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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUISTA FILHO”
Faculdade de Ciências - Campus Bauru
Programa de Pós-Graduação em Educação para a Ciência
Leandro Henrique Wesolowski Tavares
A HISTÓRIA DA CIÊNCIA NAS OBRAS DE QUÍMICA DO PROGRAMA
NACIONAL DO LIVRO DIDÁTICO PARA O ENSINO MÉDIO: UMA
ANÁLISE ATRAVÉS DO CONCEITO DE SUBSTÂNCIA
Bauru
2010
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Leandro Henrique Wesolowski Tavares
A HISTÓRIA DA CIÊNCIA NAS OBRAS DE QUÍMICA DO PROGRAMA
NACIONAL DO LIVRO DIDÁTICO PARA O ENSINO MÉDIO: UMA
ANÁLISE ATRAVÉS DO CONCEITO DE SUBSTÂNCIA
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Educação para a
Ciência, da Faculdade de Ciências da
Universidade Estadual Paulista - Campus
Bauru, como parte dos requisitos para
obtenção do Título de Mestre, sob
orientação da Profa. Dra. Silvia Regina
Quijadas Aro Zuliani.
Bauru
2010
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DIVISÃO TÉCNICA DE BIBLIOTECA E DOCUMENTAÇÃO
UNESP - BAURU
Tavares, Leandro Henrique Wesolowski.
A História da Ciência nas Obras de Química do
Programa Nacional do Livro Didático para o Ensino
Médio: uma análise através do conceito de
substância / Leandro Henrique Wesolowski Tavares,
2010.
167 f.
Orientadora: Silvia Regina Quijadas Aro Zuliani
Dissertação (Mestrado)– Universidade Estadual
Paulista. Faculdade de Ciências, Bauru, 2010
1. Livro Didático. 2. História da Ciência. 3.
Conceito de Substância. I. Universidade Estadual
Paulista. Faculdade de Ciências. II. Título.
4
5
A minha mãe, meu pai e minha irmã.
Agradeço pelo apoio incondicional.
6
AGRADECIMENTOS
Agradeço à professora Silvia pela ajuda, orientação, companheirismo e pela
superação dos desafios enfrentados nessa caminhada.
Aos meus pais e familiares que sempre apoiaram meus estudos.
Aos professores Fernando e Megid pelas contribuições enriquecedoras à minha
pesquisa.
Aos professores da pós-graduação da UNESP que possibilitaram novas leituras,
análises e reflexões educacionais.
Aos funcionários da pós que sempre estiveram presentes e atenciosos.
Aos colegas da pós-graduação - Aline, André, Caroline (Carólzinha), Caroline
(Carólzona), Eliza, Gilsara e Jorge. Obrigado por fazerem parte constate dessa etapa da
minha formação e, em especial, por me lembrarem das datas e prazos da pós.
A CAPES pelo apoio financeiro para o desenvolvimento desta pesquisa.
A Deus, obrigado por tudo!
7
“Livros não mudam o mundo, quem
muda o mundo são as pessoas. Os
livros só mudam as pessoas.”
Mário Quintana
8
RESUMO
O Programa Nacional do Livro Didático para o Ensino Médio (PNLEM)
enquadra-se dentro de uma política pública de avaliação, compra e distribuição de obras
didáticas aos professores e alunos
de escolas públicas, sendo uma medida recente que
atendeu, progressivamente, as disciplinas de Língua Portuguesa, Matemática, Biologia,
História, Química, Física e Geografia no Ensino Médio. Referente à Química, os livros
didáticos enviados pelas editoras foram submetidos, em 2007, a várias etapas de análise
por uma equipe de especialistas da área de Química de universidades públicas e
privadas. Como resultado foi elaborado o Catálogo do Programa Nacional do Livro
para o Ensino Médio (PNLEM/2008: Química), um documento que apresenta e discute,
via resenha, as características das obras aprovadas, seguidas pela ficha avaliativa, no
anexo. Entre os eixos orientadores dessa ficha de avaliação critérios, eliminatórios e
classificatórios, referentes à natureza da Ciência. Mas, apesar de considerarem a
História da Ciência na análise, verificamos que esse aspecto - natureza da Ciência - é
relatado de forma vaga nas breves resenhas de alguns livros pelo Catálogo. Dessa
forma, investigamos como essas obras de Química apresentam a História da Ciência,
sendo escolhido o conceito de substância química para tal verificação, uma vez que a
construção dessa temática releva uma riqueza histórico-epistemológica ao longo dos
anos. A análise desses materiais didáticos foi fundamentada na análise de conteúdo, um
viés que possibilitou a construção de categorias para a leitura crítica do material, com
subseqüente identificação das características das obras. Os dados obtidos revelam que
alguns autores levam em consideração, em maior ou menor grau, aspectos histórico-
epistemológicos no tratamento de alguns conceitos, mas necessidade de reverem
algumas questões limitadas ou ausentes, como a discussão sobre a metodologia
científica e o papel das influências econômico-político-sociais no processo de
construção dos conceitos químicos. Nesse caminhar, acreditamos que o investimento na
melhoria das formações inicial e continuada dos professores também é uma ação a ser
repensada, criando condições mais adequadas para os docentes adaptarem e usarem
metodologias e recursos didáticos variados no processo de ensino-aprendizagem.
Palavras-chave: Livros Didáticos; História da Ciência; Conceito de Substância
9
ABSTRACT
The National Program of the Textbook for High School (PNLEM) it’s a public
politic of evaluation, purchase and distribution of textbooks to the teachers and students
of the public schools, being a gradual action for disciplines of the High School, as
Portuguese Language, Mathematical, Biology, History, Chemistry, Physics and
Geography. In the Chemistry area, its textbooks sent by publishing companies had been
submitted, in 2007, to some stages of analysis by a specialists’ set of the area of
Chemistry of public and private universities. As result was elaborated the Catalogue of
the National Program of the Textbook for the High School (PNLEM/2008: Chemistry),
a document that presents and argues the characteristics of the textbooks approved,
followed for the valuation fiche, in the annex. It enters axles of this valuation fiche has
criteria, eliminatory and classificatory, referring to the nature of Science. But, although
analysis to consider the History of Science, we verify that this aspect - nature of Science
- is treaty of vacant form in the brief review of some textbooks by Catalogue. Thus, we
investigate as these Chemistry textbooks explore the History of Science, being chosen
the chemical substance concept for this verification, a time that the construction of this
thematic presents a rich historical-epistemological description. The analysis of these
didactic materials was based on the content analysis, a technique that made possible the
construction of categories for the critical reading of the material, with subsequent
identification of the characteristics of the textbooks. The results show that some authors
worked, in greater or minor degree, historical-epistemological aspects in the treatment
of some concepts, but it has necessity to review some limited or absent questions, as the
discussion on the scientific methodology and the paper of the economic-politician-
social influences in the process of construction of the chemical concepts. Moreover, we
believe that the investment in the initial and continued formations of the teachers also
can to be improvement, creating conditions to the professors modify and to use varied
methodologies and didactics tool in the teach-learning process.
Keyword: Textbooks; History of Science; Substance Concept
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LISTA DE ABREVIAÇÕES
CIBP - Centro de Ilustração Botânica do Paraná
CNLD - Comissão Nacional do Livro Didático
COLTED - Conselho do Livro Técnico e do Livro Didático
COLTED - Comissão do Livro Técnico e do Livro Didático (com o Decreto nº 59.355)
FAE - Fundação de Assistência ao Estudante
FENAME - Fundação Nacional do Material Escolar
FINEP - Financiadora de Estudos e Projetos
FNDE - Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação
INAE - Instituto Nacional de Assistência ao Estudante
INL - Instituto Nacional do Livro
MEC - Ministério da Educação
PCN - Parâmetros Curriculares Nacionais
PLID - Programa Nacional do Livro
PLIDEF - Programa do Livro Didático para o Ensino Fundamental
PLIDEM - Programa do Livro Didático para o Ensino Médio
11
PLIDES - Programa do Livro Didático para o Ensino Superior
PLIDESU - Programa do Livro Didático para o Ensino Supletivo
PNLA - Programa Nacional do Livro Didático para a Alfabetização de Jovens e Adultos
PNLD - Programa Nacional do Livro Didático
PNLEM - Programa Nacional do Livro Didático para o Ensino Médio
RRD - Reconstrução Racional Didática
SEB - Secretaria de Educação Básica
UEM - Universidade Estadual de Maringá
UNESP - Universidade Estadual Paulista
UNICAMP - Universidade Estadual de Campinas
USAID - United States Agency International for Development
12
LISTA DE FIGURAS
Figura 1. Esquema ilustrativo das concepções de Aristóteles sobre os 4 elementos e suas
respectivas qualidades ............................................................................................... p. 52
Figura 2. Esquema ilustrativo do instrumento utilizado por Rutherford e Geiger para o
método elétrico de contagem das partículas alfa emitidas por substâncias radioativas .. p. 72
13
LISTA DE QUADROS
Quadro 1. Livros Didáticos do Catálogo do PNLEM/2008: Química .................... p. 84
Quadro 2. Freqüência com que os aspectos históricos são explorados nas obras ... p. 88
Quadro 3. Organização da obra Química e Sociedade ............................................ p. 90
Quadro 4. Organização da obra Universo da Química ............................................ p. 100
Quadro 5. Organização da obra Química na abordagem do cotidiano .................... p. 116
Quadro 6. Organização da obra Química para o Ensino Médio .............................. p. 128
Quadro 7. Organização da obra Química ................................................................ p. 138
14
LISTA DE TABELAS
Tabela 1. Categorias de análise e os respectivos resultados obtidos com as obras de
Química (PNLEM/2008) ........................................................................................... p. 89
15
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO ................................................................................................ p. 16
1. PESQUISAS E POLÍTICAS PÚBLICAS SOBRE O LIVRO DIDÁTICO . p. 19
1.1 Pesquisas com os Livros Didáticos: uma intriga digna! .................................... p. 19
1.2 Políticas Públicas sobre Livros Didáticos: Uma revisão do cenário nacional .
.. p. 23
1.3 O Programa Nacional do Livro Didático para o Ensino Médio (PNLEM) ....... p. 29
2. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A HISTÓRIA DA CIÊNCIA .
.... p. 34
2.1 Um breve retrospecto das pesquisas em História da Ciência ............................ p. 35
2.2 História da Ciência e Ensino ......................................................................
........ p. 37
3. O CONCEITO DE SUBSTÂNCIA .................................................................. p. 46
3.1 Sobre a escolha do Conceito de Substância ........................................
............... p. 46
3.2 Reconstrução Histórica do Conceito de Substância ................
........................... p. 47
3.3 O Conceito de Substância e algumas questões Históricas, Filosóficas e Pedagógicas . p. 80
4. METODOLOGIA .................................................................................
............. p. 84
5. A ANÁLISE DAS OBRAS DO PNLEM .........................................
................. p. 88
5.1 Análise do Livro de Santos e Mól (coords.) - Química e Sociedade ......
........... p. 90
5.2 Análise do Livro de Bianchi, Albrecht e Maia - Universo da Química ...
.......... p. 100
5.3 Análise do Livro de Nóbrega, Silva e Silva - Química ..................................... p. 107
5.4 Análise do Livro de Peruzzo e Canto - Química na abordagem do cotidiano... p. 116
5.5 Análise do Livro de Mortimer e Machado - Química para o Ensino Médio.
..... p. 127
5.6 Análise do Livro de Feltre - Química ................................................................ p. 137
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................ p. 145
7. REFERÊNCIAS .......................................................................................
.......... p. 150
ANEXOS ..........................................................................................
....................... p. 161
16
APRESENTAÇÃO
Uma das questões mais difíceis com que me deparei no final de 2007 foi o que
iria fazer após a conclusão do meu curso de Graduação. A Licenciatura em Química a
que tanto me dedicara estava para acabar e eu ainda não sabia o que fazer em 2008.
Seria professor? Atuaria na rede privada e/ou pública? Buscaria o Mestrado? E se eu
casasse? Se tivesse filhos? E se conseguisse um emprego estável que me mantivesse
financeiramente? Será que após todas essas mudanças e conquistas eu ainda buscaria a
pós-graduação?
Essas indagações me esclareceram sobre a importância da obtenção do Mestrado
o quanto antes, uma vez que não possuía emprego fixo, esposa ou filhos. Mas algumas
questões permaneceram: o que trabalharia na dissertação? Acreditava que o meu foco de
estudo deveria estar ligado a algum problema educacional de meu interesse. Assim,
pensava em investigar algum fato ou fenômeno da educação que me intrigava.
Não tive dúvidas. O livro didático sempre me trouxe inquietações, prova disso
são as várias atividades de pesquisas que realizei sobre esse recurso didático: duas
iniciações científicas
1
e vários trabalhados apresentados em Eventos Educacionais.
Depois de certo amadurecimento na graduação, comecei a me questionar sobre
as apostilas de um sistema de ensino em que estudei durante grande parte do meu
Ensino Fundamental e durante todo o Ensino Médio, somados a mais um ano de
“cursinho”.
Lembro que essas apostilas eram o primeiro material que procurava na hora de
estudar, fazer trabalhos e até nos momentos de estudos para as primeiras provas da
Licenciatura, em 2004.
Lembro também dos cadernos de exercícios (desse sistema de ensino),
conhecidos como “os intocáveis” pelos alunos e professores. O intocável era uma
espécie de material complementar às apostilas, com textos breves sobre os temas
tratados em cada aula das apostilas, seguidos por uma infinidade de exercícios relativos
a essas aulas.
1
i) A História das Ciências e os seus Fundamentos Históricos, Epistemológicos e Culturais no Livro
Didático de Química, em 2004-2005; ii) O Programa Nacional do Livro Didático no Contexto das
Escolas Municipais de Piracicaba/SP, 2007.
17
Um dos meus professores de Física dizia que os alunos teriam que resolver todos
os exercícios dos intocáveis para passarem no vestibular, ou pelo menos metade dos
exercícios. Dessa forma eu creditava certo status a esses materiais que usei durante tanto
tempo, até porque eram os recursos que conhecia e dispunha até então na faculdade.
Mas, com o tempo, essa ilusão foi se desgastando...
Assim, conforme avançava e me desenvolvia com novas leituras e discussões
sobre práticas pedagógicas e recursos didáticos, começava perceber a limitação dessas
apostilas. Esses materiais, em que tanto buscava apoio ao passar pelas disciplinas, não
estavam mais “dando conta do recado” na Graduação, apresentavam erros, lacunas e
limitações que contrastavam com minhas concepções teórico-metodológicas.
Por exemplo, a primeira apostila de Química do primeiro ano do sistema de
ensino que cursei no Ensino Médio é dividida em três frentes (ou unidades). A primeira
aula de cada frente inicia a abordagem da matéria segundo uma visão microscópica.
Assim, o início da primeira frente aborda conceitos como elétrons, prótons, nêutrons,
dimensão do átomo, número atômico, número de massa e elemento químico.
A segunda frente começa com as definições de átomos, moléculas, material,
elemento químico, símbolo dos elementos. A terceira frente, apesar de trabalhar com os
estados de agregação da matéria (sólido, líquido e gasoso), apresenta o caráter
microscópico dos estados físicos da matéria antes de qualquer observação no nível
macro, como pode ser evidenciado em um dos trechos: “No estado sólido, as partículas
estão presas umas as outras explicando a sua forma própria.” (p. 277). Sem entrar em
detalhes quanto ao trecho “as partículas estão presas”, podemos notar a abordagem
micro, sendo reforçada por uma das ilustrações que mostra as interações hidrogênio da
água no estado sólido. Infelizmente, essas são abordagens que balizam o início dos
alunos na disciplina escolar Química.
Assim, no processo da minha formação, pessoal e acadêmica, o livro didático
2
se
tornou um recurso educacional que sempre me intrigou, instigando-me a procurar quais
conceitos eram equivocados, bem como os motivos da qualidade duvidosa. Mas, ao me
tornar um mestrando, dentre tantos materiais existentes, qual(is) escolher para analisar?
2
Assim como na obra organizada por Fracalanza e Megid Neto (2006), O Livro Didático de Ciências no
Brasil, não faço distinção entre as diferentes designações existentes que abarcam o livro didático. Dessa
forma, denominações como livro-texto, compêndio escolar, manual escolar, livro didático e apostilas
didáticas serão utilizadas para indicar o material impresso, editado e comercializado para o ensino formal,
visando atender aos conteúdos de uma determinada área do currículo escolar.
18
Eu ainda tinha dúvidas sobre quais livros analisaria e, também, o que analisaria
nas obras. Foi então que, durante o processo de escolha do meu objeto de pesquisa, me
deparei com o Catálogo do Programa Nacional do Livro para o Ensino Médio
(PNLEM/2008: Química).
A leitura desse documento, encontrado ao acaso enquanto eu navegava na net,
fez meus olhos brilharem ao proporcionar novos questionamentos. Essas novas
inquietações com o catálogo é que me impulsionaram na permanência da pesquisa com
livros didáticos. Não tive duvidas, acabei me inscrevendo na prova de seleção do
Mestrado no Programa de Pós-Graduação em Educação para a Ciência da UNESP de
Bauru (SP).
O Programa Nacional do Livro para o Ensino Médio (PNLEM) enquadra-se
dentro de uma política pública de análise, compra e distribuição de obras didáticas aos
professores de escolas públicas, sendo uma medida recente no Ensino Médio,
englobando, em 2008, a área de Química. Nesse sentido, antes de entrarmos em maiores
detalhes sobre esse programa, vamos reconstruir a história de criação e o
desenvolvimento de políticas públicas ligadas ao livro didático no Brasil (Capítulo 1).
A seguir, destacaremos a importância da História da Ciência no Ensino de
Ciências/Química, buscando delinear as contribuições desse enfoque de ensino para a
melhoria da qualidade da educação científica (Capítulo 2). Nesse caminhar,
reconstruiremos o conceito de substância a partir de leituras relacionadas à História da
Ciência/Química (Capítulo 3), uma vez que esse conceito será investigado, sob o viés
histórico-epistemológico, nos livros didáticos de Química do PNLEM - objeto de nossa
pesquisa.
A partir dessa fundamentação teórica dos três primeiros capítulos, buscaremos,
apoiados em Bardin (1977), subsídios metodológicos para a análise de conteúdo das
obras selecionadas (Capítulo 4). Esse referencial nos possibilitará uma identificação das
características das obras, buscando favorecer a organização e discussão dos dados
brutos obtidos inicialmente (Capítulo 5). A seguir, encerraremos a dissertação com a
conclusão e as considerações finais da investigação (Capítulo 6).
19
1. PESQUISAS E POLÍTICAS PÚBLICAS SOBRE O LIVRO DIDÁTICO
Esse primeiro momento será destinado a uma revisão sobre as diferentes
pesquisas educacionais e políticas públicas sobre o livro didático no âmbito do cenário
educacional brasileiro.
1.1 Pesquisas com os Livros Didáticos: uma intriga digna!
Podemos encontrar hoje pesquisas educacionais das mais diversas ordens:
análises teórico-metodológicas das práticas docentes; as formas de trabalho com
atividades experimentais; o uso de tecnologias na educação; análise das ferramentas
avaliativas dos professores; levantamento das pré-concepções discentes e docentes sob
determinada temática; entre muitos outros objetos e enfoques de análise.
Essas pesquisas são encontradas nos diferentes níveis educacionais (Ensinos
Fundamental, Médio e universitário; na Pós-Graduação e até nos programas de
formação continuada dos professores em atividade), sempre buscando conhecer
aspectos de uma determinada realidade educacional, bem como propor possibilidades
inovadoras ao processo de ensino-aprendizagem.
Com o livro didático não é diferente. Encontramos diferentes análises sobre os
livros didáticos de Ciências, assim como nas obras das demais áreas do currículo
escolar, abarcando aspectos como: análise dos conteúdos e dos métodos nos livros
didáticos; descrição e/ou avaliação de propostas alternativas aos livros didáticos;
descrição e análise dos procedimentos de seleção e de uso das obras, bem como a
opinião dos usuários desses recursos no ensino; a política, produção editorial e
economia do livro didático. (FRACALANZA, 1993; FRACALANZA, 2006). Esse
aspecto é ressaltado por Silva (1996, p. 10):
De fato, a impressão que se tem é que o bombardeio de críticas ao
livro didático foi feito por todos os lados, do seu nascimento nas
editoras, passando pelos recortes do conteúdo, pelas ilustrações e
exercícios até chegar ao uso alienado por professores e alunos.
20
Essas pesquisas sempre buscaram compreender os livros didáticos, uma vez que,
como alerta Amaral (2006, p. 83), “de quase um século para cá, [o livro didático] nunca
deixou de ser o recurso didático de uso mais disseminado e intensivo” entre os
professores.
O trabalho de Schnetzler (1981, p. 7) é um marco para a área da Química,
constituindo-se em uma referência até os dias atuais. Apesar de ser uma pesquisa da
década de 1980, que analisou a forma de trabalho com o conceito de transformação
química nas obras de 1875 a 1978, já designava o livro escolar como “o recurso didático
mais utilizado no processo de ensino-aprendizagem, pois para o professor tem se
constituído no método mais comum para selecionar, preparar e/ou desenvolver o
conteúdo de um curso.”
Mortimer (1988) também realizou um trabalho semelhante ao analisar a
evolução dos livros didáticos de Química, desde o século XVII até aquele período,
buscando conhecer, sob um aspecto mais geral, as características dessas obras frente às
reformas educacionais brasileiras que ocorreram até fins de 1980. Assim, o autor fez a
seguinte classificação das obras para análise: os livros didáticos anteriores a 1930;
1930-1940 (Reforma Francisco Campos); 1943-1960 (Reforma Capanema); 1961-1970
(vigência da LDB de 1961); livros didáticos atuais (Lei 5.692 de 1971).
Essa pesquisa revelou que os livros didáticos daquele período (1971-1988)
apresentam as mesmas características das nossas obras atuais, apesar dos 20 a 30 anos
de diferença. Mortimer (1988) discute que a redução da carga horária da disciplina de
Química do grau (atual Ensino Médio), resultante da profissionalização obrigatória
imposta pela Lei 5.692/71, refletiu na simplificação do conteúdo dos livros: eliminação
de exemplos e de explicações mais extensas e detalhadas. Em contrapartida:
Os livros passam a incorporar uma série de truques gráficos, como
conceitos em destaque, títulos de tamanhos variados, um número
exagerado de ilustrações, tabelas, gráficos, desenhos, etc. O número
de exercícios cresce de maneira significativa. Os tipos de exercícios
são variados apenas no aspecto formal, pois a maioria deles exige
apenas a habilidade de memorizar os conteúdos. Assim, temos
exercícios de completar lacunas, curiosamente denominados por
alguns de estudo dirigido ou ainda resumo, em que o aluno é levado
a copiar trechos inteiros do texto, normalmente ao final de cada
assunto dentro de um capítulo; perguntas tradicionais, de resposta
direta (...). (MORTIMER, 1988, p. 35, grifo do autor).
21
Essas características dos materiais didáticos, que marcaram a década de 1970 e
se arrastaram até os nossos dias, tornam-se preocupantes, uma vez que, como alerta
Apple, o livro didático é responsável por 75% do tempo de estudos gastos por alunos
americanos nas escolas elementares e secundárias. Essa porcentagem sobe quando os
estudos são realizados nos domicílios, chegando a ocupar 90% do tempo de estudos dos
estudantes americanos. (APPLE, 1995 apud LOGUERCIO; SAMRSLA; DEL PINO,
2001).
Apesar de serem resultados de uma investigação americana, esses dados também
se aproximam da nossa realidade. A pesquisa de Mortimer (1988) apontou que dos 57
professores entrevistados apenas dois não adotavam os livros didáticos como guias
metodológicos e curriculares.
A realidade educacional portuguesa também o difere muito. Uma pesquisa
sobre as características do ensino de Física e Química em Portugal revelou que, dos 521
professores participantes, 92,5% dos docentes apresentaram os manuais didáticos como
uma das fontes de informação mais importantes no ensino. Esse estudo ainda detectou
que 77% dos professores usam freqüentemente, ou quase sempre, na estruturação de
suas aulas, as obras de sua área (Física ou Química) que são escolhidas pela escola.
(CACHAPUZ et al.,1989 apud CAMPOS; CACHAPUZ, 1997).
No contexto brasileiro, essa realidade se deve, segundo Fracalanza e Megid Neto
(2006, p. 9), à ampliação das vagas nas escolas de Ensino Fundamental e Médio nos
anos 60, resultando no aumento do número de professores para atender a essa demanda.
“Muitos deles, devido à deficiente formação recebida e sem possibilidade de atualização
adequada, cada vez mais passaram a depender dos manuais escolares.” Lajolo (1996)
vai ao encontro dessas idéias ao observar que o precário cenário educacional brasileiro
foi decisivo para que o livro didático determinasse os conteúdos e as estratégias de
ensino a serem adotadas pelos docentes. Nas palavras de Batista (2001, p. 29):
O surgimento, no Brasil, dessa concepção de livro didático como
estruturador das práticas docentes está associado, de acordo com
diferentes estudos, com a intensa ampliação do sistema de ensino, ao
longo dos anos 60 e 70, e com processos de recrutamento docente
mais amplos e menos seletivos.
Nesse sentido, a ideologia tecnicista da década de 1970 foi decisiva para
diminuir a autonomia docente, enquanto exaltava o livro didático. Dentro dessa
ideologia, os “bons” livros didáticos, os módulos considerados “certinhos”, poderiam
22
“dar conta do recado” na sala de aula. Assim, a queda da qualidade na prática docente
influenciou a crescente produção dos didáticos no Brasil. “Coxos por formação e/ou
mutilados pelo ingrato dia-a-dia do magistério, resta a esses professores engolir e
reproduzir a idéia de que sem a adoção do livro didático não há como orientar a
aprendizagem.” (SILVA, 1996, p. 8)
Essa formação inicial deficitária, somada às poucas oportunidades de
aperfeiçoamento profissional, fez/faz com que as práticas pedagógicas de muitos
docentes sejam marcadas pelas concepções teórico-metodológicas dos livros adotados.
Assim, os professores acabam seguindo na íntegra os índices das obras adotadas, sendo
trabalhados, passo a passo, os conceitos científicos dos livros didáticos. Dessa forma,
como lembram Núñez et al. (2003, p. 2), o livro se torna o elemento controlador do
currículo. “Os professores(as) utilizam o livro como o instrumento principal que orienta
o conteúdo a ser administrado, a seqüência desses conteúdos, as atividades de
aprendizagem e avaliação para o ensino das Ciências.”
O ato de adotar um livro na íntegra é uma ação complicada, pois quais são os
critérios para escolher uma obra que será trabalhada seqüencialmente? A pesquisa de
Loguercio, Samrsla e Del Pino (2001), realizada durante os cursos de qualificação
docente oferecidos para 198 professores de Química do Rio Grande do Sul, revelou que
os critérios desses professores para a seleção das obras buscam, principalmente,
relações do conteúdo com o cotidiano; conteúdos ligados ao vestibular; e a compactação
da obra em um único volume, visando reduzir os custos e atender às três séries do
Ensino Médio.
O trabalho de Núñez et al. (2003) também apresenta alguns dados interessantes
para serem discutidos. Ao trabalhar durante três anos com turmas de Licenciatura em
Pedagogia, buscando validar um guia de análise de livros didáticos, esses autores
perceberam que, entre os licenciandos participantes, a escolha por obras com qualidade
gráfica sobressaia ao conteúdo. Assim, segundo Loguercio, Samrsla e Del Pino (2001,
p. 561):
Sabe-se que, com a intensificação do trabalho do professor e as
adversidades que tornam os saberes de sua prática difíceis de serem
gerenciados, os recursos literários são os refúgios que acabam por
definir a ação docente, e percebeu-se, através dessa análise, que esses
refúgios são pouco ou nada contestados. A “escolha” de livros limita-
se a questões econômicas, práticas e estéticas, enquanto que questões
23
sociais e epistemológicas são desconhecidas e o currículo continua
sendo pouco problematizado.
O uso integral e seqüencial do livro, somado ao não questionamento sobre a
qualidade conceitual das obras, tornam-se questões de grande interesse e discussão
dentro da pesquisa educacional. Entendemos que essas questões podem se tornar
catastróficas durante o processo de ensino-aprendizagem uma vez que, como
evidenciam várias pesquisas (FRACALANZA, 1993), os livros didáticos apresentam
limitações e erros conceituais.
Nesse sentido, considerando as limitações e erros conceituais de várias obras
didáticas, conforme atesta a literatura, enfatizamos a importância da existência de
políticas públicas de análise dos livros, buscando exigir qualidade das editoras e autores
de didáticos para que estes livros cheguem melhor estruturados aos professores, alunos
e ao mercado editorial. Mas, antes de comentarmos sobre os atuais programas de análise
e compra de livros didáticos (PNLD e PNLEM), vamos resgatar as antigas ações
governamentais com os livros didáticos.
1.2 Políticas Públicas sobre Livros Didáticos: Uma revisão do cenário nacional
No que concerne à educação, podemos dizer que sofremos grande influência
européia desde a chegada dos jesuítas. Essa influência se estendeu para a tradução dos
compêndios europeus no governo Getúlio Vargas. Porém, a crise daquele período
refletiu na redução do preço dos livros brasileiros (1937), cessando assim a importação
e tradução das obras estrangeiras. (AMORIM, 1997, p.12 apud LEÃO, 2003).
Nesse novo contexto houve o interesse pela criação de leis e medidas
governamentais acerca do livro didático. De acordo com Freitag, Motta e Costa (1993),
o Instituto Nacional do Livro (INL) foi criado em 1937 com a função de divulgar e
distribuir obras que fossem do interesse educacional e cultural, constituindo-se a partir
de alguns órgãos operacionais menores.
Dessa forma, o interesse do Ministério da Educação pela aquisição de livros
didáticos brasileiros é antigo. A Comissão Nacional do Livro Didático (CNLD),
primeiro órgão criado para atender essa área, remonta ao ano de 1938, sendo criada a
24
partir do Decreto-Lei 1006 para ficar a cargo da produção, importação e utilização
dos livros didáticos no Brasil. (HÖFLING, 2000).
A Comissão Nacional do Livro Didático (CNLD) era representada por sete
membros de elevado preparo pedagógico e de valor moral, a fim de “examinar e proferir
julgamento dos livros didáticos que lhe fossem apresentados; estimular a produção e
orientar a importação de livros didáticos; indicar livros de valor para serem traduzidos e
editados por poderes públicos”, bem como promover concursos que buscassem a
produção de livros didáticos que abrangessem as necessidades ainda não atendidas pelas
obras existentes. Desses membros, três seriam especializados em metodologia das
ciências, dois na área de metodologia das nguas e dois em metodologia das técnicas.
(OLIVEIRA; GUIMARÃES; BOMÉNY, 1984, p. 33).
Esses membros também poderiam indicar alterações no corpo das obras
originais examinadas para então autorizar o uso dos livros didáticos. Após a
modificação, a obra era novamente analisada pela Comissão para o aceite ou não da
mesma (artigo 13, parágrafo 2º). A partir da autorização, as obras recebiam um registro
especial, sendo indicado na capa a autorização do Ministério da Educação. E, entre
parênteses, o número de registro da CNLD. (OLIVEIRA; GUIMARÃES; BOMÉNY,
1984).
Quanto às possibilidades de não autorização das obras didáticas, Oliveira,
Guimarães e Bomény (1984) alertam que o Decreto-lei 1.006 apresentava, no artigo
20, onze impedimentos à autorização da obra referentes à parte político-ideológica,
enquanto que a parte didática englobava apenas cinco tópicos indicativos de possível
proibição da obra. Os artigos 21, 22 e 23 faziam referência à correção gramatical,
clareza de estilo, adequação da linguagem, informações precisas de caráter científico e
técnico, bem como à ortografia oficial e redação em língua nacional.
A ênfase exagerada nos aspectos morais, cívicos e políticos presente
no Decreto-lei 1.006 pode sugerir duas situações: a primeira, a
crença na existência de uma produção de literatura didática
inadequada ao propósito de formação de um certo espírito de
nacionalidade. A segunda, o estímulo que certamente provocou para
a produção de obras que consultassem as conveniências políticas e
pedagógicas que o governo vinha nesse momento valorizando.
(OLIVEIRA; GUIMARÃES; BOMÉNY, 1984, p. 35-36).
Mas, com os anos, essa Comissão sofreu reestruturações para “tentar” atender a
sua função: analisar mil novecentos e oitenta e seis livros que estavam aguardando o
25
resultado da avaliação. Nesse sentido, o Decreto-lei 1.177, de 29 de março de 1939,
modifica para 12 o número de integrantes da comissão, desdobrando-se em seções de
três membros. Mas, mesmo com essas ações, a Comissão não conseguia atender as
atribuições que lhes foram impostas. (OLIVEIRA; GUIMARÃES; BOMÉNY, 1984;
FREITAG; MOTTA; COSTA, 1993).
O nascimento e a definição de uma política governamental para o
livro didático estiveram no seu primeiro momento de existência
associados à Comissão Nacional do Livro Didático. Era ela a
representação e a expressão da iniciativa governamental nessa área de
política educacional. E, de fato, ela bem deu mostras do quanto ficou
por fazer e por solucionar. (OLIVEIRA; GUIMARÃES; BOMÉNY,
1984, p. 45).
Na busca pela reversão da situação precária que se criou entre a produção de
normas e sua aplicação pela CNLD, houve a criação, em 1966, do Conselho do Livro
Técnico e do Livro Didático (COLTED). Mas, a partir do Decreto 59.355, a
mudança de “Conselho” para “Comissão” do Livro Técnico e do Livro Didático.
(OLIVEIRA; GUIMARÃES; BOMÉNY, 1984). Essa Comissão foi estruturada no
decorrer do regime militar através de acordos realizados entre o Ministério da Educação
(MEC) e United States Agency International for Development (USAID) para organizar
as ações quanto a produção, edição e distribuição do livro didático. (LEÃO, 2003). De
acordo com o artigo 1º desse decreto:
“Fica instituída, diretamente subordinada ao Ministro de Estado, a
Comissão do Livro Técnico e do Livro Didático (COLTED), com a
finalidade de incentivar, orientar, coordenar e executar as atividades
do Ministério da Educação e Cultura relacionadas com a produção, a
edição, o aprimoramento e a distribuição de livros técnicos e de livros
didáticos.” (OLIVEIRA; GUIMARÃES; BOMÉNY, 1984, p. 53).
Como conseqüência do montante financeiro que esse programa dispunha, a
COLTED poderia comprar o estoque de livros didáticos que lhe interessava, fazendo
com que as editoras se empenhassem para atingir as expectativas das obras solicitadas
pelo programa. Dentro da perspectiva de imensas quantias a serem investidas, houve a
constatação de irregularidades que resultaram na distorção dos objetivos elencados
inicialmente pelo programa. Como conseqüência, o Decreto 68.728 de 9 de junho de
1971 transferiu o pessoal, o acervo e outros recursos financeiros que eram destinado a
26
COLTED para o Instituto Nacional do Livro (INL), criado em 1937. (OLIVEIRA;
GUIMARÃES; BOMÉNY, 1984).
Com o fim da COLTED em 1971, Leão (2003) lembra sobre a criação do
Programa Nacional do Livro (PLID), abrangendo todos os níveis de ensino - Programa
do Livro Didático para o Ensino Fundamental (PLIDEF); Programa do Livro Didático
para o Ensino Médio (PLIDEM); Programa do Livro Didático para o Ensino Superior
(PLIDES); e Programa do Livro Didático para o Ensino Supletivo (PLIDESU).
Destacamos, entre as ações desse órgão, o sistema de co-edição dos livros
didáticos, buscando baratear o custo das obras. Nesse processo, as editoras enviavam
seus livros para o INL, os quais eram submetidos a análise para verificação daqueles
que poderiam ser co-editados. Esses livros aprovados previamente seguiam às
Secretarias de Educação para posterior verificação e agrupamento das obras de seu
interesse. A relação das obras mais requisitadas voltava ao INL para promover as
normas contratuais de co-edição. (OLIVEIRA; GUIMARÃES; BOMÉNY, 1984).
Entre 1974-1976 há a redefinição do programa do livro didático, sendo
transferido para a Fundação Nacional do Material Escolar (FENAME
3
). (OLIVEIRA;
GUIMARÃES; BOMÉNY, 1984). Nesse período (1976), Höfling (2000, p. 163) lembra
que a FENAME passou por algumas alterações “e a ela delegou-se a responsabilidade
de desenvolver as atividades dos programas de co-edição de obras didáticas, o que levou
ao aumento da tiragem dos livros e à criação de um mercado seguro para as editoras.”
Segundo Oliveira, Guimarães e Bomény (1984), a função do sistema de co-
edição, para o Governo, era reduzir os custos das edições com o aumento de tiragem e a
participação dos custos de produção dos livros que eram editados. As editoras, apesar de
perderem com o preço de capa reduzido, recebiam recursos que garantiam a produção.
“Existem editoras que sabem que não vão ganhar nada vendendo para
a FENAME. Mas acontece que com a co-edição você recebe na
assinatura, 40%, 50% do valor do contrato. Você recebe adiantado
uma parte da venda. Isso, de certa forma, é mais vantajoso do que
você vender no mercado e depois, para ter capital de giro, ter que
descontar duplicata em banco e pagar mais de 200% ao ano de juros”.
(Jiro Takahashi, entrevista). (OLIVEIRA; GUIMARÃES;
BOMÉNY, 1984, p. 85).
3
A FENAME, criada em 1967, contava com os programas da extinta Campanha Nacional de Material de
Ensino.
27
A década de 1980 também revelou algumas reestruturações referentes às
políticas públicas ligadas ao livro didático. Assim, percebemos, através da Lei 7.091, a
criação da Fundação de Assistência ao Estudante (FAE - 1983), que incorporou os
programas existentes que eram vinculados ao MEC (FENAME; Inae - Instituto
Nacional de Assistência ao Estudante; PLID - Programa do Livro Didático, entre
outros). (FREITAG; MOTTA; COSTA, 1993). Um ano mais tarde, 1984, houve o
cancelamento do sistema de co-edição, cabendo ao MEC financiar a compra dos livros
diretamente com as editoras ligadas ao PLID. Höfling (2000, p. 164) ainda
complementa sobre o futuro do PLID:
A partir de agosto de 1985, por meio do Decreto-Lei 91.542, o
Programa recebeu a denominação de Programa Nacional do Livro
Didático (PNLD), tendo seus objetivos substancialmente ampliados.
Estabeleceu-se como meta o atendimento de todos os alunos de
primeira a oitava série do primeiro grau das escolas públicas federais,
estaduais, territoriais, municipais e comunitárias do país, com
prioridade para os componentes sicos Comunicação e Expressão e
Matemática.
Nesse cenário de mudanças proporcionadas pelo novo decreto, Cassiano (2004a)
revela as principais alterações desse novo programa de livro didático:
i) fim do financiamento do livro descartável, possibilitando, para os próximos anos, o
uso dos livros adquiridos. Assim, haveria a compra apenas de livros não-
consumíveis;
ii) o professor seria o agente responsável pela escolha do livro didático que trabalharia;
iii) as obras didáticas seriam adquiridas com recursos do Governo Federal e distribuídas
gratuitamente às escolas públicas;
iv) o programa atingiria, futuramente, todos os alunos do ensino fundamental (1ª a
séries).
Leão (2003, p. 35-36) descreve que nesse período não havia muita preocupação
do governo quanto à qualidade do livro no que se refere ao rigor conceitual, aspectos
teórico-metodológicos, valores veiculados etc. Essa preocupação, segundo a autora,
tornou-se mais acentuada a partir de 1994, quando o MEC adotou ações para “avaliar o
livro didático brasileiro de maneira contínua e sistemática. Até este momento a
preocupação do MEC juntamente com a FAE - extinta em 1997 -, era apenas de
aquisição e distribuição gratuita dos livros às escolas.”
28
Na busca pela qualidade das obras, o Ministério da Educação formou uma
comissão de especialistas para avaliar os livros mais requisitados ao Ministério e,
também, construir critérios gerais para a análise das obras a serem adquiridas.
(BATISTA, 2001).
Essa preocupação quanto à avaliação dos livros didáticos surgiu como reflexo do
Plano Decenal de Educação para Todos (1993-2003). Esse plano tentava atender as
necessidades específicas básicas da educação de todos, conforme o compromisso
anunciado na Conferência Mundial sobre Educação para Todos. (CASSIANO, 2004b).
Entre suas metas, esse plano referenciava alguns aspectos dos livros didáticos,
como a qualidade física e de seu conteúdo. Assim, o MEC estruturou uma equipe para
analisar as obras que eram compradas pelo Governo. Com base nos dez livros mais
requisitados pelos docentes das escolas públicas, os avaliadores constataram que “o
MEC vinha comprando e distribuindo para a rede pública de ensino livros didáticos com
erros conceituais, preconceituosos e desatualizados no tocante aos conteúdos.”
(CASSIANO, 2004b, p. 38).
Dessa avaliação surgiu o documento intitulado Definição de Critérios para
Avaliação dos Livros Didáticos a séries de 1994, elaborado por um grupo de
professores com base na análise dos conteúdos programáticos e dos aspectos
pedagógico-metodológicos dos livros destinados às séries iniciais (1ª a séries do
Ensino Fundamental). A atuação mais ativa do Ministério pela qualidade das obras a
serem adquiridas persistiu, refletindo na análise contínua e sistemática dos livros que
eram inscritos nos programas dos anos posteriores. Os documentos resultantes dessas
análises passaram a ser denominados como Guia dos Livros Didáticos. (BATISTA,
2001; LEÃO, 2003).
Segundo Leão (2003), o Guia é um documento que trata da avaliação e
discussão dos livros didáticos que foram enviados pelas Editoras ao PNLD, sendo uma
avaliação realizada por professores universitários e do Ensino Fundamental com base
em critérios pré-estabelecidos. O resultado é o Guia de Livros Didáticos de à
séries - um documento que “busca” orientar os professores do Ensino Fundamental na
escolha da sua obra didática. (LEÃO, 2003). É interessante mencionar que o PNLD
realizou várias edições do Guia (1996; 1998; 2000/2001; 2004; 2007 e 2010),
promovendo, assim, análise e discussão constante das obras que oferece aos docentes.
Em meio a essa busca pela qualidade das obras há, em 1997, o encerramento da
FAE, cabendo ao Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) assumir a
29
execução do PNLD. (HÖFLING, 2000). Outro marco desta década é a edição, em 1999,
do primeiro Guia de Livros Didáticos de à séries, indicando a ampliação desse
Programa ao favorecer os alunos que estavam alocados nessas séries.
Dessa forma, desde a década de 1930 percebemos a iniciativa do Governo
brasileiro em investir recursos financeiros na compra de materiais didáticos aos alunos.
Contudo, a realização da análise desses materiais para então investir neste recurso
didático é recente (década de 1990), envolvendo a participação de diversos
profissionais.
Essa questão também é revista por Batista (2001) ao lembrar que apesar do
Governo comprar grandes quantidades de livros, não existiam discussões quanto à
qualidade e a correção dessas obras. Análises diretas e sistemáticas das obras pelo MEC
passaram a ser uma realidade em meados da década de 1990 em diante.
Assim como a expansão desse programa para as séries mais avançadas do
Ensino Fundamental (da à séries em 1999), presenciamos, poucos anos mais tarde
(2004), sua expansão para o Ensino Médio, surgindo então o Programa Nacional do
Livro Didático para o Ensino Médio (PNLEM). Discutiremos, no próximo tópico, esse
programa com maiores detalhes.
1.3 O Programa Nacional do Livro Didático para o Ensino Médio (PNLEM)
Atualmente, o Governo Federal, por meio do Fundo Nacional de
Desenvolvimento da Educação (FNDE), desenvolve três programas de livros didáticos
voltados às escolas das redes federal, estadual e municipal: o Programa Nacional do
Livro Didático (PNLD), o Programa Nacional do Livro Didático para o Ensino Médio
(PNLEM) e o Programa Nacional do Livro Didático para a Alfabetização de Jovens e
Adultos (PNLA). Além desses programas, distribui livros didáticos em braille a alunos
cegos ou com deficiência visual. Discutiremos aqui as ações do Governo com o
PNLEM, foco de nossa investigação.
Esse programa surgiu a partir da Resolução 38 de 15 de outubro de 2003,
levando em consideração: os propósitos de progressiva extensão da obrigatoriedade e
gratuidade ao Ensino Médio (Art. 208, Inciso II, da Constituição Federal); o livro
didático como um recurso básico para o aluno no processo de ensino-aprendizagem; e a
30
importância dos professores serem os agentes responsáveis pela escolha do livro
didático que trabalharão. Com essas perspectivas, explicitamos a seguir o artigo 1º desse
documento:
Art. - Prover as escolas do ensino médio das redes estadual, do
Distrito Federal e municipal de livros didáticos de qualidade, para
uso dos alunos, abrangendo os componentes curriculares de
Português e Matemática por meio do Programa Nacional do Livro
para o Ensino Médio – PNLEM. (BRASIL, 2003).
A Resolução 1 de 15 de janeiro de 2007, ao revogar a Resolução 38 de 15
de outubro de 2003, amplia a extensão do PNLEM para outras áreas, atingindo todas as
disciplinas do currículo escolar. A seguir reproduzimos o artigo desta Resolução, que
apresenta os objetivos para o PNLEM:
Art. Prover as escolas do ensino médio regular das redes federal,
estadual, municipal e do Distrito Federal, de forma progressiva, com
livros didáticos de Língua Portuguesa, Matemática, Biologia,
História, Química, Física e Geografia, de acordo com o Anexo I desta
Resolução. (BRASIL, 2007a).
Conforme é apresentado no Catálogo do Programa Nacional do Livro para o
Ensino Médio (PNLEM/2008: Química), o contato com o livro didático favorece a
qualidade da educação básica, bem como possibilita a inclusão social. Nesse sentido,
esse documento acredita na melhoria da qualidade do ensino a partir de políticas
públicas que ampliem os recursos didáticos disponíveis à prática docente. “É com essa
concepção que o Ministério da Educação, por meio da Secretaria de Educação Básica
(SEB), e em parceria com o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE),
está dando continuidade ao Programa Nacional do Livro para o Ensino Médio /
PNLEM.” (BRASIL, 2007b, p. 5).
Podemos encontrar maiores detalhes das ações desse programa no tópico “livro
didático” da página virtual do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação
4
.
Como é apresentado nesse site, o programa foi implantado em 2004, a partir da
Resolução nº 38 do FNDE, e atendeu as escolas brasileiras com livros de português e de
matemática em 2005. Para 2007 foram adquiridos 7,2 milhões de obras que atenderam
6,9 milhões de alunos, sendo 300 mil exemplares destinados à reserva técnica.
4
Essa página é de livre acesso: http://www.fnde.gov.br/home/index.jsp?arquivo=livro_didatico.html.
31
As obras de história e de química foram analisadas e escolhidas em 2007, para
então fazerem parte do contexto escolar em 2008. No ano de 2008 foram comprados os
livros de português, matemática, biologia, física e geografia, além da reposição das
obras de química e história, para atender a 7,2 milhões de alunos em 2009 e, assim,
atingir a universalização do atendimento do Ensino Médio. Assim, esses livros
atingiram a marca de 43.108.350 exemplares e um custo total de R$ 416.907.918,43.
Referente às obras de Química, os livros didáticos enviados pelas editoras foram
submetidos, em 2007, a várias etapas de análise por uma equipe de especialistas da área
de Química de universidades públicas
5
. Assim, essas obras passaram por verificações de
ordem técnica (como formato, matéria prima e acabamento) e avaliações dos aspectos
conceituais, metodológicos e éticos. Nesse processo de análise, as obras foram
confrontadas com fichas avaliativas de caráter eliminatório e classificatório
6
, sendo
selecionados os materiais que apresentaram condições/características satisfatórias para
serem incorporados ao trabalho pedagógico dos professores. (BRASIL, 2007b).
Como resultado foi elaborado o Catálogo do Programa Nacional do Livro para
o Ensino Médio (PNLEM/2008 - Química), apresentando as obras qualificadas como
adequadas ao trabalho em sala de aula. Essas obras devem acompanhar o docente
durante três anos (2008-2010), servindo como um recurso didático na busca por
caminhos possíveis para sua ação pedagógica. (BRASIL, 2007b).
Neste documento ainda podemos encontrar resenhas sobre os livros didáticos de
Química aprovados pelo PNLEM, bem como as fichas de avaliação de caráter
eliminatório (15 critérios) e classificatório (44 critérios) que orientaram os especialistas
no processo de análise das obras.
Entre os eixos orientadores dessas fichas de avaliação, podemos notar a
preocupação quanto a apresentação da construção da Ciência nos livros didáticos. Nos
critérios eliminatórios buscou-se examinar se: a Ciência é apresentada como única
forma de conhecimento; o conhecimento científico é tratado como verdade absoluta; a
Ciência é apresentada como neutra; os conceitos são apresentados de forma
compartimentada e linear (critérios 7, 8 e 11). Na mesma linha, alguns critérios
classificatórios buscam examinar se os livros didáticos: apresentam a Química como
processo de produção cultural, valorizando a história e a filosofia das Ciências;
5
Apesar de o Catálogo anunciar que os especialistas (pareceristas) são de Instituições Públicas,
encontramos pareceristas de Universidades Privadas entre os membros da Equipe de avaliação.
32
trabalham a história da Ciência na construção dos conceitos, evitando resumi-la à
biografia dos cientistas; abordam adequadamente os modelos científicos, evitando
confundi-los com a realidade; apresentam adequada metodologia científica, evitando
apresentar o Método Científico como uma seqüência rígida de etapas a serem seguidas
(critérios 31, 32, 33 e 34). (BRASIL, 2007b).
É válido mencionar que a existência de critérios de análise demonstra um
diferencial quanto à política do livro nas décadas passadas. A pesquisa que Mortimer
(1988) realizou com livros didáticos de Química do ensino secundário, atual Ensino
Médio, revela que os livros didáticos dessa Ciência, compreendendo as décadas de 30 a
80 do século XX, acabaram seguindo, de forma lenta em algumas transições dos
Programas Oficiais de Educação, as reformas educacionais que estiveram vinculadas a
esse período de análise.
Contudo, como revela Mortimer (1988, p. 38), os livros didáticos analisados
acabavam seguindo as regras da editora para serem aceitos e entrarem no mercado. “O
próprio Ministério da Educação legitima essa política ao adquirir tais livros para a
distribuição às escolas, sem promover o debate e questionar a qualidade dos mesmos.”
Nesse sentido, a importância do PNLEM enquanto Programa que avalia os livros
didáticos, delineando as características destes (pontos fortes e fracos). A
construção/disponibilização do Catálogo do PNLEM aos professores também é
relevante, uma vez que apresenta os critérios de eliminação e classificação das obras
enviadas pelas editoras para serem trabalhadas no Ensino Médio de Química.
Acreditamos que esse processo de verificação das obras didáticas, a partir de
critérios de análise, é reflexo do papel que o livro didático assumiu no âmbito da
educação brasileira, sendo a principal fonte de informações dos professores. Nesse
sentido, o professor deve possuir clareza de seus critérios de seleção (NÚÑEZ et al.,
2003), uma vez que o livro didático influencia a concepção de Ciência e de cientistas
que os alunos irão construir (CAMPOS; CACHAPUZ, 1997) e que os próprios
professores possuem.
Ao considerar essas questões, entendemos que os critérios histórico-
epistemológicos de análise do PNLEM são de grande importância. Mas, apesar de
existirem critérios eliminatórios e classificatórios quanto à natureza da Ciência,
6
No Anexo 1 apresentamos a ficha de avaliação do PNLEM com esses critérios eliminatórios e
classificatórios.
33
verificamos que esse aspecto é relatado, muitas vezes, de forma vaga nas breves
resenhas de alguns livros pelo Catálogo, como o de Canto e Peruzzo (2005).
Dessa forma buscamos analisar como essas obras de Química apresentam a
História da Ciência. Nesse contexto surgem duas questões de pesquisa derivadas e
complementares:
- Quais tipos de abordagem histórico-epistemológica são encontrados nas obras
aprovadas pelo PNLEM de Química?
- Com que freqüência esses aspectos histórico-epistemológicos são abordados?
No intuito de responder a estas questões, analisaremos o conceito de substância
química, visando alcançar uma compreensão mais precisa sobre como a natureza da
Ciência é explorada nas obras. Mas, antes da análise, buscaremos fundamentação
teórica quanto à história-epistemologia da Ciência no ensino de Ciências/Química
(Capítulo 2) e, posteriormente, reconstruiremos o conceito de substância química
(Capítulo 3), visando maior suporte à análise das obras.
34
2. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A HISTÓRIA DA CIÊNCIA
Para iniciar as considerações sobre a História da Ciência, tomamos por base os
estudos de Martins (2004). Esse autor realiza uma distinção clara deste campo. Num
primeiro nível, enquadra a natureza e os seus fenômenos, enquanto que no segundo
nível ressalta os cientistas e as ciências naturais que buscam refletir sobre os fenômenos
da natureza, produzindo o conhecimento científico. No terceiro nível, considerado
metacientífico, o autor engloba a filosofia da ciência, a metodologia científica e a
história da ciência. Essas formas de estudos do terceiro nível procuram entender e
discutir aspectos da atividade dos cientistas que estudam a natureza e seus fenômenos.
Segundo este autor:
O produto do trabalho dos historiadores da ciência não é a história da
ciência e sim a historiografia da ciência (...). A história da ciência
pode ser considerada como algo que existe independentemente da
existência dos historiadores da ciência. Ela é constituída pelas
atividades e produções dos cientistas e seu contexto. A historiografia
da ciência, por outro lado, pode existir se houver historiadores da
ciência (no sentido amplo). Ela é constituída por artigos, livros e
outros textos que descrevem a atividade científica e refletem sobre
ela. (MARTINS, 2004, p. 117).
Martins (2004) destaca ainda um quarto nível, chamado de meta-historiografia
da ciência, que reflete sobre as atividades dos historiadores da ciência, seja quanto a
metodologia empregada por um historiador da ciência ou a discussão sobre as diferentes
correntes da historiografia da ciência.
Considerando nosso foco de pesquisa, buscaremos, nesse capítulo, descrever
aspectos referentes ao terceiro nível apontado por Martins (2004), discutindo sobre a
História da Ciência e a historiografia da Ciência, bem como a extensão desse enfoque
de pesquisa para o âmbito escolar.
35
2.1 Um breve retrospecto das pesquisas em História da Ciência
Kragh (2001) menciona que a organização das atividades em torno da História
da Ciência se deu no final do século XIX, passando a ser entendida como uma profissão
independente. Em 1900 houve a primeira conferência internacional sobre História da
Ciência e, posteriormente, congressos regulares nesse campo foram realizados. Na
Alemanha, em 1901, foi fundada a sociedade nacional para o estudo da História da
Ciência denominada Gesellschaft für Geschichte der Medizin und der
Naturwissenschaften e 21 anos mais tarde houve a fundação da History of Science
Society americana.
Podemos presenciar também a publicação periódica de investigações nesse
campo, como a Mitteilungen zur Geschichte der Medizin und der Naturwissenschaften
(1902) e a Archiv für Geschichte der Medizin, fundada em 1908 por Karl Sudhoff.
(KRAGH, 2001).
Sobre as origens do trabalho sistematizado em História da Ciência, Alfonso-
Goldfarb, Ferraz e Beltran (2004) também destacam as primeiras décadas do século XX,
sobretudo as investidas de G. Sarton, que proporcionou a institucionalização dessa área,
sendo o fundador e editor do periódico Isis, especializado em História da Ciência.
A tendência epistemológica desse período seguia as concepções da virada do
século, como as de E. Mach e P. Duhem que entendiam a Ciência como um campo de
desenvolvimento contínuo e cumulativo. (ALFONSO-GOLDFARB; FERRAZ;
BELTRAN, 2004). Segundo Alfonso-Goldfarb (2004), o físico austríaco Ernest Mach
buscava apontar na Ciência a existência de núcleos centrais de conhecimento com
caráter constante ao longo da história, mas que sofressem aprimoramentos com os anos,
ou seja, ele entendia que o conhecimento evoluía, mas dentro de verdades que eram
sempre as mesmas. Já o físico francês Pierre Duhem trabalhou na tradução de
manuscritos originais antigos e medievos na tentativa de apresentar a continuidade, sem
interrupções, no processo de produção do conhecimento científico.
(...) esse modelo continuísta, baseado na evolução interna das teorias
sobre a natureza, permaneceu como paradigmático em história da
ciência. Os grandes compêndios de A. Mieli, A. Rey e do próprio
Sarton foram a expressão mais bem acabada desse tipo de
historiografia. (ALFONSO-GOLDFARB; FERRAZ; BELTRAN,
2004, p. 51).
36
Segundo essa história positivista das ciências, a Ciência caminhava de vitória em
vitória, de acordo com um traço contínuo de progresso, constituindo-se em uma
historiografia linear e cumulativa. (DUARTE, 2007).
Mas esse momento também revela tendências divergentes, baseadas na corrente
externalista
7
, que credita o desenvolvimento da Ciência a aspectos sociais e políticos,
como pode se verificar nos trabalhos de B. Hessen, J. D. Bernal e J. Needham.
também, nessa época, trabalhos como os de E. Burtt e G. Bachelard que mostram uma
oposição às idéias de Sarton, uma vez que são orientados por uma perspectiva
descontinuísta da Ciência. (ALFONSO-GOLDFARB; FERRAZ; BELTRAN, 2004).
Filósofos como Bachelard, Popper e Bunge contestaram a perspectiva positivista e a sua
noção cumulativa de conhecimento, entendendo que as teorias são construídas,
reconstruídas e substituídas.
Nesse cenário, começamos a deparar com idéias divergentes à concepção de
Sarton de que a Ciência se desenvolve de forma homogênea e acumulativa, refletindo
em novas perspectivas de análise da Ciência, como os estudos de A. Koyré.
(ALFONSO-GOLDFARB; FERRAZ; BELTRAN, 2004). Os estudos de Alexandre
Koyré sobre as origens da Ciência moderna alertam para a descontinuidade no
conhecimento em razão de cada época partilhar de diferentes precursores. Por exemplo,
ele entendia que os medievais aceitavam o aristotelismo, os renascentistas, o
platonismo. “Não há dúvida de que a História da Ciência ganhava espaço com isso, mas
a noção de precursores demonstrava que a ciência vinha avançando, mesmo que de
forma descontínua, desde a Antiguidade.” (ALFONSO-GOLDFARB, 2004, p. 81).
As noções de “revolução científica” de R. Hall, bem como os trabalhos de R.
Merton, D. J. S. Price e G. Basalla são significativos por discutirem a história
institucional e a sociologia da Ciência. Alfonso-Goldfarb, Ferraz e Beltran (2004, p. 53)
ainda completam:
Tudo indica, porém, que a ruptura definitiva com a historiografia
continuísta tenha se dado nos anos 60, gerada, sobretudo, pelo debate
em torno da obra de T. S. Kuhn. Muito embora tenha sido
considerado relativista e pouco preciso em suas teses, Kuhn
desmontou de forma radical as bases do continuísmo. Mesmo vaga,
7
Segundo Martins (2005), a abordagem externalista busca estudar, entender e explicar a Ciência com
base nos aspectos externos, não-conceituais (como as influências político-econômico-sociais, a luta pelo
poder, os fatores psicológicos). Sob outro viés, a abordagem internalista da História da Ciência leva em
consideração os aspectos conceituais ao estudar algum assunto, concentrando-se nos fatores científicos
(evidências, fatos de natureza científica).
37
sua definição de ciência pré-paradigmática e paradigmática deu conta
das possíveis rupturas no processo do conhecimento, permitindo
observar a incomensurabilidade entre as teorias dos diferentes
períodos. Introduziu-se, assim, de uma vez por todas, a questão do
contexto, no nível conceitual das teorias, eliminando do panorama
da história da ciência as incômodas e artificiais linhagens de
“precursores”.
O trabalho de Kuhn também influenciou fortemente filósofos como Lakatos,
Feyerabend e Laudan, entre outros, lançando o movimento chamado de Nova Filosofia
da Ciência, apoiada nas descontinuidades da História da Ciência, semelhante aos
estudos de Bachelard e Popper na década de 30. (DUARTE, 2007).
Contudo, Alfonso-Goldfarb, Ferraz e Beltran (2004, p. 53) lembram que o
excessivo descontinuísmo do modelo kuhniano tornou-se um ponto fraco, pois
desconsiderava “a tendência à continuidade que parece ter existido tradicionalmente na
práxis da ciência (...).” Nesse cenário, a nova historiografia começa a lidar com
questões mais complexas, buscando entender a Ciência por um aspecto descontinuísta,
mas sem esquecer dos desenvolvimentos continuístas.
2.2 História da Ciência e Ensino
Ao resgatar as origens da História da Ciência e sua organização em torno de um
campo de conhecimento independente, Alfonso-Goldfarb (2004) destaca que hoje esse
campo de estudos é representado por vários periódicos internacionais, muitas
publicações, congressos, além de grupos e departamentos universitários próprios em
vários países do mundo. Há também uma relação entre historiadores da ciência e
educadores, sendo esta a questão central discutida nesse tópico.
Como lembra Duarte, o enfoque das aulas balizado pela História da Ciência é
notório a certo período. A discussão pela incorporação da História da Ciência nos
currículos de Ciências e no ensino das Ciências tornou-se uma questão presente em todo
o século XX. (RODRIGUEZ; NÍAZ, 2002 apud DUARTE, 2007). Mas, em fins do
século XIX já havia professores ingleses que consideravam a História da Ciência
enquanto elemento motivador aos alunos. (SHERRATT, 1982 apud SEQUEIRA;
LEITE, 1988).
38
Essa possibilidade de trabalho pedagógico foi apoiada pela British Association
for the Advancement of Science (BAAS) que, em 1917, lançou um relatório - “Science
teaching in the secondary schools” (BAAS, 1917) - no qual a História da Ciência é
apresentada como um viés que mostra a Ciência como uma atividade humana que é
capaz de favorecer o bem estar do indivíduo. (SEQUEIRA; LEITE, 1988).
Contudo, e apesar do empenhamento de alguns professores, a
inclusão da História da Ciência nas aulas de ciências apenas sofreu
um desenvolvimento significativo no fim dos anos quarenta quando,
em Harvard, Connant, acreditando que era mais fácil compreender a
natureza da ciência se se estudasse o modo como ela se desenvolveu
desde as suas origens, introduziu na educação geral em ciências a
história de casos da ciência (do inglês, History of Science Cases)
(RUSSEL, 1981 apud SEQUEIRA; LEITE, 1988, p. 31).
Sequeira e Leite (1988) ainda destacam a década de 1970 como o período auge
da presença da História da Ciência na educação. Em Harvard, por meio do Projeto
Física, buscou-se apresentar a atividade humana da Física por meio da perspectiva
histórica e cultural. (HOLTON et al., 1970a, b apud SEQUEIRA; LEITE, 1988).
Assim, podemos notar a relevância que esse enfoque de ensino ganhou com o
tempo, chegando a atingir várias possibilidades de trabalho nas disciplinas científicas.
Mas, algumas questões devem ser consideradas. Pessoa Jr. (1996) nos lembra que o uso
da abordagem histórica no ensino de Ciências vai depender da concepção de ensino de
Ciências do professor. Será a partir dos objetivos traçados que a abordagem histórica
será usada ou não na sala de aula e de que forma será usada.
Segundo o último autor, se o ensino pretende que os alunos consigam resolver
equações da Física (ou de outra área), então não faz sentido o trabalho educacional via
História da Ciência. Mas, caso se busque delinear as diferentes transições teórico-
metodológicas que a Ciência sofreu ao longo dos anos, podemos notar a importância
desse enfoque de ensino, devendo-se atentar a algumas particularidades: i) qual o
conteúdo científico a ser trabalhado; ii) o nível escolar em consideração; iii) o grau de
ênfase a trabalhar com História da Ciência; iv) e o tipo de abordagem histórica.
Entre os tipos de abordagem, Pessoa Jr. (1996, p. 5) lembra da história
internalista de longo prazo, podendo ser encontrada em manuais didáticos que
trabalham a História da Ciência a partir de vários episódios que mostram a evolução da
Ciência. Por exemplo, na Física “Oresme fez isso, depois Galileu fez aquilo, depois
tentaram isso, até que Newton chegou e...”.
39
A pesquisa de Carvalho (2007) com livros didáticos de Física do PNLEM deixa
clara essa apresentação da Ciência. A análise de como a história do conceito de indução
eletromagnética é apresentada nos livros revelou uma abordagem linear da Ciência,
baseada na seqüência cronológica de datas, grandes invenções e realizações científicas.
Nesse panorama a Ciência é apresentada de forma isolada a fatores externos como a
política, economia, religião e a cultura.
Em poucos momentos houve o destaque aos antagonismos e contradições
durante o desenvolvimento científico, assim como o papel do desenvolvimento
tecnológico e das disputas comerciais na Ciência. Quando presentes, esses aspectos
eram trabalhados em seções específicas, separadas do corpo principal do texto.
(CARVALHO, 2007).
Outra possibilidade é apresentar o perfil epistemológico de alguns grandes
cientistas. Nessa abordagem as pessoas que contribuíram para a Ciência são discutidas
quanto a elaboração de suas idéias iniciais em seus campos de estudos, demonstrando a
elaboração de sua teoria, como aconteceu a descoberta de algo novo ou a resolução de
um problema, os personagens históricos com quem dialogaram, os erros e equívocos
cometidos. (PESSOA JR., 1996).
Com essa perspectiva, Vannucchi (1996) elaborou dois textos de caráter
histórico-filosófico para trabalhar com turmas do colegial (2ª série do Ensino Médio)
e uma turma do 2º ano do magistério. Num primeiro momento houve a leitura dos textos
por grupos de quatro a cinco alunos, para posterior debate pela classe. O primeiro texto
narra a tentativa de Galileu reproduzir a construção de uma luneta, instrumento recente
que despertara sua atenção, por meio de uma lente côncava e uma convexa. Antes que
acabasse aquele ano de pesquisas de Galileu, o texto anunciava que ele teria construído
telescópios aptos a fazerem observações astronômicas, mas sem explicar porque e como
funcionava esse instrumento, sendo um fato compreendido por Johannes Kepler no ano
seguinte, ao analisar geometricamente a refração da luz por lentes. Mas a formulação
correta da lei da refração foi obtida 70 anos mais tarde pelo holandês Christian
Huygens.
O segundo texto abrange as observações astronômicas de Galileu em seu livro:
“Mensagem das Estrelas”, de 1610, como a superfície montanhosa da lua, em
contradição à noção de superfície lisa que se tinha na época, além da descrição de
estrelas nunca vistas antes. Esse texto também apresenta as discussões de outras pessoas
sobre as impressões de Galileu, sendo entendidas como ilusão ótica, uma vez que
40
contrariavam a teoria celeste aristotélica aceita pelos estudiosos daquele período.
Discussões como a idéia da Terra girar ao redor do Sol também são repensadas com os
estudos galileanos, retomando a idéia da Terra ser móvel, e não imóvel e o centro do
universo, como se acreditava. (VANNUCCHI, 1996).
Segundo Vannucchi (1996), essa forma de trabalho, com a leitura e posterior
discussão de textos com um fio condutor histórico, torna-se interessante por apresentar a
relação entre conhecimento científico e tecnológico, bem como o papel dos referenciais
teóricos dos cientistas na observação e interpretação dos dados. Assim, discute-se que
nem sempre a tecnologia é resultado do avanço na Ciência, uma vez que a luneta foi
construída sem que houvesse uma teoria ótica que explicasse seu funcionamento
teórico. Nesse sentido, há a desmistificação de noções equivocadas através de uma visão
mais realista da atividade científica.
Uma terceira abordagem possível leva em conta a história externalista ou social
da Ciência, buscando apresentar a sociedade da época, questões de cunho político-
econômico-social, as necessidades tecnológicas, o(s) país(es) que era(m) o centro
científico em determinados períodos.
Nessa perspectiva, Guerra, Reis e Braga (2002) estruturaram uma atividade de
ensino de Física baseada em um “julgamento” para alunos da primeira série do Ensino
Médio. Com base no estudo do nascimento da Ciência moderna, esses pesquisadores
propuseram a seguinte sentença: “O desenvolvimento da Ciência foi atrasado ao longo
da Idade Média?”.
Os alunos foram divididos em três grupos: a promotoria, para a defesa
afirmativa da pergunta levantada; a defesa, cuja função seria negar a tese acima; e o
corpo de jurados, responsáveis pelas perguntas do julgamento. Os dois primeiros
grupos elegeram seus advogados para defenderem suas teses e o restante dos alunos
seriam as testemunhas
8
chamadas no dia do julgamento. Os jurados seriam os
inquisidores, levantando perguntas aos advogados e às testemunhas.
Textos suplementares, bem como o incentivo à pesquisa de outras fontes
bibliográficas foram as estratégias usadas para fundamentar a promotoria e a defesa.
Nesse processo, as leituras, como o livro “Galileu e o Nascimento da Ciência Moderna”
(GUERRA et al., 1997)
9
, apresentaram como a Matemática e a experimentação se
constituíram nos critérios de verdade para as Ciências; delinearam a sociedade medieval
8
Testemunhas que representariam pessoas que viveram no final da Idade Média ou no Renascimento.
9
GUERRA, A. et al. Galileu e o Nascimento da Ciência Moderna. São Paulo: Ed. Atual, 1997.
41
e as mudanças de caráter cnico-cultural sofridas na Europa a partir do século XII;
apresentaram o papel da Igreja na Idade Média; a relevância de pensadores religiosos
como Santo Agostinho e São Tomás de Aquino para a ciência medieval etc. (GUERRA;
REIS; BRAGA, 2002).
Dessa forma, como Guerra, Reis e Braga (2002, p. 11) almejavam, houve um
estudo cuidadoso do nascimento da Ciência moderna pelos discentes, conforme se
constatou pelos argumentos dos grupos, pela preparação das testemunhas e pelo
envolvimento dos alunos com o evento. “Assim, o curso de primeira série deixou de ser
um emaranhado de fórmulas para constituir-se em um aprendizado histórico-filosófico
da Mecânica.”
O quarto viés de trabalho seria estudar a História a partir dos originais, ou seja,
a leitura e discussão apoiada em textos originais (traduzidos ou não) escritos por
cientistas do passado. (PESSOA JR., 1996).
Dentro desse viés, Montenegro (2005) elaborou unidades de ensino que
consideravam o uso de trechos de documentos originais de Michael Faraday sobre
indução eletromagnética. Nessa oportunidade de trabalho com uma série do Ensino
Fundamental e com uma série do Ensino Médio, essa pesquisadora buscou focar o
caráter histórico e humano no processo de desenvolvimento científico por meio da
leitura de trechos do diário de Faraday que tratam sobre a sua pesquisa com indução.
De acordo com Montenegro (2005), os livros didáticos pouco abordam a questão
da indução eletromagnética, recebendo atenção apenas no Ensino Médio, por meio de
uma fórmula, com uma limitada apresentação de Michael Faraday. Nesse sentido, as
unidades consideraram projetos de ensino de física, livros didáticos, paradidáticos e
enciclopédias. A construção de um texto biográfico, correlacionado com trechos dos
textos originais do diário de Faraday visou abranger a parte histórica. Houve também
espaço para uma atividade prática sobre o efeito da lei da indução eletromagnética.
O trabalho com essas duas séries escolares, cada classe de uma escola pública
diferente de Campinas (SP), possibilitou a desmistificação do cientista que era visto
como um “maluco” entre muitos alunos. Os textos originais também clarearam a
percepção de que a Ciência não é regida apenas por fórmulas, cálculos, termos
científicos difíceis e acertos. Pontos importantes foram tratados, como o erro na
Ciência; questões político-sociais da época de Faraday; e sua busca por estudos de
outros cientistas, como Ampère e Arago, visando um embasamento para suas
investigações. (MONTENEGRO, 2005).
42
A quinta abordagem descrita por Pessoa Jr. (1996) leva em conta a reconstrução
da História da Ciência a partir de teorias de dinâmica científica. Sobre essa
abordagem, seria tomada como referência alguma teoria de evolução do conhecimento
científico, como a de Thomas Kuhn ou a de Imre Lakatos, por exemplo, e seria
explorada a História da Ciência a partir das noções de “paradigma” ou “programa de
pesquisa”.
Inspirado nessa possibilidade de trabalho, Silva (2008) buscou apoio nos
fundamentos de Lakatos para desenvolver uma atividade didática. Dessa forma, ao
acompanhar a disciplina de Física de uma turma da segunda série do Ensino Médio de
uma escola pública de Londrina (PR), mais precisamente o trabalho em cinco horas-aula
com o conceito de calor e temperatura, esse pesquisador tentou atacar o núcleo do
“programa alternativo” dos alunos para desmoronar o cinturão protetor das concepções
alternativas discentes sobre calor e temperatura e, conseqüentemente, fazer com que os
discentes tendessem para o programa científico, ou seja, as noções científicas aceitas
sobre esses conceitos. Para tanto, sistematizou sua ação em sete passos:
Passo: Levantou as concepções alternativas dos alunos sobre temperatura e calor,
tomando-as como “programas”. Essas concepções foram retomadas no 5º passo;
2º Passo: Apresentou duas teorias científicas rivais e delineou os postulados (núcleo) de
cada teoria, possibilitando a análise das diferenças explicativas de ambas para
determinados fenômenos. Nesse processo as teorias em questão devem explicar
satisfatoriamente os fenômenos;
3º Passo: Analisou a inteligibilidade das teorias do 2º passo;
Passo: Apresentou uma Reconstrução Racional Didática (RRD)
10
para os alunos,
aproveitando a racionalidade baseada nos critérios do falseacionismo lakatosiano para
traçar a superioridade de uma teoria (a cientificamente aceita) frente a uma rival (uma
teoria anterior à atual). Nesse momento devem aflorar fatos contraditórios da teoria
científica antecessora, com a função de provocar a degeneração (enfraquecimento)
dessa teoria frente a rival;
10
Essa RRD reconstruiu a história sobre os conceitos de temperatura e calor, buscando “modelar um
processo de raciocínio que possa recrear o estudante no contexto de um julgamento científico real de
decisões entre teorias rivais.” (SILVA, 2008, p. 40). Assim, a História e a Filosofia da Ciência são usadas
como recursos na RRD, focando reconstruções didáticas que auxiliem o ensino de conceitos científicos,
ou seja, a idéia não é alcançar reconstruções históricas completamente autênticas, por que a idéia não é
ensinar a história da sica, mas sim ensinar sica segundo uma interpretação da história por meio de
algumas concepções modernas, como as de Imre Lakatos.
43
Passo: Considerando a discussão racional proporcionada no passo anterior, nesse
momento houve a discussão racional entre as concepções alternativas coletadas no
passo e a teoria científica vencedora no passo anterior (4º passo), envolvendo os
conceitos físicos de temperatura e calor. O confronto entre ambas as explicações dos
fenômenos visa facilitar as interpretações dessas teorias;
Passo: Essa etapa criou as insatisfações com o programa alternativo dos alunos (suas
concepções alternativas), semelhante ao passo com a RRD. Na resolução de
problemas emergem as anomalias em uma das teorias. A dificuldade conceitual ou
empírica das concepções alternativas discentes resulta na insatisfação com o senso
comum, em contrapartida o programa científico, ao responder satisfatoriamente os
problemas colocados, poderá ter prestígio e ser aceito mais facilmente pelos alunos de
forma objetiva e racional;
Passo: O último passo serve para avaliar se os alunos assimilaram a nova concepção
trabalhada, podendo ser testada pela frutificação de explicações compatíveis com a
teoria científica aceita pela comunidade.
Silva (2008) notou que os treze alunos pesquisados, rejeitando da amostra os
alunos que faltaram em um dos passos da estratégia, possuíam quatro tipos de noções
intuitivas sobre os conceitos estudados. Como resultado, a RRD facilitou a percepção
dos alunos quanto a não-linearidade da Ciência, possibilitando a compreensão de que as
teorias científicas não são verdades inquestionáveis e nem retratos da realidade.
Conclui-se que, além do ensino tradicional dos conceitos de calor e
de temperatura dos modelos teóricos estudados, a RRD foi
importante para induzir um critério racional nos estudantes
juntamente com um aprendizado de se realizar comparações entre
teorias rivais conforme esse critério. Aprendizado este que caminhou
a favor de um entendimento racional da preferência dos conceitos
científicos frente aos do senso comum. (SILVA, 2008, p. 223).
A sexta forma de trabalhar na perspectiva histórica é explorar os antigos
instrumentos científicos, abrindo espaço para a parte histórica dos experimentos por
meio de slides ou da construção de instrumentos científicos.
Na descrição de um projeto de ensino, financiado pela FINEP, Neves (1992) traz
à tona discussões anteriores e posteriores ao nascimento da cinemática galileana e da
dinâmica galileana. Ao trabalhar inicialmente com as obras "Sobre o Céu" e "Física", de
44
Aristóteles, um processo de desconstrução da cinemática aristotélica, principalmente
com Galileu, quando há a substituição definitiva da velocidade proporcional ao peso por
distância proporcional ao quadrado do tempo (d ά t
2
), com base nos argumentos do livro
"Duas Novas Ciências", de Galileu Galilei.
Quanto aos instrumentos daquela época, Galileu não dispunha de relógios para
determinar o tempo de queda livre de um corpo, usando um plano inclinado para
trabalhar a relação d ά t
2
. Nesse período, quanto aos instrumentos para a medida do
tempo, contava-se com recursos como o pulso cardíaco, pêndulos, gotas de água, entre
outros. Esse problema de medição do tempo foi apenas resolvido na segunda metade do
século XIX, graças à máquina que registrava graficamente um corpo em queda livre,
construída pelo francês Jules Morin. Neves (1992, p. 219-220) ainda completa:
O aparelho que leva o nome de "Aparelho de Morin" consiste de um
cilindro girante (...), com uma folha de papel gráfico afixado a ele, no
qual se encontra um peso (um tronco de cone munido de uma caneta)
bastante próximo a ele e guiado por duas guias de arame. O Aparelho
é ótimo, pois, além de resolver o "truque" de Galileo, permite chegar
facilmente às equações do movimento.
Como relata o autor acima, o aparelho de Morin foi reconstruído no
Departamento de Física da Universidade Estadual de Maringá (UEM), de duas formas
diferentes: segundo o desenho original e uma versão elétrica, sem o mecanismo de
relojoaria que toca a velocidade constante, o cilindro. Assim, descreve que três
protótipos da versão elétrica foram construídos e são utilizados para as aulas de Física
(Licenciatura e Bacharelado) e Engenharias (Química e Civil) no laboratório didático de
Mecânica da UEM. “Essa experiência tem-se mostrado bastante razoável, pois insere o
aluno e professor numa dinâmica histórica da construção do conhecimento e da
compreensão dos fenômenos físicos.” (NEVES, 1992, p. 221).
Considerando as pesquisas acima, pudemos rever alguns tipos de abordagem
histórica e as contribuições que alguns pesquisadores educacionais relataram ao
trabalhar com esse enfoque de ensino. Um aspecto interessante é a concentração de
pesquisas educacionais em História da Ciência ligadas a área de Física, servindo de
alerta para pesquisadores em Ensino de Química, uma vez que esse campo de estudos é
rico e abrange múltiplas possibilidades de trabalho educacional.
No próximo capítulo, reconstruiremos o conceito de substância. Para além de
focar este ou aquele tipo de abordagem histórica no ensino, buscaremos as contribuições
45
dos diferentes tipos de abordagem para favorecer uma construção histórica mais ampla e
complexa sobre o conceito de substância química. Assim, esse resgate histórico nos
fundamentará para a análise dos livros didáticos e, também, poderá servir futuramente
como um referencial para os docentes elaborarem suas aulas.
Quanto a esse último ponto, os professores podem (e devem) selecionar os
aspectos históricos que se encaixam na perspectiva de ensino que buscam ao
trabalharem com a temática substância química, como o aspecto internalista e/ou
externalista da Ciência, o papel dos instrumentos científicos antigos, o uso de textos
originais ou mesmo o perfil epistemológico de algum cientista, sempre levando em
consideração o objetivo traçado inicialmente para a sua aula, como já mencionava
Pessoa Jr. (1996).
Partindo da nossa reconstrução histórica, os professores também podem
aprofundar algumas questões que considerem superficiais ou mesmo explorar aspectos
da história desse conceito não discutidos nessa breve reconstrução, tomando-a apenas
como um referencial a mais no momento em que selecionam os conteúdos e conceitos
que trabalharão com seus alunos.
46
3. O CONCEITO DE SUBSTÂNCIA
Esse capítulo da dissertação apresenta alguns aspectos centrais sobre o conceito
a ser analisado nos livros didáticos de Química do PNLEM. Dessa forma justificamos o
porquê da escolha pelo conceito de substância e, a seguir, reconstruímos o processo de
evolução desse conceito na Ciência, visando suporte à análise das obras.
3.1 Sobre a escolha do Conceito de Substância
A escolha dessa temática deve-se à relevância do conceito de substância.
Conforme destaca Silveira (2003, p. 75), “o conceito de substância, diretamente
relacionado ao conhecimento da matéria, é a base da Ciência Química, que esta é
considerada a ciência que estuda as transformações dos materiais.”
Nesse sentido, a compreensão do conceito de substância é fundamental, servindo
de pilar-base para a Ciência Química e, também, para o Ensino de Química, uma vez
que é determinante para a compreensão de outros conceitos, como elemento químico e
transformações químicas.
(FURIÓ; DOMÍNGUEZ, 2007). Caminhando nessa direção,
Silveira (2003, p. 80-81) esclarece alguns pontos:
(...) elemento químico pode estar associado a classificação de
substâncias simples seja quando esta não for mais decomponível
em outros elementos (uma concepção macroscópica), ou quando for
formada por um conjunto de átomos com mesmo número atômico
(dependerá da abordagem realizada pelo professor). Por outro lado,
uma transformação química será sempre caracterizada pela formação
de novas substâncias, seja pela verificação das evidências destas
transformações, ou seja, mudança de cor, formação de gases,
formação de precipitados, liberação de odores, etc, ou pela
constatação das propriedades específicas desta nova substância,
como: ponto de ebulição, ponto de fusão, densidade, entre outras.
Nessa perspectiva, podemos notar a relevância do conceito de substância
enquanto ponto de partida para a (re)construção e entendimento dos conteúdos e
conceitos químicos que fazem parte dos currículos escolares (elemento químico, tabela
periódica, transformações químicas, ligações químicas etc).
47
A existência dessas relações conceituais fica clara na pesquisa de Araújo, Silva e
Tunes (1995), que buscou entender, via questionário, como o conceito de substância é
apreendido e organizado por alunos do Ensino Médio de uma escola de São Carlos (SP).
Esses pesquisadores comentam que a dificuldade na compreensão do conceito de
substância refletiu em definições errôneas do que viriam a ser as reações químicas.
Como os alunos percebem as substâncias enquanto “coisas”
11
, uma dificuldade em
distinguir as substâncias de “materiais homogêneos e solução (pois os três têm apenas
um aspecto visual, como se tivessem apenas uma coisa ou uma substância) assim como
também têm dificuldade em diferenciar substância composta de material heterogêneo.”
(ARAÚJO; SILVA; TUNES, 1995, p. 89).
Furió e Domínguez (2007), ao trabalharem com questionário e entrevista,
também perceberam as dificuldades discentes na compreensão do conceito de
substância, em nível macroscópico e microscópico, resultando na limitada compreensão
de outros conceitos, como substância simples, composta, mistura, elemento químico e
reações químicas.
Dessa forma, além de sua importância enquanto pilar-base para a compreensão
de outros conceitos químicos, a escolha pela temática substância também foi baseada na
riqueza histórico-epistemológica que envolve esse conceito ao longo dos anos
(SILVEIRA, 2003), sendo apresentada a seguir por uma breve reconstrução histórica.
3.2 Reconstrução Histórica do Conceito de Substância
Conforme sugestão de Chassot (1994), buscamos reconstruir o conceito de
substância a partir da Grécia Antiga, período (século VI a.C.) que apresenta a
construção de idéias organizadas que tentavam entender o mundo. Nessa empreitada, os
gregos se caracterizam pela busca de conhecimentos de outras culturas, pelo empenho à
reflexão, à argumentação e à dialética.
Para a elaboração do conhecimento grego, destacamos o cenário anterior que
forneceu as bases para esse processo. Assim, a Civilização Micênica (1700 a 110 a.C.),
11
O termo substância, antes de ser inserido no contexto escolar, é aprendido pelo aluno como sinônimo
de coisa, material, elemento, assim como o termo material, entendido como “coisa” pelos alunos.
(ARAÚJO; SILVA; TUNES, 1995).
48
estruturada em palácios e numa economia ligada à agricultura e ao artesanato, entendia
o rei como o representante dos deuses entre os homens. Porém, em torno de 1200 a.C.,
os dórios (outro grupo grego) começaram a se fixar na Grécia e provocaram mudanças
significativas nesse período (denominado homérico). Sua organização era baseada no
gènê (instâncias de organização em que todos os membros descendiam do mesmo
antepassado), não havendo referência a um único deus e aos palácios. (ANDERY;
MICHELETTO; SÉRIO, 2001a).
Dentro desses gènês e fratrias (que eram também instâncias de organização)
havia a avaliação do cidadão que possuía a melhor genealogia, sendo escolhido como o
rei daquele gènê ou fratria. Nessa nova estrutura, os chefes dos gènês e fratrias
compunham o conselho das cidades e respondiam pelas ações políticas, militares e
econômicas que deveriam passar pela assembléia (reunia todos os cidadãos daquela
cidade). (ANDERY; MICHELETTO; SÉRIO, 2001a).
O período grego posterior, denominado arcaico, compreendeu o século VII e VI
a.C. e foi marcado pelo desenvolvimento das pólis (ou cidades-Estado), que eram
unidades econômicas, políticas e culturais independentes. Nesse contexto da pólis, o
cidadão (aquele que não fosse mulher, escravo ou estrangeiro) poderia participar nas
decisões e organização da sociedade, sendo uma particularidade da cidadania e
democracia atingida como reflexo da identidade política. Andery, Micheletto e Sério
(2001b, p. 35) ainda lembram o resultado dessa peculiaridade:
O desenvolvimento da pólis constituía, assim, fator fundamental para
o nascimento do pensamento racional; criava as condições objetivas
para que, partindo do mito e superando-o, o saber fosse
racionalmente elaborado e para que alguns homens pudessem se
dedicar à elaboração desse saber.
As transformações sociais e circunstâncias peculiares foram os aspectos
essenciais para o rompimento com o mito, sendo a Jônia o local favorável para o início
das primeiras concepções filosóficas. Aspectos como a aceitação de grupos de
diferentes nacionalidades e o intercâmbio com outros países foram fundamentais para o
rompimento de certas tradições. Nesse cenário, Tales é considerado o fundador da
Escola de Mileto, desenvolvendo conhecimentos na Astronomia, Matemática,
Geometria. Esse filósofo elaborou um sistema de explicação do mundo baseado no
elemento água, provavelmente ao observar que o alimento é úmido e pelo fato das
sementes possuírem uma natureza úmida. (ANDERY; MICHELETTO; SÉRIO, 2001b).
49
Assim, enalteceu a água como o único princípio, responsável pela multiplicidade dos
seres. (OKI, 2002).
Anaximandro de Mileto, discípulo de Tales de Mileto, apareceu com suas idéias
pouco depois, vivendo de 611 a 546 a.C., sendo considerado o primeiro a elaborar uma
cosmogonia física que acreditava na origem do cosmos por uma matéria primeira e
eterna - o apeíron. (WIECHOWSKI, 1972).
O discípulo de Anaximandro foi Anaxímenes de Mileto (588 a 525 a.C.), que
entendia o ar, que era móvel e infinito, como o princípio responsável pelo mundo. Este
filósofo também acreditava que a Terra era plana e flutuava sobre o ar, assim como o
Sol, a lua e outros astros. E ainda pregava: “Quando o ar se dilata se converte em fogo,
quando se condensa em vento; se continua condensando-se se transforma primeiro em
nuvens, logo em água, depois em terra e finalmente em pedra.” (WIECHOWSKI, 1972,
p. 14, tradução nossa).
Esses três filósofos que compuseram a Escola de Mileto foram importantes no
rompimento com o mito e possibilitaram o pensamento racional no estudo dos
fenômenos naturais. Assim, eles “foram capazes de, partindo da observação dos
fenômenos da natureza, elaborar conceitos ou idéias abstratas, construindo, assim, as
marcas do primeiro momento de ruptura com o pensamento mítico.” (ANDERY;
MICHELETTO; SÉRIO, 2001b, p. 39).
No ano de 494 a.C. houve a destruição da cidade de Mileto pelos persas, fazendo
com que se perdesse o centro intelectual. Contudo a ideologia continuou e conquistou
espaço em Elea com a figura de Parmênides (~ 480 a.C.), o qual atacou severamente as
idéias de Heráclito de Éfeso (por volta de 500 a.C.), que entendia a origem do mundo e
sua transformação a partir do elemento fogo. (WIECHOWSKI, 1972).
Em contrapartida, a doutrina de Empédocles de Agrigento (século V a.C.) reuniu
os quatro elementos (água, ar, fogo e terra) para explicar a constituição do universo.
Segundo ele, os elementos seriam movidos pelo Amor e/ou pelo Ódio, sendo o Amor
determinante para a junção dos elementos e o Ódio responsável pela separação de tais
elementos. (ANDERY; MICHELETTO; SÉRIO, 2001b). Esses elementos não deveriam
ser pensados como iguais às substâncias ordinárias que tinham esses nomes, mas
deviam ser levadas em conta as características essenciais e permanentes. Assim, cada
substância material tinha esses quatro elementos em sua composição, por exemplo: “(...)
um pedaço de madeira contém o elemento terrestre (e por isso é pesado e sólido), o
elemento aquoso (e, por isso, ao ser aquecido, expele primeiro a umidade), assim como
50
o ar (fumega) e o fogo (emite chamas quando queima).” Existiam diferentes espécies de
madeiras devido à variação nas proporções desses elementos. (RONAN, 2001a, p. 82).
Tales foi o primeiro filósofo a eleger um elemento responsável pela explicação
do mundo, sendo essa idéia reestruturada por outros filósofos gregos. Contudo, outro
enfoque de estudos foi conduzido pelo grego Leucipo (século V), entendendo que a
matéria, ao ser constantemente dividida, chegava a um tamanho em que não poderia
mais ser dividida, instaurando-se à idéia de átomo.
Demócrito, nascido em Abdera, também possui papel relevante ao tentar
explicar os fatos do mundo sem o emprego do mito. Como revelam Andery, Micheletto
e Sério (2001b, p. 54), ele enfatizou a teoria dos átomos, enquanto discípulo de Leucipo
de Mileto:
Para Demócrito o universo era composto por um número infinito de
partículas finitas de átomos. Os átomos pontos materiais,
corpúsculos indivisíveis existiram sempre e eram indestrutíveis e
imutáveis; idênticos uns aos outros quanto à sua natureza
(substância), os átomos poderiam diferir quanto ao tamanho, posição,
ordem e forma. O vazio, que era infinito, existia somente fora dos
átomos, já que estes eram plenos, e era condição para seu movimento.
Assim, Demócrito acreditava que a origem das coisas e os fenômenos do mundo
poderiam ser explicados pelos átomos, que se movimentavam no vazio para todas as
direções e, como conseqüência, chocavam-se, uniam-se e separavam-se.
O período denominado clássico na Grécia (séculos V e IV a.C.) demonstrou um
grande desenvolvimento econômico e político de algumas cidades-Estado, como
Atenas. Nesse período, houve a consolidação da cidadania, apesar do sistema adotar a
escravidão. Entre os cidadãos proprietários de terras, também podemos encontrar a
sociedade composta por escravos e estrangeiros (gregos de outras cidades e os bárbaros
- maioria eram artesãos e mercadores). A quantidade elevada de estrangeiros
reestruturou a concepção de cidadão, que passava a ser o indivíduo nascido de pais
gregos. Quanto a esse período, Andery, Micheletto e Sério (2001c, p. 59) destacam:
Todo o desenvolvimento de Atenas e a crise vivida pela cidade
transformaram-na na cidade grega mais importante do período. Sua
importância militar, econômica e política refletiu-se em sua vida
cultural e intelectual, e Atenas transformou-se em importante centro
de debates e de efervescência política e cultural. À cidade acorriam
os homens interessados nas artes e na filosofia e permaneciam os
atenienses que se preocupavam com tais questões. Como resultado, a
51
cidade conheceu, nesse período, um surpreendente desenvolvimento
das artes, da ciência e filosofia.
Podemos constatar a relevância desse período (Grécia Clássica) na produção
cultural de três pensadores: Sócrates, Platão e Aristóteles, que exerceram grande
influência no desenvolvimento da filosofia e da Ciência
12
.
Ao traçar um panorama histórico do desenvolvimento do conceito de substância
no período clássico, Aristóteles de Estagira (384-322 a.C.) apresenta contribuições
quanto a esse conceito, bem como a rios campos da botânica, geologia, psicologia,
zoologia, política.
Na visão de Cosmos de Aristóteles, a Terra, um planeta imóvel, seria o centro do
Universo, rodeada pelos demais corpos celestes que realizariam círculos perfeitos ao seu
redor. Nessa visão, haveria a divisão em mundo sublunar (a Terra e o espaço entre ela e
o orbe lunar) e mundo supralunar (contendo os corpos celestes). (FREZZATTI JR.,
2005).
Todos os objetos da Terra (mundo sublunar) seriam compostos pelos quatro
elementos, com um movimento retilíneo, podendo dirigir-se para o centro da Terra
(objetos compostos por terra e/ou água) ou no sentido oposto ao centro da Terra
(objetos compostos por ar e/ou fogo)
13
. Em contrapartida, os corpos celestes e “os orbes
(esferas nas quais os corpos celestes estão fixados) (...) constituem o mundo supralunar
que é composto por apenas uma única substância: o éter ou a quinta-essência.” Nessa
visão, as coisas compostas pelos quatro elementos eram imperfeitas e, portanto,
poderiam sofrer transformações, enquanto que a única substância do mundo supralunar,
o éter, era imutável, logo perfeita e eterna. (FREZZATTI JR., 2005, p. 145).
A concepção aristotélica dos elementos (derivada dos trabalhos de Empédocles)
atribui qualidades (quente, frio, seco e úmido) aos quatro elementos (ar, água, terra,
fogo). “Cada elemento é constituído por duas qualidades e as transformações da matéria
ocorreriam por mudanças de qualidades.” Assim, por exemplo, o ar, que é quente e
úmido, ao ser esfriado poderia ser transformado no elemento água (que é úmido e frio).
(FREZZATTI JR., 2005, p. 144).
12
O termo Ciência não existia nesse período, mas o tomaremos para expressar as esferas teórico-
filosóficas que compreendem uma grande faixa da história conhecida como filosofia natural.
13
Buscaremos, em momentos (e pesquisas) posteriores, investigar outras fontes para entender porque
Aristóteles e seus sucessores foram adeptos dos elementos fundamentais ao invés de adotarem as noções
atomísticas de Leucipo e Demócrito.
52
Figura 1. Transformações da matéria
Fonte: Frezzatti Jr. (2005, p. 144)
As idéias divulgadas por Aristóteles, nos mais diversos campos, foram aceitas e
respeitadas durante muito tempo, como em Alexandria, fundada em 331 a.C. após a
conquista do Egito por Alexandre Magno. Da fusão entre tradições como a apurada
técnica do Egito, a indagação da natureza pelos filósofos gregos e as influências do
Oriente, surgiu uma nova forma de pensar e trabalhar experimentalmente - a Alquimia
14
.
(FILGUEIRAS, 2002).
O movimento alquímico, ao reconhecer a concepção de substrato único da
matéria de Aristóteles, entendia que a diferenciação entre dois corpos era devido às
propriedades externas (as qualidades - quente, frio, seco, úmido). Dessa forma, um
corpo poderia ser transformado em outro a partir do trabalho sobre as quatro qualidades
da matéria.
Dentro dessa perspectiva, os alquimistas se interessaram pela transformação da
matéria, principalmente na tentativa de transformar metais sem valor econômico em
ouro, ação conhecida como transmutação. Em busca de tal perspectiva, os alquimistas
realizavam uma vasta quantidade de transformações químicas em torno das substâncias
e dos materiais.
14
O termo Alquimia revela uma origem obscura, sem consenso quanto às suas raízes. Essa nova doutrina
filosófica se manifesta durante a queda do Império Romano e perpassa a Idade Média, reunindo aspectos
como símbolos, mistérios, além de sábios, filósofos, mágicos e charlatães. (BERTHELOT apud FARIAS,
2007).
53
Os escritos de Zózimo (século IV d.C.) caracterizam bem a tradição da alquimia
alexandrina, entendendo que esta deveria transformar os metais em ouro (por sua morte
e ressurreição). Para alcançar essa meta, menciona a existência de uma substância
(existindo nomes que a designam como tintura,
elixir e, posteriormente, pedra filosofal)
que permitiria a transmutação dos metais vis ou doentes em ouro (identificado nesse
momento por sua cor brilhante). (ALFONSO-GOLDFARB, 2001; BENSAUDE-
VINCENT; STENGERS, 1992).
A alquimia acaba se estendendo até os árabes, por volta do século VIII, com a
tradução dos textos gregos. Os processos e métodos, de forma geral, acabam sendo
melhorados pelos árabes. As suas vidrarias, tinturarias, produção de ligas metálicas,
sofrem aprimoramentos e, com isso, as reações químicas são processadas com melhores
resultados. (BENSAUDE-VINCENT; STENGERS, 1992).
Foi no final do século XI que houve uma abertura entre a cultura árabe e a
cultura européia, assim, na reconquista de cristãos pelo território árabe, ocorre uma
tradução de textos árabes, resultando no acesso da cultura européia “aos textos gregos
de Aristóteles, Ptolomeu, Euclides, dos médicos gregos, de Avicena, de astrônomos,
astrólogos, matemáticos e alquimistas”. (CHASSOT, 1994, p. 65-66).
Antes do contato com a cultura árabe/grega, a produção cultural européia pouco
cresceu no período conhecido como Idade Medieval (séculos V a XV), principalmente
pelas condições produzidas pelo cenário anterior a esse período. Como lembram
Rubano e Moroz (2001), nos séculos III e IV houve a interrupção da política
expansionista do Império Romano, a mão-de-obra escrava tornou-se escassa e, por sua
vez, houve a redução da produção agrícola e artesanal, havendo o empobrecimento da
população. Esses fatores fizeram com que os grandes proprietários mudassem para suas
propriedades rurais, arrendando parte de suas terras à agricultores livres que, em troca,
deveriam entregar parte de sua produção, além de pagarem tributos e impostos.
Nesse cenário a terra passa a ser essencial para a economia, instaura-se o
feudalismo com a relação senhor-servo. Assim, a produção de subsistência (feudos
auto-suficientes) ganha destaque e as cidades perdem a sua importância com o processo
de ruralização. Com essas condições praticamente não desenvolvimento científico,
mas sim avanços técnicos de caráter prático para as atividades agrícolas.
Esse aspecto é reforçado com o papel da Igreja que, com o fim da escravidão,
defende a igualdade entre todos os homens. Em busca de salvação o número de adeptos
cresce ligeiramente, o que reflete na doação de terras para essa Instituição. Com grande
54
ascensão, essa religião passa a ser a grande responsável pela produção, veiculação e
manutenção de idéias. (RUBANO; MOROZ, 2001).
A partir do século XI retoma-se o crescimento das cidades, possivelmente por
fatores como a intensificação do comércio, a produção de excedentes, o crescimento
populacional e o contato com civilizações orientais. Dessa forma foram criadas
condições financeiras para a realização das cruzadas, a construção de catedrais e a
fundação das Universidades. (RUBANO; MOROZ, 2001).
As cruzadas foram as grandes responsáveis por difundir a cultura entre o
Ocidente e o Oriente. Foram realizadas oito cruzadas com a finalidade de expulsar os
árabes das terras santas, sendo a primeira em 1096 e a última em 1270. Além de
recuperar Jerusalém, que tinha sido conquistada pelos árabes no século VII, havia
motivos ligados a expansão territorial, um local para troca de produtos manufaturados e
para saques - envolvendo interesses religiosos, políticos, comerciais e militares.
(CHASSOT, 1994).
Da mesma forma que ocorreu um grande desenvolvimento das práticas, técnicas
e equipamentos da alquimia grega para a alquimia árabe, ocorreu o mesmo da alquimia
árabe para a alquimia cristã. Assim, a alquimia, ao se defrontar com diferentes povos,
soube se adaptar conforme o contexto cultural de cada civilização, tentando responder,
portanto, de maneiras diferentes e eficazes às necessidades culturais as quais era
exposta.
Podemos notar isso na Europa do século XIV, marcada por guerras, fome e pela
peste bubônica (peste negra) que dizimou um terço da população, levando grande parte
dos nomes da cultura européia. Assim, Alfonso-Goldfarb (2001) destaca a necessidade
da utilização do saber das grandes civilizações passadas ao atual momento de carência
vivido na Europa, porém adequando-o às exigências urgentes, ou seja, direcionando
esses conhecimentos para a medicina.
Entre os conhecimentos alquímicos largamente aplicados na medicina, podemos
encontrar a teoria dos quatro elementos, sofrendo algumas modificações de modo a se
encaixar adequadamente a esse contexto. Quanto a esse momento, Porto (1997, p. 569)
esclarece:
A teoria médica mais difundida na época via o corpo humano
saudável como o resultado do perfeito equilíbrio entre os quatro
humores que o constituiriam. Estes humores estariam relacionados
com a clássica doutrina dos quatro elementos e quatro qualidades
55
primárias. Assim, os quatro humores, e as quatro qualidades
respectivamente predominantes em cada um deles, seriam: sangue
(quente), fleuma (úmido), bílis amarela (seco) e bílis negra (frio).
Nesse cenário, Porto (1997) revela a existência de várias concepções sobre a
prática da medicina na Europa. Assim, encontramos médicos que defendiam as
concepções médicas veiculadas nos textos gregos originais; aqueles que buscavam
incorporar ao seu trabalho as teorias médicas clássicas e árabes; e os médicos ligados a
uma visão mais empírica, sendo a parte teórica mais pragmática (por exemplo, a
utilização da astrologia para o prognóstico de doenças). Em meio a essas práticas,
encontramos Paracelso (1493-1541).
Esse alquimista suíço foi notório ao iniciar o combate de algumas doenças com o
uso de substâncias químicas isoladas, além do fato de ser um dos precursores da
homeopatia. (FREZZATTI JR., 2005). Seu interesse estava voltado à preparação de
medicamentos a partir de substâncias naturais, de origem mineral ou vegetal e, assim
como grande parte dos alquimistas, acreditava que os minerais cresciam e se
desenvolviam na terra, sendo um processo que o homem poderia imitar pela aceleração
ou adaptação desses processos naturais. (MASON, 1964).
Na sua concepção, Parcelso ignorava a concepção advinda da Grécia Antiga que
acreditava nos quatro elementos fundamentais e, portanto, entendia que o homem seria
constituído por três princípios: sal, enxofre e mercúrio. Uma doença seria o
desequilíbrio entre os três princípios, mas poderia ser eliminada por remédios minerais.
Assim foram produzidos vários remédios inorgânicos por ele e seus adeptos, como o
uso de ferro para pacientes com anemia, “sem esquecer de adicionar uma pequena dose
de sangue, porque o ferro se achava ligado a Marte, o planeta vermelho, deus da guerra,
do sangue e do ferro.” (MASON, 1964, p. 182).
A concepção dos três princípios (enxofre, mercúrio e sal) de Paracelso, aplicada
na sua teoria da matéria, na sua medicina e em seu sistema cosmológico, deriva de uma
antiga teoria atribuída ao alquimista árabe Jabir ibn Hayyan que entendia a formação
dos metais a partir de um processo de junção entre o mercúrio e o enxofre no interior da
Terra. Esse árabe acreditava que os diferentes metais existentes eram conseqüências das
variadas proporções e purezas na união entre essas duas substâncias. (PORTO, 1997).
Essa concepção foi a diretriz dos trabalhos de Paracelso, que adicionou um
terceiro princípio, o sal. Para o último a matéria deveria ser entendida da mesma forma
como a religião, representada por uma tríplice complexidade, uma vez que o Criador era
56
três pessoas em uma (Pai, Filho e Espírito Santo). Mason (1964, p. 185) ainda cita
um trecho de Paracelso: “Esses três princípios são a matéria inicial e possuem um
nome: Deus. E como na Divindade existem três pessoas, assim também cada princípio é
separado quanto à função; mas estas três estão compreendidas sob o nome único de
primeira matéria.”
Este alquimista suíço passou a defender que todos os objetos da natureza teriam
como componentes fundamentais esses três princípios, cada um responsável por
determinadas propriedades da matéria. “O enxofre tornaria os corpos mais, ou menos,
combustíveis, e lhes daria substância e estrutura. O mercúrio daria aos corpos fluidez,
elasticidade e volatilidade. O sal forneceria cor, solidez e imutabilidade à matéria.”
(PORTO, 1997, p. 570). Mas Oki (2002) destaca que o enxofre e o mercúrio eram
princípios abstratos, de acordo com uma concepção metafísica de elemento, e, portanto,
não deviam ser pensados como as substâncias da natureza que carregam esses mesmos
nomes.
Com essa concepção dos três princípios, Paracelso buscava derrubar as idéias
medicinais desse período ligadas às raízes gregas. Assim, o contexto para alicerçar
novas tradições medicinais foi de fundamental importância, sendo determinado pelo
conhecimento de novas plantas e doenças (escorbuto, filis, tifo) com as empreitadas
das navegações, bem como o alastramento de epidemias a partir do crescimento e
expansão das cidades. (PORTO, 1997).
Entre os adeptos dos ideais revolucionários de Paracelso na medicina, podemos
destacar o médico belga Joan Baptista Van Helmont (1579-1644), que demonstrou
interesse pela experimentação e pela Química Fisiológica. (CHAGAS, 1986). Porém,
como lembra Porto (1997), Van Helmont elimina de seu sistema a noção dos três
princípios, entendendo que o enxofre, o mercúrio e o sal não poderiam ser as
substâncias primordiais responsáveis pela formação de todas as outras substâncias.
Dessa forma, o último acaba adotando a água enquanto elemento primordial. Conforme
Mason (1964, p. 186), a escolha do elemento água também foi apoiada em questões
teológicas, pois a Bíblia mencionava a água como o “caos primevo, antecedente ao resto
da Criação.”
A utilização da balança também foi característica importante do trabalho de Van
Helmont. A partir da balança, esse belga conseguiu determinar que sobrava apenas uma
libra de cinza quando sessenta e duas libras de madeira de carvalho eram queimadas.
Assim, entendeu que essas sessenta e uma libras formavam um espírito invisível, o qual
57
denominou pelo nome de gás, identificando que o gás carbônico poderia ser obtido de
várias fontes (na reação de um ácido com um carbonato presente nas minas, na
combustão, nas putrefações e fermentações). (CHAGAS, 1986).
Seu trabalho prático é característico, inclusive a defesa pela inserção da Química
na Universidade por meio de demonstrações práticas. Da mesma forma que Paracelso,
menosprezava a lógica aristotélica e o raciocínio dedutivo, acreditando que as regras
demonstrativas dos matemáticos ou mesmo da Ciência não conseguiam casar” com a
natureza. “Considerava divino o conhecimento obtido pela visão e introspecção do
místico, e o adquirido pela lógica e pela demonstração como simplesmente humano e
muito inferior.” (MASON, 1964, p. 185-186).
Além das contribuições de Van Helmont, Chagas (1986) destaca que o século
XVII é marcado por uma grande quantidade de experimentos e uma variedade enorme
de fatos descobertos, que se tornaram aspectos fundamentais para a transição da
Alquimia à Química. Assim, personagens como Paracelso, Van Helmont, Robert Boyle,
Nicolas Lemery foram determinantes no caminhar de um novo esquema teórico-
experimental rumo ao rompimento com o movimento alquímico.
No século XVII, os embates renascentistas contra as chamadas
“autoridades” do conhecimento acabaram por causar fissuras
irrecuperáveis no antigo sistema cosmológico. Será, sobretudo, na
estrutura aristotélica engendrada pelos escolásticos, nervura central
deste sistema, que a ruptura maior se dará. Perdendo sua força
explicativa da natureza, torna-se necessária a formulação de uma
nova maneira de interpretar o mundo, condizente e consoante com os
apelos da época. (ALFONSO-GOLDFARB, 2001, p. 155).
Segundo Pereira e Gioia (2001), essa época é caracterizada por um processo de
transição do feudalismo ao capitalismo, principalmente entre os séculos XV, XVI e
XVII, quando ocorre a formação de Estados nacionais unificados na Europa em
detrimento à descentralização feudal. Essa transição é acompanhada por um processo de
mudança de idéias, de alterações na forma de pensar o universo, até então ligado às
concepções aristotélicas. Assim, desgasta-se a visão teocêntrica (relação Deus-homem)
com a instauração de uma nova forma de pensar e explicar as relações homem-natureza,
com a possibilidade de o homem entender e transformar a realidade.
A nova visão de mundo, instaurada nesse período de transição, era
mecanicista. Galileu e [1564-1642] Newton (1642-1727), importantes
construtores dessa nova visão, perceberam as dimensões matemáticas
58
e geométricas dos fenômenos da natureza e propuseram leis do
movimento, leis essas mecânicas. Descartes (1596-1650) também se
preocupou com as leis do movimento e tratou toda a natureza,
inclusive o corpo do próprio homem, seguindo o modelo mecanicista.
Hobbes (1588-1679) foi além, no que se refere à ampliação do campo
de abrangência do modelo mecanicista: estendeu-o para o próprio
conhecimento. (PEREIRA; GIOIA, 2001, p. 177).
As formas de produção, obtenção e validação do conhecimento, ou seja, os
aspectos metodológicos, também precisaram ser repensados, distanciando-se da e da
crença contempladas anteriormente. Apesar de a ênfase metodológica mudar entre os
diferentes pensadores e estudiosos que instauraram a Ciência Moderna, pode-se notar a
relevância de recursos como a razão, a experimentação, a observação e os fatos para a
elaboração, aceitação ou rejeição de leis naturais que explicassem os fenômenos.
(PEREIRA; GIOIA, 2001).
No campo da Química, fatores como o desenvolvimento de técnicas analíticas na
metalurgia e o uso de substâncias químicas na medicina, somados às investigações
empíricas sobre análise e síntese dos filósofos mecanicistas no século XVII,
contribuíram para levantar dúvidas sobre a idéia aristotélica de elementos, o que refletiu
no trabalho via definição operacional das substâncias, entendendo-as como um conjunto
de propriedades físicas e químicas características. (FURIÓ; DOMÍNGUEZ, 2007).
Destacamos Boyle entre aqueles que conseguiram estabelecer rompimentos com
o antigo sistema cosmológico. Seus trabalhos revelam a refutação dos elementos e dos
princípios alquímicos, mostrando pela análise química que existiam mais componentes
básicos em algumas substâncias do que três princípios ou quatro elementos, ou seja, ao
decompor determinada substância a análise indicava a existência de mais substâncias do
que três ou quatro componentes básicos.
Boyle concebia as substâncias como elementos que não poderiam ser
decompostos, responsáveis pela constituição das misturas. Porém, estas últimas sim
poderiam ser decompostas. Bensaude-Vincent e Stengers (1992, p. 53) ainda destacam
as idéias por ele divulgadas:
Chamo agora elementos certos corpos primitivos e simples,
perfeitamente puros de qualquer mistura; que não são constituídos
por nenhum outro corpo, ou uns pelos outros, que são os ingredientes
a partir dos quais todos os corpos que chamamos misturas perfeitas
são compostos de modo imediato, e nos quais estes últimos podem
ser finalmente resolvidos.
59
Dessa forma, sua importância foi indicar que os materiais da Terra poderiam ser
formados “por misturas (de substâncias) ou por uma única substância que, por sua vez,
podia ser <<um corpo perfeitamente sem mistura>> (substância simples) ou <<um
corpo perfeitamente misturado>> (substância composta).” (HOLTON; ROLLER, 1963
apud FURIÓ; DOMÍNGUEZ, 2007, p. 242, tradução nossa).
No modelo aristotélico-escolástico o havia a designação do conceito de
substância, uma vez que acreditava na existência de sistemas materiais terrestres a partir
da mistura de elementos ideais. A proporção das qualidades imprimidas por esses
elementos é que diferenciava qualitativamente os materiais semelhantes ou mesmo os
diferentes. (FURIÓ; DOMÍNGUEZ, 2007).
Mas, ao incorporar os ideais do mecanicismo cartesiano, Boyle entende a
“diversidade dos corpos e suas modificações através da desigualdade de forma,
grandeza, estrutura e movimento (no vácuo) de corpúsculos.” Essa concepção de
matéria ligada a agregação de partículas e movimento foi essencial para o
desenvolvimento da Química no que concerne a visão científica/racional da
transformação da matéria e o fornecimento de pilares para a matematização e
quantificação dos conceitos ligados à transformação da matéria. (FREZZATTI JR.,
2005, p. 141). O trabalho de Boyle reinterpretou as reações ainda ligadas à idéia de
transmutação, entendendo que “tais reações apresentavam o processo de reorganização
corpuscular que deve estar na base de toda transformação química.” (KUHN, 2005, p.
65).
O século posterior (XVIII), assim como o século XVII, apresentou grande
desenvolvimento quanto aos processos laboratoriais, equipamentos, idéias e pela
construção de teorias com um grande poder de explicação.
No caminhar dos séculos XVII e XVIII encontramos ainda a química, teórica e
prática, ligada à medicina, apesar de aos poucos conquistar certa independência,
Hankins (2002, p. 83) lembra que esse foi um processo lento, e alerta:
A química industrial ampliava os conhecimentos químicos
provenientes da medicina. A Revolução Industrial aumentou
consideravelmente a procura de certas substâncias químicas, como os
álcalis e os ácidos minerais, e a pesquisa de melhores métodos de
fabrico provocou o desenvolvimento de novas técnicas na metalurgia,
na cerâmica e nos têxteis, especialmente na coloração e no
branqueamento de tecidos. Lavoisier fazia parte integrante desta
tradição. As suas investigações sobre o gesso, sobre os métodos de
60
iluminação das ruas de Paris e sobre a pólvora revelam a sua
abordagem prática ao estudo da química.
Mas, no campo dos estudos teóricos também nos deparamos com avanços
importantes, como a teoria do flogisto. Essa teoria surgiu na Alemanha, local no qual a
química estava associada à exploração mineira e à metalurgia, sendo uma concepção
elaborada por Stahl na sua obra Specimen beccherianum, de 1703 - livro baseado nos
trabalhos de Becher. (HANKINS, 2002).
Para Stahl, a matéria (de origem animal, vegetal e mineral) possuía um princípio
(flogisto) responsável pela combustão. O álcool, por exemplo, era composto de água e
flogisto. Assim, a sua combustão ocasiona a perda do flogisto, restando apenas água. Na
mesma linha de raciocínio, o carvão, por ser rico em flogisto, produz poucas cinzas e
grande desprendimento de flogisto quando é submetido à combustão. (FILGUEIRAS,
2002).
O flogisto também conseguia explicar o processo de oxidação, chamado naquele
período de calcinação. Por exemplo, o metal calcinado (oxidado) ao ar perde o seu
flogisto e se transforma em uma cal metálica (óxido de ferro). Assim, acreditava-se que
o óxido de ferro poderia ser convertido a ferro metálico por meio de sua exposição a
altas temperaturas com carvão. A queima do carvão liberaria flogisto, o qual seria
absorvido pelo óxido de ferro, reconstituindo o ferro metálico. (BENSAUDE-
VINCENT; STENGERS, 1992; FILGUEIRAS, 1995; FILGUEIRAS, 2002).
A teoria do flogisto foi muito importante nesse período, conseguindo englobar a
explicação para vários fenômenos, porém suas bases teóricas apresentavam alguns
entraves. Admitia-se que na combustão das substâncias havia a liberação de flogisto.
Entretanto, como explicar o caso da combustão do estanho, do fósforo e do mercúrio
que liberavam o flogisto, mas o produto final era mais pesado que o reagente inicial?
Algumas hipóteses consideravam o flogisto como tendo massa negativa, explicando o
fenômeno em questão. (FILGUEIRAS, 2002).
Mas, de qualquer forma, o peso não fazia parte das preocupações dos
pesquisadores nesse período. Essa teoria serviu como inspiração para interpretar e
explicar muitos fenômenos.
Mas, como lembra Hankins (2002, p. 94), essa teoria não foi adotada de forma
generalizada. Os livros mais populares da França na primeira metade do século XVIII
(obras de Boerhaave e Lemery) não apresentavam discussões sobre o flogisto. “No
61
entanto, por volta de 1750, as crescentes exigências da indústria, especialmente no
campo da metalurgia, começaram a despertar uma maior atenção pelos textos de
química alemães, muitos dos quais foram traduzidos para o francês entre 1750 e 1760.”
Nesse cenário, novos livros foram traduzidos e produzidos sobre a influência dessa nova
teoria que começava a conquistar os químicos franceses.
Como resultado, grande parte dos químicos aderiu a essa teoria até os fins do
século XVIII, quando surge uma nova explicação construída por Antoine Laurent
Lavoisier.
A pesquisa de Lavoisier, apoiada em trabalhos como o de Black, Priestley e
Cavendish, rompeu com a idéia vigente nesse período que via a água como um
elemento, mostrando que essa poderia ser decomposta em elementos mais simples ou
“princípios” constituintes da matéria, resultando na definição operacional de substâncias
simples e compostas. (SILVEIRA, 2003).
A idéia de substância simples, que não pode ser decomposta, começou a
despontar no século XVII, “mas esta definição operacional não se fez efetiva até que foi
proposta por Lavoisier.” Assim, a perspectiva filosófica do empirismo instituiu a
possibilidade de classificação entre substâncias simples (indecomponíveis
experimentalmente) e substâncias compostas (“elementos” ou substâncias elementares
combinadas). (FERNÁNDEZ, 1999 apud FURIÓ; DOMÍNGUEZ, 2007, p. 245). Mas,
para essa transição, vamos resgatar o desenvolvimento dessa nova concepção a partir
dos trabalhos de Lavoisier e seus contemporâneos.
A partir desse período, os trabalhos de Lavoisier e outros químicos foram
fundamentais para lançar as bases de uma nova Química. Assistimos nesse período uma
nova preocupação dos químicos: os estudos e reconhecimentos de uma variedade de
“ares”, formando uma nova classe de corpos. Para tanto, o laboratório teve que se
modificar, introduzindo equipamentos que conseguissem recolher esses “ares” para
estudá-los. (FAUQUE, 1995). A cuba pneumática inventada por Stephen Hales (1677-
1761) acabou sendo de grande valia para o recolhimento e estudo dos gases,
consistindo-se de uma “tina cheia de água sobre a qual se inverte um balão também
cheio de água. O gás que se produz chega ao balão invertido por um tubo e desloca a
água que ele contém, podendo assim ser coletado para uso posterior”. (FILGUEIRAS,
2002, p. 54).
A obra Vegetable staticks (Estática Vegetativa) de Hales mobilizou o interesse
de várias pessoas, pois discutia o desprendimento de “ar” que estava fixo” em
62
materiais líquidos e sólidos. “Tradicionalmente, os químicos prestavam pouca atenção
ao ar. As suas receitas diziam-lhes como fazer sólidos e líquidos, mas aquilo que subia
pela chaminé não fazia parte da receita.” Mas, apesar de suas investidas na recolha e no
cálculo de medidas do “ar” (produtos gasosos) obtido com a ação do calor, Hales nunca
considerou que o “ar” poderia mudar entre diferentes experiências. (HANKINS, 2002,
p. 85).
Joseph Black, segundo Hankins (2002), foi a primeira pessoa que identificou um
ar diferente do ar atmosférico. Após defender a sua tese de doutorado em Medicina em
1754, publicou suas experiências com mais detalhes na Philosophical Society de
Edimburgo em 1756, sob o título “Experiências sobre Magnesia Alba, Cal Viva e
algumas outras substâncias alcalinas”.
Suas pesquisas buscavam um medicamento que conseguisse dissolver pedras dos
rins. Nesse período a água de cal (hidróxido de cálcio) desfrutava de status enquanto
medicamento para tratar essa enfermidade, sendo produzida por um processo que,
inicialmente, aquecia a pedra de cal ou conchas de bivalves (carbonato de cálcio) ao ar.
Como resultado era encontrado a cal viva (óxido de cálcio) que, posteriormente, era
dissolvida em água para transformar-se em água de cal. (HANKINS, 2002).
A produção de cal viva e de pedra de cal em fornos de cal constituía
um processo industrial antigo e importante. A cal viva era utilizada
no fabrico do cimento e na produção de outros alcalis, que, por sua
vez, tinham utilizações industriais importantes, como o fabrico de
sabão. Assim, a importância deste debate ultrapassava a mera
utilização da água de cal em medicina. (HANKINS, 2002, p. 89).
Mas, em seguida, Black acabou debruçando-se no estudo da magnesia alba
(MgCO
3
- carbonato de magnésio), substância alcalina que começara ser usada a
pouco na medicina. (HANKINS, 2002). Ele conseguiu demonstrar que existia um ar
fixado (dióxido de carbono - CO
2
) na magnésia alba, o “ar fixo” de Hales, sendo
retirado desse calcário a partir do seu aquecimento. As características desse ar fixado
(não sustentava a combustão, não permitia a vida) eram reveladoras para esse período,
uma vez que se acreditava no ar como um único elemento (teoria dos 4 elementos).
(FAUQUE, 1995).
Em outro contexto de estudos, o inglês Henry Cavendish (1731-1810) também
isolou e caracterizou (1766) um tipo de gás, o ar inflamável (hidrogênio), a partir de um
equipamento semelhante a cuba pneumática de Hales. Esse ar era obtido quando se
63
reagia ácidos sulfúrico ou clorídrico com alguns metais, como o ferro, o zinco ou o
estanho. (FILGUEIRAS, 2002).
Joseph Priestley também estudou os “ares” sobre vários aspectos, inclusive nas
diferentes formas de obtenção do ar fixo. Seus estudos levaram-no à produção artificial
da água com gás, extraída anteriormente apenas de fontes naturais. Nesse período essa
água era entendida como dotada de benefícios médicos (mais precisamente na
prevenção do escorbuto) e, assim, publicou um folheto em 1772 “Instruções para
impregnar água com ar fixo”. Ainda nesse ano, esse pesquisador publicou suas
experiências pneumáticas, sob o título “Observações sobre diferentes tipos de ar”.
Assim, em 1772 e 1774, Hankins (2002, p. 92) revela que Priestley obteve vários ares:
Conseguiu obter “ar nitroso” (óxido nítrico), “ar ácido marinho”
(cloreto de hidrogénio), tendo descoberto posteriormente o “ar
alcalino” (amoníaco), o “ar vitriólico” (dióxido de enxofre), o “ar
nitroso flogisticado” (óxido nitroso ou “gás do riso”) e o “ar
desflogisticado” (oxigénio). Os nomes que Priestley atribuiu a estes
dois últimos ares baseavam-se na teoria do flogisto da combustão,
então dominante.
Outro personagem que estudou os “ares” foi Carl Wilhelm Scheele que, em
1772, aqueceu o dióxido de manganês e isolou um gás, o ar do fogo (oxigênio). Ao
responder a uma carta de Lavoisier, aproveitou para pedir ao amigo que repetisse sua
experiência para a obtenção do ar do fogo através da decomposição do carbonato de
prata com suas lentes ardentes e lhe informasse seus resultados. Contudo, Lavoisier
nunca respondeu a essa carta. (FILGUEIRAS, 2002).
No estudo com os “ares”, em 20 de fevereiro de 1772, Lavoisier anotou como
registro uma espécie de plano de trabalho que deveria seguir, relatando as inúmeras
experiências que pretendia realizar apoiado nas pesquisas anteriores de grandes nomes
relacionados aos estudos dos fluidos elásticos que se desprendem dos corpos, seja pela
combustão, fermentação, destilação ou combinação. Assim,
distinguiu quatro grupos de
estudiosos que elaboraram uma espécie de sistema para interpretar esse fenômeno
anteriormente, destacando os físicos anteriores a Hales que notaram que esse ar
desprendido dos corpos (ar fixo) era diferente do ar que respiramos. (TOSI, 1989).
Dessa forma, Lavoisier iniciou um estudo da calcinação (oxidação) do fósforo,
substância descoberta pouco tempo. Para isso selecionou uma quantidade pesada e
determinada de fósforo em uma cápsula de ágata dentro de uma campânula de vidro,
64
realizando a sua queima por meio das potentes lentes que possuía e observou a
formação de uma fumaça branca espessa. Esse produto obtido foi então dissolvido em
água destilada, sendo anotados o volume e peso dessa amostra. Em seguida, Lavoisier
encheu outro balão com apenas água destilada até o mesmo volume e anotou a massa. A
diferença de massa entre os dois recipientes corresponde ao peso do produto obtido a
partir da queima do fósforo, “e este peso é maior que o do fósforo antes de queimar”.
(FILGUEIRAS, 2002, p. 56).
De forma semelhante, Lavoisier calcinou (oxidou) estanho em um recipiente
fechado e obteve um produto de massa maior do que o reagente inicial, observando que
essa diferença na massa é equivalente à diminuição na quantidade de ar que o recipiente
constava. (FILGUEIRAS, 2002).
Não se limitando a essa experiência, Lavoisier pensou na operação inversa, a
redução de uma cal (óxido) ao seu metal. Nesse caso Lavoisier aqueceu em um
recipiente fechado o litargírio (monóxido de chumbo) na presença de carvão. Assim, a
experiência resultou na formação do metal chumbo e de um gás diferente do ar
atmosférico, o ar fixo de Black - dióxido de carbono (CO
2
). A partir desses
experimentos, Lavoisier encaminhou uma nota selada
15
ao secretário da Academia no
dia 1 de novembro de 1772, para ser aberta quando ele desejasse, fato que ocorreu em 5
de maio de 1773. (FILGUEIRAS, 2002).
Nessa época, como mencionado anteriormente, Joseph Priestley também
estudava os gases que recolhia das reações. Em 1774, tentou identificar o oxigênio,
como Scheele. Porém, só atribui a este as suas propriedades (intensifica a chama de uma
vela e mantém a vida de animais que a respiram), sem conseguir identificá-lo. Depois de
um tempo, Priestley voltou a sua interpretação e chamou esse gás (o oxigênio) de ar
deflogisticado. Lavoisier tomando conhecimento das experiências com o ar
deflogisticado, acabou refazendo a experiência e (re)interpretando todo o sistema
conceitual desse período. (BENSAUDE-VINCENT; STENGERS, 1992).
Na repetição dos experimentos realizados por Priestley, Lavoisier reinterpretou,
em 20 de abril de 1976, os resultados obtidos, descrevendo que o ar que respiramos (ar
15
Frente a esses dados de grande revelação, como o próprio Lavoisier descreve, tomou as devidas
precauções para manter-se proprietário dessas informações, até que outros experimentos confirmassem
suas conclusões: “Parecendo-me essa descoberta uma das mais interessantes das que já foram feitas desde
Stahl, acreditei dever assegurar-me de sua propriedade, depositando esta nota nas mãos do Secretário da
Academia, para permanecer selada até a época em que publique minhas experiências”. (LAVOISIER
apud FILGUEIRAS, 2002, p. 59).
65
atmosférico) possui um quarto do ar verdadeiro (oxigênio), estando misturado com três
ou quatro partes de um ar prejudicial, uma mofeta (gás nitrogênio). (FAUQUE, 1995).
Pouco depois, em 1781, Cavendish identificou a composição da água, porém,
não da forma adequada. Ele percebeu que quando queimou o seu ar inflamável
(hidrogênio) no ar desflogisticado (oxigênio) de Priestley, houve a formação de vapor
úmido. Nesse mesmo ano Priestley também obtém a água ao explodir, com uma faísca,
o ar inflamável com o ar comum, obtendo a formação de orvalho no recipiente. Nessa
perspectiva, Cavendish propõe renomear o ar desflogisticado de água desflogisticada,
enquanto que Priestley contrapõe-se querendo renomear o ar inflamável de água
sobrecarregada de flogisto. Ao obter os resultados de Cavendish, Lavoisier retomou o
experimento e tirou conclusões diferentes dos dois que entravam em discórdia,
entendendo que “a água é composta de ar inflamável [hidrogênio] e de ar puro
[oxigênio]”. (BENSAUDE-VINCENT; STENGERS, 1992, p. 123; HANKINS, 2002).
Segundo Hankins (2002), as experiências realizadas por Priestley buscavam
determinar o peso do calor, sem pretensões no que se refere ao estudo do produto da
reação. Enquanto Cavendish realizou essa experiência, de forma mais sofisticada,
apenas para seu próprio esclarecimento e, assim, demorou a publicar seus resultados.
Assim, Lavoisier se apoiou nos trabalhos pioneiros de Hales, Black, Cavendish e
Priestley para estabelecer uma revolução na Química, elaborando um novo sistema de
conhecimento relacionado aos gases e à composição da água. Resultado dos estudos e
(re)interpretações, Lavoisier também elaborou uma nova teoria da combustão, contraria
à de Stahl, apoiando-se em quatro pilares:
1ª. em toda combustão ocorre desprendimento de calor (matéria do
fogo) ou de luz;
2ª. a combustão se no ar puro, e os corpos que ardem, os
combustíveis, cessam de se consumir se o ar puro for suprimido;
3ª. em cada combustão ocorre decomposição do ar puro e o corpo
queimado aumenta de peso à proporção da quantidade de ar puro
destruída;
4ª. em toda combustão o corpo queimado se transforma em ácido por
adição da substância do ar puro que aumentou seu peso. (FAUQUE,
1995, p. 569).
Os estudos de Lavoisier acabam desbancando a teoria dos quatro elementos. Ao
descobrir que a água era composta por hidrogênio e oxigênio, esta perde o seu valor
como elemento primordial. O ar passa a ser notado como constituído por várias
substâncias no estado gasoso e, não mais como um único elemento. E o flogisto (que
66
pode ser entendido como o princípio do fogo) perde a sua participação explicativa dos
fenômenos. (BENSAUDE-VINCENT; STENGERS, 1992).
Para substituir a teoria do flogisto, Lavoisier, com a assistência de
Guyton de Morveau, de Antoine-François de Fourcroy (1755-1809) e
de Claude-Louis Berthollet (1748-1822), começou a trabalhar numa
nova linguagem para a química. Muitos nomes de substâncias
químicas tinham vindo da alquimia e eram intencionalmente obscuros
(vitríolo de Vênus, leão verde, stellate regulus de Mercúrio); outros
tinham o mesmo nome de quem tinha descoberto essas substâncias
(sal de Glauber, fósforo de Kunchel, solução de fumegante de
Libavius); outros do seu lugar de origem (sais de Epsom); e outros
ainda eram criados de acordo com as suas características (manteiga
de antimónio, fígado de enxofre). O objectivo da nova nomenclatura
química era fazer com que os nomes dos compostos descrevessem a
sua composição. (HANKINS, 2002, p. 107).
A revisão das formas de linguagem nesse período, principalmente por ser
durante o Iluminismo, revela uma preocupação com o próprio método de raciocínio,
pois se os símbolos e a gramática estivessem coerentes e lógicos, então o ato de falar de
forma adequada e correta equivaleria a raciocinar de forma correta. Em 1789 Lavoisier
lançou seu livro “Tratamento Elementar da Química” que discutia suas concepções
sobre a teoria do oxigênio e a nova nomenclatura proposta para substituir os antigos
nomes e termos, sendo uma obra de referência para intensificar a Revolução na Química
do século XVIII. (HANKINS, 2002, p. 108).
As investidas de Lavoisier foram importantes por entender as substâncias, num
patamar empírico, como aquelas que não poderiam ser decompostas em outras mais
simples. Em contrapartida, as reações químicas passaram a ser entendidas, sob a
perspectiva macroscópica, a partir da relação existente entre as substâncias que reagiam
e os produtos, “incluindo os gases, mediante a conservação dos elementos químicos
(concebidos inicialmente como substâncias simples desde o ponto de vista empirista) e
da massa (...).” (FURIÓ; DOMINGUEZ, 2007, p. 245, tradução nossa).
Apesar de ser uma referência na época, a obra de Lavoisier apresentava algumas
limitações ao fazer uso de diferentes termos enquanto sinônimos de elemento químico,
como princípio, elemento, substância simples e corpo simples. (OKI, 2002). Porém a
definição delimitada de alguns desses termos só ocorrerá mais tarde na Química.
Com essa série de trabalhos inovadores, e outros que estão para acontecer,
Chagas (1986) nos alerta sobre a formação e consolidação, no decorrer do século XVIII
e XIX, do caráter da Química que conhecemos hoje. Nesse sentido, as contribuições
67
metodológicas de Lavoisier e a perspectiva atomística daltoniana foram os pilares bases
para a transição dessa nova visão Química.
Como lembra Chagas (1986, p. 268), as relações de massa e as teorias atômicas
se faziam presentes, remontando à Antiguidade. Porém, foi necessário desenvolver e
maturar a idéia de que “as relações de massa encontradas nos experimentos traduziam,
equivaliam, eram as mesmas que as relações entre as massas dos átomos microscópicos
e invisíveis.”
Nessa perspectiva, a Química acaba sendo encarada como uma atividade que
desfruta do caráter experimental (trabalho macroscópico) e da atividade teórica,
valendo-se de teorias e modelos de caráter atômico-molecular (trabalho microscópico)
para entender os fenômenos.
Isto é, o modelo microscópico atomista engloba um marco teórico
adequado para explicar as idéias recentes assumidas no modelo
macroscópico empirista e, em particular, as leis das proporções
constantes de combinação de Proust e a lei da conservação da massa
de Lavoisier. Cabe ressaltar que, especialmente, este novo marco
microscópico englobou uma concreta e compreensível idéia
macroscópica de elemento químico ao associá-lo a um conjunto de
átomos iguais em massa. (FURIÓ; DOMÍNGUEZ, 2007, p. 245,
tradução nossa).
A lei das proporções constantes, mencionada acima, foi elaborada em 1797 por
Proust. De acordo com esse francês qualquer composto químico, de origem natural ou
produzido artificialmente, possui sempre a mesma proporção dos pesos dos elementos
nele contidos. Em contrapartida, ao estudar algumas reações químicas Berthollet
defendia que a composição dos compostos químicos não era fixa, mas variável, ou seja,
um mesmo composto químico pode possuir diferentes proporções entre as substâncias
químicas que o compõe. (MASON, 1964).
Mas Proust conseguiu provar que era a quantidade de um composto que mudava
durante uma reação química, e não a sua constituição, como acreditava Berthollet. Além
disso, demonstrou que os compostos de composição indefinida de Berthollet eram
misturas. “Proust foi, de fato, o primeiro a distinguir claramente entre misturas e
combinações, sendo separáveis os componentes das primeiras por meios físicos, e os
das últimas, por processos químicos.” Essa lei foi importante para caracterizar novos
elementos e compostos químicos, além de conduzir a estudos sobre a teoria atômica,
responsáveis pela compreensão dessa lei. (MASON, 1964, p. 368).
68
Assim, contribuindo para os estudos microscópicos da matéria, encontramos
John Dalton - um meteorologista que estudava “os problemas físicos da absorção de
gases pela água e da água pela atmosfera”, entendendo-os como um processo físico e
não como o resultado das forças de afinidades entre ambos, idéia baseada na teoria da
afinidade eletiva que explicava os “compostos atrativos”. Assim, uma solução como a
água e o sal era entendida como um composto formado devido ao caráter de
homogeneidade as partículas de água atraíam as de sal com mais intensidade do que
as partículas de água mutuamente, gerando o composto. (KUHN, 2005, p. 171).
A questão da homogeneidade, segundo a idéia de Dalton, poderia ser explicada
se conseguisse encontrar os tamanhos e os pesos referentes às partículas atômicas dessas
misturas. “Foi para determinar esses tamanhos e pesos que Dalton se voltou finalmente
para a química, supondo desde o início que (...) os átomos somente poderiam combinar-
se numa proporção de um para um ou em alguma outra proporção de simples números
inteiros.” (KUHN, 2005, p. 172). Essa busca o levou a determinar os tamanhos e os
pesos dessas partículas elementares no início do século XIX e explicar suas observações
referentes à lei das proporções definidas. (FRANCISCO, 2002).
A modificação da teoria atômica por Dalton pode ser representada por um
esboço encontrado em um ensaio lido à Sociedade Literária e Filosófica de Manchester,
em 1803, e também em sua obra “Novo Sistema de Filosofia Química”, publicada com
uma descrição mais desenvolvida de suas idéias em 1808. (MASON, 1964).
Naquele período havia uma concepção sobre a repulsão entre os átomos gasosos.
Contudo o ar era homogêneo, então, de acordo com o pensamento de Dalton, se essa
concepção relativa à repulsão entre os átomos fosse verdadeira, os diferentes
componentes do ar teriam que ser separados. Para superar esse contra-senso, ele
entendeu que os átomos de diferentes substâncias químicas também deveriam ser
diferentes, enquanto os átomos de uma mesma substância deveriam ser idênticos quanto
ao tamanho, peso e número, por unidade de volume. (MASON, 1964). Segundo
Wiechowski (1972), a teoria atômica de Dalton tinha os seguintes princípios:
1. Todo elemento consta de átomos iguais de peso constante.
2. Os compostos químicos se formam pela união de átomos de elementos distintos
que se combinam segundo relações numéricas simples.
De acordo com Mason (1964, p. 370):
69
Acentuou o mesmo químico que uma característica fundamental dos
átomos dos diferentes elementos era constituída por seus pesos
relativos, e ele próprio elaborou a primeira tabela de tais pesos,
tomando o do hidrogênio como unidade, no ano de 1803. Os pesos
equivalentes dos elementos, isto é, os pesos em que estes se
combinam para formar compostos definidos, podiam ser
determinados por aferição direta, e de tais constatações, por sua vez,
podiam ser derivados os pesos atômicos dos elementos, se fôssem
conhecidos, em todos os casos pertinentes, quantos átomos de um
elemento se combinavam com um só átomo de outro.
Mas nesse período ainda não existia uma forma para determinar a quantidade de
átomos que se combinavam. Portanto, Dalton sugeriu que quando uma substância é
formada pela combinação de dois elementos, esta deve ser uma combinação binária, ou
seja, com um átomo de cada elemento (por exemplo, a água deve ser composta por um
átomo de hidrogênio e um de oxigênio - HO). (MASON, 1964).
Somam-se a esse período contribuições diversas, como as de Jöns Jacob
Berzelius que, em 1810, desenvolveu idéias sobre a polarização elétrica que constituía
cada corpo simples (elemento químico) ou composto. Assim, acreditava na existência
de cargas elétricas pertencentes às substâncias - responsáveis pela combinação entre as
espécies químicas. Portanto, atribuiu às substâncias uma escala que ia da mais
eletronegativa até a mais eletropositiva, variando devido à natureza de cada corpo.
Seguindo essas idéias, a eletrólise teve vital importância para o estudo das substâncias.
Davy utilizou a eletrólise para decompor as substâncias, o que possibilitou, na época,
uma multiplicação dos corpos simples. (BENSAUDE-VINCENT; STENGERS, 1992).
Em pouco tempo podemos perceber outras discussões, como a dos pesos
atômicos de diversos elementos se aproximando a números inteiros, sendo tomado o do
hidrogênio como unidade de referência. Em 1815 o médico londrino William Prout
trabalhou com a idéia de que os átomos de outros elementos eram compostos por
diferentes números de átomos de hidrogênio. Essa hipótese fez com que Thomas
Thomson, professor de Química em Glasgow, arredondasse os pesos atômicos que tinha
conseguido determinar para números inteiros. Contudo, estudos posteriores do sueco
Jakob Berzelius e do belga Jean Stas provaram que os pesos atômicos dos elementos
não eram múltiplos exatos do peso do átomo de hidrogênio, apesar de existir
proximidade a números inteiros. (MASON, 1964, p. 371).
Conforme Mason (1964), de 1820 a 1860, a teoria atômica não apresentava
grande status na Química. Nesse contexto, os pesos equivalentes eram usados
70
preferencialmente por serem determinados diretamente, enquanto os pesos atômicos
refletiam em valores incertos sobre o número de átomos que se combinavam.
Podemos destacar, nesse período (1860), a realização de um Congresso de
químicos em Karlsruhe para discutir questões dessa área, inclusive uma possível teoria
sobre a estrutura molecular. Neste Evento se fizeram presentes, aproximadamente, 140
químicos de respeito entre a comunidade científica, vindos de vários países. Entre as
questões debatidas, o italiano Cannizzaro lembra as contribuições, de quase meio
século, de seu colega e conterrâneo Avogadro sobre o problema da determinação da
valência e do peso atômico. Apesar da pouca aceitação das pessoas presentes,
Cannizzaro distribuiu cópias de um panfleto que reunia suas idéias:
Mostrava êle que, de acôrdo com a hipótese de Avogadro, o pêso
molecular de um composto era o dôbro de sua densidade como vapor,
medida em relação ao hidrogênio, como unidade, visto que a
molécula de hidrogênio continha dois átomos, e que volumes
idênticos de diferentes gases ou vapores continham o mesmo número
de moléculas. As densidades do vapor eram fàcilmente verificadas, e
dêsse modo os pesos moleculares de inúmeros compostos contendo
os mesmos elementos podiam ser determinados. O pêso atômico de
um dado elemento, argumentava Cannizzaro, seria então o menor
pêso daquele elemento, em uma série de seus compostos, e também a
menor diferença comum entre seus pesos, na dita série. (MASON,
1964, p. 378).
Em pouco tempo o panfleto e a posterior obra de Cannizzaro convenceram a
maior parte dos químicos sobre a hipótese de Avogadro que possibilitou chegar aos
pesos atômicos definitivos dos elementos, “e com a posse de tais constatações puderam
ser fàcilmente verificados os números combinatórios dos elementos, por meio das
relações que equiparavam o pêso atômico de um elemento ao produto do seu pêso
equivalente e valência.” (MASON, 1964, p. 378).
Nessa época existiam algumas imperfeições nos métodos experimentais e
maneiras diferentes de efetuarem os cálculos para a obtenção dos pesos atômicos e,
assim, diferentes valores podiam ser atribuídos ao mesmo elemento químico. Dessa
forma, Oki (2002) destaca que foi preciso estabelecer uma mudança conceitual para que
surgisse uma maneira diferente de interpretar os dados experimentais. Nesse contexto
era necessário romper com um dos postulados de Dalton para assumir que átomos de
71
um mesmo elemento químico podem possuir pesos diferentes, sendo uma diretriz para
estudos posteriores com os isótopos
16
.
Sobre esse período, Mason (1964) lembra que em 1859 o químico Bunsen e o
físico Kirchhoff, ambos de Heidelberg, introduziram o espectroscópio no estudo e
identificação das substâncias - técnica possível devido às cores características de cada
substância submetida à chama. Com essa técnica, Bunsen descobriu os elementos césio
e o rubídio em 1860 e 1861.
Ainda no século XIX, Thomson propôs uma nova teoria para os átomos, na qual
o átomo indivisível de Dalton é desbancado. Thomson elaborou um novo formato para
o átomo: seu átomo constituía-se de uma esfera uniforme com uma eletricidade positiva,
onde os elétrons poderiam estar estáticos ou formando órbitas. Ele seria composto por 7
a 8 elétrons que garantiriam a sua estabilidade e dariam conta da explicação da valência
química. (DAMPIER, 1961).
Com o tempo, a teoria atômica de Thomson acabou sendo substituída pela
concepção atômica de Rutherford. Mas, antes que a última se consolidasse e
representasse um avanço à noção microscópica das substâncias, vamos resgatar o
desenvolvimento gradual dos trabalhos deste último pesquisador, responsável por
reunirem dados e informações fundamentais à elaboração de sua estrutura atômica.
Os estudos de Rutherford levaram-no a reconhecer e publicar, em 1899, a
existência de dois tipos de radiação provenientes do urânio, sendo uma radiação
rapidamente absorvida (radiação alfa - α) e a outra mais penetrante (radiação beta - β)
17
.
Com o avanço nos estudos, percebeu, em 1903, que a radiação alfa (α) é atraída para o
pólo negativo quando está sob influencia de um campo elétrico, indicando que tais
partículas são carregadas positivamente. (MARQUES, 2006).
Quanto à utilização de equipamentos, podemos destacar o artigo publicado em
1908, por Rutherford e Geiger, referenciando a elaboração de dois métodos (elétrico e
óptico) para a contagem das partículas alfa emitidas por substâncias radioativas (rádio
C). (MARQUES, 2006).
Para o método elétrico, construiu-se um equipamento dividido em duas partes
interligadas por uma fenda. Ao lado esquerdo desse equipamento, encontrávamos a
amostra radioativa (1 grama de rádio C) inserida em um tubo de vidro de 450 cm de
16
“O termo isótopo foi criado em 1913 por Frederick Soddy (1877-1956) e incorporado à linguagem
científica nas primeiras décadas do século XX.” (OKI, 2002, p. 25).
17
A radiação gama foi descoberta mais tarde, em 1900, por Paul Villard.
72
comprimento por 25 cm de diâmetro, separado por uma válvula de 1 cm de abertura do
lado direito do equipamento, o detector. Essa parte de detecção era constituída por um
cilindro de metal com uns 20 cm de comprimento e 17 cm de diâmetro, sendo acessível
às partículas alfa por uma abertura circular de 15 mm (coberta por uma folha de mica).
(MARQUES, 2006).
Figura 2. Esquema do instrumento utilizado por Rutherford e Geiger para o método elétrico.
Fonte: Rutherford e Geiger (1908, p. 143) apud Marques (2006, p. 73)
O grande comprimento do tubo com a amostra e o pequeno buraco de acesso ao
detector com o eletrômetro foram determinantes para que poucas partículas alfa (3 a 5)
entrassem no detector e interagissem com as moléculas dos gases. O resultado era a
perda de elétrons pelos gases na interação, com subseqüente formação de íons que eram
detectados pela agulha do eletrômetro (por diferença de potencial). Essa técnica revelou
que 1 grama de rádio C libera 3,4x10
10
partículas alfa por segundo. (MARQUES, 2006).
O método óptico era baseado na contagem de cintilações provocadas por
partículas alfa (também do rádio C) que incidiam em uma tela de sulfeto de zinco. O
equipamento anterior (do método elétrico) foi adaptado para essa experiência,
mantendo-se a parte esquerda e retirando-se o lado direito, do detector. A abertura do
tubo de vidro (123 mm), o tamanho desse tubo (200 cm) e a intensidade da amostra
foram estruturados para permitir 20 a 60 cintilações por minuto, facilitando a sua
observação mediante um microscópio. (MARQUES, 2006).
Os vários testes realizados por Rutherford e Geiger revelaram que cada partícula
alfa é responsável por uma cintilação na tela de sulfeto de zinco, concluindo que os dois
métodos (elétrico e óptico) são eficientes para registrar o número de partículas alfa
emitidas por um grama de rádio. (MARQUES, 2006).
73
O método de cintilações também foi usado no estudo do espalhamento das
partículas alfa. Assim, em 1909, Geiger e Marsden publicam um estudo sobre os
grandes graus de reflexão (com até mais de 90º de reflexão) das partículas alfa que
incidem em diferentes materiais. Seus resultados mostram que o emprego de materiais
com menor peso atômico como refletores (por exemplo, ouro - 197; e alumínio - 27)
ocasiona a diminuição da reflexão das partículas alfa, diminuindo o número de
cintilações provocadas na placa de sulfeto de zinco, ou seja, as partículas alfa eram
menos refletidas ao passarem por materiais refletores de menor peso atômico.
(MARQUES, 2006).
Contudo, o modelo atômico de Thomson não era apropriado para entender e
explicar esses resultados. Nesse modelo, o átomo era uma esfera de carga positiva
uniformemente distribuída, incrustada por corpúsculos negativos (os elétrons) que
neutralizavam a carga atômica. Dessa forma a mudança da trajetória da partícula α
(partícula positiva) seria resultado de sua atração pelos corpúsculos negativos
localizados ao redor do átomo ou por meio de uma repulsão devido à carga positiva
deste átomo. Porém, nessa concepção, devido aos poucos elétrons e a uniformidade de
distribuição da carga positiva do átomo, as partículas α lançadas contra o material
refletor não poderiam sofrer grandes desvios, fato que intrigava Rutherford e seus
colaboradores.
Assim, os estudos de Rutherford sobre os resultados obtidos por Geiger e
Marsden levaram-no a publicar um artigo, em 1911, pela Philosophical Magazine (The
Scattering of α and β Particles by Matter and the Structure of the Atom), discutindo que
as partículas alfa não poderiam se espalhar em ângulos de 90º (ou até maiores) ao se
chocarem com uma folha de ouro fina (6 x 10
-5
cm de espessura), já que colidiriam com
um único átomo. (MARQUES, 2006).
Para dar conta dessa lacuna, Rutherford propôs que o átomo teria uma carga
central (não definida se era positiva ou negativa), de volume pequeno, mas responsável
pelo peso atômico (ainda não sendo denominado por cleo). Assim, a partícula alfa
sofreria o desvio ao encontrar um centro pesado (de carga positiva ou negativa) com um
raio de 3 x 10
-12
cm, rodeado por partículas de sinal contrário à carga elétrica do centro,
rodeando o átomo de raio 10
-8
cm. (RUTHERFORD, 1911 apud MARQUES, 2006).
As pesquisas sobre a teoria de Rutherford prosseguiram com os estudos de
outros cientistas. Havia alguns pontos na teoria de Rutherford de 1911 que não estavam
74
bem claros, como, por exemplo, a constituição do núcleo e a sua carga, o que o levou a
escrever o artigo A Estrutura do Átomo(The Structure of the Atom), publicado em
1914.
Nesse trabalho, Rutherford (1914) supõe que se o núcleo for esférico, a soma do
raio do hidrogênio e do hélio não ultrapassa 1,7 x 10
-13
cm, valor menor do que o aceito
naquela época para o diâmetro do elétron (2 x 10
-13
cm). Assim, ele discute que as
grandes deflexões das partículas alfa não são causadas pela distribuição externa dos
elétrons negativos, mas são explicadas por sua passagem próxima ao núcleo (a carga
central de 1911 começa a ser denominada por núcleo) que tem um campo muito intenso.
Foi mostrado que o tipo de átomo desviado por Lord Kelvin e
calculado em grande detalhe por Sir J. J. Thomson era incapaz de
produzir grandes deflexões semelhantes a menos que o diâmetro da
esfera positiva fosse excessivamente pequeno. Na seqüência de
calcular este grande ângulo de espalhamento de partículas α, eu
supus que o átomo consistia de um núcleo carregado positivamente
de pequenas dimensões na qual praticamente toda a massa do átomo
estava concentrada. O núcleo foi suposto ser rodeado por uma
distribuição de elétrons para fazer o átomo eletricamente neutro (...).
(RUTHERFORD, 1914, p. 488-489, tradução nossa).
Ainda, Rutherford (1914, p. 489, tradução nossa) revela que a carga positiva
localizada no núcleo é a responsável pelas propriedades físicas e químicas do átomo. No
mesmo patamar, discute os resultados obtidos por Geiger (1910), sendo deduzido que
“o valor da carga nuclear é igual para quase metade do peso atômico multiplicado pela
carga eletrônica.”
Nessa linha, Rutherford (1914) menciona que é de conhecimento que a massa do
hélio é quatro vezes maior do que a do hidrogênio. Assim, relata que o lio tem quatro
elétrons positivos (não se falava em prótons ainda) e dois elétrons negativos. É preciso
observar que atualmente a massa do hélio é quatro vezes maior devido a dois prótons e
dois nêutrons (descoberto em 1932 pelo físico inglês James Chadwick) em relação a
apenas um próton do hidrogênio. Esse artigo ainda revela a massa do elétron (1/1830 da
massa do núcleo).
Rutherford (1914) também destaca os resultados obtidos por Moseley (1913),
que apontam à diferenciação do comprimento de onda dos raios X característicos dos
elementos como resultado da carga no núcleo desses elementos diferirem em uma
unidade. Vale lembrar que essa ainda não era uma regra precisa, pois ainda existiam
75
anomalias quanto a classificação periódica, mas os estudos começavam a caracterizar as
substâncias pela carga positiva do núcleo - os prótons.
Mason (1964, p. 382) também resgata a importância do emprego do
espectroscópio de raios X por Moseley. Com o avanço dos estudos, notou-se que os
espectros visíveis dos elementos revelavam uma função periódica de seus pesos
atômicos, relativos às propriedades químicas. Assim, as linhas espectrais dos raios X
dos elementos químicos mantinham relação com seus pesos atômicos, respectivos
números atômicos (número de prótons). “Em 1913 e 1914 Moseley estabeleceu o
número absoluto de elementos, até o urânio, em noventa e dois, demonstrando que
existiam quatorze metais raros, bem como sete elementos mais leves do que o urânio,
ainda não descobertos.”
Como nos alerta Peixoto (1978), Rutherford era responsável por um grupo de
pesquisa focado na aplicação de radioisótopos que produzissem raios gama e beta e,
nessa busca, ficou a cargo da orientação de dois novos integrantes do grupo - Moseley
de Oxford em 1910 e Bohr da Dinamarca em 1912. Mas, em 1913, Moseley voltou para
Oxford e Bohr para Copenhagen.
Após essa parceria, Moseley começou suas pesquisas sobre a emissão
característica de raios-X pelos elementos e percebeu que a carga positiva do núcleo
atômico crescia de um elemento para outro e chegou à conclusão que a organização
periódica de Mendeleev dos elementos segundo as massas estava equivocada, pois
deveria considerar o número atômico (carga positiva do núcleo) - observação
responsável pela previsão de elementos ainda desconhecidos, mas que foram
descobertos posteriormente. Já Bohr retornou à Dinamarca intrigado com a estabilidade
do modelo atômico de Rutherford (PEIXOTO, 1978).
É interessante mencionar que Rutherford (1914, p. 498, tradução nossa) encerra
seu artigo com os alertas de Bohr (1913) sobre as barreiras de sua teoria atômica, pois
as “posições estáveis dos elétrons externos não podem ser deduzidas da mecânica
clássica.” Isso porque, pela mecânica clássica, o movimento do elétron seria responsável
pela emissão de radiação eletromagnética, resultando na perda de energia e num
movimento espiralado em direção ao núcleo, até que houvesse o choque.
Esse alerta, publicado na forma de artigo por Bohr (1913a, p. 2, tradução nossa),
revela as limitações do modelo elaborado por Rutherford com base no desenvolvimento
da teoria de radiação de energia “e a afirmação direta de novas suposições introduzidas
nesta teoria, encontradas por experimentos sobre muitos fenômenos diferentes tais como
76
aquecimentos específicos, efeito fotoelétrico, Röntgen &c.” Essas questões revelam as
limitações da eletrodinâmica clássica na explicação do comportamento dos sistemas
atômicos.
Se for considerada a irradiação de energia a partir do método usual de aceleração
dos elétrons, será percebido que os elétrons descreverão órbitas de dimensões cada vez
menores, o elétron ganhará energia cinética e o sistema inteiro (no caso o átomo em
estudo) perderá energia. “Este processo irá até as dimensões da órbita serem da mesma
ordem de magnitude como as dimensões dos elétrons ou aquelas do núcleo.” (BOHR,
1913a, p. 4).
Algumas observações desse artigo são importantes ao lançarem hipóteses sobre
a absorção da radiação pelo átomo. A discussão levantada entende que um sistema
compreendido por um núcleo e um elétron que gira em círculos (no caso, o átomo de
hidrogênio) “pode absorver uma radiação de uma freqüência igual à freqüência da
radiação homogênea emitida durante a passagem do sistema entre dois estados
estacionários [órbitas].” (p. 15-16).
“Bohr assumiu que a absorção ou emissão de radiação só poderia ocorrer quando
o elétron passasse de uma órbita a outra. Assim, somente certos valores de energia
poderiam ser absorvidos ou emitidos pelo átomo.” (PEIXOTO, 1978, p. 10).
De acordo com esse raciocínio, um átomo pode passar de um determinado
estado estacionário (por exemplo, A1) para outro (A2). O vapor de sódio, por exemplo,
absorve radiação correspondente as linhas no espectro, e Bohr entende que essas linhas
são emitidas na passagem entre os estados estacionários. Ao final do artigo, Bohr
(1913a, p. 24-25, tradução nossa) encerra dizendo que:
Em algum sistema molecular consistindo de núcleo positivo e
elétrons no qual o núcleo esta em relativo repouso para cada outro e
os elétrons movem em órbitas circulares, o momento angular de
todos os elétrons ao redor do centro desta órbita no estado
permanente do sistema será igual a һ/ (2π), onde һ é a constante de
Planck.
Para ele, essa configuração é considerada estável caso a energia total desse
sistema seja menor do que de uma configuração vizinha que satisfaça a mesma condição
do momento angular dos elétrons. Essas concepções, de acordo com Bohr (1913a),
demonstram estar em conformidade com variados experimentos, sempre buscando estar
77
em relação direta com a teoria da radiação de Planck e, portanto, serão usadas em suas
futuras comunicações (publicações).
A continuação de suas idéias é retomada em um segundo artigo - On the
Constitution of Atoms and Molecules -, onde relata que se conhecermos a carga do
núcleo do átomo, o momento angular dos elétrons determinará a configuração do
sistema como, por exemplo, a freqüência de revolução e as dimensões lineares dos
anéis. (p. 2). (BOHR, 1913b).
Sobre a configuração e estabilidade do sistema, Bohr (1913b) alerta que para
sistemas que possuem núcleo e elétrons que se movem em órbitas, a energia cinética
dos elétrons corresponde a quantidade total de energia emitida quando há a formação de
um sistema. Assim como mencionado na parte I (primeiro artigo - BOHR, 1913a):
Nós assumimos que a freqüência da radiação emitida ou absorvida
pelo sistema não pode ser determinada da freqüência de vibração dos
elétrons no plano das órbitas, calculado pela ajuda da mecânica
clássica. Nós temos, ao contrário, assumido que a freqüência da
radiação é determinada pela condição h v = E, onde v é a freqüência,
h a constante de Planck, e E a diferença na energia correspondente a
dois estados estacionários” diferentes do sistema.” (BOHR, 1913b,
p. 480, tradução nossa).
Ao discutir a constituição de átomos que contém poucos elétrons, o último autor
discute que a relação entre o número de elétrons dos átomos é igual ao número que
determina a posição do elemento de acordo com a organização dos elementos, que
segue o aumento do peso atômico.
Um destaque importante realizado por Bohr (1913b) é com relação à
configuração e distribuição dos elétrons nas órbitas, pois revela que um átomo com
cinco ou seis elétrons terá dois elétrons na primeira órbita e o restante nas demais - 5 (2,
3) e 6 (2, 4) - ao invés de possuírem, no máximo, dois elétrons por órbita - 5 (2, 2, 1) e 6
(2, 2, 2). Nesse caminhar alerta que a organização dos elétrons externos leva em conta
os volumes atômicos, sendo uma função periódica dos pesos atômicos. De acordo com
o método daquele período de organização, os elementos que estão numa mesma coluna
têm um volume atômico próximo, mas que muda de forma considerável em comparação
com as demais colunas.
É interessante destacar que Bohr (1913b) também comenta as irregularidades
para o grupo do ferro na forma de organizar os elementos químicos daquele período,
sendo uma questão resolvida apenas mais tarde com a concepção de elementos de
78
transição na tabela periódica - uma nova forma de entender a distribuição dos elétrons
dos elementos de transição em função das órbitas de seus átomos.
Como indicado pela homogeneidade da radiação característica de Röntgen, que
naquela época foi notada pela absorção desses raios e também pela difração de raios
Röntgen em cristais, e, como indicado no primeiro artigo de Bohr (1913a) que relata a
emissão do espectro-linha, Bohr (1913b) admite que a radiação emitida pela passagem
entre dois diferentes estados estacionários de um sistema é homogênea.
Bohr (1913b) encerra seu artigo mencionando que a teoria defendida por ele esta
de acordo com as propriedades gerais da matéria, mas suas idéias entram em desacordo
com as concepções daquele período sobre substâncias radioativas segundo a distribuição
eletrônica ao redor do núcleo.
Como é sintetizado por Ronan (2001b), o modelo de Bohr é baseado em um
núcleo de carga positiva, no qual os elétrons se moviam em orbitas específicas. O
átomo, ao receber energia, via aquecimento ou radiação eletromagnética, distribuiria
essa energia a um ou mais elétrons, que, conseqüentemente, se deslocariam para outras
órbitas também fixas, porém mais afastadas do núcleo. Em pouco tempo os elétrons
perturbados voltariam às suas órbitas específicas e liberariam energia eletromagnética.
Bohr declarou que o comprimento de onda dessa energia depende de
dois fatores. Um é o número de órbitas sobre as quais saltam os
elétrons; o outro, a proximidade dessas órbitas em relação ao núcleo.
Assim, o comprimento de onda pode abranger todo o espectro da
radiação eletromagnética, desde os raios gama e X, na extremidade
dos comprimentos de onda muito pequenos, passando pelo espectro
visível, até os raios infravermelhos ou de calor (descobertos em 1800
pelo astrônomo William Herschel) e as ondas de rádio, na
extremidade dos comprimentos de onda muito longos. E, uma vez
que as órbitas permanecem fixas em posições definidas, cada átomo
terá seus próprios comprimentos de onda característicos, que, no
espectroscópio, são observados como linhas específicas. (RONAN,
2001b, p. 109).
Peixoto (1978, p. 11) também resgata a construção do modelo atômico de Bohr
para o átomo de hidrogênio. Mas nesse período eram de conhecimento os resultados
experimentais da emissão de luz com as descargas elétricas em gases a baixa pressão,
bem como a decomposição dessa luz sob um prisma que originava linhas do espectro de
emissão dos elementos. “Em 1885, o matemático suíço Balmer sugeriu uma fórmula
empírica com a qual era possível calcular os comprimentos de ondas de algumas linhas
79
do espectro de hidrogênio (...). Esta série de linhas ficou conhecida como ‘série de
Balmer’.”
Na década posterior Rydberg e Ritz conseguiram generalizar essa fórmula de
modo a englobar novas linhas observadas no espectro. Dessa forma o modelo de Bohr
revela grandes avanços em comparação com as teorias clássicas, uma vez que consegue
explicar as séries espectrais dos átomos de hidrogênio e, também, torna compreensível o
cálculo da energia de ionização destes átomos. (PEIXOTO, 1978).
Porém, com o uso de espectroscópios mais sofisticados e com melhor
poder de resolução, notou-se que certas linhas espectrais até então
observadas como sendo simples, consistiam na realidade, de duas ou
mais linhas bastante próximas entre si. Observadas com aparelhos de
baixa resolução, elas pareciam ser uma única linha. A estes detalhes
dos espectros damos o nome de Estrutura Fina. (PEIXOTO, 1978, p.
12).
Nesse contexto é que surgem anomalias no modelo de Bohr que, apesar de
explicar a fórmula de Balmer-Rydberg e Ritz, não mantinha relação com a recém
descoberta estrutura fina do espectro do hidrogênio. Somando a esse fato, Peixoto
(1978) revela que a teoria do primeiro conseguia tornar compreensíveis fatos
experimentais para o átomo de hidrogênio e para íons como He
+
, Li
2+
e Be
2+
, porém
apresentava incorreções para átomos ou íons que possuíam mais de dois elétrons.
“Apesar de suas limitações, a teoria de Bohr mostrou-se de grande utilidade; assim, ela
contribuiu, por exemplo, para por certa ordem na classificação das “confusas” linhas
espectrais até então observadas.” (PEIXOTO, 1978, p. 12).
Com esses modelos atômicos posteriores, uma nova forma de entender
microscopicamente os elementos químicos, principalmente a partir dos trabalhos de
Rutherford e Bohr, diferenciando-os pela quantidade de prótons no núcleo ou via
comprimentos de onda específicos. Assim, apesar desses elementos químicos não serem
semelhantes aos elementos aristotélico-escolásticos, tão pouco semelhantes às
substâncias macroscópicas que fizeram parte das análises e definições empíricas de
Boyle, Lavoisier e outros, representam um modelo abstrato interessante para o estudo e
compreensão das substâncias.
No campo da Química quântica aconteceram muitos avanços posteriormente.
Contudo, considerando os objetivos de um curso introdutório de Química para alunos
do Ensino Médio e, também, a grande complexidade envolvida em etapas posteriores
80
desse campo de estudos microscópicos, a nossa construção histórica será limitada até as
contribuições de Bohr e alguns de seus contemporâneos para o modelo atômico
quântico.
3.3 O Conceito de Substância e algumas questões Históricas, Filosóficas e
Pedagógicas
Como podemos notar na reconstrução, várias noções foram atribuídas ao termo
substância ao longo da história. Um primeiro período engloba as investidas dos
filósofos gregos para entender o mundo por meio dos elementos, concepção que sofreu
algumas modificações e permeou as noções alquímicas até o século XVII. Dessa forma,
as explicações da matéria e dos fenômenos derivavam em grande parte da metafísica
aristotélica (elementos primordiais) ou das escolas atomísticas, sem que existisse uma
concepção padrão, adotada de forma generalizada pelos filósofos/cientistas.
Essa característica também é notada na Física, na Geologia e na Biologia por
Kuhn (2005, p. 32) para um período anterior ao amadurecimento dessas Ciências.
Assim, por exemplo, da Antiguidade ao final do século XVII, não havia uma única
concepção aceita sobre a natureza da luz. E, sim, “um bom número de escolas e
subescolas em competição, a maioria das quais esposava uma ou outra variante das
teorias de Epicuro, Aristóteles e Platão”, sendo o primeiro paradigma, aceito
consensualmente, construído por Newton em sua obra Óptica.
O trabalho histórico com a pesquisa elétrica também revela como a Ciência se
desenvolve para depois construir um paradigma amplamente aceito. Nesse sentido,
havia várias concepções sobre a natureza da eletricidade (resultantes de alguma versão
da filosofia mecânico-corpuscular que orientava as pesquisas do século XVIII). Kuhn
(2005, p. 34-35) completa:
Somente através dos trabalhos de Franklin e de seus sucessores
imediatos surgiu uma teoria capaz de dar conta, com quase igual
facilidade, de aproximadamente todos esses efeitos [elétricos]. Em
vista disso essa teoria podia e de fato realmente proporcionou um
paradigma comum para a pesquisa de uma geração subseqüente de
“eletricistas”.
81
Nessa perspectiva, destacamos os trabalhos de Boyle no século XVII como um
dos responsáveis pela transição paradigmática
18
entre a Alquimia e a Ciência Química.
O trabalho de Boyle, ao adotar a análise química para a identificação dos corpos
químicos, se diferencia das concepções aristotélicas. Assim, os elementos seriam os
constituintes produzidos na análise química, ou seja, “os verdadeiros limites extremos
da análise química” (MASON, 1964 apud OKI, 2002, p. 23).
A concepção da matéria ligada à idéia de corpúsculos e movimento também é
importante para entendermos a mudança do paradigma alquímico para um paradigma
mecanicista na Química. Nesse sentido, o trabalho de Boyle reinterpretou as reações
ainda ligadas à idéia de transmutação, entendendo que “tais reações apresentavam o
processo de reorganização corpuscular que deve estar na base de toda transformação
química.” (KUHN, 2005, p. 65).
A transição paradigmática entre a teoria flogística e as construções teóricas e os
dados experimentais obtidos por Lavoisier e seus contemporâneos também revela um
momento importante para entendermos os cenários epistemológicos ligados às noções
de substância. Assim, a crise na teoria do flogisto, gerada com a construção de várias
versões teóricas para tentar explicar o aumento da massa de algumas substâncias após a
liberação do flogisto em uma reação de combustão, causou insatisfações, principalmente
em meio a novos trabalhos, reinterpretações de informações e com um novo sistema
teórico-experimental que conseguiu superar essa anomalia
19
da teoria flogística.
Esse processo histórico é entendido por Kuhn (2005, p. 125) como uma
Revolução Científica pelo fato de ser um dos “episódios de desenvolvimento não-
cumulativo, nos quais um paradigma mais antigo é total ou parcialmente substituído por
um novo, incompatível com o anterior.” Nesse processo, a teoria dos quatro elementos,
por tabela, acaba sendo desbancada e destituída das explicações dos fenômenos naturais
e o empirismo lavoiseriano ganha força e reconhecimento na classificação entre
substâncias simples (indecomponíveis experimentalmente) e substâncias compostas
(“elementos” ou substâncias elementares combinadas).
18
Trabalharemos com a concepção de paradigma enunciada no Prefácio da nona edição da obra de Kuhn
(2005, p. 13): “Considero ‘paradigmas’ as realizações científicas universalmente reconhecidas que,
durante algum tempo, fornecem problemas e soluções modelares para uma comunidade de praticantes de
uma ciência.”
19
As várias versões para a teoria do flogisto são resultados das modificações ad hoc dessa teoria pelos
seus defensores, buscando eliminar as anomalias. Como relata Kuhn (2005), a elaboração de várias
versões de uma mesma teoria revela a crise deste paradigma.
82
Além das contribuições teórico-metodológicas de Boyle e Lavoisier para uma
nova compreensão das substâncias químicas, apontamos a relevância dos trabalhos
atomísticos de Dalton e seus sucessores no campo de estudos microscópicos da matéria.
No que concerne aos modelos atômicos de Dalton, Thomson, Rutherford e Bohr,
cada construção posterior buscou suprir uma anomalia que o paradigma atômico aceito
possuía, buscando explicar uma gama maior de fenômenos da matéria. Quanto a essa
questão, Kuhn (2005, p. 91) esclarece:
No desenvolvimento de qualquer ciência, admite-se habitualmente
que o primeiro paradigma explica com bastante sucesso a maior parte
das observações e experiências facilmente acessíveis aos praticantes
daquela ciência. Em conseqüência, um desenvolvimento posterior
comumente requer a construção de um equipamento elaborado, o
desenvolvimento de um vocabulário e técnicas esotéricas, além de
um refinamento de conceitos que se assemelham cada vez menos
com os protótipos habituais do senso comum.
Esses modelos atômicos sucessivos mostram que em alguns casos a Ciência
evolui sem causar grandes conflitos entre teorias, podendo interpretar fenômenos que
eram desconhecidos (como os fenômenos subatômicos com a teoria quântica). “Ainda, a
nova teoria poderia ser simplesmente de um nível mais elevado do que as anteriormente
conhecidas, capaz de integrar todo um grupo de teorias de nível inferior, sem modificar
substancialmente nenhuma delas.” (KUHN, 2005, p. 129).
A construção desses modelos teóricos sucessivos, baseados em partículas de
caráter microscópico (prótons, elétrons, nêutrons), revela uma nova ruptura
epistemológica com a química lavoiseriana - que é identificada por uma concepção de
matéria estável e de propriedades definidas.
Essa categoria ultra-racionalista é orientada pelo que Bachelard entende por
fenomenotécnica, ou seja, técnicas e equipamentos (como espectroscópico ou o
equipamento de cintilações das partículas alfa) são as ferramentas responsáveis pela
construção do mundo real, sendo os átomos (constituídos por elétrons, prótons,
nêutrons) o viés para entender os elementos químicos. Assim, enquanto a substância na
química clássica é caracterizada por operações químicas em nível macroscópico
(realismo do olhar), a substância da química contemporânea está fundamentada,
também, no aspecto qualitativo/quantitativo, porém os equipamentos é que determinam
a concepção do número atômico, do elétron e do átomo (realismo da “técnica”).
(SILVEIRA, 2003).
83
Podemos notar que a evolução do conceito de substância caminhou lado a lado
com o estabelecimento e desenvolvimento da Química, sofrendo (re)construções
teóricas de níveis de abstração cada vez maiores, chegando até à elaboração de modelos
microscópicos para entender a matéria e os fenômenos que nos cercam.
Dessa forma, assim como ocorreu na História da Ciência/Química, cremos na
relevância da educação científica ser trabalhada segundo um nível gradual de
complexidade. Essa possibilidade é apresentada por Nelson (2002) ao discutir a
viabilidade do Ensino de Química que considere o percurso histórico ao abordar,
progressivamente, o estabelecimento dos elementos químicos no século XVIII (nível 1 -
macroscópico), a teoria atômica no século XIX (nível 2 - atômico e molecular) e a teoria
eletrônica no século XX (nível 3 - eletrônico e nuclear).
Assim, além de seguir o processo natural de construção do conhecimento
químico, a abordagem segundo um nível gradual de complexidade vai ao encontro das
orientações apresentadas nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN+) para a
educação Química no Ensino Médio. Esse documento oficial recomenda que o trabalho
pedagógico inicial com o aluno seja balizado por “fatos concretos, observáveis e
mensuráveis acerca das transformações químicas, considerando que sua visão do mundo
físico é preponderantemente macroscópica. Nessa fase inicial, a aprendizagem é
facilitada quando se trabalha com exemplos reais e perceptíveis.” (BRASIL, 2002, p.
94).
Nesse sentido, acreditamos que o trabalho escolar com as transições
paradigmáticas do conceito de substância (teoria dos quatro elementos; o emprego da
balança com Lavoisier, delineando uma perspectiva empírica/quantitativa do teste com
as substâncias; a construção de modelos microscópicos para explicar a matéria), além de
seguirem um nível gradual de abstração, favorece a compreensão discente sobre a
realidade da Ciência, como a linearidade e a não linearidade na construção da Química,
o intercâmbio entre pessoas no desenvolvimento de uma área, a existência de diferentes
metodologias científicas, as interferências externas no rumo das pesquisas, etc. Assim,
construiremos, no próximo capítulo, instrumentos que nos auxiliem na análise de como
a natureza da Ciência é tratada, em relação ao conceito de substância, nas obras do
PNLEM.
84
4. METODOLOGIA
Buscamos analisar como a História da Ciência é explorada nas obras de Química
do PNLEM. Para tanto, os primeiros passos da pesquisa foram destinados à revisão
bibliográfica para conhecer aspectos da política educacional dos livros didáticos e o que
a literatura revela sobre o papel do livro didático no âmbito da educação científica, bem
como as possibilidades de trabalho e as contribuições da História da Ciência no
tratamento dos conteúdos/conceitos químicos. Paralelamente a essas etapas, realizamos
a reconstrução histórica do conceito de substância, visando maior fundamentação para a
análise desse conceito nas obras selecionadas.
Os livros didáticos de Química a serem analisados (vide Quadro 1) são obras do
interesse dos educadores brasileiros, uma vez que pertencem ao Catálogo do Programa
Nacional do Livro para o Ensino Médio (PNLEM/2008: Química). Nesse sentido, o
Ministério da Educação, por meio da Secretaria de Educação Básica (SEB), e em
parceria com o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE)
disponibiliza, para o professor de Química, um livro didático, dentre seis que foram
avaliados e aprovados por professores/pesquisadores da área. (BRASIL, 2007b).
Quadro 1. Livros Didáticos do Catálogo do PNLEM/2008: Química
Código de
Identificação
Livros Didáticos
a
SANTOS, Wildson L. P. (coord.); MÓL, Gerson S. (coord.);
MATSUNAGA, Roseli T.; DIB, Siland M. F.; CASTRO, Eliane N.;
SILVA, Gentil S.; SANTOS, Sandra M. O.; FARIAS, Salvia B.
Química e Sociedade. Editora Nova Geração, 2005.
b
BIANCHI, José Carlos de Azambuja; ABRECHT, Carlos Henrique;
MAIA, Daltamir Justino. Universo da Química. Editora FTD S/A,
2005.
c NÓBREGA, Olímpio S.; SILVA, Eduardo R.; SILVA, Ruth H.
Química. Editora Ática, 2005.
d CANTO, Eduardo L.; PERUZZO, Francisco M. Química na
Abordagem do Cotidiano. vol. 1, 2 e 3. 3. ed. Editora Moderna, 2005.
85
e MORTIMER, Eduardo Fleury; MACHADO, Andréa Horta.
Química. Editora Scipione, 2005.
f FELTRE, Ricardo. Química. vol. 1, 2 e 3. 6. ed. Editora Moderna,
2005.
A análise desses materiais didáticos será fundamentada na análise de conteúdo,
um viés que pode ser rico ao produzir uma leitura crítica do material, captando
mensagens implícitas/subentendidas que passariam despercebidas numa leitura
despretensiosa.
Segundo Bardin (1977, p. 42, grifo do autor), a análise de conteúdo reúne um
conjunto de técnicas de análise aplicável a qualquer forma de comunicação de
mensagem (transporte de significação), incluindo materiais textuais. Para tanto, apóia-se
em procedimentos sistemáticos de descrição do conteúdo das mensagens, visando obter
indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos
relativos às condições de produção/recepção (variáveis inferidas) destas mensagens.”
Conforme Bardin (1977), a análise de conteúdo se estrutura em três fases
distintas: i) a pré-análise; ii) a exploração do material; iii) o tratamento dos resultados, a
inferência e a interpretação.
i) A pré-análise
Essa fase corresponde à organização da pesquisa, seguindo alguns pontos
importantes, como:
a) a escolha dos documentos: seleção dos materiais para a submissão de procedimentos
analíticos. A constituição desse corpus, muitas vezes, segue algumas regras, como:
Regra da representatividade: a amostra de documentos a ser analisada deve
constituir uma parte representativa do universo desses documentos. Dessa
forma, selecionamos, para a análise, todos os livros de Química aprovados pelo
PNLEM/2008.
Regra da homogeneidade: os documentos devem refletir um padrão de
homogeneidade, possuindo um critério para a sua escolha. Para tanto,
selecionamos apenas os livros que se enquadram no PNLEM, ou seja, livros de
Química que foram analisados e aprovados para serem distribuídos aos
professores do Ensino Médio público.
86
Regra de pertinência: os documentos devem ser considerados adequados aos
objetivos da pesquisa, constituindo-se em fontes pertinentes à investigação.
Nesse caso, selecionamos materiais que pertencem ao universo escolar e,
portanto, revelam como a natureza da Ciência é trabalhada nas obras do Ensino
Médio.
b) A leitura flutuante: num primeiro momento de contato com os documentos
selecionados, deve-se realizar uma leitura flutuante, ou seja, uma leitura inicial para os
analistas serem invadidos por impressões sobre o material. Com a aplicação das técnicas
de análise, nossa leitura se tornou mais precisa e crítica.
c) A formulação dos objetivos: os objetivos são as questões levantadas que se busca
conhecer a partir da pesquisa proposta. No nosso caso, como a História da Ciência é
trabalhada, em relação ao conceito de substância, nas obras de Química do
PNLEM/2008.
d) A elaboração de categorias: O processo de categorização busca obter, por
condensação, a representação simplificada dos dados brutos. Assim, torna-se um
processo de duas etapas: o inventário (isolação dos elementos) e a classificação
(separação dos elementos para organizar as mensagens). Para nossa investigação,
realizaremos a construção prévia de categorias relacionadas à natureza da Ciência, para
posterior análise das obras.
ii) A exploração do material
Essa etapa consiste na administração sistemática das decisões tomadas. Dessa
forma, faremos uma leitura dos dados brutos de cada obra, segundo as categorias
levantadas na pré-análise, descrevendo resumidamente as características de cada obra.
Como conseqüência dessa etapa, entramos na terceira e última fase:
iii) Tratamento dos resultados obtidos e interpretação
Essa última etapa constitui o tratamento dos dados brutos, de modo a torná-los
significativos à compreensão dos leitores. Desse modo, a partir da apresentação dos
dados de forma significativa e fiel, podem-se propor inferências e interpretações sobre
os objetos analisados. Nós realizaremos a reprodução e discussão de trechos dos livros
87
analisados, visando apontar dados e informações obtidas na análise e,
conseqüentemente, inferir (deduzir de forma lógica) e interpretar os achados.
A seguir, adaptamos um fluxograma de Bardin (1977, p. 102) para representar
nossas etapas de análise dos livros didáticos:
Pré-Análise
Exploração do material
Tratamento dos resultados
e interpretações
Essas etapas serão orientadas por uma perspectiva de pesquisa qualitativa,
delineada pelo processo, e não pelo produto, da investigação - proporcionado pela
análise de conteúdo. Assim, trabalharemos com a descrição e citação dos dados
coletados na leitura das obras, sem preocupação quanto aos aspectos quantitativos e/ou
análises estatísticas. (BOGDAN; BIKLEN, 1994; MACKENZIE; KNIPE, 2006).
Leitura flutuante
Formulação dos objetivos
Dimensão e direções
da análise
Categorização
“Texting” das técnicas
Escolha de documentos
Constituição do corpus
Administração das técnicas
sobre o corpus
Síntese e seleção
dos resultados
Inferências
Interpretação
88
5. A ANÁLISE DAS OBRAS DO PNLEM
Para entendermos como a História da Ciência é apresentada nas obras de
Química, no que se refere ao conceito de substância, construímos um instrumento de
análise (Tabela 1) fundamentado nos próprios critérios de análise usados no Catálogo
do PNLEM e nas categorias de análise histórica usadas na pesquisa de Carvalho (2007)
com os livros pertencentes ao PNLEM de Física.
Porém, acreditamos que as indicações de análise das fichas avaliativas do
Catálogo do PNLEM, como sim (presença) ou não (ausência) - critérios eliminatórios,
não são indicadores eficientes para avaliar as obras quanto à questão histórico-
epistemológica dos conceitos químicos. Ao refletirmos sobre uma análise segundo esse
viés, notamos que uma única linha escrita nos livros, relativa à parte histórica, já
poderia induzir o parecerista a assinalar sim (presença) em um dos critérios ligados à
natureza da Ciência.
Dessa forma, baseados no instrumento de análise usado por Amaral e
colaboradores (2006) para avaliarem coleções didáticas de Ciências de a séries do
Ensino Fundamental, adaptamos e incorporamos indicadores de análise que explicitam a
freqüência que cada categoria é explorada nas obras.
Assim, nosso instrumento pretende delimitar quais tipos de abordagem histórica
são encontradas em cada obra e, também, o grau de intensidade explorado:
Quadro 2. Freqüência com que os aspectos históricos são explorados nas obras
1 - aparece infimamente; 4 - permeia a maior parte da obra;
2 - discutido em poucos momentos;
5 - encontra-se ao longo de toda obra;
3 - aparece em parte considerável da obra; traço (-) - ausente no livro
A tabela abaixo revela nossas categorias de análise, os livros analisados (a, b, c,
d, e, f) e a respectiva freqüência encontrada para cada didático.
89
Tabela 1. Categorias de análise e os respectivos resultados obtidos com as obras de Química (PNLEM/2008)
Categorias
Descrição
Livros Analisados
1
a b c d e f
Construção
da Ciência
- Procura evitar uma abordagem linear e cumulativa sobre o processo de desenvolvimento da
Química;
3 - 2 2 1 1
- Revela o papel das influências econômico-político-sociais no processo de construção dos
princípios químicos;
2 2 1 1 1 1
Personagens
da Ciência
- Evita apresentar somente o trabalho dos cientistas mais consagrados; 4 3 3 2 3 2
- Revela a interação entre pessoas, equipes e comunidades científicas no desenvolvimento da
Química;
3 1 1 2 2 2
- Evita apresentar aspectos histórico-epistemológicos exclusivamente via quadros biográficos de
cientistas;
4 2 4 4 4 2
Métodos
- Descreve claramente o que é o método para a Ciência; 1 - - - - -
- Apresenta uma diversidade metodológica no processo de desenvolvimento da Química; 3 2 2 1 1 -
Modelo/
Realidade
- Desenvolve a noção de conhecimento científico como uma possível representação da realidade;
4 2 2 1 3 1
- Apresenta, além da Ciência, outras formas existentes de conhecimento humano; 3 1 3 1 1 2
1
a) SANTOS; MÓL (coords.), 2005; b) BIANCHI; ABRECHT; MAIA, 2005; c) NÓBREGA; SILVA; SILVA, 2007; d) PERUZZO; CANTO, 2003; e) MORTIMER;
MACHADO, 2002; f) FELTRE, 2004.
90
Esses dados se restringem até o capítulo em que os livros analisados abordam os
modelos atômicos ou a tabela periódica, suficientes para entender a importância
atribuída à perspectiva histórica, uma vez que todos os autores, até essa parte, discutem
tópicos como propriedades físicas e químicas, substâncias simples e compostas,
fórmulas, nomenclaturas, modelos atômicos, elementos químicos e os diferentes
sistemas de classificações dos elementos, entre outros conceitos que foram estruturados
a partir de diferentes concepções e contextos históricos.
A seguir discutimos cada livro mais detalhadamente, por meio dessas categorias,
apresentando alguns momentos e trechos em que os autores buscam a História da
Ciência para discutirem e articularem os conteúdos e conceitos químicos ligados à
concepção de substância.
5.1 Análise do Livro de Santos e Mól (coords.) - Química e Sociedade
Este livro, lançado pela Editora Nova Geração, foi elaborado no formato de
volume único em 2005, totalizando nove unidades estruturadas em torno de temáticas
sociais. Essas unidades se desdobram em 26 diferentes capítulos distribuídos ao longo
de 731 páginas, somadas a mais nove páginas finais que apresentam o gabarito dos
exercícios, algumas sugestões de leituras complementares de livros/sites para cada
capítulo/unidade, o glossário de palavras/termos científicos, a bibliografia consultada
pelos autores para a elaboração da obra, a atual tabela periódica e um manual de
segurança no laboratório.
A obra, no que se refere à forma de abordar os assuntos, está estruturada sob
alguns aspectos (boxes, quadros, tópicos e seções) que gostaríamos de apresentar para
caracterizar sua forma de trabalho:
Quadro 3. Organização da obra Química e Sociedade
Estrutura Descrição
Tema em Foco Seção destinada à discussão dos temas sociais da unidade
Notícias
Textos referentes a artigos de jornais/revistas que buscam promover
uma leitura crítica de temas sócio-científicos
Controvérsias Textos que revelam opiniões distintas entre cientistas sobre um
91
Científicas mesmo tópico
Pense, debata
e entenda
Box que promove a discussão de temas sócio-científicos
Conhecendo
um pouco mais
Box que busca enriquecer o conteúdo abordado
Química na
Escola
Seção destinada ao desenvolvimento de práticas laboratoriais
Atividades
Essas atividades fornecem dados para os alunos, via observação ou
manipulação, desenvolverem determinados conhecimentos
Exercícios Momento para avaliar a compreensão conceitual dos alunos
Exercícios de
Revisão
Questões de revisão ao final de cada unidade - buscam avaliar se os
alunos conseguem aplicar os conceitos químicos a diferentes
contextos
Nessa obra verificamos que a temática substância é a espinha dorsal no
desdobramento dos demais conceitos. Dessa forma a análise se estendeu até a terceira
unidade, mais precisamente o sétimo capítulo que aborda a classificação dos elementos
químicos (p. 8 a 189). No início, uma abordagem por meio dos sentidos
(diferenciação das substâncias pela visão, paladar e olfato), pelas propriedades químicas
(combustão, oxidação, explosão) e propriedades físicas (densidade, solubilidade,
temperatura de fusão e ebulição), sempre considerando o caráter macroscópico da
matéria para, posteriormente, trabalhar em nível microscópico.
Quanto à natureza da Ciência, demonstra uma abordagem interessante que não
descarta o caráter histórico do desenvolvimento da Química. A seguir, detalharemos
esse aspecto segundo as nossas categorias de análise.
Construção da Ciência
Os autores resgatam algumas rupturas e transições importantes para o
estabelecimento da Química Moderna. No início do primeiro capítulo - “Ciência,
Tecnologia e Sociedade” -, lembram do conhecimento de civilizações pré-históricas e
culturas antigas em vários campos, sempre de caráter prático, “como técnicas primitivas
de transformação de materiais, as quais muitas vezes eram executadas como rituais
religiosos ou de magia.” (p. 14).
92
A junção de técnicas antigas e a incorporação de diferentes conhecimentos
resultaram na Alquimia, um movimento que perpassou por várias culturas ao buscar a
pedra filosofal e o elixir de longa vida (p. 14 e 15). Sobre esses episódios, os autores
lembram que o conhecimento alquímico, assim como a religião, era baseado em
dogmas, portanto não precisava ser provado. “Com o Renascimento, no século XVI,
essa maneira de pensar foi mudando e uma nova forma de buscar o conhecimento
surgiu: a ciência experimental moderna.” (p. 15).
Com essa transição, surgem trabalhos inovadores, como os de Paracelso na
medicina, as técnicas experimentais de Boyle e a teoria do flogisto de Stahl para
explicar os processos de combustão e calcinação (oxidação), mas com limitações para
explicar outros fenômenos (p. 15).
Frente a essas limitações da teoria do flogisto, os autores discutem a
superioridade das explicações de Lavoisier sobre a combustão, baseada em experiências
com balanças de alta precisão e, assim, esse químico foi responsável por “estabelecer
um novo método de investigação que caracterizou o nascimento da Química como
Ciência experimental.” (p. 16).
Essa abordagem é interessante e importante ao mostrar a existência de diferentes
cenários epistemológicos, fundamentados em perspectivas teórico-metodológicas
divergentes e incompatíveis. Assim, nesse novo momento histórico, os “iluministas
defendiam novas formas de compreender o Universo, por novos métodos, como os
usados por Lavoisier.” (p. 17).
Outra transição é retomada mais à frente com as concepções, existentes ainda no
século XVII, sobre a teoria dos quatro elementos de Aristóteles. também o resgate
das idéias de átomo de Demócrito e Leucipo no século V a.C. Contudo, a obra revela
que a teoria atômica foi aceita pela comunidade científica no século XIX, com os
trabalhos de Dalton (p. 67).
Essa longa transição é aprofundada em outro momento, quando os autores
apresentam a busca pela compreensão da natureza por meio dos elementos essenciais
com Tales de Mileto, Anaxímenes, Heráclito e Empédocles e a construção da teoria dos
quatro elementos por Aristóteles, apoiado nos trabalhos de Empédocles (p. 138).
Os trabalhos de Demócrito, Leucipo e Stahl também são resgatados, mas estes
foram desconsiderados com os estudos empreendidos por Dalton e Lavoisier (p. 139).
Nesse caminhar de mudanças, os autores exploram o desenvolvimento dos estudos
microscópicos da matéria, principalmente com Thomson (p. 141 e 142), o casal Curie
93
(p. 142 e 143), Rutherford e seus colaboradores (p. 144, 145 e 146) e Bohr (p. 154, 155,
156 e 157). Somando-se a esses casos, revelam outros conhecimentos provisórios na
Ciência, como os diferentes nomes, simbologias e formas de classificação das
substâncias (p. 175 a 179).
Com relação a essa categoria, gostaríamos de fazer uma ressalva. Ao discutirem
a teoria do big bang, na página 172, os autores também poderiam discutir outras teorias
sobre a origem do universo, inclusive as de caráter religioso, mostrando a existência de
concepções divergentes, construídas e consolidadas em diferentes cenários históricos.
Em relação às influências econômico-político-sociais, os autores pouco discutem
como esses fatores fizeram/fazem parte da Ciência, como no trecho a seguir:
E a Revolução Industrial fez com que muitas pesquisas científicas
fossem financiadas para desenvolver novas tecnologias. Isso
contribuiu para que uma comunidade de pesquisadores começasse a
adotar uma série de atitudes que caracterizaram o trabalho científico.
(p. 17).
Ou como nesse parágrafo: “A Ciência avança em função das necessidades
geradas pela sociedade. Muitas pesquisas têm sido desenvolvidas na tentativa de
solucionar problemas sociais, como a aids, a desnutrição, a falta de energia, a poluição,
etc.” (p. 22). Apesar dessas frases revelarem como os aspectos sociais podem mobilizar
o avanço no conhecimento científico, não uma explicitação de quem desenvolve ou
financia essas pesquisas, provavelmente pela ampla faixa de questões apresentadas,
como no campo da saúde, dos recursos energéticos/econômicos, tomando um caráter
geral, sem nenhuma contextualização. Em outro trecho:
A identificação e a síntese de átomos de novos elementos têm sido
marcadas por disputas entre diversos institutos de pesquisa, afinal, a
ciência é uma atividade humana e envolve conflitos de interesse. O
reconhecimento de descobertas científicas propicia, entre outras
coisas, apoio financeiro aos centros de pesquisa envolvidos. E não se
faz ciência sem dinheiro. (p. 174).
Como podemos perceber esses fatores externos à Ciência são discutidos. Mas
encontramos uma relação com o conceito de substância apenas nessa última citação,
apresentando os investimentos financeiros para estudos com elementos artificiais
sintetizados no laboratório. Lembramos que em nossa reconstrução (Capítulo 3)
94
também não encontramos muitos episódios em que essas influências (re)direcionaram
os rumos da construção do conceito de substância.
Essa última questão delineia uma problemática emergente no campo das
pesquisas e publicações em História da Química, revelando a limitação dos referenciais
históricos quanto à abordagem externalista, uma vez que priorizam as questões de
cunho teórico-conceitual. Nesse sentido, alertamos, aos atuais e futuros estudiosos e
pesquisadores interessados no campo histórico, a necessária revisão das nossas
preocupações e publicações quanto à história externalista da Ciência, visando alcançar
uma imagem mais fidedigna dos fatores que influenciam/influenciaram o
desenvolvimento científico.
Como nos alerta Martins (2006, p. XVII-XVIII), a presença da História da
Ciência no ensino possibilita a compreensão das relações estabelecidas entre a Ciência,
a tecnologia e a sociedade, revelando que a Ciência “faz parte de um desenvolvimento
histórico, de uma cultura, de um mundo humano, sofrendo influências e influenciando
por sua vez muitos aspectos da sociedade” - questões relevantes para os alunos
compreenderem a Química e sua relação com dimensões externalistas.
Personagens da Ciência
Essa obra apresenta, além dos cientistas considerados “celebridades”, cientistas e
filósofos naturais não o famosos, como Tales de Mileto, Anaxímenes, Empédocles,
Leucipo, Demócrito, Paracelso, Stahl, Joseph Black, Scheele, Priestley, Ernest Solvoy,
Jacques Alexandre César Charles, Schönbein, Andrews, Mário Molina, F. Rowland,
Stoney, Röntgen, Geiger, Marsden, Chadwick, Powell, Occhialini, Moseley, Kirchhoff,
Bunsen, Ramsay, P. T. Clever, N. A. Langlet, Kurchatov, entre outros. Essa
possibilidade de exploração torna-se interessante ao mostrar que houveram/há
contribuições de vários estudiosos e pesquisadores para o desenvolvimento da Ciência.
A nossa reconstrução histórica revela que o conceito de substância evoluiu, em
grande parte, graças a trabalhos individuais, instituídos por pessoas que buscavam
entender e explicar algum fenômeno. No que concerne a essa questão, poucos
momentos revelam o trabalho de equipes.
Assim como os aspectos externos à Ciência, os livros de História da Química
também carecem de maiores detalhes sobre possíveis assistentes e ajudantes que
auxiliaram no processo de desenvolvimento da Química, seja quanto à elaboração de
equipamentos e técnicas, seja na construção de hipóteses e teorias. Assim, deixamos em
95
aberto para futuras pesquisas, e pesquisadores, uma busca mais focada sobre esses
aspectos históricos - descobrir se estudiosos e pesquisadores do passado, no campo da
Química, realmente trabalhavam sozinhos ou se a literatura que pesquisamos, e em
geral, omite a participação de grupos de pessoas.
Esse livro resgata alguns episódios em que houve a presença de dois ou mais
cientistas na construção do conceito de substância. Num patamar próximo, mas não
igual, das pesquisas coletivas, encontramos o estudo das propriedades dos gases pelo
francês Jacques Alexandre César e completada mais tarde com as pesquisas de Joseph
Louis Gay Lussac, relativas à proporcionalidade entre a temperatura e a velocidade das
moléculas de um gás (p. 124).
Ainda nessa linha de raciocínio, os autores descrevem a elaboração da teoria de
Lavoisier a partir da reinterpretação dos dados obtidos por outros cientistas, como
Scheele e Priestley. Nesse panorama, também encontramos Thomson que construiu seu
modelo atômico apoiado nos resultados obtidos por Crookes.
Uma parte mais clara na obra quanto ao trabalho cooperativo no processo de
desenvolvimento científico discute os avanços relativos à radioatividade com o casal
Curie (p. 142) e a elaboração do modelo atômico de Rutherford, possível com a
cooperação de seu aluno de doutorado Geiger e o professor inglês Marsden. Há também
menção à descoberta da partícula méson π por uma equipe de três físicos em 1947: “o
brasileiro Cesare Mansueto Giulio Lattes (César Lattes), o inglês Cecil Frank Powell
(1903-1969) e o italiano Giuseppe Occhialini (1907-1993).” (p. 150).
De forma genérica, os autores fazem referência à teoria do físico ucraniano
George Gamow e seus colaboradores sobre o que aconteceu após o big bang (p. 172).
Além da apresentação das descobertas simultâneas de alguns elementos químicos por
cientistas de diferentes lugares,
(...) como o hélio - descoberto em 1895 por Willian Ramsay, na
Inglaterra, e por P. T. Clever e N. A. Langlet, na Suíça - e a do
protactínio, descoberto em 1917 por Otto Hahn e Lise Meitner, em
Berlim, na Alemanha; K. Fajans, em Karlsruhe, também Alemanha; e
por F. Soddy, J. A. Cranston e A. Fleck, na Escócia (p. 174).
Não são muitos os episódios que resgatam a produção coletiva de
conhecimentos, mas o momentos essenciais para realçar que o cientista não
desenvolve suas pesquisas de forma solitária no laboratório - gênio isolado em sua torre
96
de marfim -, concepção altamente predominante nos alunos do Ensino Médio
participantes da pesquisa de Kosminsky e Giordan (2002).
Outra subcategoria a discutir está relacionada à forma de trabalhar a História da
Ciência. Nesse caso, os autores se preocuparam em trabalhá-la no transcorrer da
abordagem conceitual, ao invés de destacarem breves quadros biográficos dos cientistas
em evidência nos capítulos da obra. Estes quadros, quando existentes, apenas servem
para ilustrar/complementar alguma informação ligada ao texto principal que, por sua
vez, já desenvolve uma abordagem histórica.
Métodos
No que se referem ao método, os autores mencionam que este consiste em uma
seqüência organizada de etapas para o estudo de fenômenos.” (p. 18). Posteriormente,
caminhando nessa linha de raciocínio ao diferenciarem conhecimento científico e senso
comum, revelam que “os cientistas estabelecem critérios e métodos de investigação para
obter, justificar e transmitir o conhecimento científico.” (p. 19).
Entendemos que essa subcategoria, apesar de estar classificada em nível 1, não
necessita sofrer alterações tão radicais de revisão, uma vez que não é interessante ficar
retomando continuamente a explicitação do que vem a ser o método científico para a
Ciência, ou seja, etapas, procedimentos e bases teóricas usadas para a produção,
validação e aceitação do conhecimento científico. Uma possibilidade é a obra abordar o
método de forma implícita, por exemplo: ‘para superar uma lacuna sob determinado
campo conceitual, fulano(s) e sua equipe pensaram numa representação teórica
alternativa à atualmente aceita, buscando validá-la com a construção de novos
equipamentos laboratoriais, a realização de testes experimentais e a obtenção de dados
que validassem essa nova forma de pensar alguns fenômenos mal
compreendidos/explicados por aquela teoria vigente...’.
Quanto à segunda subcategoria, referente à diversidade metodológica,
encontramos momentos de discussões relevantes, mas acreditamos que algumas
mudanças ainda sejam necessárias. Em vários momentos os autores exploram a seguinte
idéia: a forma de conceber e aprovar determinado conhecimento muda, fazendo com
que novas formas de se pensar e explicar os fenômenos sejam alcançadas. Nesse caso,
mencionam que a Alquimia, assim como a religião, era fundamentada em dogmas, ou
seja, verdades que não eram questionadas. Mas com o Renascimento (século XVI)
começa a haver uma mudança na forma de conceber o conhecimento e a
97
experimentação passa a ser adotada como método de busca do conhecimento,
principalmente com os trabalhos e contribuições de Paracelso, Stahl, Lavoisier, Francis
Bacon, Descartes, Galileu e Boyle. (p. 15, 16 e 17).
Em seguida, revelam que o método científico, em geral, “pode ser resumido nos
seguintes passos: “observação do fenômeno, elaboração de hipóteses, teste das
hipóteses, generalização e proposição de uma teoria explicativa para o fenômeno.” (p.
18). E acabam desenvolvendo teoricamente, nas próximas linhas, a noção de método
com base nessa seqüência de passos.
Essa apresentação dos autores acontece de forma contextualizada, tomando a
combustão como exemplo, e finalizam a reflexão mencionando que esses “não são os
únicos passos de uma investigação científica e nem sempre todos eles têm como ser
seguidos.” (p. 18). Essa questão é retomada a seguir:
Cientistas reúnem-se para definir os métodos e as técnicas que serão
aceitos pela comunidade científica como válidos. Tais métodos estão
constantemente em mudança. Dessa forma, um método que hoje não
é aceito pela comunidade amanhã poderá sê-lo e vice-versa. (p. 19).
Contudo, os autores apenas exploram uma seqüência de etapas que são baseadas
no método empírico-indutivo, não revelando quais outras etapas são possíveis. Podemos
perceber, em oportunidades posteriores, como esse método explorado inicialmente pelos
autores é reforçado ao tentarem comparar a elaboração de modelos pelos alunos para
uma determinada atividade e a construção de modelos atômicos na Química:
O estudo da constituição da matéria para a ciência é como a atividade
que acabamos de realizar, ou seja, os cientistas observam, estudam,
levantam hipóteses para explicar, imaginam e realizam experimentos.
Depois analisam dados e verificam se as suas hipóteses são plausíveis
e estão de acordo com o esperado. Se estiverem, então eles passam a
ter evidências de que aquela hipótese inicialmente levantada pode
estar correta. Sendo aceita pela comunidade científica, essa hipótese
se transforma em uma nova teoria científica. (p. 137).
Esse exemplo, além de passar a idéia errônea de que as hipóteses sempre se
transformam em teorias, reforça a idéia de um método único, rígido, segundo a
concepção empírico-indutiva. Mas, posteriormente, de forma distinta ao último
exemplo, a obra discute uma metodologia científica diferente para a construção de
idéias microscópicas sobre os modelos atômicos:
98
Na busca de hipóteses que explicassem o mundo das pequenas
partículas constituintes da matéria, a ciência deu passos gigantescos.
Ela demonstrou que, mesmo sem a observação direta, podemos
propor novos modelos e teorias para o Universo. Basta saber usar
ferramentas teóricas como a Matemática e muita criatividade. (p.
138).
Em outro contexto, uma discussão sobre as teorias que não podem passar por
uma prova experimental, mas que possuem consistência suficiente para serem aceitas,
como os cálculos de Einstein para provar que existiam outras galáxias além da Via
Láctea, única até então conhecida. Este é um exemplo relevante, já que seus achados
puderam ser comprovados dez anos mais tarde. (p. 137).
Outro momento a comentar relata que para os autores a obtenção de dados e a
produção do conhecimento científico nem sempre precisa seguir etapas pré-
determinadas. Alguns episódios da História da Ciência demonstram que podem ocorrer
descobertas ao acaso, como foi o caso de Röntgen com os raios X e Becquerel com
elementos radioativos. (p. 142).
Esses exemplos deixam claro que não um método universal. Esse aspecto
pode ser confirmado por Hodson (1994, p. 308, tradução nossa) ao dizer que cabe ao
cientista elaborar o seu próprio método de trabalhar, pois ao deparar-se com um caso
particular, como a compreensão microscópica da matéria, por exemplo, “os cientistas
escolhem um <<método>> que crêem ser apropriado para a tarefa que vão realizar,
fazendo uma seleção dos processos e dos procedimentos a partir dos que estão
disponíveis e são aceitos pela comunidade de especialistas.”
Modelo/Realidade
Dentro dessa categoria, os autores propõem uma atividade reflexiva com os
alunos antes de iniciarem o trabalho com os modelos microscópicos da matéria, visando
chegar à idéia de que os modelos não correspondem à forma real dos objetos estudados,
mas buscam se aproximar destes. E completam:
O estudo da constituição da matéria para a ciência é como a atividade
que acabamos de realizar, ou seja, os cientistas observam, estudam,
levantam hipóteses para explicar, imaginam e realizam experimentos.
Depois analisam dados e verificam se as suas hipóteses são plausíveis
e estão de acordo com o esperado. Se estiverem, então eles passam a
ter evidências de que aquela hipótese inicialmente levantada pode
99
estar correta. Sendo aceita pela comunidade científica, essa hipótese
se transforma em uma nova teoria científica. (p. 137).
Além do trecho acima estar ligado à categoria métodos, também mantém vínculo
com a categoria relacionada aos modelos, uma vez que discute o papel das observações,
das hipóteses e dos testes para a elaboração de modelos, que podem ou não estar
próximos de uma representação da realidade. Esse aspecto é importante dentro do
Ensino de Ciências, uma vez que apresenta a Química enquanto uma construção teórica
humana, passível de limitações (SEQUEIRA; LEITE, 1988), como nesse trecho do
livro:
Apesar da sua larga aplicação, as teorias científicas têm seus limites.
Não conseguem explicar tudo. Compreender a natureza e as
limitações do conhecimento científico é fundamental para sabermos
até que ponto e como poderemos usar esse conhecimento. Por isso, é
preciso antes de tudo reconhecer que a Química, como toda Ciência,
não expressa a verdade absoluta. Ela apresenta a explicação que é
mais bem-aceita pela comunidade científica em determinado período
histórico. (p. 19-20)
Essa posição adotada pelos autores - conhecimento químico enquanto construção
teórica que busca uma possível representação da realidade - aparece em vários outros
contextos (p. 96, 113, 127, 130, 140, 143, 146), revelando como esses autores se
preocupam com esse aspecto no processo de ensino-aprendizagem.
Outro ponto que analisamos dentro dessa categoria revelou que os autores se
preocuparam em veicular a mensagem de que existem diferentes formas de pensar, além
da científica, como a alquímica, a religiosa, a indígena, o conhecimento de senso
comum (p. 14 a 17, 19, 20, 136, 175). Nesse cenário, mencionam que os índios podem
saber mais do que os biólogos a respeito do ciclo das plantas e dos hábitos dos animais
pertencentes a sua região (p. 19).
As citações da obra acima revelam, muitas vezes, o encaixe de mais de uma
categoria na mesma frase, agrupando a questão do método, a existência de diferentes
formas de entender e explicar a natureza e a transição de idéias no processo de
desenvolvimento da Química. Mas, de qualquer forma, com exceção de algumas
limitações - de fácil revisão/correção -, as mensagens dos autores são claras e condizem
com a natureza da Ciência e com a forma de se pensar e trabalhar o ensino da Química,
segundo pesquisas educacionais. Dessa forma, colocamos essa obra como um recurso
100
didático interessante e proveitoso à educação Química, segundo uma abordagem
histórica.
5.2 Análise do Livro de Bianchi, Albrecht e Maia - Universo da Química
Este livro da Editora FTD S.A., em sua primeira edição (2005), está estruturado
em volume único, reunindo cinco unidades que se desdobram em 16 capítulos
distribuídos ao longo de 665 ginas. Encontramos, ao final da obra, 15 ginas que
apresentam o glossário, o índice remissivo, as sugestões de leituras, as referências
bibliográficas utilizadas e a iconografia. É interessante mencionar que o Manual do
Professor também se encontra ao final do livro, apresentando, em 88 páginas, o
sumário, a apresentação do livro, a organização de cada capítulo, a proposta
metodológica de ensino, sugestões de sites, vídeos e bibliografias e as respostas dos
exercícios propostos.
Assim como na obra anterior, essa obra possui uma estrutura que gostaríamos de
apresentar para caracterizar a sua forma de trabalho:
Quadro 4. Organização da obra Universo da Química
Estrutura Descrição
Experimento Propõe experimentos referentes ao tema abordado
Exercícios
propostos
Apresenta algumas questões, em meio aos capítulos, ligadas aos
temas em discussão
Com a Palavra
Textos, ao final dos capítulos, que são escritos por pessoas da
área e trazem conhecimentos complementares àqueles abordados
anteriormente
Série de exercícios
- estudo
continuado
Apresentam vários exercícios, ao final do capítulo, relativos aos
temas e conceitos abordados
O livro de Bianchi, Albrecht e Maia inicia a abordagem de temáticas ligadas à
concepção de substância segundo um nível microscópico, abordando temas como a
noção de átomos na Grécia Antiga; a concepção de elementos químicos sob a
perspectiva atômica; e algumas propriedades, cor e sabor, como resultantes das
101
interações atômicas. Também encontramos abordagens em nível macroscópico nas
primeiras páginas do livro, como a classificação em materiais homo e heterogêneos e as
fases de um sistema. Mas a perspectiva micro faz-se bastante presente.
Nossa análise se limitou até o quinto capítulo “Modelos atômicos” (p. 167),
que a obra não trabalha diretamente a tabela periódica, e revelou algumas características
interessantes sobre a parte histórica:
Construção da Ciência
Em vários momentos os autores deixam claro que a Química está em contínua
construção. A noção de átomo é um dos principais pontos explorados, mostrando que
suas origens remontam à Antiguidade, com os trabalhos de Demócrito e Epicuro, e
perpassam estudos mais recentes com Dalton.
Contudo, esse trabalho histórico acontece segundo uma abordagem linear e
cumulativa. Os próprios autores apresentam uma linha do tempo para mostrar a
evolução das idéias de átomo e substância de Demócrito a Dalton (p. 19), como se fosse
uma reta contínua, sem debates, adversidades, conflitos e transições teórico-
metodológicas nesse processo. Mas, como nos lembra os PCN+:
É fundamental que se mostre através da história, as transformações
das idéias sobre a constituição da matéria, contextualizando-as. A
simples cronologia sobre essas idéias, como é geralmente apresentada
no ensino, é insuficiente, pois pode dar uma idéia equivocada da
ciência e da atividade científica, segundo a qual a ciência se
desenvolve de maneira neutra, objetiva e sem conflitos, graças a
descobertas de cientistas, isoladas do contexto social, econômico ou
político da época. (BRASIL, 2002, p. 96).
Essa abordagem, caracterizada por uma visão linear de compreensão da
construção da Ciência, é retomada ao longo dos capítulos seguintes (p. 78 e 79),
passando a idéia de que a Química foi progredindo por um avanço contínuo ao fazer uso
de letras para simbolizar os elementos químicos com Berzelius (p. 80), estudar e
reconhecer as partículas que compõem o átomo (p. 83, 84 e 85), descobrir a existência
de elementos radioativos (p. 92 e 93) e, finalmente, ao discutir o modelo atômico de
Bohr (p. 161), reforçando a mensagem de linearidade, como no trecho a seguir: “Nesse
progressivo avanço do modelo atômico, percebeu-se que as explicações sobre a
constituição da matéria evoluíram na medida em que novas observações foram
propostas em relação aos fenômenos observados. Esse processo é contínuo.” (p. 161).
102
Em outras oportunidades podemos notar maior ênfase nos acertos e erros da
Ciência, principalmente ao apontarem as antigas concepções que entendiam o calor
como um fluido capaz de ser transferido de um corpo para outro (p. 46, 47, 50), a
representação da água como HO por Dalton (p. 20, 80, 123, 128, 131) e os antigos
símbolos usados para representar as substâncias (p. 80).
Porém, essa obra carece de maiores discussões sobre as grandes rupturas
encontradas na História da Química. Debates ligados à teoria dos quatro elementos (p.
24) ou à Alquimia (p. 96, 117) aparecem em notas laterais e não exploram as transições
que essa teoria e esse movimento alquímico sofreram com o tempo. Da mesma forma, a
apresentação de Lavoisier (p. 125), via nota lateral, não revela a importância de seus
trabalhos, e de seus contemporâneos, para algumas rupturas no século XVIII. Assim,
essa obra denota exclusivamente a linearidade e a cumulatividade no processo de
construção dos princípios químicos, devendo ser uma abordagem a ser repensada pelos
autores para evitar possíveis compreensões discentes equivocadas sobre o processo de
desenvolvimento da Ciência.
A subcategoria relacionada às influências econômico-político-sociais merece
algumas considerações. A estrutura conceitual da obra, até o capítulo de modelos
atômicos, que não aborda diretamente a tabela periódica, demonstra a presença de
vários conteúdos e conceitos que, normalmente, não fazem parte das seqüências dos
livros de Química. Assim, encontramos tópicos como pressão atmosférica, barômetro de
Torricelli, princípio de conservação da energia, aspectos quantitativos da energia,
unidade de trabalho, conceito de potência, produção e consumo de energia,
radioatividade, reações nucleares, energia nuclear, nucleossíntese, nucleossíntese
cosmológica, evolução estelar, quantidade de matéria e a sua unidade (o mol), o número
6,0 . 10
23
(constante de Avogadro).
Dentro desse extenso universo conceitual encontramos determinados episódios
que retratam essas influências nos rumos do desenvolvimento científico. Assim, o
relato do desenvolvimento da máquina a vapor em 1784 por James Watt, “cujos
princípios físicos seriam esclarecidos em 1820 pelo francês Nicolas Leonard Sadi
Carnot (1796-1832).” (p. 47). Em seguida o texto continua o raciocínio sobre o impacto
dessas máquinas na Revolução Industrial e na busca por lucros cada vez maiores:
103
Naturalmente, os industriais desejavam o maior rendimento possível
das máquinas, e para tanto seria necessário calcular quanto de energia
estava sendo consumida no processo de produção.
Não demorou muito e o ser humano descobriu como efetuar esses
cálculos, bem como formas alternativas de obtenção de calor. Hoje,
sabe-se que o calor comporta-se como energia em trânsito que se
manifesta entre dois corpos com temperaturas diferentes. (p. 47).
Apesar de fazer referência aos aspectos externos, os autores poderiam repensar o
sujeito da oração “o ser humano”, sendo genérico, sem identificação do(s)
pesquisador(es) que estudou(aram) os aspectos quantitativos da produção e do consumo
de energia pelas máquinas daquele período.
Em outro episódio mais à frente também aparece essa subcategoria, com um
quadro evolutivo do Sistema Elétrico Brasileiro (1910 a 1995). Nesse quadro, as últimas
décadas, pós 1970, revelam um aumento no potencial elétrico, devido à crise do
petróleo.
Essa evolução induziu o desenvolvimento da tecnologia nacional nos
campos da engenharia de centrais hidrelétricas, das indústrias de
material elétrico e componentes mecânicos e da pesquisa em
eletrotécnica e eletrônica de instrumentação e controle, dentre muitos
outros. (p. 67).
Um terceiro momento destaca os altos investimentos da Universidade, no início
dos anos 40 do século XX, em projetos laboratoriais para a síntese de novos elementos
químicos (elementos artificiais) (p. 107). Em seguida a obra descreve o interesse dos
países imersos na Segunda Guerra Mundial em gerar uma arma com grande poder de
destruição, surgindo o projeto Manhattan, responsável pela fabricação da bomba
atômica (p. 108 e 109).
Como podemos notar as influências externalistas aparecem nesse livro, mesmo
que em poucos episódios e de forma superficial. Entre esses episódios, apenas um dos
momentos resgatados está relacionado com o conceito de substância ao lembrar as
pesquisas com elementos artificiais.
Personagens da Ciência
Essa obra também apresenta pessoas que não são “famosas”, mas que
contribuíram para a construção da Ciência. Entre essas, citam Demócrito, Leucipo,
Epicuro, Mendeleyev, Joseph Black, Cavendish, Scheele, Priestley, Daniel Rutherford,
104
Stoney, Geiger, Marsden, Chadwick, Nagaoka, Wolfgang Pauli, Soddy, Enrico Fermi,
Edwin Hubble, T. W. Richards, Stas, Döbereiner, Libby, Gamov, Dumas, Charles Bury,
entre outro(a)s que participaram de alguma forma na construção da Ciência. Mas
trabalhos como os de Black, Cavendish, Scheele e Priestley, juntamente com os de
Lavoisier, poderiam ser mais explorados, evitando a rápida e superficial abordagem
tratada na obra, uma vez que essas pessoas foram decisivas para a passagem do
movimento alquímico à Química enquanto Ciência. (TOSI, 1989; FAUQUE, 1995;
FILGUEIRAS, 2002).
A subcategoria referente aos avanços científicos por grupos de cientistas revela
que a obra apresenta poucos exemplos da evolução da Química por trabalhos coletivos.
Entre esses, encontramos Rutherford e seus colaboradores, Geiger e Marsden, no estudo
das partículas (p. 84 e 85).
Como destacamos pouco, essa obra discute radioatividade antes de entrar no
modelo atômico de Bohr e, dentro dessa área, resgata, em uma nota biográfica lateral na
página 92, os estudos dos elementos radioativos pelo casal Curie.
Em outra nota biográfica lateral, os autores alertam que Rutherford e Soddy
perceberam que os átomos de tório produziam átomos de outro elemento. “Os novos
átomos foram denominados átomos de tório X e o processo foi associado à
radioatividade.” (p. 96).
também o estudo das fórmulas das substâncias no século XIX com base nas
concepções de Dalton, Gay-Lussac e Avogadro (p. 128, 129 e 130).
Encontramos, numa terceira nota biográfica lateral, o relato de que Gay-Lussac,
em colaboração com outros cientistas, mas não menciona quais, “descobriu que o cloro
e o iodo são substâncias simples.” (p. 129).
Dessa forma, notamos que a maior parte dos trabalhos coletivos recebe
importância secundária, limitados a notas biográficas laterais. Esse recurso deveria ser
usado em poucos momentos para indicar curtas informações, e não ser usado em
excesso pelos autores, concentrando muitos dos aspectos históricos.
É sobre essa análise que entramos na terceira subcategoria para alertar que os
autores trabalham, em meio ao texto principal, conteúdos e conceitos sob um viés
histórico. Mas também exploram excessivamente o uso de caixas de textos (notas
laterais) para destacar aspectos históricos referentes aos temas abordados. Dessa forma
os autores poderiam reduzir, para futuras edições desse didático, a quantidade desses
boxes, uma vez que são encontrados na maior parte das páginas analisadas.
105
Métodos
Os métodos na Ciência aparecem de forma subentendida na obra. De acordo
com a descrição mais clara sobre a metodologia científica:
A ciência busca entender as causas, os mecanismos e os efeitos das
leis que regulam a manifestação de forças naturais e, se possível,
interferir no curso dos acontecimentos.
Para tanto, utiliza-se de alguns recursos, como, por exemplo, o da
quantificação das observações por meio de instrumentos que ampliam
o alcance dos sentidos do observador, e sua posterior anotação
efetuada pela linguagem matemática, e o da criação de modelos. (p.
160).
Entendemos que os autores poderiam explicar de forma mais clara e detalhada o
que seria o método para a Ciência, o seu papel na elaboração e aceitação do
conhecimento químico, sendo questões subentendidas na frase acima e nos capítulos
analisados.
Nesta frase mais uma questão a ser repensada pelos autores. Na realidade a
Ciência busca entender as causas, os mecanismos e os efeitos dos fenômenos da
natureza (ou os artificiais) para assim gerar (ou não) leis científicas. A seguir, na
segunda parte da citação, os autores poderiam destacar também a perspectiva qualitativa
na Ciência, uma vez que eles apenas apontam os aspectos quantitativos e a construção
de modelos como alguns dos recursos metodológicos possíveis.
No que concerne à diversidade metodológica, os autores também a exploram de
forma implícita, relevando a importância de alguns aspectos, como a observação para a
percepção da existência de leis naturais (p. 12, 46); a relevância da experimentação para
a Ciência (p. 47, 160) e a construção de idéias, por “tentativa e erro”, relacionadas às
fórmulas das substâncias (p. 128, 129 e 130)
20
. Mas em todos esses momentos não
uma discussão aprofundada das etapas metodológicas, o que poderia ser revisado
futuramente pelos autores.
Modelo/Realidade
A apresentação da Ciência como uma forma de entender e explicar a realidade é
encontrada em alguns momentos na forma de notas laterais (p. 12, 125, 158). Mas há
20
Alertamos que, num primeiro momento, não tomamos contato com uma bibliografia que discutisse os
estudos, por “tentativa e erro”, sobre as possíveis fórmulas das substâncias com os estudos de Gay-
Lussac, Dalton e Avogadro, mas, posteriormente, buscaremos investigar se essas informações são
fidedignas.
106
também uma exploração no corpo principal do texto, sempre relacionado aos modelos
atômicos. O empecilho que apontamos é que a mensagem explícita de que os modelos
científicos não são a realidade aparece tardiamente. As descrições mais claras a esse
respeito são encontradas a partir da página 90, enfatizando as mudanças sucessivas dos
modelos atômicos na busca por respostas a novos fenômenos, como as composições
fixas das substâncias, a corrente elétrica, a existência de cargas positivas e negativas etc.
A história da ciência mostra que, à medida que surgem respostas para
certas perguntas, simultaneamente ocorrem novas indagações; em
outras palavras, ao lado de um dado que se torna conhecido, um novo
desconhecido aparece. Esse parece ser o caminho da ciência: sem
verdades eternas, existem apenas verdades que resistem a certas
questões por algum tempo até que uma nova proposição seja
formulada. (p. 90).
E completa-se mais tarde, relatando que essas construções teóricas fazem parte
das investidas científicas para entender os mais variados fenômenos, usando alguns
recursos, como a experimentação e a observação. “Os modelos não existem na natureza,
eles são criações humanas, válidos enquanto puderem explicar um fenômeno, caso
contrário, deverão ser substituídos por outros que atendam às novas descobertas.” (p.
160).
Essa diferenciação representação/realidade é realizada pelos autores,
principalmente nas páginas 90, 125 e 160, mas deveria ser um aspecto apresentado e
discutido o quanto antes, pois, de acordo com Sequeira e Leite (1988), estratégias de
ensino que exploram esses pontos evitam imagens errôneas da Ciência.
Referente às outras formas de conhecimento, além da científica, há, em uma nota
lateral, uma citação da única concepção que existia sobre a idade da Terra na Idade
Média, baseada nos textos bíblicos (p. 113). Em outra nota lateral em meio à abordagem
do modelo atômico de Bohr, provavelmente tentando relacionar o movimento das
partículas ao redor do cleo com o movimento dos planetas ao redor do sol, os autores
discutem uma questão isolada, referente a Galileu:
O heliocentrismo salvou Galileu
Alguns historiadores admitem que Galileu Galilei (1564-1642) teria
declarado sua concordância em relação ao pensamento dos antigos
atomistas gregos e essa teria sido a razão da discordância com a
crença religiosa de sua época.
107
A pena que recairia sobre ele foi atenuada pelo papa Urbano VIII,
sugerindo que Galileu era defensor das idéias de Copérnico (1473-
1543) a respeito do heliocentrismo. (p. 165).
Esses dois momentos foram os únicos episódios em que foi destacada uma
forma de pensar diferente da científica - a religiosa. Como nos lembram Kosminsky e
Giordan (2002) outras formas de pensar e agir, típicas de outras culturas, estão presentes
na sala de aula e devem ser analisadas e confrontadas - no sentido de perceber as
diferenças - pelos alunos quando estes “vivenciam” elementos da cultura científica.
Assim, acreditamos que os autores poderiam explorar outras formas de conhecimento
humano, pois a Ciência pode ser entendida como a única forma de compreender a
realidade.
Para finalizar, entendemos que esse livro possui algumas limitações, já que
atribui importância secundária ao ensino da tabela periódica, resumindo-se a
demonstração dos nomes dos elementos químicos (p. 81) ou a resolução de exercícios
(p. 91, 133, 167). Não uma apresentação e discussão sobre a sua atual estruturação.
Dessa forma, esse tópico poderia ser melhor explorado, devido a sua importância
enquanto instrumento de sistematização de idéias sobre os elementos químicos (MELO
FILHO; FARIA, 1990) e, também, pela riqueza histórica dos diferentes sistemas de
classificação desses elementos (TOLENTINO; ROCHA-FILHO; CHAGAS, 1997).
Outras mudanças precisam ser realizadas para superar a concepção de
conhecimento linear que o livro trabalha, podendo gerar a idéia discente de que o
avanço científico é sempre contínuo. Dessa forma, acreditamos que os autores precisam
explorar melhor, nas próximas edições, as grandes rupturas que fizeram parte da
História da Química. Além dessas alterações, a obra também deve reduzir a quantidade
de notas biográficas, evitando um tratamento histórico resumido.
5.3 Análise do Livro de Nóbrega, Silva e Silva - Química
Essa obra de 2007, em sua primeira edição pela Editora Ática, foi estruturada no
formato de volume único, com 569 páginas divididas entre 33 capítulos. Ao final do
livro existem mais 23 páginas com a nomenclatura dos principais compostos orgânicos;
questões do ENEM; glossário; significado das palavras; e referências bibliográficas.
Encontramos, em seguida, o manual do professor, apresentando, em 216 ginas,
108
discussões sobre: o Ensino Médio; o aprendizado de Química; a obra; os capítulos;
sugestões de leitura e pesquisa para o professor; e a resolução dos exercícios da obra.
Um fato interessante é que os autores não nomeiam/intitulam estruturas de
trabalho como tópicos, boxes e quadros. Assim, apesar de não possuírem uma
identificação, textos iniciais em cada capítulo (normalmente um trecho adaptado de
algum livro), boxes (trazem alguma informação/discussão relacionada à abordagem do
texto principal), exercícios (ao longo e ao final do capítulo), exercícios de vestibular
(expõem, ao final do capítulo, questões retiradas de provas de vestibulares anteriores),
textos em destaque (trabalha conhecimentos complementares e/ou históricos
relacionados aos conceitos dos capítulos em questão) resumo (apresenta, brevemente, os
aspectos/assuntos abordados ao longo daquele capítulo).
Nossa análise se restringiu até o décimo capítulo por abordar a tabela periódica,
abrangendo 186 ginas do livro. Nessa leitura crítica do material, percebemos que os
autores se preocupam com uma abordagem macroscópica no início para,
posteriormente, trabalhar em nível microscópico o conceito de substância.
Construção da Ciência
Os autores revelam várias rupturas que existiram até a formação e consolidação
da área de estudos e pesquisas que conhecemos hoje como Química. Nesse sentido, há o
relato do abandono dos mitos e dogmas por estudiosos da Jônia que buscavam, no
século VI a.C., a compreensão dos fenômenos que eram até então explicados por forças
divinas, surgindo diferentes concepções ligadas a elementos fundamentais e à escola
atomística (p. 12).
As contribuições de Aristóteles a essas formas de pensar também são
apresentadas na obra, sobretudo a relevância da teoria dos quatro elementos para as
bases do movimento alquímico (p. 12 e 13). Em seguida o destaque aos trabalhos do
século XVI e XVII, principalmente pela ligação estabelecida com o campo da medicina,
surgindo a figura de Paracelso, contrário à teoria de Aristóteles ao propor a existência
de três princípios (sal, enxofre e mercúrio) para entender e explicar a matéria (p. 14).
O livro também resgata a forma de entender o mundo no século XVII, baseada
na interpretação quantitativa e mecanicista (p. 15 e 16) e lembra que essas diferentes
concepções são devidas à preocupação humana quanto à descrição e previsão do
comportamento da natureza.
109
Mais à frente os autores mencionam a aceitação da teoria do flogístico de Stahl
para a explicação da combustão no século XVIII. Mas também alertam sobre as
limitações dessa teoria para explicar a diminuição/aumento do peso após o processo de
combustão/oxidação. Como conseqüência desses impasses, a obra discute os trabalhos
de Lavoisier, sem revelar as contribuições de seus contemporâneos, para o abandono da
teoria flogística e, também, da teoria dos quatro elementos (p. 104, 105 e 106).
Esses são os momentos de discussão histórica com caráter não-cumulativo.
Nesse sentido, os autores poderiam explorar com mais freqüência, em outros capítulos,
essa abordagem. Outros momentos também revelam uma perspectiva histórica, como a
concepção da composição das substâncias antes de Proust (p. 116), a representação das
substâncias (p. 122 e 123), os modelos atômicos de Thomson e Rutherford (p. 149 e
150) e os sistemas de classificação dos elementos químicos em notas laterais (p. 175,
176, 178), mas essas passagens acontecem de forma superficial e linear, passando uma
idéia simplificada sobre esses episódios da história da Química.
Assim, em apenas dois momentos encontramos discussões mais focadas sobre a
parte histórica, no início ao resgatar as origens e mudanças dos estudos sobre a natureza
(Capítulo 1 - Da alquimia à Química), uma ação que é usual na maioria dos didáticos e
as contribuições de Lavoisier para a Química (Capítulo 6 - Relações entre as massas nas
reações químicas), episódio histórico encontrado em qualquer obra. Como essas
trajetórias históricas são resgatadas de forma interessante em alguns momentos,
acreditamos que essa abordagem poderia fazer parte dos demais capítulos, enaltecendo
uma visão mais rica, complexa e completa da natureza da Ciência.
A segunda subcategoria, relacionada às influências econômico-político-sociais,
praticamente ficou fora da obra, exceto pela seguinte frase:
Em meados do século VI a.C., uma nova percepção do mundo se
cristalizou entre pensadores das colônias gregas da Jônia. Mitos e
dogmas religiosos foram postos de lado, em um primeiro esforço de
compreensão da realidade. Para a vida ou a morte, a guerra ou as
doenças, a colheita ou as inundações, exigiu-se outra explicação além
do capricho dos deuses. Começou a nascer a Filosofia ocidental. O
desenvolvimento político e social das cidades e a idéia de uma força
superior aos deuses conduziram à busca de leis que explicassem as
forças naturais. (p. 12).
Como podemos notar a contextualização de aspectos políticos e sociais e suas
influências para o nascimento e desenvolvimento de uma nova forma de pensar e
110
explicar os fenômenos naturais fica num patamar superficial. E, como os aspectos
externos estão presentes em um único momento, dificilmente serão notados e
compreendidos pelos alunos como fatores determinantes no rumo da Ciência.
De acordo com Martins (2006, p. XX): “A ciência não se desenvolve em uma
torre de cristal, mas sim em um contexto social, econômico, cultural e material bem
determinado.” Portanto, as questões externalistas precisam ser resgatadas pelos autores,
favorecendo uma melhor compreensão da Ciência pelos discentes.
Personagens da Ciência
Além de estudiosos da Ciência/Química amplamente reconhecidos, há também a
apresentação de outros personagens históricos que foram importantes, como Tales de
Mileto, Anaxímenes, Empédocles, Leucipo, Demócrito, Zózimo, Paracelso, Satyendra
Bose, Grenouille, Georg Stahl, Stas, Henning Brand, Berthollet, Guyton de Morveau,
Fourcroy, Mendeleiev, Johann Döbereiner, John Newlands e pesquisadores brasileiros
do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) - René Medrano, José Marques da
Costa, Alberto Setzer, Enio Bueno Pereira, Volker Kirchhoff, Liliana Piazza.
No tocante ao trabalho em equipes, os autores mencionam os projetos e estudos
desenvolvidos pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) na Estação
Antártica Comandante Ferraz. Assim revelam que existem:
(...) estudos da ionosfera, de René Medrano, existem pesquisas em
geomagnetismo, coordenadas por José Marques da Costa. Alberto
Setzer cuida da meteorologia. Enio Bueno Pereira estuda a
radioatividade atmosférica e aerossóis (partículas suspensas no ar).
Volker Kirchhoff é responsável pelo estudo do ozônio atmosférico e
componentes minoritários da atmosfera, Liliana Piazza pesquisa a
propagação de ondas de rádio VLF (freqüência muito baixa) (p. 26).
Apesar desse trecho não discutir a formação de grupos específicos, revela que
um conjunto de pesquisadores está reunido na Estação de Antártica para estudar e
pesquisar este ambiente.
Em outra oportunidade, via nota lateral (p. 33), os autores descrevem a previsão,
em 1924, do quinto estado da matéria pelo físico alemão Albert Einstein e pelo
matemático indiano Satyendra Nath Bose, sendo comprovada mais tarde, em 1995,
com trabalhos laboratoriais.
111
A terceira e última apresentação do trabalho cooperativo revela a criação do
elemento químico de mero 111 por pesquisadores da Associação para a Investigação
de Íons Pesados (GSI) (p. 166). Essa frase revela alguns problemas como a não
identificação dos pesquisadores envolvidos. Além desse fato, não sabemos se o número
111 faz alusão ao número atômico (de prótons) característico desse elemento. Essa
discussão traçada no didático faz parte da adaptação de um texto do jornal Folha de São
Paulo de 1994, podendo ser uma das razões para essas limitações e falhas.
A existência de equipes é uma questão a ser repensada pelos autores, uma vez
que nem os pesquisadores que fizeram parte da construção do modelo atômico de
Rutherford, Geiger e Mardsen, foram mencionados na obra. Os contemporâneos de
Lavoisier também não são lembrados pela obra, apesar de suas influências sobre os
estudos desenvolvidos por esse francês.
A leitura da obra revela que a terceira subcategoria, referente à abordagem
histórica, quando existente, acontece em meio ao texto principal, com poucos momentos
em que as caixas de textos são as responsáveis pela abordagem histórica.
Entre esses momentos, notamos a apresentação em boxes dos antigos sistemas
de classificação dos elementos químicos de Döbereiner, Newlands e Mendeleiev,
podendo ser uma abordagem a ser repensada futuramente. Acreditamos que o
deslocamento desses conhecimentos históricos para o texto principal possibilitaria uma
melhor contextualização e, também, a apresentação da estrutura (imagem/figura) desses
sistemas de classificação.
Métodos
Não uma descrição explícita sobre o que é o método para a Ciência. Para
quem conhece o papel da metodologia científica, acreditamos que a obra seria
interessante, pois discute alguns cenários epistemológicos que foram aceitos em razão
da fundamentação metodológica validada para aqueles contextos, como a interpretação
matemática e mecanicista que era orientada por um método seguro e rigoroso, sem pré-
concepções a priori; a preocupação com os procedimentos a serem adotados na
investigação indutiva de Bacon (coletar, ordenar e comparar os dados) e dedutiva de
Descartes (partir de uma grande idéia ou teoria para a realização das experiências) (p.
15).
Mas para os alunos que começam a se deparar com estudos mais sistematizados
sobre o conhecimento científico/químico, essa abordagem talvez pudesse ser modificada
112
para reforçar o que vem a ser o método, seu papel e relevância em diferentes cenários
históricos.
Assim como na subcategoria anterior, também encontramos limitações relativas
à diversidade metodológica. Como mencionamos acima (p. 15), a obra revela os
fundamentos da metodologia indutiva, dedutiva e mecanicista, sem maiores
contextualizações e aprofundamentos.
Em outro momento os autores destacam a crítica de Boyle aos três princípios e à
teoria dos quatro elementos, propondo o uso da teoria atômica da matéria para explicar
a natureza:
Esses exemplos mostram que, no decorrer do tempo, o ser humano
tem se preocupado em entender como a natureza funciona.
Aristóteles, os alquimistas e Boyle desenvolveram concepções
diferentes para descrever o mundo e a natureza das coisas que nos
rodeiam. Essa ainda é uma das funções dos cientistas de hoje:
desenvolver concepções capazes de descrever e prever o
comportamento da natureza. Não existe uma única maneira ou a
maneira correta de fazê-lo. (p. 16)
Quanto a essa citação, a obra poderia discutir a diferença na forma de obtenção,
justificação e aceitação do conhecimento gerado por esses diferentes cenários
epistemológicos, podendo ser um momento interessante para os autores abordarem e
explorarem o método e a sua relevância para a Ciência.
Em uma nota lateral (p. 33) os autores descrevem a previsão, em 1924, do quinto
estado da matéria com base nos estudos de Einstein e Bose, sendo comprovada em
laboratório em 1995. Esse trecho não revela as etapas metodológicas, mostrando mais
uma vez o nível de superficialidade da obra, uma vez que esta poderia discutir as etapas
desse estudo e a consistência teórica para prever um conhecimento que só pode ser
confirmado décadas mais tarde.
Ao apresentarem as relações entre as massas nas reações químicas (p. 102 e
103), os autores lançam duas hipóteses teóricas para uma possível explicação sobre a
conservação da massa após uma reação química em um sistema fechado (no caso um
aquário com uma família de peixes que passou por processos como nutrição, respiração,
excreção, morte e decomposição). Para chegar à conclusão de qual das hipóteses era a
correta, os autores estudam o comportamento da massa em uma reação química num
sistema fechado hipotético até chegarem à idéia de que “em uma reação a massa dos
reagentes é igual à massa dos produtos.” (p. 103).
113
Apesar das etapas metodológicas ficarem subentendidas, um aspecto que pode
ser alterado sem dificuldades pelos autores, a obra mostra que a construção de idéias na
Química pode ser conduzida por hipóteses a priori, as quais podem ser comprovadas ou
rejeitadas conforme os estudos se aprofundem naquela área.
Mas, em seguida, um contraste, ao discutirem a elaboração da lei da
conservação da massa, os autores comentam a intriga que Lavoisier tinha com as
explicações da teoria flogística para alguns fenômenos. Dessa forma, mencionam que
esse estudioso “começou a realizar, em 1772, uma série de experiências utilizando
balanças muito precisas.” (p. 104). Com uma série de experiências, com os resultados
obtidos e com as conclusões alcançadas, revelam que Lavoisier estabeleceu a lei da
conservação de massas: “Nada se cria nas operações técnicas ou naturais e pode-se
admitir como axioma que em toda operação existe a mesma quantidade de matéria antes
e depois da operação.” (p. 105).
Dessa forma, apesar de iniciarem a abordagem das relações entre as reações
químicas e a conservação das massas pelo método dedutivo, posteriormente
contextualizam esse episódio histórico via metodologia empírico-indutiva, sendo uma
ação a ser repensada em próximas edições da obra.
Modelo/Realidade
Dentro dessa categoria os autores trazem, em uma nota lateral (p. 16), um extrato
da obra “Filosofia da Ciência”, de Rubem Alves. Um segundo extrato dessa obra é
encontrado mais à frente, também em nota lateral (p. 34). Ambos os extratos apresentam
o conhecimento científico/químico como uma possível representação da realidade,
principalmente quando os estudiosos se deparam com situações/fenômenos não
observáveis, fazendo com que estes pesquisadores busquem apoio na imaginação para a
construção de modelos hipotéticos que expliquem os fatos não observáveis.
Em meio ao texto principal, após terem discutido algumas bases teóricas dos
trabalhos de Aristóteles, dos alquimistas e de Boyle, os autores discutem a
provisoridade dos estudos para a compreensão da natureza:
(...) no decorrer do tempo, o ser humano tem se preocupado em
entender como a natureza funciona. Aristóteles, os alquimistas e
Boyle desenvolveram concepções diferentes para descrever o mundo
e a natureza das coisas que nos rodeiam. Essa ainda é uma das
funções dos cientistas de hoje: desenvolver concepções capazes de
114
descrever e prever o comportamento da natureza. Não existe uma
única maneira ou a maneira correta de fazê-lo. (p. 16)
Logo abaixo a obra menciona que não “existe modelo certo nem errado: ou ele
funciona, isto é, descreve os fatos observados e permite prever novas observações, ou
não funciona; nesse caso é reformulado ou abandonado.” (p. 16). Acreditamos que essa
frase poderia ser refeita, pois muitos episódios da História da Ciência mostram que um
modelo/teoria considerado “certo”, ou seja, aceito pela comunidade, pode, futuramente,
ser substituído por outro que consiga explicar fenômenos até então incompreendidos
(KUHN, 2005). Esse aspecto inclusive é relatado pelos autores com a teoria do flogisto
(p. 104, 105 e 106).
Segundo Kuhn, uma teoria aceita pode apresentar limitações para explicar
alguns fenômenos, logo não pode ser considerada “certa”, mas nem por isso ela deve ser
abandonada. O abandono dessa teoria pode acontecer quando uma nova construção
teórica consiga superar as limitações impostas pela teoria vigente.
É importante relatar que os autores não precisam entrar em discussões sobre
Filosofia da Ciência no livro didático, mas precisam tomar cuidado com o jogo de
palavras usado para não criarem idéias discentes equivocadas a respeito da Ciência.
A obra ainda revela dois momentos dentro dessa subcategoria, principalmente
quanto aos modelos atômicos que não podem ser observados, mas que buscam
“descrever o comportamento da matéria.” (p. 16). Essa discussão também é retomada
posteriormente:
Um dos principais alicerces do conhecimento científico é o conceito
de que a matéria é formada por átomos. O conhecimento da estrutura
atômica é a chave para o entendimento de muitos fenômenos que nos
cercam. No entanto, ao estudar os átomos encontramos uma séria
limitação: eles são invisíveis. Por isso, com base em dados
experimentais, os cientistas imaginam como um átomo deve ser. Um
modelo atômico nada mais é que a imagem mental elaborada para
representar um átomo. Ele explica observações experimentais,
permite novas observações e é passível de modificações quando
novos fatos experimentais são descobertos. Portanto, um modelo não
é eterno. Quando novos fatos o contradizem, ele passa ser
questionado, podendo ser reformulado ou substituído. (p. 156).
Essa frase encaixou-se de forma interessante na subcategoria que analisamos,
com exceção de uma concepção a ser reformulada. Na realidade, os átomos não “são
115
invisíveis” e, sim, construções teóricas sobre a matéria em nível microscópico, ou seja,
um modelo que represente o que é invisível aos olhos humanos.
Esse é um aspecto importante, pois de acordo com a concepção mais aceita “um
modelo é uma representação de uma idéia, objeto, acontecimento, processo ou sistema,
criado com um objetivo específico” (JUSTI, 2006, p. 175). Dessa forma os modelos
atômicos são constructos humanos criados com o objetivo de representar a matéria em
nível microscópico - concepção que deve ser claramente abordada aos alunos.
O último exemplo a ser comentado encontra-se ao final do primeiro capítulo, um
texto adaptado da obra “A dança do Universo - Dos mitos de criação ao Big Bang” de
Marcelo Gleiser. Esse texto apresenta as dificuldades dos modelos para descreverem a
origem do Universo. Esse texto alerta que, até aquele momento, os leitores precisavam
entender que os “mitos de criação e [os] modelos cosmológicos têm algo fundamental
em comum: ambos representam nossos esforços para compreender a existência do
universo.” (p. 21).
A segunda subcategoria, relativa às outras formas de pensamento além do
científico, foi explorada em vários momentos. Assim, os autores abordaram as
concepções dos homens primitivos que acreditavam nos fenômenos naturais como
manifestações regidas por espíritos e forças ocultas, a visão mágica do mundo e a
intervenção divina (p. 10 e 11).
também a apresentação das investidas dos pensadores das colônias gregas da
Jônia para a ruptura com o pensamento mítico e dogmático (p. 12), o conhecimento
alquímico (p. 13) e o abandono deste em razão de uma nova forma de pensar
quantitativa e mecanicista (p. 15). Pouco depois é retomada a discussão sobre a forma
de pensar e explicar a criação do universo pelo mito, pela religião e pela ciência -
formas diferentes de entender a existência do universo (p. 20 e 21).
Em outro contexto, via nota lateral (p. 87), os autores relatam o emprego prático
da betuma (mistura proveniente da destilação do petróleo) por povos mais antigos
(egípcios, mesopotâmicos e persas) no intuito de “pavimentar estradas, aquecer e
iluminar casas e calafetar construções.”
Os autores apontam também outras atividades humanas que possuem uma
linguagem própria, característica, como os símbolos usados mundialmente em sinais de
trânsito, as partituras musicais, a linguagem e sinais usados pelos internautas e
alquimistas. (p. 121 e 122).
116
Assim, de acordo com os trechos apresentados e as discussões realizadas,
acreditamos que essa obra didática apresenta algumas características históricas
interessantes ao processo de ensino-aprendizagem. Contudo, muitas alterações ainda são
necessárias, principalmente com relação à abordagem externalista que se mostrou
superficial, além do trabalho coletivo que pouco foi abordado.
5.4 Análise do Livro de Peruzzo e Canto - Química na abordagem do cotidiano
A obra Química na abordagem do cotidiano, editada em 2003
21
, esta dividida em
três volumes (volume 1 - Química Geral e Inorgânica, 344 páginas; volume 2 - Físico-
Química, 344 páginas; volume 3 - Química Orgânica, 264 páginas).
Ao considerar nossa pesquisa, nos concentraremos na análise do volume 1 que
reúne 15 capítulos distribuídos em 325 páginas, somadas a mais 19 páginas que
apresentam: tabela de cátions e de ânions; potência de dez e notação científica; algumas
unidades, seus múltiplos e submúltiplos; respostas dos exercícios; lista de siglas;
bibliografia usada; e a tabela periódica dos elementos químicos.
Ao final da obra também encontramos o manual do professor que discute, em 80
páginas, o livro do aluno, um possível mapa conceitual desse volume, o sumário da
obra, subsídios didáticos de cada capítulo e a resolução dos exercícios de cada capítulo.
Nossa análise será realizada até o sexto capítulo “A tabela periódica dos
elementos”, totalizando 113 páginas. Apresentamos abaixo a estrutura usada pelos
autores na abordagem dos temas e conceitos químicos, usando, muitas vezes, a própria
descrição contida no início da obra sobre a forma de trabalhar dos autores:
Quadro 5. Organização da obra Química na abordagem do cotidiano
Estrutura Descrição
Comentário
preliminar
É um texto organizador que permite ao estudante ter uma breve
noção do que estudará no capítulo e de como isso se relaciona
com outras partes da Química e com o que já foi estudado
Alguns conteúdos Trata-se de uma relação de conteúdos conceituais que serão
21
Apesar dessa edição não ser de 2005, já consta do carimbo do PNLEM na capa. Acreditamos que,
talvez, os pareceristas tenham se enganado no momento de registrar os dados dos livros aceitos no
processo de análise; ou a editora tenha se equivocado durante a catalogação desse didático.
117
importantes abordados no capítulo
Motivação
Atividade de caráter experimental a ser desenvolvida pelos
alunos
Desenvolvendo o
tema
Textos com descrições e explicações que conduzem aos
conceitos, em vez de simplesmente apresentá-los como se fossem
verdades absolutas
Mapas conceituais
São diagramas que inter-relacionam conteúdos conceituais.
muitas maneiras diferentes (e corretas) de elaborar um mapa
conceitual que envolva determinado conjunto de conceitos
Em destaque
Textos que complementam o tema em estudo, exemplificam com
fatos do cotidiano ou apresentam informações para cultura geral
que, de alguma forma, se relacionam ao assunto
Questões para
fixação
Essas questões visam a assimilação dos conceitos pelos alunos
Exercícios sobre
todo o capítulo
Aparecem, ao final do capítulo, testes de múltipla escolha e
exercícios dissertativos extraídos de vestibulares provenientes de
várias regiões do país
Essa obra busca abordar os conteúdos e conceitos químicos de forma
contextualizada e próxima à realidade dos alunos - realidade de modo geral e não
regional. Dessa forma, prioriza uma abordagem inicial dos fenômenos e dos conceitos
em nível macroscópico para, posteriormente, trabalhar aspectos microscópicos. A seguir
nos aprofundaremos nas questões históricas exploradas pela obra.
Construção da Ciência
No início, essa obra discute as mudanças que ocorreram no conhecimento
científico e químico, principalmente com a estrutura atômica da matéria ao revelar os
diferentes modelos que representam a idéia sobre átomo: os estudos e contribuições dos
filósofos da Grécia Antiga (p. 7), Dalton (p. 52), Thompson (p. 65), Rutherford (p. 66 e
67), Bohr (p. 76) e Heisenberg (p. 79).
Nessa perspectiva, encontramos os diferentes sistemas de organização dos
elementos químicos, sobretudo com os trabalhos de Döbereiner (p. 88 e 89),
Chancourtois (p. 89), Newlands (p. 89), Mendeleev (p. 89 e 90) e Meyer (p. 90).
118
Uma terceira abordagem, tomada ao longo da obra, apresenta mais
satisfatoriamente a transição não-linear de conhecimentos na Química. uma
discussão sobre a concepção dos quatro elementos de Aristóteles (p. 7, 46), algumas
perspectivas alquímicas, com um caráter mais prático (p. 7, 8), as concepções de Boyle
em seu livro The Sceptical Chemist, creditando méritos ao método experimental no
estudo das substâncias (p. 8, 46) e o estudo de Lavoisier no século XVIII, considerado
por muitos o “pai da Química”, com a lei da conservação da massa (p. 46 e 47).
A transição de idéias que envolvem a Grécia Antiga, o movimento alquímico e
as atuais bases da Ciência Moderna são questões existentes na obra, mas poderiam ser
mais bem exploradas pelos autores. Apesar de algumas transições serem mencionadas,
são tomadas de forma pontual e superficial.
Acreditamos que esses momentos históricos são complexos para serem tratados
de forma simplificada, pois podem gerar visões deformadas sobre o processo de
desenvolvimento dessa Ciência. Como nos lembram Solbes e Traver (1996, p. 105,
tradução nossa), o trabalho com uma história limitada pode gerar uma visão cumulativa
do conhecimento, “não se mostram as crises dos grandes paradigmas, nem os problemas
nas teorias incluídas em tais paradigmas, que produzem a mudança de conceitos,
modelos, etc.”
Uma oportunidade para explorar mais a parte histórica encontra-se na discussão
sobre a idéia de átomo pelos filósofos gregos, concepção construída através de
argumentos filosóficos, como partículas pequenas e indivisíveis. Em seguida, os autores
enaltecem o avanço do modelo atômico de Dalton por sua fundamentação estar apoiada
em resultados experimentais.
Nesse caso, o panorama histórico de rupturas e transições acontece de forma
sucinta, sem esclarecer os diferentes cenários epistemológicos existentes. Acreditamos
que os diferentes sistemas teórico-metodológicos de cada cenário histórico (argumentos
filosóficos/método) poderiam ser mais bem discutidos para proporcionar, além da
contextualização histórica, a compreensão das implicações geradas pela transição desses
momentos, possibilitando maior reconhecimento e fidedignidade do campo de estudos
da Química.
Com relação aos aspectos econômico-político-sociais, encontramos o seguinte
trecho:
119
Após Aristóteles, a Grécia passou por um agitado período político e,
gradualmente, a cidade egípcia de Alexandria assumiu a liderança
científica da época. Lá, encontraram-se frente a frente a filosofia
grega, a tecnologia egípcia e as místicas religiões orientais. (p. 7)
Podemos notar na primeira parte desse parágrafo um destaque às questões
políticas para o declínio da Grécia e, posteriormente, a ascensão científica da cidade de
Alexandria. Mas a obra não revela aspectos desse “agitado período político”, sendo
interessante a reformulação desse trecho futuramente, já que a apresentação desse
contexto pode revelar como ações políticas fazem parte das cidades e de suas atividades
científicas.
No parágrafo seguinte a essa citação os autores apontam o nascimento da
Alquimia que buscava o elixir da longa vida (responsável pela imortalidade) e a pedra
filosofal (garantiria a transmutação dos metais comuns em ouro), e destacam que a
busca pelo ouro era devido à sua resistência à corrosão, característica vislumbrada como
a perfeição divina. Mas, nesse contexto, também existiam as pessoas que tentavam
imitar o processo de transmutação por interesses próprios - alcançar riquezas. (p. 8).
O último momento encontrado, relativo aos aspectos externalistas da Ciência,
aborda as disputas entre grupos de cientistas pela síntese de novos elementos artificiais:
Às vezes, diferentes grupos de cientistas disputam o mérito da
produção de determinado elemento artificial e o direito de escolher
seu nome e símbolo. Para resolver um conflito desse tipo, a União
Internacional de Química Pura e Aplicada (Iupac) cria uma comissão
que analisa os dados científicos dos experimentos realizados pelos
grupos envolvidos e, com base nessa análise, estabelece se a síntese
realmente ocorreu e de que grupo é o mérito tê-la conseguido
primeiramente. A comissão também se encarrega de propor o nome
para o novo elemento, dando especial atenção à sugestão de quem o
sintetizou primeiro. (p. 99)
Diferente das outras obras do PNLEM que discutem os investimentos
financeiros para a síntese de novos elementos artificiais, essa obra revela as disputas
políticas envolvidas nesse campo, sendo um aspecto interessante. Mas os fatores
externos à Ciência poderiam (e deveriam) ser aprofundados nas próximas edições, pois
além de aparecerem poucas vezes, o exploram como as questões externas são
determinantes para as pesquisas e o avanço no campo científico.
120
Personagens da Ciência
Encontramos, além dos estudiosos e cientistas famosos na Ciência, personagens
pouco reconhecidos, mas considerados importantes para o avanço científico, como o
brasileiro José Bonifácio de Andrade e Silva, Johan August Arfvedson, Leucipo,
Demócrito, Paracelsus, Andreas Libavius, Wöhler, Henrich Geissler, Johann Hittorf,
Eugene Goldstein, Chadwick, Döbereiner, Chancourtois, Newlands, Mendeleev, Meyer,
Moseley.
A segunda subcategoria analisada, referente ao trabalho coletivo, aparece no
início da obra com as concepções de Leucipo e seu discípulo Demócrito sobre o átomo
(p. 7). Em outro momento, encontramos uma discussão sobre uma possível condução de
corrente elétrica nos gases a partir dos trabalhos de alguns cientistas no século XIX:
Gases de um modo geral não conduzem corrente elétrica quando à
pressão ambiente. No entanto, no século XIX, os trabalhos de
Henrich Geissler (1859), Johann Hittorf (1869) e William Crookes
(1879) mostraram experimentalmente que, quando submetidos a
baixas pressões, os gases podem tornar-se condutores elétricos. (p.
65).
Outro momento que demonstra as discussões coletivas sobre o conhecimento
científico apresenta o desprezo dos contemporâneos de Newlands por sua organização
dos elementos químicos segundo uma relação periódica semelhante às notas musicais:
Por buscar essa relação entre Química e Música, Newlands sofreu o
desprezo e o escárnio dos membros da Sociedade de Química de
Londres. Ao apresentá-lo aos membros dessa entidade, um deles teria
perguntado sarcasticamente se ele teria tentado organizar os
elementos na ordem alfabética das letras iniciais dos nomes. (p. 89).
Apesar desse episódio não demonstrar a construção do conhecimento via
trabalho coletivo, mostra a busca de Newlands pelo apoio de uma Sociedade para o
reconhecimento de seu trabalho. Em outras oportunidades, os autores discutem a
interação entre cientistas de forma mais genérica, sem atribuir nomes ou a identificação
das pessoas responsáveis pela produção de determinado conhecimento, como no trecho
a seguir: “A estrutura fina dos espectros foi explicada quando os cientistas propuseram
que os níveis de energia são formados por subdivisões, chamadas de subníveis. Estes
são designados pelas letras minúsculas s, p, d, f, g, h etc.” (p. 80).
121
Sob essa perspectiva, ao discutir a produção de elementos artificiais, os autores
lembram as disputas existentes entre os diferentes grupos de cientistas, mas também de
forma genérica, sem revelar nomes (p. 99).
Nas próximas edições, essa abordagem genérica poderia ser superada pelos
autores, deixando mais claro a existência de grupos de estudo e pesquisa que foram
importantes para a Química. Outra questão a ser repensada é a omissão de
colaboradores importantes. Os autores indicam a relevância dos trabalhos de Lavoisier,
considerado por muitos como o “pai da Química” (p. 46 e 47), mas seu trabalho foi
possível se considerarmos as pesquisas e achados de seus contemporâneos (TOSI, 1989;
FAUQUE, 1995; FILGUEIRAS, 2002), aspectos ausentes ao longo dos capítulos.
Da mesma forma, os autores não revelam a participação dos colaboradores de
Rutherford na elaboração de seu modelo atômico (p. 66 e 67). Mas essas são questões
fáceis de serem resolvidas se, como mencionamos anteriormente, houver uma
(re)organização da obra para enfatizar mais a perspectiva histórica, evitando abordá-la
de forma resumida e simplificada.
A análise da terceira subcategoria, relativa à forma de apresentar aspectos
histórico-epistemológicos, demonstrou que os autores pouco trabalham com quadros
biográficos e, assim, abordam as questões históricas em meio aos conteúdos e conceitos
químicos presentes no texto principal.
Métodos
Os autores não explicitam o que é o método científico para a Ciência, ou seja,
uma seqüência de etapas e procedimentos para elaborar e validar um determinado
conhecimento. Acreditamos que esse assunto, tratado no tópico “Método Científico”,
precisará ser reformulado e explicitado nas próximas edições da obra, evitando a sua
apresentação implícita:
Um cientista decidido a atuar em certo ramo da Química precisa,
antes de mais nada, estudar o que já se descobriu a respeito do
assunto escolhido. A partir daí, deve decidir qual será o problema a
investigar e elaborar experiências de laboratório, que lhe permitirão
executar observações experimentais. Essas observações podem ser de
dois tipos:
qualitativas: aquelas que não envolvem dados numéricos;
quantitativas: as que provêm de medidas, com a utilização de
aparelhos, e constituem-se de dados numéricos.
122
Após a execução das experiências, podem-se observar as
regularidades e, a partir delas, enunciar um “princípio” ou uma “lei”,
ou seja, uma frase ou equação matemática que expresse a
regularidade observada.
A seguir, pode-se apresentar uma teoria, ou seja, uma proposta de
explicação para os fatos experimentais e as leis. Uma teoria é
considerada satisfatória quando, ao ser testada em novas situações,
obtém sucesso. Quando tal sucesso não é conseguido, ela deve ser
modificada ou, dependendo do caso, abandonada e substituída por
outra melhor. (p. 9, grifo do autor).
Além de não explicitar o que vem a ser o método, esse trecho também releva
outras limitações. Com essa mensagem, pode-se criar uma falsa idéia discente de que
existe apenas o método empírico-indutivo, além da concepção limitada de que os
cientistas sempre buscam o novo e, como conseqüência, descartam o
aperfeiçoamento/melhoramento de aparelhos e técnicas experimentais; não buscam
obter dados mais exatos e próximos da realidade; não tentam aperfeiçoar e aprofundar a
teoria existente ou mesmo elaborar uma teoria rival - aspectos que, como podemos notar
em Kuhn (2005), permeiam a Ciência.
Apesar de negligenciadas num primeiro momento, essas questões são tratadas
mais à frente ao mencionar que muitos cientistas, nas décadas de 1920 e 1930,
centraram suas atenções na construção de aparelhos mais avançados no estudo dos
espectros (p. 79); há também a menção de que outros “cientistas aprimoraram as
descobertas de Mendeleev e de Moseley. Esses aprimoramentos conduziram à atual
tabela periódica dos elementos (ou classificação periódica dos elementos).” (p. 91)
Outra limitação dessa citação foi apontar que a elaboração de conhecimento
científico acontece a partir de “experiências de laboratório”. Nem sempre o
conhecimento químico (ou mesmo de outras áreas) é elaborado, ou mesmo
aperfeiçoado, com base em práticas laboratoriais. De acordo com Kosminsky e Giordan
(2002, p. 15), referente às concepções dos alunos do Ensino Médio, nota-se “a
preponderância do caráter experimental dado ao agir do cientista, desconsiderando,
aparentemente, a troca de informações entre os pares, as elaborações teóricas e as
próprias ciências não experimentais.” Portanto, visando não criar essa concepção
discente ou mesmo superá-la, acreditamos que essa apresentação do método precisa ser
reformulada na obra.
Logo abaixo desta citação do livro didático há um esquema ilustrativo (p. 9) para
representar as etapas do método:
123
que revelam
enunciadas como
que se pretende
explicar como uma
que é
enquanto
continuar a
explicar as
quando
não mais
explicar as
“Esse tipo de esquema é denominado mapa conceitual. Trata-se de uma maneira
de representar a relação lógica entre conceitos. Você encontrará outros mapas
conceituais ao longo deste livro.” (p. 9).
Como dissemos, com a revisão dessa perspectiva de método, os autores também
precisam repensar novas figuras ilustrativas, evitando a mensagem de um único método:
o empírico-indutivo.
No que concerne à diversidade metodológica, a obra destaca que a Química
baseia-se na observação dos fenômenos da natureza, mas também está relacionada com
experiências de laboratório e a interpretação dos resultados alcançados. Mas, ao longo
dos capítulos analisados os autores tomam sempre a mesma perspectiva enunciada
acima, baseada no método empírico-indutivo, ou seja, os resultados obtidos pela
experimentação fornecem as informações necessárias para a geração do conhecimento,
como pode ser percebido ao tratarem sobre o método científico (p. 9) e na elaboração da
lei da conservação da massa por Lavoisier (p. 46 e 47).
Um episódio interessante resgata a construção da tabela por Mendeleev. Em
virtude de espaços ou lacunas existentes em sua forma de organizar os elementos
químicos, esse cientista previu a existência de elementos a serem descobertos
futuramente e, então, divulgou possíveis propriedades e características desses elementos
desconhecidos, com base na periodicidade de sua tabela. Esse momento histórico é
importante e interessante para os autores, nas próximas edições deste didático,
explicitarem e aprofundarem as etapas metodológicas envolvidas na produção de
conhecimentos sobre a tabela periódica.
Experimentos
Observações
Regularidades da natureza
Princípios ou leis
Teoria
Aceita
Substituída ou
aprimorada
permitem fazer
124
Outras ênfases metodológicas também poderiam ser lembradas, como o papel da
balança atribuído por Lavoisier na construção da lei de conservação das massas (p. 47).
Nesse sentido, os autores poderiam destacar o caráter quantitativo que começa orientar
as pesquisas e caracterizar a Química Moderna.
Nessa linha de raciocínio, também alertamos para a revisão de outra posição dos
autores sobre os aspectos metodológicos. Primeiramente, descrevem que, baseados em
argumentos filosóficos, os filósofos da Grécia Antiga defendiam a existência de átomos,
partículas pequenas e indivisíveis. Em seguida destacam:
As idéias desses filósofos gregos não foram muito além disso, porque
não se fundamentavam na cuidadosa observação dos resultados
fornecidos por experimentos. Dalton, ao contrário dos filósofos
gregos, baseou-se nos resultados de experiências – feitas por ele e por
outros cientistas que o antecederam, inclusive Lavoisier e Proust. (p.
52).
A posição defendida, ao menos nesse trecho, é que o conhecimento dos filósofos
era restrito pela falta de práticas experimentais - subentendida como superior. Mas, na
verdade, os filósofos não reconheciam a experimentação enquanto método de validação
do conhecimento.
Dessa forma essa apresentação histórica precisa ser reconsiderada, pois, como
nos alerta Chalmers (1994, p. 34), os métodos e padrões da Física - mas podemos
estender para as demais Ciências Naturais - estão sujeitos à mudança. “Os cientistas
alteram seus métodos e padrões quando aprendem, na prática, o que se ganhará com
essa mudança.”
Portanto, não podemos dizer que esse ou aquele método está certo ou é superior,
mas devemos compreender os diferentes cenários epistemológicos em que os filósofos e
Dalton estavam inseridos, sendo descartado um tipo de padrão de análise para os dois
casos, uma vez que a maneira como o conhecimento foi produzido e justificado em cada
um desses contextos históricos mudou com o tempo. Nesse sentido, no que se refere à
diversidade metodológica, os autores precisam rever algumas posições defendidas,
minimizando as chances de influenciarem a construção de visões discentes errôneas
sobre o método.
125
Modelo/Realidade
Em vários momentos, às vezes de forma explícita, às vezes de forma implícita,
os autores descrevem símbolos e letras usados como uma representação da linguagem
química, uma forma de elaborar códigos acessíveis a qualquer pessoa familiarizada com
a Química (p. 5, 6, 53, 58, 68, 103). Mas essas discussões não fazem referência ao
conhecimento científico enquanto uma possível representação da realidade.
Essas colocações ocorrem em outros trechos, mas sempre de forma
subentendida, ou seja, sem uma clara descrição. Assim, a obra apenas destaca que os
(...) átomos e moléculas não são visíveis nem com os melhores
microscópios normalmente presentes nos laboratórios de ensino e de
pesquisa. (Há alguns microscópios muito especiais que permitem
“visualizar” átomos como borrões. Sobre isso, leia o texto no alto da
próxima página.) (p. 58).
Outra passagem (p. 66), referente ao modelo atômico de Rutherford, também
apresenta limitações, pois não esclarece que esse cientista tentava construir um modelo
atômico para representar a matéria em nível microscópico.
A descrição mais clara encontrada, um comentário preliminar do quinto capítulo
(“Introdução à estrutura atômica”), menciona que “Em Química, a idéia de modelo é
muito importante. Modelo, de um modo bem simples, consiste na maneira como
imaginamos que é algo a que não temos acesso direto.” (p. 63).
Em seguida uma analogia transportada para situações cotidianas, como a
observação e a realização de alguns testes com melões e a construção de um modelo
sobre sua estrutura interna para os consumidores escolherem aqueles em boas
condições. E completa:
De forma análoga, os químicos dispõem, desde o início do século
XIX, de evidências sobre a existência de átomos. O modelo atômico
de Dalton (isto é, a concepção de Dalton a respeito do átomo), que
estudamos no capítulo anterior, foi muito útil no desenvolvimento da
Química.
No entanto, à medida que novas evidências surgem, teorias e modelos
têm, muitas vezes, de ser aperfeiçoados ou substituídos por outros. E
foi isso que aconteceu com a teoria de Dalton e com o seu modelo.
(p. 63).
Acreditamos que essa apresentação sobre os modelos científicos precise ser
alterada para futuras edições dessa obra, de modo a apresentar a Química como um
126
constructo humano que busca representar e entender os fenômenos naturais (e também
artificiais). Portanto, faz-se necessário que a discussão do que seja o modelo para a
Ciência seja retomado em várias oportunidades, sempre de forma explícita, uma vez que
essa obra é destinada a alunos do Ensino Médio - um público leigo no tocante ao
conhecimento químico sistematizado.
Essa foi uma preocupação de Maldaner e Piedade (1995, p. 16) ao trabalharem
com alunos iniciantes no ensino de Química, pois não era interessante que houvesse
apenas uma repetição de definições. Assim, para que as palavras próprias a essa Ciência
viessem a se tornar conceitos, esses pesquisadores se preocuparam em usar essas
palavras normalmente, “com a consciência de que o significado apreendido pelo aluno a
princípio seria muito diferente do significado que o professor lhe atribuía, ou do
verdadeiro conceito químico.”
Por isso essa apresentação dos modelos deve ser modificada nos didáticos e
retomada quantas vezes forem possíveis, fazendo com que os significados dos termos
pertencentes à Química, e às outras Ciências, sejam negociados com os alunos para que,
posteriormente, sejam modificados e se tornem “conceitos químicos com algum
significado mais estável, embora (...) [devam] receber muitos outros significados (...)
durante a formação química.” (MALDANER; PIEDADE, 1995, p. 16).
A outra subcategoria, relativa a outras formas de conhecimento, é explorada
principalmente no primeiro capítulo - Introdução ao estudo da Química”. Assim, a
apresentação de formas de linguagem musicais para informar ao leitor que a “Química,
assim como a Música, (...) utiliza-se de representações que podem ser entendidas por
qualquer pessoa familiarizada com elas.” (p. 5).
Em seguida encontramos discussões sobre a presença da filosofia grega, da
tecnologia egípcia e de místicas religiões orientais em Alexandria (p. 7), resultando na
origem da Alquimia, uma mistura de ciência, arte e magia, que floresceu durante a
Idade Média (...)” (p. 8). Os autores também lembram a extensão do conhecimento
alquímico para o campo da medicina (p. 8).
O último trecho a comentar aborda, implicitamente, a existência do
conhecimento de senso comum:
Se vamos comprar um melão, por exemplo, não podemos abrir todos
que estão à venda para decidir qual está melhor. Observando o
aspecto externo da fruta, apalpando e dando batidinhas, é possível
escolher uma que esteja em boas condições (desde que tenhamos,
127
obviamente, um pouco de experiência na compra de melões). Ao
proceder dessa forma estamos criando um modelo ao imaginar em
que condições está o interior de um fruta, sem tê-lo visto. (p. 63).
Podemos perceber, com base nesses trechos, que os autores exploram
superficialmente outras manifestações de conhecimento humano, devendo ser mais uma
questão a ser alterada para as próximas edições desse livro didático.
Os aspectos histórico-epistemológicos precisam ser analisados, repensados e
aprofundados pelos autores. Como anuncia o próprio título, o prefácio da obra e a
seção “Ao estudante”, a preocupação central dos autores é trabalhar o ensino de química
via abordagem contextualizada, que leve em consideração os fenômenos pertencentes à
realidade discente. Mas acreditamos que o resgate histórico também seja de suma
importância para revelar as raízes dessa Ciência e as diferentes transições que
marcaram/marcam essa área de conhecimentos. (TAVARES, 2009a).
De acordo com os PCN+, a Ciência, enquanto construção humana, possui uma
história antiga e, assim, os alunos devem: “Reconhecer e compreender a ciência e
tecnologia químicas como criação humana, portanto inseridas na história e na sociedade
em diferentes épocas; por exemplo, identificar a alquimia, na Idade Média, como visão
de mundo típica da época.” (BRASIL, 2002, p. 92).
Além da necessária revisão das abordagens históricas deste livro, também
gostaríamos de alertar para mudanças nas diferentes formas de organização dos
elementos químicos (Döbereiner, p. 88 e 89; Chancourtois, p. 89; Newlands, p. 89;
Mendeleev, p. 89 e 90; e Meyer, p. 90). Futuras edições poderiam incorporar as figuras
e desenhos desses sistemas de organização dos elementos, pois de acordo com Diane
Carneiro, professora da área de ilustração científica do Centro de Ilustração Botânica do
Paraná (CIBP), a ilustração científica funciona como uma ferramenta de apoio à
imaginação para explicar a ciência. (SILVA, 2009).
5.5 Análise do Livro de Mortimer e Machado - Química para o Ensino Médio
Devido à dificuldade de encontrar a edição de 2005 dessa obra, versão aceita no
PNLEM de Química, nós optamos pela análise da obra de 2002. Conforme conversa
128
informal com a autora Andréa Horta Machado
22
, soubemos que houve poucas alterações
do livro para o envio ao PNLEM e, portanto, entendemos que a análise de uma versão
anterior não alteraria sensivelmente as informações que buscávamos sobre a presença da
História da Ciência nos livros aprovados pelo programa.
O livro de 2002, lançado em volume único pela Editora Scipione, está
organizado em 16 capítulos ao longo de 393 páginas. Ao final do livro, ainda podemos
encontrar cinco páginas que apresentam potenciais de eletrodos - padrão - a 25 ºC; uma
tabela periódica que indica os valores da primeira energia de ionização dos elementos
químicos; a bibliografia usada e os créditos fotográficos. Quanto à estrutura desse
didático:
Quadro 6. Organização da obra Química para o Ensino Médio
Estrutura Descrição
Atividades
Atividades para os alunos organizarem informações e conhecimentos
e estabelecerem relações com alguns conteúdos que serão discutidos
ao longo do capítulo
Textos
Essa seção busca associar e sintetizar a atividade realizada
previamente com conteúdos e conceitos químicos. Os textos fazem
uso, muitas vezes, de trechos de livros, matérias de jornais e revistas
Exercícios
Os exercícios buscam estabelecer conexões entre as atividades e os
textos para resgatar e esclarecer os conteúdos tratados
Projeto
Momento à parte para os alunos pesquisarem e organizarem
conhecimentos relativos às temáticas do capítulo
Questões de
exames
vestibulares
Ao final do capítulo existe uma série de exercícios, dissertativos ou
com alternativas, retirados de exames nacionais de vestibular
Notamos que essa obra, ao contrário do livro Química e Sociedade de Santos,
Mol e colaboradores, busca no conceito de transformação química um eixo orientador
para trabalhar, articular e desenvolver os conteúdos e conceitos químicos presentes ao
longo dos capítulos. Mas, de forma semelhante, Mortimer e Machado também se
22
Conversa realizada após a mesa-redonda “A avaliação do livro didático de Química/Ciências”
composta pela própria professora Andréa e pelo professor Jorge Megid Neto durante o VI EVEQ em
Araraquara (SP), 2009.
129
preocupam com uma abordagem macroscópica no início da obra ao buscarem
estabelecer conexões entre a Química e os fenômenos do dia-a-dia com o estudo das
propriedades específicas das substâncias (densidade, temperaturas de fusão e ebulição,
solubilidade) e os diferentes processos de separação dos materiais para, posteriormente,
trabalhar em nível microscópico.
Nossa análise se restringiu até o quinto capítulo “Modelos para o átomo e uma
introdução à tabela periódica”, perfazendo um total de 131 páginas. A seguir,
discutiremos como as questões histórico-epistemológicas aparecem neste didático.
Construção da Ciência
Um detalhe a comentar é que as questões históricas não aparecem nos primeiros
capítulos, sendo uma abordagem presente apenas a partir do quinto capítulo “Modelos
para o átomo e uma introdução à tabela periódica” (p. 86 a 131), ou seja, no último
capítulo que tomamos para análise.
No início desse capítulo, os autores lembram que a idéia de átomo teve origem
na Grécia Antiga com Leucipo, Demócrito e Epicuro, mas essa concepção ficou
marginalizada por um longo período (p. 86). Acreditamos que nesse trecho sucinto os
autores poderiam explorar e aprofundar de forma mais adequada a teoria atômica desse
período: o que era, como estava fundamentada e sua relevância para superar o
pensamento mítico, como pode ser encontrado em Andery, Micheletto e Sério (2001a;
2001b).
Em seguida é apresentado o pensamento de Aristóteles sobre partículas ou
mínimos naturais - contrária às idéias de átomos e espaços vazios defendida pelos
atomistas anteriores, mas que recebeu adeptos e foi aceito até o século XVI
(Renascimento) quando o atomismo foi retomado pela corrente de pensamento
conhecida como mecanicismo (p. 87).
Na obra essas transições são apresentadas de forma superficial, sem revelar as
bases teórico-metodológicas de cada um desses cenários históricos, bem como a
complexa transição/mudança necessária para o aceite de novas idéias, como as
mecanicistas ou a teoria atômica daltoniana. Dessa forma, esses aspectos poderiam ser
reconsiderados em futuras edições desse livro didático.
Na página seguinte os autores descrevem o uso de novas tecnologias no século
XX, como o método de difração de raios X e a microscopia de tunelamento, que
permitem “ver” os átomos (p. 88). Esse momento também poderia ser repensado para
130
mostrar como a construção da Ciência muda historicamente, uma vez que, atualmente, o
desenvolvimento da Química está vinculado, em grande parte, a equipamentos e
técnicas cada vez mais complexas. (SILVEIRA, 2003). Assim, os autores poderiam
frisar que essa nova perspectiva de trabalho torna-se incompatível com as correntes
filosóficas do passado, como as concepções da Grécia Antiga, orientadas principalmente
por crenças e dogmas; ou as bases mecanicistas, alicerçadas nas dimensões matemáticas
e geométricas, em leis do movimento (leis mecânicas) - compreensão dos fenômenos
químicos a partir de partículas e movimento.
Essa superficialidade pode ser encontrada novamente quando a obra apenas
lembra, de forma pontual, dos quatro elementos aristotélicos e da idéia de substância
elementar lavoisiana, sem destacar a relevância desses momentos de transição na
História da Química (p. 96).
Abordagens históricas mais detalhadas são destinadas à descoberta sobre a
existência da natureza elétrica da matéria (p. 90), a radioatividade (p. 91), a elaboração
de um modelo atômico por Rutherford e colaboradores (p. 93, 94 e 95) e as investidas
de Bohr e de vários sucessores para a elaboração de um modelo atômico quântico (p. 99
a 119). Com uma apresentação histórica mais limitada, os autores também citam os
elementos químicos e algumas formas de organização com Döbereiner (p. 97),
Chancourtois (p. 97), Newlands (p. 98) e Mendeleev (p. 98 e 99).
Essa abordagem conceitual reflete em uma construção linear da Química. Apesar
de apresentar a construção de conceitos químicos a partir de acertos e erros, o livro evita
apresentar as grandes transições com que esse campo de conhecimento se deparou,
sendo momentos importantes para revelar as várias transições que pertencem à História
da Química.
A segunda subcategoria, relativa às influências político-econômico-sociais, pode
ser encontrada apenas no quinto capítulo:
No final do século XIX, os conhecimentos da física clássica estavam
bem esclarecidos. Avanços significativos em várias áreas – mecânica,
termodinâmica, eletricidade e eletromagnetismo tinham
possibilitado a compreensão de diversos fenômenos e o
desenvolvimento de novas tecnologias. A invenção da máquina a
vapor, a utilização da eletricidade nas indústrias e residências, a
invenção de motores, o telégrafo, tudo isso estava contribuindo para
mudar o modo de vida das pessoas. (p. 99, grifo dos autores).
131
Mas, mesmo assim, a obra apresenta limitações por não discutir como os fatores
externos contribuíram ao desenvolvimento científico. A compreensão dos princípios
científicos envolvidos no funcionamento da máquina a vapor, por exemplo, só foi
alcançada em etapas posteriores ao emprego desta na indústria, devido a interesses
econômicos. (ATMORE et al., 1978 apud ESCORSIM et al., 2005). Assim as
influências econômico-político-sociais devem ser reconsideradas e melhor exploradas
em futuras edições desse didático.
Como destaca Bastos (1998, p. 46), os textos de História da Ciência que temos
acesso para consulta, e podemos incluir também nessa categoria os livros didáticos, não
revelam as relações existentes entre a Ciência e a sociedade “(ou então fazem apenas
afirmações gerais do tipo ‘interesses econômicos, políticos e militares estimularam
sobremaneira a pesquisa sobre doenças tropicais’, sem explicar concretamente como é
que isso ocorreu).” Por isso entendemos a necessária revisão dos nossos recursos
didáticos quanto à História da Ciência, possibilitando materiais mais fidedignos quanto
à construção da Ciência.
Personagens da Ciência
Na leitura da obra, podemos perceber que várias pessoas pouco reconhecidas por
suas contribuições à Ciência foram mencionadas, como Leucipo, Demócrito, Epicuro,
Gassendi, Mersenne, Goldestein, Jean Perrin, Röntgen, Soddy, Geiger, Marsden,
Döbereiner, Chancourtois, Newlands, Mendeleev, Thomas Young, Augustin Fresnel,
Maxwell, Hansen, Balmer, Louis de Broglie, Schroedinger, Marx Born.
Um problema que gostaríamos de destacar é que esses estudiosos e
pesquisadores mencionados acima apenas apareceram no quinto capítulo, sendo uma
das razões para a freqüência dessa subcategoria ser preenchida na nossa tabela de dados
como “discutido em poucos momentos”. Assim, acreditamos que os quatro capítulos
iniciais dessa obra devam abordar, em futuras edições, alguns dos personagens que
fizeram parte da Ciência, tanto os pouco reconhecidos como os mais conhecidos,
deixando nítido, nas páginas iniciais, que a Ciência é uma atividade humana.
Quanto à presença de equipes atuando no desenvolvimento científico, também
constatamos que a participação coletiva apenas aparece, novamente, a partir do quinto
capítulo, referente aos modelos atômicos e aos sistemas de organização dos elementos
químicos. Inicialmente há o destaque às figuras de Leucipo, Demócrito e Epicuro que
defendiam a existência dos átomos e de espaços vazios (p. 86). Mas acreditamos que os
132
autores poderiam mencionar que Epicuro não atuou conjuntamente com os outros dois
atomistas, pois estes eram personagens de períodos e escolas filosóficas diferentes,
apesar de possuírem concepções próximas sobre o atomismo.
O capítulo inteiro discute a construção de idéias coletivas sobre a natureza
microscópica da matéria, como as investidas de Jean Perrin e Thomson, em trabalhos
diferentes, sobre a natureza dos raios catódicos (p. 90), ou como a retomada do estudo
de Becquerel, realizado anteriormente em parceria com seu pai, sobre um sal de urânio
(p. 91). No campo da radioatividade, os autores também lembram as contribuições de
Marie e Pierre Curie e de Rutherford e Soddy sobre a descoberta da instabilidade e
desintegração dos átomos radioativos (p. 92).
Em seguida, a obra descreve o processo de elaboração do modelo atômico de
Rutherford, construído com a colaboração de Geiger e Marsden (p. 93, 94 e 95). O
modelo quântico também é apresentado na obra como resultado da dedicação de rios
cientistas, estudando os mais diferentes fenômenos. Assim, a obra lembra que Bohr
estava elaborando um memorando (1911 e 1912) para discutir com Rutherford a
instabilidade de seu átomo, quando, em 1913, toma contato com a fórmula de Balmer
sobre o espectro do hidrogênio por meio de uma conversa com Hansen, episódio
histórico relevante para Bohr associar “o comprimento de onda - e, portanto, a
freqüência - de cada linha do espectro do hidrogênio a dois números inteiros positivos.”
(p. 106). Em outro trecho também podemos notar um avanço conjunto:
Na década de 1920, houve um grande desenvolvimento da física, que
culminou com o estabelecimento da teoria da mecânica quântica. O
modelo atômico que emergiria do esforço dessa geração de físicos
iria abandonar as idéias de órbita e, por conseguinte, de trajetória
para descrever o comportamento do elétron. Em quatro lugares
diferentes da Europa – Göttingen, Copenhague, Cambridge e Zurique
–, físicos chegariam a diferentes formulações para essa nova
mecânica quântica. As formulações de Werner Heisenberg – que
seriam aplicadas por Wolfgang Pauli ao átomo de hidrogênio e de
Paul Dirac foram propostas mais ou menos na mesma época em que
era desenvolvida por Erwin Schroedinger a equação de onda
associada ao elétron. (p. 114, grifo dos autores).
Mais à frente, a obra resgata uma carta enviada à Marx Born por Einstein na qual
relata sua oposição à mecânica quântica da Escola de Copenhagen, representada
principalmente por Bohr. Como reflexo dessa polêmica, foram lançados dois artigos
com o mesmo título - “Pode a descrição quântica da realidade física ser considerada
133
completa” - o primeiro publicado por Einstein, Podolsky e Rosen, enquanto o segundo
foi de autoria de Bohr para desconstruir as concepções de Einstein e seus colaboradores
(p. 115 e 116). Essa é uma oportunidade significativa para discutir a existência de
debates no meio científico, resgatando que nem sempre a construção e aperfeiçoamento
de idéias acontecem passivamente, sem disputas e entraves.
Em outros momentos, o trabalho coletivo aparece de forma mais genérica, sem a
identificação e apresentação dessas interações sociais no rumo do desenvolvimento
científico, como no início dos estudos com o modelo quântico, quando “Planck e outros
cientistas de sua época tiveram dificuldades em aceitar a teoria quântica, que mudava
completamente a maneira de ver os fenômenos em escala atômica.” (p. 104).
Os autores também lembram a Conferência Internacional de Física, em Como
(Itália), realizada em 1927 e, poucas semanas mais tarde, o Conselho de Solvay, em
Bruxelas (p. 115). Ao discutirem esses Eventos, acreditamos que os autores também
poderiam revelar que a construção e aceitação de conhecimentos científicos estão
relacionadas ao debate e interação entre diferentes pessoas e grupos de pesquisa nesses
Encontros, ficando a sugestão para os autores complementarem a apresentação desses
episódios históricos.
O quinto capítulo abordou, em vários momentos, a participação do trabalho
cooperativo para a elaboração e aperfeiçoamento de um modelo quântico para entender
a matéria em nível microscópico, tornando-se uma abordagem interessante. Os capítulos
anteriores, em razão das temáticas abrangidas ( o que é química; propriedades
específicas dos materiais; 3º processos de separação e purificação de materiais; 4º
modelo para os estados físicos dos materiais) e perspectivas metodológicas adotadas
(ensino por investigação-experimentação) não discutiram aspectos históricos e possíveis
interações entre cientistas e equipes, devendo ser modificados em futuras edições para
atenderem a essa lacuna.
Com relação às questões históricas, podemos notar que os autores se
preocuparam em abordá-las em meio ao texto principal. Apesar de o tratamento
histórico acontecer apenas no quinto capítulo, tornou-se uma ação didática importante
ao desconsiderar apenas os quadros biográficos de cientistas. Para Zanetic os manuais,
muitas vezes, são orientados por “breves notas históricas sobre acontecimentos
pontuais, ilustrações (de cientistas eminentes ou de instrumentos de impacto) às vezes
com fins unicamente estéticos, acompanhadas de tímidas legendas, seqüências
cronológicas de teorias (...)”. Essas formas de apresentação histórica distorcem o
134
trabalho do cientista e enfatizam a idéia de conhecimento cumulativo. (ZANETIC, 1989
apud PEDUZZI, 2001, p. 159).
Um fato interessante é que a obra apresenta os esquemas ilustrativos das formas
de organização dos elementos químicos de Döbereiner (p. 97), Chancourtois (p. 97) e
Newlands (p. 98) - fato não presenciado nos demais didáticos. Contudo, a descrição
dessas formas de organização acontece via notas de rodapé nas figuras. Apesar de não
enquadrar-se como uma mudança crucial, acreditamos que a descrição dos antigos
sistemas de organização poderia ser deslocada para o texto principal, refletindo em
maior destaque a esses aspectos históricos.
Métodos
Em nenhum momento das 131 páginas analisadas nós conseguimos encontrar
referência sobre o que vem a ser a metodologia científica. Não sabemos se nos demais
capítulos esse entrave é solucionado, mas é interessante que os autores discutam, o
quanto antes na obra, o que é o método para a Ciência e, mais especificamente, para a
Química, evitando que pré-concepções discentes equivocadas sejam formadas e/ou
consolidadas.
A existência de diferentes etapas metodológicas também foi encontrada no
quinto capítulo, provavelmente pela ausência de detalhes históricos nos primeiros
capítulos. Há uma discussão sobre a falta de créditos do modelo atômico de Dalton para
aquele período, uma vez que faltavam evidências experimentais para comprovar a
existência dos átomos. Naquela época os fatos e experimentos eram procedimentos
aceitos pela comunidade científica, enquanto que as hipóteses teóricas não desfrutavam
de grande respaldo (p. 87).
Logo em seguida a obra lembra que o século XX é marcado por rias
tecnologias e métodos responsáveis pelo estudo atômico, como o método de difração
dos raios X, a microscopia de tunelamento e os aparelhos conhecidos como
espectrômetros (p. 88).
Assim, a noção de substância, atualmente, passa a ser entendida pelo realismo da
“técnica”, ou seja, a construção desse conceito é orientada pelos dados obtidos através
de técnicas e equipamentos (SILVEIRA, 2003), como os mencionados acima. Nesse
cenário, acreditamos que os autores poderiam enfatizar as diferenças entre as etapas
metodológicas do século XIX e do XX e, além disso, resgatar as bases fundamentadoras
e os métodos responsáveis pela validação do atomismo na Grécia Antiga, uma vez que
135
estes são cenários epistemológicos incompatíveis, apesar de considerarem, igualmente,
o estudo dos fenômenos em nível microscópico.
Os dois próximos episódios a comentar não são abordados de forma explícita na
obra, mas revelam a obtenção de conhecimentos a partir da descoberta acidental na
Ciência, como ocorreu com Wilhelm Röntgen ao descobrir, sem essa pretensão, o raio
X em 1895 (p. 91). Na mesma linha, a descoberta da radioatividade por Becquerel
também aconteceu de forma inesperada ao desenvolver alguns experimentos com sal de
urânio (p. 91 e 92). A citação abaixo também é interessante de comentar:
Ainda no século XIX, Maxwell havia conseguido um modelo
matemático bastante elaborado para explicar fenômenos elétricos e
magnéticos, criando uma teoria unificada que ficaria conhecida como
eletromagnetismo. As equações de Maxwell, que expressam o
comportamento dos fenômenos eletromagnéticos, são semelhantes às
que haviam sido determinadas para expressar o comportamento das
ondas de luz. (p. 102, grifo dos autores).
Esse trecho também poderia ser explorado mais profundamente com relação à
relevância de operações matemáticas na validação das idéias atômicas desse período,
assim os autores poderiam revelar possíveis teorias, experimentos e concepções que
orientaram Maxwell na elaboração de suas equações, bem como possíveis contextos de
aplicação dessas equações para a confirmação de sua legitimidade.
Assim, a categoria métodos revelou algumas limitações desta obra que poderiam
ser superadas caso a abordagem histórica fosse mais explorada pelos autores -
acreditamos ser necessária uma revisão completa do livro quanto a esse quesito.
Modelo/Realidade
Um fato importante é que essa obra se preocupa com a compreensão discente
sobre modelos. O quarto capítulo, “Um modelo para os estados físicos dos materiais”
(p. 66 a 85), é totalmente voltado à elaboração de modelos pelos próprios alunos, de
diferentes formas para os estados gasoso, líquido e sólido. Como os autores alertam, não
a intenção que os modelos dos alunos sejam idênticos aos científicos, mas busca-se
criar a oportunidade de confrontar as idéias discentes “sobre a constituição dos materiais
com aquelas construídas pela ciência ao longo da história.” (p. 66). Apesar desse
comentário, não conseguimos perceber o contraste das concepções discentes com
diferentes idéias construídas ao longo da história. Nesse sentido, essa frase deve ser
136
repensada futuramente ou a estratégia didática deve ser alterada para atender a essa
questão.
Mas, em contrapartida, fica nítido no livro, pelos textos e pelas atividades
propostas, que o “modelo é uma imagem que construímos da realidade para nos ajudar a
entendê-la. (...). Isso não significa que o modelo tenha que ser uma cópia da realidade.
Ele deve apenas representá-la.” (p. 67).
Esse aspecto presente ao longo do quarto capítulo inteiro é retomado no capítulo
seguinte, referente aos modelos atômicos e à organização dos elementos químicos, ao
lembrar que “nunca devemos enxergar um modelo como uma cópia da realidade.” (p.
88).
Os autores revelam que o modelo de partículas usado no quarto capítulo, ao
entender a matéria por meio de partículas e espaços vazios, torna-se limitado para
explicar os fenômenos elétricos discutidos no quinto capítulo e, portanto, é necessário
fazer uso de novos modelos a fim de superar essa barreira.
Um modelo é apenas uma representação, uma aproximação do que
ocorre na realidade. Ao mesmo tempo, cada modelo é útil na
explicação de certas propriedades e transformações que a realidade
apresenta. Se algumas transformações ou propriedades não puderem
ser explicadas por um modelo, ele deve ser substituído ou
modificado. Isso não impede que se continue a usá-lo nas situações
mais simples. (p. 88).
Encontramos, para a última subcategoria analisada, poucos episódios em que
o relato de outras formas existentes de conhecimento humano, além do conhecimento
científico. De forma implícita, podemos apontar o conhecimento musical quando a obra
lembra a música “Química” de Renato Russo (p. 9) ou mesmo o conhecimento de senso
comum que compartilha de alguns termos iguais aos usados pela linguagem química,
como as palavras substância, reação, equilíbrio, porém com significados distintos (p.
11).
Dessa forma, acreditamos que os autores poderiam, além de explicitar, destacar
outras formas de conhecimento humano. Outra revisão interessante seria quanto ao
modelo quântico, aprofundado em demasia pelos autores. Como o próprio Catálogo do
PNLEM destaca:
“Ressalva-se que os autores apresentam modelos atômicos que utilizam
fundamentos da mecânica ondulatória associados à mecânica quântica, revestindo-se de
137
complexidade elevada para a compreensão de estudantes do Ensino Médio.” (BRASIL,
2007b).
Acreditamos que a complexidade com que essa temática foi abordada na obra
supera os objetivos de um curso introdutório de Química para alunos do Ensino Médio.
Assim, no lugar dessa abordagem, outras questões poderiam ser exploradas, como os
apontamentos de caráter histórico que discutimos em cada uma das categorias
analisadas.
Para finalizar, alertamos que esta obra não trabalha com definições pontuais
como, por exemplo, o que é substância simples, o que vem a ser uma mistura - postura
que consideramos interessante ao trabalhar conceitos químicos em meio ao texto
principal, levando em conta determinados contextos para a abordagem temática. Além
disso, a obra revela algumas estratégias didáticas interessantes ao longo dos capítulos
analisados, mas carece de aspectos histórico-epistemológicos, principalmente nos quatro
capítulos iniciais que, em futuras edições, poderiam contemplar a perspectiva histórica.
5.6 Análise do Livro de Feltre - Química
A edição de 2004 desta obra
23
, lançada pela Editora Moderna, está dividida em
três volumes. Destes, conseguimos apenas um exemplar do primeiro volume - Química
Geral, sendo justamente o volume de nosso interesse de análise.
Esse volume contempla 14 capítulos distribuídos ao longo de 368 ginas. Ao
final existem mais 16 páginas com as respostas dos exercícios de cada capítulo; uma
lista de siglas; tabelas com as configurações eletrônicas dos elementos químicos, dos
principais cátions e ânions; sugestões de leituras para os alunos; informações sobre
museus ligados à Ciência; e referências bibliográficas usadas na obra.
O manual do professor também se encontra ao final e reúne, em 72 ginas,
comentários gerais e os objetivos gerais da obra; a organização dos capítulos; como
proceder com as atividades práticas/pesquisa; sugestões de atividades complementares;
avaliação; sugestões de leituras para o professor; conteúdos e objetivos específicos dos
capítulos; comentários sobre capítulos, exercícios e atividades práticas/pesquisa
23
Essa edição não é de 2005, mas contém o carimbo do PNLEM na capa. Novamente, acreditamos que,
talvez, os pareceristas tenham se enganado no momento de registrar os dados dos livros aceitos no
processo de análise; ou a editora tenha se equivocado durante a catalogação desse didático.
138
Quadro 7. Organização da obra Química
Estrutura Descrição
Tópicos do
capítulo
Destaca, na forma de tópicos, a seqüência dos assuntos que serão
tratados no capítulo
Apresentação do
capítulo
Apresenta, brevemente, uma idéia geral sobre o capítulo e o
objetivo pretendido para este
Atividades práticas
– pesquisa
Atividade de caráter experimental, ou de pesquisa/investigação, a
ser desenvolvida pelos alunos
Revisão Questão para os alunos recapitularem os assuntos tratados
Exercícios
Exercícios dissertativos ou de múltipla escolha que são, muitas
vezes, retirados de exames de vestibular
Leitura
Textos, algumas vezes retirados de outros livros, que
complementam o tema em estudo
Realizamos uma análise até o quinto capítulo “A classificação periódica dos
elementos”, abarcando 134 páginas da obra. Nesse processo, percebemos que, no início,
uma abordagem macroscópica dos fenômenos e dos conceitos químicos e,
posteriormente, o nível microscópico começa a ser explorado em meio às temáticas. A
seguir discutiremos como a História da Ciência se faz presente ao longo dos capítulos
analisados.
Construção da Ciência
Encontramos, na leitura dos capítulos analisados, a apresentação de dois fatos
históricos considerados importantes pelo autor, ambos descritos na forma de tópicos. O
primeiro menciona o trabalho dos alquimistas árabes e europeus, de 500 a 1500 d.C., na
busca do elixir de longa vida e da pedra filosofal; e o segundo acontecimento faz
referência à extensão da alquimia ao campo da medicina com a iatroquímica no século
XVI (p. 49 e 50).
No parágrafo seguinte a obra lembra as investidas de Demócrito com a noção de
átomo para explicar a matéria. Contudo, revela que as idéias aristotélicas prevaleceram
sobre a teoria dos quatro elementos (p. 50).
139
Em seguida o autor resgata a relevância do trabalho experimental no século
XVIII, perspectiva que adquiriu o caráter de científico. É com essa linha de raciocínio
que, nos próximos parágrafos, há referência ao trabalho de Lavoisier (p. 50).
Se levarmos em conta o extenso período resgatado, é notório como o tratamento
histórico das grandes rupturas e transições que marcaram a História da Química
acontece de forma sintética e superficial - praticamente um parágrafo para cada cenário
histórico.
Outros episódios sobre mudanças de idéias e concepções científicas são
apresentados. Porém esses momentos estão ligados a uma construção linear da Ciência,
como na evolução dos estudos sobre a natureza microscópica da matéria: Geissler (p.
75), Crookes (p. 76), Thomson (p. 77), Becquerel (p. 77), Rutherford (p. 77 e 78), Bohr
(p. 90 e 91), De Broglie (p. 94), Heisenberg (p. 94), Schrödinger (p. 95), Pauling (p. 101
e 102).
Essa perspectiva de evolução linear também pode ser encontrada no quinto
capítulo, referente às formas de organização dos elementos químicos. Assim, a
apresentação dos trabalhos de Döbereiner, Chancourtois, Newlands, Meyer,
Mendeleyev acontece como um progresso contínuo, rumo à atual tabela periódica, como
pode ser evidenciado neste trecho:
Na seqüência dos dados históricos que mostramos (desde Döbereiner
até Mendeleyev) e na descoberta de vários novos elementos
químicos, você pode perceber como a evolução da ciência é
gradativa, exigindo muito esforço dos cientistas para irem reunindo e
complementando novas descobertas, novos conhecimentos e novas
idéias, a fim de tirar conclusões que possam explicar a natureza de
maneira cada vez mais geral e abrangente. (Note, por exemplo, que a
tabela de Mendeleyev engloba as tríadas de Döbereiner, o parafuso
de De Chancourtois e as oitavas de Newlands.) (p. 113).
É nesse cenário que alertamos a necessária mudança dessa visão contínua da
Ciência, pois muitos episódios da História da Química, dos quais alguns são resgatados
brevemente na obra, mostram que nem sempre ocorre uma evolução “gradativa” para
“complementar” o conhecimento químico, ou seja, esse campo de estudos também
avança por abandono de concepções, e correntes filosóficas, que foram aceitas e
explicaram muitos fenômenos ao longo dos anos (KUHN, 2005), como é lembrado por
Feltre em outro momento:
140
Com o passar do tempo, algumas explicações científicas se mostram
corretas e são aceitas; outras se mostram incorretas e são
abandonadas. Sendo assim, a ciência nunca está terminada, isto é,
nunca existe uma explicação final e definitiva para as coisas que são
observadas. Pelo contrário, a ciência está diariamente se completando
e se aperfeiçoando. (p. 68).
Quanto a outra subcategoria, encontramos um único parágrafo que destaca a
presença de influências econômico-político-sociais nos rumos do desenvolvimento
científico:
É importante também entender que a ciência nunca é neutra
(descobrir por descobrir). Na verdade, ela está sempre ligada aos
interesses humanos interesse econômico das empresas que
desenvolvem novos materiais e produtos, para aumentar seus lucros;
interesse militar dos países que defendem sua paz ou que se preparam
para uma guerra, e assim por diante. (p. 68).
Contudo, essa descrição genérica, além de limitada, não contextualiza um
episódio específico da Química. Acreditamos que o autor poderia explorar de forma
mais detalhada a interferência causada na Ciência por fatores externalistas, como no
início do primeiro capítulo quando menciona a Revolução Industrial (p. 1), ou no tópico
sobre processos de separação de misturas ao discutir sobre algumas técnicas
empregadas na indústria (p. 31 a 37). Em outra oportunidade, quando aborda a aplicação
de conhecimentos químicos na indústria (p. 67), o autor também poderia estabelecer
uma relação entre desenvolvimento científico e influências externas, devendo ser uma
ação a ser repensada e incorporada futuramente na obra.
Personagens da Ciência
O autor não se limita a apresentar apenas os personagens reconhecidos da
Ciência e, assim, destaca nomes históricos relevantes como Demócrito, Tales de Mileto,
Geissler, Goldstein, Chadwick, De Broglie, Schrödinger, Döbereiner, Chancourtois,
Newlands, Meyer, Mendeleyev, Moseley, Seaborg, Meitner, Röntgen.
A primeira descrição relativa a um possível avanço na Ciência a partir de um
trabalho cooperativo acontece apenas no quarto capítulo “A evolução dos modelos
atômicos”: “Uma complementação às experiências de Crookes foi feita em 1886 por
Eugen Goldstein, que modificou a ampola de Crookes e descobriu os chamados raios
anódicos ou canais.” (p. 76, grifo do autor).
141
Mais à frente, o autor lembra a descoberta dos elementos radioativos polônio e
rádio pelo casal Curie (p. 77). Em outra situação também fica perceptível a importância
do trabalho coletivo para a elaboração e aperfeiçoamento do modelo quântico com as
contribuições e investidas de Bohr (p. 91 e 92), De Broglie (p. 94), Heisenberg (p. 94),
Schrödinger (p. 95), Pauling (p. 101 e 102).
Contudo o autor deve se atentar para a omissão de alguns personagens
importantes para a História da Química. Nesse sentido, a obra apenas lembra o atomista
Demócrito da Grécia Antiga (p. 50); os nomes dos contemporâneos de Lavoisier (p. 50)
não são mencionados, nem mesmo suas contribuições e influências sobre o trabalho
desse francês; há também negligência quanto aos nomes de Geiger e Mardsen (p. 78, 79
e 80), cooperadores na construção do modelo atômico de Rutherford.
Segundo Kosminsky e Giordan (2002) ainda existem concepções discentes
reducionistas sobre o trabalho coletivo - visões que acompanham a maioria dos
didáticos e os discursos dogmáticos dos professores que desconhecem a existência de
comunidades científicas. Nesse sentido, a obra precisa rever algumas apresentações
históricas, pois muitos conceitos e transições da Química foram possíveis com a
ajuda de outras pessoas/cooperadores/grupos de pesquisa que, por sua vez, não
deveriam ser omitidos do processo de desenvolvimento científico.
Quanto à terceira subcategoria, notamos que a obra trabalha questões histórico-
epistemológicas em meio ao texto principal. Porém vários quadros biográficos dos
cientistas ao longo dos capítulos analisados - Lavoisiser (p. 50), Proust (p. 51), Dalton
(p. 53), Thomson (p. 77), Rutherford (p. 78), Bohr (p. 91), Pauling (p. 101),
Mendeleyev (p. 112).
Martins (2006) destaca que é comum encontrar nos livros didáticos a redução da
História da Ciência a nomes, datas e anedotas, refletindo em informações históricas
distorcidas. Nesse cenário podem ser criadas idéias equivocadas de que a ciência: é feita
por grandes personagens; é constituída por eventos ou episódios marcantes - as famosas
descobertas; sofre alteração em uma determinada data; pode ser estudada a partir de
fatos isolados. Por isso acreditamos que essa abordagem limitada poderia ser eliminada
em futuras edições desse didático, uma vez que os encartes históricos podem complicar,
ao invés de auxiliar, a compreensão histórica da Química.
Os demais livros analisados conseguiram superar essa abordagem histórica. Mas
o livro Universo da Química de Bianchi, Albrecht e Maia ainda revela muitos
142
momentos dessa apresentação histórica, devendo ser modificado, assim como a obra de
Feltre, para superar essa forma de trabalho que é explorada em excesso.
Métodos
A obra não explicita o que vem a ser o método científico para a Ciência. Mas,
nesse quesito, menciona que as descobertas científicas acontecem, de modo geral,
devido a alguns passos: a observação; a experiência; a lei experimental; a hipótese,
teoria e modelo. Para explicar cada um desses passos uma contextualização a partir
do fenômeno físico da queda dos corpos (p. 67 e 68) e, ao lado, um fluxograma (p. 68)
que representa o desenvolvimento da Ciência:
O esquema ao lado [acima] resume o desenvolvimento da ciência
como acabamos de comentar.
Enfim, é importante compreender que todo o processo discutido
nesse esquema se repete contínua e indefinidamente, como resultado
do trabalho de sucessivas gerações de cientistas. (p. 68).
Essa descrição, ligada à categoria de diversidade metodológica, mostra algumas
limitações do texto escrito e do esquema ilustrativo. Pelo texto e pela imagem o aluno
acaba captando a mensagem de que a Ciência evolui pelas observações, que levam a
experiência e, estas, por sua vez, geram leis experimentais que resultam em hipóteses
que podem gerar teorias e modelos, sempre numa seqüência “contínua e indefinida” que
caracteriza a produção de conhecimento científico. Dessa forma a obra não apresenta
uma diversidade metodológica, mas sim um método único, fixo, que sempre envolve os
mesmos passos, responsável pela construção das Ciências - o método empírico-indutivo.
OBSERVAÇÕES
EXPERIÊNCIAS
LEIS EXPERIMENTAIS
HIPÓTESES
TEORIAS (e MODELOS)
143
Essa linha de trabalho precisa ser abandonada nas próximas edições, de modo a
superar uma visão restrita e equivocada da metodologia que tem acompanhado nossa
realidade educacional. Caminhando nessa direção, Martin lembra que “algumas teorias
científicas não são generalizações e que a maior parte das hipóteses científicas não são
geradas por indução e, ainda mais, que a observação requer teoria.” (MARTIN 1972
apud MATTHEWS, 1994, p. 265, tradução nossa).
Como mencionamos durante todas as análises dos livros do PNLEM, os
didáticos devem apresentar diferentes cenários históricos que fizeram parte da Química,
como a Grécia Antiga, o movimento alquímico, o mecanicismo, o renascimento, entre
outros momentos históricos importantes. Assim o autor poderá explorar a perspectiva
teórico-metodológica de cada um desses momentos históricos, que estas eram os
alicerces responsáveis pela validação e aceitação do conhecimento destes períodos,
sendo uma estratégia didática interessante para alertar sobre os diferentes sistemas
metodológicos existentes na Ciência/Química.
Modelo/Realidade
A noção de conhecimento científico enquanto uma forma de representar a
realidade é encontrada nos apontamentos da obra sobre as etapas percorridas na
construção do conhecimento:
hipótese, teoria e modelo: é a explicação e representação do fato que foi
observado e da análise dos dados coletados experimentalmente.” (p. 68, grifo do autor).
Em outro trecho, ao comentar as limitações do modelo atômico de Rutherford ao
considerar princípios de Física Clássica, a obra lembra que a “Ciência evolui - aos
poucos, enfrentando as contradições apontadas por novas observações e experiências,
sempre em busca de modelos mais satisfatórios.” (p. 87).
É sob esses dois trechos, sintéticos se considerarmos a complexidade envolvida
com essa questão, que alertamos a necessária revisão dessa abordagem, devendo ser
explorada com mais intensidade para esclarecer que a Química, assim como as outras
Ciências da Natureza, busca construir representações que consigam explicar a realidade,
visando chegar a uma compreensão desta e, nesse processo, muitas vezes produz
conceitos e modelos deficitários que podem ser substituídos por construções teórico-
experimentais mais satisfatórias.
A última subcategoria, relativa às outras formas de conhecimento humano,
revelou um comentário sobre o conhecimento culinário dos cozinheiros na preparação
144
de pratos saborosos (p. 4); o conhecimento medicinal a partir do século XIX sobre
microorganismos (p. 49); as crenças alquímicas (p. 49); a extensão da alquimia ao
campo medicinal e a origem da doutrina iatroquímica (p. 50); e uma referência ao
conhecimento musical (p. 54).
Mas essas são apresentações implícitas e resumidas. Portanto, acreditamos que
esses trechos poderiam ser explicitados e esclarecidos mais satisfatoriamente enquanto
constructos humanos. Além disso, os autores também poderiam explorar o saber
religioso, já que, em muitos momentos da história, este saber esteve lado a lado às
pesquisas científicas na explicação dos mais variados fenômenos.
Para encerrar, acreditamos que essa obra precisa rever muitos aspectos aqui
discutidos para superar as limitações de caráter histórico-epistemológico que se fazem
presentes ao longo dos capítulos analisados. Como notamos, as grandes transições e
rupturas existentes na História da Química são lembradas de forma sintética e
superficial, devendo ser mais exploradas futuramente. Além dessa mudança,
acreditamos que os autores devem diminuir drasticamente a quantidade de quadros
biográficos dos cientistas, usados em demasia na obra.
145
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Devido ao grande número de tópicos de análise contemplados na ficha de
avaliação do PNLEM (15 critérios eliminatórios e 44 classificatórios), notamos que os
pareceristas não puderam aprofundar as descrições e discussões sobre determinados
aspectos da educação científica como, por exemplo, a abordagem histórico-
epistemológica nas resenhas do Catálogo. Nesse sentido, nossa investigação busca
contribuir para a melhoria deste programa.
Para tanto, acreditamos que algumas modificações poderiam ser realizadas, a
começar pelo Catálogo. De acordo com a ficha de avaliação atual do PNLEM, os
professores e pareceristas são induzidos a confirmarem a presença de um critério
analisado ao se depararem com uma única linha escrita sobre este critério.
Portanto, acreditamos que, em futuras edições desse programa, a ficha avaliativa
poderia incluir níveis de classificação, assim como os nossos (traço, 1, 2, 3, 4, 5),
possibilitando a compreensão do nível de profundidade explorado pelos livros em cada
critério analisado, principalmente os de caráter eliminatório que apenas constam das
opções sim (presença) e não (ausência).
Semelhante às mudanças sugeridas por Leão e Megid Neto (2006) para o Guia
de Livros Didáticos do PNLD, acreditamos que o Catálogo do PNLEM também poderia
apresentar detalhes sobre o processo de avaliação, indicando: o preenchimento da ficha
de avaliação para cada livro; a relação dos livros que foram excluídos; quem são os
pareceristas e as áreas que atuam/pesquisam. Dessa forma, o Catálogo seria um
instrumento mais completo e transparente aos docentes.
No que se refere aos livros aprovados, percebemos aproximações e
distanciamentos entre as obras analisadas. No quadro geral, os livros apresentam muitas
limitações referentes aos métodos científicos. Com exceção do livro de Santos, Mól e
colaboradores, os demais didáticos não descrevem o que é o método científico para a
Ciência. A diversidade metodológica também necessita ser repensada pelos autores,
principalmente por Peruzzo e Canto (2003), Mortimer e Machado (2002) e Feltre
(2004), evitando concepções discentes errôneas sobre a existência de um único método,
o empírico-indutivo.
O papel das influências econômico-político-sociais no processo de construção da
Química também apareceu em poucos momentos, ou mesmo de forma ínfima nos livros.
146
Para futuras edições, gostaríamos de alertar para as falhas e lacunas relativas às questões
externalistas, sendo um aspecto mais difícil de ser alterado, uma vez que as obras em
História da Química priorizam a parte teórico-conceitual desse campo.
Como é apontado por Matthews, a tarefa pedagógica dos docentes, e também
podemos incluir os autores de didáticos, é construir uma história simplificada que
apresente a matéria, os conteúdos e os conceitos científicos, mas sem que essa produção
se torne uma caricatura do processo histórico. “A simplificação estará adequada à idade
do grupo a que se ensina e ao currículo que se apresenta. A história da ciência pode
complicar-se à medida que a situação educativa o exija.” (MATTHEWS, 1994, p. 261,
tradução nossa). Portanto, não acreditamos que os autores destes livros e os professores
precisem aprofundar os debates históricos como fazem os historiadores, mas estes
também não devem discutir de forma superficial as questões externalistas, como tem
sido habitual no ensino de Ciências/Química.
Notamos que, salvo algumas exceções, os demais critérios de análise histórica
apareceram com mais freqüência nos livros aprovados pelo PNLEM. Contudo, algumas
revisões ainda se fazem necessárias, de modo a abordar questões ausentes (ou
praticamente ausentes) dos textos, como as transições que fizeram parte do
desenvolvimento da Química (BIANCHI; ABRECHT; MAIA, 2005; MORTIMER;
MACHADO, 2002; FELTRE, 2004), ou a noção de conhecimento científico enquanto
possível representação da realidade (PERUZZO; CANTO, 2003; FELTRE, 2004).
Nesse contexto, os livros também precisam atentar para a relevância de discutir outras
formas existentes de conhecimento humano, além do científico (BIANCHI; ABRECHT;
MAIA, 2005; PERUZZO; CANTO, 2003; MORTIMER; MACHADO, 2002).
As obras de Bianchi, Abrecht e Maia (2005) e de Feltre (2004), provavelmente,
sejam as mais complicadas em relação à parte histórico-epistemológica, com constantes
abordagens superficiais e limitadas, além de serem os únicos livros a revelarem
ausência de dois dos nossos critérios históricos analisados e, também, os únicos a
explorar excessivamente o uso de quadros biográficos e boxes históricos desconectados
do texto principal.
Somando-se a esses fatos, a leitura dessas duas obras revelou um perfil de ensino
tradicional, com muitas classificações e definições em destaque, tornando-se difícil
compreender os motivos pelos quais estes dois didáticos foram aprovados para o
programa, provavelmente pelo fato dos outros livros inscritos para análise apresentarem
mais limitações, erros e equívocos, ou mesmo terem sido reprovados frente aos critérios
147
eliminatórios. Mas torna-se difícil discutir e confirmar essas hipóteses sem a relação dos
livros que foram inscritos pelas editoras.
Os autores que confeccionaram o livro Universo da Química, Bianchi, Abrecht e
Maia, são docentes que atuam principalmente nas redes pública e/ou particular do
Ensino Médio, com Cursos de Licenciatura e Bacharelado e Pós-Graduação, mas todos
em áreas específicas da Química, podendo ser uma das razões para o livro apresentar
alguns obstáculos pedagógicos e epistemológicos. Com uma formação diferente, mas
também distante do campo da pesquisa em educação, Ricardo Feltre é apontado, em sua
obra, como engenheiro químico e doutor em Engenharia Química, atuando como
professor em cursos pré-vestibulares e em cursos superiores.
As limitações da obra deste último autor mencionado podem ser, talvez, pela
ausência de um curso de licenciatura. Acreditamos que um curso de graduação focado
na formação de professores pode proporcionar mais momentos de debate e discussão
relacionados à atividade docente, sobretudo com disciplinas como estágio
supervisionado, prática de ensino, didática, didática das ciências, psicologia da
educação, entre outras que compõem a grade curricular.
Os livros de Mortimer e Machado (2002) e Peruzzo e Canto (2003) não se
destacaram no campo histórico-epistemológico. Apesar de apresentarem algumas
estratégias didáticas e abordagens conceituais contextualizadas que nós (e diferentes
pesquisadores educacionais) consideramos interessante, esses autores precisam rever e
rearticular suas obras de modo a contemplarem aspectos histórico-epistemológicos,
proporcionando uma imagem mais real e próxima à realidade da Ciência. O trabalho
pedagógico do livro de Nóbrega, Silva e Silva (2007) não acontece por meio de várias
estratégias de ensino, como as duas últimas obras mencionadas, mas revela alguns
textos históricos e textos extraídos de outras fontes, como jornais, que consideramos
interessantes para o processo de ensino-aprendizagem. Esses autores precisam atentar
para algumas definições em destaque - característica típica do ensino tradicional -, como
se os conceitos estivessem prontos e fechados, alheios a debates, críticas e ressalvas
quanto à aplicação e contextualização.
O livro dos três últimos autores menciona que estes se formaram em cursos de
licenciatura e bacharelado em Química, sendo professores ou ex-professores de
Química do Ensino Médio. a obra Química na abordagem do cotidiano revela que
Peruzzo é graduado em Química, enquanto Canto é graduado em Química e possui
doutorado em Físico-Química Orgânica, ambos atuando em escolas no Ensino Médio.
148
A formação de Mortimer e Machado pode ser encontrada na internet, via
Plataforma Lattes/CNPq, relevando que ambos possuem cursos de graduação em
Química, mestrado e doutorado em Educação Química, sendo que o primeiro possui
dois pós-doutorados no exterior e é orientador de pesquisas de mestrado e doutorado na
área de Educação. Esses dois autores também possuem várias pesquisas, artigos e livros
relacionados ao ensino de Química. Essas atividades de ensino e pesquisa
influenciaram, provavelmente, a construção do livro Química para o Ensino Médio que
reuni várias abordagens, estratégias e atividades diferenciadas dos livros tradicionais.
Contudo a formação, atuação e dedicação à pesquisa destes autores não foram
suficientes para produzir uma obra que contemplasse abordagens histórico-
epistemológicas satisfatoriamente ao Ensino Médio de Química, devendo ser
modificada para superar essa lacuna.
Os autores da obra Química e Sociedade possuem formações diversas, desde
professores que atuam no Ensino Médio até professores da Graduação e da Pós-
Graduação na área de ensino de Química, com várias publicações relacionadas a
pesquisas educacionais. Assim, essa formação ligada à pesquisa no ensino pode ser uma
das razões para essa obra apresentar poucas limitações histórico-epistemológicas.
Nesse cenário, acreditamos que iniciativas como o PNLEM são interessantes ao
disponibilizarem livros didáticos gratuitamente aos docentes da rede pública. Mas o
investimento na melhoria das formações inicial e continuada dos professores também é
uma ação de grande importância, uma vez que pode favorecer habilidades docentes de
adaptação e uso de metodologias e recursos didáticos variados no processo de ensino-
aprendizagem.
Conforme nos alerta o PCN+, é relevante e necessário o uso de variados
materiais e recursos didáticos: “dos livros didáticos aos vídeos e filmes, uso do
computador, jornais, revistas, livros de divulgação e ficção científica e diferentes formas
de literatura, manuais técnicos, assim como peças teatrais e música dão maior
abrangência ao conhecimento”, proporcionam momentos de integração de saberes,
“motivam, instigam e favorecem o debate sobre assuntos do mundo contemporâneo”
(BRASIL, 2002, p. 109), bem como a história de consolidação deste.
Além dessa questão, acreditamos que, não nos limitando à nossa investigação,
novas pesquisas podem ser realizadas para esclarecer outras questões, como o papel
atribuído à experimentação nestas obras; se os livros aprovados, para além dos aspectos
históricos, também consideram os demais critérios da ficha avaliativa; as contribuições
149
que os exercícios podem alcançar após o trabalho conceitual/experimental em cada
capítulo; como esses livros estão chegando às escolas ou como são usados pelos
docentes, entre outras possibilidades de análise ligadas a essa nova política pública de
análise, compra e distribuição de livros didáticos aos professores.
Também gostaríamos de alertar para possíveis pesquisas no campo da História
da Ciência, visando responder questões instigantes sobre o por quê da preponderância
internalista dos referenciais em História da Ciência/Química. Nessa linha seria
interessante também desvendar se estudiosos e pesquisadores do passado, no campo da
Química, realmente trabalhavam sozinhos ou se a literatura que pesquisamos, e em
geral, omite a participação de assistentes e ajudantes na construção e/ou
aperfeiçoamento do conhecimento científico.
Para finalizar, novamente alertamos que nossa análise se restringiu até certos
capítulos de cada obra, considerados suficientes para entender a relevância atribuída às
questões históricas pelos autores, uma vez que perpassa parte considerável das obras
(Química e Sociedade - 189 páginas; Universo da Química - 167 páginas; Química -
186 páginas; Química na abordagem do cotidiano - 113 páginas; Química para o
Ensino Médio - 131 páginas; Química - 134 páginas), contendo vários conceitos de
grande riqueza histórica. Porém, uma análise de toda obra poderia produzir algumas
revisões na nossa tabela de análise categorial, mas acreditamos que as alterações nas
freqüências de abordagem histórica não seriam substanciais.
Assim, dentro desse contexto de análise, a primeira versão do PNLEM da área
de Química revelou que os livros didáticos aprovados pelo programa apresentam
algumas abordagens históricas interessantes, porém ainda revelam algumas limitações
histórico-epistemológicas a serem superadas nas próximas edições desse programa de
análise, compra e distribuição de didáticos.
150
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Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1996.
WIECHOWSKI, S. Historia del Atomo. Barcelona: Labor, 1972.
160
ANEXOS
161
ANEXO 1. Ficha de Avaliação do PNLEM de Química - 2007
A. Pequena Descrição
Estrutura da obra
(indicar as partes componentes do Livro do Aluno e do Livro do Professor)
Sumário do conteúdo para cada série
B. Critérios Eliminatórios
B.1 ASPECTOS SOBRE CORREÇÃO CONCEITUAL
1
A obra contém:
a) Conceitos formulados erroneamente.
b) Informações básicas erradas e/ou desatualizadas.
c) Conceitos e informações mobilizadas de modo inadequado.
( ) Sim (Apresentar argumentos abaixo, exemplificando) ( ) Não
Observações:
2
A obra contém ilustrações que veiculam:
a) idéias incorretas sobre conceitos.
b) idéias incorretas sobre as dimensões ou cores do que é representado, sem
indicação apropriada de escalas ou cores-fantasia.
( ) Sim (Apresentar argumentos abaixo, exemplificando) ( ) Não
Observações:
B.2. ASPECTOS PEDAGÓGICO-METODOLÓGICOS
3
No livro do professor:
a) As bases teórico-metodológicas são apresentadas de maneira pouco clara.
b) Diferentes opções metodológicas são apresentadas de maneira desarticulada.
No livro do aluno:
c) incoerência entre as bases teórico-metodológicas e a proposta
concretizada.
( ) Sim (Apresentar argumentos abaixo, exemplificando) ( ) Não
Observações:
4
O livro do aluno e/ou do professor propõe atividades que:
a) trazem riscos para alunos e professores de tal ordem que não devem ser
realizadas.
b) podem trazer riscos para alunos e professores que não impedem sua
realização, mas observa-se insuficiência de alertas sobre riscos e também de
recomendações de cuidados e procedimentos de segurança para preveni-los, no
livro do aluno e/ou no livro do professor.
( ) Sim (Apresentar argumentos abaixo, exemplificando) ( ) Não
Observações:
5
A metodologia empregada:
a) tem como característica principal a memorização de conteúdos e termos
técnicos, deixando de contribuir para promover o desenvolvimento de
capacidades básicas de pensamento autônomo e crítico e negligenciando as
relações entre conhecimento e vida prática.
( ) Sim (Apresentar argumentos abaixo, exemplificando) ( ) Não
162
Observações:
6
a) São propostos experimentos e demonstrações cuja realização dificilmente é
possível, que apresentam resultados implausíveis e/ou veiculam idéias
equivocadas sobre fenômenos, processos e modelos explicativos.
b) Os experimentos e as demonstrações têm função meramente ilustrativa, sem
conexão com as teorias e os modelos explicativos.
c) Os experimentos e as demonstrações desconsideram o impacto ambiental
proveniente do descarte dos resíduos gerados, quando existentes.
( ) Sim (Apresentar argumentos abaixo, exemplificando) ( ) Não
Observações:
B.3. ASPECTOS SOBRE A CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO CIENTÍFICO
7
a) A obra apresenta a ciência como sendo a única forma de conhecimento, sem
reconhecer a diversidade de formas do conhecimento humano e as diferenças
entre elas.
( ) Sim (Apresentar argumentos abaixo, exemplificando) ( ) Não
Observações:
8
A obra apresenta:
a) o conhecimento científico como verdade absoluta ou retrato da realidade.
b) a ciência como neutra, sem reconhecer a influência de valores e interesses
sobre a prática científica.
( ) Sim (Apresentar argumentos abaixo, exemplificando) ( ) Não
Observações:
9
a) As analogias e as metáforas presentes na obra são utilizadas de forma
inadequada, sem a devida explicitação das semelhanças e diferenças em relação
aos fenômenos estudados.
( ) Sim (Apresentar argumentos abaixo, exemplificando) ( ) Não
Observações:
10
a) Na obra, são negligenciadas a abrangência teórica e a pertinência educacional
no tratamento dos assuntos, priorizando conceitos e teorias secundárias, que não
se encontram claramente estabelecidas, ou mesmo pseudocientíficas, em
detrimento dos conceitos e das teorias centrais, estruturadoras do pensamento
químico.
( ) Sim (Apresentar argumentos abaixo, exemplificando) ( ) Não
Observações:
11
a) Na obra, os conceitos centrais da área são apresentados de forma
compartimentada e linear, sem a preocupação de abordá-los de forma recorrente,
em diferentes contextos explicativos e situações concretas, dificultando, assim, a
construção de sistemas conceituais mais integrados.
( ) Sim (Apresentar argumentos abaixo, exemplificando) ( ) Não
Observações:
B.4. ASPECTOS SOBRE A CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA
12
Na obra, é perceptível/são perceptíveis:
a) o privilégio a determinados grupos sociais ou regiões particulares do país.
b) preconceitos ou estereótipos relacionados a cor, origem, condição econômico-
social, etnia, gênero, orientação sexual, linguagem ou qualquer outra forma de
discriminação.
( ) Sim (Apresentar, abaixo, os argumentos, exemplificando-os) ( ) Não
Observações:
163
13
A obra veicula:
a) matéria contrária à legislação vigente para a criança e o adolescente, no que
diz respeito a fumo, bebidas alcoólicas, medicamentos, drogas, armamentos etc.
b) publicidade de artigos, serviços ou organizações comerciais, incentivando o
consumo de produtos comerciais específicos.
( ) Sim (Apresentar, abaixo, os argumentos, exemplificando-os) ( ) Não
Observações:
14
a) Na obra, é feita doutrinação religiosa.
( ) Sim (Apresentar, abaixo, os argumentos, exemplificando-os) ( ) Não
Observações:
15
a) Na obra, são veiculadas idéias que promovem desrespeito ao meio ambiente.
( ) Sim (Apresentar, abaixo, os argumentos, exemplificando-os) ( ) Não
Observações:
C. Critérios de Qualificação
Para cada um dos itens abaixo, preencher a menção e justificar as razões. No final do
processo de avaliação, será feita uma ponderação dos itens, para se obter maior clareza
comparativa entre as obras.
C.1. ASPECTOS SOBRE CORREÇÃO CONCEITUAL E COMPREENSÃO
16
Tratamento conceitual apropriado, atualizado e correto predomina na obra
Quanto ao aspecto acima, a obra é avaliada como: O ( ) B ( ) R ( ) I ( )
Justificar a menção. Exemplificar.
17
Uso apropriado de analogias, com explicitação clara da diferença entre
significado literal e metafórico, favorecendo a compreensão correta de
conceitos, teorias, fenômenos etc.
Quanto ao aspecto acima, a obra é avaliada como: O ( ) B ( ) R ( ) I ( )
Justificar a menção. Exemplificar.
18
Redação clara e objetiva dos textos, com informações suficientes para a
compreensão dos temas abordados, estimulando a leitura e a exploração crítica
dos assuntos.
Quanto ao aspecto acima, a obra é avaliada como: O ( ) B ( ) R ( ) I ( )
Justificar a menção. Exemplificar.
19
Vocabulário específico claramente explicado no texto ou glossário
Quanto ao aspecto acima, a obra é avaliada como: O ( ) B ( ) R ( ) I ( )
Justificar a menção. Exemplificar.
20
Utilização de linguagem gramaticalmente correta nos textos.
Quanto ao aspecto acima, a obra é avaliada como: O ( ) B ( ) R ( ) I ( )
Justificar a menção. Exemplificar.
C.2. ASPECTOS PEDAGÓGICO-METODOLÓGICOS
Nos itens a seguir, utilize os seguintes conceitos:
O = Ótimo B = Bom R = Regular I = Insatisfatório
Caso o aspecto não se aplique, escreva N/A (não se aplica)
164
21
Apresentação do conhecimento científico de forma contextualizada, fazendo uso
adequado dos conhecimentos prévios e das experiências culturais dos alunos,
sem tratá-los de maneira pejorativa ou desrespeitosa.
Quanto ao aspecto acima, a obra é avaliada como: O ( ) B ( ) R ( ) I ( )
Justificar a menção. Exemplificar.
22
Uso dos conhecimentos prévios e das experiências culturais dos alunos como
ponto de partida para a aprendizagem.
Quanto ao aspecto acima, a obra é avaliada como: O ( ) B ( ) R ( ) I ( )
Justificar a menção. Exemplificar.
23
Estímulo ao desenvolvimento de habilidades de comunicação oral e de
comunicação científica, propiciando leitura e produção de textos diversificados,
como artigos científicos, textos jornalísticos, gráficos, tabelas, mapas, cartazes
etc.
Quanto ao aspecto acima, a obra é avaliada como: O ( ) B ( ) R ( ) I ( )
Justificar a menção. Exemplificar.
24
Apresentação de conteúdos relacionados a contextos próprios da realidade
brasileira.
Quanto ao aspecto acima, a obra é avaliada como: O ( ) B ( ) R ( ) I ( )
Justificar a menção. Exemplificar.
25
Estímulo a diferentes formas de abordagem do conteúdo em sala de aula
apresentando, sempre que viável, possibilidades de adaptação da prática
pedagógica às condições locais e regionais.
Quanto ao aspecto acima, a obra é avaliada como: O ( ) B ( ) R ( ) I ( )
Justificar a menção. Exemplificar.
26
Incentivo a atividades que exigem trabalho cooperativo, estimulando-se a
valorização e o respeito às opiniões do outro.
Quanto ao aspecto acima, a obra é avaliada como: O ( ) B ( ) R ( ) I ( )
Justificar a menção. Exemplificar.
27
Viabilidade de execução dos experimentos/ demonstrações propostos, com base
nas instruções fornecidas.
Quanto ao aspecto acima, a obra é avaliada como: O ( ) B ( ) R ( ) I ( )
Justificar a menção. Exemplificar.
28
Viabilidade de execução dos experimentos/ demonstrações, em termos da
obtenção dos materiais necessários e da indicação de materiais alternativos para
a execução dos experimentos, quando justificada.
Quanto ao aspecto acima, a obra é avaliada como: O ( ) B ( ) R ( ) I ( )
Justificar a menção. Exemplificar.
29
Incentivo à realização das atividades propostas, não apresentando, em particular,
o resultado final esperado antes da realização das atividades.
Quanto ao aspecto acima, a obra é avaliada como: O ( ) B ( ) R ( ) I ( )
Justificar a menção. Exemplificar.
C.3. ASPECTOS SOBRE A CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO CIENTÍFICO
30
Construção de uma compreensão integrada da Química, caso seja disciplinar, ou
das várias disciplinas abordadas, caso a obra seja interdisciplinar.
Quanto ao aspecto acima, a obra é avaliada como: O ( ) B ( ) R ( ) I ( )
165
Justificar a menção. Exemplificar.
31
Criação de condições para aprendizagem de ciências, particularmente da
Química, como processo de produção cultural do conhecimento, valorizando a
história e a filosofia das ciências.
Quanto ao aspecto acima, a obra é avaliada como: O ( ) B ( ) R ( ) I ( )
Justificar a menção. Exemplificar.
32
Tratamento da história da ciência integrado à construção dos conceitos
desenvolvidos, evitando resumi-la a biografias de cientistas ou a descobertas
isoladas.
Quanto ao aspecto acima, a obra é avaliada como: O ( ) B ( ) R ( ) I ( )
Justificar a menção. Exemplificar.
33
Abordagem adequada de modelos científicos, evitando confundi-los com a
realidade.
Quanto ao aspecto acima, a obra é avaliada como: O ( ) B ( ) R ( ) I ( )
Justificar a menção. Exemplificar.
34
Abordagem adequada da metodologia cientifica, evitando apresentar um suposto
Método Científico como uma seqüência rígida de etapas a serem seguidas.
Quanto ao aspecto acima, a obra é avaliada como: O ( ) B ( ) R ( ) I ( )
Justificar a menção. Exemplificar.
35
Proposição de atividades que favoreçam formação de espírito investigativo,
como atividades em que os alunos levantem hipóteses sobre fenômenos naturais
e desenvolvam maneiras de testá-las, ou em que utilizem evidências para julgar
a plausibilidade de modelos e explicações.
Quanto ao aspecto acima, a obra é avaliada como: O ( ) B ( ) R ( ) I ( )
Justificar a menção. Exemplificar.
36
Estímulo ao uso do conhecimento científico como elemento para a compreensão
dos problemas contemporâneos, para a tomada de decisões e a inserção dos
alunos em sua realidade social.
Quanto ao aspecto acima, a obra é avaliada como: O ( ) B ( ) R ( ) I ( )
Justificar a menção. Exemplificar.
37
Proposição de discussões sobre as relações entre Ciência, Tecnologia e
Sociedade, dando elementos para a formação de um cidadão capaz de apreciar
criticamente e posicionar-se diante das contribuições e dos impactos da Ciência
e da Tecnologia sobre a vida social e individual.
Quanto ao aspecto acima, a obra é avaliada como: O ( ) B ( ) R ( ) I ( )
Justificar a menção. Exemplificar.
C.4. ASPECTOS SOBRE A CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA
38
Abordagem crítica das questões de gênero, de relações étnico-raciais e de
classes sociais.
Quanto ao aspecto acima, a obra é avaliada como: O ( ) B ( ) R ( ) I ( )
Justificar a menção. Exemplificar.
39
Promoção positiva das minorias sociais.
Quanto ao aspecto acima, a obra é avaliada como: O ( ) B ( ) R ( ) I ( )
Justificar a menção. Exemplificar.
40
Incentivo a uma postura de respeito ao ambiente, tanto no que se refere à sua
conservação quanto à maneira como os seres vivos são retratados.
Quanto ao aspecto acima, a obra é avaliada como: O ( ) B ( ) R ( ) I ( )
Justificar a menção. Exemplificar.
Apresentação das questões ambientais de forma realista e equilibrada, evitando
posturas alarmistas e catastróficas.
166
41
Quanto ao aspecto acima, a obra é avaliada como: O ( ) B ( ) R ( ) I ( )
Justificar a menção. Exemplificar.
C.5. ASPECTOS SOBRE O LIVRO DO PROFESSOR
42
Descrição da estrutura geral da obra no livro do professor, explicitando a
articulação pretendida entre suas partes e/ou unidades e os objetivos específicos
de cada uma delas.
Quanto ao aspecto acima, a obra é avaliada como: O ( ) B ( ) R ( ) I ( )
Justificar a menção. Exemplificar.
43
Apresentação, no livro do professor, de orientações claras e precisas para a
abordagem do conteúdo em sala de aula.
Quanto ao aspecto acima, a obra é avaliada como: O ( ) B ( ) R ( ) I ( )
Justificar a menção. Exemplificar.
44
Presença, no livro do professor, de sugestões de atividades complementares.
Quanto ao aspecto acima, a obra é avaliada como: O ( ) B ( ) R ( ) I ( )
Justificar a menção. Exemplificar.
45
Presença, no livro do professor, de subsídios conceitualmente consistentes para
correção e discussão das atividades e dos exercícios propostos.
Quanto ao aspecto acima, a obra é avaliada como: O ( ) B ( ) R ( ) I ( )
Justificar a menção. Exemplificar.
46
Presença, no livro do professor, de tratamento do processo de avaliação da
aprendizagem.
Quanto ao aspecto acima, a obra é avaliada como: O ( ) B ( ) R ( ) I ( )
Justificar a menção. Exemplificar.
47
Presença, no livro do professor, de sugestões de instrumentos diversificados de
avaliação.
Quanto ao aspecto acima, a obra é avaliada como: O ( ) B ( ) R ( ) I ( )
Justificar a menção. Exemplificar.
48
Contribuição para formação e atualização do professor, oferecendo
conhecimentos atualizados, necessários para compreensão adequada de aspectos
específicos das atividades ou mesmo de toda a proposta pedagógica da obra.
Quanto ao aspecto acima, a obra é avaliada como: O ( ) B ( ) R ( ) I ( )
Justificar a menção. Exemplificar.
49
Clareza e adequação da linguagem utilizada no livro do professor.
Quanto ao aspecto acima, a obra é avaliada como: O ( ) B ( ) R ( ) I ( )
Justificar a menção. Exemplificar.
50
Presença, no livro do professor, de referências bibliográficas e leituras
complementares.
Quanto ao aspecto acima, a obra é avaliada como: O ( ) B ( ) R ( ) I ( )
Justificar a menção. Exemplificar.
C.6. ASPECTOS GRÁFICO-EDITORIAIS
51
Utilização de recursos gráficos para mostrar hierarquização da estrutura (títulos,
subtítulos e outros).
Quanto ao aspecto acima, a obra é avaliada como: O ( ) B ( ) R ( ) I ( )
Justificar a menção. Exemplificar.
52
Qualidade da revisão e impressão da obra (garantida a legibilidade tanto da
página como de seu verso).
Quanto ao aspecto acima, a obra é avaliada como: O ( ) B ( ) R ( ) I ( )
Justificar a menção. Exemplificar.
Distribuição dos textos e ilustrações de modo a constituir uma unidade visual.
Quanto ao aspecto acima, a obra é avaliada como: O ( ) B ( ) R ( ) I ( )
167
53
Justificar a menção. Exemplificar.
54
Adequação do projeto gráfico ao conteúdo, com uma função não meramente
ilustrativa.
Quanto ao aspecto acima, a obra é avaliada como: O ( ) B ( ) R ( ) I ( )
Justificar a menção. Exemplificar.
55
Utilização de formato e tamanho de letra, bem como de espaço entre as letras,
palavras e linhas, atendendo a critérios de legibilidade.
Quanto ao aspecto acima, a obra é avaliada como: O ( ) B ( ) R ( ) I ( )
Justificar a menção. Exemplificar.
56
Adequação das ilustrações à finalidade para a qual foram elaboradas, mostrando-
se claras, precisas, coerentes com o texto, e necessárias para a aprendizagem do
aluno.
Quanto ao aspecto acima, a obra é avaliada como: O ( ) B ( ) R ( ) I ( )
Justificar a menção. Exemplificar.
57
Presença de créditos, legendas, fontes e datas nas ilustrações, nas tabelas e nos
gráficos, quando pertinente.
Quanto ao aspecto acima, a obra é avaliada como: O ( ) B ( ) R ( ) I ( )
Justificar a menção. Exemplificar.
58
Presença de referências bibliográficas, indicação de leituras complementares e
glossário no livro do aluno de maneira adequada.
Quanto ao aspecto acima, a obra é avaliada como: O ( ) B ( ) R ( ) I ( )
Justificar a menção. Exemplificar.
59
Apresentação de sumário de modo a refletir organização interna da obra e
permitir rápida localização das informações.
Quanto ao aspecto acima, a obra é avaliada como: O ( ) B ( ) R ( ) I ( )
Justificar a menção. Exemplificar.
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