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Universidade de Taubaté
MARIANA PAVAN DE MORAES FILGUEIRA
ESCRITA DE RELATÓRIOS DE ESTÁGIO EM
PSICOLOGIA CLÍNICA: a insurgência do (O)utro no
cuidado do outro.
Taubaté
2010
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MARIANA PAVAN DE MORAES FILGUEIRA
ESCRITA DE RELATÓRIOS DE ESTÁGIO EM
PSICOLOGIA CLÍNICA: a insurgência do (O)utro no
cuidado do outro.
Dissertação apresentada como parte dos
requisitos para obtenção do título de
Mestre em Lingüística Aplicada pelo
Programa de Pós-graduação em
Lingüística Aplicada da Universidade de
Taubaté.
Área de concentração: Língua Materna e
Línguas Estrangeiras
Orientação: Profa. Dra. Elzira Yoko
Uyeno
Taubaté
2010
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MARIANA PAVAN DE MORAES FILGUEIRA.
Escrita de relatórios de estágio em Psicologia Clínica: a insurgência do (O)utro no
cuidado do outro.
UNIVERSIDADE DE TAUBATÉ, TAUBATÉ, SP.
Data: ____/____/____
Resultado:_____________________
COMISSÃO JULGADORA:
Prof. Dr. CONRADO NEVES SATHLER.
Assinatura ___________________________________
Prof. Dr. ERNESTO SÉRGIO BERTOLDO.
Assinatura ___________________________________
Prof. Dr.ª JULIANA CAVALLARI SANTANA.
Assinatura ___________________________________
Prof. Dr.ª CELINA APARECIDA GARCIA DE SOUZA NASCIMENTO.
Assinatura ___________________________________
4
Dedico este trabalho aos meus pais, que
sem eles não seria possível esta vitória.
E à minha avó Maria M. Filgueira, que
sempre me incentivou nos estudos.
5
AGRADECIMENTOS
À minha orientadora, Profª Drª Elzira Yoko Uyeno, por sua contribuição para o
desenvolvimento e aprofundamento desta dissertação;
À Clínica-Escola de Psicologia da Universidade de Taubaté por propiciar e
colaborar para o desenvolvimento de minha profissão e de minha dissertação;
Às estagiárias que participaram e contribuíram para que esta dissertação e
pesquisa fossem possíveis;
À Universidade de Taubaté que propiciou a oportunidade de realizar este
Mestrado;
Ao Prof. Dr. Conrado Neves Sathler que insistiu para que eu realizasse este
Mestrado e contribuiu para a compreensão de conceitos de Análise de Discurso;
À minha falia, pela paciência, atenção e amor incondicional;
Ao meu noivo, Washington Benicio Araujo, pela paciência e pelo apoio que me
dedicou;
Às minhas colegas de Mestrado, Luzia Alves, Nanci Ap. de Almeida e Giovanna
da Silva, pela colaboração no desenvolvimento desta dissertação, com sugestões e
indagações que foram enriquecedoras, além do apoio e amizade durante os momentos
difíceis e angustiantes;
E por último, porém muito mais importante, a Deus.
6
Não existe conduta moral que não implique a constituição de si mesmo como
sujeito moral; nem tampouco constituição do sujeito moral sem ´modos de
subjetiviação´, sem uma ´ascética´ ou ´práticas de si´ que as apóiem
(FOUCAULT, 1984, p. 28)
7
RESUMO
Com base na solicitação feita para que as minhas estagiárias-supervisionandas
escrevessem relatórios de prática de atendimento psicológico, observei que elas
resistiam à escrita desse relatório, embora essa prática seja uma tarefa cotidiana do fazer
do psicólogo. A partir desse problema apresentado pelas estagiárias-supervisionandas,
percebi que o futuro psicólogo tem dificuldade em se expressar e resiste à tarefa de
escrever relatórios de atendimento psicológico. Partindo do pressuposto lacaniano de
que o inconsciente se estrutura como uma linguagem, a hipótese para essa dificuldade
em escrever relatórios de atendimento é que essas estagiárias-supervisionandas temem a
ocorrência da transferência e, uma vez que, por meio da escrita, se pode ter acesso a um
saber sobre si que elas não sabem. Desse modo, esta pesquisa tem como objetivos,
entender qual é a economia da redação de relatos de estágio na subjetivação dessas
estagiárias-supervisionandas, rastrear na materialidade lingüística dos relatórios de
atendimento escritos por essas alunas a existência ou não de indícios de que temem a
ocorrência da transferência e, por fim, contribuir para a formação do psicólogo por meio
da escrita. . Para que estes objetivos sejam alcançados, são analisados relatórios de
atendimento psicológico escritos por essas estagiárias-supervisionandas que
participaram do Estágio Extracurricular oferecido pela Clínica-escola de Psicologia da
Universidade de Taubaté no ano de 2008. Esses relatórios são analisados levando-se em
consideração o referencial teórico da Análise de Discurso de linha francesa em sua
terceira fase que faz afluência às formações do inconsciente. Foi possível concluir nas
análises desses relarios que não é possível separar a subjetivação da estagiária como
psicóloga da subjetivação desta como analisanda e que, embora o curso de Psicologia
procure ter uma formação homogênea, é possível concluir e descobrir que, por meio da
escrita, a singularidade de cada estagiária-supervisionanda aparece.
Palavra-chave: Análise de Discurso. Escrita da Clínica. Supervisão de estágio clínico.
Transferência.
8
ABSTRACT
Based on the request made to my supervisor-interns for them to write reports on the
practice of psychology clinic, I noticed that they were reluctant to write such reports,
although such practice is an everyday task of psychologist’s duties. Through this
problem showed by the supervisor-interns, I noticed that a future psychology has
difficulty to express him or herself and is reluctant to the task of psychology clinic
report writing. From the lacanian presupposition that our unconsciousness is structured
as a language, the hypothesis for this difficulty to write clinic reports is that those
supervisor-interns fear transference and, once, through writing, one can access
knowledge about him/herself that they are not aware of. This way, this research aims to:
understand the economy of a trainees report writing in those supervisor-interns’
subjectivity, track the existence or nonexistence of signs of fear of transference in the
linguistics materiality of clinic reports written by those students and, finally, contribute
to the psychologist’s formation through writing. To achieve such goals, it will be carried
out an analysis of clinic psychology reports written by those supervisor-interns who
took part in the Extracurricular Training Program offered by Clínica-escola de
Psicologia da Universidade de Tauba in the year of 2008. Those reports are analyzed
considering the theoretical reference of the French mainstream Discourse Analysis in its
third phase which makes references to unconsciousness formations. It was possible to
conclude in the analyses of those reports that it is not possible to detach the trainee’s
subjectivity as a psychologist from the subjectivity of that as an analyzer and that,
although the Psychology course focuses on a homogeneous formation, the singularity of
each supervisor-trainee shows itself.
Key words: Discourse Analysis. Clinic Writing. Clinic internship supervision.
Transference.
9
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
11
CAPÍTULO 1:
A HISTÓRIA DA PSICOLOGIA NO BRASIL E SUPERVISÃO CLÍNICA
1.1 O início das práticas psicológicas no Brasil.
1.2 ISOP e origens psicotécnicas.
1.3 A chegada da Psicanálise no Brasil.
1.4 Psicologia e Psicanálise
1.5 A Supervisão em Psicologia
1.5.1 A formão do psicólogo
1.5.2 A supervisão em Psicologia Clínica
1.5.3 O momento da supervisão
1.5.3.1 Sobre a clínica-escola de Psicologia da Universidade de Tauba
1.5.3.2 O começo de uma nova experiência
1.5.3.3 O processo de supervisão no estágio extracurricular
1.5.3.4 O relato de sessão no estágio extracurricular
1.5.3.5 O processo de triagem em Psicologia Clínica
1.6 A formação em Psicanálise e seus desdobramentos
1.6.1 Breve histórico sobre a supervisão psicanalítica
1.6.2 Caracterizando a situação de supervisão psicanalítica
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CAPÍTULO 2:
ANÁLISE DE DISCURSO DE LINHA FRANCESA
2.1 A história da Análise de Discurso de linha francesa
2.1.1 As três fases da Análise de Discurso de linha francesa
2.2 Pressupostos teóricos da Análise de Discurso de linha francesa
2.2.1 Discurso e Sujeito
2.2.2 Teoria do Esquecimento
2.2.3 Condição de Produção
2.2.4 Formação Imaginária
2.2.5 Formação Discursiva
2.2.6 Heterogeneidade discursiva
2.2.6.1 Heterogeneidade mostrada e heterogeneidade constitutiva do discurso: a
teoria do dialogismo e a Psicanálise
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10
CAPÍTULO 3:
SUJEITO, INCONSCIENTE E TRANSFERÊNCIA
3.1 Sujeito do inconsciente
3.1.1 O sujeito da AD3
3.1.2 O Nascimento do sujeito
3.2 O conceito de Transferência
3.2.1 Freud e a Transferência
3.2.2 A Transferência segundo Melanie Klein
3.2.3 Amor e Transferência: uma visão de Jacques Lacan
3.2.4 Contratransferência ou desejo do analista?
3.3 A escrita de si: Foucault e a Psicanálise
3.3.1 Foucault e a escrita de si
3.3.2 O sujeito-autor: processo de subjetivação
3.3.3 A Escrita para a Psicanálise: algo escapa
3.3.4 Escrita e Psicanálise
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CAPÍTULO 4:
CONDIÇÕES DE PRODUÇÃO DO DISCURSO E ANALISE DO
CORPUS DE PESQUISA
4.1 Condição de produção do discurso
4.1.1 Condições amplas ou mediatas do discurso
4.1.1 Condição restrita ou imediata de produção dos relatórios de
atendimento psicológicos analisados
4.2 Análise de corpus
4.2.1 Escrita de relatórios de atendimento psicológico na prática do estágio
supervisionado: subjetividades e singularidade
4.2.1.1 E1 e seu manejo no atendimento psicogico
4.2.1.2 E2: transferência na supervisão
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CONCLUSÃO
110
REFERÊNCIAS
113
ANEXOS
Anexo 1
Anexo 2
Anexo 3
118
119
122
127
11
INTRODUÇÃO
Esta pesquisa teve origem na minha atividade como psicóloga da Clínica-Escola
de Psicologia da Universidade de Taubaté, mais precisamente, enquanto psicóloga-
supervisora de estágio extracurricular oferecido por essa instituição.
Por ocasião das situações de supervisão, além dos relatos verbais dos
atendimentos, solicitei às estagiárias-supervisionandas que entregassem relatórios
escritos dos atendimentos psicológicos realizados por elas durante o cumprimento de
suas atividades de estágio. Essa escrita de relatórios de atendimento o era habitual,
nem adotado de forma unânime por psicólogos, mas foi adotado por mim, enquanto
supervisora, por ter, durante a minha formação e na fase de estágio, redigido esses
relatórios e percebido os ganhos para a minha formação como psicóloga. Foi essa
percepção, em grande medida, que me levou a buscar, na Lingüística Aplicada,
subsídios para compreender melhor a existência de uma possível contribuição da escrita
para a formação do psicólogo.
Essa percepção que parecia ser de ordem idiossincrática me levou, mais tarde, na
condição de psicóloga-supervisora, a reconhecer a importância do desenvolvimento da
habilidade da escrita em estagiários de Psicologia, comprovou-se, então, não
idiossincrática: em 30 de março de 2009, sob a argumentação de que o ato de redigir
relatórios de atendimento é considerado um fazer do psilogo, a escrita de documento
diante de qualquer atendimento psicológico passou a ser obrigatória, segundo resolução
do Conselho Federal de Psicologia (BRASIL, CFP, 2009).
Quando a pesquisa que resultou nesta dissertação foi iniciada e os relatórios
solicitados, essa prática ainda não se fazia sob lei, e as estagiárias-supervisionandas
resistiram ao atendimento dessa solicitação. À explicitação dessa resistência, ocorreu-
me uma percepção paralela de que as estagiárias-supervisionandas apresentavam
dificuldade em se expressar sobre si mesmas ao terem contato com seus pacientes; elas
se fixavam somente naquilo que era trazido por eles. As estagiárias-supervisionandas
tinham dificuldade em separar o que era relatado pelos pacientes dos sentimentos e das
sensações que eram despertados nelas durante os atendimentos psicológicos, ou seja,
enquanto elas atuavam como psilogas.
Ao ter obtido ganhos significativos em minha formação como psiloga pelo
desenvolvimento da atividade de escrita de relatos de atendimento psicológico durante o
meu estágio, tentei convencer as estagiárias-supervisionandas a realizarem, em seus
12
relatos de atendimento, observações sobre as suas percepções e sobre os pprios
sentimentos despertados durante cada uma das sessões de triagem realizadas durante o
estágio extracurricular. Na clínica-escola de Psicologia, o processo de triagem é
considerado a “porta de entrada” para a primeira escuta do paciente, e posterior
encaminhamento para o tratamento adequado ao tipo de queixa que ele apresentar.
Percebi que, embora a escrita de relatos de atendimento psicológico fosse uma
tarefa cotidiana do fazer de um psilogo, não havia, no campo acadêmico, pesquisas
sobre relatos escritos por estagiários de Psicologia.
Dessa percepção, constituiu-se o problema que deu origem a esta dissertação,
qual seja, as estagiárias e futuras psicólogas têm dificuldades em separar o problema do
paciente e dos sentimentos delas e resistem à tarefa da escritura de relatos/relatórios de
atendimento psicológico.
Partindo do pressuposto lacaniano de que o inconsciente se estrutura em
linguagem, a hipótese para que as estagiárias-supervisionandas apresentem dificuldade
para falar sobre si mesmas com relação aos atendimentos realizados é de que temem a
ocorrência da transfencia, uma vez que sabem que o inconsciente se mostra por meio
de lapsos de linguagem que aparecem também na escrita. Esses lapsos são decorrentes
de traços que ficam adormecidos no inconsciente, mas que, a qualquer momento, podem
aparecer.
De acordo com Lacan, três dimensões que o indissociáveis entre si com
relação ao nascimento do sujeito: o imaginário que está ligado ao nascimento do eu; o
simbólico que representa a entrada do sujeito na linguagem através do significante do
Nome-do-Pai que representa a proibição, a castração; e a dimensão do real que se
relaciona à impossibilidade de formalizar a linguagem (TEIXEIRA, 2005). O real é o
impossível que escapa ao simbólico e por isso, de acordo com Teixeira (2005, p. 89), “o
real é o que não cessa de não se escrever, portanto, o impossível, o que escapa ao
escrito, sendo dessa própria impossibilidade, no entanto, que podemos tocá-lo pelo
escrito, que podemos delimitar seu lugar vazio”.
No caso desta pesquisa, é relevante dizer que a ordem simlica (linguagem
escrita) é que mediatiza a relação do sujeito com o real e enlaça o imaginário e o real
para o sujeito (op. cit.). Com isso, pode-se afirmar que o real escapa à escrita, e o
sujeito, ao escrever de si, não tem controle sobre esta escrita e por isso, tem acesso a um
saber que ele aparentemente não sabe. Pode-se pressupor, a partir dessa colocação, que
13
as estagiárias-supervisionandas temem ter acesso a um conhecimento sobre elas
mesmas, por meio da transferência, que não é controvel.
A partir desta hipótese, este trabalho visa contribuir para o desenvolvimento de
pesquisas em Lingüística Aplicada, enquanto área das Ciências Sociais Aplicadas, no
que diz respeito ao desenvolvimento da escrita de estagiários de Psicologia com relação
aos seus relatos de atendimentos psicológicos, esse constitui o objetivo geral desta
dissertação.
Constituem objetivos específicos: a) rastrear na materialidade lingüística dos
relatórios de estágio redigidos por alunas de Psicologia a existência ou não de indícios
de que temem a ocorrência da transferência; b) entender qual é a economia da redão
de relatórios de estágio na subjetivação das estagiárias; c) contribuir para a formação do
psicólogo por meio da escrita.
O corpus de pesquisa foi constituído a partir de relatórios de estágios escritos
por estagiárias-supervisionandas de Psicologia. Participaram deste estudo duas
estagiárias do curso de Psicologia da Universidade de Taubaté. As duas estagiárias-
supervisionandas realizaram estágio extracurricular na Clínica-Escola de Psicologia
durante o ano de 2008. Uma delas freqüentava a 4ª série do curso; e outra, a 5ª série. As
duas estagiárias-supervisionandas foram escolhidas por fazerem parte do meu grupo de
supervisão, em que ambas faziam relatórios de sessão do atendimento realizados por
elas em situação de triagem.
As informações coletadas para a realizão desta pesquisa foram retiradas
exclusivamente desses relatórios de estágio e/ou relatos de atendimento; tanto os nomes
das estagiárias-supervisionandas como os dos pacientes atendidos por elas são mantidos
em sigilo. Assim, todo e qualquer nome que aparece nesta pesquisa é fictício, com o
objetivo de não expor os participantes da pesquisa.
Os dados coletados para esta pesquisa foram, posteriormente, submetidos ao
procedimento analítico inaugural, dos quais se constituiu o corpus de pesquisa.
Sustentam o procedimento da constituição do corpus e a sua análise a perspectiva
francesa da Análise de Discurso e os conceitos da Psicanálise lacaniana, demandados
pelo corpus de pesquisa para efeito de análise.
No primeiro capítulo, será apresentada a história da Psicologia e da Psicanálise
no Brasil. Será levado em consideração o modo como as ciências psicológicas se
originaram e se desenvolveram no Brasil, um país que as via sob o ponto de vista
médico predominante antes do século XX. Este capítulo faz uma breve descrição sobre
14
o ISOP (Instituto de Seleção e Orientação Profissional) que contribuiu para o
desenvolvimento da Psicologia no que diz respeito ao uso de testes para seleção
profissional. Também faz referência à supervisão em Psicologia Clínica e, à nova
experiência que eu tive no desenvolvimento do meu trabalho como supervisora numa
instituição acadêmica.
A Análise de Discurso de Linha Francesa será apresentada no capítulo dois desta
dissertação, com sua história, o seu desenvolvimento e os principais conceitos
desenvolvidos até os dias de hoje. É importante que esta dissertação contenha conceitos
da AD, porque aspectos relativos a regularidade discursiva que se pauta no
imaginário que é próprio das primeiras fases da AD, além de pretender auxiliar a leitura
de psicólogos e psicanalistas que, devido a sua formação, nem todos conhecem essa
disciplina (Análise de Discurso).
No terceiro capítulo, serão apresentados os conceitos de sujeito de acordo com a
Psicanálise lacaniana e segundo a Análise de Discurso em sua terceira fase. Também
será desenvolvido o conceito da transferência desde sua origem e como esse foi
concebido por Freud, passando por Melanie Klein, para depois, abordá-lo como Lacan
formulou. Além disso, serão apresentados os conceitos de contratransferência, segundo
Freud e desejo do analista de acordo com Jacques Lacan. Num segundo momento, a
noção de Escrita de si em Foucault será apresentada, bem como essa é desenvolvida
pela teoria psicanalítica.
As condições de produção do discurso e as análises feitas referentes aos recortes
discursivos das estagiárias-supervisionandas serão apresentadas no capítulo quatro desta
dissertação. As análises do recortes discursivos se referem à escrita de si que as
estagiárias-supervisionandas fizeram do seu atendimento em triagem no estágio
extracurricular durante o ano de 2008.
15
CAPÍTULO 1
A HISTÓRIA DA PSICOLOGIA NO BRASIL E SUPERVISÃO CLÍNICA.
Neste capítulo, será abordada a história da Psicologia no Brasil, ou seja, desde
seus primórdios, a adoção da prática psi pelos médicos, a evolução dos tratamentos
realizados nesta área até o reconhecimento da profissão de psicólogo no Brasil.
Posteriormente, apresentar-se-á como acontece a formação do psilogo em diversas
áreas de sua atuação e mais especificamente na área de Psicologia Clínica. A partir daí,
surgirá o contexto que causou o interesse por esta pesquisa, ou seja, a implantação de
um Estágio Extracurricular na Clínica-Escola de Psicologia da Universidade de
Taubaté.
1.1 O início das práticas psicológicas no Brasil.
As práticas psi no Brasil tiveram início no século XIX com a inauguração do
Hospício Pedro II no Rio de Janeiro em 1842. As práticas nesse hospício eram baseadas
nas concepções de Pinel e Esquirol, práticas essas guiadas “pelos princípios de
isolamento, vigilância, distribuição e organização do tempo dos internos”, que visavam
à repressão, ao controle e à individualização (ANTUNES, 2005, p. 30). Esses princípios
visavam isolar o “louco” da família e da sociedade, ou seja, afastá-lo do que se supunha
ser a causa de sua loucura. Esse tipo de tratamento, embora fosse visto como
terapêutico, era aplicado somente aos internos pobres (op. cit.).
Esses procedimentos realizados por esse hospício eram criticados, e um de seus
principais críticos foi JoCarlos Teixeira Brandão, que se dedicava ao estudo dos
alienados e desejava uma mudança no controle médico da instituão. Ele ocupou a
cátedra da Clínica Psiquiátrica e Moléstias Mentais na Faculdade de Medicina em 1882,
e, alguns anos mais tarde, foi nomeado diretor dessa clínica. Com a proclamão da
República, seu clamor foi ouvido e, em 1890, o Hospício tornou-se uma instituição
marcadamente médica, uma vez que, até então, era anexo à Santa Casa, e seus internos
eram cuidados por freiras sem o devido preparo profissional.
Em 1903, Teixeira Brandão deixou a cátedra de Medicina e a direção do
hospício. Em 1911, ele foi substituído por Henrique Roxo na cátedra e por Juliano
Moreira, na direção do hospício (RUSSO, 2002).
16
Juliano Moreira, médico baiano, negro e filho de pais pobres, foi um dos
responsáveis pela transmissão e elaboração do conhecimento da Psiquiatria e do
reconhecimento dessa enquanto ciência, no Brasil. Ele também foi um dos precursores
da Psicanálise no Brasil. Permaneceu na tedra de Medicina até o início dos anos 30,
quando foi destituído da direção do antigo Hospício devido à ocorrência da revolução, a
qual pretendia apagar todos os vestígios da República Velha (RUSSO, 2002).
Em 1848, com a evolução da Psiquiatria brasileira, aprovou-se uma lei para que
fosse criado hospício em São Paulo; em 1852, foi inaugurado o Asilo Provisório de
Alienados da Cidade de São Paulo. No entanto, sua prática limitou-se ao antigo
procedimento de reclusão, “objetivando excluir os ‘loucos’ das ruas da cidade”
(ANTUNES, 2005, p. 30). Quem primeiro o dirigiu foi Tode Alvarenga, e muitos
dos internos desse hospício eram estrangeiros, sendo em sua maioria do sexo masculino
(op. cit.). Esse mesmo hospício, em 1862, mudou-se para outro local (Ladeira
Tabatinguera), mas continuou com os mesmos problemas de superlotação, altas taxas
de mortalidade, fugas e violência” (op. cit., p. 31). Mesmo com a mudança de local, os
métodos aplicados por esse hospício não foram alterados. A preocupação com esses
métodos somente teve início, quando um médico chamado Francisco Franco da Rocha
chegou a São Paulo (ANTUNES, 2005).
Além desses dois hospícios que foram criados no século XIX no Brasil, foram
criados mais três em território brasileiro: Hospício São João de Deus, em 1861, no
Recife; um em Salvador, em 1874 e um outro em Porto Alegre, em 1884 (op. cit.).
No século XX, embora a situação dos hospícios não diferisse da do século XIX,
mudanças foram ocorrendo gradativamente, e as preocupações, que antes eram somente
psiquiátricas, foram se delineando mais explicitamente com a Psicologia. Isso ocorreu,
porque os movimentos psiquiátrico e psicológico encontraram terreno fértil para se
desenvolver, devido às condições precárias de higiene básica; e essa precariedade levou
os movimentos a aplicarem seus estudos e conhecimentos, a princípio, em busca de
melhorar essas condições. “As ligas de Higiene Mental foram, assim, importantes fontes
de produção de pesquisa e de práticas relacionadas à Psicologia” (ANTUNES, 2005, p.
41).
A Psicologia se desenvolveu principalmente dentro dos hospícios, com a
implantação de laboratórios, com pesquisas e teses de doutoramento das Faculdades de
Medicina (ANTUNES, 2005).
17
Embora houvesse algum interesse por eles pela Psicologia, aentão, quem
dominava as práticas psi no Brasil eram os médicos psiquiatras. Em algumas
instituições de cuidados mentais, existia laboratório de Psicologia que visava a
auxiliar as atividades médicas, atender às necessidades sociais e práticas e, a se
constituir em um núcleo de pesquisas científicas, em um centro de formação de
psicólogos (PEREIRA; PEREIRA NETO, 2003).
Embora os médicos manifestassem todos esses interesses pela Psicologia, eles
queriam transformá-la em uma especialidade médica, por pretenderem, segundo os
estudos de Pereira e Pereira Neto (op. cit.), evitar que os psicólogos se tornassem uma
figura a eles ameaçadora.
De 1890 a 1975, houve vários fatores que colaboraram para o processo de
profissionalização da Psicologia no Brasil. Principalmente, durante os anos de 1930, a
Psicologia assumiu e, a partir de eno, tem se destacado cada vez mais dentro das
universidades com a formação de outros profissionais que complementam as atividades
de psicólogos como pedagogos, teólogos, filósofos e outros. (ANTUNES, 2005).
Até 1962, quando foi regulamentada a profissão de psicólogo no Brasil pela lei
4.119, de 27 de agosto, houve várias manifestações para que a sua regulamentação
acontecesse, o que vinha ocorrendo desde 1950 (op. cit.). Assim, a profissão de
psicólogo foi reconhecida em 1962 e fazia parte de suas atribuições, “além do
“diagnóstico psicológico”, da “orientação e seleção profissional” e da orientação
psicopedagógica”, a “solução de problemas de ajustamento” (RUSSO, 2002, p. 44).
Com a regulamentação da profissão de psicólogo, com o reconhecimento de
suas funções e com a elaboração de seu Código de Ética profissional, a Psicologia
conseguiu, até meados de 1970, todos os requisitos necessários para ser considerada
uma profissão.
Desde então, houve grande crescimento no número de profissionais de
Psicologia devido à expansão dos cursos universitários particulares e ao aumento da
demanda da população por serviços psicológicos, principalmente, junto ao referencial
psicanalítico. “Deitar no divã significava sinal de status social” (PEREIRA; PEREIRA
NETO, 2003, p. 25), sendo incorporado por pessoas de classe média e alta (op. cit.).
18
1.2 ISOP e origens psicotécnicas.
Faz parte do início das práticas psicológicas no Brasil, a aplicação da Psicologia
às relações de trabalho que apareceu na década de 20. Teve sua primeira experiência de
aplicação com relação à organização do trabalho em 1924, no Liceu de Artes e Ofícios
de São Paulo (ABADE, 2005). A partir de então, sua aplicação teve um acelerado
desenvolvimento e se expandiu para muitas outras empresas Todavia, nessa época, o
Brasil vivia sob a repressão do governo ditatorial de Getúlio Vargas (1930-1945). A
partir de 1946, com o governo do General Dutra (1946-1950), a preocupação com a
educação e a cultura começou a ser ampliada, as quais, até 1940, eram consideradas o
preparo das elites. Mesmo a educação sendo considerada um direito de todos na década
de 1940, as pessoas não eram igualmente dotadas para desfrutarem do direito que o
Estado lhes proporcionava, o que justificou o aumento do uso dos testes psicológicos e a
criação do Instituto de Seleção e Orientação Profissional (ISOP) em 1947.
Este Instituto foi criado com o objetivo de “contribuir para o ajustamento entre o
trabalhador e o trabalho, mediante estudo científico das apties e vocações do primeiro
e dos requisitos psicofisiológicos do segundo” (ABADE, 2005, p. 16).
Esse instituto se direcionou, em seus primeiros dez anos, para a implantação de
técnicas de seleção e orientação profissional, especialmente para a classe média alta. Foi
responsável pela formação dos primeiros especialistas em Psicologia (BOMFIM, 2003
apud ABADE, 2005).
Os principais projetos do ISOP eram voltados para a Orientação Profissional que
se constituiu no Brasil no início doculo XX como uma técnica exclusivamente
psicométrica. O principal meio de divulgação dos trabalhos do ISOP, nos anos 50 e 60,
era a revista Arquivos Brasileiros de Psicotécnica
1
(op. cit.).
A partir do período que vai de 1964 a 1968, com um novo cenário político,
restou à Psicologia a abordagem experimental e psicométrica, uma vez que toda visão
crítica e não-quantitativa foi bloqueada. Dessa maneira, como os cursos de Psicologia
no Brasil foram regulamentados a partir de 1962, o que predominou foi a perspectiva
positivista por meio da perspectiva técnica (op. cit.).
1
Nessa revista eram apresentados, além dos estudos experimentais de testes, apresentavam-se também
estudos sobre os valores do orientador profissional, as dinâmicas da personalidade, os fatores culturais
envolvidos na motivação da conduta humana, Psicologia aplicada à infância e à adolescência (ABADE,
2005).
19
No entanto, a partir da década de 60, houve um aumento pela procura de cursos
de nível superior, levando os governantes, com a desculpa de democratizar esse tipo de
ensino, a privatizá-lo. Mesmo com o aumento de vagas no ensino superior, o houve
muitas modificações com relação ao elitismo, e a classe trabalhadora continuou sem
acesso a esse benefício. Mas, em 1968, houve, depois de muitas manifestações, a
Reforma Universitária que levou as instituições universitárias que mantinham cursos em
Psicologia a se agruparem em departamentos que reuniam professores de disciplinas
semelhantes (op. cit.).
A partir dos anos 70, houve aumento no número de publicações na revista do
ISOP.
nos anos 80, buscou-se uma reestruturação das práticas de Orientação
Profissional em meio à transição do regime militar para a democracia que favorecia este
questionamento. O ISOP teve sua mudança e passou a ser denominado Instituto
Superior de Estudos e Pesquisas Psicossociais (1981). Também foi na década de 80 que
a Orientação Profissional foi discutida enquanto processo no qual a escolha é
multideterminada, a profissão e o indivíduo têm caráter dinâmico e o coordenador, o
papel de informar e compreender a realidade psíquica dos indivíduos” (op. cit., p. 21).
Em 1990, o ISOP foi extinto, e a produção com relação ao assunto de
Orientação Profissional foi diluído em novos periódicos que haviam sido criados
desde a década de 70.
1.3 A chegada da Psicanálise ao Brasil.
Com a publicação de A Interpretação dos Sonhos”, em 1899, por Sigmund
Freud, houve a fundação de uma nova doutrina, a qual se expandiu rapidamente pelo
mundo ocidental. Em 1907, a Associação Vienense de Psicanálise e a Sociedade Freud
em Zurique foram fundadas. Não tardou muito, e outras sociedades foram fundadas em :
Berlim, Budapeste, Londres e Nova York. Nesse mesmo ano também foram fundadas a
Sociedade Norte-Americana em Boston e a Associão Psicanalítica Internacional
(IPA). Dez anos mais tarde, foram criadas, em 1919, a Sociedade Holandesa e a
Sociedade Suíça; em 1922, a Associação Psicanalítica Russa que foi dissolvida em
1928; em 1925, a Sociedade Psicanalítica Italiana, e, em 1926, a Sociedade Psicanalítica
20
de Paris. Na Europa dessa época, mais precisamente, dos anos 20 e 30, a Psicanálise se
difundiu entre artistas e intelectuais (RUSSO, 2002).
No Brasil, a Psicanálise aparece por meio da associão dos ilustres
representantes do meio médico-psiquiátrico da época. Como mencionado, um dos
precursores e divulgadores da Psicanálise no Brasil foi o médico Juliano Moreira.
Embora nada tenha sido comprovado sobre a sua possibilidade de ter praticado a
Psicanálise ou algo parecido com ela, afirma-se que, em 1899, esse médico fazia
referência às idéias de Freud em sua cátedra na Faculdade de Medicina na Bahia (op.
cit.).
Em 1929, quando foi fundada a Sociedade Brasileira de Psicanálise na cidade do
Rio de Janeiro, Juliano Moreira foi escolhido como seu presidente (RUSSO, 2002). Em
São Paulo, dois anos antes, havia sido fundada a seção paulista que teve como seu
presidente Franco da Rocha, um dos maiores nomes da Psiquiatria paulista e fundador
do Hospício do Juqueri. Franco da Rocha foi quem escreveu o primeiro livro
2
sobre as
teses freudianas, publicado em 1920 (op. cit.). Entretanto, apesar do grande sucesso da
Sociedade Brasileira de Psicanálise em São Paulo, ela acabou se dissolvendo (op. cit.).
Somente em 1936, com a chegada em São Paulo de uma médica judia,– Dra.
Adelheid Koch - , rem-formada pelo antigo Instituto de Psicanálise de Berlim, é que
se criou, em 1937, um “study group” (Grupo de Psicanálise de São Paulo) com a
autorização da Associação Psicanalítica Internacional (IPA) (RUSSO, 2002).
Posteriormente, esse Grupo de Psicanálise foi reconhecido no XVII Congresso
Psicanalítico Internacional em Amsterdã, e se transformou na Sociedade Brasileira de
Psicanálise de São Paulo, em 1951 (COIMBRA, s/d).
No Rio de Janeiro, em 1948, chegaram dois psicanalistas: Mark Burke, o
primeiro a chegar era membro da Sociedade Psicanalítica Britânica e Werner Kemper, o
segundo a chegar, era membro da Sociedade de Berlim. Ambos formaram o Instituto
Brasileiro de Psicanálise. Em 1951, devido a desentendimentos entre eles, foram criados
dois grupos. Kemper, com seu grupo de analisandos e sua esposa Kattrin que foi
imposta aos membros do grupo como analista didata a despeito de não ter formação
médica ou psicológica nem psicanalítica - fundaram o Centro de Estudos Psicanalíticos,
o qual, em 1955, foi aceito pela IPA como Sociedade Psicanalítica do Rio de Janeiro
(SPRJ). M. Burke ficava no Instituto que, em 1959, foi reconhecido, pela IPA, no XXI
2
Título do livro: “A doutrina pansexulaista de Freud”.
21
Congresso Psicanalítico Internacional em Copenhague; esse instituto ficou reconhecido
como Sociedade Brasileira de Psicanálise do Rio de Janeiro (op. cit.). No entanto,
enquanto Kemper e seu grupo conseguiamo apoio da sociedade paulista para o
reconhecimento como study group pela IPA” (RUSSO, 2002, p. 31), Burke voltava para
a Inglaterra em 1953, o que obrigouseus analisandos a completarem sua formação em
Londres ou Buenos Aires” (op. cit.). Os analisandos de Burke juntaram-se aos analistas
que se formaram na Argentina para formar e fundar um segundo study group, o qual deu
origem à Sociedade Brasileira de Psicanálise do Rio de Janeiro. As duas sociedades
dominaram o cenário da formação psicanalítica no Rio de Janeiro até os anos 1970
(RUSSO, 2002).
No cenário turbulento da Psicanálise no Rio de Janeiro, foi fundado em 1953
“um instituto dissidente, vinculado à linha “culturalista” norte-americana (dissidência
das sociedades oficiais”), o Instituto de Medicina Psicológica” (RUSSO, 2002, p. 29).
Após a morte de sua fundadora, uma psiquiatra que tivera formação numa Sociedade
dissidente nos Estados Unidos, em meados dos anos 60, o Instituto se transformou em
um instituto de formação apenas, o qual também aceitava psicólogos como candidatos
(op. cit.).
Até 1968, Kattrin Kemper permaneceu na Sociedade com o marido. Com sua
separação do marido, fundou, em 1969, juntamente a seus sete analisandos, o rculo
Psicanalítico da Guanabara, que ficaria conhecido, mais tarde, como o Círculo
Psicanalítico do Rio de Janeiro (op. cit.).
Um grupo de psicólogos que estudava e fazia supervisão com psicanalistas da
SPRJ, fundou, em 1971, a Sociedade de Psicologia Clínica. Essa oferecia formação
somente a psicólogos (op. cit.).
Percebe-se, assim, desde seu reconhecimento profissional, que a Psicologia se
psicanalisava cada vez mais, o que a distanciou das “suas origens “psicotécnicas”,
aproximando-se do atendimento clínico ou terapêutico como atividade preferencial”
(RUSSO, 2002, p. 44).
1.4 Psicologia e Psicanálise.
A Psicologia, além de se psicanalisar, também teve sua expansão. Seu primeiro
curso foi criado, em 1953, na PUC-Rio, o qual teve forte influência da Psicanálise desde
22
o seu início, com professores de grande prestígio sendo psicanalistas, bem como
supervisores de estágio (RUSSO, 2002).
Posteriormente, criaram-se os cursos da UFRJ e da UERJ em 1964; o da Gama
Filho em 1967 e o da Santa Úrsula em 1968, que foram criados na cidade do Rio de
Janeiro, e, na região do Grande Rio, foram fundados, entre 1969 e 1975, mais quatro
cursos; entre 1988 e 1990, mais três (op. cit.).
Em 1974, foi criado o Conselho Federal de Psicologia que contava com 895
inscritos; em 1976, este número já estava em 6.890 inscritos (op. cit.).
A Psicanálise se difundiu entre as psicólogas clínicas que eram analisadas, e
eram-lhes oferecidos cursos e grupos de estudos”, sendo, assim, supervisionadas em
seus atendimentos. Essa difusão ampliou o mercado de trabalho e a demanda pelos
serviços dos psicólogos que, na época, eram, em sua maioria, mulheres. As psicólogas
foram impedidas de ter acesso às sociedades vinculadas à IPA, porque essas exigiam de
seus candidatos diploma de Medicina. No entanto, esse monopólio estava se dissipando,
uma vez que dois movimentos que ocorreram no início da década de 70 ameaçaram a
corporação psicanalítica tal como ela se configurava.
Foram criadas instituições (CESAC e APPIA) que “reuniam grande número de
psicólogas que ali faziam cursos e grupos de estudo sob supervisão de psicanalistas da
SPRJ” (RUSSO, 2002, p. 46). Com o declínio dessas duas instituições, no final da
década de 70, foram formadas muitas instituições de formação de psicanalistas não
“oficiais”, em outras palavras, sua clientela seria formada principalmente por
psicólogas. Dessa maneira, a hegemonia da IPA foi ameaça, sendo que duas sociedades
“oficiais” passaram a aceitar candidatos psicólogos para formação, a partir de 1980
(RUSSO, 2002).
Desde 1969, quando aconteceu a primeira dissolução da SBRJ, “até 1989 foram
criadas no Rio de Janeiro 18 sociedades de formação em Psicanálise não vinculadas à
IPA. Dessas, 16 surgiram após 1974 e, entre essas, 10 se apoiavam de forma mais ou
menos explícita na teoria lacaniana como fonte de legitimação” (RUSSO, 2002, p.
49).A expansão da teoria lacaniana se deu rapidamente no início dos anos 80 com as
fundações da Letra Freudiana (1981), o Movimento Freudiano (1983), a Escola de
Psicanálise de Niterói (1985), o Centro Clínico Freudiano e a RAICA/Clínica de
Psicanálise (1986), o Centro de Estudos de Psicanálise de Crianças (1981, mas se tornou
lacaniano somente em 1987), a Escola Lacaniana de Psicanálise (1988) e o Corte
Freudiano (1989) (op. cit.).
23
A disseminação da teoria lacaniana não se limitou ao Rio de Janeiro, tendo sido
criadas sociedades lacanianas em todo o Brasil as quais, em virtude de sua saturação
nesses lugares, expandiram-se para outros estados fora do eixo Rio-São Paulo.
Em São Paulo, havia cinco sociedades paulistas, e, entre 1982 e 1990, foram
fundadas mais 13 instituições de formação psicanalítica em outros estados: Brasília,
Vitória, Salvador, Recife, Belo Horizonte (duas), entre outras (RUSSO, 2002).
Também nesse período, houve a ruptura do monopólio exercido pelas
instituições vinculadas à IPA, ruptura essa que atingiu o núcleo carioca no final dos
anos 70 e durante os anos 80. Dessa ruptura, difundiu a Psicanálise no meio ‘psi’ não
médico e entre o público leigo o que traduziu numa ampliação sem precedentes do
mercado e numa pressão muito forte por parte dos profissionais não-médicos pelo
acesso ao título de psicanalista e comandada pelo lacanismo”, que invadiu o meio
psicanalítico para ficar” (RUSSO, 2002, p. 51).
1.5 A Supervisão em Psicologia.
A seguir se abordado o percurso que o graduando em Psicologia deve
idealmente trilhar para se formar um futuro psicólogo.
Para isso, num primeiro momento, discorrer-se-á, sinteticamente, sobre como
ocorre a supervisão em todas as áreas da Psicologia e, em seguida, apresentar-se-á a
supervisão em Psicologia Clínica de maneira mais detalhada, uma vez que esta pesquisa
se centra na análise de dados coletados a partir dos relatos de sessões realizados em
supervisão de Psicologia Clínica. Em um último momento, expor-se-ão informações
acerca da Clínica-Escola onde foi realizada a pesquisa, devido ao estágio extracurricular
que fez parte dos projetos apresentados pela Clínica-Escola no ano de 2008, esgio esse
que possibilitou a realização desta pesquisa.
1.5.1 A formação do psicólogo.
Para se formar em Psicologia, é necessário que se aprenda, além das teorias que
compõem essa ciência, a técnica. Essa prática tem início ainda durante a graduação, o
24
que se faz por meio de estágios que são obrigatórios na formação em Psicologia,
segundo as diretrizes curriculares.
Acredita-se que, na maioria das graduões, senão em todas elas, exija-se a
prática de estágios, pois, caso contrário, como um futuro profissional de uma
determinada área poderia se graduar sem saber atuar em uma profissão que é
essencialmente técnica? O estudante de graduação necessariamente passa por processos
de aprendizagem da técnica por meio de estágios para aprender como se atua na futura
profissão.
A prática na formação para psicólogos tem a sua especificidade, no sentido de
que não se limita ao treino da atividade do psicólogo, o que ocorre essencialmente como
estágio, mas também prevê uma certa prática de si; daí o estágio em Psicologia se fazer
sob supervisão. Assim, a prática da atividade como psicólogo é acompanhada por uma
orientação de um psicólogo mais experiente, o qual é chamado de supervisor, e o
contexto em que o supervisor e o aluno (graduando em Psicologia, nesse caso) se
encontram é chamado de supervisão. De acordo com Lazzarini, Viana e Veludo (2008,
p. 122), “a supervisão tem como finalidade dar ao terapeuta-aluno, de forma sistemática,
o contexto apropriado à reflexão sobre a situação psicoterápica”.
A supervisão é obrigatória na formação desse aluno, uma vez que em sua prática
de estágio, ele lida, o tempo todo, com sujeitos que colocam em suas mãos os
problemas que os afligem e os impedem de levar o cotidiano e de viver tranqüilamente.
Para os alunos, de acordo com Lazzarini, Viana e Veludo (2008), a supervisão é tida
como uma maneira de auxiliá-los em determinadas situações na relação com o paciente.
Ao se inserir nessa posição de psicólogo, o aluno entra em contato, o tempo
todo, tanto com as emoções de outras pessoas quanto com as suas próprias. Com isso,
ele que ainda não tem nenhuma ou quase nenhuma experiência em trabalhar com
emoções alheias pode se enganar ao querer ajudar de maneira inadequada ou não
técnica ao outro que vem a sua procura (ou seja, ele, na ânsia de querer ajudar, poderá
se colocar na posição de amigo frente ao outro ou orien-lo de acordo com seus
próprios pontos de vista, colocando sua opinião, etc). De acordo com Aguirre e cols.
(2000 apud LAZZARINI; VIANA; VELUDO, 2008, p. 123) “para poder empatizar
com o paciente, é necessário poder se colocar no lugar deste sem, porém, confundir-se
com ele, caso contrário o terapeuta correria o risco de diagnosticar as suas próprias
dificuldades como se fossem as de seus pacientes”.
25
Para que isso seja evitado o quanto possível, o supervisor entra em cena para
orientá-lo, ampliar a sua visão com relação à demanda do outro e fazer com que ele
reflita o que ele (aluno) vem fazendo com relação à sua prática (tanto na clínica, como
na escola, como também nas demais instituições).
A supervisão, na formação do futuro psicólogo, não é realizada somente na área
clínica. A supervisão é obrigatória em todas as áreas de atuação do psilogo: clínica,
escola, trabalho, hospital, entre tantas outras áreas.
De acordo com o Parecer do Conselho Nacional de Educação, doravante CNE,
62/04 que trata das Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de graduação em
Psicologia, o art. 20 cita que “os estágios supervisionados são conjuntos de atividades
de formação, programados e diretamente supervisionados por membros do corpo
docente da instituição formadora e procuram assegurar a consolidação e articulação das
competências estabelecidas” (BRASIL, CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA,
2004). Ainda com base nas mesmas diretrizes, citando o art. 21: “Os estágios
supervisionados visam assegurar o contato do formando com situações, contextos e
instituições, permitindo que conhecimentos, habilidades e atitudes se concretizem em
ações profissionais, sendo recomendável que as atividades do estágio supervisionado se
distribuam ao longo do curso”(op. cit.).
Com a supervisão, o aluno, futuro psicólogo, tem a oportunidade de
compartilhar sua prática em campo de estágio tanto com o seu supervisor quanto com
seus colegas de turma, pois a supervisão, realizada na graduação, é sempre em grupo.
Assim, esse aluno divide suas vidas, suas sugestões e suas reflexões feitas ao longo
de sua permanência no campo de estágio, além de receber orientações de ordem técnica
do supervisor para a sua atuação futura e orientações com relação à teoria que ele
(aluno) deve ter conhecimento para enriquecer a sua técnica e ampliar sua visão de
mundo com relação àquele contexto em que vivencia a sua prática. De acordo com
Lazzarini, Viana e Veludo (2008, p. 124)), “outra característica da supervisão didática é
o aprimoramento da técnica e da teoria. As intervenções do supervisor , à luz da teoria e
da técnica, facilitam o entendimento das situações vivenciadas pelos supervisionandos
no consulrio”. De acordo com esses autores, a teoria fundamenta a compreensão da
dinâmica do cliente e o trabalho do terapeuta e a supervisão procura entender o objeto
de trabalho e o porquê da utilização de certas técnicas (op. cit.).
Com relação aos seus colegas de turma, esses também têm os mesmos
propósitos que o supervisor, embora em menor nível de complexidade, pois eles podem
26
apresentar sugeses, dúvidas e reflexões acerca do posicionamento que o colega
apresentou no grupo; assim, o grupo proporciona o estabelecimento de contato de todos
com a experiência do outro, além de todos poderem colaborar e compartilhar suas
vivências e conhecimentos entre si. Normalmente, os grupos de supervisão são
formados por seis ou sete alunos além do supervisor. Com relação à extensão da
supervisão, o tempo varia de acordo com o currículo de cada instituição universitária
que tem no quadro da graduação o curso de Psicologia.
A supervisão, como foi colocada por Lazzarini, Viana e Veludo (2008), pode ser
tanto individual, quando o supervisor trabalha com apenas um supervisionando, ou
grupal (que é o caso desta pesquisa), quando o supervisor trabalha com vários
supervisionandos ao mesmo tempo. Essa forma grupal de supervio é característica das
instituições de formação em Psicologia.
A supervisão é um momento para que o aluno sob supervisão que será,
doravante, denominado supervisionando, possa expor, além de suas vidas, queses e
sugeses para a sua prática, sua angústia, sua ansiedade, suas expectativas, seus medos
tanto com relação à sua prática anterior, que diz respeito ao atendimento já realizado e
que foi levado para a supervisão, como com relação à sua prática futura, a qual se refere
ao atendimento ainda não realizado por ele e suas expectativas quanto a esse futuro
atendimento.
Assim, o momento de supervisão se configura como um momento de sigilo
absoluto, em que tudo o que se diz nesse momento é mantido sob segredo profissional,
não sendo propicio e muito menos ético que o supervisionando compartilhe o
acontecido em supervisão fora dessa. Todo assunto que se trate de sua atuação no
estágio deverá ser preservado e devidamente mantido entre “as quatro paredes” do
momento da supervisão. Essa regra deverá ser cumprida, estabelecida e mantida
também por seus colegas de supervisão e por seu supervisor. A tarefa do sigilo é
primordial para o estabelecimento de um elo de confiança entre os elementos do grupo,
“tanto com relação ao material dos pacientes quanto ao que acontece dentro do grupo
(LAZZARINI; VIANA; VELUDO, 2008, p. 123). Percebe-se que o supervisor é o
maior responsável pelas condutas éticas que seus supervisionandos poderão ou não vir a
ter e/ou cumprir, uma vez que eles (supervisionandos) colocarão nesse o exemplo a ser
seguido, e o espelho ao qual eles se refletirão tanto no presente quanto no futuro.
Como se pode notar, a formação de um psilogo clínico é complexa; ela precisa
estar sempre atualizada, e ele (futuro psicólogo) precisa estar sempre que possível com
27
sua “saúde mental o mais próximo do equilíbrio. Por isso, também, torna-se
recomendável que o aluno passe por psicoterapia, aspecto que, embora seja de muita
importância na formação do futuro psicólogo, não será tratado por esta pesquisa.
A seguir, seabordado o aspecto relativo à formação do psilogo clínico, uma
das especialidades desse profissional.
1.5.2 A supervisão em Psicologia Clínica.
O aluno que faz estágio em Psicologia clínica ou o psicólogo clínico (
formado), em qualquer abordagem teórica, tem necessariamente, que passar por
supervisão. A supervisão clínica tem como objetivo fazer com que o aluno ou o
psicólogo clínico visualize de maneira ampliada o que o seu paciente trouxe de
conteúdo latente na sessão de psicoterapia, ou seja, inconsciente, embora, muitas
abordagens teóricas não usem a expressão inconsciente, que é sempre utilizada na
abordagem psicanalítica. Assim, um aspecto da supervisão consiste em compreender a
relação terapeuta-paciente pela relação supervisor-supervisionando. Supervisor e
supervisionando devem refletir juntos a atuão deste e, então, decidir pela intervenção
que melhor se adapte à situação” (LAZZARINI; VIANA; VELUDO, 2008, p. 123). Isso
se deve ao fato de que, uma vez que o aluno ou psicólogo clínico está inserido numa
situação junto ao seu paciente, o psicoterapeuta pode não conseguir enxergar, de
maneira neutra, o que seu paciente está querendo lhe dizer com aquilo que foi trazido
por ele em sessão. Nesse momento, poderá observar que o termo psicoterapeuta será
utilizado tanto para se referir ao aluno em formação em Psicologia clínica como para o
psicólogo clínico já formado.
O horário da supervisão é um momento em que o psicoterapeuta expõe ao seu
supervisor o relato de um caso em atendimento clínico por ele e, ao relatar, o
psicoterapeuta traz consigo emoções que lhe foram despertadas por esse paciente
necessariamente, ao longo da(s) sessão(ões).
O psicoterapeuta, ao expor o caso em atendimento em supervisão, pode
conseguir visualizá-lo de maneira mais clara, levando-se em consideração o sentido do
que trouxe ou levou o paciente à psicoterapia, sendo que essa se apresenta em várias
abordagens teóricas, sendo que, dentre elas, podem-se citar a teoria comportamental, a
psicanalítica, a existencial humanista, a psicodramática e outras.
28
A partir daí, o psicoterapeuta consegue distinguir o que é do seu paciente e o que
é dele, pois, muitas vezes, o psicoterapeuta, por sua inexperiência ou até por
identificação, em seu sentido comum de empatia com o caso em atendimento, não
consegue fazer essa distinção, podendo vir a atrapalhar tanto o amadurecimento
emocional do paciente como o seu próprio amadurecimento profissional.
O psicólogo (tanto em formação quanto o formado), qualquer que seja a sua
especialidade, clínico, escolar, do trabalho ou hospitalar, é tomado o tempo todo por
emoções, tensões e deve sempre estar atento às situações às quais é envolvido por quem
os procura.
Como se pode perceber, mesmo o profissional em Psicologia, mais
especificamente, nesse caso, o psicólogo clínico, está em constante formação, uma vez
que ele trabalha com sujeitos diferentes em diferentes momentos de sua vida. O
psicólogo está em constante processo de aprendizagem, pois “na situação de supervisão,
parecem concomitantes a existência de tarefas nas quais o supervisor se vê dando algo
para o aluno e momentos em que ele se vê construindo algo com o aluno”
(SAKAMOTO, 2006). Então, pode-se dizer que a supervisão é um processo de ensino-
aprendizagem, pois tanto o supervisor ensina ao supervisionando/psicoterapeuta como
este último sempre leva/ traz algo novo ao seu supervisor.
No entanto, é importante mencionar que o supervisionando/psicoterapeuta em
formação deverá ter no supervisor uma referência que o ajude a encontrar uma maneira
própria de ser psicoterapeuta, “que não seja pura imitação da habilidade de um outro”.
(MANNONI, 1989/ 1992, p. 38 apud SAKAMOTO, 2006, p. 4)
Para isso, além do conhecimento técnico e teórico que o supervisionando/futuro
psicoterapeuta deverá ter, ele também deve apresentar uma “bagagem de vida
pessoal” para exercer a sua função. Por isso, o supervisionando/psicoterapeuta deve ter
a sua própria identidade profissional, uma vez que a sua experiência de vida é diferente
da de seu supervisor (SAKAMOTO, 2006).
A supervisão é um momento que proporciona ao supervisionando/psicoterapeuta
a construção de uma identidade profissional, mas também lhe permite ter acesso ao seu
conhecimento tanto técnico e teórico quanto ao seu conhecimento de si mesmo e do
mundo em que vive. Essas características são importantes na formação de um
psicoterapeuta, uma vez que, mesmo tendo a possibilidade de ser supervisionado
sempre por um psilogo mais experiente, o seu trabalho é sempre solitário; o
psicoterapeuta clínico, quando es atuando, encontra-se sozinho, contando somente
29
com ele mesmo e com os seus conhecimentos: técnico, teórico e de mundo. O
psicoterapeuta tem de saber como e quando usar esses conhecimentos no momento de
sua atuão, em que o seu paciente o solicita, quase num tom de intimidação (caso ele
não tenha esses conhecimentos a postos, ele “cai na armadilha” que seu paciente lhe
arma) (op. cit.).
O psicoterapeuta, para o seu paciente, é aquele que tem o conhecimento sobre
ele (paciente) que ele não possui sobre ele mesmo, colocando no psicoterapeuta toda a
sua esperança de “cura”. Essa demanda do paciente pode chegar a sobrecarregar o
psicoterapeuta que, às vezes, por inexperiência, não sabe lidar com essa sobrecarga, e é
que esse psicoterapeuta recorre ao supervisor que lhe orientará em como prosseguir
em atendimento a esse paciente.
Resumindo:
(...) o Foco da supervisão é atender às demandas das integrações teórico-
técnicas da prática clínica envolvidas no atendimento, às demandas da prática
clínica espefica da psicoterapia (breve
3
) e ainda, auxiliar o aluno
4
em seu
processo de formação profissional colaborando na aquisição de uma
identidade profissional (SAKAMOTO, 2006, p. 4 ).
Com isso, tem-se a intenção de “gerar um conforto emocional que participa
construtivamente da situação de experiência pessoal do aluno
5
em sua tarefa de
desenvolvimento profissional(op. cit.).
A supervisão não está presente somente na formação de psilogos, mas, ela é
obrigatória na formação de dicos
6
, psiquiatras, outras áreas de saúde e, como poderá
ser visto a seguir, de modo mais específico e detalhado, a supervisão é obrigatória na
formação de psicanalistas
7
.
3
Parênteses do autor deste trabalho.
4
A autora da citação refere-se somente ao aluno, mas este texto se refere à supervisão do profissional em
Psicologia Clínica (já formado), o qual também tem de ter acesso a ela constantemente com os mesmos
propósitos.
5
e/ou do psicoterapeuta já formado.
6
De todas as especialidades; não somente os psiquiatras. A psiquiatria é uma especialidade da Medicina
(somente para esclarecimentos).
7
Além da supervisão na formação de psicanalistas, é exigido que os futuros psicanalistas também passem
por análise e por seminários de orientação.
30
1.5.3 O momento da supervisão.
Para que aconteça o momento e/ou processo de supervisão, é necessário que se
estabeleça um dia da semana determinado, um horário, um local fixo, com tempo de
duração já combinado previamente entre supervisor e supervisionando, além de
apresentar a linha teórica que será seguida pelo supervisor nessa situação. Quando a
supervisão é realizada durante o tempo da graduação, não determinação de
honorários, no entanto, quando o supervisionando é graduado/formado, esses são
acertados entre o supervisor e o supervisionando.
Além desses fatores, o supervisor, principalmente, o da graduação em
Psicologia, estipula atividades a serem realizadas pelo supervisionando-aluno com o
objetivo de levá-lo a ter maior desenvolvimento e amadurecimento profissional. Essas
são sempre atividades relacionadas com a prática realizada por esse supervisionando-
aluno.
Para esclarecer melhor o que se quer dizer com a prática de atividades, será
relatada a experiência de supervisão que foi vivenciada por mim no ano de 2008 na
Clínica-Escola de Psicologia da Universidade de Taubaté.
1.5.3.1 Sobre a clínica-escola de Psicologia da Universidade de Taubaté.
A Universidade de Taubaté é uma instituição pública do Vale do Paraíba (São
Paulo). Essa Universidade disponibiliza diferentes cursos de graduação, dentre eles, o
de Psicologia.
Para que uma Universidade esteja apta a manter esse curso, ela deve manter
além de salas de aula, laboratórios e professores capacitados, também uma Clínica-
Escola em que seus alunos, futuros estagiários, possam realizar suas práticas de
atendimento.
Assim, a Universidade de Taubamantém essa Clínica-Escola que conta com a
presença de muitos estagiários (2ª, 3ª, 4ª e séries de período integral e noturno),
psicólogos, supervisores e pacientes, além do corpo administrativo.
Os pacientes apresentam a maior demanda da Clínica-Escola, pois essa
instituição atende à população mais carente da cidade e região de Taubaté, porém não
deixa de atender às demais demandas que solicitam o seu trabalho.
31
1.5.3.2 O começo de uma nova experiência.
Percebendo-se que, mesmo com as práticas psicológicas iniciando-se cada vez
mais cedo na Clínica-Escola, essas ainda não têm conseguido suprir a demanda que a
solicita, pois os alunos-estagiários ainda não estão preparados para atendimentos mais
complexos de patologias mais graves, nem para atenderem a um grande número de
pacientes, uma vez que eles ainda estão iniciando suas práticas de estágio: tem de ir aos
poucos. Os alunos que estão nos últimos anos da graduação (4ª e 5ª séries) já
conseguem atender a mais pacientes: cinco pacientes por aluno em média, mas isso
também o supre a necessidade da demanda da Clínica-Escola. Cada vez mais, tem-se
encaminhado pacientes para o atendimento em Psicologia, fato que não acontecia
anteriormente, quando não se dava ainda muita importância à saúde mental.
Devido a essa grande demanda, é que a (instituição) Clínica-Escola de
Psicologia da Universidade de Taubaté “pensou” em criar um estágio extracurricular,
com carga horária de 20 horas semanais, para alunos de e séries dos períodos
integral e noturno do ano de 2008, e esses deveriam ser supervisionados pelos quatro
psicólogos
8
concursados dessa instituição. Inicialmente, foram abertas doze vagas,
sendo que cada psicólogo supervisionaria a três estagiários, sendo um de 5ª série e dois
de série (um do período integral e um do período noturno em 2008, no período
noturno do curso de Psicologia, havia ainda somente os quatro primeiros anos). No
entanto, foram preenchidas onze vagas devido aos critérios de seleção colocados pela
chefia e pelos psicólogos da Clínica-Escola. Após o processo de seleção, o estágio teve
início em fevereiro de 2008. Cada psicólogo-supervisor teve a liberdade com relação a
sua atuação, uma vez que esses ainda não haviam atuado nessa função. Todos os
estagiários selecionados tinham como requisito principal atender à demanda de triagem
(porta de entrada para o atendimento na Clínica), mas também, se necessário, atender a
clientes que não poderiam interromper o tratamento nas férias dos alunos-estagiários
curriculares, ou seja, que tinham necessidade de ter uma continuidade no tratamento
9
psicológico.
8
Até meados de 2008, havia quatro psicólogos no corpo técnico da Clínica-Escola. A partir daí, a Clínica
passou a contar com cinco psicólogos.
9
Os estagiários curriculares realizam os seus atendimentos de acordo com o calendário escolar, ou seja,
os atendimentos se iniciam em março e se encerram em junho; são retomados em agosto e encerrados no
final de novembro. Percebe-se, assim, que os clientes ficam sem atendimento psicogico durante um
longo tempo: mais ou menos quatro meses. Entretanto, existem alguns clientes que necessitam de um
atendimento continuado, ou melhor, sem muito tempo de interrupção; e os estagiários extracurriculares
32
1.5.3.3 O processo de supervisão no estágio extracurricular.
Foram selecionadas, inicialmente, três estagiárias para que eu as
supervisionasse. No entanto, após algum tempo, uma delas veio a desistir por ter
conseguido bolsa de estudos em outra instituição. Assim, eu pude contar com duas
estagiárias: uma de série e outra de 4ª série. Elas, como já dito anteriormente,
realizavam atendimentos em triagem, fazendo quatro horas de atendimento por semana.
Nas demais horas, faziam leituras, relatos de sessões, projeto de sala de espera,
supervisão
10
de todos os casos que foram atendidos na semana que passou, entre outras
atividades.
Contudo, neste trabalho, serão enfatizados os atendimentos que passaram por
supervisão e, mais especificamente, aos relatórios de sessões desses atendimentos, os
quais foram realizados pelas duas estagiárias-supervisionandas após a sessão de
triagem.
Logo no início do estágio, eu não solicitava às estagiárias-supervisionandas
nenhum tipo de relato de sessão oficial, e as supervisões eram baseadas nos relatos
verbais das estagiárias-supervisionandas. Elas traziam/levavam o caso em atendimento e
expunham o que havia acontecido; elas somente o relatavam; pareciam não fazer parte
da situação de atendimento, se colocando à parte. Além disso, embora a supervisão
fosse feita em trio (duas estagiárias-supervisionandas e psicóloga-supervisora), com a
intenção de haver maior troca de conhecimentos entre os elementos desse grupo, isso
não acontecia, uma vez que ambas as estagiárias-supervisionandas esperavam respostas
da psicóloga-supervisora.
Como argumenta Padilha (2005, p. 107): “Assim como o analista não pode
satisfazer a demanda de felicidade feita pelo paciente, o supervisor, por sua vez, não
pode satisfazer totalmente a demanda de saber do supervisionando”. Dessa maneira,
embora haja a expectativa do estagiário - supervisionando de que o supervisor atenda à
todas as suas questões, vidas e necessidades de conhecimento, este tem de se colocar
um tanto distante daquele para que esse consiga visualizar os seus próprios
conhecimentos acerca do paciente atendido por ele; assim como o analista, o supervisor
podem ser requisitados a atenderem a esse tipo de cliente, pois os primeiros tiram poucos dias de rias, o
que facilita o atendimento dessa demanda que requer mais atenção.
10
Com a duração de 4 horas aula por semana.
33
não tem de ser completo nem conhecedor de todos os desejos/falta do sujeito-
supervisionando.
As estagiárias-supervisionandas esperavam resposta da psiloga-supervisora
assim como seus pacientes esperavam encontrar a felicidade na análise e/ou psicoterapia
por meio delas.
A seguir, serão apresentados detalhes do processo de elaborão dos relatos de
sessão e suas características.
1.5.3.4 O relato de sessão no estágio extracurricular.
Com o passar de pouco tempo, eu pensei em lhes pedir relatos de sessão por
escrito
11
. Inicialmente, deixei que as estagiárias-supervisionandas relatassem o ocorrido
em sessão do modo como quisessem e achassem melhor, embora fosse dada uma folha
com alguns picos norteadores para a confecção desse relato (ANEXO 1). Mesmo com
esses picos (que delimitavam um pouco sobre o que deveria ser relatado da sessão
ocorrida), elas se prendiam somente ao relato da sessão, ou seja, o que haviam
perguntado e o que o paciente havia respondido.
Assim, percebeu-se o quanto elas resistiram a essa solicitação. Ao notar essa
resistência, observou-se que as estagiárias-supervisionandas apresentavam dificuldade
em expressarem-se sobre si mesmas, uma vez que, além de relatar o acontecido em
sessão de triagem, elas teriam de se colocar com relação a si mesmas durante tal
atendimento, ou melhor, se reportarem com relação aos sentimentos e atitudes que
foram despertados nelas durante o atendimento do caso. Também notou-se, com esses
relatórios, que elas apresentavam dificuldade em se colocar na posição de
psicoterapeuta e/ou analista. Observou-se que elas não conseguiam entrar em contato
consigo mesmas ao relatar os casos, parecendo que elas nunca haviam feito aquele
procedimento em outras supervisões (os quais o obrigatórios, pois o ditados pelo
Conselho Federal de Psicologia - CFP).
Com o tempo, fui adquirindo experiência e com isso, melhorando e atualizando
os tópicos que constituíam o formurio de relario de atendimento, ficando, ao final do
ano de 2008, da maneira como é apresentado no ANEXO 3.
11
Tal iia de pedir-lhes o relato foi baseada na própria experiência que a psiloga-supervisora teve ao
tempo em que cursou Psicologia, ou melhor dizendo, durante as supervisões de estágio clínico, que foram
com base no referencial teórico da psicanálise.
34
A elaboração de relatórios de atendimento, ou seja, a documentação das sessões
de atendimento psicológico se baseia em pareceres e resoluções efetuados pelo CFP.
O Parecer do CNE 62/04 que trata das Diretrizes Curriculares Nacionais para os
cursos de graduação em Psicologia cita, em seu artigo 23, que “as atividades de estágio
supervisionado devem ser documentadas de modo a permitir a avaliação, segundo
parâmetros da instituição, do desenvolvimento das competências e habilidades
previstas” (BRASIL, CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA, 2004). Dessa forma,
optei por elaborar um formulário para que elas o seguissem; um formulário que
abrangia itens considerados necessários para a realização de um relario de
atendimento eficiente e coerente com a condição de aprendizes de tais estagiárias-
supervisonandas. Parece que dessa maneira, elas se sentiram mais à vontade tanto para
descrever a sessão como para relatarem um pouco sobre si mesmas (ANEXO 2).
Além desse Parecer, uma Resolução do CFP, que dispõe sobre a obrigatoriedade
do registro documental decorrente da prestação de serviços psicológicos, nº. 1 de 30 de
março de 2009, assinala em seu Art. 1 e parágrafos 1 e 2:
Art. 1: Tornar obrigatório o registro documental sobre a prestação de
servos psicológicos que não puder ser mantido prioritariamente sob a
forma de prontuário psicológico, por razões que envolvam a restrição do
compartilhamento de informações com o usuário e/ou beneficiário do
servo prestado (BRASIL, CFP, 2009).
§ 1º. O registro documental em papel ou informatizado tem caráter sigiloso e
constitui-se de um conjunto de informações que tem por objetivo contemplar
de forma sucinta o trabalho prestado, a descrição e a evolução da atividade e
os procedimentos técnico-científicos adotados (op. cit.).
§ Deve ser mantido permanentemente atualizado e organizado pelo
psilogo que acompanha o procedimento (op. cit.).
No artigo 3 dessa mesma resolução, cita-se que “em caso de serviço psicológico
prestado em servos-escola e campos de estágio, o registro deve contemplar a
identificação e a assinatura do responsável técnico/supervisor que responderá pelo
serviço prestado, bem como do estagiário (op. cit.). Em seu parágrafo único, é
assinalado que: “O supervisor técnico deve solicitar do estagiário registro de todas as
atividades e os acontecimentos que ocorrerem com os usuários do serviço psicológico
prestado (op. cit.).
Para que essa resolução fosse elaborada, o CFP considerou: a. a necessidade do
registro das informações sobre os serviços prestados e a responsabilidade técnica
35
adotada; b. a contemplação de forma sucinta com relação à assistência prestada, a
descrição e a evolução do processo e os procedimentos técnico-científicos adotados no
exercício profissional; c. o registro da prestação de serviços do profissional é valioso
para o psilogo e para quem recebe o atendimento. Também são úteis quando
realizados em instituições, uma vez que gera produção e acúmulo de conhecimento
científico, à pesquisa e ao ensino e serve como meio de prova idônea para instruir
processos disciplinares e defesa legal.
Porém, parece que me antecipei a essa resolução do Conselho Federal de
Psicologia ao solicitar e insistir para que as estagiárias-supervisionandas realizassem os
relatórios dos atendimentos realizados por elas em triagem.
1.5.3.5 O processo de triagem em Psicologia Clínica.
Comumente, os atendimentos oferecidos por qualquer Clínica-Escola de
Psicologia incluem, entre outros, triagem, psicoterapia individual, psicoterapia de
grupo, terapia familiar, orientação de pais, terapia de casal, orientação vocacional e
avaliação psicológica (psicodiagnóstico). No entanto, a triagem se revela o tipo de
atendimento mais realizado nesses tipos de instituições, uma vez que para se ter acesso
a algum outro tipo de atendimento, é necessário que quem a procura passe pelo
atendimento em triagem. A triagem é considerada “a porta de entrada” para o
encaminhamento das pessoas para outras modalidades de atendimento e tem uma
função importante na Clínica-Escola, pois é considerada o primeiro momento de escuta
do paciente (HERZBERG; CHAMMAS, 2009). Além disso, a triagem tem como
função avaliar inicialmente cada caso e fazer o seu encaminhamento às modalidades que
são consideradas adequadas a cada um (op. cit.). A triagem pode ser realizada em
qualquer abordagem teórica, desde que propicie ao paciente um momento para que ele
seja escutado inicialmente em sua queixa e/ou demanda.
De acordo com Bonomo, Dominguez e Tortorella (apud. HERZBERG;
CHAMMAS, 2009, p. 108), a triagem inclui dois processos: a escuta do saber que o
cliente tem acerca de si mesmo e o parecer que o psicólogo pode emitir”. Assim sendo,
ao relatar sua queixa e/ou demanda, o paciente tem a possibilidade de se ouvir a respeito
daquilo que o trouxe/levou até a clínica, de fazer com que o outro (psicólogo) escute o
que ele está dizendo a respeito de si mesmo e de obter um retorno por parte do
36
psicólogo sobre o que ele relatou sobre si mesmo, mesmo que seja um retorno limitado
(op. cit.).
No caso da Clínica-Escola de Psicologia da Universidade de Taubaté, as triagens
são realizadas com todas as faixas etárias, sendo que, quando se trata de menores de
idade, pais ou responveis têm de participar desse processo.
Os alunos-estagiários podem realizar até quatro sessões de triagem, sendo que
cada uma das sessões é realizada uma vez por semana. De acordo com Herzberg e
Chammas (2009), a triagem que é realizada em uma única entrevista indica que o
paciente não tem idéia do que seja um atendimento psicológico nem de que seja um
tratamento prolongado. Muitas vezes esse paciente veio encaminhado por terceiros
(médico, família, assistente social entre outras especialidades) e não sabe ao certo o que
foi/veio fazer nesse atendimento e o que pode ser dito ou não por ele nessa situação. Por
isso, torna-se necessário que o processo de triagem seja mais longo, uma vez que, com
apenas uma sessão de triagem, não é possível esclarecer ao paciente algumas de suas
vidas manifestas, sendo que as latentes serão trabalhadas e supostamente elaboradas
durante o tratamento psicoterápico.
Com base nessas informações, as triagens que são realizadas com base nas
queixas de crianças ou adolescentes são feitas em três ou quatro sessões, ou seja, duas
sessões, pelo menos, são realizadas com os pais ou responsáveis e uma, pelo menos,
com a criança. Dependendo de cada caso, são realizadas mais sessões sem que
ultrapasse o número de quatro, caso contrário se caracterizaria uma psicoterapia e/ou
psicodiagnóstico, de acordo com o conceito adotado por essa Clínica-Escola.
Nos casos em que se trata de triagens realizadas com adultos ou idosos, essas
podem ser realizadas a quatro sessões também, porém, o mais comum é que se
realizem duas sessões e quando necessário, ts.
Como mencionado anteriormente, a atendimento de triagem pode ser realizado
em qualquer abordagem teórica. Respaldada nesse fato, as estagiárias-supervisionandas
foram supervisionadas, inicialmente, com base no referencial teórico da Psicalise
kleiniana, em que eu, psicóloga-supervisora, procurava sempre “dar respostas” à elas,
sem que elas pudessem parar para pensar sozinhas a respeito de cada paciente que
atendiam. No entanto, em maio/junho de 2008, com os meus estudos avançando em
direção aos conhecimentos da Psicanálise lacaniana, optei por colocar em prática essa
teoria, o que levou as estagiárias-supervisionandas a não buscarem somente respostas na
psicóloga-supervisora, mas nelas próprias e entre elas. Com essa maneira de lidar em
37
supervisão, percebi que elas próprias encontravam respaldos para os seus
atendimentos, sem que necessariamente eu tivesse de assumir totalmente a
responsabilidade pelos atendimentos delas, ou seja, dando-lhes oportunidade de que se
colocassem no papel de psicólogas e que visualizassem suas próprias competências.
Uma vez que a formação dessas estagiárias-supervisionandas foi baseada no
referencial psicanalítico (kleiniano e posteriormente, lacaniano), abaixo, será feita uma
explanação sobre o processo de supervisão psicanalítica.
1.6 A formação em Psicanálise e seus desdobramentos.
Como dito anteriormente, este tópico se deterá à formação do psicanalista e à do
psicoterapeuta psicanalítico. A formação em Psicanálise não se difere muito da do
psicólogo, uma vez que ambas as formações passam necessariamente pela situão de
supervisão e seus seguidores também têm de fazer análise (para quem faz formação em
psicanálise). Para quem faz formação em Psicologia, recomenda-se que passe por
psicoterapia, a qual, como dito anteriormente, pode apresentar diversas abordagens
teóricas.
Tanto a análise quanto a psicoterapia podem designar a mesma idéia, desde que
a psicoterapia seja de caráter psicanalítico. Essas concepções consideram a teoria
psicanalítica como a base de seu trabalho. A teoria psicanalítica ou Psicanálise é,
segundo Zimerman (1999, p. 31), definida por Freud como “um procedimento de
investigação dos processos mentais, um método de tratamento e uma disciplina
científica”. Além disso, o psicanalista ou psicoterapeuta psicanalítico trabalha com os
conceitos fundamentais da Psicanálise, tanto na teoria como em sua prática. Na teoria,
consideram-se as regras e as leis que regem o inconsciente, e na prática clínica, leva-se
em consideração a exisncia de um setting analítico que possibilite ao analista observar
os comportamentos do analisando, ou melhor, que seja possível ao analista perceber as
resistências
12
, transferências
13
e contratransfencias
14
existentes nesse enquadre, além
12
Resistência, de acordo com o Dicionário de Psicanálise (ROUDINESCO; PLON, 1998), define-se
como um conjunto de reações e manifestações do paciente/cliente que buscam impedir o desenrolar da
análise, no contexto do tratamento.
13
O termo transferência para a Psicanálise, segundo Laplanche e Pontalis (2001, p. 514), se refere ao
“processo pelo qual os desejos inconscientes se atualizam sobre determinados objetos ou pessoas no
quadro de um certo tipo de relação estabelecida entre eles e, eminentemente, no quadro da relação
analítica”. Este termo é reconhecido pelo fato de ele ser considerado indispensável numa situação de
análise; a psicanálise trabalha o tempo todo com a relação analista-analisando.
38
de ser possível manter uma atitude interpretativa continuada do analista (ZIMERMAN,
1999).
No entanto, o termo psicoterapia (sem outra especificação) se refere a algo mais
abrangente e mais genérico. Esse termo está ligado a todo tipo de tratamento que se
utiliza de métodos e procedimentos psicológicos. A psicoterapia abrange desde um
“aconselhamento”, uma “orientação diretiva, uma “psicoterapia de apoio” até uma
terapia familiar, grupal; terapia comportamental, psicodramática etc. (op. cit.).
Tudo o que se relaciona a um processo com começo, meio e fim, pode-se dizer
que se refere a algum tipo de terapia; aqui mais especificamente à psicoterapia, uma vez
que se considera a ciência da Psicologia como referência.
Assim, pode-se dizer que a psicoterapia engloba várias possibilidades
psicoterápicas, sejam psicanalíticas ou não (ZIMERMAN, 1999).
Após esse esclarecimento a respeito destes dois termos (Psicanálise/ psicoterapia
psicanalítica e psicoterapia), dar-se-á continuidade aos fatores que influenciam a
formação psicanalítica.
Sendo assim, para se tornar um psicanalista, é necessário que, além da
graduação (não exclusivamente a de Psicologia), seja feita uma formação em
Psicanálise após graduar-se. Para que essa formação seja efetiva, ela deve estar
aliceada em três bases, as quais são: a supervisão clínica das análises feitas pelo futuro
psicanalista, a análise de si mesmo que tem caráter didático, e seminários teóricos.
1.6.1 Breve histórico sobre a supervisão psicanalítica.
De acordo com o Dicionário de Psicanálise (ROUDINESCO; PLON, 1998,
p.746), supervisão é um
termo introduzido por Sigmund Freud em 1919 e sistematizado em 1925
pela International Psychoanalytical Association (IPA), na condição de
prática obrigatória, para designar uma psicanálise conduzida com um
paciente por um psicanalista que, por sua vez, encontra-se em análise
didática, e que concorda em ser supervisionado ou controlado, isto é, em
14
Termo utilizado por Freud, entre outros psicanalistas para designar, segundo Roudinesco e Plón (1998,
p. 133), o “conjunto de manifestações do inconsciente do analista relacionadas com as da transferência de
seu paciente”.
No entanto, Lacan não aceita este termo, uma vez que ele propõe o termo “desejo do analista para
designar a especificidade da função do analista. Segundo Kaufmann (1996, p. 97), o uso desse contra”
menciona a existência de uma compreeno, mas o analista deve ser capaz de manter distância dessa
compreensão, pois é o não saber do que deseja esse sujeito que procura pela análise,que o analista está
em condições de ter em si, desse desejo, o objeto” (LACAN, 1961 apud KAUFMANN, 1996, p. 97).
39
prestar contas dessa psicanálise a outro psicanalista (o supervisor). A
supervisão refere-se, de um lado, à analise que o supervisor faz da
contratransferência do supervisionando para seu paciente, e de outro, à
maneira como se desenrola a análise do paciente.
Atualmente, a supervisão é feita em espaços fechados, institucionalizados e
dignos de controle. Mas nem sempre foi assim, segundo relata Rocha (2005 apud
SARAIVA; NUNES, 2007). Isso porque Freud costumava trocar correspondências com
seus discípulos e vice-versa, além de ele também ter o hábito de conversar em lugares
públicos com aqueles que o procurava para pedir opinião sobre os seus pacientes. No
entanto, ainda nada era tido como oficial. Sendo, assim, a supervisão não era tida como
uma prática obrigatória do analista. Para que alguém se dissesse analista, bastava apenas
que ele seguisse a teoria proposta por Sigmund Freud: a Psicanálise.
Percebendo-se, talvez, a necessidade de se trocar experiências e/ou opiniões com
analistas mais experientes acerca de pacientes, é que, na cada de 1920, a supervisão
foi incorporada como uma das principais bases para a formação em Psicanálise pelo
Instituto de Berlim, “juntamente com a análise didática e o corpo teórico, constituindo,
até hoje, um procedimento reconhecido da educação psicanalítica”. (RIBEIRO;
WIERMAN, 2004 apud SARAIVA; NUNES, 2007)
Esse fato se deve à necessidade de intercâmbio entre um psicanalista e outro e
que, segundo Alain de Mijolla (1992 apud FUKS, s/d), a evolução do processo de
supervisão aconteceu em cinco fases prioritárias para esse desenvolvimento. São elas:
Fase Descrição
1ª fase: 1883 Breuer e Freud: um mestre conta um caso
exemplar a um aluno que o escuta e se
instrui, não sem julgá-lo.
2ª fase: 1900 Freud e Fliess: dois profissionais trocam
suas experiências clínicas, suas
descobertas e suas andanças.
3ª fase Steckel e Freud: o aluno confia seus
problemas clínicos a um mestre
idealizado, de quem espera, não sem
ambivalência, auxílio.
40
4ª fase Jung e Freud: um aluno psicanalista pede
auxílio contratranferencial a um mestre
psicanalista.
5ª fase Era “instituicional” (criação da Policlínica
Psicanalítica de Berlim). Se estabelece a
exigência de supervisão considerada como
uma etapa da formação e como condição
necessária à “reprodução da espécie
analítica”.
15
A partir desse momento (5ª fase), a supervisão é vista como uma situão de
controle, em que o supervisor se como responsável pelo seu aluno-psicanalista
perante o seu paciente. Assim, o supervisor é tido aqui como “os olhos” da instituição
psicanalítica que o vigiam (supervisionando) constantemente, uma vez que “o instituto
se preocupa não com a existência da psicanálise, mas com seu estatuto profissional e
com a defesa (corporativa) desse estatuto perante os não qualificados e os “impostores”
(EITINGON, 1997 apud FUKS, s/d). Ao vigiar e, conseqüentemente, controlar o
supervisionando, o supervisor tenta garantir que o primeiro siga as regras que foram
instituídas pela Psicanálise.
Com o passar dos anos, a prática de supervisão deixou de ser executada somente
em instituições, e começou a ser praticada em locais informais, pois a ausência de
formalidade não implica necessariamente na falta de critérios (FUKS, s/d) e falta de
qualidade; a supervisão pode ser praticada em consultórios particulares sem nenhum
prejuízo para o supervisionando.
1.6.2 Caracterizando a situação de supervisão psicanalítica.
A situação de supervisão em Psicanálise apresenta a maioria das características
que a supervisão em Psicologia dispõe, como por exemplo: a) a supervisão se
caracteriza pelo encontro de dois terapeutas/psicanalistas, sendo um deles com menos
experiência e outro, com mais experiência; b) há a apresentação de um caso clínico, que
é relatado pelo terapeuta/psicanalista menos experiente ao outro, que, como já dito, mais
15
Dados retirados do texto de Lúcia Barbero Fuks publicado no site
http://www.estadosgerais.org/historia/131-formacao_e_supervisao.shtml.
41
experiente; c) é considerada um processo de ensino-aprendizagem; d) a supervisão
contribui muito para a formação da identidade profissional do terapeuta/analista, pois
“além de atender a demanda de urgência do paciente também atende a demanda deste
“aprendiz” de psicoterapia(SAKAMOTO, 2001 apud SARAIVA; NUNES, 2007, p.
263).
No entanto, na supervisão para a formação de psicanalistas, trabalha-se com
conceitos que podem não ser estudados em supervisão psicológica, uma vez que cada
teoria psicogica se utiliza de conceitos diferentes e distintos entre si.
Na supervisão psicanalítica, o supervisor deverá estar atento à relação
transferencial e contratransferencial que se fazem presentes na relação analista e
paciente, e esse “padrão estabelecido na análise pode afetar o relacionamento entre
supervisor e supervisionando à medida que o campo de supervisão é invadido por
derivados do campo transferencial dos tratamentos supervisionados” (ZASLAVSKY;
NUNES; EIZIRIK, 2003 apud SARAIVA; NUNES, 2007, p. 265).
Assim, é propício que ocorram, na situação de supervisão, identificações
projetivas do paciente no supervisionando e estas quando o elaboradas ou mal
elaboradas pelo supervisionando podem atuar, de maneira inconsciente, no supervisor.
Em outras palavras, devido à “íntima” relação existente entre supervisor e
supervisionando, esse se sente à vontade para depositar naquele todo o conteúdo latente
trazido pelo paciente, o qual ele (supervisionando) não foi capaz de compreender, muito
menos de elaborar junto ao seu paciente (op. cit.). Normalmente, quando isso acontece,
o supervisionando traz/leva o caso em atendimento para ser supervisionado.
Para que isso seja possível, é necessário que o supervisor seja capaz de
1) incentivar a aliança de aprendizagem para apoiar o desejo e a ambição de
aprender do supervisionando; 2) manter um setting de trabalho; 3)
compreender o supervisionando e fazer-se compreensível para ele; 4)
identificar o conflito principal e formular hipóteses compreenveis; 5)
auxiliar o supervisionando a reconhecer a resistência e a transferência na
interação com o paciente, bem como reconhecer suas manifestações
contratransferenciais; e por fim, 6) reconhecer suas próprias reações
contratransferenciais em relação ao supervisionando (SZECSÖDY, 1990
apud ZASLAVSKY; NUNES; EIZIRIK, 2003, p. 304).
Desse modo, supervisor e supervisionando conseguirão manter uma relação de
trabalho conjunto em que o supervisionando é incentivado, além de somente relatar o
caso em tratamento, a também se expressar principalmente com relação às situões de
angústia que foram vivenciadas em situação de atendimento. Isso fará com que o caso
42
em atendimento possa prosseguir sem muitos obstáculos. Torna-se, assim,
imprescindível que o supervisionando traga/leve à supervisão a ocorrência de relação
transferencial e contratransferencial que surgiram durante a análise do paciente, pois
“grande parte das angústias despertadas pela experiência vivida com os pacientes surge
dos fenômenos da transferência e contratransferência e, muitas vezes, acaba emergindo
no campo de continência propiciado pela supervisão(RIBEIRO; WIERMAN, 2004
apud SARAIVA; NUNES, 2007, p. 265).
De acordo com Zaslavsky, Nunes e Eizirik (2003, p. 303), muitos fatores
influenciam no processo de supervisão. Dentre eles, podem-se citar: o processo de
ensino-aprendizagem como sendo de natureza cognitivo afetiva; as várias funções do
supervisor como modelo de identificação; o desenvolvimento de uma aliança de
aprendizado; a caracterização de um setting; o relacionamento de empatia e motivação
entre supervisor e supervisionando; o referencial teórico do supervisor (Psicanálise,
neste caso); a capacidade de intuição de ambos; a abordagem da transferência e
contratransferência, entre outros.
43
CAPÍTULO 2
ANÁLISE DE DISCURSO DE LINHA FRANCESA
No capítulo 2, serão abordados conceitos considerados relevantes pela linha
teórica abordada nesta pesquisa, ou seja, a Análise de Discurso de linha francesa. Para
isso, será feita uma apresentação sobre a história da AD e posteriormente, serão
apresentados seus principais pressupostos teóricos.
Esses conceitos serão apresentados e trabalhados neste capítulo pelo fato de que
há aspectos referentes à regularidade discursiva que se pauta no imaginário discursivo
que é próprio das primeiras fases da AD, além de ter a intenção de auxiliar a leitura de
psicólogos e psicanalistas que, devido a sua formação, não conhecem essa disciplina
(AD).
2.1 A história da Análise de Discurso de linha francesa.
A Análise de Discurso de linha francesa (doravante AD) se originou, ao final
dos anos 1960, com Michel cheux (1938-1983), a partir do cenário político
ideológico que culminava na França, com uma certa paisagem disciplinar. Essa
paisagem ofereceu um campo propício para que a AD se estabilizasse, ou seja, para que
a AD encontrasse um espaço nas outras disciplinas, estabelecendo relações entre as
Ciências Sociais e a Lingüística (PETRI, s/d)
A AD rompeu com a Psicologia Social, uma vez que nem tudo pode ser
explicado pela natureza biológica, sociológica ou psicológica do sujeito e, assim, nasceu
sua relação com a Psicanálise lacaniana. A AD sempre trabalhou com conflitos, embora
nunca tenha lhe interessado resolvê-los, mas, ao contrário, a AD se interessa em
interrogá-los, para construir possíveis interpretações sobre eles (op. cit.).
Apesar de todas essas relações, o principal interesse da AD, em seu início, foi o
discurso político, pois, para muitos, naquela época, a intervenção política parecia
carregar uma crítica ideogica objetiva e de caráter científico (op. cit.).
No início, a intenção da AD era construir uma maquinaria para realizar a
“análise automática do discurso”, sendo que essa primeiramente se embasaria na palavra
e, depois, na sintaxe da língua (op. cit.).
44
A seguir, as três fases dessa disciplina serão apresentadas com a intenção de
localizar o leitor.
2.1.1 As três fases da Alise de Discurso de linha francesa.
Como mencionado, a AD teve sua origem no final da década de 1960, motivada
pelos pensamentos do filósofo Michel Pêcheux (1938-1983). Esse pensamento começou
a se propagar a partir da publicão de “Análise Automática do Discurso(AAD), em
1969. De acordo com Pêcheux (1997, p. 311), “o processo de produção discursiva é
concebido como uma quina autodeterminada e fechada sobre si mesma, de tal modo
que um sujeito-estrutura determina os sujeitos como produtores de seus discursos”.
Nessa fase, as condições de produção do discurso eram consideradas homogêneas e
estáveis, e seu ponto de partida era um corpus fechado em suas seqüências discursivas.
O discurso era considerado neutro e independente. O procedimento da análise era de
ordem fixa, com restrições teórica e metodológica, sujeito a um começo e a um fim
determinados (op.cit.).
Num segundo momento, Pêcheux se questiona a respeito da homogeneização do
discurso e afirma que as relações entre as máquinas discursivas estruturais o forças
desiguais entre os processos discursivos. Nesse sentido, a noção de formão discursiva
(doravante FD) de Michel Foucault começa a explodir a noção de maquinaria fechada,
uma vez que essa noção de FD está em relação direta com o exterior (PÊCHEUX,
1997).
Pêcheux também introduz o conceito de interdiscurso “para designar “o exterior
específico” de uma FD enquanto este irrompe nesta FD para constituí-la em lugar de
evidência discursiva” (op. cit., p. 314). No entanto, a maquinaria conserva-se fechada
mesmo parecendo paradoxal a existência de um exterior (op. cit.).
Com isso, a crise com relação à maquinaria vai aumentando, e essa noção
explode definitivamente, com a noção de que, assim como o sujeito, o discurso também
é heterogêneo.
Com a total desconstrução da noção de maquinaria discursiva, pode-se, assim,
considerar a entrada na terceira fase da AD (AD3).
Nesta última fase”, Pêcheux define o sujeito como dividido em consciente e
inconsciente, pois passa a ver a AD atravessada por uma teoria da Psicanálise. Assim,
relê Marx por Althusser e faz um retorno de Freud a Lacan (TEIXEIRA, 2005).
45
Pêcheux define o quadro epistemológico da AD em três regiões científicas: o
materialismo histórico, a lingüística e a teoria do discurso, além de uma teoria do sujeito
de base psicanalítica que atravessa e articula estas três regiões (MARIANI, 1999).
“É na contradão das relações entre essas regiões que faz a AD” (op. cit., p.
107).
O discurso, ao ser considerado heterogêneo, permite que a AD questione o
sentido literal e a comunicação que se diz clara e objetiva e permite “retraçar, através da
análise lingüística, a trajetória dos processos históricos e sociais que vão engendrando
os sentidos” (op. cit., p. 110).
2.2 Pressupostos teóricos da Análise de Discurso de linha francesa.
Neste pico, serão apresentados os principais pressupostos teóricos que
caracterizam a Análise do Discurso de linha francesa.
2.2.1 Discurso e Sujeito.
O objeto da AD é o discurso que, segundo Orlandi (2007), esta palavra sugere a
idéia de curso, percurso, movimento. Assim, o discurso é a palavra em movimento, a
prática da linguagem.
O discurso possibilita “o deslocamento e a transformação do homem e da
realidade que ele vive” (op. cit., p. 15).
Uma vez que a AD leva em consideração a transformação do homem, deve-se
ter em vista as condições de produção da linguagem e os processos sócio-histórico e
ideológico nos quais o homem está inserido.
A Lingüística e as Ciências Sociais são articuladas de modo especial pela AD,
que as questiona, uma vez que interpela a Lingüística pela historicidade que ela apaga e
as Ciências Sociais pela transparência da linguagem sobre a qual ela se fundamenta (op.
cit.). A AD critica ambas as ciências, pois afirma que a “linguagem está materializada
na ideologia e como a ideologia se manifesta na língua” (op. cit., p. 16).
Com isso, percebe-se que a ideologia se materializa no discurso, e a
materialidade desse é a língua, o que leva a AD a trabalhar a relação linguagem-
discurso-língua. No entanto, não existe discurso sem sujeito nem sujeito sem ideologia,
uma vez que o “indivíduo é interpelado em sujeito pela ideologia” (op. cit., p. 17).
46
A AD, com relação à concepção de sujeito, supera a idéia de que o sujeito é um
ser transparente em si mesmo e confere a esse a subjetividade de uma dimensão que é
ideológica e psicanalítica (TEIXEIRA, 2005). Assim, o que Pêcheux tenta é buscar uma
articulação entre a ideologia e o inconsciente, o que não o desvia de sua articulação com
o materialismo histórico (op. cit.).
O sujeito para a AD, e com base em pensamentos psicanalíticos, é cindido,
dividido em consciente e inconsciente, sendo esse considerado sujeito da falta, que não
tem acesso a tudo o que é dito por ele, pois a falha o constitui, assim como constitui a
língua (ORLANDI, 1997).
“Ideologia e inconsciente são estruturas-funcionamentos que constituem o
sujeito(TEIXEIRA, 2005, p. 47), sendo que o que elas têm em comum é o fato de
operarem ocultando sua própria existência e produzem um “tecido de evidências
subjetivas, “subjetivas”, não porque afetem o sujeito, mas porque o constituem (op.
cit.).
Em síntese, o sujeito do discurso é considerado tanto o sujeito da ideologia
(noção de assujeitamento) como o sujeito da psicanálise (noção de inconsciente), sendo
que tanto um quanto o outro são “constituídos e revestidos materialmente pela
linguagem” (FERREIRA, 2006, p. 40). Ele é assujeitado, dividido, afetado por uma
determinada FD na qual está inserido e esse sujeito também a afeta e a determina em
seu dizer (op. cit., p. 43). O sujeito é aquele afetado pelo inconsciente, sempre em busca
de ser completo: sujeito desejante e faltoso ao mesmo tempo; sujeito da ideologia que é
afetado pela exterioridade (FERREIRA, 2006), ou melhor, um sujeito que se assujeita e
é determinado tanto internamente quanto externamente.
Os sentidos são infinitos num mesmo discurso, uma vez que esse é proferido
pelo sujeito que é múltiplo, cindido, desejante, incompleto, inconsciente, ideológico.
2.2.2 Teoria do Esquecimento.
De acordo com Pêcheux (1975 apud TEIXEIRA, 2005), o sujeito é afetado por
dois tipos de ilusão ou esquecimento. São eles o esquecimento 2 e o esquecimento
1.
O esquecimento 2 é da origem da enunciação (ORLANDI, 2007). O sujeito
tem a ilusão da transparência do sentido (TEIXEIRA, 2005). Esse tipo de esquecimento
47
ao sujeito a ilusão de que o seu discurso é objetivo, isto é, que aquilo que é dito por
ele só tem um sentido e que não tem outro (op. cit.).
Essa impressão, que é denominada ilusão referencial, nos faz acreditar que
uma relação direta entre o pensamento, a linguagem e o mundo, de tal
modo que pensamos que o que dizemos pode ser dito com aquelas
palavras e não outras, que só pode ser assim (ORLANDI, 2007, p. 35).
O outro esquecimento que é o de 1 é o chamado esquecimento ideológico
(ORLANDI, 2007), ou seja, o sujeito se coloca na origem do que ele diz e como fonte
exclusiva do seu sentido (TEIXEIRA, 2005). É de natureza ideológica e inconsciente: o
sujeito tem a ilusão de ser um, devido ao apagamento do fato de que os sentidos não são
originados nele (op. cit.).
2.2.3 Condição de Produção.
Neste item, será feita uma brevíssima apresentação teórica a respeito do conceito
de condição de produção do discurso, conceito esse de importância central para a
análise a ser empreendida, na medida em que dela dependem os discursos.
Para efeito de melhor se compreender a especificidade da condição de produção
do discurso como a adota a ADF, apresenta-se seu percurso anterior, desde seu
surgimento e, em seguida, como é compreendida pela perspectiva francesa pela qual se
norteia a presente pesquisa.
A língua foi designada por Saussure como objeto de estudo da lingüística e era
caracterizada como um objeto definido e homogêneo. Esse autor a definiu “como um
sistema de signos, descrito em termos de relações internas, em que a realidade de um
elemento depende de outros elementos do conjunto” (TEIXEIRA, 2005, p. 97), e
excluiu de seu estudo a fala, negando as condições em que ela aparece em uma
comunicação.
Ao contrário de Saussure, Jakobson se preocupava com a linguagem em
funcionamento e julgava que se deveriam levar em consideração todos os fatores que
constituíam o processo lingüístico. Esse autor acreditava que, para ser eficaz, a
mensagem que o remetente enviava ao destinatário deveria requerer um contexto, que
deveria ser “verbal ou suscetível de verbalização, um código total ou parcialmente
comum ao remetente e ao destinatário e, finalmente, um contato, um físico e uma
48
conexão psicológica entre um e outro, que os capacite a entrar e permanecer em
comunicação” (PEREIRA, 1996, p. 11).
Após Jakobson, apareceram outros para reformular os modelos anteriores.
Um deles foi Orechioni (1980) que valorizou o sujeito da enunciação, propondo
que o sentido do enunciado depende do sujeito da enunciação, considerando, dessa
forma, as condições de produção dos diferentes enunciados. Também como Orechioni,
Benveniste, nos estudos da enunciação, levou em consideração o próprio ato, as
situações onde ele se realiza e os instrumentos utilizados para sua execução”. (op. cit.,
p. 14). Para ele, antes da enunciação, a língua era apenas uma possibilidade, mas após
esta, a língua passou a ser uma “instância de discurso imanente de um locutor”
(PEREIRA, 1996, p.14).
Halliday, por sua vez, com a intenção de abordar a linguagem de modo mais
amplo (semiótico, social e funcional), propôs “o estudo de signos numa rede de
relações” (op. cit., p. 16), em que a cultura se referisse aos sistemas semióticos, nos
quais o texto desempenhava o papel funcional, e campo (o que estava acontecendo),
teor (status dos participantes) e modo (o que era representado pela linguagem, o status
do texto e sua função no contexto) interpretavam o contexto social (PEREIRA, 1996).
Barbisan (1994) critica essa proposta de Halliday e propõe que, para se explicar
o sentido, é preciso recorrer às condições de produção, às formações ideológicas e
discursivas e à pluralidade de vozes que estão na origem dos efeitos de sentido que se
produzem no discurso (op. cit.).
Antes de se abordarem as condições de produção tal como as concebe a Análise
de Discurso de perspectiva francesa, é preciso salientar que esse conceito apresenta três
origens. Esse conceito foi, inicialmente, introduzido pela Análise de Conteúdo; foi
apresentado indiretamente pela sociolingüística (que considera a importância dos fatores
externos na análise lingüística) e, implicitamente, num texto de Harris (1992) “que
correlaciona o termo situação ao termo discurso” (PEREIRA, 1996, p. 18), em seu
sentido extralingüístico. Nessas três formulações, porém, as condões de produção são
confundidas com a “definição empírica de situação de enunciação (op. cit., p. 19).
No entanto, a Análise do Discurso, a AD, considera o discurso como
heterogêneo, por considerar que o sujeito, pelo qual se dá o discurso, também o é.
Pelo fato de tanto o sujeito quanto o discurso serem heterogêneos, é necessário
que se compreenda em que situação esse sujeito enuncia e o discurso se dá. A essa
situação, nomeia-se condições de produção do discurso, que busca ter o conhecimento a
49
respeito do(s) sujeito(s) que (re)produziu(ram) esse (esses) discurso(s), para
compreendê-lo(s) e fazer sentido.
As condições de produção referem-se aos contextos histórico, social e
ideológico em que ele (discurso) acontece ou nos quais ele pode vir a ocorrer
(ORLANDI, 2007). As condições de produção podem ser consideradas em seu sentido
estrito, que se refere ao contexto imediato em que o discurso acontece; em sentido
amplo que, como dito acima, inclui os contextos histórico, social e ideológico do
discurso (op.cit.).
Além disso, a meria discursiva também faz parte das condições de produção
do discurso. A memória discursiva, segundo Orlandi (2007, p. 31), é “o saber discursivo
que torna possível todo dizer e que retorna sob a forma do pré-construído, o já-dito que
está na base do dizível, sustentando cada tomada da palavra”. Pode-se dizer, por esse
motivo, que uma palavra não acontece sozinha; ela faz sentido, porque está significada
tanto pela história quanto pela língua (op. cit.).
Por isso, para a AD, um discurso está sempre relacionado às condições de
produção, uma vez que essas estabelecem relações de força em seu interior. Para que
haja um sentido do/no texto, as condições de produção têm de se unir à linguagem.
Dependendo do sentido que o texto tem, será determinada uma posição-sujeito, pois o
sujeito não é único; ele pode assumir várias “posições-sujeito, as quais estão
relacionadas com determinadas formações discursivas e ideológicas” (PÊCHEUX, 1983
apud. NARVAZ; NARDI; MORALES, 2006, p. 7).
Como se podem notar, as condições de produção precisam ser consideradas para
que se obtenha a compreensão de como um determinado discurso acontece: quem o
pronuncia, de que posição o diz, quando, onde ele se dá. Esse resgate das condições de
produção do discurso se faz necessário, porque não há discurso sem sujeito.
2.2.4 Formação Imaginária.
Outro conceito formulado por Michel Pêcheux foi o de Formação Imaginária
(doravante FI) que é necessário para entender a relação que se estabelece entre o sujeito
e o discurso.
De acordo com Orlandi (2007, p. 39), a FI é um mecanismo de antecipação em
que o sujeito se antecipa ao “seu interlocutor quanto ao sentido que suas palavras
produzem”. Assim, a FI regula a argumentação, sendo que o sujeito dirá de um modo ou
50
de outro, ao seu interlocutor, de acordo com o que pensa que seu efeito irá causar
naquele.
Como afirmado por Uyeno (2006), as palavras, expressões e proposições
apresentam determinados sentidos de acordo com a posição que é ocupada por aquele
que as diz. Então, o sujeito permanece como assujeitado pela ideologia, uma vez que
são inscrições que determinam o que pode ou não ser dito por um determinado sujeito
que ocupa um lugar determinado, que resulta das relações necessariamente imaginárias
e que constituem as condões de produção do discurso (op. cit.).
De acordo com Teixeira (2005, p. 41), pode-se dizer que “o “sentido não existe
“em si mesmo””, ou seja, o sentido não é entendido em sua relação transparente com a
materialidade do significante, mas é determinado pelas posições ideológicas que fazem
parte do processo sócio-histórico em que palavras, expressões e proposições são
produzidas.
Sob o ponto de vista de Pêcheux e Fuchs (1997), a formação ideológica é
caracterizada por um elemento que intervém como uma força em confronto com outras
forças numa determinada conjuntura ideogica de uma formação social. Sendo assim,
“cada FI constitui um conjunto complexo de atitudes e de representações que se
relacionam com as posições de classes em conflito” (op. cit., p. 166).
Concluindo, a FI pode acontecer de diversas maneiras com um mesmo sujeito,
dependendo da posição que ele ocupa nesse e noutro lugar. Por exemplo: numa escola,
um sujeito pode ocupar a posição de professor e na faculdade, esse mesmo sujeito ocupa
a posição de aluno. Um outro exemplo seria: um sujeito pode ocupar a posição de
psicólogo-analista numa instituição e pode ocupar a posição de paciente-analisando no
consultório de um psicólogo-analista. Dependendo a posição que esse sujeito ocupa, ele
vai se comportar de uma ou de outra maneira.
2.2.5 Formação Discursiva.
ainda outro conceito desenvolvido por Michel Pêcheux que ele tomou
emprestado de Michel Foucault, na segunda fase da AD, em que o primeiro começou a
desconsiderar o discurso como homogêneo. Foi o conceito de Formação Discursiva.
Segundo Orlandi (2007, p. 43), a “Formação Discursiva é básica na Análise do
Discurso, pois permite compreender o processo de produção dos sentidos, a sua relação
51
com a ideologia e também dá ao analista a possibilidade de estabelecer regularidades no
funcionamento do discurso”.
A FD determina o que pode ou não ser dito numa FI dada (op. cit.). Numa dada
FI pode existir uma ou várias FD´s que estão interligadas e que definem o que pode e
deve ser dito numa posição dada numa dada conjuntura (PÊCHEUX e FUCHS, 1997).
De acordo com Orlandi (2007), o discurso pode apresentar um determinado
sentido, pois o sujeito se inscreve numa FD e não em outra. Por isso, o que determina o
sentido nos discursos é a FD em que eso inseridos, e as FD´s representam as FI´s no
discurso (op. cit.).
Assim, como os sentidos não são nem estão predeterminados, as FD´s são
constituídas pela contradição, sendo elas mesmas heterogêneas “e suas fronteiras são
fluidas, configurando-se e reconfigurando-se continuamente em suas relações”
(ORLANDI, 2007, p. 44).
Pelo fato de as FD´s serem heterogêneas, logo pode-se dizer que o discurso
também é, assim como o sujeito ou vice-versa.
2.2.6 Heterogeneidade discursiva.
A heterogeneidade para a AD afirma-se ao dizer que todo discurso é
atravessado pelo discurso do outro, ou por outros discursos”. (PÊCHEUX, 1983 apud
NARVAZ; NARDI; MORALES, 2006, p. 4), sendo possível dividi-la de duas maneiras:
constitutiva e mostrada. A primeira refere-se à heterogeneidade que não aparece no
texto, que não se revela nas linhas do discurso, de maneira que, fazendo parte desse, não
é possível analisá-lo. No entanto, na hetegeneidade mostrada, a presença do Outro
no discurso e ela se apresenta sob duas possibilidades: a marcada, que é visível na
materialidade lingüística (no discurso direto) e a não-marcada, que o é visível, assim,
como no discurso indireto e na ironia (op. cit.).
Com o conceito de heterogeneidade discursiva, abandona-se o conceito de que o
discurso é homogêneo e controlado, o qual era aceito na primeira fase da AD.
O discurso faz sentido a partir do conhecimento que se faz do sujeito ou da
posição que esse sujeito ocupa em uma determinada situação social, histórica e
ideológica, pois um mesmo discurso pode ter efeitos de sentido diferentes conforme sua
formação ideológica e de quem o interpreta.
52
2.2.6.1 Heterogeneidade mostrada e heterogeneidade constitutiva do discurso: a teoria
do dialogismo e a Psicanálise.
Neste subitem, apresentar-se-á o modo como Authier-Revuz (2004) compreende
as heterogeneidades que, segundo ela, podem ser mostrada e constitutiva. Tanto em uma
quanto na outra (constitutiva), entende-se ou pressupõe-se a presença do (O)outro no
discurso e, para dar prosseguimento a esse pensamento, a autora utiliza-se do
dialogismo em Bakhtin e do inconsciente da Psicanálise freudiana relida por Lacan para
que pudesse desenvolver sua teoria da heterogeneidade. Tanto o dialogismo como a
Psicanálise são duas teorias não-lingüísticas.
Para Authier-Revuz, duas maneiras pelas quais a alteridade do discurso é
apresentada: heterogeneidade mostrada e heterogeneidade constitutiva (TEIXEIRA,
2005). A primeira forma de heterogeneidade se relaciona às formas lingüisticamente
descritivas, ou seja, pelo discurso direto, indireto, aspas, etc. e contraria a idéia de que o
discurso é homogêneo, de forma que inscreve o outro na linearidade do discurso (op.
cit.). Já a heterogeneidade constitutiva não é marcada em sua superfície, “é um princípio
que fundamenta a própria natureza da linguagem” (op. cit., p. 145).
Para desenvolver o que a autora, Authier-Revuz, chama de heterogeneidade
constitutiva, ela se ancora em duas abordagens consideradas não-lingüísticas, quais
sejam, a heterogeneidade da palavra e do sujeito que se referem, respectivamente, ao
dialogismo bakhtiniano e à Psicanálise lacaniana.
Para entender melhor como Authier-Revuz se utiliza do conceito de dialogismo
de Bakhtin, passo a descrevê-lo.
Bakhtin, ao estudar os conceitos de “plurilingüismo” e de “fronteiras”, de
“polifonia” e de “pontos de vista”, de “pluriacentuação” etc. e com a observação de
redes de oposição, insiste na presença do outro no discurso. Porém, ele salienta que esse
outro é “um outro que atravessa constitutivamente o um” (op. cit., p. 25) e que funda a
subjetividade, as ciências humanas e a crítica literária. Bakhtin, de acordo com Authier-
Revuz (2004), diz que o sentido de um texto nunca está pronto, sendo a ele possível a
produção de dialogismos ilimitados, ou seja, a ele (texto), é dada a condição de
constituição de sentidos ilimitados. Todo discurso concreto é sempre um já-dito, “ele é
embaraçado, penetrado pelas idéias gerais, os olhos, as apreciações, as definições do
outro” (DDR, p. 100 apud op. cit., p. 36). A lei constitutiva do tecido de todo discurso é
e que o outro discurso é no próprio discurso.
53
Authier-Revuz (2004, p. 41) diz que todo discurso é dirigido a um
interlocutor”. O locutor, visando a compreeno de seu interlocutor, integra uma
imagem do outro discurso na produção de seu discurso (AUTHIER-REVUZ, 2004). De
acordo com Teixeira (2005), o que Authier-Revuz focaliza nos estudos de Bakhtin é que
ele “confere ao outro no discurso (op. cit., p. 145). Para ela, duas concepções do
princípio dialógico interessam: a do diálogo entre interlocutores que são designados
como interação e é um princípio que constitui o sujeito e a linguagem. Para Bakhtin, “o
discurso não é nunca individual, pois, em cada enunciado, em cada palavra, ressoam
duas vozes: a do eu e a do outro” (op. cit., p. 147), o que implica o reconhecimento da
intersubjetividade, como princípio fundador da linguagem e que problematiza o estatuto
do sujeito do discurso (AUTHIER-REVUZ, 1990, p. 27 apud. TEIXEIRA, 2005). A
segunda concepção do princípio dialógico é a do diálogo entre os discursos que é
mencionado, por Authier-Revuz (1982), como discursividade. De acordo com Bakhtin,
o discurso se constrói pelo atravessamento de vários outros discursos, “as palavras
sendo já “habitadas” por outras ressonâncias” (TEIXEIRA, 2005, p. 147).
Como cita Teixeira (2005, p. 149), a respeito de como Bakhtin concebe o
sujeito:
As reflexões de Bakhtin têm uma dimensão antropogica: o dialogismo é a
verdade do pprio ser do homem, quer dizer, é o ser humano que é
irredutivelmente heterogêneo, é ele que existe no diálogo; a noção de
alteridade sustenta a de sujeito, a intersubjetividade antecede a
subjetividade.
A partir de agora, passo a me referir sobre outro lo da exterioridade que
Authier-Revuz menciona: a Psicanálise.
Uma vez que o sujeito não se dá conta de sua heterogeneidade, Authier-Revuz
(2004) estudou a Psicanálise que considera o sujeito como heterogêneo, dividido,
sujeito do inconsciente. O inconsciente manifesta-se por atos falhos (erros ao falar, ao
escutar, ao ler, ao escrever, troca de uma palavra por outra), sonhos e pelo corpo
(paralisias, dores significantes) que são manifestações que fogem à vontade consciente
do sujeito (op. cit.).
De acordo com essa autora, o trabalho psicanalítico acontece quando o sujeito
faz emergir conflitos esquecidos, demandas recalcadas, que estão presentes em sua
vida sem que ele tenha consciência disso. Além disso, os conflitos podem aparecer num
trabalho de regressão, no qual é o “passado da linguagem que retorna” ou “o passado
54
retorna na linguagem” (CLÉMENT, 1973b, p. 43 apud AUTHIER-REVUZ, 2004, p.
51). Sendo assim, a linguagem é a forma do inconsciente ou, como afirma Lacan, o
inconsciente se estrutura como linguagem. Não uma linguagem própria para se ter
acesso ao inconsciente, nem um ouvido especial para ter acesso a esse. O inconsciente
aparece no discurso cotidiano, no entanto, é no trabalho psicanalítico, por meio da
escuta do analista, que a interpretação é efetivada sobre a materialidade da cadeia
falada. (AUTHIER-REVUZ, 2004).
Nessa cadeia, nota-se a presença de várias vozes que não são conhecidas
conscientemente pelo sujeito, e é que o trabalho de análise encontra seu objeto, ou
seja, pontuar, recortar certos discursos que atravessam o sujeito sem ele ter consciência
disso. Percebe-se que a estrutura material da língua permite a inscrição da polifonia num
discurso através dessa cadeia.
O sujeito, para a Psicanálise, não é homogêneo, e sim, heterogêneo devido aos
vários discursos que o atravessam, embora ele não se conscientize desse fato. O sujeito
é uma estrutura complexa (op. cit.).
Para a Psicanálise, “o discurso não se reduz a um dizer explícito: ele traz em si o
peso de um Outro, que ignoramos ou recusamos, cuja presença permanente emerge sob
a forma da falha” (TEIXEIRA, 2005, p. 150).
Das duas teorias não-lingüísticas mencionadas, pode-se afirmar que todo sujeito
encontra-se atravessado por outros discursos e pelo discurso do Outro (Psicanálise),
sendo que o outro “é uma condição do discurso de um sujeito falante que o é fonte-
primeira do seu discurso” (AUTHIER-REVUZ, 2004, p. 69). O sujeito não tem como
escapar do domínio da heterogeneidade; ele é constituído por ela.
É relevante mencionar que a heterogeneidade mostrada o é um espelho no
discurso da heterogeneidade constitutiva, porém elas não o realidades independentes,
“pois as formas de heterogeneidade mostrada permitem o acesso à representação que o
locutor dá de sua enunciação” (TEIXEIRA, 2005, p, 152). Para Authier-Revuz, as
formas de heterogeneidade mostrada são uma maneira que o sujeito falante encontra
para negociar com a heterogeneidade que o constitui e que ele necessariamente tem de
desconhecer (op. cit.).
55
CAPÍTULO 3
SUJEITO, ESCRITA E PSICANÁLISE.
Após serem apresentados os principais pressupostos teóricos da AD, no capítulo
2, em seguida, os conceitos que foram desenvolvidos na terceira fase da AD serão
abordados. Além disso, serão descritos conceitos psicanalíticos que serão utilizados no
capítulo de análise e que foram considerados relevantes para o estudo da AD. Num
segundo momento, a noção de Escrita de si em Foucault será apresentada, bem como
essa é desenvolvida pela teoria psicanalítica.
3.1 Sujeito do inconsciente.
Neste item, apresentar-se-á a noção de sujeito que a terceira fase da AD estuda e
em seguida, como a Psicanálise lacaniana o desenvolve.
3.1.1 O sujeito da AD3.
Neste subitem, apresentar-se-á a noção de sujeito adotada por Pêcheux na
terceira fase da AD, em que ele a AD atravessada por uma teoria da subjetividade
que é a Psicanálise baseada nas leituras de Freud por Lacan. O autor reconhece que essa
teoria afeta as três regiões que constituem a AD: o materialismo histórico, a lingüística e
a teoria do discurso (TEIXEIRA, 2005).
Pêcheux, nessa terceira fase, remete o sujeito ao trabalho de
transformação/deslocamento da forma-sujeito, porque, ao se relacionar com essa, o
sujeito produz um movimento de desidentificação, ou seja, ele rompe com a FD em que
ele estava inscrito (GRIGOLETTO, 2005). No entanto, Pêcheux (1975) afirma que a
interpelação ideológica continua funcionando, pom, às avessas,
pois os saberes que compreendem uma determinada forma-sujeito não
respondem mais à necessidade de constituição dos interesses, dos objetivos
antagônicos que permeiam o modo de produção/reprodução/transformação
das relações de produção (ZANDWAIS, 2003 apud GRIGOLETTO, 2005,
p. 64).
56
Sendo o sujeito interpelado ideologicamente, ele tem a ilusão de ter o controle
do que diz e, conseqüentemente, do sentido do que diz (GRIGOLETTO, 2005).
No entanto, essa noção de sujeito para Pêcheux recai sobre a idéia de um sujeito
pleno e consciente, e é nesse ponto que ele falha. Pêcheux não levou em consideração a
atuação permanente do inconsciente, mesmo quando o sujeito se desloca de uma FD
para outra, porque ele não apaga totalmente os saberes da FD anterior, da qual ele está
se desidentificando (op. cit.).
Para Lacan, o grande Outro se faz presente no sujeito. Esse grande Outro o se
refere a um semelhante do sujeito; “é um Outro enigtico, obscura autoridade, que se
situa como lugar, detendo as chaves de todas as significações inacessíveis ao sujeito
(TEIXEIRA, 2005, p. 79).
Pêcheux tentou aproximar Lacan de Althusser para articular ideologia e
inconsciente na AD e tentou trazer o sujeito para a dimensão do simbólico, o que
contribuiu somente para reforçar a noção de assujeitamento de Althusser (op. cit.).
Nesse sentido, a convocação à Psicanálise, de acordo com Teixeira (2005, p. 80),
o tem outra razão de ser senão a de reafirmar a idéia de que o sujeito está
irremediavelmente preso à própria teia em que se instituiu. Faz-se um apelo
desconsiderando-se aquilo que é essencial à Psicanálise, ou seja, o fato de
haver aí um desejo em operação.
Pêcheux, nesse sentido, parece não ter se referido à complexidade que se tem a
respeito da inserção do sujeito no simbólico (op. cit.).
Desse modo, para explicar como ocorre a inserção do sujeito na dimensão do
simbólico, passo a expor como acontece o nascimento do sujeito para a Psicanálise.
3.1.2 O Nascimento do sujeito.
O sujeito da Psicanálise o é estático, uno e consciente. Para a Psicanálise, o
sujeito é dividido em consciente e inconsciente; ele o tem pleno conhecimento nem
controle total sobre os seus atos e ditos/não-ditos.
Para uma melhor compreensão, retoma-se o começo de tudo, ou seja, como
chegou-se a esse denominador, se é que se pode dizer isso.
De acordo com a teoria lacaniana, o indivíduo, mesmo antes de seu nascimento,
é pensado, dito e desejado de alguma forma por seus pais ou por um deles, pois, de
alguma maneira, ele(s) se refere(m) a essa criança que um dia irá nascer: seja por
57
substantivos, adjetivos ou mesmo por um nome que um dia, essa criança reconhecerá
como sendo dela.
Ao nascer, a criança é recebida, em seu meio, por seus familiares e em especial,
por sua mãe ou alguém que exerça essa função, a qual a criança, em sua confusão de
sensações, supõe que essa será capaz de suprir todas as suas necessidades, pois, afinal,
ela é um novo ser em sua casa e merece ter todas as suas necessidades satisfeitas. Isso
devido ao fato doo reconhecimento por parte dessa criança de que ela é um indivíduo
diferente dos demais que a cercam e por isso necessita inicialmente do outro. Esse outro
se refere a sua mãe ou alguém que exerça essa fuão. Sendo assim, uma vez que essa
mãe está sempre com a criança para satisfazer suas necessidades (fome, dor, sede etc), a
criança sente-se como uma extensão da mãe, uma parte dessa. Nessa fase, a criança vê-
se despedaçada, fragmentada. Com o desenvolvimento dessa criança, a mãe tende a se
sentir preparada para não estar onipresente quando a criança chora e, a partir daí, a
criança passa a notar que sua mãe, como já não a satisfaz imediatamente em suas
necessidades, não constitui uma parte dela. Assim, a criança deixa de se assujeitar
completamente à mãe, antes único meio para ser satisfeita, para assujeitar-se também à
linguagem, o que Lacan denominou alienação (FINK, 1998). Para Lacan, a alienação é
vista como uma forma pela qual a criança pode “expressar suas necessidades através de
um meio distorcido ou da camisa-de-força da linguagem e como tendo permitido ser
representado por palavras”. (op. cit., p. 72)
No entanto, a criança continua desejando ser o único interesse da e. Ao
perceber que isso não procede, ou seja, que mãe-criaa não forma uma unidade e sim
seres diferentes, a criança se frustra ao perceber que não consegue satisfazer todos os
desejos de sua mãe. Assim acontece o que Lacan chama de separação. A criança, ao
fracassar em ser-tudo para a mãe, sai de cena, sai “da posição de desejar-ser e ao mesmo
tempo fracassar-em-ser o único objeto do desejo do Outro” (op. cit., p. 73).
Caso essas situações não ocorram, uma terceira deverá ocorrer para que a
unidade mãe-criança não seja eterna e isso não traga prejuízos tanto para a criança como
para a mãe. Entra em cena a função paterna ou metáfora paterna que visa à instauração
da ordem simbólica para a criança, o que a leva a ter contato com a realidade social,
barrando a unidade mãe-criança. Lacan denomina essa ação de Nome-do-Pai, que não
necessariamente está associada aos pais biológicos. A função paterna minimiza a busca
pelo prazer e leva a criança a buscar outras fontes, que são mais aceitáveis, para a sua
58
realização. O Nome-do-Pai visa à instalação do princípio de realidade na criança (FINK,
1998).
A partir daí, a criança terá noção de que ela não é completa, de sua constante
falta-ser, e de sua busca incessante pelo desejo do Outro.
“O desejo do homem é o desejo do Outro” ou “O desejo do homem é o
mesmo que o desejo do Outro” ouO homem deseja o que o Outro deseja”,
pois o homem o deseja o que o Outro deseja, mas o deseja da mesma
forma. (FINK, 1998, p. 77)
Ao se perceber incompleta, a criança, agora, sujeito, está sempre à procura de
satisfazer seu desejo, uma vez que o desejo é possível devido à falta que constitui o
sujeito. O sujeito é visto sempre em movimento, sempre um falta-ser, um deseja-ser e
por isso, sempre um vazio a ser preenchido.
Por isso, a Psicanálise vai trabalhar com esse sujeito da falta que está sempre
demandando ao seu analista a completude dele; ele e o analista na posição do saber
dominante, do “sabe-tudo”, principalmente sabe daquilo que o sujeito não sabe sobre ele
mesmo. Por esses motivos, é que a Psicanálise trabalhará com o conceito de
transferência, sendo que sem esse não é possível estabelecer a relação analista-
analisando.
3.2 O conceito de Transferência.
O termo Transferência não pertence somente ao campo da Psicanálise. Ele pode
ser utilizado em vários campos, uma vez que se relaciona ao conceito de deslocamento,
de movimento (ROUDINESCO; PLON, 1998). Ele pode ser usado também em
Psicologia, sendo utilizado com diversas aceitações como: transferência sensorial,
transferência de sentimentos, transfencia de hábitos e aprendizagem (LAPLANCHE;
PONTALIS, 2001).
Não se tratando de um termo de uso exclusivo da Psicanálise, a transferência
está presente em vários tipos de relação: médico e paciente, professor e aluno, pai e
filho, dentre muitas outras.
Como será visto adiante, os sentidos do termo Transferência são muito
divergentes, inclusive no seu uso em Psicanálise, uma vez que a Psicanálise é composta
por diferentes teóricos que concebem a Transferência de modos diferentes.
59
3.2.1 Freud e a Transferência
O primeiro a fazer referência ao termo Transferência em Psicanálise foi
Sigmund Freud. Desde “A Interpretação dos Sonhos”, em que ele fala da Transferência
“no sentido de deslocamento, de utilização, pelo desejo, de formas alheias a ele, das
quais se apodera, se infiltra e dota de uma nova significação” (MILLER, 2002, p. 58).
Nesse sentido, Freud adota um conceito de Transferência muito amplo, no qual a define
como o processo geral das formações do inconsciente (op. cit.). Em seu artigo sobre
histeria, “Estudos sobre a histeria” (1895), Freud refere-se à Transferência no sentido de
resistência, ou seja, “como um obstáculo à análise por parte do paciente para evitar o
acesso ao resíduo da sexualidade infantil” (ZIMERMAN, 2001, p. 412). No entanto,
Freud experimentou a Transferência na ocasião da análise de Dora, em 1905
(ROUDINESCO; PLON, 1998), em que compreende o processo transferencial como “o
desejo que se aferra a um elemento muito particular que é a pessoa do terapeuta”
(MILLER, 2002, p59).
Freud dedicou-se exclusivamente a essa questão em seu texto A dinâmica da
transferência de 1912, em que ele afirma que “a transferência surge como a resistência
mais poderosa ao tratamento, enquanto que, fora dela, deve ser encarada como veículo
de cura e condição de sucesso” (FREUD, 1912, p. 112). Nesse mesmo texto, Freud
revela que existem dois tipos de Transferência: a positiva e a negativa. A Transferência
positiva é a transferência de sentimentos afetuosos para o médico e essa Transferência
pode ser dividida “em transferência de sentimentos amistosos ou afetuosos que são
admissíveis à consciência, e transferência de prolongamentos desses sentimentos no
inconsciente” (op. cit., p. 116). A Transferência negativa é a transferência de
sentimentos hostis a pessoa do médico (op. cit.).
Em seqüência a esse texto, em 1913, Freud escreveu “Sobre o início do
tratamento” que pertence a uma trilogia da qual fazem parte também os textos:
“Recordar, repetir e elaborar”, de 1914, e “Observações sobre o amor transferencial”, de
1915.
De acordo com Zimerman (2001), em 1916 foi publicado “Conferências
Introdutórias” em que Freud distinguiu neuroses de transferência e narcísicas, sendo
que, de acordo com ele, essas últimas não podem ser tratadas psicanaliticamente.
A partir da formulação da segunda pica, Freud ampliou o conceito de
Transferência em que inclui nele não somente a repetição das lembranças e pulsões
60
recalcadas, “mas também a participação das figuras superegóicas e dos mecanismos de
defesa do ego” (ZIMERMAN, 2001, p.412).
Dessa forma, Freud constata que a Transferência surge da resistência, porque
aparece justamente no momento em que conteúdos recalcados poderiam se revelar
(LAPLANCHE; PONTALIS, 2001).
O que vem a ser Transferência na concepção freudiana, então?
Para Freud, Transferência é um processo por meio do qual conteúdos ou desejos
inconscientes do analisando se repetem e se atualizam no âmbito da relão analítica, na
pessoa do analista, o qual é colocado na posição de diversos objetos externos
(ROUDINESCO; PLON, 1998). O tratamento psicanalítico não acontece sem a
problemática da transferência (LAPLANCHE; PONTALIS, 2001).
3.2.2 A Transferência segundo Melanie Klein.
Melanie Klein (1882-1960) é considerada a segunda geração da Psicanálise que
deu origem ao kleinismo, uma das grandes correntes do freudismo. Com a ajuda de
Ernest Jones, ela auxiliou no desenvolvimento da Escola Inglesa de Psicanálise
(ROUDINESCO; PLON, 1998).
Melanie Klein criou, além da análise com crianças, uma nova técnica de
tratamento e análise didática (op. cit.).
A autora desenvolveu idéias acerca da organização do desenvolvimento sexual,
questionou, no VIII Congresso da IPA, em Salzburgo, em sua comunicação sobre a
análise de crianças, os aspectos do Complexo de Édipo e em 1927, durante o X
Congresso Internacional em Innsbruck. discordou de Freud a respeito da datação do
Complexo de Édipo (op. cit.).
Em 1932, M. Klein publicou “A Psicanálise de crianças”, “na qual expunha seus
futuros desenvolvimentos teóricos, sobretudo o conceito de posição [posição esquizo-
paranóide/ posição depressiva], assim como sua concepção ampliada de pulsão de
morte” (op. cit., p. 433).
Assim como M. Klein desenvolveu e ampliou conceitos para a Psicanálise,
também o conceito de Transferência, em sua teoria, passou por modificação em relão
à teoria freudiana. Para ela, segundo Zimerman (2001, p. 413), em seu Vocabulário
Contemporâneo de Psicanálise, o fenômeno transferencial é entendido como “uma
reprodução, na figura do analista, de todos os primitivos objetos e relações objetais
61
internalizadas no psiquismo do paciente acompanhada das respectivas pulsões, fantasias
inconscientes e ansiedades. Na teoria kleiniana, a fantasia não é somente a expressão
das defesas, como também manifestação das pulsões. Para essa autora, o eu se constitui
de maneira mais complexa do que para Freud e num período anterior (ROUDINESCO;
PLON, 1998).
Segundo o Dicionário de Psicanálise (ROUDINESCO; PLON, 1998, p. 768), M.
Klein afirma:
Minha concepção de uma transferência enraizada nas fases [estádios] mais
precoces do desenvolvimento e nas camadas profundas do inconsciente é
muito mais ampla, acarretando uma técnica mediante a qual se deduzem da
totalidade do material apresentado os elementos inconscientes da
transferência.
3.2.3 Amor e Transferência: uma visão de Jacques Lacan.
Jacques Lacan (1901-1981) escreveu seu primeiro artigo sobre Transferência em
1951, ao fazer a releitura do caso Dora, que fora atendido por Freud, no início do século
XX. Esse artigo foi intitulado Intervenção sobre a transferência”, em que Lacan
discutiu a análise que fora feita por Freud nessa paciente, no sentido de inversões
dialéticas. Ele compreendeu a situação de análise como uma relação sujeito a sujeito, ou
seja, em que o próprio sujeito se constitui por um discurso “em que a simples presença
do psicanalista introduz, antes de qualquer intervenção, a dimensão de um diálogo
(LACAN, 1964, p. 215).
Embora Freud tenha reanalisado o caso de sua paciente Dora anos mais tarde,
Lacan afirma que ele se equivocou ao colocar o interesse de Dora no Sr. K., esposo da
Srª K., a qual mantinha um romance com o pai de Dora. Embora essa soubesse desse
romance, sempre o manteve sob segredo. Como suposta recompensa, o pai da paciente a
oferece ao Sr. K, como objeto de troca. Mas, Freud, ao se colocar na posição de Sr. K.
como desejo de Dora, não percebeu que seu real interesse e desejo estava direcionado à
Srª K., o que fez com que Dora abandonasse a análise na sessão seguinte. Freud,
segundo Lacan, não percebera que a Srª K. era o principal interesse de Dora e que essa
última se utilizava do Sr. K. para fazer mediação “para se aproximar do mistério
essencial que ocupa a histérica: que é uma mulher (MILLER, 2002, p. 60). Dessa
62
maneira, o verdadeiro objeto de desejo de Dora era a Srª K, uma vez que Dora se
identificava com o pai em sua posição de impotência (LACAN, 1966).
Segundo Lacan (1966, p. 224), “A transferência não é nada de real no sujeito
senão o aparecimento, num momento de estagnação da dialética analítica, dos modos
permanentes pelos quais ele constitui seus objetos”.
A partir desse artigo, Lacan continuou seus estudos sobre a Transferência em
função principalmente dos três registros: real, simbólico e imaginário. Em seu primeiro
seminário “Os escritos técnicos de Freud”, em 1953, ele afirmou a dimensão simbólica
da transferência. Em seu segundo seminário “O eu na teoria de Freud e na técnica da
psicanálise, Lacan enfatizou a imporncia do Outro na situação de análise, ou seja, a
transferência acontecia entre o eu e o Outro. “O eu do sujeito aprende a se pôr de acordo
com o discurso fundamental do Outro(KAUFMANN, 1996, p. 549), que continuava a
ser concebido como sujeito (ROUDINESCO; PLON, 1998).
Em seu seminário em 1957 (As formações do inconsciente), Lacan diferenciou a
transferência da sugestão e o desejo da demanda (KAUFMANN, 1996). No seminário
“O desejo e sua interpretação”, em 1958, o autor formulou a Transferência com relação
ao desejo, desejo do desejo, que se relaciona ao Outro, principalmente ao desejo do
Outro do analista (op. cit.).
Entre 1960 e 1961, Lacan introduziu, em seu seminário 8 “A transferência”, a
questão do desejo do analista com a intenção de esclarecer a verdade do amor
transferencial. Para isso, ele se apoiou no Banquete de Platão (ROUDINESCO; PLON,
1998).
Assim como é afirmado por Roudinesco e Plon (1998, p.769)
É exatamente nisso que consiste a transferência: ela é feita do mesmo estofo
que o amor comum, mas é um artifício, uma vez que se refere
inconscientemente a um objeto que reflete o outro.
Após esse avanço, Lacan, em seu seminário sobre a identificação (1961-1962),
referiu-se à Transferência como a materialização de engano, o que “consiste em o
analisando instalar o analista no lugar do “sujeito suposto saber”, em que lhe atribui um
saber absoluto (op. cit., p. 769).
Em seu seminário 11 “Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise”, de
1964, Lacan colocou a Transferência como um dos principais conceitos da Psicanálise,
ao lado da pulsão, do inconsciente e da repetição (op. cit.). O artigo “A presença do
63
analista” abrangia a questão da Transferência elaborada por seu autor. Nesse artigo,
Lacan negava que a Transferência fosse representada por afetos, e também negava que
ela pudesse ser caracterizada como positiva e negativa como afirmou Freud em seu
artigo “A dinâmica da transferência” de 1912 (LACAN, 1964).
No entanto, Lacan vai afirmar que a transferência boa e a transfencia má.
Aquela se refere a quando o analista trabalha com a enunciação (quem está por trás do
enunciado), quando ele favorece a associação livre, sendo, dessa forma, possível o
deslocamento do inconsciente. A transferência é considerada como quando o
analista trabalha com o enunciado, o que não possibilita o deslocamento do inconsciente
(op. cit.). Pode-se considerar que “a presença do analista já é ela própria a manifestação
do inconsciente” (op. cit., p. 121), uma vez que o analista representa para o analisando,
o Outro, aquele que representa o lugar da verdade (op. cit.), do inconsciente. Como
afirma Lacan (1964, p. 125):
A interpretação do analista não faz mais do que recobrir o fato de que o
inconsciente se ele é o que eu digo, isto é, o jogo do significante em suas
formações sonho, lapso, chiste ou sintoma procedeu por interpretação.
O Outro, o grande Outro (A) está em toda abertura por mais fugidia que
ela seja, do inconsciente.
Diante disso, pode-se dizer que o analisando tem a falsa sensação de que é esse
Outro, analista, que possui a verdade sobre ele, quando, na verdade, é ele (analisando)
quem tem a verdade sobre ele mesmo. Portanto, o analista é designado como sujeito
suposto saber, uma vez que ele não sabe nada além daquilo que seu paciente lhe diz em
situação de análise; o analista, então, é assujeitado ao saber pelo seu paciente. É um
bom engodo, uma vez que permite a abertura” do inconsciente para o paciente. De
acordo com Lacan (1964, p. 137), “é no espaço do Outro (A) que ele [paciente] se vê”,
pois, ao falar, no lugar desse Outro (A), é que “ele começa a constituir essa mentira
verídica pela qual tem começo aquilo que participa do desejo no nível inconsciente”
(op. cit.).
A Transferência é a responvel pela instituição, pelo analisando, do analista
como sujeito suposto saber, uma vez que, mesmo que ele saiba algumas coisas, ele
“situa-se no saber sem objeto, no vazio, lugar da causa do desejo, lugar de onde ele,
analista, fez o encontro com o desejo do analista” (GOBBATO, 2001, p. 107). Afirma-
se que a análise que Lacan propõe é conduzida pelo Real, ou seja, por aquilo que é da
ordem do impossível, que leva “o analisando ao encontro do saber que não se sabe,
64
lugar vazio, lugar da falta-a-ser” (op. cit.). Assim, o analisando, ao reconhecer esse
lugar do o-saber do analista, o reduz ao lugar do objeto causa do desejo dele (op. cit.).
No entanto, o analista, de acordo com Miller (2002, p. 75), não deve se
identificar com o sujeito suposto saber, pois ele “é um efeito da estrutura da situação
analítica”.
3.2.4 Contratransferência ou desejo do analista?
O primeiro a mencionar o termo contratransferência foi Freud ao fazer
referência à transferência do analista em direção ao analisando. De acordo com Freud, a
contratransferência se refere tanto às reações afetivas conscientes quanto inconscientes
despertadas no analista com relação a cada um de seus pacientes (MAURANO, 2006).
Não foi Freud quem deu valor a esse termo: os s-freudianos também o
valorizaram, embora Freud tenha sido breve em sua explanação com relação a esse
termo, porque ele encontrou nesse termo mais problemas do que soluções. Percebeu
que, quando o analista dá mais ateão aos seus próprios afetos do que aos do
analisando, sua função fica prejudicada, “pois o trabalho analítico não se efetiva como
um processo intersubjetivo, ou seja, entre sujeitos” (op. cit., p. 36).
Ainda, Lacan, em contraposição ao que Freud determinou como
contratransferência, utiliza-se da expressão desejo do analista, uma vez que, se o
analista atua em sua transferência, ele se coloca equivocadamente como sujeito. A
relação entre analista e analisando, segundo Lacan, não é uma relação sujeito a sujeito,
pois, caso isso venha a ocorrer, configura-se a resistência que serve como obstáculo à
análise (MAURANO, 2006). Além disso, o uso desse contra”, de acordo com Lacan,
indica algo de compreensão por parte do analista, porém esse deve permanecer longe da
compreensão (KAUFMANN, 1996). Ao compreender, o analista se coloca no lugar do
saber, mas esse não é o caso, uma vez que cabe a ele “sustentar a experiência da falta, o
que significa partilhá-la com o analisando(MAURANO, 206, p. 46).
Ao analista, cabe a capacidade de intervir no objeto que é a causa do desejo
(objeto a) do analisando que ele escuta e suportar a falta que lhe é constitutiva e que é o
efeito da própria análise do analista (op. cit.). De acordo com Maurano (2006, p. 47):
É a partir da própria experiência do analista com esse curioso objeto a em
sua análise, esse objeto que se afigura como pólo de atração de toda
demanda e de condição absoluta para a existência do desejo, que uma
65
interrogação sobre o desejo pode produzir uma exceção, que é um desejo
que não é desejo do Outro, mas sim desejo do analista.
Dessa maneira, o desejo do analista propicia, ao sujeito (analista), que ele
abandone seus interesses narcísicos e coloque-se no lugar de objeto causa do desejo
para o analisando. Ao fazer isso, o analista possibilita o acesso ao desejo inconsciente
do analisando (op. cit.).
Nesse sentido, afirma-se que, embora muitos desejem ser analistas, poucos o são
realmente. Para ser analista, é necessário que ele se abstenha do lugar de sujeito, de seus
apelos narcísicos e coloque-se no lugar de objeto causa do desejo, o que sustenta sua
função e a transmissão da Psicanálise (op. cit.).
3.3 A escrita de si: Foucault e a Psicanálise.
Nesta parte da dissertação, serão apresentados elementos que constituem a
escrita tanto do ponto de vista foucaultiano como do ponto de vista psicanalítico.
Inicialmente retomar-se-ão os estudos de Michel Foucault acerca da escrita de si.
3.3.1 Foucault e a Escrita de si.
Foucault (2004), em seu texto “A Escrita de si”, remete-se, inicialmente, a Santo
Agostinho quando esse se dirigiu aos seus colegas ascetas no sentido de que eles
deveriam escrever suas ações e movimentos de suas almas com o objetivo de que, ao se
exporem, deixassem de pecar. A escrita deveria ocupar o lugar dos olhares dos
companheiros, pois a escrita viria a desempenhar o papel desses companheiros e
suscitaria o respeito e a vergonha. Em função destes objetivos da escrita, Foucault
(2005, p. 145) levanta duas analogias: a primeira diz respeito ao fato de que o que os
outros são para os ascetas em uma comunidade, o caderno de notas será para o
solitário”, ou seja, o caderno desempenharia o papel de um companheiro. A segunda
analogia se refere a uma prática de confissão que, de acordo com Atanásio, essa escrita
atuaria como uma arma no combate espiritual (op. cit.).
Foucault (2004) encontrou também em Sêneca, Plutarco e Epícteto referências
sobre o papel da escrita, porém num sentido não cristão de renuncia ao prazer. Para
Sêneca, além de ler, era preciso escrever. Já, para Epícteto, a escrita aparece
regularmente associada à “meditação”, ao exercício do pensamento sobre ele mesmo
66
que reativa o que ele sabe” (FOUCAULT, 2004, p.147), ou seja, para ele, o papel da
escrita era visto como um exercício pessoal que envolve o escrever e o exercício para se
auto-adestrar. Com relação ao treinamento, Plutarco se utiliza da função etopoiéitica
que é tida como uma operadora da transformação da verdade em “ethos”. Essa escrita
(etopoiéitica) está presente em duas formas conhecidas: os hupomnêmata e a
correspondência.
A primeira forma de escrita etopoiéitica, os hupomnêmata, nasceu das anotações
dos comerciantes para controle contábil e, posteriormente, constituíram anotações de
coisas lidas, ouvidas ou pensadas que eram destinadas à releitura e à meditação
conseqüentemente (FOUCAULT, 2004). Essa forma de escrita deve tratar “não de
buscar o indizível, não de revelar o oculto, não de dizer o não-dito, mas de captar, pelo
contrário, o dito, reunir o que se pode ouvir ou ler; e isso com uma finalidade que
nada mais é que a constituão de si” (op. cit., p. 149), do autor e, por isso, se constitui
como uma atividade de subjetivação (UYENO, no prelo).
A correspondência se refere à carta que também é um meio de escrita
etopoiéitica, que cumpre o papel de constituição do sujeito. A carta que se envia, age,
por meio da escrita, sobre aquele que a envia e pela leitura e releitura sobre aquele que a
recebe (FOUCAULT, 2004). Porém, ao contrário, dos hupomnêmata “que permitiam a
constituição de si pelo reconhecimento do discurso dos outros, a correspondência torna-
se um procedimento de subjetivação à medida que a escrita de si é praticada, além disso,
ela age em quem a escreve e também em quem a lê” (UYENO, no prelo, p. 6).
3.3.2 O sujeito-autor: processo de subjetivação.
Ao se falar em autoria, logo se remete a Foucault. Ele, ao mencionar a questão
da autoria, leva em consideração o outro que, por sua vez, admite a alteridade e a
heterogeneidade do autor. Nesse sentido, quando se refere ao autor numa concepção
foucaultiana, é propício que se considere “os processos sócio-históricos e, portanto,
ideológicos de engendramento do sujeito, o que implica considerar processos de
subjetivação” (UYENO, 2009, p. 29).
Ainda de acordo com Uyeno (2009), os processos de subjetivão são
constituídos pelos modos de objetivação que engendram os sujeitos e estabelecem as
maneiras pelas quais o indivíduo se constitui como sujeito de sua própria experiência.
67
Nos estudos de Foucault, os processos de subjetivação são abordados em várias
obras, dentre elas “Vigiar e Punir: a história do nascimento da prisão(1975/1984), em
que uma preocupação com relação aos processos sócio-históricos que submetem o
corpo ao confinamento observado; em O Nascimento da Clínica” (1963/1994), o autor
se preocupa com o isolamento do indivíduo doente em espos de controle do Estado e,
conseqüentemente, com a questão da proteção dos sãos. Na obra “A História da
loucura” (1972/1997), o autor estuda a questão da determinação sócio-histórica e
ideológica da classificação do indivíduo como louco. Nessas obras, Foucault postula a
relação entre poder e saber, “no sentido de que o exercício de poder sobre um indivíduo
produz um saber sobre ele” (op. cit., p. 29). Dessa forma, a subjetivação constitui o
processo de objetivação do indivíduo (op. cit.).
Na fase denominada fase genealógica do poder, Foucault amplia seus estudos
com relação à escrita, considerando-a constitutivamente heterogênea, pois contém
outros. O outro na autoria, de acordo com esse mesmo autor, é da ordem do poder que
controla, normatiza os discursos. Por esse motivo, Foucault fala sobre a morte do autor:
o autor nada mais é do que aquele que cita outros autores (op. cit.). Segundo
FOUCAULT (1994, apud. UYENO, 2008),
se o autor morre, dado o seu desvanecimento na própria escrita, porque
constitui nada mais do que mero prinpio autor ou agregador de outros
autores aos quais também condena à morte, quando os lê e os utiliza em seus
textos, ele se ressuscita, ao descobrir aspectos que se escondem a si e
irrompem a escrita.
A morte do autor também se evidencia quando se trata de escrita acadêmica,
pois o texto dos outros é o seu substrato, e sua legitimação se deve a uma dada ordem
do discurso acadêmico (op. cit.)
Mais adiante, em seus estudos sobre a escrita, Foucault “admite a insurgência,
no ato da escrita, de aspectos da escrita que se lhe escondem (op. cit., p. 30).
Na terceira fase dos estudos de Foucault, ele se dedica à subjetividade enquanto
tecnologia do eu, ou seja, ele leva em consideração a questão de como o sujeito se faz a
si mesmo a partir de suas experiências. O outro, na constituição do autor, “tem papel
ativo na experiência de si consigo mesmo” (op. cit.).
De acordo com Uyeno (2009), pode-se dizer que “há, em Foucault, processos
coletivos de subjetivação”, uma vez que só se é possível falar em subjetivação a partir
68
da objetivação do sujeito, “e processos individuais de subjetivação”, pois o indivíduo
encontra formas de se constituir nesse processo.
Sujeito e autor, portanto, se constituem como processos de subjetivação, uma
vez que a subjetivação de ordem histórica e a autoria da ordem do outro podem ser
consideradas um processo contínuo (op. cit.).
3.3.3 A Escrita para a Psicanálise: algo escapa.
A perspectiva que Foucault à escrita encontra fundamento na terceira fase da
análise de discurso, uma vez que reconhece a incapacidade de se analisar o discurso sem
levar em consideração o inconsciente. Ao escrever, tem-se a impressão de que o que é
escrito está sob controle, pom, como foi mencionado no subitem a respeito do sujeito
da Psicanálise, esse é um sujeito que não tem controle sobre o que diz, sobre o sentido
do que é dito por ele, uma vez que ele é cindido em inconsciente. Resumindo: como é
sempre um sujeito que escreve, algo sempre lhe escapa sem que ele possa ter controle
sobre isso.
De acordo com Milner (1987 apud UYENO, 2007a, p. 2), todo discurso
comporta a angua, o real da ngua, já que afirma que “alguma coisa não cessa de não
se escrever aí, e em todas as formas discursivas relacionadas à alingua, esta alguma
coisa exerce uma ação”. Pêcheux e Gadet (2004, p. 52) afirmam que alíngua é
entendida como aquilo pelo qual, com um e mesmo movimento, língua (ou seres
qualificáveis como falantes, o que dá na mesma) e inconsciente”. A angua é mais fácil
para ser observada na fala, porém a escrita, como tem relação com a língua e com a
linguagem, “realiza-se também sob uma falsa transparência em que se deflagram
operões relativas à divisão do sujeito, daí toda escrita comportar a alíngua” (UYENO,
2008, p.1). A alíngua é a articulação lacaniana entre o significante e a letra. O
significante é algo representável, e a letra, como lugar do furo, é irrepresentável
(UYENO, 2007b). Nesse sentido, a escrita, por comportar a língua e o inconsciente
num mesmo movimento, tende a querer significar algo que o sujeito não sabe, uma vez
que ele reside nessa divisão” (UYENO, 2008, p. 1).
Por meio da escrita, o sujeito tem acesso a um saber que ele não sabe, que é
designado pelo inconsciente, lugar onde são guardadas as determinações desse sujeito, e
pela transferência que é tida como o processo pelo qual essas determinações são
reveladas pelas palavras. O inconsciente é “o lugar de um saber que designa o conjunto
69
das determinações que regem a vida do sujeito um saber que escapa ao sujeito no
sentido de que ele o ignora, e a transferência se refere a um saber que não existe sem o
sofrer (UYENO, 2007b, p. 3). O acesso a esse saber que o sujeito não sabe se dá
devido à ocorrência de falhas, lapsos que jamais são produzidos ao acaso (UYENO,
2008).
Por esses motivos, o ato de escrever determina algum tipo de sofrimento no
sujeito, pois a escrita é um processo sublimatório que tem o objetivo de apaziguar a dor
da existência, mas também pode se constituir como o lugar da angústia. A angústia
aparece quando o sujeito deseja muito algo que está prestes a se realizar ou a se efetivar;
dessa forma a angústia cumpre o papel de sustento do desejo, evitando o gozo,
entendido como algo além do princípio do prazer e, como tal, indomesticável”
(UYENO, 2007b, p. 3).
3.3.4 Escrita e Psicanálise.
Desde os primórdios da Psicanálise, exerce-se a escrita, ou melhor, desde o
tempo de Freud.
Mas por que e para que o analista escreve?
São inúmeras as razões pelas quais um analista escreve, uma vez que o ato de
escrever para esse constitui uma atividade inerente ao seu ofício: pode ser por uma
exigência institucional ao fazer o relatório clínico ou pelo momento de supervisão,
ainda para apresentação em um congresso para expor aos seus iguais as descobertas
feitas ou quando são anotadas, para o uso do próprio analista, suas dificuldades e
vidas com relação a algum caso (BARONE, 2009). Além desses motivos, Barone
(2009, p. 139) afirma que o analista pode escrever principalmente, por uma força
propulsora própria ao campo que a relação transferencial instaura”.
Freud prioridade à escrita do analista, porém, ele atenta para o fato de que o
analista deve fazer anotações após o término do tratamento, para que a relação
transferencial não venha a ser atrapalhada pelo interesse científico do analista (op. cit.).
Ferenczi, em seu Diário Clínico, que só foi publicado após a sua morte, revela a
importância da escrita para o analista, pois, ao escrever, ele anota suas dúvidas,
descobertas e dificuldades. Esse Diário contribuiu para o desenvolvimento e construção
de novos arcabouços teóricos (op. cit.).
70
Pontalis (2002) também menciona a relevância da escrita para o analista. Em
uma entrevista para o Jornal de Psicanálise, ele observou o seguinte:
... acho que um analista que jamais tivesse experimentado a necessidade de
escrever, mesmo que para si próprio (se isso tem algum sentido, escrever
para si mesmo...), de transcrever em palavras, numa folha de papel, num
caderno íntimo ou em folhas soltas, alguma coisa, estaria completa e
problematicamente satisfeito. Um analista que pudesse dizer que nas suas
sessões o há resíduos, insuficiências que suscitem a vontade de tentar
resgatá-los sob outra forma, seria um analista, a meu ver, demasiado
contento consigo mesmo (p. 39-40).
Viñar (2005, p. 52), um psicanalista uruguaiano, afirma que a escrita funciona
como uma ancora, como um limite, “como o fio de uma agulha solta ao dar a pontada”.
E continua: “Ela reúne, forma ao informe. É como um momento de calmaria para
depois poder reatar essa vertigem que é sempre estar em atitude de associação livre”
(op. cit.).
Nasio (2001, p. 11), ao mencionar o relato de caso como uma das razões para a
escrita do analista, afirma que a expressão caso para o analista se refere ao “interesse
muito particular que ele dedica a um de seus pacientes”. Afirma ainda que a Medicina,
ao se remeter ao caso, fala do sujeito como representante de uma doença e que, para a
Psicanálise, “o caso exprime a própria singularidade do ser que sofre e da fala que ele
nos dirige” (op. cit.). Ao fazer essa distinção, Nasio (2001) define as três funções de um
caso: a) a função didática que se refere ao relato de caso como algo que transmite a
teoria e se dirige à imaginação e à emoção do leitor, assim o jovem analista aprende a
Psicanálise de maneira ativa e concreta” (op. cit., p. 12); b) a função metafórica em que
um exemplo de um caso consiste em seu sentido inicial, ou seja, “o sentido inicial de
uma idéia torna-se, pouco a pouco, o próprio sentido de seu exemplo” (op. cit., p. 16);
c) a função heurística em que um caso ultrapassa seu papel de ilustração e de metáfora
emblemática e torna um “gerador de conceitos” (op. cit., p. 16).
De acordo com Barone (2006, p. 228):
A escrita do analista então é um momento teorizante da clínica.
A escrita permite o afastamento do jogo transferencial, vivo e turbulento,
com o paciente favorecendo ao analista recobrar a capacidade de pensar.
Também permite a comunicação com seus pares, o confronto de idéias.
E finalmente, a escrita deixa restos para novas investigações.
71
CAPÍTULO 4
CONDIÇÕES DE PRODUÇÃO DO DISCURSO E ANÁLISE DO CORPUS DE
PESQUISA.
Este capítulo apresenta as condições de produção do discurso, ampla e restrita,
de estagiárias-supervisionandas que freqüentaram o estágio extracurricular oferecido,
pela Clínica-Escola de Psicologia, em 2008. Os discursos que serão analisados se
referem aos que foram produzidos pelas estagiárias-supervisionandas em situação de
estágio supervisionado. As análises dos recortes discursivos, doravante RD, se referem
à escrita das estagiárias-supervisionandas nos relatórios de atendimento psicológico.
4.1 Condição de produção do discurso.
Como se apresentou em capítulos precedentes, o pressuposto que sustenta esta
dissertação é o de que todo sujeito e, por conseguinte, seu discurso, é heterogêneo, ou
seja, outros discursos atravessam um único e mesmo discurso que é ainda interpelado,
sem que o sujeito tenha ciência disso ou consiga controlar, pelo inconsciente. Para
compreender melhor como uma situação de discurso ocorre, explicita-se o que se chama
de condição de produção, que diz respeito ao contexto cio-histórico-ideológico em
que ele se inscreve, para significar e fazer sentido.
Esses contextos são de duas amplitudes: o contexto macro, amplo ou mediato e
o contexto micro, restrito ou imediato do discurso.
4.1.1 Condições amplas ou mediatas do discurso.
Constituem o contexto macro, amplo ou mediato que determinam os sentidos
dos discursos dos quais se compôs o corpus de pesquisa desta dissertação a constituição
do discurso da formação da Psicologia como especialidade científica no Brasil; da
constituição do fazer do psilogo e, por conseguinte, da formação do psicólogo no
Brasil.
Dada a sua amplitude, optou-se pela composição dessas condições amplas em
capítulos precedentes, como a leitura da dissertação mostrou.
72
Assim, explicitam-se, neste capítulo, as condições restritas ou imediatas de
produção do discurso produzidas por estagiárias-supervisionandas em Psicologia nos
relatórios de atendimento de pacientes, em situação de estágio supervisionado.
4.1.2. Condição restrita ou imediata de produção dos relatórios de atendimento
psicológicos analisados.
Como se apresentou em capítulos anteriores, o pressuposto que sustenta esta
dissertação é o de que todo sujeito e, por conseguinte, seu discurso, são heterogêneos,
ou seja, outros discursos atravessam um único e mesmo discurso sem que o sujeito
possa ter controle sobre isso. Para compreender melhor como uma situação de discurso
ocorre, recorre-se ao que se chama de condição de produção, ou melhor, em que
contexto sócio-histórico-ideológico ele se inscreve, para significar e fazer sentido.
Os discursos analisados neste trabalho comem-se de recortes discursivos
retirados de relarios de atendimento psicológico, escritos por duas estagiárias-
supervisionandas, no ano de 2008. Elas participaram do projeto “Plantão Psicológico”
que foi oferecido pela Clínica-Escola de Psicologia da Universidade de Taubaté.
Esse projeto teve como objetivo, além de aprimorar os alunos que o realizavam
em suas habilidades em atendimento clínico, colaborar para que a demanda de pacientes
que faziam inscrição para triagem diminuísse, uma vez que esses estagiários-
supervisionandos cumpriam 20 horas por semana de estágio extracurricular.
Inicialmente, foram selecionados onze (11) alunos de 4ª e séries, tanto do período
integral quanto do noturno, do curso de Psicologia da Universidade de Taubaté
(UNITAU), situada no interior do Estado de São Paulo. No entanto, como alguns deles
conseguiram, durante o ano, algum outro meio de conhecimento que também lhes
proporcionava “bolsa” de estudos, o ano terminou com oito (8) alunos-estagiários. Esses
alunos-estagiários também teriam de ter supervisão dos casos que seriam atendidos por
eles, fosse em triagem ou em psicoterapia. Nesse caso, os psilogos (4) que fazem
parte dessa Clínica-Escola, foram escolhidos pela chefia da Clínica para realizarem a
supervisão desses alunos-estagiários. Ficou, assim, a distribuição dos onze alunos-
estagiários: três alunos-estagiários para três psicólogos e dois deles para um psilogo.
Cada psilogo daria um caminho para a realização de sua supervisão com esses alunos-
estagiários.
73
Feita esta apresentação do projeto “Plantão Psicológico”, será abordada, a
seguir, a forma como eu, como uma das psicólogas-supervisoras, pesquisadora e autora
desta dissertação, realizava a supervisão.
No início do projeto, eram três estagiárias-supervisionandas, mas, em maio de
2008, uma delas saiu. Então, em junho, eu contava com a presença de duas estagiárias-
supervisionandas.
Desde o início do projeto, em fevereiro de 2008, essas estagiárias-
supervisionandas realizavam atendimentos em triagem, os quais poderiam ser feitos em
duas, três ou quatro sessões, não necessitando mais do que isso. As estagiárias-
supervisionandas faziam triagem de pacientes em todas as faixas etárias (criança,
adolescente, adulto e idoso), sendo que, quando a triagem era realizada com criança ou
adolescente, eram necessárias três sessões ou raramente quatro. No caso de triagem
realizada com adulto ou idoso, faziam-se duas sessões e, quando se fazia necessário,
três.
É importante ressaltar que o estágio supervisionado em Psicologia Clínica era,
inicialmente, realizado com base no referencial teórico da Psicanálise Kleiniana. No
entanto, a partir de maio/junho de 2008, com o aprofundamento dos meus estudos em
Psicanálise lacaniana, passei a orientar as estagiárias-supervisionandas nesse referencial
teórico. Como mencionado anteriormente no capítulo 1 desta dissertação, diferenças
entre Psicanálise, Psicoterapia Psicanalítica e Psicoterapia. De acordo com Zimerman
(1999), a psicoterapia e análise podem designar a mesma idéia, desde que a primeira
siga o referencial teórico da Psicanálise e tenha como a base de seu trabalho a
Psicanálise. Tanto o psicanalista como o psicoterapeuta psicanalítico trabalham com os
conceitos fundamentais da Psicanálise, dentre eles: inconsciente, transferência,
associação livre e resistências do paciente. Com relação ao termo psicoterapia, podemos
dizer que ele se refere a algo mais amplo que abrange desde um aconselhamento até
uma terapia comportamental, psicodramática entre outras (op. cit.).
As estagiárias-supervisionandas realizaram somente triagens ao longo do
projeto, não sendo possível que alguma delas passasse no estágio pelo atendimento em
psicoterapia, em razão de os alunos dos estágios curriculares estarem conseguindo
suprir a demanda que havia para psicoterapia.
Como o atendimento em psicoterapia não foi possível, para que as estagiárias-
supervisionandas conseguissem aprimorar sua visão e seus preparos clínicos a respeito
74
dos casos atendidos por elas em triagem, eu solicitei-lhes que escrevessem as sessões de
triagem.
Esses relatórios eram realizados as cada atendimento de triagem e eram
utilizados como um dos requisitos de avaliação do estagiário e do estágio. As a
realização dos relatórios, elas os entregavam para que fossem lidos por mim; em
seguida, eram feitas anotações e observações nos relatórios que eram devolvidos para
elas com o objetivo de que os lessem novamente, refletissem a sessão e percebessem
suas dificuldades com relação aos próprios obstáculos: a escrita de um caso e a escrita
de si mesmas, além de responderem às questões levantadas por mim. Após esse
procedimento, os relatórios de atendimento eram entregues novamente para que eu os
lesse, com o intuito de perceber se as observações, anotações e questões feitas por mim
haviam sido revistas pelas estagiárias-supervisionandas; caso contrário, esses relatórios
eram devolvidos até que todos esses procedimentos fossem atendidos.
Se necessitassem dos relatórios para nortear as sessões seguintes com o paciente,
elas os guardavam consigo e, após o encerramento do caso, elas os devolviam para
mim.
Esses relatórios de atendimento foram mais contínuos a partir do mês de junho
de 2008, pois, após vários exemplos de formulário para a realização dos relatórios, o
que se adequou melhor às duas estagiárias-supervisionandas foi o que aparece no
ANEXO 3.
Com o material dos relatórios de atendimento em mãos, a pesquisa foi
delimitada, levando-se em consideração como essas estagiárias-supervisionandas em
Psicologia se apresentavam com relão aos casos em atendimento por elas. Desse
material, foram retirados os RD, os quais, muitas vezes, são considerados curtos, no
entanto, optou-se por trabalhar com esses, uma vez que demonstraram relevância para o
estudo em questão, no sentido de que esses RD podem, ao serem analisados, colaborar
para a formação tanto de alunos quanto de professores na área da Psicologia e da
Psicanálise. É importante ressaltar que os modelos dos relatórios como eram
apresentados para as estagiárias-supervisionandas estão presentes nos anexos 1, 2 e 3
desta dissertação. Embora eles fossem constituídos também pelos relatos dos pacientes
durante as seses, os RD que compuseram o corpus de pesquisa dizem respeito
somente aos discursos das estagiárias-supervisionandas acerca de pacientes que foram
atendidos por elas. A delimitação dos RD aos discursos das estagiárias-
supervisionandas levou em consideração o princípio ético de sigilo do processo de
75
psicoterapia do paciente, além do objetivo deste trabalho não ser o de analisar os relatos
dos pacientes e sim, os das estagiárias-supervisionandas. Pesquisas de relatos de
estagiárias-supervisonandas que escrevem sobre si mesmas com relação ao atendimento
realizado não o de tradição na área tanto da Lingüística como da Psicologia, apesar de
seu potencial para a contribuição da formação de psicólogo.
Desse material, extraiu-se o corpus de pesquisa que será analisado a partir do
referencial teórico da Análise de Discurso de Linha Francesa em sua interface com a
Psicanálise.
4.2 Análise de corpus.
Como mencionado nas condições de produção imediatas do discurso, o
corpus de pesquisa desta dissertação foi constituído a partir de relatórios de estágio
clínico de estagiárias das últimas séries do curso de Psicologia da Universidade de
Taubaté. Esses relatórios, dos quais se constituiu o corpus para efeito de análise desta
pesquisa, relacionam-se à prática clínica que cada uma das estagiárias-supervisionandas
vivenciaram durante o ano de 2008, no Projeto Extracurricular “Plantão Psicológico”,
oferecido pela Clínica-Escola de Psicologia.
Os relatos de sessão em Psicologia Clínica, como já mencionado, fazem parte da
prática tanto de estagiários em Psicologia como de psicólogos (já formados). Têm como
objetivo levar os estagiários e/ou psilogos a refletirem a respeito do conteúdo
trazido/levado para o atendimento pelo paciente, com vista à capacitação do estagiário
ou profissional para sua atuação cada vez mais eficiente pelo menos com relação àquele
paciente.
Este sub-capítulo de análise apresenta a análise do discurso de estagiárias-
supervisionandas em formação em Psicologia. É oportuno que se mencione que a
análise em Análise do Discurso de perspectiva francesa tem início no próprio
estabelecimento do corpus, uma vez que, à diferença de outras perspectivas, não se
cindem rigorosamente os pressupostos teóricos e os dados como instâncias
independentes; é o olhar do analista, diante do dado coletado, que determina a
constituição do corpus de pesquisa que, por sua vez, requer a consulta, o levantamento
das teorias que o corpus demanda.
É oportuno que se explicite que esse mesmo princípio que fundamenta o fazer
analítico da ADF, no sentido de deslocar-se do fazer de outras linhas teóricas, o corpus
76
de pesquisa e o olhar do analista é que determinam as análises. O corpus de pesquisa
desta dissertação demonstrou, depois de inúmeras tentativas de formas de divio das
análises, que os objetivos estabelecidos na introdução seriam mais bem alcançados pela
minimização da divisão em categorias de análise.
Levando-se, assim, em consideração essa demanda do corpus de pesquisa,
analisa-se o discurso produzido na escrita dos relatórios de atendimentos psicológicos
por estagiárias-supervisionandas concluintes do curso de Psicologia.
4.2.1 Escrita de relatórios de atendimento psicológico na prática do estágio
supervisionado: subjetividades e singularidade.
Neste item da análise do corpus de pesquisa, apresenta-se a análise do discurso
produzido na escrita dos relatórios de atendimentos psicológicos por estagiárias-
supervisionandas concluintes do curso de Psicologia.
Como também explicitado nas condições de produção imediatas do discurso,
com vista ao alcance do objetivo estabelecido na introdução desta dissertação, qual seja
a de rastrear na materialidade lingüística do discurso produzido pelas estagiárias-
supervisionandas indícios de que resistiram na escrita dos relatórios de estágio, porque
temiam a ocorrência da transferência, optou-se pela manutenção das análise dos
discursos das estagiárias-supervisionandas em separado. Assim, analisa-se o discurso da
estagiária 1 (doravante E) e, em seguida, o da estagiária 2 (E2).
4.2.1.1 E1 e seu manejo no atendimento psicológico.
Neste subitem de análise, serão apresentadas as análises de recortes discursivos
(doravante RD)
16
que se referem aos relatórios de atendimentos clínicos psicológicos
realizados por E1.
Como anunciado na introdução desta dissertação, o objetivo da pesquisa foi
rastrear, na materialidade lingüística de relarios escritos por estagiárias-
supervisionandas em fase de conclusão do curso de Psicologia, indícios de que temiam
16
Legenda
RD: Recortes Discursivos
E: Estagiária
S: Supervisora
77
a ocorrência da transferência, d terem resistido ao procedimento da escrita dos
relatórios de atendimentos psicológicos.
A seguir, será analisado um recorte retirado de um relatório de atendimento
relativo à primeira sessão de triagem realizada pela E1 com Iara (nome fictício), uma
criança do sexo feminino de 9 anos. É importante que conste que uma sessão de triagem
havia sido feita com a responsável pela criança, uma semana antes:
RD 1:
E1: Foi despertado um sentimento de empatia em relação à
cliente, que está no meio de toda uma confusão na dinâmica
familiar, e foi nítido de que Iara não tem a e presente em
sua vida, só tem uma mãe exigente.
E1 inicia seu discurso, declarando que conseguiu estabelecer um vínculo com a
paciente ao dizer foi despertado um sentimento de empatia em relação à cliente. Ao
escrever que um sentimento de empatia lhe fora despertado com relação à paciente,
pressupõe-se que esse tipo de sentimento estava presente em sua conduta, porém
ainda não havia sido manifestado, como se estivesse adormecido dentro de E1. Com
isso, E1 afirma conseguir se colocar na posição de psicóloga, ao se distanciar do
envolvimento emocional com relação à paciente Iara, tendo sido capaz de perceber uma
possível causa para o sofrimento da paciente, ao enunciar que ela está no meio de toda
uma confusão na dinâmica familiar. Observe-se, ainda, que ela se utiliza de um
vocabulário próprio de psicólogos: não se refere a confusão familiar” ou “confusão na
família” como faria um leigo, mas escreve dimica familiar.
E1 parece procurar se antecipar ao que eu espero dela com relação à capacidade
de se posicionar como psicóloga no que diz respeito à percepção e, para isso, estabelece
um diagnóstico ao enunciar: foi nítido. Ao produzir esse enunciado, E1 tenta estabelecer
um motivo para o sofrimento, ao mencionar que Iara não tem a e presente em sua
vida, tem uma e exigente, o que leva à pressuposição de que E1 julga que uma
mãe deveria ser presente na vida de seu filho para que não lhe ocorra um possível
sofrimento. No entanto, ao enunciar foi nítido, E1 não percebe que esse fato foi
evidente para ela e pode não ter sido para outras pessoas ou para outros profissionais.
Além disso, é possível observar que E1, ao enunciar que Iara tem uma e
exigente, se refere a essa mãe como não presente. Esse enunciado parece se contradizer,
78
uma vez que uma mãe exigente não é, necessariamente, uma mãe ausente; é uma
característica da mãe que Iara tem.
Percebe-se que, uma vez que E1 escreve seu relatório para mim, ela o faz
determinada pelo jogo imaginário, escrevendo seu relatório como se estivesse
respondendo a minha pergunta de acordo com o que acha que eu espero que ela
responda, ou seja, colocando-se na posição de psicóloga. Dessa maneira, E1 imagina
estar inscrita na profissão de psicólogo.
Na seqüência, será analisado o RD 2, retirado do relatório de atendimento de E1
referente à primeira sessão de triagem do paciente Flávio (nome fictício) de 11 anos de
idade, a qual foi realizada com a tia (Ana), responsável pelo menor.
RD 2:
E1: Me senti à vontade para fazer perguntas e intervenções
pois Ana foi receptiva.
É possível perceber nesse RD 2 que E1, ao escrever em seu relatório como se
sentira durante o atendimento da tia do Flávio, revela-se determinada pelo imaginário
discursivo e, como tal, não tem consciência disso. E1 profere no interdiscurso de seu
intradiscurso um dizer que já existe no dizer de estagiários de Psicologia, ou seja, o que
ela acha que eu espero dela enquanto estagiária do 4º ano de Psicologia, portanto já com
alguma experiência em sua prática como psicóloga.
E1 demonstra julgar-se pronta para exercer a profissão de psicóloga, ao se
utilizar de um dizer próprio de psicóloga que se refere à detenção do saber, ao ser
habilitada para analisar o relato do seu paciente: para fazer perguntas e intervenções.
Pode-se considerar a respeito da posição que E1 ocupa, ao realizar os relatórios
de atendimento para mim, que ela escreve os relatórios de atendimento determinada
pelo imaginário discursivo da ocupação do lugar de estagiária ideal em sua relação
comigo, afirmando sentir-se bem e, portanto, apta a ocupar o lugar de psicóloga,
antecipando aquilo que imagina que eu espero dela.
A seguir, apresenta-se o RD 3, relativo à primeira sessão de triagem com Pámela
(nome fictício) com 12 anos de idade. É oportuno ressaltar que anteriormente a essa
sessão, havia acontecido uma sessão de triagem com a mãe de Pámela, por se tratar de
uma paciente menor de idade.
79
RD 3:
E1: Gostei de atendê-la, mesmo o assunto sendo delicado, me
senti à vontade, mas cautelosa no jeito de se comunicar com
ela, pois é uma pré-adolescente.
No RD 3, E1, ao escrever gostei de atendê-la e me senti à vontade, enuncia estar
determinada pelo jogo imaginário de sua ocupação do lugar de estagiária, escrevendo
para mim, enquanto sua supervisora, um relato sobre seus procedimentos como futura
psicóloga.
Observe-se, entretanto, que E1 apresenta a conjunção subordinativa adverbial
concessiva mesmo e a conjunção coordenativa adversativa mas, respectivamente, em
mesmo o assunto sendo delicado, me senti à vontade e mas cautelosa no jeito de se
comunicar com ela, as quais pressupõem duas vozes. Mais precisamente, com relação à
afirmação me senti à vontade, E1 escreve sobre o que se espera de uma estagiária de
Psicologia, antecedida pela oração subordinada adverbial concessiva e sucedida pela
oração coordenativa adversativa apesar de X, Y, mas Z –, revelando não ter muita
certeza com relação ao lugar que ocupa como psicóloga, o que é presumível em situação
de estágio. Detalhando a análise: 1) toma concessivamente, isto é, com reservas, o fato
de o assunto trazido pela paciente ser delicado e dirige sua atenção argumentativa para
ter se sentido à vontade, parecendo pretender fazer jus à ocupação do lugar de
psicóloga, não se deixando intimidar pela dimensão ou gravidade do caso; 2) em cadeia,
enuncia que esse estar à vontade (portanto, apta como psicóloga) é desviado de direção
para assumir a de que deve ser cautelosa (ainda o tão apta para ocupar o lugar de
psicóloga). Volta, entretanto, a ocupar o lugar de psiloga, conferindo a esse desvio, à
cautela, uma justificativa, uma explicação por meio da conjunção coordenativa
explicativa pois.
Ao escrever no jeito de se comunicar com ela, E1 comete um ato falho, ao se
referir a si como uma terceira pessoa, como se tratasse de uma outra pessoa que está no
seu lugar de psiloga, parecendo demonstrar não ter certeza de sua competência para
assumir a posição de profissional. Parece ter dificuldade para se ver e se posicionar
como uma profissional de Psicologia, vendo esse profissional como alguém ainda
distante dela; ela demonstra ainda ocupar o lugar de uma estagiária.
80
Essa contradição produzida por E1 revela-se um enunciado da ordem do
interdiscurso materializado lingüisticamente pelo intradiscurso: pelo interdiscurso
enuncia, ora da ocupação do lugar de estagiária, ora da ocupação do lugar de psicóloga;
pelo intradiscurso, imagina estar sendo clara, sem perceber que encadeia concessivas e
adversativas, dificultando a compreensão de seu enunciado. Tenta contornar essa
contradição pela atribuão de uma explicação para essas sensações, determinada pela
ocupação do lugar de estagiária que escreve os relatórios de seus atendimentos para
mim, como sua supervisora de estágio.
A seguir, será analisado o RD 4, da estagiária E1, que foi retirado do relatório da
terceira sessão de triagem do paciente Bruno (nome fictício) de 10 anos de idade. A
sessão, para efeito de conclusão da triagem, foi realizada com a mãe de Bruno.
RD 4:
E1: Me incomodou a questão dela desanimar assim de lutar
pela sua vida, aceitando e se conformando com a situação.
E1 inicia seu relato declarando que se incomodou com a mãe do paciente, ao
sugerir que essa não atendera às suas expectativas (a questão dela desanimar assim de
lutar pela sua vida), o que permite notar o deslocamento de sua posição de psiloga.
E1, não percebendo que o que a incomoda talvez não incomode a mãe de Bruno, não se
submete ao jogo imaginário, pois não se coloca na posição de psicóloga, e não responde
ao que eu espero dela enquanto tal.
E1 procura se justificar pelo fato de não ter assumido a posição de psicóloga,
encontrando uma possível responsável pela sua imperícia: a mãe de Bruno (a questão
dela desanimar assim de lutar pela sua vida). Ao justificar-se, E1 tenta se isentar de sua
incapacidade, procurando me mostrar e, conseqüentemente à classe desses profissionais,
que ela merece ocupar a posição de psicóloga.
Será analisado, em seguida o RD 5, de E1, que foi retirado do relatório de
atendimento da primeira sessão de triagem de Fabrício (nome fictício) de 5 anos de
idade. A primeira sessão, uma vez que se trata de criança, portanto, menor de idade, foi
feita com a mãe do paciente.
81
RD 5:
E1: Me senti mal, pois ela não ajudava, tudo jogava para o
filho.
Neste RD, E1 escreve, em seu relatório, o ter se sentido bem durante a sessão
realizada com a mãe do paciente, ao relatar me senti mal. Nota-se que E1, mais uma
vez, deixa sua posição de psiloga, o que foi na direção contrária do que era ou poderia
ser esperado por mim ou pela classe de psilogos ou pela sociedade a qual pertence:
não caberia a uma psiloga em finalização de curso, prestes a ser legitimada como tal,
para exercer a profissão, fazer uso de uma expressão que remete não só a uma atitude de
leigo, mas remete a uma incapacidade de conduzir uma sessão de psicoterapia.
Revelando a força do imaginário, E1 escreve deixando à mostra ter procurado
um responsável para sua impropriedade, atribuindo a responsabilidade à mãe do
paciente (ela não ajudava), para justificar o fato de ter se perdido na posição de
psicóloga que ela deveria ter assumido. E1 procura se isentar de sua responsabilidade,
atribuindo-a a mãe do paciente, quando é ela quem deveria, como psiloga,
desenvolver a habilidade de levar aquela mãe a ajudar; constituiria, na verdade, o
trabalho de habilmente levar a paciente a proceder à associão livre. Isentando-se da
responsabilidade, tenta fazer parte do jogo imaginário, ocupando o lugar que eu,
enquanto supervisora de estágio, confiro-lhe; E1, como aluna da penúltima série do
curso de Psicologia, parece supor que deveria responder a esse jogo imaginário.
Observa-se que, nessa passagem do relatório, E1 manteve, durante o
atendimento, uma relação com a paciente, de sujeito empírico, não estabelecendo uma
relação que é esperada numa relação entre psiloga e paciente.
Para além dessa relação relativa à sua formação como psicóloga que se revela
mal sucedida, E1 revela no RD 5 ter estabelecido comigo, pressuposta para a sua escrita
do relatório, uma relação que corresponde à da estabelecida entre analista e analisando
que tem sua especificidade: E1 parece iniciar uma sessão analítica confiando a mim seu
insucesso, aproximando-se de um discurso histérico.
Analise-se o RD 6, de E1, o qual foi retirado do relatório de atendimento da
primeira sessão de triagem da paciente Pámela (nome fictício) de 12 anos de idade. Essa
primeira sessão foi realizada com a mãe de Pámela, por ela se tratar de uma paciente
menor de idade.
82
RD 6:
E1: Fiquei angustiada na situação dessa cliente, no caso a
Pámela, uma criança passar por tudo isso, ainda mais com
uma família toda desestruturada. Fiquei com muita vontade de
ajudá-la nessa fase tão difícil.
No RD 6, E1 inicia seu relatório, escrevendo que ficara angustiada com a
situação pela qual a sua paciente vinha passando, o que demonstra que ela se distancia
da posição de psiloga. Mais precisamente, percebe-se que E1 se envolvera
emocionalmente no caso de Pámela, interpretando o enunciado e não a enunciação,
como o faria um leigo, deixando, assim, de ocupar a posição de psiloga a quem
caberia um distanciamento do relato de pacientes.
Ao dizer ainda mais com uma família toda desestruturada, E1 procura um
responsável pelo problema de sua paciente família toda desestruturada e para o fato
de ela ter ficado angustiada. Percebe-se que essa conduta de E1 facilita sua exposição
do relato para tentar se isentar de sua incapacidade e imperícia de não ter conseguido se
posicionar como psicóloga nesse atendimento, preservando a ocupação do lugar de
futura psicóloga.
Nessa passagem do relatório escrito por E1, ela se desloca da orientação da
formação de psilogos que tem como teoria a Psicanálise e enuncia ter não apenas
sentido pena da paciente como ter se sentido angustiada
17
com a situação dessa. Com
esse dizer, E1o descaracteriza a relação psicóloga-paciente, como descaracteriza a
relação analista-analisando, por ter rompido a hierarquia necessária, caracterizando-a
como uma relação comum entre pessoas, como também toma para si o problema,
invertendo diametralmente a relação terapêutica. Não se limitando à descaracterizão
da relação terapêutica, ao prosseguir o seu relatório, E1 nos permite pensar que julga
que a paciente precisa mais de uma família do que de uma terapeuta. Nesse sentido,
fiquei com muita vontade de ajudá-la nessa fase tão difícil ganha o sentido de um dizer
próprio de um membro da família da paciente.
Esse deslocamento da ocupação do lugar de psicóloga para a ocupação de um
familiar não apenas contraria as recomendações da formação de psicólogos como as
17
O termo angústia, transcrito do relario redigido pela estagiária, é tomado em seu sentido comum e
o segundo a especificidade que lhe confere Lacan.
83
orientações dos manejos da clínica psicanalítica lacaniana adotada por mim, como
supervisora em meus atendimentos clínicos; antes da adoção dessa teoria, conduzi
minha clínica, durante muito tempo, sob orientação kleiniana. E1 relata ter estabelecido
uma relação ordinária, cotidiana, entre duas pessoas, e não entre a psicóloga e a paciente
que corresponde à da relação entre analista e analisando que tem sua especificidade.
Sob o ponto de vista psicanalítico de orientação lacaniana que passei a adotar à
época da supervisão das estagiárias-supervisionandas, para proceder ao bom manejo da
transferência, E1 deveria ocupar o lugar do analista que conduziria, sob procedimentos
técnicos, à associação livre que permitiria à paciente, enquanto analisanda, a produção
de enunciados que favorecessem a afluência de formações do inconsciente tais como
sintomas, lapsos, chistes ou contradições, matéria prima para a condução da cura. Como
analista, deveria, ainda, interpretar a enunciação e não o enunciado, isto é, o que está
por trás do enunciado do analisando.
Retomando-se a análise do RD 6, o que se percebe é que, ao manifestar a
compaixão pela paciente, E1 fala mais de si mesma, sobre os efeitos do relato da
paciente sobre ela do que sobre o relato, o que remeteria ao que Lacan denominou, no
início da formulação do conceito de transferência como contratransferência, termo que
viria a abandonar, decidindo por sua substituição pela expressão amor de transferência
e/ou desejo do analista. Resgatemos o relato de E1 sobre a compaixão por Pámela que,
de tão reiterada, apresenta-se mais como uma remissão a si que se configura como amor
de transferência. E1 inicia seu relatório penalizando-se pela paciente, remetendo-se
mais ao que sentira em relação à paciente do que ao modo como procedera com relação
a ela em situão de atendimento psicológico
18
, tendo escrito Fiquei angustiada na
situação dessa cliente, no caso a Pámela, uma criança passar por tudo isso, ainda mais
com uma família toda desestruturada, e, em momento seguinte, E1 retorna a falar sobre
si, sobre sua vontade: fiquei com muita vontade de ajudá-la.
Por essa atitude de fazer menção mais aos sentimentos que emanam de si, em
detrimento aos de Pámela, E1 parece proceder a uma transferência, isto é, trazendo para
a relação que estabelece com Pámela, um afeto; daí o ter conseguido analisar o caso.
E1, mais do que imperícia em seu processo de desenvolvimento como psiloga, revela
a dimensão de sua subjetivação, no sentido de que não consegue conter o inconsciente
18
Esse atendimento psicológico é baseado na teoria psicanalítica.
84
que não para de não se escrever e revela a escrita como meio que favorece sua
expressão: oscila entre a ocupação do lugar de psicóloga e o de analisanda.
E1 parece demonstrar, ainda, um procedimento do manejo da transferência não
recomendado por Lacan (1969) ao qual ele denomina de maneira de conceber a
transferência. A maneira de conceber a transferência se configura no procedimento
de E1 de assumir o lugar de pai ou de mãe demandado por Pámela de pai ou mãe,
demanda de afeto a princípio parental que é transferido para o analista como previa
Freud, ao dizer Fiquei com muita vontade de ajudá-la nessa fase tão difícil, logo depois
de ter escrito ainda mais com uma família toda desestruturada.
Esse procedimento de E1 evoca o manejo criticado por Ferenczi e também por
Lacan (1969) de que o insucesso de Freud em relação à Dora, do caso paradigmático na
elucidação do conceito de transferência, estava no fato de ele ter se esquivado do lugar
do afeto transferido por Dora e assumiu o lugar do senhor K. Segundo Lacan (1964),
que ratifica a crítica de Ferenczi, no sentido de que Freud interpreta o enunciado e não a
enunciação, e, por isso, acaba por ocupar o lugar do senhor K. Com isso, Freud a
direciona para ele, o que causa a interrupção da análise pelo abandono da mesma por
Dora. Para esses analistas, Freud deveria ter assumido o lugar da senhora K. e, por meio
de um bom engodo, promovido o manejo de forma que ela abrisse o inconsciente e
fornecesse subsídios para o encaminhamento da “cura”, cujas aspas se devem ao fato de
que, para Lacan, ao que uma análise visa é levar o sujeito a sustentar a sua falta, a sua
incompletude.
Embora, em alguma medida, E1 assuma o lugar de transferência dirigida a ela
por Pámela, ela o faz literalmente e, em lugar de proceder, sob o referido falso engodo,
ao manejo para que a analisanda abrisse o inconsciente, ela se angustia por não poder
ocupar esse lugar. Percebe-se, assim, a ocorrência da transferência, em que E1, ao se
colocar no lugar demandado pela paciente, tenta lhe proporcionar a existência de uma
família estruturada.
Sob o ponto de vista psicanalítico, embora se reconheça que a transferência
ocorre entre pessoas comuns, ela te efeitos se conduzida sob manejos técnicos pelo
psicanalista. Sob o ponto de vista do manejo técnico da transferência, o analista não
deve estabelecer a relação com o analisando enquanto sujeito empírico, enquanto
sujeitos reais, nem assumir o lugar daquele que o analisando lhe atribui por
transferência, mas como analista e analisando, para o encaminhamento da cura. Em
termos de manejo, trata-se, na verdade, de um engodo pelo qual o analista finge ocupar
85
o lugar que o analisando lhe atribui por transferência, para favorecer a associação livre
que, por sua vez, poderá permitir a afluência de formações do inconsciente.
É possível perceber que o relato de sessão dessa estagiária-supervisionanda
contém indícios de que ela ainda se encontra influenciada pela supervisão orientada pela
linha teórica kleiniana, em que E1, como psicóloga, que se revela, coloca-se como
sujeito do saber; como sujeito saber a verdade; como se ela tivesse sempre razão sobre a
conduta da paciente, no sentido de que sabe o que causa sofrimento a mela; como se
ela detivesse a solução para o sofrimento de sua paciente ao relatar: no caso a Pámela,
uma criança passar por tudo isso, ainda mais com uma família toda desestruturada.
Essa posição de sujeito de tudo saber ainda se materializa em Fiquei com muita vontade
de ajudá-la nessa fase tão difícil, em que E1 apresenta, também, o estabelecimento de
uma relação interpessoal, entre pessoas reais, com Pámela, em lugar de apresentar uma
relação de psiloga-paciente. Para que fosse possível o manejo da boa maneira de se
conceber a transferência, para que a associação livre tivesse livre curso, o analista teria
de ocupar o lugar do sujeito suposto saber e não o lugar de quem sabe, como é feito pela
E1.
A seguir, é analisado um RD, referente à segunda sessão de triagem que fora
realizada com o paciente Fabrício de 5 anos. É importante ressaltar que havia sido
realizada uma sessão de triagem com a mãe, responsável pela criança.
RD 7:
E1: Senti raiva dae e pena dele, imaginando como deve ser
difícil para ele ter essa dinâmica familiar. Imagine como ele
deve estar perdido em toda essa situação familiar de
confusão.
Nessa passagem do relatório de E1, nota-se que a estagiária-supervisionanda
deixa sua posição como psiloga, principalmente quando ela escreve: senti raiva da
mãe e pena dele (se referindo à criaa). Além desse deslocamento, E1 coloca-se no
lugar de Fabrício ao sugerir que ficou imaginando como seria a dinâmica familiar dessa
criança: Imagine como ele deve estar perdido em toda essa situação familiar de
confusão.
86
Manifestando-se irada em relação à mãe do paciente e penalizada por ele, o que
constituem reações inapropriadas para uma psiloga, E1 denuncia configurar a relação
entre sujeitos comuns, uma vez que ela se relacionou com a criança como sujeito
empírico, de pessoa para pessoa.
De acordo com Lacan (1964), é a transferência que vai permitir ao analisando o
acesso a um saber que ele não sabe e que, sob um bom manejo pelo analista, pode
favorecer algum acesso a esse saber que se encontra no inconsciente pelo analisando.
Como é possível observar nessa passagem do relatório, E1, ao se colocar no lugar do
paciente, não permite que ele tenha acesso aos conteúdos de seu inconsciente, que
podem ser percebidos se tivesse havido um bom manejo da transferência, que permitiria
a manifestação de atos falhos, contradições em sua fala e sonhos que são produzidos
como sintomas que foram recalcados.
Analise-se o RD 8, de E1. O recorte foi retirado do relatório de atendimento que
E1 escreveu referente à primeira sessão de triagem com Daniela (nome fictício) de 53
anos de idade.
RD 8:
E1: Frente a ela me senti angustiada e conforme ela relatava
eu ia montando em meus pensamentos toda a hisria, pois me
envolvi emocionalmente na sua angustia, pois imagina como
está a vida dessa mulher, ainda mais por sentir-se culpada (...)
Se as análises dos RD precedentes nos permitiram observar a sobreposição de
sua dimensão subjetiva sobre a imaginária, em sentido adotado pela ADF, pela qual
deixa a posição de psicóloga e passa a ocupar a de uma analisanda e, por conseguinte,
permitiram se pensar na ocorrência de transfencia de E1 na atividade de proceder à
escrita dos relatórios, neste RD 8, essa dimensão de analisanda se explicita.
E1 escreveu, nesta passagem de seu relatório, que se sentira angustiada ao
imaginar, quando escrevia, como estaria a vida de Daniela naquele momento. Revela,
desse modo, distanciar-se da posição imaginária de psiloga, ao dizer que se envolvera
emocionalmente com a queixa da paciente - me envolvi emocionalmente. Ao relatar seu
envolvimento, sugere ter assumido para si o sofrimento de Daniela.
87
E1 se justifica duas vezes ao utilizar a conjunção pois no mesmo discurso: o
primeiro pois é pelo fato de ter se sentido angustiada: conforme ela relatava eu ia
montando em meus pensamentos toda a história e o segundo, parece referir-se ao fato
de E1 ter se envolvido emocionalmente no caso da paciente, pois imagina como es a
vida dessa mulher. Com isso, me oferece os motivos pelos quais teve de sair de sua
posição de psicóloga.
Ao mencionar ter se sentido angustiada, E1 procura assumir sua
responsabilidade pelo fato de ter se envolvido emocionalmente com Daniela e por sua
imprudência e incapacidade por não ter assumido a posição que a sociedade, a classe de
psicólogos e eu esperávamos que ela tivesse frente a um atendimento qualquer.
Percebe-se que E1, assim como demonstrado no RD 6, desloca-se, novamente,
da posição de psiloga ao mencionar que, durante o atendimento, sentiu-se tensa,
angustiada, o que a levou a se envolver emocionalmente na sua (da paciente Daniela)
angústia.
Ao se deslocar da posição de psiloga durante a sessão de triagem, que é
baseada no referencial teórico da Psicanálise, E1 desconsidera as recomendações de sua
formação, uma vez que se relacionou com a paciente de pessoa para pessoa e não de
psicóloga para paciente, ferindo radicalmente princípios psicanalíticos lacaniano porque
não usou a boa maneira de conduzir a transferência. E1, dessa maneira, não permitiu
que a paciente abrisse seu inconsciente por meio da associação livre. Lacan não
recomenda que o analista assuma o lugar demandado, pela transferência do afeto, pelo
paciente. Se esse procedimento tivesse sido o procedimento assumido por E1, teria sido
possível o manejo da transferência que constitui o pivô da situação de análise, uma vez
que permite a associação livre e, por meio dessa, um acesso ao inconsciente.
De acordo com Lacan, o analista deve apenas representar aquele que detém o
saber sobre o paciente, no entanto isso é um engodo, uma vez que ele (analista) trabalha
apenas com o conteúdo trazido por esse. No entanto, E1 demonstra que aceitou a
demanda da paciente e se angustia por não ter conseguido ser “tudo” para essa.
E1 se esquiva da idéia que se faz do profissional “psi”, sob orientação lacaniana,
ao querer ou desejar ser completa para a sua paciente e, assim, tentar se colocar como
sujeito saber a verdade a respeito do paciente (GILLIO; LEITE; UYENO et al., 2009).
Percebe-se essa atitude de E1 também ao escrever: frente a ela me senti tensa,
angustiada e conforme ela relatava eu ia montando em meus pensamentos toda a
história. Com essa atitude de E1, percebe-se a ocorrência da transferência de afeto de
88
E1 em direção à paciente, o que causa, mais uma vez, a perda por parte de E1 de seu
lugar de psiloga que segue o referencial teórico da Psicanálise.
Além disso, é possível observar que E1 se envolve no romance familiar ao
escrever e conforme ela relatava eu ia montando em meus pensamentos toda a história,
tão criticado por Lacan. Considere-se, ainda, que o analista não deve interpretar o
enunciado, mas a enunciação, o simbólico que está por trás da repetição.
Não se trata mais, assim, apenas de imperícia própria de psilogas em
formação, mas da transferência de E1 em relação a mim, como supervisora, quando da
sua tarefa de escrever o relatório que solicitei. Parece que se pode dizer que as
estagiárias-supervisionandas resistem à tarefa de terem de escrever por temerem a
transferência, isto é, por temerem a afluência do seu próprio afeto e dirigi-lo a mim,
assumindo, nessa circunstância, a posição de analisanda.
O RD 9 será analisado em seguida. Esse RD se refere à segunda sessão de
triagem que fora realizada com Osvaldo, uma criança de 9 anos. Havia sido realizada
uma primeira sessão de triagem com a mãe de Osvaldo.
RD 9:
E1: Fiquei imaginando como essa criança deve estar em
conflito, que toda essa confusão dos pais tem afetado muito sua
vida, principalmente na escola, me deu uma raiva em pensar
nessa mãe e nesse pai que não deu suporte emocional para o
filho.
E1, nessa passagem de seu relatório de atendimento psicológico, se perde ao
tentar assumir a posição de psiloga ao escrever: fiquei imaginando como essa criança
deve estar em conflito, ou seja, E1, ao imaginar como seu paciente se encontra, se
coloca no lugar desse paciente, revelando misturar a sua ppria história com a história
do paciente.
Além disso, E1 escreve sobre um sentimento que a invadiu durante o
atendimento e o qual também possibilitou que ela perdesse sua posição de psicóloga: me
deu uma raiva em pensar nessa mãe e nesse pai. Nesse sentido, E1 leva-nos a crer que
todo pai e mãe deveria dar um bom desenvolvimento emocional para o seu filho,
89
situação que parece não ocorrer nessa família: nessa e e nesse pai que o deu
suporte emocional para o filho.
Durante toda essa passagem de seu relario, E1 se confunde com o problema do
paciente, o que, por processo de identificação durante o atendimento com ele, a leva à
situação da ocorrência da transferência de amor. Para Lacan, o que deve acontecer numa
sessão de análise é a transferência em que o analista interpreta o enunciado baseado na
pulsação do inconsciente (op. cit.).
Parecendo encontrar-se ela própria em processo de identificação que se faz
incessantemente, a partir da primeira estruturante e especular, E1 se envolve no
romance familiar do paciente ao procurar interpretar o sujeito do enunciado em vez de
interpretar o sujeito da enunciação. Sob o ponto de vista lacaniano, esse procedimento
resulta em imperícia, uma vez que, nesse caso, não há presença do analista (op. cit.). De
acordo com a Psicanálise, E1 deveria ocupar o lugar de analista, o que, sob manejos
técnicos da associação livre, permite ao paciente a produção de enunciados que
favorecem a afluência de formações do inconsciente. Esse aparece sob as formas de atos
falhos, chistes, contradições e sonhos que são tidos como os materiais essenciais para o
trabalho de cura na Psicanálise.
Como é possível perceber, nesse RD, não se tem a renovação daquilo que o
paciente o sabe, ele fica somente com o conhecido por ele, colocando, dessa forma,
o psicólogo/suposto analista no lugar do saber.
O RD que será analisado a seguir se refere à primeira sessão de triagem
realizada com a mãe de Bruno, uma criança de 10 anos.
RD 10:
E1: Não tive dificuldade de atender o caso, fiquei pensando na
dinâmica familiar e imaginando como ela consegue ser traída
continuar com o marido na mesma casa durante 2 anos e
viverem como um desconhecido sem dormirem na mesma cama
e sem terem um diálogo; como ela suporta isso? Eu não
suportaria.
Neste RD, que se constitui como uma passagem do relatório de atendimento
realizado por E1, percebe-se que ela se envolve no romance familiar trazido pela
90
paciente em sessão: fiquei pensando na dinâmica familiar e imaginando como ela
consegue ser traída continuar com o marido na mesma casa durante 2 anos e viverem
como um desconhecido sem dormirem na mesma cama e sem terem um diálogo; como
ela suporta isso? Eu não suportaria. Esse envolvimento é muito criticado por Lacan,
por significar que o analista estaria interpretando o enunciado, quando deveria
interpretar a enunciação e, por esse procedimento, não se configura a presença do
analista. Ainda que não se pretendesse a formação de E1 como analista, uma vez que
essa tem sua especificidade, os procedimentos técnicos dessa teoria deveriam ser
adotados por E1 em seus atendimentos psicológicos, pois eu, como supervisora, seguia
esse referencial teórico em horário de supervisão com ela.
Nota-se que E1, inicialmente, escreve que não teve dificuldade de atender o
caso, mas, logo depois da vírgula (,), ela se contradiz, uma vez que, como seria possível
ela não ter dificuldade em atender essa paciente, se ela acabou se colocando como
parceira dessa na situação vivida por ela (paciente)? É interessante notar que ela faz a
pergunta: como ela suporta isso?, e ela mesma responde: Eu não suportaria.
Assim, como no RD 9 anteriormente analisado, E1 parece entrar em processo de
identificação diante da exposição do problema da paciente, coloca-se no lugar dela e se
perde de sua posição de psiloga e não responde o que supõe que eu, enquanto sua
supervisora de estágio, espero dela enquanto estagiária-supervisionanda do penúltimo
ano de Psicologia.
Ao deslocar-se de seu lugar de psiloga, E1 se coloca na relação com a
paciente numa relação de sujeitos reais, de pessoa para pessoa, o que não caracteriza a
relação psicóloga-paciente nem tampouco de analista-analisando ainda que essas
relações tenham as suas especificidades. Essa relação se constituiria pela interpretação
sob transferência, que permitiria que o analisando se apropriasse “gradualmente de seu
saber inconsciente que insurge por meio de lapsos, sintomas e deslizes “sem sentido” na
fala(GILLIO; LEITE; UYENO, 2009, p. 2).
E1, ao se colocar no lugar da paciente, impede que ocorra a associação livre da
paciente em situação de atendimento psicológico de orientação psicanalítica lacaniana,
o que poderia lhe direcionar as afluências do inconsciente, que apareceriam caso a
transferência tivesse sido bem manejada.
De acordo com as análises dos RD retirados dos relatórios de E1, é possível
concluir que ela não conseguiu se adequar à posição de psiloga, não apenas por
imperícia própria de psilogo em formação, mas por não conseguir conter o próprio
91
processo de subjetivação que se revelou ao longo da análise na atividade da escrita do
relatório. Percebe-se que ela não permitiu aos seus pacientes que eles, por meio do não
envolvimento pessoal dela com o caso e, sim, por meio de um bom manejo da
transferência, sob o ponto de vista do referencial psicanalítico lacaniano, conseguissem
abrir seu inconsciente em sessão de atendimento. E1 se perde de sua posição de
psicóloga, submetendo-se à demanda que o paciente dirige a ela. Ao se envolver
emocionalmente, no sofrimento dos seus pacientes, ela parece entrar em processo de
identificação durante alguns atendimentos e não permite a ocorrência da transferência
desses em sessão de atendimento psicológico com base no referencial teórico
psicanalítico.
É importante se reiterar que, embora se tratasse de curso para formação de
psicólogos, o estágio que E1 realizou, em 2008, sob a minha supervisão, era baseado na
Psicologia com referencial psicanalítico e, por essa razão, alguns procedimentos
técnicos dessa teoria eram esperados.
4.3.1.2 E2: transferência na supervisão.
Tendo analisado os RD relativos aos relatórios de atendimento de E1, neste
item, analisam-se os RD referentes aos relatórios de atendimentos realizados por E2.
Analise-se o RD 11, de E2, que foi retirado do relatório de atendimento relativo
à primeira sessão de triagem realizada com a avó do paciente Tiago (nome fictício), de 8
anos de idade:
RD 11:
E2: Me senti muito à vontade e tranqüila, com segurança para
dizer o que eu tinha percebido no caso.
É possível perceber que, nesse RD, E2 consegue colocar-se na posição de
psicóloga quando escreveu como se sentira durante o atendimento da avó de Tiago que
viria a ser o paciente atendido por ela: me senti muito à vontade e tranqüila, com
segurança. É oportuno que se informe que, em casos de triagem de crianças menores de
12 anos, o primeiro encontro é realizado com um dos pais ou um responsável por ela, o
qual deverá autorizar o acompanhamento psicogico para que o menor prossiga o
92
tratamento. E2 demonstra estar determinada pelo imaginário discursivo, ou seja, do que
seja psicólogo e, como tal, sem ter controle sobre isso; em outras palavras, ela profere
um interdiscurso, repetindo um já-dito, um dizer de estagiárias que escrevem no
relatório o que elas acham que eu espero delas enquanto estagiárias do último ano de
Psicologia. Escrevendo sobre o que eu espero, como supervisora, de uma psicóloga em
fase de conclusão do curso de formação de psicólogos, E2 afirma: Me senti muito à
vontade e tranqüila, com segurança para dizer o que eu tinha percebido no caso.
Sentir-se à vontade e tranqüila corresponde a julgar-se apropriada, adequada para
exercer essa profissão, e sentir-se com segurança corresponde a julgar-se preparada para
diagnosticar e para conduzir um tratamento clínico. Perceba-se, na reiteração
seqüenciada de características exigidas para uma psicóloga, essas qualidades
maximizadas pelo uso do advérbio de intensidade “muito”: muito à vontade e tranqüila,
com segurança. Indiciando ocupar o lugar de psicóloga, usa da primeira pessoa, além de
emitir um dizer próprio de psicóloga de deter o saber de analisar o relato do paciente:
para dizer o que eu tinha percebido.
A seguir, apresenta-se o RD 12, da E2, relativo à segunda seso de triagem com
a paciente Glória (nome fictício) de 20 anos.
RD 12:
E2: Percebi que Glória estava um pouco melhor do que na
outra sessão. Notei que ela ficou à vontade para contar um
pouco sobre a família. Também me senti à vontade para
perguntar o que precisava.
Demonstrando ter escrito o relatório relativo ao atendimento de Glória
determinada pelo imaginário discursivo, E2 profere um dizer próprio de psicóloga pelo
qual emite sua avaliação no sentido de ter percebido um avanço na interação psicóloga-
paciente pela melhora dos procedimentos da paciente: Glória estava um pouco melhor
do que na outra sessão. Esse enunciado produz ainda o sentido de que E2 consegue
fazer um diagnóstico diferencial no sentido de que acompanha a evolução pela
comparação dos procedimentos da paciente de uma sessão para outra, o que se espera de
uma psicóloga proficiente; esse outro sentido ratifica a ocupação do lugar de psicóloga
que E2 imagina que eu espero dela.
93
Note-se, entretanto, que E2 anula todo mérito que se lhe atribuíra pela evolução
do tratamento e o transfere para Glória ao escrever: Notei que ela ficou à vontade para
contar um pouco sobre a família.
Embora seja inegável que E2 possa ter contribuído para que Glória tenha ficado
à vontade e aderido ao contrato passando a contar um pouco sobre a família, sem o qual
não ocorreria o tratamento, ela atribui primeiro, à Glória, o mérito de se ter aberto para
o prosseguimento do tratamento. então escreve: Também me senti à vontade para
perguntar o que precisava. O sentir-se à vontade cujo efeito de sentido na formação
discursiva de psiloga é de ser apropriado, adequado para exercer essa profissão, não
fica em proeminência, em decorrência dos procedimentos da paciente Glória.
Percebe-se, assim, que E2 procurou elementos fornecidos por Glória na sessão
de triagem anterior, para, então, se colocar na posição de psicóloga e, depois, enunciar.
Mais precisamente, E2, ao enunciar Também me senti à vontade, utiliza-se do advérbio
também que indica comparação e expressa condão de equivalência ou de similitude; o
que produz o sentido de que Glória a antecedera nesse procedimento de ter ficado à
vontade. E2. Assim, esse RD nos permite afirmar que E2 se sentiu à vontade de dirigir
perguntas a Glória, a partir de uma iniciativa da paciente e não dela enquanto psicóloga
em formação.
Nota-se, dessa forma, que E2, determinada pelo imaginário discursivo, pela
ocupação do lugar de estagiária, escreveu no relatório que se sentira à vontade com a
paciente, quando, na verdade, fora a paciente quem a levou a ocupar o lugar de
psicóloga.
Para além dessa dimensão imaginária, E2, ao escrever o relatório para mim,
enquanto supervisora de estágio, demonstra que estabeleceu uma relação própria de
supervisão comigo, uma vez que me mostrou seus sentimentos com relão à ocupação
do lugar de psicóloga e como esses foram despertados, ou seja, que fora a paciente
quem se sentira à vontade para deixá-la à vontade em sua posição de psiloga. É
possível dizer que E2 fez da situação de supervisão uma situação de alise, em que,
além de proceder como profissional, também ocupou o lugar de analisanda, expondo
suas sensações, sentimentos e dificuldades.
Analise-se, em seguida, o RD 13, de E2, que foi recortado do relatório de
atendimento relativo à primeira sessão de triagem da paciente Glória (nome fictício) de
20 anos de idade.
94
RD 13:
E2: Me senti um pouco presa, pois a cliente falava muito e eu
fiquei “sem jeito de cortar o assunto, pois senti uma
necessidade, por parte dela, de desabafar sobre as coisas que a
incomodam.
No decorrer do RD 13, que constitui uma passagem do relatório de atendimento
realizado por E2, esta inicia seu discurso escrevendo que se sentira um pouco presa
durante a sessão de triagem, o que demonstra deslocamento da sua posição de
psicóloga, revelando que não enuncia determinada pelo imaginário discursivo.
Certamente, ainda tocada pelo imaginário discursivo, atenua a condição de
improficiência pela expressão um pouco, como se pode observar. E2, ao tentar preservar
seu lugar de psicóloga proficiente, justifica-se pelo fato de não ter se sentido à vontade
como imagina que eu esperaria dela, como aluna do último ano de formação, atribuindo
a responsabilidade à paciente, ao afirmar pois a cliente falava muito. Logo em seguida,
porém revela que foi ela quem ficou sem jeito de cortar o assunto, assumindo sua
dificuldade em se adequar à posição de psicólogo e conduzir a sessão. Mesmo
demonstrando sua incapacidade para assumir a posição de psicóloga, E2 faz uso por
duas vezes da conjunção subordinada adverbial causal pois. Na primeira, ela justifica o
fato pelo qual se sentiu um pouco presa; já, no segundo uso da conjunção, E2 justifica o
motivo pelo qual ficou “sem jeito” de cortar o assunto. Percebe-se o quanto ela se
justifica para mim, supervisora, pelo fato de ter se perdido de sua posição de psiloga,
uma vez que E2 escreve esse relatório para mim e parece temer que essa não seja a
posição que ela deveria ter ocupado ao atender um paciente.
Ao empregar o verbo desabafar, E2 demonstra, mais uma vez, que se perdeu
com relação ao seu lugar de psicóloga, uma vez que esse verbo não faz parte da
formação discursiva de psilogos, isto é, o é comumente aceito nessa profissão, por
ser próprio do senso comum e não da ciência. Para demonstrar como ela se sentiu
durante o atendimento, E2 utiliza-se do discurso leigo.
O que se percebe nesse RD é que E2 se contradiz em relação ao que afirmou a
respeito da mesma paciente Glória, no RD 12, que foi retirado do relatório da segunda
sessão de atendimento. Em outras palavras, E2, no RD 12, demonstrou ter tido o
domínio da condução da sessão, quando afirmou que a paciente lhe parecera um pouco
95
melhor em relação à sessão anterior. Porém, o que se pode notar no RD 13, em análise,
é que E2 revela o ocupar o lugar de psicóloga e também ter se mantido na posição de
uma pessoa comum.
O mais paradoxal é que essa atitude de leigo diante de Glória no RD13, em
análise, favorece a associação livre ao ceder à, em certa medida, sua histeria, o que
favoreceria a afluência de elementos que permitiriam a E2 conduzir a uma evolução
bem sucedida do tratamento de Glória.
Abaixo é analisado um RD, referente à segunda sessão de triagem da paciente
Viviane, de 53 anos:
RD 14:
E2: Percebi que Viviane se sente muito sozinha, abandonada e
carente. Fiquei cansada e nervosa com o caso, pois a cliente
tem dificuldade de enxergar as coisas que estão na cara dela.
Neste RD 14, nota-se que E2 inicia seu discurso escrevendo sobre a paciente o
que percebeu do seu relato: Percebi que Viviane se sente muito sozinha, abandonada e
carente. Na seqüência, escreve sobre o modo como se sentiu durante o atendimento com
essa paciente: Fiquei cansada e nervosa com o caso. Ao escrever sobre seu sentimento
ao atender essa paciente, logo em seguida, E2 procura um responvel para ela ter se
sentido cansada e nervosa, aparentemente para preservar seu lugar de psicóloga em
submissão ao imaginário discursivo. E2 responsabiliza a própria paciente por esse fato:
pois a cliente tem dificuldade de enxergar as coisas que eso na cara dela. Percebe-se
que E2 ausenta-se de sua posição de psicóloga ao se envolver com o sofrimento da
paciente e desejar que essa tivesse a mesma visão de seus problemas que a psicóloga
teve com relação a esses.
Ao escrever que se sentiu cansada e nervosa, entretanto, E2 parece demonstrar
que se envolvera emocionalmente no romance familiar dessa paciente, não conseguindo
mais assumir sua posição de psicóloga. Esta frase Fiquei cansada e nervosa com o caso,
pois a cliente tem dificuldade de enxergar as coisas que estão na cara dela, permite-nos
perceber um posicionamento que E2 assumiu, a posição de tudo saber, desejando suprir
a falta da paciente, revelando traços da perspectiva kleiniana (o que me levou a pensar
se esse procedimento não teria, incontrolavelmente, afluído em minhas supervisões,
96
apesar de minha convicção de ter passado a adotar a perspectiva lacaniana). Com
relação a essa atitude de E2, pode-se afirmar que, sob o ponto de vista psicanalítico
lacaniano, ela fere as recomendações feitas por essa teoria, pois se relacionou com a
paciente de pessoa para pessoa e não de analista para analisando. Ao se relacionar de
pessoa para pessoa com Viviane, E2 não permitiu que essa abrisse seu inconsciente por
meio da associação livre. Se tivesse havido essa permiso por parte de E2 com relação
à paciente, essa poderia ter se apropriado de um saber a respeito de si que, sendo-lhe
inconsciente, ela o sabe. Esse saber sobre si poderia ser parcialmente permitido sob
um bom manejo da transferência, uma vez que, o inconsciente se estrutura como uma
linguagem, como afirma Lacan, e se manifesta por meio de lapsos, sonhos, deslizes que
aparentemente não fazem sentido na fala.
Apresenta-se, abaixo transcrito, para efeito de análise, o RD 15, de E2, que foi
retirado do relatório de atendimento da terceira sessão de triagem da paciente Graziela
(nome fictício) de 12 anos de idade. Essa foi a última sessão de triagem dessa paciente,
a qual foi realizada com seus pais.
RD 15:
E2: Me senti extremamente incomodada e irritada com a
presença do pai, pois este é extremamente metódico, o que o
torna chato.
Nesse RD que constitui uma passagem do relatório de atendimento psicológico,
o enunciado de E2 demonstra que ela se distancia da posição de psicóloga, ao escrever
que se sentiu extremamente incomodada e irritada com a presença do pai. Parecendo
ainda determinada pelo imaginário discursivo, ela procura justificar essas sensações ao
atribuir uma causa para seu incômodo e irritação, continuando a escrita do relatório
com uma oração iniciada pela conjunção causalpois”: pois este é extremamente
metódico.
Essa justificativa, entretanto, não nos impede de perceber que E2 se envolveu no
caso, deixando de ocupar a posição de psicóloga e, assim procedendo, não percebe que
ela deixa de corresponder à imagem que a sociedade, a classe de psicólogos e eu
esperamos dela enquanto futura profissional de Psicologia. Esse envolvimento pessoal e
não profissional se faz notar em sua escrita: utiliza-se do advérbio de modo
97
extremamente em duas situações, enfatizando seu desgosto em atender esse pai de sua
paciente. Além disso, a crítica que dirige ao pai de sua paciente revela não se
fundamentar, em termos de que seu procedimento tivesse sido responsável pelo
problema da filha; nesse sentido, não justifica sua crítica que se configura como, uma
mera forma de encontrar a responsabilidade do problema da paciente que ela, na posição
de psicóloga, não consegue diagnosticar.
Nota-se, nesse RD, o quanto E2 está envolvida com seus próprios sentimentos,
o que o é aceito pelo referencial psicanalítico, sob o ponto de vista de que o pprio
comportamento do pai constituiria um elemento a ser considerado para a composição
dos problemas que envolvem a paciente.
E2 também demonstra, sob o ponto de vista da formação como psiloga,
desconsiderar que, em casos de pacientes menores, o atendimento a um dos pais é
previsto, pelo fato de que menores de idade não podem ser atendidos sem autorização
dos pais ou responsável; desconsidera que, uma vez autorizado, seus responsáveis
também devem ser atendidos, para efeito de complementação de informações fornecidas
por aqueles.
A revelação na escrita do relatório de que se sentiu incomodada e irritada com a
atitude metódica do pai da paciente permite pensarmos que essas sensações se devem ao
fato de que E2 tenha se sentido incompleta ou incapaz de conduzir o tratamento da
paciente.
Com base na concepção freudiana de transferência, poder-se-ia pensar que E2
faz uma transferência negativa com relação ao pai de Graziela, ao relatar: Me senti
extremamente incomodada e irritada com a presença do pai, pois este é extremamente
metódico, o que o torna chato. Essa transferência negativa sugere sentimentos hostis da
psicóloga com relação ao pai da paciente, o que, à visão de Freud, seria prejudicial à
condução do trabalho analítico.
Não se pode negar que essa “transferência negativa” de E2 e em risco a
continuação da análise, o que caracterizaria um mau manejo da transferência. Parece ser
possível atribuir a essa reação de E2 uma transferência dela em relação ao pai da
paciente, uma vez que E2 faz pressupor que se envolveu com os problemas de sua
paciente em demasia. Percebe-se que E2 responsabiliza o pai de sua paciente pelo
sofrimento que essa vem passando, sem oferecer argumentos suficientemente
persuasivos, ao afirmar que ficou extremamente incomodada com o pai da paciente
porque ele era metódico e isso o tornava chato. Essa argumentação insustentável uma
98
vez que uma psicóloga deveria ter o controle da situação e os “dados” oferecidos pelo
pai deveriam integrar o diagnóstico da paciente permite-nos pensar que a ocorrência
da transferência negativa de E2, com relação ao pai de sua paciente, teria origem no fato
de E2 ter-se colocado no lugar dela, como se E2 tivesse vivido algo semelhante ao
que sua paciente vive.
O que se pode afirmar é que o RD em análise oferece elementos para que se
possa pensar na possível transferência de E2 comigo, enquanto supervisora,
transferência essa que a escrita do relatório permitiu, sob o ponto de vista de que ela
transfere o afeto que lhe é próprio para o relatório que é feito para o atendimento de
minha solicitação, conferindo a essa tarefa de ter de escrever e de encontrar-se comigo
em horário de supervisão a dimensão de um setting analítico.
E2 oferece elementos para se pensar que não é possível separar a sua
subjetivação como psicóloga de sua subjetivação como analisanda em relação a mim
que passo a ser tomada por ela como sujeito que detém um saber sobre si e que ela
desconhece. Essa indistinção que revela a heterogeneidade constitutiva de E2 parece ter
sido propiciada pela atividade de ter de escrever o relatório, atividade durante a qual o
inconsciente que não cessa de se escrever e se manifesta, fugidia, volátil, efêmera como
lhe é característico. A escrita revela-se, assim, sempre e inelutavelmente uma escrita de
si.
Proceda-se à alise do RD 16, transcrito em seguida, o qual constitui a primeira
sessão de triagem relativa ao paciente Carlos (nome fictício) de 8 anos, na verdade,
realizada apenas com a mãe da criança.
RD 16:
E2: Me senti irritada, porque percebi que ela quer usar o filho
para se aproximar do pai do menino, e porque não percebe que
o problema é com ela.
No RD 16, nota-se que E2 se distancia da imagem que eu espero dela enquanto
ocupante da posição de psiloga, ao ter escrito me senti irritada. Ao fazer isso, dessa
vez, ela parece procurar mais do que uma justificativa, uma causa, pelo uso da
conjunção subordinativa adverbial causal porque por duas vezes (as causas de sua
irritação são: 1. ter percebido que a mãe quer usar o filho para se aproximar do pai do
99
menino e 2. a mãe não perceber que o problema era com ela), para descrever sua
irritação com a mãe do paciente. Com isso, sugere crer que oferece a mim, o fato pelo
qual teve de se ausentar de sua posição de psicóloga.
Mais precisamente, ao mencionar que se sentira irritada com a mãe do paciente
por ocasião da primeira sessão de atendimento e demonstrar procurar um responsável
pelo problema do paciente, no momento de escrever o relatório de atendimento, E2
sugere tentar se isentar da incapacidade, da imperícia de não ter conseguido se
posicionar enquanto psicóloga no atendimento em questão. Com isso, procura restaurar
sua posição de psiloga, expondo as causas para os problemas que a mãe traz com
relação ao paciente: porque percebi que ela quer usar o filho para se aproximar do pai
do menino e porque não percebe que o problema é com ela.
Simultaneamente ao fato de ter se distanciado de sua posição de psicóloga,
pode-se notar que E2 se envolveu emocionalmente no caso de seu paciente, o que a
levou a desenvolver sentimentos hostis com relão à mãe dele: me senti irritada. Ao
expor seu sentimento de hostilidade com relação à mãe do paciente, E2 confundiu sua
posição de psicóloga na sessão de atendimento com a posição de sujeito empírico,
sujeito comum. Ela demonstra ter se relacionado com a mãe desse paciente de pessoa
para pessoa, o que, tanto do ponto de vista da Psicologia como da Psicanálise não é
recomendado. Sob o ponto de vista da Psicanálise lacaniana, isso não não é
recomendado como constitui uma imperícia, uma vez que não há a presença do analista.
Para a Psicanálise lacaniana, o analisando toma o analista como sujeito do saber, como
sujeito tudo saber sobre si, mas o analista deve ocupar a posição de sujeito suposto
saber e, como tal, nem tudo saber, para que o analisando se reconheça incompleto e
possa sustentar essa angústia de tudo não saber. Relacionando-se com o analisando no
nível de pessoa a pessoa, E2 cinde a hierarquia que é própria tanto da relação psicólogo-
paciente como da relação analista-analisando.
Percebe-se, nesse ponto, a impossibilidade de E2 de sustentar o mito da isenção
do psicólogo, ordem canônica do discurso.
O que se pode concluir da análise desse RD é que E2 oferece elementos em
horário de supervisão que podem ser trabalhados de acordo com o referencial
psicanalítico, uma vez que se torna possível pensar numa transferência por parte de E2
com relação a mim. Em outras palavras, ao escrever seu relatório para mim, enquanto
supervisora, ela transfere seu afeto para essa supervisão que se assemelha a um setting
analítico. Pode-se, assim, pensar que não é possível separar a psicóloga da analisanda
100
em horário de supervisão, no qual E2 me toma como sujeito que possui um saber sobre
ela que ela desconhece. Em outras palavras, ao escrever o relatório de atendimento
psicológico, é impossível separar-se em dois sujeitos: em um momento, escrever como
psicóloga e, em outro, como analisanda, uma vez que, ao escrever, o inconsciente atua,
e sempre algo dele escapa à linguagem; d poder-se concluir que toda e qualquer
escrita é sempre e inevitavelmente escrita de si.
Será feita a análise do RD 17, da estagiária E2, o qual foi retirado do relatório da
primeira sessão de triagem do paciente Leonardo (nome fictício) de 5 anos de idade. A
sessão foi realizada com a avó da criança, sendo ela a responsável pelo neto.
RD 17:
E2: Fiquei um pouco perdida, mas consegui me organizar. Ela
se perdeu e acabou me deixando perdida, mas depois consegui
organizar os pensamentos.
Neste RD, E2 inicia seu discurso distanciando-se da imagem que se tem do
psicólogo, quando escreve em seu relatório: fiquei um pouco perdida. Dessa maneira,
demonstra ter fugido da sua posição como psicóloga e da imagem que eu, como sua
supervisora, esperava que ela assumisse enquanto psiloga. O que se percebe é que E2
reconhece que, a princípio, não apenas se envolveu no romance familiar de que fala
Freud, trazido pela avó do paciente, como estabeleceu, sob o ponto de vista lacaniano,
uma relação pessoa-pessoa e, como tal, sem a presença do analista, se envolvendo no
relato da avó do paciente em demasia.
Parecendo tentar preservar seu lugar de psiloga ideal, E2 encontra um
responsável para que tenha se sentido perdida, embora afirme, posteriormente, que
tenha conseguido se organizar (mas depois consegui organizar os pensamentos). Para
esse fato, E2 utiliza-se da conjunção coordenativa adversativa mas por duas vezes no
mesmo discurso. Percebe-se que, nas duas vezes a que fez referência a essa conjunção,
E2 sugere ter dado ênfase na sua posterior organização.
Ao mencionar sua possível organização posterior, E2 procura se isentar de sua
incapacidade e de sua imperícia de o ter conseguido se posicionar como psiloga,
além de não se submeter ao jogo imaginário ao qual se submete essa profissão.
101
Ao escrever o relatório de atendimento para mim, percebe-se que E2 se esquiva
do imaginário discursivo que permeia a profissão de psicólogo, e estabelece com a avó
do paciente uma relação pessoa-pessoa, o que é condenado pela perspectiva
psicanalítica lacaniana, por não ocorrer a presença do analista.
Como ocorreu em outros RD analisados, o que se percebe é que, quando se
esquiva do jogo imaginário, E2 passa para uma relação pessoa-pessoa, ferindo os
procedimentos próprios de psicóloga e passa, também para um processo de
subjetivação, ocupando o lugar de analisanda ao me tomar, enquanto supervisora, como
sujeito do saber, embora nesse RD, esse processo fique apenas pressuposto em sua
menção aoo ter sabido agir como psicóloga.
Em seguida, analisar-se o RD 18, de E2, que foi retirado do relatório da
primeira sessão de triagem com o paciente Leonardo (nome fictício), já analisado no RD
17, sessão esta realizada com a avó de Leonardo. O RD 18 foi retirado da sessão que foi
realizada com Leonardo de 5 anos de idade.
RD 18:
E2: Eu fiquei meio que travada, pois algumas perguntas eu
precisei repetir mais de 4 vezes e porque ele não teve um bom
contato comigo, talvez por medo.
No RD 18, nota-se que E2 não consegue lidar bem com a demanda de Leonardo,
o que a deixa impossibilitada em dar prosseguimento à sessão de atendimento desse
paciente. Sob o ponto de vista dos procedimentos técnicos, embora o psicólogo não
tenha de atender a toda demanda do paciente, ele tem de propiciar que esse paciente
entre em contato com essa demanda e, com isso, tenha acesso a um saber que ele não
tem sobre si.
E2 justifica essa atitude por meio da argumentação de que precisou repetir mais
de 4 vezes algumas perguntas, além de colocar em Leonardo a responsabilidade por não
ter assumido a posição de psicóloga que se esperava dela; isso é possível observar em
porque ele não teve um bom contato comigo, talvez por medo. Desse modo, E2 coloca a
responsabilidade pelo seu suposto fracasso na sessão no paciente, não sendo capaz de
assumir para si essa questão, sugerindo se esquivar de sua posição de psicóloga, nesse
momento.
102
Para procurar dar conta de sua imperícia enquanto psicóloga, E2 utiliza-se por
duas vezes da conjunção subordinativa adverbial causal pois e porque. E2 menciona a
conjunção pois, num primeiro momento, para justificar o fato de ter ficado um pouco
imobilizada (pois algumas perguntas eu precisei repetir mais de 4 vezes) e, num
segundo momento, faz uso da conjunção porque para também justificar sua posição
diante do paciente (porque ele não teve um bom contato comigo). A partir dessas
colocões de E2, pode-se perceber que ela buscou maneiras de se isentar de sua
responsabilidade por não ter conseguido assumir a posição de psicóloga nessa sessão,
desviando-se, por conseqüência, do que eu esperava dela.
O que se percebe é que justificativas que invalidam os relatórios no sentido de
que não trariam informações relevantes para a supervisão, por se fazerem muito
marcados pelo imaginário uma vez que se trata de uma relação institucional e,
portanto, sua dinâmica dependa desse imaginário –, não se procedem.
Como vinha sendo demonstrado ao longo das análises dos RD dos relatórios
de atendimentos psicológicos escritos por E2, ela não procedeu ao esperado como
psicóloga. No entanto, mesmo demonstrando ter se ausentado de sua posição de
psicóloga, E2 conseguiu escrever sobre seus sentimentos e suas dificuldades no
relatório que foi escrito para mim. Embora fosse esperado por mim, enquanto
supervisora, que E2 submetesse ao imaginário discursivo da profissão de psilogo, e
assumisse esse papel em sessão de atendimento psicológico, E2 não procedeu ao
esperado, escrevendo para mim sobre seus sentimentos, com relação ao paciente, nos
relatórios de atendimento. Dessa forma, E2 fez da situação da supervisão um setting
analítico, tendo falado mais de si em situação de supervisão do que do paciente. Mais
precisamente, embora não se possa afirmar que E2 tenha temido entrar em contato com
seus sentimentos, isto é, tenha temido entrar em processo de subjetivação e incorrido na
transferência, o que explicaria a sua resistência em escrever o relatório, ela expôs, no
momento da escrita do relario, os problemas que enfrentou na sessão de atendimento
de Leonardo. Ao ser capaz de ter essa atitude, ou seja, de mostrar seus sentimentos e
suas dificuldades no atendimento para mim, E2 permite a realização de um vínculo
comigo e, assim, aceitar a ocorrência da transferência em horário de supervisão
19
, mais
precisamente, nos horários marcados com as estagiárias-supervisionandas, para
19
Para se evitar a possibilidade de se confundir a supervisão em seu sentido de função burocrático-
pedagógica com o horário que se marca para efeito de discussão dos casos atendidos pelas estagiárias,
optou-se pela expressão horário de supervisão.
103
conversarmos acerca dos casos atendidos e relatados em relatórios. A transferência na
supervisão é equivalente à transferência que ocorre em situação de análise, uma vez
que, em ambas, tanto supervisionando quanto analisando colocam o supervisor e o
analista na posição de sujeito do saber.
É oportuno que se alerte que E2, embora tenha escrito nos relatórios que
conseguira reordenar a sessão de análise, reconheceu ter-se perdido diante da exposição
da avó de Leonardo a respeito do problema do paciente (vide RD 17). Ao escrever sobre
a sessão de atendimento desse paciente, escreveu que não conseguiu o estabelecimento
do contrato com ele, responsabilizando-o de que ele não estabeleceu um bom contato
com ela, quando era ela quem deveria conseguir esse movimento do paciente.
Será analisado, a seguir, um RD 19 da E2, referente ao primeiro atendimento de
triagem realizado com a avó do paciente Leonardo (nome fictício) de 5 anos. É
oportuno que se mencione que houve outro RD relativo à avó de Leonardo analisado e
que a ordenação desse recorte levou em consideração a gradação para se entender o
processo de subjetivação de E2 que parecia se fazer mais visível, quando o caso do
paciente envolvia uma relação parental.
RD 19:
E2: Foi meio chato, pois tive que organizar os pensamentos
dela para escrever o caso. O que ficou do caso foi que além da
criança sofrer com a separão dos pais, ele ainda sofre de ver
a família brigando.
E2, nessa passagem do relatório de atendimento, conclui que o caso foi
desagradável ao escrever foi meio chato, mencionando, mais uma vez, a dificuldade de
relacionamento familiar existente na família desse paciente: criança sofrer com a
separação dos pais, ele ainda sofre de ver a falia brigando. Como ocorreu em outros
RD analisados, é possível observar que E2 se distancia do imaginário discursivo que
permeia a profissão de psicólogo, não ocupando a posição de psicóloga que eu,
enquanto supervisora, esperaria dela como aluna do último ano de Psicologia, além de
usar um vocabulário do senso comum: Foi meio chato. Perceba-se que essa mesma
104
expressão foi escrita por E2 quando de seu atendimento do pai da paciente Graziela na
análise do RD 15.
O que se indiciava em análises de RD anteriores de E2, no sentido de que,
quando deixava de assumir sua posição de psiloga ao escrever sobre o atendimento
dos pacientes – o que também se mostrou nos RD de E1 –, ela se remetia a si,
parecendo passar para um processo de subjetivação, ocupando o lugar de analisanda,
comprovou-se: em horário de supervisão relativa ao caso de Leonardo, E2 revelou-me
as diversas dificuldades existentes entre ela e seu pai, acrescentando que seus pais eram
separados. (Também se explica sua irritação com a mãe do paciente no RD 16, quando
escreveu que se sentira muito irritada porque percebera que a mãe usava do filho para se
aproximar do pai). Nesse horário de supervisão, ela acabou por se distanciar, por
completo, do caso que atendera, para falar dela, fazendo uma digressão para si mesma,
como acontecia na escrita dos relatórios, fazendo da supervisão uma sessão de análise.
Em síntese, E2, durante a supervisão, ao ir relatando o caso verbalmente, parece
ter se distanciado de sua posição de psiloga e assumido a de analisanda no momento
da supervisão do caso de Leonardo. Isso parece ocorrer em razão de, embora não
necessariamente se pretenda, a situação de supervisão se configurar como uma sessão
de terapia analítica. Certamente, as condições em que se realizam as supervisões
contribuam para essa configuração: os estabelecimentos do contrato e do honorário (que
não é o caso aqui), a determinação de horário, local, sigilo, linha teórica seguida nessas
situações constituem o ritual da situação de supervisão.
Ao retomar várias vezes o incidente da separação de seus pais, percebe-se que
esse assunto ainda não está bem resolvido para E2; dtantas repetições ao longo da
situação de supervisão. Essas reiterações, sob um ponto de vista lacaniano, não devem
ser tomadas como um trauma, mas como repetição do que ela não consegue se recordar
e a faz sofrer, e ela traz para a “análise e a entrega para a “analista” para que ela lhe
interprete. Ao proceder dessa forma, E2 revela tomar-me como um sujeito de saber,
sujeito que detém um conhecimento sobre ela e seu sofrimento, que ela própria não
possui. Essa situão em que ambas nos encontramos o como sujeitos empíricos, mas
como sujeitos do inconsciente, configura-se como uma relação transferencial.
Não tendo, na ocasião, me colocado na posição de um sujeito do saber, como
fazia, interpretando e apontando-lhe um possível saber, o que fazia com que ela
continuasse mencionando seu sofrer, implicando-a nesse “sofrimento”, pude perceber
que ela foi gradativamente deixando de lamentar, ainda que falasse dos pais.
105
Analise-se o RD 20, retirado da segunda sessão de triagem realizada com Carlos
(nome ficcio) de 8 anos de idade.
RD 20:
E2: Me senti estranha quando ele falou do pai, pois me
identifiquei, de certa forma, com a situação. Me sensibilizei
quando ele disse como se sente quando passa mal. Mas adorei
o cliente e acho que conseguiria fazer terapia com ele.
Nesse RD, percebe-se que E2 se expressa mais sobre si mesma, sobre seus
sentimentos e suas sensações do que sobre a situação que vivenciou com o paciente
durante o atendimento, na condão de psicóloga, como se pode observar no enunciado
me senti estranha; me identifiquei; me sensibilizei; adorei. O que se percebe é o efeito
de sentido da expressão você se sentiu da frase (“como você se sentiu durante a sessão
de atendimento”) da solicitação do relatório é o do que efetivamente sentiu como sujeito
empírico. O que se percebe é que, em certa medida, esse efeito de sentido da palavra
sentir-se tem efeito sobre seu procedimento como psicóloga, conduzindo-a para um
mau manejo da transferência, no sentido de que interpreta o enunciado do paciente e
não o que está por detrás das palavras dele.
A partir dessas posições assumidas por E2 durante o atendimento, nota-se que
ela se deslocou de sua posição como psiloga que tem como referência para seu
atendimento a teoria psicanalítica, uma vez que, ao ocupar o lugar demandado pelo
paciente, E2 feriu o que tanto a Psicologia e a Psicanálise lacaniana que é oportuno
que se reitere foi a teoria que inevitavelmente perpassou pela supervisão, uma vez que
passou a constituir o referencial teórico em meu atendimento clínico recomendam.
Sob o ponto de vista lacaniano, o analista deve proporcionar ao analisando o manejo de
sua transferência, colocando-se como desejo do Outro.
A transferência, é oportuno lembrar, é para a Psicanálise, a possibilidade de
acesso ao inconsciente, ou seja, o que pode conduzir à cura do sintoma apresentado pelo
paciente. O analista não deve estabelecer a relação com o analisando enquanto sujeito
empírico, nem assumir o lugar daquele que o analisando lhe atribui por transferência.
Assumindo esse lugar, o analista propicia a mera transferência positiva que Freud
postulara e Lacan desconsiderou como importante. Ao contrário, para Lacan, a
106
transferência positiva pode ser improdutiva e adiar a entrada na análise do analisando ao
que ele denomina de contrato analítico. Para Lacan, o analista precisa encenar um
engodo, colocando-se no lugar demandado pelo analisando, para proceder ao manejo
com o objetivo de levar o analisando à abertura do inconsciente.
Em Me senti estranha quando ele falou do pai, pois me identifiquei, de certa
forma, com a situação, E2 explicita a ocorrência da transferência de amor para com
Carlos. É importante ressaltar que, ao se utilizar do verbo identificar [identifiquei], E2 o
faz sob o sentido comum e corrente de se parecer com Carlos, isto é, do envolvimento
do analista na análise.
A partir de então, faz uma digressão para si mesma, desviando-se de sua atenção
para com o paciente e focalizando a atenção para si mesma. Percebe-se que, ao relatar o
caso, afasta-se da tarefa de escrever o relatório, passa para um procedimento de
transferência e atinge um procedimento patente de associação livre: E2 se esquece de
falar sobre o seu atendimento de triagem para me falar de si mesma durante a situação
de supervisão. Esse processo de subjetivação se desencadeou em virtude de E2 se
permitir falar o que lhe vinha à mente, sem fazer julgamentos ao que Freud chamou de
associação livre, passando a ocupar uma posição de supervisionanda/analisanda. A
associação livre permite que, uma vez que o analisando fale sem obstáculos, a
transferência ocorra e, sendo essa bem conduzida, possibilita a abertura do inconsciente.
Resgatando-se o contexto desse mesmo recorte do RD 20 (Me senti estranha
quando ele falou do pai, pois me identifiquei, de certa forma, com a situação), a
expressão me identifiquei com a situação ratifica o que ocorria em situação de
supervisão: E2 falava sempre um pouco a respeito de sua difícil relação com seu pai,
supondo, em mim, um saber sobre ela. Como mencionado, ao procurar proceder a um
bom manejo da transferência, como recomenda Lacan, passei a ocupar o lugar de
transferência de seu afeto, para me esquivar do lugar de saber.
Na retomada, por várias vezes, ao incidente da separação de seus pais, percebe-
se que esse assunto ainda não está bem resolvido para E2; d tantas repetições durante
a situação de supervisão. Essas reiterações, sob um ponto de vista lacaniano, não devem
ser tomadas como um trauma, mas como repetição do que ela não consegue se recordar
e a faz sofrer, e ela traz para a “análise” e a entrega para mim, tomando-me não mais
como supervisora, mas como “analista” para que eu lhe interprete. Ao proceder dessa
forma, E2 revela tomar a mim como um sujeito de saber, sujeito que detém um
conhecimento sobre ela e seu sofrimento, que ela própria não possui. Nessa situação em
107
que nos encontramos, não como sujeitos empíricos, mas como sujeitos do inconsciente,
configuram-se como uma relação transferencial.
Voltando para a análise do RD 20, o que se percebe é que, apesar de trazer como
pressuposta a necessidade de transferência positiva para que houvesse a análise, ao
afirmar Mas adorei o cliente e acho que conseguiria fazer terapia com ele, E2 não se
coloca como sujeito do saber, ao admitir acha, julga, supõe que conseguiria levar avante
a análise, sobretudo se essa modalização é associada à menção de que se sentiu
estranha.
Pode-se perceber também nesse trecho do enunciado, mais precisamente acho
que conseguiria fazer terapia com ele, que E2 se coloca na posição de paciente do
paciente, uma vez que é ela quem vai ser paciente dele: o psicólogo toma o lugar do
paciente, e este assume o lugar do psilogo. Parece que houve tanto envolvimento por
parte de E2, no caso de Carlos, que ela se confundiu e tomou o lugar dele. E2 se ausenta
definitivamente de sua posição de psiloga e se coloca no lugar de paciente.
Esse ato falho em tomar-se como paciente, diante da análise que vinha sendo
conduzida, E2 legitima a atribuão de um processo de subjetivação, parecendo
comprovar que o inconsciente não cessa de se escrever.
O recorte discursivo referente à primeira sessão de triagem realizada com a mãe
de Roberto (nome fictício) de 8 anos será analisado a seguir.
RD 21:
E2:O que ficou do caso foi que qualquer criança se revolta de
ver seus pais separados.
Neste RD que se configura como uma passagem do relatório de atendimento que
deveria ser escrito pelas estagiárias-supervisionandas sob a minha supervisão, E2
escreveu que qualquer criança se revolta de ver seus pais separados, o que pode não
ser verdade para todos os casos de crianças em que os pais o separados. O que se
percebe é que E2 escreveu um relatório em que emite uma conclusão o apenas acerca
do paciente que atendeu, mas de todas as crianças. Considerando-se que ela está se
iniciando como estagiária, essa conclusão não pode ter origem em pacientes, mas em
sua vida como pessoa comum.
108
Como vinha se indiciando ao longo das análises dos RD de E2, na escrita dos
relatórios, ela 1) apresentou uma série de deslocamentos do lugar de psicóloga e, nesses
momentos, revelou que estabelecera com os pacientes, o tipo de relação pessoa-pessoa e
não do tipo psicólogo-paciente; 2) passou a escrever, fazendo referência muito mais a si,
ao que sentiu em relação aos pacientes, do que aos pacientes; 3) passou, em seguida, a
deixar indícios de que apresentava mais dificuldade na condução das sessões com os
pais dos pacientes e, por fim, 4) começou a deixar indícios, em sua escrita, de um certo
mal-estar quando se referia a separação de pais.
Esse trajeto culminou com a conclusão acima. Nessa conclusão ilógica acerca
das reações dos filhos diante da separação dos pais em que E2 generaliza que qualquer
criança se revolta de ver seus pais separados, E2 inclui a si. Essa inclusão de si no
grupo de alguns dos pacientes se explica pelo resgate de suas menções nas situações de
supervisão: durante as situações de supervisão, ela me mencionou reiteradas vezes o
fato de seus pais serem separados e que isso a deixava muito insatisfeita, principalmente
com relação às atitudes de seu pai para com ela. Explica-se, nesse momento, a irritação
sem fundamento plausível com o pai de Graziela.
Nota-se que, com a generalização feita a respeito de que toda criança se revolta
com a separação dos pais e referindo-se a si mesma como uma dessas crianças, E2
revela tomar a mim, supervisora, como sujeito do saber, imaginando que eu detinha um
conhecimento sobre ela que ela não possui.
Não tendo, nas ocasiões de demanda, me colocado na posição de um sujeito do
saber (como fazia aque me filiasse às recomendações lacanianas), interpretando e
apontando-lhe um possível saber, o que fazia com que ela continuasse mencionando seu
sofrer, implicando-a nesse “sofrimento”, pude perceber que ela foi gradativamente
deixando de lamentar, ainda que falasse dos pais.
E2, ao se mesclar entre as posições por ela ocupada, ora psicóloga ora
supervisionanda/analisanda, demonstra que o sujeito é heteroneo, que essempre sob
o domínio do inconsciente e que esse sempre escapa, seja na linguagem verbal, na
escrita ou na gestual.
O que se pode concluir com base nas análises dos RD que foram retirados dos
relatórios de atendimento psicológico de E2, é que ela tem dificuldade em assumir a
posição de psicóloga enquanto estagiária de Psicologia durante seus atendimentos,
estabelecendo com seus pacientes uma relação pessoa-pessoa. Essa dificuldade se torna
mais visível quando ela escreve a respeito de pacientes, principalmente crianças, que
109
sofrem por ter uma família desestruturada e pais separados, parecendo se misturar com a
história deles. Nota-se que ela entra em processo de identificação durante esses
atendimentos e se ausenta de sua posição de psicóloga.
Ainda com relação a E2, percebe-se que, durante os horários de supervisão,
quando o caso sobre o qual discute comigo diz respeito ao relacionamento familiar, ela
tem necessidade de falar dela, de expressar suas limitações com relação a esse tipo de
atendimento.
Sendo assim, percebe-se que ela não favorece a ocorrência da transferência do
paciente com relação a ela, porque ela entra em processo de subjetivação ao fazer a
transferência nas sessões de atendimento de casos que envolvem problemas familiares,
sobretudo separação dos pais e transfere seu afeto em direção a mim em horário de
supervisão.
Não tendo, nessas ocasiões de transferência em horários de supervisão, me
colocado na posição de um sujeito do saber (como fazia, sob a orientação anterior),
interpretando e apontando-lhe um possível saber, mas nunca a certeza, o que fazia com
que ela continuasse mencionando seu sofrer, implicando-a nesse “sofrimento”, pude
perceber que ela foi gradativamente deixando de lamentar, ainda que falasse dos pais.
110
CONCLUSÃO
Neste momento em que esta dissertação se encerra, resgatem-se os pontos de
onde se partiu. O tema desta dissertação foi motivado pela minha experiência como
psicóloga clínica e supervisora de estágio e também pela percepção, a partir de minha
própria experiência dos ganhos que obtivera ao cumprir a exigência de escrever
relatórios de atendimentos durante o meu estágio na graduação.
O problema de onde se partiu esta pesquisa foi da percepção de que o futuro
psicólogo, em fase de estágio, resistia à tarefa de escrever relatórios de atendimento
psicológico. Sob o pressuposto lacaniano de que o inconsciente é estruturado como uma
linguagem, a hipótese levantada para a resistência em escrevê-los foi a de que as
estagiárias-supervisionandas, sob minha supervisão, temiam a ocorrência da
transferência e, como tal, de um acesso a um saber sobre si que elas não sabem, o que
não se faz sem algum sofrimento e poderia se manifestar pela escrita . De acordo com
Lacan que institui, além das dimensões do imaginário e do simbólico no nascimento do
sujeito, também a dimensão do real, é possível verificar que essa é da ordem do
impossível e que, por meio da linguagem, nesse caso, escrita, não cessa de não se
escrever. O que aparece na escrita do sujeito é algo da ordem do não controle, por isso
da dimensão do real que é mediatizada pela dimensão do simlico que é representado
pela entrada do sujeito na linguagem (TEIXEIRA, 2005). Pela associação livre do
sujeito, é possível ter acesso ao seu inconsciente e, portanto, a um saber que ele não
sabe, se a transferência for bem manejada pelo analista.
Com base no pressuposto lacaniano de que o inconsciente se estrutura como uma
linguagem e de que se manifesta por meio da aparição de lapsos, contradições e chistes
na linguagem e nas análises do corpus de pesquisa, conclui-se que, embora não haja nos
dados indícios de que as estagiárias-supervisionandas se recusavam a escrever relatórios
porque temiam a ocorrência da transferência, houve a ocorrência da transferência tanto
na escrita dos relatórios de atendimento como durante os horários de supervisão de
estágio de atendimento psicológico.
Nas análises dos RD de E1, percebe-se que ela não conseguiu se adequar à
posição de psicóloga durante os atendimentos, por ter entrado em processo de
identificação diante do relato de alguns pacientes, não permitindo a ocorrência da
transferência desses em sessão de atendimento psicológico com base no referencial
111
teórico psicanalítico; notou-se, por outro lado, a ocorrência da transferência em relação
a mim, no momento de escrever os relatórios. Em horário de supervisão, em lugar de E1
escrever, ela relatava como se sentira em determinado atendimento.
E2, nas análises referentes aos seus RD, demonstrou não se submeter ao
imaginário discursivo e não ocupar a posição de psicóloga durante seus atendimentos,
estabelecendo uma relação de pessoa a pessoa, o que conseqüentemente a levou a não
propiciar a associação livre do paciente para que a transferência pudesse ocorrer.
Também foi possível notar que E2 entrou em processo de subjetivação na escrita dos
relatórios de atendimentos com seus pacientes, cujos casos se referiam a problemas
familiares, separação de pais e problemas com o pai, incorrendo em transferência
comigo, uma vez que escrevia os relatórios para mim. Esse processo de subjetivação
revelou ter sido responsável pelas dificuldades para a condução do caso em
atendimento, o que mencionava nos relatórios e nos horários de supervisão. Também
nesses horários, E2 fez da situação de supervisão um setting analítico, no qual expunha
seus problemas familiares a mim.
Em atendimento à orientação lacaniana, tendo procurado proceder ao bom
manejo da transferência, não atendendo à totalidade de sua demanda, não me colocando
no lugar de saber, impliquei-a em seu sofrimento, tentando levá-la a suportar a falta que
lhe é constitutiva, sob o ponto de vista de que há um saber que não se sabe e é preciso
suportá-lo.
Assim, E2, enquanto estagiária de Psicologia, se subjetivou também como
analisanda, o que permite a conclusão de que não é possível separar sua subjetivação
como estagiária de sua subjetivação de analisanda.
Também foi possível notar nas análises dos recortes discursivos referentes à
supervisão dessas estagiárias-supervisionandas que, tanto E1 quanto E2, fizeram mais
relatos que as distanciavam da posição de psicólogas e que, portanto, pode-se presumir
que elas temem entrar em contato com o papel de psicólogas e/ou futuras psicólogas.
Parece que temem vir a desocupar o lugar de alunas/estagiárias para ocupar o lugar de
profissionais aptos a exercer sua(s) função(ões).
Podemos dizer também que, embora as análises dos recortes discursivos não
pudessem ser divididas, observamos nelas duas dimensões que são apenas
aparentemente separáveis, isto é, são separáveis apenas na dimensão burocrática: a
supervisão de psilogos que se refere à formação de psicólogos e a supervisão de
analista que diz respeito à ocorrência ou não da transferência das estagiárias-
112
supervisionandas com relação aos seus pacientes e da transferência delas com relão a
mim.
Observou-se ainda que não é possível separar o processo de formação de
psicólogos do processo de subjetivação das estagiárias em Psicologia. É possível dizer
que a escrita de relatórios de atendimentos psicológicos, prova-se como toda escrita,
sempre e inevitavelmente escrita de si, demonstra, conseqüentemente, a singularidade
de cada estagrio. Assim a tendência não no campo da Psicologia como na
Lingüística Aplicada, sobretudo em termos de formação docente, de homogeneização,
tem se revelado infrutífera.
Disso, pode-se concluir que a disciplina de Análise de Discurso em um curso de
Psicologia se faz importante pelo fato de propiciar ao aluno a compreensão de que a
língua não é transparente, além de possibilitar a subjetivação de cada aluno-estagiário
por meio da leitura e da escrita.
113
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118
ANEXOS
119
ANEXO 1
120
CLÍNICA DE PSICOLOGIA
RELATO DE SESSÃO
PROJETO: PLANTÃO PSICOLÓGICO
Nome do Cliente: _______________________________________
Idade:______
Fonte de Encaminhamento: _____________________
DATA: ___/___/___
Nº DA SESSÃO: _____
A) Como o cliente chegou? (Fonte de encaminhamento, ip, reações emocionais etc)
B)Desenvolvimento da sessão (o que foi perguntado, o que foi respondido, sendo o mais
fiel possível no relato do terapeuta e do cliente. Pode ser feito no discurso indireto, mas
se conseguir se lembrar, pode ser no discurso direto).
C) Conclusão (o que se percebeu do cliente quais os sentimentos e impressões que
este cliente trouxe para o terapeuta e quais foram os sentimentos despertados no
terapeuta com relação ao cliente.).
D) Quais as intervenções que poderiam ter sido feitas nesta sessão que passou? E quais
poderão ser feitas numa próxima sessão levando-se em consideração a sessão anterior?
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Estagiário: _______________________ Supervisor: __________________________
Nome e assinatura Assinatura e carimbo
122
ANEXO 2
123
CLÍNICA DE PSICOLOGIA
RELATO DE SESSÃO
PROJETO: PLANTÃO PSICOLÓGICO
Nome do Cliente: _______________________________________
Idade:______
Fonte de Encaminhamento: _____________________
DATA: ___/___/___
Nº DA SESSÃO: _____
A) Como o cliente chegou?
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B) Desenvolvimento da sessão (o que foi perguntado, o que foi respondido,sendo o mais
fiel possível. Pode ser no discurso direto ou indireto)
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C) Conclusão: o que percebeu do cliente; como o terapeuta se sentiu frente ao cliente e
o que sentiu do cliente – quais os sentimento e impressões que este cliente trouxe para o
terapeuta ou quais foram os sentimentos despertados no terapeuta com relação ao
cliente?
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126
D) Quais as intervenções poderiam ter sido feitas nesta sessão que passou? E quais
poderão ser feitas numa próxima sessão? Tem que praticar o pensamento clínico! Isso é
muito importante! O que você acha que esse relato de história quis dizer? O que te
chamou a atenção ou o que te marcou?
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Estagiário: ________________________ Supervisor: ___________________________
Nome e assinatura Assinatura e carimbo
127
ANEXO 3
128
UNITAU - CLÍNICA DE PSICOLOGIA
RELATO DE SESSÕES
PROJETO: PLANTÃO PSICOLÓGICO
Nome do Cliente: _______________________________________
Idade:______
Fonte de Encaminhamento: _____________________
DATA: ___/___/___
Nº DA SESSÃO: _____
A) Como o cliente chegou?
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
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B) Desenvolvimento da sessão (o que foi perguntado, o que foi respondido, sendo o
mais fiel possível. Pode ser feito no discurso direto ou indireto).
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C) Conclusão da sessão (incluindo os itens abaixo):
c.a) O que você percebeu do cliente? Como você se sentiu diante dele?
c.b) E depois da sessão, o que você sentiu ao sair dela?
c.c) O que você acha que o cliente sentiu diante de você?
c.d) Como foi para vo escrever sobre este caso? O que ficou para você deste caso, ou
seja, o que você pode aprender com ele, profissionalmente falando?
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D) Quais as intervenções que poderiam ter sido feitas nesta sessão que passou?
d.a) E quais intervenções você acha que poderão ser feitas numa próxima sessão?
d.b) O que você acha que esse relato de hisria quis dizer?
d.c) O que te chamou atenção nesta sessão?
d.d) Se votivesse outra sessão com este cliente, o que você acha que poderia ser
enfatizado, trabalhado com ele? (mais específico com relação à última sessão de
triagem).
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Estagiário: _______________________ Supervisor: _________________________
Nome e assinatura Assinatura e carimbo
OBSERVAÇÃO/COMENTÁRIOS DO SUPERVISOR:
O relato tem o objetivo de que o caso seja refletido após a sessão, para exercer o
raciocínio clínico. Ele tem a inteão de nortear você para realização do próximo
atendimento.
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