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VÂNIA DE SANTANA LEÃO
A MULHER COM CÂNCER DE COLO UTERINO:
REFLEXÕES SOBRE O ACESSO AOS SERVIÇOS DO HOSPITAL
SÃO MARCOS
MESTRADO EM POLÍTICAS PÚBLICAS
UFPI
TERESINA / 2005
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VÂNIA DE SANTANA LEÃO
A MULHER COM CÂNCER DE COLO UTERINO:
REFLEXÕES SOBRE O ACESSO AOS SERVIÇOS DO HOSPITAL SÃO MARCOS
Dissertação apresentada à Banca Examinadora, da
Universidade Federal do Piauí, como exigência
parcial à obtenção do título de Mestre em Políticas
Públicas, sob a orientação da Prof
a
Dr
a
Simone de
Jesus Guimarães.
UFPI
TERESINA / 2005
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VÂNIA DE SANTANA LEÃO
A MULHER COM CÂNCER DE COLO UTERINO:
REFLEXÕES SOBRE O ACESSO AOS SERVIÇOS DO HOSPITAL SÃO MARCOS
Dissertação de Mestrado submetida à Coordenação do Curso de Mestrado em Políticas Públicas do
Centro de Ciências Humanas e Letras da Universidade Federal do Piauí, na área de Concentração:
Estado e Políticas Públicas.
BANCA EXAMINADORA
_______________________________________________________
Prof
a
Dr
a
Simone de Jesus Guimarães - UFPI
Orientadora e Presidente
_______________________________________________________
Examinador
_______________________________________________________
Examinador
Teresina / 2005
A meus pais, pela dedicação de toda uma vida.
Ao meu marido, Pedro Filho, companheiro
sempre presente e solidário.
Ao meu filho maravilhoso, João Gabriel.
AGRADECIMENTOS
A Deus, fonte de minha inspiração e de coragem no prosseguimento dessa
jornada.
A meus pais, pela dedicação de toda uma vida e por aceitarem, mesmo sem
compreender, a minha ausência.
Ao meu marido, Pedro Filho, companheiro sempre presente, que acumulou
algumas funções domésticas e, de forma solidária, compreendeu a minha ausência nos
passeios de final de semana e viagens durante esses dois anos.
Ao meu filho, João Gabriel, maravilhoso, por aceitar o monopólio do
computador, entendendo minha ausência em vários momentos de sua vida.
Aos meus iros, Valmir, Valdinar, Verônica e Walquíria, pela amizade e apoio
recebidos, durante a realização deste trabalho.
A minha orientadora, Prof
a
Dr
a
Simone Guimarães, por suas valiosas
contribuições teóricas, por seu apoio, dedicação, paciência e afeto.
À UFPI e à Coordenação do Mestrado em Poticas Públicas, em especial à Prof
a
Dr
a
Rosário, pela dedicação e apoio.
Aos Prof
es
D
rs
do Mestrado em Poticas blicas, Washington Bonfim, Dione
Moraes, Guiomar Passos, Jesuíta Lima, Francisco Júnior, pelas discussões, em sala de aula,
que tanto contribuíram para o meu crescimento e acúmulo teórico.
Às Prof
as
Dr
as
do Departamento de Serviço Social, em especial Guiomar, Jesuíta
e Simone, pelo reencontro.
Ao Prof° João Batista Telles, da Bioestatística do Departamento de Medicina
Comunitária da UFPI, pelo apoio na parte estatística do trabalho.
À Direção do Hospital São Marcos, em especial ao Dr. Alcenor e à Irmã Davi,
pela autorização da pesquisa.
Aos profissionais de saúde e demais funcionários do HSM, que contribuíram
para essa pesquisa, fornecendo dados, informações, e material, para o enriquecimento desse
estudo.
Aos auditores do SUS, da gestão no município de Teresina, e funcionários da
Central de Leitos, Centro de Triagem e da Central de Regulação de Alta Complexidade, pelas
informações fornecidas imprescindíveis a este trabalho.
Às mulheres com câncer de colo uterino, que aceitaram participar da pesquisa.
Ao Dr. Sebasto Aércio, Coordenador da Regional Norte da FMS, pela
compreensão e pelas negociações em torno de minha carga horária de trabalho na Unidade,
concedendo-me antecipação de rias, possibilitando com isso mais tempo para que me
dedicasse ao mestrado.
À Marinete, assistente social do turno da tarde, por compreender e negociar parte
de suas férias, possibilitando a minha ausência da unidade e mais dedicação ao mestrado.
Aos amigos do Conselho Estadual de Saúde, pela torcida e por compreenderem a
minha ausência.
À amiga Danda, presidente do Conselho Regional de Serviço Social-22º, e às
conselheiras do CRESS-22º, por compreenderem a necessidade de meu afastamento,
liberando-me das funções no Conselho.
Às colegas do Serviço Social, do Hospital São Marcos, pelo apoio.
Às amigas da Seicho-no-ie, pela torcida e pelo apoio. Em especial, Janete e
Valdenice, por adiarem o “nosso projeto até o momento em que eu tenha maior
disponibilidade.
À Janice Batista, pela revisão da dissertação.
Ao meu cachorro Brad, pela companhia, nos momentos solitários de estudo.
Não tenho armas de defesa contra a
morte, porque a morte não existe. Existe,
porém, outra coisa: o medo da morte. E para
este nós temos remédio.
Hermann Hesse
RESUMO
A presente dissertação, intitulada “A mulher com ncer de colo uterino: reflexões sobre o
acesso aos serviços de saúde no Hospital São Marcos”, tem por objetivo geral refletir e
analisar sobre o acesso, de forma integral, aos serviços de saúde das mulheres portadoras de
câncer de colo uterino, pelo Sistema Único de Saúde (SUS), no Hospital São Marcos (HSM).
De modo específico, busca conhecer os mecanismos institucionais e normativos necessários
para que a mulher tenha acesso ao tratamento de câncer de colo, identificar, na trajetória da
mulher com câncer de colo admissão, permanência e alta os fatores institucionais e
relacionais que possibilitam ou dificultam o acesso a um tratamento integral de saúde, como
também conhecer o processo de comunicação que se estabelece no cotidiano hospitalar e das
relações que se estabelecem entre equipe profissional e usuário, no sentido de orientar essa
mulher quanto ao diagnóstico, ao tratamento e outras informações acerca dessa patologia.
Trata-se de uma pesquisa de natureza quanti-qualitativa, cuja metodologia adotada é a
abordagem crítico-dialética, uma vez que permite abordar o objeto de estudo dentro de um
processo histórico em movimento, a partir de uma visão de totalidade sem desconsiderar a
singularidade. A pesquisa tem como cenário o Hospital São Marcos considerado uma
referência para o tratamento de ncer à população da cidade de Teresina e outros Estados
vizinhos. O sujeito da pesquisa principal foi constituído de 23 (vinte e três) mulheres, com
câncer de colo diagnosticado, em busca dos serviços pelo Sistema Único de Saúde (SUS) no
mencionado hospital. Durante a pesquisa, pôde-se constatar avanços no que se refere ao
acesso aos serviços de saúde, sobretudo, no âmbito legal, s-Constituição de 1988 (C.F.,
1988) e Lei Orgânica da Saúde 8080/90, que preconiza o SUS. Comprovou-se, também, que o
Hospital São Marcos tem contribuído sobremaneira para o atendimento às mulheres com
câncer de colo aos serviços de radioterapia, que nesse particular a pesquisa mostrou que
o maiores dificuldades de acesso por parte dessas mulheres, caminhando na direção dos
direitos preconizados pelo SUS. Entretanto, têm ainda como desafio superar traços que
sempre marcaram as práticas de saúde, com uma intervenção voltada para uma dimensão
biológica da pessoa e uma linguagem técnica e científica que não considera o nível
educacional dessas mulheres e dificulta o entendimento das informações sobre o câncer e
sobre o tratamento.
PALAVRAS-CHAVES: Política de Saúde, Câncer de Colo e Cidadania.
ABSTRACT
The present essay entitled “The woman with cervical cancer : reflexions about the access to
health service at São Marcos Hospital”, has as its general goal to reflect and analyze the
access, on the whole, women who have cervical cancer have to health service by (SUS )
Sistema Único de Saúde which is the public health care service at São Marcos Hospital
(HSM) . Specifically it tries to know the institutional and normative mechanisms which are
necessary so that the woman may have access to cervical cancer treatment. To identify, in the
story of the woman with cervical cancer admission, permanence and dismissal the
institutional and relational factors which make access to an integral health treatment possible
or difficult, as well as know the communication process which is established in the hospital
routine and the relationships which are established between the professional team and the
patient, in order to guide this woman as to diagnosis, treatment and information concerning
the pathology. It is a quanti/qualitative research whose adopted methodology is the critical-
dialectical approach, in that it allows us to broach the study object within a moving historical
process, from a totality view without disregarding singularity. The research São Marcos
Hospital has as its scenery, which is considered a reference for the treatment of cancer to the
population of Teresina and other neighboring states. The subject of the main research was
constituted of 23 (twenty three) women with diagnosed cervical cancer, after health service by
(SUS) at the cited hospital. During the research , advances in relation to access to health
service could be seen above all in the legal ambit , post constitution of 1988 (C.F.;1988) and
Health Organical Law 8080/90, which preconizes SUS. It was also verified that São Marcos
Hospital has contributed so much to serving women with cervical cancer with radiotherapy
as in this particular service, the research showed that there are not major difficulties as to
access by the women moving towards the rights preconized by SUS. Nonetheless, they still
have the challenge of overcoming traits which have always marked health practices, with an
intervention turned to a biological dimension of the person and a technical and scientifical
language which does not take the educational level of these women into consideration and
makes it hard for them to understand information about cancer and the treatment.
Keywords: Health Policy, Cervical Cancer and Citizenship.
LISTA DE GRÁFICOS
GRÁFICO 1
Hospitais integrantes da rede do SUS por natureza ..............................
48
GRÁFICO 2
Taxa de incidência de câncer de mama e colo do útero no Brasil ........
66
GRÁFICO 3
Taxa de incidência de câncer de mama e colo do útero no Estado do
Piauí ......................................................................................................
68
GRÁFICO 4
Taxa de incidência de câncer de mama e colo do útero no Estado do
Maranhão ..............................................................................................
69
GRÁFICO 5
Taxa de incidência de câncer de mama e colo do útero no Estado do
Pará .......................................................................................................
70
LISTA DE TABELAS
Faixa etária das mulheres pesquisadas ............................................................181
Número de filhos das mulheres pesquisadas ...................................................181
Estado civil das mulheres pesquisadas ............................................................182
Escolaridade das mulheres pesquisadas ..........................................................182
Procedência das mulheres pesquisadas ...........................................................183
Profissão das mulheres pesquisadas ................................................................183
Tratamento das mulheres pesquisadas .............................................................184
Tipo de tratamento das mulheres pesquisadas .................................................184
Quantidade de Sessões que já se submeteram as mulheres pesquisadas .........185
Tempo de espera para iniciar o tratamento das mulheres pesquisadas ...........185
Data do diagnóstico do câncer de colo das mulheres pesquisadas ..................186
Se o câncer é reincidente das mulheres pesquisadas .......................................186
Quantidade de sessões de radioterapia das mulheres pesquisadas ...................187
Tempo de espera para iniciar o tratamento, considerando a data do diagnóstico
das mulheres pesquisadas .................................................................................187
Exames realizados pelas mulheres pesquisadas ................................................188
Serviços do Social utilizados pelas mulheres pesquisadas ................................188
Registros de casos de câncer atendidos no Hospital São Marcos mulheres ...189
LISTA DE SIGLAS
AIH
Autorização de Internação Hospitalar
AIS
Ação Integrada de Saúde
APAC
Autorização de Procedimento de Alta Complexidade
CAF
Cirurgia de Alta Freqüência
CAPs
Caixa de Aposentadoria e Pensões
CRL
Central de Regulação de Leitos
CFM
Conselho Federal de Medicina
CF-88
Constituição Federal de 1988
CIB
Comissão Intergestora Bipartite
CIT
Comissão Intergestora Tripartite
CLT
Consolidação das Leis Trabalhistas
CMRAC
Central Municipal de Regulação de Alta Complexidade
CMS
Conselho Municipal de Saúde
CNRAC
Central Nacional de Regulação de Alta Complexidade
CNS
Conferência Nacional de Saúde
CONASEMS
Conselho Nacional dos Secretários Municipais de Saúde
CONASS
Conselho Nacional dos Secretários de Saúde
DCD
Doença Crônico Ddegenerativas
DO
Declaração de Óbito
ECA
Estatuto da Criança e do Adolescente
EUA
Estados Unidos da América
FAEC
Fundo de Ações Estratégias e Compensação
FGTS
Fundo de Garantia por Tempo de Serviço
FMI
Fundo Monerio Internacional
FMS
Fundação Municipal de Saúde
FUNRURAL
Fundo de Amparo ao Trabalhador Rural
HSM
Hospital São Marcos
HGV
Hospital Gelio Vargas
IAPAS
Instituto de Administração da Previdência e Assistência Social
IAPs
Instituto de Aposentadoria e Pensões
INAMPS
Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social
INCA
Instituto Nacional do Câncer
INPS
Instituto Nacional da Previdência Social
LBA
Legião Brasileira de Assistência
LOAS
Lei Orgânica da Assistência Social
LOPS
Lei Orgânica da Previdência Social
LOS
Lei Orgânica de Saúde
MPAS
Ministério da Previdência e Assistência Social
MPOS
Movimento Popular de Saúde
MRS
Movimento da Reforma Sanitária
MS
Ministério da Saúde
NOAS
Norma Operacional de Assistência à Saúde
NOBs
Normas Operacionais Básicas
OMS
Organização Mundial de Saúde
OPAS
Organização Panamericana de Saúde
PAB
Piso de Atenção Básica
PACS
Programa de Agentes Comunitários de Saúde
PAISM
Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher
PNAISM
Política Nacional de Assistência Integral à Saúde da Mulher
PNASS
Programa Nacional de Avaliação dos Serviços de Saúde
PREV-SAÚDE
Programa Nacional de Serviços Básicos de Saúde
PSF
Programa de Saúde da Família
SESAPI
Secretaria de Saúde do Piauí
SAMS
Subsistema de Atenção Médica Supletiva
SAT
Subsistema de Alta Tecnologia
SP
Subsistema Público
SPCC
Sociedade Piauiense de Combate ao Câncer
SIM
Sistema Informação de Mortalidade
SUDS
Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde
SUS
Sistema Único de Saúde
UBS
Unidade Básica de Saúde
LISTA DE ANEXOS
1 Tabelas (1.0 a 17.0) .......................................................................................... 181 a 189
2 Questionário da pesquisa (mulheres com câncer de colo) ................................. 190
3 Questionário da pesquisa (profissionais de saúde) ............................................ 191
4 Questionário da pesquisa (Auditor do SUS)...................................................... 192
5 Autorização da pesquisa ................................................................................... 193
6 Consentimento informado ................................................................................ 194
7 Autorização do comitê de Ética (UFPI) ............................................................ 195
8 Organograma do Hospital São Marcos ............................................................. 196
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ............................................................................................................
17
CAPÍTULO I
POLÍTICA DE SAÚDE E A UNIVERSALIDADE DO ACESSO AOS
SERVIÇOS DE SAÚDE ..............................................................................................
28
1.1
Saúde no Brasil: práticas e estigmas ..............................................................................
28
1.2
O Sistema Único de Saúde e a proposta de universalidade: avanços e desafios na sua
implementação ................................................................................................................
35
1.3
Efetivando as mudanças do setor saúde no município de Teresina: considerações
sobre a descentralização dos serviços de saúde ..............................................................
52
CAPÍTULO II
O CÂNCER, OS SERVIÇOS DE ONCOLOGIA, E O HOSPITAL SÃO
MARCOS NO MUNICÍPIO DE TERESINA ............................................................
60
2.1
Incidência de câncer de colo uterino no Brasil, no Piauí e no município de Teresina ...
60
2.2
Considerações gerais sobre a saúde da mulher: o câncer de colo uterino, prevenção e
tratamento .......................................................................................................................
71
2.3
Os serviços de prevenção e tratamento do câncer de colo uterino disponíveis no
município de Teresina à população feminina .................................................................
78
2.4
Sociedade Piauiense de Combate ao Câncer e o Hospital São Marcos: aspectos
históricos, organização e estrutura .................................................................................
82
2.4.1
Estrutura organizacional .................................................................................................
91
CAPÍTULO III
O ACESSO AOS SERVIÇOS DO SUS, A CIDADANIA E A MULHER COM
CÂNCER DE COLO UTERINO ................................................................................
98
3.1
O acesso aos serviços de saúde enquanto direito social e cidadania ..............................
98
3.2
Trajetórias e significados da experiência das mulheres com câncer de colo na busca
dos serviços de saúde no Hospital São Marcos (HSM) ..................................................
120
3.2.1
Caracterização das mulheres entrevistadas ....................................................................
121
3.2.2
O impacto causado pelo diagnóstico de câncer de colo uterino .....................................
124
3.2.3
O percurso da mulher comncer de colo uterino no Hospitalo Marcos .................
130
3.2.4
Conhecendo os mecanismos institucionais e administrativos necessários ao acesso da
mulher com câncer de colo aos servos de saúde no Hospitalo Marcos (HSM) .....
144
3.2.5
A integralidade dos serviços e atenção em saúde no Hospital São Marcos ...................
153
3.2.6
O acesso à informação enquanto um direito ..................................................................
160
CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................................
167
REFERÊNCIAS ...........................................................................................................
173
ANEXOS .......................................................................................................................
180
INTRODUÇÃO
Este estudo pretendeu fazer uma reflexão em torno do acesso da mulher com
câncer de colo uterino a um tratamento integral de saúde, no Hospital São Marcos, na
perspectiva da cidadania e dos novos direitos sociais conquistados pela população brasileira a
partir da Constituição de 1988 (C.F., 1988). Nesse contexto, o presente trabalho visou
conhecer, também, com base na trajetória vivida por essa mulher que busca os serviços de
saúde, os fatores que possibilitam e dificultam a garantia e a efetivação de um tratamento
integral, enquanto ser dotado de dimensões biológica, psicológica e sociocultural,
considerando o acesso ao serviço e à informação de modo claro e compreensível, a um
tratamento preventivo e curativo.
Para tanto, fez-se necessário conhecer os mecanismos institucionais, burocráticos
e administrativos do HSM, indispensáveis ao acesso das mulheres com câncer de colo uterino
aos serviços de saúde; conhecer os processos de comunicação que se estabelecem no
cotidiano do HSM e que servem de base para orientar, esclarecer e informar às referidas
mulheres acerca do diagnóstico, como também sobre os aspectos que cercam o tratamento a
que estão sendo submetidas, as possibilidades de cura e outras informações referentes a esta
patologia e que sejam importantes a essas pacientes tomarem conhecimento.
O objeto de estudo se constituiu no acesso aos serviços em saúde da mulher com
câncer de colo no Hospital São Marcos (HSM), englobando o acesso a um tratamento integral
e o acesso sobre esse tratamento em saúde, considerando a Constituição Federal de 1988
(C.F., 1988), na qual a saúde ganha novos contornos um direito de todos e um dever do
Estado traduzindo-se através dos princípios da universalidade, eqüidade e integralidade do
Sistema Único de Saúde (SUS). O acesso no âmbito formal garantido em lei representou
um avanço considerável, mas o próprio Sistema amplia, nesse processo e através desses
princípios, propostas de um novo formato nas relações que se estabelecem entre profissionais
de saúde e população usuária, redefinindo o significado do acesso e preceituando novas
propostas de relações sociais entre os profissionais de saúde.
A aproximão da pesquisadora com o tema resultou da experiência e vivência
profissional de sete anos, trabalhando como assistente social em um hospital privado, no
período de dezembro de 1995 a fevereiro de 2003, conveniado ao Sistema Único de Saúde no
município de Teresina, com atividades voltadas para os usuários do SUS. Essa experiência
possibilitou o contato com o Hospital São Marcos (HSM), através de visitas realizadas ao
setor de Serviço Social desse hospital ou por ocasião de encaminhamentos de mulheres com
câncer de colo, por orientação médica, ao HSM.
Essa experiência possibilitou, também, um olhar e um acompanhamento para a
gestão do Sistema Único de Saúde (SUS), posto que nossa entrada no referido hospital
(dezembro de 1995) coincidiu com o inicio do processo de municipalização dos serviços de
saúde do município de Teresina (abril de 1996), cuja proposta geral era oferecer novas
práticas ao sistema de saúde de Teresina, ao vel de gestão pública, revertendo o modelo de
atenção à saúde até então vigente. Mais do que a passagem de serviços e encargos do governo
federal para a esfera municipal, a descentralização significa uma “estratégia política [que] se
apresenta como meio capaz de propiciar mudanças positivas nas relações entre os poderes
constituídos e os segmentos sociais organizados, viabilizando a coexistência de estruturas
formais e informais de participação” (SILVA, 2001, p. 309).
Ao vivenciar todas essas experiências, pudemos acompanhar alguns dilemas, no
que se refere ao acesso aos serviços de saúde a um tratamento integral, por parte da população
que buscava os serviços, e que, em determinado momento, não lhes era possível o acesso aos
serviços requeridos: ou por haver restrições de atendimento aos usuários procedentes de
outros Estados ou porque a liberação/autorização de uma Autorização de Internação
Hospitalar (AIH) era muito demorada ou porque o teto financeiro de alguns hospitais ou
clínicas atingiam seus limites ainda nos 10 primeiros dias do mês, impossibilitando assim o
atendimento àqueles que buscavam serviços de saúde. Ao refletir sobre esses dilemas vividos
pelos usuários do Sistema Único de Saúde, nos sentimos motivados a realizar um trabalho
junto às mulheres, com ncer de colo uterino, atendidas no Hospital São Marcos (HSM) no
ano de 2004, a partir dos seguintes questionamentos:
Até que ponto o acesso aos serviços de saúde do Hospital São Marcos (HSM)
estão em consonância com os direitos e a cidadania das mulheres portadoras de
câncer de colo uterino preconizados pela Constituição de 1988 e o Sistema Único
de Saúde (SUS), considerando que esses dois instrumentos legais redefinem o
significado de direitos e de cidadania e preceituam novas propostas, sobretudo, de
relações profissionais entre população usuária, paciente e profissionais de saúde?
Quais os instrumentos institucionais, burocráticos, administrativos necessários
que possibilitam ou dificultam o acesso aos serviços de saúde da mulher com
câncer de colo uterino no Hospital São Marcos (HSM)?
A comunicação adotada no Hospital São Marcos verbal ou não-verbal
possibilita o acesso à informação, de modo compreensível, sobre o diagnóstico, o
tratamento e as possibilidades de cura das mulheres portadoras de câncer?
Essas e outras questões fizeram parte do conjunto de preocupações que
permearam essa pesquisa desenvolvida pela autora como parte de suas atividades de
mestranda da s-Graduação em Políticas Públicas da Universidade Federal do Piauí (UFPI);
e foi no bojo dessas reflexões, à luz da Constituição de 1988 (C.F., 1988) e do que preconiza
o Sistema Único de Saúde (SUS), em que os direitos sociais preconizam novas práticas e a
emergência de novos direitos, conforme Telles (1994) e Dagnino (1994), que a pesquisa se
conduziu.
Telles e Dagnino, ao discutirem a temática dos direitos e da cidadania no Brasil
pós-Constituição de 1988, vêem a possibilidade de uma nova contratualidade na vida social.
Para estas autoras, os novos direitos surgem a partir do ressurgimento da sociedade civil e dos
acontecimentos que levaram ao fim do período da ditadura militar, na década de 1980, que
levam a um novo conceito de cidadania, que transcende a aquisão legal de direitos
institdos ou levam, como diz (TELLES, 1994, p. 101), a “um contrato peculiar” onde a
cidadania “não se reduz a um ordenamento jurídicomas surge a partir de contextos diversos,
permitindo, dentro de uma temporalidade própria, a construção de novas práticas sociais com
base no reconhecimento de novos direitos. Uma noção de cidadania que incorpore as
dimensões da subjetividade, aspirações e desejos” (DAGNINO, 1994, p. 113) nas relações e
práticas sociais.
O acesso aos serviços de saúde, na perspectiva do direito e da cidadania,
considerado nesse estudo, deve, portanto, retratar o acesso a outros direitos que estão fora do
âmbito do legal e do formal.
A emergência de novos direitos, na área da saúde, vai ao encontro do conceito
ampliado de saúde proposto pelo Sistema Único de Saúde (SUS), que afirma a saúde como
sendo um estado de bem-estar sico, mental, espiritual. Dessa forma, outros momentos
incorporam o processo que envolve saúde/doença como, por exemplo, a subjetividade, as
aspirações, a cultura, a etnia, o gênero etc. Essas questões propõem um novo paradigma, para
a atenção a saúde, que busca construir novas relações em profissionais de saúde, usuários e
pacientes, um atendimento integral, com prioridades para as atividades preventivas e a
participação da comunidade, com enfoque fora do âmbito da doença.
Com base nessas considerações, de-se traçar como objetivo geral da pesquisa
refletir e analisar o acesso integral aos serviços de saúde das mulheres portadoras de câncer de
colo uterino pelo Sistema Único de Saúde (SUS) no Hospital São Marcos (HSM). Como
objetivos específicos, procurou-se:
Conhecer os mecanismos institucionais, burocráticos e administrativos
necessários ao acesso das mulheres com câncer de colo uterino aos serviços de
saúde no Hospital São Marcos (HSM).
Estabelecer a trajetória e o percurso da mulher portadora de ncer de colo de
útero no interior do HSM (admissão, permanência e alta), procurando identificar
os fatores que facilitam e/ou dificultam a garantia e a efetivação de um tratamento
com base na universalidade e na integralidade dos serviços de saúde.
Verificar os processos de comunicação e de relões que se estabelecem entre os
profissionais de saúde do HSM e as mulheres com câncer de colo uterino que
objetivam viabilizar o tratamento.
Para apreender esses elementos na realidade do HSM, essa pesquisa considerou
uma abordagem crítico-dialética do processo de saúde/doença, que traz como desafio o macro
e o micro, a exterioridade e a interioridade, o quantitativo e qualitativo como indissociáveis.
Nesse contexto, o campo da saúde se refere a uma realidade complexa, na qual demandam
conhecimentos distintos e integrados, uma interação entre aspectos sicos, psicológicos,
sociais e ambientais e de atribuição de significados, onde qualquer ão de tratamento deve
estar atenta aos valores, atitudes e crenças dos grupos a quem a ação se dirige (MINAYO,
1996, p. 15). Vale enfatizar que uma abordagem crítico-social e dialética do processo de
saúde/doença busca compreender, em síntese, movimentos, relações, estruturas e situações,
pois, como diz Minayo, apreender esta realidade fundamentada na abordagem dialética nos
permite entender o objeto de estudo dentro de um processo histórico em movimento, com
características próprias de cada tempo, e também permite ter uma visão de totalidade onde
o pontos de partidas definitivos. “A característica dinâmica do método dialético cuja
fundamentação é o pensamento vivo e o caráter inacabado tanto da história como da ciência é
um constante devir” (MINAYO, 1996, p. 71).
Conforme vem se pontuando, a pesquisa teve como cenário o Hospital São
Marcos (HSM), de natureza privada filantrópica, considerado como hospital de referência no
tratamento de câncer, tanto para o Estado do Piauí como para outros Estados, como o
Maranhão, o Pará e o Tocantins; destaque-se que é o único hospital no Estado do Piauí que
faz tratamento de câncer. Trata-se de uma instituição de grande porte, com uma clientela
específica do Sistema Único de Saúde, que possui uma infra-estrutura tecnológica sofisticada,
uma equipe de Recursos Humanos diversificada e tecnicamente qualificada. É neste cenário
que a mulher com câncer de colo uterino consti expectativas de um tratamento confiável, de
qualidade e de enfrentamento da doença.
Para operacionalizar os objetivos propostos, tomando por base os pressupostos
elencados anteriormente, o estudo fundamentou-se em uma metodologia quanto-qualitativa
em que se associaram diversas fontes de informações, tais como:
Bibliografia existente que contempla a Potica de Saúde no Brasil; o câncer de
colo, suas características, modalidades de tratamento, bem como dados estatísticos
desse câncer no Brasil, no Estado do Piauí, Maranhão, Pará. O acesso aos serviços
de saúde na perspectiva dos direitos sociais levou-nos a estudos da cidadania.
Dados estatísticos fornecidos pelo serviço de informática do hospital sobre o
tema em estudo, site do Instituto Nacional do Câncer (INCA), do IBGE e do
Datasus.
Entrevistas e conversas informais com os profissionais que atuam mais
diretamente com esse grupo de mulheres assistente social, enfermeira e médico
radioterapêutico.
Entrevistas e conversas informais com as mulheres com ncer de colo uterino
em tratamento no setor de radioterapia.
Diário de campo da pesquisa onde foram registradas as visitas ao HSM,
percepções dos processos e dinâmica de trabalhos observados, além do registro de
informações de palestras e reuniões que a pesquisadora teve oportunidade de
participar não no HSM, mas no Conselho Estadual de Saúde, no Seminário
Estadual de Humanização dos serviços de Saúde promovidos pelo Movimento
Popular de Saúde (MOPS), com tema de interesse para a pesquisa.
Documentação do Serviço Social, registros em ata, ficha de acompanhamento
dos pacientes oncológicos, folheto de informação sobre as atividades do setor
além de inúmeras conversas informais com as assistentes sociais.
A pesquisa teve como sujeito principal participante do estudo a mulher portadora
de câncer de colo uterino em tratamento no HSM, no mês de dezembro de 2004. Na seleção
das mulheres, adotou-se uma amostragem de 15% das mulheres atendidas, o que representa
um total de 23 (vinte e três) em um universo de 150 mulheres. Na escolha das mulheres,
procurou-se uma proporcionalidade entre o número de mulheres que estavam iniciando o
tratamento (até a 10ª sessão de radioterapia), mulheres que estavam no meio do tratamento
(da 11ª a 25ª sessão), e as mulheres que estavam nas últimas sessões de radioterapia. São
ainda sujeitos participantes da pesquisa os profissionais de nível superior do Hospital São
Marcos (HSM) que, no cotidiano do tratamento do câncer de colo, estão envolvidos
diretamente com essa mulher; são estes: o médico ginecologista, o dico radioterapêuta, a
enfermeira, a assistente social que acompanha essas mulheres. Além desses sujeitos
entrevistados, procedeu-se ainda uma entrevista com um médico, auditor do SUS. Ao todo
foram realizadas 28 (vinte e oito) entrevistas.
Como instrumento de coleta de dados, foi utilizada a entrevista semi-estruturada.
As entrevistas realizadas com as mulheres deram-se no mês de dezembro de 2004, nos
horários: manhã, tarde e noite. Nessas entrevistas, que duraram em média 40 minutos,
procurou-se identificar questões como: a trajetória e o caminho percorrido por essa mulher,
para ter acesso ao tratamento de câncer de colo; quais os instrumentos institucionais
necessários que perpassam a autorização do tratamento necessário ao tratamento do câncer de
colo; o tempo de espera para o inicio o tratamento; as informações recebidas pela equipe
profissional sobre o diagnóstico, o tratamento e as possibilidades de cura; avaliação do
atendimento por parte dos profissionais de saúde, incluindo aí o médico, a enfermeira, a
assistente social e outros profissionais que exercem atividade de apoio.
No que respeita aos demais participantes da pesquisa, as entrevistas foram
realizadas no mês de janeiro de 2005, no turno da manhã, exceto a entrevista da assistente
social que foi realizada à tarde. O eixo das perguntas para esses entrevistados procurou
contemplar: a) qual o caminho percorrido pelas mulheres com câncer de colo uterino para
terem acesso aos serviços de saúde; b) que informações esses profissionais consideram
importantes essa mulher tomar conhecimento; c) o que dizem da relação que estabelecem com
essas mulheres e como consideram a relação entre os vários profissionais de saúde da equipe
que trabalha com essa mulher específica.
Essas entrevistas duraram em média 1 hora, e, assim como as demais, foram
gravadas, após os esclarecimentos devidos sobre a pesquisa e obtenção do consentimento dos
entrevistados, sendo transcritas posteriormente. Lembrando, também, que, antes da realização
das entrevistas, procedeu-se o devido transmite legal junto ao Comitê de Ética da
Universidade Federal do Piauí, conforme Resolução 0196/96 do Conselho Nacional de
Saúde (CNS) que dispõe sobre a pesquisa em seres humanos.
Para analisar o acesso aos serviços de saúde, fez-se necessário tratar de temas que
estão inter-relacionados e que auxiliam na compreensão do assunto em questão. Sob este
aspecto, o presente estudo foi estruturado da seguinte forma:
O primeiro capítulo, intitulado “A potica de saúde e a universalidade do acesso
aos serviços de saúde”, abordou a potica de saúde no Brasil, a partir dos diferentes modelos
de saúde vigentes em determinados momentos hisricos, tendo como foco o acesso aos
serviços de saúde.de-se ver que, em um primeiro momento, o acesso aos serviços de saúde
se configurou de forma diferenciada: de restrito e vinculado à carteira de trabalho, permitindo
que somente os trabalhadores do mercado formal de trabalho e seus dependentes tivessem
acesso aos serviços de saúde. De 1930 até a década de 1980, passou a ser considerado
universal a partir da Constituição de 1988 (C.F., 1988), com a implantação do Sistema Único
de Saúde (SUS), que traz, entre outros desafios, uma nova forma de pensar e fazer saúde.
Uma segunda e importante referência nesse capítulo diz respeito ao Sistema Único de Saúde
(SUS), mostrando-o como projeto, ainda em construção, na perspectiva de se constituir como
resposta adequada e avançada aos problemas de saúde da população que necessita do poder
público. Assinala-se ainda que o processo de descentralização dos serviços de saúde e o
processo de municipalização desses serviços em Teresina, em abril de 1996, exigiram
mudanças na forma de os hospitais administrarem os leitos destinados ao SUS.
O segundo capítulo, denominado “O câncer de colo e os serviços de oncologia no
município de Teresina e o Hospital São Marcos” tratou de elaborar uma caracterização geral
do câncer de colo e câncer de mama no Brasil, particularmente no Estado do Piauí, área de
abrangência do estudo, e nos Estados do Maranhão e do Pará, bem como nos Estados que
demandam para o Piauí e o HSM grande número de pessoas, cidadãos em busca dos serviços
de saúde. Discorreu-se, também, sobre aspectos históricos, organizacionais e de estrutura do
Hospital São Marcos (HSM), de natureza filantrópico-privada, credenciado ao Sistema Único
de Saúde e refencia no tratamento de câncer.
O terceiro capítulo designado O acesso aos serviços do Hospital São Marcos
enquanto um direito da mulher com câncer de colopromoveu, em um primeiro momento,
um resgate e um aprofundamento das iias centrais da pesquisa sobre o acesso aos serviços
de saúde das mulheres com câncer de colo, entendido a partir da perspectiva do direito social
e da cidadania. Nesse terceiro capítulo, destacou-se, também, a análise das entrevistas
realizadas, quando se procurou estabelecer uma relação entre o objeto, os objetivos e os
fundamentos teórico-metodológicos explicitados no projeto de pesquisa e nos capítulos
precedentes. Essa parte está subdividida nos seguintes itens: O acesso aos serviços de saúde
enquanto um direito de cidadania; Trajetórias e significados da experiência das mulheres com
câncer de colo na busca dos serviços de saúde no Hospital São Marcos; Conhecendo os
mecanismos institucionais e administrativos necessários ao acesso da mulher com câncer de
colo aos serviços de saúde no HSM; A integralidade dos serviços e atenção em saúde no
Hospital São Marcos; O acesso à informação enquanto um direito. Esses itens, em princípio,
promovem uma avaliação do acesso das mulheres com ncer de colo aos serviços de saúde
no HSM.
Por fim, pode-se dizer que as análises constantes nesse trabalho pretenderam
contribuir para ampliar as discussões em torno da questão do acesso aos serviços de saúde no
Hospital São Marcos (HSM). Naturalmente o se trata de um assunto esgotado, mas de uma
contribuição para as reflexões na busca de alternativas de viabilizar formas concretas e
efetivas ao acesso dos usuários que buscam os serviços hospitalares do sistema.
CAPÍTULO I
POLÍTICA DE SAÚDE E A UNIVERSALIDADE DO ACESSO AOS
SERVIÇOS DE SAÚDE
1.1 Saúde no Brasil: práticas e estigmas
A política de saúde no Brasil, assim como em outros países, tem como
característica a presença do Estado, quer seja como provedor direto dos serviços, quer seja
como agente regulador ou como fonte de financiamento. A participação do Estado, na
concepção de Barros et al (1996, p. 22), se deve, entre outros motivos, à impossibilidade de
os sistemas de saúde funcionarem com eqüidade quando ao sabor das forças do mercado”.
A Lei Eloy Chaves marca a entrada do Estado nas questões relativas à saúde da
população brasileira, na década de 1920. Nessa época e em cada época no Brasil as ações
de saúde se voltam basicamente para atender às necessidades da economia brasileira. Nesse
período, a economia era assentada no modelo agroexportador, que exigia ações de saúde, no
âmbito da saúde pública, “sobretudo uma potica de saneamento dos espaços de circulação
das mercadorias exportáveis e a erradicação ou controle das doenças que poderiam prejudicar
a exportação” (MENDES, 1999, p. 20). Nesse contexto, o governo federal institui e divulga o
modelo de atenção à saúde, conhecido como sanitarismo-campanhista, voltado a atender aos
interesses da economia exportadora, principalmente com ações voltadas para o combate às
doenças que acometem às funções fisiológicas da população.
O processo de industrialização, desencadeado a partir de 1930, deslocou olo da
economia para os centros urbanos, fato que atraiu os trabalhadores para as cidades. O lo
industrial emergente absorveu essa mão-de-obra que precisava ser produtiva, e as ações de
saúde voltaram-se para a manutenção dessa força produtiva.
Vale assinalar que as ações de saúde do modelo sanitarista-campanhista não mais
respondiam às necessidades do novo perfil econômico do País, exigindo uma nova forma de
assistência à saúde. Pode-se dizer que, àquele momento, “o importante, então, não era
sanear o espaço de circulação das mercadorias, mas atuar sobre o corpo do trabalhador,
mantendo e restaurando sua capacidade produtiva” (MENDES, 1999, p. 21).
Esses novos elementos, no plano econômico e urbano, provocam a criação, por
parte dos empregadores, das Caixas de Aposentadorias e Pensões (CAPs), a primeira
modalidade de seguro privado. Essas caixas tinham como função a prestação de benefícios
aposentadorias e pensões e assistência médica ao trabalhador. Por outro lado, como o
financiamento compulsório e contributivo dessas CAP’s provinha dos empresários e
trabalhadores, a cobertura dos serviços de saúde passa a ser destinada aos trabalhadores que se
encontravam no mercado de trabalho. Deste modo, o acesso aos serviços de saúde se define a
partir de uma base contratual. Tendo em vista que o Estado não era provedor de serviços de
saúde, parte da população que o tem vínculo empregatício fica sem direito aos benefícios
previdenciários e à assistência médica (COHN, 1996).
Os serviços de saúde ofertados pelas CAPs eram voltados para o tratamento e a
cura das doenças que os trabalhadores e seus dependentes podiam ser acometidos. Neste
contexto, as CAPs não ofertavam serviços ou ações de prevenção das doenças. Por sua vez,
essa forma de funcionamento das CAPs define tros que marcariam profundamente a política
de saúde no Brasil, que foi a separação entre os serviços curativos e os serviços preventivos
de saúde. Os primeiros sempre foram ofertados pelo setor privado, conveniado ao setor
público de saúde, e o segundo ficou sob a responsabilidade do poder público.
Após dez anos de funcionamento das CAPs,
1
são criados em 1933 os Institutos de
Aposentadorias e Pensões (IAPs) que viriam marcar a presença do Estado na relação entre
trabalhadores e empregadores. Os IAPs marcariam, também, a estratificação dos direitos em
torno de categorias profissionais, tais como: marítimos, comerciários, bancários, industriais,
empregados de cargas e os servidores do Estado. Acerca deste assunto, Cohn (1996),
estabelecendo diferenças entre as CAPs e os IAPs, afirma que a diferença entre os dois não é
apenas na sigla, ambos se diferenciam sob dois aspectos: primeiro, na administração e
financiamento dos CAPs, cuja natureza era privada e não havia a presença do Estado;
segundo, a criação dos IAPSs marca o início de um comportamento estatal na regulação das
questões de saúde no Brasil.
Nos termos de Santos (1979, p. 36), os IAPs, coexistindo paralelamente com as
CAPs, durante a ditadura de Vargas, favoreceram assim a divisão entre a saúde pública e a
saúde do setor privado, além de se institucionalizarem “dentro da mesma orientação de
conciliar a potica de acumulação com a política de eqüidade”.
Essa situação de coexistência das CAPs e IAPs perdurou até quando foi
criado, em 1966, o Instituto Nacional de Previdência Social (INPS),
2
com a finalidade de
unificar os serviços previdenciários. As a unificação, o INPS se fortaleceu pela capacidade
de captação de recursos, com base na obrigatoriedade da contribuição financeira, para o
sistema previdenciário, de todos os trabalhadores inseridos no sistema de trabalho. Os
recursos financeiros captados pelo INPS tinham como destino a concessão de benefícios
1
A primeira CAP foi criada em 1923, com a lei Eloi Chaves. Em 1932, já existiam 140 CAPs, cobrindo 189.482
segurados ativos, 10.279 aposentados e 8.820 pensionistas (SANTOS, 1979. p. 31).
2
Criado pelo Decreto Lei nº 72 em 21 de novembro de 1966.
previdenciários e o pagamento dos serviços de saúde ofertados pelo setor público e pelo setor
privado. O INPS, como órgão financiador das ações e serviços de saúde, torna-se responsável
por grande parte das distorções que atualmente ainda se verificam no setor saúde. Uma delas:
como os governos brasileiros não têm investido de modo marcante, historicamente, no setor
público de saúde, seja no âmbito da saúde preventiva seja no campo da saúde curativa, o setor
privado de saúde tem sido, ao longo dos anos, o grande catalisador dos recursos públicos do
INPS para financiar suas ações de saúde, construir hospitais e investir em tecnologias.
Uma outra distorção, criada com base na legislação social brasileira, voltada para
a saúde, consistiu nos critérios de pagamentos dos prestadores de serviços de saúde blicos
e privados que levavam em conta a produtividade dos serviços e a densidade tecnológica.
Nessa lógica, quanto maior o número de atendimento e/ou o maior número de procedimentos
hospitalares realizados com o uso de equipamento tecnológico maiores seriam os valores
financeiros repassados pelo INPS. Como resultado disso, coma a haver um incremento na
produção de equipamentos e tecnologias cada vez mais sofisticados para diagnosticar e tratar
as doenças. A criação do INPS contribuiu assim para a valorização da ação médica curativa,
individual, privatista e com grande densidade tecnológica; conseqüentemente, perdas à
saúde blica, preventiva e generalista. Tal fato contribui também para a construção de um
complexo médico-industrial que concentra os serviços de saúde na assistência dico-
hospitalar. Na opinião de Cohn (1996, p.19), “agora são os serviços médicos que passam a
ganhar importância na barganha clientelista da política de favores, e não mais as
aposentadorias e pensões”.
Em 1977, o governo federal, através da Lei 6.439, de de novembro de 1977,
criou o Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS), com
competência para prover os serviços médico-hospitalares. O INAMPS impulsionou o
credenciamento dos serviços médicos privados, já iniciado pelo INPS, aprofundando o
modelo de saúde que privilegiou a atenção individual, médico-hospitalar e privatista. Esse
modelo trazia, também, uma concepção do processo saúde/doença muito mais ligada aos
aspectos biológicos do ser humano do que aos aspectos sociais, econômicos ou ligados às
condições de vida do individuo.
Esses dois institutos, INPS e INAMPS, em nada alteraram a situação do
trabalhador, no que se refere ao acesso aos serviços de saúde e benéficos do trabalhador e seus
dependentes, se comparada com o acesso aos serviços de saúde do período em que
funcionavam os CAPs e os IAPs: tais serviços continuaram restritos e limitados à contribuição
do seguro social.
É importante assinalar que o INAMPS aprofundou o processo de privatização da
assistência médica através do credenciamento dos serviços médicos e hospitalares do setor
privado, o que possibilitou a constituição de uma expressiva rede privada na área da
assistência médico-hospitalar. Barros (1996, p. 30) exemplifica esse contexto esclarecendo:
Em 1962, o país dispunha [...] de 236 930 leitos hospitalares, dos quais 40%
eram públicos (aqui incluídos os do sistema previdenciários e 60%,
privados. Em 1976, dos 432,9 mil leitos existentes 27% eram públicos e
73%, privados. Em 1986, a participação dos leitos públicos cai para 22%,
enquanto os privados passam a responder por 78% da capacidade instalada.
É mister perceber como esse movimento de compra dos serviços privados
paralelamente provocou uma redução da presença da rede pública preexistente e a
desvalorização do sistema público de saúde nos seus aspectos físicos. Um outro aspecto que a
privatização dos serviços de saúde trouxe foi a constante incorporação tecnológica e o uso
cada vez maior da tecnologia em Medicina, contribuindo para que a assistência à saúde fosse
entendida e medida pela capacidade de leitos hospitalares disponíveis na rede de serviços.
Por conseguinte, um modelo caro para o sistema público de saúde. Esse modelo
assumiu um perfil cada vez mais distante das reais necessidades de saúde da população em
geral, pois o direito aos serviços de saúde mantinha a premissa contributiva e contratual.
Somente a parcela da população que contribuía com a Previdência era que estava apta a
utilizar os serviços de saúde (MENDES, 1999).
No final dos anos de 1970, o modelo médico-assistencial privatista apresenta
sinais de esgotamento. Suas ações se mostraram incapazes de alterar os perfis de morbidade e
mortalidade no quadro sanitário brasileiro, além do seu alto custo financeiro. É quando,
segundo Draibe (1990), há sinais de uma flexibilidade no caráter seletivo do acesso ao serviço
de saúde e o serviço de urgência é universalizado. Outra iniciativa dessa década foi a
implantação do Programa de Interiorização das Ações de Saúde e Saneamento (PIASS) que
expandiu a cobertura com atenção básica à saúde. Esse programa, conforme Sousa (2001, p.
105), citando Marsíglia (1995, p. 46), tratava-se de umplano de expansão dos serviços
públicos para as áreas onde não havia nenhuma forma de atendimento à saúde”.
Ao questionar as premissas desse modelo médico-privatista, surge ainda, na
década de 1970, o Movimento da Reforma Sanitária (MRS) composto pelos movimentos
sociais, profissionais e estudiosos da saúde pública no Brasil. Na opinião de Mendes (1999, p.
42), o Movimento da Reforma Sanitária provocou alterações substanciais do sistema de saúde
brasileiro. Para ele, trata-se de
um processo modernizador e democratizante de transformações nos âmbitos
político-jurídicos, político-institucional e político-operativo, para dar conta
da saúde dos cidadãos entendida como um direito universal e suportada por
um Sistema Único de Saúde, constituído sob regulação do Estado, que
objetive a eficiência, eficácia e equidade e que se construa permanentemente
através do incremento de sua base social, a ampliação da consciência
sanitária dos cidadãos, da implantação de um outro paradigma assistencial,
do desenvolvimento de uma nova ética profissional e da criação de
mecanismo de gestão e controle populares sobre o sistema.
Dentre os pontos defendidos pelo MRS, destaca-se o conceito ampliado de saúde,
que passa a ser considerado como resultante das condições de alimentação, habitação,
educação, renda, meio ambiente, trabalho, emprego, lazer etc. Percebe-se que na concepção
de saúde proposta pelo MRS foge do enfoque biomédico utilizado até então, sem considerar
as condições de vida da população usuária como fatores determinantes de saúde/doença. A
esse respeito, Paim (1997, p. 13) afirma que
a concepção do processo saúde/doença não pode ser explicada
exclusivamente nas suas dimensões biológicas [...], porquanto tais
fenômenos o determinados social e historicamente, enquanto componentes
dos processos de reprodução social.
O MRS defende, ainda, a proposta de descentralização dos serviços de saúde
como um dos pilares da reforma. A unificação do sistema previdenciário, em 1966, através do
INPS, transformou as questões relativas à saúde em responsabilidade, primordialmente,
atribuída a União. Com isso Estados e municípios tornaram-se esferas dependentes da União,
perdendo progressivamente sua importância enquanto gestores” (BARROS, 1996, p. 276).
Com isso, a proposta da descentralização dos serviços de saúde surge como ponto chave para
operar as mudanças necessárias no setor saúde. O argumento favorável que mais sustentou a
proposta da descentralização reside no ponto de que a decisão deve ser tomada pelos gestores
públicos locais, que são quem de fato conhecem, vivenciam e experienciam os problemas
locais de saúde.
Não obstante os avanços presentes nas propostas do MRS, o mesmo foi passível
de críticas em alguns pontos. Dentre as críticas proferidas ao MRS, Paim (1997, p. 17),
citando Vaitsman (1992), afirma que o MRS ao considerar “a concepção de saúde como
resultado das formas de organização da produçãoreduz o processo de saúde e doença ao
economicismo, quando, na verdade, existem outros elementos igualmente capazes de
interferir nesse processo, citando-se, por exemplo, fatores como gênero, cor, idade e a
subjetividade. Atualmente, “novas leituras do processo saúde/doença conferem ao mundo
subjetivo relencia, levando em conta as dimensões psicológicas e culturais dos problemas
de saúde”. Essa valorização da subjetividade como fator determinante no processo de saúde
tem possibilitado novas reflexões e ações no campo da saúde.
A concretização das propostas do MRS se materializa no campo institucional na
Constituição Federal de 1988 (CF-88), porém, sua concretização estará em contínua tensão
pela persistência de traços do modelo médico-assistencial privatista sobre o qual o sistema de
saúde foi construído e pela desigualdade social, que marca profundamente a sociedade
brasileira.
1.2 O Sistema Único de Saúde e a proposta de universalidade: avanços e desafios na sua
implementação
A Constituição Federal de 1988 (CF-88) incorpora no seu art. 194 o conceito de
seguridade social como sendo um conjunto integrado de ações de iniciativas dos poderes
públicos e da sociedade, destinados a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à
assistência social”. Barros (1996, p. 29) considera a seguridade social como uma das mais
importantes inovações da CF-88, à medida que reconhece a saúde como um direito e que
possibilita transformações no sistema de saúde brasileiro rumo a “um novo paradigma para a
organização da ação estatal na área”, com a criação do Sistema Único de Saúde (SUS) e das
diretrizes que o nortear esse novo sistema, a saber: a descentralização, com direção única
em cada esfera de governo; o atendimento integral, com prioridades para as atividades
preventivas e a participação da comunidade.
Ao analisar o Sistema Único de Saúde, deve-se levar em conta dois aspectos:
primeiro é preciso considerá-lo como resultado do Movimento de Reforma Sanitária, que
propõe novos modos de conceber e dar respostas à questão de saúde no País. É nesse contexto
que emerge, entre outros aspectos, um conceito ampliado de saúde e a defesa de um sistema
descentralizado de saúde. Em segundo lugar, é preciso conside-lo como um sistema em
construção, pois é comum confundir a promulgação da Constituição Federal de 1988 e a
criação da Lei Federal 8080/1990 com o início do próprio Sistema. Sob este aspecto,
Mendes (1996) ressalta que o SUS não surge com a sua vinculação à CF-88 e o identifica em
práticas de saúde como as do Programa Nacional de Serviços Básicos de Sde (PREV-
SAÚDE), das Ações Integradas de Saúde (AIS) e do Sistema Único Descentralizado de Saúde
(SUDS), como uma espécie de embriões do SUS desde 1980.
No que concerne ao primeiro aspecto, é preciso destacar que o Sistema Único de
Saúde resultou das reivindicações do MRS, de lutas dos movimentos sociais e propostas das
confencias de saúde. Nesse contexto, o primeiro destaque vai para a VII Conferência
Nacional de Saúde, realizada em Brasília, em março de 1980, cujo tema central foiA
extensão das ações de saúde através dos serviços básicos”, que teve como desdobramentos “A
participação comunitária e os serviços básicos de saúde”. Nesse evento, foram discutidas as
bases de um sistema de saúde pautado em ações alocadas fora da área hospitalar e voltado
para os serviços de atenção primária,
3
com cobertura mais ampliada, de forma a possibilitar
um acesso maior da população aos serviços e atenção em saúde.
Essa conferência de saúde teve como produto final das discussões e debates a
criação do Programa Nacional de Serviços Básicos de Saúde (PREV-SAÚDE) em 1980.
O segundo ponto, na análise do SUS, remete a considerá-lo como um sistema em
construção, cujo início data da década de 1980. Na avaliação de Mendes (1996), o Programa
Nacional de Serviços Básicos de Saúde (PREV-SAÚDE) constitui uma das formas
embrionárias do SUS. O que objetivou a extensão máxima da cobertura dos serviços de saúde
a toda a população brasileira, “implicando em uma rede básica de unidades de saúde de
cobertura universal, com prioridades para as populações rurais, de pequenos centros e de
3
A representação mais conhecida do ordenamento dos serviços de saúde toma a forma de uma pirâmide, em que
as ações estão agrupadas em níveis de complexidade crescente. Em sua base, estão os serviços mais simples,
colocados à disposição das pessoas em Centros de Saúde, ambulatórios e consultórios capacitados, e, atualmente,
no próprio domicílio, através das equipes do Programa de Saúde da Família (PSF), para atender as situações
mais freqüentes. Esses serviços mais simples representam o nível de atenção primário; na posição intermediária,
está o nível de atenção secundária, onde estão as ações mais complexas, que requerem especialistas. Estes
serviços são encontrados em clínicas e hospitais de pequeno e médio porte; no topo da pirâmide, está o nível
terciário, onde os serviços concentram-se em hospitais de maior porte, com o que existe de mais especializado,
em termo de equipamento e pessoal especializado (PEREIRA, 1995).
periferias das grandes cidades” (Macedo, 2003, p. 23). Ainda segundo o autor, esse programa,
sob a égide do Ministério da Saúde e da Previdência e Assistência Social, como processo
social complexo, enfrentou dificuldades, entre outras, de natureza política, ou seja, à medida
que suas propostas priorizam ações preventivas afeta interesses do sistema de saúde vigente
hospitalocêntrico e voltado para as ações curativas.
Um outro conjunto de ações importante nesse processo, que preconiza o SUS, foi
a implementação, das ões Integradas de Saúde (AIS) em 1983. Sobre isso Cohn (1996, p.
44-45) afirma que
as AIS institucionalizam um novo pado de relação entre a Previdência
Social e os setores públicos de saúde estadual ou municipal, na medida em
que criam mecanismos de repasses de recursos para essas instâncias que
passam a ser responsáveis pelo atendimento médico individual da população
previdenciária.
Um elemento importante na citação de Cohn refere-se ao repasse de recursos
financeiros, por parte do governo federal para os Estados e municípios. As AIS remetem às
idéias de co-gestão e desconcentração. Rodrigues Neto (1989, p. 8), em uma avaliação das
AIS como antecessora do SUS, considera que o seu desenvolvimento (das AIS) não veio
acompanhado da discussão política sobre a descentralização dos serviços de saúde. Nesse
sentido, para o autor, as “AIS estavam impedidas de alguns elementos que fazem parte da
doutrina do SUS: descentralização, reforço do setor público, regionalização, integração”.
O autor destaca, entre outras, três questões que envolvem as AIS. Uma das
questões é que, na década de 1980, ela significou um conjunto de medidas, por parte do
governo federal, voltadas para a contenção de despesas dos serviços de saúde, já que o
elevado gasto com a assistência médica consumia, naquela época, cerca de 29,7% do
orçamento da Previdência. Neste sentido, as ações começam a ser direcionadas para os
serviços de atenção primária e ações básicas de saúde, cujo custo financeiro era menor; a
segunda questão é que as AIS, até 1984, enquanto proposta do governo federal, eram restritas
ao setor público. Em nada se propunham com relação aos serviços privados de saúde. A esse
respeito o autor afirma: o setor privado continuava a sua relação direta com a Previdência
Social, com contratos celebrados sem passar pelo Estado ou municípios, sem discutir as
formas, sem ter a possibilidade do setor público exercer um controle mais direto”
(RODRIGUES NETO, 1989, p. 8); e a terceira questão é que em 1985, com o advento da
nova República, houve uma tentativa de unificar o Ministério da Saúde, responsável pelas
ações e alcance coletivo, com o Ministério da Previdência e Assistência Social (MPAS),
responsável pela assistência médico-hospitalar, em uma tentativa de superar a dicotomia
existente entre as ações preventivas e as ações curativas. Mas não houve avanço nesse
sentido.
A experiência das AIS reforça a proposta de necessidade de o sistema de saúde
priorizar as ações voltadas para a atenção básica e, com isso, fazer com que a população mais
pobre tenha acesso aos serviços de saúde. É neste contexto que emerge o Sistema
Descentralizado e Unificado de Saúde (SUDS) em 1987.
O momento histórico em que a VIII Conferência foi realizada tinha características
peculiares: coincidiu com o início do exercício do poder civil com Tancredo Neves para a
presincia da República e a convocação da constituinte em 1986. Sousa (2001, p. 109-112)
considera que esses fatos explicam a magnitude desse evento e o seu caráter democrático à
medida que foi precedido das conferências, realizadas no âmbito municipal e estadual,
contando com participação dos movimentos sociais, dos trabalhadores da saúde e atores
sociais dos mais diversos setores da sociedade civil. Como coroamento dessa Conferência, foi
aprovado na plenária final um documento fruto de discussões de 135 grupos de trabalhos em
torno de temas como: Saúde como direito; Reformulação do Sistema Nacional de Saúde;
Financiamento setorial. Vale destacar o eixo das discussões em torno do tema a “Saúde como
Direito”, que toma como base o conceito ampliado de saúde que considera o processo
saúde/doença “como resultante das condições de alimentação, habitação, educação, renda,
meio ambiente, trabalho, transporte, emprego, lazer, liberdade, posse da terra e acesso aos
serviços de saúde” (BRASIL, 1994, p. 383).
A partir de 1987, o governo formaliza o SUDS Sistema Unificado
Descentralizado de Saúde através do Decreto nº 94657/1987, como uma estratégia que tem
com eixo norteador a universalização do direito à assistência à saúde, extinguindo assim a
discriminação entre clientela previdenciária e a não-previdenciária.
Convém enfatizar que o SUDS representou avanços no processo de reversão do
modelo de atenção à saúde vigente, voltando-se ainda mais para os cuidados na atenção
primária das ações. Para avançar nesse processo, foi necessário o repasse, por parte da União
para os Estados, das responsabilidades sobre as ações e serviços de saúde. Com o SUDS, as
Secretarias Estaduais de Saúde assumiram o comando do sistema de saúde (MENDES, 1999).
Em razão dos desdobramentos do Programa Nacional de Serviços Básicos de
Saúde (PREV-SAÚDE), das Ações Integradas de Saúde (AIS) e do Sistema Descentralizado e
Unificado de Saúde (SUDS), com propostas de universalidade de acesso aos serviços de
saúde, a CF-88 do ponto de vista legal e formal veio garantir, no seu artigo nº 196, que:
A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas
sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros
agravos e ao acesso universal e igualitário as ações e servos para a
promoção, proteção e recuperação.
A CF-88 quando eleva a saúde ao status de direito rompe definitivamente com o
vínculo contributivo, premissa básica do acesso aos serviços de saúde até então.
Por sua vez, o SUS é criado pelo art. 198 da CF-88, sendo referendado pela Lei
Federal 8080/1990, Lei Orgânica da Saúde (LOS), que, no art. 4º, assinala que o Sistema
Único de Saúde (SUS) constitui “o conjunto de ações e serviços de Saúde, prestados por
óros e instituições blicas federais, estaduais e municipais, da Administração direta e
indireta e das fundações mantidas pelo Poder Público” orientado por princípios doutrinários e
organizativos.
No que respeita aos princípios doutrinários, a Lei federal de 8080/1990
estabelece os seguintes:
a) O princípio da universalidade, entendido como a garantia de atenção à saúde,
por parte do sistema, a todo e qualquer cidadão. Nesse sentido, deve-se recordar
que, anteriormente, o acesso aos serviços de saúde era garantido apenas às pessoas
que contribuíam para o sistema da Previdência. Com a universalidade, qualquer
pessoa, independente do requisito contributivo, passa a ter direito a todos os
serviços públicos de saúde, tanto aqueles serviços diretamente organizados e
patrocinados quanto aqueles contratados pelo poder público. A iia prevalente é
que saúde é direito de cidadania e dever do Governo municipal, estadual e federal.
b) O princípio da eqüidade que significa assegurar ações e serviços de todos os
níveis de acordo com a complexidade que cada caso requeira, more o cidadão
onde morar, sem privilégios e sem barreiras. Todo cidadão é igual perante o SUS
e será atendido conforme suas necessidades até o limite do que o sistema possa
oferecer para todos.
c) O princípio da integralidade da assistência é o reconhecimento na prática dos
serviços de que cada pessoa é um integrante de uma comunidade, de que as ões
de promoção, proteção e recuperação da saúde formam, também, um todo
indivisível e não podem ser compartimentalizadas. Nesse contexto, as unidades
prestadoras de serviço, em seus diversos graus de complexidades, formam,
também, um todo indivisível configurando um sistema capaz de prestar assistência
integral. A idéia central é a de que o homem é um ser integral, biopsicossocial;
portanto, deve e deverá ser atendido por um sistema de saúde, também, integral
(BRASIL, 1990).
No que se refere aos princípios organizativos do SUS, a Lei federal 8080/1990
aponta três princípios. O primeiro deles diz respeito à regionalização e hierarquização, em
que os serviços devem ser organizados em níveis de complexidade tecnológica crescente,
dispostos em uma área geográfica delimitada e com a definição da população a ser atendida.
Isto implica na capacidade dos serviços em oferecer, a uma determinada população, todas as
modalidades de assistência, bem como o acesso a todo o tipo de tecnologia disponível,
possibilitando um ótimo grau de resolubilidade dos serviços (Ibid., 1990).
Nesse sentido, a supracitada lei estabelece que o acesso da populão à rede de
serviços do SUS deve ocorrer através dos serviços em nível primário de atenção, que devem
estar qualificados para atender e resolver os problemas de saúde de menor complexidade que
demandam para os serviços. Os problemas de saúde mais complexos deverão ser
referenciados para os serviços de maior complexidade tecnológica. A rede de serviços,
organizada de forma hierarquizada e regionalizada, permite um conhecimento maior dos
problemas de saúde da população da área delimitada, favorecendo ações de vigilância
epidemiológica, sanitária, educação em saúde, além das ações de atenção ambulatorial e
hospitalar em todos os níveis de complexidade.
O segundo princípio organizativo do SUS trata da resolubilidade que é a
exigência de que, quando um indivíduo busca atendimento ou quando surge um problema de
impacto coletivo sobre a saúde, o serviço correspondente esteja capacitado para enfrentá-lo e
resolvê-lo ao nível de sua competência.
Os princípios organizativos do SUS têm um rebatimento direto no acesso da
população aos serviços de saúde por estarem relacionados à reestruturação e organização dos
serviços no âmbito do município ou do Estado. A descentralização dos serviços de saúde
provocou, como resultado, a organização de uma rede regionalizada e hierarquizada desses
serviços. O Estado, o município e o Distrito Federal devem ofertar ações e serviços de saúde
de acordo com o perfil epidemiológico das respectivas realidades, de modo a assegurar o
acesso a todos os níveis de atenção. Cada esfera de governo tem fuões específicas e
complementares no sistema. A inovação trazida pelo SUS, a partir de sua implantação, é que
grande parte das responsabilidades de prover ações e prestar serviços passa. Rodrigues Neto
(1989, p. 8), a ser do município.
Segundo Jovchelovitch (1998), a descentralização, envolve uma redefinição na
estrutura de poder no sistema governamental, que se realiza por meio do remanejamento de
competências decisórias e executivas, assim como dos recursos necessários para financ-las.
A descentralização dos serviços de saúde expressa na CF-1988 art. 198,
4
e na
LOS 8080/1990 no art. 7,
5
teve seu processo orientado pela edição das Normas
Operacionais Básicas (NOBs). Acerca das mencionadas Normas, Melo (1996, p. 273)
considera que as NOBs-SUS possibilitam um grande avanço na descentralização e na
organização do sistema de saúde universal e gratuito, efetivando concretamente os princípios
do SUS. “As NOBs tratam eminentemente dos aspectos de divisão de responsabilidades,
relações entre os gestores e critérios de transferência de recursos federais para os Estados e
municípios”.
Até os dias atuais, foram editadas as seguintes NOBs-SUS: a NOB-SUS/1991, a
NOB-SUS/1993, a NOB-SUS/1996. A primeira NOBs-SUS foi editada em um contexto no
qual a cultura centralizadora e as práticas do INAMPS, onde o processo decirio das
4
Art. 198 da Constituição Federal de 1988: “As ações e serviços públicos de Saúde integram uma rede
regionalizada e hierarquizada, e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes:
I descentralização, com direção única em cada esfera de governo”.
5
Art. da Lei 8080/90: “As ações e serviços públicos de Saúde e os privados contratados ou conveniados que
integram o Sistema Único de Saúde-SUS são desenvolvidos de acordo com as diretrizes previstas no art. 198 da
Constituição Federal, obedecendo ainda os seguintes princípios”: IX Descentralização político-administrativa,
com direção única em cada esfera de governo, com ênfase na descentralização dos serviços para os municípios.
questões relativas à saúde fortemente centradas no governo central, ainda atuavam, embora
caminhassem para a descentralização. Essa NOB-SUS/1991 pouco rompeu com o modelo
estabelecido no período pré-SUS.
A formulação da NOB-SUS/1993 foi favorecida pelas discussões apresentadas na
IX Conferência Nacional de Saúde, em agosto de 1992, em Bralia. Com o tema central:
Sistema Único de Saúde: a municipalização é o caminho”, esta conferência caracterizou-se
por seu conteúdo municipalista, influindo diretamente na formulação da NOB-SUS 01/1993
cujo foco foi a descentralização do Sistema.
Com base nos estudos feitos até então, pode-se firmar que a NOB-SUS/1993
apresentou vários avanços em relação à NOB-SUS 01/1991. Dentre outros, vale destacar o
início de democratização nos processos decisórios, através da negociação permanente entre os
três níveis de gestão, com a instituição dos fóruns a Comissão Intergestora Tripartite
(composta em nível nacional por representantes dos gestores do SUS dos três níveis de
governo) e as comissões bipartites (compostas, em cada Estado, por representantes das
Secretarias estaduais e das Secretarias municipais de Saúde) para acompanhamento do
processo de implementação, solução de conflitos e divergências, bem como o estabelecimento
de regras complementares à NOB/SUS/1993 (BARROS, 1996).
O processo de negociação e formulação da NOB-SUS/1996, nos fóruns do
Conselho Nacional de Saúde (CNS), da Comissão Intergestora Tripartite (CIT) e na plenária
da 10º Conferência Nacional de Saúde, até a sua edição final, através da portaria nº 2.202, de
5 de novembro de 1996, durou em torno de 12 meses. A referida NOB foi publicada em
novembro de 1996, mas sua implementação teve início em 1998 (LEVCOVITZ, 2001, p.
278-279).
Ressalte-se ainda que a NOB-SUS/1996 tem a finalidade de
promover e consolidar o exercício, por parte do poder público municipal e
do Distrito Federal, da função de gestor na ateão a saúde dos seus
municípios, com a conseqüente redefinição das responsabilidades dos
Estados, do Distrito Federal e da União, avançando na consolidação do SUS.
(PIAUÍ, 1996, p. 35-36).
Nesse contexto, a referida NOB traz duas formas de gestão das questões relativas
à saúde por parte do município: a Gestão Plena da Atenção Básica (município) e a Gestão
Plena do Sistema Municipal (estadual). Por conseguinte, a habilitação do município em uma
das duas formas significa declarar, por parte do gestor, condições de responder pelas
responsabilidades que cada condição exige. A NOB-SUS/1996 aprofunda o processo de
descentralização. A esse respeito, Barata (2004, p. 18) afirma:
A implementação da NOB-SUS 1996, ao criar as categorias de gestão
municipal, permitiu inegáveis avanços, no processo de descentralização,
como é o caso do financiamento per capita do sistema, decorrente da
implementação do Piso da Atenção Básica (PAB) para as ações de atenção
primária desenvolvidas pelos municípios. A mesma NOB ainda introduziu
incentivos específicos para áreas estratégicas do sistema aumentando a
transferência de recurso fundo a fundo.
Isso acelerou o desencadeamento do processo de municipalização; muitos
municípios aderiram a esse processo. Levcovitz et al (2001, p. 280), registram que, “no ano de
1998, houve muitas habilitações de municípios e que, em dezembro de 2000, 99% dos 5.506
municípios brasileiros estavam habilitados em uma das condições de habilitação de gestão da
NOB-SUS 01/1996”, sendo a maioria em Gestão Plena de Atenção Básica. Isto significa, na
prática, que, a partir da referida NOB, a quase totalidade dos municípios passa a receber
diretamente, em seu Fundo Municipal de Saúde, os recursos federais para assumir as
responsabilidades sobre a atenção à saúde da população. Este desempenho não se repetiu nas
esferas estaduais, pois, nesse mesmo período, apenas oitos Estados estavam habilitados em
uma das condições de gestão da NOB/1996.
O maior avanço da NOB-SUS/1996, considerando o acesso aos serviços de saúde
da população usuária do sistema público de saúde, foi à introdução do Piso de Atenção Básica
(PAB),
6
que transfere recursos financeiros para procedimentos com atenção básica
atendimentos básicos, vacinação, assistência pré-natal e pequenas cirurgias diretamente para
os municípios. São transferências regulares, mês a mês, automáticas, fundo a fundo, que
garantem ao administrador do sistema local planejar as ações e serviços de atenção à saúde. A
esse respeito, conforme Negri (2002, p. 11):
O PAB pode ser considerado como agente intermediário no processo de
descentralização do Ministério da Saúde, contribuindo sobremaneira com os
princípios dos SUS, que o a universalidade dos serviços, a equidade na
prestação de serviços e a integridade da assistência. A introdução rápida e
radical do PAB e das formas de gerência previstas na NOB-SUS/1996
alterou significadamente o setor saúde abrindo caminho para a melhoria da
qualidade da atenção.
Este aspecto da NOB-SUS/1996 tem uma grande relevância na ampliação do
acesso aos serviços de saúde ao nível de atenção básica. Foi bastante significativa a expansão
do Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS) e Programa de Saúde da Família
(PSF), dois anos após a implantação da NOB/1996, em dezembro de 2000, já que atingiam
uma cobertura de 51% e 22%, respectivamente, da população brasileira.
A ampliação do acesso aos serviços de saúde, em níveis de atenção primária, a
partir das NOBs-SUS, adquire nova expressão. Indubitavelmente, a partir destas, o acesso aos
serviços de saúde proposto pelo Sistema é ampliado, pelo menos no âmbito da atenção sica.
Entretanto, esse acesso o se tem verificado na mesma proporção, quando são referidos
outros níveis de complexidade dos serviços públicos, como na área hospitalar ou quando a
população necessita de serviços mais especializados. É sabido por todos que as filas ainda
existem, parte da populão também madruga para conseguir o acesso a exames
especializados; muitos ainda precisam esperar um ou dois meses.
Enquanto o acesso aos serviços de saúde é possibilitado através da atenção básica,
outros aspectos do sistema de saúde apresentam alguns obstáculos. É importante destacar que,
6
Definido pela NOB-SUS/1996 como “um montante de recursos financeiros destinados aos custeios de
procedimentos e ações de assistência básica, de responsabilidade tipicamente municipal” (NEGRI, 2002, p. 10).
na organização dos serviços de saúde, a CF-88, no art. 199, inciso , afirma que “as
instituições privadas poderão participar de forma complementar do Sistema Único de Saúde,
segundo diretrizes deste, mediante contrato de direito público ou convênio, tendo preferência
às entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos”.
No que diz respeito à participação do privado no sistema público brasileiro,
Mendes (1999) destaca que a pressão da demanda decorrente da universalização pós-
Constituição de 1988 e a não diversidade de fontes de recursos, aliadas à crise do Estado,
contribuem para uma queda da qualidade dos serviços públicos de saúde, causando com isso
uma migração de segmentos sociais mais qualificados do sistema blico para o subsistema
privado. O autor retrata o modelo de saúde no Brasil na forma de pirâmide, subdividido, do
ponto de vista estrutural, em três subsistemas: no ápice da pirâmide está o subsistema de alta
tecnologia (SAT); no meio da pirâmide, em posição intermediária, está o subsistema privado
de atenção médica supletiva (SAMS); e na base da pirâmide o subsistema público(SP).
O subsistema de alta tecnologia é o que apresenta maior densidade tecnológica,
tendo em vista que grande parte dos equipamentos biomédicos destina-se para esse
subsistema; o seu crescimento decorre da expansão do subsistema de atenção dica
supletiva;
7
esse subsistema dificilmente cobre os procedimentos de alto custo que, por sua
vez, são ofertados pelo Estado; agrega setores modernos produtores de bens e serviços e tem
como fonte de financiamento, seja de investimento, seja de custeio, os recursos públicos. O
subsistema privado de atenção médica supletiva os planos privados é ofertado para grupos
privilegiados, está em constante expansão no Brasil desde a década de 1980, em conseqüência
do princípio de universalidade. Este subsistema ainda se subdivide em cinco tipos de
7
Esse subsistema se divide, entre outras, nas seguintes modalidades: 1) Medicina de grupo, constituída por
empresas médicas que funcionam sob a forma de p-pagamento; 2) Seguro Saúde é uma modalidade que cobre
ou reembolsa gastos de atenção médica conforme estabelecido no contrato entre segurado e seguradora; 3)
Cooperativa Médica, em que os médicos são sócios e prestadores de serviços.
modalidades assistenciais diferentes, quais sejam: Medicina de grupo, Seguro Saúde,
Cooperativa Médica e Plano de Administração (MENDES, 1999).
Médici (1990, p.12), citado por Possas (1996, p. 184), afirma que os Planos de
Saúde oferecem atendimentos diferenciados proporcionais à capacidade de pagamento dos
indivíduos, geralmente não cobrem os procedimentos de alta complexidade, que são os mais
onerosos para o sistema de saúde e está constantemente pressionando o Estado para assumir
esta atenção.
O subsistema blico é o subsistema que está sob o comando do Estado, sendo
que as ações e serviços são ofertados pelas próprias estatais, prestados pela União, Estado e
pelos municípios, pelos privados contratados, de fins lucrativos ou filantpicos. “Tais
sistemas têm lógica de estruturação distinta, complexidades tecnológicas diversas, clientelas
discriminadas, interlocutores poticos diferenciados e modos de financiamentos próprios”
(MENDES, 1999, p. 58).
Nesse sistema, um predomínio do setor privado, contratação de seus serviços e
de seus leitos; na grande maioria, serviços de média e alta complexidade, cujo valor do
procedimento é mais caro. No subsistema blico, há um predonio dos serviços de
ambulatório e serviços voltados para a atenção básica e procedimentos de menor custo.
A maioria dos procedimentos, ambulatoriais e hospitalares de média e alta
complexidade e dos leitos cadastrados, colocados à disposição da população pelos hospitais
privados e filantrópicos, é paga pelo sistema SUS. No ano de 2000, havia 2.319 hospitais
contratados pelo SUS; 1.737 hospitais privados filantrópicos; 1.597 hospitais municipais; 640
hospitais estaduais; 157 hospitais universitários; 44 hospitais federais e 3 hospitais sindicatos.
Pode-se observar (Gráfico 1) que o número de hospitais privados com fins lucrativos,
contratados pelo SUS, é um pouco menor que a soma dos hospitais pertencentes à rede
pública (federal, estadual, municipal e universitário).
Gráfico 1
HOSPITAIS INTEGRANTES DA REDE DO SUS POR
NATUREZA - 2000
44
640
1.597
1737
157
2319
3
0
500
1000
1500
2000
2500
FEDERAL
ESTADUAL
MUNICIPAL
FILANTRÓPICO
UNIVERSITÁRIO
CONTRATADO
SINDICATO
Fonte: Ministério da Saúde, 2000.
Não obstante a grande expansão do setor privado, na década de 1980, esse
crescimento não significou necessariamente atendimento nos serviços. A década de 90, do
século XX, traz à tona questões de funcionamento do setor incompatíveis com os direitos
preconizados na Constituição Federal de 1988.
Ao lado disso, Noronha (2003, p.30) se posiciona em relação à existência de
rios sistemas de saúde, no Brasil e em sua concepção,num país em que funcionam
sistemas múltiplos de saúde, o nome de um sistema chamado Sistema Único de Saúde é
impróprio e que o Estado, na sua atividade regulatória, não pode se permitir regular apenas
uma parte do sistema de saúde”.
A discussão referente à regulamentação dos planos e seguradoras de saúde ganha
corpo e ação judicial, pois a Lei 9656/1998 prevê ressarcimento dos Planos de Saúde e
seguradoras ao SUS do valor referente a eventuais procedimentos que os segurados possam
realizar pelo SUS.
Vale lembrar que em 28 e 29 de agosto de 2001, em Brasília, o Conselho Nacional
de Saúde (CNS) em conjunto com as comissões de Seguridade Social da Câmara e de
Assuntos Sociais do Senado Federal realizam o Simpósio: Regulamentação dos Planos de
Saúde”, com o objetivo de fazer uma análise sobre o impacto da regulamentação dos planos
privados de assistência de saúde no País após três anos de regulamentação da Lei
9656/1998.
Acerca deste assunto, Scheffer (2003, p. 11) afirma que “a regulamentação da
saúde suplementar deve buscar nortear-se nos marcos doutrinários do Sistema Único de Saúde
de universalidade, eqüidade e integralidade”.
Com semelhante raciocínio, Noronha (2003, p. 29) diz que a regulamentação de
planos e seguros de saúde deve ser encarada no contexto de uma potica de saúde nacional
cuja essência é assegurar o direito à saúde e ao atendimento integral para todos.
O corolário dessas reflexões, na definição de uma política de saúde, levaria em
conta as “necessidades clínicas e as necessidades de cuidados à saúde; não é a capacidade de
pagar que deve definir o acesso e uso dos serviços de saúde”. O mesmo autor afirma ainda
que não pode um sistema específico de saúde ser discutido fora daquilo que se configura no
Sistema Nacional de Saúde. Tal situação leva a um aprofundamento da segmentação.
Entender que possa haver diferenciais de conforto por conta da capacidade
de pagar não deve corresponder a diferenciais técnicos no atendimento
prestado. A conseqüência natural são os diversos níveis de hierarquização
dos planos. Quando admito a possibilidade de coberturas diferenciadas [...]
começo a poder admitir uma segmentação da qualidade dos cuidados
prestados (Ibid., p. 30).
O conteúdo da citação supramencionada é um ponto que sempre marcou a
construção dos direitos de acesso aos serviços no Brasil: a diferença entre as pessoas que têm
o poder de pagar e os que não são pagantes para usufruir os serviços de saúde. A análise da
referida citação faz parte da maioria dos hospitais blicos, que recebem pacientes de
convênios, como nos privados conveniados com o SUS e se expressam de várias formas: são
duas portas de entrada para os usuários, uma para os que pagam particular ou são segurados
de planos privados a intenção dos administradores desse setor é não permitir a formação de
filas de espera e a outra para os usuários do Sistema Único de Saúde. São áreas físicas de
internações separadas; por um lado, são as enfermarias coletivas, com horários de visitas
determinados, sem direito a acompanhantes permanentes, destinadas para os usuários do SUS;
por outro lado, são os apartamentos, geralmente individuais, com livre acesso para visitantes e
acompanhantes.
Sabe-se que outras questões fora essas discussões sobre as relações entre o setor
público e o privado afetam o acesso aos serviços de saúde; segundo Minayo (1999), as
alterações no quadro da saúde brasileira ocorridas na cada de 80 e 90 do século XX
apresentam-se como desafios para o Sistema, e põem em cheque o princípio da universalidade
do acesso aos serviços de saúde. Entre essas alterações, cita as mudanças nos padrões de
morbimortalidade da população brasileira que trouxeram como conseqüências, de um lado, o
aumento da expectativa de vida, por conta do envelhecimento, a diminuição das incincias
de doenças infectoparasitárias, o declínio das taxas de mortalidade infantil e de mortalidade
materna; por outro lado, entretanto, houve um aumento no quadro de morbimortalidade por
doenças cardiovasculares e doenças neoplásicas, que são os cânceres, como também o
aparecimento de novas doenças, como foi o caso da Aids e o reaparecimento de antigas
doenças como a Cólera e a Dengue.
No caso específico do aparecimento da AIDS, que hoje se difunde no País de
forma diferenciada, com taxas de incidência crescentes em várias unidades da federação, a
prevenção, os métodos de tratamentos, a medicação constituem desafios para o sistema SUS.
Outro aspecto refere-se ao envelhecimento da população, que se vem configurando de forma
especial nos últimos trinta anos, mas que se tornou evidente a partir da década de 1980. Em
uma projeção feita pelo Ministério da Saúde, de 1950 a 2025, o número de pessoas com mais
de 60 anos estará crescendo quinze vezes, enquanto o quadro demográfico, em sua totalidade,
terá aumentado cinco vezes.
Minayo (1999, p. 11) considera que, em princípio, essa informação é positiva.
“Revela que a expectativa de vida aumentou para o Ps como um todo, mesmo com todos os
problemas de ordem ecomica, social, cultural, de disparidades regionais e de acesso a
equipamentos sociais básicos”. A mudança, porém, oferece novos desafios para o setor saúde.
Outro aspecto levantado por Minayo (2004), que revela um desafio para o SUS a
partir da década de 1990, diz respeito ao crescimento da violência. Acidentes de trânsito e
homicídio constitram-se na segunda causa de óbito do País, atingindo, sobretudo, os jovens.
Minayo (2004, p. 8), ao discorrer sobre os custos sociais e financeiros resultantes da
violência, afirma que o País gasta hoje 3,3% do PIB com acidentes e violência. Se forem
tratados os custo indiretos, há estudos do banco Mundial que falam até de 11%”.
As respostas a essas novas questões em saúde têm onerado o Sistema Único de
Saúde, implicando na aplicação de maiores recursos financeiros e pondo em risco a
viabilidade da universalidade do acesso aos serviços de saúde, tendo em vista os termos e
condições em que estão sendo operacionalizados, sem maiores recursos.
No entendimento de Giovanella et al (1996), a CF-88, ao avançar na proposta da
universalidade, não assegurou recursos que pudessem dar sustentação a um sistema de saúde
universalizado. Nesse sentido:
Benefícios foram ampliados sem base de financiamento correspondente. A
busca de novas fontes de financiamento para além das contribuições sobre os
salários foi problemática. A criação de tributos específicos para a área social
foi questionada pelos empresários em longa disputa judicial, permanecendo
as contribuições sobre salários como a principal fonte de recursos da
Seguridade Social num momento de grave recessão econômica, o que
produziu diminuição do volume da receita e racionalização dos gastos.
(Ibid., p. 182-183).
Apesar de todos esses obstáculos, é importante destacar que embora a idéia de
universalidade do acesso aos serviços de saúde encontre dificuldades de se materializar, é
mister reconhecer que a definição e formalidade desse princípio se colocam na contra-mão
dos moldes em que se inscreveu o direito aos serviços de saúde até então: pelo caráter
contributivo e subordinado à importância que cada ocupação profissional adquiriu no mercado
formal de trabalho. O dispositivo legal que criou o Sistema Único de Saúde, portanto,
introduz a idéia basilar que toda a população, independente do vínculo previdenciário, tem
direito a usufruir os serviços de saúde da rede pública ou a ela conveniada.
1.3 Efetivando as mudanças do setor saúde no município de Teresina: considerações
sobre a descentralização dos serviços de saúde
A partir dos anos 1990, a política de saúde na cidade de Teresina, como reflexo do
direcionamento da potica nacional, vem sendo profundamente redesenhada em sua estrutura
organizacional. O município de Teresina, buscando, através da Fundação Municipal de Saúde
(FMS), inserir-se no processo de municipalização,
8
os primeiros passos rumo à
descentralização dos serviços de saúde, editando duas leis: a Lei 2046 de 26 de abril de
1991, que cria o Conselho Municipal de Saúde (CMS), cuja institucionalização ocorre em 09
de fevereiro de 1993; e a Lei Municipal 2.047 que institui o Fundo Municipal de Saúde,
também em abril de 1991.
Esta parte do presente estudo trata do modo como foi conduzido o processo de
descentralização dos serviços de saúde, no município de Teresina, considerando em que
medida a descentralização dos serviços de saúde contribuiu para a ampliação do acesso a
esses serviços.
8
Conforme foi colocado anteriormente, no estudo da descentralização, a condição legal para iniciar o processo
de municipalização é a criação do Conselho Municipal de Saúde (e comprovar que o mesmo está funcionando
através de atas de reuniões) e a instituição do fundo a fundo.
A discussão da descentralização e municipalização dos serviços de saúde em
Teresina somente aconteceu na II Conferência Municipal de Teresina, realizada, em junho de
1993, com o tema “Municipalização como caminho para o município de Teresina”. Sob este
aspecto, Sousa (2001) considera que essa conferência foi fundamental para a constituição do
SUS no município, além do processo democrático e participativo que envolveu esta
confencia sob a coordenação do próprio Conselho Municipal de Saúde (CMS).
Ainda segundo a autora, o processo de descentralização e municipalização dos
serviços de saúde, em Teresina, passou a destacar-se a partir de 1995, quando a Fundação
Municipal de Saúde objetiva assumir a nova condição na gestão,
9
preconizada pela NOB-
SUS/1993, do sistema de saúde.
Deste modo, o Conselho Municipal de Saúde de Teresina, em reunião no dia 06
de fevereiro de 1996, aprovou por unanimidade a solicitão da gestão semiplena para
Teresina que pressupõe uma autonomia do município na gestão dos recursos financeiros. Dias
após esta data, a Comissão Intergestora Bipartite (CIB), composta pelos gestores municipais e
pelo gestor estadual de saúde do Estado do Piauí, também aprovou o processo pleiteado pelo
município de assumir a condição de gestão semiplena em saúde (FMS, 1996).
A partir de abril de 1996, o município de Teresina assumiu o gerenciamento do
SUS e passa a receber os recursos financeiros diretamente do Ministério da Saúde. Esse fato é
comunicado, pelo gestor municipal de saúde de Teresina, e então presidente da Fundação
Municipal de Saúde, a todos os diretores e representantes das unidades de saúde, dos hospitais
9
Martins e Melo (2001) destacam que os municípios brasileiros podem, a partir da NOB-SUS/1993, integrar-se
ao processo de descentralização em uma das três condições de gestão prevista: a gestão incipiente, gestão parcial
e gestão semiplena. Na gestão incipiente, o município tem a prerrogativa de autorizar o credenciamento,
descredenciamento, controle e avaliação dos serviços ambulatoriais e hospitalares do município,
desenvolvimento de capacidade para programar, acompanhar, avaliar e controlar suas ações de saúde. Na gestão
parcial, ao município cabem todas as competências previstas na condição anterior, acrescida do recebimento dos
recursos financeiros referentes à diferença entre o teto fixado pela CIB e o efetivo gasto na assistência
ambulatorial e hospitalar. Na gestão semiplena, o município assume total responsabilidade no gerenciamento e
no reordenamento do modelo assistencial. Barros (1996) esclarece que, ao enquadrar-se nessa situação, o
município deixa de se relacionar com a União por venda de serviços, e passa a receber mensalmente recursos
estabelecidos com base na série histórica dos gastos ambulatoriais e hospitalar.
públicos e privados, conveniados aos SUS em Teresina, em uma reunião
10
no dia 15 de abril
de 1996. Nesse contexto, destacam-se duas medidas que fizeram parte dessa nova fase da
gestão do SUS no município de Teresina. Uma destas medidas objetiva o redirecionamento
dos recursos financeiros: diminuir o volume de recursos transferidos para a área hospitalar e
aumentar o volume de recurso para a área da atenção básica.
Por sua vez, em um edital da FMS do dia 24 de julho de 1996, publicado no dia 25
de julho de 1996 no Jornal Meio Norte, a mencionada Fundação informa sobre o reajuste do
teto financeiro do SUS, para os hospitais de Teresina, que entraria em vigor a partir de agosto
de 1996. Esse reajuste significava uma redução do volume de recursos destinado para o
pagamento de procedimentos realizados na área hospitalar no valor de R$ 606.000,00
(seiscentos e seis mil reais). O gestor explicava, à época, que o se tratava de uma redução
no montante financeiro para a gestão SUS de Teresina, mas de uma transferência de verbas da
área hospitalar, para a área da saúde pública e da atenção sica.
Com o propósito de conduzir as ações no sentido de ampliar o acesso aos serviços
de saúde, a gestão municipal do SUS em Teresina adere ao Programa de Agentes
Comunitários de Saúde (PACS), em maio/1996, e inicia com 73 agentes comunitários,
atuando na zona rural. Em julho/1996, o Programa foi ampliado, além da zona rural, também
nas zonas periurbanas da cidade. Em dezembro de 1996, são 142 agentes trabalhando no
atendimento de 26.325 famílias, sob a supervisão e coordenação de 5 enfermeiras
(instrutoras/supervisoras). (FMS/Relatório de Gestão, 2000).
Pode-se afirmar que, dentre as atividades desempenhadas pelo Programa,
destacam-se as seguintes: acompanhamento dos agentes, crescimento e desenvolvimento das
10
A pesquisadora, do presente estudo, estava presente nessa reunião, a convite do diretor do Hospital Santa
Maria, local de trabalho da época.
crianças, promoção do aleitamento materno, incentivo à imunização, terapia de reidratação
oral e educação em saúde.
Em julho de1996, Teresina inicia o Programa de Saúde da Família (PSF) com três
equipes, uma na zona urbana e duas na zona rural. Em maio de 1997, o município solicitou à
Secretaria Estadual de Saúde adesão ao Programa. O projeto foi encaminhado e aprovado pelo
Conselho Municipal de Saúde. Com o PSF, uma tida ampliação do acesso à população
aos serviços de saúde no município de Teresina ao nível de atenção básica.
Um outro aspecto que deve ser considerado, na discussão do processo de
municipalização dos serviços de saúde, do município de Teresina, diz respeito ao fato de
Teresina, como centro de referência em tratamento de saúde para outros Estados, receber uma
grande demanda de usuários provinda de outros municípios do Estado do Piauí e do
Maranhão, Pa e Tocantins para atendimento médico-hospitalar ou ambulatorial. O
deslocamento destes usuários para Teresina não implicava, bem pouco tempo, no repasse
de recursos do seu município de origem, para custeio referente ao tratamento de saúde,
sobretudo o custeio de procedimentos de alta complexidade. Essa situação se agravava,
segundo o Gestor Municipal do SUS, quando os serviços de saúde prestados são de alta
complexidade, procedimentos mais onerosos para o Sistema, ligada a especialidades tais
como: Oncologia, Cardiologia, Neurocirurgia, Ortopedia e Nefrologia. Algumas vezes, o
gestor municipal do SUS em Teresina, através de ocios ou portarias, orientava os hospitais
públicos, privados ou filantrópicos, com vinculação com o Sistema Único de Saúde, a não
prestarem atendimento aos usuários de outros Estados, o que causava um enorme transtorno
para os usuários com domicílio fora de Teresina.
Várias iniciativas institucionais e legais, no âmbito do Ministério da Saúde-MS,
expressavam uma preocupação com esta questão, sugerindo alternativas de ações aos
municípios, que recebem essa demanda de usuários procedentes de outros Estados, com o
objetivo de garantir o acesso universal e equânime desta população aos serviços de alta
complexidade e o financiamento destes atendimentos.
Uma alternativa preconizada pela NOB-SUS/1996 são as Câmaras de
Compensação,
11
ou a formação de consórcio intermunicipais que prevê formas de repasses de
recursos de um município para um outro município. No caso específico de Teresina, as
negociações entre os gestores de saúde dos municípios vizinhos, cuja demanda de usuários
que buscam Teresina com problemas de saúde é grande, não avançavam e não se tinha uma
solução favorável, no sentido do ressarcimento, para a gestão do SUS em Teresina.
Uma nova tentativa em termos de legislação se expressa através das Portarias
GM/MS nº 2309, de 19 de dezembro de 2001, que institui a Central Nacional de Regulação de
Alta Complexidade CNRAC. Esta central foi criada com o objetivo de organizar o fluxo de
pacientes SUS interestadual que necessitem, em caráter eletivo, de assistência hospitalar de
alta complexidade e garantir o financiamento desses atendimentos.
Deste modo, Teresina adere a essa regulação do Ministério da Saúde e, seguindo
os passos da CNRAC, instala, em novembro de 2002, a Central Municipal de Regulação de
Alta Complexidade-CMRAC, com o mesmo objetivo da Central Nacional.
Em uma entrevista realizada pela pesquisadora com o gerente da Regulão da
Assistência do SUS, do município de Teresina, observe-se o que ele afirma sobre a CMRAC:
Hoje nós estamos com mais ou menos 1 ano e 4 meses, de funcionamento e
a gente tá tendo mais ou menos uma emissão em torno de 190, 180 guias de
internação/mês. Isso representa faturamento mensal de, sem tirar do dinheiro
do teto do município, em torno de 300 mil reais é a média mensal [...] esse
dinheiro financiado da CNRAC vem do Fundo Nacional da Saúde, ele é um
dinheiro que vem para o município de Teresina fora do teto financeiro do
Estado ou do município, um dinheiro próprio do Fundo Nacional da Saúde,
do Ministério da Saúde. Eno, hoje nós somos, funcionando, graças a Deus
11
maras de Compensação, através da pactuação entre os dois municípios, significa o repasse de recursos
financeiros por parte do município do domicílio do usuário que procurou os serviços de saúde de um outro
município, para esse município que prestou o serviço.
[...] e isso está ajudando e não sobrecarregando financeiramente o
município, porque senão a gente taria no caos.
Pode-se perceber, com a criação das duas Centrais de Regulação, o uso do poder
regulador do poder público, seja no âmbito federal seja no municipal. Trata-se de uma
característica do Estado moderno, que atua como agente regulador das políticas sociais.
Martins e Melo (2001, p. 42), ao resumirem o processo de descentralização dos
serviços de saúde no município de Teresina, destacam os seguintes momentos.
Em abril de 1991, foi instituído o Conselho Municipal de Saúde (CMS).
Em abril de 1991, foi institdo o Fundo Municipal de Saúde (CMS).
Em setembro de 1991, houve a realização da 1º Conferência Municipal de
Saúde.
Em 1995, a FMS modifica o seu estatuto e Regimento Interno com o objetivo de
assumir a gestão do SUS.
Em abril de 1996, a Fundação Municipal de Saúde assume a gerência do SUS,
habilitando-se em gestão semiplena.
Em março de 1998, a Fundação Municipal de Saúde assume a gestão plena do
SUS, que significa a gestão da potica de saúde do município: reorganização,
normatização, contratação, administração e operacionalização.
Em fevereiro de 2001, a Fundação Municipal de Saúde implanta a Central de
Regulação de Leitos (CRL) experiência já existente em outros municípios do
Brasil e necessários para o controle dos serviços de saúde referentes à internação
hospitalar.
A Fundação Municipal de Saúde, mais especificamente o Centro de Triagem é o
setor responsável pelas Autorizações de Procedimento de Alta Complexidade
(APAC), procedimentos realizados em ambulatórios. Aqui estão localizadas as
sessões de Radioterapia.
Em outubro de 2002, é implantada a Central Municipal de Regulação de Alta
Complexidade (CMRAC) extensão da Central Nacional de Regulação de Alta
Complexidade (CNRAC) que tem como objetivo regular o fluxo de pacientes
procedentes de outros Estados que buscam os serviços de saúde de Teresina, que
garante o pagamento de tratamento de saúde dos usuários procedentes de outros
municípios.
Barata (2004, p. 19) considera que a descentralização dos serviços de saúde tem
sido uma das diretrizes mais enfatizadas no processo de construção do SUS pela possibilidade
que ela representa de promover a universalidade do sistema, a integralidade e a eqüidade da
assistência. Entretanto, a descentralização e municipalização dos serviços de saúde “não têm
conseguido, por si s, determinar transformações significativas no modelo assistencial
adotado”.
No caso de Teresina, e no que se refere aos aspectos específicos do acesso aos
serviços de saúde, um membro do CMS, representante do segmento dos trabalhadores da
saúde, assim avalia, conforme Martins e Melo (2001, p. 49):
A descentralização da saúde em Teresina dificultou o acesso do paciente do
SUS à cirurgia, porque os hospitais particulares escolhem que tipos de
pacientes querem atender, tendem a se especializar e querer aquele
paciente que rende muito dinheiro pelo SUS, por exemplo, uma cirurgia
simples como uma colecistectomia, nenhum hospital quer fazer, querem
atender casos como cirurgia renal, porque paciente renal, o SUS paga até
mais caro que a rede particular. Uma cirurgia abdominal, ginecológica, o
paciente tem muita dificuldade para realizar, porque as unidades da
Prefeitura fazem cirurgias simples, sem complicação, fazendo neste caso
pelo SUS, no HGV, e o paciente tem que entrar na fila do ambulatório
e esperar muito tempo.
Por fim, a citação supramencionada resume os efeitos da descentralização dos
serviços de saúde no município de Teresina. Indubitavelmente, houve uma ampliação do
acesso aos serviços de saúde, no âmbito de atenção básica à saúde, por conta do Programa de
Saúde da Família (PSF). O acesso aos serviços de saúde, no âmbito da atenção terciária,
também não tem tido problema, conforme discorrem Martins & Melo (2001). São
procedimentos mais caros, que o SUS paga bem e os prestadores de serviços ao SUS o se
opõem em realizar. O problema se registra ao nível de atenção secundária à saúde: nem o
público oferece, posto que se encontra sucateado, porque não investiu em tecnológica, nem o
setor privado tem interesse em prestar esse tipo de atendimento à população. E o resultado de
tal situação se expressa nas filas de espera, por parte da população usuária, para ter acesso a
uma cirurgia ou a um exame mais especializado.
CAPITULO III
O ACESSO AOS SERVIÇOS DO HOSPITAL SÃO MARCOS ENQUANTO UM DIREITO DA
MULHER COM CANCER DE COLO
3.1 O acesso aos serviços de saúde enquanto direito social e cidadania
Este item do estudo traz, à luz de alguns autores, uma reflexão sobre os direitos
como elemento da cidadania, e destaca de forma mais aprofundada os direitos sociais,
considerando que a noção de acesso aos serviços de saúde de forma integral se constitui um
direito social. Deste modo, o acesso aos serviços de saúde, tendo como referência a cidadania,
representa o fio condutor que esse estudo adota para a análise da experiência que as mulheres
portadoras de câncer de colo vivenciam no Hospital São Marcos. Essa referência tem por base
a saúde como um direito e um dever do Estado, propagado pela Constituição Federal de 1988
(C.F., 1988), que se fortalece através dos princípios do Sistema Único de Saúde (SUS)
universalidade do acesso, integralidade das ações e eqüidade, mencionado em momentos
anteriores desse estudo mas também ressalta os direitos não constituídos legalmente e que
emergem a partir de práticas sociais que se estabelecem nos domínios das relações entre
profissionais de saúde e usuários dos serviços hospitalares.
O debate sobre a cidadania no mundo ocidental tem como uma das referências
principais a obra de Marshall (1967, p. 76), um dos pioneiros a discutir os direitos civis
sociopolíticos como elementos que constituem a cidadania. Marshall definiu a cidadania
como sendo “um status concedido àqueles que são membros integrais de uma comunidade.
Todos aqueles que possuem o status são iguais com respeito aos direitos e obrigações
pertinentes aos status”.
Esse autor aborda esse tema, considerando a sociedade inglesa do século XVIII
em pleno florescer do setor industrial, e afirma que os direitos civis foram os primeiros a ser
formalizados e estão alocados no âmbito da liberdade individual. São direitos que se referem à
“liberdade de ir e vir, liberdade de imprensa, pensamento e fé, o direito de propriedade e de
concluir contratos válidos e o direito à justiça (MARSHALL, 1967, p. 63). Em segundo lugar,
na sua concepção, vieram os direitos poticos, nos quais “se deve entender o direito de
participar no exercício do poder potico, como um membro de um organismo investido da
autoridade política ou como um eleitor dos membros de tal organismo (Id. ibid.). Quanto aos
direitos sociais, estes se referem “a tudo o que vai desde o direito a um nimo de bem-estar
econômico e segurança ao direito de participar, por completo, na herança social e levar a vida
de um ser civilizado de acordo com os padrões que prevalecem na sociedade” (Ibid., p. 63-64).
Essa concepção de direitos trazida por Marshall (1967) alimentou as discussões e
a produção teórica acerca da cidadania nas sociedades ocidentais, como um todo, e também
no Brasil. Os movimentos sociais, um dos principais instrumentos da sociedade civil de
reivindicação dos direitos sociopoticos e civis marcaram boa parte de sua trajetória, na
luta pela institucionalização, pela concretização, pela ampliação e pelo acesso a esses direitos
por parte da maioria da população brasileira.
Contudo, a institucionalização dos direitos, no Brasil, na opinião de Carvalho
(2002, p. 110), não seguiu a mesma ordem de constituição dos direitos descritos por
Marshall
12
(1979). Segundo Carvalho, desde o primeiro momento, a liderança que chegou ao
poder em 1930 dedicou grande atenção ao problema trabalhista e social”. A partir de então,
grande impulso foi dado ao desenvolvimento dos direitos sociais.
Por sua vez, os direitos sociais que foram regulamentados, no período de 1930 até
1945, referiam-se às relações capital-trabalho, expressos na legislação trabalhista e
previdenciária, assim como na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), em 1943. Na área
da previdência, registrou-se, também nesse período, a crião das Caixas de Aposentadoria e
Pensão (CAPS), e dos Institutos de Aposentadoria e Pensões (IAPs). A seletividade no acesso
aos benefícios, desses direitos institdos, marcou essa fase do sistema de proteção social
brasileiro. Uma seletividade que teve como base o contrato de trabalho; este assegurava a
contribuição ao sistema previdencrio.
Esse caráter restrito e seletivo dos direitos sociais manteve-se recorrente no
sistema de proteção social, dos anos de 1930 a 1970, quando o acesso aos serviços e
benefícios desse sistema de proteção social só era possível para a parcela de trabalhadores que
ocupava o mercado formal de trabalho. A esse respeito, Teixeira (1995, p. 14) ressalta:
Estado de bem-estar ocupacional quem possui a sua existência
reconhecida são aqueles que se fazem trabalhadores aos olhos do capital. Os
que estão fora desse circuito produtivo não tem visibilidade perante o
sistema [...] nesse Estado de bem-estar ocupacional o substituídas a
relações de direitos universais, constitucionalmente assegurados, pelas de
direito contratual.
O direito contratual expresso por Teixeira (1995) revela o caráter meritório do
acesso aos serviços e benefícios públicos ou privados, embasado no mérito pessoal, no
esforço individual e fruto do trabalho formal.
12
Marshall coloca que os primeiros direitos a serem institucionalizados, na Inglaterra, foram os direitos civis no
século XVIII; depois vieram os direitos políticos, no século XIX; e, em seguida, os direitos sociais no século
XX.
As leis sociais produzidas neste período explicitam um conceito de cidadania
que assumia a forma de cidadania regulada (SANTOS, 1979), tendo em vista que se
desenvolve com base em critérios vinculados ao contrato de trabalho. O acesso aos direitos
sociais são definidos, portanto, a partir da ocupação no mercado formal de trabalho.
Outro período, na história da legislação social brasileira, que foi marcado pela
expansão dos direitos sociais refere-se aos anos de 1964 a 1985, vigente à ditadura militar.
Durante esse período, ocorreu a criação do Instituto Nacional da Previdência Social (INPS)
em 1966 e a criação do Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência em 1971. Em
1972, foram incorporadas à legislação social as empregadas domésticas e as trabalhadoras
autônomas, duas categorias de trabalho até agora excluídas da proteção da legislação social
(CARVALHO, 2002, p. 171).
Essa expansão, entretanto, na regulão dos direitos sociais, não foi acompanhada
de uma proposta de universalidade que pudesse contribuir para uma inclusão maior da
população na utilização dos serviços e benefícios. Permaneceu ainda o caráter seletivo, do
período anterior, cujo acesso aos serviços e benefícios dependia do valor contributivo.
Carvalho (2002) avalia que essa ampliação dos direitos sociais, nos governos
ditatoriais, define a semelhança entre os dois momentos de ditadura no Brasil o Estado novo
em 1937 e a ditadura militar em 1964. Segundo o autor, a expansão dos direitos sociais
combinou repressão, autoritarismo e paternalismo à medida que se reprimiam, com violência,
os direitos civis e poticos e expandiam-se os direitos sociais. Avalia, também, que essa
ampliação dos direitos sociais trouxe distorções para o entendimento da cidadania e da
democracia no Brasil. Sob este aspecto, o autor ressalta, como conseqüência do fato de os
direitos sociais terem sido implantados e expandidos em regimes autoritários (Vargas e os
Militares), a representação política o poder legislativo e o congresso que se encontrava
sem atuação, ocorrendo o fenômeno, que ele chama “ironicamente”, de “estadania”, onde
uma “excessiva valorização do poder executivo [...] o governo aparece como um ramo do
poder mais importante, aquele do qual vale a pena se aproximar” (CARVALHO, 2002,
p.221). Esse fato anula a ação da mediação da representatividade e reforça uma cultura
orientada mais para o Estado do que para a representação caracterizando um contraste com
o verdadeiro significado da cidadania.
Em oposição a esse traço recorrente dos direitos sociais seletivo e restrito
vigente até a década de 1980, surge, nesse mesmo período, a partir dos movimentos sociais,
especialmente, a proposta de universalidade e de reformas sociais que resultassem na
incorporação dos segmentos sociais que estavam excluídos do sistema de proteção social. A
esse respeito, Raichelis (2000, p. 94) citando Jacobi (1986) afirma que naquele momento
“mais de 40% da populão economicamente ativa estavam excluídas dos direitos mais
elementares de cidadania”.
Nesse sentido, o instrumento jurídico mais importante da Nova República a
Constituição de 1988 (C.F., 1988) proclama a seguridade social como um direito universal
destinado a assegurar os direitos sociais relativos à saúde, à previdência e à assisncia social.
Teixeira (1995, p. 45) entende que é nesse contexto da seguridade social que um novo
sentido à cidadania, e afirma:
O Estado está a fornecer um nimo vital a todos os cidadãos. A
seguridade social deu origem ao Estado do Bem-Estar Social que se baseia
numa relação de direito social inerente a condição de cidadania [...] trata-
se de um projeto de redefinição das relações sociais em direção à
redistribuição de renda, e portanto a equidade e justiça social para toda a
sociedade.
Nesse contexto, o princípio da universalidade é definido, sobretudo, a partir da
seguridade social, para a área da saúde e da assistência social, e se diferencia em relação
ao que era proposto anteriormente, ou seja, que a cidadania regulada (SANTOS, 1977) é
substituída pela proposta, teórica, de cidadania plena (TEIXEIRA, 1995).
Os direitos sociais, a partir da Constituição de 1988 (C.F., 1988), tiveram também
uma sustentação legal e formal, através das leis complementares, formuladas e
regulamentadas, as quais têm como principal objetivo a defesa dos direitos contemplados na
CF-88, como também o detalhamento das estratégias de operacionalização das ações de
gestão das políticas públicas a serem formuladas e implementadas nas áreas de Saúde,
Educação, Assistência Social, Cultura e Lazer, Previncia Social etc. (FERREIRA, 1997).
As principais leis complementares e federais formuladas, no período pós-
constituinte, foram a Lei Orgânica da Assistência Social de 8742/1993 (LOAS); a Lei
8069/90, que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA); Lei nº 8142/90, que
dise sobre a participação da sociedade civil na formulação e no controle social das poticas
públicas; e a Lei Orgânica da Saúde (LOS) 8080/90. Esta última define a saúde como um
direito e um dever do Estado.
Esse conjunto de direitos estabelecidos em leis destaca os direitos no âmbito legal,
tendo em vista que, até a década de 1980, os movimentos sociais lutavam por questões
referentes ao acesso a serviços coletivos na área de educação, saúde, transporte, lazer etc.
Entretanto, a cidadania nesses moldes não deu conta da série de mudanças que
começaram a surgir na década de 1990, posto que trazem a noção de novos direitos. A
emergência dessa nova noção de cidadania para Dagnino (1994, p. 108) não se esgota na
aquisição legal de direitos instituídos, mas surge como algo inovador e “inclui fortemente a
invenção/crião de novos direitos”. Para a autora, a noção de uma nova cidadania traz
elementos importantes, como sua vinculação com a democracia, com a cultura e sua
capacidade de “incorporar dimensões da subjetividade, aspirações e desejos(ibid., p. 113).
Considera a construção da cidadania:
Um processo de transformação das práticas sociais enraizadas na sociedade como
um todo. Um processo de aprendizado social, de construção de novas formas de
relação, que inclui de um lado, evidentemente, a constituição de cidadãos enquanto
sujeitos sociais ativos, mas também, de um outro lado, para a sociedade como um
todo, um aprendizado de convivência com esses cidadãos emergentes que recusam a
permanecer nos lugares que foram definidos socialmente e culturalmente para eles.
(DAGNINO, 1994, p. 109).
Esse enunciado de Dagnino (1994) transmite, sobretudo, a noção de cidadania a
partir da transformação nas relações sociais construídas socialmente, e sugere que essas
relações venham a assumir um novo formato mais igualitário entre os novos sujeitos sociais
os o-cidadãos do passado e a comunidade que o permeia. Surge então a construção de
novas relações sociais entre o Estado e a sociedade civil.
Magela Junior (2002) acrescenta, a esse debate da cidadania no Brasil, alguns
elementos quanto às condições objetivas e subjetivas imprescindíveis à cidadania. Para o
autor, as condições objetivas estariam no reconhecimento legal dos direitos; seriam as leis, e
estariam ligadas a um certo padrão socioeconômico de igualdade. Isto quer dizer, por
exemplo, que, para usufruir o direito de ir e vir, é preciso que o cidadão disponha de recursos
econômicos que lhe permitam fazer esse movimento. Sem essa condição econômica, conclui
o autor, “os direitos civis e políticos se transformam em mero formalismo, letras destituídas
de qualquer conteúdo concreto.” (Ibid., 2002, p.30).
Por conseguinte, segundo o mencionado autor, são as condições subjetivas que
o garantir o exercício da cidadania, exigindo “que o cidadão seja portador de um saber
crítico que lhe permita compreender o mundo e o homem como aquilo que realmente são:
sujeito e produto das mesmas relações.” (Ibid., p. 35). Ainda na opinião do autor, a vivência
da cidadania requer a compreensão do objeto sobre o qual incide: o mundo social e a
superação das noções superficiais. Acrescenta também que esse saber precisa estar vinculado
à ética que tem valores indispensáveis ao exercício da cidadania, tais como o direito à vida,
à liberdade, à igualdade, à solidariedade, à tolerância e ao bem comum.
O referido autor considera, ainda, que mais importante que a conquista legal
desses direitos é a sua vigência efetiva. Conclui que a cidadania não existe no Brasil para a
maioria da população. A vivência em cidadania requer uma luta diária: “que vai desde o
enfrentamento solitário e casual ao policial arrogante e arbitrário, que, na rua, trata o cidadão
como se ele nada fosse e nenhum direito possuísse” (MAGELA JUNIOR, 2002, p. 69), até a
utilização dos serviços coletivos geridos pelo Estado.
A concepção de cidadania trabalhada por Vaidergorn (2000) aproxima-se do que
pensa Magela Junior (2002), quando considera que a cidadania é possível se houver algum
nível de igualdade social entre os indivíduos; coloca a articulação da cidadania com o Estado
Moderno Estado Democrático de Direito que tem como fundamento a igualdade entre os
indivíduos com direitos e deveres a cumprir. “Como identidade social dos indivíduos, a
cidadania é um instrumento institucional que visa corrigir as diferenças instituídas pela
sociedade de privilégios, nas quais prevalecem antagonismos de classe.” (VAIDERGORN,
2000, p. 60).
Telles (1994) discute a possibilidade de a cidadania enraizar-se nas práticas
sociais. É na ambivalência da vida social, diz a autora, que a cidadania se define como um
problema. Sugere a possibilidade de uma nova contratualidade na vida social
Trata-se de um contrato peculiar que não se reduz a um ordenamento
jurídico estabelecido, pois é plural, ancorado em contextos societários
diversos e regidos por regras sempre a serem reinventadas e negociadas na
temporalidade própria, particularizada e muitas vezes inusitada dos conflitos.
(TELLES, 1994, p.101).
É a partir dessa construção que se busca esclarecer o modo como operam os
direitos: como vivência, como práticas e linguagem. É preciso, pois, nos termos de Telles
reinventar novas praticas regidas pelo reconhecimento de novos direitos.
No campo da saúde, o avanço mais significativo foi a Constituição Federal de
1988 (C. F., 1988), que coloca a saúde como um direito e um dever do Estado. As
constituições anteriores não asseguravam a saúde como um direito. Até 1988, cabia ao Estado
cuidar da “assistência médica e hospitalar ao trabalhador filiado ao regime previdenciário,
sem, contudo, garantir ao cidadão o direito à saúde”. (SANTOS, 2002, p. 35).
O maior avanço da CF-88 reside na criação do Sistema Único de Saúde,
institucionalizado através da Lei 8080/90, que terá como princípios norteadores: a
universalidade do acesso aos serviços de saúde em todos os níveis de assistência, traço que
rompe com o vínculo contributivo até então vigente; a integralidade da assistência que tem
como proposta a não separação das ações de saúde preventivas e curativas além de tratar da
igualdade da assistência, ou seja, a assistência é oferecida sem preconceitos ou privilégios de
qualquer espécie; e o principio da eqüidade, que, diferente de igualdade, se baseia na
distribuição mais igualitária dos recursos financeiros.
Esses princípios preconizados pelo Sistema Único de Saúde (SUS) sugerem a
construção de novas práticas em saúde, em todos os veis de atenção e mudanças, no pensar
e agir dos profissionais e usuários de saúde, bem como na relação que estabelecem entre si. O
direito de acesso aos serviços de saúde de forma universalizada, integral e equânime, como
um direito de cidadania, vem se constituindo em um desafio para o sistema de saúde.
Giovanella e Fleury (1996, p. 189) trazem a conceituação de Frenk (1985), de
acessibilidade aos serviços de saúde como sendo “o grau de ajuste entre as características dos
recursos de atenção à saúde e as necessidades da população no processo de busca e obtenção
da atenção”. Esse conceito se relaciona com a capacidade do sistema de produzir serviços de
saúde como resposta à necessidade da população. As autoras, entretanto, propõem que, além
da preocupação em ofertar os serviços de saúde, a acessibilidade esteja relacionada, também,
às relações que o usuário estabelece no dia a dia do serviço. Nesse sentido, a acessibilidade
transcende à questão da oferta do serviço e atinge o âmbito da produção do cuidado.
Cohn (1999) segue, também, o entendimento de Giovanella e Fleury (1996). Em
suas reflexões, sobre o acesso da população aos serviços de saúde, considera a organização
dos serviços de saúde um aspecto importante no sentido de orientar a montagem do sistema de
saúde; considera que o funcionamento efetivo do princípio (organizativo) da regionalização e
hierarquização
13
dos serviços possibilita o acesso aos serviços de saúde nos três níveis de
atenção à saúde, seja ao nível primário e secundário, seja no terciário. Afirma que, do ponto
de vista técnico, o direito aos serviços de saúde sempre foi avaliado a partir da disponibilidade
dos serviços x sua utilização, da distância ou a proximidade geográfica, entre o domicílio do
usuário para o local onde estaria sendo oferecido o serviço e as condições de mobilidade da
clientela. Esses componentes ainda orientam a organização dos serviços.
Porém a autora considera que nos dias atuais novos elementos ganham relevância
no acesso aos serviços de saúde, como, por exemplo, um novo formato na relação do usuário
com outros profissionais de saúde, seja de nível superior seja de nível médio.
Nessa direção, essa pesquisa considera que o conceito do acesso aos serviços de
saúde, a exemplo das autoras supracitadas, enquanto direito e expressão da cidadania,
envolve: a oferta dos serviços, como esses serviços estão organizados, de forma que os
mesmos sejam usufruídos pela população usuária de acordo com sua necessidade; o processo
relacional que se estabelece entre usuário, profissionais de saúde, instituição; e a emergência
de novos direitos relacionados à área.
Considera-se, também, o tempo entre a solicitação do serviço de saúde e a
utilização do mesmo como uma questão de direito e respeito ao usuário, que, em um processo
de adoecimento, solicita um serviço, sabendo que sua utilização em tempo hábil irá lhe trazer
13
A implementação do princípio da regionalização e hierarquização dos serviços de saúde no Estado do Piauí se
encontra de forma precária. A prova é o grande o fluxo de usuários de outros municípios que migram para
Teresina em busca de serviço de saúde inexistente nos municípios de seus domicílios. Contribuem para essa
migração a referência em que o sistema de saúde de Teresina se tornou e a concepção que eles trazem de que
nesta cidade o tratamento de saúde é melhor.
seu bem-estar sico e mental. Ressalte-se que, não obstante o debate da universalidade do
acesso aos serviços de saúde, no campo formal, as filas para acesso a consultas ou a exames
ainda fazem parte do cotidiano da maioria da população brasileira que procura os serviços do
SUS. Vale destacar que esse aspecto foi discutido na XI Confencia Nacional de Saúde,
realizada em Brasília, em dezembro de 2000, intitulada Efetivando o SUS: acesso, qualidade
e humanização na atenção à saúde com controle social”. Consta no texto do Relatório Final,
como resultado da avaliação dos avanços e desafios do SUS, que o acesso ainda ocorre de
forma precária.
Algumas pessoas têm acesso diferenciado [...] grande parte da população amarga
filas de espera, precisa madrugar à espera de atendimento ou tem que recorrer ao
pagamento de planos de saúde para ter direito a consultas e exames especializados
[...] outros tipos de procedimentos não são ofertados pelo SUS e, portanto, são
inacessíveis aos usuários [...] dificuldades de acesso até nas cidades pólos.
Dentre os entraves, foram ressaltados a questão da precariedade do
funcionamento das centrais de leitos e de consultas. (BRASIL, 2003, p. 29-30).
Esta citação revela a situação precária em que se o acesso aos serviços de
saúde. Os exames especializados de média complexidade se alocam, em sua maioria, em
hospitais privados, fato que dificulta o acesso. São poucos os hospitais da rede pública que
são equipados para desenvolver esses procedimentos, ficando a população à mercê de vagas
no setor público ou tendo que pagar hospitais da rede particular.
Entretanto, essa realidade não se repete quando se trata de outros níveis de
atenção à saúde. Ao nível de atenção primário, por exemplo, pesquisas do Ministério da
Saúde (MS), como o Programa Nacional de Avaliação dos Serviços de Saúde (PNASS),
14
revelam que o Programa de Agentes Comunitários (PACS) e o Programa de Saúde da
14
O Programa Nacional de Avaliação dos Serviços de Saúde (PNASS) é desenvolvido pelo Ministério da Saúde
desde 1998, e se caracteriza por ser uma pesquisa de satisfação dos usuários nas unidades de Pronto Socorro,
Ambulatório e Internação. É realizada através da aplicação de um questionário pelos gestores estaduais e
municipais, em hospitais públicos e privados, vinculados ao SUS. “O objetivo geral do PNASS é avaliar os
serviços de saúde do SUS buscando a apreensão mais completa e abrangente possível da realidade dos mesmos,
em suas diferentes dimenes” (BRASIL, 2004, p. 9).
Família (PSF) têm sido responsáveis pela ampliação do acesso aos serviços de saúde ao
nível da atenção básica.
Ao nível de atenção terciária, o acesso a esses serviços, na maioria das vezes,
não tem apresentado problemas. São serviços mais caros, mais especializados, com maior
uso de tecnologia e alocados nos hospitais privados. Ao contrário do que acontece em
outros níveis de atenção a saúde, os hospitais privados se empenham em credenciar esses
serviços pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Afinal, são procedimentos que a população
não tem condições de pagar e os planos de saúde privados, geralmente, não incluem esses
procedimentos nos contratos com seus clientes.
O acesso aos serviços de saúde, nesse estudo, ultrapassa a utilização dos serviços,
e caminha na direção do acesso a um tratamento integral no âmbito das relações entre
usuários e profissionais de saúde. Esse aspecto nos remete à questão da integralidade das
ações de saúde, que foi definida pelo Ministério da Saúde (MS) como dispositivo jurídico-
institucional que tem por objetivo assegurar aos “indivíduos a atenção à saúde, dos níveis
mais simples aos mais complexos, da atenção curativa à preventiva, bem como à
compreensão, em sua totalidade, dos indivíduos / coletividades em suas singularidades”
(BRASIL, 1990).
De acordo com Levcovitz (1997), a formação do conceito de atenção integral no
arcabouço da reforma do sistema de saúde brasileiro buscou responder à necessidade de
superação das históricas dicotomias entre preventivo/curativo e individual/coletivo, que
marcaram as poticas de saúde no Brasil, através de separação dos campos da saúde pública e
da atenção médico-hospitalar.
A ação integral é também entendida como o entre-relações” de pessoas, ou seja,
entre usuários, profissionais e instituições, que são traduzidas em atitudes como: tratamento
digno e respeitoso, com qualidade, acolhimento e vínculo (PINHEIRO e GUIZARDI, 2004).
Nessa dimensão, a integralidade, segundo Pinheiro e Guizardi (2004) citando
Ayres (2001), traz como desafio para o sistema a construção de práticas de saúde não apenas
direcionadas para o “êxito técnico”, mas que haja um bom desempenho no âmbito das
relações entre usuários dos serviços de saúde e os profissionais dessa área.
Considerando esse aspecto, é possível qualificar a integralidade como um
dispositivo que critica os poderes institdos nas práticas cotidianas do trabalho em saúde e os
saberes cujos serviços profissionais têm sido marcados, historicamente, por intervenções
balizadas apenas no saber técnico objetivo. A intervenção que é valorizada, nesse ângulo da
racionalidade, quase sempre, se refere à dimensão biológica do processo saúde-doença,
limitando-se, sobretudo, em três questões: qual é a doença? Como confirmar o diagnóstico?
Qual é o tratamento? (ROLLO, citado por Campos 1997, p. 327).
A conseqüência dessas práticas em saúde está presente na forma como as relações
profissionais, no campo da saúde, foram constrdas. As relações que se estabelecem entre os
rios profissionais são dotadas da racionalidade, objetividade e neutralidade características
do chamado saber científico e reproduzem com isso uma prática fragmentada, hierarquizada
e sem diálogo com outras profissões de outras áreas, resultando em prestar uma assistência ao
paciente, também fragmentada e imbuída de impessoalidade.
A assistência à saúde, com base nesses parâmetros, contribuiu também para uma
visão compartimentalizada do paciente, fazendo com que o profissional de saúde perca de
vista o ser integral da pessoa, dotado de uma dimensão bio-psicossocial. É a partir daí, no
cotidiano dos serviços de saúde, que o paciente se confunde com a doença, em muitos casos,
sendo identificado bem mais por um código do que como uma pessoa, um cidadão. Nesses
casos, a pessoa se transforma, por exemplo, em um nº da enfermaria/leito o paciente do 3/1;
na doença que está tratando oaidético” do 3/2, “portador do vírus HIV”do 3/3, o
“hipertenso” 3/4; e ainda na parte do corpo que está tratando diabético” do 3/5 etc.
A prática em saúde, particularmente a médica, estruturou-se para diagnosticar e
tratar “aspectos” do corpo “doente” dentro do padrão da racionalidade e da objetividade
anteriormente descrita. Dessa forma, buscou a precisão e a exatidão que tende a estabelecer
uma relação com a doença” e não com a pessoa vista como cidadão, portadora de direito
enquanto ser genérico. Nesse caminho da objetividade médica, pode-se “dizer que o indivíduo
doente” é considerado apenas um portador da doença”, que deve ser excluído para que não
atrapalhe a objetividade da ciência em diagnosticá-la (BRASIL, 2005, p. 56). Os
profissionais de saúde tendem, assim, a restringir seu objeto de intervenção ao corpo doente,
distanciando-se da pessoa e do seu sofrimento. Dentro desse agir racional,
a anamnese, a conversa, a história do aparecimento dos sintomas, o olhar, a
ausculta, a palpação e o toque do corpo do doente” deixam de ter tanta
importância para o diagnóstico da “doença”, uma vez que ela pode ser
revelada pelos exames laboratoriais e de imagem. O desenvolvimento
científico-tecnológico reforça sim a possibilidade de uma prática quase sem
a participação do “doente”. O cuidado vai adquirindo outros significados. Os
atendimentos tendem a ficar restritos a procedimentos técnicos, à solicitação
e análise de exames, à prescrição de medicamentos etc. (BRASIL, 2005,
p.57).
Nos dias atuais, essas questões, em diferentes proporções, estão presentes no
conjunto das relações que se estabelecem entre profissões de saúde. Constrói-se, então, uma
dificuldade de os profissionais considerarem a singularidade e a subjetividade de cada
usuário no processo diagnóstico-terapêutico, sem perceberem outras dimensões que possam
estar relacionadas ao adoecimento” (BRASIL, 2005, p. 57).
A concepção do processo saúde-doença tende a ficar reduzida ao biológico,
excluindo-se outros componentes objetivos e sociais que possam estar envolvidos. A
dificuldade de os profissionais de saúde perceberem outras dimensões, relacionadas ao
processo de adoecimento do usuário, faz com que muitos problemas existenciais sejam
abordados pelo médico com medicação e não como problemas a serem escutados, acolhidos e
contornados pelo nculo, pela oferta de espaços de conversa e de outras ações e atividades.
Na relação que se estabelece entre profissional de saúde e usuário, durante a
consulta, são mobilizados sentimentos, emoções e identificações que dificultam ou facilitam a
aplicação dos conhecimentos do profissional, na percepção das necessidades reais do usuário,
tendo em vista a intervenção profissional. A percepção e o entendimento dos sentimentos, dos
afetos mobilizados estão relacionados a uma maior possibilidade de escutar, de perceber
mensagens não-verbais, de acolher o usuário, de estabelecer vínculos e, portanto, a uma maior
capacidade diagnóstica e efetividade da intervenção terapêutica (BRASIL, 2005, p.59).
Para superar esse “tecnissimobiológico, Ceccim (2004, p. 263) valoriza em um
primeiro momento a existência de equipes multiprofissionais, afirmando que não existe
nenhum profissional com capacidade elevada o suficiente para dar conta da
cura/cuidado/tratamento. Define a multiprofissionalidade como um “movimento de
disciplinas que se somam na tarefa de dar conta de um objeto que, por sua natureza
multifacetada, exigiria diferentes olhares”.
Contudo, reconhece as limitações da multiprofissionalidade, que trazem, também,
no desenvolvimento de suas práticas em saúde, “fronteiras disciplinares”, um saber que se
sobrepõe ao outro, isto é, o saber médico enquanto saber hegemônico, que se sobrepõe aos
saberes das outras profissões e constrói relações subordinadas (CECCIM, 2004).
Nesse sentido, sugere a entre disciplinaridade como forma de organização do
trabalho da equipe de profissionais de saúde. O autor acredita que essa modalidade de
organização dos processos de trabalho seja capaz de superar as fronteiras disciplinares
existentes, a partir da defesa de que um saber não deve se sobrepor ao outro.
Como construção e prática social, a integralidade ganha riqueza e expressão no
campo da saúde, à medida que busca, no âmbito das relações, superar praticas dicotomizadas,
hierarquizadas, subordinadas a práticas técnicoassistenciais e que acabam por produzir cisões
nos processos de trabalho, muita delas negativas, provocadas pelas relações de saber e poder
no cotidiano dos serviços.
Sobre as relações de saber e poder que se estabelecem nas práticas profissionais e
institucionais nos hospitais, sobrevive, ainda, uma estrutura verticalizada e hierarquizada
descrita por Foucault (2003).
15
A proposta de integralidade repousa em práticas do cotidiano que sejam capazes
de superar esse quadro e
potencializar ações emancipatórias e de liberdade, tanto do
conhecimento cientifico que está aprisionado no método que o legitima e
lhe confere autoridade quanto da própria sociedade, ao possibilitar-lhe a
expressão da sua participação ativa e constituinte de novos e críticos saberes
sobre saúde e de fonte de sua construção.
O SUS é um solo fértil para a possibilidade de novas práticas em saúde que
possam ter como finalidade a defesa da vida das pessoas que nele buscam soluções para seus
problemas de saúde. Práticas que visam a construção de uma nova cidadania, na perspectiva
de alargar os horizontes da relação saber/poder profissional no sentido da criação de novos
vínculo profissional/equipe e usuários, agilizando e qualificando a assistência, dando
segurança aos usuários e sendo gratificante para a equipe (CAMPOS, 1997 p. 326).
Contra o olhar reducionista da atenção médica terapêutica e dos
profissionais de saúde, que se voltam para os aspectos biológicos da doença,
Campos (2003) propõe a reforma da clinica moderna, que sai da abordagem voltada
para a enfermidade para centrar-se no sujeito, ou seja, “uma clínica centrada nos
Sujeitos, nas pessoas reais, em sua existência concreta, tamm considerando a
doença como parte dessas existências”.
15
Para maiores aprofundamentos sobre a relação saber e poder, ver Foucalt (2003).
Essa reforma, para o autor, seria sair de uma clínica degradada que tem como
objeto de intervenção a doença e acaba por eliminar as outras dimensões existenciais ou
sociais do enfermo para uma clínica ampliada, chamada de Clínica dos Sujeitos, na qual se
consideram
questões sobre como combinar uma dada enfermidade e o Ser concreto
acometido, como combinar o enfrentamento de uma determinada doença
com a luta contra o desemprego, o combate a uma certa enfermidade com o
cumprimento de funções maternas, o cuidado e tratamento de um dado mal-
estar com a conservação de algum conforto e de algum prazer.
Infelizmente as abordagens e intervenções dos profissionais de saúde, de modo
geral, ainda hoje, tendem a girar em torno dos aspectos biomédicos dos procedimentos, como
também suas orientações a serem normativas prescritivas e com pouco diálogo com a
singularidade do usuário.
É o caso, por exemplo, da maioria das abordagens de intervenções realizadas no
ambiente hospitalar, que requer ampla compreensão no desempenho de atividades de
produção e serviços. Este trabalho pode ser entendido desde a prestação de serviços médicos,
em nível hospitalar, ambulatorial ou de uma unidade de saúde, até a produção de insumos e
medicamentos para o campo médico, passando pela produção do conhecimento e controle da
informão em saúde. Sinteticamente, o trabalho hospitalar pode ser representado por um
esquema concêntrico, no qual o centro de todas as atividades hospitalares se direciona para o
cuidado com o paciente que se constitui objeto básico de todos os processos de trabalho.
Contudo, os aspectos priorizados geralmente são direcionados para o aspecto medicamentoso,
tais como exames a realizar ou resultados desses exames e os sintomas relativos às doenças.
Fala-se pouco sobre o paciente em si, isto é, como se sente, o que quer, o que está pensando
sobre a doença, sobre a família, sobre o tratamento, a forma como esse tratamento está sendo
conduzido e sua esperança de vida; percebe-se, tamm, o usuário desinformado sobre o que
está acontecendo com o seu corpo, sobre seu tratamento, a possibilidade de cura e até mesmo
sobre o diagnóstico da doença, que é a informação mais básica.
Vanzin e Nery (1997, p. 75) consideram que é atribuição da equipe informar e
orientar os pacientes
16
e os familiares sobre tudo o que se relaciona com a doença e com o
tratamento, dentro de uma abordagem participativa, e que a equipe considere sua condição
cultural e nível de escolaridade. Ainda, segundo as autoras, o processo de comunicação /
informão é “lento, porém contínuo e gradativo, evitando gerar ansiedade ou depressão, mas
ao contrário deve dar coragem para lutar com a equipe contra esta enfermidade”. Entretanto,
o é isso que se observa nos serviços de saúde. Muitas vezes o paciente o sabe nem o
nome do médico que lhe acompanha e nem o diagnóstico da doença.
Vaidergorn (2000, p. 67) considera, no entanto, que o acesso à informação torna-
se requisito básico para o exercício da cidadania”. Saber mais sobre o que envolve seu
diagnóstico, seu tratamento são indispensáveis para que participe e compreenda o que está
acontecendo com seu próprio corpo. Porém, na saúde, existe uma pecurialidade em relação à
informão do diagnóstico de uma doença fatal como, por exemplo, AIDS e câncer. Não
consenso quanto a informar ou não informar o paciente sobre um diagnóstico fatal.
Na opinião de Varella (2004, p. 9), informar diagnóstico de doença fatal exige
cuidado. Afirma que “o diagnóstico de uma doença fatal é um divisor de águas que altera
radicalmente o significado do que nos cerca: relações afetivas, desejos, objetos, fantasias e
mesmo a paisagem”.
16
O uso do termo paciente tem sido questionado pelos movimentos sociais ligados à saúde e em especial pelo
MOPS, Movimento Popular de Saúde do Estado do Piauí. No I Seminário Estadual Sobre a Humanização da
Saúde, realizado nos dias 12 e 13 de março de 2004, na cidade de Teresina, o plenário fez esta discussão e
aprovou o não uso do termo “paciente’ pela idéia de passividade, de não ser sujeito de uma situação que envolve
sua própria vida, que o termo sugere. Algumas categorias profissionais, médicos e enfermeiros do setor, também
têm se recusado ao uso deste termo, porém querem substituí-lo por “cliente”, termo que o MOPS também recusa,
pela idéia de mercantilização que o termo traz. Enquanto essa questão não se define, a opção, nessa pesquisa,
será pelo uso do termo paciente se estiver em tratamento, ambulatorial ou internado, e usuários em outras
situações.
Nesse sentido, informar ou não informar o paciente que ele tem uma doença
grave, em muitos momentos, chega a se constituir um dilema para o médico. Dousset (1999,
p.56), entende que comunicar um diagnóstico de uma doença grave é um momento difícil
para o médico. Isso ocorre por que ele não sabe como o paciente vai reagir
psicologicamente diante de um diagnóstico de câncer e, também, por que “os médicos o
dominam totalmente essa doença”. Diante disso, muitas vezes “recusaram-se [...] em sua
grande maioria a dizer a verdade [...] muitos médicos enviam seus pacientes a outros
colegas para não serem obrigados a anunciar a doença” (Ibid., p. 27).
Abrão (1987), citado por Padis Campos (1995, p. 35), faz alguns questionamentos
sobre o diagnóstico:
Será que o paciente deve saber o que tem? Será que suportará essa notícia?
Uma pessoa tem o direito de saber o que se passa com ela? O dico pode
poupar alguém deixando de falar qual o seu verdadeiro problema?
Realmente, as pessoas preferem ouvir a verdade? Ou não agüentariam
conhecê-la?. (CAMPOS, 1995, p.35).
Esse autor, ainda citado por Padis Campos (1995), conclui que, em relação ao
câncer, o paciente nunca deve saber toda a verdade, apenas aquilo que, de alguma forma, pode
beneficiá-lo em termos de tratamento, pois considera um risco o paciente tomar conhecimento
de que é portador de um câncer.
Entretanto, Gauderer (1988), citado por Padis Campos (1999, p. 39), defendendo
o direito de o paciente ter acesso à ficha médica, entende que o paciente não corre risco ao
saber de um diagnóstico, e afirma: “é o profissional da saúde que ise expor, se mostrar e
revelar conhecimentos diante de problemas específicos”.
O receio de informar diagnósticos fatais se caracteriza muito mais por
limitações do próprio profissional médico do que por causa dos doentes. Sontag (2002, p.
11-12) esclarece a situação de outros países em relação a essa questão. Informa que na
França e na Itália é regra entre os médicos “comunicar o diagnóstico de câncer apenas à
família do enfermo e não a ele mesmo”. Atualmente, nos Estados Unidos, em parte por
causa dos médicos, e também em razão das conseqüências de um tratamento inadequado,
“já há muito mais franqueza com os pacientes”.
Aqui no Brasil, o Projeto de Lei nº 20, de 2003, de autoria do Sr. Roberto
Gouveia, deputado Federal do PT, estabelece o Código Nacional de Direitos dos Usuários das
Ações e dos Serviços e prevê os direitos dos usuários de receber informações claras, objetivas
e compreensíveis, adaptadas à sua condição cultural, sobre seu estado de saúde e, quando for
o caso, sobre:
a) hiteses diagnósticas;
b) diagnósticos realizados;
c) exames solicitados;
d) objetivos dos procedimentos diagnósticos, cirúrgicos, preventivos ou
terapêuticos;
e) riscos, benecios e inconvenientes das medidas diagnósticas e terapêuticas
propostas;
f) duração prevista do tratamento proposto;
g) no caso de procedimentos diagnósticos e terapêuticos invasivos ou cirúrgicos, a
necessidade ou não de anestesia e seu tipo e duração, partes do corpo afetadas
pelos procedimentos, instrumental a ser realizado, efeitos colaterais, riscos ou
conseqüências indesejáveis, duração prevista dos procedimentos e tempo de
recuperação;
h) finalidade dos materiais coletados para exames;
i) alternativas diagnósticas e terapêuticas existentes, no serviço de atendimento ou
em outros serviços;
j) evolução provável do problema de saúde.
Nesta perspectiva, torna-se pertinente a clássica pergunta, habitual no âmbito
da saúde: diante do diagnóstico de uma doença grave, como é o caso do câncer e da
AIDS, a quem pertence o diagnóstico? Ao profissional de sde que descobre a doença? À
família do enfermo? Ou ao portador da doença?
Dousset (1999, p.32) afirma que o diagnóstico pertence ao portador da doença.
Nesse caso, não lhe contar a gravidade da doença é considerá-lo inapto e isolá-lo em um
mundo sobre o qual ele o tem controle”. Usuários orientados e esclarecidos das
informações referentes ao seu diagnóstico, tratamento, e sobre o câncer de colo saem de uma
postura tutelada para tornarem-se cidadãos. Neste contexto, o acesso à informação torna o
usuário capaz de opinar e julgar conscientemente a conduta do profissional.
Buchalla (2005, p.112) considera que o paciente municiado de informações faz
mais “perguntas sobre sua doença, arrisca sugerir remédios e exames e, no limite, até coloca
em dúvida o tratamento prescrito pelo dico”. Isto é bom ou ruim? pergunta a autora.
Ela própria considera que é importante o paciente que tem um ncer saber que dispõe de
recursos para o tratamento, como, por exemplo, radioterapia, quimioterapia, braquiterapia e a
cirurgia. É essencial que ele saiba os índices de sucesso e os riscos que cada uma dessas
modalidades de tratamento oferece, o que não implica em assumir a decisão integral sobre seu
tratamento. A responsabilidade é do médico, mas o paciente munido de informações participa
mais. (Revista Veja, 2005, p. 112).
O diagnóstico provisório ou definitivo de um paciente é um ato médico. É
oficialmente atribuição do profissional médico diagnosticar e comunicar o paciente. A esse
respeito, consta, no Código de Ética Médica, Resolução do Conselho Federal de Medicina
(CFM) nº 1.246/88, no artigo de nº 59, que é vedado ao médico:
Deixar de informar ao paciente o diagnóstico, o prognóstico, os riscos e
objetivos, salvo quando a comunicação direta ao mesmo possa provocar-
lhe dano, devendo nesse caso, a comunicação ser feita ao seu responsável
legal.
O código revela a obrigatoriedade de o médico informar o diagnóstico de uma
doença ao paciente ou a pessoa responsável, seja familiar ou não, dando ao médico a opção
de não revelá-lo ao paciente, caso essa informação venha trazer maiores danos ao paciente.
Outras informações, nem tão polêmicas quanto a do diagnóstico, interessam ao
paciente, como a questão da alimentação, os efeitos colaterais, as alternativas e riscos do
tratamento, os direitos previdenciários que por ventura possa ter etc.
Sobre esse assunto, Silva (1996, p. 14), em seu estudo sobre a comunicação na
área da saúde afirma que “a comunicação adequada é aquela que tenta diminuir conflitos,
mal-entendidos e atingir os objetivos definidos para a solução de problemas detectados na
interação com os pacientes”. A autora destaca dois tipos de comunicação: a comunicação
verbal, que se expressa por meio da fala ou da escrita são as palavras, os registros, os
cartões informativos, o prontuário dos pacientes, as faixas, os letreiros nas portas dos
consultórios ou plaquetas indicando setores, entrada e saída; e a comunicação não-verbal,
que ocorre por meio de gestos, silêncio, expressão facial, postura corporal etc.
Os problemas de comunicação presentes na relação profissionais de saúde e
pacientes o se referem, apenas, à comunicação do diagnóstico de uma doença grave que, em
se tratando de uma doença como câncer, gera toda a polêmica discutida. Mas, no que se
refere a outros esclarecimentos, sobre o estado clínico de saúde de um paciente, na condução
de um tratamento é comum haver problemas no processo de comunicação interpessoal entre o
profissional da equipe de saúde e usuário, devido ao uso de termos técnicos e biomédicos que
geralmente o usuário não compreende.
A autora considera que cabe aos profissionais de saúde perceberem os sinais de
comunicação verbal e não verbal, emitidos pelo paciente, procurando aprender a distinguir,
em cada contexto, quais são os seus sentimentos, para, a partir daí, estabelecer um plano de
cuidados adequados e coerentes com as necessidades de cada paciente. A autora considera,
ainda, que, no dia-a-dia do serviço, o profissional de saúde inibe essa percepção e sugere que,
para melhor interpretar esses atos não verbais do paciente, o profissional precisa se assumir
como produtor consciente de linguagem e como elemento transformador [...] eliminar o
preconceito de que os pacientes nada sabem sobre as questões de saúde e doença”. Nesse
sentido, cada equipe de profissionais deve conhecer os mecanismos de linguagem que
facilitam uma melhor comunicação com os pacientes (SILVA, 1996, p. 17).
Silva (1996) afirma que muitos mal-entendidos poderiam ter sido evitados, caso
cada profissional validasse as mensagens emitidas no seu local de trabalho. “A comunicação
efetiva é bidirecional. Para que ela ocorra, é necessário que haja resposta e validação das
mensagens ocorridas” (Ibid., p.17-18). A autora descreve as várias causas de deformações que
pode haver na comunicação entre profissionais de saúde e usuários, são falhas ou barreiras na
comunicação; a saber: a) as barreiras pessoais, como a linguagem, o uso de termos técnicos,
palavras que sugerem preconceitos, impaciência, mensagens incompletas; b) fatores físicos,
como a surdez e o mutismo; c) os fatores psicológicos, referentes à personalidade, aos
sentimentos e às emoções; d) as diferenças educacionais, que se referem à formação
profissional ou cultural.
A autora ressalta que na saúde “há pessoas competentes nos procedimentos
tecnicocientíficos de sua especificidade, mas que têm dificuldades em interagir e comunicar
os seus propósitos”. Essa situação gera como conseqüência informações incompreensíveis por
parte dos pacientes ou usuários, o uso da linguagem técnica, presente na falas dos
profissionais de saúde, em especial o dico e enfermeiros. Se não houver a revalidação da
informão, certamente irá causar mal-entendido.
3.2 Trajetórias e significados da experiência das mulheres com câncer de colo na busca
dos serviços de saúde no Hospital São Marcos (HSM)
Este item tem por finalidade trazer reflexões sobre o acesso da mulher comncer
de colo uterino a um tratamento integral de saúde no HSM. Na análise desse percurso,
buscou-se apreender, sobretudo, três aspectos da vivência dessa mulher com câncer de colo no
interior do referido hospital. Neste sentido, serão respondidos os objetivos que sustentaram
esse estudo, a saber: 1) identificar na trajetória da mulher portadora de câncer de colo de útero
admissão, permanência e alta no interior do HSM os fatores que potencializam e/ou
obstaculizam a garantia e a efetivação de um tratamento com base na universalidade do
acesso, na integralidade dos serviços e atenção em saúde, a partir das relações estabelecidas
no HSM entre usuários, profissionais de saúde e instituição, durante o tratamento das
mulheres portadoras de câncer de colo. 2) Conhecer os mecanismos institucionais,
burocráticos e administrativos necessários ao acesso das mulheres com câncer de colo uterino
aos serviços de saúde. 3) Conhecer o processo de comunicação que se estabelece no cotidiano
hospitalar, que serve de base para orientar, esclarecer e informar às mulheres com câncer de
colo uterino sobre o diagnóstico, sobre os aspectos que cercam o tratamento a que estão sendo
submetidas, as possibilidades de cura e outras informações referentes ao câncer de colo,
importantes ao seu conhecimento sobre essa patologia. Sob este aspecto, tentar-se-á
visualizar, a partir das descrições e análises a seguir, por um lado, o perfil sociocultural dessa
mulher pesquisada; por outro, a síntese do percurso dessa mulher no hospital.
3.2.1 Caracterização das mulheres entrevistadas
Passar-se-á, neste item, a discorrer sobre a caracterização das mulheres
entrevistadas, como também a explicar os resultados obtidos durante a pesquisa, com 23
(vinte e três) mulheres com ncer de colo em tratamento no HSM, enfatizando que tais
resultados, aqui apresentados, podem ser comprovados através das Tabelas (em Anexo).
As 23 (vinte e três) mulheres entrevistadas, número que corresponde a 15% de um
total de 150 mulheres, com ncer de colo em tratamento no HSM, no mês de dezembro de
2004, apresentaram o seguinte perfil sociocultural:
a) 34,78% dessas mulheres encontram-se na faixa etária dos 36 aos 45
anos e 26,09% estão na faixa dos 46 aos 55 anos (Tabela 1.0).
b) 56,52% dessas mulheres possuem 3 ou 4 filhos e 39,13% possuem 1 ou
2 filhos (Tabela 2.0).
c) 56,52% são casadas e 17,39% são solteiras (Tabela 3.0).
d) 39,13% são analfabetas e 26,09% têm o primário incompleto (Tabela
4.0). Segundo especialista da saúde blica, a baixa ou quase nenhuma
escolaridade é um elemento a mais, presente nas estatísticas das mulheres
atingidas pelo câncer de colo uterino. A falta de informão tem como
conseqüência a não realização de procedimentos preventivos e a demora na busca
dos serviços de saúde.
e) 43,48% procedem do Estado do Maranhão e 26,09% procedem do
interior do Piauí (Tabela 5.0). Historicamente o município de Teresina recebe
pacientes de Estados vizinhos, como o Maranhão, Pará, e outros em menor escala,
sobretudo, para tratamento de doenças ao nível de atenção secundário e terciário,
de alta complexidade. Esse percentual maior de mulheres com câncer de colo,
sobretudo do Maranhão, está em conformidade com os percentuais de anos
anteriores do HSM. Segundo registros do hospital, nos anos de 2001, 2002 e
2003, a maior quantidade de mulheres com ncer de colo que o hospital recebeu
para tratamento foi procedente do Maranhão (Tabela 17.0).
f) 56,52% dessas mulheres desenvolvem atividades ligadas à agricultura,
são lavradoras; e 13,04% delas exercem atividades domésticas no próprio lar
(Tabela 6.0).
No que respeita à trajetória das mulheres com câncer de colo e em relação aos
serviços utilizados no HSM, foram constatados os seguintes dados.
g) 56,52% receberam tratamento ambulatorial e 43,48% das mulheres
tiveram tratamento que envolveu internação hospitalar (Tabela 7.0). Esse
tratamento ambulatorial se refere, sobretudo, ao tratamento de radioterapia, que, a
partir da portaria nº 36 de 2000 do Ministério da Saúde (MS), passou a ser
realizada em ambulatório, não mais envolvendo internação hospitalar. Essa
mudança proporcionou uma redução nas internações hospitalares que, semvida,
são mais onerosas para os cofres blicos, e alteram ainda mais o cotidiano das
pessoas que se submetem a esse procedimento. Segundo o Relatório de Atividades
do HSM, de 2004, as neoplasias mais freqüentes tratadas na radioterapia foram
câncer de colo uterino seguido do câncer de mama. Consta também que, desses
tratamentos, 83% foram de pacientes do Sistema Único de Saúde.
h) 56,52% dessas mulheres tiveram como indicação de tratamento apenas
a radioterapia; 26,09% estiveram associadas à radioterapia e cirurgia; 8,7%
associaram radioterapia e quimioterapia; e 8,7% associaram as três oões de
tratamento (Tabela 11.0). Esses percentuais indicam que o tratamento de câncer
de colo uterino, diferentemente do câncer de mama, envolve mais a radioterapia
(tratamento com irradiação) do que o tratamento através de quimioterapia
(tratamentos com medicamentos). Nos casos em que o câncer está mais avançado,
uma associação de radioterapia e cirurgia, o que correspondeu a 26,09% das
mulheres entrevistadas. Um percentual menor de mulheres fez uso de
quimioterapia, que se caracteriza o tratamento mais temido pelas mulheres, em
razão da queda do cabelo, provocada pelos efeitos da quimioterapia.
i) Em 56,52% dessas mulheres, em dezembro, o câncer não era
reincidente, ou seja, estavam tratando o câncer pela primeira vez. Entretanto, em
43,48% dessas mulheres o câncer era reincidente (Tabela 12.0). Embora seja
considerado um ncer tratável, Dousset (1999, p.26) afirma que, oficialmente,
para os médicos e para as companhias de seguros, é preciso tempo para
homologar uma cura [...] em geral cinco anos depois do tratamento, somos
considerados oficialmente em remissão (interrupção dos sintomas), dez anos
depois estamos curados”.
j) Para o tratamento dessas mulheres, 60,87% necessitaram de 30 sessões
de radioterapia, e 26,09% de 25 sessões (Tabela 13.0). As sessões de radioterapia
são diárias e o tratamento dessas mulheres implica em sua permanência aqui em
Teresina. Entre consulta, exames e radioterapia, o tratamento de câncer de colo
dura em torno de dois meses. Para a maioria das mulheres, cujos domicílios são
fora de Teresina, esse tratamento longo consiste em um problema a mais: estar
longe de casa, dispor de poucos recursos financeiros para manter-se aqui em
pensão ou na casa de alguém. Das mulheres entrevistadas, apenas 4,35% foram
encaminhadas pelo Serviço Social ao Lar da Maria. (Tabela 15.0). Poucas delas
têm parentes ou conhecidos em Teresina, de forma que a maioria fica hospedada
em pensão.
k) Em relação ao estágio do tratamento, ou seja, em que momento do
tratamento elas se encontravam quando foram entrevistadas, os dados
apresentaram que 21,74% dessas mulheres estavam no início do tratamento, que
foi considerado até 10 sessões; 52,17% delas estavam entre 11 e 25 sessões de
radioterapia, isto é, no meio do tratamento; e 26,09% das mulheres estavam acima
de 25 sessões, no final do tratamento (Tabela 14.0).
l) Em relação ao tempo de espera para iniciar o tratamento, considerando a
emissão da Autorização de Procedimento de Alta Complexidade (APAC), 26,09%
dessas mulheres começaram o tratamento antes da emissão da APAC e 30,43%
dessas mulheres iniciaram o tratamento no mesmo dia da emissão da (APAC).
m) Em relação ao tempo de espera para iniciar o tratamento, considerando
a data do diagnóstico, 39,13% utilizaram-no por mais de 7 semanas; e 21,74%
precisaram de apenas 01 semana (ver Tabela 10.0). Esses dados trazem uma
contradição com os dados anteriores, nos quais se percebe uma agilidade para
iniciar o tratamento, a partir da emissão da APAC, com base na data em que o
dico solicita, que não pode ser demorado. Nesse item, 39,13% das mulheres
entrevistadas iniciaram o seu tratamento quase dois meses depois de saberem o
diagnóstico.
3.2.2 O impacto causado pelo diagnóstico de câncer de colo uterino
O diagnóstico de câncer de colo é o ponto de partida para iniciar todo o
processo de tratamento do câncer por parte da mulher, e, pelos motivos já expostos
anteriormente, trata-se de um momento importante em sua rotina, não na busca
dos serviços de saúde, mas por alterar o significado do que a cerca, representar um
divisor em sua vida: antes e depois do câncer. Foi comum ouvir das mulheres
entrevistadas frases do tipo “minha vida nunca mais foi a mesma” ou “antes eu era
uma mulher trabalhadeira, cuidava de tudo, hoje não tenho mais condição
retratando a mudança brusca que houve em suas vidas a partir do diagnóstico de
câncer. Observou-se durante a pesquisa, que, raras vezes, o médico que prestou
atendimento a essa mulher, em momentos anteriores à sua vinda para o HSM,
informou-a que ela era portadora de um câncer.
Das mulheres entrevistadas,
17
Sônia
18
foi a única que teve seu
diagnóstico de câncer informado, em nível de atenção básica pelo médico do
Programa de Saúde da Família (PSF), de sua cidade Santa Luzia do Tide-MA.
Padis Campos (1995, p. 41). quando discute saúde, doença e morte,
afirma que a luta do homem contra a morte marcou sua história no mundo, das mais
diferentes formas, em cada época e cultura. Na visão da autora, o homem sempre
buscou preservar sua vida e seu corpo daquilo que representa uma ameaça. Nesse
17
Considerando o compromisso firmado com os sujeitos da pesquisa mulheres com câncer de colo em
tratamento no Hospital São Marcos (HSM), no mês de dezembro de 2004, e os profissionais de saúde mais
próximos dessas mulheres e a pesquisadora desse estudo em preservar o anonimato de suas identidades, os
nomes utilizados a partir de agora são todos fictícios.
18
nia tem 54 anos, 7 filhos, disse não ter estudado, é lavradora, procedente da zona rural de Santa Luzia di
Tide MA.
sentido, “a doença surge como um inimigo que deve ser estudado, localizado e
combatido”.
Ao tentar entender o universo das representações sociais
19
que envolvem
as doenças e em especial o câncer, Sontag (2002) tece algumas considerações.
Para ela, as doenças de uma maneira geral são sobrecarregadas de metáforas, e o
momento do diagnóstico traz, de imediato, concepções e fantasias que foram
construídas socialmente em torno de determinadas doenças. No caso do câncer, a
autora considera que, de todas as teorias formuladas a respeito dessa doença, uma
delas se mantém através dos tempos: “a de que o câncer leva, através de estágios
sucessivos definidos, à morte” (SONTAG, 2002, p. 26). Com base na realidade
estudada, pôde-se observar, nas entrevistas, que as mulheres trouxeram essa
associação entre o ncer e a morte, como bem expressa Izaura,
20
uma usuária, no
texto a seguir:
[...] o Dr. fez uma avaliação comigo, outros exames [...] disse,
minha filha você está com um cisto, com ncer. Eu fiquei tão
nervosa que eu não sabia nem colocar o chinelo no pé. (Choro) [...]
eu pensei que ia morrer.
Um dos aspectos que chama a atenção no relato de Izaura refere-se ao fato de a
informação do diagnóstico do câncer ter sido dado, pelo médico, de forma direta. Em vários
momentos da pesquisa, identificou-se a dificuldade do médico em dar essa informação.
Outro aspecto foi o impacto que o diagnóstico causou em Izaura e sua associação com a
morte. Fato que reforça o entendimento de Dousset (1999, p. 16), ao afirmar que o
19
Embora o estudo de representação social não faça parte dos objetivos desse trabalho, necessário se faz a sua
conceituação. Segundo Girão (2004, p. 185), as representações sociais “relacionam-se tanto aos aspectos cultural
e social do indivíduo e da sociedade [...] compreendem as atitudes, imagens, opiniões e tudo que remete ao
humano e ao social dos sujeitos concretos e históricos em dados momentos e situações”. Guareschi (1998, p.
202), citado por Girão (2004, p. 185), acrescenta que a representação social junta aspectos cognitivos e
valorativos e que se “constitui numa realidade presente nos objetos e nos sujeitos. É um conceito sempre
relacional e por isso mesmo social.”
20
Izaura tem 29 anos, 04 filhos, estudou aa rie, disse ser separada, trabalhava como lavradora antes de
apresentar os sintomas da doença e mora na cidade de Hugo Napoleão.
diagnostico de câncer é “quase uma sentença de morte”, que provoca um drama individual
diante dessa doença “tão terrível” e traz incertezas quanto ao futuro, mas traz a certeza da
vulnerabilidade da vida e desse “estado provisório que acreditamos eterno”.
Para algumas das mulheres entrevistadas, esse drama é vivido duas vezes: uma,
quando é diagnosticado pela primeira vez; e a outra quando, após submeter-se ao tratamento
cirúrgico, radioterápico e/ou quimioterápico o ncer retorna. O primeiro tratamento sempre
gera uma expectativa de cura da doença, e, quando essa cura não vem e o câncer reincide, é
um momento de extremo sofrimento para essa mulher. Não foi raro ouvir que pensaram em
desistir do tratamento e de “lutar contra a doença”. A reincidência é tão temida quanto ouvir o
diagnóstico da primeira vez. Josélia
21
relata, na citação seguinte, o momento difícil que
passou, ao saber que, mesmo tendo se submetido a um primeiro tratamento, o câncer de
colo voltou a manifestar-se.
Queria morrer quando eu soube que tava voltando a doença [...] eu não
queria vim, eu vim [para Teresina, reiniciar o tratamento] por mode
minha filha, mas eu não queria, eu ia esperar a morte lá em casa. Eu não
tinha vontade de cuidar de mais nada, eu imaginava eu não vou ficar boa!
Na fala de Josélia percebe-se não o seu sofrimento, ao tomar conhecimento
do retorno do câncer, e sua vontade, primeira, de não prosseguir com um novo tratamento
do câncer. O seu sofrimento está diretamente ligado à representação que o câncer remete
no seu imaginário, concebido como uma doença incurável e que lhe parece inútil lutar
contra esta. “Ia esperar a morte lá em casa”. Outro detalhe importante, expressado em sua
fala, refere-se à importância da presença da família no processo de adoecimento; nesse
caso, sua filha, que a fez vir para a cidade de Teresina para retomar o tratamento.
21
Josélia tem 64 anos, é viúva, disse que apesar de ser aposentada trabalhava na lavoura antes de adoecer, tem
duas filhas, disse o ter estudado, tem domicílio na cidade de Elesbão Veloso-PI.
É habitual, na fala de várias mulheres em tratamento de câncer de colo, surgir a
figura de um familiar um filho, uma filha, o esposo ou uma pessoa próxima como alguém
importante no cuidado e como alguém que sofre, também, quando sabe que a pessoa foi
acometida por um ncer. Szymanski (2002, p. 10) considera como família pessoas que, por
razões afetivas, assumem um compromisso de cuidado mútuo, “pessoas que compartilham um
cotidiano e, no decorrer das trocas subjetivas, transmitem tradições, planejam seu futuro,
acolhem-se [...]”.
Rosa (1997), em suas reflexões sobre a família, como cuidadora doméstica, afirma
que “o cuidado é majoritariamente um encargo da família de origem [...]. Prestar cuidados às
pessoas enfermas traduz uma das obrigações do código de direitos e deveres entre os
integrantes da família consangüínea”.
Esse cuidado, referido pelas duas autoras supracitadas, se revela nas falas de
algumas mulheres entrevistadas, que expressaram preocupação com seus familiares, da reação
que teriam ao saber que ela está com câncer. Em algumas entrevistas, registrou-se a até a
tentativa de esconder os sintomas da doença, como sangramentos, dores pélvicas ou secreções
estranhas”, conforme expressa Francineide
22
na fala a seguir:
[...] antes eu era uma mulher toda sadia, sempre trabalhei, nunca
tive pobrema, de dor de nada [...] minha menstruação desceu, ai eu digo ô
xente, fiquei assustada [...] aí eu fiz que nem menino quando faz alguma
coisa errada né, eu escondi, .
Apesar de confundir o sangramento com a menstruação, fato corriqueiro de sua
vida, Francineide percebeu que havia algo errado no funcionamento do seu corpo e tentou
esconder do filho. Essa postura de esconder sintomas ou o diagnóstico de câncer de
Francineide também se repetiu com algumas mulheres, quando souberam do diagnóstico,
22
Francineide tem 60 anos, 5 filhos, não estudou, disse que antes de adoecer fazia carvão e quebrava coco.
expressando com isso uma preocupação com a reação e o sofrimento que seus familiares, em
especial aquele mais próximo (a), teriam ao saberem do diagnóstico de câncer. Antonia
23
também expressa isso, na fala a seguir, quando tentou esconder o diagnostico do filho.
Dr. o meu filho está desesperado, ele disse: porque? Porque ele disse que
eu estou com câncer no útero, e eu até menti para ele, que eu não tô;
porque eu digo, não não meu filho [...] mamãe, o que o médico disse
pra senhora? Olha, ele disse pra mim que eu vou ficar boa, meu filho, não
é obrigado se desesperar não [...] mas mamãe é porque essa doença
ninguém fica bom.
Na esfera das relações afetiva e familiar dessas mulheres, o cuidado se faz
presente de forma constante. Por sua vez, Antonia vivencia o drama contraditório de sofrer
diante da informação de ser portadora de um câncer, e tenta negar essa informação ao
filho para que ele não sofra. Por outro lado, a preocupação do filho e o sofrimento diante
do diagnóstico de câncer são extensivos à família, tendo em vista que a idéia de câncer é
assimilada como uma doença incurável. Na interpretação de Sontag (2002, p. 26), a noção
do câncer como incurável foi a idéia que sobreviveu através dos tempos. Aqui cabe a
expressão que se houve com freqüência “o que não é fatal não é câncer”, reforçando a
idéia de ser uma doença invencível. Zulmira,
24
outra usuária, também viveu situação
semelhante: com a preocupação de como iria contar a seu marido e a seus filhos sobre o
diagnóstico de câncer de colo.
Eu não fiz nada, eu agüentei ali calada (se refere ao momento que soube
do diagnóstico de câncer de colo) aí eu sai na rua desesperadiiiiinha
chorando, fui me embora pro meu interior, „aí cheguei lá, „meu Deus,
como é que vou contar pro meu marido e pros meus filhos‟.
23
Antonia tem 69 anos, tem 1 filho vivo, o estudou, trabalhava na lavoura antes de adoecer, é pensionista e
reside em Bacabal-MA.
24
Zulmira tem 43 anos, 8 filhos, é casada, não estudou, é lavradora, é procedente do município de União-PI.
Esse fragmento do relato de Zulmira explicita o sofrimento do diagnóstico de
câncer. O drama de como contar para os familiares marido e filhos traduz a
preocupação com a reação dos mesmos diante do diagnóstico. Em um outro momento de
sua fala, ela assim se expressa:
[...] Mas eu vou mesmo é criar coragem, cheguei lá, contei ligeiro,
liguei o som, cai no forró mais meus meninos. Meus filhos, vamos daar se
eu morrer pronto, fica alegria dentro de casa que eu fiz, dancei mais meus
meninos, brinquei, mandei matar um frango, assei na brasa, comi mais meus
filhos, minhas colegas, e pronto [...] fui me entregar a Deus, digo: Meu Deus
é de ser o que Deus quiser, não é mais nem menos, eu não sou a primeira,
por isso vou me conformar e vou lutar por minha saúde, que ela não pode
mais do que Deus.
Outro detalhe presente na fala de Zulmira diz respeito aos aspectos subjetivos
da doença, a perspectiva da morte como algo relacionado à doença trouxe sentimentos
contraditórios: sofrimento e, ao mesmo tempo, coragem para o “enfrentamento” da
doença. Após o impacto de saber do diagnóstico de câncer de colo e o conflito vivenciado de
como contar para seu marido e seus filhos, percebe-se em Zulmira um refúgio na em
Deus para conformar-se e lutar contra a doença.
No geral, a partir do diagnóstico, as mulheres seguem todos os trâmites
necessários para iniciar o tratamento indicado pelo médico; e seguem as orientações dos
outros profissionais de saúde, que passam a fazer parte do seu cotidiano durante muito
tempo.
3.2.3 O percurso da mulher com câncer de colo uterino no Hospital São Marcos
Nesta parte do estudo, destacam-se os depoimentos que enfatizam as
interpretações e os significados atribuídos pela mulher com câncer de colo uterino nas
situações vivenciadas seja na relação com a equipe de profissionais de saúde dos vários
setores, seja com a instituição, através de suas normas e com a própria doença nos múltiplos
processos de trabalho existente no Hospital São Marcos e que fizeram parte de sua trajetória
quando em tratamento do câncer.
Em geral, a maioria das mulheres entrevistadas seguiu a mesma trajetória: são
majoritariamente migrantes, procedentes do interior do Piauí e de Estados vizinhos, como
Maranhão e Pará, conforme demonstrado anteriormente, e deslocam-se para a cidade de
Teresina em busca de tratamento de saúde.
Parte dessas mulheres vieram para Teresina sem ter parentes ou amigos, fato que
as obrigou a se hospedarem em pensão; outra parte, sem recursos financeiros para se hospedar
em pensão, buscou o Servo Social do Hospital São Marcos (HSM), e, através deste, foram
encaminhadas para o Lar da Maria entidade mantida pela Igreja e pelo próprio HSM que
recebe pessoas portadoras de câncer. Apenas um número reduzido dessas mulheres conhecia
alguém ou tinha parentes aqui em Teresina e pôde se hospedar na casa de alguém conhecido.
A experiência de se encontrarem em uma cidade estranha, sem parentes ou conhecidos que
lhes pudessem conduzir aos serviços de saúde ou mesmo cuidar, foi, no início, uma situação
que trouxe angústia para algumas mulheres, conforme se pode perceber nos relatos de
Sandra
25
e Flora
26
, transcritos a seguir:
[...] Eu no começo [...] que eu não tava conhecendo ninguém, o sabia por
onde começar, eu me achei um pouco [...] difícil pra mim, mas aí uma
pessoa foi me orientando, me orientando, que conhecia, e até agora eu
não tenho mais dificulidade, não. (Sandra).
[...] Porque eu num, num sei andar só, eu choro, sou nervosa, tô sozinha e
Deus (choro) [...] sabe cuma é, eu num tenho pessoa assim, pra mais a
gente, a gente doente [...] porque eu me acho assim nervosa, só, agora eu já
mior, tô me acostumando. Mas assim que eu cheguei, eu achava muito
ruim, muito dependioso [...] às vezes eu ainda pensei de voltar, e me embora,
25
Sandra tem 25 anos; disse nunca ter ido a uma escola, é dona de casa e é procedente da cidade de Imperatriz
no Maranhão, soube que estava com ncer de colo em novembro de 2004.
26
Flora tem 50 anos; é procedente da cidade de ailândia (MA), é lavradora, mas deixou de trabalhar quando
soube que estava com câncer de colo, em outubro de 2004.
mas imaginei que eu ia morrer em casa e era pior, tô enfrentando. Com fé
em Deus eu vou ficar boa. (Flora).
Vale assinalar que a chegada das mulheres com essa patologia, aqui em Teresina,
sem parentes ou conhecidos e a hospedagem em pensão, muitas vezes sem acolhimento e de
forma impessoal, sempre foi marcada pela sensação de desconforto e solidão, além do
sofrimento trazido pela doença. Percebe-se, nos relatos, tanto de Sandra como no de Flora, a
necessidade que sentiram de ter um familiar por perto ou alguém que lhes orientasse, alguém
que pudesse estar com elas, que pudesse cuidar delas. Observa-se que, enquanto o
estabelecem relações com outras pessoas que possam estar suprindo essa necessidade, é um
momento extremamente difícil para elas, que chegam a cogitar a idéia de desistir do
tratamento, segundo expressa Flora no final de sua fala. Nesse sentido, as falas de Sandra e
Floras remetem a idéia de sofrimento por estarem sós, em uma cidade desconhecida; porém
essas falas remetem, em um momento posterior, à iia de superação desses difíceis primeiros
momentos. Sandra deixa claro, em seu depoimento, que à medida que foi sendo orientada por
pessoas, que não são necessariamente profissionais de saúde, mas pessoas da pensão ou
mesmo outras mulheres em tratamento de câncer de colo no Hospital São Marcos (HSM) e
que já tinham conhecimento do percurso do tratamento, foi sentindo menos dificuldades,
ficando, desta forma, mais tranqüila.
Essas mulheres vêm para Teresina encaminhadas para o Hospital São Marcos por
algum serviço médico ou por indicação de alguém, familiar ou não, mas que têm o HSM
como referência em tratamento de câncer. Essa questão se fez presente nas falas de algumas
mulheres, como foi o caso de Socorro
27
e Mirna
28
Ele [se refere ao seu irmão] falou que aqui no São Marcos era o único lugar
que eu devia procurar pra me tratar, [...] se eu tava procurando um lugar pra
mim tratar, aqui (se referindo a cidade de Teresina), no São Marcos era esse
lugar, aí eu vim pra cá. (Socorro).
27
Socorro tem 44 anos, estudou só até a 1ª série, é procedente de Peritiró-(MA).
28
Mirna tem 38 anos, não tem filhos, é solteira, doméstica, estudou até a 8ª serie e mora em Teresina-PI.
[...] eu consultei lá no Bueno Aires [...] aí ele [o doutor] passou uns
exames pra mim e pediu que eu fizesse aqui (se referindo ao HSM)
dizendo que aqui era mais conceituado. (Mirna).
Em princípio, essas falas exprimem que a procura pelo Hospital São Marcos se dá
o apenas por ser um hospital de referência para o tratamento de câncer, mas também pela
variedade de serviços e especialidades médicas que o hospital oferece. Desta forma, o
Hospital São Marcos (HSM) atrai grande contingente nãode mulheres com câncer de colo,
mas de outros usuários que buscam serviços de saúde. São atraídos também pelas modernas
instalações físicas, por possuir equipamentos de última geração. No Relatório do HSM (2003,
p. 35), consta que o Departamento de Radioterapia recebeu como doação do Ministério da
Saúde 01 (um) aparelho Braquiterapia de Alta Taxa de Dose, modelo GammaMed marca
VARIAN. Segundo uma conversa informal com Valéria, enfermeira do hospital, esse é um
dos aparelhos para tratamento do câncer de colo mais moderno que existe atualmente, não
no terririo brasileiro, “mas do mundo”. Essa estrutura sica e tecnológica sofisticada e a
existência de vários profissionais revigoram a crea dos usuários, aliada a em Deus, que
ali no HSM, encontram-se as possibilidades de cura do câncer.
a) QUANDO O PERCURSO É AMBULATORIAL
Conforme foi mostrado anteriormente, 56,52% das mulheres entrevistadas
tiveram como indicação de tratamento apenas a radioterapia; 26,09% tiveram indicação
associada à radioterapia e cirurgia ginecológica; 8,7% associaram radioterapia e
quimioterapia; e 8,7% associaram as três opções de tratamento. Esses percentuais indicam que
o tratamento de câncer de colo uterino, diferentemente do câncer de mama, envolve mais a
radioterapia (tratamento com irradiação) do que o tratamento através de quimioterapia
(tratamentos com medicamentos). Um percentual menor dessas mulheres fez uso de
quimioterapia, que é tratamento temido pelas mulheres por causa da queda do cabelo que a
quimioterapia provoca.
Sobre isso Valéria, enfermeira, comenta:
As pacientes de colo de útero costumam vir primeiro pra
radioterapia, porque a possibilidade de cura dessa paciente, com o
tratamento de radioterapia é muito alto, em detrimento do uso, que às vezes
não é necessário o uso de quimioterápico junto.
Além disso, o uso da radioterapia, como modalidade de tratamento para o câncer
de colo, não envolve internação hospitalar, pois é um procedimento ambulatorial desde 1998,
quando o Ministério da Saúde “des-hospitalizou” muitos procedimentos que até então só eram
realizados em regime de internação hospitalar. O fato de não se internar para submeter-se às
sessões de radioterapia diminui as agressões do tratamento, uma vez que, com a mulher com
câncer de colo, sobretudo, as que residem em Teresina, o ocorre a ruptura da convivência
familiar.
Quando chegam ao Hospital São Marcos (HSM), essas mulheres se deparam com
múltiplos processos de trabalho e práticas profissionais diversas: recepção do ambulatório e
da admissão, serviço de atendimento de convênio, de plano econômico, serviço social, serviço
para fazer o Cartão do HSM e o Cartão-SUS, laboratório de análise cnica, serviço de
radiologia, serviços de radioterapia e quimioterapia e uma gama de diversas especialidades
dicas e de serviços. Houve sempre, em algum momento, durante o tratamento do câncer de
colo, o encontro entre essa mulher e os profissionais que produzem esses serviços com
atendimento diferenciado na forma de encaminhar o usuário.
As funcionárias da recepção o HSM possui quatro entradas que orientam os
pacientes: do ambulatório geral, da admissão, da radiologia e da radioterapia têm a função
de prestar informações que vão orientar essa mulher, ou outros usuários, no deslocamento, no
interior do hospital; encaminhá-las para onde se localizam os setores e serviços, de forma que
elas não se percam na busca do setor que desejam encontrar. No ambulatório, funcionárias da
recepção orientam os usuários a se dirigirem para os serviços que desejam encontrar, através
de faixas existentes no solo, e com diferentes cores; uma forma de comunicação que leva em
conta os usuários que não são alfabetizados. Como foi citado anteriormente, 39,13% das
mulheres com ncer de colo não freqüentaram a escola e não sabem ler. Cada cor de faixa
indica uma direção, um serviço a ser encontrado.
No Hospital São Marcos (HSM), o primeiro serviço ambulatorial que essa mulher
utiliza é a consulta ginecológica. Lopes (1999, p. 15) coloca que a mulher, ao realizar a
consulta ginecológica, experimenta a liberdade, o medo, a vergonha, o temor, tudo pautado
em suas crenças e valores. Como a área genitália é sempre carregada de pudores e inibições, e
geralmente os problemas ginecológicos estão relacionados com a vida sexual, o ginecologista
deve ter a habilidade e sensibilidade para captar informações que ultrapassam a história oral,
dados que não são externados por vergonha ou medo.
Aqui, o momento da consulta ginecológica apresenta-se como um terreno fértil
para a invenção de novas práticas sociais, sugeridas por Telles (1994), quando discute a
cidadania enquanto vivência na vida social. Cidadania que se define e se consti a partir de
um novo contrato social, que ocorre fora do ordenamento jurídico estabelecido, mas permeia
as relações, por exemplo, no dia-a-dia dos serviços de saúde. Nesse sentido, o ginecologista
deve ter tempo disponível para informar sobre o diagnóstico, dar importância às inquietações
e preocupações trazidas pela mulher, esclarecer todas as dúvidas da paciente, e estabelecer um
diálogo pautado na confiança e no acolhimento.
Quando essa mulher vem para o Hospital São Marcos (HSM), encaminhada
por algum serviço de saúde público ou privado, de Teresina ou de outros Estados, há
suspeita de câncer de colo. Então, na consulta ginecológica, o médico geralmente solicita
exames, em especial a biópsia, para confirmar, ou não, o diagnóstico de câncer. Dentre os
exames que foram realizados pelas mulheres entrevistadas, citam-se: exame de sangue,
colposcopia, raio X, US transvaginal, US abdominal e outros.
A esse respeito, Amélia
29
e Izaura, mulheres em tratamento de câncer de colo e
usuárias dos serviços do Hospital São Marcos, expressam respectivamente:
Eu fiz um bocado, fiz biópsia, a ultra-sonografia vaginal, foi feito exame
dos ossos, foi feito exame dos pulmãos foi feito primeiramente [...] do colo.
(Amélia).
eles passaram exames [...] Rx do tórax, fiz a transvaginal, fiz a ultra-
som abdominal pélvica, fiz exame de sangue, sabe? (Izaura).
Após a realização dos exames, a mulher retorna ao médico ginecologista que,
através do resultado desses exames realizados, especificamente a biópsia, confirma, ou não, o
diagnóstico de câncer. Em parte das mulheres entrevistadas, o câncer foi diagnosticado logo
na primeira vez, conforme mencionado em momentos anteriores. Enfatize-se que se trata de
um momento difícil, de informar o diagnóstico, tanto para os médicos quanto para essas
mulheres, que, embora ninguém lhes tenha dito nada, sabem que algo diferente está
acontecendo com seu corpo. Em suas falas, essas mulheres relataram: “perdia muito sangue”,
“sentia muitas dores no pé da barriga”, dores durante o ato sexual.
Após o diagnóstico de câncer de colo, o médico indica o tratamento mais
adequado a partir do estágio do tumor. A esse respeito, à enfermeira Valéria esclarece:
diagnosticado esse CA, ela é encaminhada através desse
ginecologista [...] dependendo do estadiamento dessa paciente, ela pode vir a
fazer só a traquelectomia, que a gente chama, pode fazer a cirurgia radical,
no caso seria uma histerectomia radical [...] e pode, também, ser
encaminhada, dependendo o tipo de câncer e do estadiamento dessa
29
Amélia tem 57 anos, não estudou, é lavradora, e é procedente de Nossa Senhora dos Remédios-PI.
paciente, para o serviço de oncologia do hospital. O serviço de oncologia é
formado pela oncologia clínica e a radioterapia.
Nos fragmentos da entrevista de enfermeira Valéria o colocadas três
alternativas de tratamento de câncer, após o mesmo ser diagnosticado: a traquelectomia, que é
a mesma cirurgia de alta freqüência, mencionada em momentos anteriores, é um
procedimento rápido e ambulatorial; outra alternativa é a cirurgia radical, ginecológica, em
que são retirados o útero e os anexos; e a outra alternativa é a radioterapia.
No caso de o tratamento envolver apenas sessões de radioterapia, não envolve
internação hospitalar, pois o tratamento de radioterapia ocorre de forma ambulatorial. Nesse
caso, o médico radioterapeuta e o sico fazem o que eles chamam de “planejamento do
tratamento da paciente”, que consiste em decidir a dosagem da radiação e a quantidade de
sessões de radioterapia que consideram necessárias, de acordo com o estadiamento do câncer
de cada mulher diagnosticada.
Conforme foi dito anteriormente, a radioterapia é a utilização de raios para matar
as células cancerosas. Segundo Dousset (1999), uma das condições para que um determinado
câncer seja tratado, através da radiação, é que o tumor maligno seja identificado com precisão,
pois a radioterapia é uma técnica usada nos cânceres localizados.
Assim, a duração, a freqüência do tratamento e o número de doses da radiação de
cada mulher a ser tratada do câncer de colo são planejados pelo dico radioterapêuta e o
físico. Recordando o que já exposto em momentos anteriores, essas mulheres que vão se
submeter ao tratamento, através da radiação, têm seus corpos marcados, na região pélvica,
com uma tinta que delimita a área a ser irradiada. As sessões de radioterapia são programadas
pela enfermeira que estabelece dias e horários de cada usuário. Nos horários determinados,
essas mulheres chegam, e, enquanto aguardam sua vez, conversam com outras mulheres,
estabelecem relações ou ficam assistindo à televisão. Quando são chamadas por uma
funcionária, para se submeterem às sessões de radioterapia, são encaminhadas para uma sala,
têm os seus dados conferidos e são conduzidas para outra sala, onde são orientadas a tirar
parte de sua roupa, deitar no leito da máquina e deixar a área demarcada da genitália
descoberta; o funcionário focaliza o aparelho na área que vai sofrer a radiação e sai da sala
para se proteger dos raios; em uma ante-sala, acompanha, através da tela de um computador,
dados técnicos e a figura da mulher deitada.
Sobre esse momento da radioterapia, algumas mulheres demonstraram um certo
constrangimento com sua nudez exposta. Flora, Rosalva
30
e Sônia expressaram isso nos
relatos a seguir.
Eu fico com vergonha (risos), a gente fica assim mermo, com
vergonha, mas a gente quer se tratar; mas a mulher é melhor né, pra
atender a gente, porque é mulher com mulher.(Flora, usuária).
Não fico com vergonha quando é uma mulher. (Rosalva, usuária)
A gente não tem costume com essa coisas, estranha muito [...] às vezes
sendo a mulher até nem tanto, mas quando é pra ser homem a gente vai
porque a gente quer a saúde da gente, tem que se obrigar a tudo, né. (Sônia).
A nudez feminina nos serviços de saúde sempre foi relatada como uma ocasião de
constrangimento para as mulheres que se submetem aos exames ou procedimentos
ginecológicos. Flora, Rosalva e nia, que têm fragmentos de suas falas descritos acima, se
reportaram a esse momento com um sentimento de vergonha e pudor, principalmente, se for
realizado por alguém do sexo masculino. Os sentimentos expressos revelam que essas
mulheres não concebem com naturalidade Sonia diz que estranha muito a exposição do
seu sexo. Moura Fé, Sousa e Duarte (2005) afirmam que, nesse momento, a mulher fica à
mercê do olhar do profissional, e isso traz sentimentos contraditórios de pudor em expor sua
sexualidade e ao mesmo tempo ter que se submeter a um tratamento caso esse profissional
seja do sexo masculino. Ainda, segundo os autores, a função de dispensar cuidados a
pacientes do sexo feminino foi um papel atribuído culturalmente aos profissionais do sexo
30
Rosalva tem 39 anos, tem 1 filho, é solteira, estudou até a 6ª série, é cozinheira e é procedente de Rondon-PA.
feminino; daí justificam a dificuldade de aceitação das mulheres nos serviços de saúde, para
cuidados em que expõem seu corpo, sua nudez e, principalmente, sua genitália para
funcionários do sexo masculino.
Em relação a essa questão, Lopes (1999, p. 20) considera que esse pudor e
constrangimento se reportam à cultura e à forma como as mulheres são educadas. ”O
conhecimento da sexualidade através da exploração e descoberta da área genital é reprimido
nas primeiras experiências da menina [...] é tratada pelos educadores como algo que deve
ocultar e esconder”.
Flora, Rosalva e Sônia expressam esse constrangimento diante de um funcionário
do sexo masculino, mas procuram superar essa situação em nome do tratamento e da
possibilidade de cura do câncer, que, nesse momento, se tornam mais importantes. Porém
deixam claro que se sentem mais à vontade com funcionárias do sexo feminino.
Faz parte ainda do tratamento de câncer de colo um procedimento chamado de
braquecterapia esclarecido, tecnicamente, pela enfermeira Varia, no texto transcrito a seguir:
[...] A braquecterapia [...] não é uma radiação externa, mas uma radiação
interna vai ser colocado direto no colo do útero dela [...]a paciente [...] tem
que ficar em posição ginecológica, é colocado um aparelhinho no aplicador
dentro da paciente, é ligado num robozinho que vai levar a fonte [...] a
cnica de enfermagem, que vai colocar ela na posição, o dico que vai
colocar os aparelhos, o físico que vai conectar com o robô da fonte de
radiação, é ele que controla a dose que vai ser irradiada na paciente, e o
cnico de radiologia que vai bater os raios-X necessários. Então são 4
profissionais [...] a gente dá uma medicação pra dor antes de fazer o
procedimento, coloca um anestésico local, no colo do útero da paciente.
Esse enunciado de Valéria esclarece o que seja a braquiterapia e explicita,
também, a exposição sica da mulher com câncer de colo, quando se submete a esse
procedimento. Segundo os relatos das mulheres, no geral, são quatro as sessões que envolvem
esse procedimento da braquiterapia de alta taxa. Apesar de as vantagens desse procedimento,
para o tratamento de câncer de colo, não envolver mais internação, ou seja, a mulher vem ao
hospital, faz a inserção com hora agendada e volta para casa, são muitas as queixas de dores
das mulheres quando se referem ao momento desse procedimento. O texto a seguir, fragmento
das falas de Izaura e Antonia demonstraram as assertivas aqui colocadas.
Ave Maria, acho que a dor da morte nunca passei não, mas pra mim é
igual, agente só resiste por que Deus é maravilhoso. (Izaura).
Porque ele foi e colocou o ferro da primeira vez, eu achei ruim, na segunda
foi pior [...] Aí, eu suspendi o pé, aí ele disse [...] se a senhora não se quietar
eu não vou fazer o seu tratamento. Eu digo: ou Dr., não faz isso comigo
não [...] quando foi de outra vez eu digo: todo mundo se trata dessa doença, e
eu, porque eu não vou me tratar? E eu vou dizer que, hoje eu vou ser eu vou
ser uma ia forte [...] eu fui. Quando chegou lá, me deu o comprimido,
e eu bebi aí fui, colocaram o aparelho eu fiz força e vontade de ficar boa ,
[...] aí disse: Olha! A senhora ganhou 9 pontos e meio [...] na outra terça-
feira, a senhora vai ganhar, vai fazer os 10! Quando foi na segunda [...] eu
não ganhei foi mais nada! Eu não ganhei nem 9 direito! (risos) [...] é porque
faz é doer, aí ele disse assim [...] a senhora não ganhou nem os 9 direito [...]
foi porque a senhora gemeu um pouquinho. Eu digo: eu gemi foi muito
doutor. (Antonia).
Do mesmo modo que Antonia, a maioria das mulheres relatou que havia na
programação de seus respectivos tratamentos quatro sessões de braquiterapia; e as mulheres
que já tinham, até o momento da entrevista, se submetido a pelo menos uma sessão
queixaram-se da dor intensa desse momento. As falas de Izaura e Antonia se reportam a esse
momento como um momento de extrema dor. A fala de Antonia, que descreve com mais
detalhes três dessas sessões, demonstra o esforço que se propõe para suportar a dor em nome
do tratamento; revela, também, um fragmento da sua relação com a equipe que participa da
realização desse procedimento, em especial o médico, que “reclama” de sua inquietação
durante o procedimento. O comprimido que ela disse ter tomado é um analgésico, que é
administrado à mulher que se submete a essas sessões, em uma tentativa de diminuir a dor.
Campos (2003) considera que o desafio que hoje se apresenta para os serviços de
saúde consiste em alterar os microprocessos de trabalho, de forma a construir novas práticas
assentadas nas dimensões subjetiva e social das usuárias. Para essas mulheres, o acesso aos
serviços foi, sem dúvida, importante. Entretanto, demandam novos direitos dentro dos
serviços de saúde que considerem, também, seus sentimentos, seus desejos e suas aspirações.
b) QUANDO O PERCURSO ENVOLVE INTERNAÇÃO HOSPITALAR
O serviço de admissão do Hospital São Marcos, como já mencionado em
momentos anteriores, é um setor que funciona 24 horas e envolve internações eletivas e
internações de urgência.
Trata-se de um setor em que o usuário chega e, após ter seus dados confirmados,
tais como: nome, endereço, responsáveis, é informado dos dias e horários de visitas: 2ª, 4ª e 6ª
das 15:00 às 17:00 horas, no caso, se for usuário do Sistema Único de Saúde. No caso de
paciente de planos de saúde ou particulares, nãotais restrições.
A internação da mulher com câncer de colo se dá em situação que envolve
cirurgia ginecológica para a retirada do útero e órgãos anexos. A internação envolve um
período de espera maior pela liberação da Autorização de Internação Hospitalar (AIH);
31
conforme análise posterior, os procedimentos envolvem a Autorização de Procedimentos de
Alta Complexidade (APAC).
32
Ao ser admitida no setor de internação, essa mulher vai percorrer um caminho em
que a noção da pessoa que corresponde a uma identidade e do que lhe peculiar tende a
perder-se, e ganha em seu lugar uma identidade institucional, representada pelo número da
enfermaria, pelo número do leito e pelo nome da doença. Na enfermaria, essa mulher ocupa
um leito, cuja identificação se através de números enfermaria 4, leito 1, por exemplo; no
31
A AIH data da década de 1980, como parte de um conjunto de medidas de contenção de despesas do sistema
de saúde. Segundo Cohn (1996, p. 44), com a implantação da AIH, o pagamento das internações hospitalares
será “pelo custo histórico global do atendimento e não pela somatória dos gastos de cada ato parcelado, como
anteriormente [...] as AIHS permitem um maior controle sobre o setor privado”.
32
A APAC, implantada em 1998, segue também o objetivo de contenção dos gastos na saúde, mas também
coincidindo com as proposta do SUS de des-hospitalizar a saúde muitos procedimentos médicos e hospitalares
que envolviam internação passam a ser realizados em ambulatório. As APACs funcionam como um des-estímulo
à internação.
seu prontuário constam os dados referentes a sua identificação pessoal e informações
referentes à doença, ao tratamento, com medicação prescrita pelo médico, e anotações da
enfermagem; ou seja, queixas de dores, horários da medicação, temperatura arterial,
resultados de exames, relatos de melhoras etc. No prontuário, também, consta o número da
enfermaria e o leito que a paciente está ocupando. É muito comum, no dia-a-dia dos serviços,
os profissionais de saúde, mais próximos dessa mulher, e, mais especificamente, o médico e a
enfermeira solicitarem o prontuário pelo número da enfermaria/leito que o paciente ocupa, e
o pelo nome do paciente.
Conforme já mencionado, em momentos anteriores desse estudo, na enfermaria
lhe são entregues vestimentas camisolões esterilizados do hospital para que se possa
despir de suas roupas. Essa atitude é explicada pela teoria da contaminação externa (BRASIL,
2005). Ao serem encaminhadas ao centro cirúrgico, se dá a retirada de outros adereços
pessoais, tais como: esmaltes, ais, brincos e alianças, detalhes que são, também, explicados
pela possibilidade de ocorrer uma urgência na qual esses adereços atrapalhariam.
Os pacientes internados (as) pelo Sistema Único de Saúde (SUS) têm, durante
esse período, restrições nos horários e de visitas permanentes. O Serviço Social, setor
solicitado pela família, para a liberação de visitas ou de acompanhante, procura atender a
essas solicitações, entendendo a fragilidade e necessidade afetiva da família e do paciente.
Michele, assistente social da ginecologia, afirma que entende a visita como um direito do
paciente, mas o setor não pode alterar essa norma, embora já tenha tentado junto à direção.
Sobre isso relata:
Nós já até questionamos com a direção a possibilidade de aumentar os dias
de visita, acrescentando pelo menos os sábados e os domingos, mas não
conseguimos, a direção negou, alegando a questão da infecção hospitalar,
que era altíssima quando as visitas eram diárias. (Michele).
Essa norma, em geral presente na maioria dos hospitais, se constitui em um
obstáculo a mais ao exercício da cidadania, que demanda dos serviços de saúde uma atenção
mais humanizada. O argumento da infecção hospitalar, dado pela direção, em resposta ao
questionamento de Michele, assistente social, valoriza o aspecto biológico e distancia os
pacientes dos familiares ou de pessoas de seu afeto.
Do mesmo modo que a prática médica, os serviços hospitalares se organizaram,
considerando apenas a doença e a enfermidade, dentro de uma visão racional, perdendo de
vista a pessoa portadora da doença. Campos (2003) critica esse olhar reducionista da clínica
dica, em que a doença acaba por eliminar outras dimensões existenciais ou sociais do
enfermo. Convém enfatizar que, apesar de os serviços de um hospital sejam voltados para o
paciente, fala-se muito pouco sobre ele, o que quer e o que deseja.
O momento da alta, seja hospitalar seja ambulatorial, é um momento em que essa
mulher em tratamento de ncer de colo espera com muita ansiedade. Em dadas ocasiões, até
tenta negociar com dico, solicitando a este que antecipe sua alta, que contra-argumenta a
necessidade da continuidade do tratamento. Quando essas mulheres terminam o tratamento, o
número de radiação programada pelo radioterapeuta e o sico, retornam ao consultório
dico para uma última consulta e orientações que giram em torno de reforçar, para essa
mulher, a necessidade de retornos periódicos ao médico, para futuras avaliações do
tratamento. Assim se expressam Graça
33
e Izaura:
Ele disse que eu tô muito bem [...] e ele disse que eu tenho que retornar,
então, pelo s de fevereiro ou março, ai eu tenho que vim, fazer outros
exames, saber realmente se tô curada ou não. (Graça).
Ele me falou, mas que de 6 em 6 meses eu tinha que vir ao médico e fazer
todos os exames pra saber como era. (Izaura).
33
Graça tem 54 anos, tem 2 filhos, é casada, fez o magistério, e é professora da a série do Ensino
Fundamental, é procedente de Roraima.
As falas de Graça e Izaura contêm às informações que elas receberam do médico,
da necessidade de retornarem, durante um determinado tempo, ao hospital, para fazer
avaliações periódicas do tratamento a que foram submetidas. com futuras avaliações o
dico vai poder afirmar ou o a eficácia do tratamento. Dousset (1999, p.26) afirma que,
oficialmente, para os médicos e para as companhias de seguros, é preciso tempo para
homologar uma cura [...] em geral cinco anos depois do tratamento, somos considerados
oficialmente em remissão (interrupção dos sintomas), dez anos depois estamos curados”.
A alta também é um momento de envolvimento do Serviço Social, que é
solicitado para avisar à família ou agilizar a alta. Nesse momento, até porque muitas mulheres
têm domicílio fora de Teresina, é comum as assistentes sociais do HSM entrarem em contato
com a Prefeitura, Secretaria Municipal de Saúde da cidade dessas mulheres, solicitando a
ambulância ou carro que possa vir buscá-las. Outra alternativa é fazer contato com alguma
outra pessoa familiar, ou não, que tenha disponibilidade de carro para que possa vir buscá-las.
O Serviço Social, nesse momento, também, reforça a necessidade dos retornos
periódicos ao hospital para avaliações médicas. É comum por problemas financeiros, pelas
dificuldades de deslocamento, ou mesmo por não compreenderem a importância desses
retornos ao médico as mulheres o retornarem ao HSM nos prazos previstos pelo médico,
causando alguns problemas. Foi o caso de Josélia, conforme relata a seguir:
[...] Quando eu cheguei aqui ele disse: “foi a doença que voltou, era para [...]
acompanhar, não era para vo sumir”, e estava com um ano e cinco
meses da operação que ele tinha feito. Aí ele disse: “Foi a doença que voltou
no lugar do útero”.
O depoimento de Josélia sugere o retorno do câncer por falta de acompanhamento
dico nos prazos previstos, por conta da ausência dela própria. O Serviço Social também
desenvolve um trabalho de resgate dessa paciente que não comparece no HSM nos prazos
previstos: telefona, envia telegrama, utiliza a rádio comunitária existente na cidade de origem
dessa mulher no caso de a mulher residir em Teresina, faz visitas domiciliares com o
objetivo de estabelecer contato e saber por que não retornou ao hospital no prazo previsto.
Seja qual for o motivo apresentado, pela mulher ou algum familiar, o Serviço Social busca
superar o que está impedindo sua vinda ao hospital dentro da rede de serviço do hospital ou
fora dele, no caso da cidade do domicílio dessa mulher de forma a viabilizar sua vinda.
Então, nesse momento da alta, há um reforço que orienta a necessidade do retorno ao hospital,
como também registra todos os contatos que essa mulher souber informar.
3.2.4 Conhecendo os mecanismos institucionais e administrativos necessários ao acesso da
mulher com câncer de colo aos serviços de saúde no Hospital São Marcos (HSM)
O acesso a um tratamento integral de saúde se constitui um dos eixos principais
desse estudo. Nessa direção, as observações na dinâmica do Hospital São Marcos (HSM) se
fizeram no sentido de capturar os aspectos e os instrumentos que viabilizaram o acesso
dessa mulher aos serviços de saúde. A análise dos prontuários, dessas mulheres, mostrou
que as alternativas de tratamento envolvem sessões de radioterapia, cirurgia ginecológica e
quimioterapia. A associação de cada uma dessas alternativas, ou uma dessas opções de
tratamento, fica por conta do “estadiamento”, estágio ou fase em que o câncer se encontra.
Qualquer uma dessas alternativas de tratamento, considerada pelo médico a mais
adequada, envolveu instrumentos externos de controle do SUS e a relação contratual entre
o HSM e instrumentos internos normatizados pela direção do HSM.
Os instrumentos externos são dois: um deles é a Autorização de Internação
Hospitalar (AIH), quando envolve internação cirúrgica ou clínica, e o outro é a
Autorização de Procedimentos de Alta Complexidade (APAC), que envolve tratamentos
ambulatoriais, no caso do HSM, tratamento de radioterapia e quimioterapia. O
preenchimento desses instrumentos obedece a um protocolo do Ministério da Saúde; estes
passam por uma autorização dos auditores do SUS para que os procedimentos
ambulatoriais ou hospitalares sejam realizados.
Conforme o protocolo estabelecido pela FMS, o médico anexa os exames que
comprovam o diagnóstico de câncer e emite o laudo, solicitando o procedimento que, na
sua avaliação, considera mais adequado. O laudo é encaminhado para um setor do hospital
responsável para fazer o intercambio com a Central do SUS. Nesse ínterim, a mulher com
câncer de colo fica aguardando o laudo ser autorizado para iniciar o tratamento.
As mulheres entrevistadas, ao serem indagadas se nesse percurso de
consultas, realização de exames, período de espera para iniciar o tratamento ,
encontraram alguma dificuldade de acesso aos serviços do Sistema Único de Saúde no
Hospital São Marcos; afirmam que houve diferença no acesso aos diferentes serviços que
necessitaram. Em relação ao acesso à consulta, este se deu de forma rápida e tranqüila. As
mulheres que vieram transferidas de serviços de saúde de outros Estados, via CNRAC, a
consulta, pelo SUS, estavam agendadas e não precisaram pagar para se consultar com
um médico ginecologista. Foi o caso de Mirna: “a consulta foi pelo SUS. Tudo, tudo. A
agora nada particular”.
As mulheres que, mesmo encaminhadas por outros profissionais de saúde, com
domicílio em Teresina, ou de outros Estados, mas que não vieram via CNRAC, afirmaram
que pagaram a consulta no Hospital São Marcos (HSM), deste modo, foi rápido o acesso
ao médico, na maioria das vezes ginecologista. Entre essas mulheres, encontravam-se
Socorro e Isabel,
34
que fazem o seguinte relato:
[...] A primeira consulta, que eu não tinha conhecimento com ninguém, não
tinha, nunca tinha vindo aqui, eu paguei 40,00 reais. (Socorro).
34
Isabel tem 56 anos, é solteira, tem 10 filhos, seu domicílio é em Paragominas, cidade do Pará, disse que está
aprendendo a ler e a escrever.
[...] Eu chequei um dia de domingo. Quando foi segunda-feira eu paguei
40,00 reais (pela consulta com uma médica ginecologista). (Isabel).
Em relação ao acesso aos exames, essa situação se repetiu. Parte das mulheres
pagou pelos exames e outra parte fez pelo SUS, conforme se expressam nas falas seguintes:
[...] Agora que teve uns aí, esse de coração que eu paguei aqui, que era pra
ser ligeiro, e aí eu paguei esse, foi 50,00 reais, esse. (Sônia).
Todos eles (se refere aos exames) pelo SUS, eu não paguei nenhum, todos
eles; demorou muito porque eu não tinha condição de vim todo dia, que era
preciso, e eu não tinha dinheiro pra vim, mas eu nunca dei a viagem perdida,
pra não fazer. Toda vez que eu vinha fazia. (Zulmira).
Esses fragmentos revelam que, na fase inicial, nem sempre o tratamento de
câncer de colo dessas mulheres foi público e gratuito no HSM. Sônia, ao argumentar que
optou por fazer o exame pelo plano econômico, para que o resultado fosse mais agilizado,
sugere, na sua fala, algo que tem sustentado, bastante tempo, a idéia de que os serviços
públicos de saúde são demorados justamente por não serem pagos. O que faz com que parte
da população pague pelos serviços de saúde.
Em relação o acesso aos serviços de radioterapia e/ou quimioterapia que é a
emissão e autorização da APAC a maioria das mulheres considera que, do período em que
chegaram ao hospital para o dia que começaram o tratamento, foi rápido; e se mostraram
satisfeitas no que diz respeito ao tempo de espera para iniciar o tratamento. Os procedimentos
das APACs são tratamentos ambulatoriais e o SUS não demora a autorizar. Sandra, Zulmira e
Josélia assim se expressaram:
Não, foi rápido, porque como eu dizendo que eu não tenho dinheiro,
não tinha como fazer particular, pra mim foi pido, não demorou.
(Sandra).
Foi muito ligeiro, muito rápido, que nunca pensei de ser tão ligeiro; sabe,
gostei, que eu vejo umas que paga particular; é mais difícil, e eu
achei.(Zulmira).
Elas chegaram aqui fizeram preencher a ficha, e daí para frente foi muito
fácil, a minha operação foi muito fácil (Josélia).
Em princípio, as mulheres entrevistadas expressaram que não tiveram
dificuldade de acesso aos serviços do Sistema Único de Saúde no Hospital São Marcos,
quando o tratamento era a radioterapia. Conforme relataram, nas falas acima,
consideraram que foi rápido o atendimento, não enfrentaram fila e nem longas esperas.
Sandra, Zulmira e Josélia expressaram satisfação com a rapidez do atendimento,
considerando que são usuárias do SUS e que não estão pagando pelo tratamento.
Sobre essa questão, o Dr. Alberto, médico, confirma
como eu falei demora 2, 3, 4, dias pra ser liberado [...] elas são liberadas
nesse tempo [...] eu não considero um tempo muito longo 3 a 4 dias, já ao
contrario, como eu falei, algumas AIHs demoram 1, 2 meses; uma
liberação de uma tomografia 1 ou 2 meses, isso aí eu acho crítico, né?
O depoimento do Dr. Alberto explicita que, na sua visão, não demora
na liberação das APACs, que possibilitam o acesso das mulheres com câncer de
colo ao tratamento de radioterapia. Considera, como as mulheres, uma certa
agilidade no acesso ao tratamento. Nesse contexto, a pesquisa identificou ainda que
o próprio HSM agiliza o inicio do tratamento dessas mulheres. Pois se constatou que
26,09% das mulheres entrevistadas iniciaram o tratamento de radioterapia antes
mesmo que a APAC chegasse, autorizada pelos auditores do SUS; e 30,43%
iniciaram o tratamento no mesmo dia em que a APAC foi solicitada (Tabela 10.0).
Cohn (1999) considera que o acesso aos serviços de saúde, no
imaginário da população, está vinculado à imagem da utilização imediata da
consulta e/ou da prestação de outros serviços. Dessa forma, o acesso aos serviços
de saúde no HSM, num espaço de tempo de 1, 2 ou 3 dias, foi considerado rápido
pelas mulheres entrevistadas. É importante lembrar que os procedimentos que
envolvem a APACs são todos ambulatoriais, ou seja, não depende de leitos. Sem
dúvida, não precisar de leitos é um dos elementos que contribui para a agilidade da
autorização e realização do procedimento. Um outro elemento que contribui para
essa agilidade diz respeito à instalação da Central Nacional de Regulação de Alta
Complexidade (CNRAC),
35
que garante o repasse financeiro ao HSM, para pagar os
procedimentos hospitalares utilizados pela população usuária que vem de outros
municípios.
Em relação ao acesso aos serviços de internação cirurgia eletiva
ginecológica procedimento que envolve Autorização de Internação Hospitalar (AIH)
como também a utilização de leitos, identificou-se que não ocorre a mesma agilidade
conferida aos procedimentos de radioterapia e/ou quimioterapia. As mulheres que
necessitaram desse procedimento revelaram que esperam 15 dias, 30 dias ou 40
dias para terem acesso a esse serviço.
Os depoimentos de Teresinha
36
e Mercedes,
37
a seguir, expressam o
tempo que tiveram que esperar para ter acesso à cirurgia que precisaram se
submeter.
A que era pra me cortar demorou, veio com 15 dias [...] a outra [se
refere a segunda cirurgia] custou, veio com um mês. (Teresinha).
Demorou, foi obrigado esperar uns dias pro SUS liberar né, [...] eu fiz a
consulta no dia 20 de outubro, e fui fazer a cirurgia no dia 22 de novembro.
(Mercedes).
A fala dessas mulheres atesta que essa demora, na realidade concreta do HSM e
na sua relação com o Sistema Único de Saúde, fere a concepção de acesso aos serviços de
35
A implantação da CNRAC, em agosto de 2002, possibilitou aos hospitais do município de Teresina, que
realizam procedimentos de alta complexidade, entre eles o HSM, que realiza tratamento de radioterapia e
quimioterapia, ampliasse a quantidade desses procedimentos mês a mês. Isso porque a CNRAC garante o repasse
financeiro dos tratamentos dos usuários que residem em outros municípios, deixando livre parte dos recursos
destinados para o município de Teresina.
36
Teresinha tem 48 anos, tem 5 filhos, estudou até a 1ª série e reside na cidade de Teresina-PI.
37
Mercedes tem 27 anos, 4 filhos, é casada, estudou até a 2ª série, dona de casa, e é procedente de Medicilândia
PA.
saúde adotada nessa pesquisa, que considera, além de outros aspectos, também, o tempo de
acesso dessa população a esses serviços. Nessas condições, o acesso aos procedimentos
cirúrgicos do Hospital São Marcos (HSM), revelados nas falas de Mercedes e Teresinha, fere
os princípios do SUS, quando não garante o acesso num espaço de tempo hábil que não
comprometa o estado geral dessa mulher comncer.
Essa demora, na liberação das AIHs, segundo o depoimento do Dr.
Alberto, chega a comprometer o estado clínico da mulher com câncer de colo.
Revela que, em alguns casos, quando essa mulher com um tumor maligno chega ao
Hospital, é possível operar, mas a demora na liberação acaba por prejudicar o
tratamento. O Dr. Alberto expressa, novamente, no trecho a seguir, o seu
aborrecimento com essa dificuldade de acesso dessas mulheres com câncer de
colo, quando as mesmas necessitam de cirurgias eletivas.
Essas AIHs que o pra fora demoram [...] vi algumas pacientes
que chegam na radioterapia que em princípio são operáveis e que
se tornam inoperáveis pela demora de liberação da AIH. Essa é uma
coisa que eu acho ridícula, tá certo?
Essa fala do Dr. Alberto revela sua preocupação com o agravamento do
estado da doença e evolução do câncer dessas mulheres, por conta da demora da
liberação da AIH, por parte do Sistema Único de Saúde (SUS), fato que dificulta o
acesso das mulheres aos procedimentos cirúrgicos, o que resulta na demora do
inicio do tratamento.
Sobre essa questão, o Dr. Valmir, médico ginecologista e auditor do
Sistema Único de Saúde (SUS) em Teresina, afirma:
Quanto ao Sistema de Internação, ele é dividido na média e alta
complexidade [...] o Hospital o Marcos, é o que tem um maior volume da
alta complexidade, porque ele é cadastrado para cirurgia cardiovascular,
neurocirurgia, quimio e radioterapia e cirurgias oncológicas [...] e a gente
tem que trabalhar com teto financeiro inferior [...] às vezes a gente atrasa em
torno de 30 dias a liberação do AIH, pagamento ao prestador, exatamente
devido essa escassez.
Segundo o argumento do Dr. Valmir, auditor do SUS, para a demora da
autorização dos procedimentos que envolvam AIH, revelaram-se alguns limites da
gestão do SUS em Teresina: o teto financeiro do HSM, que o Hospital São Marcos
acumula o maior número de procedimentos de alta complexidade do Estado do
Piauí; informa que o município de Teresina trabalha com recursos inferiores às
demandas de serviços que se apresentam para Teresina e que tem recursos
limitados para pagamentos de procedimentos realizados pelo Sistema SUS por mês.
No final do trecho do seu depoimento, afirma que esse quadro produz como
conseqüência o atraso da liberação da AIH, quando essa conta é paga pelo
município de Teresina.
Foi nesse sentido, para contra-argumentar os motivos expostos por Dr.
Valmir, médico, para a demora na autorização das AIHs, que a instalação da
CNRAC contribuiu para a ampliação do acesso aos serviços de saúde de alta
complexidade, à medida que garante o repasse financeiro do município de origem
desse paciente para o município onde ele está sendo atendido, no caso, em
Teresina.
O que está explicito na fala do Dr. Valmir, no entanto, refere-se à questão
clássica: quem paga a conta? E, enquanto perdura essa situação à parte
penalizada, sempre é o usuário, quando necessita dos serviços. É preocupante o
fato de o usuário precisar esperar um mês ou mais para que seja liberado um
procedimento de tratamento de câncer, que, pela demora, pelo tempo de espera,
provoca o agravamento da doença, “tornando inoperável o que seria operável”.
O acesso aos serviços de saúde é considerado nessa pesquisa como um
direito, como cidadania, e que deve ser viabilizado pelo poder público, de forma que
a população usuária do Sistema Único de Saúde (SUS) possa usufruir os serviços
que necessita em tempo hábil, capaz de não agravar ainda mais o estado de saúde
dessa população. O direito de acesso aos serviços de tratamento de câncer como
os serviços de radioterapia, de quimioterapia, de cirurgia ginecologia são direitos
garantidos na Constituição Federal de 1988 (C. F., 1988), quando afirma que “a
saúde é direito de todos e dever do Estado” e cujo acesso às ações e serviços de
saúde seja para a promoção, proteção e recuperação da saúde deve ser garantido a
quem precisar.
Campos (1997, p.115) se coloca em uma posição contrária às opiniões que
ressaltam os limites financeiros do Sistema, e afirma que, embora considere que a
dimensão socioeconômica seja importante, a questão do financiamento não é o ponto que
dificulta a viabilização do SUS. Sem dúvida, falta de recursos. “Entretanto, se
enganaria quem imaginasse que maior aporte resolveria automaticamente o acesso ou a
qualidade dos serviços do SUS. Não. O atual modelo de organização das praticas é
inadequado”. O autor considera que, sem uma alteração no modelo de atenção, é utópico
pensar em universalidade. Enquanto perdurar a valorização de procedimentos diagnóstico
e terapêuticos, sem a produção de cuidados em todo processo, e a centralidade dos
hospitais, a universalidade está comprometida e isso não se relaciona à quantidade de
dinheiro investido.
Em relação aos instrumentos internos, determinados por atos administrativos
do HSM, que possibilitam o acesso da mulher com câncer de colo aos serviços de
tratamento do câncer, foram identificados: o cadastro para o cartão do HSM, o
cadastramento para o cartão-SUS, a admissão no ambulatório da radioterapia e/ou
admissão para efetivar a internação hospitalar, as normas internas hospitalares, que
prevêem horários de chegadas e de saídas (no caso de tratamento ambulatorial), e horários
de visitas no caso de internação hospitalar.
O cadastro para a obtenção do cartão do HSM é uma das normas do hospital para
que o usuário tenha acesso ao tratamento de câncer. É um cartão que possui um digo de
identificação e que, acessado, se tenha todos os dados do paciente. O Cartão-SUS é uma
exigência do Ministério da Saúde. Até o momento das entrevistas, esse cartão era exigido
apenas para os usuários do Sistema SUS que se submetem a procedimentos de alta
complexidade. O cadastro é nacional, feito via on-line numa gina da internet, e, a partir de
janeiro de 2006, todos os usuários do Sistema Único de Saúde terão acesso a todo e
qualquer serviço médico e hospitalar se tiverem o Cartão-SUS. O Ministério da Saúde espera
com isso ter um controle dos serviços de saúde utilizados pelo usuário, em que Estado da
federação, em que data, qual o serviço que utilizou. O cartão-SUS vai se transformar em uma
espécie de prontuário eletrônico do usuário, que qualquer prestador de saúde ao acessar o
Cartão vai saber da vida pregressa daquele usuário.
Sobre a vivência nesses dois últimos instrumentos, Isabel afirma:
[...] A primeira vez que eu vim, enquanto eu paguei a primeira consulta e
bati na mão da Dra., depois que eu bati na mão dela todas portas se abriu.
Porque? Porque ela me ensinou tudo por onde eu ia começar, a primeira foi o
cartão do hospital; segundo, depois foi outro cartão do SUS.
Esse enunciado da fala de Isabel retrata o que foi vivenciado não por elas, mas
por todas as mulheres com ncer de colo e todos os usuários que têm o diagnóstico de câncer
confirmado. Em seu depoimento, Isabel deixa claro que pagou a consulta ginecológica, prova
de que nem sempre o acesso aos serviços na sua integralidade foi blico e gratuito, revela a
satisfação de ter sido atendida por uma médica que viabilizou os serviços de saúde que ela
precisava, através da orientação quanto ao caminho que ela iria percorrer no interior do
Hospital São Marcos, a começar pelo cadastramento que possibilita a obtenção do Cartão do
HSM e o Cartão-SUS.
Ter feito esse percurso que envolveu a confecção do Cartão do HSM, do Cartão-
SUS, a autorização do tratamento por APAC ou AIH, chegar no momento da admissão
significa iniciar o tratamento indicado pelo médico. Segundo o Relatório do Hospital São
Marcos (2004, p. 14), no que se refere ao número de pacientes-dia internados por convênios,
foram registrados 112.160 internações pelo SUS, 46.390 internações de planos privados,
5.320 internações de filantropia e 4.960 internações particulares em 2004.
Internadas, essas mulheres se submetem às normas hospitalares já discutidas
anteriormente.
3.2.5 A integralidade dos serviços e atenção em saúde no Hospital São Marcos
A proposta da integralidade dos serviços de saúde caminha em duas direções: a
primeira, em uma tentativa de superar a separação entre as ações preventivas das ações
curativas; e a segunda se desenvolve no sentido de construir novas práticas em saúde
assentadas nas dimensões subjetivas, aspirações e desejo dos usuários, em que os
profissionais de saúde considerem a enfermidade dos usuários, mas que ela não se sobreponha
à pessoa que ele é.
As ações preventivas, no que respeita às mulheres, devem ser desenvolvidas nos
três veis de atenção, e não apenas ao nível de atenção pririo. Estas consistem em ações
educativas e na oferta do serviços de citologia, ou exame papanicolau, que são exames de
baixo custo e o capazes de detectar o câncer de colo precocemente. Sobre essas ações no
HSM, o Dr. Diosio, ginecologia, afirma:
Nós temos um setor de citologia apenas pra atender e fazer uma triagem,
esse setor de citologia é procura direta, a doente vem e atende se [...] tiver
na citologia dela qualquer processo maligno ou pré-maligno ela recebe
automaticamente uma consulta do SUS aqui dentro, se ela tiver um
processo inflamatório que precise de um tratamento ela recebe seu laudo e
ela é encaminhada para os hospitais da periferia. De maneira que dentro
dessa visão hierarquizada da Saúde o hospital terciário é que deveria
receber os doentes já diagnosticados para o tratamento.
Na leitura do depoimento do Dr. Dionísio, chama a atenção a hierarquização dos
serviços de saúde. Recordando o que já foi discutido anteriormente, o principio organizativo
Regionalização e Hierarquização do Sistema Único de Saúde (SUS) orienta aos gestores
municipais e estaduais que organizem os serviços de forma hierarquizada; ou seja, que os
serviços de saúde devem ser organizados em níveis de complexidade tecnológica crescentes;
que disponibilizem os serviços em três níveis de atenção: o primário, onde se alocariam os
serviços mais simples, de menor complexidade tecnológica; geralmente este nível fica sob a
responsabilidade do setor público; o nível secundário, onde estão disponíveis os serviços de
uma complexidade um pouco maior, que, também, na maioria das vezes, esses serviços estão
sob a responsabilidade do setor público; o privado, que disponibiliza esse serviço para a
população pelo SUS, e o faz limitando a quantidade por mês, ou estabelecendo cotas; e, por
último, o nível de atenção terciária, onde se alocam os serviços de grande densidade
tecnológica, de maior sofisticação, que exige especialidades médicas e de maior custo
financeiro para o SUS. Esses serviços são disponibilizados de forma mais concentrada no
setor privado.
O depoimento do Dr. Dionísio, médico, esclarece que o Hospital São Marcos
(HSM) é um hospital terciário, e que, portanto, deve receber os casos de câncer
diagnosticados. O setor de citologia, que é um serviço que funciona ao vel de atenção
primária, existe no HSM, mas não é disponibilizado pelo SUS. Conforme está presente, na
sua fala, funciona tipo procura direta”; ou seja, a mulher que tiver interesse em se submeter a
esse exame, vem ao hospital, paga, e faz o exame. Ainda considerando a fala do Dr. Dionísio,
se o resultado dessa citologia acusar algum processo inflamatório, essa mulher, se não tiver
condições financeiras de prosseguir um tratamento particular ou pelo plano econômico, é
encaminhada para os hospitais da periferia; caso o resultado acuse clinicamente algo mais
grave, ela prossegue o tratamento no HSM.
Os depoimentos das mulheres analisados anteriormente, quando se discute o
acesso à consulta, o acesso aos exames e o acesso ao tratamento cirúrgico, de radioterapia
e/ou quimioterapia trouxeram dados que permitem concluir-se que o Hospital São Marcos
oferece serviços de saúde para a mulher com câncer de colo uterino nos três níveis de
complexidade: ao nível de atenção primário: a consulta, a citologia (prevenção), exames de
sangue (terceirizado); ao nível de atenção secundário: a biópsia, a colposcopia, Ultra-
sonografia, a cirurgia ginecológica; e ao nível de atenção terciário: os serviços de radioterapia
e quimioterapia. Entretanto, nem todos esses serviços estão disponibilizados pelo SUS. Parte
das mulheres entrevistadas afirmou ter pago por algum serviço, como a consulta e alguns
exames.
Com relação ao setor de citologia do HSM, o Relatório (2003, p. 24) informa que,
no ano de 2003, um total de 52.126 mulheres se submeteu ao exame de prevenção. Quanto
aos resultados, apenas 3.552 apresentaram exames normais; 50.370 pacientes apresentaram
algum processo inflamario atípico e o restante, ou seja, 2234 apresentaram lesões pré-
cancerosas. Esse mesmo relario atesta que, no ano de 2003, o câncer mais diagnosticado no
ambulatório do Hospital São Marcos (HSM) foi o câncer de colo, com 988 casos novos,
seguido do câncer de mama feminina com 444 casos novos.
A outra dimensão da integralidade
38
se volta para os aspectos da pessoa
enquanto um ser integral. Conforme preconiza o Ministério da Saúde (MS), e discutido
em momentos anteriores, o princípio da integralidade da assistência é o reconhecimento na
prática dos serviços de que cada pessoa é um todo indivisível e integrante de uma
comunidade. O principio da integralidade de uma intervenção terapêutica funda-se na
idéia de que o homem é um ser integral com dimensões biológica, psicológica, social,
cultural etc.
Essa dimensão da integralidade ultrapassa os aspectos técnicos da clínica e
caminha na direção das relações que se estabelecem entre profissionais de saúde e usuários.
Traz como desafio, para as práticas profissionais, considerar, sobretudo, a dimensão subjetiva,
os anseios, as aspirações e as expectativas dos que buscam os serviços de saúde. Esses
aspectos o ao encontro da discussão de cidadania tratada por Dagnino (1994), quando da
emergência dos novos direitos, e de Telles (1994), sobre a invenção de novas práticas sociais.
O contexto da saúde se constitui um espaço que conclama novos direitos, que hoje não se
restringem somente ao acesso e à utilização dos serviços de saúde. Nessa perspectiva,
conclama a garantia de um atendimento de qualidade, humanizado, integral e equânime.
Como se pode perceber, o conceito de integralidade é abrangente e complexo: abrange a
organização dos serviços, a relação entre os profissionais de saúde de outras áreas, a relação
que se estabelece entre os profissionais da área médica e os usuários.
Autores que defendem e discutem a viabilidade da concretização do princípio da
integralidade nos serviços de saúde têm chegado a conclusões da necessidade de se voltar
para a proposta de reforma, na formação e no modelo de instituições de ensino superior
vigente, que departamentaliza o conhecimento e, como conseqüência dessa formão, produz
uma prática, também departamentalizada, gerando um atendimento, para os usuários,
38
É importante esclarecer que as respostas desse item se dão através da observação direta e pelos depoimentos
dos profissionais de saúde.
fragmentado, setorializado e, na maioria das vezes, isolado e sem articulação com os outros
profissionais. Quando há a articulação, ela se de forma subordinada, em que determinadas
profissões se subordinam a outras. O próprio organograma do HSM reproduz essa divisão ao
apresentar os setores existentes e suas respectivas subordinações.
Entretanto, um tratamento do câncer acarreta a necessidade de os profissionais de
saúde se articularem no dia-a-dia dos serviços e o desafio de construir novas práticas em
conjunto. O princípio da integralidade traz hoje como desafio para os serviços de saúde, além
de uma articulação maior entre os profissionais, que atuam junto de uma determinada
demanda sem o traço da subordinação, a instituição de novas práticas fora do eixo biológico e
da doença.
Sobre isso Dr. Dionísio, médico, reconhece que “não existe ninguém que possa
tratar câncer sozinho”. No caso da mulher com câncer de colo, é uma demanda que apresenta
necessidades singulares, próprias do ser feminino, que precisam ser consideradas por quem
presta atendimento.
Conforme dados colocados anteriormente, a maioria dos tratamentos de câncer
envolve sessões de radioterapia em torno de 25 a 30 que são realizadas de segunda à
sexta-feira. Por ser um tratamento contínuo, obriga as mulheres, que são procedentes de
outros Estados ou do interior do Piauí, a permanecerem aqui em Teresina, longe de seu
domicilio e de seu ambiente doméstico, de seus companheiros e de seus filhos.
Desse modo, como afirmou o Dr. Dionísio, não como desenvolver serviços
para o tratamento de câncer, e em especial dessas mulheres, sem o envolvimento de vários
profissionais, tanto da área dica como da área social, visando a ampliação da intervenção
terapêutica. Ceccim (2004, p. 262) define a palavra terapêutica como “trato cuidadoso, auxílio
que habilite para a cura, guia para a autonomia e qualidade de vida, tratamento”. Por sua vez,
os serviços da clínica médica, embora importantes, não o suficientes para dispensar os
cuidados que pacientes de ncer necessitam, conforme reconhece o Dr. Dionísio, em um
outro trecho de sua fala: o tratamento de câncer ele basicamente é multidisciplinar [...] várias
equipes em conjunto”.
Nesse sentido o Dr. Alberto se pronuncia afirmando:
Aqui no São Marcos s temos o serviço de psicologia, o Serviço Social, a
parte de enfermagem, tudo isso trabalhando em conjunto. Quando agente
trata câncer tem que trabalhar com outros profissionais pra poder dar um
suporte melhor pro nosso paciente. Então agente sempre procura trabalhar,
em conjunto, pra que o resultado final seja um resultado melhor.
Além dos profissionais citados pelo Dr. Alberto, a equipe de profissionais de
saúde, que desenvolve suas atividades voltadas para essa mulher com câncer de colo, conta
com o ginecologista clínico, o ginecologista cirúrgico e o radioterapeuta. Dr. Alberto também
compartilha do entendimento do Dr. Dionísio, no que se refere à necessidade de atuarem
conjuntamente vários profissionais de saúde. Ceccim (2004), como defensor da integralidade,
valoriza a existência da equipe multiprofissional como um fator favorável ao desenvolvimento
de uma prática que se desloque do eixo corporativo e hegemônico, que é a pratica dica, e
incorpore outros profissionais.
Indubitavelmente a atuação da equipe multiprofissional é um ponto favorável na
construção do princípio da integralidade. Entretanto, profissionais isolados, sem a articulação
entre todos e a prevalência do olhar sobre a doença, são elementos que obstaculizam a
integralidade. Sobre isso, Dr. Alberto e Michele, assistente social, afirmam:
Eu acho que sim (se refere ao enfoque biológico ao tratar um paciente)
Agente procura tratar muito a doea, a parte emocional do paciente
agente deixa um pouco de lado e fica se virando mais pra doença. (Dr.
Alberto).
Eu acho que o médico ainda muito a questão da doença [...] ele não vê
o paciente como um todo. Ele vê, o foco é a doença. (Michele).
As falas dos dois profissionais expressam o reconhecimento de que o processo
terapêutico se pauta ainda no enfoque biológico do paciente, tratando a doença. A prática
dica se estruturou para diagnosticar e tratar aspectos do corpo “doente” e, por pretender ser
científica, baseada na objetividade, na precisão e na exatidão, tende a estabelecer uma relação
com a “doença” e não com a pessoa. Os profissionais tendem, assim, a restringir seu objeto de
intervenção ao corpo doente, distanciando-se da pessoa e de um ser em sofrimento (BRASIL,
2005).
Adotar a Clínica dos Sujeitos nos moldes propostos por Campos (2003, p. 64) é o
grande desafio para os serviços de saúde. Alterar os microprocessos de trabalho, de modo a
construir novas práticas assentadas nas dimensões subjetivas e sociais das pessoas, é um
desafio constante. O autor esclarece que a “Clínica dos Sujeitos inclui a doença, o contexto e
o próprio sujeito. o como ignorar a enfermidade, senão não seria clínica”. Quando
alguém busca os serviços médicos, deseja encontrar um profissional que ofereça serviços de
qualidade, uma prática eficaz e competente. O que não pode acontecer é, nessa relação
dico, doente e enfermidade, a doença se sobrepor ao Ser, ao sujeito.
Essas assertivas podem ser visualizadas no depoimento a seguir:
Eu acho que essa relação, lamentavelmente, cada dia ela menos integral;
eu acho que isso é um erro, eu lamento muito essas coisas tarem
acontecendo, mas é verdade. No passado era o médico e o cliente. Ele era
acima de tudo um confessor, um confidente, um amigo, um parceiro. (Dr.
Dionísio, médico).
Nesse fragmento da entrevista, Dr. Dionísio reconhece que o dico perdeu de
vista, na sua relação com o usuário, a abordagem integral. Recorda que, no início da
profissão, o médico não se prendia a doença, e construía uma relação mais próxima com
paciente sendo amigo, confidente.
O envolvimento do profissional com o trabalho, a sua disponibilidade para
escutar, para estabelecer contato e se vincular ao usuário, o seu compromisso em ofertar uma
atenção integral, em utilizar todo o conhecimento que possui para a produção de cuidado, e o
seu compromisso em se responsabilizar pelo usuário são importantes pontos de partida
(BRASIL, 2005). No âmbito das relações entre os profissionais, o que se observa é que
pouca interação entre os diversos profissionais e uma tendência às ações fragmentadas e
isoladas. Tem-se uma equipe multiprofissional com médicos, enfermeiros, assistentes sociais,
nutricionistas e psicólogos, porém, esses saberes não se articulam, não se fundem um no
outro.
A esse respeito, Campos (2003) entende que essa postura é explicada pelo
reducionismo com que a clínica aborda o seu “objeto de trabalho”, valorizando, quase que
exclusivamente, a dimensão biológica do processo saúde-doença.
A relação que o usuário estabelece no dia-a-dia dos serviços com os profissionais
de saúde e a instituição, considerando a integralidade, faz emergir direitos que fogem do
âmbito legal e formal e se alocam no processo relacional e no atendimento às necessidades de
ordem subjetivas. É esse desafio que se ime.
3.2.6 O acesso à informação enquanto um direito
Esse estudo considera que o acesso a informação em saúde não está restrito
apenas aos aspectos relacionados às necessidades biológicas e medicamentosas dos usuários,
mas se direciona no sentido de considerar outras necessidades das pessoas enfermas:
necessidades de ordem subjetiva, tais como os anseios, os desejos e aspirações. Essa
dimensão da informação em saúde ressalta outros elementos que surgem a partir de situações
vivenciadas no cotidiano hospitalar e que emergem como novos direitos. O acesso à
informão em saúde nessa dimensão sugere que os novos direitos surgem a partir de
situações determinadas e específicas.
Nesse sentido, o acesso a informações do diagnóstico, da doença, do tratamento,
dos direitos enquanto paciente de câncer, de direitos garantidos em lei como os direitos
previdenciários de forma compreensível, suficientes e continuadas são direitos do paciente.
Considerando o que Silva (1996) descreve sobre comunicação verbal e o-verbal
no processo de comunicação, pôde-se observar que no HSM as formas de comunicação
estabelecidas se expressam, sobretudo, através de faixas coloridas, presentes no ambulatório,
onde cada cor indica um destino, através de painéis com escritos sobre as especialidades
dicas existentes e os exames que o hospital oferece; através de letreiros, pequenas
plaquetas que indicam os setores, identificam os consultórios, por meio de folhetos, cartilhas
com informações sobre o câncer e o tratamento de radioterapia e quimioterapia.
a) INFORMAÇÕES DADAS PELO MÉDICO
Faz-se necessário repetir que cabe, legalmente, ao médico informar o
diagnóstico provisório ou definitivo do paciente. Contudo, as mulheres entrevistadas
demonstraram interesse em obter informações sobre o câncer de colo, o tratamento ao qual
estavam sendo submetidas e outras informações referentes aos cuidados que deveriam ter,
às possibilidades de cura, informações quanto aos direitos previdenciários, como auxílio
doença, aposentadoria e os serviços existentes no Hospital São Marcos (HSM) e que elas
poderiam usufruir, como vale-transporte, casa de apoio, uso de ambulância etc.
Rosilene,
39
uma das mulheres entrevistadas, na fala a seguir, revela que deseja
mais informações do que sabe sobre seu tratamento de saúde.
Interessa saber o que, que tratamento eu fazendo, se tem cura [...] Ele
falou assim, que esse tratamento [...] se eu não fizesse esse tratamento, eu
só tinha 1 ano de vida.
39
Rosilene tem 77 anos, é viúva, tem 7 filhos, estudou até a série, costura e faz bordado, reside em São João
da Fronteira-PI.
Revela, também, que a forma como o médico se expressa, nesse momento, não
comunica informações que possam ir ao encontro de suas expectativas: os médicos não
revelam qual a doença, qual o tratamento, quais os riscos, quais as possibilidades. Sontag
(2002, p.11) reconhece a dificuldade do profissional médico em abordar com os pacientes
diagnósticos de doenças graves, por motivos discutidos, mas acrescenta “que a solução não
está em sonegar a verdade [...], mas em retificar a concepção da doença e desmitificá-la”.
Essa comunicação de forma “evasiva”, revelada pelo depoimento de Rosilene,
por parte do médico, se repetiu nas falas de Rosalina
40
e Josélia, que assim se expressaram:
Ele só falou que o meu caso era complicado, mas se eu fizesse o tratamento
direitinho, eu ficava boa, eu ficava curada, que não era pra mim ficar
preocupada, que era pra mim ter fé, que ia dar tudo certo, e assim eu estou
fazendo. (Rosalina).
que a depois que eu saí, o médico que me operou, eu perguntei: Dr. o
senhor não disse para mim, o dico que mandou vim para cá, ele disse para
mim que eu tava com um começo de câncer no útero, o senhor me
operou mais nunca me falou isso aí, que ele nunca me falou. (Josélia).
Esses fragmentos de depoimentos revelam que essas mulheres não
obtiveram informações claras e precisas sobre o câncer que estavam tratando, pelo
menos até o momento da entrevista; revelam, tamm, na fala de Rosalina, a
preocupação do médico em confortá-la; seu depoimento revela tamm sua atitude
de aceitação, sem questionar, a orientação do médico. Soma-se a isto a própria falta
de consciência das usuárias dos seus direitos enquanto cidadãs, e, por isso, não
fazem reivindicações.
b) INFORMAÇÕES DADAS PELA ENFERMEIRA
É através do médico que essas mulheres devem ser informadas que são portadoras
de um ncer e quanto tempo vai requerer seu tratamento. Por sua vez, a consulta à
enfermagem também é um momento de informação importante sobre o tratamento: os efeitos
40
Rosalina tem 37 anos, é separada, tem 3 filhos, fez o Ensino Médio, é dona de casa, e reside em Imperatriz-
MA.
colaterais, sobre a alimentação, sobre a importância da continuidade do tratamento. São
informações que cercam o diagnóstico e geralmente são repassadas pela enfermeira Valéria.
Sobre isso Rosalva e Mirna, participantes da pesquisa, afirmam:
Eu falei [...] como que é esse tratamento que eu vou fazer? É a
quimioterapia, é a radioterapia. Ela respondeu é a radioterapia. E eu
perguntei cai o cabelo e ela respondeu o cai; e eu falei e das aplicações
que tem na vagina? Ela falou: não é coisa, assim, de meter medo não. Ela me
falou direitinho que era um aparelho não muito grosso e tal que não
assustava e me deixou mais tranqüila. (Rosalva).
A enfermeira me disse a mesma coisa , durante o tratamento não beber,
não fumar, não pegar quentura, não manter relação que é o principal ...deixa
eu o que mais? Não lavar com água quente o local , isso tudo vem no
cartãozinho que a gente recebe. (Mirna).
Em suas falas, a maioria das mulheres revelou que Valéria, enfermeira, livre da
pressão do diagnóstico, orientava quanto aos cuidados que deveriam ter com o corpo e os
efeitos do tratamento. Mas as informações prestadas pela enfermeira não se restringem apenas
aos aspectos técnicos do tratamento, pois momentos em que o olhar e o cuidado por parte
da enfermeira se alocam fora do âmbito técnico, biológico, que costumeiramente a
enfermagem costuma atuar. O depoimento de Sandra, transcrito em seguida, demonstra essa
assertivas:
Na hora eu fiquei com muito medo, ela disse que não era pra mim me
preocupar que eu ia ficar boa, que eu ia fazer o tratamento, e com o
tratamento eu ia ficar boa, que não era pra mim preocupar de jeito nenhum;
eu me tranqüilizei, me acalmei, porque eu tava muito nervosa, sai daqui
feito uma doida, com medo, pensando que não ia ter mais jeito pra mim,
entendendo. E aí ela me chamou de novo, conversou comigo numa boa, me
explicou, e eu gostei dela. (Sandra).
Sandra demonstra em seu depoimento que a enfermeira Valéria sai das
informações técnicas que envolvem o tratamento e a doença e atua em outra dimensão, que
vai ao encontro do princípio da integralidade, que tem como fundamento o tratamento da
pessoa enferma, como um ser humano integral em suas dimensões físicas, biológicas,
orgânicas, psicológicas, sociais, espirituais, afetivas, culturais; enfim, promove um
tratamento para além da doença, considerando as dimensões subjetivas e objetivas do ser
cidadão.
Existe um novo desafio, estabelecer novas condutas, dar uma outra dimensão à
informão que não se restrinja somente à do saber técnico; do que é permitido fazer, do que
o é permitido fazer, não sujeitos em uma relação na qual um fala e o outro obedece; um
que é detentor do saber, e o outro que, sem compreender, lhe resta obedecer; certamente
o vivência de cidadania nestes termos.
c) INFORMAÇÕES DADAS PELA ASSISTENTE SOCIAL
“Democratizar, esclarecer, respeitar e informar: estes são os deveres do
assistente social na relação com os usuários”. Com essa frase, o Serviço Social do Hospital
São Marcos abre o folheto/informativo que distribui para os usuários, profissionais de
saúde e estudantes de Serviços Social, que buscam informações sobre as atividades
desenvolvidas pelo referido setor. No geral, parte das mulheres entrevistadas buscou o
Serviço Social a partir do encaminhamento do médico ou da enfermeira.
Teresinha, uma das mulheres entrevistadas, retrata esse encaminhamento, do
médico para o Serviço Social, e a informação de que poderia usufruir vales-transportes
para viabilizar o tratamento.
quando eu tava internada, o Dr. disse Teresinha é 28 dias que tu vai ter
que caminhar pra cá. E como é que eu venho que eu não tenho condição
[...] ele disse “você vai conversar com a assistente social que ela lhe
arruma uns vales”; aí eu fui lá, aí todo dia eu peço os vales pra ir e vir.
Muitas vezes, o Serviço Social é o setor que viabiliza o tratamento dessas
mulheres, através dos serviços que disponibiliza. Nesse contexto, Teresinha, continuando
sua fala, revela como acontece o atendimento do Serviço Social do HSM.
Um dia desse eu desci do ônibus, na hora que desci foi logo chorando,
naquela agonia, cheguei lá chorando aí ela (a assistente social) disse:
“minha filha o que é que tu tem?”, aí eu disse eu tô ruim escurecendo mia
vista; “pois sente aqui‟ [...] eu me sentei ela me deu água demorou
um pouquinho.
Essa fala revela a atenção, o cuidado com o outro, que em um processo de
adoecimento se fragiliza, sente-se inseguro e precisa de cuidados para am dos aspectos da
doença. Esses cuidados se traduzem em atitudes simples, presentes nos gestos da assistente
social.
De modo geral, as informações do Serviço Social para essa mulher com câncer
de colo se referiam aos serviços que o setor disponibiliza para os pacientes com câncer. Na
verdade, essas mulheres recebiam as informações do médico ou da enfermeira dos serviços
que o Serviço Social dispunha diretamente: vale-transporte, encaminhamento para o Lar
de Maria para as mulheres que não tinham parentes aqui em Teresina e não dispunham
de dinheiro para ficar em pensão liberação de acompanhante e alimentação.
Nesse processo de comunicação, estabelecido entre a equipe de profissionais de
saúde e as mulheres, percebe-se, por um lado, que muitas mulheres em tratamento de câncer
o sabiam ao certo o que lhes estava acontecendo. Por outro lado, percebe-se que a equipe de
profissionais apresenta dificuldades em lidar com algumas pacientes, devido às barreiras ao
nível de instrução, de escolaridade. Por meio de suas falas, ficou subjacente que, em termos
de comunicação, o profissional de saúde considera que repassa as informações.
Também não foi raro encontrar mulheres, em tratamento, confusas com as
informações, ou sem informações. Buscavam, então, compreender o seu tratamento e o que
lhes estava acontecendo, conversando com outras pacientes que, também, estavam em
tratamento. Conforme foi dito anteriormente, a recepção da radioterapia é o local onde
as aguarda o horário de sua sessão de radioterapia. É um momento de aproximação, de
conversas entre si. Convém enfatizar que alguns problemas surgem dessas conversas com
outras mulheres que também estão em tratamento. Elas comparam as orientações que lhes
foram repassadas e trocam, às vezes, as orientações, sobretudo, as informações que não
foram compreendidas com maior clareza, quando foram repassadas pelo profissional de
saúde. A fala de Josélia a seguir retrata uma situação desse tipo:
Porque eu pergunto as outras né, as outras dizem: Não, eu não sangro não.
Eu disse: Meu Deus, eu acho que o meu caso é pior do que os das outras,
porque eu sangro [...] muito quando [...] coloca aquele aparelho.
Essa situação existe, sobretudo pelas poucas informações obtidas pelas mulheres,
no período de seu tratamento, seja pelo fato da barreira educacional existente entre ela e a
equipe, em especial, o dico, tendo como conseqüência o não entendimento das
informações, seja pelas escassas informações dadas pelos profissionais.
de-se observar que, apesar de seu interesse em obter informações sobre a
doença, o tratamento e as possibilidades de cura, não houve maiores questionamentos diante
da situação. Mesmo considerando as peculiaridades que giram em torno de uma doença como
o câncer, permeada de meforas, as informações sempre serão importantes, até o limite de
sua capacidade de compreender. Privar o paciente de informações referentes ao seu próprio
corpo é considerá-lo inapto, no entendimento de Dousset (1999).
Nesse sentido, o acesso à informação torna o usuário capaz de participar, opinar e
julgar conscientemente a conduta do profissional. O direito de acesso à informações claras,
objetivas e compreensíveis, de acordo com a sua condição cultural, sobre seu estado de saúde,
é, sobretudo, respeitá-lo como pessoa e como cidadão.
Por fim, as análises são concluídas, considerando-se que muito foi
feito, tanto no que se refere à política de saúde, através do Sistema Único de Saúde,
quanto em relação ao serviço de saúde através do PSF e das centrais de
regulação CNRAC e Central de Leitos no sentido de ampliar as possibilidades de
acesso aos serviços de saúde médico-hospitalar, por parte da população que busca
os serviços públicos de saúde. Entretanto, o obstante os avanços constatados,
em algumas situações o acesso aos serviços de saúde ainda é marcado por tempo
de espera, com prejuízos para a saúde de quem espera.
Logo, quando se amplia o conceito de acesso, para além da utilização
dos serviços, condizentes com o surgimento de novos direitos, e se considera o
acesso a um tratamento integral, a um ser em sua totalidade, que exige uma terapia
voltada não apenas para a doença, com direito a informações, em uma linguagem
compatível com seu nível cultural, sabe-se que muito ainda há por se fazer. Sob este
aspecto, torna-se imprescindível refazer, reconstruir novas práticas em saúde, que
possam vir a suprir as tradicionais formas de condução e de relações nos processos
terapêuticos. Enfim, este é o desafio posto para os serviços de saúde, para os
profissionais de saúde e para a formação desses profissionais.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este estudo objetivou fazer uma reflexão em torno do acesso da mulher com
câncer de colo uterino aos serviços de saúde no Hospital São Marcos (HSM), na perspectiva
da cidadania e dos novos direitos, procurando, por um lado, conhecer os mecanismos e
instrumentos formais e necessários ao acesso dessa mulher aos serviços de saúde; por outro,
identificar sua trajetória no interior do HSM, ressaltando suas relações estabelecidas com a
equipe profissional e o nível de informação proporcionado a essa mulher no que diz respeito
ao diagnóstico, ao tratamento e outros conhecimentos relacionados à doença e suas
implicações; e ainda avaliar a integralidade dos serviços produzido no hospital pelos
profissionais de saúde
No decorrer desse estudo, foi possível perceber e identificar que, em princípio,
com relação ao acesso aos serviços de saúde, houve avanços; primeiramente no campo formal
e, sobretudo, através da CF-88 e instrumentos normativos posteriores, tais como a Lei
Orgânica da Saúde de nº 8080/90 e as Normas Operacionais Básicas, em especial a de 96,
que possibilitaram a reorganização dos serviços de saúde, a municipalização e a implantação
do Programa de Saúde da Família (PSF), que levou o serviço da atenção básica para o
domicílio da população ampliando, com isso, o acesso aos serviços de saúde.
de-se identificar, também, no que se refere aos serviços do nível de atenção
secundário, que o acesso funciona de forma precária, à medida que o setor público não
disponibiliza serviços suficientes em qualidade e quantidade para a população, que, por conta
disso, busca o setor privado. Este, por sua vez, tem limitado a quantidade de serviço ofertada
por mês em teto ou cotas. O resultado de tal situação gera tempo de espera em torno de 30 a
40 dias para que se tenha acesso aos serviços de saúde que se necessitam. No que concerne ao
nível terciário de atenção à saúde, este comporta serviços de alta densidade tecnológica e
o-de-obra especializada, cujos procedimentos são mais onerosos para o SUS. Verificou-se
também que, quando a maioria desses procedimentos está alocada na rede privada, clínicas e
hospitais privados mostram-se bastante interessados em estabelecer o credenciamento com o
SUS, já que os planos privados de saúde, no global, não autorizam a realização desses
procedimentos, e a grande maioria da população não tem condições de pagar por eles. Vale
enfatizar que, dentre esses procedimentos de alta complexidade, estão inclusos o tratamento
para câncer radioterapia e quimioterapia os transplantes, a neurocirurgia e a cirurgia
cardíaca. Seguindo essa lógica, pôde-se constatar que o acesso das mulheres com câncer de
colo aos serviços de radioterapia e quimioterapia no HSM se por intermédio do
instrumento principal, ou seja, é a Autorização de Procedimento de Alta Complexidade
(APAC). Sob este aspecto, a pesquisa mostrou que não maiores dificuldades de acesso a
essas mulheres. Entretanto, o mesmo não ocorre quando se tratam de situações que envolvem
cirurgia ginecológica eletiva, cujo acesso acontece através das AIHs, provocando uma espera
15, 30 até 40 dias. As alegações para tal demora, segundo o auditor do SUS, ocorrem por
conta de uma limitação de recursos financeiros e por questão de Teto financeiro do HSM (o
que é permitido fazer dentro do mês). Deste modo, a mulher, na situação de ncer de colo,
fica aguardando a cirurgia ser liberada, comprometendo, na maioria das vezes, o estado
clínico da paciente e, conseqüentemente, o acesso ao direito à saúde preconizada na CF-88
para além do legal e do formal.
Historicamente, o acesso aos serviços de saúde foi seletivo e restrito aos inscritos
no mercado formal de trabalho. recentemente, a partir da Constituição Federal de 1988
(C.F., 1988), como resultado das lutas dos movimentos sociais e aqui vale um destaque para
o Movimento da Reforma Sanitária é que se concretizou a possibilidade de um acesso aos
serviços de saúde de forma universal e equânime. Contudo, identificou-se que, não obstante o
avanço formal, em alguns casos, o acesso ao serviço de saúde ainda ocorre de forma precária.
Nesses termos, a pesquisa identificou que o acesso aos serviços de saúde, no caso das
cirurgias eletivas, ainda se constitui um desafio para o Hospital São Marcos e para o gestor
municipal do Sistema Único de Saúde (SUS).
Outro aspecto investigado durante a pesquisa diz respeito às relações
estabelecidas no HSM, entre os profissionais de saúde e os usuários. O parâmetro da análise
foi a integralidade preconizada pelo Ministério da Saúde (MS), ao afirmar, nos princípios
doutrinários do SUS, que o homem é um ser integral dotado de uma dimensão biológica,
cultural, psicológica e, como tal, deve ser tratado, até o limite que o sistema pode oferecer.
Também se pôde observar que a integralidade se refere às dimensões do trabalho preventivo e
curativo em saúde, procurando superar a dicotomia que sempre marcou, historicamente, no
país, essas duas frentes de trabalho na área da saúde. Com base na realidade estudada, ficou
constatado que as ações e serviços de saúde desenvolvidos no HSM ainda estão mais voltados
para o curativo e o trato da doença. Neste contexto, tomando-se por base os depoimentos,
observa-se que a intervenção ao paciente gira, sobretudo, em torno de como: qual é a doença?
Como confirmar o diagnóstico? Qual é o tratamento? (ROLLO, 1997, p. 327 apud CAMPOS,
1997). Portanto, a abordagem e o conteúdo das informações repassadas a essas mulheres se
restringem mais aos aspectos do que é permitido fazer e do que não é permitido fazer durante
o tratamento.
No que diz respeito aos meios de comunicação utilizados pelo HSM, na relação
que esse hospital estabelece com os usuários, paciente e, em especial, com a mulher com
câncer de colo, pode-se afirmar que esses são variados: chama-se a atenção com faixas
coloridas, no piso do ambulatório, onde cada faixa conduz a um serviço e/ou a um
consultório; também painéis colocados nas portas do ambulatório, contendo informações
sobre os serviços que o hospital oferece, especialidades médicas e respectivos horários.
Embora considerando o fato de que algumas das mulheres com ncer de colo, entrevistadas
na pesquisa, são analfabetas e não têm acesso à informão, através da leitura de painéis e
outros informativos escritos, ainda assim, as faixas utilizadas pelo hospital criam a
possibilidade de maior acessibilidade e movimento dessas mulheres com mais autonomia
dentro do ambulatório geral e demais dependências.
Convém enfatizar que os meios de comunicação visual supramencionados são
fundamentais, quando se trata do acesso das mulheres, tais como locomoção e movimentação.
Existem outros meios verbais e não verbais, tão ou mais importantes e imprevisíveis quanto
os já citados, em dado momento, na trajetória dessas mulheres no interior do hospital. Nesses
termos, a comunicação verbal ou não verbal, estabelecida entre os profissionais de saúde e os
usuários de saúde que prestam uma assistência mais direta e de maior proximidade às
mulheres com câncer de colo, é de fundamental importância.
Na análise feita sobre os meios de comunicação existentes, entre o profissional de
saúde e essas mulheres, conforme já mencionado, a comunicação verbal é a que necessita de
maior atenção por parte da equipe; sobretudo porque as informações a elas repassadas, na
maioria das vezes, não são dadas de forma clara e compreensível, levando-se em conta o grau
de escolaridade de cada uma. Em decorrência, não é raro encontrar mulheres desinformadas
sobre seu diagnóstico de câncer, sobre as alternativas de tratamento e sobre os riscos que cada
um oferece. A esse respeito, conforme entrevista à pesquisadora, raramente as pacientes
sabem, pelo menos, o seu diagnóstico. Quando sabem, ficam apavoradas, muito fragilizadas,
que o que elas conhecem sobre câncer (“aquela doença”) significa “morte”. Menos ainda
sabem sobre as alternativas de tratamento e possibilidades de cura.” (Michele, assistente
social).
Nessa narrativa, como também na de outras mulheres entrevistadas, observa-se
que um grande nível de desinformação das mulheres com câncer de colo atendidas no
HSM. Destaque-se que um dos aspectos mais graves dessa desinformação, que geralmente
acarreta grandes conseqüências, diz respeito ao fato de que muitas dessas mulheres por não
terem acesso à informação de modo claro e compreensível sobre o câncer, sobre o tratamento,
as implicações desse tratamento, vão buscar essas informações através de terceiros, como, por
exemplo, outra mulher em tratamento ou outra pessoa, como a da pensão que conduz essa
mulher aos serviços de saúde. Outra situação preocupante é que o fato de o médico informar a
essa mulher que ela tem um câncer não significa dizer que ela compreendeu o significado da
informão. Isso ocorre, na maioria das vezes, pelo uso de termos técnicos e biomédicos.
Silva (1996) afirma que muitos mal-entendidos poderiam ter sido evitados, caso cada
profissional validasse as mensagens emitidas no seu local de trabalho. Entretanto, a pressa e a
grande demanda de pacientes são causas descritas pela autora como capazes de causar
deformações na comunicação entre profissionais de saúde e usuários. Além desses aspectos
que podem se constituir em falhas ou barreiras na comunicação, a autora ressalta as barreiras
pessoais, como a linguagem, o uso de termos técnicos e as diferenças educacionais entre o
profissional de saúde e o usuário, resultantes do nível de instrução e da escolaridade.
Por fim, levando-se em consideração as visitas ao HSM, a vivência dessa
pesquisadora na área da saúde, os depoimentos das mulheres com câncer de colo e dos
profissionais de saúde, juntamente com as conversas informais com funcionários do próprio
HSM, mas também funcionários ligados ao SUS e às centrais de Leitos e Regulação de Alta
Complexidade, pode-se dizer que o acesso aos serviços de saúde no HSM, nas dimensões em
que ele foi considerado, nesse trabalho, ocorre de forma diferenciada em diferentes
movimentos, processos e direções. De modo geral, pôde-se aferir que há avanços inegáveis na
área da saúde, entendendo-a como área do direito social; mas há também muitos desafios a
percorrer, a fim de que o acesso aos serviços de saúde das mulheres comncer nesse país, no
Piauí, em Teresina e no Hospital São Marcos, seja uma realidade mais efetiva nos termos
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