Download PDF
ads:
UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO
CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS
JOSÉ DE RIBAMAR SÁ SILVA
SEGURAA ALIMENTAR, PRODUÇÃO AGRÍCOLA FAMILIAR
E ASSENTAMENTOS DE REFORMA AGRÁRIA NO MARANHÃO
São Luís
2006
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
JOSÉ DE RIBAMAR SÁ SILVA
SEGURAA ALIMENTAR, PRODUÇÃO AGRÍCOLA FAMILIAR E
ASSENTAMENTOS DE REFORMA AGRÁRIA NO MARANHÃO
Tese apresentada ao Programa de
s-Graduão em Políticas Públicas
da Universidade Federal do Maranhão
como requisito parcial para obtenção
do título de Doutor em Políticas Públicas.
Orientador: Prof. Dr. Flávio Bezerra de Farias
São Luís
2006
ads:
Silva, José de Ribamar Sá
Segurança alimentar, produção agrícola familiar e a
ssentamentos de
reforma agrária no Maranhão / José de Ribamar Silva.
São Luís,
2006.
203f.
Tese (Doutorado em Políticas Públicas) – Universidade Federal do
Maranhão, 2006.
1. Assentamento de reforma agrária
Agricultura familiar. 2.
Segurança alimentar. I Título.
CDU: 332.24.012.34: 631.11
JOSÉ DE RIBAMAR SÁ SILVA
SEGURAA ALIMENTAR, PRODUÇÃO AGRÍCOLA FAMILIAR E
ASSENTAMENTOS DE REFORMA AGRÁRIA NO MARANHÃO
Tese apresentada ao Programa des-Graduação em Poticas blicas da
Universidade Federal do Maranhão como requisito parcial para obtenção do título
de Doutor em Políticas Públicas.
Aprovada em ____/___/___
BANCA EXAMINADORA
_____________________________________________
Prof. Dr. Flávio Bezerra de Farias (Orientador)
Universidade Federal do Maranhão
_____________________________________________
Prof. Dr. Marcos Ferreira da Costa Lima
Universidade Federal de Pernambuco
______________________________________________
Profa. Dra. Zulene Muniz Barbosa
Universidade Estadual do Maranhão
_____________________________________________
Profa. Dra. Valéria Ferreira Santos de Almada Lima
Universidade Federal do Maranhão
______________________________________________
Profa. Dra. Josefa Batista Lopes
Universidade Federal do Maranhão
Para m inha fam ília:
Cacilda, am ada companheira de longa
jornada;
Pétala, m inha filha;
G abriel e João P edro, meus filhos.
E m m em ória:
D ona Laurinda, m inha m ãe, que nunca
perm itiu que algum obstáculo (qualquer que
fosse) significasse o não-acesso à escola, e
queria o filho engenheiro...
Seu Sutelino, meu pai, cujo exemplo de
honestidade e perseverança representa a mais
valiosa herança que eu poderia desejar.
AGRADECIMENTOS
Às vezes dizemos, injustamente, que a elaboração da tese é uma tarefa
eminentemente solitária. Mas, na verdade, ela ocorre porque pressupõe a
contribuição de muitas pessoas. Claro que a responsabilidade por eventuais
equívocos e lacunas no conteúdo do documento é inteiramente do autor.
Mesmo assumindo o risco, irreparável, de omitir alguém, não posso deixar de
agradecer nominalmente às seguintes pessoas e instituições:
O professor Dr. Flávio Bezerra de Farias - UFMA, meu orientador, pelo
respeito e pela confiança ao longo do processo de orientação;
O professor Dr. Walter Belik IE/Unicamp, pela disponibilidade em criar
espaços em sua agenda sempre repleta de compromissos, para garantir nossa
convivência acadêmica. Suas sugestões foram fundamentais na concepção do
trabalho;
O professor Dr. Geraldo di Giovanni NEPP/Unicamp, por me receber e
por facilitar os caminhos na estrutura do Instituto de Economia;
A professora Dra. Maria Ozanira da Silva e Silva, pela convivência
acadêmica respeitosa e incentivadora, pela viabilização da enriquecedora
experiência vivenciada em um outro Programa de Pós-Graduação e pela
decisiva facilitação da infra-estrutura na cidade de São Paulo;
A professora Dra. Josefa Batista Lopes, que assumiu bravamente o
desafio de coordenar o PPGPP e logo teve que exercitar ao extremo a virtude
da tolerância quanto aos prazos de defesa;
As professoras Dra. Alba de Carvalho - UFC, Dra. Zulene Barbosa -
UEMA e Dra. Valéria de Almada Lima - UFMA, suas observações e
comentários representaram uma contribuição essencial para a evolução da
pesquisa;
As professoras Franci Cardoso, Mundicarmo Ferreti, Ilse Gomes; os
professores Antonio Augusto, Jorge Natal, Plínio Sampaio Jr. e Sérgio Ferreti,
pelos ensinamentos na sala de aula;
O professor Dr. Renato Salim Maluf – CPDA/UFRRJ e membro do
CONSEA Nacional, pela cordialidade em sugerir e fornecer material;
O pessoal administrativo do PPGPP, Ricardo, Edson, Flávio, Babi e, em
especial, Izabel, querida amiga que torceu por mim a cada fase da seleção e
ao longo de todo o percurso do doutorado;
Os colegas professores do DECON/UFMA, que assumiram minhas
tarefas na docência para que eu pudesse me dedicar ao curso, e o secretário
Pedro Reis, pelo zelo administrativo que dedica ao funcionamento do
departamento;
Os colegas e as colegas de estudo no PPPG: Adalberto, Agostinho, Ana
Elvira, Ana Margarida, Ana Maria, Annova, Assimey, Aurora, Bira do Pindaré,
Claudino, Erivã, Fred, Iolanda, Ivan, Jorgeana, Josinaldo, Kátia, Katiane,
Leana, Lilia, Ludgar, Luis Henrique, Marcos, Marli Alcântara, Marly de Jesus,
Paulo Rios, Ruth, Selma, Silvia, Socorro Alves, Solange, Sonia, Valdênia,
Valdira, Vera, Zaira, Wilson e, em especial, Fátima, por seu exemplo de
determinação, e Cleonice, pelo convívio na busca de novos aprendizados em
terras paulistanas.
O colega Fábio e as colegas Giovanna e Selma, do Instituto de
Economia da Unicamp, pela agradável convivência acadêmica;
As funcionárias e os funcionários das Bibliotecas da UFMA, da
UNICAMP e da FGV/SP, cordiais e dispostos na facilitação do acesso às
informações, e em especial à bibliotecária Júlia Sodré - UFMA, pelo apoio na
tarefa de aproximar o documento ao que é exigido pelas normas técnicas;
O meu filho, João Gabriel, pela transformação do resumo em abstract;
O agnomo Soldemar Alves - INCRA/MA, o economista Albino Boueres -
ITERMA, as senhoras Cinair Correia, Beronice Freitas e Sula Costa -
INCRA/DF, pelos esclarecimentos e informações fornecidas;
As agências públicas de fomento à pesquisa FAPEMA e CAPES, pelo
suporte financeiro, decisivo para custear parte das despesas extras que a
realização do curso exigiu, nas diferentes etapas;
Os funcionários do IBGE em São Luís, especialmente ao dileto amigo
José Reinaldo Ribeiro Júnior;
A amiga Maria das Dores, cujas conversas no IMEPF foram importantes
para a escolha do tema deste trabalho;
O cunhado e amigo dileto, Edésio Cavalcanti, um talento brilhante na
atividade empresarial, e que, para mim, é muito mais que um iro, em qualquer
circunstância;
O cunhado Antonio Barros, guarda de segurança da UFMA, por ter
apostado, três décadas atrás, que, em meio ao isolamento quase definitivo que
a zona rural da Baixada imprimia à vida de seus habitantes, um garoto capaz
de exercitar a imaginação utilizando seu próprio dedo indicador para rabiscar
desenhos no chão, podia empunhar a caneta para ir além daquilo que as
condições concretas permitiam;
As minhas irmãs, “Dadá”, “Nena”, “Dindinha”, Rosa, Maria, Dora e
Socorro, sete “mães” de um único irmão, que tantas vezes tiveram de optar
entre um vestido e um caderno, para que eu continuasse a estudar;
Os sobrinhos Adriano, Leandro e Nonato, e as minhas sobrinhas, de
sangue e de afeto, Daciara e Enimeyre, pela assistência nas tarefas da
pesquisa;
O ambientalista, jornalista e poeta, Moisés Matias, incansável batalhador
e amigo presente nos momentos mais oportunos;
O amigo Marcelino, pela paciente leitura, para que a gramática
portuguesa não saísse tão arranhada neste texto;
Os técnicos em informática Ney e Francidan, por suas competentes e
salvadoras intervenções, nos momentos mais críticos.
Os moradores do campo maranhense, em geral, e os assentados da
reforma agrária, em particular, pela lição que, cotidianamente, têm
proporcionado para o restante da população deste estado, ao conquistarem e
garantirem o direito de tirar da terra seu próprio sustento. Um agradecimento
muito especial a um casal de pessoas imprescindíveis, no sentido empregado
por Bertolt Brecht: Ildo e Alaíde, morador e moradora do Ludovico (Lago do
Junco/Ma), cidadão e cidadã do planeta, que honram de maneira o brilhante
a existência humana.
“Nosso país se singulariza por dispor de considerável potencial de
solos aráveis não aproveitados, fontes de energia e mão-de-obra
subutilizadas, elementos que dificilmente se encontram reunidos em
outras partes do planeta. Por outro lado, abriga dezenas de milhões
de pessoas subnutridas e mesmo famintas. A solução para esse
problema é de natureza política, antes de ser econômica”.
Celso Furtado
RESUMO
Estudo da importância da agricultura familiar nos assentamentos de reforma
agrária, no contexto contemporâneo de construção da segurança alimentar,
tendo como base empírica o estado do Maranhão. Estabelece-se uma visão
geral da contradição entre o desenvolvimento das forças produtivas e as
relações de produção no capitalismo, destacando-se que um grande
contingente da população mundial sofre de fome crônica, apesar de a
capacidade social de produzir alimentos estar bastante evoluída tecnicamente.
Discute-se que a revolução verde promoveu uma modernização agrícola
intrinsecamente concentradora, cujos efeitos sociais manifestam-se no
agravamento da pobreza rural. Observa-se que, no Brasil, o modelo de reforma
agrária em curso não tem sido capaz de promover a superação dos problemas
que afetam a agricultura familiar. Ressalta-se que, diante da recente tendência
de revalorização do meio rural como espaço de produção, moradia e lazer, e
com a emergência da discussão sobre a segurança alimentar e nutricional,
cria-se uma oportunidade para efetivação de reformas estruturais naquelas
sociedades que são caracterizadas por fortes desigualdades. Nesse contexto,
defende-se a existência dos assentamentos de reforma agrária como o locus
privilegiado para o desenvolvimento a agricultura familiar, sendo esta
concebida como a forma social mais eficiente para produzir alimentos, com
vista a garantir segurança alimentar e nutricional para o conjunto da sociedade.
Palavras – chave: Segurança alimentar; Agricultura familiar; Assentamentos de
reforma agrária; Maranhão.
ABSTRACT
It’s studied the family farming importance in the agrarian reform’s settlements,
which has the Maranhão state as its empiric base, in the contemporary context
of building of the food and nutritional safety. It’s established a vision of the
contradiction between the productive forces development and the relations of
production in capitalism, pointing out the fact that a big percentage of the world
population still starve, in spite of the social capacity to produce food technically
is very developed. It’s argued that the Green Revolution has provided the
agrarian modernization intrinsically concentrative, whose social effects become
obvious in the rural poverty increasing. We see that, in Brazil, the current
agrarian reform system hasn’t been able to promote the solutions of the
problems which affect the family farming. Emphasizing that, in the presence of
the recent tendency to revalorize the rural zone as an area of production,
housing and leisure, and with the emergency of the discussion about the food
and nutritional safety, it’s created an opportunity to the societies which are
characterized by a strong social difference to promote structural reforms. In this
context, it is defended the existence of the agrarian reform’s settlements as a
privileged locus to the family farming development, being this understood as the
most efficient social form to produce food aiming at the guarantee food and
nutritional safety to the whole society.
Key-words: Food and nutritional safety; Family farming; Settlements of the
agrarian reform; Maranhão.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
p.
Gráfico 1: Quem são os que passam fome no mundo - 2004 32
Gráfico 2: Brasil - evolução da produção de grãos nas últimas três décadas 64
Gráfico 3: Brasil - evolução da área plantada das principais culturas agrícolas - 1976/2006 71
Gráfico 4: Participação da agricultura familiar no valor bruto da produção - 1995/1996 73
Gráfico 5: Brasil e Maranhão – população rural/urbana - 1960/2000 106
Gráfico 6: Marano - evolão do cultivo de arroz, feijão e milho - 1970/2004 117
Gráfico 7: PIB per capita dos estados em relação ao PIB do Brasil - 1970 e 2000 119
Gráfico 8: Maranhão - projetos de assentamento, por período de criação 161
Gráfico 9: Marano - assentamentos com área a partir de 10 mil hectares - 2006 167
Gráfico10: Maranhão - situação dos assentamentos - 2006 172
Mapa 1: Ocorrência de fome no mundo e suas causas - 2003-2004 31
Mapa 2: Percentual da população subnutrida nos países do mundo – 2004 83
Mapa 3: Brasil - distribuição dos assentamentos, por unidade federativa 2006 128
Mapa 4: Maranhão - área de atuação da Comarco 152
Mapa 5: Maranhão - distribuição dos assentamentos nos municípios – 2006 158
Mapa 6: Brasil - índice de qualidade de vida nos assentamentos 173
Mapa 7: Alguns índices que compõem a qualidade dos assentamentos 174
Mapa 8: Maranhão - condições de solo e de clima nas áreas de localização
dos assentamentos
178
Mapa 9: Maranhão - condições de acesso e mercado potencial nas áreas de
localização dos assentamentos
179
Quadro 1 Esquema explicativo da teoria marxista das crises 19
Quadro 2 Algumas crises de abastecimento ao longo do século XX 31
LISTA DE TABELAS
p.
Tabela 1:
População mundial por continente – 2003 29
Tabela 2:
Disponibilidade de produtos alimentares selecionados - 2003 30
Tabela 3:
Brasil prodão das principais lavouras (mil toneladas) - 1976/2006 63
Tabela 4:
Principais compradores da soja brasileira – 2005 65
Tabela 5:
Principais culturas agrícolas – variação percentual da área plantada 70
Tabela 6:
Brasil - Índice de Gini - 1967/2000 71
Tabela 7:
Brasil - Estabelecimentos, área, valor bruto da produção e
financiamento – 1995
72
Tabela 8:
Brasil - evolução da concentração da terra - 1967/1998 80
Tabela 9:
Maranhão - distribuição da posse da terra por grupos de área 108
Tabela 10:
Maranhão – distribuição da posse da terra, segundo condição do
produtor – 1970/1985
110
Tabela 11:
Maranhão – utilização das terras produtivas - 1970/1985 115
Tabela 12:
Ocupões de terra no meio rural do Brasil e do Maranhão - 1985- 2005
155
Tabela 13:
Maranhão - distribuição dos assentamentos nos municípios – 2006 159
Tabela 14:
Maranhão - ocupações de terra, por período (1987- 2005) 163
Tabela 15:
Marano - concentrão dos assentamentos por microrrego 2006 165
Tabela 16:
Marano - assentamentos com área a partir de 10 mil hectares 2006 166
Tabela 17:
Produção de arroz, milho e feijão nos assentamentos – 2004 171
LISTA DE ABREVIATURAS
Agl. - Aglomeração
Chap. - Chapada
Em desc. – Em descanso
Entid. – Entidade
Estab. – Estabelecimento
FT – Financiamento Total
GEE - Grau de Eficiência na Exploração
GUT - Grau de Utilização da Terra
Inst. – Instituição
Perm. – Permanente
Plant. – Plantada
Pop. - População
Pov. - Povoado
Prod. ñ util. – Produtiva não utilizada
QV – Qualidade de Vida
Rdo. - Raimundo
Relig. - Religiosa
S. - São
Temp. – Temporária
Var. - Variação
VBC – Valor Básico de Custeio
VBP – Valor Bruto da Produção
LISTA DE SIGLAS
AMZA - Amazônia Mineração Sociedade Anônima
APP - Área de Preservação Permanente
ASICA – Associação dos Produtores de Ferro Gusa de Carajás
ATAM - Associação dos Trabalhadores Agrícolas do Maranhão
BID - Banco Interamericano de Desenvolvimento
BIRD - Banco Mundial - Banco Internacional para Reconstrução de
Desenvolvimento
CAIs - Complexos Agroindustriais
CAPES - Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
CENTRU – Centro de Educação do Trabalhador Rural
CEPAL – Comissão Econômica para a América Latina
CNA – Confederação Nacional da Agricultura
CNAN – Conferência Nacional de Alimentação e Nutrição
CNSA – Conferência Nacional de Segurança Alimentar
CNSAN - Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional
COMARCO – Companhia Maranhense de Colonização
CONAB – Companhia Nacional de Abastecimento
CONSEA - Conselho de Segurança Alimentar
CONTAG - Confederação Nacional dos Trabalhadores Agrícolas
CPDA – Curso de Pós-Graduação em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade
CPT – Comissão Pastoral da Terra
CRAB – Censo da Reforma Agrária no Brasil
CVRD - Companhia Vale do Rio Doce
DECONDepartamento de Economia
DIEESE – Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos
ENDEF - Estudo Nacional de Despesa Familiar
ENERA - Encontro Nacional de Educadoras e Educadores da Reforma Agrária
FAO – Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação
FAPEMA – Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Maranhão
FETAEMA - Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado do Maranhão
FGV - Fundação Getúlio Vargas
FHC – Fernando Henrique Cardoso
FIDA - Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola
FIPES - Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas e Sociais
GERME - Grupo de Estudos sobre a Reestruturação Produtiva, a
Mundialização do Capital, os Movimentos Sociais e o Estado Contemporâneos
GTDNGrupo de Trabalho de Desenvolvimento do Nordeste
GTZ - Deutsche Gesellschaft für Technische Zusammenarbeit
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IDH – Índice de Desenvolvimento Humano
IDR - Índice de Desenvolvimento Relativo
IICA - Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura
IMEPF - Instituto Maranhense de Ensino, Pesquisa e Formação
INAN – Instituto Nacional de Alimentação e Nutrição
INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
IPCA – Índice de Preços ao Consumidor Ampliado
IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
ITERMA – Instituto de Colonização e Terras do Maranhão
MDA - Ministério do Desenvolvimento Agrário
MEB - Movimento de Educação de Base
MF - Ministério da Fazenda
MIRA - Movimento Intermunicipal Rural Arquidiocesano
MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
NC - Núcleo de Colonização.
NEPP – Núcleo de Estudos de Políticas Públicas
OMS – Organização Mundial de Saúde
ONG – Organização Não Governamental
PA - Projeto de Assentamento
PAC - Projeto de Ação Conjunta
PAD - Projeto de Assentamento Dirigido
PAR - Projeto de Assentamento Rápido
PC - Projeto de Colonização
PCAT - Projeto de Colonização do Alto Turi
PDA – Programa de Desenvolvimento Auto-Sustentável
PDS – Plano de Desenvolvimento Social
PE - Projeto Estadual
PEA - Projeto Especial de Assentamento
PEC - Projeto Especial de Colonização
PGC - Programa Grande Carajás
PIC - Projeto Integrado de Colonização
PNA - Programas de Nutrição Aplicada
PNAD - Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio
PNRA – Programa Nacional de Reforma Agrária
PPGPP – Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas
PRONERA – Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária
PSB – Partido Socialista Brasileiro
PSD - Partido Social Democrata
RL - Reserva Legal
RESEX – Reserva Extrativista
SAN – Segurança Alimentar e Nutricional
SEAE – Secretaria de Acompanhamento Econômico
SNCR - Sistema Nacional de Crédito Rural
SSAN – Sistema de Segurança Alimentar e Nutricional
SUDAM – Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia
SUDEMA – Superintendência de Desenvolvimento do Maranhão
SUDENE - Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste
UDN – União Democrática Nacional
UEMA – Universidade Estadual do Maranhão
UFC – Universidade Federal do Ceará
UFMA – Universidade Federal do Maranhão
UFRRJ – Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro
ULTAB - União dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas do Brasil
UNICAMP – Universidade Estadual de Campinas
UNICEF – Fundo das Nações Unidas para Infância
UNRISD - Instituto das Nações Unidas para o Desenvolvimento Social
SUMÁRIO
p.
1 INTRODUÇÃO 17
1.1 A construção da segurança alimentar e nutricional como desafio
contemporâneo para a população do planeta
18
1.2 Considerações sobre a metodologia: indicações de um percurso
através dos fenômenos em busca de se entender a realidade
23
2 O DEBATE CONTEMPORÂNEO SOBRE A SEGURANÇA
ALIMENTAR E A PRODUÇÃO AGRÍCOLA FAMILIAR
27
2.1 A produção de alimentos e a fome no mundo 28
2.2 Surgimento e evolução da preocupação com a segurança
alimentar
33
2.3 Perspectivas de valorização do campo e de fortalecimento da
agricultura familiar
47
3 A PRODUÇÃO DE ALIMENTOS, A AGRICULTURA FAMILIAR E
A SEGURANÇA ALIMENTAR NO BRASIL E NO MARANHÃO
59
3.1 A política brasileira para a modernização compulsória da
agricultura e suas implicações para a agricultura familiar
60
3.2 A reforma agrária como alternativa à modernização conservadora
e a reprodução potencial da pobreza no campo brasileiro
75
3.3 O desenvolvimento recente da economia maranhense, as
atividades de produção de alimentos e a segurança alimentar
90
4 A EXPANSÃO E AS POTENCIALIDADES DOS ASSENTAMENTOS
DE REFORMA AGRÁRIA NO MARANHÃO
127
4.1 Elementos teóricos para compreensão das potencialidades da
produção familiar nos assentamentos de reforma agrária
129
4.2 O movimento dos trabalhadores rurais maranhenses pela
re-ocupação das terras
142
4.3 Caracterização dos assentamentos de reforma agrária na
dinâmica socioeconômica do estado do Maranhão
156
5 CONCLUSÃO 183
REFERÊNCIAS 193
17
1. INTRODUÇÃO
Considera-se que um dos desafios de alcance mundial que a humanidade
enfrenta, no início do século XXI, é a necessidade de superar a fome, que afeta
grande contingente da população, num ambiente que, contraditoriamente, apresenta
uma capacidade de produção de alimentos bastante desenvolvida.
Na contemporaneidade, assiste-se à generalização de bitos alimentares
inadequados para a saúde humana, tanto como uma conseqüência da atuação
poderosa da indústria alimentícia capitalista, quanto devido ao próprio
comportamento dos consumidores, cada vez mais envoltos em agressivas rotinas
profissionais ou, simplesmente, por disporem de informações insuficientes e
equivocadas sobre a alimentação. Proporciona-se, dessa forma, uma dieta
desequilibrada, gerando-se situações de desnutrição e de obesidade em meio à
abundância de alimentos. Assim, grande parte da população mundial constitui-se de
pessoas que têm acesso diário e regular a gêneros alimentícios, entretanto fazem
escolhas e combinações cujos efeitos, para o organismo, são o fornecimento
insuficiente de determinados elementos essenciais para uma nutrição adequada e a
ingestão excessiva de outras substâncias, contribuindo para a incidência de
sobrepeso, obesidade, hipertensão arterial, entre outras complicações de saúde.
Essa é a forma relativa de incidência da fome, presente no cotidiano de uma parcela
da população que dispõe das condições materiais para se alimentar, mas que, por
diferentes razões, vai se inserindo em uma situação de insegurança alimentar e
nutricional.
Além disso, no culo XX, presenciou-se a ocorrência de crises de fome
generalizada, afetando populões de áreas inteiras em diferentes países, sendo essas
crises provocadas, em sua maioria, pela ação do próprio homem. Na atualidade, uma
parcela muito grande da população do planeta encontra-se exposta a situação de
penúria alimentar, estimando-se em aproximadamente 843 milhões (FAO, 2005) o
contingente de pessoas que passam fome devido à escassez de alimentos, ou seja,
pessoas que não dispõem das quantidades físicas de gêneros alimentícios
requeridas para o suprirem minimamente as necessidades de funcionamento do
organismo. Essa é a chamada fome absoluta.
18
1.1 A construção da segurança alimentar e nutricional como desafio
contemporâneo para a sociedade mundial
Um desafio que se coloca para as gerações atuais é reverter o cenário
supracitado e construir no presente, como um legado para as gerações futuras, um
ambiente de segurança alimentar e nutricional. Esta é entendida como a garantia
das condições de acesso universal a alimentos básicos seguros e de qualidade, em
quantidade suficiente, de modo permanente e sem comprometer a satisfação de
outras necessidades essenciais, das gerações atuais e futuras, com base em
práticas alimentares saudáveis, que respeitem os hábitos singulares de cada povo,
contribuindo assim para uma existência digna em um contexto de desenvolvimento
integral da pessoa humana.
O cenário geral em que se origina a necessidade de construção da segurança
alimentar e nutricional configura-se enquanto manifestação da lógica interna da
sociedade capitalista. Com o aprofundamento das desigualdades sociais em meio
ao aumento da geração de riqueza, colocam-se permanentemente as possibilidades
de crise no capitalismo. Essa crise potencial conforma-se na medida em que o
desenvolvimento das forças produtivas da sociedade entra em contradição com as
relações de produção vigentes. Nos termos colocados por Marx, em certa etapa de
seu desenvolvimento, as forças produtivas materiais da sociedade entram em
contradição com [...] as relações de propriedade dentro das quais aquelas até então
se tinham movido. [...] Sobrevém, então, uma época de revolução social. (Marx,
1982, p. 25).
Ao enunciar tal entendimento, Marx não está se referindo exclusivamente ao
capitalismo, mas sim à maneira como os diferentes modos de produção se sucedem
na história humana. Quanto à explicitação das potenciais manifestações da crise,
especificamente na sociedade capitalista, Jacot (1977), por exemplo, elabora uma
síntese da teoria marxista, conforme se observa no quadro 1. A possibilidade de
crise no capitalismo coloca-se a partir de suas condições permissivas, tendo, porém,
na desproporcionalidade, no sub-consumo e na tendência à queda da taxa de lucro,
suas causas efetivas. A sua ocorrência funciona como solução temporária para a
contradição inerente às esferas da produção e da circulação, a qual diz respeito à
extração e à realização da mais-valia; e para a contradição entre os processos de
19
trabalho e de valorização, que se expressa no desenvolvimento das forças
produtivas e das relações de produção ou relações de propriedade.
No âmbito da agricultura, tal possibilidade de crise também está presente de
maneira constante, condição esta que se fortalece ainda mais sob o processo de
industrialização da agricultura, em que se difundem as relações propriamente
capitalistas no meio rural e a agricultura, sob o domínio do capital, passa a funcionar
como um ramo da indústria. Com a evolução do modo de produção capitalista e o
conseqüente aprofundamento da divisão social do trabalho, a agricultura deixa de
existir enquanto um setor autônomo. Esse movimento foi estudado por Marx, que
ressaltou também que em todas as formas em que domina a propriedade fundiária,
a relação com a natureza é ainda preponderante. Naquelas em que domina o
capital, o que prevalece é o elemento produzido social e historicamente. (MARX,
1982, p. 18).
A industrialização da agricultura é, pois, uma necessidade da própria
acumulação do capital. Historicamente, essa industrialização é o resultado de dois
Contradição
Formas relativas das
relões de
produção capitalistas
Desenvolvimento
absoluto das
foas produtivas
A moeda como
possibilidade geral
das crises
(1)
Contradição
Condições de
extração da
mais-valia
Condições de
realização da
mais-valia
A queda da taxa
de lucro como
causa imediata”
das crises
(2)
Flutuões da
taxa de sario
como “vicissitudes
correlativas” das
crises
(1)
A desproporcio-
nalidade comolugar
de manifestação” das
crises
(2)
A rotação do capital
fixo comobase
material das crises
(1)
O sub-consumo como
condição pvia das
crises
(2)
Solução
Reconstituição
doexército de
reserva
Desvalorização
do capital
Quadro 1: Esquema explicativo da teoria marxi
sta das crises
Fonte: Adaptado de Jacob (1977, p. 431)
(Processo de trabalho e processo de valorização)
(Processo de produção e processo de circulação)
temporária das contradições
(1) condões permissivas das crises (2) causas efetivas das crises
20
processos: a destruição da economia natural, na medida em que vão sendo
retirados os componentes que asseguravam a “harmonia” da produção baseada na
relação Homem-Natureza; e a recomposição de uma nova “harmonia” (também
permeada de contradições), baseada no conhecimento científico e no controle cada
vez maior da Natureza, perseguindo-se a possibilidade de reprodução artificial das
condições naturais da produção agrícola. (SILVA, 1998). O conceito de
industrialização da agricultura não se reduz às alterações na forma da produção
decorrentes da introdução de maquinário e da integração com os setores industriais,
ou seja, não implica apenas mudanças na relação Homem versus Natureza, mas,
primordialmente, modificações nas relações sociais de produção e na relação do
Homem com seus instrumentos de trabalho. A industrialização da agricultura implica
a passagem de um sistema de produção artesanal a um sistema em base
manufatureira [...] e mesmo à grande indústria em alguns sub-setores das atividades
agropecuárias. (SILVA, 1998, p. 4).
O processo de industrialização da agricultura significa que esta se transforma
num setor inteiramente subordinado ao capital, que contém, portanto, as mesmas
contradições da indústria capitalista, estando sujeita às possibilidades gerais de
crise. Considerando-se que não interessa nem aos capitalistas nem às elites
politicamente dominantes que sejam promovidas mudanças estruturais na
sociedade, opera-se, sob o controle do capital, uma modernização compulsória ou
modernização conservadora, conforme expressão de Moore (1979).
1
Porém, a
modernização da agricultura é o aprofundamento das relações tipicamente
capitalistas, que transforma o produtor de alimentos em produtor de mercadorias por
excencia. Esse resultado, por sua vez, pode contribuir para ampliar e acirrar as
situações de insegurança alimentar no conjunto da sociedade. Nessa circunstância,
evidencia-se ainda mais o desafio que se coloca, no presente, para a humanidade.
Em sua dimensão mais ampla, enquanto objeto de análise, esse desafio pode
comportar múltiplos aspectos, todos com sua devida relevância. No entanto, o
aspecto que se apresenta como o mais imediato, talvez seja aquele que diz respeito
às atuais condições sob as quais vem sendo desenvolvida a produção agrícola,
1
O que importa é modernizar sem modificar a estrutura social. Moore (1979), em sua obra originalmente
publicada na Inglaterra, em 1966, utiliza essa idéia para se referir aos processos de modernização capitalista
autoritários, da revolução pelo alto, ocorridos principalmente no Japão do Pós-Guerra. Martins (1976) procura
aplicar essa idéia para compreensão dos processos ocorridos no Brasil, particularmente nos governos de Getúlio
Vargas e Juscelino Kubitschek.
21
particularmente, as chamadas culturas alimentares. Para aqueles países que
apresentam elevada concentração da propriedade da terra e recorreram à
modernização conservadora, essa discussão incorpora a necessidade de um efetivo
processo de reforma agrária. Nesse sentido, manifesta-se também a importância do
debate sobre os assentamentos de reforma agrária e suas possibilidades de
consolidação.
Do ponto de vista teórico, os assentamentos podem ser abordados no
contexto da produção agrícola familiar no capitalismo. Admitindo-se essa condição,
reconhece-se também como sendo atinente aos assentamentos de reforma agrária
a antiga polêmica acerca da oposição entre pequena e grande exploração agrícola,
recolocada em termos de unidade familiar de produção e exploração patronal. De
modo geral, pode-se apontar a existência de duas posições básicas nesse debate:
uma defende a unidade familiar de produção enquanto forma privilegiada para o
desenvolvimento agrícola, e a outra sugere sua superação pela produção patronal.
Na atualidade, o equivalente dessa oposição pode ser encontrado no debate a
respeito da própria importância da reforma agrária, havendo as posições que
procuram negá-la, alegando tratar-se de uma opção contrária às supostas
tendências de competitividade exigidas pela dinâmica de mercado, enquanto outras
posições a defendem como parte de uma necessária reforma civilizatória, para
incorporar o contingente da população que se encontra destituído das mínimas
condições de sobrevivência.
Contemporaneamente, as limitações dos modos de vida pautados,
exclusivamente, no mundo urbano industrializado têm favorecido o aparecimento de
uma tendência de revalorização dos espaços rurais, com destaque para a ótica da
multifuncionalidade, sob a qual se procura fortalecer a agricultura familiar em suas
funções social, econômica, ambiental e de segurança alimentar. Ao mesmo tempo,
particularmente nos países com estrutura agrária concentrada, como o Brasil, ocorre
um forte movimento social pela re-ocupação da terra, através da reforma agrária,
ensejando a expansão das experiências de assentamentos e, portanto, colocando-
se uma situação específica para o debate, que é agricultura familiar nos
assentamentos de reforma agrária.
Nesse cenário, podem ser explicitados os pressupostos que são adotados na
presente pesquisa, os quais possibilitam a compreensão da hipótese de trabalho:
22
Inicialmente, em um ambiente de crise potencial permanente, considera-se que o
caráter intrinsecamente competitivo e anárquico da produção capitalista exige que,
no plano individual, o empresário tome como referência a taxa média de lucro para
decidir sobre o empreendimento. Esse aspecto está vinculado à mobilidade do
capital, a qual é modernamente favorecida pela predominância da forma financeira
do capital e pelo desenvolvimento sem precedente dos meios de informação. Tal
circunstância (a facilidade de migração inter-setorial dos capitais) sugere que se
considere temeroso para uma sociedade permitir que a produção de alimentos
opere, exclusivamente, segundo a lógica de mercado, dependendo das decisões
individuais dos capitalistas.
O segundo pressuposto é que a agricultura familiar supõe a produção de
alimentos como condição de sua própria existência. Assim, independentemente das
motivações referentes aos preços dos produtos, as atividades do grupo familiar vão
se diversificando de maneira complementar, mantendo-se a produção de alimentos
de forma constante.
O terceiro pressuposto é que os assentamentos de reforma agrária, limitados
a uma área física previamente delimitada, representam uma impossibilidade de
reprodução da agricultura familiar, na sua forma itinerante tradicional. Portanto,
mantendo-se sob a mesma racionalidade de unidade de produção externa aos
assentamentos, é grande a possibilidade de a produção familiar desintegrar-se nas
diversas manifestações da pobreza rural. Todavia, enquanto resultado da luta social,
os assentamentos são constituídos no bojo de um processo de politização das
famílias envolvidas, um processo de fortalecimento do senso de organização social,
apesar de que esse elemento de coesão vai, na maioria dos casos, sendo
enfraquecido no cotidiano dos assentados, após a conquista da terra.
A despeito das adversidades, nas quais se inclui o fato de as políticas
agrícolas terem sido historicamente favoráveis aos empreendimentos patronais, é a
produção familiar que tem garantido o abastecimento alimentar no Brasil. Considera-
se que, caso os assentamentos fossem concebidos como parte de um projeto de
desenvolvimento da sociedade, de fortalecimento do mercado interno, para a
segurança alimentar, a produção e o desempenho da agricultura familiar seriam
muito superiores ao que se observa na atualidade. Por todas essas situações é que,
de início, se estabelece a afirmação de que, potencialmente, os assentamentos de
23
reforma agrária são o locus privilegiado para o desenvolvimento da forma social
mais eficiente para produzir alimentos, a agricultura familiar, com vista a garantir a
segurança alimentar e nutricional da sociedade.
1.2 Considerações sobre a metodologia: indicações de um percurso através
dos fenômenos em busca de se entender a realidade
A existência empírica dos assentamentos de reforma agrária e, por
conseguinte, sua constituição enquanto categoria de análise são relativamente
recentes na história da sociedade brasileira. Em função dessa circunstância, Leite
(1994) observa que grande parte dos estudos sobre o assunto apresenta caráter
descritivo-exploratório, buscando identificar e registrar as variáveis econômicas que
exercem maior influência no processo produtivo dos assentamentos. Essa forma de
abordar o objeto contribuiu para aprofundar alguns de seus aspectos particulares e
recolocar no centro do debate político o tema da necessidade da reforma agrária, no
contexto da modernização conservadora que se operou no país.
Além dessa circunstância, o tipo de abordagem supramencionado suscita a
reflexão de que o objeto em questão, como qualquer fenômeno da realidade social,
constitui-se de tão ampla riqueza que se permite apreender através de
sucessivas sínteses. E essas sínteses, necessariamente, apresentam caráter parcial
e provisório, ainda que sejam realizadas a partir de concepções gerais,
aprofundando-se em algum aspecto empírico, particular ou singular, e evidenciando
nesse aspecto o sentido de uma totalidade mais ampla e elaborada. Abordados a
partir dessa perspectiva, os assentamentos de reforma agrária, em sua diversidade
de aspectos, constituem um profícuo espaço multidisciplinar de elaboração
acadêmica. Assim, compreender o aspecto escolhido para a presente investigação -
a importância da agricultura familiar nos assentamentos visando à construção da
segurança alimentar e nutricional - exige que se desvendem as inter-relações dos
diversos aspectos internos aos assentamentos e também suas vinculações com as
demandas do conjunto da sociedade no que se refere à necessidade de garantir, por
um lado, a oferta de alimentos com qualidade e preços acessíveis, e, por outro lado,
que os efeitos dos processos de trabalho não comprometam as condições gerais de
equilíbrio dos ecossistemas envolvidos.
24
No contexto das considerações acima é que se toma a necessidade de
abordar o objeto sob inspiração da teoria, como condição de construção do
conhecimento, ou seja, como condição para percorrer um caminho que permita a
superação dos aspectos fenomênicos sob os quais a realidade se apresenta. Nesse
sentido, o primeiro procedimento metodológico constituiu-se da pesquisa
bibliográfica, cuja finalidade consistiu em buscar elementos analíticos facilitadores
de uma compreensão geral do objeto de pesquisa em sua inserção nos contextos
local, nacional e mundial, enquanto uma dimensão que se refere ao contexto geral
da produção agrícola familiar no capitalismo.
Como um segundo procedimento de investigação, tratou-se de realizar o
levantamento de dados estatísticos junto a fontes especializadas, oficiais e não-
oficiais. Buscou-se, com tal procedimento, reunir informações existentes, para
compor uma percepção panorâmica das diversas dimensões relacionadas ao objeto
em questão. Essas informações são atinentes à caracterização da situação sócio-
econômica e ambiental, em geral, e à produção de alimentos do estado do
Maranhão, em particular, bem como ao movimento de expansão das experiências
de assentamento de trabalhadores rurais.
Um terceiro procedimento de pesquisa constituiu-se do levantamento direto
de informações de campo, enquanto uma oportunidade privilegiada para observação
e compreensão da realidade em sua dimensão empírica. A fim de possibilitar a
percepção das condições concretas de existência dos assentamentos de reforma
agrária no Maranhão, foram focalizados alguns elementos específicos na realização
da pesquisa de campo. Um grupo desses elementos objetivou estabelecer uma
caracterização geral dos assentamentos, identificando-se a trajetória dos
assentados; a dimensão e os critérios de repartição da terra; as características do
solo; a disponibilidade de recursos hídricos; a cobertura vegetal; a situação infra-
estrutural e social; o acesso aos meios de transporte e de comunicação.
Outro grupo de elementos buscou a compreensão das formas efetivas em
que se desenvolve a produção. Por um lado, foram identificados os aspectos físicos
da produção, destacando-se: o tipo de atividade existente; as técnicas de
preparação do solo; os tratos culturais ou técnicas de manejo; as formas de controle
de pragas; as técnicas de colheita e tratamento do produto; a estimativa do volume
da produção; a estrutura de comercialização. Por outro lado, foram consideradas as
25
formas de organização da produção, com identificação do caráter preponderante no
processo de trabalho; as relações de produção/formas de apropriação do produto;
as formas de financiamento da produção. Através das técnicas utilizadas e das
formas de organização das atividades, procurou-se identificar elementos indicativos da
interação da dinâmica interna dos assentamentos com as demandas sociais relativas
à oferta de alimentos a preços acessíveis e à preservação do meio ambiente.
A técnica escolhida para a coleta de informações na pesquisa de campo foi a
aplicação de entrevista estruturada. O universo da pesquisa considerado foi o
conjunto dos assentamentos existentes no Maranhão, tanto os de responsabilidade
do governo federal quanto os do governo estadual. Para a definição da amostra
levou-se em consideração a existência das seguintes situações: por um lado,
algumas micro-regiões geográficas no estado concentram grande número de
projetos de assentamento e, além disso, esses assentamentos, possivelmente,
apresentam elevado grau de semelhança quanto a suas trajetórias, maneiras de
produzir, tipos de atividade econômica e recursos disponíveis; por outro lado,
existem assentamentos resultantes diretamente da ação do MST e outros que são
oriundos de diversos movimentos de organização dos camponeses; existem, ainda,
assentamentos que são resultado da ocupação de áreas que não vinham
desempenhando sua função produtiva e outros que se constituem a partir da
regularização de situações de conflito entre antigos moradores, em geral posseiros,
e pretensos proprietários da terra; num outro recorte, quanto à proximidade dos
centros consumidores e quanto ao acesso à malha viária, existem assentamentos
situados à beira das estradas ou em áreas contíguas às sedes municipais, enquanto
outros estão em locais de difícil acesso, permanecendo praticamente isolados. É
razoável supor que para cada uma dessas situações correspondam formas distintas,
ainda que não divergentes, de organização da produção e de percepção da própria
realidade em que se inserem as populações envolvidas. Nessas circunstâncias, ao
definir a amostra, buscou-se abranger o conjunto das situações descritas.
O tamanho da amostra ficou estabelecido em 3,5 % dos assentamentos
existentes, mesmo assumindo-se que na fixação desse percentual persiste relativa
arbitrariedade. Para cada situação mencionada, a escolha dos assentamentos foi
dada por sorteio. Uma vez estabelecida a amostra dos assentamentos, a escolha
dos casos para aplicação das entrevistas ocorreu de duas maneiras. A primeira
26
refere-se a uma escolha qualificada, em que se elegeram informantes pela posição
que ocupam nos assentamentos, tais como direção de associação de produtores e
liderança comunitária. Todavia, considerou-se indispensável captar o ponto de vista
do conjunto dos moradores dos assentamentos. Para esta situação foi necessário
estabelecer uma amostra dos povoados, visto que, geralmente, a população
encontra-se distribuída em diferentes núcleos habitacionais ou vilas, no interior dos
assentamentos. Definiu-se o grupo familiar como unidade-padrão para efeito da
coleta de dados, elegendo-se o chefe de família como informante prioritário,
independente de sua condição de gênero. O número de entrevistas aplicadas
correspondeu a uma família por povoado pré-definido nos assentamentos e a
escolha dessas famílias entrevistadas foi dada por sorteio.
Uma vez cumprido o momento da investigação, buscou-se analisar as
informões, estruturando-se a exposão dos resultados da maneira que se segue.
Procurou-se construir um primeiro capítulo representando um panorama da
produção de alimentos e da situação da fome no mundo, no qual se evidencia que
as relações de produção capitalistas condicionam o acesso aos alimentos, embora a
capacidade de produzi-los esteja desenvolvida no conjunto da sociedade. Além
desse aspecto, destaca-se o aparecimento da preocupação da sociedade civil e de
alguns governantes com a segurança alimentar e nutricional, especialmente a partir
de meados do século XX. Do mesmo modo, procura-se examinar a existência de
uma tendência de revalorização dos espaços rurais e de fortalecimento da
agricultura familiar, a partir das limitações que se manifestam nos padrões de vida
tipicamente urbanos na atualidade.
No capítulo seguinte, são analisadas a produção de alimentos, a agricultura
familiar e segurança alimentar no Brasil e no Maranhão, observando-se que, ao
perseguir os padrões de modernização compulsória da agricultura operados no país,
o Maranhão ficou em posição marginal, e os efeitos das políticas governamentais
atingiram de forma ainda mais perversa os agricultores familiares que, em sua
maioria, atuavam na condição de posseiros nas fronteiras agrícolas. Apresenta-se
também, o contexto do debate relativo à necessidade da reforma agrária no Brasil,
destacando-se a questão agrária como um obstáculo estrutural para a construção
plena da nação, processo que significaria a superação definitiva da herança colonial.
27
No capítulo terceiro, são estudadas a expansão e as potencialidades dos
assentamentos de reforma no Maranhão, tendo em vista a construção da segurança
alimentar. Procura-se enfatizar que a produção de alimentos é garantida pela
agricultura familiar, mas o governo do estado optou por seguir um modelo de
desenvolvimento rural apoiado na exploração patronal. Com a reação organizada
dos trabalhadores e com o caráter especulativo de grande parte das aquisições de
terra efetuadas pelos grupos empresariais, atingiu-se uma situação em que os
assentamentos se expandiram numericamente, entretanto, são precárias as
condições efetivas de sua consolidação.
Finalmente, à guisa de conclusão, procura-se argumentar que, caso a
sociedade maranhense opte por construir seu próprio projeto de desenvolvimento e,
assim, invista na transformação das condições sob as quais vem operando a
produção familiar, os assentamentos de reforma agrária representam o lugar ideal
para se promover a produção de alimentos.
2. O DEBATE CONTEMPORÂNEO SOBRE A SEGURANÇA ALIMENTAR E A
PRODUÇÃO AGRÍCOLA FAMILIAR
No presente capítulo, procura-se evidenciar que, do ponto de vista de sua
quantidade, a produção de alimentos é suficiente para satisfazer o conjunto da
população mundial, ainda que os processos de produção nem sempre ocorram
próximo aos locais onde se encontram os potenciais consumidores. Assim, o volume
da produção não constitui a principal questão a ser debatida, e sim o controle da
produção e da distribuição, que condiciona o acesso e a destinação daquilo que é
produzido. Esta, aliás, é uma posição defendida por muitos pensadores, no mundo
inteiro, destacando-se Castro (1954) em sua batalha contra a fome. Diversos
posicionamentos de fóruns internacionais a respeito do problema alimentar,
particularmente a partir da década de 1980, também adotam essa premissa.
A crítica a essa tese centra-se basicamente no suposto exagero das variáveis
econômicas que nela estaria implícito. Porém, efetivamente, esse aspecto não abala
sua imprescindibilidade para que se desvendem os componentes ideológicos que
estão por trás das explicações para a persistência da fome generalizada no mundo -
estimativas menos pessimistas, como as da Organização das Nações Unidas para a
28
Agricultura e a Alimentação (FAO, 2005), sugerem que mais de 843 milhões de
pessoas estão submetidas à fome de maneira crônica na atualidade.
Assim, a discussão sobre segurança alimentar evolui num contexto em que,
por um lado, a capacidade de produzir e os recursos técnicos modernos estão
bastante avançados, e por outro lado, o acesso efetivo aos alimentos é fortemente
desigual, quer no que se refere às diferentes áreas do Planeta quer no que diz
respeito aos distintos segmentos populacionais de uma mesma área geográfica.
Esse debate estabelece-se e se fortalece, ocupando espaço nas agendas públicas
internas e em fóruns internacionais, a partir das demandas conduzidas por entidades
da sociedade civil nos diversos países. No Brasil, especialmente, a formulação da
agenda de discussão e a construção de instrumentos para que venham efetivamente
acontecer ações de combate ao problema alimentar têm sido possíveis devido à
força que as entidades do movimento social conseguem demonstrar, conquistando
espaços de interferência junto ao Governo.
Diante de uma realidade complexa e desfavorável para o bem-estar dos
indivíduos, baseada em um padrão de desenvolvimento socioeconômico cujo centro
é o mundo urbano, crescem nas diferentes sociedades do Planeta a discussão e as
experiências de revalorização do mundo rural. Mesmo que as decisões sobre essa
revalorização dependam da própria dinâmica do mundo urbano, é decisivo o sentido
de conquista que essa discussão representa para o conjunto do movimento social,
através da atuação das múltiplas entidades. Repensar e redefinir rumos na trajetória
humana impõe-se como uma necessidade urgente nas cidades, mas sua essência
transformadora reside na força do movimento social do campo. Nesse sentido, as
possibilidades de transformação qualitativa do meio rural passam necessariamente
pela promoção da unidade familiar de produção enquanto forma social mais eficiente
para sustentação do modo de vida no campo.
2.1 A produção de alimentos e a fome no mundo
Considera-se nesta seção que a atual capacidade técnica de produção de
alimentos é suficiente para garantir o abastecimento e o atendimento das
necessidades básicas da totalidade da população mundial. Entretanto, não são as
necessidades socialmente determinadas que regem a produção e sim as condições
29
históricas da sociedade capitalista que controlam tanto o volume dessa produção
como o acesso dos indivíduos àquilo que é efetivamente produzido. Essa
determinação resulta em situações inaceitáveis nas quais populações inteiras
morrem por inanição em meio à abundante produção de cereais, carne bovina ou
frutas, ou ainda morrem por extrema escassez de comida causada por embargos
comerciais e por destruição das atividades econômicas em função de conflitos internos.
A população mundial, embora tenha crescido a taxas discretas nas últimas
décadas, apresenta valores bastante elevados em termos absolutos. De acordo com
dados da FAO, para 2003, a população total era de 6,2 bilhões de pessoas,
distribuídas da seguinte maneira nos quatro continentes: África (13,6%), Ásia
(61,3%), América (12,7%), Europa (11,8%) e Oceania (0,6%).
O crescimento tem ocorrido de forma distinta nos diversos lugares, sendo
normalmente observadas taxas maiores nos países de baixa renda, e taxas
menores, às vezes negativas, nos países ricos. Por outro lado, omitindo-se a crítica
aos critérios utilizados para determinação do rural e do urbano, nos diferentes
países, ainda assim verifica-se que a população rural continua quantitativamente
predominante no âmbito mundial: rural, 52,3% e urbana, 47,7%. Esse resultado
deve-se, basicamente, à circunstância de que os dois continentes nos quais a
população rural é maior que a urbana (África, 61,3%, e Ásia, 62,3%) concentram 3/4
da população total. A América, a Europa e a Oceania apresentam percentuais da
população urbana significativamente superiores aos da população rural: 76,0%,
73,0% e73,3%, respectivamente.
Tabela 1: População mundial por continente – 2003
População
(mil habitantes)
Continente
Rural Urbana Total
África 521.555 329.004 850.559
Ásia 2.341.989 1.481.400 3.823.389
América 190.187 600.998 791.185
Europa 196.878 540.230 737.108
Oceania 8.607 23.629 32.236
Total 3.259.216 2.975.261 6.234.477
Fonte: Faostat. Disponível em: <http://www.faostat.fao.org>. Acesso em: 14. mar. 2006.
Considerando-se os dados da FAO, de 2003, sobre a população e a produção
de alimentos no mundo, observa-se que a maior disponibilidade foi de cereais e de
frutas, sendo menores as quantidades das carnes e dos produtos da pesca,
30
conforme mostra a tabela 2. A produção de cereais atingiu naquele ano mais de dois
bilhões de toneladas, tendo como principais produtores: a China, com 377,5 milhões
de toneladas, que correspondem a 18,2% da produção mundial; os Estados Unidos,
com 348 milhões de toneladas, o que corresponde a 16,8% do total, e a Índia, com
232 milhões de toneladas, respondendo por 11,2% da produção total.
As frutas tiveram uma produção de 1,3 bilhões de toneladas, sendo a China o
principal produtor, com 483 milhões de toneladas, representando 36,6% da
produção total; a segunda maior produção vem dos Estados Unidos, com 66,2
milhões de toneladas, correspondendo a 5% da produção total; o Brasil é o terceiro maior
produtor de frutas, com 42 milhões de toneladas e representa 3,2% da prodão total.
A produção mundial de carnes alcançou 253,5 milhões de toneladas e teve
como principais produtores: a China, que produziu 71 milhões de toneladas,
representando 28% da produção total; os Estados Unidos, que produziram 38,7
milhões de toneladas, respondendo por 15,3% do total; e o Brasil, com 18 milhões
de toneladas, o que representa 7,4% da produção total.
Por sua vez, os produtos oriundos da pesca atingiram 132,9 milhões de
toneladas. A China é seu principal produtor, com 45,9 milhões de toneladas, que
representam 34,5% da produção mundial. A Índia é o segundo maior produtor, com
seis milhões de toneladas, representando 4,5% da produção total. A Indonésia, que
produziu 5,4% milhões de toneladas e representou 4,1% do total, é o terceiro maior produtor.
Tabela 2: Disponibilidade de produtos alimentares selecionados - 2003
Produtos Produção total (mil toneladas) Disponibilidade (kg/hab)
Cereais
2.075.309 332,9
Frutas
1.322.454 212,1
Carnes
253.528 40,6
Produtos da pesca
132.989 21,3
Fonte: Faostat. Disponível em: <http://www.fao.org>. Acesso em: 19. nov. 2006.
Evidentemente, não se pode considerar que a disponibilidade significa a
garantia de acesso aos alimentos. Por se tratar do volume físico da produção total
relativamente à população total, a disponibilidade constitui uma condição necessária,
porém, insuficiente para garantir o acesso, que é um requisito da segurança
alimentar. Este, por sua vez, é condicionado, entre outros fatores, pelo caráter das
relações de produção e de propriedade dominantes em cada lugar, que determinam
a distribuição da riqueza produzida, e pela renda auferida pela população
31
demandante, que manifesta o volume apropriado pelas partes envolvidas na
produção. Ao longo do século XX, observa-se que muitas sociedades sofreram
problemas graves de abastecimento e, por conseguinte, fome generalizada. Na
quase totalidade, as causas identificadas são causas não-naturais. O quadro 2
ilustra esse cenário.
Período Localização Pop. Atingida Causas principais
1942 Bengala 2 milhões Escassez de comida
1944 Japão 1,8 milhão Guerra mundial
Pós-Segunda Guerra Europa ocidental 4 milhões Guerra e recessão econômica
1954 Argélia 300 mil Guerra pela libertação
1958/1966 África do Sul 1 milhão Guerra
1979 Moçambique 210 mil Guerrilhas
1983 Nigéria 2 milhões Redução de rendimentos do petróleo
1992/1994 Zaire 700 mil Colapso da indústria mineira
Quadro 2: Algumas crises de abastecimento ao longo do século XX
Fonte: Elaborado a partir de informões disponíveis em: <http://www.fao.org>. Acesso em: 28. jul. 2005.
Na atualidade, de acordo com publicação da FAO (2005), são estimadas em
cerca de 843 milhões as pessoas que sofrem de fome crônica, nos diversos
continentes. Muitas dessas pessoas estão envolvidas em situações de conflito
armado de longa duração. O mapa 1 permite destacar que as áreas mais fortemente
afetadas, tanto pela diversidade de causas como pela extensão do problema,
encontram-se no continente africano, combinando-se fatores naturais e
principalmente guerras localizadas.
Mapa 1: Ocorrência de fome no mundo e suas causas - 2003-2004
Fonte: Adaptado de FAO (2004)
32
Quando se procura observar quem o os que passam fome no mundo, os
dados da FAO (2004) revelam uma situação inusitada: ironicamente, 70% das
pessoas que sofrem de fome crônica pertencem exatamente àqueles segmentos, os
camponeses, cuja existência depende diretamente da disponibilidade de terra
porque o eles produtores de alimentos. Outros 10% são pastores, caçadores ou
pessoas que vivem de atividades extrativistas, incluindo-se os pescadores
artesanais. No conjunto, 80% das pessoas que passam fome habitam os ambientes
onde se produz (ou se deveria produzir) comida.
Esse cenário em que a maioria dos que passam fome se compõe de pessoas
pertencentes a segmentos que, por sua natureza, são relacionados aos processos
de produção, fornece elementos para confirmação daquilo que preconizavam os
movimentos pela segurança alimentar na década de 1980, de certa forma dando
continuidade à tese de Josué de Castro (CASTRO, 1954) e à crítica de Karl Marx
(MARX, 1985) a respeito da sociedade capitalista: a fome no mundo não é um
problema de incapacidade das forças produtivas, ainda que isso possa ocorrer em
situações particulares, mas sim um resultado da lógica de funcionamento da
sociedade. Nas condições contemporâneas, relativamente ao total da população, a
economia mundial produziu uma disponibilidade per capita diária de 58,4 g. de
produtos da pesca; 111,2 g. de carnes; 581,1 g. de frutas e 912,0 g. de cereais. Por
outro lado, apesar das previsões pouco otimistas de redução da área agricultável na
Gráfico
1: Quem são os que passam fome
no mundo
-
2004
Pequenos
agricultores
50%
Camponeses sem terra
20%
População pobre das
zonas urbanas
20%
Pastores, pescadores e pessoas
que dependem dos bosques
10%
Fonte: Adaptado de FAO (2004)
33
superfície da terra devido ao progressivo aquecimento global, na atualidade seria
possível produzir mais alimentos, tanto pela incorporação de novas áreas
2
quanto
pela difusão das tecnologias conhecidas.
Ressalta-se, assim, que o modelo dominante de produzir alimentos na
atualidade, com base nas grandes empresas, não é socialmente eficiente, uma vez
que, ao lado da evolução da produção de alimentos ocorrem sucessivas crises de
abastecimento e, cotidianamente, parcelas significativas das diversas sociedades
não têm acesso regular à ração mínima necessária para sua subsistência.
2.2 O surgimento e a evolução da preocupação com a segurança alimentar
No debate a respeito do problema alimentar no mundo estão envolvidas, pelo
menos, duas grandes dimensões, ambas compreendendo considerável leque de
aspectos: uma é aquela em que se procura reconhecer a alimentação como um
direito natural e inalienável do indivíduo; a outra dimensão é a que discute como
garantir esse direito, como fazer com que as pessoas tenham acesso aos alimentos,
esta é a dimensão da segurança alimentar e nutricional.
Na realidade, segurança alimentar e nutricional trata exatamente de como
uma sociedade organizada, por meio de políticas públicas, de
responsabilidade do Estado e da sociedade como um todo, pode e deve
garantir o direito à alimentação a todos os cidadãos. Assim, alimentação é
um direito do cidadão, e a segurança alimentar e nutricional para todos é
um dever do Estado e responsabilidade da sociedade. (VALENTE, 2002, p. 40)
De um modo geral, pode-se entender que a problemática alimentar
acompanha a própria trajetória humana, acirrando-se em alguns períodos,
especialmente naqueles em que surge a preocupação com a chamada questão
social, evidenciada com a consolidação do capitalismo. A preocupação com a
segurança alimentar, entretanto, é relativamente recente na História humana.
Conforme Valente (2002), a noção surge no contexto europeu do início do culo
2
Dados da FAO (2005b), para o ano de 2002, indicam que, excluídas as culturas permanentes, as lavouras
ocupam, na África apenas 6% da superfície total e este continente dispõe do menor mero de tratores/dez mil
hectares de terra cultivada, 2,9; na Ásia, as lavouras ocupam 16% das terras e existem 14,6 trator/dez mil
hectares; na América Latina, as lavouras ocupam 7% e existem 18,8 tratores/dez mil hectares; na América do
Norte, as lavouras ocupam 8% e existem 25 tratores/dez mil hectares; na Oceania, as lavouras ocupam 3% das
terras e existem 8 tratores/dez mil hectares; na Europa, as lavouras ocupam 17% das terras e existem 38,2
tratores/dez hectares.
34
XX, associada ao conceito de segurança nacional e à necessidade de cada país
produzir sua própria alimentação, enquanto forma preventiva contra fatores
externos, como situações de embargo comercial ou conflitos bélicos. A partir dessa
época, o conceito evolui achegar, recentemente, a um entendimento amplo, com
a incorporação dos componentes nutricionais, sanitários, biológicos e culturais dos
alimentos, associando-se a ele também o conceito de segurança alimentar
domiciliar. Embora as primeiras preocupações tenham se manifestado como
objetivos estratégicos de proteção contra momentos de exceção, a evolução da
concepção de segurança alimentar voltada para proteção da sociedade contra
situações cotidianas de fome e desnutrição, é impulsionada pelas lutas sociais.
Maluf e Meneses (2003) informam que o termo segurança alimentar começou
a ser utilizado a partir da experiência vivida após a Primeira Guerra Mundial, quando
ficou evidente a possibilidade de um país dominar outro controlando seu
fornecimento de alimentos. Nessa situação, a alimentação se tornaria uma arma
poderosa, principalmente quando usada por uma grande potência contra um país
que tivesse frágil estrutura produtiva, insuficiente para garantir a necessária
produção de alimentos. A segurança alimentar adquire, assim, um significado de
segurança nacional, alertando para a necessidade de formação de estoques
estratégicos de alimentos e reforçando a idéia que vincula a soberania de um país à
sua auto-suficiência na produção de alimentos.
Por sua vez, Valente (2002)
3
, destaca que, diferentemente da época acima
mencionada, foi por ocasião da criação da FAO e de outros organismos
internacionais, na década de 1940, que foram feitas as primeiras referências à
segurança alimentar no âmbito internacional. Entretanto, ainda que não se trate
especificamente do conceito, Castro (1954) lembra que a fome era objeto de debate
internacional há muito tempo.
em 1928, a antiga Liga das Nações inscrevera o problema da
alimentação dos povos entre os temas de sua permanente atuação, fazendo
realizar, sob o patrocínio da Organização de Higiene, inquéritos em
diferentes países e dando publicidade a alguns valiosos relatórios sobre o
assunto. Das primeiras pesquisas realizadas com método e rigor científico,
nas mais variadas regiões da Terra, ficou demonstrado o fato alarmante de
que mais de dois terços da humanidade vivem num estado permanente de
fome. (CASTRO, 1954, p. 38).
3
O autor refere-se a informação obtida através de comunicação pessoal (LEHMAN, K. Once a generation: the
search for universal food security. Nov.1996).
35
O autor prossegue referindo-se a uma (desejável) consciência universal, que,
conforme ele acreditava à época, teria se modificado a partir da constatação
mencionada acima, no sentido de resolver de forma efetiva o problema alimentar.
A demonstração mais efetiva dessa completa mudança da atividade
universal em face ao nosso tema foi a realização da Conferência de
Alimentação de Hot Springs (1943), a primeira das conferências
convocadas pelas Nações Unidas para tratar dos problemas fundamentais,
visando à reconstrução do mundo de após-guerra. (CASTRO, 1954, p. 38).
De acordo com Valente (2002), na Conferência da FAO realizada em 1953, a
assistência alimentar é utilizada como um componente da segurança alimentar, no
sentido de promover o uso dos excedentes alimentares em escala mundial. Com a
escassez de alimentos ocorrida na primeira metade da década de 1970 e,
particularmente, a partir da Conferência Mundial de Alimentação, em 1974, a
segurança alimentar passou a ter sua utilização ampliada e associada a uma política
de criação e manutenção de estoques nacionais de alimentos. Passava a ser uma
questão de produção de alimento, e não de direito humano aos alimentos. A ênfase
estava na comida, e não no ser humano. (VALENTE, 2002, p. 41)
O autor acrescenta que a superação da crise de alimentos favoreceu a visão
de que os problemas da fome e da desnutrição decorriam muito mais de problemas
de demanda e distribuição do que de produção. Aliás, essa percepção havia sido
defendida por Castro (1954) na década de 1940. A fome mundial não é, por
conseguinte, um problema de limitação da produção por coerção das forças
naturais; é antes um problema de distribuição. (CASTRO, 1954, p. 43)
A partir de 1983, a noção de segurança alimentar incorpora os componentes
de oferta estável e adequada, além de garantia de acesso e de qualidade,
reafirmando-se como condição indispensável a redução da pobreza, a redistribuição
dos recursos materiais e da renda.
No início da década de 1990, o entendimento da segurança alimentar evolui
consideravelmente, passando a incluir não somente dimensões da qualidade
sanitária, biológica, nutricional e cultural dos alimentos, mas também questões de
eqüidade, de justiça e de ética da geração atual para com as gerações futuras
quanto ao uso sustentável dos recursos, ao cuidado com o meio ambiente e ao
padrão de desenvolvimento a ser adotado. A questão do direito à alimentação
insere-se no contexto do direito à vida, da dignidade, da autodeterminação e da
36
satisfação de outras necessidades básicas (SEN, 1981, apud VALENTE, 2002, p.
41). Essas dimensões passam a integrar o conjunto dos compromissos assumidos
por chefes de Estado durante a Conferência Internacional de Nutrição, promovida
em 1992, pela FAO e pela OMS, fato este que refletiria uma concepção mais
humana à segurança alimentar e nutricional. Num contexto de evolução e ampliação
do conceito, fortalecem-se as posições de autores que defendem a segurança
alimentar e nutricional enquanto um direito humano econômico, social e cultural, e
que relacionam a questão da alimentação e da nutrição à questão da cidadania,
como é o caso de Drèze e Sen, citados por Valente (2002, p. 42)
4
Em um esclarecedor artigo, Salay (1993) apresenta uma síntese das
principais concepções que orientaram a intervenção de governos e de organismos
internacionais no combate à subalimentação nos países não-desenvolvidos
5
.
Estabelece, então, uma caracterização das políticas de alimentação nos seguintes
termos: o período das abordagens estreitas, que se estende até o início da década
de 1970; o período da nutrição no contexto multidisciplinar, ao longo da década de
1970; e o período dos sistemas alimentares, após esta década.
Quanto ao período das abordagens estreitas, a autora aponta primeiramente
a predominância de ações pontuais. Observa que as primeiras ações
governamentais especificamente dirigidas para o enfrentamento da subalimentação
foram os programas de suplementação alimentar.
A merenda escolar, por exemplo, foi implementada em países europeus no
final do século dezoito, difundindo-se, posteriormente, para suas respectivas
colônias. No Brasil esse fato ocorreu em 1954. Outros tipos de programas
visavam grupos específicos (mães e crianças) e, em geral, distribuíam leite.
(SALAY, 1993, p. 4)
A efetivação dessas ações contou com decisivo suporte do UNICEF, da FAO
e da OMS, organismos que buscaram fomentar, no final da década de 1950, a
primeira tentativa de coordenar ações nas áreas de saúde, educação e agricultura,
visando à melhoria do estado nutricional da população, ações essas que eram
4
Valente (2002) está se referindo ao trabalho de Drèze, J; Sen, A. Hunger and public action, publicado em
Oxford, pela Claredon Press, 1989.
5
A autora adota a distinção entre os conceitos de subalimentação e fome, com respaldo nas definições de
organismos internacionais, considerando a fome ’uma falta de alimentos catastrófica que atinge um grande
número de pessoas’ (OMS; FAO, s.d.: 47) e a subalimentação, ‘o estado patológico geral ou específico
resultando da ausência ou insuficiência na alimentação de um ou vários nutrientes essenciais’ (OMS; FAO, s.d.:
21). (SALAY, 1993, p. 1). Além disso, a expressão utilizada pela autora é: “países em desenvolvimento”, porém
optou-se por “países não-desenvolvidos” para distinguir mais amplamente esse conjunto de nações em relação
tanto aos países de capitalismo maduro (desenvolvidos) como aos então integrantes do bloco comunista.
37
sistematizadas nos Programas de Nutrição Aplicada, PNA. Esse tipo de intervenção
envolvia ações de assistência e pesquisa sobre alimentação e nutrição; treinamento,
educação nutricional; produção e conservação de alimentos nas escolas e
comunidade; suplementação alimentar para grupos vulneráveis, além do
envolvimento da população, especialmente, com o objetivo de complementar os
esforços dos governos.
Apesar de haver se expandido, atingindo 35 países na segunda metade da
década de 1960 (SALAY, 1993, p. 5), a experiência dos PNA enfrentou fortes
dificuldades, não ultrapassando a fase
de projeto-piloto em diversos lugares. A
autora avalia que esses programas não poderiam oferecer uma contribuição efetiva
para solucionar o problema da subalimentação. Em primeiro lugar, por seu próprio
caráter curativo, não enfrentando os determinantes socioeconômicos da desnutrição,
ainda que em sua concepção o problema fosse percebido como tendo muitas
causas. Essa indicação, entretanto, não era suficiente, pois não considerava as
diferentes origens socioeconômicas da desnutrição. Em segundo lugar, com base
nas definições adotadas por Cohen e Franco (1988)
6
, a autora constata que, apesar
do fato de receberem a denominação de programas, aquelas ações não se
configuravam como tal, e representavam apenas projetos pontuais, dirigidos a
grupos específicos, não se integrando a algum programa ou plano de
desenvolvimento socioeconômico.
Ainda no campo das abordagens estreitas, Salay (1993) relata que,
paralelamente às ações pontuais, alguns organismos internacionais passaram a
fomentar uma linha de intervenção pública centrada no enfoque da oferta alimentar.
Esse entendimento, por enfatizar a necessidade de a evolução do volume da
produção acompanhar a variação populacional e por acreditar que a carência de
proteína era o principal problema nutricional a ser combatido junto às populações
dos países pobres, preconizava o aumento da produção de proteínas nos países
não-desenvolvidos.
6
Entende-se por projeto: ‘o conjunto de atividades inter-relacionadas e coordenadas com objetivos específicos
dentro dos limites dos recursos disponíveis e de um determinado período de tempo’. O programa seria
‘constituído por um conjunto de projetos que almejam os mesmos objetivos’. E o plano seria a soma de
programas que pretende alcançar objetivos comuns. Ele ordena os objetivos centrais em termos intra e inter-
setoriais de acordo com uma estratégia(COHEN; FRANCO, 1988). (SALAY, 1993, p. 6). A autora utiliza a
edição argentina: Cohen, E; Franco, R. Evaluación de proyectos sociales. Buenos Aires, Gel, 1988. Para uma
consulta à edição brasileira, ver Cohen; Franco (2000).
38
Assim, entendendo que a produção de alimentos era o fator que determinava,
em última instância, o estado nutricional da população, a FAO empenhou-se
primeiramente em incentivar processos que resultassem em maior produtividade e,
consequentemente, em maior volume produzido. Essa alternativa permitia que se
operasse um aumento na produção sem necessariamente incorporar novas áreas de
terra ao cultivo. A essa época estava em andamento a chamada revolução verde
7
,
tendo agências internacionais e governos locais procurado incentivar a adoção de
seu pacote tecnológico (incluindo uso de variedades de alta produtividade, consumo
de insumos e implementos agrícolas e assimilação de práticas específicas),
assegurando que assim se solucionaria a crise alimentar nos países não-
desenvolvidos. Todavia, conforme se discutirá mais adiante para o caso brasileiro,
Salay (1993) chama atenção que a opção por esse padrão tecnológico pelos países
não-desenvolvidos privilegiou os grandes proprietários rurais, que estes é que
podiam adquirir os meios de produção exigidos para cultivo das sementes de alta
produtividade, e favoreceu, por conseqüência, as próprias indústrias fornecedoras
desses meios de produção pertencentes aos países desenvolvidos.
Como se mencionou, nesse entendimento encontrava-se a crença de que a
carência de proteína era o problema nutricional mais grave entre as populações dos
países não-desenvolvidos. Considerava-se também que a existência do déficit
protéico apresentava sérias dificuldades de superação, uma vez que as projeções
de produção eram pessimistas, tanto em relação ao volume quanto aos preços finais
dos produtos. A partir dessa compreensão, no início da década de 1970, foram
direcionadas ações com ênfase nas proteínas, visando superar o déficit existente.
Procurou-se, então, ativar o comitê de proteína, composto pela FAO, pela OMS e
pelo UNICEF, existente desde 1955 no âmbito da OMS. Esse comitê empenhou-se
7
Utilizada pela primeira vez em 1968, pelo Banco Mundial, a expressão revolução verde refere-se a um processo
que, através do aumento da produtividade, com a utilização de irrigação e agrotóxicos, permitiu que países do
chamado Terceiro Mundo aumentassem a produção agrícola sem efetuar mudanças radicais em suas estruturas
fundiárias. Seu principal defensor, Theodore Schultz, pressupõe que a causa da pobreza no campo está no baixo
rendimento dos fatores de produção utilizados na chamada agricultura tradicional. A saída para a situação estaria
na adoção de tecnologias modernas, máquinas e insumos de origem industrial. Dado que há significativa
distância entre a forma dita arcaica e a moderna agricultura, Schultz não acredita na possibilidade de
transformação gradual de uma para outra, uma vez que ele considera que os fatores disponíveis são alocados
da maneira mais racional possível pelo agricultor tradicional. Defende, assim, a intervenção deliberada do
Estado, para promover a substituição da agricultura primitiva pela agricultura intensiva de capital. Ao enunciar-
se uma era de abundância para a agricultura mundial, o processo ganhou conotações de mito, apresentando-se
como a milagrosa panacéia, mediante a qual os males da miséria rural, causas dos graves conflitos e
descontentamentos que dominavam, nos anos de 1960, quase todos os países pobres, iriam ser facilmente
extirpados (GUIMARÃES, 1982, p. 224-225).
39
em coordenar e orientar pesquisas sobre novas fontes protéicas, como folhas,
resíduo de sementes utilizadas na produção de óleos vegetais, sementes pouco
usuais, concentrado protéico de peixe, microorganismos, petróleo, fortificação de
alimentos com aminoácidos, etc. (SALAY, 1993, p. 8).
A autora destaca que as críticas a esse entendimento procuraram mostrar
que as ações resultariam fracassadas, uma vez que o principal desafio da política
nutricional era, na maioria dos casos, a crise energética. Além disso, o consumo de
proteínas sem que o consumo energético seja adequado implica desperdício das
próprias funções da proteína
8
.
Privilegiar a produção de alimentos, quer no nível qualitativo quer no nível
quantitativo, significa uma compreensão restrita do problema alimentar, pois
o que estava implícito nessa abordagem é que se a produção de alimentos
(ou de proteínas) estivesse em equilíbrio com o crescimento populacional,
toda a população teria uma alimentação satisfatória. Assim, eliminava-se da
análise, com essa suposição, um dos fatores mais determinantes do estado
nutricional da população: a renda. Mais ainda, desconsiderava-se que o
modelo de desenvolvimento agrícola poderia agravar as condições
alimentares de uma parte da população. Conforme, aliás, ocorreu em vários
países, na época da Revolução Verde, para citar somente algumas das
limitações. (SALAY, 1993, p. 9).
Na caracterização das abordagens adotada pela autora, o segundo período
corresponde à década de 1970, que ela denomina de período da nutrição no
contexto multidisciplinar. A partir da Conferência Mundial da Alimentação, ocorrida
em 1974, teria se fortalecido um movimento que buscava analisar o problema
nutricional sob um enfoque multidisciplinar e apontava a pobreza como a causa
desse problema, estando, assim, a solução associada à inserção de objetivos
nutricionais nas políticas de desenvolvimento. Segundo a autora, esse movimento
fazia parte de uma linha de pensamento mais ampla, o desenvolvimento
socioeconômico, que se difundia e se diversificava naquela época, a despeito da
crença dominante de que o crescimento econômico resultaria automaticamente em
benefícios sociais.
De um ponto de vista mais geral, tomam forma, no início daquela década,
algumas linhas de pensamento propondo a inserção de objetivos sociais nas
políticas macroeconômicas e almejando, desse modo, crescimento com distribuição,
satisfação das necessidades sicas da população, desenvolvimento sem prejuízos
8
Salay (1993) ressalta entre essas críticas a importância do artigo de McLaren, D. S., The great protein fiasco,
publicado no ano de 1974, em The Lancet, n. 7.872.
40
ambientais. Particularmente no campo da nutrição, surgem modelos e estratégias de
planejamento baseados em percepções mais abrangentes. Um desses modelos é o
Planejamento Nutricional Integrado, que foi difundido pelo Banco Mundial e pela
Agência para o Desenvolvimento Internacional, e baseava-se na premissa de que a
melhoria do estado nutricional da população deveria ser um objetivo central do
desenvolvimento de um país. O diferencial desse modelo é que tanto o diagnóstico
quanto a análise das possíveis intervenções são realizados através de metodologia
sistêmica e multidisciplinar. Nessa circunstância, os determinantes da desnutrição
podem constituir-se de variáveis econômicas, sociais e culturais, entre outras. Por
sua vez, as soluções também são buscadas em diversos setores, como a
agricultura, a saúde e a educação, de modo que as intervenções propostas podem
se materializar em uma política de assistência social, uma política de produção e
distribuição de alimentos, uma política educacional, uma legislação trabalhista mais
apropriada, ou na integração de diferentes políticas. (SALAY, 1993).
Outro modelo refere-se às Estratégias de Alimentação e Nutrição no
Desenvolvimento Econômico, uma metodologia trabalhada pela FAO e pela OMS,
diferenciando-se do Planejamento Nutricional Integrado em alguns pontos.
Relativamente ao diagnóstico nutricional, esta metodologia preconizava uma
classificação funcional, levando em conta os problemas nutricionais de grupos
populacionais divididos por regiões administrativas, condições ecológicas,
características demográficas e socioeconômicas. Uma vez construído, esse quadro
funcionava como ponto de partida para definição dos níveis de causalidade da
desnutrição nos diferentes grupos da população. Por outro lado, propunha-se que o
planejamento fosse realizado primeiramente por área geográfica, ao contrário do
modelo de Planejamento Nutricional Integrado, que propunha, a priori, o
planejamento por setor, e, a posteriori, a integração entre o setor e a área
geográfica, no momento da construção do plano de desenvolvimento econômico e
social.
Um terceiro modelo identificado pela autora é o da Nutrição na Comunidade,
uma concepção progressista do planejamento nutricional, em que as necessidades
nutricionais e as melhores intervenções para satisfazê-las são determinadas de
forma participativa na comunidade. Entretanto, mesmo buscando analisar as causas
41
da subalimentação e as formas de enfrentá-las em um contexto multidisciplinar, as
ações propostas limitaram-se aos aspectos assistencialistas.
Finalmente, o período que a autora identifica como tendo seu início nos
primeiros anos da cada de 1980, é o dos Sistemas Alimentares. Segundo Salay
(1993), a partir do início dessa década, de um modo geral, as análises do problema
alimentar diversificaram-se em diferentes sentidos. De um lado, surgem tentativas de
respostas operacionais para os problemas enfrentados na execução da política de
alimentação, a exemplo das dificuldades de ordem política e administrativa que se
colocam para a implantação do Planejamento Nutricional Integrado, cuja solução
seria a instauração de programas de nutrição em setores específicos, como a saúde
ou a agricultura. De outro lado, novos componentes são considerados na análise,
como a rapidez do processo de urbanização, a crescente participação da mulher no
contingente da força de trabalho, entre outros. A autora destaca que o foco da
análise agora é deslocado.
Antes predominaram os modelos que se organizavam a partir das causas
multidisciplinares da desnutrição. Nos anos oitenta os estudos sobre como
os sistemas alimentares influem sobre o estado nutricional da população
preponderam. O objetivo maior é atingir a segurança alimentar. (SALAY,
1993, p. 12)
Algumas abordagens vêem o sistema alimentar de forma restrita
9
. Nessa
perspectiva, o funcionamento do sistema é que expõe a população pobre a uma
alimentação desequilibrada, em outras palavras, o acesso aos alimentos depende
da correlação entre variáveis como o emprego, a renda e a mobilidade social da
população, e o preço dos alimentos e de outros produtos e serviços. A autora avalia
que esse tipo de abordagem fornece uma percepção restrita da política de
alimentação, não somente por basear-se fortemente nas variáveis econômicas, mas
por tratar apenas superficialmente de alguns determinantes estruturais da
sociedade.
Outras abordagens compreendem o sistema alimentar de forma abrangente.
A autora refere-se a um programa de pesquisa desenvolvido pelo Instituto das
Nações Unidas para o Desenvolvimento Social, UNRISD, no qual é ampla a
9
Salay exemplifica um trabalho publicado pelo Banco Mundial, em que os autores definem o sistema alimentar
como ‘vários processos para produzir (e consumir) os produtos agrícolas nas propriedades rurais, transformar
esses produtos em alimentos comercializáveis, e vender o alimento para satisfazer às necessidades nutricionais,
estéticas e sociais dos consumidores (Timmer, Falcon; Pearson, 1983, apud SALAY, 1993, p. 13).
42
percepção dos elementos do sistema alimentar.
10
Por um lado, eram considerados
diversos circuitos alimentares, como economia de mercado e sistema de auto-
subsistência. Por outro lado, esses circuitos eram analisados levando em conta as
diferentes variáveis, econômicas, demográficas, sociais, antropológicas, ecológicas,
históricas, etc. Além disso, eram abordados os níveis micro, regional e macro, e
suas inter-relações. A FAO, por sua vez, também desenvolveu uma metodologia
similar. As políticas alimentares propostas são definidas principalmente com base na
noção de sistema alimentar, além de incluir programas de nutrição tradicionais. São
sugeridos princípios endógenos de produção e noções progressistas em gestão de
política social, como descentralização, participação popular, etc. (SALAY, 1993, p. 14).
Conforme a autora procurou demonstrar, de um modo geral, as noções que
servem de base para a intervenção dos governos nas diferentes tentativas de tratar
o problema alimentar no mundo trazem consigo a dificuldade de serem parciais,
confirmando que ainda hoje, apesar dos esforços, não superamos algo que Josué
de Castro já havia percebido e registrado em meados da década de 1940.
Um dos grandes obstáculos do planejamento de soluções adequadas ao
problema da alimentação dos povos é exatamente o pouco conhecimento
que temos do problema em conjunto, como um complexo de manifestações
simultâneas biológicas, econômicas e sociais. A maior parte dos estudos
científicos sobre o assunto limita-se a um dos seus aspectos parciais,
projetando uma visão unilateral do problema. (CASTRO, 1954, p. 39)
Essas concepções de ação governamental orientaram as tentativas de
enfrentamento do problema alimentar na história recente do mundo capitalista, tendo
algumas fracassado por suas próprias limitações, outras por enfrentarem obstáculos
de natureza externa a suas formulações, e outras resultaram em relativos avanços
na redução da subnutrição. Entretanto, em cada sociedade, ações de intervenção
pública encontram ambientes específicos que condicionam suas possibilidades de
assimilação e reprodução. Nessa circunstância, a evolução dos modos de perceber
e dimensionar o problema alimentar, bem como a elaboração de noções e conceitos,
assumem nuances particulares no tempo e no espaço, mesmo que a dinâmica
interna de cada sociedade esteja associada a um contexto mais amplo e situe-se em
acordo com os debates e encaminhamentos gerais dos fóruns internacionais.
10
Esse programa de pesquisa do Instituto das Nações Unidas para o Desenvolvimento Social, intitulado Sistemas
Alimentares e Sociedade, almejava analisar o funcionamento dos sistemas alimentares em diversos países. A
autora menciona a definição de sistema alimentar encontrada em Chonchol (1989): [...] conjuntos complexos de
ações e interações humanas que afetam a produção, circulação, comércio e consumo de alimentos. (apud
SALAY, 1993, p. 14).
43
Evidentemente, no caso do Brasil o debate sobre segurança alimentar e
nutricional expressa as especificidades da dinâmica do país como um todo, mas
também, especificidades regional e localmente determinadas, uma vez que se trata
de um país com extenso território e, principalmente, formado por uma complexa
riqueza de elementos antropológicos. Entretanto, aplicam-se a todos os recantos do
país as seguintes observações de Valente (2002):
A evolução do conceito de segurança alimentar no Brasil é inseparável das
lutas da população brasileira contra a fome, pela democratização de nossa
sociedade e pela construção de um país com mais eqüidade e justiça
econômica e social. [...] São 500 anos de história de fome e de carências
nutricionais específicas, tais como as deficiências de iodo, a hipovitaminose
A e a anemia ferropriva, que ainda afetam dezenas de milhões de
brasileiros. E hoje agrega-se, ou mesmo superpõe-se, a esta população
portadora de carências um conjunto de dezenas de milhões de brasileiros
que são portadores de sobrepeso e obesidade e de complicações
decorrentes de alimentação inadequada, como hipertensão arterial,
osteoartrose, intolerância à glicose e Diabetes mellitus, dislipidemias,
diferentes tipos de câncer e doenças cardiovasculares.
(
VALENTE, 2002, p.
43-44)
O autor ressalta que as primeiras sistematizações importantes sobre a fome
no Brasil foram desenvolvidas por Josué de Castro (CASTRO, 1954) e preocupa-se
em assinalar que a contribuição deste pensador brasileiro extrapolou a realidade do
Brasil, tendo ele desempenhado papel importante na criação da FAO. Ao longo de
sua vida, Castro tentou desvendar o caráter intrinsecamente político e social da
fome e de suas seqüelas orgânicas, buscando trazer à tona um tema escondido por
interesses econômicos
11
. A publicação de um de seus notáveis trabalhos, “A
Geografia da Fome: A Fome no Brasil”, em julho de 1946, procurava, de forma
admirável, romper com um “tabu” que pairava sobre este importante assunto.
(NORDER, 1997, p. 6)
Após Castro ter estabelecido uma analogia entre o sexo e a fome enquanto
tabus na cultura ocidental, esse autor procura elucidar os determinantes que
confinam a fome à condição de tema intocável.
Quanto ao tabu da fome, havia razões ainda mais fortes do que os
preconceitos de ordem moral. Razões cujas raízes mergulhavam no escuso
mundo dos interesses econômicos, dos interesses de minorias dominantes
e privilegiadas, que sempre trabalharam para escamotear o exame do
fenômeno da fome do panorama intelectual moderno. É que ao imperialismo
econômico e ao comércio internacional, controlados por aquelas minorias
obcecadas pela ambição do lucro, muito interessava que a produção, a
11
Depois de ter presidido o Conselho da FAO, na década de 1950, Josué de Castro foi expulso do Brasil acusado
de subversão, em 1964, quando era representante do país junto à ONU.
44
distribuição e o consumo dos produtos alimentares continuassem a
processar-se indefinidamente como puros fenômenos econômicos, dirigidos
no sentido de seus exclusivos interesses financeiros e não como fenômenos
do mais alto interesse social, para o bem-estar da coletividade. (CASTRO,
1954, p. 34)
Durante a vigência do regime militar, o cenário de fome e de desnutrição não
somente perdurou como se alastrou pelo país. Entretanto, o debate sobre o tema foi
reprimido, e o governo controlava o acesso da sociedade civil aos dados produzidos
a partir das pesquisas de consumo alimentar, como o Endef (Estudo Nacional de
Despesa Familiar), realizado conjuntamente pelo IBGE e pelo INAN, em 1974.
Nessa pesquisa, cerca de 40% dos entrevistados encontravam-se em “situação de
penúria alimentar”, enquanto no outro extremo, apenas 9% contavam com “boa
alimentação” (NORDER, 1997, p. 11).
No início da década de 1980, a escalada da fome continuava preocupante.
Durante o VII Congresso Latino-Americano de Nutrição, realizado em 1984, o
presidente do INAN mencionava que cerca de 70 milhões de pessoas se
encontravam em situação de risco nutricional, de acordo com Norder (1997). Porém,
a luta contra a fome e a desnutrição é revigorada no país, em meio à efervescência
do movimento social.
Segundo Valente (2002), as primeiras referências oficiais relativas ao conceito
de segurança alimentar aparecem nessa época, constando num documento do
Ministério da Agricultura, em 1985, num contexto de visível avanço das mobilizações
da sociedade civil. Foi, então, elaborada uma proposta de Política de Segurança
Alimentar, cujo objetivo seria atender as necessidades alimentares e atingir a auto-
suficiência na produção de alimentos, estando incluída nessa proposta a criação do
Conselho Nacional de Segurança Alimentar, CNAN. No ano seguinte, a I
Conferência Nacional de Alimentação e Nutrição, não reforçou a proposta de
criação do CNAN como sugeriu a criação de um Sistema de Segurança Alimentar e
Nutricional, SSAN, recomendando que essa estrutura fosse reproduzida nas
instâncias estaduais. Em consonância com o cenário internacional, o conceito de
segurança alimentar amplia-se no sentido de incorporar as esferas da produção
agrícola e do abastecimento, a garantia de acesso e de qualidade dos alimentos, e
os aspectos nutricionais, passando-se, então, a falar propriamente em segurança
alimentar e nutricional.
45
A cada de 1990, por sua vez, é considerada um marco na trajetória da
segurança alimentar, pelo menos do ponto de vista do debate e da organização para
uma intervenção pública mais efetiva junto ao contingente populacional em situação
de risco nutricional. Em 1991, foi elaborada uma proposta de política de segurança
alimentar, levando em conta o acúmulo de debates e as propostas anteriores. Esta
proposta foi encaminhada à presidência da República pelo governo paralelo, que se
formou para acompanhar as ações do governo eleito. Como não teve ressonância, o
documento foi novamente encaminhado para a presidência na gestão subseqüente.
Finalmente, foi decretada a criação do Conselho de Segurança Alimentar, CONSEA,
vinculado à presidência da República e constituído por governo e sociedade civil. O
papel do Movimento pela Ética na Política foi decisivo para a consecução dessa
proposição da sociedade civil, sendo este Movimento responsável direto pelo que
mais tarde se configurou na Ação da Cidadania Contra a Fome, a Miséria e pela
Vida.
Em 1993, paralelamente à criação do Consea e em sintonia com as
demandas da sociedade civil, o governo federal, de forma absolutamente
inédita na história do país, reconheceu o círculo vicioso formado pela fome,
a miséria e a violência e definiu o seu enfrentamento como prioridade do
governo. (VALENTE, 2002, p. 46)
A partir de uma convocação conjunta do CONSEA e da Ação da Cidadania,
realizou-se, em 1994, a I Conferência Nacional de Segurança Alimentar, cujas
discussões refletiram a preocupação com concentração de renda e de terra
enquanto um dos principais determinantes da fome e da miséria. As discussões
encaminham-se para a construção de uma política nacional de segurança alimentar
e nutricional, definindo-se naquele momento algumas de suas diretrizes, com três
eixos principais: I. Reduzir o custo dos alimentos e seu peso no orçamento familiar;
II. Assegurar saúde, alimentação e nutrição a grupos populacionais determinados; e
III. Assegurar a qualidade biológica, sanitária, nutricional e tecnológica dos alimentos
e seu aproveitamento, estimulando práticas alimentares e estilos de vida saudáveis.
(apud VALENTE, 2002, p. 47)
O autor ressalta que o acúmulo de debate, especialmente durante a I CNSA,
permitiu que se elaborasse para a segurança alimentar e nutricional uma
conceituação própria, que reflete o sentimento da sociedade brasileira:
46
Segurança alimentar e nutricional consiste em garantir a todos condições de
acesso a alimentos básicos seguros e de qualidade, em quantidade
suficiente, de modo permanente e sem comprometer o acesso a outras
necessidades essenciais, com base em práticas alimentares saudáveis,
contribuindo assim para uma existência digna em um contexto de
desenvolvimento integral da pessoa humana. (apud VALENTE, 2002, p. 48)
Foram necessários dez anos de insistente empenho das entidades do
movimento social para aprofundar o diálogo com o governo e construir a II
Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, CNSAN, em 2004. A
riqueza desta Conferência exigiria um capítulo à parte para ser devidamente
comentada, entretanto isso extrapolaria o propósito do presente trabalho. Mas, é
preciso ressaltar que, apesar das dificuldades inerentes ao tamanho do evento e à
complexidade dos interesses envolvidos, foi positiva a avaliação feita pelos
organizadores. A realização da II CNSAN constitui um marco na mobilização
nacional pela erradicação da fome e promoção da segurança alimentar, dez anos
após a I Conferência Nacional, em 1994. (CONSELHO NACIONAL DE SEGURANÇA
ALIMENTAR E NUTRICIONAL, 2004a, p.5)
O CONSEA havia se reestruturado, contando com nova composição entre
representantes do governo e da sociedade civil. O processo de construção da
Conferência pautou-se por ampla discussão da sociedade civil e do governo,
realizando-se previamente várias conferências nas esferas municipais, regionais e
estaduais. A organização também contou com a contribuição de uma notável
diversidade de segmentos da sociedade como um todo, envolvendo religiosos,
indústria de alimentos, sindicatos, ONGs, entre tantos outros. Ao final, as resoluções
tiradas da Conferência procuram reafirmar princípios gerais, os quais devem estar
contemplados nas políticas públicas e nas ações voltadas para a promoção da
segurança alimentar e nutricional no país, conforme se segue.
a) Adotar a ótica da promoção do direito humano à alimentação saudável,
colocando a SAN como objetivo estratégico e permanente associado à
soberania alimentar; b) Assegurar o acesso universal e permanente a
alimentos de qualidade, prioritariamente, por meio da geração de trabalho e
renda e contemplando ões educativas; c) Buscar a transversalidade das
ações por intermédio de planos articulados intersetorialmente e com
participação social; d) Respeitar a eqüidade de gênero e étnica,
reconhecendo a diversidade e valorizando as culturas alimentares; e)
Promover a agricultura familiar baseada na agroecologia, em conexão com
o uso sustentável dos recursos naturais e com a proteção do meio
ambiente; f) Reconhecer a água como alimento essencial e patrimônio
público. (CONSELHO NACIONAL DE SEGURANÇA ALIMENTAR E
NUTRICIONAL, 2004a, p. 5)
47
Os anos seguintes representam não somente o desafio de preparar a III
Conferência, mas principalmente são decisivos para a determinação das
possibilidades de que as ações implantadas traduzam-se em resultados efetivos
num futuro próximo. Apesar da imprecisão dos dados disponíveis, é possível avaliar
o tamanho do desafio de promover segurança alimentar numa sociedade
caracterizada por graves e arraigados contrastes como é o Brasil. Aliás, o próprio
documento de referência da II Conferência traz o reconhecimento das dificuldades
que têm de ser enfrentadas, como a exclusão social resultante da extrema
desigualdade nas relações econômicas e sociais vigentes, deixando apenas 0,9%
da renda gerada em poder dos 10% mais pobres, enquanto os 10% mais ricos se
apropriam de um volumoso quinhão de 47% (CONSELHO NACIONAL DE
SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL, 2004b, p. 8).
Particularmente no Brasil, o movimento social tem feito avançar, de forma
competente, as concepções de segurança alimentar e nutricional. Como o território
nacional nunca foi, efetivamente, alvo de guerras ou ameaças causadas por inimigos
externos, as primeiras noções do assunto trazem com menor intensidade o
componente da segurança nacional, como nos países europeus. Tal circunstância
talvez tenha significado, por um lado, maior flexibilidade nas transformações do
conceito de segurança alimentar. Por outro lado, porém, a histórica ameaça de
guerra vem das próprias entranhas desta sociedade, da extrema perversidade que
se construiu desde a origem colonial e escravocrata, de supressão de direitos
essenciais, negação de acesso às mínimas condições de vida digna para a maioria
da população. Essa perversidade mantém-se no momento presente – e até agravou-
se em alguns aspectos - expressa na concentração da renda, na concentração da
terra, na concentração do poder de decisão, na exclusão da escola, na exclusão
digital, na exclusão do atendimento à saúde, na explosão da violência contra os
indivíduos, no amontoamento de famílias na periferia das cidades e nos
acampamentos entre as estradas e as cercas de arame.
Assim, no Brasil e no mundo, mesmo tendo sua evolução impulsionada pela
força propositiva do movimento social, o debate sobre segurança alimentar e
nutricional, relativamente à plenitude de sua conceituação, ainda não logrou, no
plano da ação efetiva dos diferentes governos, os avanços requeridos para que se
estabeleçam as condições de uma vida digna para o conjunto da população humana
48
do Planeta. Neste início de século, todavia, a trajetória das sociedades parece
inclinar-se para uma direção cujo destino final não seja somente o mundo urbano
como possibilidade de progresso individual e vida digna para as famílias.
2.3 Perspectivas de valorizão do campo e de fortalecimento da agricultura familiar
Estão cada vez mais evidentes as limitações dos padrões de vida e de
produção centrados no mundo urbano e organizados em função deste, cujos
resultados revelam um acentuado comprometimento da qualidade de vida e a
impossibilidade de incorporação da totalidade dos indivíduos em idade produtiva nos
processos de trabalho e de distribuição de renda. Por outro lado, no início do século
XXI, assiste-se a uma crescente sinalização rumo a uma revalorização do mundo
rural. Considerando esse cenário, a idéia que se procura desenvolver nesta seção é
que, por um lado, embora as decisões a respeito do campo emanem cada vez mais
do mundo urbano, a atual valorização do mundo rural não significa uma concessão
dos gestores públicos, mas sim uma afirmação do caráter de conquista pelo
movimento social, particularmente das entidades que atuam no meio rural. Por outro
lado, é no desenvolvimento das potencialidades da agricultura familiar que se
encontra a alternativa mais adequada para promover as condições de vida no
campo e garantir segurança alimentar para o conjunto da população.
Inicialmente, não é demais ressaltar o fato de que, em particular, a dinâmica
socioeconômica vai determinando novas configurações à relação entre o campo e a
cidade, entre o contexto rural e o contexto urbano. Além de variarem no tempo, por
seu caráter histórico, essas configurações apresentam aspectos peculiares nos
diferentes espaços em que se desenvolvem. Ainda que os processos de
globalização, com mediação do capital financeiro, contenham em si a exigência de
padronização de produtos e comportamentos, a própria expansão das relações
capitalistas opera-se, historicamente, no conveniente entrelaçamento do novo com o
velho, na adequação às condições históricas encontradas em cada lugar. Por
conseguinte, não seria correto falar-se em uma dinâmica geral única, comum e
invariável em todos os espaços territoriais. Entretanto, é possível considerar que
processos ocorridos em países de capitalismo maduro, resguardadas suas
especificidades, indicam situações e resultados a que poderão chegar as nações
49
que adotaram modelos de desenvolvimento parecidos. Se essa assertiva é plausível
para resultados considerados positivos, também o será para os negativos.
No Brasil e em outros lugares, diversos autores têm se empenhado na tarefa
de compreender os recentes processos de transformação na dinâmica do campo e
em suas relações com a cidade.
Moyano e Paniagua (1998), por exemplo, dedicam-se à análise das
transformações recentes na agricultura européia, mais precisamente, como critérios
ambientais vêm sendo introduzidos na regulação da agricultura e dos espaços
rurais. A tese desses autores é que a preocupação com uma agricultura sustentável,
embora tenha surgido no contexto de crise do chamado modelo produtivista, não se
deve unicamente a fatores ecológicos, mas também às mudanças mais gerais, de
natureza demográfica, cultural e política, por que vêm passando, nas últimas
décadas, as sociedades industrializadas.
No contexto da atual União Européia, eles identificam três momentos nessas
transformações: uma fase de ambientalização da agricultura e dos espaços rurais,
na qual o meio rural é protegido por reunir externalidades
12
positivas em
comparação com o meio urbano; uma fase de ambientalização agrária, em que a
agricultura é regulada com critérios ambientais para controlar seus efeitos nocivos
sobre o entorno natural; e um momento em que esses dois processos convergem
como dimensões de um mesmo problema: alcançar a sustentabilidade agrária e
rural, surgindo, então, novos atores e novas políticas.
Tomando como cenário também o atual contexto europeu, Ferrão (2000)
elabora uma elucidativa análise das transformações observadas na relação
rural/urbano, destacando que o futuro do mundo rural é decidido a partir dos
interesses próprios da esfera urbana. Esse autor inicia sua interpretação com uma
caracterização dos espaços rurais em que, historicamente, identificam-se: a
produção de alimentos como função principal; a agricultura como atividade
econômica dominante; a família camponesa como grupo social de referência e um
tipo de paisagem que reflete o equilíbrio entre as características naturais e as
atividades humanas desenvolvidas.
12
Externalidades ou economias externas - expressões usadas na teoria econômica, geralmente na economia
industrial, para identificar os benefícios auferidos por uma empresa quando a região em que esta se instala
dispõe de infra-estrutura suficiente para influenciar na redução dos custos de produção ou para designar os
benefícios obtidos pelas empresas que surgem em função da instalação de determinada unidade produtiva.
50
Este mundo rural secular opõe-se claramente ao mundo urbano, marcado
por funções, atividades, grupos sociais e paisagens não distintos, mas
também, em grande medida, construídos "contra" o mundo rural. Esta
oposição tende a ser encarada como "natural" e, por isso, recorrentemente
associada a relações de natureza simbiótica: campo e cidade são
complementares e mantêm um relacionamento estável num contexto
marcado pelo equilíbrio e pela harmonia de conjunto. (FERRÃO, 2000, p.1-2)
Com o advento da revolução industrial a partir do século XVIII e a emergência
da nova sociedade urbano-industrial, o mundo rural perde a centralidade nos
aspectos econômico, social e simbólico, sendo associado, de um modo geral, ao
arcaico, ao atraso, enquanto as áreas urbanas passam a ser percebidas como o
lugar do progresso, da modernidade. A partir de então, a produção de alimentos
destina-se, de forma crescente, ao abastecimento dos mercados urbanos em
expansão. À função de produzir alimentos, tradicionalmente exercida pelo rural,
acrescenta-se agora o papel de fornecer mão-de-obra para a ascendente economia
urbano-industrial. Além disso, o fato de que é na cidade que ocorre a expansão da
infra-estrutura e dos equipamentos sociais, reforça a condição que esta assume
como lo de prestação de serviços individuais e de atendimento das necessidades
coletivas, pelo menos em potencial.
Diversificam-se, pois, as relações de complementaridade rural-urbano, ao
mesmo tempo em que sua natureza tradicional simbiótica vai dando lugar a
interdependências cada vez mais reconhecidas como assimétricas. Em
conseqüência, a cidade organicamente integrada em áreas rurais perde
importância relativa face à emergência de aglomerações urbano-industriais
mais "autônomas" e com maior capacidade de polarizar, do ponto de vista
funcional, as áreas envolventes. (FERRÃO, 2000, p. 2)
Com o aprofundamento dos processos de industrialização da agricultura,
particularmente, a partir de meados do século XX, vai evidenciando-se a dicotomia
entre um mundo rural moderno e um mundo rural tradicional
13
. De acordo com
Ferrão (2000), esse é um dado decisivo, pois, não estando mais a modernidade
vinculada exclusivamente ao meio urbano, a oposição rural/urbano deixa de ser
percebida como a mais importante. A nova oposição estabelece-se entre o moderno
e o arcaico, o progresso e o atraso, podendo, na opinião do autor, o locus do
moderno estar na cidade ou no campo, porém a noção do arcaico continua
13
Na Europa, Moyano e Paniagua (1998) observam que esta transformação coincide com o grande período de
crescimento das economias européias ocidentais que se produz entre 1945 e 1975 – os ‘trinta anos gloriosos’ na
terminologia francesa (Hervieu, 1997) crescimento que provocará a transformação de sociedades até então
rurais e agrárias em urbanas e industrializadas, e seu inevitável impacto no entorno natural, dando lugar a
problemas ambientais de amplitude cada vez maior (Lowe, 1988). (MOYANO; PANIAGUA, 1998, p. 131).
51
vinculada prioritariamente a determinados espaços rurais
14
. Nesse cenário, embora
continue presente a iia de que o mundo rural sofre um processo estrutural de
marginalizão ecomica, social e simbólica, a mercantilização da prodão agrícola em
massa vem deslocar a fronteira das grandes oposições, chamando a atenção para o fato
de que nem todas as áreas rurais estão condenadas à agonia do "velho" mundo tradicional.
A relão rural/urbano bifurca-se, dando origem a uma partão das áreas rurais em função
da sua proximidade (física, mas também funcional e sócio-econômica) aos principais
centros urbanos. A diferencião entre áreas rurais "centrais", "periricas" e "marginais" ou
ainda a designão de "áreas rurais profundas" evidenciam essa nova situação.
Entre os centros urbanos e as áreas rurais "centrais" ou "periféricas"
prossegue a tendência anterior de diversificação de relações de
complementaridade desenvolvidas num quadro fortemente assimétrico. Pelo
contrário, entre o mundo urbano e as áreas rurais "marginais" ou
"profundas" as relações de complementaridade ativa vão se dissipando,
que estas últimas, alvo de uma sangria continuada de pessoas e recursos, e
com condições de acessibilidade particularmente desfavoráveis, pouco
interesse despertam nos citadinos. (FERRÃO, 2000, p. 3)
Por outro lado, Moyano e Paniagua (1998) lembram que, nos países
industrializados, é nesse o período (meados do século XX) que se intensificam as
transformações na relação homem/meio natural, as quais vinham sendo alteradas
ao longo daquele século. Embora esses autores considerem que as sociedades
agrárias tradicionais sempre conviveram com problemas ambientais, destacam que,
principalmente depois da Segunda Guerra Mundial, esses problemas manifestaram-
se de forma contundente, havendo uma separação clara entre os objetivos atinentes
ao desenvolvimento agrícola e os referentes ao equilíbrio ambiental.
Para os citados autores, nesse momento reside a origem da questão
ambiental na agricultura, expressa nos fenômenos da poluição e da alteração da
natureza como resultado do uso de técnicas intensivas, baseadas em agro-
químicos, para aumentar a produtividade. Porém, desde meados da década de
1980, produz-se um ponto de inflexão no processo de desenvolvimento intensivo da
agricultura, entrando-se de forma gradual no que alguns consideram uma era pós-
produtivista. (MOYANO; PANIAGUA, 1998, p. 129)
15
14
. Mesmo em se tratando da realidade européia, essa o é uma interpretão que possa ser tomada para o conjunto das
situações. Especialmente, fora do mundo desenvolvido, a existência de periferias urbanas inteiramente desprovidas de infra-
estrutura, cujas populões encontram-se excldas do mercado formal, evidencia tamm a cidade como lócus do arcaico.
15
Desde mediados de la década de los 80, se produce, sin embargo, un punto de inflexión en el proceso de
desarrollo intensivo de la agricultura, entrándose de forma gradual en lo que algunos consideran una era post-
productivista. (MOYANO; PANIAGUA, 1998, p. 129)
52
Para esses autores, a conscientização a respeito dos problemas ambientais
da agricultura vai influenciar o reconhecimento, com base científica, da existência de
uma relação direta entre os modelos de desenvolvimento agrícola intensivos e
algumas situações de deterioração do meio ambiente e de riscos para a saúde,
como a contaminação dos recursos hídricos ou os problemas decorrentes da
aplicação de hormônios sintéticos nos rebanho bovinos, a exemplo da doença da
vaca louca, na década de 1990.
De fato, cada vez mais, foi-se constatando nos países industrializados a
irracionalidade que é continuar com os modelos de agricultura intensiva,
uma vez que se alcançou a auto-suficiência em muitos produtos básicos,
modelos baseados em elevado consumo de recursos energéticos o
renováveis e geradores de excedentes agrícolas. (MOYANO; PANIAGUA,
1998, p. 132)
16
É ainda na década de 1980 que passa a ganhar importância uma nova
dinâmica no campo, configurando o chamado mundo rural não-agrícola,
circunstância que implica a necessidade de se considerarem novos aspectos na
percepção do rural e do urbano, bem como na relação que se estabelece entre eles.
O primeiro aspecto refere-se à função tradicional e à atividade principal do meio
rural: não somente sua função principal deixa de ser necessariamente a de produzir
alimentos como também sua atividade predominante pode não ser a agricultura.
Outro aspecto a ser considerado é que a valorização da dimensão não-agrícola é
socialmente construída a partir da idéia de patrimônio, despontando nesse contexto
três tendências, conforme destaca Ferrão (2000, p.3):
O movimento de re-naturalização, centrado na conservação e proteção da
natureza, aspectos agora hiper-valorizados no âmbito do debate sobre os
processos de desenvolvimento sustentável;
Procura de autenticidade, que leva a encarar a conservação e a proteção
dos patrimônios históricos e culturais como vias privilegiadas para valorizar
merias e identidades capazes de enfrentar as tendências uniformizadoras
desencadeadas pelos processos de globalização;
A mercantilização das paisagens, como resposta à rápida expansão de
novas práticas de consumo decorrentes do aumento dos tempos livres, da
melhoria do nível de vida de importantes segmentos da população e, como
conseqüência, da valorização das atividades de turismo e lazer.
O terceiro aspecto a ser destacado, segundo o autor supracitado, é que essa
percepção do mundo rural, além de reconhecer como inevitáveis as práticas de
16
De hecho, se ha ido cada vez más constatando en los países industrializados la irracionalidad que supone
continuar con modelos intensivos de agricultura una vez que se ha alcanzado la autosuficiencia alimentaria en
muchos productos básicos, modelos basados, como es conocido, en un elevado consumo de recursos energéticos
no renovables y generadores de excedentes agrícolas.(MOYANO; PANIAGUA, 1998, p. 132).
53
pluriatividade
17
e, consequentemente, de rendimentos auferidos pelas unidades
familiares a partir de fontes distintas, coloca tais práticas numa estratégia mais
ampla de transformação do mundo rural em espaços multifuncionais com valor
patrimonial. É nessa circunstância que se manifesta o debate sobre a necessidade
de remuneração das atividades que contribuem para manter vivo o mundo rural, não
apenas por seu valor econômico, mas também por suas funções sociais e
ambientais.
O quarto aspecto é que, de acordo com o autor, a abordagem das áreas
rurais ditas profundas, vai se fazendo cada vez sob a nova concepção dos espaços
de baixa densidade. Essa densidade é considerada do ponto de vista físico e
relacional, uma vez que a existência de populações envelhecidas e empresas muito
pequenas, assim como a fragilidade ou inexistência de movimentos de
associativismo e a inexpressiva atuação de instituições públicas, transformam tais
áreas em espaços sem a espessura social, econômica e institucional necessária
para sustentar, no longo prazo, estratégias endógenas de desenvolvimento
(FERRÃO, 2000, p. 4)
Na opinião do autor, a relação rural/urbano modifica-se também a partir dessa
percepção que se forma em determinados segmentos da população urbana, acerca
de um mundo rural não-agrícola que necessita ser preservado por seu valor
patrimonial. É essa percepção que permite recuperar, ainda que no nível simbólico,
a importância de uma das dimensões que caracterizavam o mundo rural tradicional:
sua função paisagística. Para o autor, tal perspectiva aponta indícios de que é na
procura urbana que parece residir o essencial da evolução futura das áreas rurais
onde a atividade agrícola orientada para o mercado o alcança uma expressão
significativa. (FERRÃO, 2000, p. 4)
Ao estabelecer uma síntese das relações entre o urbano e o rural na
atualidade, o autor destaca que a fronteira mais relevante é aquela que separa, de
um lado, os espaços que se encontram diretamente integrados na área de influência
das grandes cidades e, de outro, os espaços marginais a essa influência. Nesse
sentido, tal situação difere-se da tradicional separação campo/cidade ou mesmo
rural/urbano. Outra observação é que aquilo que hoje se denomina áreas urbanas
abrange em sua influência espaços urbanos, suburbanos, rurais agrícolas e rurais
17
Nas palavras do autor, multi-actividade e multi-rendimento. (FERRÃO, 2000, p.4)
54
não-agrícolas, articulados sistemicamente. Essa articulação é, algumas vezes,
conflituosa e, em outras, interdependente, recuperando elementos de
complementaridade presentes na tradicional relação rural/urbano. O autor verifica
que, apesar da valorização atribuída no plano do discurso ao mundo rural exterior às
áreas urbanas, as ações e os meios efetivamente mobilizados nesse sentido são
ainda muito frágeis. Além disso, tal possibilidade de valorização estabelece-se em
estreita dependência de práticas de consumo urbanas, porém estas não têm se
caracterizado por traços de estabilidade ou de longevidade.
Por outro lado, conforme destacam Moyano e Paniagua (1998), a própria
percepção da agricultura como fonte de degradação ambiental é um fato recente nas
sociedades industrializadas, não se constituindo em elemento central para os
movimentos ambientalistas da década de 1960. Os problemas gerados pelas
atividades urbano-industriais eram denunciados por ecologistas, os quais
enfatizavam, em contrapartida, a necessidade de preservação do meio rural com
espaço de ócio e lazer, mas sem incluir em suas críticas os possíveis efeitos nocivos
de algumas atividades agrárias que, àquela época, haviam atingido elevado grau
de intensificação.
A agricultura se mantinha em uma espécie de estado de excepcionalidade
quanto a suas implicações ambientais. Esta excepcionalidade pode
explicar-se por várias razões, como a importância estratégica da atividade
agrária nas economias ocidentais, a influência das “frentes agrárias” nos
processos de tomada de decisão política, a importância eleitoral dos
agricultores, a atomização das explorações agrárias ou o caráter difuso da
contaminação de origem agrícola ou pecuária. (MOYANO; PANIAGUA,
1998, p. 133).
18
Entretanto, com o crescente interesse despertado no conjunto da população
européia, a questão ambiental assume um duplo caráter nos espaços rurais, na
opinião desses autores. De um lado, uma dimensão agrária, ligada às implicações
ambientais dos sistemas de produção agrícola e pecuária. De outro, uma dimensão
rural, associada aos efeitos sobre o meio ambiente da cada vez maior utilização dos
espaços rurais como lugar de lazer da população urbana.
18
La agricultura se mantenía en una especie de estado de excepcionalidad respecto a sus implicaciones
ambientales Esta excepcionalidad puede explicarse por varias razones ya tratadas en otros trabajos (Garrido y
Moyano, 1996), como la importancia de los “frentes agrarios” en los procesos de toma de decisión política, la
importancia electoral de los agricultores, la atomización de las explotaciones agrarias o el carácter difuso de la
contaminación de origen agrícola o ganadero. (MOYANO; PANIAGUA, 1998, P. 133).
55
No Brasil, por sua condição inicial de colônia e, depois, de economia
periférica, constituiu-se uma tradição de produzir monoculturas para exportação, o
que permitiu por longo tempo que a dinâmica econômica rural fosse determinante.
Entretanto, com o aprofundamento do processo de substituição de importações e a
conseqüente expansão das atividades industriais, ocorre a intensificação do fluxo
populacional no sentido do campo para a cidade e desloca-se o centro dinâmico da
economia para um mundo urbano em ascensão no país, principalmente a partir de
meados do século XX. Esse processo aprofundou-se no Brasil enquanto modelo
intensivo de produção e demonstrou-se, mais tarde, insustentável como fonte de
bem-estar e de manutenção do equilíbrio da relação homem/meio, manifestando
suas conseqüências nocivas sobre os espaços rurais, conforme se discutirá mais
adiante.
Alentejano (2003) sustenta que se está vivendo um momento de indefinição
no debate acerca da relação campo/cidade no Brasil. Ao mesmo tempo em que são
destacadas as mazelas dos grandes aglomerados urbanos, nos estudos atuais
sobre a questão, são também ressaltadas as possibilidades de uma melhor
qualidade de vida no campo, desde que este seja dotado de infra-estrutura e com
mecanismos efetivos de preservação ambiental. Mas, segundo o autor, não há
consenso quanto ao significado dessa revalorização do meio rural.
Para uns, ela deve necessariamente implicar a revisão completa e absoluta
do modelo de desenvolvimento agropecuário historicamente dominante no
país, associando-se, portanto, à reforma da estrutura fundiária e da política
agrícola que historicamente garantiram o domínio do grande capital e da
grande propriedade sobre o meio rural brasileiro. Para outros, ela é mais
uma possibilidade de aproveitamento das potencialidades deste modelo, ou
seja, uma espécie de revalorização conservadora do rural” à semelhança
da modernização conservadora da agricultura brasileira dos anos
1960/1970, pois, ao contrário de estar apoiada na reforma agrária, permitiria
nova sobrevida ao latifúndio. A incorporação do turismo rural pelo
agronegócio pode ser apontada como uma destas potencialidades
expressas em alguns empreendimentos como os hotéis-fazenda e os
museus-fazenda. (ALENTEJANO, 2003, p. 303-304).
Assim, segundo o autor, tem sido retomado no cenário nacional o próprio
debate acerca da importância da reforma agrária para a evolução da sociedade
brasileira. Posições próximas ao patronato rural entendem que a reforma agrária não
representaria nenhuma contribuição econômica e social para o país, dado que o
grau de modernização atingido pela agricultura é bastante avançado no presente
momento. Por isso, não faria sentido promover a expansão e o fortalecimento da
56
pequena produção familiar, mas sim retomar uma política de apoio à agricultura
patronal que amplie ainda mais o processo de modernização conduzido pelo Estado
nas décadas de 1960 e 1970. De um modo geral, a pauta de reivindicação destes
setores é clara: liberação comercial, incentivo às exportações e liberação da
produção de organismos geneticamente modificados (transgênicos), consolidando o
que seria a “nova revolução verde”. (ALENTEJANO, 2003, p. 304)
Outras posições defendem um direcionamento radicalmente distinto,
reafirmando a imprescindibilidade da reforma agrária, como única alternativa de
democratização do acesso à terra e à riqueza gerada, cujos benefícios se referem
tanto à população rural quanto à urbana. A argumentação em favor de sua
efetivação é extensa e diversificada, porém, para os objetivos do momento, é
suficiente mencionar apenas alguns desses argumentos: a) a reforma agrária é uma
importante política de geração de trabalho e renda, aumentando a possibilidade de
acesso aos alimentos que são adquiridos para consumo; b) cria as condições para
que as famílias possam produzir os próprios alimentos que vão consumir; c)
fortalece a chamada “segurança alimentar local” através da garantia de produção de
alimentos para as áreas próximas, d) as opções produtivas usualmente adotadas
pela agricultura reformada tendem ao cultivo de alimentos básicos integrantes da
tradição dos agricultores. (MALUF; MENESES, 2003, p. 9).
Quando se está falando das transformações que vêm ocorrendo no campo,
são muitos os autores que têm prestado relevantes contribuições ao debate
19
. Cabe,
todavia, um breve destaque para a contribuição de Graziano da Silva
20
. Ele observa
a existência de uma nova dinâmica no mundo rural caracterizada, de um lado, pela
expansão de atividades tipicamente urbanas em áreas onde a modernização da
agricultura não se consolidou e, de outro lado, pelo aprofundamento dos processos
de modernização na agricultura empresarial e entre os agricultores familiares
integrados. Nesse cenário, conforme destaca Alentejano (2003), aquele autor sugere
que, em se tratando particularmente dos programas de combate à pobreza rural, a
intervenção governamental procure incorporar
a dimensão urbana do espaço rural e
19
Para mencionar algumas obras: Abramovay (1985; 1993; 2003); Belik (2001); Leite (2001); Campanhola e
Silva (2000); Cardim e Guanziroli (2000); Delgado e Cardoso Junior (1999); Guanziroli et al. (2001); Kageyama (1999);
Martine (1990); Veiga (1990; 1991; 2002; 2005).
20
Consultar, por exemplo, Silva (1998); Silva (1999); Silva (2000); Campanhola e Silva (2000), além de outras
obras do autor.
57
assim incluir o incentivo à geração de atividades não-agrícolas intensivas em mão-
de-obra, como as que estão relacionadas à prestação de serviços, entre outras.
As diversas posições em cena logram refletir, por outro lado, as
transformações relativas ao próprio modo de olhar o campo, percebendo-se a
deterioração das possibilidades de vida digna na cidade para o conjunto da
população - deterioração que afeta os pobres, excluídos do bem-estar que o
desenvolvimento das forças produtivas é capaz de gerar na contemporaneidade;
afeta os ricos, por não estarem seguros, mesmo no interior de suas mini-fortalezas;
por fim, afeta as empresas, através das implicações da aglomeração urbana para os
custos de produção. Assim, o reconhecimento e a valorização do espaço rural
também como local de moradia, trabalho e desenvolvimento social, cultural e
econômico fortalecem-se relativamente aos dilemas criados nas aglomerações
urbanas. Entretanto, a essência e o sentido da valorização dos espaços rurais o
estão definidos, persistindo forte tensão entre as concepções que privilegiam os
padrões empresariais e as que se baseiam no fortalecimento das unidades
familiares de produção.
A sociedade capitalista aprofundou seu desenvolvimento voltando-se para as
atividades tipicamente urbanas, tendo em seus requisitos a expropriação dos meios
de produção que antes pertenciam aos produtores diretos. Essa condição histórica
leva a um processo de expansão e consolidação da indústria - a partir de inovações
tecnológicas, de vantagens de aglomeração e da construção de infra-estrutura
social, com provimento de aparelhos de saúde, educação, assistência social que
tornou inevitável a centralidade do mundo urbano. Essa centralidade, resultante de
razões históricas, significa também a supremacia política, configurando-se, cada vez
mais, na cidade a fonte das decisões a respeito do campo.
Entretanto, por sua própria natureza, essa trajetória revela-se incapaz de
sustentar-se, pois os modelos de produção não conseguem incorporar suficientemente o
contingente de indivíduos dispoveis nas cidades. A generalização das relações
capitalistas, transformando os processos de produção nas atividades agrárias
tradicionais, também coloca para as populações rurais liberadas dos meios de
produção o dilema da insuficiente oferta de posto de trabalho. Desta maneira, a
necessidade de acesso às condições de produzir seu sustento torna-se um
imperativo para o grande contingente da população que o padrão empresarial não
58
comporta, no campo ou na cidade, pois são inexistentes para esse contingente as
possibilidades de acesso aos meios de sustentação através da renda.
A produção de alimentos e as possibilidades de construção da segurança
alimentar e nutricional em uma sociedade que se caracteriza por fortes
desigualdades, como é a brasileira, requerem a opção efetiva pelo radical
redimensionamento da estrutura fundiária, para democratizar o acesso à terra, e, ao
mesmo tempo, requerem a firme decisão de promover a agricultura familiar
enquanto forma socialmente eficaz para produzir riqueza e bem-estar. Mas, essa
opção pressupõe uma concepção específica da agricultura, uma percepção coletiva
da sociedade civil e uma postura clara do Estado, traduzida em políticas públicas e
em ações efetivas que favoreçam e estimulem o desenvolvimento das condições de
vida no campo, em seus múltiplos aspectos, econômico, social, espiritual e político.
Nesse sentido, é motivador o fato de que, mesmo sendo o mundo urbano que
atualmente se configura como a fonte do poder político que toma as decisões a
respeito do mundo rural, a valorização do campo, em andamento, não surge como
uma valorização induzida, como uma concessão do Estado, como uma vontade
particular dos gestores públicos, nem tampouco como parte de objetivos específicos
relacionados à segurança nacional. Embora sua evolução possa representar uma
redução da pressão populacional no meio urbano, o que, por conseguinte, contribui
para amenizar as demandas por algumas das políticas públicas tipicamente
urbanas, a fonte da valorização em questão é a sociedade civil. Trata-se, pois, de
conseqüência da ação concreta do movimento social nas diversas entidades e
fóruns, nas ocupações de terra, na luta por uma educação concebida a partir do
campo, na proposição de políticas públicas de reforma agrária e de desenvolvimento
rural com financiamento, assistência técnica e reafirmação de valores pela vida e
pela convivência não predatória com o meio ambiente.
No caso da sociedade brasileira, as lutas sociais no campo, desde as
proposições das ligas camponesas, em meados do culo XX, a as estratégias
contemporâneas do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, têm
conseguido lograr, ainda que de forma restrita, a formulação e a implementação de
políticas públicas para o atendimento das demandas específicas das populações
rurais. São exemplos recentes dessas conquistas, entre outros, a ampliação da
providência social, o reconhecimento das comunidades quilombolas, a construção
59
da educação indígena com conteúdo específico e com material didático escrito
também nas línguas nativas, a elaboração das diretrizes nacionais para a educação
do campo, a valorização do papel da mulher trabalhadora rural, a ampliação da
reforma agrária e o tratamento diferenciado para a agricultura familiar, incluindo-se a
criação de modalidades de crédito específicas.
3. A PRODÃO DE ALIMENTOS, A AGRICULTURA FAMILIAR E A
SEGURANÇA ALIMENTAR NO BRASIL E NO MARANHÃO
No presente capítulo, objetiva-se examinar o cenário em que a chamada
modernização induzida da agricultura no Brasil proporciona, por um lado, a
expansão das culturas de exportação e, por outro, uma situação de encolhimento
das tradicionais atividades produtoras de alimentos, ancoradas na unidade familiar
de produção. Assim, procura-se efetuar o desenvolvimento de três idéias básicas. A
primeira é que, apesar de as políticas públicas para a agricultura terem,
historicamente, sido dirigidas aos segmentos monocultores, voltados para o
mercado externo, restando à produção de alimentos para o mercado interno um
tratamento secundário, é a produção agrícola familiar que tem garantido o
abastecimento de alimentos para a população brasileira, uma vez que o modelo
empresarial não atende as necessidades de segurança alimentar da população.
A segunda idéia em questão é que a situação de desigualdade, acentuada no
campo com a modernização induzida, acaba explicitando a necessidade dos
assentamentos de reforma agrária para a sociedade brasileira. Embora esta
explicitação esteja dada, não foi tomada a decisão política pela reforma agrária para
impulsionar o desenvolvimento da sociedade, passando, assim, a produzir alimentos
de forma socialmente eficiente para a segurança alimentar da população.
A terceira idéia é que o estado do Maranhão, por sua vez, tendo ficado em
posição marginal relativamente às políticas de modernização da agricultura, optou
por um modelo de produção agrícola cujo resultado é uma disponibilidade de
alimentos decrescente ao longo dos anos. Operou-se no estado o mesmo efeito
concentrador que a modernização da agricultura causou no âmbito do país, porém,
sem que a própria modernização aqui se desenvolvesse. Esse modelo configura-se,
por um lado, pelo caráter seletivo das políticas federais de incentivo fiscal e das
60
políticas estaduais de incentivo à apropriação da terra, resultando no acirramento da
concentração fundiária, e, por outro lado, pela ausência de políticas agrárias e
urbanas que pudessem atenuar aqueles efeitos concentradores. Gerou-se, desse
modo, não apenas uma situação de insegurança alimentar e nutricional, mas
também de insegurança à integridade física da população, com os freqüentes
conflitos envolvendo as famílias de trabalhadores rurais e a polícia, além dos grupos
armados, a serviço dos grileiros e dos novos donos da terra.
3.1 A política brasileira para a modernização compulsória da agricultura e suas
implicações para a agricultura familiar
Nesta seção, desenvolve-se a afirmação de que é a produção familiar que
tem garantido o abastecimento de alimentos para a população brasileira, embora as
políticas públicas para a agricultura sejam deliberadamente direcionadas para
fortalecer os segmentos empresariais monocultores.
No período imediatamente subseqüente à Segunda Guerra Mundial, expande-
se o processo de industrialização urbana do mundo capitalista, avançando também
a modernização da agricultura e as transformações que incidiram sobre os espaços
rurais, num processo que se iniciou nas economias centrais e se expandiu
posteriormente, através da chamada revolução verde, para os demais países.
No caso específico do Brasil, cuja dinâmica econômica encontrava-se
centrada na monocultura cafeeira de exportação, a grande crise da economia
mundial
21
nos anos de 1930 representou uma abrupta interrupção da pauta de
exportação e a conseqüente perda da capacidade de financiar o consumo interno
pelo mecanismo tradicional da importação. Assim, passou-se a operar um decisivo
21
Embora esse fato seja largamente conhecido, como tema tanto da historiografia econômica quanto da História
Geral, não é demais lembrar que a Grande Depressão configurou-se como a maior crise econômica de alcance
mundial que a humanidade já presenciou. Tendo se iniciado no âmbito do sistema financeiro estadunidense, com
a queda da bolsa de valores, em 1929, essa crise se expandiu para os demais continentes, reduzindo em cerca de
70% o comércio entre as nações e causando a destruição generalizada das atividades produtivas, o que deixou
aproximadamente 30 milhões de pessoas sem emprego. Para o Brasil cuja economia baseava-se na venda de
café, principalmente para os EUA, para onde se destinavam cerca de 2/3 do volume exportado - o efeito mais
imediato foi a redução drástica desse comércio, com a conseqüente queda da capacidade de financiamento do
consumo. Como tentativa de evitar a desvalorização dos produtos, muitos governos decidiram eliminar estoques.
No Brasil, foi notório o episódio da destruição de 80 milhões de sacas de café. Em todo o mundo, com a
persistência dos efeitos da crise, a entrada do Estado para estimular diretamente a economia foi decisiva,
abrindo-se espaço para a posterior concretização do chamado welfare state.
61
processo de implantação do parque industrial, aprofundando-se e diversificando-se
as indústrias de bens de consumo existentes e expandindo-se posteriormente para a
produção de bens de capital, deslocando-se o centro dinâmico da economia para as
atividades tipicamente urbanas.
Esse processo, conhecido na história econômica do país como substituição
de importações,
22
fez-se acompanhar de um movimento - simultaneamente, requisito
e resultado dele - que é a crescente urbanização do país, com acentuada
concentração populacional não apenas nas respectivas capitais, mas principalmente
na região Sudeste.
O período 1930/60 é a fase de integração dos mercados nacionais (de
alimentos, de trabalho e de matérias-primas). Ele termina com a
implantação do D
1
[departamento que produz máquinas] industrial a partir
de 1955, na chamada fase da industrialização pesada. Ao longo desses 30
anos, o processo de industrialização, que a princípio ocupou uma brecha
aberta pelo complexo cafeeiro, ganha dinamismo próprio dado pelas novas
possibilidades que se abriram com a substituição de importações,
deslocando o setor agrícola como pólo dinâmico da economia. A despeito
disso, o setor agrícola e particularmente o complexo cafeeiro continuou
desempenhando um papel fundamental, quer através de transferências
financeiras quer viabilizando a importação de bens de capital e insumos
para a indústria em expansão. (KAGEYAMA et al, 1990, p. 118)
No que se refere à agricultura, a a década de 1950, os acréscimos no
volume da produção agrícola no Brasil eram obtidos, principalmente, através da
incorporação de novas faixas de terra para o cultivo. A existência de grandes áreas
não cultivadas e o perfil da distribuição campo/cidade da população contribuíam
para que esse mecanismo fosse relativamente capaz de responder às necessidades
daquela época. Entretanto, com as mudanças relacionadas à industrialização, a
partir da década de 1960, alteraram-se significativamente as bases técnicas sobre
as quais a agricultura brasileira vinha se desenvolvendo, incorporando-se um pacote
tecnológico, que englobava o uso de máquinas, fertilizantes e defensivos químicos,
assim como assistência técnica e suporte financeiro públicos, visando alcançar
padrões de produtividade mais elevados. Essa, em termos gerais, é a chamada
modernização da agricultura brasileira, cujos referenciais são dados pelo conjunto
de medidas mundialmente conhecido como revolução verde. Uma vez consolidada a
indústria nacional, o que ocorreu com a plena formação de mercados nacionais para
22
A substituição de importações constitui muito mais que produzir internamente os bens antes importados.
Conforme sua concepção cunhada no âmbito da CEPAL, compõe-se de um processo de desenvolvimento
relativamente amplo, que é estimulado por desequilíbrios externos e resulta na dinamização, no crescimento e na
diversificação da indústria local.
62
produtos agrícolas e para a força de trabalho e, principalmente, com a constituição
da indústria de base, a agricultura brasileira iniciou sua própria industrialização.
(KAGEYAMA et al, 1990, p. 118).
Na cada de 1970, intensificou-se a industrialização da agricultura que se
iniciara em meados da década anterior, enquanto um momento específico e
avançado da modernização. Nesta fase aprofundaram-se ainda mais a mecanização
e o uso de recursos químicos nas lavouras, havendo significativo acréscimo do
número de tratores e colheitadeiras em atividade, do mesmo modo que se aumentou
o consumo de adubos e defensivos químicos. Mais que um aprofundamento de
modificações na base técnica, a industrialização supõe que a agricultura, com a
intensificação da divisão do trabalho, funcione como um ramo da produção
industrial. Assim, a dinâmica industrial comanda diretamente o desenvolvimento da
agricultura, transformando-a num ramo da indústria, o qual compra insumos e vende
matérias-primas para outros ramos industriais (MARTINE, 1990).
A evolução desse processo se configura no aparecimento e na consolidação
dos chamados complexos agroindustriais, tendo como pressupostos, de um lado, a
indústria para a agricultura e, de outro, a agroindústria processadora.
Com a constituição e consolidação dos CAIs, a dinâmica da agricultura
pode ser apreendida a partir da dinâmica conjunta da indústria para a
agricultura/agricultura/ agroindústria, o que remete ao domínio do capital
industrial e financeiro e ao sistema global de acumulação. O elemento que dá
unidade às diversas atividades dos complexos agroindustriais é que todas
elas o atividades do capital, com uma regulação macroeconômica mais
geral. As ligações intercapitais não são apenas cnicas, mas, sobretudo
financeiras. A compra de insumos pela agricultura, por exemplo, impõe-se a
princípio como necessidade técnica, mas implica de imediato a necessidade
de financiamento. Este não será mais feito a partir de agentes isolados (como
era o comerciante-prestamista), e sim através do sistema financeiro
instalado, o qual se torna um parâmetro a soldar o movimento da agricultura
com o movimento geral da economia. Em outros termos, a modernização da
agricultura requer a existência de um sistema financeiro constituído (no caso,
concretizado no SNCR) para que possa ser viabilizada e, ao mesmo tempo,
esse sistema passa a ser fundamental na soldagem dos CAIs com o movimento
global da acumulação. (KAGEYAMA et al., 1990, p. 122-123).
A presença do Estado foi, assim, decisiva e a montagem de um sistema de
crédito exclusivo para financiar a modernização foi um passo imprescindível. O
SNCR (Sistema Nacional de Crédito Rural) surge num momento em que era
necessário garantir as condições para que a agricultura pudesse ser integrada à
dinâmica geral da acumulação em desenvolvimento no país. No período da
chamada modernização compulsória ou induzida, entre os anos de 1967 e 1979, o
63
que caracterizou a concessão do crédito foi sua vinculação direta com a utilização
de insumos e práticas de manejo consideradas modernas, incluindo-se nessas
exigências desde a aquisição de sementes selecionadas e insumos químicos até a
adoção de planos de correção de solo (KAGEYAMA et al, 1990).
Através de taxas de juros subsidiadas e de recursos fartos articulou-se toda
uma cadeia de atividades, que passou a responder aos determinantes
estabelecidos pela política macroeconômica do país. Em torno do crédito rural
gravitaram as atividades de assistência técnica, pesquisa agropecuária,
seguro, armazenagem e todo um conjunto de ações ligadas à agro-
industrialização das matérias-primas do campo. Nessa fase de intensificação
da modernização, o Estado brasileiro reinava supremo constituindo setores e
definindo a ênfase das políticas. (BELIK; PAULILLO, 2001, p. 97)
Do ponto de vista quantitativo, pode-se observar que a modernização
alcançou os objetivos imediatos, vinculados à elevação da produtividade agrícola e
ao conseqüente acréscimo do volume produzido no país, conforme tabela a seguir.
Em meados da década de 1970, a produção de grãos atingia quase 46 milhões de
toneladas e refletia nitidamente o desempenho das culturas de exportação. O
milho ainda era a cultura mais expressiva e, com uma produção de 19 milhões de
toneladas, respondia por 41% da produção total. A soja, por sua vez, alcançava
àquela época mais de 12 milhões de toneladas produzidas, o que representava 26%
da produção de grãos. A produção de arroz situava-se em torno de nove milhões de
toneladas, representando 19% da produção total. A produção de trigo era de dois
milhões de toneladas e correspondia a 4,5% do total, desempenho semelhante ao
do feijão, que teve 2,2 milhões de toneladas produzidas.
Tabela 3: Brasil – produção das principais lavouras (mil toneladas) – 1976/2006
PRODUTO
1976/77
1980/81
1985/86
1990/91
1995/96
2000/01
2005/06
(1)
Soja
12.145,0
15.484,8
13.207,5
15.394,5
23.189,7
38.431,8
53.426,0
Milho
19.255,7
21.283,8
20.264,8
24.096,1
32.404,7
42.289,7
41.440,5
Arroz
8.993,3
8.640,4
9.813,8
9.997,2
10.037,9
10.386,0
11.616,2
Trigo
2.066,0
2.217,0
5.632,7
3.077,8
3.197,5
3.194,2
4.873,1
Feijão
2.215,2
2.407,3
2.350,3
2.807,7
3.038,6
2.592,4
3.448,6
Algodão
1.176,0
1.115,7
1.478,0
1.356,8
761,7
1.521,9
1.671,3
Sorgo
435,1
228,1
398,4
294,5
319,3
895,7
1.467,4
Outros
656,8
835,1
779,7
875
615,3
955,2
1.714,5
BRASIL 46.943,1
52.212,2
53.925,2
57.899,6
73.564,7
100.266,9
119.657,6
Fonte: Elaborada a partir de dados da CONAB correspondentes ao Levantamento de janeiro
de 2006, disponíveis em <http://www.conab.gov.br/>. Acesso em 20. out. 2006.
(1)
Dados estimados
64
Na atualidade, a produção nacional de grãos é de 119,7 milhões de
toneladas, o que é um volume 155% superior ao da safra 1976/77. Passados 30
anos, fica ainda mais evidente o avanço das culturas voltadas para exportação,
como se pode observar no gráfico 2.
Gráfico 2: Brasil - evolução da produção de grãos nas últimas três décadas
Fonte: Elaborado a partir de dados da CONAB, disponíveis em
<http://www.conab.gov.br/>. Acesso em 20/10/2006.
A evolução da produção de soja, que hoje é 53,4 milhões de toneladas e
elevou para 44,6% a participação na produção total, foi superior a 340%, tendo um
acréscimo absoluto de 41,2 milhões de toneladas. A produção de milho atingiu 41,4
milhões e teve a participação reduzida para 34,6% da produção total, tendo
apresentado uma evolução de 115% e acréscimo absoluto de 22,2 milhões de
toneladas. A produção de arroz é de 11,6 milhões, o que representa uma queda de
sua participação para 9,7% da produção total e uma evolução de 29%, dado seu
acréscimo absoluto de 2,6 milhões de toneladas. A produção de trigo passou para
4,9 milhões, ficando sua participação em 4,1% da produção total e, com 2,9 milhões
de toneladas a mais, teve uma evolução de 145%. O feijão, apesar das 3,4 milhões
de toneladas produzidas, participa agora com 2,9%, tendo seu acréscimo absoluto
de 1,2 milhões de toneladas significado uma evolução de 54,5% em relação à safra
obtida em meados da década de 1970. Outra lavoura que apresentou notável
evolução foi a de sorgo, que, tendo sua produção inicial (435 mil toneladas)
10
20
30
40
50
60
1976/77
1985/86
1995/96
2005/06
Milho
Arroz
Trigo
Feijão
Algodão
Sorgo
Outr
o
s
Milhões de toneladas
Soja
65
representado menos de 1% do total, atinge atualmente 1,47 milhões de toneladas e
participa com 1,2% da produção total, sendo seu acréscimo absoluto de um milhão
de toneladas, o que significa uma evolução de 237%. Em conjunto, as demais
lavouras, entre as quais se incluem aveia, cevada, girassol, mamona e outras,
tiveram um acréscimo absoluto superior a um milhão de toneladas e uma evolução
de 161% na produção.
Conforme se observa, o desempenho mais destacado é justamente dos
produtos que funcionam como matéria-prima para a indústria processadora e cujos
principais compradores são os países desenvolvidos da União Européia e da Ásia,
cabendo ressalva para o caso da China que, embora não conste na lista dos
desenvolvidos, é considerado o grande fenômeno da economia mundial dos últimos
anos. Esses produtos o commodities
23
, que movimentam o comércio internacional
e que, no caso brasileiro dos dias atuais, a soja representa o exemplo mais evidente.
Comparados à produção de arroz e de feijão, produtos típicos do cardápio da
população brasileira, os outros produtos que apresentam grande evolução o,
assim como a soja e o milho, destinados ao preparo de ração para animais,
especialmente bovinos, suínos e aves. Conforme se pode observar na tabela 4, a
China é o principal comprador da soja em grão do Brasil e os quatro que ocupam as
posições subseqüentes são países da Europa. Quando se considera a exportação
do farelo de soja, apenas um dos sete principais compradores não é europeu.
Tabela 4: Principais compradores da soja brasileira - 2005
G R A O F A R E L O
Países Quantidades (t) Países Quantidades (t)
China 7.157.546 Países Baixos 3.513.642
Países Baixos 5.049.511 França 3.122.020
Espanha 2.089.359 Alemanha 1.044.899
Itália 1.344.951 Tailândia 1.011.656
Alemanha 952.572 Itália 458.513
Japão 418.427 Espanha 372.560
França 351.123 Dinamarca 148.286
Outros Países 5.071.583 Outros Países 4.745.102
Fonte: Elaborado a partir de dados da CONAB, disponíveis em
<http://www.conab.gov.br/>. Acesso em: 20.out./2006.
23
Palavra inglesa (commodity, mercadoria, no singular) usada para expressar o conjunto de produtos pririos de
grande importância econômica no comércio internacional e que têm seus preços internos cotados pelo dólar e o
comercializados através das bolsas de mercadorias, a exemplo do café, algodão, soja, , minério de ferro, entre outros.
66
Mesmo não fazendo parte de um planejamento estratégico do Estado visando
ao atendimento de necessidades sociais prioritárias, não se deve, por outro lado,
obscurecer o fato de que a iniciativa de modernizar a agricultura brasileira não
ocorreu de forma isolada, nem tampouco foi uma opção de caráter meramente
nacional-desenvolvimentista dos governos militares. Ela nasceu no interior de um
processo mais amplo, pois foi um movimento totalmente integrado à dinâmica geral
de acumulação capitalista. Assim, pode-se compreender que esse processo tenha
objetivado o aumento da produtividade no curto prazo, procurando reduzir riscos
intrínsecos às atividades agrícolas através da ampliação do controle do ser humano
sobre a natureza, na tentativa de aumentar as possibilidades de imitação e alteração
artificial das condições naturais. Aliás, naquele momento, provavelmente teriam sido
muito úteis os recentes avanços conseguidos pela genética e que hoje, numa fase
mais aprofundada, causam euforia nos acionistas das gigantescas empresas
transnacionais que controlam o setor e, além do mais, ajudam a acirrar os debates
sobre soberania e segurança alimentar no mundo inteiro.
O processo de modernização foi, portanto, orientado para segmentos
empresariais, grandes proprietários de terra, que eram potenciais consumidores da
chamada indústria para a agricultura, alvo do interesse das corporações
transnacionais, ainda que o Estado tenha bancado a infra-estrutura e grande parte
da própria produção, conforme destacam Kageyama et al. (1990). Além disso, essas
transnacionais buscavam um quinhão também na indústria processadora, cuja
instalação, sob a coordenação do capital financeiro com a montagem do sistema de
crédito, completa a formação dos complexos agroindustriais. Enfim, esse processo
revela-se muito mais amplo e complexo do que uma simples modernização do
latifúndio para exportar matérias-primas.
A consolidação da dinâmica capitalista no campo brasileiro vai reproduzir e
aprofundar as históricas desigualdades sociais, configurando-se um processo de
modernização com as mazelas do capitalismo, ou seja, uma modernização seletiva,
concentradora, parcial e ecologicamente desastrosa. Como se mencionou, do
ponto de vista dos produtos, foram privilegiadas as monoculturas destinadas ao
fornecimento de matérias-primas para o mercado externo. Do ponto de vista do
alcance espacial, a modernização concentrou-se nas regiões Sul, Sudeste e parte
do Centro-Oeste do país, ficando em segundo plano as regiões Norte e Nordeste,
67
onde, não obstante a elevada concentração fundiária e a monocultura açucareira, o
que predomina são as atividades extrativistas e a policultura de alimentos,
praticadas por agricultores familiares.
Do ponto de vista do meio ambiente, as tecnologias disponibilizadas para as
atividades monocultoras em larga escala exigem o desmatamento de grandes
extensões de terra, levando assim, com a destruição de matas e campos naturais, à
irreparável perda de recursos genéticos da fauna e da flora existentes naqueles
ambientes e contribuindo, portanto, para um progressivo empobrecimento da
biodiversidade do planeta. Dada também sua inadequação para regiões tropicais,
uma vez que foi concebido em um contexto específico, sob condições climáticas
diferentes das condições tropicais, o pacote tecnológico adotado produziu outras
implicações, como a degradação das condições de fertilidade naturais do solo, a
intensificação dos processos de erosão e, com a freqüente utilização de produtos
agrotóxicos nas lavouras, a contaminação dos recursos hídricos.
Em se tratando particularmente dos herbicidas e pesticidas usados para
combater pragas nas lavouras, muito tempo que as conseqüências de sua
difusão vêm sendo objeto de intensa polêmica no mundo inteiro. No entanto, tem se
constituído tarefa muito árdua uma avaliação sobre a relação custo/benefício que
seja isenta do imediatismo de interesses particulares. É provável que o componente
mais delicado desse debate seja a própria impossibilidade de se estabelecer um
valor para a vida e para o sofrimento humanos, mas é imprescindível que esses
aspectos de difícil quantificação não sejam, sob pretexto dessa dificuldade,
simplesmente ignorados (BULL; HATHAWAY, 1986, p. 78).
Uma das conseqüências mais graves da utilização intensiva dos agrotóxicos é
o risco de contaminação da população humana. Após sua aplicação nas lavouras,
os pesticidas fixam-se no solo, na água e nos alimentos, levando algum tempo até
serem absorvidos pela natureza, tempo esse que varia de acordo com a substância
química em questão, podendo inclusive ser indeterminado. Se utilizados de forma
inadequada, por erro na dosagem ou por aplicação próxima à colheita,
potencializam-se as possibilidades de que os resíduos tóxicos encontrados nos
alimentos atinjam níveis superiores aos oficialmente aceitos como toleráveis pelo
organismo humano. Outra forma de ocorrer a contaminação é o manuseio
inadequado dos produtos, em função da desinformação quanto aos perigos que as
68
substâncias representam ou, mesmo quando existe a informação, devido à
precariedade nas condições de trabalho dos agricultores familiares e dos
empregados das grandes fazendas
24
.
A utilização excessiva dos agrotóxicos pode provocar também o agravamento
da própria ocorrência de pragas, pela redução da população de predadores naturais
ou em função do desenvolvimento de resistência ao princípio ativo dos produtos
25
.
O uso de pesticidas favorece a sobrevivência da faixa da população de
pragas com características genéticas ou de comportamento que permitem a
elas reduzir a quantidade de agentes químicos de seu organismo, ou
sobreviver aos efeitos do veneno de alguma outra forma. Ao se reproduzir,
esses insetos transferem essa capacidade de sobrevivência a seus
descendentes, até que uma grande proporção da população de pragas
torna-se totalmente resistente. (BULL; HATHAWAY, 1986, p. 21).
Outra conseqüência direta da modernização compulsória reflete-se
diretamente no volume e na diversificação da produção de alimentos básicos. Com o
contínuo avanço das grandes monoculturas sobre o conjunto das terras cultiváveis,
reduziram-se os espaços destinados às policulturas de alimentos comandadas por
grupos de produtores familiares. Estes, num primeiro momento, encontravam refúgio
nas fronteiras agrícolas, mas não por muito tempo, pois o próprio avanço das frentes
monopolistas cuidou logo de fechá-las para a produção de subsistência.
Conforme se demonstrou anteriormente, a produção de arroz sofreu
alterações muito discretas ao longo das últimas três décadas. Quando se observa a
área plantada percebe-se, relativamente à lavoura de arroz, uma acentuada
retração, que se evidencia mais em comparação com a evolução da área ocupada
para cultivo da soja. O gráfico 3 ilustra a firme ascensão da soja, enquanto todas as
demais culturas alimentares estão em declínio.
24
Especialistas alertam que é extremamente difícil a identificação dos casos de contaminação por agrotóxicos no
Brasil. O trabalho de Bull e Hathaway (1986), escrito duas décadas, mostra algumas estatísticas sobre o
assunto (p.55-57), em que se destacam as estimativas do Centro de Intoxicações de Campinas, segundo as quais,
anualmente no país, pelo menos 280 mil pessoas são contaminadas por pesticidas, uma vez que para cada caso
registrado podem existir pelo menos 250 não registrados. Essa insuficiente notificação deve-se basicamente à
ausência de conhecimentos específicos de toxologia por parte dos médicos para realizarem um diagnóstico
correto nos locais de atendimento. Por exemplo, ao atender uma possível vítima de contaminação por agrotóxico
que venha a óbito por ter sofrido um ataque cardíaco, provavelmente, o médico vai diagnosticar como causa da
morte o ataque e não a contaminação que provocou o ataque.
25
Bull e Hathaway (1986) lembram que apesar de os insetos constituírem o exemplo mais evidente, outros tipos
de pragas, como roedores, fungos, bactérias e ervas daninhas, têm desenvolvido resistência às substâncias
químicas. No caso do Brasil, até o final da cada de 1950, eram conhecidas cerca de 190 pragas, porém, duas
décadas depois foram identificados 593 tipos de praga na agricultura.
69
Na tabela 5, que mostra a variação percentual das respectivas áreas
utilizadas para cultivo da soja e dos produtos alimentares básicos, pode-se verificar
que a área destinada ao arroz teve acréscimo na segunda metade da década de
1970. A partir de então, acumulou significativas reduções, tendo se reduzido pela
metade até o ano de 2005. O trigo teve a área diminuída em 25% no período de 30
anos, enquanto o feijão perdeu 7,5% do espaço que ocupava em meados da década
de 1970. A plantação de soja, por sua vez, apresentou desaceleração em sua
expansão, mantendo-se estabilizada no período de 1985 a 1990, voltando a avançar
rapidamente sobre as terras nos anos seguintes. Por ser o cultivo de soja uma
atividade voltada para o comércio exterior, a redução do ritmo de crescimento da
área plantada, na segunda metade da década de 1980, explica-se pela alteração da
política cambial ocorrida no início do Plano Cruzado. Entretanto, sua expansão
nunca fora tão vertiginosa quanto nos últimos cinco anos. Os 22 milhões atualmente
ocupados pela soja representam mais de 47% de toda área utilizada para produção
de grãos no país. O cultivo de milho ocupa 27% e o de feijão, pouco menos de 9%.
Porém, o cultivo de arroz utiliza o equivalente a apenas 6,3% da área plantada para
produção de grãos.
5
10
15
20
25
1976/77
1980/81
1985/86
1990/91
1995/96
2000/01
2005/06
S
oja
M
ilho
A
rroz
Trigo
Feijão
Milhões de hectares
Gráfico
3
: Brasil
evolução da área plantada das principais culturas agrícolas
1976/2006
Fonte: Elaborado a partir de dados da CONAB, dispoveis em: <http://www.conab.gov.br/>.
Acesso em 20.out.2006.
70
Tabela 5: Principais culturas agrícolas – variação percentual da área plantada - 1976/2005
Produto
1980/1976 1985/1980 1990/1985
1995/1990 2000/1995 2005/2000
2005/1976
Soja
25,1 10\,9 1,0
9,5 31,0
59,1 219,9
Milho
3,0 7,7 2,8 2,3 (-) 5,7 (-) 0,5 9,4
Arroz
10,6 (-) 15,4 (-) 24,6 (-) 8,7 (-) 15,9 (-) 7,9 (-) 50,0
Trigo
(-) 33,0 84,9 (-) 55,1 (-) 14,6 (-) 6,7 38,1 (-) 25,1
Feijão
25,5 3,8 (-) 6,9 (-) 4,2 (-) 26,4 8,3 (-) 7,5
Fonte: Elaborada a partir de dados da CONAB, disponíveis em: <http://www.conab.gov.br/>.
Acesso em 20.out.2006.
Uma vez que a produção de soja é uma atividade empresarial voltada
prioritariamente para exportação, altamente mecanizada, desenvolvida com intenso
uso de fertilizantes e defensivos químicos e com o suporte financeiro requerido, ou
seja, uma cultura agrícola totalmente integrada à dinâmica capitalista geral, seria
racional que se esperasse encontrar nessa atividade, elevados ganhos de
produtividade, pelo menos em sua trajetória recente. Entretanto, nas três décadas
em questão (safras 1976/77 e 2005/06), foram os produtos alimentares sicos que
obtiveram os maiores ganhos de produtividade: o arroz, 158,6%; o feijão, 68,2% e o
milho, 96,7%. Por sua vez, o desempenho verificado na produtividade da soja no
período foi de apenas 37,5%. A trajetória ascendente do volume produzido vem
ocorrendo, quase que exclusivamente, pela incorporação de novas faixas de terra.
Nos aspectos sociais, os impactos da modernização induzida foram também
muito profundos. A terra tornou-se um ativo econômico fortemente atraente, tanto
para quem se dispunha a produzir quanto para os intermediários com fins
especulativos, uma vez que sua propriedade era condição de acesso ao crédito,
cujas facilidades, aliás, cresciam na proporção da área sob domínio do pretendente.
Essa circunstância, se não estimulou maior concentração da terra, pelo menos
tornou ainda mais rígida a estrutura fundiária, impedindo quaisquer possibilidades de
desconcentração. O coeficiente de Gini
26
indicou uma leve desconcentração da
propriedade fundiária no Brasil somente no início do século XXI, quando os cenários
nacional e internacional estão completamente modificados em relação ao período da
modernização em questão.
26
O coeficiente de Gini é uma medida utilizada para verificar o grau de concentração geralmente de renda, de
mercados ou propriedade da terra, variando entre 0 e 1. Quando o cálculo resulta próximo de 0 está indicando
que a distribuição é igualitária; aproximando-se de 1 o índice está revelando forte concentração.
71
Tabela 6: Brasil - Índice de Gini - 1967/2000
Ano 1967 1972 1978 1992 1998 2000
Índice
0,836 0,837 0,854 0,831 0,843 0,802
Fonte: Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (2001)
Assim, no conjunto do país, durante a modernização compulsória, as terras
antes cultivadas por produtores familiares foram incorporadas ao domínio de
grandes grupos empresariais. Esse processo se verifica também no Maranhão,
ainda que com características muito particulares, conforme se discutirá adiante. De
um modo geral, como ressalta Martine (1990), no Brasil os agricultores familiares
perderam seus locais de moradia e trabalho, migrando na direção das periferias
urbanas, uma vez que a progressiva mecanização das atividades agrícolas reduzia-
lhes ainda mais as oportunidades de se tornarem assalariados rurais. Obviamente, a
amplitude da modernização da agricultura abrange também a reformulação das
relações de trabalho no campo naquelas regiões onde o processo se concentrou.
Assim, para aqueles que não migraram para as cidades, restaram o assalariamento
em condições precárias, o trabalho em tempo parcial e a incerteza das ocupações
sazonais, além da pobreza e da fome cotidiana suportada, muitas vezes, ao lado de
extensos laranjais, canaviais verdejantes ou grandes rebanhos bovinos, consumindo
calmamente o pasto do outro lado das cercas de arame.
Percebe-se que o legado da modernização compulsória da agricultura
brasileira apresenta, ao lado da notável expansão das atividades agropecuárias de
base empresarial e de exportação (plantação de soja, de cana-de-açúcar, de laranja,
além da criação de suínos e bovinos), uma dimensão de difícil mensuração, porém,
escancaradamente perceptível, que se traduz num conjunto de complicadores de
ordem socioeconômica e ambiental. Entre essas conseqüências pode-se destacar:
redução da área utilizada pelas policulturas alimentares, maior rigidez na
concentração da propriedade fundiária, acirramento de conflitos agrários,
intensificação da sazonalidade na oferta de trabalho na agricultura, deterioração da
distribuição da renda agropecuária, utilização indiscriminada de agrotóxicos, com o
comprometimento da fertilidade natural do solo e do equilíbrio dos ecossistemas,
com riscos à saúde das populações.
A modernização compulsória o foi capaz de traduzir a geração de riqueza
em melhorias nas condições de vida vigentes no campo e na cidade, uma vez que
72
agravou a migração interna, através da saída da população rural, e não garantiu de
forma satisfatória, por priorizar a produção para o mercado externo, o abastecimento
do mercado interno de alimentos, que em 2005 consumiu, somente de arroz, 13
milhões de toneladas. Dessa forma, o país tem que recorrer regularmente à
importação de arroz, entre outros produtos, dos países vizinhos. Em 2005, por
exemplo, o Brasil comprou 259,9 mil toneladas de arroz do Uruguai, 228,4 mil
toneladas da Argentina e 41,2 mil toneladas do Paraguai, além de importações em
menor volume de países como Tailândia e Estados Unidos.
Por outro lado, poder-se-ia supor que a maior parte dos alimentos que são
destinados ao abastecimento interno é fornecida pelos grandes proprietários e pelos
estabelecimentos modernos, uma vez que estes dispõem de maquinário, crédito,
assistência técnica, sistema de gestão especializado e, principalmente, terra.
Entretanto, não foi isso que ficou constatado em um estudo realizado através de
cooperação técnica entre o INCRA e a FAO (CARDIM; GUANZIROLI, 2000), com
base nos dados do Censo Agropecuário do IBGE de 1995/1996. O estudo revela
que, embora trabalhando em condições bastante adversas, os estabelecimentos da
agricultura familiar vêm sendo responsáveis pelo abastecimento da maior parte dos
alimentos consumidos no país.
De acordo com a tabela 7, no ano de 1995, os 4,1 milhões de
estabelecimentos caracterizados como de agricultura familiar representavam 85,2%
do total, mas ocupavam apenas 30,5% da área total e contaram com 25% dos
recursos destinados para o financiamento da agricultura. Além disso, apenas 16%
desses estabelecimentos tiveram acesso à assistência técnica e 49,8%
dispunham da força manual para efetivação dos respectivos processos produtivos.
Tabela 7: Brasil - Estabelecimentos, área, valor bruto da produção e financiamento - 1995
CATEGORIAS Estab.
Total
% Estab.
s/ Total
Área Total
(mil ha)
% Área
s/ total
VBP
(mil R$)
%VBP
s/ total
FT
(mil R$)
% FT
s/total
Familiar 4.139.369
85,2
107.768
30,5
18.117.725
37,9
937.826
25,3
Patronal 554.501
11,4
240.042
67,9
29.139.850
61,0
2.735.276
73,8
Inst.Pia/Relig. 7.143
0,2
268
0,1
72.327
0,1
2.716
0,1
Entid. pública 158.719
3,2
5.530
1,5
465.608
1,0
31.280
0,8
Não identificado
132
0,0
8
0,0
959
0,0
12
0,0
TOTAL 4.859.864
100,0
353.611
100,0
47.796.469
100,0
3.707.112
100,0
Fonte: IBGE, elaborado pelo PCT INCRA/FAO, apud CARDIM; GUANZIROLI, 2000, p. 16.
73
Analisando o valor bruto da produção correspondente a diferentes produtos,
os pesquisadores constataram que a participação da agricultura familiar é majoritária
em muitos desses produtos e é significativa nos demais, mesmo naquelas atividades
que tradicionalmente são desenvolvidas a partir de sistemas empresariais, como é o
caso do cultivo de soja e de laranja; da pecuária de corte; e da plantação de cana-
de-açúcar. Em 13 dos 17 produtos selecionados, a participação da agricultura
familiar mostrou-se superior a 30%, sendo que em sete deles o percentual é maior
que 50%.
Gráfico 4: Participação da agricultura familiar no valor bruto da produção - 1995/1996
Fonte: IBGE, adaptado de Cardim; Guanziroli (2000)
Souza (2005), por sua vez, apresenta dados ainda mais favoráveis sobre a
participação da agricultura familiar na produção dos seguintes produtos: mandioca
87%; suínos – 81; frutas – 79%; aves – 77%; hortifrutigranjeiros – 77%; feijão – 72%;
café 54%; arroz 46%; milho 45%; trigo 45%; leite 30%; bovinos 26%; e
soja – 25%.
De um modo geral, pode-se considerar que o Estado brasileiro foi eficiente na
promoção de um tipo de modernização extremamente heterogênea no campo, em
que coexistem, de um lado, sistemas produtivos intensivos, modernos, e de outro
lado, sistemas extensivos, inteiramente dependentes dos ciclos naturais. Esse
0
20
40
60
80
100
97,2
83,9
72,4
67,2
48,6
33,2
31,6
30,9
9,6
58,5
57,6
52,1
47
39,9
27
25,5
23,6
fumo
mandioca
cebola
feijão
milho
algodão
soja
a
rroz
cana
s
uínos
banana
pecuária de leite
uva
a
ves
e
ovos
laranja
c
afé
pecuária de corte
Culturas
temporárias
Produção
animal,
fruticultura
e culturas
permanentes
Percentua
l
de participação
74
mesmo Estado não foi capaz de construir, naquele momento, mecanismos
compensadores para os impactos negativos que foram gerados, alargando-se ainda
mais a distância entre ricos e pobres. Todavia, apesar do ambiente desfavorável, a
agricultura familiar é que produz grande parte da alimentação da população
brasileira. As grandes empresas, que foram as maiores beneficiárias da
modernização da agricultura, não demonstraram ser capazes de garantir o
abastecimento interno. Conforme destaca Martine (1990), a eficiência econômica
dos grupos empresariais pode ser medida pelo poder que eles têm para obter auxílio
do Estado, sendo muito mais uma eficiência política do que propriamente técnica,
pois sem a presença direta do Estado a modernização conservadora não teria
ocorrido na agricultura brasileira.
Entretanto, não se está dizendo que essa circunstância significa mera
ausência de eficiência técnica das empresas. Enquanto empresas capitalistas, estas
atuam, obviamente, segundo a lógica do capitalismo e continuarão produzindo para
obtenção de lucro, não importando para o capital se o consumo final da mercadoria
ocorre no mercado interno ou em qualquer outro centro consumidor, o que importa é
a realização do lucro. Por outro lado, também não importa o setor da economia no
qual se desenvolve a acumulação do capital, nem tampouco as especificidades da
mercadoria produzida, o que conta em última instância é a taxa de retorno que o
investimento proporciona. Assim, se o ambiente proporcionado pela ação do Estado
- construindo infra-estrutura, concedendo financiamento subsidiado e garantindo
estabilidade institucional não exige grandes esforços para a obtenção de taxas de
lucro satisfatórias, as empresas não m motivação para destinarem volumes de
recursos significativos na busca de avanços tecnológicos.
Uma vez consolidada a modernização conservadora, com todas as suas
conseqüências positivas e negativas, e sob fortes reivindicações do movimento
social, o Estado brasileiro começa a definir novos contornos no tratamento
dispensado para o conjunto da agricultura, principalmente a partir da década de
1980. Os novos cenários que vão se constituir, tanto interna quanto externamente,
permitem que sejam operadas algumas mudanças no enfoque e na condução das
políticas agrícola e agrária do país, como se discutirá na seção a seguir.
75
3.2 A reforma agrária como alternativa à modernização conservadora e a
reprodução potencial da pobreza no campo brasileiro
Na seção anterior, discutiu-se como o modelo de modernização da agricultura
adotado no Brasil, com a expansão de atividades capital-intensivas e poupadoras de
mão-de-obra (monocultura mecanizada e pecuária) gerou diversas conseqüências
negativas, como aumento do trabalho assalariado temporário, manutenção da
concentração fundiária, agravamento da migração populacional no sentido
campo/cidade, danos ambientais, entre outras. Na presente seção, a idéia básica
que se procura desenvolver é que essa situação de desigualdade que se acentuou
no campo com a modernização vai evidenciar a imprescindibilidade dos
assentamentos de reforma agrária para a sociedade brasileira.
se mencionou anteriormente que houve mudanças nas políticas agrícola e
agrária, a partir de novos impositivos colocados pelo contexto social, político e
econômico da cada de 1980. Mas, foi ainda sob o cenário econômico da década
de 1970 que técnicos do então governo militar passaram a identificar no setor
agrícola um papel importante no controle inflacionário, uma vez que o financiamento
deste contribuía para aumentar o déficit público, especificamente no que se refere à
parte dos recursos do tesouro que se destinava ao crédito rural. De forma gradual, o
governo procurou operar algumas alterações no sistema de crédito rural.
Primeiramente, ficou estabelecida a correção monetária para o financiamento
referente à aquisição de fertilizantes. Mais tarde, passou-se a adotar o mecanismo
de taxas diferenciadas para os créditos de investimento, custeio e comercialização.
Em seguida, oficialmente, foi declarada a extinção do subsídio e criado o VBC (Valor
Básico de Custeio), com limitação do financiamento a um determinado percentual
desse valor.
Ao final daquela década, o governo brasileiro entendia que o cenário
internacional era propício a uma maior priorização do agro-negócio objetivando a
produção de commodities. Com vistas a incentivar as exportações, no início da
década de 1980, iniciou-se um movimento de desvalorização cambial. Estabeleceu-
se a correção monetária para o crédito rural como um todo, porém com percentuais
variáveis conforme o produto, chegando-se à correção plena em 1985, mas
situando-se em 3% a taxa de juros anual. Nesse momento, a redução do volume de
76
crédito disponível para o financiamento levou o Estado a reduzir a abrangência das
políticas agrícolas, conforme destacam Belik e Paulillo (2001).
A partir do Plano Cruzado, em 1986, além da significativa redução que se
operou no volume do crédito, foram criados mecanismos diferenciados na correção
dos preços mínimos. A agricultura deixou de ter uma política geral de apoio e o
governo deixou de intervir também na constituição de políticas setoriais. (BELIK;
PAULILLO, 2001, p. 98).
Na década de 1990, após a confusa abertura econômica ocorrida nos
primeiros anos, observa-se que a atuação do governo orientou–se no sentido de
acelerar a liberação do setor agrícola para funcionar mais diretamente sob influência
de mecanismos de mercado.
A abertura da economia e a queda das barreiras à importação transformaram a
agricultura e o agro-necio em segmentos afastados de qualquer política
preferencial, em uma situação muito diferente daquela do peodo de
modernização compulsória da agricultura. (BELIK; PAULILLO, 2001, p. 99).
A partir desse momento, portanto, passaram a ser priorizados mecanismos de
mercado também na contratação do crédito rural, procurando reduzir o montante de
recursos destinados pelos cofres do Estado para o financiamento direto da
agricultura. No que diz respeito especificamente ao crédito de comercialização, o
governo passou a financiar as aquisições através das operações das Bolsas de
Mercadorias e Futuro.
Em comparação com a cada de 1970, quando a ampla oferta de crédito
rural representou uma transferência real de recursos públicos para os grupos
empresariais privados, na década de 1990 configura-se uma situação distinta, ainda
que pouco confortante. A preponderância de uma lógica de mercado pode trazer
como conseqüências de longo prazo, uma concentração ainda maior da riqueza e o
deslocamento, da esfera pública para a financeira, do poder decisório sobre a
própria produção de alimentos na sociedade. Obviamente, é preciso reconhecer que
o esforço de tratamento diferenciado para a agricultura de base familiar funciona
como uma contra-tendência. Todavia, esse tratamento, ao longo dos últimos anos,
continua tendo posta à prova sua capacidade de permanência e de reprodução no
tecido social, enfrentando dificuldades para ser aceito e se institucionalizar, de modo
a não depender, exclusivamente, do governante que esteja no poder.
77
A década de 1990 apresentou, pois, algumas mudanças relativamente ao
tratamento que o Governo vinha dispensando aos vários segmentos da agricultura,
introduzindo-se uma significativa diferenciação, para efeito de financiamento, entre
as atividades empresariais e as atividades da agricultura familiar. que se
considerar, para melhor percepção dessas mudanças, que a conformação de um
cenário de abertura de mercado passou a colocar diversas exigências para o
conjunto dos produtores, principalmente no que concerne ao novo padrão de
competitividade. Assim, no caso brasileiro, os primeiros anos dessa abertura
significaram dificuldades adicionais para esses produtores agrícolas, em função
tanto das alterações na política agrícola quanto dos efeitos das medidas
macroeconômicas de estabilização, cujos formuladores optaram por atribuir aos
alimentos um papel fundamental no sentido de impedir a alta dos preços, em busca
de atingir os objetivos estabelecidos, criando-se a chamada âncora verde
27
.
Com respeito à agricultura, sob o Plano Real, estabeleceu-se seu papel estrito no
sentido de ancorar o projeto de estabilização monetária, não se procedendo de forma
concomitante ao debate político da necesria redefinição de políticas consistentes e
arenas regulatórias de apoio à nova inserção setorial pretendida. Ademais da queda
persistente dos preços mínimos e de mercado, o vetor de política econômica pautou-
se pela inusitada elevação da taxa de juros e aprofundamento da liberalização de
mercados e das importações. (COUTO, 2001, p. 14)
Apesar desse cenário, o desempenho do conjunto do setor agrícola foi
positivo, durante a década de 1990. A produção de grãos cresceu 43%, enquanto na
década de 1980, o crescimento foi de 11,5%. Esse desempenho pode ser um
indicador de que alguns segmentos têm razoáveis condições de avançar com suas
próprias forças, interagindo segundo as exigências da dinâmica de mercado, não
sendo necessário que o Estado assegure-lhes financiamento na forma como vinha
ocorrendo no período da modernização.
27
Âncora verde foi uma expressão utilizada, na segunda metade da década de 1990, para nomear o setor
agrícola, pelo papel que os preços dos alimentos acabaram exercendo no controle da inflação no Brasil. Naquele
momento, devido à posição ocupada na cadeia produtiva, a suas especificidades e à abertura do mercado, a
agricultura não conseguiu repassar para os preços finais as variações dos custos de produção na mesma
velocidade e intensidade que os outros setores da economia.
Bracale, Considera e Sousa (2002), analisando
dados do PROCON, do DIEESE e do IBGE, entre julho de 1994 e setembro de 2002, confirmam a importância
dos preços dos alimentos para a estabilização da economia no Plano Real. Examinando os dez principais
produtos alimentícios integrantes da cesta básica, os autores verificam que apenas dois deles tiveram elevação de
preço acima do índice de inflação medido pelo IPCA, que no período acumulou alta de 108,99%: farinha de trigo
(174%) e óleo de soja (120%). Os preços dos demais produtos comportaram-se da seguinte maneira: feijão
(108%), arroz (89%), carne bovina (88%), carne de frango (81%), leite (43%), lingüiça (31%), açúcar (-7%) e
café (-47%). Mais recentemente, a expressão tem sido usada para fazer referência à contribuição das exportações
de commodities para o desempenho positivo da Balança Comercial.
78
Um ambiente competitivo, evidentemente, é favorável aos empreendimentos
que apresentarem agilidade para responder satisfatoriamente às exigências postas,
atendendo a requisitos de padronização, de logística, etc, os quais estão ao alcance
daqueles estabelecimentos que dispõem de determinado volume de capital para
investimento. Porém, isso não significa que caberia à agricultura familiar apenas o
papel (embora essencial) de abastecer o mercado interno e de garantir a
subsistência dos produtores diretos. Inclusive porque, uma vez aberto o mercado
brasileiro, produtores estrangeiros possivelmente aumentarão a concorrência com
os produtores nacionais. essa possibilidade seria suficiente para sugerir um
tratamento diferenciado no sentido de estimular e assegurar o fortalecimento da
agricultura familiar, ainda que dentro dos condicionantes estabelecidos pelos
acordos de comércio exterior na atualidade.
A predominância do financiamento da agricultura através do mercado
financeiro coloca algumas preocupações, quando se consideram os interesses
coletivos da sociedade. O principal problema refere-se à própria essência desse
mercado. O funcionamento das bolsas de mercadorias e futuro promove uma
vinculação direta do financiamento da produção com sua comercialização, sendo as
transações impulsionadas pelos interesses privados e individuais dos capitalistas.
Uma vez que se trata de transferência de direitos, essas transações exigem
garantias contra os riscos inerentes ao próprio mercado, para que ocorram
regularmente entre ofertantes e demandantes dos papéis negociados. É nesse
momento que os especuladores atuam, assumindo esses riscos em troca de uma
compensação financeira futura. Assim, vendedores e compradores continuam
atuando enquanto as transações apresentam rentabilidade satisfatória. No caso dos
especuladores, que correm riscos maiores em função de ganhos maiores, a
estabilidade do mercado dependerá, em grande medida, das oscilações de seus
próprios interesses. Num ambiente assim, o governo perde a efetiva capacidade de
regulação, no sentido de incentivar o desenvolvimento de determinados produtos ou
regiões. Entretanto, o que está em questão não é um grupo de mercadorias
prosaicas, de bens cujo valor de uso possa ser opcional, mas sim os alimentos
produzidos na sociedade, essenciais para a vida da população. Logo, as oscilações
de interesse dos especuladores assumem um significado muito perigoso para a
estabilidade da economia.
79
Essa circunstância deve ser especialmente considerada num contexto de
evolução do debate e das ações para garantir o acesso aos alimentos para o
conjunto da população mundial, o que, portanto, evidencia que os alimentos não
constituem uma mercadoria qualquer, para que as “virtudes do mercado” cuidem
sozinhas de sua produção e distribuição aliás, a prática dos subsídios agrícolas
nos países desenvolvidos indica que nenhum deles acredita que tais virtudes
possam ser benéficas para seus próprios produtos.
A evolução do financiamento do agro-negócio via bolsa de mercadorias
constitui, pois, uma face da desigualdade resultante do padrão de modernização da
agricultura adotado no Brasil e que sugere a necessidade de tratamento diferenciado
para a agricultura familiar, de consolidação da reforma agrária e, portanto, de
fortalecimento dos assentamentos rurais. A outra face, por sua vez, é aquele cerio em
que o aumento da concentrão de riqueza, a expansão da pobreza, o acirramento dos
conflitos e o aprofundamento da degradão ambiental no campo, engendram a resisncia
do movimento social capaz de reivindicar, pressionar e efetivar a reforma agrária.
O exame da concentração fundiária no Brasil coloca o país entre os mais
desiguais em todo o mundo. Os últimos dados oficiais disponíveis não são recentes,
mas apontam uma situação preocupante e que não demonstra sinais de melhorias
significativas para o presente momento. Quando se toma o IBGE (INSTITUTO
BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 1996) como fonte dos dados, é
possível observar que, dos 4,8 milhões de estabelecimentos então recenseados,
cerca de 554 mil eram considerados de agricultura empresarial e controlavam 68%
dos 353 milhões de hectares ocupados. Os imóveis com área superior a mil hectares
pertenciam a 50 mil proprietários, abrangendo 50% das terras. Cerca de 1% do total
de proprietários rurais controlava aproximadamente 46% das terras cadastradas. Do
ponto de vista do uso da terra, destaca-se que apenas 60 milhões (17%) dos 353
milhões de hectares apropriados, estavam sendo utilizados para lavoura. Os demais
se encontravam na condição de terras ociosas, subutilizadas ou ocupadas por
atividades da pecuária.
Por outro lado, quando se toma o INCRA como fonte das informações,
embora haja alguma divergência nos quantitativos em relação às estatísticas do
80
IBGE
28
, a situação que se configura não é menos preocupante. Analisando dados do
Cadastro de Imóveis Rurais daquele órgão, pesquisadores notaram que a
concentração de terras no Brasil não se atenuou de forma significativa nem mesmo
com a intensificação dos assentamentos de reforma agrária na década de 1990.
Quando se analisam os índices de Gini para o Brasil, ao longo do tempo, independentemente
da fonte de dados, observa-se que o há indicação de tenncia de redução da
desigualdade da distribuição da posse da terra. Isso mostra que, mesmo com
intervenções fundiárias por parte do governo, através de projetos de assentamento,
colonização e de programas de crédito, a estrutura fundria brasileira não vem
sofrendo alterações mensuráveis com índices integradores. (RANIERI, 2003, p. 19).
A tabela 8 permite observar que a parcela das terras apropriadas pela metade
dos proprietários, a partir da menor área, manteve-se a mesma entre 1967 e 1998,
oscilando levemente para cima e para baixo ao longo do período. Por outro lado,
nesse mesmo intervalo, a área controlada por 5% dos proprietários, considerados a
partir da maior propriedade, evoluiu de 65,3% para 68,9% da área total. Destaca-se
que 1978 foi quando se constatou o mais reduzido percentual para os 50% menores
e o mais elevado para os 5% maiores proprietários, sintomaticamente numa época
em que o modelo de modernização da agricultura estava em plena consolidação.
Tabela 8: Brasil - evolução da concentração da terra (1967/1998)
Imóveis
Área total
(mil ha.)
Área média
(ha.)
Índice de Gini
% 50(-) % 5(+)
1967
3.638.931
360.104 99,0 0,836 3,5 65,3
1972
3.387.173
370.272 109,3 0,837 3,8 68,1
1978
3.071,085
419.902 136,7 0,854 3,3 71,6
1992
3.066.390
331.364 108,1 0,833 3,9 67,5
1998
3.587.967
415.571 115,8 0,843 3,5 68,9
Fonte: Elaborado por Hoffmann (1971; 1998; 2002) a partir do Cadastro de Imóveis do
INCRA, apud RANIERI (2003)
28
Na verdade as diferenças quantitativas são manifestações das diferenças nas categorias utilizadas por esses
órgãos no que se refere à obtenção dos dados. A principal dessas diferenças diz respeito aos conceitos de
estabelecimento agropecuário adotado pelo IBGE na realização dos Censos Agropecuários, e de imóvel rural
utilizado pelo INCRA no Cadastro de Imóveis Rurais. Esses documentos são as fontes oficiais organizadas de
informação sobre a estrutura agrária do país. Até o momento, os Censos foram realizados em 1920, 1940, 1960,
1970, 1975, 1980, 1985 e 1995-96, enquanto o Cadastro de Imóveis Rurais foi realizado pelo então IBRA em 1967,
com recadastramentos, pelo INCRA, em 1972, 1978, 1992 e 1998. O estabelecimento agropecuário, em sua
definição vigente, é todo terreno de área contínua, independente do tamanho ou situação (urbana ou rural),
formado de uma ou mais parcelas, subordinado a um único produtor, onde se processe uma exploração
agropecuária. (IBGE, 1998). O imóvel rural, por sua vez, é o prédio rústico, de área contínua, formada de uma ou
mais parcelas de terra, pertencente a um mesmo dono, que seja ou possa ser utilizada em exploração agrícola,
pecuária, extrativa vegetal ou agroindustrial, independente de sua localização na zuna rural ou urbana do
Município, com as seguintes restrições: I Os imóveis localizados na zona rural do município cuja área total for
inferior a 5.000 m2, não são abrangidos pela classificação de ‘Imóvel Rural’ e não são objeto de cadastro; II – Os
imóveis rurais localizados na zona urbana do município somente serão cadastrados quando tiverem área total
igual ou superior a 2 ha. e tiverem produção comercializada (INCRA, 1974, apud RANIERI, 2003, p. 15).
81
Pelos dados do INCRA, a própria quantidade de imóveis reduziu-se em 50,9
mil unidades no período considerado. Em contrapartida, a área total foi acrescida de
55 milhões de hectares, sendo esse acréscimo refletido na área controlada pelos 5%
maiores proprietários, o que se percebe na evolução do índice de Gini, de 0,836
para 0,843.
Amorim et al. (2004) observam que, considerando-se dados de 1920, 63% da
área total eram controlados por 4% dos estabelecimentos, enquanto em 1992,
apenas 1,4% dos estabelecimentos correspondiam a 49,4% da área total. Para este
mesmo ano, os dados apresentados por Hoffmann, citado por Ranieri (2003),
indicaram que 67,5% da área pertencem a 5% dos estabelecimentos.
Um estudo destinado a dimensionar o público potencial para efeitos
efetivação da reforma no Brasil (DEL GROSSI; SILVA, 2000) estima em 7,2 milhões
o contingente de famílias precisando de terra ao final da década de 1990. Desse
número, 4,4 milhões são famílias que se encontram, de fato, sem acesso à terra.
Outros 2,8 milhões são famílias cujo acesso à terra é insuficiente para que se
produza a subsistência do grupo, incluindo-se nessa situação os proprietários
minifundistas e os não-proprietários que se encontram na condição de arrendatários,
parceiros, ocupantes, cessionários, posseiros e outros.
Analisando dados da PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios,
realizada pelo IBGE), Barros, Henriques e Mendonça (2000) destacam que, entre a
segunda metade da década de 1970 e o final da década de 1990, houve uma
redução no percentual de pessoas situadas abaixo da linha da pobreza no Brasil. Os
autores mencionados mostram que, partindo-se de 39,6% (1977) e atingindo-se o
pico de 51,1% (1983) com a crise da econômica da década de 1980, chega-se a
uma diminuição, com um percentual de 34,1% (1999) da população abaixo da linha
da pobreza. Entretanto, essa redução se opera em termos relativos. Quando são
considerados os números absolutos, percebe-se que, ao contrário, aumentou o
contingente de pessoas pobres e passíveis de sofrerem situações de fome no país:
dos 40,7 milhões, em 1977, evoluiu-se para 53,1 milhões, em 1999, tendo-se
ultrapassado os 60 milhões nos anos de 1983 (62,8 milhões), 1984 (63,6 milhões),
1988 (62,6 milhões), 1989 (60,7 milhões) e 1990 (63,2 milhões).
Claro que a expansão da pobreza, a qual afeta de forma significativa grande
contingente da população rural, não está circunscrita ao território brasileiro,
82
constituindo-se uma realidade que abrange o conjunto dos países não-
desenvolvidos, em especial a África, na Ásia e na América Latina, com diferentes
nuances em cada lugar. Pode-se ressaltar que uma manifestação direta da pobreza
é o grau de desnutrição da população, o que compromete a capacidade produtiva
dos indivíduos e, nos casos em que o percentual da população atingida é muito
elevado, compromete-se seriamente a capacidade de progresso da sociedade
inteira. No mapa 2 é possível observar-se, em panorama, a gravidade dessa
situação nos cinco continentes.
Mapa 2: Percentual da população subnutrida nos países do mundo – 2004
Fonte: FAO. Disponível em http://faostat.fao.org/documents/pdf/map09.pdf. Acesso em: 18.out.2006.
Em comparação às nações do mundo, é nos países africanos, em particular
na chamada África subsaariana, que a extensão do problema nutricional mostra-se
mais grave, com a maioria desses países apresentando mais de 35% de suas
respectivas populações em profunda vulnerabilidade, havendo casos em que esse
percentual é superior à metade dos residentes. Como as taxas de urbanização do
América
Áfri
ca
Europa
Ásia
Oceania
83
continente africano, do mesmo modo que as da Ásia, são relativamente baixas, é
uma decorrência esperada que a pobreza e as situações de subnutrição
encontradas atinjam um contingente maior entre a população rural.
Porém, quando se considera o volume de riqueza material que, nas condições
historicamente determinadas, as diferentes sociedades africanas têm sido capazes
de produzir, relativamente ao tamanho de sua população, o estado de privações em
que as pessoas estão envolvidas constitui-se um fato aritmeticamente esperado,
embora não aceitável. Quando essas privações ocorrem no interior de sociedades
nas quais se encontram bastante desenvolvidas tanto a capacidade produtiva
como a efetiva produção de riqueza, gera-se uma situação muito mais inadmissível.
Este, aliás, é o caso em que se enquadra a sociedade brasileira, que ocupa a 168ª
posição numa lista de 185 paises, em ordem crescente de desigualdade de acesso
ao consumo de alimentos
29
, refletindo o padrão altamente excludente de apropriação
da renda no Brasil.
Dados disponíveis sobre a concentração da renda no Brasil (HOFFMANN,
2000) indicam um coeficiente de Gini de 0,584, representando uma situação em que
a apropriação dos 40% mais pobres corresponde a apenas 9% da renda gerada,
enquanto os 20% mais ricos detêm 63,3%, concentração que se revela ainda mais
grave quando se considera apenas a parcela de 1% a partir dos mais ricos, que se
apropriam de 13,5% de toda a renda, quinhão maior que os 13,4% recebidos pelos
50% mais pobres, ou seja, pela metade da população.
Mantendo-se inalterado esse padrão excludente de distribuição de renda no
país, tende a permanecer reduzido o grau de liberdade para o
enfrentamento efetivo e necessário do grave e complexo processo de
exclusão social. Sabe-se que o Brasil encontra-se entre as economias do
mundo de renda per capita intermediária, podendo evoluir para uma fase
em que possua menos pobres em termos absolutos, sem que isso, no
entanto, esteja associado à diminuição da pobreza relativa (vinculada à
desigualdade). (AMORIM et al., 2004, p. 27).
A origem dessa concentração confunde-se com a própria história da chegada
de povos europeus a este território, a partir de seu modelo inicial de povoamento e
distribuição de capitanias. Mas, o que é de difícil explicação é a regularidade com
29
Conforme dados da FAO, apenas 17 países apresentam maior desigualdade de acesso ao consumo de
alimentos que o Brasil. O coeficiente de Gini obtido para o país é menor que o de Serra Leoa, Libéria, Índia,
Guiné, Haiti, Afeganistão, Paquistão, Ruanda, Timor-Leste e Bangladesh, mas é o mesmo índice de Honduras,
Vietnã, Malawi, China, Zimbábue, Somália, Moçambique, Nicarágua, Laos, Filipinas, Angola, Niger, Chade,
Marrocos, Etiópia e Djibuti. (Disponível em: <http://www.fao.org/faostat/foodsecurity/index_es.htm>. Acesso
em: 20.nov./2006.)
84
que se reproduzem os padrões de concentração da terra, da renda e da riqueza na
sociedade brasileira, desde sua fase colonial até a república contemporânea. Este
perfil foi potencializado com a expansão interna do capitalismo ao longo do século
XX, que até meados do século XIX a desigualdade dava-se tão-somente pela
apropriação de ativos (terras e escravos). (AMORIM et al., 2004, p. 27).
O país assistiu à violência do processo migratório campo-cidade e à
barbárie da não repartição eqüitativa dos ganhos de produtividade entre a
população, sem a realização das reformas civilizatórias do capitalismo
(fundiária, tributária e social), contando ainda com a permanente repressão
dos movimentos comprometidos com a afirmação dos direitos democráticos
e universais e com a potencialização da distribuição de renda como veículo
de expansão do mercado interno. (AMORIM et al., 2004, p. 31).
Assim, particularmente no meio rural brasileiro, constituindo-se um cenário
marcado por extrema desigualdade de acesso a terra e por uma dinâmica
competitiva nos segmentos modernizados, a situação dos produtores familiares
tende a se tornar cada vez mais delicada, colocando-se obstáculos cotidianos para a
sobrevivência dos indivíduos e comprometendo as chances de continuidade da
própria unidade produtiva. Tendo em consideração que grande parte das famílias
que perdem a terra desloca-se para as cidades, é possível dizer que a situação
desfavorável à agricultura familiar implica dificuldades também para a população
residente dos núcleos urbanos.
Esse cenário e o contexto mais amplo da sociedade brasileira, assim como o
ambiente internacional, impõem que o Brasil avance no necessário debate e na
inadiável superação da questão agrária. Como já se mencionou em capítulo anterior,
as posições a respeito da promoção de modificações na estrutura agrária são muito
divergentes e tornam-se, por vezes, intolerantes quanto à profundidade dessas
mudanças.
Por um lado, os partidários das posições contrárias às mudanças buscam
munir-se de estatísticas que possam desqualificar a opção reformista, alegando
tratar-se de uma forma de perpetuação da pobreza rural. Ao compararem o custo
per capita da implantação dos projetos de assentamento com o montante destinado
aos programas de transferência de renda, chegam a sugerir que seria menos
oneroso para os cofres públicos doar um determinado volume de recursos
monetários para as famílias sem terra fixarem-se no meio urbano.
85
Em um breve artigo, Chaddad e Andrade (2005), por exemplo, conseguem
manifestar com fidelidade a essência ultra conservadora desse entendimento.
Tentando demonstrar a impossibilidade do cumprimento das metas da reforma
agrária definidas pelo atual governo, eles estendem tal impossibilidade diretamente
para a realização da própria reforma agrária no país. Argumentam esses autores
que, desde meados do século XX, haveria uma tendência de queda nos preços
agrícolas, citando, sem mencionar a fonte, dados divulgados pela revista “The
Economist”. Segundo eles, a explicação a tal fenômeno seria simples: do lado da
oferta, seria um resultado da industrialização da agricultura, o que pelo que se
pode supor - implicaria aumento na produtividade; do lado da demanda, a população
fica mais rica e passa a gastar uma fração cada vez menor da sua renda no item
alimentação. Concluem que, com a oferta crescendo mais do que a demanda, o
resultado é a queda dos preços e transferência dos ganhos de produtividade na
agricultura para o consumidor. (CHADDAD; ANDRADE, 2005, p.4).
Os autores assumem como sendo correta a indicação de que uma
tendência de queda, em termos reais, nos preços dos alimentos, porém não
contextualizam esse fenômeno, explicitando se sua ocorrência é generalizada no
planeta, se ocorre somente em alguns países desenvolvidos ou em determinados
segmentos de mercado nas diferentes partes do mundo. Do mesmo modo, afirmam
que a população está mais rica, sem esclarecerem de qual população estão falando.
Para o que eles tentam mostrar, o descompasso entre oferta e demanda de
alimentos, seria fundamentar reconhecer que o enriquecimento diz respeito, na
verdade, a uma parcela da população, e se pela via da concentração de renda.
Além disso, fazem uma prosaica confusão entre a proporção da renda gasta com
alimentos e o gasto absoluto. O percentual destinado ao consumo de alimentos
diminui porque acréscimos significativos na renda total, mas isso não significa
que haja redução dos gastos em termos absolutos, ao contrário, provavelmente
estes aumentam ainda mais com os acréscimos na renda. Entretanto, seria correto
dizer que, num ambiente de crescimento significativo tanto na renda da sociedade
quanto na produtividade agrícola, a variação positiva da demanda geralmente ocorre
em uma velocidade menor que a variação da oferta de alimentos.
Ainda no artigo mencionado, Chaddad e Andrade expõem um raciocínio, no
mínimo, discutível, conforme se segue:
86
A implicação da industrialização da agricultura é clara. Somente os
produtores mais eficientes terão condições de sobreviver neste ambiente,
sendo o mais provável que ocorra uma queda do número de produtores no
mundo. A agricultura moderna discute o uso de sementes geneticamente
modificadas e mapas digitais, gerado por satélites com sistema de
posicionamento global para monitorar a produção por hectares. Além disso,
o consumidor de alimentos está cada vez mais exigente, bem como as
empresas de processamento e distribuição que servem este consumidor,
dificultando o acesso a mercados de produtores que o conseguem
acompanhar as novas exigências do mercado. É difícil pensar que os
potenciais beneficiários da reforma agrária são capacitados para utilizar
tecnologias cada vez mais avançadas e aptos para entender estas novas
exigências do mercado, como técnicas de comercialização e até mesmo o
uso de um simples computador. (CHADDAD; ANDRADE, 2005, p.4, grifo
nosso).
Ao que parece esses autores desconhecem, entre outros exemplos, os
assentados do interior baiano que exportam tapetes de sisal para a Europa, ou as
quebradeiras de coco, do Ludovico, em Lago do Junco, Maranhão, que fabricam e
exportam sabonetes e fornecem matérias-primas para indústrias de cosméticos na
Inglaterra e nos Estados Unidos. Além do mais, desconsideram o fato de que, na
atualidade, sem usar sementes transgênicas, ler mapas digitais ou manusear
computadores, são os agricultores familiares que têm garantido a maior parte do
abastecimento do mercado interno neste país. Esses mesmos autores sugerem que,
ao invés de prosseguir com a reforma agrária, o governo poderia doar dinheiro para
as famílias potenciais demandantes de terra.
Provavelmente seria mais barato para o governo simplesmente transferir
uma determinada renda para as famílias e despender o restante dos
recursos com treinamento e recapacitação profissional e educação básica,
de forma a qualificá-los e torná-os [sic] aptos a trabalhar em outra atividade
produtiva. [...] Afinal, não espaço no mercado para “produtores
amadores” (CHADDAD; ANDRADE, 2005, p. 4).
Mais uma vez, eles pressupõem, sem qualquer ressalva, que os problemas
de desemprego residem na falta de educação e de qualificação dos trabalhadores.
Os autores em questão demonstram uma visão a respeito da reforma agrária e da
própria vida no campo estritamente pautada na dimensão agrícola, desconsiderando
a natureza pluriativa da agricultura familiar e a novas oportunidades que o
geradas a partir da atual revalorização dos espaços rurais por empresas e
moradores da cidade, em busca de qualidade de vida. Tal desconhecimento é
lamentável, em se tratando de quem está se propondo a emitir opinião sobre o
campo e, portanto, sobre o destino das pessoas que nele moram e trabalham. A
aposta dos autores parece ser a de que a humanidade caminha para um mundo no
qual triunfariam e operariam livremente os mecanismos de mercado, e assim
87
ignoram a existência dos múltiplos elementos constitutivos das particularidades e
das singularidades de uma formação social, do mesmo modo que desconhecem os
riscos, para a segurança alimentar de uma determinada sociedade, representados
pela possível generalização da lógica de mercado na produção de alimentos.
30
Ainda assim aqueles autores defendem que a melhor alternativa para o meio rural
brasileiro seria um aprofundamento ainda maior dos padrões de modernização até
então experimentados.
Por outro lado, as posições que defendem uma reforma agrária radical no
país, procuram pontuar alguns aspectos que podem ser favorecidos com sua
realização, como o aumento da produção e da produtividade de alimentos básicos, a
introdução de tecnologias mais eficientes, a eliminação da pobreza rural, a redução
da pressão demográfica nas áreas urbanas, entre outros.
Independentemente da extensão que cada uma das posições alcança em
termos de exprimir os interesses que lhes são subjacentes, o é possível negar o
caráter extremamente desigual que marca a trajetória desta sociedade, cuja
negação de direitos vai da comida à plena participação política. Ao longo da história,
a questão tem sido um dos principais condicionantes da não-constituição de uma
nação, após o país ter deixado a condição de colônia portuguesa no século XIX,
conforme têm interpretado diversos estudiosos da formação brasileira
31
.
se mencionou em capítulo anterior, um conjunto de concepções que
tradicionalmente orientaram as experiências internacionais de combate ao problema
alimentar. De modo geral, também as tentativas de combate à pobreza rural e de
desenvolvimento rural a partir de enfoques tradicionais não têm obtido muito êxito,
conforme indicam as informações disponíveis. Berdegué e Schejtman (2002), por
exemplo, procuram chamar atenção para as limitações presentes nos enfoques
tradicionais do desenvolvimento rural, sendo suas observações direcionadas não
apenas para a situação do Brasil, mas para toda a América Latina.
De acordo com esses autores, os enfoques tradicionais geralmente
desconsideram o caráter heterogêneo das sociedades rurais, com marcantes
30
Para uma compreensão do capitalismo a partir de uma metodologia dialética, expressando o silogismo do
objeto nos três níveis de percepção (generalidade, particularidade e singularidade), ver, por exemplo, o estudo de
Farias (2000) sobre o Estado capitalista, especialmente o capítulo 1.
31
Entre estudos clássicos sobre a formação do Brasil, podem ser destacados os de Furtado (1973; 1976; 1999),
Fernandes (1975) e Prado Junior (1963; 1976; 1987). Uma interpretação elucidativa do pensamento destes
autores é feita por Sampaio Júnior (1999).
88
especificidades entre os agricultores familiares, entre as pequenas empresas rurais
não-agrícolas e entre as muitas estratégias de sobrevivência adotadas em situações
de escassez, o que exige políticas essencialmente diferenciadas. Além disso,
costumam interpretar de forma parcial o fenômeno da pobreza rural, desconhecendo
suas múltiplas dimensões e assim tendem a propor soluções unilaterais. Por serem
enfoques centrados na atividade agrícola, deixam de incorporar a dimensão
pluriativa das famílias rurais. Esses e outros aspectos vão determinar a insuficiência
das formas tradicionais de enfrentamento da pobreza e de estímulo ao
desenvolvimento rural. Essa insatisfação tem impulsionado a busca de novas
estratégias cujas concepções, de uma forma geral, encaminham-se para uma
proposta de enfoque territorial.
Berdegué e Schejtman (2002) apresentam, então, uma síntese de algumas
estratégias sugeridas por organismos multilaterais que atuam nas experiências de
desenvolvimento rural da América Latina e do Caribe
32
, na qual destacam a
experiência do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar
(PRONAF) do Governo brasileiro. Coloca-se a esses organismos, então, a
necessidade de formularem suas propostas e coordenarem sua atuação em um
contexto de significativas mudanças por que a região tem passado, as quais afetam
direta ou indiretamente a vida no campo, nas suas múltiplas dimensões,
caracterizando-se, assim, uma nova ruralidade, conforme a interpretação dos
autores em foco.
Mas, o fato é que nenhuma dessas propostas de intervenção e de combate à
pobreza rural, nem as tradicionais nem as que se baseiam no enfoque territorial,
conseguem representar uma alternativa capaz de atingir a verdadeira causa do
bloqueio ao desenvolvimento rural, embora algumas delas recomendem a expansão
do modelo de reforma agrária em curso no país nas últimas três cadas. Essas
propostas não chegam a atingir a raiz do problema agrário, primeiramente porque
são formuladas em instâncias supranacionais, havendo dificuldades quanto à plena
percepção de elementos mais profundos, próprios das múltiplas dinâmicas
32
Entre os organismos envolvidos em experiências na América Latina e Caribe, os autores resumem as propostas
do Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (FIDA), do Banco Interamericano de Desenvolvimento
(BID), do Banco Mundial - Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD), da Organização
das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO), da Deutsche Gesellschaft für Technische
Zusammenarbeit (GTZ) e do Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura (IICA). (BERDEGUÉ;
SCHEJTMAN, 2002, p. 12).
89
presentes em cada sociedade. Além disso, existem também outros fatores
limitantes, que estão vinculados à própria autonomia de cada país, uma vez que
uma intervenção profunda nos problemas da pobreza pressupõe afetar interesses
internamente constituídos, o que, decididamente, não está nos planos imediatos das
elites locais.
O enfrentamento da pobreza rural no Brasil extrapola em muito a esfera
econômica, passando necessariamente pelo enfrentamento de um complexo
emaranhado de ordem institucional, ligado a mecanismos políticos, jurídicos e
culturais, que se formam e se reafirmam no contexto da extrema concentração da
propriedade e da conseqüente destituição, da maioria da população rural, do direito
de produzir seu sustento, de fazer-se reconhecer como sujeito e de viver com
dignidade.
Do ponto de vista do bloqueio ao pleno desenvolvimento da sociedade, a
gravidade dos mecanismos supramencionados reside na circunstância que se cria a
partir deles, incluindo-se suas múltiplas manifestações, e que, uma vez aceita como
um processo natural, tende a se reproduzir de forma continuada em todas as
esferas, quais sejam: a econômica, resultando em baixa rentabilidade e na
coexistência de tecnologias modernas e técnicas arcaicas; a agronômica, baseando-
se em sistemas de produção pouco produtivos e nocivos ao meio ambiente; a social,
implicando a generalização da pobreza e conseqüente êxodo rural; a política,
reproduzindo-se relações de dependência junto aos caciques políticos, com
existência do chamado voto de cabresto, reafirmando-se o clientelismo, com a
“compra” de votos, utilizando-se as políticas públicas como moeda de troca ou
prestação de pequenos favores pessoais para o atendimento de necessidades
imediatas, e a banalização da violência física contra os que não se enquadram nos
esquemas estabelecidos; e a cultural, principalmente pela predominância do
analfabetismo e do isolamento das reflexões que o gênio humano produz e
manifesta nas diversas formas de criação artística.
Por tudo isso, as tentativas de se fazer evoluir o padrão civilizatório do país e
levar adiante a árdua construção da nação, o parecem promissoras sem que esta
sociedade tome a decisão política de superar a questão agrária, pois trata-se de
uma questão estrutural que, nas condições históricas dadas, continua a
comprometer a plena eficácia das políticas agrícolas e sociais com as quais se vem
90
tentando estimular o desenvolvimento rural e combater a pobreza no campo e na
cidade. Nessa circunstância, também o modelo de reforma agrária que se tem
experimentado no país não poderia se mostrar capaz de, efetivamente, superar a
pobreza rural e de contribuir para a garantia da segurança alimentar e nutricional do
conjunto da sociedade brasileira, visto que as famílias assentadas são postas em
situação desfavorável, nas quais ficam comprometidas, inclusive, as possibilidades
de continuidade da própria produção familiar tal como ocorre fora dos
assentamentos.
3.3 O desenvolvimento recente da economia maranhense, as atividades de
produção de alimentos e a segurança alimentar
Nesta seção busca-se sintetizar, ainda que de forma pontual, as características
gerais do desenvolvimento econômico que vem se processando no Maranhão,
destacando-se suas implicações imediatas com relação ao conjunto dos agricultores
familiares, que, nas condições técnicas vigentes, dependem diretamente da
disponibilidade de terras para produzirem sua subsistência. A idéia principal é que,
tendo ficado em posição marginal em relação às políticas de modernização da
agricultura, o estado do Maranhão passou a perseguir um modelo de
desenvolvimento agrícola cujo resultado é uma disponibilidade de alimentos
decrescente ao longo dos anos. Esse modelo configura-se, de um lado, pela
ausência de uma política agrária e, de outro, pelo caráter das políticas de incentivo
fiscal, resultando em acirramento da concentração da terra.
A economia maranhense contemporânea tem como destaque em uma de
suas dimensões, o funcionamento de grandes projetos vinculados ao extinto
Programa Grande Carajás (PGC) e que estão voltados essencialmente para o
processamento intermediário de minério e para a produção de matérias-primas, cujo
destino principal são os mercados da União Européia e da Ásia. Além dos projetos
urbano-industriais, alguns empreendimentos estão localizados na zona rural,
relacionados à produção de celulose, de carvão vegetal e à agropecuária. Uma outra
face da economia, porém, revela que grande parte da produção agropecuária
continua fortemente marcada por técnicas intensivas em o-de-obra e apresentam
91
poucos aprimoramentos em relação às práticas agrícolas e de criação de animais
dominantes no conjunto do país até meados da década de 1960.
Observa-se que os grandes projetos, tanto os minero-metalúrgicos quanto os
agropecuários, apresentam elevada capacidade de interferência nos contextos
locais onde são implantados. O caráter dessa interferência abrange um vasto
conjunto de aspectos que, de um lado, representam a geração de determinada
massa de emprego e de renda
33
e, de outro lado, provocam resultados diretos e
indiretos, que vão desde a devastação da cobertura vegetal e a degradação das
condições gerais de equilíbrio dos ecossistemas locais até a desarticulação do modo
de vida e, em particular, das formas de produção material das populações atingidas.
Em seu conjunto, esses empreendimentos constituem a expreso material da moderna
forma de expansão e aprofundamento das atividades capitalistas propriamente ditas no
campo maranhense, com as conseqüentes modificações das condições gerais
anteriormente vigentes.
De um modo geral, pode-se destacar que a inserção do Maranhão, em
particular, e dos demais estados da Amazônia Legal
34
no processo de acumulação
do capital em escala planetária, desde o seu início no período colonial, acentuando-
se no século XIX e reafirmando-se no presente momento, caracteriza-se pelo
fornecimento de matérias-primas ao mercado internacional. Atualmente, essa
característica permanece, mas o processo assume o sentido próprio da
contemporaneidade capitalista, sob o contexto da globalização e da consolidação de
blocos regionais na economia mundial. Nessa circunstância, a produção econômica
historicamente direcionada para o exterior, as debilidades de constituição do
mercado interno e as vantagens de localização em relação aos mercados
transoceânicos, fazem do Maranhão um local atraente para empreendimentos cujos
interesses estejam vinculados prioritariamente com a exportação de mercadorias.
33
Conforme se discutirá adiante, a relevância dessa dimensão dos empreendimentos do PGC deve-se mais às
debilidades da economia local do que propriamente à abrangência desses projetos. Por exemplo, a maior parte
dos empregos gerados esteve associada aos estágios de instalação da estrutura física, traduzindo-se, portanto, em
ocupações temporárias, predominantemente no setor de construção civil. Ainda assim, o volume efetivamente
ofertado foi muito inferior ao prometido nas peças de propaganda que antecederam sua implantação. Uma
abordagem crítica dos empreendimentos do PGC é feita por Feitosa (1994).
34
A Amazônia Legal é uma definição administrativa do Governo brasileiro, para fins de planejamento
econômico e de incentivos fiscais na região amazônica, abrangendo uma área de aproximadamente 5,2 milhões
de quilômetros quadrados (61% do território nacional), nos estados da região Norte (Acre, Amazonas, Amapá,
Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins), parte do Centro-Oeste (Mato Grosso) e parte do Nordeste (a área no
Maranhão situada a oeste do meridiano de 44º).
92
Esses empreendimentos, todavia, o majoritariamente restritos àquelas fases
iniciais da produção ou ao processamento intermediário, principalmente em se
tratando de mercadorias para as quais a mais elevada agregação de valor verifica-
se apenas na fase final da produção.
Renunciando a alternativa de fortalecimento estratégico das culturas agrícolas
regionais e de subsistência, o governo do Maranhão optou por conceder privilégios à
vinda de capitais estrangeiros e do centro-sul do Brasil, especialmente a partir da
década de 1970. Assim, por um lado, procurava-se seguir, no estado do Maranhão,
o processo que vinha se intensificando em algumas unidades federativas, desde
meados da década de 1960, através do financiamento de um estilo seletivo de
modernização agrícola, favorecendo-se com subsídios as culturas comerciais. Por
outro lado, essa opção não somente implicou o tratamento desfavorável das formas
tradicionais de produção no contexto das políticas públicas executadas pelo governo
maranhense, mas também resultou em uma situação na qual parte dos produtores
familiares que foram diretamente atingidos passou a constituir uma mão-de-obra
para o atendimento de demandas sazonais nas grandes fazendas que viriam se
implantar no interior do estado.
Analisando esse processo, Arcangeli (1987) conclui que os grandes projetos
da SUDENE, da SUDAM, da COMARCO
35
, os demais projetos financiados pelos
bancos oficiais, assim como as apropriações especulativas de terra que marcam a
dinâmica fundiária maranhense têm como resultado a progressiva desarticulação da
produção agrícola mercantil de base familiar, tradicional responsável pelo
abastecimento alimentar do Nordeste. A década de 1970 é, pois, fundamental para a
compreensão dos desdobramentos que, atualmente, são observados no âmbito da
produção de alimentos, da estrutura fundiária, dos conflitos agrários, das
aglomerações populacionais nas margens das estradas e, em grande medida, da
caótica expansão das periferias urbanas.
[Num processo em que], os subsídios recebidos compensam os
investimentos feitos e até os baixos rendimentos dos empreendimentos, ao
mesmo tempo em que se desestrutura uma sociedade tradicionalmente
organizada sem que se ofereça à mesma, opções de reorganização
socioeconômica que preservem as condições mínimas de sua qualidade de
vida. Tiram a população da pobreza e a lançam na miséria, na prostituição,
no roubo e na mendicância. (ANDRADE, 1986, p. 197).
35
Companhia Maranhense de Colonização, hoje Instituto de Colonização e Terras do Maranhão - ITERMA.
93
Ao mesmo tempo em que se consolida a modernização da agricultura,
induzida pelo Estado brasileiro e que, conforme se discutiu, foi intrinsecamente
seletiva em termos de regiões e de produtos, surge no país um movimento de
apropriação de terras públicas que ficou conhecido, em termos gerais, como a
cobiça pelo Norte (ASSELIN, 1982), que atinge as terras devolutas da chamada Pré-
Amazônia Maranhense
36
, as quais, na década de 1970, foram incorporadas ao
domínio privado através de uma política direcionada do governo estadual. Esse
avanço violento da propriedade privada sobre as terras devolutas vai modificar
definitivamente a dinâmica de ocupação e de uso das terras agricultáveis no
Maranhão.
O processo que antecede a esse momento apresenta características
inteiramente distintas, conforme se pode verificar, de forma sucinta, a partir do
resgate de alguns aspectos da ocupação do território maranhense, em especial a
pré-Amazônia, que se intensifica a partir da metade do século XX com a chegada
dos posseiros oriundos de alguns estados do Nordeste, e que se alterou
profundamente na década de 1970, com a consolidação da propriedade privada
imposta pela ação de grileiros e do governo do Maranhão, forjando-se o surgimento
de um atraente mercado de terras.
A ocupação das terras do Maranhão por estrangeiros iniciou-se no litoral
37
,
com navegadores europeus, no começo do século XVII. no século XVIII,
criadores de gado migrantes das zonas açucareiras do Nordeste, chegaram à parte
36
O estado do Maranhão, ainda que na divisão regional do país integre a região Nordeste, situa-se em uma zona
de transição entre as condições naturais predominantes no Nordeste e as da região Norte. A área conhecida como
pré-Amazônia maranhense corresponde a uma extensão que vai do centro para o oeste do território, onde as
condições da vegetação, do relevo, da hidrografia e do clima são semelhantes às da Amazônia. Sua delimitação
legal foi estabelecida pela extinta SUDAM (Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia), incluindo o
Maranhão na Amazônia Legal para efeito de incentivos fiscais e de assistência dos órgãos governamentais
vinculados às políticas públicas de desenvolvimento específicas para a região Norte.
37
A cobiça sobre os negócios açucareiros da Coroa portuguesa levou a França a tentar criar sua própria colônia
no Brasil, a França Equinocial, investindo sobre uma vasta região ainda não ocupada pelos portugueses. Assim,
no ano de 1612, uma expedição comandada por Daniel de La Touche iniciou a fundação do Forte de São Luís,
que deu origem à capital do Maranhão. Em seguida, os portugueses lograram derrotar os franceses e expandiram
progressivamente seus domínios mais ao norte, criando mais tarde o estado do Grão-Pará e Maranhão. Toda essa
extensa região, entretanto, era habitada por numerosas nações indígenas, que foram ao longo do tempo, sendo
encurraladas pelo avanço da ocupação européia. No que hoje é o estado Maranhão - a despeito da bravura dos
guerreiros tupinambás, liderados pelo cacique Japiassu, da Upaon-Açu ou Ilha Grande, onde os franceses ergueram a
fortificação - restam apenas oito etnias, descendentes das nações (Krikati, Pukobyê/Gavo, Apaniekrá/Kanela,
Ramkokamekrá/Kanela e Krepunkateyê) e Tupi-Guarani (Tentehar/Guajajara, Ka’apor/Urubu e Awá/Guajá). As
demais etnias foram todas exterminadas.
94
sul do estado.
38
No culo XX, a ocupação das áreas de baixa densidade
demográfica na pré-Amazônia apresentava-se expressiva já nos anos de 1920,
intensificando-se a partir da década de 1950, com o avanço das correntes
migratórias oriundas principalmente de zonas rurais do Nordeste e, mais tarde, com
a vinda de migrantes das regiões Centro-Oeste, Sudeste e Sul do país, após a
abertura da BR-010 - rodovia Belém-Brasília, cujo trajeto atravessa o oeste do
Maranhão.
As condições de sobrevivência preponderantes na maior parte da região
Nordeste, atreladas à forte concentração da propriedade fundiária e agravadas por
periódicas secas
39
, têm impelido muitos agricultores a deixarem suas terras. Grande
parte desses retirantes desloca-se para as cidades, porém outra parte migra para
áreas rurais de outros estados. Nessa circunstância, as terras da pré-Amazônia
maranhense constituíram-se no destino de diversos grupos de nordestinos até a
década de 1970, época a partir da qual se reduz quase completamente a
disponibilidade de terras devolutas na região, na medida em que o governo estadual
incentivou a vinda de grupos empresariais, configurando um mercado de terras
fechado. A migração de nordestinos assume papel decisivo no crescimento
demográfico e, em especial, na expansão da fronteira agrícola.
40
Apoiando-se na conceituação apresentada por Martins,
41
Arcangeli procura
evidenciar a distinção entre frente de expansão e frente pioneira, na ocupação da
fronteira agrícola. Esse autor destaca que a frente de expansão caracteriza-se pelo
38
Para ver uma análise com diferentes referenciais desse processo de povoamento, consultar: Cabral (1992), cap.
1 e 2; Feitosa (1994), especialmente páginas 179 a 194 e Andrade (1986), cap. 6, sões 1, 2 e 3.
39
“Periódicas” não é a expressão mais apropriada para a ocorrência das secas no Nordeste. Gomes (2001),
baseando-se em diferentes fontes, estabelece uma cronologia das secas, a partir de 1500. Os registros relativos
aos primeiros dois séculos de ocupação européia são muito imprecisos, uma vez que o interesse dos historiadores
direcionava-se mais para as áreas litorâneas, onde se concentravam os núcleos de povoamento. Ainda assim, sem
considerar a chamadas “secas verdes” (quando as chuvas acontecem em momentos distintos à época da
lavouras), o autor contabiliza cinco anos de seca no século XVI e oito no século XVII. Com dados mais precisos,
constata que, nos últimos três séculos, para cada dois anos e meio de regime climático regular (com ciclo anual
intercalando chuva e estiagem) tem havido um ano de seca. Assim, ocorreram 85 secas nos últimos 300 anos,
sendo 36 no século XVIII, 24 no século XIX e 25 no século XX.
40
São identificados três grandes ramos desse fluxo migratório, os quais entram no território maranhense pelo
estado do Piauí, na década de 1950: o primeiro ramo cruzou a cidade de Caxias, seguindo rumo ao oeste. Ao
atingir o município de Bacabal, subdividiu-se, tendo uma parte se deslocado para o noroeste e alcançado as
margens do rio Gurupi, na fronteira com o Pará, enquanto a outra parte seguiu para sudoeste, indo até o rio
Grajaú e as cidades de Santa Luzia e Imperatriz; o segundo ramo partiu de Caxias na direção sudoeste e chegou
ao rio Tocantins. Finalmente; o terceiro ramo chegou ao Maranhão através da cidade de Floriano, no Piauí,
ocupando a parte sul do estado, conforme relata Manuel Correia de Andrade (Paisagens e problemas do Brasil. São
Paulo: Brasiliense, 1968), citado por Arcangeli (1987, p.110-111).
41
Arcangeli (1987, p. 106-109) refere-se à obra “Capitalismo e tradicionalismo”, de José de Sousa Martins,
publicada em 1975 pela editora Pioneira.
95
fato de seus participantes dedicarem-se primordialmente à atividade de subsistência
e ocasionalmente trocarem o excedente, não se configurando uma economia de
mercado. Pequenos núcleos populacionais vão se formando nas margens dos rios e
ao longo das picadas abertas na mata. A queimada é única forma de eliminar a
cobertura vegetal derrubada para o plantio das roças, basicamente de arroz, feijão,
milho e mandioca. Após as primeiras colheitas, a queda da produtividade leva à
derrubada de novas áreas, o que exige o constante deslocamento dos núcleos
populacionais para o interior da mata. A frente de expansão constitui uma situação
em que, através da livre ocupação e da posse, verifica-se o uso privado de terras
devolutas com a finalidade de produzir alimentos para subsistência. Por sua vez, a
frente pioneira se caracteriza pela existência de uma articulação entre a produção e
a economia de mercado, estando consolidada a propriedade privada da terra.
Dessa forma, de acordo com a presente concepção, a frente pioneira resulta na
incorporação imediata de novas regiões à lógica de mercado.
Arcangeli (1987, p. 108) identifica a existência de tensões entre essas frentes
de ocupação, cuja origem é o antagonismo intrínseco à própria noção de
propriedade da terra: adquirir a terra por meio da compra ou da ocupação é um
questionamento característico na dinâmica da frente de expansão. O autor ressalta
que a análise das formas e da natureza da ocupação do território no Maranhão
requer que se incorpore, além do desenvolvimento da pequena produção mercantil
da fronteira, o avanço da frente de expansão monopolista, a qual veio atingir a frente
de expansão e a frente pioneira, particularmente na década de 1970 (ARCANGELI,
1987, p. 119). A problemática fundiária que resulta do confronto entre a frente de
expansão e a frente pioneira acirra-se com o avanço da frente de expansão
monopolista. Considerando, por um lado, a velocidade e a violência com que se
desenvolve a frente monopolista e, por outro lado, o fato de que o alvo principal
desta é própria frente de expansão, o autor observa que o conflito entre uma lógica
tipicamente capitalista e outra não-capitalista assume conseqüências perversas para
os posseiros integrantes da frente de expansão. Esse conflito vem à tona,
principalmente, naquelas faixas de terra que apresentam maior fertilidade ou que
estão em melhor localização, onde se aguça o interesse do grande capital,
independente de este assumir a forma produtiva ou especulativa.
96
autores
42
que identificam a frente monopolista com a ocupação dos
chamados espaços vazios amazônicos, caracterizada pela distribuição de grandes
áreas e generosos incentivos fiscais para o grande capital durante os governos
militares. Esse processo evidencia-se no início da década de 1970, quando os
aparelhos de poder convergem para uma ação fundiária centrada na implantação de
grandes empreendimentos agropecuários e logram afastar de vez os setores da
burocracia que ainda acreditavam num processo de ocupação apoiado
principalmente em pequenos produtores agrícolas. (ALMEIDA, 1990, p. 6).
É nesse contexto que o governo do Maranhão, utilizando o argumento de
promoção do progresso, decidiu alienar as terras devolutas deste estado.
Primeiramente, elaborou a Lei de Terras, em 1969
43
. Para operacionalizar seu
propósito, o governo criou a Companhia Maranhense de Colonização, COMARCO
44
,
no ano de 1971. No âmbito da retórica oficial, esta empresa surge como instrumento
para atender à prioridade de distribuição e ocupação racional das terras devolutas e com
o objetivo de realizar as metas fundiárias formalmente estabelecidas, que eram a
execão de projetos de colonizão, a ordenão das ocupões já existentes e a
localização de médios e grandes empreendimentos agropecuários (ASSELIN, 1982, p. 135).
De fato, a um tempo, a execução do projeto de colonização logrou atrair
para o Maranhão poderosos grupos empresariais, nacionais e estrangeiros, e
viabilizar a oferta de mão-de-obra requerida pelos empreendimentos. No
planejamento físico, a estratégia adotada foi a de reservar para o grande capital, as
faixas de solo mais favorecidas pelos recursos naturais, destinando-se aos
pequenos produtores uma área menos favorecida, inclusive quanto à disponibilidade
de água. As grandes fazendas situavam-se praticamente em torno do projeto de
colonização, de modo que as famílias de colonos, sujeitas a precárias condições,
acabaram representando uma reserva de braços à disposição dos empresários.
42
Arcangeli (1987, p. 108) destaca Ivan Moreira, “Nordeste: terra de arribação”. Recife, 1978.).
43
Lei nº. 2.979, de 17 de julho de 1969.
44
No início da década de 1980, a empresa foi transformada no Instituto de Colonizão e Terras do Maranhão
ITERMA. Antes, havia sido reestruturada sob a forma de sociedade anônima de economia mista, em 1972,
incorporando ao seu patrimônio uma área de aproximadamente 1,7 milhão de hectares localizada no centro-oeste do
estado, além de 400 mil hectares a noroeste, nos limites da área de atuação da COLONE. Por sua vez, a Companhia de
Colonização do Nordeste COLONE foi criada pelo governo federal em 1972, com o objetivo de reestruturar o
Projeto de Colonização do Alto Turi - PCAT, após uma longa década de fracasso da estratégia inicial da SUDENE. O
PCAT originou-se na política sugerida pelo GTDN para o deslocamento da fronteira agrícola e, mais especificamente,
no projeto de povoamento do Maranhão. Entretanto, as terras consideradas virgens pela SUDENE contavam, em
1962 - ano em que os primeiros técnicos chegaram à área, e para surpresa destes - com um contingente populacional
superior a 45 mil moradores.
97
Em geral, as áreas ocupadas pelos empreendimentos são extensas e
variadas, sendo que alguns grupos controlam aproximadamente 100 mil hectares,
utilizando-se o artifício da aquisição de várias faixas de terra e da criação de
diferentes firmas. Somente no período que vai do início dos anos de 1970 a meados
da década seguinte, o governo do Maranhão alienou uma área superior a 1,5
milhões de hectares, sendo que 3/4 foram destinados a apenas 63 proprietários e o
restante, a cerca de 3,2 mil pequenos e médios produtores. Além disso,
considerando-se todo o território maranhense, a área privatizada através da prática
da grilagem
45
é estimada em torno dos cinco milhões de hectares (VIANA, 1991, p. 8).
Em uma perspectiva abrangente, esse movimento revela-se parte de um
processo maior, que é a recente articulação dos espaços maranhenses, em
particular, e do amazônico, como um todo, à lógica de acumulação do capital em
escala mundial, processo esse que se consubstancia mais claramente no conjunto
dos empreendimentos viabilizados pelo Programa Grande Carajás (PGC). Os
elementos infra-estruturais desse movimento particular, que se evidencia na frente
de expansão monopolista, começam a ser materializados na segunda metade da
década de 1960, época em que foram construídas as rodovias ligando a capital do
Maranhão às capitais dos estados vizinhos e entrecortando os vales dos rios
Pindaré e Tocantins. No ano de 1966, o Governo federal determinou a incorporação
ao patrimônio da União, de uma extensão de 100 km de cada lado das rodovias
federais para fins de colonização. Nessa mesma direção, o Governo do Maranhão
criou, em 1968, a reserva estadual de terras e as delegacias de terras no interior do
estado (estas teriam o papel de disciplinar a ocupação e titular as áreas), elaborando
em seguida a lei que permitiu a venda de terras devolutas sem licitação, a grupos
organizados em sociedades anônimas.
45
Os termos grilo e grilagem são empregados para definir as situações nas quais a apropriação e o registro da
terra são feitos ilegalmente. Segundo explicação de domínio popular, derivam de um velho artifício utilizado por
fraudadores para fazer com que o papel de documentos recentes adquira aparência de velho. O método consiste
em colocar numa caixa (de metal ou madeira) alguns grilos junto com os documentos para que, com o efeito dos
dejetos desses insetos e da oxidação, após algumas semanas o papel apresente manchas, corrosão nas bordas e
pequenos orifícios na superfície, indicando a suposta ação natural do tempo. Atualmente, entretanto, os métodos
de falsificação são mais sofisticados e eficientes. Em geral, são montadas verdadeiras quadrilhas, com a
participação de pessoas ligadas a cartórios e a órgãos públicos. Após obter o registro no cartório, o fraudador
procurar obter também os registros nos institutos de terra, no Incra e na Receita Federal, para dar uma aparente
consistência legal à fraude. A trajetória de apropriação de terras no Brasil é recheada de exemplos absurdos,
ardilosamente elaborados nos escritórios e concretizados em lugares que, muitas vezes, são povoados
centenários.
98
Em sua manifestação mais imediata, essa problemática corresponde ao
acirramento dos conflitos da frente monopolista com a frente de expansão.
Enfatizando o caráter fortemente concentrador da política fundiária no Brasil,
Gistelinck (1988) observa que, no caso do Maranhão, o município de Santa Luzia,
por cujo território passa a Estrada de Ferro Carajás, destaca-se como um exemplo
do agravamento dessa concentração, com a conseqüente expulsão dos produtores
familiares:
no período de 1975 a 1980, o número de pequenos produtores caiu em
20% e a terra ocupada por eles foi reduzida em 74%. De olho na
implantação da Estrada de Ferro, o grande capital, de mãos dadas com o
poder político maranhense, apoderou-se das terras, expulsando os
pequenos agricultores. Estes pequenos produtores serviram apenas como
desbravadores da floresta pré-amazônica e, agora, estão sobrando como
lavradores sem-terra, como mão-de-obra barata à disposição das fazendas
e das grandes obras (GISTELINCK, 1988, p. 51).
Na época da implantação dos grandes projetos, os grileiros haviam
chegado à pré-Amazônia maranhense e, antes destes, os posseiros oriundos dos
movimentos migratórios anteriormente mencionados. Além dessas pessoas,
dirigiram-se para aquela região várias famílias que perderam seus locais de trabalho
nos municípios vizinhos. Porém, para a implantação desses projetos era necessário
retirar as famílias de posseiros que se encontravam cultivando a terra pretendida. A
ação inicial dos grileiros havia sido suficiente para efetuar parte dessa operação de
“limpeza da área”, através dos diversos mecanismos de violência empregados por
milícias particulares e pistoleiros; para o restante requisitou-se o próprio aparelho
repressivo da ditadura militar.
Com a determinação dos posseiros em não aceitar passivamente a
expropriação das terras, sangrentos confrontos foram inevitáveis e o Maranhão
passa, então, a se configurar como um imenso cenário de conflitos agrários,
explícitos ou latentes. E, assim, essa situação no campo, cujo resultado geral é a
desarticulação do universo socioeconômico dos produtores familiares, agrava-se
com a ofensiva do grande capital através do Programa Grande Carajás (PGC).
Do ponto de vista do conjunto da sociedade brasileira, a distribuição de
incentivos fiscais através da SUDAM e da SUDENE, favorecendo a aquisição de
extensas faixas de terra por grandes grupos econômicos, vai resultar em um grande
fracasso, na interpretação de alguns autores. Gistelinck (1988) ressalta que, além da
expulsão dos produtores familiares, de acordo com avaliação de órgãos federais, na
99
década de 1980, mais de 30% dos projetos que receberam incentivos haviam se
transformado em latifúndios improdutivos. Na perspectiva do capital, entretanto,
essa situação pode indicar exatamente o contrário, a gloriosa consecução de seus
objetivos, na medida em que se considera que diversos empreendimentos
caracterizavam-se por escamotear interesses especulativos, viabilizando-se apenas
enquanto forma de valorização da terra e de acesso a incentivos ofertados pelo
Governo federal. Afinal, considerando que é da natureza do capital buscar espaços
de reprodução que correspondam, pelo menos, à média da taxa de lucro vigente no
conjunto da economia, cabe a indagação: por quais motivos alguma empresa
decidiria manter capital imobilizado em terras no Maranhão, depois de ter devastado
a floresta nativa - reduzirem-se assim os ganhos com a venda da madeira de lei - e
ter se esgotado o fluxo dos recursos oriundos da política estatal de incentivos
fiscais?
Com o advento do PGC
46
, na década de 1980, acirra-se ainda mais a questão
fundiária, não somente no território do Maranhão, mas também no sul do Pará, em
áreas tangentes ao traçado da ferrovia que liga o lo de extração de minério, na
mina de Carajás, ao porto de exportação na ilha de São Luís.
Do ponto de vista de seu conjunto, é necessário compreender a existência
dos empreendimentos vinculados ao PGC como forma de revigoramento do território
maranhense enquanto espaço de reprodução do capital em escala mundial. Em
função da vinculação direta com o mercado internacional, esses projetos
apresentam, por um lado, possibilidades muito frágeis no que se refere à promoção
de benefícios significativos para as populações locais, acentuando-se dessa maneira
o caráter excludente da opção de desenvolvimento que as elites políticas e
econômicas vêm fazendo historicamente no Maranhão; por outro lado, destacam-se
muito mais por seus efeitos desestimulantes sobre a produção agrícola tradicional,
46
Criado em 1980 e oficialmente extinto em 1989, o Programa atingia uma área de aproximadamente 895 mil km²,
em terras do Maranhão, Pará e Tocantins, situada ao norte do Paralelo 8º e entre os rios Xingu, no Pará, e Parnaíba,
na divisa dos estados do Maranhão e do Piauí. Seus objetivos iniciais estavam diretamente relacionados ao mercado
externo e à geração de recursos financeiros para pagamento da dívida externa, a partir do desenvolvimento dos
segmentos minero-metalúrgico, agropecuário e agro-florestal. Para tanto, o PGC criou as condições de exploração
da maior reserva de minério de ferro existente no Planeta, localizada no sul do Pará e que apresenta um potencial
estimado em 18 bilhões de toneladas de ferro de alto teor. Além deste minério, Carajás também dispõe de
manganês (60 milhões de toneladas), cobre (2 bilhões de toneladas), estanho (100 mil toneladas) níquel (100
milhões de toneladas), ouro (100 toneladas) e ainda bauxita, cromo, tungstênio, zinco, molibdênio, prata, paládio e
tântalo, segundo estimativa divulgada pelo geógrafo Breno dos Santos, no livro “Amazônia: potencial mineral e
perspectivas de desenvolvimento”, 1981, citado por Feitosa (1994, p. 313).
100
pela força de atração que exercem sobre a mão-de-obra disponível na região e fora
dela, bem como pelo tipo de interferência que desencadeiam sobre os ecossistemas
locais.
No segmento agropecuário, o PGC visou incentivar empreendimentos para
produção, em larga escala, de mandioca para ração animal, óleo de palma, arroz
irrigado, milho, feijão e soja, além da criação de gado de corte em fazendas de
aproximadamente 10 mil hectares (GISTELINCK, 1988, p. 59).
Entretanto, é o Ferro-Carajás, operado pela CVRD
47
, que se constitui no
principal projeto do PGC. O início de sua implantação deu-se no final dos anos de
1970 e atualmente compreende um complexo sistema que integra a mineração na
serra dos Carajás (Pará), o transporte pela ferrovia (895 km de extensão no trajeto
principal mais 225 km destinados a desvios e terminais) e as instalações portuárias,
administrativas, operacionais e de manutenção (GISTELINCK, 1988, p.75). A área
de influência da estrada de ferro Carajás compõe-se de um vasto território que se
estende por 150 km de cada lado da ferrovia, desde a serra dos Carajás até o porto
da Ponta da Madeira, na ilha de São Luís. Ao longo desse corredor encontra-se
instalada a maioria dos projetos incentivados pelo PGC, nos diversos pólos de
produção previamente definidos.
Considerando-se o conjunto do PGC, a área de abrangência no estado do
Maranhão compreende, por definição, todo o território. Porém, essa abrangência
está mais apropriadamente associada às áreas que, direta ou indiretamente, vêm
recebendo impactos da implantação dos empreendimentos. Adotando critérios
relacionados ao trajeto da ferrovia, à instalação de projetos efetivos
48
e aos impactos
globais das atividades do PGC, Feitosa (1994, p. 319-20) define como área de
influência de Carajás o espaço compreendido pelas microrregiões geográficas da
Aglomeração Urbana de São Luís, Gurupi, Imperatriz e Porto Franco, além de
alguns municípios integrantes das seguintes microrregiões: Baixada Maranhense,
Baixo Parnaíba, Chapadinha, Gerais de Balsas, Itapecuru, Pindaré e Rosário.
47
Após a descoberta da província mineral de Carajás por uma empresa americana, houve a manifestação de setores
da sociedade brasileira para que a exploração não ficasse sob controle exclusivo do capital estrangeiro. Assim, no
início da década de 1970, foi criada a AMZA (Amazônia Mineração SA), uma joint venture composta pela norte-
americana United States Steel, com 49% de participação, e pela então estatal brasileira Companhia Vale do Rio
Doce (CVRD), detentora do controle acionário, com 51%. Em 1977, a empresa americana desistiu do
empreendimento, recebendo cerca de 50 milhões de dólares a título de indenização (GISTELINCK, 1988, p. 56) e
deixando o empreendimento sob responsabilidade da CVRD. Na década de 1990, esta estatal foi privatizada.
48
Os chamados projetos efetivos referem-se à Pesquisa Florestal e ao Ferro-Carajás.
101
Entre os projetos implantados no Maranhão, no segmento minero-
metalúrgico, destaca-se a implantação das usinas de ferro-gusa. Do ponto de vista
da divisão técnica do trabalho, essas usinas atuam na fase inicial de beneficiamento
do minério de ferro. Nesse processo, podem ser incorporados alguns efeitos à
economia local, uma vez que essa transformação preliminar possibilita geração e
circulação de renda através do pagamento de salários e da realização de compras
na região, estimulando o surgimento de empregos indiretos, num movimento
explicado pelo efeito multiplicador que o investimento inicial exerce no conjunto da
economia.
Por outro lado, os impactos que o processo provoca no contexto local podem
ser profundamente prejudiciais. Além do minério de ferro, a principal matéria-prima
do ferro-gusa é o carvão. No caso das usinas instaladas na área de Carajás, é
utilizado o carvão vegetal. Gistelinck (1988, p. 95) observa que o carvão vegetal
atinge 57% do custo de produção, percentual quase três vezes superior ao custo do
próprio minério de ferro.
49
Todavia, mesmo apresentando uma capacidade de
produção relativamente inferior, o alto-forno a carvão vegetal tem o custo de
construção mais baixo que o alto-forno a carvão mineral, além do que, no caso do
carvão vegetal, existe a possibilidade de renovação das fontes de matéria-prima
com utilização da mesma área (GISTELINCK, 1988, p.93). Na pré-Amazônia a
disponibilidade de mata secundária constitui fator fortemente favorável no que se
refere à redução dos custos de produção.
Essa última circunstância, vantajosa para o capital, transforma-se em motivo
de preocupação quando se consideram as possíveis conseqüências da demanda
por lenha, a partir da perspectiva das populações, especialmente as famílias de
agricultores residentes nas áreas atingidas pelas usinas. Feitosa (1994, p. 352)
estima que, para a obtenção de 1,75 milhões de toneladas de ferro-gusa produzidas
entre os anos de 1989 e 1993, as usinas instaladas no Maranhão demandaram um
volume de carvão equivalente a uma área devastada superior a 510 Km².
Atualmente, incluindo-se as usinas em operação no Pará, a produção total atinge 2,8
49
A distribuição estimada dos custos de produção do ferro-gusa é a seguinte: minério de ferro - 20%, carvão
vegetal - 57%, fundentes - 2%, outros insumos (energia, água, ar, refratários) - 4%, mão-de-obra - 6%,
manutenção e reparos - 4%, depreciação - 3% e administração - 4% (GISTELINCK, 1988, p. 94).
102
milhões de toneladas
50
, o que pode ter representado uma área devastada superior a
mil quilômetros quadrados. O estímulo que a demanda representa à produção do
carvão pode ser ilustrado pelo cenário que as baterias de fornos de carvão
compõem em alguns lugarejos do Maranhão. No final da década de 1980, Gistelinck
(1988) denunciava que os projetos de ferro-gusa vinham recebendo aprovação do
PGC sem que se levasse em conta a questão ambiental e, particularmente, a
devastação da floresta.
Sem dúvida a implantação das siderúrgicas trará sérios problemas para a
região, que são facilmente ignorados pelos documentos oficiais do PGC. Na
prática, nenhum plano diretor resolverá o problema do carvão vegetal. Cada
usina de ferro-gusa procurará assegurar o abastecimento do carvão vegetal,
haverá um mercado livre. As empresas vão oferecer aos lavradores,
potenciais produtores de carvão, tecnologia e material necessário para a
construção dos fornos e, no início, um preço atrativo. Depois de grande
parte dos pequenos produtores terem abandonado as suas roças em troca
da produção do carvão, o preço vai se nivelando e os intermediários vão
ficando com a margem de lucro. A floresta vai ser devastada e o lavrador
deixará de produzir alimentos (GISTELINCK, 1988, p. 99).
Essa situação revela uma relação extremamente perversa que o grande
capital impõe à população local. O caráter dessa relação não se torna evidente, de
imediato, na exploração direta da força de trabalho. Aliás, neste particular, em
grande parte dos empreendimentos, incluindo-se salários diretos e indiretos, o nível
de remuneração supera as médias vigentes na região. Mas esta situação, na
realidade, aparece com maior ênfase em função dos baixos patamares alcançados
pelos salários em geral, numa conjuntura em que a burocracia estatal,
historicamente, tem se constituído no empregador de maior expressão. Manifesta-
se, pois, aquela relação de exploração através dos agentes intermediários,
indivíduos que atendem às encomendas das usinas adquirindo o carvão junto a
produtores familiares. Esses intermediários, comumente chamados de gatos,
encarregam-se de recrutar os produtores diretos, geralmente agricultores
pressionados pelas incertezas quanto à posse da terra, pelos eventuais maus
resultados da colheita ou pelo endividamento junto a comerciantes locais e a
agentes financeiros oficiais.
Na relação estabelecida, as grandes empresas compram o carvão de um
intermediário e este compra dos produtores diretos, sendo que a empresa controla
os preços e a medição da produção, operando-se o processo segundo a lógica de
50
Conforme informação fornecida pela Associação dos Produtores de Ferro-Gusa de Carajás. Disponível em:
<http://www.asica.com.br>. Acesso em: 10.out.2006.
103
remuneração por peça, em que o produtor recebe por metro cúbico de carvão
produzido. Nessa forma de remuneração, revela-se uma brutal exploração da o-
de-obra. Buscando aumentar suas receitas, os trabalhadores têm de prolongar as
correspondentes jornadas de trabalho e empenhar-se mais intensivamente,
submetendo-se a um consumo acelerado de suas energias. Do mesmo modo, é
necessário que o maior número possível de membros do grupo familiar participe da
produção. Assim, são inseridos homens, mulheres e crianças, especialmente na
fase de combustão da lenha. Esta situação manifesta-se com maior gravidade
quando se considera o caráter insalubre do processo de trabalho na produção
carvoeira. Sem mencionar a tarefa de cortar as árvores, a dureza e os riscos desse
processo revelam-se principalmente nas etapas de combustão da lenha e da
abertura dos fornos para retirada do carvão. Pelas especificidades da atividade e em
se tratando de produtores autônomos, o grupo familiar necessita instalar-se junto às
baterias de fornos, pois é necessário ficar vigilante para perceber, pela aparência da
fumaça liberada pelos fornos, o momento exato de retirar o carvão. Nessa operação
específica, o organismo humano permanece exposto a elevadíssimas temperaturas
e respira o ar impregnado pelo que se desprende da madeira queimada. Dado
que, em geral, não são utilizados equipamentos de segurança, nesse processo de
dilapidação da força de trabalho, as seqüelas podem ser definitivas para os
indivíduos submetidos por períodos prolongados a tais condições de trabalho.
Por outro lado, esse tipo de relação de trabalho permite ao capital desonerar-
se de encargos sociais e demais obrigações legais resultantes de conquistas
históricas dos trabalhadores no conjunto da sociedade, funcionando ainda no
sentido de neutralizar potenciais conflitos entre os produtores diretos e os
empresários, na medida em que alguns indivíduos dentre os próprios trabalhadores
rurais são utilizados como intermediários, transfigurando-se no papel de
microempresários. muito tempo conhecido na história humana, o sistema de
salário por peça é a forma de salário mais adequada ao modo de produção
capitalista, pois que a exploração dos trabalhadores pelo capital se realiza então por
meio da exploração do trabalhador pelo trabalhador. (MARX, 1985, p. 640-642).
As conseqüências de maior extensão, todavia, estão associadas ao
significado do desmatamento, considerando-se as condições gerais da vida na
região. Ao devastar a mata e produzir carvão, o lavrador está comprometendo não
104
somente as possibilidades da sua própria subsistência e de seus descendentes, mas
também, das diversas formas de vida existentes. O ponto de partida é o fato de que,
num primeiro momento, áreas de plantio potencial são transformadas em capoeiras.
Diante da redução da disponibilidade de novas áreas de lavoura e da conseqüente
necessidade de reutilização das áreas desmatadas para produção de carvão, os
problemas relacionados à queda de produtividade do solo colocam-se de forma
ainda mais contundente para as famílias de agricultores. Considere-se ainda que, ao
acentuar-se o desmatamento, afetando as condições que permitem o equilíbrio da
cadeia alimentar, a conseqüente redução de espécies nativas oportuniza o
aparecimento de pragas prejudiciais às lavouras. Neste particular, os prejuízos
poderiam representar enorme abrangência social, econômica e ambiental, com
conseqüências muito severas para a população.
Todavia, não é apenas a produção de carvão vegetal e sim o conjunto dos
empreendimentos na área de influência do PGC que se assenta em atividades que
geram efeitos marcantes sobre a vida da população e, obviamente, sobre a
produção agrícola de base familiar.
51
Em sua fase inicial, de instalação, esses
empreendimentos, como qualquer obra grande, exercem forte atração sobre os
trabalhadores. De um modo geral, pode-se considerar que esta é a fase em que há
maior espaço para utilização da mão-de-obra local. Nas etapas seguintes à
implantação, essa utilização vai se reduzindo, uma vez que, dado o contexto social e
econômico da região, as habilidades desenvolvidas pelo conjunto de trabalhadores,
normalmente direcionadas para o atendimento de necessidades historicamente
colocadas, mostram-se inadequadas ao que é requerido nos processos de trabalho
operados nesses empreendimentos.
Para muitos lavradores, o salário monetário ofertado nessas obras apresenta-
se como a única oportunidade de obtenção de um incremento de suas receitas, quer
em função da descontinuidade das tarefas referentes ao calendário agrícola, quer
pelo baixo nível de produtividade e de monetarização das atividades locais
51
Esta por sua vez, em função das condições técnicas em que opera historicamente, vem causando consideráveis
danos ambientais, ainda que isso ocorra em proporção muito menor que as atividades vinculadas à produção
industrial e que sua motivação direta seja a sobrevivência do grupo familiar. Mas, neste aspecto, estabelece-se
também uma dificuldade teórica de separação entre a natureza dessas duas atividades, pois, ao produzir carvão, o
trabalhador também objetiva a própria sobrevivência. Tal dificuldade pode ser resolvida quando se observa o
circuito completo da produção, para perceber a direta vinculação das atividades do carvoeiro com a reprodução
do capital em escala ampliada, no que se revela também a própria crueldade da lógica capitalista que se opera
nessas circunstâncias históricas.
105
relacionadas às lavouras. Desse modo, a construção da ferrovia e das fábricas nos
pólos de produção, ao longo do corredor Carajás, funcionou como fator de atração
da mão-de-obra antes ocupada no campo.
É evidente que os empreendimentos incentivados pelo PGC o são a única
causa da saída dos trabalhadores rurais de seus locais de trabalho. O Maranhão
deixou, faz algum tempo, de representar um espaço capaz de absorver em sua
fronteira agrícola camponeses expulsos de outras áreas do país, passando, no
presente, à condição de exportador de agricultores sem-terra e, potencialmente, de
conflitos agrários.
O êxodo rural no Maranhão se fez notar no momento em que o governo
estadual decidiu vender as terras da união a grandes empresas nos anos 70
e facilitou a grilagem. Sem terra para trabalhar, o lavrador foi obrigado a
procurar outra saída para sobreviver: o garimpo, as grandes obras da
hidrelétrica de Tucuruí, da ferrovia Carajás, da Alumar e de outras fábricas
em São Luís (GISTELINCK, 1988, p. 139).
Observadas de uma perspectiva geral, as estatísticas oficiais revelam que
houve significativo deslocamento da população do campo para a cidade no
Maranhão, obedecendo à tendência geral induzida por modelos de desenvolvimento
que mantêm seu eixo principal no espaço urbano. Assim, nas últimas três décadas,
a proporção entre as parcelas rural e urbana da população maranhense sofreu
visível modificação. Em 1970, para cada habitante das cidades existiam três na zona
rural; no ano de 2000 essa relação se inverte, sendo aproximadamente de três
moradores na zona urbana para dois no campo. Assim, a população rural, que
representava 75% da população total em 1970, reduziu-se relativamente para pouco
mais de 40% no ano de 2000.
Entretanto, quando se compara esse movimento migratório com o resto do
país, percebe-se que o Brasil urbanizou-se muito mais rapidamente, como pode ser
observado no gráfico 5. No Brasil, o percentual da população residente na zona
urbana superou o percentual residente na zona rural na década de 1960, refletindo
os efeitos da industrialização intensificada na década de 1950 e da modernização
induzida da agricultura, a partir de meados da década seguinte. No Maranhão, por
sua vez, a população rural permaneceu maior que a população urbana até o final da
década de 1980, sendo superada por esta somente durante a década de 1990.
106
Provavelmente, essa particularidade ocorrida no Maranhão explique-se pela
ausência de processos de industrialização significativos, anteriormente ao advento
do PGC. Como havia uma pressão sobre a terra, com o avanço da frente
monopolista na década de 1970, o destino principal das famílias que deixaram o
campo não foram os núcleos urbanos dentro do Estado. É de conhecimento público
que, a exemplo dos demais estados nordestinos, grande parte da população do
Maranhão migrou diretamente da zona rural para os centros urbanos do Sudeste,
especialmente Rio de Janeiro e São Paulo. Entretanto, quando aqueles destinos
deram sinais de saturação, deixando de constituir uma alternativa atraente para a
aventura migratória, intensificou-se a saída de população rural maranhense em
direção às zonas rurais dos estados limítrofes e, em muitos casos e de forma
clandestina, de países vizinhos, como Guiana Francesa, Suriname, Venezuela e
Colômbia. Assim, a exemplo do que o próprio Maranhão representou na cada de
1950 para muitos nordestinos, a migração campo/campo coloca-se também como
uma alternativa, agora para os agricultores maranhenses expulsos de sua terra e
1
2
3
4
6
1960 1970
1980
1991
2000
População urbana
População rural
5
População (milhões)
20
40
60
80
100
120
140
180
160
Gráfico 5:
B
rasil
e Maranhão
-
população
rural/urban
a
-
1960/2000
Fonte: Censos do IBGE. Disponíveis em: <http://www.ibge.gov.br/tabelas>. Acesso em: 12. nov.
2005
M
A
R
A
N
H
Ã
O
B
R
A
S
I
L
107
que partem em busca de lugar para plantar e morar ou à procura de oportunidades
de trabalho.
52
Por vezes, partem apenas os integrantes adultos masculinos, ficando o grupo
familiar mais fragilizado ainda no tocante à capacidade de produzir seu sustento.
Não raramente, esses emigrantes não retornam, por contraírem alguma doença
tropical, por constituírem nova família, por serem assassinados em brigas ou a
mando de fazendeiros que os colocam em condição análoga à escravidão. O
resultado, qualquer que seja o motivo, é uma família desestruturada, que migra para
a periferia das cidades e que encontra alternativas potenciais de sobrevivência na
mendicância, no trabalho infantil e na prostituição, às vezes de adolescentes, às
margens das rodovias.
Outro destino das famílias de lavradores do campo maranhense vem sendo o
próprio campo, mas em condições específicas, engrossando os núcleos de
povoamento que vão rapidamente se formando à beira das estradas de piçarra no
interior dos municípios. Entretanto, essa movimentação merece atenção mais
detalhada e será retomada no final desta seção.
Os dados mencionados representam manifestações do recente agravamento
da situação fundiária no Maranhão. Nesse contexto, há que se ressaltar que a
implantação dos projetos ligados ao PGC foi precedida de um extraordinário avanço
da apropriação especulativa da terra e do concomitante aumento na concentração
da propriedade. Feitosa (1994, p. 301) também observa que a influência do PGC foi
decisiva na medida em que se fez acompanhar de uma desproporcional elevação no
preço da terra, possibilitando a dinamização de um mercado imobiliário, no campo e
na cidade.
52
A rigor, esta não é uma movimentação exclusiva dos tempos atuais, em especial no que diz respeito ao estado
do Pará. Referindo-se às décadas de 1950 e 1960, Velho (1974, p.199-200) menciona que tradicionalmente
muitos habitantes de uma grande área no sudoeste do Maranhão, particularmente aqueles que viviam próximos
do rio Tocantins, atravessavam para o Pará na época da safra da castanha do pará. [...] Aos poucos alguns
começaram a ficar no Pará, mesmo antes da pressão demográfica tornar-se muito forte em torno de Imperatriz.
Eram atraídos pela grande extensão de terras livres e pela existência de ocupações alternativas e
complementares na coleta de castanha e na busca de diamantes nos rios. Esses indivíduos constituíram a
vanguarda da expansão camponesa na região propriamente da floresta amazônica, bem antes da Rodovia
Transamazônica vir a atravessar a área [grifos do original]. A dinâmica dos dias atuais, no entanto, não se
verifica em função da atratividade de terras livres no local de destino, ainda que as grandes obras e o garimpo
continuem representando alguma ilusão para muitos camponeses. Prioritariamente, essa migração ocorre
motivada pela violenta expropriação da terra no lugar de origem.
108
Comparando-se dados relativos a 1970 e 1985, década da implantação do
PGC, pode-se observar que os estabelecimentos de a10 hectares, a despeito de
terem aumentado em quase 106.400 unidades, foram acrescidos de apenas 72.767
hectares de área total, o que representa 0,7 hectares para cada novo
estabelecimento, reduzindo-se a área média desse grupo de 1,8 hectares para 1,5
hectares. No caso do grupo situado entre 10 e 100 hectares, o acréscimo foi de 46,7
hectares por estabelecimento, deslocando-se o tamanho médio de 36,5 para 41,3
hectares. Para o grupo de 100 a 10.000 hectares, observa-se que houve um
acréscimo médio de 324 hectares por unidade, reduzindo-se em aproximadamente
10% o tamanho médio dos estabelecimentos desse estrato. Quando se considera o
grupo com área superior a 10.000 hectares, verifica-se que as 43 novas unidades
incorporaram uma área de 1.002.330 hectares, a uma média de 23.310 hectares por
cada unidade, com o tamanho médio passando de 13.940 para 19.241 hectares.
Tabela 9: Maranhão - distribuição da posse da terra por grupos de área
1970 1985
nº estabelecimentos
área ocupada nº estabelecimentos
área ocupada
GRUPOS
DE ÁREA
(hectare)
absoluto % hectare % Absoluto % hectare %
Até 10 338.699
85,4
603.227
5,6
445.064
83,8
675.994
4,3
>10 até 100 30.312
7,6
1.105.287
10,2
57.205
10,8
2.361.581
15,2
>100 até 10.000
17.859
4,5
8.626..388
79,9
25.331
4,8
11.048.349
71,1
>10.000 33
0,0
460.011
4,3
76
0,0
1.462.341
9,4
Não declarada 9.858
2,5
-
-
3.374
0,6
-
-
TOTAL 396.761
100
10.794.913
100
531.413
100
15.548.265
100
Fonte: IBGE - Censos Agropecuários 1970 e 1985.
Esses dados indicam que houve uma redução relativa da área ocupada por
estabelecimentos com tamanho de até 10 hectares, apontando um crescimento
menos acelerado do que o verificado nas faixas entre 10 e 100 hectares e acima de
10 mil hectares. Em 1970, ainda que representassem mais de 85% das unidades
existentes, esses estabelecimentos de até 10 hectares ocupavam uma área de 5,6%
da área total. Já no ano de 1985, quando representavam aproximadamente 84% dos
estabelecimentos, a área ocupada reduziu-se para 4,3%. Juntando-se a estes os
estabelecimentos de 10 a 100 hectares, os quais apresentaram um acréscimo de
49% em sua área, o conjunto atinge 93% em 1970 e evolui para 94,6% do total de
estabelecimentos, em 1985. Ainda assim a parcela de terras ocupada por essas
unidades não chega sequer a 20% da área total, indo de 15,8% para 19,5%. Na
faixa intermediária, estão os estabelecimentos com área entre 100 e 10 mil hectares,
109
que aumentaram seu número em 42% e sua área apropriada em 28%, mas ao final
do período a participação na área total decresceu de 79,9% para 71,1%. No outro
extremo, encontram-se os estabelecimentos cujas áreas são superiores a 10 mil
hectares. Nos dois períodos considerados, a representatividade desse estrato é
inferior a 0,1%, porém a área apropriada, que em 1970 era de 4,3%, avançou
notavelmente, atingindo 9,4% da área total, no ano de 1985.
É notório também o número de estabelecimentos sem declaração de área,
especialmente no início da década de 1970, circunstância que dificulta a percepção
da real concentração fundiária. Por outro lado, a existência de diferentes áreas
pertencentes ao mesmo dono, mas registradas em nome de terceiros, também
contribui para dissimular a concentração da propriedade da terra nos registros
oficiais, além dos casos de imóveis em áreas cuja dimensão declarada para fins de
cadastro é muito inferior à extensão realmente ocupada pelo proprietário.
Porém, mesmo sem essas informações, é possível perceber que a forte
concentração fundiária no Maranhão não se reduz com os programas de
desenvolvimento incentivados pelos governos estadual e federal. Ao contrário,
mantém-se praticamente a mesma, ao longo de meio século, período para o qual os
dados estão disponíveis. Enquanto no conjunto do país o índice de Gini tem variado
entre 0,83 e 0,85, no Maranhão esse coeficiente de concentração situa-se, de forma
quase invariável, acima de 0,90 (MESQUITA, 2006)
53
, tendo a microrregião do
Pindaré alcançado a inacreditável medida de 0,99, o significa um grau de
concentração da terra muito próximo do que só se admite em teoria, que é o
monopólio absoluto. Não é demais lembrar que a microrregião do Pindafoi o alvo
principal da frente monopolista na década de 1970 e situa-se na área do chamado
corredor Carajás.
Ao final do peodo considerado, a terra apropriada por 5% dos estabelecimentos
correspondia a 4,1 vezes a área total dos 95% restantes e a 18, 5 vezes a área
ocupada pelos 85% dos estabelecimentos a partir do menor. No início do período,
essa relação era de 15 vezes. Ocorre, portanto, o visível fechamento do acesso à
53
Utilizando dados dos censos agropecuários, Mesquita (2006, p. 360) observa que, no Maranhão, nos últimos
cinqüenta anos, este índice [Gini] sempre esteve muito elevado, acima de 0,90, havendo um recuo pouco
significativo entre 1950 (0,93) e início de 1970 (0,926). O autor procura comparar a concentração da terra, o
avanço da pecuária e a redução das lavouras temporárias no estado, porém, afirma não ter encontrado uma
relação direta entre as variações dessas atividades.
110
terra pelas famílias de agricultores familiares, com a implantação dos projetos da
COMARCO, na década de 1970, e do PGC, na década de 1980. Na década
seguinte, esse processo tem continuidade com a expansão tanto do plantio de
eucalipto para aquecer os alto-fornos das usinas de ferro-gusa, quanto da
monocultura de soja, inicialmente no sul do Maranhão e, mais recentemente,
avançando sobre as áreas de cerrado do Baixo Parnaíba, no leste do estado.
Estabelece-se, com a produção de soja, mais um elemento da vinculação espacial
do Maranhão com o processo de reprodução ampliada do capital em escala
mundial
54
. Basicamente, dois tipos de commodities passam a comandar os
processos de produção na economia do Maranhão na atualidade: o minério de ferro
e a soja.
Nesse cenário de forte concentração da propriedade da terra e de fechamento
da fronteira agrícola, vai se configurando uma progressiva crise na produção
agrícola familiar. A dinâmica da apropriação de terras traduz-se, conforme se
mencionou, no avanço dos grandes proprietários sobre quinhões cada vez maiores
das terras agricultáveis no Maranhão, condicionando ou impedindo o acesso à terra
para aqueles agricultores que resistem à alternativa da migração, como se observa
na tabela 10.
Tabela 10: Maranhãodistribuição da posse da terra, segundo condição do produtor – 1970/1985
(área: mil hectares)
TOTAIS Proprietários Arrendatários Parceiros Ocupantes
Estab. área Estab. área estab. área estab. área estab. área
1970
396.761
10.794,9
48.568
9.255,1
147.233
374,5
10.526
16,2
190.434
1.149,9
100%
100%
12,2%
85,7%
37,1%
3,5%
2,7%
0,1%
48,0%
10,7%
1985
531.413
15.548,1
102.954
14.432,8
202.210
376,7
23.223
34,9
203.026
703,7
100%
100%
19,3%
92,8%
38,1%
2,4%
4,4%
0,3%
38,2%
4,5%
1985/1970
33,9% 44,0% 112,0%
55,9%
37,3%
0,6%
120,6%
115,4%
6,6%
-38,8%
Fonte: IBGE - Censos Agropecuários (1970 e 1985).
Observando-se os dados de 1985, verifica-se que a área explorada pelos
proprietários representou quase 93% da área total. Restaram, assim, aos produtores
não proprietários 7% da área total para fazerem seus roçados, embora, a soma de
54
Para uma análise sucinta da incorporação dos cerrados para inserção do Brasil no cenário internacional a partir
do esforço de retomada da hegemonia dos Estados Unidos iniciado no governo Reagan, na década de 1980,
consultar: Natal (2002) e Tavares (1985).
111
arrendatários, parceiros e ocupantes
55
supere 80% do total de estabelecimentos.
Comparativamente ao ano de 1970, chama à atenção, especialmente, a variação
ocorrida nas áreas exploradas por proprietários, que aumentaram 55,9%; por
ocupantes, que foram reduzidas em 38,8%; e por parceiros, que foram acrescidas
em 115,4%.
A variação nos grupos de proprietários e de ocupantes situa-se dentro de
condições previsíveis, para o contexto que se está discutindo, uma vez que as terras
sob controle dos ocupantes compõem-se, em geral, de áreas ainda não
incorporadas definitivamente à propriedade privada, sendo devolutas ou
demarcadas, mas que permanecem sob domínio público, com livre acesso da
população. Obviamente, a redução dessas áreas, verificada tanto em termo relativos
quanto absolutos, é a conseqüência imediata do avanço da apropriação de terras.
Em 1970, a área sob regime de propriedade privada, somando-se os domínios de
proprietários, arrendatários e parceiros, correspondia a pouco menos de 90% do
total. Esse domínio expandiu-se para 95,5% no ano de 1985, restando às mais de
200 mil famílias ocupantes apenas 4,5% da área. Por sua vez, essas famílias
assistiram não apenas à redução da área total (38,8%), mas também ao
encolhimento da área média de suas posses em 42%, passando de seis hectares,
em 1970, para menos de 3,5 hectares, no ano de 1985
56
.
A situação dos arrendatários revela uma queda significativa da área média,
visto que, tendo crescido consideravelmente o número de estabelecimentos (55 mil,
aproximadamente), a área ocupada permaneceu inalterada em termos absolutos. A
evolução da área explorada por parceiros foi a que mais se destacou, mesmo tendo
sua participação relativa na área total permanecido pouco significativa. O acréscimo
absoluto do número de estabelecimentos e da área correspondeu à mais expressiva
variação observada no período: respectivamente, 120,6% e 115,4%, com o tamanho
55
Considerando-se as características das relações de produção no campo maranhense, utiliza-se, ao longo do
presente texto, a aproximação entre os termos ocupante e posseiro, visto que, com respeito à dominialidade,
verifica-se que os ocupantes - uma designação da FIBGE que se refere a casos em que a exploração ocorre em
terras públicas, devolutas ou de terceiros (com ou sem consentimento dos proprietários) nada pagando os
produtores diretos pelo seu uso - podem ser aproximados da categoria posseiros, já que concernem à posse
efetiva e não às terras tituladas. (ALMEIDA, 1992, p. 69).
56
Velho (1974, p. 203) registra que, no Maranhão, em meados do século XX, época em que ocorre a ocupação
espontânea da fronteira agrícola, o tamanho médio dos estabelecimentos camponeses era de 100 hectares, o que
era uma área considerável comparada com os minifúndios do Nordeste e poderia até resistir relativamente bem
- devido à possibilidade de rotação - à mais primitiva agricultura de queimada. Em geral não mais do que 10
hectares eram cultivados por ano.
112
médio permanecendo em torno de 1,5 hectares. Diante dessas alterações, a
manutenção da área dia dos lotes revela uma situação particular, em que os
aumentos na demanda por terras são correspondidos por acréscimos na oferta,
que com destinação específica de exploração em parceria. Assim, esta evolução da
parceria pode estar revelando uma estratégia dos proprietários de terra à procura de
rendimentos, a chamada renda da terra.
Essa circunstância requer uma breve digressão, pois em muitas localidades
do interior maranhense, a dinâmica socioeconômica tem reservado um destino nada
promissor para as famílias tradicionais, que, no passado, exerciam papel de
destaque no contexto local e, por vezes, municipal. Geralmente, famílias centenárias
que desbravaram as respectivas regiões, iniciando atividades de criação de gado e
exploração de lavouras. As condições de isolamento geográfico obrigavam os
lugarejos ao provimento da maior parte das necessidades individuais e coletivas,
desde bens materiais até o estabelecimento de normas de conduta para o convívio
social. As questões de discórdia entre moradores eram resolvidas pelo patriarca,
assim como os problemas de doenças menos complexas. Aquilo que não era
localmente produzido era trazido da cidade a mando do patriarca, pelas comitivas
que levavam seus produtos para o mercado e retornavam com provimentos,
incluindo itens que variavam de utensílios a medicamentos, de querosene a
calçados, de perfumarias a peças de tecido. A mesma figura assumia, portanto,
muitos papéis ao mesmo tempo: além de dono da terra, comerciante e fazendeiro,
era também professor, conciliador matrimonial, farmacêutico, delegado de polícia,
juiz, de modo que exercia uma liderança inquestionável perante os moradores.
Geralmente, porque suas posses o permitiam, enviava os filhos para se
formarem n’alguma capital, preferencialmente, Rio de Janeiro. Uma vez afeiçoados
aos costumes citadinos e tendo encaminhado suas vidas profissionais nos meandros
da estrutura urbana, os filhos quase sempre se afastavam de suas origens. Ao
conquistarem autonomia financeira e constituírem suas próprias famílias em
contexto muito distinto, não tinham mais interesse em retornar e assumir a herança
no momento necessário. Nestas circunstâncias, os recursos destinados à
manutenção dos filhos na cidade, do estrito ponto de vista da lógica de reprodução
das atividades produtivas, ainda que consideradas em escala simples, acabavam
perdendo o caráter de investimento em qualificação de pessoal (no caso, pessoal de
113
direção), assumindo o sentido de uma espécie de gasto a fundo perdido. Os
problemas de sucessão passam a ser um obstáculo que ameaça a própria
continuidade das famílias.
Por outro lado, as recentes transformações ocorridas na dinâmica econômica,
social e política dos municípios impuseram novos desafios, abalando de forma
definitiva a estrutura dessas famílias tradicionais, no momento em que elas se
encontravam fragilizadas. Essas transformações incluem, além de maiores
oportunidades de a população ter acesso aos meios de informação, a abertura de
estradas nos povoados e os avanços rumo à universalização de direitos sociais. Os
efeitos desses ingredientes vão atingir diretamente as finanças das famílias em
questão, dado que seus produtos perdem importância relativa perante um mercado
diversificado, que exige padronização das mercadorias e preços competitivos. Sem
recursos para investir em tecnologias e sem pessoal suficiente, em geral, resta o
patrimônio materializado principalmente na terra.
Parte da oferta de terras que incrementa a relação de parceria detectada
pelos dados censitários, provavelmente está relacionada à situação acima descrita,
em que a renda da terra torna-se a principal, quando não a única, fonte de
sustentação da família. Outra parte, entretanto, deve ser associada à existência dos
proprietários absenteístas contemporâneos.
57
Considerando-se que o parceiro, por
apropriar-se de uma parte da produção, tem interesse em que esta seja a mais
elevada possível, o proprietário na parceria uma alternativa mais vantajosa do
que a de explorar pessoalmente a terra e arcar sozinho com os custos de produção,
além de enfrentar os riscos inerentes às atividades agrícolas.
Alguns elementos funcionam como argumentação favorável ao caráter
vantajoso que a parceria representa para o dono da terra. Caso optasse por explorar
a terra e empregar o-de-obra assalariada, o dono/empresário provavelmente
estaria sujeito ao pagamento de encargos sociais, além de que o trabalhador
procuraria empenhar-se no trabalho de modo a desgastar-se segundo a intensidade
e a duração normais da jornada. A relação de parceria, por sua vez, desobriga o
proprietário de pagar encargos sobre folha de salário e representa, por outro lado,
57
O Absenteísmo é um sistema de exploração agrícola muito presente no século XVIII, no qual o dono
(absenteísta) não mora na propriedade e a mantém exclusivamente como fonte de renda, não estabelecendo
vínculos pessoais com a terra ou com as pessoas que nela trabalham.
114
um estímulo ao parceiro para que eleve tanto a intensidade quanto a duração do
trabalho, pois somente assim poderá se apropriar de um volume maior da produção,
sem que se altere o percentual de repartição. Todavia, esse estímulo é atenuado
pelas incertezas relativas à posse da terra, motivo pelo qual investimentos mais
significativos são evitados pelo parceiro. Não obstante, esta circunstância
transforma-se em mais uma vantagem para o proprietário, que assim pode ter a terra
de volta ao final do contrato, ou a qualquer tempo, dado que os acordos de cessão,
costumeiramente, são verbais. Outro elemento favorável ao proprietário trata-se da
transferência para o parceiro dos custos e de parte dos riscos inerentes ao processo
de trabalho na agricultura: a aquisição de insumos e as despesas de administração
ficam a cargo do parceiro, enquanto os potenciais efeitos de flagelos, como secas,
inundações e pragas, ou de eventuais oscilações de mercado são assumidos por
ambos.
Considerado no conjunto das formas de acesso à terra, o crescimento da
parceria pode significar que, em parte, a propriedade privada tem se consolidado
pelas os dos que não trabalham efetivamente na terra. Esse movimento,
entretanto, não se torna imediatamente evidente quando se cruzam os dados
referentes à condição do produtor e ao uso da terra. Mas essa circunstância não
atenua a existência de empreendimentos cuja finalidade resume-se ao usufruto de
benefícios fiscais e de crédito, nem tampouco a apropriação especulativa em que a
terra funciona como reserva de valor para o capital em momentos específicos.
A problemática da apropriação privada da terra no Maranhão torna-se mais
evidente ao longo do período considerado (a década de 1970 e meados da década
de 1980). A propriedade, por sua vez, exerce um papel condicionador das decisões
sobre o tipo de uso da terra. Quando as figuras do proprietário e do produtor direto
não são coincidentes, quem define qual é a atividade a ser desenvolvida é o
proprietário; quando este é um fazendeiro, as áreas inicialmente desmatadas para
cultivo são transformadas em áreas de pastagem. O resultado desse processo é que
o proprietário apropria-se também de parte do trabalho do produtor direto, na medida
em que incorpora à atividade pecuária, sem custos diretos, uma área desmatada e
semeada, pois os acordos estabelecidos costumeiramente prevêem que o lavrador
também efetue a semeadura do capim, após a colheita.
115
Tabela 11: Maranhão – utilização das terras produtivas - 1970/1985
(em mil hectares)
Lavoura Pastagem Mata/Floresta Em desc. + USO
ANO
Perm. Temp. natural Plant. Natural
Plant.
Prod. ñ util.
TOTAL
(*)
1970 (a) 33,9
729,4
2.717,9
634,8
1.924,1
8,6
3.944,1
10.794,9
(%) 0,3
6,8
25,2
5,9
17,8
0,1
36,5
100
1985 (b) 86,3
1.218,2
2.656,3
2.790,3
3.094,7
28,5
5.040,9
15.548,3
(%) 0,5
7,8
17,1
17,9
19,9
0,2
32,4
100
Var.% (b/a) 154,6
67,9
-2,27
339,6
60,8
231,4
27,8
44,0
Fonte: IBGE - Censos Agropecuários (1970 e 1985)
(*)
incluem-se as terras inaproveitáveis (7,4%, em 1970, e 4,0%, em 1985)
Em princípio, alguns aspectos destacam-se nos dados sobre o uso da terra
no Maranhão. No ano de 1970, a área destinada às lavouras era de apenas 7% da
área total, enquanto 31% estavam ocupados por pastagens e 36,5% (quase quatro
milhões de hectares!) constituíam terras produtivas não utilizadas. Em 1985, as
terras em descanso e produtivas não utilizadas reduziram-se para 32%, porém em
termos absolutos representavam mais de cinco milhões de hectares. Naquele ano,
as pastagens expandiram-se e ocuparam 35% da área total, havendo um acréscimo
de 340% na área de pastagem plantada. As lavouras atingiram 8%, destacando-se a
variação das lavouras permanentes que, apesar de representarem um peso pouco
significativo no conjunto, evoluíram 155%. No conjunto do país, a área ocupada
pelas lavouras corresponde a 17%.
A comparação entre os anos de 1970 e 1985 permite que se observe um
crescimento mais acentuado justamente naquelas atividades indicativas da presença
empresarial, como as lavouras permanentes, pastagem plantada e floresta artificial.
Considerando-se a extensão dos investimentos que são requeridos em atividades
dessa natureza, deduz-se que a efetivação das mesmas pressupõe a propriedade
privada da terra e que, em conseqüência, a expansão verificada encontra-se
diretamente associada ao crescimento da área ocupada pelos proprietários, que,
como já se mencionou, passou de 85,7%, em 1970, para 92,8%, em 1985.
Por outro lado, excetuando-se as áreas em descanso, as terras produtivas
não-utilizadas somam mais de 3,3 milhões de hectares. Esse aumento absoluto
pode estar refletindo apenas um momento do mencionado processo de
apropriação de terra com fins especulativos, intensificado no contexto da
implantação do PGC. Entretanto, a indisponibilidade de estatísticas anuais dificulta
uma percepção mais nítida desse fenômeno, pois seu maior ímpeto deve ter se
116
manifestado ao longo da década de 1970, quando se processou em ritmo acelerado
a consolidação da propriedade privada da terra no Maranhão, inclusive sob a tutela
do governo estadual.
Pelo que sugerem os dados disponíveis, ao longo do re-ordenamento das
relações de propriedade, uma parte dos produtores familiares, em especial os
posseiros da antiga região de fronteira, vai transferindo-se para a condição de
pequenos arrendatários e parceiros. Em meio a esse processo, caracteriza-se uma
crise da produção de alimentos básicos decorrente das dificuldades que atingem a
agricultura familiar no Maranhão. O fechamento da fronteira agrícola compromete a
viabilidade dessa produção ao significar crescentes dificuldades de reprodução dos
roçados em sua forma itinerante. Essa situação tem explicação considerando-se que
as técnicas de produção incluem a queimada da cobertura vegetal como prática de
limpeza da área a ser cultivada, resultando na progressiva redução dos nutrientes
existentes no solo. Desse modo, torna-se necessário um período de descanso ou
pousio regular e prolongado, para a recomposição da fertilidade do solo naquelas
áreas utilizadas e, em conseqüência, passa a ser um imperativo a incorporação
de novas áreas de mata ao sistema de produção.
Todavia, com a apropriação privada de grandes extensões de terra, tanto as
desmatadas quanto as ainda não trabalhadas, as antigas áreas livres vão sendo
isoladas pelo cercamento e pela ação vigilante de milícias particulares e do próprio
aparelho repressivo do Estado. Por conseguinte, ao agricultor familiar, restringem-se
cada vez mais as áreas disponíveis para novos roçados, de modo que, onde ainda é
possível, o lavrador tem que reutilizar precocemente as faixas de terra em descanso.
Nessas circunstâncias, além da queda da fertilidade do solo, tende a ser mais
freqüente o aparecimento de plantas invasoras, reduzindo-se ainda mais a área para
o plantio. Os resultados que a produção pode alcançar nessas condições indicam
um agravamento da situação de pobreza material do agricultor familiar.
Numa sociedade marcadamente concentradora de riqueza e de poder
decisório como o Brasil, em que as inovações que visam à redução dos riscos e à
elevação da produtividade na agricultura não se generalizam a ponto de serem
incorporadas pelos produtores familiares autônomos, as dificuldades relativas à
sobrevivência destes refletem-se diretamente na disponibilidade de produtos
alimentícios como o arroz, o milho e o feijão. Tradicionalmente, esses produtos
117
constituem, ao lado da farinha de mandioca, a base da cultura alimentar da
população, especialmente dos segmentos economicamente desfavorecidos. No
caso particular do Maranhão, o modelo de desenvolvimento que se procurou
incentivar representou graves conseqüências para a produção de alimentos,
historicamente garantida pela agricultura familiar. O comportamento da produção
desses produtos pode ser observado no gráfico 6.
Considerando-se o movimento dessas três décadas e meia, verifica-se que a
produção dos gêneros selecionados demonstra acentuadas oscilações, o que pode
indicar a forte influência que as variações climáticas exercem sobre as modalidades
de agricultura predominantes no estado. Como não se está trabalhando com ries
anuais, fica dificultada a percepção do ritmo dessas oscilações. Mas, mesmo com a
periodização decenal, pode-se notar que, no caso do arroz, por exemplo, o pico de
produção é acompanhado de aumento da área plantada. Por outro lado, no
momento seguinte a produção caiu a uma taxa maior que a área, voltando a subir só
em meados da atual década de 2000. Ao final do período, tanto o volume da
produção quanto a área plantada mantêm-se praticamente os mesmos do início.
0
200
400
600
800
1.000
1.200
1.400
1969/1970
1979/1980
1989/1990
2003/2004
Arroz Área
Arroz Produção (t)
Feijão Área
Milho Área
M
ilho Produção
Feijão Produção
Produção: mil toneladas
Área: mil hectares
Gfi
co
6: Maranhão
-
e
volução do cultivo
de arroz, feio e milho
1970/
2004
Fonte: Elaborado a partir de informões da CONAB. Disponíveis em:
<http://www.conab.gov.br>. Acesso em: 20.out.2006
118
Por sua vez, a produção de milho apresentou uma produtividade baixa
durante o período em questão, aproximando-se a curva da produção da curva da
área plantada somente no final, o que, entretanto, foi suficiente para garantir
acréscimos absolutos no volume produzido.
A produção de feijão mantém-se sob frágil estabilidade, com as curvas
entrelaçando-se em alguns momentos, ao longo do período, sem se afastar do eixo
que indica os menores valores no gráfico.
Esse desempenho é insuficiente para garantir que a produção dos quatro
produtos considerados corresponda à variação da demanda potencial, decorrente do
aumento populacional, especialmente no que se refere ao setor urbano. Analisando
dados do IBGE, Viana (1991) procura comparar, por exemplo, a evolução das
colheitas dos produtos alimentares básicos com o crescimento da população
residente no Maranhão ao longo da década de 1980. Assim, o autor destaca a
contínua redução da disponibilidade per capita de produtos básicos para
alimentação. Nos anos de menor produção, o arroz atingiu 97 Kg/habitante (1983); o
feijão, menos de 4 Kg/habitante (1983), e inclui a farinha de mandioca, que teve uma
disponibilidade de 73 Kg/habitante (1985). Provavelmente, a demanda interna
continua cada vez mais sendo suprida através do recurso à importação de
alimentos.
Por outro lado, a alternativa da importação possivelmente encontrará limites
muito graves relativos à própria renda da população, num contexto em que as
oportunidades de emprego não parecem animadoras. Num recente estudo do IPEA
(2006), buscando detectar a convergência de renda
58
entre reges, o Maranhão
aparece, ao lado do Piauí, como o estado com o menor Produto Interno Bruto per
capita do Brasil. Considerados os dados para o ano 2000, essas duas unidades da
Federação são as que apresentam as curvas do PIB que mais se afastam da média
nacional em direção ao valor zero. No outro extremo, aproximando-se do ponto mais
distante de zero, destaca-se a capital federal, centro do poder político, superando de
longe São Paulo, o estado de economia mais robusta do país.
58
A convergência consiste na redução da diferença das rendas per capita entre as regiões, ocorrendo quando as
regiões menos desenvolvidas conseguem crescer a taxas superiores às das regiões mais desenvolvidas.
119
Do ponto de vista social, o processo de concentração da terra e suas
implicações sobre a produção familiar estão contribuindo para, em comunhão com
interesses particulares de determinados grupos políticos, configurar o desenho de
uma outra paisagem no campo maranhense: a aglomeração de moradores,
formando centenas de novos povoados, espalhados pelos 217 municípios do
Maranhão.
Esse processo indica conter todas as mazelas inerentes a uma aglomeração
não planejada e que o ocorre, como à época das fronteiras agrícolas, sob as
forças atraentes de uma atividade econômica específica. Antes ocorre em função da
ausência de dinamismo na vida econômica do lugar e de seu entorno. Em geral
esses povoados formam-se à beira das estradas já existentes, mas em alguns casos
são abertas estradas de piçarra para interligá-los às sedes dos municípios. Ao se
deslocarem dos lotes que ocupavam isoladamente como local de produção e de
moradia, as famílias buscam o acesso à escola, a meios de transporte, a utilidades e
entretenimento que a energia elétrica favorece e ao convívio social, superando as
distâncias físicas entre os moradores. No imaginário dessas famílias trata-se,
provavelmente, da procura do que lhes é historicamente negado.
Gráfico 7: PIB per capita dos estados em relação ao PIB do Brasil
1970 e 2000
Fonte: Anrio Estatístico (1970) e Contas Regionais (2000). Adaptado de Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada (2006, p. 189)
120
Os múltiplos efeitos dessa aglomeração ainda estão por ser estudados e
compreendidos, mesmo porque este é um processo em curso e que talvez se
encontre ainda em seus primeiros movimentos. A rigor, não se sabe ainda qual é o
seu ímpeto, quais o suas possibilidades de consolidação ou de desintegração.
Todavia, é possível observar que o simples acesso à energia elétrica acompanha-se
de uma série de alterações na vida de comunidades tradicionais, sustentadas em
códigos de conduta relativamente estáveis, gerando-se freqüentes conflitos entre as
pessoas mais idosas e as mais jovens, numa versão particular dos sempre delicados
conflitos entre gerações, presentes inclusive nos mais homogêneos grupos sociais.
Mais grave, entretanto, parece ser a situação dos povoados recém formados, onde
tudo ainda está em estruturação, desde as casas até os acordos de vizinhança, pois
agora a proximidade física dos moradores requer novos códigos e regras de
comportamento específicas, que vão sendo estabelecidos tacitamente. Nessa
condição particular, o fascínio próprio dos programas da televisão acaba exercendo
um papel decisivo no imaginário e no cotidiano dos indivíduos, ocasionando
progressiva assimilação de novos valores e estereótipos veiculados nos meios de
comunicação de massa, além de significativas alterações de hábitos que interferem
e direcionam a vida das pessoas e do povoado.
Assim, as crianças vão vivenciando os processos de socialização e os jovens
vão buscando auto-afirmação, num contexto de extrema desorganização dos valores
de referência, em meio a uma grande confusão social, na qual não é possível
vislumbrarem-se perspectivas promissoras, com projetos de vida definidos, individual
e coletivamente, em suas dimensões econômica, cultural, espiritual e política.
Constitui-se um ambiente de forte apelo ao consumo e a necessidade de vestir
roupas de marcas e de adquirir o último modelo de aparelho celular, instala-se em
lugar privilegiado nas mentes das pessoas. Do mesmo modo, possuir uma
motocicleta, além de corresponder a uma necessidade prática, funciona como uma
expressão de poder, tanto para jovens quanto para muitos senhores de meia-idade,
substituindo assim um antigo sonho de consumo que, nas tradicionais regiões de
criação de gado, era personificado na figura do cavalo veloz e viril, e equiparando-se
ao que, no mundo urbano, representa para os jovens da classe média alta, exibir
pelas ruas o carro mais potente e equipado com o som mais barulhento. Mais
preocupante, porém, é a fragilidade da juventude, nessas circunstâncias, diante das
121
drogas ilícitas, as que chegam aos povoados e às mãos das pessoas com facilidade
e freqüência incomparavelmente maiores do que a comida chega à mesa das
famílias.
Por outro lado, com a disponibilidade de determinado volume de recursos em
circulação, especialmente os oriundos de aposentadorias rurais, têm-se gerado
situações não menos inusitadas nesses povoados. Em algumas famílias, os idosos
tornam-se reféns da própria condição de pobreza e assumem o ônus das despesas
domésticas, geralmente expandidas pelas dívidas que as famílias contraem através
das armadilhas da compra a prazo ou dos empréstimos por consignação. Além
disso, a desordem social propicia um cenário em que as jovens iniciam sua vida
sexual ainda nos primeiros anos da adolescência, sendo freqüentes os casos de
mães solteiras que, por ainda serem psicologicamente meninas ou mesmo
encontrando-se em idade madura, permanecem com seus filhos sob o sustento das
famílias. Assim, os avós aposentados é que assumem a responsabilidade pela
manutenção do grupo ampliado. Em situações mais extremas, os idosos tornam-se
reféns da desonestidade de algum membro da família, sendo mantidos sob
chantagem emocional ou sob ameaças para “doarem” parte de seus proventos. o
raramente esse membro é um neto, ávido para satisfazer os desejos de consumo
que lhe foram inculcados ou para financiar um potencial vício de álcool ou drogas
pesadas. A falta de oportunidades de trabalho, a dependência financeira dos pais
aposentados e a quase completa inexistência de perspectivas para os filhos, acaba
abalando a auto-estima dos pais de família, que perdem gradativamente o poder de
comandar suas próprias casas, perdendo a liderança sobre seu grupo familiar.
O quadro de insegurança que se instala generaliza-se e agrava-se com a
escassez de alimentos à mesa e com a qualidade daquilo que as pessoas passam a
ingerir quando podem, influenciadas pelos apelos consumistas da televisão.
Produtos da indústria de alimentos passam a estar à disposição na quitanda ao lado.
Os lanches, antes retirados do quintal, agora vêm embalados em coloridos
pacotinhos e acompanhados de conservantes, corantes, acidulantes, adoçantes e
tantos outros ingredientes artificiais intraduzíveis. Antes produzido nos roçados, o
arroz agora é comprado por quilo, devidamente embalado e polido, de modo a
perder todo seu poder nutritivo; o feijão, vendido a preço irrisório no auge da safra
por quem ainda consegue se manter na terra, retorna empacotado e a um preço três
122
ou quatro vezes maior. Do mesmo modo, os demais produtos que as famílias antes
produziam agora devem ser comprados no mercado e a preços relativamente
elevados, apesar de as famílias não disporem de renda regular para financiarem seu
consumo. Considerando-se os demais compromissos financeiros assumidos na
nova realidade, como contas de energia elétrica e as mencionadas prestações,
cabe observar que, diante das restrições do orçamento doméstico, as famílias não
têm autonomia para decidir saldar ou não qualquer desses compromissos sem que
haja sanções da outra parte envolvida e do sistema jurídico, vigilante do interesses
privados. Nesses momentos, resta-lhes autonomia para decidirem sobre os gastos
pessoais, como saúde, vestuário e, mais imediatamente, alimentação. O resultado é
quase sempre apertar o cinto, ainda que as conseqüências no longo prazo sejam
muito mais irrecuperáveis do que qualquer punição pelo não cumprimento de um
compromisso financeiro.
Processo extremamente perverso esse, porque coloca as famílias numa
espécie de purgatório social permanente, sem direito nem ao céu nem ao inferno.
De um ponto de vista geral, sob as condições vigentes, esses povoados acabam
representando a segregação dessas pessoas, que o têm mais lugar na
organização produtiva do campo e não terão lugar na dinâmica urbana.
No campo, as fronteiras agrícolas se fecharam para as famílias pelo avanço
da propriedade privada sobre a terra, cerceando sua condição de produtores diretos,
autônomos, capazes de produzir seu próprio sustento. Mesmo nas regiões em que
os moradores costumavam cultivar livremente as terras ou utilizar de forma coletiva
as áreas de campo para criação de pequenos rebanhos, o avanço das cercas e os
conflitos com os, às vezes, pretensos proprietários impuseram profundas restrições
à manutenção das atividades de subsistência. No caso particular das áreas de
baixada no Maranhão, a ocupação dos campos naturais pelos numerosos rebanhos
de búfalos, a partir de um programa público de fomento, não representou a
apropriação de fato dos campos de uso coletivo, como também trouxe graves
alterações às condições de equilíbrio do ecossistema, do qual os moradores
dependiam diretamente para sua subsistência através de atividades extrativistas,
como a pesca artesanal, a caça e a coleta de frutos. Por seu caráter tecnicamente
pouco desenvolvido, esta atividade, ao restringir as condições de auto-sustento, não
ofereceu postos de trabalho ou alternativas de sobrevivência para a população.
123
Em outras regiões do estado em que, com o avanço da pecuária semi-
intensiva, as cercas de arame impedem o acesso dos moradores às antigas áreas
de lavoura ou de coleta de babaçu, do mesmo modo, a dinâmica da atividade não é
capaz de absorver minimamente a mão-de-obra liberada. E a expansão da pecuária
no Maranhão tem sido um processo violento e voraz sobre a apropriação das terras.
Como se observou anteriormente, as áreas de pastagens ocupavam 35% das terras
produtivas em meados da década de 1980. Caso se desconsidere o montante de
terras em descanso e produtivas não utilizadas, a parcela ocupada pelas pastagens
eleva-se para 52% do conjunto das terras produtivas no Maranhão. Por sua vez, nas
regiões onde a redução das atividades de subsistência ocorreu devido à implantação
de empreendimentos que operam vinculados a circuitos capitalistas altamente
desenvolvidos - exatamente por esta circunstância - não vagas o suficiente para
incorporar a mão-de-obra das famílias expulsas da terra.
As fronteiras da cidade tamm se fecham. O espaço urbano contemporâneo o
se constitui mais alternativa de progresso social para a população dispensada do campo.
Tal situão se deve a diversas circunsncias. Uma delas é a própria explosão da
violência na cidade, particularmente nas periferias, locais que historicamente foram o
destino das massas humanas nos processos de migrão campo/cidade. A ausência de
saneamento básico, que torna as condões materiais da moradia mais insuporveis do
que a dureza do isolamento das zonas rurais antigas. A dificuldade de acesso à escola,
uma vez que a aglomeração urbana faz elevar-se a demanda por vagas no sistema
público de ensino, de modo que o acesso às recentes escolas na zona rural acaba
se tornando uma alternativa mais segura. Por outro lado, a precariedade com que
vem funcionando o sistema público de saúde desqualifica a cidade como lugar de
concretização do direito à saúde para os integrantes da população rural.
Mas, talvez, a circunstância que mais representa o fechamento das fronteiras
da cidade para essas famílias é a escassez de oportunidades de emprego num
contexto em que as exigências o cada vez mais rígidas. A chamada
reestruturação produtiva levada a cabo pelo capitalismo neoliberal e o próprio
desenvolvimento geral das forças produtivas no conjunto da sociedade
contemporânea impõem alterações no padrão esperado de desenvolvimento das
capacidades cognitivas específicas para interação num ambiente crescentemente
equipado e dependente de uma parafernália tecnológica cada vez mais sofisticada.
124
Assim, escolarização e noções elementares de informática tornam-se condições essenciais
para o convívio no seletivo mundo do trabalho na atualidade. Ora, a maior parte da
população rural no Maranhão encontra-se na condição de analfabeto funcional, que
é a situação de quem sabe desenhar algumas palavras, mas não consegue
decodificar adequadamente os sentidos e significados representados na simbologia
gráfica.
59
Assim, dispensa comentários a alfabetização específica do mundo digital.
que se considerar que existe um conjunto de variáveis que operam para o
surgimento desses povoados. Entre essas variáveis estão os interesses políticos e
econômicos de alguns grupos localmente influentes, agindo no sentido de que esses
povoados algum dia venham tornam-se municípios emancipados, como aconteceu
na segunda metade da década de 1990. Com os avanços recentes para a
democratização na sociedade brasileira, as tentativas de descentralização das
políticas públicas têm sido encaminhadas no sentido da gestão municipalizada de
recursos financeiros destinados a algumas áreas importantes. Apesar da prolongada
crise do Estado, o volume desses recursos canalizados para os municípios não é
insignificante, de modo que alguns grupos empenham-se em emancipar novos
municípios na esperança de que estarão à frente de sua administração.
Antes desse momento, outras tentativas de convencimento já vinham sendo feitas
por lideranças locais, na tentativa de incentivar os moradores a se aglomerarem em
povoados, para dar mais visibilidade aos lugarejos de populão rarefeita, visando atrair a
ateão de políticos regionais e administradores no sentido de angariar ações públicas. A
lógica subjacente a esse raciocínio é simples e recorrente nas práticas costumeiramente
adotadas pelos grupos que se sucedem nas administrões públicas, tanto nos municípios
quanto na insncia estadual: quanto maior a populão, potencialmente, mais votos
poderiam ser obtidos com as ações públicas em benefício daqueles que estivessem à
frente dessas ões. Por diferentes motivos, os órgãos públicos em geral também tinham
interesse que esse movimento ocorresse, até mesmo os organismos internacionais
voltados para o combate à pobreza rural sugeriam que os investimentos públicos
fossem direcionados preferencialmente para regiões que apresentam maior
potencial econômico, as quais acabariam atraindo as populações rarefeitas do seu
59
As taxas de analfabetismo no Maranhão são bastante elevadas. De acordo com dados do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatísticas (2002), é de 26,0% o percentual de analfabetos no conjunto do estado, mas entre a
população rural a taxa é de 41,3%. Quando se considera o contingente da população que possui até um ano de
estudo, 72,2% são residentes da zona rural.
125
entorno. Do ponto de vista dos gastos públicos, os custos de implementação e
gerenciamento das intervenções, como programas de eletrificação, distribuição de
água, implantação de escolas e postos de saúde, entre outros, evidentemente, são
menores naquelas situações em que a população se encontra aglomerada.
Esses aspectos, entretanto, ajudam a explicar apenas parcialmente a
situação. Os desafios que enfrentam as famílias que perderam a condição de
produzirem seu próprio sustento no campo maranhense são muito maiores que as
mazelas dos povoados em si, pois se inserem no problema da pobreza rural no
Maranhão, cujas dimensões, ainda que insuficientemente conhecidas, saltam das
estatísticas produzidas, como uma advertência às atuais gerações pelas opções de
desenvolvimento que se tomaram no passado recente.
Diferentes fontes e metodologias indicam o Maranhão como a unidade federativa
que, na atualidade, apresenta o pior desempenho, segundo os parâmetros
considerados. Estudo da Fundação Getúlio Vargas (2003), tomando por base a
renda per capita, caracteriza o estado como o mais misevel, sendo que 23 de seus
municípios encontram-se entre os 50 em pior situação no ps. Estes munipios
maranhenses apresentaram entre 86% e 95% de suas respectivas populações com
renda per capita de até R$ 79,00/mês. Ressalte-se que a linha divisória para
identificação da condição de miserável é bastante simbólica. Considerando-se os R$
79, 00 mensais, chega-se a R$ 2,63 diários. Com esse valor seria possível adquirir
muito pouco do necessário para um indivíduo se manter vivo durante um dia, mesmo
em um lugar onde se registre o mais generoso custo de vida.
Lemos (1999), ao elaborar um Índice de Desenvolvimento Relativo (IDR) para
os municípios do Nordeste, identifica 25 municípios do Maranhão entre os 100 que
apresentaram piores níveis de qualidade de vida na região. Esta realidade revela-se
mais desfavorável quando são considerados indicadores mais abrangentes, como os
que compõem o estudo de Amorim e Pochmann (2003a),
60
no qual o Maranhão
aparece como o estado com o pior índice de exclusão do Brasil. Este estado
60
O Índice de Exclusão Social (IES) foi elaborado a partir de dados do IBGE, para o ano de 2000, abrangendo
três componentes básicos: Padrão de vida digno, Conhecimento e Risco juvenil. Cada um deles é medido pelos
índices de seus respectivos indicadores. Assim, o Padrão de vida digno é medido pelos indicadores de pobreza,
emprego formal e desigualdade; o Conhecimento é medido pelos anos de estudo e pela alfabetização; o Risco
juvenil, pela concentração de jovens e pela violência. Através dos índices dos indicadores chega-se aos índices
dos componentes e, da junção destes, ao Índice de Exclusão Social. Seu intervalo varia entre 0 e 1, sendo que
valores próximos do zero indicam um maior grau de exclusão na sociedade. (AMORIM; POCHMANN, 2003a).
O anexo C ilustra essa composição e o anexo D mostra a ordem de exclusão por unidade federativa no país.
126
apresenta 66 de seus 217 municípios entre os 200 em pior situação no país; 35
entre os 100 piores; 15 entre os 50 piores; 5 entre os 20 piores; 2 entre os 15 piores
e o 3º município no Brasil, num conjunto de 5.507, onde a exclusão é mais grave.
No contexto do Nordeste, o pior município também pertence ao Maranhão.
Por esses indicadores, 75 municípios maranhenses apresentam um Índice de
Exclusão Social (IES) variando entre 0,243 e 0,299. Apenas um município, a capital,
possui IES acima de 0,5 no Maranhão, ainda assim sua posição no ranking nacional
é 719ª. Dois dos outros três municípios em situação menos desfavorável, estão
diretamente associados à dinâmica econômica da capital do estado.
Todo esse contexto vivido na atualidade pela população do Maranhão reflete
as opções de desenvolvimento que foram feitas, nas cadas de 1960 e 1970 e
reafirmadas na década de 1980, pelo governo federal e particularmente pelo
governo estadual, cuja dimensão rural privilegiou as atividades de cunho
empresarial, desconsiderando-se as necessidades de democratização do acesso à
terra e à riqueza gerada. Esse acesso, aliás, faz-se mediante a incorporação
das pessoas nos processos produtivos. O modelo de modernização da
agricultura que se incentivou no país pressupunha, ao contrário, a liberação
da mão-de-obra.
No Maranhão, as bases buscadas para o desenvolvimento rural tiveram a
mesma premissa. Portanto, conclui-se que se reproduz neste estado a mesma
situação desfavorável à agricultura familiar observada no país, porém com o
elemento agravante de não se realizar aqui a modernização conservadora
propriamente dita, sendo que os empreendimentos estimulados no campo
assumiram, num primeiro momento, característica mais de reserva de valor para o
capital e de busca de benefícios fiscais do que propriamente de investimentos
produtivos, e num segundo momento, os chamados grandes projetos mantêm
vinculação direta com os mercados externos. Desse modo, renunciou-se, no estado
do Maranhão, a possibilidade de gerar empregos e produzir alimentos para
fortalecer o mercado interno e promover a segurança alimentar da população.
127
4. A EXPANSÃO E AS POTENCIALIDADES DOS ASSENTAMENTOS DE
REFORMA AGRÁRIA NO MARANHÃO
No que concerne ao desenvolvimento rural, conforme se discutiu, as
opções adotadas nas diferentes esferas do Governo brasileiro mostraram-se
incapazes de incorporar a mão-de-obra existente. Do mesmo modo que, nas
condições históricas dadas, as atividades urbano-industriais também não comportam
o contingente disponível e, além do mais, a existência desse contingente deixou de
ser imprescindível no papel de pressionar para baixo os salários dos que ocupam os
postos de trabalho ofertados. Assim, as famílias que foram expulsas da terra
assemelham-se às que não têm lugar na divisão social do trabalho no mundo
urbano, numa luta pela própria sobrevivência, surgindo dessa circunstância a luta
pelos assentamentos humanos, na cidade e no campo: lutar por assentamentos
urbanos é lutar por um pedaço de chão para morar com dignidade; lutar por
assentamentos rurais é lutar por um pedaço de chão para morar e nele trabalhar, é
lutar pelo direito de produzir alimentos para os moradores do campo e da cidade.
No Brasil e no Maranhão, o movimento social tem sido incansável em busca
de conquistar o direito a uma vida digna para cada ser humano. No que concerne às
lutas camponesas, um dos resultados alcançados é que, nas últimas três décadas,
vem se operando uma expansão dos assentamentos de reforma agrária, que é
muito significativa do ponto de vista quantitativo, conforme se observa no mapa 3.
Na atualidade, de acordo com dados fornecidos pelo INCRA, existem mais de sete
mil projetos de assentamento implantados no país (ver anexo E), tendo-se
incorporado um contingente de 702 mil famílias de agricultores, numa área total de
64 milhões de hectares. Nesse contexto, enquanto a maioria dos estados tem entre
200 e 399 assentamentos, o Maranhão apresenta 826 projetos. Essa é a mais
elevada quantidade de assentamentos, representando 11,7% do total existente no
país. No estado do Pará encontra-se a segunda maior concentração, com 686
assentamentos, o que significa 9,7% do total. A Bahia, com 524, e o Mato Grosso,
com 514, são os estados que detêm, respectivamente, a 3ª e a posições em
número de assentamentos. Quando se observa a área total ocupada pelos projetos,
o Pará apresenta 15,5 milhões de hectares (24,1%); o Mato Grosso, 5,6 milhões de
128
hectares (8,7%); o Maranhão, 4,1 milhões de hectares (6,4%); e a Bahia, 1,3
milhões de hectares (2,2%).
Relativamente aos assentamentos de reforma agrária, apesar de ainda
existirem muitas famílias necessitando de terra, a expansão talvez não seja mais o
principal problema a ser enfrentado, pois os avanços do movimento social têm
conseguido obter respostas razoáveis do Estado. O desafio maior ainda está por ser
enfrentado e envolve diversas dimensões. Uma delas é a dimensão qualitativa
interna aos assentamentos, no sentido de se construírem práticas de convivência e
de produção que sejam eficientes dos pontos de vista agronômico, econômico,
social e ambiental. Outra dimensão refere-se ao reconhecimento, no contexto social,
do assentado, do agricultor familiar, não como representante de um passado
arcaico, ou como um ser humilde, vivendo às expensas da sociedade. Ao contrário,
seu reconhecimento como sujeito ativo, partícipe de um processo evolutivo mais
Mapa
3:
Br
asil
-
d
istribuição dos assentamentos, por unidade federativa
2006
Fonte: Elaborado para esta pesquisa, a partir de dados fornecidos pelo INCRA.
129
amplo da própria sociedade contemporânea. Nesse sentido, a concepção sobre
segurança alimentar e nutricional que governo e sociedade civil vêm construindo na
atualidade propicia uma histórica oportunidade, para aquelas sociedades que
seguiram modelos concentradores de terra e de riqueza, operarem uma
imprescindível reforma civilizatória, promovendo a incorporação daqueles que
atualmente não têm lugar na divisão da produção capitalista.
A concepção, pois, de segurança alimentar e nutricional em debate na
atualidade, traduz-se na garantia, a todas as pessoas, de acesso contínuo e regular
a alimentos em quantidade e qualidade suficientes para proporcionar uma vida ativa
e saudável, sem prejuízo da satisfação de outras necessidades, respeitando-se os
hábitos culturais de cada povo e sem comprometer as condições de vida das
gerações futuras. A partir desse entendimento é que, no presente capítulo, as idéias
defendidas são as de que: 1) os assentamentos de reforma agrária constituem o
lugar mais adequado para se potencializar a forma social mais eficiente de produzir
alimentos (a unidade familiar de produção) e para promover a segurança alimentar
do conjunto da população; 2) os assentamentos de reforma agrária resultam da ação
direta do movimento social organizado, e o de uma estratégia de desenvolvimento
(poticasblicas) do poderblico; e 3) no atual contexto socioeconômico do estado do
Marano, os assentamentos constituem um processo irreversível, considerando-se a
sua expansão quantitativa, as condições históricas dessa expansão e o contingente
de famílias envolvidas.
4.1 Elementos teóricos para compreensão das potencialidades da produção
familiar nos assentamentos de reforma agrária
Conforme foi mencionado em seção anterior, os temas agricultura familiar e
assentamentos ainda são objetos de controvérsia, ora explícita ora subjacente, tanto
no âmbito da burocracia estatal quanto no ambiente acadêmico e nos fóruns mais
gerais da sociedade civil. As duas posições que estão manifestadas não se referem
necessariamente a projetos de sociedade radicalmente distintos: enquanto alguns
insistem que a agricultura familiar caminha para o desaparecimento e, portanto, a
expansão dos assentamentos rurais assumiria um sentido contrário às supostas
tendências de modernidade e de sofisticação da organização e do controle dos
130
processos de produção, outros estão empenhados em demonstrar que a agricultura
familiar não constitui elemento residual na evolução da sociedade humana e, por
conseguinte, o estímulo aos assentamentos seria uma opção democrática e
estratégica no sentido de permitir um acesso mais amplo a condições mínimas de
existência para o conjunto da população.
Sem deixar de reconhecer a importância que assume cada uma das posições
mencionadas, na presente seção e em concordância com a segunda posição -
defende-se a idéia de que, especialmente num contexto capitalista, os
assentamentos de reforma agrária constituem o lugar mais adequado para se
desenvolver o potencial da unidade familiar de produção, sendo esta concebida
como a forma social mais eficiente para produzir alimentos, quando se tem em vista
a promoção da segurança alimentar e nutricional. Essa idéia parte do pressuposto
de que, do ponto de vista da sociedade, os alimentos são mercadorias importantes
demais para que sua produção dependa exclusivamente da racionalidade capitalista.
Com o aprofundamento da prevalência do capital financeiro e com a evolução
dos recursos informacionais de gestão, amplia-se a mobilidade dos capitais em
atividade, tanto nos circuitos de valorização internos às economias nacionais quanto
na esfera planetária. Essa circunstância significa que se ampliam também as
possibilidades de migração inter-setorial dos capitais, sempre que a taxa de retorno
obtida em um ramo determinado situar-se abaixo da taxa média da economia. No
caso particular da agricultura, essa potencial migração de capitais poderia implicar
uma drástica redução no volume produzido, o que, em função das características
relativas ao tempo de produção, exigiria longo período para recuperação das
condições de produção e de suprimento da demanda de alimentos. Os resultados
imediatos de tal situação seriam a alta dos preços ao consumidor e a redução dos
postos de trabalho, tanto diretamente nas atividades agrícolas quanto na indústria
processadora e no segmento de máquinas e implementos. Nesse sentido é que se
considera que, pela lógica de sua reprodução, a unidade familiar é a forma social
mais eficiente para produzir alimentos; e os assentamentos são, potencialmente, por
resultarem de um processo de luta política e porque seus limites físicos exigem a
superação das formas tradicionais de produzir, o lugar mais adequado para se
desenvolver a produção de base familiar.
131
Diferentemente do que ocorre com o tema assentamentos, o debate sobre
produção familiar
61
é bastante antigo e acompanha a evolução da própria sociedade
capitalista. Em grande parte do pensamento clássico
62
sobre a questão agrária é
possível identificar o entendimento de que também na agricultura a produção
capitalista tende a subordinar e fazer desaparecer as relações de produção cuja
lógica não seja a obtenção de lucro. Assim, diversos autores têm se dedicado à
compreensão da produção agrícola familiar no contexto do desenvolvimento
capitalista. Na opinião de alguns estudiosos, o que importa é compreender o porquê
de a produção familiar continuar existindo inclusive em lugares onde a produção
capitalista está bastante madura e difundida. Outros autores mostram-se preocupados
em descobrir como a produção familiar pode ser transformada a fim de cumprir
determinada função no desenvolvimento da sociedade. Por outro lado, existem os
que procuram a compreensão de uma lógica interna à produção familiar,
percebendo-a como uma forma social que possui autonomia e que existe por ser
necessária à sociedade contemporânea.
Uma síntese dos vários estudos que abordam o tema, abrangendo as mais
diversas vies de mundo, além de longa, extrapolaria o objetivo proposto no presente
momento. Não obstante essa ressalva, considera-se fundamental mencionar alguns
autores, ainda que de maneira pontual, buscando-se enfatizar elementos indicativos
de suas posições a respeito da produção agrícola familiar.
Na interpretação de determinados estudiosos que tratam da questão agrária e
que estão inseridos num vasto campo de conhecimento que se convencionou chamar
de pensamento marxista
63
, uma vez admitida a superioridade técnica da grande
empresa agrícola capitalista, o desaparecimento da produção familiar (identificada
com o tamanho e com a propriedade privada do lote) coloca-se como uma tendência
inevitável. O próprio Karl Marx percebeu essa tendência e foi além, considerando
61
Uma explicitação dos diferentes termos para a “produção familiar” é apresentada por Medeiros (1997)
62
Por se entender que o contexto em que surgem os assentamentos não deve ser apreendido de forma
desvinculada da questão agrária no capitalismo, é que se torna necessário mencionar alguns autores clássicos.
Qualquer referência às contribuições desses autores constitui-se, entretanto, um procedimento delicado, uma vez
que se está tratando de um conjunto de elaborações teóricas cujas bases empíricas encontram-se em realidades
específicas, tanto no que se refere à dimensão espacial (lugar) quanto em relação ao contexto histórico (tempo).
Sem prejuízo do reconhecimento de que existe uma dinâmica capitalista geral, predominante na atualidade, é
imprescindível ressaltar que a trajetória humana (portanto, também a trajetória do capitalismo) assume
peculiaridades significativas em cada momento e em cada parte do mundo. Essa circunstância atribui uma
complexidade a mais quando se está buscando compreender os fenômenos contemporâneos diretamente sob
inspiração das formulações teóricas clássicas, sem que se estabeleçam as necessárias mediações.
63
Para um exame das idéias do próprio Karl Marx a respeito da questão agrária, ver Malagodi (1993).
132
que defender a pequena produção significaria defender a manutenção da
propriedade privada da terra, vista como entrave para o desenvolvimento da
produção agrícola. Em sua crítica, direciona a argumentação igualmente contra a
pequena e a grande propriedade.
[Nelas], em vez de se cultivar consciente e racionalmente a terra, como
propriedade perpétua e coletiva, condição inalienável da existência e da
reprodução das gerações que se sucedem, o que existe é a exploração que
desperdiça as forças do solo, e, além disso, essa exploração não depende
do vel atingido pelo desenvolvimento social, e sim das condições fortuitas
e variáveis dos produtores particulares. (MARX, 1980, p. 930).
O autor prossegue aprofundando a crítica à propriedade privada da terra,
destacando que, por um lado, enquanto a grande exploração capitalista apresenta
como resultado a dilapidação da mão-de-obra no próprio campo, por outro lado, o
que ocorre é que a pequena propriedade fundiária gera uma classe até certo ponto à
margem da sociedade e que combina toda a crueza das formas primitivas com todos
os sofrimentos e todas as misérias dos países civilizados (MARX, 1980, p. 931).
Na passagem do culo XIX para o século XX, conforme destaca Reydon
(1988), intensifica-se o debate a respeito do futuro da produção agrícola familiar,
expressa naquele contexto enquanto pequena produção ou produção camponesa.
De um lado, Kautsky e Lenin, ressalvadas as diferenças, concordavam que os
camponeses caminhariam para a pauperização e para a proletarização, diante do
avanço das relações capitalistas no campo. De outro lado, situavam-se os chamados
populistas russos, com abordagens focadas na decidida defesa da produção
camponesa, a qual eles consideravam economicamente superior à grande exploração
capitalista; e Alexander Chayanov, para quem a permanência dessa organização
produtiva explicava-se por se tratar de uma forma social não transitória e que
corresponde, portanto, a uma necessidade da própria sociedade.
Uma vez que na base desse debate está a luta contra o capitalismo e pela
construção do socialismo, os diferentes resultados alcançados tanto por Kautsky
quanto por Lenin, em seus esforços para explicar a persistência da produção familiar,
exercem forte influência em suas ações políticas. Kautsky procurou analisar o
processo de subordinação do camponês ao capital de maneira a evidenciar a
superioridade da grande propriedade sobre a pequena, quer do ponto de vista da
capacidade produtiva, quer no que diz respeito à concorrência. Afora algumas
situações específicas, somente a avareza, o subconsumo e a superexploração do
133
trabalho familiar poderiam, para Kautsky, justificar alguma vantagem técnica da
pequena sobre a grande exploração. Do contrário, a tendência seria de predomínio
da grande propriedade, operando-se no capitalismo um movimento de concentração
da terra e de proletarização dos camponeses.
Tendo admitido aquela tendência, Kautsky preocupou-se em explicar as
razões pelas quais, ao lado da exploração capitalista, a pequena propriedade rural
continuava a existir. O autor chega, assim, à explicação de que o próprio capital tem
necessidade de recriar a pequena produção para garantir, por um lado, uma reserva
de mão-de-obra para a grande propriedade e, por outro, o fornecimento de matéria-
prima para a agroindústria. Em tal circunstância, o pequeno produtor torna-se um
trabalhador para o capital, pois, embora ainda detenha formalmente a terra como
meio de produção, não mais exerce o controle total sobre o processo produtivo.
Assim, segundo a perspectiva de Kautsky, o pequeno produtor rural tenderia,
politicamente, a uma posição mais próxima da luta dos proletários do que dos
interesses da classe capitalista.
Lenin, por sua vez, procura entender a desintegração da produção familiar no
bojo de um processo que ele denomina descamponização, no qual o camponês
médio tenderia a oscilar entre os camponeses ricos e os camponeses pobres, sem-
terra ou cujas posses são insuficientes para o sustento de suas famílias. Contudo,
contrariando suas conclusões, o autor depara-se com a situação da chamada
pequena produção nos campos dos Estados Unidos da América. Então, Lenin busca
reafirmar a tese da desintegração da produção familiar através da reformulação de
alguns elementos e enuncia que não é apenas o tamanho que caracterizaria a
grande exploração, mas também a intensidade da utilização de tecnologias
modernas, ainda que a superfície seja pequena.
A via fundamental do desenvolvimento da agricultura capitalista consiste
precisamente em que a pequena exploração, mesmo permanecendo
pequena pela extensão de terra, transforma-se em grande exploração pelo
volume da produção, desenvolvimento da pecuária, quantidade de adubos
utilizados, desenvolvimento do emprego de quinas, etc. (LENIN, 1980, p. 63)
O autor observa que, no contexto capitalista, o pequeno produtor que subsiste
é transformado num produtor de mercadoria, circunstância que o coloca em posição
antagônica ao proletariado, mesmo nos casos em que esse produtor não utiliza
mão-de-obra assalariada. Desta forma, enquanto vendedor de produtos e não de
134
força de trabalho, o produtor procura, via mecanismo de mercado (preço dos
produtos), apropriar-se de parte da renda fundiária ao lado dos proprietários de terra.
De acordo com Lenin, ao contrário do que Kautsky concluiu, politicamente, o pequeno
produtor se identificaria mais facilmente com os interesses dos proprietários de terra
do que com a luta do proletariado (LENIN, 1980, p, 92).
Uma vez reconhecida a superioridade técnica da grande empresa sobre a
exploração individual, tanto para Kautsky quanto para Lenin, a exploração coletiva
da terra, através da cooperação agrícola, seria a forma mais evoluída para atender
aos interesses gerais da sociedade. Assim, de certo modo, nesses autores está
subjacente a noção de que o camponês constitui um resíduo do passado, uma
categoria marginal que não tem lugar definido na estrutura da sociedade capitalista
avançada, tendendo a ser diluído em meio aos antagonismos da polarização
burguesia/proletariado, uma vez que a integração à economia de mercado
significaria sua própria extinção, como observa Abramovay (1992, p. 52).
Em outro campo de pensamento, existem as interpretações que vislumbram
um outro lugar para o camponês no capitalismo e procuram a compreensão de uma
lógica inerente ao conjunto dos produtores familiares, os quais, na perspectiva
dessas abordagens, constituem propriamente uma economia camponesa. É nesse
sentido que se destacam as contribuões dos chamados populistas russos (narodniks)
e, mais tarde, de Aleksander Chayanov.
Os populistas, vivenciando o contexto histórico russo do início do século XX,
apontavam a produção familiar como superior e dominante, tanto do ponto de vista
da eficiência econômica quanto das possibilidades que esta abriria para a
construção do socialismo, em função de suas características relativas à organização
da produção, à organização política e aos costumes, aspectos estes que se
situavam próximos dos ideais de socialismo presentes nesses autores, conforme
destaca Reydon (1988, p. 100).
A abordagem mais sistemática da economia camponesa da primeira metade
do século XX foi desenvolvida por Aleksander Chayanov. Esse autor elabora idéias
opostas às dos autores marxistas, quanto ao destino da produção familiar na
sociedade capitalista – apesar de suas próprias palavras afirmarem não ser este seu
objeto específico.
135
Não é de nossa incumbência o destino da unidade econômica camponesa,
nem sua concepção histórica e nacional. Nossa tarefa é infinitamente mais
modesta. Simplesmente desejamos compreender o que é a unidade
econômica camponesa do ponto de vista de sua organização. [...] Nos
interessa saber como se chega à natureza proporcional das partes, como se
atinge o equilíbrio orgânico, quais são os mecanismos da circulação do
capital no sentido de economia privada, quais são os métodos para
determinar o grau de satisfação e de rendimento, e como se reage diante da
influência de fatores externos, naturais e econômicos que aceitamos como
dados. (CHAYANOV, 1985, p. 36)
64
Como foi mencionado, Chayanov procurou demonstrar em sua obra que o
camponês não representa um resqcio do passado e, portanto, que a sua persisncia
na sociedade capitalista não é meramente transitória. Ao contrário, a economia
camponesa é uma forma de organização que existe porque corresponde a uma
necessidade social, ou seja, sua permanência se em função do fato de a própria
sociedade usufruir e requerer sua existência.
[A contribuição de Chayanov] reside no fato de ter concebido a unidade
econômica camponesa como uma unidade de trabalho e também uma
unidade de consumo familiar. O seu ‘modelo’ básico explicativo é o de que o
camponês executa as tarefas e trabalhos produtivos visando um equilíbrio
ótimo entre o consumo e o trabalho da família, levando em conta, para isso,
a composição e o tamanho da família (número de consumidores e
trabalhadores diferenciados por sexo e idade) e as necessidades que daí
derivam. (GAZOLLA, 2004, p. 65)
Estudando o comportamento camponês, Chayanov observa que a lei básica
de sua existência está no equilíbrio entre trabalho e consumo. Conforme ressalta
Abramovay (1992), do desenvolvimento dessa noção resultam outras idéias básicas
do pensamento de Aleksander Chayanov, como a de que a renda da família é um
todo indivisível, resultante de um organismo social único. Assim, considerando essa
unidade do organismo econômico familiar e a subjetividade da tomada de decisão
por parte do camponês, Chayanov elabora o conceito de auto-exploração, inerente à
unidade camponesa a auto-exploração, entretanto, não significa que outras
classes sociais não se apropriem do trabalho do camponês.
64
Tradução livre da seguinte passagem de uma publicação argentina da obra de Chayanov: No nos incumbe el
destino de la unidad económica campesina, ni su concepción económica histórica y nacional. Nuestra tarea es
infinitamente más modesta. Simplemente aspiramos a comprender qué es la unidad económica campesina desde
un punto de vista organizativo. [...] Nos interesa saber cómo se logra aquí la naturaleza proporcional de las
partes, cómo se logra el equilibrio orgánico, cuáles son los mecanismos de la circulación del capital en el
sentido de la economía privada, cuáles son los métodos para determinar el grado de satisfacción y de provecho,
y cómo reacciona frente a las influencias de los factores externos, naturales y económicos que aceptamos como
dados. (CHAYANOV, 1985, p. 36). Além de Chayanov, autores como Chelintsev, Makarov, Minin, Rybikov,
Studenski, entre outros, encontram-se vinculados à chamada Escola de Organização e Produção, uma vertente do
pensamento econômico russo que adquiriu notoriedade, principalmente em função das profundas mudanças
sociais e econômicas por que passou a Rússia após a Revolução de 1905. (CHAYANOV, 1985, p. 25).
136
Pode-se falar em auto-exploração, porém, na medida em que
a
intensidade
do
trabalho
camponês
não
é determinada por sua relação com outras
classes da sociedade, mas fundamentalmente pela razão entre a
penosidade dos esforços empreendidos, relativamente à satisfação de suas
necessidades. (ABRAMOVAY, 1992, p. 62).
O aspecto da contribuição de Chayanov que assume maior significado para
os objetivos do presente texto é, no entanto, a noção que ele denominou de
consumo propriamente dito e que se passou a chamar de autoconsumo
65
. Chayanov
entende que o objetivo final que orienta as ações do camponês é o próprio bem-
estar do grupo familiar. O equilíbrio orgânico entre consumo e trabalho no cálculo
camponês seria, pois, resultante de diferentes estratégias que a família desenvolve
e executa para garantir o consumo, que, por sua vez, é pré-requisito para atingir, em
última instância, o bem-estar de seus integrantes.
Assim, para Chayanov, a família camponesa se mune de diferentes
estratégias para garantir o seu consumo necessário durante o ano, que é o
principal pressuposto para se chegar a uma condição de bem estar social
dos seus membros. Este aspecto é importante na obra de Chayanov, pois
ele permite inferir que a obtenção do consumo alimentar dos membros
domésticos está relacionada com as condições objetivas de existência
humana que por sua vez, correlacionam-se com a segurança alimentar da
família, no sentido desta traçar as suas estratégias visando primeiramente o
consumo dos alimentos aos seus membros. (GAZOLLA, 2004, p. 67)
O balanço entre trabalho e consumo, segundo Chayanov, também ajuda a
entender a racionalidade da família no relacionamento com os demais agentes do
contexto social e econômico que envolve a unidade de produção, sendo que as
famílias que conseguem garantir seu consumo necessário adquirem maior
autonomia nessa inter-relação. Assim, quanto maiores as possibilidades de garantia
do auto-consumo, maiores também serão as chances de autonomia frente às
determinações externas. Todavia, Chayanov não concebe a unidade de produção
que é capaz de suprir as necessidades de consumo como sendo imune ao mundo
exterior. Ao contrário, ele reconhece a economia camponesa como parte de um
sistema econômico maior que condiciona a dinâmica interna das unidades
familiares. Assim, esse autor nota que, embora o sistema econômico camponês
possa se desenvolver no interior das diversas formas de organização social, sua
65
Conforme observa Gazolla (2004, p. 65), o autoconsumo é uma característica que pode ser descrita como
genuína às formas sociais familiares, pois este é uma dimensão constitutiva do campesinato que o define e o
caracteriza em todas as sociedades, tanto nas não mais existentes como nas contemporâneas. No
campesinato, o autoconsumo possui as mais diversas denominações, sendo descrito como nível de subsistência,
mínimo calórico como o descreveu Wolf (1976), como agricultura de subsistência” como foi chamado por
muito tempo no Brasil e, como consumo propriamente dito, que é o termo clássico cunhado por Chayanov
(1974), que sintetiza e embasa a maioria dos estudos sobre campesinato no país.
137
integração ao mercado capitalista desestrutura o balanço entre consumo e trabalho
enquanto fator determinante do comportamento da família camponesa, uma vez que
as decisões econômicas passam a ter lugar, de forma crescente, na esfera da
agroindústria. A integração vertical com a agroindústria capitalista incorpora a
produção familiar à divisão social do trabalho no âmbito internacional.
66
Neste
sentido Chayanov percebeu claramente aquela que seria uma das mais importantes
modalidades assumidas pela socialização crescente do trabalho camponês: o
cooperativismo. (ABRAMOVAY,1992, p.69).
Nesse tipo de organização, Chayanov enxergava possibilidades para
construção de um sistema econômico socialista, uma vez que as experiências por
que vinham passando alguns países capitalistas àquela época ofereciam um
potencial de desenvolvimento ainda maior sob um sistema econômico planificado
(ABRAMOVAY, 1992, p. 71). Porém, Chayanov alertava para os riscos que
representaria uma coletivização forçada das terras. Com o estímulo à organização
cooperativa, como forma capaz de potencializar a agricultura, sua preocupação era
modernizar a produção camponesa.
Durante todo o século XX, as trajetórias particulares da agricultura nos
diversos países do mundo sugerem que não coube a qualquer autor o anúncio
definitivo sobre o futuro da produção agrícola familiar na moderna sociedade
capitalista. Dada a utilização dos avanços científico-tecnológicos nos processos
produtivos na agricultura, a pertinência da avaliação de seus efeitos sobre a
tradicional exploração agrícola estará sempre vinculada ao sentido dinâmico que a
realidade assume no tempo e no espaço. Mas o que se percebe é que a produção
agrícola sustentada no trabalho do grupo familiar continua a existir na atualidade e
em todo o mundo, embora com diferentes graus de intensidade. De todo modo, as
abordagens mencionadas assumem um sentido singular quando se decide estabelecer
um contraponto aos padrões de desenvolvimento adotados nos vários países e,
especialmente, às fontes do debate contemporâneo relacionado à reforma agrária
nos países que, como o Brasil, optaram por modelos concentradores de terra e de
renda ao longo de sua história.
66
Esse processo vinha ocorrendo em alguns países capitalistas desde o final do século XIX, principalmente no
Reino da Dinamarca. Este país passou a se constituir numa via particular de desenvolvimento agrícola no século
XX, diferenciando-se do chamado padrão high farming, desenvolvido a partir da Inglaterra com base na grande
empresa agrícola.
138
Embora a efetivação de reformas agrárias seja uma prática muito tempo
experimentada no mundo contemporâneo, a elaboração teórica sobre o tema
assentamento de reforma agrária é relativamente recente. No Brasil, surge como
categoria de análise a partir de referências encontradas em documentos oficiais
relativos à ação dos governos militares. Em Esterci et al (1992) encontra-se uma
excelente síntese do debate específico sobre o tema desenvolvido no país até o final
da década de 1980, tendo os autores procurado identificar as questões
fundamentais desse debate.
Assim, a primeira questão destacada refere-se à própria definição e à origem
dos termos assentamento e assentado. De acordo com os autores, assentamento é
um termo que aparece em alguns trabalhos
67
como tendo sua origem na burocracia
estatal, referindo-se à ação do Estado no sentido da ordenação/ reordenação do uso
dos recursos fundiários.
O termo assentamento é entendido hoje, genericamente, como abrangendo
as diferentes etapas de ação dos órgãos fundiários relacionados com o
chamado beneficiário, quais sejam: o cadastro, a classificação e a seleção
das famílias; a transferência para a área; a distribuição dos lotes; a
organização da produção; a emissão dos documentos definitivos de posse
ou de propriedade da terra (ANDRADE, 1992, p. 124).
A identificação desse surgimento é também feita por Leite (1994, p. 203), ao
fazer referência a relatórios oficiais da década de 1960, em que a expressão
assentamento rural é utilizada para designar a transferência e a alocação de famílias
em imóvel rural. Assim, conforme destacam Navarro et al, citados por Melgarejo
(2000, p. 362), o termo assentamento vem se consolidando pelo uso e decorre de
ações governamentais antecedidas por movimentos sociais de luta por acesso à
terra. Essa expressão ganha ênfase enquanto termo utilizado para designar as
diversas modalidades de projetos de colonização dirigida que o INCRA
68
procura
intensificar na década de 1970, e também passa a constar do debate levantado por
67
Referem-se em particular a um texto de Andrade, M; Pereira, C e Lopes, M, com o título: “Coletivização:
uma proposta para os camponeses - primeiras indagações acerca das ações do Estado na fixação e organização de
famílias de trabalhadores rurais para fins de Reforma Agrária”. (ESTERCI at al.1992, p. 5). Esse assunto é
posteriormente retomado por Andrade em: Andrade (1992) e Andrade; Carneiro; Mesquita (1996).
68
Baseando-se nas informações oficiais, Andrade (1992, p. 124-125), relaciona as seguintes modalidades de
projeto relativas à ação estatal para o meio rural: PIC-Projeto Integrado de Colonização, PAD-Projeto de
Assentamento Dirigido, PA-Projeto de Assentamento, PC-Projeto de Colonização, PAR-Projeto de
Assentamento Rápido, PAC-Projeto de Ação Conjunta, PEC-Projeto Especial de Colonização, PEA-Projeto
Especial de Assentamento e NC-Núcleo de Colonização. Na atualidade, pode-se observar uma variedade ainda
maior dessas denominações, incluindo-se, por exemplo: PE - Projeto Estadual, PDS – Plano de Desenvolvimento
Social, PDA – Programa de Desenvolvimento Auto-sustentável, RESEX – Reserva Extrativista.
139
setores do movimento social sobre a necessidade de se estabelecer a distinção
entre colonização e reforma agria, diante do tratamento que o governo militar
dispensava aos conflitos agrários, especialmente no Nordeste e na Amazônia. No
âmbito da burocracia do Estado, a expressão encerra um sentido prioritariamente
técnico e não político, de modo que essa ênfase técnica vai se constituir no
parâmetro de seleção das famílias, segundo um entendimento no qual o interesse
do Estado encontra-se direcionado para a produtividade e a viabilidade econômica
dos assentamentos (ESTERCI et al, 1992, p. 5).
Por sua vez, o termo assentado encerra a percepção que a burocracia estatal
possui sobre sua própria ação em relação às famílias envolvidas nos
assentamentos, adjetivadas como beneficiárias. Nesse sentido, o termo acaba
funcionando para dissimular todo um processo de organização, uma história de luta
dessas populações pelo direito de trabalhar na terra e pela própria preservação de
seus horizontes enquanto trabalhadores rurais.
Antes de serem assentados, foram bóias-frias, posseiros, pequenos
proprietários que perderam suas terras, pequenos arrendatários, todos em
busca de terras para cultivar. Apesar disso, esses trabalhadores jamais são
lembrados pela burocracia estatal como ocupantes, o que implicaria um
reconhecimento de sua ão visando à transformação de terras ociosas em
terras de cultivo. (ANDRADE, 1992, p. 125)
Alguns autores
69
, tendo em vista a ação política dos trabalhadores na luta
pelo acesso à terra, consideram que estes buscam assumir e reinterpretar os termos
assentamento e assentado, ao questionarem critérios de seleção das famílias, de
organização do espaço, forma de explorar a terra, entre outros aspectos. Ou seja,
considera-se que o movimento social é que deflagra as ações políticas nas quais os
atores passam de sem-terra a assentados, construindo e modificando, enquanto
sujeitos, os conteúdos desse processo. Assim, a polaridade expressa nos pares
Estado/movimento, beneficiário/ ocupante, unidade administrativa/conquista, nunca
é totalmente eliminada, mas ressurge, permanentemente, nos assentamentos, sob
forma de tensão (ESTERCI et al, 1992, p. 6), que se faz presente não só no
confronto com os órgãos oficiais, mas também nas relações dos trabalhadores entre
si e com as ONG envolvidas.
69
Esterci et al (1992, p. 6) citam, por exemplo, Franco, M. P. (Xagui: de sem terra a assentado, 1992), Viana, A.
(Organização social e ação política do campesinato: o caso da fazenda Annoni, 1988) e Vieira, M.A.C. (A venda
da terra do ponto de vista dos trabalhadores: a venda como estratégia, 1990).
140
Outra questão recorrente refere-se às formas de organização das
experiências de assentamento, identificando-se a oposição entre as dimensões
individual e coletiva. São variadas as posições existentes nesse debate, incluindo-se
as que defendem a coletivização, assim como aquelas que apresentam críticas à
sua imposição como modelo de organização.
70
A complexidade presente no
cotidiano dos assentamentos, notadamente no que diz respeito à resistência, por
parte dos assentados, à total coletivização, suscita o aparecimento de propostas
referentes a modelos mistos, nos quais as formas coletivas não devem neutralizar
de todo as iniciativas individuais.
71
Nesse particular, um aspecto importante
mencionado pelos autores examinados é que, reconhecidamente por técnicos do
Estado, estudiosos, assessores e dirigentes dos movimentos dos trabalhadores, o
associativismo assume papel importante na racionalização dos recursos disponíveis.
(ESTERCI et al, 1992, p. 6).
Uma terceira questão freqüente no debate sobre assentamentos refere-se ao
fato de que alguns autores
72
procuram conduzir a discussão através da noção de
identidade e da busca de indicação de possíveis projetos comuns entre os
assentados. De um modo geral, suas preocupações residem na relação
heterogeneidade/diferenciação e no estabelecimento de uma unidade de interesses.
Um dos enfoques existentes considera que as trajetórias diferenciadas dos
assentados implicam diferentes significados atribuídos à terra nos projetos de vida,
podendo, portanto, variar muito o caráter político da própria luta pela terra. Esta
circunstância dificultaria a construção de um projeto comum entre os assentados.
Outro enfoque destaca que, apesar da heterogeneidade, nos momentos anteriores
ao estabelecimento do assentamento os conflitos tendem a se minimizar, voltando,
porém, a se explicitar na efetivação do assentamento, quando se potencializam as
diferenciações.
Um outro ponto que é identificado no debate diz respeito à relação que se
estabelece entre assentados, entidades de apoio e Estado. Podem ser destacadas
70
Os autores mencionam Esterci, N. (Roças comunitárias: projetos de transformação e formas de luta, 1984);
Andrade, M. et al. (Coletivização: uma proposta para os camponeses, 1989); e Médici, A. (Associativismo em
assentamentos: modelos e impasses, 1991).
71
Fazem referência a Guanzirolli, C. (Agrarian reform in the context of modernized agriculture: the case of
Brazil, 1990).
72
Esterci et al fazem referência a D’Incao, M.C. (A experiência dos assentamentos: contribuição ao debate
político da questão agrária, 1991) e Bergamasco et al (Assentamentos de trabalhadores rurais de São Paulo: a
roda-viva do seu passado/presente, 1990).
141
duas situações distintas que interferem diretamente nessa relação: uma caracteriza-
se a partir dos processos em que o Estado determina uma área para alocar grupos
de trabalhadores rurais, ou seja, onde a ação estatal não é precedida pela ofensiva
das famílias na ocupação da terra. Outra é a que se origina na demanda seguida de
ocupação da terra, ou seja, quando ocorre uma antecipação à ação do Estado.
Especialmente nesta última situação, têm sido explicitadas algumas tensões
envolvendo ocupantes e entidades de apoio, de um lado, e de outro, os órgãos do
Estado encarregados de operacionalizar a regulamentação da área, a seleção das
famílias e a assistência técnica.
Conforme aponta Melgarejo (2000), nos assentamentos constante
tendência à diferenciação resultante de tensões e disputas nas quais os objetivos
dos atores externos ora contrapõem-se ora somam-se aos objetivos dos
assentados, interferindo sobre a percepção da realidade, a visualização de metas e
formas de desenvolvimento a serem buscadas pelas famílias. Em função da
preocupação de que a ação do Estado venha esvaziar o conteúdo das demandas
dos trabalhadores, uma atitude de precaução ou confronto de algumas entidades
ligadas aos trabalhadores, em relação aos governantes e às políticas destinadas ao
campo. No entanto, em alguns momentos conjunturais recentes e do ponto de vista
de alguns segmentos, o Estado foi encarado com otimismo, particularmente em
relação a determinados governadores e à Nova República, na década de 1980,
ocasião em que pessoas de algum modo envolvidas com o movimento social,
ocuparam cargos relacionados à política de terras (ESTERCI et al, 1992, p.10).
Outro objeto de debate tem sido a viabilidade econômica dos assentamentos.
Ainda conforme Esterci et al (1992), alguns dos estudos sobre a questão orientaram-
se pela lógica de êxitos ou fracassos. Assim, têm sido evidenciadas as condições de
implantação dos assentamentos. Nesse cenário, além da ingerência de interesses
políticos na ação dos órgãos públicos ligados à questão, sobressaem-se os
obstáculos relativos à política agrícola do governo e ao padrão de desenvolvimento
dominante, que condicionam as chances de integração dos assentamentos aos
mercados. De maneira geral, duas dimensões têm sido marcantes no estudo das
formas de organização da produção. Uma delas diz respeito à necessidade de não
se atribuir aos assentamentos um caráter isolacionista, devendo-se ao contrário,
buscar-se a colocação de produtos nos mercados regionais. Nesse sentido,
142
colocam-se as possibilidades de integração com agroindústrias ou de internalização
do processamento de matérias-primas. Outra dimensão é a relativa à tecnologia.
Discute-se que o padrão derivado da revolução verde mostra-se, pelo menos em
parte, incompatível com a estrutura produtiva dos assentamentos, uma vez que, por
um lado, estes se encontram pautados na unidade familiar e, por outro, são bastante
elevados os custos financeiros e ambientais do modelo baseado na mecanizacão e
na química mineral.
Essa circunstância evidencia que continuam abertas as possibilidades
relativas às cnicas de produção que sejam eficientes do ponto de vista econômico
e adequadas para o equilíbrio ambiental. Mas é possível observar que, no atual
modelo de reforma agrária, coloca-se para os produtores familiares dentro do
assentamento, uma única alternativa de desenvolvimento: o rompimento das
práticas que pressupõem a utilização da queimada, adotando formas equilibradas de
interação com o meio ambiente. Efetivamente, sua própria subsistência depende da
produção de alimentos, os quais também podem ser mercadorias, diferentemente da
lógica empresarial, que depende da produção de mercadorias, as quais podem ser
alimentos.
4.2 O movimento dos trabalhadores rurais maranhenses pela re-ocupação das terras
Na história recente do Maranhão, a evolução dos conflitos agrários significa
também a construção da resistência dos trabalhadores rurais. Concretamente, essa
resistência forja-se, primeiramente, em meio ao avanço das cercas sobre as posses
e do gado sobre as plantações de subsistência, e, mais recentemente, sob a
traiçoeira ameaça de pistoleiros, a repressão policial sistemática e a arbitrariedade
de setores reacionários do Poder Judiciário, autoritários e empenhados na defesa de
interesses privados. Assim, nesta seção buscar-se-á reafirmar a idéia de que é como
conseqüência direta da resistência organizada dos trabalhadores rurais, no conjunto
do movimento social, que surgem e se expandem os assentamentos de reforma
agrária no Maranhão.
143
O processo de organização dos trabalhadores rurais no Maranhão configura-
se numa trajetória de lutas na qual emergem entidades sindicais e associativas
73
,
com ativa presença de setores da igreja católica e, mais tarde, do Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra e do Centro de Educação do Trabalhador Rural
74
.
Observada de modo panorâmico, essa trajetória de organização permite
identificar pelo menos quatro momentos específicos. O primeiro deles, que se inicia
em meados do século XX e estende-se até o final da década de 1970, caracteriza-se
pela luta contra o avanço das cercas de arame sobre antigas e potenciais áreas de
roça e moradia, período em que os trabalhadores procuravam resistir através da
derrubada das cercas e sacrificando animais. Entretanto, com decisivo apoio do
aparelho policial do Estado e também de seguranças particulares, os novos donos
levaram adiante o cercamento de extensas faixas de terra e lograram, finalmente,
efetuar a limpeza, ou seja, a desocupação dessas áreas.
O segundo momento, entre fins da década de 1970 e meados dos anos de
1980, caracteriza-se pela acentuada presença das famílias que foram expulsas da
terra, nos acampamentos às margens das rodovias ou na periferia das cidades.
Esse momento, todavia, parece ter funcionado positivamente para aproximar os
trabalhadores, reduzindo o isolamento e permitindo melhor identificação de
interesses e organização da luta.
O terceiro momento, que se inicia em meados da década de 1980 e espera-
se que continue em aberto enquanto for necessário, demarca o retorno dos
trabalhadores à terra, quando a situação exige uma organização que promova o
agrupamento desses trabalhadores para enfrentarem a vigilância das fazendas. A
partir desse momento é que ocorrem diversas ocupações de imóveis considerados
improdutivos, num processo nem sempre passível de controle por parte das
lideranças.
73
Exemplo significativo dessas entidades é constituído pela ATAM, Associação dos Trabalhadores Agrícolas do
Maranhão (1956), sucedida pela Federação dos Trabalhadores Rurais do Maranhão (1964) e depois pela
FETAEMA, Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado do Maranhão (1972). Para um exame
detalhado desse processo de organização, principalmente em relação a sua origem nas décadas de 1950 e 1960,
ver Almeida (1981).
74
Sediado na cidade de Imperatriz, o CENTRU é uma entidade fundada em meados da década de 1980 por
lideranças sindicais, tendo como objetivo principal atuar na educação política, sindical, comunitária e
cooperativa dos trabalhadores rurais.
144
O quarto momento não é necessariamente datado, pois ocorre a partir da
conquista da terra, quando se coloca o desafio de organizar a produção de forma
mais eficiente, considerando-se que o caráter das técnicas dominantes na produção
de subsistência não favorece a competição com a produção mecanizada e
industrializada.
A compreensão do primeiro desses momentos acima mencionados deve ser
buscada a partir da ocupação do campo maranhense pelos posseiros nos anos de
1950, discutida em seção anterior. Observa-se que a prática geral dos lavradores
consistia na iniciativa de desbravar a mata em busca de terras férteis para o plantio.
Essa, aliás, era a possibilidade mais imediata que se colocava no momento, diante
das circunstâncias enfrentadas. No entanto, em seguida chegavam os fazendeiros
para ocupar as terras desmatadas e os lavradores eram obrigados a procurar novas
áreas e promover novo deslocamento da fronteira agrícola, num processo em que os
posseiros realizavam o desmatamento facilitador do avanço da pecuária.
Porém, cada vez mais encurralados no interior da mata e politicamente
desorganizados, os lavradores passam a descobrir a impossibilidade de sustentação
dessa forma itinerante, tendo que estar sempre abrindo novas frentes de expansão.
A própria mata impunha-se como principal obstáculo, uma vez que, considerando-se
as condições técnicas da exploração, logo seus limites físicos seriam atingidos.
Assim, impõe-se a necessidade de construírem sua organização a partir de
entidades que favorecessem uma capacidade de reação diante das ameaças. Os
agrupamentos e a consciência organizativa passam a surgir entre os lavradores
75
.
Diante da forte concentração da terra, estrutura sob a qual historicamente são
engendradas relações de produção específicas, os trabalhadores rurais de todo o
país buscaram manifestar seus anseios por uma reforma agrária ampla. Assim,
reunidos na II Conferência Nacional dos Trabalhadores Agrícolas, no ano de 1954,
esses trabalhadores procuraram avançar na construção das condições para a
reforma agrária, ao adotarem como estratégia de ação a formação de comissões
regionais, integradas por representantes dos trabalhadores, profissionais liberais,
estudantes e membros da igreja católica. Entre outras incumbências, essas
75
A síntese desse processo de organização dos trabalhadores rurais no Maranhão, apresentada a seguir, foi
elaborada com base em um texto do antropólogo Alfredo Wagner (ALMEIDA, 1981).
145
comissões deviam promover o debate sobre a questão agrária no Brasil, do qual
resultou um abaixo-assinado encaminhado ao Congresso Nacional.
No estado do Maranhão foi criada naquele mesmo ano a Comissão Estadual
de Reforma Agrária, que procurou viabilizar no âmbito local as resoluções da II
Conferência e teve a capacidade de suscitar a constituição de outras comissões no
interior do estado, integradas por representantes de diferentes categorias. Em
conseqüência do trabalho dessas comissões surgiram várias associações
profissionais, congregando arrendatários, meeiros, parceiros, posseiros e pequenos
proprietários.
No âmbito nacional, as muitas associações existentes convergiram para a
formação da ULTAB (União dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas do Brasil),
cuja finalidade era direcionar as aspirações dos trabalhadores para a concretização
de uma reforma agrária democrática através da distribuição das terras dos
latifundiários aos trabalhadores rurais e aos lavradores sem terra ou proprietários de
terras insuficientes face à dimensão de seu grupo familiar (ALMEIDA, 1981, p. 11).
no âmbito estadual, as associações reuniram-se na Conferência Estadual da
Reforma Agrária e, em 1956, fundaram a ATAM (Associação dos Trabalhadores
Agrícolas do Maranhão). Entre as resoluções tiradas dessa conferência estava a luta
pela delimitação das zonas de criação de gado e de lavoura no território do estado.
Conforme destaca Almeida (1981), nos anos que se seguiram manteve-se a
expansão das associações de lavradores nos municípios do Maranhão, tendo
algumas delas sido divididas em agências, para possibilitar uma ação
descentralizada e mais próxima dos problemas cotidianos de cada povoado. A
reação à organização foi imediata por parte dos latifundiários, os quais recorreram a
métodos de coação e violência, mantendo em ação constantes bandos de jagunços
(ALMEIDA, 1981, p. 24) para expulsar de suas terras os referidos lavradores. Diante
das retaliações dos latifundiários aos lavradores que participavam das associações,
a ATAM decidiu convocar a II Conferência Agrária do Maranhão, no ano de 1958.
Além dos trabalhadores rurais, esta conferência contou com ampla participação de
representantes do poder público, igreja, estudantes, profissionais liberais e de outras
categorias profissionais. Entre suas resoluções destaca-se a que se refere à
distribuição das terras consideradas devolutas, conforme se segue:
146
CONSIDERANDO que o Estado tem grandes áreas de terras devolutas;
CONSIDERANDO que essas terras estão sendo adquiridas por
latifundiários, ou pessoas interessadas em possuir latifúndios;
CONSIDERANDO que estas medidas prejudicam os lavradores e entravam
o desenvolvimento agrícola do nosso Estado.
A II Conferência Agrária do Maranhão sugere às autoridades constituídas
que tais terras, de acordo com a Constituição Federal, sejam distribuídas
com [sic] os lavradores sem terras e aos que nelas queiram trabalhar. (apud
ALMEIDA, 1981, p. 24).
A realização da II conferência coincide com a época em que o Governo
federal respondendo a pressões relativas à densidade populacional nas principais
cidades do Nordeste, cuja estrutura fundiária e a ocorrência de periódicas secas não
permitem a absorção da mão-de-obra disponível no campo resolve estabelecer
diretrizes visando à ocupação das terras devolutas na Pré-Amazônia maranhense.
Então, começam a chegar ao Maranhão os contingentes de imigrantes nordestinos,
dispostos a abrir novas frentes agrícolas, o que vai ocorrer principalmente nos vales
dos rios Mearim e Pindaré, conforme se discutiu em seção anterior. Nessas áreas
os conflitos de terra aumentaram consideravelmente, pois a ação dos grileiros em
muitos casos se antecipava ao movimento da frente nordestina fazendo picadas e se
apropriando das terras devolutas (ALMEIDA, 1981, p. 35)
A segunda metade da década de 1950 foi, aliás, especialmente importante
para a organização dos trabalhadores rurais no Maranhão. Em 1958, por exemplo,
ocorreu também um fato fundamental para o fortalecimento dessa organização, que
foi o Pacto de Unidade Sindical, proposto pelo Sindicato da Construção Civil,
objetivando discutir e organizar a luta por melhorias das condições de vida dos
trabalhadores. Envolta pela grave situação de violência no campo, a ATAM procurou
articular-se com as demais entidades integrantes do pacto. No final daquele ano,
essas entidades promoveram, na capital do Estado, a Passeata da Fome, um
protesto contra o alto custo de vida, e realizaram o I Congresso dos Trabalhadores
Maranhenses, em meados de 1959, dando uma demonstração do fortalecimento
logrado com o pacto sindical. Nesse evento, foi elaborada a Declaração de
Princípios dos Trabalhadores Maranhenses, na qual ficou reafirmada de forma nítida
a necessidade da reforma agrária.
Particularmente na cada de 1960, mas tamm antes, na cada anterior,
que dar ênfase à contribuição da Igreja católica ao processo de organização dos
trabalhadores rurais. O caráter dessa contribuição é preponderantemente apaziguador,
refletindo as preocupações da instituição com a gravidade dos conflitos entre lavradores e
147
grandes proprietários de terra. A ão da Igreja buscava atingir a comunidade como um
todo, incluindo desde lavradores a pecuaristas locais. Almeida (1981) chama atenção
para o fato de que essa interferência significava também uma competição da
instituição em relação aos órgãos oficiais e demais grupos interessados no
direcionamento da organização dos trabalhadores rurais. Percebendo essa
peculiaridade, a ação católica estendia-se à assistência de crédito, à assistência
técnica e ao ensino formal.
Quanto à assistência técnica, procurava difundir novas técnicas de cultivo,
com utilização de adubos, ferramentas e máquinas até então desconhecidas desses
lavradores. No tocante ao ensino formal, em 1954, foi fundada uma Escola Normal
Rural no município de Morros, objetivando a formação de professoras para atuarem
no então Ensino Primário no meio rural.
No início da década de 1950, a Arquidiocese fundou a Cooperativa Banco
Rural do Maranhão, visando estimular o cooperativismo entre os trabalhadores
rurais. Nessa época surge também o Movimento Intermunicipal Rural
Arquidiocesano (MIRA), direcionado aos trabalhos de extensão rural, tendo como
estratégia a formação de equipes locais. Em convênio com o Ministério da
Agricultura, o MIRA logrou realizar uma série de eventos, denominados Semanas
Ruralistas, através dos quais procurava mobilizar conjuntamente autoridades,
políticos, trabalhadores rurais, estudantes, fazendeiros, entres outros. Um
documento relativo a um desses eventos elucida o pensamento da Igreja sobre os
problemas agrários e suas soluções:
O problema da terra, bem resolvido, mas, sobretudo resolvido a tempo e
custo módico, com a participação de todas as forças vivas do Estado,
colocará esta unidade da Federação numa posição invejável em
comparação com o resto do Brasil: eis o pensamento dos organizadores da
Semana. Sim, porque salta aos olhos de todos que uma das causas de
atrofiamento da economia maranhense está justamente na distribuição
irregular da terra, criando duas classes distintas, a dos privilegiados que
tudo possuem e a dos miseráveis que não têm sequer onde plantar um
de couve. (COMISSÃO ORGANIZADORA DA VIII SEMANA RURALISTA
apud ALMEIDA, 1981, p. 50)
Tendo alcançado êxito na ação de incentivar o crédito cooperativo
76
, a Igreja
iniciou suas próprias experiências de reforma agrária. Assim, entre 1960 e 1961,
foram desenvolvidas três experiências-piloto nos municípios de Morros/Vargem
76
Almeida (1981) destaca, por exemplo, a rápida evolução do quadro de sócios da cooperativa que, num período
de cinco anos, cresceu de 278 para 3.000 pessoas.
148
Grande, Pedreiras e Colinas. Todavia, o resultado não atendeu às expectativas,
sofrendo críticas das entidades filiadas à ATAM, o que levou a Igreja a reformular
sua atuação junto aos trabalhadores rurais no Maranhão.
O clero passou a interessar-se pelo problema das organizações sindicais e
numa ação paralela à ULTAB iniciou um trabalho de educação sindical e de
criação de sindicatos. Foi mobilizado o laicato católico no sentido das
organizações representativas e a Igreja dispôs o Movimento de Educação
de Base MEB como instrumento para a fase preparatória de educação
sindical. Começaram a ser fundados os sindicatos que ficariam conhecidos
como os sindicatos dos padres (ALMEIDA, 1981, p. 56).
No âmbito nacional, o início da década de 1960 foi marcado pela tentativa de
maior aproximação entre a União dos Lavradores, o Movimento de Trabalhadores
Sem Terra e as Ligas Camponesas. Durante o I Congresso Nacional de Lavradores
e Trabalhadores Agrícolas, essas entidades buscaram superar divergências relativas
à organização e à condução das lutas, avançaram em direção a um programa
básico, contemplando interesses comuns. No documento final, os trabalhadores
reivindicam uma reforma agrária radical, que represente o fim da propriedade
monopolista da terra, a qual deveria se substituída pela propriedade camponesa.
Iniciou-se em seguida a Campanha pela Sindicalização Rural. As Associações de
Lavradores e Trabalhadores Agrícolas foram transformadas em Sindicatos de
Produtores Autônomos. No final de 1963, esses sindicatos compõem a
Confederação Nacional dos Trabalhadores Agrícolas CONTAG, entidade que veio
substituir nacionalmente a ULTAB.
Após seu retorno, a representação dos trabalhadores maranhenses no
referido congresso procurou organizar comícios com a finalidade de divulgar as
resoluções do evento. O passo seguinte foi a fundação, no início de 1964, da
Federação dos Trabalhadores Rurais do Maranhão, substituindo a ATAM. Porém,
em 1 de abril, o país amanheceu sob golpe militar, institucionalizando-se a
repressão aos movimentos de organização dos trabalhadores em geral.
Conforme a interpretação de Almeida (1981)
77
, naquele momento o
movimento dos trabalhadores rurais no Maranhão vinha perdendo seu caráter
77
O fato de se agruparem em associações voluntárias dispondo de recursos próprios, ainda que limitados,
permitia aos trabalhadores rurais uma grande autonomia de expressão. Não se encontravam subordinados e nem
dependiam dos órgãos governamentais ou da ação da Igreja. [...] Eventualmente as associações atuavam
articuladas com os partidos políticos. O estabelecimento de compromissos político-eleitorais estava subordinado
às vicissitudes dos conflitos de cada município ou povoado. Estas variações no alinhamento político partidário
149
relativamente autônomo e espontâneo, expresso pelas associações na década de
1950. Ainda que adotassem práticas de cunho assistencialista perante as famílias a
elas vinculadas, essas associações logravam condensar aspirações de rompimento
das relações de produção desfavoráveis que subjugavam os trabalhadores rurais. A
transformação das associações em sindicatos teve efeitos muito fortes para a
trajetória de organização dos camponeses, pois passaram a se submeter às normas
oficiais, ficando atrelados e fiscalizados pelo Estado.
Até a primeira metade da cada de 1960, os trabalhadores rurais no
Maranhão enfrentavam a violência dos latifundiários e da polícia, localmente
subordinada a interesses particulares. Com o advento do golpe de 1964, no entanto,
esses trabalhadores tornam-se alvo da perseguição do Estado autoritário, que
intentava sufocar sua capacidade de livre organização. Segundo Almeida (1981),
somente nesse contexto político é que se pode compreender o apoio decisivo dos
trabalhadores rurais para a eleição do candidato da UDN ao governo estadual, o
então deputado federal José Sarney, no ano de 1965
78
.
Mesmo diante da delicada situação política vivida no País, alguns setores do
movimento sindical no Maranhão conseguiam se manter ativos e esses
trabalhadores passaram a depositar no processo eleitoral suas esperanças de
soerguimento das entidades sindicais, uma vez que a reabertura dessas
agremiações era elemento recorrente no discurso do candidato em questão. De fato,
ainda que circunstancialmente, essa era a candidatura que congregava opositores
do grupo político dominante, o qual era diretamente responsável, em grande medida,
pela situação de opressão imposta aos trabalhadores rurais. Com essa expectativa,
tornavam as associações não facilmente arregimentáveis ou manipuláveis por forças externas ao movimento
organizatório dos trabalhadores. (ALMEIDA, 1981, p. 18-20).
78
Para melhor entendimento desse fato, é preciso lembrar que até meados da década de 1960, o grupo político
hegemônico no Maranhão era liderado pelo então senador Vitorino Freire, cujo partido, o PSD, vencia as
eleições seguidamente desde os anos de 1940. Através de abusivos métodos de controle do eleitorado rural, esse
grupo conseguia garantir a defesa de seus interesses nas instâncias do poder público. Por sua vez, a UDN, então
o principal partido de oposição, cuja base eleitoral era essencialmente urbana, procurava arregimentar forças
capazes de ameaçar a hegemonia vitorinista no meio rural. Àquela época, mais que hoje, o Maranhão era um
estado essencialmente rural, pois conforme o Censo Demográfico de 1960 (www.fibge.gov.br), apenas 18% dos
quase 2,5 milhões de habitantes viviam nas cidades. O eleitorado rural, portanto, era decisivo. Por essa razão a
UDN procurou aliar-se estrategicamente a entidades representativas dos trabalhadores rurais. Para uma análise
crítica da trajetória política da principal personagem do grupo que se tornou hegemônico no Maranhão a partir de
meados da década de 1960, José Sarney, ver Gonçalves (2000), e das formas de renovação e tentativa de
continuidade dessa hegemonia, com a construção de uma nova personagem na linha sucessória, ver Gonçalves
(2006). Essa trajetória muito recentemente (29.out.2006) foi interrompida com a derrota eleitoral da senadora
Roseana Sarney, em sua tentativa de um terceiro mandato como governadora do Maranhão.
150
os trabalhadores participaram ativamente da campanha eleitoral, porém, o êxito do
candidato representou a frustração dos que acreditaram nessa alternativa.
Logo após a posse do governador os grupos de trabalhadores rurais que
haviam participado da campanha eleitoral no vale do rio Pindaré tentaram
reabrir os sindicatos, mas foram desencorajados pelas autoridades
municipais e estaduais, seus aliados de véspera. (ALMEIDA, 1981, p. 64).
Em seu cotidiano, os trabalhadores rurais continuaram a enfrentar as mesmas
atrocidades, com a ação dos grileiros avançando sobre a posse da terra e o gado
alimentando-se das lavouras. A omissão das autoridades locais não deixou muitas
alternativas aos lavradores, que passaram a sacrificar o gado encontrado em suas
roças e a envolver-se cada vez mais em confrontos armados contra os jagunços dos
latifundiários. A atuação dos representantes do Estado, nitidamente favorável aos
grandes proprietários e poderosos, a partir de então, veio a incitar ainda mais a
violência no campo maranhense. O direcionamento escolhido pela burocracia
estadual, revestido com o discurso do estímulo ao progresso, reservaria um destino
severamente incerto para os trabalhadores rurais. No final da década de 1960, o
governo estadual adotou uma série de medidas para o campo, criando a reserva
estadual de terras, as delegacias de terras e, em seguida, a lei de terras, a qual,
como se mencionou, permitiu a venda de terras devolutas do estado a grupos
empresariais, sem necessidade de licitação.
Essas medidas expressam uma determinação do então governador em
transformar o Maranhão em um espaço atraente para o capital. Nesse sentido, foi
criada a imagem de um estado das oportunidades para os “homens de negócio”,
idéia que o próprio governador tratou, pessoalmente, de disseminar nos diversos
fóruns empresariais pelo país, para os possíveis investidores interessados,
nacionais e estrangeiros.
O Maranhão é, em verdade, um fenômeno econômico irreversível e a
grande oportunidade para os investimentos compulsórios, tanto na faixa da
SUDAM/ Banco da Amazônia, quanto na área da SUDENE/ Banco do
Nordeste. [...]. De imediato e a médio prazo será sem dúvida o Maranhão a
unidade integrante da região Amazônica que soma as melhores
oportunidades e oferece as maiores perspectivas para o investimento
privado. (SARNEY, 1970, apud GONÇALVES, 2000, p. 171-172)
A propaganda que se passou a fazer a respeito do Maranhão, a rigor e por si
só, não era nenhuma novidade. No início do século XVII, por exemplo, o comandante
151
da nau capitânia de uma expedição portuguesa ao Maranhão escreveu um
entusiástico relato
79
:
Eu me resolvo que esta é a melhor terra do mundo, onde os naturais são
muito fortes e vivem muitos anos, e consta-nos que, das que correram os
portugueses, a melhor é o Brasil e o Maranhão é Brasil melhor, e mais perto
de Portugal que todos os outros portos daquele estado, em derrota muito
fácil à navegação donde se de ir em vinte dias ordinariamente.
(SILVEIRA, 1976, apud PEREIRA, 2002, p.63)
A novidade, entretanto, era o fato de que, enquanto aquele relato do
navegador português visava principalmente atrair os “pobres do Reino de Portugal”
para a empreitada de povoamento das terras de além-mar, em particular as áreas
que foram alvo da cobiça expropriadora de franceses e holandeses, a propaganda
do governo do Maranhão, contextualizada em outro tempo histórico, oferecia o
território estadual a formas mais refinadas de cobiça, igualmente expropriadora, uma
vez que colocava o estado como espaço físico apropriado à reprodução ampliada do
capital. Ou seja, intentava-se revigorar os vínculos das atividades da economia local
com a dinâmica geral do capital, recorrentemente enfraquecidos ao fim dos diversos
ciclos econômicos vivenciados no passado.
Intrinsecamente, ofertava-se também a população como mão-de-obra barata,
elemento essencial para a materialização de tal processo de acumulação,
considerando-se as condições técnicas vigentes. Quanto a este aspecto particular, o
projeto de colonização da COMARCO implantado mais tarde, parece ter sido
concebido de modo a localizar os produtores familiares no centro da área transferida
aos grupos empresariais, conforme se pode visualizar no mapa 4. Com esse
desenho do projeto, esses produtores viriam fornecer a mão-de-obra que as
fazendas poderiam demandar sazonalmente, nas etapas de implantação de cercas,
desmatamento ou corte de ervas daninhas. Por sua vez, não haveria problemas
quanto à disponibilidade dos trabalhadores para a realização de tais tarefas, tanto
em função das diferenças entre o tempo de trabalho e o tempo de produção que
caracterizam as atividades agrícolas, quanto devido às dificuldades inerentes às
condições de vida das famílias, que as obrigavam à busca de renda complementar
nas poucas atividades remuneradas disponíveis fora dos lotes. De todo modo, a
79
O relato de Simão Estácio da Silveira, “Relação Sumária das Cousas do Maranhão”, foi publicado em Lisboa
no ano de 1624, sendo considerado a primeira propaganda escrita em favor do Maranhão. (PEREIRA, 2002, p. 63).
152
existência das famílias em uma área circundada pelas fazendas funcionaria como
um atrativo a mais para os grupos empresariais interessados nas terras.
80
O Maranhão buscava, então, traçar rumos para seu desenvolvimento, pois
essa era uma condição indispensável para as aspirações do grupo político que
estava iniciando sua trajetória no poder. Uma vez localizada na Pré-Amazônia esta
unidade federativa poderia despertar a cobiça dos investidores que almejassem os
benefícios fiscais tanto da SUDENE quanto da SUDAM. Como praticamente não
80
Na prática, porém, as empresas pouco precisaram da mão-de-obra disponibilizada, uma vez que não
desenvolveram, efetivamente, as atividades agropecuárias esperadas pelo governo estadual. Além do mais, talvez
a maior demanda por pessoal tenha sido para a formação dos grupos de seguranças, mas neste caso, costumavam
recrutar seus capangas em outros estados do país.
Ma
pa 4: Maranhão
-
área de atuação da Comarco
Fonte: Adaptado de Arcangeli (1987)
153
dispunha de infra-estrutura e demais fatores atraentes em setores mais dinâmicos
para a acumulação de capital, o Estado oferecia suas terras aos empresários - e as
terras situadas nas proximidades da rodovia Belém-Brasília, por razões óbvias.
Ocorre que para essas áreas vinham se deslocando, havia algum tempo, tanto
populações nativas do Maranhão quanto famílias integrantes das frentes migratórias
incentivadas pelo governo federal, no contexto de medidas atenuantes para os
graves problemas enfrentados no conjunto da região Nordeste. A ação da SUDENE,
neste caso, sugeria uma espécie de mercado de terras aberto, configurado a partir
da abertura de novas fronteiras agrícolas, cuja finalidade primordial consistia na
produção de alimentos. A opção do governo estadual contrapunha-se a essa
concepção na medida em que procurava incentivar a vinda da “empresa moderna”,
considerada pelos planejadores como preferível à “empresa familiar”
81
,
estabelecendo um mercado de terras fechado. Assim, passa-se a gerar um cenário
no qual as possibilidades de acesso à terra pelos trabalhadores rurais – antes
aliados de campanha do então governador - passam pela necessidade de confronto,
agora o somente com os tradicionais latifundiários individuais, mas com parcelas
do capital especulativo em busca das facilidades de reprodução proporcionadas
pelos incentivos fiscais e de crédito. Assim é que, com o aparecimento da Lei e das
Delegacias de Terras estourou, de verdade, a mais crítica problemática fundiária da
história do Maranhão (ASSELIN, 1982, p. 129).
Grande parte das famílias que eram expulsas de suas posses dispersava-se
nas periferias das cidades; outras, porém, agrupavam-se e organizavam-se para
resistir, primeiramente montando acampamento entre as rodovias e as cercas de
arame, e em seguida, ocupando fazendas improdutivas. Não restava, pois,
alternativa aos trabalhadores além da busca de fortalecimento de sua luta - a
exemplo das ações que se iniciaram no vale do rio Pindaré - abrindo sindicatos
independentes e enfrentando de maneira mais organizada os desafios que se
colocavam naquele momento. Essas entidades, em torno das quais se reuniu
grande número de trabalhadores, ficaram conhecidas como sindicatos clandestinos,
porque procuravam permanecer autônomas em relação à legislação vigente.
81
Conforme observa Gonçalves (2000, p. 99), pode-se considerar que José Sarney demarca a diferença entre a
empresa chamada ‘moderna’ e a ‘empresa familiar’ pelo que denomina de ‘sentido dinâmico’ da primeira. Essa
concepção perpassa pela idéia de que a organização da empresa familiar é na sua essência dotada de sentido
estático, antípoda ao da empresa dita ‘moderna’.
154
Por sua vez, aquelas entidades que seguiram as conveniências legais tiveram
expressivo crescimento em todo o País, a partir da criação de novos sindicatos.
Estes o os chamados sindicatos pelegos, surgidos sob a tutela da ditadura militar
e usados como instrumentos desta, sendo suas marcas fundamentais, de um lado, a
prática do assistencialismo e, de outro, o controle das ações dos trabalhadores
rurais. Através dessas agremiações o Estado passou a ofertar serviços como
assistência médica e aposentadorias para a população rural. Assim, grande parte de
seus membros constitui-se da chamada população inativa, que buscava tais
benefícios, cujo acesso estava condicionado à filiação aos sindicatos oficiais.
Atrelados à burocracia estatal, esses sindicatos eram muito suscetíveis à ingerência
externa. Sob tal circunstância, grupos políticos regionais, interessados nos possíveis
ganhos eleitorais, passaram a utilizar sua influência junto à cúpula do poder central
para fundar e reconhecer sindicatos, os quais podiam manter sob seu controle. No
caso particular do Maranhão, esse processo foi concretizado com a instalação, no
ano de 1967, da Delegacia da CONTAG, então sob intervenção militar, e com a
fundação, em 1972, da Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado do
Maranhão – FETAEMA.
No ano de 1973, a CONTAG organizou o II Congresso Nacional de
Trabalhadores Rurais, no qual se travou acirrado embate entre os sindicatos
controlados pelo Estado e os que se mantinham independentes, pois estes últimos
reafirmavam a necessidade de uma reforma agrária democrática. Como resultado
imediato, alguns deles sofreram intervenção.
Apesar do controle estatal, gradativamente foi surgindo no interior desses
sindicatos oficiais o desejo de autonomia, posição que foi aprofundada durante o III
Congresso Nacional dos Trabalhadores Rurais. Os trabalhadores firmaram o
propósito de lutar constantemente para que seus sindicatos mantenham-se livres e
autônomos, com os próprios trabalhadores decidindo sobre os destinos e as lutas de
suas organizações (ALMEIDA, 1981, p. 78).
A Igreja, por sua vez, buscou renovar sua prática social, traçando ações
pedagógicas específicas para os distintos segmentos, contemplando assim
operários, trabalhadores rurais, indígenas, etc. Essa foi uma tentativa de melhor
alcançar a diversidade existente, ainda que no Maranhão grupos sociais
numericamente decisivos como os negros o tenham então recebido atenção
155
espefica, mas isso talvez se deva ao fato de o foco dos conflitos agrios localizar-se,
naquele momento, nas áreas de fronteira agrícola, cuja questão central não estava
relacionada às especificidades étnicas e sim à posse da terra. Destaca-se o trabalho
da Comissão Pastoral da Terra CPT, criada em 1975 com a finalidade de auxiliar
os trabalhadores rurais no levantamento fundiário e na titulação das terras, além de
prestar assistência no âmbito da educação sindical e apoiar suas reivindicações
prioritárias.
Como resultado da luta empreendida pelos trabalhadores rurais e com o
apoio das diversas entidades, muitas famílias vêm conseguindo reconquistar
importantes faixas de terra no Maranhão, a exemplo do que ocorre em todo o Brasil.
De um modo geral, esse movimento tem representado uma antecipação dos
trabalhadores a uma esperada ação estatal de redistribuição da terra. Assim, a
ocupação das terras agricultáveis não utilizadas produtivamente pelos grandes
proprietários tem funcionado como a estratégia mais imediata e eficaz para
impulsionar o processo de mudança na estrutura fundiária do país.
Tabela 12: Ocupações de terra no meio rural do Brasil e do Maranhão - 1985- 2005
BRASIL MARANHÃO
ANO
Nº. de
Imóveis
Famílias
envolvidas
Nº. de
Imóveis
Famílias
Envolvidas
1985
768 86.854 (*) 1.471
1986
634 11.848 07 4.718
1987
(*) (*) (*) (*)
1988
71 11.119 07 1.230
1989
80 15.960 06 1.290
1990
49 8.314 02 800
1991
77 15.340 03 152
1992
81 15.538 04 595
1993
89 19.092 02 405
1994
119 20.516 03 612
1995
146 30.476 01 230
1996
398 63.080 09 2.460
1997
463 58.266 07 740
1998
599 76.482 12 860
1999
593 78.258 06 333
2000
390 64.497 01 200
2001
194 47.197 09 747
2002
184 26.958 04 900
2003
391 65.552 06 472
2004
496 79.591 04 1.070
2005
437 54.427 03 388
Fonte: COMISO PASTORAL DA TERRA (2004) e dados disponíveis em:
<http://www.cptnacional.org.br>. Acesso em: 18.set.2006.
(*) Informação não disponível.
156
Observada ao longo das décadas recentes, a trajetória das ocupações de
terra mostra-se bastante significativa, tanto para o conjunto do país quanto para o
estado do Maranhão. Destacam-se especialmente os dados da segunda metade da
década de 1990, período em que ocorreram em média 488 ocupações, envolvendo
um contingente de 340.583 famílias, no conjunto dos estados brasileiros. No
Maranhão, a média anual foi de sete ocupações, que somaram 4.593 famílias. No
caso particular deste estado, o ano de 1996 destaca-se pelo número de famílias que
participaram das ocupações: mais da metade (53,6%) do contingente total do
período considerado.
O avanço das grandes apropriações sobre as terras de lavoura para a
expansão da pecuária até o fechamento da fronteira agrícola, o advento dos grandes
projetos vinculados ao PGC para plantação de eucalipto e a incorporão de extensas
áreas de cerrado para a monocultura de soja, contribuíram decisivamente para
expulsar da terra as famílias de produtores rurais, empurrando-as na direção das
cidades. Como estas, pelas circunstâncias históricas da modernidade, também
passam a se fechar para as famílias rurais, começa a se expandir, nas diversas
regiões do estado, um espaço intermediário para comportar essas famílias.
Entretanto, todo esse processo não ocorre passivamente. A decidida resistência dos
trabalhadores, organizados nas mais diversas situações logrou impedir que o avanço
das cercas de arame fosse mais rápido e empreendeu um movimento de retomada
de parte das terras, para transformá-la em assentamentos rurais e produzir
alimentos.
4.3 Caracterização dos assentamentos de reforma agrária na dinâmica
socioeconômica do estado do Maranhão
Conforme se discutiu na seção anterior, a conseqüência mais imediata das
ocupações de terra realizadas pelos trabalhadores rurais traduz-se na reafirmação
da função social da terra através de seu uso de forma produtiva pelas famílias
incorporadas nos diversos assentamentos que foram sendo criados, principalmente
a partir da década de 1980. É nessa mesma década que se verificam duas
157
condições essenciais para a expansão do quantitativo de assentamentos de reforma
agrária no Maranhão: por um lado, o avanço da organização dos trabalhadores que
se encontravam acampados à beira das estradas; por outro, as empresas
“modernas” que vieram para a Pré-Amazônia maranhense atraídas por incentivos
fiscais, não estavam interessadas em manter as terras sob sua propriedade, pois
à época em que foram se reduzindo os incentivos da Sudene e da Sudam, a
cobertura vegetal havia sido devastada, quer pela exploração predatória da
madeira de lei quer pela implantação de pastagem com uso de agrotóxicos. Assim,
para aqueles grupos, que já haviam se beneficiado dos incentivos fiscais e de
crédito, ter as áreas invadidas pelos sem-terra e em seguida desapropriadas pelo
Governo representava mais uma oportunidade de tirar vantagens da situação: agora,
através da indenização, às vezes a preços elevadíssimos, das terras antes
devolutas
82
.
Nesse contexto é que se origina a hipótese desta seção, segundo a qual os
assentamentos de reforma agrária no Maranhão constituem um processo
irreversível, considerando-se sua expansão quantitativa, as condições históricas
dessa expansão e o contingente de famílias envolvidas, ainda que essa
circunstância não signifique qualquer indicação de uma trajetória segura.
A observação da expansão quantitativa pode ser feita de maneira menos
problemática quando se considera o conjunto do território maranhense. Porém,
quando se pretende analisá-la com base nos municípios, apresentam-se alguns
obstáculos de difícil contorno, uma vez que dez anos operou-se profunda
modificação na divisão geográfica do Maranhão, assim como em outros estados da
Federação, a partir da emancipação de diversos povoados, que foram alçados à
categoria de municípios
83
. Em sua maioria, esses novos municípios tiveram os
territórios formados pela junção de áreas desmembradas de diferentes municípios.
Em algumas situações, um mesmo município cedeu trechos de seu território para a
formação de dois outros municípios. Em se tratando dos assentamentos em
82
Atraídos por uma generosa política de transferência de terras do estado, via COMARCO Companhia
Maranhense de Colonização no início dos anos 70, a partir de dispositivos legais como a lei Sarney de terras
e outros, e da igualmente generosa política de inventivos fiscais no mesmo período, tais grupos vêm obtendo
lucros fantásticos com processos desapropriatórios de grandes áreas transferidas a seus patrimônios pela
COMARCO, chegando, em alguns casos, quando comparados os preços de aquisição inicial e de
desapropriação, a atingir um ágio de 2.481%, conforme quadro apresentado pela Folha de São Paulo.
(ANDRADE; CARNEIRO; MESQUITA, 1996, p. 106-107)
83
No Maranhão foram criados 81 novos municípios, instalados em janeiro de 1997.
158
particular, casos em que a área não coincide com os limites municipais,
abrangendo trechos de outros municípios. Dessa forma, as informações referentes a
determinado município que tenha sofrido desmembramento não podem ser
adaptadas para efeitos comparativos com o novo município.
Estatísticas oficiais indicam que atualmente no estado do Maranhão, existem
826 assentamentos
84
, somando-se os quantitativos de projetos de responsabilidade
dos governos federal e estadual, ocupando uma área total de 4,1 milhões de
hectares e envolvendo aproximadamente 94,3 mil famílias. A distribuição geral
desses assentamentos nos diferentes municípios do território estadual pode ser
visualizada no mapa 5, a seguir.
Mapa 5: Maranhão - distribuição dos assentamentos nos municípios - 2006
Fonte: Elaborado a partir dos dados fornecidos pelo INCRA
84
Até o mês de setembro/2006, conforme levantamento direto junto à Superintendência Regional do INCRA –
MA e ao INCRA Nacional, Brasília, DF.
159
As áreas em branco observadas no mapa representam os 64 municípios onde
não assentamentos. Por outro lado, no anexo F e tabela 13, a seguir, pode-se
verificar que existem assentamentos em todas as microrregiões geográficas do
estado, de forma mais concentrada em algumas e mais dispersa em outras,
abrangendo 70,5% dos 217 municípios do Maranhão. Entre esses 153 municípios
com projetos, 23% têm apenas um assentamento, 32% contam com até 2 projetos e
cerca de 70% apresentam de 1 a 5 assentamentos. No outro extremo,
aproximadamente 3% dos municípios contabilizam mais de 20 projetos, sendo que o
caso mais numeroso apresenta 50 assentamentos.
Tabela 13: Maranhão - distribuição dos assentamentos nos municípios - 2006
Nº projetos Nº Municípios %
01 a 05 106 69,3
06 a 10 28 18,3
11 a 15 9 5,9
16 a 20 5 3,3
21 a 25 1 0,7
26 a 30 2 1,3
31 a 35 0 0,0
36 a 40 1 0,7
41 a 45 0 0,0
46 a 50 1 0,7
153 100,0
Fonte: Elaborada a partir dos dados fornecidos pelo INCRA
No caso dos projetos criados pelo INCRA, sua maioria localiza-se em áreas
onde houve conflitos, sendo a aquisição da terra, quer por compra, arrecadação ou
desapropriação, feita pelo Governo a partir da demanda que se origina de uma ação
efetiva das famílias sem terra. É essa circunstância que imprime a essas
experiências de assentamento um forte significado de conquista da terra por parte das
famílias e não uma conceso do Estado. No que se refere aos assentamentos criados
pelo ITERMA, pode-se considerar que representam, predominantemente, situações
de regularização de posses antigas.
É digna de destaque a expansão quantitativa dos assentamentos de reforma
agrária no estado do Maranhão. Considerando-se os últimos dez anos, o acréscimo
foi superior a 320%. No ano de 1996, de acordo com Silva (1997), havia no território
maranhense um total de 196 projetos, sendo 125 do governo federal e 71 do
160
governo estadual, encampando uma área de 1,5 milhões de hectares e 40,1 mil
famílias. Atualmente, existem 826 projetos, com uma área total de 4,1 milhões de
hectares, portanto, com uma expansão de 173%, abrigando 94,3 mil famílias, o que
significa um acréscimo de 135% no contingente de famílias assentadas.
O governo estadual efetivou um total de 222 assentamentos, o que
representa um acréscimo de 213% em relação ao quantitativo que havia sido criado
até 1996. A área abrangida pelo conjunto desses assentamentos é, hoje, de
aproximadamente 1,6 milhões de hectares, tendo assim aumentado 300% nos
últimos dez anos, quando havia 372 mil hectares ocupados pelos assentamentos
estaduais. O número de famílias envolvidas também cresceu de forma significativa,
indo de 11,5 mil em 1996 para 24,1 mil, em 2006, portanto, com um acscimo de 110%.
Convencionalmente, a ação do ITERMA tem como alvo as áreas de até 1.000
hectares, ficando sob responsabilidade do INCRA os casos que envolvem áreas
maiores. Todavia, em se tratando de um estado em que a estrutura fundiária
encontra-se muito concentrada, freqüentemente desconsidera-se tal indicação.
Dessa forma, verifica-se que, dos 77 municípios em que ocorre a atuação do
ITERMA, 52 apresentam imóveis com área superior a 1.000 hectares, totalizando-se
153 assentamentos nessa condição. Quando são considerados os imóveis com área
superior a 10 mil hectares, aquele órgão é responsável pela criação de 30 projetos,
os quais se encontram distribuídos em 17 municípios do Maranhão.
Os projetos criados pelo governo federal no Maranhão, até o presente
momento, perfazem 604 assentamentos, o que representa uma evolução de 383%
em relação aos números de 1996. A área total passou de menos de 1,1 milhões
para 2,5 milhões de hectares, tendo um acréscimo de 127%. O contingente de
famílias assentadas atingiu 72,7 mil, número que é 155% superior que as 28,5 mil
famílias existentes há uma década atrás.
Um aspecto que chama à atenção, quanto aos assentamentos efetuados pelo
governo federal no Maranhão (INCRA), refere-se às oscilações no ritmo de criação
dos projetos. Conforme se pode observar no gráfico 8, é a partir do ano de 1986,
com o PNRA, que passa a se efetivar o processo de assentamento de trabalhadores
rurais no Maranhão. Antes disso, havia sido implantado um único projeto, no ano de
1971. Depois deste, passaram-se 15 anos até que as ações fossem reiniciadas. No
ano de 1986 foram criados três projetos. Seguiram-se, então, oito anos de
161
acentuada inconstância e, acima de tudo, com números pouco representativos,
variando de 17 assentamentos (1987) a nenhum projeto criado (1990). Somente a
partir de 1995 observa-se um acréscimo significativo no número de projetos criados
a cada ano, tendo-se alcançado, em 1997, o pico de 101 assentamentos no
Maranhão.
Adotando-se uma periodização com intervalos de quatro anos, percebe-se o
contraste na trajetória de criação dos assentamentos. Cabe ressalvar que os três
primeiros dados (1971, 1972/85 e 1986), em função das diferenças de amplitude,
não servem como termo de comparação com os demais períodos. Entretanto, sua
consideração é importante para delimitar o início da efetivação dos assentamentos e
as descontinuidades da reforma agrária no Maranhão. Por outro lado, a escolha da
periodização de quatro anos, que coincide com os últimos mandatos na Presidência
da República, permite que se observe a agilidade de resposta dos governantes, nos
diferentes momentos, às pressões do movimento social por reforma agrária.
Analisando dados do I Censo da Reforma Agrária no Brasil referentes ao
estado do Maranhão, Andrade, Carneiro e Mesquita (1996) expõem da seguinte
maneira suas considerações:
1
0
3
26 26
265
249 256
0
50
100
150
200
250
300
1971
1972
/
85
1987
/
90
19
95/
98
1999
/
02
2003/
06
19
86
1991/
94
Gráfico 8
: Maranhão
-
projetos de assentamento, por período de criação
1971/2006
Fonte: Elaborado a partir de dados fornecidos pelo INCRA
162
Tomando o ano de 1995 como base, podemos indicar, escrutinando os
dados por sua disposição ao longo do tempo, que os valores indicam a
proximidade com que as ações chamadas de Reforma Agrária no Maranhão
acompanham a conjuntura da política nacional, isto é, das modificações
operadas na condução do executivo federal e de suas repercussões para a
política de Reforma Agrária no País. Em linhas gerais, os dados revelam: i)
o surto inicial de ações relacionadas ao início da Nova República (1985/89),
com picos de ações em 1986 e 1988; ii) sofrem uma abrupta redução no
período 1989/92, entre o fim do governo Sarney e o período Collor (1992-
94; iii) tem uma retomada no governo Itamar (1992-94) com certa
continuidade nos primeiro anos do governo FHC (1994-1995). (ANDRADE;
CARNEIRO; MESQUITA, 1996, p. 103-104)
É necessário acrescentar que na segunda metade da década de 1990 (1995
a 1998) - período imediatamente posterior ao analisado pelos autores citados - foi
quando se criou a maior quantidade de projetos neste estado. Por outro lado,
observando-se os avanços das lutas dos trabalhadores rurais, verifica-se que esse é
o período de maior incidência de invasões de terra (Tabela 14). Evidentemente, por
mais sensível que seja um governo às demandas e pressões advindas do
movimento social, não se pode supor uma resposta direta e imediata às invasões de
terra com a criação de assentamentos, inclusive porque um percurso jurídico e
administrativo relativamente longo entre o fato da ocupação, a aquisição da terra e a
efetivação do projeto de assentamento. No entanto, essa relação entre ocupação e
criação de novos assentamentos torna-se evidente e é apontada também pelos
autores citados.
Ainda que possa nos levar a uma excessiva simplificação do quadro das
lutas sociais travadas no campo maranhense no período, que, com certeza,
não se esgotam nas ocupações de terra, julgamos que a correlação
apontada entre o montante de terras tidas como reformadas e a
regionalização das lutas pela terra no período guarda considerável nível
de fidedignidade com as mobilizações que, a partir da metade dos anos 80,
vêm sendo realizadas por diferentes segmentos camponeses no estado.
(ANDRADE; CARNEIRO; MESQUISTA, 1996, p. 106)
85
Anos subseqüentes aos de maior número de invasão, geralmente, foram anos
em que se criou uma quantidade significativa de assentamentos. Essa circunstância
é possível não somente porque se trata de um contexto de reconstrução da
democracia no País, mas porque a força do movimento social foi capaz de colocar
na agenda pública a reforma agrária enquanto solução viável de alguns problemas
85
Para o conjunto do Brasil, Tavares dos Santos (1998) [...] relacionando conflitos agrários com aspectos
conjunturais e estruturais (séries históricas regionalizadas para 1988 a 1997), identifica correlação positiva
entre índices de Gini. [...] Observando grandes diferenciações regionais, que associa a questões ambientais,
aspectos históricos e correlações de forças localizadas, conclui que uma efetiva intervenção do Estado no
sentido de ampliar o acesso à terra, na sociedade brasileira, poderá não apenas reduzir a violência no campo
como ampliar os direitos coletivos de cidadania, levando a Nação a um outro patamar do processo civilizatório.
(MELGAREJO, 2000, p. 55)
163
sociais e econômicos, superando parcialmente os termos do debate acerca de sua
necessidade ou não para a determinação dos rumos da sociedade.
Tabela 14: Maranhão - ocupações de terra, por período (1987- 2005)
Períodos
1987/1990
1991/1994
1995/1998
1999/2002
2003/2005
Ocupações
15 12 29 20 13
Fonte: COMISSÃO PASTORAL DA TERRA (2004) e dados disponíveis em:
<http://www.cptnacional.org.br>. Acesso em: 18.set.2006.
É verdade que a sensibilidade do governo para o atendimento das demandas
oriundas dos trabalhadores rurais nem sempre tem como pressuposto ações de
ocupação de terra. No caso específico do último período considerado no gráfico 8, o
que contribuiu para a expansão dos assentamentos foi a intensificação das ações de
regularização de terras pelo governo estadual, visto que 45% (100) dos 222
assentamentos da esfera estadual foram criados entre 2003 e 2006. Nesse período
tais resultados foram obtidos em função de uma decisiva parceria com o governo
federal, em que os respectivos institutos (INCRA e ITERMA) passaram a atuar
conjuntamente, havendo da parte do governo federal alocação de recursos para
viabilização dos projetos. Assim, parte dos recursos que, em outros momentos, eram
direcionados para efetivação de projetos na esfera federal, no presente momento
vem sendo destinada para os assentamentos estaduais.
É necessário, entretanto, considerar o contexto em que se esse empenho
do governo estadual. Os dados comparativos, incluindo-se os indicadores de saúde,
educação, saneamento sico, emprego, renda, entre outros, colocam o Maranhão
em posição muito desfavorável no contexto do país. O baixo IDH do estado e sua
persistência em relação a avaliações anteriores põem os governantes em situações
embaraçosas perante runs e organismos internacionais, e principalmente, perante
a população local, comprometendo as sempre recorrentes pretensões de
continuidade no poder constituído.
Por outro lado, uma possível comparação das ações do governo federal com
as do governo estadual até o primeiro quarto da presente década, revela acentuada
assimetria no que se refere à criação dos projetos, havendo coincidência apenas
nos anos de baixíssima ou nenhuma criação, ainda que o discurso dos órgãos
responsáveis, muito tempo, procure ressaltar a construção de parcerias.
164
Entretanto, somente nos últimos anos essa parceria tem assumido formas concretas,
abrangendo, além do ato de criação dos projetos, aspectos como a montagem de
infra-estrutura e o fornecimento de serviços diversos, processo no qual se envolvem
também outras instituições públicas e privadas, cujo campo de atuação constitui-se
de um ambiente complexo e com todos os obstáculos decorrentes de uma expansão
de assentamentos não planejada, ainda que muito desejada e indubitavelmente
necessária.
Abrangendo na atualidade uma área total de aproximadamente 4,1 milhões
de hectares, conforme se mencionou, os assentamentos no Maranhão possuem
um tamanho médio de 4,9 mil hectares e o tamanho médio dos lotes é de 43,4
hectares. Há dez anos o tamanho médio dos assentamentos era de 7,5 mil hectares,
sofrendo, portanto, uma significativa redução de 36,7%, enquanto o tamanho médio
dos lotes é hoje 18,9% maior que os 36,5 hectares verificados no passado. Por outro
lado, as diferenças referentes às dimensões continuam bastante acentuadas. Em
1996, o menor assentamento possuía 492 hectares (Coroatá) e o maior, 88,9 mil
hectares (Cândido Mendes/Turiaçu), o que significa 180,7 vezes o tamanho do
menor assentamento. Os lotes mínimo e máximo variavam entre 1,4 hectare (São
Luís) e 132,9 hectares (Santa Luzia), sendo este cerca de 95 vezes maior que
aquele. Atualmente, o assentamento de menor extensão conta com 18 hectares
(São Luís), enquanto o mais extenso, com uma área 10.277,8 vezes maior, possui
aproximadamente 185 mil hectares (Cururupu)
86
. Quanto ao tamanho médio dos
lotes, na atualidade, o maior (Santa Luzia) possui seis mil hectares e o menor (São
Luís) conta com apenas 0,75 hectares.
87
Na microrregião do Pindaré, alvo principal dos grandes grupos que receberam
incentivos do governo (estadual e federal) para aquisição de terras no Maranhão,
encontra-se o maior número de projetos de assentamento (18,8%), a maior
86
No levantamento realizado durante a presente pesquisa, verifica-se a existência de uma área ainda maior, com
340 mil hectares, no município de Barra do Corda, que se refere a um PIC criado em 1971, mas que não aparece
na listagem oficial de assentamentos fornecida pelo INCRA em 1996. Caso se contabilize esta área como
assentamento, a diferença entre o maior e o menor se eleva para 18.888,9 vezes no atual momento.
87
Esses são casos que apresentam características atípicas. O assentamento no qual se encontra o menor lote
médio possui uma área total bastante pequena (18 hectares) e sua capacidade é de 22 famílias, mas obriga 24
famílias, o que reduz ainda mais o tamanho médio dos lotes. A segunda menor média de lotes encontra-se em um
assentamento (Bacurituba) que conta com 215 famílias, porém sua capacidade é para apenas 120 famílias. No
outro extremo, o assentamento que apresenta o maior lote médio conta com uma área muito ampla (48,4 mil
hectares) e tem capacidade para atender 1.888 famílias, porém até a data do levantamento dos dados para a
presente pesquisa, havia apenas oito famílias assentadas. Em situação parecida (número famílias assentadas
inferior à capacidade da área) encontram-se 73% dos assentamentos existentes no Maranhão.
165
concentração de famílias assentadas (25,4%) e também a maior área abrangida
(26,3%), conforme tabela 15. A microrregião dos Lençóis Maranhenses apresenta a
segunda maior concentração de projetos, representando 11,74% do total. Essa
expansão deu-se recentemente, em função da atuação conjunta dos governos
estadual e federal. Nessa microrregião, situam-se 92 (41,7%) dos 222
assentamentos estaduais, estando 49 somente no município de Barreirinhas. Todos
esses projetos estaduais foram criados a partir de 1996, sendo que 77 (83,7%), nos
últimos seis anos. A Baixada Maranhense é outra microrregião que desponta no
quantitativo de assentamentos nos últimos dez anos, período em que foram criados
84,6% dos projetos existentes no presente momento, sendo que 58,4% destes
surgiram nos últimos seis anos.
Tabela 15: Maranhão - concentração dos assentamentos por microrregião - 2006
PA FAMÍLIAS ÁREA (Ha)
MICRORREGIÕES
TOTAL TOTAL LOTE MÉDIO TOTAL PA MÉDIO
Pindaré 155
23.981 44,92 1.077.314 6.950,41
Lençóis 97
6.528 51,16 333.955 3.442,84
Baixada 93
8.988 20,26 182.110 1.958,17
Médio Mearim 65
5.524 29,47 162.805 2.504,69
Gurupi 60
8.969 71,52 641.498 10.691,63
Imperatriz 58
5.435 34,21 185.921 3.205,53
Itapecuru 54
5.195 24,21 125.784 2.329,33
Codó 44
4.524 29,15 131.885 2.997,39
Alto Mearim e Grajaú 37
8.380 69,70 584.089 15.786,19
Caxias 35
4.558 34,79 158.573 4.530,66
Rosário 24
2.514 41,43 104.149 4.339,54
Chapadinha 21
1.022 32,67 33.387 1.589,86
Porto Franco 20
1.308 42,39 55.444 2.772,20
Litoral Ocidental 12
1.631 24,38 39.761 3.313,42
Baixo Parnaíba 12
948 30,37 28.789 2.399,08
Gerais de Balsas 10
270 237,00 63.991 6.399,10
Chapadas Alto Itapecuru 10
1.285 34,60 44.456 4.445,60
Presidente Dutra 8
2.091 42,58 89.025 11.128,13
Agl. Urbana de São Luís 8
859 6,01 5.160 645,00
Chap. das Mangabeiras 2
325 154,81 50.313 25.156,50
Coelho Neto 1
8 25,50 204 204,00
TOTAL 826
94.343 43,44 4.098.613 4.962,00
Fonte: Elaborado a partir de dados fornecidos pelo INCRA
Considerando o conjunto do território maranhense, como se pode observar na
tabela 10, do total de 826 assentamentos, 87 têm área igual ou superior a 10 mil
166
hectares. dez anos, quando o Estado contava com 196 assentamentos, esse
quantitativo era de 20%, totalizando 39 projetos e abrangendo uma área de 985,5
mil hectares. Dois terços desta área (616,5 mil hectares), distribuídos em 20
diferentes projetos, situavam-se nas microrregiões que sofrem impactos do Projeto
Ferro-Carajás. Comparados com o total de assentamentos no Maranhão, esses 20
projetos ocupavam mais de 42% da área, enquanto as famílias envolvidas
representavam 32% do total das famílias assentadas até aquele momento (SILVA,
1997, p. 105-106).
Tabela 16: Maranhão - assentamentos com área a partir de 10 mil hectares - 2006
MICRORREGIÃO PROJETOS
ÁREA TOTAL FAMÍLIAS
Pindaré* 36 766.892,68 15.607
Gurupi* 14 441.505,98 5.754
Alto Mearim e Grajaú 9 499.821,00 6.313
Lençóis Maranhenses 5 156.062,56 2.508
Caxias 3 41.162,19 481
Codó 3 34.187,36 1.251
Imperatriz* 3 47.729,07 1.173
Médio Mearim 3 66.946,66 2.164
Baixada* 2 20.866,00 700
Gerais de Balsas* 2 32.496,31 56
Litoral Ocidental 2 199.641,82 1.155
Presidente Dutra 2 83.179,00 1.750
Chapada das Mangabeiras 1 49.482,00 300
Itapecuru Mirim* 1 12.364,00 380
Rosário* 1 26.670,00 357
TOTAL 87 2.479.007,00 39.949
Fonte: INCRA
* Microrregiões atingidas pela área de influência do Projeto Ferro-Carajás.
Na atualidade, conforme se mencionou anteriormente, os assentamentos com
dimensões a partir de 10 mil hectares são 87 projetos, que se distribuem em 15 das
21 microrregiões geográficas do estado. A área ocupada por esses projetos é 2,5
milhões de hectares, representando 60,9% da área total e as famílias envolvidas
(39,5 mil) representam 41,9% das famílias assentadas no Maranhão. Quando se
observa o espaço que compreende as microrregiões influenciadas pelo Projeto
Ferro-Carajás, são identificados 59 dos 87 assentamentos de grandes dimensões, o
que significa um percentual de 67,8%. Também é nessas microrregiões que se
encontram 1,3 milhão (52%) dos 2,5 milhões de hectares acima mencionados. O
contingente de famílias envolvidas nestes projetos é 24 mil, perfazendo 60,8% das
famílias assentadas nos grandes projetos. Em relação ao estado do Maranhão,
167
esses 59 projetos representam 7,1% dos assentamentos e ocupam 31,2% da área,
reunindo 25,4% das famílias.
Como se mencionou, a microrregião geográfica do Pindaré é a que
concentra a maior quantidade dos assentamentos com área igual ou superior a 10
mil hectares no estado do Maranhão. Considerando-se o grupo das quatro
microrregiões que mais concentram os grandes projetos, a do Pindaré, a do Gurupi,
a do Alto Mearim e Grajaú e a dos Lençóis Maranhenses, tem-se uma reunião que
corresponde a 77% dos projetos, a 75% da área e a 40% das famílias envolvidas.
A expansão dos projetos de assentamento que ocorre na microrregião dos
Lençóis é um processo recente e que, como foi dito antes, decorre principalmente da
regularização de áreas cuja permanência dos moradores encontrava-se ameaçada
por interesses externos e especulativos de pretensos proprietários. É preciso
lembrar que esta microrregião constitui atualmente um dos principais alvos da
indústria do turismo no Maranhão. No caso da microrregião do Alto Mearim e Grajaú,
ainda que tenha sido palco de intensos conflitos de terra e quase todos os
assentamentos resultem de desapropriação de fazendas, a contribuição maior para
11%
12%
7%
11%
42%
Pindaré
Gurupi
Alto Mearim e Grajaú
Lençóis
17%
Caxias (3%)
Codó (3%)
Imperatriz (3%)
Médio Mearim (3%)
Baixada (2%)
Gerais de Balsas (2%)
Litoral Ocidental (2%)
Presidente Dutra (2%)
Ch. Mangabeiras (1%)
Itapecuru Mirim (1%)
Rosário (1%)
Gráfico 9: Maranhão
-
assentamentos com área a partir de 10 mil hectares
2006
Fonte: Elaborado a partir de dados fornecidos pelo INCRA.
168
a grande extensão envolvida vem de uma área de 340 mil hectares transferida por
doação para que o INCRA a transformasse em projeto de assentamento. Nas
microrregiões de Gurupi e Pindaré, entretanto, os assentamentos são resultado
direto dos conflitos de terra e da lutas dos trabalhadores rurais, uma vez que ambas
foram locais de intervenção estatal, através dos projetos de colonização e da
alienação de terras públicas para grandes empresas na década de 1970, conforme
se discutiu anteriormente. Juntas, essas microrregiões somam 59% do total dos
grandes assentamentos, 48,7% da área e 53,6% das famílias. Comparado com
dados de 1996, o quantitativo dos projetos com área igual ou superior a 10 mil
hectares é hoje 2,2 vezes maior, enquanto o total geral dos assentamentos é 4,2
vezes superior ao número existente naquele ano.
Se, por um lado, a expressividade dessa expansão dos assentamentos no
Maranhão funciona para evidenciar a importância exercida pela ação dos
trabalhadores sem terra com a ocupação de fazendas improdutivas, principalmente
a partir da segunda metade da década de 1980, por outro lado, essa antecipação à
ação estatal planejada também comporta eventuais e, por vezes, graves distorções.
Levando em conta um conjunto de aspectos, como a qualidade do solo, o tipo
de atividade a ser desenvolvida e as técnicas de produção, o INCRA determina o
tamanho mínimo do lote a ser trabalhado por cada família e, por conseqüência, o
número máximo de famílias que, sob as condições técnicas vigentes, podem
desenvolver suas atividades em determinada área. Assim, uma vez estabelecida a
capacidade de cada assentamento, verifica-se que, em alguns casos, um grande
número de famílias, enquanto em outros a área comportaria uma quantidade
superior à existente. No Maranhão, a área total ocupada pelos assentamentos (4,1
milhões de hectares) é suficiente para abrigar aproximadamente 120,4 mil famílias.
Oficialmente, conforme se mencionou apenas 94,3 mil estão assentadas. Assim,
do ponto de vista do espaço físico, a capacidade de assentamento indica uma
disponibilidade de vagas para 26,1 mil famílias nos diferentes projetos efetivados
no Maranhão.
O cotidiano dos assentamentos revela, todavia, uma situação muito distinta.
Diante da dinâmica que se estabelece a partir da acentuada demanda por terra no
estado e das próprias condições materiais vigentes no interior dos assentamentos,
muitas famílias necessitam acolher outras pessoas, parentes ou amigos, em seus
169
lotes.
88
Por outro lado, passado certo tempo, algumas famílias acabam desistindo
das áreas que receberam. Desse modo, a situação refletida nos cadastros altera-se
com relativa freqüência, especialmente naqueles aspectos que se referem à vida da
população dos assentamentos.
Conforme se comentou no início, as informações diretas coletadas na
pesquisa referem-se a uma amostra de 57 povoados, sendo 41 situados em 30
assentamentos e 16 não-pertencentes a assentamentos, com 10 deles reconhecidos
como áreas de quilombo, nas diferentes microrregiões do estado. Assim, esses
dados são relativos a um contingente de 4.354 famílias e 29.717 pessoas,
identificadas em três grandes faixas etárias: menor de 15 anos (42%), entre 15 e 60
anos (49%) e maior de 60 anos (8%)
89
.
Nos povoados, de uma maneira geral, percebe-se a existência de diversas
entidades, entre clubes de mães, templos/igrejas e, principalmente, associações de
produtores e de moradores. Essas associações podem ser encontradas nos
principais povoados dentro de cada um dos assentamentos e fora deles, uma vez
que sua constituição tem sido condição indispensável para qualificar essas
populações a pleitearem acesso às ações de políticas públicas, mas nem sempre
revelam qualquer traço de fortalecimento da organização comunitária.
Do ponto de vista da disponibilidade de serviços públicos de saúde, em
apenas 42,3% dos casos foi informada a existência de posto de saúde, sendo,
porém, a presença dos agentes de saúde apontada em 85,7% dos povoados. Ainda
que não se possa estabelecer uma comparação direta por se referirem a um período
distinto, é interessante destacar algumas informações oficiais utilizadas por
Melgarejo (2000), segundo as quais os serviços de saúde eram inexistentes em 55%
88
Andrade, Carneiro e Mesquita (1996) chamam atenção para a gravidade desse processo, ao analisarem os
dados do I Censo Nacional de Reforma Agrária, tendo percebido a existência, nas áreas consideradas
formalmente como reformadas, de um processo de “minifundiarização” e precarização das condições de
reprodução econômica e social das famílias ditas assentadas, o que efetivamente contribui para a ineficácia das
ações fundiárias já desenvolvidas. (ANDRADE; CARNEIRO; MESQUITA, 1996, p. 119). Os autores ressaltam
que, nos dados do I CRAB, as categorias agregados e irregulares representam 25% da população identificada
nos assentamentos do Maranhão.
89
Não foi objetivo da pesquisa a identificação da população jovem em particular, entretanto, observou-se
acentuada variação entre as situações relativas à permanência dessas pessoas nos assentamentos. Nas áreas onde
é mais desenvolvido o sentido de organização comunitária percebeu-se a presença ativa dos jovens, envolvidos
nos processos produtivos e na vida social de suas comunidades. Em outras áreas, percebeu-se, de forma
inquietante, a quase total ausência desses jovens, havendo casos em que permanecem nas comunidades apenas as
adolescentes que se tornaram mães solteiras ou que tiveram de iniciar precocemente a vida conjugal, compondo
o perfil da população local juntamente com crianças (muitas), adultos e idosos.
170
dos assentamentos no Brasil. Para o caso dos serviços educacionais, aquele autor
revela que estes existiam em 69% dos assentamentos. No Maranhão, a amostra
coletada na presente pesquisa indica a existência de escolas públicas regulares em
71% dos casos e, também, turmas de programas especiais (Pronera)
90
em 43% deles.
Não havia acesso a programas de habitação em 61,4% dos projetos de
assentamentos no país, na pesquisa citada por Melgarejo (2000). No caso do
Maranhão, em 71% das entrevistas foi apontada a predominância de casas de
alvenaria, sendo que, nos 29% restantes, taipa foi o tipo de construção preponderante.
No que se refere ao abastecimento de água, o autor citado aponta sua existência em
31,5% dos assentamentos no Brasil. Para o Maranhão, na amostra da presente
pesquisa identificou-se que em 57% dos casos o abastecimento é feito através de
poço artesiano. Nas demais situações, a população recorre a poços tipo cacimbão
(29%) ou coleta a água diretamente em rios e lagos (14%).
Em parte das situações investigadas, os assentamentos localizam-se em
áreas acessíveis por meio de estrada pavimentada (43%); nas demais, o acesso é
possível somente através de vias carroçáveis. Porém, não existem estradas internas
para interligação dos povoados em quase 30% dos assentamentos pesquisados. No
que diz respeito ao serviço de telefonia, por sua vez, os informantes declararam
estar disponível em aproximadamente 70% dos casos, somando-se as modalidades
fixa e móvel.
Quanto à assistência cnica para a produção, 57% dos entrevistados
declararam dispor desse serviço, ainda que de maneira pouco regular
91
. Esse
percentual coincide com o que foi mencionado por Melgarejo (2000) para o conjunto
do país (57,6%). Embora a existência de rede elétrica nos assentamentos tenha sido
mencionada por 85,7% dos informantes, apenas 14% informaram que a energia é
90
O Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária foi implantado no final da cada de 1990, pelo
Ministério do Desenvolvimento Agrário, a partir de reivindicação formulada no I Encontro Nacional de
Educadoras e Educadores da Reforma Agrária, ENERA, e na I Conferência Nacional por uma Educação Básica
do Campo. Sua execução é feita nos estados através de parceria com as universidades e entidades do movimento
social. Na situação particular do Maranhão, não é necessário extrapolar, para o conjunto dos assentamentos no
estado, o resultado identificado na amostra quanto à cobertura desse programa (42%), apesar de existirem pelo
menos seis diferentes projetos sendo executados por universidades. Caso se considere somente a amostra
corresponde a povoados em área de assentamento, esse percentual situa-se em 58%.
91
A década de 1990 foi especialmente marcante no sentido da desestruturação do sistema público de assistência
técnica na agricultura do país. No final daquela década o Governo federal criou o Projeto Lumiar, para a
prestação desse serviço nos assentamentos da reforma agrária, o qual foi desativado no início da década seguinte,
para que estados, municípios e organizações de produtores e de técnicos independentes estabelecessem parcerias
e assumissem o gerenciamento da assistência técnica, por intermédio do repasse dos recursos financeiros.
171
utilizada nos processos de produção. Em muitos casos (43%), utiliza-se o trator
como um recurso de mecanização, mas o que ainda predomina (57%) é o emprego
somente da força manual na execução das tarefas de produção nos assentamentos
deste estado. O financiamento da produção através de recursos oficiais foi
mencionado por 57% dos informantes, havendo entre estes os que, além do
financiamento oficial, utilizam recursos próprios, enquanto os demais 43% não têm
acesso às fontes oficiais.
Nessas condições gerais, a produção estimada
92
de três produtos alimentícios
básicos selecionados, nos assentamentos do Maranhão foi a que consta na tabela
17. Ainda que realizada sob condições técnicas adversas e com dificuldades de
acesso a financiamento, a produção estimada é considerável, quando comparada
com a produção total obtida em âmbito estadual, incluindo-se os demais agricultores
familiares e as empresas do setor. Principalmente no caso do feijão, chega-se a
19% da produção, enquanto o arroz atinge um percentual de quase 7% do total.
em relação ao milho, a participação dos assentamentos é bastante discreta, não
chegando a alcançar 2%.
Tabela 17: Produção de arroz, milho e feijão nos assentamentos - 2004
Feijão (t) Arroz (t) Milho (t)
Total do Maranhão
1
34.926 733.484 408.853
Estimativa dos Assentamentos
2
6.602 51.046 6.401
Fonte:
1
CONAB. Dados disponíveis em: <http://www.conab.gov.br>. Acesso em: 18. out. 2006.
2
Levantamento realizado para esta pesquisa
A partir desse cenário, considerando-se a trajetória de existência dos
assentamentos de reforma agrária no Maranhão, verifica-se que, segundo
classificação efetivada pelo INCRA, a grande maioria encontra-se em fase de
estruturação, como se pode visualizar no gráfico 10. Essa, aliás, é uma fase
praticamente inicial, uma vez que vem logo após determinado projeto ter sido
instalado. Nada menos que 65% dos 826 assentamentos do Maranhão estão
atualmente nessa situação, dos quais 16,6% foram criados há mais de 10 anos,
havendo assentamentos com 20 anos de existência. Por outro lado, apenas 4% dos
92
É uma estimativa porque não existem estatísticas específicas da produção nos assentamentos. Mesmo nos
casos em que maior organização e as associações de produtores dispõem de informações preliminares sobre a
produção obtidas por seus associados, na maior parte dos casos os informantes efetuam um cálculo aproximativo
do que colheram. Em geral, tratando-se de culturas alimentares para consumo do próprio grupo familiar,
costuma-se utilizar parte da produção antes da colheita final.
172
65%
Fase 5:
Assentamentos
em Estruturação
6%
17%
8%
4%
Fase 6:
Assentamentos
em Consolidação
Fase 4:
Assentamentos
em Instalação
Fase 3:
Assentamentos
Criados
Fase 7:
Assentamentos
Consolidados
537
137
33
69
50
projetos atingiram a fase sete, sendo considerados consolidados. Entre estes, o
mais antigo foi criado há 35 anos e o mais recente, há sete anos.
Estabelecendo-se um nexo comparativo com a situação dos 7.070
assentamentos existentes no conjunto do país, observa-se que na fase 3 encontram-
se 13% dos projetos; na fase 4, estão 29%; na fase 5, estão 35%; na fase 6, estão
17% e fase 7, encontram-se 6% do total de projetos.
Um trabalho realizado através de Cooperação Técnica entre a FAO e o MDA,
para avaliar a qualidade dos assentamentos no Brasil (SPAROVEK, 2003),
apresenta a análise de diversos índices (eficácia de reorganização fundiária,
qualidade de vida, articulação de organização social, ação operacional do governo e
qualidade do meio ambiente). Os autores procuram, por outro lado, analisar os
assentamentos no contexto do país, considerando aspectos relativos ao solo, ao
clima, às vias de acesso, ao mercado potencial e outros aspectos relacionados à
agricultura familiar, à agropecuária e à proporção da população dos assentamentos
no contexto municipal. De um modo geral, concluem que é alto o percentual de
permanência das famílias nos assentamentos, mesmos quando o predominantes
as condições mais desfavoráveis, no que diz respeito ao acesso a serviços e
moradia (qualidade de vida); às dificuldades de liberação de crédito e de
implantação da infra-estrutura (deficiências operacionais); e à organização e
articulação social dos projetos.
Gráfico 10
: Maranhão
-
situação dos
a
ssentamentos
-
2006
Fonte: elaborado a partir dos dados fornecidos pelo INCRA
173
A combinação desses fatores é preocupante por ser indicativa de uma
realidade ainda mais sombria, ou seja, a vida precária dessas famílias antes
de estarem abrigadas nos assentamentos. Os assentados de hoje são os
acampados de ontem, aqueles que perderam o emprego no campo, tiveram
que vender suas terras ou migraram para a periferia das cidades. O fato de
eles aceitarem as condições dos assentamentos de forma passiva, isto é,
independentemente de sua qualidade; reforça a importância do programa
de reforma agrária e a necessidade de ampliação das ações do governo na
intervenção fundiária. Essas famílias vêem no acesso à terra, e não nos
benefícios indiretos (créditos e serviços), o equacionamento de seus
problemas. (COOPER et al., 2003, p. 95).
O mapa 6 proporciona um panorama da situação dos assentamentos no
conjunto do país quanto à qualidade de vida. Valores próximos de 100 indicam
melhor qualidade de vida, enquanto ao se aproximarem de zero, obviamente,
Ma
pa 6: Brasil
-
índice de qualidade de vida nos assentamentos
Fonte: Adaptado de COOPER et al. (2003, p.102).
174
representam situações muito desfavoráveis. As médias encontradas pelos autores
foram de 63, para os projetos criados entre 1985 e 1994, e de 54 para os projetos
criados entre 1995 e 2001. Os aspectos que mais influenciaram negativamente nos
resultados foram as dificuldades de acesso ao atendimento emergencial de saúde, a
falta de acesso a água de boa qualidade, a ausência de tratamento de esgoto
doméstico e a escassez de oferta de ensino médio. A sua pouca disponibilidade e a
tendência de não haver melhorias significativas com o tempo indicam a ausência ou
ineficácia das políticas e ações para seu equacionamento. (COOPER et al., 2003, p. 103).
Como se pode observar no mapa 6, nos assentamentos localizados no estado
do Maranhão predominam aquelas situações em que os valores do índice de
qualidade de vida oscilam entre zero e 25 ou entre 25 e 50, havendo uma menor
proporção das situações com valores entre 50 e 75, com raros casos acima de 75.
Portanto a maior incidência foi de valores abaixo da média do país.
Além da qualidade de vida, os demais índices utilizados pelos autores do
trabalho em questão, referem-se à capacidade de articulação e de organização dos
assentados para canalizarem demandas e reivindicarem direitos, à efetivação das
ações do governo previstas na implantação do assentamento e às condições de
preservação do meio ambiente.
O Índice de Articulação e Organização Social procura avaliar a forma de
organização do assentamento principalmente quanto às parcerias externas para
atender às necessidades de serviços de educação, saúde, lazer, manutenção das
Mapa 7: Alguns índices que compõem a qualidade dos assentamentos
Fonte: Adaptado de COOPER et al. (2003, p. 110, 115 e 126)
175
estradas de acesso, auxílio à produção e à comercialização. Quanto maior o número
de parcerias e quanto mais elas forem vinculadas a organismos o diretamente
relacionados à reforma agrária, maior será o valor do índice. Assim, os autores
mencionados, supõem que seria desejada para o desenvolvimento e emancipação
do assentamento, uma situação em que se reduz a dependência do crédito e das
ações específicas da reforma agrária, inserindo-se formalmente na região através de
parcerias e articulado com outras organizações para atender suas necessidades.
Além disso, também compõem o índice, ainda que com menor peso, a participação
dos moradores em associações e cooperativas, a área utilizada coletivamente para
a produção e a comercialização em sistemas integrados.
O valor médio desse índice encontrado para o Brasil foi 42, enquanto os
estados do Maranhão, do Espírito Santo e de Roraima, apresentaram um índice de
34, sendo este o valor mais baixo no conjunto dos estados brasileiros. Como se
observa no mapa 7, a predominância nos assentamentos no Maranhão foi dos
valores entre zero e 50, sendo que em casos isolados foi obtidos valores entre 50 e 75.
Os autores constatam que, no conjunto do país, após a implantação do
assentamento, as famílias tendem a optar pela produção individualizada, não sendo
comum a opção por soluções coletivas, como cooperativas ou parcerias com
agroindústrias. Entretanto, quanto às ações reivindicatórias por benefícios e serviços
sociais, as famílias continuam atuando coletivamente, através das associações.
A organização visando obter benefícios coletivos para a produção foi bem
menor do que aquela observada nos aspectos reivindicatórios. Parcerias
visando conseguir benefícios para a comercialização e/ou produção agrícola
foram registrados em 9% dos PAs (média Brasil de projetos criados entre
1985 e 2001) e as parcerias ligadas a benefícios sociais ocorreram em 57%
dos casos. A produção coletiva, com exceção de alguns Estados do
Nordeste, não apresentou valores significativos. A participação em
cooperativas teve alguma expressão maior apenas na região Sul e as
parcerias com agroindústrias, com exceção apenas do Estado de Goiás,
não foram significativas. (COOPER et al., 2003, p. 106).
Por sua vez, o Índice de Ação Operacional procura avaliar o cumprimento das
atribuições dos órgãos públicos diretamente vinculados à execução da reforma
agrária (INCRA e gestores locais) e a fase de desenvolvimento em que se encontra
o assentamento. O número de casas definitivas com abastecimento de água e
energia elétrica, a fase de elaboração do Plano de Desenvolvimento do
Assentamento, PDA, a titulação e a consolidação, além da liberação de créditos,
foram os fatores considerados na composição do Índice de Ação Operacional. Esses
176
fatores foram reunidos em grupos, que indicam a infra-estrutura (construção de
casas, acesso regular à água de boa qualidade, acesso a eletricidade e existência
de estradas internas); a liberação de créditos (de instalação, e habitação e de
produção) e, finalmente, a situação de titulação e de consolidação dos projetos.
Valores mais elevados do índice indicam que é maior o cumprimento das
obrigações do gestor da política agrária e o assentamento encontra-se próximo da
consolidação. O valor médio do índice de ação operacional medido para o Brasil foi
de 64. O estado do Maranhão alcançou o valor 40. Mesmo sendo menos
desfavorável do que os valores registrados para os estados do Pa(35), do Amapá
(30), do Amazonas (28) e de Roraima (10), esta situação aponta um elevado grau de
afastamento em relação ao valor dio nacional. Neste caso, conforme ilustra o
mapa 7, é visível a predominância dos valores entre zero e 25, tendo o índice para o
conjunto do estado alcançado o valor 40, provavelmente, em função da existência
de uns poucos casos com valores entre 75 e 100.
O último índice desenvolvido pelos pesquisadores em questão refere-se ao
Índice de Qualidade do Meio Ambiente, que procura avaliar o estado de
conservação das Áreas de Preservação Permanentes, APP, e a Reserva Legal, RL.
São considerados, por um lado, fatores cuja existência contribui para rebaixar o
valor do índice, como atividades de extração ilegal de produtos florestais e
degradação das terras por erosão, e, por outro lado, fatores que elevam o valor do
índice, como ações de recuperação ambiental, através do plantio de árvores e da
recuperação de matas ciliares.
O valor médio do índice encontrado para o Brasil foi 64. Outra vez, o valor
calculado (49) para o Maranhão aponta o estado na pior situação entre os demais.
De acordo com o mapa 7, neste índice a maior freqüência de casos no Maranhão
encontra-se entre os valores 25 e 50, sendo que os casos extremos (valores entre
zero e 25 ou entre 75 e 100) foram raros.
Ao contrário de todos os outros índices, os valores maiores foram
observados nos assentamentos novos, o que margem a duas
interpretações: a) a qualidade do meio ambiente diminui com o
desenvolvimento do projeto e com a intensificação dos sistemas de
produção; ou b) as atitudes conservacionistas têm sido intensificadas em
tempos mais recentes. Os fatores isolados que mais contribuíram para que
o índice assumisse valores relativamente baixos em termos absolutos (com
exceção de alguns estados da região Sul) foram a conservação de APP e
RL e a falta de ações de melhoria ambiental. (COOPER et al., 2003, 122).
177
Conforme os autores destacam, os números disponíveis indicam que a
reforma agrária no Brasil é realizada com base em significativo um passivo
ambiental, resultante da priorização de áreas onde a qualidade ambiental está
comprometida ou em que o desmatamento ainda é imprescindível para a
implantação dos sistemas de produção agrícola, dadas as condições técnicas
vigentes. Uma possível explicação para essa situação são os critérios adotados na
definição de imóvel produtivo para efeito de desapropriação, através dos índices do
Grau de Utilização da Terra, GUT, e do Grau de Eficiência na Exploração, GEE, que
algumas vezes permitem a caracterização de imóveis improdutivos apenas em
regiões remotas, onde ainda é incipiente o estágio em que se encontra o
desenvolvimento dos sistemas de produção agrícola.
93
Os autores em questão também observam que a insuficiência de créditos
específicos para as ações diretamente relacionadas à conservação do meio
ambiente (reflorestamento, recuperação de matas ciliares, sistemas agro-florestais),
assim como a adoção apenas recente de ações de planejamento dos sistemas de
produção (Plano de Desenvolvimento do Assentamento, PDA) e da licença
ambiental para a implantação de projetos ou liberação de créditos, explicam a pouca
abrangência das ações de recuperação ambiental nos projetos de assentamento.
94
Outra dimensão do trabalho liderado por Sparovek (2003) compõe-se de uma
abordagem dos assentamentos no contexto de sua localização, levando em conta
questões relativas às condições do solo, do clima, as facilidades de acesso e a
existência de um potencial mercado consumidor, tendo como base a densidade
populacional urbana do entorno.
Quanto às condições do solo, de um modo geral, os autores observam
predominam as áreas de solo moderadamente restrito e que a qualidade e os tipos
de solo o pouco considerados na escolha da localização dos assentamentos no
Brasil. Nessa circunstância, parte dos projetos apresenta uma situação mais
favorável do que a média de cada região, mas, ao mesmo tempo, outra parte está
93
Se esse, realmente, for o fator que leva a dificuldades de arrecadação de terras por parte do governo nas
regiões mais desenvolvidas, torna-se imprescindível uma revisão e atualização dos índices para o cálculo de
GUT E GEE. (COOPER et al., 2003, p. 127).
94
As diferentes ações de recuperação foram desenvolvidas em uma área que corresponde a 5,2% da área útil e a
3,6% da área total dos assentamentos no país. Por outro lado, quando as ações são analisadas levando-se conta
sua extensão relativa ao montante de área das APP e RL que estão degradadas, elas sugerem um quadro um
pouco favorável. (COOPER et al., 2003, p. 127).
178
instalada em áreas que apresentam elevada restrição. O estudo ressalta, eno, que seria
desejável uma tendência de seleção de áreas de maior aptidão das terras, evitando as
situações de restrições edáficas muito elevadas. (STEEG, et al., 2003, p. 144). No caso do
estado do Maranhão, como se pode observar no mapa 8
95
, as condições dominantes
são as de solo restrito a moderadamente restrito, com raros eventos de solo pouco restrito.
No que diz respeito às condições climáticas, o estudo mencionado constata
grande variação regional das áreas de localização dos assentamentos, sendo que a
situação mais desfavorável foi observada no Nordeste. Esta região, com aptidão
climática (representada pela deficiência hídrica) muito restrita, apresentou tendência
de localização dos projetos em áreas de condições climáticas inferiores à dia
regional - 60% dos projetos encontram-se nesta situação. No Maranhão, de acordo
com o mapa 8, a quase totalidade dos assentamentos localiza-se em faixas de solo
restrito ou muito restrito, com uma pequena parcela situando-se em solo moderadamente
restrito. Steeg et al., (2003) advertem que, para o conjunto da região Nordeste, seria
desejável a seleção de áreas com condições climáticas mais favoráveis.
Quanto às condições do acesso às áreas de localizão dos assentamentos, em
todas as regiões apareceram situações muito boas, ou seja, pouco restritivas em relão
à média regional, sendo que esta foi muito favorável em todos os casos. A situação
menos favorável foi observada na Nordeste. No estado do Marano, conforme ilustra o
mapa 9, o acesso aos assentamentos é moderadamente restrito, havendo situações de
pouca ou nenhuma restrão. Os autores concluem que a selão das áreas de localizão
95
Os pontos brancos nos mapas 8 e 9 indicam a localização dos projetos de assentamento.
Mapa
8
: Maranhão
-
condições de solo e de clima na
s áreas de
localização dos assentamentos
Fonte: Adaptado de Steeg et al. (2003, p. 142 e 145)
179
dos PAs quanto às condições de acesso foi sempre claramente favorável à escolha
de vias de acesso melhor, isto é, bem posicionadas em relação à rodovias, hidrovias
e proximidade com as sedes dos municípios. (STEEG et al., 2003, p. 148).
Quanto ao potencial mercado consumidor para a produção obtida nos
assentamentos, Steeg et al. (2003) optaram por verificar a densidade populacional
urbana nas proximidades de onde se localizam os projetos. Eles consideram que
esse seria um elemento muito favorável para as condições de mercado, quando em
conjugação com a proximidade dos assentamentos em relação às sedes dos
municípios, com as condições de acesso satisfatórias e com a tendência (que eles
supõem existir) de comercialização em nível local, especialmente para as etapas
iniciais de existência dos projetos. No âmbito nacional, o estudo a aponta uma
tendência de escolha por áreas com menor densidade populacional. No Centro-
Oeste, no Sudeste e no Sul, os projetos estão localizados, predominantemente, em
condições de densidade populacional inferiores à média regional. Entretanto, nas
regiões Norte e Nordeste, foi observada uma tendência de localização em áreas
mais desenvolvidas, com a maior parte dos projetos situando-se nas proximidades
de áreas com densidade populacional maior que a densidade média da região.
Para o Maranhão, o mapa 9 indica uma situação em que predomina um
mercado potencial variando entre moderadamente restrito e pouco restrito, havendo
uma quantidade significativa de casos entre pouco restrito e sem restrição.
Esse resultado particular requer algumas ressalvas, uma vez que a própria
distribuição populacional do Maranhão é bastante irregular. Conforme dados do
Mapa 9
: Maranhão
-
condições de
acesso
e
mercado potencial nas
áreas de localização dos assentamentos
Fonte: Adaptado de Steeg et al. (2003, p. 147 e 149)
180
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2002), 21% dos 5,6 milhões de
habitantes do Maranhão encontram-se na zona urbana de apenas quatro dos 217
municípios (São Luís, Imperatriz, Santa Inês e Timon). Esses municípios
representam apenas 4,4% dos 826 assentamentos existentes no estado. Nos
territórios das duas maiores aglomerações, São Luís e Imperatriz, encontra-se
menos de 1% desses assentamentos. Sendo assim, não é facilmente aceitável a
descrição feita por Steeg et al (2003).
Além disso, sabe-se que em determinados períodos do ano, alguns
assentamentos ficam totalmente isolados, em função do péssimo estado das
estradas de terra. Andrade, Carneiro e Mesquita (1996), referindo-se a tal situação, por
ocasião do levantamento de dados para o I Censo Nacional de Reforma Agrária, indicam
haver áreas, classificadas pelo INCRA como projetos de assentamento, cujo acesso
[...] somente foi possível porque os recenseadores percorreram longas distâncias a
pé, de bicicleta e a cavalo. Em algumas áreas, não foi possível entrar, nem mesmo
utilizando veículos tipo toyota.
96
(ANDRADE; CARNEIRO; MESQUITA, 1996, p. 111).
Por outro lado, especialmente quando se considera a trajetória de criação dos
assentamentos no Maranhão, a tendência ideal a que se referem os autores
supramencionados, não poderia ser mais que um desejo, pois, efetivamente, não
existe um processo de escolha das áreas pelo Estado, como se este estivesse
diante de múltiplas alternativas para decidir-se, primeiro, pelas áreas mais férteis e,
depois, pelas menos férteis, agindo segundo a racionalidade preconizada pela
clássica teoria econômica da renda terra. Na verdade, na maior parte dos casos,
quem escolhe a área a ser transformada em assentamento são as famílias sem
terra, através da ocupação de fazendas improdutivas; ou os moradores de antigos
povoamentos que se encontram envolvidos em conflito. Em alguns casos, essa
escolha é do próprio dono da terra.
Dessa forma, pode-se destacar que a reforma agrária que tem sido executada
no Brasil não consiste num processo resultante de um amplo planejamento, em que
96
Em lugares onde as condições do terreno dificultam o acesso, em função da existência de trechos de barro,
buracos profundos ou grande volume de areia solta, somente se consegue transitar nos chamados off road,
veículos robustos, com motor potente e tração nas quatro rodas, preparados para as situações mais adversas. No
caso da referência feita pelos autores, trata-se do modelo Bandeirantes, fabricado pela montadora Toyota, por
muito tempo o utilitário mais comum e mais eficiente para o transporte de cargas e passageiros na maioria dos
municípios do Maranhão. Cabe recordar que é fato muito recente a abertura de estradas na zona rural deste
estado, mesmo as de piçarra, havendo ainda muitas regiões nas quais existem somente trilhas.
181
se consideram previamente as diferentes variáveis analisadas por Cooper et al.
(2003) e por Steeg et al. (2003). Nem mesmo os projetos de colonização dirigida dos
governos militares fizeram parte de um planejamento amplo e aprofundado, ainda
que sua criação tenha se dado sob uma orientação nacional-desenvolvimentista.
Essas considerações, porém, não diminuem a importância da contribuição
dos autores citados, para a explicitação da realidade atualmente encontrada nos
assentamentos de reforma agrária no Brasil e, em particular, no Maranhão. Realidade
essa que expressa, entre tantos elementos, a própria fragilidade da intervenção do
Estado no enfrentamento de questões estruturais da sociedade, como é o caso da
questão agrária. Andrade, Carneiro e Mesquita (1996), partindo das definições
oficiais, formulam uma incisiva crítica à intervenção estatal na realização da reforma
agrária no estado do Maranhão.
Tendo em vista os parâmetros orientadores da ação oficial, nada indica, no
caso dos chamados assentamentos do Maranhão, ter se desenvolvido aqui
qualquer ação planificada e o “abandono à própria sorte”, tal como apontado
pelo próprio órgão, perdura. No Maranhão não houve o momento em que o
Estado, após identificar e preparar áreas, tenha ali alocado, fixado,
assentado trabalhadores. Os assentamentos são, muito ao contrário,
resultado da ação das próprias famílias de posseiros, pequenos
arrendatários, foreiros, que, em muitos casos, lutaram para permanecer na
terra tendo, muito deles, sido assassinados em decorrência dessa luta. A
ação oficial ocorre a posteriori, assumindo caráter, no máximo, de
regularização fundiária e nunca de reforma agrária, tal como entendida pelo
próprio órgão. Ao caracterizar esses segmentos que conquistaram a terra
como assentados, o Estado enfatiza a própria ão, muito embora possa
estar completamente omisso, considerando-os como beneficiários, como
parceleiros e não como ocupantes, ou seja, como objeto e não como
sujeitos. (ANDRADE; CARNERIO; MESQUISTA, 1996, p. 114-115).
De fato, a concepção que tem orientado a consecução da reforma agrária
neste país, de um modo geral, tem resultado em experiências com poucas chances
de uma efetiva consolidação. Nesse sentido, em grande parte dos casos, quando as
ações de assistência governamental reduzem-se ou cessam, aumentam os riscos de
os assentamentos se caracterizem como espaço de reprodução da pobreza rural. A
manutenção das atuais condições técnicas da produção representa um entrave
definitivo para a reprodução das unidades familiares nos assentamentos. O fato se
existir um limite físico do assentamento e, portanto, das áreas cultiváveis, cria, de
início, uma pressão muito forte sobre as reservas florestais exigidas por lei. Aliás, há
casos em que essas reservas nem existem. Além disso, conforme observado por
Andrade, Carneiro e Mesquita (1996), quando agregados entre a população
assentada, tende a ocorrer um processo de arrendamento dos lotes individuais, o
182
que intensifica ainda mais a pressão sobre a terra. Por outro lado, de acordo com
aqueles autores, processa-se também um movimento de saída dos próprios
assentados para cultivarem roças em terras alugadas fora do assentamento.
Essa última situação, entretanto, não foi detectada na presente pesquisa. Ao
contrário, a maioria dos entrevistados ressaltou que excepcionalmente os
assentados exercem alguma atividade econômica fora do assentamento, mesmo
nos casos em que grande proximidade dos núcleos urbanos. Porém, ambos os
resultados merecem atenção detalhada. Quando os assentados precisam,
rotineiramente, cultivar terras fora de seus lotes e fora dos limites do assentamento,
significa que a condição de assentado não representa sequer a chance de
desenvolver, no próprio assentamento, uma das dimensões básicas das unidades
familiares, que é a dimensão agrícola. Quando, ao contrário, os assentados não
saem dos assentamentos para exercerem nenhum tipo de atividade econômica, isso
não se deve a uma situação semelhante à descrita por Chayanov (1985), em que a
conquista da capacidade de garantir o chamado consumo necessário representa
maior autonomia das famílias no relacionamento com os agentes externos, inclusive
porque o próprio Chayanov não considera que as unidades familiares possam ser
imunes às determinações gerais da sociedade. Mais provavelmente, opera-se nesse
caso uma tendência ao isolamento, tanto porque a dinâmica do entorno é insipiente
quanto porque as demais dimensões das unidades familiares, que as caracterizam
como pluriativas, não se desenvolvem suficientemente para permitir uma integração
produtiva no contexto local.
Pode-se concluir que, dadas as condições históricas vigentes, as experiências de
assentamento de reforma agrária no Maranhão, embora constituam um processo irreversível,
não vêm se transformando em um referencial de desenvolvimento rural, incorporando
tecnologias modernas e processos de gestão eficientes, para impulsionar seu
potencial produtivo, promover melhorias efetivas nas condições de vida das pessoas
e abastecer os mercados locais e regionais com alimentos a pros baixos e sauveis,
contribuindo para a segurança alimentar da populão. Essa possibilidade teria maiores
chances de concretização num ambiente em que os assentamentos integrassem
uma opção ampla da sociedade, de promoção do desenvolvimento sustentável e da
garantia da segurança alimentar para o conjunto da população.
183
5. CONCLUSÃO
Para concluir, cumpre ressaltar a importância que pode assumir a agricultura
familiar, no contexto dos assentamentos de reforma agrária, quando se tem em vista
a construção da segurança alimentar e nutricional para o conjunto da população.
Parte-se do pressuposto de que alimentos o bens imprescindíveis para a
existência humana, de modo que uma sociedade não deve deixar sua produção
exclusivamente sob a lógica de acumulação capitalista, uma vez que os capitais
individuais tendem a migrar entre os diversos setores da economia, em busca de
taxas de juro mais atraentes. Argumenta-se, ainda, que o processo de
industrialização da agricultura resulta, potencialmente, em uma instabilidade ainda
maior na produção de alimentos.
Ressalta-se que, na existência concreta da vida social, as contradições entre
o desenvolvimento alcançado pelas forças produtivas (que determina o volume da
produção) e as relações de propriedade (que condicionam o acesso à riqueza
gerada), manifestam-se enquanto possibilidades de crise no capitalismo. Uma das
dimensões dessa manifestação é a persistência, na atualidade, de um grande
contingente da população que não é incorporado aos processos produtivos e que
subsiste em condições de extrema precariedade, sofrendo a incidência de fome
absoluta.
Focalizando o Brasil, observa-se que o padrão de modernização compulsória
da agricultura, baseado na revolução verde, promoveu consideráveis acréscimos de
produtividade. Entretanto, esse movimento revelou-se intrinsecamente concentrador
da riqueza e dos meios de produção, resultando, do ponto de vista socioeconômico,
na expansão absoluta da pobreza no meio rural. Constituiu-se, assim, uma situação
em que, por um lado, os empreendimentos patronais não foram capazes de
absorver a mão-de-obra disponível, e, por outro lado, a intervenção do Estado foi
ineficaz no sentido de oportunizar estratégias que pudessem amenizar os efeitos
negativos da modernização. Dessa forma, a própria alternativa da reforma agrária,
de um modo geral, não tem sido capaz de promover alterações significativas na
concentrada estrutura fundiária do país. Em função de sua própria concepção, o
modelo de reforma agrária em andamento pouco tem contribuído para a real
superação dos problemas que afetam a agricultura familiar.
184
Destaca-se que a modernização da agricultura brasileira consolidou-se com a
chamada internalização do setor produtor de máquinas e insumos para a agricultura.
É esse movimento que representa a industrialização da agricultura propriamente
dita, incorporando-a, em definitivo, à lógica da acumulação capitalista, pois que a
agricultura moderna funciona como um ramo da grande indústria. Uma vez integrada
ao circuito de valorização, a agricultura tem sua dinâmica comandada a partir da
indústria urbana, porém, isso ocorre, contemporaneamente, segundo o refinamento
das formas financeiras que assume o capital. Do mesmo modo que as atividades
empresariais modernizadas, a agricultura familiar - dado que esta não subsiste
isolada das determinações gerais da sociedade - passa a ter seu destino, cada vez
mais, atrelado aos interesses e às decisões próprias do contexto capitalista urbano.
Pode-se, assim, considerar que a concepção de reforma agrária e a lógica de
intervenção nos assentamentos estão vinculadas ao fato de que, no capitalismo, a
fonte das decisões sobre o campo está associada aos interesses da esfera urbana.
Tal circunstância explica, ainda que parcialmente, as debilidades do modelo oficial
de reforma agrária no Brasil, concebido e implantado no contexto das contradições
que se manifestam com a modernização conservadora da agricultura.
No Maranhão, em particular, não se efetivou plenamente o processo de
modernização da agricultura verificado em alguns estados do país. A partir do início
da década de 1970, entretanto, esse estado passou, de forma deliberada, a
perseguir um modelo de desenvolvimento rural baseado no incentivo à grande
propriedade rural, renunciando, dessa forma, a oportunidade de se consolidar a
produção de alimentos para abastecimento do mercado interno e de se ampliar a
geração de emprego no campo, por meio do fortalecimento da agricultura familiar.
Essa situação acirrou-se com o advento dos projetos vinculados ao segmento
agropecuário do Programa Grande Carajás, na década de 1980. Mais recentemente,
tem-se observado o movimento de expansão das atividades econômicas no campo,
baseadas nas grandes plantações de eucalipto, tendo em vista o atendimento de
demanda do segmento siderúrgico, e no rápido avanço da monocultura de soja
sobre as áreas de cerrado.
Um dos resultados imediatos desse movimento da economia maranhense é
que o estado, outrora, importante produtor de arroz, passou à condição de
importador dos principais produtos alimentícios consumidos pela população. Por sua
185
vez, a mão-de-obra liberada na agricultura o encontrou lugar no mundo urbano,
principalmente em função das debilidades da dinâmica industrial. Na atualidade,
configura-se, no interior do estado, uma situação marcada pela formação de
pequenos povoados às margens das estradas, cuja população não encontra
ocupação permanente nas atividades rurais e não tem lugar na moderna divisão
social do trabalho nas cidades. Tal situação exige, efetivamente, um esforço urgente
de compreensão e uma imediata decisão política de governo e sociedade civil, pois
sua gravidade residente no fato de se estar tratando de um contexto cujas
dimensões política, social, cultural e econômica atingem exacerbados níveis de
distorção.
Do ponto de vista político, o Maranhão permaneceu, ao longo de sua história,
dominado por grupos dirigentes com características oligárquicas, coesos em torno
da salvaguarda de seus interesses privados. Tais grupos m utilizado o território
estadual, prioritariamente, como base de expansão de suas riquezas, e a população,
como capital-político para a reprodução de seu poder político. Além disso, os
intervalos de sucessão são marcadamente longos, tendo o grupo mais recente
contabilizado quatro décadas, somente de controle direto sobre a máquina estatal e
sobre as estruturas políticas importantes.
Do ponto de vista social, a marca tem sido a negação sistemática. Negação
do acesso à educação, ao atendimento de saúde; à assistência social; às condições
de moradia digna; aos meios de transporte adequados; ao fornecimento de água
potável; ao saneamento sico; aos espaços de lazer e entretenimento compatíveis
com os requisitos das crianças, dos adolescentes; dos adultos, dos idosos e dos
portadores de necessidades especiais.
Do ponto de vista cultural, a rica diversidade de expressões populares tem
sido, de forma recorrente, alvo das tentativas de cooptação para fins utilitaristas em
prol de interesses políticos particulares, condicionando-se o direito natural da
população de manifestar espontaneamente e organizar autonomamente seu
patrimônio imaterial, e de usufruir livremente dos bens coletivos que o espírito
humano é capaz de produzir no convívio social. As elevadas taxas de analfabetismo
excluem grande parte da população da fascinante aventura literária; a humilhante
escassez de oportunidades traduz-se em negação, para tantas outras pessoas, do
contato com as artes cênicas e cinematográficas, do mesmo modo que distancia
186
essas pessoas de outras formas de experiência estética, cujo acesso é cada vez
mais mediado pelos circuitos mercantilizados; Porém, oferece-se para o consumo da
população pobre, a qual agora se encontra aglomerada nos recém-eletrificados
povoados de beira de estrada, a programação brasileira da televisão aberta - e com
espaço garantido, especialmente nos horários matinais, para veiculação dos
episódios da guerra civil doméstica, cotidianamente desenrolada nas periferias das
principais cidades maranhenses e do país.
Do ponto de vista econômico, retira-se da população a possibilidade de
produzir seu próprio alimento cultivando a terra, do mesmo modo que não são
criadas oportunidades para os indivíduos transformarem-se em assalariados, uma
vez que não se desenvolveu, no contexto do estado, uma dinâmica urbano-industrial
ou patronal rural capaz de absorver o contingente que perde espaço nas atividades
agropecuárias tradicionais. Essa alternativa, aliás, não constitui mais nenhuma
tendência da geração de emprego no mundo moderno. Ao contrário, o emprego na
indústria é declinante e expande-se, tendencialmente, nas atividades vinculadas ao
setor de serviços. Todavia, duas condições precisam ser atendidas nessa
circunstância: de um lado, os demandantes dos postos de trabalho devem possuir
escolaridade e qualificação técnica, e, de outro lado, os potenciais consumidores
dos serviços devem possuir renda. Nenhuma das duas exigências, entretanto, tem
se evidenciado como característica da realidade vivida no Maranhão
contemporâneo. Como expressão geral das decisões relativas ao desenvolvimento
tomadas no passado, o Maranhão apresenta os mais desfavoráveis indicadores
sociais e econômicos, os índices de miséria mais elevados e os níveis de renda
mais baixos, no conjunto dos estados do país.
Conforme se discutiu anteriormente, na década de 1980, os trabalhadores
rurais conseguiram significativos avanços rumo à reconquista da terra no Maranhão.
O movimento organizado buscou antecipar-se à ação do Estado, ocupando imóveis
improdutivos e pressionando a execução da reforma agrária. A conquista da terra
pelas famílias de trabalhadores, na área destinada aos grandes projetos, representa,
concretamente, uma afronta ao modelo de desenvolvimento concentrador, que tem
sido fomentado no Maranhão. A forma dessa conquista, enquanto antecipação à
ação estatal, significa uma resposta aos planos oficiais e à lógica dos planejadores.
Assim, a expansão quantitativa dos assentamentos foi notável, chegando o
187
Maranhão a apresentar o mais elevado número de projetos implantados no país,
conforme se pode examinar nos anexos E e F. Porém, a conquista da terra coloca
um desafio fundamental, em particular, para as famílias assentadas e, também, para
o governo e para a sociedade civil: o desafio atinente à necessidade de reorganizar
a produção, com base em profundas mudanças nas técnicas e nos recursos
materiais tradicionalmente disponíveis. Esse é o momento da recente trajetória de
lutas dos trabalhadores rurais que continua em aberto, sem uma definição clara.
Considera-se que, nas condições gerais vigentes, a produção familiar nos
assentamentos está destinada a reproduzir os padrões de pobreza e de miséria.
Como já se mencionou anteriormente, a existência de um limite físico, circunscreve a
produção tradicional à disponibilidade de recursos naturais de uma determinada
área. Tão logo se esgotem os elementos de fertilidade do solo, as possibilidades de
sustentação do grupo familiar ficam seriamente comprometidas. As estratégias que
algumas famílias assentadas vêm construindo cotidianamente, como cultivar áreas
de aluguel fora do assentamento, realizar tarefas sazonais no entorno e desenvolver
pequenas atividades não-agrícolas, mostram-se de alcance fortemente limitado,
quando se consideram as fragilidades das economias locais. Em outras palavras, ao
se reproduzir, no interior dos assentamentos, o predomínio da racionalidade técnica
tradicional, as conseqüências sociais poderão ser muito graves.
Por outro lado, os tempos atuais também assistem, no âmbito internacional, a
uma forte tendência de revalorização do meio rural, enquanto espaço de produção,
moradia e lazer, assim como evoluem o debate e as ações atinentes à construção
da segurança alimentar e nutricional. A consolidação desses dois processos
concorre para a geração de um ambiente político capaz de estimular as sociedades
que possuem acentuados contrastes internos a promoverem efetivas reformas em
suas estruturas.
É certo que essa valorização do campo apresenta um forte componente
exógeno, na medida em que o interesse dos indivíduos pelos espaços rurais,
traduzido pela busca de qualidade de vida e de preservação ambiental, emana não
somente da primazia da cidade sobre o campo, mas também surge como reação
dos indivíduos diante de um sentimento de fracasso do mundo urbano-industrial
enquanto suposto destino absoluto do homem moderno. Historicamente, a
consolidação da indústria capitalista promoveu e pressupôs a evolução das cidades,
188
em sua forma moderna, de modo que o espaço urbano acabou assumindo um
significado quase finalístico. Esse elemento parece, aliás, ter persistido até o
presente momento, na racionalidade de muitos planejadores nos países não-
desenvolvidos. Contudo, o que a trajetória das sociedades tem revelado é uma
crescente impossibilidade de o ser humano contentar-se, exclusivamente, com um
ou outro dos modos de vida, urbano ou rural. As duas dimensões revelam-se, cada
vez mais, imprescindíveis em sua unidade, sem que uma se sobreponha à outra de
forma absoluta.
A construção da segurança alimentar e nutricional, por sua vez, apresenta um
componente muito sugestivo em sua conceituação, destacando que é necessário
garantir a cada indivíduo o acesso a alimentos de boa qualidade e em quantidade
suficiente, sem comprometer as condições de existência das gerações futuras.
Embora as primeiras preocupações com a segurança alimentar, na história
contemporânea, tenham surgido na esfera governamental, relacionadas a objetivos
estratégicos de segurança nacional e de precaução contra inimigos externos, o as
lutas sociais que impulsionam a evolução do debate e da concepção de segurança
alimentar e nutricional voltada para proteção da sociedade contra situações
cotidianas de fome e de desnutrição. No Brasil, particularmente, a origem dessa
construção não esteve associada a estratégias de precaução contra possíveis
embargos comerciais, ataques de inimigos externos ou catástrofes naturais. Neste
país, tal construção flui de forma genuína, da indignação e da ação efetiva do
movimento social contra a desigualdade social; nasce e evolui na luta concreta
contra um inimigo visceral, inerente à própria lógica da sociedade, que – ao contrário
do inimigo externo, palpável e previsível é invisível, atua de modo contínuo, sem
trégua, e corrói silenciosamente as bases da estrutura social: a fome endêmica, a
fome cotidiana.
se ressaltou que a confluência dos processos de valorização dos espaços
rurais e de construção da segurança alimentar e nutricional contribui para que se
constitua uma oportunidade histórica: ao optarem por valorizar o campo e garantir
alimentação adequada para cada indivíduo, e sem comprometer as condições de
existência das gerações futuras, as sociedades, como a brasileira, que se
caracterizam por fortes desigualdades, terão de promover efetivas reformas em suas
estruturas. A fome, a destruição do meio ambiente e a primazia do urbano sobre o
189
rural estão associadas às condições históricas construídas pelo capitalismo.
Sociedades capitalistas são, por sua natureza, sociedades desiguais. Entretanto, a
extensão dessa desigualdade, a construção de um abismo entre ricos e pobres, a
perpetuação da miséria em meio à abundância, não são, necessariamente,
pressupostos das sociedades desiguais, mas sim, condições que se aprofundam na
existência concreta, na trajetória histórica de cada sociedade, e que dependem do
caráter das escolhas feitas na construção da vida social. Nessa perspectiva é que se
compreende que o atual contexto, de valorização do campo e de construção da
segurança alimentar e nutricional, representa uma oportunidade de a sociedade
brasileira e a maranhense, em particular, efetuarem escolhas históricas para sua
trajetória.
No contexto dessa oportunidade é que se defende que a existência dos
assentamentos de reforma agrária constitui uma forma de se democratizarem as
alternativas de desenvolvimento das condições de vida digna, estimulando-se a
distribuição da riqueza e da propriedade. Os assentamentos de reforma agrária se
traduzem no lugar privilegiado para o desenvolvimento da agricultura familiar, sendo
esta entendida como a forma social mais eficiente para produzir alimentos, visando-
se garantir segurança alimentar e nutricional para o conjunto da sociedade.
No caso particular da sociedade maranhense, até o presente momento, as
escolhas realizadas têm privilegiado, preponderantemente, a concentração da
riqueza e da propriedade. As tentativas em sentido contrário têm sido forjadas nas
lutas sociais. Contudo, o momento exige que a sociedade, em seu conjunto, faça
uma escolha política, e em tempo hábil.
Entre as atuais atividades econômicas no campo maranhense, destacam-se
as plantações de eucalipto e a monocultura de soja, conforme se observou. Do
ponto de vista técnico, o desenvolvimento dessas atividades exerce forte
intervenção sobre o meio ambiente, uma vez que é necessário eliminar
completamente a cobertura vegetal nativa e, no caso específico da soja, são
incorporadas grandes quantidades de insumos químicos, para correção e adubação,
alterando-se profundamente as condições naturais do solo. Tratando-se de
atividades relacionadas à produção de commodities, portanto, dependentes da
dinâmica do comércio internacional, uma crise no segmento metalúrgico ou na
cadeia produtiva da soja, provocaria uma potencial saída de grande parte dos
190
capitais individuais empregados nessas atividades. Assim, pode ocorrer de aquelas
terras ocupadas pelo eucalipto e pela soja, futuramente, serem transformadas em
assentamentos de reforma agrária, caso se mantenham os mesmos padrões da
história recente, segundo os quais vários grupos que adquiriram grandes extensões
de terra, no Maranhão, na década de 1970, desinteressam-se pelas áreas, e estas,
ao serem desapropriadas para fins de reforma agrária, apresentavam sério
comprometimento das condições de fertilidade do solo, pelo uso de pesticidas, e a
cobertura vegetal nativa estava prejudicada pela extração madeireira. Do mesmo
modo, possivelmente, tornar-se-ão inadequadas para a policultura de alimentos, as
atuais áreas onde são desenvolvidas as monoculturas de soja e de eucalipto.
Diante de tal circunstância, a sociedade precisa decidir, então, se prefere
esperar para conferir o desfecho dessa situação ou se opta por planejar, de forma
democrática, o desenvolvimento do estado. Reafirma-se que, caso a sociedade
maranhense decida, efetivamente, iniciar a construção de seu próprio projeto de
desenvolvimento e, assim, investir na transformação das condições sob as quais
vem operando a produção familiar, os assentamentos de reforma agrária constituem
o lugar ideal para se promover a produção de alimentos. As condições históricas
estão dadas e manifestam-se em elementos como os que se seguem: a existência
de um contexto internacional de valorização do campo e de construção da
segurança alimentar e nutricional; a expansão numérica verificada e o grande
contingente de famílias envolvidas nos assentamentos implantados no Maranhão; a
circunstância de que os assentamentos não sobrevivem operando sob as
tradicionais condições técnicas da produção; o fato de que a modernização da
agricultura ocorrida no país não se estendeu efetivamente ao Maranhão; o fato de
que não houve o desenvolvimento de uma economia urbano-industrial capaz de
estimular a constituição de um mercado interno forte; finalmente, o fato de que a
situação a que se chegou, no estado, coloca grande parte da população em uma
curiosa condição, nos povoados: não é nem urbana nem rural e também não
produz mais o seu próprio alimento, nem possui renda para participar do mercado
consumidor.
Todavia, não se trata de apenas expandir ainda mais o quantitativo de
assentamentos. Mas, sim, incorporar a reforma agrária e a agricultura familiar a um
amplo projeto de sociedade. Isso exige que se concebam as experiências de
191
assentamento enquanto um modo de vida. Porém, não um modo de vida em que o
trabalho dos assentados resulte somente na subsistência das famílias. Essa seria
uma alternativa conformista e preconceituosa, pois, implicitamente, se estaria
admitindo que as famílias sem-terra, porque antes se encontravam às margens das
estradas ou na periferia das cidades, devem contentar-se com o fato de, uma vez
assentadas, poderem produzir o suficiente para sua sobrevivência. Trata-se, isto
sim, de considerar a construção de um modo de vida sob uma perspectiva na qual o
esforço produtivo resulte em desenvolvimento socioeconômico para as famílias, com
efetivas melhorias de suas condições de vida.
Obviamente, uma decisão desse porte pressupõe uma forte convicção a
respeito da eficiência da agricultura familiar, uma vez que o entendimento dominante
insiste em identificá-la com o atraso e com a economia de subsistência. Como se
discutiu, tal racionalidade implicou o favorecimento da agricultura patronal. Todavia,
conforme se destacou na tabela 7 e no gráfico 4, os dados disponíveis permitem
concluir que o abastecimento do mercado interno de alimentos, no Brasil, é
garantido pela agricultura familiar, a despeito das condições materiais e
institucionais desfavoráveis. Ora, se mesmo em condições adversas a agricultura
familiar é capaz apresentar desempenho satisfatório, em um ambiente de apoio
institucional, com financiamento suficiente, assistência técnica adequada, e cnicas
de produção apropriadas, poder-se-ia esperar que o potencial dessa forma de
produzir se desenvolvesse plenamente, resultando em uma produção várias vezes
superior à que é possível obter no presente. Essa, no entanto, seria apenas a
dimensão física da produção. As demais dimensões, relacionadas, por exemplo, à
geração de emprego, à interação responsável com os recursos naturais e à
reconstrução da diversidade cultural, poderiam expandir-se continuamente.
Finalmente, em um tempo histórico no qual verdades absolutas não o mais
admitidas, em prol do enriquecimento representado pela diversidade de abordagens
e pela coexistência de ltiplas visões de mundo, talvez pareça redundante
observar que não é objetivo deste trabalho encerrar qualquer debate acerca do tema
proposto. A pretensão maior reside em conceber a existência dos assentamentos de
reforma agrária como uma forma de democratizar as oportunidades para construção
de condições de uma vida digna. Embora tal consideração se nos marcos da
dinâmica capitalista, procura-se evitar a lógica que intenta medir a eficiência ou
192
ineficiência econômica das experiências de assentamento, comparativamente a
outras formas de emprego dos recursos financeiros disponíveis na esfera pública.
Considera-se, sobretudo, que o acesso à terra constitui uma oportunidade de
emprego para o homem, enquanto uma necessidade que antecede o emprego do
capital. Se os seres humanos ocupados nos assentamentos de reforma agrária
utilizam maior ou menor volume de capital em suas atividades, em nada se altera
esta consideração; o que importa é que se trata de uma possibilidade de afirmação
de universos sociais singulares e de contribuir para a construção da segurança
alimentar e nutricional, atualmente em curso no mundo. Dessa forma, se a presente
abordagem do tema lograr estimular o debate necessário, terá recompensado
plenamente seu esforço de elaboração.
193
REFERÊNCIAS
A LONGA marcha. Revista Veja. São Paulo, Ano 30, n.15, p. 34-58, jul.1997.
ABRAMOVAY, Ricardo. O futuro das reges rurais. Porto Alegre: Ed. da UFRGS, 2003.
ABRAMOVAY, Ricardo. Paradigmas do capitalismo agrário em questão. São
Paulo: Hucitec, 1992.
ABRAMOVAY, Ricardo. Progresso técnico: a indústria é o caminho? Revista
Proposta. Rio de Janeiro, n.27, p. 41-50, nov.1985.
ADAS, Melhem. A fome: crise ou escândalo? 17. ed. São Paulo: Moderna, 1988.
ALENTEJANO, Paulo Roberto. As relações campo-cidade no Brasil do século XXI.
Revista de Políticas Públicas. São Luís, v.7, n.2, p. 303-328, jul-dez. 2003.
ALMEIDA, Alfredo Wagner Berno de. A ideologia da decadência: uma leitura
antropológica a uma história da agricultura no Maranhão. São Luís: IPES, 1983.
ALMEIDA, Alfredo Wagner Berno de. Autonomia e mobilização política dos
camponeses no Maranhão. São Luís: CPT, 1981.
ALMEIDA, Alfredo Wagner Berno de. O intransitivo da transição. Revista Maria
Fumaça. São Luís, n.2, p.3-17, 1990.
ALMEIDA, Alfredo Wagner Berno de. Terra, conflito e cidadania. Revista Reforma
Agrária. Campinas, v.22, n.1, p.61-86, jan-fev.1992.
AMORIM, Ricardo et al. (Org.). Atlas da exclusão social no Brasil: os ricos no
Brasil. São Paulo: Cortez, v. 3, 2004.
AMORIM, Ricardo; POCHMANN, Márcio (Orgs.). Atlas da exclusão social no
Brasil. São Paulo: Cortez, 2003a.
AMORIM, Ricardo; POCHMANN, Márcio (Orgs.). Atlas da exclusão social no
Brasil: dinâmica e manifestação territorial. São Paulo: Cortez, v. 2, 2003b.
ANDRADE, Manuel Correia de. O meio-norte e a guiana maranhense. In: A terra e o
homem no Nordeste contribuição ao estudo da questão agrária no Nordeste. 5.
ed. São Paulo: Atlas, p.182-193, 1986.
ANDRADE, Maristela. A coletivização nos assentamentos de reforma agrária.
Revista Pará Agrário. Belém, n.8, p.124-33, jul-dez.1992.
ANDRADE, Maristela; CARNEIRO, Marcelo Sampaio; MESQUITA, Benjamin Alvino de. A reforma
da miséria e a miséria da reforma notas sobre assentamentos e ações chamadas de reforma
agrária no Maranhão. Revista de Políticas Públicas. São Luís, v.2, n.2, p.101-132, jul-dez.1996.
ANJOS, Flávio Sacco dos; CALDAS, Nádia Velleda. Pluriatividade e ruralidade:
falsas premissas e falsos dilemas. In: CAMPANHOLA, Clayton; SILVA, José
Graziano da. O novo rural brasileiro: novas ruralidades e urbanização. Brasília:
Embrapa, v. 7, 2004, cap. 3, p. 71-104.
ARCANGELI, Alberto. O mito da terra uma análise da colonização da pré-
amazônica maranhense. São Luís: Edufma, 1987.
ASSELIN, Victor. Grilagem: corrupção e violência em terra de Carajás. Petrópolis:
Vozes, 1982.
194
BARROS, Ricardo Paes de; HENRIQUES, Ricardo; MENDONÇA, Rosane. A
estabilidade inaceitável: desigualdade e pobreza no Brasil. In: HENRIQUES, Ricardo
(Org.). Desigualdade e pobreza no Brasil. Rio de Janeiro: IPEA, 2000, cap. 1, p. 21-47.
Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/documentos>. Acesso em: 2 out. 2005.
BEDUSHI FILHO, Luiz; ABRAMOVAY, Ricardo. Desafios para o desenvolvimento
das regiões rurais. Nova Economia, Belo Horizonte, v.14, n.3, p.35-70, set-
dez.2004.
BELIK, Walter (Org.). Políticas de seguridad alimentaria y nutrición en America
Latina. São Paulo: Hucitec, 2004.
BELIK, Walter. Muito além da porteira: mudanças nas formas de coordenação da
cadeia agroalimentar no Brasil. Campinas: IE/Unicamp, 2001.
BELIK, Walter. Pronaf: uma avaliação da operacionalização do programa. In:
CAMPANHOLA, Clayton; SILVA, José Graziano da (Ed.). O Novo rural brasileiro:
políticas públicas. Jaguariúna: Empraba, vol. 4, 2000, cap. 4, p. 93-115.
BELIK, Walter; DEL GROSSI, M. Brazil's Zero Hunger Program in the context of
social policy. Disponível em: <http://www.eco.unicamp.br/artigos/download/
artigo293.pdf>. Acesso em: 14.mai.2005.
BELIK, Walter; MALUF, Renato Salim (Orgs.). Abastecimento e segurança
alimentar: os limites da liberalização. Campinas: IE/UNICAMP, 2000.
BELIK, Walter; PAULILLO, Luiz Fernando. O financiamento da produção agrícola
brasileira na década de 90: ajustamento e seletividade. In: LEITE, rgio Pereira (Org.).
Políticas públicas e agricultura no Brasil. Porto Alegre: Ed. da UFRGS, 2001, p. 95-120.
BELIK, Walter; SILVA, José Graziano da; TAKAGI, Maya. O que o Brasil pode fazer
para combater a fome. In: BELIK, Walter; SILVA, José Graziano da; TAKAGI, Maya (Orgs.).
Combate à fome e à pobreza rural. São Paulo: Instituto Cidadania, 2002, p. 131-52.
BELLO FILHO, Wilson Barros. História do planejamento no Maranhão: uma arqueologia
dos planos estaduais de desenvolvimento. Rio de Janeiro: Papel Virtual, 2004.
BERGAMASCO, Sonia Maria Pessoa Pereira; NORDER, Luiz Antonio Cabello.
Assentamentos rurais. São Paulo: Brasiliense, 1996.
BERTRAND, Jean-Pierre; LAURENT, Catherine; LECLERCQ, Vincent. O mundo da
soja. Tradução de Lólio Lourenço de Oliveira. São Paulo: Hucitec, 1987.
BIRD, G; IKERD, John. Agricultura sustentável: um sistema do século XXI. Revista
Estudos Econômicos. São Paulo, v. 24, p. 99-113, 1994.
BOSERUP, Ester. Evolução agrária e pressão demográfica. Tradução de
Oriowaldo Queda e João Carlos Duarte. São Paulo: Hucitec, 1987.
BRACALE, Gustavo; CONSIDERA, Cláudio; SOUSA, Eduardo Luís Leão de.
Âncora Verde: o papel da agricultura no ajuste econômico. Brasília: SEAE/MF,
2002. Disponível em:<http://www.seae.fazenda.gov.br/central_documentos>. Acesso
em: 5.nov.2006.
BRANDENBURG, Alfio. Agricultura familiar, meio ambiente e desenvolvimento. In: Agricultura
familiar, ONGs e desenvolvimento sustentável. Curitiba: UFPR, 1999, cap.1, p. 53-89.
BRASIL. Ministério Extraordinário de Segurança Alimentar e Combate à Fome.
Programa Fome Zero. Brasília, DF, 2003.
195
BUAINAIN, Antonio Márcio. Notas sobre a produção de alimentos e o padrão de
consumo alimentar. Economia Ensaios. Uberlândia, v.4, n.2, p. 99-110, dez.1988.
BUAINAIN, Antônio rcio; ROMEIRO, Adhemar; GUANZIROLI, Carlos Enrique.
Agricultura familiar e o novo mundo rural. Sociologias, Porto Alegre, n.10, p.312-347, jul-
dez.2003. Dispovel em: <http://www.scielo.br/scielo.php>. Acesso em: 5.nov.2006.
BUARQUE, Sergio. Desenvolvimento sustentável. In: Construindo o desenvolvimento
local sustentável. Rio de Janeiro: Garamond, 2002, cap. 3, p. 57-80.
BUENO, Márcio. Os desafios do Marano: prosperidade no cerrado. Revista
Agroanalysis. Rio de Janeiro, v. 21, n.11, p. 11-28, nov. 2001.
BULL, David; HATHAWAY, David. Pragas e venenos: agrotóxicos no Brasil e no
terceiro mundo. Tradução de David Hathaway. Petrópolis: Vozes, 1986.
BURBACH, Roger; FLYNN, Patricia. O arsenal de cereais dos EUA o alimento
como arma. In: Agroindústria nas Américas. Tradução de Waltensir Dutra. Rio de
Janeiro: Zahar, 1982, cap. 3, p. 66-83.
BYÉ, Pascal. As tecnologias genéricas levam ao desaparecimento das técnicas
agroalimentares de origem? In: MALUF, Renato Salim et al.(Org.). Reestrutruação
do sistema agroalimentar. Rio de Janeiro: UFRRJ, 1999, p. 45-60.
CABRAL, Maria do Socorro Coelho. Caminhos do gado: conquista e colonização
do sul do Maranhão. São Luís: SECMA, 1992.
CAMPANHOLA, Clayton; SILVA, José Graziano da. Diretrizes de políticas públicas
para o novo rural brasileiro: incorporando a noção de desenvolvimento local. In:
CAMPANHOLA, Clayton; SILVA, José Graziano da (Ed.). O Novo rural brasileiro:
políticas públicas. Jaguariúna: Empraba, vol. 4, 2000, cap. 3, p. 61-91.
CAMPINO, Antonio Carlos Coelho. Economia da alimentação e nutrição. São
Paulo: IPE/USP, 1985.
CANEDO, Eneida Vieira da Silva Ostria de. Organização do espo agrário maranhense
a os anos 80: distribuição da terra e atividades agcolas. São Ls: [s.n.], 1993.
CANO, Wilson. Furtado: a questão regional e a agricultura itinerante no Brasil. In:
Ensaio sobre a formação econômica regional do Brasil. Campinas: UNICAMP,
2000, p. 117-143.
CARDIM, Silvia Elizabeth; GUANZIROLI, Carlos Enrique (Coords.). Novo retrato da
agricultura familiar: o Brasil redescoberto. Brasília: INCRA/FAO, 2000. Disponível
em: <http://www.incra.gov.br/sade/documentos. Acesso em: 19.set.2003.
CARMO, Maristela Simões do. Agricultura sustentável e produção familiar num
contexto de reestruturação do sistema agroalimentar. Revista Reforma Agrária.
Campinas, v. 25, n.2. p.114-127, mai-dez.1995.
CARNEIRO, Maria José. Política de desenvolvimento e o “novo rural”. In:
CAMPANHOLA, Clayton; SILVA, JoGraziano da (Ed). O Novo rural brasileiro:
políticas públicas. Jaguariúna: Empraba, vol. 4, 2000, cap. 5, p. 117-149.
CARNEIRO, Maria José; TEIXEIRA, Vanessa Lopes. Pluriatividade, novas
ruralidades e identidades sociais. In: CAMPANHOLA, Clayton; SILVA, José
Graziano da (Ed.). O novo rural brasileiro: novas ruralidades e urbanização.
Brasília: Embrapa, v.7, 2004, cap.1, p.16-38.
196
CARNEIRO, Ricardo de Medeiros. A região da frente pioneira. In: Capitalismo e
pequena produção na agricultura do Nordeste. 1978. p.111-123. Dissertação
(Mestrado) - Universidade Estadual de Campinas, Campinas.
CASTRO, Josué. Geopolítica da fome: ensaio sobre os problemas de alimentação
e de população no mundo. 3. ed. Rio de Janeiro: Casa do Estudante, 1954.
CHADDAD, Fábio; ANDRADE, Eduardo. Reforma agrária é quase uma
impossibilidade: bandeira histórica da esquerda não tem mais eficácia econômica.
Jornal Valor Econômico. São Paulo, 01.mai.2005, p. 4.
CHAYANOV, Aleksander Vassilievitch. La organización de la unidad económica
campesina. Buenos Aires: Nueva Visión, 1985.
COHEN, Ernesto; FRANCO, Rolando. Avaliação de projetos sociais. Petrópolis:
Vozes, 2000.
COMISSÃO PASTORAL DA TERRA. Conflitos no campo: Brasil 2004. Petrópolis: CPT
Nacional, 2004, p. 228.
CONCEIÇÃO, Manuel da. Essa terra é nossa: depoimento sobre a vida e as lutas
de camponeses no estado do Maranhão. Petrópolis: Vozes, 1980.
CONSELHO NACIONAL DE SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL. A
construção da política nacional de segurança alimentar e nutricional – Relatório
da II Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional. Olinda, 2004a.
CONSELHO NACIONAL DE SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL. Prinpios
e diretrizes de uma política de segurança alimentar e nutricional. Brasília, 2004b.
COOPER, Miguel et al. A qualidade dos projetos de assentamento. In: SPAROVEK, Gerd
(Coord.). A qualidade dos assentamentos da reforma agrária brasileira. São Paulo: Páginas
e Letras, 2003, p. 89-139. Disponível em: <http://www.incra.gov.br>. Acesso em: 28.mai.2006.
CORBUCCI, Regina lia. Algumas reflees sobre o Programa Nacional de Agricultura
Familiar. Revista Reforma Agria. Campinas, v. 25, n.2. p.178-184, mai-dez.1995.
COUTO, Ebenezer Pereira. O Abastecimento alimentar no Brasil: de 1930 à
atualidade. In: ENCONTRO NACIONAL DE ECONOMIA POLÍTICA, 6, São Paulo.
Anais... São Paulo: Sociedade Brasileira de Economia Política, 2001.
DEL GROSSI, Mauro; SILVA, José Graziano da. Estimativas das falias sem terra no
Brasil: priorizando o combate à pobreza e ao desemprego. Campinas: FECAMP, 2000.
DELGADO, Guilherme Costa. Capital financeiro e agricultura no Brasil: 1965-1985. São
Paulo: Unicamp, 1985.
DELGADO, Guilherme; CARDOSO JUNIOR, José Celso. O Idoso e a previdência
rural no Brasil. Rio de Janeiro: IPEA, 1999. Texto para discussão 688. Disponível
em: <http://www.ipea.gov.br>. Acesso em 28.jun.2005.
DURÁN, Francisco Entrena; PÉREZ, Jose Luis Villanueva. Cambios en la concepcn y
en los usos de la ruralidad del antropocentrismo productivista al ecocentrismo
naturalista. Desenvolvimento e meio ambiente. Curitiba, n. 2, jul-dez.2000, p. 11-27.
ESTERCI, Neide. et al. Assentamentos rurais: um convite ao debate. Revista
Reforma Agrária. Campinas, v. 22, n. 3, p. 4-15, dez.1992.
FAO. Declaração de Roma sobre a segurança alimentar mundial, Roma, 1996.
Disponível: <http://www.fao.org/docrep>. Acesso em: 25.jul.2003.
197
FAO. El estado de inseguridad alimentaria en el mundo: 2004. Roma, 2005.
Disponível em: <http://www.fao.org/doc>. Acesso em: 28.jul.2005.
FAO. El estado de inseguridad alimentaria en el mundo: 2005. Roma, 2005a.
Disponível em: <http://www.fao.org/docrep/008/a0200s/a0200s00.htm>. Aceso em:
19.nov.2006
FAO. Plano de ação da cimeira mundial da alimentação. Roma, 1996. Disponível
no site: <http://www.fao.org/docrep>. Acesso em 25.jul.2003.
FAO. Sumario de estadísticas agrícolas y alimentarias mundiales 2005. Roma,
2005b. Disponível em: <http://www.fao.org/statistics/_web.pdf>. Acesso em
20.nov.2006.
FARIAS, Flávio Bezerra de. O estado capitalista contemporâneo: para a crítica
das visões regulacionistas. São Paulo: Cortez, 2000. (Questões de Nossa Época. 73)
FEITOSA, Raimundo Moacir Mendes. O processo socioeconômico do Maranhão:
história e desenvolvimento. 1994. 318f. Dissertação (Mestrado) - Universidade
Federal Pará. Núcleo de Altos Estudos da Amazônia. Belém.
FEITOSA, Raimundo Moacir Mendes. Tendências da economia mundial e ajustes
nacionais e regionais. São Luís: MPP/UFMA, 1998.
FERNANDES, Florestan. A revolão burguesa no Brasil. Rio de Janeiro: Zahar, 1975.
FERRÃO, João. Relações entre mundo rural e mundo urbano: evolução histórica,
situação actual e pistas para o futuro. Revista Eure, Santiago, v.26, n.78, set. 2000.
FREITAS, Antonio Carlos Reis de. A crise ecológica na agricultura do estado do
Maranhão e a reprodução social do trabalho familiar. Revista de Políticas Públicas.
São Luís, v.3, n.1, p.89-106, jan-dez.1999.
FREITAS, Antonio Carlos Reis de. Os roçados no Maranhão evoluirão para sistemas
agroflorestais? Revista Desenvolvimento e Cidadania. São Luís, v.17, p. 4-17, set-nov.1995.
FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS. O ranking da miséria no Brasil. Disponível em:
<http://.www.fgv.org.br>. Acesso em: 28.set.2003.
FUNDAÇÃO INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA E SOCIAL. Limitações e
dependência na oferta de alimentos no Maranhão. Revista Indicadores
Econômicos. São Luís, v. 9, p.11-27, 1993.
FURTADO, Celso. A estrutura agrária no subdesenvolvimento brasileiro. In: Análise
do modelo brasileiro. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 1973. cap. 2, p.91-122.
FURTADO, Celso. Formação econômica do Brasil. 14. ed. São Paulo:Nacional, 1976.
FURTADO, Celso. O longo amanhecer. 2. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1999.
GAIOSO, Raimundo José de Sousa. Compêndio histórico-político dos princípios
da lavoura do Maranhão. Rio de Janeiro: SUDEMA, 1970. (Coleção São Luís).
GAZOLLA, Márcio. Agricultura familiar, segurança alimentar e políticas
públicas. 2004. 287f. Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal do Rio Grande
do Sul. Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Rural. Porto Alegre.
GEORGE, Susan. O Mercado da fome: as verdadeiras razões da fome no mundo.
Tradução de Eneida Cidade Araújo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978.
GISTELINK, Frans. Carajás, usinas e favelas. São Luís: [s.n.], 1988.
198
GOLDIN, Ian; RESENDE, Gervásio Castro de. A crise econômica dos anos 80 e o
comportamento dinâmico da agricultura. In: A agricultura brasileira na década de
80. Rio de Janeiro: IPEA, 1992, cap. 1, p. 5-12.
GOMES, Gustavo Maia. Velhas secas em novos sertões – continuidade e mudança
na economia do semi-árido e dos cerrados nordestinos. Brasília: IPEA, 2001.
GONÇALVES, Maria de Fátima Costa. A invenção de uma rainha de espada:
reatualizações e embaraços na dinâmica política do Maranhão dinástico. 2006, 387f.
Tese (Doutorado) - Universidade Federal do Maranhão. Programa de Pós-
Graduação em Políticas Públicas. São Luís.
GONÇALVES, Maria de Fátima Costa. A Reinvenção do Maranhão dinástico. São
Luís: UFMA, 2000.
GÖRGEN, Sérgio Antônio; STÉDILLE, João Pedro (Orgs). Assentamentos:
resposta econômica da reforma agrária. Petrópolis: Vozes, 1991.
GUANZIROLI, Carlos Enrique et al. Agricultura familiar e reforma agrária no
século XXI. Rio de Janeiro: Garamond, 2001.
GUILHOTO, Joaquim et al. Agricultura familiar na economia: Brasil e Rio Grande do Sul.
Bralia: MDA, 2005. Disponível em: <http://www.nead.org.br>. Acesso em: 26 fev. 2006.
GUIMARÃES, Alberto Passos. A crise agrária. 2. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982.
HOFFMANN, Rodolfo. Mensuração da desigualdade e da pobreza no Brasil. In:
HENRIQUES, Ricardo (Org.). Desigualdade e pobreza no Brasil. Rio de Janeiro:
IPEA, 2000, p.81-107. Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/documentos.htm>.
Acesso em: 2.out.2005.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTASTICA. Censo agropecuário 1960.
Rio de Janeiro: FIBGE, 1960.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTASTICA. Censo agropecuário 1970.
Rio de Janeiro: FIBGE, v.3, 1970.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTASTICA. Censo agropecuário 1985.
Rio de Janeiro: FIBGE, n. 9,1985.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Censo agropecuário
1995-1996. Rio de Janeiro: FIBGE, 1998.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTASTICA. Censo demográfico 2000.
Rio de Janeiro: FIBGE, 2002.
INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA. Brasil: o estado da nação.
Brasília. Disponível em: <http://www.ipea.gov.br>. Acesso em: 26. fev. 2006.
INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRÁRIA. O Brasil
desconcentrando as terras: índice de Gini. Brasília, 2001.
JACOT, Jacques-Henri. Croissance économique et fluctuations conjoncturelles :
une présentation critique. Lyon: Presses Universitaires de Lyon, 1977.
JARA, Carlos Julio. Novos conceitos e estratégias de desenvolvimento rural. In: As
dimensões intangíveis do desenvolvimento sustentável. Brasília: IICA, 2001, cap.1, p. 21-58.
JUNQUEIRA, Antonio Helio; PEETZ, Márcia da Silva. Fome oculta. Revista
Agroanalysis. Rio de Janeiro, v.21, n.8, p. 8-12, ago. 2001.
199
KAGEYAMA, Angela Antonia et. al. O novo padrão agrícola brasileiro: do complexo
rural aos complexos agroindustriais. In: DELGADO, Guilherme et al. (Orgs.).
Agricultura e Políticas Públicas. Brasília: IPEA, v. 1, n.3, p. 113-223, jun. 1990.
KAGEYAMA, Angela Antonia. Pluriatividade e ruralidade: aspectos metodológicos.
Revista Economia Aplicada. São Paulo, v.2, n.3, p. 515-51, jul-set. 1998.
KAGEYAMA, Angela Antonia. questão agrária brasileira: interpretações clássicas.
Revista Reforma Agrária. Campinas, v.23, n.3, p. 5-16, set-dez.1993.
KAUFMAN, J, L, POTHUKUCHI, K. Placing the food system on the urban agenda: the role of
municipal institutions in food systems planning. Agriculture and Human Values. Wisconsin,
n.16, p.213-224, 1999. Disponível em: <http://www.ipes.org/ AU4livros.pdf>.Acesso em: 13.mai.2003.
KAUTSKY, Karl Johann. A evolução da agricultura na sociedade capitalista. In: A
questão agrária. Tradução de Otto Erich Walter Maas. São Paulo: Nova Cultural,
1986, p. 11-279. (Os Economistas).
KAUTSKY, Karl Johann. Préface a la traduction française. In: La question agraire:
etude sur les tendances de l’agriculture moderne. Paris: Giard & Brière, 1900.
LACERDA, Guilherme. Capitalismo e produção familiar na agricultura brasileira. São
Paulo: USP, 1985.
LAMARCHE, Hugues (Coord). A agricultura familiar comparação internacional.
Tradução de Ângela Maria Naoko Tijiwa. Campinas: UNICAMP, 1993.
LEAL FILHO, Laurindo Lalo (Org.). Reforma agrária da nova república.
Contradições e alternativas. 2. ed. São Paulo: Cortez, 1996.
LEITE, Sérgio Pereira. O estudo dos assentamentos rurais e os parâmetros da
ciência econômica. In: ROMEIRO, Adhemar et al. Reforma agrária: produção,
emprego e renda. Rio de Janeiro: Vozes/Ibase/FAO, 1994.
LEMOS, José de Jesus Sousa. et al. Qualidade de vida nos municípios do Nordeste
em relação aos municípios do Brasil. Revista Econômica do Nordeste. Fortaleza,
30 (3), jul-set. 1999. pp.316-335.
LEMOS, José de Jesus Sousa. Mapa da exclusão social no Brasil: radiografia de
um país assimetricamente pobre. Fortaleza: BNB, 2005.
LENIN, Vladimir Ilitch Uliánov. Capitalismo e agricultura nos Estados Unidos da
América: novos dados sobre as leis de desenvolvimento do capitalismo na
agricultura. São Paulo: Brasil Debates, 1980. (Coleção Alicerces).
LENIN, Vladimir Ilitch Uliánov. O desenvolvimento do capitalismo na Rússia: o
processo de formação do mercado interno para a grande indústria. Tradução de
José Paulo Netto. São Paulo: Abril Cultural, 1982. (Os Economistas).
LENIN, Vladimir Ilitch Uliánov. Para onde deve ir o camponês médio? para o lado dos
proprietários e dos ricos ou para o lado dos operios e dos o possuidores? In: Aos
pobres do campo. Tradão de Oswaldo Faria. São Paulo: Acamica, 1988, p. 32-39.
MADELEY, John. O comércio da fome. Tradução de Ricardo Rosenbusch.
Petrópolis: Vozes, 2003.
MALAGODI, Edgard. Marx e a questão agrária. Revista Reforma Agrária. v.23, n.2,
p. 59-85, mai-ago.1993.
200
MALUF, Renato Salim, MENESES, Francisco. Caderno Segurança Alimentar.
Disponível em <http://www.cpda.ufrrj.gov.br>. Acesso em: 16.jul.2003.
MALUF, Renato Salim. Economia de rede, o papel da distribuição e problemática da
segurança alimentar. In: MALUF, R. et al. Reestruturação do sistema
agroalimentar. Rio de Janeiro: UFRRJ, 1999, p. 61-69.
MALUF, Renato Salim. et al. Segurança Alimentar, Desenvolvimento Sustentável e
Planejamento Agroalimentar. In: Agricultura Sustentável, Jaguariúna, SP:
EMBRAPA, vol. 1, n. 1, jan/abr. 1995.
MANÇANO, Bernardo; WALTER, Carlos. Josué de Castro – vida e obra. São
Paulo: Expressão Popular, 2000.
MARQUES, Rosa. A importância do bolsa família nos municípios brasileiros.
Cadernos de Estudos Desenvolvimento Social em Debate. Brasília, n.1, 2005.
MARTINE, George. Fases e faces da modernização agrícola brasileira. In:
DELGADO, Guilherme et al. (Orgs.). Agricultura e políticas públicas. Brasília:
IPEA, v.1, n.3, p. 2-44, jun.1990.
MARTINS, Luciano. Pouvoir et développement économique: formation et
évolution des structures politiques au brésil. Paris: Anthopos, 1976.
MARTINS, Mônica Dias (Org.). O Banco mundial e a terra: ofensiva e resistência
na América Latina, África e Ásia. São Paulo: Viramundo, 2004.
MARX, Karl. Gênese da renda fundiária. In: O capital. Tradução de Reginaldo
Sant’Anna. 3. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1980. Livro III, p. 897-931.
MARX, Karl. O salário. In: O capital. Tradução de Reginaldo Sant’Anna. 10. ed. o
Paulo: Difel, 1985. Livro I, p. 616-653.
MARX, Karl. Para a ctica da economia política. Tradução de Edgard Malagodi. o
Paulo: Abril Cultural, 1982. (Os Economistas).
MATOS, Fábio. O Futuro do futuro a utilizão de contratos futuros agropecuários em
carteiras de investimento poder ser vantajosa. Revista Agroanalysis, Rio de Janeiro,
v.21, n. 7, p. 53-55, jul.2001.
MCMICHEL, Philip. The power of food. Agriculture and Human Values. Ithaca, NY,
v.17, n. 1, p. 21-33, Mar.2000.
MEDEIROS, Leonilde rvolo de et al. (Orgs.). Assentamentos rurais: uma visão
multidisciplinar. São Paulo: Unesp, 1994.
MEDEIROS, Leonilde Sérvolo de. Trabalhadores rurais, agricultura familiar e
organização sindical. São Paulo em perspectiva. Fundação SEADE, v.11, n.2,
p.65-72, abr-jun.1997.
MELGAREJO, Leonardo. Desempenho, eficiência multidimensional e previsão
de possibilidade de sucesso em assentamentos de reforma agrária, no Rio
Grande do Sul. 2000. 482f. Tese (Doutorado) - Universidade Federal de Santa
Catarina. Programa de Pós-Graduação em Engenharia da Produção. Florianópolis.
MELO, Fernando Homem de. O crescimento agrícola brasileiro dos anos 80 e as perspectivas
para os anos 90. Revista de Economia Política. o Paulo, v. 10, n.3, p. 22-30, jul-set.1990.
MESQUITA, Benjamin Alvino de. A crise da economia do babaçu no Maranhão
(1920-80). Revista de Políticas Públicas. São Luís, v.2, n.2, p.61-76, jul-dez. 1996.
201
MESQUITA, Benjamin Alvino de. A transformação da pecuária maranhense sob a
ação governamental e as forças de mercado: ritmos e rumos da ação do capital
no período de 1970 a 2000. 2006. 459f. Tese (Doutorado) – Universidade Federal do
Maranhão – Université Paris III-Sorbonne Nouvelle. São Luís.
MONTEIRO, Carlos. Fome, desigualdade e pobreza: além da semântica. Revista
Saúde e Sociedade. São Paulo, v.12, n.1, p. 7-11, jan.2003.
MOORE, Barrington. Les origines sociales de la dictadure et de la mocratie.
Traduit par Pierre Clinquart. Paris: Maspero, 1979, cap. II e III, p. 133-383.
MOYANO, Eduardo; PANIAGUA, Angel. Agricultura, espacios rurales y medio ambiente.
Revista Internacional de Sociologia. Madrid. Ano 3, n.19, p.127-152, Ene-Ago.1998.
Disponível em: <http://www.iesam.csic.es/revista>.Acesso em: 3.mai.2005.
NASCIMENTO, Carlos Alves do. Evolução das famílias rurais no Brasil nos anos 90.
In: CAMPANHOLA, Clayton; SILVA, José Graziano da (Ed.). O novo rural
brasileiro: novas atividades rurais. Bralia: Embrapa, v. 6, 2004, cap. 8, p. 243-278.
NATAL, Jorge Luiz Alves. Império norte-americano e território no Brasil dos 80’s e
90’s: uma leitura inspirada em Maria da Conceição Tavares. Revista Eure.
Santiago, v. 28, n.84, 2002.
NEVES, Delma Pessanha. Agricultura familiar: questões metodológicas. Revista
Reforma Agrária. Campinas, v. 25, n.2, p.21-36, jul-ago.1995.
NORDER, Luiz Antonio Cabello. Assentamentos rurais: casa, comida e trabalho.
Campinas, 1997. Dissertação de mestrado apresentada a Unicamp.
OLIVEIRA, Francisco de. Oligarquia agrária e intervenção do Estado no Nordeste.
In: Elegia para uma re(li)gião – sudene, nordeste, planejamento e conflito de
classes. 2. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977, cap.2, p.45-57.
ORNELLAS, Lieselotte Hoeschl. A alimentação através dos tempos. 3. ed.
Florianópolis: UFSC, 2003.
PEREIRA, José Almeida. Cultivo do arroz no Brasil: subsídios para a sua história.
Teresina: Emprapa, 2002.
PIRES, André. Um sentido dentre outros possíveis: o rural como representação. In:
CAMPANHOLA Clayton; SILVA, José Graziano da (Ed.). O novo rural brasileiro:
novas ruralidades e urbanização. Brasília: Embrapa, v. 7, 2004, cap. 6, p. 149-174.
POCHMANN, Márcio et al.(Orgs.). A exclusão no mundo. São Paulo: Cortez, v. 4, 2004.
PRADO JUNIOR, Caio. A questão agrária. 4. ed. São Paulo: Brasiliense, 1987.
PRADO JUNIOR, Caio. Formação do Brasil Contemporâneo. 4. ed. São Paulo:
Brasiliense, 1963.
PRADO JUNIOR, Caio. História econômica do Brasil. 18. ed. São Paulo:
Brasiliense, 1976.
QUEDA, Oriowaldo; SZMRECSÁNYI, Tamás (Orgs.). 3. ed. Vida rural e mudança
social – leituras básicas de sociologia rural. São Paulo: Nacional, 1979.
RANIERI, Simone Beatriz Lima. Retrospecto da reforma agrária no mundo e no
Brasil. In: SPAROVEK, Gerd (Coord.). A qualidade dos assentamentos da
reforma agrária brasileira. São Paulo: Páginas e Letras, 2003, p. 5-38. Disponível
em: <http://www.incra.gov.br>. Acesso em: 28.mai.2006.
202
RETRATO proibido da fome. Revista Isto É. o Paulo, n. 458, p. 30-34, out.1985.
REYDON, Baastian Philip. Algumas considerações sobre o debate Kautsky e Lênin
com os populistas sobre a pequena produção. Revista Economia Ensaios.
Uberlândia, v.4, n.2, p. 99-110, dez.1988.
ROCHA, Marlene da. (Org.). Segurança alimentar: um desafio para acabar com a
fome no Brasil. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2004.
ROSA, Sueli Couto. Os desafios do Pronaf Programa Nacional de Fortalecimento
da Agricultura Familiar. Revista Reforma Agrária. Campinas, v. 25, n.2. p.185-192,
mai-dez.1995.
ROSEGRANT, Mark; PANDYA-LORCH, Rajul, PINSTRUP-ANDERSEN, Per. World food
prospects: critical issues for the early twenty-first century. Washington: IFPRI, 1999.
SALAY, Elisabeth. Política de alimentação e nutrição evolução das abordagens.
Cadernos de Debate. v. 1, p. 1-19, 1993.
SAMPAIO JUNIOR, Plínio de Arruda. Entre a nação e a barbárie os dilemas do
capitalismo dependente em Caio Prado, Florestan Fernandes e Celso Furtado.
Petrópolis: Vozes, 1999.
SAMPAIO, Yoni. Políticas de alimentação e nutrição: uma revisão de tópicos.
Revista de Economia do Nordeste. Fortaleza, v.10, n.4, p. 21-40, 1979.
SCHEJTMAN, Alexander; BERDEGUÉ, Julio. Desarrollo territorial rural. Santiago:
[s.n.], 2002.
SCHNEIDER, Sergio. A pluriatividade como estratégia de reprodução da agricultura
familiar. In: A pluriatividade na agricultura familiar. Porto Alegre: UFRGS, 2003,
cap.5, p.177-227.
SCHOUCHANA, Félix. Mercados futuros e de opções agropecuários: teoria e
prática. São Paulo: BM&F, 1995.
SCHWARZER, Helmut. Impactos socioeconômicos do sistema de aposentadorias
rurais no Brasil. Rio de Janeiro: IPEA, 2000.
SEN, Amartya. População, alimento e liberdade. In: Desenvolvimento como
liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2000, p. 236-260.
SILVA, José de Ribamar . Política pública de abastecimento e segurança
alimentar: do controle de estoques ao programa fome zero. Revista Políticas
Públicas em Debate. São Luís, v. 4, n.1, p.21-34, jan-jul. 2004.
SILVA, José de Ribamar Sá. Terra bela: mais um assentamento de trabalhadores
rurais no Maranhão. 1997. 229f. Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal da
Paraíba. Centro de Humanidades. Campina Grande.
SILVA, José Graziano da. A nova dinâmica da agricultura brasileira. 2. ed.
Campinas: Unicamp, 1998.
SILVA, José Graziano da. O novo rural brasileiro. Campinas: Unicamp, 1999.
SILVA, José Graziano da. Política agrícola: uma questão muito delicada. Entrevista.
Revista Rumos. Rio de Janeiro, v.24, n.174, p.4-8, jul. 2000.
SILVA, Maria Ozanira da Silva e. O debate sobre a pobreza questões teórico-
conceituais. Revista de Política Públicas. São Luís, v. 6, n.2, p.23-40, jan/jun.2002.
203
SOARES, Adriano Campolina. A multifuncionalidade da agricultura familiar. Revista
Proposta. Rio de Janeiro, n. 87, p. 40-49, jan. 2001.
SOUZA, André Cabral de. Agricultura familiar: os caminhos alternativos. Revista de
Agronegócios da FGV. Rio de Janeiro, p, 23-24, abr.2005.
STEEG, Jeannette van de. et al. Os assentamentos inseridos no contexto nacional.
In: SPAROVEK, G (Coord.). A qualidade dos assentamentos da reforma agrária
brasileira. São Paulo: Páginas e Letras, 2003, p.141-162. Disponível em:
<http://www.incra.gov.br>. Acesso em: 28.mai.2006.
TAVARES, Maria da Conceição. A retomada da hegemonia norte-americana.
Revista de Economia Política, São Paulo, v.5, n.2, p. 14, abr-jun.1985.
TONIAL, Sueli Rosina. Desnutrição e obesidade: faces contraditórias na miséria e
na abundância. Recife: Instituto Materno Infantil de Pernambuco, 2001.
VALENTE, Flavio Luiz Schieck. (Org). Direito humano à alimentação: desafios e
conquistas. São Paulo: Cortez, 2002.
VALENTE, Flávio Luiz Schieck.. A evolução, conceito e o quadro da segurança
alimentar dos anos 90, no mundo e no Brasil. (1997a) Disponível em:
http://www.brnet.com.br/rededma/plp>. Acesso em 10.jul.2003.
VALENTE, Flávio Luiz Schieck.. Um Breve histórico do conceito de segurança
alimentar no âmbito internacional (1997b). Disponível em:
<http://www.brnet.com.br/rededma/plp>. Acesso em: 10.jul.2003.
VEIGA, José Eli da, Delimitando a agricultura familiar. Revista Reforma Agrária.
Campinas, v. 25, n.2. p.128-141, mai-dez.1995.
VEIGA, José Eli da. A Reforma que virou suco: uma introdução ao dilema agrário
do Brasil. Petrópolis: Vozes, 1990.
VEIGA, José Eli da. Cidades imaginárias: o Brasil é menos urbano do que se
calcula. São Paulo: Autores Associados, 2002.
VEIGA, José Eli da. Diretrizes para uma nova política agrária. Disponível em:
<http://www.nead.org.br/projetos/nead/_novo/htdocs>. Acesso em: 28.jun.2005.
VEIGA, José Eli da. O desenvolvimento agrícola: uma visão histórica. São Paulo:
Hucitec/Edusp, 1991.
VELHO, Octavio Guilherme. Fronteira agrícola e campesinato. In: Capitalismo
autoritário e campesinato. São Paulo: Difel, 1974, p. 193-223.
VIANA, César Rodrigues. Desenvolvimento agrícola no Maranhão: pequena e média
produção. São Luís: [s.n.], 1991.
WANDERLEY, Maria de Nazareth Baudel de. A valorização da agricultura familiar e
a reinvenção da ruralidade no Brasil. Desenvolvimento e meio ambiente. Curitiba,
n. 2, jul-dez.2000, p. 29-37.
WILKINSON, John. Mercosul e produção familiar: abordagens teóricas e estratégias
alternativas. Estudos Sociedade e Agricultura. Rio de Janeiro, abr/1997, p. 7-24.
WILKINSON, John. O futuro do sistema alimentar. São Paulo: Hucitec, 1989.
ZANDONADI, Renato. Fundamentos técnicos para o diagnóstico da agricultura
brasileira: 1980-95. Brasília: CNA, 1996.
204
ANEXO A – Modelo de questionário utilizado nas entrevistas
AGRICULTURA FAMILIAR E ASSENTAMENTOS DE REFORMA AGRÁRIA
PARTE I – CARACTERIZAÇÃO DO ASSENTAMENTO/POVOADO
Nome do assentamento Município
Caracterização da população residente
1. _________________________________ 3. _______________________________
2. _________________________________ 4. _______________________________
Tipo predominante de construção das casas
Órgão responsável: [ ] Incra [ ] Iterma
População total: Número de famílias:
Distribuição por faixa etária
0 - 14 anos 15 – 60 anos Mais de 60 anos
_______ _______ _______
Principais locais de origem das famílias:
Entidades: [ ] assoc. produtores [ ] clube de mães [ ] igrejas [ ] outras: _________
Assistência médica local: [ ] posto de saúde [ ] agente de saúde [ ] inexistente
Educação escolar: [ ] escola pública regular [ ] projetos/turmas especiais [ ] inexistente
Abastecimento de água: [ ] Poço artesiano [ ] Poço cacimbão [ ] Rio ou lago
Energia elétrica: [ ] rede pública [ ] gerador [ ] inexistente
Serviço de telefonia: [ ] telefone público [ ] residencial [ ] celular
Estrada de acesso: [ ] asfalto [ ] piçarra [ ] terra
Distância até o assent: _____ Km
Estradas internas: [ ] piçarra [ ] terra [ ] inexistentes
[ ] alvenaria [ ] taipa [ ] palha [ ] outro _________________
Recursos naturais disponíveis: [ ] Floresta [ ] Rio perene [ ] Rio temporário [ ] Lago
[ ] antigos moradores da área
205
PARTE II – CARACTERIZAÇÃO DA PRODUÇÃO
Organização do trabalho predominante no Assentamento
[ ] individual [ ] coletiva [ ] coletiva nas atividades principais [ ] eventualmente coletiva
Enumere em ordem de importância as atividades produtivas do Assentamento:
[ ] lavoura de arroz [ ] lavoura de feijão [ ] lavoura de mandioca [ ] lavoura de milho
[ ] criação de cabra [ ] criação de gado [ ] criação de galinha [ ] criação de porco
[ ] criação de peixe [ ] caça [ ] pesca [ ] coleta de babaçu [ ] outra _______________
Faça uma estimativa da produção obtida no Assentamento na última safra
Produtos agrícolas:
arroz: _____________ feijão: ______________ farinha: _____________
milho: _____________ outras lavouras: _______________________________
Criação de animais:
cabra: _____________ galinha: _____________ porco: ______________
boi: _______________ outros animais: ________________________________
Produção de peixe: _________________ Coleta de babaçu: _______________
Atividades produtivas não-agropecuárias
[ ] comércio varejista [ ] bares [ ] clubes de festa [ ] banhos particulares
[ ] produção de artesanato [ ] serviços de reparo em equipamentos eletrônicos
[ ] serviços de mecânica de automóveis [ ] borracharia [ ] conserto de bicicletas
[ ] beneficiamento de arroz [ ] produção de poupa de fruta [ ] produção de doce
[ ] outras atividades de transformação: ________________________________________
Destinação principal da produção:
[ ] consumo próprio [ ] venda no Assentamento [ ] venda fora do Assentamento
Trabalho remunerado feito por moradores fora do assentamento:
[ ] muito freqüentemente [ ] sazonalmente [ ] raramente [ ] inexistente
Acesso a tecnologias, assistência técnica e financiamento:
[ ] arado com tração animal [ ] trator [ ] só força manual [ ] energia elétrica
[ ] irrigação [ ] adubos químicos [ ] defensivos químicos [ ] assistência técnica
[ ] financiamento oficial [ ] financiamento de terceiros [ ] autofinanciamento
207
ANEXO B Pesquisa de campo: relação de assentamentos e povoados
MARANHÃO
4 meso-regiões, 12 micro-regiões; 30 municípios; 29 assentamentos; 57 povoados
MESO-REGIÃO NORTE MARANHENSE
5 microrregiões; 17 municípios; 16 Assentamentos; 27 povoados
Micro-região do Litoral Ocid. Maranhense
Alcântara Povoado Quilombola Cajueiro
Alcântara Povoado Quilombola Itamatatiua
Central do Maranhão PA Abelardo Ribeiro/Monte Casero
Cururupu Povoado Quilombola Aliança
Mirinzal PA Quilombo do Frechal
Micro-região da Aglom. Urb. de São Luís
Paço do Lumiar PA Cumbique
São Luís PE Rio Grande
Micro-região dos Lençóis Maranhenses
Humberto de Campos PE Achuí
Barreirinhas PE Mirinzal
Micro-região da Baixada Maranhense
Igarapé do Meio PA Diamante Negro/Jutahy
Monção PA São Raimundo
Monção PA Diamante Negro/ Nova Morada
Monção PA Diamante Negro/ Vila Esperança
Monção PA Diamante Negro/ Jutaí
Palmeirândia PA Dibom I
Pinheiro Povoado Gama
Pinheiro Povoado Santa Sofia
São João Batista Povoado Romana
Viana Povoado Ricoa
Viana Povoado São Cristóvão
Micro-região de Itapecuru Mirim
Itapecuru Mirim PA Conceição Rosa
Itapecuru Mirim Povoado Barriguda
Itapecuru Mirim Povoado Quilombola Fadango
Itapecuru Mirim Povoado Quilombola Sta. Rosa dos Pretos
Nina Rodrigues PA Mangueira/ Bom Jesus
Nina Rodrigues PA Palmares
Vargem Grande PA Padre Trindade
MESO-REGIÃO OESTE MARANHENSE
3 micro-regiões; 7 municípios; 8 assentamentos; 12 povoados
Micro-região do Gurupi
Turiaçu PA Boa Vista/Santo Antônio
Turiaçu PE e Área Quilombola Jamari dos Pretos
208
(continuação)
Micro-região do Pindaré
Bom Jardim PA Amazônia/Quilombo Palmares
Bom Jardim PA Amazônia Maranhão II
Bom Jardim PA Amazônia/ Vila Bom Jesus I
Bom Jesus das Selvas PA Brasilândia/Brasil I*
Bom Jesus das Selvas PA Brasilândia/ Vila São João*
Buriticupu PA 7 De Maio / Novo Paraíso II
Buriticupu PA 7 De Maio / Vila Bom Jesus II
Buriticupu PA Tabocão/Vila Boa Esperança I
Buriticupu PA Terra Bela
Micro-região de Imperatriz
Açailândia PA Califórnia
MESO-REGIÃO CENTRO MARANHENSE
1 micro-região; 2 municípios; 3 assentamentos; 12 povoados
Micro-região do Médio Mearim
Bacabal Povoado Quilombola Piratininga
Bacabal Pov. Quilombola São Sebastião dos Pretos
Lago do Junco Povoado Ludovico
Lago do Junco PA Pau Santo
Lago do Junco Povoado São José da Conquista
Lago do Junco PE São Manuel
Lagoa Grande PA Cigra/Vila do S
Lagoa Grande PA Cigra/Vila Kenio I
Lagoa Grande PA Cigra/Joselandia
Lagoa Grande PA Cigra/Lagoa Nova
Lagoa Grande PA Cigra/Cujuba
Lagoa Grande PA Cigra/Estrela
MESO-REGIÃO LESTE MARANHENSE
3 micro-regiões; 4 municípios; 2 assentamentos; 6 povoados
Micro-região de Chapadinha
Buriti de Inácia Vaz Povoado Quilombola Mocambinho
Buriti de Inácia Vaz Povoado Quilombola Santa Cruz
Micro-região de Codó
Alto Alegre do Maranhão PA Alto Alegre I
Codó Pov. Quilombola Matões dos Moreira
Codó Povoado Quilombola Santo Antônio
Micro-região de Coelho Neto
Coelho Neto PE Guará
* No cadastro do INCRA esse PA integra o município de Santa Luzia, enquanto os moradores/
informantes o localizam no município de Bom Jesus das Selvas. Porém, por se tratar da mesma
microrregião geográfica essa divergência não compromete o conteúdo das informações.
209
ANEXO C – Composição do Índice de Exclusão Social
_________________________________________________________________
Fonte: Amorim; Pochmann (2003a)
.
Índice do
componente
componente
Indicador
Índice do
Indicador
Risco Juvenil
Conhecimento
Padrão de Vida Digno
Emprego formal
Anos de estudo
Concentração
de jovens
Violência
Alfabetização
Desigualdade
Pobreza
Índice de
pobreza
Índice de
e. formal
Índice de
dsgldade
Índice de
anos est.
Índice de
alfbtzção
Índice de
c. jovens
Índice de
violência
Índice do
risco juvenil
Índice de
conhecimento
Ín
dice do padrão
de vida digno
Índice de Exclusão Social (IES)
Índice do
componente
componente
Indicador
Índice do
Indicador
Risco Juvenil
Conhecimento
Padrão de Vida Digno
Emprego formal
Anos de estudo
Concentração
de jovens
Violência
Alfabetiz
ação
Desigualdade
Pobreza
Índice de
pobreza
Índice de
e. formal
Índice de
dsgldade
Índice de
anos est.
Índice de
alfbtzção
Índice de
c. jovens
Índice de
violência
Índice do
risco juvenil
Índice de
conhecimento
Índice do padrão
de vida digno
Índice de Exclusão Social (IES)
209
ANEXO C – Composição do Índice de Exclusão Social
_________________________________________________________________
Fonte: Amorim; Pochmann (2003a)
.
Índice do
componente
componente
Indicador
Índice do
Indicador
Risco Juvenil
Conhecimento
Padrão de Vida Digno
Emprego formal
Anos de estudo
Concentração
de jovens
Violência
Alfabetização
Desigualdade
Pobreza
Ín
dice de
pobreza
Índice de
e. formal
Índice de
dsgldade
Índice de
anos est.
Índice de
alfbtzção
Índice de
c. jovens
Índice de
violência
Índice do
risco juvenil
Índice de
conhecimento
Índice do padrão
de vida digno
Índice de Exclusão Social (IES)
Índice do
componente
componente
Indicador
Índice do
Indicador
Risco Juvenil
Conhecimento
Padrão de Vida Digno
Emprego formal
Anos de estudo
Concentração
de jovens
Violência
Alfabetização
Desigualdade
Pobreza
Índice de
pobreza
Índice de
e. formal
Índice de
dsgldade
Índice de
anos est.
Índice de
alfbtzção
Índice de
c. jovens
Índice de
violência
Índice do
risco juvenil
Índice de
conhecimento
Índice do padrão
de vida digno
Índice de Exclusão Social (IES)
211
ANEXO E -
Tabela dos assentamentos de reforma agrária, por unidade federativa – 2006
Estado Projetos
%
Área (ha)
%
Área Média
Famílias Assentadas
%
Lote médio
Maranhão
826
11,68
4.098.612,99
6,39
4.962,00
94.343
13,43
43,44
Para
686
9,70
15.465.657,57
24,13
22.544,69
141.557
20,16
109,25
Bahia
524
7,41
1.429.233,78
2,23
2.727,55
35.889
5,11
39,82
Mato Grosso
514
7,27
5.561.871,79
8,68
10.820,76
72.865
10,38
76,33
Pernambuco
444
6,28
426.810,82
0,67
961,29
23.511
3,35
18,15
Ceará
373
5,28
805.271,04
1,26
2.158,90
19.678
2,80
40,92
Sergipe
369
5,22
1.069.738,54
1,67
2.899,02
23.245
3,31
46,02
Tocantins
306
4,33
1.072.091,81
1,67
3.503,57
19.999
2,85
53,61
Paraná
298
4,21
392.660,79
0,61
1.317,65
16.558
2,36
23,71
Rio Grande do Sul
297
4,20
254.566,07
0,40
857,12
10.849
1,55
23,46
Rio Grande do Norte
268
3,79
494.753,37
0,77
1.846,09
18.700
2,66
26,46
Minas Gerais
260
3,68
733.092,01
1,14
2.819,58
12.897
1,84
56,84
Paraíba
242
3,42
220.923,29
0,34
912,91
12.686
1,81
17,41
Goiás
206
2,91
524.035,16
0,82
2.543,86
9.631
1,37
54,41
São Paulo
203
2,87
272.093,42
0,42
1.340,36
12.282
1,75
22,15
Mato Grosso do Sul
150
2,12
610.109,00
0,95
4.067,39
24.493
3,49
24,91
Sergipe
148
2,09
129.182,59
0,20
872,86
7.641
1,09
16,91
Rondônia
146
2,07
5.641.243,43
8,80
38.638,65
35.014
4,99
161,11
Distrito Federal e Entorno
143
2,02
382.427,34
0,60
2.674,32
8.861
1,26
43,16
Santa Catarina
135
1,91
89.695,72
0,14
664,41
4.882
0,70
18,37
Acre
128
1,81
5.637.166,64
8,79
44.040,36
26.101
3,72
215,98
Alagoas
105
1,49
70.740,30
0,11
673,72
7.257
1,03
9,75
Amazonas
82
1,16
14.795.400,66
23,08
180.431,72
27.324
3,89
541,48
Espírito Santo
81
1,15
40.934,71
0,06
505,37
3.832
0,55
10,68
Rio de Janeiro
60
0,85
117.400,22
0,18
1.956,67
4.382
0,62
26,79
Roraima
42
0,59
1.482.004,51
2,31
35.285,82
16.619
2,37
89,18
Amapá
34
0,48
2.074.522,75
3,24
61.015,38
8.635
1,23
240,25
TOTAL GERAL
7.070
100,00
64.097.638,34
100,00
9.066,14
702.167
100,00
91,29
Fonte: Elaborada a partir de dados fornecidos pelo INCRA.
212
ANEXO F – Quantitativo de assentamentos no Maranhão, por município.
ÁREA (Ha) MESORREGIÃO/MICRORREGIÃO/MUNICÍPIO
DE
PA
FAMÍLIAS
ASSENTADAS
TOTAL Média
PA
Média
Lote
MESORREGIÃO NORTE MARANHENSE
48 municípios
288
25.715
790.919
Microrregião Geográfica do Litoral Ocidental Maranhense
7 municípios
12
1.631
39.761
3.313,4
24,4
Alcântara 2
167
6.136
3.068,0
36,7
Apicum-Açu 2
513
14.709
7.354,5
28,7
Bacuri 1
72
150
150,0
2,1
Bacurituba 1
215
167
167,0
0,8
Central do Maranhão 2
333
4.448
2.224,0
13,4
Mirinzal 3
281
13.969
4.656,3
49,7
Serrano do Maranhão 1
50
182
182,0
3,6
Microrregião Geográfica da Aglomeração Urbana de São Luís
2 municípios
8
859
5.160
645,0
6,0
Paço do Lumiar 1
196
686
686,0
3,5
São Luís 7
663
4.474
639,1
6,7
Microrregião Geográfica de Rosário
6 municípios
24
2.514
104.149
4.339,5
41,4
Cachoeira Grande 1
48
105
105,0
2,2
Icatu 2
80
398
199,0
5,0
Morros 11
1.011
75.924
6.902,2
75,1
Presidente Juscelino 2
216
5.926
2.963,0
27,4
Rosário 4
646
12.541
3.135,3
19,4
Santa Rita 4
513
9.255
2.313,8
18,0
Microrregião Geográfica dos Lençóis Maranhenses
6 municípios
97
6.528
333.955
3.442,8
51,2
Barreirinhas 50
2.285
89.287
1.785,7
39,1
Humberto de Campos 18
460
22.628
1.257,1
49,2
Paulino Neves 11
1.101
63.950
5.813,6
58,1
Primeira Cruz 8
215
13.547
1.693,4
63,0
Santo Amaro do Ma. 3
145
14.869
4.956,3
102,5
Tutóia 7
2.322
129.674
18.524,9
55,8
Microrregião Geográfica da Baixada Maranhense
17 municípios
93
8.988
182.110
1.958,2
20,3
Arari 7
373
5.144
734,9
13,8
Cajari 1
63
3.818
3.818,0
60,6
Conceição do Lago-Açu 4
362
13.731
3.432,8
37,9
Igarapé do Meio 4
837
22.856
5.714,0
27,3
Matinha 1
178
1.654
1.654,0
9,3
213
(continuação)
ÁREA (Ha) MESORREGIÃO/MICRORREGIÃO/MUNICÍPIO
DE
PA
FAMÍLIAS
ASSENTADAS
TOTAL Média PA
Média
Lote
Monção 7
890
21.607
3.086,7
24,3
Olinda Nova do Ma. 3
159
2.013
671,0
12,7
Palmeirândia 2
750
5.001
2.500,5
6,7
Pedro do Rosário 28
1.108
26.845
958,8
24,2
Penalva 5
377
3.228
645,6
8,6
Pinheiro 7
764
12.173
1.739,0
15,9
Presidente Sarney 2
194
5.999
2.999,5
30,9
Santa Helena 4
249
9.289
2.322,3
37,3
São Bento 1
28
85
85,0
3,0
São Vicente de Ferrer 1
38
79
79,0
2,1
Viana 3
550
8.035
2.678,3
14,6
Vitória do Mearim 13
2.068
40.553
3.119,5
19,6
Microrregião Geográfica de Itapecuru Mirim
8 municípios
54
5.195
125.784
2.329,3
24,2
Cantanhede 8
491
8.978
1.122,3
18,3
Itapecuru-Mirim 15
2.083
43.711
2.914,1
21,0
Matões do Norte 4
253
6.730
1.682,5
26,6
Miranda do Norte 3
100
2.303
767,7
23,0
Nina Rodrigues 5
682
19.414
3.882,8
28,5
Pirapemas 8
894
22.319
2.789,9
25,0
Presidente Vargas 4
241
3.269
817,3
13,6
Vargem Grande 7
451
19.060
2.722,9
42,3
MESORREGIÃO OESTE MARANHENSE
45 municípios
273
38.385
1.904.733
Microrregião Geográfica do Gurupi
12 municípios
60
8.969
641.498
10.691,6
71,5
Amapá do Maranhão 2
145
4.684
2.342,0
32,3
Boa Vista do Gurupi 1
30
2.479
2.479,0
82,6
Cândido Mendes 5
2.417
143.672
28.734,5
59,4
Carutapera 2
116
4.685
2.342,7
40,4
Centro do Guilherme 4
581
72.330
18.082,5
124,5
Centro Novo do Ma. 17
1.042
116.343
6.843,8
111,7
Gov. Nunes Freire 3
1.405
75.998
25.332,8
54,1
Junco do Maranhão 4
233
33.319
8.329,9
143,0
Luís Domingues 1
32
3.136
3.136,0
98,0
Maracaçumé 5
421
67.147
13.429,6
159,5
Maranhãozinho 6
953
42.507
7.084,7
44,6
Turiaçu 10
1.594
75.198
7.517,5
47,2
214
(Continuação)
ÁREA (Ha) MESORREGIÃO/MICRORREGIÃO/MUNICÍPIO
DE
PA
FAMÍLIAS
ASSENTADAS
TOTAL Média PA
Média
Lote
Microrregião Geográfica do Pindaré
19 municípios
155
23.981
1.077.314
6.950,4
44,9
Alto Alegre do Pindaré 6
3.718
140.817
23.469,5
37,9
Araguanã 12
427
21.319
1.776,6
49,9
Bom Jardim 11
1.900
78.485
7.135,0
41,3
Bom Jesus das Selvas 19
2.498
128.608
6.768,8
51,5
Buriticupu 10
3.614
123.406
12.340,6
34,1
Gov. Newton Bello 2
73
495
247,5
6,8
Lago da Pedra 1
84
2.419
2.419,0
28,8
Marajá do Sena 1
453
14.146
14.146,0
31,2
Nova Olinda do Ma. 6
854
41.801
6.966,8
48,9
Paulo Ramos 1
60
4.417
4.417,0
73,6
Pindaré Mirim 2
235
1.893
946,5
8,1
Presidente Médici 3
215
28.587
9.529,0
133,0
Santa Inês 1
77
954
954,0
12,4
Santa Luzia 27
5.252
319.101
11.818,6
60,8
Santa Luzia do Paruá 7
391
30.636
4.376,6
78,4
Tufilândia 1
63
527
527,0
8,4
Turilândia 4
1.188
62.996
15.749,0
53,0
Vitorino Freire 1
354
7.464
7.464,0
21,1
Zé Doca 40
2.525
69.243
1.731,1
27,4
Microrregião Geográfica de Imperatriz
14 municípios
58
5.435
185.921
3.205,5
34,2
Açailândia 5
776
30.582
6.116,4
39,4
Amarante do Maranhão 17
1.704
59.353
3.491,4
34,8
Buritirana 3
158
3.795
1.265,0
24,0
Cidelândia 4
421
18.687
4.671,8
44,4
Davinópolis 3
191
4.167
1.389,0
21,8
Gov. Edison Lobão 3
192
5.805
1.935,0
30,2
Imperatriz 1
124
5.024
5.024,0
40,5
Itinga do Maranhão 9
732
28.724
3.191,6
39,2
João Lisboa 1
34
2.202
2.202,0
64,8
Lajeado Novo 1
117
2.665
2.665,0
22,8
Montes Altos 2
93
2.353
1.176,5
25,3
São Francisco do Brejão 1
175
5.781
5.781,0
33,0
Senador La Rocque 7
578
13.457
1.922,4
23,3
Vila Nova dos Martírios 1
140
3.326
3.326,0
23,8
215
(Continuação)
ÁREA (Ha) MESORREGIÃO/MICRORREGIÃO/MUNICÍPIO
DE
PA
FAMÍLIAS
ASSENTADAS
TOTAL Média
PA
Média
Lote
MESORREGIÃO CENTRO MARANHENSE
23 municípios
110
15.995
835.919
Microrregião Geográfica do Médio Mearim
11 municípios
65
5.524
162.805
2.504,7
29,5
Bacabal 12
670
11.991
999,3
17,9
Capinzal do Norte 2
178
5.531
2.765,5
31,1
Esperantinópolis 6
310
39.990
6.665,0
129,0
Lago do Junco 6
142
2.833
472,2
20,0
Lago Verde 4
61
8.458
2.114,5
138,7
Lagoa Grande do Ma. 7
831
14.266
2.038,0
17,2
Lima Campos 5
688
20.756
4.151,2
30,2
Olho d’Água das Cunhãs 2
53
575
287,5
10,8
Pio XII 4
603
14.715
3.678,8
24,4
S. Luiz Gonzaga do Ma 8
1.109
26.314
3.289,3
23,7
São Mateus do Ma. 9
879
17.376
1.930,7
19,8
Microrregião Geográfica do Alto Mearim e Grajaú
8 municípios
37
8.380
584.089
15.786,2
69,7
Arame 3
1.057
62.648
20.882,7
59,3
Barra do Corda 9
3.624
396.764
44.084,9
109,5
Grajaú 10
1.767
50.238
5.023,8
28,4
Itaipava do Graj 1
249
9.292
9.292,0
37,3
Joselândia 2
428
17.618
8.809,0
41,2
Santa Filomena do Ma. 3
182
4.763
1.587,7
26,2
Sítio Novo 4
319
12.165
3.041,3
38,1
Tuntum 5
754
30.601
6.120,2
40,6
Microrregião Geográfica de Presidente Dutra
4 municípios
8
2.091
89.025
11.128,1
5,3
Dom Pedro 1
40
779
779,0
19,5
Fortuna 2
1.677
83.179
41.589,5
24,8
Governador Luiz Rocha 1
133
500
500,0
3,8
São Domingos do Ma. 4
241
4.567
1.141,8
4,7
MESORREGIÃO LESTE MARANHENSE
40 municípios
155
14.248
567.042
Microrregião Geográfica do Baixo Parnaíba Maranhense
7 municípios
12
948
28.789
2.399,1
30,4
Água Doce do Maranhão 2
317
12.286
6.143,0
38,8
Araioses 2
130
3.814
1.907,0
29,3
Magalhães de Almeida 2
256
4.861
2.430,5
19,0
Milagres do Maranhão 1
53
1.295
1.295,0
24,4
Santa Quitéria do Ma. 2
108
2.281
1.140,5
21,1
216
(Continuação)
ÁREA (Ha) MESORREGIÃO/MICRORREGIÃO/MUNICÍPIO
DE
PA
FAMÍLIAS
ASSENTADAS
TOTAL Média
PA
Média
Lote
Santana do Maranhão 2
49
3.757
1.878,5
76,7
São Bernardo 1
35
495
495,0
14,1
Microrregião Geográfica de Chapadinha
7 municípios
21
1.022
33.387
1.589,9
32,7
Anapurus 2
34
2.199
1.099,5
64,7
Belágua 3
90
210
70,0
2,3
Brejo 3
159
5.075
1.691,7
31,9
Buriti 3
179
6.544
2.181,3
36,6
Chapadinha 7
453
17.099
2.442,7
37,7
S. Benedito do Rio Preto 2
48
1.260
630,0
26,3
Urbano Santos 1
59
1.000
1.000,0
16,9
Microrregião Geográfica de Codó
5 municípios
44
4.524
131.885
2.997,4
29,2
Alto Alegre do Ma. 4
524
13.799
3.449,8
26,3
Codó 11
1.719
44.922
4.083,8
26,1
Coroatá 21
1.371
45.318
2.158,0
33,1
Peritoró 7
865
25.832
3.690,3
29,9
Timbiras 1
45
2.014
2.014,0
44,8
Microrregião Geográfica de Coelho Neto
1 município
1
8
204
204,0
25,5
Coelho Neto 1
8
204
204,0
25,5
Microrregião Geográfica de Caxias
6 municípios
35
4.558
158.573
4.530,7
34,8
Buriti Bravo 6
559
21.002
3.500,3
37,6
Caxias 16
2.284
81.267
5.079,2
35,6
Matões 1
65
1.600
1.600,0
24,6
Parnarama 5
723
31.183
6.236,6
43,1
São João do Sóter 5
538
15.138
3.027,6
28,1
Timon 2
389
8.383
4.191,5
21,6
Microrregião Geográfica das Chapadas do Alto Itapecuru
3 municípios
10
1.285
44.456
4.445,6
34,6
Colinas 5
832
25.681
5.136,2
30,9
Mirador 3
313
11.680
3.893,3
37,3
Passagem Franca 2
140
7.095
3.547,5
50,7
Microrregião Geográfica de Porto Franco
6 municípios
20
1.308
55.444
2.772,2
42,4
Campestre do Ma. 1
35
600
600,0
17,1
Carolina 2
59
8.258
4.129,0
140,0
Estreito 11
886
34.387
3.126,1
38,8
Porto Franco 2
156
6.401
3.200,5
41,0
217
(Continuação)
ÁREA (Ha) MESORREGIÃO/MICRORREGIÃO/MUNICÍPIO
DE
PA
FAMÍLIAS
ASSENTADAS
TOTAL Média
PA
Média
Lote
S. João do Paraíso 2
118
3.385
1.692,5
28,7
S. Pedro dos Crentes 2
54
2.413
1.206,5
44,7
Microrregião Geográfica dos Gerais de Balsas
2 municípios
10
270
63.991
6.399,1
237,0
Balsas 9
226
62.550
6.950,0
276,8
Riachão 1
44
1.441
1.441,0
32,8
Microrregião Geográfica das Chapadas das Mangabeiras
2 municípios
2
325
50.313
25.156,5
154,8
Loreto 1
300
49.482
49.482,0
164,9
S. Rdo. das Mangabeiras 1
25
831
831,0
33,2
TOTAL (153 municípios) 826
94.343
4.098.613
4.962,0
43,4
Fonte: Elaborada a partir de dados fornecidos pelo INCRA.
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo