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UNIVERSIDADE DE TAUBATÉ
Matilde Helena Espindola
MODO DE ORGANIZAÇÃO DO DISCURSO
ARGUMENTATIVO: UMA PROPOSTA PARA A
LEITURA DE ANÚNCIOS PUBLICITÁRIOS E
EMBALAGENS DE PRODUTOS
Taubaté - SP
2010
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UNIVERSIDADE DE TAUBATÉ
Matilde Helena Espindola
MODO DE ORGANIZAÇÃO DO DISCURSO
ARGUMENTATIVO: UMA PROPOSTA PARA A
LEITURA DE ANÚNCIOS PUBLICITÁRIOS E
EMBALAGENS DE PRODUTOS
Dissertação apresentada ao Departamento
de Ciências Sociais e Letras da
Universidade de Taubaté como parte dos
requisitos para a obtenção do Título de
Mestre pelo Curso de Mestrado em
Linguística Aplicada.
Área de Concentração: Língua Materna.
Orientadora: Profa. Dra. Graziela Zamponi.
Taubaté - SP
2010
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Para minha mãe Maria Helena, exemplo
de fortaleza e determinação.
AGRADECIMENTOS
A Deus, fonte suprema de luz, sabedoria e inspiração, que sempre cobriu de bênçãos meu
caminho.
Aos meus pais Antonio e Maria Helena pela dedicação, apoio e amor incondicional.
À minha filha Helena pela compreensão nos momentos em que não pude estar presente.
Ao meu marido Nelson, companheiro de todas as horas, por me mostrar que o voo pode ser
sempre mais alto.
À minha irmã Regina por cuidar carinhosamente de minha filha quando estive ausente.
À Profa. Dra. Graziela Zamponi pela dedicão, pela competência e seriedade com que
orientou este trabalho.
À Profa. Dra. Maria Varia Aderson de Mello Vargas e à Prof. Dra. Eliana Vianna Brito pelas
e sugestões valiosas para o enriquecimento deste trabalho.
À Secretaria Estadual de Educação do Estado de São Paulo pela oportunidade desta conquista
por meio da concessão da Bolsa Mestrado.
A todos os professores de Mestrado de Linguística Aplicada da Universidade de Taubaté, que
muito contribuíram para minha formação linguística.
Aos funcionários da secretaria de PPG-LA eficiência pela atenção e carinho que me
dispensaram.
Aos meus colegas do curso de Mestrado por dividirem comigo os percalços e as conquistas
dessa jornada.
Enfim, a todos aqueles que direta ou indiretamente contribuíram para que este projeto se
tornasse realidade.
RESUMO
Uma das dificuldades enfrentadas pelos alunos, quando solicitados a realizar
atividades de leitura e produção de texto, é a capacidade de argumentar de forma consistente,
competência cada vez mais exigida em vestibulares exames, concursos em geral. Motivados
por essa constatão, buscamos investigar o modo de organização do discurso argumentativo
em alguns gêneros que circulam em nossa sociedade e se fazem presentes na vida cotidiana de
qualquer cidadão: anúncios publicitários e embalagens de produtos. Nosso objetivo mais
amplo foi compreender como estes gêneros se organizam para persuadir o leitor/consumidor
e, que elementos e estratégias são colocados em jogo na cena argumentativa. Para tanto
empreendemos a análise de um corpus constitdo de três propagandas e duas embalagens,
tomando como referencial teórico principal a encenação argumentativa proposta por
Charaudeau (2008). A investigação levou-nos a concluir que embalagens e propagandas se
organizam em torno de um projeto argumentativo que envolve: a construção de uma imagem
positiva do sujeito argumentante relacionada à imagem de um interlocutor ideal; uma aposta
nos valores vigentes na sociedade; a valorização do intangível para criar a necessidade de
consumo e uma organização em mosaico em que as partes da argumentação (nem sempre
explícitas) devem ser construídas e articuladas pelo leitor/consumidor. Concluímos também
que devido a sua função social e a seus propósitos comunicativos a embalagem é também uma
propaganda do produto que ela contém. Acreditamos que nossa investigação possa trazer
contribuições para uma leitura capaz de desvendar os apelos sedutores da linguagem
publicitária.
Palavras-chaves: argumentação; propaganda; embalagem, gênero discursivo
ABSTRACT
One of the difficulties faced by students when asked to perform activities of reading
and writing is the ability to argue consistently, competence increasingly required in college
exams, public examinations in general. Motivated by this observation, we sought to
investigate the organization of the argumentative discourse in some genders that circulate in
our society and be present in the daily life of every citizen: advertising and product
packaging. Our larger goal was to understand how these genres are organized to persuade the
reader / consumer, and what elements and strategies are put into play at the argumentative
scene. To this end we undertook the analysis of a corpus consisting of three advertisements
and two packages, taking as the main theoretical reference the argumentative scenario
proposed by Charaudeau (2008). The investigation led us to conclude that packaging and
advertising are organized around an argumentative project that involves: to build a positive
image of the one that arguments related to the image of an interlocutor, a commitment to the
values prevailing in society, the development of intangible to create the need for consumption
and a kind of mosaic organization in which the parts of the arguments (not always explicit)
should be constructed and articulated by the reader / consumer. We also conclude that due to
its social function and its communicative purposes packaging is also an advertisement of the
product to it contains. We believe that our research can bring contributions to reveal the
seductive appeal of the advertising language.
Keywords: argumentation; advertising; packaging; discursive gender.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ............................................................................................................... 10
CAPÍTULO 1. Os gêneros discursivos propaganda e embalagem ..................................... 13
1.1 neros discursivos: perspectivas teóricas e pedagógicas ............................................. 13
1.1.1 Bakhtin e os gêneros discursivos .................................................................... 13
1.1.2 Gêneros discursivos: contribuições de outros autores ..................................... 20
1.2 A propaganda e a embalagem como gêneros discursivos .............................................. 28
1.2.1 A propaganda ................................................................................................. 28
1.2.1.1 função da propaganda ................................................................................. 30
1.2.12 A linguagem da propaganda ......................................................................... 33
1.2.1.3 A história da propaganda no Brasil .............................................................. 40
1.2 A embalagem .................................................................................................... 42
CAPÍTULO 2. Argumentação: percurso, percalços e perspectivas .................................... 49
2.1 O modelo clássico ........................................................................................................ 49
2.1.1 Argumentação lógica ..................................................................................... 49
2.1.2 Argumentação dialética .................................................................................. 50
2.1.3 Argumentação rerica ................................................................................... 50
2.2 A perda de prestígio da retórica .................................................................................... 51
2.3 A retomada dos estudos da argumentação..................................................................... 52
2.3.1 A argumentação de Perelman ......................................................................... 53
2.3.2 O Modelo de Toulmin .................................................................................... 65
2.3.3 O Modelo de Ducrot: a argumentação na língua ............................................. 68
CAPÍTULO 3. Modo de organização argumentativo: o modelo de Charaudeau ................ 74
3.1 Pressupostos teóricos.................................................................................................... 74
3.1.1 Da delimitação do território teórico .......................................................................... 74
3.1.2 Do sentido e da significação ........................................................................... 78
3.1.3 Das Circunstâncias do Discurso ou Das condições de produção /
interpretão do ato de linguagem .......................................................................... 81
3.1.4 Dos sujeitos da enunciação............................................................................. 82
3.1.5 Dos contratos e estratégias de discurso ........................................................... 86
3.1.6 Da análise dos atos de linguagem ................................................................... 88
3.2 Modo de organização do discurso: o modo argumentativo ............................................ 90
3.2.1 O Modo de organização argumentativo .......................................................... 92
3.2.2 A encenação argumentativa: componentes e procedimentos ........................... 93
CAPÍTULO 4. Alise do corpus de pesquisa .................................................................. 101
4.1 O corpus...................................................................................................................... 101
4.2 Metodologia ................................................................................................................ 101
4.3 Análise das propagandas ............................................................................................. 104
4.4 Análise das embalagens ............................................................................................... 118
Resultado das análises ...................................................................................................... 128
Considerações finais ........................................................................................................ 135
REFERÊNCIAS .............................................................................................................. 136
ANEXOS ......................................................................................................................... 140
10
INTRODUÇÃO
A proficiência leitora e escritora, ou seja, a capacidade de ler e produzir textos de
forma crítica e reflexiva, bem como o desenvolvimento das competências e das habilidades
necessárias a um leitor proficiente, é uma das exigências cada vez mais recorrentes nos
vestibulares, concursos e exames, entre os quais destacamos o Exame Nacional do Ensino
Médio (ENEM). Uma das competências exigidas nesse contexto é a capacidade de
argumentar de forma consistente. Tal capacidade é fundamental tanto no processo de selão
e organização das informações, transformando-as em conhecimento, quanto na ordenação do
pensamento quando procuramos convencer aos outros e a nós mesmos. Aliás, não é de hoje
que a argumentação exerce fascínio sobre o homem e tem sido objeto de inúmeros estudos no
campo da linguagem.
A tradição escolar também se rende ao fascínio da argumentação, haja vista o grande
número de material didático que aborda esse assunto, propondo as mais diversas práticas
pedagógicas. No entanto, muitas dessas práticas se voltam para as relações interfsticas e/ou
estrutura do texto argumentativo, situando-se no âmbito das categorias da língua ou do texto e
o na organização do discurso. No primeiro caso, focalizam-se as relações argumentativas a
partir de conectores; nessa abordagem, a argumentação se restringe às categorias da língua.
No segundo caso, o foco incide nas categorias que organizam a superestrutura do texto (tese,
argumento(s) e conclusão). Em ambas, o se considera a situação de comunicação, que leva
a ultrapassar as abordagens limitadas às relações interfrásticas e/ou à organização textual.
No entanto, isso não significa que as atuais orientações e práticas pedagógicas
desconsiderem a instância comunicativa da argumentação. Um exemplo desse tipo de
abordagem encontra-se nos Parâmetros Curriculares Nacionais PCN (BRASIL, 1998), que
elegeram os gêneros como objeto de estudo ao centrarem suas propostas nas condições de
produção das diversas interações verbais e no desenvolvimento da competência discursiva.
Vale ressaltar tamm o papel fundamental de inúmeros trabalhos que vêm sendo
desenvolvidos no Brasil, nos últimos anos, em relação ao ensino da ngua sob a perspectiva
dos gêneros textuais. Um dos principais objetivos do ensino sob essa perspectiva é justamente
a preocupação com a função social da língua. Ao estudar cada gênero específico, os alunos
são levados a considerar não os aspectos estruturais do gênero em questão, mas, sobretudo, a
situação da comunicação (esfera de circulação, função, papel social do enunciador, público-
11
alvo). No entanto, essas propostas estão atreladas aos diversos gêneros sem se preocupar em
caracterizar o modo de organização do discurso argumentativo, ou seja, ―[...] os componentes
e procedimentos de um modo de organização discursivo cujas combinações podem ser vistas
em funcionamento dentro de qualquer texto em particular‖. (CHARAUDEAU, 2008, p.203,
grifo do autor)
E aqui reside o nosso interesse, nascido do seguinte questionamento: 1) como alguns
gêneros como a propaganda e algumas embalagens se organizam para, por meio da
racionalidade, influenciar o destinatário, já que elas visam convencer e persuadir o
consumidor a comprar o produto? 2) Que elementos e estratégias são colocados em jogo na
cena enunciativa?
Para responder a essas perguntas, empreendemos uma investigação tomando como
corpus de análise três propagandas e duas embalagens. As ideias e o produto anunciados nas
propagandas, assim como os produtos cujas embalagens analisamos se inscrevem em três
domínios altamente valorizados pela sociedade atual: beleza, saúde e preservação ambiental.
Focalizamos o contexto de comunicação e o papel dos sujeitos envolvidos no processo de
organização do discurso. Assim, nosso objetivo foi investigar o modo de organização do
discurso argumentativo de propagandas e embalagens de produtos, que circulam em nossa
sociedade e se fazem presentes na vida cotidiana de qualquer cidadão. A investigação foi
conduzida a partir da descrição das marcas constitutivas desses gêneros, voltando-se
especificamente para os componentes constitutivos e estratégias do modo de organização do
discurso argumentativo manifestados nos gêneros selecionados.
Essa dissertação organiza-se em quatro capítulos.
O primeiro capítulo trata dos gêneros discursivos. Traz a definição de gênero e seus
elementos constitutivos sob a ótica bakhtiniana; as contribuições de outros autores, tais como
o conjunto de condições de êxito ao qual o gênero deve submeter-se, de acordo com
Maingueneau (2004), as ideias de Marcuschi (2005b) acerca do papel dos neros na
comunicação, gêneros emergentes e a questão do suporte dos gêneros e a aplicação da teoria
dos gêneros nas práticas pedagógicas de leitura e produção de texto, propostas por Dolz e
Schneuwly (2004), Ainda nesse capítulo, caracterizamos a propaganda e a embalagem,
destacando as origens, a evolução e as características peculiares desses gêneros discursivos.
12
O segundo capítulo aborda o percurso histórico da argumentação, das origens aos dias
atuais. Expomos uma visão geral do Modelo Clássico de argumentação, abordamos a perda de
prestígio sofrida pela retórica e, em seguida, tratamos da retomada dos estudos da
argumentação, apresentando a Nova Retórica de Perelmam (2000), e os modelos de Toulmin
(2001) e Ducrot (1999, 2009). Por fim, apresentamos um breve panorama dos estudos da
argumentação nos dias atuais, baseando-nos nas contribuições de Plantin (2008).
O terceiro capítulo apresenta o modo de organização do discurso argumentativo,
focalizando o modelo de Charaudeau, central em nossa pesquisa. Para tanto, trazemos a
reflexão do autor a respeito do discurso e do que lhe é constitutivo: sentido e significação,
protagonistas discursivos e condições de produção e interpretação; as considerações do autor
acerca dos modos de organização do discurso em geral e, finalmente, uma apresentação
detalhada da visão do autor a respeito do modo de organização do discurso argumentativo.
E, por fim, o quarto capítulo traz a descrição e análise do corpus de pesquisa, tomando
por base o aparato teórico de Charaudeau, que engloba os componentes e procedimentos da
encenação argumentativa.
13
CAPÍTULO 1 - OS GÊNEROS DISCURSIVOS EMBALAGEM E
PROPAGANDA
Para o desenvolvimento da pesquisa sobre o modo de organização do discurso
argumentativo presente nas embalagens e nas propagandas, alguns aspectos merecem uma
atenção mais detalhada. Neste capítulo abordaremos as ideias
de Bakhtin acerca do conceito
de gêneros discursivos, assim como as contribuições de outros teóricos sobre esse assunto.
Também faremos uma breve incursão pelo universo da embalagem e da propaganda,
destacando as origens, a evolução e as características peculiares desses gêneros discursivos.
1.1 Gêneros discursivos: perspectivas teóricas e pedagógicas
1.1.1 Bakhtin e os gêneros discursivos
A preocupação em estudar os gêneros remonta à Antiguidade. De acordo com
Machado (2006), na clássica teoria dos gêneros, a definição das formas poéticas priorizava a
classificação. Ainda segundo a autora, a tríade proposta por Platão para a classificação dos
gêneros (dramático, expositivo e misto) é a base para a Poética de Aristóteles, na qual a
tragédia é tomada como modelo para o que ele chamou de poesia. O rigor da classificação
aristotélica se consagrou na literatura e a teoria dos gêneros se tornou a base dos estudos
literários dentro da cultura letrada.
No entanto, o aparecimento da prosa comunicativa evocou outros parâmetros de
análise das interações que se realizam pelo discurso. É justamente no campo dessas novas
exigências que se situam os estudos de Bakhtin sobre os gêneros discursivos, considerando
o as classificações, mas a dimica do processo comunicativo. Para Bakhtin (2006a) a
comunicação verbal somente se realiza através de enunciados concretos (orais ou escritos),
proferidos pelos integrantes dos diversos campos da atividade humana. Assim, cada campo
de utilização da ngua elabora seus tipos relativamente estáveis de enunciados‖ (BAKHTIN,
2006, p.262, grifos do autor), o que o autor denomina gêneros do discurso.
A riqueza e a diversidade de gêneros resultantes das inesgotáveis possibilidades de
uso da palavra apontam para a necessidade de se conceber os gêneros não como modelos
Neste trabalho, adotamos as regras previstas no Novo Acordo Ortográfico, em vigor a partir de 2009; no
entanto, mantemos a grafia original das citações.
14
estanques nem como estruturas rígidas, mas como formas culturais e cognitivas de ação
social corporificada de modo particular na linguagem.‖ (MARCUSCHI, 2005a, p.18, grifo do
autor).
Os neros, que refletem as condições específicas e as finalidades de cada um dos
campos ou esferas discursivas, são constitdos de três elementos básicos: o conteúdo
temático, o estilo e a construção composicional. Em outras palavras, um nero determina o
que dizer e como dizer. Segundo o autor russo, esses três elementos são indissociáveis e
complementares entre si; além disso, apresentam as especificidades de cada esfera em que
estão inseridos
Mas o conceito de nero o pode se esgotar nessa constatação
1
. As três dimensões
genéricas são determinadas pelos parâmetros da situação de produção e, de acordo com
Bakhtin/Volochinov (2006) pela apreciação valorativa do locutor a respeito do tema e do
interlocutor do seu discurso. Segundo Rojo (, p. 13),
são elementos essenciais desta situação social mais imediata os parceiros da
interlocução: o locutor e seu interlocutor, ou horizonte/auditório social, a
que a palavra do locutor se dirige. São as relações sociais, institucionais e
interpessoais desta parceria, vistas a partir do foco da apreciação
valorativa do locutor, que determinam muitos aspectos temáticos,
composicionais e estilísticos do texto ou discurso.
No entanto, a interação discursiva o se no vácuo; ao contrário, ela acontece em
diferentes esferas sociais historicamente situadas. Como decorrência, em cada uma dessas
esferas,
os parceiros da enunciação podem ocupar determinados lugares sociais e
não outros e estabelecer certas relações hierquicas e interpessoais e
não outras; selecionar e abordar certos temas e não outros; adotar certas
finalidades ou intenções comunicativas e não outras, a partir de
apreciações valorativas sobre o tema e sobre a parceria. (ROJO, p. 13)
A recorrência desses discursos estabiliza um conjunto de gêneros mais apropriados
para a ação nessas esferas, criando regularidades nas práticas sociais de linguagem. Esses
gêneros, por sua vez, prefigurarão possibilidades de tema, estilo e composição para a
interação discursiva em uma determinada esfera.
1
A análise desses três elementos, muitas vezes dissociados do seu contexto de produção, constitui a perspectiva
da uma abordagem mais textual, que, num processo botton up, identifica invariâncias temáticas e linguísticas
para a identificação dos neros e famílias de gêneros.
15
É nessa direção que vai Bhatia (1997) quando assevera que
os gêneros se definem essencialmente em termos do uso da
linguagem em contextos comunicativos convencionados, que
origem a conjuntos específicos de propósitos comunicativos para
grupos sociais e disciplinares especializados que, por sua vez,
estabelecem formas estruturais relativamente estáveis e, a certo
ponto, impõem restrições quanto ao emprego de recursos léxico-
gramaticais.
Reconhecer essa estabilidade
2
não significa que os neros ―atualizem os mesmos
enunciados. Os textos produzidos de acordo com os gêneros são irrepetíveis, pois a situação
comunicativa que engendra esses textos é, ela mesma, irrepetível, o que garante a cada
enunciado um caráter original.
Retomemos agora os três elementos constitutivos do gênero.
Conforme Rojo, o conteúdo temático ou tema
3
constitui os conteúdos ideologicamente
conformados, que se tornam comunicáveis (dizíveis) através do gênero. Todo gênero
prefigura um conjunto de temas possíveis e isso se torna mais visível quanto mais
institucionalizado for o contexto em que o gênero é usado. A notícia, por exemplo, um dos
gêneros do discurso jornalístico, constitui um caso típico. Aqui vale uma citação de Lage
(1999, p. 22):
O universo das notícias é o das aparências do mundo; o noticiário não
permite o conhecimento essencial das coisas, objeto do estudo
científico, da prática teórica, a não ser por eventuais aplicações a
fatos concretos.
Essa restrição temática, fruto de uma espécie de concordância tácita dos membros de
uma comunidade discursiva a dos jornalistas -, evidencia o poder regulador do gênero
quanto ao que pode ser dito ou não.
2
Estabilidade, mas não estaticidade, pois os gêneros não são estanques nem encerrados em tipos rígidos; eles
estão constitutivamente atrelados às inúmeras esferas das atividades humanas, o que pressupõe heterogeneidade
e dinamicidade, uma vez que as sociedades não se mantêm iguais, sofrendo mudanças continuamente por
necessidades de ordem econômica, política, entre outras.
3
O tema, expressão de uma situação histórica concreta que deu origem à enunciação
(BAKHTIN/VOLOCHONOV, 2006, p. 13) é concreto, único e irrepevel, o que o dota de uma dimensão
ideológica. Ao tema é relacionado teoricamente o conceito de significação, que se refere aos elementos da
enunciação que são reiteráveis e idênticos cada vez que repetidos; contrariamente à significação, o tema é
indissociável da instância histórica em que é proferido.
16
Para abordar o estilo, outro elemento constitutivo do gênero, começamos com uma
pergunta: como conceber estilo à luz do pensamento bakhtiniano, se as reflexões sobre
linguagem propostas pelo autor e seu Círculo fundamentam-se na relação, nas múltiplas vozes
e não no particular, no individual, a que o senso comum convencionou chamar de estilo?
Segundo Brait (2006), se o focalizarmos sob uma dimensão condizente com a teoria
dialógica como um todo, o estilo é percebido como um dos conceitos-chave na compreensão
do dialogismo, princípio que rege a produção e a compreensão dos sentidos, essa fronteira
em que eu/outro se interdefinem, se interpenetram, sem se confundirem ou se fundirem‖
(BRAIT, 2006, p.80). De acordo com a autora, em várias obras de Bakhtin e seu rculo, o
estilo está associado a reflexões, análises, conceitos e categorias específicas que, somados,
permitem uma melhor compreensão da linguagem e seu caráter histórico, cultural, social e
particular, sempre afetada, alterada e impregnada pelas relações que a constituem. Brait
afirma que, nos trabalhos de Bakhtin,
é possível encontrar estilo como uma dimensão textual discursiva que vai
sendo trabalhada, refinada em função dos objetos específicos tratados em
cada um dos estudos.O conceito de estilo vai se construindo no pensamento
bakhtiniano e, ao mesmo tempo, instaurando uma fértil polêmica com
vertentes clássicas da lingüística e da estilística, bem como com as filosofias
que as fundamentam, quer em afirmações teóricas, quer em análise de
diferentes autores, gêneros e particularidades das relações inter e
intradiscursos. (BRAIT, 2006, p. 80)
A autora destaca que em Problemas da poética de Dostoiésvski e A cultura popular na
Idade Média e no Renascimento: o contexto de François Rabelais, Bakhtin conta de
enfrentar o problema do estilo, ultrapassando a análise linguística ―mesmo considerando a
existência de estilos de linguagem, dialetos sociais etc. como componente de um estilo, ou
caracterizadores de estilos‖ (op. cit. p.81). O que importa é saber sob que ângulo dialógico
tais elementos se confrontam num texto, num enunciado. E, para o autor russo, o ângulo
dialógico o pode ser estabelecido por critérios puramente linguísticos, pois as relações
dialógicas pertencem à esfera do discurso.
Segundo Flores et al. (2009, p. 115), apesar do conceito de estilo encontrar-se
associado a reflexões e categorias específicas em diversas obras de Bakhtin e seu Círculo,
―sua formulação contribui para elucidar os pilares sobre os quais se constrói o pensamento
bakhtiniano, fundados na idéia de que a interação verbal é o modo de ser dos sujeitos e da
linguagem.Neste sentido, os autores destacam que o estilo é de natureza social porque toda
17
nossa atividade mental como falante é constituída no campo social. Assim, a singularidade
materializada no estilo seria decorrente das várias vozes que constituem a consciência
individual.
Em Estética da criação verbal, Bakhtin (2006) aponta para a existência não somente
do estilo individual, mas também para o estilo próprio de cada gênero. Onde estilo
gênero.‖ (BAKHTIN, 2006, p.268). Dessa forma, muitas vezes o estilo genérico não permite a
transparência do estilo individual. Isso ocorre principalmente nos gêneros do discurso que
apresentam uma forma mais padronizada, como os da esfera burocrática (ocio,
requerimento, por exemplo). Segundo o autor, os textos literários são os mais favoráveis à
transparência dos estilos individuais.
Assim, a concepção de estilo, no sentido bakhtiniano, vai muito além da busca de
traços que indiquem a expressividade de um indivíduo. O estilo particular, individual, o que é
próprio de cada autor, é formado pelas várias vozes que o constituem, várias vozes que
circulam e se renovam ao longo da história, pois o enunciado deve ser visto antes de tudo
como uma resposta aos enunciados precedentes de um determinado campo...‖ (op. cit. p. 297)
Nessa dinâmica, o eu e o outro se interpenetram sem se confundirem.
―O estilo é o homem‖, dizem; mas poderíamos dizer: o estilo é pelo menos
duas pessoas ou, mais precisamente, uma pessoa mais seu grupo social na
forma de seu representante autorizado, o ouvinte o participante constante
na fala interior e exterior de uma pessoa. (VOLOSHINOV, documento
eletrônico)
Deste modo, o estilo é determinado pelos diversos gêneros e contextos de produção
em que tais gêneros se inscrevem. Ao analisarmos, por exemplo, uma propaganda veiculada
em uma determinada revista, ou a embalagem de um produto x, devemos ter em mente esse
universo de complexidade que envolve não somente o estilo particular de cada profissional
(publicitário, design) constituído pelo estilo/conceito de propaganda/embalagem
historicamente acumulados ou estilo da empresa anunciante/vendedora, mas também o
estilo do público-alvo potencial e da esfera de circulação desses enunciados, além da
enunciação
4
única que se dará no momento da interação entre o enunciador e o enunciatário.
4
Conforme explica o tradutor Paulo Bezerra (Os gêneros do discurso, ed. 2006), os termos enunciado e
enunciação, advêm do termo russo ―viskázivanie‖, significando tanto o ato de produção do discurso, de
expressão do pensamento por meio de palavras, quanto para o seu resultado, um romance, por exemplo.
(BAKHTIN, 2006. p. 99)
18
Portanto, conceber estilo sob a ótica bakhtiniana pressupõe pensar sujeitos que
produzem enunciados concretos, em situações reais de comunicação, sujeitos esses inseridos
em um dado contexto, fazendo história e sendo por ela constitdos.
O outro elemento a ser definido é a forma composicional, ou o tipo de estruturação
que um enunciado assume de acordo a situação comunicativa no qual se insere. Entre os três
elementos constitutivos do gênero, é considerado seu traço mais característico, como podemos
constatar através da expressão acima de tudo‖ em
Esses enunciados refletem as condições específicas e as finalidades de cada
referido campo não só por seu conteúdo (temático) e pelo estilo da
linguagem, ou seja, pela seleção dos recursos lexicais, fraseológicos e
gramaticais da língua, mas, acima de tudo, por sua construção
composicional. (BAKHTIN, 2006, p.261)
Se nos comunicamos somente através de enunciados todos os nossos enunciados
possuem formas relativamente estáveis e típicas de construção do todo‖ (BAKHTIN, 2006 p.
282, grifo do autor). Assim como nos é dada a ngua materna, essas formas relativamente
estáveis nos são dadas de modo que as dominamos livremente mesmo antes dos estudos
formais. ―Nós aprendemos a moldar o nosso discurso em forma de gênero e, quando ouvimos
o discurso alheio, já adivinhamos o seu gênero pelas primeiras palavras...‖ ((BAKHTIN, 2006
p. 283)
Enfim, podemos definir a forma composicional como sendo tanto as forma(s) de
organização/estruturação global dos textos pertencentes a um determinado gênero quanto às
partes típicas desses textos.
Percebendo o discurso como um produto heterogêneo e, portanto, suscetível a
mudanças, Bakhtin destaca a importância de atentarmos para a diferença entre os gêneros
discursivos primários (simples) e os secundários (complexos). Segundo Faraco (2003, p.61),
trata-se de uma distinção entre duas esferas da criação ideológica: a ideologia do cotidiano e
os sistemas ideológicos constituídos‖ (grifo do autor).
Para o filósofo russo, gêneros discursivos primários são aqueles que resultam das
situações de comunicação cotidianas, espontâneas, o elaboradas. os gêneros secundários
(romances, dramas, pesquisas científicas etc.), normalmente estabelecidos por meio da escrita,
19
surgem nas relações sociais mais complexas e elaboradas da comunicação cultural
organizadas em sistemas específicos como a ciência, a arte, a política. Conforme Machado
(2006), isso não significa que os gêneros secundários refratem os primários: nada impede que
formas de comunicação do mundo cotidiano penetrem nas esferas da arte, filosofia, ciência,
por exemplo.
No processo de sua formação eles [gêneros secundários] incorporam e
reelaboram diversos gêneros primários (simples), que se formaram nas
condições da comunicação discursiva imediata. Esses gêneros primários, que
integram os complexos, aí se transformam e adquirem um caráter especial:
perdem o nculo imediato com a realidade concreta e os enunciados reais
alheios... (BAKHTIN, 2006a, p.263)
Nesse processo, portanto, ambas as esferas se modificam e se complementam. Uma
conversa cotidiana, por exemplo, perde seu contexto de comunicação espontânea quando é
incorporada por um romance, uma propaganda, uma entrevista, ao mesmo tempo em que
assume um papel relevante na configuração desse gênero mais elaborado.
É importante salientar, conforme Marcuschi (2005a), que as considerações de Bakhtin
sobre a questão do gênero levaram a uma série de posições incongruentes. Em relação ao
relativamente estáveis‖, muitos autores deram mais importância à noção de estabilidade,
enquanto que o pensador russo parece ter valorizado mais o relativamente.
Ao contrário do que ocorreu, parece que para Bakhtin era mais importante
frisar o ―relativamente‖ do que o ―estável‖. Contudo, para muitos, o aspecto
mais interessante foi a noção de estabilidade tida como essencial para a
afirmação da forma, mas do ponto de vista enunciativo e do enquadre
histórico-social da língua, a noção de relatividade parece sobrepor-se aos
aspectos estritamente formais e captar melhor os aspectos históricos e as
fronteiras fluidas dos gêneros. (MARCUSCHI, 2005a, p. 17)
No entanto, segundo esse mesmo autor, dentre a grande variedade de ―teorias de
gêneros‖ que existem atualmente aquelas que privilegiam o estudo da forma e da estrutura
estão em crise, que a tendência atual é considerar o gênero como essencialmente flexível,
variável, ou seja, observá-lo ―pelo seu lado dinâmico, processual, social, interativo, cognitivo,
evitando a classificação e a postura estrutural.‖
É preciso cautela, principalmente no âmbito educacional, em que muitos professores
se mostram bastante interessados no assunto, considerando o ensino sob a perspectiva do
gênero como a grande saída para resolver os problemas de leitura e produção de textos. No
entanto, conforme Lopes-Rossi (2002), esses professores são carentes de fundamentação
20
teórica e de exemplos práticos, apesar dos grandes avanços alcançados nos últimos anos.
Nesse contexto, o trabalho com os gêneros, em muitos casos, tem-se voltado ao estudo da
forma, desconsiderando, por conseguinte, os aspectos dinâmicos e sociais dos gêneros
discursivos.
1.1.2 Gêneros discursivos: contribuições de outros autores
A relevância dos estudos de Bakhtin acerca dos gêneros discursivos motivou e
continua motivando muitos outros teóricos, o que tem resultando, nos últimos anos, em vasta
produção de caráter tanto teórico quanto pedagógico. Para ampliar nossas considerações a
esse respeito, gostaríamos de destacar aqui as contribuições de Dominique Maingueneau, Luiz
Antonio Marcuschi, Joaquim Dolz e Bernardo Schneuwly.
Segundo Maingueneau, todo texto pertence a uma categoria ou nero de discurso,
sendo que as categorias variam de acordo com o uso que fazemos dela. Desse modo, gêneros
de discurso o ―dispositivos de comunicação que só podem aparecer quando certas condições
sócio-históricas estão presentes‖ (MAINGUENEAU, 2002. p. 61).
O autor destaca ainda a distinção entre gêneros e tipos de discurso afirmando que os
gêneros de discurso pertencem a diversos tipos de discurso associados a vários setores de
atividade social. (MAINGUENEAU, 2002. grifo do autor). Assim, uma propaganda
constitui um gênero de discurso no interior de um tipo de discurso “publicitário‖ que, por sua
vez, insere-se em um outro conjunto, o tipo de discurso ―midiático‖.
Para Maingueneau, os gêneros não são formas que se encontram à disposição do
falante a fim de que este molde nelas seu enunciado. ―Trata-se, na realidade, de atividades
sociais que, por isso mesmo, são submetidas a um critério de êxito. (MAINGUENEAU,
2002. p. 61).
Sendo assim, o gênero discursivo deve submeter-se a um conjunto de condições de
êxito propostas pelo linguísta:
Uma finalidade reconhecida, cuja determinação correta garante o a
adequação do discurso ao público a que se destina, mas tamm é
indispensável para que o destinatário tenha um comportamento adequado ao
gênero utilizado;
21
O estatuto de parceiros legítimos, determinando o papel que devem assumir o
enunciador e o enunciatário nos diferentes neros de discurso. O texto
publicitário, por exemplo, põe em relação uma marca e um consumidor;
O lugar e o momento legítimos todo gênero implica um certo lugar e um
certo momento. Não se trata de coerções externas, mas algo de constitutivo.‖
Um suporte material refere-se à dimensão midiológica dos enunciados. Uma
modificação do suporte pode modificar radicalmente um gênero de discurso.
Um debate televisivo, por exemplo, é completamente diferente de um debate
em um auditório para um público formado apenas pelos ouvintes presentes.
Uma organização textual, ou modos de encadeamento dos elementos
constituintes de cada gênero, ou o que Bakhtin denomina forma composicional.
Em suma, para o linguísta francês, os gêneros de discurso correspondem às
necessidades da vida cotidiana; são dispositivos que surgem de acordo com as condições
históricas e sociais. E, por se tratar de atividades sociais, os gêneros de discurso são
submetidos às condições de êxito, condições essas que envolvem o estilo, a forma
composicional e o contexto de produção e circulação desses gêneros.
No campo de estudo dos gêneros discursivos, o poderíamos deixar de destacar as
contribuições de Luiz Antonio Marcuschi, cujos trabalhos situam-se numa perspectiva sócio-
cognitiva e interativa. Na esteira de Bakhtin, o autor parte do pressuposto de que é impossível
se comunicar verbalmente a o ser através de algum gênero, assim como não pode haver
comunicação verbal a não ser por algum texto, ou seja, para Marcuschi a comunicação verbal
é possível através de um gênero textual
5
. Segundo ele, o gênero é fruto da ação coletiva,
contribuindo para ordenar e estabilizar as atividades comunicativas do cotidiano.
Considerados como entidades sócio-discursivas e formas de ação social, os gêneros
surgem emparelhados a necessidades e atividades sócio-culturais, bem como
na relação com inovações tecnológicas, o que é facilmente perceptível ao se
considerar a quantidade deneros textuais hoje existentes em relação a
sociedades anteriores à comunicação escrita. (MARCUSCHI, 2005b, p. 19)
5
Diferentes autores usam o termo ―gênero textual‖ (MARCUSCHI, 2005; CHARAUDEAU, 2008),
ou ―gênero discursivo (LOPES-ROSSI, 2005; BAKHTIN, 2006). A discussão dessa diferença
terminológica não é foco de nossa pesquisa e, neste trabalho, adotamos gênero discursivo para
designar ‗tipos relativamente estáveis de enunciados‘; correspondendo ao que Marcuschi e
Charaudeau denominam ―gênero textual‖.
22
Desse modo, o autor concebe os gêneros não como instrumentos estanques, mas como
eventos altamente dinâmicos e malveis.
Em seus estudos, Marcuschi destaca o surgimento dos novos gêneros textuais,
sobretudo os que se situam no âmbito das novas tecnologias. O autor ressalta que não são as
tecnologias propriamente ditas responsáveis pelo nascimento de tais gêneros e sim a
intensidade de uso dessas tecnologias. Retomando a ideia de ―transmutão dos gêneros‖
proposta por Bakhtin (2006a), o autor destaca que esses novos neros não são inovações
absolutas‖ (MARCUSCH, p. 20), mas estão ancorados em outros gêneros já existentes, como
o e-mail que tem nas cartas e nos bilhetes seus antecessores, sendo, contudo, umnero novo,
com características e identidades próprias.
O linguísta brasileiro apresenta como aspecto central no caso dos gêneros emergentes
a nova relação que eles instauram no tocante ao uso da linguagem. Para o autor, esse processo
possibilita a redefinição de alguns aspectos centrais na observação dos usos da linguagem,
como, por exemplo, o estreitamento ou até mesmo a eliminação das fronteiras entre a escrita e
a oralidade. O autor observa um certo hibridismo decorrente das novas formas comunicativas
criadas pelos novos gêneros. Além de uma maior integração entre signos verbais, sons,
imagens e formas em movimento, resultando em uma linguagem semelhante a uma
coreografia. Na linguagem da propaganda podemos observar essa tendência, o somente de
integração entre vários tipos de semioses, como também o uso do formato de certos gêneros
com novos objetivos. Vale ressaltar que, embora Marcuschi (2005b) defenda a ideia de que os
gêneros textuais não se classificam nem se definem por seus aspectos formais e sim por
aspectos sócio-comunicativos e funcionais, isso não quer dizer que ele despreze a forma. O
autor afirma que em muitos casos é a forma que determina o gênero e, em outros, a função ou
o próprio suporte textual.
Marcuschi (op. cit.) aponta como sendo fundamental nos trabalhos de produção e
compreensão de texto a distinção entre tipos textuais e gêneros textuais, observando que tais
distinções nem sempre são analisadas de modo claro. O autor propõe os seguintes argumentos
para explicar essas duas noções:
a) Usamos a expressão
tipo textual
para designar uma espécie de
construção teórica definida pela
natureza lingüística
de sua composição
{aspectos lexicais, sintáticos, tempos verbais, relações lógicas}. Em
geral, os
tipos textuais
abrangem cerca de meia dúzia de categorias
conhecidas como:
narração, argumentação, exposição, descrição, injunção.
23
b) Usamos a expressão
nero textual
como uma noção propositalmente
vaga para referir os
textos materializados
que encontramos em nossa vida
diária e que apresentam
características sócio-comunicativas
definidas por
conteúdos, propriedades funcionais, estilo e composição característica.
Se os tipos textuais são apenas meia dúzia, os gêneros o inúmeros.
Alguns exemplos de gêneros textuais seriam:
telefonema, sermão, carta
comercial, carta pessoal, romance, bilhete, reportagem jornalística, aula
expositiva, reunião de condomínio, notícia jornalística, horóscopo, receita
culinária, bula de remédio, lista de compras, cardápio de restaurante, instru-
ções de uso, outdoor, inquérito policial, resenha, edital de concurso, piada,
conversão espontânea, conferência, carta eletrônica, bate-papo por compu-
tador, aulas virtuais
e assim por diante. (MARCUSCHI, 2005b, p. 22-
23, grifo do autor)
Desse modo, enquanto os tipos textuais são definidos por propriedades linguísticas
intrínsecas, os gêneros são definidos por propriedades sócio-comunicativas. Se estes são,
como afirma o autor, textos empiricamente realizados cumprindo funções comunicativas‖,
aqueles são sequências linguísticas que se apresentam no interior dos gêneros. Os tipos
textuais comportam um número limitado de nomeações enquanto para os gêneros, como
observamos, há um conjunto aberto e ilimitado de nomeações.
Outra noção que Marcuschi procura esclarecer é a expressãodonio discursivo‖.
Usamos a expressão
domínio discursivo
para designar uma esfera ou instância
de produção discursiva ou de atividade humana. Esses
domínios
não são
textos nem discursos, mas propiciam o surgimento de discursos bastante
específicos. Do ponto de vista dos domínios, falamos em
discurso
jurídico,
discurso jornalístico, discurso religioso
etc., que as atividades jurídica,
jornalística ou religiosa não abrangem um gênero em particular, mas o
origem a vários deles. Constituem práticas discursivas dentro das quais
podemos identificar um conjunto de gêneros textuais que, às vezes, lhe o
próprios (em certos casos exclusivos) como práticas ou rotinas
comunicativas institucionalizadas. (op. cit., p.23-24)
Em suma, nos tipos textuais há o predomínio de sequências linguísticas típicas de cada
tipo, definidos por seus traços linguísticos marcantes; já para os gêneros textuais predomina a
ação prática de uso da ngua em contexto sócio-histórico, ao passo que os donios
discursivos referem-se às grandes esferas de atividade humana em que os textos circulam para
cumprir um determinado propósito comunicativo.
O autor enfatiza que um gênero não pode ser definido mediante certas propriedades
que são tidas como próprias daquele gênero. Tal definição está mais relacionada com a função
social que o gênero desempenha no contexto comunicacional. Assim, uma carta será
classificada dessa forma mesmo que não tenha todos os seus elementos constitutivos, uma
24
propaganda pode ter o formato de uma lista e ainda assim cumprir seu papel persuasivo.
Marcuschi discute também a relação entre gêneros e suportes textuais, partindo do
pressuposto de que todo gênero tem um suporte; no entanto, alerta para o fato de que a
distinção entre ambos não é simples de ser feita e sua classificação exige cautela. É
necessário definir categorias, delimitar fronteiras, discutir o nível de inflncia que os
suportes exercem sobre os gêneros e refletir acerca da circulão textual em nossa sociedade.
Segundo esse autor, a existência dos suportes é fundamental para que os neros
circulem na sociedade e deve ter alguma influência na natureza do gênero suportado. O que
o significa que o suporte determine o nero, mas sim que o nero exige um suporte
especial. Por outro lado, afirma que essa posição é questionável, pois casos em que o
suporte determina a distinção do gênero, como por exemplo:
“Marcos, te amo. Me ligue assim que puder. Andreza”
Se esta mensagem for enviada pelo celular, será um torpedo SMS, se estiver escrito
em um pedaço de papel, pode ser um bilhete, se for enviado por correio eletnico, será um e-
mail; exposto em um outdoor, pode ser uma declaração de amor. Portanto
há que se considerar este aspecto como um caso de co-emergência, já que o
gênero ocorre (surge e se concretiza) numa relação de fatores combinados no
contexto emergente.(MARCUSCHI, 2003, p. 2, grifo do autor)
Mas, afinal de contas, o que é suporte textual? Buscando uma noção mais clara acerca da
natureza do suporte textual, o autor afirma que, apesar de as definições serem de certo modo
relativas, o suporte de um nero textual é um lugar físico ou virtual, cujo formato específico
suporta, fixa e mostra um texto, tornando-o acessível aos fins comunicativos. Não deve ser
confundido com a situação, com o canal ou com a natureza do serviço prestado. Enquanto o
suporte fixa materialmente o texto, o canal transmite e transporta esse texto.
No entanto, a distinção entre gênero e suporte nem sempre é feita com precisão. Por
exemplo, um outdoor é um gênero ou um suporte? E o jornal? O que dizer de uma embalagem?
De um envelope de carta? O próprio Marcuschi declara já ter classificado o outdoor como
gênero, mas agora admite ser um suporte para vários neros, tais como: anúncios,
propagandas, comunicados, convites, declarações, editais. Ele afirma que podemos dizer que
25
uma embalagem é um suporte na relação com o rótulo enquantonero, ao passo que o
envelope não é o suporte para a carta pessoal, mas é o suporte do endero.
Outra questão levantada pelo autor concernente a essa temática diz respeito à relação
entre o formato específico do suporte e a natureza do gênero por ele fixada. O suporte exerce
influência sobre o gênero? Marcuschi (2003) propõe que se considerem aqui dois aspectos: as
funções e o formato textual dos gêneros. Tomando como exemplo o editorial de um jornal
diário e o editorial de uma revista semanal, destaca que há uma grande variação na forma de
conteúdo e natureza interna: no primeiro caso, o editorial traz a opinião do jornal acerca de um
tema em destaque no dia; no segundo, traz uma visão geral dos temas da semana tratados na
revista. Da mesma forma, uma propaganda terá características diversas se estiver em um
outdoor ou numa revista semanal ou em um jornal diário; contudo parece-nos que continuará
sendo o mesmo gênero e exercendo a mesma função comunicativa.
Outro exemplo explorado pelo autor é a questão do livro didático (suporte textual,
segundo o autor), sobretudo o livro de Português, em que podem aparecer os mais diversos
gêneros: cartas, poemas, histórias em quadrinho, propaganda, notícia. Será que esses neros
que aparecem no livro didático mantêm a mesma função original?
Marcuschi (2003, p. 12, grifo do autor) enfatiza que o livro didático tem objetivos e
interesses específicos que determinam a escolha de certos gêneros; ele busca aqueles que mais
se aplicam aos objetivos de ensino, selecionando os mais recorrentes ou que exemplificam
peculiaridades estruturais e funcionais, o que não atinge a estrutura dos gêneros, mas sua
funcionalidade imediata no que tange ao interesse e não à função.Ou, em outras palavras, a
propaganda, o editorial, a notícia, por exemplo, continuam sendo os mesmos neros, embora
o sirvam mais aos mesmos propósitos originais. Isso é o que o autor chama de
reversibilidade de função. A propaganda, por exemplo, deixa ter o propósito de ―vender um
produto para operar como um exemplo para a produção de tais objetivos.
Concluindo a discussão acerca da relão gênero/suporte, ele afirma:
Essas questões não foram ainda tratadas em detalhe nem analisadas em suas
repercussões sobre os processos de textualização ou sobre elementos
constitutivos dos textos como as seleções lexicais e outros. Embora não tenha
autonomia, o suporte tem relevância na constituão de alguns aspectos daquilo
que transporta ou suporta. Em muitos casos, o suporte é uma espécie de base
que porta contextos muito específicos que podem trazer algum tipo de
influência. Assim, se um texto sai num jornal ou em um livro ou se está
26
afixado em um quadro de avisos numa parede, isto vai ter diferentes formas de
recepção. (MARCUSCHI, 2003, p. 13)
Outro aspecto a ser considerado com cautela, segundo esse teórico, diz respeitoà
natureza do suporte do ponto de vista de sua constituição comunicativa‖. A partir daí propõe a
seguinte classificação: suportes convencionais e suportes incidentais. Enquanto os suportes
convencionais são aqueles que são produzidos com a finalidade principal de suportar textos
(como livro, jornal, revista, outdoor, faixas, luminosos, encarte, quadro de avisos), os suportes
incidentais são aqueles que podem trazer textos, mas não o primeiramente destinados a isso
(embalagem, para-choque de caminhão, corpo humano, tronco de árvore, roupas, paredes,
muros). Além disso, o autor apresenta os sistemas de correios, os programas de e-mail, as malas
diretas e as ―home pages‖ como sendo casos típicos do que ele chama serviço.
Ao abordar as ideias de Marcuschi acerca dos gêneros textuais não poderíamos deixar
de mencionar também suas considerações sobre gêneros e ensino. O autor, corroborando o
que afirmam os PCN (Parâmetros Curriculares Nacionais), sugere que o trabalho de leitura e
produção textual seja feito através dos gêneros, tendo em vista que tudo que fazemos
linguisticamente ocorre por meio dos gêneros textuais. O ensino por meio dos gêneros (orais
e/ou escritos) seria, então, uma oportunidade de lidar com a língua em seus autênticos usos no
cotidiano.
Nessa vertente educacional destacamos também os trabalhos do Grupo de Genebra,
sobretudo as contribuições de Joaquim Dolz e Bernardo Schneuwly. Seus estudos situam-se
em uma perspectiva interacionista e sócio-discursiva de caráter psicolingüístico, cujo interesse
se volta para o ensino de língua materna; retomam as ideias de Bakhtin procurando apli-las
a práticas de ensino-aprendizagem. Para os pesquisadores, “é através dos gêneros que as
práticas de linguagem materializam-se nas atividades dos aprendizes.(SCHNEUWLY;
DOLZ, p. 74, grifo do autor)
A partir da perspectiva bakhtiniana, Schneuwly (2004) aponta três elementos que
considera fundamental para a definição de gênero.
O primeiro refere-se à escolha do gênero. Segundo o autor, essa seleção se em
―função de uma situação definida por um certo número de parâmetros: finalidade,
destinatários e conteúdo‖ (SCHNEUWLY, 2004, p. 26).
27
O segundo, ainda se refere à escolha do gênero, mas nesse caso, enfatizando o
somente, os parâmetros que determinam a função de uma situação, mas o lugar social que
define um conjunto possível de gêneros‖ (SCHNEUWLY, 2004, p. 26).
O último elemento trata da estrutura que o gênero apresenta. De acordo com
Schneuwly, mesmo sendo mutáveis, os gêneros apresentam uma certa estabilidade. Eles têm
uma composição: tipo de estruturação e acabamento e tipo de relação com os outros
participantes da troca verbal‖ (SCHNEUWLY, 2004, p. 26); em outras palavras, a estrutura é
definida pela função do texto. Além disso, eles o caracterizados por um estilo que deve ser
considerado não como marca da individualidade, mas como elemento constitutivo de um
gênero.
Tendo em mente essas três características, o autor considera o nero, então, como um
instrumento através do qual o locutor-enunciador age discursivamente numa situação definida
por uma série de parâmetros. Para Schneuwly, trata-se de um instrumento semiótico
complexo, uma forma de linguagem prescritiva, que permite, a um tempo, a produção e a
compreensão de textos. (SCHNEUWLY, 2004, p.27).
Sob a ótica da aprendizagem e do desenvolvimento, o pesquisador suíço procura
demonstrar tamm como os conceitos de gêneros primários e neros secundários, cunhados
por Bakhtin, relacionam-se, respectivamente, ao que Vygotsky chamou ‗conceitos
espontâneos‘ e ‗conceitos científicos‘. Assim como os gêneros primários, os conceitos
espontâneos surgem nas situações de comunicação cotidiana, resultado de pouco ou nenhum
controle lingüístico. Ao contrário, os conceitos científicos, assim como os gêneros
secundários, aparecem em circunstâncias de comunicação mais complexa e relativamente
mais evoluída.
Assim, na leitura do autor, os gêneros primários
estão fortemente ligados à experiência pessoal da criaa e se aplicam a uma
situação à qual estão ligados de maneira quase indissociável, por assim dizer,
automática, sem real possibilidade de escolha. Diria mesmo que a ausência
de possibilidade de escolha é o que mais os caracteriza num nível muito
pouco evoluído de desenvolvimento, isto é, precisamente antes da aparição
dos gêneros secundários. (SCHNEUWLY, 2004, p.33)
Os gêneros secundários, por seu turno, seriam os responsáveis pela introdução de uma
importante ruptura, que se apresenta em dois níveis.
28
Em primeiro lugar, não estão mais ligados de forma imediata às situações de
comunicação e por isso são tratados como sendo relativamente independentes do contexto
imediato. Sua forma é frequentemente uma construção complexa de vários gêneros do
cotidiano. Isso não significa que sua apropriação não possa ocorrer diretamente a partir de
situações de comunicação. O aprendiz depara-se com neros numa situação que não está
organicamente ligada ao gênero, ele próprio não está mais organicamente ligado a um
contexto preciso imediato (op. cit., p. 33). Tal situação, diferente do que ocorre com os
gêneros primários, não resultou diretamente das esferas de motivações do aprendiz, mas de
um outro contexto que tem motivações mais complexas, por construir.
Em segundo lugar, o aparecimento de um novo sistema o dos gêneros secundários
o anula nem substitui o precedente. Mesmo sendo diferente, o novo sistema apóia-se sobre
o antigo em sua elaboração, transformando-o completamente, ou, como afirma Bakhtin
(2006), o aparecimento dos gêneros secundários, transmuta os primários. Desse modo, Dolz e
Schneuwly (2004) consideram os neros primários como instrumentos de criação dos
secundários.
Concebendo os gêneros como elementos que materializam as práticas de linguagem
dos aprendizes, os autores defendem a iia de que o trabalho pedagógico com gêneros
discursivos proporciona o desenvolvimento da autonomia do aluno no processo de leitura e
produção textual como uma conseqüência do domínio de funcionamento da linguagem
(LOPES-ROSSI, 2002, p. 80).
Percebemos assim, como mencionamos anteriormente, uma preocupação dos autores
em caracterizar os neros como instrumentos de práticas pedagógicas que visam à
aprendizagem e ao desenvolvimento da linguagem. Nesse sentido, seus trabalhos consistem
o somente na classificação e caracterização dos diversos gêneros, mas, sobretudo, na
proposta de sequências didáticas para o ensino da leitura e produção de textos orais e escritos.
1.2 A propaganda e a embalagem como gêneros discursivos
1.2.1 A Propaganda
Publicidade ou propaganda? Embora o senso comum considere ―publicidade‖ e
propagandacomo termos sinimos, os estudiosos da comunicação buscam diferenciá-los,
29
considerando que a publicidade implica uma conotação comercial (venda de produtos e
serviços) enquanto a propaganda objetiva a difusão de uma imagem, de uma idéia.
De acordo com Sandmann (2003), o termo propaganda deriva do nome Congregatio
de propaganda fide, congregação criada em Roma, em 1622, cujo objetivo era cuidar da
propagação da fé. O autor afirma que diferenças de compreensão do termo entre algumas
línguas. No inglês, por exemplo, o termo propaganda é usado única e exclusivamente para a
propagação de ideias, sobretudo política. Em português, o termo publicidade é usado para a
venda de produtos ou serviços e propaganda tanto para a propagação de ideias como venda de
produtos ou serviços. Sandmann (op. cit. , p. 10) defende que propaganda, portanto, é o
termo mais abrangente e o que pode ser usado em todos os sentidos‖.
Carvalho (2003, p.10) define propaganda como relacionada à esfera dos valores éticos
e sociais, enquanto a publicidade é comercial e ―explora o universo dos desejos, um universo
particular‖ De acordo com a autora, a publicidade é mais leve e mais sedutora que a
propaganda. ―Como o tem autoridade para ordenar, o emissor utiliza a manipulação
disfarçada: para convencer e seduzir o receptor, não deixa transparecer suas verdadeiras
intenções.‖
Vestergard e Shrøder (2000, p. 1) propõem uma distinção entre propaganda comercial
e propaganda não-comercial. Esta, referindo-se aos apelos de associações e sociedades com
finalidades caritativas ou políticas‖. Aquela, abrangendo três esferas da propaganda: a
publicidade de prestígio e institucional, visando não a ―venda‖ de produtos ou serviços, mas
um nome ou uma imagem, cujo objetivo é lembrar ao público da existência daquela empresa;
a propaganda industrial ou de varejo, através da qual uma empresa anuncia seus produtos ou
serviços a outras empresas; e a propaganda comercial ao consumidor, na qual o anunciante é
uma empresa que visa aos consumidores individuais.
Quanto a essa última esfera, os autores ressaltam que os dois participantes da situação
de comunicação são desiguais no que se refere ao interesse e ao conhecimento sobre o
produto anunciado. É justamente nesse ponto que se faz necessário toda sutileza, sedução e
manipulação disfarçada para atrair e convencer o receptor/consumidor. É o que pretendemos
analisar em nossa pesquisa.
30
Como mencionado pelos autores, alguns aspectos devem ser considerados quanto se
trata de estabelecer a distinção entre publicidade e propaganda. No entanto, para o presente
trabalho, não faremos distinção entre os dois termos. Adotaremos propaganda tanto para os
textos que vendem uma ideia, quanto para os que vendem um produto, visto que tal distinção
o interfere na análise que aqui propomos. Eventualmente, usamos o termo ‗anúncio‘ com a
mesma significão.
1.2.1.1 A função da propaganda
Qual a razão da existência da propaganda e porque é necessário que ela seja tão
persuasiva? Não bastaria aos anunciantes apenas informar as pessoas a respeito dos produtos e
serviços e serem oferecidos? Que motivo levou a propaganda a se tornar uma atividade tão
promissora e a atrair talentos capazes de ―fazer arte‖ de forma ousada e criativa?
Para Vestergard e Shrøder (2007, p.3), ―quando uma sociedade atingiu um estágio em
que boa parte da população vive acima do nível da subsistência, a propaganda é inevitável, e
inevitavelmente persuasiva.‖ E, como afirmam os autores, é a dimica do capitalismo que
torna isso possível. Na economia pré-capitalista, baseada no sistema de trocas diretas, os
produtores individuais, tendo suprido suas necessidades, trocavam o excedente por outra
mercadoria de que precisavam. Assim, um tecelão que produzia mais tecido do que lhe era
necessário, trocava certa quantidade desse tecido por certa quantidade de cereais produzida
por um agricultor.
Na esfera de produção do sistema capitalista, no entanto, os homens são desiguais: de
um lado, existem os capitalistas que detêm os meios de produção e, de outro, os trabalhadores
privados dos meios de produção. Ora, nesse sistema, os produtos não constituem mais o
excedente de um produtor individual; são antes resultado de uma produção em massa,
fabricados em unidades industriais para serem vendidas a um blico anônimo. Ao
proprietário que investiu em máquinas, matérias-primas, e salários interessa conseguir o
retorno do que foi gasto, mais o lucro para consumo pessoal.
Portanto, no sistema capitalista,
o processo de venda e compra difere muito da situação das feiras a que nos
aludimos. Apesar da igualdade trica dos homens quando interagem na
esfera da circulação, de fato o industrial e seu cliente em potencialo
desiguais (Haug, 1971:15). Para o vendedor (e, em particular, o acionista) a
31
mercadoria não tem nenhum valor de uso: ele só se interessa por ela como
um depositário de valor de troca, que se realiza com a venda da mercadoria.
Para o comprador, a mercadoria representa um valor de uso, mas o que ele
tem para oferecer ao vendedor, em troca, não tem nenhum valor de uso para
o vendedor, representando apenas a materialização do valor de troca
dinheiro. (VESTERGARD e SHØDER 2000, p.7)
Ora, ninguém irá adquirir um produto que não lhe pareça ter valor de uso e como o
único interesse do produtor é vender a mercadoria, é necessário que seus produtos ao menos
pareçam ter valor de uso. Assim, entra em cena a propaganda.
No mundo em que as novidades tecnológicas possibilitam a produção de um
infindável número de mercadorias, como mencionamos anteriormente ao tratar das
embalagens e marcas de produtos, e frente a consumidores cada vez mais exigentes, a
propaganda é a arma poderosa para conquistar e encantar o consumidor, levando-o a crer que
aquele determinado produto ou serviço lhe é essencial.
Para compreendermos melhor esse campo fértil para o florescimento da propaganda,
precisamos analisar as necessidades que as pessoas procuram satisfazer através do consumo.
Conforme Vestergard e Shrøder (2000), todos nós precisamos de alimentos suficientes para
nos manter vivos, precisamos de abrigo, de transporte, de roupas, ou seja, temos necessidades
materiais.
No entanto, não vivemos de forma isolada. Precisamos de amor, de amizade, de
reconhecimento; precisamos pertencer a grupos e ter consciência desse pertencimento, ou
seja, temos também necessidades sociais.
Como enfatizam os autores, é difícil saber quais necessidades nos são mais
importantes. Se, por um lado, morreríamos por não ter satisfeitas nossas necessidades
materiais básicas, por outro, o isolamento nos acarretaria sérios problemas psicológicos. O
fato é que, ao consumir bens e serviços, estamos ao mesmo tempo satisfazendo nossas
necessidades materiais e sociais. A propaganda não cria tais necessidades, mas explora essas
necessidades que nos são inerentes, sobretudo, a necessidade de pertencimento a
determinados grupos.
Do acúmulo esmagador de estoques de automóveis, bebidas,
eletrodomésticos, brinquedos, desodorantes, pilhas, laticínios, geladeiras,
celulares, tênis, latarias, quinquilharias fabricados em indústrias
monótonas, muitas vezes nada aprazíveis surge o ―herói de sucesso‖, a
―deusa diáfana‖, as diabruras de personagens infantis, o relance erótico, o
32
absurdo deslumbrante e sedutor, o romance que vai mudar a sua vida!
(BARRETO, 2006, p.6)
É aqui que entra outra questão fundamental a ideologia. Sandmann (2003) ressalta
que a ideologia ou os valores refletem sobre a linguagem da propaganda. De acordo com
Fiorin (2001) a ideologia é uma visão de mundo, ou ponto de vista de uma classe social a
respeito da realidade, desse modo, tantas visões de mundo quanto forem as classes sociais.
O autor enfatiza que, o importando quantas forem as visões de mundo existentes, a
ideologia dominante será sempre a da classe dominante.
Miotello também relaciona ideologia aos grupos sociais, ao conceituá-la como
o sistema sempre atual de representação de sociedade e de mundo construído
a partir das referências constituídas nas interações e nas trocas simbólicas
desenvolvidas por determinados grupos sociais organizados. (MIOTELLO,
2006, p. 176)
Se, como defende Sandmann (2003), a linguagem da propaganda é, de certo modo,
reflexo e expressão da ideologia dominante, que aspirões humanas essa linguagem procura
alimentar, tendo por objetivo a venda de uma ideia, serviço ou produto?
Para atender a sua necessidade de pertencimento a determinados grupos, as pessoas
procuram adequar-se aos valores aceitos e difundidos pela classe dominante. Dentre esses
valores, o autor destaca: o valor do tradicional, do antigo, muitas vezes conjugado com o
moderno e com o que tem qualidades; o conceito de juventude e beleza que podem ser
imutáveis; a consciência ecológica; o requinte; o sucesso pessoal ou profissional; o estar na
moda; a eficiência dos artigos de beleza.
Assim, não compramos uma roupa para proteger o nosso corpo; compramos o símbolo
da elegância. Não precisamos somente de um carro para nos levar aos lugares; necessitamos
de algo que demonstre que somos bem sucedidos. Não compramos um cosmético;
compramos a promessa de ―juventude eterna‖. Enfim, o fato de consumirmos este ou aquele
produto parece comprovar que somos detentores dessas marcas de distinção.
Desse modo, a preocupação primordial da propaganda não é invocar o valor de uso
dos produtos oferecidos, mas prometer ao receptor que a aquisição daquele produto lhe trará
amor, sucesso, juventude, reconhecimento, uma imagem ecologicamente correta, enfim,
preencherá seu vazio existencial. Por outro lado, racionalmente o consumidor sabe que tais
33
promessas‖ não são verdadeiras, o que não impede que ele continue sua busca incessante
pela realização completa.
Portanto, a propaganda cumpre dentro da economia capitalista a função de conferir a
um determinado produto uma vantagem extra, capaz de diferenciá-lo dos concorrentes que
são iguais ou quase iguais em termos de valor de uso material. Sua ―missão‖ é fazer com que
o leitor-consumidor associe o produto anunciado a um valor intangível, objeto de seu desejo.
A propaganda, então, trata de fazer a estética da mercadoria, transformando-
a num desejável distintivo para o consumidor, que espera obter um certo
êxito particular. Depois quando o distintivo for transferido para o
consumidor por meio da aquisição da mercadoria, procura-se fazer a estética
do consumidor, cuja ostentação de bens fascinantes se supõe atrair os
sentidos e os desejos dos outros, tal como a mercadoria é produzida para
atrair os sentidos e os desejos do consumidor, graças à imagem criada pela
propaganda. (VESTERGARD e SHØDER, 2000, p.173)
Para cumprir tal ―missão‖ a propaganda lança mão de uma série de artifícios e
aparatos, usando a linguagem como arma poderosíssima, como veremos a seguir.
1.2.1.2 A linguagem da propaganda
Procuraremos aqui destacar algumas características da linguagem da propaganda,
verificando se há um estilo que poderíamos definir como sendo ―estilo publicitário ou
propagandístico‖, entendendo estilo como uma das características gerais desse nero
discursivo, aquilo que o diferencia de outros gêneros.
Embora o possamos negar que o texto publicitário contemporâneo prima pela
exploração cada vez mais criativa dos recursos não-verbais, nosso foco de análise incidirá
sobre os elementos verbais das propagandas impressas, sem, contudo, desconsiderar o grande
poder discursivo das imagens.
Sandmann (2003) aponta como um dos traços estilísticos marcantes do gênero
propaganda o fato de esses textos o serem muitas vezes constitdos por frases ou períodos
completos, como mostram os exemplo (1) e (2):
(1) Novo Clear, funciona. 365 dias sem caspa. (Época, 11 de maio de 2009, p. 11)
34
(2) Tudo na moda. Tudo com moldes. A moda que você faz e usa. (Cartaz da
Editora Globo nas bancas).
De fato, como poderemos observar mais adiante, esse é um traço bastante frequente
nos textos publicitários.
Como a propaganda tem o objetivo de chamar a atenção do consumidor e, mais do que
isso, persuadi-lo a adquirir determinado produto ou serviço, fará uso de uma linguagem capaz
de sugestionar, emocionar e chocar o leitor através do inusitado. Desse modo, a técnica
publicitária
parece baseada no pressuposto informacional de que um anúncio mais atrai
a atenção do espectador quanto mais violar as normas comunicacionais
adquiridas (e subverter, destarte, um sistema de expectativas retóricas).
(ECO,1976, apud SANDMANN, 2003, p. 47)
É importante ressaltar que tais violações, ou desvios tanto da norma culta ou padrão
como do uso ou da norma linguística em geral‖ (SANDMANN, 2003, p. 49), não o meros
descuidos‖, mas obedecem a um propósito comunicativo específico, o de chamar a atenção
do interlocutor para fazer com que ele se interesse pelo texto e, consequentemente, pelo que
está sendo propagado. Marcuschi (2005a, p. 32) fala em ―subversão da ordem genérica
instituída, chamando a atenção para a venda de um produto‖, uma forma de ―desenquadrar o
produto de seu enquadre natural para enquadrá-lo em um novo enfoque‖ para que possamos
percebê-lo em meio à infinidade de ofertas de produtos.
Conforme Carrascoza (2007), o gênero deliberativo
6
predomina no texto publicitário,
que seu objetivo é aconselhar o público a julgar de forma positiva um produto, um serviço
ou uma marca. Para atingir esse propósito, elogia-se o produto, ressaltam-se suas qualidades,
daí o fato de o autor defender a ideia de que a propaganda também apresenta um caráter
epidítico.
Ainda segundo Carrascoza (2007, p. 27), Aristóteles afirma que para ser coerente o
discurso deve respeitar quatro etapas básicas:
6
No capítulo III de sua Arte retórica, Aristóteles propõe aponta a existência de três gêneros da
retórica: o deliberativo, o judiciário, e o demonstrativo, ou epidítico. No deliberativo, aconselha-se
sobre uma questão de interesse público ou particular. O judiciário refere-se à acusação e defesa. O
demonstrativo comporta o elogio e a censura.
35
Exórdio: a introdução do discurso, em que se exprime logo de início o que se pretende
dizer.
Narração: em que são mencionados os fatos conhecidos, sem prolixidade.
Provas: que devem ser demonstrativas.
Peroração: é o epílogo. Consiste em: a) predispor o ouvinte a nosso favor, b)
amplificar ou atenuar o que foi dito, c) excitar as paixões no ouvinte, d) fazer uma
recapitulação.
Embora o filósofo grego tenha apontado essas fases na retórica oral,é possível
verificar que estão presentes no texto contemporâneo (CARRASCOZA, 2007, p. 28),
conforme podemos observar em (3), exemplo proposto pelo autor: um anúncio veiculado na
Revista Veja, 1994.
(3)
Cabeça não foi feita só para pensar.
Raciocínios brilhantes e ideias geniais ficam mais interessantes quando vindos de uma
cabeça emoldurada por um belo cabelo. É por isso, para valorizar ainda mais a intelincia
das mulheres, que a Wella está lançando Soft Color. Soft Color não é tintura. É uma
coloração suave, mas de duração prolongada, que cobre os fios brancos e deixa seu cabelo
com a cor mais bonita que ele poderia ter. Isso porque a fórmula exclusiva da Soft Color
respeita as características naturais de seus cabelos. Além disso, Soft Color não contém
amoníaco. Quer dizer: não tem aquele cheiro forte, típico de tinturas. É soft até na hora de
aplicar. E as cores são especiais: agradam tanto quem quer um tom mais próximo possível do
original como para quem quer mudar para uma cor da moda. Experimente Soft Color da
Wella. Você vai ficar mais bonita até em pensamento.
Exórdio: “Cabeça não foi feita só para pensar”
Narração: “Raciocínios brilhantes e ideias geniais ficam mais interessantes quando
vindos de uma cabeça emoldurada por um belo cabelo. É por isso, para valorizar ainda mais
a inteligência das mulheres, que a Wella está lançando Soft Color. Soft Color não é tintura. É
uma coloração suave, mas de duração prolongada, que cobre os fios brancos e deixa seu
cabelo com a cor mais bonita que ele poderia ter.”
36
Provas: Isso porque a fórmula exclusiva da Soft Color respeita as características
naturais de seus cabelos. Além disso, Soft Color não contém amoníaco. Quer dizer: não tem
aquele cheiro forte, típico de tinturas. É soft até na hora de aplicar. E as cores são especiais:
agradam tanto quem quer um tom mais próximo possível do original como para quem quer
mudar para um açor da moda.
Peroração: Experimente Soft Color da Wella. Você vai ficar mais bonita até em
pensamento.
No entanto, o autor ressalta que devido a alguns fatores como o espaço limitado para a
mensagem, o custo da veiculação do anúncio e a importância secundária da propaganda para o
leitor que busca predominantemente informações nos jornais e revistas e, acrescentamos aqui,
a quantidade de informações que nos bombardeiam diariamente, essas fases do discurso
retórico grego aparecem no texto propagandístico de forma mais breve, sintetizada e, às
vezes, sobrepostas, com o objetivo de agradar um leitor cujo tempo é escasso. é que as
frases curtas e de alto impacto, bem como as imagens assumem fundamental importância.
Para Carrascoza (2007), o texto publicitário deve manter a sua unidade, ou seja, tratar
de um único assunto, conter uma única proposição de venda, que se desenvolverá ao longo do
texto, como podemos perceber no anúncio que apresentamos anteriormente. Desse modo, o
texto publicitário caracteriza-se por uma estrutura circular: o tema é apresentado no exórdio,
percorre to o texto e volta ao ponto de partida. Esse circuito fechado direciona as conclusões
do leitor, evitando questionamentos.
Outra característica do texto publicitário refere-se às fuões da linguagem que uma
mensagem pode desempenhar. Trata-se de uma taxonomia com base em uma perspectiva
funcionalista, que o conta de um enfoque discursivo, central neste trabalho. No entanto,
abordamos de maneira ainda que superficial dessa visão, para mostrar que tal perspectiva
ainda é tomada como arcabouço teórico na análise de propagandas. Segundo Jackobson
(1969, apud CARRASCOZA, 2007), as funções da linguagem podem ser:
Referencial: deixa de lado o emissor e o receptor e focaliza-se no objeto, no contexto
(―Este é o livro‖);
Emotiva ou expressiva: centrado mais no remetente, o emissor fala de si mesmo
dando vazão aos seus sentimentos (p.ex.Humm! Maravilhoso‖);
37
Conativa ou imperativa: o ato comunicativo expressa forte apelo ao receptor,
representa uma ordem (p. ex. Experimente Soft Color‖);
Fática: quando se produzem enunciados cuja função é verificar se o canal de
comunicação está operando (p. ex. quando alguém ao telefone repete, algumas vezes, Hm-
hm!‖ para demonstrar que a mensagem está sendo recebida);
Metalinguística: a mensagem tem como objeto uma outra mensagem (p. ex. o texto
de livros didáticos que explicam o conteúdo de termos técnicos);
Estética ou poética: a mensagem pretende atrair a atenção para si mesma ou para a
forma de se comunicar (p. ex. ―É sofisticado. É singular. É SONY.‖).
E qual a função ou quais as funções predominam na propaganda? Como vimos, o texto
publicitário é deliberativo; desse modo, o é difícil imaginar que a função conativa esteja
nele muito presente, com as marcas linguísticas típicas dessa função, como o uso do verbo no
imperativo, como em (4)
(4) Entre com pouco, saia com muito. Loterias da CAIXA poca, 25 de maio de
2009, p. 38-39)
ou quando a função persuasiva se manifesta sem tais marcas. É o caso, por exemplo,
de procurar atingir a vaidade do leitor:
(5) Uma cerveja com ingredientes nobres, feita para pessoas incomparáveis.
(Época, 6 de abril de 2009, p. 119)
Outra função da linguagem que ganha destaque na propaganda é a função estética:
Considerando que, principalmente nos aglomerados urbanos maiores, as
pessoas recebem excesso de estímulos e mensagens propagandísticas,
despertar ou chamar a atenção e prender a atenção do leitor, fazê-lo
memorizar a mensagem é aspecto essencial ou vital da mensagem e
atividade publicitárias. E isso se consegue, entre outros recursos, com os que
dão destaque ao código linguístico, com os recursos que põem em evidência
a mensagem, cujo objetivo é chocar ou causar estranhamento, fazendo o
destinatário parar e se ocupar com o texto e seus objetivos. (SANDMANN,
2003, p. 29)
Vejamos agora quais são os recursos de que se serve a linguagem da propaganda
para, além de chamar a atenção do consumidor, conseguir a sua adesão.
38
Tendo a palavra o poder de criar ou destruir, prometer ou negar, condenar ou absolver,
a publicidade se vale desse recurso como poderoso instrumento. As palavras deixam de ter
uma função meramente informativa e passam a ser ―escolhidas a dedoem função da sua
força persuasiva, clara ou dissimulada.
E, se a linguagem técnica ou científica tem como ideal a monossemia, o mesmo não
ocorre com a linguagem da propaganda que atinge muito bem o seu propósito se contiver
polissemia, se explorar a homonímia ou se contiver ambiguidades. Isso porque essa
duplicidade de sentido desafia o destinatário a compreender a mensagem, prende sua atenção.
Esse é o caso, por exemplo, do verbo imprimir em (6):
(6) Impressoras e multifuncionais HP. Imprima a qualidade da sua empresa em
tudo que você faz. (Revista da Indústria, julho de 2008, quarta capa).
O verbo pode ser lido tanto como ―faça impressões de qualidade‖ quanto confira a
qualidade de sua empresa a tudo que você faz‖, ou seja, atinge a vaidade do leitor ao dar a
entender que a empresa do destinatário é de qualidade, para persuadi-lo a adquirir o produto.
Outro elemento que podemos destacar aqui é o uso da denotação e da conotação.
Segundo Carvalho (2003), a mensagem do texto publicitário pode apoiar-se tanto no sentido
denotativo quanto no sentido conotativo. No primeiro caso, centrada no referente, com
argumentação fundamentada nas provas intrínsecas ao objeto; no segundo, apoiada no
receptor e com argumentação fundamentada nos processos extrínsecos ao objeto. É o que se
observa em (7) e (8), respectivamente
(7) Omo lava mais branco.
(8) Red Bull te dá asas.
Sandmann (2003) aponta outros aspectos especialmente criativos da linguagem
publicitária, tais como:
Variação linguística adaptação da fala ou da escrita ao contexto ou situação. Mais
formal, menos formal, coloquial, científica, gíria, como se observa em (9) e (10)
39
(9) Taí uma coisa que é certa pra toda família na hora de reformar:
Construcard crédito da Caixa com as melhores taxas de juros. (Época, 6 de
abril de 2009, p. 2-3)
(10) Mesmo com ar condicionado de série, chegamos abafando. Renault
Symbol. (Época, 25 de maio de 2009, p. 24)
Empréstimo linguístico uso de termos ou expressões estrangeiras no lugar de
termos da língua materna, como em (11)
(11) Fotóptica é soft no atendimento e não é hard no pagamento” (Folha,
01/05/91, p.6)
Aspectos fonológicos brincadeiras com a rima, o ritmo, a aliteração e a
paronomásia, procurando salientar o aspecto poético do som das palavras, como ocorre
em (12) e (13)
(12) Mais leve, mais gostosa, mais suave, mais uma, por favor. Nova Schin.
(Época, 11 de maio de 2009, quarta capa)
(13) É sofisticado. É singular. É SONY. (Nova Escola, novembro de 2008, p. 9)
Aspectos morfológicos emprego de cruzamentos vocabulares, prefixações,
sufixações, abreviações, etc., para compor uma nova palavra ou para realçar a intensidade ou
aumento do sentido, como em (14)
(14) Speedyfique seu natal (comercial de TV, dezembro de 2007)
Aspectos sintáticos uso de combinações típicas da linguagem da propaganda, tais
como, recursos estilísticos ou expressivos com simplicidade estrutural, com se constata no
exemplo (12).
Aspectos semânticos emprego da polissemia ou ambigüidade. Jogos com as
palavras para entreter o destinatário, desafiá-lo a entender a mensagem e prender sua atenção,
como em (15) e (5)
(15) Para você sexo é problema? Promen é a solução! (Época, 25 de maio de 2009, p.
19)
40
(16) Entre com pouco, saia com muito. Loterias da CAIXA (Época, 25 de maio de
2009, p. 38-39)
Aspectos contextuais trata-se da estrutura do texto publicitário: título (frase que
interpela o receptor), texto (traz maiores detalhes sobre o tem ou assunto apresentado no
título) e assinatura (nome do produto ou serviço, a marca).
Título: Entre com pouco, saia com muito.
Texto: Chegou a nova Loteria Instannea da CAIXA. Você aposta 1 real e
pode ganhar até 60 mil. Se quiser apostar 2 reais, pode levar até 200 mil.
E se a aposta for de até 3 reais, o prêmio fica ainda maior: até 600 mil
reais. Você muda sua vida num instante. Entre na lotérica mais próxima e
raspe já.
Assinatura: Loterias CAIXA (Época, 25 de maio de 2009, p. 38-39)
O autor salienta que, no entanto, nem todos os textos propagandísticos apresentam
esse aspecto criativo ou expressional, nem por isso deixando de ser eficiente, ou seja,
persuasivo. É o caso de ―leve agora e comece a pagar em agosto‖ ―tudo sem entrada‖,
―leve 2 e pague 1‖, o melhor presente para a sua mãe‖.
1.2.1.3 A história da propaganda no Brasil
Segundo Vestergard e Shrøder (2000, p. 1), a propaganda se expandiu
verdadeiramente no final do século XIX, quando a tecnologia e as técnicas de produção de
massa possibilitaram que um maior número de empresas produzisse mercadorias de qualidade
a preços mais ou menos compatíveis. A superprodução e a baixa demanda, daí resultantes,
provocaram a necessidade de estimular o mercado. Desse modo, a técnica publicitária mudou
da simples proclamação para a persuasão.
De acordo com Martins (1997), a partir de 1808, com o advento do jornalismo no
Brasil, aparecem as primeiras propagandas impressas. Os jornais vendiam espaços para
informações à comunidade. Carrascoza (2007) afirma que, segundo Ricardo Ramos, no livro
Do reclame à comunicação, o primeiro anúncio de que se tem notícia no Brasil surgiu em
1808, na Gazeta do Rio de Janeiro.
No início, tais anúncios eram bem simples, textos curtos e sem ilustrações, referindo-
se à venda de imóveis, de escravos, datas de leilões, ofertas de serviços de artesãos e
41
profissionais liberais. Segundo Carrascoza, em 1875, surgem os jornais Mequetrefe e O
Mosquito, nos quais se encontram os primeiros anúncios ilustrados. Percebe-se que, nessa
época, não se fazia diferença entre propaganda e classificado, este último provavelmente
originado dos primeiros anúncios, o que constitui um caso de transmutação dos gêneros.
O advento de novas técnicas de impressão e a importão de quinas possibilitou a
criação de revistas ilustradas, tais como A Revista da Semana, O Malho, A Careta, entre
outras, nas quais se encontravam muitos anúncios de página inteira. O autor afirma que os
escritores eram chamados para redigir os anúncios em que acabavam por inserir figuras de
retórica, sobretudo a rima, para facilitar a memorização por parte de um público constituído
em sua maioria de analfabetos ou semi-alfabetizados.
Embora os jornais recebessem a maioria dos anúncios, também havia, no período,
outros veículos como os cartazes, painéis pintados e folhetos avulsos.
A primeira agência de propaganda, fundada em 1914, na cidade de São Paulo, a
Eclética , inaugura uma nova era no setor. Assim a atividade de criar, produzir e distribuir
anúncios para jornais e revistas passa a contar com uma organização mais sólida.
Nesse período, como afirma Carrascoza (2007), o escritor Monteiro Lobato duas
importantes contribuições para a propaganda brasileira. Para conseguir recursos que
custeassem a publicação de O Sacy Pererê, Lobato recorre a patrocinadores, e a obra passa a
ter na abertura e no fechamento anúncios ilustrados, uma espécie de merchandising, pois os
produtos anunciados eram todos oferecidos pelo Sacy, que aparecia em situações irreverentes
como as relatadas no próprio livro. Posteriormente, Lobato escreveu um livreto intitulado
Jeca Tatuzinho, inspirado no personagem Jeca Tatu, do livro Urupês, para anunciar o
Biotônico Fontoura.
Nessa estreita relação entre propaganda e literatura, as figuras de linguagem povoam
em geral os títulos, e são semeadas aqui e ali nos textos ainda de feições informativas e
adjetivados‖ (CARRASCOZA, 2007, p. 85).
Entretanto, a propaganda brasileira somente consolidou-se na década de 1930, quando
surgiram a ABP (Associação Brasileira de Propaganda) e a APP (Associação Paulista de
Propaganda). Nessa época, a propaganda brasileira já se destacava pela criatividade e uso de
linguagem persuasiva. Os cartazes apareciam nos bondes, nos cafés, nas estações, nos teatros
42
chamando a atenção pelas cores e originalidade. Os escritores continuam a ser solicitados,
mas já aparecem os primeiros publicitários.
De acordo com Brasil (documento eletrônico), o final o século XX inaugura uma nova
configuração econômica. Isso obriga o mercado a posicionar-se de maneira diferenciada
exigindo das agências uma reestruturação. Como principal mudança ocorrida nesse período
podemos citar a redução de quadros, a redução de ganhos e uma maior maturidade do setor, o
que permitiu, segundo a autora, um salto na criatividade publicitária brasileira, elevando o
país à terceira potência mundial em criação publicitária na década de 90.
Para Carrascoza (2007), os anos 90 trazem importantes mudanças na publicidade
nacional em decorrência do volumoso rol de novidades no setor de comunicação de massa, o
que provoca o acirramento da competição entre os grandes jornais brasileiros, resultando na
criação de campanhas promocionais agressivas para conquistar novos assinantes. Nesse
contexto, a criatividade publicitária é supervalorizada e as peças publicitárias e os projetos
para a internet passam a ser premiadas no Festival de Cannes.
Segundo Brasil (documento eletrônico), a propaganda hoje é responsável pelo sustento
de grande parte da dia. Sua capacidade de adaptar-se de forma criativa às novas realidades
é que a transforma em um dos setores mais promissores de negócios do país. O blico
brasileiro, cada vez mais exigente, sem vida, é responsável pela busca de profissionais bem
qualificados e preparados para atuarem nesse setor.
1.2.2 A embalagem
Partindo do pressuposto de que a embalagem, assim como a propaganda, é um canal
de comunicação que traz em si mesmo elementos discursivos, cuja articulação concretiza um
ideal de persuasão, elegemos esse gênero como um de nossos objetos de pesquisa.
Segundo Negrão & Camargo (2008), etimologicamente a palavra embalagem está
associada ao verbo embalar como ato de proteger, significado que ―ilustra bem as funções
primárias da embalagem: proteger e transportar.‖ (NEGRÃO & CAMARGO, 2008, p.23).
Foi a necessidade básica de se alimentar e a busca de novas formas de guardar e
conservar os alimentos por mais tempo que deu origem às primeiras embalagens. Os autores
esclarecem que essas primeiras embalagens, cujos registros arqueológicos datam de 2200
43
a.C. eram feitas de matérias dispoveis na época, tais como couro, frutos, folhas, entranhas
de animais. À medida que a humanidade evolui, aumenta a quantidade de produtos a serem
embalados e a diversidade de materiais utilizados como invólucros.
No século XVIII, a Revolução Industrial inaugura um novo comportamento no
mercado: a produção em série e, consequentemente, o exponencial aumento da oferta de
produtos. No Brasil, esse processo inicia-se com a abertura dos portos e a permissão para o
funcionamento de fábricas e manufaturas, decisões tomadas por D. João VI, após a chegada
da corte portuguesa, em 1808.
Assim, surgem as primeiras indústrias no país, iniciando um processo de crescimento
acelerado nesse setor. Na primeira década do século XX, já existiam mais de 3.000
estabelecimentos industriais no Brasil. Contudo,
a produção nacional era pouco sofisticada e diversificada e havia,
basicamente, quatro tipos de acondicionamento: sacos de estopa ou papel
(café torrado ou moído, açúcar refinado, algodão), potes ou garrafas de vidro
(extrato de tomate, sardinha, embutidos, doces, vinagres e bebidas), latas
(manteiga e óleo) e barris de madeira. (NEGRÂO; CAMARGO, op. cit. p.
25)
Nesse período, os aspectos visuais das embalagens restringiam-se ao caráter estético;
as instrias ainda não haviam descoberto o valor que a marca poderia agregar ao produto.
Com a criação do sistema de autoserviço, surge a necessidade de utilizar estratégias, técnicas
de comunicação para persuadir o consumidor a adquirir um determinado produto, escolhendo-
o em meio a tantos outros nas ndolas dos supermercados. Desse modo, amplia-se o papel
da embalagem, pois ela adquire o status de vendedor, o chamado vendedor silencioso.
7
Dentro desse processo de crescimento e mudanças é que a embalagem deixou de ter
apenas a função de proteger e transportar. Seus novos atributos, mais amplos e complexos,
segundo Negrão e Camargo (op. cit. , p. 29) são:
acondicionar adequadamente e ampliar a validade do produto;
ser funcional, ampliando a aplicação e uso de seu conteúdo;
identificar e informar;
formar e consolidar uma imagem;
promover e vender;
7
De acordo com Nego e Camargo, essa expressão foi cunhada por Linccoln Seragini nos anos 70.
44
agregar valor.
Segundo Mestriner (2002), além das suas funções básicas originais, ela desempenha
uma rie de outras funções nas empresas e na sociedade:
Econômicas: componente do valor e do custo de produção, matérias-primas;
Tecnológicas: sistemas de acondicionamento, novos materiais, conservação de
produtos;
Mercadológicas: chamar a atenção, transmitir informações, despertar o desejo
de compra, vencer a barreira do preço;
Conceituais: construir a marca do produto, formar conceito sobre o fabricante,
agregar valor significativo ao produto;
Comunicação e marketing: principal oportunidade de comunicação do
produto, suporte de ações promocionais;
Sociocultural: expressão da cultura e do estágio de desenvolvimento de
empresas e países;
Meio ambiente: importante componente do lixo urbano, reciclagem/tenncia
mundial.
A embalagem, portanto, é ―um sistema cuja função é técnica e comercial e tem como
objetivos acondicionar, proteger (desde o processo de produção até o consumo), informar,
identificar, promover e vender um produto. (NEGRÃO; CAMARGO, 2008, p.29). Uma
definição complexa que envolve diversas áreas do conhecimento, o que leva os autores a
considerar a embalagem como um sistema multidisciplinar. Esses novos atributos mantêm
estreita relação com o caráter argumentativo das embalagens, como pretendemos demonstrar
em nossa pesquisa.
A indústria amadurecida e os consumidores cada vez mais exigentes provocam
melhorias nos produtos e serviços oferecidos. A embalagem, então, atendendo às exincias
regulamentadas pelos parâmetros internacionais de vigilância sanitária, legislações ambientais
e o digo de Defesa do Consumidor, deve fornecer aos consumidores informações
imprescindíveis, tais como valores nutricionais (alimentos), data de validade, instruções de
manuseio e conservação etc. A embalagem também, afirmam Negrão e Camargo (2008), pode
assumir um caráter de veículo comunicacional, trazendo informações que vão muito além do
45
produto que está sendo vendido, como, por exemplo, entretenimento, dicas de saúde,
promoções.
Outra exincia legal é a inclusão da identificão da empresa fabricante.
Identificando e qualificando as empresas responsáveis pela produção, a embalagem influencia
o cliente em sua decisão de compra. Segundo os autores, 70% das vendas resultam de
decisões tomadas diante das gôndolas, ou seja, a embalagem, trazendo a marca, a identidade
da empresa assume seu papel de vendedor silencioso e eficiente.
E nesse mercado exigente não basta ter qualidade; é preciso demonstrar tais
qualidades. A chamada imagem societal que a empresa constrói em relação ao respeito que
demonstra pela sociedade, pelo meio ambiente, ou queses econômicas e sociais é
fundamental para o novo consumidor e, como vimos, é a embalagem que ―outorga‖
personalidade ao produto, diferenciando-o dos demais concorrentes. O cliente busca na marca
de sua preferência - mesmo que pague mais caro - além do produto, o status desejado.
Desse modo, os autores concluem: ―A embalagem, portanto, protege, acondiciona e
transporta o produto, assim como, ainda, disponibiliza um potencial comunicacional que
estará lá, ―gratuitamente‖, queira você ou o. Então, por que não aproveitá-lo?(NEGRÃO
& CAMARGO, 2008, p.35).
Quanto ao aspecto visual, a embalagem, ao longo de sua história, foi construindo uma
linguagem visual própria e característica para cada tipo de produto. Faixas, bordas, selos,
filetes, logotipos recursos utilizados no início- continuam compondo o visual das
embalagens. (MESTRINER, 2002)
As primeiras embalagens eram identificadas apenas por sua forma: forma de ânfora ou
jarro para vinho ou azeite, por exemplo.
Esse momento primordial, em que a identificação do produto era feita pela
forma de seu envoltório ou recipiente, constitui um dos pilares da linguagem
visual das embalagens, permanecendo ahoje como a maneira mais eficaz
de identificar e agregar personalidade a um produto. O design estrutural
diferenciado é um poderoso ícone que nos permite identificar
instantaneamente uma garrafa de champanhe, de água Perrier ou de Coca-
Cola. Permite-nos reconhecer também a diferença entre uma lata de sardinha
e uma de atum sem precisar ler o rótulo. (MESTRINER, 2002, p. 14)
46
A evolução da indústria gráfica e os avanços tecnológicos permitiram não somente a
incorporação de novos recursos e efeitos visuais às embalagens, como também o
desenvolvimento de um design estrutural que proporciona praticidade na utilização do
produto, além do visual cada vez mais moderno e atraente, fazendo uso das mais variadas
formas, cores, materiais. Tudo isso para transmitir ao consumidor a sensação de estar
adquirindo tudo aquilo de que precisa para satisfazer suas necessidades.
Segundo Mestriner (op. cit.), atualmente o design da embalagem é uma atividade
complexa, que envolve tanto o design e a comunicação visual, quanto o marketing, o
comportamento do consumidor e o conhecimento da indústria e distribuição de produtos.
Como citamos anteriormente, com a chegada dos supermercados, as embalagens
passaram a ser o ―vendedor silencioso‖. Precisavam, então, explicar ao consumidor o
conteúdo e as especificações do produto. Nesse sentido, se o aspecto visual é responsável por
seduzir o consumidor, destacando o produto em meio tantos outros nas ndolas do
supermercado, a linguagem verbal assume fundamental importância no ―fechamento da
venda‖, apresentando ao consumidor todas as ―vantagens‖ que a aquisição daquele produto
pode lhe oferecer.
Encerrando nossa breve incursão pelo universo da embalagem e, retomando as
contribuições de Marcuschi (2003) acerca do suporte textual, propomos a seguinte questão: a
embalagem realmente é um suporte textual ou poderia ser classificada como um gênero do
discurso?
Como vimos, para Marcuschi, suporte é uma superfície física ou virtual que suporta,
fixa um texto, sendo produzido especificamente para esse fim, embora haja os suportes
incidentais, grupo no qual o autor inclui a embalagem.
Este é um caso interessante, pois no geral a embalagem não seria tida como um
suporte. Contudo, tomamos a embalagem como um suporte na medida em que
nas embalagens podem estar vários gêneros. Embalagens de produtos
comestíveis muitas vezes trazem não só o rótulo do produto, mas uma receita.
Ou então no caso de remédios pode ter uma breve bula de remédio e assim por
diante. Quanto a este último aspecto, pode-se indagar se as indicações que
estão no rótulo o algo diverso da bula que vem dentro da caixa de remédio.
Se indagarmos de vários especialistas, eles dirão que a bula é diferente do que
aquilo que vem na embalagem. Mas se observarmos as instruções que
aparecem na embalagem elas parecem uma bula. Veja-se este caso típico da
bula/instrão que vem na embalagem de remédio. Ali temos ainda coisas
como código de barras, endereço, descrição do produto (vejam-se os rótulos de
47
vinhos com duas partes). Portanto, a embalagem não é um gênero e sim um
suporte. a bula que vem dentro de uma embalagem de redio não tem na
embalagem o seu suporte, pois aqui a embalagem estaria para a bula como uma
espécie de recipiente. (MARCUSCHI, 2003, p. 21)
A ponderação de Marcuschi é convincente e sugere que o suporte tem esse status porque
abriga vários neros. Mas, por outro lado, se considerarmos a embalagem como evento
discursivo no qual todos os componentes (design estrutural, as informações contidas no rótulo,
o nome/marca do produto, as cores) estão associados para cumprir o propósito comunicativo de
persuadir o receptor/consumidor, levando-o à aquisição do produto, ela não poderia ser
considerada um nero discursivo, ou seja, um enunciado relativamente estável que apresenta
conteúdo temático, estilo e construção composicional?
Acreditamos que, nesse caso, mais uma vez, devemos nos pautar no aspecto
comunicativo para proceder a tal julgamento. O propósito comunicativo dos gêneros
―suportados‖ pela embalagem não está apenas relacionado a ―ensinar‖ fazer um determinado
prato no caso da receita, ou trazer para o consumidor informações relevantes sobre o produto
através da tabela nutricional ou indicações e posologia no caso de uma breve bula nas
embalagens de medicamento. Mais do que isso, o conjunto de componentes presentes na
embalagem forma um todo com um propósito maior vender o produto.
No entanto, devemos fazer algumas ponderões. Primeiramente o termo ‗suporte‘, de
acordo com o apresentado acima, é tomado em duas acepções: como elemento material que
acondiciona o produto (visão empresarial) e como lugar sico ou virtual que suporta, fixa,
mostra vários neros (visão linguística). Em segundo lugar, de acordo com essa visão
linguística, o termo se opõe ao conceito de gênero. Nesse aspecto, adotamos, contrariamente ao
que propõe Marcuschi, que a embalagem, considerando-se todos os seus componentes e,
principalmente, a intenção comunicativa, constitui um nero; mas devemos ressaltar que nem
todas as embalagens apresentam necessariamente o modo de organização argumentativo. Para
nossas análises, selecionamos embalagens que manifestam esse modo de organização; isso não
significa assumir que toda e qualquer embalagem assim se organiza. Isso constitui uma questão
interessante para nova pesquisa: alguma relão entre a natureza do produto e o modo de
organização do discurso da embalagem? O que determina que uma embalagem se configure
como argumentativa nas estratégias de apresentação do produto? Outras questões poderiam
aqui ser levantadas. No entanto, como foge ao âmbito desta pesquisa, não abordaremos esses
aspectos.
48
Desse modo, encerramos este capítulo no qual procuramos caracterizar nossos objetos
de pesquisa: a embalagem e a propaganda, ainda que essa caracterização não seja tarefa
simples, devido à multiplicidade de elementos discursivos que esses neros podem
apresentar. De modo geral, respeitando-se as especificidades de cada um dos neros
estudados, podemos afirmar que há uma estreita ligação entre propaganda e embalagem (pelo
menos no que se refere às embalagens que manifestam o modo de organização
argumentativo), visto que, ambas praticamente assumem a mesma função social: a promoção
e a venda de produtos.
No próximo capítulo faremos um breve percurso hisrico da argumentação, do
modelo clássico às perspectivas atuais.
49
CAPÍTULO 2 - ARGUMENTAÇÃO: PERCURSO, PERCALÇOS E PERSPECTIVAS
No modelo clássico de organização das disciplinas, a argumentação estava
subordinada à lógica, à retórica e à dialética. Esse modelo passa por um processo de
desconstrução que se completa no final do século XIX. Somente a partir a II Guerra, começa a
se firmar como campo de pesquisa autônomo. Neste capítulo, apresentaremos um breve
percurso histórico da argumentação, bem como as perspectivas atuais acerca do tema.
2.1 O modelo clássico
Para Plantin (2008), no modelo clássico de organização das disciplinas, a
argumentação se inscreve num conjunto formado pela lógica, ‗a arte de pensar corretamente‘,
pela dialética, ‗a arte de bem dialogar, e pela retórica, ‗a arte de bem falar‘. Esse conjunto
constitui a base sobre a qual a argumentação foi pensada, de Aristóteles até final do século
XIX, momento em que, tendo-se completado um processo de desestruturação, a argumentação
coma a firmar-se como pensamento aunomo.
2.1.1 A argumentação lógica
O dicionário Aurélio (2008, p. 521) define lógica como a ciência dos princípios
normativos e formais do raciocínio‖; segundo o dicionário Houaiss (2004, p. 462) lógica é o
estudo filosófico das formas do pensamento (dedução, indução, hitese, inferência etc.) e
do raciocínio, considerados como condição para o conhecimento‖.
Conforme Plantin (2008), como discurso lógico, a argumentação é definida no
conjunto de três operações: a apreensão, o juízo e o raciocínio. É pela apreensão que o espírito
o somente apreende um conceito como também o delimita. Pelo juízo, é capaz de afirmar
ou negar algo sobre esse conceito para poder chegar a uma proposição. Por fim, pelo
raciocínio, ele pode encadear tais proposões, possibilitando assim o avanço do conhecido
para o desconhecido. No plano da linguagem, esse conjunto corresponderia, respectivamente,
à fixação linguística do conceito, à construção do enunciado por meio da imposição de um
predicado a esse termo, e ao encadeamento das proposições ou argumentações, através das
quais são produzidas novas proposições a partir das conhecidas.
50
No campo da lógica, as regras da argumentação correta são dadas pela teoria dos
silogismos lidos (Alguns A são B, todos os B são C, logo, alguns A são C.), que encontram
sua contraparte nos discursos falaciosos (Alguns A são B, alguns B são C, logo alguns A o
C).
2.1.2 Argumentação dialética
A dialética
8
era, na Grécia Antiga, a arte do diálogo, da contraposição e contradição de
idéias que leva a outras iias. Em filosofia é definida como um diálogo que obedece a certas
regras e opõe dois parceiros: o Respondente e o Questionador, ou seja, o que defende uma
afirmação dada e o que deve atacá-la. Trata-se, de acordo com Plantin (2008), de uma
interação limitada, na qual um vencedor e um perdedor. Como instrumento, a dialética
utiliza o silogismo dialético, fundado em premissas que não são absolutamente verdadeiras,
mas apenas ideias admitidas.
O autor afirma que, para que a conversa‘ se torne dialético-argumentativa, é
necessário que ela incida sobre um determinado problema definido de comum acordo, que
ocorre entre parceiros iguais motivados pela busca do verdadeiro, do justo ou do bem comum,
seguindo regras explicitamente estabelecidas.
2.1.3 Argumentação rerica
A retórica
9
(originária do grego rhetoriké) tem sido considerada historicamente em
rias acepções. Em sentido lato, a rerica está vinculada à poética, consistindo na arte da
eloquência em qualquer tipo de discurso. Ou, segundo a definição aristotélica, como "a
faculdade de ver teoricamente o que, em cada caso, pode ser capaz de gerar a persuasão"
(ARISTÓTELES, 1991, p. 16, apud PACHECO, 1997).
Algumas características definem a argumentação retórica de maneira bem específica:
8
Do grego διαλεκτική, a dialética era, na Grécia Antiga, a arte do diálogo, da contraposição e contradição de
idéias que leva a outras idéias. Aos poucos, passou a ser a arte de, no diálogo, demonstrar uma tese por meio de
uma argumentação capaz de definir e distinguir claramente os conceitos envolvidos na discussão. Aristóteles
considerava non de Ea o fundador da dialética. Outros consideraram crates. (KONDER, 1987, p. 7).
Disponível em: http://dicionario.babylon.com/Dialética. Acesso em 25 out. 2009.
9
Assim como a filosofia, também a retórica para a tradição ocidental teve origem na Grécia antiga; e, assim
como a filosofia, também a retórica, para a tradição ocidental, teve sua origem relacionada às novas relações
sociais advindas do surgimento da Polis. Se (...) a essência da Retórica consiste na persuasão através da
argumentação, não há como se pensar nela sem democracia e liberdade de debate, características da organizão
política do mundo grego. (PACHECO, 1997)
51
trata-se de uma retórica referencial, isto é, ela inclui uma teoria dos signos,
formula o problema dos objetos, dos fatos, da evidência mesmo que sua
representação linguística possa ser apreendida no conflito e na negociação
das representações. Ela é probatória, isto é, visa trazer se não a prova, pelo
menos a melhor prova; ela é polifônica; seu objeto privilegiado é a
intervenção institucional planejada; seu caráter eloquente é acessório.
(PLANTIN, 2008, p. 9-10)
Conforme Pacheco (1997), uma análise comparativa entre as várias definições de
retórica, da Antiguidade aos dias atuais, permite observar alguns traços comuns: a rerica faz
uso do discurso para exercer persuasão, não recorrendo ao experimento empírico ou à
violência; seu foco de atenção não é a verdade e sim a adesão do auditório; dirigindo-se a
todos os homens e não a um setor específico da sociedade, a retórica faz uso da linguagem
comum do dia a dia; tem sempre em mente um determinado comportamento concreto
resultante da persuasão, pretendendo modificar não somente as ideias, mas também as
atitudes.
Tanto a retórica quanto a dialética, segundo sua antiga definição, são ‗artes do
discurso‘, sendo que a retórica constitui a contraparte da dialética. Conforme Plantin (2008),
enquanto a dialética incide sobre questões de ordem filosófica, a retórica se interessa por
questões de ordem particular. Se a dialética é uma discussão entre dois parceiros, composta
por breves perguntas e respostas, a retórica caracteriza-se pelo discurso longo e contínuo.
2.2 A perda de prestígio da retórica
Conforme Pacheco (1997), a retórica gozou de grande prestígio durante o Império
Romano. Após a queda do Império, essa arte do discurso foi progressivamente perdendo
importância. Continuou existindo como prática, mas deixou de ser objeto de estudo.
A situação atual dos estudos da argumentação é resultante de uma longa história
marcada por ressurgimentos cíclicos da retórica, o que, no entanto, não significou a
recuperação de sua importância intelectual. Plantin (2008) aponta, como momento-chave
nesse processo, o período de fins do século XIX até o início do século XX.
No fim do século XIX, criticada como disciplina não científica, a retórica foi
eliminada dos programas escolares e universitários. Essas transformações resultaram de uma
concepção de saber, do saber positivista, diante do qual, não era possível nenhuma posição
fundada na opinião. Além disso, por ser a base da educação jesuítica em um período de
52
grandes divergências entre a Igreja e o Estado, a retórica foi vista como símbolo de uma
educação retrógrada, da qual o Estado quis desvencilhar-se. E, na medida em que estava
ligada aos estudos da retórica, a argumentação também não foi vista com bons olhos.
Contudo, a eliminação da retórica não acarretou automaticamente o desaparecimento
dos estudos de argumentação. Segundo Plantin (2008), o interesse por esse tema subsistiu em
pelo menos dois campos: o direito e a teologia.
10
Vale ressaltar que as observações aqui expostas, conforme defende Plantin (op. cit.),
incidem sobre o estado de um campo de saberes e de relações entre as disciplinas. A questão
da argumentação como práticas discursivas é algo bem diferente. O autor destaca que nessa
mesma época, os discursos polêmicos de cunho político ou religioso produzem obras
impressionantes que primam pela violência na defesa dos dogmas. Discursos ―bem
intencionados‖ que mobilizam recursos da retórica oratória para posicionar-se de forma
contrária aos avanços científicos.
2.3 A retomada dos estudos da argumentação
A desvalorização dos estudos da argumentação retórica permanece até os anos de
1950. Na Europa, tais estudos passam por significativo desenvolvimento nos anos
subsequentes à Segunda Guerra. Plantin (2008) considera a hipótese de que os estudos de
argumentação renascem precisamente em plena guerra fria, como oposição aos regimes
totalitários. Uma forma de, através da razão, combater os apelos da propaganda dos regimes
totalitários.
O autor destaca que, a partir dos anos de 1970, especialmente na França, ocorre a
renovação do conceito de argumentação, como um conceito capaz de organizar pesquisas em
ciências da linguagem. Assim, o período ideológico dos anos de 1950 dá lugar aos estudos da
argumentação voltados para os aspectos lógico-linguísticos. em relação às pesquisas em
língua inglesa, esse teórico da argumentação, atenta para a tendência crítica e dialogal que, a
partir dos anos de 1980, sofre influência das ―pesquisas sobre a linguagem em contexto, a
conversação e o diálogo natural‖ (PLANTIN, 2008, p.24)
10
Da mesma forma, a lógica deixa de ser vista como ‗a arte de pensar‘ e torna-se formal,
constituindo um dos ramos da Matemática.
53
2.3.1 A argumentação de Perelman
Chaim Perelman, filósofo de origem polonesa, radicado na lgica, contribuiu
significativamente com o rompimento da tradição cartesiano-positivista de desvalorização da
retórica. O autor interessou-se pela crião de uma lógica dos juízos de valor, ou seja, uma
lógica que estabelecesse critérios para o julgamento de valor, em vez de reduzir-se ao arbítrio
de cada um.
Conforme Pacheco (1997), tal atitude deveu-se ao fato de que Perelman discordava da
posição positivista que, ao limitar o papel da lógica, do método científico e da razão à solução
de problemas de cunho meramente teórico, deixou os problemas humanos à mercê da emoção,
interesses e violência. Sob a ótica positivista sempre é possível provar a veracidade de fatos e
proposições lógicas ou matemáticas, mas nunca de um juízo de valor. Desse modo, nega-se a
possibilidade de uma solução racional para os problemas que envolvam juízo de valor, o que
o agradava Perelman. Como consequência desse descontentamento, o autor inicia sua busca
por uma por uma lógica específica para os valores.
Ainda de acordo com Pacheco (op. cit.), nessa busca, Perelman descobre que não
uma lógica dos juízos de valor, mas que, em toda área do conhecimento onde há a presença da
controvérsia de opiniões, recorre-se às técnicas argumentativas para se chegar a um acordo
sobre os valores. Nesse sentido, os estudos do filósofo polonês tiveram o propósito de retomar
e, ao mesmo tempo, renovar a retórica dos gregos e dos romanos, como arte de falar, de modo
a convencer e persuadir; além disso, tiveram o propósito de também retomar a dialética e a
pica artes do diálogo e da controvérsia.
A imensa maioria da produção intelectual de Perelman a partir desse
momento gira portanto em torno da retórica, concebida como uma maneira
de discutir e chegar a um acordo sobre valores sem abandonar o campo da
razão, mas ao mesmo tempo transcendendo as categorias da lógica formal
(29). Com efeito, ao efetuar a reabilitação do todo que regula os
raciocínios persuasivos, Perelman chega a estabelecer a argumentação como
princípio da pesquisa filosófica a respeito da noção de justiça (30).
(PACHECO,1997, p.7)
Como podemos constatar, a teoria da argumentação de Chaim Perelman é resultado de
sua inquietação intelectual e da busca pela formulação de uma teoria capaz de dispensar aos
juízos de valor um tratamento de cunho científico e bem elaborado. Dessa forma, constrói
uma argumentação autônoma que se opõe tanto à demonstração quanto às emoções, ou
54
conforme Plantin (2008, p. 91), que consiste na caracterização de um campo discursivo, no
qual a fala ocorre sem demonstrar nem se emocionar‖.
A seguir, abordaremos alguns pontos principais dessa teoria formulada ao longo dos
anos em diversos livros: demonstração e argumentação, auditório, acordo e técnicas
argumentativas.
Abordar a questão da argumentação sob óptica de Perelman pressupõe inicialmente
contrapô-la à concepção clássica da demonstração e, mais especificamente, à lógica formal.
Hartmann (2000) destaca alguns aspectos em relação a essa contraposição aduzida pelo
professor de Bruxelas.
Primeiramente, a demonstração estaria sempre relacionada com a necessidade, ou seja,
premissas verdadeiras levam necessariamente a conclusões verdadeiras, ao passo que a
argumentação centra-se no âmbito do plausível; a argumentação não estabelece provas
verdadeiras, passíveis de demonstração, e sim o caráter razoável de uma opinião ou decisão.
Na demonstração, a linguagem utilizada é a chamada linguagem artificial, isto é, uma
linguagem própria, específica, cujos signos são presumidamente desprovidos de qualquer
ambiguidade. A argumentação, por seu turno, faz uso da linguagem natural, da qual a
ambiguidade não pode ser excluída por completo. Desse modo, a demonstração está
intrinsecamente ligada à ideia de evincia - se demonstra aquilo que for evidente - em
oposição àquilo que é opinião, destinado ao universo da argumentação. Isso nos remete à
questão dos axiomas, que, na demonstração, são previamente dados e indiscutíveis, ao passo
que, na argumentação, a escolha de cada axioma será justificada pelo orador, e o axioma
selecionado não será necessariamente será aceito pela audiência.
Outro aspecto que Hartmann (op. cit.) aponta como sendo para Perelman o fator
fundamental na distinção entre demonstração e argumentão é a questão da temporalidade. A
argumentação ocorrerá sempre em um dado contexto histórico, visto que pressupõe o contato
de indivíduos que argumentam. Na demonstração, em contrapartida, por se tratar de um
processo racional, marcado pela impessoalidade, o contexto histórico e seus elementos o-
formais em nada interferem. Na demonstração, a conclusão é estabelecida desde o princípio,
cabendo àquele a quem se destina papel meramente contemplativo. Em contrapartida, a
argumentação objetiva uma mudança no pensamento daqueles que compõem o auditório.
55
Ora, se argumentar é justamente influenciar pelo discurso, há necessidade que se
estabeleça o que Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996) denominam contato dos espíritos, pois
o discurso argumentativo pressupõe relações intersubjetivas que não podem ocorrer fora do
tempo e do espaço como ocorre com as operações demonstrativas.
Passemos agora à questão do auditório que, indubitavelmente, é um dos conceitos
centrais na teoria da argumentação, pois como postulam Perelman; Olbrechts-Tyteca (op. cit.
p. 20), ―para que uma argumentação se desenvolva é preciso, de fato, que aqueles a quem ela
se destina lhe prestem alguma atenção‖. Segundo os autores, a maior parte das propagandas,
por exemplo, se preocupa primordialmente em prender a atenção de um público indiferente. E
a existência de um blico disposto a ouvir o orador não diz respeito exclusivamente às
condições prévias da argumentação; é essencial também para todo seu desenvolvimento.
Ao buscar a definição de auditório, os autores demonstram que, em se recorrendo
apenas a elementos materiais, isso se torna uma tarefa um tanto quanto dicil. A que audirio
discursa o presidente do senado, por exemplo? Aos colegas ou à opinião pública? Quem
concede uma entrevista a um jornalista considera mais como seu auditório a pessoa que está a
sua frente ou o público leitor? Como delimitar o auditório do escritor, se na maioria das vezes,
os leitores não podem ser determinados com exatidão? Sendo assim, Perelman e Olbrechts-
Tyteca (op. cit. p.22), preferem definir o auditório como o conjunto daqueles que o orador
quer influenciar com sua argumentação.” Acrescentam ainda que cada orador pensa, de
modo mais ou menos consciente, naqueles que constituem o auditório ao qual se dirigem.
A interação entre orador e auditório pressupõe não somente a adaptação do orador ao
seu auditório, como também a adesão da audiência às teses apresentadas. No entanto, segundo
o autor, o auditório é o grande responsável pela ‗construção‘ do orador, além de determinar a
qualidade da argumentação. Diferentemente do apaixonado, que fala levando muito mais em
consideração seus próprios sentimentos, o bom orador molda seu discurso de acordo com o
auditório. Quanto melhor se conhece o auditório, maiores são as possibilidades de acordos
prévios, portanto, mais bem fundamentada será a argumentação, sendo o inverso tamm
verdadeiro.
Quando o orador não conhece o auditório, deverá presumi-lo de forma sistematizada,
levando em consideração uma série de fatores, tais como as origens psicológicas ou
sociológicas dos indivíduos que compõem esse auditório. O fato é que, para quem pretende
56
persuadir indivíduos concretos, é necessário que essa construção do auditório seja o mais
próximo possível da realidade. Uma imagem inadequada do auditório pode levar a
consequências indesejáveis. Além dessa adaptação prévia, o orador também deve adaptar-se
ao audirio no decorrer da argumentação. Vale ressaltar que os auditórios tendem a ser
heterogêneos; desse modo, a capacidade de utilização de argumentos múltiplos a fim de
persuadir esse público heterogêneo é o que caracteriza o grande orador.
Como enfatizam Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996), muitas reflexões acerca das
particularidades que influenciam o comportamento e a argumentação do orador poderiam ser
levantadas, sobretudo porque a variedade de auditórios é quase infinita. O orador, então, ao
querer adaptar-se a todas as particularidades, vê-se confrontado com inúmeros problemas, daí
a busca de uma técnica argumentativa que se imporia a todos os auditórios. Segundo os
autores, é por ocasião desse debate acerca da busca por uma objetividade, capaz de
transcender as particularidades de modo que as teses sejam aceitas por todos, que se elabora a
distinção entre persuadir e convencer.
De imediato, Perelman; Olbrechts-Tyteca (1996) alertam para o fato de que ora
persuadir será mais do que convencer, ora se verificará o oposto. Tudo dependerá do objetivo
do orador, e mais, do auditório por ele presumido. Para aquele que se preocupa apenas com o
resultado da argumentação, persuadir é mais do que convencer; em contrapartida, para aquele
que se preocupa com o caráter racional da adesão às teses apresentadas, convencer é mais que
persuadir. Os autores chamam de persuasiva uma argumentação direcionada a um audirio
particular e convincente àquela destinada a um auditório universal. No entanto, enfatizam que
o matiz entre esses dois termos é sempre impreciso, pois a distinção entre os diversos
auditórios também o é. Ademais, o modo como o orador imagina seu auditório é resultado de
um esforço sempre passível de ser reformulado.
Destacamos a seguir, o modo como os autores caracterizam os três tipos de audirios
por eles expressamente propostos: o auditório universal, o auditório composto por um único
ouvinte e o auditório composto pelo próprio sujeito, na deliberação consigo mesmo.
O auditório universal refere-se à argumentação que pretende conseguir a adesão de
todo ser racional. Como descrevem Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996, p. 33), esse auditório
é formado ―pela humanidade inteira, ou pelo menos por todos os homens adultos e normais‖,
o qual compreende uma infinidade de auditórios particulares. O conceito de universalidade
57
relaciona-se com o vel de razoabilidade e unanimidade que o orador pretende conseguir,
que, por sua vez, o se trata de um fato experimental, mas sim de uma universalidade que o
orador imagina e na qual faz sua aposta.
Para os autores (1996, p. 37), o audirio universal é constituído ―por cada qual a partir
do que sabe de seus semelhantes‖ o que significa dizer que esse conceito é variável cada
indivíduo, cada cultura, possui sua própria concepção de auditório universal.
O auditório composto por um único ouvinte é aquele que se forma mediante o diálogo
com apenas um interlocutor. Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996, p. 44) defendem que,
mesmo sendo único, o ouvinte será considerado uma encarnação de um audirio, o que nem
sempre constitui um auditório universal. Ele também pode ser e frequentemente o é a
encarnação de um audirio particular
11
. Esse ouvinte único, ao contrário do auditório
numeroso, terá uma participação ativa no debate.
Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996) assumem que o audirio formado por apenas um
único interlocutor parece gozar de inegável vantagem sobre aquele formado por uma
multidão, pois há, nesse caso, a possibilidade de o orador ir conhecendo melhor seu auditório,
à medida que se desenrolam os diálogos ou as controvérsias.
E, por fim, há o terceiro tipo de audirio, formado pelo sujeito quando delibera
consigo mesmo. Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996) sustentam que, ao contrário do que
inicialmente se possa concluir, é a análise da argumentação dirigida aos outros que possibilita
uma melhor compreensão da deliberação consigo mesmo, e não o inverso. É uma maneira de
o indivíduo, tendo adquirido uma certa convicção, procurar consolidá-la a si mesmo,
protegendo-a dos possíveis ataques externos.
Ao proporem o estudo das técnicas discursivas utilizadas para conseguir a adesão dos
espíritos às teses que lhes são apresentadas, Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996) retomam a
noção de acordo que fora desprezada pelo pensamento positivista, considerando-a como
fundamental tanto para o ponto de partida quanto para o desenvolvimento da argumentação.
11
Conforme Hartmann (2007), embora Perelman não forneça uma definição para o conceito de
auditório particular - apesar de mencioná-lo em várias de suas obras parece claro que, quando se
refere a um auditório particular, o autor parece estar querendo referir-se a uma parcela do auditório
universal, que, em virtude de algumas particularidades, forma um grupo à parte: um partido político,
juristas, um grupo de jovens, mulheres, crianças, enfim, certos segmentos da sociedade.
58
Sob a ótica cartesiana, a prova (evidência) não é aquilo que leva à adesão do
interlocutor, mas sim aquilo, cuja força lógica é capaz de gerar a adesão. Como explica
Pacheco (1997), citando Perelman (1988), a noção de acordo torna-se especialmente
necessária quando as provas inexistem ou são insuficientes, sobretudo nos casos em que o
objeto da argumentão não é a verdade de uma proposição, mas sim o valor de uma decisão,
posicionamento ou ão.
Conforme Hartmann (2007), Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996) defendem que o
objeto do acordo tanto pode ser o conteúdo das premissas quanto as ligações entre tais
premissas. De qualquer modo, do início ao fim, a argumentação se dará em concordância com
aquilo que, presumidamente, é fruto do acordo, ou seja, aquilo que é aceito pelo audirio.
Ainda segundo Hartmann (2007), o acordo é exatamente a adesão ou propensão à adesão,
demonstrada pelo auditório em relação ao posicionamento do orador. Daí o fato de considerar
que o acordo estará presente do início ao fim da argumentação; logo de início, o orador lança
o de argumentos que julga serem aceitos pelo auditório e, no decorrer da argumentação,
poderá modificar ou não sua técnica argumentativa conforme a reação desse auditório, sempre
com vistas à obtenção do acordo.
Conforme Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996, p.73) ―a crítica de um mesmo
enunciado pode situar-se em três planos diferentes‖, daí o fato dos autores afirmarem que
três ordens de acordo: ‗acordo referente à natureza das premissas, ‗acordo relacionado à
escolha das premissas‘ e ‗acordo referente à apresentação das premissas‘.
No que diz respeito à natureza das premissas, os objetos do acordo dividem-se em
duas categorias: uma relativa ao real e outra relativa ao preferível.
Os objetos de acordo relacionados à categoria do real incluem os fatos, as verdades e
as presunções, conforme apresentaremos a seguir.
Utilizando-se de um conceito de Henry Poincaré, Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996)
definem fato como aquilo que é comum a vários seres pensantes e que poderia tornar-se
comum a todos. Tal definição leva necessariamente à noção de acordo do auditório universal;
vale lembrar que a maneira como esse auditório é concebido é determinante para a definição
do que será considerado um fato.
59
Desse modo, percebe-se que, em um primeiro momento, os fatos distanciam-se da
argumentação, pois a adesão ao fato será apenas uma reação subjetiva àquilo que se impõe a
todos. Entretanto, do ponto de vista argumentativo, um acordo é sempre passível de ser
questionado e, portanto, um acontecimento pode também perder seu estatuto de fato. Para os
autores, há dois modos de isso acontecer: quando o fato é questionado pelo próprio auditório e
quando o auditório é ampliado e os novos membros, cuja qualidade para julgar é reconhecida,
o admitem tal estatuto.
Tudo o que foi dito acerca dos fatos aplica-se também às verdades. No entanto,
geralmente usam-se fatos para designar objetos de acordos precisos, limitados, enquanto o
nome verdade designará sistemas de maior complexidade, relativos às ligações entre os fatos,
tratando de teorias científicas ou concepções filoficas e religiosas que se situam para além
das experiências. Assim como os fatos, as verdades também são passíveis de questionamento.
Além dos fatos e das verdades, ainda na categoria do real, encontram-se as presunções.
Estas também gozam do acordo universal; entretanto, a adesão às presunções não se da
mesma forma que ocorre em relação aos fatos e verdades. Perelman e Olbrechts-Tyteca
(1996) entendem que a adesão às presunções nunca é total, motivo pelo qual ela deve sempre
ser reforçada por outros elementos. Além disso, estão ligadas, em cada caso particular, àquilo
que se convencionou considerar normal ou verossímil.
Assim como uma argumentação prévia pode tender a mostrar que se está diante de um
fato, também pode estabelecer a existência de presunções. No entanto, conforme defendem
Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996) se a justificação de um fato pode diminuir-lhe o estatuto,
isso não ocorre com as presunções; elas, por natureza, estão sujeitas a serem reforçadas.
Os autores ressaltam que o acordo baseado na presunção do normal é entendido como
válido para o auditório universal assim como o acordo sobre os fatos demonstrados e as
verdades. Dessa forma, é difícil distinguir esse acordo do acordo sobre fatos. Num dado
momento, os fatos presumidos são tratados como equivalentes a fatos observados e podem, do
mesmo modo que eles, servir de premissas para a argumentação, até que a presunção seja
posta em discussão.
Verificaremos agora como os autores tratam dos objetos de acordo relacionados à
categoria do preferível. Tais objetos dividem-se em dois grupos: objetos que recaem sobre as
60
preferências (valores e hierarquias) e objetos que recaem sobre o preferível (lugares do
preferível).
Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996) observam que os valores exercem inflncia
sobre todas as argumentações, em um momento ou outro; nos raciocínios científicos são, de
modo geral, restringidos à origem da formação dos conceitos e das regras, ao passo que nos
raciocínios jurídicos, políticos e filoficos constituem a base da argumentação em todo seu
desenvolvimento. Os autores salientam, ainda, que o grau de generalidade do valor será
decisivo para sua validação perante o auditório; quanto mais vagos mais se apresentam como
universais e se assemelham aos fatos, ao passo que quanto mais precisos se tornam, mais
próximos de auditórios particulares.
Os valores como objetos do acordo podem ser concretos ou abstratos. Por valores
concretos entendem-se aqueles relacionados a um ente vivo, a um objeto particular, a um
grupo determinado. Podemos citar como exemplo a família, a Igreja, o Estado. Em
contrapartida, os valores abstratos são aqueles que se vinculam a certos comportamentos e
virtudes que não podem ser podem ser definidos como valores concretos, como por exemplo,
a justiça, a solidariedade, a lealdade.
Segundo Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996), a argumentação baseia-se ora nos
valores concretos, ora nos abstratos, conforme as circunstâncias e, às vezes, a percepção do
papel desempenhado por uns e por outros é um tanto quanto difícil. Embora os valores
concretos sejam distintos dos valores abstratos, aqueles podem ser usados para fundamentar
estes, e a recíproca também é verdadeira. Os autores entendem que os raciocínios fundados
em valores concretos estão atrelados às características das sociedades conservadoras, ao passo
que os valores abstratos servem mais facilmente às críticas e, portanto, ligados às mudanças,
ao esrito revolucionário.
Ao lado dos valores concretos e abstratos encontram-se as hierarquias. A exemplo dos
valores, as hierarquias também podem ser concretas, tais como a superioridade dos homens
sobre os animais, de Deus sobre os homens; ou abstrata, como a superioridade do justo sobre
o útil.
É justamente na hierarquização que reside, conforme defendem Perelman e Olbrechts-
Tyteca (op. cit. p. 92), o foco da argumentação. ―As hierarquias de valores são, decerto, mais
61
importantes do ponto de vista da estrutura de uma argumentação do que os próprios valores.
Desse modo, para um desenvolvimento de uma argumentação eficaz, conhecer os valores
eleitos por um audirio torna-se menos relevante que saber como esse auditório hierarquiza
tais valores.
No que se refere aos lugares do preferível, os autores sustentam que para fundamentar
valores ou hierarquias, ou reforçar a intensidade de adesão por eles suscitados, pode-se, além
de relacioná-los com outros fatos e verdades, recorrer a premissas, de ordem muito geral,
qualificadas com o nome de ‗lugares topoi dos quais derivam os Tópicos, ou tratados
consagrados ao raciocínio dialético.
Ancorando-se na distinção entre lugares comuns e específicos, feita por Aristóteles, os
autores da Nova Retórica classificam-nos em três grupos: ‗os lugares da quantidade‘, ‗os
lugares da qualidade‘ e os outros lugares.
Os lugares da quantidade são utilizados quando se afirma a superioridade de um
elemento sobre outro, com base em números.
Os lugares da qualidade aparecem quando, por
exemplo, o motivo oferecido para preferir algo advém de sua raridade, de seu caráter
insubstituível. Por fim, os outros lugares, que se subdividem nos lugares do existente, que
beneficiam os raciocínios baseados em elementos já existentes na realidade fática em
detrimento do que é eventual ou mesmo impossível, lugares da essência, que indicam a
superioridade de indivíduos que melhor representam a essência de determinado gênero, e
lugares da pessoa, que priorizam o que for relativo à dignidade e à autonomia da pessoa.
Desse modo, toda argumentação implica uma escolha preliminar; o orador deve,
previamente escolher não apenas os elementos que irá apresentar ao auditório, como tamm
o modo de descrição e apresentação desses elementos, além, é claro, dos valores devidamente
hierarquizados, ou seja, deve apresentar cuidadosamente o seu discurso, a fim de atingir seu
propósito maior a adesão do auditório.
Vejamos agora quais são as técnicas argumentativas propostas pelos autores da Nova
Retórica. Como sabido, o intuito da argumentação é convencer ou persuadir seu auditório,
tomando por base aquilo que já é conhecido ou aceito por esse audirio. No entanto, o
posicionamento ideal do orador torna-se difícil diante da pluralidade de auditórios existentes.
62
Frente a essa dificuldade é que se fazem necessárias as técnicas argumentativas
12
explicitadas
pelos autores da Nova Retórica. Para o estudo dessas técnicas, Perelman e Olbrechts-Tyteca
(1996) propõem a separação das articulações. No entanto, salientam que tais elementos são
partes integrantes de um mesmo discurso e constituem um conjunto único de argumentação.
Além disso, um mesmo argumento pode ser compreendido e analisado de maneiras diversas
por diferentes ouvintes.
Não é nosso intuito apresentar de forma minuciosa o rol de técnicas argumentativas
propostas por Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996). Todavia, ainda que de forma sucinta,
procuraremos expor aquelas que consideramos como as mais relevantes quando se trata dos
raciocínios dialéticos.
Conforme os autores dois grupos de processamento argumentativo: os de ligação
que visam à aproximação de elementos distintos (argumentos quase-lógicos, argumentos
baseados na estrutura do real, as ligações que fundamentam a estrutura do real); e, os de
dissociação que visam a técnicas de ruptura onde se almeja dissociar, separar ou desunir.
Os argumentos quase-lógicos são os chamados raciocínios não-formais que guardam
alguma semelhança com os raciocínios lógicos. Através da argumentação esses raciocínios
são simplificados, aproximando-se do raciocínio formal, daí a denominação ‗quase-lógico‘. A
força persuasiva dos argumentos quase-lógicos reside exatamente nessa aproximação. Como
raciocínios lógicos, poderiam ser considerados silogismos não-válidos ou raciocínios formais
errados, porque a ligação entre as premissas e as conclusões é de caráter formal. Todavia,
como raciocínios dialéticos, eles podem ser considerados válidos ou não, em função de seu
conteúdo.
Dentre esses argumentos, Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996) apontam aqueles que se
vinculam às estruturas lógicas - contradição, identidade total ou parcial, transitividade; e os
que apelam para relações matemáticas - relação da parte com o todo, do menor com o maior
e a relação de frequência.
Enquanto os argumentos quase-lógicos pretendem ser validados devido a seu aspecto
formal, oriundo de uma relação mais ou menos estreita com certas fórmulas lógicas e
12
Perelman refere-se às técnicas argumentativas como esquemas de argumentos para os quais os casos
particulares examinados servem apenas de exemplos, que poderiam ser substituídos por tantos outros.
(Cf. PERELMAN;OLBRECHTS-TYTECA, 1996, p. 212).
63
matemáticas, os argumentos baseados na estrutura do real, conforme afirmam Perelman e
Olbrechts-Tyteca (1996, p. 297), utilizam essas formas para estabelecer uma solidariedade
entre juízos admitidos e outros que se procura promover.‖ São eles que possibilitam uma
relação de causa e efeito entre as premissas e as conclusões.
Como demonstram os autores, os argumentos baseados na estrutura do real se aplicam
às ligações de sucessão, que ligam um determinado fenômeno a suas causas ou a suas
consequências; ou os que se aplicam às ligações de coexistência, que unem as pessoas a seus
atos, um grupo aos indivíduos que dele são integrantes, e, de modo geral, uma esncia e suas
respectivas manifestações. Tanto as ligações de sucessão, quanto as de coexistência dividem-
se em outros subtipos.
ainda as ligações que fundam a estrutura do real. Tais raciocínios são empíricos e
o se apóiam na estrutura do real. Fundam-na, ou pelo menos a completam, criando entre as
coisas nexos antes nunca vistos, ou suspeitados. Esses tipos de argumentos são estruturados
pelo recurso ao caso particular (o exemplo, a ilustração e o modelo/antimodelo) e os
raciocínios por analogia.
O exemplo pressupõe a existência de certas regularidades cujos exemplos fornecerão
uma generalização. Trata-se de um caso particular, ou sequências de casos, que aparecem sob
certa lógica - nas ciências refere-se à formulação de uma lei geral; no Direito à invocação de
um precedente considerado como exemplo que dá origem a uma nova regra. A ilustração, por
sua vez, difere do exemplo por tratar-se de uma sustentação, uma garantia, e não a
fundamentação de uma regularidade estabelecida. Funciona como um reforço à adesão a
uma regra conhecida. Por fim, o uso do modelo/antimodelo que propõe a sua imitação. O
comportamento de um grande homem é frequentemente utilizado como um modelo a ser
imitado. Quando se trata de uma conduta, um comportamento particular pode não servir
para fundamentar ou ilustrar uma regra geral, como para estimular a uma ação nele
inspirada.‖ (PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA, 1996, p. 413).
Os raciocínios por analogia estabelecem uma relação de similitude entre duas relações
que unem dois elementos. Não se trata, portanto, da semelhança entre os dois elementos, mas
sim entre as relações que ligam cada um dos pares, cuja fórmula mais genérica seria: A está
para B assim como C está para D.
64
Fazer uso da analogia é construir uma estrutura do real que permita encontrar e provar
uma verdade, ancorado em uma semelhança de relações. Perelman e Olbrechts-Tyteca (op.
cit.) apresentam duas relações distintas: o tema (aquilo que se quer provar) e o foro (o que se
conhece por verificação).
Os autores postulam que o essencial em uma analogia é a confrontação do tema com o
foro. Para essa confrontação, não a implicação, em absoluto, que haja uma relação prévia
entre os termos de um e do outro, porém, se houver uma relação entre A e C e entre B e D, a
analogia se prestará a desenvolvimentos diversos, o que constitui aspectos de uma analogia
rica.
Por postular que a relão entre A e B é semelhante à relação entre C e D, a analogia
pode fundar uma metáfora. Para Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996), a mefora é uma
analogia condensada. Os autores afirmam que toda analogia - exceto aquelas cujas formas são
rígidas, como a parábola, a alegoria torna-se espontaneamente uma metáfora.
Aaqui tratamos dos processamentos de ligação, através dos quais certos elementos,
a princípio percebidos como independentes, acabam formando um único grupo coeso com
vistas a obter a adesão do auditório. Vejamos agora como os autores apresentam a dissociação
das noções.
Os argumentos por dissociação são aqueles que buscam solucionar uma
incompatibilidade referente a noções previamente estabelecidas, com o intuito de restabelecer
uma visão coerente da realidade. A dissociação é resultante da depreciação do que era até
então um valor aceito.
[A dissociação] consiste num remanejamento mais profundo, sempre
provocado pelo desejo de remover uma incompatibilidade, nascida do cotejo
de uma tese com outras, trate-se de normas, fatos ou verdades. Algumas
soluções práticas possibilitam resolver a dificuldade no plano exclusivo da
ação, evitar que a incompatibilidade se apresente, diluí-la no tempo,
sacrificar um dos valores que entram em conflito, ou os dois. A dissociação
das noções corresponde, nesse plano prático, a um compromisso, mas
conduz, no plano trico, a uma solução que valerá igualmente no futuro
porque, ao reestruturar a nossa concepção do real, ela impede o
reaparecimento da mesma incompatibilidade. (PERELMAN e
OLBRECHTS-TYTECA, 1996, p. 469).
O par prototípico da técnica de dissociação é a distinção aparência/realidade, mas há
inúmeros pares filosóficos dissociados, tais como: meio/fim; conseqüência/fato/princípio;
65
ato/pessoa; acidente/essência; ocasião/causa; relativo/absoluto; subjetivo/objetivo;
multiplicidade/unidade; normal/norma; individual/universal; particular/geral; teoria/prática;
linguagem/pensamento; etc.
O emprego argumentativo dos pares filoficos tem o intuito de tirar partido das
dissociações, introduzir dissociações ad hoc, apresentar dissociações de outros audirios e
lembrar uma dissociação presumivelmente esquecida. várias técnicas para ressaltar o uso
desses pares filoficos, como por exemplo: a técnica da inversão ―a/b‖? ―b/a‖: ―comer para
viver e não viver para comer‖; a técnica de valorizar o meio para transformá-lo em fim e de
desvalorizar o fim para transformá-lo em meio; o uso de enunciados que incentivam a
dissociação tal como a tautologia e os paradoxos. ainda definições dissociadoras que
pretendem fornecer o sentido real de uma noção, oposto ao seu uso aparente.
É necessário lembrar, conforme enfatizam Perelman e Olbrechts-Tyteca, que os
elementos tomados de forma isolada com vistas ao estudo, na realidade, formam um todo e
estão em constante interação. E, embora imprecisas, tais interações são determinadas pela
escolha dos argumentos, pela amplitude e pela ordem da argumentação.
2.3.2 O Modelo de Toulmin
No âmbito da retomada do interesse pela Retórica, um outro nome a destacar: o
lógico e filósofo inglês Stephen Toulmin, com a publicação, também em 1958, de The Uses of
Arguments. A exemplo de Perelman e Olbrechts-Tyteca, Toulmin procurou também romper
com os limites da lógica tradicional, centrada essencialmente na forma dos raciocínios e na
dedução. Conforme Grácio (2008), sua proposta consiste na reformulação da lógica com
vistas a introduzir questões substanciais que permitam um outro tipo de abordagem dos
raciocínios, que não apenas em termos de validade formal.
Toulmin defende que numa análise da argumentação, o que é considerado como
argumento válido e eficiente, depende do contexto histórico, social e disciplinar. Para
proceder tal análise, o filósofo inglês desenvolve um modelo descritivo de análise com o
intuito de especificar os elementos potencialmente constitutivos de qualquer argumentação.
Conforme Magalhães e Souza (2004), uma qualidade do trabalho de Toulmin consiste na
aproximação da ideia de uma validade contextual dos argumentos para, em seguida, discutir a
sua natureza invariante, ou seja, a que independe dos contextos. Desse modo, o teórico inglês,
trabalha inicialmente como conceito de campo como um lugar de validação dos argumentos.
66
Os campos, na definição de Magalhães e Souza (2004, p.584), são áreas do saber nas quais a
argumentação se desenvolve: campo jurídico, da lógica, da religião, do futebol, da crítica de
arte, da mecânica, ou seja, ―de todas as áreas segmentárias, relativamente móveis, conforme a
necessidade do problema posto. Toulmin (2001) procura investigar se existe um padrão
estrutural entre argumentos de campos diferentes. ―que coisas, na forma e no mérito de nossos
argumentos, não variam conforme o campo e que coisas, nas formas e nos méritos de nossos
argumentos variam conforme o campo?(p. 21)
Conforme Magalhães e Souza (2004), o autor inglês propõe objetivamente que, para
todos os casos, os argumentos desenvolvem-se por estágios, os quais, conhecidos na lógica
como premissas e conclusão, o conectados entre si por termos modais ou qualificadores
modais. Em seus estudos No entanto, para Toulmin, a estrutura lógica o capta as diferenças
entre os elementos que dão força ao argumento, além de não possibilitar a adequação desses
elementos ao contexto. Segundo Grácio (2008), autor o renega o valor do silogismo em
termos formais, mas pretende perspectivá-los como algo suscetível de desafio.
Segundo o modelo de Toulmin os elementos que compõem a estrutura sica de um
argumento, são: o dado (D), a conclusão (C), a justificativa (J). O diagrama abaixo essa
estrutura básica da argumentação:
No entanto, Toulmin (2001) aduz que conforme o contexto e os interlocutores
envolvidos, essa estrutura pode não ser suficiente para atender aos propósitos comunicativos e
seja necessária uma referência mais explícita ―ao grau de força que nossos dados conferem a
nossa alegação em virtude de nossa garantia‖ (p. 145). Algumas justificativas (J) já conduzem
à tese/conclusão (C); outras, para garantirem a força argumentativa, precisam apoiar-se em
outros elementos.
São eles: a modalização (M) indica o grau de força que a justificativa confere à (C)
através de expressões adverbiais (necessariamente, provavelmente, presumidamente), e dos
verbos modais (parecer, dever, poder). Conforme Plantin (2008), o modalizador representa a
presença de um contradiscurso, o que introduz um elemento dialogal ao modelo; a refutação
(R) indica as circunstâncias de excepcionalidade, nas quais a força da justificativa deve, ou
67
o, ser deixada de lado; e o suporte (S) que o as proposições que sustentam as
justificativas, conferindo-lhes autoridade. A escolha de (S) varia conforme o campo de
argumentação: jurídico, matemático, moral, cultural, psicológico. Eis o modelo de Toulmin,
ampliado:
Assim, conforme salienta Plantin (2008), temos o que o autor considera um discurso
argumentativo completo:
Harry nasceu nas Bermudas; ora, as pessoas que nascem nas Bermudas são
geralmente cidadãs britânicas, em virtude de leis e decretos sobre a nacionalidade
britânica; logo provavelmente Harry é cidadão britânico; a menos que seus pais sejam
estrangeiros, ou que ele tenha mudado de nacionalidade.
Todavia, a presença conjunta dos componentes dessa estrutura ampliada o é
condição essencial para a ocorrência de uma argumentação bem construída, sendo possível a
omissão de alguns desses elementos, desde que sejam mantidos os componentes da estrutura
básica.
Em síntese, conforme explica Barroso (2005), a teoria de Toulmin representa alguns
avanços, tais como: rejeição à rigidez de análise proposta pelo silogismo aristotélico,
reconhecimento da participação de novos elementos na constituição do discurso
Harry nasceu nas Bermudas
Então, possivelmente, Harry é cidadão britânico.
(D) (C)
Visto que
(M)
Aquele que nasce nas Bermudas Salvo se
geralmente é cidadão britânico
(J)
Em virtude das Seus pais são estrangeiros ou ele
tenha mudado de nacionalidade
(R)
Leis e outras disposições
legais
(S)
68
argumentativo, bem como sua relação com a força argumentativa; reconhecimento da
audiência e do contexto como fatores que interferem na argumentação; apresentação de um
modelo que permite a recursividade dos argumentos, de modo que um C possa gerar um novo
D que serve de argumento para um novo C, e assim sucessivamente.
2.3.4 O Modelo de Ducrot: a argumentação na língua
No terreno da argumentação, destaque deve ser feito a Oswald Ducrot, embora sua
perspectiva não se coadune com a adotada nesta pesquisa.
A teoria de Ducrot, desenvolvida em muitos momentos juntamente com Jean-Claude
Anscombre, está enraizada nos postulados estruturalistas, pois a argumentação é reconstruída
num plano exclusivamente linguístico, de acordo com o programa estruturalista, como vemos
nas próprias palavras do autor em entrevista:
Certamente, tenho a preteno de permanecer fiel a Saussure, mesmo se o
que digo é bem diferente daquilo que dizia Saussure. Retomo de Saussure
esta idéia que você evocou, segundo a qual as palavras não podem ser
definidas senão pelas próprias palavras, e não em relação ao mundo, ou em
relação ao pensamento. A diferença entre o meu trabalho e o de Saussure é
que não defino, propriamente falando, as palavras em relação a outras
palavras, mas em relação a outros discursos. O que eu tento construir seria
eno uma espécie de estruturalismo do discurso. (MOURA, 1998)
Ducrot e Anscombre, na sua Teoria da Argumentação na Língua (ANL), localizam na
língua a significação, que é caracterizada relativamente ao valor: “o significado de uma frase
afirma Ducrot (1999: 2) - seria constituído pelas relações que ela mantém com outras
frases da mesma língua.” Portanto, consideram-se somente as relações sintagmáticas que
caracterizam uma frase por suas possibilidades de combinação com outras frases no
encadeamento do discurso, observando-se o que pode seguir ou preceder um enunciado dessa
frase. E mais, postulam que a língua é essencialmente argumentativa e não informativa,
adotando o princípio de que a argumentatividade não é um dado retórico (no sentido habitual)
acrescentado ao valor semântico fundamental, mas é, ela mesma, fundamental, lingüística no
sentido pleno, isto é, presente desde o nível mais profundo. Para eles, na significação de
certas palavras, expressões ou mesmo enunciados indicações que não são de natureza
informativa, mas argumentativa (no sentido que eles adotam).
Negroni (1998) ilustra essa tese tomando enunciados do tipo quase P em que P é uma
indicação numérica:
69
(1) O termômetro está marcando quase 7graus.
Segundo a autora, esse enunciado é ambíguo, já que a decisão de estar um pouco a
mais ou um pouco a menos da marca 7 não pode ser tomada a não ser em relação a uma
conclusão, como por exemplo, O forno está perdendo calor ou O forno está quente. No
primeiro caso, quase 7 significa um pouco mais de 7’; no segundo, um pouco menos de
7‘. Percebe-se que a informação numérica é determinada pelo que lhe segue e, portanto,
definida apenas na relação com o enunciado subseqüente. O valor informativo do enunciado
é deduzido do valor argumentativo e não o contrário.
Ducrot (2009, p. 20-21) afirma que chama de argumentação linguística ou apenas
argumentação
os segmentos de discurso constituídos pelo encadeamento de duas
proposições A e C, ligadas implícita ou explicitamente por um conector do
tipo donc (portanto), alors (então), par conséquent (consequentemente)...
Chamarei A o argumento e C a conclusão. Essa definição pode ser
estendida aos encadeamentos que ligam o duas proposições sintáticas,
mas duas sequências de proposições, por exemplo, dois parágrafos de um
artigo.
No entanto, contrariamente ao que à primeira vista poderia ser inferido dessa
definição, não se trata de uma relão em que os segmentos A e C exprimem fatos fechados
sobre si mesmos, compreensíveis independentemente do encadeamento, e suscetíveis de
serem ligados entre si. Trata-se sim de uma relação em que o sentido do argumento A contém
em si mesmo a indicão de que ele deve ser completado pela conclusão C. Em outras
palavras, o sentido de cada segmento é determinado na relação. O autor exemplifica com
um enunciado que contém a palavra demais:
(2) Você dirige depressa demais; você corre o risco de sofrer um acidente.
13
Nessa relação, constata-se que o sentido de demais, presente no antecedente,
pode ser recuperado no consequente: depressa demais significa em uma velocidade perigosa.
Isso leva à seguinte afirmação: o próprio conteúdo do argumento pode ser compreendido
pelo fato de que conduz àquela conclusão. Fora desse encadeamento, diz o autor, ―ele não
significa nada‖. (p. 22) Com efeito, o termo não significaria o mesmo se integrasse uma
sequência como
13
Entre as duas proposições encadeadas, encontra-se implícito o conector ‗portanto‘ ou equivalente.
70
(3) Você dirige depressa demais; vo corre o risco de cometer uma infração.
em que a velocidade considerada em seu aspecto quantitativo não será a mesma. A mesma
determinação ocorre se se considera a conclusão. Desse modo, os segmentos que
desempenham os papéis de argumento A e de conclusão C não são semanticamente
independentes um do outro; o sentido de A é determinado pelo de C e vice-versa: argumento e
conclusão de um encadeamento argumentativo constituem-se mutuamente.
Dessa concepção de relação argumentativa derivam as noções de classes de
conclusões e operadores argumentativos. Se, no nível do enunciado
14
, um segmento
argumenta em favor de uma conclusão efetiva, no nível da frase, somente funções em
forma de instrução: Procure uma conclusão r em favor da qual P argumenta. Como, nesse vel, é
possível haver mais de uma conclusão (r
1
, r
2
, r
3
...), chega-se à noção de classes de
conclusões: conjunto das conclusões (r) circunscritas pela instrução ligada a uma frase. Isso
explica os seguintes encadeamentos:
(4) É tarde, são oito horas.
(5) É cedo, são oito horas.
em que o mesmo argumento (são oito horas) permite chegar a duas conclusões opostas.
É nesse momento que encontramos a noção de operador argumentativo, elemento que
restringe ou modifica a classe de conclusões possíveis. Tomemos apenas um exemplo para
ilustrar. Se inserirmos os operadores apenase nos exemplos (4) e (5), constataremos
que haverá uma restrição a uma ou outra conclusão:
(4‘) É tarde, já são oito horas.
(5‘) É cedo, são apenas oito horas.
Mas, em princípio, não seria possível fazer uma substituição desses elementos:
14
Neste ponto do trabalho, torna-se necessário fazer algumas distinções terminológicas, definindo alguns
primitivos teóricos da maquinaria da Semântica Argumentativa de Ducrot: discurso, frase, enunciado,
significação, sentido. Na teoria de Ducrot, discurso é uma unidade de alise observável, sendo o enunciado o
discurso mínimo. A frase não é do nível do observável, mas do construto teórico, enquanto o enunciado é
ocorncia da frase. À frase será ligado um valor semântico: a significação. É pelo viés da significação que o
sentido dos enunciados será determinado. Sendo a frase por definição uma entidade teórica, a significação
também o é.
71
(4‘‘) * É tarde, são apenas oito horas.
(5‘‘) * É cedo, já são oito horas.
No entanto, em casos como o de (6) e (6‘)
(6) Apresse-se, são apenas oito horas.
(6‘) Não se apresse, já são oito horas.
é possível pensar num contexto em que um locutor diga (6) a alguém que pensa ter perdido o
horário do ônibus e (6‘) a alguém que ainda pode tomar o ônibus. Essa situação mostra que
na relação entre A e C podem existir vários caminhos. Numa enunciação, o locutor dá
indicações sobre o caminho que ele escolheu e o destinatário tenta reconstruir um itinerário a
partir das indicações fornecidas.
Situações como essas levam os autores a postularem a noção de topos / topoi:
princípios gerais, prévios, que servem de apoio ao raciocínio; são garantia do raciocínio, mas
o o próprio raciocínio. Os topoi são regras gerais, universais, intralingüísticas e graduais.
Um locutor que diz: Esse vestido não é caro. Compre”, para passar do argumento à
conclusão, utiliza o topos <quanto menos um objeto é caro, mais a despesa é justificada>.
Mas um problema surge nesse estágio da teoria. Os topoi permanecem, quanto ao seu
conteúdo particular, exterior‖ à língua, o que contraria o caráter estruturalista da teoria. A
saída é considerar que os topoi estão inscritos na própria significação das palavras, intervindo,
assim, no nível lexical. As palavras não remetem a objetos ou a propriedades constantes,
mas autorizam a aplicação de certos topoi, suscitando assim uma determinada visão da
situação. Fica estabelecida, desse modo, uma distinção entre topoi extrínsecos ligados a
certos conhecimentos - e topoi intrínsecos ligados à própria significação das palavras.
Para ilustrar a noção de topoi intrínsecos e topoi extrínsecos, Ducrot (apud NEGRONI,
1998) parte do seguinte enunciado: “João tem pouco dinheiro, ele quase não deve ter
amigos”. O autor afirma que o locutor se baseia num topos do tipo <quanto menos dinheiro
se tem, menos amigos se possui>. Esse topos está prefigurado‖ na palavra dinheiro (em
francês: “fortuné”, cujo correspondente em português poderia ser o adjetivo
“endinheirado”). O autor explica provisoriamente que esse topos consiste em uma cadeia de
topoi mais elementares, que poderia ser, por exemplo <quanto mais endinheirado se é, mais
poder se tem>, <quanto mais poder se tem, mais útil se é>, <quanto mais útil se é, mais
72
procurado se é>. E somente o primeiro desses topoi elementares é o que pertence à
significação da palavra fortuné, sendo ―intrínseco‖ a ela, enquanto os outros dois são
qualificados de ―extrínsecos‖. Assim, a idéia é que os topoi extrínsecos utilizados no discurso
são cadeias cujo primeiro elo é um topos intrínseco inscrito nas palavras que compõem os
segmentos discursivos que funcionam como argumentos. Ducrot assinala que a significação
do adjetivo “fortuné” reside na relação estabelecida entre a noção de possuir e poder. O
topos que lhe é intnseco não repousa, pois, sobre uma gradação preexistente da posse que
seria posta em relação a posteriori com a de poder mas consiste em representar o possuir a
partir do ponto de vista do poder. Os predicados (ou escalas) constitutivos do topos não
existem independentemente um do outro, o topos mesmo os estabelece.
A ANL, uma teoria rica e complexa, recebe muitas críticas principalmente no tocante
ao postulado da imanência da língua. Com efeito, percebe-se na noção de topos extrínseco a
insinuação da dimensão extralinguística, tão desconsiderada pelos estruturalistas. Além disso,
por sua vocação estruturalista, desconsidera a dimensão discursiva, o que, como já afirmamos,
o se coaduna com a linha teórica adotada neste trabalho.
Como vimos, os três modelos aqui apresentados representam vias teóricas distintas.
Conforme Grácio (2008), a perspectiva de Perelman e Olbrechts-Tyteca,
essencialmente descritiva, é a de inventariar as técnicas discursivas presentes na comunicação
persuasiva. Os autores da Nova Retórica defendem que a argumentação se caracteriza mais
pela consideração de seu auditório que pela consideração de seu objeto, ou seja, a
argumentação não se preocupa em estabelecer a validade de um enunciado, mas sim em obter
a adesão do auditório.
Toulmin, por seu turno, numa dimensão puramente normativa, parte da teoria do
argumento e procura ver os critérios em função dos quais as argumentações podem ser
questionadas e avaliadas. O autor relaciona a validade de um enunciado primeiramente à
estrutura do discurso (sua racionalidade) que a defende e então faz que aquela validade
fundamentalmente dependa da validade das premissas no seio de uma comunidade (de um
domínio) de referência onde a validade destas premissas se estabelece de acordo a algumas
regras. Assim, ao contrio do que ocorre em Perelman, há em Toulmin uma tendência de
reconduzir as questões da argumentação a questões de raciocínio.
73
Por outro lado, Ducrot, numa visão diferente dos teóricos anteriores, coloca a
argumentação no domínio linguístico. Para o autor, a argumentatividade está inscrita na
própria língua. Nessa perspectiva, possuir mecanismos que permitem indicar a propriedade
argumentativa dos enunciados é considerado propriedade interna da ngua. A análise das
palavras que ligam o texto tem na postura de Ducrot uma importância particular, visto que
elas representam as ‗peças‘ das informações contidas no texto a serviço de sua intenção
argumentativa global.
A diversidade das perspectivas teóricas contemporâneas, conforme defende Grácio
(2008), caracteriza-se por uma grande heterogeneidade. Algumas se centrarão no discurso;
outras tenderão a englobar a argumentação no quadro mais geral da análise do discurso;
outras, ainda, conceberão a argumentação numa perspectiva linguística; outras, para finalizar,
assumirão uma perspectiva interacionista, enquadrando a argumentação no contexto de
situações dialogais.
Dentre as perspectivas teóricas contemporâneas, além das vertentes aqui
apresentadas, citamos a lógica natural de Jean-Blaise Grize; a argumentação no discurso, de
Ruth Amossy; a argumentação na comunicação, proposta por Charles Arthur Willard; a nova
versão da lógica como lógica informal, encabeçada pelos canadenses Johnson e Blair; a
pragma-dialética, conhecida também por ―escola holandesa‖ e tem como seus mentores Franz
van Eemeren e Rob Grootendorst, além do modelo dialogal proposto por Plantin.
A abordagem mais detalhada dessas perspectivas foge ao escopo desta pesquisa.
Nosso objetivo, como mencionamos no início, foi apresentar um breve percurso da história da
argumentação e, a escolha dos três referenciais teóricos aqui apresentados deveu-se ao fato de
tais modelos constitrem marcos importantes neste campo de estudo complexo e heterogêneo
e que está ainda longe de ter atingido a maturidade conforme defende Grácio (2008).
74
CAPÍTULO 3 - MODO DE ORGANIZAÇÃO ARGUMENTATIVO
Partindo da hipótese de que propagandas e algumas embalagens constituem gêneros
que visam convencer / persuadir o consumidor, e que esse objetivo é manifestado por alguns
procedimentos discursivos, adotamos, como instrumental teórico para analisar o corpus, o
modelo semiolinguístico de Patrick Charaudeau (2008), especificamente no que concerne ao
modo de organização argumentativo. Comamos pelos pressupostos teóricos que alicerçam
seu modelo, para, em seguida, apresentarmos sua proposta de organização do discurso
argumentativo, no que concerne especificamente à organização da cena argumentativa.
3.1 Pressupostos teóricos
3.1.1 Da delimitação do território teórico
Considerando os elementos constitutivos de qualquer teoria, Charaudeau empreende
um percurso para focalizar, em linhas gerais, o que certas teorias linguísticas e semióticas
propõem como atitudes diante da linguagem. Naturalmente, esse percurso não é sem
interesse, se quisermos identificar as oões que faz o autor.
Quanto ao objeto, Charaudeau reconhece duas posições muito gerais e antagônicas. A
primeira é a que
concebe o ato de linguagem como produzido por um emissor-receptor
ideal, em uma circunstância de comunicação neutra. Como resultado
disso, temos a iia de que a linguagem é um objeto transparente.
(CHARAUDEAU, 2008, p. 16, grifo do autor)
Como decorrência, o processo de comunicação e os sujeitos nele envolvidos, assim
como a significação, se revestem de características muito particulares. Nessa perspectiva, o
processo de comunicação se dá sem conflito, pois pressupõe que o movimento de transmissão
da fala, cujo processamento se reduz a uma decodificão pura e simples, se esgota num
percurso exatamente igual do emissor-receptor e seu inverso do receptor-emissor. Para ter
sucesso, basta ao emissor externalizar verbalmente sua intenção e o receptor, em percurso
inverso, encontrar essa intencionalidade. Marcada por uma idealização simplista, a interação
pode ocorrer no vácuo, fora de uma situação real de comunicação, o que, a rigor, não é
mesmo interação.
75
Esse modelo, manifestado, por exemplo, no circuito da falasaussuriano, pode ser
assim resumido: um emissor A tem uma mensagem para enviar a um receptor B e, para isso,
deve ‗codificá-la‘ numa forma particular e então transmitir a B, que a recebe e, então, a
‗decodifica‘. Esse modelo implica uma visão ‗telepática‘ da comunicação, que consiste num
processo de transferência de pensamento da mente de uma pessoa para a mente de outra.
Além disso, a comunicação terá sucesso somente se o conceito originalmente codificado por
A for o mesmo que é decodificado por B, situação possível gras a um digo comum
partilhado por eles. Esse é um modelo de comunicação claramente descontextualizado e
idealizado, com foco na lógica interna ou nos mecanismos gramaticais do código linguístico,
que supostamente funciona como um mecanismo situacionalmente neutro de codificação e
decodificão, que incide num mundo extralinguístico objetivamente dado.
Assim, os participantes desse processo, que se encontram numa relação simétrica,
devem ser necessariamente ‗desencarnados‘, segundo Charaudeau, porque são definidos por
sua semelhança com o outro e não por sua diferença: ―O receptor se assemelha ao emissor que
é o representante típico de todo sujeito no lugar e espaço de produtor do mesmo ato de
linguagem.(op. cit. p. 16). Sua competência, assim, se restringe a representar o mundo pelo
explícito da linguagem.
Nesse cenário, o ato de linguagem se reduz ao que explicitamente é verbalizado,
pressupondo uma significação que prescinde do contexto em que se verifica o ato de
comunicação:
Ele [o ato de linguagem] significa apenas seu explícito, considerado
como algo que está , objeto aunomo que não pode dizer outra
coisa a não ser o que ele diz: ―Fecha a porta‖ não quer dizer nada
além de Fecha a porta‖. (CHARAUDEAU, 2008, p. 16)
A segunda concepção teórica consiste em
conceber o ato de linguagem como produzido por um emissor, em um
dado contexto sócio-histórico. Disso resulta a idéia de que a
linguagem é um objeto não transparente. (CHARAUDEAU, 2008, p.
17, grifo do autor.)
Nessa vertente, o processo de comunicação não é fruto de uma única
intencionalidade, já que é preciso levar em considerão não somente o que poderiam ser as
intenções declaradas do emissor, mas também o que diz o ato de linguagem a respeito da
76
relação particular que une o emissor ao receptor. E essa concepção encontra eco se se
considera a linguagem como um objeto opaco.
Nesse cenário, os participantes da comunicação são seres encarnados e situados sócio-
historicamente, definidos pelas suas diferenças. O que se deve pressupor aqui é uma relação
muitas vezes assimétrica.
O emissor é diferente do receptor pelo fato de que este último pode
construir um sentido o previsto pelo emissor. Assim, ―Fecha a
porta‖ pode querer dizer ―Estou com frio‖ para o emissor e pode
querer dizer ―Está barulhento lá fora‖ para o receptor.
(CHARAUDEAU, 2008, p. 17)
O ato de linguagem não esgota sua significação em sua forma expcita, porque
significa algo que transcende o próprio significado, algo que é relativo ao contexto cio-
histórico, o que implica considerar que o ato de linguagem é constituído de duas faces: um
Explícito (que é manifestado) e um Implícito (lugar de vários sentidos, que são atrelados às
circunstâncias em que se dá o ato linguageiro).
Assim considerado, pode-se inferir que a competência dos participantes do ato de
comunicação deve ser múltipla, pois não se pode restringir a representar o mundo
explicitamente; ao contrário, diz Charaudeau, a competência nesse caso reside ―na aptidão
para significar o mundo como uma totalidade que inclui o contexto sócio-histórico e as
relações que se estabelecem entre o emissor e o receptor.‖ (op. cit. p. 17)
Quanto ao método, outro elemento constitutivo de qualquer teoria, que o determina ao
mesmo tempo em que é por ele determinada, Charaudeau aponta duas concepções. A
primeira é marcada por uma atividade de abstração cujo ponto de chegada é a explicação-
constatão. Dentro desse método, a atividade de compreensão das manifestações linguísticas
se processa pelas atividades de diferencião, comparação, transformação ou estabelecimento
de analogias-homologias. Tais atividades permitem distinguir níveis de organização da
estrutura linguística cada vez mais gerais e, portanto, cada vez mais abstratos. O ponto de
chegada desse método é a explicação-constatão dos fenômenos linguísticos. Charaudeau
situa aqui um velho debate estruturalista que não se resolve: a explicação dos fenômenos
linguísticos seria produto do próprio objeto (estruturalismo ontológico) ou um produto do
modelo instrumental que, assim construído, estrutura o objeto (estruturalismo metodológico)?
Em outras palavras, a se adotar esse método, é necessário perguntar se a explicação chega
77
efetivamente às regras e princípios da linguagem natural (concepção substancialista, ou seja,
as regras e princípios são realmente constitutivos da linguagem natural
15
) ou se essas regras
são dispositivos operatórios de análise linguística (concepção operatória). Esse é um debate
teórico que não muda o que caracteriza o que o método dessa tendência tem de substancial:
Qualquer que seja a tenncia, estamos diante de um mesmo tipo de
atividade que, partindo da manifestão linguageira e procedendo por
abstrações sucessivas, resulta em uma imanência classificatória
representativa de uma estrutura de pensamento (a busca dos
universais da linguagem). (CHARAUDEAU, 2008, p. 18)
A segunda concepção é marcada por aquilo que Charaudeau denomina atividade de
elucidação‖. Trata-se
do percurso da manifestação linguageira em função de um contexto,
cujos dados variam, a fim de fazer com que surjam, dessas
confrontações sucessivas, conjuntos significantes, testemunhos da
relação do ato de linguagem com suas condições de produção-
interpretação. (CHARAUDEAU, 2008, op. cit.)
Em outras palavras, para Charaudeau, essa concepção não lança suas raízes num
procedimento que visa atingir níveis cada vez mais abstratos, embora esse método
pressuponha uma atividade de abstração. Essa prática se alicerça no exame dos dados em uso
em contexto.
Charaudeau esclarece que essas duas concepções do método não coincidem com as
duas concepções de objeto vistas acima. Se, por um lado, a maioria das práticas linguísticas
de abstração corresponde a uma concepção de ngua como transparente, por outro, as práticas
semióticas se dividem entre a atividade de abstração e atividade de elucidação. No entanto,
podemos adiantar que o arcabouço teórico do autor se alicerça numa concepção de língua
dentro de uma perspectiva pragmático-discursiva e tudo o que daí decorre: a concepção de
sujeito encarnado histórica e socialmente e constituído na interão, além da concepção de
significação situada.
Como decorrência, o que interessa num estudo que adota essa perspectiva é o
conhecimento de como a linguagem significa o que significa, ou, nas palavras de Charaudeau,
o objetivo dessa perspectiva é ―procurar saber como fala a linguagem, isto é: como a
significação é significada (CHARAUDEAU, 2008, p. 19) e não do que fala a linguagem.
15
E aqui encontramos os postulados da gramática gerativa chomskyana.
78
Em suma, diz o autor, quanto ao objeto, método e conhecimento há duas tendências de
abordagem da linguagem:
- uma que se caracteriza por sua concepção de linguagem-objeto
transparente, por seu método de atividade de abstração, e se
interessa por do que nos fala a linguagem;
- outra que se caracteriza por sua concepção de linguagem-objeto-
não-transparente, por seu método de atividade de elucidação, e se
interessa por como nos fala a linguagem. (CHARAUDEAU, 2008, p.
20)
É à segunda tendência que se filia o modelo do autor.
3.1.2 Do sentido e da significação
As reflexões anteriores nos remetem ao estudo da dupla dimensão do fenômeno
linguageiro. Para Charaudeau a finalidade do ato de linguagem não está apenas em seu
aspecto verbal, mas, na relação que o autor denomina ―jogo‖ - que o sujeito estabelece entre
a configuração verbal e seu sentido implícito. Assim, o ato linguageiro é constitdo de duplo
valor: um explícito e outro implícito. Aquele como testemunha de uma atividade estrutural
da linguagem”, este como “testemunha de uma atividade serial da linguagem”.
Considerando a dimensão explícita, Charaudeau observa que, em uma frase como
―Fecha a porta‖, podemos encontrar sentido mesmo fora de um contexto, pois a reconhecemos
como sendo diferente de: ―Abra a porta‖,Fecha a janela‖, ―Eu lhe peço para fechar a janela‖.
Todas elas constituem alternativas à primeira, originando-se de operações de comutação, que
por sua vez, estabelecem relações de oposição e de combinação entre os signos. Tais
operações resultariam da formação daquilo que o autor denomina paráfrases estruturais, cuja
principal característica se baseia no fato de que elas não são nem concomitantes à mesma
instância de fala, nem compatíveis numa relação interfrástica como ―Fecha a porta porque
abra a porta‖
Em relação à dimensão impcita, o autor retoma o exemplo anterior, considerando
dessa vez, a intencionalidade do sujeito falante. Ao enunciar ―Fecha a porta‖, o sujeito pode
estar comunicando ao seu interlocutor estou com frio‖ (1), ou ―quero contar-lhe um segredo
(2), ou ―os barulhos lá de fora estão me incomodando (3). O sentido dessas frases que
podemos produzir a partir do enunciado Fecha a porta‖ é evidentemente variável de acordo
79
com as circunstâncias discursivas, daí seu caráter impcito. Essas frases são então
denominadas paráfrases seriais, pois o são nem exclusivas do enunciado explícito, nem
excludentes. São, portanto, ao contrário das paráfrases estruturais, concomitantes à mesma
instância da fala (―Fecha a porta‖ e ―Quero contar-lhe um segredo‖ são ditas ao mesmo
tempo), e o compatíveis em uma combinação interfrástica como ―Fecha a porta porque
estou com frio‖.
A produção dessas paráfrases permite que se efetue, na linguagem,
um jogo de remissões constantes a alguma coisa além do enunciado
explícito, que se encontra antes e depois do ato de proferição da fala.
É um jogo de significação de uma totalidade discursiva que remete a
linguagem a si mesma como condição de realização dos signos, de
modo que estes não signifiquem mais por si mesmos, mas por essa
totalidade discursiva que os ultrapassa: vamos, pois, nomeá-la
Significação. (CHARAUDEAU, 2008, p. 25. Grifo do autor)
Aqui cabe uma observação de ordem terminológica de extrema importância.
Charaudeau adota os termos sentido e significação de forma inversa daquela que usualmente
encontramos nos estudos linguísticos, conforme ele próprio nos esclarece:
Nossa escolha é motivada por nossa preocupação em manejar uma
terminologia que esteja próxima, sempre que possível, das
representações que a sociedade consti para si a respeito da sua
linguagem e da sua cultura. Ora, acontece que quando se procura o
sentido de uma palavra, é no diciorio que vamos buscá-lo (situação
fora do contexto); porém, quando se trata de significação de um texto
ou de uma conversa, estamos aí nos referindo ao fato do discurso (ou
seja à sua situação de emprego). (CHARAUDEAU, 2008, p. 25,
grifo do autor)
Desse modo, em nome da coerência do modelo aqui adotado, seguiremos o autor na
sua opção, respeitando, no entanto, as vozes de outros autores que possam dialogar com
Charaudeau, quando se tratar dessa diferença terminológico-conceitual.
No ato linguageiro temos uma relação indissociável entre as dimensões explícita
(aquela que permite que se encontre o sentido de um enunciado mesmo fora de um contexto),
e a implícita (cujo sentido depende das circunstâncias de produção, mais especificamente no
que se refere à intencionalidade do sujeito falante). Podemos aqui, mutatis mutandis,
estabelecer uma certa relação entre essa dupla dimensão e os conceitos de significação e tema
propostos Bakhtin (2006). Para o pensador russo a significação existe como capacidade
potencial de construção de sentido e como seus elementos (frutos de uma convenção) podem
80
ser utilizados em diferentes enunciações indicando o mesmo sentido, ela constitui um estágio
mais estável dos signos e dos enunciados. o tema existe vinculado à enunciação, pois,
assim como esta, é a expressão de uma situação hisrica concreta.
A significação [no sentido de Bakhtin] da enunciação: é tarde‖, por exemplo, é
relativamente estável, no entanto o seu tema não pode ser desvinculado da situação histórica
concreta. Quando a mãe diz ao filho ―Já é tarde‖ pode estar afirmando que é hora dele ir para
a cama. A mesma afirmação feita por alguém que está visitando um amigo pode significar que
precisa ir embora. Ou ainda, diante de um problema, o ―Já é tarde‖ pode expressar que não
mais solução.
Charaudeau atenta para a relação conflitual entre o impcito e o explícito e demonstra
que não se pode, a priori, determinar o paradigma de um signo, que esse é constituído pelo
ato de linguagem, em sua totalidade discursiva e a cada momento de forma específica. Se
considerarmos o exemplo ―Fecha a porta‖ podemos verificar o que está em questão para a
compreensão de porta em cada uma das intenções supostas:
a) em ―Estou com frioporta é entendida como meio de impedir a passagem do frio
para o interior;
b) em ―Quero contar-lhe um segredo‖, porta é entendida como meio de impedir a
passagem da fala para o ambiente exterior;
c) em ―Os barulhos de fora estão me incomodando‖, porta é entendida como meio
de impedir a passagem do barulho para o interior.
Percebemos que porta constitui, para cada caso, um conjunto paradigmático que é
diferente em cada ocorrência‖ (CHARAUDEAU, 2008, p.26). Dessa forma, o autor defende
que é o sentido impcito que comanda o explícito para constituir a significação de uma
totalidade discursiva, o que remete ao questionamento da ideia de definição dos signos da
linguagem a priori e de forma descontextualizada.
A partir das constatações apresentadas sobre o Implícito e o Explícito e suas
interações, o autor define o fenômeno linguageiro como algo que se constitui em duplo
movimento, o que caracteriza a linguagem como fenômeno conflitual. De um lado, a
atividade serial pondo em causa as tentativas empreendidas pela atividade estrutural para fixar
81
o para o signo um sentido definitivo; de outro, a atividade estrutural tentando fixar o sentido
comandado pela atividade serial.
Para melhor compreendermos esse jogo Explícito x Implícito, faz-se necessário
analisar as condições de produção/interpretação do ato de linguagem, ou circunstâncias de
discurso.
3.1.3 Das Circunstâncias do Discurso ou Das condições de produção /
interpretação do ato de linguagem
Charaudeau evidencia dois aspectos, relativamente às circunstâncias do discurso: a
relação que o sujeito enunciador e o sujeito interpretante mantêm face ao propósito
linguageiro e a relação que esses dois sujeitos mantêm, um diante do outro.
Os saberes do Enunciador e do Interpretante sobre o propósito linguageiro é
determinado por suas práticas sociais, nas quais os saberes individuais e saberes coletivos se
deslocam em função das relações interindividuais e intercoletivas.
Vejamos o seguinte exemplo proposto por Charaudeau. Imagine que Vitor telefone
para sua amante, Marta, e ela lhe diga: ―João está viajando‖ (João é o marido de Marta). As
condições de saber que Marta e Vitor partilham a respeito de João (marido traído versus casal
de amantes) é que permitem a compreensão do que foi dito como sendo ―Estamos livres‖. Por
outro lado, se imaginarmos que Marta, por exemplo, tenha descoberto que toda vez que o
marido diz que vai viajar, na verdade fica por perto para vigiá-la, poderíamos interpretar a
frase como Esse não é um bom momento para nos encontrarmos‖ Nesse caso, é preciso que
Vitor compartilhe desse saber. ―Assim, as denominadas Circunstâncias de Discurso intervêm
na partilha do saber dos protagonistas da linguagem, no que diz respeito a suas práticas
sociais, na condição de sujeitos coletivos.‖ (CHARAUDEAU, 2008, p.30, grifo do autor)
Quanto aos saberes do Enunciador e do Interpretante, um a respeito do outro, podemos
dizer que são as suposições feitas pelo Interpretante sobre o conhecimento e o ponto de vista
do Enunciador que permitem as interpretações. Inversamente, pode-se afirmar que o
Enunciador produz seu texto supondo que o Interpretante partilhe com ele o mesmo saber e se
esforça para escrever/falar de forma a evitar erros ou desvios de interpretão, ou, em outras
palavras, fornece ao leitor/ouvinte elementos (escolhas lexicais) que operem um processo de
filtragem no conjunto de saberes partilhados por uma coletividade.
82
Portanto, para o sujeito interpretante, interpretar é criar hipóteses sobre: o saber do
sujeito enunciador; sobre seus pontos de vista em relação aos seus enunciados e seus pontos
de vista em relação ao destinatário. Da mesma forma que, para o sujeito enunciador, falar ou
escrever envolve a criação de hipóteses sobre o sujeito interpretante. Isso permite ao autor
definir as Circunstâncias de discurso como ―conjunto dos saberes que circulam entre os
protagonistas da linguagem A situação extralinguística faz parte das circunstâncias de
discurso, e, nas palavras de Charaudeau ―figura como um ambiente material transformado em
palavras através dos filtros construtores de sentido, utilizado pelos atores da linguagem. Estes
últimos criam a hipótese segundo a qual esse ou aquele ambiente semiotizado está inserido
em um saber partilhado.‖ (CHARAUDEAU, 2008, p. 32). Assim, o as Circunstâncias de
discurso que comandam o ambiente material e não o inverso.
3.1.4 Dos sujeitos da enunciação
Como observamos, o ato de linguagem como evento de produção ou de
interpretação, depende dos saberes supostos que circulam entre os sujeitos da comunicação, e
estes saberes relacionam-se à dupla dimensão Explícito/Implícito do fenômeno linguageiro.
Nesse processo, o TU (sujeito interlocutor) não é um mero receptor da mensagem, mas aquele
que constrói uma interpretação a partir de seu ponto de vista frente às circunstâncias de
discurso e, portanto, constrói um ponto de vista sobre o EU (sujeito produtor do ato de
linguagem). Dessa forma, o ato de linguagem deve ser concebido como um encontro dialético
entre os processos de produção, criado por um EU e dirigido a um TU, e de interpretação de
um TU que constrói uma imagem EU do locutor.
Charaudeau opera um desdobramento das duas pessoas do discurso EU e TU,
característico do ato de linguagem e suas condições de produção e interpretação como vimos.
O ato de linguagem é visto como um encontro dialético entre dois processos:
a) Processo de Produção: criado por um EU-enunciador (doravante EUe) e dirigido a
um TU-destinatário (doravante TUd);
b) Processo de Interpretação: criado por um TU-interpretante (doravante TUi), que
constrói uma imagem do EU-comunicante (doravante EUc).
83
O esquema 1 mostra essa relação; o espaço comum aos dois constitui a zona de
intercompreensão suposta.
Universo de discurso do EU
EU Processo de
produção TU
EUe Processo de
interpretação TUi
Universo de discurso do TUi
Portanto, para ele, o ato de linguagem torna-se um ato inter-enunciativo entre quatro
sujeitos (e não dois).‖ (CHARAUDEAU, 2008, p.45)
Vejamos melhor como o autor caracteriza esses quatro sujeitos da linguagem e
estabelece a relação entre eles.
Sujeitos do espaço interno da situação de comunicação ou sujeitos da fala:
Quanto ao TU: o sujeito da fala ou do espaço interno da situação de
comunicação corresponde ao TUd, dependente do EU, que o institui; pertence,
portanto, ao ato de produção realizado pelo EU. O TUd é institdo pelo
próprio ato de linguagem, esteja ele marcado ou não na manifestação
linguística de responsabilidade do EU. Ao enunciar Saia em que o TU é
marcado explicitamente - ou ―Há uma crise política em Honduras em que o
TU o é marcado explicitamente -, o EU institui um TUd, constitutivo da
linguagem.
Quanto ao EU: o sujeito da fala ou do espaço interno da situação de
comunicação corresponde ao EUe, que igualmente é realizado e institdo na
fala. É sempre uma imagem de fala que oculta em maior ou menor grau o EUc.
Zona de
intercompreensão suposta.
84
Sujeitos do espaço externo da situação de comunicação ou sujeitos agentes /
sociais:
Quanto ao TU: o sujeito externo corresponde ao TUi, que age
independentemete do EU e que institui a si próprio como responsável pelo ato
de interpretação, que escapa ao domínio do EU.
Quanto ao EU: o sujeito externo corresponde ao EUc, que, localizado fora do
ato de linguagem, é responsável por sua organização e iniciador do ato de
produção da fala.
Tomando a categorização respeitante a sujeito da fala e sujeito social, essa
configuração nos permite elaborar a seguinte relação proposicional:
EUe : TUd :: EUc : TUi
No entanto, essa relação não é simétrica, pois o TUd pode ser o resultado do ato de
produção do EU ou o resultado do ato de interpretação do TUi. Em outras palavras o TUd do
EU e o TUd do TUi não coincidem em todos os pontos. Do mesmo modo, o EUc nem
sempre coincide com o EUe, quer do ponto de vista da produção, quer do ponto de vista da
interpretação. Assim, sempre estará em jogo um processo de criação e interpretação de
sujeitos que podem coincidir ou não, tanto no ato de produção quanto no ato de interpretação.
Alguns exemplos retirados de Charaudeau (2008, p. 45-52) esclarecem essa questão.
Um primeiro caso ilustra o papel do TUd e TUi. Trata-se de um caso ocorrido com
uma marca de produtos de beleza, que sofreu uma queda significativa de vendas no mundo
inteiro, quando na campanha publicitária substituiu-se a modelo de mais de 40 anos por três
modelos jovens de 25 anos. As mulheres (TUi) que usavam tal marca de produtos de beleza
eram maduras, que se identificavam mais com a imagem da mulher de mais de 40 anos
(TUd). No caso da publicidade, diz Charaudeau, é fabricada uma imagem de um TUd a quem
falta algo; esse TUd deve procurar preencher essa falta. O publicitário (EUc) supõe que o
TUi se identificará com o TUd que foi proposta. No caso da propaganda do produto de beleza
ocorreu um fracasso, pela falta de identificação do TUi com o TUd.
Um outro exemplo. Charadeau relata uma experiência em que foi mostrada para um
grupo de pessoas a seguinte frase: Não se mendiga seu direito. O direito é obtido através de
85
uma luta digna.‖ Em seguida, solicitou-se que as pessoas imaginassem (interpretassem) a
posição político-ideológica do autor da frase. Respostas:
É uma pessoa que pertence a um grupo oprimido.
É um militante sindicalista.
É um homem de esquerda.
É um revolucionário.
É um partidário da luta armada para a conquista dos direitos do trabalhador.
Quando foi revelada que a frase era uma adaptação de um aforismo de Hitler, as
pessoas sentiram que a interpretação fora das circunstâncias de produção induz à construção
de uma imagem do EU que responde às referências sócio-linguageiras de cada indivíduo e
que o conhecimento do EUe não permite o acesso ao EUc; além disso, pode-se criar uma
imagem do EUe sem, necessariamente, passar pelo EUc. No caso do exemplo, assim que as
pessoas souberam que o autor da frase era Hitler, as interpretações se modificaram
imediatamente; em outras palavras: EUc não pôde ser construído a partir do EUe; mas o
desconhecimento da identidade do EUc não impediu a interpretação (feita a partir do
conhecimento do TUi).
Para um último exemplo, tomemos os atos de fala. Para que um enunciado como
Está encerrada a sessãoseja percebido como a realização da ação que descreve, é preciso
que TUi possa imaginar que o EUc tenha um poder efetivo com relação à ação descrita por
EUe; do contrário, o ato será malogrado.
Em suma, para Charaudeau o ato de linguagem, muito mais do que apenas um ato de
comunicação, resulta do jogo entre o implícito e o explícito, no qual agem os quatro sujeitos
do ato de linguagem: o locutor EUc (ser social), o EUe (ser de fala), o TUd (ser de fala) e o
TUi ( ser social).
Tal ato se come de dois circuitos de produção: circuito de fala configurada (espaço
interno) no qual se encontram os sujeitos de fala institdos como imagem de enunciador
(EUe) e destinatário (TUd), resultantes de saberes ligados às representações linguageiras e
práticas sociais e, circuito externo à fala configurada (espaço externo), onde se encontram os
86
sujeitos agentes (seres sociais) institdos como imagem de EUc e de TUi, configurados a
partir de um conhecimento da organização do real
16
que sobredetermina esses sujeitos.
Charaudeau (2008, p. 53) acrescenta que
o mundo falado por esses sujeitos tem uma dupla representação, de acordo
com a esfera em que se encontram: quando esse mundo é considerado no
circuito de fala, corresponderá a uma representação discursiva; se ele for
considerado no circuito externo, como testemunha do real, corresponde a
uma representação da situação de comunicação.
Em suma, os parceiros do ato de linguagem (EUc e TUi), seres sociais e
psicológicos, são externos ao ato de fala, mas estão inscritos nele. Um desses parceiros é o
locutor (EUc), que comunica; o outro é o interlocutor (TUi), que recebe e interpreta o
discurso. Por outro lado, os protagonistas da enunciação, seres de fala, são internos ao ato
de linguagem e definidos por papéis linguageiros, o enunciador (EUe) e o destinatário (TUd).
Charaudeau ressalta que ―não existe então o mesmo tipo de relação entre Destinatário e
Interlocutor de um lado, e Enunciador e Locutor do outro‖. (p. 76) Enquanto o destinatário
depende do locutor, o interlocutor que interpreta só depende de si mesmo; daí a assimetria dos
papéis, como apontado anteriormente.
3.1.5 Dos contratos e estratégias de discurso
Visto sob o prisma da produção, Charaudeau considera o ato de linguagem como
sendo uma expedição e uma aventura.
Uma expedição porque por se tratar de um projeto global (que envolve, portanto,
intencionalidade), concebido pelo locutor que, ao realizá-lo, mobiliza e organiza aquilo que
está disponível no conjunto de suas competências. E para que sua expedição alcance sucesso
(é o que ele deseja ao conceber o projeto) lança mão de contratos e estratégias.
A noção de contrato pressupõe indivíduos participantes de um mesmo conjunto de
práticas sociais, o que leva o sujeito comunicante a supor que o outro possui competência
linguageira semelhante à sua e que, portanto, corresponderá às suas expectativas.
16
Na concepção de Charaudeau, real não deve ser visto como um valor absoluto, que designaria uma
realidade fixa, indiferente à linguagem e mais verdadeira que ela. Ele confere a real um valor de
estatuto imaginado pelo homem. Nas palavras do autor, ―trata-se muito mais de um como se a
realidade verdadeira exterior à linguagem existisse. (CHARAUDEAU, 2008, p. 51, nota 7).
87
A noção de estratégia remete ao pressuposto de que o locutor concebe, organiza e
encena suas intenções visando a determinados efeitos de persuasão sobre o interlocutor, para
levá-lo a se identificar com o destinatário (sujeito ideal produzido pelo locutor). Para fazê-lo,
além desse contrato, o locutor poderá recorrer a outros procedimentos que oscilam entre dois
polos:
- a fabricação de uma imagem de real como lugar de uma verdade exterior ao
sujeito e que teria força de lei;
- a fabricação de uma imagem de ficção como lugar de identificação do sujeito
com um outro, imagem esta que constitui um lugar de projeção do imaginário
desse sujeito.
Nas embalagens de produtos, por exemplo, muitas vezes verificamos a utilização do
procedimento de fabricação do real, como se observa em:
O locutor da embalagem do ADES busca persuadir o interlocutor construindo um
destinatário como um sujeito que reconhece ‗verdades científicas‘ (os benefícios das
vitaminas, as propriedades benéficas da soja). O locutor ―aposta‖, ou seja, tem a expectativa
que será bem sucedido, já que se baseia em verdades cientificamente comprovadas até que se
prove o contrio.
Por outro lado, propagandas que investem nessa persuasão fabricando uma
imagem de um outro identificada como destinatário e com a qual o interlocutor deve também
se identificar, criando uma espécie de ficção que permite a projeção do seu imaginário. É o
que ocorre em:
Veja 22 abr. 2009, p. 73
Ades
É um alimento de soja delicioso, fonte de proteína sem colesterol nem
lactose.
Fonte de Vitaminas A, B6, B12, C, D, E e Ácido Fólico
Tudo que você faz de positivo volta para você. Poupar as reservas de água,
por exemplo.
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gestão de recursos hídricos. Saiba como estamos vivendo positivamente e como você
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88
Nesse caso, a imagem do sujeito destinatário ideal fabricada pelo locutor é a de um
indivíduo comprometido com as queses ambientais e que valoriza as ações capazes garantir
a sustentabilidade na gestão das águas do planeta; logo, é um sujeito que valoriza as ações da
empresa anunciante. A ‗aposta‘ aqui recai sobre a sustentação da imagem da empresa;
imagem de uma empresa socialmente comprometida, com a qual se espera que o destinatário
(consciente ou inconscientemente) se identifique.
Assim, o ato de comunicação envolve dupla aposta: o sujeito falante espera que sua
proposição seja percebida de forma adequada pelo sujeito interpretante e que as estratégias
empregadas produzam o efeito desejado.
No entanto, como já percebemos ao analisar as características dos sujeitos do ato de
comunicação, toda essa encenação intencional é revista e corrigida pelo interlocutor que a
detecta e a interpreta à sua maneira. Daí o motivo do ato de linguagem ser considerado pelo
autor o apenas como uma expedição, mas tamm uma aventura por estar inscrito no
campo do imprevisível. O autor insiste que
todo ato de linguagem depende de um Contrato de comunicação
17
que sobredetermina, em parte, os protagonistas da linguagem em sua
dupla existência de sujeitos agentes e de sujeitos de fala (fenômeno
de legitimação). Esse contrato englobante e sobredeterminante orienta
o julgamento dos outros contratos e estratégias discursivas encenadas
por esses sujeitos. (CHARAUDEAU, 2008, p.61)
3.1.6 Da análise dos atos de linguagem
Dado esse modelo, como deveria se comportar o analista da linguagem quando
pretende examinar um corpus pré-selecionado?
Antes de responder à pergunta, uma constatação. Dado que a análise incide
sobre um texto já produzido, não se pode dar conta da intenção do sujeito comunicante,
porque o analista não participa de sua produção; também não se pode restringir a dar conta do
ponto de vista do sujeito interpretante, reduzindo a análise somente à instância da
interpretação. Charaudeau resolve esse impasse assumindo que analisar um texto não é nem
17
Ritual sociolinguageiro do qual depende o Implícito codificado. Charaudeau define-o com sendo
constituído pelo conjunto das restrições que codificam as práticas sociolinguageiras. É esse contrato
que fornece um estatuto sociolinguageiro aos diferentes sujeitos da linguagem.
89
pretender dar conta apenas do ponto de vista do sujeito comunicante, nem ser obrigado a
poder dar conta do ponto de vista do sujeito interpretante. Para ele, deve-se sim
dar conta dos possíveis interpretativos que surgem (ou se cristalizam)
no ponto de encontro dos dois processos de produção e de
interpretação. O sujeito analisante está em uma posição de coletor
de pontos de vista interpretativos e, por meio da comparação, deve
extrair constantes e variáveis do processo analisado.
(CHARAUDEAU, 2008, p. 63, grifo do autor.)
O autor esclarece que esses possíveis interpretativos dependem das práticas
sociais que caracterizam um grupo ou uma comunidade humana, das quais emergem as
representações linguageiras, organizadas por elementos linguísticos, semânticos e formais,
que são, por sua vez, compostos de várias ordens de organização.
E aqui, a nosso ver, estão os gêneros de discurso, que, como apontamos, devem
ser concebidos não como uma forma acabada, à qual se acomodam as diversas comunicações
padronizadas, mas como um instrumento de comunicão que não pode ser considerado fora
de sua condição de produção e recepção. Constituem elementos essenciais dessa situação de
produção / recepção os parceiros da interlocução (locutor e seu interlocutor, ou
horizonte/auditório social), e os papéis que assumem nas relões sociais, institucionais e
interpessoais, determinantes de muitos aspectos temáticos, composicionais e estilísticos. E
assim os gêneros são convencionalizados de acordo com esses lugares e relações, viabilizando
regularidades nas práticas sociais de linguagem, e refletem o conjunto possível de temas e de
relações nas formas e estilos de dizer e de enunciar. E acrescentamos: os gêneros instituem o
que poderíamos chamar ―identidades genéricas‖, que agir por meio de um nero é entrar
no jogo da linguagem que prevê parceiros cujo papel deve ser genericamente identificável, do
qual pode depender, inclusive, o processo de legitimação.
Charaudeau (2008) afirma que os gêneros textuais
18
tanto podem coincidir com
um Modo de discurso (que definiremos adiante) que constitui sua organização dominante,
quanto resultar da combinação de vários desses modos. Ele cita como exemplo o Gênero
18
Assim como outros autores, Charaudeau usa o termo nero textual‖ para designar editoriais,
reportagens, comentários, receitas, informações técnicas, por exemplo. Como extrapola este espaço
voltado para o modo de organização argumentativo, não nos deteremos nessa questão terminológica.
Remetemos o leitor ao capítulo 1.
90
publicitário
19
, que se caracteriza pela combinação de vários desses Modos de organização,
mas apresenta uma tendência para o Descritivo e o Narrativo, quando se trata de publicidades
de rua (cartazes) ou de revistas populares, e uma tenncia para o Argumentativo, quando se
trata de publicidades encontradas em revistas técnicas especializadas. No entanto, se, como
afirma o autor, o aspecto argumentativo de um discurso encontra-se frequentemente no que
está implícito, postulamos que as propagandas em geral e algumas embalagens em particular
buscam persuadir o consumidor, usando para isso o modo de organização argumentativo.
Afinal, o próprio autor reconhece que ―os slogans publicitários, por menos argumentativos
que sejam em sua aparência, devem sempre ser compreendidos em função do esquema
argumentativo que define esse gênero de comunicação (...)‖ (CHARAUDEAU, 2008, p. 204)
Assim, adotaremos o viés dos gêneros de discurso como nossos possíveis
interpretativos para focalizar o modo de organização argumentativo em propagandas e
embalagens.
3.2 Modo de organização do discurso: o modo argumentativo
Antes de abordarmos o modo de organização do discurso argumentativo foco de
nossa investigação é necessário observarmos alguns conceitos e categorias de base do
funcionamento da comunicação verbal, apresentando os princípios gerais de organização do
discurso e seus modos de organização propostos por Charaudeau (2008).
O autor concebe o ato de comunicação como ―um dispositivo cujo centro é ocupado
pelo sujeito falante (o locutor, ao falar ou escrever), em relação com um outro parceiro (o
interlocutor)‖. (2008, p. 67, grifo do autor). Como elementos desse dispositivo, o autor
aponta
a) Situação de comunicação: enquadre físico e mental em que se encontram os
sujeitos da interação, que o determinados por uma identidade (psicológica
e social) e ligados por um contrato de comunicação;
b) Modos de organização do discurso: princípios de organização da matéria
linguística, princípios que dependem da finalidade comunicativa do sujeito:
enunciar, descrever, contar, argumentar;
19
Charaudeau usa aqui o termo ―gênero‖ para designar uma esfera ou instância de produção discursiva
ou de atividade humana. Neste caso, gênero constitui o que designamos domínio discursivo,
juntamente com Marcuschi (2002).
91
c) Língua: material verbal estruturado em categorias linguísticas;
d) Texto: resultado material do ato de comunicação, que resulta de escolhas
conscientes (ou inconscientes) feitas pelo sujeito falante dentre as categorias
da língua e os modos de organização do discurso, em função das restrições
impostas pela situação de comunicação.
Tais elementos atribuem ao ato de comunicar um estatuto muito mais amplo do que
simplesmente a mera transmissão de informações; para o autor, comunicar é proceder a uma
encenação, na qual o locutor usa os vários elementos do dispositivo de comunicação que
entram em cena para produzir em seu interlocutor os efeitos de sentido pretendidos.
O autor salienta que não se pode confundir gênero e modos de organização do
discurso, já que um mesmo gênero pode resultar de um ou de vários modos de organizão
discursiva e do emprego de várias categorias de ngua. Exemplo disso, é o modo de
organização argumentativo, que pode ser encontrado em diversos neros textuais, em maior
ou menor grau de incidência: artigo científico, editorial, artigos de opinião da mídia,
publicidade, debates, entre outros.
Charaudeau categoriza os modos de organização do discurso em quatro tipos:
enunciativo, descritivo, narrativo e argumentativo.
O primeiro, que comanda os outros três, conta da posição do locutor em
relação ao interlocutor (comportamento alocutivo), a si mesmo (comportamento elocutivo) e
ao outro (comportamento delocutivo).
Os modos descritivo, narrativo e argumentativo têm, respectivamente, a
finalidade discursiva de a) identificar e qualificar; b) construir uma sucessão de ações; c)
expor e provar causalidades numa visada racionalizante para influenciar o interlocutor. Esses
três modos têm um duplo princípio de organização: uma organização do mundo referencial e
uma organização de sua encenação.
Nesta pesquisa, focalizamos o Modo de organização argumentativo, destacando a
encenação argumentativa, em que se encontram os elementos e procedimentos que permitem
analisar propagandas e alguns tipos de embalagens, que, segundo nossa hipótese, constituem
argumentações voltadas para convencer e persuadir acerca do produto.
92
3.2.1 O Modo de organização argumentativo
Consideramos a argumentação uma atividade discursiva de um locutor que se dirige a
um interlocutor capaz de refletir e compreender, visando, pela racionalidade, influenciar esse
interlocutor. Diz Charaudeau (2008, p. 205): ―O sujeito que argumenta passa pela expressão
de uma convicção e de uma explicação que tenta transmitir ao interlocutor para persuadi-lo a
modificar seu comportamento.‖
Para que haja argumentação, é necessário que exista uma proposta sobre o mundo que
provoque o questionamento em alguém, um sujeito que se engaje em relação a esse
questionamento e desenvolva um raciocínio para tentar estabelecer uma verdade quanto a essa
proposta e um sujeito que, relacionado com essa mesma proposta, constitua-se no alvo da
argumentação, aquele a quem se dirige o sujeito que argumenta na esperança de persuadi-lo,
sabendo que ele poderá aceitar ou refutar tal argumentação.
O autor (p. 205) sistematiza esse circuito na figura 1:
Figura 1 Elementos da cena argumentativa e suas relações
Argumentar é, portanto, uma atividade discursiva que, do ponto de vista do sujeito
argumentante participa de uma busca de racionalidade, que tende a um ideal de verdade
quanto à explicação de fenômenos do universo
20
, e uma busca de influência, que tende a um
ideal de persuasão, levando o interlocutor a adotar a proposta sobre o mundo. Essa busca de
20
Essa verdade depende de representações socioculturais compartilhadas pelos membros de um
determinado grupo, em nome da experiência ou do conhecimento; trata-se, portanto, de uma verdade
relativa, que o sujeito argumentante tende a apresentar como universalmente verdadeira.
93
influência é um tanto ambígua, pois, embora integre um processo racional e lógico (próprio da
argumentação), a persuasão pode ser conseguida por meio da sedução, tomados de
empréstimo dos outros dois modos de discurso: Descritivo e Narrativo.
21
Aqui, de se fazer uma distinção terminológica importante entre argumentação e o
modo de organização argumentativo. Charaudeau (p. 207) chama argumentação o resultado
textual de uma combinação entre diferentes componentes que dependem de uma situação que
tem finalidade persuasiva.‖; a argumentação pode ser dialogal (argumentação interlocutiva)
ou monologal (argumentação escrita). o modo de organização argumentativo do discurso
constitui a mecânica que permite produzir argumentações sob essas diferentes formas.‖ (p.
207)
As explicões (sobre o mundo experienciado e conhecido) construídas no modo
argumentativo enraízam-se em dois mecanismos: a razão demonstrativa e a razão persuasiva.
A razão demonstrativa constitui um mecanismo que busca estabelecer diversas relações de
causalidade
22
, construídas de acordo com uma organização própria da lógica argumentativa.
A razão persuasiva constitui um mecanismo que busca estabelecer a prova com a ajuda de
argumentos que justifiquem a proposta sobre o mundo e as relações de causalidade. A razão
persuasiva depende particularmente do que Charaudeau chama de encenação argumentativa e
que será o foco deste trabalho.
3.2.2 A encenação argumentativa: componentes e procedimentos
A encenação argumentativa, como a própria designação indica, envolve os sujeitos
comunicantes que adotam um dispositivo argumentativo, cuja finalidade é persuadir.
A razão persuasiva está atrelada ao sujeito que argumenta e à situação em que este se
encontra diante do interlocutor a que está ligado por um contrato de comunicação. Desse
modo, o sujeito encontra-se no centro de uma encenação que depende de componentes (o
21
Isso é particularmente verificado no caso de algumas embalagens, em que pequenos relatos de
origem do produto ou qualificações desse produto (ex: 0% de gordura trans‖) funcionam como um
forte apelo para a construção de uma imagem de valor.
22
O autor toma ‗causalidade‘ em sentido amplo da relação entre duas ou várias asserções, que podem
ser encadeadas por meio de diversos tipos de relação: conjunção, disjunção, restrição oposição, causa,
consequência, finalidade. Vê-se, assim, que não se trata de uma noção linguística, atrelada a tipos de
conectores.
94
dispositivo argumentativo, os tipos de configuração e as posições do sujeito) e procedimentos
(semânticos, discursivos e de configuração).
O dispositivo argumentativo, como mostra a figura 1, compõe-se de uma PROPOSTA,
em relação à qual o sujeito deve tomar uma posição, ou, no dizer de Charaudeau, de uma
PROPOSIÇÃO, e apresentar prova(s), desenvolvendo um ato de PERSUASÃO.
A Proposta corresponde ao que algumas abordagens chamam de TESE. Trata-se de
asserção ou asserções que dizem algo sobre o mundo através de uma relação argumentativa.
Esse tipo de relação envolve uma asserção de partida (dado ou premissa), uma asserção de
chegada (conclusão), e uma asserção de passagem (inferência, argumento ou prova), como em
O céu está azul, você pode fechar o guarda-chuva.
Asserção de partida: O céu está azul (dado)
Asserção de chegada: Você pode fechar o guarda-chuva (conclusão)
Asserção de passagem: Quando o céu está azul, não chove. Quando não chove,
não há necessidade de abrir o guarda-chuva. (inferência)
Essa relação cuja base é a causalidade pode ser encadeada por diversos tipos de
dispositivos linguísticos, que aqui não explicitaremos, porque o que nos interessa é a
apresentação da cena argumentativa presente em propagandas e algumas embalagens.
A Proposição diz respeito à posição que o sujeito assume diante da proposta: ele pode
manifestar-se a favor, contra ou nem a favor nem contra, caso em que ele questiona a
proposta, mas não se engaja quanto à sua veracidade.
A Persuasão põe em evincia um quadro de raciocínio persuasivo atrelado à
proposição. Se o sujeito se mostra a favor da proposta, ele persuade por meio da justificativa;
se se mostra contra, persuade por meio da refutação; finalmente, se não toma posição sobre a
veracidade ou não da proposta, ele usa da ponderação.
Exemplo de uma propaganda da revista Pesquisa, publicada pela Fapesp (set., 2003, n.
91)
95
PROPOSTA: Se você participar do prêmio PETROBRAS de tecnologia de
dutos, você poderá mostrar seu talento.
PROPOSIÇÃO: Isso é verdade (leva a uma justificativa)
PERSUASÃO: Justificativa: características do concurso 1. Essa edição do
concurso será mais disputada; 2. Os melhores trabalhos serão premiados; 3. O prêmio
vai possibilitar trabalho em parceria com a Petrobras. Conclusão: Como se trata de um
concurso que possibilita a manifestação do talento, o leitor não deve perder a chance de
participar.
Um outro exemplo esclarece mais a questão.
VOCÊ ACREDITA NA SUA EMPRESA. A CAIXA ACREDITA NOS DOIS.
Na CAIXA, você tem mais do que gerentes. Tem parceiros. Se você tem
projetos, a gente acredita. Se quer crescer, a gente apóia. Se precisa de capital de giro,
a gente empresta. Se tem pressa em receber, a gente antecipa suas receitas. Aqui você
sempre encontra uma solução sob medida para as necessidades de sua empresa.
CAIXA. Dinheiro em caixa, crescimento à vista.
Proposta: Se você se tornar um cliente da Caixa, encontrará parceiros que o apoiarão
“Você acredita na sua empresa. A Caixa acredita nos dois.”
Proposição: Como isso acontece? É verdade? (leva a uma justificativa)
Seu talento pode ir mais longe do que você imagina.
6º PRÊMIO PETROBRAS DE TECNOLOGIA DE DUTOS
Chegou a hora de você canalizar todo seu talento e sua criatividade. Depois de cinco
edições de sucesso, o concurso promete ser ainda mais disputado neste ano. Serão premiados os
melhores trabalhos realizados por estudantes de graduação e mestrado e seus orientadores. Além
disso, o prêmio pretende revelar, nas universidades, equipes capazes de trabalhar em parceria com
a Petrobras. Não perca esta chance de mostrar que você também pode ir mais longe com o
desenvolvimento tecnológico. Solte a sua imaginação e participe desta experiência única. Para
mais informações, faça uma visita ao nosso site: www.petrobras.com.br.
96
“Na Caixa, você tem mais do que gerentes. Tem parceiros.”
Persuasão: Lista de vantagens que leva à conclusão de que realmente vo encontrará
todas as vantagens de que precisa.
“Se você tem projetos, a gente acredita. Se quer crescer, a gente apóia. Se precisa
de capital de giro, a gente empresta. Se tem pressa em receber, a gente antecipa as suas
receitas. Aqui você sempre encontra uma solução sob medida para as necessidades de
sua empresa.
Observamos aqui uma situação de troca monologal em que o sujeito enunciador
constrói a totalidade do discurso, colocando a Proposta em evidência, apresentando uma
Proposição para questioná-la e em seguida desenvolver a Persuasão. No entanto, o contrato de
comunicação o se de forma expcita; é necessário que interpretemos o que,
aparentemente são simples asserções, como sendo os elementos do dispositivo argumentativo.
Quanto à posição do sujeito, percebemos que ele não somente se posiciona a favor da
proposta como se engaja no questionamento desenvolvendo assim a persuasão.
Charaudeau enfatiza que, para o sujeito que desejar argumentar, a encenação
argumentativa consiste na utilização de procedimentos que ―têm por função essencial validar
uma argumentação, isto é, mostrar que o quadro de questionamento (Proposição) é justificado.
E para isso, é necessário produzir a prova‖ (op. cit. p. 231, grifo do autor).
Qualquer que seja a base de tais procedimentos, sejam eles semânticos, discursivos ou
composicionais, devem servir ao propósito comunicativo do sujeito argumentante e, dessa
forma, contribuir para a produção daquilo ―que tende a provar a validade de uma
argumentação‖ (op. cit.).
Para o autor, fazer uso dos procedimentos semânticos significa apresentar argumentos
fundamentados num consenso social, partindo do princípio de que os membros de um grupo
social compartilham certos valores ―normas de representação social, que são construídas em
cada domínio de avaliação(op. cit. p. 233, grifo do autor). São cinco domínios de avaliação
e respectivos valores propostos por Charaudeau: da Verdade, do Estético, do Ético, do
Hedônico e do Pragmático.
97
Em propagandas, é muito comum encontrar argumentos do seguinte tipo:
Compre o produto X, porque ele
a) é o verdadeiro / é feito de acordo com princípios e tecnologia científica;
b) é belo;
c) é bom / justo / ecologicamente correto;
d) é agradável;
e) é útil.
Trata-se de argumentos que encontram fundamento nos seguintes domínios de
avaliação, que carregam os valores partilhados por determinado grupo sócio-cultural:
a) Domínio da Verdade: define verdadeiro e falso, relativamente à
originalidade, autenticidade, unicidade, de um lado, e ao saber como
princípio único de explicação dos fenômenos do mundo, de outro.
b) Domínio do Estético: define os seres da natureza e as representações que o
homem faz dela e ainda os objetos que ele mesmo fabrica como belo ou feio.
c) Domínio do Ético: define o comportamento humano diante de uma moral
externa (ditada pelo consenso social) ou interna (ditada pelo indivíduo a si
mesmo) em termos de bem e mal.
d) Domínio do Hedônico: define o que pertence ao âmbito dos sentidos que
buscam prazer como agradável ou desagradável.
e) Domínio Pragmático: define os resultados das ações humanas em função
das necessidades racionais dos sujeitos, estabelecendo uma avaliação em
termos de útil ou inútil, bom ou mau.
Quando encontramos numa embalagem o seguinte enunciado: Os pães produzidos
com cereais integrais são excelentes fontes de energia e de fibras alimentares. Pessoas
ativas que buscam saudabilidade e qualidade de vida devem incluir estes alimentos nos
seus hábitos alimentares percebemos que essa inserção traz uma afirmação situada no
domínio da Verdade, especificamente do saber (pães que contêm cereais integrais são fonte
de energia e de fibras alimentares), e no domínio pragmático, pois ao indivíduo cabe buscar a
saúde a partir da ação de incluir os alimentos com fibras nos seus hábitos alimentares.
98
Os procedimentos discursivos, por seu turno, baseiam-se na utilização de certas
categorias da ngua ou procedimentos de outros modos de organização, tais como: a
definição, a comparação, a descrição narrativa, a citação, a reiteração, o questionamento, para
produzir determinados efeitos persuasivos.
A definição assume um papel estratégico no modo argumentativo. Mesmo que não
seja a rigor uma verdadeira definição, ela serve para produzir um efeito de evidência e de
saber para o sujeito que argumenta. Quando, por exemplo, numa propaganda encontramos a
sequência Natura Mamãe e Bebê. O Amor Fundamental.‖, somos levados a estabelecer
uma equivalência entre o produto e o sentimento a ele associado de modo a construir uma
definição: (O óleo vegetal) Natura Mamãe e Beé o Amor Fundamental. Neste caso, trata-
se de uma definição de um ser concreto um produto a ser consumido; mas a definição
também se aplica a conceitos e comportamentos, como em Crescer é NESTLÉ‖ ou Investir
em inovão é investir no consumidor‖ (Propaganda da SKOL VEJA, 23 de setembro, 2009, p.
89)
A comparação pode ser da ordem da qualificação ou da quantificação. No primeiro
caso, põem-se em relação propriedades semelhantes ou dessemelhantes; no segundo,
relacionam-se quantidades absolutas ou graduadas. No modo argumentativo, a comparação
reforça a prova de uma conclusão ou de um julgamento. Por exemplo, numa propaganda da
operadora TIM, encontra-se o seguinte enunciado: Quem compara escolhe TIM.‖ A
comparão é estabelecida anteriormente a partir de duas sequências de enunciados relativas a
dois planos (1. Planos comuns 60 minutos; 2. Infinity pós 60): ―Falou 30 min., gastou 30 min.
Sobram 30 min. do seu plano para ligar para qualquer operadora.‖ e ―Falou 30 min. com outro
TIM, gastou só o 1º minuto da ligação. Sobram 59 min. do seu plano para ligar para qualquer
operadora.‖ A conclusão é praticamente a mesma: sobra tempo para outras ligações; no
entanto, o diferencial é apresentado por comparação quantitativa, o que busca persuadir o
consumidor a adquirir o plano 2.
A descrição narrativa envolve a descrição de um fato, ou o relato de uma história,
para reforçar uma prova ou para produzi-la. Quando numa propaganda das cervejas Black
Princess e Black Princess Gold se apresenta em forma de pequena narrativa a origem do
produto, destaca-se sua excelência, tradição, confiabilidade. poca, 25 de maio de 2009, p. 187)
99
A citação, um dos casos do discurso relatado, consiste em referir-se, o mais fielmente
possível, às emissões escritas ou orais de um outro locutor, produzindo um efeito de
autenticidade e autoridade. Funciona, segundo o autor (p. 240), como ―uma fonte de verdade,
testemunho de um dizer, de uma experiência, de um saber.‖ É o que ocorre numa propaganda
da Hering, em que a atriz Tania Khalill, diz ―Eu uso porque me deixa à vontade.‖ (VEJA, 38,
2009, p. 97) ou em uma propaganda da Band, na qual recorre-se à citão do ex-editor chefe
da TIME INC. Henry Grunwald: O jornalismo nunca pode ser silencioso: essa é a sua
grande virtude e seu grande defeito. Ele deve falar imediatamente, enquanto os ecos do
espanto, o clamor da vitória e os sinais do horror ainda estão no ar.‖ (VEJA, 38, 2009, p. 135)
para defender a tese de o jornalismo precisa enfrentar as injustiças e dizer sempre a verdade.
A reiteração consiste em utilizar vários argumentos para servir a uma mesma prova.
Em uma propaganda da Coca-Cola Brasil que analisaremos no próximo capítulo, por
exemplo, a reiteração de vários argumentos para uma mesma proposta: TUDO O QUE
VOCÊ FAZ DE POSITIVO VOLTA PARA VOCÊ. A reiteração também aparece nas
imagens, especificamente, nas setas, que indicam um movimento de retorno.
O questionamento consiste em colocar em questão uma proposta, cuja validação
depende da resposta (real ou suposta) do interlocutor. No caso da situação de troca
monologal, essa resposta é dada pelo próprio EUe, já que não se trata de uma interação face a
face (ou dialogal), em que os participantes alternam os turnos.
Segundo o autor, os procedimentos de composição podem ser usados quando o sujeito
tem a possibilidade de construir sua argumentação em textos orais ou escritos. Tais
procedimentos consistem na distribuição e hierarquização dos elementos do processo
argumentativo, com vistas a facilitar a localização das diferentes formas de articulação do
raciocínio (composição linear) ou a apreensão das conclusões da argumentação (composição
classificatória). Assim, elementos como Começaremos por X ou Passemos a Y ou
Terminemos por Z‖, que marcam a progressão do texto linearmente (começo, meio e fim),
e elementos como ―Como já vimos acima...‖ ou ―Como veremos a seguir...‖, que se
disem a argumentação em ―vai-e-vem‖, organizam a argumentação, guiando o leitor na
construção do raciocínio. Essas estratégias são particularmente exploradas na argumentação
acadêmica.
100
Como vimos, a Teoria Semiolinguística de Charaudeau concebe a linguagem como
algo indissociável de seu contexto cio-histórico, no qual ganha vida para satisfazer as
intenções dos sujeitos envolvidos na encenão discursiva. Nesse sentido, o modelo de
Charaudeau torna-se uma escolha apropriada frente ao que objetivamos, visto que, a
compreensão do modo como se organizam os neros discursivos aqui explorados pressupõe
um olhar para o uso estratégico da ngua e, sobretudo, para as condições de produção de
sentido nos contextos de comunicação autênticos.
101
CAPÍTULO 4 - ANÁLISE DO CORPUS DE PESQUISA
Neste capítulo empreendemos a análise do corpus de pesquisa, composto por
propagandas e embalagens. Para isso, estabelecemos um método de análise, tomando por
base o aparato teórico de Charaudeau que engloba os componentes e procedimentos da
encenação argumentativa, tal como apresentado no cap. 3. Finalmente procedemos à
discussão dos dados, buscando verificar as marcas do modo de organização argumentativo
presentes em propagandas e algumas embalagens.
4.1 O corpus
O corpus é formado por três propagandas impressas, (Programa Viva Positivamente,
da Coca-Cola Brasil; Natura Mamãe e Bebê; Campanha de redução uso das sacolinhas
plásticas, da Plastivida), retiradas de duas edições da revista Veja (nº 16 e 38, de abril e
setembro de 2009, respectivamente) e de duas embalagens, sendo uma de cosmético (hidrante
capilar Novex) e outra de alimento (bebida com soja Ades).
O critério adotado para a seleção do corpus restringiu-se à natureza dos produtos e das
campanhas anunciadas. Pautamo-nos no fato de que os elementos selecionados estão inseridos
em três domínios altamente valorizados pela sociedade atual: preservação ambiental, beleza e
saúde. A escolha de embalagens especificamente de cosmético e de alimentos deve-se ao fato
de hipotetizarmos tratar-se de embalagens nas quais o discurso argumentativo se faz presente,
principalmente pela grande quantidade de marcas desses produtos dispoveis no mercado, o
que gera a necessidade da embalagem assumir o papel de vendedor silencioso e, portanto,
fazer uso da linguagem persuasiva.
4.2 Metodologia
Na análise da encenação argumentativa, observamos os seguintes itens para
caracterizar a cena argumentativa das propagandas e embalagens:
Constituição dos sujeitos: EUc / EUe // TUd / TUi
Dispositivo da argumentação: Proposta, Proposição e Persuasão
Procedimentos semânticos, discursivos e composicionais
102
Em relação à constituição dos sujeitos, definimos os parceiros da comunicação e a
imagem que se consti desses parceiros.
Em relação ao dispositivo da argumentação, estabelecemos para cada texto o conteúdo
que preenche as três categorias Proposta, Proposição e Persuasão levando em conta que,
nem sempre esses componentes se encontram explícitos.
Em relação aos procedimentos semânticos, determinamos os valores em que se
fundamenta a argumentação, além dos mecanismos linguísticos que configuram os
procedimentos discursivos; finalmente observamos a organização do corpus.
Como propagandas e embalagens circulam num espaço de mercado, é natural que
participem de uma cena enunciativa comum, que envolve quem vende e quem compra. Nesse
sentido, o EUc
23
, corresponde a empresa/produto e o TUi, ao consumidor real. Esses
constituem os sujeitos externos, reais, seres do mundo. O EUe e o TUd correspondem,
respectivamente, ao ser responsável pela fala e ao ser a quem esse ser se dirige; trata-se dos
sujeitos internos à comunicação e só nessa instância encontram a sua existência. Retomando o
conceito de auditório apresentado por Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996) podemos dizer,
mutatis mutandis, que o TUd corresponde ao audirio presumido pelo orador, neste caso, o
EUc, que constrói toda a argumentação pensando nesse auditório ideal. Poderíamos classificar
esse audirio como universal, na acepção de Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996) Para
responder a essa questão devemos lembrar que o conceito de universalidade do audirio
proposto pelos autores da Nova Retórica diz respeito à argumentação dirigida a todo ser
racional, à humanidade inteira, o que compreende uma rie de auditórios particulares. Nesse
sentido, pode-se dizer que o TUd, ‗audirio ideal‖ é esse auditório universal, visto que tanto
a propaganda quanto a embalagem buscam obter a adesão de um público em geral, ou seja, a
totalidade de cada grupo ou segmentos sociais a que se destinam o produto ou a propaganda:
os cidadãos do planeta, preocupados com a questão da preservação; o público feminino que se
rende aos padrões de beleza; as pessoas que buscam saúde e bem estar; enfim, os rios
auditórios universais a quem fala o EUc.
Quanto aos tipos de configuração, embora nas propagandas e nas embalagens os
processos de produção e de interpretação ocorram em momentos distintos, o que constitui
23
Em nossas análises, eventualmente utilizamos a expressão ‗sujeito argumentante‘ para nos
referirmos ao EUc.
103
uma situação de troca monologal, na acepção de Charaudeau, contrariamente a uma situação
dialogal, em que os participantes face a face constroem a argumentação, o podemos
dizer que o enunciador constrói sozinho a totalidade do discurso, já que as escolhas feitas pelo
EUc estão diretamente relacionadas ao TUd pressuposto.
Outra característica comum aos dois neros diz respeito ao fato de que geralmente
o apresentação de controvérsias, o que corresponde à ausência da polifonia
24
, ou vozes
polêmicas de um discurso, conforme a acepção bakhtiniana.
Outro aspecto que salientamos aqui diz respeito aos procedimentos de composição que,
conforme expomos no capítulo 3, consiste na distribuição e hierarquização dos elementos do
processo argumentativo com o intuito de direcionar o leitor e facilitar a localização dos
raciocínios ou a apresentação das conclusões desse processo.
No caso das propagandas e embalagens, tal configuração praticamente não existe. O
que se percebe é uma organização em mosaico, em que as partes da argumentação (nem
sempre explícitas) devem ser constrdas e articuladas pelo leitor/consumidor. O que o sujeito
argumentante faz é dispor estrategicamente as partes desse mosaico para que esse
leitor/consumidor as organize de modo a atingir o efeito persuasivo desejado.
Além disso, como hipotetizamos que as propagandas e algumas embalagens são
argumentativas, pressupomos que elas apresentam explícita ou implicitamente uma Proposta
em evidência, uma Proposição a posição do sujeito relativamente à Proposta - e um ato de
Persuasão.
Vejamos, então, como o modo argumentativo se apresenta tanto nas propagandas
quanto nas embalagens.
24
É importante salientar aqui a distinção entre polifonia e dialogismo. Enquanto este é, segundo
Bakhtin, o princípio constitutivo da linguagem - todo discurso dialoga com outro discurso -, a
polifonia se caracteriza pela presença de vozes polêmicas em um discurso. gêneros dialógicos
monofônicos (uma voz dominando outras vozes) e gênero dialógico polifônico (vozes polêmicas que
soam ao lado da palavra do autor). Conforme Bezerra (2006, p. 194), ―a polifonia se define pela
convivência e pela interação em um mesmo espaço do romance, de uma multiplicidade de vozes e
consciências independentes e imiscíveis, vozes plenivalentes e consciências eqüipolentes, todas
representantes de um determinado universo e marcadas pelas peculiaridades desse universo.‖
104
4.3 Análise das propagandas
Propaganda Coca Cola Brasil Campanha Viva Positivamente Anexo A
Revista Veja 22 de abril de 2009, p. 73,75,77.
A propaganda encontra-se distribuída em três páginas intercaladas por outras como se
fossem três enunciados diferentes. No entanto, percebemos que essas três páginas
(posicionadas à direita) formam um todo, um único enunciado que pretende convencer o leitor
Tudo o que você faz de positivo volta para você.
Poupar as reservas de água, por exemplo.
Mais de 900 milhões de litros água economizados em 2007. O bastante para abastecer quase
40 mil famílias de 4 pessoas por mês.
Conservação e preservação de bacia hidrográfica pelo Programa Água das Florestas Tropicais
Brasileiras. 100% da água utilizada no processo industrial é purificada e devolvida à natureza.
Reduzir o consumo, reciclar, repor para as comunidades a água que utiliza. São pontos do
compromisso da Coca-Cola Brasil para garantir sustentabilidade na gestão de recursos hídricos. Saiba como
estamos vivendo positivamente e como você também pode fazer a diferença. Acesse:
www.vivapositivamente.
Tudo o que você faz de positivo volta para você.
Reciclar materiais e ideias, por exemplo.
Aproveitamento de garrafas PET, recicladas para a produção de materiais promocionais e
uniformes. 70 cooperativas apoiadas pelo Programa Reciclou, Ganhou em todo o Brasil.
Investimento de 4,7 milhões de reais para que o Brasil seja um dos maiores recicladores
mundiais, reaproveitando 96% do alumínio e 53% das embalagens PET.
Reduzir o peso das embalagens no limite da sua segurança, apostar na reutilização e na
reciclagem em alta escala, promover a sustentabilidade. o ações que fazem parte do dia a dia da Coca-
Cola Brasil. Saiba como estamos vivendo positivamente e como você também pode fazer a diferença.
Acesse: www.vivapositivamente.
Tudo o que você faz de positivo volta para você.
Garantir a qualidade do ar, por exemplo.
Construção de fábricas verdes, que inovam o uso de materiais, tecnologias de aproveitamento
de iluminação natural, controle de temperatura ambiente e recuperação da vegetação nativa.
Utilização de até 5% de biodiesel em 140 caminhões da frota para reduzir a emissão de CO2 em
430 toneladas/ano. Instalação de uma nova geração de geladeiras com redução em até 35% no consumo de
energia.
Buscar a melhor combinação possível das fontes de energia e maior eficiência energética dos
processos de fabricação e distribuição. Uso eficiente dos recursos naturais, como água e matéria-prima. São
ações que fazem parte do dia a dia da Coca-Cola Brasil. Saiba como estamos vivendo positivamente e como
você também pode fazer a diferença. Acesse: www.vivapositivamente.
105
de que a Coca-Cola Brasil é uma empresa comprometida com a causa ambiental e, portanto,
uma empresa de qualidade.
A ligação entre cada uma das páginas é estabelecida pela reiteração de alguns
elementos, tais como:
O slogan - Tudo o que você faz de positivo volta para você.
A distribuão dos elementos visuais nas páginas: as setas simbolizando
uma gota d‘água na primeira página, a imagem da garrafa de coca-cola
circundada por duas setas que fazem referência ao símbolo da reciclagem e
as mesmas setas, agora formando a imagem de uma nuvem representando o
ar a preservação da água, a reciclagem de materiais e a qualidade do ar; a
logomarca da Coca-Cola Brasil e da campanha Viva Positivamente
25
;
A estrutura dos textos que apresenta as ações desenvolvidas pela empresa
em prol da preservação ambiental;
A forma como os textos se encerram: São ações que fazem parte do dia a
dia da Coca-Cola Brasil. Saiba como estamos vivendo positivamente e
como você também pode fazer a diferença.
Quanto aos sujeitos envolvidos no ato de comunicação percebemos aqui um EUc
(empresa) que se apresenta como um EUe engajado nas causas ambientais e que realiza
determinadas ações em favor da preservação do planeta:
Redução do consumo de água, reciclagem e reposição da água que
utiliza;
Redução no peso das embalagens, reutilização e reciclagem em alta
escala;
Busca pela melhor combinação das fontes de energia, maior eficiência
energética dos processos de fabricação e distribuição, uso eficiente dos
recursos naturais.
25
Viva Positivamente é a plataforma de desenvolvimento sustentável do Sistema Coca-Cola Brasil.
Reúne os princípios, valores e as áreas de atuação prioritárias para que a operação da organização
esteja em linha com um contexto de desenvolvimento econômico e social com a preservação
ambiental. Disponível em: http://www.cocacolabrasil.com.br. Acesso em 21/10/2009.
106
É com essa imagem que o EUc espera que o TUi(leitor/consumidor) se identifique e
‗compre‘ a ideia veiculada na propaganda.
O TUd idealizado pelo EUc é um sujeito que comunga desses ideais de preservação
ambiental e que, portanto, reconhecerá a qualidade e o valor de uma empresa comprometida
com a sustentabilidade do planeta e bem estar da população; é isso que permite a seguinte
conclusão: os produtos fabricados pela empresa não somente são de qualidade, como tamm
contribuem para a preservação do planeta.
Vejamos como o dispositivo argumentativo se manifesta nesse texto.
PROPOSTA 1: Tudo o que você faz de positivo volta para você.
PROPOSIÇÃO 1: Sim, é verdade.
PERSUASÃO1: Justificativa que leva a conclusão: cuidando do meio ambiente
estamos cuidando de nós mesmos.
Poupar as reservas de água, reciclar materiais, preservar a qualidade do
ar.
As setas que indicam um movimento de retorno e reforçam a ideia da
consequência de nossos atos.
Nesse caso, a aposta recai sobre o senso comum é sabido que a qualidade do ar, a
preservão da água e o destino dos materiais que descartamos afeta diretamente a nossa
qualidade de vida; logo, esse cuidado com o ambiente traz resultados positivos à nossa vida.
No entanto, o foco principal da propaganda não é convencer o leitor/consumidor de
que ele precisa engajar-se nas ações de preservação ambiental para obter qualidade de vida.
Pressupondo que o TUi tenha a ‗consciência ambiental‘ o produtor da argumentação faz
uso desse artifício para atrair a atenção desse sujeito e persuadi-lo em relação àquilo que
realmente deseja: ‗vender‘ uma ideia e os produtos da empresa, como veremos a seguir:
PROPOSTA 2: A Coca-Cola é uma empresa comprometida com
sustentabilidade e preservação dos recursos naturais do planeta (implícita)
107
Poupar as reservas de água, por exemplo.” “Reciclar materiais e
ideias, por exemplo.” Garantir a qualidade do ar, por exemplo.”
PROPOSIÇÃO 2: Isso é verdade? Como isso acontece?
PERSUASÃO 2: A justificativa. A lista de ações que levam à conclusão de que a
Coca-Cola realmente é uma empresa comprometida com as questões ambientais,
portanto, uma empresa confiável, cujos produtos são de qualidade.
Mais de 900 milhões de litros água economizados em 2007;
Conservação e preservação de bacia hidrogfica pelo Programa Água das
Florestas Tropicais Brasileiras;
100% da água utilizada no processo industrial é purificada e devolvida à natureza;
Aproveitamento de garrafas PET, recicladas para a produção de materiais
promocionais e uniformes;
70 cooperativas apoiadas pelo Programa Reciclou, Ganhou em todo o Brasil.
Investimento de 4,7 milhões de reais para que o Brasil seja um dos maiores
recicladores mundiais, reaproveitando 96% do alumínio e 53% das embalagens
PET.
Construção de fábricas verdes, que inovam o uso de materiais, tecnologias de
aproveitamento de iluminação natural, controle de temperatura ambiente e
recuperação da vegetação nativa;
Utilização de até 5% de biodiesel em 140 caminhões da frota para reduzir a
emissão de CO2;
Instalação de uma nova geração de geladeiras com redução em até 35% no
consumo de energia.
O quadro de persuasão ainda é reforçado pelo ‗convite‘ “Saiba como estamos
vivendo positivamente e como você também pode fazer a diferença. Acesse:
www.vivapositivamente.”, remetendo ao portal que apresenta de forma detalhada as ações
desenvolvidas na campanha Viva Positivamente. Nesse convite está implícito o apelo à
adesão do consumidor o meio de juntar-se à Coca-cola nessa empreitada ecológica é
consumir seus produtos; por tabela, o consumidor fará parte dessa cruzada.
Quanto aos procedimentos da encenação argumentativa, percebemos aqui a
utilização do procedimento semântico fundamentado no donio do ético, cujo valor
defendido é o da ‗responsabilidade‘ responsabilidade social, responsabilidade ambiental.
Elemento fundamental para a imagem do cidadão e da empresa do século XXI. A esse valor
108
alia-se outro, o da ‗verdade‘ “Tudo que você faz de positivo volta para você. Outro
domínio de avaliação utilizado para fundamentar a argumentação é o pragmático fazendo uso
da diferença e do modelo de comportamento como argumentos de sedução Saiba como
estamos vivendo positivamente e faça você também a diferença, ou seja, nós somos
modelo de comportamento e fazemos a diferença, junte-se a nós e faça o mesmo.
No que diz respeito aos procedimentos discursivos o que mais se destaca nessa
propaganda é a reiteração de rios argumentos (verbais e o-verbais) para as propostas
apresentadas.
As setas formando imagens que representam, respectivamente em cada uma das
páginas, a água, os materiais recicláveis e o ar, como já mencionamos no início, por exemplo,
marcam essa reiteração não somente por estarem presentes nas três páginas, mas, sobretudo,
por indicarem um movimento de retorno. Esse movimento de retorno, de retomada, de
reiteração é um dos argumentos que validam a Proposta 1 “Tudo o que você faz de positivo
volta para você.”
Além das imagens, há reiteração no que se refere à estrutura do texto e a disposição
gráfica inticas nas três páginas: o mesmo slogan circundado pelas setas; as frases que
indicam as ações de poupar água, reciclar materiais e garantir a qualidade do ar, seguem a
mesma estrutura (verbo transitivo direto no infinitivo, objeto direto, seguido da expressão ‗por
exemplo‘); o texto em dois parágrafos (em vermelho e negrito), apresentando as ações da
Coca-Cola Brasil em cada um dos três setores (preservação da água, reciclagem dos materiais
e qualidade do ar) e tendo ao seu lado esquerdo o símbolo da campanha; um outro parágrafo
(fonte menor, na cor cinza), cujo primeiro período é formado por verbos no infinitivo (reduzir,
reciclar, repor, apostar, promover, buscar) que retomam as ações explicitadas no parágrafo
anterior, seguido de um outro período que reforça mais ainda as ações da empresa São o
pontos de compromisso da Coca-Cola Brasil para...”, na primeira página‖ e “São ações
que fazem parte do dia-a-dia da Coca-Cola Brasil.”, nas duas páginas seguintes; além
disso, o convite expresso na primeira página é reiterado nas páginas seguintes: Saiba como
estamos vivendo positivamente e como vo também pode fazer a diferença. Acesse:
www.vivapositivamente.
Desse modo, apostando nos ideais politicamente corretos do cidadão do século
XXI, o sujeito argumentante expõe, de forma sutil e cuidadosa, as partes do mosaico,
109
dispostas de modo harmonioso e atrativo, para que o leitor/consumidor construa e articule os
elementos argumentativos e, sem se dar conta disso, seja persuadido a comprar a ideia de que
a Coca-Cola Brasil é uma empresa comprometida com a preservação do planeta e,
consequentemente, com o bem estar das pessoas; logo seus produtos são de qualidade.
Propaganda 2 Óleo vegetal Natura Mamãe e Bebê Anexo B
Revista Veja 22 de abril de 2009, p. 30-31.
A propaganda ocupa duas páginas inteiras. Na primeira página o destaque é dado à
embalagem do produto sendo manipulado pela mulher (metonimicamente representada pelas
os femininas). O óleo sendo delicadamente despejado na mão é um ‗convite‘ aos sentidos
do leitor/consumidor, sobretudo ao tato. Na segunda página, alguns elementos reiteram esse
apelo: o slogan “Quando você se toca, não é você quem sente” “guia de
automassagem que melhora o sono e ajuda a relaxar e a imagem da mulher grávida
acariciando a barriga.
O EUc (Natura) apresenta-se como um EUe que não somente se preocupa com o bem
estar da mãe e do bebê, mas que é capaz de participar ativamente do despertar do vínculo
entre mãe e filho. A imagem de TUd idealizada é da mãe, da mulher grávida, que sabe o
quanto é importante o cuidado com o próprio corpo durante a gestão, o cuidado com o filho
que traz no ventre e, principalmente, a diferença que uma gravidez tranquila (Guia de
automassagem que ajuda a relaxar”) pode fazer na sua vida e na vida a de seu filho. É com
essa imagem, claro, que o EUc espera que o TUi se identifique.
Nessa relação entre os parceiros da comunicação observamos o dispositivo
argumentativo organizado da seguinte forma:
PROPOSTA: O óleo vegetal Natura Mamãe e Bebê ajuda na descoberta do Amor
Fundamental - vínculo entre você e seu filho. (implícito)
QUANDO VOCÊ SE TOCA NÃO É SÓ VOCÊ QUE SENTE.
NATURA MAMÃE E BE APRESENTA O ÓLEO VEGETAL COM GUIA DE
AUTOMASSAGEM QUE MELHORA O SONO E AJUDA A RELAXAR*
Quando você se toca, se encontra com você mesma e desperta para um vínculo que
existe entre você e o bebê. A esse vínculo damos o nome de Amor Fundamental.
Natura Mamãe e Bebê. O Amor Fundamental.
*80 gestantes participaram da experiência que comprovou cientificamente os benefícios da Descoberta
do Vínculo.
110
PROPOSIÇÃO: Isso é verdade.
“Natura Mamãe e Bebê apresenta o óleo vegetal com guia de automassagem que
melhora o sono e ajuda a relaxar.
PERSUASÃO: As ‗provas‘ que levam à conclusão Natura Mamãe e Bebê constitui
o vínculoe e filho é o Amor fundamental.
“Quando você se toca, se encontra com você mesma e desperta para um vínculo
que existe entre você e o bebê. A esse vínculo damos o nome de Amor
Fundamental.
Natura Mamãe e Bebê. O Amor Fundamental.”
E isso é realmente verdade, comprovado cientificamente:
“80 gestantes participaram da experiência que comprovou cientificamente os benefícios da
Descoberta do Vínculo.”
Embora tenhamos esse dado que remete ao âmbito racional se é comprovado
cientificamente então é verdade - a ‗aposta‘ recai de modo especial sobre as emoções e
sensações da mulher grávida.
Essa aposta fica evidente quando observamos o uso do procedimento semântico, cujos
argumentos estão fundamentados nos valores concernentes ao donio do hedônico, o prazer,
o bem estar, os sentidos expressos tanto pelos elementos verbais: “Quando você se toca não
é você que sente”, “Guia de automassagem que melhora o sono e ajuda a relaxar.”,
“Quando você se toca, se encontra com vo mesma e desperta para um vínculo que
existe entre você e seu bebê.”, quando pelas imagens: um fio de óleo caindo
suavemente na palma da mão da mulher; a imagem da mulher grávida massageando a
barriga e a expressão de prazer em seu rosto.
Percebemos, desse modo, que a ideia de prazer é retomada por vários elementos, o que
constitui o uso do procedimento discursivo da reiteração. Outro procedimento discursivo de
que o sujeito argumentante faz uso é a definição, primeiramente para definir o que é Amor
Fundamental e, em seguida, para desenvolver a persuasão, parte do ‗conceito‘ apresentado e
define Natura Mamãe e Bebê como sendo o próprio Amor Fundamental.
111
Assim, tendo como TUd ideal a mulher grávida, cujos sentidos e emoções estão em
evidência e, a quem falta algo capaz de despertar o vínculo que existe entre ela e seu filho
leo Vegetal Natura Mamãe e Bebê, além do guia de automassagem), o EUc apresenta
elementos capazes de seduzir através das sensações e espera, evidentemente, que o TUi se
identifique com a imagem TUd criada e chegue à conclusão de que o vínculo entre ela e seu
bebê é fundamental e que o despertar desse vínculo será possível e muito mais prazeroso se
ela utilizar o Óleo Vegetal Natura Mamãe e Bebê; além disso, adquirindo o produto em
questão, ela também receberá um guia de automassagem que a ‗ensinará‘ a fazer a massagem
cuja eficiência é cientificamente comprovada.
A propaganda que apresentamos na sequência, difere bastante das demais. Vejamos
como ela se organiza.
Propaganda 3 Plastivida Anexo C
SE VOCÊ FICA IRRITADO QUANDO VÊ UMA SACOLA PLÁSTICA NUM
BUEIRO, É PORQUE NÃO VIU COMO A GENTE FICA.
Uma sacola plástica num bueiro é péssimo para a cidade. E pior ainda para a imagem
da sacolinha que acaba levando a culpa pelos erros de quem a jogou ali.
A verdade é que, se a maneira como algumas pessoas descartam as sacolinhas é
discutível, os benefícios do plástico não são. Não é à toa que que a cada dia ele se torna mais
indispensável à vida moderna. Exagero? Pense, por exemplo, na indústria de alimentos. Por
serem seguras e atóxicas e por não mofarem, as embalagens plásticas aumentam a vida útil
protegem todo tipo de comida e bebida, evitando a transmissão de doenças e a proliferação
de insetos e roedores. Quer outros exemplos?Imagiene hospitais sem seringas, sem bolsas
para transfusão de sangue e sem frascos para o soro fisiológico? Como seriam feitas as
cirurgias? Como seria sua vida se os fios elétricos dos eletrodomésticos não tivessem uma
camada isolante de plástico?
Na verdade, existem muitos motivos para a escolha do plástico na mesma proporção
dos produtos à nossa volta que são feitos dele. Ele é ótimo isolante térmico e acústico, bom
isolante de eletricidade, quimicamente inerte, suporta bem o calor, é flexível, resistente,
leve e barato.
112
O plástico permitiu grandes reduções no peso das embalagens e, assim, uma grande
economia do combustível no transporte de produtos industrializados. Da mesma forma como
o uso do plástico pela indústria do automóveis fez com que eles ficassem mais leves,
reduzindo as emissões de gás carbônico.
Mais importante: o plástico é totalmente reciclável por várias vezes seguidas. Mas,
para se beneficiarem dessa vantagem, as pessoas precisam praticar em suas casas e locais
de trabalho a coleta seletiva, e o poder público precisa organizar o recebimento de materias
recicláveis.
Além disso, a sociedade brasileira precisa apoiar a reciclagem energética a partir do
lixo, como aconteceu no Japão e nos Estados Unidos, que, em grandes centros urbanos,
está havendo a saturação dos aterros. Até porque o plástico é uma fonte de geração de
energia semelhante ao óleo diesel cerca de um terço da população poderia usar apenas a
energia produzida a partir do plástico no lixo.
Claro que a sociedade, os governos e os fabricantes precisam trabalhar juntos para
evitar o desperdício, e a indústria, juntamente com entidades do setor de plásticos
(Plastivida, Instituto Nacional do Plástico e Associação Brasileira da Indústria de
Embalagens Flexíveis) está fazendo sua parte. Entre outras coisas, criou o Programa de
Qualidade e Consumo Responsável de Sacolas Plásticas em parceria com a Abras (Associação
Brasileira de Supermercados) para deixar as sacolinhas mais resistentes, evitando a
necessidade de usar duas de cada vez e aumentar a sua reutilização.
Agora é fundamental que você também faça sua parte, exigindo sacolas com o selo
desse programa no supermercado que frequenta. Entre outras ões simples que você pode
(e deve) adotar estão a coleta seletiva e não jogar as sacolas nas ruas e em rios. Para mais
dicas de como reduzir, reciclar e reutilizar, acesse www.sacolinhasplasticas.com.br.
Defender o uso consciente de sacolinhas plásticas faz todo o sentido. Já quem usa
mal, é impossível a gente defender. Recicle suas ideias sobre sacolas plásticas.
Revista Veja 23 de setembro de 2009, p. 51.
113
A propaganda ocupa uma página inteira. É composta por um texto longo distribuído
em duas colunas. Quase não há imagem, apenas a logomarca da Plastivida, a imagem do selo
do Programa de Qualidade e Consumo Responsável- Sacola Plástica Mais Resistente e
uma circunferência em azul, na qual estão inseridas três setas cujas hastes em branco
lembram sacolinhas plásicas. Nessa circunferência, também está inserido o seguinte slogan:
Recicle suas ideias sobre sacolas plásticas.
Alguns aspectos podem ser considerados se observarmos a distinção entre as
propagandas que analisamos anteriormente e essa campanha do Instituto Sócio-Ambiental dos
Plásticos.
Um primeiro aspecto bastante visível é o fato de que a propaganda em questão foge à
regra do discurso publicitário atual que prima pela explorão da imagens e utilizão de
frases bastante suscintas, às vezes formadas de uma única palavra. Aqui, tudo, ou quase tudo,
está ‗dito textualmente, ou seja, o contrato de comunicação se dá de forma explícita.
Outro aspecto que a difere da maioria das propagandas diz respeito à apresentação de
controvérsias. Como mencionamos na introdução do capítulo, uma das características que
marcam o movimento argumentativo no gênero propaganda é ausência de controvérsias;
exatamente o oposto do que ocorre nessa propaganda em que a Proposta, a Proposição e a
Persuasão, como veremos mais adiante, se desenvolvem através de argumentação e contra-
argumentação. No entanto, não se trata de um discurso polifônico na acepção bakthiniana,
visto que o conceito de polifonia, cunhado pelo pensador russo, pressupõe a presença de vozes
polêmicas no discurso e, no caso dessa propaganda, embora haja esse movimento de
argumentação e contra-argumentação, o domínio de uma voz (a que defende o plástico)
sobre as outras vozes (as que o condenam‘).
Além da presença de controvérsas, o uso de procedimentos de composição é tamm
uma marca de distinção dessa propaganda, conforme veremos mais adiante.
E como se caracterizam os parceiros dessa encenação? Para conseguir a adesão inicial
do TUi, o EUc se apresenta como um sujeito engajado na luta pela preservação ambiental,
mostrando sua indignação diante dos ‗malefícios que o plástico pode causar ao ambiente: “Se
você fica irritado quando uma sacola plástica num bueiro, é porque não sabe como a
gente fica.” A imagem de TUd criada pelo EUc é a de um cidadão que comunga da
tendência atual de se reduzir a produção e o uso da sacola plástica. O TUd aparece
114
explicitamente no uso do pronome você‘; além dele, o EUe se presentifica em ‗a gente‘, que
tem a vantagem de oferecer um caráter de grupo (nós).
No entanto, ao longo do desenvolvimento da argumentação, pecebemos que o EUc,
tendo já conseguido atrair a atenção do TUi, começa a revelar o que realmente pensa o
problema não é a sacolinha plástica, mas o uso que se faz dela e parte em defesa da
indústia do plástico, “Uma sacola plástica num bueiro é péssimo para a cidade. E pior
ainda para a imagem da sacolinha que acaba levando a culpa pelos erros de quem a
jogou ali”, indo na contramão das campanhas atuais que incentivam uma mudança de hábito
substituir as sacolas descartáveis por sacolas retornáveis. O produtor da argumentação
pretende então mudar a opinião do leitor/consumidor “Recicle suas ideias sobre sacolas
plásticas”, sem, contudo, deixar de defender a bandeira da preservação ambiental.
Vejamos agora como se organiza o dispositivo argumentativo:
PROPOSTA 1: Nós somos contra o uso das sacolas plásticas (falsa proposta)
“Se você fica irritado quando vê uma sacola plástica num bueiro, é porque não
sabe como a gente fica.”
PROPOSIÇÃO1: Não é bem assim. (rejeição parcial)
A sacolinha acaba levando a culpa pelos erros de quem a jogou no bueiro
PERSUASÃO 1: O problema não é a sacola, mas o mal uso que se faz dela.
PROPOSTA 2: O plástico é útil e necessário à nossa sociedade
“A verdade é que, se a maneira como algumas pessoas descartam as sacolinhas é
discutível, os benefícios do plástico não são.” “Não é à toa que que a cada dia ele
se torna mais indispensável à vida moderna.
PROPOSIÇÃO 2: Isso é verdade?
Exagero?”
PERSUASÃO 2: Lista de argumentos que comprovam as vantagens da utilização do
plástico
115
Na indústria de alimento, o plástico: aumenta a vida útil dos alimentos,
protege qualquer tipo de bebida e comida, evitando a transmissão de
doenças e a proliferação de insetos.
Nos hospitais o plástico está presente nas seringas, nas bolsas para
transfusão de sangue, nos frascos para o soro fisiológico.
O plástico é ótimo isolante térmico e acústico, bom isolante de eletricidade,
quimicamente inerte, suporta bem o calor, é flexível, resistente, leve e
barato.
O plástico permitiu grandes reduções no peso das embalagens e, assim,
uma grande economia do combustível no transporte de produtos
industrializados.
O uso do plástico na indústria de automobilísticas fez com que os carros
ficassem mais leves, o que reduz a emissão de gás carbônico.
Mais importante: o plástico é totalmente reciclável por várias vezes
seguidas.
O plástico é uma fonte de geração de energia semelhante ao óleo diesel.
Na sequência há uma nova proposta apresentando a controvérsia. O EUc, prevendo um
possível questionamento, já que a imagem TUd pressuposta é de um sujeito que o plástico
como um vilão, apresenta um contra-argumento para em seguida refútá-lo.
PROPOSTA 3: Mas a sacola plástica é um rio problema ambiental. (impcito)
PROPOSIÇÃO3: Não é verdade; o problema não é a sacola, mas o despercio e o
mau uso que se faz dela.
“sacola plástica num bueiro”, a maneira como algumas pessoas descartam as
sacolinhas é discutível
PERSUASÃO3: É possível usufruir de todas as vantagens do plástico sem agredir o
meio ambiente.
a sociedade, os governos e os fabricantes precisam trabalhar juntos para
evitar o desperdício.
Ações como as que vêm sendo desenvolvidas pela indústria e entidades do
setor de plásticos (Plastivida): Programa de Qualidade e Consumo
Responsável de Sacolas Plásticas para deixar as sacolinhas mais
resistentes, evitando a necessidade de usar duas de cada vez e aumentar a
sua reutilização.
116
PROPOSTA 4 - A indústria do plástico e a Plastivida trabalham para o consumo
responsável do plástico e, consequentemente, a favor da preservação ambiental.
PROPOSIÇÃO 4: Isso é verdade
PERSUASÃO 4: As provas de que a instria e o instituto Plastivida vêm fazendo
sua parte.
a indústria, juntamente com entidades do setor de plásticos (Plastivida,
Instituto Nacional do Plástico e Associação Brasileira da Indústria de
Embalagens Flexíveis) está fazendo sua parte. Entre outras coisas, criou o
Programa de Qualidade e Consumo Responvel de Sacolas Plásticas em
parceria com a Abras (Associação Brasileira de Supermercados) para
deixar as sacolinhas mais resistentes, evitando a necessidade de usar duas
de cada vez e aumentar a sua reutilização.
O quadro persuasivo é reforçado pelo convite: é fundamental que votambém faça
sua parte, exigindo sacolas com o selo desse programa no supermercado que frequenta.
Entre outras ações simples que você pode (e deve) adotar estão a coleta seletiva e não
jogar as sacolas nas ruas e em rios. Para mais dicas de como reduzir, reciclar e
reutilizar, acesse www.sacolinhasplasticas.com.br.
Desse modo chega-se à conclusão: Defender o uso consciente das sacolinhas
plásticas faz todo sentido. quem usa mal, é impossível a gente defender. E, por fim, o
apelo que denota o objetivo da propaganda mudar o conceito do leitor/consumidor acerca
das sacolinhas plásticas: Recicle suas ideias sobre sacolas plásticas.
Para validar a argumentação, EUc faz uso de procedimentos semânticos, discursivos e
de composição.
Quanto aos procedimentos semânticos, dois donios de avaliação são utilizados: o
domínio do pragmático, quando apresenta a lista de utilidades do plástico em nossa
sociedade, e o domínio do ético cujo valor destacado é o da responsabilidade “a indústria,
juntamente com entidades do setor de plásticos (Plastivida, Instituto Nacional do Plástico
e Associação Brasileira da Indústria de Embalagens Flexíveis) está fazendo sua parte.”
“Agora é fundamental que você também faça sua parte, exigindo sacolas com o selo
desse programa no supermercado que frequenta.”
117
Em relação aos procedimentos discursivos percebemos o uso da reiteração de
argumentos para defender uma mesma proposta: O plástico é útil e necessário à nossa
sociedade. Essa reiteração é feita por meio da gradação: o sujeito argumentante parte do fato
de que, se o modo como as pessoas descarta as sacolinhas plásticas é discutível, a utilidade do
plástico não. Então, apresenta uma lista que demonstra como o plástico está presente na nossa
sociedade (na indústria de alimentos, nos hospitais, nos fios de eletrodomésticos). Em
seguida, as vantagens dessa utilização do plástico (aumenta a vida útil dos alimentos, evita
transmissão de doenças e proliferão de insetos, é ótimo isolante térmico, reduz o peso das
embalagens e dos automóveis, levando, respectivamente, à econonomia de energia no
transporte dos produtos e à redução da emissão de CO2). Na sequência destaca Mais
importante: o plástico é totalmente reciclável por várias vezes seguidas. E por fim, fala
da necessidade de a sociedade brasileira apoiar a reciclagem energética a partir do lixo, que
o plástico é fonte geradora de energia semelhante ao óleo diesel.
Quanto aos procedimentos de composição uma das marcas que distingue essa
propaganda das demais, como dissemos observamos aqui o uso da composição linear. O
sujeito argumentante marca textualmente a sequência de apresentação dos argumentos
(começo e transição): “A verdade é que.../ Quer outros exemplos?/ Na verdade... / Além
disso...”. Além dessa sequência, também a pontuação de tempos fortes: “Mais
importante:...”, “Agora é fundamental que...”, “Claro que...” Desse modo, o sujeito
argumentante procura direcionar o olhar do leitor/consumidor e, assim, conduzí-lo à
conclusão desejada.
É justamente o ‗cuidado‘ em deter todo o processo argumentativo que caracteriza essa
propaganga. Primeiramente é criada uma proximidade entre EUe e TUd, seja pelo caráter de
grupo expresso no uso de ―você‖ e ―a gente‖, seja pela proposição inicial Nós somos
contra o uso das sacolas plásticas‖, ou seja, nós, assim como você, somos ecologicamente
corretos, somos parceiros na causa ambiental. Tendo conseguido, dessa forma, a adesão
inicial do leitor/consumidor, o sujeito argumentante inicia sua ‗expedição apresentando
elementos cuidadosamente selecionados e dispostos de modo a levar o consumidor a ‗reciclar
suas ideias sobre sacola plásticas‘ – de vilã a elemento essencial à nossa sociedade.
118
4.4 Análise das embalagens
Embalagem 1 Creme hidratante capilar - Novex Profissional Hair Therapy Anexo D
BELEZA PURA
26
Professional Hair Therapy
Liberdade de Expressão do Cabeleireiro
26
Faz referência à novela Beleza Pura, exibida pela Rede Globo de Televisão em 2008.
Criatividade ecnica caminham lado a lado para
expressarmos a beleza que temos em nós. O talento
artístico de um profissional, por exemplo, está
ligado ao seu domínio e à capacidade de materializar
toda sua imaginação. E para isso é que
desenvolvemos Novex Professional Hair Therapy.
Ativos que tratam profundamente a fibra capilar,
garantindo resultados surpreendentes para a saúde
dos cabelos e para sua liberdade de expressão.
Responsabilidade Socioambiental Embelleze
Abraçamos a missão de transformar o mundo
através da força da beleza. E quando falamos de
beleza, estamos falando de bem-estar, auto-estima,
melhores condições de vida, preservação da
natureza, ou seja, da própria felicidade do ser
humano. Portanto, em cada pessoa que ajudamos a
se sentir melhor consigo mesma, a cada jovem que
ensinamos uma profissão, a cada árvore que
preservamos ou plantamos, estamos dando a nossa
contribuição para um mundo melhor, muito mais
bonito.
Conheça as nossas ações socioambientais no site:
www.embelleze.com
Novex Professional Hair
Therapy
12 ativos em 1
Cabelos muito danificados,
ressecados, opacos e sem brilho
Toda história merece um final feliz,
como nas novelas de TV. E quando
juntamos a criatividade do
profissional de beleza com a
qualidade de Novex, o resultado não
pode ser outro: cabelos tratados,
nutridos, restaurados e com brilho
fantástico, como o das estrelas de
Beleza Pura.
Testado e
Aprovado por
Cabeleireiros
Rende 42 Aplicações
Aprovado pelo Centro de
Inovação INSTITUTO EMBELLEZE
Restauração profunda
Máxima hidratação
Brilho Intenso
119
Utilize seus conhecimentos cnicos para um programa semanal de hidratação profunda para suas
clientes.
Chocolate
O extrato de cacau nutre e deixa os cabelos super-hidratados.
Hydramel
Uma espécie de mel silvestre que nutre e hidrata profundamente os
cabelos.
Proteína do Leite
Excelente fonte natural de resistência e super hidratação dos fios.
Queratina
Restaura e regenera a estrutura dos fios danificados, proporcionando
mais maleabilidade.
Ceramidas
Brilho intenso e sedosidade para os cabelos, eliminando a aspereza dos
fios.
Silicone
Extraordirio impermeabilizante que cria uma camada protetora e
garante extra brilho.
Tutano
Excelente restaurador e um ótimo fortalecedor de fios danificados.
Óleo de
amêndoas
Poderoso hidratante e emoliente da fibra capilar.
Manteiga de
karité
Proporciona nutrição, suavidade e amacia os cabelos ressecados.
Óleo Semi de
Lino
Mais brilho, leveza e movimento devido a uma película que envolve os fios.
D-Pantenol
Fecha as cutículas restabelecendo a hidaratação natural ea maciez dos
cabelos.
Blend de
Vitaminas
Contém as vitaminas E e H, que selam a fibra capilar e restauram os fios
danificados.
NOVEX
CREMES COMUNS
Testado e aprovado por profissionais de
beleza
Geralmente não são usados por profissionais de
beleza
Alta consistência
A maioria tem consistência rala e aspecto aguado
Alta concentração de ativos
Geralmente têm baixa concentração de ativos
Rende muito mais
Em geral, gasta-se mais produtos nas aplicações
Vitaminado enriquecido com vitamina E
A grande maioria não possui vitaminas
120
Trata-se de uma embalagem de 1 kg, de forma cindrica e feita de plástico na cor
cinza. O rótulo, que cobre praticamente toda a extensão da embalagem, destaca-se
visualmente pelos tons metálicos (fundo na cor prata com detalhes em vermelho). Quanto aos
elementos verbais, o destaque é dado à expressão BELEZA PURA (o logotipo da novela da
Rede Globo, exibida em 2008) e à marca do produto NOVEX em letras maiores em preto com
contorno em branco, centralizado na parte frontal da embalagem.
EUc (o designer/produtor) apresenta-se como um EUe que conhece profundamente os
segredos da beleza capilar. Para provar tal conhecimento vale-se da fabricação da imagem do
real, apostando em um TUd que reconhece verdades científicas “Aprovado pelo Centro de
Inovação Instituto Embelleze”, “Testado e aprovado por cabeleireiros”. O sujeito ideal
(TUd) produzido pelo EUc, além de reconhecer verdades científicas, é um sujeito que se
rende aos padrões de beleza atuais e deseja ter cabelos hidratados, macios, com brilho intenso.
A embalagem traz alguns elementos que demonstram que o produto é destinado ao uso
profissional: “Professional Hair Therapy”, Utilize seus conhecimentos técnicos para um
programa semanal de hidratação profunda para suas clientes.”. Isso nos permite
reconhecer dois TUd pressupostos pelo EUc: a) o profissional de beleza que deseja aliar seu
trabalho a produtos de qualidade e assim conquistar e manter a fidelidade de suas clientes; b)
a mulher que deseja, sem ter que recorrer a profissionais (o que demandaria tempo e
dinheiro), cuidar de seus próprios cabelos utilizando um produto capaz de substituir o trabalho
de um profissional.
Vejamos como o dispositivo argumentativo se manifesta nessa embalagem.
PROPOSTA 1: (Destinada aos profissionais) O creme de tratamento NOVEX é
comprovadamente um produto de qualidade que permite que você expresse seus
talentos.
“Liberdade de Expressão do Cabeleireiro”
PROPOSIÇÃO 1: Isso é verdade.
PERSUASÃO 1: Relação dos elementos que comprovam a eficácia e o
‗profissionalismo‘ e as consequentes vantagens de utilização do produto
121
“Criatividade e técnica caminham lado a lado para expressarmos a beleza
que temos em nós. O talento artístico de um profissional, por exemplo,
está ligado ao seu domínio e à capacidade de materializar toda sua
imaginação. E para isso é que desenvolvemos Novex Professional Hair
Therapy.”;
A criatividade profissional associada a qualidade de Novex traz como resultado
cabelos restaurados, nutridos, com brilho;
A tabela comparativa que mostra as vantagens do creme Novex em relação aos
‗cremes comuns‘;
A tabela que traz a relação dos doze nutrientes contidos no produto e suas
respectivas ‗funções‘ quase milagrosas;
“Rende 42 aplicações” (é um produto econômico);
É testado e aprovado por profissionais de beleza e pelo Centro de Inovação do
Instituto Embelleze;
PROPOSTA 2: O creme de tratamento NOVEX deixa seus cabelos tão bonitos quanto
os das estrelas de TV, como se tivessem sido cuidados por um profissional
competente. (implícito)
PROPOSIÇÃO 2: Isso é verdade.
PERSUASÃO 2: Relação dos elementos que comprovam a qualidade e eficácia do
produto
O uso dalogomarca‘ da novela global Beleza Pura;
As expressões “restauração profunda, máxima hidratação, brilho intenso
tudo o que uma mulher deseja para seus cabelos;
A informação de que Novex Professional Hair Therapy contém ativos que
tratam profundamente a fibra capilar, garantindo resultados surpreendentes
para a saúde dos cabelos;
A tabela que traz a relação dos doze nutrientes contidos no produto e suas
respectivas ‗funções‘ quase milagrosas;
A informação de que o produto é testado e aprovado por cabeleireiros e pelo
Instituto Embelleze;
Afirmação de que o uso do produto proporcionará cabelos tão bonitos quanto
os das atrizes da novela “Com a qualidade de Novex, o resultado não pode
122
ser outro: cabelos tratados, nutridos, restaurados e com brilho fantástico,
como o das estrelas de Beleza Pura.
Vale acrescentar que o fato da logomarca da novela Beleza Pura ter sido usada para
nomear o produto constitui um interdiscurso, o que Bakhtin chama de dialogismo, ou seja, o
diálogo entre discursos, concebido como modo de funcionamento da linguagem. O sujeito
argumentante enuncia em função da existência do outro, requerendo uma atitude responsiva
deste último, antevendo sua resposta/reação. Nesse caso, o diálogo com a novela, antecipa,
pressupõe um posicionamento de adesão ao produto ao relacio-lo com o discurso da novela
e o modelo de beleza por ele apresentado.
PROPOSTA 3: O Instituto Embelleze preocupa-se não somente com a beleza sica,
como também com o bem-estar do ser humano e com a preservação do planeta
“Abraçamos a missão de transformar o mundo pela força da beleza”
PROPOSIÇÃO 3: Isso é verdade
PERSUASÃO 3: Lista de argumentos que levam à conclusão de que a Embelleze é
uma empresa comprometida com o bem-estar das pessoas e a preservação ambiental.
Missão de transformar o mundo pela força da beleza;
Beleza como sinônimo de bem-estar, auto-estima, melhores condições
de vida, preservação da natureza, felicidade do ser humano;
Apresentação das ões desenvolvidas pela empresa: ―cada pessoa
que ajudamos a se sentir melhor consigo mesma, a cada jovem que
ensinamos uma profissão, a cada árvore que preservamos ou
plantamos, estamos dando a nossa contribuição para um mundo
melhor, muito mais bonito.”;
O convite‘ que remete ao site onde o leitor/consumidor poderá
constatar a veracidade do que foi dito anteriormente: Conheça as
nossas ações socioambientais no site: www.embelleze.com
Para desenvolver o ato de persuasão, o EUc recorre a procedimentos semânticos e
discursivos.
123
Em relação aos procedimentos semânticos, faz uso de argumentos fundamentados em
valores concernentes aos domínios:
a) da Verdade Aprovado pelo Centro de Inovação INSTITUTO EMBELLEZE”, Testado e
aprovado por cabeleireiros”
b) do Estético “Beleza Pura”, “Embelleze”, Abraçamos a missão de transformar o
mundo através da força da beleza”, “...para expressarmos a beleza que temos em nós”,
“cabelos tratados, nutridos, restaurados e com brilho fantástico, como o das estrelas de
Beleza Pura.
c) do Ético (responsabilidade) “Responsabilidade Socioambiental Embelleze”,
“Abraçamos a missão de transformar o mundo, “em cada pessoa que ajudamos a se
sentir melhor consigo mesma, a cada jovem que ensinamos uma profissão, a cada árvore
que preservamos ou plantamos, estamos dando a nossa contribuição para um mundo
melhor, muito mais bonito.”, “Conheça as nossas ações socioambientais...”.
d) do Pragmático: 1)norma fundada na quantidade “12 ativos em 1, 2) norma
como modelo de comportamento “cabelos tratados, nutridos, restaurados e com brilho
fantástico, como o das estrelas de Beleza Pura.”, ou seja „Faça como as estrelas da
novela‟, Utilize seus conhecimentos técnicos para um programa semanal de hidratação
profunda para suas clientes.” 3) a diferença como singularidade quadro comparativo
entre Novex e os „cremes comuns‟.
e) do Hedônico E quando falamos de beleza, estamos falando de bem-estar, auto-
estima, melhores condições de vida, preservação da natureza, ou seja, da própria
felicidade do ser humano.”, “Toda história merece um final feliz”
Quanto aos procedimentos discursivos o uso da reiteração é um aspecto bastante
perceptível nessa embalagem. Destacamos aqui os mais relevantes:
O termo BELEZA é mencionado seis vezes na embalagem;
A expressão “12 ATIVOS EM 1” aparece três vezes e é ainda reiterada pela
tabela que demonstra quais são esses ativos;
A expressão “cabelos ressecados, danificados e sem brilhoé exposta em
dois momentos: 1) na posição vertical, ao lado direito da marca do produto
(parte da frente do rótulo), após CREME DE TRATAMENTO
124
ULTRAPROFUNDO”, 2) em posição horizontal, ao lado esquerdo da marca
do produto (parte de trás do tulo), após a “12 ATIVOS EM 1”;
O argumento de que o produto rende mais é apresentado três vezes: 1)
“RENDE MUITO MAIS” na parte frontal da embalagem, 2) a mesma
expressão retomada no quadro comparativo entre Novex e os „cremes
comuns‟, 3) a informação “Rende 42 aplicações”;
A referência ao profissionalismo é feita através das expressões: “Professional
Hair Therapy” (citada três vezes), “talento artístico de um profissional”, “a
criatividade do profissional de beleza”, “utilize seus conhecimentos
técnicos”
Além da reiteração, o EUc faz uso da comparão por desigualdade quando expõe,
no quadro comparativo, as vantagens de Novex sobre os demais cremes; da definição: Beleza
é bem-estar, auto-estima, melhores condições de vida, preservação da natureza, ou
seja, a própria felicidade do ser humano e da incitação ao fazer Utilize seus
conhecimentos técnicos para um programa semanal de hidratação profunda para suas
clientes.”, Conheça as nossas ações socioambientais no site: www.embelleze.com.
Em suma, o EUc procura estabelecer um primeiro contato com o TUd valendo-se
de atrativos visuais: as cores em tons metálicos (remetem à sofisticação), a „logomarca‟
da novela Beleza Pura (ideal de beleza), a marca do produto „NOVEX(inovação); desse
modo, o sujeito argumentante deseja que a embalagem/produto se sobressaia em meio
a tantas outras opções dispostas nas gôndolas.
A aposta seguinte é a de que o TUd escolha a embalagem e, ao manuseá-la
organizando as „peças‟ do mosaico (a inovação, o profissionalismo, os componentes, a
economia, o comprometimento da empresa, a eficácia testada e aprovada...) e, a partir
deles, construa e articule as partes da argumentação. A grande infinidade de elementos
disponíveis permite que o TUi (seja o profissional de beleza ou a própria consumidora do
produto) faça as escolhas que lhe convier, mas todas elas permitem a conclusão de que
vale a pena adquirir o produto.
A embalagem a seguir aposta nos ideais de saúde e bem-estar, fundamentados no
discurso da ciência. Vejamos:
125
Embalagem 2 ADES - Anexo E
Programa Minha Escolha
27
Trata-se de uma embalagem de 1 litro do leite de soja ADES, sabor vitamina de
banana. Em relação aos elementos não-verbais, destacam-se: uma fotografia de uma mulher e
uma menina de aparência feliz e saudável, sentadas à mesa fazendo uma refeição e,
naturalmente, consumindo ADES; a imagem da bebida sendo despejada em abundância, tendo
ao fundo uma outra imagem que remete à natureza, à plantação; há ainda, em uma das
laterais, grãos de soja transformando-se na bebida que despejada no interior da embalagem.
A imagem de EUe, construída pelo EUc é a de um sujeito que tem como preocupação
primordial a qualidade de vida resultante de uma alimentação saudável e que detém o
conhecimento acerca do que significa alimentar-se de maneira saudável. Por conseguinte,
idealiza um TUd que comungue desses mesmos ideais e conhecimentos, ou seja, reconheça a
importância de uma alimentação saudável, reconheça as propriedades benéficas da soja.
27
O Programa Minha Escolha™ é uma iniciativa global de representantes da Indústria de Alimentos desenvolvida para facilitar a escolha de
opções mais saudáveis de alimentos. O Programa Minha Escolha™ tem dois objetivos centrais: Ajudar os consumidores a identificar, de
forma simples e pida, opções saudáveis no momento da compra; Estimular as indústrias alimentícias a aprimorar a composição de seus
produtos, aumentando, assim, a disponibilidade de alimentos e bebidas mais saudáveis e atendendo a demanda de consumo. Para concretizar
tais objetivos, o Programa Minha Escolha desenvolveu uma ferramenta de comunicação simples, clara e objetiva: o selo MINHA
ESCOLHA. Trata-se de um logo simples e direto, na frente das embalagens dos produtos das empresas participantes do programa que
possuem níveis controlados de quatro nutrientes-chaves, de acordo com os critérios nutricionais definidos pelo programa. Fonte:
www.programaminhaescolha.com.br. Acesso em 02 nov. 2009.
Ades
0% Lactose e Colesterol
Você sabia que...?
Ades é um alimento de soja delicioso, fonte de proteína, sem colesterol nem lactose.
A soja é um alimento nutritivo que tem proteínas vegetais de alta qualidade, além de
conter aminoácidos essenciais.
É fonte de Proteínas e Vitaminas A, B6, B12, C, D, E e Ácido Fólico.
As Vitaminas C e E são antioxidantes naturais que ajudam a proteger seu sistema
imunológico. A Vitamina A e as Vitaminas do Complexo B são essenciais durante o
crescimento, o desenvolvimento e ajudam no bom funcionamento do metabolismo. E que a
Vitamina D ajuda na absorção do Cálcio.
Recomendações Nutricionais orientam uma ingestão moderada
de gordura saturada, gordura trans, açúcar e sódio. Este produto cumpre
com essas recomendações. Para mais informações visite
www.programaminhaescolha.com.br. Para dietas restritivas, consulte um
Nutricionista.
126
Vejamos, então, como o dispositivo argumentativo se manifesta nessa embalagem:
PROPOSTA: ADES, por ser um alimento feito a base de soja, é indispenvel à uma
alimentação saudável.
“Naturalmente sem lactose e sem colesterol por ser um alimento com soja”
PROPOSIÇÃO: É verdade.
PERSUASÃO: Relação dos argumentos que levam à conclusão de que ADES
realmente é indispensável a quem deseja se alimentar de forma saudável.
As informações de que:
ADES é um alimento a base de soja;
A soja tem proteínas vegetais de alta qualidade, além de conter
aminoácidos essenciais.
ADES não possui lactose nem colesterol;
ADES É fonte de Proteínas e Vitaminas A, B6, B12, C, D, E e Ácido Fólico;
As Vitaminas C e E são antioxidantes naturais que ajudam a proteger seu
sistema imunológico. A Vitamina A e as Vitaminas do Complexo B são
essenciais durante o crescimento, o desenvolvimento e ajudam no bom
funcionamento do metabolismo. E, a Vitamina D ajuda na absorção do
Cálcio.
ADES não contém conservantes;
Este produto cumpre com todas as orientações nutricionais em relação à
ingestão moderada de gordura saturada, gordura trans, açúcar e sódio;
Além dessas informações, traz o selo do Programa Minha Escolha, o selo da
Sociedade Brasileira de Cardiologia argumentos de autoridade, embasados no discurso da
ciência. Há ainda a imagem que remete ao campo, à natureza, portanto produto natural,
bastante coerente com os ideais de saúde propagados atualmente, e, por fim, a fotografia da
mulher e da menina, saudáveis e bem dispostas por estarem consumindo o produto.
Em se tratando dos procedimentos utilizados pelo sujeito argumentante, constatamos,
como na embalagem analisada anteriormente, o uso de procedimentos semânticos e
discursivos.
127
No que diz respeito aos procedimentos semânticos, o EUc faz uso, principalmente, de
argumentos pertencentes ao donio da Verdade. Ao apresentar as propriedades benéficas da
soja fonte de protnas e vitaminas, além de não conter lactose nem colesterol; mostrar que
ADES é aprovado pela Sociedade Brasileira de Cardiologia, além de ter a chancela do
Programa Minha Escolha, o produtor da argumentação apóia-se nos conhecimentos
cientificamente comprovados e aceitos pela sociedade atual. Desse modo, esse sujeito
argumentante confere credibilidade ao que está dizendo, com o intuito de que o TUi assuma
uma posição favorável em relação à imagem do EUe e, consequentemente, em relação à
PROPOSTA apresentada.
Outro domínio de avaliação presente nessa propaganda é o Hedônico, referindo-se ao
prazer e bem-estar, o que está presente na expressão da mulher e da menina na fotografia; em
“ADES é um alimento de soja delicioso‖; o que remete à ideia de bem-estar sugeridas por
todas as ‗provas de que ADES é saudável, nutritivo se ADES é um alimento saudável e
nutritivo, além de ser saboroso, logo ajuda a fortalecer o corpo, proporcionando ânimo, bem-
estar e prazer.
Quanto aos procedimentos discursivos, o destaque fica por conta da reiteração. A
ideia de que ADES é um alimento nutritivo e saudável é reiterada por várias vezes é um
produto a base de soja, a soja é um alimento altamente benéfico à saúde por conter vitaminas,
protnas; é um alimento que não contém lactose nem colesterol, não contém conservantes.
Ademais, ADES é aprovado pela Sociedade Brasileira de Cardiologia e tem a chancela do
Programa Minha Escolha.
A aposta fundamentada na verdade científica, no conhecimento, “Você sabia que...?”
confere, à argumentação desenvolvida nessa embalagem, um caráter de racionalidade: uma
única PROPOSTA, argumentos complementares que giram em torno dessa proposta, um
discurso que pretende parecer objetivo. está seu poder de convencimento, conduzindo o
TUi à conclusão de que não se trata de um discurso apelativo, é a ciência que esdizendo;
portanto, não há como contestar.
128
Considerações finais
A interpretação dos dados de análise nos leva a tecer algumas considerões acerca
das especificidades da propaganda e da embalagem, seus traços comuns e, sobretudo a
respeito do projeto argumentativo desenvolvido nesses neros discursivos. Desse modo,
retomamos aqui as considerações de Bakhtin (2006) acerca dos gêneros discursivos e o
modelo argumentativo de Charaudeau (2008).
Vejamos inicialmente, retomando as contribuições de Bakhtin, como os elementos
constitutivos dos gêneros do discurso (conteúdo temático, estilo e construção composicional)
se apresentam na propaganda e na embalagem.
Quanto ao conteúdo temático - conteúdos ideologicamente conformados, que se
tornam comunicáveis (dizíveis), nesse caso, através das propagandas e das embalagens, de
modo concreto são os produtos e serviços passíveis de ser consumidos.
No entanto, como observamos, tanto nas propagandas quanto nas embalagens as
estratégias de sedução envolvem a valorização não do produto propriamente dito, mas do
intangível. A Coca-Cola não está vendendo refrigerante, vende a promessa de um planeta
sustentável. O ADES não vende alimento, vende saúde, qualidade de vida. O hidrante Novex,
o vende um produto para os cabelos, vende beleza. A Natura em lugar de vender óleo para
massagem, vende a possibilidade do despertar do vínculo entre mãe e filho o Amor
Fundamental.
Nessa relação metonímica uma apreciação valorativa na construção da imagem do
produto ou serviço oferecido, uma apreciação que obscurece seus pontos negativos e ilumina
apenas os aspectos positivos. Assim, apostando nos valores de prazer, bem estar, qualidade de
vida, sonho, o sujeito argumentante lança mão daquilo que é capaz de fazer com que o
leitor/consumidor tenha a sensação de que tal produto ou serviço é essencial, imprescindível a
sua vida, pois é capaz de realizar seus sonhos.
Não podemos esquecer que esse processo de valoração incide também sobre o
interlocutor. Nas propagandas analisadas os participantes ou invocando Charaudeau os
sujeitos internos e externos da interação EUe/EUc e TUd/TUi
28
- são representados
28
Alertamos que nessa tentativa de ‗diálogo‘ entre Bakhtin e Charaudeau, consideramos que o locutor e o
interlocutor englobam, respectivamente, EUe/EUc e TUd/TUi.
129
linguisticamente por ‗nós‟ (ou pela desinência verbal) / ‗a gente X ‗você‘ (ou pela desinência
verbal), sua; a exceção fica por conta da embalagem 2 (Ades), em que não marca
linguística para o EUe/EUc:
Propagandas /
Embalagens
EUe/EUc
Locutor
TUd/TUi
Interlocutor
Coca Cola
[Saiba] como estamos vivendo
positivamente...
Tudo o que você faz de positivo volta para
você.
Natura
A esse vínculo damos o nome de Amor
Fundamental.
Quando você se toca, se encontra com você
mesma e desperta para um vínculo que
existe entre você e o bebê.
Plastivida
... não viu como a gente fica.
Se você fica irrigado quando vê uma sacola
plástica num bueiro...
Novex
E para isso é que desenvolvemos Novex
Professional Hair Therapy...
... e para sua liberdade de expressão.
Conheça as nossas ações socioambientais
Ades
-
Você sabia que...?
Nessa parceria, as relações estabelecidas fixam papéis assimétricos: o ―nós‖ é o
responsável pelo saber e pelo saber fazer, ganhando um caráter de autoridade: ele vive
positivamente, designa, como um Adão bíblico, o sentimento que une e e filho, reage aos
atos ecologicamente incorretos, desenvolve produtos que promovem o talento artístico. No
caso da propaganda de Ades, invoca-se a voz da Ciência, por meio de informações técnicas.
Trata-se de uma auto-representação altamente positiva.
O ―você‖ é o que deve saber, deve assumir um comportamento ou outro, enfim, é
aquele que necessita de conhecimentos. Ele também é representado positivamente, como um
aprendiz capaz de se tornar ecológica e gastronomicamente correto, além de valorizar os laços
afetivos fundamentais. Daí a presença da modalidade deôntica aplicada à esfera do TU.
Essa relação assimétrica, assim como a valorização da imagem dos participantes, são
determinantes para o estilo. Na propaganda da Coca Cola e da Natura e nas embalagens de
Novex e Ades, por exemplo, o locutor assume um papel quase professoral, usando enunciados
assertivos, exemplificações e dados de pesquisa; na propaganda da Plastivida, o locutor
também se utiliza de enunciados assertivos articulados por relações lógicas, desenvolvendo
uma argumentação canônica. Esse conjunto de fatores revela uma ideologia capitalista: ―nós
(a empresa) sabemos o que é melhor para vo e sabemos fazer produtos que tornam sua vida
melhor em todos os aspectos (saúde do corpo e do ambiente em que vivemos, beleza, amor);
portanto, compre os produtos. O nós/empresa é o grande provedor.
130
Poderíamos dizer, então, que essa estratégia de valorização do produto é uma das
marcas estilísticas da propaganda e da embalagem. Porém, antes tecermos nossas
considerações acerca do estilo, retomamos aqui alguns pontos abordados no capítulo 1. O
primeiro diz respeito à noção de estilo individual, aquele que é próprio de cada autor, mas
constituído de várias vozes que circulam e se renovam ao longo da história. O segundo refere-
se ao estilo próprio de cada nero; para Bakhtin a existência de um estilo pressupõe a
existência de um gênero e, desse modo, muitas vezes o estilo genérico o permite a
transparência do estilo individual, o que ocorre principalmente nos gêneros que apresentam
uma forma padronizada, como os da esfera burocrática.
O que dizer então da propaganda e da embalagem? Qual é o seu estilo genérico? São
gêneros que permitem a transparência do estilo individual?
É sabido que tanto a propaganda quanto a embalagem primam pela inovação, pela
criatividade, pela tendência ao inusitado, com o intuito de fazer com que o produto
anunciado/apresentado surpreenda e encante o leitor/consumir. No entanto, não podemos
dizer que sejam gêneros que permitem a transparência de um estilo individual, do estilo de um
autor, como ocorre nas obras literárias. Muito mais do que a marca de autoria do publicitário/
design, o estilo da propaganda e da embalagem é marcado pelas marcas genéricas resultantes
do conceito de propaganda e embalagem formado ao longo da história; pelo estilo do
produto/empresa anunciante; pelo estilo do público-alvo, que por sua vez é marcado pelos
valores de cada época por exemplo é tendência atual a preocupação com a preservação do
planeta e essa preocupação está diretamente ligada ao interesses dos consumidores e à
imagem que a empresa deve construir e manter se quiser ser aceita pelos consumidores.
Essa faceta do público-alvo, ligada a estilo ecologicamente correto, norteia as ações da
‗empresa comprometida do século XXI e, consequentemente, determina o modo como os
produtos e serviços serão ‗vendidos‘ através da embalagem ou da propaganda, ou seja,
caracteriza umas das marcas estisticas desses gêneros discursivos.
No caso das propagandas ainda o estilo da revista que lhe serve de suporte, estilo
este, como é sabido, que o pode desvincular-se das características ou estilo do público-
leitor. Essas características determinam tanto as características da propaganda quanto o tipo
de produto anunciado.
131
Em relação à embalagem o estilo do consumidor-alvo é determinante para todo
processo de elaboração não somente do produto como da embalagem, responsável, como
mencionamos, por assumir o papel de vendedor silencioso, atraindo a atenção do consumidor
para um produto determinado em meio a uma infinidade de outros produtos disponíveis no
mercado.
Um exemplo disso são os investimentos feitos no ano passado pela Unilever com o
objetivo de deter a curva descendente de vendas do xampu Seda. Conforme artigo da revista
Istoé Dinheiro, ed. 642, a melhoria da renda dos brasileiros fez com que a classe C passasse a
exigir produtos de melhor qualidade. Então, a empresa fez grandes investimentos na marca
Seda, considerada muito popular, para torná-la mais sofisticada, de melhor qualidade e
conquistar as classes mais altas.
Segundo o artigo, os estudos apontaram que, além da fórmula e da textura que não
agradavam às clientes, o formato da embalagem dificultava seu manuseio no banho, fazia com
que escorregasse facilmente das mãos; além disso, o formato tamm comprometia
visualização da marca do produto nas prateleiras dos supermercados. Por isso, a Unilever
alterou as embalagens, que buscavam ser mais práticas e sofisticadas, com cores e formatos
modernos.
Por fim, o terceiro elemento constitutivo do gênero a forma composicional. E qual é
a forma relativamente estável da propaganda e da embalagem? Vejamos primeiramente aquilo
que é específico de cada um desses gêneros.
No que se refere à propaganda, o que se destaca normalmente é o elemento visual, ou
uma frase de efeito, slogan, logomarca do produto, apresentação das vantagens de utilização.
Embora não seja o caso das propagandas analisadas, existe uma certa flexibilidade em relação
em relação à forma composicional das propagandas. Um exemplo disso é a hibridização
29
: a
propaganda pode assumir as forma de vários outros gêneros e continuar sendo propaganda.
29
Conforme Marcuschi (2005, p. 29), ―a hibridização é a confluência de dois neros e este é o fato mais
corriqueiro do dia-a-dia em que passamos de um gênero a outro ou até mesmo inserimos um no outro seja na fala
ou na escrita‖. Trata-se do fenômeno segundo o qual um gênero pode assumir a forma de outro, tendo em vista o
propósito comunicativo. É importante atentarmos para a distinção entre hibridização e intertextualidade.
Enquanto esta diz respeito à relação que um texto estabelece com outro texto, conforme apresentamos no cap. 1;
aquela se refere à forma e ao propósito comunicativo. Assim, uma propaganda pode assumir a forma de um
bilhete, um poema, uma receita.
132
No caso da hibridização, o que faz com que o leitor reconheça um determinado gênero não é
sua forma composicional, mas sim o propósito comunicativo
A embalagem, por seu turno, apresenta uma forma praticamente fixa em relação aos
elementos composicionais nome/marca do produto em destaque, código de barras, data de
fabricação e validade do produto, tabela nutricional (no caso dos alimentos),
ingredientes/componentes do produto, a indicação de que o produto contém ou o contém
glúten (alimentos) selo de qualidade, indicações e modo de usar, a razão social da empresa
fabricantes e seu endereço, tel/e-mail do Serviço de Atendimento ao Consumidor (SAC).
Vejamos agora quais são os aspectos comuns a esses dois gêneros do discurso.
O primeiro aspecto que salientamos é que ambos são gêneros secundários relacionados
à modalidade verbo-visual da linguagem; na sociedade moderna, esses gêneros circulam no
circuito mercadológico.
Outro aspecto diz respeito ao cuidado com a imagem do EUe que deve adequar-se à
imagem do TUd idealizado. Essa adequão, por sua vez está atrelada aos valores vigentes na
sociedade.
A preocupação em promover e vender um produto ou uma ideia é outro elemento de
semelhança entre a propaganda e a embalagem, o que faz com que ambas estejam inseridas no
campo do discurso publicitário. Essa constatação nos permite concluir que as embalagens que
se organizam em torno de um projeto argumentativo são tamm propagandas, considerando
que sua principal intenção comunicativa é fazer o consumidor a adquirir o produto.
Retomemos agora as indagações que motivaram nossa investigação: 1) Como alguns
gêneros como a propaganda e algumas embalagens se organizam para, por meio da
racionalidade, influenciar o destinatário, que elas visam convencer e persuadir o
consumidor a comprar o produto? 2) Que elementos e estratégias são colocados em jogo na
cena enunciativa?
Quanto à argumentação, as análises ancoradas no modelo de Charaudeau levam-nos a
algumas conclusões acerca de como a propaganda e algumas embalagens se organizam para,
por meio da racionalidade, influenciar o destinatário e que elementos e estratégias são
colocados em jogo nesse processo de convencimento.
133
Em relação ao dispositivo argumentativo, em geral um jogo envolvendo Propostas
explícitas Tudo que você faz de positivo volta para você‖, O creme de tratamento NOVEX
é comprovadamente um produto de qualidade que permite que você expresse seus talentos‖;
Propostas implícitas ―A Coca-Cola é uma empresa comprometida com sustentabilidade e
preservão dos recursos naturais do planeta‖, O óleo vegetal Natura Mamãe e Beajuda
na descoberta do Amor Fundamental - nculo entre você e seu filho‖; ou até falsas Propostas
s somos contra o uso das sacolas plásticas‖.
A Proposição, quase sempre é favorável a Proposta; o movimento de contra
argumentação praticamente inexiste, exceto nos casos em que a apresentação de rejeição da
Proposta seja uma estratégia de fortalecimento da argumentação, como o que ocorre na
propaganda da Plastivida, em que uma rejeição parcial da Proposta apresentada anteriormente
é usada para fortalecer o argumento usado pelo EUc.
A Persuasão ou lista de vantagens apresentadas fundamenta-se em dados, informações
concretas, em provas, ou seja, por meio da racionalidade o EUc busca persuadir o TUd. Para
validar a argumentação, produzir a prova, o sujeito argumentante da propaganda e da
embalagem faz uso principalmente dos procedimentos que se baseiam nos valores, apostando
nas escolhas de um TUd que busca prazer, qualidade de vida e saúde, praticidade, valores
éticos, morais, ambientais. Procedimento bastante condizente com aquilo que apontamos
como uma das semelhanças entre os dois gêneros discursivos em questão a valorização do
intangível, a venda do sonho, que não poderia ser feita de outra forma a não ser pela aposta
nos valores eleitos pela sociedade.
Quanto aos procedimentos discursivos, percebemos em nossos objetos de estudo, uma
tendência ao uso da reiteração tanto de elementos verbais quanto visuais. Ao que tudo indica,
essa reiteração é peça fundamental para levar o leitor a articular as partes dispostas em
mosaico e construir a totalidade da argumentação.
Considerando as condições sociais de produção e recepção, tem-se uma esfera social
que põe em interação um EU e um TU e seus desdobramentos (EUc, EUe / TUd, TUi) que
assumem um lugar social na instituição capitalista de venda/compra: a empresa e o
consumidor. Essa relação é marcada por papéis definidos e institucionalizados pela prática
discursiva. A imagem que o EUc constrói de si mesmo, projetando uma imagem EUe
134
compatível com o TUd (auditório ideal), assume papel relevante no processo de valorização
do produto e, consequentemente no sucesso da aposta argumentativa.
O jogo de convencimento e persuasão da esfera publicitária aproxima propaganda e
embalagem fazendo com que se tornem, guardadas as especificidades de cada um dos
gêneros, praticamente um único gênero, visto que assumem funções sociais e propósitos
comunicativos praticamente idênticos. Desse modo, a embalagem é a propaganda do produto
que ela contém. Nesse jogo de sedução, o leitor mais desavisado ou não familiarizado com a
leitura crítica pode deixar-se seduzir e acabar ‗comprando uma ideia, um produto, uma
imagem que não corresponda à realidade, ou àquilo que ele realmente deseja.
Embora nosso objetivo não tenha sido a proposta de procedimentos didáticos,
acreditamos que desvendar o modo de organização das embalagens e das propagandas pode
ser um trabalho bastante produtivo no desenvolvimento de procedimentos de leitura mais
críticos e menos sensíveis aos apelos sedutores na linguagem publicitária.
Longe de pretender esgotar o tema, esperamos ter lançado aqui algumas luzes que para
motivar novas pesquisas, lançar dúvidas, novos questionamentos nesse fascinante universo da
argumentação e no contínuo embate de vozes que ocorre em nossos diálogos internos e com
os outros.
135
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ÉPOCA. São Paulo: Globo, n.568, 06, abr. 2009, p. 2-3, 119
ÉPOCA. São Paulo: Globo, n.573, 11, maio 2009, p. 11, quarta capa
ÉPOCA. São Paulo: Globo, n.575, 25, maio 2009, p. 24, 38-39
REVISTA DA INDÚSTRIA. São Paulo: Fiesp, n.141, jul. 2008, quarta capa
NOVA ESCOLA. São Paulo: Abril, n.217, nov.2008, p. 9
VEJA. São Paulo: Abril, n.16, 22 abr.2009, p. 30-31, 73, 74,75
VEJA. São Paulo: Abril, n.38, 23 set.2009, p. 30-31, 73, 74,75
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24/01/2010
140
ANEXOS
Propagandas
ANEXO A1 Coca Cola Brasil Campanha Viva Positivamente
Revista Veja 22 de abril de 2009, p. 73
141
ANEXO A2
Revista Veja 22 de abril de 2009, p. 75.
142
ANEXO A3
Revista Veja 22 de abril de 2009, p.77.
143
ANEXO B - Propaganda Óleo vegetal Natura Mamãe e Bebê
Revista Veja 22 de abril de 2009, p. 30-31.
144
ANEXO C - Propaganda Plastivida
Revista Veja 23 de setembro de 2009, p. 51.
145
Embalagens
ANEXO D - Embalagem Novex Profissional Hair Therapy
146
ANEXO E- Embalagem - ADES
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