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Souza começaram as penetrações pelo sertão. O gado trazido pelas caravelas multiplicou-se
com rapidez. Garcia d’Ávila penetrando o São Francisco em correrias contra os selvagens,
lobrigou as vantagens de aproveitar os vargeados, vazantes e carnaubais para o
desenvolvimento da pecuária no vale (ROCHA, 1946, p. 15).
Observando-se o contexto político externo, verifica-se que as ações quase espontâneas de
interiorização do país não foram totalmente reguladas pela Coroa Portuguesa, que se encontrava em
dificuldades para encontrar a própria estabilidade política. Mesmo com a vigência do Tratado de
Tordesilhas
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, um apoio velado a essas empreitadas pelo sertão pôde ser percebido. A conjuntura
política na Metrópole favorecia as expedições para o interior do Brasil uma vez que, de 1580 a
1640, Portugal esteve sob o domínio da Espanha, no período que ficou conhecido como União
Ibérica
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. O Tratado de Tordesilhas, que dividia as descobertas marítimas na América entre
Portugal e Espanha, funcionava como barreira simbólica às penetrações para o interior, uma vez que
transpor esse limite significava invadir os territórios espanhóis na América. Contudo, no período da
União Ibérica, a fusão das duas monarquias possibilitava o deslocamento para o oeste das colônias
portuguesas, sem que isso significasse um desarranjo diplomático.
Com a retomada da autonomia em relação ao reino espanhol, as terras exploradas pelos
colonizadores portugueses no Brasil continuariam em poder dos Portugueses que, já vislumbrando
essa possibilidade, se adiantaram na conquista do território, mediante incentivo às expedições rumo
ao sertão. A conjuntura que envolveu a demarcação de terras das colônias ibéricas na América
revela a habilidade dos diplomatas portugueses, ao se anteciparem às mudanças na demarcação de
territórios (que deixariam de ser realizadas por linhas imaginárias convencionadas, para basear-se
em marcas naturais, como rios, serras, divisores de águas e outras referências espaciais
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). Com a
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O Tratado de Tordesilhas, assinado na povoação castelhana de Tordesillas, foi firmado em 7 de junho de 1494, entre
Portugal e Castela. Estabelecia a divisão das áreas de influência dos países ibéricos, cabendo a Portugal as terras
"descobertas e por descobrir", situadas antes da linha imaginária que demarcava 370 léguas (1.770 km) a oeste das ilhas
de Cabo Verde, e à Espanha, as terras que ficassem além dessa linha.
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Com a morte do rei português Dom Sebastião, na batalha de Alcácer-Quibir, em 1578, Portugal se vê em uma crise
dinástica sem precedentes, pois o rei não havia deixado herdeiros. O cardeal Dom Henrique, tio-avô do monarca,
assumiu o trono como regente, mas em 1580, por ocasião de sua morte, chega ao fim a dinastia de Avis, estabelecida
desde 1385. Filipe II, rei da Espanha, reivindica para si o controle das duas coroas e, a partir de um controle militar,
estabelece até 1640 o período da União Ibérica, que chegou ao fim com a ascensão de Dom João IV, iniciando em
Portugal a Dinastia de Bragança.
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O Tratado de Tordesilhas não foi impeditivo para que espanhóis e portugueses trafegassem livremente entre as
colônias na América. Todavia, depois do fim da União Ibérica e as constantes disputas territoriais entre os dois países,
foi firmado o Tratado de Madrid. Assinado na capital espanhola por D. João V de Portugal e D. Fernando VI de
Espanha, em 13 de janeiro de 1750, esse acordo vem para definir os limites entre as colônias americanas. O objetivo do
tratado era substituir o de Tordesilhas, que já não era mais respeitado na prática. As negociações basearam-se em
referências naturais, privilegiando a utilização de rios e divisores de águas, para a demarcação dos limites territoriais
entre as duas cortes. Cf. BUENO, Beatriz P. Siqueira. "Definição de Fronteiras — Razão & Técnica na Selva"; Revista
História Viva. Ano VI, nº 65, 2008.