a reunir-se ás 7 ½ da noite, as 8 chegou o Exm. Sr.
Bispo, e pouco depois o Exm. Sr. presidente da provincia, os quaes foram
recebidos a porta d‟entrada pela direcção do Baile composta pelos Sr. Dr.
Barreto, commandante superior da guarda nacional e tenentes coroneis Dr.
Corrêa, Barros e Vasconcelos, Coqueiro, e Mathias e José Pereira, ao som do
hymno Nacional. D‟ahi a pouco, retirou-se S. Exm. Rvmª. e começou então
a dança, dignando-se S. Ex. o Sr. presidente convidar para seu vis-á-vis na 1ª
quadrilha ao Sr. Consul de Portugal, e tendo por seu par a Exmª. esposa do
Sr. Dr. Dias Vieira. S. Exc. continuou a dançar mais algumas quadrilhas.
Houve ceia, differentes brindes, senhoras vestidas com gosto e elegancia.
Terminou ás 4 da manhã.
329
O baile deve ter sido realmente importante e bem concorrido, haja vista que dois jornais
noticiaram o seu sucesso. Mas não era somente com motivos que se realizavam os bailes na
capital da província do Maranhão, como os que mandou anunciar o Presidente da Província:
Theatro Nacional de S. Luiz
Grandes Bailes de Mascaras Concedidos pelo Exm. Sr. Presidente da
Província nos dias 2, 3 e 5 de fevereiro de 1856.
Ás 7 e meia horas da noute estarão abertas as portas da entrada, sendo a que
para o beco a de entrada geral e uma da frente a sahida.
A‟s 8 e meia horas a musica executa uma excellente simphonia, finda a
qual se dará com pequeno intervallo o signal de que vai começar o BAILE.
As quadrilhas terão o intervallo de dez minutos de umas ás outras, sendo
estas alternadas de duas em duas por uma VALSA ou SCHOTTICH.
328
BAILE da Guarda Nacional. A Moderação, São Luís, ano 2, n. 40, sábado, 4 dez. 1858.
329
O BAILE de 2 de dezembro. O Século, São Luís, ano 1, n. 4, sexta-feira, 17 dez. 1858.
158
Preços de entrada Camarotes com seis entradas 6$000, entrada geral para
os Srs. Mascaras 1$000, dita para as pessoas sem mascara 1$000, Torrinhas
quatro entradas 2$000 Varandas 400.
Terminará divertimento por uma Galopada. O Regulamento dado pelo Ilm.
Snr. Dr. Chefe de Policia determina a ordem que se deve seguir e o mesmo
está publicado no Publicador Maranhense de 15 de Fevereiro de 1855.
330
Para encerrar este “baile”, outro momento de grande alegria para os ludovicenses era a
festa de Carnaval. E é evidente que ocasiões como essas também eram celebradas com bailes.
Embora houvesse regras de boa conduta a serem seguidas durante os bailes, nesses do
Carnaval era mais difícil exercer o controle sobre os presentes, visto que se apresentavam
mascarados e fantasiados. O anúncio a seguir é importante porque cita o programa executado
durante o divertimento e o tipo de dança que os ludovicenses conheciam:
Theatro S. Luiz
Viva o Carnaval
Magnificos Bailes de Mascaras
Programma
Nas noites de 15 e 17 de fevereiro do corrente anno, terão lugar dous Bailes
de mascaras, para que o Theatro estará convenientemente preparado e franco
a quem apresentar o competente bilhete, que deve dar ingresso para o
folguedo e folia.
Viva a Pandega!
Uma harmoniosa e escolhida musica marcial dará começo á festa executando
uma composição original denominada Provocadora! Principiando depois as
danças que se seguem, ena mesma ordem:
1ª Quadrilha a Incitadora
2ª Dita a dos Namorados
3ª Grande Walsa O Desespero
4ª Quadrilha a Loucura
5ª Dita A Burlesca
6ª Grande Galop Amoroso
7ª Quadrilha A Folia
8ª Dita da Pandega
9ª Mazurca dos Requebros
10ª Quadrilha o Frenezi
11ª Dita a Furiosa
12 ª Cancan infernal
Viva a Folia!
Os cartões para a entrada dos Bailes serão acompanhados de um bilhete
numerado, que dará direito a quem o possuir a receber o premio que a
caprichosa SORTE designar na grande Roda da Fortuna! [...]. Os bailes
principiarão ás 8 horas da noite, e finalisarão ás 2 da madrugada VIVA A
ORDEM!
330
THEATRO Nacional de São Luís. Diário do Maranhão, São Luís, 4 jan. 1856.
159
Os regulamentos policiaes serão rigorosamente respeitados, e quem fizer por
onde, conte com anno do nascimento VIVA O GIMBO!
Preços
Camarotes da 1ª ordem com 6 ingressos 6$000
Ditos da 2ª ordem com 6 ingressos 8$000
Ditos da terceira ordem com 6 ingressos 6$000
Entrada geral 1$000
As encommendas de camarotes recebem-se em casa do sr. Abranches, no
largo do Carmo.
331
Através do programa do baile, as quadrilhas eram o ápice das danças, visto que eram
dançadas mais vezes e também por proporcionarem que todos indistintamente se divertissem.
Como dissera anteriormente, os bailes tinham o sucesso anunciado e pretendido por
seus organizadores quando os músicos contratados para neles tangerem seus instrumentos
musicais o faziam com esmero e harmonia, e se os membros das elites dessem a honra de suas
presenças nesses entretenimentos.
Os bailes completam o cenário dos divertimentos elegantes escolhidos para serem
exemplos dos ambientes onde os(as) ludovicenses tentavam exercitar as regras de civilidade,
o vocabulário francês, o comedimento na alimentação e afirmar-se perante seus pares.
331
THEATRO São Luís. Diário do Maranhão, São Luís, ano 5, n. 144, sábado, 24 jan. 1874.
160
5 POSLÚDIO
Nos dois últimos quartéis do século XIX, na capital da província do Maranhão, esses
sons das melodias portuguesas, inglesas e principalmente italianas invadiam as ruas sujas,
esburacadas e malcuidadas da “Atenas Brasileira”. A disparidade era grande entre o ideal
francês de civilidade e mordernidade e as condições reais da cidade de São Luís organizada
aos moldes portugueses. No entanto, os homens e as mulheres das elites ilustradas que
habitavam a “Manchester do Norte”
332
“incentivavam” o restante da sociedade que ainda não
estava inserida nesses ideais a se adequarem às práticas civilizadas.
O Maranhão, assim como as demais províncias imperiais, vivia na América do Sul, mas
queria a todo custo respirar os ares europeus, especialmente os da França. Para conseguir seu
intento, não poupava esforços nem economizava.
Para conseguir esse intento, havia todo um aparato que qualificava e diferenciava as
elites dos demais estratos na sociedade ludovicense, e esse arsenal simbólico era buscado
incessantemente pelos homens e pelas mulheres que queriam ao menos parecer civilizados,
pois “a “boa sociedade” [...] buscou no século XIX igualar-se aos europeus e, ao mesmo
tempo, distinguir-se das outras camadas da sociedade, por meio do polimento dos costumes,
da europeização da vida social e da adoção da moda estrangeira”.
333
Assim, neste estudo, as vivências musicais foram utilizadas como parâmetro de
distinção social, como mais um elemento que as elites ludovicenses usaram para se
diferenciar dos demais estratos daquela sociedade. Todo esse movimento em busca dos
padrões e modelos europeus tinha o intuito de hierarquizar ainda mais a sociedade imperial
como um todo, e a de São Luís em particular, pois uma pequena parcela dessa sociedade
tinha condições econômicas para adquirir os artigos de luxo vindos da Europa, ainda mais
instrumentos musicais como o piano.
No entanto, nas práticas cotidianas apresentadas por essas mesmas elites, o que mais as
caracterizavam era justamente os bitos e costumes portugueses, tão repudiados após a
independência do Brasil, mas ainda bastante arraigados na sociedade ludovicense. Por conta
332
De acordo com Rossini Corrêa os maranhenses não satisfeitos em serem iguais aos gregos nas letras
comparavam o progresso econômico da província ao de Manchester nos Estados Unidos. Cf.: CORRÊA,
Rossini. Formação social do Maranhão: o presente de uma arqueologia. São Luís: SIOGE, 1993. p.159.
333
RAINHO, Maria do Carmo Teixeira. A cidade e a moda: novas pretensões, novas distinções, Rio de Janeiro,
século XIX. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2002. p. 108.
161
desse estigma, os membros das elites estarão numa busca constante para assimilar os hábitos e
costumes dos europeus considerados civilizados os franceses.
As elites tinham ligações diretas com as autoridades governamentais, que instituíam leis
e posturas para disciplinar a parte mais pobre da população de São Ls, e o seu
descumprimento e a não assimilação eram muitas vezes relatados nos jornais que circulavam
na capital maranhense. Assim, as elites viviam constantemente em choque com a maioria da
população que passava privações econômicas e que não estava preocupada em ser francesa ao
invés de portuguesa, e sim de ter onde morar e do que se alimentar.
Apesar dessa situação de extrema disparidade econômica vivenciada na sociedade
ludovicense, quando os jornais começam a anunciar as récitas que seriam realizadas no Teatro
São Ls, os homens e as mulheres tanto das elites quanto os pobres esqueciam-se das
dificuldades enfrentadas no dia a dia e direcionavam suas atenções somente para a forma
como se apresentariam perante os seus iguais e/ou diferentes no dia do espetáculo, pois a
“literatura das civilidades consistia em estabelecer regras mais ou menos rígidas,
determinando o que as pessoas deveriam vestir, segundo o sexo, a idade, a ocasião e posição
social [...]”
334
. Para suprir essa necessidade imposta pelos manuais de civilidade, os
comerciantes anunciavam periodicamente nos jornais os últimos artigos de luxo vindos da
Europa, como sapatos, bolsas, chapéus, lenços, luvas, joias e as sedas mais elegantes
existentes naquele século XIX.
Quando a assimilação dos novos hábitos e regras de etiqueta demorasse a fazer parte das
práticas rotineiras, a ponto de serem consideradas inatas, a cultura da aparência entrava em
cena, visto que “o orgulho era o símbolo de uma sociedade pseudamente instruída, entregue
na verdade, a dissipar em ostentação, o resultado dos negócios agrícolas e mercantis, a
oferecer os primeiros sucessos”
335
.
Assim como os artigos de luxo que agradavam as elites ludovicenses deveriam ter
origem europeia, com a música não era diferente. A música apresentada durante os
espetáculos dados no Teatro São Ls, nos teatros particulares, nos bailes e tocadas nos saraus
das famílias abastadas era a música erudita europeia, principalmente a italiana. E são os
jornais que circulavam na capital maranhense que dão essa informação.
Como dissera no segundo movimento desta composição, o Maranhão estava inserido
nos ditames que norteavam o império brasileiro como um todo, e essas indicações também se
estendiam para as artes em geral. Tudo que as elites ludovicenses buscavam nos jornais era
334
RAINHO, 2002, p. 110.
335
CORRÊA, 1993, p. 76.
162
com o intuito de adequarem-se aos padrões europeus e tentar ao menos na aparência construir
uma carcaça de refinamento, pois o “anúncio de jornal [era um] informe cientificamente
social”
336
. Nos dois últimos quartéis do século XIX, os homens e as mulheres que viviam na
capital da província maranhense não tiveram descanso. A cada dia uma novidade elegante era
anunciada no jornal e causava grande ansiedade nesses membros das elites que aspiravam a
todo custo aos francesismos. Eram esses comerciantes que estimulavam o consumismo
dos(das) maranhenses fazendo publicar as novidades europeias nos jornais.
Os artigos de luxo anunciados nos periódicos da capital maranhense podiam ser
comprados por todos os membros das elites, e isso os qualificava como tais e os aproximava,
porém ao mesmo tempo os distanciava dos estratos mais pobres da cidade. Todavia, mesmo
entre as elites, as diferenciações existiam e eram buscadas por seus membros através de um:
processo de retraimento e de subtração que atribui às práticas culturais um
valor distintivo tanto mais forte quanto menos elas são compartilhadas; de
outro lado, um processo de desqualificação e de exclusão que lança para fora
da cultura consagrada e canônica as obras, os objetos, as formas daí em
diante relegadas ao divertimento popular.
337
Assim, para as elites, as vivências musicais serão o fator de distinção dentro do seu
próprio segmento social, visto que, somente poucos frequentadores do teatro sabiam com
certeza o que ali estava sendo cantado, porque as composições eram escritas em alemão,
francês e italiano, principalmente. Não falo aqui de sensibilidade, pois entendo o poder que a
música tem e, para esse fim, ultrapassa qualquer barreira linguística. Mas, para as elites
ludovicenses da segunda metade do século XIX, isso ficava em segundo plano.
Quando se tratava de tanger um instrumento, essa diferenciação atingia proporções
ainda maiores do que a falta de conhecimento das nguas estrangeiras. O conhecimento
musical e mais ainda o domínio de um instrumento, ao longo da história, diferenciaram quem
os possuíam. Nos dois últimos quartéis do século XIX, com os avanços na parte mecânica dos
instrumentos musicais, esses critérios aumentaram por conta da maior especialidade que os
instrumentistas deveriam apresentar.
336
FREYRE, Gilberto. Modos de homem & modas de mulher. Rio de Janeiro: Record, 1987. p.76.
337
CHARTIER, Roger. “Cultura Popular”: revisitando um conceito historiográfico. Estudos Históricos, Rio de
Janeiro, vol. 8, n. 16, p. 179-192.1995, p. 4.
163
É importante lembrar que, durante todo o período colonial, dada a construção da história
brasileira embasada na exploração do trabalho manual dos índios e dos africanos, e por serem
estes que também utilizavam suas mãos tocando instrumentos musicais para alegrar seus
senhores, o profissional da música era de certo modo desprezado, desvalorizado. Assim, os
filhos e filhas das elites se dedicavam “à poesia, jamais à pintura, escultura ou arquitetura”
338
,
porque eram artes consideradas trabalhos manuais. A música acabava sendo enquadrada nessa
categoria por conta de quem a executava.
no início do século XIX, esse pensamento vai se transformando a ponto de esses
filhos e filhas das elites se dedicarem à arte de Apolo, mas apenas como ornamento que os
diferenciariam dos seus iguais, não como profissão. Dentro do próprio estrato das elites
ludovicenses, essas diferenciações podiam ser percebidas através da pequena quantidade de
diletantes que executavam seus instrumentos tendo como base uma partitura.
No entanto, para que as vivências musicais das elites ludovicenses tivessem sons e
pudessem ser qualificadas de musicais, era necessário que houvesse músicos profissionais na
província. Com efeito, eles existiam e eram habilitados nos instrumentos que tangiam. Esses
profissionais utilizavam a música como ofício e também como meio para frequentar os locais
elitizados.
Durante os espetáculos no Teatro São Luís, nos teatros particulares, nos salões dos
clubes e associações recreativas e nos salões elegantes dos casarões coloniais onde os saraus
familiares eram realizados, a música era a protagonista desses divertimentos, porquanto sem
ela não haveria movimento e esses ajuntamentos de pessoas seriam adjetivados de outra
maneira, menos de reuniões musicais.
Os instrumentistas, os cantores, os maestros, os professores de música, os empresários
das companhias líricas, os afinadores de piano, os consertadores de instrumentos, as partituras
que orientavam a execução das peças europeias, os comerciantes que traziam da Europa os
últimos artigos da moda, os redatores dos jornais que tentavam semanalmente disciplinar a
sociedade seja na rua ou dentro do Teatro São Ls e, finalmente, a cidade de São Luís, onde
todas essas emoções se encontravam, foram decisivos para a tentativa de entendimento da
importância das vivências musicais para as elites ludovicenses na segunda metade do século
XIX.
Assim, através das inúmeras fontes onde os sons de vozes, instrumentos musicais
sempre apareciam soando quando essas folhas maltratadas pela ação do tempo eram
338
PIFANO, Raquel Quinet. O estatuto social do artista na sociedade colonial mineira. Lócus: Revista de
Hisria, Juiz de Fora, v. 4, n. 2, 1998, p.125.
164
manuseadas, é possível dizer que a música e as vivências musicais fizeram parte das
sociabilidades urbanas das elites ludovicenses e que estas souberam usufruir de todas as
vantagens que a arte de Apolo podia lhes acrescentar para diferenciarem-se dos demais
estratos sociais e dos seus iguais.
***
Cheguei ao meu destino na Praia Grande, centro da vida comercial da capital da
província do Maranhão, nos idos da segunda metade do século XIX. Resolvi os negócios
pendentes, encontrei alguns conhecidos dos espetáculos teatrais e saraus da cidade e com eles
acabei conversando um pouco. No entanto, é o sol que determina o tempo que se pode ficar na
rua durante o dia nas plagas maranhenses. E este começava a anunciar que estava na hora
de refazer o percurso de volta para casa. Comecei a despedir-me dos conhecidos e, apesar dos
apelos para que ficasse um pouco mais a prosear, o “astro rei” insistia em lembrar-me do
adiantado da hora. Finalmente consegui iniciar a subida pela Rua da Alfândega, já pensando
na proteção que os grandes paredões dos casarões me proporcionariam do calor do sol.
Subindo por essa rua estreita e aproximando-me do Largo do Carmo, comecei a sentir a
brisa fria que sobe do mar pela Rua do Egipto que conforto ela traz para o corpo encharcado
de suor. O meu percurso pela cidade era orientado pelos sons, que davam mais colorido às
caminhadas ao centro comercial, proporcionando alegria e reflexão. De volta para casa,
organizava o trajeto também à procura de sons...
Pensara, ao sair da Rua Portugal, seguir pela rua da Estrela e passar pela casa onde
residia o pianista Savio Cesare. Se tivesse sorte, ouviria o professor executando ao piano ou
cantando alguma melodia italiana. No entanto, o calor tropical direcionou-me
inconscientemente pelo caminho mais curto...
Parei e respirei a brisa suave que me trouxe novo ânimo. Apesar de o ter feito o
percurso musical de costume, estava agora próximo ao Teatro São Ls, onde a esta hora
geralmente ainda aconteciam os ensaios da companhia lírica. Como os artistas não acordam
cedo, os ensaios com o coro e a orquestra aconteciam às 11 horas da manhã. Porém,
passava um pouco disso. Mas, depois de recuperar o ar e voltar a atenção para os sons da
cidade, ouvi a orquestra do Teatro tocando. Tomei outra injeção de ânimo.
Atravessei o Largo do Carmo e fui me aproximando das imediações do edifício do
Teatro e consegui identificar os acordes da ópera Lucia di Lammermoor, uma das mais
famosas composições de Donizete, e que sempre faz sucesso ao ser apresentada em São Ls.
165
Procurei uma sombra a fim de proteger-me do sol e fiquei ouvindo os acordes que insistiam
em escapar pelas janelas laterais do Teatro.
De repente, a orquestra para e muitas vozes começam a ser ouvidas ao mesmo tempo, e
não se tratava do coro cantando, parecia que reclamavam de alguma coisa. Não consegui
entender o que diziam. Depois de algum tempo, o silêncio é reestabelecido e após alguns
segundos a orquestra volta a soar, agora com todas aquelas pessoas que falavam ao mesmo
tempo cantando harmoniosamente em vozes separadas. Parece que a discussão surtiu efeito,
porque cantavam bem melhor. Esperei terminar o terceiro ato da ópera. Depois dessa “audição
grátis” não via a hora de ver e ouvir o espetáculo inteiro.
O calor já tinha arrefecido com a brisa vinda do mar e continuei meu caminho subindo a
ladeira da Rua do Sol...
166
REFERÊNCIAS
1 FONTES
1.1 INSTITUIÇÕES DE PESQUISA
ARQUIVO PÚBLICO DO ESTADO DO MARANHÃO
ARQUIVO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO MARANHÃO
BIBLIOTECA PÚBLICA BENEDITO LEITE
1.2 JORNAIS, REVISTAS E PERIÓDICOS
A Fé
A Federação
A Flecha
A Imprensa
A Luta
A Marmota Maranhense
A Moderação
A Nova Época
A Sentinela
Almanaque do Maranhão para o ano de 1858.
Almanaque Administrativo, Mercantil e Industrial do Maranhão para o ano de 1868.
Almanaque Administrativo do Maranhão para o ano de 1873.
Almanaque do Diário do Maranhão para o ano de 1879.
Correio D’Anúncios
Diário Do Maranhão
Jornal Para Todos
O Constitucional
O Globo
167
O Observador
O País
O Progresso
O Século
Pacotilha
Porto Livre
Publicador Maranhense
Semanário Maranhense
1.3 LEGISLAÇÃO
PROVÍNCIA DO MARANHÃO. Código de Posturas da Câmara Municipal de São Luís de
1866. São Luís, 1866.
PROVÍNCIA DO MARANHÃO. Código de Posturas da Câmara Municipal de São Luís de
1892. PORTO, Augusto (org). São Luís: Typ. do Diário do Maranhão, 1910.
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