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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
CCMN - INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS
DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO
CONFLITOS E MOVIMENTOS SOCIAIS POPULARES EM ÁREA DE
MINERAÇÃO NA AMAZÔNIA BRASILEIRA
LUIZ JARDIM DE MORAES WANDERLEY
ORIENTADORA: MARIA CÉLIA NUNES COELHO
DISSERTAÇÃO SUBMETIDA AO CORPO DOCENTE DO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO
EM GEOGRAFIA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO COMO REQUISITO
PARCIAL PARA OBTENÇÃO DO GRAU DE MESTRE EM CIÊNCIAS (M. Sc.)
RIO DE JANEIRO
OUTUBRO – 2008
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Este trabalho foi realizado com o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento
Cientifico e Tecnológico – CNPq.
FICHA CATALOGRÁFICA
WANDERLEY
, Luiz Jardim de Moraes
Conflitos e Movimentos Sociais Populares em Área de Mineração na Amazônia
Brasileira/Luiz Jardim de Moraes Wanderley - Rio de Janeiro: UFRJ/PPGG, 2008.
152. f.: il.; 23 cm
Dissertação de Mestrado Universidade Federal do Rio de Janeiro,
Programa de Pós-Graduação em Geografia, curso de mestrado em Geografia,
2008.
1. Mineração 2. Conflitos Sociais 3. Amazônia Brasileira 4. Atingidos
por Mineração. 5. Geografia.
I. PPGG/UFRJ. II. Conflitos e Movimentos Sociais Populares em Área
de Mineração na Amazônia Brasileira.
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
CCMN - INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS
DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO
CONFLITOS E MOVIMENTOS SOCIAIS POPULARES EM ÁREA DE
MINERAÇÃO NA AMAZÔNIA BRASILEIRA
LUIZ JARDIM DE MORAES WANDERLEY
DISSERTAÇÃO SUBMETIDA AO CORPO DOCENTE DO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO
EM GEOGRAFIA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO COMO REQUISITO
PARCIAL PARA OBTENÇÃO DO GRAU DE MESTRE EM CIÊNCIAS (M. Sc.)
APROVADA POR:
PROF
a
. DR
a
. MARIA CÉLIA NUNES COELHO (ORIENTADORA)
_____________________________________
PROF
a
. DR
a
. GISELA PIRES DO RIO (CO-ORIENTADORA)
_____________________________________
PROF. DR. HENRI ACSELRAD
_____________________________________
PROF
a
. DR
a
. LIA OSÓRIO MACHADO
_____________________________________
RIO DE JANEIRO
OUTUBRO – 2008
I
AGRADECIMENTOS
Gostaria de agradecer a toda minha família que esteve unida em todos os momentos difíceis e
principalmente neste último ano. Em especial agradeço: a Minha Mãe, Carmen Jardim, que
me deu e me dá todo o suporte, carinho, educação e amor necessários em minha vida; ao meu
pai, Jorge Wanderley, que esteve sempre presente com suas pertinentes contribuições e
cuidados; ao Valmir Miranda, meu outro pai, que está sempre pronto a ajudar-me para
qualquer coisa; aos meus irmãos Isabel e Fernando, quase irmãos Cristiana, Fernanda, Renata
e Arnaldo, e meu sobrinho Ângelo, que me fazem crescer diariamente; e aos meus amores e
desamores.
Um agradecimento a todos os meus amigos que me acompanham, divertem e ajudam, mas em
especial aos que contribuíram de fato para essa dissertação sair, com suas revisões,
comentários, empréstimos, indicações, mapas, etc.: Clarice Batusanschi (minha revisora),
André Polly (o cara dos mapas), Elis Miranda, Flávia Lins de Barros, João Grand, Lício
Caetano, Renato Fialho, Vânia Amorim, Mariana Souza, Maíra Morasche, Natallye Lopes,
Roberta Figueiredo, Indira, Antonio Menezes, Irene Mello e muitos outros.
Um agradecimento, com todo o meu carinho, à minha orientadora Prof
a
Dra. Maria Célia
Nunes Coelho quem me abriu o mundo amazônico e geográfico, e esteve presente, dedicada e
aturando minha cabeça dura, mesmo com as dificuldades enfrentadas recentemente. Obrigado
aos componentes da banca avaliadora: Prof
a
Dra. Gisela Pires do Rio, Prof
a
Dra. Lia Machado
e Prof
o
Dr. Henri Acselrad com suas importantes contribuições durante o desenvolvimento da
pesquisa. E aos funcionários do PPGG.
À todos que me forneceram informações, ajuda e abrigo, e lutam diariamente para melhorar o
mundo amazônico. Essa dissertação é de vocês, para vocês e sobre vocês.
Esse trabalho é dedicado a minha querida avó Celeste Maria Jardim de Moraes e a minha
grande amiga Paulinha, que sempre estarão comigo em meu coração.
II
Às mulheres que me formaram para esse mundo, que é um moinho
Minha Avó, Celeste Maria
Minha Mãe, Carmen Jardim
Minha Orientadora, Maria Célia
III
RESUMO
WANDERLEY, Luiz Jardim de Moraes. Conflitos e Movimentos Sociais Populares em Área
de Mineração na Amazônia Brasileira. Orientadora: Maria Célia Nunes Coelho. Rio de
Janeiro: UFRJ/PPGG, 2008. Dissertação (Mestrado em Geografia).
Nos últimos 50 anos, a Amazônia Brasileira, conhecida como a última fronteira do
capital natural, foi alvo dos interesses, das políticas e dos planejamentos públicos e privados.
Dentre estes estão os mega-projetos de mineração, cuja magnitude acaba por suscitar intensos
impactos e conflitos sócio-espaciais no entorno mineral. Neste mesmo lugar, os atores
atingidos reagem às transformações sofridas. Neste estudo buscou-se compreender os
processos de gênese e expansão das lutas e dos movimentos sociais populares em conflito
com as empresas mineradoras e a possibilidade ou não de entendê-los seja enquanto tensões
entre “atingidos por mineração” e empresas mineradoras, seja enquanto conflitos ambientais
ou territoriais. Como estudo de caso selecionou-se dois projetos de exploração mineral no
Baixo Amazonas: o da Mineração Rio do Norte, situado no município de Oriximiná PA
desde 1976; e o Projeto Juruti da ALCOA, em processo de instalação no município de Juruti –
PA. Identificou-se que os conflitos não se resumem ao âmbito ambiental, pois a disputa por
terra, como estratégia de controle territorial, colocam-nos também na perspectiva do
fundiário-territorial. Além disso, constatou-se que os movimentos populares são um produto
dos conflitos deflagrados na relação contraditória e dialética com as corporações mineradoras.
Palavras-Chave: Mineração, Conflitos Sociais, Amazônia Brasileira, Atingidos por
Mineração.
IV
ABSTRACT
WANDERLEY, Luiz Jardim de Moraes. Conflicts and Popular Social Movements in Mining
area in the Brazilian Amazon Region. Advisor: Maria Célia Nunes Coelho. Rio de Janeiro:
UFRJ/PPGG, 2008. Dissertation (Masters in Geography).
In the past 50 years, the Brazilian Amazon, known as the last border of the capital
natural, was aim of the private and public interests, politics and plannings. Among these are
the megaprojects of mining, whose magnitude can stir up intense social-spatial impacts and
conflicts around the mine. In this same place, the actors affected react to the transformations
suffered. This study intent to understand the process of genesis and expansion of the fights
and of the popular social movements in conflict with the mining companies. And the
possibility or not to understand the conflict as a tensions between "affected by mining" and
mining companies, and as an environmental or territorial conflicts. As case study was selected
two projects of mineral exploitation in the low Amazon base: the Mineração Rio do Norte,
situated in the town of Oriximiná PA since 1976; and the Project Juruti of ALCOA, in
process of installation in the town of Juruti – PA. Was identified in this study that the
conflicts are not summarized to the environmental perspective. Because the disputes for land,
as a strategy of territorial control, they puts the conflicts also in the perspective of the land-
territorial. Also, was established that the popular movements are a product of the conflicts set
off in a contradictory and dialectics relationship with the mining corporations.
Key-words
: Mining, Social Conflicts, Brazilian Amazon, Affected by mining
V
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO 1
2. CONFLITOS SOCIAIS NOS ENTORNOS MINERAIS: O ORDENAMENTO
TERRITORIAL E OS RECURSOS NATURAIS EM DISPUTA 12
2.1 CONFLITOS NO ORDENAMENTO TERRITORIAL: NOVAS NORMAS E USOS NO
ESPAÇO 16
2.1.1 A Desterritorialização pelo Deslocamento Compulsório 18
2.1.2 Territórios Exclusivos e os Conflitos pelo Acesso a Bens Básicos 27
2.1.3 Company-Town: um Espaço de Exclusão 32
2.1.4 Especulação Imobiliária e Conflitos por Terra 35
2.2 CONFLITOS AMBIENTAIS: IMPACTOS E RECURSOS NATURAIS 41
2.2.1 Os Territórios Institucionalizados das Unidades de Conservação 44
2.2.2 Impactos e Ameaças Socioambientais 57
2.2.2.1 Conflito de Uso dos Recursos Naturais 60
2.2.2.2 Contaminação dos Recursos Hídricos – Lagos, Rios e Igarapés 67
VI
3. MOVIMENTOS SOCIAIS POPULARES EM ÁREA DE MINERAÇÃO 73
3.1 O MOVIMENTO QUILOMBOLA EM ORIXIMINÁ 81
3.1.1 A Força do Negro Chegou no Trombetas e no Erepecuru! 86
3.1.2 O Artigo 68 e as Vitórias Territoriais dos Quilombolas 89
3.2 NEGOCIAÇÕES E REIVINDICAÇÕES NO LAGO SAPUCUÁ 95
3.2.1 O Sindicato dos Trabalhadores Rurais – o Principal Opositor da MRN 97
3.2.2 Grandes Associações Territoriais no Entorno Mineral: Em defesa do título coletivo
da terra 99
3.3 A RESISTÊNCIA NO LAGO JURUTI VELHO 103
3.3.1 Conflitos e Organização Social no Lago Juruti Velho 105
3.3.2 Estratégias da Resistência e as Redes Sociais Aliadas 109
3.3.3 O Drama dos Desiludidos 113
3.4 ESTRATÉGIAS ESPACIAIS, TERRITORIALIDADES, IDENTIDADES E A
AMBIENTALIZAÇÃO DOS CONFLITOS 116
3.4.1 A Identidade como Estratégia de Luta Social 118
3.4.2 O Reescalonamento dos Conflitos e das Lutas pela Terra 120
3.4.3 A “Ambientalização” dos Conflitos Sociais 126
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS 135
5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 140
VII
SIGLAS
ACOMTAGS - Associação Comunitária das Glebas Trombetas e Sapucuá
ACORJUVE – Associação Comunitária da Região da Gleba Juruti Velho
ALBRAS – Alumínio do Brasil
ALCAN – Alcan Company of Canadá
ALCOA - Aluminum Company of America
ALUMAR – Alumina do Maranhão
ALUNORTE – Alumínio do Norte do Brasil
AMORCREQ – CPT - Associação de Moradores da Comunidade Remanescente de Quilombo de
Cachoeira Porteira
ARQMO – Associação dos Remanescentes de Quilombo do Município de Oriximiná
ASTRO – Associação de Trabalhadores e Pecuaristas de Oriximiná
BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
CAFOD - Catholic Agency For Overseas Development
CBA – Companhia Brasileira de Alumínio
CEB – Comunidades Eclesiais de Base
CEDENPA - Centro de Estudos e Defesa dos Negros do Pará
CESUPA - Centro de Estudos Superiores do Pa
CFEM - Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais
CI - Conservação Internacional
CNBB – Conferencia Nacional dos Bispos do Brasil
CONAQ - Comissão Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas
COOPERBOA – Cooperativa da Comunidade de Boa Vista
CPI - Comissão Parlamenta de Inquérito
CPI-SP – Comissão Pró-Índio de São Paulo
CVRD – Companhia Vale do Rio Doce
DNPM - Departamento Nacional de Pesquisa Mineral
ECOMUM - Associação Ecologia e Comunidade
EIA-RIMA – Estudo de Impacto Ambiental – Relatório de Impacto ao Meio Ambiente
EMBRAPA - Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
FGV – Fundação Getulio Vargas
FLONA – Floresta Nacional
FLOTA – Floresta Estadual
FUNAI - Fundação Nacional do Índio
FUNBIO – Fundo Brasileiro para a Biodiversidade
VIII
HA - Hectare
IBAMA - Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
IBDF – Instituto Brasileiro de Desenvolvimento e Floresta
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
ICCO - Interchurch Organisation for Development Co-operation
IMAZON - Instituto do Homem e do Meio Ambiente da Amazônia
INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
ITERPA – Instituto de Terras do Pará
LO – Licença Ocupação
MMA – Ministério do Meio Ambiente
MMSD - The Mining, Minerals and Sustainable Development Project
MPE – Ministério Público Estadual
MPF – Ministério Público Federal
MRN – Mineração Rio do Norte
MST - Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
NAEA - Núcleo de Altos Estudos Amazônicos
ONG – Organizações Não Governamentais
PAC - Plano de Aceleração do Crescimento
PFL – RR – Partido da Frente Liberal de Roraima
PF – Polícia Federal
PL – Projeto de Lei
PPG7 – Programa Piloto Grupo dos Sete Países Mais Ricos
PRONAF - Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar
ONU- Organização das Nações Unidas
OXFAM - Oxford Committee for Famine Relief
REBIO – Reserva Biológica
SECTAM – Secretaria de Tecnologia e Meio Ambiente do Estado do Pará
SEPPIR - Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial
SNUC – Sistema Nacional de Unidade de Conservação
STRO – Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Oriximiná
STTRJ – Sindicato de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Juruti
TI – Terra Indígena
UC – Unidade de Conservação
UFPA – Universidade Federal do Pará
WRI – World Resources Institute
1
1. INTRODUÇÃO
Em algumas nações sul-americanas, como Peru, Argentina, Equador e Chile, e ainda
em outros países como Gana, Guatemala, Inglaterra, Grécia, Austrália e Turquia, existem
mobilizações coletivas na forma de movimentos sociais que se opõem diretamente às
atividades mineradoras e assumem identidades sociais diversas, porém relacionadas à questão
mineral. Denominadas, por exemplo, Comunidades Afectadas por la Mineria, No a la Mina e
People Against Rio Tinto and Subsidiaries, ou poderíamos chamá-las ainda de movimentos de
“atingidos por mineração”.
Na Amazônia, apesar da remoção dos moradores de Montana (situada na faixa costeira
para o interior do município de Barcarena), dos impactos sociais e ambientais ocorridos
durante os grandes projetos em Oriximiná, dos conflitos em Carajás e do movimento dos
atingidos por barragem em Tucuruí (embora apenas um destes casos seja parte de nosso
estudo), na segunda metade da década de 1970 e no início da década de 1980, não se
configuraram, nesta região, fortes movimentos de questionamento à ação das mineradoras ou
de “atingidos por mineração”. O que existiu e existe na região são emergência ou
fortalecimentos de movimentos sociais populares nas áreas sob influência das grandes
corporações, que não se lançam a questionar diretamente o uso dos recursos minerais ou as
práticas socioespaciais desenvolvidas pelas mineradoras.
Na literatura acadêmica e na prática política no Brasil e especificamente na Amazônia,
a categoria de “atingido por mineração”
1
não tem sido uma classificação adotada. Além disso,
constata-se que não existe, em âmbito nacional, um grande movimento de atingidos pela
mineração ou que questione as mineradoras. Isto se deve, certamente, à pouca prática cultural-
histórica dos cientistas sociais brasileiros e dos próprios atores sociais envolvidos em
questionar e compreender os problemas socioambientais deflagrados por mineradoras de
grande porte.
Levando em conta esse nosso estranhamento referente à não existência de um forte
movimento de “atingidos por mineração” na Amazônia brasileira e a observação de recentes
mobilizações populares em regiões minerais, resolvemos discutir a natureza dos conflitos.
Estes parecem estar mais para conflitos fundiário-territoriais do que para conflitos no campo
da mineração ou no âmbito ambiental. Julgamos que, ao aproveitarem a visibilidade da
1
É importante atentar para um novo movimento social em formação na região de Carajás, com forte apoio do
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra - MST, o Movimento dos Garimpeiros e Trabalhadores da
Mineração, que ocupou algumas vezes, no ano de 2008, a estrada de ferro da Companhia Vale do Rio Doce -
CVRD.
2
presença de uma grande empresa mineradora, os movimentos populares, para serem vistos e
terem ouvidas suas reivindicações, se transfiguram de movimentos ambientais ou de
movimentos contra as ações e interesses das grandes empresas mineradoras. No entanto, não
perdem de vista seus interesses, sejam de regularização de terras ou de assegurar-se-lhes o
acesso à terra e aos recursos naturais e recursos básicos para sobrevivência, embora os
problemas com as corporações mineradoras e as questões de ordem ambiental não sejam
regionalmente desprezíveis.
Os conflitos tidos como ambientais e territoriais têm sido constantes no espaço
amazônico. As lutas e disputas por áreas que contêm recursos naturais ou pelo controle de
áreas estratégicas sempre estiveram presentes na história das relações sociais da região.
Entretanto, o que tem sido novo é o reconhecimento das lutas como sendo referentes às
problemáticas ambientais. Por causa da exploração e dos interesses em volta dos recursos
naturais, como os produtos da floresta e, contemporaneamente - desde a década de 1970, os
diferentes tipos de minérios, foram deflagrados conflitos sociais que se deram entre os povos
tradicionais
2
, os grupos migrantes e os interesses econômico-financeiros capitalistas, em
geral, e minerais, em particular.
São comuns os processos em que a territorialização do capital (OLIVEIRA, 1995) se
sobrepõe aos territórios dos povos tradicionais, desterritorializando-os. Porém, outros tipos de
conflitos sociais são travados no interior das classes dominantes pelo poder político e
econômico ou, até mesmo, entre as classes populares como os conflitos entre posseiros e
indígenas. O presente trabalho irá se preocupar em examinar as peculiaridades dos conflitos
em área de mineração na Amazônia envolvendo as grandes corporações capitalistas de
mineração industriais e os povos tradicionais/locais atingidos, cada um com suas respectivas
redes sociais. Entendemos os atores não como uma homogeneidade, mas como unidades
repletas de sentimentos que se refletem nas diferenças internas e nas ambigüidades.
A Amazônia sempre foi cobiçada por seus recursos naturais: madeira, borracha,
castanha-do-pará e, mais recentemente, pelo ferro, cobre, ouro, bauxita, etc.
Contemporaneamente, é na disputa destes recursos e no processo de territorialização do
capital que se concentra uma boa parte dos grandes conflitos sociais amazônicos. A
exploração dos bens naturais requer o controle territorial. Não é possível extraí-los sem ser in
2
A definição de populações tradicionais não se reduz aos fatores históricos ou pelo “habitat” natural - como se
cada bioma correspondesse necessariamente a uma determinada identidade, mas significa algo dinâmico e do
presente com identidades coletivas redefinidas situacionalmente numa mobilização continuada (ALMEIDA,
2004).
3
situ e sem promover modificações e impactos tanto socioespaciais como físico-ambientais,
isto é, entendendo-os como processos de mudanças físicas, sociais e espaciais (COELHO,
2001). Como resultados destes processos, temos a expropriação, a exclusão ou eliminação dos
atores sociais precedentes no espaço, assim como das práticas espaciais anteriores. Segundo
Acselrad (1992) e outros autores, as disputas por recursos naturais ou pelos usos destes em
determinados espaços são interpretadas como conflitos ambientais. Porém, se para explorar o
recurso mineral é necessária a apropriação (temporária ou definitiva) do espaço, podemos
afirmar que se trata, sobretudo, de conflitos territoriais, ou seja, disputas que visam ao
controle de determinados territórios ricos em recursos naturais por meio de estratégias
espaciais de poder (SACK, 1981; RAFFESTIN, 1993).
Concebidos atualmente sob o signo ambiental, os conflitos sociais e territoriais no
entorno das áreas de mineração industrial na Amazônia, assim como os movimentos sociais
populares que cresceram em seu bojo, sofreram mutações ao longo do tempo. Além das
mudanças econômicas e políticas no contexto nacional e mundial, houve uma ressignificação
da questão ambiental (alterações nas normas, na legislação e na política ambiental brasileira,
acarretadas por mudanças da Constituição de 1988 e as pressões nacionais e internacionais
pela preservação do planeta, majoritariamente, da Amazônia), que fizeram os conflitos sociais
adquirirem, sobretudo na Amazônia, a configuração de conflitos ambientais. Não se trata de
uma simples transformação de cunho semântico, mas de campo de luta e de estratégias de
luta. Deste modo, devemos analisar as situações conflitivas materiais e simbólicas,
entendendo-as como processos físicos, sociais e ambientais, vistas em sentido mais amplo, o
que requer um esforço de compreender os significados e as implicações desta nova concepção
dos conflitos nas lutas por recursos e territórios.
As relações sociais e os conflitos entre povos tradicionais e as grandes empresas
mineradoras industriais precisam ser compreendidos tanto nos contextos geográficos, das
injunções fundiárias e econômicas, quanto no dia-a-dia das relações entre as partes envolvidas
e nas experiências e histórias dos atores, instituições e lugares.
Em suma, o problema pesquisado diz respeito à história social e à geografia das
mudanças nas relações socioespaciais e ambientais, dos conflitos e das ações reestruturantes,
deflagradas pelas empresas mineradoras, e das reações populares por meio da consolidação e
organização de movimentos sociais; ao mesmo tempo, da atuação e da história das
instituições Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis - IBAMA,
Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA, Igreja, Sindicato Rural,
4
Organizações Não-Governamentais - ONGs, Ministério Público, etc. - envolvidas nas lutas
por formação, controle, defesa e consolidação de territórios, implícitas nas concepções de
conflito ambiental e territorial.
O interesse pelo jogo classificatório tem sido um modo de tornar os conflitos e os
movimentos sociais conhecidos e reconhecidos. O objetivo central desta dissertação de
mestrado, no entanto, é compreender os processos de gênese e desenvolvimento das lutas e
dos movimentos sociais populares em conflito com as empresas mineradoras, a possibilidade,
ou não, de entendê-los, enquanto tensões entre “atingidos por mineração” e grandes
corporações mineradoras, e como conflitos ambientais e/ou territoriais. A cada momento
buscaremos identificar as transformações nas estratégias discursivas e de territorialidades, os
objetivos e as ações políticas dos atores sociais envolvidos nas relações de conflito e nas lutas
por acesso aos recursos naturais e por controle territorial.
O conflito é visto nesta dissertação como situação sine qua non para gestação,
mobilização, emergência e configuração ou atualização dos movimentos sociais. A gênese dos
movimentos se no e pelo conflito. Sendo assim, consideramos que os movimentos em
conflito com as mineradoras, ou “atingidos por mineração”, são dialeticamente produtos e
produtores dos conflitos com as empresas e/ou com as instituições governamentais (IBAMA,
por exemplo), num processo de relação social em constante movimento.
Para desvendar os processos referentes aos movimentos sociais em conflito com
grandes mineradoras, foram selecionados dois projetos de exploração de bauxita: o da
empresa Mineração Rio do Norte – MRN, cujas atividades se situam no município de
Oriximiná PA desde 1976; e o Projeto Juruti da ALCOA – Aluminum Company of America,
em processo de instalação, com estimativa de início das atividades de extração em 2008, no
município de Juruti - PA (ver mapa 1). Os dois empreendimentos estão localizados na região
do Baixo Amazonas e são resultados do planejamento público e privado em períodos de
conjunturas políticas, econômicas e de mercados bem distintos.
A proposta de discutir os conflitos desencadeados pela exploração mineral industrial
na Amazônia encontra-se na necessidade de entender como atores em regiões periféricas se
articulam e se confrontam para defender e conquistar territórios por e a partir das relações de
poder (SOUZA, 2003), quase sempre, multiescalares, envolvendo atores sociais cujas
territorialidades transcendem a escala local. A empresa transnacional, por exemplo, utiliza-se
de estratégias da compressão espaço-tempo para ganhar legitimidade da escala local à global.
Neste contexto, restringir-se à escala do local significa aprisionar-se na periferia das redes
5
mundiais, submetido ou excluído na geometria do poder (MASSEY, 2000). Sendo assim,
resta aos povos tradicionais amazônicos evitar limitar sua escala de ação ao local, pois seu
poder de resistência é diretamente proporcional às escalas mais amplas de visibilidade do
problema.
Os projetos mineradores industriais, por ser parte das políticas públicas e privadas -
que envolvem uma enorme gama de interesses e dependem do desenvolvimento dos meios
técnico-científicos-informacionais, deflagram uma diversidade de mudanças socioambientais
e espaciais, não sendo, portanto, homogêneos em todos os espaços e tempos. Os projetos
mineradores e suas mudanças variaram de acordo com a conjuntura política, econômica,
histórica e geográfica; contudo, tendem também a apresentar similaridades quanto aos
processos mais gerais identificados em diferentes estruturas e conjunturas. Por isso, identificar
e estudar os conflitos socioterritoriais e ambientais envolvendo projetos mineradores do
século XXI e compará-los com projetos similares na década de 1970 irá nos trazer, mesmo
que na mesma região (Baixo Amazonas), questões que devem ser analisadas e compreendidas
à luz das especificidades espaço-temporais, com o intuito de procurar e comparar padrões
similares ou distintos. A partir dos padrões socioespaciais e da natureza dos conflitos,
poderemos questionar as políticas públicas de planejamento regional, as políticas
implementadas pelas empresas e, ainda, a participação e importância dos movimentos
populares nas transformações territoriais na Amazônia brasileira. As diferenças nos contextos
espaço-temporais podem revelar alterações tanto no grau das mobilizações, quanto na
natureza dos conflitos e nas formas de resolução dos problemas.
Cada grande projeto minerador foi pensado para um determinado espaço e de acordo
com idéias, interesses e possibilidades do tempo histórico no qual foi concebido. Deste modo,
consideramos que cada projeto se adapta às diferentes peculiaridades espaço-temporais. Em
ambos os casos, estudos pretéritos contabilizaram uma perspectiva de custo/benefício para a
sociedade, mas, principalmente, para o investidor que mediu a viabilidade econômica do
empreendimento. A sociedade e, especificamente, os grupos afetados não participaram desta
“matemática do planejamento” na década de 1970 e vêm atuando de forma módica no início
do século XXI. Todavia, seus bens materiais e simbólicos foram desvalorizados ou ignorados
pelo “interesse de utilidade pública”.
A simples idealização, no papel, de um grande projeto econômico inicia
transformações no espaço pré-existente. Criam-se expectativas, sonhos, esperanças, geram-se
medos, riscos, inquietações, dúvidas e planejamentos pelos elaboradores, pelos habitantes
6
tradicionais da região e por migrantes do passado e do presente. Quando se territorializam,
isto é, ao se concretizarem de maneira material e territorial, os projetos suscitam conflitos.
Surgem, então, oposições e alianças a favor e contra eles, cada qual apresentando argumentos
- compostos de mitos, crenças e percepções de riscos - e capitais cultural, econômico e
político (BOURDIEU, 1996). Configura-se, no espaço, um campo de disputas e negociações
por territórios, benefícios, recursos, controles territoriais e sobrevivência.
Desta forma, o conceito de conflito assume papel fundamental nesta análise, pois
expressa as relações de força entre atores munidos de diferentes tipos de capital/poder quando
se ameaça o equilíbrio do campo de poder (BOURDIEU, 1996). Isto acontece quando uma
das partes da relação busca reverter ou inquirir a legitimidade de quem exerce o poder,
questionando as estruturas sociais e espaciais existentes. O espaço social, neste momento,
transforma-se em campo de força, ao mesmo tempo em que o próprio espaço geográfico se
torna objeto de disputa e, conseqüentemente, território.
Num espaço de conflito os atores tendem a se organizar e mobilizar. Afloram-se
identidades em torno de interesses comuns que possibilitam a mobilização, as alianças e a
consolidação de instituições sociais coletivas. Novos atores chegam, outros se transformam
em sujeitos da ação na luta por interesses próprios e coletivos (TOURAINE, 2006), velhos
atores se reconfiguram, redefinindo suas funções, formas e interesses. Todos se mobilizam
para alcançar a “paz”, que melhor lhes convém, preparando-se para a guerra contra quem
quiser impedi-la.
Neste trabalho aprofundaremos os conhecimentos dos conflitos desencadeados por
grandes empreendimentos mineradores industriais e as ações que reestruturam relações
sociais e o espaço geográfico. Para isso, identificaremos os atores envolvidos, seus objetos,
ações, interesses, territorialidades e territórios, procurando entender os conflitos e as relações
socioespaciais em processos, de forma contínua, dinâmica e mutável. Procuraremos, então,
perceber quais as transformações espaciais provocadas na formação de redes sociais e nos
embates entre os diferentes atores, pois todas as relações sociais causam mudanças por meio
da troca de informações e energia (RAFFESTIN, 1993).
A peculiaridade existente na análise de situações que envolvem um grande
empreendimento de mineração industrial, povos tradicionais e outras diversas instituições
encontra-se na intensificação da complexidade nas relações de poder, nas organizações
políticas e sociais, nas interações e no próprio espaço geográfico e sua configuração social
regional. Alguns lugares antes renegados, deixados à margem, podem ser revalorizados e
7
reestruturados de forma rápida por suas características físicas, de recursos e locacionais,
tornando-se espaços de disputa, sobreposições e conflitos. Compreender as relações sociais na
escala regional/local como produto das mudanças dos projetos de mineração industrial nos é,
por si só, bastante intrigante. Todavia, não podemos nos limitar à escala local, quando o cerne
dos interesses envolve commodities situados num corredor de exportação numa região
periférica de fronteira (BECKER 1982); explorados por empresas transnacionais ou
associadas às nacionais por joint-venture e com forte participação do poder público regional e
nacional.
O jogo de escalas se faz necessário, para desvendar os interesses e as estratégias
presentes no local, devido ao processo de reescalonamento do poder (SWYNGEDOUW,
2004). A disputa direta por territórios pode até se dar de forma mais intensa na escala local,
porém, para entendê-la, precisamos compreender a conjuntura política da economia mineral
mundial, as formas de espacialização dos grandes conglomerados transnacionais e suas
estratégias em busca de novos mercados de commodities. O Estado também assume papel
primordial neste campo de conflito, com suas ações afetando diretamente a geografia do
poder (RAFFESTIN, 1993).
Os processos de disputas pela gestão do território e dos recursos estão compostos de
múltiplas territorialidades, sendo estas, estratégias em que os atores envolvidos lançam mão
no campo de forças das relações de poder frente a situações de conflito (SACK, 1986). Os
atores têm territorialidades próprias, e estas variam de acordo com os capitais (econômico,
político e cultural) disponíveis, a estrutura e a conjuntura espaço-temporal. Atores sociais
inseridos na mesma classe social, em tuas condições de opressão e com características
similares podem apresentar diferentes formas de ação em tempos e espaços distintos. Torna-se
de fundamental importância analisar as estratégias dos atores envolvidos, suas similaridades e
peculiaridades em diferentes tempos e espaços geográficos.
Segundo estudos desenvolvidos por Bunker e Ciccantelli (1985; 2000), Coelho,
Monteiro e Cunha (2002; 2005 e 2007), a implementação dos grandes projetos de extração
mineral industrial na Amazônia Oriental, na década de 1970 e 1980, foi acompanhada de
estratégias geográficas e políticas por parte das empresas, como a CVRD na região de Carajás
e a empresa Mineração Rio do Norte no Vale do Trombetas. As estratégias tinham o objetivo
de explorar jazidas minerais e controlar os contextos socioambientais e políticos no entorno
da área de investimento. Para tal, as empresas identificaram e tentaram controlar ou expulsar
os povos tradicionais e migrantes, seus crescimentos e mobilidades, que poderiam se tornar
8
futuros focos de pressões ao projeto e de instabilidades sociais, representando uma ameaça ao
capital investido. Por outro lado, as mineradoras procuraram estratégias para proteger os
recursos minerais, tendo em vista dificultar a instalação de companhias concorrentes e
facilitar futuros planos de expansão do capital.
As empresas pretendiam e pretendem a proteção e o controle do entorno, utilizando-se
das políticas de preservação ambiental e de responsabilidade social. Os empresários
aproveitam seu poder de influência para desenvolver ações e interações junto ao Poder
Público, como criar e consolidar territórios. Os novos territórios ficam a encargo das
instituições governamentais (IBAMA, INCRA e Fundação Nacional do Índio - FUNAI),
muitas vezes recém-chegadas à região de exploração mineral - antes desprovida de qualquer
presença de governo - de forma combinada e coligada com as grandes mineradoras. Foram
essas parcerias de novos gestores do território que, a partir de então, criaram, aplicaram e
ditaram as novas normas, regras e limites territoriais no entorno da área do empreendimento,
de acordo com os interesses capitalistas, de modo eficaz e com baixo ônus para a empresa.
Cabe ressaltar que essas políticas não foram homogêneas no tempo. As empresas, bem
como os grupos atingidos, mudaram suas concepções de políticas ambientais e sociais, assim
como a própria sociedade redefiniu o papel das mineradoras na sociedade e a responsabilidade
para com os grupos afetados. Torna-se fundamental desvendar como e quais as razões que
levaram aos processos de mudanças de visão e de ação das empresas e dos “atingidos” e suas
respectivas estratégias territoriais.
Na escala local, procuraremos desvelar como as mineradoras se relacionam com os
diferentes atores e quais as territorialidades utilizadas por elas para conquistar seus territórios
e ganhar legitimidade perante os atores sociais e instituições presentes na região. Os atores
sociais e as instituições também variam no tempo e no espaço, pois nem sempre atuam hoje
ou atuaram na década de 1970. Mais recentemente, outros atores, como as ONGs e o
Ministério Público, assumiram papéis relevantes nos conflitos socioambientais na Amazônia,
ocupando vazios político-institucionais existentes ou deixados por velhas e obsoletas
organizações. Poderíamos dizer que a Amazônia não é mais aquele espaço desprovido de
meios técnico-científicos e informacionais, e a própria idéia e importância que esta região
representa na escala nacional e internacional não são as mesmas. Então, possivelmente, as
estratégias e os meios de negociações que as empresas e os povos tradicionais adotam
contemporaneamente não são os mesmos do passado.
10
Atualmente, as empresas não estão sob os mesmos olhares fiscalizadores do passado,
encontrando-se mais vigiadas pela sociedade. As experiências dos impactos ambientais
passados, juntamente com o crescimento dos movimentos populares e da preocupação
ambiental, ressignificaram a questão da terra numa perspectiva ambiental. Movimentos que
nunca se consideram ambientalistas passam a incorporar o apelo por justiça ambiental nas
lutas discursivas (ACSELRAD et al, 2004). Martínez Alier (2007) considerou essa corrente
do ambientalismo como o ecologismo dos pobres.
Nas últimas décadas, houve ainda mudanças nas normas e nas legislações ambientais
brasileiras e no direito dos povos tradicionais. Do mesmo modo, os movimentos populares
não se portam da mesma maneira do passado. Em contraposição, as transnacionais a cada dia
aumentam sua influência na economia mundial, e seu poder de barganha é cada vez maior.
Com certeza vivemos tempos bem diferentes dos anos 1970 e 1980, o que torna a análise
comparativa fundamental para compreendermos o que, onde, quando e como mudou, e o que
se manteve.
A reestruturação espacial provocada pela instalação e exploração mínero-industrial na
Amazônia suscita conflitos socioterritoriais e ambientais. Esses conflitos estão relacionados à
disputa por recursos naturais e áreas valorizadas para o processo de reprodução social, ou
seja, trata-se da necessidade de conquistar e manter territórios para o controle de recursos,
indivíduos e áreas. Os conflitos ambientais da mineração são produtos das relações desiguais
de poder entre os interesses capitalistas das empresas mineradoras e fundiário-territoriais dos
povos rurais tradicionais, e suas respectivas redes sociais. A partir do conflito social em
questão emergiram e emergem os movimentos sociais em áreas de mineração. Os “atingidos
por mineração”, ou em conflito com as mineradoras, são sujeitos sociais que se mobilizam
e/ou se formam a partir dos conflitos deflagrados na relação de poder contraditória e dialética
com a empresa. Esses movimentos lutam não pelo fim da mineração, mas pelo direito à terra,
ao acesso aos recursos naturais e outras necessidades básicas, ou seja, querem usufruir ao seu
modo do dito desenvolvimento.
Na segunda metade do século XX, os conflitos e os movimentos populares na
Amazônia, entre os quais os deflagrados pelas mineradoras industriais de grande porte,
incorporaram a concepção ambiental em suas lutas. Uma ambientalização sobre a qual os
conflitos se redefinem, fortalecendo e ampliando alianças, e as reivindicações socioterritoriais
se legitimam na medida em que são colocadas no âmbito mais geral de defesa da natureza. De
fato, se conceitualmente os conflitos podem ser identificados como ambientais - uma disputa
11
pelo controle dos recursos naturais e sua significação (ACSELRAD, 1992; 2004), na prática,
esta apropriação conceitual pelos movimentos faz parte de uma territorialidade no campo de
força da luta simbólica (BOURDIEU, 1996) pela legitimação do controle, do uso e da
significação do território.
Ao que tudo indica, as experiências de conflitos e lutas vivenciados em Oriximiná
desde meados da década de 1970, e ainda outras histórias orais, memórias de lutas, conquistas
e derrotas de sujeitos sociais anteriormente “atingidos por mineração” em várias localidades,
resultaram na ampliação da capacidade de luta, de negociação e de acesso às informações,
recursos e apoios no século XXI, em Juruti e em outras localidades. Em todo caso, cada
situação tende a ser nova para ambas as partes em conflito (empresas e “atingidos”), que
lidam com experiências passadas, promovendo um esforço de vencer as dificuldades. Ou, ao
contrário, as memórias e as experiências passadas podem vir a produzir efeitos de
enrijecimento nas relações, impedindo a ampliação do diálogo e limitando os esforços para
solucionar os conflitos.
Esta dissertação está dividida em duas partes centrais. Na primeira, apresentaremos a
diversidade dos conflitos deflagrados pela implementação de um grande projeto de mineração
industrial na Amazônia, em dois eixos. O primeiro apresenta os conflitos provocados pelo
ordenamento territorial, e o outro, os conflitos ambientais em virtude dos impactos ou
ameaças ambientais e das disputas materiais e simbólicas por recursos naturais. Na segunda
parte, discutiremos sobre os movimentos populares em áreas de mineração nas duas áreas
analisadas, relatando o processo de formação, consolidação e as lutas travadas;
posteriormente, compararemos suas estratégias e territorialidades. Por fim, procuraremos
promover uma análise crítica sobre a pesquisa, com o intuito de identificar nossos problemas
e limitação, para, então, traçarmos novos caminhos teóricos e analíticos.
12
2. CONFLITOS SOCIAIS NOS ENTORNOS MINERAIS: O ORDENAMENTO
TERRITORIAL E OS RECURSOS NATURAIS EM DISPUTA
Um dos focos sobre os quais as ciências sociais, em particular a geografia, deveriam se
debruçar com maior vigor, diz respeito aos atores e às relações sociais (de poder,
especificamente) em situação de conflitos e negociações. À Geografia caberia analisar a
dimensão espacial destes conflitos, tendo como conceito-chave o território, pois é pela
dimensão espacial do poder que os conflitos se expressam, reorganizando os sistemas
socioespaciais e os limites territoriais. Enfocar o conflito permite-nos iluminar as estruturas
do poder, os interesses divergentes, as disputas por espaço, as ambigüidades e a
vulnerabilidade dos atores sociais e instituições. Os conflitos ambientais colocariam no cerne
dos estudos as disputas e as divergências em relação às apropriações e às significações dos
recursos naturais no espaço. O território, espaço controlado por e a partir das relações de
poder (SOUZA, 1995), se transforma no objeto sobre o qual se pretende exercer o controle,
com o intuito de possibilitar o uso e proteger os recursos naturais e culturais que possibilitam
a reprodução social ou a acumulação de capital.
O problema em questão neste trabalho aborda a ação social de atores e instituições em
relação de conflito de interesses no contexto da exploração de grandes projetos minerais na
Amazônia brasileira. A ação social existe quando orientada para o outro e ao influenciar a
história (WEBER, 2005) e a geografia dos lugares. As práticas e mudanças promovidas no
espaço têm que ser consideradas ações sociais que se direcionam ou simplesmente afetam
outros indivíduos e estão repletas de intencionalidades e interesses. Não são meras situações
causais/naturais sem o menor conteúdo social, mas ações que deflagram conflitos e são meios
para atingir determinados fins: o lucro, a exploração de riquezas, o controle e manutenção do
território, a reprodução social, a sobrevivência sociocultural, etc.
O conflito consiste na interação entre seres humanos, uma forma de relação social que
existe se exercida entre dois ou mais atores que se empenham numa conduta, na qual cada
lado considera o comportamento alheio na luta por capital, recursos e significação
(BOURDIEU, 1996; MELUCCI, 1989; WEBER, 2005). Para a grande maioria dos autores, o
conflito representa um tipo de relação social com atributos negativos que desestruturam a
harmonia social e espacial pré-estabelecida (ALMEIDA, 1993). De fato, o conflito
desestrutura as condições socioespaciais, assumindo uma situação de crise que, ao mesmo
13
tempo, significa o princípio de uma nova configuração espacial e novos tipos de relações e
unidades sociais:
[A]o contrário da visão funcionalista para a qual os conflitos são um simples
sinal de que algo não vai bem, trazendo benefícios ao sistema e permitindo-
lhe uma auto-regulação permanente, que considerar que na recusa dos
atores também uma positividade. E que esta positividade não é apenas
constitutiva de sujeitos, que se definem com freqüência em um movimento
de recusa, mas ela tem efeitos também, no caso que nos ocupa, sobre o modo
como se organizam as relações espaciais e as formas de apropriação do
território e seus recursos (ACSELRAD, 2004: p. 17).
A sociedade não é um todo homogêneo, está repleta de divergência e diferenças. Por
isso se encontra em permanente conflito. É uma realidade repleta de oposições, conflitos e
tensões, até mesmo no interior dos romantizados movimentos sociais populares. Os processos
sociais pressupõem antagonismos e tensões que formam uma unidade complexa e dialética:
harmonia desarmonia; associação competição; amor ódio; dominação rebeldia;
engajamento distanciamento; civilização barbárie; ascensão declínio; poder
resistência, (SIMMEL, 1964; ELIAS, 2006).
Desde logo, o que nos interessa é a relação dialética entre poder e resistência presente
em todos os processos históricos e geográficos, como nos apresentou o materialismo de Marx,
Leffevre e outros marxistas na idéia de luta de classes (ELIAS, 2006; MARX, 1847; MARX
& ENGELS, 1848; SOJA, 1990). Onde existirem relações de poder haverá resistência
(FOUCAULT, 1979), sendo esta relação uma luta infindável pelo controle social e do espaço
(BOURDIEU, 1996).
Os conflitos são capazes de desvelar as relações desiguais de poder e de capitais na
sociedade. Em processos sociais de conflito os atores, por meio de suas ações intencionais,
almejam solucionar as divergências, para assim consolidarem uma nova unidade social e de
poder, nem que para tanto seja necessário aniquilar o oponente. Desta maneira, não
deveríamos opor o conceito de conflito à idéia de unidade. Mesmo porque o conflito precede
uma nova unidade ou estrutura socioespacial, que assim que se forma já é colocada em
questão por outros atores (SIMMEL, 1964), num constante movimento de conflito, resistência
e lutas.
As situações de antagonismos produzem e modificam grupos de interesses, uniões e
organizações, transformando as unidades, as relações sociais e de poder pré-estabelecidas. No
interior dos atores sociais e, sobretudo, nos movimentos sociais populares, os conflitos com
outrem agem como elemento integrador do grupo e formador de identidades coletivas
14
(SIMMEL, 1964; 1983). Quando se estabelece o conflito de um grupo com sua exterioridade,
o grupo se integra mais, cria ou intensifica uma identidade comum e desenvolve alianças
internas, à procura de uma maior coesão para ser mais combativo na luta, temendo as perdas
ou a própria aniquilação.
Nesta situação as relações sociais desiguais e de poder transparecem. Os territórios se
definem com maior precisão, os limites ficam mais claros e disputados. Os nculos
identitários com o espaço, sendo estes a identidade territorial, se apresentam como uma
importante territorialidade para manter o controle sobre territórios usados e significados.
Buscam-se, também, outros tipos de estratégias que venham a melhor se adequar às
conjunturas políticas e aos atores em confronto.
A resposta à situação de opressão dá aos grupos ou indivíduos a sensação de satisfação
e alívio, faz com que eles se sintam parte ativa do processo social e se convertam então em
sujeitos da ação (TOURAINE, 2006). Existem relações entre atores sociais que se baseiam
simplesmente no conflito, um sentimento de aversão, estranheza e repulsão mútua,
entrelaçados a outros motivos de existência desta relação. Outras relações são constituídas
pelo antagonismo de harmonia e hostilidade. O conflito também pode ser um fim em si
mesmo ou um meio para alcançar um dado objetivo. Enquanto meio, existe a possibilidade de
se criarem normas regulatórias entre as partes, ou, ainda, substituir o conflito por estratégias
além da luta - como gestões territoriais mais democráticas.
Se o conflito é causado por um objeto, pela vontade de ter ou controlar
alguma coisa, pela raiva ou por vingança, tal objeto ou estado de coisa
desejado cria as condições que sujeitam a luta a normas ou restrições
aplicáveis a ambas as partes rivais. Mais ainda, desde que a luta se concentre
num propósito fora dela mesma, é modificada pelo fato de que, em princípio,
todo fim pode ser alcançado por mais de um meio. O desejo de possuir ou
subjugar, ou mesmo de aniquilar o inimigo, pode ser satisfeito por meio de
outras combinações e eventos além da luta. Quando o conflito é
simplesmente um meio, determinado por um propósito superior, não há
motivo para não restringi-lo ou mesmo evitá-lo, desde que possa ser
substituído por outras medidas que tenham a mesma promessa de sucesso
(SIMMEL, 1983: p. 133-134).
Contudo, se o conflito for o próprio fim, a luta pela luta, neste caso não há como evitá-
lo, substituindo-o por outros meios.
Os conflitos são relações sociais que rompem e redirecionam o processo social. Em
conseqüência das mudanças socioespaciais e das relações de subordinação, especialmente as
ligadas à monopolização dos meios de satisfação de necessidades sociais ou de meios de
15
poder
3
, surgem as ações de resistência que direcionam os processos sociais na condição de
não-planejados
4
. A ruptura dos processos sociais ocorre por meio do deslocamento do poder,
cuja transição se na imposição de uma nova estrutura social e espacial e por mudanças
decisivas nas relações de poder, favorecendo alguns atores sociais em detrimento de outros
(ELIAS, 2006). Neste sentido, os conflitos e as lutas sociais podem ser entendidos como a
sobreposição de projetos sociais e espaciais, onde cada ator inova seus conhecimentos e
territorialidades, visando romper com o processo social vigente e impor sua lógica
socioespacial alternativa.
No capitalismo atual, os capitalistas perderam o controle da “máquina” de ocupação e
produção do espaço, que possibilitou a reprodução capitalista por todo o século XX
(HARVEY, 2005), como um feiticeiro perdendo o domínio de sua mágica (MARX &
ENGELS, 1848). Os conflitos se tornam crises, e os impactos, tragédias. O processo
planejado hegemônico misturou-se com outros processos periféricos, levando ao processo
social não-planejado. Insurgiram resistências em vários lugares. Os processos não-planejados
se expressam na forma dos conflitos sociais, assim como os conflitos estão contidos enquanto
parte integrante dos processos. De um lado, tem-se os capitalistas à procura de maiores lucros
por meio da apropriação do espaço, do trabalho e da natureza, de outro, a sociedade civil,
mobilizando-se para defender seus direitos, territórios e a própria reprodução social,
assumindo discursos inerentes às contradições do capitalismo, como o ecológico e da justiça
social e ambiental.
Concordamos com Stenner (2005), ao afirmar que três fatores ganham destaque para
compreender os conflitos socioambientais na Amazônia: a multiplicidade dos processos de
ocupação, que provocam um choque de temporalidades, racionalidades e territórios de tempos
distintos; a diversidade escalar dos atores, que divergem em objetivos no planejamento
espacial, contrapondo, por exemplo, interesses globais a locais; e a diversidade espacial, que
opõe a exploração de diferentes recursos no mesmo espaço, colocando em conflito atores
usuários dos recursos.
3
Nobert Elias (2006) fornece os seguintes exemplos de meios de poder: monopolização dos meios de produção,
dos meios de orientação, dos meios de organização e dos meios de violência física.
4
Os processos sociais estão intimamente relacionados às ações e interesses individuais. Não processo social
se os indivíduos pararem de planejar e agir. Contudo, o produto final, a história (transformações amplas e
contínuas de longa duração), é um processo social não-planejado, resultado do relativo grau de autonomia da
ação individual entrelaçada às sensações, pensamentos e ações dos outros seres humanos, acrescida do curso da
natureza não-humana. As transformações sociais são processos sociais bipolares e reversíveis. Isso significa que
o processo em curso pode vir a ser substituído por outro em direção oposta, ou os dois podem ocorrer
simultaneamente, sendo um deles dominante (ELIAS, 2006).
16
No entanto, discordamos quando o autor aponta os conflitos sociais com um dos
principais entraves ao desenvolvimento amazônico, por instabilizar o “ambiente de negócios”.
Aceitar esta afirmativa é compreender as questões sociais e ambientais como um empecilho,
ao invés de parte integrante do desenvolvimento. Os conflitos levados a cabo por movimentos
sociais populares em confronto com os grandes capitais transnacionais, particularmente no
caso mineral, pretendem propiciar melhores distribuições dos ganhos provenientes da
exploração dos recursos naturais da região, ainda concentrados na mão de atores
politicamente mais fortes. Os movimentos de atingidos por esses grandes projetos visam a
rearranjar as relações desiguais de poder (RAFFESTIN, 1993), transformando-se em sujeitos
da ação (TOURAINE, 2006).
2.1 CONFLITOS NO ORDENAMENTO TERRITORIAL PLANEJADO: NOVAS
NORMAS E USOS NO ESPAÇO
Segundo Piquet (2007), os grandes projetos apresentam traços comuns acerca dos
impactos regionais/territoriais, sendo estes: a mudanças na estrutura populacional, no
emprego, na organização do território, no quadro político, na cultura e, podemos acrescentar
ainda, nos ecossistemas. Tais transformações na sociedade capitalista moderna estão
totalmente imbricadas com a necessidade de se criar condições para a reprodução ampliada do
capital, estando ainda associados à ideologia modernizadora e ao ordenamento territorial do
Estado nação (SCHERER-WARREN, 1993).
As grandes corporações mineradoras buscam criar, nas localidades onde se instalam,
uma nova racionalidade, por meio de um ordenamento territorial, que lhes permitirá o
exercício “seguro” de suas atividades produtivas. Para tanto, estimulam o processo de
institucionalização, isto é, a criação de territórios ou o rearranjo de velhos limites com
finalidade de normatizar o uso e a circulação espacial por meio da institucionalização ou
normatização dos territórios (SANTOS, 1996). Neste sentido, o espaço geográfico tem que ser
compreendido como um condicionador impregnado de intencionalidade. O território normado
requer elementos para coerção, que podem ser por vias materiais - objetos geográficos
arranjados intencionalmente para obstaculizar e induzir as ações (bases de controle de
circulação, grades, muros) - ou por meio de regras e normas-lei que, ao serem desobedecidas,
impõem alguma sanção (ANTAS Jr., 2005). A racionalidade imposta pelas mineradoras
17
define os limites das ações quanto ao uso e funções no/do espaço, de modo que o
funcionamento assegure a reprodução do capital.
Ao mesmo tempo em que as empresas criam novas formas de regulação do uso do
território numa escala local, elas atuam pressionando o poder estatal, no intuito de flexibilizar
as normas territoriais nacionais, ou ainda contornam os dispositivos constitucionais, para
favorecer ou facilitar a instalação e ação do capital. As práticas de desregulação, exercidas
pelo Estado frente à chantagem locacional
5
possibilitada pela mobilidade espacial das grandes
corporações transnacionais, não se limitam apenas à flexibilização das normas para atrair
investimentos. O lobby empresarial transforma as leis aos moldes dos interesses capitalistas.
Vide o projeto de lei (PL - N
o
1610/96) do senador Romero Juca (PFL-RR), que pretende
regulamentar a mineração em terras indígenas – TI. O projeto desbloqueia 5.064 processos em
132 TI na Amazônia Legal, favorecendo quatrocentas (400) empresas, especialmente a
CVRD, segunda maior detentora de títulos em TIs (RICARDO & ROLLA, 2005). A ação dos
lobistas pode, também, atuar sobre a recategorização das Unidades de Conservação UCs,
permitindo a exploração mineral nestas áreas. Justifica-se, então, a existência de mais de
6.163 processos de mineração em UC federais e estaduais na Amazônia Legal (RICARDO &
ROLLA, 2006).
A criação de territórios institucionalizados é caracterizada pelas transformações
promovidas por instituições com seus aparatos e discursos técnico-científicos e
informacionais, que instituem ao espaço novas normas, regras e limites territoriais. O
processo de institucionalização está diretamente relacionado aos processos de normatização
do espaço. As instituições são, por excelência, produtoras de normas que se transformam em
formas geográficas.
Em áreas de mineração de grande porte na Amazônia, as normas impostas ao espaço
pelas recém-chegadas instituições (órgãos estatais, empresas, ONGs, associações da
sociedade civil, etc.) se territorializam geograficamente em forma de propriedades privadas,
unidades de conservação da natureza, terras indígenas, territórios quilombolas, assentamentos
rurais, parques industriais, áreas de lavra, etc. Desta maneira, molda-se uma nova ordem
espacial (SANTOS, 1996). Essa nova ordem estabelecida se choca com o espaço pré-
5
Chantagem” locacional é uma das estratégias de compressão espaço-tempo e desregulação (MASSEY, 2000;
ACSELRAD et al, 2004), utilizada por corporações para conseguirem vantagens relativas e desregulações (como
diminuição dos salários, aumento da carga horária, isenção de impostos, flexibilização das leis trabalhistas e
ambientais etc.), nas localidades onde pretendem instalar seus empreendimentos, por meio da ameaça de
escolherem outro local mais favorável. Essa estratégia está relacionada à idéia de “guerra fiscal”, cujo objetivo é
maximizar os lucros (SANTOS, 2004).
18
existente, isto é, com os modos de vida e práticas espaciais dos grupos tradicionais rurais
amazônicos. O conflito é eminente, no momento em que as formas e normas criadas
unilateralmente pelos atores hegemônicos se sobrepõem as formas e normas morais
anteriores, exigindo outro comportamento dos habitantes tradicionais. Suscita-se, assim, a
resistência, o que Santos (1997) chamou de a revanche do território”, que tentará ser
controlada por meio de punições e da violência.
A partir da cada de 1970, em Oriximiná, e 2000, em Juruti, as relações de poder e,
conseqüentemente, os territórios adquirem novos limites e atores hegemônicos. As empresas
transnacionais assumem a posição de principal gestor e organizador do espaço geográfico.
São elas, com a ajuda de seus aliados, que estabelecem os limites e normas territoriais. Nesse
caso, o Estado participa fielmente para isso, como “guardiões”
6
territoriais, protegendo o
entorno mineral. A nova ordem é ditada a partir dos interesses do capital que transbordam os
limites espaciais do parque industrial, afetando as dinâmicas regionais.
2.1.1 A Desterritorialização pelo Deslocamento Compulsório
A desterritorialização, aqui compreendida como a perda do espaço concreto de
moradia e sobrevivência, e, conseqüentemente, das referências culturais, econômicas, sociais
e espaciais (HAESBAERT, 2004), provocada pelo deslocamento compulsório, é um processo
comum à atividade de exploração mineral em grande porte. Apesar de não apresentar a
mesma magnitude de outros tipos de grandes empreendimentos - como os hidrelétricos - onde
a desterritorialização ocorre com maior intensidade, não devemos, de forma alguma,
desprezá-lo enquanto impacto que afeta a ordem social e a vida dos habitantes locais. Em
relatório desenvolvido pela MMSD (2002), a instituição chama a atenção sobre a magnitude
do tema, apontando que, entre 1950/90, na Índia mais de 2.5 milhões de pessoas foram
deslocadas pela atividade mineral.
Se nos anos 1970, sustentadas pelo mito do espaço vazio difundido pelo Estado
brasileiro para a Amazônia, as empresas ignoram os povos e os espaços tradicionalmente
ocupados (ALMEIDA, 2004), atropelando-os e dizendo-se pioneiros desbravadores da selva,
hoje, em Juruti, a ALCOA tenta deslegitimar os direitos dos povos tradicionais ribeirinhos,
alegando que eles não são os legítimos donos da terra, sendo meros posseiros que não detêm o
6
O termo guardiões (ou guardian) teve origem na conferência intitulada Political Geography and
Metageography”, do Professor Peter Taylor, em 2005, na Universidade Federal do Rio de Janeiro, patrocinada
pelo Programa de Pós-Graduação em Geografia.
19
direito legítimo sobre a propriedade privada da terra. Deste modo, a mineradora, em seu
processo de territorialização, desconsidera os usos e até mesmo a existência de habitantes
locais, apropriando-se dos espaços, considerando-os juridicamente “vazios”, ou, no termo
correto, devolutos.
No Trombetas, antes de serem descobertas as jazidas minerais, ali habitavam os
descendentes dos centenários quilombos extintos, que se distribuíam esparsamente pelo vale,
organizados coletivamente e praticando o agroextrativismo. Estavam, porém, à margem da
sociedade e invisíveis ao poder público e suas políticas de desenvolvimento territorial.
Durante a instalação da MRN, os negros foram atropelados, ignorando-se seu direito à terra e
ao uso dos recursos naturais. As áreas ocupadas para alocar a company town
7
, assim como os
platôs que se transformariam em minas, foram considerados espaços vazios, terras devolutas,
sem habitantes ou usos.
A empresa tentou criar a impressão de que fora a primeira a ocupar a região, até
mesmo antes dos negros ali chegarem. Desta forma, teria o direito à exploração do espaço, em
detrimento do uso promovido pelos povos tradicionais, que a ‘ameaçava’ (ACEVEDO e
CASTRO, 1993). Ao promover o discurso pioneiro, a MRN procurou legitimar sua expansão
territorial, autoritária, sobre o espaço habitado e utilizado pelos quilombolas, assim como
respaldar o poder exercido sobre os negros e seu território.
A princípio, o território do capital minerador constava de 65.552ha de áreas de lavra
concedidas pelo governo federal, além da fazenda dos Almeidas e de uma posse de 400ha,
adquirida mediante irrisório pagamento aos negros (Mapa 2). A empresa chegou a solicitar
87.258ha ao INCRA, em 1977, no intuito de consolidar o controle sobre o entorno com um
grande território/propriedade. Todavia, o pedido foi indeferido. Após a frustrada tentativa, a
estratégia de adquirir terras foi substituída pela criação de territórios tampões. Ou seja, áreas
de preservação ambiental compreendidas como reserva de valor e faixa isolante que protege a
área da mineração de eventuais disputas territoriais.
A primeira desterritorializaçao efetiva sofrida pelos stakeholders locais aconteceu em
1970, quando noventa famílias quilombolas foram induzidas a travar um “acordo” com a
mineradora, concordando em deixar suas áreas – onde, atualmente, se situa Porto Trombetas -
mediante pagamento de indenização irrisória.
Nos limites territoriais apropriados pela MRN incluía-se a comunidade de Boa Vista,
localizada na margem esquerda do rio, vizinha à company-town (ACEVEDO e CASTRO,
7
Company town é o termo utilizado para denominar as cidades exclusivas das empresas. Ou seja, cidades
construídas para moradia apenas dos funcionários da empresa e suas prestadoras de serviços.
20
1993). Mesmo não sendo removidas, as famílias sofreram com a desestruturação da vida
social, econômica e cultural. Tiveram proibidas as práticas de caça, roçado e coletar de
produto da floresta, perderam significativa fatia do território tradicional (áreas dos platôs
concedidas para lavra e área ribeirinha destinada à construção de Porto Trombetas) e, com
essa, a liberdade, sendo praticamente inviável a sobrevivência neste restrito espaço. A única
escolha possível foi submeter-se totalmente ao controle da mineradora como empregados ou
clientes dos programas sociais.
A desterritorialização dos negros como reflexo da apropriação espacial do capital
continuou na comunidade Mãe Cué, localizada à margem direita do rio, a norte de Porto
Trombetas, na área conhecida como Cruz Alta. Segundo Antunes (2000), na década de 1970,
aproximadamente vinte famílias foram precariamente indenizadas e expulsas de suas terras
pela violência policial, para ceder lugar às instalações da Mineração Santa Patrícia/Grupo
Ludwig/JARI. Os expropriados se reterritorializaram na margem oposta do rio. Quando ainda
se adaptavam, a criação da Reserva Biológica do Trombetas - REBIO, em 1979, os obrigou,
por pressão do Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal IBDF, a retornar ao antigo
sítio, recém-abandonado pela mineradora Santa Patrícia.
No entanto, o terceiro deslocamento estava por vir, mantendo a incerteza
socioterritorial dos negros. Em 1981, o Grupo Ludwig vendeu as áreas de concessão de lavra
para a ALCOA, que decidiu retomar o projeto. A transnacional não removeu os
remanescentes, porém cercou-os entre as proibições de uso do território e dos recursos
naturais pela área da REBIO e de concessão da ALCOA. Em 1991, um acordo travado com a
CVRD assegurou a venda de bauxita de Trombetas para a ALUMAR (usina Alumina do
Maranhão, da corporação americana em São Luís-MA) e uma maior participação acionária na
MRN, em troca da retirada da ALCOA da região do Trombetas. O término do projeto
permitiu aos negros reassumirem o território tradicional
8
.
O interesse da ALCOA no Trombetas provocou fortes mobilizações dos quilombolas,
mais conscientes pelas experiências de conflitos e problemas sofridos com a MRN. Durante o
licenciamento e a audiência pública, em 1991, os negros demonstraram sua recusa e
resistência à proposta de desenvolvimento regional. O temor de se repetirem as relações de
subserviência e a dependência existente em Boa Vista, os perigos e danos ambientais às
8
Houve ainda deslocamentos compulsórios em decorrência do projeto de construção da hidrelétrica de
Cachoeira Porteira da Eletronorte/Andrade Gutierrez, que, apesar dos impactos, não saiu do papel. Os impactos
da hidrelétrica não foram, neste estudo, considerados como parte do impacto do empreendimento minerador,
mesmo a hidrelétrica fazendo parte da política de desenvolvimento regional, com base na exploração mineral
(sobre a questão, ver ACEVEDO e CASTRO, 1993).
21
florestas, lagos e rios (caso do lago Batata) e a desordem social da região (formação de
bregas
9
) estavam entre os argumentos exprimidos pela então fundada Associação dos
Remanescentes de Quilombo do Município de Oriximiná - ARQMO.
Nos grandes projetos das décadas de 1970/80 na Amazônia, as corporações, apoiadas
pelo Estado, utilizavam de um autoritarismo permissível num período ditatorial em que a
negociação inexistia (ACEVEDO e CASTRO, 1993). Para o Estado, os povos tradicionais
eram irrelevantes, não podendo eles comprometer ou frear o progresso e o crescimento
econômico planejado. Tratava-se de sociedades arcaicas, atrasadas e primitivas, que
requeriam passar pelos processos de civilização e modernização propiciados pelo
desenvolvimento capitalista, ou, então, que deveriam ser removidas, desobstruindo-se, assim,
o caminho rumo ao destino manifesto da nação brasileira. Por isso, os conflitos territoriais se
resolviam pelo pagamento de indenizações irrisórias ou pela força bruta da polícia.
Em Juruti o processo de instalação ainda não se encontra totalmente materializado.
Contudo, pudemos constatar um processo distinto do ocorrido em Oriximiná, especialmente
no campo da negociação e do desenrolar dos conflitos. As principais desterritorializações
ocorridas se deram nas áreas do traçado da ferrovia, no porto e na periferia da sede do
município, onde se constrói um condomínio fechado.
O traçado da ferrovia para escoar o minério da mina ao porto atravessa o assentamento
Socó, criado em 1997, provocando a desterritorialização de dez famílias e fragmentando
outros 46 lotes nas melhores terras do assentamento, num total de 900ha. Neste caso, os
conflitos se dão na disputa por valores auferidos à terra e aos bens existentes (Mapa 3).
A mineradora ofereceu uma proposta fechada variando de quatro mil a quinhentos
reais por hectare, muito inferior aos 35.000 R$/ha indenizados em outras localidades de
Juruti. Considerou-se simplesmente como fator de valoração a distância do eixo da linha
férrea, estando os outros condicionantes que dão valor à terra (qualidade do solo, localização,
relevo, acesso à água etc.) totalmente desconsiderados. Do mesmo modo, definiu-se um valor
uniforme às construções (por exemplo, uma casa e um galinheiro valendo a mesma coisa)
subvalorizando-se e subcontabilizando-se as espécies frutíferas e plantações,
desconsiderando-se o valor anual da produção e o valor simbólico. O Sindicato de
9
Durante a tentativa de instalação da ALCOA no Trombetas, em 1990, os quilombolas vivenciaram e se
opuseram ao aparecimento de um brega com mais de sessenta migrantes mulheres na comunidade de Mãe Cué
(ACEVEDO e CASTRO, 1993).
22
Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Juruti - STTRJ, Associação dos Produtores Rurais
do Assentados no Soco I e o INCRA rejeitaram a proposta
10
.
Na comunidade Terra Preta, nas proximidades da cidade de Juruti onde será construída
parte da estrada de ferro, o porto e a company-town (condomínio fechado), a transnacional
desapropriou 15 famílias. Neste local selaram-se acordos individuais bem pomposos, cujo
valor mais alto divulgado corresponde a 35.000 R$/ha. Porém, existem muitas incertezas
acerca da natureza e dos valores dos contratos, sendo que a maioria destes contém cláusula de
sigilo, sujeita a multa.
O INCRA, enquanto gestor legal do assentamento Soco I, interveio no conflito como
mediador e desenvolveu um plano de compensação coletiva. O plano frustrou de um lado a
empresa que buscava acordos individuais e de outro os assentados que queriam indenizações
mais altas. O acordo estabeleceu uma série de investimentos no eixo: meio ambiente,
sociedade, produção e infra-estrutura. Além disso, o órgão acusou a ALCOA de cometer
algumas irregularidades sobre outra área do assentamento, sem ter indenizado pelos devidos
danos, e condicionou a ferrovia à formulação de um EIA. Refutando as acusações, a empresa
garantiu ter gasto R$ 3,5 milhões em compensações individuais, prevendo ainda mais R$ 10
milhões para as coletivas. As outras comunidades atingidas pela ferrovia estão negociando
individualmente, sem a mediação de qualquer instituição
11
, vulneráveis aos boatos que as
pressionam por uma rápida negociação, ou, caso contrário, as condenam à perda da terra, sem
qualquer indenização.
A mineradora vem aliciando alguns moradores, nas proximidades dos platôs ao norte
do lago Juruti Velho, a venderem suas terras, oferecendo quantias módicas, mas nunca antes
cogitadas por esses indivíduos pobres (entre 9 mil a 12 mil reais). Todavia, muitos desses não
desejam deixar a propriedade onde vivem e de onde tiram seu sustento. Mesmo assim, a
mineradora demarcou picos e desenvolve pesquisas sem autorização em terras de terceiros.
Tais comunidades, próximas às áreas de lavra, estão sob ameaça de perderem significativas
áreas de subsistência ou, ainda, de serem removidas no futuro.
Desconfiando das intenções da ALCOA, as comunidades tentam impedir com
ameaças o acesso de funcionários em seu território, instalando um conflito direto pelo
controle territorial. De fato, em Juruti Velho, os nervos estão à flor da pele. Num casual
10
No EIA-RIMA não consta a existência de duas comunidades Café Torrado e São Raimundo do Oriente,
sendo oitenta e oito famílias na área sensíveis aos impactos da ferrovia.
11
As comunidades atingidas pela linha férrea são Santo Hilário, Soco I e Soco II.
23
incidente, quando uma lancha com funcionários da empresa cortou a malhadeira de um
ribeirinho que pescava, este reagiu revoltado, coagindo-os com uma arma de fogo.
O futuro incerto deixa os moradores temerosos pela possibilidade de remoção
compulsória e pela incerteza do um novo reassentamento ou reterritorialização
(HAESBAERT, 2004). A vontade de permanecer em seu lugar histórica e simbolicamente
construído os coloca num movimento contrário ao projeto minerador, isto é, em choque com
os interesses do capital. Por isso, o processo de negociação não pode ser resumido a
formulações simplistas do preço da terra. Os valores devem ser compreendidos para além do
sentido monetário, englobando, inclusive, o sentido simbólico transferido pelos indivíduos
aos objetos e lugares. Não se trata apenas de divergências de interesses, mas, também, de
conflitos de valores (THOMPSON, 1978).
A compensação financeira nem sempre é uma política que se direciona a melhorar a
vida dos atingidos. Muitos indivíduos que vendem suas terras acabam atingindo um grau de
pauperismo e exclusão social maior que o anterior. Mesmo sendo um valor relativamente alto
para os padrões da população rural amazônica, este é rapidamente gasto, colocando-os numa
situação ainda pior que a passada, sem casa, sem terra, sem dinheiro e sem vínculo social. É
comum vê-los engrossar o contingente dos sem-terra e posseiros no campo, ou de favelados e
indigentes nas cidades.
Pensando nisso, uma das comunidades do Lago Juruti Velho, Pau d’Arco, ameaçada
de remoção e perda de grande fatia do território, propôs um acordo inovador. Neste, a
ALCOA doaria, em outra localidade do lago, um terreno com 35ha, com casa para todos,
escola e Igreja - de madeira mesmo. Tal fato chama a atenção para o desejo de se manterem
organizados em comunidade e o receio dos reflexos do desmantelamento das relações sociais
pela desterritorialização. Deveríamos, assim, nos preocupar mais com esses impactos sociais,
como propuseram Vainer (2003), no caso das hidrelétricas, e a MMSD (2002), para a
desagregação dos laços sociais provocada pelo deslocamento compulsório das atividades
minerais.
As diferenças nos dois projetos mineradores estão na magnitude dos processos e nas
formas de negociação. O vale do Trombetas, até o início do século XXI, foi a região mais
cobiçada, pela incidência de volumosas jazidas de bauxita (atente-se para o interesse de
grandes multinacionais, como Alcan Company of Canadá - ALCAN, CVRD e ALCOA). O
governo militar tinha, para a região, um plano de formação de um pólo mínero-metalúrgico
24
compondo metalurgia, mina e hidrelétrica planejadas
12
. Por outro lado, o projeto ALCOA não
pode ser resumido ao recorte da bacia de drenagem, pois, segundo alguns analistas, a
atividade extratora em Juruti está interligada à construção da hidrelétrica de Belo Monte e a
uma possível siderúrgica em Santarém ou em Juruti. No entanto, a imprecisão analítica o
nos permite contabilizar os conflitos em Belo Monte envolvendo a política industrial de
bauxita-alumínio.
O Estado e as transnacionais continuam a priorizar os interesses econômicos, em
detrimento dos direitos sociais e ambientais. Porém, deixaram de atuar de maneira violenta e
autoritária em relação aos atingidos. Desde a Constituição de 1988, os povos tradicionais
adquiriram um status legal, desmistificando o vazio demográfico, passível de ser dominado,
colonizado e delimitado, e que respaldava o exercício da violência, do autoritarismo e da
coerção pelas corporações e pelo Estado, no intuito de garantir os processos de localização e
funcionamento dos megaprojetos. Segundo Lesbirel e Shaw (1999), este tipo de processo de
localização industrial, caracterizado pela forte ação do poder estatal, é classificado como
regulatory process, sendo bastante comum no Brasil durante a ditadura militar.
Atualmente, para assegurar o consenso da comunidade local, as corporações utilizam o
market process, no qual as estratégias de barganha, chantagem locacional, vantagens
financeiras (compensação) e de marketing são freqüentemente empregadas. Este processo
abre espaço à possibilidade de conflitos, contestação, mobilização e negociação. Mas, para
evitar e minimizar os conflitos, as mineradoras acabam optando pela aquisição de
propriedades no entorno, arrendamento de terras ou aproximação com a comunidade local por
meio de programas sociais (FARIAS, 2002).
Em meio às manifestações e embates contra a ALCOA, ou melhor, por uma atuação
mais responsável e justa da transnacional em Juruti, a mineradora empregou a chantagem
locacional (ACSELRAD et al, 2004) - permitida por sua relativa flexibilidade da produção
(CHESNAIS, 1996) e pela grande oferta de bauxita - como forma de pressão social, política e
de desregulação, ameaçando realocar-se em outro município, região ou país. Todavia, a
exploração mineral pressupõe uma maior rigidez física que outros tipos de atividade produtiva
12
O complexo industrial que se consolidou no período de 1970/80 formou um corredor de exportação composto
pela hidrovia do Trombetas e do Amazonas, englobando os estados do Pará e Maranhão, composto, além da
empresa de extração MRN, por mais três indústrias de transformação: Alumínio do Norte do Brasil (Alunorte),
Alumínio do Brasil (Albrás) e Alumínio do Maranhão (Alumar), localizadas no pólo metalúrgico de Barcarena-
PA, na foz do rio Tocantins e na cidade de São Luís-MA; juntamente com a usina hidrelétrica de Tucuruí, que
abastece, de maneira subsidiada, as indústrias de alumínio. Contudo, o curso do corredor pode ser alterado, por
exemplo, com a exportação direta do minério bruto de Trombetas para os comprados nos países centrais ver
mapa 1 (COELHO & MONTEIRO, 2003; BUNKER, 2000).
25
não requerem (BUNKER, 2000). A dependência para com os acidentes geológicos coloca a
sociedade e o Estado Nação numa situação de relativa estabilidade frente à chantagem
locacional. Mesmo no caso da bauxita, minério abundante na superfície terrestre, o que
possibilita uma maior flexibilidade de deslocamento global para as transnacionais.
Por se tratar de uma região periférica de um país emergente empenhado no
crescimento econômico a qualquer custo e por apresentar um povo pobre com pouca
organização política, a Amazônia atrai as grandes corporações transnacionais interessadas em
explorar a última fronteira do capital natural (BECKER, 2004; 1982). A forte organização
sociopolítica é um fator repulsivo de investimentos, por aumentar intensamente os custos no
empreendimento, diminuindo a competitividade e os lucros (CHESNIAS, 1996).
Teoricamente, os pobres estariam mais propícios a receber grandes transformações em troca
de algumas melhorias. Por isso, a forte resistência ao Projeto Juruti surpreendeu aos
investidores da ALCOA.
Atraídos pela eminente circulação monetária nas economias locais, regionais e
nacionais proveniente dos megaprojetos commodities, os políticos e empresários se colocam
sedentos pela instalação dos grandes empreendimentos. Ávidos pelo crescimento econômico
acelerado, pelo aumento das divisas, do superávit, etc., nem pensam nos custos ambientais,
energéticos e sociais decorrentes. Para tanto, desregularizam normas existentes, visando
desfazer os “entraves ao desenvolvimento”.
Durante o processo de licenciamento do projeto da ALCOA, os Ministérios Públicos
(MPs) apontaram 22 irregularidades nos estudos de impactos, nos quesitos:
1) Diagnóstico superficial, incompleto ou inexistente; 2) Não realização de
estudos sobre partes estruturais importantes do projeto e seus impactos; 3)
Problemas na identificação, caracterização, análise, mitigação e
compensação dos impactos: 3.1. Impactos regionais não dimensionados, a
partir da necessidade de definição de áreas de influência mais abrangentes;
3.2. Ausência de identificação de impactos importantes e medidas
correspondentes; 3.3. Não mensuração adequada dos impactos e não
correlação entre impactos e medidas mitigadoras e/ou compensatórias; 3.4.
Não definição sobre a compensação ecológica unidade de conservação; 3.5.
Ausência de clareza sobre a compensação financeira dos impactos; 3.6.
Avaliação matricial inadequada dos impactos e sua sinergia. (MPF & MPE,
2005: 18-9)
Mesmo conscientes dos problemas, as pressões políticas e econômicas induziram a
Secretaria de Tecnologia e Meio Ambiente do Estado do Pará - SECTAM
13
a “desregular” a
13
O licenciamento ambiental é promovido pelo órgão estadual e não pelo federal.
26
legislação ambiental vigente e conceder a licença prévia e de instalação, ignorando as
irregularidades (sob a condição de revisá-los durante as fases seguintes), quando se deveriam
refazer os estudos anulando a licença
14
. Cria-se dentro do trâmite institucional o que Beck
(1988) chamou de uma irresponsabilidade organizada.
O Estudo de Impacto Ambiental - EIA não pode ser entendido como um estudo
fechado inquestionável. Liberá-lo incompleto, além de ser uma ilegalidade, dá margem a
impactos socioambientais imensuráveis. O EIA não é um simples documento técnico. Ele é
um documento que prevê e informa à sociedade e ao poder público os perigos e possíveis
impactos da atividade e as formas de mitigá-los e indenizá-los. Para então, serem
questionados e debatidos enquanto custos sociais. Portanto, os estudos devem abarcar a
plenitude do empreendimento, não deixando brechas para futuras catástrofes desconhecidas.
Com a licença expedida, a ALCOA encerrou os debates e discussões que estavam sendo
travados junto a pesquisadores
15
da região sobre o empreendimento.
O MP estadual, insatisfeito com a tomada de decisão do órgão ambiental, se uniu ao
MP federal, a fim de, conjuntamente, moverem uma Ação Civil Pública para anular a licença,
exigindo um plano mais completo de medidas de proteção ambiental, além da obrigatoriedade
da promoção de diálogo e de compensações aos stakeholders locais (população local afetada).
A SECTAM alegou não haver razão para o cancelamento, afirmando que foram feitas 54
exigências de ajustes e novos condicionantes para manutenção da Licença de Instalação.
Determinou também uma maior atenção no relacionamento com as comunidades atingidas,
tendo em vista os problemas referentes ao conflito jurídico sobre a titularidade das terras.
Insatisfeitos, os Ministérios Públicos tentaram levar a ação para a esfera da União, alegando
que o projeto transpunha o limite da jurisdição estadual, por englobar efeitos transestaduais e
de interesses nacionais. Sem sucesso na Justiça Estadual, onde o Juiz de Santarém, numa
decisão desenvolvimentista, negou a apelação, o MP recorreu à instância Federal. No Superior
Tribunal Federal o processo nem foi colocado em pauta e tramita há mais de dois anos.
Os MPs vêm pressionando a transnacional por uma maior responsabilidade social, por
meio do estreitamento das relações com os atingidos e de melhores compensações aos
impactos socioambientais. Em resposta aos intensos conflitos e buscando solucioná-los, a
14
Dentre as deficiências do documento, assinalamos a ausência de informações mais completas sobre o meio
físico, a relação dos povos locais com os recursos naturais e os impactos relativos ao desmatamento, condição
fundiária, pesquisas sobre sítios arqueológicos e estudos mais detalhados em relação aos impactos do porto,
estrada, usina, ferrovia.
15
Pesquisadores especializados do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos e o Centro Socioeconômico, da UFPA,
do Instituto do Homem e do Meio Ambiente da Amazônia IMAZON e da Associação Ecologia e Comunidade
- ECOMUM, e o Centro de Estudos Superiores do Pará - CESUPA.
27
ALCOA contratou a FUNBIO, FGV e WRI (2006) para promoverem um relatório sobre
políticas sustentáveis para a região.
Dentre as recomendações estão: uma maior articulação com as instituições e atores
locais, regionais e nacionais, no sentido de construir um projeto de futuro comum e
duradouro; a formação de uma Agenda 21 local
16
; a solução dos problemas fundiários, com a
criação de assentamentos, capacitação e fortalecimentos das organizações sociais; a criação de
uma Área de Preservação Ambiental APA; o estímulo à consolidação da cadeia produtiva
dos produtos agroextrativistas, aproveitando as novas demandas no mercado regional; a
criação de um Fundo de Desenvolvimento Regional Sustentável para Juruti, a ser gerido pelo
fórum da Agenda 21, direcionado à implementação de políticas locais e financiado pela
ALCOA e outras instituições interessadas. Todavia, ao mesmo tempo em que a empresa
divulga esse relatório como uma política de responsabilidade social na busca de solucionar os
conflitos para um desenvolvimento regional sustentável, ela não trabalha para atender as
recomendações do mesmo.
Na atual conjuntura política, o Estado atua mais do que nunca de forma ambígua. Por
um lado, ele inclui, no Plano de Aceleração do Crescimento PAC, o projeto de exploração
mineral de Juruti, fornecendo, via BNDES - Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico
e Social, altos empréstimos. Por outro lado, busca favorecer as comunidades afetadas, atuando
como articulador regional da negociação e fomentando projetos de infra-estrutura nos
assentamentos, na figura do INCRA.
Se no interior da estrutura administrativa o governo federal pressiona o órgão
fundiário a estabelecer parâmetros para negociação, pela via institucional condiciona os novos
empréstimos à mineradora à resolução do conflito com as comunidades. E, ainda, os MPs
fazem uma defesa veemente dos atingidos, enquanto o órgão regulador ambiental e o poder
judiciário flexibilizam a legislação vigente. O Estado é, dentro dele mesmo, um campo de
força em constante conflito, ou seja, é uma criação de homens divididos, confusos e alienados
(KONDER, 2002).
16
A Agenda 21, um dos principais documentos aprovados na Rio-92, serve como guia para identificar um amplo
conjunto de tarefas, pretendendo materializar o conceito de desenvolvimento sustentável ao longo do século
XXI. A Agenda 21 brasileira foi aprovada em 2002.
28
2.1.2 Territórios Exclusivos e os Conflitos pelo Acesso aos Bens Básicos
Independentemente do interesse na exploração do subsolo por parte das mineradoras,
não existe qualquer possibilidade de dissociação do solo (terra) e da apropriação do subsolo.
Por mais que as empresas insistam em reafirmar seu desinteresse para com a questão
fundiária, sua organização espacial pressupõe uma territorialização de objetos (sedes,
acampamentos, galpões, vias, ferrovias, condomínios ou company-town), que exigem uma
dominialidade do espaço geográfico. Durante o processo de territorialização do capital
minerador ocorre a delimitação de novos territórios usados (SANTOS, 2001), causando
sobreposições e conflitos em decorrência dos distintos planejamentos e uso para o mesmo
espaço.
As corporações necessitam exercer o controle exclusivo sobre algumas áreas, para
assegurarem o funcionamento da atividade industrial. As áreas de lavra são, sem dúvida, as
áreas principais a serem “protegidas” em todos os empreendimentos minerais. O controle
sobre estas áreas exige um cuidado no sentido de evitar acidentes tanto com funcionários
como com habitantes do entorno. Portanto, a partir do momento de abertura de uma nova
mina, o acesso a essa localidade se veda, assim como as atividades que existiam
anteriormente. Cabe salientar que, independentemente da situação da mina (ativa, inativa,
aberta ou fechada), as mineradoras têm o direito jurídico de exercer o domínio sobre áreas
concedidas pelo Departamento Nacional de Pesquisa Mineral - DNPM. As áreas de lavras são
áreas concedidas para fins da extração mineral e se impõe a outros usos do solo
17
, para fim de
interesse público.
A company-town é outra forma de expressão territorial das mineradoras. Nem todos os
empreendimentos minerais constroem uma cidade exclusivamente para atender as
necessidades do projeto. Em áreas longínquas dos centros urbanos ou em regiões periféricas
desprovidas de uma infra-estrutura básica, a construção de um aparato logístico para atender
as demandas de serviços se faz praticamente inevitável. Como se deu em Porto Trombetas,
onde as minas se encontram no interior da floresta amazônica, a 80km de barco de Oriximiná;
e em Juruti, devido à grande precariedade dos serviços urbanos e públicos existentes, que não
atendiam as novas exigências de consumo.
Antes da criação dos territórios institucionalizados pela instalação das atividades
mineradoras - com suas company-towns e áreas de lavra, unidades de conservação e
17
Concessões, propriedade privadas, assentamentos rurais, territórios quilombolas, UCs de uso integral, mas
com ressalvas em zonas de fronteira, terras indígenas e UCs de uso restrito.
29
assentamentos rurais, territórios quilombolas - os territórios eram fluidos, não havia limites
rígidos ou áreas proibidas. Podemos considerar que não havia território, no sentido estrito do
conceito, mas sim, existiam espaços coletivos fora do alcance do Estado e da lei (LEROY,
2008), sem grandes ameaças ou significativas relações poder no/por espaço (SOUZA, 1995).
O uso dos recursos naturais era liberado, e os coletores tinham trânsito livre para extrair em
qualquer local da mata, sem precisarem limitar-se às proximidades de sua área de moradia.
No Vale do Trombetas, as áreas legalmente pertencentes à mineradora são a vila de
Porto Trombetas (área da company-town), a área de Cruz Alta e a platô Almeida. Todas as
outras serras (platôs) são concessões do DNPM para lavra, sem valor de propriedade. O
Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Oriximiná STRO colocou em dúvida a autenticidade
da propriedade do platô Almeida, podendo esta ter sido grilada, e cobra da empresa a
apresentação pública dos documentos. O embate nesta área ocorre desde o início da década,
pela incidência de áreas de extrativismo centenárias das comunidades do Sapucuá, nos planos
de expansão horizontal da produção mineral. Outra área de projetos territoriais em
dissonância é Cruz Alta, antiga área de concessão da ALCOA cedida à MRN, abandonada na
década de 1990, com infra-estrutura de aeroporto e aproximadamente cinqüenta casas.
Nesta área situava-se previamente a comunidade quilombola de Mãe Cué, que, apesar de ter
sofrido com a desterritorialização, ainda luta pela demarcação da área.
Os territórios, antes livres para caça e coleta de produtos da floresta, estão agora
restritos ao uso industrial. Os povos do lago Sapucuá e do rio Trombetas não podem mais
utilizar as áreas que antes compunham seus territórios tradicionais. A estrada construída pela
empresa, que cruza a Floresta Nacional de Porto Trombetas a Terra Santa, marca o limite
físico até onde os agroextratores podem chegar. Os platôs em lavra e as áreas ocupadas pelo
parque industrial estão fechados para o acesso ou proibidos para o extrativismo, passíveis à
repressão dos seguranças da mineradora (mapa 2).
As transformações provocadas pelo projeto da MRN são sempre citadas como
exemplo, pelos grupos atingidos em Juruti, como o lugar onde os povos tradicionais acabaram
prejudicados, perdendo o acesso aos castanhais e a outros recursos da floresta, sendo
removidos de suas moradas e não tendo atendidas as promessas de desenvolvimento social.
Ou seja, não ocorreram as melhorias sociais aguardadas, muito pelo contrário, a pobreza
aumentou para moradores expulsos ou restritos de acessar os recursos naturais - base do
sustento alimentar e financeiro – e houve ainda um aumento das desigualdades socioespaciais.
Alguns quilombolas consideram o novo panorama como uma nova escravidão, por estarem
30
constantemente vigiados, regulados e com suas terras “cercadas”. Por isso, em Juruti, alguns
atingidos desejam que a ALCOA desista de explorar em suas terras, mantendo-as como
sempre foram: livres.
No lago Juruti Velho, com o início da construção da infra-estrutura para o parque
industrial, o acesso passou a ser controlado. É preciso permissão para extrair nos castanhais
ou simplesmente para circular. Diferentemente de Oriximiná, em Juruti os platôs encontram-
se mais próximos das comunidades ribeirinhas (menos de 1km em certos pontos). Assim, o
acesso a essas áreas é mais freqüente, chegando, em alguns casos, a serem os locais de roça
das famílias. Nestes casos, o impacto é relativamente maior. Perde-se a fonte de renda
temporária do extrativismo da floresta, os animais de caça e ainda a produção agrícola.
Deveria ser elaborado um novo reordenamento territorial que minimizasse os impactos das
áreas restritas, propiciando aos atingidos condições dignas de sobrevivência. Mas o que
ocorre é um enrijecimento das regulações sobre o uso dos recursos através dos territórios
institucionalizados - UCs e assentamentos rurais.
O novo poder local provoca estranhamento aos habitantes locais, que têm seus limites
modificados e seus territórios invadidos constantemente por indivíduos a serviço da
mineradora. A ALCOA traçou picos demarcatórios, fez sondagens em áreas privadas e
derrubou árvores e plantações de moradores no lago e no assentamento rural do INCRA, sem
o consentimento dos donos. Em outra ocasião, técnicos chegaram à noite numa comunidade,
pretendendo instalar um equipamento de medição, além da estrada que daria acesso à base da
transnacional atravessando os fundos da propriedade de um morador queo tinha sido
indenizado.
A revolta pelo desrespeito e invasões da corporação está associada ao temor da perda
do controle do território. Os picos e sondas retratam não vulnerabilidade dos limites sob
controle da comunidade, mas, também, o interesse e o poder da empresa em relação ao
espaço, colocando em conflito os dois pólos interessados em projetos espaciais convergentes e
distintos. Em resposta, os moradores expressam suas territorialidades, arrancando os picos e
tentando controlar a circulação de funcionários da ALCOA.
Nas áreas em obras, a mineradora busca controlar o acesso, impedindo alguns
moradores de caçar e coletar. Ao passar pela estrada (que liga a Juruti a base) ou na própria
base de apoio em Capiranga, é preciso se identificar na guarita. Existem ribeirinhos que
plantam a menos de 300 metros da base e temem não ter onde praticar sua agricultura de
subsistência. Se hoje o brando controle exprime desconforto e revolta por parte dos
31
atingidos, com o início da exploração, quando será vedado o acesso aos platôs numa área
estimada de 10 mil ha, prevê-se a iminente possibilidade de conflitos, até mesmo armados,
com caçadores, castanheiros e agricultores. Na área do porto, a estrada que leva à comunidade
Terra Preta também foi fechada para uso exclusivo da ALCOA. O MP questiona a ação e
pediu providências ao órgão de terras.
De fato, é muito difícil definir onde começa e onde acaba o território dos povos
tradicionais. A grande mobilidade no interior da floresta estende o território usado para além
do leito dos rios, dando-lhes o direito de usufruto da terra (SANTOS & SILVEIRA, 2001). As
corporações, em seus estudos de impacto ambiental, não se preocupam em delimitar a
extensão dos territórios vividos e usados, nem com a dinâmica socioterritorial dos povos
tradicionais, limitando-se apenas a quantificá-los e descrevê-los. Sendo assim, não os
compreendem enquanto atingidos, ao perderem uma fatia significativa do território com
florestas, sua fonte de recursos.
2.1.3 Company-Town: um Espaço de Exclusão
A company-town demonstra um perfil desigual entre o território da empresa e os das
comunidades do entorno. Segundo Coelho et al (2002, p. 138), a área da mineração, o
território da empresa exploradora e sua periferia fazem parte de uma geografia desigual”. O
núcleo urbano de Porto Trombetas é uma ilha de bons serviços, alto nível de vida e elevado
poder aquisitivo, rodeada por uma população paupérrima e excluída dos aparatos de serviços
públicos, ou seja, abandonada pelo Estado.
Com aproximadamente seis mil habitantes, este aglomerado urbano é equipado por
todos os serviços básicos e de consumo - uma escola de alto nível pedagógico, cursos de
técnicos; um dos mais equipados hospitais do Baixo Amazonas; cinemas, restaurantes,
supermercados, igrejas, lojas, clube, hotéis, serviços bancários e de previdência social;
aeroporto com vôos regulares; uma usina termoelétrica que gera energia apenas para a
company-town. Porto Trombetas é um espaço exclusivo dos trabalhadores da MRN, suas
prestadoras de serviços, visitantes e dependes, estando totalmente rodeada por cercas de
arame de mais de dois metros de altura, e onde a entrada e a saída das pessoas são controladas
por guardas. é permitido adentrar à cidade se devidamente identificado e autorizado com
justificativa relacionada à empresa, suas prestadoras de serviço ou seus habitantes.
33
Os conflitos que envolvem a company-town ou outras áreas das mineradoras estão
relacionados ao acesso aos serviços básicos e de boa qualidade existente nestas áreas. Os
conflitos são um produto da desigualdade existente no espaço regional entre o centro (a
empresa) e a periferia (o entorno). As comunidades do entorno, desprovidas de assistência
pública qualificada, buscam no aparato urbano “privado” atender suas necessidades básicas.
A pressão dos quilombolas pelo acesso aos aparatos de saúde em Porto Trombetas
consistia no principal conflito com a MRN por demandas de serviços da company-town. A
empresa não permitia o acesso de doentes para serem atendidos, salvo nos casos graves,
quando impossível encaminhá-los a Oriximiná. O acesso a outros serviços, como bancos e
supermercados, é outro ponto de discórdia. O acesso à rede de ensino e à energia elétrica da
termoelétrica, apesar de serem reivindicações relacionadas à socialização dos serviços, não
criou um conflito direto. Os negros do entorno também clamaram pelo direito de vender seus
produtos agrícolas na cidade da empresa, mas ficaram restritos a uma pequena feira às
margens do rio, sendo a totalidade dos produtos trazida de outras regiões da Amazônia e do
Brasil.
Para diminuir a tensão, a corporação desenvolve programas de saúde, apóia uma
escola local e disponibiliza algumas facilidades no porto do núcleo urbano, para uso da
população do entorno. Contudo, o acesso ao interior da company-town continua vedado, com
exceção de aproximadamente setecentas pessoas cadastradas, dentre trabalhadores de Porto
Trombetas e moradores antigos das comunidades mais próximas - basicamente quilombolas.
Algumas vagas são disponibilizadas na escola Pentágono excepcionalmente para moradores
de Boa Vista (comunidade quilombola mais próxima e impactada pela MRN). A partir da
atuação empresarial, surgem diferenciações sociais entre e no interior das comunidades do
entorno: quem tem projetos sociais e quem não tem; quem trabalha na empresa e quem não
trabalha; quem está na lista e quem não está. São diferenças que se expressam ainda nos
níveis econômicos e educacionais.
A planta industrial de Juruti não segue o mesmo modelo da instalada em Oriximiná,
onde o isolamento geográfico em densa floresta amazônica obrigou a construção de uma
cidade exclusiva com todo aparato de infra-estrutura. Mesmo com uma significativa distância
entre a área de exploração e a sede municipal, Oriximiná teve crescimento populacional de
63%, o urbano expandiu mais de 140% no período de 1980 a 2000 (BARRETO, 2001;
COELHO & MONTEIRO, 2003).
34
O projeto ALCOA, aproveitando o já existente precário aparelhamento urbano do
município, optou por construir um condomínio fechado na periferia de Juruti, e não pelo
modelo clássico de company-town. Sendo assim, os velhos custos privados, aplicados na
construção e manutenção de uma estrutura urbana própria, são repassados ao Estado, que terá
que preparar a cidade para atender as novas demandas. Ou seja, uma socialização dos
prejuízos privados. No entanto, o modelo segregacionista se mantém, seguindo os moldes de
Oriximiná e Parauapebas (COELHO et al, 2002). A ALCOA construirá um condomínio
fechado, com os mais modernos serviços exclusivos apenas aos funcionários. A transnacional
argumenta que neste modelo o tecido urbano municipal é beneficiado, pois os funcionários
poderão utilizar a infra-estrutura de serviços da cidade, dinamizando todos os setores da
economia local.
Quais serão os impactos na cidade de Juruti ocasionados pela não construção de uma
company-town afastada do núcleo urbano? Juruti vive na atualidade uma forte onda
migratória. Em várias áreas da periferia de Juruti, surgem pontos de ocupação irregulares
(favelizações) ocupando terras públicas e privadas. Os ocupantes são novos migrantes à
procura de emprego, antigos moradores da área central da cidade que venderam suas casas
com a valorização do solo urbano e especuladores interessados em revender os lotes. Na área
rural, agricultores estão abandonando a produção agrícola e se cadastrando como peões nas
empreiteiras, o que associado com o aumento do mercado consumidor provoca a elevação dos
preços dos alimentos
18
.
Para piorar, no fim de 2006, a ALCOA cancelou os contratos com os restaurantes
locais, após contratar os serviços da multinacional GR, deflagrando a ameaça de uma
quebradeira geral no setor, que investiu pesado para se adequar aos padrões da transnacional.
No campo, poderá haver a diminuição da demanda por alimentos, que a GR importará
grande parte dos produtos, como faz em Porto Trombetas. Trata-se da primeira substituição de
serviços locais por empresas externas, que deverão ser implementadas no setor hoteleiro,
varejista e de lazer localizados no novo condomínio.
O receio vem de todas as partes, governos, ministérios públicos, empresários e
sociedade civil, assustados e preocupados com o exacerbado crescimento que vive a cidade.
Juruti cresce a olhos vistos, os preços do solo e dos imóveis urbanos dispararam, a
criminalização aumentou e o sistema carcerário/policial não tem estrutura para combater os
infratores e a crescente prostituição, os valores de serviços e produtos inflacionaram, assim
18
A farinha de mandioca aumentou quase 400% a saca de 50kg, que custava 20 reais, saindo agora por 75 reais.
35
como intensificou-se a pressão sobre os serviços públicos (saúde, educação, transporte,
energia, etc.). O governo municipal sequer sente o cheiro do CFEM Compensação
Financeira pela Exploração de Recursos Minerais, que irá se iniciar com a extração, e os
custos chegam a níveis exorbitantes para a arrecadação, que se limita aos repasses do governo
federal. Além disso, as contratadas, com sedes em outros municípios ou estados, não pagam
os impostos em Juruti.
É evidente, que não se repetiram, na mesma intensidade, os conflitos ocorridos em
Oriximiná com os moradores do entorno, apesar de existirem pressões por acesso aos serviços
médicos instalados na base da mineradora. Há também, na comunidade de Capiranga (a mais
próxima da base da ALCOA), aversão a uma recente casa de prostituição (ou brega)
construída para atender as novas demandas, que acabam atraindo meninas das comunidades
rurais para este estabelecimento ou para outros existentes na cidade de Juruti. Os moradores
contrariados ainda não conseguiram impedir o funcionamento do brega. De um modo geral,
os novos dilemas foram transpostos para a sede municipal, que sofrerá com as intensas
transformações socioespaciais no urbano.
Resumindo, um colapso da estrutura social e administrativa do município, que fica
cada vez mais vulnerável ao poder e às chantagens da empresa, sem condições de arcar com
suas responsabilidades. Esses impactos e custos não constam nos relatórios de impactos
exigidos legalmente das corporações, impedindo-nos de responsabilizá-las pela nova situação
em que vive o município. Por outro lado, a ALCOA promove grandes obras de infra-
estrutura, com crédito do BNDES
19
, que visam a atender as demandas da nova atividade
produtiva. A expansão da malha viária, a instalação do porto e a construção do aeroporto
estão entre as obras que servirão para atender um grupo seleto da sociedade jurutiense,
excluindo a maior parte da população.
2.1.4 Especulação Imobiliária e Conflitos por Terra
As atividades econômicas de grande porte revalorizam a terra urbana e rural. A cobiça
sobre o solo se torna até maior do que sobre o subsolo. A disputa por minério se entre as
grandes corporações mineradoras e são travadas nas vias institucionais através da DNPM, que
concede licença para pesquisa e lavra. Entretanto, a disputa pela terra e pela permanência na
19
O BNDES aprovou um crédito de 500 milhões de reais em agosto de 2007, o que corresponde a 22% do total
investido no projeto, e mais 650 milhões para a expansão da fábrica de alumina em São Luís - MA.
36
terra nem sempre se dá pelas vias legais. A violência muitas vezes se transforma no meio para
resolução dos problemas.
Em Juruti, novos interesses e velhos conflitos se desvelam. A terra, e não o subsolo, é
reivindicado por todos. As comunidades tradicionais de Juruti Velho encontram-se, mais
de três gerações, sem o título definitivo da terra, luta antiga e até então sem grande
repercussão. As incertezas do território deixaram os indivíduos à mercê de interesses
externos. Madeireiras se aproveitavam da desorganização e da situação de pobreza para
promoverem a exploração de madeira-de-lei, provocando um desmatamento estimado em
mais de trinta mil toras. Foi do problema com as madeireiras que se iniciou a mobilização do
povo do lago Juruti Velho.
A história de Juruti Velho remonta às ocupações indígenas antes da colonização e às
instalações portuguesa e religiosa no século XIX. A tribo indígena Mundurucus ocupava a
região antes da colonização portuguesa. Em 1818, no período colonial, o povoado hoje
conhecido como Juruti Velho (vila de Muirapinima) se elevou à categoria de vila, fundada
com o intuito de catequizar os índios e explorar as drogas do sertão, majoritariamente
castanha e guaraná. Em 1832, construiu-se a paróquia local, levando a então vila ao status de
província, em 1863, que, posteriormente, iria se transformar na sede municipal. Em 1935, a
sede se transferiu para o atual sítio às margens do rio Amazonas (FERREIRA, 2003).
Em 1931, a região do Juruti Velho foi englobada no projeto Vila Amazônia, de
colonização japonesa desenvolvida pelos estados do Pará e Amazonas com a embaixada
japonesa, o qual destinou 300 mil hectares (78.270 hectares no estado do Amazonas e 221.730
hectares no Pará) para a prática de novas técnicas e cultivos agrícolas, principalmente de juta
e guaraná. Com o início da Segunda Guerra Mundial, os japoneses passaram a ser
perseguidos, muitos foram presos, e a Vila Amazônia ficou como espólio de guerra, ou seja,
área pertencente ao Estado.
Em 1972, a Vila Amazônia foi adquirida de forma escusa por proprietário de Belém,
Luiz do Vale Miranda, e está atualmente sob responsabilidade dos seus herdeiros, e Antônio
Cabral de Abreu. A titularidade e legitimidade da Vila Amazônia foi questionada em
investigações da Comissão Parlamentar de Inquérito - CPI destinada a averiguar a ocupação
de terras públicas na região amazônica em 2000/2001
20
. O eixo central das denúncias girou
em torno das irregularidades em relação à desapropriação de parte da propriedade no estado
do Amazonas, município de Parintins. Segundo o relatório final da CPI, o processo de
20
Esta Comissão Parlamentar de Inquérito ficou conhecida como a CPI da Grilagem de Terras da Amazônia.
37
desapropriação de parte do imóvel, que totalizava 78.270 ha, para fins de interesse social para
execução de reforma agrária, apresenta gravíssimas irregularidades (BRASIL, 2001).
Em 1988, se desapropriou a gleba Vila Amazônia, após acordo “amigável” travado
entre o governo federal - na figura do então Ministro da Reforma e Desenvolvimento Agrário
- Jader Barbalho - e os proprietários, com o apoio de diversos deputados federais e estaduais.
Esse acordo extremamente ágil, que durou 14 meses, superfaturou a propriedade em mais
quarenta vezes o valor sugerido em avaliação do INCRA, com pagamentos em quatro anos,
quando a lei previa um prazo de até vinte anos. Além disso, os proprietários não pagavam o
Imposto Territorial Rural anos e nem faziam uso da terra, visto que, na mesma área,
existem mais de oitocentos títulos definitivos de propriedade e outras tantas ações de
usucapião com parecer favorável do juiz de Parintins, expedidos mais de cinqüenta anos
(BRASIL, 2001). Concluídas as irregularidades no processo de venda, que acarretaram
elevados prejuízos aos cofres públicos em relação ao custo da desapropriação e
impossibilitaram a demarcação do assentamento em mais de 2/3 da área, o INCRA apelou na
justiça pela anulação da indenização.
Na área correspondente ao estado do Pará, onde se encontram a região do lago Juruti
Velho com o recém-criado assentamento agroextrativista e as áreas de concessão da ALCOA,
a Procuradoria Geral da República, em 1977, detectou a ilegalidade do registro do título
definitivo por parte da família Valle Miranda. Pelo julgamento do ministro Cunha Peixoto, o
processo de avocação foi encaminhado aos estados, dando respaldo à avocatória das ações
demarcatórias (BRASIL, 2001). Todavia, em 1990, os proprietários pediram uma nova
indenização ao INCRA, afirmando que as terras ficaram improdutivas devido à primeira
desapropriação. Assim como na área do Amazonas, no Pará vários títulos definitivos
expedidos sobre a mesma área pelo governo estadual.
A Vila Amazônia sempre foi uma barreira que dificultou as políticas públicas agrárias
regionais, mantendo como “posseiros”, sem título das terras, nove mil moradores do lago
Juruti Velho em 45 comunidades, que habitam a região desde o século XIX. Alguns ainda
possuem a Licença de Ocupação (L.O.) fornecida pelo INCRA em 1982. Definir o período
exato de ocupação das terras é extremamente difícil, a partir do momento em que várias
atividades econômicas provocaram fluxos migratórios para lá.
No fim dos anos 1990, as terras utilizadas pelo povo tradicional e outras áreas
devolutas adquiriram novos valores de mercado, proporcionados pelas várias obras infra-
estruturais providas pelo Estado e pela ALCOA. Tal valorização provocou um processo de
38
grilagem de terras na região, através do “cercamento” de áreas públicas ou tradicionalmente
ocupadas, e pela tentativa de legalização das posses ilegais junto ao Instituto de Terras do
Pará - ITERPA. Os grileiros, com suas falsas posses, estão interessados em faturar com os
possíveis royaltes ou indenizações da exploração mineral. Alguns tentam negociar a venda
das terras com a transnacional, que não as compra, mas, às vezes, trava contratos de direito de
uso. Assim, a empresa acaba por legitimar as falsas posses, alimentando ainda mais a
grilagem por madeireiros e sojeiros. Na beira da estrada recentemente duplicada (que liga
Juruti à área de exploração), surgiram placas informando a existência de propriedades onde
antes havia áreas devolutas. O acesso dos coletores extrativistas às áreas griladas tornou-se
restrito, emergindo novos focos de conflito pelo direito e uso da terra.
Com a aproximação de um empreendimento de grande porte, os olhos do poder estatal
se voltam para essa fatia do território nacional ausente do poder público. O INCRA, antes
afastado das políticas fundiárias locais relacionadas à ação das madeireiras e sojeiros, assume
função central na resolução dos conflitos no entorno mineral. O órgão media a negociação do
assentamento rural Soco I e inicia a demarcação do assentamento coletivo agroextrativista
Juruti Velho, principal reivindicação da Associação Comunitária da Região da Gleba Juruti
Velho – ACORJUVE (mapa 3).
O Assentamento de Juruti Velho teve aprovada sua criação e demarcação em 2005,
sem um laudo agronômico e prejudicado pelas condições jurídico-fundiárias relatadas acima.
Tudo indica que se tratou de uma medida política do Estado brasileiro, com o intuito de
acalmar os ânimos dos movimentos populares emergentes, permitindo ao investidor
transnacional conduzir tranqüilamente o processo de instalação. Todavia, a promoção desta
política abriu brechas para outra reivindicação. Um dos platôs de interesse minerário se
encontra dentro dos limites demarcados para assentamento. Essa sobreposição não havia
ocorrido nos grandes projetos minerais em Oriximiná, nem em Carajás (COELHO et al,
2007;), onde as políticas de preservação ambiental se antecederam às políticas fundiárias,
consolidando as áreas tampões. Esse novo rearranjo espacial dá margem para os novos
assentados exigirem uma participação na exploração mineral em sua propriedade.
A empresa alega a ilegalidade da ação do INCRA, autorizada pelo MPF e MPE, por
ter criado o assentamento após a licença expedida pela SECTAM. Pois seria proibido criar um
assentamento em área de mineração, além do que as áreas de mineração têm preferência sobre
qualquer tipo de utilização do espaço, inclusive para fins de reforma agrária. Mas, afinal,
quem estava primeiro? A mineradora ou os habitantes tradicionais recentemente
39
assentados? E sendo assim, quem tem o direito sobre a terra? O direito à propriedade dos
habitantes de Juruti Velho é muito anterior à empreitada da transnacional na região. Portanto,
deslegitimar o assentamento agora representa retirar daqueles indivíduos um ressarcimento
justo pelas perdas materiais e simbólicas oriundas da extração mineral em sua terra e pelas
ameaças que isso significa.
Para complicar ainda mais, os Valle Miranda e Abreu entraram com uma ação no
fórum de Óbidos, em 2005, pedindo a suspensão das atividades da mineradora em Juruti,
alegando que a ALCOA opera ilegalmente em 88 mil hectares de sua propriedade, sem as
devidas autorizações exigidas por lei aos donos de áreas com incidência de jazidas minerais
(BRASIL, 2003). A empresa diz ter buscado as servidões nos cartórios locais, mas se deparou
com diferentes requerentes de titularidade das terras, estando pronta para ressarcir quem a
Justiça apontar como o real superficiário da área. Porém, acredita na tese de que se trata de
terras devolutas da união, absolutamente desocupadas e inviáveis para atividades produtivas,
não tendo, assim, que ressarcir ninguém. Como apontamos, o INCRA diz ser o legítimo dono
da gleba Juruti Velho junto com ITERPA, que entrou com ação em Santarém, representando o
governo do Pará, pedindo a anulação do título de propriedade dos Valle Miranda e Abreu.
A complexidade que atingiu o conflito em vários níveis escalares (com ações
simultâneas no Pará, Manaus e Brasília) e envolvendo diversos atores sociais e instituições,
obrigou o Governo Federal a intervir, criando um grupo de trabalho
21
para remover
rapidamente os obstáculos ao empreendimento. Recordando ainda que o Projeto Juruti está
incluso entre as obras estratégicas do PAC, que gerará empregos no Pará e no Maranhão, onde
a transnacional expandiu sua fábrica de alumina, ALUMAR. Este rearranjo do poder compõe
a “irresponsabilidade organizada” (BECK, 1988) brasileira, que, em pleno século XXI, preza
por um crescimento econômico a qualquer custo, desconsiderando questões sociais e
ambientais.
Em Oriximiná, na década de 1970, as áreas ocupadas pela MRN não sofreram com
uma pressão especulativa intensa. A região estava ocupada por negros e caboclos
agroextrativistas, e as terras pertenciam aos “patrões” dos castanhais em crise. A área não se
encontrava na zona de expansão da fronteira econômica, como Carajás e Juruti (a última,
influenciada pelo avanço da produção soja na área de influencia da BR-163 e um dos poucos
municípios sem áreas de preservação ambiental na região), onde maior incidência de
21
Participam do Grupo de Trabalho representantes: da Casa Civil, do INCRA (o diretor do órgão em Brasília e
superintendente regional de Santarém), ITERPA, da Secretaria de Meio Ambiente do Pará (SEMA antiga
SECTAM), do DNPM, da ALCOA e Advocacia-Geral da União.
40
conflitos por terra. Como relatado anteriormente, a MRN utilizou a estratégia de compra de
terras, para exercer o controle territorial, como foi o caso da fazenda da família Almeida e das
terras de alguns posseiros na área de Porto Trombetas.
O caso mais emblemático na região se deu na área das comunidades quilombolas do
Jacaré, Abuí e Tapagem, situadas a montante do rio. Os remanescentes sofreram com o
processo de grilagem promovido pela empresa paulista Xingu S/A, para posterior demarcação
da Reserva Biológica do Trombetas. Em 1976, um senhor conhecido como Gringo
22
subiu o
rio querendo comprar a terra dos negros. Dizia-se ter vindo, em nome do governo, para ajudar
os pobres que tinham fome, comprando a terra, a roça e a casa. Muitos moradores aceitaram a
proposta, sendo, posteriormente, expulsos de suas terras, que passaram a integrar a Reserva,
por meio de ações de forte violência e ameaças do grileiro com o apoio da polícia e do IBDF.
A Xingu S/A havia comprado as terras dos descendentes do antigo ‘dono’ dos
castanhais Raimundo Costa Lima adquiridas de maneira duvidosa no princípio do século
XX, ignorando qualquer presença dos negros na área sendo, em seguida, ressarcida pelo
Governo Federal, pela demarcação da REBIO. Todavia, consta que as mais de cinqüenta
famílias desterritorializadas (HAESBAERT, 2004) de seus territórios tradicionais, sem ter
para onde ir, nunca receberam as indenizações prometidas pelo empresário (ACEVEDO e
CASTRO, 1993).
A ausência de intensos
23
conflitos por terra resultante de especulações fundiárias se
deu pela estratégia da empresa em comprar propriedades e promover, junto ao Estado, o lobby
para homologação das Unidades de Conservação em seu entorno. Desta forma, ela é capaz de
exercer o controle territorial, sem ser proprietária, impedir a especulação de terra e transferir o
debate da questão fundiária para a questão ambiental, deslegitimando o direito a propriedade
dos povos tradicionais e ambientalizando o conflito.
22
Os jornais da época apresentam dois nomes distintos para o mesmo indivíduo: Abraham Furmanovich e
Kalman Somody dono da empresa paulista Xingu S/A (Folha do Norte e Jornal de Santarém, 1981).
23
Existe uma pequena pressão sobre a terra no entorno das UCs promovidas por funcionários de Porto
Trombetas que almejam adquirir fazendas na região, mas não apresentam conflitos eminentes.
42
2.2 CONFLITOS AMBIENTAIS: IMPACTOS E RECURSOS NATURAIS
Recentemente, o estudo sobre conflitos ambientais se transformou num dos principais
focos analíticos e metodológicos da ecologia política, cuja ênfase concentra-se na justiça
social no uso dos recursos naturais. Os conflitos de acesso e uso aos recursos são usualmente
analisados na perspectiva de conflito entre atores sociais sobre um mesmo recurso natural -
conflito por terra, água, fauna, flora, etc. Deste modo, correntes como a seguridade ambiental
(environmental security) correlacionam os conflitos sobre os recursos com a tese da tragédia
dos comunsde Hardin, na qual a superexploração e a grande pressão populacional sobre os
recursos naturais levam, impreterivelmente, à destruição da natureza (CUNHA, 2004;
TURNER, 2004). Assim, entende-se o conflito como um problema de escassez quantitativa
presente ou futura para os atores que disputam o controle dos recursos e para o restante da
sociedade. Contemporaneamente, interligar escassez a conflitos sociais é a saída
argumentativa encontrada pelas elites e por políticos, para despolitizar o debate e justificar
conflitos sociais em torno dos recursos naturais, argumento facilmente compreensível ao
público em geral, mas que esconde profundos problemas sociais e políticos
24
.
Fuks (2001) apresentou outra forma epistemológica-metodológica de interpretar os
conflitos ambientais, compreendendo-os como problemas sociais. Os problemas ambientais
se materializam e vão a público na medida em que são vividos, sentidos, reivindicados e
explicitados por indivíduos ou grupos sociais. Sendo assim, o conflito ambiental seria a arena
onde diferentes atores sociais disputam a definição de meio ambiente como problema social.
Em seu estudo de caso sobre o Rio de Janeiro, os conflitos ambientais no campo jurídico se
expressam no espaço, não em luta por recursos naturais, mas em disputas pelo controle e
gestão do território. Através do meio discursivo exalta-se a questão ambiental como um
subterfúgio para “ambientalizar” e “universalizar” problemas mais específicos a outras ordens
(LEITE LOPES, 2006). O discurso ambientalista é apropriado como uma forma de
territorialidade para impor um modelo socialmente legitimado de gestão sobre o território.
Ao compreendermos o meio ambiente como um espaço comum de bens coletivos,
cujos usos privados podem vir a afetar outros, os “problemas ambientais” assumem a forma
de manifestações dos conflitos sociais que têm a natureza como suporte. Trata-se, portanto de
lutas sociais pelo controle dos recursos naturais e pelo uso do meio ambiente comum
24
Podemos citar o caso da seca no nordeste brasileiro, constantemente colocado como a razão dos problemas
sociais nordestinos. Segundo o discurso da elite conservadora nordestina, a escassez natural de água é a causa da
tragédia social e econômica da região; porém, esse argumento já foi desmontado (CASTRO, 1996).
43
(ACSELRAD, 1992; p. 4) entre atores com projetos diferentes e amesmo divergentes de
uso e significação dos recursos ambientais. As lutas por recursos ambientais são
simultaneamente por recursos territorializados e pela significação do meio ambiente e do
espaço. O ato de classificar ou designar uma ação ambientalmente correta ou “sustentável”
faz parte de uma luta simbólica para legitimar ou contestar determinados usos no espaço e,
assim, redefinir ou manter as relações de poder (ACSELRAD, 2004). Concordamos, então,
com Thompson (1981), ao afirmar que “toda contradição é um conflito de valor, tanto quanto
de interesse. (...) e toda luta de classe é ao mesmo tempo uma luta acerca dos valores(p.
189-190).
Os conflitos ambientais são, portanto, aqueles envolvendo grupos sociais
com modos diferenciados de apropriação, uso e significação do território,
tendo origem quando pelo menos um dos grupos tem a continuidade das
formas sociais de apropriação do meio que desenvolvem ameaçada por
impactos indesejáveis transmitidos pelo solo, água, ar ou sistemas vivos
decorrentes do exercício das práticas de outros grupos. O conflito pode
derivar da disputa por apropriação de uma mesma base de recursos ou de
bases distintas, mas interconectadas por interações ecossistêmicas mediadas
pela atmosfera, pelo solo, pelas águas etc. Este conflito tem por arena
unidades territoriais compartilhadas por um conjunto de atividades cujo
“acordo simbiótico” é rompido em função da denúncia dos efeitos
indesejáveis da atividade de um dos agentes sobre as condições materiais do
exercício das práticas de outros agentes (ACSELRAD, 2004: p. 26)
.
No conflito ambiental, o território tem que ser visto como o objeto em disputa, e não
como arena, pois não há a possibilidade de utilização ou significação dos recursos naturais e
do espaço geográfico sem o controle dos limites territoriais. Os indivíduos dão significados ao
território, que ao mesmo tempo serve de suporte aos recursos naturais a serem apropriados.
Na esfera do conflito ambiental, o ator que impõe suas práticas espaciais é quem detém o
controle sobre o território, isto é, quem exerce o poder. Podemos afirmar, então, que as razões
para o controle do território são muitas; no entanto, variam do material ao simbólico, como
argumentou Souza (1995; 2006):
As razões específicas para se desejar territorializar um espaço e manter o
controle sobre ele são várias, sempre ligadas ao substrato espacial em seu
sentido material e, eventualmente, também aos significados atribuídos às
formas espaciais: as características geoecológicas e, em particular, os
recursos naturais de uma certa área; o que se produz ou quem produz em um
dado espaço; as ligações afetivas e de identidade entre um grupo social e seu
espaço ou objetos geográficos específicos (SOUZA, 2006: p.335).
44
Os conflitos envolvendo as mineradoras e os povos tradicionais na Amazônia
brasileira não condizem com a disputa por um mesmo recurso, mas sim com uma disputa pelo
território e seus atributos materiais e simbólicos, incluindo os recursos naturais. As
comunidades tradicionais (agricultoras, coletoras, ribeirinhas ou quilombolas) não têm a
pretensão de explorar a bauxita; porém, seus interesses se voltam para o espaço
superficial/concreto onde estão territorializados os recursos de fauna e flora, para o espaço
simbólico dos significados histórico-culturais e, também, para os usos presentes e futuros do
espaço geográfico que permite a reprodução social.
A empresa mineradora, na gica capitalista na qual está inserida, se interessa pelo
valor do minério no substrato geológico, almejando a reprodução do capital. Contudo, é
impossível explorá-lo sem o controle total da área, sem provocar mudança nos recursos da
superfície, ou desestruturar os espaços simbólicos e a paisagem. Entendemos que a luta por
recursos não se resume a uma mera conquista ou uso de determinado bem material. O conflito
por recurso engloba muitas outras dimensões (sociais, econômicas, culturais e históricas) que
deveríamos levar em consideração. O território, espaço no qual se concentram tais recursos, é
o cerne da disputa. Controlar o território significa mais que usar o recurso, significa controlar
determinada área geográfica, recursos e indivíduos ali presentes (RAFFESTIN, 1993). Vê-se
que incutido nas disputas por recursos naturais na esfera do conflito ambiental está a
dimensão territorial das relações de poder.
2.2.1 Os Territórios Institucionalizados das Unidades de Conservação
As Unidades de Conservação são territórios institucionalizados que possuem normas e
funcionalidades específicas de acordo com as territorialidades, os interesses e as necessidades
do Estado Nação, de atores hegemônicos ou contra-hegemônicos locais, regionais, nacionais
ou globais. A distribuição espacial das Unidades de Conservação sobre o território nacional e
suas classificações não são aleatórias. Elas assumem padrões que obedecem as necessidades e
conjecturas presentes em cada região ou localidade em um determinado tempo histórico.
Na Amazônia brasileira algumas áreas protegidas funcionam como estratégias
territoriais, ou territorialidades (SACK, 1986), desenvolvidas por empresas mineradoras no
entorno do empreendimento. São, assim, propostas ao poder público com o intuito de
constituírem áreas tampões. O conceito de áreas tampões refere-se às áreas estrategicamente
pensadas e construídas para proteger os territórios das grandes corporações mineradoras e os
45
cobiçados recursos naturais, tendo sido adaptado do conceito de zona-tampão de Machado et
al (2006)
25
.
Em áreas cujos recursos naturais serão preservados podem existir perspectivas de
futuras minas. Deste modo, podemos entender a ação demarcatória de áreas protegidas como
um meio para impossibilitar a chegada de novas empresas
26
e uma maneira de controlar as
dinâmicas populacionais no entorno mineral. Esses novos limites integram o processo
planejado de reordenamento territorial promovido pelo Estado e por grandes corporações de
mineração na região dos megaprojetos de desenvolvimento. Neste processo os gestores das
áreas de preservação encontraram-se dependentes das mineradoras, no que se refere aos
apoios financeiros, de infra-estrutura e de logística operacional, comprovando o forte poder de
influência exercido pela empresa na gestão e no controle destes territórios.
Segundo levantamento promovido pelo Instituto Socioambiental, existe uma grande
diversidade de interesses minerais em diferentes categorias de unidades de conservação na
Amazônia Legal (RICARDO & ROLLA, 2006), o que aponta para a compreensão destes
espaços, também, como importantes reservas de valor para o capital minerador. A Reserva
Biológica do Trombetas e a Floresta Nacional Saracá-Taquera estão entre as UCs com
incidência de concessões minerais. Na FLONA a incidência atinge mais de 25% da área
protegida.
No Trombetas, os territórios das áreas de preservação representam a mais conflituosa
transformação no ordenamento territorial local, ao sobreporem terras tradicionalmente
ocupadas e redefinirem as práticas espaciais permitidas aos povos tradicionais e aos novos
migrantes. A livre circulação e uso no entorno mineral pode significar uma ameaças
27
ao
capital, tendo em vista a possibilidade de formação de beiradões (comunidades formadas por
migrantes em busca de trabalho nas imediações de um grande projeto), podendo levar a
revoltas populares ou à apropriação das áreas com incidência de minérios por corporações ou
pessoas físicas.
As áreas tampões servem, sobretudo, de proteção e contensão de conflitos diretos com
a mineradora, sendo, inclusive, potencializadoras de conflitos fundiários e ambientais, com o
intuito de manter a ordem para assegurar o bom andamento do projeto e a imagem da empresa
25
Zonas estratégicas onde o Estado central restringe ou interdita o acesso à faixa e à zona de fronteira,
criando parques naturais nacionais, áreas protegidas ou áreas de reserva, como é o caso das terras indígenas e
unidades de conservação” (MACHADO et al, 2006: p.108).
26
Prática conhecida no jargão empresarial como o ato de sentar na mina.
27
Ameaça é aqui compreendida numa perspectiva econômica, referentemente aos custos extras ou prejuízos
financeiros ao capitalista.
46
perante os conflitos. O Estado e não a empresa se torna o agente de controle espacial através
das áreas de preservação, terras indígenas, assentamentos rurais ou territórios quilombolas.
Ou seja, as transformações territoriais ocorridas no espaço do entorno refletem o
interesse das grandes corporações mineradoras, que procuram proteger-se de ameaças
externas e preservar as possíveis reservas minerais existentes, a partir dos discursos de
proteção ambiental e social, como conta Coelho et al (2002) no caso de Carajás:
(...) o entorno dos territórios criados e defendidos pela empresa mineradora é
local de disputa, lugar onde o centro (a empresa) tende a se estender
territorialmente e impor sua racionalidade. Este encontra sempre maneiras
legítimas de fiscalizar e regular as vidas dos moradores do próprio território
e do entorno (...).
A reivindicação e luta por uma vasta área de terra por parte de uma grande
empresa (...) representa também suas pretensões de ampliação futura de suas
atividades mineradoras e de extensão de controle do patrimônio ambiental a
um espaço mais amplo, em face das necessidades atuais e futuras de
diversificação de suas atividades e escassez. (p. 163)
O principal conflito existente no espaço do entorno mineral em Oriximiná refere-se ao
reordenamento territorial promovido pelo Estado por indicação e lobby da MRN nas décadas
de 1970 e 1990, que resultaram na delimitação de duas UCs. Essa política de criação de
territórios institucionalizados pretendia o controle social sobre o espaço e sobre os indivíduos
do entorno. Trata-se de um conflito ambiental, no qual os dois lados competem por recursos
naturais e suas significações (ACSELRAD, 2004), um lado visando à reprodução social, e o
outro, a preservação ambiental.
Deste modo, cabe-nos questionar: qual o poder de pressão e interferência da
corporação mineradora sobre o órgão regulador ambiental nas condições operacionais do
Trombetas? um comprometimento da autonomia do órgão, podendo influenciar na
fiscalização sobre as irregularidades da empresa? Ou até mesmo, será que existiria IBAMA
ou qualquer Unidade de Conservação na região, se não fosse a presença da mineradora?
A hipótese aqui defendida (apoiada nos estudos de COELHO et. al., 2002; 2007)
aponta que o Estado, por meio das instituições públicas, especialmente os órgãos ambientais,
atua como executor e protetor dos interesses do capital nas regiões de grandes projetos
minerais na Amazônia. Assim, priorizam exercer uma forte repressão sobre os povos locais e
um controle intensivo das dinâmicas populacional e do espaço no entorno, pretendendo
impedir qualquer pressão ou mobilização que possa a vir colocar em risco ou prejudicar os
negócios.
47
A necessidade do controle do entorno remete aos acontecimentos anteriores na área do
Projeto Jari, também no Pará. No Jari, formaram-se aglomerados humanos extremamente
pobres, somando mais de sete mil indivíduos, nas bordas no empreendimento (ou beiradões),
tornando-se uma ameaça e pressionando os empresários por melhorias sociais e empregos
(GARRIDO FILHA, 1980). Os grandes projetos de desenvolvimento econômico conduzidos
pelo Estado e/ou por empresas privadas, com seus novos objetos geográficos (SANTOS,
1994) - áreas de exploração, company-town, hidrelétricas, portos, canteiros de obras,
incrementaram e ainda incrementam os processos migratórios na Amazônia (BECKER, O,
1989). Os migrantes, em sua maioria de origem nordestina, direcionam-se para a Amazônia,
para servirem de mão-de-obra na instalação e funcionamento dos grandes projetos ou na
construção das redes de infra-estrutura que os compõem.
A MRN foi pioneira, na Amazônia, a utilizar o aparato estatal das áreas de proteção
ambientais como estratégia territorial de controle socioespacial. Posteriormente, na década de
1980, um grande mosaico de territórios institucionalizados, liderado pela CVRD, redefiniu as
relações de poder na região de abrangência do Projeto Grande Carajás, formando uma
verdadeira guerra dos mapas (ALMEIDA, 1994). Apesar de as áreas tampões formadas por
Unidades de Conservação visarem coibir o avanço das ocupações irregulares, no entorno
mineral de Oriximiainda existem quatro comunidades cujas características nos permitem
chamá-las de beiradões
28
: Lago Batata, Ajudante, Vila Paraíso e Cachoeira Porteira
29
. Juruti
ainda não apresenta estas formas de ocupação, que podem vir a surgir num curto prazo.
A homologação da Reserva Biológica do Trombetas no Congresso Nacional ocorreu
sem qualquer estudo ou debate prévio em 1979, curiosamente também o primeiro ano de
operação da mineradora. A preocupação para com extinção dos quelônios e da floresta na
Amazônia se transformou na justificativa basal para a demarcação da Reserva. Essa linha
argumentativa camuflava as reais intenções da política territorial, a proteção do entorno
mineral, aliando-a aos interesses preservacionistas nacionais e internacionais
30
.
28
O primeiro beiradão a se formar no Porto Trombetas foi a Vila Canaram, constituída majoritariamente por
trabalhadores e ex-trabalhadores da MRN, do período de construção e inícios das operações. Essa comunidade se
situava no interior do território da empresa e acabou removida na década de 1990.
29
A comunidade de Cachoeira Porteira é um grupo misto de quilombolas e novos migrantes atraídos pela
construção da Hidrelétrica de Cachoeira Porteira.
30
A preocupação com a Tartaruga-da-Amazônia remonta à década 1960 quando se promulgou a Lei 5.197/67,
que pretendia conter a caça predatória e assinalava para a criação de reservas para preservação da espécie. na
década seguinte a espécie foi considerada em eminência de extinção, criando-se assim, a nível nacional, o
Projeto Quelônio da Amazônia. Uma das estratégias para controlar a caça e proteger os quelônios foi a criação
de reservas em áreas de reprodução (nos tabuleiros) como a Reserva Biológica do Trombetas (no Pará, em
1979), do Lago Piratuba (no Amapá, em 1980), Parque Nacional do Jaú (no Amazonas, em 1980) e do Abufari
(no Amazonas, em 1982).
48
A área atualmente reservada para preservação biológica é composta pelas áreas de
floresta mais preservadas, as melhores áreas de castanhais e os lagos mais viscosos,
constantemente utilizados pelos povos locais, especialmente os quilombolas. Do mesmo
modo, foi tal prosperidade de biodiversidade e preservação, alicerce da ocupação e
sobrevivência dos povos tradicionais na região, o que induziu o Estado e a MRN a reservá-la,
única e exclusivamente, para fins de preservação (leia-se, também, reserva de valor).
Entretanto, segundo aponta Magalhães (2007), a situação de próspera biodiversidade e
preservação do Vale do Trombetas não é obra estrita de uma natureza intocada (DIEGUES,
1996), mas uma etno-bio-diversidade, construída na relação histórica dos povos tradicionais
com a natureza
31
.
Na margem esquerda do Trombetas estavam as áreas destinadas ao extrativismo, não
de castanha, mas de outros produtos de fauna e flora, relevantes comercialmente ou para o
consumo familiar
32
. A margem oposta, exercia, majoritariamente, a função de morada, área do
roçado, da caça e da pesca cotidiana dos negros. Tratava-se de um território contínuo
composto por florestas, várzeas, rio, igarapés e lagos - onde a migração pendular para coleta,
caça e pesca era diária.
Os processos de criação e gestão da Reserva sempre foram conflituosos. A intenção
inicial era remover todos para Óbidos. O IBDF chegou a retirar os quilombolas residentes nas
comunidades de Tapagem (na margem esquerda), Arrozal e Jacaré, como relatado acima. O
destino dos expropriados foi variado: uns migraram para outras comunidades negras na outra
margem do rio, onde ainda não existia a Floresta Nacional- FLONA; outros se restabeleceram
na cidade de Oriximiná ou mudaram de regiões. Sair das terras tradicionais significava perder
os vínculos históricos e identitários com o território e, ainda, o substrato para reprodução
social: os recursos naturais e a terra. Por isso, dez comunidades (atualmente com mais de
oitocentos habitantes) permanecem resistindo dentro da Reserva, apesar do IBAMA continuar
defendendo sua completa remoção.
A espécie Podocnemis expansa, conhecida popularmente como Tartaruga-da-Amazônia, tem desempenhado,
historicamente, papel importante como recurso natural dos povos tradicionais no Vale do Trombetas. De acordo
com Alho et al. (1979), os índios foram os primeiros consumidores da carne, ovos, gordura e vísceras de
tartaruga. Hábito alimentar estendido aos ribeirinhos, muitas vezes forçados a caçá-las como fonte de alimentos
para sobreviver. Se antes a prática servia apenas para consumo próprio, nas últimas décadas passou a ser dividida
entre a família e o comércio nas cidades, levando à super-exploração.
31
No caso do Trombetas, estudos arqueológicos apontam para a relação da incidência da grande diversidade de
espécies extrativistas na terra firme com o uso do espaço por povos pré-coloniais.
32
Madeira de lei, breu, juta; óleos de copaíba, andiroba, cumaru, piquiá; leite de moruré e de amapá; cipó-titica,
patauá e mel de abelha; alguns frutos: amapá, tucumã, ingá, açaí, bacaba, taperebá e cupuaçu.
49
Aos que permaneceram restou uma vida freqüentemente regulada pelas novas normas
do território e pelas ações fiscalizadoras e repressivas do órgão ambiental. Os próprios
remanescentes concebem essa situação como um massacre, ou uma nova forma de escravidão:
“a escravidão nunca acabou, ela mudou de tipo” (Entrevista, 2005). No período em que
existiam “donos” dos castanhais, a vida era aparentemente melhor, pois havia menos
regulação e controle. Podia-se coletar, caçar, pescar, construir, derrubar, etc. Hoje, existe uma
forte dependência da renda oriunda das aposentadorias dos mais velhos, devido às rígidas
restrições sobre as práticas de plantar e extrair. Nas novas normas do território tudo é
proibido, inclusive morar ali. A pressão restritiva do IBAMA busca retirar-lhes as fontes de
sobrevivência, levando-os “voluntariamente” a saírem da Reserva. Alguns não suportam e
deixaram suas terras, como retrata um negro de 85 anos (Entrevista, 2005) “Essa tal de
Reserva acabou com a vida do povo. (...) O IBAMA não quer ver ninguém comer”.
O poder municipal contribuiu com a estratégia excludente de “terra arrasada”, ao não
promover, durante quase 15 anos, qualquer política para as comunidades “ilegais”, tornando
ainda mais difícil a sobrevivência na REBIO. Em 1995, quando uma escola pública estava
sendo erguida na comunidade do Jamari, os agentes do IBAMA ameaçaram atear fogo,
alegando que se tratava de um ato ilegal e que os negros queriam criar estruturas para se
fixarem permanentemente na reserva.
Apesar da margem esquerda do rio Trombetas nunca ter sido uma área preferencial a
residência, ela funcionava como área de extrativismo, de caça e da pesca. Deste modo, os
quilombolas da margem oposta e outros extrativistas da região acabaram afetados pelos novos
limites territoriais, ao terem cerceados seus direitos de circulação e de práticas culturais
centenárias. Os mais férteis castanhais e viscosos lagos transformaram-se em áreas restritas e
ilegais. Os quelônios dos tabuleiros (importante fonte de alimento e proteína das famílias
locais) passaram a ser protegidos e regulados, criminalizando sua caça. Os negros, que pouco
entendiam a lógica das restrições, continuavam a praticar seus costumes - caçar quelônios e
coletar os ovos. Em resposta, a Polícia Federal reprimia com violência e prendia os
infratores
33
.
As comunidades viviam e permanecem vivendo em constante conflito com o
IBDF/IBAMA. Os moradores denunciam o uso da violência como coerção: intimidações,
33
Com uma postura mais humana, o IBAMA, pretendendo diminuir a pressão da caça sobre os quelônios,
selecionou alguns moradores para protegerem os tabuleiros em troca de alimento e combustível. O resultado foi
o conflito entre os beneficiários e não-beneficiários, pois os últimos caçavam os quelônios ignorando a regras.
Posteriormente, projetos de criação e reprodução (Projeto de Pincho) foram desenvolvidos pelo órgão junto
com as comunidades ribeirinhas, com financiamento do PPG7 e da MRN.
50
agressões, preconceitos, invasões de domicílios e apreensões de ferramentas - espingarda,
terçado, canoas, malhadeira, etc. Segundo relatos, os funcionários invadiam as casas, à
procura de armas e serras; jogavam os alimentos no rio, ou os apreendiam; quebravam a casa
toda; e ainda agrediam os negros. O medo se tornou onipresente. Bastava ouvirem o som do
motor das embarcações dos fiscais, que os negros abandonavam as casas e danavam a correr
para o interior da mata (O` DWYER, 2002).
Deste conflito violento decorreram duas mortes no início da década de 1990. Na
última, em 1994, os negros organizaram um ato em Oriximiná. Além de ninguém ter sido
punido, a família da vítima passou a sofrer ameaças dos assassinos e policiais. Nos anos 2000,
ainda revoltados com a impunidade e com a repressão do órgão ambiental, os moradores da
comunidade Moura invadiram o posto do IBAMA, quebrando-o e agredindo os funcionários.
A disputa territorial se de forma tão intensa, que está presente nas lutas gerais e nos
discursos dos principais atores em conflito no entorno mineral. Os povos tradicionais, em
especial os quilombolas, defendem seus direitos étnicos de permanência na terra e o uso
legítimo dos recursos naturais; enquanto o IBAMA alega tratar-se de uma Reserva, sendo,
assim, área pública de uso restrito, exclusivo para a preservação da natureza.
Os negros lutam pela demarcação de suas terras com redefinição dos limites da
Reserva. Por meio de ONGs e universidades, difundem os problemas decorrentes do litígio de
sobreposição territorial e formulam argumentos legitimadores do território quilombola
(ANDRADE, 1997). No discurso, o território assume uma idéia de ancestralidade, de posse e
de simbiose homem/natureza: A floresta é nosso local de vida, onde nascemos, onde nossos
pais trabalharam e onde nós queremos trabalhar” (Entrevista, 2005).
O IBAMA, por outro lado, não cogita a possibilidade de mudar os limites ou a
categoria das UCs. As áreas de preservação são compreendidas como territórios do órgão
ambiental que estão sendo ameaçados, como constatamos na fala de um servidor: “Nós vamos
perder nossas áreas para os quilombolas” (Entrevista de 2005). Os quilombolas significam a
grande ameaça ao poder territorial do IBAMA em ambas as UCs, devido a peculiaridades de
direitos territoriais contidos na Constituição de 1988.
Em 1989, foi criada a Floresta Nacional Saracá-Taquera, por pressão e indicação da
MRN e, inclusive, sem qualquer estudo prévio ou consulta pública. Este território
circunscreve as áreas de lavra e a company-town (as áreas de propriedade da empresa não
estão contidas na área demarcada), representando uma proteção mais efetiva que isola o
território usado pela empresa (ver quadro 1).
51
Como forma de conter as pressões externas que rondavam o projeto após o escândalo
referente à poluição do lago Batata, a FLONA exerceria a função de fiscalizar a exploração
mineral. Contudo, as razões que levaram à consolidação da FLONA estavam, sobretudo,
vinculadas ao crescimento populacional decorrente da atratividade regional do
empreendimento minerador, ou seja, a formação de beiradões. Para conter o aumento
populacional e as ocupações desordenadas que pressionavam o projeto e os recursos naturais,
normatizaram-se, via UC, o uso e o ingresso da área do entorno mineral.
De acordo com o novo regime instituído pela Floresta Nacional, admite-se a
permanência das populações tradicionais, os meios necessários para reprodução sociais e a
exploração mineral, mas restringem-se novos moradores e desconsidera-se o uso dos recursos
naturais por indivíduos externos à área demarcada, como salienta o Sistema Nacional de
Unidade de Conservação – SNUC:
A Floresta Nacional é de posse e domínio públicos, sendo que as áreas
particulares incluídas em seus limites devem ser desapropriadas de acordo
com o que dispõe a lei. (...) No entanto, nas Florestas Nacionais é admitida a
permanência de populações tradicionais que a habitam quando de sua
criação por meio de (...)
contrato de concessão de direito real de uso.
(...)
Tem como objetivo básico preservar a natureza e, ao mesmo tempo,
assegurar as condições e os meios necessários para a reprodução e a
melhoria dos modos e da qualidade de vida e exploração dos recursos
naturais das populações tradicionais, bem como valorizar, conservar e
aperfeiçoar o conhecimento e as técnicas de manejo do ambiente,
desenvolvido por estas populações (SNUC, 2000; p.10-14).
Atualmente estima-se existirem 2.485 pessoas no interior da FLONA (MMA et al.
2001), que, apesar de não significarem uma ilegalidade, representam a impossibilidade da
titulação das terras e um controle permanente do IBAMA sobre as práticas espaciais
efetuadas. Ao sul de Porto Trombetas cinco comunidades de ribeirinhos/caboclos estão
totalmente no interior da FLONA. Os moradores de fora da área da FLONA também foram
afetados pelo “cercamento” das áreas de extrativistas e das áreas de roça no interior da UC.
Ao norte, existem cinco comunidades, todas quilombolas, totalizando 57% dos indivíduos
dentro da Floresta (SNUC, 2000) Os conflitos de uso do território tradicionalmente usados e
dos recursos naturais no interior da FLONA opõem freqüentemente órgão ambiental e povos
tradicionais. A falta de um plano de manejo, realizado em 2001
34
, mantinha uma situação de
34
Foi a MRN quem financiou os planos de manejo da FLONA e da REBIO. Desta forma, a empresa conseguiu
normatizar seu entorno, de acordo com os interesses de manutenção do direito de lavra e de controle territorial
das áreas tampão, e, inclusive, apontou os grupos tradicionais como a maior ameaça à preservação da natureza.
52
conflito sem uma regulação pré-estabelecida entre as partes, sendo o território gerido ao bel-
prazer dos gestores.
No lago Sapucuá, área ao extremo sul da FLONA, ocupada por ribeirinhos
agroextrativistas e pecuaristas, o IBAMA passou a atuar, no início dos anos 2000, proibindo a
caça, a pesca, o corte da madeira e o desmatamento para o roçado. Essa última, a partir de
então, pode ser realizada em até três hectares de capoeira, estando a mata densa restrita à
preservação
35
. No entanto, de acordo com os agricultores a produtividade da capoeira é três
vezes inferior à área de floresta, e o tamanho limitado do roçado não permite uma produção
suficiente. O tracajá, peixe-boi, jacaré e filhotes de pirarucu e tambaqui tornaram-se produto
clandestino para consumo e comercialização; porém, são permitidos outros tipos de caça para
o consumo familiar, e apenas alguns peixes podem ser vendidos (com variações sazonais).
O fato que nos chama a atenção é a “coincidência” entre a atuação regulatória do
órgão ambiental e a expansão territorial das minas. O lago nunca foi uma preocupação em
termo da formação de beiradões ou de intenso fluxo migratório (vide que os limites da
Floresta Nacional não se estendem até a beira dos rios, estando a maior parte das
comunidades na zona de amortecimento
36
). A partir de 2000, a aceleração da produção da
bauxita do Trombetas atingiu níveis nunca antes esperados, impulsionados pelo alto valor e
consumo da commodity. Para tanto, novas minas foram abertas nos platôs Aviso, Bacaba e
Almeida. Essa expansão deslocou o eixo de influência da empresa do rio Trombetas para o
lago Sapucuá, a sul das áreas de exploração. É exatamente neste momento que o IBAMA
volta suas ações regulatórias e intensifica sua fiscalização nos limites sul da FLONA. Os
limites ao sul, segundo o órgão, apresentam forte pressão antrópica, o que justifica uma maior
atuação (MMA/IBAMA, 2001).
Os habitantes do lago Sapucuá apresentaram documentos de licença de ocupação dos
anos 1950, que, segundo o IBAMA não comprovam a legitimidade da propriedade da terra.
Sendo assim, a luta travada pelas comunidades e o sindicato pretende a titulação das terras, ou
seja, a consolidação legal do território tradicional dos ribeirinhos/caboclos ameaçados pelos
interesses do capital minerador e dos interesses ambientais. O IBAMA tenta impedir a
titulação das terras pelos órgãos fundiários nas áreas de entorno da U.C, o que representaria
35
Vários estudos da biologia sobre regeneração vegetal em áreas de pasto ou roça na floresta amazônica
apontam para uma rápida recomposição da vegetação em áreas de queima para agricultura tradicional.
36
As zonas de amortecimento são as áreas no entorno de uma unidade de conservação, onde as atividades
humanas estão sujeitas às normas e restrições específicas do órgão responsável, com o propósito de minimizar os
impactos negativos sobre a unidade (SNUC, 2000).
53
uma grande perda territorial e a complexificação da gestão do território. Instaura-se um
conflito institucional entre os órgãos governamentais.
Quadro 1 Unidades de Conservação no Vale do Rio Trombetas
Unidade de
Conservação
Data de
Criação
Decreto/
Lei
Extensões Atribuições Gerais
Atribuições Específicas
Reserva
Biológica do
Rio Trombetas
(REBIO)
21 de Set.
de 1979
N°84.018/N
°4.771
385.000 Ha
Área delimitada com finalidades
de conservação e proteção
integral da fauna, flora e as
belezas naturais para fins
científicos e educacionais, sendo
proibida qualquer forma de
exploração dos recursos naturais;
não é permitida a visitação
pública, apenas para fins de
pesquisa ou educação.
Tem por finalidade
proteger a Tartaruga-da-
Amazônia. Existência de
densas áreas de castanhais e
outros recursos naturais
passíveis de consumo e
comercialização.
Resistência e conflitos com
dez comunidades
quilombolas e uma não-
quilombola, pela
permanência na terra e uso
dos recursos naturais no
interior da reserva.
Floresta
Nacional
Saracá-
Taquera
(FLONA)
27 de
dez. de
1989
N°98.704
/N°4.771
429.600 Ha
Área provida de cobertura
vegetal nativa ou plantada,
com os objetivos: promover
o manejo dos recursos
naturais com ênfase nos
recursos minerais com
direito de lavra autorizado
por lei, garantir a proteção
dos recursos hídricos, das
belezas cênicas, e dos sítios
históricos e arqueológicos; é
permitida a visitação pública
e a permanência das
populações tradicionais.
Área de
particularidade
geológica onde se
encontram as áreas de
lavra de bauxita da
MRN. Existência de
áreas de castanhais e
práticas
agroextrativistas.
conflitos de luta por
terra e regulação dos
recursos naturais
referentes a cinco
comunidades
quilombolas, cinco
não-quilombolas
residentes na Flona e
com outras na zona de
amortecimento.
Fonte: IBAMA.
A titulação do assentamento rural da Associação Comunitária das Glebas Trombetas e
Sapucuá - ACOMTAGS, promovida em 2005 pelo INCRA, foi questionada pelo Ministério
Público Federal, que apontou irregularidades no processo de demarcação e sobreposição com
área de preservação ambiental. O assentamento da ACOMTAGS encontra-se em uma área de
múltiplos interesses: está na zona de amortecimento da FLONA, em área de jurisprudência
entre os órgãos de terra estaduais e federais, sobrepõem fazendas de influentes famílias e
estão próximos a áreas de lavra.
Sem dúvida, a conjuntura de conflito, cujos atos violentos, coercitivos e opressores,
almejando forçar a retirada dos habitantes, eram a tônica, começou a mudar com a
54
Constituição de 1988. A extinção do IBDF, substituído pelo IBAMA, significou uma nova
filosofia na gestão pública do meio ambiente, inserindo uma perspectiva mais humana na
questão ambiental (CUNHA & COELHO, 2003). O SNUC ratificou, em 2000, no artigo 42, o
direito dos povos tradicionais, permitindo-lhes a permanência em áreas de preservação de uso
sustentável e o direito a sobrevivência e práticas em área de uso restrito, até sua eventual
remoção. Salientamos que tal dispositivo não cabe aos quilombolas que não estão sujeitos à
remoção dos territórios tradicionais, devendo a categoria da UC ser compatível com as
atividades tradicionais desenvolvidas (SANTILLI, 2004).
Apesar das mudanças, em Oriximiná alguns servidores ainda mantiveram a atuação
repressiva do período militar sobre as práticas socionaturais (SWYNGEDOUW, 2001)
37
.
Somente no século XXI, com negociações locais - destacando-se a atuação da ARQMO,
STRO e da Comissão Pró-Índio-SP - e com as novas determinações do SNUC, foi possível
travar acordos entre as partes sobre as flexibilizações das normas dos territórios das UCs.
O temor diário cessou; entretanto, o controle do território ainda é efetivo e
compreendido enquanto caso de polícia. No posto do IBAMA
38
no Trombetas, além de fiscais
do órgão, encontramos policiais militares que revistam as embarcações e controlam a
circulação em busca de produtos ilegais. Segundo relatos, ao passarem pelo posto,
freqüentemente, os negros são submetidos a revistas truculentas - colocando-os quase nus -,
agressões e desrespeitos. Há, neste sentido, uma criminalização dos costumes e das práticas
tradicionais e uma militarização da questão ambiental, ao se colocar policiais militares num
posto florestal. O próprio modelo “democrático” de gestão pública do meio ambiente ainda
não conseguiu abandonar a fórmula apreensões, multas, prisões e agressões como medidas
para coibir as práticas ilegais em relação à natureza.
Hoje, mesmo com certa flexibilidade, ainda existem muitas normas restritivas. Os
povos tradicionais são obrigados a pedir autorização para quaisquer práticas a serem
promovidas dentro das UCs, como extrair, plantar, caçar, construir e circular. Coletar
produtos para venda está proibido, com exceção da castanha; qualquer uso da natureza é
permitido para subsistência; animais protegidos (tartarugas, onças, cobras e jacaré) estão
37
Swyngedouw (2001) considera como prática socionatural as práticas que envolvem qualquer tipo de natureza
com a natureza humana, como, por exemplo, a brincadeira das crianças com os hidrantes de água no Brooklin,
em Nova Iorque. Assim, para o autor, não existem objetos artificiais ou naturais, pois esses são construídos num
híbrido entre homem e natureza, formando quase-objetos.
38
O único dos três postos de fiscalização atualmente em funcionamento localiza-se na entrada do lago
Erepecuru, que goza de posição estratégica para o controle das embarcações no Trombetas, da caça predatória de
quelônios e dos usos promovidos pelos quilombolas. Ao mesmo tempo, o restante dos limites territoriais das
UCs encontra-se ameaçado por madeireiras, sojeicultores e grileiros, sem nenhum controle efetivo.
55
estritamente proibidos. Em caso de irregularidade, os produtos são apreendidos, e os
responsáveis podem ser multados como vigente em lei. O espaço, definitivamente, encontra-
se sob controle do IBAMA e, consecutivamente, dos interesses do capital minerador.
No exterior ou no interior das UCs, o controle sobre os agricultores e extrativistas
permanece efetivo. O IBAMA é visto como o grande vilão para todos os grupos sociais rurais,
pois é ele quem reprime e multa as práticas espaciais cotidianas. Segundo um entrevistado, “o
IBAMA é repressão. Por eles ninguém viveria aqui na REBIO. Isso faz parte do
afastamento existente entre as instituições reguladoras e as próprias normas legais do espaço
das práticas cotidianas e os problemas e as limitações vividas no local. Por exemplo, trata-se
de uma hipocrisia o Estado obrigar, sem nenhuma transformação estrutural, pobres
proprietários de terras a preservarem 80% de sua propriedade em floresta, em nome da lei, ou,
ainda, exigir um burocrático processo de autorização a cada desmate ou plantio no interior das
UCs, como se determinou a partir de 1997 em Oriximiná.
A resistência dos povos tradicionais em promover suas atividades culturais e de
subsistência passaram a ser consideradas ilegais. Há, desde então, a criminalização da
sobrevivência familiar e uma desconsideração dos direitos humanos. Ao se conceberem e
exercerem as leis, não se consideram as peculiaridades socioeconômicas, culturais e espaciais
de cada grupo social e região. Não existe a promoção de políticas públicas estruturais, apenas
a imposição de novas regras e normas ao território
39
.
A relação dos povos tradicionais com o IBAMA é dual e contraditória. Em
determinados momentos, os povos tradicionais apresentam-no como inimigo e algoz; em
outros, recorrem ao órgão, para intervir em processos de invasão dos territórios tradicionais
por caçadores, madeireiros, fazendeiros, sojeiros e barcos de arrasto. Na maioria dos casos, o
órgão se apresenta impotente e incapaz de controlar as invasões e mediar os conflitos
40
. Foi o
IBAMA, por exemplo, que interveio nos conflitos de pesca no lago Sapucuá, firmando um
acordo de uso do lago. Com o apoio do órgão, outras comunidades vêm se unindo contra os
pescadores de arrasto que superexploram os recursos pesqueiros dos rios e lagos.
O maior problema das UCs em Oriximiná é a regularização fundiária, da mesma forma
que em outras áreas de preservação com incidência de povos tradicionais no Brasil
39
Para se fazer valer a lei dos 80% de área florestada preservada nas propriedades rurais da Amazônia, o Estado
associa a liberação dos créditos agrícolas ao cumprimento da norma.
40
O problema do desmatamento, da caça e da pesca ilegal na Amazônia está intimamente relacionado com a
situação socioeconômica da população rural. Os povos tradicionais ou não-tradicionais acabam encobertando e
permitindo as explorações irregulares dos recursos naturais em troca de módicas quantias em dinheiro, devido à
pobreza e carência vividas.
56
(MAÇAIRA & WANDERLEY, 2007). As limitações orçamentárias do órgão não permitem
desapropriar ou a regularização digna dos indivíduos. Mesmo com os acordos locais e
legislações nacionais recentes, a solução dos conflitos ainda se encontra distante. Não há,
atualmente, uma perspectiva para políticas de resolução dos conflitos em Oriximiná, como: as
redefinições dos limites ou categorias das UCs, conforme defendem os movimentos
populares; projetos almejando criar novas maneiras de geração de renda - desvinculando-as
do uso intensivo dos recursos naturais; ou até mesmo a remoção e o reassentamento como
deseja o IBAMA.
A relação do IBAMA com a MRN, desde sua chegada, em 1979, sempre foi de
submissão, dependência e subserviência aos interesses da mineração. O isolamento das UCs
em área de densa floresta amazônica (afastada em mais de seis horas de barco da cidade mais
próxima) e a ausência de estruturas de comunicação dificilmente permitiriam a gestão efetiva
das áreas, se não houvesse a vila de Porto Trombetas. A estrutura urbana construída para
atender a atividade de prospecção propiciou as condições favoráveis para manutenção e
funcionamento do IBAMA e das UCs. Sendo assim, os funcionários são atendidos pela infra-
estrutura disponibilizada pela mineradora, que inclui hospital, casa, alojamento e outros tipos
de serviços urbanos. O funcionamento e gestão das áreas de preservação dependem,
sobretudo, dos recursos repassados pela empresa através de um convênio (por volta de
trezentos mil dólares/ano - segundo dados da MRN), além da disponibilização dos
equipamentos e transportes necessários, lembrando que os planos de manejo das duas
unidades foram financiados pela MRN. Existe, neste caso, uma dependência direta e física do
órgão com a empresa, que necessita totalmente da MRN para “sobreviver” e gerir seus
territórios. Não como medir, mas, definitivamente, essa relação provoca uma perda da
autonomia e da eficiência na fiscalização sobre os impactos e irregularidades provocados pela
mineradora.
Por outro lado, a MRN sempre esteve conivente e apoiou as rígidas e violentas
fiscalizações do órgão e até mesmo as expulsões, ressaltando, freqüentemente, sua
responsabilidade e consentimento para com as UCs. Na área da FLONA, nas proximidades
das áreas de operação da empresa, esta exerce papel de fiscal, controlando a circulação dos
extrativistas e proibindo determinadas práticas.
Ao longo de doze anos de operação, vários programas de preservação da
natureza foram desenvolvidos pela empresa, tanto na área das atividades
operacionais quanto na circunvizinhança, através de intervenção direta ou
apoiando os órgãos legalmente constituídos. (...) Além de recuperar as áreas
57
atingidas pelas atividades operacionais, a MRN controla a pesca artesanal e
proíbe rigorosamente a caça na região de Porto Trombetas. (...) O consumo e
a comercialização de caça nas áreas de influência da MRN são também
tratados com rigor, sendo os infratores afastados da área do Projeto
Trombetas (UNCTAD, 1995: 17)
Cunha e Coelho (2003) nos mostram que as relações entre a iniciativa privada e os
órgãos ambientais foram incentivadas a partir de 1988. Agora, com a lei de Gestão de
Florestas Públicas sancionada em 2006, serão, mais do que nunca, as ONGs e as grandes
corporações os principais gestores das Unidades de Conservação, abrindo espaço para grandes
empresas controlarem e explorarem, ainda mais, estes territórios estratégicos por sua relevante
biodiversidade, importantes conhecimentos étnicos/tradicionais e elevadas reservas de valor e
de carbono. Esta lei muda o panorama do discurso ambiental, sem comprometer os interesses
econômicos, pois criar áreas protegidas não significará mais embarreirar o crescimento
econômico.
Nesta perspectiva neoliberal, no final de 2006, o governo do Pará de Simon Jatene
delimitou um mosaico de Unidades de Conservação, oriundo do Zoneamento Econômico-
Ecológico do Pará, três das quais funcionando para engordar a área tampão protetora do
entorno mineral da MRN: Estação Ecológica do Grão-Pará - 4.245.819 ha, Floresta Estadual
(FLOTA) Trombetas - 3.172.978,13 ha, FLOTA de Faro - 635.935,72 ha (mapa 2).
A FLOTA Trombetas colocou um forte impedimento para titulação do território
quilombola de Cachoeira Porteira, reivindicado ao ITERPA pela associação local. Esta
comunidade é considerada um beiradão, por abrigar inúmero migrantes da década de 1980,
atraídos pelos grandes projetos da região misturados aos remanescentes de quilombos,
permanecendo aberta ao ingresso de novos moradores e atividades econômicas. As
preocupações do IBAMA e da MRN sobre essa fatia do território do entorno se resolvem com
a nova Floresta Estadual.
Em oposição às UCs, os povos tradicionais defendem o direito das terras
tradicionalmente ocupadas e, com isso, a autonomia sobre o território. Outros grupos
tradicionais agora também se converteram em atingidos por essa imensa área tampão no
entorno mineral de Oriximiná. Os indígenas Katuena e os Kaxuyana terão seus territórios
(não-titulados), incluindo aldeias e áreas de extração dos recursos naturais, sobrepostos às
FLOTAS Trombetas e Faro. Além disso, tanto a FLOTA Faro como e Estação Ecológica do
Grão-Pará ficaram sobrepostas aos territórios quilombolas titulados no Trombetas e no
Erepecuru, o que poderá provocar conflitos futuros. Para Teixeira (2007), as novas áreas de
58
preservação significam a regulação do modo de vida e práticas socionaturais e culturais dos
povos tradicionais, ou seja, uma forma de controlar o território e a reprodução social.
Em Juruti as negociações e ações da ALCOA apontam para a mesma política de áreas
tampões promovida nos anos 1970 e 1980 pela CVRD e suas subsidiárias. Segundo
divulgação da ALCOA, dentre as ações locais estão o estabelecimento de uma Unidade de
Conservação de uso restrito no limite sul do empreendimento, região conhecida como Aruã, e
o desenvolvimento do Programa de Apoio à Conservação da Biodiversidade da Amazônia, em
parceria com a ONG Conservação Internacional CI, para a criação de um Corredor da
Biodiversidade. Isto é, uma rede de unidades de conservação na macrorregião, entre os rios
Madeira e Tapajós
41
. Estas políticas fazem parte de uma estratégia de proteção do entorno
associada a obrigatoriedades legais. Em 2004, foi aprovado um projeto de lei (PL 4082/2004)
que obriga o empresário, como forma de mitigação dos empreendimentos de significativo
impacto ambiental, a apoiar a implantação ou manutenção de Unidade de Conservação de
Proteção Integral.
2.2.2 Impactos e Ameaças Socioambientais
Os impactos e ameaça serão compreendidos na perspectiva teórica dos conflitos
ecológicos distributivos (MARTÍNEZ ALIER, 2007), na qual, esses processos estão
distribuídos espacialmente, de forma desigual e intencional, afetando de maneira mais intensa
os mais pobres e produzindo injustiças ambientais. Esta desigualdade não se limita apenas à
idéia de classes sociais nas escalas locais e nacionais. As regiões e países periféricos também
sofrem mais fortemente com os impactos e ameaças. A partir de meados do século XX, as
atividades produtivas poluidoras e impactantes transferiram-se dos países de centro para a
periferia, fugindo das rígidas regulações ambientais, distribuindo seus passivos
socioambientais nos países pobres (BUNKER, 1988; 2000; MACHADO, 2007). Os
determinantes da distribuição ecológica podem ser naturais, como clima, padrões
pluviométricos, topografia, jazidas minerais e qualidade do solo; entretanto, são inclusive
sociais, culturais, econômicos políticos e técnicos (MARTÍNEZ ALIER, 2007). Por isso,
como salienta Coelho (2001), as análises de impactos ambientais devem incorporar os
processos sociais, como a estrutura de classes, aos processos ecológicos.
41
http://www.alcoa.com/brazil/pt/custom_page/environment_juruti_agenda.asp pesquisado em 21 de novembro
de 2007.
59
O impacto é entendido como um “processo de mudança social e físicas que interferem
em várias dimensões e escalas, espaciais e temporais (VAINER, 2003: p. 5),
desestruturando as relações sociais. Estes processos alteram a organização territorial, a
paisagem, a morfologia, a ecologia, e instauram uma nova dinâmica social, econômica,
cultural, ecológica e espacial. A temporalidade dos impactos da mineração deve ser estendida
desde os primeiros rumores do projeto – incluindo o período de estudos geológicos, quando se
produzem incertezas nos habitantes locais e provocam o aumento das migrações e das
especulações, até o término do empreendimento e o que é deixado com o fechamento da mina.
Neste sentido, os impactos são externalidades negativas que provocam conflitos com as
comunidades locais ou stakeholders (FARIAS, 2002).
A noção de ameaça refere-se ao perigo latente de impactos sobre indivíduos ou
sistema, que podem ser relativamente controlados e reduzidos, mas permanecem altamente
aleatórios (CASTILLA, 2003). As ameaças industriais, ecológicas e tecnológicas,
diferentemente da noção de riscos empregada por Veyret & Richemond (2007) e Beck (1986),
não podem ser calculadas e acarretam conseqüências irreversíveis, impossíveis de serem
antecipadas, asseguradas ou compensadas, como defendeu Castel (2005).
Para Barreto (2001), a equação da questão ambiental na atividade mineral é
extremamente complexa: primeiro, por ser o recurso natural a razão da atividade, sendo mais
difícil uma aproximação entre meio ambiente e desenvolvimento; segundo, por ser o minério
um recurso não-renovável; terceiro, pela impossibilidade de reconstituição das áreas
degradadas, que o minério, uma vez retirado, não retornará ao buraco; por fim, por seu
impacto visual, que, apesar de não representar a maior ameaça, causa grande repercussão
psicológica e simbólica.
Os principais impactos físicos da atividade de mineração são: alterações no lençol
freático, poluição sonora, visual, da água, ar, solo, os impactos sobre a fauna e a flora,
mudança na drenagem, esgotamento dos recursos hídricos, assoreamento, erosão, movimento
de massa, instabilidade do talude, encostas e terrenos e lançamentos de fragmentos e
vibrações; que apesar de se localizarem, predominantemente, em áreas de menor densidade
populacional, afetam povos, transformando totalmente suas realidades locais (BARRETO,
2001; CASTILLA, 2003). Por isso, temos que inserir algumas variáveis subjetivas na
medição dos impactos. Por exemplo, como avaliar a importância de um córrego ou um bosque
para um determinado grupo social? Nos processos de avaliação dos impactos ambientais, no
licenciamento ambiental ou no zoneamento ecológico-econômico essas informações podem
60
não ser contempladas ou, simplesmente ser desconsideradas, uma vez que não se tem uma
forma de avaliar o valor de existência de alguns bens naturais (THEODORO et al, 2004).
O processo de produção de alumínio é altamente danoso ao ambiente, indivíduos e
biodiversidade nas proximidades dos parques industriais. Switkes (Mimeo) e Pires do Rio
(1995) demonstram explicitamente os danos socioambientais da cadeia produtiva, desde o
deslocamento compulsório dos habitantes locais e a retiradas completa da vegetação na área
de lavra, passando pela lavagem e secagem da bauxita, pelos rejeitos químicos da produção de
alumina, até a emissão de poluentes na atmosfera, no processamento do alumínio. No estudo
desta dissertação, iremos nos limitar a compreender os impactos e ameaças industriais
restritas à primeira fase da cadeira produtiva, o que se refere à extração mecanizada de
bauxita em mecanismo de mina aberta.
As plantas industriais da atividade de extração mineral não possibilitam grandes
mobilidades espaciais devido à rigidez geológica, razão por que não acompanham os limites
urbanos ou rurais (BUNKER, 2000; PIRES DO RIO, 1995). No Brasil, os indivíduos mais
afetados pela atividade de extração habitam as áreas rurais, onde as minas se localizam. No
entanto, não são os únicos, como apresentou Souza (2007) no espaço urbano de Itabira-MG.
A resistência da sociedade a grandes empreendimentos mineradores em áreas urbanas ou de
alta densidade populacional tende a ser maior pela dimensão social que assume. As
transformações afetam mais indivíduos e são mais visíveis na paisagem. Por não estarem
escondidos no interior das florestas ou nos topos dos morros, os impactos aparentam ser mais
degradantes e expressivos, ao corroerem casas e ruas.
Na Amazônia, as áreas de lavra da bauxita encontram-se em áreas de floresta ainda
preservada, onde não uma densa ocupação humana, mas apresentam uma intensa simbiose
dos biomas preservados com os moradores locais. O custo socioambiental da mineração é
bem elevado para a sociedade local que recebe a atividade. Na região amazônica, a
exploração mineral vem deixando um legado de pobreza, impactos socioambientais e
subdesenvolvimento (BUNKER, 1988).
Atividade mineradora e sustentabilidade ambiental são processos antagônicos. Mesmo
com o aparato técnico e tecnológico, a extração mineral ainda provoca grandes impactos
socioambientais. O processo de retirada da bauxita necessita inevitavelmente devastar grandes
hectares de vegetação. Na Amazônia, a exploração mineral derruba árvores protegidas por lei
- como a castanheira, contamina ecossistemas desconhecidos cientificamente, como igarapés
e lagos, resultando, consecutivamente, em problemas sociais graves. Há também grande perda
61
de biodiversidade pela retirada dos animais de seu habitat, pela devastação de ecossistemas e
pela devastação do bioma amazônico. Se a floresta amazônica é pouco conhecida pelos
pesquisadores contemporâneos, os impactos de sua destruição são ameaças imensuráveis.
Mesmo assim, o fatalismo industrial no qual a degradação ambiental se justifica pela
necessidade de crescimento da economia e para produzir bens de consumo para a sociedade
capitalista é retomado por políticos e empresários locais. Institui-se o consenso da destruição,
uma irresponsabilidade organizada, ou seja, uma estrutura político-institucional que legitima,
justifica e financia a devastação (BECK, 1988). O temor que novas experiências de grandes
irresponsabilidades ambientais se repitam na região, alimenta o discurso do desenvolvimento
sustentável fatalista: Eu sei que vai degradar o meio ambiente, mas é possível conviver com
a degradação. (...) Porém, temos que ficar atentos para não acontecer o que aconteceu em
Terra Santa, Oriximiná e Faro - áreas de exploração da MRN. (...) Somos a favor de um
desenvolvimento sustentável.” (Discurso na Câmara dos Vereadores de Juruti, em
24/03/2004).
2.2.2.1 Conflito de Uso dos Recursos Naturais
Os conflitos ambientais entre corporações mineradoras e povos tradicionais
amazônicos em torno do uso dos recursos naturais, resulta-se de um processo de sobreposição
de projetos, planejamentos e usos para o mesmo espaço geográfico. o se trata de uma
disputa pelo mesmo recurso natural, mas por recursos socialmente valiosos e geograficamente
sobrepostos, o minério no substrato e as espécies vegetais e animais na superfície. Os recursos
estão sobrepostos em situação extrema, isto é, quando, necessariamente, existe um uso em
detrimento do outro. Não como manter o extrativismo vegetal em áreas devastadas para
extração mineral, o que gera impasses e o acirramento dos conflitos territoriais.
Sendo assim, explorará o recurso o ator detentor do monopólio do território (que tende
a estar relacionado ao produto de maior valor no mercado neste caso, o minério), restando
ao outro o ônus pelas perdas econômicas e sociais. Os conflitos ambientais deflagrados em
áreas de mineração de bauxita na Amazônia referem-se às perdas da madeira - recursos
naturais de uso e de troca - e dos produtos extrativistas, especialmente a castanha-do-pará.
A impossibilidade do extrativismo da castanha representa a maior perda
socioeconômica vivenciada pelos moradores do entorno. É o produto de maior valor de
mercado, sendo a principal fonte de renda das famílias do campo. A agricultura serve
62
primordialmente para subsistência, pois o excedente, basicamente a farinha de mandioca, o
tem muito valor no mercado. No extrativismo castanheiro tradicional, a força de trabalho se
resume à família, sendo as áreas utilizadas coletivamente por todos os castanheiros, não
havendo áreas privadas
42
.
As grandes áreas de exploração de bauxita limitam-se à proximidade dos trópicos, o
que significa perdas significativas de biodiversidade em florestas tropicais. Na Jamaica e na
Austrália, uma única mina provocou uma perda de 5000ha e 13 mil ha, respectivamente
(SWITKES, Mimeo). Na Amazônia, até dezembro de 2004, mais de 5400ha de floresta
amazônica haviam sido removidos no Trombetas, no platô Saracá foram mais de mil
castanheiras (MRN, 2005). Enquanto, a previsão de desmatamento para os 15 anos de
atividade em Juruti é de mais de cinco mil ha, estimando-se mais de dois mil castanheiras
(CNEC, 2005). Além das perdas ecológicas nos ecossistemas, os impactos resultam em
graves problemas sociais.
A madeira é outro recurso em disputa. Ela sempre foi utilizada pelos povos
tradicionais para venda ou para consumo diário (cercas, casas, canoas, etc.). Para as
mineradoras, trata-se de um rejeito do processo de extração que, no entanto, detém alto valor
econômico. O processo de exploração da bauxita em mina aberta exige a devastação da
superfície, levando à derrubada de grandes quantidades de madeira, muitas de boa qualidade e
de alto valor de mercado. No passado, parte da madeira era utilizada como carvão na usina de
secagem, substituindo o diesel, encarecido com a crise do petróleo; o restante era queimado e
acrescentado ao solo do reflorestamento
43
(GARRIDO FILHA,1990).
As árvores sem valor de mercado são rejeitadas e enterradas em buracos, para
recompor o terreno no fechamento das minas, sendo as madeiras de lei ressarcidas ao IBAMA
e, posteriormente, vendidas a serralherias locais. A MRN incentiva o setor moveleiro
oriximinaense, importante comprador das toras. Todavia, os povos tradicionais, sob liderança
do STRO, vêm reivindicando o direito às madeiras retiradas das áreas de lavra. Eles
argumentam que a derrubada das árvores representa uma perda dentro dos limites dos
territórios tradicionais e um prejuízo aos moradores e seus descendentes. A empresa alega
42
Durante o período áureo da atividade castanheira (1940-1960), existiam dois tipos de castanhais: os com donos
e os livres. No primeiro, o castanheiro tinha que vender ou pedir autorização ao dono; no livre, qualquer
castanheiro podia extrair, sem qualquer restrição, podendo negociar o produto com os regatões. Com a
decadência da atividade, todos os castanhais se tornaram livres.
43
A empresa, durante alguns anos, reflorestou áreas com eucalipto, com o objetivo de reutilizá-lo nos fornos de
secagem da bauxita.
63
restrições jurídicas ambientais para doar as toras e reafirma seu interesse exclusivamente na
bauxita.
Em Juruti, os moradores do lago Juruti Velho acusam a ALCOA de ser conivente com
empregados que tiram e vendem as madeiras, além de ocultarem as toras, enterrando-as.
Segundos eles, a madeira tem que ser de quem não trabalha na empresa e exigem o direito às
toras. A mineradora alegou, junto aos órgãos ambientais, várias barreiras para a liberação da
madeira, o que está levando ao seu apodrecimento.
Os tabuleiros em posse das empresas são restritos a qualquer outro tipo de uso. Em
Oriximiná, os moradores do entorno estão proibidos de acessá-los para qualquer fim,
inclusive extrativismo e caça, podendo ser expulsos ou punidos. De acordo com a história
oral, o platô Papagaio era área de castanheiras e de seringueiras, onde se extraiu o látex até
1953
44
. Nessa área foram plantadas 2.500 mudas de seringueiras por um ex-seringueiro do
Xingu, que trabalhava para o dono do castanhal Luiz Viana. Desde o período de pesquisa
mineral, a área deixou de ser usada pelos coletores, por causa do perigo de acidente nas
perfurações. Temerosas com os perigos e com a fiscalização nos castanhais e seringais, as
famílias que moravam nas proximidades do platô se reassentaram na várzea.
A problemática dos conflitos sociais no entorno da mineração se intensifica nos
períodos de expansão da extração, quando as corporações reivindicam mais espaço, iniciando
um novo processo de negociação (COELHO et al, 2002). Os atores regionais reaparecem,
colocando suas posições aparentemente imutáveis. As mineradoras, apoiadas pelo Estado,
defendem a expansão da exploração para novas áreas, enquanto os grupos atingidos, com o
apoio do sindicato, Igreja, ONGs e ambientalistas, cientes da impossibilidade de frear o
empreendimento, lutam por reconhecimento socioterritorial e um justo ressarcimento das
perdas e ameaças futuras. A reivindicação central continua a girar em torno da terra e do
acesso ou compensação relacionados aos recursos naturais.
As corporações mineradoras tentam deslegitimar as áreas extrativistas, alegando
existirem desprezíveis quantidades de recursos naturais economicamente relevantes, mas se
comprometem, como forma de compensação, a reflorestar as áreas com espécies de alto valor
no mercado, promover projetos sociais, contratar moradores ou comprar sementes das áreas
mais afetadas. Os relatórios de impacto ambiental são as armas técnico-científicas de defesa
do investidor. As instituições do Estado reaparecem para reafirmar a presença do poder estatal
44
O Trombetas nunca foi uma região de grande produção de borracha.
64
e admitir a consolidação dos interesses capitalistas, acalmando os ânimos com algumas
promessas e políticas públicas.
Em 2002, a MRN iniciou a expansão da suas atividades para o platô Aviso, Bacaba e
Almeida, deslocando o eixo da extração das margens do Trombetas para o lago Sapucuá, a sul
do empreendimento. Desde então, novos grupos rurais se tornam diretamente atingidos e
passam a compor o espaço de negociação. Durante o processo de licenciamento, a Igreja
Católica, em aliança com o STRO, promoveu discussões nas comunidades afetadas no lago,
principalmente na comunidade de Boa Nova.
Os moradores do lago utilizaram historicamente os platôs, para fins extrativistas. Os
platôs Almeida e Bacaba, de acordo com relatos de antigos moradores, eram os melhores do
Baixo Trombetas. No platô Almeida a produção de castanha caiu quase 70%, com a
derrubada da mata, restando apenas as castanheiras na base da encosta. O fim dessa área de
coleta afetou, além das famílias residentes nas proximidades do platô, os castanheiros de
várias outras localidades, que migravam sazonalmente, atraídos pelo alto grau de
produtividade dos castanhais. A serra do Almeida pertencia à família homônima, que era dona
dos castanhais, até ser vendida à MRN, nos anos 1980, fato que deu início à extração mineral,
em 2003.
Mas por que o IBAMA não incluiu o platô Almeida em seus limites territoriais,
indenizando a empresa, promovendo os procedimentos comuns? Apesar de não pertencer à
FLONA, o órgão atua enquanto regulador nesta área. É uma das contradições presentes nesta
relação entre empresa e órgão ambiental, na qual a instituição pública serve aos interesses das
corporações privadas.
No caso do platô Bacaba, a MRN alegou não existirem, nesta área, recursos
economicamente utilizáveis pelos povos tradicionais. Além disso, a ameaça de contaminação
dos rios e a perda dos recursos naturais e de parte do território provocaram ações de
resistência à expansão mineral. No intuito de flexibilizar o movimento de resistência, o
INCRA prometeu fazer o planejamento do uso do solo, e a Empresa Brasileira de Pesquisa
Agropecuária EMBRAPA, promover a análise do potencial agrícola das terras. No caso do
platô Almeida, a mineradora contratou trinta moradores para trabalharem no empreendimento
como meio de convencimento.
Ainda é cedo para apontarmos os legados de impactos físico-ambientais que será
deixado em Oriximiná. Um problema ainda insolúvel aparece na revegetação dos tanques de
rejeitos, onde a característica muito argilosa do solo limita o crescimento das plantas. Por
65
outro lado, a política de reflorestamento em área de lavra é de alta qualidade. Obviamente, é
impossível reconstituir o bioma precedente, mas as áreas reflorestadas apresentam grande
variedade de espécies nativa, especialmente as de alto valor econômico, como a castanheira.
Em Juruti, o conflito ambiental pelo acesso e pelas perdas dos recursos naturais se
repete. A incidência de castanhais na margem direita do Amazonas, assim como em todo o
Baixo Amazonas, torna a castanha um produto elementar para a renda familiar rural regional.
No entanto, a produção e a importância regional da castanha em Juruti não se equiparam ao
significado obtido em Oriximiná. O Trombetas, desde o período colonial, era considerado
uma região exuberante em castanhais de grandes sementes (CRULS, 1930).
A paisagem rural em Juruti não se assemelha às áreas de floresta densa de Oriximiná.
Observamos vastas áreas desmatadas, com predomínio de gramínea, capoeira e matas
secundárias; raras são árvores de lei da floresta clímax, antes abundantes. Essa paisagem
reflete o processo de expansão da fronteira econômica vigente na região, historicamente
explorada pelo extrativismo do pau-rosa, da madeira de lei e, atualmente, afetada pelo avanço
da soja e da atividade mineral industrial.
Nas ribeiras de lagos, rios e estradas estão situadas as comunidades rurais, em
pequenos povoados concentrados e em moradas isoladas. Nestas localidades, os recursos
naturais não se encontram mais tão abundantes, em decorrência das antigas atividades
econômicas hegemônicas e das próprias práticas agro-pastoris. A floresta foi substituída, para
dar lugar ao pasto para a pecuária e ao cultivo de subsistência; os animais selvagens
desapareceram pela caça e, majoritariamente, pela devastação dos fragmentos de floresta
(FERNANDEZ, 2004). Os recursos naturais passaram a ser adquiridos nos platôs mais
longínquos e preservados. Agora, estes últimos redutos para caça e coleta se converteram em
áreas cobiçadas pelo capital minerador. A perda destes fragmentos significa o fim da última
fronteira de recursos naturais, onde se podiam conseguir alimentos, produtos para
comercialização ou para uso cotidiano (cipó, madeira, palha, lenha, etc.), assim como
significa um prejuízo de biodiversidade para uma região pressionada por interesses
madeireiros e pelo avanço da soja.
A ALCOA alega que as devastações dos platôs não afetarão a população local, por
estarem distantes das margens, argumento este questionável, quando se constata que a
mobilidade dos indivíduos é intensa, ficando dias na mata para coletar e caçar em áreas
afastadas de suas residências, representando um uso contínuo do território. Alguns ribeirinhos
66
comentaram que caçam em áreas mais preservadas, localizadas além das instalações da
mineradora.
Quais serão os reflexos dos impactos ecológicos no social? Desaparecerão animais de
caça da região, pela redução dos fragmentos de floresta? A proibição de áreas tradicionais de
extrativismo provocará a superexploração em outras localidades, promovendo a escassez dos
recursos ou o empobrecimento ainda maior dos grupos atingidos? Quem arcará com os
reflexos dos impactos socioambientais nos descendentes dos atingidos, sem minério e sem
floresta?
Quando estão se instalando ou expandindo as áreas de exploração, as mineradoras se
aproximam dos atingidos, visitam-nos, tentam saciar algumas carências e se colocam a
serviço da comunidade. Durante a exploração e ao seu término, não qualquer sombra de
um representante nas redondezas, as políticas sociais se estagnam ou diminuem, e a empresa
atua com rispidez, para controlar seu território. Esta situação só é diferente quando há revoltas
ou resistências por parte dos atingidos.
Após as perdas vivenciadas no Trombetas, os atingidos no Sapucuá e em Juruti Velho
exigiram a compensação pela perda da renda da castanha. Em Oriximiná, a empresa travou
um acordo para comprar dos indivíduos atingidos sementes da floresta para o viveiro de
plantas. Em Juruti defende-se uma compensação financeira, mas a proposta empresarial é de
promoção de projetos agrícolas para geração de renda. Porém, mesmo que as mineradoras
compensem as perdas financeiras dos castanheiros nos períodos de coleta, isso não resolve o
problema social.
Primeiro, porque a compensação financeira pode acabar com a autonomia dos
coletores, convertendo-os em dependentes da empresa. Segundo, porque, apesar das
promessas de reflorestamento com grande quantidade de castanheira e outras espécies
valiosas, a devastação pode não significar a ampliação das áreas de coleta futuras, mas a
extinção da cultura extrativista, pois, após os 15 anos estimados para término da exploração
mineral, acrescidos ao tempo de crescimento das árvores, constata-se que uma geração inteira
será proibida de acessar os recursos naturais, sendo obrigada a se deslocar para outro setor
produtivo, ou depender dos apoios públicos e privados para sobreviver. Podemos atentar para
uma tendência de inutilização dos conhecimentos tradicionais e, portanto, para a extinção dos
costumes e práticas espaciais, como vem ocorrendo em algumas comunidades negras do
Trombetas. Por último, as negociações em curso na Amazônia se limitam ao cálculo das
67
perdas com a castanha, não incluindo outros produtos de comercialização, nem os de consumo
cotidiano.
Ao mesmo tempo em que a empresa é a razão das perdas e do desmantelamento
sociocultural, ela é vista como a solução e a origem da ajuda para um futuro melhor. Trata-se
de uma relação dúbia e contraditória, onde o destruidor também é o redentor. Permanecendo
nos mais velhos um sentimento saudoso e a impressão de roubo: Os negros não querem ser
mais negros. (...) A MRN tirou toda a cultura da comunidade, por isso, tem que ajudar mais
(entrevista de 2005).
Constantemente criminalizados por seus usos agroextrativistas, os moradores do
entorno mineral em Oriximiná passaram a questionar a pseudo-sustentabilidade e os impactos
da mineração: O desmatamento da mineração é maior do que o modo de vida de nossos
antepassados (Entrevista, 2005). Enquanto em Juruti Velho, o sentimento de um
“patrimônio” a ser perdido é freqüentemente resgatado nas falas dos moradores:
“Os ribeirinhos são os donos e não os que vieram de fora. Eles querem a
terra por ganância do subsolo. Vão embora levando o minério, e não vai ficar
nem uma árvore. (...) Se devastar (a floresta), nossos netos não vão ver, (...)
não vai dar pra fazer nada com o platô desmatado, não vai ter caça, castanha,
nada (...) Só vai ficar sofrimento” (Entrevistas em 2006).
O futuro dos investimentos em Oriximiná e em Juruti não aponta para qualquer
ausência de conflito. A expansão das áreas de lavra para outros platôs pode vir a atingir novas
comunidades e famílias; existem moradores muito próximos e usuários dos platôs Arama e
Bela Cruz, ao que tudo indica, os próximos a serem extraídos pela MRN. Podemos estimar
disputas ainda mais intensas, quando a mineradora se voltar novamente para as margens do
Trombetas, onde está a antiga área de pesquisa da ALCOA, área reivindicada atualmente por
quilombolas (ver mapa 2). O povo está cada vez mais crítico aos perigos da atividade mineral,
apesar da gama de incertezas. As únicas certezas são a existência de finitude nos recursos
minerais da região e o descaso das corporações transnacionais com o destino das próximas
gerações e da região.
2.2.2.2 Contaminação dos Recursos Hídricos – Lagos, Rios e Igarapés
O medo da poluição de lagos e rios e a crença no tecnicismo ambientalmente salvador
dividem os sentimentos dos grupos em conflito no entorno das áreas de lavra e
beneficiamento mineral. Enquanto os povos tradicionais de Juruti temem pelo destino dos
68
lagos, rios e igarapés, que são fontes de alimento e a base da sobrevivência dos ribeirinhos; os
antigos e atuais impactos em Oriximiná deixam em alerta os futuros atingidos. Mas não basta
a fiscalização solitária dos moradores locais, é necessário tecer alianças fortes que
comprovem cientificamente as denúncias e façam-nas serem ouvidas.
O impacto sobre o lago Batata atingiu ampla notoriedade em veis nacionais e
internacionais. A emissão do rejeito no lago perdurou do início da atividade extrativista, em
1979, até 1989, quando se transformou num escândalo, sendo considerado o maior desastre
industrial da Amazônia. A poluição das águas tem sua origem na operação de lavagem da
bauxita, que gera finos rejeitados. Estima-se que foram lançados 1,5 milhões de toneladas de
rejeitos por ano do lago. Até meados de 1984, os rejeitos foram lançados no igarapé Caranam,
que drena para o Batata. Com o esgotamento do curso d’água, passaram a lançá-los em outros
pontos, na borda noroeste do lago, por meio de uma tubulação e de um sistema de
bombeamento, e no igarapé Água Fria. O alto nível de assoreamento do lago colocou em
perigo de contaminação o rio Trombetas. Tal fato motivou a construção de uma barragem
com 10m de altura, para impedir o transbordamento (GARRIDO FILHA, 1989). Frente ao
perigo ambiental e à visibilidade que alcançou o caso, o DNPM notificou a MRN, que,
posteriormente, substituiu o antigo sistema por tangues de rejeitos (GARRIDO FILHA,
1990).
Neste período, a legislação ambiental iniciava-se no Brasil, tendo apenas alguns
estados normatizado o licenciamento ambiental das atividades industriais potencialmente
perigosas. O governo federal centralizador, interessado no crescimento econômico a qualquer
custo, abafava os casos de impactos ambientais. Contudo, a pressão popular acabou levando o
governo a promulgar um decreto-lei evasivo sobre controle de poluição industrial, no qual
concentrava, no âmbito federal, o poder de fechar fábricas (considerado de interesse nacional)
por razões ecológicas ou de poluição. Apenas no início da flexibilização política, na década
1980, se consolida uma legislação nacional sobre impactos e licenciamentos ambientais
45
,
o
45
Dentre as normas legais ambientais instituídas a partir de 1980 estão: a Lei 6.803/80, que dispõe sobre as
diretrizes básicas para o zoneamento industrial nas áreas críticas de poluição; a Lei 6.938/81, que estabeleceu os
objetivos e os instrumentos da Política Nacional de Meio Ambiente, posteriormente alterada pela Lei 10.165/00,
que coloca a exploração mineral como atividade altamente poluente; a Lei 7347/85, que institui ação civil
pública de responsabilidade por danos causados ao meio ambiente, compensações aos danos ambientais e criação
de fundos públicos de multas; e a resolução 01/1986 do Conselho Nacional de Meio Ambiente, que define o que
é impacto ambiental, exige a elaboração de estudo de impacto ambiental e de relatório de impacto ambiental
EIA-RIMA, a serem submetidos à aprovação do órgão estadual competente e do IBAMA para fins de
licenciamento, além da realização de audiências públicas, sempre que se fizer necessário, para informar e debater
sobre o projeto, os impactos e o RIMA; por fim, a Constituição de 1988 sintetiza a questão ambiental no Brasil
no art. 225, no qual define o meio ambiente como bem de uso comum do povo. O documento tratou ainda de
outros temas, como: o patrimônio genético, a regulamentação dos estudos de impactos ambientais, o zoneamento
69
que reflete a posição brasileira contrária aos controles internacionais sobre o meio ambiente e
a poluição propostos na conferência da ONU em Estocolmo, em 1972 (LEITE LOPES, 2004).
O rejeito da lavagem da bauxita produz um volume maior do que o gerado na
produção de alumina, porém não apresenta os perigosos componentes químicos da segunda
etapa. O desconhecimento científico sobre os ecossistemas aquáticos do sistema rio-planíce
de inundação amazônico e, particularmente, sobre os efeitos das partículas inorgânicas do
rejeito neste ambiente tornou essa degradação ambiental bastante complexa. O impacto no
Vale do Trombetas foi inédito na história da extração de bauxita, pois em outros países, como
Austrália, Rússia e Nova Guiné, esse processo não gera efluentes líquidos.
Os principais impactos físicos no lago Batata se deram nas áreas de igapó e nas áreas
permanentemente inundadas. Na primeira área, o assoreamento do rejeito levou à morte de
considerável parcela da vegetação e, consecutivamente, à perda de habitat para várias
espécies, muitas de importância econômica, como os peixes tambaquis. Na segunda área, o
assoreamento provocou a elevação da turbidez e a destruição dos habitats de comunidades
bentônicos, plactônicos e nectônicos (ESTEVES, 1995).
O lago Batata vem sendo recuperado com a regeneração da fauna e da flora. O projeto
de recuperação e o novo modelo industrial utilizado para estocar o rejeito se transformaram
em propagandas da gestão ambiental responsável da MRN. No entanto, o que se estimava
recuperar em cinco anos dura mais de 15 anos, demonstrando o total desconhecimento
científico sobre os ecossistemas lacustres amazônicos. Mesmo assim, ainda não é possível
encontrar algumas espécies, como peixes de grande porte, o que nos coloca algumas questões
frente ao desastre: é possível regenerar um ambiente degradado? Quais e para quem são os
custos socioambientais dos impactos?
A população residente no lago Batata reduziu com a poluição do lago e a inviabilidade
de sua utilização. Entretanto, os principais fatores expulsão foram a repressão do IBAMA e a
pressão da MRN contra os plantios nas áreas sob sua influência. Os habitantes eram de
origens diversas. Havia desde migrantes recentes, vindos do norte e nordeste, atraídos pelos
projetos de desenvolvimento, até quilombolas. Alguns chegaram a resistir, para
ambiental, o princípio do poluidor-pagador, o princípio da precaução e prevenção como norma institucional, a
normatização da questão indígena e quilombola e a criação de lei específica para os crimes ambientais. Na
década de 1990, o CONAMA redefiniu as diretrizes para licenciamento ambiental - resolução 237/97, e foi
instituída a lei 9.605/98 de crimes ambientais, que prevê fortes penalidades e o endurecimento contra
devastadores e poluidores. Recentemente, a lei 9.985/00 instituiu o Sistema Nacional de Unidades de
Conservação da Natureza (SNUC) e estabeleceu os critérios e normas para a criação, implantação e gestão das
unidades de conservação (THEODORO et al, 2004).
70
permanecerem na área, mas a grande maioria saiu do lago, que hoje abriga algumas poucas
famílias.
O lançamento do rejeito é uma externalidade da produção mineral que afeta
principalmente os grupos mais pobres do entorno. A área de deposição do rejeito ocasionou
uma sobreposição de usos e uma monopolização do território pela atividade industrial. A
MRN, mais uma vez, reafirmou seu domínio sobre o espaço, definindo o uso. O rejeito
prejudicou muito os habitantes locais. Os animais aquáticos se tornaram cada vez mais raros,
e há perigos desconhecidos em relação ao consumo da água e dos alimentos do lago.
Em Oriximiná denúncias e suspeitas recentes sobre irregularidades na exploração
de bauxita. O STRO vem denunciando freqüentemente as ilegalidades da mineradora.
Acusou-a de explorar sem as devidas licenças e de poluir os igarapés, que drenam para o lago
Sapucuá e para o rio Trombetas, causando doenças nas comunidades ribeirinhas
consumidoras da água. Os impactos nos recursos hídricos se devem à exploração ilegal nas
proximidades da borda do platô, o que desestabiliza a encosta, e ao transportamento dos
tanques de rejeito. Por ser uma área de preservação permanente (topo de morro), a empresa
deveria respeitar um limite de 30m antes do declive, mas, segundo denúncias, ela extrai até
10m da borda, para maximizar a extração na área de lavra.
As extrações em minas abertas prevêem significativos impactos sobre os recursos
hídricos, causados pelo aumento do escoamento sedimentar para os corpos d’água, em
decorrência da retirada da cobertura vegetal que expõe o solo a processos erosivos superficiais
e voroçocamentos. Neste caso, os platôs de origem sedimentar da formação barreira são
facilmente erodidos quando expostos a grande pluviosidade do ambiente amazônico
(GARRIDO, 1989). Contudo, os danos em Oriximiná são maiores que o previsto, provocados
pela irresponsabilidade da MRN. Mais que o assoreamento dos rios, o colapso das encostas
aumenta a turbidez e pode causar a elevação do teor de alumínio na água.
A empresa, os órgãos públicos e a prefeitura, para evitar novos escândalos, negam que
os resultados tenham excedido o permitido por lei. Essa proteção da mineradora pelo poder
local faz parte de uma relação paternalista e de extrema dependência entre as instituições, as
elites locais, os políticos e a própria população para com a empresa. O município é totalmente
dependente desta única atividade e por isso se submete aos interesses e impactos da
mineração (SOLECKI, 1996).
A enorme quantidade de lama vermelha acumulada no igarapé Saracá alimenta ainda
mais as denúncias referentes a possíveis vazamentos na área de exploração. Suspeita-se de
71
transbordamentos decorrentes de irregularidades na posição, saturação e/ou danos do tanque
de rejeito em períodos de chuva forte, acarretando o assoreamento e a contaminação dos lagos
e cursos d’água. As dúvidas sobre a contaminação permanecem, pois o teor de alumínio na
água é monitorado por técnicos da MRN e repassado aos órgãos ambientais, sem contraprova.
A insegurança dos moradores aumenta, ainda mais, ao assistirem, sem qualquer informação,
aos técnicos entrando em seus terrenos, para coletar amostras de água, sem retornarem com a
divulgação dos resultados. Trata-se de um total descaso para com os atingidos, que vivem em
áreas vulneráveis a possíveis contaminações.
Todavia, existe a certeza das alterações do estado natural do ambiente, identificadas
pelos moradores locais - como a coloração cor de urucum (vermelha) da água, a diminuição
da profundidade da mina d’água e o aumento da turbidez do rio. Ou, ainda, o
desaparecimento dos peixes e o aumento das doenças. Após as denúncias, o órgão ambiental
desaconselhou a água do rio para banho e consumo, apesar de ser a única fonte de captação
para muitas famílias, que não foram atendidas pelo projeto de microssistemas de água
financiados pela MRN e pela prefeitura. Em 2005, o IBAMA multou
46
a empresa reincidente
pela contaminação do igarapé Saracá, resultante do transportamento de um tanque seguido de
um movimento de massa no platô Papagaio. Apesar de ser a principal via de locomoção e
fonte de água e alimento dos moradores a oeste do lago Sapucuá, não houve qualquer
indenização para as comunidades.
As sociedades locais temem pelo futuro de sua região, com o fim da extração mineral,
que deixará como legado minas fechadas, áreas desmatadas ou reflorestadas e tanques de
rejeitos, que podem vir a romper, causando novos impactos, semelhantes ao do rio Pombas
em Minas Gerais (ROTHMAN, Mimeo). Além do mais, ainda não se conhecem os danos à
saúde provocados pela poluição do alumínio e outros metais
47
.
Outro impacto vivenciado é ocasionado pelo desmatamento no topo dos morros, que
diminui a vazão d’água, podendo levar ao desaparecimento de algumas nascentes. Isso ocorre
tanto nas áreas de lavra como nas áreas de infra-estrutura. No projeto ALCOA o traçado da
ferrovia coloca em ameaça algumas nascentes, por estar postado, de forma ilegal, muito perto
dos cursos d’água. Esta ilegalidade pode vir a afetar os moradores da terra firme e os
ribeirinhos. Dentre estes estão os moradores ao sul dos platôs sedimentares na bacia do rio
Aruam, que poderão sofrer com a diminuição da quantidade e da qualidade da água. Esses
46
Segundo informações extra-oficiais, a multa foi de 85 mil reais.
47
Estudos recentes, por exemplo, apontam para a relação do alumínio presente na água ser uma das causas da
enfermidade de Alzheimer.
72
indivíduos sequer foram destacados no EIA ou participam dos projetos sociais da
transnacional. Eles ainda estão ameaçados pela proposta de criação de uma UC de uso
restrito, a qual lhes expropriará. A ALCOA ainda é acusada de contaminar, com resíduos de
seu restaurante industrial, o principal manancial de abastecimento da cidade de Juruti. Em
Porto Trombetas, a rodovia que liga as minas causou o represamento dos igarapés e a morte
da vegetação de terra firme.
Com o empreendimento, a antiga tranqüilidade nas águas, com pequenas embarcações
circulando, é substituída por intensa movimentação de grandes navios cargueiros diariamente
no cais e na hidrovia. A ameaça de contaminações por vazamentos ou por água de lastro de
navio - implantando espécies exógenas (LEAL NETO, 2007), nem mesmo é conhecida pelos
habitantes locais. No final de 2007, um vazamento de óleo de Porto Trombetas no porto se
espalhou por mais de 500 metros no rio Trombeta e se depositou nos barrancos, à margem do
rio. A MRN foi multada pelo IBAMA em 56 mil reais e obrigada a remover o óleo.
A intensificação do tráfego de grandes navios impossibilita a circulação de pequenas
embarcações e a atividade pesqueira em determinadas localidades, pela periculosidade de
acidentes e pelo afastamento dos peixes. Em Juruti, segundo o MP, o fechamento do igarapé
Balaio, que acesso ao rio Amazonas, em decorrência da construção do porto, prejudicou o
deslocamento de nove comunidades e de milhares de pessoas. Criam-se, assim, mais áreas de
uso exclusivo e restrito, vedadas a circulação e as práticas tradicionais anteriormente
existentes (MPE & MPF, 2005).
Além dos impactos ao meio físico, a construção de um porto provoca uma atratividade
para novos fluxos migratórios, cuja tendência é a formação de beiradões em novas áreas e em
comunidades antigas. Por isso, que se dedicar maior atenção às transformações nas
comunidades próximas ao porto, que acabam fortemente atingidas pelo empreendimento,
como foi o caso da comunidade de Boa Vista, em Oriximiná.
Os temores do povo de Juruti Velho em relação aos lagos e rios da região não são por
acaso. Os casos trágicos de Oriximiná no passado e os conflitos recentes são experiências e
avisos para um futuro de possíveis problemas. O lago Juruti Velho, diferentemente do que
prega a ALCOA, tem que ser compreendido como um patrimônio com valor de uso e
simbólico. Ao mesmo tempo em que funciona como meio de transporte, fonte de água,
origem dos alimentos e base da sobrevivência dos indivíduos, também simboliza o elemento
geográfico que unifica as comunidades em uma unidade, delimitando os limites do
73
território. O lago é o elemento a ser protegido, por ser a fonte da vida e o definidor da ação e
da identidade coletiva.
As corporações capitalistas parecem não considerar seus impactos espaciais na área do
entorno como um todo. Sua concepção está restrita às interferências localizadas - poluição,
assoreamento, perda de áreas de extração, deslocalização, etc. - somente para grupos
próximos aos platôs, não considera indivíduos migrantes recentes, por exemplo. A simples
presença e ações da empresa modificam as relações de poder pretéritas, redefinido os arranjos
espaciais, como ao incentivarem e financiarem a introdução de novas instituições - a mais
problemática delas, o IBAMA - que trazem consigo novas normas e restrições ao espaço. Será
que tais transformações não deveriam ser contabilizadas como impactos socioambientais do
projeto minerador? Por outro lado, os projetos sociais da empresa são apenas pontuais e não
vão além de projetos paliativos com a intencionalidade de fortalecer o marketing de
responsabilidade social e criar um paternalismo local. Trata-se de uma vitrine para a
sociedade e investidores, que engorda as premiações e os relatórios, não se preocupando com
os verdadeiros anseios e necessidades sociais dos povos da região.
74
3. MOVIMENTOS SOCIAIS POPULARES EM ÁREA DE MINERAÇÃO
Contemporaneamente autores apontando para uma conjuntura de desmobilização e
imobilismo social, onde o intermediário na relação entre Estado e sociedade - as organizações
da sociedade civil, se desvairam, instaurando uma crise representativa, caracterizada por
agregados inorgânicos de individualidades e manifestações esparsas (SCHERER-WARREN,
1993). Não que a relação capital-trabalho tenha se tornado pacífica. Pelo contrário. Segundo
essa corrente, a descoletivização e o individualismo se firmam no processo de exclusão,
desemprego, concorrência, pobreza, violência e insegurança social da sociedade moderna do
risco (BECK, 2002; CASTEL, 2005; SENNETT, 1999).
Neste momento, os trabalhadores e outros stakeholders locais estariam aprisionados à
escala local e limitados no embate contra o poder de articulação e deslocalização das grandes
corporações transnacionais. Estas, em algumas situações, passaram a utilizar como estratégia
a chantagem locacional (ACSELRAD et al, 2004), potencializando a relação desigual de
poder entre o capital e atores locais. No local, todos tendem a se oprimir, temendo perder os
empregos, os royaltes, os impostos, etc., e acabam abandonando os direitos, as conquistas e as
lutas sociais, o que pode culminar na desarticulação das instituições representativas e dos
movimentos sociais populares, levando-os a conseqüente burocratização.
A vida social sob essa perspectiva liberal generaliza-se numa concorrência entre
grupos de interesses corporativos particulares, que não se preocupam com problemas
gerais/universais. Nesta mesma linha, Touraine (2006) apontou para o desaparecimento do
“social” provocado pela ruptura dos laços sociais e pelo triunfo do individualismo
desorganizado, que levou à destruição da própria categoria “movimento social”, selando o fim
da sociedade de produção e das lutas sociais. No entanto, acreditamos que vivemos um
momento de transição das velhas instituições de ativismo social para novas formas de ação e
novos projetos dos movimentos populares (ZIBECHI, 2002). A sociedade pós-industrial, ou
sociedade das redes, como mostra Castells (1999), tende a ser a sociedade das massas,
caracterizada pelo período popular, onde as ações coletivas se tornam cada vez mais
generalizadas, sendo o único caminho para o êxito das mudanças sociais (SOUZA, 2005).
Mudaram-se a maneira de se interpretar os conflitos sociais e, também, o jeito dos
grupos se organizarem nas relações de poder. Os mediadores clássicos - partidos políticos e
sindicatos de classe - se enfraqueceram com a rápida difusão dos meios de informações e
telecomunicações, deixando de ser os protagonistas da história social. Há, porém, uma
75
reaproximação da base social por meio de ações coletivas voltadas para a realidade local. Ou
seja, elas são produto dos problemas sociais do espaço vivido, comumente abandonados por
partidos e sindicatos. As mobilizações ressurgem da base, na forma de micromovimentos - ou
movimentos de base, organizações de base comunitária ou popular, grupos de intervenção
social e grupos-movimentos (SHETH, 2005), mas se articulam em múltiplas escalas, inclusive
a global, ao ressignificarem e incorporarem as demandas gerais da sociedade moderna -
ecologia, etnia, direitos humanos, reforma agrária, etc. (GOHN, 1997).
A base social não é um meio, mas um fim em si mesmo, cuja gênese se encontra no
compartilhamento das situações de exclusão, opressão e subordinação vivenciadas num
mesmo espaço geográfico e num mesmo tempo histórico (ZIBECHI, 2002). Os novos tipos de
mobilizações, organizações e ações da sociedade civil, especialmente na Amazônia,
encontram-se totalmente imbricados com os territórios coletivos e com as conseqüências das
mudanças nos arranjos e nas conjunturas socioespaciais e de poder. Se antes os movimentos
populares e, conseqüentemente, os conflitos que os envolviam, se davam num contexto de
disputa por cidadania e por direitos civis nas relações de trabalho, neste novo momento as
lutas se deslocaram de uma reivindicação em nome do cidadão e do trabalhador
(TOURAINE, 1989) para a defesa, mas não somente, de uma coletividade restrita definida
pelo existir, disseminando ainda mais os conflitos sociais por toda parte (DAHRENDORF,
1992).
Emergem, em vários pontos da América Latina, um grande número de movimentos
populares formados por diferentes indivíduos, que assumem identidades comuns, por
experimentarem conjuntamente a condição de oprimido, de excluído e de atingido pela
mesma relação de poder, ou mesmo ator hegemônico (ZIBECHI, 2002). Estas coletividades
se colocam em movimento, na busca individual por liberdade, re-existência e,
majoritariamente, poder. Os lugares controlados pelos movimentos populares - espaços
opacos e alienados dos homens
48
de tempo lento - se transformam em espaços de
solidariedade e territórios de resistência
49
no conflito contra o poder hegemônico (SANTOS,
2004; SOUZA, 2005).
48
Neste caso seria até melhor falarmos em espaços dos seres humanos, pois os movimentos contemporâneos
buscam minar a colonialidade do saber e do poder eurocêntrico, branco, masculino e adulto, que determina a
ordem moderna (LANDER, 2005).
49
Santos (2004) e Moreira (2006) nomearão esses espaços de resistência dos homens lentos na sociedade do
tempo rápido como contra-espaços. Sendo este o espaço contra-hegemônico de luta por novas formas
democráticas de espaço, no qual os arranjos são construídos segundo os projetos da sociedade civil e não ao bel-
prazer dos dominantes. Todavia, optaremos pelo termo territórios, para denominar esses espaços de resistência,
ou contra-espaços, controlados por grupos excluídos ou oprimidos que buscam propor formas próprias, novas ou
76
A característica deste atual período não é uma ruptura na estrutura do conflito,
composta pela dialética entre opressores e oprimidos e dominadores e dominados, que se
materializam na tomada de consciência dos atores subordinados. As novidades encontram-se
na diversificação das formas de interpretar, sentir, viver e reagir aos conflitos, por meio da
adoção de novas conotações, como a de conflito ambiental ou cultural, por exemplo; e através
de organizações sociais resultantes da sociedade em rede. Todavia, os movimentos estão cada
vez mais territorializados (RIBEIRO, 2005).
As mobilizações civis latino-americanas e, especificamente, as amazônicas vivem um
momento de re-conhecimento cultural, revalorização da preservação da natureza, re-existência
dos povos tradicionais oprimidos e exaltação das diferenças e identidades, como
demonstraram as obras recentes de Santos et al (2003, 2005), Alvarez et al (2000), Gonçalves
(2005), dentre outros. Nas últimas décadas, os movimentos sociais latino-americanos
apresentam, em seu corpo social, majoritariamente, indivíduos das classes populares, havendo
uma hegemonia dos movimentos populares, que lutam por necessidades e direitos básicos
para sobrevivência - terra, casa, comida, recursos naturais, equipamentos coletivos básicos,
etc. (GOHN, 1997). Contudo, os movimentos sociais não são exclusivos dos grupos e classes
pobres que demandam transformar suas realidades de opressão, desigualdade e exclusão
social. Os movimentos sociais referem-se às lutas sociais (e não necessariamente luta de
classes) pela defesa de direitos coletivos amplos ou de grupos minoritários; pela conservação
de privilégios ameaçados; pela obtenção ou extensão de benefícios e bens coletivos, etc.
50
(GOHN, 1997).
Os movimentos sociais populares insurgentes na Amazônia e no Brasil o
organizações civis em defesa da cidadania e dos direitos sociais e ambientais, como os grupos
de desterritorializados, expropriados e sem terra: os movimentos de trabalhadores rurais sem
terra, os atingidos por barragens, estradas, bases militares, mineração ou outro grande projeto;
alternativas de gestão territorial e de relações sociais - como o uso coletivo e a gestão comunitária praticados nos
territórios dos povos tradicionais amazônicos.
50
Existem movimentos constituídos também por indivíduos da classe média e alta, como: movimento
ambientalista, União Democrática Ruralista, movimento estudantil, movimento separatista, entre outros.
Entretanto, dedicar-nos-emos, neste trabalho, a analisar os movimentos sociais populares em áreas de mineração,
formados por populações rurais predominantemente de pobres. A escolha em defini-los como movimentos
populares não se deve exclusivamente à posição de classe dos indivíduos, mas, também, aproveitando a
terminologia utilizada pelos teóricos da Teologia da Libertação - corrente intensamente presente nos casos
analisados - para distinguir tais movimentos.
Por causa da grande diversidade de movimentos sociais no Brasil, nos limitamos aqui a destacar os mais
emblemáticos e concentrados no meio rural, majoritariamente o amazônico, acompanhando o foco do presente
trabalho. Para maiores referências sobre movimentos sociais, ver GRZYBOWSKI (1987); SCHERER-
WARREN (1993); GOHN (1997); GONÇALVES (2001); ALMEIDA (2004 e 2007).
77
os grupos étnico-culturais (populações tradicionais ou povos da floresta): movimento
quilombola, indígena, quebradeiras de coco babaçu, seringueiros, castanheiros, ribeirinhos,
mulheres agricultoras etc.; e ainda os movimentos associados à problemática ambiental:
ambientalista, justiça ambiental, deserto verde, etc. Cabe ressaltar que um único movimento
pode assumir mais de uma identidade, objetivos de luta ou discursos.
Na Amazônia brasileira, os movimentos populares procuram transformar o modelo
opressor, preconceituoso, ambiental e socialmente degradante, excludente e desigual da
sociedade moderna industrial. São organizações formadas por indivíduos pobres que querem,
acima de tudo, ser respeitados enquanto sujeitos políticos capazes de desenhar uma nova
geografia e escrever uma nova história. Assim, reivindicam demandas específicas - terras,
reconhecimento cultural, recursos naturais, assistência e acesso aos serviços básicos -, muitas
vezes restritas às localidades em que vivem, mas que, ao mesmo tempo, significam algo mais
amplo, como o direito à cidadania e à justiça social e ambiental. Em suma, clamam por
liberdade, justiça e igualdade e lutam para modificar as relações desiguais de poder e as
estruturas socioespaciais que os aprisionam.
As atuais bandeiras de luta destas organizações podem representar, também, um
sintoma da crise dos velhos sistemas de representação através dos partidos políticos e
sindicatos de classe (SCHERER-WARREN, 1993). Os “povos da floresta”, por exemplo,
redefiniram o sentido de cidadania, sendo este os direitos materiais e simbólicos sobre os
territórios tradicionalmente ocupados. Ou seja, são formas democráticas de gestão dos
recursos de uso comum, associadas à liberdade de manter suas próprias práticas
socioculturais, símbolos e identidades territoriais. Os conflitos nos quais se envolvem podem
ser interpretados na perspectiva dos conflitos ambientais, pois vão além dos conflitos
fundiários/territoriais, por estarem intimamente associados aos modos de significação e uso
dos recursos naturais.
No espaço concreto, os movimentos sociais constroem estruturas, desenvolvem
processos, organizam e dominam territórios das mais diversas formas” (FERNANDES, 2000
p. 60), representando um dos pólos das relações de poder, que disputam o controle sobre o
espaço geográfico. Todo movimento social, uns mais outros menos, se materializa de alguma
forma no espaço geográfico, procurando, por meio de suas ações e objetos, reestruturar,
territorializar e ressignificar os espaços e as relações sociais de poder em seu favor, a partir de
seus projetos político-ideológicos. Deste modo, alteram os limites da ação e rearranjam os
78
limites territoriais (SOUZA, 2006). Por isso, os conceitos território e territorialidades são
centrais na compreensão dos movimentos sociais, como salientou Souza:
(...) a análise do espaço social, na qualidade de território, de espaço definido
por e a partir relações de poder, e o exame das territorialidades (isto é, dos
tipos de organização e arranjo territorial) deve ser articulada com a
compreensão do espaço como “lugar” (no sentido específico do espaço
vivido/percebido, dotado de significado, em que a questão do poder figura
indiretamente, pois, na qualidade de referencial simbólico e afetivo para um
grupo social, converte-se o espaço em alvo de cobiça ou desejo de
manutenção do controle), assim como não podem deixar de interessar as
formas espaciais e o substrato espacial (2006: p. 317).
O Espaço e dinâmica política são indissociáveis. Tanto no sentido do político, isto é,
das relações e instâncias de poder existentes na sociedade, quanto da política, ou seja, do
questionamento das instituições e normas estabelecidas, na base do conflito e da negociação
(SOUZA, 2006: p. 318). Desta maneira, compreendemos os movimentos sociais intrínsecos à
idéia de sistemas de ação sociais (SANTOS, 1996), pois estes se materializam por meio de
suas práticas políticas no espaço geográfico, criando fatos políticos novos para pressionar os
órgãos públicos ou as instituições privadas e para adquirir algum tipo de barganha na
negociação. Se por um lado, essas ações sociais desvelam à sociedade sua natureza desigual,
preconceituosa e opressora, por outro, expressam a existência dos conflitos sociais, das
resistências e de projetos alternativos (MELUCCI, 1989).
Não entenderemos, então, os movimentos sociais enquanto parte estruturada ou
estruturante da realidade, ao exemplo das classes sociais, mas como processos políticos,
práticas sociais e sistemas de ações em permanente construção e em constante movimento,
produto das estruturas e conjunturas existentes na sociedade (SCHERER-WARREN, 1993).
Consistem em processos históricos e geográficos decorrentes das experiências de lutas sociais
e das condições conjeturais, que acabam por definir a emergência, permanência, dimensão e
eficácia dos ativismos sociais (GOHN, 1997; SOUZA, 2006). Os movimentos populares são
sujeitos coletivos que almejam executar seus contra-projetos por uma territorialidade
autônoma (que engloba desde a gestão democrática do território e dos recursos dentro de seus
limites, das relações sociais as quais vivenciam, a a proteção do próprio território que
utilizam e simbolizam), para então, reestruturar os arranjos e conjunturas socioespaciais em
diferentes escalas e intensidades (SOUZA, 2006).
O antagonismo nas relações de poder gera os conflitos e as lutas sociais, além de
impor uma lógica e um padrão sobre os processos sociais. As situações de conflitos
79
significam uma experiência social coletiva, mesmo quando não se expressam em
conscientizações coletivas ou em formas visíveis de mobilizações. Os indivíduos não estão
reunidos a priori em organizações da sociedade civil. As pressões e coerções exercidas pelo
poder não podem ser resistidas coletivamente sem referência a alguma experiência comum
uma experiência vivida de relações desigual de poder, ou mais particularmente, de conflitos e
lutas inerentes às relações de dominação (WOOD, 2003).
É em meio a experiências vividas que toma forma a consciência social, e com ela a
disposição de agir de forma organizada. Podemos dizer, portanto, que o conflito está
dialeticamente relacionado às organizações sociais. Tanto no sentido de que as formações dos
movimentos sociais pressupõem uma experiência de conflitos e de luta, que surge das
relações de poder e nas mudanças socioespaciais e ambientais, quanto no sentido de que as
estruturas em “forma de classes” - quem exerce o poder e quem é dominado - deflagram
conflitos e lutas sociais (WOOD, 2003).
As relações desiguais de poder e os impactos socioambientais são processos nos quais
oprimidos ou “atingidos” vivem e percebem sua situação social - mesmo que primeiramente
de forma individual. A partir destas experiências vividas, os dominados ou as vítimas dos
impactos deixam de ser apenas vítimas da estrutura social, tomando consciência de sua
situação experienciada em comum, e tendem a entrar em conflito com seus “agressores”.
Sendo assim, protestam, argumentam e lutam objetiva e coletivamente (MARX, 1847)
51
. No
processo de conflito, quando os movimentos populares enfraquecem a classe dominante, os
dominados reencontram ou reconstroem uma subjetividade libertada de sua inferioridade,
levando-os a reivindicar seus direitos. Estes indivíduos, tratados como meros objetos, se
tornam sujeitos
52
da ação, ao adquirirem a vontade de escapar às forças, às normas, às regras e
aos poderes opressores, entrando conscientemente em conflito numa ação coletiva
(TOURAINE, 2006).
Somente nas últimas duas décadas, a ciência mundial passou a discutir sobre os
conflitos, as lutas, as injustiças e os impactos socioambientais das grandes corporações
mineradoras contra os grupos atingidos nas localidades em que se instalam. Isso faz parte de
um processo de aproximação dos intelectuais com ONGs ou com os próprios movimentos
51
Da mesma forma, Marx (1847) demonstrou que o proletariado se constitui forçosamente como classe na luta e
no conflito contra a burguesia. As classes não existiam a priori, a situação de opressão, desigualdade e
exploração uniu os trabalhadores por interesses comuns (a manutenção do salário), reunindo-os num mesmo
pensamento de resistência coalização. Essa coalização tem por princípio cessar a concorrência intraclasse e
promover um enfrentamento geral aos capitalistas.
52
Sujeito não é apenas aquele que diz eu, mas aquele que tem a consciência de seu direito de dizer eu”
(TOURAINE, 2006: p. 113).
80
sociais oposicionistas cada vez mais presentes (BRIDGE, 2004). Os conflitos, as resistências,
as organizações e os protestos contra explorações minerais têm ocorrido e se estendido por
vários países no mundo e, em especial, na América Latina.
Na América Latina, chamamos atenção especial para os casos do Peru e da Argentina,
onde os impactos (contaminação da água, terra e deslocamentos compulsórios) e os conflitos
em áreas de mineração levaram à emergência de mobilizações por parte das comunidades
atingidas e de formações de organizações ou redes nacionais como: Confederación de
Comunidades Afectadas por la Minería no Peru e o movimento No a La Mina - Encontros de
las Comunidades Afectadas por la Minería de la Argentina (COTARELO, 2005, SEOANE,
2006).
No mais, existem diversos movimentos de atingidos que lutam na escala local pelo
não-prosseguimento dos empreendimentos ou por compensações frente aos danos territoriais
e ambientais em países como: Guatemala, Chile, Equador, Gana, Turquia, Grécia, Inglaterra
(People Against Rio Tinto and Subsidiaries), Austrália, Filipinas, Papua Nova Guiné, Índia,
entre outros (ALIER, 2007; BEBBINGTON, 2007; BRIDGE, 2004; HILSON &
YAKOVLEVA, 2007).
O debate em torno dos atingidos pela atividade minerária no Brasil é irrelevante,
diferentemente do conceito de atingido por barragem, que vem sendo amplamente discutido a
nível nacional e internacional na esfera política, empresarial e acadêmica
53
. No caso mineral,
a noção “atingido por mineração” não é diretamente uma categoria social em disputa, que
pretende a legitimação de direitos e de seus detentores por determinados grupos sociais
(VAINER, 2003). Todavia, os movimentos populares em conflito com as mineradoras ou com
o Estado acabam questionando a noção “atingido” indiretamente, no momento em que
reivindicam o reconhecimento de direitos que não constam nas definições das empresas e dos
órgãos públicos, porém, não se utilizam desta noção como elemento de identificação coletiva,
legitimação e luta.
Numa ampla definição do termo atingidos, compreendemo-lo como os indivíduos que
sofreram de alguma forma os impactos e mudanças materiais e/ou simbólicas provenientes
das atividades mineradora ou dos subprojetos sobre seus território e/ou modos de vida. Das
experiências vividas pelas mudanças sociais e físicas da mineração emergem novos atores
sociais locais e externos, manifestando novos e velhos interesses, bandeiras, problemas e
conflitos. Nem sempre os movimentos em áreas de mineração negam ou lutam pelo fim do
53
Sobre o conceito de atingido, no caso das barragens, ver Vainer, 2003.
81
projeto. Os atingidos pela mineração na Amazônia desejam ser compensados pelos impactos
sofridos e, principalmente, barganham para terem atendidas suas necessidades e
reivindicações históricas - terra, moradia, serviços e equipamentos coletivos, etc., tanto pela
empresa e como pelo Estado.
Sobre o problema em questão, os conflitos derivados das reestruturações
socioespaciais da exploração mineral na Amazônia, nos perguntamos: Existe uma relação
direta entre o empreendimento mineral e as organizações sociais e mobilizações políticas que
emergem ou em fortalecimento? Seriam os grandes projetos mineradores os principais
potencializadores de conflitos e, por conseguinte, das ações sociais?
Acreditamos que dois fatores estão relacionados a essas transformações sociais em
curso. Primeiro, a atividade mineradora provoca uma série de conflitos por seus impactos e
ameaças socioambientais e territoriais. Estes conflitos e impactos provocam mobilizações dos
grupos sociais atingidos. Os indivíduos atingidos, até então desorganizados, ao
experimentarem a situação de atingidos, se mobilizam para manter seus modos de vida e seus
domínios territoriais ameaçados. Por outro lado, as corporações se articulam para defender
seus investimentos e interesses de exploração dos recursos minerais.
Segundo, a instalação de um grande empreendimento provoca uma série de
institucionalizações. Ou seja, espaços antes periféricos e desprovidos de visibilidade se
tornam o centro de interesses regionais, nacionais e globais, atraindo diversas instituições
públicas e privadas. Neste processo, os grupos locais tendem a se organizar ou consolidar
socialmente, fortalecendo-se para que possam negociar com as novas instituições (empresas,
ONGs, órgãos do Estado, universidades, etc.).
Não estamos defendendo que as mineradoras são, necessariamente, a gênese dos
movimentos sociais nas áreas em que atuam. Mas, sim, que elas deflagram conflitos sociais
que provocam mobilizações sociais e dão maiores visibilidades aos atores sociais locais, o que
acaba por fomentar ou fortalecer as organizações sociais dos atingidos. Portanto, essas
organizações estão intimamente relacionadas aos processos de conflitos, exclusão, opressão e
injustiças vividos coletivamente nas regiões minerais, concebendo a unidade social dos
atingidos, ou unidade de mobilização
54
(ALMEIDA, 1993; 2004). A assimetria de poder em
relação à mineradora, aliada às relações preexistentes de solidariedade e de comunidade
54
Segundo Almeida (2004), unidade de mobilização refere-se à aglutinação de interesses específicos de grupos
não necessariamente homogêneos, que se aproximam por circunstâncias das intervenções estatais políticas
desenvolvimentistas, ambientais e agrárias - ou das ações empreendidas ou incentivadas pelo Estado obras de
hidrelétricas, estradas, mineradoras, usinas, portos, etc.
82
vivenciadas no lugar, permite a emergência e consolidação dos movimentos populares em
área de mineração na Amazônia.
Cabe ainda ressaltar a existência de uma conjuntura política favorável e a presença de
instituições articuladoras/mediadoras que dão condição à emergência destes movimentos. A
redemocratização política pós-ditadura e a emergência do ambientalismo, por exemplo, são
fundamentais para a consolidação dos movimentos populares em área de mineração na
Amazônia. O primeiro fator permitiu que os grupos, até então oprimidos e com resistências
esparsas, se organizassem, fundando instituições representativas locais; o segundo fator - o
ambientalismo - reforçou o poder de barganha dos atingidos, tornando-se uma das principais
territorialidades utilizadas.
Portanto, podemos considerar, para fins analíticos, que, se não existem movimentos
sociais de “atingidos por mineração”, pelo menos especificidades nos movimentos
localizados em área de mineração. São organizações compostas, majoritariamente, por grupos
sociais pobres, que se mobilizam e/ou se formam a partir dos conflitos deflagrados na relação
contraditória e dialética com as corporações mineradoras. Elas não se contrapõem,
obrigatoriamente, ao grande projeto mineral e podem lutar por indenizações ou pela inclusão
no crescimento econômico regional. Salientamos que os processos potencializadores e
deflagradores dos movimentos populares foram desencadeados por impactos e mudanças reais
e/ou virtuais promovidas pela mineração industrial, reconfigurando as relações de poder e os
arranjos territoriais. Além disso, a empresa mineradora será o ator hegemônico regional e,
assim, a instituição a ser pressionada, culpada e questionada pelas condições ou
transformações sociais e ambientais na região.
3.1 O MOVIMENTO QUILOMBOLA EM ORIXIMINÁ
A Associação dos Remanescentes de Quilombo do Município de Oriximiná -
ARQMO é uma associação formada por 32 comunidades de remanescentes de quilombos,
divididas em oito associações com referências territoriais áreas demarcadas ou pretendidas.
As associações territoriais são pré-requisitos para titulação coletiva do INCRA e do ITERPA
e podem agregar uma ou mais comunidades. Cada associação territorial se responsabiliza pelo
controle e gestão de um território titulado ou pretendido, mantendo o vínculo institucional
com a ARQMO. Nem as associações territoriais, nem as associações comunitárias
83
representam politicamente os quilombolas da região, ou captam recursos próprios. A
ARQMO, com sede na cidade de Oriximiná, centraliza e hierarquiza as funções de
representação, articulação, captação e implantação de projetos de desenvolvimento nas
comunidades.
Todavia, nem todas as comunidades de Oriximiná estão vinculadas à ARQMO.
Segundo dados levantados por ANJOS (2005), existem quarenta comunidades no município.
Uma delas é a comunidade de Cachoeira Porteira, que fundou, em 2002, a Associação de
Moradores da Comunidade Remanescente de Quilombo de Cachoeira Porteira -AMORCREQ
– CPT, movimento dissidente do ARQMO em Oriximiná
55
.
As comunidades remanescentes de quilombo do Trombetas são uma arqueologia viva
do antigo quilombo Maravilha e outros tantos que existiram na região no século XIX
56
. São
descendentes dos escravos que fugiram para a mata, como forma de luta e resistência à
escravidão e ao sistema escravista, deslumbrando construir territórios alternativos ao modelo
colonialista, repressor e racista.
A ocupação negra no Vale do Trombetas teve início nas partes altas do rio, acima das
cachoeiras, onde a morfologia funcionava como uma barreira natural protetora, separando o
mundo dos negros do mundo dos brancos. Neste período, houve a aproximação e a
miscigenação com povos indígenas, que lhes proporcionaram o conhecimento sobre a
dinâmica da floresta e das águas, um dos elementos essenciais da cultura negra no Trombetas.
No fim do século XIX e início do XX, com a diminuição da pressão e o término da
escravidão, iniciou-se o processo de descenso dos negros, que aos poucos ocuparam o médio
curso do Trombetas, localidade onde ainda se encontram (SALLES, 1971; ANDRADE, 1995;
ACEVEDO e CASTRO, 1993; FUNES, 2000).
55
A comunidade de Cachoeira Porteira, de caráter misto - quilombolas e migrantes recentes, representa uma
grande perda à ARQMO. Esta localidade tem um significado histórico para os negros do Trombetas: simbolizava
a porteira da liberdade (CASTRO & ACEVEDO, 1993). Todavia, os quilombolas de Cachoeira Porteira não
quiseram aderir ao movimento municipal. Em 2002, fundaram a AMORCREQ CPT, uma associação
representativa própria que ainda luta pelo título da terra. As divergências entre as duas entidades são de cunho
político-ideológico. Para a AMORCREQ, a gestão dos recursos não é igualmente partilhada pela ARQMO, que
está muito ligada às correntes políticas de esquerda no município. A formação da oposição quilombola teve
apoio e financiamento da Igreja Evangélica e dos políticos de direita (com destaque para Luis Gonzaga Viana,
prefeito de 1996 a 2004). A posição em Cachoeira Porteira se deve ainda ao caráter heterogêneo dos laços
familiares entre negros e migrantes recentes, e a forte influência das Igrejas Evangélicas.
56
Os primeiros quilombos da bacia do Trombetas datam por volta de 1821, sendo originários do reagrupamento
dos quilombos Inferno e Cipotema, destroçados, em 1812, pela expedição punitiva no rio Curuá em Alenquer.
Em 1854, existia ali o quilombo Cidade da Maravilha, que se tornou o maior quilombo amazônico,
alcançando níveis superiores a dois mil habitantes. Após a destruição da Cidade da Maravilha, os negros
permaneceram escondidos de forma esparsa no curso do rio Trombetas e seus afluentes, furos e lagos, onde
ainda se situam. Sobre a história dos negros do Trombetas, consultar: CRULS, 1930; SALLES, 1971;
ANDRADE, 1995; ACEVEDO e CASTRO, 1993; FUNES, 2000.
84
Os laços histórico, familiar e de solidariedade construíram, no Trombetas, uma estreita
relação e identificação entre as comunidades rurais negras. Por tal relação poder-se-ia
demarcar no vale um território quilombola, uma “homogeneidade” cuja origem remete ao
mesmo quilombo ancestral. O vínculo de parentesco, do mesmo modo, se faz sentir em cada
localidade, pois os remanescentes de quilombos constituem família, majoritariamente entre
eles mesmos, que posteriormente migram para outros lagos, igarapés ou sítios do vale. Neste
processo, os negros se espalharam pelo Médio e Alto Trombetas - do rio Erepecuru até a
Cachoeira Porteira. A relação de coletividade e solidariedade existia entre os negros. Nas
práticas espaciais cotidianas são comuns os mutirões (puxiruns) para abrir a mata para o
roçado, para construir casas e benfeitorias comuns (capelas e escolas); assim como as trocas
de alimentos e serviços; e as ajudas em eventuais problemas coletivos, familiares ou
individuais.
A história dos negros do Trombetas é repleta de conflitos, relações de opressão e lutas
vividos coletivamente, em busca da proteção e da consolidação dos territórios, como foram: a
fuga da senzala, a formação do quilombo Maravilha e seus subseqüentes territórios
alternativos, a luta na Cabanagem contra o escravismo, a relação de subordinação ao
patronato castanheiro, a dependência do sistema de aviamento, e a submissão frente aos
madeireiros. Nas últimas décadas, os conflitos e lutas foram travados contra as políticas de
desenvolvimento estatal e os interesses capitalistas com grandes projetos de mineração,
hidrelétricos e preservacionistas.
Fundada em 1989, a ARQMO serviu para fortalecer as comunidades negras e defender
seus direitos no enfrentamento dos interesses dos atores sociais hegemônicos, que se
impuseram no planejamento territorial do Trombetas. Sendo assim, podemos entendê-la
enquanto resposta de um dos grupos sociais oprimidos aos impactos e às transformações
decorrentes das políticas públicas e privadas de desenvolvimento territorial desde a década de
1970, com destaque para os projetos de mineração
57
:
A ARQMO surge como uma resposta às invasões e ameaças contra os
territórios quilombolas registradas a partir da década de 1970, quando se
intensificou a ocupação da região. Data desse período a instalação da
Mineração Rio do Norte, que ocupou parte de suas terras; a criação da
Reserva Biológica do Trombetas, que impediu o acesso aos principais
castanhais; a edificação pela Eletronorte de uma vila para implantação da
57
Devemos ressaltar que os remanescentes de quilombos não foram os únicos a sofrer com os impactos das
políticas regionais, outros povos tradicionais, como a tribo indígena Kaxuyana do rio Cachorro que, removida
pelo projeto hidrelétrico, perdeu a luta contra o interesse capitalista no Trombetas. Este grupo foi isolado mais ao
norte e sem expressar qualquer resistência significativa.
85
hidrelétrica de Cachoeira Porteira, no Rio Trombetas; e ainda o aumento no
número de fazendas e de ocupações de pequenos posseiros (ARQMO,
2005)
58
Os conflitos territoriais contra as corporações nacionais e transnacionais como a
MRN, ALCOA, Grupo Ludwig, XINGU S.A. e ELETRONORTE - foram os principais
elementos da lutas dos quilombolas e, portanto, estão na gênese do processo de mobilização
social. Isto é, o movimento quilombola em Oriximiná emerge do processo de conflito
deflagrado pelas mineradoras e suas políticas territoriais para a região, no qual os quilombolas
são “atingidos”, principalmente, por perdas territoriais e de acesso a recursos naturais.
O costume de reuniões e discussões sobre as formas de gestão de território coletivo e
sobre os problemas vividos pelas comunidades, especificamente, e dos quilombolas, como um
todo na sociedade oriximinaense, não existia. A organização socioterritorial do dia-a-dia era
definida por normas morais intergeracionais, aceitas pela convicção de que corresponde a algo
justo e necessário (ANTAS JR, 2005). Com a ameaça sobre os territórios de uso comum
promovida pelos interesses econômicos de grande porte (mineradoras, hidrelétricas e
preservacionistas), a emergência de algumas ações mobilizadoras e questionamentos, num
processo de tomada de consciência (THOMPSON, 1981) mediado pela Igreja Católica.
A relação entre política e religião foi e ainda é bem estreita na Amazônia. Durante a
repressão política do período militar, os religiosos, especialmente católicos, eram os
principais articuladores, e, atualmente, ainda ocupam uma posição de extrema importância,
principalmente em áreas de fronteira recente. Após o Concílio Vaticano II (1965) e
Conferência Geral dos Episcopados Latino-Americanos em Medellín (1968), a Igreja Católica
assumiu uma posição de centralidade na luta dos pobres no campo na Amazônia, almejando
superar o subdesenvolvimento e a dependência regional (GUTIERREZ, 1971; NEIDE, 1984).
Com a perseguição aos antigos mediadores, partidos e sindicatos, a Igreja se voltou
solitariamente a organizar o povo para uma revolução social, tendo nas Comunidades
Eclesiais de Base - CEBs sua nova forma de atuação e organização socioespacial. As CEBs
são grupos de indivíduos pobres e oprimidos que se encontram periodicamente em áreas
comuns da comunidade (capelas rurais, casas paroquiais, centros comunitários), para refletir,
nutrir e celebrar sobre a e para participar, decidir e agir sobre os problemas mundanos
cotidianos
59
(BETTO, 1991).
58
Extraído do site www.quilombo.org.br em maio de 2008.
59
As missas e os encontros religiosos funcionam como atividades para atrair e agregar os indivíduos. Neste
momento existe o monopólio da palavra do orador (religioso), que aproveita para conscientizar os dominados e
86
A partir das CEBs e por meio da utopia da Teologia da Libertação, difundidas
amplamente na década de 1960 na América Latina, foi possível conduzir o processo de
mobilização e organização social dos grupos oprimidos em Oriximiná frente aos conflitos
deflagrados pelos megaprojetos de desenvolvimento autoritários e excludentes. A Igreja
Católica combinou a evangelização com a educação política, conscientizou o povo alienado
sobre o estado das coisas e a situação de opressão e subordinação vivida, fazendo-os acreditar
que são os sujeitos de seus destinos e da história (SCHERER-WARREN, 1993). Ou seja, o
catolicismo popular da teologia da libertação almejava libertar os ‘pobres’
60
da miséria
espiritual e material, com o intuito de construir uma nova sociedade sem opressores e
oprimidos (BETTO, 1991). Para tanto, incitou a fundação ou a tomada das instituições
sindicais e a organização em associações representativas capazes de lutar pelo direito a
permanência na terra.
Os negros, em 1970 e 1980, quando tiveram suas terras ameaçadas pelos interesses
econômicos-ambientais, não apresentavam uma sólida organização social capaz de resistir às
ameaças. A Igreja católica de Oriximiná, na figura do padre Patrício e posteriormente do
Padre José, foi a única a defendê-los e a impulsioná-los à tomada de consciência sobre a
iminente perda das terras tradicionalmente ocupadas. A partir de então, estimulou-se a
formação de uma instituição representativa que prezasse a manutenção do território e da
cultura negra, e ainda instigaram-se os debates, os questionamentos, as reivindicações e a
resistência contra os projetos ou planejamentos em curso.
Quando os grileiros apareceram no lago Jacaré dizendo-se donos das terras, padre
Patrício foi ao Alto Trombetas com o intuito de aconselhar os negros a não aceitarem
qualquer acordo que pudesse resultar em suas expulsões. Patrício, então, organizou os negros,
montou uma pequena capela e escolheu-lhes um santo padroeiro. Estava deflagrado o conflito
entre distintos projetos, planejamentos e interesse sociais para o espaço geográfico do Vale do
Trombetas.
oprimidos de sua situação, explanando sobre o estado das coisas, os acontecimentos locais e exaltando a
mobilização, ou libertação, através da metáfora cristã. Após os trâmites sagrados, enquanto todos ainda estão
juntos, abre-se a palavra para o debate e para a tomada de decisão política. A distinção entre os dois momentos
nem sempre é tão notória, pois o político e sagrado se confundem a todo tempo, desde que os adeptos da
Teologia da Libertação abandonaram o terreno alienado das declarações líricas e passaram a intervir mais
diretamente nas transformações da estrutura social (GUTIERREZ, 1971).
60
Pobres para a Teologia da Libertação têm um sentido amplo, que abrange elementos materiais e espirituais.
Então, a libertação deve atingir indivíduos oprimidos de maneira econômica, política, jurídica, racial, étnica,
sexual, etária etc.; ou, ainda, indivíduos alienados, com falta de consciência, de coragem e de autodeterminação
(SCHERER-WARREN, 1993).
87
No período de repressão e imposição dos governos militares, eram as redes sociais e
técnicas dos católicos na Amazônia que ecoavam os apelos dos negros contra as práticas
violentas dos órgãos ambientais e contra as expulsões provocadas por grileiros e empresas
capitalistas. A Rádio Rural, coordenada pelo Bispo Dom Floriano de Santarém, funcionou
como a voz dos que não tinham voz (BETTO, 1991), propagando por todo o Baixo Amazonas
os casos de opressão sofridos no Trombetas. Enquanto isso, pela via institucional, a Comissão
Pastoral dos Direitos Humanos Regional Santarém (Comissão Justiça e Paz) denunciava ao
judiciário e à Procuradoria da República as violências, agressões e abusos praticados pela
IBDF/IBAMA e pela Polícia Federal.
Muitas vezes apontada como antiprogressista pelos interessados na exploração
mineral, devido às declarações públicas de seus representantes, questionando o papel e as
ações autoritárias e desiguais da MRN, as atuações dos religiosos em defesa dos negros
chegaram a ser tachadas de subversivas e de tendências comunistas. Em 1986, um movimento
da elite oriximinaense tentou, sem sucesso, expulsá-los da região.
No entanto, no período militar, as redes sociais destes tipos de grupos étnicos na
Amazônia não possibilitavam o exercício do poder de pressão perante a força do Estado
nacional. Isto, conseqüentemente, enfraquecia a força popular nos embates travados no campo
de disputa territorial contra as grandes corporações. As defesas dos movimentos populares
não eram firmes, pois a resistência era desmantelada constantemente pela repressão e
violência da policial do Estado ditatorial, ficando restritas ao âmbito da floresta. Por outro
lado, as grandes corporações, por estarem sustentadas por redes de interesses capitalistas
transnacionais, conseguiam exercer o poder sobre o território, sobre a população e sobre os
recursos (RAFFESTIN, 1993), com total respaldo e apoio das instituições públicas, as quais,
muitas vezes, elas controlam localmente.
3.1.1 A Força do Negro Chegou no Trombetas e no Erepecuru!
Após os subseqüentes atos de repressão e as derrotas amargadas pela ocupação
territorial da MRN e a consolidação da REBIO, que resultaram na expulsão de algumas
famílias de suas terras e na perda de acesso aos recursos naturais, os negros se mobilizaram
com maior veemência contra a futura ameaça que se desenhavam nos anos de 1980 o
88
projeto ALCOA e a hidroelétrica de Cachoeira Porteira. Como diz a música dos quilombolas
de Oriximiná: “olha, a força dos negros chegou no Trombetas e no Erepecuru
61
.
A derrocada do regime militar e a transição para a Nova República provocaram um
processo nacional de generalização de lutas sociais no campo e sua diversificação geográfica
e social assumidas nas várias contradições com o capital (GRZYBOWSKI, 1987). A última
Constituição impulsionou a emergência de diversos movimentos populares em defesa dos
direitos étnico-territoriais. Aceitamos a tese de que o processo social de afirmação étnica dos
remanescentes de quilombos não surgiu a partir da denominação criada juridicamente em
1988. Ele seria um produto histórico das mobilizações, dos embates e das lutas sociais
pretéritas, que impuseram socialmente as denominadas terras de pretos, mocambos, lugar de
preto, dentre outras denominações. Deste modo, o dispositivo constitucional constitui um
resultado no processo de conquistas (ALMEIDA, 2004).
Apoiados pela campanha da fraternidade sobre raça da Conferência Nacional dos
Bispos do Brasil (CNBB) em 1988, as Igrejas, o Centro de Estudos e Defesa dos Negros do
Pará (CEDENPA) e as comunidades rurais negras do Pará, com destaque para os negros do
Trombetas, realizaram o I Encontro Raízes Negras, na comunidade de Pacoval em Alenquer.
No encontro deu-se início ao resgate da cultura negra rural amazônida e intensificou-se a luta
contra a hidrelétrica de Cachoeira Porteira. Posteriormente, o Padre Luís, juntamente com
alguns quilombolas, foram a Brasília apresentar a insatisfação e as possíveis perdas
ambientais e culturais da futura barragem
62
.
Em 1989, no II Encontro, organizado em Oriximiná, na comunidade de Jauari, os
remanescentes, já mais politizados e organizados, juntamente com sua base de apoio,
decidiram fazer do encontro um marco político. Fundou-se ali a ARQMO, como meio de luta
contra a opressão dos negros e pela defesa do território no Trombetas, Cuminã e Erepecuru
(ANTUNES, 2000). Com a institucionalização do movimento, teceram-se novas alianças
nacionais e internacionais contra a hidrelétrica, o IBAMA e na luta pela terra, traçou-se um
novo rumo para o movimento quilombola do Trombetas.
A ARQMO foi o resultado de um racha no Sindicato dos Trabalhadores Rurais de
Oriximiná, cuja divergência se travou na estratégia dos negros, de direcionarem mais as lutas
por titulações coletivas e por políticas específicas para os quilombolas, com enfoque na
reconstrução da cultura negra. Podemos inserir esse processo na teoria dos novos movimentos
61
Refrão da música “Força do Negro”, de Rafael Viana, em Cantos Quilombolas do Vale do Trombetas: Pará.
62
O projeto de Cachoeira Porteira foi deixado de lado em 1992, durante o governo do presidente Fernando
Collor, mas ainda está nos planos da Eletronorte até 2010, não se tratando de um caso acabado.
89
sociais, onde alguns autores apontam para uma mudança do caráter dos movimentos de uma
perspectiva de classe para enfoque étnico-cultural (GONH, 1997; SCHERER-WARREN,
1993; TOURAINE, 1989; 2006). Assim, atores políticos mais holísticos, como os sindicatos,
perdem espaço para novas instituições de defesa de direitos mais específicos, interligadas às
lutas do cotidiano, como as associações de cunho étnico. Neste momento, se abandona o
velho conceito ideológico de classe camponesa e se politizam novas denominações calcadas
no lugar - seringueiro, castanheiro, ribeirinho, quilombolas, etc. (ALMEIDA, 2004, 2007).
Entre as comunidades negras já existia um sentimento de grupo construído no bojo das
resistências coletivas pretéritas e recentes nas terras de pretos. Nas últimas décadas, essa
unidade se potencializou com os conflitos contra as ações autoritárias dos projetos
mineradores, ambientais e hidrelétricos. O respaldo constitucional da definição remanescente
de quilombos e dos direitos à titularização das terras ocupadas, em 1988, fortaleceram ainda
mais a idéia de formação de uma entidade de defesa étnica, separada das lutas sindicais. Os
quilombolas precisavam enrijecer-se enquanto unidade de mobilização, pois eram eles os
grandes ameaçados pelos megaprojetos na região. Deste modo, um afastamento natural do
Sindicato Rural de Oriximiná, que mantém o apoio às lutas quilombolas. O distanciamento se
torna um abismo a partir das novas alianças supralocais tecidas pelos negros nas décadas
seguintes.
Na década de 1990, a ARQMO, com o apoio da ONG Comissão Pró-Índio de o
Paulo - CPI-SP - partiu para ofensiva contra os abusos do órgão ambiental e da Polícia
Federal - PF na REBIO, que perduravam por mais de dez anos. Aproveitando-se das novas
redes sociais e da democratização política, os negros passaram a utilizar as vias institucionais
como meios de lutar. Assim, apresentaram as denúncias junto ao Ministério Público Federal.
Como resposta, abriu-se uma Ação Civil Pública contra a PF e realizou-se uma reunião com
autoridades do IBAMA em Brasília. Pretendendo uma gestão ambiental menos militarizada e
mais humanizada, como propunha a Constituição de 1988 (CUNHA & COELHO, 2003), o
órgão acenou para a retirada da PF, o abrandamento da repressão e a flexibilização das
normas do território.
Organizados numa forte e mobilizada associação, os negros de Oriximiná se
impuseram na sociedade oriximinaense. Promoveram manifestações e passeatas em espaços
públicos, resistindo contra os projetos minerais e energéticos que ameaçavam novamente seus
territórios sagrados. Transformaram a audiência pública da ALCOA, em 1991, num momento
histórico para a luta e resistência dos negros, explicitando o desgaste e o desagrado com as
90
políticas territoriais provenientes da ação da MRN e firmando sua proposta alternativa ao
planejamento territorial.
Hoje, a ARQMO apresenta uma rede social multiescalar e consolidada. O
fortalecimento local foi seguido pela articulação regional e global, que deu maiores poderes
para os quilombolas do Trombetas. Ela é uma das entidades negras rurais mais fortes da
Amazônia, com grande poder de influência na Malungo Associação das Comunidades
Quilombolas do Pará e importante oponente da Comissão Nacional de Articulação das
Comunidades Negras Rurais Quilombolas - CONAQ.
No nível internacional, os quilombolas assessorados pela CPI-SP, em meio aos
conflitos ambientais-territoriais que se seguiram nas décadas de 1980 e 1990, se posicionaram
no sentido de dar maior visibilidade às injustiças sofridas em favorecimento do interesse
capitalista e do crescimento econômico. Com financiamento de entidades internacionais, os
quilombolas, em 1990, em Paris, no Tribunal sobre “Povos da Floresta”, fizeram um apelo
pela titularização das terras e contra os megaprojetos e, em 1992, no Rio de Janeiro,
montaram um estande na Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o
Desenvolvimento
(conhecidas como ECO-92 e RIO-92), tudo articulado pelas redes sociais
de ONGs.
3.1.2 O Artigo 68 e as Vitórias Territoriais dos Quilombolas
A peculiaridade da característica étnica coloca as comunidades quilombolas em um
patamar de status em relação a outros povos tradicionais. Os remanescentes de quilombos,
desde a Constituição de 1988, são contemplados pelo artigo 68, que lhes o direito ao título
das terras que ocupam. Essa diferença social e étnica se materializa em políticas públicas
específicas para os quilombolas e acaba se refletindo nas relações de poder locais e nas redes
de alianças regionais e globais.
A partir dos conflitos vivenciados pelas comunidades do Flexal (MA) e Rio das Rãs
(BA), em 1992, a questão racial no rural toma grande visibilidade nacional. A resposta do
Estado às novas demandas teve início em 1995, com políticas de demarcação em terras
públicas, ou desapropriadas, e outras políticas de desenvolvimento rural (ARRUTI, 2003).
Desde então, os quilombolas vêm tendo destaque nas políticas públicas federais e estaduais,
se comparados a outros povos tradicionais.
A força política do discurso étnico racial engendrado pelo movimento nacional
quilombola na atualidade conquistou uma posição “hegemônica” em alguns organismos
91
oficiais do Brasil. Adquiriu-se um plano político próprio o “Brasil Quilombola” - e uma
coordenação geral para assuntos de regularização de territórios quilombolas dentro da
Diretoria de Ordenamento Fundiário do INCRA
63
- reivindicação antiga do movimento
(AMARAL FILHO, 2006). No plano estadual nos chamam a atenção as atuações dos estados
do Pará e de São Paulo. No Pará, os negros do Trombetas foram um dos maiores beneficiados
pelo programa Raízes e pela demarcação de terras, inclusive em áreas desapropriadas
64
.
No entanto, essas políticas estão longe de contemplar as demandas nacionais e de
transformar significativamente a vida deste grupo étnico no campo, além de serem
regionalmente desiguais. Cada vez mais, novos grupo se auto-definem como quilombolas e se
põem a lutar pela titulação de suas terras tradicionalmente ocupadas. Segundo dados recentes
do LEMTO - UFF
65
, o número de comunidades é superior a 2,5 mil, distribuídas por 24
estados da federação. As novas políticas estatais e a homologação do decreto federal
4887/2003, que instituiu a auto-definição, gerou uma disputa político-institucional em torno
do conceito de remanescente de quilombo e do processo de demarcação no Brasil, levando ao
atraso das titulações nas esferas federais e estaduais
66
. A demora na regularização tende a
causar o acirramento dos conflitos envolvendo a disputa pelas terras de pretos. Muitas
comunidades vivenciam situações de tensões e conflitos com os ocupantes ilegais em suas
áreas – posseiros, proprietários de terras, agentes capitalistas e unidades de conservação
(ANDRADE & TRECCANI, 2000).
63
Na esfera federal, as políticas para os quilombolas estão, desde o primeiro mandato do governo do presidente
Luís Inácio “Lula” da Silva (2002-2005), sendo elaboradas e implementadas por uma subsecretaria de Políticas
para Comunidades Tradicionais, vinculada à Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial
(SEPPIR). Desta secretaria, com a colaboração de outros ministérios, surgiu a política pública “Brasil
Quilombola”, específica para atender esse grupo étnico.
64
No estado do Pará existe o programa Raízes, que fornece aos remanescentes um tratamento preferencial e
exclusivo, no que se refere aos seus direitos (como consta no site de programa: www.programaraizes.com). O
Raízes atua, desde 2000, na titulação de terras, na educação, na capacitação, no apoio a projetos produtivos, na
cultura e na infra-estrutura das comunidades quilombolas e indígenas no Pará, em parceria com órgãos
governamentais e não-governamentais. Em 1997, o governo do Estado do Pará foi pioneiro na titulação de
território quilombola, quando, por meio do seu instituto de terras ITERPA, regularizou o território Trombetas,
em Oriximiná. O governo estadual também foi o primeiro a proceder a uma desapropriação para garantir a
propriedade de uma comunidade quilombola, em 2002, quando promulgou os decretos 5.273 e 5.382, declarando
de utilidade pública, para fins de desapropriação, imóveis rurais situados nas terras quilombolas Alto Trombetas
(em Oriximiná) e Itacoã Miri (em Acará), de forma a poder titular tais áreas em nome dos quilombolas
(ARRUTI, 2003).
65
Laboratório de Estudos de Movimentos Sociais e Territorialidades coordenado pelo Professor Dr. Carlos
Walter Porto Gonçalves.
66
Entre 1997 e 2003, o Instituto de Terras do Pa (ITERPA) regularizou 410.275,11 hectares de terra, o
equivalente a 78% da dimensão total de terras quilombolas tituladas no Pará. No entanto, o governo do Pará não
manteve o ritmo das titulações. Nenhuma terra de quilombo foi titulada entre 2004 e setembro de 2005. Em
novembro de 2005, pelo menos quarenta comunidades aguardavam pela conclusão de processos em curso no
ITERPA.
92
Tabela 2: Áreas Quilombolas e Assentamentos Rurais nos Entornos Minerais
Território Rural Município
Número
de
Famílias
Extensão
(ha)
Situação Fundiária
Território Quilombola
Boa Vista
Oriximiná 112 1.125, 0341
Titulado pelo INCRA, em 1995. Área
restrita, entre o Projeto da MRN e a
Flona Saracá-Taquera
Território Quilombola
Água Fria
Oriximiná 15 557,1355 Titulado pelo INCRA, em 1996.
Território Quilombola
Trombetas
Oriximiná 138 80.887, 0941
Titulado pelo INCRA e ITERPA, em
1997
Território Quilombola
Erepecuru
Oriximiná 154 218.044,2577
Titulado pelo INCRA, em 1998, e pelo
ITERPA, em 2000; Sobreposto pela
Estação Ecológica do Grão-Pará, em
2006.
Território Quilombola
Alto Trombetas
Oriximiná 182 61.211,96
Titulado pelo ITERPA, em 2003;
Sobreposta pela Flota Faro, em 2006.
Assentamento
ACOMTAGS
Oriximiná 1.430 25.000
Demarcado pelo INCRA, em 2007, mas
está sendo contestado pelo MPF.
Assentamento Juruti
Velho
Juruti 1.998 109.551
Demarcado, em 2006, mas encontra-se
em litígio com os proprietários da Vila
Amazônia e possui áreas de interesse
mineral.
Assentamento Nova
Esperança
Juruti 90 3.574 Demarcado pelo INCRA.
Assentamento Socó I Juruti 400 35.946
Área demarcada pelo INCRA em 1997;
a ferrovia da ALCOA atravessa os
limites do assentamento.
Fonte: ARQMO, ITERPA e INCRA.
Em Oriximiná, as comunidades remanescentes vêm sendo assistidas por diferentes
políticas públicas de cunho étnico. O município se tornou um caso excepcional na conjuntura
atual das políticas públicas étnico-raciais no território nacional. Além de ter sido o primeiro
município a receber uma titulação quilombola em 1995, a comunidade de Boa Vista, hoje
com cinco territórios quilombolas titulados, detém a maior dimensão territorial titulada do
país, com 361.825,48 ha, o que representa mais de 68% das áreas tituladas no Pará e mais de
40% das áreas tituladas no Brasil. Ou seja, os quilombolas do Trombetas e Erepecuru são o
maior aglomerado quilombola titulado, assim como o maior número de famílias contempladas
pela política de territórios quilombolas no Brasil, totalizando 601 famílias
67
.
67
Os dados acima apresentados foram retrabalhados das informações contidas no monitoramento das
comunidades quilombolas no Brasil, desenvolvido e disponibilizado pela Comissão Pró-Índio, São Paulo, de
93
O ITERPA demarcou a maior parte das terras da região e ainda promove outras
políticas pelo programa Raízes. O governo federal atuou de forma mais tímida na titulação.
No entanto, outras políticas estão sendo implementadas, como Bolsa Família, Fome Zero,
auxílio habitação, financiamentos do Pronera e projetos de assistência agrícola e
equipamentos, a maioria via INCRA (ARRUTI, 2003).
A magnitude dos dados sobre as conquistas dos quilombolas de Oriximiná surpreende
qualquer um, e suscita algumas questões sobre a relação das conquistas negras rurais, a
efetiva presença estatal e a mega-atividade mineral. Por que, exatamente, se titulou a primeira
terra no Pará, especificamente em Oriximiná, enquanto o movimento negro maranhense
detinha um debate muito mais amadurecido e instituições mais consolidadas? E por que Boa
Vista, uma pequena comunidade a menos de 1km do portão de Porto Trombetas, cujo
território encontrava-se sobreposto à Floresta Nacional Saracá-Taquera? Seria uma singela
coincidência a presença de grandes transnacionais, um forte movimento social e a atuação
freqüente do Estado na forma de políticas de titulação de territórios quilombolas e
assentamentos rurais, acrescidas de recursos financeiros, discrepando-se do restante do
território nacional e, principalmente, das políticas rurais na Amazônia?
A tese aqui defendida é que a presença da grande empresa mineradora, associada à
importância do volume financeiro mobilizado por ela, cria uma situação de centralidade que
acaba por impulsionar as políticas públicas - não-divergentes aos interesses do capital
minerador - e a formação ou consolidação de fortes movimentos sociais combativos. Esta
centralidade oferece aos movimentos sociais em área de mineração outra visibilidade,
adquirindo uma nova importância regional, que lhes permite propagar suas insatisfações, tecer
redes de alianças em múltiplas escalas, fortalecer a luta e, assim, conquistar significativas
vitórias – vide o caso do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra e dos Indígenas em
Carajás, ou dos quilombolas em Oriximiná (COELHO et al, 2000, 2006, 2007).
Nesta perspectiva, Coelho (2007) salienta que a emergência de territórios de
assentados, quilombolas e indígenas na Amazônia Oriental não pode ser entendida como uma
simples estratégia da empresa mineradora ou do poder público, com o intuito de controlar o
acesso aos recursos naturais e a dinâmica populacional, nem apenas como o reflexo da força
agosto de 2006, no site www.cpisp.org.br/terras/. Segundo este levantamento, alguns resultados nos serviram de
base: o total de áreas tituladas nacionalmente foi de 889.755,3247 ha., o total do estado do Pará foi, de
527.139,30 ha., o segundo aglomerado quilombola com maior número de famílias quilombolas atendidas pela
titulação foi o grupo Kalunga de Goiás, com seiscentos componentes e com o maior território quilombola
titulado - 253.191,72 ha, divididos em três municípios (Cavalcante, Teresina de Goiás e Monte Alegre de Goiás).
94
dos movimentos sociais e seus apoiadores. São, portanto, processos sociais não-planejados,
que entrelaçam os diferentes atores e interesses presentes no espaço geográfico da área de
mineração. Sendo ao mesmo tempo uma forma de a empresa assegurar o controle sobre o
entorno mineral e uma consolidação dos direitos à terra reivindicados pelas comunidades
rurais.
Os títulos da terra expressam a vitória da luta quilombola travada desde 1980 em
Oriximiná. A partir deste momento, na escala local, são os negros que controlam os lagos,
matas e rios. O IBAMA ainda regula algumas práticas, mas respeita os novos territórios,
passando a atuar como parceiro e não como algoz. Acabaram-se os temores de serem expulsos
ou removidos a qualquer momento e de promoverem suas práticas tradicionais com e sobre a
natureza. O roçado, por exemplo, pode ser feito em qualquer vegetação, mas ainda
respeitando um limite de 5ha de desmatamento anual.
O “retorno do território de forma alguma significa que voltaram às velhas formas
espaciais. Os métodos demarcatórios dos institutos de terras subdimensionam o território
como um todo, não incorporando áreas de uso, crença e de residência. Se assim fosse, parte da
REBIO deveria ser agregada aos territórios dos remanescentes, pois representam as principais
áreas de extrativismo. Mas, diferentemente das primeiras demarcações - Boa Vista e Água
Fria, onde as áreas tituladas eram muito inferiores às tradicionalmente ocupadas, os recentes
territórios abarcam áreas mais amplas, aproximando-se das dimensões historicamente
construídas.
Em termos socioespaciais, os “quilombos modernos” são fragmentados. O mesmo
grupo remanescente, que construiu, histórica e coletivamente, os territórios no Vale do
Trombetas, se separou em distintas associações, representações, regras e territórios. Ou seja, a
nova organização espacial imposta pelos órgãos públicos influencia para uma nova
organização social que ameaça a unidade territorial passada, mesmo se mantendo os laços
familiares e de solidariedade socioterritoriais. No entanto, saberemos o resultado deste
novo ordenamento após algumas gerações.
As restrições e repressões do órgão ambiental nas UCs e nas áreas de amortecimento
foram ficando mais brandas e amigáveis, seguindo os novos moldes de gestão de florestas
pública. Em 1997, o IBAMA trocou a proibição da prática de roçado
68
pela liberação,
68
A prática de roçado dos agricultores amazônicos em sua maioria é caracterizada pelo sistema de rotação de
terras, no qual o agricultor desmata uma área onde planta por aproximadamente dois anos, em seguida ele migra
o cultivo para outra área recém-desmatada no interior da floresta, migrando novamente após dois anos e
retornando ao local inicial após dez anos. Esse sistema é necessário devido à rápida perda de fertilidade do solo e
ao aumento de pragas neste modelo agrícola de baixo nível tecnológico. Existem estudos que demonstram que
95
mediante a autorização e definição prévia do tamanho. No entanto, as queimadas para roçado
ficaram restritas às áreas de capoeira, impossibilitando o bom aproveitamento do solo
adquirido pelo sistema de rotação.
Somente no princípio do século XXI, o IBAMA apontou para a solução dos conflitos,
a partir da inclusão dos povos tradicionais, em alternativa ao modelo repressivo, fiscalizador e
excludente. Segundo representantes da ARQMO, a relação com o IBAMA melhorou,
cessando-se a repressão contra os negros. De fato, uma melhoria nas práticas cotidianas
entre esses dois atores sociais, mas as comunidades do interior das áreas de preservação ainda
reclamam da forma como são tratadas, além de temerem os atos de repressão e violência
sobre seus costumes e práticas tradicionais.
O órgão iniciou na FLONA projetos para ensinar técnicas de sistemas
agroecológicas/agroflorestais, que não utilizam queimas - principal ponto de discórdia -, e
para a formação de agentes ambientais nas comunidades, para auxiliar no uso dos recursos
naturais. As propostas visam aproximar os dois pólos, procurando conciliar os interesses e
direitos preservacionistas e étnicos. Neste processo político, após tentar, durante décadas,
coibir a coleta da castanha na REBIO, o IBAMA, finalmente, reconheceu o direito dos povos
tradicionais à atividade. Para tanto, travou um acordo aplicando uma regulação especial no
período de coleta. O acordo estava pautado nos pressupostos legais do SNUC, que permite a
continuidade das práticas de subsistência tradicional, até que se indenizem os recursos
perdidos ou se removam os indivíduos residentes em reservas
69
.
Junto às organizações de sociedade civil municipais, o órgão estipulou uma série de
normas para regular a extração da semente (proibiram a entrada de armas de fogo e animais
domésticos, definiram um período fixo para coleta, um cadastramento de coletores e a
prestação de contas na entrada e na saída) e delegou aos sindicatos e associações o papel de
fiscalizador e credenciador dos castanheiros. Os indivíduos que descumprirem as regras serão
presos e multados, conforme a lei. Busca-se, então, por meio da negociação coercitiva,
impedir os impactos provocados pelo extrativismo castanheiro
70
.
Os acordos que se deram entre as partes permitem o uso dos recursos naturais e assim
a prática de caças, pescas, extrativismos para o autoconsumo. No entanto, torna se difícil
definir os limites para o consumo familiar e o que seria destinado ao mercado. Nos postos de
em muitos biomas essas práticas agrícolas representam um baixo impacto ambiental, pois em menos de dez anos
se tem uma regeneração espontânea satisfatória.
69
Artigo 5º, parágrafo X, e Artigo 42, parágrafo 2º, do SNUC.
70
Sobre o impacto das atividades tradicionais agroextrativistas na diversidade da fauna e da flora, ler os
trabalhos do biólogo Peres et al, 2003; Peres & Barlow, 2004.
96
fiscalização, os negros e outros moradores ainda passam por minuciosas e constrangedoras
revistas, sendo sempre colocados em situação de criminosos em potencial. Os fiscais e
policiais procuram animais proibidos para caça e consumo, mas que, outrora, serviam de
alimento, como o jacaré e o tracajá. Muitas práticas necessárias à sobrevivência continuam
proibidas e reprimidas, como o corte de madeira para lenha, a coleta de palha para o telhado
das casas, ou a captura de algumas espécies protegidas.
Em 2005, a ARQMO e a CPI-SP propuseram um acordo ao IBAMA relacionado à
Reserva Biológica. A proposta pretendia avançar na solução dos conflitos de uso dos recursos
naturais, até que se solucionasse a regularização das terras quilombolas sobrepostas à UC.
Portanto, a entidade reafirmava o direito quilombola e o controle sobre o território, em
detrimento da UC, sem deslegitimar o poder do órgão
71
.
A flexibilização das normas legais para as práticas do cotidiano e de subsistência dos
grupos tradicionais de Oriximiná faz parte de um duplo movimento. O IBAMA abandonou a
postura repressiva e autoritária, resquício do Estado ditatorial, e assumiu uma posição de
negociador (CUNHA & COELHO, 2003); por outro lado, os movimentos populares e suas
redes de alianças políticas ecoaram seus apelos por direitos tradicionais ao território, incitando
as mudanças. A mesa de negociação está montada, mas o espaço de gestão não deixou de ser
um campo de conflito e disputas.
3.2 NEGOCIAÇÕES E REIVINDICAÇÕES NO LAGO SAPUCUÁ
O lago Sapucuá engloba mais de 16 comunidades, cujo vínculo de parentesco as une
fortemente, como em outras áreas da região. O processo de ocupação do lago tem mais de
duzentos anos, com a mistura de índios, negros e brancos, como registrou o primeiro bispo de
Santarém, Dom Frederico, no início do século XX. A expansão da ocupação do lago se deu
71
No acordo se define a legalização do extrativismo da castanha, assim como a utilização do ouriço para
artesanato, por meio de normas decididas entre as partes. A comercialização só pode ocorrer por meio de sistema
comunitário coordenado pela ARQMO, isto é, cria-se um controle de mercado, que proíbe o castanheiro de
negociar com regatões. Suprime-se a possibilidade de geração de renda por outros produtos naturais com valor
de mercado, que poderão ser explorados para consumo próprio ou da comunidade. A pesca e a caça artesanal
estariam liberadas para alimentação. A criação de animais e a agricultura poderiam ser desenvolvidas em
pequeno porte, e a abertura de novas áreas aconteceria com autorização do órgão. Estaria proibido o corte e a
caça de espécies em extinção. A circulação dos indivíduos e as visitas às comunidades estariam liberadas. O
IBAMA deverá incentivar e apoiar projetos de educação e saúde. A REBIO seria gerida por um comitê (um
representante do IBAMA, dois da ARQMO e três das comunidades) que terá poder decisório em caso de quebra
do acordo por algum morador, aprovação de novos moradores e autorização para pesquisa, filmagem ou coleta
de material genético.
97
pelo crescimento das famílias que fundavam novos sítios na beira do lago e igarapés e pela
ocupação de novos migrantes, alguns, possivelmente, ex-soldados da borracha. No lago, as
comunidades não são fechadas em características étnicas, como as comunidades quilombolas,
onde dificilmente alguém de fora consegue ingressar. Ou seja, estão abertas à entrada de
novos integrantes, razão por que existem moradores migrantes das últimas décadas do século
XX, mas a grande parte da população é de ribeirinhos/caboclos descendentes de migrantes
nordestinos de terceira e quarta geração.
Somente em 1998, surgiram as primeiras associações no Sapucuá, a partir do trabalho
político conduzido pelo Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Oriximiná, aliado à pressão do
IBAMA, que pretendia organizar os indivíduos nas áreas de amortecimento da FLONA e nas
proximidades das futuras áreas de lavra da MRN. Até então, as famílias do Sapucuá
promoviam suas atividades agroextrativistas e de pequena pecuária sem qualquer problema ou
regulação no território. No lago, a migração sazonal várzea - terra firme assume importância
primordial no modo de vida do ribeirinho. A terra firme é o ambiente da roça em tempos de
cheia, onde se plantam os principais produtos agrícolas (especialmente a mandioca); e a
várzea, o ambiente de trabalho no período de seca que funciona como pasto natural e um solo
fluvialmente enriquecido para alguns tipos de lavoura - por exemplo, a juta (STERNBERG,
1956).
As conquistas territoriais da ARQMO demonstraram aos outros grupos tradicionais de
Oriximiná a importância da mobilização social e, especialmente, a relevância de uma
associação representativa para a consolidação dos direitos sociais e territoriais. As
experiências de luta e as conquistas territoriais quilombolas tornaram-se referências em
relação à possibilidade e importância de se travarem lutas pelos títulos coletivos da terra, e
não por restritas demarcações individuais.
Em 2001, a MRN iniciou seu projeto de expansão da planta industrial para exploração
do platô Almeida e Aviso, localizados ao sul de Porto Trombetas. Era a primeira vez que a
empresa saía do seu eixo inicial de exploração, o rio Trombetas, e se deslocava para os platôs
voltados para o sul, e cujos cursos d’água drenam diretamente para o lago Sapucuá.
98
A Igreja e o STRO
72
promoveram algumas discussões nas comunidades que seriam
atingidas, especialmente a Boa Nova, situada nas proximidades e com uso freqüente do platô
Almeida. O discurso empenhado pelo STRO e pela Igreja defendia a não-privatização dos
territórios de uso vital para a subsistência das comunidades ribeirinhas. O STRO tentou ainda
propor um acordo pela demarcação e titulação das terras, acrescido da elaboração de um
projeto de desenvolvimento rural financiado com 2% da receita oriunda da extração do platô
Almeida.
Os moradores da Sapucuá encontravam-se totalmente excluídos das ações do poder
público: não possuíam títulos das terras e, assim, não detinham qualquer direito jurídico
concreto sobre elas, além de estarem precariamente incluídos ou totalmente excluídos do
acesso às políticas públicas para a agricultura. As sociedades dos caboclos sempre estiveram
excluídas da sociedade amazônica. Diferentemente de outros povos da floresta, cujas
identidades estão de alguma forma mais bem definidas, os caboclos ribeirinhos, por sua
heterogeneidade de modos de vidas e de origens culturais, não assumiram uma identidade
coletiva própria. Neste sentido, as sociedades caboclas seriam consideradas os “restos”, isto é,
os não-quilombolas, não-indígenas, não-seringueiros, não-quebradeiras de coco, não-etc. O
próprio termo caboclo é enunciado pelos outros (os exteriores) de forma pejorativa e não com
o sentido de identidade social coletivamente construída.
Por isso, como indagaram Adams, Murrieta & Neves (2006), as sociedades caboclas
(no plural) são sociedades de indivíduos invisíveis ao poder público, que estão à margem do
desenvolvimento econômico tecnocrata do capital e não se adéquam ao perfil dos povos
tradicionais históricos, que gozam de direitos étnicos e culturais, como os indígenas e
quilombolas. Segundo Almeida (2004), estes povos começaram a se organizar lentamente, na
década de 1990, e, apesar de ainda incipiente na atualidade, compõem movimentos sociais
sustentados em referências geográficas (vide o caso do Movimento dos Ribeirinhos da
Amazônia).
3.2.1 Sindicato dos Trabalhadores Rurais: o Principal Opositor da MRN
72
O STR de Oriximiná foi fundado na década de 1970, atrelado aos interesses assistencialistas das famílias
tradicionais grandes proprietárias de terra e à estrutura administrativa municipal. Em meados dos anos oitenta
(1980), formou-se a Oposição Sindical dos Trabalhadores Rurais de Oriximiná, com o incentivo político e
financeiro da Igreja Católica, em resposta ao antigo controle patronal, processo que ocorreu em outras áreas da
Amazônia, conforme relatou Almeida (1993). Após um ano de embate, os trabalhadores e pequenos proprietários
assumiram o controle da entidade, que, atualmente, detém a maior representatividade no meio rural - com
filiados em todas as comunidades. A Igreja não tem mais a mesma influência na entidade, mas ainda é um aliado
primordial nas lutas travadas, em especial contra mineradoras.
99
No Sapucuá, as divergências de interesses e os impactos não se transformaram em
conflitos declarados entre os atingidos e a corporação mineradora. As comunidades não se
encontravam num nível de mobilização e conscientização que os levasse a defender uma
proposta própria ou a proposta do Sindicato. De fato, não houve a formação de um
movimento constituído por indivíduos atingidos do lago Sapucuá. O que existiu foi um
sindicato dos trabalhadores rurais “combativo”, colocando-se como instituição legítima de
reivindicação dos caboclos atingidos e pondo-se a lutar por uma resolução mais justa dos
impasses, em alguns momentos até desconectados das vontades dos atingidos.
No panorama atual, onde as questões locais se destacam em relação às universais,
Almeida (2004; 1993), Scheren-Warren (1993), Gohn (1997), dentre outros autores, vêm
apontando para um enfraquecimento dos velhos articuladores políticos (sindicatos, partidos
políticos e igrejas), frente à expansão dos discursos étnicos e das participações mais ativas das
ONGs nacionais e internacionais. Os velhos organismos e identidades de classe sociais então
perdendo força e ficando à margem das lutas sociais. O próprio termo camponês, ou
trabalhador rural, está sendo abandonado por autodenominações de uso local, agora
politizadas juntamente com as práticas rotineiras e o uso dos recursos naturais.
Teoricamente, tudo indicaria que, nos casos analisados, os sindicatos rurais estivessem
ausentes dos conflitos em área de mineração, limitando-se às atribuições burocráticas do
poder público (disponibilizar o acesso a benefícios como aposentadorias, créditos, assistências
técnicas, etc.). Contudo, não foi o que observamos no caso do Sapucuá, onde o sindicato rural
se colocou como principal defensor e articulador de um grupo cuja identidade não está bem
definida: os caboclos ribeirinhos. Pode ser que esta seja uma exceção possibilitada pela
formas de atuação e pelo nível de consciência dos lideres sindicais em Oriximiná, que,
tanto no caso quilombola como em Juruti, os sindicatos exercem um papel secundário,
perdendo forças para organizações étnicas, de base e ONGs.
Durante a audiência pública, em 2002, sobre a expansão do platô Almeida na sede do
município, o STRO organizou uma manifestação que, dentre outras coisas, questionava os
riscos presentes na exploração mineral (devastação das matas e perigos para os cursos
d’água); clamava por mitigações e compensações pelas perdas socioambientais; delatava a
ausência da participação do Ministério Público; a deslegitimidade do conselho diretor da
FLONA; e, por fim, indagava sobre o futuro da região e dos povos da floresta
73
.
73
Na audiência pública havia uma faixa com a frase: “Platô Almeida: royalties hoje, lágrimas aman”.
100
É recorrente, nos embates públicos sobre os conflitos em áreas de mineração, que as
empresas sejam colocadas como forasteiras, como out-siders (ELIAS & SCOTSON, 2000)
pelos grupos que desejam defender seus direitos territoriais. Assim fizeram os quilombolas,
na década de 1990, na audiência pública da ALCOA, ato repetido pelos atingidos no Sapucuá
e em Juruti. Os atingidos questionam o direito ao desmatamento da mineração, que inviabiliza
seus modos de vida agroextrativistas, e exigem justiça social e ambiental.
Por falta de coerção social, a idéia de atingido ficou restrita à comunidade de Boa
Nova, não incluindo todas as comunidades do lago Sapucuá. Aquela comunidade acabou
sucumbindo às ofertas da MRN e do Estado. Deste acordo surgiram algumas medidas
compensatórias, como a construção de barracão na comunidade, a instalação de
microcisternas de água, a contratação de alguns moradores, a compra de sementes nativas dos
coletores locais, a compra da produção agrícola e a implantação de alguns programas sociais
da empresa ou em parceria com a prefeitura, voltados para a geração de renda.
A compra de sementes das comunidades locais pela MRN tornou-se um bom negócio
para a empresa, que precisava fazer estoque de sementes nativas para seu programa de
reflorestamento. Assim, aproveita-se da compra de sementes a valores relativamente baixos,
para promover, ao mesmo tempo, uma compensação financeira e uma propaganda de empresa
“cidadã”. A negociação do fornecimento de sementes com as comunidades locais não se
fazem de forma aleatória. O fornecimento se restringe às comunidades consideradas atingidas
pelo empreendimento no Trombetas ou no Sapucuá. Alguns autores chamariam essa prática
de etnobiopirataria, isto é, quando se utiliza ou se favorece do conhecimento tradicional sobre
a biodiversidade, sem pagar pelo know-how adquirido sócio-historicamente pelos povos
tradicionais (GONÇALVES, 2006).
Atualmente, após os acordos firmados na audiência pública sobre a exploração dos
platôs Almeida e Aviso, no lago Sapucuá, somente a comunidade Boa Nova poderia vender
sementes, mesmo assim em quantidades a serem definidas pela empresa, exclusividade
ocorrida em virtude dos acordos de compensação financeira pelas perdas econômicas oriundas
da derrubada dos castanhais naqueles platôs (até o fim da vida útil da reserva de bauxita
aproximadamente cinqüenta anos). A comunidade ainda cobra pela realização das promessas,
como o projeto de manejo agroflorestal junto à EMBRAPA e outros programas da própria
empresa, que nunca foram implementados ou ficaram pela metade.
Visando controlar a exaltação dos ânimos estimulada pelo STR no Sapucuá, em 2003,
a mineradora procurou atender o principal anseio dos atingidos: a regularização das terras.
101
Para tanto, a MRN se comprometeu a arcar com os custos da demarcação e conseguiu trazer o
ITERPA e o INCRA à região, para cadastrar as famílias. Neste cadastramento, com assessoria
do Sindicato aos técnicos dos órgãos, confirmou-se o interesse da grande maioria da
população em titular coletivamente as terras.
3.2.2 Grandes Associações Territoriais no Entorno Mineral: Em defesa do título coletivo
da terra
Frente a essa demanda pela titulação coletiva e seguindo o exemplo da ARQMO no
município, o STRO organizou as comunidades, no intuito de criar a ACOMTAGS. Esta
associação representa a articulação das comunidades do Sapucuá, com o objetivo de
consolidar um território único. Isto é, a ACOMTAGS representa, neste primeiro momento,
apenas um pré-requisito para a titulação coletiva da terra, não se tratando de um movimento
político contra a exploração mineral ou pela reforma agrária.
A atuação ativa do STRO, as referências vitoriosas da ARQMO e o incentivo do
IBAMA, do INCRA, ou até mesmo da MRN, provocaram, no entorno da mineração em
Oriximiná, um processo de institucionalização das comunidades rurais pela consolidação de
grandes associações territoriais nos últimos vinte anos. Assim, podemos constatar a passagem
de uma forma de organização socioespacial assentada em cada comunidade rural (divisão por
povoado) para uma organização de conjuntos de comunidades definidas por agregações
étnicas, de familiaridade ou por referencial espaciais comuns (os lagos, por exemplo), que
redefinem os novos limites territoriais dos povos tradicionais amazônicos.
No entorno mineral de Oriximiná, contabilizam-se mais de seis associações, dentre
quilombolas à ARQMO e AMORCREQ CPT; e associações dos caboclos ribeirinhos: a
ACOMTAGS, ACOMCUT Associação das Comunidades do Médio Curso do Trombetas,
ACOMEC Associação das Comunidades da Área Erepecuru e Cuminá e ACPLASA
Associação das Comunidades de Pescadores Rurais do Lago Sapucuá, dentre outras de menor
expressão regional.
O modo de organização socioespacial passado foi definido pela ação da Igreja
Católica, desde a década de 1970, com a formação de Comunidades Eclesiais de Base.
Atualmente, a formação das novas organizações populares é incentivada por sindicatos,
ONGs, igrejas e outras instituições que defendem a apropriação coletiva da terra e estimulam
as lutas sociais locais. Podemos apontar ainda as políticas do governo federal para o campo na
102
Amazônia, desde 2003, que, através do INCRA, incentivam a formação de associações
representativas para titulação de assentamentos coletiva, em substituição às políticas clássicas
de assentamento em lotes individuais.
Durante o governo do Presidente Luís Inácio Lula da Silva o processo de titulação
coletiva passou a ser mais fácil e rápido que os individuais na Amazônia. A medida pretende
diminuir a vulnerabilidade do agricultor assentado frente à pressão especulativa sobre os lotes
de reforma agrária na área de fronteira agrícola, que pode resultar na conseqüente venda da
terra pelos beneficiários, no aumento da concentração de terras e, conseqüentemente, no
fracasso das políticas agrárias. Além do mais, sindicatos, políticos e instituições locais
passaram a defender a titulação coletiva e a formação de grandes organizações comunitárias
que contribuem para o fortalecimento das ações coletivas, das relações comunitárias, da
representatividade e das práticas de uso coletivo do território, possibilitando um melhor
desenvolvimento dos assentamentos de reforma agrária.
O INCRA é um órgão considerado aliado da luta dos grupos atingidos por mineração.
Seu papel de implementador de políticas públicas agrárias, e não de regulador, torna-o um
parceiro em potencial. A aproximação com este órgão representa o sucesso da luta pela terra,
a proximidade da consolidação do título da terra, a perspectiva de resolução dos conflitos e o
afastamento das cobiças sobre o território tradicional pela materialização do poder dos povos
tradicionais. Após as titulações das terras, é via INCRA que os beneficiários da reforma
agrária podem acessar financiamentos para habitação, produção e equipamentos. Nos
assentamentos rurais e áreas quilombolas em áreas de mineração, podem-se constatar
relevantes investimentos em políticas de desenvolvimento agrário, que chegam a destoar da
ação estatal em outras áreas da Amazônia.
O estímulo à organização social não parte, única e exclusivamente, da necessidade de
mobilização para transformação da relação desigual de poder. Os adversários no conflito
também buscam definir quem são seus oponentes, com que se deve negociar, quem são os
representantes legítimos, etc. O conflito contra um ator difuso dificulta as formas de resolução
dos problemas (SIMMEL, 1964; 1983). Por isso, um estímulo crescente das mineradoras e
dos órgãos públicos pela formação de novas instituições representativas comunitárias ou
supracomunitárias nas áreas de mineração.
Após quatro anos de incertezas e completo desaparecimento dos órgãos de
regularização fundiária no Lago Sapucuá, em 2007, saiu, pelo INCRA, a demarcação de
25.000ha de terras em nome da ACOMTAGS, beneficiando mais de 1.400 pessoas em 28
103
comunidades entre o Sapucuá, Baixo Trombetas e Maria Pixi. Porém, esta área está repleta de
outros grandes interesses. Encontra-se dentro e na zona de amortecimento da FLONA e abriga
fazendas de pecuária de influentes políticos da região.
As disputas pela terra foram judicializadas pelos interesses ambientais e oligárquicos
da região, sendo o projeto de assentamento embargado pelo MPF, por suspeitas de
irregularidades no trâmite de legalização. O Inquérito Civil Público considerou, assim como
em outros casos na Amazônia, que não se tratava de beneficiários da reforma agrária, mas,
sim, de uma estratégia para beneficiar madeireiros. O STRO e a ACOMTAGS, com
assessoria da MRN, interpelaram a decisão e estão se articulando para legalizar a demarcação
do projeto de assentamento. Observa-se que a mineradora está totalmente inclinada a
consolidar o assentamento rural em seu entorno, o que significa não a satisfação dos
anseios das comunidades atingidas, mas, também, uma forma de fortalecer a proteção em seu
entorno mineral.
Com a criação do assentamento, as famílias que vivem nesta área terão direito,
inicialmente, ao recebimento de créditos para a compra de material de construção e de
insumos produtivos, a assessoria técnica e a outros incentivos à produção, como o Programa
Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar - PRONAF. Muitos destes programas, até
o momento, estavam inviabilizados pela não-detenção do título oficial da terra. Além disso, a
empresa poderá colocar em prática, sem as barreiras da legislação ambiental, seus programas
sociais, aumentando o nível de dependência das comunidades para com ela, e, assim, seu
controle sobre o território e a população.
Todavia, a proposta do INCRA vai de encontro aos anseios das comunidades do lago e
suas entidades representativas, tento em vista que se limitam à titulação na área de
amortecimento da Floresta Nacional. Esse novo território seria insuficiente para o tipo de uso
dos grupos beneficiados, pois os limites são muito inferiores aos territórios tradicionalmente
ocupados, que incluem historicamente parte da FLONA. Pela proposta do INCRA não há
mudança nos limites da FLONA, o que acaba excluindo as comunidades localizadas no
interior desta e as áreas de uso comum destinadas à agricultura e ao extrativismo.
No que se refere às comunidades ribeirinhas de agropecuaristas (caboclos), apenas três
estão localizadas no interior da FLONA, e nenhuma está presente na REBIO (ver quadro 1).
Porém, boa parte das áreas de extrativismo e algumas áreas de roça estão no interior das UCs.
Os limites que circunscrevem as UCs passaram a separar quem está dentro e quem está fora,
separando então, quem tem ou não o direito de uso das áreas florestais. Foram excluídos os
104
migrantes pendulares, que se deslocavam periodicamente, para promover caça, pesca e
extrativismo em localidades mais densas em recursos - especialmente na REBIO. O STRO
chegou a confrontar o IBAMA sobre a legitimidade dos castanheiros residentes fora da
Reserva para explorar lá, alegando que se tratava de uma atividade tradicional centenária,
anterior à UC e que representa uma fundamental forma de sustento das famílias do campo.
Uma das principais lutas do Sindicato pela terra, nas últimas décadas, foi reivindicar
uma fatia de aproximadamente 10% da Floresta Nacional, mais as áreas da zona de
amortecimento para titulação coletiva das comunidades caboclas às margens do rio Trombetas
e lago Sapucuá. Segundo a moção impetrada pelo STRO, ARQMO, ACPLASA e outras
instituições de Oriximiná, a FLONA, criada nos últimos quatro dias do mandato do então
presidente José Sarney, foi: um ato antidemocrático recheado de autoritarismo e
arbitrariedade - ainda sob o pensamento militar do regime ditatorial -, afastado da
realidade, politicamente incorreto; socialmente excludente; economicamente, privilegiando a
Mineração Rio do Norte”. A FLONA é duramente criticada, em sua função preservacionista,
por hospedar a atividade mineradora, que, segundo acusam, afetará cerca de 32,58% da
Floresta Nacional, e por despossuir os povos tradicionais centenários dos seus direitos à terra
e aos recursos naturais.
A proposta do STRO é pouco provável de se concretizar, posto que nem o IBAMA
nem o Ministério do Meio Ambiente se mostram interessados. Entretanto, o Sindicato
continua acreditando na possibilidade de flexibilização dos limites ou, por exemplo, de
transformar a FLONA em Reserva de Desenvolvimento Sustentável RDS. Enquanto a
primeira se limita a permitir a permanência das populações tradicionais, a RDS é diretamente
voltada aos grupos que aliam a exploração dos recursos naturais à preservação da
biodiversidade
74
.
O STRO questiona ainda o direcionamento das toras de madeiras cortadas pela MRN
no interior da Floresta Nacional. A madeira é de propriedade da União, e a mineradora tem
que pagar para removê-la. Assim, o STRO propõe um fim social para elas, por se tratar de
antigas fontes de recursos das comunidades. A empresa se defende, colocando o burocrático
trâmite do IBAMA como a causa para o apodrecimento das toras no estoque e como
empecilho para a liberação do uso social da madeira. Entretanto, a MRN estimula o setor
74
Art. 20. A Reserva de Desenvolvimento Sustentável é uma área natural que abriga populações tradicionais,
cuja existência baseia-se em sistemas sustentáveis de exploração dos recursos naturais, desenvolvidos ao longo
de gerações e adaptados às condições ecológicas locais e que desempenham um papel fundamental na proteção
da natureza e na manutenção da diversidade biológica (BRASIL, 2000: p.11).
105
moveleiro local, vendendo as mais valiosas toras para as madeireiras de Oriximiná. Essa
pressão política do STRO em Oriximiná serviu de base para que os movimentos e políticos de
Juruti exigissem o repasse das madeiras retiradas para a construção de casas populares, que,
segundo acordos selados, serão em torno de 50% das toras removidas da área de exploração.
Em 2006, a diretoria do STR de Oriximiná, que se opunha incisivamente à MRN,
perdeu as eleições para a oposição, que prega um maior diálogo e alianças com a mineradora.
Com isso, a empresa se aproximou do Sindicato, travando parcerias e um convênio de repasse
de verbas. Em troca, o sindicato abandonou a luta pelos 10% da FLONA, que desagradava à
mineradora. Os antigos dirigentes acreditam que os lideres sindicais atuais foram cooptados e
estão desvirtuando as antigas lutas sociais, que defendiam os interesses dos povos tradicionais
em oposição às medidas e ações arbitrárias e autoritárias do IBAMA e da MRN.
3.3 A RESISTÊNCIA NO LAGO JURUTI VELHO
A história da ocupação no lago Juruti Velho remonta ao período colonial, quando se
fundou a Vila de Muirapinima, para catequizar os índios da tribo Mundurucus. Em 1930, a
vila fez parte da Vila Amazônia, doada aos japoneses para promoção de cultivos agrícolas no
Amazonas e no Pará. Nos anos 1950, a região atraiu muitos trabalhadores para as usinas de
Pau-Rosa, que perdurou até 1970, quando a atividade acabou na região, por escassez da
matéria-prima. A partir de meados de 1970, chegaram, com maior intensidade, as madeireiras,
prometendo melhorias sociais e ameaçando o controle territorial dos moradores tradicionais e
seus recursos naturais. Em todos esses momentos, apesar das diferentes atividades
econômicas, a maior parte dos moradores do lago manteve um modo de vida agroextrativista
pautado numa economia natural
75
(SILVA, 1996). Hoje, além das madeireiras e sojeiros
76
, a
transnacional ALCOA de mineração pressiona os territórios tradicionalmente ocupados,
promovendo grandes transformações socioespaciais e culturais.
75
A coleta de castanha, cipó, a caça, a pesca, a criação de gado, o corte de madeira e a agricultura estão entre as
atividades implementadas pelos moradores tradicionais. A produção agrícola praticamente se restringe a
mandioca, na terra firme, na várzea se colhe melancia, abóbora e pepino, e, em pequenas áreas de pasto, criam-se
alguns poucos animais. A floresta ainda é fonte de recursos para cosméticos caseiros, alimentos e matéria prima.
76
Os sojeiros não são centrais nesta pesquisa. No entanto, eles estão avançando pela região da BR 163 e sobre
os recursos naturais e o território tradicional de Juruti Velho. Ao poucos estão abrindo estradas e demarcando
picos, para instalarem grandes fazendas para a monocultura da soja e, ao mesmo tempo, escoar as madeiras de lei
cortadas ilegalmente, para abrir espaço para o cultivo. A ACORJUVE enviou um documento à Polícia Federal,
pedindo uma intervenção no avanço da soja sobre seu território, que resultou numa ação conjunta da comunidade
com o MP e o IBAMA.
106
Os conflitos e a resistência em oposição à ALCOA ocorreram muito mais no meio
rural do que no urbano. Isto é, por quem seria mais diretamente atingido pelos impactos no
território e no meio ambiente comum. Situa-se no lago Juruti Velho a primeira e maior
resistência ao projeto ALCOA, liderada pela Associação das Comunidades da Região da
Gleba Juruti Velho e pelas Freiras Franciscanas de Maristela, com importante apoio dos
Ministérios Públicos.
Os conselhos e avisos, especialmente das freiras, levaram os moradores do lago Juruti
Velho a se constituírem numa instituição de representação coletiva capaz de representá-los e
de lutar pelo direito à permanência na terra. A questão da legalização das terras pelo direito de
uso e a possibilidade de acesso a crédito a partir da titulação sempre foram colocados pela
Igreja como o objetivo a ser almejado pelas lutas sociais no campo em Juruti. Deste modo, a
ACORJUVE tem como principal ação a resistência nas terras tradicionalmente ocupadas e,
para isso, reivindica junto às autoridades competentes a demarcação e titularização dos
territórios coletivos, na forma de um assentamento agroextrativista, com 109.551ha de
extensão.
No passado, não existiam picos, marcos ou qualquer forma de demarcação nas terras.
O uso e a gestão do território se davam e ainda se dão de forma coletiva. A regulação do
território se resumia às normas morais-culturais de respeito ao vizinho. Cada família tinha
uma área para construir sua casa e outra para fazer o roçado, sendo o restante das áreas
comuns, livres para a caça, a pesca e a extração dos recursos da floresta. Por isso, a
importância de consolidar marcos delimitadores para proteger o território, difundida pelos
padres ainda na década de 1960, não teve muito êxito. Essa consciência começou a ser
compreendida nos anos 1980, com as ameaças de perda do controle territorial para as
madeireiras e a mineradora, quando se precisou assegurar o controle territorial por meios
espaciais e legais.
3.3.1 Conflitos e Organização Social no Lago Juruti Velho
As organizações sociais resultam de processos históricos envolvendo relações
desiguais de poder e conflitos sociais, que acabam por deflagrar mobilizações e ações sociais
que se materializam em instituições políticas representativas. Em Juruti, assim como em
Oriximiná, os povos tradicionais, em questão, apresentam, além da relação de parentesco,
uma vivência coletiva muito intensa de solidariedade mútua, uso coletivo do território e
107
histórias comuns de opressão e perdas no lugar. Foi a partir da relação desigual de poder com
a transnacional mineradora e dos impactos correlatos dessa atividade que surgiram as
mobilizações e ações sociais no entorno das áreas de mineração. As experiências e
sentimentos gerados em conflitos passados e presentes permitiram a união e a solidariedade
entre os atingidos, que recriaram antigas identidades sociais e territoriais, num processo de re-
existência dos sujeitos (GONÇALVES, 2001) e ressignificação do espaço.
Nas sociedades tradicionais amazônicas, muitas vezes, a organização coletiva do
cotidiano se mistura com as práticas religiosas. Os puxiruns (mutirões comunitários) são
ações organizadas pelos líderes das comunidades e pela Igreja Católica, para manter áreas
comuns limpas, limpar os igarapés, fazer roçado, organizar festas, abrir trilhas, construir
benfeitorias ou suprir qualquer outra necessidade em benefício da comunidade ou de alguma
família. Nestes espaços de trabalho coletivo em prol de todos, insurgem questionamentos
sobre as condições e problemas sociais. É também o momento de identificar-se com o outro.
Tais práticas coletivas são fundamentais para o princípio da ação social (ESTERCI, 1984).
Foi exatamente num destes momentos coletivos que pudemos estimar o início da resistência
dos moradores de Juruti Velho contra a exploração dos recursos naturais em seu território,
quando, revoltados com repetidas extrações de madeira, os moradores apreenderam uma
balsa.
Desde 1979, madeireiras retiravam ilegalmente cavalares quantidades de madeira de
lei da área da gleba Juruti Velho. O povo assistia imóvel à usurpação dos recursos naturais,
limitando-se a denunciar aos órgãos públicos as irregularidades, que raramente eram
averiguadas, ou, quando eram constatadas, não conseguiam ser contidas
77
. A Igreja, sem
sucesso, tentou organizar um movimento através da Pastoral dos Direitos Humanos, na
década de 1980. Em 1999, após anos de indignação reprimida, restrita às reuniões
comunitárias, a comunidade se levantou contra os madeireiros. Em uma situação casual de
festividade, quando um puxirum reunia mais de cem homens na limpeza de uma área, para
comemoração do reveillon, espontaneamente, os homens decidiram apreender duas balsas que
77
O problema da exploração ilegal de madeira na Amazônia é social, político e econômico. A população
amazônica, tradicional ou não, em situação de pobreza extrema, acaba se subordinando aos madeireiros e
vendendo as madeiras de lei a preços ínfimos para conseguirem alguma renda para sobrevivência (na
comunidade Galiléia, em Juruti, por exemplo, poucos trabalham na terra, sendo a maioria do sustento retirado de
trabalhos para as madeireiras). A situação de pauperismo deixada pelo poder público deixa o pobre à mercê do
capital madeireiro. Através de medidas clientelistas (como a construção de um galpão de madeira para escola) e
muitas promessas, os madeireiros conquistam o apoio da população local para exploração e instalação de
pequenas serrarias. Os órgãos públicos, por falta de condições e por corrupção, não intervêm na ilegalidade, que
é apoiada por políticos locais e incentivada por exportadores internacionais. Em Juruti e Parintins, os políticos
são favoráveis à exploração madeireira, uma das principais atividades econômicas municipais. Por isso, a
conivência com a exploração em Juruti Velho, após a revolta local, diminuiu, mas não acabou.
108
cruzavam o rio, carregando toras de madeira. Essa ação social foi uma forma de
territorialidade (SACK, 1986), pela qual os moradores do lago expressaram sua resistência ao
poderio madeireiro e seu domínio sobre o território e os recursos naturais, indicando para uma
tentativa de reversão da relação de poder.
Com a retenção da madeira, o poder público, através do INCRA, IBAMA e Polícia
Militar, finalmente, apareceu para negociar. A reluta de liberar as toras em favor do
madeireiro pressionou o poder público a instaurar uma investigação sobre as madeireiras e a
rever a liberação dos planos de manejos florestal na área, apesar da posterior liberação das
madeiras. Mesmo após a reação em Juruti Velho, a extração continuou, provocando uma nova
ação de apreensão, em 2000, com o apoio da Polícia Federal. Segundo relatos, os
participantes das mobilizações foram ameaçados de morte por madeireiros e polícias locais,
mas o persistente controle da comunidade conseguiu cessar a exploração madeireira apenas na
proximidade das comunidades e alterou a rota de escoamento da produção para estradas
clandestinas, em direção a Parintins e para a nova estrada construída pela ALCOA. Apesar da
visibilidade alcançada pelos atos coletivos e pelas constantes denúncias ao poder público, o
IBAMA
78
não revogou os mais de duzentos projetos de “manejo” florestal que estão
invadindo as terras das comunidades no Lago Juruti Velho e extraindo madeira sem nenhuma
preocupação ambiental (especialmente sem política de reflorestamento).
Sem dúvida, os conflitos contra as madeireiras fizeram parte da gênese da articulação
da comunidade do lago de Juruti Velho como um movimento político. Porém, foi a resistência
ao projeto ALCOA que intensificou os processos de organização e mobilização das
comunidades, para se defenderem da grande pressão sobre seu território. O resultado foi a
consolidação do movimento, pela instituição de uma entidade representativa localmente forte,
a ACORJUVE. Anteriormente, havia apenas a Associação dos Pequenos Produtores Rurais da
Vila Muirapinima e outras cinco pequenas associações, que tinham pouco poder de
representação, legitimidade e se restringiam a cada comunidade.
Com a ameaça da ALCOA sobre as terras comunais, especialmente as áreas de
floresta, as reuniões com moradores de diferentes comunidades se tornaram mais freqüentes.
Eram, majoritariamente, os religiosos que tentavam alertar sobre os perigos de um
empreendimento minerador de grande porte. Num destes encontros, por indicação do INCRA,
decidiu-se formar uma grande associação que fosse mais representativa na luta pela terra
coletiva e que seria a responsável legal pelo futuro assentamento rural. As experiências de
78
O IBAMA tinha, até 2005, apenas cinco funcionários para fiscalizar Óbidos, Juruti, Terra Santa, Faro e
Oriximiná, com sede regional neste último.
109
implementação de grandes organizações comunitárias vivenciadas pelas comunidades de
Oriximiná também favoreceram a tomada de decisão. Em março de 2004, uma assembléia
com mais de dois mil associados e unindo quarenta comunidades, fundou a Associação das
Comunidades da Região da Gleba Juruti Velho.
A nova associação significou a união de todas as comunidades do lago Juruti Velho
em defesa do território coletivo
79
. Se, no princípio, ela não era unanimidade - especialmente
nas comunidades evangélicas
80
-; hoje, com o fortalecimento político da instituição, a
perspectiva de efetivação do assentamento agroextrativista e de implementação de outras
políticas públicas, mais de 80% dos moradores e todas as comunidades do Lago estão
associadas à ACORJUVE.
Do conflito com a ALCOA pela manutenção da terra e pela proteção dos recursos
naturais, renasce, como bandeira de luta, uma reivindicação antiga das comunidades: o título
da terra. Desde meados da década de 1990, a Igreja buscava criar uma idéia de luta pela
terra no povo de Juruti Velho. Por meio de cartas ao INCRA e a políticos, exigiam a titulação
das terras da gleba Juruti Velho na Vila Amazônia. Como resposta, o órgão salientava que os
custos não constavam no orçamento. Com a pressão da mineração sobre as terras comuns e
com a visibilidade que o empreendimento alcançou, a luta pela terra também tomou outra
dimensão. A ameaça sobre as terras, somada aos conflitos antecedentes, criou um sentimento
de identidade comum em torno do território do lago, ou seja, uma unidade de mobilização
(ALMEIDA, 2004, 1993). Além disso, a visibilidade transnacional da empresa e sua
importância regional e nacional propiciaram que as demandas do movimento, antes restritas à
escala local, fossem ouvidas em múltiplas escalas.
A oposição à mineradora começa a assumir a forma de movimento de resistência, após
a primeira audiência pública, em março de 2005, na cidade de Juruti. Num primeiro momento,
houve uma aproximação da empresa em reuniões nas comunidades, para apresentar os
argumentos, propostas e promessas empresariais. O trabalho de base da Igreja Católica
estimulou a formulação de questionamento críticos por parte dos moradores. Pairava no ar
79
As comunidades em volta do lago são 25, associadas à ACORJUVE são quarenta e, englobando os limites da
proposta de assentamento do INCRA da Gleba Juruti Velho, são sessenta comunidades.
80
A comunidade evangélica Galiléia, que se encontra bem perto da área de lavra, era um centro de encontros
periódicos, onde a transnacional tentava convencer a população, especialmente na proximidade da audiência
pública. Representantes da comunidade davam entrevistas apoiando o projeto. Após muitas promessas, nenhum
projeto desenvolvido e o desaparecimento da empresa depois do sucesso das audiências, a Galiléia se aliou ao
movimento da ACORJUVE, passando a resistir ao projeto minerador. Os indicativos de sucesso na negociação
pelo assentamento foi outra razão para a comunidade aderir ao movimento. Todavia, ainda nos permite fazer
uma relação direta entre a atuação política nos conflitos sociais e as linhas religiosas. De fato, esse tema tem que
vir a ser aprofundado em novas pesquisas. Contudo, observa-se uma tendência de desmobilização e pouca
participação política em comunidades evangélicas.
110
uma sensação de incerteza, mas muitos ainda eram a favor. A audiência foi um divisor de
águas, onde se definiu quem estava contra e a favor no município. Mesmo assim, algumas
comunidades mais próximas aos platôs, que seriam diretamente mais afetadas, não entram na
luta e apoiaram a ALCOA, visando às muitas promessas feitas pela corporação transnacional.
Foram as freiras da congregação dos Franciscanos de Maristela que iniciaram a
articulação das redes sociais, ao questionarem o projeto e suas benesses. Para adquirir maiores
informações sobre os danos dos megaprojetos mineradores industriais, se aproximaram da
Paróquia de Oriximiná, onde escutaram os relatos do ativista Padre José sobre os conflitos e
problemas vivenciados no caso MRN. A partir de então, as irmãs se lançaram a
conscientizar o povo de Juruti sobre os possíveis problemas da atividade mineral. Com o
apoio de suas redes sociais, trouxeram pesquisadores de Belém, para falar sobre Barcarena,
moradores do lago Batata para relatar os danos da deposição de rejeito, representante dos
quilombolas e do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Oriximiná; passaram vídeos em
busca da conscientização do povo de Juruti Velho sobre os danos socioambientais da
mineração; e desmistificaram a propaganda de pleno emprego da ALCOA.
Aos poucos os moradores foram se conscientizando de que o dito desenvolvimento
não tinha como ponto focal a melhoria de suas vidas. Os cinco mil empregos anunciados não
eram para trabalhadores agroextrativistas, sem qualificação, e os mil jurutienses contratados
para as obras e abertura da mata logo seriam demitidos, com o fim do período de instalação.
Constataram que a infra-estrutura que estava sendo montada não era para servi-los e, em
alguns casos, até os excluíam. Além do mais, poderiam vir a ser os mais prejudicados por
deslocamentos compulsórios, perdas territoriais, escassez dos recursos naturais e a
contaminação dos lagos e rios.
Os debates em torno do projeto de mineração reacenderam a movimentação em prol
do título da terra. As comunidades colocaram como prioridade o controle sobre o território e
passaram a pressionar os órgãos e a empresa. Por isso, durante a discussão do licenciamento
ambiental o INCRA assumiu um termo de conduta, dando início à demarcação coletiva do
Assentamento Agroextrativista de Juruti Velho. Deste modo, não podemos resumir os
conflitos sociais existente na região aos conflitos ambientais, pois são fundamentalmente
conflitos por terra.
A princípio, o povo de Juruti Velho foi colocado como inimigo do progresso e da
sociedade de Juruti, mas as lideranças nem os habitantes da região se colocavam contrários ao
projeto ou contra o progresso - como gostam de afirmar. Segundo relatos, a luta é por uma
111
maior participação no progresso, através de melhores contrapartidas para as comunidades que
ali estão e que sofreram significativas mudanças e perdas em decorrência da exploração
mineral, mesmo que alguns indivíduos e em determinados momentos assumam que seria
melhor não haver mineração. Eles querem que a mineradora se responsabilize pelos danos
ambientais e sociais oriundos do desmatamento, da diminuição dos recursos, das perdas
territoriais e dos possíveis impactos ao meio ambiente, especialmente sobre o lago, uma
primordial fonte de recursos para a subsistência local.
3.3.2 Estratégias da Resistência e as Redes Sociais Aliadas
A luta de resistência à ALCOA vem sendo travada de forma pacífica pela via da
negociação, das denúncias nos meios de comunicação e das mobilizações em espaços
públicos e nas audiências. Várias são as estratégias de pressão e com fins de dar visibilidade
promovidas pelo movimento de Juruti. A ocupação das áreas de extração ou canteiros de obra
sempre são cogitadas, para pressionar o setor público e privado, mas, para evitar o confronto
direto com a empresa e o aumento da violência, ainda não foram utilizadas. As comunidades
também ameaçaram construir casas nos tabuleiros, para enfatizar o controle sobre o território
e os usos das áreas de florestas. Esta é uma forma de territorialidade (SACK, 1986), para
reafirmar que os platôs não são espaço vazio e sim áreas de uso agroextrativista, apesar de a
maioria das habitações se restringirem às margens dos rios.
Mesmo com a possibilidade de radicalização do conflito, os principais aliados do
movimento de resistência, os MPs e a Igreja, tentam manter a luta pelas vias legais e da
pressão política. A ACORJUVE, com o apoio da Igreja Católica, chegou até mesmo a
organizar uma comissão de moradores, para contatar ministros, secretários e órgãos
ambientais em Brasília, mas não obteve nenhum resultado. E ainda barganhou uma alta
indenização coletiva junto à mineradora, proposta que foi rechaçada pela transnacional, que se
colocou inflexível ao valor, como relatou um dos representantes comunitários.
A Associação, como forma de pressão, decidiu aceitar promover qualquer
negociação definitiva após a demarcação do assentamento rural pelo INCRA. Esta posição faz
parte de uma estratégia que objetiva garantir a homologação do assentamento agroflorestal no
lago Juruti Velho e que, posteriormente, poderá representar uma forma de assegurar o repasse
de indenizações justa aos atingidos. Com o Assentamento, a ALCOA seria obrigada, pelo
112
artigo 11 do Código Mineral
81
(BRASIL, 2003), a repassar uma quantia em dinheiro referente
à participação na produção das lavras localizadas no interior do Assentamento. Segundo as
lideranças, assim que for assegurada a demarcação territorial, poderão ser traçados acordos
com a ALCOA para projetos de curto e longo prazo, especialmente nas áreas de saúde,
educação e geração de renda.
As comunidades rurais também vêm boicotando as atividades propostas pela
transnacional. As reuniões nas comunidades para discutir pequenos projetos sociais costumam
ser esvaziadas, pois se criou um consenso sobre a negociação coletiva através da Associação,
em detrimento das vantagens individuais. A empresa CENEC, que produziu o relatório
ambiental, foi um dos alvos do boicote, a quem os moradores se negam a fornecer
informações. O relatório de impacto ambiental foi considerado tendencioso pela ACORJUVE,
por não constar de importantes informações sobre as comunidades. Técnicos da CVRD que
foram à região procurar novas minas e promover medições igualmente acabaram
impossibilitados de entrar nas áreas das comunidades. A Associação alegou que não estava
interessada em novos projetos que ameacem suas terras e recursos naturais.
Podemos perceber que a ação da Igreja em Juruti vai bastante além dos preceitos da
Teologia da Libertação da Conferência de Medellín, que delega aos religiosos a função de
conduzir os pobres à libertação espiritual e material. Ela ultrapassa o método clássico de
reunir os oprimidos em comunidades (CEBs), criando uma identidade e uma solidariedade
comum; promover uma evangelização conscientizadora (GUTIERREZ, 1971); e ajudar e dar
condições para criar e desenvolver mobilizações ou organizações de base que reivindiquem e
concretizem os direitos sociais (SCHERER-WARREN, 1993). Deste modo, os oprimidos
iriam se tornar sujeitos da ação (TOURAINE, 2006), independentes, donos de seu próprio
destino e capazes de mudar suas respectivas sociedades. No movimento de Juruti Velho, a
ação da Igreja assume uma posição centralizada na figura da irmã Brunilde, dando-lhe
características específicas e influindo diretamente no desenvolvimento da luta. Como colocou
um dos entrevistados, a irmã é a estrela guia e eles são o “povo da irmã Brunilde” -
principalmente os lideres comunitários.
A organização espacial da Igreja em Juruti propicia essa atuação mais veemente dos
religiosos. A prática político-religiosa se divide entre os Padres Seculares da Paróquia de
81
A participação de que trata a alínea “b” (o direito à participação do proprietário do solo nos resultados da
lavra) do caput deste artigo será de cinqüenta por cento do valor total devido aos Estados, Distritos Federais e
Municípios e órgãos da administração direta da União, a título de compensação financeira pela exploração de
recursos minerais - LEI nº 8.901/94 (BRASIL, 2005: p. 32).
113
Juruti, responsáveis pela cidade de Juruti e pelas comunidades da terra firme, e as freiras
82
,
residentes no povoado de Juruti Velho, que atuam nas imediações do lago Juruti Velho. Desta
forma, a Igreja se faz mais presente na vida, nos conflitos do cotidiano, nas tomadas de
consciência e de decisões da região do lago. As freiras participam na resolução dos problemas
de saúde, ajudam na educação e estão presentes em todas as reuniões políticas. Devido à
proximidade física e à vivência diária, elas se dedicaram a promover um intenso trabalho de
base junto à comunidade, que levou as principais lideranças da Associação a seguirem os
princípios e ideais católicos. É desta simbiose entre religião, política e conflitos sociais que
surgem muitas das associações políticas e dos movimentos populares amazônicos
(GRZYBOWSKI, 1987). Os padres da sede municipal mantêm seu poder simbólico de
principal representante religioso local e apóiam o movimento de Juruti Velho política e
financeiramente.
Assessorada pelas promotorias públicas, a Associação requisitou à SECTAM a
promoção de mais uma audiência pública na vila de Juruti Velho, berço do movimento de
resistência. Essa reivindicação foi negada pelo então secretário Gabriel Guerreiro. Lembrando
que esse político é conhecido pela defesa dos interesses minerais em Oriximiná, onde está
situada sua base política, e em muitas ocasiões se colocou contrário aos interesses dos
atingidos no entorno mineral, tanto no Trombetas como no Sapucuá. Mesmo com a resposta
negativa, em 2007, o Ministério Público promoveu uma consulta pública, para constatar os
abusos e ilegalidades praticados pela mineradora em Juruti e Juruti Velho. O ato contou com a
intensa participação da sociedade Jurutiense e resultou numa lista de recomendações e
irregularidades praticadas pela transnacional, a serem analisadas e fiscalizadas pela SECTAM
(MPE & MPF, 2007).
Vários autores vêm constatando que, no século XXI, no Brasil, o Ministério Público se
tornou um relevante ator na prevenção e mediação de conflitos, mesmo atuando, como
qualquer outro setor do Estado, de forma ambígua e personalizada (ou seja, dependente da
posição política de cada promotor). Nos dois municípios pesquisados temos as duas faces da
atuação desta instituição. Em Juruti, o MP vem tentando controlar os conflitos e incitar o
82
A Congregação das Irmãs Franciscanas de Maristela se instalou em Juruti na década de 1970, a pedido do
Bispo de Óbidos. Lá, além da catequese e da organização das comunidades, desenvolveu vários projetos
paroquiais e de habitação (substituição de casas de palha por tabatinga tipo de argila). Sem muita atuação na
sede do município, onde havia consolidado a ação pastoral, pensou em deixar a região em 1990, mas após
solicitações e convites da comunidade de Juruti Velho, as irmãs decidiram se transferir para a vila, onde estão
desde 1991.
114
diálogo em defesa do meio ambiente. Enquanto em Oriximiná, embarga o assentamento rural,
também alegando problemas ambientais.
A força de intervenção do MP nos conflitos se deve à legitimidade sociojurídica da
instituição, que a permite se pronunciar em defesa do direito coletivo - idéia formulada nos
preceitos do “direito difuso”. Esta atribuição remonta ao período de abertura política, quando
as pressões internas e externas dos ambientalistas colocaram a questão do meio ambiente
como dimensão central desta instituição. A lei 7347/1985, que “disciplina a ação civil pública
de responsabilidade por danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos
de valores artísticos, estéticos, históricos, turísticos, paisagísticos”, forneceu a esse órgão
público e à sociedade civil a ferramenta jurídica cabível de proteger os interesses coletivos,
dentre eles o meio ambiente. Apesar de associações e ONGs poderem propor a ação civil, são
os MPs que têm função central na ação, como titular ou fiscal (VIANNA, 2002)
83
.
Os MPs, em muitos casos, têm se posicionado como “guardiões da cidadania” e
realizam uma espécie de “ida ao povo”, na qual atuam como advogados, conselheiros,
investigadores, despachantes e mobilizadores sociais, substitutivo, em alguns casos, à
sociedade civil, e, em outros, aos três poderes (SADEK apud VIANNA, 2005). Por isso, em
Oriximiná, durante a audiência pública do platô Almeida, em 2002, o MP foi clamado a
defender o povo do Sapucuá contra os danos da exploração mineral. Vê-se que povo também
enxerga o MP como órgão público capaz de defender os direitos difusos ou da sociedade.
As redes de alianças em Juruti estão sendo lentamente costuradas. Nem mesmo os
isolamentos físico, econômico ou de acesso aos meios de comunicação deixaram que o
conflito ficasse restrito ao interior da floresta Amazônica. A rede de internet foi o meio para
divulgar as contestações e as situações conflituosas. O apoio de ONGs ambientalistas para
propagar as denúncias foi fundamental. As irmãs, com suas redes sociais a nível global,
conseguem articular importantes alianças, capazes de fortalecer a luta pela terra.
Logo após o manifesto chamado SOS Juruti Velho”, divulgado na página da internet
do Grupo de Trabalho Amazônico - a maior rede de ONGs da Amazônia (STENNER, 2005),
membros da ALCOA e jornalistas apareceram na vila de Juruti Velho, querendo mais
informações. O manifesto colocou o caso ALCOA/Juruti em visibilidade, trazendo a
transnacional para negociar com as comunidades. Os atingidos, antes excluídos da geometria
do poder (MASSEY, 2000), passaram a se inserir lentamente neste campo de força via redes
83
Estudos realizados por Vianna (2002), no Rio de Janeiro, demonstram que o MP ainda permanece como
principal autor das ações civis públicas, com mais de 42% das ações propostas. Destas, a área de maior atuação é
o meio ambiente, com 35,6% das ações.
115
de comunicação global, mas ainda estão longe de serem capazes de enfrentar, em de
igualdade, o poderio da maior empresa de alumínio do mundo.
A resistência do povo de Juruti Velho foi tão forte e atingiu uma visibilidade tão
grande, que surpreendeu a própria mineradora. A empresa não esperava tanta hostilidade e
resistência ao empreendimento na paupérrima região amazônica. Em 2006, pretendendo
amenizar os conflitos, a ALCOA trouxe o presidente da corporação na América Latina,
Franklin Feder, para se reunir com os atingidos do entorno mineral. O presidente escutou as
insatisfações e prometeu rever o projeto, o que não passou de pura demagogia para conquistar
a população e acalmar os ânimos.
Diferentemente do caso do Trombetas, onde os conflitos não se delinearam de forma
explícita, o embate entre mineração e povos tradicionais atingidos, pois havia outros atores
importantes no conflito, como IBAMA e ELETRONORTE, por exemplo; em Juruti, o
conflito se deu declaradamente entre povos tradicionais atingidos e mineradora. Com isso,
cabe-nos caracterizar o movimento emergente em Juruti como um movimento de resistência
ao projeto ALCOA. Os conflitos se deram no confronto direto com os interesses territoriais e
de recursos naturais da mineradora, sendo esta indicada pelos atingidos como o inimigo e o
problema a ser vencido. Enquanto isso, em Oriximiná, os interesses do capitalismo minerador
foram escamoteado pela ação de instituições públicas como o IBAMA (os “guardiães”
territoriais), que exerceram e exercem o controle do território do entorno, afastando a
mineradora do centro dos conflitos sociais com exceção do caso do Projeto ALCOA no
Trombetas.
3.3.3 O Drama dos Desiludidos
Com a finalização das infra-estruturas do parque industrial e com a proximidade do
início das atividades de extração, um novo panorama começa a se desenhar, e aponta para um
futuro não tão integrado à economia local, como esperavam os comerciantes e políticos locais,
e com poucos impactos, como desejavam as comunidades rurais. A ilusão do progresso
começa a se desvelar. Neste sentido, novas contestações emergem, e a oposição, ou melhor, a
pressão sobre a empresa aumenta. O que antes era um cego desejo da sociedade pela
instalação da mineradora se transformou em exigências pelo exercício da responsabilidade
social e ambiental por parte da corporação.
116
Com o início das obras de infra-estrutura, estradas e ferrovias, nas áreas de terra firme,
novos conflitos e contestações começam a surgir de maneira desmobilizada. A associação do
assentamento Socó I, totalmente rasgado pela ferrovia, rompeu com o acordo previamente
estabelecido pela ALCOA. Os impactos da ferrovia nem mesmo estavam presentes nos
estudos de impacto aprovados pela SECTAM, não havendo qualquer debate ou negociação,
no traçado imposto, para melhor atender aos fins da transnacional. Para o STTRJ e o INCRA,
que intermediam as negociações, os assentados “não querem ver o trem passar” (Entrevista,
2006), sem se beneficiarem de alguma forma dos impactos sofridos.
A mineradora ainda ofereceu indenizações muito abaixo do valor da terra e da
perspectiva dos atingidos. Os assentados, assessorados por um advogado local, pretendiam
um ressarcimento próximo aos valores anteriormente pagos na área do porto área da
comunidade Terra Preta. No entanto, a empresa considerou alto o valor, passando a negociar
diretamente com o INCRA nacional. Esse novo litígio fundiário não provocou a união dos
grupos atingidos da terra firme com os ribeirinhos atingidos no lago Juruti Velho em um
mesmo movimento de luta. Optou-se por enfrentamentos e negociações fragmentados contra e
com a ALCOA.
A desarticulação dos grupos atingidos de Juruti é provocada por históricas
divergências políticas e culturais. Existe, no município, uma separação e diferenciação entre
ribeirinhos e moradores da terra firme, Juruti Velho e Juruti Novo. Os habitantes de Juruti
Velho - vila de Muirapinima - não se consideram parte de integrante de Juruti Novo e se
dizem sub-representados na política municipal, razão por que defendem a autonomia política
pela emancipação da antiga sede. No embate contra a ALCOA, o STTRJ, principal
representante na terra firme, não se colocou contrário ao projeto. Segundo o presidente do
STTRJ, eles não são tão radicais como o povo de Juruti Velho e consideram viável uma
resolução favorável às comunidades rurais pela via do diálogo e da negociação. Estas cizânias
geraram um afastamento das lutas e culminaram na formação de uma associação forte e
representativa em Juruti Velho.
O INCRA, juntamente com o STTRJ e as famílias do assentamento Socó I, formaram
uma comissão, que formulou, participativamente, a proposta de compensações coletivas para
os atingidos do Assentamento. Em 2006, o INCRA instituiu uma comissão multidisciplinar,
como forma de auxiliar as comunidades a refletir sobre a realidade do Assentamento, os
possíveis impactos socioambientais da ferrovia e as medidas que poderiam ser adotadas para
117
minimizá-los, preservando o modo de vida local e criando perspectivas de desenvolvimento.
A comissão também mediou as negociações entre os assentados e a ALCOA.
No urbano, os comerciantes do setor de alimentação se sentiram traídos e ameaçados
de falirem com o anúncio da contratação da multinacional GR para servir ao consumo da
company-town. Segundo eles, um acordo verbal entre a mineradora e os comerciantes locais
garantia a alimentação dos funcionários da ALCOA pela estrutura de restaurantes locais,
recém-montada e aperfeiçoada para se adequar aos padrões de exigência da empresa. Para os
comerciantes, a mineradora vem desprezando a sociedade jurutiense, deixando de usar
serviços locais, para contratar prestadores de serviços de fora. A GR não comprará nada da
região, trazendo tudo de fora, como faz em Porto Trombetas, alegam os comerciantes. O MP
enfatizou os anseios da sociedade jurutiense e recomendou a transnacional a romper o
contrato com a prestadora de serviços alimentícios, restabelecendo uma política que priorize o
desenvolvimento da economia local (MPF & MPE, 2007).
Neste momento, iniciou-se, na rádio local, uma campanha questionando a atuação da
ALCOA, anteriormente a favor do empreendimento. No programa de 7 de dezembro de 2005,
utilizando como metáfora a história do Chapeuzinho Vermelho, a rádio incitou o povo a um
levante contra a empresa: primeiro o Lobo Mau chegou, dando presentes, cortejando, para
convencê-los das boas intenções, para, em seguida, devorá-los; eles não cumpriram o acordo
com os restaurantes e estão cortando as terras das comunidades com linhas de trem; o
chapeuzinho tem que reagir contra a empresa, inflamou o locutor.
Pelo que se a oposição e descontentamentos vêm aumentando em Juruti, mas não
uma aliança entre opositores, atingidos e descontentes com projeto, o que provavelmente
se deve às antigas disputas sociais da região. Estes conflitos e questionamentos em relação à
mineração eram inconcebíveis, até a audiência pública, quando todas as instituições, menos a
Igreja Católica e alguns moradores de Juruti Velho, estavam a favor do empreendimento. O
“grupo da Irmã Brunilde” era taxado de reacionários, pois não queriam ver o crescimento do
município. Mesmo com as recentes desilusões, as negociações se dão de forma individual,
visando satisfazer separadamente os desejos de cada ator ou grupo social. Desta forma,
facilita-se o ato de cooptação pela transnacional, com pequenos projetos personalizados e
paliativos, ao invés de uma proposta comum de desenvolvimento socioespacial (SOUZA,
1999) para a sociedade e para Juruti.
118
3.4 ESTRATÉGIAS ESPACIAIS, TERRITORIALIDADES, IDENTIDADES E A
AMBIENTALIZAÇÃO DOS CONFLITOS
A ação privada sobre o meio ambiente provoca uma infinidade de relações de troca
involuntárias de difícil regulação (ACSELRAD, 1992), contudo, é praticamente inevitável se
instalarem conflitos em reação às ações de agentes econômicos potencializadores de grandes
transformações ambientais e sociais. As comunidades urbanas e rurais, ao identificarem as
mudanças ou as ameaças, tenderam a resistir e lutar em organizações da sociedade civil pela
democratização dos espaços comuns, incorporando à sua defesa os apelos por justiça social e
ambiental.
Tais resistências às decisões discriminatórias de uso do solo o um
fenômeno relativamente recente, que associa-se a uma ressignificação da
questão ambiental, agora incorporando preocupações com os impactos
distributivos às atividades. Em lugar de educação ambiental e lobby, tais
lutas têm implicado, em diversos países e contextos, em interrupções de
ruas, sit-ins, manifestações de massa e boicotes (ACSELRAD, 2006: p. 148).
Os atores sociais apresentam uma gama de reações em situações de conflitualidade,
com o objetivo de manter as relações de poder, ou revertê-las. As ações sociais que
analisaremos com maior profundidade serão as estratégias e práticas espaciais com finalidade
de afetar, influenciar e controlar ações e recursos por meio de controle territorial. Para Sack
(1986), as estratégias e práticas com o intuito de controlar o uso e o acesso ao espaço são
compreendidas enquanto territorialidades humanas. As territorialidades humanas são
comportamentos espaciais orientados intencionalmente, para manter o poder hegemônico ou
em ação de revolta, rebeldia e resistência dos oprimidos; são estratégias espaciais que podem
ser ligadas e desligadas de acordo com as ocasiões; e resultam de processos passados,
presentes ou precauções com ameaças futuras. As territorialidades não se materializam
necessariamente na forma de objetos geográficos (muros, cercas, portas, barreiras etc.),
podendo ser explicitadas em discursos e normas morais ou legais para o território.
Os conflitos sociais estão repletos de ações intencionais entre os atores em conflito.
Cada ator envolvido buscará imprimir sua territorialidade no sentido de concretizar a
dominialidade sobre o espaço e recursos em disputa. Portanto, além dos conflitos sociais
expressarem uma incompatibilidade de valores, interesses, capitais, temporalidades,
territórios, ainda nos explicitam um confronto de territorialidades.
119
Nos movimentos sociais rurais no Brasil podemos nomear a ocupação de terra, na
atualidade, como a principal estratégia de luta. Todavia, as marchas e passeatas; a ocupação
de prédios públicos, praças de pedágios e estações de energia; a interdição de estradas,
ferrovias e linhões de eletricidade; os empates, a resistência no território, a auto-identificação
e autodemarcação; a desobediência civil; e outras práticas espaciais de manifestações
religiosas, culturais e/ou políticas; são algumas das tantas espacialidades e territorialidades
presentes nas lutas que buscam territorializar os espaços públicos e privados. Os territórios e
as ações políticas espacializadas e territorializadas são lugares e processos onde se constroem
experiências e identidades territoriais comuns, para o fortalecimento da mobilização.
Nos conflitos em área de mineração na Amazônia, as ações espacializadas com o
intuito de legitimar e defender os territórios ameaçados ou invadidos foram distintas em
tempos e espaços diferentes. A forte repressão e violência empregadas pelo poder estatal
sobre os negros do Trombetas resultaram em reações violentas também pelo outro lado. Como
relatamos acima, os negros invadiram o posto do IBAMA, agrediram os funcionários e
quebraram o posto, em resposta ao assassinato de um quilombola. Com exceção deste
violento ato isolado, os atingidos sempre optaram pela resistência e reivindicações por meios
pacíficos.
Tanto em Oriximiná como em Juruti, os atos públicos, como passeatas e mobilizações
na área urbana, foram usados como estratégia, para aumentar a adesão social e dar
visibilidade aos problemas socioterritoriais e ambientais. Como bem salientou Rothman
(Mimeo), nos casos dos projetos mineradores e hidrelétricos em Minas Gerais, as audiências
públicas obrigatórias, do mesmo modo na Amazônia, se tornaram momentos e espaços de
manifestação, indagações e questionamentos aos planejamentos capitalistas mineradores e ao
Estado, em defesa do direito dos povos e territórios tradicionais. Todas essas manifestações
públicas estão sempre acompanhadas de uma musicalidade libertária, que exalta a força do
povo unido a lutar, além de ser um importante componente religioso.
Outras ações compõem o rol de estratégias utilizadas pelos atingidos pela mineração.
A própria resistência pela permanência nas UCs e manutenção das práticas tradicionais
criminalizadas são atos de sobrevivência que ressalvam o domínio do território. A ARQMO,
durante os meados da década de 1990, espalhou nas margens dos rios placas que auto-
identificavam os limites geográficos a serem reconhecidos e respeitados. Todas essas ações
materiais e simbólicas funcionam como territorialidades diante das usurpações territoriais
promovidas pelas vias formais e jurídicas – áreas de preservação, concessões de terras,
120
direitos de lavras e transações de compra e venda no entorno mineral (ACEVEDO &
CASTRO, 1993).
3.4.1 A Identidade como Estratégia de Luta Social
A novidade da ação social no Brasil rural e, especificamente, na Amazônia brasileira,
reside nas formas de organização, nas lutas e nas territorialidades empregadas, que
incorporam, cada vez mais, fatores étnicos, critérios de gênero e de auto-definição coletiva
(ALMEIDA, 2004). Porém, principalmente na Amazônia, atribui-se também aos conflitos e
aos impactos sociais um peso elevado à questão ambiental. Segundo Almeida (2007), um
deslocamento dos conflitos a partir do momento em que a questão agrária aparece
profundamente marcada por elementos socioambientais e étnicos. Assim, o significado de
terra passa a incorporar mais e mais a noção de território e os fatores identitários
correspondentes, delineando novas perspectivas de mobilização e luta” (p.16).
Na Amazônia brasileira, os movimentos populares circunscrevem-se à escala do local,
e suas mobilizações, organizações e ações estão totalmente relacionadas ao território concreto,
através de identidades territorializadas, ou seja, com forte vínculo com o espaço geográfico.
Trata-se do que alguns autores chamaram de micromovimentos sociais ou movimentos de
base (SHETH, 2005), os quais estão intimamente ligados às suas bases sociais (em alguns
casos com alto nculo de parentesco), ao espaço vivido e aos problemas vivenciados ou
experienciados coletivamente no cotidiano. Suas ações fundamentam-se em valores
tradicionais, solidários e comunitários, que pretendem resistir aos valores dominantes e às
condições sociais às quais estão impostos
84
.
A análise, nesta nova perspectiva, dos conflitos exige-nos acrescentar o entendimento
sobre lugares onde se manifestam as ações e onde as identidades são construídas e articuladas
com/no espaço (OSLENDER, 2002). O processo de ação social, assim como os processos de
criação e de manutenção das identidades sociais necessitam de um suporte espacial para
acontecerem (COSTA, 2005; SANTOS, 2002). No caso das identidades, especificamente, elas
estarão sempre relacionadas a uma matriz territorial e funcionam como estratégia para tomada
ou manutenção do controle do território (GOMES, 2002).
84
A resistência aos valores dominantes se dá no momento em que estes interferem de alguma forma na
manutenção das práticas, costumes e territórios tradicionais, e nada tem a ver com o desejo de acessar certas
comodidades e bens de consumo da modernidade.
121
Os elementos étnicos ou identitários incorporados aos conflitos sociais são, portanto,
uma das novas territorialidades utilizadas pelos sujeitos coletivos. Muitas delas criadas
durante os processos de conflito e de luta como resposta às situações vivenciadas ou às
ameaças iminentes. Segundo O´Dwyer a identidade étnica de remanescentes de quilombos
emergem, em Oriximiná, em um contexto de luta em que se resistem às medidas
administrativas e ações econômicas através de uma mobilização política pelo
reconhecimento do direito a suas terras(2002: p. 84). Assim, frente à ameaça ao território
tradicional e à reprodução social, a metáfora do quilombo como espaço de resistência por
liberdade adquire significado e valor estratégico para os negros do Trombetas.
Amaral Filho (2006) atenta para o fato do conceito “remanescente de quilombo” ter
sido cunhado por intelectuais, para caracterizar as populações negras rurais, sendo assim
introduzido no artigo 68 da Constituição de 1988, sem qualquer debate da sociedade civil,
surpreendendo até mesmo o movimento negro. Para o autor, o discurso de remanescente de
quilombo, que foi e ainda está sendo construído mais pela academia, pela militância negra e
pela imprensa do que pelos próprios remanescentes, passou a assumir uma roupagem menos
histórica, vinculado aos quilombos pós-coloniais, transformando-se em sinônimo de luta das
minorias.
Todavia, concordamos com Almeida (2004), ao defender que o processo de afirmação
social dos quilombolas não se desencadeia a partir das disposições constitucionais, sendo,
portanto, o reconhecimento das lutas travadas para legitimar o direito às terras comuns, ou
terras de pretos (ALMEIDA, 1989). Assim, o termo remanescente de quilombo é absorvido
pelas populações negras rurais, para fortalecer a luta pela permanência na terra, sendo
correlacionado às antigas identidades sociais construídas e vivenciadas no âmbito das relações
sociais e espaciais com/nas terras de pretos.
Da mesma forma, as identidades dos caboclos/ribeirinhos (também identificados na
legislação e por alguns autores como populações tradicionais) nas áreas de mineração, mesmo
sem o apelo étnico dos quilombolas, tomam força no contexto de lutas sociais em defesa do
território. Todas essas identidades têm um pressuposto territorial (GOMES, 2002) a partir dos
lugares de convivência e das práticas de sobrevivência cotidianas, que, neste caso,
correspondem às terras tradicionalmente ocupadas (ALMEIDA, 2004, 1989). O sentimento de
pertencimento àquele lugar, os laços de solidariedade e de ajuda mútua, o uso comunitário do
território e dos recursos, as situações de antagonismo e de extrema adversidade vividas
coletivamente, e as referências históricas comuns, conduzem à composição de uma unidade
122
social, que pode ser, por exemplo, identificada por elementos geográficos, como são os casos
das comunidades dos Lagos Sapucuá e Juruti Velho.
A terminologia comunidade, que está presente nos quatro cantos da Amazônia e
sustenta a ação social, tem origem nas CEBs da Igreja Católica, cuja emergência ocorreu entre
os anos 1960 e 1980. Estas tinham como objetivo organizar a população em núcleos de
catequese unidos pela proximidade geográfica e social. Desta forma, diversas comunidades
passam a se consolidar não enquanto grupo religioso, mas adquirem uma identidade que
articula o existir com e o existir onde. Ou seja, o indivíduo se sente pertencente a um grupo
social relacionado a um determinado espaço geográfico - o território. Estes sentimentos de
pertencimento são focais no processo de organização política e de questionamento crítico das
condições socioespaciais almejados pela Igreja libertária.
Porém, a Igreja não é a fundadora desta relação de solidariedade e coletivização do
território (ALMEIDA, 1989). Ela atua como um articulador, que aproveita as relações
“comunitárias” preexistentes e as potencializa para a organização político-religiosa. uma
ressignificação das práticas coletivas anteriores, como as roças comunitárias (puxiruns), que
são politizadas. Os religiosos ainda incentivavam a construção de vínculos físicos no território
das comunidades, como galpões e capelas, que desempenhavam uma centralidade espacial e a
função de espaço de convívio coletivo, sociabilidade e discussão política.
As ações da instituição religiosa ocorreram, em todos os casos estudados, com
intensidades diferentes. Os quilombolas foram fortemente apoiados pela Igreja, que contribuiu
para solidificar as relações comunitárias e a identidade de descendentes de escravos. Em
Juruti, as freiras também tiveram o mérito de ressaltar o sentimento de identidade comum
entre os habitantes do lago Juruti Velho, unificando todas as quarenta comunidades em uma
luta. No Sapucuá, a atuação não se deu de forma tão enfática, como nos outros casos,
apesar de terem sido os religiosos que incitaram os debates sobre os impactos da mineração e
fortaleceram e respaldaram as ações do Sindicato Rural.
3.4.2 O Reescalonamento dos Conflitos e das Lutas pela Terra
Durante a década de 1970, os movimentos sociais de caráter popular, com forte
vínculo com o lugar, se destacaram como uma das poucas resistências políticas no período
militar. Todavia, a abertura política de 1980 muda este panorama. Tais organizações
populares continuam se formando no âmbito local, impulsionadas pela emergência de novas
123
identidades sociais, mas sem exercerem o mesmo poder de ação nestes tempos democráticos e
globalizados. Os antigos mediadores, sindicatos e igrejas, perderam força num cenário de
disputas institucionalizadas e multiescalares, levando os movimentos de base a se articularem
em múltiplas escalas por redes sociais e de movimentos sociais, a partir da década de 1990.
Neste momento, as ONGs se destacam como mediadoras e articuladoras dos movimentos
populares e das redes sociais (SCHERER-WARREN, 1993).
Outra característica da ação social na atualidade reside na maneira de agir em escalas e
de se opor às mudanças socioespaciais oriundas da globalização. Seria no mínimo absurdo
afirmarmos o fim das relações de dominação do modo de produção capitalista na escala local.
Todavia, estas relações de poder sofrem um reescalonamento (SWYNGEDOUW, 2004),
ultrapassando a escala do espaço do trabalho e da organização da produção, travando-se
majoritariamente na escala global, da gestão das empresas transnacionais e de redes
financeiras (FERNANDES, 2001). Anteriormente, “era nas relações de trabalho que se
originavam os principais conflitos sociais. Agora, é no nível da economia globalizada, cujas
conseqüências se fazem sentir sobre o emprego e
nos territórios
locais e suscitam uma
oposição que une a defesa do local e a crítica ao global” (TOURAINE, 2006: p. 78).
As grandes corporações transnacionais (aí incluímos as duas empresas mineradoras
estudadas) exercem um poder mais efetivo sobre os fluxos nas redes globais de circulação e
possuem uma maior mobilidade espacial. Considerando que controlar e se articular em rede é
poder, essas corporações acabam fazendo uso da compressão espaço-tempo em seu favor, se
colocando de forma privilegiada na “geometria do poder” (MASSEY, 2000). Por outro lado,
os grupos sem acesso ou com pouco acesso às redes - as populações atingidas pela mineração
na Amazônia, por exemplo, estão de certa forma aprisionados aos limites do local,
encontrando-se em desigualdade de poder e de influência frente às grandes corporações.
Em resposta a esta desigualdade, os movimentos populares em área de mineração
tentam se tornar atores de múltiplas escalas, utilizando as interconexões entre o local e o
global, articuladas numa rede de organizações civis e mediadores de todos os níveis escalares,
num processo de “reescalonamento” dos conflitos sociais e de construção de territórios-
redes
85
(HAESBAERT, 2004). A nova perspectiva dos movimentos sociais globais ou
globalizados está contida no famoso slogan do movimento contra o capitalismo: our resiste
will be as transnacional as capital”. (ROUTLEDGE, 2000; CATELLS, 1999).
85
Territórios-redes, como apresentaram Raffestin (1993) e Haesbaert, consistem em territórios “configurados na
topologia e na lógica das redes, ou seja, espacialmente descontínuos, dinâmicos (com diversos graus de
mobilidade) e mais suscetíveis a sobreposições” (HAESBAERT, 2004: p. 306).
124
Segundo Routledge (2000), as redes sociais transnacionais que interconectam
movimentos sociais, ONGs, iniciativas locais e outras instituições, compõem um espaço de
convergência de interesses, objetivos, tática e estratégias, permitido pela difusão das redes
técnico-científicas e informacionais no período atual. Contraditoriamente, será a mesma
globalização empenhada para a reprodução do capital das corporações transnacionais que
possibilitará aos movimentos populares alterarem a balança do poder, por meio das
intensificações das redes de solidariedade, comunicação, de apoio e as trocas de informações
entre sujeitos sociais e organizações em diferentes contextos de luta em volta do globo. Não
se trata necessariamente de um processo de globalização dos movimentos em si, mas da
identificação dos conflitos e dos interesses dos movimentos de base local com questões ou
demandas universais, de toda a humanidade, como multiculturalismo, o direito dos povos
tradicionais ou a preservação do meio ambiente.
No âmbito da desigual geometria do poder, as lutas dos povos tradicionais contra o
poder do capital das grandes corporações transnacionais de mineração na Amazônia se tornam
inviáveis de serem travadas solitariamente e de maneira restrita à escala do local. Faz-se
necessário agredir a empresa em sua imagem globalmente difundida aos consumidores,
investidores, Estados, sociedade civil, instituições multilaterais, etc., colocando em dúvida a
credibilidade da responsabilidade socioambiental da corporação, especialmente em regiões
periféricas.
Os movimentos em área de mineração acabam por agregar novos aliados na luta em
defesa dos territórios tradicionais e da preservação da natureza. Contudo, os laços locais e
regionais de solidariedade são a base das lutas e das conquistas sociais. Nestas escalas, a
Igreja Católica exerce papel de destaque como o principal articulador regional. Se hoje existe
qualquer relação das mobilizações entre os movimentos que emergiram em Juruti com os de
Oriximiná, isto se deve à ação da Igreja. Ela vem unindo, por meio de reuniões de formação
de lideranças da Prelazia de Óbidos
86
e encontros sobre conflitos sociais na região, os líderes
e religiosos do movimento de Juruti, os sindicalistas e os quilombolas de Oriximiná, além de
outros movimentos populares da região.
Mesmo sem estabelecerem um movimento unificado contra mineração no Baixo
Amazonas, os impactos, conflitos, mobilizações e organizações políticas de Oriximiná
serviram como experiências para os conflitos no Sapucuá e em Juruti. Os danos e o caráter
excludente dos projetos de desenvolvimento fizeram o povo questionar os benefícios que o
86
A prelazia de Óbidos é responsável pelas paróquias de Juruti, Oriximiná, Óbidos, Terra Santa e Faro e está
subordinada à Diocese de Santarém.
125
empreendimento traria e o que deixaria de legado para os atingidos. A organização e
mobilizações pretéritas fortaleceram a idéia da necessidade de consolidar instituições fortes e
representativas para as comunidades, ao exemplo da ARQMO. O Sindicato Rural de
Oriximiná apoiou e acompanhou o processo de formação da ACORJUVE, cujos
representantes presenciaram, em 2002, a criação da ACOMTAGS pelo STRO, para fazer
frente à expansão da exploração da MRN no Sapucuá.
Apesar de a Igreja ainda ser uma das principais instituições mobilizadoras da região
amazônica, a tendência atual é de uma refuncionalização desta junto aos movimentos
populares. Se na década de 1970, ela centralizava a organização política da luta, por causa da
forte repressão dos militares, hoje ela não está sozinha. As ONGs, os Sindicatos (com menos
expressão) e outros movimentos sociais regionais ou nacionais tomaram a frente do processo
de mobilização e organização política (vide caso atual do MST em Carajás). Estes
movimentos, quase todos mobilizados pelos religiosos nas décadas passadas, atualmente se
consolidaram em estrutura independente da Igreja, capazes de atuar na mobilização das bases.
Além disso, desde a década de 1990, a Igreja Católica vem revendo a doutrina da Teologia da
Libertação e as práticas sociais, o que altera substancialmente os rumos e diretrizes de suas
ações junto à participação popular (GONH, 1995).
O enfraquecimento do elemento religioso pode ser considerada uma hipótese para
compreender os movimentos sociais na Amazônia no século XXI, porém, com ressalvas.
Possivelmente, em regiões da recente fronteira do capital, onde se tendia a haver baixa
intensidade de conflito e lutas sociais nas décadas passadas e onde quase não existiam
instituições representativas consolidadas, como em Juruti, a Igreja Católica ainda pode
exercer forte centralização política. Independentemente disso, ela ainda participa e tem papel
fundamental na organização e mobilização social amazônica. Pois, por meio das redes e
capitais sociais, ela pode interligar grupos afastados, dar visibilidade aos conflitos, aumentar o
capital social dos grupos excluídos, atrair cientistas, ONGs e outras organizações que apóiem
e legitimem as lutas.
Por exemplo, as Irmãs de Juruti utilizaram suas redes de relações sociais
internacionais para pressionar o Governo Federal a interceder nos conflitos com a mineradora,
por meio de apelos à então Ministra do Meio Ambiente Marina Silva e através do consulado
alemão, que se manifestou impossibilitado de influir em questões internas ao Brasil. E, ainda,
promoveram a articulação com a ONG Grupo de Trabalho Amazônico, para divulgar o
manifesto de ameaça ao lago Juruti Velho. Em Oriximiná, foi a Igreja Católica que aproximou
126
a ONG Pró-Índio São Paulo dos negros do Trombetas e assessorou os pesquisadores da
UFPA/NEAE nos levantamentos de informações para os laudos antropológicos que
subsidiaram a luta pela demarcação por terra da ARQMO.
A implantação do período democrático e a intensificação da globalização muda
sensivelmente os rearranjos políticos junto aos movimentos sociais populares. Os conflitos
sociais deixam de ser resolvidos pela força, passando para negociações pautadas por
mecanismos jurisdicionais. O Estado não é mais visto como um inimigo, como nos anos 70-
80, e sim como um interlocutor ou um possível parceiro. Neste contexto, os movimentos
populares necessitam de uma interlocução com as organizações institucionalizadas, estando as
ONGs como principais intermediárias entre o poder público, organizações internacionais e os
movimentos locais (GOHN, 1995).
A partir do final da década de 1980, o processo de desregulamentação do papel do
Estado provocou um crescimento das ONGs nacionais e internacionais no Brasil. Por outro
lado, a ECO-92 alimentou ainda mais este processo e fortaleceu as coligações entre os três
setores da sociedade - Estado, ONGs e sociedade civil especialmente, em torno da questão
ambiental.
A capacidade de articular o local ao global dá às ONGs uma posição de destaque junto
aos movimentos sociais e na resolução dos conflitos por recursos naturais na Amazônia.
Pautadas em pressupostos técnicos-científicos, estas instituições adquirem maior
aceitabilidade nos meios de comunicação, no meio científico e na opinião pública, o que lhes
permite interligar os Estados, os organismos e organizações internacionais às populações
locais (LENÁ, 1997). De um modo geral, as ONGs possuem os seguintes papéis: estabelecer
organizações locais e inseri-las em fóruns de discussões mais gerais; apoiar as comunidades
locais na autodefesa do território; atuar nos setores da educação, pesquisa e inovação
tecnológica; construir alianças com agências governamentais, organizações de base, outras
ONGs, organizações e organismos internacionais de financiamento; formular políticas e
promover o lobby para mudanças nas diversas escalas estatais (HALL, 1997).
A Comissão Pró-Índio de São Paulo (CPI-SP) é a única ONG com participação ativa
em uma das áreas de mineração no Baixo Amazonas. Apesar de existirem outras, elas não
exercem forte poder de influência, ou não apresentam significativas ações sobre os
movimentos populares da região. Em 1989, a CPI-SP foi convidada pela pastoral de
Oriximiná para assessorar a formação de uma comissão de atingidos por barragens contra o
projeto da hidrelétrica de Cachoeira Porteira. A CPI-SP detinha conhecimento sobre toda a
127
problemática, pois assessorara os povos indígenas atingidos por barragem no Xingu, no final
dos anos 1980. Contudo, a peculiaridade étnica dos possíveis atingidos por barragem de
Oriximiná mudava o foco anteriormente empreendido pela ONG, dos indígenas para os
descendentes de escravos.
A convite da prelazia de Oriximiná, a CPI-SP se uniu ao Centro de Estudos e Defesa
do Negro do Pará CEDENPA - e participou do II Encontro Raízes Negras, onde se decidiu
pela criação da ARQMO. Desde então, a Pró-Índio se tornou uma importante aliada do
movimento quilombola em Oriximiná, produzindo subsídios técnicos, financeiros e jurídicos;
participando de reuniões e assembléias; e facilitando o contato com o Poder Público, ONGs e
a imprensa. A CEDENPA foi outra ONG fundamental na articulação dos negros no Pará. No
entanto, ela perdeu força em Oriximiná, com a chegada e a concentração de poder na CPI-SP.
A Pró-Índio esteve atuante nas principais vitórias dos negros em Oriximiná e no Pará,
compondo a luta quilombola estadual com a ARQMO, o CEDENPA, a Federação dos
Trabalhadores na Agricultura nos Estados do Pará e a Comissão Pastoral da Terra/Pará. Entre
as vitórias podemos citar: a elaboração e aprovação de leis federais e estaduais; a criação pelo
Governo do Pará de um grupo de trabalho para apresentar propostas para a regularização das
terras de quilombo em 1997 e o Programa Raízes em 2000; a fundação da Comissão Estadual
de Comunidades Quilombolas do Pará, em 1999; e, por fim, as titulações das terras de 23
comunidades (www.cpisp.org.br).
Se, por um lado, a aliança entre ONG e ARQMO permitiu dar visibilidade em várias
escalas aos conflitos sociais e à luta por terras quilombolas na área de mineração em
Oriximiná, fortalecendo o movimento contra o avanço dos grandes projetos, por outro, ela
vem aos poucos transformando a forma de pensar e de agir da Associação, afastando-a dos
aliados sociopolíticos históricos, do Sindicato, da Igreja Católica e das próprias comunidades
de base, e aproximando-a de antigos rivais (MRN, IBAMA e políticos locais).
Com assistências financeiras de peso fornecidas pela União Européia, Interchurch
Organisation for Development Co-operation ICCO, Oxford Committee for Famine Relief -
OXFAM e Catholic Agency For Overseas Development (CAFOD), a CPI-SP destinou, nos
últimos seis anos, mais de três milhões e meio de reais para projetos quilombolas, sendo os
quilombos do Trombetas o pólo base da atuação. Este aporte de capital, aliado a filosofias
políticas das Organizações Não-Governamentais, conduziu o movimento quilombola de
Oriximiná ao processo de “ONGzação”. Isto é, mudaram-se as formas de luta, de organização
social e os objetivos do movimento, que se direcionou para a gestão dos recursos financeiros e
128
a promoção de projetos sociais de desenvolvimento. Tudo indica que o movimento
quilombola de Oriximiná se engessou nas amarras da burocracia e acabou dominado pelo
pensamento e a lógica das ONGs, correndo o risco de se tornar dependente destas.
Visivelmente, uma diminuição da atuação da Associação nos conflitos cotidianos,
pois está mais preocupada com as políticas em níveis extra-regionais. A ARQMO abandonou
a vitoriosa postura agressiva característica da primeira década de luta, optando pela
substituição da luta pela mobilização cotidiana travada no lugar pela luta conduzida na esfera
político-institucional, por meio do diálogo direto com o Estado e com as instituições em
conflito. Desta forma, se desloca o foco da luta da esfera do local e da organização na base
social para uma ordem mais abstrata, sem mobilização social. Uma luta pelo território, mas
fora do território.
No novo milênio, a sociedade civil tende a se organizar em redes de movimentos
sociais que congregam sujeitos coletivos que se identificam em valores, objetivos ou projetos
comuns (SCHERER-WARREN, 2006). Esta é uma das estratégias possíveis para pressionar o
poder estatal frente à pressão das grandes corporações transacionais. Dentre as redes de
movimentos sociais presentes nas áreas de estudo, destacamos o Grupo de Trabalho
Amazônico (GTA), no qual estão associados a ACORJUVE, a ARQMO e o STR de
Oriximiná. De todas estas redes articuladoras de movimentos na Amazônia, a mais abrangente
é o GTA, fundado em 1991/92, e que congrega 602 entidades representativas de extrativistas,
povos indígenas, quilombolas, pescadores, pequenos agricultores familiares e ONGs na
Amazônia. O Grupo desempenha papel de representação da sociedade civil junto aos
organismos multilaterais (BIRD, G-8), PPG-7 (Programa Piloto de Preservação das Florestas
Tropicais) e a órgãos públicos (ALMEIDA, 2004). E vem divulgando constantemente os
apelos do povo do lago Juruti Velho contra a exploração de bauxita e pela preservação dos
lagos, florestas e da cultura tradicional.
3.4.3 A “Ambientalização” dos Conflitos Sociais
O planejamento regional da Amazônia, principalmente entre 1966 e 1985, foi
caracterizado por grandes projetos nacionais com fortes interesses geopolíticos e
geoeconômicos. Os consecutivos governos militares desconsideram os impactos
socioambientais provocados pelos grandes empreendimentos, no intuito de redirecionar o
destino manifesto da nação brasileira e integrar o país. A concepção econômico-
129
desenvolvimentista presente nos mais variados planos de desenvolvimento para o território
nacional ao longo do tempo, que excluiu os pobres da região amazônica dos lucros da
exploração dos recursos naturais, continua sendo conduzida por grandes transnacionais,
bancos e por setores do Estado interessados em elevar a exportação de commodities.
Bunker (1985), em seu livro Underdeveloping the Amazon”, relatou como os
distintos processos históricos de exploração dos recursos naturais destinaram aos habitantes
da região apenas o ônus do “desenvolvimento” e a reformulação das relações sociais e de
poder pretéritas, deixando um legado de pobreza, devastação e subdesenvolvimento. O
subdesenvolvimento, neste caso, também tem que ser compreendido como reflexo da
destruição ecológica, da devastação ambiental, da dissolução das identidades coletivas, das
suas solidariedades sociais e das suas práticas tradicionais (LEFF, 2004).
A emergência do ambientalismo representa uma mudança nas tendências de
planejamento regional públicas e privadas e na forma de reação dos movimentos populares
rurais na Amazônia. Esta tendência política surge com força, na década de 1980, no bojo do
processo de redemocratização vivido no país, criando um conjunto de novas instituições e
normas. Neste momento, os movimentos populares de resistências, associados à ONGs
nacionais e internacionais, às igrejas, sindicatos e pesquisadores, tentam mudar as políticas de
planejamento para a Amazônia.
Para estes atores a região amazônica deve ser compreendida como uma fronteira étno-
ambiental, na qual os grupos tradicionais e a biodiversidade são o cerne do desenvolvimento.
Para tanto, implementar-se-iam projetos alternativos visando a uma gestão ambiental mais
democrática através da preservação dos ambientes naturais, do manejo coletivo dos recursos
naturais, da diversidade cultural, da solidariedade e dos territórios tradicionais. Observa-se
que os discursos culturais e ambientalistas se unem nas territorialidades utilizadas por atores
sociais almejando a tomada do controle territorial, em oposição à lógica hegemônica
desenvolvimentista das grandes corporações transnacionais, que vêem a Amazônia como a
última fronteira do capital e do capital natural (BECKER, 1982; 2004).
Demonstra-se, portanto, a disputa entre dois projetos de planejamento regional para o
espaço amazônico, com racionalidades, espacialidades, temporalidades e finalidades distintas,
que deflagram conflitos socioambientais diretos. Não existe qualquer entendimento possível
entre as partes, pois a adoção de um representa, impreterivelmente, a extinção do outro. O que
há, então, é a imposição de um projeto hegemônico de desenvolvimento pautado em grandes
empreendimentos, que suscita resistência e contra-projetos, conduzindo ao processo social
130
não-planejado (ELIAS, 2006), composto por inevitáveis conflitos e sobreposições territoriais.
Deve-se ressaltar, que diferentemente do projeto hegemônico, os contra-projetos não gozam
de uma proposta coletiva capaz de definir novos rumos para Amazônia, correspondendo a
resistência esparsas e localizadas.
Em meio a tais disputas, os novos e velhos movimentos populares assumem o discurso
ambiental, para fortalecer suas lutas. Não se trata de uma racionalização ambiental
compreendida como um tipo de conscientização ambiental em amplo sentido - dos
movimentos, como propõe Leff (2004), mas uma articulação lógica entre as práticas
socioespaciais e culturais dos povos tradicionais da floresta aos discursos ambientalistas, num
processo de ambientalização” dos conflitos socioterritoriais. A ambientalização dos
conflitos, antes restritos à questão fundiária, permite aos movimentos populares associarem
suas questões locais a demandas mais gerais da sociedade. Reside aí a possibilidade de
redefinirem-se as reivindicações e os interesses do movimento, dando maior visibilidade às
lutas sociais e tecendo novas alianças políticas por meio de novos signos.
O ambientalismo ganha ênfase na década de 1960, quando os debates sobre
sustentabilidade ganham destaque na idéia de desenvolvimento e quando aparecem os
primeiros movimentos ambientalistas de massa nos Estados Unidos, na Alemanha e na
Europa Ocidental (CASTELLS, 1999). Até então, a maioria dos autores compreendiam os
recursos naturais como bens infinitos, que deveriam ser explorados para alcançar o progresso
via crescimento econômico. A primeira conferência mundial da Organização das Nações
Unidas - ONU - sobre meio ambiente, em 1972, em Estocolmo, e, vinte anos depois, a
Conferência das Nações Unidas no Rio de Janeiro, em 1992 (ECO-92 ou RIO-92),
consolidaram os princípios do desenvolvimento sustentável e colocaram em debate uma nova
questão pública global, o meio ambiente.
Neste contexto, os olhares se voltam para a Amazônia, altamente fetichizada como
pulmão do mundo, banco genético, ar-condicionado do planeta, natureza intocada (ADAMS
et al, 2006). Como reflexo, ocorre a atração de novos atores sociais para a região e, com isso,
o fortalecimento das redes sociais multiescalares dos movimentos populares, que se aliam
especialmente às ONGs ambientalistas nacionais e internacionais, com grandes aportes
financeiros. É nesta relação social que está um dos meios pelo qual podemos chegar ao
processo ambientalização dos conflitos, em especial nas áreas de mineração.
Dessa forma, ele (o processo de ambientalização) parte da reação a um
“processo de devastação” anterior, intensificado desde a revolução industrial
e suas ondas posteriores, para tornar-se uma questão pública de importância,
131
desde os anos 1960 e 1970. Ele parte das lutas de populações atingidas,
profissionais concernidos, agências estatais e ONGs contra riscos à saúde
dos trabalhadores e de populações próximas a plantas fabris e
empreendimentos poluentes, e progressivamente obtém ganhos na
mobilização de grupos sociais, em sanções estatais, nacionais e
internacionais, contra processos de devastação e de riscos socioambientais.
Na Amazônia, (...) o “processo de ambientalização” estaria relacionado a um
processo implicando um avanço progressivo de reivindicações, conquistas e
novas institucionalidades ambientais, enquanto que, inversamente, o
“processo de devastação” estaria indicando um processo de destruição
progressiva de recursos ambientais, assim como um processo de
expropriação de grupos sociais
“tradicionais”, que conseguiram organizar-se
ao longo das últimas décadas como
grupos sociais “modernos” (LEITE
LOPES, 2006 p. 49-50).
Até a ECO-92, os movimentos populares rurais no Brasil não haviam introduzido em
suas lutas a questão ambiental. Em estudo realizado em 1990, Scherer-Warren (1993)
demonstrou essa baixa articulação dos movimentos no campo com os movimentos
ambientalista. Neste período, segundo a autora, apenas três movimentos apresentavam uma
significativa aproximação com o ambientalismo e com a defesa do meio ambiente: os
movimentos camponeses atingidos por barragem; o movimento indígena atingido por
barragem ou outras grandes obras; e o movimento seringueiro. Vê-se que tais movimentos
questionam, pela defesa do meio ambiente e da sobrevivência cultural, o modelo econômico
de grandes projetos e investimentos em infra-estrutura, setores estratégicos e a ocupação
agropecuária, que somente perpetuam a situação de exclusão e pobreza das populações rurais.
Na atualidade, diversos movimentos aderem ao discurso ambiental como uma
estratégia em suas lutas discursivas. O MST, por exemplo, anteriormente criticado como um
movimento sem preocupações ambientais, se ambientaliza, abrindo espaço para novos elos na
luta por terra e por uma agricultura sustentável. Seus atos e manifestações se voltam contra o
efeito dos transgênicos, contra o impacto ambiental da monocultura, contra o uso de
agrotóxicos, mas sem perder o cerne da questão do movimento, a função social da terra. De
alguma forma, acabamos fazendo uma analogia do MST com as lutas por justiça ambiental
(ACSELRAD et al, 2004)
A aproximação mais estreita entre os movimentos sociais populares e o ambientalismo
se deve as mudanças cnicas e na comunicação na sociedade em rede. Segundo Castells
(1999), o ambientalismo é um movimento com base na ciência, razão por que nasceu
desligado dos movimentos de base popular. No entanto, ele apresenta uma intensa ênfase no
controle sobre o espaço vivido nas localidades, o que se encaixa perfeitamente nos clamores
dos atores locais. A adaptabilidade dos movimentos ambientalistas às condições de
132
comunicação e mobilização do novo paradigma tecnológicos e o grande apelo do tema
ambiental na mídia (CASTELLS, 1999) contribuem intensamente para a difusão e adequação
da luta em variadas classes, gêneros, etnias, ideologias, etc. e do poder de influenciar as
pautas públicas nacionais.
A trajetória dos movimentos sociais populares em área de mineração na Amazônia é
de intensa disputa em torno do uso dos recursos naturais e pela manutenção do modo de vida
em forte consonância com a natureza. A reivindicação pelo acesso e autogestão dos recursos
naturais permite uma rápida apropriação das questões ambientais no repertório de lutas e
reclamações. No caso amazônico, a ambientalização está associada às lutas dos povos
tradicionais no campo. Tais grupos sociais, para legitimar suas práticas, modo de produção e
territórios, se autodenominam povos da floresta ou população tradicional (indígenas,
quilombolas, caboclos, ribeirinhos, castanheiros, seringueiros, quebradeiras de babaçu,
pescadores, etc.), isto é, parte integrante da própria natureza.
Essa explanação de identificação discursiva consiste em uma territorialidade no
sentido de protegerem os territórios (SACK, 1986) das possíveis e iminentes invasões do
capital ou de outros grupos de interesses. A nova nomenclatura social possibilita o acesso aos
direitos territoriais constitucionais, no caso dos indígenas e quilombolas, e/ou legitimam os
modos de vida tradicionais como práticas de subsistência não-agressoras ao meio ambiente.
Os quilombolas não gozam de status jurídicos, como os indígenas, mas têm
constitucionalmente assegurados seus direitos territoriais frente aos interesses capitalistas e de
preservação ambiental restrita. Diferentemente destes dois povos citados, o restante dos povos
tradicionais não contêm tamanha proteção jurídica (SANTILLI, 2004), mas estão, do mesmo
modo, relacionados a formas de conservação e utilização sustentável da biodiversidade.
Na Amazônia, desde a década de 1990, o extrativismo dos povos tradicionais foi
redescoberto como uma atividade não-predatória e capaz de proporcionar a valorização
econômica regional. Movimentos como os seringueiros, liderado por Chico Mentes, lutaram
por novas maneiras de apropriação do espaço que aliassem a conservação ambiental com a
reforma agrária em terras comuns, como é o caso da reservas extrativistas (GONÇALVES,
2001). O direito dos povos tradicionais brasileiros se concretizou em 2000, com o SNUC,
cujos objetivos vão além da preservação da biodiversidade e visam também à conservação da
sociodiversidade. Sendo assim, garantiram-se a esses grupos meios de subsistência utilizando
os recursos naturais, indenizações por recursos perdidos, participação na gestão das áreas de
133
preservação e duas categorias de UCs específicas destinadas a abrigá-los – as Reservas
Extrativistas e as Reservas de Desenvolvimento Sustentável.
Na área de mineração, a ambientalização do conflito é por parte dos atingidos uma
forma de questionar a perda dos recursos naturais, que constituem a base da economia natural,
da socialização e que lhes permite a sobrevivência (SILVA, 1996). Por isso, os principais
argumentos dos atingidos no caso da exploração de bauxita se referem à perda das áreas de
extrativismo florestal, com a derrubada das árvores, a diminuição da caça e pesca, os perigos
de contaminação dos igarapés, rios e lagos, as áreas cercadas por Unidades de Conservação,
company-town, portos e áreas de lavra. Por detrás destes argumentos, mas sem desmerecê-los,
estão os interesses e os receios em perder o controle sobre o território ou parte dele. Portanto,
a questão ambiental serve para deslegitimar o projeto desenvolvimentista-economicista,
colocando-o como o grande inimigo dos “bens comuns do povo”, o meio ambiente, enquanto,
se reafirma o direito fundiário e o caráter preservacionista dos povos tradicionais das
florestas.
Como bem aponta Leite Lopes (2006) nos estudos de caso sobre Itaguaí, Volta
Redonda, Angra dos Reis e Argentina, grupos como pescadores, trabalhadores rurais,
“povos da floresta”, operários preocupados com a saúde do trabalhador” apropriam-se
das questões, da linguagem e da argumentação ambiental para engrandecerem-se em
conflitos com seus eventuais oponentes
(p.48).
Ou seja, os pobres atingidos ou vulneráveis
absorvem os conhecimentos de cunho científico e jurídico, reformulando-os a partir dos
saberes e dos conflitos vivenciados no local, fornecendo à teoria elementos empíricos
concretos para disputa teórico-ideológica travada contra o capital.
O autor ainda nos mostra o reverso desta ambientalização, onde não só os movimentos
sociais, mas todos os atores ambientalizam seus discursos, para disputarem semântica e
materialmente o controle e a legitimidade do poder sobre as pessoas, o espaço e os recursos
(RAFFESTIN, 1993).
A empresa como contra-resposta ao bem sucedido processo de
ambientalização do conflito por parte dos atores sociais varia entre a
ilegalidade e ilegitimidade não fiscalizada de uma continuidade de práticas
de acumulação primitiva ambiental até a violência doce do uso da linguagem
e procedimentos ambientalmente corretos no contexto da dominação
empresarial exercida de forma socialmente irresponsável (LEITE LOPES,
2006: p. 32).
As agências privadas que pseudo-regularizam as práticas ambientais corporativas
aparecem com destaque em meio aos conflitos ambientais discursivos. Os selos ambientais
134
das normatizações nas formas de produzir, do tipo ISO 9000, ISO 14.000, são as maneiras
mercadológicas de legitimar as práticas empresariais. Dá-se às empresas ambientalmente
ilegítimas uma nova roupagem, apropriada da crítica ambiental ao capitalismo ou aos seus
aspectos devastadores, que desemboca nas “responsabilidades ambientais corporativas” ou
mesmo nos lucrativos investimentos antipoluentes e ambientalmente “sustentáveis” (LEITE
LOPES, 2006). Mais uma vez, a questão ambiental é deslocada do local para o global, por
meio destes socialmente aceitos discursos, selos e signos.
Na Amazônia, os grandes agentes econômicos não estão interessados em consolidar a
imagem de Amazônia étno-ambiental dos povos tradicionais e da conservação da
biodiversidade. Este modelo representaria uma barreira à acumulação primitiva de capital
natural. Todavia, as grandes corporações incluem em suas políticas de responsabilidade o
fortalecimento das populações locais e a preservação da natureza. Até porque, falar em
grandes empreendimentos na Amazônia, sem citar a preocupação com a preservação da
natureza, seria uma afronta aos poderosos interesses das ONGs ambientalistas e outros atores.
Os mitos da importância da floresta amazônica para o globo obrigam ainda mais ao capital
incorporar, em seus discursos e práticas, as demandas por proteção da natureza.
O ambientalismo empresarial é mais uma estratégia de legitimação e de controle
territorial das grandes corporações mineradoras, para garantir a reprodução do capital. O
desenvolvimento sustentável pregado não é a exploração dos recursos minerais sem impactos
à natureza, mas uma crença na modernização conservadora e na “economização” dos
indivíduos e da natureza, como formas capazes de impedir ou recompor grandes
transformações sociais e ambientais (ACSELRAD et al, 2004). Os projetos de recuperação de
áreas degradadas, de monitoramento e contenção de impactos são obrigações legais das
empresas, mas se tornam grandes propagandas a fim de convencer a sociedade, os acionistas,
os compradores e o poder público de suas práticas responsáveis. Podemos citar o caso do lago
Batata, no qual o maior impacto ambiental de uma mineradora na Amazônia se transformou
no principal marketing de responsabilidade ambiental da Mineração Rio do Norte.
No entorno mineral, os conflitos fundiários também se ambientalizam por meio da
criação de áreas de preservação da natureza. O objetivo de isolar os empreendimento de
possíveis pressões sociais e fazer política ambiental retira o foco do direito à terra para o
questionamento das formas de preservação do meio ambiente, alterando ou camuflando a
natureza do conflito. A idéia de preservação integral da natureza, amplamente aceita na
sociedade, se contrapõe aos direitos centenários das comunidades tradicionais, sendo capaz de
135
legitimar o exercício da força para reprimir as práticas espaciais socioculturais e expropriar os
povos tradicionais. A gestão coletiva dos recursos naturais é confrontada pela política de
preservação total que criminaliza os usos dos recursos naturais. Provoca-se a intensificação da
separação homem/natureza e cultural/natural. Enquanto o órgão ambiental e as mineradoras
apontam os moradores tradicionais como a principal ameaça à preservação ambiental pelo
extrativismo, queimadas, caça, pesca, etc.
87
, os povos tradicionais vão se dizer os verdadeiros
guardiões da floresta, capazes de preservá-la por décadas, até a chegada das UC e da
mineração.
Em Oriximiná e Juruti, os movimentos populares tentam desconstruir os mitos da
sustentabilidade empresarial e da natureza intocada (DIEGUES, 1996). Com isso, a temática
meio ambiente através da negação da atividade mineral e pela preservação do modo de vida
agroextrativista adentra os meandros da militância política da ARQMO, STRO e da
ACORJUVE, como meio de defenderem a demarcação das terras tradicionais. Neste
momento, as práticas de apropriação comunitárias do território e de uso tradicional dos
recursos naturais são confrontadas com as ões devastadoras da exploração mineral,
adquirindo, relativamente, uma tonalidade muito mais conservacionista.
Do mesmo modo, os povos tradicionais, hoje ameaçados de despejo pelas UCs e pelas
mineradoras, se dizem os moradores dessas florestas preservadas e que perpetuaram a densa
paisagem hoje passível de ser restritamente preservada e intensamente cobiçada por seu
capital natural. Leff (2004) chamou esses embates de um confronto entre racionalidades: de
um lado a racionalidade ambiental das terras coletivamente ocupadas, da socialização dos
recursos naturais e da diversidade étnico-cultural – e de outro, a racionalidade econômica – do
mercado, dos lucros corporativos, da degradação ambiental, da exploração da natureza, da
preservação da natureza como reserva de valor e da marginalização social.
A ARQMO, por exemplo, defende que o manejo florestal desenvolvido para o
consumo diário das famílias negras no Trombetas provoca pouquíssima interferência na
natureza. E ressalva que os territórios quilombolas constituem, portanto, um importante
patrimônio de recursos naturais e biodiversidade que precisa ser conservado
(www.quilombo.org.br). Percebe-se que a Associação sutilmente reafirma a necessidade de
titular as terras quilombolas por sua legitimidade de preservação ambiental.
87
O plano de manejo da Flona demonstra a visão preconceituosa do IBAMA e da MRN sobre o modo de vida
tradicional, ao apontar as áreas nas proximidades das residências ou das áreas de extrativismo dos povos
tradicionais como áreas de maior vulnerabilidade ambiental, maior até mesmo que a atividade mineradora
(MMA/IBAMA, 2001).
136
As freiras e a ACORJUVE são mais ousadas na crítica ambiental e contestam, além
dos impactos físicos do empreendimento, o próprio discurso ambiental da ALCOA. A forma
de ambientalizar o conflito se faz pela desconstrução do ambientalismo empresarial pregado e
pela exaltação de uma postura ambientalista e humanista frente às desigualdades
socioambientais:
Receamos que toda esta área vire deserto depois do desmatamento. Os
resíduos da lavagem de bauxita e uma futura refinaria de bauxita na região
causarão a contaminação do lago, da água do subsolo e do ar, provocando
danos irrecuperáveis à vegetação restante. (...) Estamos bastante esclarecidos
para saber que um complexo ecossistema como este não pode ser substituído
por uma simples plantação de árvores nativas. (...) As políticas sociais e
ambientais da ALCOA, embora respeitando a legislação brasileira e certas
normas de preservação ambiental, são políticas de fachada para vender uma
imagem positiva a quem nela acreditar, que tais atividades sempre estão
afetando ecossistemas locais, devastando florestas, extinguindo espécies
naturais e desprezando a cultura existente. (www.gta.org.br
)
Em suma, esses grupos de baixa renda e minorias étnicas no entorno mineral da
Amazônia mobilizam-se contra o fato de serem escolhidos como alvo de injustiças e
discriminações ambientais, quais sejam: a exposição à poluição, a materiais prejudiciais à
saúde, à devastação ambiental e ao cercamento dos recursos naturais por áreas de preservação
ambiental. Em alguns momentos, como no caso de Juruti, essas comunidades, que lutam pela
preservação de seu espaço, negam veementemente tais projetos arbitrários e usos indesejáveis,
aproximando-se teoricamente dos movimentos contra empreendimentos danos ao meio
ambiente, que surgiram, em 1978, nos Estados Unidos (CASTELLS, 1999).
De maneira mais ampla, os movimentos de resistência aos grandes projetos de
desenvolvimento, ou movimentos gestados no conflito com o Estado e com empresas - nas
questões relacionadas a mineração, petróleo, hidrelétrica, áreas protegidas, monoculturas,
biotecnologia, etc. - e a favor dos direitos territoriais, humanos e da autogestão dos recursos
naturais, são entendidos como ambientalistas populares (ALIER, 2007). Mesmo não se
denominando ambientalistas, eles defendem causas ambientais, no sentido mais essencial da
palavra, ou seja, o direito sobre recursos vitais para a subsistência humana terra, água,
floresta, rio, mar, ar limpo, peixe, etc. Este ecologismo dos pobres, ecologismo popular, ou
justiça ambiental, defende um ambiente socionatural a partir de demandas por justiça social e
ambiental nas formas de apropriação do território e dos recursos naturais e em oposição direta
aos impactos da modernização ecológica desigualmente distribuídos entre os mais pobres
(ACSELRAD et al, 2004; ALIER, 2007).
137
Podemos, então, encaixar os movimentos emergentes nas áreas de mineração na
Amazônia na nomenclatura conceitual do ecologismo popular ou movimento pela justiça
ambiental. Os grupos atingidos por mineração resistem às políticas regionais de
desenvolvimento, de forma que lhes possibilitem uma participação na gestão do território.
Deste modo, pretendem consolidar a apropriação sobre as terras tradicionalmente ocupadas, o
direito à diversidade cultural e às práticas socionaturais, a socialização dos recursos naturais, a
democratização das políticas regionais e uma distribuição mais justa dos impactos e dos
lucros da exploração mineral. Por fim, os movimentos sociais populares em áreas de
mineração da Amazônia são movimentos que lutam por um projeto territorial alternativo
através da preservação ambiental interligada aos direitos étnico-identitários. Um projeto que
mantenha e desenvolva a autonomia dos territórios habitados coletivamente, almejando a
reprodução social e cultural em íntima relação com a natureza.
138
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao se dividir a estrutura da dissertação em duas partes, a primeira apresentando os
conflitos, e a segunda discutindo sobre os movimentos sociais populares, buscou-se
sistematizar a compreensão em torno destes dois processos. No entanto, o processo de
conflitos e de ação social - como se demonstrou na discussão teórica - estão intimamente
imbricados. Ao estruturarmos a pesquisa, nos questionamos sobre qual processo é o primário:
os conflitos ou a ação social. Os conflitos e as ações dos movimentos sociais são processos
dialéticos e interdependentes que não podem ser dissociados um do outro. Em alguns casos,
nos parece que os conflitos provocam as reações sociais dos movimentos, em outros, são os
próprios movimentos os deflagradores dos conflitos. Assim, não podemos remeter esta
relação a uma situação seqüencial ou causal obrigatória. A separação em dois capítulos faz
parte do exercício teórico-metodológico que visa à compreensão e à simplificação das
complexidades reais dos casos analisados. Por isso, constantemente se fez necessário repetir
ou nos remetermos a fatos de conflitos previamente relatados.
A noção de conflito ambiental, como defendida por Acselrad (2004; 1992), foi
primeiramente pensada como capaz de explicar os conflitos vivenciados nas áreas de
mineração da Amazônia brasileira. Porém, os conflitos não se resumem às disputas por
apropriação e significação dos recursos naturais. A disputa pela terra, como forma de controle
territorial, coloca os conflitos também na perspectiva do fundiário. Os povos tradicionais, as
corporações mineradoras, os órgãos públicos e os outros atores envolvidos lutam, sim, pelos
recursos naturais, mas, para isso, precisam legitimar suas formas de apropriação territorial
pela defesa dos direitos fundiários. A mineradora quer assegurar seu direito de concessão de
lavra; os povos tradicionais lutam pelas demarcações das terras tradicionalmente ocupadas; o
IBAMA visa a garantir a integridade e os limites das UCs; o INCRA, a manutenção ou
delimitação dos assentamentos rurais; os antigos proprietários ou grileiros querem corroborar
sua propriedade privada sobre a terra, etc. Poderíamos dizer que os conflitos sociais são pelo
geografar. Isto é, o poder de desenhar sobre o espaço geográfico, criando novos limites,
territórios e territorialidades (GONÇALVES, 2002).
Não defendemos a idéia de que os conflitos sociais em áreas de mineração na
Amazônia correspondem à oposição entre o moderno e o arcaico, porém, sem descartar que
pode haver um choque de temporalidades distintas a cada ator (SANTOS, 2004). Os
atingidos, apesar de buscarem a manutenção das terras e de seus modos de vida tradicionais,
139
lutam por formas modernas de apropriação do território, tais como: assentamentos rurais
agroextrativistas, territórios quilombolas, terras indígenas, Unidades de Conservações de uso
sustentável, livres acessos aos recursos naturais, etc. Essas novas propostas territoriais visam
a romper com o modelo clássico de “modernização conservadora”, que compreende os
problemas da modernização brasileira como a dificuldade de romper a tradição, as relações, as
instituições e as práticas de um Brasil arcaico, porém sem mudar as estruturas sociais
(COELHO, 2007).
A implantação de megaprojetos e os conflitos por eles deflagrados dão maior
visibilidade aos problemas e às demandas sociais em área de mineração, atraindo órgãos
públicos, instituições privadas e não-governamentais, para resolvê-los. Os conflitos e
impactos provados pelas mineradoras resultam em ões e mobilizações dos grupos sociais
atingidos, que também adquirem outra notoriedade. Questões diretamente vinculadas à
exploração mineral tornam-se prioridade para o poder público, que tenta, de qualquer forma,
zelar por um good bussiness climate” (FERNANDES, C 2001), evitando atrasos ou
prejuízos ao grande capital.
Os problemas fundiários são centrais nas áreas de mineração, sendo, porém, ainda um
tema pouco estudado e pensado por pesquisadores e gestores. A disputa por terra, tanto no
âmbito legal, quanto no espaço concreto, não está dissociado da exploração do subsolo e das
transformações físicas da superfície, podendo criar barreiras para o prosseguimento das
atividades produtivas. Por exemplo, os proprietários de terra têm o direito jurídico de serem
ressarcidos por qualquer dano sofrido e de receberem uma parcela nos lucros auferidos no
interior de suas propriedades. Entretanto, no caso amazônico, a disputa por terra não pode se
limitar à propriedade privada, tendo que se levar em consideração outras formas de
apropriação.
Em Juruti, a titulação do assentamento Juruti Velho e a retomada de políticas
fundiárias nos assentamentos afetados pela ferrovia; e em Oriximiná, as UCs, os territórios
quilombolas e os assentamentos rurais são políticas territoriais do Estado que pretendem, mas
não só, estancar os conflitos por terra nas regiões minerais, institucionalizando o espaço, para
tranqüilizar e melhor controlar os grupos atingidos do entorno. Além disso, outros projetos
secundários - como a distribuição de máquinas para produção, crédito agrícola, construção de
habitações ou de infra-estrutura (mini-hidrelétrica, escolas, galpões, cisternas de água, etc.) -
são levados a cabo, no intuito de impedir os conflitos sobre as grandes desigualdades sociais
que passam a existir entre as áreas das empresas e o entorno.
140
Sendo assim, não se descartou a forma de interpretar os conflitos em área de
mineração como ambientais, mas se acrescentou a ela o componente fundiário-territorial. Os
conflitos sociais são, predominantemente, fundiário-territoriais e por recursos naturais, porém
incluem ainda outros conflitos: em torno da organização e planejamento espacial imposto pela
mineradora e pelo Estado; pelo acesso a direitos básicos (saúde, educação, emprego, etc.);
conflitos de temporalidades; territorialidades; direitos; e discursos. Dos casos estudados,
podemos destacar os conflitos em Oriximiná como os de caráter mais ambiental. As disputas
territoriais promovidas pelos caboclos, quilombolas, órgãos ambientais, ONGs e mineradoras
elucidam muito mais as formas de apropriação e significação dos recursos naturais. Os
conflitos fundiários nesta localidade foram ambientalizados para esconder, ou fortalecer a
disputa pela terra.
Ressalta-se, portanto, que na Amazônia brasileira os conflitos não abarcam a questão
mineral em si. Ou seja, o se discute o destino dos lucros provenientes da exploração dos
recursos minerais, a distribuição igualitária dos recursos financeiros, os tipos de
compensações, as propostas de desenvolvimento regional, as técnicas de extração, outras
formas alternativas à extração mineral, etc. Contudo, será que em alguma área de mineração
no Brasil, na América do Sul ou no mundo a questão mineral é colocada em voga pelos
grupos atingidos? Existem localidades onde os conflitos são explanados como conflitos
minerais?
Os conflitos em área de mineração na Amazônia não se sintetizam na oposição
grandes corporações versus grupos atingidos. Eles envolvem uma variedade de instituições e
sujeitos com diferentes interesses e planejamentos para o mesmo espaço geográfico.
Constitui-se, nestas regiões, uma conjuntura de reordenamento espacial, campo de poder,
conflito territorial e desequilíbrio ambiental, composta pelos seguintes atores:
Os povos previamente estabelecidos atingidos pela mineradora, lutando por meio de
organizações da sociedade civil (ARQMO, AMORCREQ CPT ACORJUVE, STRO,
STTRJ) por direitos territoriais-ambientais, étnicos ou consuetudinários;
As grandes corporações nacionais, transnacionais ou joint-venture visando à reprodução do
capital pela extração mineral (ALCOA e MRN, com seus acionistas);
Os “ditos” proprietários de terras ou grileiros, munidos de documentações que comprovam a
titularidade da terra e o direito a indenização ou royalties (famílias Valle Miranda e Abreu,
Kalman Somody/Xingu S/A e família Almeida);
O Estado, com suas políticas territoriais repletas de ambigüidades e de interesses políticos,
econômicos e ideológicos (governos estaduais e federais e seus respectivos órgãos - INCRA,
ITERPA, SECTAM, IBAMA, MPs federais e estaduais, DNPM e BNDES);
141
Outras corporações capitalistas intencionadas em faturar com o planejamento regional
financiado pelo Estado (Grupo Ludwig /JARI, Andrade Gutierrez e ELETRONORTE);
As Igrejas Católicas, interessadas na emancipação política e religiosa das comunidades
pobres, e as Igrejas Evangélicas;
As ONGs e os pesquisadores das Universidades, que subsidiam cientificamente os discursos e
organizam ões e projetos em ambos os lados do conflito (CPI-SP, GTA, CEDENPA,
NAEA/UFPA, UFRJ, IMAZON, ECOMUM, CESUPA. FUNBIO, FGV, WRI, CI, ICCO,
OXFAM, CAFOD).
Estes atores foram os encontrados nas duas áreas de estudo, mas não esgotam as
possibilidades. Outras áreas de mineração podem apresentar outros tipos de organizações,
instituições ou sujeitos sociais. Contudo, os atores sociais envolvidos nos conflitos sempre
promoveram relações sociais às vezes convergentes, outras vezes divergentes, e ainda travam
alianças ou embates, pretendendo constantemente atingir seus respectivos interesses
individuais ou coletivos. Nenhum dos atores, nem mesmo os movimentos sociais populares,
podem ser vistos de forma homogênea, pois no interior de cada um deles há diferenças,
divergências, contradições e disputas por poder. Deste modo, admite-se que todos agem com
certa ambigüidade, dependendo da situação, e são passíveis de mudanças de postura, ações,
discursos e objetivos no espaço e no tempo.
Ao que tudo parece, na atualidade, as políticas de desenvolvimento regional estão mais
abertas ao debate público com maior participação popular, tendendo a ser menos violentas e
injustas. Isso se deve aos conflitos empreitados pelos movimentos sociais no período da
repressão da ditadura e de abertura política. A partir da Constituição de 1989, as normas
jurídicas estimularam a participação popular nas decisões de grandes projetos causadores de
intensas transformações locais, como “o aparato legal que viabilizou a implantação de
medidas compensatórias para os potenciais danos provocados, aliado à possibilidade de
alterar os projetos originais, deu uma força inquestionável aos grupos que se sentem
atingidos pelos planos, programas, projetos ou ações do governo ou das empresas
(THEODORO et al, 2004; p.13). Mesmo assim, as relações de poder ainda são assimétricas
para os mais pobres, que continuam sendo os principais afetados pelas transformações e
impactos impetrados por grandes corporações capitalistas.
A compreensão teórica sobre os movimentos populares em área de mineração ainda se
encontra muito incipiente. Faz-se necessário um aprofundamento teórico e empírico,
possivelmente buscando outras realidades, para consolidar a hipótese de que existem
peculiaridades nestes movimentos. A princípio, entendemos que esta peculiaridade vai além
142
das localização próxima às áreas de mineração e que estes movimentos acabam de alguma
forma sendo um produto dos conflitos deflagrados na relação contraditória e dialética com as
corporações mineradoras.
Se formos comparar os movimentos nos dois momentos históricos e locais estudados,
perceberemos, a grosso modo, que os movimentos no século XXI, especialmente em Juruti,
incorporam mais a temática mineral em suas contestações. Isto é, além das questões centrais
em relação à terra e ao meio ambiente, as questões sobre os royalties, as indenizações,
responsabilidade empresarial e o desenvolvimento regional começaram a ser indagadas pelos
atingidos e pela sociedade em geral. Tais indivíduos raramente almejam o fim da exploração
mineral, mas visam a uma maior inclusão nos ganhos provenientes da exploração dos recursos
naturais no seu território.
Esta mudança recente na maneira dos atores sociais atingidos reagirem no conflito, ao
que tudo indica, ainda não alterou o cerne da questão da terra para recurso mineral. No
entanto, este processo de transformação faz parte de uma reflexão da sociedade amazônica
sobre os conflitos, impactos, desigualdades, pobreza e subdesenvolvimento deflagrados e
potencializados pelas atividades minerais de grande porte na Amazônia nos últimos cinqüenta
anos.
143
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