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se inserem no âmbito de políticas e programas públicos, discutidos mais adiante. Em
decorrência, embora alguns desses estudos sejam apresentados a seguir, dado que, como já
referido, fatores relativos ao cuidado ao parto não se incluem aqui, serão analisados mais
pormenorizadamente apenas os aspectos considerados possíveis de serem aplicados à esfera
da atenção ao pré-natal e ao puerpério.
Um desses aspectos refere-se à percepção de que, se no âmbito mais amplo da atenção
em saúde, integra a discussão da humanização a articulação do bom atendimento com
recursos tecnológicos adequados, na esfera da assistência ao ciclo grávido-puerperal há
grande ênfase à questão técnica, expressa em termos da constituição de uma atenção baseada
em evidências científicas.
Segundo Diniz (2005, p. 633), tal tipo de assistência é aquele que se orienta pelo
“conceito de tecnologia apropriada e pelo respeito à fisiologia”, ou seja, é aquele que se
baseia nas evidências produzidas por revisões sistemáticas de ensaios clínicos randomizados –
padrão ouro estabelecido na Medicina Baseada em Evidência (MBE)
6
– e não em opiniões e
tradições, as quais vinham resultando em perpetuação de práticas implicadas com altos
índices de morbi-mortalidade materno-infantil (TORNQUIST, 2003).
A MBE se destacou como instrumento importante no movimento pela humanização do
cuidado ao ciclo grávido-puerperal. Diniz (2005) explica que a MBE redefiniu o corpo da
mulher, que no lugar de ser considerado como algo defeituoso e demandante de constante
manipulação pelo homem, em função de sua imprevisibilidade (DAVIS-FLOYD, 2001),
6 Segundo Nobre, Bernardo e Jatene (2003) a Medicina Baseada em Evidência (MBE) se fundamenta na busca
pela evidência das práticas. A produção de evidência tem como “padrão ouro” revisões sistemáticas. Uma
revisão sistemática é um levantamento de estudos de boa metodologia científica – preferencialmente ensaios
clínicos randomizados (BERNARDO; NOBRE; JATENE, 2004) – já realizados no mundo sobre determinado
assunto. A metodologia de uma revisão, quando consistente, permite que os resultados dela obtidos sejam
largamente generalizáveis. Assim, quando ela produz evidência de que um dado procedimento é indicado, ou
não, para uma dada população, tem-se uma validação de uma prática clínica – ou a imposição de sua
mudança. Tais revisões ficam disponíveis em bases de dados denominadas secundárias. No que se refere à
humanização da atenção ao ciclo grávido-puerperal, apesar de não conter apenas dados referentes à
Obstetrícia, uma das bases mais utilizadas é a Biblioteca Cochrane (http://cochrane.bireme.br).
Uma característica importante de tais revisões é que elas sejam redigidas em linguagem simples, de modo
que não apenas profissionais de saúde das mais variadas áreas possam ter acesso ao conhecimento produzido
como também os usuários dos serviços de saúde. Tal característica se refere, de acordo com Nobre, Bernardo
e Jatene (2003), a um aspecto central do paradigma por detrás da MBE: o paciente deve participar ativamente
do processo de decisões que cercam seu tratamento. Esse paradigma também impõe mudanças importantes,
portanto, à postura do profissional de saúde, já que esse deve, então, estabelecer uma relação mais horizontal
com o paciente. Além disso, conforme os autores, o profissional deve também passar a considerar
características para além do contexto biológico, ou seja, deve deixar de olhar para o paciente como um mero
“hipertenso”, por exemplo, e saber que ele tem um nome, um trabalho, uma família, amigos, gostos
específicos. E, a partir disso, voltar seus esforços para questões de qualidade de vida e não meramente a
“marcadores biológicos”.