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UNIVERSIDADE DE TAUBATÉ
Amanda Maria Bicudo de Souza
METÁFORAS CONCEPTUAIS EM PROPAGANDAS
DE REVISTAS FEMININAS
Taubaté - SP
2010
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UNIVERSIDADE DE TAUBATÉ
Amanda Maria Bicudo de Souza
METÁFORAS CONCEPTUAIS EM PROPAGANDAS
DE REVISTAS FEMININAS
Dissertação apresentada ao Departamento de
Ciências Sociais e Letras da Universidade de
Taubaté como parte dos requisitos para a
obtenção do Título de Mestre pelo Curso de
Mestrado em Linguística Aplicada.
Área de Concentração: Língua Materna.
Orientadora: Profa. Dra. Graziela Zamponi.
Taubaté - SP
2010
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UNIVERSIDADE DE TAUBATÉ
Amanda Maria Bicudo de Souza
METÁFORAS CONCEPTUAIS EM PROPAGANDAS DE
REVISTAS FEMININAS
Dissertação apresentada ao Departamento de
Ciências Sociais e Letras da Universidade de
Taubaté como parte dos requisitos para a
obtenção do Título de Mestre pelo Curso de
Mestrado em Linguística Aplicada.
Área de Concentração: Língua Materna.
Orientadora: Profa. Dra. Graziela Zamponi
Data: ____________________________
Resultado: ________________________
BANCA EXAMINADORA
Profª Drª Graziela Zamponi (Orientadora) - UNITAU
Assinatura __________________________________________________
Profª Drª Maria Valíria Anderson de Melo Vargas
Assinatura ___________________________________________________
Profª Drª Miriam Puzzo– UNITAU
Assinatura __________________________________________________
Dedicatória
À minha mãe, Elenir, por todo amor e todo apoio. A você, minha mãe querida, obrigada pelos
ensinamentos de vida que me fizeram ser o que sou hoje e acreditar em Deus, na vida, nos
sonhos e em mim.
Ao meu pai, Paulo, que mesmo não estando mais em meio a nós, tenho a certeza de que,
como sempre, está orgulhoso de minha conquista.
Aos meus irmãos, Amara e Paulo Alberto, por todo amor, apoio e carinho e por acreditarem
em meu sucesso, fazendo-se presentes em todos os momentos.
À minha avó, Mariana, por todo amor e orações.
Ao meu esposo, Emerson, por todo amor, apoio e compreensão.
Agradecimentos
À Deus, pela vida e pelas bênçãos recebidas.
À Professora Doutora Graziela Zamponi, pelo apoio e orientação neste trabalho e pelos
valiosos ensinamentos que contribuíram para o meu crescimento profissional.
Às Professoras Doutoras Maria Valíria Anderson de Melo Vargas e Miriam Puzzo, pela
análise criteriosa deste trabalho, pelas sugestões e contribuições, e pelas palavras de incentivo
transmitidas no exame de qualificação.
Às professoras do Programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada da Unitau, por
compartilharem seus conhecimentos e experiências ao longo das disciplinas ministradas,
contribuindo para este trabalho e para meu crescimento acadêmico e profissional.
A todos os amigos do Programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada da Unitau, pelos
momentos de crescimento, partilha, descontração e amizade que vivenciamos juntos.
Aos meus amigos Wallace, Renan, Anahy, Ivonete e Valéria que, sempre presentes, estiveram
ao meu lado nessa caminhada.
Resumo
Tradicionalmente, as metáforas são consideradas uma estratégia lingüística; uma
figura de linguagem que é usada para expressar idéias que seriam mais difíceis ou mesmo
impossíveis de serem expressas pela linguagem literal. As metáforas, em geral, são associadas
também à linguagem literária, como um mecanismo capaz de tornar a linguagem mais bonita
e poética. Nós raramente pensamos nas metáforas como sendo parte da linguagem cotidiana,
fruto da razão e do pensamento humano. No entanto, muitos pesquisadores têm chamado
nossa atenção para o fato de que a linguagem cotidiana tem em si inúmeras metáforas, tão
enraizadas em nossa cultura que passam, muitas vezes, despercebidas por nós. As metáforas
estão presentes não na linguagem cotidiana, como também nas linguagens: científica e
filosófica. É por meio das metáforas que nós conceptualizamos o mundo e compreendemos a
maioria dos conceitos abstratos que temos. Com base nesse postulado, o presente estudo
investiga as metáforas conceptuais presentes em propagandas de revistas femininas, tendo
como pressupostos teóricos: a teoria da Metáfora Conceptual, proposta por Lakoff e Johnson
(2002), as considerações de Kovecses (2002) acerca dessa teoria e o caráter particular das
metáforas em propagandas, como proposto por Velasco-Sacristán (2010) e Ungerer (2003).
Os objetivos dessa investigação são verificar o modo como as metáforas conceptualizam o
produto divulgado e em que medida elas revelam a representação social da mulher. A hipótese
é de que as metáforas são ferramentas conceptuais eficazes utilizadas em propagandas para
que o propósito comunicativo do gênero convencer e persuadir o consumidor a adquirir o
produto – seja alcançado. A opção pelo gênero discursivo propaganda se dá ao fato de ser este
um gênero de grande veiculação, que apresenta metáforas conceptuais verbo-pictóricas. A
pesquisa foi realizada através da análise de 04 propagandas, retiradas das revistas: Nova,
Marie Claire e CLAUDIA, entre janeiro de 2008 e setembro de 2009. Os resultados mostram
que as metáforas conceptuais são ferramentas utilizadas pelos propagandistas na elaboração
das propagandas, com base em estereótipos, representações e ideologias de determinado
público-alvo ao qual a propaganda é destinada. Tais recursos tendem a persuadir o leitor a
adquirir o produto divulgado.
Palavras-chave
: metáfora, metáfora conceptual, gênero discursivo, propaganda.
ABSTRACT
Traditionally, metaphors are considered a linguistic strategy; a figure of speech which is used
to express ideas which would be difficult or even impossible to express in literal language.
Metaphors, in general, are associated with literary language as a tool able to making language
sound more beautiful and poetic. We rarely think of metaphors as being part of everyday
language, part of human thought and reasoning. However, many researchers have called our
attention to the fact that common everyday language is full of metaphors, so rooted in our
culture, that generally go unnoticed by us. The metaphors are present not only in everyday
language, but also in scientific and philosophical languages. It is through the metaphors that
we conceptualize the world and understand the most abstract concepts that we have. Based on
this premise, this study investigates the conceptual metaphors found in advertisements of
women's magazines, based on the theories: the theory of conceptual metaphor proposed by
Lakoff and Johnson (2002), considerations of Kovecses (2002) about this theory and
particular character of metaphors in advertisements, as proposed by Velasco-Sacristán (2010)
and Ungerer (2003). The purposes of this research are to examine how the metaphors
conceptualize the product advertised and how they reveal the social representation of women.
The hypothesis is that the conceptual metaphors are effective used in advertisements for the
communicative purpose of the genre - convincing and persuading consumers to purchase the
product could be achieved. The choice of advertisement genre is related to the fact that this
genre is very popular and presents different kinds of conceptual metaphors. The research was
done through the analysis of 04 advertisements, taken from the magazines: Nova, Marie
Claire and CLAUDIA, between January 2008 and September 2009. The results show that
conceptual metaphors are tools used by propagandists in the creation of advertisements based
on stereotypes, representations and ideologies of particular group to which the advertisement
is intended. Such resources tend to persuade the reader to purchase the product released.
Key-words: metaphor, conceptual metaphor, discourse genre, advertisement.
SUMÁRIO
Introdução................................................................................................................................ 08
Capítulo 1: A metáfora............................................................................................................. 10
1. Metáfora: das origens à contemporaneidade........................................................................ 10
2.Perspectivas da Metáfora...................................................................................................... 17
2.1 Perspectiva tradicional da metáfora................................................................................... 17
2.2 Perspectiva pragmática da metáfora................................................................................... 18
2.3 Perspectiva cognitiva da metáfora: Teoria da metáfora conceptual.................................. 19
2.4 Perspectiva discursiva da metáfora: Metáfora sistemática................................................ 30
2.5 Perspectiva linguístico-conceptual-comunicativa da metáfora......................................... 34
3. Metáfora: adotando um modelo.......................................................................................... 35
3.1 Dimensão universal e cultural da metáfora....................................................................... 35
3.2 Metáfora e metonímia........................................................................................................ 37
Capítulo 2: Propaganda, metáfora e metonímia........................................................................40
2. Definição...............................................................................................................................40
2.1 Propaganda e publicidade...................................................................................................40
2.2 A propaganda como gênero discursivo...............................................................................40
2.3 Metáfora e metonímia na propaganda............................................................................... 47
2.4 Metáfora ideológica........................................................................................................... 50
Capítulo 3: Discurso, ideologia e representação social.............................................................54
3.Modos de comunicar-se........................................................................................................ 54
3.1 A linguagem verbal e não verbal....................................................................................... 54
3.2 Discurso e ideologia........................................................................................................... 55
3.3 Representação social.......................................................................................................... 60
3.4 A representação social da mulher...................................................................................... 65
Capítulo 4: Análise do corpus...................................................................................................72
4.1 As revistas femininas......................................................................................................... 72
4.2 Análise do corpus................................................................................................................74
4.2.1 O corpus......................................................................................................................... 74
4.2.2 Justificativa da escolha do corpus.................................................................................. 81
4.3 Critérios para análise das propagandas...............................................................................88
Considerações Finais ............................................................................................................. 106
Anexos................................................................................................................................... 110
Referências..............................................................................................................................128
CAPÍTULO 1 - A METÁFORA
O presente capítulo apresenta uma visão geral dos estudos da metáfora, considerando o
modo como esse fenômeno vem sendo definido dentro de diversas perspectivas, da retórica às
modernas teorias sobre a metáfora. Detemo-nos, de modo especial, no paradigma cognitivista,
que será base para esta pesquisa. Em seguida, focalizamos a metáfora em sua relação com a
metonímia para finalmente apresentar como esses fenômenos constituem elementos
estratégicos da elaboração das propagandas.
1. Metáfora: das origens à contemporaneidade
A metáfora e suas relações com outros tropos
1
tem sido objeto de estudo desde
Aristóteles, a quem se atribuem as primeiras reflexões acerca do fenômeno. O próprio termo
‘metáfora’ está enraizado etimologicamente na língua grega. ‘Metáfora’ deriva da palavra
grega metapherein através da junção de dois elementos que a compõem - meta que significa
"sobre" e pherein com a significação de "transporte". Neste sentido, ‘metáfora’ é sinônimo de
"transporte", "mudança", "transferência" e, em sentido mais específico, "transporte de sentido
próprio em sentido figurado".
Dada essa filiação, nada mais natural começarmos por Aristóteles, cuja definição
serviu de guia para toda uma tradição de estudos sobre a metáfora e forneceu a base para o
desmembramento da chamada linguagem figurada em muitas ‘figuras de linguagem’.
As referências aristotélicas à metáfora, figura mestra nos seus estudos, encontram-se
na Poética e na Retórica.
Para Aristóteles, a metáfora é uma transferência do plano de base (significação própria
da palavra) para o plano simbólico (representativo, figurativo). Na Poética, o autor afirma: “A
metáfora consiste no transportar para uma coisa o nome de outra, ou do gênero para a espécie,
1
O termo ‘tropo’ remete a uma tradição em que o conceito de metáfora é visto como desvio, o que não se
coaduna com o conceito aqui adotado, em que a metáfora é colocada à margem dos tropos.
ou da espécie para o gênero, ou da espécie de uma para a espécie de outra, ou por analogia.”
(ARISTÓTELES, 1973 [350 AC] p. 462) O autor assim caracteriza os quatro tipos de
metáfora, usando a exemplificação:
Transporte do gênero para a espécie: “Aqui minha nave se deteve” ‘Estar ancorado’
é uma espécie do gênero ‘deter-se’.
Transporte da espécie para o gênero: “Na verdade, milhares e milhares de gloriosos
feitos Ulisses levou a cabo” ‘milhares e milhares’ está por ‘muitos’ e o poeta se
serve destes termos específicos, em lugar do genérico ‘muitos’.
Transporte da espécie para a espécie: “Tendo-lhe esgotado a vida com seu bronze” e
“cortando com o duro bronze” - no primeiro caso, o poeta usou, ‘esgotar’ em lugar de
‘cortar’, e, no segundo, ‘cortar’ no lugar de ‘esgotar’; em ambas as palavras
especificam o ‘tirar a vida’.
Analogia: “Velhice do dia” e “tarde da vida” - nesses casos uma relação entre dois
domínios ‘dia’ e ‘vida’. Assim define Aristóteles:
Digo que analogia quando o segundo termo está para o primeiro na igual
relação em que está o quarto para o terceiro, porque, neste caso, o quarto
termo poderá substituir o segundo, e o segundo, o quarto. E algumas vezes
os poetas ajuntam o termo ao qual se refere a palavra substituída pela
metáfora. [...] Também se a mesma relação, por um lado, entre a velhice
e a vida e, por outro lado, entre a tarde e o dia; por isso a tarde será
denominada ‘velhice do dia’, ou, como Empédocles, dir-se-á a velhice
‘tarde da vida’ ou ‘ocaso da vida’. Por vezes falta algum dos quatro nomes
na relação analógica, mas ainda assim se fará a metáfora. Por exemplo,
‘lançar a semente’ diz-se ‘semear’; mas não palavra que designe ‘lançar
a luz do sol’, todavia esta ação tem a mesma relação com o sol que o semear
com a semente; por isso se dirá ‘semeando uma chama criada pelo deus’.
outro modo de usar esta espécie de metáfora, o qual consiste em
empregar o nome metafórico, negando, porém, algumas das suas qualidades
próprias (...). (p. 463)
Como podemos ver, a visão aristotélica de metáfora abriga o que tradicionalmente se
nomeia ‘sinédoque’ (transporte do gênero para a espécie) e ‘hipérbole’ (transporte da espécie
para o gênero), além do que se concebe como metáfora’ propriamente dita (transporte da
espécie para a espécie e a analogia).
Para Sardinha (2007), o quarto tipo (analogia) é o que mais se aproxima nas definições
contemporâneas de metáfora, como mostra o exemplo a velhice é a tarde da vida’. Trata-se
de uma relação proporcional entre os elementos de dois domínios diferentes:
dia : tarde :: vida : velhice
Pela definição do filósofo grego, o segundo termo (‘tarde’) pode substituir e ser
substituído pelo quarto termo (‘velhice’).
Quando afirma que a metáfora faz os ouvintes verem coisas e que por meio dela
podem-se expressar novas ideias, o que envolve um trabalho mental, Aristóteles, embora não
considere a metáfora como um fenômeno cognitivo propriamente dito, mostra sua visão do
impacto que a metáfora tem nos processos cognitivos.
Aristóteles insere a comparação implícita assim como a direta entre os casos de
metáfora; a partir daí criou-se uma longa tradição de concepção da metáfora como uma
comparação, que está na base da visão tradicional.
2
A ideia central dessa concepção é que as metáforas derivam de símiles explícitos; em
outras palavras, a metáfora seria uma etapa posterior à elaboração de uma comparação. Desse
modo (1) e (2) seriam equivalentes:
(1) João é como um quiabo.
(2) João é um quiabo.
Nos dois casos, o leitor ou ouvinte deve inferir as propriedades similares das duas
entidades (‘João’ e ‘quiabo’), construindo a seguinte proposição (ou algo similar): “a
capacidade de João de se livrar de situações difíceis é como a propriedade de o quiabo
escorregar por ação de uma substância viscosa que ele possui”.
Nesse contexto, achamos importante citarmos Marcuschi (2007 [1984, 2000]), uma
voz que questiona essa visão da metáfora. Mas antes, uma observação sobre esse texto de
Marcuschi aqui citado. Em nota prévia (2007, p. 119), o autor esclarece que o ensaio foi
escrito em 1975 e, posteriormente, refeito em 1978, com alguns acréscimos. Ele alerta que
2
Alguns autores distinguem comparações e símiles, com base no critério de verdade / falsidade. Por exemplo,
haveria comparação e símile, respectivamente em As enciclopédias são como dicionáriose As enciclopédias
são como minas de ouro”. No primeiro caso, é possível uma verificação empírica com base em certos atributos
essenciais compartilhados por ambos os tipos de livro (ambos são livros de referência, ambos estão organizados
alfabeticamente); no segundo caso, não é possível uma verificação veritativa; a relação entre as entidades se
entre atributos compartilhados menos proeminentes e muito abstratos. (Cf. Levinson, 2007[1983], p. 192) No
entanto, não fazemos aqui essa distinção.
não operou nenhuma revisão do texto para incorporar os novos estudos da metáfora, cujo
ponto inicial se encontra na obra de Lakoff e Johnson (1980)
3
, e reconhece que a publicação
...tem sua motivação mais direta no fato de algumas idéias aqui sugeridas
serem atuais, em especial no que respeita às posturas teóricas cognitivistas
de G. Fauconnier (1994, 1997) com sua noção de “blending” (fusão
conceitual) entre domínios cognitivos (espaços mentais) básicos
como
sugestão para o entendimento da metáfora.
A inserção dessa nota neste ponto do trabalho objetiva evidenciar que as posições do
linguista brasileiro se inscrevem numa perspectiva que considera a metáfora como um
fenômeno cognitivo. Com efeito, para ele, a metáfora não se restringe a um fenômeno
linguístico:
... a metáfora não é apenas um simples recurso lingüístico catalogado entre
os tropos ou figuras de linguagem, mas um modo específico de conhecer o
mundo, que, ao lado do conhecimento lógico-racional, tem sua razão de ser
e instaura uma série de valores de outra maneira perdidos ou não
encontrados. Assim, tentamos mostrar que a metáfora é essencialmente
mais do que uma simples transferência de significado baseada em certos
artifícios semanticamente explicáveis e, muito mais do que uma simples
comparação abreviada. Na verdade, ela pode ser tida como ponto de apoio
para uma análise de capacidade criativa espontânea do indivíduo, sendo
então, apenas do ponto de vista operacional, uma transposição de
significado, mas, do ponto de vista genético e psicológico, ela seria a
criação de novos universos de conhecimento. Criaria, pois, uma realidade
nova. (p. 121, grifo do autor.)
Mas não se trata de uma realidade nova no sentido ontológico e sim de realidade
intersubjetivamente comunicável. A metáfora é um modo novo de conhecer e comunicar o
mundo assim conhecido. Ela é, de certa forma, um recurso reestruturador da realidade,
criando novas áreas de experiência que fogem ao indivíduo restrito à realidade puramente
factual.
Quanto à posição que considera a metáfora comparação abreviada, diz Marcuschi: “...
a metáfora não é fruto da comparação, e sim, no máximo, base para uma comparação a
posteriori. A ordem psicológica tem aqui prioridade sobre a ordem lógica. É a metáfora que
funda a comparação e não o contrário. (p. 123, grifo do autor.)
Essa inversão baseia-se no postulado de que a metáfora não consiste numa operação
lógica, mas recorre essencialmente a uma espécie de intuição pré-lógica. Daí ser infrutífera a
3
Trata-se da obra Metaphors we live by, no Brasil traduzida como Metáforas da vida
cotidiana.
tentativa de parafrasear metáforas, ‘traduzindo-as’ para o plano literal, o que envolve uma
leitura que toma por base a comparação, que, em si mesma, abriga uma operação lógica.
Incorporando ao âmbito das metáforas aquelas presentes na vida cotidiana,
contrariamente a uma tradição que a metáfora como um fenômeno exclusivo e restrito à
literatura, Marcuschi (2007, p. 124) apresenta os seguintes exemplos:
Esse passo metodológico é importante para o trabalho.
O pano de fundo de seus argumentos não me é claro.
O horizonte de sua palestra foi muito limitado.
Os dias escuros de sua vida já passaram.
Como linha de argumentação ele escolheu Demócrito.
Os terroristas explodiram a ordem.
O céu ficou triste no dia de sua partida.
Fiquei desnorteado com a resposta de meu amigo.
Geralmente não tenho sonhos pesados.
Embora claramente metafóricos (mas nem sempre reconhecidos como tal, por conta de
sua “trivialidade”), os enunciados apresentam termos destacados em que se encontra o foco da
metáfora. Não precisamos testar todos para perceber que sua “tradução” numa comparação
seria problemática, se não impossível. Por exemplo, como estruturar como comparação “O
céu ficou triste no dia de sua partida”? Seria necessário reconstruir um outro predicado e uma
outra entidade para que as proposições possam ser comparadas.
Marcuschi (2007, p. 129) postula justamente que o como da comparação é um
ladrão da metáfora”: ele tira a força da metáfora e cria um mile com certa força
expressiva, mas não é metáfora no sentido estrito do termo. Mas não se trata apenas da
impossibilidade da tradução da metáfora em uma comparação ou paráfrase; trata-se, acima de
tudo, da perda da força cognitiva da metáfora, que, traduzida, sofreria um processo de
empobrecimento. Em suma, nas palavras do linguista
... a metáfora, no seu mais legítimo sentido, tem uma finalidade em si e não
exige compreensão definida e sim apenas sugerida. O conhecimento novo
que ela nos sugere é fornecido por uma intuição e por um pensamento que
não se baseia em comparação alguma e foge à explicação lógica. Neste
sentido, a metáfora como que produz a comparação e não a formula
simplesmente: a comparação é, no máximo, um resultado da metáfora e não
o contrário. (MARCUSCHI, 2007, p. 130)
Retomando a trajetória dos de estudos da metáfora a partir de Aristóteles, constata-se
que seu desmembramento em várias figuras de linguagem foi possivelmente intensificado na
Renascença, indo ao encontro da tendência da época de classificar o mundo em categorias. Na
perspectiva renascentista, as figuras de linguagem constituem ornamentos do discurso,
opondo-se à linguagem simples. Nessa concepção, na construção da metáfora, os elementos
da linguagem são desviados do seu uso normal, criando uma linguagem nova. Nesse sentido,
a metáfora passa a ser apenas uma das figuras de linguagem, tão importante quanto as outras.
Com o surgimento do lógico-positivismo, o interesse pela metáfora diminuiu entre os
filósofos, visto que essa corrente se preocupava com questões de verdade, falsidade e
objetividade, sendo a metáfora vista como manipulação da verdade. Sardinha (2007) cita
como exemplo o verso shakesperiano Julieta é o sol”. Da perspectiva das preocupações da
lógica, essa proposição não poderia ser levada a rio que não como verificar
empiricamente o que ela expressa; em outras palavras, ela não poderia sofrer uma averiguação
veritativa, estando, por isso, fora do âmbito da “verdadeira” linguagem.
De acordo com Kövecses (2002), a visão tradicional da metáfora pode ser resumida
em cinco aspectos principais: a metáfora (a) é um fenômeno lingüístico; (b) é utilizada para
determinadas propostas da arte e da retórica; (c) é baseada na similaridade entre duas
entidades que são comparadas e identificadas; (d) é um uso consciente das palavras e a pessoa
precisa ter um talento especial para ser capaz de usá-la de maneira eficaz e criativa; (e) é uma
figura de linguagem, utilizada para produzir efeitos especiais em determinado discurso, sendo
um recurso que não está necessariamente relacionada à comunicação cotidiana das pessoas.
Tendo terminado o domínio do modelo filosófico na ciência, o interesse pela metáfora
cresceu a partir do século XX. Sardinha (2007) afirma que foram muitos os estudiosos
interessados no assunto. Dentre eles, citamos A. Richards e Max Black.
Richard, em obra publicada em 1936 (apud SARDINHA, 2007) elabora sua visão de
metáfora a partir da comparação, mas com terminologia mais delineada. Ele criou os termos
‘Tópico’ e Veículo’, que, grosso modo, se aproximam dos termos mais tarde adotados pela
Teoria da Metáfora Conceptual, domínio-alvo e domínio-fonte. Além deles, introduziu os
termos ‘Base’ e ‘Tensão’.
No verso de Djavan “O amor é um grande laço”, por exemplo, teríamos os seguintes
elementos:
Tópico: O amor - porção não-metafórica de uma expressão metafórica;
Veículo: um grande laço - porção metafórica de uma expressão metafórica;
Base: O Veículo (um grande laço) indica que se faz uma referência ao Tópico
(o amor) como instrumento de prisão.
Tensão: a incongruência entre o Tópico e o Veículo, quando interpretados
literalmente. Dizer que o amor é um grande laço gera uma tensão entre
os sentidos estabelecidos, que pode ser resolvida por meio de uma
interpretação metafórica. (cf. SARDINHA, 2007, p. 27)
Max Black (1962, apud KOLLER, 2003) desenvolveu três visões teóricas muito
importantes, conhecidas como teoria da substituição, da comparação e da interação. Como o
próprio nome diz, a teoria da substituição, criada a partir de Aristóteles, postula que a
metáfora substitui um termo literal por outro figurado. A teoria da comparação diz que uma
metáfora é uma comparação implícita. E a teoria da interação apresenta a metáfora como
sendo produto da interação entre tópico e veículo, produzindo assim um sentido novo.
A metáfora, então, seria a fusão dos dois elementos numa unidade, operada com base
num processo interativo desses domínios, diz Black (1962, apud Marcuschi, 2007). Por
exemplo, quando se metaforiza uma entidade em o homem é um lobo”, ocorreria uma fusão
dos dois domínios (‘homem’ e ‘lobo’) em um só. Não se trata de atribuir ao homem a
propriedade lobo, nem haveria uma adjetivação de lobo que estaria recebendo propriedades
humanas. Na produção da metáfora estaria implicado o conhecimento do significado literal
dos dois termos e o contexto de cada um desses significados constituiria o “sistema associado
de lugares-comuns”. Os dois sistemas (sistema lobo: carnívoro, enganador, faminto, etc.;
sistema-homem: as propriedades humanas) seriam colocados em relação, e nessa interação,
surge o novo, que o é sentido metafórico. Embora reconheça que essa hipótese da fusão de
campos semânticos seja uma boa saída para a questão da transposição de sentido, Marcuschi
aponta nela um problema: a insuperabilidade da comparação como fonte da metáfora.
Os trabalhos de Richards e Black foram um grande avanço para a definição de
metáfora, visto que ambos reconheciam a importância da interação entre linguagem e
pensamento para a compreensão das metáforas. Mas a metáfora ainda é abordada a partir de
seu uso na linguagem.
Com a intensificação das pesquisas na área da Psicologia cognitiva, na década de 70,
cujo marco se encontra na coletânea Metaphor and Thought”, organizada por Ortony (1979),
a metáfora começa a ser percebida na sua dimensão cognitiva, estatuto anteriormente
ignorado. Mas a verdadeira ruptura com o paradigma tradicional da metáfora se deu com a
publicação, em 1980, da obra Metaphors we live by (traduzida para o português como
Metáforas da vida cotidiana), de Gorge Lakoff e Mark Johnson, verdadeiro divisor de águas,
origem da chamada metáfora conceptual, onipresente em todo e qualquer discurso, inclusive
no discurso cotidiano. Nesse paradigma, a metáfora é vista como um poderoso mecanismo de
compreensão do mundo, guiando, inclusive, nossas ações.
A partir daí, os estudos da metáfora se intensificaram e diversificaram, sendo
consideradas atualmente várias dimensões nos estudos da metáfora, como veremos adiante.
2. Perspectivas da metáfora
2.1 Perspectiva tradicional da metáfora
Retomando então os aspectos principais da perspectiva tradicional da metáfora,
relembramos que a formação de uma metáfora, nessa perspectiva, implica necessariamente
um desvio do sentido literal da palavra para o seu sentido livre; uma transposição do sentido
de uma determinada palavra para outra, cujo sentido originariamente não lhe pertencia. Ao
leitor é exigido, no processo interpretativo, uma rejeição prévia do sentido primeiro da
palavra, para a apreensão de outro(s) sentido(s) sugerido(s) pela mesma e clarificada pelo
contexto na qual se insere.
Destaca-se de imediato da definição aristotélica que metáfora assenta no nome ou na
palavra, surgindo assim, como uma substituição de uma palavra própria por uma palavra em
sentido figurado cuja principal e mais nobre função é o embelezamento da linguagem vulgar.
Neste âmbito, a metáfora é, eminentemente, uma figura discursiva, sem qualquer vínculo com
a dimensão cognitiva, cuja função predominantemente é a ornamentação e o embelezamento
do discurso. Assim, um discurso é tanto mais belo quanto maior for o recurso a ornamentos de
linguagem que o enriquecem e o distinguem de termos considerados vulgares.
Além disso, a retórica clássica inclui a metáfora na classificação genérica de tropos,
que enquanto artifícios literários ou retóricos consistem no emprego de palavras, cuja
significação é diferente do seu significado literal e primeiro. Como figura de estilo mais
relevante dos tropos, a metáfora contém a estrutura básica que constitui a transferência, sendo
a comparação, a sinédoque e a metonímia meras variações desse processo.
A metáfora é definida, segundo a retórica tradicional, como a figura que estabelece um
ponto de semelhança entre dois termos que ocorre segundo um processo de transferência de
significação própria de uma palavra para uma outra significação através da elipse do elemento
comparativo. Metáfora equivale, neste sentido, a uma semelhança ou uma comparação
abreviada em que a conjunção comparativa como é omitida.
Mendes (1998) afirma que a visão clássica no seu conjunto apresenta uma dissociação
nítida entre a linguagem e a metáfora, que é apenas utilizada pela linguagem no intuito de
alcançar um determinado efeito discursivo e expressar de modo mais nobre a realidade
circundante.
A retórica clássica tem sido alvo de críticas por parte de muitos autores
contemporâneos, que vêem esta teoria, baseada exclusivamente na lógica, como
excessivamente simplista e redutora. Afinal, embora formalmente uma metáfora se apresente
como uma comparação, ela é conceptualmente uma metáfora.
2.2 Perspectiva pragmática da metáfora
Levinson (2007) apresenta a metáfora como sendo um fenômeno central não na
poesia, mas também no uso comum da ngua e na interpretação de modelos científicos.
Disserta sobre a necessidade de se existir uma abordagem pragmática da metáfora,
questionando as teorias tradicionais que consideram a metáfora como um fenômeno
semântico apenas.
Para ele, “o processo de mapear traços é demasiado limitado e demasiado determinado
para captar a força metafórica das expressões” (Levinson, 2007, p.186), visto que na
compreensão das metáforas é necessário muito mais do que o conhecimento do sentido
denotativo das palavras e a transferência de traços. O autor cita como exemplo uma conversa
durante um jogo de xadrez. Nele, um dos jogadores diz ao seu oponente:
Tua defesa é um castelo inexpugnável.
Se a defesa em questão for feita pela torre (peça do xadrez), o enunciado pode ser
interpretado literalmente; se se refere ao ato de defender em geral ao qual se predica <ser
inexpugnável>, a leitura do enunciado é metafórico. E em nenhum dos casos existe anomalia
semântica, como se julga ser necessário dentro das teorias tradicionais de metáfora.
Levinson (2007) afirma que incluir a metáfora na dimensão pragmática não significa
deixá-la isolada ou diminuir seu valor, mas ao contrário, propor uma interpretação metafórica
mais eficaz, onde tanto os componentes semânticos quanto os pragmáticos são considerados.
Segundo Levinson (2007, p.194), “uma abordagem pragmática terá como base o
pressuposto de que o conteúdo metafórico dos enunciados não deriva de princípios de
interpretação semântica; ao contrário, a semântica oferecerá apenas uma caracterização do
significado literal ou conteúdo convencional das expressões envolvidas”, cabendo à
pragmática fornecer a interpretação metafórica, tendo como base o contexto de determinada
expressão metafórica.
O autor ainda fala sobre a importância da teoria psicológica do raciocínio analógico
para a compreensão do processamento metafórico. Para ele, uma teoria da metáfora envolverá
certamente, além da inferência pragmática, essa capacidade cognitiva de raciocinar
analogicamente, na estrutura e no uso da língua.
Assim, considerando a importância da cognição no estudo das metáforas, Lakoff e
Johnson apresentam uma nova perspectiva de estudo da metáfora: a teoria da metáfora
conceptual.
2.3 Perspectiva cognitiva da metáfora: Teoria da metáfora
conceptual
George Lakoff e Mark Johnson, em 1980, apresentam um novo paradigma na obra
intitulada “Metaphors we live by”, traduzida como “Metáforas da vida cotidiana”. Nesse novo
paradigma a metáfora deixa de ter um status de simples figura de linguagem e passa a ter seu
valor cognitivo reconhecido.
Na verdade, Lakoff e Johnson seguiram o caminho aberto por Reddy (1979, apud
SARDINHA, 2007), que analisou rigorosamente enunciados lingüísticos em seu ensaio “The
conduit metaphor”, traduzido como “A metáfora do canal”, publicado na coletânea “Metaphor
and thought”, de Ortony (1979). Para eles os enunciados analisados por Reddy são
manifestações lingüísticas de metáforas conceptuais, sendo a metáfora do canal uma metáfora
complexa constituída por uma rede de metáforas conceptuais. O avanço de Lakoff e Johnson
com relação à Reddy está na questão de que eles analisaram amplamente enunciados da
linguagem cotidiana e descobriram que nossa linguagem mostra um imenso sistema
conceptual metafórico, que rege também nosso pensamento e nossa ação. A metáfora do
canal, ao contrário, não se aplica às situações em que o contexto se faz necessário para
determinar se a frase tem significado ou não.
O novo paradigma proposto por Lakoff e Johnson apresenta a metáfora como sendo
um fenômeno central na linguagem e no pensamento, estando presente em todos os tipos de
linguagem, inclusive na linguagem científica, o que era considerado impossível dentro da
corrente lógico-positivista. Para eles, nós compreendemos o mundo, a cultura e a nós mesmos
por meio de metáforas, pois além de conceitos emocionais, como amor ou raiva, conceitos
básicos, como tempo, quantidade, etc, são compreendidos metaforicamente. A tese central
dessa teoria é a de que as metáforas existem em nossa mente, sendo os conceitos abstratos, em
sua maioria, metafóricos. A língua é secundária. O pensamento e a razão são superiores à
língua.
De acordo com Sardinha (2007), os conceitos principais dessa teoria são:
Metáfora conceptual: um modo de conceitualizar algo no mundo. Exemplo: BOM É
PARA CIMA.
Expressão metafórica: expressão lingüística que mostra uma metáfora conceptual.
Exemplo: Hoje estou com um alto astral. É uma expressão que advém da metáfora
conceptual: BOM É PARA CIMA.
Domínio: relacionado ao conhecimento e experiência das pessoas. Existem dois tipos
de domínio: fonte e alvo. O domínio-fonte é o domínio concreto a partir do qual
conceituamos algo metaforicamente. Esse domínio refere-se ao conceito de veículo,
postulado por Richards. O domínio-alvo é abstrato, ou seja, aquele que desejamos
conceitualizar e refere-se ao conceito de pico, também apresentado por Richards.
“Um mesmo domínio-fonte pode servir a vários domínios-alvo”. (SARDINHA, 2007,
p.31).
Mapeamentos: as relações estabelecidas entre os domínios.
Desdobramentos: as diversas inferências que podem ser feitas com base em uma
metáfora conceptual.
Os tipos de metáforas conceptuais são:
Estruturais: aquelas que são produtos de mapeamentos complexos. “Este grupo
particular de metáforas consiste na estruturação metafórica de um conceito em termos
de um outro, que se projeta sobre aquele”. (ABRANTES, 2001, p.324)
Exemplo: TEMPO É DINHEIRO.
Não percas mais tempo com este assunto.
Não posso investir mais tempo nesse projeto.
Orientacionais: são aquelas que dão a um conceito uma orientação espacial.
Exemplo: O BEM ESTÁ À FRENTE.
Ele está à frente dos negócios.
Há que seguir em frente.
Ontológicas: são aquelas que tornam concretos conceitos abstratos, porém sem
estabelecer mapeamentos. Essa concretização se manifesta em termos de uma entidade
(algo contável).
Exemplo: O TEMPO É UM CONTENTOR.
Estou de volta dentro de três dias.
Terminou o trabalho num curto espaço de tempo.
Personificação: são metáforas ontológicas, cuja entidade deve ser necessariamente
uma pessoa.
Exemplo: UMA TEORIA É UMA PESSOA.
A teoria diz que...
Primárias: metáforas relacionadas a aspectos físicos do corpo humano, presentes em
muitas culturas.
Exemplo: INTIMIDADE É PROXIMIDADE.
Podemos ainda destacar outros aspectos importantes dessa teoria. A teoria da metáfora
conceptual postula que não existem verdades absolutas, devido ao fato das metáforas
serem culturais, ou seja, reflexo da ideologia de determinado grupo de pessoas, construída
em determinada cultura. Mesmo as metáforas básicas, como as primárias e orientacionais,
podem ser diferentes de uma cultura para outra. Outro fator importante, que já destacamos
acima, é o de que a metáfora é uma representação mental e abstrata que se materializa na
fala e na escrita por meio das expressões metafóricas. As metáforas conceptuais são,
ainda, convencionais, ou seja, inconscientes, pois estão tão impregnadas em nossa cultura,
que não nos damos conta do uso que fazemos delas.
Lakoff e Johnson (2002, p.348) fundamentam a concepção de metáfora naquilo que
chamam de mito experiencialista. Segundo eles:
O mito experiencialista considera o homem como parte do meio, não
separado dele, e focaliza a constante interação do homem com o ambiente
físico e com as outras pessoas. essa interação com o meio envolvendo a
transformação mútua. Ninguém pode agir no meio sem transformá-lo ou sem
ser transformado por ele.
Daí a justificativa das metáforas serem parte da linguagem cotidiana, essenciais ao
nosso processo de conceptualizar o mundo.
Segundo Kövecses (2002) a metáfora conceptual é constituída de dois domínios
conceptuais onde um domínio é compreendido em termos de outro. Essa compreensão de um
domínio em termos de outro envolve uma série de mapeamentos (correspondências) entre o
domínio-alvo e o domínio- fonte. Esses mapeamentos derivam de um mapeamento central,
que é o responsável pelo significado principal dos domínios-fonte e dos domínios-alvo.
Assim, os mapeamentos centrais desempenham as seguintes funções: na função conceptual,
favorecem o surgimento de outros mapeamentos; culturalmente, refletem os principais
conceitos humanos relacionados ao domínio-fonte em questão; motivacionalmente, são
motivados na maioria das vezes em aspectos experienciais, sejam eles físicos ou culturais;
linguisticamente, fazem surgir expressões metafóricas que dominam uma metáfora.
Com relação ao domínio-fonte e domínio-alvo, Kövecses (2002) afirma que cada
domínio-fonte é designado a cumprir uma função específica na caracterização de vários
domínios-alvo, ou seja, cada domínio-fonte é associado com um significado particular que é
mapeado em direção a um domínio-alvo. Esse significado é convencionalmente fixado e
aceito dentro do discurso de determinada comunidade lingüística. O domínio-alvo recebe o
significado principal do domínio-fonte. Geralmente, o domínio-fonte constitui-se de uma
situação intensa, como ações, eventos ou estados.
Kövecses (2002, p.116) apresenta um exemplo mostrando as correspondências entre
os domínios: fonte e alvo:
Metáfora conceptual: UMA SITUAÇÃO
É FOGO
FONTE ALVO
A coisa queimando A entidade envolvida na situação
O fogo A situação (ação, evento, estado)
O calor do fogo A intensidade da situação
A causa do fogo A causa da situação
De acordo com Kövecses (2002), dentro da teoria da metáfora conceptual é possível
sintetizar os principais domínios-fonte e os principais domínios-alvo; entre os principais
domínios-fonte encontram-se:
O corpo humano - Ex: O cabeça do departamento (p.16)
___________________
Os exemplos citados adiante, cuja numeração foi especificada, foram retirados da obra
“Metaphor”, de Kövecses (2002). Os exemplos sem numeração foram dados por nós.
Saúde e doença Ex: uma sociedade saudável; uma mente doente./ Ela feriu meus
sentimentos. (p.17)
Animais Os seres humanos são frequentemente compreendidos em termos das
propriedades dos animais. Ex: Ela é a maior cobra da escola.
Plantas – Ex: O fruto de seu trabalho./ Ele cultivou sua amizade com ela. (p.17)
Prédios e construções Ex: Ela construiu um argumento coerente./ Ele está
financeiramente em ruínas. (p.17)
Máquinas e ferramentas Ex: A máquina da democracia./ Ela produz um livro a cada
ano. (p.18)
Jogos e esportes – Ex: Ele tentou dar um checkmate nela. (p.18)
Dinheiro e transações econômicas (Negócios) Ex: Ela investiu muito no
relacionamento./ Eu tentei economizar um pouco de energia. (p.18)
Alimentação e comida – Ex: Qual sua receita para o sucesso? (p.18)
Calor e frio – Ex: uma recepção fria; um acolhimento caloroso. (p.19)
Luz e escuridão: Uma nuvem de suspeita./ Sua presença me ilumina.
Força – Ex: Eu me senti fora do chão.
Movimento e direção – Ex: Ela seguiu a receita passo a passo.
Com relação aos domínios-alvo, que são mais abstratos, são estes os principais:
Emoção: geralmente as emoções são compreendidas via metáforas de força. Ex: Ela
estava cheia de alegria./ Ela sentia-se completamente feliz. (p.21)
Desejo: O desejo é semelhante à emoção, sendo também compreendido via metáforas
de força. Ele também pode ser compreendido via metáforas de calor. Ex: A jaqueta
que eu vi na vitrine me empurrou para dentro da loja. (p.21)
Moralidade (bondade, maldade, honestidade, honra, etc): São compreendidas em
termos de domínios-fonte concretos, tais como: transações econômicas, força, luz e
escuridão e orientação espacial. Ex: Ela resistiu à tempestade./ Eu vou ressarci-lo
por isso. (p.21)
Pensamento: O pensamento pode ser compreendido como trabalho ou em termos de
percepção, como por exemplo, a visão. Eu vejo seu ponto de vista./ Ele buscou em
sua memória. (p.22)
Sociedade e nação: “Modos comuns de compreender a sociedade e a nação envolvem
os conceitos fonte de pessoa e família”. – Ex: países vizinhos; nação amigável. (p.22)
Política: Como política geralmente está relacionada a poder, costuma ser
conceptualizada como força. No entanto, ela também pode ser compreendida via
domínios-fonte de jogos, esportes, negócios e guerra. Ex: Ele forçou a oposição a
agir daquela maneira./ Várias brigas giram em torno do aborto.
Economia: São geralmente compreendidos via domínios-fonte de construções, plantas,
jornadas, movimento e direção. – Ex: O crescimento da economia. (p.22)
Relacionamento humano (amizade, amor, casamento): São geralmente compreendidos
via metáforas de plantas, máquinas e construções. Ex: Eles construíram um
casamento forte./ Eles tiveram que trabalhar no relacionamento. (p.23)
Comunicação: Compreendidos via metáforas de recipientes, objetos e envio. Ex: Ela
me deu muita informação./ Aquele é um parágrafo denso. (p.23)
Tempo: “A maior metáfora para tempo é aquela de acordo com a qual o tempo é um
objeto que se move”. – Ex: O natal está vindo em breve./ O tempo passa rápido. (p.23)
Vida e morte: A vida é metaforicamente relacionada a dia, luz, calor e outras,
enquanto a morte é vista como partida, noite, escuridão e frio. Ex: Vovô se foi./ O
bebê chegará em breve. (p.24)
Religião: Deus é conceptualizado como pessoa. Ex: O Senhor é Rei./ Ele é o Bom
Pastor./ Deus é pai.
Eventos e ações: Compreendidos como movimento e força. Ex: Ela tem atingido
seus objetivos na vida. (p.24)
A teoria proposta por Lakoff e Johnson propõe ainda a existência de diferentes tipos de
metáforas conceptuais. Como afirma Kövecses (2002), as metáforas conceptuais podem ser
classificadas de acordo com sua convencionalidade, sua função, natureza e nível de
generalidade.
A convencionalidade de uma metáfora está relacionada ao seu uso dentro de determinada
comunidade lingüística, ou seja, quando mais estabelecida for uma determinada metáfora em
uma comunidade, mais convencional ela é. Exemplos:
“ARGUMENTO É GUERRA: Eu defendi meu ponto de vista.
AMOR É UMA JORNADA: Cada um de nós deve seguir seu caminho.
TEORIAS SÃO CONSTRUÇÕES: Nós temos que construir uma nova teoria.
IDEIAS SÃO COMIDAS: Eu não consigo digerir todos esses fatos.
ORGANIZAÇÕES SOCIAIS SÃO PLANTAS: A empresa está crescendo rápido.
VIDA É UMA JORNADA: Ele teve um avanço na vida” (KÖVECSES, 2002, p.30).
Com relação à função, Kövecses (2002) alega que as metáforas podem ser classificadas de
acordo com a função cognitiva que elas apresentam. Nesse sentido, destacam-se três grupos
gerais de metáforas conceptuais: estruturais, ontológicas e orientacionais.
A natureza da metáfora está relacionada a determinados esquemas que estruturam a
maioria de nossos conceitos abstratos metaforicamente.
Finalmente, no que se refere aos graus de generalidade da metáfora, Kövecses (2002)
postula que as metáforas conceptuais podem ser classificadas em dois níveis de generalidade:
o nível genérico e o nível específico. Metáforas como: VIDA É UMA JORNADA,
ARGUMENTO É GUERRA, entre outras, estão no nível mais específico, enquanto metáforas
como EVENTOS SÃO AÇÕES e GENÉRICO É ESPECÍFICO, estão no nível genérico. O
nível genérico é um nível mais amplo de onde surgirão várias metáforas em nível mais
específico. O nível genérico refere-se a um conjunto de metáforas em nível específico.
Outro aspecto importante a ressaltar está relacionado ao fato de que as metáforas
conceptuais podem realizar-se não na linguagem verbal, como também em muitas outras
áreas da experiência humana, afinal, o sistema que governa nosso modo de experenciar o
mundo, nosso modo de pensar e agir é metafórico. Kövecses (2002, p.57), denomina essas
manifestações de realizações das metáforas conceptuais. São exemplos dessas realizações:
Filmes e atuação : filmes podem ser estruturados com base em metáforas conceptuais.
Desenhos, pinturas, esculturas e construções: De acordo com Kövecses (2002), muitas
vezes as crianças fazem desenhos onde é possível perceber uma metáfora conceptual
encarnada. Uma metáfora comum feita pelas crianças é OBJETOS INANIMADOS
SÃO PESSOAS.
Propagandas: A principal manifestação de metáforas conceptuais é nas propagandas.
Parte do poder de venda de uma propaganda depende da escolha eficaz de uma
metáfora conceptual que a foto e/ou as palavras usadas na propaganda evocam nas
pessoas. Uma metáfora selecionada apropriada pode fazer maravilhas na divulgação
de determinado produto. Kövecses (2007) cita como exemplo, as máquinas de lavar
que são frequentemente apresentadas como boas amigas, conceito esse que é baseado
na metáfora: ITENS PARA VENDER SÃO PESSOAS, que é um tipo de
personificação. A metáfora: UMA MÁQUINA DE LAVAR É UMA AMIGA evoca
nas pessoas as mesmas atitudes e sentimentos que elas têm com seus bons amigos.
Símbolos: Símbolos em geral ou símbolos culturais podem ser baseados em metáforas
conceptuais enraizadas numa determinada cultura. Kövecses (2002) cita como
exemplo o fogo que é um símbolo comum para a vida. Esse símbolo é a manifestação
da metáfora: VIDA É FOGO.
Mitos: As metáforas conceptuais podem realizar-se em mitos de diversas maneiras.
Uma dessas maneiras é quando uma metáfora funciona como um elemento chave em
um mito.
Interpretação de sonhos: Muito da interpretação dos sonhos depende de metáforas
conceptuais cotidianas. Em outras palavras, sonhos realizam combinações particulares
de metáforas.
Interpretação da história: Fatos históricos como guerras, revoluções, podem ser
compreendidos via metáforas conceptuais.
Política e polícia estrangeira: O uso de metáforas conceptuais é muito comum na
política. Segundo Kövecses (2002), na política americana, por exemplo, tanto o
pensamento político como seu discurso são, na maioria das vezes, estruturados pelas
seguintes metáforas: POLÍTICA É GUERRA, POLÍTICA É NEGOCIAÇAO,
SOCIEDADE É UMA FAMÍLIA, SOCIEDADE É UMA PESSOA e A ELEIÇAO
PRESIDENCIAL É UMA CORRIDA.
Moralidade: Kövecses (2002) diz que o discurso sobre moralidade envolve duas
metáforas conceptuais: MORALIDADE É FORÇA e MORALIDADE É VIRTUDE.
Instituições sociais: Algumas instituições sociais também podem ser baseadas em
metáforas conceptuais.
Práticas sociais: Algumas metáforas podem criar práticas sociais. Uma delas é a
metáfora VER É TOCAR. Essa é a metáfora no trabalho quando dizemos coisas
como: Ele não consegue tirar os olhos dela.
Literatura: Para Kövecses (2002) essa é a área mais óbvia onde podemos encontrar
metáforas conceptuais. A literatura geralmente faz uso de expressões metafóricas não
convencionais que são baseadas em metáforas conceptuais convencionais.
Como afirmamos, muitas metáforas conceptuais têm correlação com as experiências
humanas. No entanto, correlações não são necessariamente similaridades, como explicava a
visão tradicional da metáfora. Segundo Kövecses (2002), a seleção de domínios-fonte
depende de fatores humanos que refletem similaridades não objetivas, não literais eo
preexistentes entre um domínio-fonte e um domínio-alvo. A esse processo dá-se o nome de
base experiencial da metáfora ou motivação da metáfora conceptual. Assim, as metáforas
conceptuais podem ser motivadas, mas não previstas, como eram na visão tradicional da
metáfora.
Koveceses (2002, p.116) também corrobora que existem dois tipos de metáforas
conceptuais: as simples e as complexas. Sistemas complexos abstratos como: teorias,
relacionamentos, sociedade, vida e outros podem ser concebidos como construções, sendo
então associados às metáforas: TEORIAS SÃO CONSTRUÇÕES, SOCIEDADE É UMA
CONSTRUÇÃO, RELACIONAMENTOS SÃO CONSTRUÇÕES, A VIDA É UMA
CONSTRUÇÃO, etc. Todas essas apresentadas acima são metáforas conceptuais complexas
que derivam de metáforas simples, tais como: CRIAÇÃO ABSTRATA É CONSTRUÇÃO
FÍSICA, ESTABILIDADE ABSTRATA É FORÇA FÍSICA, ESTRUTURA ABSTRATA É
ESTRUTURA FÍSICA. Na verdade, as metáforas simples nada mais são do que mapeamentos
nas metáforas complexas:
Ex: RAIVA É FOGO – metáfora complexa
INTENSIDADE É CALOR – metáfora simples correspondente
Kövecses (2002) lembra ainda que existem dois grandes sistemas de metáforas: A grande
corrente de ser metáfora e a Estrutura de evento da metáfora. Segundo ele, o sistema da
Grande corrente da metáfora relaciona-se ao modo como as coisas são conceptualizadas
metaforicamente no mundo. Já o sistema da Estrutura de evento da metáfora relaciona-se ao
modo como os eventos são compreendidos metaforicamente. Kövecses (2002) afirma que
esse sistema da Grande corrente se torna um sistema metafórico quando um nível particular
da corrente (pessoas, animais, etc) é usado para compreender outro nível. Esse processo de
compreensão pode seguir duas direções: da fonte mais baixa para o alvo mais alto (seres
humanos compreendidos via metáforas de animais ou objetos inanimados) ou da fonte mais
alta para o alvo mais baixo (objetos compreendidos via características de seres humanos,
como no caso da personificação). Na verdade o sistema da Grande corrente da metáfora nada
mais é do que o que Kövecses (2002) chamou anteriormente de sistemas complexos abstratos.
Esses sistemas complexos abstratos envolvem os seres humanos e suas idéias, assim como
vários outros conceitos abstratos, entidades concretas e relações particulares entre elas.
Kövecses (2002, p.133) então demonstra que, partindo desse princípio, os sistemas complexos
abstratos podem ser compreendidos via quatro metáforas principais:
UM SISTEMA COMPLEXO ABSTRATO É O CORPO HUMANO.
UM SISTEMA COMPLEXO ABSTRATO É UMA CONSTRUÇÃO.
UM SISTEMA COMPLEXO ABSTRATO É UMA MÁQUINA.
UM SISTEMA COMPLEXO ABSTRATO É UMA PLANTA.
Com relação ao sistema da Estrutura de evento da metáfora, Kövecses (2002 p.135)
explica que ele
tem vários aspectos de eventos como seu domínio alvo. Esses eventos
incluem estados que mudam, causas que produzem mudanças, mudança por
si só, ação, proposta da ação, etc. Esses vários aspectos dos eventos podem
ser compreendidos metaforicamente em termos de conceitos físicos como
lugar, força e movimento.
São exemplos de metáforas exemplificadas que se enquadram no sistema da Estrutura
de evento da metáfora:
MUDANÇAS SÃO MOVIMENTOS.
AÇÃO É UM MOVIMENTO INDEPENDENTE.
PROGRESSO É UM MOVIMENTO PARA FRENTE.
Consideramos assim que a teoria da metáfora conceptual trouxe grandes inovações ao
estudo da metáfora, principalmente por incluir a importância do contexto, da cultura e acima
de tudo, do pensamento, na compreensão das expressões metafóricas. A linguagem cotidiana
recorre frequentemente a expressões metafóricas que são compreendidas como sinais do
pensamento de uma pessoa que, na maioria das vezes, faz uso de metáforas de modo
inconsciente, afinal, este processo é inerente ao seu próprio pensamento. Assim, a análise das
expressões metafóricas presentes no discurso cotidiano nos permite perceber que nos
apoiamos em modelos do mundo concreto para conceptualizar fenômenos abstratos e que a
metáfora linguística só é concretizada porque existem metáforas no nosso sistema conceptual,
o que demonstra a centralidade dessas metáforas na vida cotidiana e sua influência em nossa
forma de pensar e agir no mundo.
Partindo da teoria da metáfora conceptual, Lynne Cameron, em 2000, apresenta a
perspectiva discursiva da metáfora, cujo foco é na linguagem.
2.4 Perspectiva discursiva da metáfora: Metáfora sistemática
De acordo com Sardinha (2007), a metáfora sistemática, também chamada de
abordagem discursiva ou metáfora em uso, refere-se a uma abordagem recente para o
estudo das metáforas, fruto da contribuição de vários teóricos e de pressupostos advindos
da própria pesquisa de Lynne Cameron educadora inglesa - , resultando em uma linha
metodológica que estabelece procedimentos para a pesquisa com metáfora.
As principais influências dessa abordagem são:
Ivor Alexandre Richards: introduziu os termos “Tópico” e “Veículo”, posteriormente
utilizados para a análise da metáfora dentro da abordagem discursiva.
Mikhail Bakhtin: apropria-se dele a noção de alteridade. Sardinha (2007, p.43) explica
o conceito de alteridade com os seguintes termos:
Para a metáfora, esse conceito implica dizer que existe uma diferença entre
uma pessoa e outra que não pode ser transposta literalmente (uma pessoa não
pode ser outra), mas sim pela metáfora (para entender a metáfora de alguém,
nos transpomos para a posição do outro).
Lev Vygotsky: empresta-se dele a noção de pensamento como ação internalizada.
Sendo assim, as metáforas que conhecemos e utilizamos encontram-se disponíveis
em nosso pensamento por meio da abstração e internalização de nossa experiência
real.
John Rupert Firth: a noção de que os significados das palavras ou frases não são
fixos ou estáveis, pois o sentido é construído no uso delas em determinado
contexto.
John McH. Sinclair: a noção de que a linguagem tem que ser estudada a partir de
corpora autênticos.
O ponto principal desta proposta é o foco dado à metáfora em uso. Diferentemente da
metáfora conceptual, essa abordagem discursiva coloca a linguagem como sendo superior
ao pensamento, ou seja, o processamento mental é secundário em relação ao discurso.
De acordo com Cameron e Deignan (2006), dentro dessa proposta a metáfora emerge
da dinâmica entre linguagem e pensamento e é, ao mesmo tempo, conceptual e lingüística.
Além disso, dentro dessa abordagem o fator afetivo (crenças, atitudes, valores e emoções)
dos participantes ocupa um papel central, às vezes negligenciado, na emergência de
formas particulares de metáfora. As autoras afirmam usar uma perspectiva emergente para
unir aspectos lingüísticos, conceptuais e sócio-culturais da metáfora em uso. Para elas,
linguagem e pensamento metafórico são interdependentes, pois um afeta ao outro no
processo dinâmico e dialógico de falar e pensar. Assim, percebendo-se essa
interdependência entre linguagem e pensamento, dentro dessa perspectiva da metáfora
lingüística, o próximo passo é adicionar a dimensão cio-cultural, pois como afirma
Kövecses (2002) “a metáfora faz parte dos modos de pensar e falar do ser humano, ela
evoca conhecimento cultural”.
Podemos destacar como conceitos principais dessa abordagem, os conceitos de:
metáfora sistemática, metáfora lingüística, metáfora processual e metaforema.
Como postula Sardinha (2007), a metáfora sistemática pode ser definida como uma
formulação metafórica abstrata que apresenta várias metáforas lingüísticas usadas por
determinada pessoa ou grupo de pessoas em determinado contexto.
a metáfora lingüística é definida como a oração ou o enunciado usados
metaforicamente.
A metáfora processual, por sua vez, refere-se à compreensão metafórica que uma
pessoa tem de determinada palavra, expressão ou frase.
Por fim, o metaforema consiste em um “conjunto de regularidades de forma, conteúdo,
afeto e pragmática, em torno de uma palavra ou colocação, que subjaz a uma metáfora
lingüística”. (CAMERON, 2006, p.1). Sardinha (2007, p.41), explica a definição de
Cameron, dizendo que “metaforema é uma unidade lingüística que possui uma forma
estável e recorrente e se associa regularmente com um sentido semântico e pragmático”.
Assim, o metaforema refere-se a uma nova unidade de análise capaz de mostrar a relação
existente entre uso e sentido de uma metáfora.
Nessa abordagem, torna-se importante destacar ainda, os termos adotados para análise
da metáfora. São eles:
Veículo: parte da metáfora que possui expressões usadas metaforicamente.
Tópico: parte da metáfora que possui expressões que se referem aos Veículos.
Domínio de Veículo/ Tópico: “áreas de conhecimento ou interação humana
referentes ao Veículo e ao Tópico”(SARDINHA, 2007, p.42). O domínio de
Veículo refere-se ao domínio-alvo da teoria da metáfora conceptual e é o
domínio abstrato. O domínio de Tópico refere-se ao domínio-fonte da metáfora
conceptual e é o domínio concreto.
Tanto na visão tradicional da metáfora quanto na teoria da metáfora conceptual, a
metáfora é vista como um fenômeno individual. Somente com a proposta da metáfora
discursiva é que ela vai ser entendida como um processo parcial, resultado da interação entre
pensamento, linguagem, falantes e contexto. É importante destacar que a visão discursiva da
metáfora não recusa a existência de metáforas na mente nem no corpo, mas enfoca o uso.
Sardinha (2007, p.44) apresenta um quadro de comparação entre a teoria da metáfora
conceptual e a abordagem da metáfora sistemática. O quadro proposto por ele está transcrito
abaixo:
Teoria da Metáfora Conceptual Abordagem da Metáfora Sistemática
O termo “metáfora” significa “metáfora
conceptual”, que é mental e abstrata.
O termo “metáfora” representa “metáfora em
uso”, que é verbal e concreta.
Ênfase no individual, idealizado. Ênfase no sócio-cultural, coletivo, concreto.
Foco na cognição humana. Foco no uso lingüístico.
Interface com a Lingüística Cognitiva, a
Psicologia e a Filosofia.
Interface com a Análise do Discurso,
Lingüística Aplicada e Lingüística de Corpus.
Linguagem idealizada. Exemplos inventados
ou colecionados. Dados lingüísticos são
secundários.
Linguagem em uso. Exemplos retirados de
corpora autênticos. Dados lingüísticos são
centrais.
Os critérios para a identificação da metáfora
na linguagem não são claros.
Critérios para identificação de metáfora na
linguagem são claramente definidos.
Busca de validação psicológica por meio de
experimentos controlados em laboratório.
Realidade psicológica é suposta por meio da
evidência do uso lingüístico.
Tendência generalizante: as metáforas
conceptuais são formuladas de modo
genérico.
Tendência particularizante: as metáforas
sistemáticas são formuladas de modo
particular, de acordo com as evidências de
uso.
Interesse pelo universal. Tentativa de
entendimento de características universais do
ser humano ou do comportamento de grandes
grupos humanos (cultura americana’,
Interesse pelo local. Tentativa de
entendimento do comportamento de grupos ou
indivíduos específicos (pessoas ou
comunidades em contextos determinados) ou
‘ocidental’, ‘humana’, etc.) de tipos de discurso específicos.
Mapeamentos entre domínios o estáveis e
previsíveis.
Mapeamentos são emergentes, não
previsíveis, construídos em contextos
específicos.
Pensamento tem precedência sobre o uso. A
linguagem é secundária, pois é apenas uma
manifestação do pensamento. Pensamos
metaforicamente, portanto falamos
metaforicamente.
Uso tem precedência sobre o pensamento.
Inferências sobre o pensamento devem ser
cuidadosas. ainda muitas questões abertas
sobre o uso de metáforas; por isso, é muito
problemático fazer asserções sobre o
pensamento a partir das metáforas na
linguagem.
Cameron (2006) acrescenta em seus estudos a importância de se considerar o aspecto
lingüístico dentro de uma teoria de estudos da metáfora, porém não desconsidera o aspecto
cognitivo da teoria da metáfora conceptual.
Steen (2008), como veremos a seguir, inclui à metáfora conceptual e à metáfora
sistemática o aspecto comunicacional que não fora incluído em ambas, construindo assim uma
perspectiva lingüístico-conceptual-comunicativa da metáfora.
2.5 Perspectiva linguistico-conceptual-comunicativa da metáfora
Steen (2008) afirma que a metáfora é um recurso essencial, não na linguagem e no
pensamento, como propõem outros pesquisadores, mas também na comunicação. Segundo
ele, em situações de comunicação a metáfora pode cumprir várias funções, como por
exemplo, ser persuasiva na propaganda, na política e na ciência; ser instrutiva na educação;
informativa em notícias e também na ciência e, assim por diante. Assim, Steen (2008) sugere
que o estudo da metáfora seja feito dentro de uma estrutura tridimensional, onde ocorra a
interação entre linguagem, pensamento e comunicação.
Ele explica que “quando a metáfora é estudada como parte da linguagem cotidiana ou
como eventos do discurso, ela não manifesta somente uma forma lingüística e uma estrutura
conceptual, mas também uma função comunicativa” (STEEN, 2008, p.217). Toda metáfora é
parte de um uso intencional da língua.
Steen (2008) classifica as metáforas como sendo: deliberadas e não deliberadas. A
metáfora deliberada é uma estratégia de discurso relativamente consciente, cujo objetivo é
produzir efeitos retóricos particulares. a metáfora o deliberada é usada de modo menos
intencional. De acordo com o autor a metáfora deliberada é a manifestação mais importante
da metáfora na comunicação e deve ser diferenciada da metáfora conceptual (metáfora no
pensamento) e da metáfora lingüística. As metáforas deliberadas não incluem necessariamente
todas as metáforas conceptuais, assim como uma mesma metáfora conceptual pode funcionar
tanto como uma metáfora deliberada quanto como uma metáfora não deliberada,
considerando-se o contexto comunicacional onde elas são utilizadas.
Assim, analisando-se o percurso histórico dos estudos da metáfora, desde a retórica até
o modelo proposto por Steen (2008), podemos concluir que o marco principal foi a proposta
da teoria da metáfora conceptual. A partir dela, os estudos da metáfora tiverem novo impulso
e a metáfora passou a ser vista, mais do que um ornamento do discurso, como um recurso
indispensável à vida cotidiana, utilizada, conscientemente ou não, por todas as pessoas.
3. Metáfora: adotando um modelo
Em nossa pesquisa, optaremos por adotar a teoria da metáfora conceptual, proposta
por Lakoff e Johnson (2002), que é o centro das demais teorias contemporâneas sobre
metáfora, porém consideraremos o foco lingüístico, enfatizado por Cameron (2006) e o
modelo tridimensional proposto por Steen (2008), além das considerações de Kövecses
(2002) acerca da universalidade das metáforas e dos diversos contextos onde elas se realizam.
3.1 Dimensão universal e cultural da metáfora
Como vimos previamente, na perspectiva cognitiva da metáfora, a metáfora não é um
fenômeno exclusivamente lingüístico; mais do que isso, ela pertence à língua, ao pensamento,
às práticas culturais e sociais, ao cérebro e ao corpo, sendo o pensamento o principal lugar
onde ela é motivada.
A maioria dos conceitos abstratos que temos são compreendidos via metáforas
conceptuais, o que significa dizer que nossa realidade não-física é conceptualizada através de
nossa realidade física, ou seja, em termos de domínios físicos de nossa experiência. O corpo
humano é essencialmente universal. E esse corpo universal é a base de muitas metáforas
conceptuais, que podem ser encontradas em muitas línguas.
Kövecses (2007) afirma que muitas nguas que não tem nenhuma relação uma com a
outra compartilham várias metáforas conceptuais para conceitos de determinadas emoções.
Ele cita como exemplo o conceito de felicidade. As três principais metáforas conceptuais
relacionadas à felicidade são: FELICIDADE É PARA CIMA, FELICIDADE É LUZ
(CLARIDADE), FELICIDADE É UM LÍQUIDO EM UM RECIPIENTE. De acordo com
Kövecses (2007) essas três metáforas podem ser encontradas, além da língua inglesa, em
chinês e húngaro.
O que justifica o uso dessas três metáforas em idiomas tão diferentes é o fato de que
essas metáforas têm uma motivação universal, ou seja, nasceram de experiências universais
compartilhadas pelas pessoas. Kövecses (2007) explica que quando estamos felizes, tendemos
a ficar eretos, de cabeça erguida, ativos, com brilho nos olhos e sorrindo, diferentemente de
quando estamos tristes e tendemos a ficar inativos e estáticos. Tudo isso são experiências
universais comuns a maioria das pessoas e tais experiências produzem metáforas universais
simples.
Outro exemplo está relacionado ao conceito de raiva. Tal conceito geralmente é
compreendido pela metáfora: A PESSOA COM RAIVA É UM RECIPIENTE
PRESSIONADO. E essa metáfora, como comprova Kövecses (2007), também pode ser
encontrada em línguas como: Inglês, Húngaro, Japonês e Chinês. Esses tipos de metáforas
baseadas em experiências corporais, embora possam ser moldadas pelo conhecimento cultural
local de cada lugar, existem independente de qualquer interpretação cultural, pois são
compreendidas acima de tudo por experiências corporais universais.
Outra metáfora universal citada por Kövecses (2007) relaciona-se ao conceito de
tempo: TEMPO É MOVIMENTO. Tempo e movimento são conceitos estritamente
correlacionados. O movimento ocupa lugar no tempo. Kövecses (2007) explica que o que
encontramos no futuro está à nossa frente (ORIENTAÇÃO TEMPORAL); o que encontramos
no futuro está se movendo em nossa direção (TEMPO SE MOVENDO); e o que encontramos
no futuro é o que estamos indo em direção (OBSERVADOR SE MOVENDO). Essas são
experiências universais com as quais nossa noção de tempo está estritamente relacionada com
movimento. Kövecses (2007) mostra que essas metáforas foram encontradas, além do Inglês,
em línguas como: Húngaro, Chinês e Hopi (uma linguagem indiana norte-americana).
Metáforas envolvendo experiências corporais tendem a ser universais. Outras
metáforas podem variar de uma língua para outra devido a fatores culturais. Kövecses (2007)
afirma que a metáfora não é motivada somente cognitivamente, mas também, culturalmente.
E como as características culturais variam, assim também podem variar as metáforas e
expressões lingüísticas. Além dos aspectos culturais, nossas experiências pessoais,
preferências cognitivas e estilos que usamos para criar pensamentos abstratos também
mudam, o que propicia a variação das metáforas. Os variados contextos em que vivemos
modelam nossas metáforas. Esses contextos estão relacionados ao ambiente, ao contexto
social-cultural e a situação comunicativa de determinada comunidade lingüística ou indivíduo,
o que proverá experiências específicas a esses grupos ou indivíduos. Nosso contexto histórico
também é responsável pela criação de nossas metáforas. Esse contexto histórico pode referir-
se a história da sociedade ou a história de um indivíduo. Kövecses (2007) teoriza que essas
histórias variam com o passar do tempo e essas variações da história produzem variações de
metáforas. Finalmente, o autor afirma que os tipos de metáforas que temos também dependem
dos interesses que governam nossa vida. Tais interesses podem ser gerais (culturais) ou
pessoais. Ambos influenciam significativamente as metáforas que empregamos para
compreender o mundo ao nosso redor.
Como vimos, as metáforas conceptuais são motivadas cognitivamente e culturalmente,
podendo ser universais ou comuns a diversos grupos sociais, considerando os variados
contextos em que elas se realizam. Em geral, as metáforas conceptuais o expressas através
da linguagem, que é o componente principal da cultura. Assim, a linguagem pode ser a
principal indicadora de metáforas conceptuais. Cada língua possui seu sistema metafórico
convencional, que é o responsável por preservar e manter a estabilidade de determinada
cultura. Segundo Kövecses (2007, p. 284), “isso é possível porque a cultura pode ser vista, em
parte, como conhecimentos metafóricos compartilhados no mundo e porque a linguagem
metafórica convencional e metaforicamente constituída pela realidade física tem relativa
estabilidade temporal”.
Considerar a dimensão cultural da metáfora implica enfrentar um tripé constitutivo de
qualquer metáfora: ideologia, identidade e representação social.
3.2 Metáfora e metonímia
É importante ainda diferenciar as duas figuras de linguagem: a metáfora e a
metonímia.
A metonímia é tradicionalmente conhecida como uma figura de linguagem em que a
associação de idéias e a relação de sentido provocam, às vezes, a substituição de um termo
pelo outro, como por exemplo, na seguinte frase: Estou vendo o Spielberg de novo. Esta frase
a entender: Estou vendo o filme do Spielberg de novo. Trata-se de uma substituição do
autor pela obra.
O que não se sabe, porém, é que a metonímia, assim como a metáfora, também tem
uma natureza conceptual e, segundo Kövecses (2002) as metonímias conceptuais são
reveladas por expressões lingüísticas metonímicas.
Kövecses (2002, p.145) define então a metonímia como sendo um “processo cognitivo
onde uma entidade conceptual, o veículo, provê acesso mental a outra entidade conceptual, o
alvo, com o mesmo domínio, ou um modelo cognitivo idealizado”.
Uma forma de diferenciar metáfora de metonímia é fazer uma paráfrase não
convencional usando a expressão “é como”. Se a comparação fizer sentido, ela é uma
metáfora; do contrário, trata-se de uma metonímia.
De acordo com Kövecses (2002,) a metáfora envolve dois conceitos distantes um do
outro em nosso sistema conceptual. Essa distância se pelo fato de que um conceito (ou
domínio, como chamamos anteriormente) é tipicamente abstrato, enquanto o outro é
tipicamente concreto. Um exemplo disso é a metáfora conceptual AMOR É UMA
JORNADA. Notamos que o conceito de amor é distante do conceito de jornada. Na
metonímia, ao contrário, temos dois elementos ou entidades que estão estritamente
relacionados um ao outro no espaço conceptual. O exemplo que citamos acima sobre o autor e
a obra encaixa-se nesse contexto também.
A principal função da metáfora é compreender uma coisa em termos de outra,
diferentemente da metonímia que é menos usada para esse propósito.
No entanto, Kövecses (2002) afirma que algumas relações metafóricas podem ser
motivadas por metonímias como EFEITO PELA CAUSA ou metonímias como O TODO
PELA PARTE.
Kövecses (2002, p.157) justifica essa afirmação apresentando o seguinte exemplo: na
metáfora RAIVA É CALOR o domínio-fonte de CALOR vem da relação metonímica
EFEITO PELA CAUSA. O calor do corpo produzido pela raiva poder ser visto como uma
metonímia. “Assim, nós temos a seguinte corrente de conceptualização: RAIVA produz
CALOR DO CORPO (metonímia); CALOR DO CORPO se torna CALOR (generalização);
CALOR é usado para compreender RAIVA (metáfora)”.
Para Kövecses (2002) estudar a metonímia torna-se importante dentro do estudo da
metáfora pelo fato de que muitas metáforas conceptuais têm uma base metonímica, como
vimos acima. Porém, metáfora e metonímia distinguem-se em diversos aspectos, tais como: a
metonímia baseia-se em proximidade, enquanto a metáfora baseia-se em similaridade; a
metonímia envolve um único domínio enquanto a metáfora envolve dois domínios distantes;
enquanto a metonímia é amplamente usada para prover acesso mental a um único alvo com
um único domínio, a metáfora é usada para compreender um sistema completo de entidades
em termos de outro sistema.
CAPÍTULO 2 - PROPAGANDA, METÁFORA E
METONÍMIA
Neste capítulo abordaremos o conceito de propaganda, considerando-a como um
gênero discursivo, como propõe a teoria bahktiniana. Iniciaremos apresentando a definição de
propaganda e publicidade, explicitando as diferenças e semelhanças existentes entre os
termos. Em seguida, apresentaremos as características do gênero propaganda. Ao final,
discorremos sobre a relação existente entre metáfora, metonímia e propaganda, com base nos
trabalhos de Ungerer (2003), Steen (2005) e Velasco-Sacristán (2010).
2. Definição
2.1 Propaganda e publicidade
De acordo com Sandmann (1993), o termo ‘propaganda’ foi extraído do nome
‘Congregatio de propaganda fide’, que significa ‘Congregação da que deve ser propagada’
e expressa a idéia de dever, necessidade, de algo que precisa ser propagado. É um termo mais
abrangente e pode ser tanto de produtos como políticas ou sociais. Já a publicidade relaciona-
se apenas a vendas ou divulgação de um produto. Aqui optamos por utilizar os termos:
propaganda e publicidade como sendo sinônimos, embora nosso corpus refira-se apenas a
ofertas de produtos e serviços.
2.2 A propaganda como gênero discursivo
Antes de aprofundarmos nossa reflexão acerca do gênero discursivo ‘propaganda’
vamos explicar o que são gêneros discursivos, tomando como base a teoria bakhtiniana.
Segundo Machado (2008), o Ocidente, desde a Grécia, sempre trabalhou com a noção
de gênero. Nesse contexto os gêneros poderiam ser definidos como tipos de textos que
possuíam traços em comum e se relacionavam ao campo da Poética, da Retórica e da
Literatura. Foi somente a partir dos estudos de Bakhtin que a Prosa foi enfatizada e os gêneros
deixaram de ser instrumento de classificação das espécies, passando a ser reconhecidos em
sua função de estabelecer uma ligação entre linguagem e vida social. A prosa corresponde,
então, aos variados contextos de comunicação onde discursos heterogêneos são utilizados.
Assim, como afirma Machado (2008, p.155), por surgirem “na esfera prosaica da linguagem,
os gêneros discursivos incluem toda sorte de diálogos cotidianos bem como enunciações da
vida pública, institucional, artística, científica e filosófica”. Os gêneros do discurso são
adquiridos nos processos interativos.
Bakhtin divide os gêneros discursivos em dois grupos distintos: os gêneros primários,
relacionados à comunicação cotidiana e predominantemente orais, e os gêneros secundários,
relacionados à comunicação cultural mais elaborada e predominantemente escritos. A
propaganda, por exemplo, é um gênero secundário.
A compreensão do conceito de gênero discursivo torna o estudo, a leitura e produção
da linguagem mais significativa, considerando-a como manifestação viva das relações
culturais. Como afirma Machado (2008, p.165), “essa é a dimensão prosaica no estágio
contemporâneo da civilização”.
Podemos ainda dizer que cada gênero e cada autor possuem um estilo e esse estilo
pode ser reconhecido nas produções discursivas.
A questão do estilo em Bakhtin é discutida partindo de uma abordagem discursiva.
Nessa perspectiva o estilo reflete uma visão de mundo. Relaciona-se à ideologia que perpassa
pelo sujeito, não desconsiderando o estilo individual.
De acordo com Fiorin (2006, p.47), o estilo está relacionado aos diversos
procedimentos de acabamento de um enunciado. São os recursos lingüísticos e extra-
linguísticos de que o enunciador dispõe. Porém, se falamos em enunciado, automaticamente
nos remetemos ao dialogismo, que é elemento constitutivo do enunciado. “O estilo define-se
dialogicamente, o que quer dizer que ele depende dos parceiros da comunicação verbal, dos
discursos do outro”. Assim, segundo Brait (2008), o estilo se constitui com o outro, mas esse
“outro” pode ser coletivo e não necessariamente constituído por duas pessoas. O outro reflete
uma época, um contexto social. É também importante colocar o conceito de “entoação
avaliativa”. O autor, antes de criar seu texto, faz uma avaliação e a avaliação do autor é que
vai influenciar suas escolhas verbo-visuais. Transpondo esse conceito para o gênero
“propaganda”, podemos afirmar que o estilo de uma propaganda colocada em uma revista
feminina, por exemplo, é diferente do estilo de uma propaganda colocada em uma revista
infantil. Os elementos verbais e não verbais que irão compor o enunciado produzido pelo
propagandista constroem composicionalmente o estilo de cada propaganda.
Ao optar por apresentar uma propaganda em uma determinada revista, o enunciador
leva em consideração o leitor pressuposto dessa revista. Ao criar uma propaganda, o
enunciador dispõe de recursos verbais e não verbais e faz a sua entoação avaliativa,
considerando o contexto e as representações sociais de seu público alvo; dialoga com o
enunciatário, propondo a ele uma atitude responsiva.
Se, como afirmamos, o estilo define-se dialogicamente, achamos então importante
explicitar melhor o conceito de dialogismo na teoria bakhtiniana.
De acordo com Fiorin (2006), “o conceito de dialogismo é o princípio unificador da
obra de Bakhtin” (p.18). Devido ao seu modo de funcionamento real, a linguagem tem a
propriedade de ser dialógica. E essa relação dialógica não se relaciona apenas a interação face
a face, mas a todos os enunciados no processo de comunicação, chamados de formas
composicionais. Nesses enunciados sempre um diálogo interno entre o discurso do
enunciador e o discurso do outro. Por isso, todo discurso é atravessado pelo discurso do outro,
ou seja, pelo discurso alheio. O dialogismo ocorre sempre entre discursos e refere-se às
relações de sentido que são estabelecidas entre dois enunciados. Quanto aos enunciados, na
concepção de Bakhtin, constituem-se nas unidades reais de comunicação; têm autor e
destinatário; são irrepetíveis; são sempre históricos; são dialógicos; têm sentido; permitem
uma resposta. Por esses traços é que enunciados e unidades da língua se diferenciam.
Assim, podemos concluir que todo enunciado é heterogêneo, pois revela duas
posições: a do enunciador e a do outro (possível leitor/ enunciatário). E essa relação
estabelecida entre o eu do discurso e o outro é uma relação dialógica contraditória.
Fiorin (2006) afirma que, para Bakhtin, as vozes que circulam nas relações dialógicas
são sociais e também individuais. Embora os enunciados sejam, na maioria das vezes, sociais,
o sujeito da obra bakhtiniana não é totalmente assujeitado aos discursos sociais. O diálogo
incessante do qual participa faz com que ele preserve sua liberdade.
Fiorin (2006) apresenta os três conceitos de dialogismo na obra de Bakhtin:
O dialogismo constitutivo cujo princípio é o de que “todo o enunciado constitui-se a
partir de outro enunciado” (p.24);
O dialogismo como forma composicional: As formas composicionais “são maneiras
externas e visíveis de mostrar outras vozes no discurso” e;
O dialogismo como princípio da constituição do indivíduo: “a subjetividade é
constituída pelo conjunto de relações sociais de que participa o sujeito”.(p.55)
Com relação ao dialogismo como forma composicional, Fiorin (2006) explica que há duas
maneiras de incorporar vozes diferentes em um discurso:
Aquela em que o discurso do outro é perceptível, ou seja, ao lermos um texto
conseguimos identificar com clareza qual é o discurso do enunciador e qual é o
discurso do outro. Enquadram-se aqui o discurso direto, o discurso indireto, as
aspas e a negação;
Aquela em que não separação muito clara ou explícita da voz do enunciador e
do discurso do outro. Enquadram-se aqui a paródia, a estilização, a polêmica clara
ou velada e o discurso indireto livre.
A propaganda é uma forma composicional em que o discurso do enunciador e o
discurso do outro não estão explicitamente separados, mas podemos perceber a existência
desse outro, analisando principalmente as escolhas verbo-visuais da propaganda que dialogam
com a ideologia da sociedade.
Assim como outros gêneros discursivos, a propaganda - dentro da teoria bakhtiniana
é compreendida como uma unidade comunicativa, um tipo relativamente estável de
enunciado, que se constitui de três partes principais: conteúdo temático, estilo de linguagem e
construção composicional.
Para Sandmann (1993) o maior desafio da propaganda nos tempos atuais é prender a
atenção do ouvinte, visto que os estímulos são muitos e as pessoas não conseguem assimilar
toda informação que lhes é dada. E isso o propagandista consegue fazendo uso de toda sua
criatividade. Aliás, a criatividade é um recurso imprescindível da propaganda.
A propaganda é um gênero discursivo que se preocupa com a eficácia junto ao
receptor e para isso dispõe tanto das palavras como das imagens. Carvalho (2003, p.11)
afirma que “a mensagem publicitária cria e exibe um mundo ideal” e instiga o receptor a
adquirir os produtos que ela propaga, para ser então feliz e bem sucedido.
Para Carvalho (2003) a propaganda é discurso, linguagem. Uma linguagem que
manipula símbolos para fazer a mediação entre objetos e pessoas. A autora afirma que “é no
aspecto lingüístico que se concretiza o sentido da potencialidade libertária da imagem, uma
vez que cabe ao texto escrito transformar o exotismo ou a poesia da imagem em apelo à
compra”. (p.15)
Essa linguagem se caracteriza pelo reforço ao individualismo; é uma mensagem que
deseja persuadir o receptor a realizar uma ação predeterminada, usando para isso uma
linguagem autoritária, onde se destaca o uso de verbos no modo imperativo. A mensagem
transmitida ao receptor possui um tom de verdade inquestionável. O caráter imperativo do
verbo torna o enunciado indiscutível; a argumentação icônico-linguística faz com que o
receptor se convença a adquirir determinado produto, consciente ou inconscientemente.
Através da linguagem, que é ideológica, a propaganda impõe valores e ideais, fazendo
uso dos recursos que a língua lhe oferece, além dos recursos visuais. Carvalho (2003, p.13)
apresenta exemplos de recursos fonéticos, léxico-semânticos e morfossintáticos utilizados na
propaganda.
Fonéticos: sibilância, onomatopéias, aliteração, assonância, etc.
Léxico-semânticos: usos conotativos e denotativos, construção e desconstrução
de palavras, termos emprestados, criação de termos novos, etc.
Morfossintáticos: flexões diferentes e grafias inusitadas, relações novas entre
elementos, sintaxe não-linear.
Carvalho (2003) explica ainda que é possível distinguir três planos na mensagem
publicitária:o identificador, o denotativo e o conotativo. O plano identificador consiste no
reconhecimento do gênero publicitário, ou seja, em construir a mensagem de modo que o
leitor, ao deparar-se com ela, seja capaz de reconhecer, pela forma composicional, que se trata
de uma propaganda. No plano denotativo está incluído o conjunto de informações inscritas no
texto e na imagem. Está relacionado ao papel informativo da propaganda. Carvalho (2003,
p.15) afirma que o plano conotativo é aquele que “engloba as predicações adicionais, ou seja,
a afirmação de qualidades exclusivas, que se inferem da denotação”. Os três planos da
mensagem publicitária fazem com que a finalidade da mensagem seja alcançada, ou seja, que
o receptor/leitor seja persuadido e adquira o produto divulgado.
Citelli (1994) afirma que o termo ‘persuasão’ está, de certa maneira, relacionado com
o discurso clássico, pois a preocupação em dominar a expressão verbal nasceu entre os gregos
que tinham que expor publicamente suas idéias, tendo a necessidade de lidar com habilidade
com as diversas formas de argumentação, falando de modo convincente e, ao mesmo tempo,
elegante. Segundo o autor, a disciplina que estava diretamente relacionada ao discurso era a
Retórica. Assim, como afirma Citelli (1994, p.8) cabia “à retórica mostrar o modo de
constituir as palavras visando convencer o receptor acerca de dada verdade”. Vários
pensadores gregos escreveram sobre a linguagem, porém, Aristóteles é quem se destaca
dentre eles, por ter estudado o discurso em sua estrutura e funcionamento.
Para Aristóteles (1998), a retórica consistia em um método constando passos que
deviam ser seguidos para se produzir a persuasão em um discurso. No entanto, essa disciplina
era mais analítica do que ética, pois seu objetivo não era saber se algo era verdadeiro ou não,
mas sim verificar quais os melhores mecanismos a serem utilizados para se fazer algo ganhar
a dimensão de verdade, ou seja, para ser eficaz no discurso.
De acordo com Citelli (1994), é no livro ‘Arte retórica’, escrito por Aristóteles, que
podemos encontrar as regras gerais que devem ser aplicadas nos discursos persuasivos. A
primeira dessas regras está relacionada à estrutura do texto. Para Aristóteles, o texto deve ser
organizado em quatro partes seqüenciais e integradas: o exórdio, a narração, as provas e a
peroração.
O exórdio é o início do discurso, aquilo que denominamos ‘introdução’. A narração é
o assunto do texto, onde acontecem os fatos; é a argumentação em si. As provas são os
elementos que sustentarão a argumentação. Finalmente a peroração se refere a conclusão do
texto. Podemos notar que até hoje utilizamos essa estrutura na construção de textos.
Com o passar dos tempos, a retórica foi perdendo sua função, deixando de se
preocupar com a organização do discurso e a persuasão, transformando-se simplesmente em
sinônimo de recursos embelezadores do discurso, onde a preocupação principal era construir
um texto bonito, ainda que muitas vezes ele ficasse vazio e sem sentido. As figuras de
linguagem eram muito utilizadas na construção desses textos, mas chegaram a ganhar até um
caráter pejorativo, pois eram vistas apenas como recursos de estilo do discurso.
Atualmente, os estudos de retórica foram renovados e ela adquiriu um novo papel:
estudar as figuras de linguagem em suas diversas funções e as técnicas de argumentação.
Citelli (1994, p.19) afirma que as figuras de linguagem “são importantes recursos para
prender a atenção do receptor naqueles argumentos articulados pelo discurso”. Para o autor, as
figuras mais utilizadas em um discurso persuasivo são: a metáfora e a metonímia.
Podemos afirmar que a retórica está relacionada à propaganda , pois, como afirma
Sandmann (1993), a linguagem da propaganda tem a mesma função da arte retórica: persuadir
e convencer por meio da palavra. Essa visão persuasiva da linguagem consiste em tentar
mudar a atitude do receptor. E para isso, ao elaborar o texto, o propagandista leva em
consideração o leitor pressuposto de sua propaganda e faz uso de inúmeros recursos, como
vimos acima, sendo a metáfora o recurso mais utilizado. Para Sandmann (1993, p.13):
o processo metafórico capta com mais eficácia a atenção do leitor,
preenchendo o objeto básico da propaganda: o de provocar, através da
elaboração da mensagem, o estranhamento do leitor e, a partir daí, fazer com
que ele se interesse pelo texto e, consequentemente, pelo que é propagado.
No entanto, neste trabalho adotamos um conceito de metáfora não como recurso
estilístico, mas como mecanismo presente na conceptualização do mundo. Desse modo, a
metáfora é intrínseca ao pensamento, sendo manifestada em todo tipo de linguagem, verbal e
não verbal.
Com efeito, para Forceville (2002), ao optarmos por considerar a metáfora dentro da
definição proposta pela perspectiva cognitiva, estamos incluindo não somente as
manifestações metafóricas verbais, como também as manifestações não verbais e
multimidiáticas. Segundo o autor, assim como a linguagem verbal, as imagens podem conter
metáforas, dando origem às metáforas visuais.
Forceville (2002) estuda a incidência de metáforas verbais e visuais em propagandas e
denomina de metáfora verbo-pictórica aquela em que um dos termos é apresentado
pictoricamente na propaganda enquanto o outro é apresentado verbalmente. Forceville (2002)
questiona ainda a questão da reversibilidade do domínio-alvo e do domínio-fonte na
propaganda. Para ele, seguindo o paradigma cognitivo, os domínios (alvo e fonte) são
irreversíveis, ou seja, os mapeamentos em cada metáfora vão unidirecionalmente da fonte
para o alvo.
Simpson (2001) apresenta outra característica importante no que se refere às
propriedades da propaganda. De acordo com ele, considerando-se a importância dos fatores
contextuais bem como as propriedades interativas e dinâmicas da propaganda, podemos
classificar as propagandas em dois grupos distintos: as propagandas objetivas (mais diretas e
racionais) e as propagandas subjetivas (mais indiretas e inferenciais).
As propagandas objetivas estabelecem relações com verdades científicas, necessidades
e fatos como, por exemplo, propagandas de medicamentos e produtos de higiene. Já as
propagandas subjetivas estão relacionadas às emoções, à imaginação, aos desejos e às
verdades poéticas. Exemplo disso são as propagandas de produtos de luxúria, ou seja, roupas,
carros, produtos de beleza, sapatos, etc.
Simpson (2001, p.603) afirma que toda propaganda possui as duas características ao
mesmo tempo, ou seja, “o processamento de uma propaganda subjetiva pode em certo grau
envolver a procura por dados racionais”. No entanto é possível identificar se a propaganda é
mais voltada para o caráter objetivo ou se ela é mais subjetiva. A mensagem transmitida nas
propagandas objetivas é simples e direta, não exige imaginação ou criatividade. A mensagem
das propagandas subjetivas, ao contrário, por ser indireta, torna-se mais difícil de ser
compreendida, sendo assim dependente da participação do interlocutor. Segundo Simpson
(2001) essa é uma tática que faz com que tais propagandas sejam mais bem sucedidas.
2.3 Metáfora e metonímia na propaganda
Como citamos anteriormente, muitas metáforas conceptuais podem ser motivadas
por metonímias conceptuais. Para Steen (2005), a metonímia é tão básica e sistemática quanto
a metáfora no que se refere à nossa cognição.
De acordo com Velasco-Sacristán (2010) existe uma interação entre metáfora e
metonímia e essa relação é tão estreita que se torna difícil até diferenciar uma da outra. A
autora aponta que metáfora e metonímia compartilham as seguintes características cognitivas
e pragmáticas:
ambas são mecanismos mentais convencionais;
metáforas e metonímias convencionais são geralmente automáticas e estabelecem
conexões inconscientes entre duas estruturas conceptuais;
ambas as figuras são sistemáticas; são culturais e específicas e;
ambas cumprem funções inferenciais, ou seja, estabelecem associações, fáceis de
serem ativadas, entre conceitos que podem ser usados para propostas inferenciais.
No que se refere aos pontos divergentes, Velasco-Sacristán (2010) apresenta os seguintes:
a metáfora é um mecanismo de dois domínios enquanto a metonímia é um
mecanismo de um único domínio;
a metáfora permite múltiplos mapeamentos de um domínio para outro enquanto a
metonímia nunca permite mais de uma relação;
a metáfora é representada pela forma: A é B (ALVO é a FONTE), a metonímia
é caracterizada pela forma: A para B (ALVO para a FONTE).
Velasco-Sacristán (2009, p.4) dá a seguinte definição para metáfora e metonímia:
“metáforas e metonímias são definidas como ferramentas conceptuais e comunicativas que
podem ser caracterizadas por seus mapeamentos conceptuais”; esses mapeamentos são
explorados de acordo com o potencial comunicativo de cada ferramenta.
Para Ungerer (2003), um gênero discursivo onde é possível perceber a interação entre
metáforas e metonímias é o gênero propaganda. Na propaganda os produtos anunciados são,
geralmente, representados metonimicamente por uma imagem ou pela marca do produto em
si. Verbos no imperativo são muitas vezes utilizados para convencer ou induzir o consumidor
a adquirir o produto.
Na propaganda a metáfora pode ser identificada pela ligação entre o domínio do
produto e outros domínios. Propagandas mais sofisticadas e atuais, embora não façam uso de
verbos no imperativo para persuadir o consumidor e sejam mais indiretas, também cumprem o
objetivo do gênero discursivo que é o de vender o produto anunciado, fazendo ligações entre
domínios estabelecidos pelas imagens presentes nas propagandas. Segundo Ungerer (2003),
essa ligação existente entre o produto e a provocação do desejo do consumidor é estabelecida
por aquilo que ele denomina “grabbing metonymy”,que aqui traduziremos como “metonímia
de preensão”.
A metonímia de preensão está relacionada ao DESEJO, sendo este uma emoção básica
do ser humano. O movimento de capturar (pegar), nesse sentido, é um movimento fisiológico
que acompanha o DESEJO, ou seja, quando se deseja algo, principalmente as crianças,
acontece o movimento automático de pegar ou por a mão no objeto desejado, como se com
esse gesto fosse possível capturá-lo e sanar esse desejo. Ungerer (2003) afirma que essa ação
de capturar pode ser colocada no conjunto de manifestações psicológicas de emoções. Assim,
a metonímia de preensão pode ser considerada uma metonímia fisiológica, ampliando o
conceito de metonímia adotado por visões mais tradicionais.
Ungerer (2003, p.324) explica que DESEJO “tem uma inerente ação potencial que é
proposta como último elemento da forma AIDA (Atenção – Interesse – Desejo – Ação)”. Essa
fórmula é recomendada para propagandistas como forma de orientação prática na criação de
propagandas, podendo também ser usada na sua interpretação. A metonímia de preensão é um
componente essencial da propaganda, porém está frequentemente implícita, não sendo
expressa nem lingüística nem visualmente.
Segundo Ungerer (2003) a essa metonímia está ligada à metáfora de valor que é uma
metáfora capaz de proporcionar muitas vantagens em termos de apoio conceptual. Uma dessas
vantagens é a diversidade de domínios-fonte que ela oferece para os mapeamentos nos
domínios-alvo, sendo esses domínios-fonte geralmente formados por aspectos positivos que
podem ser levados naturalmente para o domínio-alvo, sem exigir qualquer esforço.
A metáfora de valor e a metonímia de preensão são a base da propaganda. Em
qualquer propaganda a metonímia primária é: O OBJETO DESEJADO PELO DESEJO. Essa
metonímia se torna um dos elementos da metáfora de valor: O OBJETO DESEJADO É UM
OBJETO VALIOSO, que resume todas as ligações metafóricas estabelecidas por uma
metáfora de valor.
Como afirma Ungerer (2003), a metonímia de preensão, que representa nosso desejo
de pegar algo, cria a necessidade de justificar esse desejo, e essa justificativa encontra-se na
metáfora de valor. Assim, a metáfora de valor é conceptualmente motivada pela metonímia de
preensão que, por sua vez, torna atrativo o objeto em questão, ativando, com isso, a
metonímia de preensão, ainda que essa metonímia não seja expressa explicitamente.
2.4 Metáfora ideológica
Velasco-Sacristán (2010) afirma que nas propagandas existem metáforas de diferentes
tipos e apresenta a metáfora ideológica como sendo a mais adequada para a análise da
interação entre metáfora e metonímia.
Segundo a autora, a metáfora ideológica pode ser definida como aquela que considera
os processos sociais e determina a interpretação, sendo encontrada em vários tipos de
discursos de influência, como a propaganda. Existe um tipo específico de metáfora
ideológica: a metáfora de gênero. Para Velasco-Sacristán (2010, p.6), as metáforas de gênero
seguem três critérios: o critério discursivo, o critério cognitivo e o critério pragmático. Com
relação ao critério discursivo pode-se dizer que as metáforas de gênero se realizam no
discurso de modo verbal, não-verbal ou multimodal; o critério cognitivo está relacionado aos
“mapeamentos conceptuais que são projetados do domínio-fonte para o domínio-alvo e
podem criar ou refletir algum tipo de discriminação contra homens ou mulheres”. Por fim,
dentro do critério pragmático as metáforas de gênero podem propiciar a compreensão de
discursos discriminatórios contra homens e, especialmente, mulheres, geralmente implícitos.
No que se refere a metáfora de gênero como mecanismo comunicativo, Velasco-
Sacristán (2010) afirma que esses mecanismos têm correspondências que podem fazer surgir
interpretações sexistas. Eles são usados pelos propagandistas para introduzir um sistema de
valor relativo ao gênero que frequentemente ativa e impõe valores ‘sexistas’ negativos.
Fazendo isso, o propagandista não abandona o processo de interpretação, tendo um grau de
controle sobre a interpretação do leitor/ouvinte e transferindo para ele (leitor/ouvinte) a
responsabilidade pela interpretação da propaganda. Segundo a autora, pesquisadores discutem
que o uso da metáfora como disfarce ou ocultamento, especialmente para enganar ou evitar
responsabilidade pelo que é dito em tipos persuasivos de discurso, pode ser um indicador da
chamada ‘comunicação implícita’. Esse tipo de comunicação opõe-se a comunicação
ostensiva e ocorre quando a intenção informativa do falante é a de não se manifestar
explicitamente.
Velasco-Sacristán (2010) postula que no discurso da propaganda existem três
diferentes tipos de metáforas de gênero: as metáforas universais de nero, as metáforas
culturais de gênero e os casos de gênero metafórico.
Como vimos no capítulo anterior, muitos dos conceitos abstratos que temos são
compreendidos via metáforas conceptuais, ou seja, em termos de domínios físicos de nossa
experiência. Assim, sendo o corpo humano essencialmente universal, ele se torna a base de
metáforas conceptuais, que podem ser encontradas em muitas línguas. As metáforas
universais de gênero são aquelas baseadas nessas representações metafóricas corporais, ou
seja, em estruturas cognitivas pré-linguísticas, especialmente aquelas usadas para localizar os
homens e as mulheres em cenários socioculturais, políticos e econômicos, favorecendo a
discriminação contra o sexo feminino ou masculino.
Além das metáforas universais existem também as metáforas culturais. Os variados
contextos em que vivemos modelam nossas metáforas. Esses contextos estão relacionados ao
ambiente, ao contexto social-cultural e a situação comunicativa de determinada comunidade
lingüística ou indivíduo, o que proverá experiências específicas a esses grupos ou indivíduos.
Assim, as metáforas culturais de gênero são aquelas dependentes das práticas culturais de
determinada sociedade. Baseiam-se em estereótipos de nero e tendem a ser
discriminatórias, pois compreendem os seres humanos em termos de objetos, animais ou
mesmo estereótipos do corpo humano.
Entendemos por estereótipo de gênero
uma imagem relativamente fixa e generalizada de uma pessoa ou pessoas
que pertencem a um grupo particular. Isso é formado pelo isolamento e
magnificação de certos traços – físicos, mentais, culturais, ocupacionais,
pessoas, etc. que parecem caracterizar o grupo. (PAUWELS, 1998, apud
VELASCO-SACRISTÁN, 2010, p. 10)
Os casos de gênero metafórico, diferentemente das metáforas culturais de gênero, são
aqueles onde um uma entidade não humana - no caso da propaganda, um produto - é
compreendida em termos de uma pessoa, de modo a promover o produto e fazer com que o
leitor atribua ao produto as mesmas atitudes e sentimentos que costuma ter pelas pessoas. Os
casos de personificação são exemplos desse tipo de metáfora e podem ser expressos de modo
verbal, pictórico ou verbo-pictórico.
Velasco-Sacristán (2010) e Ungerer (2003) comungam a idéia de que metáfora e
metonímia são recursos conceptuais de extrema importância na criação de propagandas.
Ambos consideram o valor da metonímia de preensão e apresentam definições de metáforas
que estão diretamente relacionadas ao contexto da propaganda. Sendo a metáfora de valor a
metáfora base de toda propaganda e as metáforas ideológicas diretamente relacionadas a
propagandas de gênero, em nosso trabalho consideraremos a contribuição de ambos os
estudiosos, estabelecendo uma relação entre a metáfora de gênero e a representação social da
mulher.
CAPÍTULO 3 - DISCURSO, IDEOLOGIA E
REPRESENTAÇÃO SOCIAL
No presente capítulo abordaremos os conceitos de: discurso, ideologia e representação
social. O discurso é o responsável desde sempre pela divulgação e manutenção dos valores de
determinada sociedade. Através do discurso e com base na ideologia de determinado grupo
são criadas as representações sociais. Sgarbieri (2003, p.292), afirma que “a relação entre
linguagem, pensamento e mundo instala-se no discurso”, onde nos é possível observar e
analisar a ideologia de quem fala ou escreve tal discurso. Neste capítulo falaremos sobre a
importância do discurso e sua estreita relação com a ideologia e as representações sociais,
considerando as contribuições de Fiorin , Van Dijk, Bakhtin, Moscovici e Jodelet.
Abordaremos também os conceitos de linguagem verbal e não verbal e sua importância no
processo de comunicação, e dissertaremos sobre a representação social da mulher na
atualidade, traçando um percurso histórico das identidades das mulheres na sociedade.
3.Modos de comunicar-se
3.1 A linguagem verbal e não verbal
Desde sempre as organizações sociais são mantidas e estabelecidas por meio do
processo de comunicação, pois é nele que os conhecimentos e valores são transmitidos. O ser
humano participa dessas organizações sociais funcionando como agente do processo de
comunicação cultural e construindo a si próprio, sua própria subjetividade.
Comunicar-se, então, implica estabelecer relação entre dois elementos que interagem
entre si, fazendo uso das diferentes linguagens existentes: a verbal e a não verbal.
A linguagem verbal refere-se à leitura e à escrita, à formação da língua, é a linguagem
digital. Já a linguagem não verbal refere-se às imagens sensoriais; é a linguagem analógica.
Dondis (2007, p.151) nos fala da importância do alfabetismo visual. Para ela, assim
como somos alfabetizados para a leitura e a escrita, temos que ser alfabetizados para o visual,
visto que atualmente as duas linguagens se completam e, para se fazer uma leitura crítica a
compreensão do aspecto visual é imprescindível. “O alfabetismo visual implica compreensão,
e meios de ver e compartilhar o significado a um certo nível de universalidade”, ou seja,
compreender o que está por trás das cores, figuras, texturas escolhidas, ultrapassando a visão
superficial que temos sobre as imagens.
Dionísio (2005, p.159) também fala da importância de se rever o conceito de
letramento, pois “a noção de letramento como habilidade de ler e escrever não abrange todos
os diferentes tipos de representação do conhecimento existentes em nossa sociedade”. Com o
surgimento dos gêneros multimodais, o letramento deve ser empregado em sentido amplo,
envolvendo letramento visual, letramento midiático, etc.
Embora se completem, a linguagem verbal e a não verbal são diferentes e, segundo
Edwards (2003 apud AGUIAR, 2004), cada uma tem origem em um hemisfério cerebral. A
linguagem verbal (digital) origina-se no hemisfério esquerdo que é especializado nas
representações gicas e desenvolve-se no tempo. A linguagem não verbal (analógica), ao
contrário, origina-se no hemisfério direito, que é o responsável por nossa capacidade de
generalização e de formação de conceitos abstratos e desenvolve-se no espaço.
Como afirma Aguiar (2004, p.35) “há um outro tipo de comunicação humana que
também trabalha com as potencialidades do hemisfério direito: a propaganda”.
3.2 Discurso e ideologia
Quando falamos de comunicação, afirmamos que o ser humano age na organização
social da qual faz parte. Sendo assim, podemos dizer que a linguagem verbal e a linguagem
não verbal estão marcadas pelo modo de ser e pela visão de mundo das pessoas. A linguagem
é, então, produto da ideologia.
Fiorin (2007) afirma que a reflexão sobre a linguagem é um processo complexo, visto
que a linguagem deve ser considerada como uma instituição social por onde circulam as
ideologias, além de ser o instrumento de mediação mais eficaz entre os homens entre si e
entre os homens e a natureza. É por meio do discurso que os falantes exprimem seus
pensamentos e agem sobre o mundo. Segundo Fiorin (2007) o discurso está relacionado aos
elementos lingüísticos enquanto a fala é a exteriorização do discurso. Mais do que a junção de
muitas palavras, o discurso é estruturado, constituído por uma sintaxe e uma semântica.
De acordo com Fiorin (2007), a sintaxe é mais autônoma com relação às formações
sociais, diferentemente da semântica que é mais dependente dos fatores sociais. Assim, pode-
se dizer que “há no discurso o campo da manipulação consciente e o da determinação
inconsciente” (FIORIN, 2007, p.18). A sintaxe faz parte então do campo da manipulação
consciente, enquanto a semântica faz parte do campo da determinação inconsciente, ou seja,
da determinação ideológica.
Brandão (1995) afirma que o termo ideologia foi criado pelo filósofo Destutt de Tracy,
em 1810, na obra Elements of Ideologie. O termo nasceu como sinônimo da atividade
científica que procurava analisar a faculdade de pensar, tratando as idéias como fenômenos
naturais que exprimem a relação do corpo humano, enquanto organismo vivo, com o meio
ambiente.
Posteriormente, com Marx e Engels (apud BRANDÃO 1995) o conceito de ideologia
foi reformulado e a ideologia passou a ser considerada um instrumento de dominação de
classes, ou seja, um sistema de idéias que os grupos dominantes usam em beneficio próprio,
tendo assim um caráter negativo.
Brandão (1995) ainda apresenta o conceito de ideologia na visão de Althusser, para
quem a ideologia representa a relação imaginária de indivíduos com suas reais condições de
existência; a ideologia se materializa nos atos concretos e é capaz de moldar as ações dos
indivíduos.
De acordo com o dicionário, ideologia é a “ciência ou tratado da formação das idéias”,
“conjunto de idéias que orientam as ações de um grupo, uma pessoa, etc”. Fernandes (2007,
p.29) apresenta o conceito dentro da Análise do Discurso de linha francesa, como “uma
concepção de mundo de determinado grupo social em uma circunstância histórica”
,
sendo
inerente ao discurso.
Para Fiorin (2007) a ideologia é um conjunto de idéias constituído e constituinte da
realidade, sendo determinada, em última instância, pelo nível econômico.
O conceito de ideologia é extremamente importante nos trabalhos de Bakhtin e de seu
Círculo. Segundo Miotelo (2008), Bakhtin enfatiza as questões referentes à ideologia em suas
obras Marxismo e filosofia da linguagem e Problemas da poética de Dostoiéviski.
O filósofo russo vai contra a perspectiva defendida pelos marxistas, lingüistas,
psicólogos e teóricos em geral, que retratam a ideologia de forma mecanicista, subjetiva,
idealista. Para ele, a ideologia é um acontecimento vivo e dialógico, que não vive apenas na
consciência individual do homem, mas é construída na concretude. Ele constrói uma
concepção de ideologia que aproxima a ideologia oficial da ideologia do cotidiano. A
ideologia oficial é aquela considerada por Marx como falsa consciência, pois oculta a
realidade social. a ideologia do cotidiano nasce na casualidade, na proximidade social, é
relativamente instável. Para Bakhtin e seu Círculo, ambas as ideologias vão formar um
contexto ideológico completo e único, numa relação dialética e concreta.
Segundo Miotello (2008, p.169), foi Voloshinov, um dos intelectuais que fazem parte
do círculo de Bakhtin, quem definiu ideologia:
Por ideologia entendemos todo o conjunto de reflexos e das interpretações da
realidade social e natural que tem lugar no cérebro do homem e se expressa
por meio de palavras [...] ou outras formas sígnicas.
Bakhtin também afirma que toda linguagem é formada por signos e todo signo é
ideológico porque reflete a visão de mundo de determinada pessoa ou grupo social, sendo ele
parte concreta da realidade. Para ele, o signo é ideológico porque possui dupla materialidade,
ou seja, é físico-material e sócio-histórico ao mesmo tempo. A palavra funciona como agente
e memória social; ela é um signo neutro que pode preencher qualquer espécie de função
ideológica.
Assim, Miotello (2008, p. 171) afirma que a ideologia, para Bakhtin, poderia ser
caracterizada “como a expressão, a organização e a regulação das relações histórico-materiais
dos homens”.
Van Dijk (2003) reafirma que é através do discurso que as ideologias são expressas e
reproduzidas. Para ele, o uso da linguagem e da escrita é uma prática social que está
condicionada à ideologia e que influencia no modo de adquirir, aprender e mudar as
ideologias. E conceitua ideologias como sendo as crenças fundamentais de um grupo e de
seus membros.
Van Dijk (2003) propõe um estudo das ideologias que considere três grupos: o
discurso, a cognição e a sociedade. No conceito de discurso estão inclusos: o texto, a fala, a
interação verbal e o uso da linguagem na comunicação. No conceito de cognição devem ser
considerados os aspectos mentais das ideologias, como a origem das idéias e das crenças e sua
relação com as opiniões e os conhecimentos socialmente compartilhados. Finalmente, no
conceito de sociedade, são relevantes os aspectos históricos, sociais, políticos e culturais das
ideologias.
A psicologia social e cognitiva atual diferencia os vários tipos de crenças existentes,
podendo ser elas: pessoais ou sociais, concretas ou abstratas, simples ou complexas, sobre nós
ou sobre os outros, etc. Essas crenças constituem-se em ideologias que são compartilhadas e
se referem a temas relevantes para um grupo e sua existência, como aspectos políticos e
sociais. Como afirma Van Dijk (2003, p.20) “as ideologias se referem a vida e a morte, ao
nascimento e a reprodução, como no caso das atitudes polêmicas acerca do aborto e da
eutanásia”. As representações sociais de um grupo são formadas e fundamentadas pelas
ideologias.
Outro conceito diretamente relacionado a ideologia é o conceito de conhecimento.
Para Van Dijk (2003) o conhecimento pode ser considerado como tudo aquilo que
consideramos verdadeiro, sendo então dependente das crenças de um grupo, da sociedade e da
cultura na qual estão inseridos.
Para se poder estabelecer uma relação entre discurso e ideologia é preciso, antes de
tudo, que esta relação se em outras formas de cognição social, como nas atitudes e no
conhecimento de determinado grupo.
De acordo com Van Dijk (2003) “o que nos falta no vínculo entre cognição social e
discurso é essencialmente um modelo da situação comunicativa. Os modelos contextuais (os
contextos) são modelos que representam um ato comunicativo atual no qual nos encontramos
e participamos”.
O conceito de contexto definido por Van Dijk (2003) é um conceito cognitivo,
considerando que a situação real do ato comunicativo é um conceito social que possui
participantes reais. O modelo contextual representa aquilo que é relevante para o discurso na
situação comunicativa atual, ou seja, funciona como um mecanismo que controla o processo
do discurso, nos informando acerca do que os receptores já sabem, das relações sociais que se
estabelecem entre os participantes, do tempo, do espaço e da situação atual, considerando
nossas intenções e objetivos.
Segundo Van Dijk (2003) o discurso é formado por três componentes principais: o
significado, a forma e a dimensão social.
Assim como Fiorin (2007), Van Dijk (2003) apresenta o significado semântico do
discurso como sendo o mais influenciado pela ideologia, diferentemente da morfologia e da
sintaxe que dependem menos do contexto. E afirma que “a dimensão ideológica do discurso
também depende das práticas não verbais, das estruturas organizativas e de outros aspectos
relacionados com as empresas e instituições” (p.46).
É ainda importante ressaltar que o significado do discurso não se limita ao significado
das palavras e das frases. De acordo com Van Dijk (2003) o discurso também conta com
significados mais globais, como os temas. Os temas carregam a informação mais importante
do discurso e dão uma explicação geral do assunto do texto, sendo formulados
especificamente no próprio texto, como por exemplo, nos resumos, títulos ou subtítulos.
Van Dijk (2003) afirma que o discurso ideológico possui uma estratégia básica geral
que nada mais é do que uma polarização que se aplica semanticamente por contraste, ou seja,
o discurso tende a falar de nossos aspectos positivos e dos aspectos negativos dos outros,
fazendo uso das figuras de estilo e da coerência para que esse enfoque seja possível. Por isso é
sempre necessário examinar os significados que organizam as figuras de linguagem para se
saber quais são suas implicações ideológicas. Daí o enfoque no presente trabalho sobre o uso
e a função das metáforas.
Ainda considerando esse princípio ideológico, outro fator importante a se observar é o
modo como as informações são apresentadas: as informações positivas referentes a nós, ao
próprio grupo tendem a ser topicalizadas e explícitas, como também as que se referem aos
aspectos negativos do outro grupo, enquanto as informações negativas relativas ao nosso
grupo ou as positivas relacionadas ao grupo do outro tendem a ser implícitas, não
topicalizadas, escondidas e difusas.
E outros aspectos devem ser também considerados na marcação e ênfase dos
significados ideológicos, como a acentuação, a entonação e as linguagens não verbais, além
das formas esquemáticas gerais do discurso, como as estruturas narrativas ou argumentativas.
Van Dijk (2003) relembra que as ideologias influenciam no que e no como dizemos,
porém, nós também as modificamos com as informações que recebemos a todo o momento.
A função social das ideologias é controlar e coordenar as práticas sociais de um grupo,
formando a base das representações sociais desse grupo. Elas operam indiretamente na
produção e composição do discurso, primeiro através das atitudes e do conhecimento do
grupo diante de domínios sociais especiais e, após, no nível dos discursos individuais dos
membros do grupo, através de modelos mentais dos acontecimentos e situações sociais”.
(VAN DIJK, 2003, p.77)
Van Dijk (2003, p.80) afirma que “o discurso é a prática social mais importante, a
única que se expressa diretamente e que, portanto, tem a capacidade de divulgar as ideologias.
Uma teoria da ideologia sem uma teoria do discurso é incompleta”.
Na abordagem da linguagem proposta nesse trabalho adotaremos as definições de
ideologia propostas por Van Dijk e Bakhtin, visto que ambas possuem pontos em comum.
Van Dijk, assim como Bakhtin, defende que a ideologia se concretiza nos discursos. Ambos
propõem um estudo das ideologias que considere: discurso, cognição e sociedade, tendo a
ideologia uma existência sócio-histórica e físico-material ao mesmo tempo. E é justamente
esse aspecto que diferencia a concepção de ideologia proposta por esses autores daquela
proposta por Marx e Althusser, por exemplo.
Se esta antes era associada à consciência ou às
ideias, o que implicava percebê-la como algo abstrato, pelo viés do discurso pode-se
considerá-la como possuindo uma existência material, que são os signos. Assim, o foco passa
a ser a manifestação do poder na linguagem e o a consciência, como propunham as teorias
tradicionais de ideologia, preconizando-se as interações sociais, ao invés das ideias.
Sendo o discurso uma prática social que divulga ideologias, podemos afirmar que ele
também é o responsável por divulgar e construir as representações sociais, que norteiam o
modo como agimos no mundo.
3.3 Representação social
Antes de abordamos a questão da representação da mulher na sociedade,
apresentaremos de maneira breve o conceito de representação social que trata dos problemas
psicológicos e sociais de nossa sociedade.
Para Jodelet (2001) as representações sociais são fenômenos complexos que são
ativados e agem na vida social. De acordo com a autora esses fenômenos estão relacionados a
diversos elementos: informativos, cognitivos, ideológicos, normativos, crenças, valores,
atitudes, opiniões, imagens, etc e organizam-se em torno de um conhecimento que diz algo
sobre a realidade.
De acordo com Alexandre (2004), o sociólogo Durkheim foi o primeiro a identificar
tais elementos como produções mentais sociais, extraídos de um estudo sobre a ideação
coletiva. Para Durkheim, as regras que comandam a vida individual (representações
individuais) não são as mesmas que comandam a vida coletiva (representações coletivas), ou
seja, os fenômenos coletivos não podem ser explicados em termos de indivíduo, por isso ele
propunha a divisão entre o indivíduo e o social. Segundo Durkheim, as representações
coletivas se referem à representações duradouras, à herança coletiva transmitida pelos
antepassados (função primordial da representação coletiva), a um conjunto de conhecimentos
e crenças (mitos, religião, ciência). Como afirma Alexandre (2004), esta representação
coletiva não se reduz à soma das representações dos indivíduos que compõem a sociedade,
mas são, acima de tudo, um novo conhecimento que é formado, capaz de superar a soma dos
indivíduos, favorecendo a recriação do coletivo. Para Durkheim, da experiência social surgia
o conhecimento, ou seja, todo pensamento organizado estava condicionado à vida social; a
individualidade das pessoas era constituída a partir da sociedade, o homem era produto da
sociedade.
Nesse ponto Moscovici (apud ALEXANDRE, 2004) se afasta de Durkheim,
reelaborando o conceito de representação social (ou coletiva) apresentado por ele. Para
Moscovici, o indivíduo não recebe a herança coletiva dos antepassados de maneira estática e
passiva. Ao contrário, o indivíduo, que é ativo, também atua na sociedade com autonomia,
sendo responsável pela construção da sociedade, ao mesmo tempo em que é criado por ela.
Ele rejeita a idéia de que “grupos e indivíduos estejam sempre e completamente sob o
domínio ideológico de classes sociais, do estado, da igreja ou de escolas(ALEXANDRE,
2004, p.133). Moscovici o indivíduo como um ser pensante, autônomo, capaz de produzir
representações, confrontando suas experiências individuais e seus pensamentos a ciência e às
ideologias.
O que fez com que Moscovici decidisse desenvolver o estudo das representações
sociais com base em métodos científicos foi justamente sua crítica aos pressupostos
positivistas da época que separavam o individual do coletivo. E sua crítica tinha uma intenção
construtiva; ele queria oferecer à Psicologia Social objetos e instrumentos conceituais que
possibilitassem um conhecimento cumulativo, em contato direto com os verdadeiros
questionamentos colocados pela sociedade. A maioria dos teóricos da Psicologia Social,
anteriores à Segunda Guerra Mundial, acreditavam que os fenômenos coletivos e os
fenômenos individuais não poderiam ser explicados e regidos pelas mesmas leis. Somente
após a Segunda Guerra Mundial é que o cognitivismo apareceu nas pesquisas e estudos de
alguns psicólogos sociais, como Fritz Heider, Solomon Asch e Kurt Lewin. Segundo
Alexandre (2004, p.124), “a eles é creditado o pioneirismo de iniciadores da Psicologia Social
Moderna, assim como um ramo da produção científica: a cognição social”. Como afirma
Alexandre (2004, p.129), a cognição social é “o estudo das dimensões de natureza social dos
processos cognitivos”.
Foram várias as contribuições ao desenvolvimento da Psicologia Social, dentre elas a
linha de pesquisa da Escola de Frankfurt cujo objetivo era reavaliar e fazer uma análise do
marxismo, teoria que dominava na época. Para os intelectuais da escola de Frankfurt, uma
teoria seria válida se pudesse estabelecer relação com a prática, considerando-se a prática
como aquela capaz de estabelecer uma relação dialética com a teoria e não simplesmente a
ação por si só. Esse ponto fundamental da linha de pesquisa dessa escola foi apresentado por
Horkheimer, ao publicar o artigo “Teoria tradicional e teoria crítica”, em 1937. Embora
possamos encontrar pontos fracos nas linhas de pesquisa da escola de Frankfurt, a sua revisão
do marxismo e sua proposta de uma teoria crítica trouxe contribuições importantes para a
Psicologia Social.
Assim, podemos dizer que o aspecto mais importante e original da Psicologia Social é
questionar a separação entre o individual e o coletivo, mostrando que ambos os conceitos
estão diretamente relacionados, embora sejam interdependentes. Moscovici apresenta a
cognição, as representações sociais (que se relacionam aos fenômenos da ideologia) e as
interações humanas (que se relacionam aos fenômenos da comunicação), como sendo objetos
de estudo da Psicologia Social. A compreensão do papel da comunicação social contribui para
a abordagem dos fenômenos cognitivos. De acordo com Jodelet (2001, p.30), Moscovici
examinou a incidência da comunicação em três níveis:
“Ao nível da emergência das representações cujas condições afetam os
aspectos cognitivos (aspectos interindividuais);
Ao nível dos processos de formação das representações (aspectos
institucionais) e;
Ao nível das dimensões da representação relacionadas à edificação da conduta:
opinião, atitude e estereótipo, sobre os quais intervêm os sistemas de
comunicação midiáticos”.
Assim, a comunicação social, em seus variados aspectos, possibilita e determina as
representações sociais.
Sendo a representação social objeto de estudo da Psicologia Social, podemos concluir
que ela é, mais do que um instrumento de compreensão da realidade, um instrumento de
transformação da mesma, visto que a Psicologia Social articula o individual e o coletivo, ou
seja, o psíquico e o social.
Ainda de acordo com Jodelet (2001, p.23) pode-se dizer que a representação social “é
uma forma de conhecimento, socialmente elaborada e partilhada, com um objetivo prático e
que contribui para a construção de uma realidade comum a um conjunto social”. Segundo a
autora, a representação é um saber prático.
Qualificar esse saber de prático se refere à experiência a partir da qual ele é
produzido, aos contextos e condições em que ele o é e, sobretudo, ao fato de
que a representação serve para agir sobre o mundo e o outro, o que
desemboca em suas funções e eficácia sociais. (Jodelet, 2001, p.28)
Esse saber liga um sujeito a um objeto. Ou seja, o ato de representar corresponde a um
ato de pensamento por meio do qual um sujeito se reporta a um objeto. E esse objeto pode ser
pessoas, coisas, acontecimentos e fenômenos, reais ou imaginários. Quanto ao ato de
pensamento, pode-se dizer que seu conteúdo concreto é a representação mental que traz a
marca do sujeito e de sua atividade. A expressão do sujeito faz remissão às características de
construção, criatividade e autonomia, constitutivas da noção de representação social. Como
afirma Spink (1993), o sujeito construído pela representação, é um sujeito social, criativo, que
atua no meio em que vive, mas também é produto de determinações sociais.
Jodelet (2001) afirma que a representação social estabelece uma relação de
simbolização e de interpretação com seu objeto. É do processo de interpretação que a
representação social confere significações ao seu objeto. E essas significações nascem de uma
atividade que torna a representação uma construção e uma expressão do sujeito. Quanto a esta
atividade, a autora postula que ela pode remeter tanto a processos cognitivos quanto a
mecanismos intrapsíquicos, considerando na análise desses processos a participação social e
cultural do sujeito. É nesse aspecto que o estudo das representações sociais se diferencia de
perspectivas clínicas ou puramente cognitivistas. Spink (1993) apresenta outro diferencial: as
representações são expressões cognitivas permeadas pelo afeto, visto que abrem espaço para a
subjetividade. As representações sociais também podem estabelecer relação com a atividade
mental de um grupo, considerando os processos ideológicos e sua influência sobre o
indivíduo.
Jodelet (2001) ressalta ainda outras três particularidades marcantes do conceito de
representação social: a vitalidade, a transversalidade e a complexidade. A vitalidade está
relacionada à evolução do conceito de representação social com o passar dos tempos, fruto de
inúmeras discussões que foram fonte de avanços teóricos. Essas discussões e esses avanços
foram possíveis principalmente pela transversalidade, ou seja, pela articulação existente entre
diversos campos de pesquisa e as múltiplas relações existentes entre diversas disciplinas no
que se refere à noção de representação social. A complexidade em se definir a noção de
representação social se devido aos diversos fenômenos que o conceito aborda, ou seja,
considerando os variados objetos que ele representa.
Assim, pode-se concluir que as representações sociais são criadas a partir da nossa
necessidade de interpretar e agir no mundo em que vivemos. Segundo Spink (1993) são
formas comprometidas e/ou negociadas de interpretar a realidade. Como afirma Jodelet (2001,
p.18), elas estão presentes em discursos e são trazidas por meio de palavras e imagens
midiáticas, “cristalizadas em condutas e em organizações materiais e espaciais”. As
organizações institucionais e os meios de comunicação interferem na elaboração das
representações, influenciando e até mesmo, manipulando a sociedade em geral. As
representações se apóiam em valores variáveis e estão ligadas tanto a sistemas de pensamento
mais complexos (ideológicos, culturais ou científicos) quanto à experiência particular e
afetiva dos indivíduos. Elas dão uma definição específica aos objetos que representam e são
essas definições que serão partilhadas pelos membros de um mesmo grupo, criando-se assim
uma visão que servirá de guia de ações e trocas cotidianas dentro desse grupo e podeir de
encontro à visão de outros grupos. Essas são as funções e as dinâmicas sociais das
representações.
De acordo com Spink (1993, p.5), “nos diversos textos que lidam com as
representações sociais enquanto formas de conhecimento prático, são destacadas diversas
funções”:
Função social: orientação das condutas e das comunicações;
Função afetiva: proteção e legitimação de identidades sociais e;
Função cognitiva: familiarização com a novidade.
Especificando tais funções, a autora afirma que a função social é aquela que exige uma
análise mais minuciosa das trocas sociais, de modo a evidenciar o processo de negociação
constitutivo das relações sociais. A função afetiva faz remissão à dinâmica da interação social,
dando enfoque às estratégias coletivas ou individuais elaboradas para se manter as identidades
ameaçadas. Por fim, a função cognitiva é aquela que visa transformar o estranho em algo
familiar, ou seja, transformar imagens em elementos da realidade.
Moscovici (2005) afirma que o discurso é o vetor principal das representações sociais,
pois é através dele que o fenômeno das representações sociais é percebido e elaborado.
Segundo ele, não existem representações sociais sem linguagem, assim como não existe
sociedade sem representações sociais. A linguagem é a forma mais elevada de modular as
aventuras humanas.
As pesquisas sobre representações sociais são bem fundamentadas e recorrem a
metodologias variadas, além de se relacionarem a diversos assuntos e domínios. Essas
metodologias podem ser: questionários, entrevista, registro de material verbal em
documentos, diferentes métodos de associação de palavras, experimentação em laboratório e
campo, análise de discurso, etc. “São muitos os elementos que atestam a fecundidade da
noção, sua maturidade científica e sua pertinência para tratar dos problemas psicológicos e
sociais de nossa sociedade”. (JODELET, 2001, p.12).
3.4
A representação social da mulher
Como vimos, a representação social é uma forma de conhecimento que contribui para
a construção de uma realidade comum. Sendo assim, qual seria a representação social da
mulher nos tempos atuais?
Para respondermos a essa questão devemos traçar um percurso histórico da
representação da mulher na sociedade, considerando o importante papel dos meios de
comunicação, das instituições e das marcas identitárias na constituição de sua imagem social.
Esse percurso histórico será feito considerando também os movimentos artísticos, como
propõe Costa (2002), entendendo a arte como “uma janela aberta pela qual a realidade penetra
como é” (p.73), ou seja, a arte espelha a sociedade e os papéis sociais desempenhados pelos
indivíduos.
De acordo com Costa (2002), foi da escola de arte figurativa barroca que surgiram as
primeiras figuras representando a mulher. Essas imagens eram baseadas em temas específicos
e faziam uso de inúmeras metáforas visuais.
Costa (2002) distingue quatro conjuntos temáticos em torno dos quais se desenvolveu
a pintura colonial brasileira: o antigo testamento, o novo testamento, as autoridades da igreja e
o culto mariano. Nesse primeiro grupo, onde são narrados fatos referentes à criação do
universo e do homem, a mulher tem uma participação apenas secundária, como por exemplo,
Eva tentando convencer Adão a pecar ou Dalila seduzindo Sansão. Assim, nesse conjunto a
mulher é vista como uma pecadora; sua natureza feminina representa perigo, devido as suas
atitudes negativas, como seduzir, desobedecer, ser ambiciosa. As cenas do antigo testamento
mostram uma mulher pecadora, a qual os devotos devem repudiar e temer.
No segundo grupo temático, onde as cenas são inspiradas no novo testamento, o
grande personagem das pinturas é Jesus. No entanto, é possível perceber a presença mais
significativa de mulheres, como Nossa Senhora e Maria Madalena. “Diferindo do
patriarcalismo oriental de tradição judaica, essas personagens encarnam um feminino
valorizado por qualidades que lhe parecem inerentes como castidade, obediência, pureza.”
(COSTA, 2002, p.67). Desse modo, a visão da mulher torna-se mais positiva. no terceiro
grupo, onde as obras constituem-se em retratos de autoridades da igreja, poucas figuras
femininas aparecem, dentre elas algumas santas que ostentam certa majestade. Finalmente o
quarto grupo temático, relativo ao culto mariano, ou seja, ao culto a Maria, mãe de Jesus, em
suas diferentes nomeações, pode ser considerado o mais importante do período barroco, no
que se refere à representação da mulher, visto que a mulher, por meio de Maria, foi
representada em inúmeras imagens. E essas imagens representavam uma deusa boa e
poderosa, jovem e maternal, virgem e pura, amorosa e gloriosa, cujos principais dons estão
ligados à sua condição de mãe.
E podemos estabelecer uma relação entre as imagens femininas do grupo temático
relativo ao culto mariano com as mulheres da sociedade do século XVIII. Na verdade, como
afirma Costa (2002), o culto mariano reflete o contraste da sociedade daquele tempo, onde
existiam poucas mulheres, sendo a maioria delas índias ou escravas, sem ascendentes ou
dotes. A sociedade colonial era constituída por poucas famílias, poucas mulheres e muitos
homens solteiros, relações irregulares e ausência de proteção do Estado. As imagens desse
grupo temático podem ser vistas como que um desejo ou uma carência dos homens daquele
período, que esperavam por uma esposa maternal e atenta, fecunda e saudável, capaz de
garantir a eles o estabelecimento e a manutenção da família e de sua descendência.
Assim, foi possível perceber que a figura feminina surgiu na arte como uma imagem
idealizada, repleta de atributos positivos, como: beleza física, pureza, saúde e capacidade de
ser mãe. Segundo Costa (2002, p. 76):
É como deusa que a mulher faz sua entrada na arte brasileira, uma deusa de
grandes poderes, homenageada como esperança de transformação das
agruras em felicidade. Uma imagem idealizada que não tem relação com a
realidade vivida, mas que desempenha esse grande papel da arte de tornar
visíveis os sonhos da humanidade.
No século XIX, houve o declínio do culto mariano e o do fervor religioso, devido a
maior autonomia da cultura e da arte. Ao invés de deusas, a pintura feminina passou a
registrar madonas e damas da corte, ressaltando a frivolidade. A mulher é pintada no século
XIX em três diferentes cenários: nas cenas de costumes, nos nus artísticos ou nos retratos.
Os temas relacionados às cenas de costumes são os fatos da vida cotidiana e as
relações familiares. As mulheres desse cenário eram, como no barroco, românticas, jovens e
meigas. O que as diferencia das figuras do barroco é a sua humanidade. Elas são pintadas em
cenas comuns, do dia-a-dia, sendo ainda mais sedutoras. As figuras de mulheres também
apareciam nos nus artísticos. Porém as mulheres das cenas de costume eram mais sensuais,
devido a naturalidade de seus gestos, diferentemente das modelos nuas que tinham gestos e
expressões artificiais.
Com relação ao retrato podemos dizer que foi um dos gêneros mais desenvolvidos no
século XIX, pois era considerado aspecto de distinção social por parte da elite brasileira, que
queria fixar os sinais de êxito de sua fisionomia; além de ser uma prática que foi facilitada
com o desenvolvimento da fotografia. Os retratos femininos desse período mostravam uma
mulher com autoridade, sobriedade, severidade e orgulho, sendo estes, padrões estéticos
muito próximos dos encontrados nos retratos masculinos. O que nos leva a concluir que a vida
das mulheres nessa sociedade as aproximava muito mais do universo masculino do que os
estudos históricos diziam. Esse padrão estético dos retratos femininos da elite brasileira se
popularizou por meio das fotografias. Assim, mulheres de classes sociais mais baixas
poderiam também ter seus retratos. E o mais interessante, como mostra Costa (2002, p.106) é
que as mulheres mais humildes adotavam em suas fotografias o mesmo padrão estético
adotado pela elite: a expressão de orgulho, distinção e autoridade; o que é, para nós, um
exemplo de como “certos padrões estéticos, modas e gostos se difundem agindo como
formadores de expectativas, valores e comportamentos”, ou seja, formando representações
sociais.
Nesse século, o Brasil era uma sociedade nova e emergente, onde pessoas antes
desconhecidas ganhavam prestígio e reconhecimento. O século XIX foi um período próspero
no Brasil pelo estabelecimento do ciclo do café. E o papel da mulher nesse ciclo era de
extrema importância, pois ficava incumbido a ela dirigir a fazenda enquanto os homens se
deslocavam para as cidades e até mesmo para o exterior, de acordo com suas atividades
comerciais e políticas. Os deveres e responsabilidades que eram a elas atribuídos faziam com
que as mulheres ficassem cada vez mais fixadas a terra e à agricultura, além de receberem
respeito e admiração. Costa (2002, p.105) postula que “a falsa idéia de que as mulheres não
tinham importância social e que, submissas a seus maridos, eram peças insignificantes no
tabuleiro da História é devido ao fato de sua vida resumir-se ao universo doméstico e
familiar”, universo este desconhecido por aqueles que, diferentemente das mulheres,
freqüentavam os espaços públicos.
Na sociedade moderna do século XX a fotografia conquistou sua autonomia com
relação à pintura e se firmou como meio mais procurado de captação e reprodução de imagens
da realidade. Com o desenvolvimento da indústria, a competição e a concorrência entre as
empresas aumentaram e surgiram, com isso, a propaganda, a publicidade e o design, como
forma de investimento no produto e na divulgação de suas qualidades de modo a conquistar
mais consumidores. Assim, o homem viu sua vida cotidiana ser invadida pelos meios de
comunicação e pela vida agitada das cidades. A vida familiar e privada foi rapidamente
perdendo a importância por conta dos inúmeros atrativos oferecidos pelo espaço público. Os
meios de comunicação de massa eram, nesse contexto, os principais responsáveis pelo
processo de estetização da vida, pois ajudavam a divulgar novas modas e valores. A produção
artística se viu marcada pelas características do Modernismo, cujos principais temas são: “a
busca de temas e motivos nacionais, a pesquisa em torno de uma linguagem brasileira e a
produção de uma arte de forte cunho social, que se propõe a conhecer, revelar e criticar a
realidade do país”. (COSTA, 2002, p.127).
A imagem da mulher também sofreu transformações, fruto dos novos padrões de
estética e das mudanças sociais. Na Europa, as mulheres se viam frente a novos desafios,
como o trabalho fabril, a participação na vida política e econômica e o movimento feminista.
No Brasil, como o processo industrial ainda estava no início, a mudança no comportamento
feminino aconteceu devido a urbanização, a saída das famílias da zona rural para a zona
urbana e os novos costumes relacionados ao dia-a-dia. A mulher passou a ser responsável por
adaptar a família aos novos costumes que a sociedade moderna impunha e pelo
desenvolvimento do consumo. Assim, é possível perceber que a mulher teve uma participação
muito importante na formação da sociedade brasileira.
Nessa nova sociedade, as relações matrimoniais também se transformaram. Os acordos
matrimoniais que eram antes realizados entre homens e mulheres para a manutenção da
família e do patrimônio passaram a ter uma função importante na ascensão social,
especialmente para as mulheres que, sem acesso aos círculos do poder viam no casamento a
forma mais eficaz de adquirirem posição social, riqueza e segurança. Daí a justificativa para o
fato das mulheres terem se tornado mais femininas e sensuais, preocupando-se mais com o
aspecto físico e a beleza, pois assim, seriam capazes de atrair e conquistar os melhores
partidos. Nesse contexto, as mulheres aprendiam as artes da sedução e da dissimulação, além
de auxiliarem no aumento do consumismo materialista, buscando satisfazer o ego.
Nas pinturas do modernismo, as mulheres são pintadas em diferentes situações
cotidianas e representando vários papéis: bordadeiras, camponesas, prostitutas, dançarinas,
lavadeiras, vendedoras, mostrando o Brasil rural e urbano, numa visão ao mesmo tempo
sedutora e crítica. Nos retratos femininos se percebe naturalidade e leveza, além de uma
intensa feminilidade.
Mas, e o século XXI? Como a mulher é apresentada? Como se relaciona socialmente?
Quais são suas funções? Qual a sua representação social?
Atualmente, vários pesquisadores têm se dedicado a estudar as transformações sociais
no que se refere a mulher e a sociedade. Moreno (2008) traça um perfil da mulher brasileira
hoje. De acordo com a autora, as mulheres hoje estão presentes em vários lugares e
desempenham muitas funções. No trabalho são professoras, secretárias, engenheiras, médicas,
advogadas, faxineiras e muito mais; em casa são mães, esposas e filhas; participam nos
esportes, conquistando muitas vitórias; estão presentes na política, na economia, nas
faculdades em geral... Contribuem com o orçamento familiar, isso quando não são as
responsáveis por toda a despesa doméstica, chefiando sozinhas suas famílias. Vivem uma
sexualidade mais livre, são independentes, mais seguras de si. Como afirma Vieira (2005,
p.220), “a mulher atual define sexo, em sua identidade, como algo que deve ser prazeroso”.
A mulher mudou bastante com o passar dos tempos, embora ainda sofra preconceito.
Porém, em um aspecto continua igual: na valorização da beleza e da sensualidade. A maioria
das mulheres busca estar nos moldes e padrões de beleza que a sociedade hoje impõe.
Como vimos, no século XX, em razão da nova forma de produção, houve a
necessidade de se unificar gostos e padrões e a mídia veio ao encontro dessa necessidade,
propagando modelos, produtos e estilos de vida. O cinema propagava o jeito americano de
viver, transformando-o num modelo que todos desejavam. Como afirma Moreno (2008, p.30):
“os rostos dos atores e atrizes ampliados nas telas de cinema, livres de qualquer imperfeição,
elevavam o grau de exigência das pessoas para com a própria aparência”.
O que a mídia fez no século XX, através do cinema, ela faz hoje, através das
propagandas que veiculam nas revistas, nos jornais , nos outdoors e principalmente, na
televisão: influencia na formação da subjetividade das pessoas. Os modelos de valor, beleza e
felicidade são apresentados desde a infância e se tornam objetos de desejo. As meninas
querem se parecer com a Barbie, a Susie ou a Polly; as mulheres querem se parecer com a
Gisele Bündchen ou talvez com a Grazi Massafera ou outras ainda. Ambas, meninas e
mulheres, aspiram se parecer com tais pessoas porque que elas são referência de como a
sociedade as vê, as quer e as valoriza. E assim, segundo Moreno (2008, p.30) “as mulheres
vão sendo sutil e eficazmente colonizadas. Não à força, nem com repressão, mas com a
produção dessa infinitude de imagens que seduzem, ocupam e moldam nosso imaginário”.
Nas revistas femininas vemos páginas e mais páginas falando sobre beleza, dieta e
moda, cujo intuito é atrair a leitora e, ao mesmo tempo, justificar as propagandas de
cosméticos e os diversos produtos divulgados para a produção e manutenção da beleza. Os
produtos são sempre divulgados por mulheres belas e famosas, o que credibilidade ao
produto e desperta o desejo de identificação da mulher-consumidora com a mulher ideal
aceita pela sociedade.
Moita Lopes (2003, p.19) salienta que “todo discurso provém de alguém que tem suas
marcas identitárias específicas que o localizam na vida social e que o posicionam no discurso
de um modo singular assim como seus interlocutores”. Assim, a identidade social de cada
pessoa é definida nos e pelos discursos nos quais ela se insere ou dos quais participa, sendo
construída em práticas discursivas.
Vieira (2005, p.235) afirma que “a identidade feminina é produto social e reflexo do
olhar do outro”, ou seja, a identidade da mulher não se constitui apenas da imagem que ela faz
de si mesma, mas se constitui também na imagem que os outros têm dela. Afinal, como
explica Vieira (2005, p.235) “a identidade é construída socialmente pelas práticas discursivas,
cujo discurso é produto da cultura que a construiu”.
Moreno (2008, p.45) sugere então a seguinte representação social para a mulher atual:
A mulher retratada na mídia tem de ser casada ou aspirar ao casamento, ter
filhos ou aspirar à maternidade, ser ou parecer jovem, ser vaidosa, cuidada.
Ser branca, heterossexual, monogâmica, fiel, comportada, decidir mais com
a emoção do que com a razão, ser sensível e delicada, preocupar-se mais em
cuidar dos outros do que com qualquer outra questão, mesmo que trabalhe e
tenha grandes responsabilidades profissionais ou políticas.
O pior resultado disso tudo é que temos hoje milhares de mulheres brasileiras infelizes
e com baixa estima, que fazem de tudo para se tornarem belas e sedutoras, comprando
produtos, adquirindo atitudes e aparências; produtos e modelos estes onde a submissão da
mulher é subentendida e implicitamente recomendada.
Moreno (2008) afirma que vivemos, hoje, em uma sociedade potencialmente
abundante, devido aos avanços tecnológicos e ao fenômeno da globalização. No entanto, essa
sociedade privilegiada pela tecnologia apresenta sérios agravantes, como a desigualdade e a
exclusão social. Se a pessoa não se encaixa nos moldes e parâmetros propostos por essa
sociedade moderna, ela se vê excluída, desvalorizada.
A indústria da propaganda é eficaz, poderosa; auxiliada por artistas e pesquisadores a
serviço da sociedade de consumo. Ela cria um cenário que vende alívio e felicidade.
Pasteuriza os gostos, destruindo as culturas e a diversidade. Não é uma tarefa fácil resistir a
seus apelos...
CAPÍTULO 4 – ANÁLISE DO CORPUS
Nesse capítulo apresentaremos nossas análises, bem como os critérios adotados para
esse exame, considerando os diversos conceitos abordados na presente pesquisa. Como o
corpus de nosso trabalho foi retirado de revistas femininas, achamos importante dedicar um
tópico desse capítulo a esse tipo de mídia, destacando seu surgimento e sua função enquanto
divulgadora de ideologias. Retomamos também um pouco da história do surgimento das
revistas femininas e apresentamos um perfil daquelas que usamos para selecionar nosso
corpus, focalizando suas características convergentes e divergentes.
4.1 As revistas femininas
Scalzo (2004) afirma que a revista é um importante veículo de comunicação que ajuda
a construir a identidade das pessoas por se dirigir a determinado grupo específico e não a
outro, sustentando a ideologia do grupo ao qual se dirige. Assim, podemos dizer que as
revistas são instrumentos poderosos na manutenção e mudança de ideologias de gênero.
De acordo com a autora, foi no século XIX que a revista ganhou mais espaço, devido
ao aumento do número de alfabetizados. Como os livros ainda eram muito caros e elitizados,
as pessoas procuravam as revistas para ler e se instruir. No início, as revistas eram
monotemáticas; com o tempo, passaram a ser multitemáticas, como as atuais.
A primeira revista feminina, Mercúrio das Senhoras, que oferecia uma pauta variada,
surgiu na França, em 1693. A partir daí, várias outras foram publicadas para o público
feminino, trazendo assuntos relacionados às tarefas domésticas e novidades da moda.
Segundo a autora, em 1945, surgiram na França duas revistas que foram licenciadas
em vários países: Elle e Cosmopolitan (conhecida no Brasil como Nova). A primeira é
licenciada em 16 países; a segunda, de maior sucesso, aborda temas relacionados à carreira,
independência e relacionamento; hoje ela conta com 48 edições, em 25 idiomas, sendo
publicada no mundo todo. No Brasil, a primeira revista feminina surgiu em 1827 com o nome
de Espelho Diamantino e trazia temas relacionados a política, literatura, artes, teatro e moda.
Scalzo (2004) lembra que a maioria das revistas femininas eram feitas e escritas por
homens e traziam dicas de moda, conselhos culinários, artigos sobre assuntos variados, fotos e
pequenas notícias.
A partir de 1950, com o surgimento das fotonovelas que encantaram o público
feminino, a mulher passou a ser identificada como parte do mercado consumidor e, devido a
isso, surgiram diversificadas publicações de revistas femininas. Manequim, uma revista que
traz moldes de roupa para fazer em casa, é vendida até hoje e surgiu em 1959. Em 1961, veio
a revista CLAUDIA que era uma publicação mais voltada para a mulher brasileira, visto que
até então toda produção fotográfica de moda, culinária e decoração era importada. A revista
trazia também temas que acompanhavam a mudança na vida das mulheres no tocante à sua
vida pessoal e profissional.
Em 1970, chegou ao Brasil a versão da revista Cosmopolitan, a revista Nova e, junto
com ela, a revista Mais, que retratavam as mulheres não somente como donas-de-casa e mães,
mas também como profissionais em busca de realização no mercado de trabalho.
As revistas femininas, como formuladoras de mensagens e símbolos sociais, criam,
reinterpretam e perpetuam representações sociais. São espaços privilegiados de análise dos
sistemas sociais de gênero, especificamente, do lugar atribuído às mulheres na sociedade e de
seu papel nas relações sociais, oferecendo às leitoras um manual a ser seguido; ao mesmo
tempo, mantêm as mulheres na condição de objeto a ser observado, avaliado, produzido,
informado, desejado e vendido. Uma representação social é uma visão de mundo. Ao
representar a figura feminina, constrói-se, projeta-se e estabiliza-se a identidade social, em
processos definidos histórica e culturalmente.
4.2 Análise do corpus
4.2.1 O corpus
As revistas das quais selecionamos nosso corpus pertencem aos dois maiores grupos
de comunicação brasileiros: o Grupo Abril (CLAUDIA e Nova) e as Organizações Globo
(Marie Claire).
Revista Nova
No início da década de 70, o Grupo Abril, em parceria com o grupo americano
Cosmopolitan, trouxe para o Brasil a Revista Nova. Nesse período, várias discussões estavam
sendo geradas em torno das lulas anticoncepcionais, feminismo e tabus da sexualidade.
Havia assim, a necessidade de um veículo dirigido à mulher, com assuntos ligados a ela: sua
vida pessoal e profissional, além de sua sexualidade. Essa temática, então, passou a assumir
lentamente espaços dentro da imprensa feminina. A revista Nova chegou propondo-se a
trabalhar com esse novo tema, voltado para uma nova mulher. Seus textos faziam parte de um
conjunto de revistas que buscavam informar sobre beleza, moda, sexo e comportamento.
Entretanto, seu diferencial está na maneira aberta em que trata a sexualidade e no modo como
constrói a mulher.
Por seu conteúdo e suas reportagens, é possível perceber que Nova se dirige a
mulheres mais independentes que buscam equilíbrio emocional e procuram superar os seus
próprios limites, como mulher e profissional, tendo o interesse por manterem-se informadas
sobre assuntos variados. Como a maioria das revistas femininas, Nova se dirige à sua leitora
de uma maneira íntima estabelecendo com ela uma relação de amizade, aconselhando-a,
informando-a e buscando solucionar suas dúvidas e problemas. É uma revista constituída de
textos, fotos, ilustrações e publicidade voltadas para o universo feminino. Diferentemente de
outras revistas, como CLAUDIA, por exemplo, Nova não aborda assuntos relacionados à
família. Sua temática sempre está ligada à nova realidade da mulher brasileira, que acumula
funções e preocupações, seja no campo profissional, seja nos estudos, seja nos cuidados
voltados para si mesma. Essa nova mulher foge aos padrões tradicionais da dona de casa,
esposa e mãe. O novo padrão prevê uma mulher dinâmica, curiosa, economicamente
independente, de alto nível cultural e que gosta de vida social intensa. Portanto, a pauta da
revista se ocupa de matérias que discursam sobre carreira profissional, roteiros para sexo,
beleza, saúde, auto-estima. Sua filosofia é de que é preciso despertar na leitora a auto-imagem
de uma mulher que confia em si própria, de uma mulher que é capaz de romper preconceitos e
ser feliz, embora nas entrelinhas apresente a imagem de uma mulher que tem grande
preocupação em agradar ao homem. E isso fica claro nas matérias, onde aparecem muitas
“dicas”, relacionadas ao sexo, principalmente a como satisfazer o parceiro.
A revista Nova subdivide-se em sete seções: AMOR E SEXO; BELEZA E SAÚDE;
VIDA E TRABALHO; É QUENTE É NOVA; MODA E ESTILO, GENTE FAMOSA e
MAIS.
A revista apresenta a ideologia de uma mulher que coloca a sensualidade em primeiro
lugar em sua vida. Como afirma Borges-Teixeira (2008, p.10), “essa mulher precisa ser sexy
para ser amada, amada não por um homem, mas para se sentir aceita no meio social”. A
sensualidade, dimensão mais importante de uma mulher, é apresentada como algo a ser
comprado.
Depois disso, ela precisa ser guerreira, lutar por aquilo que deseja, pois
apesar de ser sexy e amada, ela precisa ir de encontro com sua natureza
frágil e submissa, que não está de acordo com as mulheres da época em que
ela vive. Caso consiga reunir essas três qualidades, ser sexy, amada e
guerreira, a mulher conseguirá se sentir realizada e, assim, feliz (BORGES-
TEIXEIRA, 2008, p.10)
Segue abaixo uma estatística acerca do perfil do leitor de Nova:
Fonte Sexo: Marplan consolidado 2008 / Fonte Idade: Marplan consolidado 2008 / Fonte Classe Social: Marplan
consolidado 2008 / Fonte Região: IVC consolidado 2008. Disponível em www.publiabril.com.br
Os diagramas mostram claramente o perfil da leitora de Nova: uma mulher mais
madura (a maioria de 20 a 44 anos), entrando no mercado de trabalho ou atuando nele,
possivelmente mais escolarizada dadas as classes sociais a que pertence, moradora das regiões
mais desenvolvidas do País.
Revista CLAUDIA
A revista CLAUDIA foi lançada em outubro de 1961, pelo editor Victor Civita Ela
teve importantes colaboradores desde seu surgimento, entre eles Carmen da Silva, que, de
1963 a 1985, escreveu para a revista sobre temas feministas, questionando o papel da mulher
no lar, no casamento, na família, na sociedade, o que instigou à reflexão e mudança.
Ao longo da sua história, a revista CLAUDIA lançou vários filhotes. Alguns tiveram
vida curta e outros consolidaram-se ganhando periodicidade regular: Claudia Noiva (1964),
Claudia Cozinha (1964), Claudia Decoração (1967), A Casa de Claudia (1969), que passou a
se chamar Casa Claudia, em 1974. Elle e Claudia (1970), Claudia Moda (1971), Claudia
Beleza (1971), Claudia Moda & Beleza (1973), Claudia Nossos Filhos (1979). Em setembro
de 1993, CLAUDIA passou por uma grande transformação de conceito editorial e visual. O
projeto foi trabalhado por dois anos e o design foi entregue a dois artistas gráficos
americanos: Mary Baumann e Will Hopkins. A revista passou a ser organizada por temas,
sendo eles: ATUALIDADES E GENTE, MODA, CASA E CONSUMO, FAMÍLIA E
FILHOS, BELEZA E SAÚDE, SEMPRE EM CLÁUDIA. A partir de março de 2003, a
revista passou por reformulação no projeto gráfico, em busca da continuidade de líder de
mercado, e se apresentou mais dinâmica e moderna. É hoje uma revista feminina com cerca
de 3,2 milhões de leitoras. É uma revista de informação e fala sobre todos os temas que dizem
respeito à mulher: profissão, vida em família, casa, moda e cozinha. Seu slogan é: CLAUDIA
MAIS QUE INFORMA, TRANSFORMA.
Abaixo, temos o perfil da leitora de CLAUDIA, conforme publicado no site da Editora
Abril:
Fonte Sexo: Marplan consolidado 2008 / Fonte Idade: Marplan consolidado 2008 / Fonte Classe Social: Marplan
consolidado 2008 / Fonte Região: IVC consolidado 2008. Disponível em http://www.publiabril.com.br
Assim como em Nova, a leitora de CLÁUDIA tende a ser uma mulher madura,
predominantemente das classes A e B, portanto, possivelmente mais escolarizada, moradora
das regiões mais desenvolvidas do país.
Nos artigos e reportagens de CLAUDIA, percebe-se a objetivo de convencer a leitora
a buscar e assumir a imagem de uma mulher feliz, bem sucedida profissionalmente, com uma
família perfeita, estabilizada financeiramente e com o parceiro ideal, realizada no aspecto
afetivo e sexual.
É uma revista que oferece informações, esclarecimentos, serviços, sugestões e
entretenimento, sem, no entanto, impor suas idéias. Pressupõe uma leitora com acesso a
diferentes meios de comunicação e inteirada dos acontecimentos sociais.
Revista Marie Claire
De acordo com dados retirados do site da revista
(http://revistamarieclaire.globo.com/), a revista Marie Claire foi criada na França, em 1937 e
revolucionou o conceito gráfico das revistas femininas. Inspirada nas publicações mais
sofisticadas, investiu em uma diagramação inovadora. Deixou de ser publicada durante a
Segunda Guerra Mundial, voltando a circular em 1954. Atualmente, é publicada em diversos
países, tendo chegado ao Brasil em 1991, sob a tutela da Editora Globo. É uma revista
feminina mensal, comandada basicamente por um corpo editorial feminino. Apresenta em
torno de 150 páginas, número que varia de acordo com a edição. Enfoca assuntos sobre moda,
comportamento e atualidades.
Embora esteja mais direcionada para mulheres adultas, aborda temas polêmicos sobre
comportamento e denúncias de violação dos direitos humanos que podem ser de interesse de
qualquer mulher. Além da abordagem desses temas a revista também traz assuntos
abrangentes nas seções de moda, beleza, saúde, fofocas e turismo.
Está subdividida em sete partes: SHOPPING, ESPECIAL, REPORTAGENS, PRÉ-
ESTRÉIA, BELEZA, BEM VIVER e SALA VIP, tendo como slogan: Marie Claire: Chique
é ser inteligente. Interessante notar que esse slogan, no entanto, não foi o primeiro.
Inicialmente, o slogan da revista era Não ensina a fazer renda nem ensina a namorar”.
Num diálogo claro com a música popular
4
, ele aludia às duas revistas da Editora Abril,
CLAUDIA e Nova, voltadas, respectivamente, para “ensinar” como as esposas podem agradar
aos maridos e “ensinar” as moças a arte da conquista, de acordo com Schmditt (documento
eletrônico).
Em suas propagandas, a revista costuma divulgar produtos de marcas famosas e de
custo alto, sendo dirigida a um público mais requintado, de poder aquisitivo mais alto.
Segundo Schmitt, a revista é o carro-chefe de três das revistas femininas da Editora
Globo: a própria Marie Claire, Criativa e Casa e Jardim, voltada para decoração. A revista
Criativa, segundo a autora, é uma mistura de Capricho (pelo uso da linguagem de
adolescente), de Nova (pelas matérias sobre sexo e conquistas) e de CLAUDIA (pelas dicas
de culinária e beleza). De linguagem mais simples, suas leitoras são menos escolarizadas e as
matérias a grande maioria voltada para temas de sexo recebem um tratamento simplista e
superficial.
Já a revista Marie Claire, segundo a autora, apresenta textos mais sofisticados e
adultos. Mesmo editando matérias de beleza, moda e comportamento, ela espaço para
reportagens que não necessariamente estejam ligadas ao universo feminino. Além disso, a
revista está voltada para uma mulher mais velha, moderna e independente, que necessita de
algumas horas de entretenimento.
No seu site, a Editora Globo assim define o perfil da revista:
Uma das mais importantes publicações femininas em todo mundo, Marie
Claire é uma revista com personalidade forte. Todos os meses traz
reportagens corajosas e depoimentos profundos sobre tendências de
comportamento, sexo, saúde e cultura. Em contraponto, as páginas de moda
e beleza se destacam pelas imagens sofisticadas e pela qualidade do serviço.
Mídia obrigatória para quem quer falar com mulheres independentes e
inteligentes. (documento eletrônico)
A Editora informa ainda em porcentagem o perfil de seu leitor, de acordo com a
categoria sexo, classe social, instrução, faixa etária, e região, conforme mostra a tabela 1.
4
Trata-se da música de Zé do Norte, Mulher rendeira, cujos versos iniciais sãoOlê, mulhé rendeira, / Olê
mulhé rendá / Tu me ensina a fazer renda, / eu te ensino a namorá.
Tabela 1 Perfil do leitor de Marie Claire de acordo com a Editora Globo
Sexo Classe social
5
Instrução Faixa etária Região
F
M
A
B
C
Ens.
Médio
Ens.
Supe
rior
10-
19
20-
29
30-
39
40-
49
50
+
Sudeste
Sul
Centro-
Oeste
Norte
Nordeste
85% 15% 23% 37% 32% 44% 35% 17% 31% 18% 18% 16%
60% 12% 8% 3% 16%
Fonte: XLVII Estudos Marplan/EGM – Consolidado 2006 – 9 Mercados
Disponível em <http://www.fxmidias.com.br/infomidias>
Comparando-se o perfil dos leitores das três revistas, constata-se muita semelhança.
Por exemplo, embora maciçamente consumidas por mulheres, as revistas também são lidas
por homens em proporção muito próxima: 16% (nova), 12% (CLAUDIA) e 15% (Marie
Claire). O quesito idade que abrange de 10 a mais de 50 anos mostra que, contrariamente
ao que prevê a Editora Globo, Marie Claire não é a lida mais por mulheres mais maduras, ao
contrário de CLAUDIA que possui 43% de leitores na faixa etária que vai dos 40 aos 50 anos
ou mais. Também é digno de nota que, na faixa de idade mais baixa (entre 10 e 19 anos), é
Marie Claire que apresenta maior porcentagem, 17%, contra 11% de CLAUDIA e 14% de
Nova. Quanto à classe social, desconsiderando-se as classes D e E (Marie Claire não fornece
dados e Nova e CLAUDIA apontam 3% e 0%, respectivamente, o que é desprezível)
constata-se que os números se aproximam quando se trata de CLAUDIA e Marie Claire, mas
ficando por conta de Nova uma diferença mais significativa (52% para a classe B contra 18%
para a classe A). Quanto à região, percebe-se também uma grande semelhança nas
porcentagens: as revistas são mais consumidas nas regiões de maior poder aquisitivo.
Infelizmente, não havendo informações sobre o grau de instrução do leitor de Nova e
CLAUDIA, não se pode fazer qualquer comparação. Apenas cabe o comentário de que o
leitor de Marie Claire possui grau de escolaridade de médio a alto (79%).
4.2.2 JUSTIFICATIVA DA ESCOLHA DO CORPUS
Num universo tão vasto de revistas femininas, optamos por escolher a revista
CLÁUDIA por sua longa permanência no mercado e por ter sido pioneira no âmbito da
imprensa feminina; a revista Nova por incluir, entre outros temas comuns à maioria das
revistas, temas polêmicos relacionados ao comportamento feminino, principalmente no
âmbito da sexualidade, e Marie Claire por trazer, através de seu slogan: Chique é ser
5
Não há informações quanto às classes D e E.
inteligente, uma proposta que, à primeira vista, tenta subverter o conceito padrão que impera
na maioria das revistas femininas. No entanto, podemos adiantar que o que se verifica é que
Marie Claire apresenta estrutura e temas muito comuns a qualquer revista feminina, mantendo
uma relação de semelhança muito grande com as outras revistas quanto aos assuntos
abordados (com ênfase na beleza, saúde, consumo); o slogan Chique é ser inteligente é
legitimado apenas pelas entrevistas e reportagens.
Assim, podemos apontar pontos de semelhança entre as três revistas.
As três revistas apresentam em suas capas mulheres perfeitas e, geralmente,
famosas, para chamar a atenção dos homens, como objeto de desejo, mas
principalmente para prender a atenção das mulheres, que buscam se igualar à
imagem que vêem na capa e, assim, se tornarem objeto de desejo dos homens e
serem invejadas por muitas outras mulheres.
O perfil predominante, tanto nas capas, como nas propagandas, é de mulheres
brancas, olhos e cabelos claros, se não claros, ao menos lisos, na faixa etária
dos 25 aos 35 anos, heterossexuais, bonitas, sensuais, magras, famosas,
contemporâneas, financeiramente bem-sucedidas e felizes.
Todas transmitem as ideologias do consumo, oferecendo conselhos por meio
de “cartilhas” ou “manuais” que orientam o comportamento quanto à beleza,
ao sucesso sexual e profissional, entre outros.
As três revistas contêm, no geral, propagandas de moda, perfumaria, shampoos
e condicionadores, cremes em geral, absorventes e desodorantes, carros,
relógios e jóias, esmaltes, roupas e lingeries, celulares, maquiagem, sapatos e
bolsas e, às vezes, produtos alimentícios e eletrodomésticos. Essas
propagandas enraízam-se em valores como felicidade, amor, juventude, fama,
individualismo, beleza e sensualidade. A maioria das propagandas demonstra
que não há felicidade fora do conforto, incitando o leitor a consumir.
No entanto, podemos também apontar alguns pontos divergentes:
Embora as três revistas sejam, no geral, dirigidas à mulher da sociedade atual,
em termos específicos elas destinam-se a mulheres diferentes como, por
exemplo, a revista Nova é mais voltada para mulheres solteiras, que trabalham
fora de casa e preocupam-se muito com sua vida profissional e sua
sexualidade. Já a revista CLAUDIA é mais voltada para a mulher adulta,
geralmente casada, pois enfatiza assuntos como família, filhos e casa. A revista
Marie Claire é mais abrangente e dirige-se a mulheres solteiras ou casadas
com certa estabilidade financeira, que permite certos luxos, como, por
exemplo, requintes culinários, roupas de grifes e viagens ao exterior.
Sendo essas revistas destinadas a mulheres diferentes, muitas vezes as
propagandas apresentadas em uma e outra são diferentes. E a diferença não
está tanto no produto divulgado em si, mas no modo como ele é divulgado. As
propagandas de lingeries em Nova, por exemplo, são muito mais ousadas do
que em CLAUDIA e Marie Claire.
Assim, podemos concluir que essas três revistas possuem traços convergentes e
divergentes. O que em comum é o fato de que todas tentam convencer a leitora a buscar e
assumir a imagem da mulher ideal que lhe é proposta.
As ideologias diferentes estão diretamente relacionadas ao público-alvo da revista,
como citamos acima. A revista Nova, por ser destinada, no geral, a mulheres jovens e
solteiras, traz a ideologia da mulher livre. E essa liberdade está diretamente relacionada ao
sexo, sendo ele a preocupação central da vida da mulher. CLAUDIA e Marie Claire,
embora também abordem assuntos relacionados ao sexo, o fazem de maneira mais sutil, para
uma mulher mais velha, mais madura ou simplesmente, mais discreta. CLAUDIA traz a
ideologia da mulher realizada pessoal e profissionalmente. E esse lado pessoal, implica
beleza, amor, felicidade e família, aspecto este que não é enfocado em Nova. Quanto a Marie
Claire, esta possui características e público-alvo semelhantes a CLAUDIA, trazendo, no
entanto, algumas reportagens com temas da atualidade, que são de interesse geral. Traz a
ideologia da mulher realizada pessoal e profissionalmente, como em CLAUDIA, porém, essa
mulher é pertencente a uma classe social elevada, uma mulher elegante e intelectual. Isso
pode ser comprovado em detalhes como: papel de primeira qualidade, excelentes fotos,
propagandas de produtos importados e de grifes, linguagem culta e ausência de invasão à
privacidade de artistas. Mas o que vemos é que, de maneira geral, as revistas tendem a se
restringir a moda, beleza, comportamento e sexo.
Esses pontos de aproximação e distanciamento das revistas refletem-se também
propagandas. Embora não seja incomum encontrar as mesmas propagandas nas revistas
analisadas, há uma tendência à diversidade dos produtos. Por exemplo, dificilmente uma
propaganda que envolva o núcleo “família” seencontrada em Nova. Além disso, notamos
ainda um tratamento diferente na apresentação de um mesmo produto dependendo da revista.
Por exemplo, uma propaganda de produto alimentício em Nova pode estar vinculada à
sensualidade, enquanto em CLAUDIA está associada à saúde da família e dos filhos.
Segue abaixo um levantamento de dezoito propagandas das quais analisamos quatro;
as restantes, que integram o Anexo, servem como ponto de comparação e análise de alguns
aspectos, as quais eventualmente faremos menção. A realização desse levantamento se deve
ao fato de, a partir do quadro abaixo, podermos identificar algumas características mais gerais
das propagandas das três revistas. Classificamos as propagandas em seis categorias: carros,
utensílios domésticos, produtos de beleza, lingerie, produtos alimentícios e acessórios,
produtos mais frequentes.
Revista
Categoria
Marca
Número
de
páginas
Idade da mulher
Número de mulheres
1
Marie
Claire
Carro
Gol, da
Volkswagen
2
entre 25 e 30 anos
1
(a modelo Gisele Bündchen)
2
Claudia
Carro
Livina, da
Nissan
1
-
-
3
Nova
Carro
Meriva, da
Chevrolet
2
-
-
4
Marie
Claire
Utensílios
domésticos
TV Scarlet,
da LG
1
entre 25 e 30 anos
1
5
Claudia
Utensílios
domésticos
Roupas de
cama, mesa
e banho, da
Dohler
1
entre 40 e 50 anos
1
(a atriz Glória Pires)
6
Nova
Utensílios
domésticos
Linha Grill
Britânia
1
-
-
7
Marie
Claire
Produtos de
beleza
Repositor
de massa
capilar, da
Amend
1
entre 20 e 25 anos
1
8
Claudia
Produtos de
beleza
Máscara
nutricolor,
da Garnier
Nutrisse
2
entre 25 e 30 anos
1
(as atrizes Juliana Paes,
Camila Pitanga e a cantora
Ivete Sangalo)
9
Nova
Produtos de
beleza
Pantene
1
entre 25 e 30 anos
1
(a modelo Gisele Bündchen)
10
Marie
Claire
Lingeries
Lupo
2
entre 20 e 30 anos
1
11
Claudia
Lingeries
Fruit de La
passion
1
entre 20 e 30 anos
1
12
Marie
Claire
Produtos
alimentícios
Sorvete
Magnun, da
Kibon
1
entre 20 e 25 anos
1
13
Claudia
Produtos
alimentícios
Superitos,
da
Dagranja
2
menina entre 04 e
06 anos
1
14
Nova
Produtos
alimentícios
Diet Shake,
da
Nutrilatina
2
entre 20 e 25 anos
1
15
Marie
Claire
Acessórios
Bolsas e
malas da
Samsonite
1
entre 25 e 35 anos
1
16
Claudia
Acessórios
Relógio
Calvin
Klein
1
entre 20 e 25 anos
1
17
Nova
Acessórios
Sex Toys
1
entre 20 e 25 anos
1
18
Marie
Utensílios
Electrolux
2
-
-
Claire
Domésticos
Fica patente que a grande maioria das mulheres que aparecem nas propagandas são jovens,
aparentando ter entre 20 e 30 anos. As únicas exceções são a propaganda de artigos de cama,
mesa e banho, da Döhler (propaganda 5), que apresenta a atriz Glória Pires e a de Superitos
(propaganda 13), que apresenta uma criança. Sintomaticamente, a primeira delas traz um
produto que não está vinculado à beleza da mulher ou à sua sensualidade; trata-se de artigos
que integram o universo das donas de casa, mais afeito à idade da mulher representada.
Se relacionarmos a imagem da maioria das mulheres com a idade dos leitores,
veremos que a representação da mulher veiculada na mídia não reflete a imagem da maioria
dos leitores: dos que leem Nova e CLAUDIA, 41% e 67% têm mais de 35 anos,
respectivamente; entre os Marie Claire, 52% estão acima dos 30 anos. Portanto, trata-se de
erigir um ideal coletivo de juventude, nem sempre acessível às mulheres “reais”, mas que é
construído como uma meta a ser alcançada.
Outro ponto notável desse levantamento, é o fato de as propagandas trazerem apenas
uma mulher (com exceção da propaganda 8, com a presença de três artistas famosas, embora
apenas uma ganhe destaque) e, em algumas delas, uma mulher famosa. Isso pode ser
interpretado como uma estratégia do propagandista de apresentar uma mulher ideal, essencial,
que traduz a representação social da mulher e traz, antes de tudo, uma marca de gênero: a
essência do “ser mulher”. Trata-se do que Van Dijk (1999) chama de categoria social,
determinada por traços mais permanentes: idade, sexo, raça, status social (rico, pobre), entre
outros. No nosso caso, essa categoria social tem base em “sexo”, porque explora o universo
feminino, como um todo, dentro de uma determinada sociedade.
6
Aqui é necessária uma ressalva: mesmo ausente visualmente em algumas propagandas,
muitas vezes a mulher se faz presente na linguagem verbal, em que referências a ela como
na propaganda da geladeira da Electrolux (cf. Anexo 18). Nela, aparece um homem segurando
6
Segundo o autor, os membros de uma categoria social não se organizam em instituições, agremiações com
objetivos, projeto de ação social, marca do que ele chama “grupo social”. Nesse sentido, as revistas femininas
voltam-se para mulheres, explorando suas facetas: mãe, profissional, amante, esposa e não, por exemplo, para
uma feminista, uma ecologista, ou seja, alguém que pertence a um grupo comprometido com uma causa social.
um dicionário “Português mulherês”. Esse homem está ao lado da geladeira e a propaganda
traz o seguinte enunciado: Todo homem deveria ter espelhinho na palma da mão, cartão de
memória para guardar datas importantes e dicionário português-mulherês. E todo
refrigerador deveria fazer gelo sozinho. Nova linha Electrolux Infinity. Não é difícil agradar
você. É pensar como você”. Embora não tenha nenhuma imagem de mulher, é possível
notar pelo discurso verbal, quem é o leitor pressuposto dessa propaganda. A propaganda
dialoga com a mulher, presente no pronome “você”. As predicações feitas a “Todo homem”
traduzem uma imagem do homem ideal, do ponto de vista feminino: atencioso, compreensivo
e eficiente. Ou seja, a imagem da própria mulher, o que é corroborado pelo enunciado É
pensar como você.” Aqui a metáfora traz como domínio-alvo a geladeira Eletrolux Infinity e
como domínio-fonte homem, que, no processo de mapeamento, orienta a seleção de aspectos
positivos: A GELADEIRA ELETROLUX INFINITY É UM HOMEM ATENCIOSO,
COMPREENSIVO E EFICIENTE.
Como se pode perceber, dentre as propagandas que selecionamos encontramos
diversos produtos divulgados que são, geralmente, de interesse da mulher: produtos para
cabelos, lingeries, produtos dietéticos, cosméticos, perfumes, sapatos, roupas, produtos
alimentícios, eletrodomésticos, etc, que integram, de um lado, o universo da mulher mais
tradicional, a mulher que cuida da casa, da alimentação da família, e, de outro, a mulher
voltada para si mesma, para o cuidado com a aparência, cujos valores são a beleza e a
sedução. No entanto, entre eles encontramos produtos tradicionalmente associados ao
universo masculino: carros, aparelhos de TV e monitores de computador, que envolvem o
conceito de máquina. Aparecendo em revistas femininas, as propagandas desses produtos
permitem identificar um dos traços da identidade multifacetada da mulher moderna: a mulher
interessada num universo alheio ao que lhe é historicamente reservado (lar), capaz de avaliar e
escolher um item desse universo e, principalmente, uma mulher capaz de comprar esses
produtos, independentemente do financiamento masculino.
As propagandas são todas voltadas para a objetivação de uma representação da
mulher contemporânea, que quer crescer pessoal e profissionalmente. Essa mulher é
independente e se preocupa com sua beleza, seu bem estar e seu corpo, tendo interesse por
produtos de qualidade que oferecem elegância e conforto. Muitas dessas mulheres possuem
modelos e artistas nas quais se espelham e têm como pessoa ideal, buscando uma
identificação quanto à aparência e sucesso pessoal e profissional. Aí a justificativa para
algumas propagandas apresentarem mulheres bonitas e famosas divulgando seus produtos (cf.
propagandas 1, 5, 8 e 9). Outras, mais confiantes e seguras de si, são consumidoras
inteligentes que buscam sempre os melhores produtos e serviços que o mercado oferece para
elevar cada vez mais sua qualidade de vida.
A mulher contemporânea é exigente no que escolhe para si e sua família, gosta de se
cuidar, de se sentir bonita, amada; busca uma relação afetiva e sexual feliz e estável. É uma
mulher que assume o controle da sua vida, não se contentando apenas com o papel de
provedora da educação, saúde e amor familiar, embora também o assuma, juntamente com
papéis em que desempenha o agente do poder. A mulher apresentada nas propagandas é, em
sua maioria, uma mulher inovadora e despojada, capaz de desempenhar várias funções ao
mesmo tempo.
Como se pode observar, as propagandas selecionadas (cf. Anexo) trazem a presença
da mulher, seja de maneira direta (visual) seja indireta (por meio da linguagem verbal).
4.3Critérios para análise das propagandas
Para a análise, trabalhamos com o conceito de metáfora conceptual, teorizada por Lakoff e
Johnson (2002), e reestudada por outros pesquisadores, notadamente Kövecses(2002); além
disso, focalizamos o caráter particular das metáforas em propagandas, relativamente a
questões de valor e gênero, de acordo com Ungerer (2003) e Velasco-Sacristán (2009).
Considerando o pressuposto da visão conceptual da metáfora segundo a qual o fenômeno
é parte de um processo mental que precede a manifestação linguística ou visual e que as
metáforas, estritamente falando, são inerentemente conceptuais; considerando ainda que a
relação entre um domínio-fonte e um domínio-alvo ocorre numa correlação sistemática de
mapeamento, Santibáñez (2009), com base em Lakoff e Johnson (1980) e Kövecses (2002),
propõe um modelo metodológico básico para distinguir o modo como o mapeamento funciona
nas expressões linguísticas das metáforas conceptuais. Adotamos esse modelo para a análise
das propagandas, alertando que, no nosso caso, trabalhamos principalmente com as metáforas
não verbais, apoiadas, muitas vezes, pelo material linguístico. O modelo do autor apresenta
seis passos:
(1) obtenção das expressões linguísticas;
(2) distinção dos domínios conceptuais;
(3) elaboração da metáfora conceptual;
(4) descrição da lógica situacional do domínio fonte;
(5) caracterização dos aspectos do domínio-fonte;
(6) estabelecimento de correspondências ou mapeamento entre os domínios,
Os três primeiros passos englobam as etapas de identificação da metáfora conceptual; os
três últimos, sua interpretação. O passo (4) diz respeito às características observáveis da fonte
na ocorrência linguística ou visual do objeto analisado; o passo (5) abrange as características
básicas do domínio-fonte entre outras possíveis; o passo (6), o último deles, talvez seja o mais
importante, porque busca compreender como a metáfora conceptual é obtida e mapear essa
interpretação entre os domínios.
Nosso modelo de análise conterá apenas os passos (2) – (5), que renumeramos, devido
ao fato de, na propaganda, as metáforas serem mais frequentemente expressas visualmente
que linguisticamente. Eventualmente, focalizaremos expressões linguísticas metafóricas.
Como na propaganda é frequente a presença de mais de uma metáfora, levantaremos
apenas a metáfora central, presente na linguagem pictórica, e, se for o caso, também
examinaremos a(s) metáfora(s) secundária(s) manifestadas na linguagem verbal. Como se
trata de propagandas de revistas femininas que, de acordo com a nossa hipótese, apresenta
metáfora(s) de gênero, observaremos a presença ou não de tais metáforas. Finalmente,
procederemos à interpretação das metáforas em relação à representação social da mulher.
Consideramos que todas as propagandas sempre têm uma metáfora e uma metonímia de
base, que são a metáfora de valor e a metonímia de preensão, como propõe Ungerer (2003).
Segundo o autor, todas as ligações metafóricas em propagandas podem ser subsumidas pela
a) Metáfora de valor: O OBJETO DESEJADO É UM OBJETO VALIOSO;
b) Metonímia de preensão: APREENDER O OBJETO DESEJADO PELO DESEJO.
A metáfora de valor usada nas propagandas abrange classes de metáforas, que
percorrem uma escala que vai do BOM ao DESAGRADÁVEL (cf. UNGERER, 2003, p.
326):
O OBJETO DESEJADO É UM OBJETO BOM
Metáforas de O OBJETO DESEJADO É UM OBJETO BONITO
VALOR O OBJETO DESEJADO É UM OBJETO FAMOSO
O OBJETO DESEJADO É UM OBJETO RÁPIDO
O OBJETO DESEJADO É UM OBJETO NOVO
O OBJETO DESEJADO É UM OBJETO ESTRANHO
O OBJETO DESEJADO É UM OBJETO EXÓTICO
O OBJETO DESEJADO É UM OBJETO MISTERIOSO
Metáforas de O OBJETO DESEJADO É UM OBJETO CHOCANTE
IMPACTO O OBJETO DESEJADO É UM OBJETO DESAGRADÁVEL, REPUGNANTE
O autor destaca que essa escala de metáforas de valor convencionalizadas cria
interesse desde os efeitos benéficos do objeto até os efeitos de estranheza, mistério e mesmo
repugnância da metáfora. Esse último caso, lembra Ungerer, é encontrado nas famosas
propagandas da Benetton, que tentam atrair a atenção do consumidor com fotos cruéis e
chocantes da miséria humana. Trata-se de um risco, pois, juntamente com a inovação pelo uso
do não-convencional, do inusitado, esse tipo de propaganda inovadora pode enfraquecer o
potencial de ativação da metonímia de preensão. Em outras palavras, se, por um lado, se
encontra uma metáfora de interesse mais poderosa, mas por outro, uma metáfora menos
aceitável, o efeito pode ser uma menor inclinação para apreender o objeto apoiado por essas
metáforas.
PROPAGANDA 4:
Revista Marie Claire/ Outubro/2008
1. METÁFORA CONCEPTUAL: A TV SCARLET LG 60 É UMA MULHER
Domínios conceptuais Lógica situacional do
domínio-fonte
Caracterização aspectual do
domínio-fonte quanto às
propriedades básicas
TV Scarlet LG 60 (alvo)
Mulher (fonte)
quanto mais bonita uma
mulher, mais atraente ela é;
quanto mais atraente a mulher,
mais desejável ela é;
quanto mais magra a mulher,
mais bonita ela é;
a mulher desejável é bonita de
todos os ângulos;
a mulher desejável é bonita
por dentro e por fora.
Mulher é beleza;
Mulher é atração;
Mulher é desejo;
Mulher é magreza;
Mulher é central;
Mulher é objeto de
admiração.
Mapeamento entre os dois domínios
(a) Assim como uma mulher bonita por todos os ângulos atrai e desperta o desejo dos homens,
a TV Scarlet LG 60, sendo bonita por todos os ângulos, atrai e desperta o desejo dos
consumidores.
(b) Assim como uma mulher bonita por dentro e por fora é uma mulher ideal, a TV LG Scarlet
60 é a TV ideal e perfeita.
2. METÁFORAS DE GÊNERO:
A MULHER É UMA PESSOA EM PRIMEIRO PLANO.
APARÊNCIA FÍSICA É UMA FORÇA FÍSICA QUE A MULHER EXERCE SOBRE OS
HOMENS.
A MULHER É OBJETO SEXUAL QUE PODE SER POSSUÍDO.
3. METÁFORA DE VALOR: O OBJETO DESEJADO É UM OBJETO BONITO.
Esse jogo metafórico ativa a metonímia de preensão TV SCARLET LG PELO DESEJO.
Ao fazer uso da imagem da mulher, o propagandista utiliza-se de características como
beleza, charme e poder de atração para configurar a identidade do produto, o aparelho de TV.
Tais características, como vimos previamente, referem-se àquelas da representação social
da mulher nos dias de hoje. Estabelecem relação com o estereótipo da mulher inovadora, que
é, acima de tudo, sedutora. Visualmente, a mulher está em foco e rodeada de homens, como se
com seu poder de sedução atraísse a atenção e os olhares do sexo oposto. Assim, como a TV,
que é apresentada em cinco ângulos, que praticamente esgotam as possibilidades de visão, a
mulher também é observada de frente e de costas pelas duas figuras masculinas que a
rodeiam. A opção por colocar a mulher em destaque na propaganda justifica-se por duas
razões: para o público masculino chama a atenção por mostrar como uma mulher bonita e
atraente é desejável como uma TV de qualidade, que apresenta as mesmas propriedades, o
que parece ser a intenção do propagandista, que busca levar o consumidor a fazer tal
mapeamento
7
; para o público feminino chama a atenção por apresentar uma mulher bela,
desejável, que ocupa posição central, exercendo seu poder de sedução.
O slogan: ELA É ATRAENTE, traz uma ambigüidade proposital presente no pronome
“ela” na qual tanto a mulher quanto a TV podem (e devem) receber a característica de ser
atraente. O poder de atração da mulher e da TV é reforçado pela cor vermelha do vestido, da
TV e das letras do slogan e do nome da TV, que funcionam como apelo de identificação,
assim como previsto na metáfora. Como afirma Dondis (2007, p.64) “vermelho significa
perigo, amor, calor e vida”. O vermelho chama a atenção do leitor, hipnotiza-o, coloca em
destaque o que há de mais importante na propaganda.
7
Adotamos aqui a noção de possíveis interpretativos de Charaudeau (2008), segundo o qual o analista da
linguagem, impossibilitado de ter acesso ao produtor e receptor reais do texto/discurso, assume o papel de
coletor de pontos de vista interpretativos. Essas interpretações são viabilizadas por práticas sociais das quais
emergem as representações sociais e ideologias.
PROPAGANDA 13
Revista CLAUDIA/ Julho/ 2009
1. METÁFORA CONCEPTUAL: A LINHA SUPERITOS É UMA MÃE DEDICADA.
Domínios conceptuais Lógica situacional do
domínio-fonte
Caracterização aspectual do
domínio-fonte quanto às
propriedades básicas
Linha Superitos (alvo)
Mãe (fonte)
Uma boa mãe é dedicada aos
filhos.
Quanto mais uma mãe é
dedicada aos filhos, melhores os
filhos são.
Uma mãe dedicada provê seus
filhos de alimentos saudáveis.
Uma mãe dedicada torna seus
filhos felizes.
Uma mãe conhece as
necessidades de seus filhos.
Uma mãe está atenta às
necessidades de seus filhos.
Uma mãe se preocupa em
alimentar bem seus filhos.
Uma mãe se preocupa com a
qualidade dos alimentos de seus
filhos.
Mapeamento entre os dois domínios
(a) Assim como uma boa mãe é dedicada a seus filhos, Superitos são alimentos voltados para
as crianças.
(b) Assim como uma mãe dedicada busca oferecer a seus filhos alimentos nutritivos, Superitos
oferecem às crianças uma opção nutritiva de alimentação.
(c) Assim como uma mãe dedicada torna seus filhos felizes, Superitos tornam as crianças
contentes porque são divertidos.
2. METÁFORAS DE GÊNERO: Embora a propaganda pareça não apresentar nenhuma
metáfora de gênero, devido ao fato de trazer a imagem de uma criança, podemos afirmar que
sim um discurso machista nas entrelinhas da propaganda, onde a prevalência do gênero
masculino. um preconceito com a representação social da mulher enquanto única
responsável pelo cuidado com o filho.
3. METÁFORA DE VALOR: O OBJETO DESEJADO É UM OBJETO BOM.
Esse jogo metafórico ativa a metonímia de preensão: SUPERITOS PELO DESEJO.
Nessa propaganda, as expressões “o seu super-herói e “o seu filho inserem no
contexto a mulher-mãe por meio do pronome possessivo; é a essa mulher que a mensagem
está direcionada. Trata-se de um caso em que a imagem (visual) da mulher está ausente,
embora sua presença se faça por meios indiretos.
Tomando duas páginas, a propaganda apresenta uma figura significativamente maior
na primeira, se comparada com as imagens da segunda. Trata-se de uma menina, entre 4 e 6
anos, cuja aparência manifesta saúde e felicidade, confirmando o texto da página seguinte. A
pele brilhante, os dentes saudáveis, a boca rosada, o peso equilibrado da garota revelam um
ser saudável; acresce-se a isso o ar de felicidade que domina seu rosto, manifestado pelo olhar
e sorriso aberto. Em primeiro plano e fazendo um semicírculo, os Superitos destacam-se
crocantes e dourados, dominando a cena e as duas mãos da menina. A cena leva o leitor a
fazer uma identificação do alimento com o estado físico e emocional da personagem. Um
dado interessante são os outros alimentos: arroz, feijão (base do cardápio do brasileiro) e
tomates, alimentos naturais, dos quais Superitos se aproximam, valorizando esse aspecto do
produto, a naturalidade, um valor cada vez mais forte no discurso dos profissionais da área da
saúde. Assim, embora industrializado, o produto ganha esse traço positivo. Não se menciona,
por exemplo, que esse alimento pode ser frito ou que contém conservantes, o que contrariaria
a imagem positiva que se quer construir. Esse obscurecimento de aspectos negativos é um
dos pontos característicos das propagandas. Afinal, para seduzir o consumidor função de
uma propaganda – alertar para os pontos negativos de um produto seria uma estratégia
desastrosa.
Na segunda página, as imagens também confirmam o texto, pois as figuras
representam crianças ligadas a esportes e personagens do mundo infantil. Dialogando com a
expressão “super-herói”, as imagens dos garotos apresentam na roupa um S inserido num
círculo vermelho, numa alusão clara à roupa do Super-Homem, personagem americano da
década de 40, associado a valores positivos, como força, justiça, ética, entre outros. Assim o
Super-Homem, todas as figuras têm o poder de voar, como as descreve o site da empresa.
Para isso, elas usam, respectivamente, as botas, a mochila, os patins e o snowboard. São
também super-heróis. E todos, assim como a menina da foto, sorriem saudáveis. Desse modo,
constrói-se uma identificação com os valores SAÚDE e FELICIDADE, que o produto
proporciona. É esse jogo de sedução e convencimento que deve levar a leitora-mãe a adquirir
o produto, jogo manifestado na metáfora conceptual básica tal como apresentamos acima.
PROPAGANDA 15
Revista Marie Claire/ Setembro/ 2008
1. METÁFORA CONCEPTUAL: AS BOLSAS E MALAS DA SAMSONITE SÃO UMA
MULHER
Domínios conceptuais Lógica situacional do
domínio-fonte
Caracterização aspectual do
domínio-fonte quanto às
propriedades básicas
Bolsas e malas SAMSONITE
(alvo)
Mulher (fonte)
Uma mulher elegante tem
bom gosto.
Uma mulher de bom gosto
escolhe produtos refinados e
exclusivos.
Uma mulher elegante e
sofisticada atrai a atenção do
homem.
Uma mulher elegante e
sofisticada é sensual.
Mulher é beleza;
Mulher é atração;
Mulher é desejo;
Mulher é vaidade;
Mulher é elegância;
Mulher é sofisticação;
Mulher é sensual;
Mulher é central.
Mapeamento entre os dois domínios
a) Assim como uma mulher elegante, sofisticada e de bom gosto é uma mulher de
classe, as bolsas e malas Samsonite são refinadas.
b) Assim como uma mulher de classe busca produtos exclusivos, as bolsas e malas
Samsonite destinam-se a viagens realizadas por pessoas exclusivas, como atriz Mila
Jonovich.
2. METÁFORAS DE GÊNERO:
A MULHER É UMA PESSOA EM PRIMEIRO PLANO.
A MULHER É UM OBJETO ATRAENTE.
3. METÁFORA DE VALOR: O OBJETO DESEJADO É UM OBJETO
SOFISTICADO, EXCLUSIVO E FAMOSO.
Esse jogo metafórico ativa a metonímia de preensão: AS BOLSAS E MALAS DA
SAMSONITE PELO DESEJO.
Nessa propaganda, o propagandista mostra a mulher autônoma dos dias atuais. Uma
mulher que preza a beleza e a liberdade, o luxo e a vaidade. O homem está em segundo plano
e desfocado, pois a mulher é superior. Ela é um objeto que o atrai. Essa mulher vive sua vida
com plenitude, buscando sempre novas experiências, visto que a vida é uma jornada que deve
ser cumprida com intensidade. Mais do que mostrar uma mulher dentro dos padrões de
identidade da mulher atual, a propaganda, nesse caso, feita exclusivamente para mulheres,
chama a atenção das mulheres para a mulher ideal. Daí a importância do propagandista ter
optado por colocar uma atriz famosa, ícone da moda, escolha que ainda é justificada na
linguagem verbal da propaganda: Milla Jovovich, atriz e ícone da moda. Para os fins de
semana com seu marido, Paul Anderson, ela confia na coleção Black Label, da Samsonite.
Classe com algo a mais”. Uma mulher como a atriz Milla Jovovich é uma referência feminina
valorizada pela sociedade. É a mulher ideal e nela muitas mulheres desejarão se espelhar, o
que certamente influenciará na formação da subjetividade dessas mulheres. E aí entra a
valorização dos produtos divulgados. Se a atriz compra tais bolsas e malas, uma das maneiras
de se parecer com ela, é comprando tais acessórios também. Com esse raciocínio, leva-se o
leitor a concluir que os produtos da Samsonite o indispensáveis para se alcançar as
qualidades da atriz.
A propaganda também mostra uma certa sensualidade, outra característica muito
ligada à mulher enquanto objeto de atração. Tal sensualidade pode ser comprovada pela pose
da atriz, que mostra disfarçadamente suas pernas. O gesto de passar as mãos no cabelo
também mostra sensualidade e vaidade.
A linguagem verbal ainda mostra uma outra metáfora que se relaciona às metáforas
primárias citadas por Lakoff e Johnson (2002): A VIDA É UMA VIAGEM (LIFE’S A
JOURNEY como aparece na propaganda). Tal metáfora, além de fazer referência a um
domínio viagem em que se inserem os produtos anunciados (malas e bolsas), como um
dos ingredientes desse domínio, faz sentido no contexto da mulher, que, como apresentada na
propaganda, é uma mulher que vive sua vida com intensidade, aproveitando todas as
oportunidades e tudo que de melhor para se conhecer. Por isso, a vida é mais rica na
estrada menos viajada(Life is richer on the road less traveled), que sugere também seleção,
quase exclusividade, pois a estrada é usada por poucos. Isso sugere que os produtos da
Sansonite são direcionados a mulheres cultas, refinadas, de bom gosto. Acresce-se a isso o
tipo de carro esporte, comprado por pessoas de alto poder aquisitivo. O fato de existirem
textos em inglês também nos leva a concluir que a propaganda foi destinada a um público
selecionado, com escolaridade média ou alta, capaz de compreender tais mensagens. E a
revista Marie Claire, embora seja uma revista que aborda assuntos de interesse geral,
geralmente traz propagandas voltadas para um público-alvo mais elitizado.
PROPAGANDA 17
Revista Nova/ Dezembro/ 2008
1. METÁFORA CONCEPTUAL: OS ACESSÓRIOS DA SEX TOYS SÃO UMA
MULHER DOMINADORA
Domínios conceptuais Lógica situacional do
domínio-fonte
Caracterização aspectual do
domínio-fonte quanto às
propriedades básicas
Os acessórios da Sex Toys
(alvo)
Mulher (fonte)
Uma mulher sensual é uma
mulher dominadora;
Uma mulher dominadora
subjuga o homem;
Uma mulher dominadora
exerce o papel de polícia;
Uma mulher sensual e
dominadora realiza suas
fantasias sexuais
Uma mulher que realiza suas
fantasias sexuais usa de
acessórios para isso.
Mulher é desejo;
Mulher é fantasia sexual;
Mulher é dominação
Mapeamento entre os dois domínios
Assim como numa relação entre polícia (mulher) e ladrão (homem) tem o domínio quem usa
de estratégia, numa relação sexual tem o domínio a mulher (polícia) que usa os acessórios
sexuais.
2. METÁFORAS DE GÊNERO:
A MULHER É UMA PESSOA EM PRIMEIRO PLANO.
A MULHER É UM OBJETO ATRAENTE E DOMINADOR.
3. METÁFORA DE VALOR: O OBJETO DESEJADO É UM OBJETO EXÓTICO E
SENSUAL.
Esse jogo metafórico ativa a metonímia de preensão: OS ACESSÓRIOS DA SEX TOYS
PELO DESEJO.
Nessa propaganda, a mulher é atraente, provocante e sensual, exaltada por seu corpo
apenas. A valorização extrema das características físicas, a busca pelo corpo perfeito e a
sensualidade também o características da mulher atual. A propaganda mostra como a
mulher pode dominar a situação, ou seja, o relacionamento sexual, se utilizar o produto
divulgado.
A identidade da mulher é totalmente anulada, o que se comprova pelo apagamento do
rosto; nádegas, braço e pernas são o foco. Ela é um objeto que pode proporcionar prazer ao
homem, mas, antes de tudo, proporciona prazer a si mesma por meio de fantasias sexuais,
concretizadas em “brincadeira” de polícia e ladrão. Nesse cenário, a mulher desempenha o
papel da polícia: em pé, com as pernas ligeiramente afastadas numa posição de segurança,
dominando completamente a cena, conta com os instrumentos de dominação, como chicote e
algemas, mas principalmente seu corpo. Ao homem cabe o papel de ladrão, já que se encontra
preso, totalmente dominado pelas algemas que o prendem à cama, desempenhando o papel
daquele que é subjugado. O texto Polícia e ladrão. Você cresce. As brincadeiras
continuam”, estabelece uma relação com o próprio nome da loja virtual “Sex Toys”, em letras
coloridas, formato e disposição que remetem ao universo infantil, num diálogo claro com o
SN “as brincadeiras”, embora sejam brincadeiras sexuais. A esse respeito, deve-se ressaltar
que o verbo “brincar” é usado, no Brasil, também para significar praticar a cópula ou ter
outro tipo de relação libidinosa (cf. HOUAISS, documento eletrônico) A cor preta das
roupas da mulher e do homem, dos acessórios e da cama, junto à meia-luz do quarto, reforçam
a sensualidade, porque destaca principalmente os corpos seminus, que atraem o olhar do
leitor. O computador, que também recebe algum destaque pela visibilidade, sugere
modernidade e talvez relações amorosas propiciadas pela Internet; de certa forma, convida o
leitor a acessar o site da loja, cujo endereço aparece no lado inferior direito, com a vantagem
de “ser a loja mais perto de sua cama”.
A análise de nosso corpus confirmou a hipótese de que a propaganda é um gênero
discursivo enraizado em metáforas conceptuais, que criam e mantêm representações sociais.
Sendo nosso corpus constituído de propagandas de revistas femininas, podemos afirmar que a
maioria delas apresenta metáforas de gênero, que se relacionam à mulher e seus estereótipos.
Encontramos também, em todas as propagandas, a metáfora de valor e a metonímia de
preensão, que estão diretamente relacionadas ao objetivo de venda da propaganda e ao
produto divulgado enquanto objeto de valor e de desejo. A análise foi feita considerando-se a
linguagem verbal e não verbal e as metáforas subjacentes a essas linguagens tendo como
objetivo principal oferecer uma nova proposta de leitura do gênero discursivo “propaganda”.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com base nas análises, podemos concluir que as metáforas são poderosas ferramentas
utilizadas pelos propagandistas para divulgar o seu produto e atingir o objetivo principal de
uma propaganda: a venda do produto. O uso dessas metáforas é feito, muitas vezes com base
em estereótipos, representações sociais e ideologias de determinado público-alvo ao qual a
propaganda é destinada. Tais recursos tendem a persuadir o leitor a adquirir o produto
divulgado.
No que se refere ao corpus analisado, encontramos características comuns na maioria
das propagandas. Com exceção das propagandas 7, 13 e 14 em que há o uso de formas
linguísticas que explicitamente incitam o consumidor a comprar o produto, a maioria das
propagandas usa de estratégias indiretas de sedução para levar ao consumo. Como afirma
Ungerer (2003), propagandas mais sofisticadas preferem esse tipo de estratégia, funcionando
com mais eficácia do que as propagandas que usam as estratégias diretas de persuasão.
Segundo Simpson (2001) essa é uma tática que faz com que tais propagandas sejam mais bem
sucedidas. Afinal, todo consumidor, conhecedor desse gênero discursivo por participar das
práticas sociais de compra-venda da sociedade capitalista, “sabe” que o objetivo da
propaganda é levá-lo a adquirir o produto.
Uma outra constatação é que o produto anunciado nunca é apresentado isoladamente,
ou seja, ele está sempre associado a um outro domínio, de preferência valorizado socialmente,
relação que, apesar de poder ser expressa por meios linguísticos, com muita frequência é
manifestada por elementos pictóricos. Essas relações podem ser entendidas como
instanciações de metáforas conceptuais, assim como as realizações linguísticas com as quais
elas frequentemente interagem. (cf. UNGERER, 2003). Nessa construção, os produtos
constituem o domínio-alvo (aquele que deve ser conhecido, experienciado), enquanto os
domínios a eles associados constituem o domínio-fonte (por meio do qual se conhece, se
compreende, se experiencia o domínio-alvo).
No que se refere ao discurso da propaganda, vemos que ele cria e mantém as
representações sociais. Se considerarmos as propagandas no seu conjunto, constatamos que
mulher representada é marcada por uma identidade multifacetada, desempenhando diferentes
funções e assumindo diversos papéis. Essa mulher é independente e se preocupa com sua
beleza, seu bem estar e seu corpo, tendo interesse por produtos de qualidade que oferecem
elegância e conforto. É uma mulher exigente no que escolhe para si e sua família, gosta de se
cuidar, de se sentir bonita, amada; busca uma relação afetiva e sexual feliz e estável. É uma
mulher que assume o controle da sua vida, não se contentando apenas com o papel de
provedora da educação, saúde e amor familiar. As propagandas constroem a identidade de
uma mulher inovadora e despojada e agrega a ela valores ideológicos como poder, sedução,
independência; mas esses valores só poderão ser plenamente conseguidos pelo consumo.
Assim, estabelece-se uma relação circular: o produto destina-se para uma mulher com esse
perfil, ao mesmo tempo em que, para conseguir esse perfil, a mulher deve adquirir o produto.
Em última instância, o produto é a garantia da realização feminina na sua plenitude, de acordo
com as representações sociais construídas.
A maioria das propagandas aponta para uma mulher cujo perfil se afasta da mulher
tradicional que incorpora valores instituídos por um sistema patriarcal, principalmente a
submissão, tão bem configurada nas “mulheres de Atenas”, de que fala Chico Buarque de
Holanda. O estereótipo da mulher tradicional (esposa, mãe, dona de casa) é muitas vezes
contestado por metáforas de gênero e por imagens de mulheres que mostram características
totalmente contrárias a esse perfil tradicional: livres, independentes e sempre bonitas. Mas,
por outro lado, - e aqui reside um dos aspectos mais importantes a mulher é, por vezes,
representada como objeto, principalmente como objeto do prazer. Visualmente, isso fica
patente na exploração do corpo feminino, muitas vezes em enquadramentos que eliminam o
rosto da modelo. No entanto, quando se trata de buscar uma identificação com personalidades
do mundo “real”, os propagandistas, muitas vezes, apresentam modelos e artistas famosas que
são consideradas, geralmente, modelo da mulher ideal; e aí sim elas têm rostos.
Na maioria das propagandas aqui mencionadas (propagandas 04, 05, 07, 08, 09, 11,
12, 14, 15, 16) a mulher aparece em foco, em primeiro plano. O homem quando aparece
está em segundo plano. A mulher domina a situação, atraindo a atenção e os olhares de todos
ao seu redor, especialmente dos homens. Na propaganda 17, por exemplo, o poder sexual é
assumido pela mulher, subvertendo um papel que tradicionalmente foi atribuído ao homem.
Ela maneja o poder da sedução, da sexualidade. Nesse caso uma hiperbolização dos
atributos femininos. As propagandas manifestam os valores da mulher moderna, que
administra seu tempo e espaço, que é capaz de tomar o poder, sem transitar para o universo
masculino, assumindo características do homem. Inclusive os produtos, antes relacionados
somente ao universo masculino, como carros, por exemplo, já são dirigidos a mulheres,
embora ainda se encontre um certo preconceito quanto à capacidade da mulher de entender
tecnicamente esse produto (normalmente faltam informações técnicas nas propagandas e dos
produtos são enfatizadas características estéticas, como cor, design, beleza, tamanho do porta-
malas, conforto, etc). No entanto, como apontamos, também as propagandas onde a
mulher é apresentada apenas como um objeto sexual; seu corpo é enfatizado como algo que
pode ser consumido. No quadro de estereótipos de gênero de Velasco-Sacristán (2010),
observamos que as metáforas de gênero que envolvem algum tipo de preconceito podem
ser mais sexistas ou menos sexistas: lingerie, por exemplo, na identificação da mulher com o
produto é mais sexista. A propaganda do diet shake (propaganda 14), por exemplo, identifica
a mulher com o produto – alimento – objeto não sexual, mas cuja atuação deixa a mulher mais
atraente e desejável (os homens vão ficar de boca aberta, diz o texto).
Cada propaganda tem seu estilo próprio, que é marcado pelas escolhas verbo-visuais
do propagandista. No entanto, todas propõem ao leitor uma atitude responsiva, ou seja, o
leitor precisa compreender as ambigüidades e associações presentes na propaganda. Ele é
chamado para esse jogo metafórico para criar uma imagem do produto. O estilo de uma
propaganda reflete uma visão de mundo, relacionando-se a ideologia que perpassa pelo
sujeito. No caso das revistas femininas das quais retiramos nosso corpus, elas refletem a
época, o contexto e a representação social da mulher contemporânea. Uma época marcada
pela busca incessante da beleza e do corpo perfeito, num contexto de consumismo e
sensualidade, em que as mulheres se voltam mais para o cuidado consigo mesmas, com seu
corpo, sua vida pessoal e profissional e sua sexualidade.
A teoria da metáfora conceptual, proposta por Lakoff e Jonhson (2002), trouxe-nos
grandes contribuições. Primeiro, a compreensão das metáforas dentro de um paradigma
cognitivo que as coloca como presentes no pensamento e na vida cotidiana. Depois, a
percepção da importância dessas metáforas na compreensão de conceitos abstratos e
manifestações culturais e universais, já que, estando enraizadas no contexto cultural dos
participantes da interação, elas tecem os fios que entrelaçam indivíduo, sociedade, cultura,
linguagem, cognição e emoção. Finalmente, essa teoria propicia uma reflexão acerca da
metáfora em seus diferentes contextos de uso e sua relação com as ideologias e representações
de determinado grupo social. Essa reflexão beneficia especialmente aos docentes em seu
processo de avaliação da prática pedagógica. Como afirma Passeggi (1999, p.13),
a prática educativa, como intervenção na transformação das representações
sociais, deve atentar para uma conscientização das metáforas conceptuais,
subjacentes às atividades discursivas, e ao que elas nos revelam ou nos
escondem em nossas vidas. O estudo das representações sociais, como rede
de metáforas, nos engaja num processo permanente de ver e de fazer ver a
vida por meio de novas metáforas alternativas
.
Compreender as metáforas dentro de um paradigma cognitivista é perceber sua
importância e existência em contextos verbais e não verbais, na linguagem e na mente, no
cotidiano e em diversos contextos onde seu uso se faça necessário. Portanto, é compreender a
nossa própria natureza e o espaço social em que vivemos.
Anexos
Propaganda 1
Propaganda 2
Propaganda 3
Propaganda 4
Propaganda 5
Propaganda 6
Propaganda 7
Propaganda 8
Propaganda 9
Propaganda 10
Propaganda 11
Propaganda 12
Propaganda 13
Propaganda 14
Propaganda 15
Propaganda 16
Propaganda 17
Propaganda 18
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