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GEYSA ELANE RODRIGUES DE CARVALHO SÁ
O MERCADO ROSA DE TERESINA:
IDENTIDADES HOMOSSEXUAIS, POLÍTICAS
PÚBLICAS E ECONOMIA
Dissertação apresentada à Universidade
Federal do Piacomo requisito parcial para a
obtenção do título de Mestre em Poticas
Públicas.
Orientador: Prof. Dr. Fabiano de Souza
Gontijo
Teresina
2005
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GEYSA ELANE RODRIGUES DE CARVALHO SÁ
O MERCADO ROSA DE TERESINA:
IDENTIDADES HOMOSSEXUAIS, POLÍTICAS
PÚBLICAS E ECONOMIA
Dissertação apresentada à Universidade
Federal do Piauí como requisito parcial para a
obtenção do título de Mestre em Poticas
Públicas.
Orientador: Prof. Dr. Fabiano de Souza
Gontijo
Aprovado em ___ de ________ de 2005.
BANCA EXAMINADORA
Prof. Dr. Fabiano de Souza Gontijo
Universidade Federal do Piauí - UFPI
Prof. Dr. Solimar Oliveira Lima
Universidade Federal do Piauí - UFPI
Prof. Dr. Francisco de Oliveira Barros Júnior
Universidade Federal do Piauí - UFPI
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Ao amor...
Por amor...
Pelo amor...
Com amor!
AGRADECIMENTOS
A minha família pela vida e incentivo constantes, em particular à minha mãe D. Nilda, pelo
exemplo vivo de que o trabalho e a perseverança é que nos fazem um ser humano melhor,
Aos colegas de trabalho, em especial ao companheiro Olavo Brás, pela confiança depositada e
alegria de viver,
Aos colegas de mestrado que dividiram dúvidas para multiplicar informações e colaboraram
desde o início com a elaboração deste trabalho,
Ao professor Solimar Oliveira pela discussão do tema, gentileza, disponibilidade e sugestões
de leitura,
À professora Guiomar Passos pela amizade construída ao longo do mestrado e apoio
incondicional, tendo-me honrado com sua erudição e apoio metodológico,
À coordenação e secretaria do mestrado, em nome dos quais aplaudo a Prof. Rosário Silva e
Neila Palacios pela organização e atenção disponibilizada,
Às amigas Mary Dias e Ana Maria que, presentes nessa jornada, nada deixaram a desejar e
entregaram parte do “brilhoque existe neste trabalho,
À amiga Isabella Barros que sempre demonstrou entusiasmo com esse projeto enviando-me
uma valiosa quantidade de material,
À amiga Jailza Ventura pela presença inestimável desde o início, enquanto o projeto não
passava de um sonho distante,
À amiga Lis Botelho, pela leitura por cima dos ombros” e paciência interminável,
Ao orientador, amigo e conselheiro Prof. Fabiano Gontijo, que com mão firme soube
conduzir e mostrar o caminho a ser trilhado com humildade e segurança, ensinando e não
deixando que se esqueça o que diz Gandhi; “se queremos progredir, não devemos repetir a
história, mas fazer uma hisria nova”.
E, principalmente, a todos os entrevistados que, prestativos e pacientes, deram as informações
solicitadas com clareza e atenção, em especial a Marinalva Santana, Elias e Maria Aires que,
em nome de uma causa maior, gentilmente forneceram informações e detalhes que foram
além da simples entrega de material de leitura,
A todos, o meu “muito obrigada”. Como se costuma dizer: o rito da ajuda é deles, as
eventuais falhas do produto final são minhas.
Importante é o amor, o sexo é só um acidente:
pode ser igual, ou diferente”.
Fernando Pessoa
RESUMO
Este trabalho trata da análise da relação entre mercado, identidades homossexuais e políticas
públicas, tendo em vista o crescimento e diversificação do chamado mercado rosa, ou
mercado de bens e serviços direcionados para o público de Gays, Lésbicas e Simpatizantes
(GLS), que começou a ser explorado no Brasil a partir dos anos 2000. O reflexo desse
mercado se dá com a formação e refoo das identidades homossexuais e implantação de
políticas blicas demandadas por esse grupo social. Essa interpretação é baseada em 34
entrevistas qualitativas e uma enquete com 200 participantes da IV Parada da Diversidade
(Parada Gay de Teresina), realizada em 01 de julho de 2005. A parada é considerada um dos
eventos de maior visibilidade dos homossexuais, dando mostras à existência de um mercado
em ascensão. Através do consumo identitário esse mercado torna-se mais que um local de
compra e venda, passando a ser, também, formador de identidades homossexuais. Com essa
visualidade, para a obtenção de direitos e garantias da liberdade do indivíduo no que diz
respeito à sua orientação sexual, cresce a demanda por políticas públicas junto ao Estado.
Palavras-Chave: mercado, consumo, público GLS, identidades homossexuais, poticas
públicas.
ABSTRACT
This work is about the analysis of the relationship among market, homosexual identities, and
public policies tends in view the growth and diversification of the called pink market, or
market of goods and services directed to the public of Gays, Lesbians and Sympathetic
(GLS), that began to be explored in Brazil, starting from the years 2000. The reflex of this
market occurs with the formation and reinforcement of the homosexual identities, and the
implantation of public policies demanded by this social group. This interpretation is based on
34 qualitative interviews and a survey with 200 participants of the IV Parade of the Diversity,
(the Gay Parade of Teresina) occurred in July, 1
st
of 2005. The Parade is considered one of the
higher visibility events of the homosexuals, giving exhibitions to the existence of a market in
ascension. Through the segmented consumption this market becomes more than a purchase
and sale place, becoming, also, former of homosexual identities. With this visibility, for the
obtaining of rights and warranties of the individual‟s freedom in what it says on respect to
his/her sexual orientation, it grows the demand for public politics adjoining to the State.
Key-words: market, consumption, GLS public, homosexual identities, public policies.
LISTA DE ABREVIATURAS
ABGLT Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Transgêneros
AEG Associação de Empresas Gays
CELOS Coordenação Estadual de Livre Orientão Sexual
CESeC Centro de Estudos de Segurança e Cidadania
CID Classificação Internacional de Doenças
CLAM Centro Latino-Americano de Sexualidade e Direitos Humanos
GLBTT- Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais
GLS Gays, Lésbicas e Simpatizantes
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
MMM Mercado Mundo Mix
OAB Ordem dos Advogados do Brasil
OMS Organização Mundial de Saúde
ONG Organização Não Governamental
SEMTCAS Secretaria Municipal do Trabalho, Criança e Assistência Social
STRANS Superintendência Municipal de Transportes e Trânsito de Teresina
UESPI Universidade Estadual do Piauí
UOL Universo On Line
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 10
1 HOMOSSEXUALIDADE E IDENTIDADE: O CONTEXTO .................................... 14
1.1 A HOMOSSEXUALIDADE NO TEMPO ..................................................................... 19
1.2 A HOMOSSEXUALIDADE NO ESPAÇO.................................................................... 25
2 O MERCADO ROSA E AS POLÍTICAS PÚBLICAS EM TERESINA ...................... 37
3 IDENTIDADES E SOCIABILIDADES HOMOSSEXUAIS EM TERESINA ............. 55
3.1 HOMOSSEXUALIDADE, HETEROSSEXUALIDADE E BISSEXUALIDADE .......... 64
3.2 SIGLAS,MBOLOS, SIMPATIZANTES .................................................................... 71
3.3 IDENTIDADE HOMOSSEXUAL ................................................................................. 75
3.4 ESPAÇOS, ROTEIROS, FESTAS ................................................................................. 78
3.5 PARADA GAY............................................................................................................... 84
CONCLUSÃO .................................................................................................................... 88
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .............................................................................. 93
INTRODUÇÃO
Os estudos sobre o mercado gay se concentraram nos Estados Unidos a partir de 1990.
No Brasil, as atenções se voltaram para grandes capitais como Rio de Janeiro e São Paulo,
que se tornaram pontos de referência, no que diz respeito às questões ligadas ao aumento da
visibilidade dos homossexuais, através, por exemplo, de passeatas gays que alcançaram cifras
miliorias, tanto de participação de pessoas (que compõem o público de Gays, Lésbicas e
Simpatizantes, ou público GLS), como milionários são, também, os negócios investidos em
turismo e produtos direcionados ao que chamamos mercado rosa. Em São Paulo, de olho
nessa fatia do mercado, foi criada uma associação de empresas gays (AEG), que se
autopropagam e se autodefinem enquanto empresas não de gays, mas para os gays.
No momento em que a sociedade vivencia e cultiva a diversidade cultural, observa-se,
por parte dos movimentos sociais, uma elevação na demanda por políticas públicas. A
existência de empresas que ofertam produtos direcionados ao público GLS, no intuito de
atender a essa demanda crescente, é percebida com o aumento da visibilidade de
homossexuais identitários.
A relação entre o aumento dessa visibilidade e a demanda de poticas, perpassa a
questão do mercado, para adentrar na formação da própria identidade desse grupo social.
Nesse entendimento, faremos um estudo sobre o mercado rosa de Teresina para o
esclarecimento do quão importante apresenta-se essa relação. Ressalta-se, também, que o
mercado de bens e serviços voltados para o público homossexual de gays, lésbicas, travestis,
transexuais e simpatizantes, existe e se diversifica ao longo dos últimos anos, fundamentando
suas bases e influenciando na formação de uma identidade ou cultura GLS.
Ao passo que se constrói e se torna variável esse nicho do mercado, não ocorre, na
mesma proporção, a publicação de trabalhos específicos acerca da relação entre economia e
11
homossexualidade. No entanto, da discussão política ao bate-papo na mesa de bar, a questão
da sexualidade fala a linguagem da revolão e ultrapassa as barreiras do conservadorismo
para realçar suas nuances.
Não obstante essas observações, e sem ignorar a complexidade do tema a que nos
propomos apresentar, partimos do pressuposto básico de que, para a consolidação da
cidadania do indivíduo, faz-se mister a consolidação dos direitos básicos civis, poticos e
sociais.
Nesse sentido, as chamadas “minorias” necessitam de poticas blicas que visem
reduzir as distorções ou disparidades existentes. O mercado, especificamente o mercado rosa,
por promover a visibilidade de um grupo social com a sua existência, influencia na promoção
dessas poticas. Pode o mercado incentivar a promoção de políticas direcionadas para os
homossexuais? Ou serão as poticas existentes que provocaram o aumento do mercado e, por
conseguinte, o aumento da visibilidade do grupo homossexual? Existem, hoje, mais
homossexuais do que há dez anos? E, através desse mercado, esse mesmo grupo estaria
também reforçando sua identidade enquanto grupo social ou econômico? O que provocou o
aumento crescente de produtos direcionados aos homossexuais, especificamente no setor de
entretenimento?
No intuito de esclarecer essas indagações, realizamos uma pesquisa qualitativa nos
últimos seis meses, com diferentes sujeitos que consomem bens ou serviços desse mercado na
cidade de Teresina para, sobretudo, tentar esclarecer as mudanças que ocorreram e ainda
ocorrem na organização da sociedade brasileira, focalizando, mesmo que de forma sucinta, os
contornos que moldaram uma construção, o da homossexualidade, mas sim das
homossexualidades brasileiras, a partir de uma ótica bastante delimitada de concepções e
interpretações de dados reunidos em amostra.
12
O primeiro capítulo versa sobre uma breve concepção histórica da existência e evolução
da homossexualidade, desde a antiguidade ao momento atual, atravessando diferentes
conceitos e teorias que perpetuam sua existência.
Deliberadamente enfatizou-se a construção de uma narrativa que faz referência aos dias
atuais, dando enfoque à cada de 1990, considerada como marco dos estudos em questão.
Essa opção não indica que o estudo do Brasil colonial seja menos significativo. Na realidade,
buscamos referência nas “raízes do Brasil”, mas enfatizamos o momento mais próximo de
nossa memória, por ser o que mais incide em nossas decisões.
O segundo capítulo trata da exposição de poticas blicas, oriundas das diferentes
esferas de governo, obedecendo a um critério de relevância que implicou no abandono ou
tratamento superficial de alguns processos ou episódios ocorridos no país, sem que, contudo,
isso implique na não-observância dos mesmos, mas sim no interesse específico da abordagem
localizada na cidade de Teresina e de poticas que, de uma forma ou de outra, possam arbitrar
algum tipo de convergência com o mercado de bens e serviços, voltados para o público GLS,
ou através dele.
Quem reivindica poticas públicas direcionadas a não discriminação dos homossexuais?
Os movimentos organizados são bons exemplos dessa solicitão. A ampliação da atividade
cultural ligada à homossexualidade, a partir da década de 90, chegou mesmo a ultrapassar “os
padrões convencionais de militância, até o ponto de se confundir os limites entre atividades
lúdicas, comerciais e militantes” Trevisan (2002, p. 378).
O conceito de GLS teve uma importância fundamental no crescimento da parada
GLBTT (Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais) de São Paulo. Esse evento,
como afirma Trevisan (2002, p. 379), que reuniu apenas 2.000 pessoas em 1997 e 7.000 em
1998”, contava com a participação de mais de dois milhões de pessoas em 2005
(MARQUES, 2005).
13
A parada é, por conseguinte, uma promoção de visibilidade em massa, que não nega um
enorme potencial de consumo, mas acrescenta um componente mais político ao evento. Todos
os participantes são homossexuais? Ou, o chamado público que representa o S” de
simpatizante é, verdadeiramente, o grande mantenedor desse evento? Em Teresina, em junho
de 2005 foi realizada a IV Parada da Diversidade e a I Semana do Orgulho de Ser. De acordo
com os organizadores da parada, cerca de cinco mil pessoas participaram do evento, entre
homossexuais e heterossexuais. Ao final do terceiro capítulo apresentaremos os resultados de
uma enquete realizada durante a parada, com uma amostra representativa de duzentas pessoas
que se disponibilizaram a informar dados quantitativos para a pesquisa.
É também no terceiro capítulo que se apresenta a análise e interpretação das entrevistas
qualitativas, realizadas num total de 34 entrevistados, onde os temas homossexualidade,
heterossexualidade, bissexualidade, espaços e festas gays, política, identidade e mercado, são
as palavras de ordem em questão que, tratadas em conjunto, permitem uma interpretação mais
pormenorizada de uma amostra representativa dos interesses desse grupo social.
No exame das diferentes formas que o mercado negocia e contextualiza a crescente
visibilidade dos homossexuais, expomos um estudo das posturas sociais no Brasil
contemporâneo, que devem ser compreendidas como questões intimamente ligadas entre
sexualidade, potica, economia e cultura.
1 HOMOSSEXUALIDADE E IDENTIDADE: O CONTEXTO
Temos o direito de sermos iguais quando as
diferenças nos inferiorizam, e temos o direito
de sermos diferentes quando as igualdades nos
escravizam.
Boaventura de Sousa Santos
Com a evolução do capitalismo, que a partir dos anos 80 vincula-se a projeção universal
do momento de reestruturação produtiva, então denominado toyotismo, a característica de
flexibilidade torna-se um valor universal para a movimentação de capital. O mercado, de
forma geral, assume características de produção específicas, oriundas do próprio processo
clico do capitalismo. As empresas adotam uma nova lógica de produção de mercadorias,
com a instalão de novos princípios de administração de produção, de gestão da força de
trabalho e de controle de qualidade. Os produtos, não mais seriados, adotam características
específicas dos consumidores, onde as práticas do just-in-time, ou seja, da produção de acordo
com a demanda, são capazes de garantir uma maior eficiência e eficácia no atendimento das
necessidades dos indivíduos, por parte das unidades produtoras.
Todo esse processo de racionalização do capital é característico do ocidente dos anos 80
e das poticas neoliberais, adotadas a partir de então, pelos países desenvolvidos e/ou em
desenvolvimento.
Na década de 90, em meio a essas mudanças de conjuntura ecomica, observa-se o
surgimento, desenvolvimento e visualização de um mercado homossexual, cujo blico-alvo
teria características especiais, que envolvem discrição e exigência na obtenção de bens e
serviços finais. A grande maioria dos estudos que tratam desse assunto é concentrada nos
Estados Unidos, tendo o Brasil voltado seus estudos para esse fenômeno apenas a partir do
ano 2000.
15
Quanto às pesquisas norte-americanas, estas apontam para dois fatos de extrema
importância. Em primeiro lugar, comportamento sexual (isto é, ter práticas eróticas
ou afetivas homossexuais) não é o mesmo que identidade sexual (definir-se como
homossexual). Em segundo, estas mesmas pesquisas descobriram que é a
identidade sexual que influencia o comportamento de consumo, ambos estando
intimamente relacionados (NUNAN, 2003, p. 18, grifo do autor).
Na prática, o estudo da homossexualidade tem sido particularmente intenso ao longo
dos últimos 20 anos. Inicialmente dominado por antropólogos que estudam as diferenças no
intuito de não deixa-las criarem desigualdades este campo teórico, extremamente fértil, tem
pouco a pouco incorporado perspectivas interdisciplinares que incluem as áreas de economia,
história, sociologia, comunicação e psicologia, entre outras. O renovado interesse por este
tema se deve ao fato de que a cultura homossexual no Ocidente tem sofrido mais mudanças
neste período do que em qualquer outro momento histórico, gerando para os homossexuais
uma visibilidade com a qual o mundo moderno jamais teria sonhado. No Brasil, a Associação
Brasileira de Gays, Lésbicas e Transgêneros (ABGLT) aconselha a utilização do termo
GLBTT (Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais) para designar essa parcela da
população, no entanto, na discussão sobre “o mercado rosa de Teresina”, utilizar-seo termo
GLS” Gays, Lésbicas e Simpatizantes, sigla inventada em 1994 durante os preparativos do
Festival Mix Brasil
1
, para designar esse blico, partindo-se do pressuposto que este
representa não somente uma parcela da população, mas toda uma cultura incorporada por uma
classe média predominante e que possui, para a economia de mercado, suas especificidades.
Da mesma forma, o capitalismo forneceu condições socioeconômicas e psicológicas
necessárias para a emergência da identidade homossexual moderna. Em outras palavras, o
capitalismo permitiu que os homossexuais, entre outros grupos oprimidos, se sentissem livres
para expressar sua identidade através do uso criativo de produtos e serviços, onde o consumo,
através do mercado, pudesse criar identidade. Conseqüentemente, o estudo do comportamento
1
Eventos direcionados ao público GLS, patrocinados por empresas nas principais cidades do país, como São Paulo, Rio de
Janeiro e Porto Alegre na década de 90 deram origem ao Mercado Mundo Mix MMM. A importância dada a esse evento
tomou elevada importância dado o volume de negócios, tanto que um dos maiores provedores da internet no Brasil mantém
o site na internet, que tem como idealizador o publicitário André Fischer.
16
de consumo torna-se relevante, devido à importância que ele assume na construção da
subjetividade dos grupos sociais identitários, na sua inclusão dentro do sistema social mais
amplo e na própria construção ou afirmação da identidade, que adquire sentido por meio da
linguagem e dos sistemas simbólicos pelos quais elas são representadas (WOODWARD,
2000).
A identidade GLS é uma construção das pessoas que estão trabalhando esse mercado,
ou seja, aquilo que o mercado diz ser identidade, compreendemos corresponder a um
determinado público, o público GLS, que adquire visibilidade, pois o mercado elementos
para uma chamada “cidadania sexual” que Maria Irene Ramalho (2002) observa em seu texto
“A sogra de Rute ou intersexualidades”, ou seja, o mercado pode criar cidadania não por criar
identidade, mas por permitir o respeito às diferenças.
Sob a perspectiva da globalização, podemos conceber o caráter local da identidade sob
forma de diferenciação, no caso da identidade sexual. Não é apenas o binarismo convencional
que se acentua homens, mulheres, mas também diferenças existentes em cada um desses
grupos que se alinham em forma de tribos, ou, melhor dizendo, nas agregações sociais que
possuem seus próprios valores e se ligam através do consumo de símbolos, numa linguagem
que vai ajudar a construir sua identidade. Identidade é símbolo, é significado, é criada no
confronto com a alteridade. É representação, em todos os sentidos, da palavra
representação”. É por meio dos significados produzidos pelas representações que damos
sentido à nossa experiência e àquilo que somos. A economia de mercado e o marketing se
voltam para os consumidores com produtos que “vendam” imagens pelas quais esses últimos
possam se identificar, ou que pertençam a grupos de representação associados, que, como
trata Maffesoli (1987) em “O tempo das tribos”, vivem aquilo que ele chama de socialidade,
enfatizando o estar-junto, dividindo a mesma idéia, ou seja, vivendo aquilo que se denomina
de tribalismo, do sentimento de pertencimento a um determinado grupo.
17
Pierre Bourdieu (1983) vai chamar os espaços onde os indivíduos vivem de “campos
sociais”, sendo que cada um desses indivíduos possui uma posição e um conjunto de recursos
simlicos, ou seja, uma determinada identidade. Em cada dimensão do espaço, o conjunto de
recursos simlicos de que dispõe o indivíduo forma sua identidade naquela dimensão; por
exemplo, um indivíduo pode deter um máximo de capital cultural numa dimensão ou campo
onde este capital é valorizado, logo, será valorizado e terá a identidade “distintiva” naquele
campo; mas, em outros campos, onde o capital cultural não é predominante, e sim o capital
econômico ou social, será alocado numa posão subalterna em relação àqueles que detêm o
capital mais importante para aquele campo - a identidade, então, parece ser o conjunto de
capitais de que dispõe um indivíduo e que lhe dão uma posição nos mais diversos campos,
posição subalterna ou não, logo, identidade “distintiva” ou o.
Nessa discussão da identidade é necessário acrescentar que a mesma é construída, tanto
culturalmente, como através de suas relações sociais, tendo em vista todas as nuances que
marcam o desenvolvimento mais recente do capitalismo global.
...a identidade marca o encontro de nosso passado com as relações sociais, culturais
e econômicas nas quais vivemos agora... a identidade é a intersecção de nossas vidas
cotidianas com as relações econômicas e políticas de subordinação e dominação
(RUTHERFORD, 1990, apud WOODWARD, 2000, p. 19).
A representação se refere a esse sistema simbólico que, no caso das imagens de
comercialização de um produto, associa-se a identidades constrdas, ou seja, produzem
significados.
Os movimentos sociais que emergiram no Ocidente nos anos 60 têm se concentrado na
luta em torno da identidade, quer sejam os movimentos feminista, negro, gay, lésbico,
ambientalista, entre outros.
O desafio desses movimentos tem sido o questionamento do discurso científico
biologicamente confirmado e sua fixidez em relação a seus valores. A construção da política
da diferença tem sido uma das principais contribuições desses movimentos, pois a identidade
18
é assim colocada na arena social, surgida dentro de um movimento ou atribuída a um grupo
em particular, provando assim que é uma construção da cultura e não, simplesmente, natural.
Tanto os movimentos, no caso o movimento de luta dos homossexuais contra a
discriminação, como o mercado, dão elementos que o significados para os indivíduos na
construção de suas identidades. O movimento diz que é GLBTT, o mercado diz que é GLS,
mas o que ambos criam, realmente, é visibilidade. A identidade é o significado que as pessoas
dão aos produtos, por exemplo, na construção de sua imagem identitária.
O que chamamos aqui de “imagem identitária” vem a representar imagens múltiplas
que, como afirma Gontijo (2002, p. 43) são:
[...] baseadas nas aparências corporais, que podem ser fixas, reformuladas
periodicamente de forma intica, ou provisórias e cambiantes de acordo com as
situações de interação. Em todos os casos, trata-se de imagens que existem em
relação a outras imagens e, como são identitárias, se formulam e se reformulam por
meio de ritualizações. As imagens identitárias podem funcionar, enfim, como redes
de relações significantes, relações que, em situações ritualizadas, criam o mesmo e
o outro, criam a comunidade de interesse e o grupo, designando o outro e sendo
designadas pelo outro. Essas redes podem ser objetivadas por meio de símbolos e
elementos que compõem a aparência corporal.
A construção das identidades aparece sob a forma de oposição binária que representa a
base de diferentes mercados segmentados como, por exemplo, o mercado de produtos
voltados para os negros, estabelecendo como base na produção do binário negro/branco, o
mercado de gênero, com a polarização homem/mulher, e mais recentemente, da década de 80
graças à visibilidade assumida dos homossexuais com o surgimento da AIDS e da década de
90 com a maior visibilidade do movimento gay por ser um nicho do mercado em potencial,
a polarização heterossexual/homossexual foi outra construção binária estabelecida pelo
mercado. Esse mercado, que aqui denominamos mercado rosa é um mercado
conscientemente criado na tentativa de focalizar o movimento gay, que acaba por criar
igualdade justamente na diferença, no respeito à diversidade.
Após essa breve discussão acerca dos conceitos de identidade, de construção de
identidades e de como o movimento homossexual tem adquirido visibilidade, aqui tratado
19
como cultura GLS, sendo este paralelo não de forma coincidente mas talvez geradora (sob
determinados aspectos ainda posteriormente discutidos) da própria evolução do sistema
capitalista, vamos então fazer um breve histórico da prática homossexual ou homoafetiva
desde a antiguidade no Ocidente e, particularmente no Brasil, que traz em seu histórico,
heranças coloniais que dizem respeito não somente a modelos herdados dos países europeus,
mas também de suas próprias tradições cromossômicas”, no sentido de serem confirmadas
experiências e práticas homossexuais no Brasil p-descobrimento e mesmo durante a fase
conhecida como Brasil Colônia.
1.1 A HOMOSSEXUALIDADE NO TEMPO
A mudança social e o comportamento sexual oferecem diferentes tratados que
relacionam uma história de mudanças de proporções quase surpreendentes. Marcos
relacionados a distinções entre certo e errado o característicos no processo de construção da
chamada identidade sexual.
A identidade é marcada por meio de símbolos e é relacional no sentido de ser marcada
pela diferença. Faço uma afirmação ao dizer: “sou homossexual” porque existem outros seres
humanos que não o homossexuais. Por não existir um mundo homogêneo onde todos o
brancos, heterossexuais ou católicos, por exemplo, é que a afirmação da identidade faz
sentido. Então, podemos dizer que o homem é um não-mulher, o sérvio é um o-croata, o
branco é um não-negro, o heterossexual é um não homossexual.
Essa concepção de diferença é fundamental para se compreender o processo de
construção cultural das identidades, tendo sido adotada por muitos dos “novos
movimentos sociais” anteriormente discutidos. A diferença pode ser construída
negativamente por meio da exclusão ou da marginalização daquelas pessoas que
são definidas como “outros” ou “forasteiros”. Por outro lado, ela pode ser celebrada
20
como fonte de diversidade, heterogeneidade e hibridismo, sendo vista como
enriquecedora: é o caso dos movimentos sociais que buscam resgatar as identidades
sexuais dos constrangimentos da norma e celebrar a diferença (afirmando, por
exemplo, que “sou feliz por ser gay”) (WOODWARD, 2000, p. 50).
O ser e o não-ser fazem parte de uma cadeia de identidades e diferenças que dependem
uma da outra, ou, como diz Silva (2000, p. 75), “afirmações sobre diferenças só fazem sentido
se compreendidas em sua relação com as afirmações sobre a identidade”, logo, “assim como a
identidade depende da diferença, a diferença depende da identidade. Identidade e diferença
são, pois, inseparáveis”.
Castells (1999, p. 22-24) afirma que a identidade é um processo de construção de
significado com base em um atributo cultural, ou ainda um conjunto de atributos culturais
inter-relacionados, o(s) qual (ais) prevalece(m) sobre outras fontes de significado, ocorrendo
em um contexto marcado por relações de poder”. Sendo que é necessário estabelecer a
distinção entre a identidade e o que tradicionalmente os sociólogos têm chamado de papéis, e
conjuntos de papéis. Papéis (por exemplo, ser filho, estudante universitário, torcedor do
Brasil, católico e solteiro, ao mesmo tempo) são definidos por normas estruturadas pelas
instituições e organizações da sociedade em que vive o indivíduo.
A mais importante forma de classificação é aquela que se estrutura em torno de
oposições binárias, tais como, masculino/feminino, passivo/ativo, branco/negro,
homossexual/heterossexual. Todas essas se constituem classificações de poder, onde
quaisquer questionamentos acerca dessas relações constituem-se problematizações em torno
das relações de poder, constituídas social e culturalmente em uma sociedade, e mantidas ao
longo de gerações como relações ativas, normalizadas
2
e hierarquizadas de formão de
identidades e diferenças (SILVA, 2000, p. 82-83).
Em uma sociedade ocidental imperam os parâmetros: branco, homem e heterossexual,
que fixam sua identidade afirmando-se no não-branco, não-homem e no não-heterossexual, ou
2
Significa eleger, classificar, dar um parâmetro para o qual outras identidades são avaliadas e hierarquizadas.
21
seja, no negro, na mulher e no homossexual, que dão sentido à existência do padrão
considerado normal”. Nessa sociedade a cultura tem suas rzes no passado, e foi moldada
na sua maior parte pela idade de ouro dos gregos e pelos ensinamentos bíblicos dos hebreus
(SPENCER, 1999, p. 40).
É preciso, no entanto, definir o que é homossexualidade, e como essa prática
homossexual foi conhecida com o passar dos anos, tendo em vista o objetivo constante nesse
trabalho.
que estamos falando em conceitos, vamos recorrer inicialmente ao dicionário, onde
encontramos o seguinte conceito de homossexual: relativo à afinidade, ou aos atos sexuais
entre indivíduos do mesmo sexo (opõe-se ao heterossexual)” (AMORA, 1997, p. 354).
A palavra homossexual é originária do século XIX a partir do grego homo (igual) e do
latim sexus, conseqüentemente, inexiste na antiguidade, pom não a prática homoerótica -
afinal de contas, homossexualidade é uma invenção moderna, burguesa, ao passo que a
prática homoerótica não identitária é universal. Ao recorrermos à construção desse conceito
vamos retornar ao tempo da história antiga ocidental. Para os gregos encontramos a
pederastia
3
como fator não excludente, e quer seja em Esparta, Atenas, ou em Lesbos, onde
viveu Safo, a sexualidade é revelada em formas variadas.
Na Grécia antiga as relações sexuais eram quase sempre orientadas para finalidades
específicas e ultrapassavam a simples busca de prazer sexual. Com a chegada do cristianismo
as relações passaram a ser pecaminosas, e o sentido patriarcal pregado pela Igreja dá reforço à
prática da monogamia, do casamento e da procriação. Nesse sentido, a prática do sexo
visando o prazer, sem a possibilidade de procriação, torna a prática homossexual uma
patologia, um distúrbio, o oposto do certo, o errado, então.
3
Amor de um homem (geralmente de mais de trinta anos) por um jovem adolescente que estreitava laços de amizade e amor
com um adulto, onde se esperava que o mais velho pudesse ensinar ao jovem as virtudes de um bom cidadão e a sabedoria
da filosofia. Não confundir com pedofilia, abuso sexual de crianças, que nunca foi defendido pelos gregos (TORRÃO
FILHO, 2000, p. 53).
22
Nessa mesma Grécia, não existiam palavras para designar o que chamamos de
“homossexualidade” e “heterossexualidade porque simplesmente não existia a idéia de
“sexualidade”. A sexualidade é uma construção cultural recente. No mundo helênico havia
um eros múltiplo e heterogêneo, sem contrapartida no imaginário de hoje. Assim, o eros da
pederastia era, em sua “natureza”, diverso do eros presente entre homens e mulheres ou
mulheres e mulheres (e eu acrescentaria entre homens e homens). Por princípio era virtuoso,
ao contrário da homossexualidade” contemporânea, tida como vício, doença, degeneração”
ou perversão, desde que foi inventada pelas ideologias jurídico-médico-psiquiátricas do
século XIX, conforme nos informa Jurandir Freire Costa (1994) em seu artigo “Os gregos
antigos e o prazer homoerótico”.
De acordo com os costumes da época inúmeros são os casos relatados pelos gregos,
onde indícios do culto à prostituição masculina, relatados também na poesia lírica da
celebração do amor lésbico (ilha lesbos), ou do legislador Sólon.
O hedonismo, do grego hedone, que significa, sobretudo, o gozo sensual do amor, gozo
da vida naturalmente retratados na nudez masculina, nos jogos públicos, onde os gregos
permitiam que os competidores aparecessem nus, encorajava a manifestação sexual”
(SPENCER, 1999, p. 47, grifo do autor).
A bissexualidade era considerada normal para os gregos, desde que uma bissexualidade
equilibrada, na qual, como coloca Spencer (1999, p. 48), “o cidadão era casado, tinha um
relacionamento amoroso com um rapazinho e era também visto com cortesãs ou tinha uma
amante, era comportamento normal”. Nesse sentido, “a aceitação social da bissexualidade
como a mais natural das respostas estava inserida profundamente na consciência da sociedade
grega, do mesmo modo que a iia da heterossexualidade é na nossa sociedade a única
considerada natural e normal”. Essa sociedade é um exemplo de que a sexualidade do cidadão
foi constrda e não fixada biologicamente.
23
Dos hebreus a influência sobre nossa cultura foi imensa; o casamento era uma obrigação
religiosa, mas o celibato não era favorecido, ao contrário, havia incentivo ao casamento dos
sacerdotes. “Nessa sociedade o sexo dentro do casamento era altamente valorizado,
pragmático e sensível” (SPENCER, 1999, p. 53). Com o casamento representando uma
obrigação religiosa, a prática homoerótica era abominada e a fobia do erótico, do desejo, do
sexual enaltecida e retratada na destruição de Sodoma
4
e Gomorra, duas cidades que eram
conhecidas pelas grandes orgias com a prática da pederastia e bestialidade
5
e também o
grande preconceito sobre a mulher, fato esse atribuído à responsabilidade de Eva na queda do
paraíso.
Roma segue as antigas tradições de celebrar a bissexualidade masculina, por acreditar
na virilidade masculina como prêmio maior em uma sociedade falocrática, mas, ao contrário
dos gregos, eram pudicos com relação à nudez, preferindo que suas estátuas fossem vestidas”
(SPENCER, 1999, p. 67). Isso denota a exaltão da masculinidade, visto que o macho
romano não poderia parecer vulnerável, sendo educado para governar o mundo.
As mulheres romanas não estavam confinadas aos seus aposentos como as gregas, e sim
educadas e doutrinadas nos valores da sociedade patriarcal. A prática homoerótica entre
mulheres não era bem vista, pois isso afrontava a masculinidade romana ao pensar que a
mulher poderia fazer um papel de homem, e como todas as sociedades patriarcais, bem como
na atualidade, é perceptível que a mulher lésbica sofre um duplo preconceito; um por ser
mulher, e outro por não gostar de se relacionar com homens.
Com o declínio de Roma ao final do século V d.C. -se início um novo modelo de
produção conhecido como feudalismo, sistema baseado da produção da terra e
descentralização do Estado. A Igreja, detentora da maior parte das terras e, portanto, detentora
4
“Sodomia” teve um significado diferente na Idade Média, referindo-se a penetração anal de qualquer dos sexos ou a
posições em que a mulher ficava por cima dos homens, ou à cópula com animais (SPENCER, 1999, p. 59).
5
Costumeiramente conhecido como a cópula com animais de médio e grande porte. Também conhecido como zoofilia
(PICAZIO, 1998, p. 77).
24
do poder econômico e político, rejeita qualquer prazer ou sensualidade que pudessem ser
atribuídos ao sexo marital. A idéia adotada era de que o sexo está estritamente ligado ao
divino e ao sagrado. Daí a prática do sexo somente para a procriação que perdura na
atualidade em determinadas regiões e camadas da sociedade (GASTALDI, 2002).
A partir da metade do século XIV, a visão da sociedade quanto à identidade sexual era
muito diferente da que existia no mundo antigo. O papel da Igreja e do Estado foi
fundamental.
Essa mudança radical foi produzida pelas autocracias combinadas da Igreja e do
Estado, que se recusavam a admitir a bissexualidade. A sexualidade do homem
estava agora tocada pela divindade de Deus e tornou-se sagrada (as mulheres eram
tão marginalizadas que sequer eram consideradas). Em termos práticos, qualquer
expressão sexual fora do casamento, ou posições ou atitudes dentro do casamento
que não fossem a penetração vaginal na posição mais tradicional estavam
contaminadas pelo demônio (SPENCER, 1999, p. 119).
O final do século XVII assiste às primeiras manifestações do nascimento do capitalismo
e, com ele, da competitividade, da obsessão pelo lucro e da exploração do homem pelo
homem. Surge a chamada classe média, composta pela burguesia que possuía dinheiro, mas
o tinha reconhecimento social. As necessidades se expandem, e com elas o florescimento de
indústrias de bens que iriam alicerçar as bases da revolução industrial e do liberalismo.
Inúmeros fatores se acumularam no decorrer dos séculos que desembocaram na
ascensão de um sistema onde homens e mulheres trabalhavam e, de uma sociedade
predominantemente agrícola -se lugar a uma sociedade mercantilista, com o surgimento e
ascensão da pequena burguesia. O mercantilismo é considerado um período de transição entre
as práticas regulamentatórias da economia no feudalismo, marcadas pelo fervor ético e
religioso, e o nascimento das concepções liberais no século XVIII, e que possui também como
características, a manutenção das riquezas, o colonialismo e a balança comercial favorável.
Predomina-se o trabalho e a frugalidade, onde se rompe com as antigas tradições hierárquicas
e o indivíduo pode ascender socialmente a posições de poder e riqueza, sem necessariamente
ter que fazer parte de uma família tradicional ou da igreja (FEIJÓ, 2001).
25
Segundo Spencer (1999, p. 119), “a única expressão sexual fora do casamento visível na
época era a prostituição feminina e o bordel, que a Igreja, em sua maior parte, preferiu
ignorar”. Essas práticas, tão antigas quanto persistentes em nossa sociedade atual, no entanto,
possuem nuances de conquistas e visibilidade, fruto dos movimentos revoluciorios mais
visíveis no século XIX e XX, tais como o movimento feminista e movimento gay, que
provocaram mudanças tão profundas, que influenciaram até mesmo a conduta heterossexual.
Conforme Spencer (1999, p. 201), a divisão das pessoas em dois sexos biológicos,
homem e mulher, e dois gêneros, masculino e feminino, é uma estrutura tão familiar que nem
é preciso mencioná-la; entretanto, essa é uma formulação que começou a predominar somente
no século XVIII”. Um terceiro gênero não era aceito, principalmente se correspondesse a um
macho passivo. Falava-se:
[...] de três sexos biológicos: homem, mulher e hermafrodita, esses últimos eram
aceitos se escolhessem um gênero, se apegassem a eles e tivessem sexo apenas com
o gênero oposto; se tivessem relações com ambos os sexos, eram considerados
sodomitas (SPENCER, 1999, p. 202).
1.2 A HOMOSSEXUALIDADE NO ESPAÇO
Já dizia Silvana Paternostro, jornalista colombiana radicada em Nova Yorque, “o Brasil
é extremamente sedutor”. O Brasil tem um mito de ser esse país de todas as raças, todos os
credos, todas as cores. O historiador holandês Gaspar Von Barlaeus havia escrito em 1660:
“não existe pecado abaixo do equador”. Se questionarmos de onde vem essa representação
acerca de nosso país, podemos observar que ela tem origem no descobrimento, ou seja, em
1500, quando tem inicio o mito fundador do Brasil.
Ao falarmos em mito, nós o tomamos não apenas no sentido etimológico de
narração pública de feitos lendários da comunidade (isto é, no sentido grego da
palavra mythos), mas também no sentido antropológico, no qual essa narrativa é
solução imaginária para tensões, conflitos e contradições que não encontram
26
caminhos para serem resolvidos no nível da realidade. Se também dizemos mito
fundador é porque, à maneira de toda fundatio, esse mito impõe um vínculo interno
com o passado que não cessa nunca, que se conserva perenemente presente e, por
isso mesmo, não permite o trabalho da diferença temporal e da compreensão do
presente enquanto tal (CHAUÍ, 2001, p. 9, grifo do autor).
Essa concepção de que as diversas representações culturais são, no Brasil, aceitas sem
distinções de cor, raça, credo, enfim, que o Brasil é um país de todos, -se inicio nas cartas
de Caminha e Vespúcio, que enaltecem nossa terra como paraíso terrestre, como uma
primitiva Sodoma e Gomorra, e que, particularmente, exaltaram a beleza e a inocência dos
nativos com a intenção tanto de encantar como, talvez, de escandalizar a sociedade européia
da época. Em sua famosa carta, e nosso primeiro texto conhecido escrito sobre a descoberta
do Brasil, o escrivão Pero Vaz de Caminha traduz a nova terra descoberta ao rei de Portugal
de forma edênica e sedutora. o obstante essa é a imagem retratada de um paraíso terrestre,
um éden tropical, que perdura ao longo de mais de cinco séculos com a força e o fascínio
semeados em nossa cultura de construção da identidade de um país chamado Brasil.
“Lendo-se o texto de Caminha, fica-se impressionado pela mistura de desejo, fascinação
e curiosidade intelectual genuína que sublinha sua visão da população local” (PARKER,
1991, p. 25-26). A nudez aparente descrita pelos portugueses insiste em ressaltar a mais
surpreendente característica que apresentavam sua nudez e a combinação de beleza e
inocência. Na descrição que ele faz do primeiro encontro com um par de homens nativos:
A feição deles é serem pardos, um tanto avermelhados, de bons rostos e bons
narizes, bem feitos. Andam nus, sem cobertura alguma. Nem fazem mais caso de
encobrir ou deixa de encobrir suas vergonhas do que de mostrar a cara. Acerca disso
são de grande inocência (UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA,
2005).
Ao tratar da descrição da mulher nativa, Caminha demonstra seu entusiasmo:
Ali andavam entre eles três ou quatro moças, bem novinhas e gentis, com cabelos
muito pretos e compridos pelas costas; e suas vergonhas, tão altas e tão cerradinhas e
tão limpas das cabeleiras que, de as nós muito bem olharmos, não se envergonhavam
[...] E uma daquelas moças era toda tingida de baixo a cima, daquela tintura e certo
era tão bem feita e o redonda, e sua vergonha tão graciosa que a muitas mulheres
de nossa terra, vendo-lhe tais feições envergonhara, por não terem as suas como ela.
Nenhum deles era fanado, mas todos assim como nós (UNIVERSIDADE
FEDERAL DE SANTA CATARINA, 2005).
27
Com relação à homossexualidade, o Brasil trataria os seus homossexuais na concepção
dos europeus de uma forma diferente. De certo temos inúmeras representações onde tudo é
permitido. O carnaval seria a maior representação de todas elas, naquele momento todos
podem tudo o homem que pode se vestir de mulher, a mulher que pode se vestir de homem
as representações de feminilidade e masculinidade não são afetadas pela maneira de se
vestir e nem de agir. Na América de maneira geral, mesmo em 1492 “a homossexualidade era
largamente praticada no continente, tanto em comunidades mais avançadas, como os incas e
astecas, como entre tribos nômades no Brasil(TORRÃO FILHO, 2000, p. 220).
Entre as tribos brasileiras, era comum a segregação dos meninos quando entravam
na puberdade, que passavam a fazer parte de casas, ou clubes, de homens proibidos
às mulheres, chamadas baito, “casa-dos-homens”, encontradas entre os índios
Bororos, por exemplo. Neste período, o menino passava à influência dos homens
mais velhos e eram comuns relações sexuais entre eles como forma de iniciação à
vida adulta, resultando, segundo o sociólogo Gilberto Freyre, um ambiente propício
à homossexualidade. No baito, o naturalista alemão Karl von den Steinen, no
século XIX, encontrou alguns pares enamorados que se “divertiam” debaixo de um
cobertor vermelho. Ainda hoje, a maior parte das tribos brasileiras tem o
homoerotismo como prática corrente e sem tabus (FREYRE, 1987, p. 118, grifo do
autor).
Florestan Fernandes (1989) explica, também, que entre os Tupinambás os jovens tinham
poucas oportunidades sexuais, que os homens mais poderosos da aldeia podiam ter um
número maior de esposas, o que diminuía a quantidade de mulheres disponíveis. Com isso, os
casamentos eram contrdos tardiamente, somente após a execução de pelo menos um
prisioneiro de guerra pelo pretendente a noivo. Nesse sentido havia o estímulo para relações
com mulheres mais velhas, abandonadas por seus maridos e com outros jovens ou homens
mais velhos, mesmo casados.
“As relações homossexuais não eram motivo de vergonha, nem pra homens nem para
mulheres; os tivira ou tibira, que eram os homens efeminados, eram por vezes discriminados,
mas apenas quando não desempenhavam as obrigações masculinas da caça e da guerra”, não
havendo relação com suas preferências sexuais. Existiam relatos de homens passivos que
mantinham cabanas próprias para receberem outros homens como se fossem prostitutas.
28
“Aqueles que eram ativos chegavam a vangloriar-se destas relações, considerando-as sinal de
valor e valentia, embora o termo tivira ou tibira fosse, por vezes, utilizado como ofensa”
(FERNANDES, 1989, p. 136-137, grifo do autor).
Os casos envolvendo mulheres no Brasil colonial o eram menos praticados e sim mais
reprimidos. Mesmo Gilberto Freyre (1987) pouco chegou a descrever a existência da prática
homossexual feminina na década de 30, embora tenha citado casos de sodomia entre homens.
No entanto, a pratica homoerótica não era menos comum e as mulheres, em grande parte
casadas ou viúvas, não deixavam de praticar e realizar seus desejos íntimos, ainda reprimidos,
tendo em vista a posição de inferioridade e submissão da mulher nesse modelo patriarcal de
construção de uma identidade brasileira que persiste na atualidade, em especial nas camadas
de renda mais baixa da sociedade.
Tendo como parâmetro o sexo heterossexual e o corpo masculino, a teologia não foi
capaz de entender o corpo feminino e a sexualidade da mulher, o que acabou por
salvar as lésbicas portuguesas ao menos da fogueira, senão da perseguição e do
fogo do inferno, que eram motivos suficientes de medo e terror. A sodomia era
ainda um pecado terrível, assemelhado ao assassinato, visto que impedia a
procriação, mas ao o compreenderem o funcionamento do corpo e do sexo das
mulheres, o lesbianismo foi praticamente ignorado, já que a teologia tornara-o
quase impossível. As lésbicas são ignoradas o por tolerância, mas pelo
desconhecimento: afinal de contas, que poderiam fazer de o grave duas mulheres
sem um homem? (TORRÃO FILHO, 2000, p. 146).
Ainda no Brasil colonial e escravocrata, Mott (1986) descreve em “Escravidão e
homossexualidade” que não somente escravas mucamas eram assediadas pelos senhores de
engenho, existem relatos de homens que também eram procurados para satisfazer prazeres de
seus donos. Luis Mott fala de Francisco Manicongo, escravo de um sapateiro, que segundo
ele é o primeiro travesti que se tem notícia e se recusava a vestir roupas masculinas, e de
outros escravos como o índio Joane que era conhecido na Bahia de Todos os Santos por
praticar sodomia com outros homens e viver amancebado com outros índios como se fosse
mulher.
A tradição patriarcal da família na história do Brasil, bem retratada por Parker (1991)
em “Corpos, prazeres e paixões”, não se caracteriza simplesmente como forma de
29
organização social, no que diz respeito ao legado que se manteve vivo na compreensão do
gênero e da vida sexual do Brasil contemporâneo, mas também como construção ideológica
que, baseada, sobretudo no exercício da força pelo patriarca, foi assim cristalizada tanto na
imagem como na realidade da violência. “O simbolismo de violência (muito freqüentemente
exercida na realidade) é crucial entre homens e mulheres no Brasil patriarcal”. De certo,
talvez em nenhum outro lugar tenha sido a distância entre os sexos, que caracterizou a
estrutura patriarcal, mais claramente articulada que em suas imagens de macho e fêmea”
(PARKER, 1991, p. 55-57).
O homem e a mulher, por extensão, os próprios conceitos de masculinidade e
feminilidade foram assim definidos, em termos de sua oposição fundamental, como
uma espécie de tese e antítese. Com o poder investido inteiramente em suas mãos, o
homem era caracterizado em termos de superioridade, força, virilidade, atividade,
potencial para a violência e o legítimo uso da força. A mulher, em contraste, em
termos de sua evidente inferioridade, como sendo em todos os sentidos o mais fraco
dos dois sexos bela e desevel, mas de qualquer modo sujeita à absoluta
dominação do patriarca (PARKER, 1991, p. 58).
É particularmente importante que se compreenda, contudo, não apenas a estrutura desta
hierarquia, mas também o fato de que, no contexto tradicional da cultura popular, ela foi
utilizada para organizar e conceitualizar as relações sexuais, tanto entre membros do sexo
oposto, como entre membros do mesmo sexo. A estrutura simlica das interações
macho/fêmea parece funcionar, entre outros aspectos, como uma espécie de modelo para a
organização das interações do mesmo sexo na cultura brasileira.
Nos termos deste modelo patriarcal tradicionalmente constituído, o fundamental talvez
seja menos o sexo biológico compartilhado dos participantes do que os papéis sexuais sociais
que eles assumem.
Em seu livro abaixo do equador Parker (2002) esclarece que o homem que se envolve
em um relacionamento sexual com outro homem, então, não sacrifica necessariamente sua
masculinidade culturalmente construída pelo menos desde que ele desempenhe um papel
masculino culturalmente percebido como ativo durante o ato sexual e se comporte como
homem na sociedade. O homem que adote uma atitude passiva, de fêmea, contudo, seja no ato
30
sexual ou na interação social, quase inevitavelmente desvaloriza sua própria masculinidade.
Ao frustrar o ajuste culturalmente prescrito entre sexo biológico e nero social, ele sacrifica
sua classificação adequada como homem e passa a ser conhecido como viado ou uma bicha
(literalmente, verme ou parasita intestinal, de modo instrutivo, a forma feminina de bicho, e,
portanto, um animal fêmea) graças a sua feminilidade inadequada.
A bicha ou viado, considerando passivo e feminino, representa uma espécie de fracasso
ambulante segundo as avaliações biológicas e sociais, ou seja, um ser incapaz de realizar seu
potencial natural devido a seu comportamento social inadequado, e também capaz de cruzar
as fronteiras culturalmente construídas de gênero. o surpreende que esteja, portanto, sujeito
à violência simbólica mais severa, e freqüentemente física, encontrada em toda parte da
sociedade brasileira.
Na ultima parte do século XIX várias mudanças importantes começaram a ocorrer
na sociedade brasileira e que pavimentariam o caminho para o aparecimento de
mais alternativas na organização social de relações do mesmo sexo. Em particular,
a sociedade agrícola rural, onde a hierarquia de gênero tradicional e o sistema ativo-
passivo de papéis sexuais estavam mais claramente arraigados, gradualmente
começou a dar lugar à urbanização e à industrialização progressivas [...]. Estes
acontecimentos, por sua vez, estavam relacionados com o surgimento e a gradual
consolidação, durante quase um culo, de uma burguesia brasileira intimamente
associada a este mundo urbano em crescimento (PARKER, 2002, p. 64).
Em 1896, um médico húngaro, Karolin Maria Benkert, bem como um alemão Karl
Heinrich Ülrichs, foram os primeiros a considerar uma nova categoria - a dos homossexuais -
até então vista, não como categoria, mas como prática; até o séc. XIX reprimia-se a prática; a
partir do XIX, reprime-se, medicaliza-se (ciência biodica) e criminaliza-se (ciência
jurídica) o indivíduo, logo,cria-se uma identidade perversa, doente, criminosa, onde
existia prática reprimida pela Igreja. “Os primeiros médicos que escreveram sobre relações
sexuais entre pessoas do mesmo sexo inventaram duas palavras que vão ser usadas
subseqüentemente como sinônimos, homossexual e uranista
6
(FRY, 1983, p. 62).
6
Em homenagem à musa Urânia que, no mito contado por Platão, seria a inspiradora do amor entre pessoas do mesmo sexo.
31
É no século XIX que a ciência, mais especificamente a medicina, passa a se preocupar
com a homossexualidade e obviamente, ocupando-se com os chamados “desvios sexuais”,
como a prostituição e o homossexualismo. o digo penal da República não considera
crime nem adultério, quando os parceiros o do mesmo sexo, no entanto, os homossexuais
são considerados seres doentios e criminosos, sofrendo discriminação constante pelos ditos
combatentes da honra e honestidade da família. Relatos dessa discriminação são comuns na
história do Brasil e do mundo.
Um outro exemplo citado por Torrão Filho (2000, p. 253) refere-se ao médico-legista
Viriato Fernandes Nunes que, em 1926, considerou os pederastas criminosos perturbados em
suas funções psíquicas, que o poderiam ficar livres pra cometer seus crimes. Para esses
dicos, a homossexualidade e o crime estavam muito próximos”.
Na década de 30 os homossexuais eram enviados pela pocia de São Paulo para o
laboratório de Antropologia Criminal do Instituto de Identificações de São Paulo, para ajudar
em suas pesquisas sobre as causas biológicas e sociais da homossexualidade; não ocorria a
esses pesquisadores estudar indivíduos que o fossem criminosos, já que a
homossexualidade para eles não podia ser encontrada em pessoas saudáveis. Ainda na década
de 30 “o médico Aldo Sinisgalli propôs a abertura de um manicômio para o confinamento dos
pederastas e da defesa da sociedade” (TORRÃO FILHO, 2000, p. 255).
De todos os relatos, um deles chama particular atenção pela gravidade e alcance dos
horrores cometidos, além das conseqüências no que dizem respeito às revoltas e lutas ainda
constantes nos dias atuais, quando os nazistas chegaram ao poder na Alemanha em 1933,
ressuscitaram o antigo parágrafo 175 do código penal alemão e passaram a perseguir os
homossexuais. Os livros didáticos o dizem, mas os campos de concentração acolhiam não
apenas judeus, mas socialistas, presos poticos em geral, ciganos, testemunhas de Jeo e
homossexuais. Os homossexuais tinham um triângulo rosa bordado em seus uniformes para
32
serem identificados, o que é usado ainda hoje como símbolo dos movimentos por direitos
civis.
7
De acordo com Spencer (1999, p. 329) acredita-se que quase cinqüenta mil pessoas
tenham morrido nos campos com o triângulo rosa no peito, embora não existam cifras
confiáveis: todos os registros dos campos de concentração foram destruídos antes do final da
segunda guerra mundial”. O símbolo rosa
8
é facilmente reconhecido e serve como um
lembrete da opressão e preconceito constantes sofridos pelos homossexuais, e desde então o
rosa, no “mundo homossexual”, é a cor não só da mulher, mas também do reconhecimento de
homossexuais, logo, mercado rosa é aqui caracterizado como mercado de bens e serviços
voltados para o público homossexual, que a partir da década de 90 é denominado de público
GLS.
Os crimes atribuídos inicialmente a homossexuais podem ser relatos não feitos por eles,
e sim, praticados contra eles, tendo em vista a discriminação e a repressão que toma força a
partir do século XIX no Brasil. Em meio a condições de repressão se torna difícil, como ainda
o é hoje em dia, se assumir perante a sociedade. Daí a maioria deles continuar escondida
atrás do armário” ou atrás da cozinha”, fazendo referência, respectivamente, a homens e
mulheres homossexuais.
A prática de se esconder vai declinar a partir dos anos sessenta, em muito atribuído
aos artistas da época, que iniciaram um movimento de se mostrar para a sociedade como
indivíduos que se assumem e tem suas práticas sexuais e que devem ser respeitados por isso.
O movimento hippie e o desenvolvimento da chamada contracultura na década de
sessenta deu força ao movimento homossexual que, inicialmente tomou forma nos Estados
Unidos, e depois se espalhou para outros lugares às bases de uma feição mais radical. O que
7
Os triângulos de identificação, de diferentes cores, eram, além do triângulo rosa, vermelhos, para presos políticos; verdes,
para os criminosos; pretos, para os anti-sociais; azuis, para os emigrantes; amarelos, para os judeus; marrons, para os
ciganos; e roxos, para as Testemunhas de Jeová (SPENCER, 1999, p. 329).
8
Para os homossexuais identitários o triângulo rosa é um símbolo da frase "Nunca esqua, nunca de novo".
33
parece ter marcado o nascimento desse grupo foi a chamada revolução de Stonewall. De
acordo com o antropólogo Peter Fry,
Essa revolução é, para o movimento homossexual, algo parecido como a tomada de
Bastilha para a revolução francesa. Na noite de 28 de junho de 1969, uma sexta-
feira, alegando o descumprimento das leis sobre a venda de bebida alcoólicas, a
polícia tentou interditar um bar chamado “Stonewall Inn”, localizado em
Christopher Street, a rua mais movimentada da área conhecida como o “gueto”
homossexual de nova York (FRY, 1983, p. 96, grifo do autor).
No Brasil, é bem conhecido e se tornou filme, o caso de João Francisco dos Santos,
conhecido como Madame Satã, homossexual assumido, malandro violento que não fugia de
uma briga e era temido por sua valentia e força, e que recebeu seu apelido não por essa
valentia, mas por uma fantasia de morcego que usou em um desfile de carnaval em 1938.
Curiosamente, o apelido foi dado por um delegado que o prendeu e que estranhou uma bicha
que não tinha apelido” (TORRÃO FILHO, 2000, p. 258).
Desde meados do século XX, portanto, e particularmente durante as décadas de 1960 e
70, ainda outro modelo para a conceituação e organização dos desejos e práticas de mesmo
sexo começou a surgir. Este novo modelo, organizado em torno do desejo e da pratica
homoeróticos, parece contrastar acentuadamente tanto com o modelo tradicional, baseado no
gênero, de interações do tipo ativo-passivo entre pessoas do mesmo sexo na cultura popular,
como com o questionamento da identidade sexual que começou a surgir no discurso médico -
cientifico e na cultura da elite, da qual trata Parker (2002).
Para a mulher da cada de sessenta os anticoncepcionais trouxeram à tona o poder de
decisão para a procriação, antes atribuídos somente aos homens. A busca do sexo para o
prazer beneficia sobremaneira os grupos em que o processo identitário relegou a submissão e,
assim, o homossexual sai da clandestinidade para se autodenominarem gays. No mundo
ocidental reforçam a imagem de um movimento disposto a questionar a heterossexualidade
como única forma de sexualidade considerada “normal”, reclamando o direito à diferença e o
direito de “não-ser”, recusando, assim, os papéis sexuais tradicionais.
34
A cada de 1960 foi no Brasil, como em inúmeras partes do mundo, um período de
liberação sexual. Em 1970 começam a aparecer os primeiros grupos de homossexuais no país.
O jornal o Lampião, primeiro jornal gay do país, é lançado em 1978 e, apesar de sua curta
duração (até 1981) provocou uma ruptura com o discurso “politicamente correto” da época
em que temas como a sexualidade, discriminação racial, artes e machismo eram considerados
secundários.
Nessa mesma época aparecia em São Paulo o grupo Somos, que viveu por um curto
período, segundo alguns por causa da atuação de grupos trotskistas que esvaíram o
movimento” (TORRÃO FILHO, 2000, p. 261, grifo do autor).
Na década de 1980, o aparecimento da AIDS no Brasil pareceu ser um retrocesso no
que diz respeito ao início de movimentos de luta contra a discriminação da homossexualidade,
tendo em vista que a doença, conhecida como peste gay foi inicialmente atribuída aos
homossexuais.
Contudo, a epidemia acabou trazendo “benecios” para esses movimentos por
contribuir, sobremaneira, com o reconhecimento da existência de identidades diferentes e
vontades iguais de poder amar e ser amado, sem preconceitos nem discriminação, como
Trevisan (2002) afirma,
[...] o HIV fez ainda o milagre de nos revelar ao mundo. A contragosto ou não, as
primeiras páginas dos jornais estamparam repetidamente que nós existimos. Se a
visibilidade é um tema político fundamental, então o vírus deu a maior visibilidade
possível, num curtíssimo prazo: aquilo que o movimento homossexual o
conseguiu em duas décadas, o vírus fez em poucos anos de peste (TREVISAN,
2002, p. 518).
A sexualidade centrada da reprodução tornou-se algo para ser dirigido, não apenas pela
Igreja ou pelo Estado, mas pelos próprios indivíduos, e o desenvolvimento dessa perspectiva
marca uma mudança significativa na concepção da vida sexual do Brasil contemporâneo.
Dentro desse mundo simultaneamente tradicional/moderno/pós-moderno, a
homossexualidade no Brasil vem se tornando cada vez mais um ponto essencial de
interseção entre sistemas diferentes de significado e estruturas de poder. Ela é
caracterizada não por sua singularidade, mas por sua multiplicidade por suas
interfaces e suas aparentes contradições (PARKER, 2002, p. 84).
35
A situação econômica de recessão ao final dos anos de 1970 e início de 1980
comprometeu o desenvolvimento econômico gay. No entanto, a partir da década de 1990, as
políticas econômicas e neoliberais favoreceram a expressão desse mercado e, a partir de
então, em grande parte favorecido pela consciência criada pelas poticas HIV/AIDS, a
visibilidade de uma identidade gay torna-se parte da luta pela inserção na sociedade moderna
(PARKER, 2002).
A economia gay que se expande não se direciona para as diferentes classes sociais. Para
James N. Green (2002),
os homossexuais brancos e de classe média em sua maioria têm mais acesso à nova
e rica economia gay e podem desfrutar de um conjunto mais amplo de opções
dispoveis, enquanto aos brasileiros de classes sociais menos favorecidas, muitos
dos quais descendentes de africanos, ainda se oferecem oportunidades escassas de
circular no mundo gay (GREEN, 2000, p. 458).
Essa construção singular do processo de mudanças econômicas e sociais que o mundo e
o Brasil atravessaram, e ainda atravessam, se depara com o enfrentamento de novos desafios
que dizem respeito, não somente à retomada do crescimento, mas à própria recuperação do
Estado, bem como a redefinição de seu papel na sociedade.
Em meio a esse quadro, os diferentes setores sociais começam a se expressar com maior
autonomia, reivindicando direitos que, pelo menos no papel, passam a ser regulamentados.
Assim, mulheres, negros, índios, idosos, homossexuais, entre outros, escrevem na história do
país, por caminhos vezes tortuosos, uma história de luta e busca infindável de reconhecimento
social.
Para os gestores públicos percebe-se uma mudança no comportamento no que diz
respeito ao atendimento de demandas sociais, bem como o reconhecimento de sua existência,
o que ocorre paralelamente ao aumento da visibilidade do grupo social em questão o grupo
homossexual, ou, o público GLS da qual estamos tratando. Essa visibilidade fortalece a
discussão com vistas à atualização e criação de poticas de combate à discriminação e,
36
concomitantemente, o mercado de bens e serviços direcionados a esse blico se destaca
enquanto setor em potencial.
2 O MERCADO ROSA E AS POLÍTICAS PÚBLICAS EM TERESINA
Do filão mercadológico à questão do respeito à diversidade, é necessário uma leitura
articulada entre Sociedade e Estado e a percepção da homossexualidade enquanto doença é
um dos primeiros “tabus” a serem desconstrdos.
A Organização Mundial de Saúde OMS possui uma publicação mundial, a
Classificação Internacional de Doenças CID. A CID 9 identificava a homossexualidade
como um diagnóstico psiquiátrico, no capítulo Das doenças mentais e no subcapítulo Dos
desvios e transtornos sexuais. Em 1993 a OMS deixa de considerar a homossexualidade
enquanto doença, por si só, passando a ser encarada como uma forma de ser diferente dos
outros, da maior parte dos indivíduos, sendo que tal distinção é apenas no que diz respeito ao
envolvimento amoroso e sexual (FERNANDES, 2004, p. 23-24, grifo nosso).
Passa-se então, a utilização do termo homossexualidade com o sufixo dade, que
significa modo de ser, que se constrói a partir do consumo, e não homossexualismo, retirando
o sufixo ismo que significa doença e carrega, com isso, em seu próprio entendimento uma
carga enorme de preconceito, ou seja, o mercado gera subsídios para a formação da identidade
do indivíduo.
Esta decisão o exclui o preconceito e a violência que atingem essa parcela da
população e, através de movimentos, associações e organizações sem fins lucrativos que se
multiplicam, vêm expressar o desejo de mudança dessa realidade societal. O mercado
crescente de bens e serviços voltados para o público homossexual tal como o mercado de
entretenimento busca legitimação e visibilidade, e acaba, por conseguinte, em dar reforço a
uma identidade construída ao longo de décadas.
O mercado, objeto de estudo do presente trabalho, mais especificamente o mercado rosa
é, na economia, a representação segmentada de uma parcela de consumidores de bens e
38
serviços direcionados ao público GLS, mas o vem a representar, por si só, uma potica
pública. O termo mercado rosa advém do processo de resignificação simlica, onde o grupo
de milincia homossexual adotou como símbolo de luta contra o preconceito e a
discriminação, o triângulo rosa. Outros símbolos também são adotados, e ao final da década
de 1970, é criado um outro símbolo que se torna um marco no movimento, a bandeira do
arco-íris.
Esse mercado, modernamente constitdo, advém da própria constituição do capitalismo
moderno. Pois bem, esse sistema econômico possui como característica um processo
produtivo avançado, que tem como base a produção mecanizada. A burguesia, fazendo jus a
uma visão marxista, desempenhou na história um papel eminentemente revolucionário
(MARX; ENGELS, 1987, p. 78).
A visão de produção para troca, bem como orientada para o mercado, representa a
essência desse sistema. No entanto, a percepção do valor-de-troca é decisiva para que o
capitalismo possa existir. Ora, a lei fundamental do sistema é a produção voltada para o lucro,
sendo o aspecto quantitativo prioritário diante do lado qualitativo (PESSOA, 2001).
Esse entendimento simplificado não representa o que de real o sistema revoluciona.
Essa época de alterações e mudanças do modo de produção constitdo anteriormente
representa, na essência, o sistema capitalista com seu modelo potico liberal, que dissolve
idéias secularmente veneradas, fornecendo condições para o processo de superação da simples
teoria de oferta e procura.
J. Petrelli Gastaldi (2002, p. 191), em seu livro Elementos de Economia Potica,
acentua as diferentes acepções a que se pode compreender a expressão mercado:
Em linguagem comum ou popular, será o local de convergência de vendedores e
compradores; em sentido lato, será sinônimo de zona econômica, na qual se realizam
as ofertas e as procuras de bens e serviços; em sentido cnico-econômico a sua
concepção é bastante diversa, porquanto representará a unidade econômica na qual
condições e forças, em contínuo movimento, contribuem para determinação e
formação do preço.
39
O mercado não é apenas um local onde se encontram compradores e vendedores, mas
sim um local que evoluiu desde a economia primitiva, assumindo aspectos modernos que
representam dentro dos limites individuais de cada um, a possibilidade de satisfação de suas
necessidades.
Ora, esse é o próprio conceito de economia enquanto ciência social. A satisfação das
necessidades humanas é o que se propõe a economia, ao se deparar com a dicotomia:
necessidade versus escassez. O mercado é, pois, um local onde emergem relações econômicas
que devem corresponder a novos estágios das forças produtivas com a primazia de fornecer
elementos para novas características de uma nova realidade a superação do homem sobre o
capital.
A luta constante pela liberdade é fenômeno que pode ser observado em toda a
história da humanidade, acompanhando as mudanças do modo de produção, ou,
mais exatamente, da unidade formada pelas forças produtivas e relações de
produção. A dependência recíproca entre esses elementos acontece em todos os
momentos da história: o avanço das forças produtivas, presente em todas as fases da
vida da humanidade, muda as pessoas e afeta, de forma decisiva, as relações que
ocorrem entre os homens no desenvolvimento do processo de produção, ou, em
outras palavras, as relações de produção (PESSOA, 2001, p. 29).
O mundo, com sua evolão e expansão, configura-se ao longo dos séculos e sistemas
econômicos. Das leis da Idade Média à revolução tecnológica atual, da intensificação do
comércio ao atendimento de necessidades específicas às “tribos” que se configuram, é o
mercado que se desenvolve com características modernas, que vêm a representar não somente
uma relação de compra e venda, mas também, uma relação social, que ultrapassa a simples
produção e distribuição de bens. Na realidade, ao tratarmos de “mercadoem sentido amplo,
devemos entender que o mesmo possui vários significados e a segmentação do mercado, tal
qual é exposta no capitalismo moderno, é revestida de um discurso democrático que, ao
demonstrar algum tipo de respeito pelos grupos ditos “minoritários” acaba por estabelecer
esse mercado com base na oposição homossexual/heterossexual.
A produção para o mercado na economia moderna é cada vez mais o padrão
predominante, muito embora essa produção, por decorrência da maximização do lucro na
40
empresa privada, seja ainda indiretamente orientada no sentido do consumo (GASTALDI,
2002, p. 193).
Essa visão de consumismo pode ser transposta para uma visão além-mercado, apesar de
serem naturalmente complexas as relações entre interesses individuais e coletivos. O que
queremos demonstrar aqui é que, através do mercado, que no caso do mercado rosa se
desenvolve e substancia, é possível perceber a geração de políticas públicas específicas. Não é
ser o mercado rosa sinônimo de poticas, mas sim formador de uma base que, por vezes, se
estabelece através de leis que o estruturam e vem facilitar a construção de uma identidade
social, a identidade homossexual.
O intervencionismo estatal em mercados específicos é aplicado de maneira preventiva e
transiria, mas é realizado porque pressupõe um sujeito social existente. A intervenção se
via aplicação de leis que corroboram a existência do sujeito social, que, enquanto se encontra
no mercado, é visto como sujeito econômico objetivando a satisfação de necessidades
crescentes e diferenciadas.
A percepção da existência de um mercado voltado para os homossexuais é visível para
todos os entrevistados, quer sejam ligados aos movimentos sociais específicos de direitos dos
homossexuais ou o. A maneira que esse mercado pode favorecer, no intuito de quebrar” ou
o os preconceitos, é diretamente relacionada ao nível de politização ou engajamento a qual
o entrevistado se encontra, seja ele homossexual ou não. Para aqueles, mais “engajados” aos
movimentos sociais de luta pela cidadania homossexual, esse mesmo mercado pode
prejudicar ao ser utilizado sem o viés potico e como mero instrumento de obtenção de lucro.
“Eu não diria que o mercado veio pra reforçar, mas o mercado veio, inclusive, aé
para enfraquecer algumas posturas, não é? Algumas convicções que se tinha dentro
do movimento acabaram, por exemplo. Hoje a gente, no Brasil, tem a maior parada
do orgulho, a nível de mundo, antes era nos Estados Unidos, não é... mas se você
dentro da parada, embora haja um esforço para politizar o debate, ela se tornou um
carnaval. Quem tá de fora e , mais um carnaval, um Ôba Ôba, quando na
verdade aquilo ali tem uma gica política de buscar realmente uma transformação
social e cultural. Tudo que toca, tudo que o capitalismo toca, que vira fetiche, a
gente por exemplo a questão do Cheguevara , que as pessoas, juventude hoje,
virou moda, é uma grife, todo mundo bota, mas e ai, onde é que tão os ideais do
41
Cheguevara, portanto onde é que tá os ideais da parada? Qual é o objetivo da
parada?” (Maria Aires, 48, Coordenadora do CELOS Coordenação Estadual de
Livre Orientação Sexual e lésbica assumida).
9
O mercado, enquanto simples local de estabelecimento de trocas, pode banalizar a
questão mais profunda no que diz respeito à formação, construção e reforço da identidade
homossexual, assim como o uso inconsciente de símbolos considerados símbolos gays, como
a bandeira do arco-íris:
Olha, as pessoas estão usando a camiseta do Che, mas não sabem, não é... o que é
que significava, o que é que ele queria, porque é que ele morreu, quais os ideais,
não é.. então a mesma coisa, as pessoas podem comprar a bandeirinha do arco-íris,
utilizar o triângulo rosa, mais porque é bonito! E ai não tem nem um compromisso
com a questão dos direitos dos homossexuais” (Maria Aires).
Ao que parece a noção de movimento homossexual foi possível apenas através da
articulação do conceito de identidade sexual como princípio organizador do universo sexual.
Sendo progressivamente chamado de movimento gay, este tipo de ação potica surgiu nas
décadas de 70 e 80 e firmou-se definitivamente durante os anos 90 (NUNAN, 2003).
Igualmente importantes foram os movimentos políticos e sociais de esquerda tendo-se
em vista a ligação existente entre eles. No Brasil, particularmente no Rio de Janeiro, aliados a
esses movimentos sociais, a luta pelos direitos dos homossexuais se intensificou nos anos 70.
Ao que parece, no caso da esquerda, as questões baseadas em classe (a “luta maior”)
ganharam prioridade sobre as especificidades de gênero ou raça, que foram desqualificadas
como uma forma de “luta menor” (FRY; MACRAE, 1983).
Em Teresina, ao final dos anos 80 e início dos anos 90, tomou-se conhecimento da
existência do primeiro grupo de defesa dos direitos dos homossexuais o grupo Free. Não
obstante, a escolha do nome do grupo e inflncia do movimento propagado a partir dos
9
Maria Aires foi convidada para ser Coordenadora do CELOS assim que iniciou a atual gestão do PT no Governo Estadual
quando criada a coordenadoria em 2003. Sempre foi militante, mas voltada para causas do sindicato dos servidores da
Saúde do município, da qual faz parte. A militância nas causas que dizem respeito à sua própria sexualidade são recentes,
porém o é recente o seu entendimento acerca de sua opção sexual. Autodidata (como ela mesmo se define) tem uma
visão profunda e coerente de história e filosofia. De família pobre, evangélica e oriunda do interior do Maranhão, tem um
histórico marcado de lutas e convicções.
42
Estados Unidos, refere-se ao próprio sentimento de “liberdade” de expressão que se faz mais
presente a partir de então.
O grupo Free se extinguiu ao final da década de 90, era dirigido pelo professor
Francisco Soares (então delegado do Ministério da Educação) e por Soraia Moraes
(jornalista), e era um movimento que comava a consolidar as organizações homossexuais da
cidade. Hoje, a Coordenadora da CELOS, ao ser questionada sobre o porquê da não
participação mais efetiva do grupo naquele momento indagou:
“Quando eu ingressei no PT (Partido dos Trabalhadores) em 85, 86, o partido já trazia
no seu estatuto um manifesto de defesa dos direitos das mulheres, dos negros e de
homossexuais, mas eu era sozinha... era dirigente de categoria (dos servidores
públicos municipais), e o conhecia ninguém que de fato assumisse publicamente.
era muito apagada na questão de minha homossexualidade. O grupo FREE foi o
primeiro grupo que se teve notícia e nós abrimos as portas do sindicato, aqui em
Teresina, para o pessoal fazer a reunião lá [...] a gente via um número significativo de
muitas pessoas, um número significativo, já naquele período, fazendo a discussão de
política para homossexuais” (Maria Aires).
O primeiro grupo de defesa dos direitos homossexuais de Teresina foi extinto no final
da década de 90. Hoje os grupos se multiplicam, mesmo que timidamente, pela capital e
interior do Piauí. O grupo MATIZES, criado em 2002, o grupo GUARÁ (Parnaíba), o
GRUVCAP (Grupo de Voluntários de Cajueiro da Praia) e o mais recente grupo criado, com
seis meses de existência, em Barras, o grupo BABAÇU ROSA.
De acordo com Parker (1991) o mercado gay que se desenvolveu nos últimos anos, uniu
sexualidade e economia de uma forma nunca antes vista. Em seu estudo sobre o mercado que
se desenvolveu no Rio de Janeiro (referência no que diz respeito à existência de um mercado
mais segmentado, sofisticado e crescente), este mercado se baseou no sistema de gênero
tradicional ao mesmo tempo em que se liga a uma série de estruturas sociais e ecomicas
características do “mundo gay internacional” do final do século XX. Assim, bares, cafés,
boates, saunas e outros estabelecimentos direcionados para o público homossexual se
tornaram, não apenas lugares para encontrar parceiros, mas servem igualmente a um tipo
43
específico de socialização por ocorrer em um contexto parcialmente livre de discriminação e
preconceito.
O que caracteriza esse mercado enquanto mercado rosa, é que os locais que ofertam
bens ou serviços voltados para o público gay, se auto-identificam também como gays, e
perseguem essa clientela por ser a mesma, um segmento diferenciado, sendo que a maioria
dos donos de empresas do ramo são homossexuais. No entanto, em Teresina, alguns bares
como o Café Café, e a única boate gay “assumida” da cidade, a Metalúrgica, possuem donos
que assumem sua heterossexualidade. Essa questão sobre a opção sexual dos referidos
empresários foi abordada antes mesmo desse questionamento, onde fizeram questão de frisar,
com veemência, sua orientação sexual.
Se para o empresário, o objetivo é o lucro, para o consumidor de determinado bem ou
serviço, o objetivo é a satisfação de um desejo que, por vezes, é muito mais subjetivo. A
necessidade do convívio coletivo, da segurança e qualidade do atendimento, direcionam o
público, dito GLS, a locais que se autodesignam também como GLS. Os lugares citados
anteriormente são exemplos do se sentir à vontade” por parte do público em questão, assim
como o bar Pride (bar mais freqüentado por homossexuais masculinos; gays e travestis) e os
bares Oficina e Faculdade (bares mais freqüentados por homossexuais femininos; lésbicas).
Ao ser questionado sobre a opção de se colocar uma boate GLS no centro de Teresina,
um dos sócios da boate afirmou:
“Olha, essa história de colocar uma boate gay foi meio que por acaso, eu mesmo
não sou gay, mas de repente quando eu vi um dia, a casa estava cheia de gays e
então percebi uma boa opção de mercado pois eles gostam desse estilo tecno que
nós colocamos na boate e são fiéis frequentadores” (Júnior, 30, cio da boate
Metallúrgica, grifo nosso).
Certo é que esse público gay é também visto como possuidores de mais “dinheiro para
gastar”. Elevados desejos de consumo e mercado ainda insipiente, no que diz respeito a
quantidade de empresas do ramo, são a fórmula certa para quem quer investir e não está
preocupado com estigmas. Isso é reforçado em inúmeras reportagens, como coloca uma
44
importante revista de circulação nacional em 2003, ao expor uma conquista igualmente
importante, que não são os avanços de natureza legal, mas sim os de caráter econômico.
“Como a maior parte dos gays não tem família para criar nem escola de criança para pagar,
suas despesas mensais fixas são mais baixas que as dos heterossexuais. Isso aumenta
significativamente seu poder de compra, o que os torna bem-vindos nas lojas, agências de
viagens, corretoras de móveis” (ANTUNES, 2003, p. 72-81).
“Sem eles (o público GLS) a gente não funciona, a casa é... a casa precisa desse
tipo de gente porque a gente se bem tanto no lado financeiro, como no lado
emocional. A gente (empresa e público) se muito bem... eu não tenho nenhum
preconceito, muito pelo contrário. Eu compro briga com quem fala mal, ofende ou
maltrata por conta do puro preconceito (Sobrinho, 32, Dono do bar Café Ca).
Essas informações remetem ao comportamento das empresas voltadas para o público
GLS e apontam, por parte dessas empresas, uma preferência por liquidez e altas taxas de
lucro. De fato, fração da população homossexual onde os homossexuais de hoje vivenciam
uma situação bem parecida com a da burguesia no início do capitalismo, ou seja, possui
dinheiro, no entanto, lhe falta o reconhecimento social. A economia acaba potencializando o
movimento de liberação sexual, influenciando nas condições que moldam como a sexualidade
é expressa.
Os consumidores do mercado rosa, em particular do mercado de entretenimento que é
mais visível, intensificam conscientemente ou o, a demanda por políticas de combate a não-
discriminação nas diferentes esferas de governo, fazendo jus ao poder de consumo que
possuem. No entanto, faz-se saber que a própria Constituição Federal preceitua:
Art. 1.º A república Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos
Estados Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de
Direito e tem como fundamentos:
I (...)
II (...)
III a dignidade da pessoa humana;
IV (...).
45
De fato, nenhuma lei no Brasil criminaliza a homossexualidade. O art. 3º, IV da
Constituição Federal, prevê como um dos objetivos fundamentais da República Federativa do
Brasil a promoção do bem de todos, proibindo qualquer tipo de preconceito ou discriminação.
Art. 3º. Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II (...)
III (...)
IV promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e
quaisquer outras formas de discriminação.
Com efeito, o art. 5º, caput, parte, da Constituição Brasileira reproduz, à primeira
vista, uma igualdade formal.
10
Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza [...]
O princípio da igualdade, em sua dimensão formal, objetiva a superação das
desigualdades entre as pessoas, por intermédio da aplicação da mesma lei a todos. Na esfera
da sexualidade, âmbito onde a homossexualidade se insere, isto significa, em princípio, a
extensão do mesmo tratamento jurídico a todas as pessoas, sem distinção de orientação
sexual homossexual ou heterossexual. Essa é a conseqüência necessária que decorre do
aspecto formal do princípio da igualdade, proibitiva das discriminações por motivo de
orientação sexual. A igualdade formal estabelece uma interdição para a diferenciação de
tratamento: as desigualdades poderão ser toleradas se fundadas em motivos racionais, em
indagação que, por ser pertinente à dimensão material do princípio da igualdade, ultrapassa o
âmbito da igualdade formal (RIOS, 2002, p. 23).
Se o princípio de igualdade existe e preo que é exposto no artigo da Constituição
Federal, não é necessária uma lei particularizante. Poderíamos entender, então, que toda e
qualquer lei proposta e sancionada pelo governo, nas diferentes esferas, não trazem nada de
novo.
10
Igualdade jurídica formal é igualdade diante da lei. Ela pede a realização, sem exceção, do direito existente, sem
consideração da pessoa: cada um é, em forma igual, obrigado e autorizado pelas normalizações do direito, e, ao contrário, é
proibido e autorizado pelas normalizações do direito, e, ao contrário, é proibido a todas as autoridades estatais, não aplicar
direito existente em favor ou à custa de algumas pessoas. (HESSE, K. apud RIOS, 2002, p. 21)
46
Resguardada a intimidade, todos têm o direito de ir e vir, bem como são livres para
escolher com quem se relacionar, conforme explana a Carta Magna. A livre escolha é
garantida pela própria lei, e, como afirma Taísa Ribeiro Fernandes (2004, p. 33), em seu livro
Uniões Homossexuais”, a cidadania, como forma de expressão da sexualidade, tem de ser
garantida ao homossexual, visto que a homossexualidade em si, não é atitude de agressão a
ninguém. Terrivelmente agressivos são o preconceito e a rejeição de que são alvo os
homossexuais.
Os grupos de luta contra discriminação e preconceito buscam, ao longo de décadas, a
aceitação enquanto grupo social. Não se trata aqui de uma luta em busca de permissão para
casamento entre pessoas do mesmo sexo, e sim de aceitação e permissividade no que diz
respeito ao carinho entre pessoas do mesmo sexo, bem como direitos legais comuns aos casais
heterossexuais, tais como adoção de crianças e divisão de patrimônio que pouco a pouco o
direito brasileiro concretiza, abrindo caminho para o reconhecimento de um direito
constitucional mais abrangente: o direito de exercer a sua liberdade de escolhas.
A demanda por parte dos homossexuais é vista, por exemplo, através da criação de
Organizações Não-Governamentais (ONG‟s) ou movimentos sociais que se apresentam
enquanto disseminadores de idéias que pregam a não-discriminação, quer seja através do voto
em poticos que dão apoio a poticas blicas favoráveis aos homossexuais, ou mesmo com
o uso de produtos oriundos de empresas que se dizem “amigos” dos gays, bem como o
boicote no uso de marcas que vetam ou estigmatizam esse público. Todos contribuem,
sobremaneira, para a expansão de poticas blicas que possuem, no chamado mercado rosa,
um reflexo do que vem a ser essa demanda social. Reflexo, no sentido de que o capitalismo,
enquanto sistema econômico, que possui como características inatas; a existência de classes
sociais, obtenção do lucro e propriedade privada, trás em seu âmago, o desenvolvimento de
práticas econômicas que refletem, diretamente, mudanças culturais oriundas da própria
47
evolução da sociedade enquanto sociedade civil organizada, democrática, e, culturalmente
diversificada.
Entendido, mesmo que de forma simplificada, que a sociedade brasileira possui
demandas sociais que devem ser atendidas pelo governo, visto ser essa a potica adotada por
um governo que utiliza uma modelo neoliberal, e também keynesiano, ao interferir
diretamente no mercado de forma macro ou microeconômica, é possível observar uma
diversidade de programas e projetos que visam a redução da discriminação e do preconceito
existentes contra os homossexuais masculinos e femininos do Brasil.
No entanto, o governo interage com os diferentes grupos sociais movido por interesses,
quer sejam particulares ou eleitoreiros. Mesmo os que não são militantes de causas designadas
homossexuais, dão algum tipo de apoio aos políticos que desenvolvem ações favoráveis à esse
grupo. Não obstante, é comum fazerem a relação entre o político “amigo dos gays e o
“inimigo dos gayse, apesar de afirmarem os entrevistados que votar em homossexuais não é
o mais importante, é unânime o entendimento de que é preciso votar em quem reconhece a
causa ou é favorável a ela.
O Grupo Gay da Bahia (GGB) possui uma grande importância no movimento
homossexual, tanto por sua refencia histórica como pelo elevado nível de atuação. Esse
grupo criou uma espécie de troféu para os que balizam contra a causa gay chamado troféu
pau de sebo” onde a divulgação dos ganhadoresdo prêmioé massificada nos canais da
mídia, no intuito de esclarecer quem é quem no jogo político. Esse jogo de interesses,
muitas vezes, é o que está por trás do atendimento de determinadas reivindicações, assim
como a existência maciça de produtos do mercado rosa que, com o aumento da demanda,
eleva a sua oferta e exerce pressão política com o aumento de visibilidade.
As leis produzidas ao longo dos últimos anos regularizaram fatos muitas vezes já
existentes que criaram jurisprudência favorável aos homossexuais. A Lei Orgânica do
48
Município de Teresina, em adendo ao artigo , e a Lei Estadual 5.431/2004 são frutos
dessa demanda social que, em sentido genérico, representa um ajustamento continuado entre
Estado e sociedade civil organizada, influenciando, sobremaneira, no aumento de sua
visibilidade, no caso, a visibilidade dos homossexuais.
No âmbito federal, o governo lançou no ano de 2004 o programa “Brasil sem
Homofobia”, que tem como objetivo desenvolver a educação e a mudança de comportamento
dos gestores públicos, de modo a promover a cidadania de gays, lésbicas, transgêneros
(travestis, transexuais) e bissexuais, a partir da equiparação de direitos e do combate à
violência e à discriminação. Somente no ano de 2005 o Estado do Piauí iniciou a apresentação
do programa, com vistas à instalação de poticas de promoção dos direitos dos homossexuais,
amparadas na elaboração de instrumentos técnicos que apóiem e respondam às demandas do
grupo, dando particular atenção às questões ligadas à saúde, segurança, educação, cultura e
justiça.
A apresentação do programa se fez de forma seriada, inicialmente com sua explanação
junto aos gestores sociais e a participação de funcionários de instituições blicas, buscando
com isso o apoio inicial e institucional do quadro de pessoal que trata diretamente com a
população de forma geral, para depois ser levada à sociedade civil de forma mais ampla.
O programa iniciou sua apresentação aos órgãos públicos no mês de abril do ano de
2005, tendo uma participação efetiva com uma freqüência média de 50% (cinqüenta por
cento) da capacidade sica dos auditórios utilizados que, no entanto, é analisada de forma
positiva pela organização dos seminários, por serem estes, enquanto participantes, possíveis
disseminadores das idéias de promoção da cidadania homossexual. Na realidade, até meados
do ano de 2005, o programa não conseguiu passar da teoria para a prática, visto a morosidade
de atuação e implantação de suas diretrizes básicas que esbarram na falta de dotação
49
orçamentária e apoio logístico do Governo Federal. Um ano após o lançamento do programa
suas diretrizes ainda não saíram do papel.
Existem previsões constitucionais específicas, com leis antidiscriminatórias que
protegem sua população homossexual em estados como São Paulo, Minas Gerais, Rio de
Janeiro, Rio Grande do Sul e no Distrito Federal. No estado do Piauí, considerado um dos
estados mais pobres do país, com taxas alarmantes no que diz respeito à educação, melhor
dizendo, à falta dela, deu-se destaque ao acompanhamento e implantação de programas que
abordam a questão.
Em dezembro de 2004, a lei nº 5.431/2004 foi sancionada, depois de ser aprovada por
unanimidade pela Assembléia Legislativa do Estado, e prevê a proibição de discriminação por
preferência sexual”.
A lei é fundamental na história da luta contra a discriminação dos homossexuais e
coloca o Piauí à frente de outros estados, no que diz respeito ao atendimento de demandas
específicas desse grupo social. A Deputada Estadual Flora Isabel responsável, na
Assembléia Legislativa, pela elaboração do projeto de lei, em conjunto com a Coordenação de
Livre Orientação Sexual CELOS e o grupo MATIZES afirma:
Esta lei sancionada pelo governador é um marco na história do Pia porque
estabelece a cidadania homossexual a partir de uma legislação aprovada no Estado
(Flora Isabel, 43, Deputada Estadual do Piauí).
A lei pune atos discriminatórios contra gays, lésbicas, bissexuais e transgêneros
(travestis e transexuais), impondo sanções administrativas que variam, com multas de R$
1.000,00 a 50.000,00, bem como na interdição de contratos feitos com órgãos públicos. Entre
os casos possíveis de punição está preterir, sobretaxar ou impedir a hospedagem em hotéis,
motéis, pensões ou similares de alguma pessoa em razão de sua opção sexual. De acordo com
a lei:
Art. 6º. A pessoa jurídica de direito privado que, por ão de seu proprietário,
dirigente, preposto ou empregado, no efetivo exercício de suas atividades
profissionais, praticar ato previsto no artigo desta lei fica sujeita as seguintes
penalidades:
50
I advertência;
II multa de R$ 1.000,00 (um mil reais) a R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais),
atualizados por índice oficial de corrão monetária, a ser definido na
regulamentação desta Lei;
III suspensão da licença estadual para funcionamento por 30 (trinta) dias;
IV interdição do estabelecimento;
V inabilitação para acesso a crédito estadual;
VI rescisão de contrato firmado com órgão ou entidade da administração pública
estadual;
VII inabilitação para recebimento de isenção, remissão ou qualquer outro
benefício de natureza tributária.
No entanto, apesar da existência da lei, ela pode ser acionada no que diz respeito à
discriminação praticada por servidores públicos estaduais, visto o não cumprimento do que
estabelece o Art. 10º, dos prazos de regulamentação da lei. A não observância dos prazos
regimentais para sua regulamentação tornou-a letra morta no que diz respeito ao cumprimento
no Art. 6º, por não haver mecanismos estabelecidos em lei, como a determinação de qual
óro responsável pela apuração e procedimentos legais, frente às denúncias contra empresas
privadas. A discriminação parece ser a melhor explicação para esse fato, refletida na retirada
da votação na Assembléia Legislativa, bem como abstenções ou ausências dos parlamentares
nos dias em que é pautada a questão.
No que diz respeito ao âmbito municipal existe previsão de proibição explícita de
diferenciação por orientação sexual na legislação dos seguintes municípios, agrupados por
estados:
1) Bahia: América Dourada, Caravelas, Cordeiros, Igaporã, Rodelas, Sátiro Dias,
Wagner, Araci, Cruz das Almas, Rio do Antônio, Itapicuru, São José da Vitória e
Salvador; 2) Espírito Santo: Guarapari, Santa Leopoldina e Matenópolis; 3) Goiás:
Alvorada do Norte; 4) Maranhão: São Raimundo das Mangabeiras; 5) Minas
Gerais: Cataguases, Elói Mendes, Indianápolis, Itabirinha de Mantena, Juiz de Fora,
Maravilhas, Ourofino, São João Nepomuceno e Visconde do Rio Branco; 6)
Paraíba: Aguair; 7) Paranâ: Atalaia, Cruzeiro do Oeste, Ivaiporã, Laranjeiras do Sul
e Mirasselva; 8) Pernambuco: Bom Conselho; 9) Piauí: Pio IX e Teresina; 10) Rio
de Janeiro: Itatiaia, São Sebastião do Alto, Cachoeiras do Macacu, Cordeiro, Italva,
Laje do Muriaé, Niterói, Paty do Alferes, São Gonçalo, Três Rios, Silva Jardim e
Rio de Janeiro; 11) Rio Grande do Norte: Grosso e São Tomé; 12) Rio Grande do
Sul: Porto Alegre e Sapucaia do Sul; 13) Santa Catarina: Abelardo Luz e Brusque;
14) São Paulo: São Paulo, Cabreúva e São Bernardo do Campo; 15) Sergipe:
Itabaianinha, Canhoba, Amparo de São Francisco, Poço Redondo, Riachuelo e
Monte Alegre de Sergipe; 16) Tocantins: Porto Alegre do Tocantis e Peixe (RIOS,
2002, p.32-33, grifo nosso).
51
Teresina, enquanto capital de um Estado nordestino, que se define como “cidade-
serviços”, visto a capacidade e direcionamento econômico local, possui também o mérito de
ter conseguido, ao longo dos últimos anos, destaque em questões tratadas pelo governo
municipal, que dizem respeito à promoção dos direitos dos homossexuais, saindo à frente na
aprovação e regulamentação de alguns desses direitos.
A Lei Orgânica do Município de Teresina, sancionada em 1992, teve a aprovação de um
adendo em seu Art. 9º, Título II, Dos direitos e garantias individuais e coletivas:
Art. . Ninguém será discriminado ou privilegiado em razão de nascimento, etnia,
cor, sexo, deficiência física ou mental, idade, estado civil, orientação sexual,
convicção religiosa, política ou filosófica, trabalho rural ou urbano, condição social,
ou por ter cumprido pena (grifo nosso).
A aprovação do adendo à lei ocorreu em 2002, obtendo, tal qual a lei estadual, uma
distância considerável entre elaboração e regulamentação. Sinônimo, de acordo com Maria
Aires, coordenadora da CELOS Coordenação Estadual de Livre Orientação Sexual (Órgão
vinculado à Secretaria Estadual de Assistência Social e criado no governo atual), do
preconceito por parte de muitos políticos, que travaram empecilhos no intuito de dificultar a
sua divulgação e votação na Câmara Municipal. A atuação de poticos, ligados a partidos de
esquerda, foi fundamental para a constituição e aprovação dessa lei, sem deixar de observar a
importância relativa da participação de grupos de apoio ao movimento homossexual.
“Esse projeto ficou engavetado por muitos anos, muitos dos que participam de
órgãos ou movimentos a favor de políticas para os homossexuais nem sequer
sabiam da existência dessa lei... O papel de pressão que o Jacinto Teles (vereador)
teve foi muito importante, foi ele quem ficou pressionando pela votação desse
adendo na lei” (Maria Aires).
Em 2002, a Câmara Municipal de Teresina aprovou a Lei nº 3.471/2002 que criou um
serviço de disque-denúncia chamado Disque Cidadania Homossexual”, ligado à Secretaria
Municipal do Trabalho, Cidadania e Assistência Social (SEMTCAS). O serviço passou a
funcionar no ano de 2004, tendo no grupo MATIZES e na Ordem dos Advogados do Brasil
seus principais parceiros. De acordo com a Secretária Municipal, Umbelina Jales, o serviço
superou as expectativas quanto ao número de ligações.
52
“São muitas as ligações solicitando aconselhamento e orientação sobre convívio
familiar, aceitação na sociedade, entre outras situações [...] recebemos ligações
em que a pessoa coloca o próprio pai na linha para receber as orientações, isso é
muito positivo, pois mostra que o serviço está começando a conscientizar a
população do respeito ao homossexual” (Umbelina Carvalho, Secretária
SEMTCAS).
O número elevado de ligações, quer seja denunciando, quer seja buscando orientões
ou tirando dúvidas reflete, também, a necessidade da prestação de esclarecimentos jurídicos
ou sociais junto ao público homossexual, que subsídio às proposições governamentais de
acordo com o que é demandado pela populão atendida. A participação do Ministério
Público é fundamental no que diz respeito ao atendimento das demandas existentes. No
entanto, o há efetividade nas ações do Ministério que muitas vezes se omite como afirma a
Coordenadora do grupo MATIZES:
“Cabe a ele (o Ministério Público) fazer a denúncia no caso dos crimes motivados
por homofobia, mas esses crimes estão engavetados, pois o ministério não isso
como agravante, pelo contrário, na prática eles acham que é atenuante o cara ser
gay, lésbica ou travesti (Marinalva Santana, 33, Coordenadora do Grupo
MATIZES).
11
O grupo MATIZES, em parceria com a SEMTCAS, indica pessoas que sejam gays,
lésbicas ou travestis, para se responsabilizarem pelo atendimento das ligações no Disque-
Cidadania, bem como orientar e dirimir dúvidas aos cidadãos que fazem uso desse serviço.
A defensoria pública, óro autônomo que funciona, entretanto, dentro da estrutura do
Executivo, criou um Núcleo de Atendimento às Vítimas de Discriminação no início de 2005.
Esse núcleo, proposto pelo grupo MATIZES, é uma resposta às demandas sociais que se
aprofundam à medida que aumenta a visibilidade dos homossexuais. O atendimento do núcleo
diz respeito às vitimas de discriminação por orientação sexual, raça/etnia e outras patologias
(MOURA, 2005).
11
Marinalva de Santana Ribeiro é uma das fundadoras do grupo MATIZES, passando a ser coordenadora do
grupo em 2003. Advogada de formação, sua vida também foi marcada pela participação em movimentos
estudantis, tornando-se a primeira mulher presidente do Diretório Central dos Estudantes da Universidade
Estadual do Piauí (UESPI) no início da década de 1990. Extremamente politizada, tem boa articulação com o
setor político da cidade, o que permitiu, dentre outras conquistas, o fortalecimento do grupo e de sua própria
identidade enquanto lésbica assumida.
53
Na seqüência, a criação de uma Delegacia de Proteção aos Direitos Humanos e
Repressão às Condutas Discriminatórias é outra das reivindicações propostas pelo grupo
MATIZES em janeiro de 2005. O projeto de lei para a criação da delegacia das minorias foi
aprovado em junho pela Assembléia Legislativa e sancionado pelo Governador do Estado
Piauí. O serviço é inédito no Brasil e deverá iniciar seus trabalhos a partir de agosto (LOPES,
2005).
A proposta inicial da criação da delegacia teve uma alteração significativa na lei por
parte da Assembléia legislativa Estadual, que reitera o papel de atuação na prevenção e
repressão aos crimes contra os direitos humanos e às condutas discriminatórias em geral,
apesar da proposta inicial especificar a motivação que deve ser em razão de raça/etnia,
orientação sexual, dificuldade de acessibilidade e patologias especiais. Por não haver
referência específica na lei ao tipo de discriminação que vai combater, a movimentação dos
grupos de defesa em questão se faz necessária para pressionar o governo a aceitar a proposta
de emenda que vai nominar quais os sujeitos atendidos pela delegacia, retirando o caráter
genérico aprovado pela Assembléia, visto que, a rigor, todo crime é um atentado aos direitos
humanos. Caberá à Delegacia a adoção de todas as provincias cabíveis, com a instauração
de inquérito policial, visando à apuração dos crimes que ferem o princípio da dignidade da
pessoa humana. A qualificação dos agentes que irão atuar na delegacia e a articulação com
outros órgãos que possam dar agilidade à sua atuação, são também propostas por órgãos de
defesa dos homossexuais, que pressionam o Estado para a promoção de políticas que visem o
enfrentamento de queses ligadas à violência contra essa parcela da população.
O reconhecimento por parte do Estado da existência de homossexuais, enquanto sujeitos
sociais e poticos que pressionam e exigem espaços específicos, denota sua relevância e
imprime um caráter de atuação continuada à medida que sua visibilidade é crescente, bem
como crescentes são, também, os direitos exigidos por eles.
54
No termo jurídico, o ápice das lutas por direitos homossexuais ocorreu em torno da
reivindicação pelo direito à união civil entre pessoas do mesmo sexo. O elemento
deflagrador foi o projeto de lei 1.151/95, conhecido como projeto de Parceria Civil
Registrada e criado pela então deputada federal Marta Suplicy (PT), seguindo uma
tendência internacional (TREVISAN, 2002, p. 381, grifo do autor).
No que diz respeito ao mercado, também ascendente, na conquista de espaços sociais,
estes indivíduos homossexuais afirmaram-se como sujeitos com poder de compra relevante.
Essas conquistas o resolveram todos os seus problemas, mas, ao contrário, criaram modelos
ideais pré-estabelecidos de consumidores. São os homossexuais do mercado rosa: jovens,
bonitos, adoram viajar, bem vestidos, antenados com o que dita a moda, música e literatura. O
homossexual ideal é possível para determinados grupos. Ora, mas se esses sujeitos são
múltiplos, múltiplas também são suas identidades e, por conseguinte, múltiplas são suas
representações. O mercado, assim, daria condições não de formação de uma identidade única
e acabada, mas ao dar visibilidade a esse grupo acaba, também, por fornecer elementos
constitutivos de afirmação social.
3 IDENTIDADES E SOCIABILIDADES HOMOSSEXUAIS EM TERESINA
Apresentadas questões relativas à construção da homossexualidade ou das
homossexualidades no Brasil, bem como a existência de poticas blicas direcionadas a
redução da discriminação contra esse grupo, voltamos as atenções para o entendimento
daqueles que fazem parte desse grupo, bem como dos que promovem as poticas, para
verificar através de pesquisa qualitativa, qual o comportamento assumido, não enquanto grupo
social, mas, também, enquanto segmento econômico que cresce e exige o direito de consumir,
demonstrando assim sua força.
As pesquisas sobre mercado gay no Brasil, que despontam a partir dos anos 2000, são
baseadas, tanto em pesquisas iniciadas nos Estados Unidos, como pela observância do
crescimento de um mercado que desponta como nicho em potencial. As empresas buscam
saber mais de seus clientes para, com isso, obter lucros crescentes, como crescentes são,
também, as necessidades do indivíduo, tendo em vista a própria evolução do capitalismo e de
todas as nuances que a tecnologia e o marketing podem provocar. Com esse crescimento
emergem, também, reivindicações de direitos e liberdades, outrora tolhidos pelo preconceito e
discriminação historicamente construídos.
Na quarta pesquisa realizada em 2004, junto a 1.122 usuários do Mix Brasil, alguns
dados foram obtidos no intuito de tecer um perfil dos freqüentadores do site, como se seguem:
74,60% se autodefiniram homossexuais, 3,73% heterossexuais; 18,65% bissexuais; 0,18%
Transexual; 0,89% não responderam; e 1,95% do total o se enquadravam em nenhuma das
opções anteriores.
A Internet é um meio de comunicação muito utilizado e que afetou a vida das pessoas,
independentemente de sua orientação sexual, no entanto, no que diz respeito aos dados
56
expostos anteriormente, o Mix Brasil (local de realização da entrevista, dentro do provedor
UOL) é uma das preferenciais opções de pessoas homossexuais, que encontram, nesse
veículo, tanto a privacidade como a possibilidade de encontrar outros com o qual se possa
conversar abertamente sobre sua sexualidade atendendo, assim, interesses comuns e
demandas particulares.
Em outras palavras, através da rede mundial de computadores os seres humanos
teriam acesso praticamente ilimitado a informações, produtos e serviços, além de
poderem se relacionar com pessoas do mundo inteiro. [...] a internet teria trazido
muitas mudanças para a comunidade homossexual, sobretudo os indivíduos não-
assumidos, tímidos, que moram em cidades do interior ou são bissexuais. [...] a rede
mundial funcionaria igualmente como uma opção de lazer para pessoas que não têm
acesso econômico aos lugares de freqüência homossexual, além de permitir que
adolescentes gays possam conversar abertamente sobre sua sexualidade, sabendo
que não estão sozinhos no mundo (NUNAN, 2003, p. 327).
No que diz respeito à educação, 0,98% possuem o grau, 21,67% possuem o grau,
55,68% dos que participaram da pesquisa possuem curso superior, 20,34% possuem s-
graduação e 1,33% o responderam. Esse dado é importante se salientarmos que, de acordo
com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IBGE, pelo censo 2000, entre a
população de 25 anos ou mais de idade (85,4 milhões), 5,8 milhões concluíram o curso
superior (graduação, mestrado ou doutorado), o equivalente a 6,8% desse total.
Ainda de acordo com os dados obtidos pelo site, em sua grande maioria residem na
Grande São Paulo, num total de 33,30%, o interior de São Paulo aparece com 13,06%, Rio de
Janeiro 10,83% e o Nordeste aparece com um total de 9,86%, sendo os 32,95% restantes
distribuídos para as outras regiões do país. Em termos salariais os dados obtidos revelam uma
renda acima da média nacional, visto somente 29,84% declararem ter uma renda mensal
pessoal inferior a R$ 1.000,00, 28,95% possuem renda de R$ 1.000,000 a R$ 2.000,00,
20,34% com renda de R$ 2.000,00 a R$ 4.000,00 e 17,14% declararam ter renda acima de R$
4.000,00, e os restantes 3,73% do total não responderam, logo, essa potencial parcela que
declarou receber mais de R$ 2.000,00 pode representar uma fatia de consumidores à espera de
produtos “identitários” com os quais possa gastar seus restos salariais ociosos.
57
Os dados acima refletem potencial mercado a ser explorado. Muitos são os
homossexuais que possuem renda substancial para consumo, assim, é necessário analisar,
dentro de uma visão econômica, quem é e quais as características dessa fatia de mercado.
Em diferentes revistas e jornais de grande circulação o assunto deixou de ser explorado
somente em época de paradas gays, para assumir presença constante no noticiário brasileiro e
regional. Não incomum encontrar nos sites e jornais locais artigos que tratam da implantação
de poticas públicas direcionadas para os homossexuais.
A Televisão, veículo que atinge a grande maioria da população brasileira, tem explorado
de forma contínua o tema. Só para fazer uma rápida cronologia dos últimos anos, basta
observar que, independentemente do horário e dando preferência ao chamado “horário nobre”
das 20 horas, as novelas da Rede Globo de Televisão têm explorado “casais homossexuais”.
A primeira a inserir a temática gay no seu roteiro foi a novela “O Bofe” (1972), na Rede
Globo, onde o ator Ziembinski representava um travesti, chamado Stanislava, que vivia
sonhando com seu príncipe encantado, um trapezista de circo. O mesmo ator representou
também outro personagem gay em O Rebu” (1975), na mesma emissora, novela no qual
apareceu o primeiro casal de sbicas na TV brasileira: Glorinha e Roberta, representadas
pelas atrizes Isabel Ribeiro e Reginna Viana.
Com o passar dos anos, outras novelas, principalmente da rede Globo, abordaram a
temática homossexual. “Os Gigantes” (1979), “Brilhante” (1981), “Roda de Fogo (1986),
Vale Tudo” (1988), “Xica da Silva” (1997) apresentada na TV Manchete, “Torre de Babel” e
“Por Amor(1998), “Explode Coraçãoe “Suave Veneno” (1999), “Um Anjo que Caiu do
Céu” (2001) e “Mulheres Apaixonadas” (2003). Nesta última, as personagens Clara e
Rafaela, vividas, respectivamente, pelas lindas, jovens e femininas atrizes, Aline Moraes e
Paula Picarelli, despertaram grande aprovação popular e contribuíram para a elevação de
alguns pontos de audiência da novela de Manuel Carlos. Todas essas novelas se utilizaram de
58
personagens gays, lésbicas, travestis ou bissexuais, confirmando que a “arte imita a vida”. No
caso das novelas brasileiras vale considerar que o fator aceitação, por parte dos
telespectadores, pode ser confundido com o fato de que, o que é considerado “proibido” acaba
por representar mais audiência.
Em 2004, em horário nobre da Rede Globo, a novela das oito “Senhora do Destino”
apresenta um outro casal de lésbicas que, não só se assumiu como lançou mão de uma questão
ainda mais polêmica; a adoção de uma criança por esse casal homossexual, vivido pelas
personagens Eleonora (Milla Christie) e Jennifer (Bárbara Borges). A novela exibida em
seguida, no mesmo horário e canal América também trás em seu elenco um personagem
homossexual, Júnior, vivido pelo gaBruno Gagliasso, que vive o dilema comum ao jovem
que tenta ou se obrigado a se assumir para os pais, no caso, para a mãe, que como muitas
outras, idealiza o filho garanhão e seguidor dos passos do pai.
A questão não é a existência de gays ou lésbicas na TV, mas sim a freqüência e
receptividade com que esses personagens se multiplicam no elenco de grandes
superproduções. Enorme a lista que poderíamos citar de seriados, principalmente americanos,
onde a própria questão da vaidade, em especial a masculina, demonstra uma espécie de
normatização da moda imposta pelos gays. O programa Queer Eye For a Straight Guy,
apresentado em canal fechado da SKY, relata a transformação de um homem heterossexual, a
pedido de sua mulher ou namorada, por parte de um grupo de cinco gays, para que o homem
em questão passe por uma mudança no que diz respeito ao visual, vestuário, etiqueta e boas
maneiras.
Muitos, também, são os filmes, programas de humor, entre outros, que abordam a
temática homossexual nos seus mais diferentes ângulos, mas recentemente as novelas
brasileiras, de tanto alcance e notoriedade internacional trazem abordagens não estereotipadas
e com núcleos específicos.
59
Questionam-se, então, quais as mudanças que trouxeram à tona essa nova realidade?
Diminuiu o preconceito? Ou será que o mercado de compra e venda deixa de ser reverenciado
somente pelas leis da oferta e demanda, para assumir uma postura de aceitação de uma
identidade construída? A identidade homossexual.
A resposta para estas e outras questões relacionadas não são tão simples, mas o
entendimento inicial deve partir da análise de nossa realidade, ou seja, da realidade de nossa
cidade, de nosso bairro, de nossa casa. Os reflexos das conquistas e visibilidade do
movimento homossexual se fazem sentir mesmo dentre aqueles que nunca se permitiram
assumir sua própria homossexualidade. Conquistas que podem dar força para que os
indivíduos façam uso da expressão costumeiramente usada pelos gays sair do armárioou
pelas lésbicas “sair da cozinha”.
Para dar continuidade a essa discussão, neste capítulo pretendemos apresentar a relação
entre construção de identidade, formação de mercado e as diversas representações da
homossexualidade, a partir de entrevistas abertas, realizadas através de um roteiro pré-
estabelecido, que trata de temáticas relacionadas com formação de identidade e mercado.
Foram, também, realizadas entrevistas com gerentes ou donos de locais citados pelos sujeitos
da pesquisa como “espaços GLS”, ou seja, locais freqüentados pelo público aqui definido
como “público GLS”, que iremos compreender a partir do próprio entendimento do que vem a
ser esse mercado de bens e serviços voltados para os homossexuais e “amigos” dos
homossexuais. Essa referência ao termo GLS é um fenômeno tipicamente brasileiro e da qual
iremos nos apropriar.
O conceito GLS surgiu nos anos 90, tendo sido idealizado pelo publicitário paulista
André Fischer (Mix Brasil) e oficialmente apresentado em 1994. Trevisan (2002) discorda,
afirmando que a sigla foi baseada em certos modelos de carro que se enquadravam nas
categorias GL (Gran Luxo) e GLS (Gran Luxo Super). Para militantes de causas
60
homossexuais essa sigla estaria mesmo ultrapassada, devendo ser substituída por GLBT
(Gays, Lésbicas, Bissexuais e Transgêneros). No entanto, ao tratarmos de mercado GLS e
cultura GLS, referimo-nos a uma classificação que representa uma nova vertente das
homossexualidades brasileiras a partir da década de 1990 (GONTIJO, 2002).
12
Ao discutir a relação entre identidade, mercado e políticas blicas, o grupo de
entrevistados respondeu às seguintes questões: o que você entende por homossexualidade,
heterossexualidade e bissexualidade? Vo conhece algum símbolo ou sigla que seja
representativo para os homossexuais? O que é ser simpatizante? Através de quê os
homossexuais expressam sua identidade? Voconhece algum lugar de Teresina que seja
considerado GLS? Como avalia esses lugares? Qual o roteiro percorrido na noite teresinense?
A pesquisa fora realizada no período de seis meses, com 34 (trinta e quatro) pessoas,
sendo 18 homens e 16 mulheres, entre 17 e 48 anos, empresários, funcionários blicos,
políticos, profissionais liberais, estudantes, donos de bares ou boates, bem como
freqüentadores de empresas de entretenimento da cidade de Teresina, com renda variável de
02 (dois) a 92 (noventa e dois salários-mínimos).
No intuito de melhor esclarecer o perfil dos entrevistados, preferimos apresentar em
ordem alfabética, sob forma de tabela sinóptica, com um resumo das características dos
entrevistados colhidas em entrevistas abertas, com duração média de 45 (quarenta e cinco)
minutos. O uso de nomes fictícios (marcados com asterisco) dar-se-á no intuito de preservar o
anonimato das pessoas que assim o preferiram.
O último pico desse capítulo trata da apresentação de dados colhidos através de uma
enquete, realizada no dia 01 de Julho de 2005, que culminou com a IV Parada da Diversidade
ou parada gay de Teresina, fechando a Semana do Orgulho de Ser, onde foram realizadas
atividades e palestras que trataram de questões relevantes à homossexualidade.
12
Fabiano Gontijo (2002) acrescenta uma quarta classificação ao sistema proposto por Parker (1991) de cultura sexual do
brasileiro e apresentado no capítulo primeiro desse trabalho.
Ordem
Nome
Identidade
Sexual
Sexo
Biológico
Idade
Escolaridade
Profissão
Cor
13
Renda Familiar
(em salários-
mínimos)
Mora
sozinho?
Zona da cidade
onde mora
1
Adonis*
Homossexual
Masculino
24
Superior Completo
Professor
Branco
14
Não
Sul
2
Afrodite*
Homossexual
Feminino
23
Superior Incompleto
Prestador de Serviços
Parda
8
Não
Sul
3
Agamenon*
Homossexual
Masculino
33
Ensino Médio
Cabeleireiro
Branco
6
Sim
Leste
4
Ariadne*
Homossexual
Feminino
38
Superior Completo
Defensora Pública
Branca
25
Não
Leste
5
Atena*
Homossexual
Feminino
30
Superior Incompleto
Estudante
Parda
8
Não
Sul
6
Andrômeda*
Homossexual
Feminino
31
Ensino Médio
Incompleto
Auxiliar de Serviços Gerais
Negra
2
Não
Norte
7
Apolo*
Homossexual
Masculino
29
Superior Completo
Professor
Branco
2,5
Sim
Sul
8
Aquiles*
Homossexual
Masculino
21
Superior Incompleto
Assistente em escritório
Branco
Não informou
Não
Sul
9
Cleópatra*
Homossexual
Feminino
35
Superior Incompleto
Funcionária Pública
Parda
4,8
Não
Sul
10
Diana Márcia
Homossexual
Feminino
33
Especialização
Professora
Branca
9
Sim
Leste
11
Dionisio*
Homossexual
Masculino
24
Superior Completo
Estudante
Branco
5
Não
Centro
12
Elias
Homossexual
Masculino
34
Curso Técnico
Empresário
Branco
5
Sim
Centro
13
Eros*
Homossexual
Masculino
37
Superior Completo
Professor
Pardo
15
Sim
Timon/centro
14
Flora Izabel
Heterossexual
Feminino
43
Especialização
Parlamentar
Branca
-
Não
Sudeste
13
Apesar de sabermos de todas as nuances que permeiam a questão racial no Brasil, preferimos seguir as categorias de classificação de cor do IBGE: branco, pardo e negro.
15
Hades*
Homossexual
Masculino
17
Superior Incompleto
Estudante
Branco
10
Não
Sul
16
Hera*
Homossexual
Feminino
27
Especialização
Enfermeira
Branca
10
Sim
Norte
17
Hércules*
Homossexual
Masculino
33
Ensino Médio
Completo
Funcionário de sex-shop
Pardo
3,5
Sim
Timon/centro
18
Jorginho
Medeiros
Homossexual
Masculino
42
-
Promotor de eventos
Branco
Mais de 10
Não
Sul
19
Kátia Tapety
Travesti
Masculino
45
-
Vice Prefeita de Colônia do Piaui
Negra
-
Não
Colônia do Piauí
20
Maria Aires
Homossexual
Feminino
48
Ensino Médio
Incompleto
Técnica em enfermagem
Branca
02
Não
Sul
21
Marinalva
Santana
Homossexual
Feminino
33
Especialização
Advogada
Negra
10
Não
Norte
22
Minerva*
Homossexual
Feminino
35
Superior Completo
Professor
Parda
5
Sim
Norte
23
Midas*
Homossexual
Masculino
22
Superior Completo
Estudante
Pardo
25
Não
Centro/ Norte
24
Morfeu*
Homossexual
Masculino
17
Ensino Médio
Completo
Estudante
Branco
17
Não
Sul
25
Orfeu*
Homossexual
Masculino
20
Superior Incompleto
Estudante
Pardo
6
Não
Sul
26
Pandora*
Homossexual
Feminino
23
Superior Incompleto
Estudante
Branca
26
Não
Leste
27
Paulo Mota
Homossexual
Masculino
35
Especialista
Professor, Produtor de eventos e
consultor de moda
Branco
6 a 10
Não
Leste
28
Penélope*
Homossexual
Feminino
33
Especialização
Professora
Branca
9
Sim
Leste
29
Posidon*
Homossexual
Masculino
34
Especialista
Contador
Branco
25
Não
Sul
30
Sobrinho
Heterossexual
Masculino
32
Superior Incompleto
Empresário
Branco
90
Não
Centro
31
Teseu*
Homossexual
Masculino
30
Superior Completo
Estudante
Pardo
20
Não
Leste
32
Umbelina Jales
Heterossexual
Feminino
-
Especialização
Secretária Municipal
Branca
-
Sim
Leste
33
Dríope
Homossexual
Feminino
19
Ensino Médio
Completo
Estudante
Branca
Não respondeu
Não
Sul
34
Psique
Homossexual
Feminino
23
Superior Incompleto
Estudante
Branca
Mais de 15
Não
Norte
3.1 HOMOSSEXUALIDADE, HETEROSSEXUALIDADE E BISSEXUALIDADE
O que você entende por homossexualidade, heterossexualidade e bissexualidade?
As respostas dos pesquisados acerca da concepção sobre a homossexualidade, revelam o
entendimento unânime que coloca a homossexualidade como a manifestação do desejo por
pessoas do mesmo sexo.
“Homossexualidade é quando duas pessoas do mesmo sexo se encontram, se tocam
e também é o objeto de desejo é... pelo mesmo sexo. Assim o homem tem desejo
pelo corpo masculino e a mulher tem desejo pelo corpo feminino” (Adonis, 24,
Universitário, Professor).
Interessante observar que, para algumas dessas pessoas, o entendimento ultrapassa a
relação de desejo para adentrar na questão de entrega, cumplicidade, maior intimidade
explicada pela maior aproximação que pessoas do mesmo sexo podem ter.
“Bem, o homossexual, no meu ponto de vista é... são, no caso, pessoas que,
independentemente de sexo, se amam, vivem em companheirismo e que se
identificam, independentemente de sexo ou de qualquer outra coisa que venha a
distingui-lo(Afrodite, 23, Estudante Universitária).
Essa concepção de que a homossexualidade o se reduz aos momentos de atos eróticos
entre pessoas do mesmo sexo, se generaliza na propagação de idéias relacionadas à própria
afirmação do indivíduo, enquanto indivíduo social que também lê, respira, fala, interpreta,
produz e, não simplesmente, procria. Não podemos deixar de ressaltar que a existência de
relações entre pessoas do mesmo sexo é descrita na própria formão dos povos desde a
antiguidade, tal qual entre os gregos, mas os critérios de rotulação; homens que fazem sexo
com homens, mulheres que fazem sexo com mulheres, homens que fazem sexo com mulheres
parecem ser discutíveis, ao trazerem uma visível tentativa de simplificação da realidade, que
ultrapassa o entendimento daqueles que se vêem enquanto seres-humanos que se relacionam
por afinidades e não por contrato.
65
“Bem, na verdade muita gente acha que homossexualidade é... são pessoas do
mesmo sexo se gostarem e terem relações... eu acho que homossexualidade é... eu
parto do principio, eu não sei se é porque eu sou muito romântica, da pessoa do
mesmo sexo se interessar em ter um relacionamento, uma coisa de verdade mesmo,
porque eu acho muito fajuta essa coisa de heterossexual, sabe? (Pandora, 23,
Estudante Universitária).
Questionada porque a relação heterossexual é considerada “fajuta” a entrevistada deu
ênfase ao fato de que a relação homossexual necessita de mais companheirismo e entrega,
tendo em vista as dificuldades enfrentadas para viver em uma sociedade heterossexista. Faz
também referência sobre a barreira superada para convivência a dois entre pessoas do mesmo
sexo, que acabam por encorajar um relacionamento mais duradouro, visto as dificuldades
enfrentadas junto à família, trabalho, escola.
“Eu acho que o relacionamento homossexual é bem mais, de tudo na verdade, eu
acho que o relacionamento homossexual é bem mais entrega, cumplicidade, isso
tudo que o relacionamento heterossexual não tem” (Pandora).
O discurso da entrevistada acima nos remete a uma questão que é contrária à idéia de
que a relação homossexual é menos duradoura que a relação heterossexual tendo-se em vista
que os casais homossexuais” não teriam a possibilidade de constituir família. Outros
entrevistados citaram a questão da adoção de crianças, aliás, tema tratado recentemente em
novelas da Rede Globo de Televisão, bem como outros temas relacionados ao assunto, que
corroboram a iia de que a teoria heterosexista não teria mais a mesma firmeza.
É crucial ressaltar que as relações monogâmicas não devem ser preceito de
heterossexualidade, bem como sexo casual não é característico de homossexuais. As o
surgimento da AIDS no Brasil, na década de 80, é perceptível uma mudança considerável na
cultura sexual do brasileiro. É essa a quarta categoria a que se refere Fabiano Gontijo (2002),
de onde saímos do modelo da liberalização sexual da década de 1970, para adentrar no culto
ao corpo, ao beijo na boca, do ficar, simplesmente.
Não obstante, destacamos que a sexualidade clandestina não é característica inerente à
homossexualidade, mas como afirma Costa (1992), uma conseqüência da exclusão social
66
vivenciada por estes sujeitos, que os impede de viver publicamente seus relacionamentos
amorosos.
Apesar de não perguntar as causas” da homossexualidade, até mesmo por entendermos
e internalizarmos ser esta questão superada, no sentido de se tratar de um discurso
preconceituoso, para a maioria dos entrevistados essa questão não é de escolha e sim de ser
inerente ao próprio indivíduo, que nasce homossexual para uns e/ou desenvolve sua
homossexualidade com o passar dos anos.
“Homossexualidade eu entendo, a pessoa nasce homossexual, ou feminino ou
masculino, a pessoa deve desenvolver com o passar do tempo. É um fato assim
muito conturbador na sociedade, existe muito preconceito, a questão religiosa
também é um fato que foi muita polêmica durante o período medieval com a igreja e
todo aquele processo histórico que a gente sabe, e assim é... não é pecado, é você
gostar do mesmo sexo, o homem gosta do homem e a mulher gosta da mulher [...]
eu acho que a pessoa já nasce, basta desenvolver o homossexualismo, não tem
essa história, ah porque eu ando com uma lésbica eu vou virar lésbica, não... você
tem aquilo dentro de você, não sei se é questão genética, é um fato que acho que não
tem explicação direito(Teseu, 30, Advogado).
“É muito difícil relatar isso... porque geralmente o povo confunde... em termos de
opção, até porque a questão de opção não existe... não existe uma opção... é uma
coisa que você já nasce predisposto aquilo. Não é que eu vou gostar de mulher hoje,
mês que vem eu vou gostar de homem, é uma coisa que você o tem escolha... eu
acho isso sobre homossexualidade basicamente” (Agamêmnon, 33, Ensino dio,
Cabeleireiro).
A esse entendimento, de que se é gay desde criança, como citado pelo entrevistado
acima, acrescentamos o fato de que nenhum dos sujeitos levantou a questão de algum tipo de
trauma da infância ou problemas familiares. Na realidade, atribuiu-se a homossexualidade ao
entendimento de que ela existe naturalmente.
A religião é também abordada por alguns dos entrevistados apesar de o terem sido
feitos questionamentos acerca de sua religiosidade. No entanto, ao se trabalhar com a
sexualidade e na visão de que a maioria das organizações religiosas condena a
homossexualidade, era de se esperar que o tema fosse abordado de forma natural.
Como trabalhamos com pessoas que freqüentam os chamados “espaços GLS” não
encontramos indícios de que os homossexuais religiosos tivessem um preconceito sexual
67
internalizado. Vale ressaltar que, mesmo ao se abordar o preconceito sofrido pela religião
católica ou evanlica, somente uma entrevistada colocou a necessidade de rompimento com
a igreja, visto a condenação explícita ao sentimento que a mesma nutria por alguém do
mesmo sexo.
“[...] eu sou de origem protestante, toda a minha família é de origem protestante,
então num primeiro momento quando eu passei a sentir desejo, eu me senti atraída
por mulheres, minha primeira paixão foi por mulher, então na minha cabeça aquilo
era pecado e eu me via separada da minha família, porque eu queria muito bem
aos meus irmãos e meus pais e tal e ai eu imaginava que eu ia ficar separada, Jesus
viria, levaria eles para o céu e eu iria para o inferno...”(Maria Aires, 48,
Coordenadora da CELOS)
É possível observar que essa concepção de pecado era mais forte para a entrevistada
visto se tratar da década de 1970, onde os preceitos religiosos se mantinham mais fortes e a
concepção da homossexualidade como pecado é difundida, com mais veemência,
principalmente entre classes menos favorecidas economicamente, na qual a mesma se inseria.
Mesmo a idéia de se “curar” da homossexualidade é colocada como solão na época, e,
somente a necessidade de entender o sentimento que se fortalecia, bem como a necessidade de
suporte e identificação com a sua própria homossexualidade fizeram com que ela buscasse
nela mesma e nos livros, um entendimento particular acerca de suas vocações. O contato com
pessoas da área de saúde e uma vocação natural, acabaram por dar os rumos da vocação
profissional que viria a seguir. Os outros entrevistados, que se encontram em sua maioria na
faixa etária de 20 a 30 anos, já viveram e ainda vivem em uma época em que a liberalização
sexual e econômica é mais intensa, fruto da própria revolução sexual oriunda dos movimentos
sociais da década de 60 e 70.
O entendimento acerca da heterossexualidade é vista, para os entrevistados, como a
manifestação do desejo por pessoas de sexo diferente:
“O heterossexual é a pessoa que fica com pessoas de sexo diferente” (Atena, 30,
Estudante Universitária).
“Bem, heterossexualidade seria a relação entre homem e mulher né... sexos
diferentes” (Hera, 27, enfermeira).
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“Heterossexualidade no caso seria, os heteros né... seria o homem casar com uma
mulher, o que é o fato tradicional da sociedade” (Teseu).
Uma única pessoa fez confusão com relação às denominações homossexual e
heterossexual. Visto ser essa denominação oriunda do discurso médico - cientifico da década
de 80 de acordo com Parker (1991), a mesma não está acessível às classes consideradas de
renda mais baixa. No caso específico acima, a entrevistada tem o ensino médio incompleto,
estuda em escola pública e mora na periferia da cidade, o que esclareceria em parte o
desconhecimento das expressões utilizadas na entrevista.
No que diz respeito à bissexualidade, as controvérsias giraram em torno de se é ou o
verdadeira essa classificação, sendo que para a maioria dos entrevistados, a bissexualidade
nada mais é do que homens que se relacionam com homens e mulheres, ou mulheres que se
relacionam, também, com homens e mulheres. No entanto, para um terço dos entrevistados
essa classificação não condiz com a realidade observada por eles.
“[...] a questão do bissexual, essas coisas de gente que se diz bi, eu acho que eu não
acredito, eu o acredito muito nisso [...] por exemplo, vou dar o caso da minha
irmã, agora, ela começou a namorar um cara que é gay, que é o ex-namorado de um
amigo meu... eu não acredito que ele seja bi pois ele teve um namorado de três anos
e de repente quer ficar com uma mulher, mas quando a gente se encontra pra sair pra
beber, ele, o negócio dele são os homens, então eu acho assim: que é mais uma
questão de fugir da realidade e mostrar alguma coisa pra sociedade, eu acho que é
mais ou menos isso” (Aquiles, 21, universitário, assistente de escritório de
contabilidade)
Essa classificação de bissexual é considerada para uma entrevistada com um estágio.
Para ela, você não é bissexual, e sim está bissexual em um determinado período.
“Eu tive namorado, mas ultimamente tenho namorado mulheres, ou seja, por
um tempo fui hetero... agora homossexual... que confusão!!! Acho que passei um
tempo meio bi” (Cleópatra, 35, Funcionária pública federal)
Se o desejo humano funciona com objetivos específicos (ainda que enigmáticos), é
neles que se encontra sua fragilidade e sua força. Mesmo quando se pretende libertária, a
especificidade do desejo pode resultar falsa sempre que sucumbir às imposições de poder ou
se deixar plasmar pelas modas de cada época e cultura (TREVISAN, 2002, p. 35). O
69
exercício de definir a homossexualidade, dando-lhe um caráter definitivo, trata-se, ainda de
um caráter circunstancial.
Não obstante a questão levantada do entendimento acerca das classificações anteriores,
do que é a homossexualidade, heterossexualidade e bissexualidade, muitos entrevistados
levantaram a questão da dificuldade de assumir, em especial para os familiares, sua opção
sexual ou de que, apesar do conhecimento da família, é desnecessário a exposição para
outrem.
“A família do gay é a primeira que sabe e última que admite” (Adonis).
“Um adolescente é... uma pessoa que se descobre sexualmente ou afetivamente o
chega pro pai para dizer que é heterossexual. Do mesmo jeito o homossexual ou a
pessoa que se identifica sexual ou afetivamente com uma pessoa do mesmo sexo
não tem necessidade de dizer, mãe eu gosto de uma pessoa do mesmo sexo”
(Ariadne, 38, Defensora Pública)
Essa concepção de criação de conceitos fechados acabaria, como diz Trevisan (2002),
servindo mais aos objetivos da normatização do que a uma real liberação da sexualidade,
inclusive por incentivar diretamente a potica do gueto, do separatismo e do racismo sexual,
numa discriminação às avessas, típica de uma sociedade que condiciona e exige padrões
heterossexistas, que forçam o anonimato daqueles que contrariam os padrões impostos por
essa sociedade.
Para Jurandir Freire Costa (1995), as categorizações que criam identidades como
heterossexual e homossexual não são universais, mas localizadas em determinado momento
histórico e cultural. Talvez por isso possamos verificar hoje mais pessoas que assumem” sua
homossexualidade, visto o processo de visibilidade crescente a partir dos anos 90, sem,
necessariamente, entendermos que haja mais homossexuais hoje do que 10 anos. Essa
reflexão é unânime para todos os entrevistados, sejam eles homossexuais (assumidos ou não),
ou heterossexuais.
70
A questão da cidadania é também abordada. Porém, o fato de ter o entrevistado uma
maior politização, no sentido de participar de algum movimento ou ser um homossexual
assumido, faz com que as interpretações sejam mais sutis ou não. Homossexuais militantes
possuem em seu discurso uma teorização mais clara e um conhecimento maior dos direitos
conquistados, muitas vezes com a participação efetiva na consolidação destes no município de
Teresina. Não significa que outros não o tenham, mas o discurso potico é apregoado pelos
partícipes de movimentos ou órgãos do governo.
“Olha, assim como os demais tipos de orientação sexual, a homossexualidade nada
mais é do um direito fundamental da pessoa humana e isso é uma busca inconstante
pelo único direito que é ser feliz né... então eu entendo que é um direito
fundamental enquanto cidadão, que nós temos que escolher com quem nós vamos
compartilhar nossa vida e principalmente nossa intimidade (Elias, 34, Curso
Técnico, Empresário, dono de um sex-shop e militante).
Vários entrevistados colocaram não conhecerem muitas poticas afirmativas por parte
do governo, que pregariam a não-discriminação dos homossexuais. No entanto, todos citaram
o disque-cidadania, mesmo não sabendo esclarecer como realmente funciona, todos já tinham
pelo menos “ouvido falar” no serviço. Na realidade, essa percepção parece estar diretamente
relacionada ao nível de escolaridade dos sujeitos em questão. A mesma entrevistada que
outrora observamos não diferenciar os termos homossexual e heterossexual, também afirmou:
...até hoje não existe, pelo menos até agora, não existe nenhuma política de
apoio... o que existe é só no papel e olha lá... (Andrômeda, 31, auxiliar de serviços
gerais).
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3.2 SIGLAS, SÍMBOLOS, SIMPATIZANTES
Você conhece algum símbolo ou sigla que possa ser representativo para os
homossexuais? O que é ser simpatizante?
O entendimento acerca da sigla GLS é unânime para os entrevistados, no que diz
respeito a representar: Gays, Lésbicas e Simpatizantes. No entanto, para dois entrevistados,
que não coincidentemente participam de algum movimento, grupo de apoio ou Organização
o Governamental (ONG) que trata dos direitos e conquistas dos homossexuais, a sugestão é
que se use a sigla GLBTT (Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais) como
representativa de um movimento, construído ao longo de décadas de defesa dos direitos dos
homossexuais.
“GLS é gays, lésbicas e simpatizantes, mas já está superada né... hoje a indicação do
movimento é que se use a sigla GLBTT, que seria a sigla gays, lésbicas, bissexuais,
transgêneros e transexuais” (Marinalva Santana, 33, Coordenadora do grupo
MATIZES).
“GLS é uma sigla escrota que criaram porque é uma sigla que visa a agregação de
gays com o poder de consumo no mercado, então, hoje em dia é muito fácil uma
empresa dizer: eu sou GLS! Soa bonito, não soa pesado porque tem um tal de “S”
no meio que se chama simpatizante, que o existe isso” (Elias).
No entanto, no intuito de esclarecer seu uso nessa pesquisa, a sigla GLS, usada a partir
de 1994, criada pelo publicitário André Fisher (um dos idealizadores do Mundo Mix Brasil),
representa não somente o público, mas sim toda a cultura gerada em torno de seu
entendimento, e que ultrapassam a barreira da pura descrição de uma sigla e chega a
compreensão bibliográfica e antropológica da expressão da identidade criada por parte de um
determinado grupo social, ou seja, GLS para nosso entendimento tem a ver com mercado, e
GLBTT tem a ver com movimento social, e o gay ou a lésbica, que na linguagem popular, é a
bicha e o sapatão tem a ver com o senso comum, com a “realidade social”.
Necessariamente, para os militantes, partícipes de movimentos ligados aos direitos dos
homossexuais, o discurso GLBTT (Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transgêneros) já
72
está incorporado ao seu dia-a-dia, com a ressalva da afirmação da superação do chamado
discurso GLS” pela própria indicação do movimento.
Para o entendimento da construção da identidade através do mercado, identificamo-nos
com a teoria de Fischer ou Gontijo (2002), na qual a construção de “imagens identitárias”
pós-década de 1990 generalizam traços que compõem a chamada cultura GLS” e que,
através do consumo de produtos “identitários” reproduzem um novo modelo homossexual,
baseado em particularidades locais e na fragmentação não da, mas sim, das
homossexualidades.
Falamos do entendimento dos entrevistados acerca da homossexualidade, mas ao
tratarmos de cultura GLS, precisamos entender o que significa ser o “S” de “simpatizante”.
Em alguns casos, a afirmação de ser “simpatizante” não é aceita por apresentar uma
postura que é disseminada em meio aos homossexuais e que acaba por representar também
uma postura preconceituosa, no sentido de acreditar ser impossível alguém ser simpatizante.
Para três pessoas não existem simpatizantes. O que existe, para estes entrevistados, são
pessoas que não assumiram sua homossexualidade e como forma de se autopreservarem
admitem-se simpatizantes, mas que, no fundo, possuem vidas acerca de sua própria
sexualidade.
“Geralmente o homem que é simpatizante, ele é gay” (Adonis).
“Quer saber... acho que o simpatizante é aquela pessoa que fica apreciando e gosta
da fruta” (Teseu)
“Ser simpatizante ... acho que não existe simpatizante, eu acho que existem os
bissexuais que vão pra lá e dizem ser simpatizantes. Já tive exemplos de caras que se
vestem como drags, mas dizem que não são gays, então eu não consigo entender
isso na minha cabeça, não consigo entender, ainda o” (Hércules, 33, ensino médio
completo, comerciário)
Para os outros entrevistados, em sua grande maioria, ser “simpatizante” é não ter
preconceito, é ser descolado, viver na moda e ser simpático a manifestações de carinhos entre
pessoas do mesmo sexo. É sentir prazer de conviver no mundo gay onde conseguem se sentir
73
mais à vontade, pois em meios aos homossexuais conseguem se livram das “amarras” do
conservadorismo e convenções impostas pela sociedade patriarcal e machista.
“Simpatizante é a pessoa que não se considera gay ou lésbica, mas que não condena
o movimento de emancipação gay... e que lhe dá “apoio de forma direta ou
indireta, não o condenando” (Posidon, 34, Contador)
Muitas vezes, em conversas paralelas e informais, ouvi que o S” de “simpatizante”, na
realidade é Sde “suspeito”. Nas entrevistas somente uma pessoa colocou que não existem
simpatizantes, mas sim bissexuais que se escondem atrás desse estereótipo. Ora, em nosso
entendimento, brincadeiras à parte, ao falarmos de “imagens identitárias” e de cultura GLS”,
bem como de diversidade e fragmentação, referimo-nos ao entendimento de que, na sociedade
em que convivem os diferentes grupos sociais, muitas podem ser as denominações, mas
maiores serão as divergências de opinião e concepções acerca da sexualidade do indivíduo, e
mesmo uma única sigla pode ter diferentes interpretações, demonstrando, assim, como a
diversidade faz parte do vocabulário e como também podem ser múltiplas as interpretações do
ser humano.
Para Torrão Filho (2000), diferentes são os símbolos representativos de uma identidade
homossexual; o triângulo rosa é um deles. Desse símbolo, a cor rosa” passa a ser utilizada
como significativo dessa identidade, advindo do resignificado dado ao símbolo de dominação
nazista da segunda grande guerra, e o movimento gay passa a utilizar o triângulo rosa antes
bordado nos uniformes de judeus homossexuais, e homossexuais não judeus, que eram
aprisionados nos campos de concentração como símbolo de significado de lutas, de uma
nova política de liberdade de se assumir, e de construção da identidade gay.
Em 1978 um novo símbolo é criado pelo artista americano Gilbert Baker a bandeira
do arco-íris (Rainbow Flag), que passa também a representar o movimento de luta pela
discriminação e a própria diversidade. No início a bandeira tinha oito cores. Em 1979,
durante a parada gay em São Francisco, os organizadores, por motivos técnicos, optaram por
74
seis cores: vermelho (vida), laranja (poder), amarelo (sol), verde (natureza), azul (arte) e
violeta (espírito) (RODRIGUES, 2004, p. 25).
Cada uma das cores do arco-íris (da qual o “rosa” o faz parte) tem um significado
diferente, mas todas as cores juntas representam a diversidade de cor, raça, credo, e porque
o também dizer, de opção sexual
“Na bandeira votem várias cores, várias matizes, como são também as matizes
sexuais...” (Marinalva Santana).
Os entrevistados acreditam que uma marca, um símbolo, um produto representativo
do grupo homossexual, reforça e representa essa mesma identidade. No entanto, um terço
do total de entrevistados afirmaram não utilizar nenhum produto identitário por
acreditarem a exposição ser discriminaria. Destacamos aqui, nesse total, encontrarem-se
a maioria dos homossexuais (gays ou sbicas) mais jovens, que ainda moram com os pais
e, em sua maioria, que não se assumem como homossexuais para a família.
A existência de entrevistados que afirmam a existência de produtos identitários, tais
como a bandeira do arcoris, o triângulo rosa ou determinadas marcas de roupas, e
colocam não fazerem uso desses produtos por força da discriminação, são reflexo de que,
apesar da visibilidade, o preconceito ainda persiste.
75
3.3 IDENTIDADE HOMOSSEXUAL
Através de quê os homossexuais expressam sua identidade?
Kathryn Woodward (2000) afirma que as identidades são fabricadas por meio da
marcação da diferença. Essa marcação da diferença ocorre tanto por meio de sistemas
simbólicos de representação quanto por meio de formas de exclusão social. A identidade,
pois, não é o oposto da diferença: a identidade depende da diferença a simbólica e a social
que são estabelecidas, ao menos em parte, por meio de sistemas classificatórios.
A noção de identidade gay não deve ser resumida à questão da própria
homossexualidade. Para Trevisan (2002), esse será um adjetivo a mais num conjunto
inevitável de qualificativos, que defini alguém como homossexual além de brasileiro ou
inglês, nordestino ou gaúcho, jovem ou velho, alto ou baixo, etc” (TREVISAN, 2002, p. 40).
O entendimento do que vem a ser a homossexualidade, heterossexualidade e bissexualidade,
entendemos ser o ponto inicial da discussão mais abrangente, que trata de como as condições
e demandas do sistema capitalista facilitariam o crescimento econômico e geográfico das
comunidades homossexuais no século XX. Comunidades aqui entendidas como um conjunto
de instituições que tem como unidade básica o individuo.
A existência de um segmento que se faz presente no consumo e na sociedade, e que
busca a afirmação de sua identidade na sociedade, é, por sua vez entendida segundo Manuel
Castells, como uma “fonte de significado para os próprios atores, por eles originados e
construídos por meio de um processo de individuação” (CASTELLS, 1999, p. 23). A
identidade homem/mulher se de forma patriarcal e esse patriarcalismo exige uma
heterossexualidade compulsória” (CASTELLS, 1999, p. 238), sendo a civilização, conforme
conhecida historicamente, baseada em tabus e repressão sexual. O fato é que a norma
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fundamental do sistema patriarcalista é ligada à posição hierarquizada, que o homem assume
frente ao relacionamento com a mulher, e se processa de maneira privilegiada, sendo a mulher
quem representa o sexo frágil.
A homossexualidade tem se apresentado de forma tímida nos últimos anos, em
particular, da década de 70 para cá, os movimentos sociais em defesa dos direitos dos
homossexuais e da liberdade sexual se mostraram latentes, graças também ao impacto do
movimento feminista ocorrido na década de 60 quando “a auto-expressão e o questionamento
da autoridade deram às pessoas a possibilidade de pensar o impensável, e agir de acordo com
as iias que surgissem; conseqüentemente permitindo “sair do armário (CASTELLS, 1999,
p. 240-241).
A própria articulação do movimento homossexual foi possível através do
entendimento acerca do conceito de identidade sexual, mas a liberação sexual deve ser
entendida, aqui, não somente como opção por sexo, mas, sobretudo, como opção pelas
identidades lésbica e gay, sendo essas construídas pela interação social, cultural e potica e,
ao que parece agora, reforçada pela dimensão econômica na medida em que:
“o uso de produtos característicos, tais como colares ou camisetas com o símbolo
do arco-íris é importante para a construção de nossa identidade (Marinalva
Santana).
De forma sintética, poderíamos traduzir que, no mercado voltado para homossexuais
que possui visibilidade crescente, bem como diversidade de produtos, é possível expressar
uma identidade. Isso colocaria por fim o entendimento de que mercado é somente compra e
venda, ou seja, o mercado pode ser identificador de toda uma cultura que, através desse
mesmo mercado, pode vislumbrar a busca de aceitação por parte da sociedade através de uma
via indireta, que se torna identificadora de uma cultura e, também, expressão social.
Essa percepção por vezes não é percebida pelo pprio sujeito da pesquisa, seja ele o
homossexual ou o heterossexual que consome produtos voltados para o segmento GLS, mas
o sabe qual o alcance que ele tem. A falta de pesquisas nesse sentido é motivo da existência
77
de “lacunas” que devem ser preenchidas no intuito de melhor compreender essa dinâmica
imposta pela própria dinâmica do sistema capitalista.
No mercado, o que é possível observar, é a existência de uma expressão simbólica e
representativa do grupo homossexual, que através da visibilidade crescente, remete a uma
aceitação “consentida e, por vezes, “concedida” da sociedade.
O intuito da entrevista não fora o da abordagem de algum tipo de teoria acadêmica
proposta por especialistas, médicos, antropólogos ou sociólogos, mas sim o de demonstrar
que o mercado pode ser um elo entre a sociedade civil e seus diferentes grupos sociais, aqui
referindo-se ao grupo homossexual.
Para Kates (1998), o comportamento de consumo dos homossexuais que participam da
cultura gay” está diretamente ligado à aceitação e revelação de sua identidade. Os conceitos
que descrevem a condição humana (tais como amor, ódio, opressão, poder, dinheiro, liberação
e luta) são intangíveis e não podem ser representados visualmente por si s. Assim, eles
precisam ser simbolizados por objetos (produtos ou posseses) ou representados dentro do
contexto de certas atividades (rituais, por exemplo) nos quais as pessoas lhes outorgam
significados. Desta forma, a identidade, a cultura e a comunidade gay seriam representadas,
visual e materialmente, através de vários comportamentos de consumo e utilização criativa de
produtos e serviços.
O crescimento do mercado rosa incentiva também à expansão da comunidade
homossexual, para além dos “muros” impostos na vida resumida aos guetos. O sujeito social
em questão, ultrapassa os limites tradicionais impostos pelo preconceito e leva a discussão à
família, à escola, ao trabalho bem como à comunidade científica.
A busca por esse reconhecimento já vem de longas datas e toma forma a partir da
década de 90, após a visibilidade que a epidemia da AIDS promoveu para os homossexuais.
Bem sucedidos, buscam uma auto-afirmação na sociedade, e essa mesma sociedade reconhece
78
o nicho que se desenvolve dentro dela, contribuindo para o reforço da identidade desse
público, que se expressa na esfera pública e não na privada.
Historicamente, o público e o privado se colocam em lados opostos. No geral, o
mercado serve para reproduzir a identidade GLS. Para a grande maioria desse público, é mais
fácil essa representação na esfera pública porque o indivíduo é mais um em meio a tantos.
Então, a esfera pública criada pelo “mercado rosa” é fundamental para o reforço de identidade
gay, pois é nessa esfera que se reforça a identidade, cada vez mais ligada à questão do
consumo. Sendo assim, o público e o privado não se separam tanto, pois esses avanços
conquistados incentivam a concretização da identidade e da cidadania.
3.4 ESPAÇOS, ROTEIROS, FESTAS
Você conhece algum lugar em Teresina que seja considerado GLS? Como avalia
esses lugares? Qual o roteiro percorrido na noite teresinense?
Todos os entrevistados concordaram em afirmar que não existe um bairro considerado
gay em Teresina. Não obstante, foram capazes de citar lugares onde uma concentração
grande de homossexuais e o centro da cidade é considerado como tal. É no centro que fica
localizado o bar Pride, citado por todos os sujeitos da pesquisa, bem como a boate
Metalúrgica, sendo estes lugares assumidamente voltados para os homossexuais, e a boate
considerada, por parte do empresário dono do local, como um local voltado para
“simpatizantes”.
“Olha, o Pride e a Metalúrgica dizem que são gays, que são gays mesmo, porque
em tudo quanto é esquina voencontra bares e gays que freqüentam, mas esses
são os que se assumem como bares gays” (Pandora)
79
Outros locais também foram citados pelos sujeitos da pesquisa, e em sua maioria se
localizam próximos ao centro da cidade. O bar Faculdade e o bar Oficina são direcionados,
em sua maioria, para lésbicas, assumidas ou não. O bar Cravo e Canela, no jóquei da cidade,
bem como os quiosques, mais especificamente o Caneleiro, chamado de gayneleiro por
alguns entrevistados também foram citados. No ano de 2005 um outro quiosque foi aberto por
um casal de lésbicas, que possui uma freqüência predominantemente feminina, sendo
chamado Comidas Típicas.
A localização, no centro da cidade, dos bares mais citados e mais antigos da cidade (o
Pride completou 10 anos de existência em 2004) tem a ver com a própria questão da
discriminação sofrida pelos homossexuais. Bares centrais facilitam a concentração de pessoas
oriundas dos diferentes bairros e zonas da cidade em um mesmo local, o que dificulta a
caracterização de um bairro considerado gay, mas sim a convergência de gays para o centro.
A freqüência e o roteiro percorrido pelos entrevistados nos locais citados é comum a
todos os sujeitos da pesquisa. Somente para os que possuem uma idade maior de 35 anos é
que se percebe uma freqüência menor aos locais considerados como “espaços homossexuais”,
o que é considerado comum para os entrevistados levando-se em consideração que as pessoas
com mais de 35 anos estão propensas a buscar um tipo de ambiente mais calmo, contrário ao
ambiente proposto pelas boates, bares que promovem mais o som tecno, como o Pride, e
festas estilo rave da cidade.
“Os homossexuais saem mais de casa nos dias da semana do que nos finais de
semana, é como eu já observei isso há muito tempo, desde a época que eu comecei a
freqüentar, as amigas preferem ficar em casa de amigos mesmo, todo mundo junto.
Agora, pra freqüentar um show ou teatro é melhor no meio da semana, de
preferência de terça a quinta feira que sexta-feira é mais para um coffe-break...
que se estende assim, até meia-noite, duas da manhã” (Minerva, 35, Professora).
Todos os entrevistados citaram o Pride como local considerado essencialmente GLS, no
sentido de que esse é um dos locais que assume sua clientela constar, essencialmente, por
homossexuais.
80
“O Pride tem uns dez anos. Aqui é um lugar gay, como eu idealizo, sabe por quê?
Não é gueto, é aberta, é na rua, é onde quem passar vai ver que é um lugar gay [...]
eu dou a cara à tapa, eu gosto do desafio, pra mim a vida é um constante desafio.
Comecei trabalhando de forma tímida, eu nunca fiz propaganda, sempre falei pra
pessoas: ah! É uma cassa gay, agora, é uma casa diferente das demais, é uma casa
que tem orgulho de ser gay e orgulho de seu blico, então aqui, o que o casal
heterossexual pode fazer os gays também podem, liberdade, direito de expressão,
direito de sermos quem realmente somos, não precisamos aqui vestir máscaras, nem
farsa, não nos fantasiar, trabalhando de lugar aberto, desmistificando o gueto, que
pra mim contribui para ter uma imagem marginalizada do gay, ou seja, se
escondendo, e se ta escondido é algo errado, e graças a Deus nunca tivemos
nenhuma rejeição, os gays começaram a freqüentar, o PRIDE é sucesso, há dez anos
que a casa está aberta” (Elias).
A formação de guetos, existentes nos grandes centros urbanos, também foi parte de
alguns estudos que tratam do desenvolvimento de uma cultura própria dos homossexuais. Em
Teresina, a guetificação foi um dos primeiros temas a serem retratados em trabalhos
acadêmicos através das sociólogas Diana Márcia e Adriana Silva (MOURA; SILVA,1995),
com seu trabalho de final de curso “Teresina, mostra tua cara!”, onde ficou evidente a
existência de espaços homossexuais que, frente ao estigma vivenciado por esse grupo,
encontra um local onde é possível a afirmação de um grupo que reproduz nesses lugares o
desprendimento, a liberdade de expressão e de amabilidade com seus parceiros. Para os
entrevistados os guetos ainda existem, menos caracterizados como lugares marginalizados,
mas, sobretudo, lugares nos quais é possível manifestar sua orientação e carinho pelo(a)
parceiro(a).
“olha, eu procuro primeiro ser respeitada... o diferencial desses locais com relação a
outros é que... é que a gente, no Pride, na Oficina, Faculdade, Café Viena e
Café Café (sorri)... não, somente nesses três primeiros bares que citei é que você
pode manifestar seu afeto” (Marinalva Santana).
E como descobrir que um bar pode ser considerado homossexual? De acordo com o
resultado obtido através da pesquisa, não significa que para ser um bar gay é necessário
possuir uma placa indicativa afirmando ser, o lugar em questão, freqüentado somente por
gays. Aliás, homossexuais, masculinos ou femininos, freqüentam os lugares que se sintam à
vontade, quer sejam eles freqüentados por heterossexuais ou homossexuais. Essa é a máxima
colocada pelos entrevistados, e, apesar da discriminação sofrida e afirmada por alguns, eles
81
são unânimes em afirmar que não é necessário estereótipos para que a presença se faça
constante. O que é necessário então? Bom atendimento, produtos de qualidade, segurança e
privacidade. Observe que o preço nem sempre é o fator principal na escolha de determinado
local. Na realidade, a oferta de bens e serviços que possam enquadrar-se como produtos
pertencentes ao mercado rosa, tem alcançado um nível de diversificação e qualidade nunca
antes encontrado no processo de evolução do próprio capitalismo.
O respeito como prerrogativa para a freqüência dos bares ou boates citados nas
entrevistas, tais como o Café Café, Café Viena, Pride, Faculdade, Oficina e boate
Metalúrgica, é característica inata de pessoas que possuem, também, em sua essência o fato de
serem exigentes como clientes.
“Eles são muito exigentes com relação ao que pedem [...] bebida tem que vir do jeito
que ele quer...” (Sobrinho, 32, empresário, dono do Café Café).
No entanto, mesmo como clientes exigentes, essa exigência se manifesta em
determinados locais citados como mais sofisticados, no caso o Café Café, Café Viena e a
boate Metalúrgica. Os outros locais citados são também freqüentados, mas com uma
reclamação geral por parte dos de que não são adequados para atender à demanda existente.
E o que os faz freqüentar então? A existência de poucos lugares seria o entendimento,
tendo em vista a necessidade de sair e estar com um(a) parceira, e sendo poucas as opções,
submeter-se em muitos casos as condições existentes é a única solução.
“Faltam locais, mais voltados para os gays. Isso é por que ainda é necessário que as
pessoas criem lugares especialmente voltados para o público gay, porque o
preconceito ainda é muito grande e para os gays, infelizmente ainda é necessário
esses lugares. Ainda não chegamos no tempo, talvez ainda estejamos longe de
chegar... esse é o paradoxo, nós estamos longe de chagar no tempo em que a
flexibilidade vai ser tão grande que o precisa de um público, de um mercado
voltado para gays, criando especialmente para atender essa clientela(Ariadne, 38,
defensora pública).
“Eu acho o problema do atendimento, não por discriminação, mas pelo atendimento
mesmo... esses locais (Oficina, Pride) precisam melhorar o atendimento, quero
dizer, tratar melhor as pessoas do ponto de vista comercial, dar mais opções. Na
minha opinião falta visão de mercado dos donos desses locais” (Hera).
“Olha, eu vou à Oficina porque não tem opção... a gente tem que ir né!” (Atena)
82
Para Nunan (2003), a existência de um mercado gay, aqui descrito como mercado rosa,
traduz-se na busca de espaços e antídotos contra as manifestações preconceituosas do dia-a-
dia. Os subgrupos existentes revelam através, inclusive, de seu comportamento de consumo
padrões comportamentais ligados à aceitação e/ou revelação de sua identidade. Todo este
processo deve ser compreendido dentro de uma moldura delimitada por ainda altos níveis de
preconceito e de discriminação que prevalecem entre nós. Afinal, para se “sair do armário
com um mínimo de segurança, é preciso ter um lugar para onde se possa ir.
Em meio aos exemplos citados pelos entrevistados no que diz respeito a festas
consideradas GLS em Teresina, a Bine Iubita, uma festa estilo rave
14
, foi sempre citada pelos
sujeitos da pesquisa.
Bine Iubita é uma expressão romena que significa na linguagem do mundo GLS “tá
meu bem!”. O nome, na realidade, é Conexão Bine Iubita, sendo que a primeira ocorreu em
Brasília, e a partir daí o nome foi adotado em Teresina de acordo com definição de um dos
idealizadores da festa e promotor de eventos, Jorginho Medeiros.
A festa completou dez anos de existência em 2004, sendo realizadas, tradicionalmente,
em locais muitas vezes considerados insólitos da cidade de Teresina.
“As festas Bine Iubitas têm como proposta inicial serem feitas em lugares
alternativos, tais como fábricas abandonadas, casarões, lugares de maneira geral,
mas como Teresina é uma cidade nova e não possui tantos lugares assim, a gente (os
organizadores da festa) optou por encontrar algum lugar no centro” (Jorginho
Medeiros, 42, promotor de eventos, grifo nosso)
O primeiro lugar utilizado para a realização da Bine foi o Clube dos Diários, que era
considerado o mais abandonado na época (1994). Após a reforma do local a festa tomou um
caráter itinerante e a freqüência veio a aumentar nos últimos anos e de acordo com a
disponibilidade de trabalho da organização ocorre de três em três meses, podendo, também,
ocorrer de dois em dois meses.
14
Raves são festas com um som eletrônico difundidas, principalmente, entre os jovens.
83
Outras festas conhecidas como raves são realizadas frequentemente na cidade,
principalmente em tios próximos, no entanto, as Bines Iubitas são caracterizadamente festas
voltadas para o blico gay que possuem um público de simpatizantes freqüentadores
considerável. Ao ser questionado sobre qual o público freqüentador da festa afirmou Jorginho
Medeiros:
Olha, aqui vem todo mundo, porque assim, a proposta da bine é, antes de tudo,
diversão !?... há uma liberdade que você não encontra em outros lugares
(Jorginho Medeiros).
O que se procura é diversão e liberdade, uma liberdade que não se encontra facilmente
em uma sociedade costumeiramente preconceituosa. Liberdade de beijar na boca, de
demonstrar carinho e atração entre pessoas do mesmo sexo. Liberdade, mas também
segurança que, proporcionada pela organização, não vem a cercear os desejos de seus
freqüentadores.
Liberdade de se expor da maneira como bem quiser. É comum a freqüência de drag
queens ou, simplesmente, pessoas que usam um visual mais ousado, fora daquilo que a
sociedade considera “normal”. A sutileza do gelo seco e do som tecno caracterizam o lugar
onde, exceto incomodar o outro, todo o resto é permitido.
A propaganda de uma festa voltada para o público GLS não deveria ser tão visível
assim o deveria, mas é! Mesmo em um jornal de grande circulação da cidade; o Jornal
Meio Norte, já apareceram estampados dois homens se beijando em uma propaganda explícita
do que a festa representa. Os chamados flyers representam a grande arma utilizada para a
divulgação da mesma. Aliás, não incomum é a utilização de um flyer que nada mais é que
um panfleto com todas as informações necessárias para se chegar à festa e que proporciona
um desconto na entrada ao portador em todas as outras raves da cidade. Essa parece ter sido
a maneira mais criativa dez anos de promulgar a existência do evento sem tanto alarde,
levando-se em consideração a propaganda ser feita nos locais conhecidos como GLS. Hoje, é
84
possível encontrar flyers da bine nos shoppings, quiosques, bares, boutiques, boates, enfim,
em qualquer lugar, mas com preferência nos chamados “espaços GLS”.
As bines são frequentemente utilizadas como espaços para a propagação de políticas
públicas. É freqüente, na entrada da festa, um cicerone, costumeiramente a drag queen mais
conhecida como Samanta Menina, que se encarrega da distribuição de camisinhas, panfletos
sobre prevenção de doenças infecto-contagiosas, gel lubrificante, bem como apitos para os
freqüentadores daquela que é a festa mais lembrada dentre os homossexuais, identitários ou
o.
3.5 PARADA GAY
Se no passado a visibilidade era reservada a territórios demarcados pela sociedade, tais
como o carnaval, salões de beleza, mundo da moda, etc. Hoje, pela própria observação da
profissão e aceitação exposta pelos entrevistados (homossexuais identitários), a
homossexualidade sai do gueto para inserir-se em outras esferas.
Com as paradas, a visibilidade tornou-se ainda maior. A aliança entre uma parte dos
movimentos homossexuais e o comércio identitário tornou possível essa mobilização. A
participação do Estado também é fundamental, movido por interesses eleitoreiros ou não.
A importância de formação de uma base de dados e pesquisas quantitativas e
qualitativas que forneçam um perfil do público presente nas paradas se faz necessário, por ser
ela um local ideal para a pesquisa ao reunir a diversidade de idades, raça/etnia, profissões,
nível educacional e classes sociais. Para a proposição de políticas públicas e reivindicações de
direitos e a defesa de argumentos, a construção de um banco de dados ifavorecer as ações
tomadas em favor de um segmento social que necessita de uma base lida de informações
para respaldar ações concretas e a defesa de argumentos. Algumas pesquisas foram
85
realizadas, em especial nas paradas de São Paulo e Rio de Janeiro e identificaram, de acordo
com o Centro Latino-Americano em Sexualidade e Direitos Humanos (CLAM) e Datafolha,
que a grande maioria dos participantes da parada fazem parte de uma elite econômica.
Na Parada do Orgulho Gay ocorrida em São Paulo no ano de 2005 uma pesquisa
qualitativa foi realizada, coordenada pelo Departamento de Antropologia da Universidade de
São Paulo, CLAM, bem como a Universidade do Estado do Rio de Janeiro e do Centro de
Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC), ainda a ser divulgada, com a finalidade da
criação de um banco de dados referente ao perfil dos participantes da parada.
Os dados quantitativos já apresentados são referentes a uma pesquisa realizada no Rio
de Janeiro, nos anos de 2003 e 2004, com cerca de 1.000 pessoas, onde se observou que: o
número de homens é superior ao de mulheres, 75% se declarou homossexual, (40% de gays,
20% de lésbicas e 5% de trangêneros), 15% se declarou heterossexual e 10% bissexual; a
metade tem idade entre 19 e 29 anos e 45% freqüenta universidades (PESQUISA, 2005).
Em Teresina, segundo a coordenação do grupo MATIZES, cerca de 5.000 pessoas
participaram da IV Parada da Diversidade, realizada em 01 de Julho de 2005. o houve
estimativa de participação pela Polícia Militar, que, aliás, ausentou-se do evento, bem como
outros órgãos da administração pública estadual e municipal. O órgão responsável pela
coordenação do transito no município, a Superintendência Municipal do Trânsito de Teresina
(STRANS) absteve-se de toda e qualquer participação, apesar da solicitação legal em tempo
hábil.
Uma enquete foi realizada com 200 (duzentas) pessoas que participavam da parada e
revelaram dados que se assemelham aos expostos em pesquisas realizadas nos grandes
centros; em sua maioria o homens, num total de 109 (cento e nove) e 91 (noventa e uma)
mulheres, ou seja, 54,5% e 45,5%, respectivamente.
86
No que diz respeito à orientação sexual, 87 (oitenta e sete) entrevistados, ou 43,5% do
total se declararam homossexuais (gays ou lésbicas). O número de heterossexuais é de 74
(setenta e quatro) entrevistados, ou 37% do total, o que denota o processo de desconstrução
das diferenças que se evidencia e 13% se declarou bissexual. O número de travestis é
reduzido quando comparado com o total, representando apenas 05 (cinco) pessoas ou 2,5%. A
classificação GLS é a definição também para outras 05 (cinco) pessoas ou 2,5% e para 02
(duas) pessoas, ou 1% do total nenhuma das denominações anteriores se enquadrava em sua
definição particular. Somente 01 (uma) pessoa que representa 0,5% do total não quis
responder a questão acerca de sua orientação sexual.
A parada teve um número expressivo de aceitação pelos participantes que a qualificaram
como excelente” por 49% dos entrevistados, ao passo que somente 0,5% do total qualificou
como péssima” a organização do evento. Os outros 50,5% ficaram distribuídos entre 30,5%
“bom; 19% regular”; 0,5% ruim; 0,5% não respondeu.
A participação em outros eventos da Semana do Orgulho de Ser, promovida pelos
óros de defesa dos homossexuais em conjunto com o governo e a sociedade civil, foi
confirmada por 37% da amostra, o que denota um grau de participação considerável nas
atividades promovidas pela organização, apesar do impasse provocado pelo “estranhamento
entre CELOS e MATIZES, órgãos que deveriam lutar juntos e não separados, e que acabaram
por tirar parte do brilho do evento, trazendo à tona a necessidade de discussão e dissolução
das diferenças, para o bem maior que representa a proposta do movimento homossexual.
Com relação à discussão promovida pelo movimento, que solidificou a exigência do
parecer favorável à “união civil entre pessoas do mesmo sexo”, ou o chamado “casamento
gay” somente 3,5% do total de entrevistados se disse contra, com 96,5% a favor. Esse número
é importante, visto ser esta discussão mais abrangente trazida pelo movimento nacional e
internacional de luta dos direitos dos homossexuais.
87
Os dados relativos à escolaridade e renda estão estritamente relacionados. Do total de
entrevistados 55% possuem curso superior, inclusive incompleto, 39,5% possuem ensino
dio, inclusive incompleto, e somente 5,5% possuem ensino fundamental, inclusive
incompleto. No que diz respeito à faixa salarial, 30,5% possuem renda mensal particular até
R$ 300,00; 19,5% de R$ 301,00 a 900,00; 30% de R$ 901,00 a 1.500,00; 10% de R$ 1.501,00
a 3.000,00; 5,5% de R$ 3.001,00 a 6.000,00; 2% com renda superior a R$ 6.000,00 e 2,5%
o responderam.
O grande percentual de pessoas com renda até R$ 300,00 tem a ver com a profissão dos
entrevistados. Como a renda declarada é a renda pessoal individual e a grande maioria são
estudantes, que aparecem num percentual de 26,5%, a renda declarada é condizente com a
atividade exercida. O número de professores é a segunda maior classificação com 18%, a de
funcionários públicos aparece com 7,5%, sendo os restantes 48% distribuídos entre
profissionais liberais, comerciários e empresários.
No que diz respeito à idade, os jovens representam uma parcela significativa da amostra
com um total de 52% que possuem entre 15 e 25 anos; 28,5% possuem entre 26 e 35; 16%
entre 36 e 45; 2,5% possuem mais de 45 anos e 1% não respondeu. A amostra revelou
também que a maioria das pessoas é de Teresina representando um percentual de 85,5%;
10,5% são oriundas do interior do Estado e 4% não responderam. Do total de residentes em
Teresina, destacam-se os moradores da zona sul da cidade, que participam da amostra com
um percentual de 37,43% dos 171 entrevistados que moram no município. Oriundos da zona
norte aparecem com 29,24%; zona leste 15,79%; zona centro 8,77%; zona sudeste 8,19%;
zona rural 0,58%.
CONCLUSÃO
A idéia de que o mercado pode ser um agente de construção ou reforço da identidade de
um grupo, pode ser elaborada, tendo em vista o processo de construção da cidadania do
Brasil ao longo de sua história.
O Brasil possui uma democracia participativa recente. As poticas eram impostas pelo
Estado de “cima para baixo”. Com a queda da ditadura militar do Brasil, a sociedade passa a
reivindicar poticas, que são poticas públicas por partirem do Estado, como resposta às
demandas de grupos ou movimentos da sociedade civil organizada.
A maneira pela qual a conquista de direitos foi realizada no Brasil, é uma inversão dos
preceitos propostos por T.H Marshal e citados por JoMurilo de Carvalho (2002) em seu
livro Cidadania no Brasil, o longo caminho:
Na seqüência inglesa, havia uma lógica que reforçava a convicção democrática. As
liberdades civis vieram primeiro, garantidas por um Judiciário cada vez mais
independente do Executivo. Com base no exercício das liberdades, expandiram-se
os direitos políticos consolidados pelos partidos e pelo Legislativo. Finalmente,
pela ação dos partidos e do Congresso, votaram-se os direitos sociais, postos em
prática pelo Executivo. A base de tudo eram as liberdades civis (CARVALHO,
2002, p. 220).
No Brasil, a pirâmide dos direitos foi invertida seguindo esses preceitos, sendo que
primeiro vieram os direitos sociais, numa demonstração explícita da supremacia e soberania
do Estado, seguidos dos direitos políticos e civis.
A posição, não de enfrentamento, mas sim de participação da sociedade, propõe o
desenvolvimento de atividades que resultam em experiências inovadoras e, certamente, possui
um preço, que o consumismo pregado pelo novo liberalismo aumenta as desigualdades
sociais de um lado, no entanto, o maior envolvimento e reivindicação da sociedade, através de
ONG‟s, partidos poticos, associações, etc. democratiza o Estado.
89
Na medida em que surgem e tomam força, os movimentos homossexuais brasileiros,
aliam-se a outros grupos organizados de luta das chamadas “minorias” que, a partir do
processo de democratização participativa da década de 60 e 70, tornaram-se mais evidentes.
Não obstante à construção de idéias mais liberais, a evolução potica e social do capitalismo
se fazem presentes, permitindo, a partir de sua constituição e desenvolvimento, a participação
de grupos sociais, outrora excluídos do processo.
A partir da crise do capitalismo, que é a própria crise do capital, é possível constituir o
germe de uma nova formação social, que pode fornecer elementos constitutivos para a
transformação do sistema visando a primazia do ser humano. Marx (1977), no prefácio do
texto “Contribuição à crítica da economia potica”, ao tratar da temática do progresso e
afirma:
Uma organização social nunca desaparece antes que se desenvolvam todas as forças
produtivas que ela é capaz de conter; nunca relações de produção novas e
superiores se lhe substituem antes que as condições materiais de existência destas
relações se produzam no próprio seio da velha sociedade. É por isso que a
humanidade só levanta os problemas que é capaz de resolver e assim, numa
observação atenta, descobrir-seque o próprio problema surgiu quando as
condições materiais para o resolver já existiam ou estavam, pelo menos, em vias de
aparecer (MARX, 1977, p. 25, grifo nosso).
Na sociedade moderna, o preconceito existente, embora mais diluído, tem influência
direta nas atitudes negativas direcionada ao indivíduo (ou grupo) por conta de sua orientação
sexual, termo que surge na década de 80, como uma forma de expressar a natureza
profundamente enraizada do desejo sexual” (NUNAN, 2003, p. 77-78).
Um maior número de estudos sobre o preconceito sexual no Brasil, que partisse da ótica
e visão dos heterossexuais, aprofundaria a discussão com a sociedade em vista ao
entendimento cultural e a diluição do preconceito enraizado, por ser a discriminação mais
fácil de ser combatida do que o preconceito. Ora, penalizar alguém por uma violência física
ou simbólica, não tira o preconceito internalizado dessa pessoa. Esse debate é mais profundo e
necessário, pois trás à tona a questão da educação, no caso, a educação sexual, como um dos
pilares dessa mudança.
90
No que se refere ao comportamento de consumo homossexual, o estudo de campo
aponta a existência e expansão de um mercado, voltado especialmente para serviços a
indivíduos de classe média ou alta, solteiros em sua maioria, com elevado vel educacional e
que dão preferência a produtos sofisticados e preocupação com aparência e moda.
Essas características imperam entre os gays, numa posição que de certa forma funciona
como compensação, visando eliminar, pelo menos em parte, o preconceito aparente.
Embora tenhamos focado o estudo mais específico dos serviços de entretenimento da
cidade de Teresina, uma série de segmentos atingiram marcas substanciais que vislumbram o
elevado índice de produtos que carregam a marca GLS, indo do mercado de filmes, revistas,
livros e novelas, ao grande número de produtos apropriados pelos gays, muitas vezes,
igualmente consumidos pela sociedade como um todo.
O poder econômico atribuído aos homossexuais e demonstrado pelo desenvolvimento
do mercado rosa, pode entregar visibilidade e legitimidade a esse grupo que vai influenciar,
sobremaneira, na pressão por políticas blicas. Essas poticas se fazem presentes, visto o
alcance e notoriedade realçados, por exemplo, pelo Disque-Cidadania, a Delegacia de
Repressão a Condutas Discriminarias, e a própria força conquistada pelos órgãos de defesa
dos homossexuais. O processo é lento e gradual, mas “se considerarmos que o nazismo
acabou a pouco mais de meio século, e que as leis repressivas dos países europeus foram
abolidas em sua maioria no início da década de 1970” (TORRÃO FILHO, 2000, p. 282) é
possível perceber que ainda há muito que fazer.
Como já foi dito anteriormente, a discriminação contra gays, lésbicas e transgêneros no
Brasil, é mais uma exceção ao princípio da igualdade proposta pela Constituição. Mas até que
ponto a criação de leis particularizantes não vai de encontro ao que o movimento propõe, no
sentido de criar mais exclusão? É certo afirmar que a existência de leis que condenam e
pregam a não-discriminação devem existir sim, sendo temporárias no sentido de serem
91
utilizadas para o atendimento de necessidades urgentes, com vistas a uma mudança maior e
futura de conscientização e liberalização de costumes, outrora arraigados e delimitados em
uma sociedade conservadora como a nossa.
As poticas públicas direcionadas aos homossexuais podem o atender todas as
reivindicações desse grupo, que tem “fome de direitos” e necessidade de “liberdade de
expressão de sentimentos”. Assim como, “quem tem fome tem pressa” não se estranha a
inserção diária de demandas sociais por parte dos homossexuais.
Falar abertamente sobre a homossexualidade já é um bom começo, denotando a vitória
da visibilidade, proposta pelo mercado, e outrora encoberta com o silêncio. A discussão junto
aos entes governamentais, e o reconhecimento, por parte da sociedade, da existência de um
grupo social que mobiliza, reivindica e elabora propostas, é fundamental para o avanço
político e cultural do país. Porém, apesar desse reconhecimento, as ações ficam muitas vezes
presas” no simbolismo.
Para uma maior atuação do Governo, vale ressaltar que, apesar do avanço na efetivação
de ações ligadas aos homossexuais, como a criação de uma delegacia de proteção às minorias,
um serviço de disque-denúncia, a aprovação de leis de proteção aos direitos e liberdades dos
gays, lésbicas e transgêneros (travestis e transexuais), bem como a criação de bancos de dados
específicos, a falta de estrutura e fraca institucionalidade compromete a articulação de
políticas e fragiliza a consolidação da cidadania do indivíduo.
Esse trabalho é o pontapé inicial para uma análise mais profunda do alcance dessas
políticas junto ao grupo homossexual e sua eficácia, no sentido, não de aumentar a tolerância,
mas sim de reduzir o preconceito. Necessário se faz a criação de núcleos de pesquisa e um
fórum permanente de discussão, com a participação representativa de todos os grupos da
sociedade visto serem múltiplas as identidades, mas, cidadania é uma só.
92
Enquanto sociedade, ao reconhecer a existência de um segmento em potencial
ascensão, demonstramos a necessidade de levar em consideração a questão da diversidade e
com isso, consolidar o apoio inicial para uma mudança ainda maior: o de respeito às
diferenças. Alguém duvida disso?
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