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A Comunicação no Movimento WesleyanoJoyce Torres Plaça
Umesp
2010
UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO
Faculdade de Humanidades e Direito
Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião
A COMUNICAÇÃO NO MOVIMENTO WESLEYANO:
PISTAS PARA UMA MÍDIA METODISTA HOJE
JOYCE TORRES PLAÇA
São Bernardo do Campo Janeiro de 2010
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JOYCE TORRES PLAÇA
A COMUNICAÇÃO NO MOVIMENTO WESLEYANO:
PISTAS PARA UMA MÍDIA METODISTA HOJE
Dissertação apresentada ao Colegiado do
Curso com vistas à obtenção de grau de Mestre
do Curso de Pós-Graduação em Ciências da
Religião da Faculdade de Humanidades e
Direito da Universidade Metodista de São
Paulo. Sob a orientação do Prof. Dr. Rui de
Souza Josgrilberg.
São Bernardo do Campo Janeiro de 2010
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FOLHA DE APROVAÇÃO
A dissertação foi defendida no dia ____ de ________________ de _______, tendo sido:
___ Reprovada
___ Aprovada, mas deve incorporar nos exemplares definitivos modificações sugeridas pela
banca examinadora, até 60 (sessenta) dias a contar da data da defesa.
___ Aprovada
___ Aprovada com louvor
Banca Examinadora:
_________________________________________________________
Orientador: Prof. Dr. Rui de Souza Josgrilberg
_________________________________________________________
Leitora: Profa. Dra. Magali Cunha
_________________________________________________________
Leitor: Prof. Dr. Clovis Pinto de Castro
Área de concentração: Teologia e História
Epígrafe
A vida e a morte estão em poder da comunicação;
conforme a usardes, comerás do seu fruto.
Pv. 18. 21
AGRADECIMENTOS
A Deus, que com a palavra criou todas as coisas.
Aos meus pais, que me criaram.
Às minhas irmãs Júlia e Érica, que continuam me recriando.
Ao amigo Luciano Sathler, pela inspiração criativa.
Ao professor Rui Josgrilberg, pela segunda orientação consecutiva.
Aos professores Magali Cunha e Helmut Renders pelo acompanhamento constante.
Ao CNPq por viabilizar a realização do mestrado.
Aos professores José Carlos Barbosa e Suzel Tunes pelo apoio.
Aos professores Clovis de Castro e Ismael Valentim pela disposição final.
PLAÇA, Joyce Torres. A comunicação no movimento wesleyano: pistas para uma
mídia metodista hoje. 137 f. Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião)
Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo, 2010.
RESUMO
John Wesley lançou mão da mídia em todos os aspectos da
articulação do movimento metodista na Inglaterra do século XVIII,
em prol da missão de reformar a nação e a Igreja. Entretanto, no
Brasil do terceiro milênio, a comunicação evangélica não faz jus ao
ideal do cristianismo, limitando-se à cultura gospel dasociedade do
espetáculo’. Por meio da pesquisa teológica e histórica da
comunicação cristã a partir do advento da imprensa e da herança
wesleyana sob o ponto de vista da comunicação, até o diálogo com
autores relevantes na transição para o século XXI segundo a nova
ordem tecnológica que introduz na aldeia global uma realidade
virtual, o objetivo é identificar práticas inegociáveis para uma mídia
religiosa que encarne a vocação pública do metodismo hoje.
Palavras-chave: comunicação movimento wesleyano cultura
midiática vocação pública missão metodista
6
PLAÇA, Joyce Torres. La comunicación en el movimiento wesleyano: pistas para medios
de comunicación metodista hoy. 137 p. Disertación (Maestría en Ciencias de la
Religión) Universidad Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo, 2010.
RESUMEN
John Wesley dispuso de los medios de comunicación en todos los
aspectos de la articulación del movimiento metodista en la Inglaterra
del siglo XVIII, en pro de la misión de reformar la nación y la
Iglesia. Sin embargo, en el Brasil del tercer milenio, la comunicación
evangélica no está de acuerdo con el ideal del cristianismo,
limitándose a la cultura gospel de la ‘sociedad del espectáculo’. Por
medio de la investigación teológica e histórica de la comunicación
cristiana a partir del adviento de la prensa y de la herencia wesleyana
bajo el punto de vista de la comunicación, hasta el diálogo con
autores relevantes en la transición para el siglo XXI según la nueva
órden tecnológica que introduce en la aldea global una realidad
virtual, el objetivo es identificar prácticas innegociables para un
medio de comunicación religioso que encarne la vocación pública
del metodismo hoy.
Palavras-clave: comunicación movimiento wesleyano cultura
mediática vocación pública misión metodista
7
PLAÇA, Joyce Torres. The comunication in the Wesleyan movement: clues to a methodist
media today. 137 f. Dissertation (Master’s Degree in Science of Religion) The
Methodist University of o Paulo,o Bernardo do Campo, 2010.
ABSTRACT
In eighteenth’s century England, John Wesley employed the media
in all aspects of the articulation of the Methodist movement, in
benefit of the mission of reforming both the nation and the church.
However, in the third millennium’s Brazil, the evangelic groups’
communication does not stand up to the Christian ideal,
circumscribing itself to the gospel culture of the ‘society of the
spectacle’. By means of the theological and historical inquiry of
Christian communication, starting with the advent of the printing
press, and of the Wesleyan heritage, based on a communicational
perspective, together in dialogue with relevant authors for the
transition to the twentieth-first century, according to the new
technological order that introduced in the global community a virtual
reality, our objective is to identify non-negotiable practices for a
religious media that incarnates the public vocation of Methodism
today.
Keywords: communication wesleyan movement media culture
public vocation methodist mission
SUMÁRIO
Introdução ______________________________________________________________ 10!
Capítulo I Movimento wesleyano: comunicação e mídia nos séculos XVI a XVIII ____ 15!
1. Século XVI Igreja e comunicação a partir do advento da impressão ____________ 16!
1.1 A fé vem pelo ouvir a Reforma vem pela imprensa ______________________ 16!
1.2 Lutero como acontecimento lingüístico o indispensável dom de línguas _____ 18!
1.3 Ressonância da atividade literária os escritos e as folhas voadoras __________ 20!
2. Século XVII Igreja e comunicação na Inglaterra ___________________________ 22!
2.1 Igreja e Estado unificados ___________________________________________ 22!
2.2 A privatização burguesa e o indivíduo _________________________________ 26!
2.3 A religião social de John Wesley______________________________________ 28!
3. Século XVIII Comunicação e mídia no movimento metodista ________________ 30!
3.1 “O mundo é minha paróquia” Wesley descobre o povo___________________ 30!
3.2 “Massa” versus “povo, sociedades, classes e bands” ______________________ 33!
3.3 Gráfica na “Fundição” livros, escolas e escola dominical _________________ 40!
3.4 Circuitos, itinerância, pregação leiga e feminina__________________________ 42!
3.5 Experiência versus produto __________________________________________ 46!
3.6 Missão da comunicação Arminian Magazine, Christian Library, Journal, cartas,
panfletos, gramáticas, diário ____________________________________________ 50!
3.7 Conclusão________________________________________________________ 53!
Capítulo II Da comunicação impressa do Evangelho à explosão gospel _____________ 55!
1. Teologia e prática midiática_____________________________________________ 56!
1.1 Comunicação explosiva: em diálogo com R. Brose _______________________ 56!
1.1.1 A Igreja e os meios de comunicação de massa__________________________ 60!
9
1.1.2 Eixos fundamentais para a comunicação metodista ______________________ 64!
1.2 Explosão gospel: em diálogo com M. Cunha ____________________________ 67!
1.2.1 O cenário da explosão gospel no Brasil _______________________________ 69!
1.3 A sociedade do espetáculo na idade mídia ______________________________ 71!
1.3.1 Pós-modernidade retrógrada ________________________________________ 74!
1.4 Cultura midiática e Igreja: em diálogo com J. Puntel ______________________ 76!
1.5 Conceito “Igreja Eletrônica” é pesquisa da WACC _______________________ 83!
2. Fé na tela: em diálogo com A. Fonseca____________________________________ 85!
2.1 Iniciativas evangélicas na mídia e início da Igreja Eletrônica________________ 85!
2.2 Estratégias evangélicas na TV IURD e Internacional da Graça _____________ 88!
2.2.1 Show Internacional _______________________________________________ 88!
2.2.2 Despertar Universal ______________________________________________ 89!
2.2.3 Semelhanças e diferenças entre os programas __________________________ 91!
2.3 Conclusão________________________________________________________ 93!
Capítulo III Pistas para uma mídia religiosa coerente com a vocação pública metodista 96!
1. Descrição de documentos metodistas _____________________________________ 97!
1.1 Credo social ______________________________________________________ 97!
1.2 Plano Nacional Missionário e Plano para a Vida e Missão da Igreja _________ 100!
2. Inventário da prática midiática metodista _________________________________ 102!
2.1 Impresso________________________________________________________ 102!
2.2 Rádio __________________________________________________________ 103!
2.3 Rede Metodista, Internet e TV_______________________________________ 104!
2.3.1 TV UNIMEP___________________________________________________ 105!
2.4 Encontro nacional de comunicadores metodistas ________________________ 107!
3. Pistas para uma inserção coerente com a vocação pública ____________________ 108!
3.1 Dimensão pública do metodismo_____________________________________ 108!
3.2 Criatividade do homem de ‘coração dançante’ __________________________ 111!
3.3 Compromisso com a educação e com a criança__________________________ 113!
3.4 Saúde para todos e todas ___________________________________________ 116!
3.5 Ganhar e economizar para doar ______________________________________ 118!
3.6 Audiência e linguagem ad populum __________________________________ 119!
3.7 O mundo como paróquia na aldeia global virtual ________________________ 121!
3.8 Conclusão_______________________________________________________ 126!
Referências_____________________________________________________________ 131!
INTRODUÇÃO
John Wesley (1703-1791), fundador do Metodismo, articula o movimento wesleyano e
as transformações sociais da Inglaterra do século XVIII utilizando todos os meios de
comunicação à disposição: a interpessoal e de grupos por meio de sociedades, classes e bands;
a oral com ministração ao ar livre e no templo; a impressa, publicando centenas de livros,
tratados, panfletos e um periódico. Wesley tinha a convicção de que os cristãos deviam ter
conhecimento sobre sua e sobre o mundo. Cerca de 500 títulos, entre apologéticos, de
desenvolvimento espiritual, de exortação e instrução foram escritos pelos irmãos Wesley, a
maioria por John. Ele montou uma gráfica que funcionou cerca de 50 anos, publicou enorme
quantidade de edições, adaptou livros para versões acessíveis financeiramente, e os distribuiu
a preços populares.
A comunicação, no movimento wesleyano, está intrinsecamente associada à educação.
Considerado pela Enciclopédia Britânica aquele que mais fez pela educação no século XVIII,
Wesley funda ‘casas de leitura’ espalhadas pela Inglaterra: a educação atinge jovens, crianças
e adultos. Cria estratégias para motivar as pessoas que participavam dos pequenos grupos das
sociedades metodistas utilizava estampas, selos e tickets para quem cumpria tarefas.
Realizou um trabalho árduo de tradução: três compêndios de medicina que tiveram mais de 20
edições somente durante a vida de Wesley. Ele era inovador e pedagógico: ministra ao ar livre
e para trabalhadores das minas de carvão, recruta leigos para pregar, promove a Escola
Dominical – fator determinante para inspirar o surgimento das Escolas Paroquiais, cria espaço
11
para a liderança feminina, funda escolas e não se restringe ao conteúdo comunicado a
prática era vivenciada. Wesley desenvolveu a comunicação e a educação como parte de sua
teologia do caminho: ele compreende que só é possível “educar e salvar” por meio da
comunicação eficaz.
Quase três séculos depois, em 1973, Reinaldo Brose define que a palavra-chave de
nossos dias é a comunicação. Pastor metodista e reitor da Faculdade de Teologia do então
Instituto Metodista de Ensino Superior hoje UMESP, é o visionário pioneiro que equipa o
campus com a tecnologia mais avançada de sua época para criar os estúdios de comunicação
que fazem da Umesp, até os dias de hoje, referência na área em todo o continente latino-
americano. Da ‘expansão explosiva dos meios de comunicação’ explanada por ele, à
‘explosão gospel’ título cunhado pela jornalista e metodista, Magali Cunha em obra
lançada em 2007, o uso da mídia pelos evangélicos é um tema imprescindível que requer
aprofundamento e instrumentalidade a fim de colocar em prática a proposta original de
Wesley aplicada por Brose: lançar mão dos meios de comunicação disponíveis como
instrumento da vocação pública do metodismo.
O esforço de Brose para utilizar os recursos de comunicação proporcionou
reconhecimentos e prática desde a década de 80 o curso de comunicação do IMS
UMESP tem sido destacado em nível nacional, e ele mesmo ensinou os alunos de teologia a
transmitirem suas mensagens pelo rádio e pela TV, utilizando os estúdios da Umesp que ele
havia estruturado. Mas até hoje a Igreja Metodista engatinha nos programas de rádio e TV.
Contemporâneo de Brose, o filósofo e diretor de cinema Guy Debord, 40 anos
atrás, havia antecipado os moldes da perspectiva espetacular da sociedade que
sustentariam as teses vigentes como alienação, aparência e mercadoria como espetáculo.
Atualmente, a grande questão não é ‘ser’ ou não, como queria Shakespeare, nem ‘ter’, como
propõe o ‘American way of life’, mas o ‘parecer’ ser ou ‘parecer’ ter: o universo da
aparência e do espetáculo.
A comunicação e a mídia foram preponderantes na educação e disseminação da
cultura protestante, bem como na presença pública das igrejas na sociedade. Especialmente
a partir do advento da imprensa, o qual tornou possível a Reforma no século XVI. Tal
empenho contribuiu igualmente para a normalização do alemão como linguagem, a partir da
contínua popularidade, na Alemanha, da Bíblia de Lutero. Posteriormente, no século XVIII
o movimento wesleyano lança mão da comunicação para transmitir a tradição e a formação
12
da cultura protestante com sedimentação de suas bases teológicas e com expressão
pública a comunicação torna possível a transmissão dos conceitos em sua complexidade.
Contudo, o surgimento de novas mídias altera profundamente o sentido da transmissão
da cultura protestante tradicional e histórica, e enseja o aparecimento de uma nova cultura
evangélica denominada aquicultura gospel. A chamada cultura gospel é marcada por
uma perda e descaracterização da cultura protestante que tradicionalmente promove a
formação de membros com escolas paroquiais e dominicais, com elaborada doutrina e
presença pública propositada na sociedade.
Em contrapartida, “a culura gospel enfatiza aexperiência do consumo sob uma
estética xamânica intervenção no mundo real por mediação de pessoaspoderosas , e
numa dependência espiritual de “líderes carismáticos”. A presença pública cede lugar a uma
nova linguagem e técnicas de comunicação que agora são denominados “de massa”, os
quais “administram a experiência religiosa como bem de consumo”. Dessa forma, as Igrejas
transformaram-se em administradoras dessa experiência, com resultados massivos e
financeiros sem precedentes.
Assim sendo, o panorama que os fenômenos midiáticos religiosos apresentam hoje vão
na contramão da proposta wesleyana. As características da mídia na sociedade do espetáculo
são a superficialidade, o entretenimento, a passividade, imediatidade, descartabilidade,
exotismo e singularidade o que afeta a religião ao incluir o deísmo e o consumismo na
espiritualidade: o que importa é a riqueza, o hedonismo e a relativização do sincretismo.
A religiosidade midiática na sociedade de consumo barateia o Evangelho e a graça ao
subordinar-se à lógica do mercado. Surgem técnicas de marketing que visam conquistar e
manter os fiéis a qualquer preço e com todo tipo de argumento: “nós temos o que você
precisa”. Produtos para fomentar a cultura gospel são criados a fim de sustentar a sociedade
do espetáculo, no firme propósito de atender a demanda do emergente mercado religioso.
Diante de tal contexto, a dissertação é construída a partir da análise da história da
herança wesleyana, sob o ponto de vista da comunicação, e de sua respectiva teologia. O
objetivo é discorrer sobre os aspectos comunicacionais desse movimento metodista e sua
missão, inserida no tempo e no espaço, para então pesquisar sobre a mídia e a religião nos
dias de hoje na sociedade do espetáculo e na cultura gospel. O diálogo entre ambos deverá
convergir para a construção de linhas sinalizadoras dos marcos inegociáveis para uma
13
inserção coerente da Igreja Metodista na mídia, disseminando a mensagem cristã segundo
sua perspectiva e identidade.
O uso do termo e do conceito de comunicação, neste trabalho, refere-se particularmente
como elemento articulador na ação de tornar comum, a qual é inerente ao ser humano. A
comunicação produz significado; é uma cultura simbólica e, como tal, articula tudo aquilo que
se move na sociedade, ora lançando e multiplicando idéias, ora coordenando o simbólico e
produzindo um novo significado. Nos primórdios da Igreja, o conceito de comunicação estava
centrado na comunidade que, composta pelos participantes da Igreja Primitiva, era por si
um instrumento de comunicação. A comunidade acreditava que, por meio do testemunho de
fraternidade de seus membros, a fé poderia espalhar-se amplamente. Entrelaçada com a
religião, a comunicação será desenvolvida a partir da sua utilização pela Igreja, e um olhar
panorâmico será lançado às diferentes mídias e tecnologias que transmitem e veiculam os
processos comunicacionais, desde a invenção da imprensa até a realidade virtual.
Um dos objetivos específicos é mostrar que Wesley tinha a preocupação de formar e
educar pessoas por meio da comunicação, integralmente. No movimento wesleyano, a
experiência religiosa não se repetia por doses, mas deveria desenvolver-se, pois era o início
do processo de formação. Em contraposição, outro é identificar alguns modelos de utilização
da mídia pelos evangélicos hoje, a qual está sendo usada não para formar nem educar, mas
para administrar a ‘experiência religiosa’ como produto igrejas midiáticas e o mundo da
cultura gospel administram esse produto para o mercado. Tal é o contraste atual: produto
versus formação. E, finalmente, propor uma releitura da comunicação no movimento
metodista originário para os dias de hoje, elencando pistas para uma comunicação da Igreja
Metodista no Brasil, a fim de contextualizar e identificar práticas preponderantes para uma
mídia religiosa comprometida com a vocação pública do povo chamado metodista hoje.
A hipótese é de que a tradição wesleyana deixou o legado do ide em direção ao
povo expressão do Evangelho de Mateus 28.19, cuja tradução ideal seria indo, e o fez
utilizando diferentes meios de comunicação para alcançar seu objetivo. Contudo, a mídia
serviu à Igreja e não o contrário Wesley não descaracterizou a essência de sua teologia,
não teria sucumbido ao anacrônico apelo da mídia dos dias atuais. A proposta é analisar a
capacidade de Wesley em usar a mídia de forma comprometida e sem diluir a essência dos
elementos originários do metodismo para chegar ao povo.
14
Assim, a justificativa do tema reside nos seguintes fatores: 1. A Igreja Metodista
herdou uma história religiosa que se inseriu na sociedade norteada por uma teologia
arraigada na vida e que entrelaça elementos aparentemente antagônicos, tais como
conhecimento e piedade, a fim de reformar a igreja e o país e o fez por meio de recursos
comunicacionais amplamente explorados; 2. A utilização da mídia religiosa nos dias de hoje
distancia-se do ideal de educação e formação proposto pelo metodismo, pois veiculam
produtos do mercado gospel a fim de administrar a experiência religiosa na sociedade do
espetáculo e na indústria do entretenimento, perpetuando os ideais de consumo do sistema
econômico vigente e reforçando a globalização da injustiça e da desigualdade; 3. Nos dias
de hoje, a Igreja Metodista no Brasil faz um apelo, por meio de seus documentos
norteadores, entre eles o Plano para a Vida e Missão da Igreja, no que tange à inserção na
mídia, com o objetivo de que seja contemplado no período 2007-2012. O projeto nasce da
necessidade da vida tal como a teologia do caminho proposta por Wesley.
O primeiro capítulo desenvolve uma pesquisa documental histórica e teológica, a
partir do advento da imprensa e dos aspectos comunicacionais do movimento wesleyano no
século XVIII, perpassando pela transição que o século XVII impõe com a individualização
burguesa que acomete a religião e começando pelo nascimento da imprensa como
progenitora da reforma no século XVI. O segundo capítulo analisa a transição da
comunicação do Evangelho por meio da imprensa à explosão gospel como nova cultura
religiosa, com breve panorama de teorias e práticas midiáticas de determinados movimentos
no Brasil do terceiro milênio, os quais caracterizam a realidade atual da religião midiática.
O terceiro capítulo é conclusivo, e resulta numa avaliação comparativa entre os capítulos
anteriores, a fim de sinalizar aspectos imprescindíveis para uma inserção metodista na mídia
brasileira coerente com a vocação pública do movimento wesleyano.
CAPÍTULO I – MOVIMENTO WESLEYANO:
COMUNICAÇÃO E MÍDIA NOS SÉCULOS XVI A XVIII
Todos os pássaros do céu, todas as bestas do campo compreendem
a linguagem de suas espécies. O homem é o único bárbaro ao homem,
incapaz de se entender entre os seus próprios irmãos.
John Wesley
A Reforma luterana foi considerada “filha da imprensa” de Gutemberg no século XVI,
daí o papel contundente exercido pela mídia na comunicação cristã desde seus primórdios.
No século XVII, a Igreja e o Estado eram uma unidade na Inglaterra dos Tudor, e nesse
contexto a Bíblia passou a ser o fundamento de todos os aspectos da cultura inglesa, fato
que redundou numa cultura bíblica, a qual sofreu transformações com a privatização
burguesa e o processo de individuação inerente. O movimento wesleyano traz a alternativa
de uma “religião social” e o faz utilizando amplamente a mídia na Inglaterra do século
XVIII para responder à efervescência social que a nação vivenciava com a Revolução
Industrial e as necessidades de toda ordem intrínsecas ao tema. Discorrer por estes cenários
é a proposta deste capítulo, que enfatiza o nascimento de uma nova forma de viver desde a
popularização da Bíblia de Lutero, o que significou um grande acontecimento cultural e
influenciou a linguagem e a literatura, passando à fase subseqüente e à unidade entre Estado
e Igreja até a sua separação e privatização da burguesia, fatores que alavancaram o
nascimento do movimento wesleyano, tendo a comunicação como elemento preponderante
que entrelaça o metodismo e a propagação de uma “cultura protestante”.
16
1. Século XVI Igreja e comunicação a partir do advento da
impressão
1.1 A fé vem pelo ouvir a Reforma vem pela imprensa
Lutero considerou a nova tecnologia da impressão uma dádiva de Deus. Ao passo
que as idéias religiosas de Wyclif se espalhavam com extrema lentidão por meio de cópias
manuscritas, as idéias de Lutero cobriram a Europa em poucos meses.
1
Por volta do final do século 15, as máquinas de impressão existiam
em mais de 200 cidades grandes e médias. Um número estimado de
6 milhões de livros tinha sido impresso até então, sendo que a
metade dos 30 mil títulos versavam sobre assuntos religiosos. No
período de 40 anos entre 1460 e 1500 foram impressos mais livros
do que haviam sido produzidos pelos escribas e monges durante toda
a Idade Média.
2
A Reforma se beneficiou do surgimento da imprensa, à qual Lutero teceu um elogio
vibrante em diversas ocasiões: “A imprensa é o último supremo dom, pois através dela Deus
quer tornar conhecida em toda a terra a questão da verdadeira religião, até o fim deste
mundo, sendo ela propagada em todas as línguas. É a última chama de luz antes da extinção
deste mundo”.
3
Os mais antigos especialistas em impressão foram os alemães. Inicialmente, a
indústria da impressão concentrou-se ao longo do rio Reno Gutenberg em Mainz. Novas
idéias difundiam-se com rapidez e segurança por meio da impressão. E as grandes
navegações também contribuíram para esse feito, uma vez que foi Marco Polo, numa
viagem à China, quem tornou financeiramente viável o desenvolvimento da impressão ao
introduzir no mercado um papel relativamente barato confeccionado com polpa de linho.
Antes disso, tanto o papiro (dos pântanos do Nilo) quanto o pergaminho (feito de pele de
ovelha) eram dispendiosos. A revolução nos meios de comunicação causada pela invenção
1
LINDBERG, Carter. As Reformas na Europa. Trad. Luís Henrique Dreher e Luís Marcos Sander. São
Leopoldo: Sinodal, 2001, p. 51.
2
Ozment 1980, p. 199; Chrisman 1982; Eisenstein 1979; Edwards 1994. Apud: LINDBERG, Carter. As
Reformas na Europa.
3
LIENHARD, Marc. Martim Lutero: tempo, vida, mensagem. Trad. Walter Altmann e Roberto H. Pich. São
Leopoldo: Sinodal, 1998, p. 263.
17
da imprensa foi beneficiada com essa mescla de descobertas, igualmente quanto à tinta e
aos tipos móveis de metal que podiam ser arranjados, rearranjados e utilizados inúmeras
vezes.
4
Interessadas pela comunicação, as cidades que sediavam novas idéias promoveram a
expansão da educação. Às vésperas da Reforma, o número de universidades européias
aumentou de 20 para 70 devido ao empenho de monarcas e mercadores ricos. O príncipe
Frederico, o Sábio, fundou a Universidade de Wittenberg, em 1502. A despeito da baixa
taxa de alfabetização estima-se que no início do século 16 apenas 30% da população
urbana sabia ler, a comunicação de idéias não era limitada pela capacidade de leitura. Os
milhares de panfletos e sermões publicados durante a Reforma eram projetados para serem
lidos tanto pelos iletrados quanto pelos letrados.
5
A comunicação não se limitava à palavra impressa, mas incluía o caráter visual,
incorporando figuras, imagens e caricaturas. Milhares de escritos reformatórios inundaram o
Império com propaganda da Reforma. Em contraste com as primeiras obras impressas na
Idade Média, que tinham por objetivo preservar e transmitir o conhecimento, a Reforma
imprimiu nova função ao livro a transmissão de opiniões:
Um punhado de cópias de um único panfleto do século 16, contendo
apenas poucas dúzias de páginas, podia revelar-se tremendamente
provocador, auxiliar a estimular oponentes de um governo à
resistência heróica e desta forma suscitar, dentro de um governo,
temores terríveis de subversão.
6
E o mais influente publicista a usar esse novo instrumento era Martinho Lutero:
Ele dominou, num alto grau que, segundo meu conhecimento,
ninguém de sua época jamais dominou, uma campanha de
propaganda e um movimento de massa de grande importância. Nem
Lênin, nem Mao Tse-Tung, nem Thomas Jefferson, nem John
Adams nem Patrick Henry chegaram a tanto.
7
Somente em Wittemberg, surgiram sete oficinas de impressão ávidas por agarrar
toda e qualquer obra da mão de Lutero e de seus colegas. No ano da morte de Lutero, em
1546, haviam mais de 3.400 edições integrais ou parciais da Bíblia em alto-alemão e cerca
4
LINDBERG, Carter. As Reformas na Europa, p. 51.
5
Id. ibid., p. 50.
6
KINGDON, 1988, p. 9. Apud: LINDBERG, Carter. As Reformas na Europa.
7
EDWARDS, 1994, p. xii. Apud: LINDBERG, Carter. As Reformas na Europa, p. 52.
18
de 430 edições em baixo-alemão. Cada edição veiculava cerca de 2 mil exemplares que,
somados, levaram a público pelo menos 1 milhão de exemplares, apesar da alta dos preços
dos livros nessa época.
1.2 Lutero como acontecimento lingüístico o indispensável dom de
línguas
Lutero revelava uma eloqüência essencialmente revolucionária. Seus escritos
semipolíticos atingiram vigorosamente a vida pública e abalaram-na até os alicerces. Em
toda parte de seus escritos como que uma batalha entre luz e escuridão, entre uma
firme e inabalável e sua igualmente indomável e descontrolada paixão, entre Deus e ele
próprio.
8
Seus méritos para com a língua alemã são um sintoma da expressão Lutero como
acontecimento lingüístico ele expressou a conexão fundamental entre língua e teologia no
escrito de 1524, “Aos conselhos de todas as cidades da Alemanha, para que criem e
mantenham escolas cristãs”:
Ainda que o evangelho tenha vindo e ainda venha somente pelo
Espírito Santo, veio por meio das línguas, através delas foi
divulgado e através delas deve ser conservado. Quanto mais
prezamos o evangelho, mais temos que ater-nos às línguas. (...) As
línguas o as bainhas nas quais está guardado este cutelo do
Espírito. São o cofre no qual se guarda essa jóia (...).
9
Sabe-se que durante sua vida, Lutero estaria envolvido em conflitos de toda espécie.
Sua pessoa seria mobilizada inteiramente, incluindo sua afetividade, a ponto de poder
afirmar: “Nunca progrido melhor na oração, pregação e redação do que quando me
enfureço. De fato, a ira aguça o espírito e caça as tentações”. Qual torrente impetuosa, sua
veemência deságua de maneira particularmente atordoante na crítica aos abusos e na
polêmica contra os adversários. Em outros momentos, porém, sua simpatia calorosa destila-
se nos seus escritos, em particular nas cartas endereçadas à sua família. O humor lhe servia
8
SCHLEGEL, Friedrich. Geschichte der alten und neun Literatur, 1812. Apud: EBELING, Gerhard. O
Pensamento de Lutero.
9
LUTERO, Martinho. Aos conselheiros de todas as cidades da Alemanha, para que criem e mantenham escolas.
In: Obras Selecionadas, vol. 5. São Leopoldo: Sinodal, 1995.
19
de arma contra Satanás empregou-o também para dissipar os escrúpulos de alguns de
seus correspondentes e para ajudá-los a discernir o essencial do secundário.
10
Na defesa da educação como serviço a Deus e ao próximo, Lutero afirmou que a
sociedade não pode permanecer sem líderes educados, que os jovens precisam de uma
formação para que possam beneficiar-se e servir o mundo, “pois onde governam somente os
punhos, não dúvida de que se terá, por fim, um mundo animalesco no qual o mais forte
põe o outro no saco”, e que “o diabo prefere grandes bobalhões e gente inútil, para que as
pessoas não vão bem demais na terra”.
11
A obra de Lutero visava a palavra. Estar ocupado apenas com a palavra, como
professor ou escritor, jurista ou pregador, pode parecer atividade cômoda:
Trabalho seria cavalgar de armadura, sofrer calor, frio, pó, sede e
outros desconfortos. É verdade que seria difícil para mim cavalgar
de armadura, mas eu também gostaria de ver que cavaleiro
agüentaria sentar um dia inteiro metido num livro (...). Pergunta a
um escrevente, pregador ou orador que trabalho é escrever e falar;
pergunta a um professor que trabalho é ensinar e educar meninos. A
pena é leve, de fato (...), mas, assim mesmo, a melhor parte (a
cabeça!), o mais nobre órgão (a língua) e a suprema atividade (a
fala!) do corpo é que tem que se envolver e trabalhar ao máximo,
enquanto outros trabalham apenas com o punho, o pé, as costas ou
outro membro, podendo ao mesmo tempo gracejar e cantar
alegremente, o que o homem da pena tem que dispensar. Bastam três
dedos para fazer o trabalho, mas o corpo e a alma toda estão
engajados.
12
Para Lutero, a fala a palavra, é a mais sublime obra do ser humano e a tarefa que
mais o exige. Em seu caso, esse trabalho se acumulou em proporções inimagináveis. Em
1516, um ano antes da irrupção da turbulenta luta, Lutero se queixa numa carta a um amigo
de estar totalmente sobrecarregado:
Seria quase necessário que eu tivesse dois secretários ou escreventes.
O dia todo quase não faço outra coisa do que escrever cartas. Sou
pregador do convento e pregador à mesa; todos os dias sou chamado
para pregar na igreja matriz. Sou coordenador de curso e vigário da
Ordem. Sou administrador da pesca e procurador de negócios, dou
aulas sobre Paulo e estou reunindo material para uma preleção sobre
Salmos. Acresce-se a isso a correspondência que, como disse, exige
a maior parte do meu tempo. É raro ter tempo suficiente para as
10
LIENHARD, Marc. Martim Lutero: tempo, vida, mensagem, p. 267.
11
LINDBERG, Carter. As Reformas na Europa, p. 155-6.
12
EBELING, Gerhard. O Pensamento de Lutero. Trad. Helberto Michel. São Leopoldo: Sinodal, 1998, p. 33.
20
horas canônicas e celebrações, para não falar das lutas e
tribulações pessoais com a carne, o mundo e o diabo. que
mandrião eu sou!
13
Em 1529, do Domingo de Ramos até a quarta-feira após a Páscoa em 11 dias,
portanto Lutero, além das demais responsabilidades que lhe eram conferidas, proferiu 18
prédicas em Wittenberg. Igualmente, pode-se evocar o volume, e sobretudo o peso do
conteúdo da produção literária num ano como 1520, que revela uma intensidade ímpar de
seu trabalho intelectual: para acompanhar o ritmo, várias gráficas estavam ocupadas ao
mesmo tempo.
1.3 Ressonância da atividade literária os escritos e as folhas
voadoras
A razão principal de Lutero dedicar-se à atividade literária, e de não contentar-se
com a cátedra e o púlpito, encontra sua força motriz na responsabilidade de cura das almas
por uma pregação do evangelho que seja “pura, clara, compreensível, comunicadora de
certeza e libertadora”. O que ele mesmo descobriu na luta pela compreensão da justiça de
Deus, tal como é revelada no evangelho, no sentido de que o justo vive pela fé, isso o urge a
dizê-lo publicamente ao povo na língua que este fala, em alemão, portanto.
Um breviário de teologia vivenciada pode ser encontrado inclusive nas 2.800 cartas
de Lutero que chegaram até nós. Sua palavra, quando proclamada, teve invulgar
ressonância. A publicidade que Lutero teve de imediato, está diretamente ligada à imprensa
e ao seu poder de oratória, associados aos mais diversos temas que a sua comunicação
abrangia, desde inquietações e anseios religiosos, problemas e descalabros eclesiásticos,
tensões e mudanças políticas, insatisfação e fermentações sociais, transformações na
educação e na compreensão da realidade tudo isso se misturava desordenadamente no
crepúsculo da Idade Média e foi subitamente abordado e inserido num movimento comum
(ou aparentemente comum, ao menos no início) pela palavra de Lutero.
Havia surgido um fenômeno histórico novo: de repente havia algo
como uma opinião pública, com uma intensidade e abrangência
inusitadas. uma prova material para essa ressonância ímpar: a
penetração das obras de Lutero, principalmente aquelas de caráter
13
Id. Ibid., p. 34.
21
edificante-religioso. Uma pesquisa chega aos seguintes resultados:
dos aproximadamente 30 escritos que Lutero lançou de março de
1517 até o verão de 1520, podemos comprovar até 1520 cerca de 370
edições [equivalentes a 250 mil exemplares] (...). Bastava que Lutero
lançasse um novo escrito em Wittenberg, para que os impressores de
Leipzig, Nürnberg, Augsburgo, Estrasburgo, Basiléia e outras
cidades se apressassem em reimprimi-lo, em regra duas, três e até
quatro gráficas da mesma cidade simultaneamente. (... ) Ainda
podemos verificar que cada escrito popular de caráter edificante que
Lutero publicou a o verão de 1520 (...) tivera, em média, 12
edições, algumas menos, outras mais, até 24.
14
Folhetos e panfletos eram chamados, respectivamente, “folhas voadoras” e
“escritos voadores”.
15
A difusão dos escritos de Lutero fez a fortuna de diversos
impressores logo, muitos se entregaram ao cálculo frio dos lucros. A literatura fiel à Igreja
tradicional vendia mal. Lutero, ao contrário, fazia o comércio andar de vento em popa.
16
“Exagerando-se um pouco, pode-se qualificar a Reforma luterana de ‘filha da
imprensa’”.
17
Certamente, a então recente descoberta da imprensa foi decisiva para o
desenvolvimento do movimento protestante. Era a primeira vez na história que se operava
uma aliança entre o material impresso e o movimento popular. Até então, os escritos que
eram reservados às elites agora mobilizariam multidões.
Não que o número de leitores tivesse aumentado bruscamente.
Contudo, não somente os escritos mobilizavam aquelas pessoas que
agitavam as multidões, tais como os pregadores, mas veio a ocorrer
que certos textos, tais como os panfletos, eram lidos em voz alta para
os ouvintes.
18
Apesar de que cada edição comportava entre 1.000 e 2.000 exemplares, o “Manifesto
à nobreza cristã da nação alemã”
19
saiu já na primeira edição com 4.000 exemplares, e
esgotou-se num período de 8 dias. As primeiras edições das obras completas de Lutero
esgotaram-se em poucos meses, e a segunda edição em três meses. Um estudante de Paris
informou Zwínglio, em 1520, de que “em Paris não livros que se procurem com mais
avidez que os de Lutero.
14
EBELING, Gerhard. O Pensamento de Lutero, p. 45-6.
15
LINDBERG, Carter. As Reformas na Europa, p. 52.
16
LIENHARD, Marc. Martim Lutero: tempo, vida, mensagem, p. 97.
17
Id. ibid., p. 95.
18
Id. ibid., p. 96.
19
LUTERO, Martinho. À nobreza cristã da nação alemã, acerca da melhoria do estamento cristão. In: Obras
Selecionadas, vol. 5. São Leopoldo: Sinodal, 1989.
22
Lutero ocupou o lugar principal entre os textos impressos associados ao movimento
protestante no século XVI. Durante sua vida, houve em torno de 4.000 edições ou reedições
de suas obras. Um terço da literatura alemã da época emanou de sua pena
20
, o que
caracteriza uma notável difusão da mensagem luterana por meio da imprensa, sem a qual o
movimento da reforma não teria alcançado as proporções históricas de que temos notícia.
O empenho de Lutero contribuiu para a normalização do alemão como linguagem. A
habilidade lingüística do reformador fica evidente a partir da contínua popularidade, na
Alemanha, da Bíblia de Lutero.
Peter Burke
21
descreve a estratégia dos reformadores da cultura popular européia na
fase inicial da Reforma Protestante um exemplo foi a popularização da Bíblia de Lutero, o
que significou um grande acontecimento cultural e influenciou a linguagem e a literatura.
A tradução da Bíblia para o alemão promoveu forte impacto formador da própria
língua e na educação alemã por meio da popularização das Escrituras e, portanto, na
formação de uma “cultura protestante”, a qual será explanada a seguir.
2. Século XVII Igreja e comunicação na Inglaterra
2.1 Igreja e Estado unificados
“A Igreja e o Estado na Inglaterra dos Tudor
22
eram um só; a Bíblia era, ou deveria
ser, o fundamento de todos os aspectos da cultura inglesa”.
23
A Bíblia exerceu papel
essencial na formação do nacionalismo inglês e na afirmação da supremacia da língua
inglesa, quando da sua tradução, contemporânea à invenção da imprensa. O rei Henrique,
20
LIENHARD, Marc. Martim Lutero: tempo, vida, mensagem, p. 97.
21
O historiador inglês investiga elos entre historiadores e cientistas sociais, como antropólogos, sociolingüistas,
psicólogos sociais e especialistas em comunicações suas conclusões destacam as conexões entre tais
disciplinas e apontam para a necessidade de que essas ligações sejam reconhecidas.
22
A dinastia Tudor alcançou o poder absoluto na Inglaterra, e a monarquia fortaleceu-se com o reinado de
Henrique VIII e a anulação de seu casamento com Catarina de Aragão conflito que resultou no rompimento
com o Papa e na fundação da Igreja Anglicana, promovendo assim a Reforma na Inglaterra.
23
HILL, Christopher. A Bíblia inglesa e as revoluções do século XVII. Trad. Cynthia Marques. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2003, p. 28.
23
em 1636, afirmou que “Agora a língua, como a Igreja, pôde ganhar a luz que a Reforma
fez brilhar”
24
.
No século XVII, a Bíblia era aceita como um elemento central a todas as esferas da
vida intelectual:
Os ingleses tiveram de enfrentar situações revolucionárias
inesperadas, durante os anos 1640 e 1650, sem nenhuma orientação
teórica, como a que Rousseau e Marx deram a seus sucessores
franceses e russos, e sem a experiência de acontecimentos anteriores
que pudessem ser chamados de revoluções. Eles tiveram de
improvisar. A Bíblia em inglês foi o livro ao qual naturalmente
voltaram-se em busca de orientação. Era a Palavra de Deus, cuja
autoridade ninguém podia rejeitar. E era o maior patrimônio da
nação inglesa protestante. Sua edição encontrava-se disponível
graças aos conflitos e martírios da reforma inglesa, uma fase
essencial da pré-história revolucionária.
25
Os radicais do século XVII afirmavam que suas idéias procediam da Bíblia; e até
mesmo uma análise sobre a história econômica da Inglaterra nos séculos XVI e XVII
poderia ser compreendida a partir da leitura da Bíblia.
26
Wyclif justificou sua oposição às
posses da Igreja utilizando o mandamento “não roubarás”, e Lutero havia desafiado a
autoridade da Igreja Romana afirmando que “o Evangelho não pode ser verdadeiramente
pregado sem ofensas e tumultos (...) e que a Palavra de Deus existe, em qualquer situação,
para mudar e renovar o mundo”.
27
A própria narrativa do Novo Testamento é resultado de
uma convulsão social.
O vernáculo da Bíblia tornou-se uma instituição na Inglaterra dos
Tudor a base de uma autoridade monárquica da independência
protestante na Inglaterra, o livro da moralidade e da submissão
social. Sua centralidade tornou-a um campo de batalha entre
diferentes ideologias nacionalismo inglês contra catolicismo
romano, episcopado contra presbiterianismo e sectarismo. A
sociedade estava agitada e esperava-se que a Bíblia oferecesse
soluções para os problemas que a assolavam.
28
24
Id. ibid., p. 467.
25
HILL, Christopher. A Bíblia inglesa e as revoluções do século XVII, p. 29.
26
Id. ibid., p. 24 e 27. Hill conta que um lendário historiador da economia, Jack Fisher, tinha um inoportuno
aluno que o pressionava para que lhe desse uma lista de leituras sobre a história econômica da Inglaterra nos
séculos XVI e XVII, e o professor lhe respondeu: “Se vorealmente deseja compreender este período,
para casa e leia a Bíblia”. E conclui afirmando que tal conselho é especialmente relevante para historiadores
da economia, mas é relevante também para historiadores da política e da literatura.
27
Id. ibid., p. 26 e 31.
28
Id. ibid., p. 24-5.
24
Com a tradução da Bíblia para o inglês, foi amplo o acesso aos arteos e mulheres,
que refletiam sobre seus próprios problemas ao ler o texto sagrado. Pregadores leigos
colocavam servos contra seus senhores, homens contra mulheres e vice-versa. As mulheres
“tomaram para si o dever de ensinar”; e os servos tornaram-se “teimosos, voluntariosos e
desobedientes com os seus senhores”.
O “presente da escrita impressa” havia sido atribuído à intervenção divina,
especialmente pela coincidência entre a época da invenção da imprensa e a tradução da
Bíblia para o inglês, e foi um grande estímulo ao aprendizado da leitura como conseqüência
das publicações baratas e da distribuição de livros. Essa revolução cultural sem precedentes
deu aos leigos a segurança que lhes faltava para fortalecer as críticas ao clero.
Assim, a imprensa estimulou o anticlericalismo e denunciou o rendimento do lucro
das indulgências para os pecados fato que chocou os crentes sérios, e a controvérsia
religiosa não pôde ser contida, gerando uma guerra de panfletos com acusações mútuas.
Os protestantes e os impressores demonstraram que mais pessoas
podiam aprender a ler, o que criou uma nova cultura e um novo
interesse pela educação popular, tanto no que se refere aos
educadores quanto no que concerne àqueles a serem educados. ‘Nós
atraímos as pessoas para a leitura e para ouvirem a Palavra de Deus’,
escreveu o bispo Jewel. ‘Apoiamos o conhecimento e eles [católicos]
a ignorância.
29
Imperava, portanto, uma cultura bíblica que resultou em uma cultura protestante. Os
protestantes radicais fizeram questão de publicar edições baratas da Bíblia, e “em meados
do século XVII, homens e mulheres ingleses haviam vivido um quarto de milênio de
ênfase na soberania das Escrituras como a única fonte divina para tratar qualquer assunto,
inclusive a política”. A doutrina protestante do sacerdócio universal de todo cristão abria
portas para inovações e interpretações individuais da Bíblia, e à consciência de homens e
mulheres leigos.
Questões de toda ordem, desde agricultura e medicina até uma ‘astronomia teológica’
eram embasadas biblicamente, e os leitores sérios da Bíblia questionavam os porquês de
determinados fatos assimilados.
30
29
HILL, Christopher. A Bíblia inglesa e as revoluções do século XVII, p. 35.
30
Id. ibid., p. 39 e 45-7.
25
As Escrituras ensinaram os magistrados a governar, os ministros
da Igreja a ensinar e instruíram os chefes de família em seus deveres.
Elas deram ao chefe da família orientação ‘para a organização do seu
vestuário, para suas conversas, sua dieta, suas companhias, seus
divertimentos, seu trabalho, suas compras e vendas e até mesmo
sobre seu sono; enfim, para todas estas coisas que poderiam ser
consideradas arbitrárias ou indiferentes.
31
Nenhuma outra filosofia era verdadeira, nenhuma arte do cálculo e nenhum tipo de
ciência fora de sintonia com o conteúdo das Escrituras era merecedora de crédito, toda idéia
que se afastasse da Palavra de Deus era considerada corrupta e lasciva. Durante o século
XVII, a maioria dos cientistas eram homens ansiosos por demonstrar que a ciência provava
a existência de Deus e era compatível com a Bíblia.
Thomas Muntzer antecipou Wesley ao considerar o mundo inteiro a
sua paróquia; a imprensa não conhecia fronteiras paroquiais. (...) ‘A
pregação dos sermões dirige-se apenas a alguns homens, enquanto os
livros impressos falam ao mundo inteiro’.
32
A Bíblia encontrava-se presente em praticamente todas as casas e falas cotidianas. A
palavra impressa havia transformado a comunicação entre as pessoas, e a Bíblia era o centro
dessa cultura protestante na Inglaterra do século XVII, na qual Igreja e Estado eram um.
Essa unidade tornou a religião política e a Bíblia transformou-se num texto útil para ambas
esferas. Os jejuns nacionais incluíam a abstenção do trabalho e a presença em cerimônias
especiais da igreja.
A despeito da cultura bíblica que permeava a nação inglesa protestante, o fim das
certezas bíblicas acometeu a sociedade européia. “A aparente deserção da Providência em
um momento no qual, aos olhos do entusiasmo, tudo tendia ao estabelecimento de uma
Nova Jerusalém na terra (...) causou um golpe de grandeza considerável sobre a confiança
religiosa”.
33
Ablia perdeu seu poder universal a partir da constatação de que era possível
provar qualquer coisa baseando-se nela, e de que não se sabia ao certo que ela não servia
para reforçar o poder da Igreja.
O declínio da influência da Bíblia não tornou a Inglaterra um país pagão, mas resultou
do triunfo do espírito humano e do “emburguesamento” posterior.
31
HILL, Christopher. A Bíblia inglesa e as revoluções do século XVII, p. 50.
32
Id. ibid., p. 58.
33
MACAULAY, Catherine. Apud. HILL, Christopher. A Bíblia inglesa e as revoluções do século XVII, p. 565.
26
2.2 A privatização burguesa e o indivíduo
No mundo europeu, o individualismo burguês moderno do ‘Século
das Luzes’ desenvolve novas formas sociais, em contraste com as
antigas formas de hierarquia fundadas na nobreza ou na Igreja. A
evolução da consciência burguesa e da economia do dinheiro no
século XVII se firma com a eclosão do direito privado e do direito
de propriedade. A vida social deve garantir, por lei, a vida privada
do indivíduo em geral. Este não é só o átomo (indivíduo é a tradução
latina para átomo) ou uma parte de um todo, mas ele se torna a razão
do todo.
34
A cultura protestante “pública” torna-se “privatizada” no século XVIII. O tipo burguês
consquista seu lugar e implementa a proposta de um indivíduo de direitos idealizados que
culmina na Declaração dos Direitos Universais do Homem e dos Cidadãos, da Revolução
Francesa. Contudo, na realidade o que determina o valor concreto do indivíduo não se refere
a ele mesmo, mas ao capital e poder financeiro relativos a ele.
35
Esse indivíduo de direitos contratuais e próprios é livre para cuidar exclusivamente de
si, uma vez satisfeitas as responsabilidades legais como cidadão, e lida com as finanças
como forma de domínio a fim de expressar sua liberdade encarnando o dinamismo interno
daquela sociedade que estava sendo gestada.
A transformação burguesa é simultaneamente liberadora da
individualidade e corruptora dela pelo individualismo exagerado.
Esse paradoxo da individuação que culmina no individualismo
moderno, vamos descrevê-lo, de modo bastante genérico, como o de
‘emburguesamento’ e como uma forma de degeneração do processo
de individuação da humanidade, que chega até nossos dias com uma
nova radicalidade, pelo tipo de capitalismo no qual vivemos.
36
A nova sociedade burguesa não somente girava em torno do capital como o mesmo
determinava o modo de pensar à época. “Não se percebia que a sociedade (e a religião,
como parte dela) sofria um processo de emburguesamento centrado na concepção dos
direitos individuais pensados abstratamente”, pontua Josgrilberg. Sendo a força formadora
da sociedade suplantada pelas capacidades e virtudes individuais, é possível imaginar sua
contribuição para justificar a dominação, o egoísmo, a escravidão e a luxúria.
34
JOSGRILBERG, Rui de Souza. “Qual o sentido de ‘social’ na ‘religião social’ de John Wesley”. In:
RENDERS, Helmut (Org.) Sal da terra e luz do mundo: 100 anos do Credo Social Metodista. São Bernardo
do Campo: Editeo, 2009, p. 56.
35
Id. ibid., p. 50.
36
Id. ibid, p. 51-2.
27
O emburguesamento em marcha fazia da diferenciação social a
seleção dos melhores indivíduos, que acabavam de ter direitos
sociais inerentes sobre os indivíduos que foram incapazes de melhor
diferenciação. A escravidão moderna do negro, de modo oposto à
escravidão antiga, necessitava uma nova justificativa da burguesia.
Os indivíduos incapazes de realizar, em si mesmos, essa
diferenciação positiva poderiam ser escravizados... A ideologia do
indivíduo não será capaz de criar obstáculos às estratégias do novo
sujeito do poder: o sujeito que possui o capital.
37
Numa sociedade dominada por uma “burguesia endinheirada” que determina novas
leis as quais não só toleram mas promovem a escravidão, o conceito de “pessoa com
direitos” certamente não havia sido estendido a todo ser humano. “O ideal dos indivíduos
que se sacrificam pelo todo, a virtude dos antigos, é substituída pela idéia de um todo a
serviço do indivíduo”.
38
Josgrilberg destaca que o movimento wesleyano emerge quando a modernidade já está
estabelecida a sociedade é normatizada e constituída para que o indivíduo privilegiado
seja capaz de usufruir os bens da sociedade e se desenvolva. Sendo um homem do seu
tempo, inserido nesse contexto específico, John Wesley e seu irmão, mergulhados na
mística moderna, inicialmente foram induzidos, de forma excessiva, a uma piedade de
características individualistas, ainda que pregando a ação social por meio dos chamados
“atos de misericórdia”, tema que será abordado mais adiante. Tal fato é reconhecido e
registrado por John em seu diário como “um dos maiores perigos aos quais ele e seu irmão
estiveram expostos”.
Entretanto, Wesley não fica indiferente aos desdobramentos dos ideais ingleses de seu
contexto e faz uma síntese, onde reside sua originalidade a qual, em seu procedimento,
não significa simplesmente o resultado entre dois posicionamentos, mas “as duas coisas e
uma terceira”, acrescentando algo de sua visão modificada pela prática:
(...) síntese entre o arminiamo do século XVIII, defensor da
liberdade individual e da razão como dons divinos; um puritano que
defende a perfeição cristã e, em muitas instâncias, como
responsabilidade individual pelo social (...); e um metodista
preocupado com a educação como forma renovada de participação
social e responsabilidade social, também essencial para a salvação
dos indivíduos. Recorrer aos Pais da Igreja, especialmente gregos,
ajudará muito Wesley no entendimento do indivíduo num quadro
37
JOSGRILBERG, Rui de Souza. “Qual o sentido de ‘social’ na ‘religião social’ de John Wesley”, p. 52.
38
Id. ibid., p. 56
28
cósmico. Mas a idéia de social em Wesley adquirirá contornos
próprios a partir da compreensão bíblica.
39
Essa compreensão nasce do encontro entre Wesley com um “homem sério”, tal como
ele descreve posteriormente, o qual o adverte dos perigos do individualismo:
O senhor pergunta sobre o caminho para o céu e o melhor modo de
servir a Deus. Pois bem, busque os seus amigos. Se não os tem, faça-
os. A Bíblia não sabe nada de uma religião solitária, a Bíblia só sabe
de uma religião social.
40
Wesley depara-se com a natureza social do cristianismo e resiste à privatização. Ele
afirma que “o Evangelho de Cristo não conhece outra classe de religião, só a social;
nenhuma outra santidade, mas só a santidade social”.
2.3 A religião social de John Wesley
A educação como processo de formação e de reintegração do social no indivíduo é a
chave da religião social que, apesar de acompanhar a tendência da nova visão burguesa,
desenvolve uma hermenêutica bíblica do indivíduo de tal modo que a responsabilidade
última da pessoa é social.
No pensamento bíblico, passa-se rapidamente do indivíduo à
coletividade e da coletividade ao indivíduo: um indivíduo pode estar
impregnado da coletividade toda, a tribo, o povo, a ponto de
identificar-se com ela; e a coletividade pode impregnar um
indivíduo. Aqui estamos em contraposição à concepção moderna de
individualidade.
41
A partir dessa intuição bíblica é desenvolvida a idéia de que “no indivíduo mora o
coletivo e que o indivíduo tem uma individuação plena na santidade social”. Para
Wesley, a santidade pessoal pode ser real se for ao mesmo tempo santidade social. A
mesma lógica aplica-se ao tema da “perfeição natural” dada como ideal educativo e
econômico de indivíduos privilegiados da burguesia, a idéia de “perfeição cristã” de Wesley
igualmente associa-se à educação como possibilidade de perfeição a outras camadas sociais.
39
Id. ibid., p. 53.
40
The Journal, Vol 1, p. 469.
41
JOSGRILBERG, Rui de Souza. “Qual o sentido de ‘social’ na ‘religião social’ de John Wesley”, p. 55.
29
A perfeição cristã de Wesley subentende a idéia de
aperfeiçoamento possível pela educação e como possibilidade a
serviço da graça preveniente. Wesley, mesmo não influenciado pelo
condicionamento burguês de entendimento do indivíduo social,
proporá um deslocamento da ‘escola’ como base para um
cristianismo mais pleno e em favor dos mais desamparados.
42
A compreensão de Wesley do social, do político e do econômico é alimentada pelas
relações humanas vividas, tendo como pano de fundo questões vitais das Escrituras. A
salvação pessoal é real se também for salvação social, salvação da criação e do povo, na
qual a plenitude humana acontece.
“A idéia era a transformação do lado ruim da natureza humana por meio da educação,
a fim de que o ser humano contribuísse com a sociedade e com o Reino de Deus.”
43
A
educação, portanto, possuía um significado salvífico é a disciplina humana socialmente
aprendida e com fins de cidadania terrena e eterna. “Wesley denominará a educação como a
‘segunda oportunidade que Deus deu à razão a segunda chance que Deus deu ao ser
humano racional para entender o evangelho e segui-lo tem como conseqüência a santidade
social.” Eis o propósito do “povo metodista”: “não formar uma nova seita, mas reformar a
nação, particularmente a Igreja, e espalhar a santidade bíblica por toda a terra”.
A partir de uma prática coerente com sua visão, Wesley faz uma
síntese nas relações do indivíduo com a sociedade. Basta atentarmos
para a amplitude da preocupação wesleyana e sua presença social
por meio da educação (escolas, escolas dominicais, bibliotecas
públicas, publicações, manuais de ensino), atendimento médico aos
carentes, socorro aos pobres (famintos, órfãos, viúvas,
desempregados), expressões públicas de indignação face à
escravidão, e muitas outras formas.
44
O distanciamento da Igreja Anglicana do contexto social que a Inglaterra enfrentava
levou Wesley a aproximar-se do povo e da esfera social e pública, num movimento de
resistência dos metodistas. A linguagem e a comunicação do evangelho acompanharam as
decisões relativas à aproximação do povo, à denúncia da injustiça e à promoção da
educação, sobretudo.
42
JOSGRILBERG, Rui de Souza. “Qual o sentido de ‘social’ na ‘religião social’ de John Wesley”, p. 54.
43
Id. ibid., p. 59.
44
Id. ibid., p. 50.
30
3. Século XVIII Comunicação e mídia no movimento
metodista
3.1 “O mundo é minha paróquia” Wesley descobre o povo
Os habitantes da Inglaterra do século XVIII sofreram os efeitos das profundas
transformações causadas pela Revolução Industrial. Muitos migraram para a cidade para
sobreviver. A medicina era precária, a justiça obedecia a hierarquia de classes, as guerras
causaram invalidez quase tudo tratava-se de questão de vida ou morte. O governo era
incapaz de resolver o problema conjuntural e os distúrbios causados por uma sociedade
drasticamente impactada ecoavam o sofrimento no século da criação do mundo moderno.
Diante dessa realidade, Wesley faz uma opção pelo povo, tendo na memória a conversa com
o “homem sério”.
A palavra people significava, no século XVIII, o total dos habitantes
de uma nação, congregação ou classe, pessoas em relação a um
superior (povo de Deus), ou simplesmente um grupo como o rebanho
de um pastor, a grande massa em distinção aos nobres e,
implicitamente, o laicato (povo da igreja) em distinção ao clero. O
inglês people acentua mais a multiciplidade ou a unidade
diversificada; o português povo , a unidade alcançada, relacionada
com um território ou uma língua.
45
Wesley não ficou meramente admirando a sabedoria da teologia da via media do
anglicanismo, tampouco pregando “um evangelho que não alcançasse o povo no meio das
turbulências”. Ele e seu irmão Charles, como jovens anglicanos, buscaram novos caminhos
e fundaram o Clube Santo, as sociedades, classes e bands que serão abordadas no item
seguinte. E quando John foi impedido de pregar nos púlpitos anglicanos, subiu no túmulo de
seu pai para pregar quando declarou que diante de tal impedimento, o mundo seria sua
paróquia.
45
RENDERS, Helmut. Andar como Cristo andou: a salvação social em John Wesley. São Bernardo do Campo:
Editeo, 2010, p. 151.
31
Eu agora escrevo (como também falo em geral) ad populum para
a maioria da humanidade para aqueles que não se animam com a
arte de falar nem a entendem, mas, que apesar disso, são juízes
competentes daquelas verdades necessárias para a presente e futura
felicidade.
46
Wesley desenvolveu uma teologia experiencial, uma teologia do caminho teoria que
nasce da prática, ortodoxia arraigada na vida. A questão existencial que impulsiona o
caminho é a salvação que, correlata à graça, possui uma estrutura que propõe igualmente
uma caminhada, uma progressão dinâmica. A sociedade é o alvo inerente ao processo, e
um elemento simpatético com o pobre homo viator que trabalha e luta para encontrar seu
caminho. A “teologia do caminho da salvação social argumenta em favor de uma teologia
que começa com a situação humana, nossas práticas e nossas necessidades pessoais e sociais
que acabam envolvidas pela graça divina”.
47
‘Caminho’ é um modo que articula a experiência vital com o modo de pensar. Que
reconcilia dois fundamentos separados tanto tempo: conhecimento e piedade vital
48
.
Wesley procura manter equilíbrio entre os elementos espirituais e morais da vida cristã. Ele
não perde as dimensões horizontal e vertical da relação com a cruz: “o cumprimento dos
nossos deveres para com Deus não dispensam nossos deveres com o próximo” e vice-
versa.
49
O caminhante e sua condição histórica e social se encontram.
O processo que forma o caminho para Deus é denominado pelos anglo-saxões como
peregrinação: “trata-se da sucessão interior de atos e fatos de renúncia a costumes
destruidores e pensamentos egoístas, através do longo aprendizado de um comportamento
novo, amoroso, atencioso e aberto, o qual, entretanto, não se concentra em sucessos ou
insucessos das próprias performances, mas no aprofundamento da relação com Deus”.
50
O relacionamento com Deus e com os presos, enfermos e necessitados possibilita que
Wesley desenvolva uma peregrinação apaixonada e autêntica. Ele percorre seu itinerário por
46
RENDERS, Helmut. Andar como Cristo andou: a salvação social em John Wesley. São Bernardo do Campo:
Editeo, 2010, p. 178.
47
JOSGRILBERG, Rui de Souza. A motivação originária da teologia wesleyana: o caminho da salvação.
Caminhando: Revista da Faculdade de Teologia da Igreja Metodista, São Bernardo do Campo, SP: Editeo /
UMESP, v. 8, n. 12, 2º semestre de 2003, p. 103.
48
HEITZENRATER, Richard P. Wesley e o povo chamado metodista. Tradução: Cleide Zerlotti Wolf. São
Bernardo do Campo: Editeo; Rio de Janeiro: Pastoral Bennett, 1996, p. 218.
49
HINSON, William J. Dinâmica do pensamento de Wesley. São Bernardo do Campo: Imprensa Metodista, p.
28-9.
50
KLAIBER, Walter; MARQUARDT, Manfred. Viver a Graça de Deus, p. 253.
32
amor, mas percebe a situação terrível em que os presos estavam quando seus
companheiros lhe disseram: ‘vamos visitá-los’. É preciso estar no caminho, e acompanhado!
Por esse motivo, sua teologia ostenta
contornos tão vivos e dinâmicos está profundamente inserida na
realidade e na prática da Igreja, concretamente por meio das
sociedades e classes metodistas. Nem a ação missionária se
desenvolve desarticulada do saber teológico, nem este se constitui
como tal se estiver divorciado daquela. É a sadia correlação entre
e vida, entre teologia e ação da Igreja
51
.
Para o teólogo que constrói pontes à medida que avança no caminho, todas as coisas
se desenvolvem por meio das relações estabelecidas entre si. S.W. Mankar afirma: “Porque
a é relacional ela deve ser compartilhada”.
52
No caminho que Wesley envereda, a fé é
relacional, não substitui o amor e não pode opor-se à santidade e à salvação. A graça não é
irresistível é possível responder, rejeitá-la ou recebê-la. A religião deixa de exercer sua
função quando se torna meramente formal, sem relação com o Deus vivo. Toda a criação, e
não somente a criatura, deve ser redimida. A santificação é uma estrada que deve ser
trilhada sem volta e sem fim rumo à perfeição cristã e ao puro amor. A relacionalidade do
‘empirismo lockeano’ da teologia wesleyana promove interação social e espiritual.
Wesley acreditou que a necessidade de alento mútuo, bem como exame mútuo e
serviço recíproco, dentro do contexto dos meios de graça, requeriam mais do que
simplesmente ouvir a Palavra, participar dos sacramentos e assistir ao culto. O ponto de
vista referente à santidade estava entrelaçado como parte de sua eclesiologia. Acreditou que
as pequenas sociedades voluntárias para disciplina mútua e crescimento cristão eram
essenciais para a vida da Igreja. Wesley acreditou também que essas classes representavam
a genialidade do cristianismo primitivo e que Deus lhes havia dado uma visão da maneira
pela qual essas ‘eclesiolas’ poderiam ser o meio para aumentar a santidade em toda a terra.
53
O movimento metodista não foi “massivo” tema que será desdobrado no item a
seguir, mas atingiu as classes populares porque representou as necessidades da época. A
comunicação de John Wesley não era “populista”, contudo, alcançou as camadas populares
por meio da pregação ao ar livre, das publicações em linguagem popular de obras eruditas, e
51
SOUZA, José Carlos. Um modo equilibrado, dinâmico e vital de fazer teologia. Teologia em perspectiva
wesleyana. São Bernardo do Campo: Editeo, 2005, p.15-6.
52
JOSGRILBERG, Rui S. A motivação originária da teologia wesleyana: o caminho da salvação, p. 113.
53
WILLIAMS, Colin. La teologia de Juan Wesley: una investigación histórica. Tradução: Roy H. May, Fanny
Geymonat. San Jose, Costa Rica: Sebila, 1989, p. 120.
33
das pregações com temática popular. Havia pregadores mais populares na época, porém
Wesley destacava-se junto ao povo devido às temáticas da graça, salvação, santidade,
pecado e outros os quais a High Church não tratava e, portanto, não levava ao povo.
Ademais, a empatia de Wesley com as necessidades do próximo e seu engajamento em
questões de saúde e educação, entre outros aspectos sociais, o aproximou da classe popular
de tal forma que a utilização da mídia de seu tempo foi um instrumento explorado ao
máximo por meio das gráficas que Wesley monta a fim de imprimir livros de bolso,
gramáticas, compêndio medicinal, entre tantos, a preços populares. Apesar do movimento
não ser popular, Wesley faz um movimento em direção ao povo, de ir ao encontro do homo
viator.
O diferencial, em relação aos dias de hoje, é que Wesley não adaptou sua linguagem a
ponto de prejudicar suas convicções. Trouxe a teologia dos hinos, que eram eruditos mas
tinham melodia popular. Não uma explicação linear para o alcance da comunicação no
movimento metodista que nunca foi de massa no sentido pejorativo do termo, contudo,
causou grande impacto por sua presença significativa e dimensão pública.
3.2 “Massa” versus “povo, sociedades, classes e bands”
Por Metodistas, eu quero dizer as pessoas que professam exercer (em
qualquer medida que elas tenham alcançado) santidade de coração e vida;
conformidade, interior e exterior, em todas as coisas, para a vontade
revelada de Deus; os que colocam a religião, na semelhança uniforme, do
grande propósito dela. Na imitação permanente Dele, eles adoram a Deus,
em todas as suas perfeições imitáveis; mais, particularmente, na justiça,
misericórdia, e verdade, ou amor universal, preenchendo o coração e
governando a vida.
54
Definidos os metodistas, Heitzenrater lança mão da expressão cunhada por Wesley para
apresentar o metodismo como um movimento ao qual um grande número de pessoas prestou
sua colaboração. Apesar de que a figura de John Wesley não se perca em meio à multidão a
realidade do metodismo como povo emerge com uma clareza rara em sua obra. Ademais, sem
subestimar o metodismo liderado pela tutela dos Wesley, detecta a rica diversidade de
metodismos como a ala calvinista liderada por Whitefield e a Condessa de Huntingdon, por
exemplo. Sua obra oferece uma visão ampla da totalidade do movimento.
55
54
WESLEY, John. Conselho a um povo chamado metodista.
55
HEITZENRATER, Richard P. Wesley e o povo chamado metodista.
34
Não é por acaso que finalmente acolheram a designação “povo” metodista para o
novo movimento o povo chamado metodista, afirma Renders. Era uma opção assumida
pelas classes baixas, apesar de ser vista criticamente, assim como alerta um autor encontrado
no Gentleman’s Magazine, de maio de 1739, contra esse novo grupo religioso considerado
sinônimo de confusão e uma inconveniência para os estabelecidos:
Para não continuar considerando os males do metodismo numa perspectiva religiosa, eu
vou me limitar a algumas poucas reflexões sobre os efeitos ruins que eles podem causar na
sociedade civil. Eu penso que todos devem saber que uma multidão de seitas e religiões deveria
ser muito desvantajosa para qualquer comunidade. Opiniões diferentes
em assuntos religiosos não somente procriam dissensão e
animosidades entre o povo, como geralmente carregam em si uma
diversidade de sentimentos em relação ao governo. Além disso, esse
tipo de desentendimento deve ser sempre muito inconveniente para
aqueles no topo do estado.
56
Tal era o temor pelo envolvimento do metodismo com o povo, que é oposto ao
conceito de “massa”, designado para uma multidão de pessos politicamente passivas, em
posição de dependência objetiva em relação às instituições que sustentam uma sociedade
políticas, econômicas, militares e, portanto, fortemente influenciáveis por elas, incapazes
de se organizar e de expressar uma vontade própria, que coincide com a da grande maioria
da população, com tendência de ser sinônimo de multidão.
57
Enquanto a categoria “massa” é
a formação sem consciência nem discernimento, que atua como rebanho, “povo” implica
organização, estrutura que identifica segundo base cultural permanente, e “comunidade”
refere-se à igreja pela participação de valores comuns adquiridos segundo a tradição por
opção própria.
“Me convenci, mais do que nunca, de que pregar como um apóstolo sem reunir aos que
são despertados e guiá-los nos caminhos de Deus é como engendrar filhos para um assassino”,
anota em seu diário.
58
A Igreja significa mútua edificação e uma comunhão de amor. Em 1739
tem origem a Sociedade Unida, em Londres: tal Sociedade não é outra coisa que uma
companhia de pessoas que tinham a aparência mas buscavam a eficácia da piedade, unidas com
56
RENDERS, Helmut. Andar como Cristo andou: a salvação social em John Wesley. São Bernardo do Campo:
EDITEO, 2010, p. 152.
57
GALLINO, Luciano. Dicionário de sociologia. Trad. José Maria de Almeida. São Paulo: Paulus, 2005, p. 399.
58
Id. ibid., p. 52.
35
o propósito de orar juntas, de receber a palavra de exortação e de cuidar-se mutuamente
com amor, ajudando-se umas às outras a se ocuparem de sua salvação.
59
A tarefa de evangelização que tem compreendido as mudanças no
mundo procura uma nova estratégia e fundamentação a partir da
realidade do povo. Ela se realiza não mais simplesmente pela palavra
do pregador e pela inserção numa estrutura eclesial. Mas são grupos
pequenos que se inserem como sal, num corpo social específico
como os bóias-frias, os estudantes, ou ainda o favelado, a vila
operária, ou outro qualquer. É necessário, para isso, conhecer melhor
esses grupos e mais especificamente aprender a viver a dinâmica do
evangelho com eles. Viver assim a dinâmica do evangelho e a
dinâmica da graça tem sido a forma mais efetiva e consciente de
responder ao desafio de evangelizar o povo brasileiro e latino-
americano, desdobramento atual da mesma linha de preocupação que
Wesley manifestou em relação ao povo da Inglaterra.
60
A evangelização é reconhecidamente a medula de toda obra wesleyana, e ultrapassa o
âmbito religioso para significar, intrinsecamente, um convite a participar no “laboratório do
Reino”
61
um compromisso com a renovação da vida humana em todos os seus aspectos.
Entretanto, tal evangelização é, primeiramente, intra-eclesiástica: o profundo desejo de salvar
a alma é o único requisito para a participação numa sociedade
62
, à qual freqüentavam
presbiterianos, anabatistas, quackers. O desígnio é de restauração da nação por meio da
restauração da Igreja, espalhando a santidade bíblica por toda a terra, entre pessoas de todas
as denominações, deixando que cada uma sustente suas próprias opiniões e siga os próprios
modos de culto.
63
“É conveniente pregar em todos os lugares que possamos, sem formar sociedades? De
nenhuma maneira. Temos tirado a prova em vários lugares, durante um tempo considerável.
Mas toda a semente tem caído pelo caminho. Apenas alguns frutos permaneceram”.
64
Somente onde a pregação da Palavra de Deus e a administração dos sacramentos
produzem a resposta da que cria santidade de vida pode existir verdadeira Igreja, afirma
59
WESLEY, John. Obras de Wesley, Tomo V, p. 51-2.
60
JOSGRILBERG, Rui. Opção e evangelização na teologia metodista. In: Luta pela vida e evangelização, p.
269.
61
BONINO, José Miguez. Hacia uma eclesiologia evangelizadora, p. 77.
62
WESLEY, John. Pensamentos sobre um fenômeno recente. Obras de Wesley, Tomo V, p. 392.
63
RUNYON, Theodore. A nova criação: a teologia de João Wesley hoje, p. 139.
64
WESLEY, Works, VIII / 300 (Minutes).
36
Wesley. Essa preocupação com a vida da Igreja
65
foi a razão da fundação das sociedades
metodistas.
A Igreja surge para atender a uma necessidade humana a existência humana
autêntica necessita da comunidade; assim, a Igreja é criada com um duplo propósito, que no
final das contas torna-se um: pelo bem da humanidade e para cumprir os desígnios de
Deus.
66
Ao ler os documentos sobre as origens institucionais do movimento metodista, fica
claro que a organização igualmente surge para atender a uma necessidade organização que
é concebida em termos da missão, e não o contrário. Repetidamente ela é ajustada para
responder a uma nova necessidade ou situação.
67
“Essas sociedades são grupos de pessoas procurando o poder da piedade, unidos para
orarem juntos, para receberem a palavra de exortação e para vigiarem uns pelos outros em
amor, a fim de auxiliar-se mutuamente em alcançar sua salvação”.
68
Assim sendo, a organização eclesiológica do movimento segue o mesmo modelo de
caminho da teologia wesleyana: implica num contínuo avanço ascendente, numa
caminhada: de sociedades (total de membros metodistas em determinado local) a classes, de
classes (pessoas na busca da e pessoas com a certeza da fé) a bands e de bands (pessoas
que tinham a certeza da fé) a bands seletos (pessoas em busca da perfeição cristã). Wesley
nunca separou sua teologia de sua prática eclesiástica e pastoral.
69
O metodismo começa com aqueles momentos históricos que marcam o aparecimento
desses grupos e do modo estreitamente comunitário de se viver a fé Wesley escreverá que o
metodismo começou com esse grupo que formava o “clube santo”:
O primeiro brote do metodismo aconteceu em 1729, quando quatro
de nós nos encontramos em Oxford. O segundo foi em Savannah em
abril de 1736, quando vinte ou trinta pessoas se encontraram em
minha casa. O último foi no de maio de 1738, [Fetter Lane]
quando quarenta ou cinqüenta de nós nos encontramos todas as
quartas-feiras à noite para um diálogo franco, começando e
65
WESLEY, John. Notas explicativas do Novo Testamento. Obras de Wesley.A definição de Igreja é a seguinte:
“uma companhia de pessoas chamadas pelo Evangelho, inseridas em Cristo mediante o batismo, animadas
pelo amor, vinculadas entre si por toda sorte de fraternidade e disciplinadas pela morte de Ananias e Safira”.
66
RUNYON, Theodore. A nova criação: a teologia de João Wesley hoje, p. 137.
67
WESLEY, John. Obras de Wesley, Tomo V, p. 5-6.
68
HINSON, William J. Dinâmica do pensamento de Wesley, p. 16-7.
69
HINSON, William J. Dinâmica do pensamento de Wesley, p. 5.
37
terminando com cânticos e orações. Deus então nos confiou a
origem de um povo santo.
70
Wesley não formulou uma eclesiologia como tal, visto que lhe era suficiente aquela
definida pela Igreja da Inglaterra. Entretanto, ela pode ser organizada em “explícita e
implícita”
71
: a primeira é composta por parte dos vinte e cinco artigos de religião do
metodismo histórico
72
, que modela a Igreja com base na definição clássica da mesma em
termos da fé, da pregação da palavra e da ministração dos sacramentos elementos que se
acham em tensão entre a viva provinda do testemunho do Espírito, ativa no amor, e a
formal vinculada ao batismo e à eucaristia; ademais, a mesma tensão é manifesta no que
tange à Palavra de Deus Wesley insiste na doutrina, mas permite um campo de
divergências dentro das sociedades; a ordem eclesiástica, a ordem episcopal e os graus do
ministério. A segunda propõe, como elemento básico de definição de Igreja, a fraternidade ou
comunhão, não tanto como definição teológica, mas como exigência pastoral tal ênfase es
plasmada na estrutura das organizações metodistas, por meio das ‘classes’, ‘bands’
(inspirados nos grupos morávios) e ‘conferências’.
Wesley entendia que o sustento e o encorajamento oferecidos pelas sociedades, classes
e bands seguiam o padrão dado pelos apóstolos e pela Igreja Primitiva. E entendia a
‘conferência’ como meio de graça “meios de estimular novas idéias às quais não se poderia
chegar individualmente”. “A própria experiência de segurança vivida por Wesley ocorreu
não em solidão, mas na companhia de outros crentes. É pouco provável que, se ele tivesse
seguido sua inclinação a ficar em casa naquela noite, tivesse recebido a confirmação”.
73
O que é essencial para Jonh Wesley?, questiona Barbosa. Não acertaremos
inteiramente se considerarmos como essencial apenas os pontos doutrinários, continua ele.
Essencial também é a “religião prática”, a santidade de vida, a misericórdia e os bons frutos.
No caso da admissão de Thomas Maxfield como pregador leigo, Wesley acolheu a
orientação de sua mãe para que fosse ouvir o rapaz e examinar os frutos do seu trabalho. Em
outro momento ele foi aconselhado a eliminar o costume de algumas pessoas de
Kingswood, que se reuniam freqüentemente na escola e passavam a noite em oração. Ouviu
a severa sugestão mas avaliou o assunto tomando em conta que a igreja primitiva fazia coisa
70
JOSGRILBERG, Rui S. A motivação originária da teologia wesleyana, p. 111.
71
BONINO, José M. Metodismo: releitura latino-americana. In: Luta pela vida e evangelização, p. 158-163.
72
KLAIBER, Walter; MARQUARDT, Manfred. Viver a graça de Deus, p. 461-6.
73
Theodore RUNYON cita Michael Lodahl. In: A nova criação, p. 148/161/163.
38
semelhante, e anunciou sua disposição de compartilhar e ver de perto a experiência do
grupo. Sugeriu outro dia, uma sexta-feira de lua cheia para iluminar o caminho. Foi e
gostou. Ficou das oito até depois da meia-noite com os irmãos, cantando, orando e louvando
a Deus. Tal foi seu entusiasmo com aquela reunião que decidiu recomendá-la a todas as
demais sociedades metodistas.
74
A criação das novas condições estruturais, que possibilitam a concretização da
santidade exigida pela Escritura por meio do crescimento e frutificação do sujeito que nasce a
partir da conversão, é autenticada pela pastoral da eclesiologia implícita: pelos meios de
participação e expressão da experiência interior. As “regras” wesleyanas direcionavam os
grupos a uma reflexão com propósitos: apontam para uma forma de vida condizente com o
Evangelho, estimulam a ação mútua pelo bem da sociedade e o serviço ao próximo, e
exortam à participação assídua na Igreja e aos meios de graça. É requerido um compromisso
total de todos os membros, uma relação pessoal e de mutualidade é estabelecida Wesley
alcança uma relação ‘cara a cara’ em meio a uma sociedade onde a industrialização já estava
imprimindo o distanciamento e o individualismo.
(...) quando estamos vinculados em unidade temos o alimento
dele e crescemos com o crescimento que vem de Deus (...). Por isso,
nosso bendito Senhor não enviou os discípulos sós, mas de dois em
dois. Quando se tornaram um pouco fortalecidos, não na solidão,
mas permanecendo com ele e uns com os outros, lhes ordenou
esperar não separados, mas reunidos juntos a promessa do Pai. E
estavam todos unânimes no mesmo lugar quando receberam o dom
do Espírito Santo (...) quando foram acrescentadas três mil almas a
eles, todos os que criam estavam juntos e perseveravam, não na
doutrina dos apóstolos, mas também na comunhão e no partir do pão
e estavam unânimes na oração (...) para a perfeição dos santos, para
a edificação do corpo de Cristo até o fim do mundo. Segundo São
Paulo, todos os que tenham de chegar à unidade da fé, a varão
perfeito, à medida da estatura da plenitude de Cristo devem estar
juntos nele.
75
Membros e líderes são constituídos agentes ativos e responsáveis de seu próprio
crescimento, e a condição para o crescimento em Cristo era ‘estar juntos’, em comunhão. Dos
conceitos de Wesley acima descritos, desdobram-se a questão da santidade social, alcançada
pela contribuição mútua ao crescimento conjunto; o estímulo para fazer o bem e da
participação das mútuas experiências; a organização visível e concreta da comunidade, que
74
BARBOSA, José Carlos. O caminho para a cabeça precisa ser aberto pelo coração. In: Caminhando, n. 12, p.
93.
75
WESLEY, John. Obras de Wesley, Tomo XIV, p. 333-4.
39
está unida e estabelecida em determinado lugar; e, finalmente, denota que a comunidade é
um elemento de evangelização, é parte do processo missionário a relação entre Igreja e
Missão faz parte da proposta de renovação wesleyana.
A “eclesiola” é a escola de um apostolado leigo, na qual o crente não se instala numa
salvação obtida, mas se alista numa missão que lhe exige um constante crescimento pessoal e
uma permanente relação com os demais
76
. A ênfase missionária introduz uma tensão nos
elementos da definição eclesiológica, pois Wesley coloca a Igreja a serviço da proclamação
evangelizadora, conclamando a instrumentalidade prática da Igreja que está concebida em
termos de sua realidade interior para a sua missão com o mundo não cristão. Ademais, a
ênfase nos grupos manifestava a transformação possível por meio da “eclesiola in eclesia”.
77
É evidente a existência de dois critérios irreconciliáveis: se por um lado havia a
proposta de um compromisso disciplinar rigoroso para os participantes da eclesiola’, na
eclesia era admitida a mera religião “formal”.
78
A contraposição entrehigh-church e
low-churchpromoveu a tendência aos pequenos grupos, à certeza experimental, à santidade
de vida e à religião do coração, inspirados pela tradição puritano-pietista.
Entretanto, a eclesiologia fundamental de Wesley não segue os critérios nem da Igreja
nacional nem dos sectários; ele pretende um movimento de renovação genuinamente
ecumênico, capaz de beneficiar a todos os cristãos. Ainda assim, distingue entre os que estão
sinceramente “no caminho” e os que não estão.
79
Por meio da ‘eclesiola’, Wesley reconcilia elementos objetivos (Palavra, sacramentos e
ordem) da tradição protestante e elementos subjetivos (experiência, santidade, meditação,
oração e comunhão) da tradição pietista, e provê um valioso instrumento para a renovação da
Igreja. Concebida pela prática de pequenos grupos voluntários de crentes que vivem, segundo
a Palavra, uma vida de disciplina e piedade comunitária, colocam-se nas mãos do Espírito
para serem utilizadas como levedura na renovação do corpo total da Igreja.
80
A paixão wesleyana se aproxima das feições sofridas dos presos, dos enfermos e dos
pobres que ele encontra em seu ministério. Ele segue em frente porque se reconhece
76
BONINO, José M. Metodismo: releitura latino-americana. In: Luta pela vida e evangelização, p 165.
77
JOSGRILBERG, Rui. O caminho da salvação: a teologia peregrina de J.W. em nossos caminhos, p. 16.
78
BONINO, Jo Miguez. Hacia uma eclesiologia evangelizadora: una perspectiva wesleyana. São Bernardo do
Campo: Editeo, 2003, p. 81.
79
RUNYON, Theodore. A nova criação: a teologia de João Wesley hoje, p. 139.
80
BONINO, José Miguez. Hacia una eclesiologia evangelizadora: una perspectiva wesleyana, p. 70-2.
40
protagonista e profundamente responsável pela história que está ajudando a construir. O
“para que” o “telos”, é fundamental para ele, e se crê chamado para um ministério
extraordinário.
3.3 Gráfica na “Fundição” livros, escolas e escola dominical
O local de uma antiga fundição real para canhões foi o prédio que, restaurado
Wesley o chamava de “um vasto e rude monte de ruínas” proporcionou salas para
reuniões dos bands, uma escola, a moradia de Wesley, quarto de hóspedes (para sua mãe e
pregadores visitantes), um estábulo e abrigo para os coches. Uma sala grande com bancos
rústicos acomodava mil e quinhentas pessoas, tornando-se assim a primeira casa de
pregação de Wesley. Ali ele organizou uma sociedade e a Fundição tornou-se um lugar de
serviços regulares de pregação duas vezes ao dia, além de atendimento médico na clínica
metodista, a fim de dar assistência médica aos pobres.
81
O ministério mais eficaz dentro das sociedades era desempenhado
pelo sacerdócio dos crentes, pelo serviço e apoio uns aos outros e
por alcançarem, por meio das Sociedades Amigos dos Estrangeiros,
o próximo não-metodista que passava necessidade. Foram
estabelecidos clínicas e dispensários voltados não apenas aos
metodistas mas a todos os doentes, os quais eram atendidos com
recursos e orçamentos limitados. Por todos esses meios, o espírito do
movimento estendia à comunidade um evangelismo baseado não em
um trabalho de venda, mas na atração inerente a um interesse
holístico pelas pessoas, a partir da necessidade delas. O principal
alcance evangelístico, portanto, não se concentrava nos pastores,
nem mesmo os mais famosos, dentre eles os Wesley e George
Whitefield.
82
A Fundição tornou-se o quartel-general do movimento em Londres e sede de tudo,
desde a pregação até a impressão foi instalada um gráfica para divulgar o pensamento
wesleyano a todo o país.
A crescente demanda do programa de publicações wesleyanas
exigiu um editor de tempo integral. Thomas Olivers foi o “revisor de textos” da conexão
metodista até 1776, nomeado para estar junto com Wesley na capital inglesa. A nascente
burocracia metodista estava recrutando pregadores para encarregar-se da comunicação e
81
HEITZENRATER, Richard. Wesley e o povo chamado metodista, p. 109-111.
82
RUNYON, Theodore. A nova criação, p. 160.
41
mídia Joseph Bradford foi indicado para viajar com Wesley para ser seu escriturário e
logo tornou-se responsável pelo empreendimento editorial e venda dos livros.
83
Wesley começou a equipar a Fundição para atender a muitas crianças que vagavam
pelas ruas, cujos pais não podiam enviá-las à escola. E contratou dois professores para
ensinar a ler, escrever, fazer contas. Contribuições voluntárias também cobriam os gastos
desse projeto, e membros da sociedade que se reunia na Fundição tomavam conta dessa
operação. Eles faziam uma reunião semanal com os pais, sendo as crianças examinadas em
conformidade com as regras estabelecidas. No fim de 1748, a escola tinha atendido a
sessenta crianças.
84
Outra escola em Savanna também foi contruída.
Heitzenrater ilustra o trabalho desenvolvido na escola em Kingswood, para a qual as
regras foram revisadas, e o currículo da escola preparado para instruir criaas “em todos os
ramos do conhecimento útil”, desde o alfabeto até as qualificações apropriadas para o
“trabalho do ministério”. A lista de matérias era impressionante: leitura, escrita, aritmética,
francês, latim, grego, hebraico, retórica, geografia, cronologia, história, lógica, ética, física,
geometria, álgebra, música. Foi para as aulas de inglês e de cinco outras línguas que Wesley
escreveu e publicou gramáticas. Começando na primeira classe, com estudantes de seis a
dez anos, o esquema incluía trabalho em línguas, as crianças traduziam e vertiam livros tais
como “Instruções para crianças”. Na terceira classe os estudantes liam as “Confissões” de
Santo Agostinho; na quarta, “César”. A sétima classe era o nível máximo e nesse ponto
esperava-se que repetissem a “Ilíada” de Homero, que fizessem versos em grego e lessem a
Bíblia Hebraica. Wesley estava convencido que qualquer estudante que completasse o
currículo de Kingswood seria um estudante melhor que noventa por cento dos graduados em
Oxford e Cambridge. Ademais, a rotina começava com orações e cânticos às 4 horas da
manhã, e seguia até às 8 horas da noite em rigor com a disciplina acadêmica.
85
Wesley aprendeu a ler por meio da Bíblia, tendo sua mãe Susana como professora, e
afirmou que Deus começa a sua obra com as crianças. A Escola Dominical surge durante o
movimento metodista como um espaço conquistado pelas crianças numa igreja cristã. Em
1737 Wesley era missionário em Savannah e se reunia com crianças para ensiná-las no
caminho da Bíblia usando palavras compreensíveis ao seu vocabulário, com paciência e
83
HEITZENRATER, Richard. Wesley e o povo chamado metodista, p. 268-9.
84
Id. ibid., p, 167-8.
85
HEITZENRATER, Richard. Wesley e o povo chamado metodista, p. 168-9.
42
perseverança, até ver os resultados do seu esforço. As crianças se reuniam em classes duas
vezes por semana e, aos pregadores que usavam desculpas para esquivar-se da tarefa, Wesley
respondia que nesse caso o pregador não havia sido chamado para ser um pregador metodista.
Eu nunca tinha visto nada igual. Que belos hinos cantavam juntos,
nenhuma delas fora do tom. A melodia soava melhor do que se pode
ouvir num teatro. O melhor de tudo é que elas realmente crêem em
Deus e a maioria conhece a verdadeira salvação. Elas são modelo para
toda a cidade. Em grupos de 8 ou até 10 crianças juntas elas visitam os
pobres e os doentes para encorajar, confortar e orar por eles”. Foi
mencionando aquela escola dominical que, em carta a Alexandre
Suter, Wesley afirmou : “eu amo muito a Escola Dominical. Ela tem
distribuído o bem em abundância.
86
Hanna Ball é a criadora da Escola Dominical no ano de 1769. Ela tornou-se membro do
movimento wesleyano depois de ouvir um sermão de Wesley, aos 22 anos e desde então
tornou-se uma grande batalhadora da fé. Onze anos mais tarde, um jornalista metodista,
Robert Raikes, criou a primeira escola dominical para os meninos de rua, ensinando-lhes,
além da Bíblia, aritmética e inglês.
3.4 Circuitos, itinerância, pregação leiga e feminina
O talento de Wesley para reciclar informações e criar outras realidades é possível pela
vivência em meio ao povo, fato que possibilita uma mudança progressiva em sua maneira
de ler e interpretar a vida. As mudanças foram acontecendo de uma forma imperceptível, até
que alteraram suas concepções a respeito de temas como pregação ao ar livre, pregação
leiga, pregação feminina, ordenação pastoral e outros, e certamente sua teologia também
passava por alterações. O que ele disse para Mary Bosanquet, em carta de 13 de junho de
1771, também pode ser aplicado à sua teologia. Disse: Está muito clara para mim que toda
esta obra de Deus chamada metodista é uma dispensação extraordinária de sua providência.
Portanto, não me admira se ocorrerem algumas coisas que não cabem dentro das regras
comuns de disciplina. No seu Journal, no dia 12 de abril de 1789, ele repete a mesma idéia
e assinala que as modificações ocorreram por exigências necessárias. (...) Assim, no
transcurso dos anos, a necessidade exigiu a Wesley: 1. Pregar ao ar livre; 2. Orar de
86
WESLEY menciona em seu Diário (20 de abril de 1788) a presença de 900 a 1000 crianças em Bolton.
43
improviso ou de forma extemporânea; 3. Organizar sociedades; 4. Aceitar a ajuda de
pregadores leigos”.
87
Para coordenar um programa de ampla pregação ao ar livre, Wesley estabeleceu sete
circuitos, um roteiro original com vários pontos de pregação, relacionados nas Minutes de
1746: Londres, Bristol, Cornwall, Evesham, Yorkshire, Newcastle e Gales. Os pregadores
eram designados, geralmente em gupos de dois ou três, para um mês de itinerância em um
dos sete circuitos, depois se mudavam no mês seguinte para outra região.
88
Era uma
estratégia de ampliar geograficamente a comunicação do evangelho. No ano seguinte, as
nomeações dos pregadores foram ampliadas para dois meses, e reuniões trimestrais nos
circuitos foram criadas para promover maior unidade e coesão nas sociedades metodistas.
89
A fim de proteger o sistema de itinerância, Wesley tinha uma postura firme no
controle dos pregadores como chave da unidade na conexão. E reforçou a proibição contra
os pregadores publicarem qualquer coisa de sua autoria ou cantar hinos de sua própria
composição.
90
O fato é resultado das críticas que os metodistas sofreram constantemente de
pessoas que acreditavam em falsos relatos sobre suas doutrinas e práticas.
Para curar o mal da falta de leitura, Wesley prescreve que os pregadores lessem mais
livros úteis regularmante toda manhã, ou pelo menos cinco horas por dia. A reação dos
pregadores (usando o princípio do próprio Wesley de homo unius libri), eram afirmações tais
como “mas eu leio somente a Bíblia” ou “mas eu não tenho livros”, às quais Wesley
respondia com sarcasmo e ironia:
Se fizer isso [ler somente a Bíblia], você não precisa mais pregar.
(...) Isto é puro fanatismo. Se você não precisa de nenhum livro a
não ser a Bíblia, então está acima de São Paulo. Ele queria outros
livros também. (...) Eu darei a cada um de vocês [que nãom outros
livros], tão depressa quanto vocês o lerem, livros até o valor de cinco
libras. (...) Adquira o gosto [pela leitura] mediante o uso, ou volte
para o seu emprego.
91
Wesley continuava a suprir seu povo com mais publicações, e produziu cerca de seis
obras por ano durante uma década; depois de 1765 ele aumentou a produção. Nesse período,
87
BARBOSA, José Carlos. O caminho para a cabeça precisa ser aberto pelo coração. In: Caminhando, n. 12, p.
94.
88
HEITZENRATER, Richard. Wesley e o povo chamado metodista, p. 162.
89
Id. ibid., p. 166.
90
HEITZENRATER, Richard. Wesley e o povo chamado metodista, p. 278-9.
91
Id. ibid., p. 227-8.
44
lançou sua doutrina mais distinta Um simples relato da perfeição cristã e os sermões
sobre “O testemunho do Espírito, II”, e “O arrependimento dos crentes”.
92
O bispo de Durham, Edward Chandler, havia comentado que os metodistas eram “essa
missão de exortadores jovens demais para tais misteres e puramente leigos”, e que poderia
haver “conseqüências perigosas”. Wesley preferiu manter sua posição, apesar das
perseguições sofridas sistematicamente.
E treinava os pregadores leigos com publicações específicas como um guia doutrinário.
O primeiro volume dos “Sermões para diversas ocasiões” indica no prefácio que o leitor verá
“quais são as doutrinas que eu [Wesley] aceito e ensino como as essenciais a uma verdadeira
religião”. Sua esperança era de alcançar atoda humanidade, a fim de projetara verdade
simples para um povo simples”, e ser uma pessoa de um livro só, a Bíblia, na qual se
encontra o “caminho para o céu”.
93
E assim a pregação ao ar livre foi disseminada: com
controle rígido, mas aberta ao laicato, e ao trabalho em equipe:
Se eu mesmo pregasse durante um ano inteiro em um lugar, eu
faria dormir tanto a mim mesmo como à maioria da minha
congregação... A mudança frequente de pregadores é melhor. Este
tem um talento, aquele, outro. Ninguém que eu conheça tem todos os
talentos necessários para começar, continuar e aperfeiçoar a obra da
graça em uma congregação inteira.
94
Quando o movimento metodista constitui-se como Igreja nos Estados Unidos, entre
1760 e 1776 chegaram os primeiros metodistas ao país e, atendendo a pedidos dos núcleos
metodistas criados, Wesley mandou pregadores (todos leigos). A própria experiência de
Aldersgate havia sido para ele um exemplo para desvenciliar-se de formatos pré-
estabelecidos:
Ocorreu numa quarta-feira, dia comum, declaração formal de que
todos os dias são santos, sinal de ruptura com a religião que canta
aos domingos. Ocorreu num espaço comum e não na Catedral de São
Paulo, onde J.W. esteve à tarde, indicação de que a geografia da ão
divina é inteiramente livre. O dirigente, leitor do texto [do precio de
Lutero aos Romanos], era uma pessoa comum, um irmão, e não uma
autoridade eclesiástica oficial. Após a experiência, John Wesley vai
com alguns amigos à casa do irmão Charles e todos juntos invadem a
noite cantando. (…) É o esforço de conciliação, indicação clara de
92
Id. ibid.
93
Id. ibid., p. 176-7
94
HEITZENRATER, Richard. Wesley e o povo chamado metodista, p. 194.
45
que o metodismo pretende rejuvenescer a ‘religião triste’ e
desatraente daquela sociedade adormecida.
95
Wesley cria novas e desprendidas estratégias comunicacionais a fim de propagar a
Palavra ao ar livre, em circuitos, com itinerância e pregadores leigos. Apesar de que
nenhum dos pregadores itinerantes fosse mulher, algumas mulheres estavam pregando, até
mesmo fora de suas sociedades locais.
Um grupo liderado por Sarah Crosby, Sara Ryan e Mary Bosanquet estabeleceu uma
escola e um orfananto em Leytonstone. Seu lar proporcionava um centro de atividade
metodista, incluindo cultos de oração nos quais as mulheres eram levadas a falar. Sara
Crosby, uma antiga líder de classe na Fundição, havia começado a pregar quando a classe
organizada por ela cresceu a mais de duzentas pessoas, sem nenhum pregador à vista. Ela
percebeu a necessidade e começou a dirigir um culto, embora insegura se deveria ela mesma
dirigir dessa maneira: “Contudo, eu achei impraticável encontrar-me com todas essas
pessoas para falar a cada uma individualmente. Por isso mandei cantar um hino, orei e lhes
contei parte do que o Senhor tinha feito por mim, persuadindo-os a fugirem de todo
pecado”.
96
Wesley hesitou quanto ao tema devido a preocupações relacionadas com a questão da
separação da Igreja Anglicana, por estar consciente que os religiosos da Igreja oficial
sentiam que a pregação por mulheres transgredia as convenções religiosas e sociais da
época, mas deu às mulheres papéis significantes na liderança do metodismo e permitia que
quase pregassem uma alternativa distinguida por ele como “exortação”.
Somente em 1771 a argumentação de Mary Bosanquet sobre o “chamado
extraordinário” a algumas mulheres como pregadoras foi aceita por Wesley, que reconhecia
a “dispensação extraordinária” da providência relacionada a “todo o trabalho de Deus
chamado Metodismo”.
Ele sabe muito bem por que procura alcançar as pessoas. Sua itinerância incessante,
provocadora, é fruto de uma reação inversa à de Jonas, porque se descobre como estando
sozinho e com uma tarefa urgente e inadiável.
95
BARBOSA, José Carlos. O caminho para a cabeça precisa ser aberto pelo coração. In: Caminhando, n. 12, p.
85.
96
HEITZENRATER, Richard. Wesley e o povo chamado metodista, p. 236.
46
A compreensão de que o metodismo representava uma
dispensação extraordinária da providência divina, com abertura para
“algumas coisas que não cabem dentro das regras comuns”, indica
que ele entendia ser impossível capturar a verdade com uma
inexorável exatidão, e expressá-la de modo definitivo. Ele sabe que
essa possibilidade seria terrível e inviável. Se as regras e doutrinas
pudessem ser enfeixados para sempre, tudo já teria sido dito,
encerrado e concluído. É por essa razão que ele faz questão de
repetir sempre a simplicidade do metodismo. Ele fala com o coração,
com paixão, com entusiasmo e sempre aceita que sua palavra seja
colocada diante de outra palavra. Afinal, o metodismo não consiste
em novas palavras, o segredo está no coração aquecido, no amor.
este é o vínculo da perfeição, bússola vibrante e infalível apontando
corretamente para a verdade divina.
97
Wesley concebe que a missão do metodismo não é outra senão a de “levedar toda a
massa” (da Igreja), a fim de que se estenda “a santidade bíblica por todo o país”. E incluía
leigos e mulheres como protagonistas da comunicação do evangelho e beneficiários da
educação como proposta para uma religião social.
3.5 Experiência versus produto
Wesley tinha a preocupação de formar e educar pessoas por meio da comunicação,
integralmente. No movimento wesleyano, a experiência religiosa não se repetia por doses,
mas deveria desenvolver-se, pois era o início do processo de formação. A experiência
ortopática, parte da tríade formada com a ortodoxia e a ortopraxia, reflete a compreensão
dessa proposta de Wesley.
A ortodoxia é a ‘crença correta’, são idéias e opiniões segundo as doutrinas consid-
eradas normativas para a tradição cristã. Ortopraxia é a ‘prática correta’ capaz de colocar as
crenças em ação por meio do socorro ao necessitado, a luta contra a opressão e a busca pela
justiça. O hiato entre ambas é conhecido, sua consonância é invocada para renovar a Igreja,
bem como a reforma de suas prioridades.
O homem pode ser ortodoxo em todos os pontos; pode não somente
adotar opiniões corretas, mas defendê-las ardorosamente contra seus
oponentes; pode pensar com justiça no tocante à Encarnação de Nosso
Senhor, à Santíssima Trindade e a qualquer outra doutrina contida nos
Oráculos Divinos; po- de aceitar os três Credos (...) e, depois de tudo,
97
BARBOSA, José Carlos. O caminho para a cabeça precisa ser aberto pelo coração. In: Caminhando, n. 12., p.
95.
47
é possível que absolutamente não tenha mais religião (...) que um
pagão. É possível ser tão ortodoxo como o diabo e sem dúvida estar
tão distante da religião do coração.
98
Wesley ataca a ortodoxia morna e estéril “não sonheis que a ortodoxia, a opinião
correta, é religião”. Sua tese é de que o relacionamento estabelecido pela graça desenvolve a
‘mente que houve em Cristo Jesus’. Essas abstrações podem estar impressas na mente sem,
contudo, terem a garantia da renovação pelo Espírito que constitui a autêntica. Entretanto,
apesar de que Wesley insistisse na prioridade da ortopraxia, ela igualmente não é suficiente
por si tampouco ortodoxia e ortopraxia juntas podem funcionar. Crer nas coisas
certas,aliado ao fazer tais coisas certas, ainda não corresponde ao que Wesley considera
essencial.
Runyon cunha o termo “ortopatia”, do grego ortho (correto) e pathos (sentimentos,
paixões e, num sentido mais amplo, experiência), para o terceiro elemento da tríade que
marca a nova sensibilidade à realidade espiritual e a participação nela que marcam a fé
autêntica. Também denominado “ortocardia”, tal aspecto foi negligenciado em reação aos
excessos da preocupação com a experiência no século XIX, e boa parte da teologia do século
XX buscou evitar o termo. Contudo, é impossível não notar o fato de que a experiência é o
meio pelo qual a realidade religiosa é transmitida. A doutrina dos ‘sentidos espirituais’ para a
percepção da realidade religiosa foi desenvolvida analogamente ao modo do conhecimento
empírico, que capta experiências por meio dos sentidos físicos.
Runyon argumenta que a experiência fala à experiência como um catalisador que pode
provocar uma reação nos que estão dispostos a se arriscar a participar da mesma realidade.
Na questão sobre como pode o ser humano receber essa iniciativa de Deus e responder com
fé, a ação do Espírito Santo torna-se crucial porque ‘aviva’ os sentidos espirituais
previamente inativos de modo que sejam capazes de funcionar dentro da imagem restaurada
de Deus para receber e refletir os impulsos espirituais. O caminho do Espírito é agir ‘em,
com, sob, e por meio de’ palavras e ações dos meios de graça, que podem ser comuns e
habituais conversas com outras pessoas, encontros inesperados, idéias súbitas ou numa
situação de culto, oração e leitura bíblica. Tal como um sacramento utiliza meios terrenos e
materiais para comunicar a realidade transcendente, Deus utiliza de meios finitos e físicos
98
WESLEY, John. O caminho do Reino. Sermão VII, p. 73-89
48
sentimentos e reflexão (experiência) para comunicar a graça e registrá-la em nossa
consciência. Assim, os critérios de um sacramento são atendidos, uma mensagem é
comunicada por meio de um sinal que inspira uma resposta a qual provoca mudança na vida
do receptor o sacramento pretende renovar a imagem de Deus.
Aos céticos que questionavam a possibilidade de contato com a
realidade transcendente, Wesley não respondia com argumentos
racionais. Mesmo que tais argumentos conseguissem convencê-los,
eles deixariam os céticos aprisionados dentro do reino da experiência
prévia. Em vez disso, ele convidava o cético a comparecer à reunião
de uma sociedade local, a se tornar membro de uma classe, o que
provava ser este o melhor método apologético, porque chamava-o a
estar aberto a uma nova comunidade de experiência. O recurso do
testemunho dos membros das sociedades funcionava como uma
‘tentação’ a crer.
99
A experiência ortopática pode ser identificada por seis marcas características que
delineiam o papel legítimo da experiência na religião. Deve transcender o subjetivismo,
vindo de uma fonte exterior a nós, a nossos sentimentos e imaginação. Para a abordagem
lockeana de Wesley, a experiência tem o objetivo de registrar a realidade de um mundo
espiritual que transcende o eu o foco da experiência religiosa está sobre o Outro. Não há
verdadeiro conhecimento de Deus sem a participação Dele. A experiência do Outro destrói a
noção narcisista da experiência se sua referência for o Outro, ela é testemunho e
evidência.
Deve, também, ser inevitavelmente transformadora. O conhecimento religioso
autêntico, que é uma nova criação, transforma a vida tal transformação começa com o
avivamento, a regeneração, o despertamento dos sentidos espirituais, que então registram o
impacto do Espírito divino sobre o coração humano. Em vez de produzir a experiência, o
sujeito é fundamentalmente modificado por ela. Nas palavras de Martin Buber
100
, uma
pessoa ‘não permanece, após o momento do supremo encontro, o mesmo ser que entrou
nele’.
O terceiro aspecto da experiência ortopática é social. Se a fé cristã nasce pela
recepção da misericórdia e amor divinos, ela não pode caber dentro de um indivíduo isolado
o que é recebido exige nova expressão, esta é a sua natureza. O amor que recebemos do
99
RUNYON, Theodore. A nova criação, p. 199.
100
Theodore RUNYON cita Martin BUBER. I and Thou. Edimburgo: T. & T. Clark, 1937. In: A nova criação,
p. 204.
49
salvador do mundo flui por nosso intermédio a todas as criaturas, principalmente os
necessitados e aflitos. A ortopatia, portanto, exige a ortopraxia.
Em quarto lugar, a ortopática é racional. Wesley insiste que a experiência necessita
do elemento racional da reflexão e interpretação holisticamente concebidos. Embora o
Espírito transcenda a razão, não é antagônico a ela. Sem conferir à razão os poderes
metafísicos atribuídos pelos platônicos e deístas, Wesley destaca a razão como parte da
criatura e do mundo criado, a qual tem a função de ordenar e refletir, interpretar o
siginificado.
Em quinto, a ortopática é sacramental. Os sentimentos funcionam de modo
sacramental, assim como o pão e o vinho, fazem parte do mundo físico e material, mas
transmitem uma mensagem que vem de além de si mesmos. Relembrar a experiência é
relembrar os sentimentos concomitantes a ela, é relembrar o significado que está no seu
centro. Assim, os sentimentos podem servir para mediar a realidade divina.
Por último, a ortopática é teleológica. É uma experiência que não está limitada a
um único momento no tempo, é direcional, está a caminho de um objetivo. Do ponto de
vista de Wesley, qualquer experiência autêntica de Deus tem dimensões cósmicas, ela nos
incorpora na iniciativa divina de renovar o mundo, e conhecemos a Deus como Criador,
assim como Deus torna-se nosso Recriador estar relacionado a este Deus significa
inevitavelmente envolver-se em um processo de recriação que começou. A missão de
Cristo foi a de proclamar que o Criador não abandonará o mundo à corrupção, mas vai
transformá-lo e a seus habitantes de acordo com a imagem do Filho e no poder do Espírito.
A trajetória é em direção ao Reino de Deus. Seu objetivo é a transformação e a santificação
do mundo.
A busca pelo desenvolvimento de uma ortopatia que possibilite a ortopraxia da
ortodoxia ressalta a preocupação de Wesley por uma visão integral e coerente ao explicitar a
teologia da dimensão experimental da cristã. As características da experiência ortopática
reafirmal a proposta de formação de Wesley, e sua correlação com os aspectos
comunicacionais do movimento wesleyano são reiterados pela mesma filosofia, que se opõe
ao produto da experiência comercializado no mercado da fé pela cultura gospel vigente.
50
3.6 Missão da comunicação Arminian Magazine, Christian Library,
Journal, cartas, panfletos, gramáticas, diário
Wesley lançou mão da mídia – na época limitava-se a publicações impressas, em
formato popular para acesso de todos e da metodologia de motivação e comunicação em
pequenos grupos – como instrumento para defesa de si e do movimento metodista, para
explicar sobre sua mensagem e sobre o papel do metodismo no país.
Se ele tivesse apenas cavalgado 250 mil milhas através da Inglaterra, Escócia e Irlanda,
pregando 42 mil sermões ao longo do caminho, sua reputação como um dos mais enérgicos
cristãos da história estaria garantida. Mas ainda publicou centenas de livros, tratados,
planfletos e um periódico.
101
O diário público de Wesley, o Journal, discorre sobre suas idéias e atividades na
formação do movimento metodista ao longo de 55 anos, de 1735 a 1790. Outras publicações
descrevem o caráter, os princípios e a vocação do povo chamado metodista: ‘não para formar
outra seita, mas para restaurar a nação, particularmente a igreja e espalhar a santidade bíblica
sobre toda a terra’. Muitos escritos se propõe a nutrir os metodistas na santidade de coração e
de vida.
Seus comentários introdutórios ao leitor da revista mensal “The Arminian Magazine”
a voz oficial do metodismo editada a partir de 1778 –, são dirigidos diretamente à sua
competidora, as revistas calvinistas. E mostra que os escritores das referidas revistas não
apenas defendem a doutrina que “Cristo morreu não por todos mas por um em cada dez, e
apenas para os ‘eleitos’”. A Revista Arminiana tinha quatro partes: 1. Artigos defendendo a
redenção universal (expiação); 2. Biografias de pessoas santas; 3. Cartas e narrativas de
experiências da vida de pessoas piedosas vivas; 4. Poesia que explicava e confirmava as
doutrinas essenciais. Era uma cartilha destinada a ensinar o viver e o morrer santos, um
autêntico manual de peregrinação espiritual.
102
101
YRIGOYEN, Charles Jr. “Comece a imprimir: nenhum líder protestante no século XVIII fez melhor uso da
mídia impressa que John Wesley”. In: Christian History. Revista da Christianity Today International. Edição
69, volume XX, nº 1. CTI: Cogeime, 2002, p. 36.
102
HEITZENRATER, Richard. Wesley e o povo chamado metodista, p. 268.
51
Wesley publicou, entre 1749 e 1755, sua Christian Library
103
com cinqüenta
volumes que incluía Pais da Igreja e escritores contemporâneos, adaptados para a linguagem
popular linguagem simples para o povo simples , além de notas e comentários, versículo
a versículo, sobre o Novo Testamento, com tradução própria, que ele editou para o
treinamento de pastores leigos metodistas. Eram edições revisadas que ele chamou ‘trechos
escolhidos de teologia prática da igreja de todos os tempos’. O foco é a prática e o ser
humano integral.
Wesley quis mostrar como o evangelho opera em pessoas comuns.
Vinculada ao tema era a educação ad populum. Às vezes, trata-se de
técnicas: num ambiente pobre e predominantemente oral, Wesley
propõe, por exemplo, a leitura pública de textos editados por ele,
como os da Biblioteca Cristã. Outras vezes, são conhecimentos úteis,
como a divulgação de conselhos na área da agricultura e da medicina.
Segundo Turner (1996, p. 168-169), Wesley popularizou, pela sua
Medicina popular, entre as classes mais humildes, conselhos de Dr.
George Chyene sobre dietas, direcionadas, originalmente, às elites.
104
No texto “Um discurso aos clérigos”, escrito em fevereiro de 1756, ele ensina que o
pastor consegue ser eficiente se colocar o coração no trabalho e amar profundamente as
pessoas. Sem amor apenas arremedo de pastorado.
105
Aos pregadores reunidos na
Conferência de Bristol, de agosto de 1745, ele recomenda: “vocês não tem nada a fazer
senão salvar almas. Portanto, gastem e sejam gastos nessa obra. Devem ir sempre, não
apenas de encontro dos que precisam de vocês, mas dos que necessitam mais”.
Wesley também cuidava da comunicação do evangelho num sentido
muito amplo. Ele publicava gramáticas, inclusive, inglesas (1748), e
um dicionário inglês (1764) para dar assistência a pessoas de senso
comum e nenhuma formação. Além disso, reeditou um Compêndio de
Lógica (1750) quatro vezes até 1791. Formalmente, trata-se de uma
tradução da lógica aristotélica de Aldrich (1691) sobre apreensões,
julgamentos, discursos, proposições, silogismos, silogismos
hipotéticos e métodos.
106
103
RUNYON, Theodore. A nova criação: a teologia de João Wesley hoje, p. 260
104
RENDERS, Helmut. Andar como Cristo andou: a salvação social em John Wesley. São Bernardo do Campo:
Editeo, 2010, p. 157.
105
WESLEY, John. Un discurso a los clérigos. Obras de Wesley, Tomo IX, p. 203-4.
106
RENDERS, Helmut. Andar como Cristo andou: a salvação social em John Wesley. São Bernardo do Campo:
Editeo, 2010, p. 148.
52
O folheto“Thoughts upon Slavery” condenava a escravidão e incentivava o
abandono do tráfico de escravos, em nome de Deus e das pessoas exploradas, resultado do
encontro entre o teólogo e a realidade:
O “povo metodista” e o povo inglês empurraram Wesley para o
envolvimento da no corpo social. Podemos constatar esse
progressivo envolvimento no decorrer dos próprios escritos
wesleyanos até culminar nas suas reflexões (que não eram originais)
sobre o comércio de escravos e nos seus protestos contra a escravidão
enquanto pecado social.
107
O propósito da comunicação era despertar do sono aqueles que dormem, como
resultado do seu próprio despertamento para a necessidade de uma religião social. O
envolvimento de Wesley com o povo inglês lhe rendeu outro tema caro como as prisões,
conforme destaca Renders:
No caso das prisões, os metodistas, desde os tempos de Oxford,
encararam a dura e injusta realidade sofrida pelo povo. (…)
“Enquanto Wesley e os metodistas assumiam as dores dos prisioneiros
[...], os capelães das prisões geralmente se preocupavam menos com
as almas dos prisioneiros e mais em conhecer (ou inventar) as suas
histórias para lucrar com elas”, por meio da publicação das mesmas
das visitas nas prisões, o grupo também sustentou iniciativas para
mudar essa situação. O poema “Abrindo as prisões”, provavelmente
da autoria de Samuel Wesley, o pai de John e Charles, publicado por
John Wesley em 1744, elogiava a comissão do Parlamento a favor da
reforma do sistema carcerário de 1728. (…) Encontra-se no poema
uma detalhada descrição da real situação social das prisões inglesas da
época. Wesley nunca abandonou o tema e publicou, em 1781, uma
carta pastoral para prisioneiros.
108
Além de temas sociais, Wesley escreve e imprime centenas de sermões, gramáticas de
Inglês, Francês, Latim, Grego e Hebraico, além de um Dicionário de Inglês e um compêndio
filosófico.“Primitive Physick” era uma vero ampliada de sua coleção de receitasdicas,
que aconselha sobre saúde e cura de enfermidades.
Os irmãos John e Charles Wesley publicaram cerca de 500 títulos, a maioria escrita por
John. Dois grandes comentários bíblicos também foram lançados: as “Notas Explanatórias
sobre o Novo Testamento”, em 1755, continham não somente comentários sobre quase todos
107
Id. Ibid., p. 155.
108
RENDERS, Helmut. Andar como Cristo andou: a salvação social em John Wesley. São Bernardo do Campo:
Editeo, 2010, p. 153.
53
os versículos do Novo Testamento, mas a própria versão que John fez do texto bíblico em
grego para o inglês.
Os metodistas não somente liam, mas cantavam a teologia wesleyana, geralmente
repetindo as palavras de seu mais famoso poeta e escritor de hinos, Charles Wesley eles
publicaram um hinário com 525 hinos, a “Coleção de Hinos para o Povo Chamado
Metodista”, o qual reflete integralmente a teologia dos dois irmãos. Publicaram também temas
para grupos específicos, como os metodistas norte-americanos, os prisioneiros e os jovens
metodistas.
John Wesley exortava seu público-alvo a atentar para o chamado de Deus para reformar
suas vidas, a Igreja e o país a maioria dos panfletos urgiam uma mudança na vida pessoal,
eclesial ou nacional.
3.7 Conclusão
Desde o advento da imprensa, a mídia tem sido utilizada amplamente na comunicação
cristã, primeiramente com a popularização da Bíblia de Lutero e os acontecimentos culturais
inerentes a esse fato, e especialmente no período no qual a Igreja e o Estado estavam
unificados a ponto de desencadear a formação de uma cultura bíblica e protestante na
Inglaterra do século XVII. Com o processo de individuação promovido pela ascensão da
burguesia e o distanciamento da Igreja oficial das camadas populares que sofreram o
impacto da Revolução Industrial e careciam de uma resignificação para a nova realidade em
efervescência social, John Wesley lidera o movimento metodista com a alternativa de uma
“religião social” e o faz lançando mão da mídia impressa e de novas estratégias de
comunicação para alcançar as pessoas em todas as esferas públicas, não somente na Igreja.
A nova forma de viver criada pela cultura bíblica e protestante influenciou a
linguagem e a literatura, e alavancou o movimento wesleyano em direção ao povo, direção
contrária para onde a Igreja oficial a High Church caminhava. A comunicação, como
elemento articulador de meios e cultura, produz significado e estabelece contato entre tudo
aquilo que se move na sociedade, seja lançando idéias ou coordenando o simbólico para
produzir um novo significado. No século XVIII, o movimento metodista influenciou a
cultura inglesa com a comunicação do evangelho a partir de uma visão e atuação holísticas,
54
utilizando a comunicação oral com pregações ao ar livre e nos templos; a interpessoal por
meio de sociedades, classes, bands; a impressa com a publicação de cartas, sermões,
gramáticas, jornais e tratados teológicos, filosóficos e medicinais. Outra forma de
comunicação que impactou a cultura foi a fundação de escolas, de cooperativa Fundição, a
defesa da reforma de prisões e da abolição da escravatura, estão entre os destaques do
movimento wesleyano e seu êxito na propagação da mensagem cristã como experiência
social e de fé ortopática, que é transformadora e suplanta o subjetivismo.
Contudo, os séculos subseqüentes trouxeram novas realidades culturais e religiosas.
A comunicação hoje é compreendida como cultura e, como característica da modernidade,
aparece o conceito da cultura de massaa qual promove uma cultura hegemônica e
representa uma profunda mudança na sociedade, porque a comunicação de massa começa a
mediar a “cultura moderna”. No quadro evolutivo da trajetória da comunicação, na pós-
modernidade passou a ser um fenômeno que atraiu a atenção de estudiosos e da Igreja, a
ponto da comunicação ser definida como uma cultura. E no tocante às novas mídias
utilizadas não mais como “meios” ou “instrumentos” isolados e que se referem a um
“ambiente” no qual o globo está imerso e do qual todos participam, também trata-se de uma
cultura a cultura midiática, subtema que será desenvolvido no próximo capítulo.
Entrelaçada com a religião, a comunicação presencia o surgimento de novas mídias
que alteram profundamente o sentido da transmissão da cultura protestante tradicional e
histórica, e enseja o aparecimento de uma nova cultura evangélica a chamada cultura
gospel, marcada pela descaracterização da cultura protestante como promotora da formação
de membros por meio da educação e da presença pública e social.
A fim de buscar pistas preponderantes para uma mídia religiosa que seja coerente com a
vocação pública do metodismo nos dias de hoje, dialogaremos com autores que correlacionam
o tema da comunicação e da religião no contexto da cultura gospel na pós-modernidade.
55
CAPÍTULO II – DA COMUNICAÇÃO IMPRESSA
DO EVANGELHO À EXPLOSÃO GOSPEL
O homem criou a máquina e a máquina recriou o homem.
McLuhan
O salto de três séculos encontra instaurada a denominada Nova Ordem Tecnológica
109
,
que imprime uma velocidade assustadora ao fluxo de informações, tanto do ponto de vista
da transmissão como da melhoria do acesso ao conhecimento e informação, por meio da
conjunção de tecnologias em pequenos artefatos portáteis como laptops, palms, iPods, TVs
digitais portáteis e celulares com múltiplas funções que permitem o contato com variados
conteúdos de forma simultânea. Wesley sequer teria sonhado com o telefone, o rádio, a
televisão e a internet, e a introdução ao novo cenário da comunicação vive uma nova era
na “idade mídia” hoje. A fim de explanar sobre a sua utilização e implicações, dialogaremos
com autores que desenvolvem o tema da religião relacionado a esse novo paradigma
midiático, começando por Reinaldo Brose e Magali Cunha e a transição da “comunicação
explosiva” à “explosão gospel”. Perpassando pela sociedade do espetáculo na pós-
modernidade e abordando o trabalho de Joana Puntel e da Associação Mundial de
Comunicação Cristã a WACC, concluindo com uma analogia entre dois programas de TV
evangélicos, pesquisa realizada por Alexandre Brasil Fonseca.
109
BARBOSA FILHO, André; CASTRO, Cosette. Comunicação digital: educação, tecnologia e novos
comportamentos. São Paulo: Paulinas, 2008, p. 17.
56
1. Teologia e prática midiática
1.1 Comunicação explosiva: em diálogo com R. Brose
“O Evangelho e os meios de comunicação social”
110
era a preocupação originária da
obra de Reinaldo Brose, pastor metodista que escreve sobre o tema na década de 1970, ao
ver-se obrigado a preparar e conduzir um programa radiofônico semanal na comunidade
local a qual é designado a pastorear. A partir dessa experiência, Brose avalia que no Brasil
pouca coisa é feita sobre o tema e reflete sobre o desafio de comunicar o evangelho por
meio da mídia disponível naquele momento imprensa, rádio e televisão analisando teoria
e prática a fim de encontrar formas e caminhos acertados para agir com responsabilidade
cristã.
Brose ilustra o impacto da utilização dos primeiros satélites com a expressão
“explosão total” a referir-se sobre a expansão dos meios de comunicação em seus dias.
Contudo, reconhece que não significa que sua finalidade seja a cultura ou a educação, mas
que os textos e programas “são nitidamente partes de um processo comercial e, portanto,
determinados para lucros comerciais como em qualquer outra indústria”:
Não podemos negar que aumentou muito o intercâmbio de
informações promovido pelos meios de comunicação de massa.
Temos hoje conhecimentos mais amplos e mais atualizados daquilo
que acontece em todas as partes do mundo. Infelizmente
descobrimos ao mesmo tempo que estes conhecimentos em si não
aumentam a solidariedade humana, nem beneficiam a comunicação
interpessoal.
111
Suas considerações seguem na linha de que “existe pouca coisa boa e muita ruim nos
meios de comunicação de massa, com escasso material adequado para a formação das
crianças, e a desconfiança da provável relação entre a violência apresentada nas telas de
televisão e cinema e a violência executada em nossas cidades.
110
BROSE, Reinaldo. Comunicação cristã: o Evangelho e os meios de comunicação social. Trad. Duncan A.
Reily. São Paulo: Imprensa Metodista, 1973. 69 p.
111
Id. idib., p. 14.
57
Não o cristão, individualmente, mas também a congregação de
cristãos, ou seja, as Igrejas, têm a tarefa inegável de se pronunciar e
se envolver nessa situação. Elas têm que analisar seriamente o que
está acontecendo, e determinar o que pode e deve ser feito. Uma
tradição religiosa de comunicação que se desenvolveu durante 2.000
anos não pode ignorar a explosão da comunicação em nossos dias.
112
O autor discorre sobre a oratória e a música como formas primitivas de transmissão da
mensagem cristã, mencionando o teatro na idade média visto que o cristianismo ainda
jovem e radical rechaçou os dramas gregos até que os grandes espetáculos europeus viessem
a retratar a revelação divina dramaticamente, em “grandiosos ‘shows’ religiosos”. Tais
recursos permitem alcançar povos ainda não alfabetizadas, contudo, limitam-se ao momento
e às pessoas presentes.
Ele considera que um impulso totalmente novo chega com a descoberta da imprensa
por Gutemberg, e a Bíblia traduzida por Lutero é a primeira coleção de obras escritas
beneficiada e que começou a circular em número nunca alcançado em todos os séculos
anteriores. A imprensa passa a ser o mais novo método de interpretação doutrinária a partir
dos boletins luteranos que se espalhavam por todo o continente para orientação de uma vida
cristã. Até hoje inúmeras Igrejas ou grupos religiosos lançam mão desse instrumento, assim
como da linguagem, música, desenho e teatro, mas no presente século existem novos meios
mal utilizados.
Nenhum fato semelhante à imediata utilização em massa da imprensa para comunicar
o Evangelho ocorreu com o rádio ou a televisão. Brose acredita que deve-se ao fato do ritmo
acelerado das mudanças e da falta de tempo para a adaptação adequada que os novos meios
requerem.
Esta comunicação moderna é extremamente rápida, com imensa
facilidade na sua extensão mundial, mas dependendo perigosamente
da instabilidade, na atualidade, do fato comunicado. Ela está ao
alcance de praticamente todas as faixas da população, sem exigir
qualquer preparo intelectual ou cultural.
113
A civilização moderna promoveu a redução da atividade verbal e a introdução áudio
visual da informação, entretanto, não desculpa a demora e inatividade das Igrejas neste
112
BROSE, Reinaldo. Comunicação cristã: o Evangelho e os meios de comunicação social. p. 17.
113
Id. idib., p. 29.
58
setor. Depois de séculos de lutas e incertezas, a Igreja alcançou um patamar de
estabilidade institucional e de exteno geográfica que determina sua condição estanque nos
dias atuais.
A maioria das Igrejas são hoje instituições bem estabelecidas, mais
caracterizadas pelo cuidado com que tratam a herança recebida, do
que pelo interesse em explorar novos caminhos ou envolver-se em
experiências novas. Em muitos setores da vida eclesiástica existe
uma certa saturação, pouco propícia para um grupo de ‘bandeirantes
religiosos’.
114
Para Brose, outro fator decisivo é de que mesmo as Igrejas numericamente grandes
não têm hoje um “monopólio comparável à situação dos séculos anteriores, como no tempo
de Gutemberg, quando sua descoberta foi automaticamente vinculada, conhecida e em
seguida usada pela Igreja”. Nessa época medieval, toda a vida da civilização estava
conectada à Igreja de tal forma que os novos meios de comunicação estavam imediatamente
à sua disposição. Hoje, as Igrejas são um grupo dentre tantos existentes nessa sociedade
múltipla, e precisam defender-se para não ficarem à margem, ou seja, relacionar-se “com
pessoas ou grupos que realmente dirigem o destino da comunicação na ‘aldeia global’”.
Interessante ressaltar a constatação do autor diante da necessidade de mudança de eixo
da tarefa missionária da Igreja, que deixa o viés da extensão geográfica para a ocupação de
novos setores da vida da sociedade que precisam de pessoas dedicadas, “sem qualquer
intenção de dominar outros”:
Assim surgiu o serviço social, a contribuição na educação e no setor
de saúde (...). Infelizmente, nem todos os cristãos chegaram até
agora a essa nova visão. Muitos não conseguiram em pouco tempo
substituir, ou pelo menos ampliar, por novos conceitos que para eles
foram verdades durante muitos anos.
115
Dessa forma, a Igreja continuaria a investir recursos na construção de templos
luxuosos em detrimento de iniciativas cinematográficas e televisivas. Apesar de certo
envolvimento no rádio, a presença na televisão é praticamente nula é dispendioso e exige
pessoal especializado, ao contrário da instalação de máquinas de imprensa, mas
114
BROSE, Reinaldo. Comunicação cristã: o Evangelho e os meios de comunicação social, p. 31.
115
Id. ibid., p. 33.
59
Enquanto muitos membros da Igreja fecham os olhos e tapam os
ouvidos, o mundo espetacular dos meios de comunicação não pára
em seu avanço e desenvolvimento. Enquanto as Igrejas do Brasil
ainda não conseguiram se definir nem agir coerentemente diante da
televisão, diariamente se multiplicam os toca-fitas (...) e
videotapes.
116
Brose questiona sobre o paradeiro dos cristãos com visão para responder às novas
tarefas e desafios que se apresentam. E afirma que as Igrejas na década de 1970
encontravam-se na mesma situação de 50 anos antes, quando o impacto da industrialização
e urbanização dificultaram uma ação e reação coerentes com a necessidade da realidade.
Uma ‘teologia social’ nasce desse contexto, até mesmo um credo social específico pra
expressar a atitude e preocupações da Igreja com a comunicação cristã. Nesse sentido, uma
‘teologia da comunicação’ seria orientadora. Até então, somente dois documentos oficiais
das Igrejas Cristãs foram publicados em âmbito internacional um decreto do Concílio
Vaticano II sobre os meios de comunicação social intitulado “Inter Mirifica”, cuja
declaração, em resumo, define que a Igreja Católica é impelida pela necessidade de infundir
a mensagem evangélica, e julga seu dever anunciar aos homens as boas-novas de salvação
também através os meios de comunicação social e ensinar-lhes o uso reto deles.
Portanto, à Igreja compete o direito natural de usar e de possuir tais
instrumentos enquanto necessários e úteis à formação cristã e a toda
sua obra de salvação das almas; é, pois, dever dos sagrados Pastores
instruir e dirigir os fiéis a fim de que estes, com o auxílio de tais
meios, alcancem a salvação e a perfeição própria e a de todo o
gênero humano. De resto, é tarefa particular dos leigos penetrar de
espírito cristão tais instrumentos, de maneira que correspondam
plenamente à grande expectativa da sociedade humana e aos
desígnios de Deus.
117
Outro documento, um relatório do Conselho Mundial de Igrejas realizado em Genebra
em reunião de 1968 A Igreja e os meios de comunicação de massa, será tratado no
próximo item.
A partir dos manifestos, a primeira etapa é preciso conhecer melhor os meios de
comunicação de massa e reconhecer que não representam somente uma nova quantidade da
comunicação como no caso da amplificação da voz com o microfone, mas em certo sentido
116
BROSE, Reinaldo. Comunicação cristã: o Evangelho e os meios de comunicação social, p. 34.
117
Id. ibid. BROSE cita documento Inter Mirifica, do Concílio Vaticano II, 1963.
60
criam novas qualidades, pois sutilmente transformam os seus usuários ao participarem do
processo da comunicação.
“Quem diz o que em que canal com que efeito é a base das teorias das
comunicações a qual denota a necessidade de não apenas saber aproveitar os meios, mas
conhecer também a influência real dos mesmos.
Sendo Brose um missionário alemão que participa da criação da Faculdade de
Comunicação Social do então Instituto Metodista de Ensino Superior IMS, hoje UMESP,
na década de 1970, momento no qual atuava como reitor da Faculade de Teologia, ele
incluiu no currículo do curso teológico conhecimentos de Comunicação Social, com aulas
sobre o uso do microfone e da câmera.
118
Na ausência de um centro que atendesse à demanda de informação sistemática e
nacional, o IMS estava em processo de criação de um Centro Cristão de Comunicação que
incluiria uma segunda etapa a reflexão teológica sobre o processo de comunicação. Nesse
sentido, abordaremos o relatório do Conselho Mundial de Igrejas.
1.1.1 A Igreja e os meios de comunicação de massa
O relatório do Conselho Mundial de Igrejas realizado em Upsala, em reunião de 1968
A Igreja e os meios de comunicação de massa, introduz afirmando que a tendência ao
monopólio é relativa à inerente necessidade de recursos financeiros e talento criativo
decorrente do padrão profissional que exige especialistas e estrutura em diversos setores.
Novos estilos de vida foram criados com a expansão da informação, o contato com
pessoas longínquas, acrescido do aumento do tempo de lazer para o uso do equipamento
produzido em massa e de baixo custo, o que promoveu nova compreensão do modo de
pensar e agir.
O advento desses meios de comunicação tornou o mundo menor e trouxe discussão
sobre a verdade dos valores tradicionais. Se enriquece ou inibe a vida, depende da sua
utilização. A comunicação de massa permite o compartilhar de experiências, o crescimento
em sensitividade, compreensão e compaixão, como parte de uma estrutura para uma
118
KUNSCH, Luiz Waldemar. “Reinaldo Brose, um pioneiro da comunicação no grupo de São Bernardo do
Campo”. In: Comunicação & Sociedade. Revista do programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da
Universidade Metodista de São Paulo. São Bernardo do Campo: Umesp, 2000. p. 243
61
sociedade mundial responsável o sofrimento do outro pode ser conhecido e aliviado
rapidamente.
Os problemas cruciais do nosso tempo são discutidos diante de
todos. Os pontos de vista da minoria podem ser ventilados
publicamente. Novas proposições e planos podem ser debatidos
abertamente. Tesouros culturais podem circular ‘em massa’ no que
pode ser chamado ‘museu sem paredes’. Tradições moribundas
transformam-se em conhecimentos vivos. É possível que os sentidos
que jaziam adormecidos como resultado do desenvolvimento de uma
cultura principalmente verbal ou literária possam ser ativados.
119
Um mundo menor não significa que seja mais pacífico, e informação demasiada pode
embotar o discernimento, assim como minorias poderosas podem perverter os meios de
comunicação para propósitos egoístas o conhecimento do sofrimento das massas podem
estimular os ricos a gastarem mais em muros para sua própria proteção. “A necessidade de
um cuidadoso equilíbrio entre as exigências nacionais e a economia, investimento e
consumo nos países em desenvolvimento pode ser frustrada pela comunicação de massa
estrangeira que é dominada pelo ponto de vista comercial.”
A função social dos meios de comunicação é essencial para a expressão política e para
chamar a atenção para a injustiça, corrupção e negligências. Tal função democrática é
distorcida quando o povo não tem acesso aos meios, quando uma minoria política ou racial
nega esse acesso, quando o acesso é tão dispendioso que somente os ricos podem lançar
mão desse recurso e o utilizam para manipulação e não para informação.
O ímpeto para a mudança geralmente tem surgido quando os homens
tomam consciência de que padrões de vida mais altos são possíveis e
deixam de resignar-se com o seu estado atual. Cada rádio em uma
casinha africana, cada jornal numa cidade indiana, cada aparelho de
televisão na América Latina, pode transmitir a mensagem de que a
pobreza não é inevitável. (...).
120
Ao contrário, o domínio dos meios de comunicação pelos países ricos produzem
efeitos ambíguos por um lado semeiam descontentamento e por outro nutrem um apetite
pelo consumo que torna o desenvolvimento nacional gradativo, nos países pobres, ainda
mais difícil”.
119
The Upsala Assembly report. The church and the media of mass communication, Appendix XI, 1968.
120
Id. ibid.
62
Os meios de comunicação podem atrofiar o intelecto sempre que o lucro comercial
for o interesse principal. De outra forma, seu papel na educação formal e informal é crucial:
Brochuras e discos para o ensino de línguas, ambos a preços
acessíveis, são exemplos óbvios. Rádio educativo é um serviço
normal em muitos países. A educação popular e especialmente
campanhas de alfabetização são mais e mais ajudadas pelo rádio e
pela televisão. O repertório clássico de músicas de concerto e o
teatro têm tornado acessíveis a milhões que até então tinham poucas
oportunidades de ouvi-lo ou assisti-lo.
121
O potencial educativo dos meios de comunicação é a chave para abrir as portas da
criatividade humana, e deve ser motivo de luta pelo público e liderança nacional, mesmo
sob pena de ofensa:
Se os meios de comunicação de massa devem ser mais do que mero
passatempo, se eles vão tratar com a realidade, para mover, despertar
a imaginação, conscientizar, inspirar, e possivelmente enobrecer,
ajudar os homens a crescerem, deve haver um lugar para programas
adultos sérios. Muitas vezes tais programas podem ofender certos
ouvintes ou espectadores. Os meios de comunicação que nunca
ofendem são por si mesmos ofensivos.
122
Apesar do papel profético das Igrejas, para que possam agir corretamente na nova
circunstância comunicacional, é preciso assimilar que elas não têm mais a primeira palavra
nem a última, mas são apenas uma voz entre outras, um grupo entre outros que buscam
lugar no horário dos meios de comunicação.
Sendo assim, a mensagem da Igreja terá peso por sua própria autenticidade, pela
qualidade inerente da verdade no que dizem e fazem, e não pela autoridade em si. E isso é
positivo ao obrigar a elevação do padrão de pensamento e de vida no interior das igrejas, é
um desafio que atende a um clamor universal.
Portanto, as Igrejas não devem limitar-se a utilizar os meios como extensão dos
púlpitos e dos boletins da paróquia nem acomodar-se com um produto inferior em termos de
integridade e padrão profissional, mas “servir de estímulo e exemplo à indústria de
comunicação no seu país”. Visto que a imprensa, o rádio e a TV podem ser usados para
alimentar o preconceito, inflamar o ódio e pintar com falsas cores o suposto inimigo,
121
The Upsala Assembly report. The church and the media of mass communication, Appendix XI, 1968.
122
Id. ibid.
63
mesmo quando usados com integridade intencional podem contribuir para a reação
primitiva baseada na divisão.
Ademais, “a contribuição dos meios de comunicação para a compreensão
interconfessional foi tão importante para o movimento ecumênico quanto o foi para a
Reforma a invenção da imprensa”. A cooperação foi um aprendizado para diferentes
denominações ao compartilhar o trabalho na transmissão e produção de programas
religiosos membros de outros grupos tornaram-se ‘aceitáveis’ à medida que seu
testemunho se fazia visível e requeria um exame apurado das pressuposições julgadas.
A audiência invisível criada e sustentada pela imprensa, rádio e TV a partir de pessoas
desvinculadas a uma congregação local confronta as igrejas com o problema da substituição
da autêntica vida comunitária da fé cristã os meios devem ser complementos e não
concorrentes.
A comunicação é o tecido da vida. É pela comunicação que nós
somos o que somos, tanto em nossa vida física como na vida
espiritual. É pela comunicação, também, que Deus se torna
conhecido ao homem e o homem responde a Deus. Deus fala, a
Igreja proclama; nossa taquigrafia doutrinária entende a
comunicação ativa e criativa como fonte e a força motivadora de
toda a vida.
123
A Trindade expressa nas pessoas do Deus Pai, Deus Filho e Deus Espírito Santo
confirma a comunicação como o movimento essencial da história, reconciliando sagrado e
profano na encarnação de Deus em Cristo; e no Espírito Santo a Igreja reconhece uma
contínua atividade criadora entre Deus e o mundo. Os pais apostólicos elegeram a palavra
communicatiopara sugerir o relacionamento das pessoas da Trindade e as duas naturezas
de Cristo.
Para além das habilidades de codificar e decodificar mensagens, uma abordagem
teológica atenta para a função social de cada meio, estudando sua influência sobre as
pessoas e tentando identificar estruturas capazes de humanização da humanidade e da
sociedade. Os símbolos da mensagem cristã da obra salvífica de Deus em Cristo devem ser
apresentados de forma significativa para o povo ao qual é dirigida, e deve ser anunciada
com amplitude e profundidade, na sua relevância ao homem moderno.
123
The Upsala Assembly report. The church and the media of mass communication, Appendix XI, 1968.
64
O poder de comunicar é dado com a criação, e
Como todas as outras forças que sustentam nossas vidas, o amargo
elemento do mal pode perverter a informação em propaganda, o
conhecimento em preconceito, o serviço em domínio, a compreensão
em desprezo. O povo tem usado muitas vezes essa dádiva de Deus
que é a comunicação para fins desumanos, semeando guerra, ódio,
envenenando relações inter-pessoais. Aa própria comunicação de
Deus ao mundo revelada na Bíblia pode ser pervertida. A lei pode se
tornar senhora de escravos, a profecia uma muleta da arrogância e a
sabedoria um sistema moralista.
124
Aprendemos por meio dos novos meios de comunicação como os cristãos estão
isolados, tanto do mundo moderno quanto do Deus vivo que a priori neles age. Não
obstante a poderosa mensagem do cristianismo, não raras vezes novelas e filmes apresentam
o evangelho de forma mais contundente que a instituição eclesiástica. De igual forma,
artistas e jornalistas alertam com poder profético a alienação da humanidade.
Portanto, a tarefa cristã de reconciliação preocupa-se com a estrutura e função dos
meios de comunicação e com o uso que a Igreja faz desses meios, pois são ferramentas
missionárias que a comunicação é o plano de ação de Deus de mundo. A linguagem deve
ser compreensível a todos, com respeito às pessoas de outra ou nenhuma fé.
Por natureza, o Evangelho é um escândalo e uma ofensa que não deve ser confundido
com uma apresentação escandalosa, com técnicas pobres, meios baratos de propaganda e
falta de respeito pela liberdade do auditório, mas planejada e garantindo a integridade dos
meios de comunicação e o alto conceito da natureza da humanidade.
1.1.2 Eixos fundamentais para a comunicação metodista
Segundo Brose, se a natureza do evangelho é expressa pelas “boas notícias”, de quem
e para quem com que efeitos e por meio de que canais transmiti-la seria uma questão
considerando que Deus fala através da vida de Cristo para toda a humanidade, discernindo a
linguagem da comunicação do evangelho para os diferentes públicos-alvo e faixas etárias
correspondentes, inclusive o público não-cristão.
Sendo assim, não é suficiente retransmitir o culto na televisão ou no rádio sem levar
em conta a programação anterior e posterior ao programa cristão que será inserido.
124
The Upsala Assembly report. The church and the media of mass communication, Appendix XI, 1968.
65
Informação e divertimento são os interesses prioritários dos que ligam o rádio e a TV.
125
Sendo “boa notícia”, o evangelho enquadra-se na primeira função, sendo possível dar novo
caráter à informação como legítima forma de anúncio cristão.
Uma informação relevante pressupõe um estímulo à mudança, à ação, e abrange tudo,
não só a Igreja baseado na fé, um estilo informativo contagiante, objetivo, claro e corajoso
seria o resultado idealizado relacionando a mensagem cristã com o mundo dos meios de
comunicação.
Se “a teologia é o comentário para a vida”, como sentenciava Martin Buber, o objetivo
seria uma nova dimensão para todas as informações anunciadas, partindo da grande notícia.
A proposta de Brose é reunir os evangélicos profissionalmente ligados aos meios de
comunicação para que ajudem as igrejas a contribuir de forma consciente e profunda para a
produção de novas formas de comunicação cristã em programas de rádio e televisão, bem
como na elaboração de material para jornais e revistas, buscando patrocinadores para a
demanda financeira.
Dessa idéia resultou o evento “Comunica”, iniciado em 1966 em Santa Maria (RS) e
desenvolvida por muitos anos em São Paulo. Tais encontros entre comunicadores
experientes e interessados, com aproximadamente setenta participantes, contribuíram para
um ministério mais eficiente em algumas emissoras de rádio no Brasil.
126
Com relação à mídia, sendo o rádio o meio de maior penetração no interior dos
estados brasileiros, a reprodução de um culto deve ser descartada e o debate entre duas ou
três pessoas sobre um tema relevante é adequado, somando-se ao diálogo um quadro de
programação musical bem elaborado. Considerando a predileção do público brasileiro pela
novela em capítulos seriados, é válida a tentativa de utilização do formato pelos cristãos.
Assim como programas específicos para crianças, universitários, operários, mulheres,
presos, funcionários e outros.
Os programas de TV religiosos não podem limitar-se à atual reprodução aos domingos
pela manhã para uma audiência irrisória, afirma Brose. Ele propõe a dramatização das
125
MELO, José Marques. Comunicação social. Vozes, 1971, p. 260.
126
KUNSCH, Luiz Waldemar. “Reinaldo Brose, um pioneiro da comunicação no grupo de São Bernardo do
Campo”. In: Comunicação & Sociedade, p. 245.
66
verdades bíblicas por meio de pessoas e situações do nosso tempo, utilizando
especialmente as parábolas de Cristo, traduzindo-as para a linguagem do nosso século:
O bom samaritano poderia ser um ‘hippie’ que ajuda um homem que
foi assaltado e teve sua casa roubada em uma rua da metrópole,
quando ninguém se havia disposto a ajudá-lo. Uma série de outros
programas poderia tratar de assuntos da família, do conflito de
gerações, do trabalho, das relações matrimoniais, e outros
confrontando os telespectadores com uma verdadeira orientação
cristã, sem usar o estilo da pregação.
127
Brose não desejava simplesmente copiar iniciativas existentes, e tinha em mente
uma comunicação dentro de um contexto político mais livre e democrático que o vigente
resultante da ditadura militar. E chega a conclusões básicas para a formação de profissionais
comunicadores, entre elas a de incluir noções de ética profissional baseadas em princípios
da ética cristã.
128
Quase quatro décadas após a publicação do primeiro livreto de Brose, constatamos
algumas dessas sugestões parcialmente realizadas como a “Novela da vida real”
129
e outros
formatos utilizados por igrejas evangélicas que serão brevemente analisadas no segundo
item deste capítulo, mas não pela igreja metodista.
Desde a “comunicação explosiva” de Brose, houve um marco na sociedade advindo
das transformações tecnológicas:
(...) As coisas jamais serão como eram no mundo analógico que
prevaleceu até as décadas de 1970 e 80. Aquele mundo desapareceu
para sempre. Nosso progresso nos próximos dez anos se dará, talvez,
em rumos bem mais previsíveis, numa fantástica aceleração de tudo
o que conhecemos, até em áreas emergentes como a nanotecnologia,
que poderá criar máquinas do tamanho de átomos e moléculas.
130
Esse marco social não se reduz à tecnologia, mas tem implicações no sujeito e na
religião com o advento da globalização e da pós-modernidade, e será apresentado a seguir
com o tema da “explosão gospel” de Cunha.
127
BROSE, Reinaldo. Comunicação cristã: o Evangelho e os meios de comunicação social. p. 51.
128
KUNSCH, Luiz Waldemar. “Reinaldo Brose, um pioneiro da comunicação no grupo de São Bernardo do
Campo”. In: Comunicação & Sociedade, p. 248.
129
Quadro do programa de televisão do missionário R.R.Soareas veiculado na Rede Bandeirantes atualmente e
que retrata o testemunho de uma pessoa ou família no formato novelístico.
130
SIQUEIRA, Ethevaldo. “Dez tecnologias que mudam nossa vida”. In: BEOZZO, José Oscar (Org.). Curso de
verão: ano XIX: comunicações: ética e cidadania. São Paulo: Paulus; CESEP, 2005, p. 24.
67
1.2 Explosão gospel: em diálogo com M. Cunha
131
Em busca de avaliar o surgimento de um novo modo de vida denominado cultura
gospel em meio a um grupo social brasileiro, formado pelas igrejas evangélicas brasileiras
e seus adeptos, entre os diversos segmentos do cenário evangélico, inclusive refletindo
sobre o lugar da mídia e do mercado de consumo no processo, Magali Cunha utiliza, em
primeira instância em sua obra “A explosão gospel”, o viés de um olhar cultural e
ferramentas das ciências da religião para sua análise.
Resultado do entrecruzamento de aspectos tradicionais do modo de ser protestante no
Brasil com as manifestações de modernidade presentes em propostas pentecostais,
considerando-se o fenômeno urbano no avanço da ideologia do mercado de consumo e a
cultura das mídias, o gospel passa a ser classificado como uma cultura híbrida. O fenômeno
gospel é caracterizado por três elementos: música, consumo e entretenimento, sendo que a
música é a mediação entre Deus e os seguidores, e o duo consumo-entretenimento são ritos
que produzem sentido à experiência religiosa e transformam os evangélicos num segmento
de mercado, sócios de Deus e membros da sociedade em sintonia com a lógica globalizada
do capitalismo neoliberal.
A crítica do fenômeno se opõe à complacência de uma mera descrição, e alguns
termos são definidos com ampla discussão sobre os mesmos, contrapondo teorias e teóricos,
ressaltando a gama de posicionamentos e respectivos históricos, a começar por
“evangélicos”, definido como cristãos não-católicos no Brasil, mas trazendo à luz a
multiplicidade de denominações protestantes e os grupos que as conformam.
A autora igualmente lança mão de um arsenal teórico para definir o termo “cultura”,
especialmente analisado sob a ótica de Raymond Williams em sua obra “Marxismo e
Literatura”, e as transformações do termo no que tange à articulação com a Filosofia e com
a História manifestam-se com força com o Iluminismo, assumem outra dimensão com o
Romantismo e ganham novos contornos com o Marxismo”. As mais variadas disciplinas e
sistemas de pensamentos são elencados para refletir sobre a cultura como um processo
sócio-histórico que cria e assimila sentidos, numa complexidade genuína, visto que a cultura
131
CUNHA, Magali do Nascimento. A explosão gospel: um olhar das ciências humanas sobre o cenário
evangélico no Brasil. Rio de Janeiro: Mauad X: Instituto Mysterium, 2007. 231 p.
68
é dinâmica e corresponde a elementos da experiência há uma converncia prática entre
o sentido social de cultura como ‘modo de vida global’ e o sentido especializado das
atividades artísticas e intelectuais.
Quanto à “cultura midiática”, analisa um novo quadro das interações sociais, uma
nova forma de estruturação das práticas sociais marcada pela existência dos meios, e “vai
além ao refletir o paradigma da globalização e do consumo: o mercado, atravessando os
países, teria se consolidado como uma instância fundamental da produção de sentido” o
poder se virtualiza e utiliza o espetáculo para seduzir o público e levá-lo a identificar-se
com determinadas opiniões, atitudes, sentimentos e disposições. A crítica da cultura das
dias tem por finalidade a mediação pedagógica para a democratização da sociedade o
que acontece com as culturas na pós-modernidade integra esse processo, portanto.
Canclini, Bakhtin, Rowe, Young, Machado, Mata e outros experts são evocados a fim
de elucidar a expressão “Hibridismo cultural” mutações culturais do continente em tempos
de globalização e consumo ou inter-relações resultantes do impacto do moderno sobre o
tradicional, do culto sobre o popular, o massivo, possibilitado principalmente pelo
desenvolvimento tecnológico, entre outras análises. É necessária uma abordagem
interdisciplinar a fim de reunir os saberes dos campos de estudos que se têm debruçado
sobre a questão da cultura antropologia, sociologia, história, comunicação, etc. E isso
porque a cultura se constrói historicamente graças aos encontros entre elementos
formadores de híbridos, tais como as linguagens, sistemas, signos, mediações.
O termo “gospel” foi utilizado para classificar a música religiosa nascida em
comunidades protestantes negras estadunidenses no início do século XX, e que, tomando
novos rumos, incorporou ritmos seculares até tornar-se uma força cultural. O “gospel como
cultura e cultura híbrida” sinaliza as convergências dos termos, antes analisados
separadamente, com a ressalva de que nenhuma das premissas para o termo hibridismo
conta da expressão cultural gospel no campo religioso evangélico brasileiro, que o se
procura provar é que o hibridismo gospel é a geração de uma cultura de manutenção e não
de algo novo.
69
1.2.1 O cenário da explosão gospel no Brasil
A matriz religiosa brasileira é introduzida a partir da pluralidade de experiências e dos
referenciais teóricos, a começar por Niebuhr em seu estudo sobre as origens sociais das
denominações cristãs: “o que é verdade em ética e política é verdade em teologia”
conceitos que buscam explicar a existência de referências que são comuns a todas as
religiões e em meio à diversidade sociocultural. Outros pesquisadores da religião, Buarque
de Holanda e Darcy Ribeiro, traduzem a convergência de expressões nascidas na religião
indígena, européia e africana a partir de elementos simbólicos de uso comum; elementos
básicos da religião popular; a religiosidade mínima brasileira substrato religioso das
religiões existentes no ‘mercado brasileiro’, no qual a mídia é seu maior veículo de
expressão; a matriz religiosa brasileira, propriamente dita, como um substrato religioso-
cultural que “busca traduzir uma complexa interação de idéias e símbolos religiosos que se
amalgamaram num decurso multissecular”.
Ou seja, uma cosmovisão que alimenta um sistema de crenças que perpassam as
diversas expressões religiosas brasileiras, entre elas a compreensão sobre Deus e da relação
com Deus, da compreensão da fé e da relação de desapego com as instituões e a tendência
ao trânsito religioso. No próprio trânsito do protestantismo ao Brasil convergiram e foram
adaptadas as diversas versões advindas da Europa e dos Estados Unidos: luteranos alemães,
anglicanos ingleses, norte-americanos congregacionais, presbiterianos, metodistas, batistas,
episcopais e pentecostais. Na mesma proporção em que o Catolicismo conviveu com o
sincretismo, o Protestantismo de Missão desqualificou as expressões religiosas nativas. A
despeito disso, o sincretismo foi verbalmente combatido, porém praticado sob nova
roupagem.
No Brasil, o sucesso de uma proposta no cenário religioso deve estar vinculado à sua
aproximação com a matriz religiosa, sob o risco da estagnação e decadência do
protestantismo histórico de missão nas terras brasileiras. Nos Estados Unidos, a religião
havia sido instituída como parte da construção do país; no Brasil, o catolicismo havia sido
assimilado por quatro séculos, e a base para a construção do novo jeito de ser evangélico
nasce da negação das manifestações culturais populares e do catolicismo, segundo a herança
européia puritana de reforma da cultura e o destino manifesto com vistas à expansão do
modelo neoliberal como ‘sinal da bênção de Deus’ e à libertação do subdesenvolvimento.
70
Comunidades e escolas foram estabelecidas seguindo a ‘trilha do café’ para a
construção de uma identidade distinta, mas diante da ‘impermeabilidade religiosa’ das
classes dominantes, as missões somente alcançaram as massas pobres, configurando um
protestantismo comunitário rural, anticatólico e cismático. Havia concorrência entre as
denominações, polêmicas decorrentes das doutrinas, e as tensões promoveram divisões
internas que, por sua vez, realçaram os ritos institucionais e o rigor doutrinário. O culto
protestante era discursivo e racional: “mais uma aula do que um encontro com o sagrado”,
sem gesto, imagem ou emoção os cânticos eram também discursos fato que afastou
muitos simpatizantes, especialmente os jovens. Mesmo as comunidades implantadas em
área urbana imprimiam características rurais.
Surgem transformações no cenário religioso, como a criação do Conselho Nacional de
Igrejas Cristãs (1892), da ‘bancada evangélica’ no Congresso Nacional, e de novas formas
de pentecostalismo, fatores que desencadeiam um novo modo de ser protestante no Brasil.
A globalização traz novos conceitos: o emblema “Estado-nação” passa a ser ficção, visto
que cada indivíduo pode ser um feixe de articulações locais, nacionais, regionais e mundiais
dentro da ‘aldeia global’ o ser humano torna-se “cidadão-mundo”. O contrato social e o
indivíduo se ampliam pela simultaneidade, instantaneidade, desterritorialização dos
sentidos, onde a cidadania vigente é a do consumo da mercadoria. A revolução tecnológica
foi estratégia determinante para a disseminação dessa nova doutrina, que promoveu também
um “deslocamento do eixo central da acumulação de capital: da propriedade privada para a
apropriação do conhecimento técnico e científico, ou propriedade intelectual”. A previsão é
de que a indústria da comunicação e informação seja a maior do mundo no século XXI o
individualismo e a competição transformam-se em palavras-chave nessa nova ordem
mundial.
O pentecostalismo torna-se hegemônico ao privilegiar a busca de adeptos na classe
média e de faixa etária jovem, tendo a música como recurso de comunicação e um alto
investimento em espaços na mídia compra de rádios, jornais, canais de TV e exposição em
canais seculares, além da presença no Poder blico. O incômodo diante da estagnação
protestante gera competição e pluralismo religioso, uma das características do mundo atual.
Os resultados da atuação de um pastor têm que ser medíveis e até a atuação social espelha
reflexos desse movimento: é feita como parte do pacote do ‘marketing’ para a conquista de
um maior número de consumidores por meio das ‘boas ações’ o investimento no trabalho
71
social é desprovido de análise crítica em relação ao funcionamento da sociedade e de
atuação junto às causas dos efeitos que visam atingir.
Surge um mercado voltado para evangélicos, com produtos como o celular “Fiel” que
toca hinos, e marcas de roupas e perfumes com nomes de cantores gospel. Hugo Assmann
realiza uma pesquisa solicitada pela WACC (World Association for Christian
Communication) nos anos 80 e destaca termos que explicam a veiculação de programas
religiosos nos meios de comunicação social eletrônico: Igreja Eletrônica, Marketing da Fé,
Religião Comercial, Messianismo Eletrônico e Assembléia Eletrônica, com a respectiva
análise de televangelistas como Rex Humbard, Jimmy Sweaggart e Pat Robertson. No
Brasil, destacam-se R.R.Soares (no ar desde os anos 70), Edir Macedo, Davi Miranda e a
Igreja Renascer em Cristo, liderada por Sonia e Estevan Ernandes, além da Igreja Batista da
Lagoinha e a marca “Diante do Trono”.
Os efeitos da pós-modernidade e da globalização são as sociedades pós-industriais,
resultado de um salto tecnológico proporcionado pela computação e gerador da degradação
da vida e do surgimento de: “‘não-lugares’, tribos urbanas, pluralismo étnico, segregação,
privatização da vida coletiva, individualismo e fuga de contatos face a face, confinamentos
em ambientes e redes sociais restritas, consumo permanente de bens e investimento privado
em espaços culturais e de lazer”. Nesse novo contexto, o esquema rural das igrejas
protestantes afastam adeptos, e a adesão à lógica urbana das igrejas pentecostais atraem
pessoas com programações 24 horas e pouca ênfase na vinculação formal, com a
espetacularização e a oferta de bens religiosos para consumo. A cultura gospel é parte desse
contexto que gera novas formas culturais religiosas.
Cunha discorre com propriedade sobre a realidade atual e a nova cultura que permeia
a mídia religiosa na pós-modernidade globalizada, fundamenta a predileção da comunicação
religiosa pelo produto em detrimento da formação e ilustra velhos caminhos sendo
retomados em novas tecnologias. O “tecnocentrismo” é a nova ordem mundial no diálogo a
seguir.
1.3 A sociedade do espetáculo na idade mídia
A cultura pós-moderna apresenta a mídia como a nova religião. A cultura é
globalizada, a mídia é um deus e a religião um produto. O consumo faz parte de um ritual
72
no qual o simbólico se sobrepõe ao utilitário o objeto em si não é consumido, mas o
significado intrínseco a ele. 40 anos, Guy Debord
132
já havia antecipado os moldes da
perspectiva espetacular da sociedade que sustentariam as teses vigentes como alienação,
aparência e mercadoria como espetáculo. Atualmente, a grande questão não é ser’ ou não,
como queria Shakespeare; nem ‘ter’, como propõe o American way of life; mas o ‘parecer’
ser ou ‘parecer’ ter: o universo da aparência e do espetáculo.
As novas tecnologias são os deuses mais cultuados em meio aos bilhões de deuses
encontrados em culturas como a da Índia. É possível encontrar cinco televisores em uma
casa de classe média, ligadas no mesmo horário e sintonizadas nos mesmos canais,
entretanto cada membro da família privilegia sua ‘individualidade’ em detrimento da
comunhão em torno da mesa de jantar em casa e na Igreja, a Eucaristia torna-se obsoleta.
As janelas fechadas dos carros promovem o isolamento em nome do bem-estar e da
segurança no trânsito, e mantêm cada um sozinho no seu cantinho, ilhado. “Darwin estava
certo: a humanidade evolui sai de uma caverna iluminada
133
para outra luminosa, equipada
com néon, internet, GPS”. Trata-se do espetáculo da sociedade.
A conseqüência é que não um Evangelho sendo pregado em diferentes Igrejas, mas
Igrejas pregando diferentes Evangelhos. Não valorização da cultura senão da
massificação. Não há uma mídia pela paz mas pela pax romana baseada nopão e circo”,
uma comunicação que visa a ditadura da alienação e do consumo.
Na sociedade midiática, não teocentrismo nem antropocentrismo passamos ao
tecnocentrismo, onde tudo acontece por meio das mediações simbólicas disponíveis pelas
inúmeras tecnologias a serviço da informação. No mundo em que vivemos, as telas estão
invadindo nossas vidas:
134
São telas de cinema, telas de tv, telas do monitor de computador,
telas do gameboy, telas da agenda eletrônica pessoal, telas do
beeper, telas do telefone celular, telas do forno microondas, telas do
monitor cardíaco, enfim, as telas estão em todo lugar, orientando-
132
Filósofo e diretor de cinema, Guy Debord cunhou o conceito da “sociedade do espetáculo” em 1967. Ele se
referia à mudança da cultura na direção da primazia das imagens sobre as palavras. E chamou de espetáculo o
surgimento de uma nova modalidade de apresentar a verdade sob imposição de uma representação do mundo
de índole tecnoestética. Sobre o tema ver a obra homônima.
133
Referência ao “Mito da caverna”, de Platão.
134
GALINDO, Daniel. “Religião, mídia e entretenimento: o culto ‘tecnofun’”. In: Estudos de Religião, Ano
XVIII, nº 26, jan-jun 2004, p. 32.
73
nos, informando-nos, divertindo-nos. Frente a esta constatação, o
autor conclui que mesmo sem nossa percepção consciente, elas estão
nos modelando. As telas que nos entretém [...] o entretenimento
número um nos Estados Unidos na atualidade é a mídia.
135
As telas são janelas ou portais que nos permitem transitar entre mundos paralelos, são
dimensões entre universos perceptivos promovidos pela tecnologia que adentra nossas
retinas e estabelece pontes sobre nosso espaço cognitivo de modo a arrastar-nos para um
mundo luminoso no qual tudo é cor, ação, emoção, tudo é tão real e evasivo.
“Não dúvida de que as pessoas vivem normalmente em dois mundos. Um deles é o
das normas, compromissos e participações, o outro é o da fantasia, que é vivo, criativo,
inovador. A era eletrônica nos condições de entrar ou retornar a outros mundos. A
imagem é apenas um meio, uma ponte que nos faz passar para outra realidade”.
136
A
imagem é o passaporte da alegria que dá acesso ao lúdico, segundo Gabler:
O lúdico era um dos elementos essenciais da existência humana ou
seja, havia um instinto para entreter, assim como para ser entretido.
O nascimento de uma criança, a educação, a caça, a distribuição da
justiça, as cerimônias religiosas e os ritos fúnebres todos os
acontecimentos importantes da vida são transformados pelo homem
em ocasião para um espetáculo puramente teatral.
137
O fascínio proporcionado pelas imagens, considerando o sonho de consumo recorrente
que está focado nas “enormes telas de cristal líquido ou plasma colocados sobre as paredes
de nossas cavernas, agora decoradas, repletas de artefatos semantizados, cujo valor nos leva
a mantê-las fechadas com portas automáticas e monitoradas com câmeras de vídeo”. A
sociedade do espetáculo é a sociedade da imagem:
Ao falar sobre esta sociedade marcadamente icônica, estamos nos
referindo às nossas origens, quando observamos os pictogramas
desenhados nas paredes das cavernas e logo após, na visualização
das sombras provocadas pela luz do sol, agora em movimento na
parede tela, tendo como projetor o sol, as mãos e os utensílios que
possibilitavam as primeiras sessões de cinema de nossos
135
NAISBITT, John; NAISBITT, Nana; PHILLIPS, Douglas. High Tech & High Touch: a tecnologia e a nossa
busca por significado. São Paulo: Ed. Cultrix, 1999. 300 p.
136
GALINDO, Daniel. “Religião, mídia e entretenimento: o culto ‘tecnofun’”, p. 33.
137
GABLER, Neal. Vida o filme: como o entretenimento conquistou a realidade. São Paulo, Companhia das
Letras, 1999.
74
antepassados, encantados como estes efeitos mágicos, lúdicos e
diversionais num espaço escuro e frio.
138
Substituímos a caverna iluminada de Platão por outras luminosas. Ato contínuo, a
analogia com o bezerro de ouro confeccionado pelo povo hebreu no deserto, que estava
entediado enquanto esperava Moisés receber os dez mandamentos no Monte Sinai: a mídia é
o “bezerro luminoso com aspecto monoteísta: ‘vinde e adoremos todos’. Este bezerro reflete
os discursos presentes no inconsciente e inconsciente de uma comunidade marcada muito
mais pela procura de um discurso que preencha suas carências simbólicas do que pela
proposta de uma prática onde a experiência sensorial com Deus foi extremamente
racionalizada”.
139
A confusão entre o real e as sombras têm o espetáculo como ponto de partida e de
chegada só ele é aceito como real numa sociedade amortecida pela ditadura da imagem e
impregnada pelo esvaziamento de sentido. “Nossos mercados são os novos vales de Canaã
onde correm, em vez do leite e mel, as ondas de néon sobre o ketchup e o plástico (...) tudo
estimula a salivação fantástica”.
140
O espetáculo, segundo Guy Debord, “se impõe como obrigação porque está em
posição de exercer o monopólio visual da representação legítima”. Assim, a condição
tecnoespetacular conduzirá a humanidade a um estágio diferente de dominação. A sociedade
contemporânea constituída pelo sistema de comunicação midiático tem como característica
fundante o regime de visibilidade, a instantaneidade, a tecno-interação e a hegemonia da
imagem.
141
Algumas variáveis sociológicas para explicitar as condições em que a vida se
desenvolve nesse contexto são abordadas por Bauman.
1.3.1 Pós-modernidade retrógrada
Segundo Bauman, a transão entre a fase sólida e aquida transformou a experiência
de construção e desconstrução da realidade no tocante à procura de valores móveis e
identidade idem. A busca do desejo passou a ser por um objeto que necessariamente nos
138
GALINDO, Daniel. Ibidem, p. 34.
139
Id. ibid., p. 37-8.
140
BAUDRILLARD, Jean. A sociedade de consumo. Edições 70, p. 16.
141
BERGE, Christa. Tensão entre os campos religioso e midiático. In: Mídia e Religião, p. 27.
75
escapa e a vantagem reside justamente na questão intrínseca. Se antes o objeto do desejo
era por algo sólido e permanente, como uma identidade ‘congelada’, na modernidade
líquida o efeito reverso é a realidade que promove prazer no desencontro em relação ao
objeto, porque a simples obtenção do mesmo significaria a perda de todos os demais.
Qualquer decisão a respeito de quaisquer temas representa a perda das demais
possibilidades. Desse modo, a liberdade fica condicionada à não realização de nada, à
definitiva ausência de escolha, diferente da liberdade de escolha defendida anteriormente. A
vida e as decisões são voláteis, líquidas.
142
No lugar do bem como bem como verdade universal, aparecem universalidades
efêmeras. Ao entrarem em questão as verdades universais, o resultado é um niilismo
resultante da crise de valores, visto que se busca um objeto que não se quer encontrar:
A amarga experiência em questão é a experiência da liberdade: da
miséria da vida composta de escolhas arriscadas, que sempre
significa aproveitar algumas oportunidades e perder outras, ou da
incurável incerteza criada em toda escolha, da insuportável
responsabilidade pelas desconhecidas consequências de toda escolha,
do constante medo de impedir as futuras e imprevistas
possibilidades, do pavor da inadequação pessoal, de experimentar
menos e não tão intensamente como os outros talvez o consigam, do
pesadelo de não estar à altura das novas e aperfeiçoadas fórmulas da
vida que o futuro notoriamente caprichoso pode trazer.
143
A incerteza, insegurança e a falta de garantia são o estilo de vida cujas características
sociológicas regem a sociedade atual. Diante de tal raciocínio entranhado no inconsciente
coletivo da sociedade, a religião na pós-modernidade deve responder às inquietudes de seu
contexto. Bauman então explica o fascínio que o fundamentalismo é capaz de promover
nessas condições: “a mensagem que surge dessa experiência é: não, o indivíduo humano não
é auto-suficiente. Não se pode condenar a si mesmo: é preciso ser guiado, e dirigido, e
informado do que fazer. O fundamentalismo promete emancipar os convertidos das
agonias da escolha e evitar o pavor de correr o risco. Longe de ser uma irracionalidade pré-
moderna, o fundamentalismo “é uma oferta de racionalidade alternativa, feita sob medida
para os membros da sociedade pós-moderna”, e isto porque coloca a segurança e a certeza
142
BAUMAN, Zigumnt. Modernidadequida.
143
BAUMAN, Zigmunt. O mal-estar da pós-modernidade. Trad. Mauro Gama e Cláudia Martinelli Gama. Rio
de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1998. p. 227.
76
em primeiro lugar e condena tudo o que pode solapar tal segurança. A conclusão a que
chega questiona sobre como “encontrar respostas livres dos genes totalitários”.
144
“Pensávamos que a religião seria substituída pelas novas tecnologias e o mundo do
entretenimento, mas parece que a condição humana e as condições reais de existência não
permitiram sepultar Deus”.
145
As religiões integram a sociedade midiática do espetáculo
seu êxito no mercador religioso aponta seu lugar insubstituível para oferecer consolo e
solução para as questões da vida.
Situar a religião numa sociedade estabelecida pela mídia denota uma experiência
midiada a partir da qual a mídia tem a medida de tudo, sendo o medo o sentimento em alta e
as incertezas de toda ordem, tanto quanto carências. Puntel desdobra esses pontos.
1.4 Cultura midiática e Igreja: em diálogo com J. Puntel
“No contexto da pós-modernidade, a comunicação se apresenta progressivamente
como elemento articulador da sociedade”.
146
Joana Puntel explicita que a cultura midiática é
um desafio que ultrapassa o uso da tecnologia e toca a esfera da cultura e da ética.
Não é suficiente usar a mídia para difundir a mensagem cristã e o
magistério da Igreja, mas torna-se necessário integrar tal mensagem
nesta ‘nova cultura’, criada pelas modernas comunicações. É um
problema complexo, pois esta cultura nasce menos dos conteúdos do
que do próprio fato de existirem novos modos de comunicar com
novas linguagens, novas técnicas, novas atitudes psicológicas.
147
O aspecto essencial da comunicação nos dias atuais é que estamos imersos numa
cultura midiática que articula e move a lógica da mudança hoje. Estamos assistindo à
“aurora de uma nova organização da vida coletiva e pessoal”:
A comunicação não é mais um conjunto de meios ‘singulares’
(imprensa, jornal, cinema, rádio, televisão), vistos separadamente, e
que muitos chamam de velha mídia, ou simplesmente ‘meios de
massa(mass media), mas a comunicação se tornou um ‘ambiente
144
BAUMAN, Zigmunt. O mal-estar da pós-modernidade. Trad. Mauro Gama e Cláudia Martinelli Gama. Rio
de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1998. p. 228-230.
145
BERGE, Christa. Tensão entre os campos religioso e midiático. In: Mídia e Religião, p. 31.
146
PUNTEL, Joana T. “As dimensões socioculturais, políticas e econômicas dos meios de comunicação social”.
In: BEOZZO, José Oscar (Org.). Curso de Verão: ano XIX: comunicações, ética e cidadania, p. 40.
147
PUNTEL, Joana T. Cultura midiática e Igreja: uma nova ambiência. São Paulo: Paulinas, 2005. Contracapa.
77
vital’, isto é, uma cultura que influi e na qual se move cada
aspecto da vida individual e social.
148
Segundo Puntel, muitos autores compreendem essas novas máquinas como “agentes
históricos causais”, capazes de criar formas “revolucionárias” de mudança social e política,
e cria uma realidade: a realidade virtual do mundo. A comunicação no contexto da pós-
modernidade inicia o advento de um complexo modo de viver, reorganiza a experiência
humana, inaugura um novo tipo de civilização na qual se encontram diferentes culturas e os
vários modos de pensar, de agir, de sentir: surge a interculturalidade e a
interdisciplinariedade por isso a comunicão hojeo é mais um conjunto de meios, mas
uma cultura.
Durante o século XVIII, o conceito de cultura era usado para referir-se a um processo de
desenvolvimento intelectual ou espiritual, um processo que diferia do de “civilização” e que
evoluiu com o aparecimento da antropologia como disciplina no século XIX, no qual John
Thompson distringue duas concepções: a descritiva e a simbólica esse último é o ponto para
entender a comunicação como cultura, tal como Max Weber acreditava que “o homem é um
animal amarrado a teias de significados que ele mesmo teceu”. Na fase industrial, ademais, e
como característica da modernidade, aparece o conceito da cultura de massa, como uma
“profusão ilimitada de signos” ligada ao processo de desenvolvimento industrial e urbano a
comunicação de massa inicia a produção de um produto industrializado e hegemônico e
promove uma cultura hegemônica. A comunicação de massa, nesse contexto, transforma-se
em produção e transmissão de formas simbólicas, o que representa uma profunda mudança na
sociedade, porque a comunicação de massa começa a mediar a “cultura moderna”.
Finalmente, no quadro evolutivo da trajetória da comunicação, na pós-modernidade passou a
ser um fenômeno que atraiu a atenção de estudiosos e da Igreja, a ponto da comunicação ser
definida como uma cultura. E no tocante às novas mídias utilizadas não mais como “meios”
ou “instrumentos” isolados e que se referem a um “ambiente” no qual o globo está imerso e
do qual todos participam, também trata-se de uma cultura – a cultura midiática.
149
A ruptura com a modernidade deu-se no terreno da cultura. uma crise cultural
relativa à forma de relacionar-se, baseada não nos laços de convivência senão naquela
148
Idem. “As dimensões socioculturais, políticas e econômicas dos meios de comunicação social”. In: BEOZZO,
José Oscar (Org.). Curso de Verão: ano XIX: comunicações, ética e cidadania, p. 42.
149
PUNTEL, Joana T. Cultura midiática e Igreja: uma nova ambiência, p. 113 e 131.
78
construída pela sociedade e segundo seus parâmetros dominantes. Essa realidade ameaça
as comunidades e sua identidade, portanto, a busca da identidade é o novo drama das
culturas. Puntel cita Stuart Hall para afimar queas velhas identidades estão em declínio,
fazendo sugir outras novas e fragmentando o indivíduo moderno:
O sujeito pós-moderno é conceitualizado como não tendo identidade
fixa, essencial ou permanente. A identidade torna-se uma
‘celebração móvel’: formada e transformada continuamente em
relação às formas pelas quais somos representados ou interpelados
nos sistemas culturais que nos rodeiam.
150
Caracterizada como pós-industrial, a época na qual vivemos hoje traz a revolução
tecno-científica como promotora da “felicidade” que havia sido prometida na modernidade
por meio da razão e que gerou a frustração resultante das guerras inclusive a Guerra Fria,
dos regimes totalitários, do holocausto, do consumismo hedonista, da destruição do planeta,
da indiferença religiosa, dos abismos econômicos entre norte e sul, os quais colocaram a
razão humana em xeque, pois a razão do iluminismo não realizou a expectativa anunciada, e
abriu precedente para uma metáfora da noite para a pós-modernidade, em contrapartida com
a metáfora da luz do Iluminismo.
A razão pós-moderna nos deixa na solidão; não existem mais as
grandes histórias que nos irmanam, que nos fazem sentir próximos;
alguém disse que nossa sociedade tornou-se multidão de solidão
cada um permanece fechado em seu particular, em seu cálculo; cada
um vive o imediato e constrói máscaras atrás das quais esconde o
senso do vazio.
151
Com o fim das ideologias, segundo Puntel, o centro do universo passou a ser o
umbigo de cada indivíduo:
A as pessoas se convenceram de que o que realmente conta é o
melhoramento do próprio estado psíquico: dar vasão às próprias
sensações, alimentar-se com produtos naturais, freqüentar clases de
dança, fazer jogging (...) Esses objetivos, em si inofensivos,
implicaram (implicam ainda!) a retirada da política e o repúdio ao
‘passado recente’. Viver o presente tornou-se a obsessão dominante,
viver para si mesmos, não para os predecessores ou pósteros.
Estamos perdendo, rapidamente, o senso da continuidade histórica, o
sentido de pertença a uma sucessão de gerações.
152
150
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Apud. PUNTEL, Joana. Cultura midiática e Igreja:
uma nova ambiência. São Paulo: Paulinas, 2005. p. 101.
151
PUNTEL, Joana. Cultura midiática e Igreja: uma nova ambiência. São Paulo: Paulinas, 2005. p. 103.
152
Id. ibid., p. 94.
79
Subjacente a esse hedonismo está a busca para satisfazer a vida cotidiana e a
solidão com qualquer companhia, ainda que transitória e momentânea. “No fundo,
escondem-se do medo da morte e do vazio. Por isso, o homem se agarra ao ‘deus’ dinheiro
com a sua salvação. E este medo da morte não é senão o reverso da medalha, da ausência de
um mundo mais justo”. A idolatria do mercado é resultante da pós-modernidade e da
consciência de que seja necessário lutar de maneira “selvagem” para sobreviver.
153
A razão humana conduziria o ser humano ao progresso e, portanto, à felicidade.
Entretanto, a conseqüência da secularização foi a imposição maciça de um modo de pensar
e de viver sem referência a Deus. Ao perceber que a razão não transforma os indivíduos, a
sociedade se revolta, afirma Puntel, entra o descrédito e o ocaso das ideologias: nasce o
consumismo que satisfaz. Apresentam-se os mitos da eternidade, da felicidade, da
juventude. Nesse contexto marcado pela “des-referenciação”do real, perde-se o senso de
tudo. uma “des-substancialização” do ser no qual tudo gira em torno da “função dos
sistemas”. Na dificuldade de lidar com o “mundo vivido” (família, relações) e o mundo
sistêmico, a luta pela sobrevivência se afirma, assim como o individualismo. O mundo
virtual cria uma realidade artificial simulada que deixa a seguinte questão: “eu sou aquilo
que realmente sou, ou aquilo que penso que sou”
154
como no mundo do twitter, o qual a
autora não havia vivenciado ao redigir essa obra.
O fato mais espantoso do pós-modernismo é sua total aceitação do
efêmero, do fragmentário, do descontínuo e do caótico. (...) A
percepção da sociedade é desprovida de qualquer historicidade, não
interssando mais nem o passado nem o futuro, só o presente. Daí que
a imagem, a aparência, o espetáculo podem ser experimentados com
uma intensidade de júbilo ou terror, possibilitada apenas por sua
apreciação como presente puro e não relacionado com o tempo.
155
Sobre a questão de espaço e tempo, Puntel afirma o deslocamento na compreensão do
seu sentido. No pós-moderno, o espaço passa a ter “uma representação que compreende
todos os signos e significações”. Passam a operar três dimensões: o vivido, o percebido e o
imaginado os quais correspodem ao aqui e agora.
156
153
PUNTEL, Joana. Cultura midiática e Igreja: uma nova ambiência. São Paulo: Paulinas, 2005. p. 99.
154
Id. ibid., p. 103.
155
Id. ibid., p. 104.
156
Id. ibid., p. 105.
80
Com a evolução técnica promovida pela internet, torna-se imprescindível
compreender que a comunicação muda com a mudança da tecnologia. Para Puntel, seria um
erro analisar os vários aspectos da nova comunicação com os critérios da época da
comunicação de massa, apesar de que exista uma correlação entre os mass media e a new
media, contudo trata-se de um novo universo que requer uma mente interativa que a nova
geração possui. A verdadeira cisão é do tipo cultural/geracional; é um salto na linguagem.
Nesse sentido, torna-se imperativo pensar que a mídia abre novas
possibilidades, não somente porque possibilita a informação mais
rápida, mas permite (e provoca!) a criatividade de novos métodos
para desenvolver a comunicação. Se pensarmos no hipertexto (uma
série de textos interligados entre si), na escrita linkada com outras
linguagens (música, design, imagens), a interatividade se torna
uma hipermídia.
157
As redes da internet
158
propiciam comunicação livre e global, mas é fato que a infra-
estrutura das redes pode ter donos, o acesso a elas pode ser controlado e seu uso pode ser
nfluenciado, se não monopolizado, por interesses comerciais, ideológicos e políticos.
Apesar de que “a galáxia da internet é um novo ambiente da comunicação”, ao mesmo
tempo que a internet se apresenta como uma tecnologia da liberdade, ela pode libertar os
poderosos para oprimir os desinformados; pode levar à exclusão dos desvalorizados.
159
Mais do que a passagem do analógico para o digital, é a passagem de uma “idéia” que
se tinha a respeito do texto e da leitura. “Dá-se uma mudança de método”: escrever não é
mais comunicar a intenção do autor, mas oferecer material para o trabalho do leitor, que
transforma-se em autor. Com a mudança na forma de produção, muda a função do receptor.
“É o usuário que se serve, como deseja, dos produtos de consulta (...). Assim, a hipermídia
favorece o desenvolvimento da interatividade de forma extraordinária. Trata-se (...) de
novas linguagens que já se encontram, progressivamente, na área da educação.”
160
157
PUNTEL, Joana. Cultura midiática e Igreja: uma nova ambiência. São Paulo: Paulinas, 2005. p. 108.
158
“world wide web” “www” é o nome internacional da chamada “teia de âmbito mundial” que caracteriza a
nova sociedade humana, a qual se consolida pela disseminação mundial dessa rede de informações. Iniciada
com o Pentágono, em 1968, nos Estados Unidos, no ano de 1995 tinha 44 milhões de usuários, em 1998 esse
número subiu para 142 milhões e em 1999 alcançou 259 milhões, sendo que a previsão é de crescimento
constante, seja para o business seja para interligar bibliotecas, arquivos, centros de estudos, grandes empre-
sas, banco de dados, pesquisadores, etc.
159
PUNTEL, Joana T. “As dimensões socioculturais, políticas e econômicas dos meios de comunicação social”.
In: BEOZZO, José Oscar (Org.). Curso de Verão: ano XIX: comunicações, ética e cidadania, p. 49-50.
160
Idem.
81
“Auto-estradas” eletrônicas constituem a perspectiva futurística da comunicação, as
quais apresentam o planeta envolvido por uma rede de comunicação infinita que permite o
contato entre pessoas, culturas, trabalhos e entretenimentos em qualquer lugar do globo
terrestre. “Chegou-se a uma etapa na qual cada pessoa se transforma em um ‘nó’
comunicativo coligado a todos os outros. Nessa perspectiva, não se poderá mais viver senão
‘em rede’. A comunicação tornou-se uma cultura global”.
161
Tal revolução no modo de viver tem conseqüências ainda maiores do que a Revolução
Industrial, afirma Puntel. Por diversos motivos: a velocidade das mudanças é muito mais
elevada; a revolução da informação caracterizou-se por aspectos da globalidade enquanto a
Revolução Industrial originou-se em período histórico e área geográfica precisos; a
sociedade da informação produz impacto direto sobre os indivíduos e são eles que escolhem
a informação da rede, sem intermediários, o que denota um crescimento cultural.
Além disso, no contexto da pós-modernidade, a comunicação não se restringe a um
único setor da iniciativa humana, mas está alterando todos os aspectos da vida.
Estamos imersos no fluxo da comunicação como se fosse ‘num
aquário’. Ninguém é excluído do contato. Mudam os conceitos de
tempo e espaço. Trata-se de uma revolução invasiva que pesa nos
conteúdos do pensamento, sobre a experiência da vida cotidiana e
sobre as estruturas mesmas da pessoa até o ponto de determinar uma
nova compreensão da realidade. Isso influi na vida das pessoas e na
missão que somos chamados a desenvolver na Igreja e no mundo.
162
A compreensão da comunicação como cultura requer uma metanóia, uma mudança de
mentalidade, de métodos de ação. A mentalidade e o método, entendidos como cultura e
como fenômeno relacionado com tantos outros aspectos da cultura como a economia e a
política , devem também entrar no processo de mudança no viver, no atuar e no
evangelizar.”
163
Puntel reafirma que a comunicação como cultura é o fenômeno que marca a mudança
de época neste incício de milênio, e compreendê-lo é considerar que o contexto atual não se
limita a um processo de comunicação unilateral, e reconhecer que o público-alvo
161
PUNTEL, Joana. Cultura midiática e Igreja: uma nova ambiência. São Paulo: Paulinas, 2005. p. 108-9.
162
Id. ibid., p. 111.
163
Idem.
82
desempenha uma papel importante na interação midiática. Ignorar esse fato ou rejeitá-lo
dificultará a mudança necessária, “porque não se pode refazer a história por decreto”.
Estamos submersos na cultura midiática, especialmente porque as
novas tecnologias da comunicação nos colocam em um novo
território de vivência humana, em que a mente se encontra imersa
em um mundo virtual, circunscrita a várias dimensões e mesclada de
conexões inter-humano-digitais, mediada por complexo sistema de
informações em crescimento exponencial acelerado.
164
Cibercultura é o nome dessa nova relação entre a técnica e a vida social, da cultura
contemporânea associada às tecnologias digitais. Alimentada pelas tecnologias do
ciberespaço, cresce sob nossos olhos uma estética do social observada “não numa
perspectiva de conceitos congelados, mas pela ótica do movimento caótico e sempre
inacabado entre as formas técnicas e os conteúdos da vida social.”
165
O mundo das comunicações são os novos “areópagos” modernos como lugar de
evangelização e missão. O diálogo entre e cultura midiática deve acontecer no “lugar
teológico” propício para essa ambiência inovadora da aldeia global, e tendo o ciberespaço
como nova fronteira do Evangelho, um novo “portal” para a comunicação cristã, a fim de
descobrir a melhor forma de comunicar as boas-novas num mundo em mudança.
O cristianismo se encarna na cultura, porém não para absolutizá-la,
mas para recriá-la e potencializá-la (...) É urgente uma formação
rigorosa na dinâmica do mercado e da linguagem midiática e,
sobretudo, a energia e vitalidade que somente o Espírito de Deus
pode nos dar. Esta é a única autopista de comunicação capaz de
ajudar a construir a comunhão (...) é a única infovia capaz de
desmascarar a falsidade do mal, tão sedutora e atrativamente
disfarçada (... ) A cibercultura apresenta grandes sombras, mas
também supreendentes acertos. Para poder inculturar-nos nela e
evangelizá-la, necessitamos conhecê-la e amá-la.
166
Essa nova ambiência na qual a Igreja é chamada a viver sua identidade e missão é o
tema que será abordado a seguir.
164
BOCCARA, Ernesto G. Apud. PUNTEL, Joana. Ibidem, p. 114.
165
LEMOS, André. Apud. PUNTEL, Joana. Ibidem.
166
MIGUEL, Maria Dolores de. Apud. PUNTEL, Joana. Ibidem, p. 144.
83
1.5 Conceito “Igreja Eletrônica” é pesquisa da WACC
Para a Associação Mundial de Comunicação Cristã WACC, em suas práticas e
políticas, e tendo como fundamento as Boas-Novas do Reino de Deus, a comunicação é o
maior dom de Deus à humanidade, sem o qual não podemos ser verdadeiramente humanos,
reflexo da "imagem de Deus". Tampouco poderíamos desfrutar da vida em comum em
grupos, comunidades e sociedades de diferentes culturas e modos de vida. A informação e a
comunicação transformam profundamente o mundo em que vivemos.
Muitas vezes reforçam as divisões, consolidam a opressão, deformam a realidade e
perpetuam sistemas de dominação, submetendo as massas silenciadas à manipulação dos
meios de informação. Contudo, os meios modernos de comunicação têm um grande
potencial de solidariedade e podem ser um instrumento para criar sentimento de
comunidade e transformar a sociedade.
Segundo os Princípios Cristãos de Comunicação da WACC, os comunicadores
cristãos, a fim de testemunhar sobre o Reino de Deus, devem libertar-se do individualismo
característico de determinadas culturas e tradições, encarnar e testemunhar os valores
fundamentais do Reino como a unidade, a reconciliação, a igualdade, a justiça, a liberdade,
a harmonia, a paz e o amor.
O objetivo é revitalizar as comunidades e reavivar o espírito comunitário por meio de
uma comunicação que é participativa, inclusiva, libertadora e profética, estimulando a
consciência crítica e prestando apoio e desenvolvimento às culturas, de forma a respeitar os
direitos humanos e a revelar a riqueza da imagem de Deus em toda sua diversidade.
Entretando, não devemos entender comunidade apenas como o âmbito social é
preciso trazer à luz uma comunidade de povos e nações, bem como uma comunidade de
igrejas e religiões, a fim de que a humanidade possa sobreviver. Consequentemente, um dos
objetivos do trabalho da WACC é derrubar as barreiras de raça, sexo, classe, nação, poder e
riquezas. A comunicação autêntica não pode realizar-se em clima de divisão, alienação,
isolamento e separação que perturbe a interação social.
“El ‘sacerdócio universal’ está integrado a la misión de la iglesia, una misión que es
para la comunidad toda e involucra a la totalidad del ser humano y su realidad. Por eso el
84
cuidado pastoral debe estar integrado en una pastoral misionera. En esa pastoral misione-
ra la comunicación juega un papel significativo, porque la comunicación”
167
puede revitalizar a las comunidades y reavivar el espíritu
comunitario, porque el modelo de comunicación auténtica, al igual
que el modelo de toda comunidad, es abierto e inclusivo antes que
unidireccional y excluyente.
168
Os comunicadores cristãos primam pela proclamação do Reino de Deus diante da
divisão de nossas Igrejas. As Igrejas não existem para si mesmas, mas para o Reino. Assim,
o comunicador cristão preferência à comunicação ecumênica para que os cristãos de
diversas denominações possam expressar-se com uma voz, dando assim testemunho da
unidade e do corpo de Cristo.
O teólogo e cientista social Hugo Assman publicou o clássico “A Igreja Eletrônica e
seu impacto na América Latina”
169
a partir de solicitação da WACC nos anos de 1980. A
pesquisa aborda o fenômeno da presença de programas religiosos nos meios de
comunicação e, apesar de que o conceito tenha sido desenvolvido no século passado e hoje
uma conjuntura diferenciada transcenda as limitações dessa terminologia, o termoIgreja
Eletrônica” ainda é utilizado para analisar o impacto da veiculação de grupos religiosos na
TV e no rádio no continente Latino-Americano.
Tal como mencionado anteriormente, Assmann analisou a atuação dos televangelistas
de destaque da época, entre eles Rex Humbard, Jimmy Sweaggart e Pat Robertson. A tríade
salvação-milagres-coleta era o elemento comum, sendo a música um quesito bem explorado,
bem como a pregação da prosperidade financeira e o entretenimento.
Assmann esboçou um relato sobre o início do programa da Igreja de R.R.Soares na
televisão, então com meia hora diária, cuja ênfase recaía sobre a teologia da prosperidade. A
“Igreja Eletrônica”, em pesquisa realizada recentemente sobre a Igreja Internacional da
Graça e a Igreja Universal do Reino de Deus, será o item abordado em seguida.
167
VALLE, Carlos A. Comunicación y misión en el laberinto de la globalización, p. 97.
168
WACC. Statement on Communication. Londres, 1997.
169
ASSMANN, Hugo. A Igreja Eletrônica e seu impacto na América Latina. Petrópolis: Vozes, 1986.
85
2. Fé na tela: em diálogo com A. Fonseca
2.1 Iniciativas evangélicas na mídia e início da Igreja Eletrônica
Alexandre Brasil Fonseca
170
discorre sobre as iniciativas evangélicas na mídia e o
início da Igreja Eletrônica no Brasil, com ênfase às estratégias midiáticas de duas
denominações com programas de destaque na televisão que serão aboradadas no item
seguinte.
Em 1962, foi ao ar o primeiro evangélico na televisão e no rádio produzido pelos
adventistas Fé para Hoje, apresentado pelo pastor Alcides Campolongo e sua esposa.
Em meados década de 1960, foi realizado o primeiro programa apresentado por um
pregador Pentecostal: “Café com Deus”, pelo bispo Robert MacAlister, da Igreja Nova
Vida. No final dos anos de 1960, o programa “Encontro com Deus” foi produzido e
apresentado pelo pastor presbiteriano de Recife, João Campos, e por outro pioneiro, o pastor
Ruben Lopes, da Igreja Batista de Vila Mariana.
O fato de haver tradicionais e um pregador pentecostal estrangeiro de uma igreja para
classe média corrobora o espaço social que a televisão ocupava no seu início, atingindo
fundamentalmente classes melhores situadas economicamente. A partir da década de 1970,
a TV se aproxima das classes mais baixas.
O primeiro programa evangélico transmitido em rede nacional foi o “Reencontro”, em
1975, apresentado pelo pastor Nilson Fanini, graças à concessão do governo federal, que
havia concedido para a Igreja Católica e resolveu passar a um evangélico. Em 1980, o
jovem Caio Fábio, aos 19 anos, deu início ao programa “Jesus, a Esperança das Gerações”;
a partir de 1980 o programa, então com o nome “Pare e Pense”, tornou-se nacional. Em
1982, na Assembléia de Deus, o primeiro programa em rede nacional foi realizado pelo
recém-ordenado pastor Silas Malafaia, que com 23 anos apresentou o programa “Renascer”,
o qual em 1999 passou a chamar-se “Vitória com Cristo”.
O início da década de 1980 presenciou a inserção da Igreja Eletrônica ao país.
170
FONSECA, Alexandre Brasil. Fé na tela: características e ênfases de duas estratégias evangélicas na
televisão.
86
A terminologia “igreja eletrônica” foi criada após os anos 60, para
caracterizar o surgimento de “ministérios” nos Estados Unidos
especializados no uso dos meios de comunicação de massa para
divulgar um protestantismo fundamentalista ou pentecostal. Esse
fenômeno, como bem demonstra Hugo Assman (A igreja eletrônica
e seu impacto na América Latina, Petrópolis, Vozes, 1986)
divulgava por todo o Continente uma mensagem de apoio as
estratégias governamentais norte-americanas. Assim atuavam,
cultural e política e religiosamente, durante os governos Nixon,
Ford, Carter, Reagan e Bush, os televangelistas Oral Roberts, Rex
Humbart, Jimmy Swaggart, Jerry Falwell, o casal Jim e Tammy
Bakker e tantos outros.
171
Em 1978, o primeiro pregador americano na televisão brasileira foi Rex Humbard,
com o programa “Alguém ama você”, trasmitido em rede nacional pela TV Tupi. No final
da década de 1970, Pat Robertson apresenta o “Clube 700” na TV Record, que era uma
emissora pequena, restrita a São Paulo na época. Saiu do ar e retornou em 1995, graças a
um contrato com a Vinde e foi transmitido pela Rede Manchete, que era a quarta emissora
nacional.
Jimmy Swaggart foi o televangelista que mais obteve sucesso no Brasil. Seu programa
foi inicialmente transmitido pela Record e depois pela Bandeirantes, que na época era a
segunda emissora brasileira, com alcance em 17 estados. Ligado à Assembléia de Deus
Americana, encontrou apoio na denominação no Brasil e foi auxiliado financeiramente pela
Casa Publicadora das Assembléias de Deus. Seu envolvimento com uma prostituta encerrou
suas atividades como pregador.
Quando Assmann escreveu seu livro (1986), apenas o programa de Swaggart estava
sendo transmitido no Brasil. Para Alexandre Brasil Fonseca, a influência da Igreja
Eletrônica não chegou a ser significativa no nosso país:
O trabalho de Assman reflete o pensamento de uma época (…) onde
o pentecostalismo era visto como sinônimo de alienação e
manipulação, e o seu crescimento justificado por um grande auxílio
financeiro dos EUA e por uma ação ideológica da CIA, objetivando
frear o crescimento da Teologia da Libertação (…), com a limitação
que ele mesmo (Assman) coloca: ‘Por ser um autor católico,
enxergou com os olhos que tem. Se algo ficou distorcido,
endireitem’ (Assmann 1986). O trabalho ignora a dinâmica do
campo religioso, centrando-se numa ‘crítica ideológica’.
172
171
CAMPOS, Leonildo Silveira. As novas características do fenômeno Igreja Eletrônica no Brasil.
172
FONSECA, Alexandre Brasil. Fé na tela: características e ênfases de duas estratégias evangélicas na tv.
87
O Brasil é o segundo país do mundo em produções próprias de programas
religiosos, programas que não se caracterizam pelo forte personalismo dos pregadores
americanos, sendo mais institucionais. Esse fato ocorre um pouco pelas diferenças culturais
seguindo a tradição cultural, o autor entende a mídia como um local de constituição de
identidades e como um espaço para a configuração das comunidades, no qual a mídia não é
apenas um fenômeno econômico ou um instrumento político, mas deve ser estudada como
um processo de criação de identidades culturais, fator central na constituição dos atores
sociais e na produção e distribuição de bens simbólicos que, por sua vez, são por excelência
instrumentos de integração social.
É por intermédio da mídia que os bens simbólicos realizam, em larga escala, sua
produção, reprodução, e circulação. É chamada de “quase-interação mediada” por
Thompson: “é interação porque envolve indivíduos se comunicando com outros, mas é uma
quase-interação porque o fluxo de comunicação é predominantemente em mão única e os
modos de respostas possíveis aos receptores são estritamente limitados”. Tal é o aspecto
cultural da mídia em seu papel fundamental ao tecer redes de significados.
No caso da Igreja Universalo Reino de Deus IURD, afirma Fonseca, não cabe a
definição de Igreja Eletrônica adotada por Assmann. Por outro lado, a presença da Igreja da
Graça na televisão pode ser enquadrada nessa definição.
Diferente de outros países da América Latina, a TV brasileira buscou, desde o início,
uma identidade própria, fato que propiciou o fracasso dos evangélicos americanos. Nos anos
1970, enquanto os programas de televisão produzidos nos EUA ocupavam 48% do tempo da
programação, na Guatemala esse percentual era de 84%, por exemplo. Em 1983, o
percentual de programas importados caiu para 30%, e no horário nobre era de 23%, padrão
semelhante à França, Itália e Reino Unido. O Brasil é o sétimo país que mais exporta
programas para a televisão no mundo, sendo o primeiro entre os países do hemisfério sul.
A proliferação dos programas evangélicos tornou-se impressionante após os
eletrônicos: no ano 2000, os programas evangélicos de televisão representavam cerca de 80
horas semanais de veiculação, sendo que, em 1992, esse número não chegava a 45 horas.
Em 2007, houve um salto para 146 horas semanais. O sistema nacional de comunicação
permite que 87% dos lares tenham televisão e 90% rádio.
Especialmente com o advento da Igreja Universal do Reino de Deus, sua Rede Record
uma das principais emissoras abertas tendo cobertura quase total do território nacional, e a
88
evidência do neopentecostalismo. Posteriormente, o missionário R. R. Soares inovou ao
conseguir veicular seu programa em horário nobre na TV Bandeirantes, merecendo
notoriedade pelo grande tempo de exposição televisiva que suas aparições como pregador
lhe conferem.
2.2 Estratégias evangélicas na TV IURD e Internacional da Graça
Alexandre Brasil Fonseca analisa as características e ênfases de duas igrejas
evangélicas na sociedade similares em sua forma, mas distintas na atuação midiática.
2.2.1 Show Internacional
A presença de Romildo Ribeiro Soares na mídia é impressionante: no ano 2000 ele
gastava pelo menos 2,5 milhões de reais por mês para a veiculação de seus programas o
mesmo que o canal Canção Nova precisa arrecadar para manter-se no ar.
A Bandeirantes cobre 89% da população, mas o programa “Show da Fé” não
conseguiu alcançar nem 1% da audiência do Rio de Janeiro, em 2001, o que representa a
audiência de 70 mil pessoas. Em São Paulo, onde fica a sede da igreja, o programa atingiu
picos de 2%, o que representa a audiência de 160 mil pessoas.
A proposta do programa ainda é simples, não aproveitando plenamente os recursos
disponibilizados pelo meio. O formato resume-se à transmissão de um culto, alternando
momentos em que o missionário bate-papo diretamente com a câmera/telespectador.
Nas conversas são feitos comentários gerais, principalmente de como o telespectador
pode tornar-se um “patrocinador” ou “associado”. Além disso, os testemunhos do público
que assistem o culto na igreja merecem espaço, e um momento final no qual os pastores
percorrem a igreja com microfones para que as pessoas contem as curas conseguidas
durante a programação.
A Igreja da Graça é a que mais usa a televisão como meio de cura. O papel da TV
como elemento nessa rede de curas é central.
Vários anos na mídia serviram como uma boa escola para a Igreja da Graça, e houve
significativa melhora em 2003, em relação ao que era produzido no final da década de 1990:
a introdução de uma câmera instalada numa grua e que se movimenta sobre a congregação
com efeito interessante; para Soares, passaram a ser feitas tomadas de 4 câmeras diferentes;
89
uma música é apresentada a cada programa, com testemunhos de fiéis; produção de
materiais no estilo jornalístico com direito a externas; são gravadas perguntas de fiéis que
buscam esclarecer dúvidas bíblicas.
O estilo de Soares é coloquial, e se apresenta de forma próxima na TV. Suas citações
são uma característica que o diferencia dos demais pregadores pentecostais em evidência na
mídia. Por intermédio da editora da Igreja da Graça, autores como T. L. Osborn e Kenneth
Hagin, principais divulgadores da teologia da Prosperidade e da confissão positiva, são
publicados em português.
Soares fundamenta seu programa de televisão como uma igreja “para onde não tem
igreja”. Ele pede doações para o programa e justifica esse pedido devido à existência de
uma comunidade televisiva: “O nosso programa é uma igreja no lar, nós fazemos aqui
exatamente como se estivesse pregando na sua casa. Então, vai praticando, vai se assumindo
com Deus, não se esqueça de uma vez por mês mandar sua oferta para manter o programa”.
Ele entra na disputa por telespectadores, não somente por fiéis:
O culto hoje vai ser simplesmente maravilhoso. Nós temos um
episódio inédito da Novela da Vida Real, quando vou responder a
duas perguntas importantes (…). A novela da vida real vai disputar
com a concorrente que neste horário exibe novela que não é da vida
real.
173
E justifica com textos bíblicos o uso da tevê: “Uma passagem diz o seguinte: O que eu
vos digo no gabinete pregai em cima do telhado. De onde vem o sinal da tv? Da antena de
televisão, que fica sobre o telhado.”
2.2.2 Despertar Universal
A presença e ação da Igreja Universal do Reino de Deus é bem distinta. Não temos a
presença ininterrupta do bispo Edir Macedo e grande mudança de apresentadores, sendo
que cada um imprime a sua marca no programa.
Nos variados programas busca-se converter o telespectador em um fiel, sendo o
bispo/apresentador o elo que incentiva aqueles que o assistem a estarem presentes na igreja
em que ele está atuando. Diferentes pastores auxiliam o bispo na condução do programa.
173
BERGE, Christa. Tensão entre os campos religioso e midiático. In: Mídia e Religião, p. 31.
90
Ao contrário do programa de Soares, a ênfase é dada às desgraças enquanto no
Show da a presença do fiel destaca a bênção conseguida durante a reunião, na Universal
gasta-se cerca de 75% do tempo da entrevista com as experiências negativas vividas, sendo
esse o ponto de partida.
Enquanto no programa de Soares as pessoas aparecem para contar uma bênção, na
Universal, a pergunta inicial gira em torno da frase: “Como era sua vida antes de chegar na
Igreja Universal? Qual foi o seu fundo de poço? Como o senhor/a ficou conhecendo a Igreja
Universal?”. O centro é o entrevistado e seus problemas, e o apresentador fica com o papel
secundário. Na igreja da Graça, a atenção se volta para a figura do missionário, sua
pregação e as maravilhas que Deus pode fazer.
Apesar do investimento da Igreja da Graça nas pregações de Soares, esse modelo é
secundário para a Igreja Universal, pois somente aos domingos de manhã é que temos o
mesmo tipo de programa veiculado pela Record.
Os programas da Universal que merecem maior destaque são apresentados pela manhã
e madrugada em todos os dias da semana com nomes variados Vidas Transformadas,
“Sala de Entrevistas”, “Palavra de Vida”, “Jesus Verdade”, etc mas todos com formatos
idênticos.
A principal referência para esses programas é o “Despertar da Fé”, iniciado na década
de 1980 e que teve em Macedo seu primeiro apresentador. A característica é uma sala de
visitas onde o pastor/entrevistador conversa sobre as dificuldades e vitórias dos fiéis.
O programa inicia com a “Oração do Trabalhador, apresenta clipes musicais,
pequenos documentários intitulados “Fatos da Vida”, e os testemunhos seguem um padrão
abordando inicialmente o “fundo do poço”, para após o ingresso na igreja, ser concluído
contando como é a vida no “pedacinho do céu”.
“Despertar da Fé” é gravado em estúdio com pelo menos 3 câmeras, proporcionando
bom uso da linguagem televisiva e com a ação de outros entrevistadores além do bispo-
apresentador. inserções de gravações externas, apresentações de gravações provenientes
do núcleo de dramaturgia da emissora e conversas por telefone. Alguns programas são ao
vivo e o acabamento técnico da imagem, como a edição e geração de caracteres, é bem
superior ao utilizado pela Igreja da Graça.
91
Uma das grandes virtudes mercadológicas do programa é o investimento no agora.
Enquanto no programa de Soares os pastores na segunda-feira estão falando das atividades
de sexta, a Universal centraliza todas as energias de seus programas no tema do dia.
Entre os evangélicos que assistem a programação da Universal, é significativa a
presença de ex-participantes de religiões afro-brasileiras. As pessoas que participaram de
religiões como o espiritismo e a umbanda possuem maior interesse em assistir outras
histórias de pessoas que tiveram experiências nessas religiões, principal característica dos
programas da Universal.
A Universal busca consolidar sua membresia, e a estratégia é valorizar os cultos e
construir templos grandiosos em várias cidades, chamados de Catedrais da Fé.
Desde o primeiro programa, que foi ao ar em 1977 com duração de cinco minutos na
Rádio Metropolitana, até o império mundial de comunicações que a Universal controla, a
IURD não garante a adesão de mais fiéis do que as outras denominações por esse meio.
Talvez garanta o grande contingente de visitantes que não estabelecem fidelidade.
A partir de 2003, a Universal passa a dominar duas redes de televisão com
abrangência nacional e a investir muito em outras mídias, o que indica que a igreja necessita
abrir várias frentes de ação para garantir seu êxito.
A televisão, ao contrário da Igreja da Graça, não é o ponto de chegada da ação da
denominação, mas apenas um elemento que faz parte de sua estratégia de manutenção,
expansão e legitimação sócio-política.
2.2.3 Semelhanças e diferenças entre os programas
muitas semelhanças entre a Igreja Universal do Reino de Deus e a Igreja
Internacional da Graça de Deus mensagem baseada na tríade cura, exorcismo e
prosperidade; agenda semanal com cultos semelhantes; abrem as portas diariamente; atraem
e convertem indivíduos dos mesmos estratos sociais; utilizam imensamente a TV; têm
líderes carismáticos e pastores relativamente jovens e sem formação teológica; não
concedem autonomia às igrejas locais; dispõem de governo eclesiástico de poder vertical e
administração centralizada; são liberais em matéria de usos e costumes.
Mas dentre as quatro ênfases de cada programa, somente uma delas é comum a
ambos: o entretenimento. Tanto o “Show da Fé” como o “Despertar da Fé” objetivam
92
fornecer entretenimento para sua audiência, ocupar o tempo dos telespectadores e
favorecer a disseminação de uma específica cultura evangélica que não se restringe ao
conteúdo dos programas, mas também se espraia por intermédio das outras empresas de
comunicação vinculadas editoras, gravadoras, revistas, criando a oportunidade de uma
interseção entre religião e consumo sem precedentes.
Vivemos numa sociedade de comunicação centrada na mídia e seus efeitos são
percebidos tanto na esfera econômica e política como também na sócio- cultural. A mídia
passa a ser o local de constituição de identidades culturais, configuração de comunidades,
construção da realidade, além de ser fator central na constituição de atores sociais. Com
isso, a mídia participa do processo de socialização ao promover a internalização da cultura e
das normais sociais, ocupando o lugar da igreja, dos amigos, da família e da escola.
O protagonismo conseguido pela Igreja Universal pode ser explicado pela forma com
que ao mesmo tempo que se utiliza da mídia e de suas peculiaridades, e a denominação
também nega elementos fundamentais do meio.
No caso da Igreja da Graça, sua presença menos abrangente mas significativa ocorre
pela maior adoção de ênfases inspiradas nos programas americanos de televangelismo.
Enquanto para a Universal a televisão é um meio para a sua ação, para a Igreja da Graça ela
representa um fim.
Existem pelo menos outras 3 ênfases que encontramos separadamente em cada
programa e que nos ajudam a configurar as intenções e a entender a presença evangélica na
mídia e o desempenho de ambas igrejas no campo religioso brasileiro.
No Show da são as seguintes ênfases: 1. no pregador/pregação; 2. na cura; 3. no
dinheiro. A centralidade do missionário R. R. Soares é significativa, ele ocupa praticamente
todo o tempo, que gasta com pregação e conselhos.
O oferecimento de um espaço que viabilize as curas é a segunda ênfase que se
sobressai. Às pessoas é pedido que tenham e que participem. Essa participação se
materializa na doação financeira, terceira ênfase do programa.
A presença nos cultos não é salientada. O importante é participar no apoio ao
programa e ter em Deus, sendo aceitável que a pessoa frequente, inclusive, outra igreja
evangélica.
93
nas ênfases da Igreja Universal esse aspecto está fora de questão: 1. ênfase nas
desgraças; 2. no local/agora; 3. no templo. A desgraça é o ponto de contato que a Universal
possui com o telespectador. Na injusta sociedade brasileira, é fácil encontrar pessoas que se
identificam com os relatos de dificuldades, pois encontram ressonância na sua audiência.
A segunda ênfase chama a atenção por ir contra um dos principais elementos que
caracterizam a mídia que é a sua capacidade de oferecer distanciamento temporal-
espacial, rompendo com as noções de lugar e tempo.
Os programas da Universal fazem questão de reafirmar a espacialidade e a
temporalidade exibem programas locais como estratégia de programação, nos quais
aparece o bispo-presidente da cidade/região dizendo que estará esperando o telespectador
num específico e próximo templo da Universal.
Cada tema do dia é devidamente coberto pela programação família, prosperidade,
libertação, cura não sendo feitas menções a atividades desenvolvidas pela igreja em outros
dias.
A Universal distanciou-se do modelo de televangelismo americano a TV é mais um
espaço de investimento de recursos do que de retirada, um ponto de partida que tem no
templo sua centralidade.
Os fiéis da Igreja Universal encontram-se numa “redoma de mídia” que acaba por
isolá-los do mundo: há reuniões diárias, rádio AM e FM, um jornal e uma rede de televisão.
Os livros lidos também são de seus líderes e assim é assegurada a fidelidade dos membros.
Estando a capacidade crítica estreitamente relacionada à qualidade e ao volume de
informações a que uma pessoa tem acesso, os fiéis da Universal acabam tendo opiniões e
posturas radicalmente distintas dos fiéis de outras igrejas.
Devido ao envolvimento em acusações de ações coercitivas no que se refere a
conseguir dinheiro de seus seguidores, curiosamente a sua programação na televisão não
menciona essa questão.
2.3 Conclusão
As críticas em relação ao uso da mídia por parte de religiosos se baseiam geralmente
em dois fatores: sua impessoalidade e seus altos cultos. Analistas apontam o uso da mídia
como pelos evangélicos como reflexo da “mercantilização da fé”. Na academia
94
divergências quanto à “validade” dos meios de comunicação eletrônicos e da cultura de
massa como linguagem específica.
John B. Thompson aponta três tipos de interação, sendo que no cotidiano vivemos um
mix dessas relações: interação face-a-face, interação mediada (chat, telefone, carta) e a
quase-interação mediada. As duas primeiras são dialogais e produzidas para um número
restrito de receptores. A quase-interação é monológica, e o sentido dessa comunicação se
predominantemente em uma direção alguns religiosos afirmam que não seria o melhor
caminho para efetivar a ação da igreja, visto que a religião é um meio de religare do homem
com Deus e consido próprio, meio em que a interação face-a-face é algo constantemente
almejado.
Fonseca demonstra que a mensagem religiosa transmitida pela mídia somente
influencia a audiência afinada com os produtores. Deve hacer uma pré-disposição original
na audiência para que possa adotar práticas e crenças sugeridas pela programação religiosa.
Nesse sentido, a mídia evangélica serve para: 1. Disseminar um tipo de “mentalidade
evangélica”, tendo papel tão importante quanto escolas, universidades, editoras, periódicos,
gravadoras ao oferecer informações e entretenimento a partir de uma abordagem religiosa;
2. A mídia evangélica visa à produção de bens simbólicos culturais, fornecendo educação e
informações sobre variados temas; 3. Oferece em grau limitado um senso de comunhão ou
comunidade entre seus telespectadores; 4. Oferece oportunidade para efetiva participação de
uma pequena parte dos fiéis (leigos) nessa atividade da igreja; 5. A mídia evangélica é um
meio de reforço da daqueles que são crentes e de confirmação de estereótipos sociais
comuns concernentes ao mundo evangélico; 6. Outro elemento característica da Pray TV é a
constante busca de estabelecer intimidade entre o público e os apresentadores, estratégia que
visa aumentar a interação.
É nesse contexto que o programa Show da do missionário R. R. Soares deve ser
compreendido. no caso da Universal, devido às ênfases que adota, tal forma de
compreensão da presença evangélica na mídia não se aplica.
As características da Universal são de exposição, por intermédio da programação e da
imprensa em geral seus jargões, rituais e atividades são difundidos de maneira
generalizada, podendo ser reconhecidos por todos que tenham uma televisão ou rádio.
Em segundo lugar, a mídia é um espaço importante de veiculação de propaganda e
venda, e a Universal assumiu a concepção da religião como uma mercadoria, estabelecendo
95
uma estrutura transnacional para viabilizar da melhor forma possível a exposição e a
expansão do seu produto.
Finalmente, a “Evangelização na Mídia” é parte central do ser e realizar da igreja, a
qual, conjuntamente com a ação política, as campanhas, os grandes eventos, seus templos, e
mais recentemente sua “preocupação social” demarcam as principais características de uma
igreja que pretende atingir um status similar ao experimentado pela Igreja Católica na
sociedade brasileira.
Os discursos religiosos na tevê convocam a formação de novas
comunidades. As igrejas históricas usavam os meios de comunicação para
chamar os fieis aos ofícios religiosos, nunca para substituí-los. Aos poucos
passam a aceitar que o templo também pode se transferir para o cenário da
tevê. (...) Os fiéis são protagonistas pois tem espaço de partilha, de
confissão, de cura, de escuta. Ou seja, de garantia do ritual que está no
imaginário dos fiéis.
174
Por outro lado, a Igreja Metodista oferece uma proposta alternativa, desde a teologia e
a comunicação que o movimento wesleyano desenvolveu a partir do século XVIII até a
proposta de comunicação iniciada no então Instituto Metodista de Ensino Superior no final
do século XX, refletindo sobre a análise da cultura gospel no terceiro milênio, os quais,
inseridos na idade mídia da sociedade do espetáculo devem proporcionar uma nova via
media a fim de assegurar o caráter formativo e educativo da comunicação metodista, a
despeito da diluição atual em prol da comercialização e coisificação da fé, que tornou-se um
produto.
Nesse sentido, o objetivo é resgatar o poder formativo do protestantismo em sua
inserção na mídia a fim de imprimir na sociedade e na aldeia global virtual as marcas do
ideal de reforma da nação e da Igreja inaugurados pela Reforma e desenvolvidos
especificamente pelo Metodismo.
A fim de observar brevemente o que está sendo realizado atualmente por meio da
Igreja Metodista no Brasil e elencar possíveis pistas para uma comunicação metodista
inserida na mídia religiosa de hoje, será desenvolvido o capítulo seguinte, que é conclusivo
na medida em que dialoga com os capítulos anteriores e sinaliza marcos inegociáveis para a
comunicação segundo a vocação pública do movimento metodista.
174
BERGE, Christa. Tensão entre os campos religioso e midiático. In: Mídia e Religião, p. 31.
CAPÍTULO III – PISTAS PARA UMA MÍDIA RELIGIOSA
COERENTE COM A VOCAÇÃO PÚBLICA METODISTA
O poder formativo do protestantismo expressa-se não somente na dimensão religiosa,
mas na totalidade da existência pessoal, social e intelectual da civilização ou da cultura.
Paul Tillich
Desde a transição da cultura protestante pública para a privatizada, o metodismo tem
se afirmado como movimento de resistência desde os seus primórdios e reafirmado o ideal
de “Igreja reformada sempre reformando” em seu papel formador e educador que
transcende a dimensão religiosa a fim de alcançar o “homem todo” com o Evangelho todo.
Este capítulo conclusivo dialoga com os anteriores numa proposta relativa à síntese
wesleyana, que inclui “as duas coisas e outra terceira” nessa correlação em diálogo com
os documentos da Igreja Metodista do Brasil hoje e as respectivas respostas regionais no
que tange à comunicação. Nesse sentido, são elencadas pistas conclusivas que retomam
pontos significativos da dissertação com o objetivo de sinalizar marcos inegociáveis para
uma mídia e comunicação religiosa coerentes com a vocação pública do metodismo neste
terceiro milênio imerso na cultura gospel e na realidade virtual.
97
1. Descrição de documentos metodistas
1.1 Credo social
175
Na tradição metodista, o conceito “socialaparece com frequência e com
significados variados. Wesley, por exemplo, fala da religião sociale da
santificação social”; Charles Wesley usa a expressão social e o
metodismo, na virada do século XIX para o século XX, fala, junto com
outros protestantes, do Evangelho sociale, mais especificamente, ainda
em termos denominacionais, do “Credo Social”.
176
O Credo Social celebrou seu centenário em 2008, entretanto, suas origens remontam
ao século XVIII, a partir da repercussão social da pregação de John Wesley e dos leigos do
metodismo primitivo na Inglaterra. Wesley respondeu aos desafios de sua época articulando
a espiritualidade de forma holística, em termos de atos de piedade e obras de misericórdia,
santidade de coração e de vida, unidade entre ciência e piedade vital elementos
aparentemente antagônicos e tanto tempo separados, mas que, reunidos, constituem o
equilíbrio característico da identidade metodista.
Em resposta às necessidades concretas dos trabalhadores, donas-de-casa e
desempregados que aceitavam o Evangelho, Wesley forma sociedades a fim de atender aos
problemas pastorais e sociais por meio da aplicação integral do Evangelho em todos os
aspectos da vida. Wesley passa a considerar os grupos pequenos como ‘tendões de
sustentação’ do metodismo, e transpõe o espaço institucional e físico para ir ao encontro do
povo e em direção às portas das fábricas, dando sentido e dinamismo à missão.
A partir de 1729, o Clube Santo em Oxford desenvolveu uma práxis significante. As
visitas nas prisões, o acompanhamento dos condenados até a morte e o atendimento de
pessoas carentes mediante a educação e o fornecimento de alimentos e remédios
conscientizaram seus integrantes. Durante o tempo em que as sociedades serviram na
sociedade, o conceito de perfeição cristã era a fé atuando com amor.
A vocação pública marca o metodismo em sua gênese. Wesley acreditava que as
transformações sociais aconteceriam com a conversão das pessoas. A santidade social na
175
COLÉGIO EPISCOPAL da Igreja Metodista do Brasil. Credo Social. Biblioteca Vida e Missão, Documentos,
nº 10. São Paulo: Cedro, 1999. 39 p.
176
RENDERS, Helmut. Andar como Cristo andou: a salvação social em John Wesley, p. 24.
98
perspectiva wesleyana implica na participação dos cristãos e cristãs nos projeto de Deus de
restauração de sua Criação. Para Wesley, a religião não é um meio pelo qual a humanidade
escapará para um reino celestial mais tolerável, mas a participação na própria iniciativa
redentora de Deus, sua nova criação.
O esforço em relacionar a cristã e a vida na sociedade resultou na elaboração das
Regras Geraiscódigo de conduta cristã formulado por John Wesley que se resume em “não
praticar o mal; zelosamente, praticar o bem; atender às ordenanças de Deus” e que se
desdobra em atitudes fundamentadas nesses princípios que preservem a tradição metodista.
Enquanto as Regras Gerais abordam a disciplina individual do crente metodista, o Credo
Social formula uma doutrina sobre a responsabilidade da Igreja Metodista.
O Credo Social nasceu em 1908, no Concílio Geral da Igreja Metodista Episcopal, nos
Estados Unidos. O documento, inicialmente denominado “A Igreja e os Problemas Sociais”,
foi adaptado pela Igreja Metodista Episcopal do Sul, nossa “Igreja-mãe”, em 1918, sendo
posicionado na parte constitucional a partir de 1922, e enfatizado o envolvimento leigo desde
1934. Em 1930, ano da autonomia da Igreja Metodista no Brasil, o documento da Igreja-mãe
passou a integrar os Cânones, editados desde 1934.
Na Igreja Metodista no Brasil, o Credo Social é uma tomada de consciência da
responsabilidade social no contexto brasileiro, à luz do Evangelho, visando o Reino de Deus
e sua justiça. Deste modo, ocorreram as primeiras mudanças no documento, com o objetivo
de adequá-lo à realidade do Brasil em momentos históricos relevantes. Em 1934, foram
incluídos os temas planejamento social no processo econômico, correções no sistema penal,
desarmamento e direito de liberdade de falar.
Na época, o Bispo James Cannon discursou sobre “A Igreja e o Evangelho Social”,
explicando os princípios fundamentais das atividades da Igreja, expondo cuidadosamente a
diferença entre apelo direto do Evangelho a cada alma individualmente e a relação
necessária de cada indiduo para com a sociedade, desde que ele aceite os ensinamentos de
Jesus Cristo como Mestre e Senhor. Tais ensinamentos estão claros nas declarações a seus
discípulos: vós sois a luz do mundo, vós sois o sal da terra(...) e, na sua aplicação devem
ser dirigidos pela lei do amor fraternal: “amarás o teu próximo como a ti mesmo”. Este
princípio deve finalmente transformar a sociedade humana inteira. Este princípio deveria ser
aplicado em todas as relações industriais, internacionais e sociais.
99
E ainda, o Bispo Cannon concluiu destacando a importância de que, em sua
primeira reunião pública na direção do Concílio Geral, a Igreja Metodista no Brasil
demonstrasse enfaticamente a atitude para com o Evangelho social de Jesus, colocando-se
assim em linha de frente com o Metodismo desde os dias de Wesley.
Igualmente, o presbítero Hugh Clarence Tucker declarou A atitude da Igreja
Metodista do Brasil perante o Mundo e a Nação
177
. E afirma: “Reconhecendo nossa
responsabilidade na solução dos enormes e graves problemas morais e espirituais que
defrontam a nação e o mundo, nós nos revestimos de forças divinas para a execução da
tarefa a que nos propomos e, procurando manifestar as convicções que mantemos,
esperamos tornar mais clara a nossa própria visão.
O Credo Social é o testemunho da compreensão missionária e ministerial assumida
pela Igreja Metodista, cujo espírito foi transformado em ações concretas pelo Plano para a
Vida e a Missão da Igreja (PVMI), em 1982. Como parte da sua vocação wesleyana, a
missão inclui a responsabilidade para com o mundo e a sociedade.
As transformações mundiais exigem novas estratégias na tarefa da evangelização a
partir da realidade das pessoas, e que acontece não somente pela pregação mas
especialmente por meio dos grupos pequenos que se inserem como sal num corpo social
plural e que carece da dinâmica da graça e do Evangelho. Diante do leque multifacetado que
nos rodeia, e dentro do padrão estabelecido pelo ideal da “Igreja reformada, sempre
reformando”, é preciso assumir o projeto integral proposto por John Wesley: “Metodistas
são aqueles que buscam a santidade de coração e de vida, conformidade interior e exterior
em todas as coisas segundo a vontade revelada de Deus, são pessoas cuja religião reflete a
imitação e adoração a Deus em todas as suas perfeições imitáveis, em especial quanto à
justiça, à misericórdia e à verdade, ao amor universal que enche o coração e governa a vida.
Mantenham-se no caminho, sejam leais a seus princípios”.
O Credo Social rege os demais documentos da Igreja Metodista do Brasil e, portanto,
contêm a essência do conteúdo dos documentos que serão descritos a seguir.
177
Documento aprovado no 2º Concílio Geral da Igreja Metodista, realizado em Porto Alegre, em 1934.
100
1.2 Plano para a Vida e Missão da Igreja e Plano Nacional Missionário
Segundo o Plano para a Vida e Missão da Igreja Metodista no Brasil
178
, a missão
acontece quando a Igreja sai de si mesma e envolve-se com a comunidade, tornando-se
instrumento da novidade do Reino, e a comunicação é meio para concretizar esse propósito.
A Igreja está em missão também ao oferecer aportes na implantação das Metas do
Milênio
179
, a serem alcançadas até 2015, e que fazem parte da Declaração do Milênio das
Nações Unidas, a fim de melhorar as condições de vida de mulheres e homens em todo o
mundo e corrigir os desequilíbrios globais geradores de injustiça a Igreja participa de
diálogos com o governo na promoção da paz e da justiça.
Nesse sentido, urge uma resignificação do que representou a comunicação no
movimento metodista para ser adaptado à Igreja Metodista, na RE e no Brasil, à luz da
comunicação ao longo da implantação e consolidação do movimento wesleyano, a fim de
contextualizar e identificar práticas preponderantes para uma mídia religiosa comprometida
com a vocação pública do povo chamado metodista hoje.
Para que a vida seja comunicada em toda sua plenitude é preciso que as idéias
desenvolvidas sejam experimentadas por meio e a partir de gestos concretos.
180
Paul Tillich
conclui que “a Palavra não é a soma das palavras pronunciadas por Jesus. É o ser do Cristo,
do qual suas palavras e feitos são uma expressão”.
Segundo o Plano Nacional Missionário (2007-2012)
181
, para o aperfeiçoamento da
política metodista de comunicação, perante o público externo que é a sociedade, são
requeridos a demonstração da identidade nacional metodista, o que implica na
responsabilidade da expressão de anúncio e denúncia, bem como em situações específicas,
nas quais momentos de destaque na vida nacional requerem a voz profética da Igreja
178
COLÉGIO EPISCOPAL da Igreja Metodista do Brasil. Plano para a Vida e Missão da Igreja. Biblioteca
Vida e Missão, Documentos, nº 1. São Paulo: Cedro, 2001. 56 p.
179
A Declaração do Milênio foi o resultado do conclaveAssembléia do Milênio realizado pela Organização
das Nações Unidas em setembro de 2000 que reuniu de chefes de Estado e de governo com 191 delegações
presentes. A Declaração do Milênio reconhece que o mundo possui a tecnologia e o conhecimento para
resolver a maioria dos problemas enfrentados pelos países pobres. Contudo, tais soluções não foram
implementadas na escala necessária. O estabelecimento destes objetivos representa uma grande realização da
comunidade internacional, visto que são mensuráveis e delimitados temporalmente.
180
BARBOSA, José Carlos. A linguagem teológica protestante como inovação de valores ausentes e sua
tentativa de mudança, p. 71.
181
COLÉGIO EPISCOPAL da Igreja Metodista do Brasil. Plano Nacional Missionário. Biblioteca Vida e Mis-
são, Documentos, nº 13. São Paulo: Cedro, 2007. 76 p.
101
Metodista. Símbolos, estilos e logomarcas devem convergir para uma identidade e
conexão nacional. Não basta transmitir mensagem, doutrina e conteúdos de fé, é imperativo
torná-los vivos e fonte de vida para quem os recebe.
A comunicação, a exemplo de Jesus, não se restringe às palavras, mas posturas, ações
e gestos comunicam igualmente a mensagem de Deus, visando a transformação de vidas e
estruturas. Os aspectos da educação e da democratização para os meios de comunicação são
relevantes: canais de comunicação não devem apenas ser utilizados, mas transformados,
redimensionados e humanizados, dignificando o meio pela grandeza da mensagem. E o
direcionamento para aprimorar a comunicação a serviço da ação missionária consiste em
despertar a Igreja para usar os meios de comunicação social rádio, TV, jornais em prol
da missão, da disseminação da mensagem cristã segundo a perspectiva do povo metodista,
cuja teologia está arraigada na vida.
A proposta da Igreja Metodista do Brasil, a partir das decisões do 18º Concílio
Geral
182
realizado em 2006, e das prioridades do Plano de Gestão Missionária da 3ª Região
Eclesiástica
183
para o período de 2007 a 2011, no que tange à expansão missionária e à
comunicação, são a implantação de programa de rádio e TV regionais, bem como a busca de
caminhos para ampliar o alcance dos membros de cada igreja local, criar modelo de
visualização da marca metodista, novos instrumentos de comunicação escrita e um projeto
de ouvidoria.
Concluindo o item da descrição dos documentos da Igreja Metodista do Brasil
mencionados, o Credo Social sinaliza que a comunicação social é um setor básico que,
havendo carência, passa a ser parte da causa e efeito dos problemas sociais, os quais são
próprios de uma determinada comunidade em determinada época e, por isso, precisam ser
analisados dentro do contexto sócio-econômico e cultural específico. E ainda, afirma que os
meios de comunicação social contribuem poderosamente para a educação do povo, mas estão
trazendo também muita influência negativa que deforma as mentes e agride a sociedade.
182
A Igreja Metodista realiza Concílios em diferentes níveis local (uma só igreja), distrital (igrejas de um
mesmo distrito), regional (igrejas de uma das 8 regiões eclesiásticas do país) e geral (nacional). O Concílio
Geral ocorre a cada qüinqüênio e vota as decisões máximas da Igreja Metodista do Brasil.
183
O Plano de Gestão Missionária da 3ª RE foi lançado com a finalidade de apontar diretrizes orientadoras para a
caminhada de vida e missão da região no período em questão. A Igreja Metodista do Brasil é organizada em
8 Regiões Eclesiásticas (RE), sendo que a RE corresponde à Grande São Paulo, contexto no qual a
pesquisadora está inserida.
102
Por sua vez, o Plano Nacional Missionário possui um item específico sobre missão e
comunicação no qual reordena e acrescenta novos aspectos ao conteúdo de outro documento –
o Plano Nacional Objetivos e Metas, reiterando que a comunicação é fator presente em todos
os campos da existência, sendo elemento fundamental para o resultado das ões humanas,
sejam pessoais ou institucionais, e é imprescindível à Igreja, em sua ação missionária, não
podendo, portanto, ser negligenciada. Tais elementos são igualmente ressaltados pelo Plano
para a Vida e Missão da Igreja Metodista do Brasil. Os três são documentos destacados por
sua relevância como cerne da Igreja Metodista Credo Social, e seus atuais desdobramentos
contextuais Plano para a Vida e Missão da Igreja e Plano Nacional Missionário, sendo
norteadores para a prática midiática metodista nacional.
2. Inventário da prática da comunicação e mídia metodista
2.1 Impresso
O Methodista Catholico foi lançado no dia de janeiro de 1886 como publicação
oficial da Igreja Metodista Episcopal no Brasil. O redator chefe, missionário norte-americano
J. J. Ransom, anuncia a proposta originária do veículo de comunicação em seu editorial de
estréia:
A Redação do Methodista Catholico julga ser do seu dever explicar o seu
programma. Sendo esta folha órgão da Igreja Methodista Episcopal no
Brazil, portanto o nome Methodista: abraçando a religião christã em toda a
sua plenitude, e fraternisando com todos que creem em Deus e amam a
Nosso Senhor Jesus Christo, portanto o termo Catholico. Nosso programma
é simplicissimo. Todos os numeros terão as competentes Lições
Internacionaes para as Escolas Dominicaes; um ou mais artigos
doutrinarios; e o melhor que pudermos colher dos jornaes brazileiros sobre
as grandes questões do dia, tanto religiosas, como moraes e sociologicas.
OMetodista Católico foi renomeado em pouco mais de um ano e passou a se
chamar Expositor Cristão. Idealizado pelo primeiro missionário oficial enviado pela Igreja
Metodista Episcopal do Sul, dos Estados Unidos, John James Ransom, o jornal nasceu com
uma proposta ecumênica em seu primeiro nome, revelando o desejo de universalidade no
editorial inaugural. Seu criador pretendia um veículo de orientação doutrinária que não
103
fosse sectário, em consonância com a tradição wesleyana. É o mais antigo veículo de
comunicação da Igreja Metodista no Brasil.
184
Um órgão de comunicação eclesial é a voz institucional, com papel de formação de
opinião, integração comunitária, construção de identidade. Mas não é apenas voz
institucional. Para que um órgão de comunicação seja assim chamado, é necessário um
mínimo de integração com seu público leitor; é necessário que o leitor se reconheça e a seus
interesses – nas páginas do jornal, afirma Suzel Tunes, atual editora do Expositor Cristão.
Além desse jornal mensal veiculado em nível nacional e disponibilizado no site da Sede
Nacional da Igreja Metodista no Brasil, as demais Regiões Eclesiásticas elaboram também
informativos regionais impressos, com uma exceção, a saber: “Avante” (1ª RE), “Conexão”
(3ª RE), “Diálogo pastoral” (4ª RE), “Informativo Regional” (5ª RE), “Jornal da Sexta” (6ª
RE), “Compartilhar pastoral” – somente online (REMNE), “Desafio da Amazônia” (REMA).
2.2 Rádio
A Área Nacional lançou, no final de 2007, um programa de Web Rádio no portal da
Igreja Metodista [http://www.metodista.org.br]. O formato inclui uma programação de 8
horas, reprisada em três turnos: das 8 às 16 horas, das 16 h às 24h, das 24h às 8h, sendo
atualizado semanalmente, considerando que a média de acesso ocorre apenas uma ou duas
vezes por semana. O conteúdo é composto de uma seleção de pregações e músicas
elaboradas por teólogos(as) e artistas metodistas seleção que pode, também, servir como
recurso litúrgico para os pastores e pastoras metodistas em todo o país. O conteúdo musical
teria a colaboração do Departamento de Música e Arte.
Entre eles, pregações do Bispo Nelson Leite veiculadas na rádio transmundial,
entrevistas, leituras do No Cenáculo e de cartas pastorais, bem como de textos bíblicos e
poemas, hinos de Charles Wesley e do hinário digital, músicas dos CDs do Departamento
Nacional de Trabalho com Crianças e de louvor das igrejas locais em diferentes estilos
184
TUNES, Suzel Magalhães. O pregador silencioso: Ecumenismo no jornal Expositor Cristão (1886-1982).
200 f. Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião) Curso de Pós-Graduação em Filosofia e Ciências da
Religião, Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo, 2009, p. 11 e 40.
104
musicais (coral, rock, bossa nova, ritmos brasileiros) selecionados segundo o conteúdo
teológico-doutrinário e a qualidade técnica.
Ademais, uma parceria com a Rádio Metodista, da Universidade Metodista de São
Paulo, que ganhou prémio da Associação Paulista dos Críticos de Arte de melhor webrádio
do Brasil. Essa parceria da webrádio universitária com a webrádio da Igreja abre espaço na
programação para matérias (a Pastoral Universitária produz conteúdos para a Rádio
universitária) e divulgando notícias da Umesp que sejam do interesse da Igreja, como os
cursos dos pólos de educação à distância, as vagas para trainees do Cogeime etc.
Uma novidade foi lançada no final de 2009 a Web-Rádio Metodista incluiu na
programação a sua primeira rádio-novela, O Quarto Mago, uma produção da Assessoria
de Comunicação da Sede Nacional da Igreja Metodista, com roteiro, produção e edição de
Paulo Vieira, para celebrar o Advento. Escrita por Henry Van Dike no século passado, a
história narra a vida de Artaban, um jovem sábio que sai da Pérsia para alcançar os três reis
magos e, junto deles, adorar o Rei dos Reis. Porém, várias surpresas surgem em seu
caminho e dão novos rumos à sua vida.
Dentre as regiões eclesiásticas, somente a RE e a RE têm programas de rádio
regionais, e nas demais regiões diversos programas são desenvolvidos por diferentes igrejas
locais.
2.3 Rede Metodista, Internet e TV
A criação da Rede Metodista de Educação, no 18.o Concílio Geral da Igreja Metodista,
tem como objetivo tornar a marca “Metodista” ainda mais forte no cenário educacional
brasileiro, e integração as unidades metodistas de ensino, fato que proporcionará ao aluno
uma formação mais abrangente e diversificada: “Com integração, o aluno metodista que, por
exemplo, estiver matriculado em São Paulo terá a oportunidade de fazer um semestre em
outro estado para conviver com as diferenças culturais que temos dentro do próprio país”,
destaca o diretor da Rede, Márcio de Moraes.
Esse projeto nacional nasce como um rede de internet que pretende agregar sites
metodistas de todo o país em um mesmo portal de serviços, utilizando domínio unificado,
no sentido de atender às determinações do Plano Nacional Missionário 2007-2012: “A
comunicação na vertente interna deve proporcionar a unidade, firmar a conexidade,
105
aprimorar a circulação de orientações e informações”. Seis das oito regiões eclesiásticas
da Igreja Metodista já estão integradas à Rede Metodista de Educação.
O portal na internet é um projeto nacional de comunicação da Igreja Metodista, e a
webrádio deriva dessa proposta. O objetivo do portal é compartilhar banco de dados como o
Cadastro Nacional de Pastores e Pastoras, padronizar o visual nacional nas regiões como
cartão de visita com uma marca metodista, receber notícias de todas as regiões, além da
prestação de serviços de comunicação tais como os recursos que são compartilhados
atualmente: “quem somos, sedes regionais, palavra episcopal, documentos oficiais,
confederações, programas nacionais, espaço cultural, Expositor Cristão, Voz Missionária,
imprensa & religião, reflexões, escola dominical, estudos e liturgia, sombra e água fresca,
web-rádio, biblioteca on-line, agenda, enquete”, além de notícias de todas as regiões, e
relativas a questões mundiais relevantes.
Todas as regiões eclesiásticas possuem portal na internet, e muitos deles incluem seus
respectivos programas de rádio e TV, jornais e revistas. A 1ª RE tem um programa regional
de TV, que vai ao ar pela Bandeirantes aos domingos, das 7h30 às 8h. A RE tem o
programa local da Igreja Metodista de Belo Horizonte, que vai ao ar pela Rede Super, aos
bados, das 16h às 16h30. A TV UNIMEP, da 5ª RE, merece destaque.
2.3.1 TV UNIMEP
185
O Canal Universitário de Piracicaba surge em 1998, graças aos esforços da Universidade
Metodista de Piracicaba UNIMEP. No mesmo ano em que o Canal Universitário de
Piracicaba tornou-se realidade, a TV UNIMEP foi criada com a missão de produzir
programas culturais, educativos, informativos e de entretenimento, com alto padrão de
qualidade tanto de conteúdo, como técnico e audiovisual. A UNIMEP TV tem sua
identidade focada na diversidade regional e na multipluralidade cultural, é uma tevê
universitária sem tendências políticas, raciais ou religiosas e com fins não lucrativos.
A UNIMEP TV é filiada à ABTU Associação Brasileira de Televisão Universitária,
sendo reconhecida junto a outras televisões e canais universitários, instituições culturais e
185
Fabiano PEREIRA é o Coordenador Geral da UNIMEP TV canal universitário de Piracicaba e contribuiu
com as informações supracitadas.
106
órgãos governamentais, graças à sua programação eclética e capacidade de detectar e
atender as necessidades e demandas da própria comunidade acadêmica e da comunidade
onde está inserida.
Atualmente, é transmitida via cabo através do Canal 13, da NET, atingindo um
público estimado em 120 mil telespectadores, além de disponibilizar conteúdo em seu site
[http://www.unimeptv.com.br], com média anual de 360 mil visitas aos programas
hospedados na internet.
A TV UNIMEP está no ar 24 horas por dia, 7 dias por semana. Até o início deste ano,
ocupava sozinha o canal universitário de Piracicaba. Em 2007, deixou de ser parte da
estrutura do Laboratório de Comunicação Social da Faculdade de Comunicação para tornar-
se um departamento administrativo autônomo sob responsabilidade direta da reitoria. A
partir de fevereiro de 2010, um contrato de parceria foi assinado com a TV USP, que passou
a dividir a grade de programação, sendo 12 horas de veiculação para cada uma delas.
Contudo, a UNIMEP continua gerindo o canal.
A equipe multidisciplinar conta com 4 funcionários e 3 alunos bolsistas, além de
inúmeros alunos e professores voluntários, para produzir e veicular 8 programas sendo 2
diários, 4 semanais,1 quinzenal e 1 mensal. Devido ao profissionalismo, credibilidade e
comprometimento demonstrados pela equipe, a mesma é correspondente local das três
maiores redes públicas do país: TV Cultura, Canal Futura e TV Brasil.
Fabiano Pereira confirma que a igreja está presente em todos os valores que guiam a
filosofia de trabalho, desde o cuidado com o conteúdo de essência puramente educativa e
cultural até a promoção de valores como a dignidade humana. Um exemplo é o programa
intitulado “Devocional Diária”, produzido pela TV em parceria com a pastoral universitária
e que traz, em cinco minutos, uma reflexão bíblica elaborada pela equipe da pastoral e por
outros pastores metodistas do distrito que são convidados a participar. O programa vai ao ar
diariamente às 11h55 e às 17h55, e será inserido na intranet para que os alunos, professores
e funcionários possam assistir quando acessam a rede para as atividades diárias.
Programas especiais de Páscoa e Natal da TV são sempre captados nas igrejas
metodistas locais. O Projeto Ágape desde 2007 reúne um grupo vocal com componentes de
diversas igrejas da cidade e é responsável pelas apresentações captadas e inseridas na
programação durante todo o período que envolve datas significativas para o cristianismo.
107
Os programas de maior impacto e retorno são, além do “Devocional Diária”
citado, os que têm a participação direta da comunidade na gestão da pauta: “Pensando
Educação” programa com a participação de representantes da área educacional das esferas
municipal, estadual, rede particular e especialistas da universidade; Triálogos” que
propõe um espaço de diálogo entre a mídia, a academia e a comunidade externa sobre temas
da atualidade de interesse da comunidade regional, com a presença de 3 pessoas no estúdio
dialogando sobre o tema; e o “Bem Comum”, que apresenta um movimento social da região
e, ao final, indica formas de contribuir com o trabalho da mesma esse programa é exibido
também dentro do Projeto Campus, da TV Cultura de São Paulo, com grande frequência.
2.4 Encontro nacional de comunicadores metodistas
O primeiro encontro de comunicadores/as metodistas foi organizado em 2007 pela
atual equipe de Comunicação da Área Nacional, e teve o objetivo principal de promover
relacionamentos e intercâmbios entre os/as profissionais que trabalham na área de
comunicação da Igreja Metodista em todo o país, possibilitando melhor interação entre as
equipes e maior agilidade e eficiência na transmissão de informações. A maioria não havia
se encontrado pessoalmente, e a proposta era de que fosse periódico, duas vezes ao ano.
Uma série de motivos impediu que outras reuniões de mesmo teor fossem
organizadas. Perdeu-se um pouco do entrosamento entre as equipes mas, em contrapartida, a
Rede Metodista de Comunicação, que se configura a partir de um sistema de Internet
comum a todas as regiões, vem crescendo. Neste período, surgiram novas iniciativas de
inserção da Igreja Metodista na mídia, na Internet, no rádio e na televisão. As equipes de
comunicação da Igreja Metodista têm, portanto, muitas experiências a compartilhar. Agora
é possível dar um passo adiante, no sentido de buscar um planejamento estratégico das áreas
de comunicação para o biênio 2010-2011.
O segundo encontro foi realizado em janeiro de 2010, não apenas para obter um
intercâmbio das equipes, mas para fazer uma avaliação global da atuação das áreas de
comunicação em todo o país e, a partir das experiências e know-how de cada equipe,
elaborar um plano de ação para a área de comunicação da Igreja Metodista para os próximos
dois anos. O evento foi organizado a partir das áreas de atuação da comunicação (rádio, TV,
108
impressos, etc), a fim de que todos/as participantes pudessem ter um panorama geral das
iniciativas realizadas em todo o país.
Os temas abordados foram os seguintes: Cadastro Nacional de Pastores e os recursos
mais recentes do site; entrada da Primeira Região na Rede Metodista de Comunicação;
experiência de Nelson Luiz de Campos Leite Bispo da Igreja Metodista com a Rádio
Transmundial; o programa de rádio da RE; experiênca da Área Nacional com a Web
Rádio Metodista; a TV Regional da RE; a equipe de TV da Igreja Metodista de Belo
Horizonte; o projeto editorial e público leitor Expositor Cristão e da Voz Missionária; novas
mídias orkut, twitter e afins; relacionamento com a mídia e com o público interno;
formação de uma equipe de trabalho nacional para a cobertura completa do próximo
Concílio Geral da Igreja, antes, durante e depois do evento.
Em muitos sentidos, esse evento assemelha-se à proposta de Brose com os encontros
do “Comunica”, e é uma proposta necessária à sedimentação de uma política
comunicacional padronizada e conexional para o país, a qual deve estar fundamentada
segund a vocação pública para a qual o povo metodista foi chamado.
3. Pistas para uma inserção coerente com a vocação pública
3.1 Dimensão pública do metodismo
A compreensão sobre a doutrina da salvação, especialmente quanto à
abrangência do processo de santificação, é fundamental para
entendermos a dimensão pública e cidadã do movimento metodista.
Se por um lado o metodismo enfatizava uma forte experiência
privada convicção pessoal da manifestação da graça de Deus na
vida de cada ser humano (graça justificadora), por outro lado,
enfatizava a dimensão sócio-comunitária do cristianismo (graça
santificadora). É a graça compartilhada que se manifesta por meio de
uma operosa em amor. A solidariedade de Wesley com os mais
excluídos e injustiçados de seu tempo não é fruto de um
compromisso ideológico ou político partidário. Ela está
fundamentada no conceito e na vivência de uma santidade social.
186
186
CASTRO, Clovis Pinto de. Viver na dimensão do cuidado. In: Caminhando, nº 12, p. 277-8.
109
O centro explícito da preocupação ministerial e o pensamento doutrinal de Wesley
é constituído pela santificação. A grande pergunta que comove toda a vida de Wesley é: O
que Deus espera de mim? Que atitude me é requerida em minha relação com Deus? A
resposta inequívoca das Escrituras é: Deus demanda tua entrega total, demanda a totalidade
de tua pessoa e de tua vida. Essa é a raiz de sua doutrina da santificação. Wesley encontrou
na graça imerecida de Deus, manifesta na obra do Espírito Santo, a resposta à pergunta sobre
como amar a Deus de todo o coração, mente e forças, e ao próximo como a si mesmo. Tal
resposta foi o motivo dominante da renovação evangélica do século XVIII, por isso Wesley
insistiu com razão no fato de que a comissão do Metodismo era ‘espalhar a santidade
bíblica’.
187
Para Wesley, a santificação se desenvolve na inter-relação humana. A justificação
pressupõe um ato de pessoal e intransferível; a santificação implica na existência do
outro, do próximo, tanto no nível comunitário eclesiástico como no espaço público. Para
Wesley, as pessoas não se santificam sozinhas. A santificação, na perspectiva wesleyana, é
sócio-comunitária pressupõe a vida comunitária e a inserção dos cristãos no espaço
público.
188
Em 1778, no início da publicação do Arminian Magazine, John Wesley
publica nele uma carta da sua mãe, de 1735, na qual ela confirma: “Virtudes
morais evangelizadas ou desenvolvidas na direção de deveres cristãos
seguem, parcialmente, a perspectiva de promover o bem da sociedade
humana, mas, especialmente, de qualificar seus observadores para uma
sociedade posterior muito mais abençoada e duradoura”. A visão da mãe
menciona a responsabilidade pública do cristão de forma muito próxima à
perspectiva puritana. Nota-se que, segundo ela, “a promoção do bem da
sociedade humana” é “dever cristão” e efeito colateral do autopreparo para
o realmente essencial: a eternidade. É, em termos gerais, a perspectiva do
Clube Santo em Oxford, em que a busca da santidade como um possível
subsídio de uma consciência tranquila é uma das marcas do grupo.
189
A santificação, na perspectiva wesleyana, pressupõe duas dimensões complementares
atos de piedade e atos de misericórdia. Os atos de piedade podem ser considerados como
dimensão ad intra da santificação, de ordem interna, no nível comunitário eclesial. São
ações de sustentação comunitária, de apoio em situações de adversidade, de compartilhar
sentimentos de carinho, afeto e amor, de compreensão e atenção aos problemas que outros
187
BONINO, José Miguez. Hacia uma eclesiologia evangelizadora, p. 33-4.
188
CASTRO, Clovis Pinto de. Viver na dimensão do cuidado. In: Caminhando, nº 12, p. 278.
189
RENDERS, Helmut. Andar como Cristo andou: a salvação social em John Wesley, p. 312.
110
irmãos e irmãs estão enfrentando. Os atos de misericórdia se constituem na dimensão ad
extra da santificação, de ordem externa, no nível público. Exige uma fé vivida na esfera
pública, em interação com a pluralidade humana. Ultrapassa os limites eclesiásticos.
Segundo Gonzalez, ‘em nossa América, tradicionalmente cristã, uma das principais
tragédias políticas reside em que esse cristianismo não tem sido traduzido, como diria
Wesley, numa santidade social.
190
O entrelaçamento do indivíduo, da igreja, da nação, da humanidade e do
mundo existe, (…) desde o início do seu ministério. Mas, a ideia de um
processo abrangente de transformação viria somente depois de 1738. Passa-
se de uma relação de intercessão pelo mundo e, de certo modo, de
denúncias proféticas pontuais, às iniciativas para sua transformação. Deus
continua sendo visto como o agente maior na sociedade o que transparece
claramente na ênfase na intercessão , mas a ideia da corresponsabilidade
leva a projetos de construção de espaços e formas de convivência
alternativas.
191
O metodismo em sua gênese é marcado por uma vocação pública. Wesley acreditava
que as transformações sociais aconteceriam com a conversão das pessoas, ele não olhava a
si mesmo como um reformador social, mas como um evangelista.
192
Um pouco antes de sua
morte, em 1789, Wesley pregou um sermão sobre a diminuição do fervor dos metodistas na
missão. Ele afirma que não é por falta de disciplina e doutrina, mas pelo fato de que os
metodistas estariam “perdendo a única coisa indispensável eles não doam... se recusam a
ser dádivas pela graça de Deus e perderam o dom da autodoação”.
193
A santificação se realiza sempre como serviço a Deus no dia-a-dia
no mundo e como testemunho sobre a presença do Reino de Deus. A
ação é acompanhada e impelida pela oração, na qual o homem ora
pela vinda do Reino e entrega o seu destino, bem como o dos outros
homens, à fidelidade de Deus, junto com o destino de todas as
criaturas. Fé e responsabilidade política, esperança no Reino de Deus
e trabalho pela realização dessa esperança eis três coisas que eso
interligadas.
194
Apesar de que Wesley não havia pensado em criar outra instituição eclesiástica, a
partir do movimento wesleyano estava sendo criada uma nova comunidade de crentes, uma
reagrupação do povo de Deus, uma assembléia diferente, transformada e confirmada pelos
190
CASTRO, Clovis Pinto de. Viver na dimensão do cuidado. In: Caminhando, nº 12, p. 280.
191
RENDERS, Helmut. Andar como Cristo andou: a salvação social em John Wesley, p. 312.
192
CASTRO, Clovis Pinto de. Viver na dimensão do cuidado. In: Caminhando, nº 12, p. 275.
193
Id. ibid., p. 285.
194
KLAIBER, Walter; MARQUARDT, Manfred. Viver a graça de Deus, p. 396.
111
dons e ministérios que se manifestavam com poder do Espírito neste dinâmico e
contagioso movimento. Uma nova maneira de ser igreja, um movimento eclesial
radicalmente diferente ao institucional havia sido colocado em marcha. Outro mundo era
possível, porque outra igreja com uma nova visão da missão crescia por toda a nova
paróquia. Agora uma nova paróquia da nova igreja assumia o desafio de transformar o
mundo alimentado pela dimensão escatológica do evangelho, que inclui transformar a
integridade da crião por meio de homens e mulheres novos em marcha escatológica
rumo ao novos céus e nova terra, o reinado de Deus.
195
A santidade social na perspectiva wesleyana implica na participação dos cristãos e
cristãs no projeto de Deus de restauração de sua Criação. Para Wesley, a religião não é um
meio pelo qual a humanidade escapará para um reino celestial mais tolerável, mas a
participação na própria iniciativa redentora de Deus, sua nova criação.
196
Para uma comunicação metodista inserida na mídia de forma coerente com a
dimensão pública, serão mencionados brevemente alguns itens específicos a seguir.
3.2 Criatividade do homem de ‘coração dançante’
Desde os primórdios, a experiência de profunda transformação vivida por inúmeras
pessoas alcançadas pelo metodismo, tanto na Inglaterra como na América, aconteceu não
somente mediante a pregação do homem do “coração aquecido”, mas também com os hinos
do homem do “coração dançante”. Estima-se que Charles Wesley tenha composto cerca de
nove mil poemas ao longo de seu ministério. Apesar dessa inestimável contribuição, a obra
de Charles Wesley é desconhecida e ignorada pela maioria dos metodistas de todo o
mundo.
197
(…) Nos hinos de Charles Wesley, vocês metodistas m algo único
que ninguém em tempo e lugar algum tem podido igualar, e a não ser
que vocês a preservem para seu uso por todos os cristãos, até aquele
195
DUQUE, José. El mundo es mi parroquia porque otro mundo es posible. In: Teologia e prática na tradição
wesleyana: uma leitura a partir da América Latina e Caribe, p. 210-1.
196
RUNYON, Theodore. A nova criação, p. 203.
197
MATTOS, Paulo Ayres. “Hinos de súplica e ação de graças pela promessa do Pai”. In: RAMOS, Luiz Carlos
(Org.). Mil vozes para celebrar: tricentenário do nascimento de Charles Wesley. São Bernardo do Campo:
Editeo, 2008, p. 74.
112
dia quando todos nós seremos um, todos perderemos uma das
melhores dádivas que Deus tem concedido à Igreja de Cristo.
198
Com as comemorações dos trezentos anos do nascimento de Charles Wesley, foram
lançados CDs com parte dos hinos, em alguns casos com nova roupagem melódica. Foi um
momento relevante para trazer a público a história e as poesias de Charles, escritas em total
sintonia com a teologia de John Wesley, e que alavancaram o movimento metodista ao
possibilitar que a doutrina pudesse ser cantada e memorizada.
Uma comunicação metodista na mídia deve incluir amplamente a utilização dos
poemas de Charles, não somente atrelada às grandes composições da tradição de Handel
como também da inculturação nos ritmos brasileiros. Especialmente diante do contexto da
cultura gospel, marcada pela descaracterização teológica em prol da mercantilização da fé.
Ampliando o leque, a música pode ser utilizada como instrumento terapêutico:
O sacerdote anglicano Martin Madan ajudou Wesley, em 1761, na
edição de Melodias sacras. Madan trabalhava, ainda, como capelão do
hospital Lock. Lá construiu uma capela para 800 pessoas e introduziu,
a partir de 1765, o canto de hinos como parte do processo terapêutico.
(…) O hospital cuidava especialmente de mulheres com doenças
venéreas graves, muitas vezes mortais. Madan se preocupava muito
com elas e estudou, cuidadosamente, o ambiente social que as forçou
a se prostituírem.
199
De igual maneira, a música é um instrumento criativo contra a injustiça e a loucura da
guerra, tal como a canção “Em favor da paz”, que descreve com realismo o horror da guerra e
pede a Deus que o matador seja expulso de nossos corações e que neles habite a bondade
que as nações da terra juntem-se para formar o reino de justiça, provem das alegrias da
unidade e o paraíso do perfeito amor. Outro exemplo é a que integra cabeça, coração e
mãos” nos textos de Charles que convidam à evangelização e socialização do pobre nas
sentenças “Vem, Senhor ajudar o teu povo a se ajudar e Ó Deus, tu bem sabes o que
precisamos.” Para Charles, o derramamento do amor de Deus faz com que o discípulo de
Cristo se sinta fortalecido e pronto para enfrentar qualquer obstáculo crendo que nenhum
problema é tão grande que não possa ser solucionado pelo poder do amor: “Prepara a mesa do
meu coração, tudo é possível para o amor”.
200
198
MANNING, Bernard. “Hymns for the Use oh the People Called Methodists”. Apud MATTOS, p. 72.
199
RENDERS, Helmut. Andar como Cristo andou: a salvação social em John Wesley, p. 308.
200
MONTEIRO, Simei.Mil vozes para celebrar: uma introdução à vida e obra de Charles Wesley”. In:
113
Charles Wesley estava convencido, e seu irmão John também, de que o meio mais
fácil para instruir o povo metodista na teologia metodista era por meio de hinos. E seus hinos
eram a expressão lírica da teologia wesleyana, uma contribuição única do movimento
metodista que não deve ser perdida, mas cantada como oração, louvor e exortação. Por volta
de 1750, o metodismo torna-se um fenômeno nacional e uma intensa perseguição se inicia.
Mesmo assim, ouve-se dizer naqueles tempos, quando muitos viajavam a cavalo, era possível
saber que um metodista estava chegando pelo seu cantar.
201
Que assim seja nos dias de hoje
também.
3.3 Compromisso com a educação e com a criança
Tal como foi mencionado anteriormente, John Wesley não se cansava de orientar
sobre o cuidado com as crianças, e o pregador que não soubesse falar com crianças teria que
praticar até conseguir, ou não servia para ser um pregador metodista.
Essa postura é fruto da metodologia enérgica de sua mãe Susanna e resultado de
como ele mesmo havia sido cuidado na infância: “Para formar as mentes das crianças, a
primeira coisa a fazer é subjugar sua vontade e levá-las a um temperamento obediente
Susanna estava adiante de seu tempo nessa área específica.
202
Havia um “regulamento interno” na casa dos Wesley no qual constava seguinte:
“Nenhuma ação pecaminosa como mentira, pequeno roubo, brincadeira na igreja ou no dia
do Senhor, desobediência, briga, etc, passa-se sem castigo”. Entre as regras do clube santo
consta as seguintes perguntas: “Será que não podemos tentar fazer o bem para os que estão
famintos? Não podemos contribuir o pouco que temos para que seus filhos tenham roupa e
sejam ensinados a ler?o podemos ver se não ensinadas, sem catecismo, as orações curtas
para a manhã e a noite?”.
203
A tríade sobre as questões sociais, docentes e relativas à criança
aparecem em toda a obra wesleyana, sendo o mote da criança um viés para o excluído em
RAMOS, Luiz Carlos (Org.). Mil vozes para celebrar: tricentenário do nascimento de Charles Wesley. São
Bernardo do Campo: Editeo, 2008, p. 36, 43 e 50.
201
Id. ibid., p. 17 e 21.
202
HEITZENRATER, Richard. Wesley e o povo chamado metodista, p. 26.
203
REILY, Duncan A. Wesley e as crianças. In: JOSGRILBERG, Rui S.; RENDERS, Helmut; RIBEIRO,
Cláudio O.; SOUZA, José C. (Orgs.). Teologia e prática na tradição wesleyana: uma leitura a partir da
América Latina e Caribe. São Bernardo do Campo: Editeo, 2005, p. 13-5.
114
geral, tal como a mulher, que o movimento acolheu e o leigo, que tornou-se um recurso
essencial.
Numa época em que não havia escola pública e os pobres eram esquecidos pela
Igreja, Wesley e seus companheiros se mobilizaram para conseguir ajuda de fora, pagar uma
professora, vestir as crianças e até ensinar as primeiras letras e os rudimentos da religião.
Wesley admitia crianças na Ceia do Senhor e no batismo, e depois de visitar alguns
orfanatos decide comprar o terreno para construir um prédio escolar “para que os filhos dos
mineiros pudessem saber as coisas que fazem a sua paz, com algumas pequenas salas para
acomodar os mestres-escolas (e, talvez, se agradar a Deus, algumas crianças pobres)
morarem”.
204
Quando John então funda essa escola nas instalações das minas de Kingswood,
estava especialmente preocupado com aquelas crianças pobres que deviam não apenas
aprender a “ler, escrever e fazer contas, mas antes particularmente (com a ajuda de Deus) a
‘conhecer a Deus e Jesus Cristo a quem Ele enviara’”. A paróquia de Wesley não era apenas
sem fronteiras e sua congregação sem linhagem, mas seu conceito de ministério era sem
limites, desde que as atividades estivessem de acordo com a visão bíblica do cristianismo,
ajudando as pessoas a receberem a total salvação que Deus trouxe à humanidade.
205
A Fundição também acolheu crianças para o ensino, conforme mencionado
anteriormente, e o Centro Metodista de Newcastle recebeu o nome “Orfanato” por causa
das visitas anteriores de Wesley a eles em Halle, e foi uma história muito similar a
Kingswood.
Wesley viu o valor do ramo da educação por meio da Escola Dominical como “uma
espécie de caridade mais nobre que se estabeleceu desde o tempo de Guilherme, o
Conquistador”. Via que era uma excelente instrumento para o reavivamento da religião por
toda parte da nação e escreveu em seu diário depois de visitar a escola dominical em
Bingley:
Tantas crianças (240) numa paróquia são impedidas da prática de
pecados, e ensinadas nas boas maneiras, pelo menos, bem como ler a
Bíblia. Por onde quer que eu ande, encontro destas escolas nascentes.
Quem sabe se Deus não tem um propósito mais profundo para elas do
204
Id. ibid., p. 16-7.
205
HEITZENRATER, Richard. Wesley e o povo chamado metodista.
115
que os homens reconhecem? Quem sabe se algumas delas serão
sementeiras para os cristãos?
206
Quanto à escoa dominical em Newcastle, Wesley a considerou “uma das melhores
instituições vistas na Europa por alguns séculos”. Mesmo aos 80 anos, depois da pregação
as crianças o cercavam na rua e corriam ao redor de Wesley, ao que ele testifica que “não
ficaram satisfeitas antes de eu apertar a mão de cada uma delas” o que é revelador do seu
amor para com os pequeninos. E as crianças correspondiam a esse amor, encontrava entre
50 e 60 crianças na reunião das 5 horas da madrugada, e falava com esperança da geração
que se levantava. Wesley se orgulhava das crianças:
Reuni entre 900 e 1000 crianças pertencentes às nossas Escolas
Dominicais. Nunca vi tal cena antes. Estavam todas limpas e vestidas
com simplicidade, sérias e bem comportadas. Quando cantaram em
conjunto, ninguém desafinou e a melodia era melhor do que a de
qualquer teatro. E o que é melhor de tudo, muitos verdadeiramente
temem a Deus e alguns se regozijam na sua salvação. o modelos
para a cidade inteira.
207
Charles Wesley escreveu em seu hino para crianças cantado na inauguração da
escola de Kingswood: “Unir os dois separados tanto tempo: conhecimento e piedade
vital, aprendizado e santidade combinados, verdade e amor”. A frase pessoal de John e a
expressão poética de Charles, nessa conexão essencial, entrelaçaram doutrina e disciplina,
produzindo profunda influência sobre o movimento.
Posteriormente, Charles preparou hinos especiais para crianças com linguagem
simples, porém exata, pura e forte. Eles foram reunidos num hinário intitulado “Hinos para
crianças de anos mais maduros”
208
, os quais tiveram um lugar importante no trabalho com
crianças. Igualmente, John preparou uma coleção de orações especialmente para as crianças.
Um comunicação metodista inserida na mídia segundo a vocação pública do
metodismo deve ter a criança, a mulher, e os excluídos em alta estima, tendo nele um
público-alvo independentemente do retorno financeiro ou de outra ordem que possa ter,
especialmente no tema da construção de uma rede de proteção da criança e do adolescente,
da violência doméstica, do abandono de idosos, desempregados, etc.
206
REILY, Duncan A. Wesley e as crianças, p. 22.
207
Idem.
208
Id. ibid, p. 23-24.
116
Em seu sermão “Sobre a educação de crianças”, Wesley escreve, em 1783:
Como a única finalidade de um médico é restaurar a natureza ao seu
estado próprio; então, a única finalidade da educação é restaurar nossa
natureza racional ao seu estado apropriado. [...] E, como a medicina
pode justamente ser chamada a arte de restaurar a saúde, então, a
educação pode ser considerada, sob outro aspecto, como a arte de
recuperar, para o homem, a sua perfeição racional.
209
De acordo com essa compreensão, a educação contribui para a restauração do ser
humano, e o tema se tornou uma marca metodista. Uma educação contínua para crianças e
adultos de todos os sexos, povos e classes sociais fortalece a santidade e o amor para com
Deus e o próximo, é “saúde” uma das raízes da palavra “salvação”.
3.4 Saúde para todos e todas
O manual ou guia de “Medicina popular” escrito por Wesley teve 58 edições na
Inglaterra, Irlanda e Escócia até 1791, alem de 6 edições na Escócia e 18 na América do
Norte. Sua primeira edição nasceu depois de um ano que a primeira farmácia pública em
Londres foi inaugurada, localizada no primeiro centro metodista, a Fundição.
O livro foi amplamente difundido entre o povo chamado metodista e
incluiu conselhos sobre hábitos alimentares, informações sobre a
contribuição de diversos alimentos para a saúde, orientações para a
prática regular de exercícios físicos e, obviamente, receitas à base de
plantas medicinais e uma dieta contínua ao alcance do povo. O que
nos interessa, aqui, é o entrelaçamento de saúde e salvação, no
cotidiano das pessoas, o aspecto terapêutico da soteriologia de uma
teologia ad populum e em público. O tema, porém, vem desde a época
de Oxford. Em 1734, Wesley pregou: “Restaura-nos para a saúde,
liberdade e santidade. Elas foram criadas para nos curar das doenças
da nossa natureza, do amor a si mesmo e do amor ao mundo.
210
A conexão entre piedade prática, caridade e empreendimentos medicinais é lembrada.
Wesley traz da medicina para o campo religioso a idéia dos ecercícios e funda nela sua ênfase
da disciplina espiriual. E preocupa-se com o que chama de “temperamento baixo”, algo entre
uma vida sem ânimo, até uma depressão, com a sensação de falta de sentido na vida, às quais
somente Deus, Cristo ou a podem responder e restaurar, o que não se restringe à mente,
mas também ao corpo, afirma Renders.
209
RENDERS, Helmut. Andar como Cristo andou: a salvação social em John Wesley, p. 301-2.
210
RENDERS, Helmut. Andar como Cristo andou: a salvação social em John Wesley, p. 305 e 308.
117
Ele mesmo fazia exercícios regularmente e afirmava sentir-se tão jovem aos oitenta
quanto aos quarenta. Essa jovialidade não se restringe à questão física, mas a um estilo de
vida e leveza que igualmente foi impresso ao metodismo:
A jovialidade de Wesley (...) converge para o esforço de centrar-se
no essencial, no abecedário da cristã. A difícil luta para evitar que
o movimento metodista se transformasse numa denominação
autônoma, com todos os seus inevitáveis penduricalhos eclessticos
e administrativos, revela sua disposição de educar em torno de
pontos fundamentais. Mais do que um princípio, há em J.W. uma
quase obsessão em afirmar a leveza do metodismo, a completa
despreocupação com doutrinas miúdas, o desprezo por disputas e
discussões religiosas. Diz: Não colocamos nossa maior ênfase em
nenhuma opinião, quer seja correta ou não. Tampouco iniciamos ou
nos metemos numa discussão sobre elas. O peso de nossa religião,
como nós a entendemos, reside na santidade do coração e da vida...
Assim que não gastando o tempo com disputas, queremos gastar
nosso tempo e nos gastarmos no anúncio da religião autêntica e
prática. ... Não vamos discutir sobre opiniões. As opiniões me
adoecem. Estou cansado de opiniões. Minha alma se aborrece com
este alimento pura espuma. Dêem-me uma religião sólida e
substancial. Dêem-me uma pessoa que ama humilde e gentilmente a
Deus e aos demais. Uma pessoa cheia de misericórdia e bons
frutos.
211
No texto Pensamentos sobre o Metodismo, de 1786, ao refletir sobre a possibilidade
do desaparecimento do movimento, ele afirma que sua maior preocupação não é esta, mas a
de que se transforme numa seita morta, sem entusiasmo, sem corão, sem jovialidade. Em
carta de 1790, ao pregador Jasper Winscom, ele assinala: “Se não tomarmos cuidado vamos
nos converter nuns molengas. Soldados de Cristo, levantem-se”. Ao perceber que o
metodismo corre o risco de alcançar uma conformação acomodadora, ele reafirma sua
jovialidade.
212
Uma comunicação metodista inserida na mídia em coerência com a vocação pública
do metodismo originário deve atentar para a saúde como propósito intrínseco à salvação e
no tocante a todas as pessoas segundo a compreensão do ad populum.
211
BARBOSA, José Carlos. O caminho para a cabeça precisa ser aberto pelo coração. In: Caminhando, n. 12, p.
92.
212
BARBOSA, José Carlos. O caminho para a cabeça precisa ser aberto pelo coração. In: Caminhando, n. 12, p. 91.
118
3.5 Ganhar e economizar para doar
Wesley censurava qualquer coisa que se assemelhasse à acumulação supérflua de
riqueza por algum metodista, e durante anos instou os metodistas a darem tudo menos as
coisas “necessárias”. No sermão “O perigo das riquezas” ele traz à memória o texto de I
Timóteo 6.9: “Ora, os que querem ficar ricos caem em tentação e cilada”, e define “rico”
como sendo todos os que têm mais do que comida para comer, roupas para vestir e um teto
sobre suas cabeças. Essa foi a oportunidade para reiterar os três princípios sobre como lidar
com o dinheiro: ganhe o máximo que puder, economize o máximo que puder, (mas
especialmente) doe o máximo que puder. A mordomia cristã era o princípio contra o qual
Wesley argumenta sobre a avareza: “toda pessoa é avarenta quando sua beneficência não
aumenta na mesma proporção de sua riqueza”.
213
A questão do dinheiro impactava outros fatores sociais, como o casamento. Wesley
então trata da responsabilidade dos pais em relação ao casamento de seus filhos no sermão
“Sobre a religião familiar”, tema que poderia ser atualizado e adaptado para os dias de hoje:
Seus filhos ou suas filhas estão agora na idade de se casarem, e
desejam seu aconselhamento com relação a isto. Por certo, você sabe
o que o mundo chama de bom casamento: por meio do qual o dinheiro
é ganho. Sem dúvida, seria assim se fosse verdade que o dinheiro
sempre traz felicidade. Mas, eu duvido de que seja; dinheiro raramente
traz felicidade, neste mundo ou no mundo vindouro. Então, não
permita que algum homem lhe engane com palavras vãs; riquezas e
felicidade raramente habitam juntas. Portanto, se você for sábio, você
não irá buscar riquezas para seus filhos, por meio do casamento deles.
[...] É uma coisa melancólica ver como os pais cristãos se regozijam
em vender seus filhos ou suas filhas para um pagão endinheirado! E
você seriamente chama isto de bom casamento? Tu, tolo, pela
paridade de raciocínio, tu podes chamar de inferno uma boa moradia,
e de diabo um bom mestre. Ó, aprenda uma lição melhor de teu
melhor Mestre! “Busca, primeiro, o reino de Deus, e a Sua justiça”,
para ti mesmo, ou teus filhos; “e todas as outras coisas te serão
acrescentadas.
214
Nesse sentido, a comunicação metodista na mídia poderia incluir o tema sobre como
pensar e lidar com as finanças diante das tensões imensas da sociedade e da necessidade de
uma proposta de salvação abrangente. E incentivar a doação não apenas na dimensão interna
213
HEITZENRATER, Richard. Wesley e o povo chamado metodista, p. 280-1.
214
RENDERS, Helmut. Andar como Cristo andou: a salvação social em John Wesley, p. 309-310.
119
da igreja em prol dos campos missionários, mas também na promoção de campanhas
contra a fome em nível nacional.
Especialmente considerando os dados da UNICEF sobre a população da América
Latina: chegou ao terceiro milênio com 500 milhões de habitantes, sendo que 46% tem entre
2 e 14 anos, 68% é pobre e 53% vive em extrema pobreza. Somos um continente jovem
afetado pela pobreza extrema que impacta especialmente a grupos marginalizados como
crianças, mulheres, indígenas e negros. Nestes primeiros anos do século XXI, o continente
está marcado por traços sociais oriundos da globalização de um sistema econômico
excludente, o neoliberalismo imperialista que atende aos interesses de poucos e provoca
graves conseqüências na vida de todos entre tantos fatores: reprime a diversidade,
homogeiniza a cultura, sacrifica o meio-ambiente, promove o individualismo, a
industrialização, a competição, a secularização, a migração ao primeiro mundo, a violência,
a exploração da maioria pobre e concentração da riqueza nas mãos de poucos similar ao
contexto do metodismo em seus primórdios.
Ademais, criar um projeto similar à “Sociedade para panfletos”, iniciada por Wesley
em 1782, a fim de imprimir e distribuir literatura grátis. Uma forma de manter o programa
era por meio das pessoas que apoiavam a idéia e compravam essas publicações wesleyanas
que custavam um penny ou até menos, e que então eram distribuídas aos pobres. Um penny
era o preço de uma chave de relógio para os ricos, mas significava para os pobres um pacote
de açúcar ou um pão. Em dois anos, trinta diferentes títulos de panfletos foram distribuídos
com a recomendação na capa de que “não pode ser vendido, apenas distribuído”.
215
3.6 Audiência e linguagem ad populum
Wesley não define sua audiência a partir de sua afiliação doutrinal ou denominacional:
Ele assume uma audiência de simples pessoas comuns que não estão
familiarizadas com a terminologia da filosofia e teologia. Isso reflete-
se também nos seus diários. Eu preguei em Warrington, durante a
tarde, para uma grande assembleia, ricos e pobres, educados e pessoas
sem nenhuma formação. Nunca tinha falado de forma mais simples, e
nunca eu havia visto uma congregação mais atenta’.
216
215
HEITZENRATER, Richard. Wesley e o povo chamado metodista, p. 182.
216
RENDERS, Helmut. Andar como Cristo andou: a salvação social em John Wesley, p. 155.
120
A linguagem é simples para alcançar a todos e todas. Contudo, é possível distinguir
diversas linguagens em sua obra, quando é necessário dirigir-se aos diferentes grupos aos
quais Wesley frequentemente o faz ao povo, à academia, à igreja, às comunidades ou às
autoridades públicas:
Uma linguagem puritana (palavras como ‘sério’, ampla preferência
por citações blicas na argumentação), uma linguagem latitudinarista
(palavras como ‘sincero’, ‘sinceridade’, tendências universalistas) e
uma linguagem acadêmica (sentido original de palavras como
‘católico’, ‘ecumênico’, ‘tolerante’, preferência pelo discurso lógico e
valorização da racionalidade humana e por conceituações filosóficas,
platonistas e aristotélicas).
217
Renders identifica a origem dessas linguagens: da casa vem a dupla e, ao mesmo tempo
tensa, influência anglo-puritana. Da época da formação escolar e universitária, vem um acento
acadêmico, clássico e, inclusive, filosófico. o contato com o povo acontece, primeiro,
durante os anos de estudo e depois, com força, a partir da sua presença na colônia de Geórgia.
Wesley opta, com mais frequência, pela linguagem puritana, capaz de
alcançar os corações e as mentes de pessoas mais simples. Mas a
formação acadêmica de John Wesley corresponde também à formação
acadêmica do pai, Samuel, fazendo com que a linguagem acadêmica o
acompanhe desde a infância. Apesar do domínio de uma ou de outra
linguagem, em certos discursos, elas servem mutuamente, em Wesley,
para a descrição, caracterização e promoção do que intitulamos
soteriologia social. Elas abrangem, por exemplo (com as palavras de
Charles Wesley), tanto o mundo da piedade como o mundo da ciência,
e representam, assim, o esforço unificado e unificador para promover
a soteriologia social.
218
E conclui com uma anedota do Dr. Martin King Jr. sobre o porquê utilizar uma edição
antiga da Bíblia King James e não uma moderna, sendo ele um doutor em teologia, ao que ele
respondeu: “porque o povo entende e ama esta edição da Bíblia! Daí o porquê do predomínio
da linguagem puritana de Wesley. O discurso ad populum obviamente tinha o povo como
foco. Contudo, não se limitava a ele e, quando necessário, era capaz de ampliar e enriquecer a
visão popular com novos aspectos.
Finalmente, Wesley desenvolveu uma nova linguagem a fim de manter a proximidade
com diversos grupos atuantes na época quanto criar relações entre grupos que pouco se
comunicavam. Apesar de que essa linguagem mista fosse fonte de mal-entendidos e acusações
217
Id. Ibid., p. 321.
218
RENDERS, Helmut. Andar como Cristo andou: a salvação social em John Wesley, p. 322.
121
contra Wesley, ele preferiu mantê-la em prol da soteriologia social, com o objetivo de não
colocar em perigo seu projeto maior – “o estabelecimento de um discurso soteriológico amplo
e abrangente”.
219
Uma comunicação metodista inserida na mídia de forma coerente com a vocação
pública deve criar uma linguagem que tenha o povo como foco e audiência, bem como
desenvolver especificidades para públicos seletos como a juventude e as novas mídias que
exigem uma nova forma de comunicação a fim de acessar essa faixa etária. Deve igualmente
ser veiculada em canais abertos de televisão e com acesso ao maior número de pessoas, e
distribuída gratuitamente por meio de projetos de parceria nacional e internacional.
Josgrilberg fala da conversão de Wesley ao povo, no final de seu estudo em Oxford:
“Não foi Wesley que foi ao povo. Foi o povo que transformou a teologia de Wesley”. É nesse
sentido que Renders compreende a designação de “teólogo do povo” não somente “para o
povo”, mas até “pelo povo”, Wesley havia aprendido a atender os desafios do seu mundo e da
vida. O povo era importante, e não somente as pessoas da Igreja, mas o povo ingles, e o
contato com o “povo” significou também um “mergulho na sua ‘cultura’”.
220
A questão cultural é assunto das margens da igreja. O metodismo tem características
culturais ou contextuais tanto em relação às ênfases espirituais e organizacionais como as
teológicas. Uma missão fiel ao espírito inicial do metodismo nascente dialoga com a cultura
local atual e corresponde à aldeia global e suas cosmologias, suas estruturas sociais,
antropologia, etc.
221
3.7 O mundo como paróquia na aldeia global virtual
A missão cristã é local e global não pode haver dicotomia. A missão vai de todas as
partes a todas as partes, é multidirecional, com bases múltiplas. A notável afirmação “o
mundo é minha paróquia”, de Wesley, coloca nossos pés firmemente na igreja local e nossas
asas na igreja global. Esta visão determina que nossa vida na igreja e nosso testemunho no
mundo sejam de vital importância.
219
Id. ibid., p. 323.
220
RENDERS, Helmut. Andar como Cristo andou: a salvação social em John Wesley, p. 156.
221
RENDERS, Helmut. Aspectos culturais da soteriologia social de John Wesley. Teologia e prática na tradição
wesleyana: uma leitura a partir da América Latina e Caribe, p. 189/201.
122
Uma congregação local que não se envolve na missão mundial
por meio de seu testemunho, oração e solidariedade, possui uma
compreensão estreita e defeituosa do que é a missão de Cristo. Vive
uma existência ilhada. Da mesma forma, a igreja global que não se
estabelece nem se nutre do testemunho local, das igrejas locais,
liturgias locais e instituições locais, é estruturalmente defeituosa.
Seu cimento descansa sobre areias movediças.
222
O cotidiano e o povo configuram a pedagogia e a teologia wesleyana. “Até hoje
negligenciamos, em nossa memória de Wesley, a sua participação cultural e a cultura da
América Latina presente em nosso meio metodista”. O “mergulho” cultural e a luta contra
preconceitos deve nos levar a uma participação ativa na sociedade.
223
Em 1747, Wesley pregou às 9 horas a uma grande congregação, em
Renton e, às 6 da tarde, em Osmotherley, no cemitério, perto da igreja.
O tema era O Senhor ressuscitou verdadeiramente (Lc 24,34). Ao ver
a multidão ouvindo o Evangelho ele comenta: ‘Quão sabiamente Deus
ordena todas as coisas! Alguns não escutariam a Palavra de Deus fora
de um templo. Para o bem deles, pregamos no templo. Outros não
escutariam no templo. Para o bem deles, somos obrigados a
freqüentemente pregar nos caminhos’.
224
Se a missão é participação na plenitude da ‘missão de Deus’, toda comunicação do
evangelho deve ser junto com a proclamação da reconciliação operada na vida, morte e
ressurreição de Jesus Cristo testemunho da criação boa de Deus e chamado para cultivá-la
e cuidar dela, anúncio da justiça de Deus e conclamação a praticá-la e servir a ela. Mas uma
evangelização que dissesse tudo o que a dizer a respeito disso sem um chamado ao
arrependimento, à e ao discipulado, tampouco é participação na missão do Deus trino.
Uma evangelização verdadeiramente trinitária é o convite a participar em fé da própria vida
do Deus trino e, por isso, da totalidade do que Deus fez, faz e fará para cumprir seu
propósito de ser “tudo em todos”.
225
David Bosh
226
afirma que o Evangelho sempre chega às pessoas vestido com roupas
culturais. Não há um evangelho ‘puro’, ilhado da cultura. Mercy Oduyoye ressalta que todas
as culturas humanas têm elementos incompatíveis com a religião de Jesus e com a forma de
vida que ele exemplificou; o desafio das boas-novas que Jesus proclamou e encarnou é para
222
DHARMARAJ, Glory. Conceptos de misión, p. 48.
223
RENDERS, Helmut. Andar como Cristo andou: a salvação social em John Wesley, p. 156.
224
BARBOSA, José Carlos. Adoro a sabedoria de Deus, p. 125.
225
BONINO, José Míguez. Rostos do protestantismo latino-americano, p. 128.
226
David BOSH é considerado uma autoridade no tema da missiologia, para saber mais sobre o tema leia sua
obra intitulada “Missão Transformadora”.
123
todas as culturas humanas. Andrew Walls conclui: todas as igrejas, inclusive a nossa,
são igrejas de cultura.
227
Todas as culturas dispõem de elementos de libertação e de
empoderamento, bem como forças de dominação e opressão. O
Evangelho que não liberta as pessoas das forças dominadoras e
opressoras de uma cultura é um evangelho unidimensional. Não é
necessária uma ruptura total do passado cultural para que um povo
possa satisfazer as demandas do evangelho. É possível ser africano,
asiático ou latino-americano e ainda assim ser cristão sem o estilo
ocidental pelo qual a maioria recebeu o evangelho. Quando sentem,
experimentam e vivem o poder transformador do evangelho, as
comunidades em diferentes culturas serão motivadas a procurar os
aspectos libertadores e empoderadores da cultura, e desfazer-se dos
aspectos dominadores e opressivos da mesma. A igreja não pode ser
cativa de uma cultura se Jesus é parte dela, com sua constante
mensagem de justiça e compaixão. O evangelho de Jesus, por sua
própria natureza, perturba o que se sente cômodo e consola o aflito.
Portanto, o evangelho e a cultura vivem em uma tensão existencial.
É uma tensão transformadora.
228
Muito se tem falado sobre o resgate da identidade ou da tradição metodista como
caminho necessário para (re)pensar a missão da Igreja Metodista em nossos dias. Diferentes
verbos recriar, refundar, reler, renovar, ressignificar etc apontam para uma questão que é
comum a todos: na tradição metodista experiências e conhecimento acumulados que
ainda podem inspirar a missão da igreja, especialmente quanto à sua vocação pública. A
memória torna possível um tempo novo, pode “tranqüilizar as águas revoltas do presente
alargando suas margens”. Numa linguagem contextualizada, é possível afirmar que Wesley
viveu na dimensão do cuidado, palavra que em sua origem etimológica tem o sentido de
‘cogitar, pensar, colocar atenção, mostrar interesse, revelar uma atitude de desvelo e
preocupação’, sem incorrer no risco da negligência falta de ateão, desleixo, negligência
e inércia diante do outro.
229
Estamos diante de uma situação tão nova que exige de todos nós o
mesmo rigor e compromisso espiritual, intelectual e pastoral que
Wesley teve em seus dias. Não se trataria, portanto, de querer imitar
ou reproduzir Wesley e o seu movimento, mas sim ter uma efetiva
espiritualidade que responda aos desafios do mundo de hoje, e,
assim como o grande gênio wesleyano, descobrirmos novos
caminhos teológicos para respaldar uma espiritualidade que nos
227
Citações de Glory E. DHARMARAJ, In: Conceptos de misión. New York: Unidad de Comunicaciones de la
Junta de Ministerios Globales de la Iglesia Metodista Unida, 2001.
228
DHARMARAJ, Glory. Conceptos de misión, p. 43-4.
229
CASTRO, Clovis Pinto de. Viver na dimensão do cuidado. Caminhando, nº 12, p. 272-5.
124
capacite desenvolver uma prática do evangelho que nos
possibilite enfrentar com decisão e destemor a crise espiritual e
teológica que vivemos em nossos dias.
230
Outra vez se faz necessário buscar novas formas de viver e de resignificar a vida num
contexto adverso. A estratégia original deve ser sempre ensinada e relida com as chaves
hermenêuticas do contexto.
A visão integral da espiritualidade, tendo seu foco no amadurecimento de uma que
atua em amor e que se sustenta pelas ordenanças de Deus é uma marca que não se pode
perder numa comunicação metodista ao fazer uso da mídia. Com a ênfase nas visitas aos
enfermos e encarcerados, os sócios dos grupos pequenos foram despertados para a
consciência social, bem como para autodisciplina, para a freqüência regular na igreja, e para
a insistência no poder de oração privada e em discussão de grupo.
Igualmente, o modelo das classes e bandas, que frisa a forma comunitária da conversa
pastoral, com aconselhamento e motivação espiritual em grupo sofreu declínio pela
crescente tendência de formularizar e legalizar as conversas. Por isso, o resgate dos grupos
metodistas de discipulado carece de uma contribuição profundamente pneumatológica, que
indique a conexão entre o compromisso social e a liberdade no Espírito.
A comunicação metodista inserida na mídia e rumo ao ideal wesleyano deve resgatar
sua herança: reformar a igreja e divulgar a santidade bíblica para menos que isso, afirma
Renders, “não se necessita de metodistas”.
231
A proposição da reforma social que nasce da conversão ao cristianismo é a chave para
interpretar a comunicação do metodismo primitivo e seus desdobramentos subseqüentes.
Wesley investiu tempo e esforços em promover a renovação necessária para que a Igreja
Anglicana pudesse responder coerentemente aos anseios do povo constrói a escola de
Kingswood, reforma a Casa da Fundição, propõe uma nova economia, funda livrarias,
escreve gramáticas para diversos idiomas, faz experimentos medicinais e escreve um
compêndio de “Medicina Elementar”, forma pregadores leigos, dirige grupos pequenos na
universidade de Oxford, promove a reforma de prisões, condena a escravidão, ministra ao ar
livre para os trabalhadores, combate o analfabetismo e cuida das crianças, prega a santidade e
230
Idem.
231
RENDERS, Helmut. Crescendo na aliança com Deus, de forma mútua e íntegra: os pequenos grupos numa
perspectiva metodista, Mosaico Apoio Pastoral, ano VIII, n. 17, p. 7, abril-maio 2000.
125
o puro amor. Enfim, vive sob rigorosa disciplina e propósito coerente de uma vida e
ministério que pretendem atender à vocação para a qual ele compreende que os metodistas
são chamados.
O testemunho de muitas igrejas não sai das quatro paredes do templo porque muitas
instituições estão enclausuradas ministrando a si mesmas, mas completamente ausentes da
paróquia onde se apresentam a vida e a história cheia de contradições da humanidade. Hoje
nosso mundo está em piores condições do que aquelas que prevaleciam nos tempos do
movimento metodista original. Hoje a comunidade cristã cresceu, de tal maneira que nos
ufanamos dizendo que vivemos num continente cristão. Mas podemos dizer que nossa
paróquia é cristã? Não será meramente um cristianismo nominal?
232
É preciso ter a visão e a coragem para proclamar como Wesley: “o mundo é minha
paróquia”. Não devemos fugir do mundo e nem tomá-lo como inóspito para o Evangelho.
Ele é o nosso campo. Nele fomos colocados para o exercício da missão. Os marcos
históricos do hoje da são desafios para sermos aceitos, ao longo da peregrinação. (...) O
evangelho é abrangente inclui todas as pessoas e estas na sua totalidade. A vivência e
testemunho do evangelho são sempre uma atitude comunitária. Nossa evangelização precisa
permanentemente encarar seu compromisso com a luta pela justiça social, dentro do espírito
do nosso Credo Social. Nossa comunicação do evangelho precisa responder presente onde
não houver vida plena, como sinal do Reino de Deus, Reino de amor, paz, justiça, liberdade
e alegria. (Atas e Documentos do XIII Concílio Geral, 1982, p. 2 e 3).
O “portal” para tal realização passa pela internet e a aldeia global virtual. Contudo,
passa primeiramente pela transformação do coração em portal: se o caminho para a cabeça
passa pelo coração, chegou a hora de educar nossos sentimentos
233
a ortocardia. A
experiência de Aldersgate é profundamente emblemática por ser intituladacoração
aquecido”, indicadora do surgimento de uma opção diferenciada.
Podemos afirmar que John Wesley seguiu a perspectiva do pensamento de Schiller,
seu contemporâneo, que dizia: “o caminho para a cabeça precisa ser aberto pelo coração”.
É isto o que ele faz, Richard Francis Burton observa que “o protestantismo é a mais triste
232
DUQUE, José. El mundo es mi parroquia porque otro mundo es posible. In: Teologia e prática na tradição
wesleyana: uma leitura a partir da América Latina e Caribe, p. 216.
233
BARBOSA, José Carlos. O caminho para a cabeça precisa ser aberto pelo coração. In: Caminhando, n. 12, p.
102.
126
das religiões e que a lembrança do culto anglicano faz a gente tremer.
234
Esta “religião
triste”, desconectada da vida diária e incapaz de fazer as pessoas cantarem no dia-a-dia,
encontrava resistência não apenas por parte dos “cordiais” brasileiros. Na Europa, entre os
inúmeros movimentos que buscavam a renovação deste modelo, o pietismo foi um dos mais
importantes e influenciou enormemente a vida do fundador do metodismo.
Embora reconhecendo em Wesley uma sensibilidade religiosa direcionada mais para o
coração do que para a mente, assim como uma linguagem mais para o povo do que para a
academia, a influência do pensamento de outros articuladores da chamada teologia do
coração”, e também as sociedades religiosas que visavam promover areal santidade no
coração e na vida”, é necessário afirmar que ele conseguiu se descolar deste movimento. Ele
desenvolveu uma trilha própria procurando conciliar coração e cabeça, piedade e ciência,
animus e anima.
3.8 Conclusão
A imprensa viabilizou a Reforma Protestante no século XVI, sem a qual Lutero não
teria tangenciado as proporções alcançadas. Se a vem pelo ouvir”, a Reforma veio pela
imprensa. Igualmente, na Inglaterra do século XVIII, John Wesley lançou mão da mídia em
todos os aspectos da articulação de seu movimento religioso, em prol da missão de reformar
a nação e a igreja. Fundador do Metodismo, ele articulou o movimento wesleyano e as
transformações sociais do período a partir dos meios de comunicação: publicou centenas de
livros, tratados, panfletos, periódicos.
Contudo, a comunicação no terceiro milênio está acoplada a um complexo conjuntural
que exige uma digestão cuidadosa. Na liquidez da pós-modernidade, a mídia pode ser um
deus, a cultura é globalizada e a religião um produto. A comunicação remiu ou desligou as
noções de tempo e espaço é possível ter um relacionamento íntimo com alguém em outro
continente sem conhecer o próprio vizinho. Não existe uma cultura ou uma religião “puras”,
mas uma universalização que remonta ao período pré-moderno e remete ao
fundamentalismo. Nessa fluidez, até mesmo as novas tecnologias são cultuadas.
234
José Carlos BARBOSA cita R. F. BURTON, Viagem do Rio de Janeiro a Morro Velho. São Paulo: Cia.
Editora Nacional, 1941, p. 197. In: Caminhando, n. 12, p. 84.
127
O resultado é o esvaziamento de sentido e o contorno cíclico do caminhar em
círculos que não leva a lugar algum o conceito ‘procissão versus processo’ traz à memória
a caverna de Platão e os quarenta anos nos quais o povo hebreu deu voltas ininterruptas no
deserto, entre o Egito e a Terra Prometida, para atravessar um trecho relativamente curto.
A conseqüência é que não um Evangelho sendo pregado em diferentes Igrejas, mas
Igrejas pregando diferentes Evangelhos. Não valorização da cultura senão da
massificação. Não uma mídia pela paz mas pela pax romana baseada nopão e circo,
uma comunicação que visa a ditadura da alienação e do consumo.
Diante do efeito reverso, este trabalho aponta pistas e propostas para enfrentar o novo
contexto global, a fim de reencontrar a essência diluída nos séculos que nos distanciam e
sinalizar uma releitura coerente com o ideal reformador intrínseco ao poder da comunicação
metodista para o contexto do terceiro milênio.
Apesar do protestantismo representar a atitude de protesto contra as formas, seu poder
formativo reside justamente na criação de formas, e o protesto só existe em relação à gestalt
à qual pertence a qual envolve a forma e a negação da forma. A expressão teológica de
uma gestalt da graça (que transcende o finito para criticar realidades finitas sem se destruir
com elas) está no protesto profético do protestantismo, e a função da teologia é insurgir-se
contra a gestalt da situação (religiosa e cultural) e propor outra tendo em vista os novos
desafios da cultura.
235
Nesse sentido, a comunicação que promoveu a reforma protestante teve o princípio
profético de transcender as relações históricas seja a Igreja ou a própria Reforma sendo
juiz da realidade religiosa e cultural, incluindo a religião e a cultura chamadas
“protestantes”, contra o orgulho religioso e a arrogância eclesiástica, contra a auto-
suficiência secularizada, contra todas as consequências destruidoras. O protestantismo
conseguiu ajustar-se à modernidade e os missionários protestantes contribuíram para o
progresso acolhendo as pessoas que vinham para as cidades exercer novas atividades,
orientando-as na nova situação.
Contudo, no momento em que o protestantismo enfatiza a idéia do individualismo em
prol da burguesia e da privatização, uma reforma desse conceito é refeita à luz de um
235
MENDONÇA, Antonio Gouvêa. Protestantes, Pentecostais & Ecumênicos. O campo religioso e seus
personagens. São Bernardo do Campo: UMESP, 1997, p. 32.
128
contexto onde o povo sofre as conseqüências sociais inerentes e uma “religião social”
emerge no movimento wesleyano a fim de colaborar com a tomada de consciência de si
mesmo do indivíduo como unidade independente que é parte intrínseca do todo, e sem o
qual não se desenvolve plenamente a soteriologia, visto que é igualmente “salvação social”.
O embate saudável (não sectarista) com a Igreja oficial é a proposta da eclesiola pro
eclesia que promove o movimento entre a igrejinha ou eclesiola os grupos pequenos que
se inserem como sal no contexto onde a comunicação do evangelho se faz necessária para
responder à realidade do povo e não somente para manter a forma pela forma em favor da
Igreja ou eclesia, o que torna possível a característica wesleyana de movimento contra o
engessamento e a frieza que o status de instituição possa imprimir ao longo dos tempos, e
criar um diálogo salutar entre ambas as partes capaz de fazer jus ao ideal de “Igreja
Reformada sempre reformando”.
Se o caminho proposto originalmente for retomado a fim de questionar o porquê da
Igreja estar aquém do que poderia realizar no campo da comunicação, considerando que
três décadas se dispõe de um instrumento imensurável como os estúdios de rádio, TV,
educação à distância e mídias digitais na Universidade Metodista de São Paulo, a letargia
cederá lugar a um novo movimento em direção ao povo e em resposta ao chamado do indo
por todo o mundo” e comunicando a boa notícia de Mateus 28.19, e do “mundo é minha
paróquia” de Wesley.
Uma comunicação metodista que se insere na mídia em coerência com a vocação
pública com a qual foi chamada deve ser uma voz profética em denúncia do consumismo e
do deísmo característicos da atual espiritualidade tida como evangélica, a qual representa a
cultura gospel e aproxima-se mais da magia do que da religião. E em anúncio de uma
religião social que, por encontrar-se inserida na cultura e no mundo, empodera elementos
culturais em favor da justiça social e da proclamação da boa notícia de forma integral o
Evangelho todo para o homem todo.
A redação do capítulo final, como síntese do diálogo entre os primeiros, deu-se com o
objetivo de tomar conhecimento da comunicação metodista que está sendo desenvolvida
atualmente, e detectar algumas pistas necessárias para colaborar com a complementação da
mesma, a fim de manter a integridade da “marca metodista” não limitada aos efeitos
publicitários mas no horizonte dos fundamentos essenciais do movimento wesleyano.
129
Nesse sentido, uma análise crítica com relação à comunicação que vem sendo
exercida pela Igreja Metodista em suas iniciativas regionais e locais é que tem se mostrado
tímida, com inserções de trinta minutos por semana e voltada para o público interno, ao
contrário da proposta ad populum de Wesley. Quando veiculada em canais abertos de
televisão e rádio, utiliza 50% do tempo para estudos bíblicos, 40% para informar sobre a
agenda da igreja e somente 10% para reportagens ou entrevistas relativas a questões sociais
e de inserção com o público. Apesar de que alguns programas enfatizem a ação social, em
geral não há correlação com parcerias governamentais de qualquer ordem.
Igualmente, na maioria das vezes mera reprodução do culto e da mensagem
pregada no púlpito, sem a devida contextualização necessária. Bem como a simples
veiculação do louvor que acontece em meio à congregação local, sem correspondência com
a realidade do ouvinte ou espectador, sem inserção na cultura, sem ser voz profética, sem
incluir muitos dos temas que são caros para o movimento wesleyano originário e que foram
elencados neste capítulo conclusivo.
Mesmo a TV Unimep, quando questionamos sobre qual o impacto de uma veiculação
de 24 horas diárias durante 12 anos, não registro de algum fato notável relacionado à
diferença da comunicação e mídia metodista no dia-a-dia do público-alvo. A filosofia da
igreja está atingindo um público de alto nível intelectual desde 1998 e não um
testemunho coerente, em termos de resposta do público-alvo, decorrente desse canal de
televisão que corrobore uma diferença significativa tal como o impacto que a comunicação
metodista promoveu nos primórdios.
Dessa forma, as pistas sinalizadas buscaram incluir fatores que até o presente
momento não aparecem objetivamente na comunicação metodista nos dias de hoje, numa
tentativa de contribuir com a iniciativa existente e que por si é válida, mas pode ser
incrementada a fim de sinalizar os marcos inegociáveis e servir a comunidade global com
uma iserção cultural que possa empoderar o povo não somente metodista, mas brasileiro.
Considerando a amplitude da comunicação no terceiro milênio e os avanços
incessantes que ocorrem cada vez em menor tempo, e a implicação da vivência da
identidade metodista em cada contexto no qual se incultura e se aplica, algumas pistas
foram sinalizadas a fim de buscar uma síntese e contribuir com o trabalho que até o
momento tem sido desenvolvido nas regiões eclesiásticas da Igreja Metodista.
130
Os temas caros e imprescindíveis à comunicação e criatividade no movimento
wesleyano tais como a saúde, a economia, a criança, a música, a escravidão tema ainda
atual, a mordomia financeira e social, a criação diante do aquecimento global, a experiência
ortopática versus produto, a linguagem e a audiência ad populum, sobretudo a educação são
aspectos inegociáveis para uma comunicação em sintonia com a vocação pública.
Contudo, essa problematização é fruto de uma igreja dilacerada, anti-ecumênica
mesmo entre os metodistas, sem conexidade, sem o brilho da genialidade caracterizada pelo
equilíbrio entre elementos aparentemente antagônicos, mas complementares como os
marcos do quadrilátero wesleyano experiência de fé e razão, tradição e criação.
Se “o protestantismo se torna, parece, ativo e dinâmico nos momentos de confronto
com a religião dominante; em outras circunstâncias da vida social, regra geral, se mostra
indiferente e letárgico”, como afirmou Mendonça, tal como o metodismo tornou-se a resposta
para a religião fria que a Igreja oficial representava nos primórdios, possamos hoje retomar o
propósito motivador para alavancar a comunicação metodista com uma inserção midiática
digna da vocação pública para a qual o povo metodista foi chamado.
236
Afinal, “Ele nos concedeu aquele mais excelente talento, que é a linguagem”, afirmou
Wesley no sermão “O mordomo fiel”. Que seja possível exercer tal mordomia com
integridade.
236
MENDONÇA, Antonio Gouvêa, O Celeste Porvir: a inserção do protestantismo no Brasil. IMS: São Paulo,
1995, p. 206.
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