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UNIVERSIDADE DE TAUBATÉ
ALINE BELLOTTO TAMURA
A LEITURA DA PRIMEIRA PÁGINA DO JORNAL:
UMA CONTRIBUIÇÃO À FORMAÇÃO DO LEITOR
CRÍTICO
TAUBATÉ
2010
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UNIVERSIDADE DE TAUBATÉ
ALINE BELLOTTO TAMURA
A LEITURA DA PRIMEIRA PÁGINA DO JORNAL:
UMA CONTRIBUIÇÃO À FORMAÇÃO DO LEITOR
CRÍTICO
Dissertação apresentada como parte dos
requisitos para obtenção do título de Mestre
em Linguística Aplicada pelo Programa de
Pós-graduação em Linguística Aplicada da
Universidade de Taubaté.
Área de concentração: Língua Materna e
Línguas Estrangeiras
Orientadora: Profa. Dra. Maria Aparecida
Garcia Lopes Rossi
TAUBATÉ
2010
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ALINE BELLOTTO TAMURA
A LEITURA DA PRIMEIRA PÁGINA DO JORNAL: UMA
CONTRIBUIÇÃO À FORMAÇÃO DO LEITOR CRÍTICO
UNIVERSIDADE DE TAUBATÉ, TAUBATÉ, SP
Data: ______/______/______
Resultado: _______________
BANCA EXAMINADORA
Profª Drª Maria Aparecida Garcia Lopes Rossi
________________________________
Profª Drª Robson Bastos da Silva
________________________________
Profª Drª Sônia Maria Alvarez
________________________________
AGRADECIMENTOS
À Professora Doutora Maria Aparecida Garcia Lopes Rossi, por ter me ajudado na
escolha do tema e me orientado competentemente ao longo de todo o desenvolvimento deste
trabalho.
Aos Professores Doutores Sônia Maria Alvarez e Robson Bastos da Silva, que fizeram
contribuições significativas durante a qualificação do trabalho.
À todos os professores do Programa de Pós-graduação em Linguística Aplicada da
Universidade de Taubaté que acrescentaram conhecimentos teóricos importantes, por meio
de suas aulas.
Ao governo do Estado de São Paulo que, pela concessão da Bolsa Mestrado,
possibilitou a realização dessa pesquisa.
Ao meu esposo, Marcelo, por acreditar em mim e ser um
companheiro incondicional, me incentivando e ajudando
durante todo esse tempo.
Aos meus pais, Elicéa e José, a quem devo o que sou, pois
me guiaram e me acompanharam desde os primeiros passos
transmitindo o valor dos estudos.
Ao meu irmão, José Henrique, pelo apoio e compreensão.
RESUMO
O jornal é um meio de comunicação de relevância em nossa sociedade, pois veicula
informações atuais, contribuindo para uma determinada visão de mundo do leitor em função
do recorte da realidade e das escolhas enunciativas efetuadas. Os documentos oficiais de
ensino propõem ao professor de Língua Portuguesa dos ensinos Fundamental e Médio o
trabalho com diversos gêneros discursivos, principalmente aqueles que circulam na sociedade.
Dentre as várias possibilidades, os gêneros jornalísticos contribuem significativamente para
que os alunos atinjam melhor grau de proficiência leitora e criticidade. O professor, no
entanto, ainda carece de subsídios teóricos para atividades de leitura de gêneros jornalísticos
em sala de aula, pois sua formação em Letras, em geral, não contemplou estudos sobre os
meios de comunicação. Essas novas demandas do ensino exigem que o professor amplie seus
conhecimentos sobre a língua e suas manifestações sociais. Esta pesquisa teve como objetivo
geral analisar as primeiras páginas de seis jornais de grande circulação no Brasil: Folha de
São Paulo, O Globo, O Estado de São Paulo, Extra, Agora e O Diário de São Paulo num total
de doze primeiras páginas. Especificamente, objetivou-se analisar o recorte da realidade
promovido pelos jornais e a importância atribuída aos fatos por meio das manchetes, das fotos,
das chamadas, dos textos e da diagramação da primeira página. A análise qualitativa do
corpus fundamentou-se na perspectiva bakhtiniana de linguagem e de gêneros discursivos, na
abordagem sociocognitiva de leitura e em estudos da área de comunicação sobre jornalismo
impresso. Os resultados dessa análise evidenciam que o mesmo fato é tratado pelos jornais
por perspectivas diferentes; que a importância dada aos fatos varia de acordo com a linha
editorial de cada jornal; que a narrativa dos fatos apresentada na primeira página, a
perspectiva das escolhas lingüísticas, e a diagramação da primeira página obedecem a
critérios estabelecidos em função do público-alvo do jornal; que cada jornal, a partir do
mesmo fato, estabelece um diálogo com discursos atuais de modo diferente. Conclui-se que
análises dessa natureza contribuem para ampliar os conhecimentos teóricos sobre a leitura do
jornal e são subsídios importantes para o professor de língua portuguesa conhecer melhor a
prática jornalística e trabalhar com leitura crítica do jornal em sala de aula.
PALAVRAS-CHAVE: gêneros discursivos, jornalismo impresso, primeira página, leitura
crítica.
ABSTRACT
The newspaper is an important communication medium in our society, once it brings
updated information, providing to the reader a certain world view from a standpoint of a
reality based on fragments, as well as the indicative choices presented by the newspaper. The
official educational documents propose to the Portuguese language teacher of primary and
secondary education to work with several discourse genres, mainly those ones which are more
used in society. Among different possibilities of discourse genres, the journalistic genres
contribute significantly to allow students to achieve better reading proficiency and criticism.
Although teachers still lack theoretical subsidies for reading activities related to journalistic
genres in classroom, due to their graduation in Languages usually does not comprise studies
of communication means. These new education demands require knowledge improvements
from teachers related to their language skills and its social expressions. This research aimed to
analyze the front page of six of the most read newspapers in Brazil: Folha de São Paulo, O
Globo, O Estado de São Paulo, Extra, Agora and O Diário de São Paulo, totalizing twelve
front pages. Actually, it was intended to analyze the reality shown by a newspaper cutting and
the importance attributed to the facts told through the headlines, photographs, texts and the
front page layout. The corpus qualitative analysis was based on the Bakhtinian language and
discourse genres perspective, on the social-cognitive reading approach and on communication
area studies concerning to printed journalism. The results of this analysis show that each
newspaper deals with the same subject by different perspectives; and the focus of a specific
subject varies according to the newspaper’s editorial line; the narrative, linguistic perspective
choices and the layout presented in the first page follow an established criteria according to
the newspaper’s target audience; to which each newspaper establishes different dialogues with
current discourses for the same subject. Therefore these kind of analysis contribute to improve
the theoretical knowledge concerning to newspaper reading and are important subsidies for
Portuguese Language Teachers to better understand the journalistic practices, as well as to
encourage working with the critical reading inside the classroom.
KEYWORDS: discourse genre, printed journalism, front page, critical reading.
SUMÁRIO
RESUMO ................................................................................................................................... 6
ABSTRACT ............................................................................................................................... 7
INTRODUÇÃO .......................................................................................................................... 9
CAPÍTULO 1 - FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ................................................................. 16
1.1 Apresentação do capítulo .............................................................................................. 16
1.2 Leitura Crítica ............................................................................................................... 16
1.2.1 A concepção de língua, de ensino e de leitura nas propostas oficiais de ensino .......... 16
1.2.2 A abordagem sociocognitiva de leitura ........................................................................ 24
1.2.3 A leitura crítica ............................................................................................................. 30
1.3 O dialogismo e os gêneros discursivos ......................................................................... 32
1.4 Os gêneros discursivos da primeira página do jornal ................................................... 37
1.5 Aspectos teóricos a sem considerados nas atividades de leitura em sala de aula ......... 38
CAPÍTULO 2 - O JORNAL E A LEITURA DA PRIMEIRA PÁGINA ................................ 40
2.1 Apresentação do capítulo .............................................................................................. 40
2.2 O jornalismo impresso .................................................................................................. 40
2.3 Como um acontecimento vira notícia ou reportagem ................................................... 41
2.4 O poder da mídia de trazer assuntos para a discussão da sociedade ............................ 44
2.5 O jornal na escola ......................................................................................................... 46
2.6 Elementos composicionais da primeira página do jornal ............................................. 47
2.7 O fotojornalismo ........................................................................................................... 52
2.7.1 Elementos do fotojornalismo ........................................................................................ 56
2.7.2 A legenda ...................................................................................................................... 61
2.8 A chamada .................................................................................................................... 64
2.9 A manchete ................................................................................................................... 65
2.10 A fotomanchete ............................................................................................................. 67
2.11 A charge ........................................................................................................................ 70
2.12 A espetacularização da notícia ...................................................................................... 72
2.13 Aspectos teóricos a sem considerados nas atividades de leitura em sala de aula ......... 75
CAPÍTULO 3 - ANÁLISE DAS PRIMEIRAS PÁGINAS DOS JORNAIS DE 25 DE
AGOSTO DE 2009 ................................................................................................................... 76
3.1 Apresentação do capítulo .............................................................................................. 76
3.2 O Estado de São Paulo, 25 de agosto de 2009 .............................................................. 76
3.2.1 Fotomanchete e fotos .................................................................................................... 78
3.2.2 A manchete ................................................................................................................... 81
3.2.3 Chamadas ..................................................................................................................... 82
3.3 Folha de S. Paulo, 25 de agosto de 2009 ...................................................................... 83
3.3.1 Fotomanchete e fotos .................................................................................................... 84
3.3.2 A manchete ................................................................................................................... 85
3.3.3 Chamadas ..................................................................................................................... 85
3.4 O Globo, 25 de agosto de 2009 .................................................................................... 86
3.4.1 Fotomanchete e fotos .................................................................................................... 87
3.4.2 A manchete ................................................................................................................... 88
3.4.3 Chamadas ..................................................................................................................... 89
3.5 A comparação entre as três primeiras páginas .............................................................. 90
3.6 Agora ............................................................................................................................ 93
3.6.1 Fotomanchete e fotos .................................................................................................... 94
3.6.2 A manchete ................................................................................................................... 96
3.6.3 Chamadas ..................................................................................................................... 97
3.6 Diário de S. Paulo ......................................................................................................... 97
3.7.1 Fotomanchete e fotos .................................................................................................... 99
3.7.2 A manchete ................................................................................................................. 102
3.7.3 Chamadas ................................................................................................................... 102
3.7 Extra ............................................................................................................................ 102
3.8.1 Fotomanchete e fotos .................................................................................................. 104
3.8.2 A manchete ................................................................................................................. 107
3.8.3 Chamadas ................................................................................................................... 107
3.8 A Comparação entre as três primeiras páginas ........................................................... 108
CAPÍTULO 4 - ANÁLISE DAS PRIMEIRAS PÁGINAS DOS JORNAIS DE 26 DE
AGOSTO DE 2009 ................................................................................................................. 111
4.1 Apresentação do capítulo ............................................................................................ 111
4.2 O Estado de São Paulo, 26 de agosto de 2009 ............................................................ 111
4.2.1 Fotomanchete e fotos .................................................................................................. 113
4.2.2 A manchete ................................................................................................................. 115
4.2.3 Chamadas ................................................................................................................... 115
4.3 Folha de S. Paulo, 26 de agosto de 2009 .................................................................... 115
4.3.1 Fotomanchete ............................................................................................................. 117
4.3.2 A manchete ................................................................................................................. 118
4.3.3 Chamadas ................................................................................................................... 118
4.4 O Globo, 26 de agosto de 2009 .................................................................................. 119
4.4.1 Fotomanchete e fotos .................................................................................................. 121
4.4.2 A manchete ................................................................................................................. 122
4.3.4 Chamadas ................................................................................................................... 122
4.3 A Comparação entre as três primeiras páginas ........................................................... 123
4.6 Agora, 26 de agosto de 2009 ...................................................................................... 126
4.6.1 Fotomanchete e fotos .................................................................................................. 127
4.6.2 Chamadas ................................................................................................................... 128
4.7 Diário de S. Paulo, 26 de agosto de 2009 ................................................................... 130
4.7.1 Fotomanchete e fotos .................................................................................................. 131
4.7.2 A manchete ................................................................................................................. 132
4.7.3 Chamadas ................................................................................................................... 133
4.8 Extra, 26 de agosto de 2009 ........................................................................................ 134
4.7.6 Chamadas ................................................................................................................... 136
4.8 A Comparação entre as três primeiras páginas ........................................................... 137
CONCLUSÃO ........................................................................................................................ 140
REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 145
9
INTRODUÇÃO
Em geral, a grande preocupação dos educadores está na formação de alunos críticos e
conscientes que se tornem cidadãos atuantes na sociedade em que vivem. Essa é uma
preocupação comum em todas as escolas e em todas as disciplinas dos currículos escolares,
pois atualmente nos deparamos com alunos passivos que não possuem o grau de proficiência
leitora necessária para fazer a leitura crítica do mundo e com isso são manipulados facilmente
pelas idéias veiculadas pela mídia. Gadotti (2007) afirma que hoje, mais do que nunca, a
mídia molda nossas percepções e que nós, professores e educadores, precisamos trazer esse
debate para dentro da sala de aula. Caldas (2006) reforça que utilizar a mídia na escola é o
primeiro passo para explorar a leitura de mundo. Segundo Caldas (2006), para fazer uma
leitura da mídia é necessário desenvolver alguns saberes que estão relacionados à percepção
crítica das estratégias midiáticas e aos padrões de linguagem jornalística, as quais possibilitam
a manipulação deliberada da informação. A autora acredita que é necessário compreender que
os processos ideológicos e manipulatórios fazem parte das escolhas editoriais e das
construções do texto jornalístico.
Muitas pesquisas recentes enfocam a leitura midiática em sala de aula, haja vista a
grande variedade de congressos, simpósios e seminários ocorridos nos últimos tempos como,
por exemplo, o 4º Seminário Nacional: O professor e a leitura do jornal, realizado em 2008,
na Universidade Estadual de Campinas. Esse evento contou com a participação de vários
pesquisadores renomados e estudiosos de gêneros jornalísticos que estão preocupados tanto
com o trabalho com esses gêneros como com a formação do professor para lidar com eles.
Provas governamentais como a do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica
(SAEB), a do Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo
(SARESP), a do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) e a Prova Brasil constatam a
dificuldade de leitura dos alunos.
Marcuschi (2008) explica que o SAEB é uma prova que faz parte de um programa
nacional em andamento no Ministério da Educação (MEC). Avalia o grau de proficiência de
língua materna nos alunos e verifica o rendimento escolar no ensino fundamental e médio por
meio de matrizes de referência elaboradas pelo próprio SAEB, as quais concebem a
linguagem como atividade cognitiva e ação entre indivíduos. Desse modo, o leitor deve
dominar, não só o léxico como também o funcionamento dos gêneros. Como o documento
oficial assegura, a avaliação do SAEB tem como foco a leitura.
10
No SAEB 2001, na área de Língua Portuguesa, optou-se por avaliar somente
habilidades de leitura. Um bom leitor, além de mobilizar conhecimentos
cognitivos básicos, de ativar conhecimentos prévios partilhados e relevantes ao
contexto, recorre aos seus conhecimentos lingüísticos para ser capaz de perceber
os sentidos, as intenções - implícitas e explicitas- do texto e os recursos que o
autor utilizou para significar e atuar verbalmente. (SAEB, 2001. Novas
perspectivas. INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS
EDUCACIONAIS. SAEB, 2001: novas perspectivas. Brasília INEP, 2002)
Podemos observar, portanto, o que Gadotti (2007, p.7) nos lembra: “cada vez mais os
sistemas de ensino preocupam-se com a formação do leitor jovem”. Dessa forma, os
professores de Língua Portuguesa, em especial, preocupam-se com a formação de um leitor
crítico, mas cabe aí uma tarefa não muito fácil, visto que a gama de informação e
conhecimentos deve ser muito vasta para a construção dessa prática leitora. Muitas vezes, o
próprio professor desconhece teorias e estratégias que possam contribuir para o trabalho de
leitura em sala de aula, como por exemplo, a teoria sociocognitiva de leitura, o conceito de
gêneros discursivos, a possibilidade de ensinar aos alunos algumas estratégias de leitura e
estudos específicos sobre os gêneros discursivos com que trabalha em sala de aula por
sugestão dos materiais didáticos disponíveis.
Isso acontece porque muitos professores tiveram uma formação essencialmente
tradicional, a qual, como explica Bezerra (2007), era voltada para a exploração da gramática
normativa privilegiando um estudo prescritivo e analítico da língua. Em outras palavras, o
ensino de Língua Portuguesa privilegiava exclusivamente o estudo dos elementos fonéticos,
morfológicos e sintáticos. Somente mais tarde, com o avanço dos estudos lingüísticos e
subáreas, entre elas a Lingüística Aplicada, que muitas teorias foram propostas para explicar a
língua e descrever o processo de ensino aprendizagem.
Os próprios cursos de Letras, até alguns anos atrás, não formavam professores com a
abordagem sócio-discursiva da linguagem. Exige-se atualmente, portanto, uma prática de
ensino da língua materna que não foi ensinada aos professores há um certo tempo. Os
Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN (BRASIL, 1998), adotando uma perspectiva sócio-
discursiva para o ensino da linguagem, propõem novos caminhos e desafios para os
professores. Embora a proposta do documento, teoricamente, seja interessante, a forma como
é exposta dificulta a compreensão por parte do público não familiarizado com as novas teorias
sobre a linguagem. Compreender as propostas dos PCN, portanto, é mais um desafio a ser
enfrentado pelos professores.
Segundo Silva (2006), é possível encontrar nos PCN muitos conceitos-chave que são
utilizados de forma equivocada, com uma duplicidade de significação ou com o conceito
11
bastante reduzido. Com o objetivo de facilitar a compreensão por parte dos professores,
ocorreu uma reformulação dos textos acadêmicos, mas, ao fazer isso, suprimiu-se a
informação da referência de certos conceitos, impossibilitando que o professor conseguisse
construir ou mesmo reconstruir o sentido desses textos originais. Desse modo, é natural que
um professor encontre dificuldades na compreensão do documento, já que houve uma perda
da essência de alguns conceitos explicados.
Diariamente observamos a dificuldade que alguns professores sentem em trabalhar
com determinados conceitos abordados nos PCN, principalmente aqueles que se referem aos
gêneros discursivos e seus respectivos suportes. Muitas vezes o professor sente-se
despreparado e não possui o conhecimento necessário para trabalhar com o que lhe é
solicitado pelos parâmetros de ensino. Por esse motivo, faz-se necessário capacitar os
profissionais que vão mediar o conhecimento com os gêneros discursivos.
Gadotti (2007) nos lembra que atualmente “a sociedade contemporânea é marcada pela
questão do conhecimento” e que o conhecimento é importantíssimo para entender a
transformação das estruturas sociais, políticas e econômicas. Contudo, “o acesso ao
conhecimento ainda é muito precário, sobretudo em sociedades com grande atraso
educacional” (GADOTTI, 2007, p.23). Infelizmente é o caso da sociedade brasileira. Os
sistemas de ensino buscam a melhoria da qualidade da educação, mas ainda falta muito para
atingí-la, pois não basta saber o que é preciso fazer, mas sim como fazer. Não basta oferecer
recursos e materiais para o desenvolvimento educacional sem o professor saber utilizá-los. A
solução desse problema vai muito além de acesso aos recursos ou materiais. O que falta é
conhecimento por parte dos docentes sobre as novas e por que não dizer sobre velhas teorias
de ensino da língua.
Segundo os PCN (BRASIL, 1998), o professor de Língua Portuguesa deve trabalhar os
diversos gêneros discursivos, principalmente aqueles que circulam no cotidiano dos alunos.
Nesse sentido “é preciso que as situações escolares de ensino de Língua Portuguesa priorizem
os textos que caracterizam os usos públicos da linguagem” (BRASIL, 1998. p. 24).
Tanto a Proposta Curricular do Estado de São Paulo (SÃO PAULO, 2008) quanto as
orientações curriculares para o Ensino Médio (BRASIL, 2006) também apresentam um
conjunto de reflexões para contribuir com a prática docente. Ambos os documentos estão
embasados nos estudos da Lingüística e da Lingüística Aplicada e abordam temas como: a
identidade da disciplina de Língua Portuguesa no que se refere aos estudos acadêmico-
científicos e o seu papel diante das demais disciplinas do currículo; os princípios
12
fundamentais que sustentam a concepção de língua e de linguagem e aprendizagem; e os
parâmetros orientadores da ação pedagógica.
De acordo com esses documentos, é de suma importância a ampliação dos
conhecimentos do estudante para agir em práticas letradas de relevância social. Essa idéia
inclui o trabalho sistemático com textos literários, jornalísticos, científicos, técnicos, entre
outros e, além disso, considera os diferentes meios de comunicação em que circulam como a
imprensa, o rádio, a televisão e a internet. As atividades de leitura e de compreensão são
vistas como atividades sociointerativas que vão se ampliando no decorrer das séries. As
orientações para o Ensino Médio, por exemplo, destacam que as atividades voltadas a esse
nível de escolaridade devem contribuir progressivamente nos estudos ampliando o
conhecimento do estudante e ajudando na sua inserção no mercado de trabalho e no exercício
da cidadania em sintonia com as necessidades políticos sociais de seu tempo.
Nesse contexto, o jornal torna-se um material rico para as atividades de leitura em sala
de aula, pois o trabalho com leitura de gêneros jornalísticos contribui significativamente para
que os alunos atinjam melhor grau de proficiência leitora e criticidade. O professor, no
entanto, ainda carece de subsídios teóricos para atividades de leitura de gêneros jornalísticos.
Inclusive faltam materiais didáticos que abordem a leitura do jornal de modo mais apropriado.
É possível observar que boa parte dos livros didáticos propõe atividades que priorizam apenas
o estudo das estruturas lingüísticas apresentadas na manchete das notícias e deixam de lado
qualquer tipo de reflexão para a construção do senso crítico sobre as informações veiculadas.
Ao analisar o tratamento da compreensão nos livros didáticos, Marcuschi (2008,
p.267) expõe que ainda hoje os livros didáticos apresentam atividades de leitura por meio de
perguntas e respostas. Tais perguntas são padronizadas e repetitivas, as quais detectam
informações objetivas e superficiais. Além disso, são poucas as atividades que estimulam a
reflexão. Nas palavras do autor, “essa é uma forma muito restrita e pobre de ver o
funcionamento da língua e do texto”.
Assim, podemos concluir que as atividades propostas em livros didáticos não levam
em consideração a situação de produção do gênero, a relevância do público-alvo, as
características próprias do gênero e, tão pouco, fornecem sugestões de estratégia de leitura
apropriados para os diferentes gêneros discursivos.
Dentre os muitos materiais interessantes para atividades de leitura em sala de aula es
o jornal, tendo em vista que é um meio de comunicação de relevância em nossa sociedade,
pois veicula informações formando opiniões e, devido ao seu poder de selecionar e recortar
fatos da realidade interfere na visão de mundo do leitor. Gadotti (2007, p.39) comenta que o
13
que a mídia nos mostra são mediações e não a realidade. “São representações e não verdade.”
Em outras palavras, o jornal traz um recorte da realidade, selecionando fatos em função do
seu público-alvo e, assim, traz uma versão dos fatos por meio de uma narrativa,
aparentemente, neutra.
Com base nessas idéias, o leitor proficiente de jornal precisa conhecer razoavelmente
os princípios norteadores da atividade jornalística, como, por exemplo, a existência de uma
política editorial de cada jornal, a vinculação de cada jornal a um determinado público-alvo, a
organização do jornal (dividido por cadernos), o planejamento gráfico da primeira página, os
gêneros discursivos encontrados na primeira página e no corpo do jornal, os recursos gráficos
utilizados para destacar uma notícia e outros princípios. Dessa forma o leitor poderá apreciar,
avaliar e compreender a informação veiculada no jornal. Silva (2006)
1
afirma que o ensino da
leitura tem muito a ganhar com a utilização do jornal, devido a sua importância social e a sua
riqueza lingüística. “Com o uso do jornal novos interesses podem ser desenvolvidos pelo
leitor e, o mais importante, novos horizontes de participação e de posicionamentos podem vir
a somar durante a convivência com o veículo (jornal)”. O autor ainda afirma que a
diversidade de gêneros e suportes de escrita garante a formação de um leitor eclético,
atualizado e assíduo. Faria (1999. p.11) acrescenta: “se a leitura do jornal for bem conduzida,
ela prepara leitores experientes e críticos para desempenhar bem o seu papel na sociedade.”
Zanchetta (2008) critica o tratamento dado aos jornais atualmente:
(...) o tratamento mais crítico do jornal não se ajusta às diretrizes curriculares.
As competências e habilidades cobradas pelo ENEM, por exemplo, que
norteiam boa parte da educação básica contemporânea no país, delimitam esse
trabalho, quando muito, aos exercícios de análise de textos ou de comparação
entre textos. Ficam outros diversos procedimentos jornalísticos, sobretudo os
que escapam dos limites dos textos verbais propriamente ditos, como a imagem
e os demais elementos icônicos, o projeto gráfico, a questão editorial, o mapa
político da mídia regional e nacional. A nova onda de apostilamento que
atravessa as escolas, tanto estaduais como municipais, restringe demais qualquer
trabalho menos linear e mais reflexivo. As apostilas, como modo de regrar não
só os conteúdos, mas também o tempo e as próprias ações do professor, além de
tirar sua autonomia, dificulta a inserção de qualquer conteúdo que não seja, mais
tarde, mensurável. (ZANCHETTA, 2008. p. 5)
Barros Filho (1999, p. 9) acrescenta que “o uso de produtos da mídia como material
pedagógico em sala de aula é tema da moda nos círculos da educação e da comunicação”. O
autor defende a idéia de que o uso das informações veiculadas no jornal traz para sala de aula
uma gama de assuntos que fazem parte da pauta de discussão do momento histórico de uma
1
Texto disponível no site: http://www.alb.com.br/anaisjornal/jornal3/textos/007ezequiel., sem numeração de
páginas.
14
sociedade e, baseando-se nessa idéia, lança o conceito de agenda setting também chamado de
fixação de agenda. Segundo o autor, a mídia coloca em pauta os assuntos que serão discutidos
pela sociedade, isto é, as pessoas discutem diariamente os assuntos elencados pela mídia e a
mídia, por sua vez, impõe uma opinião dominante cabendo ao leitor se expor ou não ao
produto veiculado por ela. O agendamento dos assuntos, portanto, depende exclusivamente do
leitor, o receptor da informação. O leitor se interessa ou não pelas informações escolhidas
pelo enunciador e é ele que vai fixar a pauta de discussão dos assuntos na sociedade.
Assim, partir da constatação da importância de promover as habilidades de leitura de
jornal dos alunos e de fazê-lo de maneira a propiciar uma leitura crítica e, ainda, do problema
da falta de material de apoio para o professor realizar essa tarefa, esta pesquisa tem como
objetivo geral analisar doze primeiras páginas de seis jornais de grande circulação no Brasil.
Objetiva-se, especificamente, analisar o recorte da realidade promovido pelos jornais e a
importância atribuída aos fatos por meio das manchetes, das fotos, das legendas, das
chamadas principais e da diagramação da primeira página. Esta pesquisa contribui, assim,
para ampliar os conhecimentos teóricos sobre a leitura do jornal e fornece subsídios aos
professores de Língua Portuguesa que queiram trabalhar com a leitura crítica do jornal em
sala de aula.
O corpus da pesquisa está delimitado às primeiras páginas dos jornais, pois considero
que sua leitura seja pouco explorada, porém permite considerações muito interessantes para a
compreensão dos mecanismos jornalísticos para a seleção de informações em função do
público-alvo do jornal e para a veiculação dessas informações por meio de linguagem verbal e
não-verbal também orientada para o público específico.
O corpus dessa pesquisa é constituído, portanto, de 12 primeiras páginas de jornais,
sendo 2 do jornal Folha de S. Paulo, 2 do jornal O Globo, 2 do jornal O Estado de S. Paulo, 2
do jornal Agora, 2 do jornal Extra, 2 do jornal Diário de São Paulo. O material foi coletado
durante dois dias consecutivos, a fim de estabelecer uma comparação da primeira página de
cada jornal publicada no mesmo dia.
A escolha desses jornais se deve ao fato de serem jornais de grande circulação em
duas das maiores regiões metropolitanas do país, São Paulo e Rio de Janeiro, sendo a Folha de
S. Paulo e o Estado de S. Paulo de circulação nacional, e ao fato de terem público-alvos
diferentes. Os três primeiros dirigem-se a um público mais elitizado e letrado, enquanto os
outros três dirigem-se a um púbico de classe social menos favorecida e menos escolarizada.
A análise qualitativa do corpus fundamenta-se na perspectiva bakhtiniana de
linguagem e de gêneros discursivos, na abordagem sociocognitiva (sociointerativa) de leitura
15
e em estudos da área de comunicação sobre jornalismo impresso. Para esse aporte teórico
serão utilizados autores como: Bakhtin (1992), Bakhtin/Volochínov (2006), Dionísio (2005),
Faria (2002), Fiorin (2005), Lopes-Rossi (2002), Marcuschi (2005; 2008), Rodrigues (2005),
Guimarães (2003), Silva (2008), Zancheta (2006), Barzotto e Ghilardi (1999), Gadotti (2007),
dentre outros. A fundamentação teórica permite a análise dos dados por meio da observação
de como o mesmo fato é tratado pelos diferentes jornais por perspectivas diferentes; de como
a importância dada aos fatos varia, de acordo com a linha editorial de cada jornal; de como a
narrativa dos fatos, as escolhas lingüísticas, e a diagramação da primeira página são
influenciadas pelos critérios estabelecidos em função do público-alvo do jornal e de como
cada jornal, a partir do mesmo fato, estabelece um diálogo com discursos atuais.
Análises dessa natureza são importantes para o professor conhecer melhor a prática
jornalística e formar leitores mais proficientes.
A organização desse trabalho consiste, além desta Introdução, do capítulo 1, em que se
apresenta a fundamentação teórica sobre a concepção de leitura crítica, a definição do que é a
primeira página do jornal em termos de gêneros discursivos, a concepção de dialogismo
enfocando como o leitor crítico dialoga com as informações veiculadas no jornal. O segundo
capítulo trata, especificamente, da leitura do jornal com enfoque nas características principais
do jornalismo impresso, nos elementos composicionais da primeira página do jornal e no
fotojornalismo. O terceiro capítulo apresenta a análise do corpus referente a seis primeiras
páginas do dia 25 de agosto de 2009, enquanto o quarto capítulo apresenta a análise de mais
seis primeiras páginas do dia 26 de agosto de 2009. Posteriormente, são apresentadas as
conclusões e as referências.
16
CAPÍTULO 1
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
1.1 Apresentação do capítulo
Neste capítulo será apresentada a fundamentação teórica sobre a concepção
sociocognitiva de leitura e qual o conceito de leitura crítica assumido nesta pesquisa; a
concepção bakhtiniana de língua e de dialogismo enfocando como o leitor crítico dialoga com
as informações veiculadas no jornal; o conceito de gênero discursivo bem como os gêneros
discursivos que compõem a primeira página do jornal.
1.2 Leitura Crítica
O conceito de leitura crítica e o trabalho na escola para a formação de leitores críticos
pressupõem a adesão a vários outros conceitos e a uma determinada concepção de língua e de
ensino. Nesta seção, portanto, serão explicados vários desses conceitos a fim de tornar claro o
que se assume nesta pesquisa como leitura crítica.
1.2.1 A concepção de língua, de ensino e de leitura nas propostas oficiais de ensino
A concepção de língua adotada neste trabalho é a definida por Marcuschi (2008),
como um fenômeno cultural, histórico, social e cognitivo que é variável no decorrer do tempo
e aos falantes da língua. O autor explica que, ao contrário do que os estruturalistas
acreditavam, a língua é estruturada simultaneamente em vários planos (fonológico, sintático,
semântico e cognitivo) e que todos esses planos se organizam no processo de enunciação. Em
outras palavras, a língua é uma forma de ação e, por meio dela, é possível as pessoas se
expressarem e se comunicarem com significações diversas. O autor afirma que, assim como
não é possível dizer tudo, nem tudo o que queremos dizer num determinado texto está escrito
nele. Nota-se que essa concepção de língua está baseada nas características enunciativas da
linguagem.
17
Por esse motivo, é importante entender o que aconteceu com o ensino da língua ao
longo dos tempos. Marcuschi (2004) relata alguns aspectos sobre o ensino de língua ao longo
dos últimos cem anos, os novos rumos no ensino de língua com o surgimento dos PCN e
outros aspectos que merecem atenção. O autor expõe que o estudo da língua portuguesa
iniciou-se no mesmo estilo que o estudo da língua latina, imitando os bons escritores.
Estudavam-se as disciplinas de Gramática, Retórica e Poética e para o estudo da língua
seguiam-se os preceitos de filologia e acreditava-se que a língua era o quadro da identidade
nacional e depositava a cultura do país e, esta, por sua vez, era expressa através da Literatura.
Por esse motivo, a língua era estudada por intermédio de textos literários, como romances,
fábulas, moral, religião, sonetos, biografias, poesia, etc. A escola prezava a boa linguagem, a
norma culta. Soares (1998 apud MARCUSCHI, 2004) afirma que a denominação da
disciplina Português passou a existir somente nas últimas décadas do século XIX. O ensino de
língua na época do Brasil-Colônia restringia-se à alfabetização.
Marcuschi (2004) nota que, no documento oficial do Ministério da Educação de 1931,
consta que o ensino da língua nas primeiras séries iniciais deveria concentrar-se na leitura de
textos e não exclusivamente na gramática. Podemos observar, portanto, que a preocupação
com a leitura não é tão atual assim. No entanto, “o ensino deveria expor o aluno aos bons
textos da tradição literária para absorver e prosseguir a tradição, como se a língua fosse
homogênea e estável, sem variações nem mudanças ao longo da história” (MARCUSCHI,
2004, p. 263). Nota-se que a idéia até aqui é a de conservação da língua, como algo que não
pode ser mudado e deve ser preservado como original. Como comenta o autor, o aprendizado
se dava pelo método de exposição, acreditava-se em uma língua homogênea, unificada e sem
problemas.
Os anos 50 contrapuseram-se às práticas anteriores, sendo o auge do estruturalismo e
adotando uma ênfase exagerada no ensino da gramática. Já nos anos 60, quando a
alfabetização é proposta em massa e a escola se torna obrigatória, houve uma sensível
mudança. Bezerra (2007) explica que com a ampliação de escolas para atender a nova
demanda de alunos pertencentes a classes populares, houve necessidade de aumentar o quadro
de professores, mas a maioria desses novos profissionais não tinha a formação “humanística”
adequada nem os conhecimentos “profundos” da língua. Assim, como conseqüência disso,
surgiram os livros didáticos para suprir a falta de conhecimento por parte desses professores.
Foi uma solução encontrada para continuar a mesma proposta de ensino baseada na análise
gramatical.
18
Podemos dizer que foi uma espécie de muleta para o professor seguir os mesmos
passos da proposta de ensino que até aquele momento vigorava. Portanto, como ressalta
Bezerra (2007), a partir da década de 70, os professores não tinham mais a responsabilidade
de preparar materiais e exercícios para ministrarem suas aulas. O ensino de Língua
Portuguesa era responsabilidade do autor do livro didático.
A mudança mesmo apareceu nos anos 90 com o surgimento dos Parâmetros
Curriculares Nacionais – PCN (BRASIL, 1998), documento oficial que adotou perspectivas
totalmente diferentes das orientações oficiais anteriores. Embora saibamos que os PCN estão
longe da perfeição, tendo em vista que atualmente existem vários estudos e críticas sobre eles,
naquela época tal documento trazia propostas totalmente inovadoras, pois propunha sair
daquele rol de textos os quais se faziam presentes apenas na escola e abria um leque de
possibilidades, privilegiando situações da vida cotidiana. Não podemos negar que o
surgimento dos PCN foi um marco na busca de um novo caminho para a melhora do ensino.
A partir desse documento, diversos profissionais voltados à Educação começaram a refletir
sobre o ensino, não só da Língua Portuguesa como de outras áreas do conhecimento.
Marcuschi (2004, p.265) frisa que é importante lembrar que “os PCN não trazem um
programa para o ensino e sim uma visão conceitual que deverá orientar o ensino”.
Na parte de Língua Portuguesa, consta que a língua deve ser estudada em qualquer
tipo de produção lingüística, as mais variadas possíveis, envolvendo o estudo dos gêneros
discursivos (orais ou escritos), uma concepção bakhtiniana de linguagem. A partir dos PCN,
portanto, apareceram algumas mudanças conceituais significativas contrapondo-se à idéia de
língua como sistema de regras e mudando também os objetivos do ensino de língua. No
documento oficial do MEC, matrizes Curriculares de Referencia para o SAEB (BRASIl, 1999,
p.13) encontramos:
A finalidade do ensino de Língua Portuguesa, tal como vem sendo tratada em
diveras propostas curriculares, é criar situações nas quais o aluno amplie o
domínio ativo do discurso nas diversas situações comunicativas, ssobretudo nas
instancias públicas de uso da linguagem, de modo a possibilitar sua inserção
efetiva no mundo da escrita, ampliando suas possibilidades de participação
social no exercício da cidadania.
Baseado nessa finalidade, Marcuschi (2004) explica que a concepção de língua
adotada no documento é a de língua como trabalho, conferindo-lhe uma dimensão histórica e
privilegiando a análise da dimensão discursiva e pragmática da linguagem situada em
contextos da vida diária como prática social.
19
Sendo assim, observamos que para o ensino da língua não está mais em primeiro plano
o estudo da gramática e de textos clássicos, mas sim a formação do sujeito em função de sua
vida social. Isso significa que o sujeito deve atuar na sociedade em que vive de forma
reflexiva e crítica contribuindo para a transformação da sociedade.
Marcuschi (2004) enumera alguns aspectos inovadores dos PCN:
Adoção do texto como uma unidade básica de ensino;
Produção lingüística como produção de discursos autênticos e contextualizados;
Noção de que os textos distribuem-se por gêneros discursivos relativamente estáveis,
orais e escritos, com características próprias, socialmente organizados;
Atenção para a língua em funcionamento, sem se fixar no estudo da gramática;
Atenção para a produção e a compreensão do texto escrito e oral;
Clareza quanto à variedade de estudos da língua e variação lingüística.
O autor explica que, para os PCN, o ensino de língua permite a expansão de
possibilidades do uso da linguagem e para isso se concentra nas atividades de produção e
compreensão. Essas atividades estão relacionadas a quatro habilidades básicas: falar, escutar,
ler e escrever, as quais permitiram construir dois eixos básicos do estudo da Língua
Portuguesa: “o uso da língua oral e escrita” e “a reflexão sobre língua e linguagem”.
Marcuschi (2004) ressalta que é importante observar a visão de linguagem adotada no
documento como atividade dialógica, social e histórica, uma visão totalmente bakhtiniana
(BAKHTIN, 1992) que pressupõe a interação entre os parceiros da comunicação num
determinado momento histórico. Segundo ele, a implementação dos PCN foi muito válida e
trouxe muitos avanços para o ensino da língua portuguesa.
O autor lança algumas perspectivas de trabalho e conceitos relevantes no trato da
língua em sala de aula, mostrando novos rumos para o ensino da língua. Primeiramente ele
sugere a formação de professores na perspectiva das novas exigências da sociedade atual para
posteriormente definir as linhas gerais dos temas centrais que tal formação deveria contemplar,
pois a formação de professores ainda está atrasada em relação à proposta dos PCN. Portanto,
para auxiliar o entendimento da proposta, o autor sintetiza alguns conceitos para uma futura
operacionalização, como segue.
O primeiro é o conceito de Língua: atividade interativa, social e cognitiva; “[...] é um
fenômeno cognitivo sócio-comunicamente motivado no processo interativo [...] é um modo de
produzir discursos que geram efeitos de sentido e não apenas um instrumento para transmitir
20
informações [...] a língua constitui um sistema estável, mas não estático, e por isso varia e
permite polissemia, metaforização, multiplicidade de sentidos e outros aspectos relevantes na
produção textual e no processo de compreensão”. É importante ter clara a noção de língua
para a melhor compreensão de outros conceitos. (MARCUSCHI, 2004, p.272)
O segundo conceito é o de Texto: evento comunicativo que se dá na relação interativa
e na sua situacionalidade. Os efeitos de sentido e as compreensões produzidas pelo texto são
frutos de uma relação entre enunciadores e co-enuciadores (produtores e receptores). Em
outras palavras: “[...] textos são sistemas instáveis e sua estabilidade é sempre um estado
transitório de adaptação a um determinado objetivo e contexto” (MARCUSCHI, 2004, p. 273).
O terceiro é o conceito de Compreensão textual: “[...] um processo de construção de
sentidos e produção de conhecimentos baseado em atividades inferenciais e investimentos de
conhecimentos pessoais no confronto com conhecimentos textuais” (MARCUSCHI, 2004,
p.275).
Um quarto conceito é o de Variação, um fenômeno inerente à língua. Há vários tipos
de variação: a variação de estilo, a variação social, a variação de registros, variação
pragmática, a variação de gêneros discursivos, etc. Reconhecer que existem essas variações
facilita o trabalho com a língua.
Um quinto conceito a ser considerado é o de Gênero discursivo: cunhado por Bakhtin
(1992) como referente a formas de ação social relativamente estáveis, realizadas em textos
situados em qualquer situação comunicativa.
Finalmente, devem-se considerar os conceitos de oralidade e escrita: aspecto
importante abordado pelos PCN que incentiva o trabalho com a oralidade na sala de aula, pois
pressupõe uma relação contínua entre a escrita e a fala permeada por gêneros textuais.
Segundo Macuschi (2004), os conceitos abordados acima oferecem uma perspectiva
promissora no tratamento da língua em sala de aula e ele acredita que os conhecimentos a
serem promovidos em sala de aula passariam por uma série de reflexões, as quais ele sintetiza
da seguinte forma:
Reflexões sobre língua e linguagem, envolvendo aspectos formais e funcionais;
Reflexões sobre a textualidade e a produção textual em toda sua extensão;
Reflexões sobre a compreensão textual e a produção de sentido;
Reflexões sobre a variação lingüística, cultura, sociedade e norma lingüística;
Reflexões sobre a oralidade e a escrita e os problemas de letramento;
21
Reflexões sobre os gêneros discursivos e sua distribuição na oralidade e na
escrita;
Reflexões sobre a literatura e o seu lugar no trato da língua.
Cabe lembrar que essa série de reflexões propostas por Marcuschi (2004) deve ser
estimulada dia após dia, compondo um longo processo de aprendizagem. Bezerra (2007)
comenta que uma das teorias que mais tem se destacado e que influencia de modo
significativo a metodologia de ensino da Língua Portuguesa é a teoria socio-interacionista
vygotskyniana de aprendizagem. Essa concepção de aprendizagem é o resultado da interação
dialética de um indivíduo com outros num determinado grupo social. A autora afirma ser essa
uma visão que reflete a importância da dimensão social no processo de desenvolvimento do
ser humano, pois, segundo Vygotsky (1991), o processo de desenvolvimento do ser humano é
socialmente construído e esse desenvolvimento dependerá exclusivamente da interação de
cada indivíduo com o meio. Toda relação do sujeito com o mundo se dá por meio de
instrumentos e signos. Os instrumentos são objetos externos, sociais e mediadores da relação
entre indivíduo e mundo. Para o psicólogo russo, os signos são instrumentos psicológicos e
referem-se à atividade psicológica, ocorrendo dentro de um individuo e controlando as ações
internas que exigem memória ou atenção. São um meio de solucionar um determinado
problema psicológico. Sendo assim, a linguagem é um signo ou ferramenta psicológica que
processa o pensamento e medeia o homem com o meio físico e social.
Bezerra (2007, p.38) explica de forma bastante clara como esse processo se dá:
Tanto a linguagem falada quanto a escrita possibilitam o desenvolvimentos de
processos psicointelectuais; no entanto a escrita propicia modos diferentes e
ainda mais abstratos de pensar, de se relacionar com as pessoas e com o
conhecimento, pois para Vygotsky (1984:131), a escrita constitui um conjunto
de símbolos de segunda ordem, os símbolos escritos funcionam como
designações dos símbolos verbais. A compreensão da linguagem escrita é
efetuada, primeiramente, através da linguagem falada. No entanto gradualmente
essa via é reduzida, abreviada e a linguagem falada desaparece como elo
intermediário.
Assim, tendo em vista que os mecanismos considerados superiores não são inatos, e
sim desenvolvidos pela interação com outras pessoas, a mediação torna-se um dos princípios
fundamentais nas idéias vygotskynianas. Para ele “o aprendizado e o desenvolvimento estão
inter-relacionados desde o primeiro dia de vida da criança” (VYGOTSKY, 1991, p.95), pois o
processo de desenvolvimento cognitivo da criança está atrelado a sua história social e cultural
e a construção do conhecimento se dá de maneira partilhada.
22
Vygotsky (1987) propõe dois tipos de conhecimentos: o conhecimento espontâneo e o
conhecimento científico. O autor entende por conhecimento espontâneo tudo aquilo que a
criança adquire em sua vida diária, ou seja, o conhecimento que a criança formula ao longo de
sua experiência e surge de acordo com a busca de explicações para determinados fenômenos.
Já o conhecimento científico não começa e não surge de algum campo desconhecido. Ele é
sistematizado e distribuído sobre uma série de conceitos que surgiram na criança no
desenvolvimento espontâneo. O conhecimento científico ajuda a criança a perceber além dos
seus próprios conceitos bem como a generalizá-los. A partir do conhecimento científico, o
conhecimento espontâneo é reelaborado. Percebemos aí a importância do ensino escolar. Para
o autor, é importante ensinar conceitos à criança, pois ela passa a ter novos signos e novas
ferramentas para reelaborar o mundo.
Por isso, Vygotsky (1991) lança mão de dois níveis de desenvolvimento humano que
podem ser alcançados com a mediação. O primeiro trata-se do nível de desenvolvimento real
ou efetivo que se refere às conquistas já efetivadas, isto é, aquilo que a criança já sabe. O
segundo trata-se do nível de desenvolvimento potencial, refere-se aquilo que a criança é capaz
de fazer mediante a ajuda de outra pessoa. Assim, Vygotsky define a Zona de
Desenvolvimento Proximal (ZDP), como a distância entre o nível de desenvolvimento real e o
nível de desenvolvimento potencial que são as funções psicológicas superiores que ainda não
amadureceram.
As idéias de Vygotsky estão intrinsecamente relacionadas à docência, porque as
habilidades dos alunos só serão desenvolvidas em contato social que as valorizem. Vygotsky
(1987, p.91) afirma que “os conceitos da criança se formam no processo de aprendizagem, em
colaboração com o adulto”. Nesse sentido o papel do professor é fundamental no
desenvolvimento da criança, pois ele ajuda a fazer a mediação entre o sujeito e o mundo por
meio de sistemas simbólicos, tornando-se um organizador do meio social. Vygotsky atribui
algumas exigências ao papel do professor que não se restringem a ele ser um profissional
cientificamente instruído. Ele propõe uma mudança de paradigmas com um professor que
quebre as fronteiras e amplie horizontes, que, com um método de ensino dinâmico e dotado de
um espírito coletivo, coloque seu aluno caminhando sobre as próprias pernas. Em suas
palavras: “O trabalho educativo de um pedagogo deve estar necessariamente vinculado ao seu
trabalho criador, social e vital” (VYGOTSKY, 2004, p.456).
Tendo em vista os preceitos vygotskynianos e que, hoje, o trabalho escolar deve ser
voltado ao desenvolvimento da competência comunicativa dos alunos, concordamos com
Bezerra (2007) que, apoiada em Schneuwwly e Dolz (2004), afirma que o estudos dos
23
gêneros discursivos na escola é fundamental, pois articula as práticas sociais e os objetos
escolares no domínio do ensino da produção de textos orais e escritos, levando em conta seus
usos e funções numa situação comunicativa. Dessa forma, a autora acredita que o aluno pode
construir seu conhecimento por meio da interação entre o objeto de estudo e uma pessoa mais
experiente, no caso o professor.
Pelo o que foi dito até aqui, não resta dúvida que hoje a preocupação com a formação
do leitor crítico é muito presente em documentos oficiais e estudos lingüísticos. Ouve-se
muito, principalmente no âmbito escolar, falar na formação do leitor. Todos concordam com a
importância de saber compreender além do que está dito ou escrito, mas para chegar a esse
nível de proficiência é preciso percorrer um longo caminho de estudo, de reflexões e, acima
de tudo, de mudança de concepções e posicionamentos.
A formação do um leitor é um assunto tão importante na escola que, atualmente,
depois de constatar a deficiência leitora nos alunos da rede estadual, a Secretaria da Educação
do Estado de São Paulo – SEE – não só incluiu na grade curricular do Ensino Fundamental II
uma disciplina chamada Leitura e Produção de texto, como também investiu na revitalização
das Salas de Leitura, para que o aluno e a comunidade escolar tenham instrumentos e saberes
adequados às necessidades educacionais. Nesse contexto, a escola torna-se um espaço de
formação de leitores e de efetivos usuários da informação. Além disso, a SEE está investindo
na questão da leitura com o Programa Ler e Escrever, para erradicar alunos com deficiência
na alfabetização, inserido no Ensino Fundamental I, até o ano de 2010.
A leitura é definida nos PCN (BRASIL, 1998) como um processo no qual o leitor
trabalha ativamente na compreensão e na interpretação de texto. Nesse processo o leitor
articula saberes, partindo de objetivos, do seu próprio conhecimento e de tudo o que sabe
sobre a linguagem. De acordo com o documento oficial,
Um leitor competente sabe selecionar, dentre os textos que circulam socialmente,
aqueles que podem atender a suas necessidades, conseguindo estabelecer as
estratégias adequadas para abordar tais textos. O leitor competente é capaz de ler
as entrelinhas, identificando, a partir do que está escrito, elementos implícitos,
estabelecendo relações entre o texto e seus conhecimentos prévios ou entre o
texto e outros textos já lidos. (BRASIL, 1998, p.70)
Segundo os PCN (BRASIL, 1998), a leitura de um texto compreende a pré-leitura, a
identificação de informações, a articulação de informações internas e externas ao texto, a
realização e a avaliação de inferências, as antecipações e a apropriação das características do
gênero e, por esse motivo, esse documento estabelece objetivos de ensino e enumera o que o
professor deve esperar do aluno no processo de leitura de textos escritos:
24
saber selecionar textos segundo seu interesse e necessidade;
ler, de maneira autônoma, textos de gêneros e temas com os quais tenha construído
familiaridade;
ser receptivo a textos que rompam com seu universo de expectativas, por meio de
leituras desafiadoras para sua condição atual, apoiando-se em marcas formais do
próprio texto ou em orientações oferecidas pelo professor;
trocar impressões com outros leitores a respeito dos textos lidos, posicionando-se
diante da crítica, tanto a partir do próprio texto como de sua prática enquanto leitor;
compreender a leitura em suas diferentes dimensões: o dever de ler, a necessidade de
ler e o prazer de ler;
ser capaz de aderir ou recusar as posições ideológicas que reconheça nos textos que lê.
Observa-se, pela citação, que esse documento assume uma concepção sociocognitiva
de leitura e mobiliza uma série de conceitos teóricos cujo conhecimento, pelo professor, é
base necessária para um trabalho adequado de formação do leitor, tais como: procedimentos
(ou estratégias) de leitura, objetivos de leitura, inferência, gênero discursivo, posicionamento
crítico do leitor. Nas seções a seguir esses conceitos serão detalhados.
1.2.2 A abordagem sociocognitiva de leitura
Segundo Marcuschi (2008, p. 230-232), para compreender um texto são necessários
habilidade, interação e trabalho. Em suas palavras, compreender um texto é “uma forma de
inserção no mundo e um modo de agir sobre o mundo na relação com o outro e dentro de uma
cultura e uma sociedade”. Ele acrescenta que “atualmente a leitura vem sendo tratada em um
novo contexto teórico que considera as práticas sob um aspecto crítico e voltado para
atividades sociointerativas.” Ou seja, a leitura é uma atividade situada num contexto social
que exige um posicionamento crítico e uma tomada de posição do leitor diante da sociedade
em que vive. O autor também defende a idéia de que compreender é uma atividade
colaborativa, que se dá na interação entre autor-texto-leitor ou falante-texto-ouvinte, podendo
haver desentendimentos e, por isso, a compreensão também é um “exercício de convivência
sociocultural”.
25
Observamos que essa definição de leitura incorpora conceitos da abordagem cognitiva
de leitura e a amplia com conceitos da abordagem enunciativa (sócio-histórica) de linguagem,
a partir das formulações do filósofo russo Bakhtin. Vejamos como isso se dá.
Várias pesquisas tentaram, durante as décadas de 60 e 70, compreender o processo de
leitura, ou seja, o processo mental (cognitivo) de compreensão de textos, envolvendo a
atenção, a memória e os procedimentos do leitor proficiente, conforme comenta Kleiman
(1989). A autora sintetiza alguns elementos importantes para compreender o processamento
do texto, o objeto escrito. Ela explica que o leitor proficiente lê com rapidez o assunto que lhe
for familiar e sua leitura não é contínua, ou seja, dá saltos até se fixar novamente num trecho
adiante. O movimento de seus olhos é progressivo e regressivo ao mesmo tempo, ele avança e
retrocede para reler algo que ficou inconsciente. Esse tipo de leitor lê sem vocalizações e sem
movimentos labiais e, na leitura em voz alta, a velocidade do olho é maior que a velocidade
da voz. O leitor proficiente não lê palavra por palavra, sua leitura é feita por blocos
significativos e, assim, ele segmenta o texto em unidades significativas e armazena–as na
memória profunda. No entanto esses elementos ainda não explicam o processo de
compreensão do texto.
Kato (1985) explica que estudiosos das áreas de ciências da cognição e da inteligência
artificial fazem referência a dois tipos de processamento de informação: top-down e o bottom-
up e que, esses dois processamentos, também servem para descrever dois tipos de leitores. No
processo de compreensão do texto, a concepção cognitiva de leitura, portanto, se baseia
nesses dois modelos. O processamento bottom-up é um processo ascendente de base
estruturalista, significa que a informação vai do texto para o leitor, ou seja, o sentido está no
texto e deve ser decodificado pelo leitor. Por esse motivo as propostas de ensino baseadas
nesse tipo de processamento atribuem grande importância às habilidades de decodificação,
pois consideram que o leitor compreende o texto porque o decodifica totalmente. Já no
processamento top-down, a informação vai do leitor para o texto, é um processo descendente,
em que o leitor constrói sentidos para o texto por meio da interação com seu conhecimento
prévio. Quanto mais o leitor possuir informações sobre o texto, menos ele dependerá do texto
para interpretá-lo. Essa concepção de modelo top-down, segundo Kato (1985) e Kleiman
(1989), trouxe avanços na compreensão sobre leitura, porém não descreve completamente o
processo de leitura.
A concepção interacionista de leitura é uma abordagem cognitiva que considera a
concomitância de ambos os tipos de processamento interagindo durante a compreensão, o que
pode ser também entendido como uma interação entre leitor e texto. O leitor constrói sentidos
26
para o texto por meio da interação de seu conhecimento prévio sobre o assunto (num
processamento top-down) e das informações do texto (num processamento bottom-up).
As teorias cognitivas priorizam atividades do sujeito, considerando-o inserido numa
situação social. Para os cognitivistas, aprender é o mesmo que assimilar o objeto a esquemas
mentais, baseando-se no ensaio e no erro, na pesquisa, na investigação e na solução de
problemas. Fávero (1995) explica que as teorias cognitivas afirmam que o conhecimento
prévio, ou pelo menos parte dele, é organizado na memória em forma de esquemas
(seqüências ordenadas, ligadas por situações temporais e causais); frames (surge em nossa
memória a partir de um conceito); scripts (os papéis que desempenhamos na sociedade);
cenários (a descrição de lugares) e que por limitações do conhecimento de mundo, decorrente
de fatores sócio-culturais, podemos não acionar muitos frames, esquemas, scripts ou cenários
e isso pode limitar nossa compreensão de textos.
De acordo com essa perspectiva, a leitura é vista como uma atividade construtiva e se
dá a partir de muitos processos inferenciais. As associações de conhecimentos nunca serão
idênticas para todos os leitores, pois o texto não explicita todos os sentidos possíveis; muitas
informações ficam implícitas e podem ser inferidas pelo leitor. Algumas dessas inferências
não são nem previstas pelo autor do texto. Ao ler o texto, o leitor constrói para si um
significado, somando seus conhecimentos prévios ao texto. O conhecimento prévio divide-se
em: conhecimento lingüístico, conhecimento textual e conhecimento enciclopédico
(conhecimento geral sobre o mundo e como ele funciona).
Solé (1996, p.24) explica que, nesta perspectiva, as propostas de ensino “ressaltam a
necessidade de que os alunos aprendam a processar o texto e seus diferentes elementos, assim
como as estratégias que tornarão possível sua compreensão”. A autora acredita que “para ler,
é necessário dominar as habilidades de decodificação e aprender as distintas estratégias que
levam à compreensão” como também supõe que o leitor seja um processador ativo do texto, e
a leitura, um processo de emissão e de verificação de hipóteses, levando tanto a construção da
compreensão do texto como ao controle desta compreensão.
A inferência é um conceito-chave na abordagem interacionista de leitura. Marcuschi
(1997, p74) a define como “atividades cognitivas que realizamos quando reunimos algumas
informações conhecidas para chegarmos a outras informações novas”. Ele propõe três grupos
de inferências textuais: inferência lógica – a mais comum e, por vezes, óbvias, baseia-se nas
relações lógicas e subordinadas aos valores de verdade na relação entre proposições, podendo
ser dedutivas, indutivas ou condicionais; inferência análoga-semântica – baseada no input
textual e no conhecimento de itens lexicais e relações semânticas, ocorre por meio de
27
identificação referencial, por comparações, associações, composições ou decomposições;
inferência pragmático-cultural – baseia-se nos conhecimentos, experiências, crenças e
ideologias coletivas ou individuais, esses podem ser convencionais, experienciais, avaliativas
ou cognitivo-culturais.
Desse modo é possível observar que os leitores proficientes desenvolvem estratégias
(procedimentos) de leitura eficientes. Já leitores menos proficientes necessitam de ajuda em
sua leitura. É possível ensinar aos leitores inexperientes estratégias metacognitivas,
procedimentos de leitura que consistem em relacionar os conhecimentos prévios do leitor com
as informações do texto e produzir mais inferências a fim de melhorar sua compreensão. É aí
que entra o papel do professor. Kato (1985) propõe duas estratégias metacognitivas de leitura:
o estabelecimento de um objetivo explícito para leitura e a monitoração da compreensão tendo
em vista esse objetivo.
Solé (1998, p.70) explica:
Se considerarmos que as estratégias de leitura são procedimentos de ordem
elevada que envolvem o cognitivo e o metacognitivo, no ensino elas não podem
ser tratadas como técnicas precisas, receitas infalíveis ou habilidades específicas.
O que caracteriza a mentalidade estratégica é sua capacidade de representar e
analisar os problemas e a flexibilidade para encontrar soluções. Por isso, ao
ensinar estratégias de compreensão leitora, entre os alunos deve predominar a
construção e o uso de procedimentos de tipo geral, que possam ser transferidos
sem maiores dificuldades para situações de leitura múltiplas e variadas.
Baseada nessa idéia, Lopes-Rossi (2003) comenta que, para a teoria interacionista de
leitura, o conceito de estratégias de leitura é de suma importância. As Estratégias de leitura
são métodos e procedimentos que facilitam a compreensão leitora e implicam a decodificação,
o estabelecimento de objetivos, a previsão e as inferências. A autora propõe cinco
procedimentos que englobam os principais pressupostos da teoria interacionista de leitura e
que podem ser aplicados a qualquer texto e a qualquer tipo de leitura. Vejamos:
Leitura global – ativação do conhecimento prévio sobre o assunto antes da leitura para
explorar informações sobre o autor, a fonte do texto, a data o público alvo e
identificar o assunto do texto por meio da leitura de elementos mais destacados como:
títulos, subtítulos, legendas, imagens e outros.
Estabelecimento dos objetivos de leitura por meio de perguntas a serem respondidas
pela leitura do texto. Tais perguntas compreendem o conteúdo proposicional do texto.
Leitura detalhada do texto verbal ou do não verbal para compreensão do conteúdo
proposicional e busca de respostas para os objetivos acima.
28
Novos objetivos – nesse procedimento cabe ao professor formular algumas perguntas
explorando informações mais específicas de modo que leve o aluno a praticar
atividades cognitivas e inferências mais complexas.
Reflexão crítica sobre o texto.
Na abordagem cognitiva de leitura, o leitor é definido de forma semelhante ao sujeito
da abordagem pragmática, ou seja, é definido por sua unidade, consciência, seu saber e, desse
modo, é visto como alguém que controla os sentidos. Isso significa que o sujeito possui uma
intenção e a coloca em prática, sendo o responsável consciente pela construção do significado.
Esses estudos trouxeram contribuições muito interessantes para a compreensão dos
processos envolvidos na leitura e para o desenvolvimento de habilidades de leitura dos alunos,
no entanto, a partir dos anos 80, conforme afirma Lopes-Rossi (2003), com o
desenvolvimento de teorias lingüísticas baseadas em concepções enunciativas e discursivas da
linguagem, a abordagem cognitiva de leitura mostrou-se limitada por não incluir o processo
de leitura e de produção do texto a ser lido num contexto sócio-histórico mais amplo. A
abordagem cognitiva de leitura considera o contexto mais imediato da comunicação autor-
leitor. O conceito de leitor dessa abordagem passou a ser considerado muito limitado. A
autora ainda lembra que a abordagem cognitiva de leitura não ignora aspectos sociais
envolvidos na compreensão, embora não os explore, como comenta Tomitch (2000) ao
comparar o conceito de leitura crítica na perspectiva cognitiva e na da Análise Crítica do
Discurso
2
.
A partir dessas contribuições, surgiram estudos se dividindo em três tendências
principais: a abordagem sociocognitiva de leitura, a abordagem da leitura crítica (baseada nos
pressupostos da Análise Crítica do Discurso) e a abordagem discursiva (baseada na Análise
do Discurso). Aqui nos aprofundaremos na primeira: a abordagem sociocognitiva de leitura,
por ser uma abordagem que nos oferece possibilidade de trabalhar com o desenvolvimento de
estratégias e procedimentos de leitura numa perspectiva sócio-discursiva da linguagem,
especificamente pela vertente bakhtiniana. Os conceitos de gênero discursivo e a perspectiva
dialógica da linguagem advindos das reflexões de Bakhtin (1992) sobre a linguagem devem
ser o ponto de partida das atividades de leitura de qualquer texto nas aulas Língua Portuguesa,
como recomendam os documentos oficiais de ensino já citados na Introdução desta
dissertação. A abordagem desses textos – exemplares de gêneros discursivos diversos – pode
2
Para saber mais sobre essa comparação, leia: TOMITCH, Lêda M. B. Introduction. Ilha
do Desterro. N. 38, p. 7-14. Florianópolis, jan./jun. 2000.
29
ser feita a partir de procedimentos de leitura que exploram características específicas dos
gêneros e aspectos cognitivos do aluno-leitor.
No Brasil, a abordagem sociocognitiva de leitura é representada por textos mais
recentes dos linguístas Ingedore Kock e Luís Antonio Marcuschi, e o atual enfoque de leitura
inferencial pressupõe habilidades e conhecimentos que permitem ao leitor ir além do conceito
de interação leitor-texto. Ambos os autores fazem considerações sobre o contexto sócio-
histórico no processo de leitura e de compreensão do texto, baseados nas idéias de Bakhtin
(1992).
Marcuschi (1997) concebe a língua como um fenômeno cultural, histórico, social e
cognitivo variável ao tempo e aos falantes da língua. Para ele, a língua é estruturada
simultaneamente em vários planos no processo de enunciação: fonológico, sintático semântico
e cognitivo, sendo uma atividade constitutiva com a qual é possível construir sentidos e
expressar sensações, idéias e modos de representação do mundo, bem como uma forma de
ação pela qual é possível interagir com as pessoas que nos cercam. O autor acredita que a
compreensão do texto se dá a partir das informações que o texto nos fornece em seu discurso
e de informações que os leitores colocam no texto tendo como base o seu conhecimento sobre
o assunto e ainda sobre a situação em que o texto é produzido. Dessa forma, a compreensão
do texto é estabelecida por meio da construção de sentidos e da inferência de conteúdos.
Koch e Elias (2006, p. 10-11) assumem uma concepção interacional (dialógica) da
língua que é diferente do interacionismo cognitivo. Eles explicam:
Na concepção interacional (dialógica) da língua, os sujeitos são vistos como
atores/ construtores sociais, sujeitos ativos que – dialogicamente – se constroem
e são construídos no texto, considerado o próprio lugar da interação e da
constituição dos interlocutores. Desse modo, há lugar, no texto, para toda uma
gama de implícitos, dos mais variados tipos, somente detectáveis quando se tem
como pano de fundo, o contexto sociocognitivo dos participantes da interação.
Isso significa que ao mesmo tempo em que o sujeito constrói os sentidos ele participa
desses sentidos. O leitor infere no texto e o texto, por sua vez, acrescenta informações ao seu
rol de conhecimentos. Ocorre uma relação de interação dentro e fora do texto por meio de
uma organização textual e de elementos lingüísticos. Essa relação de mobilização de
conhecimentos ocorre num contexto sócio-histórico, cultural e ideológico.
Observa-se que tais autores assumem as concepções bakhtinianas de linguagem e de
gênero discursivo, que serão detalhadas nas seções a seguir.
30
1.2.3 A leitura crítica
Segundo Taglieber (2000), na sociedade moderna, freqüentemente pessoas precisam
lidar com o público, com questões políticas, tomar decisões e resolver problemas. Por esse
motivo, os cidadãos, para serem ativos, devem ser capazes de avaliar criticamente o que eles
vêem, ouvem e lêem, caso contrário podem ser dominados pela informação. Para que isso não
aconteça, as pessoas precisam ler seletivamente, escolher as informações e os fragmentos que
são interessantes para eles próprios, pois pensar e ler criticamente são habilidades
indispensáveis a um cidadão ativo. A autora afirma que a leitura crítica e o pensamento crítico
podem ser definidos de várias formas e cita vários pesquisadores sobre esses dois temas. É
interessante notar que as definições de leitura crítica e de pensamento crítico apresentam
muitas similaridades.
Ruggerio (1984 apud TAGLIEBER 2000) sugere que o pensamento crítico é a
investigação de um problema proposto ou uma solução de uma questão que determina o
surgimento de pontos positivos e pontos negativos, além de envolver a resolução de
procedimentos para a solução de problemas. O pensamento crítico é um meio de avaliar e
julgar. Ennis (1985; 1987 apud TAGLIEBER 2000) define pensamento crítico como
pensamento reflexivo que é focado em decidir em que acreditar ou não, enquanto Wilson
(1988 apud TAGLIEBER 2000) afirma que o pensamento crítico envolve predição,
formulação de questões e respostas para o texto por meio da aplicação dos próprios valores e
crenças. Em outras palavras, o leitor confronta a si mesmo e faz questionamentos.
Ainda sobre o pensamento crítico, encontramos em Commeyras (1990 apud
TAGLIEBER 2000) a idéia de que esse pensamento envolve razões, ou seja, aplicado à leitura
é um procedimento usado para determinar qual interpretação é mais consistente com a
evidência textual e com o conhecimento-prévio. Essa visão é sustentada por outros autores
que explicam que a leitura crítica é o próprio pensamento crítico. Sendo assim, o pensamento
crítico é a maneira de assimilar e processar informações e avaliar idéias.
A leitura crítica é vista por autores pesquisados por Taglieber (2000) como um meio
para entender a história e a cultura, bem como a sua conexão com a estrutura da sociedade
atual, encorajando um ativismo para igual participação dos cidadãos em todas as decisões que
afetam e controlam suas vidas.
Flynn (1989 apud TAGLIEBER 2000) afirma que a leitura crítica envolve um
processo de interação usando vários níveis de pensamento simultaneamente. Esses níveis de
pensamento são divididos em: a) síntese – uma combinação de partes relevantes a respeito da
31
coerência em sua totalidade; b) avaliação – a qual envolve estabelecimento de critérios e juízo
de idéias contrárias aos critérios para verificar suas razões. Para ele, o leitor crítico passa por
níveis de leitura e de pensamento, sendo necessário, pois, entender as proposições básicas de
um texto, fazer uma síntese e depois avaliar.
Podemos, assim, constatar o que Taglieber (2000) comenta: as definições encontradas
tanto para o pensamento crítico como para leitura crítica são bem próximas.
Nesse contexto, Taglieber (2000) afirma que tanto o pensamento crítico como a leitura
crítica devem ser ensinados aos alunos e é responsabilidade da escola desenvolver as
habilidades de leitura e do pensamento crítico. Ela afirma que os alunos precisam de
habilidades para interpretar uma vasta gama de literatura e defender suas interpretações,
como: habilidade de questionar, fazer inferências, prever efeitos, distinguir fatos de opinião,
identificar inclinações de autores, avaliar a escrita de autoridades, comparar e contrastar
informações, classificar e categorizar informações, comparar informações, sintetizar
informação de várias pesquisas, fazer julgamentos, elaborar conclusões, fazer generalizações,
entre outros pré-requisitos. A autora acredita que quando os alunos são estimulados com
problemas interessantes com um suposto envolvimento, eles são simultaneamente encorajados
a expor suas idéias e que jovens leitores terão independência somente quando aprenderem a
analisar, sintetizar e avaliar os conhecimentos por si próprios através de um ambiente
colaborativo.
Vygotsky (1987, p.91) também acredita, sob o viés da psicologia, que “os conceitos da
criança se formam no processo de aprendizagem, em colaboração com o adulto”. Por esse
motivo, podemos crer que é de suma importância o professor trabalhar com as habilidades de
leitura até aqui mencionadas. Essas habilidades precisam ser ensinadas para que a criança
aprenda e seja capaz de transferir e aplicar o que aprendeu em outras situações comunicativas
analisando, sintetizando e avaliando as informações que lhes são transmitidas em contextos
socioculturais específicos.
Constatamos, portanto, que formar um leitor crítico é formar um cidadão crítico e
observamos, ainda, que as formulações teóricas sobre leitura até agora comentadas podem
continuar a ser consideradas num trabalho pedagógico que assuma a concepção de linguagem
do filósofo russo Bakhtin, como propõem os documentos oficiais sobre o ensino. Alguns dos
conceitos-chave desse autor, como dialogismo e gêneros discursivos, pela riqueza de
possibilidades que apresentam, mostram-se perfeitos para abarcar essas formulações teóricas
sobre leitura e para ampliá-las num quadro teórico ideal para o trabalho com leitura na sala de
aula.
32
1.3 O dialogismo e os gêneros discursivos
A concepção de gêneros discursivos está fundamentada nas idéias do filósofo russo
Mikhail Bakhtin, que colocou o uso da linguagem no centro de suas pesquisas, contrapondo-
se a idéia de língua como unidade de um sistema lingüístico abstrato e homogêneo. Para
Bakhtin/Volochínov (2006), a língua surge da necessidade de comunicação e sua natureza é
social, pois está intrinsecamente relacionada às estruturas sociais. Sendo assim, a palavra é
um signo ideológico, pois registra mudanças nas relações sociais. Em suas palavras: “Todo
signo é ideológico; a ideologia é um reflexo das estruturas sociais, assim toda modificação da
ideologia encadeia uma modificação na língua”. (BAKHTIN/ VOLOCHÍNOV: 2006.p. 15).
Trata-se de uma abordagem discursiva muito mais ampla do que a estudada na lingüística da
época, pois propõe uma nova óptica sobre os estudos lingüísticos: a língua como uma unidade
real da comunicação.
De acordo com Bakhtin (1992), a sociedade é organizada por inúmeras esferas sociais,
cuja língua se efetua em forma de enunciados. Cada esfera social é um grupo específico de
atividade humana na qual vários gêneros discursivos são produzidos. Os gêneros discursivos
são formas típicas de enunciados, orais ou escritos, que se realizam com finalidades
específicas nas diferentes situações de interação social. São reconhecidos e nomeados pelos
falantes da língua e, além disso, cada enunciado reflete as condições específicas e os
propósitos comunicativos de cada esfera. Por isso, para Marcuschi (2007), os gêneros são
formas de ação social e cada esfera social é um domínio discursivo vinculado à vida social e
cultural.
Bakhtin (1992) classifica os gêneros em primários e secundários. Os gêneros
primários são aqueles que circulam na esfera de atividade cotidiana e não são organizados em
sistemas ideológicos, ocorrendo de maneira imediata. Um simples cumprimento, como “Bom
dia!”, é considerado um gênero discursivo, assim como uma declaração de amor, uma
radionotícia, uma bronca e muitas outras formas de comunicação oral; ainda nesse grupo,
circulam gêneros cotidianos escritos, tais como bilhetes, receitas, lista de compra, entre outros.
Os gêneros secundários são aqueles que ocorrem em situações de comunicação mais
complexas e passam por um processo de sistematização, pois pertencem a sistemas
ideológicos constituídos e aparecem em situação de comunicação cultural. São planejados,
como, por exemplo, os romances, as cartas, os contos, as crônicas, os artigos etc. Muitos deles
surgem a partir dos gêneros primários.
33
A variedade de gêneros discursivos é infinita. Eles surgem e se modificam
constantemente, atendendo às exigências da sociedade e à sua evolução. Bakhtin (1992)
refere-se à transmutação dos gêneros, isto é, a assimilação de um gênero por outro, gerando
assim novos gêneros. Há gêneros que circulam no nosso cotidiano de forma organizadora e
requerem uma forma padronizada, como: contas de água, de luz ou de telefone, calendários,
cédulas de dinheiro, atestados, formulários e outros. Esses não refletem a individualidade na
língua e nunca são produzidos por quem usa, mas são usados constantemente nas esferas
sociais. Marcuschi (2005) denomina-os gêneros minimalistas.
Segundo Marcuschi (2007), os gêneros discursivos são entidades sócio-discursivas
vinculadas à vida social e cultural, sendo também formas de comunicação social ligadas às
atividades sócio-culturais. Dessa forma, o surgimento de novos gêneros está diretamente
ligado à comunicação, bem como às inovações tecnológicas. Os gêneros são flexíveis e
variáveis, sensíveis à realidade de seu tempo, permitindo mudanças, por isso são
relativamente estáveis.
Para Bakhtin (1992, p. 279): “Qualquer enunciado considerado isoladamente é, claro,
individual, mas cada esfera de utilização da língua elabora seus tipos relativamente estáveis
de enunciados, sendo isso que denominamos gêneros do discurso”.
A caracterização dos gêneros discursivos depende da situação de comunicação na qual
está inserido. Cada esfera de atividade humana está intrinsecamente ligada à utilização da
língua, que se manifesta em forma de enunciados numa situação real de comunicação.
O enunciado não se resume em frases ou em outros componentes do sistema
lingüístico. Ele caracteriza-se por uma série de elementos: conteúdo temático, forma
composicional e estilo. O conteúdo temático é o objeto do discurso do enunciado, isto é, o
assunto relacionado ao momento sócio-histórico-cultural. O estilo está vinculado ao tema e
refere-se à seleção dos recursos verbais ou extra-verbais que compõem o enunciado. A forma
composicional está ligada à relação dos participantes na situação de comunicação e aos
procedimentos para organização do enunciado, delimitando seu começo, meio e fim. Esses
elementos fundem-se no enunciado completo, marcando a especificidade de cada esfera.
Enquanto os estudos lingüísticos estruturalistas limitavam-se na representação de dois
parceiros da comunicação verbal: o locutor e o ouvinte, sendo o locutor representante do
processo ativo e o ouvinte representante do processo passivo, Bakhtin (1992) apresentava uma
forte crítica em relação à representação, mostrando que o esquema (locutor/ ouvinte) não
representa o todo real da comunicação. Em suas palavras:
34
Ignorar a natureza do enunciado e as particularidades do gênero que assinalam a
variedade do discurso em qualquer área do estudo lingüístico leva ao
formalismo e à abstração, desvirtua a historicidade do estudo, enfraquece o
vinculo existente entre a língua e a vida. A língua penetra na vida através dos
enunciados concretos que a realizam, e é também através dos enunciados
concretos que a vida penetra na língua. (BAKHTIN, 1992: p.282)
Todo enunciado é uma produção de linguagem realizada num momento único e, para
tornar-se concreto, é necessária uma atitude responsiva ativa, a qual pressupõe que o
enunciado não existe sozinho, pois é delimitado pela alternância dos sujeitos: o enunciador e o
co-enunciador. Esses dois parceiros da comunicação estabelecem uma relação dialógica da
linguagem, a qual não acontece somente entre eles, mas também entre outros enunciados
(anteriores ou futuros), formando assim uma corrente de enunciados. É essa atitude
responsiva que torna o enunciado concreto num contexto sócio-histórico. Para Bakhtin, o
“enunciado é um elo da cadeia muito complexa de outros enunciados” (BAKHTIN, 1992, p.
291). Como explica Rodrigues (2005, p. 155): “o nosso dizer é uma reação-resposta a outros
enunciados”. Segundo Barros (2003, p.3), o dialogismo resulta da interação verbal
estabelecida entre o enunciador e o enunciatário no espaço do texto. A autora explica que o
dialogismo pressupõe o papel do outro na construção do sentido, pois “nenhuma palavra é
nossa, mas traz em si a perspectiva de outra voz”. Ela concebe o dialogismo como princípio
constitutivo da linguagem e a condição necessária para o sentido do discurso e destaca, ainda,
que é importante observar que para Bakhtin o texto tem estrutura própria e integra a realidade
social com a organização lingüística, sendo assim importante considerar as relações do texto
com a sociedade.
Fiorin (2006) propõe três maneiras possíveis de compreender a concepção dialógica da
linguagem proposta na obra bakhtiniana: a) como funcionamento real da linguagem – todos os
enunciados constituem-se a partir de outros, ou seja, o sujeito é atravessado pelas vozes de
outrem; b) o enunciador incorpora a voz ou as vozes de outro no enunciado, podendo ser
demarcado através de certos recursos lingüísticos (discurso direto, discurso indireto, aspas ou
negação); ou não-demarcado, ocorrendo de modo mais sutil, através de discurso indireto livre,
de polêmica clara ou velada, de paródia, de estilização e de estilo; c) o sujeito age em relação
aos outros – trata-se da constituição do indivíduo e seu princípio de ação - a apreensão do
mundo é situada historicamente, pois o sujeito está sempre se relacionando com o outro. O
sujeito é constitutivamente dialógico, pois apreende as vozes sociais que constituem a
realidade na qual está inserido.
Outra característica dos gêneros discursivos refere-se ao seu modo de representação,
ou seja, à sua multimodalidade. Segundo Dionísio (2005, p.161), os gêneros discursivos são
35
considerados multimodais, porque “quando falamos ou escrevemos um texto, estamos usando
no mínimo dois modos de representação: palavras e gestos; palavras e entonações, palavras e
imagens; palavras e tipográficas; palavras e sorrisos; palavras e animações etc.”. A articulação
desses modos de representação é importante para identificar a intenção do ato de comunicação,
bem como as intenções subliminares do discurso.
Atualmente o surgimento de novos gêneros está voltado à comunicação e, com o
avanço da tecnologia, novos recursos visuais são apresentados, fazendo-se necessário o estudo
de alguns deles, como por exemplo, a manipulação gráfica, as novas formas de escrita e a
rápida propagação da informação, as quais se dão por meio dos gêneros da mídia e dos
gêneros da internet. Dessa forma, dependendo da sofisticação dos recursos utilizados e do
suporte no qual o gênero é apresentado, diferentes letramentos são exigidos (DIONÍSIO,
2005).
Todos os gêneros discursivos escritos são veiculados por meio de um suporte. O
suporte pode ser entendido como o material em que se escrevem os gêneros discursivos. Esse
suporte pode ser uma folha de papel, uma embalagem, um outdoor , uma parede, uma lousa
ou até mesmo um pára-choque de caminhão. No entanto não é uma tarefa tão simples assim
definir o que é ou não um suporte, pois nem sempre é fácil identificá-lo.
Em princípio identifica-se como suporte tudo aquilo que sustenta ou transporta o
gênero discursivo nas esferas sociais, mas de acordo com as reflexões de Marcuschi (2003)
sobre suporte, essa idéia mostra-se um tanto quanto simplista. Segundo o autor, suporte é um
espaço físico no qual o texto materializado é exposto numa determinada esfera social com um
propósito comunicativo específico. A idéia principal de sua reflexão não é classificar os
suportes, mas sim identificar como eles contribuem na formação do gênero. Sendo assim, o
suporte não serve para determinar o gênero, mas, em alguns casos, exerce uma forte
influência sobre o gênero. Marcuschi (2003) exemplifica essa influência usando o seguinte
texto e a explicação abaixo:
“Paulo, te amo, me ligue o mais rápido que puder.
Te espero no fone 55 44 33 22. Verônica .”
Se este texto estiver escrito num papel colocado sobre a mesa da pessoa indicada
(Paulo), pode ser considerado um bilhete; se remetido pelos correios num formulário próprio,
pode ser um telegrama; e se exposto num outdoor pode ser uma declaração de amor. O certo é
que o conteúdo não muda, mas o gênero é sempre identificado na relação com o suporte.
36
Nesse caso é possível perceber a estrita relação de sentido que é estabelecida entre o
gênero e o suporte. A utilização de ambos está intrinsecamente relacionada com o propósito
comunicativo da situação de comunicação expressa.
Para compreender de fato o que são os gêneros discursivos, é importante não
confundir “gênero de texto” com “tipo de texto”. As nomenclaturas se confundem, mas são
idéias completamente diferentes. Segundo Marcuschi (2007), o tipo textual se caracteriza por
sua materialidade lingüística (aspectos lexicais ou sintáticos). São tipos textuais as seqüências
tipológicas narrativas, descritivas, injuntivas, expositivas ou argumentativas. O gênero é
formado por vários tipos de texto. Não é a forma que cria o gênero, mas sim a sua função, seu
estilo, sua temática e, acima de tudo, sua relação com a situação de interação social. Em
outras palavras, o que caracteriza o gênero é sua interação com o mundo. O gênero discursivo
é a própria linguagem em uso.
Na abordagem enunciativa da linguagem, é importante reconhecer a diferença entre
unidade da língua e unidade do discurso. A unidade da língua é objeto de estudo do
estruturalismo e refere-se ao estudo dos elementos fonéticos, morfológicos, sintáticos e de
suas relações semânticas ou lógicas. Ao contrário do estruturalismo, o objeto de estudo
bakhtiniano é a unidade do discurso ou unidade real da comunicação. Segundo Marcuschi
(2007), o discurso é aquilo que um texto produz ao se manifestar em alguma instância
discursiva, e o texto é uma entidade concreta realizada materialmente e corporificada num
gênero textual. Portanto a concepção enunciativa ou discursiva da linguagem parte do
princípio de que toda produção de linguagem (verbal ou não-verbal), situada num contexto
social, é um enunciado. Essa é a perspectiva da abordagem sócio-histórico-cultural-ideológica
da linguagem.
Pelo que foi citado até aqui, é possível perceber que para a formação de um leitor
proficiente ou crítico é necessário não só o entendimento dos mecanismos da língua, como
também a capacidade de estabelecimento de relações do texto com o contexto sócio-histórico
e com enunciados anteriores. Essa conclusão é coerente com o que já vem sendo definido nas
últimas décadas como leitura crítica, ainda que os autores não se baseassem necessariamente
em pressupostos teóricos advindos da Lingüística.
O jornal é um produto da esfera jornalística e veicula muitos gêneros discursivos
diferentes. A primeira página do jornal também traz gêneros discursivos específicos que nos
interessam particularmente nesta pesquisa e serão definidos na próxima seção.
37
1.4 Os gêneros discursivos da primeira página do jornal
A partir das concepções teóricas bakhtinianas abordadas sobre gêneros discursivos,
observa-se que o jornal é um suporte de vários gêneros jornalísticos diferentes e que a
primeira página do jornal é uma parte desse suporte. Marcuschi (2003) acredita nessa idéia e
afirma que os gêneros veiculados no jornal são típicos e recebem algumas características em
função do suporte. O autor ainda acrescenta que os textos sempre se fixam em algum suporte
pelo qual atingem a sociedade. É o caso do jornal. Ele veicula vários gêneros como: notícias,
reportagens, editoriais, artigos, entrevistas, charge, tiras de história em quadrinhos, receitas
culinárias, classificados, anúncios e outros.
A primeira página apresenta gêneros discursivos específicos tais como: o cabeçalho, a
manchete, as chamadas, a fotomanchete, o sumário, a charge, a previsão meteorológica e, em
alguns casos, embora não seja um gênero jornalístico, a propaganda.
Podem ser observados a seguir quantos gêneros a primeira página pode apresentar a
partir do exemplo de um jornal.
Chamadas
Propaganda
Fotomanchete
Índice
Previsão de tempo
Manchete
Cabeçalho
(local, data, ano,
número da
publicação e preço)
Chamadas
Chamadas
Propaganda
Fotomanchete
Índice
Previsão de tempo
Manchete
Cabeçalho
(local, data, ano,
número da
publicação e preço)
Chamadas
38
De acordo com os pressupostos teóricos sobre gêneros discursivos, como os citados
por Bakhtin (1992), Marcuschi (2003; 2007), Fiorin (2006), Dionísio (2005), Rodrigues
(2005) e Barros (2003) constatamos que cada um dos elementos da primeira página é um
gênero discursivo diferente, pois cada um deles caracteriza-se por determinados elementos
composicionais, temática, estilo e propósito comunicativo específicos. Cada gênero estabelece
um tipo de comunicação relacionado diretamente aos propósitos comunicativos do enunciador
e a seu público-alvo.
É constitutivo da manchete, por exemplo, apresentar-se na parte superior da página
com letras grandes e destacadas, conforme Martins Filho (1997). Esse aspecto está associado
ao propósito comunicativo desse gênero, que é dar destaque a uma determinada matéria do
jornal e chamar a atenção do leitor. As chamadas, por outro lado, podem apresentar tamanhos
variados e configurações diversas, compondo-se de título, texto e indicação da página; ou
somente de título e indicação da página ou ainda título, texto, foto e indicação da página.
Nesta pesquisa, serão analisados detalhadamente os principais gêneros jornalísticos da
primeira página de um jornal: a manchete, a fotomanchete, a chamada e a charge. Todos eles
serão caracterizados no capítulo a seguir.
1.5 Aspectos teóricos a sem considerados nas atividades de leitura em sala de aula
A partir dos conceitos expostos sobre a concepção sócio-cognitiva de leitura, uma
abordagem que nos oferece possibilidade de trabalhar com o desenvolvimento de estratégias e
procedimentos de leitura numa perspectiva sócio-discursiva da linguagem, especificamente
pela vertente bakhtiniana e que facilita a compreensão leitora por passar por alguns estágios,
como o processo de decodificação, o estabelecimento de objetivos, a previsão e as inferências;
e sobre a concepção bakhtiniana de linguagem – dialogismo e gêneros discursivos – a qual
preconiza que a sociedade é organizada por inúmeras esferas sociais, cuja língua se efetua em
forma de enunciados e cada esfera social é um grupo específico de atividade humana na qual
são produzidos vários gêneros discursivos (formas típicas de enunciados que se realizam com
finalidades específicas nas diferentes situações de interação social). Destacamos os seguintes
aspectos teóricos que devem ser considerados pelo professor:
1) Contextualizar o(s) gênero(s) a ser lido de acordo com o momento sócio-histórico de
produção e recepção daquele(s) gênero(s): identificar o gênero discursivo e o suporte,
o autor, o público-alvo e o propósito comunicativo. Isso decorre da concepção
39
bakhtiniana da língua e da abordagem sócio-cognitiva de a leitura que valoriza muito o
conhecimento prévio do leitor com o qual ele interage com o texto
3
;
2) Iniciar uma leitura rápida do(s) gênero(s) explorando os aspectos mais salientes do
texto como a imagem, a diagramação, as cores entre outros;
3) Estabelecer alguns objetivos de leitura - por meio de perguntas - a serem atingidos a
partir da curiosidade alcançada pelos alunos/leitores;
4) Propor uma discussão crítica sobre a leitura e as relações dialógicas que são
estabelecidas pelo(s) texto(s) lido(s) com outros discursos (polêmicas, interesse da
sociedade, o que tem sido falado nos ambientes sociais – presente e passado).
Esses aspectos contribuem significativamente para que o aluno/leitor gradualmente atinja
alto grau de proficiência leitora e criticidade.
3
Neste trabalho entendemos texto como uma manifestação concreta de algum gênero
discursivo constituído de elementos verbais e não verbais.
40
CAPÍTULO 2
O JORNAL E A LEITURA DA PRIMEIRA PÁGINA
2.1 Apresentação do capítulo
Nesse capítulo serão abordadas a leitura do jornal com enfoque nas características
principais do jornalismo impresso, nos elementos composicionais da primeira página do
jornal, no fotojornalismo e especificamente nos gêneros discursivos: chamada, manchete,
fotomanchete e charge.
2.2 O jornalismo impresso
Aparentemente os jornais trazem relatos dos fatos tal como acontecem na realidade, no
entanto um estudo mais detalhado sobre o fazer jornalístico nos mostra que não é exatamente
assim. O jornalismo impresso é produto de uma série de discussões que começa no meio
social, passa pela redação de um jornal, vira notícia para a população no dia seguinte e, assim,
se torna pauta de discussão na conversa entre as pessoas, como explica Barros Filho (1999).
Cada um dos profissionais da área do jornalismo como redatores, fotógrafos,
repórteres, editores, dentre outros, é responsável pelo modo como serão veiculados os
acontecimentos. Contudo, todo jornal segue uma linha editorial que deve ser respeitada por
todos os profissionais envolvidos na sua elaboração. A linha editorial obedece a um jogo de
interesses, seja pela venda do produto (o jornal) ou por interesses políticos. Dessa forma, o
relato do fato se dá por uma determinada perspectiva, obedecendo a propósitos específicos.
Segundo Charaudeau (2006), o propósito é o objeto de compartilhamento do ato de
comunicação que varia de situação para situação e de pessoa para pessoa e este, por sua vez,
está intrinsecamente relacionado ao universo de discurso e ao acontecimento. Nesta pesquisa,
entende-se por universo de discurso as formações ideológicas que originam um discurso
(crenças, convenções, etc.) e dão condições à produção do enunciado, conforme Dubois
(2001).
Em outras palavras, o propósito está vinculado à maneira como são estabelecidas as
relações entre as pessoas e o mundo.
41
No caso do jornalismo, Clóvis (1980) explica que a imprensa vive de fatos ocorridos
num mesmo dia, do debate e da análise dos acontecimentos, estabelecendo-se dessa maneira
uma pauta, mas a pauta, existente tanto em jornais como em revistas, apresenta algumas
limitações. A primeira delas é que, muitas vezes, ela é elaborada em função do que os
próprios jornais publicam, enfocando temas recorrentes tanto no jornal e como na televisão; a
segunda reflete a idealização das pessoas que compõem a redação do jornal; e a terceira é
quando a pauta é elaborada por um pequeno grupo de profissionais, especificamente de
editores, ficando de fora os repórteres e os redatores que são os que realmente elaboram e
colhem a notícia. O autor explica que essa deficiência de pauta está ligada ao crescimento do
quadro profissional de grandes jornais e revistas.
Para Rossi (1980) no jornalismo existe o “mito da objetividade”, pois teoricamente a
imprensa deveria posicionar-se com neutralidade, deixando as conclusões como incumbência
do leitor. Ele explica que, o jornalismo no Brasil segue esse mito e que para atingir essa
suposta objetividade, a imprensa procura expor os dois lados de um mesmo assunto. Embora a
prática jornalística obedeça a esse princípio, o autor defende a idéia de que não é possível um
jornalista ser neutro, pois cada um tem suas impressões particulares do mundo e essas
impressões estão intrinsecamente relacionadas à formação cultural e ao conhecimento prévio
de cada um.
Enquanto Rossi (1980, p.9) define o jornalismo como “uma fascinante batalha pela
conquista das mentes e corações de seus alvos: leitores, telespectadores ou ouvintes”. Para
Noblat (2008) o jornal seria uma forma de expressar a consciência crítica de um grupo social
em determinado período de tempo. De acordo com essa perspectiva, ele acredita que o
jornalista tem quatro deveres básicos: com a verdade, com o jornalismo independente, com os
cidadãos e com sua própria consciência.
A empresa jornalística, por sua vez, pretende arrebanhar o maior número de leitores
possível conquistando a confiança e a credibilidade por parte deles e, para atingir tal objetivo,
utiliza-se de artifícios e assume posições que fazem parte do perfil do seu público-alvo. Por
esse motivo, muitas vezes, o jornal afasta-se da sua função social em função do fator
mercadológico, é o que ressalta Noblat (2008). De acordo com ele, os jornais que se afastarem
do cunho social e não acompanharem as mudanças do mundo com a devida relevância social
dos fatos estão fadados a morrer.
2.3 Como um acontecimento vira notícia ou reportagem
42
Lage (2006) define notícia como um relato de uma série de fatos a partir do fato mais
importante. O autor explica que a estrutura da notícia é lógica, obedecendo à fórmula do
“Quem fez o que, onde, quando e por que”, e o critério de importância ou interesse envolvido
em sua produção é ideológico, atendendo a fatores psicológicos, comportamentos de mercado,
oportunidade etc.
Erbolato (2002) também afirma que os critérios para a seleção de uma notícia variam
de acordo as empresas jornalísticas, pois cada uma delas tem seus critérios e preferências por
determinados assuntos. O tratamento dado a uma notícia também pode variar segundo a
empresa jornalística e o público a que é destinada. De acordo com o autor, a escolha das
notícias obedecem aos critérios relacionados a: proximidade, marco geográfico, impacto,
proeminência, aventura e conflito, conseqüências, humor, raridade, progresso, sexo e idade,
interesse pessoal, interesse humano, importância rivalidade, utilidade, política editorial do
jornal, dinheiro, expectativa ou suspense, originalidade, culto de heróis, descobertas e
invenções, repercussão, confidências.
Para compreender melhor como um acontecimento vira notícia ou reportagem – caso
seja abordado de forma mais detalhada e aprofundada –, recorremos a Charaudeau (2006). Ele
explica que o acontecimento é uma visão social do mundo e é uma questão freqüentemente
mal colocada no domínio das mídias, pois o acontecimento aparece definido de várias formas:
a) como todo fenômeno produzido no mundo; b) como todo fato que está fora da ordem
habitual; c) como uma novidade ou diferente dela; d) como um dado da natureza ou como
algo provocado. O acontecimento, portanto, é visto sob várias perspectivas, mas o que há em
comum em todas elas é que o acontecimento é algo que foge ao habitual, algo que se
contrapõe a um estado atual das coisas.
Assim, adotando a concepção de acontecimento como algo que foge ao estado natural
das coisas ou mesmo como um evento diferenciado dentro de hábitos rotineiros, podemos
entender porque é possível um acontecimento, mesmo que pequeno, virar notícia.
Seguindo essa perspectiva, Charaudeau (2006) define o mecanismo de construção de
sentido do discurso como resultante de um amplo processo de transformação e transação.
Esses dois processos têm uma relação dialética, entre o “mundo a comentar” e “mundo
comentado”. O primeiro termo refere-se ao acontecimento bruto, aquele que não sofreu
nenhuma interferência, e passa pelo trabalho de construção de sentido de um sujeito de
enunciação. Posteriormente tal acontecimento constitui-se em “mundo comentado”, é quando
o acontecimento já sofreu interferências do sujeito e a notícia é constituída em função do
receptor e como ele vai reinterpretá-la.
43
Em suas palavras,
O acontecimento se encontra nesse “mundo a comentar” como surgimento de
sua fenomenalidade que se impõe ao sujeito, em estado bruto, antes de sua
captura perceptiva e interpretativa. Assim sendo, o acontecimento nunca é
transmitido a instância de recepção em seu estado bruto; para sua significação,
depende do olhar que se estende sobre ele, olhar de um sujeito que o integra
num sistema de pensamento e, assim, o fazendo tornar inteligível.
(CHARAUDEAU, 2006, p.95)
Isso significa que o relato de um acontecimento não é neutro, ele é construído a partir
a percepção de alguém. De acordo com o autor, a significância do acontecimento se dá a
partir da percepção-captura-sistematização-estruturação, isto é, o sujeito percebe um
acontecimento, se apropria dele, o estrutura e estabelece uma significação segundo seu
entendimento. A percepção e a significância do acontecimento dependem de como o sujeito
interpreta o mundo, “depende do olhar que o sujeito humano lança sobre esse fato, ou seja, as
redes que ele estabelece, através de sua própria experiência, entre diversos sistemas de
pensamentos e crenças” (CHARAUDEAU, 2006, p.99). É por meio da experiência do sujeito
que são estabelecidas as relações entre o sujeito e mundo que o cerca e, assim, são articulados
valores e crenças diversos.
No caso da mídia, Charaudeau (2006) explica que o acontecimento é selecionado e
construído em função de alguns potenciais:
de “atualidade” - relacionado às estratégias que levarão a mídia a expor um
acontecimento contemporâneo e atual;
de “socialidade” - um acontecimento que circunda a vida do indivíduo na
sociedade em que ele vive;
de “imprevisibilidade” - relacionado ao fato de o acontecimento ser algo
notável, que chame atenção do público e se destaque.
Dessa forma, o autor acredita que o propósito da informação midiática enquadra-se no
processo evenemencial, ou seja, como o acontecimento aflora dentro da sociedade e direciona
essa idéia para o que é a “notícia”. Em suas palavras,
O propósito recorta o mundo em um certo número de universos de discurso
tematizados, transformando-os em rubricas, tratando-os segundo critérios de
atualidade, de socialidade e de imprevisibilidade, assegurando-lhes assim uma
visibilidade, uma publicização, e produzindo um possível efeito de captação.
(CHARAUDEAU, 2006, p. 103)
Podemos observar, portanto, que o acontecimento que chega para nós em forma de
notícia ou reportagem carrega várias marcas de subjetividade. Tudo que é veiculado pela
44
mídia é intencional e desse conteúdo se espera uma determinada reação por parte do leitor. O
leitor, por sua vez, se apropria da informação e debate com outras pessoas os assuntos que
estão em destaque num determinado momento.
Por meio das influências da mídia e das discussões que circundam a sociedade,
podemos perceber como a opinião pública é formada. Para Charaudeau (2006), a opinião
pública é o contrato de comunicação midiático que gera um espaço público de informação e é
nesse quadro que se constrói a opinião pública. Nesse contexto, a informação é noticiada num
determinado espaço social, onde as pessoas recebem a dada informação e compartilham ou
não com o ponto de vista adotado pela mídia. A mídia, portanto, exerce uma forte influência
na opinião das pessoas, formando assim uma opinião pública.
Segundo Ricoeur (1983 apud CHARAUDEAU, 2006, p.121), a opinião é “reunir
elementos heterogêneos e associá-los ou compô-los segundo a lógica do necessário ou do
verossímil”. Isso significa que a opinião depende de o sujeito aceitar ou não um dado
acontecimento como verdade, por meio de uma atividade de reflexão. Por esse motivo, de
acordo com Charaudeau (2006), a opinião pública consiste na união de duas atividades
reflexivas: a opinião e a apreciação. A primeira está voltada à avaliação inteligível, a qual se
relaciona com o contexto sociocultural (onde predominam determinados valores e crenças
presentes num grupo social em que o sujeito vive). A segunda é avaliativa e está relacionada à
reação afetiva, às reações do sujeito sobre um determinado acontecimento: como ele se
identifica e compartilha da mesma opinião; como ele apóia um senso comum; como ele
reconhece, mas não apóia as idéias apresentadas.
2.4 O poder da mídia de trazer assuntos para a discussão da sociedade
De acordo com Barros Filho (1999), as informações veiculadas no jornal apresentam
uma gama de assuntos que fazem parte da pauta de discussão do momento histórico de uma
sociedade. A mídia tem o poder de impor uma opinião e estabelecer uma pauta de discussão.
Segundo o autor, esse é o efeito de agenda setting. Um conceito que, ao pé da letra,
significa fixação de agenda. “É a hipótese segundo a qual a agenda temática dos meios de
comunicação impõe os temas de discussão social. Em outras palavras, as pessoas discutem
prioritariamente sobre temas abordados pelos meios de comunicação” (BARROS FILHO,
1999, p.11). De acordo com essa perspectiva, os assuntos, as conversas ou discussões entre as
pessoas surgem em função do que a mídia veicula, ou seja, as conversas do nosso dia-a-dia
são pautadas pelo conteúdo exposto em qualquer veiculo midiático, seja televisivo, rádio,
45
impresso, virtual (internet) dentre outros. Quantas vezes não nos pegamos conversando com
alguém e perguntamos: “Você assistiu o jornal de ontem?”, “Você viu o que passou na
televisão falando a respeito de...?”, “Na internet estava escrito que...”, “Eu li no jornal uma
notícia falando sobre...”. São exemplos de algumas perguntas e comentários que
desencadeiam longas conversas pautadas no assunto veiculado pela mídia. Comprovamos
assim como os meios de comunicação realmente influenciam as nossas conversas.
A primeira página do jornal não é diferente e se enquadra exatamente nessa situação,
pautando a conversa das pessoas no dia-a-dia. Podemos observar logo pela manhã pessoas
simplesmente passando em frente a uma banca de revistas e jornais. Elas detêm-se minutos
olhando a primeira página do jornal e logo em seguida chegam ao trabalho ou em casa
comentando sobre o que estava naquele dia como manchete na primeira página ou ainda sobre
a fotografia que estava ali, se era do seu time que venceu uma partida no dia anterior ou se era
do time perdedor, se era um político corrupto ou se era uma estrela da televisão e como o
jornal estava se referindo a tudo isso.
Barros Filho (1999) explica que a recepção é uma etapa intermediária entre a difusão e
os comentários do dia seguinte, ou seja, para o assunto tornar-se pauta de discussão antes de
mais nada ele passa pelo receptor, no caso o leitor. O assunto passa pelo leitor e assim esse é
marcado pela subjetividade do sujeito e, somente depois disso, o assunto vira pauta de
discussão, ou seja, o assunto sofre interferência por parte do leitor. Num esquema simples
esse processo poderia ser representado da seguinte forma:
Percebe-se o que o autor nos afirma: “Cada receptor, antes de comentar o que viu,
ouviu ou leu, marca o produto da mídia com sua subjetividade tornando-se um co-autor.
Portanto a incidência da recepção de cada um na agenda do grupo social é evidente.”
46
(BARROS FILHO, 1999, p.11). Segundo o autor, o receptor condiciona o agenda setting e
por isso ele não ocorre da mesma forma para todos os indivíduos, no entanto cabe ressaltar
que a influência sofrida pelo assunto por meio da subjetividade do leitor não exclui a idéia de
fixação de agenda. Apesar de o receptor influenciar o assunto, a mídia continua impondo os
assuntos e, como comenta Barros Filho (1999), ela fixa o que vai ser discutido, quando, como
e por quem. O que acontece é que, dependendo do grau de interesse ou de dúvidas
manifestadas pelo receptor, o agenda setting se desdobra para vários caminhos, pois a fixação
de agenda depende de um processo composto por quatro etapas: a) de como se dá a recepção
– o receptor seleciona e escolhe a qual produto mediático quer se expor; b) da atenção
prestada ao produto mediático – é uma atividade cognitiva que envolve o ato de concentração
e de reflexão; c) da percepção da compreensão – etapa correspondente a seleção, organização
e interpretação de dados para a atribuição de sentido; d) daquilo que o receptor retém –
elementos que ficam registrados na memória do receptor e ficam estocados até serem
mencionados em uma discussão. É a partir desse processo que se constitui a discussão
colocada em pauta num determinado grupo social.
Barros Filho (1999) comenta que, para educadores e pedagogos, o efeito de agenda
setting deve ser usado na escola de maneira direcionada através de uma recepção dirigida a
fim de desenvolver um espírito crítico nos alunos em relação às informações veiculadas pela
mídia.
2.5 O jornal na escola
De acordo Barros Filho (1999), o uso das informações veiculadas no jornal traz para
sala de aula uma gama de assuntos que fazem parte da pauta de discussão do momento
histórico de uma sociedade. Ele explica que isso traz um fim pedagógico para o efeito de
agenda setting e alerta:
É preciso que o aluno saiba que o jornal é fruto de um conjunto de escolhas e
seleções arbitrárias. O texto informativo, como qualquer enunciado, é um
processo específico de individualização da linguagem enquanto código de
significação. Quando um jornalista redige uma matéria, materializa um processo
ininterrupto de escolhas, de eliminações que acabam constituindo uma
mensagem entre uma infinidade de possibilidades preteridas. Além das escolhas
estritamente formais de sintaxe, de léxico, opera-se uma seleção temática.
(BARROS FILHO, 1999, p.30)
O autor ressalta que
47
O estudo da mídia na escola não deve se limitar nem a exaltação de suas
virtudes informativas nem a uma crítica de seus supostos efeitos nefastos. Deve
também e, sobretudo, oferecer ao aluno esclarecimentos complementares ao
próprio conteúdo dos meios: sobre o processo de produção, difuso e recepção
das mensagens por eles veiculadas. (BARROS FILHO, 1999, p.32)
O estudo do material informativo deve ser epistemológico, de método (ou seja,
neste caso, relativo ao conhecimento do processo de comunicação) e não
temático. Se o objetivo é a discussão e o desenvolvimento do espírito crítico, é
inútil transformar o aluno num deglutidor hipocondríaco de pílulas
informativas.” (BARROS FILHO, 1999, p.33)
Uma das atividades sugeridas pelo autor para o trabalho com o jornal é a comparação
da pauta entre dois veículos concorrentes, ou seja, o professor deve sugerir a comparação
entre diferentes editorias em um dia. O autor esclarece que esse tipo de exercício permite ao
aluno constatar que o número de temas não coincidentes é quase sempre maior do que os
coincidentes e que o índice de coincidência temática varia em função da editoria. Desse
modo fica claro, que “cada jornal, embora se apresente para a sociedade como espelho da
realidade, constitui apenas um mundo possível, distinto de outros mundos possíveis
concorrentes” (BARROS FILHO, 1999, p.32).
Com isso o autor quer dizer que o uso do jornal em sala de aula deve ter objetivos
diferentes dos que vem sendo seguidos atualmente. Não basta o aluno fazer a leitura de um
jornal como faz a leitura de um material de pesquisa. A finalidade do trabalho de leitura com
o jornal em sala de aula é ampliar os horizontes dos alunos, mostrando a eles que as
informações ali apresentadas não são verdade absoluta e sim algumas maneiras de ler o
mundo.
Um leitor crítico consegue perceber isso. No entanto, como o aluno talvez não tenha
maturidade nem experiência leitora suficiente para descobrir isso, cabe ao professor auxiliá-lo
nessa árdua tarefa.
2.6 Elementos composicionais da primeira página do jornal
A primeira página do jornal, objeto de estudo deste trabalho, é o portal de entrada para
a leitura de um jornal impresso. Consideramos a primeira página do jornal um elemento de
extrema importância, pois é por intermédio dela que o leitor tem o primeiro contato com o
relato dos acontecimentos selecionados pelo jornal. O leitor pode manifestar ou não o
interesse em ler o jornal e, como conseqüência, adquirí-lo. A primeira página, portanto, reúne
características particulares para que o leitor identifique o jornal; é uma espécie de vitrine que
chama a atenção do leitor para vender o produto.
48
Dependendo de como a primeira página do jornal é organizada, o leitor atribui um
sentido à notícia, estabelecendo um elo de comunicação. O leitor se identifica, concorda,
discorda, acata ou não a idéia ali veiculada. Já nesse primeiro contato é perceptível a forma
mais simples de relação dialógica da linguagem, idéia que, no capítulo anterior, foi destacada
mais detalhadamente.
Todos os elementos que compõem a primeira página passam por um processo de
seleção minucioso e estão intrinsecamente relacionados ao propósito comunicativo da
empresa jornalística que visa atingir um público específico. O tipo das letras, as cores, as
imagens e as fotos utilizadas são escolhidos intencionalmente para provocar no leitor as mais
diversas sensações.
Segundo Zanchetta e Faria (2007), a diagramação é a forma pela qual textos, fotos,
desenhos e outros elementos são dispostos na página do jornal. Na primeira página,
apresentam-se elementos que formam um conjunto disposto a fim de chamar a atenção do
público, um público especifico. Os autores acreditam que o projeto gráfico serve para atrair o
leitor e garantir harmonia no conjunto final de matérias, propagandas e outros elementos.
A diagramação, de acordo com esses autores, tem algumas funções. A primeira delas é
o componente estético, o qual está estreitamente relacionado com o poder de atrair o leitor. A
segunda refere-se à orientação do leitor e, por esse motivo, os cadernos são divididos por
temas e na primeira página de cada um deles há indicadores para localizar os assuntos assim
como cada assunto é destacado com um tipo de letra e tamanho, dependendo do grau de
importância do acontecimento, de acordo com a perspectiva do jornal. Sendo assim, o leitor
consegue identificar e se orientar na leitura por meio desses recursos gráficos. Outra função
da diagramação é mostrar ou esconder as opções políticas e mercadológicas dos jornais. Isso
acontece devido ao destaque dado a algumas reportagens e menor atenção para outras. Essa
diferença revela as opções, mesmo que a idéia básica da imprensa jornalística seja a
neutralidade.
Para dispor as informações na primeira página do jornal, os editores se utilizam de um
mapa de zona ótica. Esse mapa é um dos recursos usados pelos profissionais do projeto
gráfico e obedece a grafia ocidental, da esquerda para a direita. Conforme Zanchetta e Faria
(2006, p.76) explicam: “trata-se de uma espécie de roteiro por onde os olhos do leitor,
espontaneamente, tenderiam a passar na observação de uma primeira página de jornal”. Os
autores expõem um esquema de leitura baseado em Collaro (1996), o qual mostra o percurso
de leitura do leitor.
49
Nesse mapa da zona ótica, o olhar se inicia no canto superior à esquerda, passando
pelo centro de uma página e chegando ao canto inferior direito, ou seja, o olhar faz um
percurso na direção diagonal. O eixo diagonal é, portanto, a zona de maior interesse, onde se
encontram as principais informações e elementos a serem destacados. Os números da imagem
acima correspondem à zona ótica primária (1), a zona terminal (2) e as zonas mortas (3 e 4).
Silva (1985), apoiado em Arnold (1965), acrescenta nesse mapeamento mais dois campos, 5 e
6, que correspondem respectivamente ao centro ótico e ao centro geométrico. O centro ótico
situa-se acima do centro geométrico e varia de acordo com a dimensão da página. O centro
geométrico corresponde ao encontro das linhas diagonais.
1
2
3
4
1
2
3
4
5
6
50
Nessa perspectiva, a imagem representada abaixo demonstra como funciona a
diagramação da primeira página do jornal.
Zanchetta e Faria (2006) descrevem as características da diagramação da primeira
página do jornal:
As informações localizadas na parte superior são as que recebem maior destaque e,
inclusive, é a parte que fica à mostra na banca.
Devido ao fato de a leitura geralmente iniciar pela zona ótica primária, os jornais
geralmente colocam nesse espaço uma foto ou gráfico e uma coluna de texto.
A parte central é a região na qual o leitor detém maior atenção e, por esse motivo, o
jornal dispõe nesse espaço várias matérias.
A linha vertical serve como referência para o projetista gráfico dar equilíbrio na
disposição das matérias.
Como a zona 3 é considerada uma “zona morta”, uma das estratégias utilizadas pelos
jornais é estender o texto das manchetes ou a imagem até a o final do quadrante.
A zona terminal é considerada importante por ser o lugar onde o olho termina o
percurso na página.
Por ser a zona 4, menos visível, os jornais costumam colocar nesse espaço
informações como meteorologia, índice, indicadores econômicos ou de serviços. O
olhar passa a dar mais atenção a esse espaço se nele houver elementos que chamem
atenção, como por exemplo, uma fotografia.
dobra
pé-de-página
51
De acordo com os autores,
A combinação entre imagens e textos verbais tamm tem outras funções. Uma
regra da imprensa é a associação de temas. Notícias afins são colocadas perto
uma das outras. Por vezes, a associação entre notícias díspares também é
provocada, havendo certamente interesse do jornal em sugerir uma ou outra
interpretação ao leitor. Há ainda situações em que a proximidade das matérias,
intencional ou casualmente, estimulam associações problemáticas em termos de
sentido. (ZANCHETTA e FARIA, 2006. p.81)
Outro elemento que vem sendo utilizado nas primeiras páginas de jornais com bastante
freqüência é a infografia. Segundo Dionísio (2005, p.169), o infográfico “é uma das mais
sofisticadas formas de explicar complexas histórias ou procedimentos, porque combina
palavras com imagens, quando palavras apenas poderia ser cansativo para os leitores e a
imagem apenas seria insuficiente”.
Percebemos que o infográfico é um recurso prático de leitura, visando um
entendimento claro e rápido da informação. Lustosa (1996 apud ZANCHETTA e FARIA,
2006) afirma que esse recurso trata-se de uma “notícia plástica” que informa por meio de um
conjunto gráfico, composto por imagens e texto escrito. Os autores enfatizam que tal notícia
não é criada pelo repórter e sim pelo departamento de arte dos jornais.
Zanchetta e Faria (2006) enumeram algumas características da notícia infográfica: a)
texto verbal direto, sucinto, esquemático e, por vezes, telegráfico; b) a ilustração ou gráfico
pode se referir ao texto verbal específico ou ao conjunto das informações que se está
veiculando; c) existe a possibilidade de haver somente um texto esquemático sobre
determinado assunto (sem imagem), porém ele próprio torna-se uma ilustração por meio da
estilização (cores, disposição visual diferenciada, estilo das letras, etc); d) o conjunto
texto/imagem é apresentado de maneira didática: ordem cronológica ou de relevância dos
acontecimentos, distinção entre dois ou mais posicionamentos etc. O olhar do leitor é
direcionado através de setas ou pela disposição da informação na página (esquerda para
direita); e) a informação infográfica pode ser a única referência sobre um determinado assunto
ou pode vir acompanhando uma notícia, como uma síntese do assunto, cujo texto escrito é
mais longo.
Teixeira (2006, p.171-172) acredita que os infográficos podem ser considerados
modalidades do discurso jornalístico capazes de ampliar a qualidade da informação, mas isso
acontece somente quando eles ilustram de maneira informativa a singularidade do fenômeno
em discussão, contribuem para a melhor compreensão daquilo que é exposto pela matéria e
quando trazem dados complementares e fundamentais a informação que se pretende passar
52
através das notícias e reportagens”. A autora afirma que caso isso não aconteça a informação
passa a ser essencialmente didática, afastando-se das especificidades do jornalismo.
Segundo Teixeira (2006), os infográficos também podem ser prejudiciais ao leitor,
pois para lê-los é preciso que o leitor tenha capacidade de abstração e sistematização, o que
nem sempre é possível quando se fala para públicos leigos e sobre temas específicos.
Observa-se, portanto, que a leitura de infográficos também pressupõe habilidades de leitura de
um leitor proficiente, pois o leitor deve ser capaz de perceber a relação entre o acontecimento
veiculado pela notícia ou reportagem e o enfoque dado a tal acontecimento.
Como podemos perceber, a leitura crítica da primeira página de um jornal não é tão
simples como parece, pois é uma leitura que requer vários conhecimentos por parte do leitor.
A primeira página de um jornal não só comporta vários gêneros discursivos, como também
uma vasta gama de informações.
Um leitor proficiente da primeira página deve perceber como o jornal faz uso desse
mapa da zona ótica, ou seja, como o jornal elenca os assuntos numa determinada posição de
acordo com a importância atribuída a cada notícia. Como vimos, o jornal geralmente fica
exposto nas bancas dobrado ao meio e a parte superior fica exposta ao público. Nela estão
contidas as notícias consideradas quentes, aquelas de maior interesse público. Elas podem
variar bastante de um jornal para outro. Dependendo do assunto, o leitor perceberá se o jornal
está valorizando um político, se está dando mais ênfase para um assunto popular ou a
questões internacionais. Isso acontece porque a notícia é veiculada em função do seu público-
alvo.
A primeira página reflete as escolhas do jornal com relação aos fatos e à importância
atribuída a cada um deles. Essas escolhas também podem ser observadas no fotojornalismo,
assunto da próxima seção.
2.7 O fotojornalismo
Recentemente os textos não-verbais ganharam espaço no ensino de leitura. Percebe-se
que com o surgimento dos PCN um leque de possibilidades foi aberto para o ensino. Hoje é
comum os professores trabalharem em suas aulas com histórias em quadrinhos, charges ou
propagandas, gêneros discursivos em que a linguagem imagética é constitutiva. Até pouco
tempo atrás, a leitura de imagens e de outros códigos extra-verbais não era contemplada no
ensino de leitura porque o enfoque era no linguístico-textual e os textos, em sua maioria, eram
literários, por natureza constituídos apenas de elementos verbais. Por esse motivo, ainda hoje
53
se observa que, ao ensinar a leitura aos alunos, é comum alguns professores prenderem-se
exclusivamente à leitura do texto verbal. Deparamo-nos, assim, com o seguinte quadro: em
alguns casos, professores desconsideram a leitura de códigos extra-verbais e muitos deles
estão despreparados para lidar com a leitura desse tipo.
Como explica Faria (2001, p.216), isso acontece porque
Institucionalizados pelas classes hegemônicas no passar dos séculos e
introduzidos na escola burguesa desde o século XIX, a leitura dos professores –
em especial do curso de Letras – fecha-se em torno de textos escritos de
preferência da leitura erudita. Entretanto, nas últimas décadas as pesquisas da
lingüística abriram a leitura para outros tipos de texto, dentre os quais jornais e
revistas. Mas a formação dos professores de português continua ancorada
firmemente na valorização e na predominância do texto literário erudito-
excluindo-se de sua formação, além do mais, contato com a literatura para
crianças e jovens, as letras de canções, literatura popular e regional e a de massa.
Sem contar a exclusão da leitura do não verbal, quando presentes nos textos
escritos- além da mídia eletrônica.
Tendo em vista que a imagem é um elemento importante na leitura de muitos gêneros
discursivos e que, no jornalismo impresso, uma das imagens predominantes é a fotografia, nos
deteremos, nesta seção, no estudo da leitura do fotojornalismo, elemento presente também na
primeira página do jornal e de extrema importância nesse contexto. O estudo da leitura de
imagens para o trabalho em sala de aula é, segundo Faria (2001 p.217), uma necessidade, pois
essa é uma das leituras mais marginalizadas ou ignoradas nas práticas de leitura de livros,
jornais e revistas. A autora afirma que é necessário nos posicionarmos criticamente em
relação à imprensa e que “o aspecto visual na imprensa é um dos elementos básicos para sua
leitura crítica”.
Cada vez mais os jornais e as revistas estão presentes no cotidiano escolar, mas muitas
vezes esse material é pouco explorado, servindo apenas de material de pesquisa para recortes
de reportagens ou de imagens a serem utilizadas na elaboração de um mural presente na
escola e na sala de aula. Podemos observar que essa prática é bastante comum nas escolas.
A fotografia no jornalismo tem a função de ilustrar a notícia dando veracidade aos
fatos noticiados no jornal. No entanto, a fotografia pode transmitir aos leitores uma imagem
falsa. Falsa no sentido de que é possível manipular as imagens ou selecionar o que deve ser
fotografado. De acordo com O Globo (1992), as fotografias podem mentir e é obrigação ética
do jornalista vigiar para que isso não aconteça. Para isso devem ser seguidas algumas regras
de ética, como por exemplo: não é permitido o uso de qualquer truque laboratorial, a não ser
que o sujeito fotografado esteja ciente disso e, nesse caso, a foto será meramente ilustrativa;
se a foto veiculada no jornal for de arquivo, a legenda deve deixar claro que a foto não é do
54
dia; se houver fotos de pessoas inocentes em notícias sobre crimes, é um dever evitar que o
leitor confunda a pessoa inocente com o responsável pelo crime.
Por esse motivo, como explica Faria (2001), para uma boa leitura da imprensa é
necessário conhecer os três pilares da comunicação: as palavras, a imagem e a diagramação da
página.
Charaudeau (2006) afirma que não há imagem em estado puro na significação
televisiva, como poderia ser o caso em algumas criações figurativas da fotografia ou das artes
plásticas. Desse modo, podemos supor que a idéia de não-neutralidade tamm se aplica às
imagens apresentadas num jornal impresso, pois elas não passam de um recorte da realidade
que é escolhido intencionalmente pelo editor do jornal. Assim como Charaudeau (2006)
afirma que a imagem televisionada e a cinematográfica tem uma origem enunciativa,
podemos dizer que a imagem do jornalismo impresso também tem essa origem. Tomamos
para análise da imagem do fotojornalismo o que Charaudeau (2006, p.110-111) lembra sobre
a imagem televisiva e cinematográfica:
a imagem é suscetível de produzir três tipos de efeitos: um efeito de realidade,
quando se presume que ela reporta diretamente o que surge no mundo; efeito de
ficção, quando tende a representar de maneira analógica um acontecimento que
já passou (reconstituição); um efeito de verdade, quando torna visível o que não
era a olho nu (mapas gráficos, macro e micro tomadas de imagem em close-up,
que, ao mesmo tempos, desrealizam e fazem penetrar o universo oculto dos
seres e dos objetos).
Assim como a televisão pode criar a ilusão de que representa o mundo dos
acontecimentos tal qual ele é, conforme afirma o autor, acreditamos que o jornal impresso
também cria essa ilusão.
Devemos considerar que “os jornais apresentam uma elaborada organização de suas
páginas, sobretudo a primeira, em que o fotojornalismo tem um papel de maior importância”
(FARIA, 2001, p. 218). Isso acontece porque é por meio da primeira página do jornal que o
leitor vai se sentir atraído, emocionado, admirado ou indignado e a fotografia ali estampada
vai ser uma das principais ou mesmo a principal responsável por essa efusão de sensações no
leitor.
Constatamos assim que toda foto jornalística é selecionada com um determinado
propósito comunicativo e visa produzir um determinado efeito no leitor. Não é por acaso e
nem por ingenuidade que os jornais veiculam imagens que produzem as mais diversas
sensações no leitor.
Zanchetta e Faria (2007, p.114) explicam claramente porque isso acontece:
55
Toda foto jornalística é selecionada tendo em vista produzir no leitor um
determinado efeito, que pode se limitar ao referencial, em fotos documentais, ou
chegar ao emocional, passando, sobretudo pelo ideológico, seguindo as mesmas
funções da linguagem escrita. Tanto o efeito emocional como os componentes
ideológicos mexem com o leitor: enquanto o lado emocional da foto quer apenas
comover o leitor, sua carga ideológica (correspondente a função conativa da
linguagem) pretende influenciá-lo, “fazer-lhes a cabeça”.
De acordo com os autores, para analisar uma foto jornalística e interpretá-la é preciso
aliar dois tipos de leitura: a denotativa e a conotativa. A primeira refere-se a uma leitura mais
neutra dos elementos básicos e fundamentais da imagem e a segunda refere-se a uma leitura
mais interpretativa e avaliativa sobre as intenções do fotógrafo e do jornal ao veicular a
imagem. Somente depois que são analisados os aspectos descritivos e formais da imagem é
que realmente se passa para a interpretação.
Segundo Zanchetta e Faria (2007), a interpretação passa pelos seguintes aspectos: o
efeito produzido e o alcance da imagem. O efeito produzido refere-se à percepção imediata da
fotografia atrelada a idéia de ineditismo, objetividade, expressividade e impacto. O alcance da
imagem refere-se ao que ocasiona tal fotografia no receptor, podendo despertar discussões e
levar a interpretações além da imagem. Os autores lembram que quando se trata de um
assunto político e social, as fotos são expressivas e revelam referências ideológicas explícitas
ou subliminares Eles ainda enfatizam que essa é a parte da análise importante para
desenvolver o espírito crítico nos alunos.
É importante os alunos perceberem que a fotografia é um recorte da realidade
representada pela imprensa, ou seja, o fotógrafo escolhe exatamente o ângulo, o foco, o
momento da cena que ele quer veicular e essa escolha está intrinsecamente relacionada ao
propósito comunicativo da empresa jornalística. Faria (2001, p.219) afirma que cada
participante envolvido na elaboração da informação (redatores, repórteres, fotógrafos,
testemunhas, editores, entre outros) “faz um recorte do fato e o reconstrói em outro”. Isso
quer dizer que a foto jornalística é uma versão construída a partir da percepção dos
profissionais envolvidos na elaboração da matéria jornalística, seja ela notícia, reportagem ou
chamada de primeira página.
Marcondes (1993 apud FARIA 2001, p.220) afirma que “o jornalismo não é neutro e
nem objetivo” e, para compreender a mensagem ou a idéia presente nas fotografias, é preciso
saber quais “os elementos técnicos relativos à composição, como planos (close, plano médio
etc.), as linhas dominantes (retas, diagonais, curvas) e as formas básicas (ângulos, círculos,
triângulos) que organizam o seu ritmo, o movimento, a luz, a cor, entre outros, além do
aspecto externo: o lugar que ocupa na página do jornal.”
56
Zanchetta e Faria (2007) lembram que os componentes óticos e químicos do aparelho
fotográfico, como lentes, filtros, sensibilidade, modos de revelação, entre outros, bem como
as técnicas de enquadramento, planos e uso da luz, interferem diretamente no resultado das
fotos. Os autores definem a foto jornalística como uma “visão de um fato que o fotógrafo e os
editores do jornal nos apresentam, ou seja, “uma imagem segunda” de uma realidade que nos
chega filtrada pelo ponto de vista do jornal impresso” (ZANCHETTA e FARIA, 2007, p.93).
A leitura de uma foto jornalística é diferente da de um texto escrito. Ela é uma leitura
não linear, ou seja, o olhar percorre a imagem por diferentes direções, orientado pelas
características que lhe chama mais atenção.
Segundo Faria (2001), as fotos colocadas na primeira página do jornal são as mais
expressivas, espetaculares ou informativas, conforme o fato noticiado ou reportado.
Como explicam Zanchetta e Faria (2007, p. 94), o fotojornalismo é um gênero
específico, sendo uma das variáveis da informação. “A foto se articula não só com o texto
escrito, os títulos e as legendas que a contextualizam, como ainda é complementada pelo lugar
que ocupa na diagramação da página (dimensão da foto, localização no jornal: primeira
página ou interior) e o destaque que tem na própria página”. Segundo os autores, a leitura, a
análise e a interpretação de uma foto jornalística são atividades extremamente ricas para
serem feitas em sala de aula e, além disso, contemplam as recomendações referentes ao
conhecimento e às práticas de linguagem recomendadas nos PCN.
2.7.1 Elementos do fotojornalismo
Como já foi mencionado anteriormente, para ser capaz de ler criticamente e atribuir
sentido à imagem da fotografia jornalística, é necessário, antes de mais nada, analisar os
elementos composicionais da fotografia e esses, por sua vez, estão intrinsecamente
relacionados como a expressividade do fotojornalismo.
Zanchetta e Faria (2007) destacam alguns elementos que podem ser analisados para a
identificação do tema retratado nas fotografias jornalísticas. São: a) o ambiente – pode ser
natural, artificial, interior, exterior ou inexistente; b) o personagem – direção do olhar, sua
expressão e gestos; e c) os objetos – seu papel na foto, sua hierarquia em relação aos outros
componentes da foto. Eles afirmam que a análise desses códigos está ligada ao repertório
cultural social ou individual e que esses códigos socioculturais são importantes para a análise
do fotojornalismo, pois orientam a identificação do que a foto representa e o motivo pelo qual
o jornal veicula tal imagem.
57
De acordo com Zanchetta e Faria (2007), três tipos de foto podem aparecer no
fotojornalismo: a) o retrato, aquele que tem um caráter funcional e tem uma subcategoria
chamada de medalhão, cujo caráter costuma ser referencial e não apresenta expressividade.
Esse tipo de foto aparece nos periódicos com diferentes intenções; b) os instantâneos, são
fotografias tiradas de uma cena em movimento, são expressivas e captam efeitos de
realidade; c) as seqüências de cenas; fotos raras no jornal, pois não têm o poder da imagem
em movimento, embora atualmente, com a evolução dos recursos tecnológicos, as câmeras
mais modernas apresentem um recurso de tirar fotos seqüenciadas.
Podemos observar esses tipos nos exemplos abaixo:
Foto retrato (O Globo, 19 de agosto de 2009)
Instantâneos (O Globo, 8 de abril de 2009).
58
Seqüência de cenas (Diário de São Paulo, 28 de maio de 2009).
Zanchetta e Faria (2007) dividem os aspectos formais da fotografia jornalística em
dois grupos: valores cromáticos e valores espaciais. O primeiro está relacionado aos
elementos de iluminação e cor. Dependendo da iluminação, do contraste e da nitidez da
fotografia é possível perceber qual é o tom da notícia. Normalmente as fotografias
predominantemente claras e sem sombras revelam neutralidade. Já aquelas em que há
contraste entre claro e escuro são mais expressivas e estimulam várias interpretações, além de
revelar a posição ideológica assumida pelo enunciador.
A foto de Aloizio Mercadante, veiculada em O Globo de 5 de novembro de 2008, é
um exemplo desse jogo de luz e sombra. A fotografia é bastante expressiva, pois mostra o
senador envolto por sombras sendo interrogado por repórteres. A luz está direcionada
exatamente no seu rosto como se ele estivesse sendo colocado em cheque.
59
O segundo grupo de elementos formais da fotografia refere-se ao formato da foto, ao
enquadramento, aos planos utilizados, à profundidade, ao foco e à perspectiva.
Vejamos:
O formato da foto é o resultado do recorte da cena que foi fotografada e está
diretamente relacionada ao processo de seleção do autor. O formato da foto mais comum,
segundo Zanchetta e Faria (2007), é o retangular, pois pode apresentar eixos horizontais e
verticais que determinam a técnicas e os efeitos utilizados na fotografia, ajudando a direcionar
a leitura e o tipo de interpretação da foto.
O enquadramento é um elemento espacial que enfoca uma determinada cena “dando
destaque a elementos da cena que sem esse recorte não teriam a expressão desejada pelo
jornal” (ZANCHETTA e FARIA, 2007, p.101).
O ângulo de tomada é um dos aspectos mais expressivos da foto, a cena que se quer
enfocar pode ser apresentada no centro, de modo frontal, de baixo para cima ou cima para
baixo. O ângulo vai depender do efeito que o fotografo quer causar no leitor. A perspectiva
60
frontal, segundo Zanchetta e Faria (2007), é “a mais freqüente no fotojornalismo, pois coloca
o leitor no lugar do fotografo como se ele estivesse assistindo a cena.”
O plano é um elemento que complementa o ângulo de tomada. Existem vários tipos de
planos: o plano geral, que “focaliza os personagens dentro do local de ação e apresenta uma
parte do cenário ou paisagem”; o plano médio “forma mais comum de fotos, geralmente
frontal captando as pessoas de corpo inteiro”; o plano americano que fotografa a pessoa de
meio-corpo; o close, quando é usado no fotojornalismo é bem expressivo e enquadra apenas o
rosto de uma pessoa (ZANCHETTA e FARIA, 2007, p.103).
A profundidade de campo é a faixa de nitidez que se estende aquém e além do objeto
focalizado. É possível criar uma profundidade com nitidez ou fixar desfocado o fundo para
tornar nítido o objeto que está em primeiro plano.
A perspectiva, segundo o Dicionário de Comunicação (1987 apud Zanchetta e Faria
2007), é a representação em um plano, de objetos ou cenas tridimensionais, tal qual se
apresenta aos olhos. É por meio da perspectiva que os corpos são representados graficamente
no espaço, com variação proporcional ao seu aspecto e conforme a posição que ocupa em
relação ao observador e ao ângulo pelo qual são vistos. A perspectiva é um aspecto
fundamental nas fotos jornalísticas, pois transmite diferentes efeitos.
As linhas predominantes na foto poder transmitir movimento ou comunicar a
impressão estática. Geralmente, para dar a impressão de movimento há “a predominância de
linhas curvas, de diferentes pontos de fuga localizados em pontos extremos da cena, criando
linha em diagonal” (ZANCHETTA e FARIA, 2007, p.108).
O fundo da foto tem um papel importante como elemento de expressão, pois como
explicam Zanchetta e Faria (2006), os fundos neutros, em cores discretas ou desfocadas e dão
destaque ao tema principal da foto, assim como o fundo negro, destaca também um
determinado tema com uma conotação diferenciada.
Na fotografia abaixo, retirada do jornal Agora publicada em 5 de junho de 2009,
podemos observar alguns desses elementos. A foto refere-se ao que aconteceu depois de uma
briga entre as torcidas do Corinthians e do Vasco. A briga ocasionou a morte de um torcedor,
um ônibus queimado e vários torcedores detidos. A foto enquadra os jovens que foram
detidos sentados no chão da delegacia e dois policias em pé. Todos estão de perfil. Embora a
imagem não mostre o rosto dos policiais, se vê, por meio do ângulo da tomada da foto, um
deles repreender um dos jovens, pois o policial está com o dedo apontado para ele como se
dissesse “Eu mando aqui. Cale a boca!”. O jovem por sua vez está olhando para ele de baixo
para cima. Pressupomos que seja para destacar o nível de hierarquia, ou seja, o policial é a
61
autoridade máxima naquele momento. É possível identificar o enfoque dado pelo fotógrafo
também pelo fundo desfocado que evidencia a cena.
2.7.2 A legenda
Outro elemento presente na fotografia jornalística é a legenda. Ela serve para fazer
uma espécie de descrição da cena ali discriminada. Rabaça e Barbosa (1987 apud FARIA
2001) acreditam que, no fotojornalismo, a legenda tem a função de “indicar ou ampliar a
significação daquilo que acompanha”. Segundo Faria (2001, p. 227), a legenda pode servir
tanto para complementar a informação quanto para expor a posição do jornal em relação à
notícia. A autora explica que a legenda “protege o jornal de eventuais processos contra
fotografias consideradas ofensivas pelos fotografados”, pois a imagem é polissêmica por
natureza e colocando uma legenda neutra, o jornal se isenta de uma posição parcial. Zanchetta
e Faria (2007) comentam que a foto jornalística tem pouco valor informativo se não for
acompanhada por uma legenda e, assim, sintetizam algumas finalidades que uma boa legenda
deve ter: explicar ou ampliar a compreensão da foto; não ser redundante em relação à foto;
ajudar o leitor a ler a foto e apreciá-la; chamar a atenção do leitor para detalhes significativos.
Segundo Zanchetta e Faria (2007), existem vários tipos de legenda:
Legenda referencial – serve para indicar as informações necessárias para situar a foto,
como por exemplo, dar nome às pessoas que estão aparecendo e situar qual o lado que
62
ela se encontra (direita ou esquerda) quando há mais pessoas na fotografia. Outro
aspecto desse tipo de legenda é descrever aquilo que está sendo observado claramente;
Legenda explicativa – como o próprio nome já diz, esse tipo de legenda acrescenta
uma explicação ao fato que está sendo veiculado na notícia escrita.
Legenda notícia – “é pretexto para o jornal passar informações ao leitor apoiado numa
fotografia” (ZANCHETTA e FARIA, 2007, p. 112)
Legenda-chamada – “é uma notícia contida na foto e sua legenda, geralmente mais
longa que a legenda padrão e estampada na primeira página. Reconhecemos a
chamada pela indicação da notícia completa nas páginas interiores do jornal, por meio
da sigla ou número do caderno e a página” (ZANCHETTA e FARIA, 2007, p.113)
Legenda-texto – quando a foto é um suporte para uma informação mais longa do que
o normal. “É o texto que se coloca em uma foto, mostrando em poucas linhas, o que
ela representa (...), é uma legenda mais ampla, comportando título, mas sem abertura
de parágrafos. Usa-se quando não há mais nada a informar sobre o assunto, ou como
chamada, se a matéria estiver na outra página” (ERBOLATO,2002.p.76);
Legenda falsamente referencial – utilizada pelo jornal como recurso de humor, para
fazer críticas, gozações ou mandar mensagens subliminares, que não conviriam num
texto escrito.
Martins (1997) explica que a legenda deve cumprir ao mesmo tempo duas funções. A
primeira é descrever a foto preferencialmente com verbos no tempo presente e a segunda
oferecer uma informação ou opinião sobre o acontecimento. Ele expõe algumas diretrizes que
o jornal o Estado de São Paulo segue:
Recomenda-se o uso de dois-pontos, pois é um elemento facilitador na construção da
legenda;
Para facilitar a identificação por parte do leitor, usam-se informações adicionais
quando se tratar de alguma pessoa presente na foto, como por exemplo, direita,
esquerda, acima, ao lado, etc.
É importante que o detalhe enfocado na legenda esteja baseado no noticiário para não
se tornar uma informação solta nem deixar margem para dúvidas no leitor;
Não se recomenda tirar conclusões sem fundamento dos fatos;
63
Se o verbo da oração principal da legenda estiver no tempo presente, a palavra ontem
deve ser usada somente na oração acessória com o verbo no tempo passado
descrevendo a circunstancia do fato;
Nas legendas de uma coluna é possível incluir algo mais que o nome da pessoa
presente na foto;
É possível colocar uma única legenda em duas ou mais fotos publicadas lado a lado ou
em coluna. No primeiro caso, a descrição dos fatos deve seguir a ordem em que as
fotos aparecem (da esquerda para a direita) e no segundo, as fotos podem ter legendas
individuais e as reticências podem ser usadas na primeira foto surgindo a continuação
da idéia na foto seguinte;
As ilustrações, tabelas, mapas, gráficos e outros podem apresentar ou não a legenda.
Dependerá da necessidade de adição ou não de outras informações;
Nas legendas devem ser evitadas descrições óbvias.
Zanchetta e Faria (2007) afirmam que a legenda nasceu da necessidade de documentar
e explicitar as fotografias e que num jornal a legenda pode ser um instrumento de poder da
imprensa, pois, segundo Sousa (2000 apud Zanchetta e Faria 2007), a legenda é um meio de
influenciar o pensamento e a conduta dos leitores. Nesse sentido, como destacam Zanchetta e
Faria (2007), o jornal se aproveita da linguagem polissêmica e das contradições entre a
imagem e a legenda, atribuindo ao leitor à interpretação duvidosa (maldosa).
Outro elemento que podemos encontrar nas fotografias são os títulos de legenda que
normalmente se encontram antes da legenda para introduzir a informação e na maioria dos
casos tem um tom de humor ou de crítica.
Na fotografia jornalística existe o recurso de destacar detalhes presentes em gestos
característicos para tornar a foto mais expressiva. É freqüente, por exemplo, a metonímia
visual, ou seja, algumas partes do corpo (olhos, bocas, mãos e pés) são elementos que
orientam a interpretação da fotografia.
Faria (2001) ressalta que o humor é um dos aspectos mais usados no fotojornalismo e
pode variar entre assuntos corriqueiros e a ataques político-ideológicos às pessoas públicas.
Nesse sentido, podemos dizer que o repórter fotográfico deve ter perspicácia para executar
sua função de fotógrafo, pois um simples detalhe é de extrema importância para a significação
a que se pretende chegar. Por causa disso, Faria (2001) comenta dois aspectos básicos sobre a
ética do fotojornalismo: o jornal não tem o direito de ridicularizar determinados políticos ou
64
expor pessoas a situações vexatórias, induzindo o leitor a condená-las antes do caso ser
julgado. Outro aspecto é a manipulação de fotos, pois hoje com recursos sofisticados é
possível alterar as fotografias. Mas esse não é o foco de discussão deste trabalho. A autora
afirma que mais importante do que conhecer questões técnicas da fotografia, é o estímulo do
espírito crítico e interpretativo do leitor. Nesse sentido, o leitor deve se tornar um pesquisador
de sentidos.
Cabe, então, aos professores tentarem captar essa maneira de ler as fotografias para,
assim, ensinar aos seus alunos que a fotografia, muitas vezes, deixa de ser uma mera
ilustração para apresentar um modo de apreensão do mundo.
2.8 A chamada
A chamada, a manchete e a fotomanchete são os principais gêneros discursivos
presentes na primeira página do jornal. Por meio deles são destacados os principais fatos a
serem veiculados no corpo do jornal e cada um exerce uma função importante na composição
da primeira página. Vejamos:
A chamada é, segundo a Mathias Netto (1996), o “resumo da notícia, publicado na
primeira página que freqüentemente aguça a curiosidade do público” e ela deve destacar o que
há de mais importante na notícia. É por meio das chamadas que se torna possível fazer uma
leitura rápida das notícias que estão em pauta no jornal num determinado dia. Ela é um dos
principais recursos jornalísticos para atrair o leitor a compra do produto e a leitura de uma
publicação. O número de chamadas depende do número de notícias importantes apresentadas
na edição do jornal.
Para o Manual de Redação da Folha
4
, a chamada é um texto jornalístico curto
composto por frases curtas, secas e substantivas e, por esse motivo, é recomendável evitar o
excesso de palavras, tais como: ontem, que, segundo, afirmou entre outras. Esse gênero está
presente na primeira página e resume as informações publicadas no jornal sobre um
determinado assunto.
O Manual de Redação e Estilo de O Globo (1992) acrescenta que a chamada precisa
contemplar duas características importantes: atrair a atenção do leitor para as páginas internas
e constituir informação completa para si, valendo, para a chamada, os princípios que regem a
4
Texto disponível em http://www1.folha.uol.com.br/folha/circulo/manual_edicao_c.htm
65
redação de leads e também a norma sobre promessas, ou seja, a notícia deve corresponder à
expectativa que a chamada promete.
Seguem abaixo dois exemplos de chamada com todos os seus elementos constitutivos.
Devemos lembrar que os elementos obrigatórios na chamada são título e indicação da página
em que se lê a matéria no jornal. Complementando, podem aparecer o texto e até a foto.
2.9 A manchete
Diferentemente da chamada, podemos dizer que a manchete é o chamariz do jornal. A
manchete é um texto curto que enfoca o principal assunto do dia. De acordo com o Novo
Manual da Redação da Folha (1996)
5
a manchete é “a principal notícia do dia e deve receber
o título mais importante da Primeira Página”. Por isso deve obedecer, dependendo do impacto
da notícia, à seguinte gradação, em ordem decrescente: a) três linhas em seis colunas; b) duas
linhas em seis colunas; c) uma linha em seis colunas; d) duas linhas em quatro colunas; e) três
5
Texto disponível em http://www1.folha.uol.com.br/folha/circulo/manual_edicao_m.htm
66
linhas em três colunas; f) uma linha em cinco colunas; g) duas linhas em três colunas; h)
quatro linhas em duas colunas; i) uma linha em quatro colunas.
Abaixo estão reproduzidos dois exemplos de manchete: uma do jornal Folha de São
Paulo de 7 de abril de 2009 (Terremoto deixa 150 mortos na Itália) e outra do jornal O Globo
do dia 29 de maio de 2009 (Polícia prende 15 da maior e mais violenta milícia do mundo).
Observa-se que ambas situam-se na parte superior da primeira página dos jornais. A primeira
ocupa uma linha inteira em letras grandes e a segunda ocupa duas linhas. No primeiro caso a
fotomanchete refere-se à própria manchete, mas isso não é um elemento obrigatório.
67
2.10 A fotomanchete
Lage (2006) acredita que eventualmente pode aparecer no jornal uma manchete
fotográfica ou fotomanchete, termo usado por outros autores. No entanto, observamos que a
presença da fotomanchete é muito freqüente nas primeiras páginas de jornal atualmente.
Acreditamos que isso aconteça por vários motivos, mas o principal e, inclusive o mencionado
pelo autor, é que a fotografia é o primeiro elemento que chama a atenção do leitor. Isso
acontece porque a fotografia apresenta um jogo de luz e sombra, cores e expressões que
podem comportar vários significados para o leitor. Outro motivo são as atuais tecnologias
para impressão do jornal, que possibilitam mais uso de recursos gráficos.
A fotomanchete é a foto principal da página, exerce a função de manchete e por isso é
maior que as outras fotos, situando-se na parte de zona ótica primária, isto é, o campo onde
será lançado o primeiro olhar do leitor. Para o entendimento do que vem a ser a fotomanchete,
adotamos os princípios de fotografia seguidos pelo jornal a Folha de São Paulo. Acreditamos
que são os mesmos que norteiam a seleção da fotomanchete em outros jornais.
O Novo Manual da Redação da Folha (1996) afirma que a fotografia editada com
destaque é a primeira coisa ou, muitas vezes, a única que o leitor vê na página. Se a foto e a
legenda tiverem qualidade, o leitor poderá passar a dar atenção aos títulos e outros elementos
da página. Ainda nesse Manual, é citado que são qualidades essenciais do fotojornalismo: o
ineditismo, o impacto, a originalidade e a plasticidade. Observa-se que o mesmo acontece
com a foto que vira manchete, principalmente no que diz respeito ao impacto. O impacto
causado no leitor pela fotografia que ocupa o lugar de manchete na primeira página do jornal
pode desencadear as mais diversas sensações como nojo, repulsa, medo, raiva, indignação,
pena, etc.
O Novo Manual da Redação da Folha (1996) afirma que, em geral, o jornal a Folha de
São Paulo não usa montagens fotográficas, fotos recortadas, invertidas, retocadas, ovais ou
redondas. Caso o personagem da notícia não tiver sido fotografado, como já foi mencionado
anteriormente, usa-se uma foto de arquivo. Quando isso acontecer, a foto deverá ser a mais
recente possível e expressar um estado de espírito coerente com a notícia que acompanha. A
data em que foi tirada deve ser indicada no crédito.
Não acreditamos que o uso de foto de arquivo aconteça com a fotomanchete. Embora
os autores pesquisados não comentem esse fato, podemos inferir pelo estudo feito que para a
fotografia ser fotomanchete é necessário o aspecto do ineditismo. Caso contrário, há uma
perda no que se refere à qualidade de originalidade.
68
O Novo Manual da Redação da Folha (1996) enumera algumas recomendações para a
diagramação de fotos e acreditamos que essas recomendações também podem servir para a
seleção da fotomanchete: a) dar preferência a usar uma foto grande do que duas pequenas; b)
se for possível, não editar lado a lado fotos sem relação entre si; c) não publicar fotos que
possam ser consideradas obscenas sem consultar previamente a direção de redação do jornal.
Isso significa que antes de uma fotografia ser veiculada é necessária a aprovação da
equipe jornalística. No jornal, nada é feito sem a autorização de um editor. Tudo é pensado e
repensado. O jornal, ao decidir colocar uma fotografia como manchete, sabe muito bem o que
quer provocar no leitor e qual será a sua possível reação.
Segue abaixo em destaque um exemplo de fotomanchete do jornal O Estado de São
Paulo em 8 de abril de 2009. A fotomanchete situa-se na parte superior da primeira página e
apresenta o título e a legenda.
69
70
2.11 A charge
Por ser a charge um gênero discursivo que aparece com bastante freqüência em dois
dos jornais presentes no corpus desta pesquisa, torna-se importante caracterizar esse gênero
discursivo, pois é um gênero que chama a atenção e agrada a muitos leitores.
A charge é um gênero predominantemente imagético e tipicamente não-verbal. De
acordo com Zanchetta e Faria (2007, p.128), a charge “é um cartum de crítica a um
acontecimento, geralmente de natureza política”.
Moretti (2001 apud Mendonça 2007) estabelece a diferença entre caricatura e charge:
a caricatura apresenta uma deformação das características de uma pessoa, animal, coisa ou
fato e pode ser utilizada como ilustração de uma matéria, enquanto a charge, por meio de uma
forma gráfica, conta o fato.
Nas palavras de Mendonça (2007, p. 197):
O cartum surgiu depois da charge e é uma forma de expressar idéias e opiniões ,
seja uma crítica política , esportiva, religiosa, social, através de uma imagem ou
seqüência de imagens, dentro de quadrinhos ou não, podendo ter balões ou
legendas. A charge envelhece como a notícia, enquanto o cartum é mais
atemporal.
Confortin (1999, p.84) explica que o termo charge vem do francês e significa “carga e
descarga” e assim define como charge
um desenho pesado, crítico que se relaciona com as atividades de uma
localidade, isto é, tem um vinculo regional e um poder muito grande. Sem
obrigatoriedade de provocar riso ou gargalhada, o autor denuncia determinada
situação, que pode ser até, uma tragédia. A charge é essencialmente política,
política em todos os sentidos da palavra e, obrigatoriamente carrega grande
força crítica, poder reivindicatório e contestador. A simbologia das personagens
e temáticas de que o chargista se apossa indicam e apontam para um mundo
vivido.
Segundo Confortin (1999) a charge tem a função de contestar fazendo uma crítica bem
humorada, enquanto o cartum é um desenho engraçado, não tem o caráter crítico e não
trabalha com fato. A autora explica que é comum os chargistas retomarem a matéria da
primeira página sintetizando a notícia em charge e que a charge torna-se mais importante nos
momentos de crise, em que a situação do país vai mal.
Dessa forma, uma das inspirações dos chargistas, conforme comentam os autores, é a
foto jornalística. O cartunista transforma a foto em cartum, uma espécie de representação da
fisionomia humana com características humorísticas, cômicas ou grotescas (RABAÇA e
71
BARBOSA, 1978), acentuando as situações e traços por meio da caricatura e acrescentando
os elementos que constituem a crítica política e jornalista.
A Charge, portanto, é um texto visual humorístico que critica uma personagem, um
fato ou acontecimento político, focalizando uma realidade específica e se prendendo ao
momento contemporâneo. Devido a uma limitação temporal, a charge, muitas vezes, torna-se
de difícil compreensão, pois se apresentamos uma charge sobre a época da ditadura para um
leitor que não viveu naquele tempo ou que não tenha esse conhecimento, ele provavelmente
não entenderá a mensagem que a charge pretende transmitir.
Vejamos um exemplo de charge veiculada na primeira página do jornal O Globo em
20 de agosto de 2009. Esta charge está vinculada com a notícia de que a senadora Marina
Silva, ex-ministra do Meio Ambiente do governo Lula, deixou o Partido dos Trabalhadores -
PT para se filiar ao Partido Verde - PV, almejando disputar a presidência da república em
2010. A Charge mostra de forma bem humorada a personagem Marina saindo de um pântano
mal cheiroso para um lugar mais limpo e preservado. O pântano supostamente se refere à
sujeira política do PT, enquanto a pizza representa a falta de impunidade e o acobertamento
de falcatruas pelo partido. A vitória-régia representa a natureza preservada em águas límpidas,
fazendo alusão ao fato de o PV não ter se envolvido em escândalos até então, remetendo
também à Amazônia – terra de origem de Marina.
72
2.12 A espetacularização da notícia
Segundo Marques (2006), antigamente os jornais se preocupavam com a formação da
opinião pública e esta, por sua vez, estava intrinsecamente relacionada ao posicionamento
político de cada jornal. Os jornalistas tinham mais liberdade em posicionar-se e expressar suas
idéias, e os jornais, por sua vez, apresentavam posicionamentos políticos diferentes cabendo
ao leitor analisar e criticar a informação ali oferecida. Hoje, ao contrário desse quadro, os
jornais preocupam-se mais com o aspecto mercadológico, diretamente ligado à idéia de
prestação de serviço e, assim, a função mediadora da imprensa está se empobrecendo, pois
não traz aos leitores perspectivas políticas diferentes. A escolha dos jornais segue a mesma
gama de informações o que tende a criar e recriar a realidade dos fatos.
O autor explica que
a transformação do jornal e da notícia em mercadoria ocorreu paralelamente ao
aumento da importância do setor comercial na empresa jornalística. Cada vez
mais as diretrizes comerciais da empresa determinam não só o espaço de
matérias redacionais, mas diversas estratégias comerciais, ao criar promoções de
distribuição de outros produtos como dicionários, coleções temáticas e outros
brindes, com a finalidade de alavancar os índices de tiragem e circulação
(MARQUES, 2006, p.37).
Marques (2006) cita duas características perceptíveis sobre a transformação do jornal e
da notícia em mercadoria. A primeira delas é que os jornais estão publicando textos mais
concisos em que as informações principais são encontradas no lead da notícia, tornando a
leitura mais rápida e também mais pobre. Isso acontece porque são realizadas pesquisas de
sondagem de comportamento de consumo com os leitores e, assim, as notícias são produzidas
com base nesses dados. A segunda é a utilização constante de gráficos, de ilustrações, de fotos
coloridas. De acordo com o autor, a imprensa contemporânea enfrenta o fenômeno da crise do
papel tradicional da mediação, ou seja, a função de mediação entre a realidade e o leitor tem
sido desvalorizada pela própria imprensa, pois ao invés de informar buscando certa
objetividade – elemento tão frisado pela imprensa jornalística, embora sabidamente
impossível – a imprensa tem demonstrado a preocupação de influenciar intervindo na
realidade.
Partindo dessa explicação do autor, podemos supor que quanto mais houver ilustrações
e cores, mais a empresa jornalística visa à venda do seu produto, o jornal, e por isso se utiliza
de várias estratégias para chamar a atenção do público.
Nos últimos tempos, observa-se ainda que muitos jornais impressos se equiparam ao
que vem sendo transmitido pela televisão, em programas de fofoca ou mesmo no próprio
73
jornal de horário nobre. É o que ressalta Noblat (2008). Em busca de audiência, os jornais
impressos, tanto quanto os programas televisivos, priorizam o relato sensacionalista de um
acontecimento cotidiano ou da vida de famosos. Noblat (2008) ainda afirma que a notícia que
vende é aquela que abala as pessoas, que estimula conflitos, trazendo o drama e a tragédia,
pois o que desperta a curiosidade e a atenção do público é aquilo que choca, que comove e
traz indignação.
Outro aspecto importante a ser observado pelo leitor com relação a esse fenômeno da
espetacularização da notícia – e que deve ser objeto de discussão na leitura da primeira página
de jornal em sala de aula – é o que diz respeito ao uso das cores. Segundo Guimarães (2003),
as cores ajudam no aspecto mercadológico, em que se pode comprovar se a atenção do leitor
foi conquistada ou não. Se a preferência do seu público-alvo for por cores fortes, o jornal
usará cores fortes para atraí-lo. Se for por cores suaves, usará cores suaves. Os jornais tentam
responder a preferência do leitor.
O autor acredita que a primeira leitura feita da primeira página de um jornal é a leitura
do não-verbal, pois as cores se antecipam às formas e aos textos. Trata-se do princípio de
antecipação, o qual se refere à idéia de que a cor é um elemento perceptível ao primeiro olhar
do leitor sobre o objeto, ou seja, a cor é percebida antes de outros códigos do sistema
lingüístico, sejam eles verbais ou não-verbais. Esse princípio é importante porque direciona a
informação e ajuda, não só na compreensão do assunto como na compreensão de outros
códigos.
As considerações que Farina (1994, p.168) faz sobre a aplicação da cor na publicidade
e na promoção de vendas também podem ser aplicadas à análise da cor na primeira página de
jornal. Ele comenta que “a cor tem a capacidade de captar rapidamente e sob um domínio
emotivo a atenção do comprador.” Para o autor, a cor é o elemento que mais contribui para a
transmissão da mensagem devido ao seu conteúdo emocional, à sua força de impacto e à sua
expressividade de fácil assimilação. Além disso, ele acredita que a cor pode ser um fator
decisivo na venda de um produto, principalmente nas compras feitas por impulso. O autor
comenta que na época atual há tendência por cores vivas e que o uso de tons na mensagem
escrita torna-a mais sensível, dramática e com a capacidade de ser lida mais rapidamente, pois
a cor fixa a mensagem e a faz memorizar rapidamente.
Por outro lado, Guimarães (2003) ressalta que se as cores forem aplicadas igualmente
fortes em simbologia e significação e participarem na construção de várias narrativas visuais,
há o que ele define como a saturação da cor – uma ação negativa –, pois o leitor saturado é
passivo frente à cor informação, tornando-se menos seletivo e menos crítico. O uso de cores
74
saturadas em bens de consumo já foi alvo de estudos e remete a conclusões que relacionam
preferências por cores e classes socioeconômicas da população. Guimarães (2003) afirma, por
exemplo, que devido às restrições socioeconômicas com relação ao mercado de consumo, há
preferência por cores de grande saturação pelas camadas populares da sociedade. Essa
preferência indica liberdade em relação às regras sociais que restringem o uso das cores.
Farina (1994) concorda com essa idéia, acrescentando que na classe menos favorecida
há tendência a cores vibrantes como vermelho e laranja, enquanto as pessoas de classe social
mais privilegiada preferem tons suaves. Ele acredita que o público que pode pagar mais pela
aquisição de objetos exige e se preocupa mais com a escolha que, de acordo com os padrões
sociais e culturais, parece permitir maior requinte e harmonia ambiente. Estudos sobre o uso
de cores, nos mais variados segmentos da vida, permitem afirmar que a significação atribuída
às cores depende do repertório cultural do receptor, de suas crenças, de seus valores e do
contexto social em que ele está inserido.
Retomando o objeto de estudo desta dissertação – a primeira página de jornais – e o
assunto desta seção – a espetacularização da notícia –, podemos relacionar o uso de cores na
primeira página dos jornais a uma tentativa desses meios de comunicação de atrair o leitor,
cada vez mais acostumado a novas mídias que exploram imagens e cores. A escolha das cores
e a quantidade de seu uso pode ser compreendida à luz dos estudos da área de propaganda e
marketing que mostram uma preferência por determinadas cores em função do perfil
sociocultural do consumidor. A análise do corpus desta pesquisa vai mostrar que jornais mais
populares tendem ao uso em maior quantidade de cores saturadas em suas primeiras páginas,
principalmente o uso do vermelho. A formação de um leitor proficente de jornal requer a
discussão também sobre o uso desses recursos de diagramação no atual contexto sócio-
histórico.
É importante que o leitor perceba que uma determinada cor pode nos informar sobre
vários assuntos e “a precisão da informação depende da história da cor, do conhecimento pelo
receptor dessa história e do contexto criado pela apresentação da notícia para empurrar a cor
para o significado que se espera que ela venha a formar” (GUIMARÃES, 2003, p.41).
Portanto, dependendo da seleção de imagens, cores e palavras na construção do
enunciado – no nosso caso específico as chamadas de primeira página e manchetes –,
podemos comprovar a espetacularização da notícia dentro da primeira página de jornal. Todos
esses elementos articulados entre si promovem a interação entre o enunciador e o co-
enunciador assumindo um significado e tornando efetivo o ato de comunicação. O professor
de língua portuguesa que objetive trabalhar com leitura de jornal em sala de aula não pode
75
prescindir desse conhecimento e não pode deixar de promover discussões com os alunos a
respeito dessas características do atual jornalismo impresso.
2.13 Aspectos teóricos a sem considerados nas atividades de leitura em sala de aula
A partir dos conceitos e do estudo das características principais sobre jornalismo
impresso bem como os elementos composicionais da primeira página do jornal destacamos os
seguintes aspectos que devem ser considerados pelo professor nas atividades de leitura de
primeira página:
1) Discutir os critérios de seleção dos acontecimentos pelos jornais, isto é, como um
acontecimento vira chamada de primeira página;
2) Discutir a importância do público-alvo, presumido pelo jornal, ao selecionar os
fatos e o tratamento dado a eles na primeira página;
3) Apresentar a primeira página e comentar os principais elementos de diagramação:
a posição das informações - parte central, superior ou inferior da página, o tipo das
letras e a relação de tamanho entre elas, as cores, as imagens, a importância da foto
para chamar a atenção do leitor etc;
4) Explorar a fotomanchete, a sua relação com os fatos principais do dia e os efeitos
de sentido que a foto pode expressar dependendo do formato, do enquadramento,
do ângulo, da perspectiva etc. É importante frisar que não se trata de um estudo
técnico detalhado, mas sim do aluno observar o que está sendo tratado naquela
fotografia;
5) Se o jornal apresentar charge, ler e relacioná-la ao fato, perceber o tom e a crítica
feita a um personagem, fato ou acontecimento político estabelecendo um diálogo
com discursos atuais e passados;
6) Explorar a manchete e as chamadas principais envolvendo a temática, a forma
como o assunto está sendo enfocado por meio do vocabulário, da extensão da
notícia, do detalhamento e da quantidade de informação e relacionando todos esses
aspectos com o público-alvo.
Fazendo esse tipo de análise nas atividades de leitura, o professor explora basicamente
todos os elementos do jornalismo impresso.
76
CAPÍTULO 3
ANÁLISE DAS PRIMEIRAS PÁGINAS DOS JORNAIS DE 25 DE
AGOSTO DE 2009
3.1 Apresentação do capítulo
Este capítulo apresenta análise das manchetes, das chamadas principais, das fotos e da
diagramação das primeiras páginas dos jornais O ESTADO DE S. PAULO, FOLHA DE S.
PAULO, O GLOBO, AGORA, DIÁRIO DE S. PAULO e EXTRA, do dia 25 de agosto de
2009. Esses elementos serão analisados à luz dos preceitos teóricos apresentados nos capítulos
1 e 2.
As chamadas analisadas são aquelas situadas na parte superior da primeira página de
cada jornal e, por esse motivo, consideradas as de maior importância. Para efeito de
comparação, após a análise de cada uma das seis primeiras páginas desse dia, será necessário
fazer um agrupamento das páginas em duas partes: 1) jornais direcionados ao público-alvo de
classe social mais alta: ESTADO DE S. PAULO, FOLHA DE S. PAULO e O GLOBO; 2)
jornais direcionados ao público-alvo de classe social mais baixa: AGORA, DIÁRIO DE S.
PAULO e EXTRA.
Após a comparação das três páginas de cada parte será feita a comparação entre os
dois grupos.
3.2 O Estado de São Paulo, 25 de agosto de 2009
77
78
De acordo com o mapa de zona ótica exposto no capítulo 2, a primeira página do jornal
O Estado de S.Paulo apresenta a fotomanchete situada na parte correspondente à zona 1 –
local onde se inicia a leitura. A manchete está situada na zona central.
Como a zona 3 e 4 são consideradas mortas, observa-se que o jornal estende a
propaganda que aparece no pé da página até a zona 4; na zona 3 aparece uma chamada como
estratégia de diagramação para aproveitar melhor o espaço.
3.2.1 Fotomanchete e fotos
De acordo com os pressupostos teóricos de fotojornalismo abordados no capítulo 2
pelos autores Faria (2001), Zanchetta e Faria (2007) e Charaudeau (2006), as imagens são os
primeiros elementos que chamam a atenção do leitor. Por esse motivo, começaremos a análise
do corpus pela fotomanchete, a fotografia principal da primeira página de um jornal.
Como é possível observar, a fotomanchete presente no jornal O Estado de S. Paulo do
dia 25 de agosto de 2009 caracteriza-se por ser a maior foto da página, ocupando a parte
superior da primeira página. São constituintes desse gênero discursivo – fotomanchete – o
título, a legenda e a indicação da página.
O título “São Paulo: Confronto em desocupação de terreno” refere-se ao local e ao
tema da notícia. O termo confronto denota um embate entre as partes envolvidas na
79
desocupação do terreno. Abaixo da fotografia encontra-se a legenda, que descreve a cena
fotografada e amplia sua significação. Podemos dizer que se trata de uma legenda-chamada
por ser mais longa que as outras e apresentar a indicação da notícia completa por meio de
número do caderno e a página.
O texto da legenda não só descreve o fato de haver um embate entre os moradores da
favela Olga Benário e a polícia devido à desocupação do local, como também acrescenta a
informação de que durante a desocupação da área e do incêndio que destruiu tudo, o fotógrafo
e um jornalista do jornal foram assaltados e mantidos presos num dos barracos. A fotografia
não mostra o que aconteceu com o fotógrafo e o jornalista, mas o jornal, por meio da legenda,
faz um adendo e denuncia um sistema de segurança ineficaz com a citação “[...] em meio a
250 policiais que participaram da ação o fotógrafo do Estado Filipe Araújo e um outro
jornalista foram abordados por cinco assaltantes armados que lhes roubaram os equipamentos
e os mantiveram presos em um barraco, durante o incêndio”.
Com o acréscimo dessa informação, fica clara a demonstração de indignação por parte
do jornal Estado e a sua posição diante do fato. No caso, os profissionais que estavam no local
para cobrir a reportagem assumem o papel de vítima que nesse contexto caberia aos
moradores da favela.
Quanto aos elementos do fotojornalismo, podemos observar que o formato da foto é o
mais comum: retangular. A escolha do ângulo da tomada é frontal, o que permite ao leitor
uma visualização ampla como se estivesse assistindo à cena. O plano utilizado é o geral,
conforme explica Zanchetta e Faria (2007), pois focaliza os personagens dentro do local e
apresenta parte de um cenário: a destruição da favela Olga Benário em São Paulo. Por meio
do efeito de perspectiva, podemos observar a amplitude da destruição, pois mostra moradores
da favela num canto da foto observando o incêndio. Tamm é utilizado o efeito de
profundidade para destacar o tamanho da destruição. As cores do fogo em tom alaranjado e o
aspecto visual da foto composta pela fumaça, pelas cinzas e pelos restos dos barracos causam
impacto, fazendo com que o leitor, ao ver a imagem, compartilhe da dor e da desolação dessas
pessoas. Como é possível observar, da destruição não sobrou nada e possivelmente alguns dos
leitores, ao verem a cena, refletirão sobre o que acontecerá com esses moradores. De fato os
elementos presentes na imagem expressam o drama vivido por eles.
Outra fotografia presente na primeira página é a reproduzida abaixo. Ela encontra-se
na parte inferior da primeira página e, portanto, tem menor importância. Podemos dizer que é
uma chamada fotográfica, pois carrega um título, uma legenda e a indicação de página. O
título “Rio: menos poluição na Lagoa” e a legenda “Qualidade da Lagoa Rodrigo de Freitas
80
melhora após investimento de R$ 50 milhões” servem para indicar as informações necessárias
para situar a foto: onde, o que está sendo mostrado e o porquê.
Por meio dos elementos de luz e sombra, a fotografia retrata uma cena digna de um
cartão postal. A água da lagoa reflete as montanhas e os edifícios presentes nas redondezas da
Lagoa Rodrigo de Freitas. O reflexo da água nos evidencia o fato de a água estar limpa e a luz
incide exatamente no centro da imagem onde um homem rema em pé numa canoa. A foto nos
faz lembrar um caiçara, personagem típico de uma cidade litorânea. A cena parece bucólica e
remete a uma vida mais natural. É um resgate de tempos antigos, antes da intervenção do
homem no meio ambiente, o retorno às origens.
Observando essa imagem, a qual transmite tanta paz, percebemos o quão diferente é
da imagem de guerra e violência que a cidade vem construindo ao longo dos anos. Muitos
leitores, pela lembrança que carregam, por uma imagem construída pela mídia ou por uma
experiência vivida, podem pensar: “Nem parece aquela cidade tão violenta”. A foto estabelece
um diálogo em oposição à imagem do morro carioca (favela). De um lado, a fotografia
evidencia, por meio de um recorte da realidade, a ideia de tranqüilidade, por outro lado, na
memória social a imagem que existe da cidade é a de terror e medo.
81
3.2.2 A manchete
A manchete do dia “Saída de Lina provoca rebelião na Receita” trata-se do
afastamento de seis superintendentes, cinco coordenadores da área e um subsecretário da
Receita Federal depois do desligamento de Lina, ex-secretária do Órgão. Pela manchete
parece que tais membros da receita decidiram se demitir, pois eram contra a saída de Lina da
Receita. Podemos inferir a partir do vocábulo “rebelião” que não foi uma saída pacífica, ou
seja, houve um ato de revolta por parte desses membros da Receita e uma enorme confusão
aconteceu. Geralmente o termo rebelião é usado para descrever ações de presidiários e por
isso soa de modo agressivo, pois nos faz lembrar um ato delinqüente. O subtítulo “Seis dos
dez superintendentes entregam carta de demissão” confirma essa impressão inicial, mostrando
que mais da metade, seis entre dez pessoas, desistiram do cargo por desejo próprio. Ninguém
os obrigou, foi um ato de protesto.
Quanto à diagramação, verifica-se que a manchete está situada na parte superior da
primeira página, está em letras destacadas, maiores do que as outras chamadas e ocupa duas
linhas, espaço de quatro colunas.
O jornal está enfocando uma divergência entre o governo Lula e a Receita Federal,
cuja briga começou quando a então secretária da Receita Lina Vieira descobriu uma mudança
contábil da Petrobras que proporcionou o pagamento de menos impostos e isso acabou
acelerando as articulações para a criação da CPI da Petrobras. Depois disso, Lina Vieira foi
pressionada pela ministra Dilma a “agilizar” o processo de investigação sobre a família
Sarney, o que a Secretária entendeu como um pedido para tomar alguma atitude para não
expor Sarney. Como Lina parecer ter se recusado a isso e estava se opondo às ações do
governo, ela passou a ser repreendida pelo governo federal e o ministro Guido Mantega
resolveu afastá-la do cargo.
Por meio do tom da manchete, podemos inferir alguns aspetos a respeito da
abordagem do jornal ao fato que envolve o governo federal. Ao dar destaque ao fato de que
outros altos funcionários da Receita se solidarizaram com Lina a ponto de pedirem
afastamento do cargo, o jornal induz a interpretação do leitor de que ela era inocente e estava
certa, de que o governo federal queria mesmo ocultar algo sobre Sarney.
82
3.2.3 Chamadas
As chamadas encontradas na parte superior da primeira página são as consideradas de
maior importância. Por esse motivo serão analisadas apenas três chamadas desse jornal. Todas
as chamadas analisadas nessa primeira página são compostas pelos elementos obrigatórios:
título e indicação da página. Além disso, são acrescidas de um pequeno texto. Podemos
observar que existe um determinado grau de importância atribuída a cada uma delas.
Das três chamadas, a que ganha maior destaque é a “Itaú se liga à Porto Seguro para
liderar segmento”, pois se apresenta em letras maiores do que as outras. Nessa chamada,
temos o uso de vocabulário formal para noticiar a união do Banco Itaú com a seguradora
Porto Seguro a fim de liderar essa área de mercado. O termo liderar soa de modo forte,
mostrando que o Banco Itaú atingiu o topo da disputa e agora é o maior.
A chamada “Crise não afeta setor alimentício” é meramente informativa. No texto da
chamada encontram-se dados estatísticos sobre a informação mostrando que tal setor não foi
atingido pela crise.
A chamada “Sarney tenta ignorar a crise e é cobrado por Suplicy” apresenta um tom
provocativo, no qual Sarney é colocado em destaque na frase como uma pessoa que não se
preocupa com a crise. O verbo “ignorar” presente na frase denota bem essa significação. O
uso do verbo na voz passiva colocando Suplicy como o agente sugere a idéia de que ele quer
modificar a situação. O Sarney é colocado como vilão e Suplicy o mocinho. Torna-se
importante lembrar que Sarney é aliado político de Lula e, portanto, ele está ignorando a crise
porque agrada ao governo. Por outro lado, a censura ao jornal não foi impedida pelo governo.
Isso sugere que Lula e Sarney estão do mesmo lado e o jornal de outro, ou seja, o jornal se
opõe ao governo Lula.
Podemos fazer essa leitura devido a um dos elementos presentes nessa chamada: uma
tarja preta escrita em letras brancas “25 DIAS SOB CENSURA”. Trata-se de uma decisão
judicial que proibiu o jornal O Estado de S. Paulo de publicar reportagens sobre a
investigação da Polícia Federal contra Fernando Sarney, pois elas mostram, entre outras
coisas, Fernando Sarney discutindo com o pai a contratação do namorado da neta do senador
por meio de ato secreto no Senado. Na ocasião, Suplicy manifestou-se contra essa decisão
judicial, pois para ele isso fere os princípios constitucionais, já que a constituição assegura a
liberdade de imprensa. O petista assegurou que é um direito da população ser informada sobre
diálogos que ferem a ética, portanto Suplicy foi a favor da imprensa. Embora Suplicy seja
petista, ele mais uma vez posicionou-se contra o partido.
83
3.3 Folha de S. Paulo, 25 de agosto de 2009
84
Na primeira página do jornal Folha de S. Paulo, observa-se que a diagramação é bem
parecida com a do jornal O Estado de S. Paulo. A leitura iniciado pelo canto superior
esquerdo – zona 1 – apresenta uma chamada. A fotomanchete encontra-se ao centro da parte
superior. Seguindo diagonalmente encontramos a manchete na zona central e finalizando na
zona 2 encontramos a mesma propaganda apresentada no jornal O Estado de S. Paulo que
também se estende até a zona 4 e na zona 3 também aprece uma chamada.
3.3.1 Fotomanchete e fotos
A fotomanchete do jornal Folha de São Paulo, cujo título é “Terra arrasada”, refere-se
à desocupação da área de Capão Redondo. Por meio do título, especificamente pelo termo
“arrasada” percebe-se o tom dramático adotado para veicular a notícia.
A notícia trata-se da reintegração de posse de um terreno particular em Capão
Redondo, zona Sul de São Paulo. A legenda referencial e explicativa descreve a situação de
modo consternado e enfatiza a idéia de que 2000 pessoas moravam nesse lugar. Podemos
inferir pelas escolhas lexicais que o jornal colocou os moradores na posição de vítima e a PM
de vilã, pois deixou dois feridos.
85
O formato da foto é o retangular e enquadra um homem e entre destroços. Tal
enquadramento expressa o sentimento de consternação e solidão por parte do personagem. É
como se ele não tivesse mais nada, de tudo que tinha, restou apenas ele e a roupa do seu corpo.
O plano utilizado é o geral, pois focaliza uma pessoa sentada no meio de destroços com as
mãos na cabeça num gesto de desolação. É possível observar a profundidade de campo, mas o
fundo está desfocado a fim de destacar o que está em primeiro plano: o homem e os destroços.
3.3.2 A manchete
A manchete “Crise na Receita provoca saída coletiva de chefes” situa-se no centro da
primeira página do jornal, zona considerada foco de maior atenção do leitor e ocupa o espaço
de quatro colunas em duas linhas. O assunto refere-se à saída de Lina Vieira da Receita que
fez com que desestruturasse a equipe da Receita a tal ponto a formar uma crise. O tom da
manchete é leve, pois a palavra crise carrega consigo o sentido de um período difícil cuja
solução depende da volta a um estado considerado normal e a expressão “saída coletiva” soa
como uma saída em grupo qualquer. Não há necessariamente um confronto ou confusão.
3.3.3 Chamadas
As chamadas encontradas na parte superior da primeira página do jornal Folha de S.
Paulo são quatro: “Empresas dão calote recorde para remunerar seus acionistas”, “Itaú
desbanca Bradesco e fica com 30 % da Porto Seguro”, “Após melhora aumenta risco de
recessão de duplo mergulho” e “Governo propõe atrelar reajuste de aposentado a variação do
PIB”.
Percebe-se que a linguagem adotada por esse jornal é de fácil compreensão e apresenta
um certo grau de informalidade. É possível observar isso principalmente pelo uso das palavras
“calote” e “desbanca”. A primeira significa que a dívida não paga no sentido de que as
empresas passaram a perna em alguém. A segunda tem significado de levar vantagem sobre
algo e soa de modo despojado.
86
3.4 O Globo, 25 de agosto de 2009
87
Como as cores se antecipam a outros códigos verbais, como explica Guimarães (2003),
nota-se que a primeira página do jornal O Globo apresenta as cores verde, amarelo e azul na
parte que corresponde ao nome do jornal. Essas cores remetem às cores da bandeira do Brasil.
O leitor, ao perceber tal escolha, possivelmente fará a inferência de que o jornal O Globo é
patriota.
Seguindo o esquema de leitura baseado em Collaro (1996), a leitura da primeira
página do jornal O Globo inicia-se pela chamada “‘Pardais’ voltam a multar de madrugada”
(zona ótica primária) e, portanto, podemos inferir que o jornal destaca assuntos locais. A
seguir, o olhar do leitor é lançado para a zona ótica central, onde o leitor detém maior atenção
e, nesse espaço, encontra-se para uma charge em tamanho grande. Isso nos leva a crer que O
Globo prioriza os assuntos voltados a política atual do nosso país.
Na zona terminal (2) encontra-se uma chamada sobre outro caderno, cujo assunto é
sobre a novela do horário nobre.
Na zona 3, considerada uma zona morta, encontra-se a extensão do texto da manchete.
A manchete ocupa a parte superior da primeira página, lugar onde se encontram as notícias
consideradas mais importantes do dia. A zona 4, também considerada morta, apresenta uma
chamada.
Em geral, observa-se que O Globo contempla assuntos locais e políticos.
3.4.1 Fotomanchete e fotos
É interessante notar, na primeira página do jornal O Globo desse dia, algo que não é
habitual acontecer: uma charge ganha mais destaque do que qualquer outra fotografia que
possa aparecer na primeira página. Em tamanho grande, uma charge parece assumir o espaço
que seria destinado à fotomanchete. Já é comum aparecer na primeira página do jornal O
Globo uma charge, mas normalmente ela aparece no canto inferior direito, zona terminal de
leitura, de acordo com o mapa de zona ótica.
Assim como a fotografia pode comportar vários significados para o leitor, por
apresentar um jogo de luz e sombra, cores e expressões, a charge não é muito diferente. Como
vimos no capítulo 2, especificamente na seção 2.4, a charge apresenta uma crítica a um
personagem, um fato ou acontecimento político por meio de um desenho caricaturizado com
fisionomias humanas grotescas ou cômicas.
Podemos constatar o que Confortin (1999, p.85) nos afirma: a charge retoma a matéria
da primeira página e sintetiza a notícia. “A charge cresce em importância nos momentos de
88
crise, em que a situação do país vai mal”. É o caso da charge abaixo: Mercadante assume a
posição de porteiro e controla entrada e saída de cada membro do “condomínio”. É uma
alusão ao caso em que Dilma Rousseff negou ter procurado Lina para pedir agilidade na
investigação dos ATOS SECRETOS implementados por Sarney, e Mercadante, apoiando a
posição de Dilma, assegurou que todos que entram ou saem do Planalto são registrados de
maneira que não se podem ser fraudadas pelas câmeras de segurança. Na charge o
personagem de Mercadante fala: “Nós gravamos tudo aqui, quem entra, quem sai, fica tudo
registrado de maneira irrevogável!”. Essa frase dialoga com o discurso que Mercadante deu
no site de microblogs Twitter, onde ele disse: "eu subo hoje à tribuna para apresentar minha
renúncia da liderança do PT em caráter irrevogável."
É possível observar ainda a relação dialógica que a charge estabelece com a manchete
“Dirigentes se rebelam contra ingerência política na Receita”, com outras duas chamadas da
página “Senado agora discute fim se seu Conselho de Ética” e “Na contramão da segurança”,
e com todas as notícias até então vinculadas ao escândalo do senado e às investigações do
caso Sarney. A diagramação e o posicionamento delas na página nos confirmam essa hipótese,
pois o agrupamento dessas notícias está delimitado por uma linha.
A única foto da primeira página desse dia é a que ilustra a chamada principal do
jornal: “Cabral e Aécio divergem sobre o pré-sal”. É possível identificar que é a chamada
principal, pois ela encontra-se em letras menores do que as da manchete e maiores do que as
de outras chamadas. Apesar de as fotografias não serem elementos obrigatórios nas chamadas,
esta, especificamente, contém uma foto que ilustra o debate sobre o pré-sal entre o atual
governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, Guido Mantega e Aécio Neves.
A legenda que acompanha a foto é referencial, pois ajuda a identificar informações
necessárias para situar a foto, dando o nome das pessoas na ordem em que aparecem, e ainda
explica sobre o que está acontecendo na cena. O uso de dois-pontos na frase é um elemento
facilitador na sua construção.
3.4.2 A manchete
Na primeira página do jornal O Globo, a manchete “Dirigentes se rebelam contra
ingerência política na Receita” encontra-se em letras destacadas e maiores do que qualquer
outra da página, ocupando o espaço de duas linhas em cinco colunas. A manchete carrega um
tom agressivo por causa do uso do verbo rebelar que, como já foi comentado, carrega o
89
sentido de revolta, confusão. O termo ingerência, por sua vez, sugere uma certa tecnicidade a
respeito do assunto.
3.4.3 Chamadas
O jornal O Globo apresenta cinco chamadas na parte superior da primeira página e as
chamadas apresentam-se em tipografia diferente de letras, algumas estão em negrito e outras
não. Isso porque entre as chamadas também existe a atribuição de maior ou menor
importância.
Como foi citado na seção 3.4.1, há duas chamadas em especial que dialogam com a
charge presente na primeira página formando um grupo de notícias da mesma categoria. São:
“Senado agora discute fim se seu Conselho de Ética” e “Na contramão da segurança”. Na
primeira podemos inferir, por meio do uso do advérbio de tempo “agora”, que um tema tão
importante nunca tinha sido discutido pelo senado anteriormente e por causa de todo o
escândalo no Senado, o governo quer mostrar que está fazendo serviço discutindo tal assunto.
Na segunda, por meio de uma leitura superficial da chamada, percebe-se que o jornal afirma
que alguma coisa não é o caminho para a segurança. Fazendo uma leitura mais detalhada do
texto, verificamos que o vocábulo contramão é um termo usado para assuntos referentes ao
trânsito e significa que é proibido seguir uma determinada direção. Com o uso dessa
expressão, o jornal sugere que algo proibido está acontecendo. Ao ler o texto da chamada,
constata-se que o assunto tratado é sobre as imagens das câmeras de segurança do Planalto. O
Planalto afirma que as imagens são armazenadas apenas por trinta dias. No entanto, um
especialista informa que é possível guardá-las por anos, se for o caso. Baseado nisso podemos
dialogar com a informação: Será que as imagens não foram guardadas por mais tempo
segundo interesses do Planalto? A notícia sugere ao leitor a dúvida, como se estivesse
denunciando a atitude suspeita por parte do Planalto. Por que manter imagens de segurança
por apenas trinta dias se isso é possível por mais tempo? Tal chamada parece colocar em
xeque o político Mercadante que na charge do dia afirma: “Nós gravamos tudo aqui, quem
entra, quem sai, fica tudo registrado de maneira irrevogável!”
Na chamada “‘Pardais’ voltam a multar de madrugada”, nota-se o uso de regionalismo
marcado também pelo sinal gráfico de aspas e pelo próprio vocábulo. No Rio de Janeiro,
pardal significa radar. Provavelmente em outras regiões em que o leitor não tenha
conhecimento sobre essa palavra não haveria a compreensão imediata de seu significado. Por
meio dessa chamada podemos detectar a que público-alvo ela é destinada: aos moradores da
90
cidade do Rio de Janeiro. Além disso, por meio do verbo voltar, podemos inferir que o fato de
o radar multar durante as madrugadas já era fato acontecido em outros tempos e o jornal alerta
que está acontecendo novamente. Com a leitura do texto da chamada, constatamos que a
inferência foi adequada, pois o fato é que uma lei estadual que havia determinado o
desligamento dos radares entre o horário de 22 horas às 6 horas foi considerada
inconstitucional e assim os radares voltaram a funcionar.
Na chamada: “Rio começa a ter ensino público integral” consideramos tal chamada
meramente informativa. A expressão “começa a ter” sugere o início de um processo. É como
se dissessem começou a ser implantado o ensino público integral.
Com a chamada “Obama afasta a CIA de interrogatórios” nota-se a diversidade de notícias
apresentadas nessa parte do jornal, pois essa se trata de uma notícia de nível internacional.
3.5 A comparação entre as três primeiras páginas
91
92
Por meio da comparação entre os três jornais: O Estado de S. Paulo, Folha de S. Paulo
e o Globo, podemos tirar algumas conclusões a respeito do público-alvo a que eles se
destinam.
Apesar de terem algumas diferenças quanto à linguagem utilizada, verificamos que há
mais semelhanças do que diferenças. Os três jornais tiveram como manchete do dia o assunto
sobre a saída de dirigentes da Receita depois da saída de Lina Vieira. Tanto o jornal O Estado
quanto o jornal O Globo utilizaram-se na manchete de um termo mais agressivo (rebelião)
para destacar a confusão que houve após a saída da ex-secretária da Receita, enquanto a Folha
utilizou-se de um tom mais leve sugerindo uma saída comum, sem maiores transtornos.
Acreditamos que por serem O Estado e a Folha jornais do estado São Paulo, ambos
escolheram para fotomanchete uma fotografia sobre a desocupação de um terreno particular
em Capão Redondo, situado na zona sul de São Paulo. Porém é possível perceber uma
perspectiva diferenciada por cada um deles. O jornal Estado adota uma visão mais fria da
realidade, mostrando que houve a destruição do local e ao mesmo tempo denuncia falha na
segurança; enquanto que a Folha mostra a cena de destruição do local e focaliza a desolação
de um dos moradores. O jornal parece compartilhar com a dor dos moradores da região,
colocando-os na posição de vítimas.
No jornal O Globo acontece algo diferente: em lugar de uma fotomanchete, uma
charge ganha destaque, apresentando uma crítica sobre a situação política do país. É uma
forma descontraída e humorada de denunciar a política atual.
Sobre as chamadas de cada um dos jornais percebe-se que todos enfocam questões
políticas, com a diferença de que o jornal O Estado assume uma posição mais diplomática em
comparação aos outros dois jornais. O Globo apresenta notícias regionais do estado do Rio de
Janeiro que possivelmente não interessariam a um público que não seja morador da região.
Os três jornais pressupõem que o leitor conheça o assunto e esteja acompanhando as
notícias diariamente.
93
3.6 Agora
94
Partindo do mapa de zona ótica exposto no capítulo 2. O percurso de leitura da primeira
página do jornal Agora segue a seguinte ordem: na zona ótica primária (1) encontra-se uma
chamada sobre futebol a qual está acompanhada por uma fotografia de um jogador. O assunto
esportivo, portanto, tem um espaço mais privilegiado do que a própria manchete ou mesmo a
fotomanchete do dia. Na zona central, encontra-se a manchete, cujo assunto é aposentadoria; a
seguir, em direção diagonal encontramos a fotomanchete sobre a desapropriação do terreno de
Capão Redondo – SP, situada na metade inferior da página; na zona 2 encontra-se uma
charge; nas zona 3 e 4, consideradas zonas mortas, encontra-se nessa respectiva ordem o
logotipo do jornal e o preço. Isso levará obrigatoriamente o leitor a olhar para essa área, já que
para comprar ou identificar o jornal, ele precisa olhara para ao valor e o nome dele.
Nesse eixo, portanto, temos como assuntos principais futebol, aposentadoria e cotidiano
(drama). Podemos supor que o Agora é um jornal popular, pois aborda assuntos locais e, além
disso, há a predominância de cores fortes: vermelho, laranja, azul. O logotipo do jornal
apresenta as cores da bandeira de São Paulo: vermelho, preto e branco.
Nota-se ainda que na diagramação do jornal Agora é utilizado um recurso estilístico na
manchete para destacar o que seria a palavra-chave no texto como se fosse uma caneta marca-
texto em vermelho. Isso é uma evidência de que é um recurso utilizado exatamente para
chamar a atenção do leitor.
3.6.1 Fotomanchete e fotos
A fotomanchete presente na primeira página, cujo tema é a desocupação da favela
Olga Benário em São Paulo, encontra-se na parte inferior da primeira página do jornal e tem
como título “Confronto em remoção de favela”. Podemos dizer que comporta uma legenda-
chamada, pois é maior do que a legenda padrão e há indicação da notícia completa nas
páginas interiores do jornal, por meio da sigla do caderno e da página.
Observa-se no texto da legenda que o verbo da oração principal está no tempo presente
e que as orações acessórias apresentam-se com o verbo no tempo passado descrevendo a
circunstância do fato, conforme Martins (1997).
Em relação à composição cromática, são predominantes na foto as cores fortes
(quentes), vermelho e laranja. Tais cores estão presentes no fogo e, até mesmo na roupa das
pessoas que aparecem na foto. A cena chama a atenção e mostra o fogo tomando conta dos
barracos. As cores expressam a tragédia na vida dessas pessoas. A imagem nos remete a
destruição utilizando-se de tom trágico.
95
A foto enquadra o fogo tomando conta dos barracos e um grupo de pessoas
observando a destruição de suas casas. O fogo parece ser incontrolável e a sensação que nos
transmite é a de que não existe mais nada a se fazer, está tudo perdido.
Outra fotografia presente na primeira página é a que acompanha a chamada
“Defederico chega e quer repetir o sucesso de Tevez”. De acordo com os pressupostos
teóricos sobre chamada apresentados no capítulo 2, seção 2.8, a fotografia é um elemento
opcional na chamada. No entanto, esta fotografia em particular parece ganhar um espaço mais
privilegiado do que a própria fotomanchete, pois está situada parte superior da primeira
página, zona ótica primária, isto é, o campo onde será lançado o primeiro olhar do leitor.
Podemos supor que isso acontece devido ao público-alvo do jornal dar maior importância a
esse tipo de assunto. Na foto o jogador Defederico segura a camiseta do jogador Ronaldo
como um gesto de admiração. A legenda “O meia argentino, de 20 anos, segura a camisa do
fenômeno, seu ídolo” comprova essa leitura. É uma legenda referencial, pois descreve
claramente o que está sendo observado na fotografia. Esta legenda cumpre as duas funções
citadas por Martins (1997): usa verbo no tempo presente e seu enfoque está baseado no
noticiário, não deixando margem para dúvidas no leitor.
96
3.6.2 A manchete
Como vimos, a manchete geralmente ocupa a parte superior da primeira página. Nesta
edição do jornal Agora, a manchete ocupa a zona central da página. Ela está escrita em duas
linhas e ocupa o espaço de seis colunas. Além de estar em negrito e em letras grandes há
ainda um destaque especial em vermelho, como se fosse um marca texto. Culturalmente a cor
vermelha indica atenção. De acordo com a idéia de antecipação de Guimarães (2003), a cor é
um elemento perceptível, antes de qualquer outro, sobre o objeto. É possível observar que a
expressão em destaque torna claro o direcionamento da mensagem e, além disso, é o elemento
que chamará mais a atenção do seu público-alvo.
Podemos supor que quando um leitor ler em destaque “acima da inflação” logo a
notícia despertará seu interesse, pois serão as primeiras palavras que ele lerá e, somente
depois, o leitor verificará que se trata do pedido de aumento dos aposentados para os
próximos dois anos. Acreditamos que se não houvesse tal expressão destacada, a notícia não
chamaria a atenção da maioria da população, mas apenas dos aposentados.
O texto da manchete, por meio do verbo pedir, sugere o desejo dos aposentados em ter
aumento salarial, não há evidencia de que eles realmente terão esse aumento. Podemos
observar, portanto, que se trata de um jornal sensacionalista, pois apresenta uma notícia
incerta e especulativa.
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3.6.3 Chamadas
No jornal Agora, as chamadas têm como enfoque temas relacionados a celebridades.
As três chamadas que ganham destaque na zona de leitura primária são: “Defederico chega e
quer repetir o sucesso de Tevez”, “Tricolor jura que elenco segue até o fim do ano” e
“Michael morreu após tomar dose letal de anestésico, diz laudo”. As duas primeiras referem-
se a futebol e a última sobre a morte do cantor Michael Jackson. Nessa última, ao se dirigir ao
cantor pelo primeiro nome, a chamada sugere que o cantor era alguém muito próximo e fazia
parte do rol de intimidade do leitor. Além disso, a informação está embasada no laudo médico
e devido a isso dá margem de mais credibilidade ao leitor.
Observamos que o jornal privilegia as notícias que se referem a celebridade. Podemos
inferir, portanto, que os leitores desse jornal tem como preferência ler esse tipo de assunto.
Além disso, se observarmos atentamente, perceberemos que as chamadas também
estão agrupadas por cores. Em vermelho encontra-se a chamada sobre a morte do cantor
Michael Jackson e em azul as chamadas sobre esporte. De acordo com os pressupostos
teóricos sobre as cores na mídia impressa, podemos supor que a cor vermelha é usada para as
informações consideradas mais importantes (ou mais quentes), aquelas que devem chamar
mais a atenção dos leitores; já a cor azul é destinada aquelas que são consideradas mais
neutras (ou mais frias). No caso a notícia sobre a morte de Michael Jackson é considerada
mais importante do que as notícias sobre futebol.
3.6 Diário de S. Paulo
98
99
Com base no mapa de leitura ótica, encontramos na zona primária (1) a presença de
uma chamada composta por título, imagem, texto e indicação da página. A mesma se estende
até a zona morta (3).
Ao centro da página encontra-se a manchete do dia e abaixo a fotomanchete. Na zona
terminal (2) apresenta-se uma chamada e na zona morta (4), o índice do jornal.
Quanto às cores, percebe-se que há predominância de cores fortes e as cores que
compõem o logotipo do jornal fazem parte da bandeira do estado de São Paulo – vermelho,
preto e branco.
3.7.1 Fotomanchete e fotos
A fotomanchete apresentada na primeira página constitui a chamada “Dia de guerra no
capão redondo” situada na parte inferior da primeira página do jornal. A fotografia focaliza
uma criança aos prantos nos braços de um adulto. O fundo desfocado da foto focaliza de
modo frontal a cena e, por meio do plano americano, que fotografa a pessoa de meio-corpo, é
possível observar os gestos característicos de medo da criança. Ela encontra-se chorando com
a boca aberta e olhos fechados bem apertados, sinal de tensão. Esses elementos tornam a foto
expressiva e ao mesmo tempo apelativa, pois tenta atrair o leitor pelo lado da emoção.
A legenda “Correria e pânico: uma criança chora nos braços da mãe em meio a
barracos incendiados durante o conflito” enfoca bem o tom dramático da notícia. O uso de
dois-pontos facilita a construção da legenda e introduz uma explicação ao que a cena
representa.
100
Na parte superior da página do jornal Diário de S. Paulo, aparece uma seqüência de
cenas, fotos consideradas raras no jornal. Embora atualmente, as câmeras mais modernas
apresentem o recurso de tirar fotos seqüenciadas, percebemos que essa seqüência de imagens
foi retirada de um vídeo. São imagens de câmeras de segurança que foram veiculadas pela
televisão. Podemos comprovar isso porque no canto inferior direito de cada uma delas aparece
o símbolo da Rede Globo de televisão e, além disso, ao lado da foto existe referencia a essa
informação.
As imagens foram congeladas a fim de simular fotos seqüenciadas e nos faz lembrar
da película de filmes de cinema que possuem vários quadradinhos. O título “Parece coisa de
cinema, mas é briga de motoristas” reforça essa idéia e faz alusão ao que seria um filme
policial. Por isso lembremos aqui os três efeitos que Charaudeau (2006) comenta sobre a
imagem televisiva e cinematográfica: o efeito de realidade - a imagem reporta o que surge no
mundo; o efeito de ficção - existe a comparação entre a realidade e o cinema e tal
característica é evidenciada por meio do título; e o efeito de verdade – o congelamento das
cenas permite observar com mais detalhes aquilo que não era possível em movimento.
A legenda referencial e explicativa indica as informações necessárias para situar a
imagem, como no trecho “no estacionamento de um hipermercado na Mooca”, refere-se ao
lugar onde aconteceu o fato e descreve aquilo que está sendo observado, acrescentando uma
explicação ao fato que está sendo veiculado na notícia.
101
Outra fotografia presente na primeira página é a do jogador argentino Matias de
Federico segurando a camiseta do time do Corinthians. Podemos dizer que se trata de uma
foto retrato e tem um caráter referencial. Não há expressividade na foto. O título “O novo
Tevez” serve para anunciar a chegada do novo contratado do time do Corinthians, o jogador
argentino Matias Defederico. Os torcedores dizem que ele é uma grande promessa como o
melhor jogador. Além disso, há uma grande expectativa por parte dos torcedores porque ele
vai vestir a mesma camisa do antigo jogador Carlos Tevez, um argentino tamm que em
pouco tempo se tornou um ídolo da torcida.
A legenda reforça essa idéia fazendo referência a quem é o jogador e explicando o fato
da notícia. Nela podemos observar também um erro de grafia: O sobrenome do jogador está
escrito errado pelo jornal, ao invés de ser Matias de Federico o correto é Matias Defederico.
102
3.7.2 A manchete
A manchete do jornal é “Aposentados podem ter 6,4 de reajuste com nova fórmula”
apresenta-se na parte superior do jornal e ocupa o espaço de quatro colunas de texto em três
linhas. A manchete, por meio do verbo “poder”, sugere uma possibilidade de os aposentados
terem reajuste salarial e não uma certeza comprovada. A idéia é de que o valor ainda está em
negociação.
Além disso, podemos constatar observando a expressão “nova fórmula” que o reajuste
para os aposentados obedecerá um novo critério, o qual não é revelado.
3.7.3 Chamadas
Dentre as chamadas “Parece coisa de cinema, mas é briga de motoristas” e “Overdose
de anestésico matou Michael”, a que parece ser mais importante é a primeira, pois se situa em
toda extensão horizontal da página em letras maiores do que a outra chamada. Ambas são
compostas por título, indicação da página e imagem. A primeira, chamada mais importante,
utiliza-se do método comparativo mostrando que um fato que poderia ser de ficção, acontece
na vida real e remete o leitor a imagem de filme policial americano. Enquanto a segunda
chamada expõe o motivo da morte do cantor Michael Jackson. Ao utilizar somente o primeiro
nome do cantor, Michael, o jornal aproxima o leitor da celebridade como se ele fosse um
amigo próximo. O uso do verbo matar soa de modo agressivo e acusativo.
3.7 Extra
103
104
Na diagramação da primeira pagina do jornal Extra, percebe-se que há a predominância
de imagens e pouco texto. O logotipo do jornal também apresenta as cores da bandeira do
estado de São Paulo.
A partir do mapa de zona ótica, contatamos que a manchete situa-se na parte superior
estendendo-se da zona primária (1) até a zona morta (3). Abaixo na zona central situa-se a
fotomanchete, na zona terminal (2) encontra-se uma chamada e na zona morta (4) o índice
dessa edição do jornal.
3.8.1 Fotomanchete e fotos
A fotografia presente na parte superior da primeira página do jornal trata de um
problema particular entre um jogador e uma mulher que diz estar grávida dele. A notícia
sugere que esse problema afeta o lado profissional do jogador.
A fotografia nos mostra do lado esquerdo o jogador olhando para tal mulher e a
mulher está do lado direito como se estivesse olhando para os leitores com o jeito provocativo,
como se fosse uma ameaça. Ela aparece levantando a sua blusa para mostrar a barriga. A sua
imagem aparece refletida ao fundo da foto como num espelho. Isso sugere a idéia de um
problema em dose dupla: ela e o futuro filho.
A legenda que comporta a foto é uma informação mais longa do que o normal,
comporta título, não apresenta abertura de parágrafos e não há mais nada para informar sobre
o assunto, pois a legenda não apresenta indicação da matéria em outra página. Por isso
podemos dizer que é uma legenda-texto.
É interessante notar que o destaque dado a esse tipo de notícia obedece aos interesses
do público-alvo do jornal. Podemos supor, portanto, que o público a quem se destinam tais
notícias é menos politizado, cujo interesse é maior por assuntos tais como futebol e a vida de
celebridades.
105
A foto acima faz referencia ao problema de descaso da prefeitura diante dos buracos
que aprecem nas ruas de vários bairros da cidade do Rio de Janeiro. A bola da vez seria o
Parque Anchieta, zona Norte do Rio de Janeiro.
João Buracão, um boneco criado por um dos moradores do Rio que há tempos vinha
reclamando de um buraco em sua rua, faz denúncias sobre esse tipo de problema vivido pelos
106
cariocas. O boneco apareceu para fazer uma visita no Parque Anchieta. Lá encontrou a
moradora Cristina Andrade Rodrigues.
A cena mostra a moradora do local, cujo trecho de seu relato “Onde pisa, explode um
buraco” aparece na legenda. Essa idéia sugere que a rua é um campo minado. O asfalto é tão
fraco que não é necessário uma bomba para explodir, basta pisar no solo que uma cratera se
abra.
Na foto a mulher está mordendo a medalha de condecoração recebida por João
Buracão. Esse gesto nos remete a uma ação antiga em que as pessoas para saber se as moedas
que recebiam como forma de pagamento eram de ouro ou não, mordiam-na, pois o ouro é um
material maciço e flexível. Para compreender tal ação, o leitor estabelece um diálogo entre
lembranças do passado, enunciados anteriores, e a situação atual. Dessa forma o leitor atribui
o sentido a informação veiculada pelo jornal.
É uma maneira despojada e irônica de denunciar um problema de descaso da
prefeitura quanto aos buracos encontrados nas ruas de vários bairros da cidade do Rio de
Janeiro. Tais buracos causam inúmeros acidentes, tanto para os carros quanto para os
transeuntes.
A foto comporta uma legenda-chamada, pois nela aparece a indicação da notícia
completa nas páginas interiores do jornal.
107
A foto acima comporta uma legenda padrão e acompanha a chamada “Paz na escola
para enxergar longe”. A imagem mostra o prefeito da cidade do Rio de Janeiro carregando em
seu ombro uma menina e a menina tampa a visão de Paes. Esse gesto sugere a brincadeira
infantil de tapar os olhos de alguém para fazer uma surpresa ou adivinhar quem está tampando
os seus olhos. A foto apresenta um tom leve, de paz e tranqüilidade. A cor azul do céu situada
ao fundo da foto reforça essa idéia. O olhar da menina direcionado a frente, ao horizonte
indica uma perspectiva de futuro melhor. A expressão do rosto do prefeito transmite certa
serenidade.
A legenda “Uma menina tapa a visão de Paes na Cidade de Deus” informa o leitor
sobre o local onde a menina e o prefeito se encontram. Ao ler a legenda, o leitor
possivelmente demonstre surpresa ou admiração, pois a Cidade de Deus é conhecida como
um dos lugares mais violentos do Rio de Janeiro. A imagem se contrapõe a essa idéia e
dialoga com a imagem que muitos têm do filme “Cidade de Deus”, filme brasileiro dirigido
por Fernando Meirelles, que retrata a criminalidade e o tráfico existente nessa favela.
3.8.2 A manchete
O jornal Extra apresenta como manchete do dia: “Aumento de aposentados para o ano
que vem deve ficar em 6,4 %”. Enquanto gênero discursivo podemos verificar que a manchete
apresenta todos os seus elementos constitutivos, o texto ocupa toda extensão horizontal da
parte superior da primeira página, as letras são grandes e destacadas, e há a indicação da
página. O assunto trata-se do aumento salarial dos aposentados para o próximo ano.
A manchete noticia o fato com convicção e não deixa margem para dúvidas ao leitor.
É taxativo ao utilizar o verbo “deve”. Podemos comprovar isso fazendo a leitura da frase
situada abaixo da manchete “Lideranças da categoria e governo selam acordo, que deverá ser
estendido ainda para 2011”.
A notícia leva o leitor a entender que o processo de estudo para o aumento de salário
já está concluído. A solicitação de aumento foi atendida e aprovada.
3.8.3 Chamadas
A chamada “Paz na escola para enxergar longe” faz uma espécie de trocadilho com as
palavras “Paz” e “Paes”, como se para o progresso e desenvolvimento das escolas dependesse
apenas da presença do prefeito da cidade do Rio de Janeiro. É uma chamada aparentemente
108
partidária do atual prefeito, pois além de ter texto apresenta uma fotografia que favorece a
imagem do prefeito. Parece que o jornal quer convencer o leitor de que o governo atual é
bom.
3.8 A Comparação entre as três primeiras páginas
109
110
Os três jornais têm como manchete a notícia sobre o aumento de salário para os
aposentados e, em relação às chamadas mais importantes, há apenas uma que coincide nos
jornais Agora e o Diário, a qual se refere à morte do cantor Michael Jackson. Isso tem a ver
com o público-alvo dos jornais. Todos eles são jornais mais populares que procuram enfocar
assuntos locais. Por esse motivo há tanta diferença entre os jornais paulistas (Agora e Diário
de S. Paulo) e o carioca (Extra).
Sobre as fotos que compõem a parte superior da primeira página de cada um dos
jornais, só há diferenças, nenhuma delas coincide quanto à temática.
O jornal Agora e o jornal Extra privilegiam notícias sobre a vida dos famosos,
lembrando muito as revistas de fofoca.
3.10 A comparação entre os dois grupos
Quanto à diagramação, podemos perceber que a primeira página dos jornais destinados
ao público-alvo de classe social mais alta – O Estado de S. Paulo, Folha de S. Paulo e O
Globo – apresentam maior quantidade de texto, notícias diversificadas e cores suaves;
enquanto que o grupo composto por jornais populares – Agora, Diário de S. Paulo e Extra –
destinados a um público de classe social mais baixa apresentam maior quantidade de fotos, as
cores são fortes, as letras são maiores e há pouco texto.
Quanto aos fatos enfocados, percebemos que os jornais do primeiro grupo abordam
temas relacionados à política econômica do país, como a crise na Receita Federal, e temas
voltados a problemas sociais da região onde o jornal circula. Esses jornais evidenciam as
falhas do governo atual, seja ele Federal, Estadual ou Municipal. Os jornais do segundo grupo
enfocam os temas como a vida particular ou profissional de pessoas que fazem parte da mídia
– por exemplo de artistas e jogadores de futebol – bem como assuntos ligados a finanças
populares, noticiando por exemplo aumentos salariais para a categoria dos aposentados.
Em suma, os jornais do grupo destinado a um público de maior escolaridade
contemplam assuntos sobre política, assumem posições ideológicas por meio de escolhas
lexicais e imagéticas. Os do grupo destinado ao público-alvo mais popular adotam uma
perspectiva sensacionalista, de uma forma apelativa, dando ênfase a assuntos, trágicos, sobre
celebridades e sobre finanças populares.
111
CAPÍTULO 4
ANÁLISE DAS PRIMEIRAS PÁGINAS DOS JORNAIS DE 26 DE
AGOSTO DE 2009
4.1 Apresentação do capítulo
Este capítulo apresenta análise das manchetes, das chamadas principais, das fotos e da
diagramação das primeiras páginas dos jornais O ESTADO DE S. PAULO, FOLHA DE S.
PAULO, O GLOBO, AGORA, DIÁRIO DE S. PAULO e EXTRA, do dia 25 de agosto de
2009. Esses elementos serão analisados à luz dos preceitos teóricos apresentados nos capítulos
1 e 2.
Assim como no capítulo 3, as chamadas analisadas serão aquelas situadas na parte
superior da primeira página de cada jornal. Para efeito de comparação, após a análise de cada
uma das seis primeiras páginas desse dia será necessário fazer um agrupamento das páginas
em duas partes: 1) jornais direcionados ao público-alvo de classe social mais alta: ESTADO
DE S. PAULO, FOLHA DE S. PAULO e O GLOBO; 2) jornais direcionados ao público-alvo
de classe social mais baixa: AGORA, DIÁRIO DE S. PAULO e EXTRA.
Após a comparação das três páginas de cada parte será feita a comparação entre os
dois grupos.
4.2 O Estado de São Paulo, 26 de agosto de 2009
112
113
Seguindo o mapa de zona ótica baseado em Collaro (1996), a leitura da primeira
página do jornal O Estado de S. Paulo inicia-se pela manchete “PMDB cobra ainda mais do
governo e paralisa Câmara” (zona ótica primária). Em seguida alcança a zona ótica central,
onde está situada a fotomanchete e chega à zona terminal onde se encontra uma propaganda
que está ocupando também a zona ótica 4, zona morta. Na zona 3, encontra-se uma chamada.
4.2.1 Fotomanchete e fotos
A fotomanchete presente no jornal O Estado de S. Paulo do dia 26 de agosto de 2009
caracteriza-se por ser a maior foto da página, ocupando a parte superior da primeira página e
apresenta a legenda e indicação da página. A fotografia focaliza o senador Mercadante e o
presidente Lula cumprimentando-se. É interessante notar que ambos não se olham e parecem
indiferentes um ao outro, mas adotam uma postura diplomática diante da população.
A legenda ajuda a esclarecer bem a cena: “Abraço protocolar - Lula cumprimenta
Mercadante em São Bernardo”, ou seja, existe um clima embaraçoso entre os dois. O jornal,
ao colocar essa imagem, pressupõe que o leitor saiba do conflito entre o senador e o
presidente, estabelecendo assim um diálogo com enunciados anteriores.
Contudo, um leitor que não tenha esse conhecimento também dialogará com a imagem,
pensando “O que será que aconteceu entre os dois?” e possivelmente buscará informações a
respeito do assunto para satisfazer sua curiosidade.
114
Outra fotografia presente na primeira página diz respeito à chamada “Santa Casa:
medicina e arte”. Trata-se de uma fotografia meramente ilustrativa, pode ser até mesmo
daquelas fotos de arquivo. A foto apresenta elementos de perspectiva, profundidade, ângulo
de tomada (de cima para baixo), transmitindo a ideia de que o leitor encontra-se naquele lugar.
O arranjo de todos esses elementos ajuda a destacar os artigos presentes no lugar que a
primeira vista parece ser um museu. A imagem dialoga com o leitor, pois remete a lembranças
de uma época distante devido a presença de objetos antigos ou mesmo uma experiência vivida
se for o caso de o leitor lembrar de um local semelhante que já tenha visitado um dia.
A terceira foto presente na página também constitui uma chamada, especificamente do
caderno 2 do jornal. Ao observar a imagem, percebe-se a relação dialógica que existe entre
duas oposições: o moderno e o primitivo. A fotografia apresenta um índio manuseando uma
filmadora e ao seu lado direito uma televisão. Possivelmente, as imagens que ele grava estão
passando simultaneamente na TV.
115
4.2.2 A manchete
A manchete do dia “PMDB cobra ainda mais do governo e paralisa câmara” trata-se
de uma postura cerrada do partido PMDB com o PT depois do escândalo do caso Sarney.
Essa manchete pressupõe que o leitor saiba que cobrança está sendo feita e que o partido não
está dando folga para os políticos corruptos.
Ao observar o uso da palavra “ainda”, percebe-se que a cobrança feita pelo PMDB não
é novidade e que o governo ignora tal pedido. O jornal sugere com essa escolha lingüística
que o PMDB é um partido melhor que o do governo atual.
4.2.3 Chamadas
Das três chamadas analisadas nesse dia, “Receita exonera mais 6 e amplia expurgo”,
“EUA elevam previsão de déficit para US$ 9 trilhões” e “Contas externas têm roubo de
US$ 1,6 bilhão”, observa-se que a primeira é a principal, pois se apresenta em letras maiores
do que as outras. Além disso, a chamada parece dar continuidade à notícia que era manchete
do dia anterior (“Saída de Lina provoca rebelião na Receita”). Podemos observar, nesse caso,
a relação dialógica existente entre a manchete do dia anterior e a chamada. Um leitor que não
esteja acompanhando as notícias diariamente e que não saiba do que está acontecendo na
Receita, dificilmente perceberá a relação. Além isso, nessa chamada o vocábulo que nos
chama a atenção é “expurgo”, que, de acordo com o dicionário Aurélio, deriva do verbo
expurgar e significa livrar do que é nocivo ou imoral. O jornal utiliza um vocábulo rebuscado
para descrever uma operação na Receita como se fosse uma limpeza geral ou mesmo uma
dedetização.
4.3 Folha de S. Paulo, 26 de agosto de 2009
116
117
Fazendo uma análise geral sobre a diagramação da primeira página da Folha de S.
Paulo deste dia, observamos que a manchete localiza-se na parte superior da primeira página,
ocupando toda a extensão horizontal. Logo ocupa as zonas ótica primária (1) e zona ótica
morta (4). A seguir, em direção diagonal, chegando a zona central, aparece a fotomanchete,
seguida por chamadas de alguns cadernos do jornal e um infográfico. Na zona terminal (2) e
na outra zona morta (4) ocupando a extensão horizontal da parte inferior da primeira página,
situa-se uma propaganda.
4.3.1 Fotomanchete
A fotomachete do dia é bastante sugestiva, veicula a imagem do político Eduardo
Suplicy levantando um cartão vermelho, símbolo de expulsão em jogos esportivos, mas o
interessante mesmo é que a foto enquadra o político em plano americano (meio corpo) com
uma expressão facial quase que defigurada.
O título “Efeito retardado” torna claro qual é a posição do jornal ao veicular a
fotografia e explicita a idéia de que Suplicy seria um indivíduo atrasado, cujo
desenvolvimento mental está abaixo do normal para sua idade. Além disso, o termo soa de
modo pejorativo, como uma ofensa. É uma crítica bastante acirrada ao político.
O jornal de certa forma faz uma critica à atitude de Suplicy, pois podemos inferir que
a reinvindicação que ele está fazendo deveria ter sido feita anteriormente, quando ainda havia
tempo. Tal idéia dialoga com enunciados anteriores sobre o político, muitos dizem que ele é
bom e honesto, mas com isso é bobo, lerdo e fica sempre para trás.
A legenda reforça a idéia mostrando que ele manifestou-se apenas sete dias depois do partido
“salvar” Sarney. O verbo salvar presente na legenda, sugere que Sarney estava realmente na
berlinda, situação de risco.
Podemos estabelecer uma relação dialógica de indignação, riso e até mesmo pena, pois
diante da imagem de Suplicy nessa foto ele parece um velhinho impossibilitado de fazer
qualquer coisa.
118
4.3.2 A manchete
A manchete “Mais demissões pioram crise na Receita” ocupa toda a extensão da parte
superior da primeira página. Por meio dela, subentende-se que já aconteceram outras
demissões anteriormente e que antes já estava ruim. Tal manchete pressupõe que o leitor
esteja acompanhando as notícias voltadas à Receita Federal. A manchete dialoga com
enunciados anteriores, que se não fizerem parte do repertório do leitor, o seu entendimento
ficaria comprometido.
4.3.3 Chamadas
A chamada “Oposição renuncia às vagas no Conselho de Ética do Senado” dialoga
com as questões sobre o caso Sarney. Para que o leitor entenda o assunto que é tratado na
notícia, ele precisa acionar seu conhecimento prévio todas as informações sobre os escândalos
ocorridos desde a denúncia de que Sarney estava envolvido em atos secretos até o desvio de
verbas da Petrobrás. A palavra oposição remete ao partido dos tucanos – PMDB – o qual é o
adversário direto do atual governo – PT. Podemos inferir, portanto, que a renúncia foi uma
forma de protesto contra a permanência do presidente do Senado, José Sarney e por
conseqüência do próprio presidente por acobertá-lo.
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A chamada “Retomada econômica agrava contas externas” evidencia um Brasil mal
administrado. Por meio do verbo agravar o jornal adota uma visão pessimista da situação
econômica do país.
Ao fazer tais escolhas, o jornal folha de S. Paulo adota uma postura contrária ao
governo e induz o leitor a adotar essa postura também. Parece que os políticos do PMDB são
os mocinhos que querem salvar o país, enquanto os petistas são os aproveitadores e corruptos
que afundam o país.
4.4 O Globo, 26 de agosto de 2009
120
121
De acordo com o mapa de zona ótica, a leitura da primeira página do jornal O Globo
inicia-se pela zona ótica primária (1), onde está situada a chamada “‘Petrobrás pagou mais de
1.490% por obra parada”. A seguir, o olhar do leitor é direcionado para a zona ótica central,
onde se encontra a fotomanchete. Na zona terminal (2) encontra-se uma chamada sobre outro
caderno, cujo assunto é automóvel.
Na zona morta (3), encontra-se a chamada “Iluminação terceirizada”, notícia regional
do Rio de Janeiro. A manchete ocupa a parte superior da primeira página, lugar onde se
encontram as notícias consideradas mais importantes do dia e estende-se até a zona morta (4).
Em geral, observa-se que O Globo contempla assuntos locais e sobre a política do país.
4.4.1 Fotomanchete e fotos
A foto enquadra de modo frontal o senador Eduardo Suplicy no púlpito, erguendo um
cartão vermelho eM sinal de protesto, como se estivesse pedindo a expulsão de Sarney do
senado. Embora o ato de Suplicy seja digno de admiração, pois ele mostra que não apóia a
posição do seu próprio partido (PT) em acobertar as falcatruas de Sarney, o jornal O Globo
parece caçoar do senador, pois veicula uma foto em que ele está de boca aberta como se fosse
um retardado. Além disso, a foto mostra a bandeira do Brasil ao seu lado. A cena desmoraliza
a imagem do Brasil, pois a pessoa que está defendendo a integridade do país mostra-se
desacreditado na imagem. O jornal sugere que o Brasil não tem representantes adequados. Um
é corrupto, safado e ladrão, enquanto aquele que seria o honesto é um lerdo. Dessa forma, o
país parece não ter salvação.
O título “Terceiro tempo” mostra explicitamente a opinião do jornal de que o senador
Suplicy está extremante atrasado no seu ato de protesto.
122
4.4.2 A manchete
Na manchete “Pré-sal: Cabral e Hartung recusam convite de Lula”, observa-se
claramente o direcionamento da notícia para o estado do Rio de Janeiro, já que está sendo
veiculada unicamente pelo jornal carioca O Globo. Os outros jornais como a Folha de S.
Paulo e O Estado de S. Paulo não apresentam tal enfoque neste dia, pois o pré-sal é interesse
político do Rio de Janeiro.
4.3.4 Chamadas
Dentre as três chamadas consideradas de maior destaque no jornal O Globo deste dia
estão: Petrobrás pagou mais 1.490% por obra parada” – evidenciando o desperdício de
dinheiro público; “Polícia Civil espana os flanelinhas” – expondo a fiscalização da polícia
com os guardadores de carro ilegais, é interessante notar a escolha lingüística dessa chamada
e que a torna cômica devido ao uso do verbo espanar para sugerir a limpeza dos profissionais
ilegais que são os flanelinhas – a flanela também é um objeto para fazer a limpeza; e
123
“Governo nega crise e Lina diz que ouve ‘perigoso recuo’” - é uma notícia de interesse
nacional e é a mais destacada das três dando continuidade às informações sobre a crise na
Receita.
4.3 A Comparação entre as três primeiras páginas
124
125
Observando a parte superior das primeiras páginas de jornal acima, concluímos que os
três jornais, O Estado de S. Paulo, Folha de S. Paulo e o Globo, são direcionados a um
público-alvo mais elitizado que procura se informar sobre assuntos do país e da região em que
vivem.
Apesar de as manchetes não coincidirem, todas elas enfocam assuntos sobre a política
econômica do país.
Enquanto O Estado de S. Paulo enfoca na sua fotomanchete a relação de embaraço
entre Lula e Mercadante, os jornais Folha de S. Paulo e o Globo enfocam o ato de protesto
realizado pelo político Eduardo Suplicy, o qual é demasiadamente ridicularizado.
Nas chamadas de cada um dos jornais são enfocadas questões políticas e todos os três
parecem dar continuidade aos assuntos tratados na edição do dia anterior.
126
4.6 Agora, 26 de agosto de 2009
127
A primeira página do jornal Agora é composta predominantemente por vermelho, cor
que chama bastante a atenção dos leitores.
A manchete está localizada na parte superior e compreende toda a extensão horizontal,
parte da zona primaria (1) e zona morta (3). Na zona central encontra-se a fotomanchete, na
zona terminal (2) encontra-se uma charge e na zona morta (4) o preço de jornal.
4.6.1 Fotomanchete e fotos
A fotomanchete presente na primeira página do jornal trata-se da fotografia do novo
jogador contratado pelo Corinthians. É uma fotografia em plano americano, que focaliza o
jogador em meio-corpo na posição frontal. O tipo de foto é instantâneo, pois capta o efeito de
movimento da bola. O jogador parece olhar a bola com entusiasmo, como se tivesse sede de
jogo. A fotomanchete, apesar de parecer meramente ilustrativa, apresenta a sugestão de que o
novo jogador promete alavancar os próximos jogos do Corinthians.
As outras três fotografias presentes na primeira página acompanham algumas
chamadas dia. A primeira acompanha a chamada “Médico vai para a penitenciária” – é uma
foto instantânea que mostra a imagem do médico Roger Abdelmassih sendo transferido para a
penitenciária de Tremembé.
A segunda é uma foto retrato em close da ex-apresentadora do SBT, Jackeline Petkovic,
tal fotografia tem a função de referencial, isto é, serve apenas para identificação e não há
expressividade. A foto acompanha a chamada “Apresentadora de TV respira por aparelhos”.
A terceira trata-se também de uma foto instantânea apresentando efeitos de realidade,
cuja chamada é “Greve de GCM afeta a 25 e a ronda escolar”. Trata-se da manifestação de
guardas-civis por aumento de salário. É uma foto expressiva que apresenta profundidade de
campo para destacar que muitas pessoas aderiram ao movimento grevista.
128
4.6.2 Chamadas
Consideramos, nessa primeira página, quatro chamadas como principais: 1) Médico
vai para a penitenciária – chamada composta por título, indicação de página e fotografia,
conforme foi comentado na seção anterior – remete ao caso do médico acusado de estupro e
atentado violento ao pudor contra suas pacientes; 2) Anestésico dado para Michael pode
causar parada respiratória – mais uma vez trata-se da especulação em torno da morte do
cantor Michael Jackson, dessa vez supõe-se que o remédio ingerido pelo cantor provoca
parada respiratória. Pode-se comprovar que é uma especulação devido ao uso do verbo poder,
o qual indica possibilidade. A chamada refere-se à investigação em torno da morte do cantor.
A notícia dialoga com enunciados anteriores e remete as acusações de que o médico do cantor,
Dr. Conrad Murray, é responsável por sua morte. Mesmo um leitor que não esteja atento as
notícias sobre a morte dele, dialogará com a chamada fazendo questionamentos do tipo:
Quem deu o remédio a Michael? Para que o leitor compreenda a noticia é preciso que ele
tenha o conhecimento prévio de que o médico foi acusado de homicídio. Dessa forma o leitor,
ao ler a chamada, dialogará com a notícia manifestando o sentimento de dúvida, indignação
ou até mesmo revolta. Ele pode pensar: “Michael Jackson poderia estar vivo, se não fosse a
dose excessiva de remédio”, “O médico matou o cantor”, ou ainda “Médico irresponsável!
Receitou o medicamento errado”; 3) Crise na receita se agrava e mais 60 abandonam os
cargos – retoma o assunto do afastamento de Lina Vieira da Receita que causou comoção por
parte de outros membros, o assunto dialoga com as notícias anteriores e pressupõe que o leitor
esteja acompanhando o caso; 4) Arrastão na Lapa tem três ladrões mortos – uma notícia do
estado do Rio de Janeiro, enfoca a violência do lugar e dialoga com outras questões de perigo
veiculadas pela imprensa sobre a cidade carioca. Parece que a imprensa quer evidenciar que
os crimes, a marginalidade e o perigo continuam rondando a cidade.
129
Embora essas quatro chamadas não estejam todas situadas na parte superior do jornal,
são as que recebem maior destaque por meio da tipologia das letras – estão em letras maiores
do que as outras e estão em negrito. Por ocuparem a parte superior da primeira página, as
chamadas sobre assuntos financeiros, futebol e a vida de famosos ganham mais destaque do
que as chamadas principais que estão destacadas pelo tamanho das letras.
130
4.7 Diário de S. Paulo, 26 de agosto de 2009
131
Por meio da diagramação da primeira página do jornal Diário de S. Paulo, percebemos
que o jornal prioriza as notícias voltadas a vida dos famosos. De acordo com o mapa de zona
ótica, a primeira página do jornal Diário de S. Paulo está disposta da seguinte forma: na zona
primária (1) encontra-se a chamada do caderno de esportes; na zona central encontra-se a
manchete por toda a extensão da página e abaixo encontra-se a fotomanchete; zona morta (3)
encontra-se a chamada do caderno de automóveis; na zona morta (4), o índice do jornal e na
zona terminal (2) uma chamada sobre a greve dos guardas civis municipais.
Por esses assuntos e essa disposição, percebemos que se trata de um jornal destinado a
um público de classe social mais baixa.
4.7.1 Fotomanchete e fotos
A fotomanchete trata-se da prisão do médico Roger Abdelmassih, acusado de abusar
sexualmente de suas pacientes, e de Gil Rugai, acusado de matar o pai e a madrasta. Para
quem vê as duas fotos sem prestar atenção parece que é na verdade uma seqüência de fotos da
mesma pessoa, pois o título “Entra e sai da cadeia” e não revela a quem se refere as fotos,
além disso, as cores da imagem são as mesmas e a cenas se confundem.
A legenda então cumpre sua função referencial e esclarece: na primeira cena “O
médico foi transferido ontem para Tremembé, onde estão vários presos famosos” e na
segunda, “Gil Rugai é conduzido por policiais após passar por exame no Instituto Médico
Legal”.
Na parte superior da primeira página aparece a fotografia da atriz Thais Fersoza, do
seu marido e da atriz Paola de Oliveira. É um espaço mais privilegiado do que a própria
manchete. Portanto, percebe-se que a preferência do público desse jornal é pela vida particular
132
dos artistas, pois os assuntos regionais estão em segundo plano, na parte inferior da primeira
página.
Outra fotografia presente na primeira página é acompanha a chamada “Padre bêbado
atropela Jesus”. É uma foto instantânea que capta o padre sendo detido em flagrante por
atropelar um homem. A imagem da foto se opõe a imagem de padre que a maioria das pessoas
tem. É a forma mais simples de relação dialógica da linguagem, pois ao ler tal notícia o leitor
aciona em seu conhecimento de mundo a imagem de um homem de batina, uma pessoa sem
pecados, pacata e sem vícios.
4.7.2 A manchete
Com a manchete “Acordo garante ganho real a aposentados em 2010 e 2011”, o jornal
Diário de S. Paulo parece dar continuidade a notícia do dia anterior – Aposentados podem ter
6,4% de reajuste com nova fórmula. O que no dia anterior era uma possibilidade, na data
presente torna-se uma concretização. Podemos perceber a relação dialógica estabelecida com
o discurso do dia anterior. Provavelmente o jornal pressupõe que o público-alvo do jornal
133
esteja acompanhando as notícias sobre o aumento para os aposentados diariamente. É possível
imaginar o leitor aposentado após ler a manchete do dia ficar contente com a notícia.
4.7.3 Chamadas
Seguindo o mapa de zona ótica que diz que as notícias que ficam na metade superior
são as mais importantes, constatamos que as duas chamadas principais são “Marido deixa
atriz após lua de mel” e “Muricy é a alma do verdão no Morumbi”. São notícias voltadas ao
mundo dos esportes e das celebridades.
No entanto, não podemos deixar de analisar as duas chamadas que acompanham a
fotomanchete: “Dr. Roger na prisão de Nardoni” e “Gil Rugai fica só 12 horas preso”.
Ambas pressupõem que o leitor esteja acompanhando os dois casos e saiba quem são essas
pessoas. Nota-se isso fazendo algumas perguntas como: Quem é o médico? Quem é Nardoni?
Quem é Gil Rugai?.
Por meio do advérbio “só”, na segunda chamada, percebemos a opinião do jornal a
favor da permanência desse criminoso na prisão. De certa forma, o jornal denuncia a
impunidade da justiça.
134
4.8 Extra, 26 de agosto de 2009
135
Podemos observar nessa primeira página de jornal que as cores se antecipam em
relação ao que está escrito. Trata-se da idéia de antecipação das cores, a qual Guimarães
(2003) se refere. A presença de muitas cores vivas, como o vermelho, o amarelo e o laranja,
nos lembra o que tanto Farina (1994) como Guimarães (2003) afirmam: essa escolha tem
relação com a classe social do público-alvo em questão.
Na parte superior da primeira página, exatamente onde a leitura se inicia – zona
primária (1) –, encontramos novamente uma notícia sobre o jogador do Flamengo, Bruno,
veiculada no dia anterior. Seguindo a linha diagonal, na zona central, encontra-se uma
chamada sobre livro de receitas e a fotomanchete sobre o personagem João Buracão. Na zona
terminal (2) temos o índice do jornal e nas zonas mortas 3 e 4 temos chamadas e o preço do
jornal.
4.7.5 Fotomanchete e fotos
A fotomanchete do dia refere-se ao personagem João Buracão, que na edição do dia
anterior apareceu como uma chamada. Mais uma vez denuncia o descaso da prefeitura do Rio
de Janeiro com as ruas da cidade. Parece que na falta de uma fotografia melhor para ser o
destaque do dia, o personagem faz jus ao seu codinome, tampando o buraco da fotomanchete.
As outras fotografias presentes na primeira página ilustram as chamadas. A primeira
delas (à esquerda) ilustra a chamada sobre uma partida de futebol. A legenda “Festa Vascaína
na comemoração do gol de Ramon” identifica o time a que se refere e explica o motivo da
alegria manifestada pelos jogadores. A outra (à direita) ilustra a chamada sobre a creche na
favela Cidade de Deus. A fotografia apresenta uma criança feliz num brinquedo colorido. A
cena transmite a sensação de alegria e pureza da infância. Não parece ser um local situado em
uma favela tão violenta e cheia de perigos como essa. A legenda “Keyte na Creche da Cidade
de Deus: futuro melhor” torna claro a ideia de que a favela está se regenerando.
136
4.7.6 Manchete
A manchete “Liquidação dará 80% de desconto em shopping” evidencia o público-
alvo do jornal. É um público que gosta de comprar e sai em busca de pechincha. Para eles,
vale mais economizar do que qualquer outro assunto sobre economia do país, por exemplo.
Ao lermos o texto da manchete podemos constatar que se trata de uma liquidação nas
regiões da Baixada Fluminense e de Niterói. Ambos os locais estão situados no estado do Rio
de Janeiro. O leitor dotado de conhecimento-prévio sobre as duas localidades estabelecerá
diálogo com discursos anteriores e atuais sobre a Baixada Fluminense, conhecida como zona
de grande periculosidade, onde acontecem muitos assaltos e crimes, os quais são
frequentemente veiculados pela mídia; e sobre Niterói, uma cidade conhecida por muitas
belezas naturais e pontos turísticos diversos. As duas regiões estabelecem entre si uma relação
de oposição, a primeira apresenta uma lembrança negativa da realidade, enquanto a outra uma
lembrança positiva.
4.7.6 Chamadas
As chamadas principais presentes nesse dia são: “Ex-mulher de Bruno: ‘Se o filho for
mesmo dele, ele deve assumir’” a notícia, dialoga com a fotomanchete veiculada no dia
anterior e pressupõe que o leitor esteja acompanhando o conflito na vida do jogador. No
entanto, não é necessário o leitor ter lido a notícia anterior para entendê-la. Os leitores podem
identificar-se com a notícia, pois é comum na sociedade em que vivemos haver conflitos por
causa de dúvidas sobre a paternidade de um filho. Portanto, eles podem dialogar com a notícia
137
tendo com base as próprias experiências vividas ou mesmo através das observações dos
programas televisivos como Ratinho, Mulheres, Casos de família, e outros desse gênero.
Por meio da chamada “Começa Domingo”, podemos constar de modo escancarado o
aspecto mercadológico do jornal Extra, citado por Marques (2006). O jornal divulga um livro
de receitas que poderá ser adquirido pelo consumidor, se ele juntar 40 selos e cada um deve
ser conquistado adquirindo uma edição do jornal.
Na chamada “Aposentado: reajuste terá ganho real de 2,55%”, o jornal parece retificar
a notícia dada como manchete no dia anterior – “Aumento de aposentados para o ano que vem
deve ficar em 6,4 %” .
4.8 A Comparação entre as três primeiras páginas
138
139
Os três jornais – Agora, Diário de S. Paulo e Extra – privilegiam as notícias sobre
celebridades e os assuntos são destinados a um público-alvo de classe mais baixa e menos
politizada. Percebemos que os assuntos contemplados na primeira página do dia já foram
notícia no dia anterior como, por exemplo, a questão salarial dos aposentados. O enfoque
dado à notícia é diferente, mas não há o aspecto de ineditismo para ser a manchete do dia,
conforme foram veiculadas nos jornais Agora e Diário. O jornal Extra, por exemplo,
apresenta a manchete “Liquidação dará 80% de desconto em shoppings” e apresenta a notícia
sobre os aposentados como uma chamada na parte inferior do jornal, a qual não é possível
observar na imagem acima. As chamadas presentes na metade superior dos três jornais
referem-se a jogadores de futebol e atores da televisão.
Como foram observados na conclusão do capítulo 3, esses três jornais apresentam cores
fortes, maior quantidade de fotos, há pouco texto e as letras são maiores. Os elementos de
diagramação parecem chamar mais a atenção do leitor do que a própria notícia.
4.9 A comparação entre os dois grupos
Por serem os mesmos jornais analisados no capítulo 3 as conclusões que chegamos
quanto aos perfis dos dois grupos de jornais são as mesmas. Diferenciam-se apenas por serem
edições de dias diferentes e, portanto as notícias e o enfoque dado a cada uma delas
apresentam algumas variações.
Os jornais do primeiro grupo, direcionados ao público-alvo de classe social mais alta –
ESTADO DE S. PAULO, FOLHA DE S. PAULO e O GLOBO –, apresentam notícias mais
politizadas e assumem posições ideológicas definidas.
Os jornais do segundo grupo, direcionados ao público-alvo de classe social mais baixa
– AGORA, DIÁRIO DE S. PAULO e EXTRA –, apresentam notícias locais de forma
sensacionalista e espetaculosa.
140
CONCLUSÃO
A partir da análise do corpus – doze primeiras páginas de seis jornais diferentes,
publicadas em dois dias –, fundamentada na perspectiva bakhtiniana de linguagem e de
gêneros discursivos, na abordagem sociocognitiva de leitura e em estudos da área de
comunicação sobre jornalismo impresso, concluímos que o jornal, especificamente a primeira
página, é um material rico para as atividades de leitura em sala de aula. Pode contribuir
significativamente para que os alunos atinjam melhor grau de proficiência leitora e criticidade
se for devidamente explorado nas atividades de leitura.
A análise comparativa entre as primeiras páginas de doze jornais, sendo seis de cada
dia e, posteriormente, entre esses doze jornais divididos em dois grupos – um destinado ao
público de classe social mais alta e outro, ao público de classe social mais baixa – nos mostra
como o mesmo fato é tratado pelos diferentes jornais por perspectivas diferentes; como a
importância dada aos fatos varia, de acordo com a linha editorial de cada jornal; como a
narrativa dos fatos, as escolhas lingüísticas e a diagramação da primeira página são
influenciadas pelos critérios estabelecidos em função do público-alvo do jornal e como cada
jornal, a partir do mesmo fato, estabelece um diálogo com discursos atuais.
A comparação entre os dois grupos de jornais – classe mais baixa e classe mais alta –
mostram que os jornais do grupo destinado a um público de maior escolaridade contemplam
assuntos sobre política, assumem posições ideológicas por meio de escolhas lexicais e
imagéticas. Enquanto que os do grupo destinado ao público-alvo mais popular adotam uma
perspectiva sensacionalista, de uma forma apelativa e espetaculosa, dando ênfase a assuntos,
trágicos, sobre celebridades e sobre finanças populares.
A partir desses resultados, concluímos que trabalhar com a leitura de primeira página
de jornal nas aulas de Língua Portuguesa é um passo importante para colocar os alunos em
contato com assuntos que são destaque na mídia, que refletem o momento político e social do
país ou de uma região e, ainda, é uma possibilidade de provocar uma discussão sobre esses
assuntos e sobre a atuação da mídia impressa. É interessante notar quais são os assuntos que
pautam a sociedade; e que os jornais, apesar de terem particularidades e prioridades diferentes,
contemplam quase os mesmos assuntos, porém com enfoque ou ênfase diferentes.
Além desses benefícios ao aluno como leitor, o trabalho com a leitura crítica de
primeiras páginas de jornais pode também propiciar uma melhor percepção do leitor sobre o
recorte da realidade feito pelo jornalismo televisivo. O que se observa sobre o modo como os
141
fatos são tratados pelos jornais impressos também pode ser observado nos telejornais. Os
leitores estão suscetíveis a se sentirem satisfeitos com informações superficiais, parciais ou
espetaculosas e, por isso, trabalhar com o jornal na escola é uma forma de ampliar as
perspectivas dos alunos.
Embora os jovens não gostem de jornal e ele não seja um objeto atraente, a primeira
página tem o atrativo das fotos, das imagens, das cores, das letras destacadas entre outros
recursos estéticos. Por esse motivo, acreditamos que a leitura de primeira página é a melhor
maneira de iniciar o jovem na leitura de jornal.
Além disso, a primeira página é também um material rico para a leitura do não-verbal,
proposta dos documentos oficiais de ensino. Desse modo, a leitura do fotojornalismo pode ser
uma boa oportunidade de colocar os jovens, tão atraídos pelas mídias modernas, a refletir
sobre o que uma foto pode expressar ou não. A leitura da primeira página de jornal é sem
dúvida uma forma de atrair um público mais jovem, que valoriza a linguagem imagética.
Fazendo uma leitura detalhada da primeira página, espera-se que os novos leitores
fiquem estimulados a ler as matérias completas dentro do corpo do jornal.
É importante lembrar que cabe aos professores, não só de Língua Portuguesa como
também de outras áreas - História, Geografia, Ciências entre outras –, tornar a leitura de
material impresso mais interessante, pois esse tipo de leitura ajuda a desenvolver a criticidade
dos leitores, bem como cria possibilidades para discussões de temas contemporâneos.
Por esse motivo, o professor não deve fazer do jornal um material de salvação de suas
aulas, despejando-o no colo do aluno apenas para recorte, como pode ser observado nas
escolas, pois dessa maneira ele estará descaracterizando a sua função social. Ele deve, sim,
direcionar a formação do aluno para a leitura crítica, o que pressupõe percorrer vários níveis
de leitura, fazer inferências e estabelecer diálogos com enunciados anteriores e atuais.
Concluímos que a resenha sobre a leitura crítica, a abordagem sócio-cognitiva de leitura,
a concepção de língua bakhtiniana e os estudos da área da comunicação sobre jornalismo
impresso apresentada nesta pesquisa, juntamente com a análise das 12 primeiras páginas, traz
uma contribuição importante para o professor que queira ampliar seus conhecimentos teóricos
sobre a leitura do jornal. Pensando na transposição didática de toda essa teoria para a sala de
aula, sugerimos a seguinte seqüência didática:
142
SEQUÊNCIA DIDÁTICA
JUSTIFICATIVA COM BASE NA
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
1. Selecionar pelo menos duas primeiras
páginas de jornais do mesmo dia para
público-alvos diferentes.
Importância do público-alvo para seleção e
abordagem dos fatos pelo jornal.
2. Explorar a diagramação da primeira
página por meio de perguntas do tipo: O que
pode ser encontrado na primeira página?, O
que chama mais atenção?, Qual é a notícia
mais importante?, etc.
Importância de iniciar uma leitura rápida
do(s) gênero(s) da primeira página do jornal
explorando seus elementos composicionais
(a posição das informações, o tipo e
tamanho das letras, as cores, as imagens e
fotos), estabelecendo alguns objetivos de
leitura por meio de perguntas.
3. Reconhecer alguns gêneros discursivos
da primeira página – a manchete, a
fotomanchete, a chamada, índice,
propaganda, charge – e seus elementos
constituintes.
A partir da concepção bakhtiniana de
linguagem, importância de conceber os
gêneros discursivos num contexto sócio-
histórico de produção e de circulação.
4. Explorar a leitura da fotomanchete, a sua
relação com os fatos principais do dia e os
efeitos de sentido que a foto pode expressar
dependendo do formato, do enquadramento,
do ângulo, da perspectiva, etc. Fazer
questionamentos como: O que aparece na
imagem?, O que os personagens estão
fazendo?, Onde eles se encontram?, Que
sensação transmite ao leitor?, etc.
Importância da leitura do não-verbal,
proposta dos documentos oficiais de ensino;
destaque à expressividade das fotos em
decorrência de certas características.
5. Explorar a manchete e as chamadas
principais envolvendo a temática, a forma
como o assunto está sendo enfocado por
meio do vocabulário, da extensão da notícia,
do detalhamento e da quantidade de
Importância dos elementos lexicais como
indicadores de opinião e posição do jornal.
Comparação entre manchetes e chamadas
sobre o mesmo assunto em dois jornais.
143
informação e relacionando todos esses
aspectos com o público-alvo.
6. Fazer uma leitura comparada da primeira
página dos dois jornais.
Importância de propor uma discussão crítica
sobre: 1) as opções de seleção de fatos pelos
dois jornais; 2) o destaque dados pelos
jornais aos fatos selecionados; 3) as
diferenças ou semelhanças de enfoques
dados aos fatos; 4) as relações dialógicas
estabelecidas pelo(s) texto(s) lido(s) com
outros discursos – passados, presentes e
futuros; 5) o posicionamento que cada
jornal assume em relação aos fatos
destacados na primeira página.
Tal seqüência pode ser utilizada tanto para o Ensino Fundamental, como para o Ensino
Médio e, como se observa, é importante que o professor leve, no mínimo, dois jornais de
empresas jornalísticas diferentes para fazer a leitura em sala de aula. Ler um único jornal é
restringir-se a único mundo e não ter parâmetros de comparação. Cada jornal adota uma
determinada perspectiva – um recorte da realidade direcionado a um conjunto de interesses:
mercadológicos, sociais, políticos, etc. O contraste entre dois jornais evidencia esses
posicionamentos.
Para o professor adquirir conhecimentos teóricos sobre a língua e sobre a esfera
jornalística, ele precisa atualizar-se. Seria interessante, portanto, que o assunto sobre a leitura
crítica de jornal fizesse parte da programação dos cursos de atualização oferecidos aos
professores. No entanto, não é assunto que se esgote em uma tarde de curso de atualização. É
importante lembrar que estamos tratando de um assunto complexo e que o professor precisa
se propor a estudar o assunto.
A sequência didática proposta nesta conclusão é uma síntese de muitos conceitos
teóricos e não é possível que o professor trabalhe com a leitura da primeira página do jornal se
guiando apenas por ela. Somente com conhecimento teórico é possível evitar a aplicação de
uma seqüência automática. Em resumo, não é uma tarefa fácil.
144
Lembremos das palavras de Gadotti (2007, p.40): “A leitura de jornais e revistas exige
uma participação ativa do leitor. Daí a necessidade de formá-lo. O leitor não pode ser um
mero espectador. Ele deve saber o que ler, como ler, o que destacar.” O professor precisa ser
um leitor bem formado para formar seus alunos leitores.
Portanto, análises dessa natureza contribuem para ampliar os conhecimentos teóricos
sobre a leitura do jornal e são subsídios importantes para o professor de língua portuguesa
conhecer melhor a prática jornalística e trabalhar com leitura crítica do jornal em sala de aula.
Esperamos que essa pesquisa contribua de forma significativa para futuras pesquisas e para o
professor continuar pesquisando e se aperfeiçoando.
145
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