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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC–SP
Maria Isabel Rebello Pinho Dias
A incriminação das condutas de parcelamento ilegal do solo urbano à luz dos
princípios penais e mandados de criminalização da Constituição Federal de 1988
MESTRADO EM DIREITO
São Paulo
2010
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC–SP
Maria Isabel Rebello Pinho Dias
A incriminação das condutas de parcelamento ilegal do solo urbano à luz dos
princípios penais e mandados de criminalização da Constituição Federal de 1988
MESTRADO EM DIREITO
Dissertação apresentada à banca examinadora da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo como exigência parcial para
obtenção do título de Mestre em Direito Penal, sob a orientação
do Professor Doutor Antonio Carlos da Ponte.
São Paulo
2010
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC–SP
MESTRADO EM DIREITO
A incriminação das condutas de parcelamento ilegal do solo urbano à luz dos
princípios penais e mandados de criminalização da Constituição Federal de 1988
Orientanda: _________________________
Maria Isabel Rebello Pinho Dias
Professor Orientador: _________________________
Dr. Antonio Carlos da Ponte
Banca Examinadora
________________________________________
________________________________________
________________________________________
A Márcia, Eduardo e Tiago pelo apoio
incondicional em todos os momentos.
AGRADECIMENTOS
Agradeço ao meu mestre e orientador deste trabalho Professor
Doutor Antonio Carlos da Ponte pelos ensinamentos, pela paciência e pelo
exemplo de seriedade e dedicação.
Agradeço, ainda, às queridas amigas Carla, Helena, Maria Rita,
Daniela e Luiza, que acompanharam o processo de desenvolvimento deste
trabalho.
Por derradeiro, agradeço às Professoras Doutoras Eloisa Sousa
Arruda e Clarice von Oertzen Araujo, as quais integraram o meu exame de
qualificação, fazendo sugestões que contribuíram para o aperfeiçoamento
desta pesquisa.
RESUMO
O estudo da Lei do Parcelamento do Solo Urbano - Lei nº 6.766/79 - é
essencial para aprofundar as questões que envolvem os problemas urbanísticos existentes
na nossa sociedade. Percebe-se que há uma lacuna na doutrina na análise desse tema, o que
gera prejuízo a toda coletividade diretamente afetada pelo desrespeito às diretrizes
urbanísticas.
O fato de essa legislação contar com mais de trinta anos não exauriu o interesse
no seu exame, pois, após a sua entrada em vigor, foi promulgada uma nova Constituição
Federal e passaram a viger diversas leis relacionadas à matéria.
Nesse contexto colocam-se as seguintes questões: os crimes urbanísticos foram
recepcionados pela nova ordem constitucional? interesse em incriminar as condutas de
parcelamento ilegal do solo urbano? Qual é a melhor forma de criminalizá-las? Qual o bem
jurídico protegido por tais delitos?
Esse trabalho pretende discutir essas questões, a fim de contribuir para que o
tema seja aprofundado na nossa doutrina. Isso porque, quiçá, com o debate sobre a melhor
forma de tratamento das condutas de parcelamento ilegal se possa facilitar um
desenvolvimento mais sadio e adequado das cidades, resguardando-se o ordenamento do
território e o meio ambiente.
Palavras-chave: parcelamento ilegal solo urbano Constituição Federal de 1988 – Lei
6.766/79 bem jurídico-penal - administração pública – ordenamento
territorial - meio ambiente – desenvolvimento sustentável.
ABSTRACT
Studying the Law about urban land division - Law 6.766/79 - is essential to
understand some aspects of the urban issues in modern society. As a matter of fact, it is
clear that there is not enough research about the theme, which results in direct damage to
the entire society once the urban rules are not respected.
The fact that this law is more than thirty years old does not exclude the interest
in deepening its analysis because, since then, a new Federal Constitution was promulgated
and several other laws related to the theme became effective.
In this context, a few important questions shall be posed: have the urban crimes
determined by Law nº 6.766/79 been corroborated by the new constitutional order? Is there
any interest in criminalizing actions referring to the illegal parceling of the urban land?
What is the best way of criminalizing them? Which criminal legal interests do these crimes
protect?
This study aims to discuss such an important matter and therefore stimulating
deeper research by legal experts about the theme. Hopefully, as a consequence of increased
debate on illegal parceling of the land, a healthier and more sustainable urban development
in a long term perspective will be fostered.
Key words: illegal parceling – urban land –Federal Constitution of 1988 – Law nº 6.766/79
criminal legal interests - public administration territorial ordenation -
environment – sustainable development.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
....................................................................................................................................... 8
1. HISTÓRICO LEGISLATIVO
....................................................................................................... 11
2. MULTIDISCIPLINARIEDADE DO TEMA: DIMENSÃO POLÍTICA, SOCIAL E
ECONÔMICA
................................................................................................................................ 23
3. OS CRIMES DE PARCELAMENTO ILEGAL DO SOLO URBANO (ARTIGOS
50 A 52 DA LEI Nº 6.766/79)
...................................................................................................... 27
3.1. Conceito de parcelamento do solo urbano ..................................................................................... 29
3.2. Fato típico ...................................................................................................................................... 33
3.2.1. Tipos penais em espécie ...................................................................................................... 41
3.2.1.1. Artigo 50, incisos I e II ............................................................................................... 41
3.2.1.2. Artigo 50, inciso III ..................................................................................................... 51
3.2.1.3. Artigo 50, parágrafo único, incisos I e II .................................................................... 56
3.2.1.4. Artigo 51 ..................................................................................................................... 61
3.2.1.5. Artigo 52 ..................................................................................................................... 64
3.3. Objetividade Jurídica ..................................................................................................................... 69
3.3.1. Tutela de bens jurídicos supra-individuais .......................................................................... 76
3.3.2. Conotação Individual dos delitos urbanísticos .................................................................... 82
4. A RELAÇÃO ENTRE O DIREITO PENAL E A CONSTITUIÇÃO
.................................. 84
4.1. Os bens jurídicos protegidos pelo Direito Penal e o processo de recepção jurídico-penal ............ 84
4.2. Os dispositivos penais da Lei nº 6.766/79 e a Constituição Federal de 1988 ................................ 88
4.2.1. Os mandados de criminalização na nova ordem constitucional e a lei do
parcelamento do solo urbano ............................................................................................ 94
5. ANÁLISE CRÍTICA
...................................................................................................................... 108
6. APURAÇÃO DOS DELITOS URBANÍSTICOS
.................................................................... 118
7. DIREITO COMPARADO
............................................................................................................ 121
CONCLUSÃO
...................................................................................................................................... 129
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
........................................................................................... 132
ANEXOS
............................................................................................................................................... 141
ANEXO 1 - LEI N
o
6.766, DE 19 DE DEZEMBRO DE 1979 ............................................................... 142
ANEXO 2 – REFORMA DO CÓDIGO PENAL (RELATÓRIO E ANTEPROJETO DE LEI) ............ 155
ANEXO 3 PROJETO DE LEI N
o
3057/2000 (SUBSTITUTIVO ADOTADO PELA COMISO) ..............165
8
INTRODUÇÃO
A Lei 6.766/79 tamm conhecida como Lei Lehmanns
1
teve
papel essencial na regulamentação do parcelamento do solo urbano, mormente
considerando-se que, à época em que entrou em vigor, ressentia-se da falta de
dispositivos legais que permitissem o efetivo controle da urbanização.
A urbanização é definida por José Afonso da Silva
2
como “o
processo pelo qual a população urbana cresce em proporção superior à
população rural”, porém “não se trata de mero crescimento das cidades, mas
de um fenômeno de concentração urbana”.
A necessidade de controle desse processo fazia-se premente,
porquanto a urbanização se intensificou a partir da década de 30 quando as
indústrias passaram a ter maior relevância na economia brasileira - e
culminou com a predominância da população urbana, quando o índice de
urbanização
3
superou 50% (cinqüenta por cento), segundo censo demográfico
do IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
4
realizado em 1970.
A ausência de sanções na legislação existente sobre a matéria
resultava em “carta branca” aos oportunistas para que dividissem grandes
porções de terra, vendendo lotes sem registro e em locais sem infra-estrutura
mínima em detrimento não dos adquirentes muitas vezes tentando
concretizar o tão almejado “sonho da casa própria” mas também dos
1
A lei do parcelamento do solo urbano também é chamada de Lei Lehmann, pois o projeto de lei que a
originou foi apresentado pelo Senador Otto Cirillo Lehmann, em 1977.
2
SILVA, José Afonso da. Direito urbanístico brasileiro. 5. ed. São Paulo: Malheiros Ed., 2008. p. 26.
3
Índice de urbanização=população urbana/população total.
4
BATTAGLIA, Luisa. Projeto e processo de urbanização no Brasil. 1987. Dissertação (Mestrado em
Arquitetura e Urbanismo). Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo - USP, São
Paulo, 1987. p. 24-25.
9
interesses difusos, notadamente o direito ao desenvolvimento sustentável, à
ordenação territorial e ao meio ambiente sadio.
O grande mérito do mencionado diploma legal foi estabelecer a
responsabilidade dos loteadores nos âmbitos cível e criminal, possibilitando o
controle do parcelamento do solo urbano.
Frise-se, também, que a Lei do Parcelamento do Solo Urbano
concretizou preocupações relativas a momento vivenciado mundialmente, ou
seja, a conscientização dos Estados sobre a necessidade de um adequado
ordenamento do solo urbano, sob pena de prejuízo da coletividade. Nessa
época, diversos países europeus também elaboraram legislações a respeito do
ordenamento do solo urbano, e, em muitas delas, as condutas de
parcelamento ilegal também foram consideradas crimes
5
.
Apesar de a mencionada lei vigorar mais de 30 (trinta) anos,
remanesce o interesse no seu estudo, porque de acordo com o último censo
realizado pelo IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística 81,3% da
população reside na área urbana
6
. Logo, as cidades continuam crescendo e os
loteamentos se multiplicando, na maioria das vezes de forma ilegal.
Ermínia Maricato comenta a crise urbana vivenciada no nosso
país
7
: o processo de urbanização se apresenta como uma máquina de
5
Pedro Rodríguez López comenta que nos anos oitenta ocorreu a penalização de condutas em matéria
urbanística na Europa Ocidental: “La necessidad de llevar al Derecho punitivo determinadas condutas de
ámbito urbanístico realmente no es nueva. En la década de los ochenta del pasado siglo XX la propuesta de
penalización de determinadas conductas em matéria urbanística se presenta con uma doble coincidência
temporal: de um lado, coincide con um efervescente movimiento de reforma de la legislación punitiva con
el objeto de adaptar um bloque legislativo procedente del antiguo régimen a la CE; de otro lado, se hace
cada vez más patente el hecho de que la sociedad va adquiriendo conciencia del deterioro de intereses de
toda la comunidad que se van produciendo como resultado de la plasmación en la Ordenación del Territorio
de los efectos devastadores de las actuaciones urbanísticas derivadas del importante desarrollo económico
que se produce em Europa ocidental en general y en el Estado español en particular a partir de los años
sessenta y setenta” (RODRÍGUEZ LÓPEZ, Pedro. Medio ambiente, territorio, urbanismo y derecho penal.
Barcelona: Bosch, 2007. p. 82).
6
Censo demográfico realizado no ano de 2000.
7
MARICATO, Ermínia. Brasil, cidades: alternativas para a crise urbana. Petrópolis: Vozes, 2008. p. 39.
10
produzir favelas e agredir o meio ambiente. O número de imóveis ilegais na
maior parte das grandes cidades é tão grande que, inspirados na interpretação
de Arantes e Schwarz sobre Brecht, podemos repetir que ‘a regra se tornou
exceção e a exceção regra’. A cidade legal (cuja produção é hegemônica e
capitalista) caminha para ser, cada vez mais, espaço da minoria”.
Importante ressaltar que existe uma grande lacuna no estudo desse
tema, pois, embora na época da entrada em vigor da Lei 6.766/79 tenham
sido publicados diversos trabalhos sobre os seus aspectos, após o advento da
Constituição Federal de 1988, poucos estudos foram realizados, o obstante
o relevo que a nova ordem constitucional deu à matéria e o intenso
crescimento das cidades brasileiras.
Nessa perspectiva, o objetivo deste trabalho é analisar os
dispositivos penais da aludida lei, sob o ponto de vista prático e teórico,
levando-se em consideração a Constituição Federal de 1988 e a atual
realidade urbanística do Brasil.
As principais questões que serão estudadas são: a necessidade de
incriminação dos comportamentos contrários ao parcelamento do solo
urbano; a objetividade jurídica e o fato típico dos crimes da Lei 6.766/79,
assim como a forma de apuração desses delitos.
11
1. HISTÓRICO LEGISLATIVO
A elaboração da Lei nº 6.766/79 visou a enfrentar diversas questões
e dificuldades vivenciadas durante o processo de urbanização, para as quais
não havia solução prevista em lei.
Para a compreensão exata dos dispositivos do diploma legal ora
estudado, necessário realizar uma breve análise da legislação que o precedeu.
O processo de crescimento das cidades brasileiras “encontrou nos
loteamentos a maneira ideal de exprimir-se
8
”. Assim, passou a ocorrer a
ocupação das áreas periféricas das cidades, bem como a favelização, sem
obediência a diretrizes urbanísticas e sem qualquer controle.
A inexistência de legislação acarretava grande insegurança aos
adquirentes de lotes, que realizavam pagamentos a prazo, pois com arrimo no
artigo 1088 do Código Civil de 1916
9
- o qual previa a possibilidade de
arrependimento antes da assinatura da escritura pública - muitas vezes os
negócios celebrados eram desfeitos pelos loteadores de má fé, que realizavam
especulação imobiliária dos terrenos alienados, com finalidade de lucro.
Quando ocorria valorização do imóvel pelas mais diversas razões,
os vendedores, que haviam se comprometido a alienar os lotes aos
compradores, retomavam a propriedade, com amparo na lei, antes da
assinatura do contrato de compra e venda, restando aos compradores receber
indenização.
8
WALCACER, Fernando. A nova de Lei de Loteamentos. In: PESSOA, Álvaro (Coord.). Direito do
urbanismo: uma visão sócio-jurídica. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos: Instituto Brasileiro de
Administração Municipal [IBAM], 1981. p. 207-208.
9
“Artigo 1088 - quando o instrumento público for exigido como forma de contrato, qualquer das partes pode
arrepender-se, antes de o assinar, ressarcindo à outra as perdas e danos resultantes do arrependimento, sem
prejuízo do estatuído nos artigos 1095 a 1097”.
12
A necessidade de proteção dos adquirentes dos lotes comprados a
prazo resultou na aprovação do Decreto- Lei nº 58/37, oriundo de projeto de
lei apresentado por Waldemar Ferreira, o qual teve enfoque no campo cível,
trazendo diversas garantias aos compradores de lotes, sem, contudo, prever
sanções para o descumprimento dos seus preceitos.
Embora não tenham sido previstos tipos penais específicos, a
aludida lei trouxe um dispositivo em matéria penal, com a finalidade de
assegurar os direitos dos compradores, sem maiores preocupações com a
observância das regras urbanísticas.
Nesse sentido, o artigo 1º, § desse diploma legal dispunha que
“sob pena de incorrerem em crime de fraude, os vendedores, se quiserem
invocar, como argumento de propaganda, a proximidade do terreno com
algum acidente geográfico, cidade, fonte hidromineral ou termal ou qualquer
outro motivo de atração ou valorização serão obrigados a declarar no
memorial descritivo e a mencionar nas divulgações, anúncios e prospectos de
propaganda, a distância métrica a que se situa o imóvel do ponto invocado ou
tomado como referência”.
Como pode ser observado, esta norma não estabeleceu um tipo
penal relacionado à venda de lotes, limitando-se a alertar quanto à
necessidade de clareza das informações sobre o imóvel transmitidas aos
adquirentes, a fim de evitar que eles fossem ludibriados. O mesmo
dispositivo legal ressaltou que no caso de desobediência aos parâmetros
estabelecidos, os vendedores poderiam incorrer em crime de fraude.
Portanto, a punição dessas condutas icitas seria posvel por meio da
aplicação dos crimes previstos no digo Penal, especialmente o crime de
estelionato.
13
Outrossim, como bem frisado por Antonio Augusto Veríssimo
10
,
embora o Decreto Lei 58/37 tenha previsto nos seus artigos 15
11
e 16
12
a
possibilidade de adjudicação compulsória
13
, esta providência não poderia ser
considerada uma saão. Na verdade, tratava-se de situão em que os
compradores de lotes, que pagavam integralmente as prestações do contrato,
conseguiam obter a escritura definitiva do imóvel, mediante sentença constitutiva,
a qual possa a mesma eficácia do ato que o foi praticado, efetivando, dessa
forma, uma obrigação de dar que deveria ter sido satisfeita pelo loteador.
Poder-se-ia, no máximo, atribuir um caráter preventivo à
adjudicação compulsória, visto que tal medida evitava que o loteador ao
desistir de alienar a propriedade antes da assinatura do contrato de compra e
venda lucrasse indevidamente graças à especulação imobiliária e, desse
modo, prejudicasse o adquirente de boa-fé. Entretanto, o adquirente o
dispunha desse recurso jurídico de forma universal, isto é, em todas as situações,
porque o seu direito de propriedade poderia ser obstado em rao de
irregularidades, mormente nos casos de desrespeito à legislação urbanística.
Esse foi o primeiro diploma legal no âmbito federal a tratar do
parcelamento do solo urbano e se aplicava tanto às zonas rurais quanto às
urbanas. Não obstante anteriormente houvesse algumas leis municipais a
10
VERÍSSIMO, Antonio Augusto. Parcelamento informal do solo na cidade do Rio de Janeiro: raízes legais
da informalidade. Fórum de Direito Urbano e Ambiental FDUA, Belo Horizonte, ano 6, n. 33, maio/jun.
2007.
11
“Artigo 15 Os compromissários têm direito de, antecipando ou ultimando o pagamento integral do preço,
e estando quites com os impostos e taxas, exigir a outorga da escritura de compra e venda”.
12
“Artigo 16 - Recusando-se os compromitentes a passarem a escritura definitiva no caso do artigo anterior,
serão intimados, por despacho judicial e a requerimento do compromissário, a dá-la nos dez dias seguintes à
intimação, correndo o prazo em cartório.
Parágrafo primeiro Se nada alegarem dentro desse prazo, o juiz, por sentença, adjudicará os lotes aos
compradores, mandando:”.
13
O conceito de adjudicação compulsória é dado pela lei no artigo 1417 do Código Civil, que prevê:
“Mediante promessa de compra e venda, em que se não pactuou arrependimento, celebrada por instrumento
público ou particular, e registrada no Cartório de Registro de Imóveis, adquire o promitente comprador
direito real à aquisição do imóvel”.
14
respeito desse tema, o Decreto-Lei nº 58/37 se destacou porque previu
normas genéricas sobre a matéria, aplicáveis em todo o território nacional.
Por outro lado, insta ressaltar que a aludida lei como citado
teve como enfoque a proteção aos adquirentes no tocante à estabilidade dos
negócios jurídicos de aquisição de lotes, não se preocupando em estabelecer
as diretrizes urbanísticas que se faziam necessárias a um adequado e sadio
parcelamento do solo.
Assim sendo, embora houvesse normas genéricas de natureza civil,
permanecia a critério de cada município estabelecer restrões urbasticas, o que,
na prática resultou, em muitos casos, em omiso a respeito dessa queso.
Nesse aspecto, manifestou-se Fernando Walcacer: “o Decreto-Lei
58/37 cuidava exclusivamente ou, ao menos, propunha-se a isso da
proteção dos direitos dos compradores de lotes a prestações, vis-à-vis a
ganância ilimitada dos loteadores. O resto bem, o resto era assunto a ser
decidido pelos municípios, da maneira que lhes fosse possível
14
”.
Conquanto o Decreto-Lei 58/37 o tenha criado tipos penais
específicos em relação ao parcelamento ilegal do solo urbano, ele pode ser
considerado como marco na nossa legislação penal, pois foi a primeira
oportunidade em que se estabeleceu relação entre condutas fraudulentas de
loteadores e configuração de delitos o que evidenciou que o legislador passou a
vislumbrar a necessidade de criminalização das condutas de parcelamento ilegal.
Nesse momento da estória, as condutas ligadas ao parcelamento
ilegal ainda eram compreendidas como uma questão relacionada notadamente
aos interesses individuais, pois não havia dimensão difusa. O intuito do
Decreto-Lei 58/37, editado na época do Estado Novo, foi proporcionar um
mercado de terras de baixo custo para a população de baixa renda e não
14
WALCACER, Fernando. op. cit., p. 207-208.
15
garantir as condições urbanísticas necessárias aos assentamentos desta
população
15
.
Ainda que em matéria penal fosse possível a aplicação de delitos
previstos nodigo Penal para punição de parte das condutas dos loteadores,
na prática, esses tipos penais não possibilitavam o efetivo combate e a
punição daqueles que praticavam ações contrárias à legislação urbanística.
Isso porque diversas ações ilícitas não podiam ser subsumidas aos
tipos penais comuns, pois a matéria de loteamento ilegal é complexa, que a
descrição da conduta delitiva precisa ser complementada por normas civis e
administrativas específicas sobre a disciplina urbanística.
Após o Decreto-Lei 58/37, o anteprojeto do Ministro Roberto
Campos, que acabou não entrando em vigor, teve importante papel, pois
significou um novo passo no desenvolvimento da legislação penal sobre
parcelamento ilegal do solo urbano.
Pela primeira vez foi redigida uma norma incriminadora específica,
que “visava justamente a proteger a sociedade da ação, cada vez mais
freqüente, de loteadores clandestinos, aqui considerados numa acepção mais
precisa, os parceladores do solo urbano
16
.
Destarte, na mesma linha da disposição penal do Decreto-Lei
58/37 que narrava condutas relacionadas à fraude na venda dos lotes o
anteprojeto estabelecia uma figura típica específica e aperfeiçoava a sua
descrição, o artigo 20 dispunha: “Artigo 20 - Incorre nas penas do crime de
estelionato (Código Penal, artigo 171) o proprietário, o loteador, o cedente de
compromisso ou corretor que omitir o número de inscrição ou averbação de
loteamento ou contrato, em anúncios, documentos ou papéis relativos a
15
VERÍSSIMO, Antonio Augusto. op. cit., p. 19.
16
BUENO, Paulo Amador Thomaz Alves da Cunha. O fato típico nos delitos da lei do parcelamento do solo
urbano (Lei 6.766 de 19 de dezembro de 1979), 2001. Dissertação (Mestrado em Direito). Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo - PUC-SP, São Paulo, 2001. p. 20.
16
negócios regulados por esta lei, ou fizer indicação falsa sobre as
características do loteamento ou do lote. Na mesma pena incorre o Oficial do
Registro ou o escrevente que realizar dolosamente, inscrição ou averbação
irregular
17
”.
Esse dispositivo penal inovava ao prever a responsabilização penal
do oficial de registro ou escrevente que realizasse averbação irregular. Além
disso, esse projeto de lei influenciou a redação dos crimes previstos na Lei
6.766/79, onde inclusive consta delito próprio, praticado pelo oficial de
registro ou pelo escrevente substituto, na hipótese de registro indevido de
parcelamento ou compromisso de compra e venda e contrato relacionados a
parcelamento não registrado, conforme será analisado no item 3.2.1.5.
Depois disso, a matéria apenas voltou a ser regrada quando entrou
em vigor o Decreto-Lei 271/67, o qual foi elaborado com base em projeto
de lei de Hely Lopes Meirelles e trouxe algumas melhorias, não obstante sua
falta de regulamentação tenha prejudicado a sua efetividade
18
.
Tal Decreto-Lei foi o primeiro diploma legal a entrar em vigor que
trouxe disposição penal específica sobre as condutas ilegais dos parceladores
urbanos. Contudo, não estabeleceu norma incriminadora sobre a matéria, mas
aproveitou os tipos penais sobre incorporação imobiliária.
Para possibilitar a aplicação desses tipos penais ao parcelamento
ilegal, equiparou o loteador ao incorporador, os compradores de lotes aos
17
AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. Normas penais sobre o parcelamento do solo urbano. In: PESSOA,
Álvaro (Coord.). op. cit., p. 203.
18
WALCACER, Fernando. op. cit., p. 154.
17
condôminos e as obras de infra-estrutura à construção de edificações (artigo
3º, caput
19
).
Logo, os artigos 64 a 66, da Lei nº 4.591/64, que tratam dos crimes
em matéria de condomínios e incorporações imobiliárias, em tese, poderiam
ser aplicados ao parcelamento urbano, o qual, por conseguinte, passou a
tutelar o mesmo bem jurídico protegido pela aludida lei, isto é, a economia
popular.
Todavia, na prática, houve dificuldade na aplicação dessa lei aos
loteamentos, o que havia sido antevisto no próprio decreto, ao prever que
“O Poder Executivo, dentro de 180 dias regulamentará este Decreto-Lei,
especialmente quanto à aplicação da Lei 4.591, de 16 de dezembro de
1964 aos loteamentos, fazendo inclusive as necessárias adaptações”.
Deveras, o mencionado diploma legal não trouxe norma
incriminadora, adaptando um tipo penal relativo à outra matéria com o fim de
criminalizar as condutas de parcelamento.
Entretanto, o Direito Penal tem como fundamento o princípio da
legalidade, o qual é definido por Cezar Roberto Bitencourt
20
: “em termos
bem esquemáticos, pode-se dizer que, pelo princípio da legalidade, a
elaboração de normas incriminadoras é função exclusiva da lei, isto é,
nenhum fato pode ser considerado crime e nenhuma pena criminal pode ser
aplicada sem que antes da ocorrência desse fato exista uma lei definindo-o
como crime e cominando-lhe a sanção correspondente. A lei deve definir com
precisão de forma cristalina a conduta proibida”.
19
“Art. - Aplica-se aos loteamentos a Lei 4.591, de 16 de dezembro de 1964, equiparando-se o loteador
ao incorporador, os compradores de lotes aos condôminos e as obras de infra-estrutura à constituição da
edificação”.
20
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. v. 1, p. 14.
18
Assim, importa na hipótese vertente o postulado do princípio da
legalidade concernente à enunciação das normas penais incriminadoras, ou
seja, a determinação taxativa, conceituada por Luiz Luisi
21
:
“O postulado em causa expressa a exigência de que as leis penais,
especialmente as de natureza incriminadora, sejam claras e o mais
possível certas e precisas. Trata-se de postulado dirigido ao legislador
vetando ao mesmo a elaboração de tipos penais com a utilização de
expressões ambígua, equívocas e vagas de modo a ensejar diferentes e
mesmo contrastantes entendimentos. O princípio da determinação
taxativa preside, portanto, a formulação da lei penal, a exigir qualificação
e competência do legislador, e o uso por este de técnica correta e de uma
linguagem rigorosa uniforme.”
Portanto, evidente que o conteúdo desse Decreto-Lei maculou o
princípio da legalidade, bem como o postulado da determinação taxativa, o
que inviabilizou a sua aplicação prática.
Na época, Celso Delmanto
22
concluiu pela inaplicabilidade da
mencionada legislação:“o art.3º do Decreto-lei 271 não instituiu norma
incriminadora, tal qual requer o direito penal. Não trouxe dispositivo, nem
sanção; sequer declarou, de maneira explícita, que seriam comináveis aos
loteadores as penas previstas para as figuras criminais e contravencionais da
lei aludida”.
Em razão da falta de regulamentação e das notáveis violações aos
fundamentos do Direito Penal, tal Decreto-Lei acabou sendo letra morta.
Anote-se que esse diploma legal aplicava-se exclusivamente ao
parcelamento urbano e conviveu com o Decreto-Lei nº 58/37, revogando
apenas os dispositivos deste que eram com ele incompatíveis.
21
LUISI, Luiz. Os princípios constitucionais penais. 2. ed. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2003.
p. 24.
22
DELMANTO, Celso. Infrações penais na incorporação, loteamento e corretagem de imóveis. São Paulo:
Saraiva, 1976. p. 160.
19
Desse modo, até a entrada em vigor da Lei nº 6.766/76, as condutas
irregulares de parcelamento do solo apenas podiam ser punidas se
subsumidas entre os tipos penais constantes no digo Penal, especialmente
o crime de estelionato.
Assim, a proteção penal existente em matéria de parcelamento
ilegal do solo urbano restringia-se aos interesses dos adquirentes dos lotes,
não havia norma incriminadora que permitisse a tutela das condutas lesivas
ao desenvolvimento das cidades de acordo com a disciplina urbanística.
Dessa maneira, a necessidade de combater os comportamentos de
parcelamento ilegal de forma mais efetiva resultou na promulgação da Lei nº
6.766/76, que trouxe dispositivos não mais focados apenas nos interesses
individuais, mas também em toda a coletividade, pois passou a prever
sanções àqueles que violassem as regras urbanísticas. Observa-se, a partir daí,
uma crescente conscientização sobre a dimensão difusa da proteção à ordem
urbanística.
Após o advento da Lei de Parcelamento do Solo Urbano, em 1988 a
Constituição Federal consagrou diversos interesses difusos como bens
jurídicos penais - que serão analisados de forma detalhada no item 3.3.1. e
deu relevo tanto ao meio ambiente
23
quanto à política urbana, para os quais
foram destinados capítulos próprios, capítulo VI e capítulo II,
respectivamente.
A par disso, a ordem constitucional também elevou a dignidade da
pessoa humana a fundamento do Estado Democrático de Direito, a teor do
que dispõe o artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal. A dignidade da
23
Sobre esse aspecto Edis Milaré comenta que a Constituição de 1998 deu tal destaque ao meio ambiente, que
pode ser denominada “verde”. (MILARÉ, Edis. Direito do ambiente: a gestão ambiental em foco. 5. ed. São
Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2007. p. 147).
20
pessoa humana é definida como “um valor espiritual e moral inerente à
pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e
responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por
parte das demais pessoas, constituindo-se um mínimo invulnerável que todo
estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, somente excepcionalmente,
possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas
sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas
enquanto seres humanos
24
.
Assim, tem-se que tal valor se relaciona à qualidade de vida e bem-
estar que devem ser proporcionados a todos. Indubitável, pois, que o direito
ao meio ambiente equilibrado e ao adequado desenvolvimento das cidades
está diretamente relacionados à garantia desse valor fundamental, ou seja,
que todos tenham uma vida digna.
Saliente-se que, com a nova ordem constitucional, foram editadas
leis para a proteção do meio ambiente e da ordem urbanística, inclusive de
caráter penal.
A Lei 9.605/98 trouxe tipos penais que passaram a proteger o
solo como recurso natural (artigos 54
25
e 55
26
), bem como a ordenação urbana
(artigo 64
27
).
Embora atualmente prevaleça na doutrina o entendimento de que os
delitos previstos na Lei nº 9.605/98 possuem objeto jurídico diverso das
24
MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. São Paulo: Atlas, 2007. p. 16.
25
“Artigo 54 - Causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos
à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora:
Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa”.
26
“Artigo 55 - Executar pesquisa, lavra ou extração de recursos minerais sem o competente autorização,
permissão, concessão ou licença, ou em desacordo com a obtida:
Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 1 (um) ano, e multa”.
27
“Artigo 64 Promover construção em solo não edificável, ou no seu entorno, assim considerado em razão
de seu valor paisagístico, ecológico, artístico, turístico, histórico, cultural, religioso, arqueológico,
etnográfico ou monumental, sem autorização da autoridade competente ou em desacordo com a concedida:
Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 1 (um) ano, e multa”.
21
infrações penais da Lei 6.766/79, o fato é que todos esses crimes, de forma
direta ou indireta, protegem a ordenação territorial e o meio ambiente.
O diploma legal mais recente atinente à questão urbanística é o
Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/01) – lei geral de direito urbanístico
28
- que
regulamentou os artigos 182
29
e 183
30
da Constituição Federal e revolucionou
o tratamento jurídico da matéria, permitindo que fossem cumpridos
dispositivos constitucionais vigentes desde 1988, mas que, em razão de
dependerem de regulamentação, não podiam ser aplicados.
A propósito: “o Estatuto da Cidade veio, de certa forma, dar
eficácia ao princípio constitucional, pois embora a função do plano diretor
estivesse prevista pela Constituição, a carência de uma lei federal dispondo
expressamente sobre isso impedia que os Municípios dessem concreção ao
princípio da função social da propriedade
31
”.
28
SILVA, José Afonso da. op. cit., p. 69.
29
“Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme
diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da
cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes.
§ 1.º O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para cidades como mais de vinte mil
habitantes, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana.
§ 2 A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de
ordenação da cidade expressas no plano diretor.
§ 3.º As desapropriações de imóveis urbanos serão feitas com prévia e justa indenização em dinheiro.
§ 4.º É facultado ao Poder Público municipal mediante lei específica para área incluída no plano diretor,
exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não
utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de:
I – parcelamento ou edificação compulsórios;
II – imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo;
III desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada
pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas,
assegurados o valor real da indenização e os juros legais”.
30
“Art. 183. Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados, por
cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-
á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.
§ 1.º O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou à mulher, ou a ambos,
independentemente do estado civil.
§ 2.º Esse direito não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez.
§ 3.º Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião”.
31
DALLARI, Adilson Abreu. Solo criado: constitucionalidade da outorga onerosa de potencial construtivo.
Solo criado: constitucionalidade da outorga onerosa de potencial construtivo. In: ______; DI SARNO,
Daniela Campos Libório (Coord.). Direito urbanístico e ambiental. Belo Horizonte: Ed. Fórum, 2007. p.
27.
22
Assim, o Estatuto da Cidade está diretamente relacionado à
efetivação da função social da cidade, bem como ao cumprimento das
diretrizes urbanísticas necessárias ao desenvolvimento ordenado das urbes.
Destaca-se que o aludido diploma legal traz dispositivos sobre o
plano diretor, que consiste em instrumento básico da política de
desenvolvimento e expansão urbana, porquanto “a propriedade urbana
cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de
ordenação da cidade expressas no plano diretor, assegurando o atendimento
das necessidades dos cidadãos quanto à qualidade de vida, à justiça social e
ao desenvolvimento das atividades econômicas, respeitadas as diretrizes
previstas no art. 2º desta lei”
32
.
32
Artigo 39 da Lei nº 10.257/01.
23
2. MULTIDISCIPLINARIEDADE DO TEMA: DIMENSÃO
POLÍTICA, SOCIAL E ECONÔMICA
É cediço que o parcelamento do solo relaciona-se com o processo
de urbanização e desenvolvimento das cidades.
A Lei 6.766/79 está inserida no ramo do urbanismo, técnica e
ciência definida por Hely Lopes Meirelles como “o conjunto de medidas
estatais destinadas a organizar os espaços habitáveis, de modo a propiciar
melhores condições de vida ao homem na comunidade
33
”.
Maria Sylvia Zanella Di Pietro
34
, buscando definir os contornos do
conceito de urbanismo, afirma que “pode-se incluir tudo o que se refere ao
regulamento das construções, ao parcelamento do solo urbano, ao
zoneamento, à preservação do patrimônio histórico e artístico nacional, à
higidez do meio ambiente, abrangendo a proteção das águas e das florestas”.
Logo, o mencionado diploma legal integra o Direito Urbanístico,
ramo do direito público, que tem por objeto expor, interpretar e sistematizar
as normas e princípios disciplinadores dos espaços habitáveis
35
”.
Sob outro aspecto, a Lei do Parcelamento do Solo Urbano está
entre as legislações relacionadas ao “uso do solo”, expressão que possui
diferentes significados, conforme o seu emprego em Geologia, Geografia,
Agricultura e Direito, aparecendo nestas várias acepções com dois sentidos
33
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito municipal brasileiro. 16. ed. São Paulo: Malheiros Ed., 2008. p. 522.
34
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Poder de Polícia em matéria urbanística. In: FREITAS, José Carlos
(Coord.). Temas de direito urbanístico 2. São Paulo: Centro de Apoio Operacional das Promotorias de
Justiça da Habitação e Urbanismo CAOHURB; Ministério Público do Estado de São Paulo
Procuradoria Geral de Justiça; Imprensa Oficial do Estado, 1999. p. 31.
35
SILVA, José Afonso da. op. cit., p. 50.
24
principais, o de recurso natural e o de espaço social
36
: “É meridianamente
claro que as alterações ecológicas do solo contribuem de modo direto para
degradar a sua qualidade e, de modo indireto, afetam a qualidade de habitats
e biomas. No entanto, o fator social também altera as suas formas de uso e
conservação, em decorrência do destino que lhe é dado como espaço para
localização de assentamentos humanos e atividades produtivas
37
A lei em estudo é um dos instrumentos principais à preservação não
somente do solo como recurso natural, mas de vários outros aspectos
relacionados ao meio ambiente natural, principalmente porque se refere às
regras de ordenação do solo como espaço social.
O parcelamento do solo urbano pode ser visto como uma questão
social, que se relaciona a um dos mais preciosos direitos dos cidadãos - o
direito à moradia. Esse direito enquadra-se na segunda geração dos direitos
fundamentais do homem, e está previsto expressamente na Constituição
Federal desde a Emenda Constitucional 26, de 14.02.2000, no seu artigo
38
.
José Afonso da Silva
39
define o direito à moradia como “ocupar um
lugar como residência; ocupar uma casa, apartamento etc., para nele habitar”
e esclarece, também, que “O direito à moradia não é necessariamente direito à
casa própria. Quer-se que se garanta a todos um teto onde se abrigue com a
família de modo permanente, segundo a própria etimologia do verbo morar,
do latim “morari”, que significa demorar, ficar. Mas é evidente que a
36
MILARÉ, Edis. op. cit., p. 225.
37
Id. Ibid., p. 227.
38
“Art. 6º - São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência
social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”.
39
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 24. ed. São Paulo: Malheiros Ed., 2005.
p. 315.
25
obtenção da casa própria pode ser um complemento indispensável para a
efetivação do direito à moradia”.
Nesse aspecto, muitas vezes a aquisição de uma casa própria e a
efetivação do direito à moradia ocorrem mediante a compra de um lote
urbano e nessas situações, o direito à moradia apenas será de fato assegurado,
quando o loteamento onde se localizar a propriedade adquirida obedecer aos
ditames da Lei nº 6.766/79.
Sob outra perspectiva, o parcelamento urbano também possui
importante repercussão econômica no mercado imobiliário, pois as restrições
urbanísticas determinam uma série de providências que acarretam maior
onerosidade aos loteadores e também influem no preço dos terrenos, bem
como dos lotes. A par disso, atinge a economia popular, pois diversos
indivíduos investem parte do seu patrimônio na compra de lotes, e poderão
ser prejudicados quando tais lotes possuírem alguma ilegalidade.
No campo político, as prioridades estabelecidas pelos governantes
serão fundamentais para o combate efetivo aos parcelamentos ilegais em cada
Município, tendo em vista a importância da fiscalização que deve ser
realizada pela Administração Pública.
Destaca-se que a Constituição de 1988 elevou o Município à
categoria de ente federado e estabeleceu competência específica para este
“promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante
planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo
urbano”, conforme previsão do artigo 30, inciso VIII.
Assim, “a construção em área urbana é regida pelas leis municipais
de uso e ocupação do solo urbano, principalmente pelo Plano Diretor do
Município, pelas leis de zoneamento e pelos Códigos de Obras e Edificações
26
e de Posturas, observando-se as diretrizes e princípios gerais previstos nas
leis federais, naquilo que não for contrário à Constituição
40
”.
No campo penal, a multidisciplinariedade do assunto pode ser
percebida na análise dos bens jurídicos protegidos pelos delitos urbanísticos.
Embora a lei defina o bem jurídico principal como sendo a Administração
Pública, não há como deixar de analisar os diversos bens jurídicos
secundários, devido a sua grande relevância no ordenamento jurídico
brasileiro, mormente na atual ordem constitucional.
Por derradeiro, a multidisciplinariedade também é observada nos
diversos campos do direito que dispõem sobre essa temática, tais como,
direito administrativo, direito penal, direito ambiental, direito urbanístico,
direito civil, direito registral, direito do consumidor e direito constitucional.
Essa particularidade será essencial para o estudo dos tipos penais
da Lei 6.766/79, bem como da objetividade jurídica desses delitos,
conforme se verá no item 3.3.
40
MILARÉ, Edis. op. cit., p. 230.
27
3. OS CRIMES DE PARCELAMENTO ILEGAL DO SOLO URBANO
(ARTIGOS 50 A 52 DA LEI Nº 6.766/79)
A Lei do Parcelamento do Solo Urbano reúne disposições de
natureza civil, administrativa e penal.
Como referido, subsumir as condutas ilegais de natureza penal
ao crime de fraude não foi suficiente para reprimir sua incidência, razão pela
qual o legislador elaborou tipos penais específicos, que passaram a abranger
não as fraudes praticadas na venda de lotes, mas o desrespeito às normas
urbanísticas.
Neste particular, salienta-se que o parcelamento mencionado nas
infrações penais da Lei 6.766/79 não se limita à divisão de terrenos com
intenção de venda, pois não houve qualquer menção a essa finalidade nas
elementares do tipo. Diversamente do que dispunha o Decreto-Lei 58/37,
“o qual expressamente se referiu às propriedades de terras ou terrenos que
pretendessem vendê-los divididos em lotes e por oferta pública
41
”.
Rui Geraldo Camargo
42
salientou que, na época em que a Lei do
Parcelamento do Solo Urbano entrou em vigor, o legislador, agora,
ênfase à submissão dos parcelamentos à disciplina urbanística vigente, certo
de que, destinado ou não à venda, o retalhamento do solo para fins de
edificação interferirá, de qualquer maneira, com os interesses da coletividade
que urge preservar”.
41
WALCACER, Fernando. op. cit., p. 207-208.
42
VIANA, Rui Geraldo Camargo. O parcelamento do solo urbano. 1. ed. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 1985.
p. 51.
28
Esse aspecto evidencia o espírito da lei, focada na proteção da
coletividade. Assim, os delitos urbanísticos podem se concretizar ainda que
não ocorra a venda do lote, pois a ofensa aos bens jurídicos protegidos pela
Lei 6.766/79 - administração publica, meio ambiente, desenvolvimento
sustentável e moradia independe de envolvimento de um particular lesado,
tendo em conta que a regulamentação do espaço habitável não configura
assunto de fundamental relevância apenas para os cidadãos individualmente
considerados mas, principalmente, para a sociedade como um todo.
Assim sendo, a lei do parcelamento do solo urbano possui quatro
dispositivos penais localizados no capítulo das “Disposições Penais”, nos
artigos 50 a 52.
“Art. 50 – Constitui crime contra a administração pública:
I dar início, de qualquer modo, ou efetuar loteamento ou
desmembramento do solo urbano para fins urbanos, sem autorização do
órgão público competente, ou em desacordo com as disposições desta lei
ou das normas pertinentes do Distrito Federal, Estados e Municípios;
II dar início, de qualquer modo, ou efetuar loteamento ou
desmembramento do solo para fins urbanos sem observância das
determinações constantes do ato administrativo de licença.
III- fazer, ou veicular em proposta, contrato, prospecto ou comunicação
ao público ou a interessados, afirmação falsa sobre a legalidade de
loteamento ou desmembramento do solo para fins urbanos, ou ocultar
fraudulentamente fato a ele relativo.
Pena. Reclusão de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa de 5 (cinco) a 50
(cinquenta) vezes o maior salário mínimo vigente no país.
Parágrafo único. O crime definido neste artigo é qualificado, se
cometido:
I por meio de venda, promessa de venda, reserva de lote ou quaisquer
outros instrumentos que manifestem a intenção de vender lote em
loteamento ou desmembramento não registrado no registro de imóveis
competente;
II – com inexistência de título legítimo de propriedade do imóvel loteado
ou desmembrado, ou com omissão fraudulenta de fato a ele relativo, se o
fato não constituir crime mais grave (Redação dada pela Lei 9.785,
29.1.99).
29
Pena. Reclusão de 01 (um) a 5 (cinco) anos, e multa de 10 (dez) a 100
(cem) vezes o maior salário mínimo vigente no país.
Art. 51 Quem, de qualquer modo, concorra para a prática de crimes
previstos no artigo anterior desta lei incide nas penas a estes cominadas,
considerados em especial os atos praticados na qualidade de mandatário
de loteador, diretor ou gerente de sociedade.
Parágrafo único. (VETADO) (Incluído pela Lei nº 9.785, 29.1.99)
Art. 52 Registrar loteamento ou desmembramento não aprovado pelos
órgãos competentes, registrar o compromisso de compra e venda, a
cessão ou promessa de cessão de direitos, ou efetuar registro de contrato
de venda de loteamento ou desmembramento não registrado.
Pena. Detenção de 1 (um) ano a 2 (dois) anos, e multa de 5 (cinco) a 50
(cinquenta) vezes o maior salário mínimo vigente no País, sem prejuízo
das sanções administrativas cabíveis.”
3.1. Conceito de parcelamento do solo urbano
Parcelamento do solo urbano não é o tema da lei onde estão
previstas as infrações penais em estudo, mas também é elementar dos tipos
penais em questão, razão pela qual é essencial esclarecer o seu conceito.
José Afonso da Silva
43
define o parcelamento urbanístico do solo
como “o processo de urbanificação de uma gleba, mediante sua divisão ou
redivisão em parcelas destinadas ao exercício das funções elementares
urbanísticas”.
Para compreensão dessa definição, o mesmo autor traz o conceito
de gleba como sendo a área de terra que não foi ainda objeto de arruamento
ou de loteamento
44
e estabelece uma importante diferenciação entre
urbanização e urbanificação, asseverando que a primeira é “o processo pelo
qual a população urbana cresce em proporção superior à população rural
45
e
a segunda consiste na solução para os problemas causados pela primeira
43
SILVA, José Afonso da. Direito urbanístico brasileiro, cit., p. 329.
44
Id., loc. cit.
45
Id. Ibid., p. 26.
30
mediante a “intervenção do Poder blico, que procura transformar o meio
urbano e criar novas formas urbanas
46
”.
O parcelamento do solo urbano é concretizado mediante os
seguintes institutos: loteamento, desmembramento, desdobro, arruamento e
reparcelamento.
O arruamento é “a divisão do solo mediante a abertura de vias de
circulação e a formação de quadras entre elas
47
”. O loteamento, por sua vez,
“é a divisão das quadras em lotes com frente para o logradouro público
48
”.
o desmembramento é “a subdivisão de gleba em lotes destinados a edificação,
com aproveitamento do sistema viário existente, desde que não implique a
abertura de novas vias e logradouros públicos, nem o prolongamento,
modificação ou ampliação dos já existentes
49
”. Desdobro consiste na “divisão
da área do lote para formação de novo ou de novos lotes
50
”. Por fim, o
reparcelamento é “a modificação ou subdivisão de uma quadra, pelo
reagrupamento de lotes e/ou partes de lotes de que resulte nova distribuição
de unidade ou áreas dos lotes
51
A Lei do Parcelamento do Solo Urbano aplica-se tão somente a
algumas modalidades de parcelamento, quais sejam, ao loteamento e ao
desmembramento, nos termos do que dispõe o seu artigo 2º: o parcelamento
do solo urbano poderá ser feito mediante loteamento ou desmembramento,
observadas as disposições desta lei e as das legislações estaduais e
municipais pertinentes”.
46
SILVA, José Afonso da. Direito urbanístico brasileiro, cit., p. 27.
47
Id. Ibid., p. 332.
48
Id., loc. cit.
49
Artigo 2º, §, da Lei nº 6.766/79.
50
SILVA, José Afonso da. Direito urbanístico brasileiro, cit., p. 346.
51
Id. Ibid., p. 349.
31
O que determina o enquadramento do desdobramento do solo na
Lei 6.766/79 é a aptidão desse fracionamento para formação de um novo
núcleo habitacional ou para modificar a densidade urbana
52
.
No tocante aos crimes previstos nessa lei em todas as condutas são
mencionadas as elementares “loteamento” e “desmembramento”. Por óbvio,
ocorrerão esses delitos nessas hipóteses de parcelamento do solo urbano.
No caso de parcelamento do solo rural não haverá delito por ausência de
previsão legal.
Nesse sentido, observa-se que os loteamentos rurais são regidos
pelo Decreto-Lei 58/37 e Instrução Normativa 17-B, do INCRA. O
parcelamento de um imóvel rural para fins urbanos pressupõe que o
Município o enquadre como zona urbana ou de expansão urbana, bem como
comprovação da alteração da sua destinação de imóvel rural para urbano com
apresentação de documento pelo INCRA
53
.
Assim sendo, quando ocorrer a prática de desdobro, arruamento ou
reparcelamento, o fato será atípico.
As hipóteses de parcelamento contrário à lei o chamadas pela
doutrina de parcelamento ilegal – gênero do qual são espécies o parcelamento
urbano irregular e parcelamento urbano clandestino.
O parcelamento irregular é aquele em que não foram observadas
todas as regras urbanísticas. o parcelamento clandestino resulta da falta de
52
STF, Relator Ministro Sydney Sanches, HC 67444-SP, 16.05.1989, Primeira Turma.
53
GALHARDO, João Baptista. O registro do parcelamento do solo para fins urbanos. Porto Alegre: Sergio
Antonio Fabris Editor, 2004. p. 20.
32
conhecimento das autoridades públicas. A esse respeito ensina Sergio A.
Frazão do Couto
54
:
“Entendemos que parcelamentos urbanos clandestinos são os executados
sem o conhecimento das autoridades públicas mesmo que obedeçam às
regras urbanísticas traçadas pela Municipalidade”.
Parcelamentos urbanos irregulares são os que, tendo atendido a
algumas exigências legais, não as atenderam na totalidade”.
Diógenes Gasparini
55
ensina que a diferença entre o parcelamento
irregular e o parcelamento clandestino é que o primeiro possui aprovação.
Essa classificação é importante para determinar o grau de violação à lei
que apresenta um dado parcelamento. Caso ele seja clandestino atingi a nossa
legislação de forma mais grave e, se irregular, a violão se menos intensa.
Outra classificação importante é a que utiliza como critério a fase
em que o parcelamento se encontra, podendo ser parcelamento material ou
parcelamento jurídico, conforme distinção realizada por Pontes de Miranda.
O loteamento material compreenderia as ações de “fazer indicável algum
terreno novo, a ser cortado do velho” e de “cortar o terreno antigo para se
separar algum terreno novo”, enquanto o loteamento jurídico corresponderia
“à sua entrada na esfera do Direito”
56
.
Beatriz Augusta Pinheiro Samburgo
57
exemplifica tais modalidades
de parcelamento, aclarando o seu significado: “parcelamento material que
compreende os atos de modificação sica da gleba, tais como:
desmatamentos, abertura de ruas (arruamento), dos espaços livres, das áreas
institucionais; a demarcação (piqueteamento) das ruas, quadras e lotes;
54
COUTO, Sergio A. Frazão do. Manual teórico e prático do parcelamento urbano. 1. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 1981. p. 376-377.
55
GASPARINI, Diógenes. O Município e o parcelamento do solo. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1988. p. 129.
56
AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. op. cit., p. 207.
57
SAMBURGO, Beatriz Augusta Pinheiro. Dos crimes da lei de parcelamento do solo para fins urbanos: Lei
6.766/79. In: FREITAS, José Carlos (Coord.). Temas de direito urbanístico 2, cit., 1999, p. 328.
33
execução de guias, sarjetas, redes de água, esgoto, etc” e “parcelamento
jurídico que compreende os atos de registro no C.R.I. e comercialização dos
novos terrenos (lotes).
Frise-se que a abertura de ruas (arruamento) apenas terá
repercussão penal quando realizada como etapa de um loteamento.
3.2. Fato típico
O estudo do fato típico nos crimes de parcelamento ilegal merece
destaque, principalmente porque parte da doutrina critica a forma como esses
delitos estão descritos, sobretudo em razão da amplitude conferida aos tipos
penais por elementos normativos, tais como os conceitos de loteamento,
desmembramento, contrato, entre outros.
Os elementos normativos “são aqueles que exigem um juízo de
valor para o seu conhecimento. Dizem respeito a certo dado ou realidade de
ordem jurídica ou não (...). Nessa espécie de elemento faz-se mister um ato de
valoração para a apreensão do seu conteúdo
58
”. Logo, o fato de haver
diversos elementos normativos nos tipos penais enseja um amplo campo de
interpretação do seu alcance pelos operadores do direito.
Anote-se, ainda, que os crimes previstos nos artigos 50, inciso I e II
são normas penais em branco, pois os seus conteúdos dependem de
complementação - no primeiro caso os complementos são “as disposições
desta lei ou das normas pertinentes do Distrito Federal, Estados e
Municípios” e no segundo, as “determinações constantes do ato
administrativo de licença”. Tal circunstância também contribui para a
58
PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro. 9. ed. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2010.
v. 1, p. 328.
34
amplitude dos delitos urbanísticos, tão criticada pela doutrina por prejudicar
o postulado da determinação taxativa.
Luiz Regis Prado
59
conceitua a lei ou norma penal em branco
”como aquela em que a descrição da conduta punível se mostra lacunosa ou
incompleta, necessitando de outro dispositivo legal para a sua integração ou
complementação”.
Guilherme de Souza Nucci
60
pondera que nas normas penais em
branco o preceito primário é indeterminado quanto a seu conteúdo, mas o
preceito sancionador é determinado”. Destarte, tal autor as divide em normas
impropriamente em branco que “se valem de fontes formais homogêneas, não
penais” e normas propriamente em branco que “se utilizam de fontes formais
heterogêneas, porque o órgão legiferante é diverso e sempre fora do âmbito
do Direito Penal”.
Na hipótese em questão, as normas penais em branco são
complementadas por dispositivos da própria Lei do Parcelamento do Solo
Urbano, e também por normas federais, estaduais e municipais. Conclui-se,
pois, que as normas penais em branco relativas aos crimes de parcelamento
ilegal do solo urbano ora serão normas impropriamente em branco quando
complementadas por dispositivos não penais da própria lei 6.766/79 e de
outras leis federais relacionadas à competência urbanística da União e ora
serão normas propriamente em branco quando os seus complementos se
localizarem em leis e normas do Distrito Federal, Estados e Municípios,
referentes às competências urbanísticas destes entes federados.
59
PRADO, Luiz Regis. op. cit., v. 1, p. 185.
60
NUCCI, Guilherme de Souza. digo de Processo Penal comentado. 8. ed. São Paulo: Ed. Revista dos
Tribunais, 2008. p. 72.
35
Nesse sentido, importante trazer à baila o conteúdo dos artigos 1º e
da Lei 6.766/79, que estabelecem expressamente que o regramento do
parcelamento urbano também está sujeito às disposições dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios, o que está em consonância com as
competências em matéria urbanística previstas na Constituição Federal
61
:
“Art. O parcelamento do solo para fins urbanos será regido por esta
lei.
Parágrafo único. Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão
estabelecer normas complementares relativas ao parcelamento do solo
municipal para adequar o previsto nesta lei às peculiaridades regionais e
locais.
Art. O parcelamento do solo urbano poderá ser feito mediante
loteamento ou desmembramento, observadas as disposições desta lei e as
das legislações estaduais e municipais pertinentes”.
Ressalta-se, ainda, que os tipos penais estudados são classificados
como tipos penais abertos, pois não trazem a descrição completa da conduta
incriminada, que tem como pressuposto outras normas
62
.
Luciano Caseiro
63
, na época da elaboração do projeto de lei que
originou a Lei 6.766/79, desaprovou a forma de definição das infrações
61
José Afonso da Silva ensina sobre a repartição de competências entre os entes federados que “à União
compete editar normas gerais de urbanismo e estabelecer o plano urbanístico nacional e planos
urbanísticos macrorregionais (arts. 21, XX e XXI, e 24, I, e § 1º); aos Estados cabe dispor sobre normas
urbanísticas regionais (normas de ordenação do território estadual), suplementares das normas gerais
estabelecidas pela União (art. 24, I, e § 2º), o plano urbanístico estadual (plano de ordenação do território
estadual) e planos urbanísticos regionais (planos de ordenação territorial de região estabelecida pelo
Estado, que podem ter natureza de planos de coordenação urbanística na área); aos Municípios cabe
estabelecer a política de desenvolvimento urbano, com o objetivo de ordenar o pleno desenvolvimento das
funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes (art. 182), promover o adequado
ordenamento do seu território , mediante o planejamento e o controle do uso, do parcelamento e da
ocupação do solo urbano, elaborando e executando, para tanto, o plano diretor (art. 30, VIII). A
competência municipal não é meramente suplementar de normas gerais federais ou de normas estaduais,
pois não são criadas com fundamento no art. 30,II. Trata-se de competência própria que vem do texto
constitucional” (SILVA, José Afonso da. Direito urbanístico brasileiro,cit., p. 65).
62
FREITAS, Vladimir Passos de; FREITAS, Gilberto Passos de. Crimes contra a natureza. 8. ed. São Paulo:
Ed. Revista dos Tribunais, 2006. p. 36.
63
CASEIRO, Luciano. Loteamentos clandestinos: conseqüências penais. São Paulo: Livraria e Ed.
Universitária de Direito, 1979. p. 106.
36
penais constantes no aludido projeto, dizendo que data máxima venia’, se
ressente daquela técnica usada pelos nossos juristas luminares que
confeccionaram o digo Penal, tais como Costa e Silva, Vieira Braga,
Nelson Hungria, Narcelio de Queiroz, Abgar Renault. Essa falta de técnica,
onde se nota a preocupação do legislador em multiplicar o mero de atos
com conjunções continuativas e adversativas, numa mesma definição,
somente serve para confundir o exegeta, em proveito exclusivo do ato
reprovável”.
Dirceu de Mello
64
destaca a impropriedade dos dispositivos penais
da Lei 6.766/79: “(...) a mim me parece que os dispositivos dessa lei são
excessivamente exaustivos. Não são singelos, não são objetivos, não são
diretos. Se isso se pode justificar, se pode perdoar, quando a matéria tratada é
de natureza administrativa, a mim me parece que essa orientação é
absolutamente indesculpável quando nós estamos considerando as normas de
caráter penal”.
Paulo Amador Thomaz Alves da Cunha Bueno
65
sustenta a
ausência de cnica legislativa na elaboração dos tipos penais em comento,
dizendo que não houve observância do princípio da legalidade:
“Se o tipo penal aberto se coloca como uma das deficiências mais graves
passíveis de se verificar em uma norma penal, no caso da LPSU esta
deficiência ganhou foros de cidade, visto que um dos problemas de maior
complexidade prática que se registra é a dificuldade de delimitação
objetiva entre o que venha a ser um ato regular de manifestação do
direito de propriedade, daquilo que seja efetivamente uma conduta típica
enquadrável como início de parcelamento”.
64
MELLO, Dirceu de. Crimes no parcelamento irregular do solo urbano e nas vendas de loteamentos
irregulares. Revista do Advogado, São Paulo, n. 24, p. 20, 1987.
65
O fato típico nos delitos da lei do parcelamento do solo urbano (Lei nº 6.766 de 19 de dezembro de 1979),
p. 72 e 74.
37
Ruy Rosado de Aguiar Júnior
66
também censura o método adotado
na construção das aludidas normas penais:
“O legislador adotou método desrecomendado, apesar de não fazê-lo pela
primeira vez, consistente em prescrever as condutas devidas e, ao fim,
simplesmente, afirmar ser crime todas as ações contrárias às normas de
dever, deixando de descrever o fato e equiparando a tipicidade à
antijuridicidade, com o que se feriu o princípio da reserva legal. Norma
dessa natureza somente pode ser aceita e aplicada com grande cautela,
limitando-se o número das disposições que possam ser invocadas como
normas complementares àquelas que estabeleçam condições
indispensáveis à aprovação e execução do projeto cuja desatenção crie a
probabilidade de dano à administração pública”.
Dirceu de Mello
67
comenta, ainda, que os delitos em questão são
tipos penais abertos e, por esta razão, “coloca-se na mão do juiz criminal uma
dose de arbítrio extraordinário na interpretação do dispositivo”.
Realmente, diante das características dos tipos penais em epígrafe,
apenas será possível a sua aplicação a partir de uma delimitação das condutas
incriminadas, estabelecendo-se quais normas complementam o conteúdo
desses delitos. Se assim não fosse, ocorreria mácula ao princípio da
legalidade, pois é imprescindível que os delitos fixem os pressupostos
fundamentais de punibilidade
68
, sob pena de se obstar o direito à defesa.
Ruy Rosado de Aguiar Júnior
69
propõe a limitação das disposições
que possam ser utilizadas como complemento aos aludidos delitos, o que
realmente facilita a compreensão do alcance dos aludidos tipos penais. No
âmbito da Lei 6.766/79 entende que podem ser considerados
complementos o artigo 3º, parágrafo único
70
que proíbe o parcelamento em
66
AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. op. cit., p. 210-211.
67
MELLO, Dirceu de. op. cit., p. 21-22.
68
SILVA SÁNCHEZ, Jesús Maria. Necesidad y legitiación de la intervención em la tutela de la ordenación
del territorio. In: MATA BARRANCO, Norberto J. de la (Coord.). Delitos contra el urbanismo y la
ordenación del territorio. Oñati: IVAP-Instituto Vasco de Administración Pública, 1998. p. 30.
69
AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. op. cit., p. 210-211.
70
“Parágrafo único. Não será permitido o parcelamento do solo:
I em terrenos alagadiços e sujeitos a inundações, antes de tomadas as providências para assegurar o
escoamento das águas;
38
determinados terrenos e áreas; o artigo 4º, inciso II
71
, que dispõe sobre área e
testada mínimas; os artigos 17
72
e 43
73
sobre alteração da destinação de áreas
públicas; o artigo 21
74
, que veda registros simultâneos; o artigo 37
75
, que
estabelece a proibição de vender lote de parcelamento o registrado e os
artigos 18
76
, VI, 26
77
e 38
78
que determinam que o loteador tem o dever de
contratar de acordo com o contrato-padrão depositado no cartório.
II em terrenos que tenham sido aterrados com material noviço à saúde pública, sem que sejam
previamente saneados;
III- em terrenos com declividade igual ou superior a 30% (trinta por cento), salvo as atendidas exigências
específicas das autoridades competentes;
IV - em terrenos onde as condições geológicas não aconselham a edificação;
V em áreas de preservação ecológica ou naquelas onde a poluição impeça condições sanitárias
suportáveis, até a sua correção”.
71
“Art. 4 – Os loteamentos deverão atender, pelo menos, aos seguintes requisitos:
III os lotes terão área mínima de 125 (cento e vinte e cinco metros quadrados) e frente mínima de 5
(cinco) metros, salvo quando a legislação estadual ou municipal determinar maiores exigências, ou quando
o loteamento se destinar a urbanização específica ou edificação de conjuntos habitacionais de interesse
social, previamente aprovados pelos órgãos públicos competentes”.
72
“Art. 17 Os espaços livres de uso comum, as vias e praças, as áreas destinadas a edifícios públicos e
outros equipamentos urbanos, constantes do projeto e do memorial descritivo, não poderão ter a sua
destinação alterada pelo loteador, desde a aprovação do loteamento, salvo as hipóteses de caducidade da
licença ou desistência do loteador, sendo, neste caso, observadas as exigências do artigo 23 desta lei”.
73
“Art. 43 Ocorrendo a execução de loteamento não aprovado, a destinação de áreas públicas exigidas no
inciso I do artigo 4 desta lei não poderá alterar, sem prejuízo da aplicação das sanções administrativas, civis
e criminais previstas”.
74
“Art. 21 - Quando a área loteada estiver situada em mais de uma circunscrição imobiliária, o registro será
requerido primeiramente perante aquela em que estiver localizada a maior parte loteada. Procedido o
registro nessa circunscrição, o interessado requererá, sucessivamente, o registro do loteamento em cada uma
das demais, comprovando perante cada qual o registro efetuado na anterior, até que o loteamento seja
registrado em todas. Denegado o registro em qualquer das circunscrições, essa decisão serão comunicadas,
pelo oficial do registro de imóveis, às demais para efeito de cancelamento dos registros feitos, salvo se
ocorrer a hipótese prevista no parágrafo quarto, deste artigo.
§ - O indeferimento do registro do loteamento em uma circunscrição não determinará o cancelamento do registro
procedido em outra, se o motivo do indeferimento naquela o se estender à área situada sob a compencia desta, e
desde que o interessado requeira a manutenção do registro obtido, submetido o remanescente do loteamento a uma
aprovação pvia perante a Prefeitura Municipal, ou o Distrito Federal quando for o caso.
75
“Art. 37 – É vedado vender ou prometer vende parcela de loteamento ou desmembramento não registrado”.
76
“Art. 18 Aprovado o projeto de loteamento ou de desmembramento, o loteador deverá submetê-lo ao
registro imobiliário dentro de 180 (cento e oitenta) dias, sob pena de caducidade da aprovação,
acompanhado dos seguintes documentos:
VI exemplar do contrato-padrão de promessa de venda, ou de cessão ou de promessa de cessão, do qual
constarão obrigatoriamente as indicações previstas no artigo 26 desta lei”.
77
“Art. 26 Os compromissos de compra e venda, as cessões ou promessas de cessão poderão ser feitos por
escritura pública ou por instrumento particular, de acordo com o modelo depositado na forma do inciso VI
do artigo 18 e conterão, pelo menos, as seguintes indicações;”
78
“Art. 38 – Verificado que o loteamento ou desmembramento não se acha registrado ou regularmente
executado ou notificado pela Prefeitura Municipal, ou Distrito Federal quando for o caso, deverá o
adquirente do lote suspender o pagamento das prestações restantes e notificar o loteador para suprir a falta”.
39
Importante mencionar que também deve ser considerada regra
complementar o artigo 4
79
, inciso I, com redação dada pela Lei 9.785/99, o
qual estabelece a proporção de áreas destinadas a sistemas de circulação, à
implantação de equipamento urbano e comunitário, bem como a espaços
livres de uso público.
Destarte, considerando ainda a Lei 6.766/79, de acordo com o
artigo 14
80
, também são reputados complementos o decreto estadual que
definir as áreas mencionadas no artigo 13, incisos I e II
81
, bem como as leis
estaduais e federais que disciplinarem os loteamentos e desmembramentos
previstos no artigo 13
82
.
Os tipos penais também serão complementados por leis
provenientes dos Municípios e Distrito Federal que têm competência para
legislar quando presente o seu peculiar interesse. Nesse aspecto, legislam
sobre planejamento municipal, conforme o artigo 7º, caput
83
; sobre o
parcelamento do solo municipal (artigo , parágrafo único
84
), sobre a
delimitação de zonas urbanas ou de expansão urbana (artigo
85
), sobre a
79
“Art. 4 - I as áreas destinadas a sistemas de circulação, a implantação de equipamento urbano e
comunitário, bem como a espaços livres de uso público, serão proporcionais à densidade de ocupação
prevista pelo plano diretor ou aprovada por lei municipal para a zona em que se situem”.
80
“Art.14 Os Estados definirão, por decreto, as áreas de proteção especial, previstas no inciso I do artigo
anterior”.
81
“Art. 13 Aos Estados caberá disciplinar a aprovação pelos Municípios de loteamentos e
desmembramentos nas seguintes condições:
I-quando localizadas em áreas de interesse especial tais como as de proteção aos mananciais ou ao
patrimônio cultural, histórico, paisagístico e arqueológico, assim definidas por legislação estadual ou
federal.
II quando o loteamento ou desmembramento localizar-se em área limítrofe do município, ou que pertença
a mais de um município, nas regiões metropolitanas ou em aglomerações urbanas, definidas em lei estadual
ou federal”.
82
AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. op. cit., p. 211.
83
“Art. 7 – A Prefeitura Municipal, ou o Distrito Federal, quando for o caso, indicará nas plantas apresentadas
junto com o requerimento de acordo com as diretrizes de planejamento estadual e municipal:
84
“Art. 1 – O parcelamento do solo para fins urbanos será regido por esta lei”.
Parágrafo único. Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão estabelecer normas
complementares relativas ao parcelamento do solo municipal para adequar o previsto nesta lei às
peculiaridades regionais e locais”.
85
“Art. 3 Somente será admitido o parcelamento do solo para fins urbanos em zonas urbanas, de expansão
urbana ou de urbanização específica, assim definidas pelo plano diretor ou aprovadas por lei municipal.
40
área mínima dos lotes (artigo , inciso II), os usos permitidos e os índices
urbanísticos de parcelamento e ocupação do solo urbano (artigo 4º, §
86
), a
dispensa da fase de fixação das diretrizes oficiais para a aprovação do projeto
(artigo 8
87
), a fixação de requisitos para a aprovação do desmembramento
(artigo 11, parágrafo único
88
), a determinação de prazo para a aprovação ou
rejeição do projeto (artigo 16
89
) e para a realização da obra (artigo 18, inciso
V
90
)
91
.
Em que pesem as críticas aos tipos penais relativos aos crimes de
parcelamento ilegal, observa-se que, na prática, eles conseguem ser
aplicados, o que, obviamente, não afasta a necessidade de se estudar
alterações no seu conteúdo para refinar a sua redação, especificando, na
medida do possível, os elementos dos aludidos tipos penais, principalmente
porque as repetições de palavras e imprecisões das normas a serem analisadas
prejudicam a determinação taxativa, mas não atingem tal postulado de forma
significativa a ponto de tornar inaplicáveis tais tipos penais.
86
§ - A legislação municipal definirá, para cada zona em que se divida o território do Município, os usos
permitidos e os índices urbanísticos de parcelamento e ocupação do solo, que incluirão, obrigatoriamente,
as áreas mínimas e máximas de lotes e os coeficientes máximos de aproveitamento”.
87
“Art. 8 Os Municípios com menos de cinqüenta mil habitantes e aqueles cujo plano diretor contiver
diretrizes de urbanização para a zona em que se situe o parcelamento poderão dispensar, por lei, a fase de
fixação de diretrizes previstas no s arts. 6º e 7º”.
88
“Art. 11 Aplicam-se ao desmembramento, no que couber, as disposições urbanísticas vigentes para as
regiões em que se situem ou, na ausência destas, as disposições urbanísticas para os loteamentos.
Parágrafo único. O Município, ou o Distrito Federal quando for o caso, fixará os requisitos exigíveis para a
aprovação de desmembramento de lotes decorrentes de loteamento cuja destinação da área pública tenha
sido inferior à mínima prevista no parágrafo primeiro do artigo 4 desta lei”.
89
“Art. 16 – A lei municipal definirá os prazos para que um projeto de parcelamento apresentado seja
aprovado ou rejeitado e para que as obras executadas sejam aceitas ou rejeitadas”.
90
“Art. 18 Aprovado o projeto de loteamento ou de desmembramento, o loteador deverá submetê-lo ao
registro imobiliário dentro de 180 (cento e oitenta) dias, sob pena de caducidade da aprovação,
acompanhado dos seguintes documentos:
V- cópia do ato de aprovação do loteamento e comprovante do termo de verificação pela Prefeitura
Municipal ou pelo Distrito Federal, da execução das obras exigidas por legislação municipal, que incluirão,
no mínimo, a execução das vias de circulação do loteamento, demarcação dos lotes, quadras e logradouros e
das obras de escoamento das águas pluviais ou da aprovação de um cronograma, com duração máxima de
quatro anos, acompanhado de competente instrumento de garantia para a execução das obras”.
91
AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. op. cit., p. 211.
41
No entanto, não como se prescindir dos tipos penais abertos,
elementos normativos e normas penais em branco para a construção de
normas incriminadoras no caso de delitos urbanísticos, uma vez que diante da
multidisciplinariedade da matéria, bem como das diversas esferas legislativas
envolvidas no regramento do parcelamento do solo urbano, é inviável
descrever todas as situações em que tais normas são violadas.
A par disso, pelo mesmo motivo, a compreensão das condutas
criminosas envolverá conceitos jurídicos relacionados a outros campos do
direito, como direito civil, direito urbanístico e direito registral, por exemplo.
3.2.1. Tipos penais em espécie
3.2.1.1. Artigo 50, incisos I e II
“Artigo 50, inciso I dar início, de qualquer modo, ou efetuar
loteamento ou desmembramento do solo para fins urbanos sem
autorização do órgão público competente, ou em desacordo com as
disposições desta Lei ou das normas pertinentes do Distrito Federal,
Estados e Municípios
Inciso II dar início, de qualquer modo, ou efetuar loteamento ou
desmembramento do solo, para fins urbanos sem observância das
determinações constantes do ato administrativo de licença.
Pena reclusão, de um a quatro anos e multa de 5 (cinco) a 50
(cinqüenta) vezes o maior salário mínimo vigente no País.”
De início, observa-se que os aludidos tipos penais possuem dois
núcleos do tipo, quais sejam, dar início” e “efetuar”, razão pela qual são
classificados como tipos mistos. Considerando que “a prática de uma ou
42
várias das condutas previstas no tipo levam à punição por um só delito
92
”, tal
tipo é denominado tipo misto alternativo.
Diógenes Gasparini
93
especifica os conceitos desses núcleos do
tipo, esclarecendo que:
“Dar início significa qualquer procedimento (demarcação, limpeza e
terraplanagem da gleba, aterros, desmatamento, canalizações de
córregos) ligado a um parcelamento. Essas medidas, afirma-se, por si só,
não constituem qualquer das figuras criminosas previstas na Lei do
Parcelamento do Solo Urbano. Também não serão crimes se ditos
procedimentos estiverem ligados a um parcelamento para fins rurais.
Efetuar significa realizar, implantar ou fazer um parcelamento
(loteamento ou desmembramento), isto é, abrir ruas, marcar quadras,
lotes e áreas públicas”.
Assim, o crime se consumará quando ocorrerem os atos iniciais
para a realização de um loteamento ou desmembramento (“dar início) e
também quando tal loteamento ou desmembramento tiver sido efetivado
(“efetuar”).
Verifica-se, portanto, que o legislador equiparou duas figuras
relacionadas a diferentes etapas do iter criminis – o núcleodar início”
refere-se ao início do percurso, o cleo “efetuar” aproxima-se do final do
percurso. Por conseguinte, os núcleos do tipo alcançam todas as condutas
executórias praticadas com a finalidade de obtenção do resultado loteamento
ou desmembramento, não sendo possível ocorrer tentativa. Em outras
palavras, o “(...) tipo penal é formado por condutas extremamente
abrangentes, impossibilitando, na prática, a existência de atos executórios
dissociados da consumação
94
”.
92
NUCCI, Guilherme de Souza. op. cit., p. 153.
93
GASPARINI, Diógenes. op. cit., p. 175.
94
NUCCI, Guilherme de Souza. op. cit., p. 169.
43
A propósito pondera Ruy Rosado de Aguiar Júnior
95
“não se
admite a figura da tentativa em ambas as modalidades, de iniciar ou efetuar:
quem tenta efetuar está iniciando, e isso é consumação; de sua vez, iniciar é
tentar efetuar, e como não se admite tentativa de tentativa, não é possível o
reconhecimento da tentativa de dar início. Ou o ato é preparatório e
irrelevante ou é consumação”.
Importante mencionar que os tipos penais em questão abrangem
tanto o loteamento e o desmembramento realizados sem autorização do órgão
público competente, ou seja, sem aprovação do Município e, no caso de áreas
de interesse especial, sem aprovação dos Estados e Distrito Federal, quanto
aqueles que desrespeitam os dispositivos legais que complementam as
normas penais incriminadoras, assim como o conteúdo da licença concedida
para a realização do parcelamento.
Na primeira hipótese, o parcelamento é realizado sem a licença
96
do
Município, ou seja, sem que este analise a adequação de um determinado
projeto de loteamento ou desmembramento às exigências das leis federais,
estaduais e municipais
97
.
na segunda hipótese, por exemplo, efetua-se parcelamento sem
respeitar as normas que complementam a matéria ou em desacordo com
algum aspecto constante na licença.
Embora os incisos I e II do artigo 50 sejam repetitivos e pudessem
ser reunidos em uma única redação, não é despicienda a manutenção do
comportamento descrito pelo inciso II, pois ele não é totalmente abrangido
95
AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. op. cit., p. 214.
96
Maria Sylvia Zanella di Pietro conceitua licença como “o ato administrativo unilateral e vinculado pelo qual
a Administração faculta àquele que preencha os requisitos legais o exercício de uma atividade.” (DI
PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. São Paulo: Atlas, 2006. p. 237).
97
AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. op. cit., p. 209.
44
pelo inciso II. Ocorre que, ainda que o inciso I pudesse alcançar a hipótese
em que o agente viola as regras que fixaram critérios para a concessão de
licenças, o inciso II abrange situação que não pode ser subsumida no inciso I,
ou seja, as violações a determinações discricionárias emitidas em face das
diretrizes de planejamento municipal
98
.
Para parte da doutrina, as condutas que se subsumem no referido
tipo penal são apenas as que configuram parcelamento material, definido no
item 3.1., vale dizer os atos sicos que deflagram o fracionamento da terra
com intuito de urbanização.
Paulo Amador Thomaz Alves da Cunha Bueno
99
manifesta-se nesse
sentido, asseverando que “ao considerar que tratando-se (sic!) de crime
contra a administração pública, as características e o ordenamento urbano que
se pretende proteger o chegam a serem atingidos se a área não sofrer ao
menos um início de atuação em sua estrutura física”.
Em sentido contrário o posicionamento de Ruy Rosado de Aguiar
Júnior
100
, o qual entende que os núcleos do tipo abrangem tanto o
parcelamento material quanto o parcelamento jurídico, pois a lei ora se refere
a um ora a outro, como se observa no artigo 50, inciso III, que prevê situação
relacionada ao parcelamento material, enquanto no artigo 53 há menção à
situação que caracteriza o parcelamento jurídico.
Compartilha-se desse último entendimento, pois o parcelamento
ilegal seja pelo fracionamento de terreno ou pelo seu ingresso no mundo
98
MUKAI, Toshio; ALVES, Alaôr Caffé; LOMAR, Paulo José Villela. Loteamentos e desmembramentos
urbanos: comentários à lei de parcelamento do solo urbano, Lei 6.766, de 19/12/79. 2. ed. São Paulo:
Sugestões Literárias, 1987., p. 268.
99
BUENO, Paulo Amador Thomaz Alves da Cunha. op. cit.
100
AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. op. cit., p. 207.
45
jurídico tem potencialidade de lesionar a administração pública, o meio
ambiente e eventuais particulares envolvidos.
Para solução de tal controvérsia, de lege ferenda, sugere-se que
fosse esclarecido na redação do tipo penal a sua abrangência no tocante às
situações de parcelamento material e parcelamento jurídico, bem como a
exclusão da expressão “de qualquer modo” que confere uma amplitude
indesejada ao tipo penal, sem trazer elementos concretos para a sua
especificação. Para tanto seria possível adotar duas fórmulas: a) incluir no
tipo penal o termo material ou jurídico relativo ao loteamento ou
desmembramento, pois tal classificação possui significado pacífico na
doutrina; b) incluir série exemplificativa de situações de parcelamento
material ou jurídico para possibilitar uma interpretação analógica a fim
esclarecer o alcance dos significados de “loteamento” e “desmembramento”.
Observa-se que atualmente a expressão constante no tipo penal de
qualquer modo é interpretada de forma restrita para que não inclua a fase de
cogitação, como por exemplo, fazer a planta de um loteamento, em
contrapartida, se durante os preparativos para um determinado parcelamento
ocorrer “(...) de qualquer modo, a alienação dos eventuais futuros lotes (o que
os corretores de imóveis chamam ‘na planta’), aí, sim, estará materializado o
delito, posto que terceiro estranho à etapa preparatória foi envolvido, por
mais que se tenha certeza da aprovação do projeto”
101
.
O anteprojeto de reforma do Código Penal
102
reuniu o conteúdo dos
incisos I e II, limitando a incidência do delito às hipóteses de loteamento ou
desmembramento sem autorização dos órgãos competentes, ou em desacordo
com a autorização concedida. Destarte usou um único núcleo do tipo,
101
COUTO, Sergio A. Frazão do. op. cit., p. 380.
102
Apresentado em 24 de março de 1998.
46
substituindo “dar início” e efetuar” por promover”, reduziu a pena máxima
de quatro para três anos e modificou o critério de fixação da pena de multa,
adotando a regra geral do Código Penal
103
em substituição ao salário mínimo:
“Parcelamento clandestino ou irregular do solo urbano
Art. 371. Promover loteamento ou qualquer outra forma de parcelamento
do solo urbano sem autorização dos órgãos competentes, ou em
desacordo com a autorização concedida:
Pena – Reclusão, de um a três anos, e multa”.
Não andou bem o legislador na modificação proposta, porquanto
excluiu do tipo penal parte significativa da sua abrangência, deixando
desprotegidos os bens jurídicos tutelados por esse delito na hipótese em que
não conste na autorização concedida exigências previstas em disposições
federais, estaduais e municipais sobre a disciplina urbanística. Demais disso,
os núcleos dar início” e “efetuar” especificam de forma mais clara o alcance
do tipo penal em relação às condutas de parcelamento ilegal, evidenciando
que são incriminados os atos executórios iniciais, não sendo necessária a
efetivação do parcelamento para a sua consumação. No caso do núcleo
“promover” não há parâmetro para definir em que momento o ato começa a
ser executado.
Em contrapartida, a idéia de englobar os incisos I e II do artigo 50
em um único dispositivo é benéfica, pois simplifica a redação do tipo penal,
que possui elementares parcialmente coincidentes.
103
“Art. 49. A pena de multa consiste no pagamento ao fundo penitenciário da quantia fixada na sentença e
calculada em dias-multa. Será, no mínimo, de 10 (dez) e, no máximo, de 360 (trezentos e sessenta) dias-
multa.
§ 1º. O valor do dia-multa será fixado pelo juiz não podendo ser inferior a um trigésimo do maior salário
mínimo mensal vigente ao tempo do fato, nem superior a 5 (cinco) vezes esse salário.
§ 2º. O valor da multa será atualizado, quando da execução pelos índices de correção monetária.”
47
Com relação às penas, não razão para redução do patamar
máximo, pois a pena máxima de quatro anos é compatível com a gravidade
do delito. Por outro lado, o uso da fórmula geral do Código Penal para
fixação do valor da multa é recomendável, pois permite que tal pena seja
fixada de acordo com as possibilidades econômicas do agente, não havendo
motivo para que haja forma especial para previsão dessa pena.
O projeto de lei 3057/2000
104
manteve as condutas dos incisos I
e II do artigo 50, substituindo os termos autorização” e “ato administrativo
de licença”, por “licença” e licença urbanística e ambiental integrada”,
respectivamente, o que é adequado para melhor compreensão dos elementos
normativos relacionados ao direito administrativo, constantes no tipo penal.
Observa-se, contudo, que tais delitos estão em dispositivos separados e com
penas diferenciadas.
“Art. 100. Dar início, de qualquer modo, ou efetuar parcelamento do solo
para fins urbanos, sem licença da autoridade competente, ou em
desacordo com as disposições desta Lei ou de outras normas urbanísticas
ou ambientais federais, estaduais ou municipais:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, multa e, no caso de o
proprietário ser um dos infratores, perda do imóvel ilegalmente
parcelado, ressalvados os direitos de terceiros de boa-fé”
“Art. 103. Dar início, de qualquer modo, ou efetuar parcelamento do solo
para fins urbanos sem observância das determinações constantes da
licença urbanística e ambiental integrada:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa”.
Diante da similitude entre as redações dessas normas e os delitos
vigentes, cabíveis as sugestões apresentadas supra, referentes aos últimos.
O legislador não deveria ter diferenciado as penas imputadas aos
dois delitos, pois a gravidade dessas condutas é semelhante, razão pela qual
deveriam continuar a constar no mesmo tipo penal e com o mesmo preceito
secundário.
104
Que tramita no Congresso Nacional.
48
A fixação do patamar máximo da pena de um dos delitos de
parcelamento ilegal do solo urbano em seis anos é exagerada e o está em
harmonia com a gravidade do delito ou com exemplos que serão estudados no
direito comparado.
No entanto, verifica-se que no Direito francês previsão somente
de aplicação de pena de multa, no Direito italiano e no Direito espanhol
são estabelecidas, além da pena de multa, penas privativas de liberdade no
patamar máximo de dois e três anos, respectivamente.
Por conseguinte, não se vislumbra particularidade no ordenamento
jurídico brasileiro que justifique o aumento considerável da pena máxima
fixada ao aludido delito, sob pena de macular-se o princípio da
proporcionalidade.
Importante questionar a constitucionalidade da pena prevista no
preceito secundário do artigo 100 do projeto de lei 3057/2000 que
estabelece o confisco do imóvel ilegalmente parcelado aplicável ao agente
que, além de praticar o delito, for proprietário do bem.
Ainda que a nossa Constituição possua dispositivos que amparem a
perda de bens no âmbito penal
105
, tal pena é incluída pelo Código Penal entre
as restritivas de direitos
106
, admitindo-se a perda de bens e valores adquiridos
de forma lícita pelo condenado e que integrem o seu patrimônio, contudo, o
105
“Art. 5º - inciso XLV – nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o
dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles
executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido;
inciso XLVI – a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes:
a) privação ou restrição da liberdade;
b) perda de bens;
c) multa;
d) prestação social alternativa”.
106
“Art. 43. As penas restritivas de direitos são:
I – prestação pecuniária;
II – perda de bens e valores;
III – (Vetado.);
IV – prestação de serviço à comunidade ou a entidades públicas;
V – interdição temporária de direitos;
VI – limitação de fim de semana”.
49
teto dessa pena será o valor do prejuízo causado ou do proveito obtido com a
prática do delito, prevalecendo o maior valor
107
.
Ora, no caso em tela a perda da propriedade deve-se ao ato
praticado pelo infrator e não à ilicitude do bem, logo, deve-se observar os
princípios que orientam as penas entre os quais o princípio da
proporcionalidade
108
. Assim, não seria razoável a perda automática da
propriedade parcelada, pois tal medida não prevê relação entre os danos
causados e a conduta do infrator, o que seria essencial para a aplicação de
pena em consonância com os direitos fundamentais de que é titular o infrator,
assegurados pela Constituição Federal
109
, entre os quais se destaca o direito
de propriedade.
Não se desconhece que o nosso ordenamento prevê em situações
excepcionais a possibilidade de confisco de bens lícitos de infratores sem que
se exija relação de proporção com os prejuízos ocasionados, mas tal hipótese
está expressa no texto constitucional e se relaciona a crime enquadrado entre
os mais graves do nosso ordenamento jurídico, equiparado aos crimes
hediondos, qual seja, o tráfico de entorpecentes. Nesse sentido dispõe o
artigo 243 da Constituição Federal:
“Art. 243. As glebas de qualquer região do País onde foram localizadas
culturas ilegais de plantas psicotrópicas serão imediatamente
expropriadas e especificamente destinadas ao assentamento de colonos,
para o cultivo de produtos alimentícios e medicamentos, sem qualquer
indenização ao proprietário e sem prejuízo de outras sanções previstas
em lei.
Parágrafo único. Todo e qualquer bem de valor econômico apreendido
em decorrência do tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins será
confiscado e reverterá em benefício de instituições e pessoal
especializados no tratamento e recuperação de viciados e no
107
NUCCI, Guilherme de Souza. op. cit., p. 324.
108
GOMES, Luiz Flávio; BIANCHINI, Alice; CUNHA, Rogério Sanches; OLIVEIRA, William Terra de.
Nova Lei de Drogas comentada: Lei 11.343, de 23.08.2006. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2006. p.
280.
109
“Art. 5º - XXII – é garantido o direito de propriedade”.
50
aparelhamento e custeio de atividades de fiscalização, controle,
prevenção e repressão do crime de tráfico dessas substâncias”.
Esse dispositivo constitucional fundamenta os artigos 62
110
caput e
63
111
da Lei de Drogas que determinam a perda dos objetos usados para a
prática do tráfico de entorpecentes, independentemente da posse, uso,
fabricação e porte de tais objetos serem lícitos.
Logo, considerando que a perda de bens lícitos está prevista no
citado projeto de lei sem a observância dos princípios que se aplicam às
penas e não se tratando da hipótese excepcional de expropriação relacionada
ao tráfico de drogas, flagrante a sua inconstitucionalidade.
Por derradeiro, note-se que não qualquer impedimento à
aplicação da pena restritiva de direitos de perda de bens, que poderá alcançar
o imóvel ilegalmente loteado pelo infrator, desde que seja obedecido o teto
citado, vale dizer, o princípio da proporcionalidade. Tal pena alternativa é
recomendável no caso dos crimes em comento, quando preenchidos os
requisitos legais, porquanto poderá minimizar os efeitos do parcelamento
ilegal, em benefício dos adquirentes de lotes que sofreram prejuízos
econômicos
112
.
110
“Art. 62. Os veículos, embarcações, aeronaves e quaisquer outros meios de transporte, os maquinários,
utensílios, instrumentos e objetos de qualquer natureza, utilizados para a prática de crimes definidos nesta
Lei, após a sua regular apreensão, ficarão sob custódia da autoridade de polícia judiciária, excetuadas as
armas, que serão recolhidas na forma de legislação específica”.
111
“Art. 63. Ao proferir a sentença de mérito, o juiz decidirá sobre o perdimento do produto, bem ou valor
apreendido, seqüestrado ou declarado indisponível”.
112
TAKEGUMA, Mario Seto. Aspectos fundamentais do tratamento jurídico-penal do parcelamento do solo
urbano brasileiro. 2003. Dissertação (Mestrado em Direito). Universidade Estadual de Maringá [UEM],
Maringá, 2003. p. 120.
51
3.2.1.2. Artigo 50, inciso III
“Artigo 50, III fazer, ou veicular em proposta, contrato, prospecto ou
comunicação ao público ou interessados, afirmação falsa sobre a
legalidade de loteamento ou desmembramento do solo para fins urbanos,
ou ocultar fraudulentamente fato a ele relativo.
Pena reclusão, de um a quatro anos e multa de 5 (cinco) a 50
(cinqüenta) vezes o maior salário mínimo vigente no País.”
O crime previsto no artigo 50, inciso III não se relaciona aos atos
de parcelamento material, ou seja, aos atos de efetivação da divisão do
terreno, mas à oferta de loteamento ou desmembramento. Logo, ainda que
possua como bem jurídico principal a administração pública, também protege
os particulares que negociam loteamentos e desmembramento e precisam ter
acesso a informações verdadeiras sobre a sua legalidade, não apenas para que
sejam observados os princípios consumeristas
113
, mas também a fim de
resguardar os seus patrimônios individuais.
O inciso III do artigo 50 também é um tipo misto alternativo, pois
possui três cleos, quais sejam, “fazer”, “veicular” e “ocultar”, mas a prática
de mais de uma das ações previstas no tipo enseja apenas um crime.
É desnecessária a existência desses dois verbos, pois o núcleo
“fazer” abrange o veicular”. Isso porque o primeiro núcleo se refere à
realização de uma afirmação falsa, conduta ampla que abrange a veiculação
de afirmação falsa, pois esta última significa divulgação uma das formas
pelas quais pode ser realizada uma afirmação falsa.
113
Claudia Lima Marques comenta sobre o direito à informação e o princípio da transparência: “o princípio da
transparência rege o momento pré-contratual e rege a eventual conclusão do contrato. É mais do que um
simples elemento formal, afeta a essência do negócio, pois a informação repassada ou requerida integra o
conteúdo do contrato (arts. 30, 33, 35, 46 e 54), ou se falha representa a falha na qualidade do produto ou
do serviço oferecido (arts. 18, 20 e 35). Resumindo, como reflexos do princípio da transparência temos o
novo dever de informar o consumidor” (MARQUES, Claudia Lima; BENJAMIN, Antônio Herman;
MIRAGEM, Bruno. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 2. ed. São Paulo: Ed. Revista dos
Tribunais, 2006., p. 178).
52
A conduta delitiva descrita pelos verbos “fazer” e “veicular” traz
uma situação de falsidade ideológica
114
, pois o agente faz afirmação
inverídica sobre a legalidade de parcelamento. Ressalta-se que apenas
ocorrerá o crime quando a informação falsa relacionar-se à legalidade do
parcelamento. Caso o falso seja usado como meio para a busca de vantagem
ilícita, ocorrerá crime de estelionato
115
.
O comportamento de ocultar” significa omitir. O tipo narra
“ocultar fraudulentamente fato a ele relativo”, ou seja, a conduta é realizada
com intuito de enganar aquele que está interessado em adquirir
desmembramento ou loteamento. O elemento “fato a ele relativo” deve ser
interpretado como sendo tão somente aspectos relacionados à ilegalidade do
parcelamento ou loteamento do solo, entendimento que esem consonância
com a redação do tipo que estabelece tal limitação em relação aos núcleos
“fazer” e “veicular”
116
.
Registre-se o posicionamento de Ivan Carlos de Araújo de que o
núcleo ocultar” deve ser compreendido como esconder, pois se trata de uma
ação. Assim, para esse autor o núcleo do tipo traria uma conduta comissiva,
como, por exemplo, quando se apaga uma informação contida em averbação
na matrícula (bloqueio impedindo o registro de qualquer venda do imóvel,
por ilegalidade de loteamento nele implantado), cuja cópia passa a integrar o
prospecto de um empreendimento
117
.
114
Cezar Roberto Bitencourt esclarece que na falsidade ideológica “a forma do documento é verdadeira, mas
seu conteúdo é falso, isto é, a idéia ou declaração que o documento contém não corresponde à verdade
(BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. v. 4, p. 362).
115
AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. op. cit., p. 218.
116
ARAÚJO, Ivan Carlos de. Os crimes de parcelamento do solo urbano no direito brasileiro. 2004.
Dissertação (Mestrado em Direito). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC-SP, São Paulo,
2004. p. 114.
117
Id. Ibid., p. 112.
53
Tal entendimento é o mais consentâneo com o tipo penal, que não
estabelece nenhuma conduta devida durante a negociação do lote, o que seria
essencial para que o cleo “ocultar” fosse compreendido como uma conduta
omissiva.
A afirmação falsa pode ocorrer tanto por meio escrito, como por
proposta, contrato ou prospecto, ou por outros meios, pois o elemento
“comunicação ao público” tem grande amplitude, abrangendo televisão,
rádio, cinema, etc.
118
Ressalta-se que este inciso reflete a idéia que originou os
dispositivos penais hoje vigentes em matéria urbanística, porquanto
inicialmente o legislador preocupava-se apenas em proteger os adquirentes de
lotes. Posteriormente, percebeu-se que tal proteção era secundária em relação
à necessidade de tutela do cumprimento das diretrizes urbanísticas, razão pela
qual tal crime se insere entre os delitos de parcelamento ilegal do solo
urbano.
A doutrina admite a hipótese de tentativa para o delito em tela.
Paulo Thomaz Alves da Cunha Bueno
119
sustenta que o conatus é viável,
exemplificando tal entendimento com a hipótese de um agente que,
pretendendo fazer uma campanha publicitária sobre um loteamento ou
desdobramento, mediante a distribuição de prospectos com informações
falsas sobre a legalidade do empreendimento, é surpreendido quando iria
remeter o material.
No mesmo sentido Ruy Rosado de Aguiar Júnior
120
, que prevê a
possibilidade de tentativa para o tipo penal em questão no caso das ações de
118
VIANA, Marco Aurélio S. Comentários à Lei sobre Parcelamento do Solo Urbano. São Paulo: Saraiva,
1980. p. 141.
119
BUENO, Paulo Amador Thomaz Alves da Cunha. op. cit., p. 119.
120
AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. op. cit., p. 217.
54
afirmação falsa não verbais: “Assim, a elaboração de documentos (que em
outros tipos pode ser a consumação), a impressão de propostas ou prospectos
etc., são atos de execução, mas insuficientes para caracterizar o crime
consumado, que se realiza com o conhecimento da afirmação falsa, por
terceiros. Se não ocorrer o conhecimento por circunstâncias alheias à vontade
do agente, a ação restringiu-se ao âmbito da tentativa”.
O anteprojeto de reforma do digo Penal propôs uma norma
incriminadora a fim de substituir o delito em estudo. Tal norma torna mais
clara a sua redação, solucionando grande parte das críticas doutrinárias:
“Fraude em loteamento ou parcelamento do solo urbano
Art. 372. Fazer, em proposta, qualquer comunicação ao público ou aos
interessados, ou em contrato, afirmação falsa ou omitir aquela que
deveria constar, sobre a legalidade de loteamento ou de qualquer outra
forma de parcelamento do solo urbano.
Pena – Reclusão, de um a quatro anos, e multa.”
Observa-se que o legislador retirou do tipo penal o núcleo
“veicular” cujo sentido é abrangido pelo núcleo “fazer”. Destarte, excluiu o
termo “ocultar” que acarretava dúvidas quanto a referir-se a conduta omissiva
ou comissiva, substituindo-o pelo núcleo “omitir” que indubitavelmente se
relaciona a conduta omissiva. Destarte, o legislador esclareceu que a omissão
diz respeito apenas a aspectos sobre a legalidade do loteamento ou
desmembramento, o que também é duvidoso no atual tipo penal.
Outra particularidade do tipo penal proposto que merece ser
aplaudida é a vinculação da omissão a uma conduta devida, sob pena de se
tornar inaplicável como ocorre no atual diploma legal.
55
Entende-se, portanto, que a redação proposta pelo anteprojeto
refinaria a redação do atual tipo penal, sem promover mudança na pena
privativa de liberdade, o que é mais adequado à espécie.
O projeto de lei 3057/2000 apresentou proposta ampliativa do
tipo penal:
“Art. 104. Fazer, ou veicular em proposta, contrato, prospecto, anúncio
ou comunicação ao público ou a interessado, informação total ou
parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão,
capaz de induzir em erro o consumidor sobre o parcelamento do solo:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.
Parágrafo único. No caso de pessoa física ou jurídica que atua na
corretagem de imóveis e do corretor de imóveis, aplica-se o disposto no
art. 21 da Lei 6.530, de 12 de maio de 1978, sem prejuízo da
responsabilização penal da pessoa física, na forma do caput.
Tal norma incriminadora não se limitou a punir as afirmações falsas
ou omissões relacionadas à legalidade do parcelamento, mas abrangeu
também outras informações aptas a induzir em erro o consumidor. Essa
ampliação do alcance da norma incriminadora não se justifica, porque a
conduta acrescentada pelo aludido tipo penal já é incriminada de forma
genérica no artigo 66 do digo de Defesa de Consumidor, aplicável à
situação em que, durante a comercialização de lote entre consumidor e
fornecedor, omitem-se informações ou faz-se afirmação falsa sobre aspecto
relevante do parcelamento que não se relacione a sua legalidade:
“Art. 66. Fazer afirmação falsa ou enganosa, ou omitir informação
relevante sobre a natureza, característica, qualidade, quantidade,
segurança, desempenho, durabilidade, preço ou garantia de produtos ou
serviços:
Pena – Detenção de três meses a um ano e multa.”
56
De mais a mais, permanece a repetição de cleos do tipo, pois
“fazer” abrange “veicular”. Demais disso, usou-se a expressão “por qualquer
outro modo” que não é recomendável em razão da sua amplitude. A inclusão
do parágrafo único também é despicienda, considerando que se limita a dizer
o óbvio, ou seja, que a responsabilização na esfera administrativa é
independente da responsabilização no âmbito criminal.
3.2.1.3. Artigo 50, parágrafo único, incisos I e II
“Artigo 50, parágrafo único O crime definido neste artigo é qualificado
se cometido:
I por meio de venda, promessa de venda, reserva de lote ou quaisquer
outros instrumentos que manifestem a intenção de vender lote ou
loteamento ou desmembramento não registrado no Registro de Imóveis
competente;
II – com inexistência de título legítimo de propriedade do imóvel loteado
ou desmembrado, ressalvado o disposto no art. 18, §§ e 5º, desta Lei,
ou com omissão fraudulenta de fato a ele relativo, se o fato não constituir
crime mais grave.
Pena reclusão, de um a cinco anos, e multa de 10 a 100 vezes o maior
salário mínimo vigente no País”.
Os incisos do parágrafo único do artigo 50 trazem duas hipóteses
que qualificam os delitos previstos nos incisos I a III do mesmo artigo.
Ambas se relacionam à comercialização de loteamento ou desmembramento.
Logo, não se referem diretamente ao parcelamento material, mas ao
parcelamento jurídico. Contudo, para a sua configuração, também deverá
ocorrer alguma das situações previstas pelos tipos penais na forma simples,
ou seja, além da execução de todos os atos necessários à prática da forma
simples, ingressa no terreno das efetivações de negócios irregulares, o que
57
acarretará prejuízos não ao poder público, diante do desrespeito às normas
urbanísticas, mas também aos adquirentes dos lotes
121
.
O inciso I menciona a hipótese em que o agente não realiza
parcelamento em desacordo com as regras urbanísticas, mas também
comercializa os lotes correspondentes não registrados no Registro de Imóveis
por meio de instrumentos, vale dizer, documento escrito, onde
necessariamente deverá constar a intenção de venda do imóvel. A
comercialização dos lotes ou a manifestação da intenção de vendê-los
envolve diversas formas entre as quais a compra, a promessa de venda e a
reserva de lote, observando-se que as duas últimas consubstanciam fase
anterior à venda. A redação dessa qualificadora prevê a interpretação
analógica
122
para alcance do significado de “quaisquer instrumentos”, que
deve ser buscado a partir da série exemplificativa que consta na norma, isto é,
“compra, promessa de venda e reserva de lote”, o que permite concluir que “a
ampliação de ser feita, porém, tendo em vista que os casos enumerados
pressupõem a existência de um contrato ou precontrato entre o loteador e o
interessado, numa relação bilateral definida, daí não se incluir no conceito de
‘outros instrumentos’ os prospectos, anúncios e comunicações endereçados
ao público
123
”.
A pena do agente que pratica o delito nas circunstâncias do inciso I
é agravada justamente porque se atinge a economia do particular, que é
prejudicado, pois realiza negócio relativo a lote que não eslegalizado, ou
seja, não está registrado
124
. Nessa perspectiva, o artigo 37 da Lei 6.766/79
121
COUTO, Sergio A. Frazão do. op. cit., p. 387.
122
Guilherme de Souza Nucci explica que a interpretação analógica “é o processo de averiguação do sentido
da norma jurídica, valendo-se de elementos fornecidos pela própria lei, através do método da semelhança”
(NUCCI, Guilherme de Souza. op. cit., p. 55).
123
AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. op. cit., p. 220.
124
VIANA, Marco Aurélio S. op. cit., p. 141.
58
veda a venda ou promessa de venda de parcela de loteamento ou
desmembramento antes do registro.
Esse dispositivo estabelece exceção em relação ao artigo 18 §§ 4º e
125
, que dispõe que a União, Estados, Distrito Federal e Municípios estão
dispensados do título de propriedade quando se tratar de parcelamento
popular. Nestes casos, se o parcelamento ou desmembramento não atender às
diretrizes urbanísticas, a falta de título de propriedade o acarretará
agravamento da pena.
O inciso II descreve hipótese em que os delitos dos incisos I a III
do artigo 50 são praticados sem título legítimo de propriedade ou com
omissão fraudulenta de fato a ele relativo, salvo se ocorrer delito mais grave.
Ora, aquele que realiza loteamento ou desmembramento sem título
que constitua o seu domínio sobre o imóvel objeto do empreendimento
pratica conduta mais gravosa, pois não será possível aos adquirentes dos lotes
registrarem o seu domínio na matrícula do imóvel.
Quanto à norma subsidiária, que traz conduta omissiva consistente
em omissão fraudulenta relativa ao título legítimo de propriedade uma
imprecisão técnica, pois os crimes mais graves apontados pela doutrina que
se aplicariam em caráter principal - quais sejam, uso de documento falso,
125
“Artigo 18 - § O título de propriedade será dispensado quando se tratar de parcelamento popular,
destinado as classes de menor renda, em imóvel declaração de utilidade pública, com processo de
desapropriação judicial em curso e imissão provisória na posse, desde que promovido pela União, Estados,
Distrito Federal, Municípios ou suas entidades delegadas, autorizadas por lei a implantar projetos de
habitação. (Incluído pela Lei nº 9.785.29.1.99).
§5º No caso de que trata o § , o pedido de registro do parcelamento, além dos documentos mencionados
nos incisos V e VI deste artigo, será instruído com cópias autênticas da decisão que tenha concedido a
imissão provisória na posse, do decreto de desapropriação, do comprovante de sua publicação na imprensa
oficial e, quando formulado por entidades delegadas, da lei de criação e de seus atos constitutivos. (Incluído
pela Lei nº 9.785. 29.1.99)”.
59
falsificação de documento blico e estelionato são comissivos, isto é,
praticados por ação
126
.
Mario Seto Takeguma
127
discorre com propriedade sobre a
imprecisão do legislador ao usar o termo “omissão” na qualificadora do
inciso II, pois ele não descreveu uma conduta devida, o que seria pressuposto
para a ocorrência de um delito omissivo. De mais a mais, a aludida norma
exige que a “omissão” seja praticada mediante fraude, o que pressupõe que
ocorra uma ação:
“Na realidade, a utilização terminológica da “omissão” não significa uma
correspondência ao tipo omissivo, vez que o adjetivo “fraudulenta”,
exige uma ação por parte do agente. Poderia o legislador ter repetido a
expressão “ocultar fraudulentamente” utilizado no inciso III do art. 50, a
fim de não confundir a exegese mais afoita. Não que se falar em
“dever de não de silenciar sobre o fato” ainda que cumprisse com o dever
jurídico de falar, subsistiria um crime na forma qualificada. Vislumbra-se
que a preocupação do legislador foi em punir com maior rigor o delito,
nos casos em que se induzisse a vítima a incidir num vício de
consentimento, principalmente, a omissão pré-típica, não haveria a
omissão típica no caso, pois a norma involucrada no tipo não impõe ao
agente o dever jurídico de falar, v.g., sobre a existência de ônus reais
sobre o imóvel, quando a venda por si é criminosa, na medida em que
isoladamente, subsume-se a tipos penais do art. 50 da Lei nº 6.766/79”.
Conclui-se, pois, que o inciso II é inaplicável em relação à omissão
fraudulenta.
Interessante mencionar que, ainda que não ocorra parcelamento
físico, a manifestação da intenção de venda de parcelamento não registrado
também será considerada crime, pois a união entre as redações dos incisos I a
III do artigo 50 com o parágrafo único, inciso II, do mesmo artigo, admite a
ocorrência do delito quando ocorrer parcelamento jurídico por meio da sua
126
Nesse sentido Mario Seto TAKEGUMA (Aspectos fundamentais do tratamento jurídico-penal do
parcelamento do solo urbano, cit., p. 97) e Ivan Carlos de ARAÚJO (Os crimes de parcelamento do solo
urbano no direito brasileiro, cit., p. 137).
127
TAKEGUMA, Mario Seto. op. cit., p. 98.
60
comercialização sem registro
128
, principalmente porque todas as formas
simples dos delitos de parcelamento ilegal abrangem o parcelamento jurídico,
conforme já mencionado.
Critica-se o fato de ter sido mantido o patamar mínimo da pena
privativa de liberdade estabelecida pela forma simples, isto é, 1 (um) ano de
reclusão. Isso porque o objetivo do legislador de agravar a pena aplicada
daquele que pratica a conduta em circunstâncias especiais muitas vezes não é
alcançado diante da praxe observada nas decisões judiciais de fixação da
pena no piso legal. Por tal razão, sugere-se que a pena mínima nas hipóteses
qualificadas de parcelamento ilegal seja elevada para 2 (dois) anos, tendo em
vista o princípio de proporcionalidade, assim como a necessidade de
diferenciar as condutas praticadas em circunstâncias mais gravosas.
No anteprojeto de reforma do Código Penal não foram previstas
figuras qualificados e não há nenhuma menção às circunstâncias trazidas
nessa norma.
o projeto de lei 3057/2000 manteve como qualificadora a
“omissão fraudulenta, falsa ou enganosa de circunstância relativa ao
parcelamento, se o fato não constituir crime mais grave”, o que acarreta
“Pena – reclusão, de 3(três) a 8 (oito) anos, multa e, no caso de o proprietário
ser um dos infratores, perda do imóvel ilegalmente parcelado, ressalvados os
direitos de terceiros de boa-fé”. Tal qualificadora é desaprovada, pois
manteve enunciado que torna inviável a sua aplicação ao mencionar omissão
fraudulenta, termo inapropriado, conforme visto acima.
Outrossim, o valor da pena privativa de liberdade é totalmente
despropositado, porquanto, como mencionado, não justificativa
128
BUENO, Paulo Amador Thomaz Alves da Cunha. op. cit., p. 129.
61
plausível para a elevação da pena privativa de liberdade da forma qualificada
do delito de cinco para oito anos.
O projeto de lei 3057/2000 transformou em tipo penal autônomo
a qualificadora relativa à comercialização de lotes ilegais, o que foi benéfico,
pois tal conduta, por seu relevo, merece ser punida, independentemente da
ocorrência de atos de parcelamento material, que alguns entendem ser
essencial à caracterização de tal delito, quando se referir aos incisos I e II do
artigo 50.
“Art. 100.
§ 1º Incorre nas mesmas penas quem:
II anunciar, vender, prometer vender, ceder direitos, prometer ceder ou
manifestar a intenção de alienar lote ou unidade autônoma, por qualquer
instrumento público ou particular, mesmo que em forma de reserva,
recibo de sinal ou outro documento, sem estar o parcelamento para fins
urbanos devidamente registrado no Registro de Imóveis competente”.
3.2.1.4. Artigo 51
“Artigo 51. Quem, de qualquer modo, concorra para a prática dos crimes
previstos no artigo anterior desta lei incide nas penas a estes cominadas,
considerados em especial os atos praticados na qualidade de mandatário
de loteador, diretor ou gerente de sociedade”.
O artigo 51 limita-se a tratar do concurso de pessoas, mas se
encontra revogado pelo artigo 29
129
do Código Penal, que alterou o
tratamento dado ao concurso de pessoas, mantendo a teoria monística, a qual
prevê que todos os participantes de uma infração penal incorrem nas sanções
129
“Artigo 29 Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a estes cominadas, na
medida de sua culpabilidade.
§1º Se a participação for de menor importância, a pena pode ser diminuída de um sexto a um terço.
§ Se algum dos concorrentes quis participar de crime menos grave, ser-lhe-á aplicada a pena deste, essa
pena será aumentada até metade, na hipótese de ter sido previsível o resultado mais grave”.
62
do mesmo crime, mas diferencia os autores e os partícipes, a fim de permitir
uma adequada dosagem da pena de acordo com a efetiva participação de cada
agente, na medida da culpabilidade de cada um
130
. Com efeito, o artigo 51
reproduz o conteúdo do artigo 25 do Código Penal
131
, que foi revogado com a
Reforma Penal de 1984, quando passou a vigorar o referido artigo 29. Assim,
o artigo 51 também foi revogado pela lei posterior, máxime diante do
tratamento mais específico à matéria adotado pelo artigo 29 do Código Penal,
o qual passou a prevalecer para o concurso de pessoas em matéria de delitos
urbanísticos.
Note-se que o artigo 51 apenas ressaltou a necessidade de punição
do mandatário, do loteador e do diretor ou gerente de sociedade. Nessa linha
se manifestou Marino Pazzaglini Filho
132
“a Lei quis pôr em relevo as figuras
que mais aparecem nesse tipo de empreendimento, sem excluir, porém,
outras, desde que concorram, de qualquer modo, para a prática dos crimes
previstos no artigo anterior”. Não obstante, em razão da redação inadequada
de tal dispositivo, passou-se a questionar na doutrina se tal dispositivo teria
estabelecido a responsabilidade objetiva desses agentes, concluindo-se,
todavia, que a responsabilidade sem culpa seria vedada pelo Direito Penal. A
esse respeito se posicionou Dirceu de Mello
133
:
“Vejam os senhores a situação do mandatário do loteador, a situação do
preposto, do corretor de imóveis. Indiscutivelmente quanto a isso eu não
tenho dúvida nenhuma em proclamar aos senhores, e defenderei esse
entendimento até o último instante, que essa responsabilidade poderá
ser proclamada, evidentemente, se se demonstrar o dolo dessas pessoas.
Nós não podemos envolver num processo criminal e afinal
responsabilizar alguém cujo procedimento evidentemente não se tenha
inspirado nesse elemento subjetivo próprio que é o dolo, porque essas
figuras criminosas são todas dolosas”.
130
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal, cit., v. 1, p. 512.
131
“Artigo 25 – Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas”.
132
PAZZAGLINI FILHO, Marino; FRONTINI, Aba Narua S. P.; RICUPERO, Renê. Da nova lei de
parcelamento do solo urbano. São Paulo: Emplasa, 1980. p. 75-76.
133
MELLO, Dirceu de. op. cit., p. 23.
63
Sérgio A. Frazão do Couto
134
ponderou sobre a necessidade de se
realizar uma interpretação do artigo 51 consentânea com os cânones do
Direito Penal:
“A intenção da Lei, para se tê-la como coerente, pode ser a de
responsabilizar e apenar os que, utilizando os seus conhecimentos para a
obtenção de meios ilícitos visando a vantagens, conseguem, por vias
travessas, usar de terceiros desavisados para cometer crimes. Entender de
outra forma é contrariar os cânones do Direito Penal e admitir que os
operários que fincam os piquetes, os desenhistas que elaboram as plantas,
os engenheiros que calculam as áreas, os gráficos que imprimem
prospectos, os jornais e as emissoras de rádio e de televisão que veiculam
propaganda, todos, enfim, seriam responsáveis por terem, em superficial
visão do texto, de qualquer modo concorrido para a prática dos crimes”.
Poder-se-ia sustentar que a responsabilidade penal da pessoa
jurídica nos delitos urbanísticos passou a ser possível a partir da Constituição
Federal de 1998, a qual previu no artigo 225, § que “as condutas e
atividades lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas
ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independente da obrigação
de reparar os danos causados”.
Todavia, ainda que se adote o conceito amplo de meio ambiente, o
qual abrange o meio ambiente artificial aspecto que será analisado no item
4.2.1. - a responsabilidade penal da pessoa jurídica o seria possível,
primeiro porque não dispositivo legal específico que preveja tal
modalidade de responsabilidade penal nos delitos urbanísticos, o que seria
essencial para efetivar o preceito constitucional.
Segundo porque não se poderia cogitar de eventual aplicação do
mencionado artigo 51, não diante da sua redação inconclusiva sobre a
responsabilidade da pessoa jurídica, mas, principalmente, porque tal
134
COUTO, Sergio A. Frazão do. op. cit., p. 390.
64
dispositivo se encontra revogado desde a Reforma Penal de 1984 e não se
admite repristinação
135
no nosso ordenamento jurídico.
Tanto o anteprojeto de reforma do Código Penal quanto o projeto
de lei 3057/2000 não possuem dispositivo equivalente a este, o que
evidencia a sua desnecessidade.
3.2.1.5. Artigo 52
“Artigo 52 - Registrar loteamento ou desmembramento não aprovado
pelos órgãos competentes, registrar o compromisso de compra e venda, a
cessão ou promessa de cessão de direitos, ou efetuar registro de contrato
de venda de loteamento ou desmembramento não registrado.
Pena: Detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos, e multa de 5 (cinco) a 50
(cinqüenta) vezes o maior salário mínimo vigente no País, sem prejuízo
das sanções administrativas cabíveis.”
O artigo 52 traz um crime funcional, pois apenas pode ser praticado
pelo oficial de registro de imóveis, bem como pelo escrevente substituto, que
possui capacitação técnica plena e está habilitado a praticar simultaneamente
com o titular todas as funções próprias do oficial titular
136
, entre as quais a de
registrar títulos. Tanto o oficial de registro de imóveis como os escreventes
autorizados se enquadram no conceito penal de funcionário blico
estabelecido no artigo 327 do Código Penal.
Este delito evidencia o relevo que foi dado à função do oficial de
registro de imóveis, o qual realiza a qualificação registral dos títulos que lhe
135
Repristinação é o nome que se dá a fenômeno que ocorre quando uma norma revogadora de outra
anterior, que, por sua vez, tivesse revogado uma mais antiga, recoloca esta última novamente em estado de
produção efeitos. Esta verdadeira restauração de eficácia é proibida em nosso Direito, em nome da
segurança jurídica, salvo se houver expressa previsão da nova lei, conforme preceitua o art. 2º, § , da Lei
de Introdução ao Código Civil.” (MORAES, Alexandre de. op. cit., p. 618).
136
CENEVIVA, Walter. Lei de Registros Públicos comentada. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 68.
65
são apresentados a fim de garantir que os loteamentos e desmembramentos
sejam realizados de acordo com as disposições urbanísticas.
O tipo penal descreve duas condutas: o registro de loteamento ou
desmembramento não aprovado pelos órgãos competentes e o registro de
compromisso de compra e venda, cessão ou promessa de cessão de direitos
ou contrato de venda de loteamento ou desmembramento não registrado.
Na primeira hipótese o oficial concorda em registrar um loteamento
ou desmembramento em desacordo com a lei, pois o registro pressupõe a
prévia aprovação dos órgãos competentes, ou seja, do Município e,
excepcionalmente, dos Estados ou Distrito Federal, no caso de áreas de
interesse especial. No segundo caso, o oficial registra indevidamente contrato
de venda, compromisso ou cessão ou promessa de cessão de direitos, pois tais
instrumentos podem ser registrados quando o loteamento ou
desmembramento já estiver registrado.
Ivan Carlos de Araújo
137
critica a redação do tipo penal, porque
sustenta que para que o segundo verbo do tipo, “registrar”, seja usado para se
punir condutas, será necessário utilizar o objeto vinculado ao terceiro verbo,
“efetuar”, isto é, “de loteamento ou desmembramento não registrado”, para se
ter a descrição da conduta “registrar o compromisso de compra e venda, a
cessão ou promessa de cessão de direitos de loteamento ou desmembramento
não registrado”, o que seria uma violação ao princípio da legalidade.
Entretanto, em que pese a redação inapropriada do artigo 52, a
conclusão de que o complemento “loteamento ou desmembramento não
registrado” refere-se ao núcleo “registrar” não viola o princípio da legalidade,
137
ARAÚJO, Ivan Carlos de. op. cit., p. 143.
66
pois evidente que tal complemento apenas o constou após o núcleo
registrar para que não houvesse repetição.
Por outro lado, a redação deste tipo penal seria mais clara caso
fosse reformulado a fim de englobar os cleos “registrar” e “efetuar
registro” no mesmo núcleo, passando a constar “registrar loteamento ou
desmembramento não aprovado pelos órgãos competentes, registrar o
compromisso de compra e venda, a cessão ou promessa de cessão de direitos,
ou o contrato de venda de loteamento ou desmembramento não registrado”.
Destaca-se que se exige que os funcionários públicos mencionados
atuem com dolo, ou seja, tenham conhecimento de que realizam um registro
ilegal. Caso contrário, se atuarem de boa-fé ou mediante erro, não
responderão pelo delito.
Não obstante a importância deste delito, o anteprojeto de reforma
do Código Penal nada estabeleceu quanto à responsabilidade criminal do
oficial de registro de imóveis e seu substituto.
Em contrapartida, o projeto de lei nº 3057/2000 repetiu a redação
do atual dispositivo penal sobre a matéria, não realizando as alterações
necessárias para a melhor compreensão do seu alcance:
“Art. 101. Registrar parcelamento não licenciado pela autoridade
competente, registrar o compromisso de venda e compra, a cessão ou
promessa de cessão de direitos, ou efetuar registro de contrato de venda e
compra relativo a parcelamento do solo para fins urbanos não registrado:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.”
Tal projeto aumentou os patamares mínimo e máximo da pena
privativa de liberdade, bem como a natureza da pena, isto é, passou a ser de
67
reclusão. Contudo, como dito, o aumento da pena privativa de liberdade
não é o caminho para a atuação do Direito Penal nesta seara.
Tanto o anteprojeto de reforma do Código Penal quanto o projeto
de lei 3057/2000 propõem a criação do delito de licença ilegal, inovação
em relação à legislação vigente. O primeiro estabelece tal crime no artigo
373:
“Art. 373. Conceder licença para edificação, demolição, alteração,
loteamento, parcelamento do solo, incorporação imobiliária ou qualquer
outra forma de ocupação do solo urbano, em manifesta contrariedade às
normas legais de ordenamento urbano.
Pena – Reclusão, de dois a cinco anos, e multa
Parágrafo único. Na mesma pena incorre quem faz uso da licença a que
se refere este artigo.”
Delito semelhante é previsto no projeto de lei nº 3057/2000:
“Art. 102. Expedir:
I licença integrada sem a observância das disposições desta Lei ou em
desacordo com as normas urbanísticas ou ambientais;
II títulos de legitimação de posse a quem sabidamente não preencha os
requisitos exigidos em lei:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.
§ Comete também o crime previsto no inciso II do caput aquele que,
mediante declaração falsa ou outro meio fraudulento ou enganoso,
contribui para a expedição indevida do título de legitimação de posse.
§ Sendo o infrator funcionário público, considera-se a conduta
infração disciplinar punida na forma da lei.”
Nesse tipo penal a falta de determinação quanto aos seus elementos
dificultaria a sua aplicação. Na hipótese do inciso I a lei não esclarece a quais
tipos de licença se relaciona e tampouco concede parâmetros para se alcançar
tal informação. O inciso II também é por demais genérico, porquanto não
68
esclarece em que contexto de expedição de título de legitimação tal conduta é
praticada.
Importante mencionar que estes dispositivos penais alcançam
condutas que nunca foram punidas no nosso ordenamento jurídico, mas que
se assemelham a infrações penais prevista no Direito Francês, Italiano e,
principalmente no Direito Espanhol
138
.
Interessante observar que se pretende punir não apenas a concessão
de licença ilegal para parcelamento do solo, mas também outras formas de
ocupação do solo. previsão de responsabilização do funcionário público
que concede a licença ilegal e também daquele que a utiliza.
A iniciativa do legislador de criminalizar a concessão de licenças
irregulares deve ser aplaudida, pois “muitos problemas urbanísticos poderiam
ser evitados, caso o Poder Público não concorresse com licenças
irregulares
139
”, bem como se estas não fossem utilizadas por aqueles que têm
conhecimento de que elas desrespeitam as normas urbanísticas.
Como o objetivo deste trabalho não é analisar de forma profunda
todos os dispositivos dos projetos mencionados, a análise limitou-se à
proposta de tipo penal que traz idéia inovadora, estendendo a atuação do
Direito Penal em matéria urbanística, bem como aos aspectos relacionados
aos tipos penais hoje vigentes com o objetivo de buscar alternativas às
imprecisões da lei atual.
138
Nesse sentido o artigo 320 do Código Penal Espanhol: “1. La autoridad o funcionario público que, a
sabiendas de su injusticia, haya informado favorablemente proyectos de edificación o la concesión de
licencias contrarias a las normas urbanísticas vigentes será castigado com la pena establecida en el art. 404
de este Código, y, además, com la de prisión de seis meses a dos años o la de multa de doce a veinticuatro
meses.
2. Con las mismas penas se castigará a la autoridad o funcionário público que por mismo o como
miembro de um organismo colegiado haya resuelto o votado a favor de su concesión a sabiendas de su
injusticia”.
139
TAKEGUMA, Mario Seto. op. cit., p. 55.
69
Observa-se que o projeto de lei 3057/2000 ampliou os
dispositivos penais sobre a matéria, aumentou as penas e acrescentou
qualificadoras, que podem ser observadas no anexo 3. Contudo, não houve
preocupação do legislador em melhorar a redação dos tipos penais hoje
vigentes, ponto da atual legislação que é mais criticado na nossa doutrina e
que deve ser o enfoque em proposta legislativa de alteração dos delitos em
estudo. Neste particular, andou melhor o anteprojeto de lei de reforma do
Código Penal, que em alguns aspectos aperfeiçou a redação dos tipos penais,
apesar de ter excluído condutas importantes à proteção dos bens jurídicos
tutelados pelos delitos urbanísticos.
3.3. Objetividade Jurídica
diversas teorias sobre o conceito de bem jurídico. Na nossa
doutrina preponderou uma visão positivista-legalista até a década de
setenta
140
.
O conceito de bem jurídico apresentado por Nelson Hungria
141
retrata tal visão:
“Bem é tudo aquilo que satisfaz a uma necessidade da existência humana
(existência do homem individualmente considerado e existência do
homem em estado de sociedade), e interesse é a avaliação ou
representação subjetiva do bem como tal (Rocco, L´oggetto del reato).
Bem ou Interesse jurídico é o que incide sobre a proteção do direito in
genere. Bem ou interesse jurídico penalmente protegido é o que dispõe
da reforçada tutela penal (vida, integridade corporal, patrimônio, honra,
liberdade, moralidade pública, pública, organização familiar,
segurança do Estado, paz internacional, etc.).”
140
SMANIO, Gianpaolo Poggio. A teoria dos interesses difusos e a sua tutela penal. 2000. Tese (Doutorado
em Direito). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC-SP, São Paulo, 2000. p. 161.
141
HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1958. v. 1, t. 2, p. 10-
11.
70
A partir da década de oitenta
142
, passou a prevalecer a visão ético
social do Direito Penal. Cezar Roberto Bitencourt
143
explica a dimensão do
conceito de bem jurídico, levando em consideração os ensinamentos de
Jescheck, bem como uma perspectiva ético-social
144
do Direito Penal:
“Admite-se atualmente que o bem jurídico constitui a base da estrutura e
interpretação dos tipos penais. O bem jurídico, no entanto, não pode
identificar-se simplesmente com a ratio legis, mas deve possuir um
sentido social próprio, anterior à norma penal e em si mesmo decidido,
caso contrário, não seria capaz de servir a sua função sistemática, de
parâmetro e limite do preceito penal e de contrapartida das causas de
justificação na hipótese de conflito de valorações”.
Embora o objetivo deste trabalho não seja estudar de forma
profunda as teorias sobre os bens jurídicos penais, entre as diversas teorias
existentes, relevante mencionar a teoria sobre o conceito de bem jurídico que
se relaciona ao entendimento que será esposado no item 4.1. de que os bens
jurídicos penais são obtidos a partir dos valores constantes na Constituição
Federal.
Antonio Carlos da Ponte
145
esclarece o alcance de tal teoria: “ora,
se é a Constituição Federal que estabelece os valores primordiais a serem
protegidos, toda e qualquer violação a um dado bem ou valor será
considerada ofensa a bem jurídico, caso atente contra postulados encontrados
no próprio texto constitucional ou decorrentes dos princípios abraçados. A
relevância penal de um dado bem ou valor deve ser analisada à luz da
Constituição Federal, não do Código Penal”.
142
SMANIO, Gianpaolo Poggio. op. cit., p. 167.
143
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal, cit., v. 1, p. 326.
144
Gianpaolo Poggio SMANIO esclarece que a “perspectiva ético-social do bem jurídico, corresponde a um
ponto de vista moral, onde o direito penal traduziria a ordem moral vigente, posto que as normas
incriminadoras vetam comportamentos imorais ou socialmente contrários à ética. Em outras palavras, o
comportamento é proibido enquanto socialmente imoral” (SMANIO, Gianpaolo Poggio. op. cit., p. 130).
145
PONTE, Antonio Carlos da. Crimes eleitorais. São Paulo: Ed. Saraiva, 2008. p. 149.
71
Deveras, a identificação do bem jurídico protegido por um delito é
essencial para a sua interpretação, mormente nas hipóteses de normas penais
em branco e que ostentam diversos elementos normativos, como na situação
em estudo.
Embora o Decreto-Lei 271/67 tenha incluído os crimes de
parcelamento ilegal do solo urbano entre os delitos contra a economia
popular, a Lei nº 6.766/79 foi expressa ao definir essas condutas como crimes
contra a administração pública, conforme disposto no artigo 50, “caput” do
diploma legal em epígrafe.
Entende a doutrina predominante que, apesar de a objetividade
jurídica “administração blica” constar apenas no artigo 50, deve ser
estendida ao artigo 52 que também traz delito urbanístico - pois se conclui
que ele também protege a administração pública
146
, uma vez que é delito
funcional próprio praticado pelo oficial de registro ou escrevente substituto.
Dessa forma, prepondera que o bem jurídico protegido em caráter
principal pelos delitos urbanísticos é a administração pública, definida por
Damásio E. de Jesus como “o normal desenvolvimento da máquina
administrativa em todos os setores de sua atividade, no sentido do bem-estar
e do progresso da sociedade
147
”.
Magalhães Noronha
148
, por sua vez, escreve que esse bem jurídico
é o desenvolvimento regular da atividade do Estado, dentro de regras da
dignidade, probidade e eficiência”.
Neste particular, no tocante aos crimes de parcelamento ilegal do
solo, prevalece o entendimento de que se tutela o poder de polícia
146
BUENO, Paulo Amador Thomaz Alves da Cunha. op. cit., p. 57-58.
147
JESUS, Damásio Evangelista de. Direito penal. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 1997. v. 4, p. 111.
148
NORONHA, E. Magalhães. Direito penal. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1968. v. 4, p. 252.
72
urbanística, mediante o qual se fiscaliza o regular desenvolvimento das
cidades
149
. Isso porque o parcelamento do solo urbano é considerado uma
atividade pública delegada aos particulares e a previsão dos delitos estaria
vinculada à proteção da fiscalização dessa atividade, porquanto “resulta que
os problemas ocorrentes na área social, pela ação desabrida dos maus
loteadores configura ameaça à ordem pública e desvio na atividade
eminentemente social do parcelamento da terra”
150
.
Na mesma linha Marco Aurélio S. Viana
151
conclui que o bem
jurídico protegido na lei em estudo é “o desenvolvimento racional dos
aglomerados humanos, dentro dos padrões mínimos de uma vida digna”.
Arnaldo Rizzardo
152
assevera que o bem jurídico protegido é
público, pois “quem pratica atos delituosos relativamente à área que loteia
está atentando contra um bem (representado pela exigibilidade do Poder
Público de ver respeitadas as suas determinações), sobre o qual o interesse
máximo pertence ao Poder blico”. Contudo, ressalta que o particular é
protegido secundariamente, pois a tutela do interesse público reflete de forma
direta sobre os seus interesses individuais.
Importante mencionar que a definição do objeto jurídico principal
do delito de parcelamento ilegal gerou muitas dúvidas, principalmente em
razão dos diversos interesses individuais afetados pelas condutas ilícitas
previstas.
Entretanto, sobreleva o entendimento doutrinário de que essa
circunstância não afasta a administração blica como objeto jurídico
149
AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. op. cit., p. 206.
150
VIANA, Rui Geraldo Camargo. op. cit., p. 128.
151
Id. Ibid., p. 137.
152
RIZZARDO, Arnaldo. Promessa de compra e venda e parcelamento do solo urbano. 7. ed. São Paulo: Ed.
Revista dos Tribunais, 2008. p. 242.
73
principal, pois “tendo-se em vista, com as definições dos delitos integrantes
do título, o cumprimento ou realização normal das funções do Estado
confiadas a pessoas certas e determinadas, compreende-se que se tutela esse
bem, mesmo quando é o particular o ofendido ou diretamente prejudicado,
pois a lesão não deixa de se refletir na administração pública, atingida na
dignidade e eficiência
153
”.
Como dito, a questão sobre a definição do objeto jurídico do
delito torna-se relevante, pois tal objeto jurídico orientará a interpretação dos
tipos penais, o que será crucial na sua aplicação.
Alguns autores entendem que o objeto jurídico determinará a
possibilidade de alguém ingressar em uma ação como assistente da acusação.
De acordo com tal posicionamento, enquanto o Município, em tese, poderá
atuar como assistente da acusação no caso de delitos de parcelamento ilegal,
poderá haver impedimento para atuação do particular ofendido, levando-se
em consideração que a objetividade do delito é a administração pública.
A esse respeito Paulo Amador Thomaz Alves da Cunha Bueno
comenta que, enquanto à luz do Decreto-Lei nº 271/67 reprovava-se o fato de
o parcelamento ilegal ser crime contra a economia popular, o que
inviabilizava que o Município fosse assistente da acusação, atualmente,
diante do entendimento de que o parcelamento ilegal é crime contra a
administração pública, poderá o terceiro prejudicado ser impedido de atuar
como assistente do Ministério Público
154
:
“Não obstante a inequívoca necessidade de reparação patrimonial, a
verdade é que em se tratando de crime contra a administração pública o
particular lesado poderá ter sérias dificuldades para poder pleitear seus
interesses junto ao processo criminal que a Justiça Pública venha a
promover em face de parcelador ilegal. Isto porque, como se sabe, a
153
NORONHA, E. Magalhães. op. cit., v. 4, p. 252.
154
BUENO, Paulo Amador Thomaz Alves da Cunha. op. cit., p. 69-70.
74
possibilidade do particular intervir em processo por crimes contra a
administração pública na condição de assistente de acusação é até hoje
controvertida, ainda que o delito em questão haja, por via reflexa,
vulnerado o seu interesse individual”.
Em que pese haver discussão sobre a possibilidade de o particular
ofendido habilitar-se como assistente da acusação em crimes contra a
administração pública, entende-se que a sua intervenção não será obstada
pelo fato de os seus interesses não serem protegidos em caráter principal por
uma norma, pois para a sua atuação bastará que fique caracterizado o seu
interesse na reparação civil de dano que os fatos lhe ocasionaram
155
.
Outro aspecto importante que depende da definição do objeto
jurídico do delito é a exigência de resultado para a sua consumação, vale
dizer, constatar-se se o crime é material, formal ou de mera conduta
156
.
Na época em que o delito de parcelamento ilegal era considerado
contra a economia popular, a sua aplicação ficava prejudicada, entre outros
aspectos, pelo fato de se exigir a comprovação de prejuízo ao indivíduo
lesado, o que tornava o crime material.
A partir do momento em que se passou a considerar como objeto
jurídico a administração pública, estendeu-se o campo de aplicação dos
delitos urbanísticos, pois sendo crime formal, caracteriza-se o parcelamento
ilegal do solo urbano, independentemente de demonstração de prejuízo
econômico a algum indivíduo.
155
GRECO FILHO, Vicente. Manual de processo penal. São Paulo: Saraiva, 1991. p. 223.
156
E. Magalhães Noronha define delito material como “aquele em cujo tipo se descrevem a ação e o
resultado”, crimes formais ou de simples atividade como “os que não exigem a produção de um resultado
estranho ou externo à própria ação do delinquente” e crimes de mera conduta ou sem resultado como
aqueles em que “a lesão ao bem jurídico se tão-só com a simples ação ou conduta, ao passo que os
outros são o conseguem com a consequência ou efeito da ação” (NORONHA, E. Magalhães. op. cit., v.
1, p. 106).
75
Conclui-se que a mudança de enfoque desse delito permitiu uma
aplicação mais ampla, orientada pela interpretação de que esses tipos penais
visam a proteger o poder de polícia estatal, ou seja, a fiscalização da
aplicação das restrições urbanísticas.
Em suma, a doutrina preponderante considerou positiva a alteração
da objetividade jurídica dos delitos urbanísticos. A propósito comentou Ruy
Rosado de Aguiar Junior
157
: “A nova lei alterou o critério para a classificação
dos delitos urbanísticos definidos na Lei 4591/64 como sendo contra a
economia popular. A opção agora adotada tem o conveniente de realçar o
interesse público na solução dos problemas decorrentes da urbanização e
situa a pessoa jurídica de direito público como titular do direito lesado ou
posto em perigo, com os efeitos penais e processuais daí decorrentes”.
Sopesando-se os aspectos mais relevantes conseqüentes da
definição do objeto jurídico do crime de loteamento ilegal como a
“administração pública”, resta claro que a definição de tal bem jurídico
principal ensejou maior efetividade na aplicação do tipo penal, reprimindo
mais rigorosamente condutas ilegais e oferecendo mais ampla proteção à
sociedade como um todo, tutelando-se não apenas os interesses particulares.
Por outro lado, de rigor estudar os outros bens jurídicos tutelados, a
fim de ponderar se é adequada a manutenção da “administração pública”
como bem jurídico principal dos delitos em estudo, máxime após a entrada
em vigor da nova Constituição Federal. Necessário, ainda, analisar qual entre
os bens jurídicos tutelados é de fato o que se sobreleva em relação aos
demais.
157
AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. op. cit., p. 206.
76
3.3.1. Tutela de bens jurídicos supra-individuais
Os bens jurídicos podem ser classificados em individuais ou supra-
individuais. Eles se diferenciam principalmente em razão dos titulares dos
interesses tutelados: quando o enfoque for cada pessoa, o bem jurídico será
individual; em contrapartida, na hipótese de o interesse ser comungado por
várias pessoas determinadas ou indeterminadas, o bem jurídico será coletivo
ou difuso, respectivamente, ambos pertencentes ao gênero de bem jurídico
supra-individual.
Luiz Regis Prado
158
diferencia as modalidades de bens jurídicos
mencionados:
“Tendo-se como ponto de partida o critério da titularidade, julgado aqui
suficiente para um exame didático da matéria, os bens jurídicos podem
ser individuais ou supra-individuais. Dos primeiros é titular o indivíduo,
o particular que o controla e dele dispõe, conforme sua vontade. Têm
caráter estritamente pessoal. os segundos são características de uma
titularidade de caráter não pessoal, de massa ou universal (coletiva ou
difusa); estão para além do indivíduo afetam um grupo de pessoas ou
toda a coletividade -; supõem, desse modo, um raio ou âmbito de
proteção que transcende, ultrapassa a esfera individual, sem deixar,
todavia, de envolver a pessoa como membro indistinto de uma
comunidade.”
Gianpaolo Poggio Smanio
159
propõe uma tríplice classificação dos
bens jurídicos penais:
“a) os bens jurídicos penais de natureza individual, referentes aos
indivíduos dos quais estes têm disponibilidade, sem afetar os demais
indivíduos. São, portanto, bens jurídicos divisíveis em relação ao titular.
Citamos, como exemplo, a vida, a integridade sica, a propriedade, a
honra, etc.;
b) os bens jurídicos penais de natureza coletiva, que se referem à
coletividade, de forma que os indivíduos não têm disponibilidade sem
afetar os demais titulares do bem jurídico. São, dessa forma, indivisíveis
em relação aos titulares. No Direito Penal, os bens de natureza coletiva
158
PRADO, Luiz Regis. Direito penal do ambiente. 2. ed. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2009. p. 102.
159
SMANIO, Gianpaolo Poggio. op. cit., p. 4.
77
estão compreendidos dentro do interesse público. Podemos exemplificar
com a tutela da incolumidade pública, da paz pública, etc.;
c) os bens jurídicos penais de natureza difusa, que também se referem à
sociedade como um todo, de forma que os indivíduos não m
disponibilidade sem afetar a coletividade. São, igualmente, indivisíveis
em relação aos titulares. Os bens de natureza difusa trazem uma
conflituosidade social que contrapõe diversos grupos dentro da
sociedade, como na proteção ao meio ambiente, em que os interesses
econômicos, industriais e o interesse na preservação ambiental se
contrapõem...etc.”
Nos crimes de parcelamento ilegal os bens jurídicos protegidos têm
principalmente natureza supra-individual e difusa.
A administração pública, embora seja um bem jurídico clássico
típico do Estado Liberal Democrático, possui natureza supra-individual, ou
seja, refere-se a interesses que não são exclusivos de um sujeito individual
com faculdade de disposição sobre eles
160
. Outrossim, na qualidade de bens
jurídicos institucionais, a tutela supra-individual é intermediada por uma
pessoa jurídica de direito público
161
.
Nessa linha Franz Von Liszt
162
leciona que:
“À manifestação da vida individual, ao pleno e livre desenvolvimento das
forças dos indivíduos, corresponde, como manifestação da vida coletiva,
o trabalho da administração pública. A moderna concepção do Estado
abre-lhe e facilita-lhe dia a dia, por novos domínios, o caminho que tem
de seguir para o preenchimento de sua missão, isto é, coligir as forças
coletivas e aplicá-las a bem da coletividade. Ao lado da proteção dos
interesses individuais, a que um doutrinarismo de vistas curtas pretende
limitar a missão do Estado Jurídico, figura a promoção dos interesses
coletivos como supremo alvo do Estado Administrativo”.
160
Norberto J. de La MATA BARRANCO, Protección penal del ambiente y acessoriedad administrativa
(Tratamiennto penal de comportamientos perjudiciales para el ambiente amparados em una autorización
administrativo ilícita), p. 42 apud SILVEIRA, Renato de Mello Jorge. Direito penal supra-individual:
interesses difusos. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2003. p. 60.
161
PRADO, Luiz Regis. Direito penal do ambiente, cit., p. 103.
162
LISZT, Franz von. Tratado de direito penal alemão. Tradução de José Higino Duarte Pereira. Campinas:
Russel Ed., 2003. t. 2, p. 375.
78
De acordo com a legislação atual, quando ocorre um crime de
parcelamento ilegal, atinge-se o Estado, mais especificamente o exercício do
poder de polícia urbanístico. Inegável que essa situação repercute em toda a
coletividade, a qual é beneficiada pelo regular cumprimento das normas
urbanísticas.
Isso porque essas normas têm como finalidade o desenvolvimento
sadio das cidades, o que assegura melhores condições de vida a toda
população, com infra-estrutura mínima, saneamento básico, meio ambiente
preservado e moradias dignas.
Renato de Mello Jorge Silveira
163
discorre sobre as modalidades de
bens supra-individuais, diferenciando as suas espécies: “os bens supra-
individuais ou difusos, em sentido lato, incluíram, pois, tanto os bens
coletivos como os chamados bens jurídicos de caráter geral. Estes dizem
respeito à sociedade em seu conjunto, como é o caso, v.g., da Administração
da Justiça. O titular destes direitos vem a ser a sociedade ou o Estado. os
segundos pertencem a uma pluralidade de sujeitos, determináveis ou não”.
Assim sendo, a administração pública pode ser considerada um
bem jurídico de caráter geral, pois protege direitos da sociedade ou Estado,
relacionando-se ao interesse público.
Em outras palavras, pode-se dizer que a legitimidade do poder de
polícia urbanística se apóia, em análise imediata, sobre a proteção da
administração pública bem jurídico principal dos delitos previstos na Lei
6.766/79 – mas, em caráter mediato, na tutela de direitos coletivos (em
sentido amplo) fundamentais à coletividade bens jurídicos que também são
protegidos pelos crimes em estudo.
163
Giovanni GRASSO. L´antecipazione della tutela penale: i reati di pericolo e i reati di attentato. Rivista
Italiana di Diritto e Procedura Penale, 29/710, apud SILVEIRA, Renato de Mello Jorge. op. cit.
79
Nilton Belli Filho
164
menciona a diversidade dos bens jurídicos
atingidos pelo loteamento ilegal: “A Administração Pública, com o início de
um parcelamento clandestino do solo, é lesada de maneira multifária: meio
ambiente, poluição visual, poluição das águas, focos de doença, posturas
urbanas, urbanização desenfreada, criminalidade e outros tantos. E,
indefectivelmente, o particular, como adquirente de lote, também fica
prejudicado”.
Assim, o amparo aos tais bens jurídicos difusos protegidos pelos
crimes em estudo é baseado numa “satisfação de necessidade de cada um dos
membros das sociedades ou de uma coletividade, em consonância com o
sistema social
165
”.
A nossa legislação é expressa quanto ao caráter supra-individual de
tais bens jurídicos, que o Estatuto da Cidade (Lei 10.257/01) alterou o
artigo da Lei º 7.347/85, incluindo a ordem urbanística
166
entre os
interesses difusos protegidos por meio das ações civis públicas.
Dentre os bens que a doutrina entende que são tutelados
mediatamente pela Lei 6.766/79, destaca-se o meio ambiente, cuja
relevância foi explicitada pela Constituição Federal de 1988. Tendo em conta
que a tutela ao meio ambiente visa a proteger toda a sociedade, indiscutível
seu caráter difuso, pois protege “os interesses comuns a uma coletividade de
164
BELLI FILHO, Nilton. O inquérito policial como instrumento alternativo para investigação dos
loteamentos. In: FREITAS, José Carlos (Coord.). In: FREITAS, José Carlos (Coord.). Temas de direito
urbanístico 2. São Paulo: Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça da Habitação e
Urbanismo CAOHURB; Ministério Público do Estado de São Paulo Procuradoria Geral de Justiça;
Imprensa Oficial do Estado, 2000. p. 325.
165
Juan Bustos RAMIREZ, Los bienes jurídicos coletivos, p. 159 citado por SILVEIRA, Renato de Mello
Jorge. op. cit.
166
Paulo Affonso Leme MACHADO define a ordem urbanística como “o conjunto de normas de ordem
pública e de interesse social que regulam o uso da propriedade em prol do bem coletivo, da segurança, do
equilíbrio ambiental e do bem-estar dos cidadãos (MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental
brasileiro. 12. ed. São Paulo: Malheiros Ed., 2004. p. 367).
80
pessoas e apenas a elas, mas ainda repousando sobre um vínculo jurídico
definido que as congrega
167
A ordenação do território, definida como uma “função pública
horizontal que deve condicionar as funções públicas setoriais com a
finalidade de corrigir os desequilíbrios territoriais de forma a tornar
compatíveis os interesses públicos do desenvolvimento econômico e da
melhora da qualidade de vida
168
é um aspecto do bem jurídico meio
ambiente que se destaca nos crimes em estudo, que se referem à matéria
urbanística.
A ordenação territorial está imbricada com o meio ambiente,
porquanto a adequada ordenação do território acaba por influir na obtenção
de um meio ambiente sadio e equilibrado, que é resguardado quando, por
exemplo, os loteamentos são realizados em locais permitidos e com infra-
estrutura adequada.
Nessa perspectiva, José Carlos de Freitas
169
comenta a relação entre
os loteamentos e o meio ambiente: “a implantação de um loteamento tem
direta influência no meio ambiente urbano construído, irradiando efeitos
sobre a população difusa e coletivamente considerada, pois a inobservância
das normas urbanísticas pode gerar problemas que afetam a segurança, a
salubridade e o conforto dos citadinos e transeuntes, bem como a
funcionalidade e a estética da cidade”.
A estreita relação entre o meio ambiente e o desenvolvimento
sustentável conduz à conclusão de que este também é protegido, mesmo que
167
GRINOVER, Ada Pellegrini. A tutela dos interesses difusos, p. 30.
168
F. LÓPEZ RAMON, La política regional y la ordenación del território em Derecho español, RAAP, I,
1994, p. 231 apud PRADO, Luiz Regis. Direito penal do ambiente, cit., p. 299.
169
FREITAS, José Carlos de. Loteamentos clandestinos: uma proposta de prevenção e repressão. In: ______
(Coord.). Temas de direito urbanístico 2, cit., 2000, p. 58.
81
de forma indireta, pela Lei nº 6.766/79. Nesse diapasão, as regras urbanísticas
fomentam o desenvolvimento sustentável do espaço habitável, definindo
limites, exigências e punições a fim de melhorar a qualidade de vida dos seres
humanos no presente, e assegurar também que as gerações futuras disponham
de um meio ambiente ecologicamente equilibrado
170
, objetivando a harmonia
entre homem e natureza, nos termos do artigo 225, caput da Constituição
Federal vigente.
Carla Canepa
171
destaca a importância da sustentabilidade em
matéria urbanística:
“O binômio ‘sustentabilidade-cidade’ vem sendo progressivamente
fortalecido pelas políticas urbanas, chegando mesmo a serem
considerados dois termos incindíveis. Numa sociedade cuja população
vive em grande parte nos contextos urbanos, o desenvolvimento
econômico e demográfico assumiu uma forma de desenvolvimento
urbano sustentável, a coincidir sempre mais com a de “cidades
sustentáveis”. O binômio ‘sustentabilidade-cidade’, portanto, ao mesmo
tempo em que estabelece uma concretude’ ao discurso sobre a
sustentabilidade, está também modificando radicalmente o modo de ver e
governar a cidade e o território”.
Pode-se, portanto, afirmar que o desenvolvimento urbano
sustentável define os parâmetros em torno dos quais deve orbitar o meio
ambiente artificial. Note-se que, conforme anteriormente analisado, a defesa
do desenvolvimento sustentável e, por conseguinte, do meio ambiente
artificial e da ordenação territorial, estão intrinsecamente ligados à proteção
do meio ambiente em sentido amplo.
Seguindo a mesma lógica, o direito à moradia encontra-se
amparado pela Lei nº 6.766/79 em concordância com os princípios
constitucionais vigentes porquanto, o respeito às regras urbanísticas
170
DERANI, Cristiane. Direito ambiental econômico. São Paulo: Max Limonad, 1997. p. 127.
171
CANEPA, Carla. Cidades sustentáveis. São Paulo: RCS Ed., 2007. p. 101-102.
82
constitui uma das formas de se garantir esse direito fundamental de
titularidade de toda sociedade.
Imperativo lembrar que a tutela de tais bens jurídicos difusos é
considerada pela Constituição Federal de 1988 de suma importância e
constitui um dos argumentos na defesa da validade da Lei 6.766/79,
conforme será analisado posteriormente.
3.3.2. Conotação Individual dos delitos urbanísticos
Os dispositivos penais da Lei 6.766/79 aprofundaram ainda mais
a proteção dos compradores do lote idéia que surgiu de maneira tímida no
Decreto-Lei nº 58/37 e foi desenvolvida pelas legislações posteriores.
Ainda que a Lei 6.766/79 destaque a tutela da coletividade, os
mencionados delitos não deixam de ter conotação individual, porque os
interesses dos particulares lesados pelas condutas tamm são protegidos por
tal diploma legal, o qual prevê qualificadoras relacionadas à venda de lotes.
Essas formas qualificadas dispostas no parágrafo único, incisos I e
II do artigo 50
172
evidenciam preocupação com os compradores, pois tornam
mais gravosa a conduta de parcelamento ilegal do solo urbano que acarrete
maior prejuízo ao adquirente, quer pela falta de registro do parcelamento,
quer pela inexistência de título legítimo de propriedade.
172
Nesse sentido dispõem, os incisos I e II, do parágrafo único, do artigo 50, que o crime de parcelamento
ilegal será qualificado quando cometido: “I -por meio de venda, promessa de venda, reserva de lote ou
quaisquer outros instrumentos que manifestem intenção de vender lote em loteamento ou desmembramento
não registrado no Registro de Imóveis competente; no caso de maior prejuízo aos adquirentes dos lotes” e
“II com inexistência de título legítimo de propriedade do imóvel loteado ou desmembrado, ressalvado o
disposto no art. 18, §§ 4º e 5º, desta Lei, ou com omissão fraudulenta de fato a ele relativo, se o fato não
constituir crime mais grave”.
83
Vale ressaltar que nessas hipóteses o direito de propriedade dos
compradores ficará diretamente afetado, pois eles não poderão registrar a
escritura de compra e venda do bem, requisito para serem considerados
proprietários de acordo com a nossa legislação, a teor do disposto no artigo
1245 do Código Civil
173
.
Frise-se que essas qualificadoras descrevem situações extremas em
que o direito dos compradores sobre os lotes pode ficar totalmente
inviabilizado, quando não for possível a regularização do parcelamento ou
quando a propriedade objeto do parcelamento não pertencer ao loteador.
Conclui-se, pois, que os crimes de parcelamento ilegal do solo
urbano, em consonância com a Constituição Federal em vigor, tutelam
direta e indiretamente interesses de natureza diversa, incluindo bens
jurídicos de caráter individual e supra-individual.
A questão sobre qual deve ser o bem jurídico tutelado em caráter
principal pelos crimes urbanísticos será discutida após a análise
constitucional da matéria.
173
“Art. 1245 Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de
Imóveis.
Parágrafo primeiro enquanto não se registrar título translativo, o alienante continua a ser havido como
dono do imóvel”.
84
4. A RELAÇÃO ENTRE O DIREITO PENAL E A CONSTITUIÇÃO
4.1. Os bens jurídicos protegidos pelo Direito Penal e o processo de
recepção jurídico-penal
De acordo com o constitucionalismo que prevalece nas doutrinas
penais alemã, italiana, portuguesa e espanhola - o Estado vincula-se a novo
paradigma, pelo qual os atos normativos devem ser compatíveis com a
Constituição não apenas quanto ao seu processo de elaboração, mas também
em relação aos seus valores e princípios. A esse respeito esclarece Luciano
Feldens
174
:
“No moderno Estado constitucional de Direito, a preservação da
Constituição em detrimento de qualquer produto legislativo (ato
normativo) que lhe seja contrário deve ser aferida sob uma dupla
perspectiva, a qual passa pela dissociação dos atributos de vigência e
validade da norma. Quer-se dizer: a formação da lei, como ato dotado de
significação jurídica, não mais se submete unicamente às regras
procedimentais sobre sua criação (vigência), senão que também envolve
um processo de necessária submissão ao conteúdo material decorrente da
Constituição (validade)”.
Nesse sentido, estabelece-se entre o Direito Penal e a Constituição
“uma relação axiológica-normativa por meio da qual a Constituição, ao
tempo em que garante o desenvolvimento dogmático do Direito Penal a partir
de estruturas valorativas que lhe sejam próprias, estabelece, em contrapartida,
limites materiais inultrapassáveis pelo legislador penal”.
175
174
FELDENS, Luciano. A Constituição penal: a dupla face da proporcionalidade no controle de normas
penais. Porto Alegre: Livr. do Advogado, 2005. p. 33.
175
Id. Ibid., p. 38.
85
Como bem esclareceu Figueiredo Dias
176
“os bens jurídicos
protegidos pelo direito penal devem considerar-se concretizações dos valores
constitucionais expressa ou implicitamente ligados aos direitos e deveres
fundamentais”.
Nessa linha, toda vez que uma Constituição entra em vigor, os
valores e princípios trazidos pela nova ordem constitucional irão definir os
bens jurídicos que deverão ser protegidos pelo Direito Penal.
Conforme explica Márcia Dometila Lima Carvalho
177
, diante de
uma nova Constituição é necessária a realização de um processo
despenalizador e de outro de penalização, a partir das premissas
constitucionais. Deverá ocorrer a despenalização das infrações penais
previstas em lei, que não ofendem significativamente aos novos interesses
tutelados pela nova ordem constitucional, porquanto perderam a sua
relevância social. Por outro lado, os fatos até então atípicos, que atingem
interesses jurídicos tutelados constitucionalmente, deverão ser penalizados e
aqueles considerados típicos, que diante dos mencionados interesses não
estiverem apenados de forma adequada, deverão ser revistos nesse aspecto.
Logo, a Constituição traz mandados constitucionais, que nada mais
são do que “uma obrigação de caráter positivo dirigida ao legislador, para
que edifique a norma incriminadora, ou, quando esta existe, em uma
obrigação negativa, no sentido de que se lhe é vedado retirar, pela via
legislativa, a proteção já existente
178
”.
Esses mandados de criminalização podem estar expressos ou
implícitos no texto constitucional. Apesar de haver discussão quanto à
176
apud FELDENS, Luciano. op. cit., p. 52.
177
CARVALHO, Marcia Dometila Lima de. Fundamentação constitucional do direito penal. Porto Alegre:
Sergio Fabris Ed., 1992. p. 38.
178
FELDENS, Luciano. op. cit., p. 75.
86
existência dos mandados implícitos, Luciano Feldens
179
bem justifica a
necessidade de penalização de condutas que não estão diretamente
relacionadas aos mandados expressos de criminalização:
“Uma análise contextual da Constituição indubitavelmente nos oferecerá
solução distinta, para afirmar a existência de normas implícitas de
penalização. Da plataforma penal estabelecida na Constituição são
racionalmente deduzíveis outras zonas de obrigatória intervenção do
legislador penal. Se constatarmos que em muitas vezes a Constituição
chegou ao ponto de determinar aquilo que para alguns significa
‘antecipação do Direito Penal’ assim considerada a utilização do
Direito Penal para a proteção de bens jurídicos-penais coletivos (ou
secundários) -, é-nos razoável admitir que a Constituição igualmente está
a exigir a proteção não de todos, por certo, mas de determinados bens
jurídicos que se revelem inequivocamente primários no âmbito de uma
sociedade democrática submetida a um programa constitucional básico
assentado na defesa da vida, da liberdade e da dignidade humana”.
A identificação dos mandados implícitos de criminalização deverá
ser realizada a partir de critérios seguros para que “não haja violação ao
corpo constitucional, sob o pretexto de preservá-lo
180
”.
O princípio da intervenção mínima ou da última ratio constitui um
critério objetivo a ser considerado no reconhecimento dos mandados de
crimininalização implícitos, pois
181
“um Direito Penal de intervenção mínima
não se contrapõe conceitualmente a um Direito Penal de intervenção
minimamente (constitucionalmente) necessária”.
A propósito leciona Luiz Regis Prado
182
que o princípio da
intervenção mínima “estabelece que o Direito Penal deve atuar na defesa
dos bens jurídicos imprescindíveis à coexistência pacífica dos homens, e que
não podem ser eficazmente protegidos de outra forma. Aparece ele como uma
179
FELDENS, Luciano. op. cit., p. 94.
180
PONTE, Antonio Carlos da. op. cit., p. 166.
181
FELDENS, Luciano. op. cit., p. 213.
182
PRADO, Luiz Regis. Direito penal do ambiente, cit., p. 92.
87
orientação de política-criminal restritiva do jus puniendi e deriva da própria
natureza do Direito Penal e da concepção material de Estado de Direito”.
De fato, como bem pondera Luiz Luisi
183
, os princípios
constitucionais relacionados ao Direito Penal entre os quais o princípio da
intervenção mínima - limitam a atividade penal do Estado a fim de garantir a
inviolabilidade das prerrogativas individuais, todavia, as Constituições atuais
trazem, ao lado de tais princípios, uma série de preceitos destinados a alargar
a aplicação do direito criminal para que ele se torne instrumento de proteção
de direitos coletivos a fim de que se atendam as exigências de justiça
material. Tais preceitos seriam os mandados de criminalização implícitos e
explícitos.
Assim sendo, os mandados implícitos serão aferidos a partir da
idéia de que
184
“a ação delituosa é o mais grave ataque do indivíduo contra os
bens sociais tutelados pelo Estado e a sanção criminal é a mais aguda
intervenção do Estado na esfera individual”.
Em suma, “os mandatos constitucionais de criminalização,
portanto, impõem ao legislador, para o seu devido cumprimento, o dever de
observância do princípio da proporcionalidade, como proibição de excesso e
como proibição de proteção insuficiente. A idéia é a de que a intervenção
estatal por meio do direito penal, como última ratio, deve ser sempre guiada
pelo princípio da proporcionalidade
185
”.
Aplicando-se a teoria constitucionalista ao nosso ordenamento
jurídico, tem-se que, com a entrada em vigor da Constituição Federal de
1988, tornou-se necessária a elaboração de leis novas para proteção dos bens
183
LUISI, Luiz. op. cit., p. 57-58.
184
CARVALHO, Marcia Dometila Lima de. op. cit., p. 38.
185
MENDES, Gilmar Ferrerira, COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo GONET. Curso de
direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 560.
88
jurídicos que não estavam amparados na seara criminal, bem como o estudo
da legislação anterior a fim de que os crimes existentes fossem analisados de
acordo com os valores estabelecidos pela nova ordem constitucional.
Nesse processo, alguns crimes perderão a sua legitimidade, caso os
bens jurídicos por eles protegidos não mais encontrem o mesmo destaque na
Lei Magna a ponto de justificar a maior proteção conferida pelo ordenamento
jurídico, ou seja, a criminalização da conduta violadora.
4.2. Os dispositivos penais da Lei nº 6.766/79 e a Constituição Federal de
1988
Considerando que a Lei 6.766/79 é anterior à Constituição
Federal de 1988, necessário analisar se houve a recepção dos dispositivos
penais existentes na mencionada legislação, ou seja, se ocorreu a
despenalização dos delitos relacionados ao parcelamento ilegal do solo
urbano.
A questão é polêmica, pois atualmente alguns defendem a
descriminalização de condutas para as quais se entenda que as sanções no
âmbito administrativo sejam suficientes como fator de punição e prevenção,
mormente nas situações em que não seja aplicável a pena privativa de
liberdade em face das penas brandas cominadas abstratamente aos delitos.
A par disso, critica-se a expansão do direito penal simbólico que se
destaca em matéria de interesses difusos ”como conseqüência do grande
equívoco da sociedade de risco, que, com formulações simbólicas, visando
89
proteger bem jurídico difuso, assume um caráter absoluto com efeito
simbólico
186
”.
Hassemer
187
esclarece o conceito do direito penal simbólico:
“Portanto, ‘simbólico’, em sua compreensão crítica, consiste no atributo que
uma norma penal apresenta, segundo o qual as funções latentes da norma
suplantam suas funções manifestas, de maneira a gerar a expectativa de que o
emprego e o efeito da norma concretizarão uma situação diversa da
anunciada pela própria norma”.
Logo, considerando que os delitos estudados também se relacionam
a bem jurídico difuso – meio ambiente – de rigor questionar, diante do
contexto mencionado, se a sua criminalização estaria relacionada à função
simbólica do Direito Penal rechaçada pelos Estados Democráticos de
Direito
188
- pela qual o legislador utiliza os tipos penais tão somente para
gerar impressão de que os anseios sociais estão sendo atingidos, quando, na
realidade, a penalização de tais delitos em nada contribui para a busca dos
objetivos que fundamentaram a sua criação.
Observa-se que, na época da entrada em vigor da Lei nº 6.766/79,
os doutrinadores aplaudiram a iniciativa do legislador de estabelecer sanções
penais relacionadas à conduta de parcelamento ilegal do solo urbano.
186
ARMELIN, Priscila Kutne. Patrimônio cultural & sistema penal. Curitiba: Juruá, 2008. p. 145.
187
HASSEMER, Winfried. Direito penal: fundamentos, estrutura, política. Tradução de Carlos Eduardo de
Oliveira Vasconcelos. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2008. p. 221.
188
A esse respeito Alice Bianchini ensina que “o que importa, para a função simbólica, é manter um nível de
tranqüilidade na opinião pública, fundado na impressão de que o legislador se encontra em sintonia com as
preocupações que emanam da sociedade. Criam-se, assim, novos tipos penais, incrementam-se penas,
restringem-se direitos sem que, substancialmente, tais opções representem perspectivas de mudança do
quadro que determinou a alteração (ou criação) legislativa. Produz-se a ilusão de que algo foi feito"
(BIANCHINI, Alice. Pressupostos materiais mínimos da tutela penal. São Paulo: Ed. Revista dos
Tribunais, 2002. p. 124).
90
A esse respeito o magistério de Celso Delmanto
189
: “Nas hipóteses
lembradas e noutras semelhantes, é por demais evidente que somente nas
sanções legais de ordem criminal poderiam dar proteção efetiva aos
compradores de lotes. Ações ou medidas cíveis, a serem propostas depois ou
executadas anos mais tarde, de pouco servirão: situações de fato estarão
consumadas, as pequenas casas construídas, as prestações pagas, o autor do
loteamento, possivelmente, desaparecido.”
Assim também se manifestou Luciano Caseiro
190
: “Com estes
ensinamentos, não pode haver a menor sombra de dúvida que a conduta
reprovável do loteador clandestino deve erigir-se a figura típica penal, porque
o desrespeito do loteador às determinações municipais se constitui em fato da
maior gravidade, posto que não somente se apresenta como uma rebeldia às
ordens do poder público procurando acintosamente o seu desprestígio, como
sobretudo traz reflexos perniciosos à convivência social”.
Contudo, nos trabalhos mais recentes sobre o tema, registra-se
divergência quanto ao uso do Direito Penal em matéria de parcelamento do
solo urbano.
Dirceu de Mello
191
se manifestou pela desnecessidade de aplicação
de sanções penais aos comportamentos mencionados:
“Eu acho, com toda sinceridade, que estes comportamentos mereciam um
tipo diferente de sanção. A mim me parece que seriam muito mais
eficientes as sanções administrativas e as sanções fiscais. Nós temos aqui
muito próximo o exemplo do cheque. O crime do cheque é inteiramente
desmoralizado entre nós, e em outros países que seguem a mesma
orientação do legislador brasileiro, porque enquanto não se estabelece
aquela chamada consciência da ilicitude, enquanto a maioria da
população não entende como criminoso este ou aquele comportamento,
não adianta um texto de gabinete, um texto feito nos gabinetes dos
nossos administradores, dizer que a ação, tal e qual, é criminosa e que
189
DELMANTO, Celso. op. cit., p. 147.
190
CASEIRO, Luciano. op. cit., p. 26.
191
MELLO, Dirceu de. op. cit., p. 25.
91
corresponde a um crime grave e que a resposta da Justiça criminal
precisa ser também rigorosa. Sem que se estabeleça, repito, a chamada
consciência quanto à ilicitude de certos e determinados comportamentos,
a lei penal estará destinada assim a Lei do Cheque e outras a um
verdadeiro desuso, a um autêntico esquecimento.”
Ivan Carlos de Araujo
192
defende a ausência de interesse que
justifique a intervenção penal nesse ramo jurídico:
“Corroborando nossa posição, note-se que a implantação de uma
legislação de trânsito voltada a penalidades puramente administrativas,
mas aplicadas de forma mais efetiva, como multas e proibição ou
suspensão do direito de conduzir veículos automotores reduziu
significativamente o número de violações em relação a essas condutas. O
mesmo se diga em relação aos comportamentos ligados a parcelamentos
de solo. Segundo nosso entendimento, trata-se de uma exagerada
utilização do Direito Penal, que deve ser reservado apenas para as
situações que realmente exigem a tutela desse ramo jurídico”.
Acrescenta, ainda, que:
“Deste modo, os processos por fatos que não deveriam ser considerados
‘crimes’ o tempo dos representantes do Ministério Público e dos
Magistrados de nosso país (sic!). Em contraposição a um Direito Penal
mínimo tem-se um Direito Penal simbólico. Diante da prática de
homicídios, latrocínios, extorsão mediante seqüestro, estupros e outros,
raramente se verá uma pessoa, que tenha comprado um imóvel e pago por
ele, ficar presa porque não observou as regras administrativas quanto à
aprovação ou registro de um loteamento ou de um desmembramento”.
Por outro lado Paulo Amador Thomaz Alves da Cunha Bueno
193
manifesta-se favorável à aplicação do Direito Penal nesse ramo jurídico: “o
relevo cada vez maior que o urbanismo assumiu dentro da sociedade
moderna, que em muitas oportunidades permitiu o desenvolvimento
desregrado de suas cidades, mostrou que a tutela de seus interesses exercida
192
ARAÚJO, Ivan Carlos de. op. cit., p. 21 e 156.
193
BUENO, Paulo Amador Thomaz Alves da Cunha. op. cit., p. 7-8.
92
por meio de instrumentos meramente administrativos ou civis, em
determinadas situações não seria bastante para garantir e preservar muitos de
seus interesses que acabariam por permanecerem desprotegidos pela ausência
da possibilidade de sancionamento mais rigorosa”.
Igual posicionamento adota José Luis de la Cuesta Arzamendi, que
é um dos defensores na Espanha do acerto da legislação desse país ao
estabelecer a proteção penal da ordenação do território do urbanismo, tendo
em vista as insuficiências demonstradas pela legislação urbanística para
enfrentar as condutas mais graves atentatórias a tal bem jurídico, essencial ao
desenvolvimento de uma vida social pacífica e ordenada, bem como à
participação dos cidadãos no sistema a fim de que satisfaçam as suas
necessidades existenciais e humanas
194
.
Mario Seto Takeguma
195
, por sua vez, justifica a intervenção do
Direito Penal em matéria urbanística em razão da importância do bem
jurídico protegido: Justifica-se o recurso a tutela penal ao ordenamento
territorial, muito mais pela relevância do bem jurídico protegido (a utilização
racional do solo como recurso natural limitado e a adequação de seu uso ao
interesse geral), do que por uma suposta necessidade de reforçar a autoridade
ou a severidade da atuação administrativa nesta matéria”.
Conforme entendimento esposado supra, a necessidade de
interferência do Direito Penal em matéria de parcelamento do solo urbano
deve ser buscada na Constituição Federal de 1988, para se analisar se os
valores constitucionais vigentes recepcionaram a Lei nº 6.766/76.
194
DE LA CUESTA ARZAMENDI, JoLuis. Consideraciones acerca de los delitos sobre la ordenación del
território a la luz del derecho comparado. In: MATA BARRANCO, Norberto J. de la (Coord.). op. cit., p.
219.
195
TAKEGUMA, Mario Seto. op. cit., p. 125.
93
As condutas de parcelamento ilegal exigem a intervenção do
Direito Penal justamente porque estão entre os fatos mais graves praticados
contra a administração pública, além de atingirem bem jurídico difuso
essencial ao nosso Estado Democrático de Direito o meio ambiente, com
destaque na ordenação territorial.
Por conseguinte, não há que se falar em atuação simbólica do
Direito Penal quando da incriminação das condutas de parcelamento ilegal do
solo urbano, até porque a entrada em vigor da Lei 6.766/79 gerou efeitos
concretos no combate das condutas criminalizadas, atingindo-se, ao menos
em parte, os anseios sociais buscados pelo legislador quando da elaboração
desses delitos.
Nesse aspecto, por exemplo, a repercussão prática da
criminalização das condutas de parcelamento ilegal indicada em estudo sobre
o parcelamento informal do solo da cidade do Rio de Janeiro realizado por
Antonio Augusto Veríssimo
196
ressaltou a importância da interferência do
Direito Penal, pois se conseguiu retirar do mercado os loteadores
“inescrupulosos” que estavam atuando formalmente no mercado.
A comprovação que o Direito Penal atuou de forma preventiva
geral, diminuindo a atuação de loteadores irregulares no mercado imobiliário
do Rio de Janeiro indica a importância da sua interferência.
196
VERÍSSIMO, Antonio Augusto. op. cit., p. 20-21.
94
4.2.1. Os mandados de criminalização na nova ordem constitucional e a
lei do parcelamento do solo urbano
A conclusão de que de que a Lei 6.766/76 foi recepcionada pela
nova ordem constitucional pode ser obtida a partir da análise de mandados de
criminalização expressos e implícitos sobre a matéria urbanística existentes
na nossa lei maior, bem como da legislação elaborada após a entrada em
vigor da Constituição Federal de 1988.
De proêmio, observa-se que os dispositivos da Lei do Parcelamento
do Solo Urbano têm como objeto o meio ambiente artificial – uma das facetas
do conceito mais amplo de meio ambiente.
Segundo José Afonso da Silva
197
o meio ambiente deve ser
analisado sob três aspectos: I) o meio ambiente artificial é constituído “pelo
espaço urbano construído, consubstanciado no conjunto de edificações
(espaço urbano fechado) e dos equipamentos públicos (ruas, praças, áreas
verdes, espaços livres em geral: espaço urbano aberto)”; II) o meio ambiente
cultural é integrado “pelo patrimônio histórico, artístico, arqueológico,
paisagístico, turístico, que, embora artificial, em regra, como obra do homem,
difere do anterior (que também é cultural) pelo sentido de valor especial que
adquiriu ou de que se impregnou” e III) o meio ambiente natural é constituído
“pelo solo, a água, o ar atmosférico, a flora, enfim, pela interação dos seres
vivos e seu meio, onde se a correção recíproca entre as espécies e as
relações destas com o ambiente físico que ocupam”.
Embora a abrangência do direito urbanístico ainda não esteja bem
delineada, pois ele ainda está em formação, é certo que intersecções entre
essas normas e os preceitos de direito ambiental, que o primeiro é definido
197
SILVA, José Afonso da. Direito ambiental constitucional. 5.ed. São Paulo: Malheiros Ed., 2004. p. 21.
95
por José Afonso da Silva
198
como “conjunto de normas que têm por objeto
organizar os espaços habitáveis, de modo a propiciar melhores condições de
vida ao homem na comunidade” e o segundo
199
“consiste no conjunto de
normas jurídicas disciplinadoras da proteção da qualidade do meio
ambiente”.
A relação entre esses dois campos do direito é bem analisada por
João Roberto Salazar Junior
200
o qual conclui que “mesmo que as normas de
Direito Urbanístico não apresentem como finalidade imediata a proteção do
meio ambiente, atribuição exclusiva das normas ambientais, o fato de
tutelarem obliquamente a qualidade de vida as tornam obrigatoriamente
comprometidas com a proteção e preservação do meio ambiente”.
Com relação ao meio ambiente artificial “é forçoso reconhecer que
ao disciplinar a organização dos espaços habitáveis, o Direito Urbanístico
promove, indiretamente, a proteção do meio ambiente”.
201
Assim, “a matéria urbanística está inserida em um contexto maior
ligado à idéia de proteção do meio ambiente, expressão, por sua vez, de
grande amplitude
202
”.
Dessa forma, quando a Constituição Federal prevê no seu artigo
225, caput e parágrafo 3º, que “todos têm direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia
qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de
defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações“ e que “as
condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os
198
SILVA, José Afonso da. Direito urbanístico brasileiro, cit., p. 49.
199
Id. Direito ambiental constitucional, cit., p. 42.
200
SALAZAR JUNIOR, João Roberto. O direito urbanístico e a tutela do meio ambiente urbano. In:
DALLARI, Adilson Abreu; DI SARNO, Daniela Campos Libório (Coord.). op. cit., p. 168.
201
Id. Ibid., p. 169.
202
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Poder de Polícia em matéria urbanística, cit., p. 29.
96
infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas,
independentemente da obrigação de reparar os danos causados”, o alcance do
conceito de “meio ambiente” deve ser compreendido a partir da concepção
doutrinária mencionada, em que pese posição em sentido contrário.
De fato, no âmbito penal, o bem jurídico penal “meio ambiente”
tem concepção ampla, abarcando não apenas o meio ambiente natural, mas
também o meio ambiente artificial e cultural.
Guilherme de Souza Nucci
203
conclui ao comentar a seção sobre os
crimes contra o ordenamento urbano e o patrimônio cultural existente na Lei
9.605/98 que se adotou o conceito de meio ambiente diversificado: “não se
trata mais do meio ambiente natural mais conhecido da sociedade, composto
pela flora, fauna etc. Está-se, agora, cuidando do meio ambiente artificial,
chamado pela lei de ordenamento urbano, lugar onde habitam os seres
humanos, em construções artificialmente erguidas, bem como meio ambiente
cultural, envolvendo todos os aspectos históricos, arquitetônicos, científicos,
etc.”
Na mesma linha Vladimir Passos de Freitas e Gilberto Passos de
Freitas
204
asseveram que na Lei nº 9.605/98 “o bem jurídico protegido é o
meio ambiente em toda sua amplitude, na abrangência do conjunto”.
Importante mencionar que embora prevaleça o entendimento de que
a nossa Constituição adota o conceito amplo de “meio ambiente”, registra-se
posicionamento no sentido de que tal conceito deveria ser compreendido em
uma acepção mais restrita. Luiz Regis Prado
205
se manifesta nessa linha ao
dizer que o conceito de meio ambiente “inclui, além dos recursos naturais
203
NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. 2. ed. São Paulo: Ed. Revista
dos Tribunais, 2007. p. 845.
204
FREITAS, Vladimir Passos de; FREITAS, Gilberto Passos de. op. cit., p. 38.
205
PRADO, Luiz Regis. Direito penal do ambiente, cit., p. 72.
97
existentes na biosfera (ar, água, solo, fauna e flora), a relação do homem com
esses elementos, visando lhe permitir condições de vida satisfatória (conceito
ontológico ou natural de ambiente)”. Acrescenta que em matéria penal não se
deve fundir os conceitos de meio ambiente natural, meio ambiente artificial e
meio ambiente cultural, porque “(...), sobretudo em se tratando de uma
proteção jurídico-penal, cujo arcabouço principiológico, constitucionalmente
garantido torna imprescindível a delimitação exata e particularizada dos bens
jurídicos protegidos
206
Priscila Kutne Armelin
207
compartilha o mesmo entendimento de
Luiz Regis Prado, adotando um conceito intermediário de meio ambiente
pelo qual: “O meio ambiente enquanto bem jurídico-penal, na concepção
intermediária (natural, física) significa a manutenção das propriedades do
solo, ar, água, fauna, flora e das suas relações com o homem, de tal forma que
o seu sistema ecológico se mantenha com seus sistemas subordinados e não
sofra alterações substanciais”.
Entende-se que tal conceito mais restrito de meio ambiente não está
em consonância com os demais dispositivos da Constituição Federal. Ocorre
que o alcance do significado de “meio ambiente” deve ser obtido a partir da
análise dos demais preceitos que constam no Capítulo VI, “Do Meio
Ambiente”.
Desta maneira, o artigo 225, § 1º, inciso III estabelece que para
assegurar a efetividade do direito ao meio ambiente incumbe ao Poder
Público “definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e
seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a
supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que
206
PRADO, Luiz Regis. Direito penal do ambiente, cit., p. 301.
207
ARMELIN, Priscila Kutne. op. cit., p. 159.
98
comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção”. Este
dispositivo relaciona-se inegavelmente não apenas ao meio ambiente natural,
mas também ao meio ambiente artificial e cultural, pois menciona de forma
genérica “espaços territoriais e seus componentes”. De mais a mais, os
“atributos” que justificam a proteção de determinados espaços territoriais não
se restringem aos recursos naturais de um espaço, mas também se referem a
aspectos culturais e à ordenação territorial necessariamente relacionados ao
“meio ambiente ecologicamente equilibrado”.
Logo, a nova ordem constitucional estabelece que serão
criminalizadas as condutas lesivas ao meio ambiente, entendido este como o
meio ambiente natural, o meio ambiente cultural e o meio ambiente artificial .
Essa interpretação é ratificada pela circunstância de as modalidades
do meio ambiente serem interdependentes. Assim, muitas vezes o
desenvolvimento irregular das cidades atinge o meio ambiente natural, como
por exemplo, rios, o ar, o solo, e as matas, ocasionando tragédias como
enchentes, desabamentos, poluição, etc.
Nessa linha, Maria Sylvia Zanella di Pietro
208
observa que ficou
superado o entendimento de que o urbanismo preocupa-se tão somente com o
meio ambiente artificial:
“É interessante observar que o urbanismo, durante muito tempo,
preocupou-se fundamentalmente com o meio ambiente no primeiro
sentido assinalado, ou seja, levando em conta o meio ambiente artificial,
resultante do trabalho do homem. O seu objetivo era essencialmente a
ordenação da cidade ou, por palavras, era a disciplina do uso do solo
urbano. Hoje a preocupação volta-se também para a área rural ou, como
diz Adilson Abreu Dallari, o urbanismo transcende o espaço da cidade,
do Município e da região, atingindo veis nacionais e chegando, até
mesmo, graças a extrema mobilidade e aos poderosíssimos recursos do
homem contemporâneo, a exigir uma perspectiva universal’(in
Desapropriação para Fins Urbanísticos, Rio de Janeiro, Forense, 1981, p.
10)”.
208
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Poder de Polícia em matéria urbanística, cit., p. 29.
99
Esses dispositivos complementaram os preceitos penais da Lei nº
6.766/79, a fim de tutelarem o “patrimônio histórico, cultural, artístico,
arqueológico e paisagístico
209
”, proporcionando proteção penal ao meio
ambiente sob os seus três aspectos, ressaltando-se que o meio ambiente
cultural protegido pela Lei nº 9.605/98 não deixa de ser um meio ambiente
artificial.
Destarte, as condutas de parcelamento ilegal do solo urbano são
consideradas uma das mais graves violações à ordenação do território, pois
acarretam transformações profundas e irreversíveis nos solos objeto de
intervenção, tanto que estão entre os delitos urbanísticos mais gravemente
apenados nas legislações da França e Itália
210
.
Assim, à luz do princípio da intervenção mínima, ou seja, da
compreensão de que a restrição ou privação dos direitos fundamentais
somente se legitima se estritamente necessária a sanção penal para a tutela de
bens fundamentais ao homem, e mesmo de bens instrumentais indispensáveis
a sua realização social
211
, tais condutas devem ser criminalizadas em face da
relevância que a nossa ordem constitucional destinou aos bens jurídicos
protegidos pelos crimes em estudo.
Nesse aspecto, ressalta-se que uma das críticas aos delitos
urbanísticos previstos na Espanha é justamente a criminalização de condutas
brandas, contrárias à ordenação do território, omitindo-se em relação a
209
FREITAS, Vladimir Passos de; FREITAS, Gilberto Passos de. op. cit., p. 234.
210
Conforme José Luis de la Cuesta Arzamendi “parece más correcto entender, con otros autores, que la
mayor sanción del delito de parcelación ilegal se deriva de la transcendencia misma de la actividades
parcelatorias, no ya por su possible condición de base para futuras infracciones urbanísticas, sino por sus
efectos reales e frecuentes de transformación < profunda e irreversible> del suelo objeto de intervención”
(DE LA CUESTA ARZAMENDI, José Luis. op. cit., p. 207).
211
LUISI, Luiz. op. cit., p. 40.
100
comportamentos considerados graves como o parcelamento ilegal do solo
urbano
212
.
Em suma, os crimes previstos na Lei 6.766/79 foram
recepcionados pela Constituição Federal, em razão da necessidade de
intervenção penal no âmbito do parcelamento do solo urbano para proteção
do meio ambiente, da ordenação territorial, do direito à moradia, bem como
do adequado desenvolvimento das cidades, que são tutelados pelos delitos
urbanísticos.
Essa conclusão é confirmada pela elaboração da Lei 9.605/98,
posterior à entrada em vigor da nova Constituão, que cumpriu os seus anseios
ao criminalizar as condutas lesivas ao meio ambiente natural e cultural. o foi
necessária a proteção do meio ambiente artificial, porque ele já estava tutelado
pela Lei 6.766/79, recepcionada pela Constituição Federal.
Nessa perspectiva, anote-se que a Lei 9.605/98 foi criada a partir
desse mandado de criminalização expresso e destinou seção específica aos
crimes contra o ordenamento urbano e o patrimônio cultural, notando-se que
212
Nesse sentido as propostas de reforma da legislação espanhola propostas por José Luis de la Cuesta
Arzamendi: “Especialmente llamativa es, em este sentido, la ausência de toda tipificación de las
parcelaciones irregulares o abusivas, castigadas penalmente tanto por el derecho francés e italiano con las
penas más graves y consideradas por la doctrina administrativa y la jurisprudência como los ataques de
mayor trascendencia em este campo. Ciertamente, la tipificación de las parcelaciones ilegales penalmente
relevantes habría de ser objeto central de las parcelaciones ilegales penalmente relevantes habría de ser
objeto central de uma reforma de este capítulo del Código Penal, que debería estructurar las conductas
típicas sobre la base de la alteración ilegal y esencial del destino del suelo, por médio de actividades de
urbanización , edificación, uso del suelo o parcelación” (DE LA CUESTA ARZAMENDI, José Luis. op.
cit., p. 219). Nessa linha também é a lição de Pedro Rodríguez LÓPEZ No se acaba de entender la razón
po la que, si existe clara vocación de despenalizar determinados delitos, convirtiéndolos en ilícitos
administrativos – al considerarse que estas conductas no atentan contra los valores y princípios de la
convivecia social -, la tendencia em materia de urbanismo y de ordenación del território sea la contraria,
penalizándose conductas hasta ahora constitutivas de meras infracciones urbanísticas. Podría entenderse la
penalización de estas conductas si al menos si hubiese atendido a su especial gravedad, tipificando como
delitos aquellas actuaciones que vulnerasen de forma grosera el ordenamiento territorial y urbanístico, y los
valores que este representa; en el ordenamiento territorial y urbanístico, y los valores que este representa; en
todo caso, pareceria más normal que se hubiera tenido em cuenta el régimen de infracciones contenido en la
legislación urbanística y en cambio se dejado de penalizar otras consideraciones especialmente graves
(RODRÍGUEZ LÓPEZ, Pedro. op. cit., p. 81).
101
o seu artigo 64 criminaliza a realização de construção em solo não edificável
ou no seu entorno, com valor paisagístico.
Outrossim, a Lei 9.785/99 também posterior à Constituição de
1988 trouxe diversas alterações à Lei 6.766/79, sem, contudo, suprimir
os seus dispositivos penais. Na realidade, em matéria penal, limitou-se a
adequar a redação do artigo 50, parágrafo único, inciso II, à alteração
realizada no artigo 18, parágrafos 4º e 5º.
Registre-se o escólio de Márcia Dometila Lima de Carvalho
213
que
bem salienta a importância do bem jurídico ambiental no nosso ordenamento
jurídico: “Em seqüência, no balanço dos bens jurídicos dignos de proteção,
ganham mais força os pertinentes à defesa da ordem econômico-social,
cultural e ambiental, hierarquicamente superiores, pela Constituição, aos
clássicos crimes contra o patrimônio, por exemplo”.
Neste diapasão, Paulo Amador Thomaz Alves da Cunha Bueno
214
comenta a importância que os bens jurídicos tutelados pela Lei 6766/96
adquiriram na atualidade: “O que se pretende concluir, então, é que neste
processo evolucionário das sociedades, que, dia a dia, multiplica seus
interesses e, por via de conseqüência, a proteção jurídica destes, acabou por
surgir a necessidade de ordenar, promover, disciplinar e proteger tudo aquilo
que estivesse relacionado com as atividades fundamentais da vida urbana nos
diversos aspectos a ela pertinentes, de forma a garantir o bem-estar coletivo
de tantos quantos venham a se estabelecer nas regiões urbanas”.
Realmente, o controle e a prevenção das condutas relacionadas à
expansão urbana possuem destaque entre as preocupações da sociedade
213
CARVALHO, Marcia Dometila Lima de. op. cit., p. 48.
214
BUENO, Paulo Amador Thomaz Alves da Cunha. op. cit., p. 6.
102
moderna, principalmente, porque consciência quanto aos efeitos nefastos
de um crescimento urbano desvinculado de regras.
A proteção da ordem urbanística passou a ter importante destaque
na Constituição Federal, o que denota que a criminalização dos crimes de
parcelamento ilegal também se justificaria independentemente do mandado
expresso de criminalização mencionado.
Com efeito, a Constituição Federal elencou entre os direitos sociais
o direito à moradia, que está relacionado ao parcelamento do solo urbano.
Destarte, a Carta Magna inovou ao dedicar um capítulo próprio ao
tema da política urbana, inserido dentro de título dedicado exclusivamente à
ordem econômica e financeira. O artigo 182 prevê como objetivo da política
de desenvolvimento urbano o pleno desenvolvimento das funções sociais da
cidade e a garantia do bem-estar de seus habitantes. Além disso, estabelece o
parcelamento compulsório como uma das medidas cabíveis na hipótese de
solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado. Assim, a nova
ordem constitucional passou a considerar como “valor fundamental o direito
difuso à função social da cidade
215
”.
O princípio da função social da propriedade está expresso em
diversos dispositivos constitucionais, tais como nos artigos 5º, inciso XXIII,
170, incisos II e III, 182, 184 e 186 e é considerado “o grande princípio
aplicável ao Direito Urbanístico, cuja importância sobreleva em relação a
qualquer outro
216
”.
215
SIQUEIRA, Guilherme Mello Ferraz de. Políticas públicas e direito urbanístico: papel do Poder Judiciário
e ação civil pública. In: FREITAS, José Carlos (Coord.). Temas de direito urbanístico 2, cit., 2000, p. 221.
216
COSTA, Regina Helena. Reflexões sobre os princípios de direito urbanístico na Constituição de 1998. In:
FREITAS, José Carlos (Coord.). Temas de direito urbanístico 2, cit., 1999, p. 13.
103
Deveras, tal princípio significa que “(...) num plano ideal, a
sociedade deve extrair benefícios do exercício desse direito. Como limite
mínimo de sua eficácia, ao menos não pode ser o interesse coletivo
contrastado pelo interesse particular
217
Uma propriedade apenas atenderá à função social, quando, entre
outros requisitos, seguir as orientações das regras urbanísticas vigentes no
município onde se localiza. O escopo da lei é exatamente organizar o
parcelamento do solo de maneira a utilizar, da melhor forma possível, o
espaço existente (função social da cidade), criando moradia decente e segura
(direito à moradia), tendo em vista o crescimento urbano a longo prazo (meio
ambiente artificial ligado ao natural). Demais disso, o direito à moradia
poderá ser obstado caso haja desrespeito em matéria urbanística.
De acordo com tal princípio o legislador poderá criar obrigações e
deveres para o proprietário, em benefício da coletividade
218
. Regina Helena
Costa conceitua o princípio da função social da propriedade como “uma
limitação ao direito de propriedade, no sentido de que compõe o próprio
perfil desse direito (correspondendo à noção de Poder de Polícia em sentido
amplo, na lição de Celso Antônio Bandeira de Mello). O proprietário deve
usar e desfrutar do bem, exercendo esse direito em prol da coletividade
219
”.
Menciona, ainda, que esse princípio se origina de subprincípios, quais sejam,
o da remissão ao plano e o da proteção ambiental. Assim, a função social é
definida pelo plano urbanístico relativo a um determinado território,
observando-se que o exercício do direito de propriedade deverá ser orientado
pelo respeito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.
217
COSTA, Regina Helena. op. cit., p. 13.
218
DALLARI, Adilson Abreu. op. cit., p. 26.
219
COSTA, Regina Helena. op. cit., p. 13.
104
Nota-se que a Carta Magna traz como valor essencial o
desenvolvimento adequado das cidades de acordo com a função social da
propriedade determinada nos planos urbanísticos, buscando a proteção da
ordenação territorial, que nada mais é do que “um conjunto de medidas
destinadas a realizar o conteúdo do plano urbanístico
220
”.
Conclui-se, portanto que, embora a Lei 6.766/79 seja anterior à
Constituição Federal, aquele diploma legal já refletia uma maior preocupação
da sociedade no que tange à proteção dos interesses difusos, ainda que
embrionária. O advento da Carta Magna em 1988 confirmou essa tendência:
os valores constitucionais hoje vigentes são fundamentalmente voltados à
coletividade, direção que havia sido seguida anos antes pela Lei
6.766/79.
Logo, a criminalização das condutas de parcelamento ilegal
também poderia ser considerada um mandado implícito de criminalização,
porquanto, à luz do princípio da intervenção mínima, é uma ação ilegal que
exige a atuação do Direito Penal para o seu combate, diante da sua gravidade
para a atual ordem constitucional.
Em que pesem os respeitáveis posicionamentos em sentido
contrário, a análise constitucional da questão não deixa dúvidas de que a Lei
6.766/76 foi recepcionada pela nova ordem constitucional, a qual inclusive
reforçou a necessidade de intervenção penal na proteção dos bens jurídicos
que são amparados pela mencionada legislação.
Necessário mencionar que a atual Carta Magna se diferencia pela
importância que conferiu à proteção dos interesses difusos transformados em
bens jurídicos difusos como é o caso dos bens jurídicos protegidos pelos
220
SILVA, José Afonso da. op. cit., p. 181.
105
delitos em questão. A esse respeito Márcia Dometila Lima de Carvalho
221
assevera: O Direito Penal deve proteger os bens jurídicos fundamentais. E o
que é fundamental para a Constituição é o desenvolvimento da Justiça social,
dignificando o homem. A proteção exacerbada de bem jurídicos individuais,
em detrimento do bem jurídico justiça social, direito social, foge à nova
ordem constitucional”.
Importante mencionar que a Constituição Federal de 1988 mescla
princípios liberais que se traduzem em programas descriminalizantes, bem
como instâncias solidaristas do Estado Social que determinam a
criminalização em defesa de bens coletivos
222
.
A recepção dos dispositivos criminais da Lei 6.766/76 se insere
justamente entre os objetivos da nossa Constituição contemporânea de
cumprir as finalidades sociais do Estado por meio de tipos penais que visem à
defesa de bens coletivos – entre os quais – o meio ambiente.
No mesmo sentido é a doutrina de Luciano Feldens
223
, o qual
destaca:
“ainda que por um lado se repila veementemente a idéia de um Direito
Penal a funcionar como instrumento, mesmo que auxiliar, na realização
(perspectiva positiva) de políticas públicas e sociais, ao veraz argumento
de que outros instrumentos mais apropriados, e menos invasivos, se
projetam a tal finalidade, por outro, deposita-se nessa disciplina jurídica,
hialina e inegavelmente, a missão de coibir (perspectiva negativa)
aquelas condutas que revelem hipótese de dano ou mesmo ameaça de
sua ocorrência a bens ou interesses que se mostram vitais à sociedade
como tal”.
Hassemer
224
bem explica a posição do sistema jurídico-penal no
âmbito integral do controle social, o que justifica a incriminação do
221
CARVALHO, Marcia Dometila Lima de. op. cit., p. 100.
222
LUISI, Luiz. op. cit., p. 12.
223
FELDENS, Luciano. op. cit., p. 31.
224
HASSEMER, Winfried. Introdução aos fundamentos do direito penal. Tradução de Pablo Rodrigo Alflen
da Silva. 2. ed. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2005. p. 416.
106
parcelamento ilegal, ante a gravidade de tal conduta e a insuficiência de
reações mais amenas: “Pode-se dizer que a posição do sistema jurídico-penal
no âmbito integral de controle social ocupa o topo: o ponto no qual está em
jogo a transformação dos conflitos mais graves com os meios mais
rigorosos; ponto no qual as reações mais amenas não servem mais, no qual as
respostas mais baixas (leisere) não são mais possíveis de serem ouvidas”.
Ressalta-se que o fato de não haver muitas pessoas presas pelos
crimes de parcelamento ilegal não pode ser tomado como argumento
contrário à incidência do Direito Penal nessa matéria, principalmente por ser
argumento extremamente superficial.
Isso porque as penas alternativas ganharam importante relevo na
nossa legislação e, além disso, a pena privativa de liberdade nem sempre é
recomendável, que muitas vezes é não reeducativa e perniciosa, pois
“reconhece-se que a prisão não é o lugar idôneo para empreender qualquer
tentativa de reeducação ou tratamento terapêutico de problemas estruturais
de personalidade
225
”.
Demais disso, as penas não são o único aspecto marcante do
Direito Penal
226
que justifique a sua intervenção, pois as garantias que
rodeiam tal campo do direito implicam na compreensão da infração penal sob
uma perspectiva qualitativa superior à de uma infração administrativa,
mormente porque a conduta criminosa será analisada por um Juiz
227
.
O Direito Penal é considerado uma das formas de controle social,
influenciando a longo prazo os mecanismos e processos dos outros âmbitos
225
BITENCOURT, Cezar Roberto. op. cit., v. 1, p. 595.
226
NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal comentado, cit., p. 125.
227
SILVA SÁNCHEZ, Jesús Maria. op. cit., p. 23-24.
107
de controle social, como, por exemplo, colaborando para a sensibilização do
público diante da violação de determinados bens jurídicos
228
.
Destaca-se que as penas comumente fixadas permitam a
substituição por penas restritivas de direitos, que deverão ser aplicadas pelos
magistrados em atenção às particularidades dos delitos urbanísticos, e que
muitas vezes cumprirão as funções da pena de forma mais efetiva do que na
hipótese de aplicação da pena privativa de liberdade.
De mais a mais, a pena privativa de liberdade sempre será uma
opção, no caso de eventual reincidência do réu ou existência de
circunstâncias judiciais desfavoráveis, as quais serão analisadas pelo
magistrado na dosimetria da pena e na eventual aplicação da substituição da
pena privativa de liberdade.
As condutas de parcelamento ilegal exigem a intervenção do
Direito Penal justamente porque estão entre os fatos mais graves praticados
contra o meio ambiente e a administração pública.
Nesse sentido, os delitos prescritos nesta lei são corroborados pela
Constituição Federal e pela complementação de outras normas no mesmo
sentido, promulgadas posteriormente a ambas. Frise-se, pois, que a
Constituição Federal recepcionou os delitos de parcelamento ilegal do solo
urbano, pois eles estão em harmonia com o destaque que foi dado na lei
magna aos bens jurídicos por ela protegidos.
228
HASSEMER, Winfried. Introdução aos fundamentos do direito penal, cit., p. 416.
108
5. ANÁLISE CRÍTICA
Importante retomar o estudo do bem jurídico tutelado pelos delitos
de parcelamento ilegal, após o aprofundamento dos temas propostos.
A multidisciplinariedade mencionada resulta na diversidade de
bens jurídicos protegidos pelos delitos de parcelamento ilegal do solo urbano,
o que torna importante a indagação sobre qual bem jurídico é protegido em
caráter principal por tal crime na nova ordem constitucional.
Mario Seto Takeguma
229
destaca a importância desse
questionamento:
“Justamente é a definição do bem jurídico afetado pelos loteamentos ou
desmembramentos ilegais, que tem sido a principal fonte de equívocos,
no estudo dos tipos penais da espécie, pois no tratamento sistemático que
se empreende na análise de um tipo penal, a modificação conceitual ou
de natureza jurídica de um elemento, no caso o bem jurídico, que é o
principal elemento do tipo, certamente trará reflexos nos demais
elementos do tipo, e demais requisitos do delito”.
Após a entrada em vigor da Lei 6.766/79, Dirceu de Mello
230
foi
um dos primeiros a questionar o acerto da eleição da administração pública
como objetividade jurídica dos delitos, discutindo se os comportamentos
incriminados colocavam em xeque a administração blica ou os interesses
particulares dos cidadãos:
“Dir-se-á que a discussão é despicienda. A que pode, com efeito,
conduzir este tipo de debate? Eu vejo algumas dificuldades. Vejam os
senhores o seguinte. Imaginemos que haja um processo criminal em
andamento, por força de um desses crimes previstos na Lei de
Parcelamento do Solo. Se nós considerarmos que os crimes, como está na
229
TAKEGUMA, Mario Seto. op. cit., p. 58.
230
MELLO, Dirceu de. op. cit., p. 21.
109
lei, são rigorosa e exclusivamente contra a administração pública, como
ficaria, eventualmente, o ofendido? Aquele particular que sofreu na
própria carne as conseqüências de um comportamento, que a meu ver tem
muito do estelionato? Eu até vejo, nesses crimes, quase que um
estelionato dirigido contra uma coletividade, menos contra os interesses
da administração pública do que contra o interesse da coletividade. Tanto
assim que, nas regras em causa, nós sentimos que o lesado tem o direito –
e é isto que efetivamente lhe interessa, mas do que o processo criminal
tem o direito de se ver ressarcido nos prejuízos conhecidos.”
Outrossim, no anteprojeto de reforma do Código Penal, elaborado
em 1998, os delitos de parcelamento ilegal do solo urbano foram incluídos no
título dos crimes contra o ordenamento urbano, evidenciando que a
administração pública deixou de ser o crime tutelado de forma principal.
Nesse sentido, anote-se, ainda, que nos dispositivos penais do
projeto de lei 3057/2000 não consta que os crimes são praticados contra a
administração, diversamente do que consta na atual legislação.
A partir do estudo da Constituição vigente, bem como se
considerando o raciocínio realizado a fim de concluir que ocorreu a recepção
constitucional das infrações penais previstas na Lei nº 6.766/79, entendo que
o bem jurídico protegido em caráter principal pelos aludidos delitos é o meio
ambiente, e o mais a administração pública, estabelecida de forma expressa
no citado diploma legal como objeto jurídico.
Ocorre que a atual ordem constitucional atribuiu valor significativo
aos bens jurídicos difusos entre os quais o meio ambiente, que es
necessariamente conectado com a ordenação territorial. Tal constatação não
resulta na recepção da legislação atual, mas também implica uma nova
visão do delito, pois a sua interpretação deverá ser realizada a partir da
premissa de que o bem jurídico protegido pelos delitos da Lei nº 6.766/79 é o
110
meio ambiente. Logo, a administração pública continua a ser protegida pelos
delitos urbanísticos, mas tão somente de forma mediata.
Observa-se que a ordenação territorial é encarada pela doutrina sob
óticas diversas, levando-se em consideração a sua relação com o meio
ambiente: bem jurídico autônomo ou aspecto do bem jurídico meio ambiente.
Acale Sánchez não considera a ordenação do território como bem
jurídico penal, mas sustenta que nesta situação o bem jurídico protegido
também será também o meio ambiente (ao qual, eventualmente, se somaria o
patrimônio artístico). Em outras palavras, os tipos penais relacionados à
ordenação do território protegeriam o meio ambiente, bem jurídico plural,
especificamente contra as agressões urbanísticas
231
.
O mesmo autor
232
pondera que o ‘urbanístico’ aludiria, pois, ao
meio comissivo e não ao bem jurídico”.
Na mesma linha, Jesús Maria Silva Sánchez
233
afirma que o bem
jurídico protegido pelos delitos urbanísticos é “a proteção das características
do solo como marco físico da vida humana frente às agressões urbanísticas”.
Destaca-se que na Itália o parcelamento ilegal do solo urbano é
considerado crime contra o meio ambiente na legislação em vigor.
Observa-se que a doutrina pátria predominante considera o meio
ambiente como bem jurídico protegido pelo delito previsto no artigo 64 da
Lei 9.605/98 sobre a matéria urbanística, não obstante tal crime se localize
na seção dos crimes contra a ordenação urbana e o patrimônio cultural.
231
ACALE SÁNCHEZ, Delitos urbanísticos, Barcelona, 1997, p. 51 apud, SILVA NCHEZ, Jesús Maria.
op. cit., p. 19.
232
ACALE SÁNCHEZ, Delitos urbanísticos, Barcelona, 1997, p. 52 apud, Id. Ibid., p. 19.
233
SILVA SÁNCHEZ, Jesús Maria. op. cit., p. 20.
111
Guilherme de Souza Nucci assevera que o crime do artigo 64 tem
como objeto jurídico a proteção ao meio ambiente
234
.
Na mesma linha Vladimir Passos de Freitas e Gilberto Passos de
Freitas
235
comentam que o objeto jurídico do aludido artigo 64 é “a ampla
proteção do meio ambiente”
Luiz Regis Prado
236
, em contrapartida, entende que os bens
jurídicos ordenação do território e meio ambiente são autônomos, pois: não
deve o ambiente congregar omnicompreensivamente outros bens jurídicos
que podem ser devidamente individualizados, pois isso poderia conduzir à
impossibilidade de se identificar qual o bem jurídico especificamente tutelado
em um determinado tipo legal, que tudo corresponderia ao ambiente. Se
assim o fosse, todos os delitos contra o patrimônio cultural e ordenamento
territorial teriam como bem jurídico protegido o ambiente e não haveria
necessidade de se estabelecer capítulos distintos para essas matérias dentro da
Lei 9.605/98”.
Mario Seto Takeguma
237
também sustenta que a ordenação
territorial é bem jurídico autônomo e que, na realidade, os crimes previstos na
Lei 6.766/79 protegem a ordenação do território e não a administração
pública:“entretanto, analisando por um critério sintético, vislumbra-se sob a
ótica material, que as regras urbanísticas emitidas pela Administração Pública
não podem ser o bem jurídico atingido, visto que tais regras não reúnem
condições materiais para ser um bem jurídico digno de tutela. Tutela-se, em
verdade, o valor material Ordenação do Território, com a importância e
sentido que lhe confere a Constituição Federal de 1988”.
234
NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas, cit., p. 848.
235
FREITAS, Vladimir Passos de; FREITAS, Gilberto Passos de. op. cit., p. 244.
236
PRADO, Luiz Regis. Direito penal do ambiente, cit., p. 300-301.
237
TAKEGUMA, Mario Seto. op. cit., p. 64 e 67.
112
Acrescenta, também, sobre o bem jurídico ordenação do
território
238
:
“Ora, essas condutas afetam, diretamente, a ordenação urbanística do
solo urbano, que é espécie integrante da ordenação do território, pois em
todo parcelamento, devem-se observar várias condições urbanísticas
ligadas à topografia, às condições sanitárias, área de preservação
ambiental, e diretrizes municipais ligadas ao sistema viário, ao
escoamento de águas pluviais, ao tráfego de veículos, aos equipamentos
urbanos e comunitários mínimos, dentre outros. O loteador clandestino
sabe e opera na ilegalidade para não arcar com os custos da doação de
área ao Município para a construção de equipamentos comunitários
(escola, postos de saúde, praças, etc) e de outras obras que diminuam o
seu lucro. Não é correto afirmar que ele atue com intenção direta de lesar
compradores ou desrespeitar a legislação, mas o que pretende por
primeiro é reduzir os custos, que implicam em prejuízo ao ordenamento
territorial”.
Jose Luis de la Cuesta Arzamendi
239
afirma que apesar da
transcendência e complementariedade da tutela do ambiente e do território
sob o prisma ecológico e de qualidade de vida - pois o solo não deixa de ser
um recurso natural - é mais conveniente manter-se a distinção no plano penal
entre a proteção do ambiente em sentido estrito e da ordenação territorial
diante da separação entre o direito ambiental e o direito da ordenação
territorial, que possuem enfoques diferentes, além de que o fato de a sua
proteção constar em diplomas legais diversos não impedirá uma intervenção
penal coordenada, diante das evidentes conexões entre as duas searas.
Em que pesem os posicionamentos divergentes, entende-se que o
ordenamento territorial não é bem jurídico autônomo, mas está
necessariamente inserido no bem jurídico penal meio ambiente, que conforme
mencionado possui significado amplo.
238
TAKEGUMA, Mario Seto. op. cit., p. 65.
239
DE LA CUESTA ARZAMENDI, José Luis. op. cit., I, p. 210.
113
Deveras, o conceito de meio ambiente não deve ser restringido,
máxime diante da interdependência entre as suas facetas natural, artificial e
cultural, tornando-se recomendável que elas sejam consideradas em conjunto,
o que inclusive fortalece o fundamento da proteção de tais aspectos do meio
ambiente e a consciência do significado do que seja um “meio ambiente
ecologicamente equilibrado”.
Frise-se que os benefícios que surgiram com a mudança de objeto
jurídico dos delitos em estudo de economia popular para administração
pública permanecem quando se passa a considerar como bem jurídico
protegido o meio ambiente.
Ora, os crimes continuam a ser formais, isto é, a consumação
ocorre no momento da ação, independentemente do resultado, o que garante
amplo alcance aos tipos penais. Ademais, o enfoque da tutela repousa na
sociedade como um todo e não apenas sobre interesses particulares,
resguardando-se valores que passaram a ter destaque após a entrada em vigor
da Constituição Federal de 1988, tais como, o meio ambiente, a ordenação
territorial, o desenvolvimento sustentável e o direito à moradia.
Destarte, permanece viável a interferência de pessoas jurídicas de
direito público que possuam interesse nos fatos, máxime porque os delitos
urbanísticos envolvem o descumprimento de regras urbanísticas, havendo
violação ao poder de polícia estatal.
Cabível, neste particular, a aplicação analógica do artigo 2º, § 1º,
do Decreto-lei 201/67, que estabelece: “Os órgãos federais, estaduais ou
municipais, interessados na apuração da responsabilidade do Prefeito, podem
requerer a abertura de inquérito policial ou a instauração da ação penal pelo
114
Ministério Público, bem como intervir, em qualquer fase do processo, como
assistente da acusação
240
”.
O particular que tiver interesse na reparação civil também poderá
ingressar como assistente de acusação, ainda que se entenda que o bem
jurídico protegido em caráter principal é o meio ambiente.
Nesse sentido Vladimir Passos de Freitas e Gilberto Passos de
Freitas
241
:
“No crime ambiental, o sujeito passivo normalmente será a sociedade.
Eventualmente poderá haver também um ofendido direto. É o caso, por
exemplo, do proprietário de área desmatada por terceiros. (....). Na fase
judicial, o ofendido poderá habilitar-se como assistente do Ministério
Público (CPP, art. 268)”.
Os mesmos autores
242
sustentam que a Lei dos Crimes Ambientais
deveria ter disposto sobre a possibilidade de organizações não-
governamentais (ONG) se habilitarem como assistentes da acusação, pois por
atuarem diretamente na área degradada poderiam auxiliar na busca da
verdade real. Tal sugestão também se aplica aos delitos urbanísticos pelos
mesmos motivos e deveria ser observada em eventual alteração da Lei
6.766/79.
A conclusão de que o meio ambiente deve ser o bem jurídico
protegido pelos crimes relacionados ao parcelamento do solo urbano leva à
outra questão: onde devem constar tais delitos?
A discussão sobre onde devem localizar-se os delitos gera divisão
na doutrina, pois alguns autores vislumbram vantagens na previsão de alguns
240
NUCCI, Guilherme de Souza. Códigode Processo Penal comentado, cit., p. 567.
241
FREITAS, Vladimir Passos de; FREITAS, Gilberto Passos de. op. cit., p. 335.
242
Id. Ibid., p. 335-336.
115
delitos em leis especiais e outros defendem que a codificação, isto é, a
inclusão de todas as infrações penais em um único diploma legal é mais
benéfica, pois propicia harmonia ao ordenamento jurídico penal
243
.
Paulo Amador Thomaz Alves da Cunha Bueno
244
opina que os
delitos de parcelamento do solo urbano devem constar no corpo da lei, tendo
em vista que se trata de matéria passível de sucessivas alterações:
“No caso específico dos delitos da LPSU, soma-se a isto o fato de que as
condutas típicas, notadamente aquelas descritas no art. 50, encontram-se
totalmente vinculadas ao cumprimento das extensas determinações
administrativas estampadas no mesmo diploma legal, de sorte que se os
dispositivos penais fossem remetidos à Parte Especial do CP,
descaracterizando-se o caráter híbrido da lei, que teria, então, natureza
meramente cível-administrativa, sim estar-se-ia criando uma
dificuldade ainda maior para proceder-se ao cotejo entre a conduta e
norma, causando, via de consequência, seríssimas dificuldades na
aplicação prática do diploma, que reclamaria a um tempo a consulta
ao CP e à LPSU”
José Luis de La Cuesta Arzamendi
245
analisa a questão
estabelecendo os pontos positivos e negativos de cada opção. Em relação à
inclusão dos delitos urbanísticos em leis especiais, afirma que tal solução
facilita a compreensão dos tipos penais, pois estes não podem prescindir do
conteúdo da regulação administrativa. Em contrapartida, acentua-se o risco
de generalização de infrações meramente formais, de mera desobediência aos
mandados da legislação em vigor, sem que haja efetivo atentado a um bem
jurídico que não seja a própria legislação e os poderes e faculdades da
Administração Pública. Por esses motivos, o mencionado doutrinador
entende que é preferível a inclusão desses delitos no Código Penal, pois
resulta em maior esforço na construção dos tipos penais, focando-se no
ataque ao bem jurídico que se pretende proteger.
243
PONTE, Antonio Carlos da. op. cit., p. 37.
244
BUENO, Paulo Amador Thomaz Alves da Cunha. op. cit., p. 40.
245
DE LA CUESTA ARZAMENDI, José Luis. op. cit., fls. 211.
116
Interessante observar que a França e a Itália optaram por incluir os
delitos urbanísticos em legislação especial, mesma linha adotada pela nossa
legislação, em que os crimes contra a ordenação urbana estão nas Leis
6.766/79 e 9.605/98. Na França os delitos urbanísticos estão em leis
especiais, principalmente no digo de Urbanismo. Na Itália, por sua vez,
tais crimes se localizam na Lei 431/1985 Legge Galasso. a Espanha,
inseriu tais delitos no seu Código Penal, no tulo XVI do livro II, onde
também estão os delitos contra o patrimônio histórico e os delitos contra o
meio ambiente.
Verifica-se que, entre as propostas legislativas estudadas, o
legislador ora se inclinou em relação à codificação ora em relação à inclusão
de determinados delitos em leis esparsas.
O anteprojeto de reforma do Código Penal trouxe os delitos
urbanísticos no capítulo relativo aos crimes contra o ordenamento territorial,
justificando tal opção no seu relatório, onde consta que se procurou
introduzir tipos penais de crimes relativos a fatos conhecidos na sua extensão
normativa, deixando à legislação especial tão somente a disciplina de ilícitos
sobre institutos em formação.
Já o projeto de lei nº 3057/2000, que tem como objetivo substituir a
atual Lei do Parcelamento do Solo urbano, manteve as disposições penais
sobre a matéria.
Diante dos aspectos mencionados, entendo que a inserção dos
delitos urbanísticos em leis especiais é mais adequada, porquanto facilita a
compreensão do conteúdo dos tipos penais, visto que o tipos penais abertos
com diversos elementos normativos, cujo significado deve ser obtido por
outras normas muitas delas constantes na própria lei especial.
117
Por derradeiro, é importante questionar não apenas se tais crimes
devem ou não ser inseridos no Código Penal, mas também em qual lei eles
deveriam constar: na legislação ambiental ou em legislação sobre o
parcelamento do solo urbano.
Embora os crimes contra o parcelamento do solo urbano tenham
como objetividade jurídica o meio ambiente, agiu bem o legislador ao incluir
as disposições penais sobre a matéria na lei específica que existe sobre o
parcelamento do solo urbano, o que, como dito, facilita a compreensão do
alcance dos tipos penais em comento, o que é essencial, notadamente
considerando que a principal dificuldade observada em relação à aplicação
desses crimes é a complementação do seu significado por outras normas.
118
6. APURAÇÃO DOS DELITOS URBANÍSTICOS
A criminalização do parcelamento ilegal do solo urbano e a
delimitação do bem jurídico protegido em caráter principal o são
suficientes para a repressão de tais condutas. De nada adiantará a previsão de
punição criminal, se não houver uma rápida apuração dos fatos por pessoas
com conhecimentos específicos da matéria, diante da sua complexidade e
multidisciplinariedade.
Caso contrário, muito provavelmente ocorrerá a prescrição da
pretensão punitiva estatal, o que se observa comumente na jurisprudência
pátria.
Importante mencionar que a partir de análise jurisprudencial se
constatou que de fato muitos dos delitos previstos na aludida lei prescrevem,
circunstância que acarreta sensação de impunidade quanto à atuação do
Estado nesta seara. Anote-se que dos cinquenta e dois acórdãos estudados,
ocorreram dezoito prescrições, vale dizer, a perda do direito de punir estatal
alcançou percentagem significativa do espaço amostral, ou seja, 34,6% dos
casos.
Frise-se que a prescrição da pretensão punitiva pela pena em
abstrato ocorre em 8 (oito) anos quando o delito é praticado na forma simples
(artigo 50, incisos I, II e III), pois a pena máxima é de 4 (quatro) anos. nas
hipóteses qualificadas o delito prescreve em 12 (doze) anos, pois a pena
máxima é de 5 (cinco) anos. No caso do crime do artigo 52, a prescrição da
pretensão punitiva pela pena em abstrato ocorre em 4 (quatro) anos, pois a
pena máxima é de 2 (dois) anos.
119
Muitas vezes o prazo prescricional ocorrerá em lapso temporal
mais exíguo, quando o cálculo for realizado de acordo com a pena aplicada,
comumente estabelecida no seu patamar mínimo, ou seja, 1 (um) ano tanto
nas formas simples quanto nas qualificadas dos delitos do artigo 50, como na
hipótese do crime do artigo 52 – que prescreve no prazo de quatro anos
246
.
A realidade mencionada coloca em evidência que a apuração dos
delitos de parcelamento precisa ser rápida e eficiente para se evitar a
impunidade.
Discute-se, nesse aspecto, qual seria o procedimento investigativo
mais adequado à apuração de tais delitos a fim de alcançar maior efetividade:
o inquérito civil ou o inquérito policial.
Nilton Belli Filho
247
ao estudar essa questão concluiu que o
inquérito policial possui vantagens em relação ao inquérito civil, porquanto:
“o inquérito civil mostra-se dispensável, pois semelhantes providências
serão efetuadas no âmbito policial. E, em sede criminal, verificou-se que,
há instrumentos coercitivos para a investigação – busca e apreensão,
prisão preventiva, prisão em flagrante, crime de desobediência e,
sobretudo, a interferência, mesmo que mitigada, do Poder Judiciário,
dando cunho de legalidade às diligências empreendidas. A interveniência
do Judiciário, no âmbito do inquérito civil, não se afigura possível e,
muitas vezes, questiona-se a regularidade deste procedimento
investigatório ante a falta de controle jurisdicional.”
Por outro lado, o inquérito civil é manejado por Promotores de
Justiça especializados na área de habitação e urbanismo, o que facilita a
246
“Art. 109. A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, salvo o disposto nos §§ e do
art. 110 deste Código regula-se pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada ao crime verificando-
se:
III – em 12 (doze) anos, se o máximo da pena é superior a 4 (quatro) anos e não excede a 8 (oito) anos;
IV- em 8 (oito) anos, se o máximo da pena é superior a 2 (dois) anos e não excede a 4 (quatro);
V em 4 (quatro) anos, se o máximo da pena é igual a 1 (um) ano, ou, sendo superior não excede a 2
(dois)”.
247
O inquérito policial como instrumento alternativo para investigação dos loteamentos clandestinos, p. 313.
120
condução de tais investigações, bem como permite uma atuação harmônica
nos âmbitos civil e criminal, visto que a conduta de parcelamento ilegal tem
consequências nessas duas searas.
Considerando tais vantagens, bem como o fato de que eventuais
medidas urgentes – tais como pedido de prisão preventiva, busca e apreensão,
etc - poderão ser pleiteadas pelos Promotores de Justiça da área de habitação
e urbanismo junto à Justiça Criminal, entendo que é mais benéfico à apuração
de tais delitos que as investigações ocorram no âmbito do próprio inquérito
civil, onde a questão será analisada de forma ampla e profunda, com as
particularidades exigidas pelas especificidades da matéria.
Anote-se, por derradeiro, que a Lei da Ação Civil Pública (nº
7.347/85) prevê em seu artigo 10
248
o crime de desobediência no âmbito do
inquérito civil, o que confere força a tal procedimento.
De qualquer maneira, independentemente de qual procedimento for
adotado, não será necessária a realização de duas investigações, pois tanto no
campo cível como no criminal se buscará apurar se houve parcelamento
ilegal.
Importante mencionar as diligências elencadas por Nilton Belli
Filho
249
essenciais à investigação do parcelamento ilegal, quais sejam, as
perícias no local do parcelamento, feitas pelo órgão do Executivo responsável
pela fiscalização das posturas urbanas e pelo Instituto de Criminalística,
oitiva dos adquirentes e do loteador, bem como informações pela Prefeitura e
Cartório de Registro de Imóveis, atestando que o parcelamento não possui
aprovação para implementação e não conta com o devido registro imobiliário.
248
“Art. 10. Constitui crime, punido com pena de reclusão de 1 (um) a 3 (três) anos, mais multa de 10 (dez) a
1.000 (mil) Obrigações do Tesouro Nacional OTN, a recusa, o retardamento ou a omissão de dados
técnicos indispensáveis à propositura da ação civil, quando requisitados pelo Ministério Público.”
249
O inquérito policial como instrumento alternativo para investigação dos loteamentos, p. 316.
121
7. DIREITO COMPARADO
O estudo do direito comparado é relevante para os temas em
debate, pois a comparação entre a nossa legislação e a disciplina da mesma
matéria em outros ordenamentos jurídicos agrega novos elementos e
experiências a este estudo e, quiçá, idéias para melhorarem a nossa
legislação.
O enfoque do estudo do direito comparado estará justamente nas
principais questões analisadas ao longo deste trabalho. Neste particular,
observa-se que a criminalização das condutas contrárias ao ordenamento do
solo urbano não é consenso no direito comparado.
Nos Estados Unidos e Alemanha não delitos urbanísticos e o
desrespeito às regras urbanísticas é resolvido na esfera administrativa.
Na Alemanha, as condutas contrárias à ordenação do solo urbano
são punidas apenas no âmbito administrativo, não obstante diversas
alterações tenham ocorrido no Código Penal, inclusive com a criação dos
delitos contra o meio ambiente. Observa-se apenas a tutela indireta do
urbanismo e da ordenação do território em disposições penais relativas a
outros bens jurídicos protegidos
250
.
250
“Del repaso de las normas anteriores se deduce que, a pesar de las últimas reformas intervenidas en el
Código Penal, la tutela del urbanismo y la ordenación del territorio continúa ausente del mismo (y de la
legislación penal especial). Solo com el fin de proteger otros bienes jurídicos se recogen algunas
disposiciones que pueden tener que ver indirectamente con este âmbito, como las más recientes sobre
protección del suelo contra la contaminación, o comportamentos relativos a la construcción de um
edifícioen el § 329,3,8), quedando por lo demás la tutela de esos bienes jurídicos en manos del Derecho
Administrativo (y de las infracciones al orden) que, a la vista de la práctica inexistência de demandas de una
más incisiva intervención penal, de suponerse suficientemente eficaz” (Consideraciones acerca de los
delitos sobre la ordenación del territorio a la luz de derecho comparado, l DE LA CUESTA
ARZAMENDI, José Luis. op. cit., p. 200).
122
Nos Estados Unidos não crimes relacionados à ordenação do
solo urbano. Ivan Carlos de Araújo
251
trouxe maiores informações sobre o
tratamento jurídico da questão em tal país:
“Tome-se, por exemplo, os Estados Unidos da América. Não crimes
de parcelamento do solo urbano naquele país, e as irregularidades acaso
verificadas são sanadas por vias administrativas e civis. A informação,
prestada pelo professor norte-americano A. Dan Tarlock, acompanhado
pelo adido cultural, sr. Marshall Robert Louis Jr., em 10 de novembro de
2001, no Consulado Geral dos Estados Unidos do Brasil, na cidade de
São Paulo, veio acrescida da consideração de que esse procedimento era
plenamente satisfatório e não demandava a criminalização. Depois, a
Embaixada Americana, em Brasília, por intermédio da srª Deborah
Câmara Batista, da Seção Cultural do Consulado, em janeiro de 2002,
enviou-nos dados sobre a legislação referente a parcelamento de solo e
zoneamento e suas perspectivas penais em diversas cidades e condados
dos Estados Unidos. Embora haja diversidade no tratamento, a tônica
preponderante é a da não criminalização.”
Constata-se que o nosso ordenamento jurídico se limita a
incriminar condutas relacionadas à proteção do solo como recurso natural
(artigos 54 e 55 da Lei 9.605/98), bem como condutas relacionadas ao
parcelamento ilegal do solo urbano e registro de parcelamento não aprovado
pelos órgãos competentes, além da construção em solo não edificável com
algum valor especial (artigos 50 a 53 da Lei nº 6.766/79 e artigo 64 da Lei nº
9.605/98).
Na Espanha apenas a partir de 1995 foram incriminadas condutas
relacionadas à matéria. Em comparação aos ordenamentos jurídicos da França
e Itália, foram criados menos tipos penais, restringindo-se o alcance do
Direito Penal nesta seara, em atenção ao princípio da intervenção mínima.
251
ARAÚJO, Ivan Carlos de. op. cit., p. 24.
123
Assim, embora haja crimes urbanísticos, eles não incluem as
condutas de parcelamento ilegal, consideradas entre as mais graves violações
à ordenação territorial, conforme mencionado no item 4.2.1.
Tal particularidade como se disse é bastante criticada pela
doutrina daquele país, que sustenta a violação do princípio da
proporcionalidade, pois os tipos penais em vigor retratam apenas as condutas
mais amenas.
Nesse sentido se manifesta Miguel Escanilla Pallás
252
ao dizer que
o bem jurídico não alcança a parte mais importante da atividade urbanística,
pois não correspondência entre os tipos penais e as infrações
administrativas em matéria de urbanismo. Ressalta, ainda, que apesar de a
legislação administrativa destacar, entre as infrações graves ‘o parcelamento
urbanístico do solo não urbanizável sem a prévia aprovação do plano e
projeto de urbanização necessários’ (artigo 263.2), a legislação penal se
limitou a punir a edificação ‘não autorizada em solo urbanizável’".
O Direito Espanhol possui apenas três tipos penais: prevaricação
urbanística (artigo 320); construção não autorizada em solos destinados a
viagens, zonas verdes, bens de domínio blico ou lugares que tenham
reconhecidos legalmente ou administrativamente o seu valor artístico,
histórico, cultural e ecológico (artigo 319, 1) e construção não autorizada em
solo não urbanizável (artigo 319, 2).
As figuras previstas nos artigos 319, 1 e 319, 2 correspondem na
nossa legislação ao artigo 64 da Lei 9.605/98. Contudo, não tipo penal
correlato ao delito de prevaricação urbanística, não obstante traga conduta
252
ESCANILLA PÁLLAS, Miguel. La responsabilidad de los funcionários ante delitos urbanísticos em los
tribunales de justicia. In: MATA BARRANCO, Norberto J. de la (Coord.). Delitos contra el urbanismo y la
ordenación del territorio. Oñati: IVAP-Instituto Vasco de Administración Pública, 1998. p. 224.
124
semelhante a figuras penais existentes no anteprojeto de reforma do digo
Penal e no projeto de lei 3057/2000, conforme mencionado no item
3.2.1.5.
na França e Itália os dispositivos penais são mais abrangentes,
incluindo não só as condutas incriminadas pela nossa legislação, mas também
outras que, assim como o parcelamento ilegal, também atingem o solo como
espaço social, quais sejam as diversas situações de inobservância das
autorizações urbanísticas exigidas pela lei.
Dessa maneira, são criminalizadas na França, por exemplo, a
demolição realizada sem permissão ou com descumprimento das regras
estabelecidas (art. L. 430-9), as infrações em matéria de permissão de
demolição e outras atuações urbanísticas irregulares (art. L. 480-4) e a
mudança de finalidade de um imóvel de grande altura, sem a autorização
adequada (L. art. 480-2).
Já na Itália são exemplos de delitos que o existem no nosso
ordenamento jurídico: a inobservância das normas e prescrições legais ou
regulamentares e das contidas nos instrumentos urbanísticos ou na concessão
(art. 20, a), a realização de obras sem licença ou concessão (art. 20, b) e as
intervenções urbanísticas que desrespeitam a licença ou concessão (art. 20, c).
Note-se que na França diversas infrações penais relacionadas à
proteção ambiental, levando em consideração o solo como recurso natural,
tais como, condutas referentes às atividades de camping e estacionamento de
caravanas (art. L. 480-4 do Código de Urbanismo), proteção dos bosques
enquanto elemento de paisagem e fator de qualidade de vida (Código de
125
Urbanismo e Código Rural) e proteção dos parques e monumentos naturais
(art. L. 480-4 do Código de Urbanismo)
253
.
No nosso ordenamento jurídico também existem condutas
relacionadas à proteção do solo como recurso natural, conforme mencionado
no Capítulo 1, contudo, elas não estão previstas no mesmo diploma legal que
os delitos de parcelamento ilegal (Lei 6.766/79), mas na Lei dos Crimes
Ambientais (Lei nº 9.605/98).
Nessa perspectiva, o artigo 54 do último diploma legal mencionado
estabelece o delito de poluição:
“que descreve a forma dolosa do crime, menciona a conduta consistente
em causar poluição de qualquer natureza, contemplando, dessa maneira,
qualquer forma de contaminação ou degradação do solo. No mesmo
artigo, o § e seus incisos prevêem hipóteses em que o crime é
qualificado pelo resultado. O inciso I trata da hipótese consistente em
tornar a área (incluído solo e subsolo) imprópria para a ocupação
humana. O inciso V trata de lançamento de resíduos sólido, líquidos ou
gasosos, ou detritos, óleos ou substâncias oleosas, que podem causar
danos ao ambiente (solo)
254
”.
O artigo 55, parágrafo único da Lei 9.605/98 também descreve
conduta criminosa que protege o solo urbano contra prática degradadora, tal
como, atividades mineradoras realizadas sem autorização.
O artigo 64 da Lei nº 9.605/98, por sua vez, localizado na seção dos
crimes contra ordenação urbana e patrimônio cultural, criminaliza a
promoção de construção em solo o edificável, ou no seu entorno, assim
considerado em razão do valor paisagístico, ecológico, artístico, turístico,
histórico, cultural, religioso, arqueológico, etnográfico ou monumental, sem
253
DE LA CUESTA ARZAMENDI, José Luis. op. cit., p. 200-201.
254
MILARÉ, Edis. op. cit., p. 236.
126
autorização da autoridade competente ou em desacordo com a licença
concedida.
Observa-se que a Lei 9.605/98 não se limitou a tutelar o meio
ambiente natural, mas também tratou de algumas condutas contrárias à
ordenação do solo urbano e ao patrimônio cultural, o que, como
mencionado no item 4.2.1., revela que ela adotou o conceito de meio
ambiente em sentido amplo, abrangendo não apenas o meio ambiente natural,
mas também o meio ambiente artificial e o meio ambiente cultural. Tal
circunstância também denota que a matéria urbanística está imbricada com a
questão ambiental.
Na França como dito - também a proteção penal da
inobservância dos regimes de autorização urbanística. Entre tais delitos está o
parcelamento ilegal (art.L. 316-1) e a venda ou aluguel de terrenos incluídos
em um parcelamento sem prévia autorização necessária ou sem respeitar as
prescrições estabelecidas (art. 316.L. 316-2)
255
.
Interessante observar que, no Direito Francês, entre os sujeitos que
podem ser responsabilizados por tais crimes estão as pessoas jurídicas,
segundo previsão do Código Penal (artigos 121/122 e 131/137). Também
previsão legal sobre a responsabilidade penal derivada da imprudência ou
negligência por parte dos governantes locais e funcionários (Lei de 13 de
maio de 1996)
256
.
Na hipótese do delito de parcelamento ilegal ou venda e aluguel de
terrenos localizados em parcelamento sem autorização e em desacordo com
as prescrições legais previsão específica sobre a pena cabível, ou seja,
multa de 2.000 a 2.000.000 de francos, podendo ser acrescentada a obrigação
255
DE LA CUESTA ARZAMENDI, José Luis. op. cit., p. 202.
256
Id., loc. cit.
127
de efetuar os trabalhos necessários à adequação de tais parcelamentos ao
regramento legal (art. L. 316-3).
Na Itália as disposições relativas aos delitos urbanísticos são muito
semelhantes às do sistema francês, havendo diferenças com relação às penas
cominadas abstratamente.
A Lei 47, de 28 de fevereiro de 1985 é o principal diploma legal
que trata sobre as normas em matéria de controle da atividade urbanística e
de edificação, sanções, recuperação e adequação das obras irregulares,
simplificando o regramento anterior da matéria, pois remeteu à esfera
administrativa algumas desobediências formais a outros textos normativos
257
.
O artigo 20 da aludida lei traz condutas consideradas
contravenções penais, entre as quais está o parcelamento ilegal de terrenos
com fins de edificação (artigo 20, c), ao qual é cominada não apenas multa de
10 a 100 milhões de liras, mas também prisão de até dois anos.
Na Espanha e na França o bem jurídico protegido pelos delitos
urbanísticos é a ordenação do solo urbano, considerado um bem jurídico
autônomo em relação ao meio ambiente e difuso, pois não possui um titular
concreto, mas alcança a coletividade
258
. na Itália o bem jurídico protegido
é o meio ambiente – que também ostenta natureza difusa - pois o urbanismo é
tratado no contexto ambiental
259
.
O estudo do direito comparado leva à conclusão de que a
criminalização das condutas contrárias à ordenação do solo urbano o é
pacífica e em muito se relaciona à efetividade do direito administrativo para
coibir tais ações ou omissões.
257
DE LA CUESTA ARZAMENDI, José Luis. op. cit., p. 205-206.
258
RODRÍGUEZ LÓPEZ, Pedro. op. cit., p. 93.
259
PRADO, Luiz Regis. Direito penal do ambiente, cit., p. 300.
128
Nos locais em que as normas administrativas não foram suficientes
para reprimir e prevenir a prática das aludidas condutas, houve necessidade
de atuação do Direito Penal.
À luz do direito comparado, no que tange à criminalização de
condutas contrárias à ordenação do solo urbano, observa-se que nosso
ordenamento foi o mais cauteloso na observância dos princípios da
intervenção mínima ou da última ratio.
Nesse aspecto, a nossa legislação limitou-se a criminalizar as
condutas de parcelamento ilegal do solo urbano, consideradas entre as mais
graves violações à ordenação do território, bem como condutas que objetivam
a proteção do solo como recurso natural. Diversamente do que ocorreu no
Direito Francês, Italiano e Espanhol, não foram consideradas crimes condutas
mais brandas praticadas contra a ordenação urbana.
Por outro lado, a nossa legislação é a que prevê as penas mais
graves para a infração penal de parcelamento ilegal do solo urbano, pois além
da multa, estabelece pena privativa de liberdade que pode chegar a cinco
anos, na hipótese de delitos qualificados.
129
CONCLUSÃO
O principal objetivo deste trabalho foi realizar estudo da Lei
6.766/79 em harmonia com a Constituição Federal de 1988, partindo-se do
pressuposto de que as disposições penais da aludida lei apenas poderiam
continuar a ser aplicadas se fossem recepcionadas pela nova ordem
constitucional.
Tal enfoque é importante, pois a maioria dos estudos realizados
sobre a matéria são anteriores à atual Constituição Federal, havendo lacuna
na nossa doutrina sobre a repercussão da nova Constituição na legislação
sobre o parcelamento do solo urbano.
Os valores vigentes no nosso ordenamento jurídico, positivados na
Constituição Federal, assim como a realidade urbanística, não deixam
dúvidas de que é necessária a manutenção da incriminação do parcelamento
ilegal do solo urbano.
Por ora, não como se abrir mão da intervenção do Direito Penal
nesta seara, pois este atua como importante meio de controle social, além de
ser ferramenta valiosa no combate ao desrespeito às diretrizes urbanísticas.
Isso porque tais condutas, além de atingirem os interesses dos
adquirentes de lotes e o poder de polícia da administração blica,
prejudicam o desenvolvimento das cidades e o meio ambiente artificial,
violando, por conseguinte, o meio ambiente em sentido amplo, diante das
intersecções entre as diversas facetas desse bem jurídico difuso.
O destaque que os bens jurídicos penais difusos possuem na
atualidade se deve à constatação de que algumas condutas ilícitas atingem
130
não apenas um indivíduo, mas todas as pessoas de forma indeterminada, o
que revela a sua importância dentro de uma sociedade.
Diante dessa visão, bem como dos preceitos da Constituição
Federal de 1988 que visam a proteger o desenvolvimento das cidades e o
meio ambiente artificial, não como se sustentar que o bem jurídico
protegido pelos delitos urbanísticos na nova ordem constitucional é a
administração pública.
Ainda que os delitos urbanísticos tragam condutas lesivas ao poder
de polícia urbanístico da administração pública, na verdade, após a
conscientização sobre a importância dos interesses difusos, que refletiu nos
preceitos da Constituição Federal de 1988, e culminou com a promulgação da
Lei das Ações Civis Públicas e da Lei dos Crimes Ambientais, evidenciou-se
que o aspecto principal protegido pelos delitos urbanísticos é a proteção do
meio ambiente contra as agressões urbanísticas.
Definido que os dispositivos penais da Lei do Parcelamento do
Solo Urbano estão em vigor, foram analisados os aspectos considerados mais
importantes para que esses delitos cumpram a sua função principal de
proteger o meio ambiente: o fato típico e a forma de apuração dessas
infrações penais.
O estudo do fato típico nos delitos urbanísticos evidenciou que os
tipos penais possuem redação inadequada, com muitas palavras repetitivas e
termos imprecisos que confundem o aplicador, máxime porque os delitos são
previstos de forma ampla, mediante elementos normativos e normas penais
em branco, rmula que, não obstante o que foi dito, é inafastável, devido à
multidisciplinariedade que envolve o tema.
131
Se não é possível prescindir de elementos normativos e normas
penais em branco, a redação desses tipos penais deve ser revista para
melhorar a sua clareza em atenção ao postulado da determinação taxativa,
ressaltando-se que muito embora as atuais normas urbanísticas possuam
falhas, tais deficiências não chegam ao ponto de inviabilizar a sua aplicação.
Conclui-se, também, que em razão das mencionadas características
dos tipos penais dos delitos urbanísticos, o ideal é que eles permaneçam em
lei específica sobre o parcelamento do solo urbano, o que facilita a
complementação da descrição pica, pois muitas das normas complementares
se localizam naquela lei.
O capítulo que analisa o fato pico apresenta algumas sugestões a
fim de refinar a redação dos tipos penais, aperfeiçoando o regramento sobre o
assunto, para melhor delimitar os contornos dos comportamentos
incriminados.
Toda a discussão sobre o bem jurídico protegido e o fato típico não
terá utilidade se a apuração desses delitos não ocorrer de forma rápida e
efetiva, concluindo-se que o inquérito civil é o instrumento mais adequado a
tal objetivo.
Indubitável, pois, que a atuação do Direito Penal é necessária no
âmbito urbanístico, para mediante a aplicação das penas aos infratores das
normas urbanísticas reprimir e prevenir tais delitos contribuindo para a
proteção do meio ambiente, bem jurídico penal que se destaca justamente por
envolver interesses que atingem toda a coletividade, notadamente as futuras
gerações que contam com a consciência e atuação no presente para que no
futuro possam ter uma vida ecologicamente equilibrada.
132
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141
ANEXOS
142
ANEXO 1
Presidência da República
Casa Civil
Subchefia para Assuntos Jurídicos
LEI N
o
6.766, DE 19 DE DEZEMBRO DE 1979.
Dispõe sobre o Parcelamento do Solo Urbano e
outras Providências.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA: Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu
sanciono a seguinte Lei:
Art. 1º - O parcelamento do solo para fins urbanos será regido por esta Lei.
Parágrafo único. Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão estabelecer normas
complementares relativas ao parcelamento do solo municipal para adequar o previsto nesta Lei às
peculiaridades regionais e locais.
CAPÍTULO I
Disposições Preliminares
Art. - O parcelamento do solo urbano poderá ser feito mediante loteamento ou
desmembramento, observadas as disposições desta Lei e as das legislações estaduais e
municipais pertinentes.
§ - Considera-se loteamento a subdivisão de gleba em lotes destinados a edificação, com
abertura de novas vias de circulação, de logradouros públicos ou prolongamento, modificação ou
ampliação das vias existentes.
§ 2º - considera-se desmembramento a subdivisão de gleba em lotes destinados a edificação,
com aproveitamento do sistema viário existente, desde que não implique na abertura de novas vias
e logradouros públicos, nem no prolongamento, modificação ou amplicação dos já existentes.
§ 3º (VETADO)
(Incluído pela Lei nº 9.785, 29.1.99)
§ Considera-se lote o terreno servido de infra-estrutura básica cujas dimensões atendam
aos índices urbanísticos definidos pelo plano diretor ou lei municipal para a zona em que se
situe.(Incluído pela Lei nº 9.785, 29.1.99)
§ Consideram-se infra-estrutura básica os equipamentos urbanos de escoamento das
águas pluviais, iluminação pública, redes de esgoto sanitário e abastecimento de água potável, e
de energia elétrica blica e domiciliar e as vias de circulação pavimentadas ou não.(Incluído pela
Lei nº 9.785, 29.1.99)
§ 5
o
A infra-estrutura básica dos parcelamentos é constituída pelos equipamentos urbanos de
escoamento das águas pluviais, iluminação pública, esgotamento sanitário, abastecimento de água
potável, energia elétrica pública e domiciliar e vias de circulação. (Redação dada pela Lei nº
11.445, de 2007).
§ A infra-estrutura básica dos parcelamentos situados nas zonas habitacionais declaradas
por lei como de interesse social (ZHIS) consistirá, no mínimo, de: (Incluído pela Lei 9.785,
29.1.99)
I - vias de circulação; (Incluído pela Lei nº 9.785, 29.1.99)
143
II - escoamento das águas pluviais; (Incluído pela Lei nº 9.785, 29.1.99)
III - rede para o abastecimento de água potável; e(Incluído pela Lei nº 9.785, 29.1.99)
IV - soluções para o esgotamento sanitário e para a energia elétrica domiciliar.(Incluído pela
Lei nº 9.785, 29.1.99)
Art. Somente será admitido o parcelamento do solo para fins urbanos em zonas urbanas,
de expansão urbana ou de urbanização específica, assim definidas pelo plano diretor ou
aprovadas por lei municipal. (NR) (Redação dada pela Lei nº 9.785, 29.1.99)
Parágrafo único. Não será permitido o parcelamento do solo:
I - em terrenos alagadiços e sujeitos a inundações, antes de tomadas as providências para
assegurar o escoamento das águas;
II - em terrenos que tenham sido aterrados com material nocivo à saúde pública, sem que
sejam previamente saneados;
III - em terreno com declividade igual ou superior a 30% (trinta por cento), salvo se atendidas
exigências específicas das autoridades competentes;
IV - em terrenos onde as condições geológicas não aconselham a edificação;
V - em áreas de preservação ecológica ou naquelas onde a poluição impeça condições
sanitárias suportáveis, até a sua correção.
CAPÍTULO II
Dos Requisitos Urbanísticos para Loteamento
Art. 4º - Os loteamentos deverão atender, pelo menos, aos seguintes requisitos:
I - as áreas destinadas a sistemas de circulação, a implantação de equipamento urbano e
comunitário, bem como a espaços livres de uso público, serão proporcionais à densidade de
ocupação prevista pelo plano diretor ou aprovada por lei municipal para a zona em que se situem.
(Redação dada pela Lei nº 9.785, 29.1.99)
II - os lotes terão área mínima de 125 m2 (cento e vinte e cinco metros quadrados) e frente
mínima de 5 (cinco) metros, salvo quando a legislação estadual ou municipal determinar maiores
exigências, ou quando o loteamento se destinar a urbanização específica ou edificação de
conjuntos habitacionais de interesse social, previamente aprovados pelos órgãos públicos
competentes;
III
- ao longo das águas correntes e dormentes e das faixas de domínio público das rodovias,
ferrovias e dutos, será obrigatória a reserva de uma faixa non aedificandi de 15 (quinze) metros de
cada lado, salvo maiores exigências da legislação específica;
III - ao longo das águas correntes e dormentes e das faixas de domínio público das rodovias e
ferrovias, será obrigatória a reserva de uma faixa não-edificável de 15 (quinze) metros de cada
lado, salvo maiores exigências da legislação específica; (Redação dada pela Lei 10.932, de
2004)
IV - as vias de loteamento deverão articular-se com as vias adjacentes oficiais, existentes ou
projetad (as, e harmonizar-se com a topografia local.
§ 1º A legislação municipal definirá, para cada zona em que se dívida o território do Município,
os usos permitidos e os índices urbanísticos de parcelamento e ocupação do solo, que incluirão,
obrigatoriamente, as áreas mínimas e máximas de lotes e os coeficientes máximos de
aproveitamento. (Redação dada pela Lei nº 9.785, 29.1.99)
§ - Consideram-se comunitários os equipamentos públicos de educação, cultura, saúde,
lazer e similares.
144
§ 3
o
Se necessária, a reserva de faixa não-edificável vinculada a dutovias será exigida no
âmbito do respectivo licenciamento ambiental, observados critérios e parâmetros que garantam a
segurança da população e a proteção do meio ambiente, conforme estabelecido nas normas
técnicas pertinentes. (Incluído pela Lei nº 10.932, de 2004)
Art. 5º - O Poder Público competente poderá complementarmente exigir, em cada loteamento,
a reserva de faixa non aedificandi destinada a equipamentos urbanos.
Parágrafo único. Consideram-se urbanos os equipamentos públicos de abastecimento de
água, serviços de esgotos, energia elétrica, coletas de águas pluviais, rede telefônica e gás
canalizado.
CAPÍTULO III
Do Projeto de Loteamento
Art. - Antes da elaboração do projeto de loteamento, o interessado deverá solicitar à
Prefeitura Municipal, ou ao Distrito Federal quando for o caso, que defina as diretrizes para o uso
do solo, traçado dos lotes, do sistema viário, dos espaços livres e das áreas reservadas para
equipamento urbano e comunitário, apresentando, para este fim, requerimento e planta do imóvel
contendo, pelo menos:
I - as divisas da gleba a ser loteada;
II - as curvas de nível a distância adequada, quando exigidas por lei estadual ou municipal;
III - a localização dos cursos d'água, bosques e construções existentes;
IV - a indicação dos arruamentos contíguos a todo o perímetro, a localização das vias de
comunicação, das áreas livres, dos equipamentos urbanos e comunitários, existentes no local ou
em suas adjacências, com as respectivas distâncias da área a ser loteada;
V - o tipo de uso predominante a que o loteamento se destina;
VI - as características, dimensões e localização das zonas de uso contíguas.
Art. - A Prefeitura Municipal, ou o Distrito Federal quando for o caso, indicará, nas plantas
apresentadas junto com o requerimento, de acordo com as diretrizes de planejamento estadual e
municipal:
I - as ruas ou estradas existentes ou projetadas, que compõem o sistema viário da cidade e
do Município relacionadas com o loteamento pretendido e a serem respeitadas;
II - o traçado básico do sistema viário principal;
III - a localização aproximada dos terrenos destinados a equipamento urbano e comunitário e
das áreas livres de uso público;
IV - as faixas sanitárias do terreno necessárias ao escoamento das águas pluviais e as faixas
não edificáveis;
V - a zona ou zonas de uso predominante da área, com indicação dos usos compatíveis.
Parágrafo único. As diretrizes expedidas vigorarão pelo prazo máximo de quatro anos.
(Redação dada pela Lei nº 9.785, 29.1.99)
Art. Os Municípios com menos de cinqüenta mil habitantes e aqueles cujo plano diretor
contiver diretrizes de urbanização para a zona em que se situe o parcelamento poderão dispensar,
por lei, a fase de fixação de diretrizes previstas nos arts. 6º e desta Lei. (Redação dada pela Lei
nº 9.785, 29.1.99)
Art. Orientado pelo traçado e diretrizes oficiais, quando houver, o projeto, contendo
desenhos, memorial descritivo e cronograma de execução das obras com duração máxima de
quatro anos, será apresentado à Prefeitura Municipal, ou ao Distrito Federal, quando for o caso,
145
acompanhado de certidão atualizada da matrícula da gleba, expedida pelo Cartório de Registro de
Imóveis competente, de certidão negativa de tributos municipais e do competente instrumento de
garantia, ressalvado o disposto no § 4º do art. 18. (Redação dada pela Lei nº 9.785, 29.1.99)
§ 1º - Os desenhos conterão pelo menos:
I - a subdivisão das quadras em lotes, com as respectivas dimensões e numeração;
II - o sistema de vias com a respectiva hierarquia;
III - as dimensões lineares e angulares do projeto, com raios, cordas, arcos, ponto de
tangência e ângulos centrais das vias;
IV - os perfis longitudinais, e transversais de todas as vias de circulação e praças;
V - a indicação dos marcos de alinhamento e nivelamento localizados nos ângulos de curvas
e vias projetadas;
VI - a indicação em planta e perfis de todas as linhas de escoamento das águas pluviais.
§ 2º - O memorial descritivo deverá conter, obrigatoriamente, pelo menos:
I - a descrição sucinta do loteamento, com as suas características e a fixação da zona ou
zonas de uso predominante;
II - as condições urbanísticas do loteamento e as limitações que incidem sobre os lotes e suas
construções, além daquelas constantes das diretrizes fixadas;
III - a indicação das áreas públicas que passarão ao domínio do Município no ato de registro
do loteamento;
IV - a enumeração dos equipamentos urbanos, comunitários e dos serviços públicos ou de
utilidade pública, já existentes no loteamento e adjacências.
§ 3º Caso se constate, a qualquer tempo, que a certidão da matrícula apresentada como atual
não tem mais correspondência com os registros e averbações cartorárias do tempo da sua
apresentação, além das conseqüências penais cabíveis, serão consideradas insubsistentes tanto
as diretrizes expedidas anteriormente, quanto as aprovações conseqüentes. (Incluído pela Lei
9.785, 29.1.99)
CAPÍTULO IV
Do Projeto de Desmembramento
Art. 10. Para a aprovação de projeto de desmembramento, o interessado apresentará
requerimento à Prefeitura Municipal, ou ao Distrito Federal quando for o caso, acompanhado de
certidão atualizada da matrícula da gleba, expedida pelo Cartório de Registro de Imóveis
competente, ressalvado o disposto no § do art. 18, e de planta do imóvel a ser desmembrado
contendo:(Redação dada pela Lei nº 9.785, 29.1.99)
I - a indicação das vias existentes e dos loteamentos próximos;
II - a indicação do tipo de uso predominante no local;
III - a indicação da divisão de lotes pretendida na área.
Art. 11. Aplicam-se ao desmembramento, no que couber, as disposições urbanísticas
vigentes para as regiões em que se situem ou, na ausência destas, as disposições urbanísticas
para os loteamentos. (NR) (Redação dada pela Lei nº 9.785, 29.1.99)
Parágrafo único. O Município, ou o Distrito Federal quando for o caso, fixará os requisitos
exigíveis para a aprovação de desmembramento de lotes decorrentes de loteamento cuja
destinação da área pública tenha sido inferior à mínima prevista no § 1º do art. 4º desta Lei.
146
CAPÍTULO V
Da Aprovação do Projeto de Loteamento e Desmembramento
Art. 12 - O projeto de loteamento e desmembramento deverá ser aprovado pela Prefeitura
Municipal, ou pelo Distrito Federal quando for o caso, a quem compete também a fixação das
diretrizes a que aludem os artigos 6º e 7º desta Lei, salvo a exceção prevista no artigo seguinte.
Parágrafo único. O projeto aprovado deverá ser executado no prazo constante do cronograma
de execução, sob pena de caducidade da aprovação. (Incluído pela Lei nº 9.785, 29.1.99)
Art. 13. Aos Estados caberá disciplinar a aprovação pelos Municípios de loteamentos e
desmembramentos nas seguintes condições: (Redação dada pela Lei nº 9.785, 29.1.99)
I - quando localizados em áreas de interesse especial, tais como as de proteção aos
mananciais ou ao patrimônio cultural, histórico, paisagístico e arqueológico, assim definidas por
legislação estadual ou federal;
II - quando o loteamento ou desmembramento localizar-se em área limítrofe do Município, ou
que pertença a mais de um Município, nas regiões metropolitanas ou em aglomerações urbanas,
definidas em lei estadual ou federal;
III - quando o loteamento abranger área superior a 1.000.000 m2 (um milhão de metros
quadrados).
Parágrafo único. No caso de loteamento ou desmembramento localizado em área de
Município integrante de região metropolitana, o exame e a anuência prévia à aprovação do projeto
caberão à autoridade metropolitana.
Art. 14 - Os Estados definirão, por decreto, as áreas de proteção especial, previstas no inciso
I do artigo anterior.
Art. 15 - Os Estados estabelecerão, por decreto, as normas a que deverão submeter-se os
projetos de loteamento e desmembramento nas áreas previstas no art. 13, observadas as
disposições desta Lei.
Parágrafo único. Na regulamentação das normas previstas neste artigo, o Estado procurará
atender às exigências urbanísticas do planejamento municipal.
Art. 16. A lei municipal definirá os prazos para que um projeto de parcelamento apresentado
seja aprovado ou rejeitado e para que as obras executadas sejam aceitas ou recusadas.(Redação
dada pela Lei nº 9.785, 29.1.99)
§ Transcorridos os prazos sem a manifestação do Poder Público, o projeto será
considerado rejeitado ou as obras recusadas, assegurada a indenização por eventuais danos
derivados da omissão. (Incluído pela Lei nº 9.785, 29.1.99)
§ Nos Municípios cuja legislação for omissa, os prezes serão de noventa dias para a
aprovação ou rejeição e de sessenta dias para a aceitação ou recusa fundamentada das obras de
urbanização." (Incluído pela Lei nº 9.785, 29.1.99)
Art. 17 - Os espaços livres de uso comum, as vias e praças, as áreas destinadas a edifícios
públicos e outros equipamentos urbanos, constantes do projeto e do memorial descritivo, não
poderão ter sua destinação alterada pelo loteador, desde a aprovação do loteamento, salvo as
hipóteses de caducidade da licença ou desistência do loteador, sendo, neste caso, observadas as
exigências do art. 23 desta Lei.
CAPÍTULO VI
Do Registro do Loteamento e Desmembramento
Art. 18 - Aprovado o projeto de loteamento ou de desmembramento, o loteador deverá
submetê-lo ao Registro Imobiliário dentro de 180 (cento e oitenta) dias, sob pena de caducidade da
aprovação, acompanhado dos seguintes documentos:
147
I - título de propriedade do imóvel ou certidão da matrícula, ressalvado o disposto nos §§ e
5º; (NR) (Redação dada pela Lei nº 9.785, 29.1.99)
II - histórico dos títulos de propriedade do imóvel, abrangendo os últimos 20 (vinte) anos,
acompanhado dos respectivos comprovantes;
III - certidões negativas:
a) de tributos federais, estaduais e municipais incidentes sobre o imóvel;
b) de ações reais referentes ao imóvel, pelo período de 10 (dez) anos;
c) de ações penais com respeito ao crime contra o patrimônio e contra a Administração
Pública;
IV - certidões:
a) dos Cartórios de Protestos de Títulos, em nome do loteador, pelo período de 10 (dez) anos;
b) de ações pessoais relativas ao loteador, pelo período de 10 (dez) anos;
c) de ônus reais relativos ao imóvel;
d) de ações penais contra o loteador, pelo período de 10 (dez) anos;
V - cópia do ato de aprovação do loteamento e comprovante do termo de verificação pela
Prefeitura Municipal ou pelo Distrito Federal, da execução das obras exigidas por legislação
municipal, que incluirão, no mínimo, a execução das vias de circulação do loteamento,
demarcação dos lotes, quadras e logradouros e das obras de escoamento das águas pluviais ou
da, aprovação de um cronograma, com a duração máxima de quatro anos, acompanhado de
competente instrumento de garantia para a execução das obras; (Redação dada pela Lei 9.785,
29.1.99)
VI - exemplar do contrato-padrão de promessa de venda, ou de cessão ou de promessa de
cessão, do qual constarão obrigatoriamente as indicações previstas no art. 26 desta Lei;
VII - declaração do cônjuge do requerente de que consente no registro do loteamento.
§ 1º - Os períodos referidos nos incisos III, b e IV, a, b e d, tomarão por base a data do pedido
de registro do loteamento, devendo todas elas ser extraídas em nome daqueles que, nos
mencionados períodos, tenham sido titulares de direitos reais sobre o imóvel.
§ - A existência de protestos, de ações pessoais ou de ações penais, exceto as referentes
a crime contra o patrimônio e contra a administração, não impedirá o registro do loteamento se o
requerente comprovar que esses protestos ou ões não poderão prejudicar os adquirentes dos
lotes. Se o oficial do registro de imóveis julgar insuficiente a comprovação feita, suscitará a dúvida
perante o juiz competente.
§ - A declaração a que se refere o inciso VII deste artigo não dispensará o consentimento
do declarante para os atos de alienação ou promessa de alienação de lotes, ou de direitos a eles
relativos, que venham a ser praticados pelo seu cônjuge.
§ O título de propriedade será dispensado quando se tratar de parcelamento popular,
destinado as classes de menor renda, em imóvel declaração de utilidade pública, com processo de
desapropriação judicial em curso e imissão provisória na posse, desde que promovido pela União,
Estados, Distrito Federal, Municípios ou suas entidades delegadas, autorizadas por lei a implantar
projetos de habitação. (Incluído pela Lei nº 9.785, 29.1.99)
§ No caso de que trata o § 4º, o pedido de registro do parcelamento, além dos documentos
mencionados nos incisos V e VI deste artigo, será instruído com cópias autênticas da decisão que
tenha concedido a imissão provisória na posse, do decreto de desapropriação, do comprovante de
sua publicação na imprensa oficial e, quando formulado por entidades delegadas, da lei de criação
e de seus atos constitutivos. (Incluído pela Lei nº 9.785, 29.1.99)
148
Art. 19 - Examinada a documentação e encontrada em ordem, o oficial do registro de imóveis
encaminhará comunicação à Prefeitura e fará publicar, em resumo e com pequeno desenho de
localização da área, edital do pedido de registro em 3 (três) dias consecutivos, podendo este ser
impugnado no prazo de 15 (quinze) dias contados da data da última publicação.
§ 1º - Findo o prazo sem impugnação, será feito imediatamente o registro. Se houver
impugnação de terceiros, o oficial do registro de imóveis intimará o requerente e a Prefeitura
Municipal, ou o Distrito Federal quando for o caso, para que sobre ela se manifestem no prazo de 5
(cinco) dias, sob pena de arquivamento do processo. Com tais manifestações o processo será
enviado ao juiz competente para decisão.
§ - Ouvido o Ministério Público no prazo de 5 (cinco) dias, o juiz decidirá de plano ou após
instrução sumária, devendo remeter ao interessado as vias ordinárias caso a matéria exija maior
indagação.
§ - Nas capitais, a publicação do edital se fará no Diário Oficial do Estado e num dos
jornais de circulação diária. Nos demais Municípios, a publicação se fará apenas num dos jornais
locais, se houver, ou, não havendo, em jornal da região.
§ - O oficial do registro de imóveis que efetuar o registro em desacordo com as exigências
desta Lei ficará sujeito a multa equivalente a 10 (dez) vezes os emolumentos regimentais fixados
para o registro, na época em que for aplicada a penalidade pelo juiz corregedor do cartório, sem
prejuízo das sanções penais e administrativas cabíveis.
§ - Registrado o loteamento, o oficial de registro comunicará, por certidão, o seu registro à
Prefeitura.
Art. 20 - O registro do loteamento será feito, por extrato, no livro próprio.
Parágrafo único. No Registro de Imóveis far-se-á o registro do loteamento, com uma
indicação para cada lote, a averbação das alterações, a abertura de ruas e praças e as áreas
destinadas a espaços livres ou a equipamentos urbanos.
Art. 21 - Quando a área loteada estiver situada em mais de uma circunscrição imobiliária, o
registro será requerido primeiramente perante aquela em que estiver localizada a maior parte da
área loteada. Procedido o registro nessa circunscrição, o interessado requererá, sucessivamente,
o registro do loteamento em cada uma das demais, comprovando perante cada qual o registro
efetuado na anterior, até que o loteamento seja registrado em todas. Denegado o registro em
qualquer das circunscrições, essa decisão será comunicada, pelo oficial do registro de imóveis, às
demais para efeito de cancelamento dos registros feitos, salvo se ocorrer a hipótese prevista no §
4º deste artigo.
§ 1º - Nenhum lote poderá situar-se em mais de uma circunscrição.
§ - É defeso ao interessado processar simultaneamente, perante diferentes circunscrições,
pedidos de registro do mesmo loteamento, sendo nulos os atos praticados com infração a esta
norma.
§ - Enquanto não procedidos todos os registros de que trata este artigo, considerar-se-á o
loteamento como não registrado para os efeitos desta Lei.
§ - O indeferimento do registro do loteamento em uma circunscrição não determinará o
cancelamento do registro procedido em outra, se o motivo do indeferimento naquela não se
estender à área situada sob a competência desta, e desde que o interessado requeira a
manutenção do registro obtido, submetido o remanescente do loteamento a uma aprovação prévia
perante a Prefeitura Municipal, ou o Distrito Federal quando for o caso.
Art. 22 - Desde a data de registro do loteamento, passam a integrar o domínio do Município as
vias e praças, os espaços, livres e as áreas destinadas a edifícios públicos e outros equipamentos
urbanos, constantes do projeto e do memorial descritivo.
Art. 23 - O registro do loteamento só poderá ser cancelado:
149
I - por decisão judicial;
II - a requerimento do loteador, com anuência da Prefeitura, ou do Distrito Federal quando for
o caso, enquanto nenhum lote houver sido objeto de contrato;
III - a requerimento conjunto do loteador e de todos os adquirentes de lotes, com anuência da
Prefeitura, ou do Distrito Federal quando for o caso, e do Estado.
§ 1º - A Prefeitura e o Estado só poderão se opor ao cancelamento se disto resultar
inconveniente comprovado para o desenvolvimento urbano ou se se tiver realizado qualquer
melhoramento na área loteada ou adjacências.
§ - Nas hipóteses dos incisos II e III, o oficial do registro de imóveis fará publicar, em
resumo, edital do pedido de cancelamento, podendo este ser impugnado no prazo de 30 (trinta)
dias contados da data da última publicação. Findo esse prazo, com ou sem impugnação, o
processo será remetido ao juiz competente para homologação do pedido de cancelamento, ouvido
o Ministério Público.
§ - A homologação de que trata o parágrafo anterior será precedida de vistoria judicial
destinada a comprovar a inexistência de adquirentes instalados na área loteada.
Art. 24 - O processo de loteamento e os contratos depositados em cartório poderão ser
examinados por qualquer pessoa, a qualquer tempo, independentemente do pagamento de custas
ou emolumentos, ainda que a título de busca.
CAPÍTULO VII
Dos Contratos
Art. 25 - São irretratáveis os compromissos de compra e venda, cessões e promessas de
cessão, os que atribuam direito a adjudicação compulsória e, estando registrados, confiram direito
real oponível a terceiros.
Art. 26 - Os compromissos de compra e venda, as cessões ou promessas de cessão poderão
ser feitos por escritura pública ou por instrumento particular, de acordo com o modelo depositado
na forma do inciso VI do art. 18 e conterão, pelo menos, as seguintes indicações:
I - nome, registro civil, cadastro fiscal no Ministério da Fazenda, nacionalidade, estado civil e
residência dos contratantes;
II - denominação e situação do loteamento, número e data da inscrição;
III - descrição do lote ou dos lotes que forem objeto de compromissos, confrontações, área e
outras características;
IV - preço, prazo, forma e local de pagamento bem como a importância do sinal;
V - taxa de juros incidentes sobre o débito em aberto e sobre as prestações vencidas e não
pagas, bem como a cláusula penal, nunca excedente a 10% (dez por cento) do débito e só exigível
nos casos de intervenção judicial ou de mora superior a 3 (três) meses;
VI - indicação sobre a quem incumbe o pagamento dos impostos e taxas incidentes sobre o
lote compromissado;
VII - declaração das restrições urbanísticas convencionais do loteamento, supletivas da
legislação pertinente.
§ - O contrato deverá ser firmado em três vias ou extraído em três traslados, sendo um
para cada parte e o terceiro para arquivo no registro imobiliário, após o registro e anotações
devidas.
§ - Quando o contrato houver sido firmado por procurador de qualquer das partes, será
obrigatório o arquivamento da procuração no Registro Imobiliário.
150
§ Admite-se, nos parcelamentos populares, a cessão da posse em que estiverem
provisoriamente imitidas a União, Estados, Distrito Federal, Municípios e suas entidades
delegadas, o que poderá ocorrer por instrumento particular, ao qual se atribui, para todos os fins de
direito, caráter de escritura pública, não se aplicando a disposição do inciso II do art. 134 do
Código Civil. (Incluído pela Lei nº 9.785, 29.1.99)
§ A cessão da posse referida no § 3º, cumpridas as obrigações do cessionário, constitui
crédito contra o expropriante, de aceitação obrigatória em garantia de contratos de financiamentos
habitacionais. (Incluído pela Lei nº 9.785, 29.1.99)
§ Com o registro da sentença que, em processo de desapropriação, fixar o valor da
indenizão, a posse referida no § converter-se-á em propriedade e a sua cessão, em
compromisso de compra e venda ou venda e compra, conforme haja obrigações a cumprir ou
estejam elas cumpridas, circunstância que, demonstradas ao Registro de Imóveis, serão
averbadas na matrícula relativa ao lote. (Incluído pela Lei nº 9.785, 29.1.99)
§ Os compromissos de compra e venda, as cessões e as promessas de cessão valerão
como título para o registro da propriedade do lote adquirido, quando acompanhados da respectiva
prova de quitação. (Incluído pela Lei nº 9.785, 29.1.99)
Art. 27 - Se aquele que se obrigou a concluir contrato de promessa de venda ou de cessão
não cumprir a obrigação, o credor poderá notificar o devedor para outorga do contrato ou
oferecimento de impugnação no prazo de 15 (quinze) dias, sob pena de proceder-se ao registro do
pré contrato, passando as relações entre as partes a serem regidas pelo contrato-padrão.
§ - Para fins deste artigo, terão o mesmo valor de pré-contrato a promessa de cessão, a
proposta de compra, a reserva de lote ou qualquer outro instrumento, do qual conste a
manifestação da vontade das partes, a indicação do lote, o preço e modo de pagamento, e a
promessa de contratar.
§ - O registro de que trata este artigo não será procedido se a parte que o requereu não
comprovar haver cumprido a sua prestação, nem a oferecer na forma devida, salvo se ainda não
exigível.
§ 3º - Havendo impugnação daquele que se comprometeu a concluir o contrato, observar-se-á
o disposto nos artigos 639 e 640 do Código de Processo Civil.
Art. 28 - Qualquer alteração ou cancelamento parcial do loteamento registrado dependerá de
acordo entre o loteador e os adquirentes de lotes atingidos pela alteração, bem como da
aprovação pela Prefeitura Municipal, ou do Distrito Federal quando for o caso, devendo ser
depositada no Registro de Imóveis, em complemento ao projeto original, com a devida averbação.
Art. 29 - Aquele que adquirir a propriedade loteada mediante ato inter vivos, ou por sucessão
causa mortis, sucederá o transmitente em todos os seus direitos e obrigações, ficando obrigado a
respeitar os compromissos de compra e venda ou as promessas de cessão, em todas as suas
cláusulas, sendo nula qualquer disposição em contrário, ressalvado o direito do herdeiro ou
legatário de renunciar à herança ou ao legado.
Art. 30 - A sentença declaratória de falência ou da insolvência de qualquer das partes não
rescindirá os contratos de compromisso de compra e venda ou de promessa de cessão que
tenham por objeto a área loteada ou lotes da mesma. Se a falência ou insolvência for do
proprietário da área loteada ou do titular de direito sobre ela, incumbirá ao síndico ou ao
administrador dar cumprimento aos referidos contratos; se do adquirente do lote, seus direitos
serão levados à praça.
Art. 31 - O contrato particular pode ser transferido por simples trespasse, lançado no verso
das vias em poder das partes, ou por instrumento em separado, declarando-se o número do
registro do loteamento, o valor da cessão e a qualificação do cessionário, para o devido registro.
§ - A cessão independe da anuência do loteador, mas, em relação a este, seus efeitos
se produzem depois de cientificado, por escrito, pelas partes ou quando registrada a cessão.
151
§ - Uma vez registrada a cessão, feita sem anuência do loteador, o oficial do registro dar-
lhe-á ciência, por escrito, dentro de 10 (dez) dias.
Art. 32 - Vencida e não paga a prestação, o contrato será considerado rescindido 30 (trinta)
dias depois de constituído em mora o devedor.
§ - Para os fins deste artigo o devedor-adquirente será intimado, a requerimento do credor,
pelo oficial do registro de imóveis, a satisfazer as prestações vencidas e as que se vencerem até a
data do pagamento, os juros convencionados e as custas de intimação.
§ 2º - Purgada a mora, convalescerá o contrato.
§ - Com a certidão de não haver sido feito o pagamento em cartório, o vendedor requererá
ao oficial do registro o cancelamento da averbação.
Art. 33 - Se o credor das prestações se recusar a recebê-las ou furtar se ao seu recebimento,
será constituído em mora mediante notificação do oficial do registro de imóveis para vir receber as
importâncias depositadas pelo devedor no próprio Registro de Imóveis. Decorridos 15 (quinze) dias
após o recebimento da intimação, considerar-se-á efetuado o pagamento, a menos que o credor
impugne o depósito e, alegando inadimplemento do devedor, requeira a intimação deste para os
fins do disposto no art. 32 desta Lei.
Art. 34 - Em qualquer caso de rescisão por inadimplemento do adquirente, as benfeitorias
necessárias ou úteis por ele levadas a efeito no imóvel deverão ser indenizadas, sendo de nenhum
efeito qualquer disposição contratual em contrário.
Parágrafo único. Não serão indenizadas as benfeitorias feitas em desconformidade com o
contrato ou com a lei.
Art. 35 - Ocorrendo o cancelamento do registro por inadimplemento do contrato e tendo
havido o pagamento de mais de um terço do preço ajustado, o oficial do registro de imóveis
mencionará este fato no ato do cancelamento e a quantia paga; somente será efetuado novo
registro relativo ao mesmo lote, se for comprovada a restituição do valor pago pelo vendedor ao
titular do registro cancelado, ou mediante depósito em dinheiro à sua disposição junto ao Registro
de Imóveis.
§ - Ocorrendo o depósito a que se refere este artigo, o oficial do registro de imóveis
intimará o interessado para vir recebê-lo no prazo de 10 (dez) dias, sob pena de ser devolvido ao
depositante.
§ 2º - No caso de não ser encontrado o interessado, o oficial do registro de imóveis depositará
a quantia em estabelecimento de crédito, segundo a ordem prevista no inciso I do art. 666 do
Código de Processo Civil, em conta com incidência de juros e correção monetária.
Art. 36 - O registro do compromisso, cessão ou promessa de cessão poderá ser
cancelado:
I - por decisão judicial;
II - a requerimento conjunto das partes contratantes;
III - quando houver rescisão comprovada do contrato.
CAPÍTULO VIII
Disposições Gerais
Art. 37 - É vedado vender ou prometer vender parcela de loteamento ou desmembramento
não registrado.
Art. 38 - Verificado que o loteamento ou desmembramento não se acha registrado ou
regularmente executado ou notificado pela Prefeitura Municipal, ou pelo Distrito Federal quando for
o caso, deverá o adquirente do lote suspender o pagamento das prestações restantes e notificar o
loteador para suprir a falta.
152
§ - Ocorrendo a suspensão do pagamento das prestações restantes, na forma do caput
deste artigo, o adquirente efetuará o depósito das prestações devidas junto ao Registro de Imóveis
competente, que as depositará em estabelecimento de crédito, segundo a ordem prevista no inciso
I do art. 666 do Código de Processo Civil, em conta com incidência de juros e correção monetária,
cuja movimentação dependerá de prévia autorizão judicial.
§ - A Prefeitura Municipal, ou o Distrito Federal quando for o caso, ou o Ministério Público,
poderá promover a notificação ao loteador prevista no caput deste artigo.
§ - Regularizado o loteamento pelo loteador, este promoverá judicialmente a autorização
para levantar as prestações depositadas, com os acréscimos de correção monetária e juros, sendo
necessária a citação da Prefeitura, ou do Distrito Federal quando for o caso, para integrar o
processo judicial aqui previsto, bem como audiência do Ministério Público.
§ - Após o reconhecimento judicial de regularidade do loteamento, o loteador notificará os
adquirentes dos lotes, por intermédio do Registro de Imóveis competente, para que passem a
pagar diretamente as prestações restantes, a contar da data da notificação.
§ - No caso de o loteador deixar de atender à notificação até o vencimento do prazo
contratual, ou quando o loteamento ou desmembramento for regularizado pela Prefeitura
Municipal, ou pelo Distrito Federal quando for o caso, nos termos do art. 40 desta Lei, o loteador
não poderá, a qualquer título, exigir o recebimento das prestações depositadas.
Art. 39 - Será nula de pleno direito a cláusula de rescisão de contrato por inadimplemento do
adquirente, quando o loteamento não estiver regularmente inscrito.
Art. 40 - A Prefeitura Municipal, ou o Distrito Federal quando for o caso, se desatendida pelo
loteador a notificação, poderá regularizar loteamento ou desmembramento não autorizado ou
executado sem observância das determinações do ato administrativo de licença, para evitar lesão
aos seus padrões de desenvolvimento urbano e na defesa dos direitos dos adquirentes de lotes.
§ 1º - A Prefeitura Municipal, ou o Distrito Federal quando for o caso, que promover a
regularização, na forma deste artigo, obterá judicialmente o levantamento das prestações
depositadas, com os respectivos acréscimos de correção monetária e juros, nos termos do § 1º do
art. 38 desta Lei, a título de ressarcimento das importâncias despendidas com equipamentos
urbanos ou expropriações necessárias para regularizar o loteamento ou desmembramento.
§ - As importâncias despendidas pela Prefeitura Municipal, ou pelo Distrito Federal quando
for o caso, para regularizar o loteamento ou desmembramento, caso não sejam integralmente
ressarcidas conforme o disposto no parágrafo anterior, serão exigidas na parte faltante do loteador,
aplicando-se o disposto no art. 47 desta Lei.
§ - No caso de o loteador não cumprir o estabelecido no parágrafo anterior, a Prefeitura
Municipal, ou o Distrito Federal quando for o caso, poderá receber as prestações dos adquirentes,
até o valor devido.
§ - A Prefeitura Municipal, ou o Distrito Federal quando for o caso, para assegurar a
regularização do loteamento ou desmembramento, bem como o ressarcimento integral de
importâncias despendidas, ou a despender, poderá promover judicialmente os procedimentos
cautelares necessários aos fins colimados.
§ 5º A regularização de um parcelamento pela Prefeitura Municipal, ou Distrito Federal,
quando for o caso, não poderá contrariar o disposto nos arts. e desta Lei, ressalvado o
disposto no § 1º desse último. (Incluído pela Lei nº 9.785, 29.1.99)
Art. 41 - Regularizado o loteamento ou desmembramento pela Prefeitura Municipal, ou pelo
Distrito Federal quando for o caso, o adquirente do lote, comprovando o depósito de todas as
prestações do preço avençado, poderá obter o registro de propriedade do lote adquirido, valendo
para tanto o compromisso de venda e compra devidamente firmado.
153
Art. 42 - Nas desapropriações não serão considerados como loteados ou loteáveis, para fins
de indenização, os terrenos ainda não vendidos ou compromissados, objeto de loteamento ou
desmembramento não registrado.
Art. 43 - Ocorrendo a execução de loteamento não aprovado, a destinação de áreas públicas
exigidas no inciso I do art. desta Lei não se poderá alterar sem prejuízo da aplicação das
sanções administrativas, civis e criminais previstas.
Parágrafo único. Neste caso, o loteador ressarcirá a Prefeitura Municipal ou o Distrito Federal
quando for o caso, em pecúnia ou em área equivalente, no dobro da diferença entre o total das
áreas públicas exigidas e as efetivamente destinadas. (Incluído pela Lei nº 9.785, 29.1.99)
Art. 44 - O Município, o Distrito Federal e o Estado poderão expropriar áreas urbanas ou de
expansão urbana para reloteamento, demolição, reconstrução e incorporação, ressalvada a
preferência dos expropriados para a aquisição de novas unidades.
Art. 45 - O loteador, ainda que tenha vendido todos os lotes, ou os vizinhos, são partes
legítimas para promover ação destinada a impedir construção em desacordo com restrições legais
ou contratuais.
Art. 46 - O loteador não poderá fundamentar qualquer ação ou defesa na presente Lei sem
apresentação dos registros e contratos a que ela se refere.
Art. 47 - Se o loteador integrar grupo econômico ou financeiro, qualquer pessoa física ou
jurídica desse grupo, beneficiária de qualquer forma do loteamento ou desmembramento irregular,
será solidariamente responsável pelos prejuízos por ele causados aos compradores de lotes e ao
Poder Público.
Art. 48 - O foro competente para os procedimentos judiciais previstos nesta Lei será sempre o
da comarca da situação do lote.
Art. 49 - As intimações e notificações previstas nesta Lei deverão ser feitas pessoalmente ao
intimado ou notificado, que assinará o comprovante do recebimento, e poderão igualmente ser
promovidas por meio dos Cartórios de Registro de Títulos e Documentos da comarca da situação
do imóvel ou do domicílio de quem deva recebê-las.
§ - Se o destinatário se recusar a dar recibo ou se furtar ao recebimento, ou se for
desconhecido o seu paradeiro, o funcionário incumbido da diligência informará esta circunstância
ao oficial competente que a certificará, sob sua responsabilidade.
§ - Certificada a ocorrência dos fatos mencionados no parágrafo anterior, a intimação ou
notificação será feita por edital na forma desta Lei, começando o prazo a correr 10 (dez) dias após
a última publicação.
CAPÍTULO IX
Disposições Penais
Art. 50 - Constitui crime contra a Administração Pública:
I - dar início, de qualquer modo, ou efetuar loteamento ou desmembramento do solo para fins
urbanos sem autorização do órgão público competente, ou em desacordo com as disposições
desta Lei ou das normas pertinentes do Distrito Federal, Estados e Municípios;
II - dar início, de qualquer modo, ou efetuar loteamento ou desmembramento do solo para fins
urbanos sem observância das determinações constantes do ato administrativo de licença;
III - fazer, ou veicular em proposta, contrato, prospecto ou comunicação ao público ou a
interessados, afirmação falsa sobre a legalidade de loteamento ou desmembramento do solo para
fins urbanos, ou ocultar fraudulentamente fato a ele relativo.
Pena: Reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa de 5 (cinco) a 50 (cinqüenta) vezes o
maior salário mínimo vigente no País.
154
Parágrafo único. O crime definido neste artigo é qualificado, se cometido:
I - por meio de venda, promessa de venda, reserva de lote ou quaisquer outros instrumentos
que manifestem a intenção de vender lote em loteamento ou desmembramento não registrado no
Registro de Imóveis competente;
II - com inexistência de título legítimo de propriedade do imóvel loteado ou desmembrado,
ressalvado o disposto no art. 18, §§ e 5º, desta Lei, ou com omissão fraudulenta de fato a ele
relativo, se o fato não constituir crime mais grave. (Redação dada pela Lei nº 9.785, 29.1.99)
Pena: Reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa de 10 (dez) a 100 (cem) vezes o maior
salário mínimo vigente no País.
Art. 51 - Quem, de qualquer modo, concorra para a prática dos crimes previstos no artigo
anterior desta Lei incide nas penas a estes cominadas, considerados em especial os atos
praticados na qualidade de mandatário de loteador, diretor ou gerente de sociedade.
Parágrafo único. (VETADO) (Incluído pela Lei nº 9.785, 29.1.99)
Art. 52 - Registrar loteamento ou desmembramento não aprovado pelos órgãos competentes,
registrar o compromisso de compra e venda, a cessão ou promessa de cessão de direitos, ou
efetuar registro de contrato de venda de loteamento ou desmembramento não registrado.
Pena: Detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos, e multa de 5 (cinco) a 50 (cinqüenta) vezes o
maior salário mínimo vigente no País, sem prejuízo das sanções administrativas cabíveis.
CAPÍTULO X
Disposições Finais
Art. 53 - Todas as alterações de uso do solo rural para fins urbanos dependerão de prévia
audiência do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA, do Órgão
Metropolitano, se houver, onde se localiza o Município, e da aprovação da Prefeitura Municipal, ou
do Distrito Federal quando for o caso, segundo as exigências da legislação pertinente.
Art. 53-A. São considerados de interesse público os parcelamentos vinculados a planos ou
programas habitacionais de iniciativa das Prefeituras Municipais e do Distrito Federal, ou entidades
autorizadas por lei, em especial as regularizações de parcelamentos e de assentamentos. (Incluído
pela Lei nº 9.785, 29.1.99)
Parágrafo único. Às ações e intervenções de que trata este artigo não será exigível
documentação que não seja a mínima necessária e indispensável aos registros no cartório
competente, inclusive sob a forma de certidões, vedadas as exigências e as sanções pertinentes
aos particulares, especialmente aquelas que visem garantir a realização de obras e serviços, ou
que visem prevenir questões de domínio de glebas, que se presumirão asseguradas pelo Poder
Público respectivo." (Incluído pela Lei nº 9.785, 29.1.99)
Art. 54 - Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação.
Art. 55 - Revogam-se as disposições em contrário.
Brasília, 19 de dezembro de 1979; 158º da Independência e 91º da República.
JOÃO BAPTISTA DE OLIVEIRA FIGUEIREDO
Petrônio Portella
Mário David Andreazza
Angelo Amaury Stábile
Este texto não substitui o publicado no D.O.U. de 20.12.1979
155
ANEXO 2
Reforma do Código Penal (relatório e anteprojeto de lei)
O Código Penal foi instituído pelo Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940; entrou
em vigor no dia 1º de janeiro de 1942. Inspirara-se no Código Rocco, da Itália.
O texto penal deve traduzir o entendimento da sociedade, no sentido de ajustar-se à
orientação que imprime à conduta dos cidadãos. Cumpre, ademais, antecipar-se a fatos que a
Criminologia, ao estudar os fatores da criminalidade, enseja antever o que deverá acontecer.
O Código Penal precisa responder às exigências de hoje. Aliás, em 1961, o Presidente
Jânio Quadros teve a primeira iniciativa de reformulá-lo. Incumbido de fazê-lo o Ministro Nelson
Hungria. Apresentado o anteprojeto em 1963, promulgado em 1969 para vigorar a partir de 1970.
Houve sucessivas prorrogações da vacatio legis , recebendo numerosas emendas. Revogado em
1978. Em 1980, o Ministro da Justiça, Ibrahim Abi Ackel constituiu Comissão presidida pelo
Professor Assis Toledo a fim de rever a Parte Geral. Acabou transformado na Lei 7.209, de 11 de
julho de 1984. O mesmo Ministro formou outra Comissão, agora para rever a Parte Especial, com
o mesmo presidente; afastando-se por razões particulares, foi substituído pelo Desembargador Luiz
Vicente Cernicchiaro. Concluído o trabalho, publicado, recebeu numerosas contribuições da
sociedade. Republicado, após revisto pelo Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária,
por deliberação do Ministro Paulo Brossard. Não encaminhado ao Congresso Nacional. Mais
tarde, o Ministro da Justiça, Maurício Corrêa, tenta levar avante o projeto de atualização. A
Comissão encerrou os trabalhos que recebeu o título Esboço de Anteprojeto do Código Penal
Parte Especial a que se atribuiu o tulo Esboço Ministro Evandro Lins em homenagem ao
Presidente da Comissão. Isso foi em 1994. Mais uma vez, a sucessão presidencial, mudando o
titular da Pasta da Justiça, interromperia os trabalhos. O Ministro Alexandre Dupeyrat não
ordenara a publicação para conhecimento da sociedade. O Ministro Íris Rezende acolhe também a
idéia e, no final de 1997, constituiu Comissão, com indicação de Consultores.
A atual Comissão
260
, como se vê, está dando seqüência a trabalho que se desenvolve
trinta e sete anos.
Tendo em vista, de um lado, o prazo e, de outro, o consenso de que a Parte Geral, alterada
por ocasião do movimento de reforma de 1984, não apresenta grandes problemas, com exceção do
tratamento das penas, assentou na primeira reunião de fixação da metodologia dos trabalhos que se
daria preferência à revisão da Parte especial, tomando como ponto de partida o Esboço de 1994,
que, por sua vez, reviu e se inspirou no anteprojeto de 1984.
A Comissão, para encerrar os trabalhos, dedicou tempo integral à tarefa, a fim de atender
à honrosa convocação do Excelentíssimo Ministro da Justiça. Registre- se, -lo de modo
260
Luiz Vicente Cernicchiaro – Presidente, René Ariel Dotti*, Miguel Reale Jr.*, Juarez Tavares*, Ney
Moura Teles, Ela Wiecko Volkmer de Castilho, Licínio Leal Barbosa, Membros. Evandro Lins e Silva,
Damásio de Jesus, Consultores.
*Solicitaram desligamento no dia 2 de Marco de 1998.
156
democrático. As sessões sempre estiveram abertas à sociedade. O Conselho Nacional de Política
Criminal e Penitenciária, mais de uma vez se fez presente, com direito a voz e voto. O Conselho
Nacional de Proteção dos Direitos da Mulher, Presidente Drª Rosiska Darcy de Oliveira, a CNBB,
representada por Dom. Cláudio Hummes, SJ, Arcebispo de Fortaleza, a Consultoria Jurídica do
Banco Central, presente na pessoa do Dr. Manoel Lucívio Loyola, a Ordem dos Advogados do
Brasil – Secção do Distrito Federal Presidente Dr. JJ. Safe Carneiro, exemplificativamente,
expuseram suas teses, concitando a Comissão a acolhê-los.
A matéria, Excelentíssimo Ministro, nunca recebeu tanta atenção dos meios de
comunicação social; por solicitação dos mesmos no fim das tardes das reuniões, realizava-se o
briefing. Houve, pois, ampla e democrática publicidade, o que evidencia o interesse do país. O
volume de correspondências, visitas de vários setores da sociedade ratificam a observação. Aliás,
no Senado Federal, houve debate com o Excelentíssimo Senador Romeu Tuma, transmitida pela
TV Senado.
Apresentamos-lhe a estrutura do anteprojeto. Manteve-se a divisão em Títulos, conforme a
objetividade jurídica, subdivididos para atender a particularidades. Procurou-se conservar e
introduzir tipos de infrações penais relativas a fatos conhecidos na extensão normativa, remetendo-
se à legislação especial a disciplina de ilícitos correspondentes a institutos ainda em formação.
Assim, exemplificativamente, não se tratou a chamada engenharia genética e a disciplina penal
relativa à informática. O Esboço de 1994 propunha os Títulos: Dos crimes contra a ordem
econômica e financeira, Dos crimes contra o ambiente e Dos crimes contra os valores culturais. A
orientação é correta, porém, a Comissão deliberou não incorporar ao anteprojeto os crimes de
abuso do poder econômico e contra a livre concorrência, os crimes contra as relações de consumo,
os crimes contra o sistema financeiro e crimes falimentares, tais como propostos no Esboço ou
como definidos em leis especiais, ou porque restaram defasados diante de leis a ele posteriores ou
porque merecem um debate mais aprofundado, o que sugere-se seja feito pela Comissão Revisora.
O mesmo ocorreu quanto aos crimes relativos ao ambiente e valores culturais, bem como à
lavagem de dinheiro, que foram objeto de leis promulgadas no curso dos trabalhos da Comissão. A
propósito, necessário chamar atenção para a dificuldade em consolidar no Código Penal as
centenas de tipos penais existentes em leis especiais, grande parte deles mal formulados,
sobrecarregando e dificultando o sistema penal.
O Título I Dos Crimes Contra a Pessoa – é de grande importância. A Comissão, sensível
às circunstâncias, como recomendam os princípios do Direito Penal da Culpa, a fim de a
individualização da pena considerar pormenores relevantes, sugere explicitar a – eutanásia –
tornando-a causa de diminuição de pena, dado o agente agir por compaixão, a pedido da vítima,
imputável e maior, para abreviar- lhe sofrimento físico insuportável, em razão de doença grave.
De outro lado, exclui a ilicitude da conduta de quem, em circunstâncias especificadas,
deixa de manter a vida de alguém por meio artificial, quando a morte for iminente e inevitável”.
Essa figura corresponde à ortotanásia.
157
A Comissão sugere ampliar a extensão do aborto legal. Mantém o chamado aborto
necessário; nova redação ao aborto ético; menciona, além do estupro, “violação da liberdade
sexual, ou emprego não consentido de técnica de reprodução assistida”. Além disso, quando
houver “fundada probabilidade, atestada por dois outros médicos, de o nascituro apresentar graves
e irreversíveis anomalias físicas ou mentais”. Ad cautelam, “deve ser precedido de consentimento
da gestante, ou quando menor, incapaz ou impossibilitada de consentir, de seu representante legal,
do cônjuge ou de seu companheiro”, além da não oposição justificada do cônjuge ou companheiro.
A preservação da vida e da saúde motivou a Comissão mostrar particular interesse também
preventivo. Daí, nos Crimes de Perigo Contra a Vida e a Saúde, no crime de “Perigo de contágio
de doença grave” registrar três situações: a) o agente sabe estar contaminado; b) quis transmitir a
doença; c) a doença é transmitida. Retirou-se a referência expressa a “perigo de contágio venéreo”.
Sem vida as doenças pensadas a esse título, em 1940, são, com eficácia, combatidos pela
medicina contemporânea. De outro lado, o combate a doenças graves, surgidas posteriormente,
com a redação proposta, também ficam compreendidas, independentemente de a transmissão
resultar de “relações sexuais ou qualquer ato libidinoso”.
No capítulo Dos Crimes Contra a Honra tomou-se partido em velha polêmica
doutrinária, isto é, se a Pessoa Jurídica pode ser sujeito passivo do crime de – Difamação.
Responde-se afirmativamente. O tipo teria a seguinte redação: “Divulgar fato, que sabe inverídico,
capaz de abalar o conceito ou o crédito de pessoa jurídica”. Admite-se a prova da verdade.
Quanto à ação penal, atualiza-se o texto. O Código vigente refere-se a “requisição do
Ministro da Justiça” quando o crime é cometido “contra o Presidente da República, chefe de
Estado ou de governo estrangeiro”. Requisição, sabe-se, é imperativo, determinação que não pode
ser contrastada. A Constituição da República de 1988 conferiu independência ao Ministério
Público, desvinculado do Poder Executivo. Daí, também nesse caso, tratar-se-á de – representação.
Ao titular caberá decidir se é caso de inaugurar a ação penal.
A intimidade, cada vez mais, atrai normas de proteção. Não pode, com efeito, sem justa
causa, ser violada. Daí, também nesse caso, tratar-se-á de representação. Propor a ação penal
caberá ao Ministério Público.
Definiu-se o crime de – Violação da Intimidade. Dar-se-á quando, mediante processo
técnico ou qualquer outro meio, seja violado o resguardo sobre fato, imagem, escrito ou palavra
que alguém queira manter na esfera da vida privada. Nos crimes contra a liberdade reformula-se o
tipo de redução à condição análoga à de escravo, tornando-o mais fechado, com isso viabilizando
sua aplicação, reclamada pelas convenções internacionais já incorporadas pelo direito interno.
O TÍTULO II trata Dos Crimes Contra a Dignidade Sexual - A designação de hoje – Dos
Crimes Contra os Costumes – não pode persistir. Não se limita a simples mudança de palavras. Ao
contrário, encerra alteração de sentido material. Em se tomando os “Costumes” como referência, a
mulher, apesar de sua dignidade humana, é posta em plano secundário. Daí, conseqüência lógica, a
lei atual distinguir, como elemento constitutivo do crime mulher honesta, mulher virgem – como
se quem não evidenciasse tais qualificações não merecesse a proteção da lei.
158
O TÍTULO II, propositadamente, rompe a ordem do Código vigente. Comparação
axiológica entre os bens jurídicos tutelados, evidencia, sem medo de errar, a “Dignidade Sexual”,
intimamente relacionada com o ser humano, merece anteceder os “Crimes Contra o Patrimônio”,
restritos à preservação de bens materiais.
Mantiveram-se as definições de Estupro e Atentado Violento ao Pudor. Esses tipos penais
não têm apresentado dúvidas; a compreensão está assentada. A sanção todavia, deve ser igual no
grau máximo, quanto ao grau mínimo, menor relativamente ao segundo. Com isso, leva-se em
conta o princípio da proporcionalidade na cominação da pena. Sem dúvida, tantas vezes, o
Atentado Violento ao Pudor provoca trauma maior na vítima, de que é ilustração a prática de atos
de satisfação sexual contra naturam. Em contrapartida, poderá dar-se por conduta menos
repugnante que também não se equipara à gravidade da conjunção carnal mediante violência ou
grave ameaça. Daí, a sugestão, de o grau mínimo ser diferenciado. Houve preocupação de a
individualização da pena não restar meramente formal.
A Comissão exclui os crimes de adultério, posse sexual mediante fraude, atentado ao
pudor mediante fraude e o rapto consensual. Os crimes de sedução e de corrupção de menores
foram reformulados em um novo tipo. Daí o crime de Satisfação da lascívia própria com a
seguinte redação: “Induzir, mediante fraude, ameaça, promessa de benefício, casamento ou união
estável, pessoa maior de quatorze anos e menor de dezoito anos, a satisfazer a lascívia do agente”.
Afastou-se a presunção de inocência. Sabe-se, o Direito Penal moderno sanciona
somente condutas, isto é, o que o homem faz (ação) ou deixe de fazer (omissão). Contrasta com os
princípios da reserva legal e da pessoalidade, no sentido moderno. Inadmissível, definir crime por
presunção de conduta. O comportamento é fato histórico. Existe, ou não existe! Daí, a sugestão do
crime de “Violação sexual de menor ou incapaz”. O ilícito se configura com a prática de
conjunção carnal com menor de quatorze anos de idade, ou pessoa alienada ou débil mental ou
impossibilitada por qualquer outra causa de oferecer resistência. Com isso, ataca-se diretamente a
pedofilia e o aproveitamento das pessoas mencionadas na prática de atos de libidinagem; por isso,
o complemento do Abuso Sexual de menor, referente a ato libidinoso diverso da conjunção carnal.
A Comissão, por maioria, manteve as idades de 14 e 18 anos como referência para
distinção de crimes e aumento de penas, atenta ao mandamento do art. 227, § da Constituição
Federal e às recomendações das Conferências Nacionais do Conselho Nacional de Defesa dos
Direitos da Criança e do Adolescente.
Sugere-se a punição do Assédio Sexual, fundamentalmente, obstáculo ou restrição ao
exercício do direito do trabalho da mulher, compelida a submeter-se a exigências de atos sexuais.
Normalmente, o agente é o homem. O tipo, entretanto, alcança ambos os sexos, tanto como agente,
ou sujeito passivo.
Os crimes de casa de prostituição, rufianismo e lenocínio foram fundidos num único tipo,
o Lenocínio, inserido no Capítulo agora chamado Da exploração sexual, na terminologia das
convenções internacionais. O Tráfico de Pessoas amplia o atual crime de Tráfico de Mulheres.
Com isso, ataca-se a intermediação do exercício da prostituição de qualquer pessoa (homem, ou
159
mulher), promovendo ou facilitando a entrada, no território nacional, ou sua saída para exercê-la
no estrangeiro. A proteção da criança e do adolescente está assegurada nas hipóteses de aumento
de pena, mas talvez a Comissão revisora pudesse rever a formulação dos tipos, levando em
consideração o modo pelo qual se faz a exploração sexual, hoje em dia, um negócio em escala
globalizada.
Ao crime de Ato obsceno acrescentou-se a cláusula normativa que cause escândalo.
Dessa forma, torna-se explícita a necessidade de a conduta contrastar as normas de cultura. O
Escrito ou objeto obsceno e a Representação de espetáculos obscenos configuram norma penal em
branco. As condutas ali descritas não traduzem ilicitude, se desenvolvidas conforme a respectiva
disciplina jurídica.
O TÍTULO III corresponde aos – Crimes Contra o Patrimônio.
Importante registrar, a legislação vigente remete ao poder de disponibilidade da vítima a
ação penal no caso de lesão corporal leve, ou lesão corporal culposa (repetida no anteprojeto).
Coerentemente, como o patrimônio é bem menos expressivo do que Integridade Física Corporal e a
Saúde, procede-se o mesmo quanto a Furto, exceto se for o caso “de veículo automotor para ser
transportado a outro Estado ou para o Exterior” (art. 180, §5º).
O anteprojeto não transige, contudo, com os crimes cometidos mediante violência ou grave
ameaça. A propósito, aperfeiçoando a redação técnica, registra o crime de Latrocínio: “Se para
praticar o roubo, ou para assegurar a impunidade do crime, ou a detenção da coisa, o agente
ocasiona, dolosamente, a morte de alguém” (art. 181, §5º). Crime intolerável. Pena: Reclusão, de
vinte a trinta anos, e multa.
Propõe-se descriminalizar a espécie “Fraude no pagamento por meio de cheque”. A
doutrina e a jurisprudência consolidaram a interpretação. Se utilizado como instrumento de fraude,
subsumir-se-á à extensão do Estelionato.
O furto de pequeno valor enseja diminuição da pena e a isenção da pena, considerados a
primariedade do agente e se pequena a lesão patrimonial. A ação dependerá de representação.
O TÍTULO IV Dos Crimes Contra a Propriedade Imaterial segue a estrutura posta na
Lei 9.279, de 14 de maio de 1996, que, por sua vez, não destoa da regulamentação
tradicionalmente seguida.
O TÍTULO V Dos Crimes Contra o Sentimento Religioso e Contra o Respeito aos
Mortos foi revisto para distinguir, em tipos diferentes, o Ultraje a Culto e o Impedimento ou
Perturbação de Culto.
A cremação de cadáver, hoje, é prática entre nós. Daí, a ampliação do tipo de Impedimento
ou Perturbação de Cerimônia Funerária, registrando-se também a – Cerimônia de Cremação.
E mais. Atualmente, amplia-se, estimula-se mesmo, o transplante de órgãos. O cadáver,
também aqui, deve merecer o respeito. Daí a recepção do crime – Desrespeito a Cadáver – “Deixar
de recompor cadáver, devolvendo-lhe aspecto condigno, para sepultamento ou deixar de entregar
ou retardar sua entrega aos familiares interessados” (art. 232).
160
TÍTULO VI Dos Crimes Contra a Família - A Família continua a receber especial
atenção; sabido, atua como instância informal de combate à criminalidade. Urge preservá-la. A lei
penal deve ser atenta para manter essa instituição social.
O rol dos delitos hoje em vigor e que atacam esse bem jurídico, notadamente os definidos
no art. 235 usque 239, ainda que descriminalizados, as respectivas ações continuarão ilícitas,
inclusive com reflexo no Direito Penal. O gamo, por exemplo, antes do segundo matrimônio,
comete crime de falso.
Duas razões recomendam a proposta da Comissão. O Direito Penal mínimo,
universalmente reclamado, recomenda não punir criminalmente, condutas ilícitas que encontrem
em outras áreas dogmáticas a devida solução.
Hoje, ao contrário de 1940, o casamento deixou de ser indissolúvel. Até então, o cônjuge
inocente teria somente a ação de desquite (restrita a dissolver apenas a sociedade conjugal).
Manter-se-ia vinculado ao outro, ainda que declarada a nulidade do segundo casamento. o
divórcio; rompe o vínculo matrimonial.
Sugere-se ao interessado, nas mencionadas situações, a reação devida. Insista-se, as
referidas condutas continuarão a ser ilícito jurídico, devendo buscar solução na devida área
dogmática. Além disso, há importante dado no plano da experiência jurídica: praticamente nenhum
o número de processos relativos a esses delitos. A Simulação de Autoridade para Celebração de
Casamento foi trasladada para o Título próprio, ou seja, “Dos Crimes Contra Pública”. Diga-se
o mesmo da Bigamia, indissociável do falso. No tocante aos Crimes Contra o Estado de Filiação, o
anteprojeto foi sensível ao fato de irregularidades no registro de nascimento. Proclama como
exclusão de ilicitude – a conduta de quem atua “por motivo de reconhecida nobreza e em benefício
do menor”. Atende-se a uma realidade social, evidenciada ausência de sacrificar direito de terceiro.
No TÍTULO VII - Dos Crimes Contra a Incolumidade Pública - a Comissão atenta à
realidade brasileira, continua a distinguir Charlatanismo de Curandeirismo. Dada a estrutura de
cada um desses delitos, acrescenta parágrafo, in verbis: “Não crime se o agente pratica o fato
com boa fé, sem contraprestação econômica e sem prejuízo concreto para a vida ou a saúde da
pessoa”. Não se esqueça, grande parte da população, carente, sem assistência médica, hospitalar e
farmacêutica, busca, no curandeiro, pelo menos, esperança de cura. Não ocorrendo perigo à vida,
ou a saúde, ausente ainda interesse de contraprestação econômica, afasta-se a ilicitude da conduta.
No Título VIII Dos Crimes Contra a Paz Pública o anteprojeto promove significativa
inovação. Aliás, o fato está em expansão não no Brasil como no exterior. Se a Quadrilha ou
Bando, como anota a doutrina, quase sempre se ajusta aos crimes de bagatela, diferente,
preocupando se apresenta a Organização criminosa (art. 278). O tipo tem a seguinte redação:
“Constituirem, duas ou mais pessoas, organização, comprometendo ou tentando comprometer,
mediante ameaça, corrupção, fraude ou violência, a eficácia da atuação de agentes públicos, com o
fim de cometer crimes Reclusão, de quatro a oito anos”. Com isso, busca-se impedir também a
conexão internacional. Aliás, a literatura qualifica esse delito como “Crime sem Fronteira”.
161
No Título IX Dos Crimes Contra a Pública - a exemplo de legislações estrangeiras,
buscando ampliar a proteção do bem jurídico, em “Disposições Gerais”, resta explícito o conceito
– de – Documento. Define-se ainda – Documento por equiparação.
No Título X - Dos Crimes Contra a Administração Pública - para completa proteção a esse
bem jurídico, sugere-se a criação do tipo subsidiário Improbidade Administrativa. Visa a
alcançar qualquer ato de improbidade administrativa definido em lei, lesivo ao patrimônio público,
se o fato não constituir crime mais grave. A pena aplica-se independentemente das sanções civis e
administrativas. Ajusta-se ao princípio constitucional da – probidade administrativa.
A propósito, sugere a criminalização do Peculato de Uso. Nesta modalidade, o agente não
se apropria do bem confiado a sua guarda em razão de cargo, ou da função, todavia, usa-o,
ilegalmente, no interesse próprio ou de terceiro, com evidente prejuízo da Pública Administração.
O Código atual conceitua o Funcionário Público na parte final do Capítulo I – Dos Crimes
Praticados por Funcionário Público Contra a Administração em Geral. Conhecido o debate quanto
a sua extensão, quando funcionário público for sujeito passivo de delito, de que é exemplo o crime
de Desacato. Transpõe-se, por isso, o tema para o capítulo das Disposições Gerais
compreendendo, portanto, todos os casos do tulo. Na equiparação a funcionário público, inclui-
se quem exerce cargo, emprego, ou função em entidade autárquica ou fundação instituída pelo
Poder Público.
Descriminaliza-se alguns fatos como, por exemplo, a condescendência criminosa, o
abandono de função e o exercício funcional ilegal ou antecipado, ou porque já adequadamente
sancionados na esfera administrativa ou subsumíveis em outros tipos. Entretanto, um
agravamento das penas, notadamente no peculato, na prevaricação e na advocacia administrativa.
Condutas reprováveis no âmbito das licitações, existentes na lei especial, são trazidas para o
Código Penal.
O anteprojeto recolhe normas protetoras do Ordenamento Urbano; visa- se, com isso, a
resguardar economias aplicadas para adquirir imóvel, notadamente a construção da casa própria.
Intolerável o Parcelamento Clandestino ou Irregular do Solo Urbano, a Fraude em Loteamento ou
Parcelamento do Solo Urbano, a Construção Clandestina, a Licença Ilegal para edificação,
demolição, alteração, loteamento, incorporação imobiliária ou qualquer outra forma de ocupação
do solo urbano, contrariamente às normas legais. Essas situações aconselham tratar a matéria no
Código Penal, cuja estabilidade é maior do que a legislação especial.
O TÍTULO XI – Dos Crimes Contra a Organização do Trabalho – resguarda a dignidade, a
liberdade a segurança e a higiene do trabalho. Daí, constituir infração penal o Atentado Contra a
Dignidade do Trabalho, a Frustração, Restrição ou Supressão de Direito Assegurado por Lei
Trabalhista ou Previdenciária. Entre os delitos, ressalte-se “Induzimento a esterilidade ou dispensa
da gestante” (art. 361): Induzir mulher a tornar-se estéril ou exigir comprovação de esterilidade
para obtenção ou manutenção de emprego; dispensá-la do emprego, exclusivamente, por estar
grávida”. Ressalte-se, também, no ano da marcha Global contra o Trabalho Infantil, a previsão do
delito de Emprego de menor em atividades laborativas: ”Empregar menor de quatorze anos, salvo
162
na condição de aprendiz, ou menor de dezoito anos em trabalho noturno, perigoso, insalubre ou
que contribua negativamente para a sua formação moral, técnica ou profissional.”
O TÍTULO XIII – Dos Crimes Contra a Tributária, Cambial e Aduaneira – no Capítulo
I – relaciona os delitos de Sonegação Fiscal, Descaminho, Apropriação do tributo e
contribuição previdenciária, a Defraudação de incentivo fiscal ou de fomento. O Capítulo II
compreende o contrabando, a Remessa Clandestina de Moeda e a Defraudação Cambial.
Tecnicamente, superior à legislação em vigor que, em um artigo, define o Contrabando e o
Descaminho. Infrações penais, sem dúvida de estrutura diferente, recomendando tratamento
individualizado.
O TÍTULO XIV Dos Crimes Contra o Estado Democrático - recepciona normas para
proteger o ente político e traz finalmente para o Código Penal matéria que não pode ser deixada ao
sabor de lei especial. Cumpre preservar a soberania, impedir a Traição, a Violação do território
nacional, o Atentado à Federação, a Espionagem, a Sedição, o Incitamento à Guerra Civil, a
Sabotagem, os Atentados a Chefe de Poder. A cidadania reclama direito de manifestação pacífica.
O obstáculo à jurisdição não pode ser tolerado quando legitimamente se postula direito coletivo ou
interesse difuso.
O Capítulo IV Dos Crimes Contra a Humanidade preocupa-se com o genocídio, a
tortura, o desaparecimento de pessoas e as associações terroristas.
O Capítulo V Dos Crimes contra a Comunidade Indígena busca preservar a etnia e, o
espaço territorial.
As Relações Internacionais são consideradas. Punem-se, por isso, o Atentado, a Destruição
de bens culturais ou locais protegidos por tratado, convenção ou ato internacional em vigor no
Brasil, e o Apoderamento Ilícito de Aeronave.,
A Comissão deliberou, porque oportuno, sugerir nova redação ao art. 44 do Código Penal,
que trata da substituição das penas privativas de liberdade pelas penas restritivas de direitos e que
diverge da redação em exame no Senado Federal.
Art. 44. As penas restritivas de direitos são autônomas e substituem a privativa de
liberdade, quando:
I - aplicada a crime culposo;
II - aplicada a crime doloso, com detenção até dois anos, desde que o réu:
a) seja primário; e
b) haja reparado o dano, salvo impossibilidade de fazê-lo; ou
III - aplicada a crime doloso, com reclusão até dois anos, desde que:
a) o réu seja primário;
b) o réu haja reparado o dano, salvo impossibilidade de fazê-lo;
c) praticado sem violência ou grave ameaça à pessoa; e
d) a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado, bem
163
como os motivos e circunstâncias indicarem que a substituição é suficiente.”
A Comissão, dessa forma, desincumbiu-se da honrosa missão confiada por Vossa
Excelência. Ressalte-se que nem todas as deliberações foram unânimes. Os votos vencidos de cada
um dos membros serão oferecidos posteriormente à Comissão revisora.
A publicação do texto, como expresso na Portaria, provocará a contribuição da sociedade
brasileira, o que é extremamente desejável. A lei, como uma das instâncias do controle penal,
define a criminalidade. No Estado Democrático de Direito, a lei deve definir como crimes aquelas
condutas que a sociedade efetivamente reprova e quer sejam reprimidas com as sanções mais
graves. A inflação legislativa de tipos penais não reduz a criminalidade, reforçando, ao contrário, o
sentimento de impunidade.
Por último, cabe registrar o apoio e a dedicação dos servidores do Ministério da Justiça e
de outros órgãos, que tornaram possível a entrega deste documento na data aprazada.
Brasília, 24 de março de 1998.
LUIZ VICENTE CERNICCHIARO
Presidente
NEY MOURA TELES
Membro
ELA WIECKO VOLKMER DE CASTILHO
Membro
LICÍNIO LEAL BARBOSA
Membro
EVANDRO LINS E SILVA
Consultor
DAMÁSIO EVANGELISTA DE JESUS
Consultor
164
Reforma do Código
(anteprojeto de lei)
Altera dispositivos do Código
Penal e dá outras providências.
TÍTULO XII
DOS CRIMES CONTRA O ORDENAMENTO URBANO
Incorporação indevida
Art. 368. Promover incorporação imobiliária em desacordo com determinação
legal, mediante omissão, falsidade, conluio, artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento.
Pena - Reclusão de um a quatro anos, e multa.
Fraude imobiliária
Art. 369. Fazer, em proposta, qualquer comunicação ao público ou aos interessados, ou em
contrato, afirmação falsa ou omitir aquela que deveria constar, sobre incorporação imobiliária,
alienação das frações ideais de terreno ou construção de edificações.
Pena - Reclusão, de um a quatro anos, e multa.
Infidelidade gerencial
Art. 370. Desviar, em proveito próprio ou alheio, dinheiro, bem ou valor destinado a
empreendimento imobiliário, do qual é incorporador, construtor ou administrador de fato ou de
direito:
Pena - Reclusão, de um a quatro anos, e multa.
Parcelamento clandestino ou irregular do solo urbano
Art. 371. Promover loteamento ou qualquer outra forma de parcelamento do solo urbano sem
autorização dos órgãos competentes, ou em desacordo com a
autorização concedida:
Pena - Reclusão, de um a três anos, e multa.
Fraude em loteamento ou parcelamento do solo urbano
Art. 372. Fazer, em proposta, qualquer comunicação ao público ou aos interessados, ou em
contrato, afirmação falsa ou omitir aquela que deveria constar, sobre a legalidade de loteamento ou
de qualquer outra forma de parcelamento do solo urbano.
Pena - Reclusão, de um a quatro anos, e multa.
Licença ilegal
Art. 373. Conceder licença para edificação, demolição, alteração, loteamento, parcelamento do
solo, incorporação imobiliária ou qualquer outra forma de ocupação do solo urbano, em manifesta
contrariedade às normas legais de ordenamento urbano.
Pena - Reclusão, de dois a cinco anos, e multa.
Parágrafo único. Na mesma pena incorre quem faz uso da licença a que se refere este artigo.
165
ANEXO 3
SUBSTITUTIVO ADOTADO PELA COMISSÃO
Dispõe sobre o parcelamento do solo para fins urbanos
e sobre a regularização fundiária sustentável de áreas
urbanas, e dá outras providências.
O CONGRESSO NACIONAL DECRETA:
TÍTULO I
DAS DISPOSIÇÕES GERAIS
Art. 1º Esta Lei estabelece normas gerais disciplinadoras do parcelamento do solo para fins
urbanos e da regularização fundiária sustentável de áreas urbanas e é denominada Lei de
Responsabilidade Territorial Urbana.
Parágrafo único. A aplicação desta Lei dá-se sem prejuízo de outras normas específicas de âmbito
federal, estadual, distrital ou municipal que com ela sejam compatíveis, respeitadas as
competências constitucionais de cada ente federativo.
Art. 2º Para os efeitos desta Lei, consideram-se:
I área urbana: a parcela do território, contínua ou não, incluída no perímetro urbano pelo Plano
Diretor ou por lei municipal específica;
II área urbana consolidada: a porção da zona urbana, definida pelo plano diretor ou pela lei
municipal que estabelecer o zoneamento urbano, com densidade demográfica superior a 50
(cinqüenta) habitantes por hectare e malha viária implantada, e que tenha, no mínimo, dois dos
seguintes equipamentos de infra-estrutura urbana implantados:
a) sistema de manejo de águas pluviais;
b) disposição adequada de esgoto sanitário;
c) abastecimento de água potável;
d) distribuição de energia elétrica;
e) coleta de resíduos sólidos;
III regularização fundiária sustentável: o conjunto de medidas jurídicas, urbanísticas, ambientais
e sociais, promovidas pelo Poder Público por razões de interesse social ou de interesse específico,
que visem a adequar assentamentos informais preexistentes às conformações legais, de modo a
garantir o direito social à moradia, o pleno desenvolvimento das funções sociais da propriedade
urbana e o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado;
IV regularização fundiária de interesse social: a regularização fundiária sustentável de
assentamentos informais ocupados, predominantemente, por população de baixa renda, nos casos
166
em que existam direitos reais legalmente constituídos ou que se situem em zona especial de
interesse social (ZEIS);
V regularização fundiária de interesse específico: a regularização fundiária sustentável de
assentamentos informais na qual não se caracteriza o interesse social, na forma do inciso IV;
VI – gleba: o imóvel que ainda não foi objeto de parcelamento do solo para fins urbanos;
VII – lote: a unidade imobiliária resultante de loteamento ou desmembramento;
VIII unidade autônoma: a unidade imobiliária de uso privativo resultante de condomínio
urbanístico;
IX fração ideal: o índice da participação abstrata e indivisa de cada condômino nas coisas
comuns do condomínio urbanístico, expresso sob forma decimal, ordinária ou percentual;
X loteamento: a divisão de imóvel em lotes destinados à edificação, com abertura de novas áreas
destinadas a uso público, ou com prolongamento, modificação ou ampliação das existentes;
XI desmembramento: a divisão de imóvel em lotes destinados à edificação, que não implique a
abertura de novas áreas destinadas a uso público, ou o prolongamento, modificação ou ampliação
das já existentes;
XII – condomínio urbanístico: a divisão de imóvel em unidades autônomas destinadas à edificação,
às quais correspondem frações ideais das áreas de uso comum dos condôminos, admitida a
abertura de vias de domínio privado e vedada a de logradouros públicos internamente ao seu
perímetro;
XIII parcelamento integrado à edificação: o parcelamento em que a construção das edificações
nos lotes ou unidades autônomas é feita pelo empreendedor, concomitantemente à implantação das
obras de urbanização;
XIV – parcelamento de pequeno porte: o parcelamento de imóvel com área total inferior a
10.000m² (dez mil metros quadrados), ou o desmembramento que não resulte em mais de 5 (cinco)
unidades;
XV – áreas destinadas a uso público: aquelas referentes ao sistema vrio, à implantação de
equipamentos comunitários, aos espaços livres de uso público, às áreas verdes e a outros
logradouros públicos;
XVI áreas destinadas a uso comum dos condôminos: aquelas referentes ao sistema viário interno
e as demais áreas integrantes de condomínios urbanísticos o definidas como unidades
autônomas;
XVII – equipamentos comunitários: os equipamentos de educação, cultura, saúde, segurança,
esporte, lazer e convívio social;
XVIII infra-estrutura básica: os equipamentos de abastecimento de água potável, disposição
adequada de esgoto sanitário, distribuição de energia elétrica e sistema de manejo de águas
pluviais;
XIX infra-estrutura complementar: iluminação pública, pavimentação, rede de telefonia, rede de
fibra ótica e outras redes de comunicação, rede de gás canalizado e outros elementos não
contemplados na infra-estrutura básica;
XX autoridade licenciadora: o Poder Executivo municipal responsável pela concessão da licença
urbanística e ambiental integrada do parcelamento do solo para fins urbanos ou do plano de
167
regularização fundiária, assegurada, nos casos expressos nesta Lei, a participação do Estado no
licenciamento ambiental;
XXI licença urbanística e ambiental integrada: ato administrativo vinculado pelo qual a
autoridade licenciadora estabelece as exigências de natureza urbanística e ambiental para o
empreendedor implantar, alterar, ampliar ou manter parcelamento do solo para fins urbanos e para
proceder à regularização fundiária;
XXII licença final integrada: ato administrativo vinculado pelo qual a autoridade licenciadora
declara que o empreendimento foi fisicamente implantado e executado de forma regular, com
atendimento das exigências urbanísticas e ambientais estabelecidas pela legislação em vigor ou
fixadas na licença urbanística e ambiental integrada;
XXIII comissão de representantes: colegiado formado pelos compradores de lotes ou unidades
autônomas para fiscalizar a implantação do parcelamento do solo para fins urbanos;
XXIV – gestão plena: condição do Município que reúna simultaneamente os seguintes requisitos:
a) Plano Diretor, independentemente do número de habitantes, aprovado e atualizado nos termos
da Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001;
b) órgãos colegiados de controle social nas áreas de política urbana e ambiental, ou, na
inexistência destes, integração com entes colegiados intermunicipais constituídos com essa mesma
finalidade, assegurados o caráter deliberativo das decisões tomadas, o princípio democrático de
escolha dos representantes e a participação da sociedade civil na sua composição;
c) órgãos executivos específicos nas áreas de política urbana e ambiental, ou integração com
associações ou consórcios intermunicipais para o planejamento, a gestão e a fiscalização nas
referidas áreas, nos termos da Lei nº 11.107, de 6 de abril de 2005;
XXV demarcação urbanística: procedimento administrativo pelo qual o Poder Público, no
âmbito da regularização fundiária de interesse social, demarca o imóvel, definindo seus limites,
área, localização e confrontantes, com a finalidade de identificar seus ocupantes e qualificar a
natureza e o tempo das respectivas posses;
XXVI legitimação de posse: ato do Poder Público destinado a conferir título de reconhecimento
de posse de imóvel objeto de demarcação urbanística, com a identificação do ocupante e do tempo
e natureza da posse;
XXVII zona especial de interesse social (ZEIS): área urbana instituída pelo Plano Diretor ou
definida por outra lei municipal, destinada predominantemente à moradia de população de baixa
renda e sujeita a regras específicas de parcelamento, uso e ocupação do solo;
XXVIII – assentamentos informais: assentamentos urbanos, localizados em áreas públicas ou
privadas, compreendendo as ocupações e os parcelamentos irregulares ou clandestinos, bem como
outros processos informais de produção de lotes e edificações, ocupados predominantemente para
fins de moradia e implantados sem autorização do titular de domínio ou sem aprovação dos órgãos
competentes, em desacordo com a licença expedida ou sem o respectivo registro imobiliário;
XXIX – empreendedor: o responsável pela implantação do parcelamento, que pode ser:
a) o proprietário do imóvel a ser parcelado;
b) o compromissário comprador, cessionário ou promitente cessionário, ou o foreiro, desde que o
proprietário expresse sua anuência em relação ao empreendimento e sub-rogue-se nas obrigações
do compromissário comprador, cessionário ou promitente cessionário, ou do foreiro, em caso de
extinção do contrato;
168
c) o ente da Administração Pública direta ou indireta habilitado a promover a desapropriação com
a finalidade de implantação de parcelamento habitacional ou de realização de regularização
fundiária de interesse social, desde que tenha ocorrido a regular imissão na posse;
d) a pessoa física ou jurídica contratada pelo proprietário do imóvel a ser parcelado ou pelo Poder
Público para executar o parcelamento ou a regularização fundiária, em forma de parceria, sob
regime de obrigação solidária, devendo o contrato ser averbado na matrícula do imóvel no
competente Registro de Imóveis;
e) cooperativa habitacional ou associação de moradores, quando autorizadas pelo titular do
domínio, ou associação de proprietários ou compradores que assuma a responsabilidade pela
implantação do parcelamento.
TÍTULO II
DO PARCELAMENTO DO SOLO PARA FINS URBANOS
CAPÍTULO I
DOS REQUISITOS URBANÍSTICOS E AMBIENTAIS
Seção 1
Das Disposições Preliminares
Art. 3º O parcelamento do solo para fins urbanos deve observar os requisitos urbanísticos e
ambientais previstos em legislação e as exigências específicas estabelecidas pela licença
urbanística e ambiental integrada do empreendimento, bem como, nos termos dos §§ 2º e 3º do art.
33, pela licença ambiental estadual.
Art. 4º O parcelamento do solo para fins urbanos somente pode ser feito nas modalidades de
loteamento, desmembramento ou condomínio urbanístico.
§ Admite-se a utilização, de forma simultânea ou consecutiva, de mais de uma modalidade de
parcelamento, no mesmo imóvel ou em parte dele, desde que atendidos os requisitos desta Lei.
§ O remembramento de lotes ou unidades autônomas contíguas rege-se por legislação
municipal.
§ O parcelamento do solo para fins urbanos somente pode ser implantado no perímetro urbano
definido por lei municipal.
§ 4º O parcelamento do solo para fins urbanos na modalidade de condomínio urbanístico é
admitido exclusivamente em Município de gestão plena.
Art. 5º Não se admite o parcelamento do solo para fins urbanos:
I em área alagadiça ou sujeita a inundação, antes de tomadas as providências para assegurar o
escoamento ou a contenção das águas;
II em local considerado contaminado ou suspeito de contaminação por material nocivo ao meio
ambiente ou à saúde pública, sem que seja previamente descontaminado, atendidas as exigências
do órgão ambiental competente;
III – em área sujeita a deslizamento de encosta, abatimento do terreno, processo de erosão linear ou
outra situação de risco, antes de tomadas as providências para garantir sua estabilidade;
169
IV em área que integre unidades de conservação da natureza, criadas na forma da Lei 9.985,
de 18 de julho de 2000, incompatíveis com esse tipo de empreendimento;
V onde for técnica ou economicamente inviável a implantação de infra-estrutura básica, serviços
públicos de transporte coletivo ou equipamentos comunitários;
VI onde houver proibição para esse tipo de empreendimento em virtude das normas ambientais
ou de proteção do patrimônio cultural.
§ A autoridade licenciadora deve especificar os estudos técnicos, a serem apresentados pelo
empreendedor, necessários à comprovação do atendimento ao disposto no caput.
§ 2º Respeitadas as normas ambientais, admite-se o parcelamento em áreas com declividade
superior a 30% (trinta por cento) apenas nos parcelamentos integrados à edificação ou se o
empreendedor implementar solução técnica para a implantação das edificações que garanta a
segurança contra situações de risco.
Art. 6º A autoridade licenciadora deve manter disponíveis e atualizadas informações completas
sobre:
I – o Plano Diretor e a legislação municipal de interesse urbanístico e ambiental;
II as vias urbanas ou rurais, existentes ou projetadas, que compõem o sistema viário do
Município;
III – a localização dos equipamentos urbanos e comunitários existentes ou projetados;
IV – outras informações técnicas necessárias ao projeto de parcelamento.
§ As informações de que tratam os incisos II e III do caput devem, preferencialmente, conter
coordenadas georreferenciadas ao Sistema Geodésico Brasileiro.
§ 2º Os órgãos estaduais e federais competentes devem manter disponíveis e atualizados os
requisitos urbanísticos e ambientais, bem como outras informações necessárias ao projeto de
parcelamento que se insiram no campo de sua atuação.
Seção 2
Dos Requisitos Urbanísticos
Art. 7º O parcelamento do solo para fins urbanos deve atender às normas e diretrizes urbanísticas
expressas no Plano Diretor, se houver, e nas leis municipais de parcelamento, uso e ocupação do
solo urbano, bem como aos seguintes requisitos:
I – os lotes ou unidades autônomas devem ter área mínima de 125m² (cento e vinte e cinco metros
quadrados), ressalvado o parcelamento integrado à edificação, em que se admite área mínima de
100m² (cem metros quadrados);
II as áreas destinadas a uso público ou a uso comum dos condôminos devem ser diretamente
proporcionais à densidade de ocupação prevista no Plano Diretor ou outra lei municipal e
contemplar plano de arborização;
III as vias públicas devem articular-se com o sistema viário adjacente, existente ou projetado,
harmonizar-se com a topografia local e garantir o acesso público aos corpos d’água, às praias e às
demais áreas de uso comum do povo;
IV – a infra-estrutura básica deve ser implantada no prazo previsto no cronograma físico de obras e
serviços.
170
Parágrafo único. O Município de gestão plena pode alterar, por lei, as dimensões mínimas
previstas no inciso I do caput, nas áreas incluídas em ZEIS.
Art. 8º O percentual de áreas destinadas a uso público nos loteamentos e condomínios urbanísticos,
excluído o sistema viário, deve ser de, no mínimo, 15% (quinze por cento), observada a
proporcionalidade prevista no inciso II do caput do art. 7º.
§ 1º O parcelamento de pequeno porte fica dispensado da reserva de percentual de áreas destinadas
a uso público, salvo disposição contrária prevista em lei municipal.
§ O Município de gestão plena pode diminuir, por lei, o percentual de áreas destinadas a uso
público previsto no caput, para parcelamentos implantados em ZEIS, desde que nas proximidades
do imóvel já existam equipamentos públicos aptos a atender à nova demanda.
§ 3º Verificado que o desmembramento a ser implantado gera demanda de novas áreas destinadas a
uso público, a autoridade licenciadora deve caracterizá-lo como loteamento e observar o percentual
previsto no caput.
§ As áreas destinadas a uso público em condomínio urbanístico devem estar situadas
externamente ao perímetro com acesso controlado ou em outro local da área urbana.
§ Nos termos de lei municipal, a reserva de área a que se refere o § pode ser substituída por
doação de recursos para fundo municipal de habitação.
Art. 9º Em qualquer modalidade de parcelamento e independentemente do percentual de áreas
destinadas a uso público previsto no art. 8º, a autoridade licenciadora pode exigir a reserva de
faixa não edificável destinada à implantação de infra-estrutura básica ou complementar.
Art. 10. Sem prejuízo de outras obrigações previstas nesta Lei, a legislação municipal pode exigir
do empreendedor:
I contrapartida, observado, no que couber, o estabelecido nos arts. 28 a 31 da Lei 10.257, de
10 de julho de 2001;
II doação de área para implantação de programas habitacionais de interesse social ou de recursos
para fundo municipal de habitação.
Parágrafo único. A transferência para o domínio público das áreas destinadas a uso público nos
parcelamentos, nos termos do art. 48, não configura a contrapartida referida no caput.
Art. 11. Respeitadas as disposições desta Lei, cabe ao Plano Diretor ou a outra lei municipal
definir, para as diferentes zonas em que se divide a área urbana do Município:
I – os usos e os parâmetros urbanísticos de parcelamento e ocupação do solo;
II – as modalidades de parcelamento admissíveis;
III – as diretrizes para a articulação do parcelamento do solo com o desenho urbano;
IV – as diretrizes para o sistema de áreas verdes e institucionais.
§ Observado o disposto no caput, cabe à legislação municipal determinar, em relação à
implantação de condomínios urbanísticos:
I – os locais da área urbana onde essa implantação é admitida, respeitadas, se houver, as restrições
estabelecidas pelo Plano Diretor;
II – a dimensão máxima do empreendimento ou do conjunto de empreendimentos contíguos;
171
III – os parâmetros relativos à contigüidade entre empreendimentos;
IV – as formas admissíveis de fechamento do perímetro;
V – a necessidade ou não de Estudo Prévio de Impacto de Vizinhança (EIV);
VI os critérios e as responsabilidades em relação à manutenção da infra-estrutura básica e da
complementar;
VII – os casos e as condições em que é exigida reserva de áreas destinadas a uso público;
VIII – outros requisitos julgados necessários para assegurar a mobilidade urbana e o livre acesso às
praias e demais bens de uso comum do povo.
§ Inexistindo a legislação prevista no § 1º, é vedada a concessão de licença para a implantação
de condomínios urbanísticos.
Seção 3
Dos Requisitos Ambientais
Art. 12. Admite-se a intervenção ou supressão em vegetação de Área de Preservação Permanente
(APP) por utilidade pública, interesse social ou baixo impacto ambiental, nos casos previstos pelas
normas ambientais e por esta Lei.
§ 1º A APP em relação à qual não se obtenha autorização da autoridade licenciadora para
supressão da vegetação, por utilidade pública ou interesse social, deve permanecer como faixa não
edificável, ressalvado o disposto nesta Lei e demais normas aplicáveis.
§ A APP pode ser transposta pelo sistema viário ou utilizada para a implantação e manutenção
de sistemas de drenagem de águas pluviais, ou para atividades consideradas de utilidade pública,
bem como para obras exigidas pelo Poder Público ou por concessionários de serviços públicos,
desde que a intervenção seja de baixo impacto ambiental, a critério da autoridade licenciadora.
Art. 13. Lei municipal deve dispor, com base no Plano Diretor, sobre os limites máximos de
impermeabilização de terrenos a serem aplicados em cada zona em que se divide a área urbana.
Art. 14. Exige-se Estudo Prévio de Impacto Ambiental (EIA) para o licenciamento de
parcelamento do solo para fins urbanos, se:
I – a área for maior ou igual a 1 (um) milhão de metros quadrados;
II a autoridade licenciadora, com base na legislação federal, estadual ou municipal, considerar o
empreendimento potencialmente causador de significativo impacto ambiental.
Art. 15. Exige-se no licenciamento, sempre que necessária, a reserva de faixa não edificável
vinculada a dutovias e linhas de transmissão, observados critérios e parâmetros que garantam a
saúde e segurança da população e a proteção do meio ambiente, conforme estabelecido nas normas
técnicas pertinentes.
Parágrafo único. Para a fixação da faixa prevista no caput fora do perímetro urbano, deve ser
considerada a previsão de futura ocupação urbana.
Art. 16. A faixa de domínio público das rodovias e ferrovias, definida no âmbito do respectivo
licenciamento ambiental, deve garantir a segurança da população e a proteção do meio ambiente,
conforme estabelecido nas normas técnicas pertinentes.
172
Art. 17. A supressão da vegetação para fins de parcelamento ou qualquer outra forma de utilização
do solo urbano no bioma Mata Atlântica deve observar o disposto na Lei 11.428, de 22 de
dezembro de 2006.
Art. 18. Os parcelamentos do solo para fins urbanos integrantes de Áreas de Proteção Ambiental
(APAs), criadas na forma da Lei 9.985, de 18 de julho de 2000, devem observar as regras
específicas estabelecidas no plano de manejo da unidade de conservação, se houver.
Parágrafo único. O disposto no caput aplica-se também aos parcelamentos implantados em zona de
amortecimento de unidade de conservação, se prevista na Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000.
Art. 19. O parcelamento do solo para fins urbanos ou qualquer outra forma de utilização do solo
urbano na Zona Costeira deve assegurar o acesso livre e desimpedido às praias e ao mar,
respeitadas as normas que regulam as áreas da segurança nacional e as unidades de conservação
com acesso controlado.
Parágrafo único. Além do disposto no caput, os parcelamentos situados na Zona Costeira devem
observar as regras estabelecidas pelos planos de gerenciamento costeiro previstos pela Lei
7.661, de 16 de maio de 1988.
CAPÍTULO II
DAS RESPONSABILIDADES DO EMPREENDEDOR E DO PODER PÚBLICO NA
IMPLANTAÇÃO E MANUTENÇÃO DO PARCELAMENTO
Art. 20. Cabe ao empreendedor:
I – a demarcação:
a) dos lotes e áreas destinadas a uso público dos loteamentos;
b) dos lotes dos desmembramentos;
c) das unidades autônomas, das áreas destinadas a uso comum dos condôminos e, nos termos da lei
municipal, das áreas destinadas a uso público dos condomínios urbanísticos;
d) dos limites das APPs;
II – a implantação:
a) do sistema viário;
b) da infra-estrutura básica, com exceção dos sistemas individuais de disposição de esgoto
sanitário;
c) dos elementos da infra-estrutura complementar exigidos por legislação estadual ou municipal;
d) das edificações do parcelamento integrado à edificação;
e) das medidas necessárias à recuperação das APPs definidas na licença urbanística e ambiental
integrada ou, nos termos do §§ 2º e 3º do art. 33, na licença ambiental estadual;
III a manutenção da infra-estrutura básica e complementar e das áreas destinadas a uso público
até a expedição da licença final integrada, respeitado o prazo máximo de 90 (noventa) dias,
contado da data em que for protocolado o respectivo requerimento, desde que o empreendedor não
173
tenha sido comunicado, ao longo desse período, da existência de vícios ou de irregularidades que
devam por ele ser sanados ou corrigidos e respeitado o disposto no § 3º do art. 37;
IV – a manutenção, até o registro da instituição do condomínio no Registro de Imóveis, do sistema
viário, das áreas destinadas a uso comum dos condôminos, da infra-estrutura básica e
complementar interna e, nos termos da lei municipal, das áreas destinadas a uso público dos
condomínios urbanísticos.
Art. 21. Ressalvado o disposto no art. 20, cabe ao Poder Público ou a seus concessionários e
permissionários, a partir da expedição da licença final integrada, a operação e manutenção:
I – da infra-estrutura básica e das áreas destinadas a uso público;
II da infra-estrutura complementar dos loteamentos e desmembramentos, observadas as
condições fixadas na legislação estadual ou municipal prevista na alínea "c" do inciso II do art. 20.
§ Cabe aos concessionários ou permissionários de energia elétrica a implantação da rede de
distribuição de energia elétrica nos parcelamentos de interesse social inseridos em programas
habitacionais de iniciativa do Poder Público ou na regularização fundiária de interesse social.
§ A implantação, operação e manutenção dos equipamentos comunitários a cargo do Poder
Público devem respeitar as diretrizes das respectivas políticas setoriais, bem como as orientações
específicas da licença urbanística e ambiental integrada do empreendimento e, nos termos dos §§
2º e 3º do art. 33, da licença ambiental estadual.
§ Cabe ao Poder Público, ou a seus concessionários ou permissionários, disponibilizar as redes
externas e os seus respectivos pontos de conexão necessários à implantação, pelo empreendedor,
dos elementos de infra-estrutura básica ou complementar na área interna do parcelamento.
§ A requerimento do empreendedor, a autoridade licenciadora, ouvidos os concessionários ou
permissionários de serviços públicos, pode, nos termos da legislação municipal prevista no art. 11,
autorizar, na licença urbanística e ambiental integrada do condomínio urbanístico, que a
manutenção da infra-estrutura básica fique a cargo dos condôminos, respeitada a individualização
e proporcionalidade em relação à unidade imobiliária de cada condômino, sendo responsabilidade
do empreendedor a manutenção das unidades não alienadas.
§ 5º No caso previsto no § 4º, deve ser:
I – firmado contrato entre os condôminos e os concessionários ou permissionários para estabelecer
as regras da manutenção, assegurado o desconto, nas taxas e tarifas cobradas pela prestação do
serviço, dos valores relativos aos custos de manutenção;
II respeitada a individualização e a proporcionalidade em relação a cada unidade autônoma,
sendo de responsabilidade exclusiva do empreendedor os encargos de manutenção sobre unidades
não alienadas.
§ É assegurado acesso irrestrito do Poder Público ao perímetro com acesso controlado dos
condomínios urbanísticos para o cumprimento de suas obrigações relativas à operação e
manutenção da infra-estrutura básica e à coleta de resíduos sólidos.
§ Lei municipal deve regulamentar a prestação dos serviços de água e esgoto no condomínio
urbanístico, garantida a medição individual de água por unidade autônoma.
§ O órgão federal competente deve regulamentar a medição individual de energia elétrica por
unidade autônoma no condomínio urbanístico.
174
Art. 22. Cabe aos condôminos a manutenção do sistema viário, das áreas destinadas a uso comum
dos condôminos e da infra-estrutura complementar interna dos condomínios urbanísticos, a partir
do registro da instituição do condomínio no Registro de Imóveis, responsabilizando-se o
empreendedor pelos custos relativos às unidades autônomas ainda não alienadas.
Parágrafo único. A manutenção de que trata o caput pode ser realizada pelo Poder Público ou por
seus concessionários, de forma onerosa, mediante prévio contrato celebrado com os condôminos.
CAPÍTULO III
DO PROJETO DE PARCELAMENTO E DA LICENÇA URBANÍSTICA E AMBIENTAL
INTEGRADA
Seção 1
Da Definição de Diretrizes
Art. 23. Antes da elaboração do projeto de parcelamento, o empreendedor deve solicitar à
autoridade licenciadora que defina, com base no Plano Diretor e na legislação urbanística
municipal, bem como nas normas ambientais, diretrizes específicas para:
I – o parcelamento, o uso e a ocupação do solo;
II – o traçado do sistema viário;
III – a reserva de áreas destinadas a uso público e de faixas não edificáveis;
IV – as áreas legalmente protegidas.
Parágrafo único. A autoridade licenciadora pode definir, complementarmente, diretrizes
relacionadas à infra-estrutura básica e à complementar.
Art. 24. Para a solicitação de diretrizes prevista no art. 23, o empreendedor deve apresentar à
autoridade licenciadora:
I – requerimento específico instruído com:
a) prova de propriedade do imóvel ou, nos termos do inciso XXIX do art. 2º, da condição de
empreendedor;
b) certidão atualizada da matrícula do imóvel, expedida pelo Registro de Imóveis competente;
II – planta do imóvel contendo as informações previstas em legislação municipal.
§ Não havendo a legislação prevista no inciso II do caput, devem constar da planta do imóvel,
no mínimo:
I suas divisas, com indicação das medidas perimetrais e áreas confrontantes, e das vias lindeiras
a seu perímetro;
II – curvas de nível com espaçamento adequado à finalidade do empreendimento;
III localização dos corpos d'água, das APPs, das áreas com vegetação arbórea e das construções
já existentes;
175
IV tipo de uso predominante a que o parcelamento se destina e, no caso de uso residencial, uma
estimativa do número de unidades habitacionais.
§ 2º A planta do imóvel deve estar preferencialmente georreferenciada.
Art. 25. A autoridade licenciadora deve indeferir a solicitação de diretrizes, declarando a
impossibilidade de implantação do empreendimento, em razão do disposto no art. ou se
caracterizadas as seguintes situações:
I – inadequação do empreendimento ao Plano Diretor;
II situação jurídica do imóvel que possa comprometer a implantação do empreendimento ou
prejudicar os adquirentes de lotes ou unidades autônomas.
Art. 26. Deferida a solicitação de diretrizes, a autoridade licenciadora deve formulá-las, indicando,
no mínimo:
I o traçado básico do sistema viário principal, com previsão das vias destinadas à circulação de
veículos de transporte coletivo, no loteamento;
II a localização das áreas destinadas a uso público no loteamento e, nos termos da lei municipal,
no condomínio urbanístico;
III a localização das áreas com restrição ao uso e ocupação em razão da legislação federal,
estadual ou municipal;
IV – as faixas não edificáveis;
V – os usos admissíveis, com as respectivas localizações;
VI – os requisitos ambientais a serem cumpridos.
Parágrafo único. As diretrizes expedidas vigoram pelo prazo fixado pela autoridade licenciadora,
limitado a um mínimo de 1 (um) e um máximo de 2 (dois) anos.
Art. 27. Os prazos para a análise da solicitação das diretrizes e sua formulação pela autoridade
licenciadora devem ser definidos por lei municipal.
Parágrafo único. Inexistindo lei municipal, é fixado o prazo máximo de 60 (sessenta) dias para
cada um dos atos previstos no caput, contado respectivamente da data do protocolo do respectivo
requerimento e do deferimento da solicitação de diretrizes pela autoridade licenciadora.
Art. 28. A fase de fixação de diretrizes é dispensada para parcelamentos de pequeno porte.
Seção 2
Do Conteúdo do Projeto
Art. 29. O projeto de parcelamento deve ser elaborado com base nas disposições desta Lei e nas
diretrizes formuladas pela autoridade licenciadora, considerando:
I – a valorização do patrimônio natural e cultural;
II – a execução das obras necessárias em seqüência que evite situações de risco;
III a reposição da camada superficial do solo nas áreas que forem terraplenadas, com plantio de
vegetação apropriada, preferencialmente nativa.
176
Art. 30. O projeto de parcelamento deve incluir desenhos, memorial descritivo e cronograma físico
de obras e serviços.
§ 1º Os desenhos devem conter, no mínimo:
I – no loteamento, a definição:
a) do sistema viário com a respectiva hierarquia de vias;
b) da divisão em lotes e, se couber, em quadras, com as respectivas dimensões, área e numeração,
bem como com a indicação dos usos previstos;
c) das áreas destinadas a uso público;
d) das faixas não edificáveis, APPs e outras áreas com vegetação a ser preservada ou recomposta;
e) da infra-estrutura básica e complementar a ser instalada.
II – no condomínio urbanístico, a definição:
a) do sistema viário interno, com a respectiva hierarquia de vias;
b) das unidades autônomas e, se couber, das quadras, com as respectivas dimensões, área e
numeração, bem como dos usos previstos;
c) das áreas destinadas a uso comum dos condôminos e, nos termos da lei municipal, das áreas
destinadas a uso público;
d) das informações requeridas no inciso I, alíneas "d" e "e";
III – no desmembramento, a divisão de lotes pretendida, com a indicação dos usos previstos;
IV – no parcelamento integrado à edificação, as informações requeridas nos incisos I, II ou III, bem
como:
a) a localização das edificações nos lotes ou unidades autônomas;
b) os documentos necessários ao licenciamento das edificações, na forma da legislação municipal;
V – no parcelamento de pequeno porte, a definição:
a) das vias lindeiras à gleba ou ao lote e os parcelamentos contíguos;
b) dos usos previstos e sua localização;
c) dos lotes ou unidades autônomas, com as respectivas dimensões, área e numeração;
d) das faixas não edificáveis, APPs e outras áreas com vegetação a ser preservada ou recomposta.
§ 2º Os desenhos devem estar preferencialmente georreferenciados.
§ 3º O memorial descritivo deve conter, no mínimo:
I – a indicação da finalidade do parcelamento e dos usos previstos;
II a descrição dos lotes ou unidades autônomas e das áreas destinadas a uso público ou a uso
comum dos condôminos, com os elementos necessários à abertura das respectivas matrículas;
III – a indicação das áreas a serem transferidas ao domínio do Município, nos termos do art. 48;
177
IV – a enumeração das obras e serviços previstos para o parcelamento, com a indicação de
responsabilidades.
§ Além do previsto no § 3º, o memorial descritivo de condomínio urbanístico deve conter as
condições urbanísticas do empreendimento e as limitações que incidem sobre as unidades
autônomas e suas edificações, bem como refletir-se integralmente na convenção de condomínio.
§ 5º O cronograma físico de obras e serviços deve conter, no mínimo:
I – a indicação de todas as obras e serviços a serem executados pelo empreendedor;
II – o período e o prazo de execução de cada obra e serviço.
§ 6º Não se exige cronograma físico de obras e serviços para parcelamento de pequeno porte, salvo
disposição contrária prevista em lei municipal.
Art. 31. O projeto, adequado às diretrizes fixadas, deve ser apresentado à autoridade licenciadora
acompanhado:
I – da certidão atualizada da matrícula do imóvel;
II dos contratos ou outros atos que comprovem a condição de empreendedor, nos termos do
inciso XXIX do art. 2º;
III da anuência expressa da Secretaria do Patrimônio da União ou do órgão estadual competente,
quando o empreendimento for realizado integral ou parcialmente em área, respectivamente, da
União ou do Estado;
IV – da autorização do cônjuge do proprietário e do empreendedor, salvo no caso de terem
contraído matrimônio pelo regime de separação de bens e participação final nos aqüestos;
V da proposta de instrumento de garantia de execução das obras e dos serviços a cargo do
empreendedor, que deve ser compatível com o valor estimado das obras e dos serviços;
VI – do EIV, nos casos previstos em lei municipal;
VII – do EIA, nos casos previstos no art. 14.
§ A autorização a que se refere o inciso IV do caput não dispensa o futuro consentimento do
declarante para os atos de alienação ou promessa de alienação de lotes ou unidades autônomas, ou
de direitos a eles relativos, que venham a ser praticados por seu cônjuge.
§ A proposta do instrumento de garantia de execução das obras a cargo do empreendedor pode
ser representada por hipoteca de lotes ou de unidades autônomas do próprio empreendimento,
hipoteca de outros imóveis, fiança bancária ou pessoal, depósito ou caução de tulos da dívida
pública ou qualquer outra espécie de garantia prevista em lei.
§ O instrumento de garantia hipotecária de lotes ou de unidades autônomas no próprio
empreendimento deve ser registrado na matrícula dos imóveis dados em garantia, sendo os
respectivos registros considerados como um ato único para efeito das custas notariais e registrais.
§ Desde que exista a concordância da autoridade licenciadora, a garantia pode ser reduzida na
proporção da execução das obras e serviços.
Art. 32. Qualquer alteração na situação jurídica do imóvel em processo de licenciamento deve ser
comunicada imediatamente à autoridade licenciadora e pode ensejar a revisão dos atos
efetivados.
178
Seção 3
Da licença urbanística e ambiental integrada
Art. 33. A implantação de parcelamento do solo para fins urbanos depende da aprovação do
projeto pela autoridade licenciadora, a ser formalizada pela emissão, em ato único, da licença
urbanística e ambiental integrada.
§ Na motivação da licença urbanística e ambiental integrada, deve ser apresentado e avaliado o
impacto urbanístico e ambiental do empreendimento, bem como explicitadas as exigências
demandadas do empreendedor.
§ No parcelamento implantado em Município que não tenha gestão plena, além da licença
integrada a cargo da autoridade licenciadora municipal, exige-se licença ambiental emitida pelo
Estado.
§ Além do caso previsto no § 2º, exige-se licença ambiental emitida pelo Estado no
parcelamento do solo para fins urbanos:
I – em áreas:
a) maiores ou iguais a 1 (um) milhão de metros quadrados;
b) localizadas em mais de um Município;
c) com vegetação secundária em estágio médio e avançado de regeneração do bioma Mata
Atlântica;
II cujo impacto ambiental direto ultrapasse os limites territoriais de um ou mais Municípios, de
acordo com tipificação previamente definida por lei estadual ou por conselho estadual de meio
ambiente;
III cuja implantação coloque em risco a sobrevivência de espécie da fauna ou da flora silvestre
ameaçada de extinção, na forma da legislação em vigor.
§ A licença ambiental estadual prevista nos §§ 2º e 3º deve considerar as diretrizes urbanísticas
formuladas pelo Município, nos termos do art. 26.
Art. 34. Lei municipal deve definir o prazo para a emissão da licença urbanística e ambiental
integrada.
§ Se a legislação municipal for omissa, o prazo máximo para a emissão da licença urbanística e
ambiental integrada é de 90 (noventa) dias, contado a partir da data em que for protocolado o
respectivo requerimento.
§ A emissão da licença ambiental pelo Estado, na forma dos §§ e do art. 33, deve ser
efetivada no prazo máximo previsto por legislação estadual.
§ Se a legislação estadual for omissa, o prazo máximo para a emissão da licença ambiental pelo
Estado é de 90 (noventa) dias, contado a partir da data em que for protocolado o respectivo
requerimento ou, se for o caso, da remessa do processo ao órgão ambiental estadual competente
pela autoridade licenciadora municipal.
§ No parcelamento de grande porte ou complexidade, a autoridade licenciadora, por despacho
fundamentado, pode alterar o prazo estabelecido nos §§ 1º e 3º para até 180 (cento e oitenta) dias.
§ As exigências de complementação oriundas da análise do projeto de parcelamento devem ser
comunicadas pela autoridade licenciadora de uma única vez ao empreendedor, ressalvadas aquelas
179
decorrentes de fatos novos ou de omissão do empreendedor nos documentos e estudos técnicos que
apresentar.
§ A exigência de complementação de informações, documentos ou estudos feita pela autoridade
licenciadora interrompe o prazo de aprovação, que recomeça a fluir, do início, após seu
atendimento pelo empreendedor.
§ 7º O decurso dos prazos de que trata este artigo sem a emissão da licença urbanística e ambiental
integrada ou da licença ambiental estadual, se não justificável, implica responsabilização
administrativa, na forma da lei.
§ O decurso do prazo de 90 (noventa) dias estabelecido no § 1º, sem decisão acerca da emissão
da licença urbanística e ambiental integrada ou sem a comunicação da existência de vícios ou de
irregularidades pela autoridade licenciadora, não implica licenciamento tácito do empreendimento.
Art. 35. O projeto aprovado deve ser executado no prazo constante do cronograma sico de obras
e serviços, sob pena de execução do instrumento de garantia previsto no inciso V do caput do art.
31 e da aplicação das medidas estabelecidas no Capítulo VII deste Título.
§ A critério da autoridade licenciadora, o parcelamento pode ser realizado em etapas, em vista
do porte do empreendimento, do volume de obras exigido, de situações técnicas desfavoráveis ou,
ainda, de situações econômicas justificadas.
§ A licença urbanística e ambiental integrada deve definir o prazo para a execução de cada uma
das etapas do empreendimento.
§ 3º Os prazos referidos no caput e no § 2º podem ser prorrogados, atendidas as condições
estabelecidas em lei municipal e normas ambientais vigentes à época da renovação.
§ Para fins de supressão de vegetação, cada etapa deve ser autorizada individualmente e objeto
de licença final integrada, vedado o desmatamento da etapa subseqüente antes da conclusão das
obras da etapa antecedente.
Art. 36. A legislação municipal pode estabelecer procedimentos simplificados para o
licenciamento do parcelamento do solo para fins urbanos em ZEIS, respeitadas as disposições
desta Lei e as normas ambientais pertinentes.
CAPÍTULO IV
DA ENTREGA DAS OBRAS E DA LICENÇA FINAL INTEGRADA
Art. 37. Lei municipal deve definir o prazo para que as obras do parcelamento executadas pelo
empreendedor sejam vistoriadas e recebidas pela autoridade licenciadora, a partir do momento em
que for requerida a emissão da licença final integrada.
§ Após vistoria e avaliação técnica, uma vez atendidas as exigências urbanísticas e ambientais
estabelecidas para o empreendimento, a autoridade deve receber as obras realizadas e atestar a
regularidade do executado, mediante a emissão da licença final integrada.
§ 2º Nos Municípios cuja legislação for omissa, o prazo máximo para a emissão da licença final
integrada pela autoridade licenciadora é de 90 (noventa) dias, contado a partir da data em que for
protocolado o respectivo requerimento.
§ A comunicação pela autoridade licenciadora da existência de vícios ou de irregularidades a
serem sanados ou corrigidos pelo empreendedor deve ser feita de uma única vez e interrompe a
180
contagem do prazo estabelecido no § , que volta a fluir, do início, a partir do momento em que,
em face do atendimento das exigências devidas, for solicitada nova avaliação para emissão da
licença final integrada.
§ O decurso do prazo estabelecido no § 2º sem a emissão da licença final integrada, ou sem a
comunicação da existência de vícios ou de irregularidades pela autoridade licenciadora, se não
justificável, implica responsabilização administrativa, na forma da lei.
§ O decurso do prazo de 90 (noventa) dias estabelecido no § 2º, sem decisão acerca da emissão
da licença final integrada ou sem a comunicação da existência de vícios ou de irregularidades pela
autoridade licenciadora, não implica licenciamento tácito do empreendimento.
§ Nos casos dos §§ e do art. 33, o Município deve incorporar a licença ambiental final
emitida pelo órgão ambiental competente, em sua íntegra, na licença final integrada.
Art. 38. É condição para a emissão da licença final integrada que os lotes ou as unidades
autônomas do parcelamento e, se couber, as quadras, estejam devidamente demarcadas, admitida
uma tolerância de, no máximo, 5% (cinco por cento) em relação às medidas lineares previstas no
projeto.
§ Havendo diferenças de medida, mesmo dentro do limite de tolerância, o empreendedor deve
providenciar a devida retificação no Registro de Imóveis, sem prejuízo de eventuais conseqüências
contratuais.
§ Se a diferença for superior ao limite de tolerância, a retificação depende de anuência da
autoridade licenciadora.
Art. 39. Quando o parcelamento for realizado em etapas, na conformidade do admitido pelo art. 35,
§ 1º, as obras e serviços de cada etapa devem ser objeto de licença final integrada específica.
Art. 40. O empreendedor deve solicitar a averbação da licença final integrada na matrícula em que
se acha registrado o parcelamento, no prazo máximo de 15 (quinze) dias de sua expedição.
Art. 41. Os órgãos e entidades da Administração Pública direta e indireta municipal, estadual ou
federal, bem como os concessionários ou permissionários de serviços públicos, estão igualmente
subordinados aos prazos e condições estabelecidos no arts. 34 e 37.
Art. 42. Desde o registro do seu contrato, o adquirente de lote ou unidade autônoma pode
apresentar projeto de construção à autoridade municipal competente, ficando condicionada a
expedição de "habite-se", ou de ato administrativo equivalente, à emissão da licença final integrada
do parcelamento.
CAPÍTULO V
DO REGISTRO DO PARCELAMENTO
Art. 43. É vedado vender ou prometer vender lote ou unidade autônoma de parcelamento do solo
para fins urbanos que não tenha sido objeto de registro imobiliário.
§ 1º Em qualquer material impresso de divulgação de parcelamento do solo para fins urbanos, deve
constar o número do registro imobiliário do empreendimento.
§ 2º É vedado ao empreendedor fazer menção, em material publicitário, de obra ou serviço que não
esteja incluída no escopo de seu fornecimento.
181
Art. 44. Sob pena de caducidade dos direitos constituídos pela licença urbanística e ambiental
integrada, o empreendedor deve requerer o registro do parcelamento dentro de 180 (cento e
oitenta) dias contados da data da sua expedição, apresentando, após regular desentranhamento dos
autos em que se processou o licenciamento, os documentos referidos nos incisos I a V do caput do
art. 31, bem como os seguintes documentos adicionais:
I – cópia do projeto aprovado, do qual constem os desenhos, o memorial descritivo e o cronograma
físico de obras e serviços;
II – a licença urbanística e ambiental integrada do parcelamento;
III as cláusulas padronizadas que regem os contratos de alienação dos lotes ou unidades
autônomas, e suas alterações ou aditamentos posteriores, observadas as disposições da Lei
8.078, de 11 de setembro de 1990;
IV – o instrumento de instituição do condomínio urbanístico e a sua respectiva convenção, se for o
caso;
V – o regimento interno da comissão de representantes;
VI o instrumento de garantia de execução das obras e dos serviços de responsabilidade do
empreendedor, aceito pela autoridade licenciadora;
VII certidão de ações penais relativas ao empreendedor, com respeito a crimes contra o
patrimônio, a Administração Pública, o consumidor, a economia popular, a ordem tributária e
econômica, o meio ambiente ou a ordem urbanística, referente aos últimos 10 (dez) anos.
§ Além dos documentos previstos no caput, nos casos previstos nos §§ e do art. 33, deve
ser apresentada a licença ambiental estadual, contado o prazo previsto no caput a partir da licença
que for expedida mais tardiamente.
§ 2º A existência de ação penal com sentença condenatória transitada em julgado contra o
empreendedor, relativamente aos delitos referidos no inciso VII do caput, impede o registro do
parcelamento, observada a reabilitação de que trata o art. 93 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de
dezembro de 1940.
§ A existência de ação penal com sentença condenatória transitada em julgado, relativa a crime
de menor potencial ofensivo contra o meio ambiente, não impede o registro do parcelamento,
desde que seja comprovada a reparação do dano por certidão emitida pelo juízo criminal.
§ 4º A existência de ão penal relativa aos delitos referidos no inciso VII do caput que não tenha
sido objeto de sentença condenatória transitada em julgado não impede o registro do parcelamento.
§ A existência de ação civil o impede o registro do parcelamento, desde que o empreendedor
comprove que a ação não pode prejudicar o adquirente de lote ou unidade autônoma.
Art. 45. Examinada a documentação e encontrada em ordem, o Oficial do Registro de Imóveis
deve encaminhar documentação ao Poder Público municipal e fazer publicar, em resumo e com
pequeno desenho de localização da área, edital do pedido de registro em 3 (três) dias consecutivos,
podendo este ser impugnado no prazo de 5 (cinco) dias contados da data da última publicação e
observadas as demais disposições deste artigo.
§ A impugnação de que trata o caput deve ser admitida pelo Oficial de Registro exclusivamente
quando o impugnante demonstrar de forma inequívoca o seu direito real sobre o imóvel objeto do
parcelamento, nos termos do art. 1.227 da Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002, devendo
proceder da seguinte forma:
182
I recebida a impugnação de que trata este parágrafo, o Oficial deve intimar o requerente e o
Poder Público municipal, para que sobre ela se manifestem no prazo de 5 (cinco) dias, sob pena de
arquivamento do processo;
II com as manifestações de que trata o inciso I, o processo deve ser enviado ao juiz competente
para decisão;
III ouvido o Ministério Público no prazo de 10 (dez) dias, o juiz deve decidir de plano ou após
instrução sumária, remetendo o interessado às vias ordinárias caso a matéria exija maior
indagação.
§ Se a impugnação versar sobre matéria diversa da referida no § 1º, esta deve ser recebida pelo
Oficial como procedimento administrativo, sendo encaminhada ao juízo competente, sem prejuízo
do registro do parcelamento, observado o seguinte:
I a impugnação de que trata este parágrafo deve ser encaminhada ao juízo competente somente
após a realização do registro do parcelamento;
II aplicam-se a esse procedimento, no que couber, as demais regras constantes dos incisos I a III
do § 1º.
§ 3º As publicações dos editais referidos neste artigo devem ser feitas em jornal local, se diário, ou
em jornal de circulação regional, ou ainda, no Diário Oficial do Estado.
§ O Oficial de Registro de Imóveis que efetuar ou deixar de efetuar o registro em desacordo
com as disposições desta Lei fica sujeito a multa equivalente a 10 (dez) vezes os emolumentos
regimentais fixados para registro, na época em que for aplicada a penalidade pelo juiz corregedor
do cartório, sem prejuízo das sanções penais e administrativas cabíveis.
§ Registrado o parcelamento, o Oficial de Registro de Imóveis deve comunicar, por certidão, o
seu registro ao Poder Público municipal e, nas hipóteses do § 2º, fornecer cópia da impugnação
admitida pelo procedimento administrativo, juntamente com a certidão do registro, para as
providências cabíveis.
Art. 46. O registro do parcelamento deve ser feito na matrícula do imóvel, por extrato, e conter,
entre outros dados:
I – o nome do empreendimento;
II a indicação da licença urbanística e ambiental integrada e da data da sua emissão e, se for o
caso, da licença ambiental estadual;
III a indicação das áreas, em metros quadrados, destinadas aos lotes ou unidades autônomas, e
das áreas destinadas a uso público, a uso comum dos condôminos e, se for o caso, a indicação das
construções a serem edificadas;
IV – os nomes dos futuros logradouros públicos que constem do projeto aprovado;
V – as restrições administrativas, convencionais e legais relativas ao parcelamento;
VI – o cronograma físico de obras e serviços;
VII o quadro contendo a identificação de cada lote ou unidade autônoma, com localização por
quadra se couber, numeração e respectiva matrícula, bem como a identificação das áreas
destinadas a uso público e, se for o caso, das áreas destinadas a uso comum dos condôminos.
183
§ No registro do parcelamento devem ser abertas as matrículas correspondentes a cada um dos
lotes ou unidades autônomas, cuja descrição deve conter:
I – quanto aos lotes, o seu número e, se couber, quadra, bem como o nome do logradouro com que
faz frente, as medidas perimetrais e área, os lotes confrontantes com os números de suas
respectivas matrículas e, se for o caso, a indicação das construções a serem edificadas;
II quanto às unidades autônomas, o seu número e, se couber, quadra, bem como as medidas
perimetrais e área, a fração ideal da área comum, as unidades confrontantes com o número de suas
respectivas matrículas e, se for o caso, a indicação das construções a serem edificadas.
§ A descrição dos lotes ou unidades autônomas deve, preferencialmente, conter a indicação das
coordenadas georreferenciadas de seus vértices definidores.
§ As matrículas das áreas destinadas a uso público devem ser abertas de ofício, devendo nelas
serem averbadas as respectivas destinações e, se houver, as restrições.
§ O pagamento das custas e emolumentos referentes à abertura de matrícula de que trata o §
deve ser feito quando do registro do contrato de venda e compra de cada lote ou unidade
autônoma.
Art. 47. Se o empreendimento estiver situado em mais de uma circunscrição imobiliária, o registro
do empreendimento deve ser requerido simultaneamente em todas elas.
§ 1º Enquanto não efetuados os registros em todas as circunscrições, o parcelamento é considerado
como não registrado para os efeitos desta Lei.
§ 2º Nenhum lote ou unidade autônoma pode situar-se em mais de uma circunscrição.
Art. 48. Desde a data do registro do parcelamento, as áreas destinadas a uso público constantes do
projeto passam a integrar o domínio do Município, independentemente de qualquer outra
formalidade, observado o disposto no art. 21.
§ O disposto no caput aplica-se também aos parcelamentos do solo para fins urbanos efetuados
em imóveis de propriedade da União ou do Estado.
§ 2º Nos imóveis objeto de aforamento, o registro do parcelamento transmite ao Município
somente o domínio útil das áreas destinadas a uso público.
Art. 49. Nos títulos apresentados a registro, a identificação do imóvel pode ser feita mediante
menção ao número de sua matrícula, à circunscrição imobiliária a que pertence e a seu endereço.
§ Se a divergência entre a descrição constante do título e aquela da matrícula não gerar dúvida
quanto à identidade do imóvel, o registro pode ser feito mediante requerimento do adquirente para
que o ato seja praticado conforme a descrição contida na matrícula.
§ Se comprovadamente o título tiver sido outorgado mais de 15 (quinze) anos, é suficiente a
figuração como outorgante de quaisquer dos proprietários constantes da matrícula.
§ Se o alienante for pessoa jurídica, transcorrido o prazo decadencial para recolhimento das
contribuições sociais previstas em lei, o registro da transmissão da propriedade independe da
apresentação da certidão negativa referente a tais contribuições.
Art. 50. Qualquer alteração do parcelamento registrado depende da aprovação da autoridade
licenciadora e deve ser averbada no Registro de Imóveis.
184
§ 1º Se houver lotes alienados, a alteração depende da anuência dos adquirentes diretamente
atingidos pela alteração.
§ Para os fins do disposto no § 1º, todos os adquirentes são considerados como diretamente
atingidos, se a alteração implicar redução ou mudança da destinação das áreas destinadas a uso
público ou a uso comum dos condôminos, aumento no número de lotes ou de unidades autônomas,
ou alterações nas restrições urbanísticas previstas.
§ O requerimento para averbação da alteração deve ser instruído com o respectivo projeto,
devidamente aprovado pela autoridade licenciadora, e com as anuências exigidas nos §§ 1º e 2º.
§ Não se aplica o disposto no § aos casos de alteração da localização das áreas destinadas a
uso público ou a uso comum dos condôminos, que não impliquem sua redução.
Art. 51. O registro do parcelamento somente pode ser cancelado:
I – por decisão judicial, ouvida a autoridade licenciadora;
II a requerimento do empreendedor, com anuência da autoridade licenciadora, se não houver
unidade imobiliária vendida ou compromissada;
III a requerimento do empreendedor, com anuência de todos os adquirentes de lotes ou unidades
autônomas e da autoridade licenciadora;
IV a requerimento da autoridade licenciadora, no parcelamento registrado mais de 5 (cinco)
anos e o implantado, ressalvados os casos em que o cronograma físico de obras e serviços,
aprovado pela autoridade licenciadora, previr prazo maior para finalização do empreendimento.
§ Além do previsto no caput, o registro do parcelamento pode ser cancelado para a
regularização fundiária de área que já tenha sido objeto de parcelamento anteriormente registrado,
desde que não tenha sido executado ou tenha sido executado em desconformidade com seu
licenciamento.
§ 2º Em qualquer caso, a autoridade licenciadora somente pode opor-se ao cancelamento do
registro se dele resultar justificado inconveniente para o desenvolvimento urbano ou se já tiver
realizado qualquer melhoramento na área parcelada.
Art. 52. Se o empreendedor não obtiver anuência dos adquirentes para alteração ou cancelamento
do registro, deve notificá-los extrajudicialmente, bem como a comissão de representantes.
§ O adquirente notificado na forma do caput deve manifestar-se perante o Registro de Imóveis
no prazo de 30 (trinta) dias.
§ 2º Tendo sido notificados, não apresentarem impugnação no prazo indicado, é considerada
incontroversa a alteração do parcelamento ou o cancelamento do registro.
§ Na hipótese de os adquirentes não serem encontrados nos endereços disponíveis, indicados
pelo empreendedor, mediante três diligências comprovadas, será realizada a notificação por via
editalícia, com igual prazo, findo o qual aplicar-se-á o disposto no § 2º.
Art. 53. Nas hipóteses do art. 50 e do art. 51, caput, incisos II a IV, e § 1º, o Oficial do Registro de
Imóveis deve comunicar a apresentação de requerimento de alteração ou o de cancelamento do
registro ao Ministério Público, publicar edital com sua ntese e abrir prazo de 30 (trinta) dias para
impugnação.
§ Não havendo impugnação, o Oficial do Registro de Imóveis deve efetivar a averbação da
alteração ou do cancelamento do registro.
185
§ 2º Havendo impugnação, o Oficial do Registro de Imóveis deve dar ciência ao requerente de seus
termos e encaminhá-la imediatamente ao juiz corregedor, perante o qual o empreendedor pode
apresentar defesa no prazo de 15 (quinze) dias.
§ Na hipótese do § 2º, após manifestação do Ministério Público dentro do prazo de 10 (dez)
dias, a impugnação deve ser apreciada pelo juiz corregedor em até 30 (trinta) dias.
Art. 54. O desmembramento caracterizado como parcelamento de pequeno porte deve ser
requerido ao Registro de Imóveis pelo empreendedor e instruído com a devida licença urbanística e
ambiental integrada, plantas e memoriais descritivos do projeto.
Parágrafo único. O procedimento previsto no caput somente pode ser aplicado se o imóvel não
tiver sido, anteriormente, objeto de desmembramento de pequeno porte.
Art. 55. O Oficial de Registro de Imóveis que efetuar atos registrais em desacordo com as
exigências desta Lei fica sujeito a multa equivalente a 20 (vinte) vezes os emolumentos
regimentais fixados para o respectivo ato, no valor apurado à época em que for aplicada a
penalidade pelo juiz corregedor, sem prejuízo das demais sanções cabíveis, na forma estabelecida
em lei.
CAPÍTULO VI
DOS CONTRATOS
Art. 56. A alienação de lotes ou unidades autônomas pode ser contratada por quaisquer das formas
previstas em lei, mediante contratos regidos por disposições específicas a cada contratação e por
cláusulas padronizadas, observado o disposto no inciso III do art. 44.
§ 1º As disposições específicas devem conter, no mínimo:
I – o nome e a qualificação das partes;
II – a identificação do lote ou unidade autônoma, com o respectivo número de matrícula;
III – o preço, o prazo e a forma de pagamento;
IV – a forma de atualização monetária e os juros, se houver.
§ 2º As cláusulas padronizadas devem conter, no mínimo:
I – a descrição do empreendimento, bem como as restrições administrativas, convencionais e
legais;
II – o local para realização dos pagamentos;
III – as penalidades e os encargos da mora para o empreendedor e o adquirente;
IV – a descrição da infra-estrutura a cargo do empreendedor;
V – o prazo de entrega do empreendimento;
VI o momento a partir do qual o adquirente assume os tributos e os demais encargos incidentes
sobre o lote ou unidade autônoma;
VII a solução em caso de divergência quanto às dimensões do lote ou unidade autônoma com
aquelas constantes da matrícula;
186
VIII – as hipóteses de rescisão e suas conseqüências, incluindo as condições relativas à restituição
dos valores pagos pelo adquirente.
§ O empreendedor pode submeter ao Registro de Imóveis mais de um conjunto de cláusulas
padronizadas, de acordo com a natureza do contrato a ser celebrado.
§ As alterações introduzidas nas cláusulas padronizadas valem apenas para os contratos
firmados após seu registro.
§ Qualquer documento fornecido pelo empreendedor que comprove o recebimento do sinal, ou
parte do pagamento, constando a indicação do lote ou unidade autônoma, preço, prazo e forma de
pagamento, é considerado como contrato preliminar e regido pelas cláusulas padronizadas, sendo
passível de registro, a requerimento do adquirente, como promessa de venda e compra, se o
empreendedor for o proprietário, ou promessa de cessão de direitos, caso não o seja.
§ O contrato deve fazer menção ao número do registro das cláusulas padronizadas e estar
acompanhado de cópia da certidão do seu texto, devidamente rubricada pelo adquirente, bem como
de um desenho do lote ou unidade autônoma, com todas as suas características, e desenho
simplificado de sua localização.
§ Fica vedada a cobrança de valores relacionados à manutenção do empreendimento a favor do
empreendedor.
Art. 57. Os contratos, incluindo o preliminar, devem ser prenotados no Registro de Imóveis no
prazo de 180 (cento e oitenta) dias da sua celebração.
§ 1º É do empreendedor a obrigação de promover o registro do contrato preliminar, podendo exigir
do adquirente o reembolso das despesas, por expressa disposição contratual.
§ 2º Decorrido o prazo previsto no caput, o empreendedor não pode exigir do adquirente do lote ou
unidade autônoma o cumprimento de obrigação prevista no contrato antes de seu registro.
§ 3º O contrato preliminar pode ser realizado por instrumento particular e, cumpridas as obrigações
estipuladas, qualquer das partes pode exigir a celebração do contrato definitivo.
§ Na cessão de direitos ou na promessa de cessão feita pelo empreendedor não proprietário,
cumpridas as obrigações pelo adquirente, não pode o proprietário se recusar a outorgar o contrato
definitivo de transferência da propriedade.
§ A transmissão da propriedade é registrada mediante a apresentação da quitação do preço e do
comprovante de pagamento do imposto de transmissão e do imposto sobre a propriedade predial e
territorial urbana:
I – no contrato preliminar formalizado por instrumento público registrado;
II no contrato preliminar formalizado por instrumento particular registrado relativo a bem de
valor igual ou inferior ao previsto no art. 108 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002.
§ O disposto no inciso II do § também se aplica ao contrato formalizado por instrumento
particular antes da vigência desta Lei e levado a registro, desde que apresentada ata notarial que
constate a impossibilidade de localização do titular do domínio do imóvel ou sua recusa em
outorgar escritura pública de venda e compra.
§ A prova da quitação é dispensada se decorrido o prazo de prescrição para a cobrança da
última parcela, a contar da data de seu vencimento, desde que apresentada certidão forense que
comprove a inexistência de ação de rescisão contratual ou de cobrança em face do promitente
comprador.
187
§ 8º A cessão e promessa de cessão de direitos decorrentes de compromisso de venda e compra:
I – depende da comprovação de adimplência do cedente ou promitente cedente;
II – somente tem validade perante o empreendedor, o cessionário ou o promitente cessionário após
o registro.
Art. 58. Vencida e não paga a prestação, o contrato pode ser considerado rescindido de pleno
direito 30 (trinta) dias após a constituição em mora do adquirente devedor.
§ Para os fins deste artigo, deve o empreendedor requerer ao Oficial do Registro de Imóveis a
notificação do adquirente devedor para:
I satisfazer as prestações objeto da notificação e as vincendas a a data do respectivo
pagamento, acrescidas de juros de mora, da multa contratual limitada ao percentual previsto no §
do art. 52 da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, de atualização monetária e das despesas
de notificação, devendo estes valores constarem expressamente do requerimento e da notificação,
em memória de cálculo discriminada;
II – impugnar o valor, depositando no Registro de Imóveis o montante incontroverso.
§ A notificação deve conter a advertência de que, não satisfeitas as prestações ou não
impugnado o valor, o credor pode pleitear a rescisão do contrato.
§ 3º O empreendedor deve arcar com os custos da notificação, referida no § 1º, nos casos em que o
adquirente possua renda familiar mensal inferior ou igual a três salários mínimos, uma única vez
durante o período de vigência do contrato, vedado o fracionamento do montante das prestações em
atraso, ainda que não consecutivas.
§ A notificação deve ser feita pessoalmente, pelo Registro de Títulos e Documentos do
domicílio de quem deva recebê-la, vedada sua forma postal.
§ A notificação deve ser dirigida ao adquirente no domicílio constante do Registro de Imóveis
ou ao endereço do imóvel objeto do contrato e, se o adquirente não for encontrado em nenhum dos
dois, em endereço fornecido pelo empreendedor.
§ Se o destinatário recusa-se a dar recibo ou furta-se ao recebimento, o agente incumbido da
diligência deve informar essa circunstância ao Oficial competente, que a certifica sob sua
responsabilidade, sendo considerado notificado o destinatário.
§ 7º Se for desconhecido o paradeiro do destinatário, a notificação deve ser feita por edital,
publicado uma vez em jornal de grande circulação local, começando o prazo para pagamento a
fluir 10 (dez) dias após a publicação.
§ 8º Purgada a mora, o contrato mantém-se na forma pactuada.
§ 9º Certificada a ausência do pagamento no Registro de Imóveis, o empreendedor pode requerer o
cancelamento do registro do contrato ao Oficial, que deve efetivá-lo em prazo o superior a 15
(quinze) dias, expedindo a respectiva certidão.
Art. 59. Se o credor das prestações referidas no art. 58 recusa-se a recebê-las, ou furta-se a seu
recebimento, pode ser constituído em mora mediante notificação do Oficial do Registro de Imóveis
para receber as importâncias depositadas pelo devedor.
§ 1º Decorridos 15 (quinze) dias após o recebimento da notificação de que trata o caput, considera-
se efetuado o pagamento.
188
§ Não comparecendo o credor para receber, a importância deve ser depositada pelo Oficial do
Registro de Imóveis em conta bancária especial a favor do credor, remunerada na forma dos
depósitos judiciais.
Art. 60. Em caso de rescisão contratual por fato exclusivamente imputado ao adquirente, devem
ser restituídos os valores pagos por ele, com exceção da vantagem econômica auferida com a
fruição do imóvel pelo lapso temporal em que este ficou indisponível, contado a partir da emissão
da licença final integrada ou da efetiva imissão na posse do imóvel, o que ocorrer por último,
respeitado o limite máximo de 0,5% (meio por cento) ao mês do valor do imóvel previsto em
contrato; e
I – do montante devido por cláusula penal e despesas administrativas, inclusive arras ou sinal, tudo
limitado a um desconto máximo de 10% (dez por cento) do valor total das prestações pagas;
II – dos juros moratórios relativos às prestações pagas em atraso pelo adquirente;
III – dos valores decorrentes do inadimplemento do adquirente relativos ao imposto sobre a
propriedade predial e territorial urbana (IPTU), contribuições condominiais ou associativas que
sejam a estas equiparadas e tarifas vinculadas ao imóvel, bem como de tributos incidentes sobre a
restituição, desde que irrecuperáveis ao empreendedor;
IV da corretagem, se tiver sido comprovadamente paga pelo empreendedor, assegurada a
oportunidade de o adquirente tomar conhecimento prévio de sua existência e de seu respectivo
valor.
§ O valor deve ser devolvido na forma prevista expressamente em contrato, respeitado o prazo
máximo de 12 (doze) meses, a contar da manifestação por escrito da desistência, para finalização
da restituição.
§ No caso de doença grave, conforme definição da Secretaria da Receita Federal do Brasil para
fins de isenção do imposto de renda, do adquirente ou de seus dependentes e, ainda, no caso de
desemprego do adquirente, o prazo de devolução deve ser reduzido para até 30 (trinta) dias.
§ Para fins da restituição prevista no caput, os valores das prestações pagas e dos abatimentos
previstos, bem como o valor do imóvel constante do contrato, devem ser atualizados
monetariamente, utilizando-se o índice de atualização contratualmente estabelecido.
§ 4º Na rescisão por fato imputado exclusivamente ao adquirente, as acessões e benfeitorias por ele
realizadas no imóvel devem ser indenizadas, respeitado o disposto no § 5º, sendo de nenhum efeito
qualquer disposição contratual em contrário.
§ No prazo de 60 (sessenta) dias, a contar da manifestação da desistência, fica o empreendedor,
na hipótese do § 4º, obrigado a alienar o imóvel mediante de leilão judicial ou extrajudicial, aplicar
o valor no pagamento das prestações remanescentes e entregar o que sobejar ao adquirente.
§ 6º Em caso de inadimplemento do empreendedor, o ressarcimento deve ser integral, acrescido de
juros compensatórios e moratórios, e atualização monetária, bem como da cláusula penal prevista
contratualmente, além das perdas e danos.
§ 7º O adquirente tem o direito de obter, junto ao empreendedor, a prestação de contas das
despesas a serem descontadas do ressarcimento previsto neste artigo.
§ Se o adquirente se arrepender da aquisição no prazo de 30 (trinta) dias a contar da assinatura
do contrato, tem direito à restituição integral dos valores pagos, incluindo a comissão de
corretagem, vedada a retenção de valores pelo empreendedor.
189
§ Se houver controvérsia, o empreendedor deve iniciar, de imediato, a restituição da parte
incontroversa, respeitado o prazo indicado no § 1º.
§ 10. Caso o empreendedor, injustificadamente, não efetue a devolução ou a protele, o adquirente
tem direito a exigi-la de uma única vez.
§ 11. Somente pode ser efetuado registro do contrato de nova venda se for comprovado o início da
restituição do valor pago pelo vendedor ao titular do registro cancelado, na forma e condições
previstas neste artigo.
Art. 61. O registro do compromisso, cessão ou promessa de cessão apenas pode ser cancelado:
I – por decisão judicial;
II – por requerimento das partes contratantes;
III – nos casos de rescisão do contrato.
Art. 62. A escritura de venda e compra deve ser lavrada no prazo máximo de 30 (trinta) dias após a
quitação do contrato preliminar, ressalvado o disposto no § 6º do art. 57.
§ Se, por inércia do compromissário ou cessionário comprador, o for lavrada a escritura no
prazo previsto no caput, o empreendedor pode requerer a averbação do termo de quitação junto ao
Registro de Imóveis.
§ Na hipótese prevista no § 1º, o adquirente pode providenciar a lavratura da escritura de venda
e compra, mediante a apresentação de certidão atualizada da matrícula do imóvel ao notário.
Art. 63. Lavrada a escritura, no prazo máximo de 30 (trinta) dias, o notário, mediante depósito
prévio dos emolumentos registrais pelo interessado contratante, deve encaminhá-la para registro.
Parágrafo único. Considera-se infração disciplinar, punível na conformidade do disposto nos arts.
32 a 36 da Lei nº 8.935, de 21 de novembro de 1994, o desrespeito ao disposto no caput.
Art. 64. O lançamento de tributos incidentes sobre o lote ou unidade autônoma deve ser efetuado
em relação à pessoa do adquirente, desde que requerido pelo próprio interessado ou pelo
empreendedor.
Art. 65. Até a averbação da licença final integrada, todo o empreendimento, ou parte dele, pode ser
transmitido como uma universalidade, mediante ato inter vivos ou por sucessão causa mortis, caso
em que o adquirente sucede o transmitente em todos os seus direitos e obrigações, ficando
obrigado a respeitar os compromissos de venda e compra ou as promessas de cessão, em todas as
suas cláusulas, ressalvado o direito do herdeiro ou do legatário de renunciar à herança ou ao
legado.
§ O ato de transmissão deve ser objeto de registro na matrícula do parcelamento e de averbação
em todas as matrículas originadas a partir do parcelamento.
§ 2º Na transmissão do empreendimento por ato inter vivos, o adquirente deve apresentar as
certidões relativas ao seu nome previstas no inciso VII do caput do art. 44.
Art. 66. A sentença declaratória de falência ou de insolvência de qualquer das partes não rescinde
os compromissos de venda e compra ou as promessas de cessão que tenham por objeto o imóvel
parcelado, ou lotes ou unidades autônomas resultantes do parcelamento.
§ Se a falência ou insolvência for do empreendedor, incumbe ordinariamente ao síndico ou ao
administrador dar cumprimento aos referidos contratos.
190
§ No caso do § 1º, os adquirentes dos lotes ou das unidades autônomas podem requerer ao juiz
que os autorize a prosseguir a implantação do empreendimento por meio da comissão de
representantes.
Art. 67. Na desapropriação, a imissão na posse, desde que registrada na matrícula do imóvel,
constitui direito real passível de cessão ou de promessa de cessão e, se outorgado pelo
expropriante, mediante termo ou contrato da administração pública, independe de testemunhas,
não se aplicando o disposto no art. 108 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002.
§ 1º Com o pagamento da indenização e o respectivo registro imobiliário da sentença transitada em
julgado na ação de desapropriação, a posse referida no caput converte-se em propriedade, a caução
em hipoteca, a cessão de posse em compromisso ou contrato de venda e compra, ou outra
modalidade contratual adequada, conforme haja obrigações a cumprir ou estejam elas cumpridas,
circunstâncias que, demonstradas ao Registro de Imóveis, devem ser averbadas na respectiva
matrícula.
§ O direito real de que trata o caput pode ser dado em garantia nos contratos de financiamento
habitacional.
Art. 68. É dispensada a escritura pública nos negócios jurídicos translativos de direitos reais sobre
imóveis celebrados por pessoas jurídicas de direito público.
§ Os contratos aperfeiçoados na forma do caput devem ser lavrados nas entidades públicas
interessadas, as quais devem manter arquivo cronológico de seus autógrafos e registro sistemático
de seu extrato.
§ Aplicam-se aos contratos de que trata o caput, no que couber, o disposto no art. 61 da Lei
nº 8.666, de 21 de junho de 1993, incluindo a necessidade de publicação resumida do seu
respectivo instrumento.
§ 3º Não se aplicam as restrições do art. 108 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, à hipótese
prevista neste artigo.
CAPÍTULO VII
DA INTERVENÇÃO
Art. 69. Verificado que o empreendedor executa o parcelamento em desacordo com o projeto
aprovado ou em descumprimento ao seu cronograma físico, a autoridade licenciadora deve
notificá-lo para que, no prazo e nas condições fixadas, regularize a situação, sem prejuízo da
aplicação das devidas sanções administrativas.
§ Não sendo encontrado o empreendedor ou estando este em lugar incerto e não sabido, a
autoridade licenciadora deve providenciar sua notificação, mediante edital publicado em jornal
local de grande circulação, por 2 (duas) vezes, no período de 15 (quinze) dias.
§ Independentemente da forma pela qual venha a ser consumada a notificação, a autoridade
licenciadora deve dar ciência dos seus termos à comissão de representantes dos adquirentes e ao
Ministério Público.
§ 3º O descumprimento do disposto no caput pelo agente público implica responsabilização
administrativa, na forma da lei, sem prejuízo de outras sanções cabíveis.
191
§ Qualquer pessoa pode comunicar à autoridade licenciadora e ao Ministério Público a
existência de irregularidade na execução de projeto de parcelamento, para fins do estabelecido
neste artigo.
Art. 70. Decorrido o prazo estabelecido na notificação de que trata o caput do art. 69 sem a
regularização do parcelamento, a autoridade licenciadora deve solicitar ao juiz competente que
declara a intervenção, pelo Poder Público municipal, no empreendimento.
§ A decisão que determinar a intervenção deve indicar o nome do interventor e ser
acompanhada de motivação obrigatória, devendo ainda a autoridade licenciadora, de imediato,
providenciar a averbação da intervenção na matrícula do imóvel parcelado e comunicar o fato ao
Ministério Público.
§ 2º O interventor deve ser escolhido entre os servidores públicos municipais de carreira.
§ Determinada e averbada a intervenção, os adquirentes devem ser notificados a imediatamente
suspender o pagamento ao empreendedor das prestações contratuais ainda remanescentes e a
efetuar o seu respectivo depósito junto ao Registro de Imóveis.
§ 4º O Registro de Imóveis deve receber as quantias encaminhadas pelos adquirentes e depositá-las
em conta de poupança aberta junto a estabelecimento de crédito, respeitado o disposto no art. 666,
inciso I, da Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973.
§ Se as garantias oferecidas pelo empreendedor não forem suficientes, as quantias depositadas
na forma do § devem ser utilizadas para o custeio das providências necessárias à regularização
do parcelamento ou da execução das obras previstas.
Art. 71. Ao interventor são atribuídos os mesmos poderes de gestão que possui o empreendedor
para a execução do parcelamento, sendo a ele ainda facultado levantar os depósitos feitos na forma
do § do art. 70, independentemente de prévia autorização judicial, contratar as obras e serviços
necessários, alienar os lotes e unidades autônomas disponíveis, bem como executar as garantias
oferecidas.
Parágrafo único. As quantias auferidas com a alienação dos lotes e unidades autônomas, ou ainda
com a execução das garantias, devem ser depositadas na conta de poupança mencionada no § 3º do
art. 70.
Art. 72. Durante a intervenção, o empreendedor pode acompanhar todos os atos do interventor,
bem como examinar livros, contas e contratos.
Art. 73. O interventor deve prestar contas de sua gestão, mensalmente, à autoridade licenciadora e
à comissão de representantes dos adquirentes, devendo a sua gestão ser pautada pelos mesmos
padrões que orientam a atuação dos agentes públicos.
Parágrafo unico. O Ministério Público pode, a qualquer momento, fiscalizar os atos do interventor,
bem como examinar livros, contas e contratos.
Art. 74. A autoridade licenciadora deve determinar o fim da intervenção quando o parcelamento
estiver em conformidade com o projeto e os prazos fixados no cronograma físico, desde que
verificada a capacidade técnica e financeira do empreendedor para reassumir o parcelamento.
§ Firmada a decisão que encerra a intervenção, a autoridade licenciadora deve requerer,
imediatamente, o cancelamento da averbação realizada na conformidade do disposto no § 1º do art.
70.
§ Encerrada a intervenção, o empreendedor assume novamente a responsabilidade pela
execução do parcelamento, a ele competindo:
192
I requerer à autoridade judicial autorização para o levantamento do saldo das prestações
depositadas, com os respectivos acréscimos;
II – notificar os adquirentes dos lotes ou das unidades autônomas para que passem a pagar
diretamente a ele as prestações restantes, a partir da data em que forem efetivamente notificados.
§ O deferimento do requerimento referido no inciso I do § 2º pela autoridade judicial depende
de prévia manifestação da autoridade licenciadora.
Art. 75. A regularização do parcelamento mediante intervenção não obsta a aplicação das devidas
sanções penais ou de outras que se impuserem na forma da legislação em vigor, bem como a
responsabilização na esfera civil.
Art. 76. Aplicam-se também aos parcelamentos executados sem registro, no que couber, as normas
relativas à intervenção.
TÍTULO III
DA REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA SUSTENTÁVEL EM ÁREAS URBANAS
CAPÍTULO I
DISPOSIÇÕES PRELIMINARES
Art. 77. A política de regularização fundiária sustentável de assentamentos informais urbanos
integra a ordem urbanística, visando à efetivação do direito social à moradia e do direito a cidades
sustentáveis.
Parágrafo único. Aos parcelamentos em processo de implantação em desacordo com o projeto
aprovado ou com outras irregularidades aplicar-se-ão as regras de intervenção do Capitulo VII do
Título II.
Art. 78. Observadas as diretrizes gerais de política urbana estabelecidas na Lei 10.257, de 10 de
julho de 2001, a regularização fundiária sustentável pauta-se pelas seguintes diretrizes:
I ampliação do acesso à terra urbanizada pela população de baixa renda, com prioridade para a
sua permanência na área ocupada, assegurados o nível adequado de habitabilidade e a melhoria das
condições de sustentabilidade urbanística, social e ambiental;
II – articulação com as políticas setoriais de habitação, saneamento ambiental e mobilidade urbana,
nos diferentes níveis de governo, e com as iniciativas públicas e privadas voltadas à integração
social e à geração de emprego e renda;
III – controle e fiscalização, visando a evitar novas ocupações ilegais;
IV – participação da população interessada em todas as etapas do processo de regularização;
V – estímulo à resolução extrajudicial de conflitos;
VI – preferência de titulação para a mulher.
Art. 79. Lei municipal deve disciplinar em relação à regularização fundiária sustentável, no
mínimo:
I os critérios, as exigências e os procedimentos para a elaboração e a execução dos planos de
regularização fundiária;
193
II – os requisitos e os procedimentos para a emissão da licença urbanística e ambiental integrada;
III – os mecanismos de controle social a serem adotados;
IV – as formas de compensação cabíveis.
Art. 80. A regularização fundiária não obsta a aplicação das devidas sanções penais ou de outras
que se imponham na forma da lei, bem como a responsabilização na esfera civil.
CAPÍTULO II
DO PROCEDIMENTO
Art. 81. Além do Poder Público, a iniciativa da regularização fundiária sustentável é facultada:
I – a seus beneficiários, individual ou coletivamente;
II – às cooperativas habitacionais, associações de moradores ou a outras associações civis;
III – ao setor privado, nos termos da legislação municipal prevista no art. 79;
IV – ao responsável pela implantação do assentamento informal.
Art. 82. Observado o disposto nesta Lei e na lei municipal prevista no art. 79, a regularização
fundiária sustentável exige a análise dominial da área e a elaboração pelo responsável por sua
iniciativa de um plano que, entre outros elementos, deve definir:
I as áreas passíveis de consolidação e as parcelas a serem regularizadas ou, se houver
necessidade, relocadas;
II – as vias de circulação existentes ou projetadas e, se possível, as outras áreas destinadas a uso
público;
III as medidas necessárias para a garantia da sustentabilidade urbanística, social e ambiental da
área ocupada, incluindo as compensações previstas;
IV – as condições para garantia da segurança da população em situações de risco;
V – as medidas previstas para adequação da infra-estrutura básica.
§ A regularização fundiária sustentável que envolve apenas a regularização jurídica da situação
dominial do imóvel dispensa o plano mencionado no caput .
§ 2º A regularização fundiária sustentável pode ser implementada em etapas.
§ O conteúdo do plano de regularização fundiária, no que se refere aos desenhos, ao memorial
descritivo e ao cronograma físico de obras e serviços a serem realizados deve ser definido pela
legislação municipal prevista no art. 79, asseguradas as informações necessárias para o registro
imobiliário.
Art. 83. A implantação da regularização fundiária depende da análise e da aprovação do seu plano
previsto no art. 82 pela autoridade licenciadora, bem como da emissão da respectiva licença
urbanística e ambiental integrada, observado o disposto no inciso II do art. 79.
§ Não se exige licença urbanística e ambiental integrada da regularização fundiária que envolve
apenas a regularização jurídica da situação dominial das áreas ocupadas irregularmente.
194
§ Nos casos previstos nos §§ e do art. 33, exige-se também a licença ambiental, na forma
da legislação em vigor.
Art. 84. A regularização jurídica da situação dominial de área ocupada irregularmente pode ser
precedente, concomitante ou superveniente à elaboração ou à implantação do plano de
regularização fundiária.
CAPÍTULO III
DAS DISPOSIÇÕES ESPECÍFICAS
Seção 1
Da Regularização Fundiária de Interesse Social
Art. 85. Os assentamentos informais objeto de regularização fundiária de interesse social
promovida pelo Poder Público devem integrar ZEIS definidas no Plano Diretor ou em outra lei
municipal.
§ A regularização fundiária em área inserida em unidade de conservação da natureza ou em sua
zona de amortecimento deve observar as restrições decorrentes da Lei 9.985, de 18 de julho de
2000.
§ 2º Não se aplica o disposto no caput aos assentamentos informais em que se tenha consumado
a aquisição do domínio pela ocorrência de prescrição aquisitiva ou a aquisição de direitos reais de
uso legalmente constituídos sobre o imóvel.
Art. 86. O plano de regularização fundiária de interesse social deve definir parâmetros urbanísticos
e ambientais específicos, e identificar os lotes e as unidades autônomas, bem como as vias de
circulação e as áreas destinadas a uso público ou a uso comum dos condôminos.
§ Para efeito do caput, deve-se observar o parágrafo único do art. e o art. , bem como a
legislação municipal de que trata o art. 79.
§ O plano de regularização fundiária de interesse social deve respeitar as faixas mínimas e
outras disposições sobre intervenção em APP previstas pela legislação ambiental que regula a
matéria.
§ 3º Nos assentamentos informais anteriores à entrada em vigor desta Lei, o plano de regularização
fundiária de interesse social pode prever redução:
I das faixas de APP previstas na legislação ambiental, desde que a regularização implique a
melhoria das condições ambientais da área em relação à situação de ocupação irregular anterior;
II – do percentual estabelecido no art. 8º.
§ 4º É vedada a regularização de assentamentos informais que, no plano de regularização fundiária
de interesse social, insiram-se em situações de risco, nos termos dos incisos I, II e III do caput do
art. 5º, sem que sejam adotadas as medidas previstas nos referidos dispositivos.
Art. 87. Na regularização fundiária de interesse social, cabe ao Poder Público, quando
empreendedor, ou a seus concessionários ou permissionários, a implantação:
I – do sistema viário;
II – da infra-estrutura básica;
195
III – dos equipamentos comunitários definidos no plano.
§ As responsabilidades previstas no caput podem ser compartilhadas com os beneficiários, a
critério da autoridade licenciadora, com base na análise:
I dos investimentos em infra-estrutura e equipamentos comunitários já realizados pelos
moradores;
II – do poder aquisitivo da população a ser beneficiada.
§ Na regularização fundiária de interesse social, a realização de obras de implantação de infra-
estrutura básica e de equipamentos comunitários pelo Poder Público pode ser realizada mesmo
antes de concluída a regularização jurídica da situação dominial.
§ Regularizado o assentamento, aplica-se, em relação à responsabilidade pela manutenção, o
disposto no Capítulo II do Título II.
§ Não se aplica o disposto no art. 22 aos assentamentos objeto de regularização fundiária
mediante a usucapião especial coletiva para fins de moradia ou a concessão de uso especial
coletiva para fins de moradia, instituídas na forma de condomínio especial, caso em que a
manutenção fica a cargo do Poder Público ou de seus concessionários ou permissionários.
§ A implantação de infra-estrutura básica e de equipamentos comunitários pelo Poder Público
deve ser feita em consonância com as diretrizes e objetivos do respectivo plano plurianual, as
metas e prioridades fixadas por sua lei de diretrizes orçamentárias e no limite das disponibilidades
propiciadas pela lei orçamentária anual.
Art. 88. Na regularização fundiária de interesse social, a área de uso comum do povo ocupada por
assentamento informal mais de 5 (cinco) anos pode ser desafetada pelo uso, mediante
certificação do Poder Público municipal.
Seção 2
Da Regularização Fundiária de Interesse Específico
Art. 89. Os assentamentos informais objeto de regularização fundiária de interesse específico
devem observar o art. e os requisitos previstos no Capítulo I do Título II, bem como a lei
municipal prevista no art. 79.
§ A regularização fundiária de interesse específico deve respeitar as faixas mínimas de APP e
outras disposições previstas pela legislação ambiental.
§ 2º A autoridade licenciadora pode exigir:
I contrapartida em relação à regularização de que trata o caput, observado, no que couber, o
estabelecido nos arts. 28 a 31 da Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001;
II – compensações ambientais, na forma da legislação pertinente.
§ 3º Nos assentamentos informais anteriores à entrada em vigor desta Lei, em Município de gestão
plena, o plano de regularização fundiária de interesse específico pode prever a possibilidade de
redução:
I – do percentual estabelecido no art. 8º;
II – da área mínima definida no inciso I do art. 7º.
196
Art. 90. A autoridade licenciadora deve definir na licença integrada da regularização fundiária de
interesse específico as responsabilidades relativas à implantação:
I – do sistema viário;
II – da infra-estrutura básica;
III – dos equipamentos comunitários definidos no plano de regularização fundiária;
IV – das medidas de mitigação e compensação ambiental eventualmente exigidas.
§ A critério da autoridade licenciadora, as responsabilidades previstas no caput podem ser
compartilhadas com os beneficiários, com base na análise de, pelo menos, dois aspectos:
I os investimentos em infra-estrutura e equipamentos comunitários já realizados pelos
moradores;
II – o poder aquisitivo da população a ser beneficiada.
§ Sendo o responsável pela irregularidade identificável, o Poder Público deve dele exigir o
montante despendido para regularizar o parcelamento.
§ Regularizado o assentamento, aplica-se, em relação à responsabilidade de manutenção, o
disposto no Capítulo II do Título II.
CAPÍTULO IV
DA DEMARCAÇÃO URBANÍSTICA E DA LEGITIMAÇÃO DE POSSE
Art. 91. O Poder Público responsável pela regularização fundiária de interesse social pode lavrar
auto de demarcação urbanística, com base no levantamento da situação da área a ser regularizada e
no cadastro dos ocupantes.
Parágrafo único. O auto de demarcação urbanística deve ser instruído com:
I – planta e memorial descritivo da área a ser regularizada, dos quais constem a sua descrição, com
as medidas perimetrais, área total, confrontantes, coordenadas preferencialmente georreferenciadas
dos vértices definidores de seus limites, bem como seu número de matrícula ou transcrição e
proprietário, se houver;
II planta de sobreposição do imóvel demarcado com a situação da área constante do Registro de
Imóveis, se identificada transcrição ou matrícula do imóvel objeto de regularização fundiária;
III cadastro dos ocupantes, no qual conste a natureza, qualidade e tempo da posse exercida,
acrescida das dos antecessores, se for o caso;
IV declaração dos ocupantes de não serem possuidores ou proprietários de outro imóvel urbano
ou rural;
V – certidão da matrícula ou transcrição relativa à área a ser regularizada, emitida pelo Registro de
Imóveis da sua situação e das circunscrições imobiliárias anteriormente competentes.
Art. 92. Encaminhado o auto de demarcação urbanística ao Registro de Imóveis, o Oficial deve
proceder às buscas para identificação do proprietário da área a ser regularizada e de matrículas ou
transcrições que a tenham por objeto.
197
§ 1º Realizadas as buscas, o Oficial do Registro de Imóveis deve proceder à notificação pessoal do
proprietário da área e à notificação por edital dos confrontantes, ocupantes e eventuais
interessados para que, querendo, apresentem, no prazo de 15 (quinze) dias, impugnação ao registro
da demarcação.
§ Se o proprietário não for localizado nos endereços constantes do Registro de Imóveis ou
naqueles fornecidos pelo Poder Público, deve ser procedida a notificação do proprietário por
edital.
§ Os editais devem ser publicados, no período de 60 (sessenta) dias, uma vez pela imprensa
oficial e duas vezes em jornal de grande circulação local, constando o prazo de 15 (quinze) dias
para impugnação, bem como um desenho simplificado e a descrição da área demarcada.
§ 4º Decorrido o prazo sem impugnação, a demarcação urbanística deve ser registrada na matrícula
da área a ser regularizada, indicando a origem nas matrículas ou transcrições anteriores, se houver.
§ 5º Não havendo matrícula da qual a área seja objeto, esta deve ser aberta com base na planta e no
memorial que instruem o auto de demarcação urbanística.
§ 6º Havendo impugnação, o Oficial do Registro de Imóveis deve dar ciência dela ao Poder
Público, que tem o prazo de 15 (quinze) dias para se manifestar.
§ 7º Não havendo acordo entre impugnante e Poder Público, o procedimento deve ser encaminhado
ao juiz corregedor, para decisão em 30 (trinta) dias.
§ 8º Sendo julgada procedente a impugnação, os autos devem ser restituídos ao Registro de
Imóveis para as anotações necessárias e posterior devolução ao Poder Público.
§ 9º Julgada improcedente a impugnação, os autos devem ser encaminhados ao Registro de
Imóveis para que o Oficial proceda na forma dos §§ 4º e 5º.
Art. 93. A partir do registro do auto de demarcação urbanística, o Poder Público deve elaborar
plano de regularização fundiária, nos termos do art. 82, a ser licenciado na forma do art. 83, e
submetê-lo a registro, na forma do Capítulo V deste Título.
Art. 94. A legitimação de posse expedida pelo órgão da administração pública responsável pela
regularização fundiária de interesse social, desde que registrada, constitui direito em favor do
detentor da posse direta para fins de moradia, podendo ser dada em garantia real e ser objeto de
transferência inter vivos ou causa mortis.
§ A expedição do título de legitimação de posse somente pode ocorrer a partir da aplicação da
demarcação urbanística.
§ A legitimação de posse não pode ser procedida em favor daquele que possuir ou for
proprietário de outro imóvel urbano ou rural, nem ser outorgada por mais de uma vez ao mesmo
beneficiário.
§ A legitimação de posse somente pode ser registrada em matrícula de lote ou unidade
autônoma.
Art. 95. Pelo registro do título de legitimação de posse, o seu detentor constitui prova antecipada
para ação de usucapião.
Parágrafo único. Decorridos 5 (cinco) anos do registro do título de legitimação de posse,
formaliza-se a conversão do direito real de posse em propriedade, por simples requerimento do
proprietário, apresentado ao Oficial do Registro de Imóveis e instruído com certidões do
198
Distribuidor Cível Estadual e Federal, na qual não constem ações em andamento que versem sobre
a posse ou a propriedade do bem.
CAPÍTULO V
DO REGISTRO DA REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA DE INTERESSE SOCIAL
Art. 96. O registro de imóveis realizado no âmbito da regularização fundiária de interesse social
em áreas urbanas rege-se pelo disposto neste Capítulo, aplicando-se, de maneira suplementar, as
disposições constantes do Capitulo V do Título II e da Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973.
Parágrafo único. Na regularização fundiária de interesse específico, o registro deve ser efetivado
nos termos do Capitulo V do Título II.
Art. 97. O registro da regularização fundiária de interesse social deve importar:
I – na abertura de matrícula para toda a área objeto de regularização, se não houver;
II na abertura de matrícula para cada uma das parcelas resultantes do plano de regularização
fundiária.
Parágrafo único. Não se aplica o disposto no inciso II do caput à regularização fundiária realizada
mediante usucapião especial coletiva para fins de moradia ou concessão de uso especial coletiva
para fins de moradia, instituídos na forma de condomínio especial.
Art. 98. O responsável pela regularização fundiária deve requerer seu registro, apresentando os
documentos elencados nos incisos I a IV do caput do art. 31, bem como os seguintes:
I – os desenhos e documentos exigidos por lei municipal, na forma do § 3º do art. 82;
II a licença urbanística e ambiental integrada da regularização fundiária e, se couber, da licença
ambiental estadual, observado o disposto no § 1º do art. 83;
III as cláusulas padronizadas que regem os contratos de alienação dos lotes ou das unidades
autônomas, se for o caso;
IV – instrumento de instituição e convenção de condomínio urbanístico, se for o caso;
V – regimento interno da comissão de representantes;
VI – instrumento de garantia de execução das obras e serviços a cargo do empreendedor, exigido e
aceito pela autoridade licenciadora, no caso de regularização fundiária promovida pelo setor
privado;
VII no caso das pessoas físicas ou jurídicas relacionadas nos incisos I a III do art. 81, certidão
atualizada dos atos constitutivos que demonstrem sua legitimidade para promover a regularização
fundiária.
Parágrafo único. Na regularização fundiária sustentável que envolve apenas a regularização
jurídica da situação dominial, exigem-se desenhos e memorial descritivo que identifiquem as
parcelas a serem regularizadas e as áreas destinadas a uso público, se houver, não se aplicando os
incisos I a VII do caput.
Art. 99. As matrículas das áreas destinadas a uso público devem ser abertas de ofício, com
averbação das respectivas destinações e, se houver, restrições administrativas, convencionais e
legais.
199
TÍTULO IV
DISPOSIÇÕES PENAIS, COMPLEMENTARES E FINAIS
CAPÍTULO I
DAS INFRAÇÕES PENAIS, ADMINISTRATIVAS E CIVIS
Art. 100. Dar início, de qualquer modo, ou efetuar parcelamento do solo para fins urbanos, sem
licença da autoridade competente, ou em desacordo com as disposições desta Lei ou de outras
normas urbanísticas ou ambientais federais, estaduais ou municipais:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, multa e, no caso de o proprietário ser um dos
infratores, perda do imóvel ilegalmente parcelado, ressalvados os direitos de terceiros de boa-fé.
§ 1º Incorre nas mesmas penas quem:
I anunciar, vender, prometer vender, ceder direitos, prometer ceder ou manifestar a intenção de
alienar imóvel em área rural, por qualquer instrumento público ou particular, mesmo que em forma
de reserva, recibo de sinal ou outro documento, em desacordo com a legislação federal que define
a área mínima do módulo rural;
II anunciar, vender, prometer vender, ceder direitos, prometer ceder ou manifestar a intenção de
alienar lote ou unidade autônoma, por qualquer instrumento público ou particular, mesmo que em
forma de reserva, recibo de sinal ou outro documento, sem estar o parcelamento para fins urbanos
devidamente registrado no Registro de Imóveis competente.
§ 2º Os crimes definidos neste artigo são qualificados:
I se o parcelamento localizar-se, total ou parcialmente, em área pública ou em espaço territorial
especialmente protegido nos termos das normas ambientais federais, estaduais ou municipais;
II – se efetivados:
a) com inexistência das qualificações exigidas por esta Lei para atuação como empreendedor;
b) com omissão fraudulenta, falsa ou enganosa de circunstância relativa ao parcelamento, se o fato
não constituir crime mais grave:
Pena – reclusão, de 3 (três) a 8 (anos) anos, multa e, no caso de o proprietário ser um dos
infratores, perda do imóvel ilegalmente parcelado, ressalvados os direitos de terceiros de boa-fé.
Art. 101. Registrar parcelamento não licenciado pela autoridade competente, registrar o
compromisso de venda e compra, a cessão ou promessa de cessão de direitos, ou efetuar registro de
contrato de venda e compra relativo a parcelamento do solo para fins urbanos não registrado:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.
Parágrafo único. No caso de Oficial do Registro de Imóveis, além da pena prevista no caput deste
artigo, considera-se a conduta infração disciplinar, aplicando-se o disposto nos arts. 32 a 36 da Lei
nº 8.935, de 21 de novembro de 1994, e responsabilização administrativa, na forma da lei.
Art. 102. Expedir:
I – licença integrada sem a observância das disposições desta Lei ou em desacordo com as normas
urbanísticas ou ambientais;
II – título de legitimação de posse a quem sabidamente não preencha os requisitos exigidos em lei:
200
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.
§ Comete também o crime previsto no inciso II do caput aquele que, mediante declaração falsa
ou outro meio fraudulento ou enganoso, contribui para a expedição indevida do título de
legitimação de posse.
§ Sendo o infrator funcionário público, considera-se a conduta infração disciplinar punida na
forma da lei.
Art. 103. Dar início, de qualquer modo, ou efetuar parcelamento do solo para fins urbanos sem
observância das determinações constantes da licença urbanística e ambiental integrada:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.
Art. 104. Fazer, ou veicular em proposta, contrato, prospecto, anúncio ou comunicação ao público
ou a interessado, informação total ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por
omissão, capaz de induzir em erro o consumidor sobre o parcelamento do solo:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.
Parágrafo único. No caso de pessoa física ou jurídica que atua na corretagem de imóveis e do
corretor de imóveis, aplica-se o disposto no art. 21 da Lei 6.530, de 12 de maio de 1978, sem
prejuízo da responsabilização penal da pessoa física, na forma do caput.
Art. 105. As penas previstas neste Capítulo devem ser aumentadas de um a dois terços, quando o
parcelamento se der nos locais previstos no art. 5º, sem que sejam tomadas as medidas previstas no
referido dispositivo.
Art. 106. Sem prejuízo do disposto no art. 105, as penas previstas neste Capítulo são aumentadas:
I – de um terço, se a infração envolver de 100 (cem) a 200 (duzentos) lotes ou unidades
autônomas;
II de metade, se a infração envolver de 201 (duzentos e um) a 400 (quatrocentos) lotes ou
unidades autônomas;
III de dois terços, se a infração envolver mais de 401 (quatrocentos e um) lotes ou unidades
autônomas.
Art. 107. O imóvel perdido na forma do art. 100, caput e §§ e 2º, passa ao domínio do
Município, que deve proceder à sua regularização fundiária, observadas as normas cabíveis desta
Lei.
Parágrafo único. Não sendo possível a regularização fundiária, o Município deve desconstituir o
parcelamento, dando ao imóvel perdido em seu favor uma das seguintes destinações:
I – implantação de equipamentos comunitários;
II – criação de espaços públicos de lazer e áreas verdes;
III – criação de unidades de conservação ou outras áreas de interesse ambiental;
IV – proteção de áreas de interesse histórico, cultural, turístico ou paisagístico.
Art. 108. Sem prejuízo da aplicação de outras sanções cabíveis, o agente público deve ser
responsabilizado administrativamente, na forma da lei, quando estimular, permitir ou omitir-se em
relação a:
201
I parcelamentos do solo para fins urbanos efetivados em desacordo com as normas urbanísticas
ou ambientais federais, estaduais e municipais;
II – ocupações informais ou irregulares do solo urbano ou rural.
Parágrafo único. O disposto no caput aplica-se também ao agente público que deixar de cumprir,
injustificadamente, os prazos e outras determinações previstas nesta Lei.
Art. 109. A regularização fundiária efetivada nos termos desta Lei, posterior ao parcelamento, ou à
celebração de Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), não extingue nem afeta a punibilidade
penal, e administrativa.
Art. 110. A aplicação das sanções previstas neste Capítulo ocorre sem prejuízo da obrigação de
reparar e indenizar os danos causados à ordem urbanística, ao meio ambiente, aos consumidores,
ao patrimônio natural ou cultural, e a terceiros.
§ No processo civil, qualquer que seja a natureza da decisão condenatória e sem prejuízo do
dever de reparar e indenizar eventuais danos causados, o juiz pode impor ao réu multa civil, em
valor capaz de desestimular nova infração.
§ Além dos critérios de fixação da pena previstos pelo Decreto-Lei 2.848, de 7 de dezembro
de 1940, no estabelecimento das penas relativas aos crimes de que trata este Capítulo, o juiz deve
considerar:
I – a dimensão da área afetada e sua importância ambiental, cultural, turística ou paisagística;
II – o número de pessoas lesadas.
§ Os crimes previstos nesta Lei aplicam-se em concurso com aqueles previstos no Decreto-Lei
2.848, de 7 de dezembro de 1940, bem como na Lei 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, e
outras leis especiais.
CAPÍTULO II
DISPOSIÇÕES COMPLEMENTARES E FINAIS
Art. 111. O uso e a ocupação de imóvel situado fora do perímetro urbano com finalidade diversa
da exploração agrícola, pecuária, agroindustrial, extrativista ou mineral, mesmo que não implique
parcelamento do solo, requer licença urbanística expedida pelo Poder Público municipal, sem
prejuízo de outras licenças legalmente exigidas.
Art. 112. Aplicam-se ao Distrito Federal todas as atribuições e prerrogativas previstas por esta Lei
para os Municípios.
Art. 113. Aplicam-se ao parcelamento compulsório previsto no inciso I do § do art. 182 da
Constituição Federal todas as normas previstas nesta Lei.
Art. 114. Os empreendimentos regulados por esta Lei podem ser constituídos sob regime de
patrimônio de afetação, a critério do empreendedor.
Art. 115. Os condomínios civis anteriores à entrada em vigor desta Lei, cujos moradores são
proprietários de frações ideais do terreno, mas exerçam posses localizadas, podem, por decisão de
dois terços dos proprietários das frações, transformá-las em condomínios urbanísticos, observadas
as condições para regularização fundiária de interesse específico previstas nesta Lei e as devidas
compensações ambientais.
202
§ 1º Os clubes de campo implantados anteriormente à entrada em vigor desta Lei que, pelas
características de ocupação, constituem de fato parcelamentos do solo para fins urbanos, podem
ser regularizados, observados os requisitos previstos no caput, com a extinção da associação
proprietária do terreno e a transferência aos sócios cotistas das frações ideais do terreno.
§ Os condomínios de que trata este artigo não podem incorporar como áreas de uso comum dos
condôminos os logradouros que já estejam afetados ao uso público.
Art. 116. Nas ações de usucapião de imóveis regularizados nos termos desta Lei, assim como na
ação visando à obtenção da concessão de uso especial para fins de moradia, o autor pode optar
pelo procedimento previsto no art. 942, §§ 1º e 2º, da Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973.
Art. 117. As glebas regularmente parceladas para fins urbanos anteriormente a 19 de dezembro de
1979 que o possuem registro podem ter sua situação jurídica regularizada, mediante registro do
parcelamento, desde que:
I – a área possua a infra-estrutura básica prevista nesta Lei;
II – todos os lotes originais do parcelamento tenham sido vendidos.
§ 1º A regularização prevista no caput pode envolver a totalidade da gleba ou quadras específicas.
§ 2º Para o registro, deve ser apresentada certificação emitida pelo Poder Público municipal de que
a gleba preenche as condições previstas no caput, bem como desenhos e documentos com as
informações necessárias ao registro.
Art. 118. A União, o Estado, o Distrito Federal e o Município podem desapropriar, por interesse
social, áreas urbanas para promoção de parcelamentos inseridos em planos de urbanização, de
renovação urbana ou de operações urbanas consorciadas.
Art. 119. Na desapropriação, não são considerados como parcelados ou parceláveis, para fins de
indenização, os lotes ou unidades autônomas ainda não vendidos ou compromissados, objeto de
parcelamento não licenciado ou não registrado.
Parágrafo único. No valor de indenização, devem ser descontados os custos em que o Poder
Público incorrer para a regularização do parcelamento.
Art. 120. O empreendedor, ainda que já tenha vendido todos os lotes ou unidades autônomas, ou os
vizinhos, são partes legítimas para promover ação judicial destinada a impedir a construção ou o
uso em desacordo com restrições legais ou contratuais, ou promover a demolição da construção
desconforme, sem prejuízo das prerrogativas dos legitimados para a propositura da ação civil
pública.
Art. 121. Se o empreendedor integrar grupo econômico ou financeiro, qualquer pessoa sica ou
jurídica desse grupo, beneficiária de qualquer forma do parcelamento irregular, é solidariamente
responsável pelos prejuízos causados aos adquirentes de lotes ou unidades autônomas e ao Poder
Público.
§ 1º Os proprietários do imóvel objeto de parcelamento não qualificados como empreendedores
também são solidariamente responsáveis, ainda que não tenham anuído com a implantação do
parcelamento.
§ 2º A autoridade judicial pode decretar a desconsideração da pessoa jurídica e a indisponibilidade
dos bens das pessoas referidas no caput e § 1º, como medida liminar destinada a garantir a
regularização do empreendimento ou o ressarcimento dos danos.
203
Art. 122. O foro competente para os procedimentos judiciais previstos nesta Lei é o da comarca da
situação do imóvel, observado o disposto no art. 107 da Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973 .
Art. 123. As relações entre os condôminos do condomínio urbanístico regular-se-ão pelas
disposições da Lei nº 4.591, de 16 dezembro de 1964, e pelo Código Civil Brasileiro.
Art. 124. Observadas as disposições desta Lei, admite-se a aprovação de loteamentos para fins
urbanos com controle de acesso, desde que:
I – lei estadual ou municipal autorize a expedição de licença para esse tipo de empreendimento e a
outorga de instrumento de permissão do direito de uso das áreas internas do loteamento;
II – a permissão de uso referida no inciso I seja outorgada, de forma onerosa, a uma associação de
proprietários ou adquirentes de lotes, legalmente constituída.
§ Para a expedição da licença referida no inciso I do caput, a legislação municipal deve prever
que sejam avaliadas as seguintes questões:
I possibilidade de integração futura do acesso do loteamento de que trata este artigo com o
sistema viário existente ou projetado;
II acesso da população em geral aos equipamentos comunitários e às áreas de uso público
internas e limítrofes.
§ Ao aprovar o projeto de loteamento com controle de acesso, a autoridade licenciadora fica,
automaticamente, obrigada a outorgar o instrumento de permissão referido no inciso I do caput, o
qual deve ser formalizado imediatamente após a averbação da licença final integrada, no
competente Registro de Imóveis.
§ 3º O prazo de vigência da permissão de uso deve ser prorrogado, sucessivamente, a cada
vencimento, por igual período, desde que cumpridos os encargos atribuídos à associação referida
no inciso II do caput.
§ Considera-se válido o empreendimento que tenha sido licenciado ou implantado na forma do
loteamento de que trata este artigo, com base em lei estadual ou municipal, até a data da entrada
em vigor desta Lei, desde que sua implantação tenha respeitado os termos da licença concedida.
§ A representação ativa e passiva, judicial ou extra-judicial, perante a autoridade licenciadora e
aos seus associados, quanto aos direitos e obrigações decorrentes da permissão de uso, é exercida
pela associação a que se refere o inciso II do caput, observado que as relações entre os
proprietários ou adquirentes de lotes e a associação são regidas pelo seu estatuto social.
§ A permissão de uso de que trata o inciso I do caput não pode impedir a continuidade da
prestação dos serviços públicos de energia elétrica, telefonia, gás canalizado, fornecimento de água
potável, esgotamento sanitário e coleta de lixo aos proprietários ou adquirentes de lotes pelo
Município ou seus permissionários ou concessionários.
§ 7º A partir de 3 (três) anos da entrada em vigor desta Lei, passam a se aplicar aos loteamentos de
que trata este artigo, além do disposto no caput e §§ 1º a 6º:
I – as regras estabelecidas para os condomínios urbanísticos pelo art. , § , art. 8º, caput e §§
e 5º, e art. 11, § 1º;
II a exigência de reserva de um adicional de 10% (dez por cento) de áreas destinadas a uso
público, localizadas internamente ao perímetro com acesso controlado.
204
§ No local de acesso aos loteamentos de que trata este artigo deve estar afixado, de forma
visível ao público, aviso de que o controle de acesso não impede a circulação de pessoas e o acesso
às áreas de uso público.
Art. 125. Em parcelamento do solo para fins urbanos situado em área urbana consolidada, as APPs
que, na data de entrada em vigor desta Lei, necessitem de recomposição podem ser utilizadas como
espaços livres de uso público ou de uso comum dos condôminos para implantação de infra-
estrutura destinada a esportes, lazer e atividades educacionais e culturais ao ar livre, desde que:
I a vegetação seja preservada ou recomposta, com espécies nativas, de forma a assegurar o
cumprimento integral das funções ambientais da APP;
II – a utilização da área não gere degradação ambiental;
III seja observado o limite máximo de 10% (dez por cento) de impermeabilização do solo e 15%
(quinze por cento) de ajardinamento;
IV – haja autorização prévia da autoridade licenciadora.
§ A porção da APP não utilizada na forma do caput deve ser deduzida da área total do imóvel
para efeito de cálculo do percentual de áreas destinadas a uso público previsto no art. 8º.
§ 2º O disposto no caput não se aplica às áreas com vegetação nativa:
I – primária ou secundária em estágio médio ou avançado de regeneração no bioma Mata Atlântica
reguladas pela Lei nº 11.428, de 22 de dezembro de 2006;
II protegida nos demais biomas considerados patrimônio nacional, na forma da legislação que
regular sua proteção.
Art. 126. Ao longo de galeria ou canalização existente em área urbana consolidada na data de
entrada em vigor desta Lei deve ser prevista faixa não edificável de 2 (dois) metros, mensurados a
partir das faces externas da referida obra.
Art. 127. Além dos documentos exigidos nos termos do art. 31, durante o prazo de 1 (um) ano a
contar da data de entrada em vigor desta Lei, devem ser apresentados, pelo empreendedor, para
registro do parcelamento do solo para fins urbanos:
I – certidões negativas:
a) de tributos federais, estaduais e municipais incidentes sobre o imóvel pelo período de 5 (cinco)
anos;
b) de ações reais referentes ao imóvel, pelo período de 10 (dez) anos;
II – certidões:
a) dos Cartórios de Protestos de Títulos, em nome do empreendedor, pelo período de 10 (dez)
anos;
b) de ações pessoais relativas ao empreendedor, pelo período de 10 (dez) anos.
§ A existência de protestos ou de ações pessoais não impede o registro do parcelamento se o
requerente comprovar que esses protestos ou ações não prejudicam os adquirentes dos lotes ou
unidades autônomas.
§ Se o Oficial do Registro de Imóveis julgar insuficiente a comprovação feita, deve suscitar a
dúvida perante o juiz competente.
205
Art. 128. A Prefeitura Municipal, quando credora de dívida de imposto sobre a propriedade predial
e territorial urbana e de demais tributos municipais incidentes sobre o lote ou unidade autônoma,
não pode recusar nos autos do processo de execução fiscal a oferta do próprio lote ou unidade
autônoma para garantia do pagamento da dívida executada ou a sua dação em pagamento para
liquidar o débito, independentemente de se tratar de excesso de penhora.
Art. 129. Não são considerados terceiros de boa-fé, para os fins previstos nos arts. 472 e 593 da
Lei 5.869, de 11 de janeiro de 1973 (Código de Processo Civil), os adquirentes de bens imóveis
que não tenham exigido a apresentação das certidões que demonstrem a situação de solvabilidade
dos alienantes.
Art. 130. A Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001, passa a vigorar com as seguintes alterações:
I – inciso V do art. 4º:
Art. 4º....................................................................................
V – .......................................................................................
t) a demarcação urbanística para fins de regularização fundiária;
u) a legitimação de posse. (NR)
II – inciso III do art. 12:
Art. 12 ..........................................................................................
III como substituto processual, desde que com a autorização expressa dos
representados:
a) a associação de moradores, regularmente constituída, com personalidade
jurídica;
b) o Município ou ente público a ele vinculado com atuação na área de
desenvolvimento urbano. (NR)
III – art. 29-A:
Art. 29-A A alteração do perímetro urbano de modo a transformar áreas rurais em
urbanas, por meio de lei municipal, pode implicar a exigência de contrapartida na
forma do art. 29, sem prejuízo de compensações impostas com base nas normas
ambientais.
IV – art. 30-A:
Art. 30-A. Além da transferência ao Poder Público municipal de recursos
financeiros, a contrapartida prevista no art. 30 pode envolver:
I – a implantação de equipamentos comunitários;
II – a realização de obras ou serviços de interesse público;
III – a doação de imóvel para implantação de programas sociais ou ambientais;
IV o pagamento dos emolumentos relativos aos atos de registro necessários à
regularização fundiária de interesse social.
206
V – art. 35:
"Art. 35. ........................................................................................
§ O acréscimo e a redução de potencial construtivo derivados da transferência
do direito de construir deverão ser, respectivamente, objeto de registro e averbação
na matrícula dos respectivos imóveis. (NR)"
Art. 131. A Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973, passa a vigorar com as seguintes alterações:
I – art. 17:
Art. 17. ........................................................................................
VIII oferecer à penhora área urbana ocupada por terceiros, de forma coletiva,
para fins de moradia. (NR)
II – art. 82:
Art. 82. .........................................................................................
III nas ações que envolvam litígios coletivos pela posse da terra rural ou urbana
e nas demais causas em que interesse público evidenciado pela natureza da lide
ou qualidade da parte. (NR)
III – art. 690:
Art. 690. .......................................................................................
§ 2º Os moradores de área urbana utilizada para fins de moradia, objeto de
apreensão judicial, terão assegurado, quando não for o caso de usucapião, o direito
de preferência sobre os licitantes e os credores para a arrematação da área, pelo
preço da avaliação.
§ 3º No caso previsto no § 2º deste artigo, o preço não incluirá o valor das
acessões realizadas pelos moradores e o das obras de infra-estrutura eventualmente
realizadas pelo Poder Público.
§ 4º O credor que arrematar os bens não estará obrigado a exibir o preço, mas se o
valor dos bens exceder o seu crédito, depositará, dentro de 3 (três) dias, a
diferença, sob pena de desfazer-se a arrematação, caso em que os bens serão
levados à praça ou ao leilão à custa do credor. (NR)
IV – art. 942:
Art. 942. .......................................................................................
§ 1º Quando o imóvel estiver matriculado, será facultado ao autor pleitear a
usucapião na forma em que se encontra nela descrito e, nesse caso:
I na petição inicial, bastará a indicação da localização do imóvel, o número da
matrícula e a circunscrição imobiliária, juntando-se certidão do registro de imóveis
expedida a menos de 30 (trinta) dias;
II serão citados somente aqueles que figurarem como proprietários ou titulares
de direitos registrados na matrícula;
207
III não serão apreciadas questões envolvendo demarcação de divisas, podendo o
confrontante prejudicado, a qualquer tempo, se valer do procedimento próprio;
IV a decisão não fará coisa julgada em face da União, Estado, Município, ou
seus órgãos da administração descentralizada;
V transitada em julgado a ação, o imóvel será registrado em nome do autor,
assumindo este a responsabilidade por todos os tributos, despesas condominiais e
outras obrigações propter rem incidentes sobre o bem.
§ As ações de usucapião de unidades autônomas em condomínios edilícios ou
urbanísticos submeter-se-ão às regras do § 1º deste artigo. (NR)
Art. 132. O Decreto-Lei nº 3.365, de 21 de junho de 1941, passa a vigorar com as seguintes
alterações:
I – art. 13-A:
Art. 13-A. A petição inicial deverá conter descrição precisa do imóvel
desapropriado com a indicação dos vértices definidores de seus limites, sob pena
de indeferimento e, se a desapropriação for parcial, deverá ser descrito o
remanescente do imóvel desapropriado, para fins de posterior averbação e abertura
de matrícula no Registro de Imóveis.
II – art. 15:
Art. 15. .........................................................................................
§ A imissão provisória na posse é um direito real sujeito a registro no Registro
de Imóveis competente. (NR)
III – art. 29:
Art. 29. A aquisição da propriedade na desapropriação de imóvel ocorrerá:
I se houver imissão provisória na posse, quando tornada irreversível a situação
pela afetação do bem à finalidade a que se destinou a desapropriação, sendo o
título hábil para registro o comprovante da ocorrência desse fato;
II quando não houver imissão de posse, no registro da carta de sentença, a qual
será extraída com o trânsito em julgado e após o pagamento da indenização ou
expedição do ofício requisitório. (NR)
Art. 133. Os arts. e da Lei 4.380, de 21 de agosto de 1964, passam a vigorar com as
seguintes alterações:
Art. 4º ..........................................................................................
VI – parcelamento de glebas para produção de terrenos urbanizados. (NR)
Art. 9º Todas as aplicações do sistema terão por objeto, fundamentalmente, a
aquisição de:
I – edificação para residência do adquirente, sua família e seus dependentes;
II terreno urbanizado destinado à construção de edificação para residência do
adquirente, sua família e seus dependentes.
208
§ 1º .........................................................
§ 2º .........................................................
§ 3º ..........................................................
§ 4º Os custos relativos à escrituração e ao registro do imóvel residencial de que
trata o caput deste artigo poderão ser incluídos no financiamento. (NR)
Art. 134. O art. 20 da Lei 8.036, de 11 de maio de 1990, passa a vigorar com a seguinte
alteração:
Art. 20. A conta vinculada do trabalhador no FGTS poderá ser movimentada nas
seguintes situações:
.....................................................................................................
VII pagamento total ou parcial do preço da aquisição de terreno urbanizado ou
de edificação para moradia própria, incluindo os custos relativos à escrituração e
ao registro, observadas as seguintes condições:
......................................................................................................
XVII pagamento dos encargos relativos à implantação de programas de
regularização fundiária implementados pelo Poder Público, que lhe forem
atribuídos na forma da legislação específica, respeitados os requisitos das alíneas
"a" e "b" do inciso VI, deste artigo. (NR)
Art. 135. O Capítulo IV da Lei 9.492, de 10 de setembro de 1997, passa a vigorar acrescido do
seguinte art. 10-A:
Art. 10-A. Tratando-se de condomínios edilícios ou urbanísticos, para a
constituição do devedor em mora, a cota condominial inadimplida poderá ser
encaminhada a protesto extrajudicial, mediante indicação, sob responsabilidade do
síndico ou da administradora e com base em autorização da assembléia geral dos
condôminos.
Parágrafo único. A indicação a protesto prevista no caput poderá ser efetuada por
meio magtico ou de gravação eletrônica de dados, desde que se reproduzam
fielmente todas as informações relativas ao débito e se faça referência à
autorização da assembléia.
Art. 136. O art. 290 da Lei 6.015, de 31 de dezembro de 1973, passa a vigorar com a seguinte
redação:
Art. 290. Os registros da regularização fundiária, assim como a lavratura de
escritura pública e o primeiro registro de direito real constituído em favor de
beneficiário de programa de regularização fundiária de interesse social, serão
realizados independentemente do recolhimento de custas, ficando o pagamento
dos emolumentos a cargo do beneficiário da regularização fundiária.
§ Os valores relativos aos emolumentos do registro do primeiro direto real
constituído e os da lavratura de escritura pública referidos no caput terão isenção
de 20% (vinte por cento), em favor de beneficiário de regularização fundiária de
interesse social em áreas urbanas, preenchidos os seguintes requisitos,
concomitantemente:
209
I – renda familiar entre 3 (três) e 5 (cinco) salários mínimos mensais;
II – localizar-se o imóvel, de uso exclusivamente residencial, em Zona Especial de
Interesse Social – ZEIS;
III possuir o imóvel, quando construção isolada, área total construída de até
70m² (setenta metros quadrados), edificada em terreno de até 250m² (duzentos e
cinqüenta metros quadrados) ou quando a unidade autônoma, integrante de
condomínio edilício, possuir área privativa de até 35m² (trinta e cinco metros
quadrados).
§ 2º É isento do recolhimento da taxa de registro o primeiro registro de direito real
constituído em favor de beneficiário de regularização fundiária de interesse social
em áreas urbanas, preenchidos os seguintes requisitos, concomitantemente:
I – renda familiar de até 3 (três) salários mínimos mensais;
II – localizar-se o imóvel, de uso exclusivamente residencial, em Zona Especial de
Interesse Social – ZEIS;
III possuir o imóvel, quando construção isolada, área total constrda de até 70m²
(setenta metros quadrados), edificada em terreno de a 250m² (duzentos e cinquenta
metros quadrados) ou, quando a unidade autônoma, integrante de condomínio edilício,
possuir área privativa de até 35m² (trinta e cinco metros quadrados).
§ A redução do valor dos emolumentos referentes aos atos mencionados no
caput ou a sua forma de pagamento poderão ser objeto de convênio ou termo de
parceria celebrado entre o responsável pela regularização fundiária e as pessoas
físicas ou jurídicas de participação obrigatória ou facultativa no processo de
regularização fundiária.
§ Os registros e a lavratura de escritura pública de que tratam o §
independerão da comprovação do pagamento de quaisquer tributos, inclusive
previdenciários.
§ A primeira averbação de construção residencial de até 70m² (setenta metros
quadrados) de área edificada será feita independentemente do pagamento de custas
e emolumentos e da comprovação do recolhimento de quaisquer tributos, inclusive
previdenciários. (NR)
Art. 137. Esta Lei entra em vigor após decorridos 120 (cento e vinte) dias de sua publicação
oficial.
Art. 138. Revogam-se:
I – a Lei nº 6.766, de 19 de dezembro de 1979;
II – a Lei nº 10.932, de 3 de agosto de 2004;
III – o art. 290-A da Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973.
Sala da Comissão, em de de 2007.
Deputada MARIA DO CARMO LARA
Presidente
Deputado RENATO AMARY
Relator
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