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UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO
CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS
RUTHIANE S. PEREIRA
AGRICULTURA FAMILIAR E PRODUÇÃO DE CARVÃO
VEGETAL: ESTRATÉGIAS DE PRODUÇÃO E REPRODUÇÃO
SÓCIO-ECONÔMICA EM ÁREAS DE REFORMA AGRÁRIA
São Luís – MA
- 2005-
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RUTHIANE S. PEREIRA
AGRICULTURA FAMILIAR E PRODUÇÃO DE CARVÃO VEGETAL:
ESTRATÉGIAS DE PRODUÇÃO E REPRODUÇÃO SÓCIO-ECONÔMICA EM
ÁREAS DE REFORMA AGRÁRIA
Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em Políticas
Públicas da Universidade Federal do Maranhão, como
requisito parcial para obtenção do título de Mestre.
Orientadora: Professora Dra. Elizabeth Maria Bezerra Coelho
São Luís - MA
-2005-
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RUTHIANE S. PEREIRA
Agricultura Familiar e Produção de Carvão Vegetal: Estratégias de Produção e Reprodução
Sócio-Econômica em Áreas de Reforma Agrária
Dissertação apresentada ao Curso de
Mestrado em Políticas Públicas da
Universidade Federal do Maranhão, como
requisito parcial para obtenção do título de
Mestre.
BANCA EXAMINADORA
___________________________________________________
Profª. Drª Elizabeth Maria Bezerra Coelho (Orientadora)
Doutora em Antropologia/UFC
Universidade Federal do Maranhão
___________________________________________________
Profº. Drº Marcelo Domingos Sampaio Carneiro
Doutor em Sociologia
Universidade Federal do Maranhão
___________________________________________________
Profª Drº Benedito Souza Filho
Doutor em Antropologia
Universidade Federal do Maranhão
Dedico este trabalho ao meu pai e a minha mãe,
Lindor e Meire.
O carvoeiro faz o forno.
O forno refaz o carvoeiro.
Assalta sua pele, os olhos, a medula:
o carvoeiro sonha sonhos de carvão.
O carvoeiro quando mira o gato, contratador,
seus olhos padecem de desterros.
Recriam os primitivos territórios da vida avulsa,
de onde veio e atinam por um instante:
a distância é a mãe dos submissos.
Pedro Tierra
AGRADECIMENTOS
Ao meu Deus, por estar aqui.
À minha família, pelo apoio nos momentos difíceis e compreensão da
ausência quando deveria ter compartilhado mais a convivência familiar. Agradeço pelo
cuidado, carinho e afeto que me fazem acreditar nas coisas que invisto. Ao meu pai,
exemplo de vida, um agricultor que soube conservar em seus filhos o espírito de manter
viva a sua origem rural. A minha mãe, exemplo de mulher independente e batalhadora.
As minhas irmãs, Marilaine e Carmem Sancléia sempre compreensivas e
solidárias; a Iana Raissa, minha sobrinha querida, que soube cobrar, mas também soube
entender quando não pude lhe dar atenção desejada. Ao meu irmão Andresson que muito
me auxiliou no momento final da escrita da dissertação.
À minha orientadora, Profª Beta, como é chamada por seus alunos.
Agradeço a paciência e disponibilidade na orientação do trabalho e por ter tido a
oportunidade me tornar sua aluna, o que não foi possível na graduação.
Com muito carinho gostaria de registrar meus agradecimentos ao meu co-
orientador, Marcelo Carneiro, que se dispôs a ler o material da pesquisa e fazer as sugestões
necessárias.
Ao professor Horácio Antunes, que muito contribuiu participando das
bancas de qualificação do Projeto de Pesquisa e da Dissertação.
Aos professores do Mestrado. Em especial a professora Alba Carvalho, pelas
discussões teóricas e metodológicas proporcionadas em sua disciplina e pelo estímulo dado
ao ato de pesquisar.
À CAPES, pela concessão da bolsa de estudo.
À Babi e dona Isabel pela disponibilidade no atendimento das solicitações e
orientações necessárias.
As colegas de turma do mestrado, pela convivência compartilhada.
A Domingos Cantanhede que se tornou um amigo próximo e com quem
pude dividir as discussões teóricas, as angústias e as alegrias do curso.
A Marly Dias e Aurora pela amizade e apoio durante esta caminhada.
Não poderia esquecer de manifestar minha satisfação em reencontrar
Katiane (como aluna do doutorado), de quem fui contemporânea no curso de Ciências
Sociais.
Aos informantes do Projeto de Assentamento Califórnia. Em especial a D.
Joaninha e ao Baiano, que estiveram sempre dispostos a me ajudar na pesquisa. A dona
Izabel e seu Valdivino que pude rever depois de tanto tempo e que me acolheram em sua
casa.
A Alei e família que carinhosamente me hospedaram em sua casa em
Açailândia e me apoiaram no que foi necessário durante os trabalhos de campo.
Aos colegas da COOSPAT que se preocuparam e se solidarizaram quando
precisei me ausentar para me dedicar aos estudos. Em especial a Jane Carla, Flaviana,
Laurilene, Raimundinho e Marlon. A Valois com quem compartilhei as expectativas
durante o processo de seleção do mestrado.
As amigas Suely e Silvianete, com as quais construí uma amizade verdadeira
e me acompanham desde a graduação. Foi com elas que desde que me dispus a fazer a
seleção do mestrado contei com o apoio na leitura do material produzido, na troca de
bibliografia e nas discussões referentes a pesquisa propriamente dita.
A Carlinhos, com quem iniciei as discussões que se concretizaram na
dissertação que hoje apresento. Foi com ele que comecei dar os primeiros passos para a
elaboração do projeto de pesquisa para a seleção do mestrado. Foi com ele também que
muito aprendi profissionalmente, quando algumas vezes tive o prazer de participar de
trabalhos de pesquisa coordenados por ele.
A João Henrique, que mesmo sem dominar as ferramentas metodológicas e
teóricas se dispôs a me acompanhar no campo, me proporcionando apoio logístico e
segurança. Agradeço-lhe pela compreensão dispensada nos momentos de aflição, angústia e
medo de não dar conta de levar a empreitada adiante e por me fazer sorrir quando a tristeza
queria abater.
RESUMO
O estudo realizado teve como objetivo desenvolver uma reflexão sobre as estratégias de
inserção da atividade de carvoejamento em áreas ditas de assentamentos rurais, buscando
apreender a influência que exerce na produção e reprodução sócio-econômica do grupo
assentado. A pesquisa se deu nos moldes de um estudo de caso num projeto de
assentamento do INCRA, em Açailândia, denominado de PA Califórnia. A escolha do
referido assentamento obedeceu ao critério de que o mesmo tem implantado em sua área de
abrangência carvoarias com produção voltada ao abastecimento das siderúrgicas. Buscando
compreender a conjuntura que marcou a implantação do complexo siderúrgico no
Maranhão, contextualizo o processo de industrialização, voltando a atenção para a
implantação do Programa Grande Carajás - PGC, destacando a produção de carvão vegetal.
A partir de uma breve caracterização das atividades produtivas desenvolvidas no
assentamento, me detenho na descrição da atividade carvoeira desenvolvida no Projeto de
Assentamento Califórnia.
Palavras-chave: Assentamentos Rurais, Reforma Agrária, Carvoejamento, Agricultura
Familiar, Assentado.
ABSTRACT
This work had like object to develop a refletion about the strategies of introduction of the
activity of carvoajamento into the area called rurais stablishment, learning the influence
thart exert in the production and reproduction social-economic of the group stablisshed.
This research was made according the study of case of a project of stablishment fron
INCRA, in Açailândia, called PA Califórnia, the choice of this refered stablishment obeyed
to criterions that was introducted in this area of carvoarias with production according to
supplying of the steel industry. Tring to understand the situation that showed the
introduction of the stell industry in Maranhão. This work speaks about the process of
industrialization withe the direction to the introduction of Programa Grande Carajás – PGC,
showing the production of vegetable charcoal. Starting from the characterization of the
productiove activities wake a description of the productive activites developed in the
stablishment. I wake a description of the activity of production of charcoal developed in the
project of stablishment Califórnia.
Keywords: Rurais Stablishment. Land reform; Carvoejamento; Agricultura Relation;
Stablished.
LISTA DE SIGLAS
ASICA Associação das Siderúrgicas de Carajás
CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Estudos Superiores
CETEG Fundação Centro Tecnológica de Minas Gerais
CONAB Companhia Nacional de Abastecimento
COOSPAT Cooperativa de Serviços, Pesquisa e Assessoria Técnica
CPT Comissão Pastoral da Terra
CDVDH Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos de Açailândia
FETAEMA Federação dos Trabalhadores e Trabalhadoras no Estado do
Maranhão
Ha Hectares
IBAMA Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
INCRA Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
MARFLORA Maranhão Reflorestadora Ltda
MIQCB Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu
MPP Mestrado de Políticas Públicas
MST Movimento Sem Terra
PGC Programa Grande Carajás
PROCERA Projeto de Crédito Especial para a Reforma Agrária
PRONAF Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar
PA Projeto de Assentamento
SENAR Serviço Nacional de Aprendizagem ...
SUDAM Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia
STR Sindicato dos Trabalhadores Rurais
UAA Unidade Avançada de Açailândia
UFMA Universidade Federal do Maranhão
LISTA DE ANEXOS
ANEXO A Demonstrativo dos Projetos de Assentamentos da UAA
ANEXO B Portaria de Criação
ANEXO C Relação de Beneficiários
LISTA DE FOTOGRAFIAS
Foto 1 Entrada Principal do PA Califórnia 30
Foto 2 Vista do PA Califórnia 34
Foto 3 Chafariz na vila do PA Califórnia 39
Foto 4 Estrada Vicinal do PA Califórnia 39
Foto 5 Carregamento da “gaiola” de carvão 49
Foto 6 Carregamento da “gaiola” de carvão 49
Foto 7 Criatório no quintal de casa 59
Foto 8 Criatório pioneiro do assentamento 61
Foto 9 Plantio de hortaliças 61
Foto 10 Casa de moradia do carvoeiro 63
Foto 11 Casa cedida a um compadre 63
Foto 12 Distribuição dos fornos na carvoaria 64
Foto 13 Fornos em processo de carbonização 83
Foto 14 Fornos em processo de carbonização 83
Foto 15 Resíduos de serrarias para fabricação de carvão vegetal 88
Foto 16 Madeira para fabricar carvão vegetal 89
SUMÁRIO
LISTA DE SIGLAS 10
LISTA DE ANEXOS 11
LISTA DE FOTOGRAFIAS 12
1. INTRODUÇÃO
14
1.1 A pesquisadora nas teias do seu objeto: razões do estudo 19
1.2 Percursos Metodológicos 22
1.3 Apresentando o campo empírico: O Projeto de Assentamento Califórnia 29
2. A PRODUÇÃO DE CARVÃO VEGETAL NO ESTADO DO
MARANHÃO
41
2.1 A trajetória da atividade carvoeira e o seu desenvolvimento no Maranhão 42
2.2 Os principais agentes sociais da cadeia produtiva do carvoejamento 47
3. AS ATIVIDADES DESENVOLVIDAS NO PROJETO DE
ASSENTAMENTO CALIFÓRNIA
51
4. CARVOEJAMENTO NO PROJETO DE ASSENTAMENTO
CALIFÓRNIA
68
4.1 Os carvoeiros do PA Califórnia 84
4.2 Funcionamento das carvoarias: reações internas e externas 87
4.3 O carvoejamento como uma atividade ilegal 92
5. CONSIDERAÇÕES
95
REFERÊNCIAS 97
APÊNDICES 101
ANEXOS 105
14
1.INTRODUÇÃO
A situação fundiária no Brasil vem sendo alvo de questionamento de
partidos políticos e dos movimentos sociais desde o final da década de 1950, especialmente
no que se refere ao alto índice de concentração da propriedade da terra e a existência de
latifúndios improdutivos. Como uma resposta aos movimentos sociais no campo,
configuram-se as políticas fundiárias. Segundo Bergamasco (1996), o início da utilização
do termo “assentamento
1
” é datado entre final dos anos 50 e início dos anos 60.
Na década de 1960, implementa-se o processo de modernização
conservadora, que teve como objetivo racionalizar a atividade econômica sem alterar a
estrutura fundiária, nem as relações de poder delas decorrentes (Rua & Abramovay, 2000).
Pautado na perspectiva da difusão tecnológica foram criados programas de
colonização dirigida
2
, apresentada como uma proposta de integração econômica e ocupação
dos espaços vazios do território nacional.
A perspectiva de integração nacional para a Amazônia é efetivada através de
investimentos em grandes projetos, potencializados por incentivos fiscais da
Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia - SUDAM, para obras de infra-
estrutura, produção agropecuária e exploração madeireira. Neste cenário, as políticas de
inserção e participão do agricultor foram feitas de forma marginal.
1
O termo assentamento encontra-se definido mais adiante no texto. Segundo Bergamasco (1996) o termo
assentamento surgiu pela primeira vez no vocabulário jurídico e sociológico no contexto da reforma agrária
venezuelana, em 1960, difundindo-se para outros países.
2
Consistiu na criação de núcleos de colonização na Transamazônica, tendo dentre seus diversos objetivos “ a
incorporação e o controle da colonização espontânea da região, o incentivo à expansão das atividades de
grandes empresas e a substituição da reforma agrária nos demais estados do país” (Bergamasco,1996:19)
15
O período ditatorial agravou a concentração da terra, ocasionando um
acelerado processo de migração rural-urbana e as tensões sociais no campo. Gonçalo (2001:
63) assinala que:
Durante as duas décadas em que estiveram no poder, os governos
militares garantiram a apropriação de imensas áreas de terras e também o
aumento do número e da extensão dos latifúndios. Financiaram as
mudanças na base técnica de produção, a partir dos incentivos criados e
do crédito subsidiado pela sua política agrícola.
O final dos anos 70 na Amazônia é caracterizado pela abertura de grandes
obras como a construção de rodovias, hidrelétricas, ferrovias e aeroportos. Edna Castro
(1994), destaca que tal situação leva a uma expansão da mobilização e recrutamento de
trabalhadores na execução dos empreendimentos.
Feitosa & Brito (1994), chamam atenção para o fato de que, no referido
período, o setor industrial do Maranhão inicia um processo de implantação de diversos
empreendimentos com atividades ligadas ao aproveitamento da madeira.
No período que se estende de 1970 a 1990, tem-se um acréscimo expressivo
no Estado do Maranhão no número de madeireira e serrarias e, conseqüentemente, na
quantidade de empregos gerados por esse setor, com destaque especial para o município de
Açailândia, registrando-se “em 1987 a existência de oitenta madeireiras nesse município,
das quais 38 podem ser classificados como grandes empresas, ao tomar-se como parâmetro
o consumo de energia elétrica em alta tensão(Sudam, 1990 apud Feitosa &Brito,
1994:153-154).
16
Na década de 80, ocorre a implantação do PGC-Programa Grande Carajás
3
,
que teve como meta não apenas gerar divisas para o Brasil, mas foi entendido também,
como sendo um programa de desenvolvimento e modernização da Amazônia Oriental.
Com a implantação do PGC é estimulada a instalação de usinas de ferro-
gusa. Estas começam ser efetivadas a partir de 1988, no município de Açailândia-MA, mais
precisamente no Distrito Industrial do Pequiá. As usinas de ferro-gusa, especialmente no
que se refere às atividades de carvoejamento, tornam perceptível o impacto dessas
atividades no processo de concentração de terras já em curso na região,que passa a se
estabelecer nas áreas de abrangência do programa acima citado. Carneiro (1997:244)
destaca que tal situação propicia o surgimento de um novo tipo de propriedade que ele
denomina de “empresa latifundiária carvoeira”. Para ele, a atividade de carvoejamento,
“vem atuando no sentido de gerar novos estímulos para a manutenção da grande
propriedade, assim como para a formação de um novo tipo de latifúndio na região, (...) da
empresa latifundiária carvoeira.
A produção de carvão vegetal se apresenta como uma atividade crucial ao
funcionamento dos empreendimentos sídero-metalúrgicos
4
enquanto redutor metalúrgico de
grande utilidade na fabricação do ferro-gusa.
A atividade carvoeira apresenta um elevado índice de rotatividade dos
agentes sociais envolvidos, explicada em parte pelo histórico dos trabalhadores, na maioria,
agricultores impossibilitados de permanecer na atividade agrícola pela falta de terra.
3
O montante de investimentos com diferentes formas de aportes de capital públicos, privados, nacionais e
internacionais diferencia o PGC de outros programas governamentais voltados à Amazônia.
4
Como estratégia, as primeiras guseiras instaladas no Maranhão (Açailândia) passaram a fomentar um
mercado local produtor de carvão vegetal, repassando aos pretensos produtores, tecnologia adequada à
produção e construção dos fornos e capital necessário a implantação das unidades de carvoejamento.
17
Chamo de atividade carvoeira um “conjunto de ocupações existentes na
produção de carvão vegetal,
5
incluindo as funções centrais e auxiliares que compõem seu
processo produtivo. A definição apresentada tem como objetivo evitar qualquer visão
simplificada e homogeinizadora da referida atividade. Vale dizer que a atividade carvoeira
pode também aparecer no texto como atividade de carvoejamento ou simplesmente
carvoejamento. E para identificar àqueles que são os responsáveis pela atividade carvoeira,
sejam eles os donos dos fornos ou arrendatários utilizo a categoria de carvoeiro.
Este estudo visa refletir sobre as estratégias de inserção da atividade
carvoeira em áreas ditas de assentamentos rurais, buscando apreender a influência que
exerce na produção e reprodução sócio-econômica de grupos de agricultores familiares no
município de Açailândia.
Na concepção política do INCRA - Instituto Nacional de Colonização e
Reforma Agrária, a desapropriação e a criação de um assentamento rural consistem em
transformar um indivíduo desprovido de terra em agricultor familiar a partir da aplicação de
diretrizes da reforma agrária no espaço demarcado, contando para isso com a tutela do
Governo Federal.
Esta definição de assentamento rural não leva em consideração as diferentes
situações que possibilitam a desapropriação ou criação de um assentamento rural. O que
implica dizer que as categorias de assentamentos e assentados são produtos de uma
burocracia estatal, portanto, categorias datadas, devendo ser contextualizadas
(Andrade,1992).
5
CENTRO de DEFESA dos DIREITOS da CRIANÇA e do ADOLESCENTE Pe. MARCOS PASSERINI.
Uma história escrita a carvão Uma abordagem preliminar sobre o trabalho infanto-juvenil nas carvoarias e
madeireiras de Açailândia. São Luís, 1998. mimeo.
18
Feitas estas considerações, é necessário dizer que o uso da categoria
assentado e/ou assentada será recorrente no trabalho, para designar àqueles que possuem
lote de terra em áreas ditas de assentamentos. Na maioria das vezes, esses assentados são
também agricultores familiares.
Gostaria de demarcar que utilizo a categoria agricultura familiar enquanto
um conceito que agrupa outras categorias como unidade familiar, unidade de produção,
unidade de consumo e como sendo a forma predominante que fundamenta a criação de
assentamentos rurais. Sendo assim me aproximo da perspectiva de Wanderley (1999:23).
o conceito de agricultura familiar, entendida como aquela em que a família, ao
mesmo tempo em que é proprietária dos meios de produção, assume o trabalho
no estabelecimento produtivo. É importante insistir que esse caráter não é um
mero detalhe superficial e descritivo, ou seja, o fato de uma estrutura produtiva
associar família-produção-trabalho tem conseqüências fundamentais para a
forma como ela age economicamente e socialmente.
O trabalho encontra-se dividido em quatro partes. A Introdução contém a
construção do objeto, as considerações sobre o trabalho de campo e a apresentação da área
de estudo. Na segunda parte contextualizo o processo de industrialização do Maranhão,
voltando a atenção para a implantação do Programa Grande Carajás - PGC, destacando a
produção de carvão vegetal. A terceira parte é dedicada a uma breve caracterização das
atividades produtivas desenvolvidas no assentamento e na última parte me detenho na
descrição da atividade carvoeira no Projeto de Assentamento Califórnia.
Os critérios de escolha da área de estudo e os percursos metodológicos para
a realização da pesquisa são temas dos próximos itens. Gostaria de adiantar que a pesquisa
foi realizada no Projeto de Assentamento Califórnia, localizado no município de
Açailândia.
19
1.1 A pesquisadora nas teias do seu objeto: razões do estudo
Pesquisando sobre o processo de ocupação do município de Açailândia
6
, no
qual nasci e lá permaneci por toda minha infância e adolescência, descobri na sua história
elementos presentes na minha história de vida e da minha família.
Meus pais, maranhenses de Barra do Corda, foram atraídos para Imperatriz
no final da década de 1960. No início da década de 1970, juntamente com outros
trabalhadores ligados a atividades agrícolas, especialmente vindos do Ceará, Piauí e
Pernambuco, constituíram um movimento de ocupação, nos moldes do que Martins (1990)
denomina como “frente de expansão”
7
, no município de Açailândia.
Cresci em contato com a zona rural, pois meu pai nunca conseguiu se
acostumar com o ritmo de vida urbana.
Durante quase toda a minha infância e adolescência, convivi com pessoas
originárias de diferentes estados brasileiros, especialmente capixabas, paranaenses, baianos
e mineiros, que não se cansavam de reclamar das péssimas condições de vida oferecidas
para se viver em Açailândia. Embora as reclamações feitas pelos “forasteiros” me
incomodassem, tinha que admitir suas razões. Por outro lado, ao mesmo tempo que
reclamavam da “cidade”, viviam em melhores condições econômicas que os demais,
6
Carneiro (1996), considera que a ocupação do município de Açailândia faz parte do processo de
desenvolvimento de “frentes de expansão” para o oeste maranhense. Esse movimento desdobra-se em duas
correntes: a primeira, composta de trabalhadores ligados a agricultura é de um fluxo migratório que chega à
região entre 1960 e 1970. A segunda tem o predomínio de trabalhadores não-agrícolas e de migrantes com
algum recurso, originários dos Estados da Bahia e Minas Gerais. Instalam-se na região a partir da segunda
metade dos anos 1960, dedicando suas atividades ao comércio ou a pequenas serrarias.
7
José de Souza Martins (1990) considera a “frente de expansão” como sendo o movimento social que tem na
figura do posseiro e no trabalho familiar as bases de sua organização, sendo que este se dá a partir do espaço
anteriormente ocupado pela “frente pioneira “ em que reinam o capital e a mercadoria, tendo como
personagem ideologicamente dominante o proprietário capitalista.
20
mesmo que para isso tivessem que manter serrarias funcionando no mesmo espaço ocupado
pelas residências, poluindo o ar com fumaça e serragem de madeira.
Só mais tarde pude compreender o processo de ocupação de Açailândia, os
motivos da afluência de pessoas de outros estados do país, as atividades econômicas ali
desenvolvidas sem nenhum controle ambiental, muito menos social, o crescimento
desorganizado da “cidade” e muitos outros problemas que afligem o município até hoje.
Fazer o curso de Ciências Sociais e realizar pesquisas durante a graduação
possibilitaram-me uma re-leitura da história de constituição do município de Açailândia.
Essa experiência foi fundamental para me auxiliar na compreensão do que, durante muito
tempo, me inquietou, mas não possuía elementos suficientes para entender.
Na década de 60, Açailândia passa a receber incentivos fiscais
8
voltados
especialmente à exploração da madeira e da agropecuária. “Esse movimento provoca
mudanças, de forma que o espaço anteriormente ocupado pela agricultura de base familiar,
passa a ser substituído por atividades econômicas assentadas na agropecuária e pela
presença cada vez maior de serrarias e madeireiras” (Pereira,1999:24).
A lavoura do arroz, que até meados da década de 1970 se apresentava como
a principal atividade econômica do município de Açailândia, foi sendo substituída pela
madeireira e pela pecuária. O Jornal “O Progresso” de 30.05.1976, veicula uma matéria
onde aparecem como atividades econômicas desenvolvidas em Açailândia, a agricultura,
com o cultivo do arroz, a pecuária, com a criação de gado, e a atividade comercial:
A chegada repentina de gente ocupando as terras provocou o
aparecimento de um pequeno comércio a serviço da população e das
8
Os incentivos foram originários basicamente de agências de desenvolvimento regional, como a
Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia-SUDAM.
21
atividades agrícolas pastoris. O povo se estabelecia com roças de arroz,
com fazendas de gado e com pequenos empreendimentos de comércio.
A estrutura fundiária que passa a se constituir em Açailândia lhe confere um
perfil altamente concentracionista, ou seja, com a concentração de grandes porções de área
nas mãos de quem controlava a economia. Essa é uma das características que definem a
Amazônia como uma das regiões mais tensas do Brasil, tal como têm sido apontado pelos
diversos estudiosos (Castro, 1994; Feitosa&Brito,1994; Carneiro,1989,1994; Martins,1990;
Monteiro,1998; Lira,1994).
Estou retomando essas lembranças no sentido de demonstrar como, direta e
indiretamente, os problemas relacionados à questão agrária e ambiental estiveram presentes
em minha vida, muito embora à época não fosse possível compreender os interesses
políticos e econômicos que condicionavam todo o processo de exploração desencadeado na
região.
A investigação realizada envolve razões de cunho pessoal, aproximando-se
da observação de W. Mills quando aponta a relação existente entre a escolha da pesquisa e
a biografia do autor como sendo um dos elementos presentes na definição do objeto de
estudo
Como ressalta Oliveira (1989:19) “Ademais, promover a consonância entre
pesquisa e biografia é altamente estimulante, pois atribui vida ao estudo, retirando da
produção intelectual poeiras de artificialismo, que recobrem parte da pesquisa acadêmica
ou, senão isso, que acabam contribuindo para a representação social da universidade como
redoma, imagem que ainda encontra ressonância no conjunto da sociedade”.
22
1.2 Percursos Metodológicos
A pesquisa foi realizada nos moldes de um estudo de caso, tomando como
campo empírico um projeto de assentamento do INCRA, em Açailândia, município
localizado no oeste maranhense. O foco de análise esteve voltado para a investigação das
estratégias de inserção da atividade carvoeira no assentamento, considerando as relações
constituídas entre assentados e carvoeiros, no momento atual, muito embora tenham sido
resgatadas referências passadas que auxiliaram na compreensão do objetivo proposto.
A escolha do assentamento para a realização do trabalho de campo teve
como um dos critérios a existência de carvoaria funcionando em sua área de abrangência. A
pesquisa de campo propriamente dita foi precedida do que a antropologia designa de
survey
9
que auxiliou no contato inicial com o grupo pesquisado e, conseqüentemente, na
definição das técnicas e estratégias necessárias para realização do estudo de caso. O survey
foi realizado no segundo semestre de 2004.
No meu entendimento, o trabalho de campo não se caracteriza como sendo
uma fase intermediária entre a proposição de um projeto de pesquisa e a análise dos dados.
Percebo-o, como um processo entrelaçado com as demais fases de produção do
conhecimento, o que me leva a concordar com Silva (2000:27) quando afirma que:
O ‘campo’ (no sentido amplo do termo) se forma através dos livros que
lemos sobre o tema, dos relatos de outras experiências que nos chegam
por diversas vias, além dos dados que obtemos em ‘primeira-mão’” de
modo que, “ projeto de pesquisa, trabalho de campo e texto etnográfico
não são fases que se concatenam sempre nessa ordem e de forma linear.
Na prática essas etapas são processos que se comunicam e se constituem
de forma circular ou espiral.
9
O survey se caracteriza como uma etapa de reconhecimento do campo auxiliando na definição do próprio
objeto a ser pesquisado frente às condições encontradas.
23
Buscando circunscrever o objeto de estudo iniciei um mapeamento das
carvoarias e dos projetos de assentamentos existentes no município de Açailândia, o que me
levou a estabelecer contatos com órgãos governamentais e não-governamentais ligados, de
alguma forma com essa temática, no final do segundo semestre de 2003 e primeiro
semestre de 2004.
No Fórum Carajás, órgão não-governamental com sede em São Luís, fiz um
levantamento das ações e eventos realizados por este órgão, ou em parceria, referentes à
produção de carvão vegetal no estado do Maranhão.
O contacto com o IBAMA permitiu o levantamento de informações sobre os
procedimentos para funcionamento de uma carvoaria, assim como a identificação das
carvoarias existentes no município de Açailândia. Devo registrar que este contato foi
facilitado pela atual Superintendente do órgão no Estado do Maranhão, Marluze Pastor, que
é uma pessoa envolvida com a questão ambiental.
Na sede do INCRA, em São Luís, fiz tentativas no sentido de mapear os
Projetos de Assentamentos existentes no município de Açailândia, tentando fazer uma
breve caracterização destes. Dada à segmentação dos dados deste órgão e a má vontade
apresentada por alguns dos seus funcionários isso só veio se concretizar mais tarde, quando
estive na Unidade Avançada de Açailândia-UAA.
Ainda em São Luís, procurei a sede do Movimento dos Sem Terra, por saber
que este acompanha algumas áreas de assentamento no município de Açailândia, supondo
que poderia encontrar informações que viessem a complementar os dados obtidos junto aos
demais órgãos. Coincidentemente, estava acontecendo em São Luís uma atividade
24
envolvendo as lideranças deste Movimento e me foi sugerido, por um dos assessores, que
conversasse diretamente com uma liderança, também “assentada”, de Açailândia.
Devo destacar que a conversa foi bastante proveitosa, pois a liderança do
MST apontou alguns projetos de assentamento em Açailândia com carvoarias funcionando
no seu interior e nos falou sobre as disputas existentes entre assentados quanto aos
benefícios/malefícios da produção carvoeira em áreas de reforma agrária. Ressaltou ainda
que no caso específico do PA em que reside (PA Califórnia), alguns assentados chegaram a
procurar o INCRA para solicitar a permanência das carvoarias no assentamento.
Outro contato mantido foi com o Centro de Defesa da Vida e dos Direitos
Humanos de Açailândia, órgão não-governamental com sede no referido município, que
tem um papel atuante nas questões que envolvem a produção de carvão vegetal. O objetivo
do contato foi buscar dados sobre o desenvolvimento da atividade carvoeira, especialmente
no que se refere ao cumprimento das exigências trabalhista e ambiental.
Por ser o carvoejamento uma atividade marcada por denúncias de trabalho
escravo e de outras formas de superexploração do trabalho, além de apresentar elevado
índice de degradação ambiental, a mesma tem sido objeto de inúmeras ações de
fiscalização, o que impõe aos agentes envolvidos na sua realização um sentimento de receio
e medo, dificultando o acesso de quem pretende desenvolver algum trabalho de pesquisa
10
.
Durante minhas idas ao assentamento pude confirmar esta dificuldade, quando me deparava
com informações contraditórias, ou com a recusa em falar sobre o assunto. A recusa por
parte dos carvoeiros dificultou o contato com as carvoarias.
10
Em uma das viagens me foi relatado por uma das entrevistadas que uma pessoa que pretendia fazer uma
pesquisa no assentamento sobre carvoaria não conseguiu levá-lo adiante em função de não ter encontrado
receptividade por parte dos carvoeiros.
25
A definição campo empírico para realização da pesquisa ocorreu no segundo
semestre de 2004, após a qualificação do projeto de pesquisa. Para tanto, me desloquei ao
município de Açailândia, no mês de outubro de 2003, com o objetivo de realizar um
mapeamento dos PA´s ali localizados e que tivessem carvoaria em sua área de abrangência.
Recorri a Unidade Avançada do INCRA de Açailândia para realizar o
levantamento dos Projetos de Assentamentos situados no município. Após conversar com a
executora da Unidade Avançada de Açailândia - U.A.A., fui orientada a fazer a solicitação
das informações que necessitava por escrito e retornar depois para obter a documentação.
Dessa forma, obtive o demonstrativo dos projetos de assentamento (Anexo
A) sob a jurisdição da UAA, sendo possível identificar a existência de 04 (quatro) PA´s
localizados no município de Açailândia, quais sejam: Califórnia, Açaí, Planalto I e Planalto
II.
Nesta mesma viagem, contactei com o Centro de Defesa da Vida e dos
Direitos Humanos de Açailândia e com a Secretaria do MST para mapear as carvoarias
existentes em áreas de assentamentos. Durante as conversas com técnicos e também com
assentados que se encontravam na Secretaria do MST, foram identificados como possuindo
carvoarias, os PA´s Açaí e Califórnia.
Na Secretaria do MST, encontravam-se alguns moradores do PA Açaí e
aproveitei para conversar com eles sobre a existência de carvoaria no assentamento. Estes
relataram que a atividade de carvoejamento tinha diminuído muito nos últimos anos,
explicando que permaneciam funcionando as carvoarias menores, com o apoio de
assentados, em função de “benefícios” levados por elas aos que necessitam de carro para se
26
deslocar ou transportar seus objetos, no carregamento de água para áreas que não possuem
poços e na abertura de estradas.
O técnico do MST acrescentou aos argumentos apresentados, que tem sido
usada como estratégia para inserção da atividade de carvoejamento, a limpeza de área para
o plantio da roça. Destacou que além dos benefícios que alegam propiciar aos assentados,
as carvoarias se apresentam como a possibilidade dos assentados realizarem o sonho de ter
uma produção grande, pois segundo ele “todo assentado tem o sonho de ter uma roça
grande” (Técnico do MST, 2004).
Na oportunidade, me desloquei até o PA Califórnia. Ali pude constatar que a
localização do assentamento era bastante favorável para a realização da pesquisa
pretendida, por se encontrar localizado as margens da BR 010, ficando apenas a 14 KM de
distância da sede do município de Açailândia.
Com receio de não encontrar no assentamento a pessoa com quem havia
feito contato em São Luís, telefonei avisando que estava em Açailândia e gostaria de lhe
fazer uma visita para darmos prosseguimento a conversa iniciada em São Luís. Encontrei-a
acompanhada do seu companheiro. Buscando compreender como a atividade carvoeira
vinha sendo desenvolvida no assentamento, passei a fazer-lhe algumas perguntas que foram
respondidas pelos dois. Em seguida, fizemos um mapeamento das carvoarias existentes no
assentamento e sua situação, buscando identificar o responsável pelo seu funcionamento, a
situação deste no assentamento (assentado ou arrendatário), a quantidade de fornos
existentes e a localização (distância) em relação a vila do assentamento.
Esse primeiro contato abriu as portas para as viagens seguintes, que
ocorreram sucessivamente entre os meses de outubro de 2004 e março de 2005, num total
27
de quatro viagens. Durante estas, foi possível identificar as carvoarias existentes no
assentamento. Entretanto, a cada nova visita ao PA constatava mudanças no funcionamento
das carvoarias.
Sabendo que este contato inicial era fundamental para a continuidade da
pesquisa, procurei permanecer atenta em todas as atitudes durante a pesquisa de campo,
preparando-me para as situações adversas que pudessem ocorrer:
pesquisar não se restringe a absorver técnicas e pô-las em prática. O
cultivo da capacidade imaginadora separa o técnico do pesquisado;
somente a engenhosidade saberá promover a associação de coisas, que
não poderíamos sequer intentar pudessem um dia se compor, num dado
cenário social. Significa aprimorar a percepção, refinar a sensibilidade,
ampliar horizontes de compreensão, comover-se diante de práticas,
pequeninas na sua forma, calorosas e desprendidas no seu íntimo
(Oliveira,1998:19).
De posse das informações obtidas durante esta viagem de campo e após
discussão com minha orientadora, decidi que realizaria o trabalho de campo no PA
Califórnia. A escolha se deu em função deste possuir carvoaria funcionando e devido à
localização privilegiada, o que facilitaria a realização dos trabalhos de campo, diminuindo
os custos da pesquisa.
Durante os trabalhos de campo foram estabelecidos contatos com
representantes institucionais, técnicos do MST e assentados do PA Açaí e Califórnia.
No PA Califórnia realizei entrevistas gravadas e observações diretas,
anotadas sistematicamente em caderno de campo. Acompanhei a rotina de um assentado
que possui fornos para produção de carvão no seu lote. Os informantes entrevistados podem
ser classificados da seguinte maneira: os que defendem a permanência das carvoarias no
assentamento e os que se colocam contra a sua permanência.
28
A escolha das pessoas a serem entrevistadas foi feita com o auxílio de uma
liderança (ex-presidente de uma das associações do assentamento), assentada e militante do
MST.
Os depoimentos dos informantes não serão identificados nominalmente, mas
por números, de modo a preservar o anonimato. O quadro a seguir apresenta um perfil dos
entrevistados, caracterizando sua situação no assentamento (assentado ou não assentado), a
atividade profissional e/ou engajamento político.
Quadro I: Relação dos Entrevistados
Identificação
Relação com o
Assentamento
Ocupação econômica
principal
Relação com o
MST
Relação com a Carvoaria
Entrevistado 1
11
Assentado Agricultura ----- Possui fornos no seu lote
Entrevistado 2 Assentado Criação de Frango ----- Não possui fornos no seu lote
Entrevistado 3 Assentada Carvoaria ----- Possui fornos em seu lote
Entrevistado 4 Assentada Agricultura Militante Não possui fornos em seu lote
Entrevistado 5 Assentado Docência Militante Não possui fornos em seu lote
Entrevistado 6
12
Não é assentada Docência Militante Não possui lote
Fonte: Trabalho de Campo, 2005
É importante ressaltar que durante as entrevistas as questões relacionadas a
atividade carvoeira nem sempre foram respondidas pelos informantes. Ocorreram situações
de omissão do fato de desenvolverem a atividade carvoeira durante a entrevista. Como já
foi apontado, o contato com os carvoeiros foi dificultado, pois estes se mostravam
renitentes em fornecer entrevistas e informações.
11
Inicialmente os fornos do seu lote encontravam-se arrendados para um vizinho e na última viagem de
campo, o proprietário dos fornos havia assumido a atividade carvoeira.
12
A entrevistada é filha de assentado e companheira de um membro da equipe de Assessoria Técnica, Social e
Ambiental – ATES, responsável pelo acompanhamento das famílias do PA Califórnia. Os dois residem na
vila do assentamento, numa casa cedida por um parente do seu companheiro. Ela é professora da escola da
vila.
29
Para exemplificar o que estou relatando, cito o caso daquele que veio a se
tornar o meu principal informante. No primeiro momento da pesquisa, quando fomos
apresentados, a sua situação era a seguinte: estava envolvido com o plantio da roça
13
e a
criação de gado. Em seu lote, os fornos de produzir carvão encontravam-se arrendados para
outro assentado, seu vizinho de lote. Já no final dos trabalhos de campo, quando me
desloquei ao seu lote, observei que este estava administrando os fornos, contando para isso
com o apoio de um de seus filhos, que anteriormente residia fora do assentamento.
1.3 Apresentando o campo empírico: O Projeto de Assentamento Califórnia
A desapropriação do que hoje se constitui o Projeto de Assentamento
Califórnia é fruto do movimento de mobilização de agricultores e agricultoras apoiados
pelo Movimento dos Sem Terra-MST. O Assentamento Califórnia situa-se às margens da
BR 010 (Belém-Brasília), a 14 Km de distância do município de Açailândia, 58 km de
Imperatriz e 565 de São Luís, capital do Estado.
13
O termo encontra-se desenvolvido no capítulo que trata das atividades desenvolvidas no PA Califórnia.
30
Foto 1: Entrada Principal do PA Califórnia
O diagnóstico elaborado pela equipe do MST indica que, em 25 de março de
1996, houve a ocupação da Fazenda Califórnia. De acordo com uma das lideranças do
MST, que participou do processo de mobilização para a ocupação da fazenda, foi realizado
um trabalho de base nos bairros periféricos dos municípios de Açailândia, Imperatriz e
Campestre do Maranhão. O trabalho a que se refere, consistiu na sensibilização e
mobilização de agricultores e agricultoras desprovidos de terra, para participarem da
ocupação da fazenda. Disso resultou um total de 190 famílias que permaneceram
acampadas na fazenda durante três dias, sendo despejadas pela polícia de Açailândia.
A década de 1990 representa um momento de explosão e consolidação do
MST, com o aumento no número de ocupações e de pessoas no Movimento. Miranda
(2003:135/126), estudando o processo de luta dos trabalhadores rurais pela terra e
particularmente, a constituição do MST no Maranhão, demarca três momentos distintos:
31
O primeiro em 1985, logo após o primeiro Congresso do Movimento, que
se constitui através das oposições sindicais e do CENTRU; o segundo em
1987/88, quando o Movimento passa a reivindicar sua autonomia na
organização dos sem-terra e o terceiro nos anos 90, quando de forma
autônoma, passa a se consolidar através de sua territorialização nos
Estados, fruto dos acampamentos que foram feitos na Vila Diamante (30
de junho de 1989), Sarafim (11 de julho de 1989) e Juçara (27 de agosto
de 1989)
O período de ocupação da fazenda coincide com o momento em que
triplicou o número de pessoas no Movimento, o que exigiu deste uma redefinição no
método organizativo até então adotado. É nesse espaço que ganha forma o que o MST
denomina de “núcleo de família”, entendido como espaço de formação e de discussões do
cotidiano do acampamento e do assentamento. Para Miranda (2003:132) o núcleo de
família possibilita, acima de tudo, uma identidade política no processo de luta que estão
inseridos.
A organização de grupos de família na luta pela terra requer um trabalho
de base intenso. Essa condição é fundamental para a organicidade dos
sem-terra, principalmente, nos momentos antes das ocupações da terra ou
durante o acampamento e mesmo no assentamento, tudo isso é condição
essencial para a organização dos sem-terra. É uma das formas das famílias
constituírem uma identidade política, de compreenderem que são sujeitos
de seu próprio destino. A não realização desse processo desqualifica a
luta, porque deixa de existir um referencial político que consolide o MST.
Após a ação de despejo, as famílias se deslocaram para uma área localizada
a mais ou menos 20 km de Imperatriz, identificada como “Criminosa”, enquanto
negociavam com o INCRA a desapropriação da fazenda. Durante este período o
acampamento conseguiu reunir 820 famílias.
O retorno para a Califórnia ocorreu em maio de 1996, quando 200 famílias
ficaram acampadas às margens da BR 010. As demais famílias, 620, foram para uma outra
área conhecida como SUDAM. A entrada definitiva na área ocorreu no dia 24 de junho de
32
1996, conforme relatam os moradores que participaram do processo de ocupação desde o
início. Entretanto, a Portaria de Criação do Projeto de Assentamento Califórnia foi
publicada em 07 de outubro de 1997, conforme ANEXO B.
De acordo com a Portaria de sua criação, a área total do assentamento é de
4.150,0908 ha, destinada a instalar 186 famílias. Esta extensão não confere com área
designada na planta geral do parcelamento do PA Califórnia, que consta uma área de
5.946,8210 ha. Se considerarmos a área da Portaria de Criação o tamanho médio dos lotes
ficaria em torno de 22,31ha, abaixo de 30ha que é o tamanho do módulo destinado a área
de assentamento daquela região, segundo informou um técnico do INCRA.
No assentamento já foi feita o parcelamento dos lotes, de modo que cada
assentado possui o lote, que se constitui para a grande maioria no local de trabalho
14
, e um
terreno na vila, onde foram construídas as residências.
A área do assentamento extrema, em quase toda sua extensão, com a
propriedade da CELMAR, destinada ao plantio de eucalipto, uma fonte de matéria prima
também usada para fabricação de carvão. Alguns assentados relataram que esta utiliza uma
técnica de fabricação de carvão diferente daquela implantada no assentamento. Ao invés de
fornos do tipo “rabo quente” como é designado, na CELMAR os fornos ficam no subsolo.
Segundo uma entrevistada, a entrada na área da fazenda ocorreu após
negociação de seu ex-proprietário com o INCRA: “Não, aí o fazendeiro já tinha entrado em
acordo com o INCRA né, e aí nós ocupemos a área” (Entrevistada 3, 2005).
14
No caso dos criadores de frango e dos apicultores não há a separação entre local de moradia e de trabalho,
pois o quintal da casa da vila é utilizado para o desenvolvimento das suas atividades: instalação de apiários e
construção dos criatórios.
33
De acordo com os depoimentos obtidos, a ocupação da área contou com o
apoio do MST e de outros grupos como sindicatos de trabalhadores rurais, igreja católica e
o Partido dos Trabalhadores.
Em 1996, foi autorizado pelo INCRA o plantio, sendo destinada uma área de
400 ha pelas famílias para “botarem a roça”, que se deu de forma coletiva.
“...Nós tiremos só uma área aí e todo mundo trabalhou junto, coletivo,
entendeu? (...) Mais assim, plantou junto e depois dividimos” (Entrevistada 4, 2005).
Explicando o processo de estruturação do assentamento, as famílias
relembraram que a constituição da vilaveio ocorrer dois anos após a ocupação, em 1998.
De acordo com documentos obtidos junto a UAA o PA Califórnia possui 186 cadastrados,
muito embora a Relação de Beneficiários, constante no ANEXO C, só relacione 177
cadastros. Através dos créditos liberados pelo INCRA foram contemplados com o Crédito
Apoio
15
169 famílias e receberam o Crédito Habitação
16
180 famílias.
15
Crédito repassado pelo INCRA às famílias assentadas para viabilizar a instalação no assentamento.
16
Crédito repassado pelo INCRA as famílias assentadas destinado a construção das casas no assentamento.
34
Foto 2: Vista do PA Califórnia
Estudos têm demonstrado (Leite, 2004), que o intervalo entre a data da
entrada das famílias na área e o acesso aos créditos de instalação viabilizados pelo INCRA,
seja na modalidade de fomento, alimentação ou habitação, tem comprometido
substancialmente o desenvolvimento das atividades pelas famílias. Realizando pesquisa
sobre os impactos dos assentamentos (Leite, 2004:88), os pesquisadores verificaram que, as
famílias assentadas levam um tempo muito grande para acessarem os créditos a que têm
direito.
Quando levamos em conta a data da entrada efetiva das famílias na área,
os prazos médios para recebimento dos recursos do crédito-fomento
variam de nove meses no Ceará a 12 anos no Sudeste do Pará, obtendo
uma média geral de cerca de quatro anos. No caso do crédito-habitação,
os prazos médios são superiores, cinco anos no contexto geral. (...) Em
todos os casos, os prazos para liberação são bastante grandes tornando
mais difícil a fase inicial.
35
Em levantamento realizado pela equipe técnica do MST no PA Califórnia,
foi identificado que em função da desistência por parte de algumas famílias, permaneceram
residindo no assentamento cerca de 172 famílias.
O mesmo levantamento aponta a seguinte caracterização no que se refere a
naturalidade dos assentados, “constatamos que: 74% são maranhenses; 10,13% são
piauienses; 7,43% são cearenses e 8,44% são de estados como Goiás, Tocantins, Bahia,
Pernambuco, Rio Grande do Norte etc. Na sua grande maioria moravam em Imperatriz e
Açailândia”.
Durante as entrevistas, foi possível confirmar esta informação da
naturalidade e local de origem dos entrevistados. Foi identificado, ainda, que quase todos os
entrevistados chegaram ao assentamento acompanhados de parentes (pai, irmão, cunhado,
genro). Isto reforça a idéia de que as redes de sociabilidade no assentamento têm como base
as relações de parentesco.
De acordo com a caracterização populacional realizada pela equipe técnica
do MST, as famílias se constituem de número variado de membros.
Quanto ao tamanho das famílias, omero de pessoas varia muito, vai
desde assentados que moram sozinhos a famílias numerosas, formadas
pelo homem, pela mulher e vários filhos. Existem também famílias
formadas por mulheres e filhos e, em alguns casos, formadas por jovens
assentados (Diagnóstico,2004: 03).
O diagnóstico permitiu a equipe apresentar uma caracterização populacional
por sexo e faixa etária, conforme apresentada no quadro a seguir.
36
Quadro II: Caracterização Populacional
SEXO (%) FAIXA ETÁRIA
(anos)
M F
0 a 6 14,1 17,56
7 a 14 24,45 29,39
15 a 17 12,28 11,46
18 a 60 45,87 40,50
+ de 60 3,39 1,09
Fonte: Diagnóstico da Equipe Técnica do MST
Os dados revelam uma maior concentração da população feminina nas faixas
etárias que compreendem entre 0 e 6 anos e entre 7 e 14 anos de idade, com percentuais
respectivos de 17,56% e 29,39%. Nas demais faixas (compreendendo entre quem tem 15 a
17 anos; 18 a 60 e acima de 60 anos de idade), observa-se uma predominância da
população masculina, com uma diferença significativa na faixa etária entre 18 e 60 anos,
com 45,87% da população masculina.
A estratificação adotada pela equipe sugere algumas considerações. A
primeira diz respeito ao intervalo de idade fixado para cada faixa etária. Enquanto as duas
primeiras faixas possuem o mesmo intervalo, a terceira faixa apresenta um intervalo de
apenas 2 anos de idade e a quarta faixa congrega um grande intervalo. Nesse sentido, os
dados que permitiriam visualizar a situação dos jovens e da disponibilidade de mão-de-
obra, dentre outros elementos, nas diferentes faixas etárias da idade jovem e adulta da
população assentada ficam impossibilitados de análise.
Alguns entrevistados recordam que no período da desapropriação as famílias
conseguiam se articular com maior capacidade em torno das questões demandadas pelo
37
assentamento, o que lhes permitia exercer uma maior pressão sobre o poder público
responsável pela prestação dos vários serviços, nos diferentes níveis,.
A organização social no PA Califórnia segue os moldes da proposta do
MST, qual seja o da formação de núcleos de famílias, ou como chamam os assentados, os
coletivos (de saúde, educação, mulher, comunicação e, em fase de estruturação, de
produção). As associações são outros mecanismos de organização e representação dos
assentados. Durante a pesquisa foi identificada a existência de 05 associações legalmente
constituídas e a formação de uma sexta. São elas: Associação dos Agricultores do
Assentamento Califórnia, Associação dos Pequenos Agricultores Boa Esperança,
Associação Mães Carentes, Associação São José e Associação dos Apicultores.
De acordo com as explicações dos assentados, a quantidade de associações
registradas no assentamento se deve a condição de inadimplência das associações já
existentes, dificultando o acesso a créditos para os associados ainda não contemplados.
Pode-se concluir que a fundação de associações em áreas de assentamento
surge como uma espécie de “exigência” do Estado. Representam a “personalidade jurídica
do assentamento, pois através delas são repassados os créditos aos assentados. Sobre este
aspecto, pesquisadores (Leite, 2004:113) do meio rural brasileiro constataram a
predominância das associações como principal organismo interno de representação nos
assentamentos. E assinalam que:
As associações, direta ou indiretamente, são suportes fundamentais nas
relações dos assentados com outras entidades e/ou atores externos aos
assentamentos. Enquanto algumas têm existência puramente formal,
outras envolvem-se nos mais diferentes aspectos da vida do assentamento,
seja na interlocução “ para fora”, com os diferentes agentes e instâncias
governamentais (na cobrança de escolas, postos de saúde, estradas,
transporte, crédito), seja para “dentro” (organização da produção, da
comercializaçã
o etc.)
38
O atendimento as demandas de infra-estrutura para o PA Califórnia
(estradas, energia elétrica, escolas, posto de saúde, crédito e assessoria técnica) certamente
se deve a sua capacidade organizativa enquanto assentamento identificado como sendo do
MST.
A condição de infra-estrutura disponibilizada a um projeto de assentamento
reflete diretamente sua relação com o Estado. O não atendimento a essa demanda pode se
constituir num grande obstáculo a viabilização dos projetos de assentamentos.
Em termos de infra-estrutura, o PA Califórnia dispõe de um Posto de Saúde
Municipal, que realiza atendimentos emergenciais e recebe semanalmente a visita de
médicos para realização de consultas no próprio assentamento. Existe uma escola
funcionando nos três turnos (matutino, vespertino e noturno) que atende alunos até a 8ª
série do ensino fundamental. A escola pertence a rede municipal de ensino de Açailândia. A
energia elétrica disponível é trifásica. Existem três poços artesianos, funcionando o da vila
e o da área da coletiva
17
. O abastecimento d`água é bastante precário, o que obriga as
famílias a carregar água do chafariz para casa. Muito embora as residências possuam
instalação hidráulica que permita o abastecimento domiciliar, este não ocorre devido os
equipamentos não possuírem capacidade de armazenar a quantidade de água necessária ao
consumo da vila. Esta situação levou algumas famílias a providenciar um depósito para
armazenamento de água, que são abastecidos de maneira diferente conforme o período do
17
Termo utilizado para designar as áreas em que foram implantados os projetos coletivos do campo agrícola e
da bovinocultura (implantação de pastagens). Consistiu na realização de forma coletiva dos trabalhos de
preparo para implantação dos referidos projetos, mas com áreas individuais definidas dentro dos projetos. No
que se refere ao projeto do gado foi denunciado durante os trabalhos de campo que muitos assentados que
faziam parte do grupo inicial venderam a área a que tinham direito, inclusive para pessoas que não possuem
lote no assentamento, havendo situações de uma mesma pessoa ter adquirido o direito correspondente a até
nove áreas.
39
ano. No período seco, a água é comprada em carro pipa, e no período das chuvas,
canalizam a água do telhado para os depósitos.
A expressão carro pipa refere-se a uma estrutura metálica utilizada para
armazenamento de água, que permite o deslocamento de grande quantidade sem causar
desperdícios. Outra forma de transportar água é com a utilização de carotes, ou seja, em
vasilhames metálicos ou de plástico em forma de tambor, com capacidade de
armazenamento inferior ao carro pipa.
A deficiência no abastecimento d`água é considerada pelos moradores como
sendo a maior dificuldade ainda não superada no assentamento. Uma entrevistada
avaliando a situação, afirma que: “Aqui, só o que falta pra nós é essa dificuldade de água,
isso aí é o sofrimento aqui dessa Califórnia, se não fosse não tinha outra coisa. (...) É a
questão da água, é muito difícil pra nós” (Entrevistada 4, 2005).
Foto 3: Chafariz na vila do PA Califórnia
Foto 4: Estrada vicinal no PA Califórnia
40
O assentamento é bem servido de estradas vicinais que cortam sua área.
Durante o período seco, as estradas apresentam estado de conservação regular, alterando-se
quando chega o período das chuvas, ficando em determinados trechos praticamente
intrafegáveis.
Segundo alguns moradores, a deterioração das estradas se deve em parte ao
tráfego de caminhões de transporte de carvão vegetal. A fabricação de carvão vegetal é
uma atividade que vem sendo desenvolvida em alguns lotes no assentamento, com o
consentimento de alguns assentados.
Procurando mapear as carvoarias do PA Califórnia foi possível identificar a
existência de 09 carvoarias, sendo 08 administradas por assentados e 01 arrendada. Durante
o trabalho foi observado que o funcionamento destas carvoarias é bastante instável. De
modo que, durante as viagens o número de carvoarias funcionando sempre foi muito
oscilante.
Estou chamando de carvoaria o local onde é construída uma bateria de
fornos voltados à produção de carvão vegetal para o consumo industrial. Estas, comumente
se localizam nos pátios das serrarias, em áreas de fazendas ou em propriedades particulares
destinadas a exploração da mata nativa para a produção de lenha e fornecimento de carvão
e, nos últimos anos, tem sido comum a instalação de carvoarias em páreas de
assentamentos rurais.
O carvão fabricado no assentamento é originário de material lenhoso, ou
seja, da extração vegetal. Para inserir a atividade no assentamento, foi apresentada como
fonte de matéria-prima a vegetação retirada das áreas destinadas aos roçados. No entanto,
esta não se constituiu na única fonte. À medida que a atividade vai se expandindo cresce
41
com ela a exploração da vegetação para alimentar os fornos, seja primária ou secundária. A
obtenção da madeira pelos carvoeiros nem sempre respeita o posicionamento dos
assentados. Foi relatada por uma entrevistados, situação em que os carvoeiros retiraram
madeiras nos lotes sem o consentimento do seu proprietário.
42
2. A PRODUÇÃO DE CARVÃO VEGETAL NO ESTADO DO MARANHÃO
No final da década de 1970 e durante a década de 1980
18
, o Estado Nacional
direciona para a Amazônia uma política desenvolvimentista, que se configura na forte
presença do aparato estatal no que se refere as intervenções econômicas para a região.
Assim, a industrialização da Amazônia, conduzida pelo Estado, se volta a
uma suposta modernização, através de grandes investimentos de capital e do apoio dos
governos federal, estadual, contando com uma política de distribuição de incentivos fiscais.
Modernização esta, que teve como vetores principais a geopolítica e as políticas de
desenvolvimento propagadas para as regiões consideradas subdesenvolvidas. Na concepção
do regime ditatorial, a suposta modernização só poderia ser efetuada com a participação dos
grandes empresários capitalistas.
É nessa conjuntura que se inclui o Programa Grande Carajás – PGC,
vislumbrado como um programa de desenvolvimento integrado voltado para a região, com
vistas a modernizá-la através da construção de um complexo industrial metal-mecânico,
com destaque para as siderurgias.
Com a instalação das empresas siderúrgicas produtoras de ferro-gusa, na
década de 1980, na Amazônia Oriental foi introduzida a produção de carvão vegetal
voltado ao consumo industrial. Essa atividade tem se difundido por todo o Estado do
Maranhão, havendo uma concentração maior nas áreas próximas de regiões com presença
de vegetação primária e secundária e que concentram serrarias e madeireiras.
18
Neste período, o Estado enquanto gestor do processo de acumulação na Amazônia volta sua atenção em
especial para dois setores: o dos grandes projetos agropecuários (1966 -1975); e o que tem ênfase na
exploração dos recursos florestais e nas potencialidades minero-metalúrgicas (a partir de 1980).
43
Através do Programa Grande Carajás foram instaladas usinas de ferro-
gusa
19
, na implantação do pólo siderúrgico. Decorrentes dessa instalação, é possível
demarcar dois aspectos: o aparecimento de inúmeras situações de trabalho assalariado
precário com o deslocamento da força de trabalho camponesa, o que em muitos casos
esteve relacionado a uma desestruturação familiar no que se refere aos aspectos sociais e
econômicos; o surgimento de ações de destruição da floresta nativa (para produção de
carvão vegetal), poluição do ar provocado pelas carvoarias, poluição da água. Os problemas
sócio-ambientais provocados pela atividade de carvoejamento têm se manifestado através
da exploração dos recursos naturais, comprometendo a capacidade de regeneração
ecológica das florestas e na poluição, implicando em danos a qualidade do ar e à saúde da
população residente próximo a carvoarias.
2.1- A trajetória da atividade carvoeira e o seu desenvolvimento no Maranhão
O desenvolvimento da atividade carvoeira para consumo industrial no
Maranhão surge a partir da implantação dos empreendimentos sídero-metalúrgicos
impulsionados pelo extinto Programa Grande Carajás – PGC. A produção de carvão vegetal
para fins industriais e a siderurgia colocam-se como novas atividades que passam a compor
o mercado de trabalho dos municípios e áreas vizinhas dos locais de instalação dos
empreendimentos citados.
A instalação das primeiras siderúrgicas é acompanhada da preocupação com
a não disponibilidade de mão-de-obra local, especializada na atividade siderúrgica, a qual é
19
A partir de 1981 passaram a ser aprovados 22 projetos de indústrias sídero-metalúrgicas para os Estados do
Pará e Maranhão. A previsão de instalação no Maranhão era de 15 empreendimentos, sendo três voltados à
produção de ferro-ligas e o restante de ferro-gusa. Destas, quatro foram instaladas em Açailândia, uma em
Rosário e outra em Santa Inês.
44
suprida com a participação de trabalhadores vindos de “fora”, ou seja, de outros Estados,
basicamente de Minas Gerais. Em menor proporção, a atividade carvoeira também absorve
mão-de-obra externa, sendo a grande maioria composta por trabalhadores locais. O que se
constata é que, inicialmente, esta atividade contou com orientações por parte das
siderúrgicas. “Em alguns casos houve incentivo para a vinda de carvoeiros de outras
regiões do país, principalmente do Espírito Santo e Minas Gerais, não obstante isso tenha
representado muito pouco (Lira,1994:176).
A participação das siderúrgicas na implantação da atividade carvoeira vai
além das orientações, pois dada a necessidade de serem abastecidas pelo carvão, as
primeiras siderúrgicas implantadas em Açailândia, passaram a fomentar um mercado local
produtor de carvão vegetal, repassando aos “pretensos produtores, tecnologia adequada à
produção e construção dos fornos e capital necessário a implantação das unidades de
carvoejamento (Pereira,1999, p.47).
De acordo com Sérgio Lira (1994), esse tipo de estratégia adotada pelas
empresas, a de fomentar um mercado produtor, condicionou a subordinação da produção de
carvão vegetal a atividades já existentes e dominantes na região, qual seja, a da exploração
da madeira e da pecuária.
Em pesquisa em jornais, quando da realização da minha monografia de
conclusão de curso de graduação, identifiquei registros jornalísticos que apontavam, em
agosto de 1987, técnicos da Fundação João Pinheiro que discutiam sobre a “Qualificação da
Ocupação Sazonal do Carvoeiro” junto ao Serviço Nacional de Aprendizagem Rural -
SENAR em São Luís, propondo que agricultores pudessem utilizar o carvão como renda
familiar (Pereira,1999).
45
Em 1988 foi promovido um curso profissionalizante visando à capacitação
de mão-de-obra em Açailândia para construção e operação de fornos de carbonização. A
realização deste se deu através de convênio firmado entre a Secretaria de Tecnologia e
Carvoejamento do Ministério da Indústria e Comércio e a Secretaria de Indústria, Comércio
e Turismo do Maranhão, contando ainda com os serviços do CETEG
20
, identificado na
época como órgão brasileiro que melhor detinha a tecnologia de fornos para a produção de
carvão vegetal. O curso teve duração de 15 dias, constituindo-se de duas partes, uma teórica
e outra prática, quando foram construídos dois fornos, um do tipo “rabo quente” e outro
tipo “superfície”, tendo o primeiro se estabelecido como modelo padrão adotado no Estado
do Maranhão.
O forno do tipo “rabo quente” tem uma estrutura arredondada, com as
paredes levantadas com tijolos e barro, deixando-se uma abertura (que se assemelha a uma
porta) por onde é colocada a lenha e posteriormente retirado o carvão obtido com a queima
da mesma. Ressalta-se que esta abertura é fechada durante o processo de carbonização
21
.
A fabricação de carvão, conhecida localmente, era obtida através de
caieiras, forma considerada rudimentar e inadequada ao consumo industrial. A caieira
pode ser descrita como sendo a escavação de uma vala no terreno, com dimensões variadas,
em que se queima a lenha para ser transformada em carvão. Esta prática é exercida,
geralmente, por famílias de origem rural, com pequena produção destinada ao próprio
consumo ou à venda em pequena quantidade (Thiéblot, 1984).
20
Órgão ligado a Secretaria do Planejamento do Governo de Minas Gerais.
21
A carbonização caracteriza a etapa de queima da lenha, ou seja, da transformação da lenha em carvão. Esse
processo dura cerca de três dias e entra em cena neste momento uma das funções de destaque na atividade,
desempenhada pelo carvoeiro ou carbonizador.
46
A dinâmica da atividade carvoeira está relacionada à disponibilidade de
matéria-prima. O carvão pode ser obtido a partir do aproveitamento de resíduos de
serrarias, ou através de material lenhoso oriundo da queima de lenha de originário de mata
nativa ou de vegetação secundária. Esta atividade ficou concentrada inicialmente nos
municípios de Grajaú, Amarante do Maranhão, Estreito, João Lisboa, Imperatriz,
Açailândia, Carutapera e Santa Luzia. A maioria desses municípios apresentava, na década
de 1970-1980, uma grande quantidade de serrarias e/ou áreas de produção agropecuária,
apresentando, portanto, abundância em matéria-prima para produção de carvão. Além do
que, alguns se localizavam próximo as siderúrgicas.
Estudos realizados nos anos 90 demonstraram que a obtenção de carvão,
originária de reflorestamento, não se apresentava como uma alternativa atrativa, visto seu
custo de produção ser superior ao de mata nativa
22
. As empresas sídero-metalúrgicas seriam
obrigadas, de acordo com a Lei nº 4.771/65, a em um prazo de dez anos, a partir da data de
instalação, possuir uma estrutura própria de suprimento de matérias-primas destinadas à
produção de carvão. A estratégia adotada por estas foi à utilização de eucalipto, resultando
em vastas áreas de plantio de eucalipto em municípios como Açailândia e circunvizinhos.
O Estado de Minas Gerais se destaca como o principal produtor de carvão
oriundo da silvicultura, somando em 2003 uma produção de 1.602.744 toneladas, o
equivalente a 74,56% do total nacional (2.149.650 t). De acordo com a ABRACAVE, na
última década o carvão originário de matas nativas reduziu de 24.355ha para 8.070ha. Em
contrapartida, a área de cultivo do eucalipto para a fabricação de carvão aumentou de
12.547 ha para 26.900 ha.
22
A revisão deste argumento se faz necessário nos dias atuais, necessitando ser feito um balanço das fontes de
obtenção de carvão.
47
As atividades do parque siderúrgico implantado no Maranhão e no Pará
tiveram início em Açailândia
23
, mais precisamente no Distrito industrial do Pequiá. Para
Ab’Saber trata-se “de uma verdadeira tendência para a transferência parcial da siderurgia
primária do gusa de Minas Gerais na direção do sul do Pará e oeste do Maranhão
(Ab´Saber Apud Monteiro 1998:86 ).
Como um dos elementos que explica o deslocamento dos empreendimentos
de Minas Gerais rumo à Amazônia Oriental, podemos apontar a disponibilidade de recursos
florestais
24
. Os efeitos de destruição dos ecossistemas florestais em Minas Gerais levaram a
um encarecimento de matérias-primas essenciais ao funcionamento das empresas de ferro-
gusa, como a madeira utilizada na produção de carvão vegetal, que é uma atividade crucial
ao desenvolvimento desse segmento industrial.
Dados da Pesquisa da Produção da Extração Vegetal e da Silvicultura
(IBGE, 2003), demonstram que a produção de carvão vegetal originário de extrativismo
vegetal é liderada pelos estados do Pará, com 35,32% das 2.227.206 toneladas produzidas
no país em 2003; Maranhão, com 21,30%; Minas Gerais, com 13,75%; Goiás, com 11,05%
e Mato Grosso do Sul, com 9,58%.
23
A partir de 1988, começam ser instaladas usinas de ferro-gusa nesse município, eleito como local a ser
estabelecida uma base industrial inicial, dada as características apresentadas pelo mesmo em termos de
localização (cortado pela BR 010 e 222 e pela Estrada de Ferro Carajás) e abundância dos recursos naturais.
24
A implantação do pólo siderúrgico foi guiada por um conjunto de interesses, dentre eles, da Companhia
Vale do Rio Doce, utilização de matérias-primas destinadas a produção de carvão vegetal, vasta gama de
incentivos fiscais, que vão desde a composição de capitais a isenção de impostos.
48
2.2 - Os principais agentes sociais da cadeia produtiva do carvoejamento
Estudos já realizados (Monteiro, 1998; Carneiro, 1997; Lira,1994), apontam
que os empreendimentos sídero-metalúrgicos têm usado diferentes estratégias na
constituição de um mercado regional de carvão vegetal capaz de atender a suas demandas.
O propósito comum entre suas estratégias é o da transferência para outrem, da
responsabilidade pela produção de carvão. Dessa forma, variadas denominações são
atribuídas pelas companhias àqueles que “assumem” a produção do carvão vegetal.
Na pesquisa que realizei para elaboração de monografia de conclusão de
curso graduação foi possível identificar diversos agentes presentes na cadeia produtiva do
carvoejamento (Pereira,1999). Com isso, posso afirmar que essa atividade exige uma
grande variedade de participantes, com diferenciação quanto às formas de remuneração. No
entanto, entendo que a definição dos agentes sociais envolvidos na cadeia produtiva do
carvão vegetal só é possível através da identificação do tipo de organização predominante
em cada uma delas.
Em linhas gerais, a atividade de carvoejamento possui uma organização que
envolve os trabalhos de extração/obtenção da lenha, de transporte e de infra-estrutura.
Dentre os diversos agentes sociais que constituem o processo de trabalho de carvoejamento,
Cardoso (2002:50), faz a seguinte caracterização: “temos o proprietário da serraria ou do
terreno, o fornecedor, que por sua vez contrata os carbonizadores, os transportadores dos
resíduos e os ‘gaioleiros’ que são aqueles que carregam os caminhões de carvão chamados
‘gaiolas’”.
49
Foto 5 e 6: Carregamento da “gaiola” de carvão
Os principais agentes presentes na atividade de carvoejamento, dependendo
da sua organização interna, são:
roceiro, a quem cabe a limpeza e preparação da área para retirada da
lenha;
operador de motosserra, conhecido também como motoqueiro,
responsável pela serragem da madeira e padronização da lenha. Este geralmente é
acompanhado de um ajudante para empilhar a lenha serrada, que é conhecido como
empilhador;
50
carvoeiro ou carbonizador, responsável pelo processo de
transformação da lenha em carvão, isto é, que controla o ciclo de carbonização, que é uma
função de destaque no processo produtivo;
barrelador, que faz o “barrelamento do forno”, ou seja, faz o
resfriamento dos fornos possibilitando a retirada do carvão;
forneiro, responsável pelo carregamento e descarga do forno;
peão, que desempenha as atividades de carregar lenha, encher e
esvaziar os fornos, carregar as “gaiolas”, constituindo-se na grande massa de trabalhadores;
gato ou empreiteiro, que se caracteriza como figura intermediária do
processo produtivo do carvão, desempenhando a função de agenciadores de mão-de-obra;
motorista de caminhão, que transporta a lenha para os fornos, ou o
carvão das carvoarias para as siderúrgicas. Em alguns casos, estes conta com um auxiliar
conhecido como gaioleiro, encarregado de encher de carvão a “gaiola” do caminhão;
Funcionário de suporte e gestão: cantineiro (a), cozinheiro (a),
apontador (responsável pelo registro da quantidade de carvão produzido), encarregado
(responsável por uma ou mais bateria de fornos);
proprietário de fazenda, de serraria e lote onde são instalados os fornos,
que são às vezes, os produtores de carvão.
É necessário que se faça um destaque que a categoria carvoeiro no Projeto
de Assentamento Califórnia é utilizada para identificar o responsável pela carvoaria, seja
este o dono dos fornos ou seu arrendatário.Apropriei-me desta categoria para me referir a
esses agentes sociais.
51
A descrição ora realizada se caracteriza como esforço de identificação dos
agentes mais comuns presentes no processo de fabricação de carvão vegetal, cabendo
salientar que “as diferentes estruturas na atividade de carvoejamento são bem difundidas e
podem ser definidas pela propriedade ou não dos meios de produção, pelo domínio das
técnicas que possibilitam uma diferenciação interna ou pela própria organização da
produção” (Pereira, 1999:60).
A atividade carvoeira tem sido palco de denúncias, por parte instituições de
defesa ambiental e dos direitos humanos, de super exploração, de trabalho escravo e de
trabalho infantil, mobilizando organizações da sociedade civil e órgãos públicos de
fiscalização do trabalho. Entretanto, as estratégias adotadas na produção de carvão pelos
empregadores, que é a da intermediação e a remuneração por tarefas, permitem que estes
possam se eximir das responsabilidades legais. Da mesma forma, contribuem para a
dispersão dos trabalhadores, dificultando tentativas de “organização” que possam resultar
numa pressão organizada e sistemática.
52
3. AS ATIVIDADES DESENVOLVIDAS NO PROJETO DE ASSENTAMENTO
CALIFÓRNIA
Neste item, pretendo fazer uma caracterização das atividades produtivas
identificadas pelos assentados do PA Califórnia. Estas compreendem trabalho na
agricultura, na pecuária e no extrativismo vegetal.
Para fins analíticos, apresento a seguir uma descrição do desenvolvimento
de cada atividade separadamente. Entretanto, a execução de diferentes atividades pelo
mesmo grupo familiar é uma prática comum no assentamento. Um exemplo disso é o caso
daquele que se tornou meu principal informante. No seu lote, são realizadas diferentes
atividades: plantio agrícola, criação animal e produção de carvão vegetal.
Agricultura
A partir dos depoimentos obtidos durante os trabalhos de campo é possível
afirmar que a agricultura é uma atividade desenvolvida pela maioria dos moradores do PA
Califórnia e se caracteriza pelo sistema de roça no toco, como é designada no vocabulário
local. A roça no toco é caracterizada como um sistema itinerante, que consiste nas práticas
de roço, derruba, queima, encoivaramento, plantio, capinas e colheita
25
.
Esta atividade é vista pela maioria como sendo, dentre as diferentes
atividades desenvolvidas no assentamento, a que proporciona menor retorno financeiro.
25
Estas práticas representam diferentes etapas do processo de preparo, plantio e colheita da roça. O roço é
realizado em áreas de capoeira (vegetação secundária); a derruba ou broque consiste no corte de árvores de
médio e grande porte, portanto, em áreas de mata primária; a queima e encoivaramento são técnicas de
limpeza da área que consiste na utilização do fogo; a capina também é uma técnica de limpeza, só que ocorre
quando já foi feito o plantio e/ou durante a colheita.
53
No depoimento de um dos entrevistados, morador do assentamento, que no
último ano deixou de botar roça por estar envolvido nas eleições municipais fazendo
campanha para um candidato a vereador, é possível avaliar que a roça representa uma
segurança para as famílias
.
Eu acho que a roça não dá muito não, agora só que a roça pra mim ela é
uma das principal, ela segura o dia a dia né, eu fui criado trabalhando em
roça todo tempo, mas o ano que a gente não faz a roça a gente não gosta
não, eu não gostei desse ano não. A roça a gente vê assim, mas a roça o
que ela deixa pra gente é muito também, que as vezes você ta lá na cidade
quer comprar uma espiga de milho é R$ 0,50 (cinqüenta centavos) e aqui
quando eu vou pra roça eu trago uma carrada de milho, faz pamonha, bota
pra cozinhar.. se somar detalhe por detalhe a roça também ela vai
também. O negócio é que não sobra, o pessoal que vê assim o lucro em
dinheiro, vai ter que comprar a casa, vai comprar batata se não tiver dois
reais pra dar no quilo ou um e cinqüenta não compra, mamão o cara vai
pra roça aí se quiser trazer uma saca de mamão trás. Tudo na rua o cara
tem que comprar. A roça é comparada com uma mãe: tudo que você vai
dentro de uma roça cheia, você acha o que comer. (Entrevistado 2, 2005)
Para o entrevistado, muito embora a roça proporcione a satisfação de
necessidades básicas, isso não significa satisfação plena, pois existem outras necessidades,
cuja satisfação requer o uso do dinheiro, por exemplo. Nessa perspectiva, a roça representa
uma alternativa estratégica na reprodução das famílias assentadas, por garantir o alimento,
ou seja, como segurança alimentar.
A idéia de que a roça não gera lucro em função de que não lhes proporciona
uma renda monetária, é compartilhada pela maioria. Entretanto, a importância da atividade
para as famílias consiste no fato de que através do plantio é possível garantir a alimentação.
Para o meu informante, o investimento em outras atividades não deve
descartar a roça. E afirma: “a gente tem cuidar em outra vida, mas tem que trabalhar
mesmo na roça” (Entrevistado 1, 2004).
54
Em uma das viagens de campo, mais especificamente em novembro de
2004, retornando ao lote do meu informante fui convidada para conhecer sua roça,
acompanhada dele e de sua esposa. O seu plantio se encontrava dividido em duas áreas,
uma mais próxima de casa, com de plantio consorciado de arroz, milho e mandioca; e
outra, um pouco mais distante, onde plantou também, em sistema de consórcio arroz e
milho.
No percurso, sua esposa explicou que em função da idade avançada e do seu
estado de saúde, atualmente não auxiliava nas atividades da roça, limitando-se a preparar a
alimentação e deixá-la na roça, poupando o marido e os filhos de terem que se deslocar até
a casa no horário do almoço.
As etapas do trabalho caracterizam um calendário agrícola que se inicia no
mês de agosto com o broque. O broque consiste no corte das árvores existentes nas áreas
destinadas ao plantio. Estas árvores são utilizadas pelos carvoeiros na fabricação do carvão
vegetal.
A exploração da madeira pelas carvoarias tornou escassa essa matéria no
assentamento, o que tem provocado, segundo relatou um dos entrevistados, uma dificuldade
de encontrar, no assentamento, madeira para construção de cercas por aqueles que
desenvolvem a criação de gado.
A limpeza total da área é concretizada com a utilização da técnica de
queimada, que ocorre entre os meses de novembro e dezembro.
O plantio se inicia tão logo ocorrem as primeiras chuvas, geralmente no mês
de dezembro. A etapa do plantio pode se estender até meados do mês de fevereiro. O
55
plantio consorciado é feito, geralmente, com as culturas do arroz e do milho. Também são
cultivados pelas famílias produtos como feijão, mandioca, abóbora, melancia, maxixe e
quiabo. A quantidade de sementes é proporcional ao percentual de ocupação da cultura na
área do consórcio, havendo uma predominância de áreas maiores destinadas ao cultivo do
arroz e do milho.
A conservação da limpeza da área de plantio é feita através da capina,
realizada pelo menos três vezes, entre os meses de fevereiro e abril. Esta etapa tem como
objetivo evitar o ataque das pragas e facilitar a etapa seguinte, que é a da colheita.
A colheita inicia-se no mês de fevereiro com a retirada dos legumes
26
e das
verduras. Em abril tem-se a colheita do feijão e do milho verde. Os meses de maio e junho
são destinados a colheita do arroz. A variação do período da colheita ocorre em função da
época de plantio de cada cultura.
No mês de junho é semeado novamente o feijão, utilizando-se uma técnica
denominada feijão abafado, que consiste em jogar o feijão, sem proceder a limpeza do solo,
exigindo menos cuidado que o plantado nos meses de dezembro e janeiro.
O final da colheita coincide com o período em que é novamente iniciado o
processo de preparo do plantio, portanto a atividade agrícola é representada como cíclica,
tendo a durabilidade de um ano.
A área de plantio é renovada a cada dois ciclos agrícolas. Em geral ocorre o
retorno para uma área já explorada anteriormente para a roça, respeitado o período médio
de 4 a 5 anos de pousio. Este intervalo de tempo, de acordo com os assentados, é o
26
São legumes geralmente cultivados pelas famílias: maxixe, quiabo, jerimum, abóbora, melancia, dentre
outros.
56
necessário para recomposição do solo, de modo que o mesmo esteja apto a um novo
plantio. Esta prática é conhecida como tempo de pousio ou de descanso.
A intensidade de trabalho exigida por cada etapa do processo produtivo é
variada, sendo que as etapas do broque e da colheita exigem uma maior disponibilidade de
mão-de-obra, havendo a necessidade do envolvimento dos membros da famílias.
Pecuária
a) Bovino
Outra atividade desenvolvida pelos assentados no PA Califórnia é a pecuária
bovina. Esta atividade inicialmente foi financiada através do PROCERA, contemplando um
grupo de 181 famílias. Conforme foi relatado por um dos assessores do MST, o projeto
previa a implantação de campo, com plantio de pimenta do reino e de fruticultura ( banana
e caju) e a aquisição de bovino.
O assentamento possui uma infra-estrutura favorável ao desenvolvimento da
atividade pecuária, dada a quantidade de pasto, cerca e currais existentes, implantados em
parte pelo ex-proprietário e pelos projetos de bovinocultura financiados via PROCERA e
PRONAF.
Em 2002, outras pessoas puderam adquirir bovinos, através do Programa
Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar - PRONAF A. Neste grupo, encontra-
se o meu informante, que adquiriu 04 matrizes.
57
Os problemas inerentes a esta atividade
27
nem sempre são superados por
todos, especialmente por aqueles que não têm o domínio das técnicas exigidas para um
manejo adequado.
O caso do meu informante é emblemático. Seu lote fica a 8 Km de distância
do poço mais próximo para o abastecimento d`água e o barreiro
28
existente no lote não
armazena água suficiente para suprir as suas necessidades. Por outro lado, não possui pasto
para alimentar o gado, tendo que fazê-lo em propriedades alheias, pagando por isso.
Atualmente, possui 03 vacas, 03 bezerros e 02 bezerras. Explicou que até meados do mês
de julho de 2005, o gado tinha ficado no lote de um compadre seu, mas resolveu traze-lo
para o seu lote. A criação é motivo de orgulho para ele e sua esposa, que comentou alegre
que pretendem fabricar requeijão do leite tirado das vacas.
Durante minha estadia no seu lote, pude acompanhar a rotina diária de seu
filho mais velho para proporcionar alimento para o gado. Pela manhã se deslocava até um
outro lote e lá permanecia durante algum tempo vigiando a vaca amarrada e acompanhada
do filhote para poder pastar. O termo pastar é utilizado para designar o ato de alimentação
do animal com capim.
Num certo dia, o filho resolveu vir até a casa para beber água e quando
retornou já não localizou o bezerro. Após procurar por um certo período, desistiu da busca
e resolveu ir pra casa comunicando o fato aos seus pais. A possibilidade de perder a cria
deixou os proprietários aflitos, ficando inquietos com a situação e passaram a procurá-lo
durante toda a tarde.
27
Ver SOUSA, Ronaldo Carneiro de. PESQUISADOR E ATOR – a influencia da bovinocultura nas áreas de
assentamento do P. A Palmeiral Vietnã. São Luís, 2005.
28
Denominação dada a escavação na terra que tem com objetivo armazenar a água da chuva. Assemelha-se a
um açude, diferindo em função do tamanho e extensão.
58
Acredito que tenha contribuído para sua aflição, o fato de anteriormente,
uma das suas vacas ter sido roubada no próprio assentamento, aumentando o medo de
perder outro animal. Felizmente, o bezerro foi recuperado pelo seu dono ao anoitecer.
Com relação ao roubo de gado, fui informada que ele não foi a única vítima.
Outras pessoas também tiveram seus animais roubados. De acordo com o informante, as
pessoas desconfiam de moradores do próprio assentamento, mas nunca conseguiram provar
nada.
Dentre os criadores de gado, alguns, em função de experiências anteriores
com a bovinocultura, estão conseguindo comercializar individualmente, o leite numa
“queijeira” instalada no povoado Trecho Seco. Mas trata-se de um pequeno número de
criadores.
b) Pequenos animais
A criação de pequenos animais vem sendo desenvolvida por algumas
pessoas com o intuito de comercialização. Dentre estas, identifiquei que seis pessoas vêm
desenvolvendo a avicultura, com a criação de frangos do tipo “caipirão”, e uma que
trabalha com a criação de abelha.
A criação de frango é realizada no próprio quintal da casa da vila. Ao me
mostrar a estrutura, o criador explicou que, em geral, esta não se diferencia das demais. O
criatório é cercado de tela, com divisórias internas do mesmo material. Trata-se de uma
estrutura simples, mas que atende as necessidades de manejo.
59
Foto 7: Criatório no quintal de casa
Conversando com um criador, este me explicou que compram pintos de um
dia, adquiridos em uma casa veterinária localizada em Imperatriz, com a garantia de
recebê-los no assentamento. Segundo ele, a orientação para a criação, tem sido feita pelas
casas veterinárias onde adquirem os pintos e as rações. Ao ser indagado sobre a equipe de
técnicos disponibilizados pelo MST para acompanhar as atividades do assentamento, o
mesmo disse que:
Não, as orientações que a gente pegou foi mais com o pessoal que
trabalha, que vende os pinto né tem as, o pessoal que vende as ração e aí
tem uma casa veterinária que tem os técnicos que dá umas informação de
como tratar, dos remédios que é bom pra tal coisa, vitamina, vacina
(Entrevistado 2, 2005)
Dentre os criadores, tem um que se destaca pela quantidade de aves e pela
estrutura montada. Trata-se de um dos que primeiro investiu na atividade e que de certa
forma, tem servido de exemplo para o crédito da atividade. Ao contrário dos demais, este
60
não desenvolve a atividade no quintal de casa, mas utiliza uma área do assentamento
próximo da vila, onde instalou os criatórios e fez uma plantação de hortaliças.
Atualmente, o grupo tem a comercialização das aves garantida, fornecendo
para a Secretaria Municipal de Agricultura de Açailândia. Como explica um dos criadores:
“Nós tamo pegando o programa do governo federal, é chamado Compra Local
29
. Vem da
CONAB, mas passa pela Secretaria de Agricultura do município. Pela compra local e cada
secretaria só pode comprar do município” (Entrevistado 2, 2005).
Os frangos são comercializados com uma média de 03 ou 04 meses. O fato
de estar havendo uma saída para os frangos tem despertado o interesse de outras pessoas
pela atividade. Além do que, esta é uma atividade que não é totalmente desconhecida pela
família, não exige muito esforço do criador e pode envolver a mulher e os filhos no manejo
das aves, muito embora, o seu desenvolvimento em confinamento, requeira uma disciplina.
Parece que esta é uma atividade que permite as famílias acrescentarem uma nova prática de
manejo a uma atividade desenvolvida de forma extensiva, com a criação de galinhas soltas
no quintal ou no lote.
29
Trata-se da Compra Direta Local da Agricultura Familiar – CDLAF, que é uma das modalidades de
execução do Programa de Aquisição de Alimentos - PAA, operacionalizado pela CONAB. O CDLAF “visa a
promover a articulação entre a produção da agricultura familiar e a destinação dessa produção, resultando no
desenvolvimento da economia local com o atendimento direto às demandas de suplementação alimentar e
nutricional dos programas sociais da localidade”. A execução do PAA ocorre através de “ações diretas de
comercialização e doação de produtos da agricultura familiar”, através dos mecanismos específicos da compra
antecipada; contrato de garantia de compra; compra direta local e compra antecipada especial. Maiores
informações visitar o site www.conab.org.br.
61
Foto 8: Criatório pioneiro do assentamento
O dono deste
criatório foi o
primeiro a
desenvolver a
atividade de criação
de frango no
assentamento. A
partir dos resultados
da sua experiência
outras famílias
passaram também a
investir na
atividade.
Plantio pertencente
ao mesmo
proprietário do
criatório da foto
anterior. O plantio
fica localizado na
mesma área do
criatório, na vila do
PA Califórnia.
Foto 9: Plantio de Hortaliças
A apicultura é uma atividade incipiente no assentamento e a partir da prática
desenvolvida por um assentado tem despertado o interesse de outros moradores do
assentamento. Em função disso, foi formado um grupo com cerca de 15 pessoas para
desenvolver atividade.
62
Carvoaria
O mapeamento das carvoarias existentes no PA Califórnia foi realizado com
o auxílio de um morador do assentamento, que identificou as carvoarias existentes,
descrevendo a situação de cada uma.
Na oportunidade, percorri algumas carvoarias, com o objetivo de conhecê-
las e de estabelecer contatos que pudessem posteriormente me auxiliar no trabalho
empírico. As carvoarias escolhidas para serem visitadas foram àquelas que se encontravam
localizadas em locais mais acessíveis e que pertenciam a pessoas que se mostravam menos
arredias a presença de estranhos. A tentativa não foi bem sucedida, pois acabei não
conseguindo encontrar grande parte das carvoarias em funcionamento, ou quando isso
ocorria, os responsáveis não se encontravam no local.
Foi nesse momento, que visitei o lote daquele que veio a se tornar meu
principal informante. Inicialmente, fui apresentada a pessoa que havia arrendado os seus
fornos para produzir carvão. No entanto, este fez questão de me levar até o proprietário do
lote, explicando que os fornos lhe pertenciam e que ele poderia me auxiliar.
A princípio, o proprietário dos fornos ficou um pouco apreensivo e sua
esposa, mais ainda, fazendo questão de explicar que o carvão não era de sua
responsabilidade, afirmando que naquele momento os fornos encontravam-se arrendados
para um vizinho de lote, responsável pela produção de carvão vegetal.
Como já disse anteriormente, em seu lote são desenvolvidas diferentes
atividades. A sua família constitui-se de 04 filhos, sendo uma mulher e três homens. Dois
destes filhos são casados. Três filhos moram no assentamento. Os dois mais novos residem
63
na casa da vila para continuarem estudando. No lote fica acompanhado da esposa e de um
dos filhos que também possui lote, mas trabalha em conjunto com o pai.
O lote fica distante da vila e isto os obriga a conviver com a dificuldade no
abastecimento d`água e de transporte. No lote existem duas casas, uma habitada por ele e a
outra, à época da pesquisa, encontrava-se cedida para um compadre. A casa em que mora
tem paredes de tábuas e cobertura de telha de zinco. É uma casa rústica, com três
compartimentos (sala, quarto e cozinha).
Foto 10: Casa de moradia do carvoeiro
Foto 11: Casa cedida a um compadre
A paisagem do lote é extremamente bucólica e sombria. Logo na entrada
encontram-se os fornos de fabricar carvão, distribuídos em três fileiras. A fumaça oriunda
dos mesmos forma uma nuvem que causa uma sensação de que o tempo permanentemente
encontra-se nublado.
64
Foto 12: Distribuição dos fornos na carvoaria
Complementando a paisagem do lote, existem uns poucos pés de frutas
distribuídos na lateral direita e por trás da casa, do lado esquerdo, há um pequeno cercado
para os animais.
Durante a conversa, foi possível perceber que o mesmo tinha domínio da
atividade carvoeira, pairando a dúvida sobre o que o levava a arrendar os fornos ao invés de
desenvolver esta atividade. A explicação veio mais tarde, durante as entrevistas, pois
segundo ele, a opção em arrendar os fornos se deu em função de que a atividade de
carvoejamento exige uma estrutura que não tem condições financeiras de assumir.
Segundo relatou, quando adquiriu o lote o mesmo já possuía instalados 27
fornos, que haviam sido construídos pela Gusa
30
. Atualmente, existem 17 fornos
funcionando. Essa redução no número de fornos, segundo sua explicação, deve-se ao seu
desinteresse pela atividade. Não se propõe a recuperar os fornos que vão caindo.
30
A Gusa é uma siderurgia instalada no distrito industrial do Pequiá, município de Açailândia
65
Desde o primeiro contato com o assentamento, percebi que a atividade
carvoeira divide o grupo entre os que a apóiam e os que se colocam contra. Inicialmente
esta impressão foi transmitida no relato do episódio, ocorrido em setembro de 2004.
Havendo o INCRA determinado que fossem desativadas as carvoarias, os assentados foram
mobilizados para se manifestarem a favor da permanência das carvoarias no assentamento.
Através de ofício, um grupo de assentados, dizendo representar o assentamento, negociou
com o INCRA, para que fosse estabelecido um prazo de 90 dias para a retirada dos
carvoeiros.
O grupo alegou que o prazo solicitado correspondia ao tempo necessário
para que fosse viabilizado o abastecimento d`água para as áreas distantes da vila,
argumentando que tal necessidade vinha sendo suprida pelos caminhões pertencentes as
carvoarias, que se dispunham a levar “pipas” de água para as famílias residentes nos lotes.
Pude observar, nas conversas formais e informais com moradores do PA
Califórnia, que o abastecimento d`água e transporte de pessoal e seus produtos em geral,
são identificados como benefícios viabilizados pelas carvoarias.
Entrevistando um assentado identificado pelos demais moradores como
sendo um dos defensores da permanência da carvoaria no assentamento, este diz não
concordar com a atividade carvoeira, mas ter assumido sua defesa pensando naqueles que
residem distante da vila: “Eu não sou a favor de carvoaria, mas já ajudei defender porque
meu lote é aqui perto, mas a gente tem que pensar em quem tá distante (...) os militantes
não gostaram da reivindicação, mas alguns até acompanharam” (Entrevistado 2, 2005).
Entrevistar pessoas envolvidas na atividade carvoeira, ou àqueles
considerados como favoráveis a instalação das carvoarias foi difícil em função de haver no
66
assentamento uma representação de que se trata de uma atividade ilegal e inapropriada a ser
desenvolvida em área de assentamento.
Ao que parece, a idéia de ilegalidade do carvoejamento é admitida pelos
assentados, principalmente, em função do posicionamento dos agentes externos, conforme
demonstram os depoimentos a seguir:
“O INCRA, não são a favor. Alegam que a terra é só para produzir arroz,
feijão, milho” (Entrevistada 3, 2005).
“Muita gente se coloca contra.
Se diz que o INCRA vai entrar e acabar com as carvoarias, mas não faz
nada.
O MST não apóia as carvoarias. É complicada essa questão, não tem
como entrar é arriscado até morrer. É igual à venda de lote no
assentamento, ninguém quer se envolver” (Entrevistada 6, 2005).
“Área de assentamento não pode ser implantado a carvoaria, até porque é
uma linha de projeto familiar” (Entrevistada 4, 2004).
Estes entrevistados fazem parte do grupo que se opõe ao estabelecimento de
carvoaria no assentamento. Nos depoimentos duas questões estão postas: o não
consentimento do INCRA para o funcionamento de carvoaria em área de assentamento e a
inadequação da atividade ao perfil do que cabe ao assentado realizar.
Na UAA do INCRA não é admitido se falar na possibilidade da existência
de carvoarias em áreas de assentamentos. A executora responsável pela unidade foi muito
firme em afirmar que “nenhum assentamento de Açailândia possui carvoaria funcionando”,
encerrando a possibilidade de diálogo sobre o assunto.
Esta afirmação foi feita quatro meses após os assentados do PA Califórnia
terem procurado a UAA para pedir ampliação do prazo da permanência das carvoarias no
assentamento, como já foi relatado anteriormente. Certamente, se o acordo tivesse sido
67
cumprido, os fornos deveriam ter sido desativados, o que ainda não ocorreu passado quase
um ano.
Se o ritmo lento de funcionamento do órgão favorece as transgressões,
questiono até que ponto não há omissão e até mesmo comprometimento de alguns
funcionários no combate a essa problemática.
A descontinuidade nas ações de órgãos públicos responsáveis pelo controle
técnico e ambiental, como por exemplo, do INCRA e do IBAMA, permite aos carvoeiros
burlar a legislação. Portanto, a existência das carvoarias no assentamento demonstra a
inoperância dos órgãos responsáveis pela proteção ambiental.
Quando a entrevistada diz que o assentamento é “uma linha de projeto
familiar” e que por isso a carvoaria não pode ser implantada está propondo uma reflexão
sobre os elementos de identificação do assentamento. Em sua fala, assentamento e familiar
fazem parte universo de identificação do grupo assentado.
A relação família-produção-trabalho como elemento constituinte do
agricultor familiar ,a princípio, pode conduzir a entender a atividade carvoeira como oposta
a lógica da agricultura familiar, por empregar constantemente em seus quadros um número
maior de pessoas que não fazem parte do grupo familiar do carvoeiro. Leite (2004:147)
assinala que devem ser consideradas as especificidades no modo como as famílias
assentadas se articulam para alcançarem seus objetivos, afirmando que:
As famílias assentadas lançam mão de uma série de recursos que
envolvem atividades produtivas e serviços, dentro e fora do lote,
resultando em mecanismo de reprodução familiar nem sempre presos à
dimensão econômico-produtivo (agrícola ou não), que pesam
substancialmente sobre as estratégias adotadas.
68
Nesse sentido, a carvoaria parece representar para os assentados, uma
estratégia de reprodução a mais para o grupo familiar, considerando que estes realizam
outras atividades.
69
4. CARVOEJAMENTO NO PROJETO DE ASSENTAMENTO CALIFÓRNIA
A escassez da madeira
31
, associada a pressão exercida por grupos sociais
atuantes nas áreas ambiental e agrária, e as ações realizadas por órgãos públicos de
fiscalização do trabalho, favoreceu o deslocamento da atividade carvoeira dos municípios
onde inicialmente ficou concentrada a produção de carvão vegetal para outros locais. Esta
expansão atingiu quase todo o Estado maranhense e municípios limítrofes com os Estados
do Pará e Tocantins.
Buscando apreender as estratégias de inserção da atividade carvoeira em
uma área de assentamento e perceber como reagem os agentes sociais, em especial, os
assentados, em relação ao desenvolvimento da atividade, tomei o PA Califórnia como
situação paradigmática para analisar essa inserção.
Por tratar-se de um assentamento do INCRA, e devido os relatos dos
entrevistados de que o referido órgão não concorda com o desenvolvimento desta atividade,
me dirigi ao INCRA, tanto em sua sede em São Luís, como na Unidade de Açailândia, para
que os técnicos pudessem explicitar o posicionamento do órgão. As tentativas não
acrescentaram muitas informações a pesquisa. Em São Luís, a responsabilidade quanto ao
acompanhamento desta situação foi atribuída a Unidade Avançada de Açailândia. Esta, por
sua vez, afirmou não existir carvoarias implantadas nos assentamentos pertencentes a sua
jurisdição.
O desenvolvimento da atividade carvoeira no PA Califórnia teve início antes
da desapropriação da fazenda para fins de Reforma Agrária. De acordo com os
depoimentos, tratava-se de alguns fornos utilizados para reaproveitamento do material
31
A intensidade da exploração madeireira e a pecuária contribuíram, juntamente com o carvoejamento para a
escassez da madeira.
70
lenhoso oriundo das sobras da serraria. Relatando a situação, um dos informantes afirmou
que, por ocasião da desapropriação da área, não havia outros fornos além destes da serraria,
que eram em pequena quantidade.
A gente tinha uma pequena carvoeira aqui do lado, no setor da serraria
que eles aproveitavam. Eram alguns fornos. (...) Os fornos foram
construídos, se tinha algum forno lá dentro eu não tive essa informação.
Agora depois, aí mais menos de 98 pra cá, foram criados dezenas de
fornos aí pra dentro. Foi o período de mais intensidade. Especialmente o
ano 2000, foi grande a entrada e saída de gaiola pegando carvão aqui, era
três, quatro gaiola por dia pegando carvão” (Entrevistado 5, 2005)
Na fala do entrevistado, o início da atividade é datado a partir de 1998,
obtendo maior intensidade no ano de 2000. A exploração da madeira para fabricação de
carvão no assentamento parece coincidir com a seguinte situação: aumento da produção de
ferro-gusa e consequentemente, aumento da demanda de carvão e redução da madeira na
região. Este é o período em que passa ocorrer um deslocamento da exploração da madeira
para regiões mais distantes do mercado consumidor, isto é, distanciando-se do município de
Açailândia para áreas mais longínquas, especialmente nos limites com o Pará.
A escassez da madeira no município de Açailândia e nas suas proximidades
favoreceu, no final dos anos 90, o fechamento de algumas serrarias e/ou transferência para
outros municípios, impulsionando também o deslocamento para a exploração, em grande
escala, da produção de carvão vegetal.
A produção de carvão vegetal tanto para as serrarias como para os
proprietários de fazendas se constitui como um novo ramo de atividade (Carneiro,1995).
Para as siderúrgicas, significou o aumento da produção de matéria-prima essencial ao seu
funcionamento.
71
Como forma de garantir a produção de carvão vegetal, as siderúrgicas
investiram na aquisição de grandes extensões de terras e implantação de infra-estruturas
(construção de fornos, estradas e equipamentos), para viabilizar a produção do carvão
vegetal, utilizando como estratégias, a transferência dos fornos aos empreiteiros, como
forma de se eximirem das responsabilidades sociais e ambientais, tal como demonstrou
Monteiro(1998: 158).
É uma relação complexa, pois as empresas embora queiram manter o
controle na própria carvoaria, tenta desvincular-se das responsabilidades
social e/ou ambientais, para isso usam como estratégia a “terceirização”
da produção, tendo na empreitada a forma frequentemente mais usada
pelas guseiras na organização e contratação da força de trabalho. Estando
na figura do “gato”, agenciador de mão-de-obra, a intermediação entre a
guseira e o produtor.
A partir da realização da pesquisa de campo no PA Califórnia busquei
identificar os interesses que conduzem a inserção do carvoejamento
32
em áreas de
assentamentos rurais.
A realização da atividade carvoeira em assentamento adota os mesmos
procedimentos de quando realizada em áreas de serrarias ou de fazendas. Quais sejam, o da
transferência, a outrem, da responsabilidade da produção e do financiamento da estrutura
produtiva pelas siderúrgicas.
Andrade (1995), analisando as estratégias utilizadas pela MARFLORA
33
para obtenção de terra, matéria-prima e força de trabalho no leste maranhense, demarca três
32
A primeira vez que me deparei com a situação de carvoaria em áreas de reforma agrária foi em 2002, no município de
Buriticupu. Na ocasião, eu e a colega de trabalho, com formação na área agronômica, não conseguíamos entender os
números levantados no que se refere a produção agrícola daquela área num determinado período. Pois a produção
apresentada era muito pequena para o tamanho da área que diziam ter explorado para o plantio. Buscando explicações
junto ao grupo, foi observado por uma pessoa que os números pareciam não bater porque o tamanho da área apresentada
por eles como explorada na verdade não era totalmente utilizada para o plantio, mas exclusivamente para obtenção de
lenha para fabricação de carvão pelas carvoarias existentes, ou seja, exploravam uma determinada área ( derrubavam),
mas o plantio era realizado em uma pequena parcela, o equivalente ao tamanho da ares exploradas tradicionalmente.
33
Empresa instituída pela MARGUSA para executar seus Programas de Manejo Florestal Sustentado.
72
momentos: o primeiro, se caracteriza como um processo de grilagem das chapadas da
região, através de atos fraudulentos de compra e venda de terras; no segundo momento,
além da ampliação na aquisição de terras, a empresa lança mão de uma estratégia, que é a
da adesão de trabalhadores que autorizam a instalação de cavoarias em suas terras. A
empresa completa seu projeto de terceirização, vendendo maquinário aos trabalhadores
encarregados pelas baterias. A estratégia da empresa consiste em omitir-se das
responsabilidades no que se refere às relações de trabalho e à questão ambiental, como
destaca Andrade (1995:53).
Tendo vendido seu maquinário, a empresa demite seus funcionários:
apontadores, tratoristas e outros e passa a se apresentar ao mundo externo,
principalmente aos órgãos encarregados da fiscalização das relações de
trabalho e do meio ambiente, como apenas compradora de carvão.
Completa-se, deste modo, esse processo muito particular de terceirização,
porque não se está em presença de empreiteiras, mas são transformados
em patrões os próprios trabalhadores atingidos pela implantação da
empresa.
O terceiro momento se caracteriza como de abandono por parte dos
trabalhadores, dos fornos e retorno a atividades agrícola, resultando num período de crise
na produção de carvão vegetal.
Aproveitando-se da prática de venda de lotes, as siderúrgicas conseguiram
inserir a atividade de carvoejamento no PA Califórnia. Este é um dos argumentos
identificados pelos assentados como estratégia para inserção da atividade. Um dos
entrevistados atribuiu a chegada de outras pessoas no assentamento ao incentivo das
siderúrgicas, fazendo a seguinte afirmação: “De muitos deles tem. (referindo-se a chegada
de compradores de lote). Sabe por que? Porque muitos dele vem é exclusivamente pra
trabalhar de carvoeira. Que nem o N., ele tá aqui, mas a gente sabe que ele tá pra trabalhar
de carvoaria” (Entrevistada 4, 2004).
73
Nesse relato, aparece a figura do intermediário, comum na cadeia produtiva
do carvão. No caso estudado, o papel do intermediário configura-se na inserção da
atividade no assentamento. Este seria o elo de ligação entre a carvoaria e a siderúrgica.
Sobre a forma de inserção dos chamados carvoeiros no assentamento,
relataram o seguinte:
Olha, eles chegavam e entravam e adquiriam amizade com alguns
assentados que permitiam a carvoaria nas suas áreas, começavam a
trabalhar e depois arrendavam a área, começaram a comprar, outros
compraram alguns lotes, teve alguns assentados que venderam lote, aí
eles compraram os lotes depois instalaram a carvoaria. Eles entraram pela
compra de lote, instalação de carvoaria e arrendamento de carvoeira.
Algumas carvoeiras já montada que os carvoeiros não tinham condição de
tocar, ou não tava, o proprietário não tinha mais condição, eles
arrendavam” (Entrevistado 5, 2005).
A venda de lotes pelos assentados tem assumido, no assentamento, uma
proporção muito grande, dificultando o controle, seja por parte das organizações internas,
como as associações, seja por parte dos órgãos externos como o INCRA e o MST. O fato é
que o artifício da aquisição de lotes é apontado como sendo uma das estratégias acionadas
para a inserção da produção de carvão no PA Califórnia.
Comprando lote das pessoa. As pessoa que vende o lote num dá nem a
saber pra associação. Quando a associação sabe, ele já tão dentro.Quando
hoje mesmo já tem até o lote aí que pertence ao prefeito de Buritirana,
como foi que ele entrou aqui? Aqui é perto da cidade. Aqui é muito bom
porque é perto da cidade, mas aí é que é grilado mermo” (Entrevistada 4,
2004)
A venda de lotes abre a possibilidade para a reconcentração da terra, como
se deu com os colonos nas áreas da fronteira agrícola da região amazônica.
Bergamasco (1996:70), assinala que “em diversos casos a propriedade
individual definitiva permitiu a reconcentração da terra por meio de sua comercialização,
74
ou da grilagem, quando abandonada por assentados, sobretudo pelos colonos das áreas de
fronteira agrícola da região amazônica”.
Em função disso, existem algumas discórdias no aspecto jurídico da
propriedade para os assentamentos, sendo a concessão de uso coletivo a forma de
propriedade eleita pelo MST como a mais adequada. A concessão de uso coletivo permite a
incorporação da família a um projeto social, permitindo-lhe a utilização da terra, de forma
coletiva ou familiar, havendo o reconhecimento das instituições bancárias, mas com a
condição de não ser comercializada (Bergamasco,1996).
A Constituição Brasileira, no seu artigo 189, determina que “os beneficiários
da distribuição de imóveis rurais pela reforma agrária receberão títulos de domínio ou
concessão de uso, inegociáveis pelo prazo de dez anos”.
Tendo em vista a tensão existente no que se refere a presença da atividade de
carvoejamento no assentamento, observa-se que seus moradores tendem a atribuir essa
presença aos outsiders, excluindo a responsabilidade dos estabelecidos
34
. Parece se
construir no assentamento uma relação nos moldes descritos por Elias (2000) quando os
novos moradores instalados são percebidos como possível ameaça ao estilo de vida já
estabelecido.
Uma estratégia que parece diluir a rejeição dos estabelecidos com relação
aos outsiders, adotada pelos carvoeiros, diz respeito ao atendimento de algumas
necessidades básicas não disponibilizadas no assentamento, especialmente no que se refere
à infra-estrutura física não existente nos lotes que se encontram localizados mais distantes
da vila.
34
Cf. Elias, Norberh. Estabelecidos e Outsiders 2000.
75
Conforme descrito anteriormente, as famílias enfrentam dificuldades no
abastecimento d`água, mesmo àquelas residentes na vila. A dificuldade é maior ainda para
os que fazem a opção em residir no próprio lote, ou lá permanecer durante a semana,
retornando para a vila nos finais de semana. Em função disso, os carros dos carvoeiros
colocam-se para estes assentados como uma alternativa na superação desta dificuldade,
através do transporte de água no chamado carro pipa.
O abastecimento de água através do carro pipa implica num custo que, na
maioria das vezes, não pode ser desembolsado pelos assentados, que optam pelos carotes
ou tambores. Durante o trabalho de campo, um tanque pipa de água contendo 10.000 litros
custava R$ 50,00 (cinquenta reais) para ser entregue no lote.
O argumento favorável à presença das carvoarias como sendo algo benéfico
remete àqueles que, por terem ficado com os lotes mais distantes da vila, necessitam de
água e carona para se deslocar e transportarem seus produtos.
No entanto, o posicionamento acerca da necessidade da utilização dos
recursos hídricos dos carvoeiros não é unânime. Uma das lideranças entrevistada diz não
concordar com o argumento que apresenta os carvoeiros como necessários ao
abastecimento de água, lembrando que as famílias haviam adquirido, através do
FOMENTO
35
, um caminhão que deveria servir às suas necessidades. Entretanto, alega que
as famílias não se dispõem a mandar consertar o caminhão, preferindo continuar
dependendo dos carvoeiros e pagar o preço que estes querem cobrar para transportar água
para os lotes.
35
È um tipo de Crédito Apoio repassado às famílias pelo INCRA para viabilizar a instalação na área de
assentamento.
76
Mesmo aqueles que não são favoráveis a presença de carvoarias no
assentamento reconhecem que os benefícios proporcionados pelas carvoarias aos
assentados são um dos principais argumentos utilizados por àqueles que as defendem. E
diz:
Tem, inclusive foi uma coisa que ainda, até pouco tempo o pessoal
reclamava por ter saído as carvoarias, porque como o assentamento tem
um perímetro muito grande, daqui pro final do lote dar numa faixa de 18 a
20 Km, então, e tinha carvoaria pra todas as vicinais que tinha dentro do
assentamento, o pessoal se beneficiava com o transporte. A gente até
lamentava e comentava com o pessoal, olha vocês tão trocando a
conservação do solo, a qualidade do meio ambiente por uma passagem,
pelo transporte de um galão de água. Porque como eles não tinham
transporte, eles dependiam desses carvoeiros pra ir e voltar pro serviço,
todo dia ia e voltava, era carona e levavam um carote d`água, então eles
aproveitavam essa forma de, o benefício que a comunidade teve era essa,
o transporte” (Entrevistado 5, 2005).
Esta vulnerabilidade, segundo o mesmo informante, possibilitou aos
carvoeiros conquistar a simpatia e apoio em favor da sua permanência no assentamento
sempre que necessitaram acionar a comunidade para manifestar junto ao INCRA o seu
apoio
.
E se firmaram, porque aí quando eles, um grupo do MST ou um grupo de
pessoas consciente dentro do assentamento começou bater de frente com
eles, eles se juntavam, eles conseguiram juntar mais gente numa
assembléia para defender a carvoaria do que o grupo consciente juntar
pessoa pra contrapor a carvoaria” (Entrevistado 5, 2005).
À medida que a instalação de fornos se intensificou no assentamento, foram
tomando forma manifestações de contraposição à permanência desta atividade no
assentamento. Esta situação acabou por dividir a opinião dos moradores, causando
problemas internos que resultaram na fragmentação do grupo.
A situação descrita anteriormente, (no capítulo 3), ocorrida no segundo
semestre de 2004, que levou um grupo de assentados ao INCRA para solicitar a ampliação
77
do prazo de funcionamento das carvoarias existentes no PA Califórnia, provocou
posicionamentos diferentes quanto à saída imediata ou não das carvoarias do
assentamento. De acordo com uma das entrevistadas, o grupo alegou que o prazo de 90
dias seria suficiente para resolver as carências, retirando os assentados da dependência dos
carvoeiros. Acrescenta ainda, que esta atitude não passou por uma discussão ampliada no
assentamento o que dividiu o grupo quanto ao posicionamento de manter ou não
funcionando carvoarias no assentamento.
No relato a seguir, o entrevistado se refere a tensão política que tem se
intensificado no assentamento e fala do posicionamento de uma das associações com
relação a atividade carvoeira.
A associação Califórnia, que é a associação pioneira era ligada ao
movimento, ultimamente houve, ta havendo um conflito entre o pessoal,
ta tendo um racha dentro, ela ta se transformando em 3 associações.
Terminou se formando em 3 associações. Tem 2 já feitas, e tão
organizando a terceira a partir dela. Ela quem ainda se colocava contra
carvoaria, só que boa parte dos carvoeiros são sócios dela. Então,
inclusive é um antagonismo dentro, enquanto a associação está
questionando, estava lutando na época pra tirar a carvoaria, vários sócios
dela estavam instalando carvoaria (Entrevistado 5, 2005).
O depoimento seguinte assinala que, inicialmente, a instalação das
carvoarias não teve o apoio da maioria das famílias assentadas, o que segundo ela, com o
passar do tempo, foi ganhando a adesão de outros assentados. Argumenta que o
posicionamento favorável é mantido pelos que direta ou indiretamente usufruem da
presença da atividade, o que significa dizer que quem trabalha e quem usufrui do carvão é
a favor e quem entende as dificuldades é contra”
36
.
36
Palavras da informante
78
No início era a maioria (contra). Hoje eu não sei nem dizer se é a maioria,
por causa que tem uma alegação aí que diz: não, vamo deixar a carvoaria
mais um tempo, o povo da siderúrgica bota água, dar uma carona e assim
por diante.
Porque ano passado pelo mês de setembro, foi pedido pelo grupo lá no
INCRA pra prolongar mais três mês.
Eles fizeram um documento e levaram lá pedindo a prorrogação da
carvoaria por mais três mês, que foi a época também de campanha. Então
a gente imagina que nós tinha um candidato a vereador aqui dentro e
talvez fosse porque ele queria né, aumentar o número de votante pra ele.
Aí a gente imagina essas coisas (Entrevistada 4, 2004).
A partir desse ponto de vista, a informante distingue dois grupos principais:
o dos favoráveis, que reúne os carvoeiros ou quem presta algum serviço nas carvoarias e
os comerciantes; e os contrários, constituído “pelos pais de família” como se refere. A
forma como representa os contrários como “pais de família”, remete-os a uma posição de
superioridade no assentamento, em relação aos favoráveis, nos moldes da sociodinâmica da
estigmatização, conforme sugerida por Elias (2000:22,23). Em Winston Parva, na relação
estabelecidos e outsiders, a classificação se dá nos moldes de uma estigmatização
valorativa dos dois grupos: os favoráveis e os contrários.
O grupo estabelecido tende a atribuir ao conjunto do grupo outsider as
características “ruins” de sua porção “pior” – de sua minoria anômica. Em
contrataste, a auto-imagem do grupo estabelecido tende a se modelar em
seu setor exemplar mais “nômico” ou normativo – na minoria de seus
“melhores” membros. Essa distorção pars pro toto, em direções opostas,
faculta ao grupo estabelecido provar suas afirmações a si mesmo e aos
outros; há sempre algum fato para provar que o próprio grupo é “bom” e
que o outro é “ruim”.
Um outro entrevistado, ao ser indagado sobre o posicionamento dos
assentados quanto à permanência das carvoarias, considera dividida a opinião das famílias,
mas chama atenção para o fato de que, em função das experiências demonstradas no
assentamento, parece se construir uma posição hegemônica no sentido de avaliar que a
79
carvoaria provoca conseqüências que não são sentidas de imediato, mas vem causando
prejuízos, pois:
Hoje ela já não é vista com bons olhos, um bom número das pessoas já
perceberam que as carvoeiras deram um grande prejuízo porque eles
compravam a mata. Uma prática que eles negociavam muito, a gente ia
fazer uma roça, o assentado ia fazer uma roça de 10, 15 linhas, 1 alqueire
aí cedia pra eles fazer a broca, eles fazer a broca e tirar a madeira, e aí
eles faziam isso de maneira lenta, faziam o serviço mal feito e aí quando
terminavam, quando tiravam a madeira, a área não tinha condição de ser
trabalhada com o plantio. A maioria das vezes não podia ser trabalhado
porque ficava muito garrancho, ficava a terra meio crua. Ficava imprópria
para o tipo de agricultura que eles costumavam fazer, além de contar que
as vezes quando eles iam desocupar essa terra era janeiro, fevereiro, já
não dava mais tempo plantar. Então esse foi um grande problema que
teve, e outro é que eles venderam, vendiam a mata, e logo depois, a
maioria das pessoas perceberam que perderam a madeira pra fazer cerca,
venderam a madeira de fazer os trabalhos de casa, venderam a madeira de
fazer os trabalhos dentro do próprio lote. Então tão comprando estaca
agora pelo preço de 3, 4 reais uma estaca, quando uma árvore que dava 80
a 100 estaca eles vendia por preço, entrava no meio aí, vendia por 10
reais, por 15 reais. Agora eles tão sentindo falta. Já tão sentindo falta.
(Entrevistado 5, 2005).
Neste depoimento é possível apreender que a atividade carvoeira contribui
para a devastação ambiental e altera a forma de exploração da terra pela atividade agrícola.
Primeiro, desconsiderando o calendário agrícola, quando deixa de cumprir os prazos de
entrega da área destinada ao plantio; segundo, na forma de fazer a limpeza da área (o
broque) deixando-a imprópria para o plantio. Outro elemento de destaque é a venda da
madeira, que poderia ser utilizada nas atividades do lote, a preços irrisórios, obrigando-os a
adquiri-la depois, em forma de estaca, a altos preços.
Os problemas ocasionados pelas carvoarias, segundo foi possível observar,
não se limitam a questão ambiental, mas provocam desdobramentos sociais no âmbito das
relações de trabalho e de convivência desencadeadas pela cadeia produtiva do carvão.
É válido destacar que no final dos anos 90 e início de 2000, a situação das
carvoarias demandou uma atenção especial das instituições que acompanham e discutem a
80
implantação do Programa Grande Carajás. Nesse rol encontram-se entidades ligadas a
questão da terra, como a CPT, a FETAEMA e os Sindicatos Rurais, e as relacionadas com a
questão ambiental, como o Fórum Carajás e o Centro de Defesa da Vida de Açailândia
37
.
O trabalho intenso de fiscalização e denúncia, contra a exploração humana e
ambiental praticada pela atividade, aumentou a pauta de reivindicação das instituições
atuantes nesse campo, que passaram a se articular no sentido de dar visibilidade as
problemáticas inerentes ao carvoejamento.
Desta forma, o trabalho em carvoarias passou a ser alvo de fiscalizações
pelo Ministério do Trabalho, em decorrência de denúncias da existência de super-
exploração do trabalho, trabalho escravo e trabalho infanto-juvenil.
O depoimento de um entrevistado denuncia que nas carvoarias do
assentamento era possível identificar degradação ambiental e situação de trabalho
degradante e infantil:
Olha há 2, 3 anos atrás. Há 3 anos atrás aqui dentro acho que tinha mais
de 10 carvoarias, tinha várias carvoarias, muitas e aí foi um período de
desmatamento assim muito grande inclusive o problema ecológico foi
terrível, que era estimulada pelas grandes siderúrgicas e aí muitos
assentados passaram a trabalhar com carvão e aí como o carvão, a
produção do carvão ele a rede de produção, como é que chama?a chamada
cadeia produtiva do carvão, ela envolve vários setores, aí a gente tinha
dentro das carvoarias, o trabalho escravo, que era pago baixo salário e
acaba sendo caracterizado como trabalho escravo, o trabalho infantil, que
a gente encontrava crianças de 10 anos, menos de 10 anos trabalhando,
envolvia a prostituição, inclusive, prostituição infanto-juvenil, que a
maioria das meninas que desciam pras carvoarias, as vezes meninas do
próprio assentamento que descia pra carvoaria, as vezes pra beneficiar
com sobra de carvão e acabavam se prostituindo lá dentro. Tinha o
envolvimento com drogas, tanto as drogas lícitas, drogas liberadas como o
álcool, como a maconha, principalmente a maconha, rolava assim
descaradamente. Esses problemas levou ao Centro de Defesa a fazer
fiscalização, fazer denúncias e aí inclusive teve, a polícia federal teve aqui
conosco, intimou algumas pessoas que moravam lá dentro do
37
Estas entidades passam a desempenhar um papel fundamental no âmbito da formulação do problema e
realização de eventos que possam dar visibilidade e promover a articulação conjunta de ações reivindicatórias
junto ao governo brasileiro.
81
assentamento, do setor de carvoaria tinha muita gente de fora que tinha
envolvimento com menores foram chamados a depor e outros problemas,
vários problemas” (Entrevistado 5, 2005).
O trabalho na carvoaria, na maioria das vezes, é informal, temporário e sem
garantia de pagamento do salário mínimo. Os estudos sobre a atividade de carvoejamento
(Carneiro, 1997; Monteiro, 1998; Cardoso, 2002; Barroso, 1998) têm demonstrado que as
condições de trabalho existentes são precárias, degradantes e penosas. Na carvoaria não
são disponibilizados aos trabalhadores equipamentos de proteção individual e
medicamentos de primeiros socorros.
4.1 – Os carvoeiros do PA Califórnia
Como afirmei anteriormente, durante o período de trabalho de campo a
quantidade de carvoarias funcionando no assentamento sempre foi instável. De qualquer
forma, foi possível fazer uma caracterização das carvoarias existentes, tendo como base o
mapeamento que elaborei com o auxílio de um morador do assentamento, acrescido de
informações obtidas durante a pesquisa.
As carvoarias ficam localizadas em lotes que se encontram distante da vila
do assentamento, o que significa que ficam mais próximas da matéria-prima. Apenas uma
carvoaria funciona nas mediações da vila, o que desencadeou, por parte dos seus
moradores, manifestações contrárias ao seu funcionamento, alegando a poluição provocada
pela fumaça dos fornos.
Até onde foi possível acompanhar, identifiquei a existência de 09 carvoarias.
Destas, inicialmente 03 tinham os fornos arrendadas e as outras 06 eram de
82
responsabilidade do proprietário do lote. Na última viagem, a situação de uma carvoaria
havia se modificado, deixou de ser arrendada para ser administrada pelo proprietário do
lote.
Apenas dois carvoeiros não possuem lotes no assentamento. Entre os sete
carvoeiros assentados, três entraram na área no período da desapropriação da fazenda, os
outros quatro, adquiriram lotes posteriormente, comprando daqueles que desistiram de
permanecer no assentamento. Muitos deles estão articulados às associações de moradores.
Quatro são sócios da Associação dos Agricultores do Assentamento Califórnia, um tem a
esposa
38
como sócia da mesma associação. Apenas um pertence a Associação São José e os
demais, não estão ligados a nenhuma associação.
De acordo com o levantamento da situação de cada carvoaria, foi
identificada a existência de uma média de 17 fornos por carvoaria. A carvoaria que possui
menos fornos tem 13 e a maior carvoaria possui 60 fornos. Vale ressaltar que este não é um
número exato pois não foi possível percorrer todas as carvoarias para confirmação da
informação. Além do que, é comum a queda de fornos que nem sempre são reativados
pelos responsáveis.
Muito embora as carvoarias estejam sob a responsabilidade de assentados, o
que se obteve de informação foi que a grande massa de trabalhadores envolvida na
atividade carvoeira se constitui de pessoas que não pertencem ao assentamento.
38
Ela se apresenta como sendo responsável pela carvoaria, inclusive é chamada por alguns trabalhadores de
“gata”, feminino do agente intermediário comum na cadeia produtiva, que são os gatos ou empreiteiros, são
agenciadores de mão-de-obra, sendo deles o controle e distribuição da força de trabalho.
83
No caso da carvoaria daquele que se tornou meu informante, constatei que
nenhum deles pertencia ao assentamento e tinham sido atraídos para o mesmo em função
do carvoejamento.
Percebi que minha permanência na carvoaria incomodava não apenas o
dono dos fornos, mas também a esposa do carvoeiro e os trabalhadores da carvoaria.
Sempre que me aproximava dos fornos o seu proprietário fazia questão de me retirar,
alegando que eu não deveria me expor a tanto calor e fumaça. De fato, o calor que se sente
quando se fica no meio dos fornos é muito grande e a quantidade de fumaça dificulta a
respiração, deixando a roupa e no corpo impregnados com seu cheiro.
A fotografia a seguir demonstra a camada de fumaça que se forma, dando um aspecto de
tempo nublado, mesmo numa tarde ensolarada.
Fotos 13 e 14: Fornos em processo de carbonização
84
Observei que os trabalhadores realizavam suas atividades sem
equipamento
39
de proteção. Segundo a esposa do carvoeiro, os trabalhadores não usam o
equipamento porque não querem: “Eu fico dizendo pra eles usar as roupa de segurança e
eles num usa. Lá em casa tem luva, tem bota, tem tudo. Mas eles não usa. Depois quando
acontece alguma coisa, faz que nem ainda agora que o motoqueiro, chegou machucado,
com o pau que bateu no pau da venta dele”.
Nesse dia ocorreram dois acidentes na carvoaria. O do trabalhador que foi
atingido no rosto por um galho de uma árvore, retornando para casa mais cedo e o de uma
criança que se queimou ao brincar próximo das cinzas que são retiradas dos fornos e ficam
amontoadas nas suas proximidades. .
A criança, uma menina de aproximadamente 9 anos de idade, filha da
proprietária do lote em frente, estava brincando com seu irmão menor, quando resolveu vir
ao encontro de sua mãe, que tinha vindo buscar um balde d`água no vizinho. Ao pisar nas
cinzas, queimou os pés. Imediatamente a criança se jogou no chão aos prantos. Sua mãe
ordenou que retornasse para casa, parecendo não entender direito o que estava acontecendo.
Em seguida, o irmão menor veio até a mãe, explicando que o choro devia-se ao fator dela
ter se queimado.
Fiquei surpresa com a atitude da mãe, que dizia achar bem feito o ocorrido,
porque a criança sabia que ali tinha fogo e andava descalça. Em seguida, pegou o balde
d´água e se dirigiu para casa. Resolvi acompanhá-la até sua casa e constatei que a criança
39
Observei alguns trabalhadores usando como calçado a bota para proteger os pés. Em uma das
oportunidades, um dos trabalhadores que esvaziava o forno de carvão embora usasse bota, encontrava-se
usando bermuda, ficando com as pernas expostas.
85
tinha os pés avermelhados devido a queimadura, o que lhe fazia chorar bastante.
Felizmente, a queimadura não foi de grandes proporções.
O relato de acidentes ocorridos nas carvoarias é constante. O mais grave é
que quase sempre os carvoeiros são acusados de não prestar o socorro necessário à vítima.
Para ilustrar o descaso dos carvoeiros, uma entrevistada relatou duas situações recentes.
Teve um rapaz que adoeceu e ele foi tomar injeção comigo lá no meu
barraco, porque o patrão não socorre na hora que precisou. Nós temo um
monte de caso aqui, que as vez ele adoece lá, machuca um osso, vem pra
cá pro posto de saúde.
Um rapaz não é daqui, tem só família, perdeu um dedo na carvoaria, sabe
como é as carvoarias daqui mas ele vinha. Perdeu o dedo. Foi levado pra
Imperatriz, lá ele passou três dias encima da cama, ninguém dar
assistência. Então é o seguinte, desse jeito que as coisa acontece. Pra ele
ser atendido foi obrigado a família ir lá e discutir até com o médico pra
ser atendido, porque o patrão não deu a mínima. Tão prova que ainda hoje
ta aí andando de moleta, tem uns quatro mês (Entrevistada 4, 2005).
Para a entrevistada, o descaso dos carvoeiros em relação às vítimas de
acidentes, se deve ao fato dos trabalhadores não pertencerem ao assentamento, deixando-
os, na sua avaliação, mais vulneráveis a situações de abandono.
Para uma das entrevistadas, a carvoaria tem um significado negativo e
justifica afirmando que, quando o funcionamento das carvoarias era mais intenso no
assentamento, os problemas existentes eram freqüentes. Segundo ela, as carvoarias atraiam
os jovens do assentamento: “as meninas”, como se refere, envolvendo-as em situações de
prostituição e, os garotos, que iam para trabalhar, tornando-os usuários de drogas
40
. Resume
afirmando que em “carvoaria só rola coisa que não presta mesmo”.
Em seu estudo, Cardoso (2002) identificou o consumo de álcool como algo
recorrente entre os trabalhadores das carvoarias, presenciando inclusive a ingestão de
40
Segundo relatos, as drogas mais consumidas são o álcool e a maconha.
86
bebida alcoólica por uma criança, que juntamente com outros membros de sua família,
participava da atividade de carvoejamento.
O uso de drogas como sendo algo freqüente nas carvoarias foi mencionado
por alguns assentados. Esta situação foi observada em outros momentos de contato com
trabalhos em carvoarias, o que talvez requeira um estudo detalhado.
Conversando com a companheira do motorista do caminhão da carvoaria
41
,
a mesma comentou que não entendia como os trabalhadores da carvoaria podiam usar o
dinheiro, fruto de uma atividade tão árdua, em bebidas e mulheres. Segundo relatou, essa é
a destinação mais comum que os trabalhadores dão ao seu pagamento. Confessou que se ela
não se fizesse presente
42
, seu companheiro faria a mesma coisa que a maioria, ou seja,
“gasta todo o dinheiro que recebe com farras”.
Sobre a destinação do pagamento recebido pelos serviços na carvoaria, uma
entrevistada explicou que muitas vezes, o recurso é gasto no próprio assentamento por
àqueles que recebem. Segundo ela, o recurso geralmente é gasto com cachaça.
Outro entrevistado, referindo-se aos problemas ocasionados, muitas vezes
pelo uso excessivo do álcool, atribuiu a responsabilidade dos atos inadequados, às pessoas
que não pertencem ao assentamento, os outsiders sem, entretanto desconsiderar a
participação dos assentados, reconhecendo que “os de fora” tinham o consentimento dos
mesmos.
41
Trata-se do caminhão responsável pelo transporte da lenha até os fornos da carvoaria onde realizei o
trabalho de observação.
42
Seu companheiro trabalha e reside em Açailândia e ela, juntamente com os filhos, mora em Vitorino Freire.
Como o companheiro não tem disponibilidade de tempo para visitá-la é ela que sempre vai ao seu encontro.
Explicou-me que suas idas devem coincidir com a data de recebimento de pagamento do companheiro.
87
4.2 – Funcionamento das carvoarias: reações internas e externas
O funcionamento das carvoarias divide os assentados quanto à aceitação ou
rejeição da atividade. Destacam-se como elemento de aceitação, os benefícios
proporcionados pelos carvoeiros aos assentados e de rejeição, a agressão aos recursos
naturais desencadeados pela atividade carvoeira.
O carvão pode ser obtido das seguintes fontes: reflorestamento, Plano de
Manejo Florestal Sustentável – PMFS, casca do babaçu, resíduos e uso alternativo do solo.
O reflorestamento consiste no plantio de espécies madeireiras nas áreas
exploradas.
O Plano de Manejo é o uso autorizado de madeira nativa. Pode ser da
reserva legal ou de uma área qualquer de um proprietário, de onde se retiram as plantas
mais velhas, de forma planejada. O manejo florestal sustentado consiste em garantir a
regeneração da floresta, podendo envolver vários tipos de tratamento florestal.
A carbonização do coco babaçu é uma alternativa utilizada pelas
siderúrgicas no suprimento da demanda de carvão. Isto tem sido motivo de debate entre as
quebradeiras de coco babaçu e as organizações voltadas ao extrativismo vegetal. O
Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu – MIQCB manifesta suas
restrições, pois a proposta das siderúrgicas consiste na transformação do coco inteiro o que
impede a utilização da amêndoa e do mesocarpo.
O beneficiamento da madeira feito pelas serrarias gera uma grande
quantidade de resíduos que são destinados à produção de carvão vegetal, realizada pelo
proprietário da serraria ou vendida para produtores de carvão.
88
Foto 15: Resíduos de serrarias para fabricação de carvão vegetal- Pequiá
Anteriormente, os resíduos eram doados
43
à população ou comercializados
para cerâmicas. Mas dada à quantidade de resíduos, estes se constituíam uma despesa para
o proprietário das serrarias que tinham que queima-los no pátio da serraria (Pereira, 1999).
Com o aproveitamento dos resíduos antes incinerados passa-se obter uma
renda extra, nesse aspecto, a produção de carvão vegetal surgiu para as serrarias como uma
atividade complementar (Carneiro, 1995).
O uso alternativo do solo é uma modalidade de exploração da mata nativa, e
para tanto o responsável pela exploração deve obter junto IBAMA, uma autorização que
permita o desmatamento de uma área e no reaproveitamento do material lenhoso dessa área
para ser transformado em carvão.
43
A população utilizava os resíduos, que equivale a sobras das serragens, na construção de casas ou para
cercar quintais. A doação tinha para as serrarias e madeireiras um sentido econômico, visando baratear os
custos com a limpeza dos pátios dos estabelecimentos.
89
Foto 16: Madeira para fabricar carvão vegetal, Fazenda em Açailândia
Durante os trabalhos de campo, dois carvoeiros disseram possuir
autorização do IBAMA para fabricar carvão no assentamento. Buscando confirmar esta
informação me dirigi ao escritório do IBAMA em Imperatriz e posteriormente a sede em
São Luís. Pesquisando os arquivos do referido órgão não foi localizado nenhum documento
que comprovasse a informação.
Por se tratar de uma área de assentamento, as duas possibilidades de obter
matéria-prima para fabricação de carvão, com a autorização do IBAMA, seria através do
Plano de Manejo Florestal Sustentável - PMFS e do uso alternativo do solo. Entretanto, não
consta nos registros do órgão nenhuma autorização, considerada apta, para Plano de
Manejo para o município de Açailândia no período que compreende os anos de 2002 a
2005. Da mesma forma, não foi localizado autorização, homologada ou cancelada, para o
uso alternativo do solo no mesmo intervalo de tempo (IBAMA, 2005).
90
Por se tratar de área de assentamento, a elaboração de planos de manejo
deve se dar em nome de uma associação existente no assentamento. Isso não foi
identificado no assentamento, pois dos existentes no PA Califórnia a maioria são sócios da
Associação Califórnia, que não possui nenhum plano de manejo em seu nome, ao contrário,
é a associação que mais se posiciona contra a atividade carvoeira.
Internamente, a Associação dos Agricultores do Assentamento Califórnia foi
quem encampou a bandeira de oposição à implantação das carvoarias no assentamento.
Contraditoriamente, a maioria dos carvoeiros do assentamento pertence ao quadro de
sócios desta associação.
Sendo a referida associação a primeira que foi criada no assentamento, é a
que possui o maior número de associados, pois perante o INCRA, esta é a entidade de
representação dos assentados, portanto, a que se encontra apta ao recebimento de créditos
aos quais os assentados têm direito. Com o passar do tempo, outras associações foram
fundadas e adquirindo o status de representatividade dos assentados no PA Califórnia.
As observações do trabalho de campo me levam a afirmar que politicamente,
a Associação dos Agricultores do Assentamento Califórnia ainda detém um poder não
alcançado pelas demais. Talvez isso se deva ao próprio perfil dos seus associados, por ainda
congregar o maior número de pessoas que já participavam de alguma forma organizativa
(associações, sindicato, MST), ou que ao chegarem no assentamento, se envolveram na
militância do MST.
Um dos entrevistados, identificado como pertencendo ao grupo favorável a
permanência das carvoarias no assentamento, indagado sobre o funcionamento destas,
afirmou que não possuem autorização para funcionar, destacando que o MST é contra a
91
atividade carvoeira, mas segundo ele, quem tem poder de intervir é o INCRA e em resumo
disse: “ a carvoaria não tem autorização. O carvão é ilegal. Carvoeira em assentamento
não legaliza. A reserva ta pequena” (Entrevistado 2, 2005).
Para a Unidade Avançada do INCRA de Açailândia as carvoarias existentes
em áreas de assentamentos foram todas desativadas. No caso do PA Califórnia, esta
Unidade informou que foi feito um acordo proposto pelos próprios assentados para
ampliação do prazo de funcionamento das carvoarias (os 90 dias já citados), mas que as
mesmas já haviam sido fechadas.
No INCRA de São Luís, os técnicos contactados não negaram a
possibilidade de existência das carvoarias, admitindo a provável irregularidade das
mesmas, avaliando que o órgão não tem condição de acompanhar e exercer um maior
controle sobre as áreas assentadas, explicando que as ações muitas vezes têm um caráter
pontual.
O IBAMA como alega ter poucos fiscais acaba fazendo vistas grossas.
O INCRA aqui de Açailândia terminou não tendo pulso com essa
atividade
O MST foi que formou um grupo de resistência e levou essa questão
várias vezes pro INCRA e a última negociação que fizeram lá, que o MST
propôs pra o INCRA era um prazo de 90 dias, pra o INCRA tirar esses
carvoeiros daqui e um bom número de pessoas saíram, porque nesse
mesmo período, por pressão o IBAMA também pressionou as
siderúrgicas e as siderúrgicas foram obrigadas a retirar o material deles.
Agora, os produtores independentes, que não eram ligados a siderúrgicas,
continuaram e aí foi dado esse prazo de 90 dias (Entrevistado 5, 2005).
Com isso, é possível presumir que as carvoarias instaladas no assentamento
funcionam de forma clandestina, uma vez que contrariam as instruções normativas do
IBAMA que regem a implantação de planos de manejo na exploração da madeira existente.
92
Por sua vez, o MST persiste na implementação de ações de caráter sócio-
educativas, realizando capacitações, seminários e oficinas temáticas no assentamento, ao
mesmo tempo, realiza denúncias junto aos órgãos competentes, das irregularidades
identificadas nas carvoarias.
Uma entrevistada explica que por se tratar de uma “questão complicada”, as
próprias ações do MST no combate ao carvoejamento encontram resistência e não
conseguem envolver os assentados. Para ela, a dificuldade de intervenção nas carvoarias se
assemelha as tentativas de impedir a venda de lotes no assentamento. Sendo a venda de
lotes uma das estratégias de inserção da atividade carvoeira, não fica difícil entender
porque as duas situações apresentam dificuldades semelhantes.
4.3 – O carvoejamento como uma atividade ilegal
Desde as primeiras tentativas de aproximação com os carvoeiros no
assentamento, percebi por parte destes um sentimento de medo e recusa em falar sobre a
temática. Com o passar do tempo, conclui que este sentimento de medo, atingia também
àqueles que não estão envolvidos no carvoejamento.
Percebi que o sentimento de medo variava segundo as circunstâncias e as
pessoas. O carvoeiro tem medo de se identificar como tal, por causa da fiscalização,
omitindo a realização da atividade. O assentado, que não está envolvido na atividade, tem
medo da censura e da repressão dos carvoeiros ou de outros assentados, recusando-se de ir
à carvoaria ou a expor publicamente seu posicionamento.
93
Estudando situações de escravidão por dívida no Brasil contemporâneo,
Figueira (2004), dedica um capítulo do seu trabalho a analisar as diferentes situações de
medo a que estão submetidos os diferentes agentes sociais da relação de trabalho escravo.
Afirma que todos compartilham algum tipo de medo, experimentando-o em graus e
situações diferentes. Para o autor (2004: 157), “o medo aumenta ou diminui dependendo da
capacidade de compreensão do que se passa, dos riscos, dos mecanismos de se lidar com
eles e ainda de administrar os mecanismos subjetivos e objetivos de desfazimento
temporário ou definitivo desse feitiço”.
A observação de Figueira permitiu-se perceber determinadas reações
manifestadas pelos carvoeiros e assentados em geral, durante os trabalhos de campo.
Assim, passei a apreender as diferentes reações manifestadas pelos informantes como sendo
sintomas do medo causado pela presença da pesquisadora: o proprietário do lote impedindo
minha aproximação com os trabalhadores da carvoaria; carvoeiros evitando conversar
comigo; lideranças fazendo denúncias com a ressalva de que não poderiam ser divulgadas;
técnicos que fugiam das minhas indagações, ou me encaminhavam para outros.
Figueira (2004:161) assinala que falar é se expor a outros que manifestarão
reações de indiferença ou não. Em suas palavras:
Falar, positiva ou negativamente, utilizando a voz rápida, indiferente ou
suave, implica discorrer a partir de algo bem ou mal conhecido; comentar
ou comemorar uma novidade; recordar fatos bem ou mal vividos, sabidos
ou imaginados; construir relações melhores, formar novos contatos e
sedimentar antigos ou criar rupturas, provocar tensões, ensinar e influir.
94
O comportamento de medo manifestado pelos carvoeiros traduz a assertiva
de Figueira (2004:164), que assinala que o lugar social ocupado pelos informantes interfere
diretamente nas suas ações e reações.
O informante ocupa um lugar social na família, na comunidade, na
cidade, é considerado uma testemunha imparcial, vítima e/ou ator do fato
narrado. Ele tem memória recente dos fatos, com precisão de datas e
nomes, ou é capaz de contar fragmentos da história, porque as lembranças
não são consistentes, porque não viu, não perguntou, nem conheceu ou
experimentou tudo. Ou porque viu mais do que foi capaz de falar,
existindo razões objetivas ou subjetivas para não dizê-lo.
Uma das entrevistadas, muito fluente na narrativa sobre sua chegada no
assentamento, sua família, a importância de ter seu pedaço de terra, quando indagada sobre
a atividade com carvoaria, omitiu a informação. Muito embora a pesquisadora tivesse
empreendido tentativas de abordar a produção de carvão, a entrevistada só confirmou sua
inserção nessa atividade, de forma muito superficial, no final da entrevista, dando a
entender que se tratava de atividade secundária, quando no assentamento a representação
que se tem, é de que o carvoejamento seja sua atividade principal.
Em algumas entrevistas a presença do medo foi percebida em situações
palpáveis, visíveis e reais e em situações indefinidas. Ele se manifestou em relação a
fiscalização, a denúncia, a violência e ao receio em falar.
95
5. CONSIDERAÇÕES
O estudo ora realizado pretendeu analisar as estratégias de inserção da
atividade carvoeira em áreas de assentamentos rurais. Para tanto, foi eleito como campo
empírico, o PA Califórnia para a realização de um estudo de caso.
A investigação ficou em parte prejudicada, pelo receio mantido pelos
carvoeiros em sofrerem ações de fiscalização e denúncias, devido às irregularidades
existentes nas carvoarias, fazendo-os guardar silêncio e distância de estranhos que chegam
ao assentamento, no caso, a pesquisadora.
Considerando as condições dadas, partir para a identificação das estratégias
utilizadas para inserir o carvoejamento no PA Califórnia, constatando como principal
instrumento, a viabilização de benefícios de infra-estrutura (água, estrada e transporte)
pelos carvoeiros aos assentados. Este procedimento contribuiu significativamente para que
os carvoeiros conquistassem a simpatia daqueles que inicialmente se posicionavam contra a
atividade.
Os entrevistados apontaram as siderúrgicas, as maiores interessadas na
fabricação de carvão, como financiadoras do processo de implantação das carvoarias no
assentamento. O que se deu com as siderúrgicas assumindo a responsabilidade de abrir
estradas vicinais no assentamento e arcar com as despesas da construção dos fornos, tendo
em troca, a exclusividade no momento de comercialização do carvão vegetal pelos
carvoeiros.
A difusão do carvoejamento foi facilitada pela presença de pessoas
interessadas em desenvolver a atividade. Para tanto, passaram a arrendar lotes de
96
assentados que permitiam a construção de fornos de fabricar carvão. Ao mesmo tempo,
apresentava aos assentados, uma alternativa que facilitaria, segundo argumentavam a
abertura de áreas destinadas a fazerem roça, responsabilizando-se pela etapa inicial, a do
broque, obtendo em troca o material lenhoso oriundo daquela para área, para ser
transformado em carvão.
O resultado dessa negociação levou alguns assentados terem prejuízos, em
função dos carvoeiros muitas vezes não ter entregue as áreas (brocadas) no período certo,
interferindo no plantio da roça, ou por estas áreas, devido a forma da limpeza, não se
apresentarem adequadas ao plantio.
O carvoejamento é apontado pelos assentados, como tendo acelerado o
processo de degradação ambiental, devido a exploração predatória e desordenada na
obtenção da madeira utilizada para fabricação de carvão vegetal. Por outro lado, as
carvoarias se apresentam como uma fonte monetária atrativa para os assentados.
Alguns carvoeiros que se encontravam no assentamento como arrendatários
adquiriram lotes. Com isso, a grande maioria dos carvoeiros do PA Califórnia adquiriu a
condição de assentado. Ocorre que, através da venda de lotes, por parte de alguns
assentados, foi facilitada a entrada de pessoas que não participaram do processo de
desapropriação da fazenda.
A existência do carvoejamento no assentamento é atribuída a presença das
pessoas “de fora”, o que provocou no assentamento, uma relação nos moldes estudados por
Elias (2000), dos estabelecidos e outsiders, desencadeando uma relação de tensão e
conflito, que algumas vezes foge ao controle das organizações atuantes no assentamento,
seja no âmbito interno, como as associações, ou externo, como o INCRA e o MST.
97
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Fórum Carajás. Relatório do I Encontro de Trabalhadores(as) em Carvoarias. São
Luís-MA. 2002(fevereiro).
101
APÊNDICES
102
Ficha Perfil
1.Identificação:
Nome:
Apelido:
Idade: Naturalidade:
Estado civil: Tem filhos/as? Quantos/as?
Situação no PA?(se cadastrado, desde quando?)
É sócio da associação? Qual? Desde quando?
Local de moradia: na agrovila ou no lote?
Quantas pessoas residem na casa? (preencher quadro em anexo)
2.Trajetória:
Como entrou no PA?
Quando chegou no PA?
Onde residia antes?
Naturalidade:
3.Atividades desenvolvidas: identificar as atividades realizadas
3.1 Trabalho com agricultura
Onde trabalhava?
O que plantava?
Tamanho médio das roças:
Pagava renda?
3.2 Trabalho com carvoaria
Quando começou?
Como (qtde de fornos, etc.)
Quem construiu os fornos?
Por quê?
Quantas pessoas estão envolvidas?
O que fazem?
Tem parente?
De onde tiram a lenha?
Como adquirem?
103
Como é o pagamento?
E o carvão para quem vendem? Por quanto?
Quais despesas tem com a carvoaria? Como funciona?
Pontos POSITIVOS e NEGATIVOS (Facilidades/dificuldades)
Quadro I:Pessoas que residem na casa do/a assentado/a
NOME
IDADE GRAU DE
PARENTESCO
ESOLARIDADE PROFISSÃO
104
Roteiro de Entrevistas Individuais
1. Dados de Identificação
Trajetória
Atividades desenvolvidas
Inserção no PA: Como quando se deu? O que motivou?
2. Avaliação do PA
O que melhorou?
E o que piorou?
A vida no PA: DIFICULDADES e FACILIDADES
3. Participação nas decisões do PA:
Participa da ASSOCIAÇÃO (qual e como?) dos PROJETOS (quais? O que?
Quanto recebeu?) ATER (desde quando?)
4. Sobre as atividades do PA:
Quais?
Descrever
5. Sobre CARVOARIA:
Como vê seu funcionamento?
Trás benefícios (Por que? Quais?)
Prejuízos (quais?)
Que tipo de problemas pode ser causado pela carvoaria?
Como a atividade é vista no assentamento? Gera trabalho par o PA? E Dinheiro?
Como a carvoaria é vista pelo : INCRA, IBAMA, MST, ASSOCIAÇÃO, etc.
6. Para LIDERANÇAS:
Histórico das ASSOCIAÇÕES (nome, fundação, nº de sócios, motivo criação,
projetos adquiridos, nº participantes, situação dos projetos);
7. Perfil dos sócios
Sócios por gênero, forma de contribuição, participação nas decisões.
105
ANEXOS
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