Conforme já se afirmou, determinados vocábulos têm preferência entre os poetas da
primeira vaga neo-realista; palavras como “sol”, “noite” e “olhos” figuram, em vários
poemas, os mesmos sentidos, relacionados, sempre, ao circunstancial, ao compromisso
poético, à militância, enfim, à ideologia neo-realista. É possível ainda enumerar tantos outros,
não tão usuais como os citados, mas compartilhados entre os poetas com a mesma carga
semântica: o verbo “partir” – sempre simbolizando a atitude de mudança radical diante dos
acontecimentos –; elementos do vocabulário marítimo, como o navio, as embarcações, o
comandante, as tormentas, o ato de “tomar o leme” e “seguir em frente”, como ocorre em
Joaquim Namorado e Álvaro Feijó, com nítido sentido de ação social.
Cumpre ressaltar que, em dois poetas, Carlos de Oliveira e Francisco José Tenreiro, o
“sol” não cumpre a mesma simbologia constatada nos demais autores, mas é utilizado em seu
sentido denotativo, referindo-se à sua realidade de calor, queimando a pele de trabalhadores;
portanto, ao contrário do que acontece em outros autores do Novo Cancioneiro, o “sol” não
tem conotação positiva (libertação, luz, clarão da razão, descoberta da realidade), mas
negativa: “Negro/ para quem as horas são sol e febre” (TENREIRO apud TORRES, 1989,
p.393); “Sol em gume/ no dorso e na face” (OLIVEIRA, 1942, p.43). Contudo, trata-se de um
significado bastante vinculado à questão social, como também acontece nos seguintes versos
de Terra, de Fernando Namora: “Eles não contam a fome nas ceifas,/ não dizem o sol
embraseando-lhes a carne” (1941, p.26).
No entanto, enquanto em outras obras do grupo a palavra “sol” funciona como um
símbolo redundante, em Oliveira, Tenreiro e no exemplo de Namora, ela configura referência
ostensiva, em tom de denúncia, como também ocorre com as menções à colonização,
marcante em Turismo e Terra de santo nome (com maior ênfase em Tenreiro). Elas surgem
em composições de crítica ao capitalismo e ao colonizador, e a escolha semântica é
evidenciada nas menções das moedas dos países capitalistas ou nos nomes em inglês
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Leiam-se os versos, e veja-se que os dois autores de poesia estavam engajados, como bem notou Alexandre
Pinheiro Torres, na visão de “negritude como anticapitalismo” (1989, p.67). O poeta que melhor a representou
foi Francisco José Tenreiro, e é na análise de seu livro, Ilha de Santo Nome (1942), que o crítico explica melhor
a origem e a definição da expressão “negritude”: usada em 1913 pelo poeta martiniquense Aimé Cesaire, “a
negritude é o simples reconhecimento do facto de se ser negro, e a aceitação de tal facto, do nosso destino de
negros, da nossa história e da nossa cultura” (CESAIRE apud TORRES, 1989, p.73). Também em um poema de
Aviso à navegação, “África”, Joaquim Namorado adere ao “movimento”: “Ó minha negra,/ escrava humilde e
fiel,/ encontro do meu destino pirata”, e, da mesma forma que Oliveira, personifica as terras do continente:
“Floresta, nunca pisada,/ virgindade das florestas, virgem rasgada/ rosa desfolhada” (1945, p.103).
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