Mas, as interpretações sobre as relações sociais estabelecidas pela
comunidade, a luta pela moradia, a capacidade de articulação e de mobilização, a
rede de solidariedade e de reciprocidade, demonstraram que a Vila Irmã Dulce não é
um “lugar violento”, ou de incivilizados, ou onde a violência é uma marca identitária,
na medida em que o seu convívio social não é, essencialmente, estabelecido por e
em função de práticas de sociabilidade violentas como aparece, explicitamente, no
discurso oficial que reverbera no imaginário social através do discurso midiático.
Didaticamente, o primeiro capítulo, retoma, objetivamente, a história social
brasileira, abordando alguns aspectos discursivos para a explicação conceitual de
violência no Brasil, além de abordar os discursos sobre a violência em Teresina e a
estigmatização oficial midiatizada de “lugar violento” sobre a Vila Irmã Dulce, cujo
objetivo é contextualizar, histórico e conceitualmente, o objeto deste estudo.
O segundo capítulo, apresenta alguns aspectos contextuais sobre a
urbanização de Teresina, dando ênfase àquelas mudanças ocorridas,
principalmente, a partir da segunda metade da década de 1990 e a invenção social
da Vila Irmã Dulce, tendo como objetivo mostrar os condicionantes estruturais e
conjunturais, que, de certo modo, caracteriza a construção de um momento político
significativo para as práticas de ocupações e o desencadeamento simultâneo dos
processos, dinâmicos e distintos, de favelização e de verticalização, como as marcas
mais visíveis na expansão urbana de Teresina, cuja Vila Irmã Dulce aparece como
uma localidade
ou “lugar de violência”
, logo de “pessoas perigosas”.
O terceiro capítulo, mostra os resultados alcançados a partir da análise
das principais dificuldades na conquista da moradia pelos sem teto e as relações
Aqui, o sentido de localidade tem relação com aquele adotado por Marcos Alvito, em A Honra de Acari
(2000). Ou seja, “um agregado de casas e pessoas que mantém entre si uma rede complexa de relações e vínculos
de caráter pessoal, face a face, como laços de parentesco, amizade, “parentela ritual” (“compadrio”), por
exemplo, vizinhança, os grupos informais e pequenas organizações. Essa imensa rede de relações de
reciprocidade é facilitada pela concentração populacional” (Alvito, 2000, p. 148).
Esta especificação de “lugar de violência” atribuído pelos discursos institucional, midiático e do senso comum
à área onde se encontra a comunidade da Vila Irmã Dulce, nos remete, mesmo que não literalmente, à idéia de
“lugares” e “não-lugares”, em Marc Auge (1994). “Se um lugar pode se definir como identitário, relacional e
histórico, um espaço que não pode se definir nem como identitário, nem como relacional, nem como histórico
definirá um não-lugar” (Augé, 1994, p. 73). Nesse sentido, as percepções e discursos que apontam a Vila Irmã
Dulce como um lugar de violência, em função das práticas de violência que naquele lugar ocorreram - ou ainda
ocorrem -, na verdade, estão caracterizando como violento não só o espaço urbano, mas, também, toda a
população reside. Pois, da forma como é disseminada tal estigmatização, a violência é entendida,
simultaneamente, como um elemento da identidade dos moradores, a base das relações sociais estabelecidas e a
marca temporal do lugar.O problema é que ser propagado como um “lugar de violência”, implica, também, a
nunca ser completamente apagado com o tempo.